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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
DIVA SUELI SILVA TAVARES
DA LEITURA DE POESIA À POESIA DA LEITURA: a contribuição da poesia para o
Ensino Médio
NATAL
2007
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DIVA SUELI SILVA TAVARES
DA LEITURA DE POESIA À POESIA DA LEITURA: a contribuição da poesia para o
Ensino Médio
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação, da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, para
obtenção do título de Doutora em Educação.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Marly Amarilha
Natal
2007
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Divisão de Serviços Técnicos
Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Central
Zila Mamede
Tavares, Diva Sueli Silva.
Da leitura da poesia à poesia da leitura: a contribuição da
poesia para o Ensino Médio / Diva Sueli Silva Tavares. – Natal,
RN, 2007.
300 f.
Orientadora : Profª. Drª. Marly Amarilha.
Tese (Doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande do
Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas.
1. Literatura - Estudo e ensino - Tese 2. Literatura - Ensino
médio - Tese. 3. Poesia e adolescência - Tese. 4. Mediação
pedagógica - Tese. I. Amarilha, Marly. II. universidade Federal do
Rio Grande do Norte. III. Título.
RN/UF/BCZM CDU 82:373.5
DIVA SUELI SILVA TAVARES
DA LEITURA DE POESIA À POESIA DA LEITURA: a contribuição da poesia para o
Ensino Médio
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, para obtenção do título de
Doutora em Educação.
Tese aprovada em, ____ de ______ de _________.
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Marly Amarilha (UFRN - Orientadora)
_________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Verbena Maria Rocha Cordeiro (UEBA)
_________________________________________________________
Prof. Dr. José Hélder Pinheiro (UFCG)
_________________________________________________________
Prof.ª Dr Alda Maria Duarte Araújo Castro (UFRN)
_________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Érica Gusmão de Andrade (UFRN)
_________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Ana Maria Sá Carvalho (UFC - Suplente)
_________________________________________________________
Prof. Dr. Arnon Mascarenhas Andrade (UFRN - Suplente)
Aos meus pais, Pedro e Albanisa pelo cultivo da semente,
pelo passado e pelo presente e à minha filha Idylla, para que
consiga mantê-la fértil.
A José, companheiro de vinte cinco anos, pelo sonho a dois.
Aos meus iros, pela certeza de estarmos sempre juntos.
A minha sogra, pelo carinho de sempre.
A Lílian, pelo sonho construído nas estradas da vida.
AGRADECIMENTOS
A caminhada do doutorado significou uma rica oportunidade para ampliação e o
enriquecimento de minha formação educadora, proporcionando-me revisão e reflexão
de conceitos incorporados nos anos de prática educativa. Representou momentos de
avanços e recuos, num processo permeado de buscas, lutas e alegrias para alcançar a
conclusão desse objetivo.
Considero este momento muito feliz porque representa a síntese de toda essa
experiência, das atenções, dos afetos recebidos, das contribuições científicas e do
intercâmbio com muitas pessoas.
Agradeço, portanto, a:
Primeiramente, Deus, por ter me confortado e sustentado nos momentos mais
difíceis, representando a força principal para chegar à reta final do caminho percorrido;
a minha família, nas pessoas do meu marido, José, e da minha filha, Idylla,
que souberam me entender e apoiar nesses momentos de ausência, nos quais, cada
um do seu jeito, apoiava com um olhar, uma palavra ou uma ação, que facilitava minha
tarefa;
os meus pais, pela educação exemplar;
em especial, à minha orientadora, Profª. Drª. Marly Amarilha, por cada
intervenção, risco ou rabisco, fala, sugestão, observação e indagação que ajudaram a
construir minha amizade, respeito e admiração por sua pessoa;
a professora Arimar Maciel Leite Fernandes, por gentilmente ter me cedido a
turma onde aconteceu o experimento desta pesquisa;
a Escola Estadual Professor Edgar Barbosa, pelas portas abertas à ciência;
os alunos que participaram desta pesquisa;
os meus irmãos Luiz, Luciano, Dinarte, Airton, Wilton, Dione e Ana, que se
preocupavam com a realização desta tarefa e torciam pelo seu sucesso;
os meus cunhados, pelo incentivo de sempre;
os professores Márcia Gurgel, Magna França, Francisco de Assis e Marcos
Lopes, pelo incentivo e pela palavra amiga;
os professores do Departamento de Educação e do Programa de Pós-
Graduação em Educação, pelos debates que tanto contribuíram para o
desenvolvimento desta pesquisa;
os funcionários do Programa de Pós-Graduação em Educação, em especial,
Milton e Letisandra, pelo acolhimento nos momentos de solicitação e ajuda;
os amigos da linha de pesquisa Educação, Linguagem e Formão do Leitor,
particularmente Lucila, Almaiza, Aspásia, Alessandra, Maria do Carmo, Miriam, Ivan
Cabral, Hugo, Danielle, Maria Lúcia, Nívea, Claúdia e Lúcia Barbosa, pelo
companheirismo e estímulo e pelo intercâmbio de conhecimentos nos ateliês e pela
alegria contagiante nas confraternizações do grupo;
a minha amiga Lílian, um agradecimento especial, pelo carinho e incentivo
constantes e pelas conversas lítero-afetivas;
ao meu amigo Rubens, pelo apoio na construção do repertório e pelas
conversas sobre a cultura juvenil;
a minha amiga Alecsandra Carlos, pela amizade e pelo companheirismo de
sempre;
aos amigos Isabella e Jáder, pelos momentos brincantes tão necesrios à
vida;
a Fátima, pela mão amiga na revisão das referências bibliográficas;
todos que fazem a Faculdade Câmara Cascudo e Faculdade de Cultura e
Extensão do RN, às quais tenho orgulho de pertencer, por terem compreendido esse
momento delicado, facilitando o cumprimento das exigências do doutorado,
os meus alunos, em especial aos do curso de Secretariado, por
compreenderem minhas ausências e torcerem pelo meu sucesso;
e, finalmente, a todos os amigos que estiveram ao meu lado, torcendo, com
uma palavra de incentivo e de força para a concretização desta pesquisa.
Eu queria uma escola
(
Carlos Drummond de Andrade
)
Eu queria uma escola
Que cultivasse a curiosidade de aprender que em vocês é natural.
Eu queria uma escola que educasse
Seu corpo e seus movimentos:
Que possibilitasse seu crescimento físico e sadio. Normal.
Eu queria uma escola que lhes ensinasse tudo sobre
a natureza,
O ar, a matéria, as plantas, os animais
Seu próprio corpo. Deus.
Mas que ensinasse primeiro pela
Observação, pela descoberta
Pela experimentação.
E que dessas coisas lhes ensinasse não só conhecer,
Como também a aceitar, a amar e preservar.
Eu queria uma escola que lhes ensinasse
Tudo sobre a nossa história e a nossa terra
De maneira viva e atraente.
Eu queria uma escola que lhes
Ensinasse a usarem bem nossa a língua,
A pensarem e a se expressarem com clareza.
Eu queria uma escola que desde cedo usasse matérias concretos
Para que vocês pudessem ir formando corretamente
Os conceitos matemáticos, os conceitos de números,
As operações...
Usando palitos, tampinhas, pedrinhas ... só porcariinhas!...
Fazendo vocês aprenderem brincando...
Oh! Meu Deus!
Deus que livre vocês de uma escola
Em que tenha que apenas copiar pontos.
Deus que livre vocês de aceitarem
Conhecimentos prontos.
Mediocremente embalados
Nos livros didáticos descartáveis.
Deus que livre vocês de ficarem passivos,
Ouvindo e repetindo, repetindo, repetindo ...
Eu também queria uma escola
Que ensinasse a conviver, a cooperar,
A respeitar, a esperar, a saber viver
Em comunidade, em união.
Que vocês aprendessem a transformar e criar.
Que lhes dessem múltiplos meios de vocês expressarem
Cada sentimento, cada drama, cada emoção.
Ah! E antes que esqueça, eu me esqueça:
Deus que livre vocês de um professor sem utopias.
RESUMO
A poesia ocupa, no cotidiano escolar, um espaço reduzido, relegada, na
maioria das vezes, a datas comemorativas do calendário escolar, ou, quando muito, o
texto poético é usado como pretexto para o estudo de gramática e do vocabulário. Tem
como objetivo mostrar a contribuição do ensino de poesia no Ensino Médio, para a
formação sociolingüística, cognitiva e afetiva dos alunos. Além disso, tentará
desmistificar o conceito de que é impossível ler literatura com adolescentes e, em
particular, poesia, com alunos nesse nível de ensino. Pretende apresentar alternativas
para se trabalhar adequadamente a leitura de poesias em salas de aula, por meio de
estratégias de leitura de literatura bem mais producentes, como as que promovem o
encontro entre o leitor e o texto. Para tanto, realizamos um experimento, numa escola
pública do estado do Rio Grande do Norte, no município de Natal, com alunos
adolescentes com faixa etária entre 14 e 18 anos. O experimento consistiu de doze
aulas de leituras de poesia. Foram utilizados, como instrumentos de coleta de dados,
entrevistas, diário de sala de aula e questionários. O referencial teórico adotado
compreende bibliografia referente aos estudos da estética da recepção e da
cooperação interpretativa, conforme os formulam Jauss (1979), Iser (1996) e Eco
(2002); a concepção de leitor e o processo de leitura segundo Smith (1989); o sócio-
interacionismo de Vigotski (1999; 2000); a mediação (leitura por andaime ou
scaffolding), de Graves e Graves (1995); a psicologia da adolesncia de Becker
(1999), Carvajal (2001) e Gutierra (2003). Os resultados apontam para a importância da
presença do mediador na formação do leitor, uma vez que além de contribuir e
potencializar a interação entre o texto e o leitor, intensifica a adesão dos alunos nas
atividades propostas. Na experiência de vivenciar a poesia na sala de aula com os
adolescentes sujeitos desta pesquisa, evidenciou-se a assertiva de que, apesar de
complexo, é possível, sim, um trabalho com a poesia no Ensino Médio.
Palavras-chave: Ensino Médio, Mediação, Poesia e Adolescência.
RÉSUMÉ
La poésie occupe, à l’école, une place réduite et, la plupart du temps, est
reléguée à des dates commémoratives ou, quand utilisée, sert de pretexte à l’étude de
la grammaire et du vocabulaire. Cette thèse a comme objectif de réfléchir sur
l’importance de l’enseignement de La littérature, et plus spécialement, celui de la poésie
dans l’enseignement secondaire. A comme principal objectif de montrer la place de la
poésie dans l'enseignement secondairepour la formation socio-linguistique, cognitive et
affective dês élèves. De plus, tente de démystifier l' idée qu'il est impossible de lire de
La littérature et, en particuler, de la poésie, avec des adolescents.Il s’agit de proposer
des projets afin de travailler de manière adéquate la lecture de poésies en salle de
classe par le biais de stratégies productives de lectures littéraires comme celles qui
promeuvent la rencontre entre le lecteur et le texte. Pour cela, nous avons réalisé une
expérience dans une école publique de l’état Du Rio Grande do Norte, dans la
commune de Natal, avec des élèves adolescents âgés de 14 à 18 ans. L' expérience a
consisté en douze cours de lecture de poésies. Nous avons utilisé, comme instruments
de collectes de données, des entrevues, des cahiers de classe et des questionnaires.
Les références théoriques adoptées consistent en une bibliographie qui fait référence
aux études d’esthétique de La réception et de la coopération interprétative comme l’ont
formulées Jauss (1979), Iser (1996) et Eco (2002); la conception de lecteur et le
processus de lecture selon Smith (1989); le socio-interactionnisme de Vigotski (1999;
2000); la médiation (lecture par degré ou scaffolding), de Graves et Graves (1995); la
psychologie de l’adolescence de Becker (1999), Carvajal (2001) e Gutierra(2003). Les
résultats montrent l’importance de la présence du médiateur dans La formation du
lecteur, sachant qu’en plus de contribuer et de potentialiser l’intéraction entre le texte et
le lecteur, l’adhésion des élèves est améliorée. L’expérience de vivre la poésie en salle
de classe avec dês adolescents sujets de cette recherche, a prouvé qu’il est possible,
dans l’enseignement secondaire, et malgré les difficultés, de réaliser um travail avec la
poésie.
Mots-clés: Enseignement Secondaire, Médiation, Poésie et Adolescence.
RESUMEN
La poesía ocupa, en el cotidiano escolar, un espacio reducido, relegada, la
mayoría de las veces, a fechas conmemorativas del calendário escolar, o como mucho,
el texto poético es usado como pretexto para el estudio de la gramática y del
vocabulário. Tiene como objetivo mostrar la contribución de la enseñanza de poesia en
la Enseñanza Média, para la formación sociolingüística, cognitiva y afectiva de los
alumnos. Además de esto, intentará desmitificar el concepto de que es imposible leer
literatura con adolescentes y, en particular, poesia, con alumnos de ese nivel de
enseñanza. Pretende presentar alternativas para trabajar adecuadamente la lectura de
poesías en las aulas, por medio de estrategias de lectura de literatura mucho más
productivas, como lãs que promueven el encuentro entre el lector y el texto. Para esto,
realizamos un experimento, en una escuela pública del estado de Rio Grande do Norte,
en el municipio de Natal, con alumnos adolescentes entre 14 y 18 años. El experimento
consistió en doceclases de lecturas de poesía. Fueron utilizados como instrumentos de
recolección de datos, entrevistas, diario de clase y cuestionarios. El referencial teórico
adoptado comprende bibiliografía referente alos estudios de la estética de la recepción
y de la cooperación interpretativa, conforme los formulan Jauss (1979), Iser (1996) y
Eco (2002); la concepción del lector y el proceso de lectura según Smith (1989); el
socio-interaccionismo de Vigotski (1999; 2000); la mediación (lectura por andamios o
scaffolding) de Graves y Graves (1995); la psicología de la adolescencia de Becker
(1999), Carvajal (2001) y Gutierra (2003). Los resultados apuntan para laimportancia de
la presencia del mediador en la formación del lector, una vez que, además decontribuír
y potencializar la interacción entre El texto y el lector, intensifica la adhesión de los
alumnos a las actividades propuestas. En la experiencia de vivenciar la poesía en las
aulas com los adolescentes sujeto de esta pesquisa, se hizo evidente la Assertiva de
que, a pesar de complejo, es posible un trabajo con la poesía en la Enseñanza Media.
Palabras claves – Enseñanza Média , Mediación, Poesía y adolescência.
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO..............................................................................................
13
1.1 POR FALAR EM POESIA........SITUANDO A POESIA NA SALA DE AULA. 19
2
ELEMENTOS ESTRUTURADORES DA CAMINHADA
2.1 A SEDUÇÃO PELA MEMÓRIA: O PORQUÊ DA TESE.............................. 24
2.2 O QUE OS AUTORES FALAM SOBRE POESIA........................................ 34
2.3 RE-CONHECENDO O ENSINO MÉDIO – BASE LEGAL........................... 48
2.4 A POESIA NO ENSINO MÉDIO: POR QUÊ E PARA QUÊ? 56
3
O CAMINHO SE FAZ AO CAMINHAR. REFLEXÕES E
PROCEDIMENTOS UTILIZADOS NA PESQUISA: suporte teórico
metodológico
3.1 O ENCONTRO COM A METODOLOGIA: OPÇÕES METODOLÓGICAS... 64
3.1.1 Delineando o experimento........................................................................... 67
3.1.2 O campo da pesquisa................................................................................... 72
3.1.3 Os sujeitos da pesquisa................................................................................ 76
3.1.4 Selecionando o repertório............................................................................. 80
3.2 COMO SE DEU O PROCESSO DE LEITURA DE POESIA EM SALA DE
AULA............................................................................................................. 85
3.2.1 A pré-leitura 86
3.2.2 A leitura......................................................................................................... 87
3.2.3 A pós-leitura.................................................................................................. 87
3.3 OS INTRUMENTOS..................................................................................... 89
3.3.1 As entrevistas............................................................................................... 89
3.3.2 Diário de sala de aula................................................................................... 90
3.3.3 O questionário............................................................................................... 93
3.4 DA PROPPOSTA Ä PRÁTICA: O EXPERIMENTO...................................... 94
3.5 O REFERENCIAL TEÓRICO........................................................................ 101
3.5.1 A leitura sob diferentes aspectos.................................................................. 108
3.5.2 A leitura de literatura..................................................................................... 115
3.5.3 Sob os olhos dos PCNEM: a literatura......................................................... 120
4
O ADOLESCENTE E A ESCOLA
4.1 O ADOLESCENTE E A ESCOLA ................................................................ 126
4.2 COMO A ESCOLA DE ENSINO MÉDIO VÊ A LITERATURA..................... 128
4.3 COMO A ESCOLA DE ENSINO MÉDIO VÊ A POESIA.............................. 133
5
A POESIA NA SALA DE AULA: ANÀLISE DO EXPERIMENTO
5.1 A POESIA NA SALA DE AULA.................................................................... 143
5.2 DA LEITURA DE POESIA Ä POESIA DA LEITURA.................................... 151
5.3 A DIVERSIDADE NA SALA DE AULA......................................................... 170
5.4 A VOZ MEDIANDO O SENTIDO DO TEXTO............................................... 175
5.5 DA SALA PARA A PRAÇA: O CAFÉ POÉTICO........................................... 183
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS: O INÍCIO DO FIM DO COMEÇO..................... 188
REFERÊNCIAS ...........................................................................................
194
ANEXOS........................................................................................................
205
13
1 INTRODUÇÃO
Aqui está minha vida - esta areia tão clara
com desenhos de andar dedicados ao vento.
Aqui está minha voz ...
Cecília Meireles, 2001. p. 100.
A realização desta tese é resultado de um interesse especial pelo ensino de
literatura, em particular, o de poesia, e por entender que esse ensino nas escolas é
relevante quando se pretende promover nos alunos uma formação leitora significativa.
Ela se inscreve nos diferentes aspectos do debate sobre a leitura de literatura em
escolas de Ensino Médio.
Minha pretensão ao realizar este estudo é mostrar que o ensino de poesia na
escola contribui de forma singular para a formação sociolingüística, cognitiva e afetiva
dos alunos, visto que é um gênero que parte da linguagem verbal e que, por intermédio
de uma atitude criativa, transfigura-a da sua forma mais coerente e usual, utilizando
determinados recursos formais e semânticos. Assim, na poesia, a linguagem verbal, o
ritmo, as imagens e o sentido apresentam um mundo que o leitor precisa compreender
para poder vivenciar e reelaborar seu pensamento.
Ao mostrar a importância da leitura de literatura para essa formação, comungo
com o pensamento de Amarilha (2006, p. 26) de que ler literatura é “compartilhar da
cultura de uma sociedade através da linguagem verbal; [...] é interagir com a língua em
sua manifestação social e individual, isto é, com sua face histórica, criativa e
comunicativa”. Partir do pressuposto de que a literatura é linguagem em expressão
referente e interage com a língua na sua manifestação social (AMARILHA, 2006),
implica considerar a palavra como sua matéria-prima. No texto literário, a palavra é
utilizada tanto no seu sentido usual, referencial, como no sentido que ganha a partir da
composição textual, tornando plurissignificativa essa modalidade de texto, ou seja, um
texto que apresenta inúmeras possibilidades de significação. Por isso, não é somente o
domínio da gramática e da ortografia, o conhecimento do língua na sua estrutura
14
formal, que faz alguém leitor. Esse aspecto também é considerado por Amarilha (2006,
p. 26) ao afirmar que,
para ler um texto literário não basta um vocabulário dicionarizado, é
preciso entender que a língua ali se encontra explorando aspectos da
coletividade e da capacidade criadora de seu autor e de seu leitor.
Por esse caráter polissêmico e dinâmico, a presença da literatura em sala de
aula se torna imprescindível. Através dela o aluno vivencia a linguagem nos seus
múltiplos aspectos e tem a possibilidade de compreender o mundo através das
inúmeras vozes que o texto deixa aflorar. Nesse campo aberto da leitura de literatura, a
poesia, por sua natureza específica, envolve o leitor porque transforma sentimentos em
palavras e interrompe o estado costumeiro, a vida comum. Por isso, a leitura de poesia
no Ensino Médio está mais do que justificada, pois estará contribuindo para a formação
do leitor que se pretende como proposta de ensino.
Sob a perspectiva do ensino de literatura na formação do leitor, darei enfoque
ao de poesia. Esse interesse justifica-se por vários aspectos. Como leitora de literatura,
tenho o gosto pela magia da palavra. Essa magia se dá quando compreendemos a
poesia como deslumbramento, contemplação, revelação, revolução, resolução.
Confesso que a prosa veio a mim primeiramente, pois ela fez parte de minha infância
quando me encantava com as narrativas que ouvia. Entretanto, o gosto pela palavra
sonorizada, incluindo ritmo e melodia, pelo devaneio que ela proporciona e pela forma
de dizer o óbvio diferentemente, me seduziu, e, hoje, considero a poesia como um dos
aspectos mais instigantes da leitura de literatura. Ela possibilita ao leitor uma série de
vivências: o desenvolvimento da cognição promovido, por exemplo, nas adivinhas e na
ludicidade pelo jogo das palavras; a afetividade presente nas poesias que falam de
amor e despertam para a emoção e para o sentimento; a construção da identidade na
medida em que permite a relação com o outro, conhecendo-o e querendo saber quem
ele é. E, nessa relação com o outro, ele reconhece a si mesmo, construindo seu self.
Nesse caso, a presença da linguagem é uma ferramenta necessária e imprescindível
para a troca e a comunicação com o mundo, como também consigo mesma. É pela
linguagem que as pessoas nomeiam seus afetos e desejos, trocam-nos com o outro,
compreendendo-o e dando sentido também ao que ocorre dentro de si mesmas.
15
Então, por que nossos jovens costumam afirmar que não gostam de ler
poesia? Será que não gostam ou não a têm vivenciado de forma que se sintam
seduzidos e encantados por essa outra forma do dizer? Partindo desse eixo é que está
orientada esta pesquisa.
Um outro aspecto mostrou-se pertinente, contribuindo de forma relevante para
o desenvolvimento deste trabalho. No Ensino Médio, a literatura passa a ser um
conteúdo da disciplina de Língua Portuguesa ministrado de forma mais sistematizada.
Os alunos começam a ter acesso ao ensino mais formal sobre autores, obras, escolas
literárias e períodos históricos, diferentemente do Ensino Fundamental em que a leitura
de literatura se faz presente objetivando o ensino de leitura e uma leitura de prazer,
mesmo que seja apresentada de forma incipiente ou, até mesmo, inexpressiva, visto
que, em alguns casos, a literatura serve apenas de suporte para alguns professores
controlarem a turma, mantendo seus alunos ocupados (AMARILHA, 1997).
No Ensino Médio, no que diz respeito ao ensino de leitura de literatura, de uma
forma geral, e ao de poesia, em particular, a situação é mais agravante. Além dos
poucos estudos voltados para esse universo, o que torna ainda mais complexa a
problemática da leitura de literatura, esse nível de ensino apresenta uma
particularidade: o conflito entre uma abordagem pragmática que visa ao exame do
vestibular e uma outra, mais atual, em que se prioriza a formação do leitor. Além do
mais, apesar de a literatura no Ensino Médio ser um conteúdo específico que precisa
ser ministrado nas escolas porque integra currículo, ela não tem um espaço próprio,
pois foi incorporada pelas novas diretrizes curriculares a uma perspectiva maior, a
linguagem, entendida como um espo dialógico em que os interlocutores se
comunicam (BRASIL, 1999).
Na versão mais recente dos Parâmetros Curriculares
Nacionais para o Ensino Médio (doravante PCNEM), no capítulo intitulado Linguagens,
códigos e suas tecnologias no Ensino Médio, a literatura deixa de existir como disciplina
e adentra no campo autônomo do conhecimento, a pretexto de corrigir o modo como a
disciplina vinha sendo ministrada, dicotomizada em língua e literatura (com ênfase na
literatura brasileira). Essa correção ocorreu na década de 1940, com as Leis Orgânicas
do Ensino, com as Leis de Diretrizes e Bases (doravante LDB) nº 4.024, com a Lei da
Reforma de 1º e 2º graus nº 5.692/7. O abandono dessa dicotomia e a crítica à
16
identificação do conhecimento de literatura à sua história são justificados por
argumentos inconsistentes que se faz necessário rever.
Em vista de uma possibilidade de revisão no ensino de literatura e de poesia de
modo particular, implementei esta pesquisa para demonstrar que a proposta de
estimular nos alunos a curiosidade, o raciocínio, a capacidade de interpretar e intervir
no mundo que os cerca (PCNEM, BRASIL, 1999), formando leitores críticos e
conscientes de sua cidadania, não pode prescindir da literatura.
Tal aspecto permite abordar essa tetica como tentativa de ampliar um
debate sobre a realidade do Ensino Médio, especialmente por pressupor que os
professores que se encontram nas salas de aula ainda padecem ou usufruem de um
modelo de ensino cuja didática está voltada para o conhecimento da literatura apenas
como assunto a ser apenas repassado. Esse modelo de ensino não contribui para a
formação do leitor que se pretende nas perspectivas atuais; ao contrário, ele promove o
desinteresse, e a aula de leitura, que deveria ser prazerosa, torna-se enfadonha.
De um modo geral, a poesia e seu estudo são considerados pela maioria dos
alunos como algo “difícil”, sem sentido e, até mesmo, “chato”. Esse preconceito pode
ser reforçado por um ensino inábil, preocupado somente em transmitir uma série de
conceitos como rima, métrica, verso, estrofe, entre outros, e, algumas vezes, em
estudar aspectos gramaticais. Esse é um modelo que, ao invés de atrair o aluno para a
leitura, o afasta dela, uma vez que ignora os aspectos subjetivos como afetividade,
sensibilidade e imaginação criadora que transcendem a simples estrofação e
versificação. Ignora, inclusive, o mundo da linguagem, linguagem que nos constitui e
por nós é constituída, aprendida, criada, recriada e ressignificada. Ignora ainda que a
poesia possibilita o movimento de conhecimento de si e do outro por meio da
comparão que fazemos de nossos sentimentos com os dos outros.
Esta tese, além de estudar a contribuição do ensino de poesia na escola,
visando à formação sociolingüística, cognitiva e afetiva dos alunos, tentará desmistificar
o conceito de que é impossível ler literatura com adolescentes e, em particular, ler
poesia com alunos na faixa etária em que se encontram os sujeitos desta pesquisa.
Além disso, demonstrará que a presença de um mediador motivado, que goste e
acredite na poesia, contribuirá de forma singular para despertar o prazer pela leitura.
17
Este estudo está ancorado no amplo debate pedagógico atual que problematiza
as concepções de leitura, de leitura de literatura, e, mais especificamente, de leitura de
poesia, por compreender que esse processo contribuirá para a melhoria da formação
do leitor, tendo em vista que a prática da leitura de poesia alargará horizontes e
permitirá ao adolescente a descoberta de novas formas de ser, de viver e de conviver,
ou seja, de ver e de perceber o mundo e a vida.
Partindo do pressuposto de que o ensino de poesia contribui significativamente
para o processo de desenvolvimento do jovem, proporcionando–lhe uma experiência de
aprendizagem e, conseqüentemente, uma transformação em suas atitudes frente à
leitura dessa modalidade de texto, passei, então, a estudar o papel da poesia na sala
de aula e a sua contribuição para o acesso não só à aprendizagem como também à
socialização, pois a poesia se permite criar raízes e renovar-se. É uma arte milenar que
tem atravessado épocas e continentes. É a arte da linguagem, uma interação de
palavras, uma estica oral, uma vez que a manifestação através da oralidade é um dos
aspectos relevantes da leitura de poesia. É mensageira de cultura, testemunha única e
refinada da História. Fruto do imaginário individual e coletivo, ela é um elemento
permanente na construção da vida social. Dessa forma, entendo que a preocupação
atual no tocante à leitura de poesia em sala de aula é pertinente uma vez que estamos
(escola e professores) formando leitores que pretendemos críticos e atuantes, e é
nosso dever, como instituição de ensino e formadores de opinião, preocuparmo-nos
com a qualidade do aprendizado de nossos alunos.
Para a efetivação do objetivo pretendido nesta tese, realizei um experimento
numa escola da rede pública do Estado do Rio Grande do Norte. Dois fatores foram
decisivos para a seleção dessa escola: primeiro, a direção da escola, os alunos e a
professora foram muito receptivos ao meu projeto, o que me proporcionou o acesso ao
espaço físico da escola; segundo, os alunos mostraram-se entusiasmados e se
prontificaram em participar do experimento.
O texto consta de quatro capítulos, além da introdução e das considerações
finais. O primeiro capítulo aborda os elementos estruturadores da caminhada. Nele,
articulo minha formação cultural como fator determinante para que eu pudesse por meio
de minha percepção e sensibilidade, seduzir esses adolescentes que demonstraram
18
não se interessar pela leitura de poesia. Faço também algumas considerações sobre a
poesia e o Ensino Médio, articulando–as ao contexto em que se desenvolvem o ensino
e as novas tarefas da educação escolar nesse nível de ensino. Esse contexto marcado
por diferentes paradoxos sociais, econômicos, políticos e culturais, questiona e vai de
encontro aos paradigmas vigentes, permeados pelas mudanças produzidas pela
globalização, pela sociedade de consumo e pela sociedade da informação.
O segundo capítulo discorre sobre o referencial teórico e os fundamentos que
subsidiam o estudo e a análise para alcançar os objetivos propostos, e descreve as
opções metodológicas do experimento realizado com alunos de uma turma de primeiro
ano do Ensino Médio.
O terceiro capítulo apresenta a relação entre o adolescente e a escola, ou seja,
o desencontro entre a cultura escolar e a cultura do adolescente. Nesse desencontro
de culturas, perde o ensino, que deixa de atender às perspectivas mais lógicas, como a
de promover o indíviduo intelectual, social e economicamente no mercado de trabalho;
perde o aluno, que não dispõe do conhecimento necessário à sua formação de cidadão.
O quarto capítulo é constituído da análise realizada a partir das informações
obtidas no experimento, considerando os dados que me permitiram confrontar o
discurso do senso comum com os resultados obtidos, conformando a visão do cotidiano
escolar, materializado no dia-a-dia da sala de aula. contém ainda, indicações sobre o
campo empírico da pesquisa: a sala de aula e os sujeitos e ao objetivo proposto por
esta tese. As falas e os significados expressos pelos alunos são interpretados e
analisados interligando-os para a formulação do objetivo da tese. Para a análise das
discussões, tomei como referências os conceitos da Estética da Recepção e da
cooperação interpretativa como os formulam Jauss (1979) e Iser (1996); os da leitura,
formulados por Zilberman (1988), Bordini (1993), Kleiman (1999, 2000); e os da
psicologia da adolescência, por Becker (1994), Carvajal (2001), Gutierra (2003), entre
outros.
Encerro o trabalho tecendo considerações sobre a relação da prática docente
com as demandas do grupo de adolescentes na sala de aula do Ensino Médio, no
movimento de interpretação das diversas falas e significados expressos pelos alunos,
colhidos por meio das entrevistas realizadas com a professora e com os alunos da
19
pesquisa, das observações da sala de aula registradas no diário de sala de aula e de
um questionário final.
1.1 POR FALAR EM POESIA.... SITUANDO A POESIA NA SALA DE
AULA
Historicamente, a relação da poesia com a escola tem se mostrado
insatisfatória. Pesquisas realizadas por autores como Averbuck (1982), Amarilha
(1997), Kiriunus (1998), Bordini (1999), Lajolo (1993), Maia (2001), Aguiar (2002) e
Gebara (2002) sobre a presença da literatura nas escolas revelam que a poesia é o
gênero que mais sofre distorções pedagógicas. Às vezes, é a seleção de poemas para
serem lidos que não se ajusta às expectativas do leitor; às vezes, é a má utilização
que os manuais didáticos fazem dos poemas, quando propõem atividades que acabam
por desfigurá-los. Às vezes, ainda, é o professor que não gosta do gênero, pois o
ensino deste exige-lhe habilidades para as quais não está devidamente preparado.
A despeito desse modelo, alguns pesquisadores estão desenvolvendo
estudos que discutem e refletem sobre a importância do ensino de poesia nas escolas.
Eles têm a consciência de que a arte é necessária ao homem, e a poesia, como arte, é
importante na educação escolar. Para esses pesquisadores, investir na estética ou na
sensibilidade não constitui apenas uma estratégia para motivar ou amaciar a “dureza”
do estudo ou estabelecer momentos de aula em que a arte seja valorizada,
experienciada ou ensinada; significa conceber a estética ou a sensibilidade como fonte
rica de experiência da vida e das suas surpreendentes manifestações.
Na reflexão sobre o ensino da literatura e, em particular, o de poesia, é
importante ressaltar que é quase impossível não nos depararmos com assuntos
referentes a problemas da educação em geral. Como disciplina integrada à grade
curricular do Ensino Médio, a literatura tem encontrado, ao longo de sua existência no
sistema educacional, os mesmos problemas comuns a outras matérias: falta de
material, ausência de apoio pedagógico e planejamento etc. Além disso, a literatura
ainda é questionada sobre sua própria natureza, colocando-se muitas vezes em dúvida
20
sua pertinência numa educação que se diz e/ou se quer a cada dia mais prática. No
que diz respeito à presença do ensino de poesia, o dado é ainda mais agravante.
É interessante observar, porém, que nos últimos anos têm-se manifestado
preocupações no que diz respeito à formação de leitores. Compreendendo a falência
de sua atuação como instituição formadora, a escola volta seus olhos ao campo da
literatura, esperando nele encontrar algumas soluções para as graves lacunas do
ensino. Embora polemizada por sua não praticidade, a literatura termina ocupando
necessariamente, o centro das atuais discussões sobre educação quando se refere à
formão do leitor.
Pesquisas como a de Rocco (1981), Chiappini (1983) e Malard (1985)
começaram a delinear um quadro que, embora muito conhecido na prática pelos
docentes, representa e, por vezes, revela a situação do ensino da literatura no país. A
apresentão sistematizada desses dados mostra que se, por um lado, as falas de
professores e alunos não nos surpreendem, por outro, essas pesquisas começam a
expor abertamente a frustração do projeto pedagógico educacional em relação à leitura
e à literatura.
Apesar de Chiappini, Rocco e Malard terem escrito suas obras há alguns anos,
na década de 80, vemos que, nas últimas décadas, a escola não sofreu grandes
modificações qualitativas na relação concreta e cotidiana de sala de aula. O ensino de
literatura é encerrado nos programas que freqüentemente têm como conteúdo a
história da literatura. A maioria dos professores ainda desenvolve uma linha temporal
que, vez por outra, é irrigada por um poema ou fragmento de um texto para servir de
exemplo à teoria explicada.
Sem saber por que e para que estudar literatura, o estudante fatalmente se
desanima frente ao texto. Salvo raras exceções, entre as quais devemos distinguir o
que é trabalho legítimo daquilo que não passa de apresentação pitoresca da vida de
escritores, as aulas transcorrem em meio a um desânimo marcante e, sobretudo,
desestimulante.
No que diz respeito ao ensino de poesia na escola fundamental, muito já se tem
discutido e refletido. Faz-se necessário ressaltar esse momento porque a formação
escolarizada do leitor tem início nesse período e perrmanece ao longo da vida. Nesse
21
sentido, poderemos destacar alguns estudos sobre o assunto. Averbuck (1982), em seu
texto A poesia e a escola, mostra que a responsabilidade da escola não é “fazer poetas,
mas desenvolver no aluno (leitor) sua habilidade para sentir a poesia, apreciar o texto
literário, sensibilizar-se para a comunicação com o mundo.”(AVERBUCK, 1982, p. 62);
Abramovich (1989), em, Poesia para crianças, discute considerões tradicionais sobre
a poesia, acolhendo a idéia de que a poesia “é uma brincadeira com palavras” e
exemplifica várias possibilidades de realização dessas brincadeiras, explorando
sensações, sonhos e emoções. Bordini (1997), em A poesia infantil aponta as
modalidades de poesia infantil, analisando a musicalidade, o caráter imagético e a
plasticidade, e denuncia o caráter ideológico dos textos de determinadas produções;
Trevizan (1995), em Poesia e ensino: antologia comentada, apresenta o poema infantil
como um fenômeno que propicia não só o prazer pelo ato de ler (operação lúdica) como
também a leitura do homem e do mundo (critica social e existencial); Kirinus (1998), em
Criança e poesia na pedagogia Freinet, demonstra acreditar na importância do texto
literário porque este “oportuniza o cruzamento, entre tantos outros cruzamentos, do
saber patente e instituído do adulto e o saber latente e natural da criança”, por ser o
espaço rico de mútua e rica re-alimentação, onde a criança e o adulto marcam
encontro, burlando o tempo, no jogo múltiple desses dois saberes”(KIRINUS, 1998, p.
97); Amarilha (1997), em Estão mortas as fadas?: literatura infantil e prática
pedagógica, discute a importância da leitura de literatura na formação cognitiva,
lingüística, comunicativa e psicológica da criança.
Além desses autores já consagrados no foco da literatura, dissertações e teses
como as de Souza (2000), Quevedo (2000) e Maia (2003), entre outras, seguem
discutindo e buscando encontrar propostas que devolvam/tragam ao aluno o prazer
estético que a leitura de poesia proporciona.
No tocante ao Ensino Médio, algumas propostas de estudos sobre o ensino de
poesia já vislumbram a necessidade de um ensino sistematizado de poesia em sala de
aula. Estudos como o de Cândida Vilares Gancho em Introdução à poesia: teoria e
prática(1989), já prenunciavam discussões sobre a importância de se refletir sobre os
aspectos essenciais da poesia: o ritmo, a imagens, a linguagem, as sonoridades etc. A
22
leitura do texto é orientada para o professor que tem por objetivo introduzir a poesia na
sala de aula de forma prazerosa para seduzir leitores.
Helder Pinheiro, em seu livro Poesia na sala de aula (2002), faz uma reflexão
sobre a ausência da poesia em sala de aula. O texto é o relato de uma experiência que
ele desenvolveu com o ensino de poesia nas séries do Ensino Básico. Em suas
reflexões, discute a formação literária e metodológica de professores de literatura no
âmbito do Ensino Fundamental e Médio.
Alguns artigos discutem a presença da poesia na sala de aula do Ensino Médio,
dentre os quais se destaca o de Débora Cristina Ferreira Garcia (2006), Desvendando
leitores: um estudo sobre a leitura de poesia no Ensino Médio. Essa pesquisa investiga
o que faz um leitor se interessar por certos textos e o que procura nos textos que
escolhe. Por meio dos poemas mais consumidos pelos alunos do Ensino Médio de
Araraquara e São Carlos foi feita uma análise sobre poemas, tentando entender por
que esses leitores os escolheram.
Glória Pondé, no artigo Poesia para crianças: a mágica da eterna
infância(1986), defende a idéia de que a poesia preserva a magia natural do homem e
o liberta das convenções, levando-o ao eterno retorno.
Lucelena Ferreira (2005), em Sem perder a poesia, faz uma reflexão sobre a
importância de as escolas acolherem o ser poético em sua totalidade. No texto, a
autora afirma que viver poeticamente o conhecimento inclui desejar conhecer e fazê-lo
com prazer, cultivando a inquietude. E nisso a poesia tem muito a oferecer, por isso sua
ausência em sala de aula não se justifica.
Maria Cristina Magalhães Castelo (1997), no artigo A poesia infanto-juvenil de
Manuel Bandeira, traça um caminho de estudo através dos poemas de Manuel
Bandeira, que, a princípio, são criados para adultos, mas, em alguns, o poeta recupera
o que há de mais natural e poético no ser humano. Ela afirma que Manuel Bandeira,
que tanto cantou a melancolia e a inutilidade das coisas, não poderia escrever para
jovens e crianças; entretanto, em vários momentos de sua poesia, ele foi capaz de
recuperar a possibilidade de se comunicar com eles e jogar com a ingenuidade de seu
dia-a-dia.
23
Glaucia Regina Raposo de Souza (2007), em Uma viagem através da poesia:
vivências em sala de aula, reflete sobre o ensino de poesia, leitura e escrita
Jacques Delors (2003), no livro Educação: um tesouro a descobrir, relatório
para a UNESCO, propõe, como forma de ensino atual, uma importância especial à
imaginação e à criatividade porque considera essas características como
possibiblidades de o homem poder manifestar sua liberdade humana. Por isso, ele
afirma que, na escola, a arte e a poesia devem ter presença marcante, uma vez que
elas cultivam a criatividade e a empatia que serão necessárias, na sociedade do futuro,
para os indivíduos se tornarem cidadãos e, ao mesmo tempo, atores e criadores.
Koichiro Matsuura, Diretor Geral da UNESCO, por ocasião do dia mundial da
poesia, em 21 de março de 2007, faz um convite para a utilização de poesia nas salas
de aula, porque vê, nessa modalidade de texto, uma porta aberta para o diálogo e para
a compreensão dos povos e uma celebração entre as civilizações.
Outros estudos sobre o ensino de poesia estão em andamento, tais como o de
Vaneide Lima Silva, Poesia para jovens leitores (Tese de Doutorado) orientada pelo
professor doutor Hélder Pinheiro, na Universidade Federal da Paraíba (icio, 2005); e o
de Ana Elvira Luciano Gebara, Proposta para a leitura de poesia na escola (Tese de
Doutorado) orientada pela professora doutora Norma Goldstein, Universidade de São
Paulo. Início: 2005
Apesar de já existirem estudos voltados para a inserção do ensino de poesia
em escolas de Ensino Médio, as reflexões recaem principalmente sobre o
reconhecimento dos equívocos que ocorrem em sala quando esse gênero é estudado
e sobre orientações para os professores com propostas que contribuam para a inserção
da poesia no currículo escolar porque esta contribui para a formação do aluno que se
quer como um leitor crítico e atuante na sociedade.
Apesar de esses estudos contemplarem alguns aspectos da poesia, uma
reflexão sobre a contribuição lingüística, cognitiva, afetiva e psicológica que essa
modalidade de texto propicia ao leitor, ainda é uma lacuna que precisa ser preenchida,
nas práticas cotidianas escolares.
24
2 ELEMENTOS ESTRUTURADORES DA CAMINHADA
Nostalgia
Neste país de lenda, que me encanta
Ficaram meus brocados, que despi,
E as jóias que pelas aias reparti
Como outras de Rainha Santa.
Tanta opala que eu tinha! Tanta! Tanta!
Foi por lá que as semeei e que as perdi...
Mostrem-me esse País onde eu nasci!
Mostrem-me o reino que sou infanta!
Ò meu País de sonho e de ansiedade
Não sei se esta quimera que me assombra,
É feita de mentira ou de verdade!
Quero voltar! Não sei por onde vim...
Ah! Não ser mais que sombra duma sombra
Por entre tanta sombra igual a mim.
(Florbela Espanca – Sonetos)
2.1 A SEDUÇÃO PELA MEMÓRIA: O PORQUÊ DA TESE
A literatura esteve presente em minha vida desde sempre. Ela veio a mim, via
oralidade, quando passava horas e horas embevecida, encantada ao som da voz de
Caindão, trabalhador do sítio de meu pai, historiando príncipes e princesas, castelos e
assombrações. Eram princesas maravilhosas, príncipes galantes, almas penadas,
botijas escondidas, mula-sem-cabeça; homem de uma perna só (Saci Pererê) fumando
seu charuto e assustando os transeuntes na mata; lobisomens aparecendo em noites
de lua cheia. Além do mais, havia os castigos de Deus para desobedientes. Tudo isso
no mais puro sabor das histórias contadas nas noites frias, às vezes com lua, às vezes
ao redor de uma fogueira. Eu e meus irmãos éramos assíduos nesse grande grupo que
se formava para ouvir histórias, catar feijão ou comer milho assado na fogueira.
Meu pai, agricultor, plantava feijão, entre outras coisas. Na época da colheita,
nós nos reuníamos para debulhar o feijão. Era nesse momento que o mundo encantado
do imaginário das histórias tornava-se real para nós. Eram noites memoráveis. Ao som
da voz encantada de Caindão, ficávamos, crianças e adultos, com ouvidos atentos a
cada movimento daquela voz que nos parecia tão real. Essa voz ora se exaltava, para
dar vivacidade ao personagem, um senhor de fazenda falando aos seus empregados
25
ou um rei dando ordens; ora sussurava, imitando uma moça falando ao ouvido do
namorado. Os namoros eram sempre proibidos. Eram as princesas que se
apaixonavam por rapazes pobres e o rei que sempre arranjava um jeito de tirá-los do
caminho, impondo-lhes provas nas quais os rapazes sempre ganhavam e, com isso,
apesar da fúria do rei, o casamento se consolidadava, pois “palavra de rei não volta
atrás”. Imitava, também, uma voz meio fina, meio grossa, com risinhos debochados de
cabra safado que queria passar a perna em alguém ou enganar uma moça, decerto.
Caindão é negro descendente de escravos. Da sua cor sempre fez piada, rindo
e fazendo os outros rirem dele mesmo. Eu mesma gostava muito quando ele contava a
história do preto que queria ver um enterro de branco. Essa história é de dar medo, pois
apresenta, de forma engraçada, aspectos do sobrenatural. Viajar nessas histórias me
proporcionou o conhecimento de um mundo que não existia na vida real. Afinal, todos
diziam, são histórias de trancoso, não existem. São fantasias desse velho que não quer
fazer nada, só quer enrolar. Quando aprendi a ler, descobri que aquelas histórias
estavam nas letras e que eu poderia tê-las à hora que quisesse. Caindão só contava
história à noite porque, se contasse durante o dia, o diabo viria lamber-lhe as costas e
ele poderia até “criar rabo”. Nos livros, não, a qualquer hora do dia, as histórias estavam
ali, à mão, e eu poderia entrar e sair do mundo mágico da literatura se assim o
desejasse.
Além do mais, nasci numa terra envolvida num halo histórico. Uruaçu, terra dos
mártires. Minha mãe, professora local, todos os anos ensinava a história da chegada
dos holandeses e a destruição que eles perpetraram naquele vilarejo. Com caminhadas
em forma de homenagens aos mortos, íamos todos a Carnaubinha, lugar do
desembarque inimigo. Segundo minha mãe, hoje fato registrado nos livros de História
do Rio Grande do Norte, foi uma carnificina. A população local falava que nem as
galinhas sobreviveram. Uruaçu tem um nome que faz qualquer pessoa ficar intrigada. É
a terra onde “defunto não fede.” Além da história, há as lendas indígenas que envolvem
o seu nome. Açu, na língua indígena, quer dizer grande; uruá, cesto onde os índios
carregavam seus objetos; logo, uruaçu significa “cesto grande”.
São várias as histórias que se contavam, envolvendo a cidade num halo de
magia. Entre as mais terríveis, estava a do papa-figo, homem que roubava o fígado
26
das crianças para a viúva Machado, a esposa de um rico comerciante da cidade de
Natal. Ela sofria de lúpus e tinha que comer muito fígado. Criou-se, então, a lenda de
que a viúva precisava de fígado de crianças para se restabelecer. Ela tornou-se
conhecida, por assutar as crianças da cidade. Ninguém fazia traquinação para não ter o
seu fígado comido pela Viúva Machado. Ela contratava homens que, com seu saco de
estopa e sua foice, pegavam as criaas para tirar-lhes o fígado. Em Uruaçu, havia um
senhor chamado João, incubido de pegar o fígado das crianças. Ele era o terror das
ciranças. Outras histórias circulavam no imaginário da população local e, de certa
forma, tentavam explicar o que o homem não sabia explicar.
Havia ainda as festas tradicionais como o “fandango”, que narra as histórias das
invasões na Península Irica; o boi-de-reis”, que, a cada dia seis de janeiro, saía de
casa em casa se apresentando em troca de bebidas e comidas; O “bumba-meu-boi”,
uma dança que se desenvolve como auto popular e conta a lenda de Mãe Catirina,
grávida que deseja e anseia por um saboroso prato regado à língua de boi. Pai
Francisco, preocupado em satisfazer a vontade da amada esposa, mata o melhor
animal de seu patrão e foge. O dono da fazenda, indignado e revoltado com tal afronta,
resolve fazer justiça e manda os vaqueiros e os índios saírem à caça do fugitivo. Ao ser
pego e preso, Pai Francisco pede socorro ao pajé, que realiza um grande ritual
ressuscitando o boi para a alegria de todos.
Dentre as danças que a cidade promovia e vivia, o “pastoril” era a de que mais
gostava, com suas pastoras lindas dançando em homenagem ao nascimento de Jesus.
Nasci e vivi nesse universo de histórias, contos e cantos. Esse cenário festivo e repleto
de histórias da literatura oral contribuiu para aguçar a minha tão fértil imaginação.
Chegou a hora de vir para Natal. Ficaram para trás, Uruaçu com sua grande
história, Caindão e seus momentos mágicos. As almas penadas ainda estão no oitão da
casa. As botijas ainda esperam um homem corajoso para que, à meia-noite, com uma
enxada, enverede pelo mato, abra a cova e salve do purgatório o rico avarento que
escondeu seu dinheiro e morreu sem ter tempo de desenterrá-lo. A mata, com seus
ruídos, ficou para trás. Hoje, a mata que tantos fantasmas abrigou não existe mais.
Morreu com a urbanização. As árvores que ainda sobrevivem marcam as histórias e
dizem que aqueles personagens estão vivos nas lembranças dos que, um dia, tiveram o
27
privilégio de viajar sob suas copas e seus galhos, ouviram seus barulhos e
estremeceram à sua escuridão de mata fechada, misteriosa, assombrada, e, por isso,
tão bela.
A solidão de moça do campo na cidade foi preenchida com leituras. Na casa de
“vovô” Joaquim (Joaquim Victor de Hollanda), como carinhosamente o chamava, havia
uma biblioteca enorme. Esse espaço era um dos maiores na casa e abrigava uma
grande quantidade de livros. Eram muitos exemplares riquíssimos, organizados, limpos
e com belas capas. Os livros dessa biblioteca ficaram para o filho, dr. Dirceu (Dirceu
Victor Gomes de Hollanda), que construiu em sua casa um grande espaço para abrigar
essas relíquias. Nas minhas férias, na casa de Dr. Dirceu, ficava horas e horas olhando
os exemplares. Apenas olhando, pois ninguém podia mexer. Um dia, ele vendo meu
olhar atento aos livros, perguntou-me se queria ler algum. Como respondi
afirmativamente, disse-me que poderia escolher, mas não podia sair da biblioteca com
eles. Alguns eram livros tão raros que precisavam ser manuseados com zelo e carinho
e não podiam ser expostos em qualquer lugar. Conheci, então, Machado de Assis, José
de Alencar, Joaquim Manuel de Macedo, Visconde de Taunay, entre outros. O que mais
me chamou atenção foi José Mauro de Vasconcelos, com Meu pé de laranja lima. A
cada página, eu me sentia o próprio Zezé conversando com sua árvore predileta. Os
livros de literatura infantil eram acompanhados de discos contando as histórias. Viajei
muito com Branca de Neve e os sete anões, Chapeuzinho Vermelho, O gato de botas;
chorei com Cinderela e O patinho feio, Os três porquinhos e outros mais.
A biblioteca era também espaço do jogo. Alí criávamos peças teatrais,
improvisávamos a representação das histórias que líamos e ouvíamos. Havia também
um tabuleiro de xadrez e tabuleiro para jogos de damas. Comecei a aprender o jogo de
xadrez, mas era hora de tomar outro rumo. Hoje, lembro-me daquela biblioteca como o
lugar mágico da casa. Tudo acontecia naquele espaço.
A escola não propiciava a leitura de literatura. Durante muito tempo a leitura
ficou esquecida. Ao chegar ao Ensino Médio, o então Segundo Grau, as professoras
falavam em literatura, mas só nas escolas literárias. Não li uma obra sequer para
estudo. Na Escola Estadual do Atheneu Norte-rio-grandense, escola onde passei a
estudar, havia uma biblioteca. Procurei, por livre e espontânea vontade, ler os livros
28
que encontrava. Com o primeiro deles, o Atheneu, fiquei encantada, pois esse era
também o nome da escola onde estudava. Li outros livros. Um rapaz que me via
constamente com um livro na mão, trouxe-me Hamlet, de Shaskespeare. Confesso, tive
dificuldades. O estilo me causou estranhamento. Era uma leitura muito complicada e o
sentido de difícil apreensão. Mas li. A leitura era minha companheira de todas as horas.
Era a forma que eu tinha de sonhar acordada, visualizar mundos desconhecidos, às
vezes de retornar ao meu mundo de moça de interior. Li O tronco do Ipê, de José de
Alencar. A história mostra um grupo de amigos vivendo a magia da vida no campo.
Banhos de rios, caça, pesca, subidas em árvores, todas as aventuras de uma criança
livre de interior. Essas aventuras eram uma recriação de tudo que havia vivido na minha
infância. Achei esse texto tão bonito que peguei o dinheiro de minha mesada e comprei
um de presente para minha melhor amiga. Ela não o leu, achou-o “enjoado”. Não
entendeu o porquê daquela leitura. Ela não gostou porque o repertório do livro não fazia
parte do mundo dela. Na época fiquei magoada. Hoje, compreendo o problema da
recepção.
Os amigos, conhecendo meus gostos, presenteavam-me com livros. Guardo na
lembrança O pequeno príncipe, O menino do dedo verde, Como era verde meu vale,
Titanic, O velho e o mar e outros mais.
Em 1983, fui morar no Rio de Janeiro. Lá, mais uma vez, conheci a solidão.
Voltei às leituras. Conheci outros autores, reli os de que mais tinha gostado. Conheci
Os ossos do barão, de Jorge Andrade. Depois da leitura desse livro, minha vida se
transformou e desejei estudar Letras.
Retornando a Natal, fiz o curso de Letras na Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, porque queria estudar literatura. Mas o curso também não cumpriu o
prometido. Enveredei por várias leituras praticamente sozinha. Fui para o mestrado.
fiz muitas leituras, e leituras bem producentes, diferentes daquelas a que estava
acostumada. Encantei-me com as cantigas medievais, as de amigo principalmente.
Encontrei em Myriam Coeli, poetisa norte-rio-grandense, a mesma paixão pelas
cantigas. Fiz, então, um trabalho comparativo entre as cantigas de amigo medievais de
D. Dinis e as cantigas contemporâneas de Myriam Coeli. Viajei pelo medievo.
29
Durante minhas conversas com minha orientadora de mestrado, a professora
Constância Lima Duarte, falávamos sobre leitura, literatura e ensino. Eu comentava
sobre a forma equivocada com a qual se ministrava a literatura nas escolas de ensino
fundamental, pois via minha filha perdendo o gosto pela leitura de literatura.
Conversava com os amigos de minha filha e sentia o mesmo desinteresse. Os pais
dessas crianças não viam utilidade em nenhuma nessas leituras. Eles queriam para
seus filhos aulas objetivas, já que, para eles, a literatura era o mundo da fantasia, sem
utilidade na formação profissional de seus filhos.
Perguntava-me o que estaria acontecendo com a leitura em sala de aula, uma
vez que a escola pedia tantos livros, e minha filha não gostava mais de ler. Essa
constatação me entristecia. Nossas discussões nesse campo fizeram a professora
Constância, no término de minha dissertação, sugerir que eu procurasse a professora
Marly Amarilha. “Com Marly você vai encontrar respostas às suas inquietações”, disse-
me ela.
Cheguei à base Ensino e Linguagem, na linha de pesquisa Ensino de leitura e
literatura, coordenada pela professora Marly Amarilha, hoje minha orientadora no
doutorado. Constatei que minhas inquietações eram também as desse grupo de estudo.
Várias pesquisas já haviam sido desenvolvidas, e os resultados publicados em livros:
Estão mortas as fadas? (1997), Educação e leitura (1999), Educação e leitura:
trajetórias de sentido (2003), e, recentemente, em 2006, Alice que não foi ao país das
maravilhas: a leitura ctica na sala de aula. Essas pesquisas constataram o quanto era
deficitária a leitura de literatura nas salas de aulas: as atividades de leitura, quando
apareciam, eram, em alguns casos, apenas para silenciar ou manter a classe tranqüila
(AMARILHA, 1997), ou para constar no conteúdo programático.
Participei da pesquisa O ensino de literatura: professores e aprendizes e a
atuação na comunidade de intérpretes nas escolas da rede pública do Rio Grande do
Norte – 2ª etapa. No momento, o grupo desenvolve O ensino de leitura: a contribuição
das histórias em quadrinhos e da literatura infantil na formação do leitor. Essas
pesquisas diziam respeito, mais especificamente, ao Ensino Fundamental. Comecei a
indagar: se o Ensino Fundamental apresenta algumas dificuldades, como estava o
Ensino Médio? Comecei, então, a investigar esse nível de ensino e constatei que as
30
dificuldades são as mesmas, se não mais complicadas ainda, visto que essa fase de
ensino prepara o adolescente para o vestibular e a literaura faz parte do conteúdo
programático.
Propus–me, então, a estudar o Ensino Médio. Em explorações bibliográficas
descobri que, mesmo de forma incipiente e difusa, a literatura se faz presente em sala
aula. No entanto, sua presença se dá quase que exclusivamente pela prosa. O gênero
poesia só aparece quando a escola litéraria estudada no momento exige. Em conversas
com colegas sobre suas práticas e como eles vivenciam com os alunos a poesia em
sala, percebi a resistência de alguns em trabalhar a poesia, alegando que os
adolescentes têm fragilidades no tocante à leitura e a de poesia se torna quase que
impossível em sala porque esses adolescentes de uma forma geral não se sentem
atrdos pela sua leitura, acham a linguagem dicil e complicada e repetem o discurso
do senso comum quando dizem que poesia é coisa para quem não tem o que fazer.
Esse aspecto do senso comum é discutido por Octavio Paz (1982) quando afirma que o
poeta moderno não tem lugar na sociedade porque “a poesia não existe para a
burguesia nem para as massas contemporâneas porque não é produto de intercâmbio
mercantil, isto é, não produz valor” (PAZ, 1982, p. 297). Além deo produzir valor, a
criação poética não é uma ocupação, um trabalho ou uma atividade definidada. Por
isso, a poesia pode ser considerada apenas como distração ou enfermidade, nunca
uma profissão; daí o poeta não possuir um status social. Para esse crítico, na
sociedade dita moderna, a poesia não é um valor, e, se não é um valor, não tem
existência real em nosso mundo.
Outros colegas preferem utilizar composições musicais que apresentem
elementos da poesia porque acreditam serem mais instigantes já que envolvem ritmos e
melodias, o que torna o texto mais sedutor para os alunos. Esses mestres esquecem ou
talvez não saibam que a poesia tem ritmo, melodia, poporcionados pelo jogo de
palavras que cria imagens e pela sonoridade. Como jogo, a poesia é um enigma que
precisa ser desvendado. No texto, as palavras se organizam para encobrir o sentido, e
o jogador leitor precisa entrar nesse campo para descobrir o que o jogo de palavras
tenta esconder. Essas peculiaridades fazem da poesia um texto lúdico, despertando o
leitor para o prazer de ler.
31
Diante dessas informaçôes, pensei em algumas hipóteses que justificassem a
falta de interesse desses professores. Cheguei a pensar que talvez não sintam prazer
ou até mesmo, não se sintam à vontade para trabalhá-la em sala de aula, visto que a
poesia exige mais concentração e conhecimento dos aspectos constituivos da
gramática desses textos. Além disso, percebi, por parte de alguns desses professores,
o descrédito no potencial do jovem. Para esses mestres, os jovens não querem nada
com a leitura. Se a leitura de literatura em prosa na classe não é vista pelos professores
nem pelos alunos como algo a ser vivenciado, a leitura de poesia, por sua vez, perde
espaço na sala de aula. Esses indicadores motivaram a realização da pesquisa que
implementei.
Não me lembro exatamentente quando comecei a gostar de poesia. Na escola
nunca vivenciei um trabalho com ela. Mas lembro-me de um grupo de colegas que
sempre tinha um poema para comentar. Tentei enveredar sozinha na leitura, mas
considerava o texto de difícil apreensão. Durante meus estudos para a minha
dissertação de mestrado sobre cantigas, a poesia entrou no meu mundo. Percebi que
pela poesia poderia viajar por mundos nunca dantes imaginado. Cada poema
compreendido, sentido, decifrado provocava uma explosão de prazer, pois a poesia era
uma forma de dizer diferentemente o já sabido ou vivido, ou ainda de vivenciar
emoções novas. A cada poema uma nova sensação, um desejo de conhecer mais e de
me aprofundar mais. A poesia passou, então, a fazer parte da minha vida.
Quando cheguei à base de pesquisa, vivi momentos encantatórios
proporcionados pelos poemas que os colegas apresentavam e li o texto O lúdico na
literatura: o caso da poesia, da professora Marly Amarilha. Nesse texto, a professora
constata a ausência da poesia em sala de aula, discute os aspectos relevantes do
texto, apresentando-os como responsáveis pela promoção do prazer que ele suscita e
da sua importância na sala de aula, além de demonstrar que essa ausência é
prejudicial à formação leitora dos alunos, pois considera o gênero portador de inúmeras
possibilidades formativas.
Nos vários estudos e levantamentos que fiz, constatei que o modo como se
apresenta a poesia nas salas de aula não promove o encontro do leitor com o texto,
nem desperta para o prazer que esse gênero pode proporcionar. Pensando nessa
32
possibilidade, mostrou-se importante para mim, dar aos alunos do Ensino Médio a
oportunidade de vivenciar a poesia na forma que considero relevante como trabalho
que vise à formação do leitor. Em um experimento vivenciado em sala de aula, no
segundo semestre de 2005, com os alunos do primeiro ano do Ensino Médio de uma
escola pública, em Natal, não só apresentei o sentido que a poesia possuía na
Antigüidade, quando cumpria múltiplas funções como ritual, entretenimento, enigma,
profecia, filosofia e competição, modo de expressão mais natural (HUIZINGA, 2001),
como também que se vive poesia em todos momentos de nossa vida. Mostrei também
que, com a construção lingüística, atividade criativa com a língua, afetiva e cognitiva
que a poesia proporciona, controem-se formas originais de se ver e compreender o
mundo. Com esse experimento, entramos também em contato com os recursos
estilísticos da poesia.
Decidido o objeto da pesquisa, a mediação pedagógica para o ensino de
poesia numa sala de aula de nível médio, comecei a procurar a escola que me
acolheria para implementar o experimento. Dentre as escolas que visitei, a Escola
Estadual Professor Edgar Barbosa se apresentou como a melhor opção. Essa
instituição de ensino mostrou-se receptiva não só por parte da professora e dos alunos
como também dos membros administrativos. Esse aspecto me permitiu transitar pela
escola. Tive acesso a todos os espaços: a sala de vídeo; a sala de computação, onde
os alunos têm acesso ao computador e à internet; a biblioteca; o pátio, onde os alunos
se reúnem para suas brincadeiras. Além disso, pude estabelecer contatos com outros
professores da escola. Nesses encontros, conversávamos sempre sobre o
comportamento dos alunos, sobre a adolescência e as conseqüências que esse
momento da vida promove na formão do indiduo.
Comecei, então, a pensar em como a pesquisa seria desenvolvida. Decidi por
uma pesquisa qualitativa que tivesse um caráter de observação participante. Estabeleci
um único grupo para análise e organizei o controle da situação, mas não isolei as
estruturas de qualquer interferência exterior. Agi diretamente na realidade. Não utilizei
um laboratório, pois preferi estar na própria sala de aula do aluno, vivendo seu
cotidiano. Essa opção foi fundamental para o meu experimento porque o contato direto
com os alunos revelou-se muito produtivo e instigante. Essa revelação aponta para a
33
escola como o lugar onde é possível, por meio de um estudo planejado e pensado no
aluno, promover o encontro com a leitura de poesia, além de desmistificar o discurso do
senso comum de que adolescentes não gostam de ler.
A opção por esse objeto de pesquisa não se deu por acaso; ele está
impregnado de minhas percepções de mundo, de pessoa humana e de educadora.
Como educadora percebo a resistência dos alunos à leitura de poesia, considerada um
gênero difícil de ser compreendido. Alguns comentam que ler poesia é perda de tempo,
que precisam de leituras mais produtivas que tragam conhecimentos mais objetivos,
pois poesia é pura subjetividade.
Durante o percurso em que se estruturou a pesquisa, observei também que os
alunos na faixa etária em que vivenciam o Ensino Médio apresentam diferentes
comportamentos: aumento da inquietação, dificuldade de concentração e de leitura.
Muitas vezes, esses alunos estavam simbolicamente presentes na sala de aula, mas o
pensamento em outras direções, revelando desinteresse pelos conteúdos discutidos, o
que culminava em atitudes de desconsideração à presença do professor e de pouco
envolvimento com a leitura em sala de aula. Vendo esse comportamento alheio à leitura
não só de poesia mas de literatura de uma forma geral, realizar um experimento com a
presença de um mediador promovendo o encontro do aluno com a poesia mostrou-se
relevante, uma vez que o objetivo era desenvolver nesses alunos uma prática leitora.
O interesse em promover esse experimento surgiu do modo como vivi minha
infância, fase em que tive um contador de histórias a me revelar, via literatura oral, os
caminhos do mundo mágico das palavras, quando eu ainda nem sabia que a palavra
“literatura” existia; quando apenas escutava uma voz que narrava histórias de príncipes
e princesas, de heróis e vilões, de bruxas e fadas, de seres mágicos que povoavam
minha imaginação. Na voz sedutora desse contador, as palavras ganhavam vida, cor e
sabor. E, assim, seduzida pela magia que envolve o mundo das palavras, sedução
esta que permanece até os dias atuais, é que surgiu o interesse em produzir um
trabalho que propiciasse aos alunos do Ensino Médio algo parecido com o que eu
mesma tinha vivenciado. Em outras palavras, quis estar em contato direto com os
alunos, usando a minha voz, minha sensibilidade e minha formação para, assim como
34
fui seduzida pelas histórias que me foram apresentadas, também seduzir os possíveis
leitores.
Em vista da proposta deste trabalho, procurei acercar-me com cuidado do
objeto, o ensino de poesia no Ensino Médio, para poder me mover nesse espaço e
compreender de que maneira a poesia está ligada às vivências humanas. Fiz, então,
uma breve incursão pelas políticas pedagógicas sobre Ensino Médio para compreender
a situação da poesia nesse nível de ensino.
Os estudos como os de Kuenzer (2002), Gajardo (1999) e Zibas (2006), o
relatório de Delors (2003) e os próprios Parâmetros Curriculares Nacionais para o
Ensino Médio (PCNEM) ainda estão voltados para as reformas e a formão do
profissional de que a sociedade necessita: um indivíduo com competências que possa
transitar em diversas áreas. Um estudo que se volte para o despertar da sensibilidade,
da cognição, das afetividades, das humanidades e do prazer estético é quase
inexistente, uma lacuna que esta tese tem a pretensão de preencher.
Deixo claro que, nos caminhos percorridos, muitas veredas ficaram sem ser
exploradas, mas, de alguma forma, elas se apresentam no discurso, quando marcam a
posição que estabelece os caminhos teóricos e metodológicos desta pesquisa.
2.2 O QUE FALAM OS AUTORES SOBRE POESIA
Poesia é a grande arte da saúde transcendental. Reina e impera com dor e cócegas
– com prazer e desprazer – erro e verdade – saúde e doença – mescla tudo para seu
grande fim dos fins – a elevação do homem acima de si mesmo.
( Novalis, poesia, in: Pólen, 2001)
Para desenvolver um trabalho com literatura em sala de aula do Ensino Médio
e, mais especificamente, com poesia, faz-se necessário, ainda que de forma breve,
revelar o percurso pelo qual a poesia, ao longo do tempo, teve sua história ligada às
vivências humanas. Ela auxilia o ser humano a compreender a sua própria existência
através de uma linguagem cuidadosamente elaborada, linguagem que fala do homem
35
como ser enigmático, que busca permanentemente decifrar os mistérios da própria vida.
Compreendendo que o homem busca o conhecimento de si e busca dar sentido a sua
própria existência, a poesia pode ser uma forma singular de contribuir para a
construção desse sentido. Pensando a poesia nessa perspectiva, sua ausência em sala
de aula não deixa de ser uma maneira de privar os alunos dessa forma de
conhecimento.
Se a escola compreender a importância do ensino de poesia e o fato de que
esse ensino se liga diretamente à educação, estará em consonância com o
pensamento de Curtius (1996) para quem a literatura faz parte da "educação". Curtius,
em A literatura européia e Idade Média latina (1996), afirma que os gregos
encontraram no poeta o reflexo ideal do seu passado, de sua existência, do mundo dos
deuses. Não possuíam livros sacros, nem castas sacerdotais. Sua tradição era Homero,
que, já no século XII a.C, era um clássico. Desde então, a literatura é disciplina escolar
e a continuidade da literatura européia está ligada à escola. Pensando, pois, a poesia
como uma forma de conhecimento que o homem tem de si e do mundo é que acredito
que ela deva ser ensinada na escola, de forma que o aluno possa vê-la como parte
integrante de sua educação.
A poesia é um das modalidades de escrita mais antigas. No mundo greco-
romano, o estilo poético era muito valorizado e difundido, principalmente no campo
educativo. Isso ocorria porque o gênero constituía uma das principais e mais nobres
manifestações da linguagem verbal e era necessário conhecê-la e saber utilizá-la, o
que justificava a importância do ensino de poesia nas escolas. Concordo com Regina
Zilberman (2005) quando afirma que a poesia se ensina. Basta, para isso, que
percebamos “a trajetória da literatura, cuja permanência dependeu de historiadores e
críticos que aprenderam a ler na sala de aula, graças à atuação de um docente”
(ZILBERMAN, 2005, p. 22).
Com o passar do tempo, a poesia foi perdendo seu espaço de importância. Nas
escolas, foi relegada a segundo plano na grade curricular; fora delas, ficou reclusa a
algumas revistas e livros especializados em literatura, a uns poucos apreciadores e aos
próprios poetas. Ultimamente, a poesia está retomando seu espaço e atraindo leitores e
pesquisadores. Dentre estes, que vêem no ensino de poesia um dos meios pelos quais
36
pode-se seduzir o leitor cito Averbuck (1993), Lajolo (1993), Amarilha (1997), Kirinus
(1998), Marinho (2000), Souza (2000), Quevedo (2000), Maia (2001), Pinheiro (2002),
Gebara (2002), Moriconi (2002). Essa sedução se dá pelo espírito lúdico que a poesia
proporciona no jogo da ordenação rítmica da linguagem, pela rima, pelas assonâncias,
pelas aliterações, pelo disfarce deliberado do sentido e pela construção sutil das frases.
Tudo isso faz da poesia um jogo com as palavras e a linguagem.
Os pesquisadores acima mencionados verificaram a ausência do ensino da
poesia nas escolas. Afirmam que, quando ele acontece, são inúmeros os equívocos
cometidos. Essa forma equivocada de escolarização é um dos fatores que contribuem
para o distanciamento do aluno leitor desse gênero textual. Esses autores propõem um
ensino mais sistematizado, ou seja, com uma certa freqüência, para que, inserida na
sala de aula, a poesia possa ganhar vida para o aluno.
No que diz respeito ao ensino de poesia nas escolas, acredito, como Averbuk
(1982), que a poesia pode promover, além da sensibilização, a comunicação do
indivíduo com o mundo. Segundo essa autora (1982, p. 67), o ensino de poesia pode
“proporcionar aos alunos habilidades para sentir a poesia, apreciar o texto literário,
sensibilizar-se para a comunicação através do poético e usufruir da poesia como
comunicação com o mundo”.
Conceber a poesia como forma de sensibilização e comunicação põe-nos em
contato com as perspectivas atuais que visam promover no indivíduo uma
aprendizagem voltada para as humanidades, ou seja, é preciso envolver o aspecto
humano num mundo tecnologizado, em que tudo que diz respeito à vida se perde nas
máquinas e nas individualidades. Estar junto significa estar em comunhão com outro,
vivendo com o outro, e o ensino de poesia pode ser uma direção para se desenvolver
nos jovens de hoje os aspectos que se consideram relevantes para uma formação não
só sociocultural mas também humanista.
Ao longo desta pesquisa foi difícil encontrar alguma teoria ou autor que tenha
arriscado qualquer conceituação precisa de poesia sem demonstrar uma ponta de
preocupação com a impossibilidade de apresentar algo conclusivo sobre o assunto.
Desde a Antiguidade, o homem tenta explicar o fenômeno da criação poética.
Aristóteles, em A arte poética (2002), classificou a dança, a pintura, a música e a
37
escultura como artes miméticas, isto é, artes de imitação. Para o filósofo, a palavra
mimese está ligada a techné (arte) e a physis (natureza). Ele afirma que a arte imita a
natureza. Sua mimese alcança uma dimensão ontológica, enaltecendo o valor da arte
pela autonomia do processo mimético diante de uma verdade preestabelecida. A arte, a
partir de Aristóteles, passou a ter uma dimensão estética, capaz de fornecer possíveis
interpretações do real. Imitar significava, então, ter um comportamento gestual que
repetisse não só os movimentos da natureza mas acrescentar a isso palavras ou
cantos que expressassem as emoções humanas, recriadas pelo sentimento de cada
um e pela união coletiva dessas emoções.
Dessa forma, a imitação não torna o artista um mero plagiador da realidade,
mas um criador que resgata o mundo nos mesmos moldes que ele produz, ou seja, por
intermédio do próprio mundo. O poeta é, portanto, um observador atento ao ritmo e à
harmonia da natureza. Vista sob esse aspecto, a mimese pode ser compreendida
tamm como uma tendência humana natural tanto de produzir quanto de contemplar.
O prazer que ela produz envolve uma aprendizagem e um reconhecimento. Por tratar-
se de algo não real, o contemplador aprende com a situação mimetizada, a que ele
apenas assistiu e não viveu. Para que haja um reconhecimento, a arte necessita da
verossimilhança, um elemento com que o observador possa relacionar sua própria vida.
Aristóteles compreendia as relões dos elementos intrínsecos da poesia e o
efeito que produziriam nos leitores. Considerava a obra de arte como mimese e, como
tal, a separava conforme o imitado, o meio de imitação e a maneira pela qual essa
imitação se efetuava. A poesia, por tratar de uma verdade geral e operante, pode,
através do poeta, escolher este ou aquele incidente para alcançar uma realidade mais
profunda que aquela expressa na realidade comum.
Mesmo assim, nessa época, como afirmam alguns autores, entre os quais
Compagnon (2001), o gênero “lírico” foi considerado menor. Foi excluído do rol das
artes maiores, como a epopéia e a tragédia, porque não era nem fictício, nem imitativo,
uma vez que nele o poeta se expressava na primeira pessoa, apresentando suas
próprias emoções. Em outras palavras, tratava de individualidades, enquanto a tragédia
e a epopéia, da coletividade.
38
Entretanto, não é possível negar a existência de uma modalidade de poema de
cunho trágico, o ditirambo, que se fazia acompanhado da flauta e da cítara, que ao
completarem as palavras, eram tidas como artes de imitação porque realizavam a
imitação por meio do ritmo, pela linguagem e pela melodia, de modo separado ou
combinado.
Assim, os dois grandes gêneros na idade clássica foram a epopéia e o drama,
ou seja, narração e representação entendidas como ficção ou imitação. A literatura, de
uma maneira geral, nesse período, era escrita em verso, mas, ao longo o século XIX,
houve um deslocamento, e os dois grandes gêneros, a narração e o drama,
abandonaram o verso para adotar a prosa. E a poesia lírica, por ironia da história,
gênero que Aristóteles excluiu na poética, tornou-se sinônimo de toda poesia. Desde
então, a literatura ficou compreendida como o romance, o teatro e a poesia, retomando-
se a tríade pós-aristotélica dos gêneros épico, dramático e lírico.
Ainda sobre as origens da poesia, Aristóteles, no capítulo IV da Arte Poética
(2002), intuiu a tendência natural e instintiva do homem para a imitão, o que o
diferencia de outros seres. Mostra também que essa aptidão para imitar propicia-lhe a
aprender por meio desta os primeiros conhecimentos e, por ela, todos experimentam o
prazer. O gosto instintivo pelo ritmo e pela harmonia indica que o sentimento estético é,
provavelmente, inato no homem, e que, na origem, os homens mais aptos no exercício
dessas qualidades deram nascimento à poesia partindo de improvisações.
A poesia para Aristóteles assumiu formas diferentes: a tragédia é a imitação de
uma ação elevada, uma vez que imita as ações nobres. A tragédia com extensão
determinada, linguagem ordenada, e atores atuando e despertando a piedade e o
temor, tem por resultado a cartase das emoções. A comédia é a imitação de gentes
inferiores, não no que diz respeito ao vício, mas, sim, quanto à parte em que o cômico é
grotesco. A épica e a tragédia imitam em versos ações de homens superiores.
Diferenciam-se uma da outra porque a epopéia tem metro uniforme e forma narrativa.
No que diz respeito à poesia lírica, como já se referiu à sua exclusão, o filósofo toca
apenas de passagem quando nos fala da aliança entre os instrumentos musicais que
acompanhavam os textos. Os ditirambos, cantos festivos que expressam alegrias ou
tristezas, aparecem algumas vezes no seu texto.
39
Aristóteles segue ainda distinguindo o poeta do historiador. Este relata os
acontecimentos acontecidos; aquele, as coisas que poderiam ter acontecido, possíveis
no ponto de vista da verossimilhança ou da necessidade. A poesia contém mais
filosofia e elevação do que a história. A primeira discorre sobre coisas universais, a
segunda, particulares. Coisas universais compreendem atribuir a alguém idéias, atos
que, por necessidade ou verossimilhança, a natureza desse alguém exige. Por isso, a
poesia visa o universal, mesmo quando nomeia suas personagens.
Spina (2002), seguindo o caminho de Aristóteles, apresenta o aspecto poético
como inato ao homem. Imitar é o traço fundamental do pensamento primitivo, quer
como mimetismo dos fenômenos dos vegetais, quer como atributos e qualidades dos
animais, quer como atributos dos Espíritos, enfim, de todas as emoções que o mundo
ambiente desperta na alma desse homem. A mimetização se realiza através da trilogia
dança, música e poesia, que, associada à linguagem e à mímica, acorda e exterioriza
os escalões subterrâneos da vida sentimental. A intenção do autor é mostrar que havia
nas sociedades de culturas arcaicas uma estreita relação do homem com a natureza,
com isso a criação poética era uma prática cultural, social e litúrgica. Huizinga (2001, p.
134) afirma que “toda a poesia da antiguidade é simultaneamente ritual, divertimento,
arte, invenção de enigmas, doutrina, persuasão, feitiçarias, adivinhação, profecia e
competição”.
Curtius (1996), no capítulo Poesia e retórica, traça um longo caminho para
encontrar uma definição para poesia. Segundo ele, Homero poeta é o “cantor divino”,
“escrever poesia” é “cantar”. Para os romanos, poeta é o vates, a pessoa envolvida por
um halo de encantamento, de magia e de fascinação. Huizinga (2001) chama de vates
o poeta vidente que depois foi se transformando na figura do profeta, do adivinho, do
poeta artista e do filósofo.
No percurso do texto, Curtius retoma o conceito de Aristóteles e Platão. Para
Platão, toda fabricação de coisas é poiesis, e nesse caso, o poeta é aquele que faz.
Apesar desse conceito, ele, de certa forma, baniu o poeta do seu Estado Filosófico
Ideal por acreditar que a poesia era pedagogicamente perniciosa. Na verdade não era a
poesia que causaria problemas ao seu Estado, mas o poeta. Este, sim, conhecedor do
poder da palavra, poderia através dela incitar, revolucionar, propiciar ao leitor uma visão
40
de mundo diferente daquela que o filósofo propunha para seus compatriotas. Esse
aspecto revolucionador da poesia também é contemplado por Paz (1982, p. 15) quando
afirma que “a atividade poética é revolucionária por natureza; um exercício de libertação
interior; voz do povo, língua dos escolhidos” Esse conhecimento, Platão não deseja
para sua República, porque reconhece o poder da palavra, e a palavra é o ser da
poesia.
Curtius (1996) acredita que Aristóteles trouxe a poesia para o círculo dos mais
altos bens espirituais, reconhecendo-lhe não somente o valor moral mas também o
filosófico, e assim, criou uma poética como ciência filosófica da poesia. Essas ações
contrariam o pensamento mais atual de Compagnon (2001) para quem Aristóteles não
deu à poesia o valor devido, por não retratar uma coletividade nem refletir sobre o
destino dos homens. Entretanto, essa posição de Compagnon é questionável. Se a
poesia é a revelação de que o homem tem de si mesmo e a revelação de sua condição
original, essa revelação, como afirma Paz (1982), é sempre resolvida numa criação: a
dos próprios homens. O homem cria o ser, porque o ser não é algo dado, sobre o qual
se apóia o existir, mas algo que é feito. O poeta não descobre algo que lhe é exterior,
alheio, e o desejo de descobrir entranha a criação. Nesse sentido, o poeta cria o ser e,
ao criá-lo, revela-o.
Poesia é sintese, é linguagem condensada que precisa ser apreendida. É um
texto em que o significante não existe meramente a serviço do significado, mas em que
significante e significado funcionam juntos, como na terminologia de Saussure (1969). É
esse conjunto que provoca sentimentos, impressões, emoções ou reflexões. Na poesia,
cada palavra tem seu papel não apenas por seu significado, mas por seu ritmo, pela
sua sonoridade, pela forma como se relaciona com as outras palavras e, até mesmo,
pelo seu aspecto visual. Essa definição deixa claro que poesia não é só significado, e
sua linguagem não tem por objetivo passar uma mensagem, mas fazer o leitor sentir
alguma coisa de ordem invisível, de ordem sensível e indizível. Troca sutil de ritmos,
sons e imagens. A poesia é uma linguagem particular na qual o poeta, com as palavras,
procura sem cessar dar um sentido novo ao já conhecido. A linguagem é um universo
de unidades significativas, e, como afirma Paz (1982, p. 59), “palavra solta não é
41
propriamente linguagem, [...] para que a linguagem se produza é mister que os signos e
os sons se associem de tal maneira que impliquem e transmitam um sentido”.
O poema, por sua vez, é a composição em que a poesia se raliza na sua
plenitude porque possui o mesmo caráter complexo e individual da linguagem.
Diferentemente da prosa, em que as ações são organizadas em seqüências para
elaborar nesse processo um sentido (AMARILHA, 1997), o poema é “uma totalidade
encerrada dentro de si mesma – é uma frase ou um conjunto de frases que formam um
todo” (PAZ, 1982, p. 65). Assim, a linguagem do poema está nele e só nele se revela.
Sobre a condição do ser poesia e do ser prosa, podemos afirmar que, na
Antiguidade, essas duas nomenclaturas não constituíam formas de expressão
separadas, sendo inclusive permeáveis. Transcrevia-se de uma para a outra forma,
com relativa indistinção. Ambas estavam compreendidas no conceito de discurso. A
poesia era o discurso metrificado; enquanto a prosa, o livre. Foi, aproximadamente, em
100 d.C. que se introduziu nas escolas de retórica a transposição da poesia em prosa,
começando então a dissociação entre esses discursos. Sobre este aspecto, Morin
(2002) afirma que houve duas rupturas que ocasionaram a separação do estado da
prosa e da poesia. A primeira ocorreu na Renascença, quando se desenvolveu uma
poesia mais profana. No século XVII, houve uma outra dissociação entre uma cultura
dita científica e técnica e uma outra, humanista, literária, incluindo a poesia. A partir
dessas duas dissociações, a poesia ganhou autonomia, tornando-se estritamente
poesia. Ao separar-se da ciência e da técnica, separou-se da prosa.
Um outro possível conceito vem de Potebnia, filólogo, citado por Chklovski
(1973). Para Potebnia, “a poesia é a arte de pensar por imagem” (CHKLOVSKI ,1973,
p. 83). Para os teóricos simbolistas: “A arte, é antes de tudo, criadora de símbolos”.
(apud CHKLOVSKI,1973, p. 40). Potebnia chegou a essa definição por considerar
que “a imagem é um predicado constante para sujeitos variáveis, um meio constante de
atração para percepções mutáveis e que é muito mais simples do que ela explica.”
(apud, CHKLOVSKI, 1973, p. 40). Contrapondo-se a essa teoria, Chklovski acredita que
“as imagens são quase que imóveis, são emprestadas de outros poetas quase sem
nenhuma alteração.” As imagens são dadas, e em poesia nós nos lembramos muito
mais das imagens do que utilizamos delas para pensar “ (CHKLOVSKI, 1973, p. 41).
42
Para esse autor, "o objetivo da imagem é criar uma percepção particular do objeto, criar
uma visão e não seu reconhecimento, realizando-se assim, o processo de percepção
individual, denominado processo de singularização do objeto” (ibidem, p. 45). Sendo
assim, a poesia, tal como a arte em geral, apresenta uma nova visão que é capaz de
quebrar o automatismo gerado pelo cotidiano. Essa particularidade vai ser contemplada
depois por Ezra Pound (1997) quando discorre sobre o caráter imagético da poesia, a
fanopéia, como a projeção de uma imagem na retina mental.
A arte singulariza o objeto de sua mimese, por isso cada obra deve ser única,
singular. Tem um significado particular, adquire uma nova forma de representação, ou
seja, as palavras conhecidas no cotidiano produzem sensações ou criam imagens
intencionadas pelo autor, a fim de promover a duração da percepção do objeto,
causando surpresa e estranhamento ao leitor.
Nessa perspectiva, Chklovski (1973, p. 44) explica as leis do discurso poético,
como um “discurso elaborado” em que a palavra adquire um novo sentido, uma nova
forma de singularizar-se. Com a poesia, o leitor é conduzido a descobrir o sentido que
nasce da própria forma da palavra que tem, assim, uma nova face manifestada. Nesse
caso, a imagem representa a transferência de um objeto de sua percepção habitual
para uma esfera de nova percepção através de símbolos, provocando, na mudança
semântica específica, o estranhamento. Nesse processo em que os objetos são
substituídos por símbolos, tem-se uma percepção da palavra como um todo, signo e
significado, o que dá ao objeto uma visão, e não apenas o reconhecimento.
Cada época apresentou, segundo seu momento, um conceito para poesia. Nas
sociedades ditas arcaicas, a poesia primitiva estava ligada ao canto; era indiferenciada,
anônima, coletiva; estava representada pela associação em que viveu com a música e,
de certo modo com a dança, antes do aparecimento da figura do poeta e a poesia
individual. O caráter coletivo da poesia devia-se ao fato de ela representar os anseios
da coletividade e estar intimamente ligada ao modo de vida das comunidades. Ela era
coletiva no sentido de que, conhecendo ou não, o poeta exprimia os sentimentos da
coletividade, e não sua individualidade. Esta só iria surgir tempos depois, com o
advento do Romantismo, quando as emoções puderam ser extravasadas de todas as
formas, quando se expressavam o desespero, a aflição, a instabilidade, a sensação de
43
desamparo absoluto, o que levou alguns dos seus poetas a afirmarem que preferiam a
morte. Para os poetas românticos, a poesia levava ao autoconhecimento emocional e
pessoal.
O conceito de poesia, se é que é possível conceituá-la, é coisa bem diversa do
conceito do poema, mesmo que, em alguns momentos esses conceitos estejam
entrelaçados. Poema é a estrutura, é a forma do texto escrito em verso. Verso é cada
linha de poema, o que não significa que qualquer coisa escrita em verso contenha
poesia. Eno Teodoro Wanke traz, ao longo de Como fazer trovas e versos (1985), uma
série de conceitos que acredita serem importantes para se tentar encontrar alguma
possibilidade de conceituar o termo. Para esse autor (idem, p. 76), “Tratados têm sido
escritos procurando definir poesia, o que demonstra dificuldade do entendimento. Uma
das mais abrangentes e interessantes definições de poesia que ele cita é de a William
Wordsworth, poeta inglês do século XIX, encontrada no prefácio de suas Baladas
Líricas: “Poetry is emotion recollected in tranquility”, ou seja, “Poesia é a emoção
recolhida na tranqüilidade”. Nesse conceito, a poesia aparece do ponto de vista não do
leitor, mas do poeta, ou seja, uma visão de quem a faz. Wanke (1985) nos mostra os
elementos básicos da poesia dos quais trata William Wordsworth: primeiro, o poeta
demonstra claramente suas sensações, sentindo-as, e, só depois, tranqüilo, ele se
lembra delas e as coloca em palavras, para transmiti-las.
Já Guilherme de Almeida (apud Wanke, 1985, p. 76) definiu poesia por
exclusão, dizendo que Poesia não é a rosa. E explicou: “E não é mesmo. Se Poesia
fosse a rosa, para que o canteiro? Poesia é terra. Separada desta, será apenas verso,
pedaço, coisa amputada que murcha, apodrece, acaba”.
Outro conceito importante que Wanke (1985, p. 76) considera vem de Olavo
Bilac: “A rosa está para a Terra assim como a Poesia está para o homem”. Mas o
homem aqui é considerado em suas funções mais altas, ou seja, na inteligência e no
sentimento expresso em palavras. Para Olavo Bilac (apud Wanke,1985), a poesia é
essencialmente a arte da palavra. E o poeta se apropria das palavras para expressar os
valores seu produto, através do som, da idéia expressa, da emoção transmitida,
promovendo o deleite da leitura. Em alguns casos, ele utiliza a forma das palavras –
como o pintor utiliza as cores, o escultor as formas, o músico os sons harmoniosos etc.,
44
o que implica que todo artista tem sua matéria-prima, seu instrumental, sua tecnologia.
O escultor tem, como matéria-prima, o mármore, o gesso, a areia, o ferro-velho entre
outros, e é com eles que trabalha para produzir seu produto, a escultura. O pintor tem
as tintas, as cores, que manipula com o pincel, os dedos e a espátula, na tela, no papel,
na parede, onde expõe seu produto com enorme satisfação após concluído. O músico
dispõe dos sons dos instrumentos musicais – alguns muito estranhos, convenhamos ,
que combina ou descombina para apresentar seu produto, a música.
A palavra, matéria-prima do poeta, é um dos mais nobres materiais de que o
homem dispõe. A palavra nasceu com a civilização e só com ela morrerá. O homem
sem a palavra não é o homem. Para que possa aprender a estruturar seu pensamento,
desde criança ele aprende a entender e a manejar as palavras de sua língua. As
próprias línguas são reflexos do grau de civilização do povo que as domina, e, quando
num trabalho com a palavra, escrito ou falado, o poeta consegue transmitir sentimento,
fazer com que o leitor/ouvinte se sinta comovido, sensibilizado, sublimado, arrebatado,
terá esse leitor atingido a poesia (WANKE, 1985).
Ao compararmos as diversas interpretações das diferentes correntes poéticas,
observamos que cada qual tenta enaltecer e fazer vingar a própria definição, mas
acabam-se criando confusões com as acepções diversas do mesmo vocábulo e, assim,
temos que o termo “poesia” significa, também, uma composição feita de versos. O que
causa maiores problemas ainda é que é possível um poema não conter absolutamente
poesia e um trecho em prosa poder perfeitamente ser poesia pura: a Rosa-Poesia que
precisa ser alimentada pela Terra-Homem através da seiva da emoção da palavra. Daí
uma tendência, surgida especialmente entre os poetas brasileiros modernistas e os da
geração de 45, de se abandonar a palavra poesia na acepção de produto versificado
para, nesse caso, adotar só a palavra “poema”. Um poema pode ser um amontoado de
versos feitos intencionalmente sem poesia e pode até acontecer que o poeta, pensando
estar compondo poesia comunicação de sentimentos, esteja apenas fazendo um
amontoado de palavras, o que é possivel comprovar facilmente entre muitos poemas
com linguagens herméticas ou rebuscadas.
Se recorrermos ao dicionário, teremos uma conceituação formal de poesia, mas
nunca um conceito que nos agrade ou que corresponda à realidade que buscamos.
45
Fazem muito mais sentido e causam maior conforto as definições embevecidas de
imaginação e lirismo, como as que acabamos de mencionar. No Dicionário da Língua
Portuguesa, da Encyclopédia Britânnica do Brasil (1984), poesia é definida como “arte
de escrever em verso; composição poética; inspiração; o que desperta sentimento do
belo; elevação nas idéias e no estilo”. Essa conceituação pode ser boa para dicionário
ou manual, mas é bastante frágil no que diz respeito ao texto como algo que deve ser
desfrutado e sentido, visto que a poesia chama a atenção do leitor para as surpresas
que podem estar escondidas na língua que ele fala todos os dias sem se dar conta
delas. Ela promove o deslocamento, permite a vulnerabilidade e o conflito e está aberta
à mudança, a uma troca de idéias.
No percurso de nossa pesquisa, deparamo-nos ainda com afirmações como a
seguinte: “Ao visitar as palavras, visitamos suas imagens. Um livro de poemas é um
livro de imagens” (NEJAR, 1991, p. 13). Para corroborar esse pensamento de Carlos
Nejar, recorremos ainda a Potebnia (apud CHKLOVSK, 1978, p.39) quando afirma que
“não existe arte e particularmente poesia sem imagem”. Na busca por um conceito para
poesia, descobrimos que defini-la com algum rigor é uma tarefa que, uma vez colocada,
parece condenada a priori ao fracasso não tanto pelo objeto em si, mas pelo
esmagador acúmulo de História que obrigatoriamente se apresenta, exigindo um
desdobramento metodológico (com suas variedades) que dificilmente chegaria a um fim
ou a um mero jogo retórico. A própria idéia de que poesia possa ser definida como
qualquer objeto de cultura, já implica uma moldura teórica, uma visão histórica, uma
concepção de linguagem, um pressuposto estético.
Edgar Morin (2003, p. 35) fala da poesia reconhecendo que “qualquer que seja
a cultura, o ser humano produz duas linguagens a partir de sua língua: uma, racional,
empírica, prática e técnica, outra, simbólica, mítica e mágica”. A magia da poesia está
na palavra, chave que desvenda a essência imaterial do ato da criação. A magia nos
constitui como mágicos para entrarmos nesse mundo de criatividade e encantamento,
por meio do qual atingimos dimensões que nos levam a revitalizar sentimentos, a
exercitar plenamente a sensibilidade, a desengessar a espontaneidade artística, a
recriar realidades, a reanimar sentidos, a tecer novas significações e ressignificar
outras.
46
Morin (2003) classifica a linguagem em duas áreas: uma, denotativa, precisa,
definida, objetiva o que ela mesma expressa; a outra, conotativa, analógica e
metafórica, anuncia um halo de significações que cerca cada palavra, cada enunciado,
traduzindo uma verdade subjetiva. Essas duas linguagens podem se encontrar
justapostas ou misturadas, separadas e opostas, e cada uma delas corresponde a dois
estados, o poético e o prosaico. Este corresponde ao estado que cobre uma parte de
nossa vida cotidiana. Nele podemos perceber, raciocinar. Aquele, o poético, pode ser
produzido pela dança, canto, culto e cerimônias, e evidentemente, pelo poema.
Referindo-se a esse segundo estágio, Fernando Pessoa (apud MORIN, 2003) mostra
que, em cada um de nós, há dois seres: o primeiro, o verdadeiro, é o dos nossos
sonhos nascidos na infância e que continua ao longo de nossa vida; o segundo, o falso,
é o das aparências, de nossos discursos, atos e gestos. Morin não compactua com
essa afirmação porque, para ele, esses dois estados correspondem aos dois seres que
habitam em cada um de nós.
Muitos outros conceitos podem-se encontrar pelo caminho da pesquisa, em
diferentes épocas, escolas, autores e adeptos da literatura. Conforme Wanke (1985),
homem e poesia, poesia e vida, vida e arte estão intimamente ligados; não há como
separá-los, mesmo porque os conceitos se confundem. Também nessa linha de
pensamento em que a poesia e o homem sempre estiveram juntos, Huizinga (2001,
p.133) afirma:
A poiesis é uma função lúdica. Ela está para além da seriedade,
naquele plano mais primitivo e originário a que pertencem a criança, o
animal, o selvagem e o visionário, na região do sonho, do
encantamento, do êxtase, do riso.
Já Octávio Paz, em O arco e a lira (1982), compreende a poesia como
conhecimento, salvação, abandono. Operação capaz de transformar o mundo. Uma
forma natural de convivência entre os homens. Segundo ele, “ a experiência poética
não é outra coisa que a revelação da condição humana” (PAZ, 1982, 239). Essa
revelação está pautada numa outra observação de que a poesia é “expressão de uma
sociedade e simultaneamente fundamento dessa sociedade” (idem, p. 226).
47
Para Fernando Paixão, em O que é poesia (1991), o poeta cria na sua poesia
uma nova realidade construída de palavras que estimulam o vôo da imaginação e, ao
mesmo tempo, permitem conhecer, de modo mais atento e cuidadoso, a própria
realidade vivida pelo homem. Desse modo, a poesia se carateriza pelo uso criativo e
inovador que faz das palavras expressando subjetividade. Esse aspecto retoma o que
Aristóteles já havia caracterizado como mimese, a arte de imitar, mesmo que esse
filósofo tenha criticado essa imitação na poesia.
As escolhas para uma conceituação de poesia são tantas e tais que, no
máximo, poderíamos chegar, instavelmente, a um conceito de poesia ou a um modelo
que, definido, excluiria a multidão de outros. Para nós, o importante é percebermos que
cada época apresenta uma denominação, um modo e uma forma específica de
compreensão.
Na realidade atual em que as pessoas conversam menos, têm menos tempo
para sonhar, trocar percepções e até sentir, a poesia pode se tornar um precioso
despertar dos sentidos adormecidos por uma sociedade automatizada que só percebe
o que é o imediato, o pronto e fabricado, o útil, no sentido literal da palavra. Diante
dessas percepções, fica claro para mim que a presença da poesia não deve ser
omitida nem mesmo negligenciada na sala de aula, porque, na sua forma mais
relevante, ela desempenha um papel na inserção do homem no mundo.
Essas reflexões mostram que a poesia esteve presente em todas as épocas,
em todos os povos, em todos os dias e assim deve permanecer para que possa ser um
instrumento fértil para o desenvolvimento da linguagem, para redescobrir a
simplicidade, a sensibilidade, o maravilhoso e a afetividade, na medida em que sentir é
uma forma superior do conhecer.
Para desenvolver o objetivo ao qual me propus nesta tese, considerarei a
poesia como parte da linguagem verbal que, numa atitude criativa, transfigura-a da sua
forma mais corrente e usual (a prosa), ao usar determinados recursos formais que
permitem a exploração de múltiplos significados, a recriação sonora e semântica; e
poema, como a forma, a estrutura na qual a poesia se realiza em sua plenitude.
Em vista dessa possível conceituação em que me detenho, ensinar poesia na
escola ganha relevância na medida em que a considero como um dos meios que nós,
48
educadores, poderemos utilizar como forma de seduzir, e essa sedução poderá
contribuir para o processo de formação do leitor, de suas sensibilidades e
humanidades, como propõe o Relatório de Delors (2003).
Para desenvolver um estudo sobre o ensino de literatura com enfoque no de
poesia em escolas de nível médio, faz-se necessário conhecer os princípios e as
orientações que o embasam para que possamos compreender essa etapa da educação
que visa “desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação indispensável para o
exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos
posteriores” (Artigo 22, LDB, 9394/96).
2.3 RECONHECENDO O ENSINO MÉDIO
Discutir o lugar do Ensino Médio implica retomar, cada vez com mais nitidez, a
função e a relevância sociais da escola. A partir dos anos 90, houve uma grande
expansão de acesso ao Ensino Médio provocada, sobretudo, pela Constituição de
1988. Com o crescimento de matrículas, num percentual de 84% nos últimos anos,
face às novas exigências culturais, esse nível de ensino tem-se tornando bem mais
exigente para atender às expectativas e necessidades da sociedade do conhecimento
no processo de globalização.
A LDB nº 9394/96 situa o Ensino Médio como etapa final da Educação Básica.
Enquanto a Educação Infantil está voltada para a criança até 6 anos e o Ensino
Fundamental para crianças até 14 anos, o Ensino Médio destina-se à escolarização do
adolescente até 17 anos.
A propósito, diz o artigo 35 dessa Lei: o Ensino Médio, etapa final da educação
básica, terá duração mínima de três anos. Terá como finalidades: a consolidação e o
aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o
prosseguimento de estudos; a preparação básica para o trabalho e a cidadania do
educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com
flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores; o
aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o
desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico; a compreensão dos
49
fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria
com a prática, no ensino das disciplinas. Assim sendo, o Ensino Médio assume a
característica de terminalidade, ou seja, todo cidadão poderá desfrutar da oportunidade
de aprofundar os conhecimentos adquiridos no Ensino Fundamental, com a
possibilidade de prosseguimento dos estudos, a garantia da preparação básica para o
trabalho e cidadania e favorecimento dos instrumentos para continuar a aprender.
A necessária compreensão do Ensino Médio supõe uma articulação e um
entendimento entre os artigos 22, 32 e 35 da LDB. O artigo 22 explicita o aspecto
teleológico da educação básica: a garantia de uma formação comum ao aluno
alicerçada em conteúdos concretos e fecundos de aprendizagem, viabilizando a
cidadania ativa, cooperativa e produtiva e dando condições para que cada um se
desenvolva em seu trabalho ou avance na escolaridade formal. O artigo 32 remete ao
conceito de aprendizagem como desenvolvimento de competências intelectuais,
integradoras e resolutivas. O artigo 35, como já informado acima, apresenta como
tarefa do Ensino Médio aprofundar os conhecimentos adquiridos nas etapas anteriores,
acrescentando a preparação básica para o trabalho e o exercício da cidadania, pela
articulação dos conhecimentos, pelo desenvolvimento da autonomia intelectual e pelo
cultivo do pensamento crítico.
O conceito de educação é ampliado ao perpassar as relações sociais, e ao
sinalizar para a articulação da educação com o mundo do trabalho e a prática social,
com o objetivo de formar o cidadão crítico, criativo e participativo. Além disso, como
mencionamos anteriormente, prioriza o desenvolvimento de competências
(conhecimentos, habilidades, valores e atitudes), a educação básica e formação geral,
a avaliação processual, múltiplos espaços de aprendizagem, a educação compreensiva
e inclusiva, a dimensão politécnica e desgradificação curricular com a presença das
áreas (linguagens, códigos e suas tecnologias; ciências da natureza, matemática e
suas tecnologias; ciências humanas e suas tecnologias), permitindo que os
conhecimentos sejam reagrupados para evitar a fragmentação. Nesse caso, a proposta
curricular desse novo Ensino Médio, segundo os PCNEM (1999), deve pautar-se pelo
comprometimento com o novo significado do trabalho no contexto da globalização. O
50
sujeito humano, de forma ativa, apropria-se do conhecimento para se aprimorar no
mundo do trabalho e nas relações sociais.
Na proposta da escola, a formação integral contempla elementos, como a
política da estética e da ética, não abordados anteriormente em outros instrumentos
legais. Além da função de consolidar os conhecimentos adquiridos, volta-se o Ensino
Médio para o cidadão que busca respostas aos desafios existenciais da própria idade
(afetividade e sexualidade em mutação, independência dos pais, acesso ao mercado de
trabalho, necessidade de afirmação e de construção de sua identidade etc), devendo se
potencializar o currículo, no sentido da formação básica para o trabalho, a cidadania, a
autonomia intelectual, o pensamento crítico e a formação ética do ser humano com
todas as suas emoções.
O tratamento da formação integral no Ensino Médio enfrenta o desafio da
tensão entre a formação geral e a educação profissional capaz de absorver as
peculiaridades das mudanças socioeconômicas do momento, e considera que esse
nível de ensino tem se constituído, ao longo da história da educação brasileira, um nível
de mais difícil enfrentamento, em termos de concepção, estruturas e formas de
organização, em decorrência de sua própria natureza de mediação entre a educação
fundamental e a educação profissional.
Acreditamos que a formação do trabalhador convive com essa dualidade pelo
fato de que quem estiver matriculado na educação profissional, tendo ou não intenção
de continuar seus estudos, precisa, concomitantemente ou posteriormente, cursar o
Ensino Médio. Caso contrário, não receberá a certificação técnica nem poderá se
submeter ao vestibular. Os jovens, ao concluirem o Ensino Médio, enfrentam um
modelo econômico no qual o desemprego é estrutural. Nessa situação, também, o
Estado questiona a sua responsabilidade direta com a educação, na crise de
legitimidade que vivencia. Além disso, o discurso oficial da nova configuração legal
definida na LDB, materializada através dos PCNEM (1999) “novo Ensino Médio”,
aponta para uma construção curricular que privilegia o trabalho como princípio
educativo e eixo de compreensão, a articulação entre os conteúdos “universais” e a
realidade, a integração e a articulação entre as multifaces dos contdos
51
contextualizados, a aprendizagem construtivista-interacionista e sócio-histórica e o
planejamento expresso em projetos construídos de forma coletiva.
Preparar hoje para o trabalho e, ao mesmo tempo, para o prosseguimento dos
estudos implica questões pedagógicas e políticas pelas mudanças na organização da
produção, definindo a relação entre educação e trabalho. A proposta curricular pauta-
se, pois, pelo novo significado do trabalho no contexto da globalização: com um sujeito
ativo que, por intermédio da apropriação do conhecimento, se aperfeiçoa no mundo do
trabalho e nas relações sociais. O trabalho é compreendido como princípio educativo
por meio do qual o homem transforma a natureza e, simultaneamente, reconstrói
continuamente a sua humanidade e a realidade histórico-cultural, passando a ter o
papel de estruturador do sistema educacional e das propostas pedagógicas, desde que
o trabalho mude suas feições de exploração, dominação e destruição do humano e
passe a ser entendido como práxis humana e como práxis produtiva, a partir do que
não há dissociação entre educação geral e formação para o trabalho (KUENZER,
2001, p. 50).
Não podemos negar que a universalização do Ensino Médio trouxe um
problema com o aumento crescente da demanda e de suas conseqüentes deficiências.
Na realidade, a sociedade do conhecimento acaba subordinando o conhecimento à
tecnologia, cuja potencialidade é altamente valorizada em detrimento do trabalho
intelectual e das emoções. Essa conquista social do conhecimento abre espaços para
determinar papéis, valores e ideais por meio da informação. Tal concepção não é
positiva, se considerarmos que o conhecimento deve proporcionar o desenvolvimento
da tecnologia, mas não se expressar apenas por ela nem a ela ser subordinado.
As políticas educacionais, conforme o Conselho Nacional de Educação
(doravante CNE), parecer do Conselho de Educação Básica - CEB 15/98, precisam
atender ao desafio de vencer o volume de informações em tempo real, proporcionando
ao aluno a aquisição de conhecimentos básicos, a preparação científica e a capacidade
de utilização de diferentes tecnologias. Um novo trabalhador é desenhado como tendo
grande capacidade de comunicação, com domínio de vários códigos e linguagens,
inclusive, conhecimento de outra língua além da portuguesa, e das novas formas
trazidas pela semiótica; autonomia intelectual para utilizar os conhecimentos científicos
52
na solução de problemas do cotidiano; autonomia moral para enfrentar situações que
exigem um posicionamento ético e compromisso com o trabalho crítico e responsável,
compreendido como espaço de construção do humano e da sociedade.
O Ensino Médio se destina, de acordo com a LDB e as Diretrizes Curriculares
Nacionais( doravante DCN), aos “jovens que aspiram a melhores condições de vida e
de emprego” e aos “adultos ou jovens adultos via de regra mais pobres e com a vida
escolar mais acidentada”. Refere-se a um grupo heterogêneo que cresce de maneira
rápida e que precisa ser incluído no sistema escolar no momento em que enfrenta
escassas oportunidades de trabalho, numa realidade de grande competitividade,
trazendo sérias conseqüências para o exercício da cidadania e conquista da dignidade
de vida.
As orientações emanadas das DCN consideram que o maior problema para a
efetivão das novas propostas no Ensinodio é a formação dos professores,
entregando essa tarefa às Universidades. Entretanto, esquecem que essa
responsabilidade exige uma abordagem de conjunto, considerando-se que a formação
docente recebe influências de diversos problemas. A própria organização econômica,
os elementos sociais e políticos, as culturas das instituições das agências formadoras e
de exercício profissional e a prioridade dos recursos das políticas públicas são alguns
aspectos que influenciam essa realidade.
Um elemento apresentado por essa política é o fato deo mais se ministrarem
os conteúdos no enfoque disciplinar, partindo-se para a abordagem interdisciplinar, na
qual os vários professores trabalharão com projetos, oferecendo condições aos alunos
para formularem, analisarem e comunicarem as suas conquistas. Para isso, a base
comum do currículo é organizada não mais em disciplinas, e sim em áreas do
conhecimento, como já citadas anteriormente. Diante de um discurso legal com
objetivos aparentemente humanistas, temos um currículo carregado de disciplinas com
conteúdos isolados, gerando uma relação tensa e estéril no processo ensino-
aprendizagem e tornando a sala de aula num espaço bloqueador de emoções e
sentimentos: um lugar de dever, e não de prazer e alegria.
Expresso e materializado nos programas e livros didáticos, o conhecimento
escolar apresenta-se como algo a ser transmitido, e aprender, significa memorizá-lo. O
53
saber traduz-se no conhecimento objetivo que será transmitido como exigência de um
modelo de desempenho. Nessa lógica, não faz sentido estabelecer relões entre o
vivenciado pelos alunos e o conhecimento escolar, entre o escolar e o extra-escolar,
justificando-se a desarticulação existente entre o cotidiano escolar, o conhecimento e
as vidas dos alunos. Em muitas salas de aula do Ensino Médio, os conteúdos ainda se
apresentam enciclopédicos, fragmentados e descontextualizados; a aprendizagem,
mecânica; o planejamento, com base nos manuais didáticos, e a avaliação, com
relevância somativa. A escola privilegia o programa a ser dado e o atendimento às
exigências da sociedade. Como ser protagonista, dialogar e interagir com a diferença
num espaço que parece só ter lugar para os conteúdos do vestibular?
As possíveis mudaas parecem tardar. E a cultura escolar ainda é bem
evidenciada na organização do espaço físico, no tipo de móveis, na organização do
ambiente, assim como nas formas de relacionamento social, rituais, expectativas de
comportamento e normas de funcionamento. Numa pesquisa recente desenvolvida por
Roberta Bencine e Marie Ange Borda (2007, nº 200), esses aspectos emergem.
registram as autoras:
Infra-esturutura precária, professores que faltam (e não são
substituídos), conteúdos sem ligação com a realidade, um mundo de
descobertas do lado de fora dos blocos de concretos que deixam vazar
luz para dentro dos corredores. Para entrar na escola, é preciso se
dirigir a um guichê, onde uma funcionária pouco sorridente pede os
dados aos visitantes. Em seguida, ouve-se o barulho de um molho
pesado de chaves saindo do bolso. Outro funcionário, também sem
mostrar os dentes, abre um grande portão de ferro. [...] Há grades por
todos os lados, a sala de informática mais parece uma cela.
Essa realidade está enraizada na forma de organização da escola que não
deixa de ser a da sociedade que vê a escola como lugar de formação, lugar de
aprender, e essa formação passa pela disciplina, pelo enquadramento. O aluno que
fugir dessa especificação entra no espaço da delinqüência, como mostra a fala do aluno
presente no artigo dessas autoras: “tem professor que chama a gente de burro,
vagabundo”. As pesquisadoras também fazem uma reflexão sobre o papel da escola
como o lugar que promove a inserção no mercado de trabalho, expressando as
54
relações bem definidas entre capital e trabalho, como mostra a fala de um aluno
apresentada no referido artigo: “Estudar é bom, é um jeito de sonhar com uma vida
melhor, se preparar para arrumar trabalho”. Essas proposições não se coadunam com
as novas orientações que prevêem um aprendizado completo em que o aluno tenha
acesso a todas as linguagens e assim possa se tornar um cidadão.
Para que ocorram as reformas que se pretendem no ensino, faz-se necessária
uma nova concepção de escola e de ensino que impulsione mudanças a partir de uma
sociedade na qual os adolescentes possam exercer o direito à diferença, tenham voz e
vejam seus direitos respeitados sem que isso seja visto como desigualdade ou
anormalidade.
A propósito do Ensino Médio, Kuenzer (2001) destaca a presença na escola de
uma pedagogia do trabalho taylorista-fordista, que prioriza os métodos do fazer e o
disciplinamento, enrijece a sensibilidade, esquarteja o conhecimento e torna mecânico
o aprendizado que se quer para transformar o jovem no trabalhador. Na opinião da
autora (idem, p. 31), isso acontece porque se considera
desnecessário ao trabalhador ter acesso ao conhecimento científico
que lhe proporcionasse a compreensão das práticas sociais e
produtivas e a construção conseqüente de sua autonomia.
Assim, o aprendizado centra-se nas formas de fazer específicas de cada
ocupação, bastando memorizá-las e repetir os procedimentos numa certa seqüência.
Por isso, a pedagogia escolar e a do trabalho priorizam conteúdos fragmentados,
seguindo seqüências rígidas, exigindo a uniformidade de respostas, separando os
momentos de memorizar e de repetir e os procedimentos práticos com rigoroso controle
externo sobre o aluno. Entretanto, considerando as propostas atuais de trabalho, vemos
surgir um novo paradigma cuja linha de montagem é substituída pelas células de
produção e o trabalho individual pelo trabalho em equipe, tendo amplo espaço a
competitividade e a qualidade. Considerando esse novo momento em que a sociedade
está se organizando, as novas orientações para o Ensino Médio propõem desenvolver
o educando assegurando-lhe a formação indispensável para o exercício da cidadania e
fornecendo-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores. Esta última
55
finalidade deve ser desenvolvida de maneira precípua pelo Ensino Médio, uma vez que,
entre as suas finalidades específicas, incluei-se, ainda, a preparação básica para o
trabalho e a cidadania do educando. Essas especificidades devem ser desenvolvidas
por um currículo que destaque a educação tecnológica básica; a compreensão do
significado da ciência, das letras e das artes; o processo histórico de transformação da
sociedade e da cultura, a língua portuguesa como instrumento de comunicação e o
acesso ao conhecimento e exercício da cidadania.
A autonomia pedagógica é outro “gancho” altamente valorizado nas DCN. Um
novo projeto pedagógico é indicado no discurso do âmbito legal, para impulsionar um
novo fazer que articule a formação científica e sócio-histórica com a formação
tecnológica, com o objetivo de superar a ruptura historicamente determinada entre uma
escola que ensine a pensar, por intermédio do domínio teórico-metodológico do
conhecimento socialmente produzido e acumulado, e uma escola que ensine a fazer
por meio da memorização de procedimentos e do desenvolvimento de habilidades
psicofísicas. No entanto, essa autonomia, acompanhada da flexibilidade, constitui
grande risco frente à questão da avaliação que, além de conferir poderes à União sobre
a educação, configura-se como um aspecto bastante ambíguo, bloqueando a
criatividade e a liberdade das instituições educativas.
Afirma-se a flexibilidade das diretrizes e dos parâmetros curriculares e
promove-se uma política de controle da aplicação dos padrões comuns via avaliação
centralizada nos resultados, o que limita a própria flexibilidade proposta nos currículos
escolares. A interdisciplinaridade e a contextualização também são defendidas, além do
estímulo à pesquisa, o desenvolvimento do senso crítico e do protagonismo dos alunos,
a ética e a estética e o diálogo multicultural. No entanto, no espaço escolar, parece que
o Ensino Médio não consegue superar a dependência aos conteúdos das várias
disciplinas sem espaços para a articulação e a contextualização dos mesmos com as
vidas dos alunos, priorizando a preparação para o vestibular e as possibilidades
posteriores de um mercado de trabalho. Ao invés de um compromisso social e
solidariedade, sobrepõem-se a preparação para a competição e o individualismo.
Percebemos a riqueza desses novos conceitos proclamados, mas, no contexto
do Ensino Médio, eles se verificam apenas como estatuto. Na verdade, a lei não
56
sustenta esse compromisso político com a sociedade. Sabemos que nenhuma proposta
de reforma tem poder de mudanças em si mesma, estando impregnada dos embates
políticos e ideológicos pertencentes a determinado momento histórico. Possivelmente
nenhuma mudança ocorrerá se a organização da escola – ou seja, a gestão, a
formação e as atribuições dos professores, as práticas pedagógicas, os conteúdos
trabalhados, o gerenciamento dos espaços e tempos, as metodologias e os processos
de avaliação – não for modificada. Aprendizagem é sinônimo de vida. Evoluir é fazer
história, e fazer história é aprender. Para que isso aconteça, é preciso que a escola veja
o indivíduo socialmente construído e constituído, como aquele que traz para o espaço
escolar sua própria história, usos e costumes que não podem ser negligenciados se o
interesse é formar um ser social.
2.4 POESIA NO ENSINO MÉDIO, POR QUÊ E PARA QUÊ?
Minha confiança no futuro da literatura consiste em saber que há coisas que só
a literatura com seus meios especificos nos pode dar.
(Calvino, 1990, p.11)
Para Octavio Paz (1982, p. 15), poesia é “Conhecimento, salvação, poder e
abandono. Operação capaz de transformar o mundo. Inspiração, respiração.
Experiência, sentimento, emoção, intuição. Arte de falar em forma superior”.
Pedro Lyra, em Conceito de poesia (1992, p. 7), situa onero em dois grupos
conceituais: o primeiro, pura e complexa substância imaterial, anterior ao poeta,
característica já apontada por Aristóteles; o segundo, como condição da indefinida e
absorvente atividade humana, o estado em que o indivíduo se coloca na tentativa de
captação, apreensão e resgate dessa substância no espaço abstrato das palavras. Este
aspecto também é apontado por Fernando Azevedo (2006) quando afirma que a
poesia é brincar com palavras e com acumulação de significados, descobrir o valor
57
afetivo e expressivos das rimas e ritmos, procurar novas associações, surpreender-se
com novos usos. Para esse autor (2006, p. 34), é
uma possibilidade de se conhecer o outro lado das coisas, o lado
criativo que permite a criança sonhar e jogar: libertada da rotinização
das experiências semióticas, geradoras da esteriotipia e do lugar
comum.
Se a poesia é tudo isso, fica difícil compreender o porquê de nossos jovens não
demonstrarem interesse em ler e estudar, isto é, de vivenciar as possibilidades que
essa modalidade pode proporcionar. A partir dessa inquietação, comecei a buscar, na
minha história, fatos que pudessem, de alguma, forma justificar essa constatação.
Observando as reações de minha filha adolescente aos materiais e
procedimentos dados ao estudo da poesia, constatei a forma equivocada, arbitrária e,
até mesmo, desprazerosa com a qual se trabalha a poesia na sala de aula. Os
professores, de forma mecanicista, apenas destacam aspectos superficiais do texto
poético com perguntas tais como: o que o poeta quis dizer?, ou ainda, qual a
mensagem do texto? Às vezes, ao terminar a leitura de um determinado poema, os
alunos já esperam do professor o pedido para escever uma poesia, ou então,
desenvolve-se um trabalho para obtenção de nota, com um questionário com
perguntas que discutem apenas o que está na superficie do texto. Esse modelo de aula
já faz parte do cotidiano do aluno e mesmo que goste da atividade, o que realmente
interessa a ele é, a visão mercantilista que já adota para si: saber se vai “valer ponto
para nota.” Essa foi a posição de um aluno ao responder à pergunta do questionário de
como ele gostaria que as aulas acontecessem se fôssemos continuar com o
experimento (ver questionário em anexo).
A afirmação desse aluno pode ser um dos aspectos que corroboram para a
crença de que toda atividade desenvolvida em sala segue o modelo da recompensa:
para um exercício, uma nota. Aprender por aprender, não pelo prazer de aprender.
Essa atitude faz com que a especificidade decorrente da natureza da literatura e de seu
processo receptivo reduza a experiência vital desses alunos que se encontram em
processo de desenvolvimento e formação. Dessa forma, o prazer que o texto literário
poderia despertar no aluno se perde. O que acontece, na maioria das vezes, numa aula
58
de poesia é, após, uma rápida e não valorativa leitura, o esquartejamento tradicional do
poema, um exercício mecânico, que pouco traz em termos de conhecimento,
sensibilização e crescimento real para o aluno.
Frutos dessa prática escolar já exercida no Ensino Fundamental, os alunos
chegam às séries subseqüentes. Acostumados a vivenciar a poesia nesses moldes,
sentem-se desestimulados e não querem ler esse gênero de texto. A ideologia vigente
nas escolas é a de que tudo o que não for de natureza pragmática, funcional, é tido
como “inútil”, como absoluta “perda de tempo”. A partir dessa visão mercantilista de que
só é bom o que produz trabalho imediato e lucro, é que vemos, então, o espaço dado
ao lúdico e ao artístico reduzido, o que reflete e reproduz a visão capitalista-produtiva
que predomina na sociedade. Essa educação utilitária, funcional e pragmática,
apresentada na escola, do esquema, do modelo e da recompensa, ao invés de atrair a
atenção dos adolescentes, afasta-os criando um distanciamento ainda maior entre o
aluno e o prazer que o texto de poesia lhe poderia proporcionar.
Sobre esse afastamento do indivíduo da poesia via escola, o poeta Carlos
Drummond de Andrade (1974, p.16) faz o seguinte questionamento:
Por que motivo as crianças de um modo geral são poetas e, com o
tempo deixam de sê-lo? Será a poesia um estado de infância
relacionado com a necessidade do jogo, a ausência do conhecimento
livresco, a despreocupação com os mandamentos práticos de viver [...]
Acho que é um pouco tudo isso, e mais do que isso, [...] mas se o
adulto, na maioria dos casos, perde essa comunhão com a poesia, não
estará na escola, mas do que em qualquer instituição social, o elemento
corrosivo do instinto poético da infância que vai fenecendo à proporção
que o estudo sistemático se desenvolve, até desaparecer no homem
feito e preparado supostamente para a vida?
A educação infantil e o Ensino Fundamental, de posse desse conhecimento e
da importância da poesia na formação do leitor, em vez de explorarem os aspectos que
são inerentes à poesia, incluem-na entre as atividades lúdicas consideradas como não
“sérias”, utilizando-a como pretexto para atividades de interação e de brincadeiras. A
pouca seriedade à qual faz referência está mais relacionada ao cômico, ao riso, que
59
acompanha na maioria das vezes essa brincadeira. Assim, o ato lúdico que deveria
promover o conhecimento, se contrapõe ao trabalho, considerado como atividade séria.
A palavra “lúdico” vem do latim ludus e significa brincar. Nesse brincar estão
incluídos os jogos, os brinquedos e os divertimentos e, também a conduta daquele que
joga, brinca e se diverte. Por sua vez, a função educativa do jogo oportuniza a
aprendizagem do indivíduo, seu saber, seu conhecimento e sua compreensão de
mundo. Brincar é mais do que uma atividade sem conseqüência para a criança. No
brincar, estabelece-se a relação da brincadeira e o desenvolvimento da criança, o que
permite que se conheçam, com mais clareza, importantes funções mentais, com o
desenvolvimento do raciocínio da linguagem. Vygotski (2000) revela como o jogo
infantil aproxima-se da arte: a criança tem necessidade de criar para si o mundo às
avessas para melhor compreendê-lo, atitude que também define a atividade artística.
Para as crianças, a brincadeira não representa o mesmo que o jogo e o
divertimento, a recreação, a ocupação do tempo livre, o afastamento da realidade para
o adulto. Brincar não é ficar sem fazer nada. É preciso estar atento a esse caráter sério
do ato de brincar, pois esse é o seu trabalho, atividade através da qual se desenvolvem
potencialidades, descobrem-se papéis sociais e limites, experimentam-se novas
habilidades, forma-se um novo conceito de si mesmo, aprende-se a viver e avança-se
para novas etapas de domínio do mundo que cerca a criança.
Com relação ao ensino de poesia, percebe-se que, à medida que as crianças
vão avançando na escolaridade e chegando ao Ensino Médio, a poesia vai sendo
estudada com menos intensidade e de forma mais técnica. Surge em sala de aula por
constar nos conteúdos programáticos, nos livros didáticos e no programa do vestibular.
Por isso, os poemaso apresentados apenas para que os alunos tenham
conhecimento de determinados poetas, escolas e estilos literários que compõem o
conteúdo programático desse nível de curso, sem que se faça uma devida correlação
desse gênero de texto com as vivências desses leitores.
Essa forma de ler a poesia em sala de aula dispensa boa parte da
especificidade da linguagem poética. É justamente esse seu aspecto lúdico, como a
questão do ritmo, da rima, da onomatopéia, do uso musical e lúdico das palavras, o
que há de mais básico na linguagem poética, e talvez o que há nela de universal, ou
60
seja, o que permite que classifiquemos como poéticas certas produções verbais de
povos de cultura muito diferente da nossa.
Retornando a abordagem de Carlos Drummond de Andrade (1974), o poeta vê
na infância uma tendência natural para a poesia, visto que o mundo infantil e a poesia
são campos cheios de imagens com fantasias, sensibilidades e encantamentos, ou
melhor, a criança é capaz de se envolver no jogo e nas brincadeiras que esse gênero
proporciona. Entretanto, ele acusa a escola de atrofiar a sensibilidade poética natural
do ser humano, associada ao lúdico, à intuição e à criatividade.
José Paulo Paes, em Poemas para brincar (1990, p. 16), afirma que “Poesia é
brincar com palavras / como se brinca / com bola e sabão”. O texto expõe o fazer
poético como brincadeira que se estabelece entre o poeta e a matéria que ele utiliza, as
palavras. Nessa brincadeira, o texto passa a ser a arena onde ocorre o jogo do qual o
leitor pode participar de forma significativa, identificando as etapas que o constituem.
No final do poema, o leitor é convidado a se envolver na brincadeira: “Vamos brincar de
poesia?”
Carlos Drummond de Andrade, no trecho já citado, destaca ainda o
afastamento do jovem da poesia. Essa perspectiva incorre na possibilidade de que o
encantamento vivenciado na infância desapareça ao longo da vida adulta. Se
pensarmos dessa forma, estaremos concebendo o mundo adulto isento de fantasias, de
sonhos, de sensibilidades e do envolvimento que o jogo poético proporciona. E, ainda,
impedindo que o adulto vivencie a ludicidade, o jogo com as palavras que a poesia
proporciona. Ele continua (idem, p.16):
A escola enche o menino de matemática, de geografia, de linguagem,
sem via de regra, fazê-lo através da poesia da matemática, da
geografia, da linguagem. A escola não repara em seu ser poeticamente,
não o atende em sua capacidade de viver poeticamente o
conhecimento e o mundo.
.
Drummond percebe que a escola pode ser o elemento corrosivo da perda de
se viver o mundo poeticamente. O que ele não percebe é que a mudança na educação
serve às diversas propostas da sociedade. Os alunos vão sendo impulsionados para
um estudo mais objetivo, com função utilitária e mais concreta, visto que está formando
um indivíduo para o mundo, e o mundo não comporta brincadeiras, é sério. Assim, as
atividades lúdicas vão-se escasseando, tomando o controle de uma tendência
61
racionalizante: “substituem as atividades lúdicas relativas ao processo de
desenvolvimento pelas atividades ditas ‘sérias’ e ‘úteis’, deixando o jogo (ou
brincadeira) para os momentos exclusivos de recreação” (MAIA, 2001, p. 17).
Como professora do ensino superior, percebo a falta de interesse e de desejo
dos alunos em discutir e ler literatura. Alguns chegam a dizer que detestam literatura,
incluindo a poesia porque a linguagem desta é difícil e complicada. Talvez essa falta de
interesse advenha de duas causas: falhas na escolha dos poemas a serem lidos, ou a
forma de tratamento dado ao poema em sala de aula, ao longo das séries iniciais.
Acreditamos que o gosto pela leitura tem de ser despertado bem antes do Ensino
Médio, pois o aluno que chega a essa fase, sem passar por leituras anteriores, terá
dificuldades com as leituras, quer sejam de poesias, quer sejam de qualquer gênero
escrito em prosa.
A escola, ao dar importância apenas aos conteúdos que considera relevantes
para a formação do indivíduo na sociedade, relega a poesia ao espaço do não sério.
Esse aspecto priva o jovem de conhecer os elementos brincantes inerentes ao gênero
poético, e assim os alunos vão perdendo a capacidade de brincar. A brincadeira é o
momento em que o indiduo volta-se sobre si mesmo e sobre o mundo, dentro,
inclusive, de um contexto de faz-de-conta. E isso é comumente esquecido nas escolas.
Observei que, na escola, local desta pesquisa, não há lugar para o desenvolvimento
global e harmonioso em brincadeiras, jogos e outras atividades lúdicas. Os momentos
de brincadeira propiciados pelo experimento foram compartilhados por
aproximadamente 60% da turma. Os demais alunos sentiram-se inibidos, não deixaram
a imaginação fluir e não vivenciaram, de forma completa, o prazer que poderiam ter
sentido, uma vez que consideram a brincadeira coisa de criança, e, como exigem deles
comportamentos de adultos, consideram-se um pouco adultos, recusando-se, portanto,
a viver o mundo do faz-de-conta e da imaginação.
Quando o adolescente afirma que não gosta de poesia porque é um texto difícil,
complicado, percebemos o quanto faz falta a utilização de leituras que explorem o
imaginário em sala de aula, não somente na idade infantil, como se percebe nos
trabalhos de alguns professores, mas também ao longo de sua vida adulta, pois “o
indivíduo tem necessidade de seu lado imaginativo para descobrir os diversos aspectos
62
do real” (MAIA, 2001, p. 23). Criança que não desenvolve o imaginário torna-se um
adulto sem imaginação, rígido nos seus processos mentais.
Se a poesia é uma forma particular de conhecimento da realidade, uma maneira
diferente de ver o real, ela pode contribuir com o professor na tarefa educacional, visto
que ela pode ser uma excelente porta de entrada à reflexão sobre aspectos importantes
do comportamento humano. Assim, a poesia possibilita trabalhar com as subjetividades
e a imaginação, e “a imaginação não pode ser reservada somente aos poetas e
sonhadores, mas faz parte do ser humano” (MAIA, 2001, p. 23). Isso significa que,
tanto para aquele que produz poesia como para aquele que a lê, o fundamental é saber
descobrir o sentido do texto, envolver-se no jogo de imagens (POUND,1997) criado
pelo texto, a fanopéia.
Além de possibilitar a aquisição de conhecimento sobre si e sobre o mundo
sem ter de, em alguns casos, passar pelo desconforto da experiência, a literatura conta
também com a possibilidade de esses conhecimentos serem apreendidos com o prazer
da fruição estética que a leitura proporciona. Esses aspectos são definidos por Barthes
(1997, p. 49) quando afirma que o texto de prazer é “é aquele que contenta, enche, dá
euforia; aquele que vem da cultura, não rompe com ela, está ligado a uma prática
confortável da leitura”.
Para esse autor (1997, p. 49),
Texto de fruição é aquele que coloca em situação de perda, aquele que
desconforta (talvez até chegar a um certo aborrecimento), faz vacilar as
bases históricas, culturais, psicológicas, do leitor, a consistência dos
seus gostos, dos seus valores, a sua relão com a linguagem.
Barthes explorou esse conceito para explicar quando um texto causa prazer e
fruição. Para esse crítico, um texto literário não só causa prazer mas promove um
estado de fruição, uma vez que o leitor se questiona para encontrar sentidos e
respostas. Nesse ponto, a leitura de poesia desempenha um papel importante,
constituindo-se como um caminho aberto para o encontro do sujeito consigo mesmo. A
poesia, através de sua estrutura peculiar, sua concentração e sua multiplicidade de
significações, converte-se num desencadeador de descobertas, à medida que mobiliza
63
a consciência do leitor sem que ele, necessariamente, esteja ligado à realidade.
Admitindo–se que uma aula de poesia possa produzir diferentes efeitos estéticos nos
leitores – desde o prazer de ouvir até uma atividade cognitiva de estabelecer os
sentidos do texto com as experiências de vida, passando também pelo desprazer e
pelas impressões particulares ao final da leitura, pode-se inferir que o prazer e a fruição
estética podem ser compreendidos do ponto de vista da recepção.
Considero, então, esta pesquisa como uma oportunidade de, ao me aprofundar
na experiência estética, na resposta emocional, na razão primária dos leitores e nas
suas paixões, apontar novos dados que nos permitam avançar mais um passo na
prazerosa tarefa de educar por meio da literatura, e, em especial, da poesia, por
compreender sua função formadora, na medida em que, ao estabelecer uma relação
íntima entre o texto e a subjetividade do leitor, as leituras tragam novas possibilidades
de sentidos que desafiem suas verdades, desestabilizando-o e levando-o a se
reestruturar. Assim sendo, concordo com Perrone-Moisés (2000, p. 351) quando afirma
que “leitura literária não apenas pode ser ensinada como necessita de uma
aprendizagem.” Bosi (2001) demonstra que o leitor não nasce pronto, feito, mas se
forma. Perrone-Moisés (2000, p. 351), citando Antonio Cândido, afirma que a literatura
deve ser ensinada porque atua como organizadora da mente e refinadora da
sensibilidade, como oferta de valores num mundo onde estes se apresentam flutuantes.
É preciso, portanto, aprender e ensinar a ler poesia.
Partindo da idéia de que o “prazer também se ensina” (AMARILHA, 1997) e de
que o jovem sente necessidade de desenvolver uma definição de si mesmo e de um
mundo que, muitas vezes, lhe parece estranho e confuso (CARVAJAL, 2001), propus-
me estar ao lado do aluno, para mediar o encontro deste com o texto e a aprendizagem
pelo prazer que a leitura de poesia propicia.
64
3 O CAMINHO SE FEZ AO CAMINHAR. REFLEXÕES E
PROCEDIMENTOS UTILIZADOS NA PESQUISA
3.1 OPÇÕES METODOLÓGICAS: O ENCONTRO COM A
METODOLOGIA
ara desenvolver esta pesquisa, delineei o marco teórico-metodológico a partir
do qual planejei o trabalho, concomitantemente, à definição do universo dos sujeitos
participantes e à classificação dos instrumentos que me subsidiariam na realização do
experimento. Como metodologia, a pesquisa qualitativa. Nessa abordagem, o foco
centra-se na observação participante, com intervenção e com algumas particularidades
da pesquisa-ação.
Utilizei essa abordagem na minha pesquisa visto que ela envolve a obtenção
de dados descritivos oriundos do contato direto com a situação estudada (manifestação
natural), enfatizando, prioritariamente, o processo; resgatando os significados atribuídos
às ações dos sujeitos participantes e à realidade que os cerca; buscando a formulação
de hipóteses, conceitos, abstrações e teorias e não apenas a sua testagem (ANDRÉ,
1986, p. 29-30). Assim, o importante é compreender como os alunos se expressam
sobre si mesmos e as suas experiências e como percebem o mundo que os cerca,
captando sua visão pessoal, que são os aspectos fundamentais do processo qualitativo
da busca, da análise e da interpretação dos dados.
A metodologia qualitativa incorpora a questão do significado e da
intencionalidade como inerentes aos atos, às relações e às estruturas sociais, sendo
essas últimas tomadas, tanto no seu advento quanto na sua transformação, como
construções humanas significativas. Nesse sentido, toda ação humana só pode ser
compreendida, levando-se em conta os significados atribuídos pelos sujeitos
(conhecimentos já adquiridos, usados para interpretar experiências e gerar
comportamentos).
A abordagem qualitativa adentra no mundo dos significados, das ações e
relações humanas a fim de melhor apreendê-lo. Por isso, o critério utilizado neste
65
trabalho não priorizou os números e a quantidade, e sim a preocupação com o
aprofundamento do dado empírico no conjunto dos fatos que o configuram, isto é, a
compreensão do dado deve vir do significado que lhe é atribuído, considerando a sua
condição de produção (como, por quê e em que situação foi produzida). Assim,
compreenderemos os acontecimentos na sala de aula, numa visão que considere os
componentes da situação em suas interações e influências recíprocas. Essa forma de
trabalhar os dados abrange o que as pessoas fazem, o que elas sabem e as coisas que
elas constroem e usam. Vai, portanto, além das descrições de pessoas, fatos e
ambiente para reconstruir as ações e intervenções dos atores sociais, segundo seus
pontos de vista, suas categorias e lógicas de pensamento – são as diferentes formas de
interpretação da vida e de compreensão do senso comum –, significados variados
atribuídos pelos sujeitos às suas experiências e vivências (ANDRÉ, 1986).
No marco dessa abordagem qualitativa, a observação participante referenciou
o experimento, uma vez que, conforme André (1986, p. 28), “a observação é chamada
de participante porque parte do princípio de que o pesquisador tem sempre um grau de
interação com a situação estudada, afetando-a e sendo por ela afetado”. Esse tipo de
pesquisa envolve o estabelecimento de uma série de ações que devem ser executadas
pelos participantes e devem ser sistematicamente submetidas à observação, reflexão e
mudança, pois envolve um plano de ação e se baseia em um objetivo, em um processo
de acompanhamento e controle da ação planejada e no relato concomitante desse
processo (ANDRÉ, 1986). Para dar suporte à observação participante, algumas
premissas da pesquisa-ação fizeram-se necessárias para complementar o
desenvolvimento da pesquisa. A pesquisa-ação pressupõe a inserção num determinado
ambiente que se pretende investigar; ela seria, de alguma maneira, uma pesquisa
participante. Nesse sentido, toda pesquisa-ação tem um cunho participativo, mas a
pesquisa participante não é, necessariamente, uma pesquisa-ação. Mas é possivel
encontrar uma convergência entre a pesquisa-ação e a pesquisa interventora, porque
ambas podem ser comparadas com a pesquisa participante, por possuirem algumas
características em comum.
Da observação participante, apropriei-me do aspecto de que poderia, estando
em sala de aula como pesquisadora/professora, participar do eventos que estavam
66
sendo pesquisados e, ao mesmo tempo, observar atitudes, comportamentos, opiniões
e sentimentos que ocorriam, na medida em que, megulhada no campo, observei
segundo a perspectiva de um membro integrante da ação. Essa particularidade da
observação participante cria dúvidas em relação à credibilidade da pesquisa porque fica
difícil um membro do grupo conseguir ser objetivo em suas análises. A meu ver, não é
tão dificil assim, pois foi no dia-a-dia do fazer pedagico e na interação direta com os
alunos que as dificuldades encontradas foram sendo tratadas numa permanente
reformulação de posturas e criadas novas formas de interação coerentes com a prática
a ser desenvolvida. Isso se deu a partir da interação professora(pesquisadora)-aluno e
aluno-aluno, levando em conta que as trocas interindividuais são decisivas para o
processo de constrão do conhecimento.
Da pesquisa-ação, peculiaridades como agir diretamente sobre o evento numa
estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no
qual a pesquisadora e os participantes representativos da situação estão envolvidos de
modo cooperativo ou participativo. Como a experimentação ocorre em situação real, na
qual o pesquisador intervém conscientemente, os participantes não são reduzidos a
“cobaias” e desempenham um papel ativo. Comprendendo, pois, que nenhum método,
por si só, dá conta da complexidade de uma pesquisa, a associação dessas
abordagens será extremamente importante para este trabalho, porque introduz na
escola questões de natureza subjetiva e valores socioculturais do coletivo envolvido.
A intervenção educativa na escola a partir dessa opção metodológica
(observação participante e/ou pesquisa-ação) pôde ser viabilizada por meio do
diagnóstico de determinada realidade escolar, como a ausência de leitura de poesia em
sala de aula, o que levou à construção de estratégias de ação e, finalmente, organizou
o coletivo em prol de uma reestruturação educacional. Assim, na escola, a pesquisa-
ação e a observação participativa se destacam como metodologias alternativas em
busca não somente de uma investigação, mas também de uma intervenção.
Para o desenvolvimento desta pesquisa, elegi procedimentos que entremeiam
observação participante com pesquisa-ação. A pesquisa-ação justifica-se pelo nosso
envolvimento nas diferentes partes da pesquisa, desde a definição do problema até a
implementação de uma ação que resultasse em uma melhoria para o grupo de
67
participantes em estudo. Houve nesse caso, como afirma André (1986, p. 33), um
sentido político claro nessa concepção: o de partir de um problema definido, usar
instrumentos e técnicas para conhecê-lo e delinear um plano de ação que trouxesse
benefício para o grupo.
Da observação participante, combinamos análise documental, entrevista com
respondentes, participação direta, observação e introspecção. Nesse método, o
pesquisador mergulha no campo, influencia e é influenciado pelo que observa devido à
sua participação ativa (VIANA, 2003).
3.1.1 Delineando o experimento
O trabalho de investigação iniciou-se com a revisão bibliográfica, o que me
situou nas questões relacionadas ao ensino de literatura no âmbito escolar: uma
pesquisa para identificar estudos que se relacionam com o tema proposto como as
pesquisas que abordam o ensino de literatura, os relatórios de pesquisas do núcleo do
qual faço parte, além de entrevistas informais com profissionais que lidavam com o
assunto.
No ano de 2004, além dos estudos implementados, iniciei o processo de
seleção da escola que seria o campo da pesquisa, o que culminou na opção por uma
escola pública de nível médio. Como critério para a seleção, considerei as dificuldades
enfrentadas pelos alunos nesse ambiente escolar de escassez de material didático,
como, por exemplo, uma biblioteca com um acervo precário e a desvalorização da
literatura por parte do ambiente escolar, uma situação que podia, de uma forma ou de
outra, contribuir para o afastamento do aluno do texto literário. Além do mais, sendo a
clientela da escola pública oriunda das classes sociais baixa e média baixa, esse fator
poderia também favorecer o afastamento da leitura já que o baixo poder aquisitivo das
famílias não permitiria o acesso aos livros nem aos suportes onde se manifestam os
materiais escritos como jornal, revista, computador etc. A ausência do contato com as
letras, quer seja no ambiente doméstico, quer seja na escola acarreta a pouca
familiriadade dos alunos com a leitura.
68
Outros critérios para a seleção desse nível de ensino tiveram base nos dados
que apontam essa etapa como crítica no processo de escolarização. No contexto do
nível médio, os alunos apresentam ainda algumas deficiências na leitura, incluindo a
leitura de literatura. Assim, por constatar que poucos estudos têm privilegiado questões
específicas como a cognição, a afetividade e a socialização que a leitura de poesia
pode propiciar aos alunos no Ensino Médio, selecionei esse patamar de ensino.
Registro, mais uma vez, a receptividade que encontrei em relação ao desenvolvimento
da pesquisa, tanto por parte da professora, que se prontificou em ceder a sua sala para
esse objetivo, como por parte dos alunos. Esse dado é importante porque em outras
instituições procuradas, não houve receptividade. A professora da turma havia cursado
o magistério, o antigo curso pedagógico, e concluído o curso de Letrasdezessete
anos, atuava como professora da disciplina de Língua Portuguesa há vinte e quatros
anos.
Selecionada a escola e os sujeitos, comecei a preparar o experimento com
base na investigação de caráter quase experimental. As primeiras informações vieram
dos primeiros contatos com a turma e das entrevistas individuais com a professora e o
grupo de alunos. Esses encontros, chamados de contatos exploratórios, foram
importantes porque pude me apresentar como pesquisadora, falar do meu projeto de
tese, avaliar a receptividade da turma e estabelecer os contatos entre nós.
Considerando que a base empírica desta tese foi uma sala de aula e o fato de
que a pesquisadora manteve contato direto com a turma pesquisada, faz-se necessário
esclarecer a concepção de observação participante que referenciou a investigação
naquele momento. Como postula André (1995, p. 28), “a observação é chamada de
participante porque parte do princípio de que o pesquisador tem sempre um grau de
interação com a situação estudada, afetando-a e sendo por ela afetado”.
O grau de interação do pesquisador, entretanto, pode variar em um continuum.
Ele pode assumir um dos seguintes papéis: de participante total, que ocorre quando o
observador não revela sua identidade de pesquisador ao grupo pesquisado; o de
participante como observador, quando o pesquisador declara somente parte do que
pretende estudar; o de observador como participante, quando declara ao grupo a
identidade do pesquisador e revela os objetivos da pesquisa; o de observador total,
69
quando não há interação entre pesquisador e grupo observado (LÜDKE e ANDRÉ,
1986).
Para desenvolver esta pesquisa, a opção metodológica que se apresentou mais
apropriada aos objetivos propostos aproximou-se do papel de observador como
participante, uma vez que assumi a identidade de pesquisadora e revelei os objetivos
do estudo aos sujeitos pesquisados.
No primeiro momento da pesquisa (primeiro semestre letivo de 2005), assumi a
observação participante quando, predominantemente, observei a turma e registrei no
diário, os dados considerados relevantes no próprio ambiente dos sujeitos investigados.
Os primeiros encontros visavam, sobretudo, a uma primeira aproximação entre a
pesquisadora e os sujeitos e à coleta de dados sobre a concepção de poesia veiculada
nas situações de ensino de literatura, de forma a verificar se a poesia estava sendo
trabalhada e de que forma o seu ensino era sistematizado.
Após a análise dos dados, recolhidos no primeiro momento de observação
participante, sistematizei e desenvolvi doze aulas com poemas da literatura brasileira.
No segundo momento, expandi o papel de observador como participante, interagi com a
turma lendo poesias e discutindo com os alunos os poemas selecionados para cada
aula.
A implementação do experimento constou de doze aulas de leituras de poesias.
Para mediar essas leituras, escolhi o gênero poético na sua forma de poemas. Adotei,
ainda, a metodologia da andaimagem (GRAVES, GRAVES, 1995), ou seja, leitura
assistida mediante a qual um leitor mais experiente, denominado animador, lê os
poemas com e para os alunos, proporcionando os desafios, o apoio e as informações
que possibilitarão aos leitores/ouvintes interagirem com os textos de forma significativa
e ganharem autonomia em sua leitura. Essa metodologia tem como base o conceito de
zona de desenvolvimento proximal proposto por Vigotski (2000) pelo qual se entende
que, em interação e com ajuda de outro mais experiente, o sujeito é capaz de realizar
tarefas e resolver problemas, o que sozinho não poderia fazer.
Uma greve no período de março a abril de 2005 atrasou o andamento do
experimento. O retorno se deu, então, no mês de maio, quando se realizaram as
entrevistas. Uma com a professora e, em seguida, uma outra com um grupo de alunos,
70
compreendendo uma amostra de 30%, num total de 8 alunos dessa turma. A seleção
desse grupo foi aleatória, ela se deu com um sorteio em sala de aula.
No segundo semestre, elaborado o planejamento das aulas e realizada a
selão dos poemas que seriam lidos e discutidos em sala, deu-se o experimento que
consistiu de leituras dos poemas e textos selecionados para as aulas. Essas aulas
aconteceram uma vez por semana, no período de 05 de outubro a 22 de dezembro de
2005. Cada aula, durou em média, 90 minutos. O cenário foi o mesmo da sala de aula.
As carteiras ficaram na forma habitual e não utilizei gravação em aúdio e vídeo por ter
percebido, nos primeiros encontros, que os participanteso ficariam à vontade diante
desses equipamentos. Para registro das aulas, utilizei-me do diário de sala de aula. No
final, foi aplicado um questionário para verificar a recepção das aulas de poesia e os
possíveis avanços na relação dos alunos com a poesia.
Fazia parte do planejamento que cada aluno tivesse o texto em mãos para a
leitura. Após a pré-leitura em que levantávamos as hipóteses sobre o conhecimento
prévio dos alunos, eles recebiam o texto. Como as poesias eram de autores diferentes
e não existia um livro que contivesse a seleção de poemas utilizados em sala, cada
texto foi digitado e entregue aos alunos. O primeiro contato com o texto foi a partir de
uma leitura silenciosa, e, posteriormente, a leitura era oralizada pela pesquisadora. A
leitura oralizada fez-se necessária porque percebi, nos primeiros encontros, que esse
procedimento contribuía para a construção da significação dos alunos, pois, como eles
mesmos afirmaram, não estavam acostumados a ler poemas e, muitas vezes, não os
entendiam, mas, com a oralização feita pela pesquisadora, o processo de significação
ficava mais fácil. E assim foi feito rotineiramente
A poesia, segundo Zumthor (1993), sempre esteve vinculada à oralidade
através de uma perfomance corporal negada à medida que restringimos o texto à
fixidez do escrito. Como uma das características essenciais do texto de poesia é
obedecer às leis da fonética complexas e variadas, qualquer poema que não seja dito
deixa em silêncio uma boa parte de si mesmo (ZUMTHOR, 1993). Compartilhando
desse pensamento, os poemas foram lidos, destacando-se os aspectos da prosódia, a
pontuação, o ritmo, a entonação, as aliterações, assonâncias etc. A reflexão sobre a
fruição de textos poéticos para indivíduos que não dominam ainda a leitura de poesias
71
deve considerar, como princípio, a vocalização de poemas, pois a contribuição da
poesia para a aprendizagem da leitura é relevante porque a poesia é um texto
composto, em princípio, para ser oralizado. Sobre esse aspecto, Averbuck(1982)
afirma que, repetindo os versos, as aliterações, a sonoridade do poema, atuando sobre
o plano melopéico, a criança realizará sua efetiva aproximação com o gênero. Acredito
que esse aspecto ultrapasse o fator idade, pois qualquer pessoa, em qualquer idade,
que não tenha tido a oportunidade de vivenciar a poesia, precisa desse primeiro contato
oralizado para poder aprender a ouvir, observar e perceber a sintaxe w os ritmos
complexos infinitamente variáveis dos tipos gráficos, dos espaços em branco, dos
espaços para sonhar. Por isso, Zumthor (1993, p. 21) considera e valoriza a voz como
portadora de linguagem, “já que é na voz e pela voz que se articulam as sonoridades
significantes”.
Após as leituras dos poemas, iniciávamos a discussão sobre o texto. Cada
comentário feito, fosse pela pesquisadora, fosse pelos alunos, era sempre seguido da
indicação do trecho que sustentava aquele comentário. Essa atitude, denominada
andaimagem (scaffolding), desfazia os entraves e contribuía para a construção do
sentido do texto pelo aluno/leitor. Conforme orienta essa metodologia, à medida que as
leituras foram se desenvolvendo, a andaimagem foi sendo retirada para promover a
autonomia do leitor.
Essa autonomia é importante porque se articula com o despertar para o prazer
de ler. Quando um aluno não desenvolve as competências necessárias para analisar
um texto literário em seus vários aspectos, ele não consegue usufruir da leitura e nela
encontrar prazer, pois não percebe elementos importantes que foram usados
artisticamente pelo autor para a realização da sua obra. Ao dar ao aluno-leitor os
instrumentos necessários para mergulhar na leitura sem guiar-se pelo que já foi dito e
escrito por leitores mais experientes, a ele se oferece a possibilidade de se desviar do
caminho já trilhado por outros e se relacionar com a obra de uma forma mais pessoal e
íntima, e, conseqüentemente, mais prazerosa.
72
3.1.2 O campo da pesquisa
A Escola Estadual Professor Edgar Barbosa possui amplas instalações de sala
de aula, uma biblioteca, uma sala de vídeo, um laboratório de informática e uma sala de
professores onde estes reúnem para descansar e fazer um pequeno lanche oferecido
pela instituição. Nesse ambiente, os professores conversam e se mantêm informados
sobre as turmas e o comportamento dos alunos.
A biblioteca é ampla e bem freqüentada. O acervo, composto por livros
didáticos, em sua maioria, e alguns exemplares de literatura, apesar de não ser o ideal
para uma escola que propõe formar leitores, permite o desenvolvimento de um trabalho
com textos literários. Segundo a bibliotecária, há uma procura por livros de literatura,
principalmente por alunos que vão prestar o concurso vestibular. De acordo com essa
funcionária, os alunos do Edgar Barbosa se dão bem nesse concurso porque lêem
bastante. Mostrou-me o livro de registro do ano 2005, ano do experimento, para
comprovação do que havia afirmado, ou seja, que os alunos procuram livros na
biblioteca. Essa informão contraria a da professora e dos alunos quando revelaram,
na entrevista inicial, a ausência de livros de literatura na biblioteca. Antes de introduzir
as falas da professora e dos alunos, gostaria de ressaltar que tanto a professora
quantos os alunos estão apresentados com nomes fictícios com intuito de preservar a
identidade dos sujeitos.
Vejamos trechos das entrevistas.
Com a professora:
Pesquisadora: Quando você termina uma aula de literatura, os alunos se
mostram interessados em discutir ou rever o que foi falado em sala? Como
vocês têm biblioteca, eles vêm pegar um livro ou um texto que despertou
atenção?
Professora: Aqui não. Porque ... é.... os livros aqui, de literatura praticamente
não existem.ngua portuguesa e literatura não existem
Pesquisadora: Na biblioteca não tem livro de literatura?
Professora:o, não. Para pesquisa de língua portuguesa e literatura, não.
73
Com os alunos:
Pesquisadora: Você sempre encontra na biblioteca o que precisa?
Carlos: Assim... para fazer trabalho, eu encontro. Tem muito livro didático. Mas
livro, assim.... sem ser didático, não, quase nenhum.
Pesquisadora: Você costuma ir à biblioteca?
Thiago: Às vezes.
Pesquisadora: o que leva você a uma biblioteca?
Thiago: Só os livros de poesias.
Pesquisadora: A biblioteca possui livros de poesias?
Thiago: Alguns, por isso vou pouco.
Pesquisadora: Você costuma ir à biblioteca?
Glória: Quando preciso ler alguma coisa
Pesquisadora: Quais são os professores que convidam você a ir à biblioteca?
Glória: A professora de português, de inglês, sobre dicionários, essas coisas,
né? Só.
Pesquisadora: Você encontra sempre o que precisa?
Glória: Às vezes. É pouco livro.
Pesquisadora: Você não pode pegar livro na biblioteca?
Ana: Aqui a gente não pode pedir emprestado, quer dizer, eu não sei. Eu nunca
peguei emprestado. Mas as meninas dizem que não pode. Em casa, sei lá, eu só
levo o tempo em dormir.
Pesquisadora: Por que será que não pode pegar livro emprestado na biblioteca?
Ana: Não sei.
No “passeio” feito à biblioteca, comprovou-se a informação da bibliotecária: há
livros de literatura. No entanto, os alunos afirmaram que não iam à biblioteca por vários
motivos, dentre os quais, a inexistência de livros interessantes. Uma aluna afirmou
ainda que só podia ler na biblioteca, durante o intervalo entre uma aula e outra. Como
74
estava impossibilitada de levar o exemplar para casa e o intervalo era curto, não dava
para fazer leituras. Vejamos o depoimento de uma aluna:
Pesquisadora: E de literatura, você não gosta?
Marta: Literatura. Eu lia muito. Aí dei uma parada depois que não encontrei
mais livro de literatura. Porque eu pegava emprestado na escola onde eu
estudava.
Pesquisadora: Onde você estudava?
Marta: Eu estudava no Juvenal Lamartine.
Pesquisadora: Lá tinha uma biblioteca boa?
Marta: Tem. Aí, aqui a gente não pode pegar livro emprestado. Aí eu parei de
ler livro de literatura.
Pesquisadora: Por que não pode?
Marta: À tarde, pode. De manhã, a mulher não deixa não. Só não sei o motivo.
Pode pegar no intervalo. Mas o intervalo é muito pouco para a gente ler. A
gente fica na sala e quando toca, ela já pede para sair.
Pesquisadora: Quer dizer que tem de ler o livro na biblioteca, não pode sair
com o livro?
Marta: Podeo.
Os registros da bibliotecária mostram que há procura por livros de literatura,
talvez por alunos de outras séries, que não a que está participando do experimento,
preocupados com o vestibular ou talvez envolvidos num determinado trabalho de algum
outro professor.
A bibliotecária ressente-se com o fato de os professores não a procurarem para
desenvolver um trabalho conjunto. Ela se envolve com os alunos, conhece a
importância da leitura de literatura e deseja desenvolver um trabalho integrado com os
professores; mas, como não tem respaldo, é obrigada a se virar sozinha, auxiliando os
alunos que, porventura, queiram enveredar pela leitura. Isso ficou demonstrado quando,
na minha incursão pela biblioteca, percebi o relacionamento dela com os alunos.
75
Mostrou-me os livros mais procurados, leu as poesias que os alunos tinham produzido,
com comentários, elogiando-as e mostrando-as para todos que chegavam à biblioteca.
Há também uma sala de vídeo. Esse espaço é muito requisitado pelos
professores por causa dos instrumentos como retroprojetor, televisão e vídeo. Esses
instrumentos facilitam o desenvolvimento do trabalho e, para alguns professores,
despertam mais interesse nos alunos. Conta-se com a presença de uma orientadora
que seleciona, muitas vezes, o material que será utilizado pelos professores. Como é
uma pessoa muito envolvida no seu trabalho, ela sempre convida os colegas e lhes
apresenta materiais que podem ser discutidos, vistos pelos alunos.
A escola possui um amplo pátio onde os alunos podem, nos horários vagos e
nos de folga, jogar e participar de brincadeiras. Esse espaço é saudável no que diz
respeito ao aspecto brincante dos alunos, entretanto o barulho produzido pelas
brincadeiras atrapalha o desenvolvimento das aulas. Os alunos que estão em sala
ficam desejando participar das brincadeiras. Os olhares fixam-se nessas brincadeiras. É
latente o desejo de estar naquele espaço tão cheio de vida, e a sala de aula torna-se o
lugar do enfado, do não desejável. A professora, de tanto chamar atenção para a aula e
requerer a presença deles, torna-se, na visão dos alunos, a “megera” que os aprisiona
e os mantém ocupados com tarefas que, muitas vezes, não lhes parecem merecedoras
de atenção, porque não vêem nelas um sentido. Daí, desligam-se com facilidade, e
qualquer ruído, por menor que seja, é motivo para desviá-los do que estão
desenvolvendo.
Há ainda os alunos de outras turmas que ficam na janela observando as
atividades desenvolvidas na sala. Muitas vezes, esses observadores deixam os colegas
inibidos e sem vontade de participar ou os incitam a fazer mais brincadeiras e
algazarras.
Nesse ambiente complexo e dinâmico, o professor é um sísifo, que como não
pode recuar, continua a desempenhar seu papel, o de cuidar para que os jovens sob
seu comando consigam atingir o objetivo que os faz vir à escola.
76
3.1.3 Os sujeitos da pesquisa – perfil
A população delimitada foi uma turma de primeiro ano do Ensino Médio
composta de 40 alunos, de uma faixa etária situada entre 13 e 17 anos, com maior
concentração em 15 anos (com exceção de uma aluna de 30 anos). A maioria reside
em bairros próximos à escola, como Cidade da Esperaa, Nazaré e Lagoa Nova.
Estão na adolescência. Nesse momento da vida, um mundo de novidades se
abre para esses indivíduos, e a escola, como instituição formadora, pode representar
para eles o lugar das descobertas através da poesia. Nessa faixa etária, os alunos
passam por mudanças biológicas, psicológicas e comportamentais, resultantes da
busca e do sentido de sua identidade. Adolescer é viver a aventura de uma
metamorfose, é uma vontade de ser criança e adulto ao mesmo tempo (CARVAJAL,
2001). Essa é uma fase conflituosa, pois ainda querem buscar aquilo que consideram
importante da infância, como o apoio dos pais, professores e pessoas mais velhas, e,
ao mesmo tempo, querem abraçar o mundo novo que se abre para ele.
Esse novo mundo não comporta mais essa dependência, então o adolescente
questiona modelos, rebela-se contra instruções formais. Declina a imagem social
paterna, que no social funciona como referência, indicando a possibilidadade de um
laço social atrelado às leis e imagens ideais, para dar vida ao ideal transmitido à
juventude que prega a satisfação narcísica. Para se realizar plenamente, os
adolescentes devem gozar dos objetos aqui e agora, sem as interdições que os
lançariam num processo de desejo constante.
Oriundos de famílias sem práticas leitoras consistentes, esses jovens passam a
ter acesso à leitura quase que, exclusivamente, na escola. Com algumas exceções, o
contato com o material escrito se dá pelo texto bíblico. Alguns, sem contato nenhum,
não se interessam nem pelos materiais que lhes são oferecidos em sala de aula. Não
gostam de literatura e dão preferência aos textos informativos porque os põem em
contato com os movimentos do dia-a-dia.
Os primeiros encontros de observação permitiram um olhar atento ao grupo de
alunos que faria parte do experimento. Apesar de já me conhecerem e terem-se
mostrado receptivos à minha pesquisa, a presença de alguém fora da rotina na sala
77
provocou um distúrbio. A novidade naquele dia era a pesquisadora.Todos queriam falar
ao mesmo tempo. Em meio a um burburinho, com movimentos na sala, com conversas
paralelas e intercaladas, a professora tentava manter a ordem. Mas estavam excitados
demais para ouvi-la. Alguns queriam saber mais do experimento: quando
começaríamos e o que deveriam fazer. Outros se movimentavam, indo de colega em
colega, arrastando carteiras e mexendo com eles. A princípio, essa movimentação
pareceu uma boa resposta ao que propunha desenvolver, uma aula em que os alunos
pudessem se mover, participar ativamente das leitura, sentir e viver as poesias que lhes
apresentaria.
Entretanto, a confusão que se estabeleceu na sala naquele momento gerou um
conflito entre a professora e os alunos. Apesar de acreditar na viabilidade da pesquisa,
a professora não via disponibilidade no aluno e repetia o discurso presente no senso
comum de que “o adolescente não quer nada”, não sente necessidade de aprender. Em
vista desse discurso, o adolescente, por sua vez, se sente num ambiente hostil e não
se dispõe a compactuar com uma aula que não tenha um sentido objetivo para seus
interesses. Em trecho da entrevista, a professora afirmou que, para se ter adesão da
turma numa atividade, é preciso que se elabore uma aula que ela chama de “senhora
aula “:
Professora: Eles participam mais da de literatura, mas tem que ser uma
senhora aula de literatura. Se for aquela que você fala o tempo todo e não
mostra o concreto, né? Porque a gente não vai trabalhar só a questão da teoria
em literatura. Você tem [...] então essa parte concreta é justamente quando eu
falo a questão da música, do filme, novelas. É a associação da teoria com
aquela parte prática. Não fica só na abstração.
Essa fala da professora corrobora a compreensão de que, para se ter adesão da
turma, a aula precisa gerar prazer: o prazer de ler, o prazer de vivenciar o texto. Essa
concepção confirma a necessidade de o mestre compreender que precisa gerenciar
sua prática, o que implica envolver-se no movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e
o pensar sobre o fazer (FREIRE, 1996). A “senhora aula” a que a professora se refere,
78
parte do pressuposto de que a atividade deve envolver o aluno, seus gostos e suas
intenções. Para que isso ocorra, o processo de mediação pedagógica a ser realizado
deve ser caracterizado pelo comportamento do professor como facilitador, incentivador
e motivador da aprendizagem. Consiste em estabelecer uma espécie de ponte entre os
aprendizes e os conhecimentos a serem construídos, de forma que possam se tornar
sujeitos do processo de aprendizagem pelo exercício de sua autonomia, pela forma
ativa e colaboradora na consecução dos objetivos visados numa perspectiva de
construção e reconstrução dos conhecimentos.
Esse processo de mediação pedagógica que acontece na postura do professor
considera a sua forma de abordagem dos conhecimentos, o processo de seu
relacionamento com os alunos e o destes com o seu contexto maior. Os procedimentos
de ensino, ou as técnicas a serem utilizadas, tanto as convencionais como as novas
tecnologias, destinam-se à dinamização do processo de aprendizagem de seus alunos.
Dessa forma, o aluno passa a ser o sujeito do seu processo de construção e
reconstrução dos conhecimentos, assumindo a autonomia nesse processo a partir das
condições, dos recursos e dos estímulos recebidos do professor, para que a sua
aprendizagem ocorra de forma ativa, crítica, construtiva e reflexiva.
A criatividade do professor é um fator relevante e fundamental no processo para
que os seus alunos pensem de forma própria, autônoma, participativa e interativa,
envolvendo a turma nos diferentes trabalhos a serem produzidos, analisados e
discutidos entre os colegas.
Como já foi citado, a turma era composta por 40 alunos, mas a presença em sala
era de aproximadamente 25. Eles não eram assíduos; quando estavam na escola,
encontravam um jeito de burlar a vigilância, preferindo o pátio para conversas e o
pequeno campo para o jogo de futebol. Esse comportamento dos alunos induz ao
seguinte questionamento: os adolescentes não têm compromisso ou a sala de aula não
se oferece como um lugar aprazível de aquisição de conhecimentos? Para assegurar
que a aprendizagem aconteça, o professor deverá considerar as exigências sociais,
legais e educacionais, cada vez maiores, e estar atento a esse contexto em que se
inserem os adolescentes, revendo os seus recursos profissionais, tais como a
79
atualização de seus conhecimentos, procedimentos, atitudes e relacionamentos, para
que possa responder, de forma competente, às expectativas sociais e de seus alunos.
Pensando no motivo que faz com que esses alunos prefiram o pátio para jogos
e conversas, convidei-os, então, para uma conversa para discutirmos sobre
responsabilidades, afinal eles tinham concordado e tinham se mostrado interessados
em fazer parte desta pesquisa. O resultado dessa conversa veio confirmar o que os
autores como Carvajal (2001) e Gutierra (2003) vêm demonstrando: os jovens não são
tão descompromissados como o sistema tenta rotular, o que eles precisam é de uma
orientação que os induza a compreender que o processo de aprendizagem ocorre
quando professor e aluno constroem juntos o sentido a ser aprendido, e isso requer, por
parte deles, compromisso e dedicação. A partir dessa conversa, modificações no
comportamento dos alunos foram verificadas, o que confirma, mais uma vez, o que os
autores acima citados postulam: os jovens querem ser orientados, mas essa orientação
deve ser pautada na concepção de que é preciso olhar os adolescentes numa
perspectiva mais ampla, percebendo não só as transformações biológicas e
psicológicas de importância fundamental, mas também o contexto socioeconômico,
cultural e histórico no qual eles estão inseridos (BECKER, 1994).
Nas primeiras aulas, eles vinham um a um. Ficavam calados, de corpo presente,
mas a alma no mundo lá fora. A professora comentava —Esses adolescentes de hoje
não querem nada. Insisti. A partir dessa fala da professora, o repertório selecionado foi
repensado e o planejamento modificado. Instaurou-se na sala de aula uma nova
comunicação a partir das respostas que eu recebia deles. Queriam coisas mais
cantadas, mais movimentadas. Deixei de lado a modalidade acadêmica de leitura e
trouxe para sala textos com os quais eles tivessem afinidades. Vivenciamos, através
das letras das cantigas de roda, das quadrinhas, das adivinhações e do rap e do funk,
o mundo que eles conheciam de suas próprias vivências. Com essa mudança, eles
começaram a participar mais e, quando eu chegava a escola, a maioria já se
encontrava em sala de aula. Entremeada com as brincadeiras que eles vivenciaram, a
poesia ganhou vida, ganhou sentido. Pude, então, realizar o objetivo pelo qual eu
estava ali: promover o encontro desses adolescentes com o gênero de texto do qual
alguns nem gostavam; outros gostavam, mas não sabiam explicar o porquê. Vejamos
80
alguns depoimentos colhidos após a leitura do poema “José”, de Carlos Drummond de
Andrade, feito pela professora da turma:
Pesquisadora: Essa poesia que a professora apresentou hoje, você gostou?
Marcos: Gostei.
Pesquisadora: O que foi que mais chamou atenção nela?
Marcos: Não, lembro não.
Carlos: Mais ou menos ... porque eu não entendo direito ... essa poesia ...
assim.
Pesquisadora: Mas, durante, a aula você respondeu às questões propostas pela
professora.
Carlos: Assim ... eu não entendo bem, mas eu não entendo bem. Só algumas
partes.
No tocante ao gosto pela leitura de poesia, vejamos o depoimento que segue:
Pesquisadora: Você falou o tempo todo em poesia. O que tem poesia que faz
você gostar tanto?
Thiago: Não sei ... o meu irmão fazia, eu lia. Aí eu comecei a gostar, fazer e a
ler também.
3.1.4 Selecionando o repertório
Para o desenvolvimento do experimento selecionei as poesias que fariam parte
do repertório iria para a sala de aula. A seleção dos poemas seguiu um roteiro
préestabelecido e deu preferência a poetas brasileiros. Como havia optado por
trabalhar com o primeiro ano do Ensino Médio, e nesse momento os alunos já tinham
começado a conhecer a literatura de forma mais sistematizada, conhecendo autores,
obras e escolas, nada mais justo que introduzir os textos da tradição literária brasileira.
81
A princípio, a seleção, por esse repertórioo fugiu ao preconceito de que se
deve apresentar aos alunos bons textos. Bons são aqueles textos consagrados no
domínio público e já considerados clássicos da literatura. Por clássico, entendemos
como uma obra que sobrevive a uma leitura, que merece uma segunda e, então, uma
terceira, quarta, infinitas leituras. Um clássico é um sobrevivente e, embora, devido a
alguns equívocos de subjetividade, seja necessário que mais de uma pessoa conclua
que tal ou qual obra merece a releitura e seja também necessário que, para superar
modismos em geral, isso se repita por duas ou mais gerações a fim de se estabelecer
um mínimo de certeza acerca da "classicidade" (ASHER,2007) da obra examinada, o
pressuposto básico para que um romance, um conto, um poema, um ensaio ou uma
epopéia se revele clássico é a vontade, o desejo, a pulsão do primeiro leitor que sente
a necessidade de relê-lo.
Tal pulsão deve resultar não de uma leitura inicial displicente, nem de um texto
desnecessariamente obscuro, mas, sim, da percepção de que há algo de inesgotável
em seu conteúdo. Porque o clássico é, sobretudo, uma obra inesgotável, capaz de
preservar a própria identidade e sentidos fundamentais. Esse aspecto da “classicidade”
da obra é postulado por Calvino em Por que ler os clássicos (1993). No primeiro ensaio
desse livro, o autor procura definir o que é clássico literário. Clássico, escreve Calvino,
é o livro de que dizemos "estou relendo..." e nunca "estou lendo". É o livro que, mesmo
antes de abrir, sabemos um pouco de sua importância.
Dessas premissas, o autor tira conclusões interessantes. Diz que "toda releitura
de um clássico é uma leitura de descoberta como a primeira" e que "toda primeira
leitura de um clássico é na realidade uma releitura" (CALVINO, 1993, p. 11). De modo
que os clássicos, por mais que já tenham sido comentados e analisados, são os livros
que nunca esgotam sua capacidade de produzir surpresas. Mediante tal constatação, o
experimento não poderia excluir de seu planejamento a presença de poesias que fazem
parte do conhecimento, mesmo que incipiente, dos sujeitos desta pesquisa. O
repertório aqui reunido foi compilado de vários livros. As poesias foram separadas por
aspectos — como sonoridade, ritmo, jogo de palavras e imagens, tema — considerados
relevantes para introduzir nos alunos do Ensino Médio o gosto por ler poesias.
82
A primeira seleção foi composta de parlendas, adivinhas, trava-línguas e
provérbios recolhidos do livro Pelas ruas da oralidade (FERREIRA, 2003), Tem tudo a
ver (ELIAS JOSÉ, 2001), Soneto de fidelidade e Soneto da separação (MORAIS, 1992),
Traduzir-se (GULLART, 2002), Bilhete (QUINTANA, 2002), Quadrilha e As sem razões
do amor (ANDRADE, 2002), Com licença poética (PRADO, 1991); Ou isto ou aquilo
(MEIRELES, 1990), Pneumotórax (BANDEIRA, 1993) e Versos íntimos de Augusto do
Anjos (FARACO, 2000).
Entretanto, após as primeiras aulas, os alunos começaram a demonstrar
enfado e perder o interesse pelas atividades, como pude observar na aula intitulada
Sabendo um pouco mais de poesia. Essa aula tinha como objetivo refletir sobre
algumas características da poesia e do poema, definindo e diferenciando poema e
poesia a partir de algumas palavras do universo da poesia. Foi entregue aos alunos
uma folha com um poema de Elias José, Tem tudo a ver, para leitura e discussão com a
finalidade de suscitar no grupo questões a respeito de poesia. Em seguida, fizemos
apenas a leitura de um poema bastante conhecido por eles, Soneto de fidelidade, de
Vicius de Morais.
Apesar de as aulas estarem apenas começando, os alunos começaram a se
inquietar. Como não estavam acostumados a ter um texto em mãos e a fazer leituras,
começaram a reclamar: “Leitura de novo!”, “ Não gosto de ler!” . Essas expressões ditas
por eles me entristeceram. Lembrei-me de Bakhtin (2004, p. 95) para quem “ a palavra
está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial.”
Nesse caso, não são apenas palavras que pronunciamos ou escutamos, mas verdades
ou mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais, agradáveis ou desagradáveis
(BAKHTIN, 2004). Essa observação me fez pensar que os alunos não estavam se
interessando pelo trabalho realizado, ou o que estava se desenvolvendo na sala de
aula não estava seduzindo e atraindo as atenções como acreditava que poderia
acontecer. O que fazer numa hora dessas? Nesse momento, entram em jogo a
sensibilidade, a flexibilidade e a habilidade do professor em gerenciar emergências, o
que Perrenoud (2001, p.123) chama de “perícia do professor”:
Converter em palavras as informações obtidas e as inferências que
explicam a decisão tomada permite, assim, atingir o âmago de
83
processos complexos que põem em jogo, em cada caso particular, uma
combinação de saberes e de savoir-faire que são marca específica da
perícia do professor
.
.
Sobre esse aspecto dos saberes do professor, Freire (1996) afirma que
ensinar exige segurança, competência profissional e generosidade para tomar
decisões, intervir e reformular. São saberes inerentes à profissão, pois, como ele
assevera, “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar possibilidades para sua
produção ou sua construção”(FREIRE, 1996, p. 25).
Verbalizado pelos alunos o desinteresse em relação ao trabalho que estava
sendo desenvolvido, tornou-se imprescindível uma reflexão para compreender o fato.
O problema estaria no repertório, na seleção empreendida que não estabelecia uma
comunicação com alunos, porque não fazia parte de suas vivências nem de seus
interesses? Segundo Smith (2003), a leitura não pode ser separada das finalidades dos
leitores e de suas conseqüências sobre eles. A linguagem escrita só faz sentido quando
os leitores podem relacioná-la àquilo que já sabem e a leitura só se torna interessante e
relevante para eles quando pode ser relacionada àquilo que desejam saber. Se não
existe comunicabilidade do texto para os alunos, estes não estabelecem uma relação
com o texto. Se essa comunicação não acontece, não há leitura porque, nessa relação,
o leitor produz parte da obra na medida em que participa, percebe, identifica-se com
determinadas personagens, mobiliza-se e se transforma (SMITH, 2003).
A reação negativa dos alunos às leituras chama atenção para o horizonte de
expectativa proposto por Jauss (1979b) na Estética da recepção. De acordo com esse
autor, a recepção de uma obra encerra uma validação de seu valor estético pela
comparação com outras obras lidas. Jauss afirma que, para descrever a experiência do
leitor, não há necessidade de se recorrer à psicologia, mas voltar-se à recepção e ao
efeito de uma obra no sistema objetivo de expectativas, que, para cada obra, no
momento histórico de seu aparecimento, decorre da compreensão prévia do gênero, da
forma e da temática de obras anteriormente conhecidas e da oposição entre linguagem
poética e linguagem prática. A negação constitui, no caso desta pesquisa, uma reação
do leitor ao texto quando ele não se “sentiu” disponível para as leituras, visto que
universo que lhes apresentava não coincidia com suas expectativas de leitura. Para
84
Jauss (2002), a atitude receptiva começa com uma aproximação entre texto e leitor.
Nessa aproximação, vem à tona toda a historicidade de ambos; as possibilidades de
diálogo com a obra dependem, então, do grau de identificação ou de distanciamento do
leitor em relação a ela no que tange às convenções sociais e culturais a que está
vinculado e à consciência que delas possui. Por isso, Zilberman (1989, p. 34) afirma:
Cada leitor pode reagir individualmente a um texto, mas a recepção é
um fato social - uma medida comum localizada entre essas reações
particulares; este é o horizonte que marca os limites dentro dos quais
uma obra é compreendida em seu tempo e que, sendo ‘trans-subjetivo’,
‘condiciona a ação do texto.
Assim, o sujeito da produção e o da recepção não são pensáveis como sujeitos
isolados, mas apenas como social e culturalmente mediados, sujeitos transubjetivos.
Diante das reações contrárias às leituras dos textos selecionados, mostrou-se
necesrio reformular o repertório, pois o plano da significação é legitimador por
excelência da tensão emotiva e do colorido emotivo que o leitor experimenta (JAUSS,
1979b, p.141). As modificações foram feitas à medida que os encontros iam se
realizando. Nesses encontros, percebia, a partir de algum comentário dos alunos, a
necessidade de se vivenciar determinado aspecto da poesia. Em vista dessa
necessidade, vivenciamos uma série de textos de diferentes tendências. Isso em nada
diminuiu o valor do trabalho; muito pelo contrário, essa experiência contribuiu,
sobremaneira, para que os alunos se apercebessem da relação da poesia com seu
próprio cotidiano e com suas vivências.
O novo repertório atendia a outros requisitos. A cada necessidade que aflorava
na sala, pesquisava nas minhas leituras um poema que se identificasse com o
momento. concluído o experimento, o repertório ficou assim composto: Tradição oral
com parlendas, adivinhas, trava-línguas, provérbios e ditados, recolhidos do livro Pelas
ruas da oralidade (FERREIRA, 2003). Essa selão se deu porque acredito que uma
iniciação à poética deveria partir da poesia popular, mais familiar à maioria dos
brasileiros e esse acervo poderia servir de iniciação à literatura e ao discurso poético.
Poemas: Tem tudo a ver, (ELIAS JOSÉ, 2001); Soneto de fidelidade e Soneto da
separação (MORAIS, 1992); As sem razões do amor (ANDRADE, 2002), Os bichos
85
(CLAVER, 2003); O todo sem a parte não é todo (MATOS, Apud, FARACO, 2000);
Versos íntimos de Augusto ds Anjos (FARACO, 2000); À procura da batida perfeita (D2,
2003); Lado bom (FERREZ, 2005).
O resultado desse novo repertório foi a relação que os alunos estabeleceram
entre a poesia com suas experiências de vida e a transformação que a leitura desses
textos operou em suas percepções de mundo e de si mesmos. Se a obra corrobora o
sistema de valores e normas do leitor, o horizonte de expectativas deste permanece
inalterado e sua posição psicológica é de conforto. Entretanto, obras literárias que
desafiem a compreensão por se afastarem do que é esperado e admissível pelo leitor,
freqüentemente são repelidas por exigirem um esforço de interação demasiado
conflitivo com seu sistema de referências vitais, fato observado nas primeiras aulas do
experimento.
Ao ler um texto que se distancia de seu horizonte de expectativa, o leitor, além
de responder ao desafio por mera curiosidade ante o novo, precisa adotar uma postura
de disponibilidade para permitir que a obra atue sobre seu esquema de expectativas
através das estratégias textuais intencionadas para a veiculão de novas convenções.
3.2 COMO SE DEU O PROCESSO DE LEITURA DE POESIA EM SALA
DE AULA
As atividades implementadas em cada aula, as quais envolvem a pré-leitura, a
leitura e as-leitura foram planejadas com base na teoria da experiência de leitura por
andaime, desenvolvida Bruner (apud GRAVES; GRAVES, 1995). Na experiência por
andaime, as ajudas são necessárias, porém transitórias, visto que devem ser retiradas
progressivamente, à medida que o aprendiz vai adquirindo autonomia e controle para
desenvolver sozinho o que antes só conseguia por meio da ação conjunta com um par
mais experiente.
No que diz respeito à sistematização da experiência de leitura por andaime,
Graves e Graves (1995) apresentam duas grandes fases: a fase de planejamento e a
86
fase de implementação. Na primeira, o mediador considera os sujeitos que participarão
da experiência, o material a ser utilizado e os propósitos da atividade de leitura. Nesta
pesquisa, os sujeitos são alunos do primeiro ano do Ensino Médio, os propósitos da
leitura seguem o objetivo da tese e a seleção dos poemas segue uma variedade de
poemas e de autores. Para os primeiros encontros, a seleção constou de textos da
tradição oral, considerando que, de alguma forma, esses estudantes já tivessem algum
conhecimento prévio.
Como o repertório inicial foi modificado, a nova seleção se deu à medida que
íamos avançando no processo de leituras, o engajamento da turma e as atitudes
adotadas pelos alunos durantes os encontros.
Na segunda fase, a implementação está dividida em três momentos: o da pré-
leitura, que envolve a ativação de conhecimentos prévios, construção de previsões etc.;
o da a leitura, que é a oralização do texto, e o da pós-leitura, que podem ser atividades
de discussão, produção de textos, demonstrações etc. Em cada uma dessas etapas, o
professor atua por meio de andaime (scaffolding), que pode se configurar em
perguntas/respostas, pedidos de explicitação, atividades dirigidas, entre outros. A
discussão nas atividades de pré-leitura e de pós-leitura é pertinente e se constitui na
experiência de leitura por andaime, na medida em que possibilita ao aprendente ampliar
sua compreensão acerca do texto lido, a partir do diálogo com o professor e com seus
pares.
3.2.1 A pré-leitura
Na pré-leitura, fazemos previsões para ativar o conhecimento prévio dos
alunos. Previsão e compreensão, conforme Smith (2003), podem estar interligadas. A
previsão significa fazer perguntas, habilidade por meio da qual recorremos aos nossos
conhecimentos prévios no sentido de propor perguntas sobre o texto; a compreensão
significa que somos capazes de responder às questões formuladas. Quando
conseguimos responder a essas questões, então compreendemos. A compreensão,
como afirma Smith (2003), é a base da leitura e do seu aprendizado. Para abordar a
87
habilidade de previsão na leitura, realizamos discussões antes e depois da leitura de
poemas.
No processo da pré-leitura, as discussões tinham como objetivo estimular os
alunos a elaborarem previsões que contribuíssem para a compreensão dos poemas. A
pré-leitura é composta por duas fases. A primeira fase, a motivação, inclui qualquer
atividade que possa despertar o interesse dos alunos para os textos e seduzi-los a ler;
exprime sentimentos, sensações e pensamentos, gerados a partir das leituras
realizadas e faz previsões a partir dos títulos e das suas idéias prévias, para relacioná-
las, posteriormente, com o conteúdo lido. A segunda fase, a de ativação do
conhecimento prévio, objetiva envolver os leitores, trazendo à consciência
conhecimentos, informações já conhecidas, que irão ajudar os alunos a compreender
os textos; abre espaço para os alunos fazer previsões a partir dos títulos dos autores
dos poemas a serem lidos.
À pergunta inicial seguia sempre o reconhecimento do poeta e do poema.:
a) Vocês conhecem este poema? (o título do poema promovia as primeiras
previsões)
b) Já ouviram falar desse poeta?
c) O que chama atenção neste título?
3.2.2 A leitura
Nessa etapa, realizou-se primeiro, a leitura silenciosa dos alunos, seguida da
leitura oralizada feita pela pesquisadora. Nesse segundo momento, o da leitura em voz
alta, os alunos acompanhavam a leitura da pesquisadora com o texto em mãos.
3.2.3 A pós-leitura
Essas atividades mediadas promovem o pensamento de ordem superior,
levando a interpretar, analisar e avaliar o conteúdo lido (GRAVES; GRAVES, 1995).
88
Promovem também, além da reflexão e da crítica, a possibilidade de confrontar
previsões, de exprimir opiniões e sentimentos provocados pelos textos e de estabelecer
relações entre eles e a própria vida.
Nessa etapa, as discussões partiram de perguntas “incentivadoras” para que os
alunos pudessem expressar o que sentiram, o que entenderam e o que as leituras
provocaram neles. Convém ressaltar que à medida que os alunos se envolviam nas
perguntas/respostas da discussão pós-leitura, mesmo que as perguntas tenham sido
formuladas antecipadamente, quando inseridas no movimento das interações entre os
alunos e a pesquisadora, as perguntas desdobraram-se em outras ou foram
redefinidas conforme a necessidade que aflorava na sala. Esse movimento é
importante, inclusive, para a compreensão do efeito estético, pois, na confluência de
opiniões geradas pelas sensações provocadas pelo texto, cada leitor constrói o sentido
mediado pelo outro. Sobre esse aspecto, Fontana (2000, p. 19) afirma que “a mediação
do outro desperta na criança um sistema de processos complexos de compreensão
ativa e responsiva”. Esse processo de mediação não acontece só e exclusivamente
com crianças, em qualquer idade, o envolvimento que a interação promove entre pares
favorece o aprendizado.
Esse envolvimento, por sua vez, é revelador de atitude responsiva ativa dos
leitores. Segundo Bakhtin (1992, p. 290), a atitude responsiva ativa ocorre quando
[...] o ouvinte que recebe e compreende a significação (lingüística) de
um discurso adota simultaneamente, para com este discurso, uma
atitude responsiva ativa: ele concorda ou discorda (total ou
parcialmente), completa, adapta, apronta-se para executar etc., e esta
atitude do ouvinte está em elaboração constante durante todo o
processo de audição e de compreensão desde o icio do discurso, às
vezes nas primeiras palavras emitidas pelo locutor.
Bakhtin (1992) explora a atitude responsiva ativa no discurso de uma forma
geral, como participão efetiva do ouvinte no discurso do locutor, chamando a ateão
para as atitudes do primeiro, relativas aos movimentos de aprovação, refutação,
complementaridade etc.
89
Apesar de os teóricos da Estética da Recepção não fazerem uso desse
conceito, essa atitude responsiva ativa é condição imperativa à relação texto-leitor, haja
vista o fato de ninguém ficar indiferente ao texto (ZILBERMAN, 1989).
Vejamos, como exemplo desse tipo de atividade, algumas perguntas feitas
depois da leitura dos poemas:
a) Você gostou da poesia?
b) A leitura confirmou suas expectativas?
c) O que você sentiu ao ler a poesia?
3.3 OS INSTRUMENTOS
Para a coleta dos dados foram utiizados vários instrumentos: a entrevista, o
diário e um questionário.
3.3.1 As entrevistas
O primeiro instrumento foi a entrevista do tipo semi-estruturada, apresentando
um único respondente. Proporciona ao pesquisador o esclarecimento e acréscimos em
pontos importantes com sondagens apropriadas e questionamentos específicos. Para
Gaskell (2004, p. 73),
Toda pesquisa com entrevista é um processo social, uma interação ou
um empreendimento cooperativo em que as palavras são o meio
principal de troca. Não é apenas um processo de informação de mão
única, passando de um (o entrevistado) para outro (o entrevistador). Ao
contrário, ela é uma interação, uma troca de idéias e de significados em
que várias realidades e percepções são exploradas e desenvolvidas[ ...]
tanto o entrevistado quanto o entrevistador estão, de maneira
diferentes, envolvidos na produção de conhecimento.
90
A entrevista foi o instrumento que serviu para tomarmos conhecimento do
processo de ensino de literatura na escola. A escolha da entrevista inicial como
instrumento visava conhecer como a professora costumava trabalhar a leitura de
literatura e de poesia com seus alunos e, ainda, o que ela pensava sobre a relação dos
seus alunos com a leitura de literatura e como sistematizava sua aula.
Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com a professora e com os
alunos antes de iniciarmos o experimento. A entrevista com a professora seguiu um
roteiro preestabelecido, mas que foi flexibilizado à medida que se desenvolvia, pois, em
alguns momentos, as informações precisavam de esclarecimento. A entrevista com os
alunos teve como objetivo nos acercarmos do universo deles para tomar conhecimento
das preferências e estruturar o experimento.
Durante a entrevista, a professora discorreu sobre o tema proposto com base
no seu conhecimento sobre a sua prática no ensino de literatura. Um roteiro foi
elaborado para as entrevistas com alunos. Essa instância foi importante visto que ela
trouxe informações mais precisas com relação às experiências prévias dos sujeitos
pesquisados e às práticas de leitura e ao contato que eles mantinham com a poesia.
As entrevistas foram gravadas em áudio, com a prévia autorização da
professora e dos alunos, e transcritas logo depois de realizadas, com o objetivo de
complementar as informações memorizadas pela pesquisadora. Esse procedimento
possibilitou uma exploração sobre as vivências dos alunos e da professora com aulas
de leitura de literatura e, em particular, de poesias.
3.3.2 O diário de sala de aula
Para registros dos eventos de sala de aula, o diário foi a melhor opção. Como a
metodologia que escolhemos tem caráter qualitativo, ele é um dos instrumentos
básicos para coleta de dados. Através de encontros anteriores às aulas, percebi que a
utilização de outros tipos de instrumentos, como gravação em aúdio e vídeo, invibilizaria
o aspecto natural que queríamos dar ao experimento. Na fase em que se encontravam
91
os alunos, qualquer novidade que aparecesse na sala seria motivo de descontração,
exagero de apresentação, para alguns, ou de inibição para outros.
Na observação participativa, o observador tenta tornar-se membro do grupo
observado, e isso envolve presença física e compartilhamento de experiências a serem
vivenciadas, além de ingresso nesse mundo simbólico e social aprendendo suas
convenções sociais e hábitos, seu uso de linguagem e comunicação não-verbal.
Partindo desse ponto de vista, o diário de sala de aula tornou-se um instrumento
importante porque, a partir das impressões obtidas ao longo do experimento, pude
induzir a uma reflexão mais analítica da situação observada.
Apesar de ser um instrumento muito utilizado nas pesqusias qualitativas, o diário
não tem, por parte de alguns pesquisadores, a credibilidade como instrumento de coleta
confiável. Isso se dá porque acreditam que o pesquisador, devido ao envolvimento com
o grupo e com a situação observada, já se tornou um quase membro desse grupo, já
tem suas opiniões e, por isso, apresente dificuldade em ser objetivo. O diário de sala
pode não ser o instrumento mais adequado; pelo fato de ser subjetivo, gera incertezas.
No entanto, o contexto das incertezas em que o pesquisador aceita se situar faz parte
da grandeza e da limitação das pesquisas qualitativas (ZABALZA, 2004).
Contrários a essa perspectiva da inviabilidade do diário como forma coleta de
dados em pesquisas, encontramos autores como Machado (1998) e Zabalza (2004)
que acreditam ser o diário um instrumento tão eficaz quanto qualquer outro, mesmo que
apresente em seu conteúdo elementos peculiares da subjetividade do pesquisador.
Esses autores discutem a utilização do diário como forma de registro em pesquisas em
educação e refutam os argumentos daqueles que põem dúvida na validade científica
desse instrumento. Na perspectiva de Machado (1998, p. 39),
os pesquisadores diaristas consideram que o fato de escreverem de
forma subjetiva não implica na perda da objetividade. Antes, auxilia uma
percepção mais fiel dos dados sobre o próprio observador.[ ...] permite
que se mostre como os sujeitos da pesquisa se encontram imersos no
seu campo de trabalho, qual o funcionamento real de sua inteligência,
como desenvolve as relações sociais que ele estabelece durante a
pesquisa.
92
No diário estão contidos os caminhos da pesquisa, as dúvidas e os problemas
que surgiram ao longo do experimento, as relações sociais entre os participantes,
enfim, todo o trabalho de criação. Zabalza (2004) considera o diário um documento em
que professores anotam suas impressões sobre o que vai acontecendo em sala de aula
e revisam elementos de seu mundo pessoal que freqüentemente permanecem ocultos
à sua própria perceão enquanto esenvolvido nasões cotidiana de trabalho. No
diário, o professor expõe, explica, interpreta sua ação diária na aula ou fora dela. O fato
de esse instrumento não registrar todos os movimentos da sala de aula faz com que ele
perca em credibilidade frente a outros instrumentos.
Normalmente, em estudos com características de pesquisa experimental, os
pesquisadores utilizam, como instrumento para coleta de dados, gravação em aúdio e
vídeo porque os registros com esses instrumentos são mais confiáveis, pouco passíveis
de contestação. Entretanto, qualquer que seja o instrumento nunca se está certo de
tudo quanto à validade e à confiabilidade plena de suas especificações.
A despeito dessas discuses, o diário resultou em instrumento indispensável
para nossa pesquisa, pois foi utilizado tanto como espaço para registro de dados como
espaço de análise e reflexão permanente. Além das descrições detalhadas, as reflexões
registradas ao longo do trabalho desenvolvido serviram para possibilitar e enriquecer a
análise posterior. Sobre a presença da subjetividade do pesquisador no registro, Ludke e
André (1986, p. 48) afirmam que “tais observações e comentários pessoais podem
oferecer elementos substanciais à elucidação das principais questões investigadas”.
É preciso considerar que toda escolha reflete uma seleção, uma preferência,
uma eleição. Entretanto, não se pode desconsiderar que, ao se escolher, também se
renuncia.
Desde o primeiro dia de entrada no campo, começamos a estruturar notas de
todo o ocorrido na escola. Essas notas adquiriram o formato de um diário, em que se
Incluem as datas, as descrições do trabalho realizado e as reflexões, sensações e
emoções da pesquisadora. O diário era escrito no mesmo dia da visita à escola para
poder registrar a maior quantidade possível de informações, complementando as notas
manuscritas tomadas no campo.
93
A realização da experiência constou de doze encontros realizados uma vez por
semana. Como já citei, optei por não gravá-las em aúdio ou vídeo esses encontros por
perceber que esses instrumentos interfeririam na participação dos alunos. Eles ficariam
excitados e a aula não ocorreria naturalmente, como era o propósito. Por isso, preferi o
registro por escrito, um diário de sala de aula, para posteriormente interpretar e
selecionar as informações e atitudes consideradas relevantes.
3.3.3 O questionário
Para finalizar o experimento, um questionário foi aplicado como forma de
avaliação feita, agora, pelos alunos. É importante conhecer a opinião desses
adolescentes a respeito dos procedimentos utilizados, porque poderá contribuir para
que os professores, de posse desse conhecimento, repensem suas práticas dando
ouvidos às diferentes vozes e aos anseios que surgem na sala de aula.
O questionário é um instrumento de investigação que visa recolher informações
baseando-se, geralmente, na inquisição de um grupo representativo da população em
estudo. Para o questionário do último dia de aula, coloquei duas questões que
abrangiam o desenvolvimento do experimento, não havendo interação direta entre a
pesquisadora e os inquiridos. O tipo selecionado para esta pesquisa foi o de respostas
abertas, pois esse tipo permite ao inquirido construir a resposta com as suas próprias
palavras, permitindo, desse modo, a liberdade de expressão. Para o experimento, a
aplicação do questionário foi extremamente útil porque recolhi, do público-alvo
constituído pelos alunos sujeitos desta pesquisa, informações que permitiram conhecer
o êxito do experimento, além de ser a base em que será desenvolvida a análise.
O questionário contém respostas às seguintes perguntas:
1 – Como vocês avaliam nossos encontros?
2 – Se fôssemos continuar com o experimento, como gostariam de que
as aulas acontecessem?
94
3.4 DA PROPOSTA À PRÁTICA: O EXPERIMENTO
A opção por viver experimentalmente as atividades didático-pedagógicas
articulou a prática desta pesquisa. Em face dessa articulação, mais do que elaborar
procedimentos de intervenção ou pautas de observação como categorias definidas,
planejei as atividades a serem desenvolvidas em sala com os alunos, tendo como
horizonte os princípios teórico-metodológicos propostos neste estudo. As doze aulas
que compuseram o experimento foram assim desenvolvidas conforme relato a seguir.
A primeira aula, que se realizou no dia 05 de outubro de 2005, intitulava-se
Somos habitados por livros e amigos. O se objetivo , como primeiro momento meu com
os alunos, era ativar não só o conhecimento prévio dos alunos sobre suas leituras como
também ativar suas lembranças para, em seguida, compartilhá-las com os colegas.
Para essa aula, os alunos foram conduzidos à sala de vídeo, porque esse
espaço era maior e dava mais possibilidade de movimento. Entreguei aos alunos folhas
coloridas em branco para que nelas fossem colocadas suas memórias de leitura: de
jornais, revistas, livros, literatura, canções, qualquer frase de livro ou revista ou
pensamentos que tivessem tido algum significado para eles. Depois de preenchidas, as
folhas foram afixadas num quadro para que todos pudessem compartilhar as
informões. Após essa atividade, todos os alunos se levantaram e se dirigiram para
quadro. Todos queriam saber das leituras do outro, trocar informações sobre estas.
A segunda aula, Reconhecendo a poesia, aconteceu no dia 19 de outubro de
2005. Tinha como objetivos refletir com os alunos sobre o conhecimento prévio que
eles possuíam de poesia e buscar, na tradição oral de nosso povo, quadrinhas,
provérbios, trava-línguas, trovas, adivinha, cantigas de roda e parlendas, para
possibilitar o reconhecimento da poesia em suas diversas formas de expressão no
cotidiano.
A turma foi deslocada para a sala de informática porque os alunos preferiam
um lugar que consideravam mais aprazível. Na sessão anterior, tinham pedido para ir à
sala de vídeo, mas naquele dia, especificamente, a sala estava ocupada. Então, a
nossa reserva foi substituída pela sala de informática, onde estavam os computadores,
máquinas que atiçam o interesse dos alunos. Todos queriam abrir os computadores
95
para ver as novidades, os recados no Orkut, os e-mails etc. Como o acesso ao
computador para alguns era difícil, chegando à sala iam imediatamente verificar suas
mensagens ou ver notícias sobre o que estava acontecendo no mundo. Não houve de
imediato adesão à aula proposta para aquele dia, por parte deles; fez-se necessário
chamar a atenção, mais uma vez, para o contrato que havíamos feito. Eles
compreenderam e começaram a se voltar para a aula.
Passaram-se uns dez minutos para que pudéssemos atrair a atenção deles.
Após a entrega do material – as cantigas de roda, as adivinhações, os trava-línguas etc.
–, os alunos começaram a cantar. Alguns chegaram a dançar na sala. Na hora da
discussão, momento em que eles iriam apresentar suas expectativas sobre essas
modalidades de poesia, ficaram em silêncio. Após a insistência sobre aspectos
inerentes àqueles textos, o alunos começaram a trazer informações, lembrar o tempo
em brincavam com esses textos. Ficou decidido que eles iriam pesquisar, na sua rua,
com os pais e amigos, textos para trazer para a sala.
A terceira aula, Sabendo um pouco mais de poesia, realizou-se dia 26 de
outubro de 2005. Tinha como objetivo refletir sobre algumas características da poesia e
do poema e definir e diferenciar algumas palavras do universo da poesia. Foi entregue
aos alunos uma folha com um poema de Elias José, Tem tudo a ver, para leitura e
discussão, com o objetivo de suscitar no grupo questões a respeito de poesia.
No início dessa aula, fez-se uma retrospectiva da sessão anterior. Um aluno
trouxe para a sala uma pequena pesquisa que havia feito em casa sobre adivinhações
e queria apresentá-la aos colegas. Ele leu suas anotações do caderno e procurou saber
se os colegas conseguiriam desvendar o enigma proposto. Após a apresentação desse
aluno, voltamos a trabalhar o texto selecionado para esse dia. Essa aula apresentou o
primeiro momento de incertezas. Alguns alunos começaram a demonstrar desinteresse
pelo que estava acontecendo na sala. Como não liam sistematicamente, a leitura
tornava-se um enfado. Esse aspecto foi o despertar da necessidade de se reformular o
planejamento, pois essa reação era um indicativo de que as aulas programadas não
estavam surtindo o efeito desejado.
A quarta aula, Acordar palavras, aconteceu dia 10 de novembro de 2005. seu
objetivo era fazer com que os alunos conhecessem o sentido aparente das palavras e a
96
simbologia que há por trás delas. Entreguei uma folha com várias palavras para que os
alunos pudessem completar, com seus conhecimentos, os outros sentidos que cada
palavra poderia suscitar. Os alunos deveriam descobrir novos sentidos para as
palavras apresentadas. Esse modelo de aula em que os alunos participam diretamente
das ações em sala, causa um envolvimento quase que total da turma, pois cada aluno
queria apresentar sua lista de palavras. A partir de então, começamos juntos a
compreender o trabalho do poeta ao selecionar as palavras para seu poema.
A professora foi chamada à sala de professores para solucionar um problema.
Nesse ínterim, entra a supervisora da escola para pronunciar um discurso em que
criticava um aluno que que havia pichado parede da escola. Esse “ruído” atrapalhou o
desenvolvimento da atividade; os alunos, em solidariedade ao colega, fecharam-se e
nada mais pôde ser feito.
Na quinta aula, dia 16 de novembro, continuação da anterior. Nesse dia, deu-
se continuidade à discussão iniciada no aula anterior, interrompida pela presença da
professora supervisora. A turma, diferentemente, do que ocorrera na aula anterior, não
se mostrou interessada. Mais uma vez, a professora se ausentou da sala. A ausência
da professora muito contribuiu para a desarmonia que se instaurou na sala. Num
retrocesso, os alunos demonstraram não se interessar mais pelo que iriam
desenvolver. Mais uma vez, chamei a atenção deles para o contrato que tínhamos
firmado no nosso primeiro encontro.
Ao chegar à sala neste dia, encontrei no quadro alguns textos. Eram
quadrinhas que algumas meninas haviam escrito ali. Era comum, toda quarta-feira,
encontrar esses textos escritos. Pareceu-me uma forma de dizer: - Eu gosto de poesia,
não a que encontro nos livros, mas a que se faz presente no meu dia-a-dia, a que eu
vivencio. Aquele texto que é compreensível para mim. Vejamos alguns exemplos de
textos de que eles gostavam: Seu olhar é como uma chuva de estrelas caindo sobre
mim. Todos os homens se enganam, mas só os grandes homens reconhecem que se
enganaram.
Esses momentos de escrita espontânea dos alunos eram também
aproveitados. Líamos juntos, procurando dar sentido a cada um desses textos. Vendo
sob outra perspectiva, a escrita desses textos não era tão espontânea assim. Havia
97
entre eles uma necessidade, talvez inconsciente, de mostrar que, de alguma forma,
eram leitores, mesmo que não acreditassem nisso. Essa forma implícita de dizer “eu
também leio”, lembra Pennac (1993, p. 65) quando faz a seguinte afirmação: se o
prazer de ler ficou perdido em frases como “meu filho, minha filha, os jovens não
gostam de ler”, na verdade, ele não se perdeu completamente. Apenas desgarrou-se e
é fácil de ser reencontrado.
A sexta aula, brincando com letras, palavras e repetições, realizada dia 23 de
novembro, além das quadrinhas, tivemos algumas comparações que havia no quadro
revelando a personalidade de algumas meninas, como, por exemplo: Taíze, 100%
engraçada; Milena, 100% irreverente; Fernanda, 100%, ajuizada. Aproveitei esses
textos para retomar o assunto discutido na aula anterior em que refletíamos sobre a
construção do sentido do texto a partir das palavras.
Essa aula tinha como objetivo sensibilizar os alunos, procurando fazer-lhes
pensar e refletir sobre suas características e também conhecer um pouco de cada
colega, já que a brincadeira funcionava como apresentação. Os alunos teriam de fazer
um acróstico com seus nomes e, em seguida, apresentá-lo à turma. Mais uma vez,
ficou patente que a motivação para a leitura precisa passar por elementos relativos às
vivências de cada um. Participaram ativamente da aula. Foram ao quadro, escreveram
seus acrósticos e ficaram atentos à apresentação dos colegas. No final pediram que a
pesquisadora fizesse o seu. Queremos saber como é a professora, disse um deles.
A sétima aula, realizada dia 30 de novembro e intitulada Lendo Poemas, teve
como objetivo ler poemas com os alunos para verificar a constrão do sentido das
palavras e os símbolos que há nelas. Levamos para sala de aula uma folha contendo
os poemas Soneto de fidelidade e Soneto de separação, de Vinícius de Morais. Após
ter feito os procedimentos de pré-leitura e a leitura do poema Soneto de fidelidade, dei
início ao ritual de discussão de pós-leitura. O Soneto de separação teve uma
andaimagem quase que exclusivamente entre eles. Só se dirigiam à
pesquisadora/professora quando queriam confirmar suas opiniões. Essa aula
demonstrou que eles já estavam assimilando o processo de leitura e já se prontificavam
para o ritual que se estabelecia quando, em sala de aula, o professor apresentava um
texto para ser lido.
98
Na oitava aula, realizada em 7 de dezembro, O corpo na construção do
sentido, teve como objetivo desenvolver a percepção do ritmo a partir do movimento do
corpo. Na atividade desenvolvida no primeiro momento, os alunos caminhavam no
espaço disponível da sala. Em seguida, a cada toque o movimento era modificado para
lento, rápido, muito lento, normal, lentíssimo. Os alunos deveriam perceber as
sensações proporcionadas pelos movimentos para compreender o ritmo. No segundo
momento, foram lidos trechos de poemas com velocidades variadas, e, de acordo com
a velocidade da leitura, os movimentos foram se modificando. Após a primeira
atividade, pedi aos alunos que, ainda em movimento, tentassem mostrar, através das
sensações que sentiam ao ouvir os trechos dos poemas que apresentavam animais, o
ritmo e a possibilidade de ilustrá-los com linguagem corporal, mostrando as
características mais determinantes desses animais através do movimento e postura por
eles apresentados.
A nona aula, realizada em 08 de dezembro, foi a continuidade da aula anterior.
O seu ,objetivo desenvolver a percepção do ritmo a partir de um texto do repertório dos
alunos, no caso, o hip hop. O texto escrito por Marcelo D2 está no CD À procura da
batida perfeita. No primeiro momento, fizeram uma leitura em silêncio. Em seguida,
lemos conjuntamente, inclusive tentando dar o ritmo certo desse estilo para
descobrirmos os significados das palavras presentes no texto. Após a discussão do
texto, fizemos a audição da música para percebermos o ritmo. Após a audição, mais
uma vez se instaurou a discussão. Por uns minutos, ficaram discutindo entre si, ficando
essa atividade sob a condução dos alunos. Cada um queria dar sua opinião. Nesse
momento, mostrei a importância do silêncio para ouvir o outro. Depois disso, quando
um pedia a palavra, os outros escutavam. Durante algum tempo, fizeram suas
considerações sobre o hip hop.
A décima aula, realizada no dia 14 de dezembro, intitulou-se O café poético.
Conforme os alunos tinham sugerido, fomos a uma praça localizada perto da escola
para fazermos um encontro ao ar livre. O objetivo desse encontro era avaliar a
formação do leitor de poesias a partir das leituras de poemas selecionados pelos
próprios alunos. A praça que escolhemos, de nome Deputado Patrício Neto, era muito
bonita, bem cuidada e arborizada. Lá os alunos leriam os poemas selecionados e, em
99
seguida, tomariam um café organizado para esse momento. A esse encontro demos o
nome de “café poético”. Os alunos selecionariam poemas que fossem de seu agrado e,
depois, os leriam ou os recitariam. Ficariam à vontade.
Chegando à praça no dia marcado, não os encontrei. Confesso que tive
dúvidas em relação ao comparecimento deles. Tive receio, pois são inúmeras as
histórias que escutava sobre a falta de interesse dos alunos, da irresponsabilidade
destes para com os assuntos escolares. Mas, aos poucos, eles foram chegando. Fiquei
angustiada, porque havia observado uma alternância no comportamento desses alunos.
Ora parecia que o experimento estava se revelando uma boa experiência para eles, ora
parecia voltarmos ao ponto de partida quando diziam não gostar de ler poesia. É válido
salientar que já se percebiam mudanças nas leituras deles. O combinado era que, após
a leitura das poesias selecionadas, tomaríamos um café; entretanto não houve, por
parte dos alunos, o retorno previsto. A maioria tinha se esquecido de levar o poema
selecionado. Como tinha levado alguns livros de poesias, eles procuraram na hora
algum poema com o qual se identificassem para ler na hora.
Sentada ali na praça, cercada por alunos me ouvindo recitar e ler poesias e
também ouvindo-os, foi uma volta ao passado. Revivi os momentos de contação de
histórias quando fazíamos um círculo em torno de Caindão para que ele nos
transportasse para o mundo mágico das palavras. Nesse momento, percebi que a
identidade cultural do professor pode ser uma estratégia para atrair seus alunos, uma
vez que ele vai se mostrar como sujeito de uma história que, ao ser entrelaçada com a
dos alunos, propicia as condições necessárias para que haja uma troca de experiências
entre o professor com os alunos e entre todos e o professor. Nessa relação professor e
aluno ensaiam a experiência profunda de assumir-se como sujeitos da história. Freire
(1996) considera essa identidade do professor como uma tarefa importante da prática
educativa-crítica porque, ao se “assumir como ser social e histórico, como ser pensante,
comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque
capaz de amar” (FREIRE, 1996, p. 46), o professor torna-se capaz de se reconhecer
como objeto e assim manter uma relação de proximidade e afetividade com seus
alunos, proporcionando-lhes o encontro e a motivação necessários para que sintam
necessidade e vontade de aprender.
100
Os alunos também perceberam a forma contagiante de estar num ambiente
livre em contato direto com a natureza, todos ali juntos em volta da
professora/pesquisadora ouvindo e lendo poesias. Esse momento remonta a uma
tradição antiga dos encontros para declamação de poesias e contação e leituras de
histórias, antes de a leitura silenciosa se instituir como prerrogativa do leitor. Nesses
encontros, havia a presença de um intérprete que dava vida aos textos por meio de sua
voz.
A décima primeira aula, realizada em 15 de dezembro e intitulada Lendo
Poesias teve como objetivo ler poemas com os alunos fazendo-lhes compreender os
sentidos da poesia a partir do jogo de linguagem que o poeta utiliza para construir as
imagens e o sentido que quer que os leitores percebam, sintam. Foram entregues
folhas com os poemas O todo sem a parte não é todo, de Gregório de Matos, e As
sem-razões do amor, de Carlos Drummond de Andrade.
A décima segunda aula, realizada dia 22 de dezembro e intitulada O rap na
sala de aula, teve como objetivos: rever o conceito de poesia, explorando a estrutura
formal do texto poético; aproximar o rap e o poema pela temática; reconhecer a
importância do rap como expressão atual juvenil e, ainda, discutir o preconceito contra
a cultura da periferia.
Distribuí os textos para que fossem lidos pelos alunos em silêncio. O texto era
Lado bom, de Ferrez. Retomando o texto de Marcelo D2, fizemos uma comparação
entre o hip hop e o rap, mostrando que ainda que o hip hop é um entrecruzamento de
vários estilos, dentre eles o rap. Em seguida, fizemos uma leitura do poema Versos
íntimos, de Augusto dos Anjos, para comparar a temática do rap com a do poema.
Nesse último encontro, além de retomar o conceito de poesia, explorando a
estrutura formal do texto poético, aproximamos o hip hop e o poema de Augusto dos
Anjos pela temática; reconhecemos a importância do hip hop como expressão atual
juvenil e ainda discutimos o preconceito contra a cultura da periferia. Após a discussão
que sempre ocorria em sala para compreensão do texto, foi aplicado o questionário.
Do experimento, fica para nós a certeza de que é preciso submergir no
cotidiano da magia, a começar pelas nossas salas de aula, para que os alunos possam
101
compreender que poesia es em toda parte e pode ser retirada das coisas, como
ilustra o poema, de Oswald de Andrade (1991):
Há poesia
Na dor
Na flor
No beija-flor
No elevador.
Por isso, a despeito do desprezo que possa sofrer por determinadas políticas
educacionais que não valorizam o ensino de poesia, esta deve ser trabalhada na sala
de aula, de forma livre e criativa, promovendo o diálogo com outras artes – como por
exemplo, foi neste experimento, em relação à música – para favorecer uma crescente
aproximação do aluno com texto literário.
A experiência de viver a leitura de poesia com alunos do Ensino Médio, alguns
arredios à leitura desse gênero, foi gratificante porque nos mostrou, ainda mais, a
importância da presença desse texto em sala de aula, uma vez que a poesia, como
toda arte, é a expressão do próprio homem. Como expressão humana, conduz ao
autoconhecimento e, por sua natureza, à imaginação. Num mundo tão conturbado
como o nosso, a poesia é o espaço da criação e da liberdade de pensar. Ela
desenvolve a criatividade humana, porque leva à reflexão sobre o indivíduo e a
sociedade. Como afirma Paz (1982), o poema não é apenas a forma literária, mas o
lugar de encontro entre a poesia e o homem. Nesse encontro, nos vemos, nos
recriamos, nos revelamos, numa revelação de sentimentos e idealizações e numa
expressão de cognoscibilidade ao nos expressarmos por associões imagéticas num
universo de imaginabilidade cujo limite é infinitizar-se.
3.5 O REFERENCIAL TEÓRICO
Para desenvolver este trabalho, adotamos um referencial teórico que
compreende os estudos da Estética da Recepção e da cooperação interpretativa,
102
conforme os formulam Jauss, (1979), Iser, (1996) e Eco (2002); a concepção de leitor e
o processo de leitura, segundo Smith (1989); o sócio-interacionismo de Vigotski (1999;
2000); a mediação (leitura por andaime, scaffolding), de Graves e Graves (1995); a
psicologia da adolescência deBecker (1999), Carvajal (2001) e Gutierra (2003); e
algumas pesquisas que abordam a temática da leitura e linguagem e ensino de
literatura.
Para a Estética da Recepção formulada por Jauss (2002), a arteo apenas
reproduz ou reflete os eventos sociais, mas também desempenha um papel maior, ou
seja, faz história proporcionando inovações, rompendo com o socialmente estabelecido,
adquirindo um caráter emancipatório.
Essa perspectiva teórica propõe uma mudança de paradigma. Pode ser
compreendida como uma visão de mundo que engloba a Teoria da Recepção, de Jauss
(2002a) e a Teoria do Efeito, de Iser (1996), atravessando problemas ligados ao leitor e
ao texto. Nessa concepção, muda-se o olhar sobre a questão do leitor, rompendo-se
com a noção de texto como objeto estanque e colocando-se a leitura como processo de
reconstrução do texto. Interessa à Estética da Recepção o confronto entre a construção
do autor e as reconstruções do leitor, atentando para os significados e seus locais de
construção, suas interpretações e observando as diferenças heurísticas à luz de
mediações históricas e sociais. É necessário ainda avaliar o conceito de texto, que,
para a recepção normativa da sala de aula, encontra-se voltado para um modelo de
leitura ideal, enquanto que, para a leitura descritiva ou heurística, aponta para a
flexibilidade. Dessa maneira, a ação comunicativa, a produção e a compreensão de
textos representam ação social que deve levar em consideração o processo cognitivo
do leitor, a motivação para propósitos da leitura e a motivação porque explica os
propósitos a partir de uma condição histórica e social do leitor.
A motivação é a força propulsora (desejo) por trás de todas as ações de um
organismo. Motivação é o ato de motivar; exposição de motivos ou causas; conjunto
de fatores psicológicos, conscientes ou não, de ordem fisiológica, intelectual ou afetiva,
que determinam um certo tipo de conduta em alguém. Sendo assim, a motivação está
intimamente ligada aos motivos que, segundo a enciclopédia Barsa (Encyclopaedia
103
Britannica do Brasil, 1995), é uma ação de tudo aquilo capaz de impelir uma pessoa a
determinado comportamento.
Para as teorias de aprendizagem e ensino, a motivação continua sendo um
tema complexo uma vez que tanto facilita como dificulta aprendizagem. Bock(2002)
considera três tipos de variáveis para a motivação: o ambiente; as forças internas ao
indivíduo, tais como a necessidade, desejo, vontade, interesse, impulso e instinto; o
objeto que atrai o indivíduo por ser fonte de satisfação da força interna que o mobiliza.
Assim sendo, a motivação é o processo que mobiliza o organismo para a ação, a partir
de uma relação estabelecida entre o ambiente, a necessidade e o objeto de satisfação.
Como a motivação está ligada simplesmente ao que se quer da vida e aos motivos
pessoais intransferíveis que estão dentro da cabeça (e do coração também), então,
como motivar um leitor que se diz não leitor? Nesse sentido, a Estética da Recepção e
a teoria de Efeito Estético podem ser o eixo em que o professor deve se orientar para
compeender as perspectivas pelas quais passa um leitor no ato de ler.
Para motivar e seduzir leitores arredios, como a maioria dos adolescentes, o
professor precisa usar estratégias que facilitem a aprendizagem. No caso da poesia,
deve privilegiar o aspecto lúdico, a sonoridade, o jogo de imaginão e palavras. Deve
ser sensível ao texto poético para que deixe passar para o aluno todos esses aspectos
do poema, para que saiba criar toda uma atmosfera propícia ao ato de recepção e de
criação. Se o professor não se sensibilizar com o poema, dificilmente conseguirá
emocionar seus alunos. Ele deve considerar que cada turma tem suas características e,
portanto, vai reagir diferentemente a um mesmo poema. Deve também, como já
mencionado, falar sem preconceitos de coisas do mundo do jovem, sem querer
manipular as idéias dos alunos, sem apelar para uma linguagem que não faz parte do
repertório deles, porque um procedimento desse, ao invés de atrair, termina por afastar
o aluno da leitura. Para desenvolver um trabalho com leitura de poesias com
adolescentes, é preciso começar brincando, porque a leitura dessa modalidade de
texto promove o desenvolvimento pleno da linguagem na medida em que capacita os
leitores à compreensão de textos conotativos e simbólicos. Simultaneamente, a poesia
aguça a sensibilidade do leitor, pois, de um lado, o poeta revela sua sensibilidade na
104
poesia, exteriorizando-se a si mesmo, e, de outro, o leitor é induzido pelo efeito estético
a partilhar ou negar os sentimentos expressos.
Observando-se essas condições históricas para a formulação das motivações
para um leitor ler e por que o faz, é possível compreender a necessidade de avaliar a
as tarefas da crítica literária e a intensificação do debate sobre suas questões
históricas, redefinindo o atributo estético, tido como a função da experiência do leitor,
mas também como motivação intrínseca que faz com que o leitor busque a leitura. Na
experiência da leitura, o leitor se realiza histórica e individualmente, de acordo com as
vivências e a compreensão previamente constituída pela sua história que ele introduz
na leitura.
Concomitante à teoria da recepção, está o efeito estético (ISER, 1996). Essa
teoria conduz, a partir dos processos de transformação, a comunicação do sentido do
leitor e descreve a ficção como estrutura de comunicação. Para a Estética da
Recepção, o leitor é o responsável pela concretização da obra literária preenchendo os
hiatos e os vazios deixados pelo autor; em consonância com essa teoria, a do Efeito
Estético, proposta por Iser assume uma postura mais liberal, visto que concede ao leitor
um leque ainda maior de opções. Considerando que diferentes leitores podem
concretizar numa mesma obra diferentes leituras, postula que não há apenas uma
interpretação que seja capaz de esgotar o seu potencial semântico. É na leitura e pela
leitura que esse aspecto se realiza, como afirma Iser (1996, p. 48):
É só na leitura que os textos se tornam efetivos, e isso vale também
como se sabe, para aqueles cuja “significação”se tornou o histórica
que já não tem mais efeito imediato, ou para aqueles que só nos
“tocam” quando, ao construirmos o sentido na leitura, experimentamos
um mundo que, embora não exista mais, se deixa ver e, embora nos
seja estranho, podemos compreender
.
É o efeito estético que, configurado no prazer estético, é capaz de mostrar
como o efeito poético sobre as emoções contribui para a cognição, ou seja, para o
modo como o leitor compreende a si mesmo e ao mundo, percebendo a experiência
literária como catalisadora para a transformação social. Nesse sentido, o leitor é guiado
por um prazer estético experimentado enquanto participa da construção do objeto
estético mediante o preenchimento de lacunas e a superação das negações, do não
105
dito. Num espaço “entre” , que exige que os leitores desenvolvam a capacidade
negativa de ler nas entrelinhas, o não formulado tem primazia sobre o formulado. A
experiência estética engaja, então, o leitor numa produtividade negativa, levando-o a
realizar a leitura mais como um ato de recriação que de recepção.
Essa abordagem compreende a recepção como auto-reconhecimento, como o
investimento interpretativo que o leitor faz ao vivenciar uma experiência do imaginário
no interior da gestalt evidenciada pelo texto. Isso significa que a recepção vai além dos
desenvolvimentos interpretativos que circunscreverem a obra de arte singular. Trata-
se, então, de um movimento que revela o envolvimento inconsciente da imaginação
individual e social.
Umberto Eco (2002) também ressalta a importância do papel do leitor para a
construção da significação, porque uma narrativa de ficção constrói um mundo que
inclui uma multiplicidade de acontecimentos e de personagens, mas não pode dizer
tudo sobre esse mundo. Pode aludir a este, mas é preciso que o leitor preencha toda
uma série de lacunas. Nisso o leitor tem papel preponderante, pois, como acredita Eco
(2002, p. 9), “Todo texto é uma máquina preguiçosa pedindo ao leitor que faça uma
parte de seu trabalho”. Esse aspecto chama atenção para o leitor modelo proposto por
Eco: diferentemente do leitor empírico, o que pode ler de diferentes formas porque
utiliza o texto como receptáculo de suas próprias paixões provocadas por aspectos
exteriores ao texto ou pelo próprio texto, o leitor modelo é uma espécie de tipo ideal
que o texto não só prevê como colaborador mas ainda procura criá-lo.
Apóio-me também na abordagem sócio-interacionista proposta por Vigotski,
para compreender os fenômenos cognitivos relacionados à aprendizagem e focalizo a
atenção na mediação como instrumento que favorece o fator de interação para o
desenvolvimento e a aprendizagem. Essa abordagem concebe a aprendizagem como
um fenômeno que se realiza na interação com o outro. Essa aprendizagem acontece
por meio da internalização, a partir de um processo anterior, de troca de experiências, o
qual possui uma dimensão coletiva. Segundo Vigotski, a aprendizagem deflagra vários
processos internos de desenvolvimento mental, que tomam corpo somente quando o
sujeito interage com objetos e sujeitos em cooperação. Uma vez internalizados, esses
processos se tornam parte das aquisições do desenvolvimento.
106
Para Vigotski (2000), existem dois níveis de conhecimento: o real e o potencial.
No primeiro, o indivíduo é capaz de realizar tarefas com independência e caracteriza-se
pelo desenvolvimento já consolidado. No segundo, o indivíduo só é capaz de realizar
tarefas com a ajuda do outro. Para Vigotski (2000, p. 112) a zona de desenvolvimento
proximal é definida como
a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma
determinar através da solução independente de problemas, e o nível de
desenvolvimento potencial, determinado através da solução de
problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com
companheiros mais capazes.
A zona de desenvolvimento proximal define, então, as funções que ainda não
amadureceram, mas que estão em processo de maturação e devem ser
potencializados. O sentido de aprender e ensinar é aquele que se adianta ao
desenvolvimento e permite interligar mutuamente desenvolvimento e aprendizagem.
Nesse aspecto, o sócio-interacionismo contribui com a concepção que faz o
pêndulo se centrar não mais só no professor ou só no aluno mas na atuação do
professor como mediador entre o conhecimento e seus alunos. É o professor quem
deve perceber o nível de desenvolvimento real e proximal, com vistas a alavancar o
desenvolvimento potencial dos alunos, objetivo da prática educativa no contexto da sala
de aula.
No sócio-interacionismo proposto por Vigotski (1999; 2000), cada ser humano
é único e, por meio de seus processos internos, constrói seus significados e recria sua
própria cultura. Nesse processo, o pensamento e a linguagem se desenvolvem
mutuamente a partir de inclinações, interesses, impulsos, afetos e emoções. A
consciência se constitui por uma inter-relação dinâmica entre intelecto e afeto, as
atividades no mundo e a sua representão.
Assim sendo, a linguagem fornece os conceitos e as formas de organização do
real que são a mediação entre o sujeito e o objeto de conhecimento, entre o sujeito que
conhece e o mundo real. Dessa maneira, Vigotski (1999; 2000) interliga aprendizado e
desenvolvimento, o que traz implicação para a educação e o contexto da sala de aula.
Para esse autor, o aprendizado começa com o nascimento da criança que constrói sua
107
própria história pessoal numa história social já em desenvolvimento. Dessa forma,
qualquer situação de aprendizagem com a qual a criança se depara na escola tem uma
história prévia (pré-história da aprendizagem). O aprendizado desperta vários
processos internos de desenvolvimento, capazes de operar numa situação de
cooperação com os outros (professor e companheiros). Internalizados, esses processos
tornam-se parte das aquisições de desenvolvimento independente, responsável pela
construção da subjetividade em meio às intersubjetividades.
O contexto da sala de aula é a implicação mais importante das proposições
feitas por Vigotski. Ele é percebido como a interação entre professores, alunos e o
conhecimento, potencializador do desenvolvimento de aprendizagens significativas de
agentes sociais que se constroem no processo. O que faz o pêndulo se equilibrar é
que o centro não é o professor-transmissor de conteúdos, como também não o são as
atividades dos alunos sob orientação do professor. No contexto de sala de aula, ocorre
a interação dos sujeitos professores e alunos, com o conhecimento, tendo em vista
aprendizagens significativas.
Nessa linha de aquisição da aprendizagem por meio da interação, a
andaimagem (scaffolding) tem papel significativo como estratégia de construção do
conhecimento e se relaciona aos estudos de Vigotski (2000) sobre a zona de
desenvolvimento proximal.
Acredito, pois, que uma leitura bem sucedida, mediada por alguém com mais
experiência intervindo na aprendizagem, apresenta resultados que favorecem o
aprendizado do leitor, visto que lhe causam satisfação, prazer, além da motivação para
reviver experiências de leituras e de realização pessoal, decorrentes da percepção
estética e dos desafios por ele superado. Assim, a andaimagem permite aos alunos o
necessário desafio intelectual. Entretanto, a assistência do professor (a mediação) deve
ser no sentido de capacitá-los a enfrentarem a tarefa sozinhos, a contornarem seus
próprios problemas, e, assim, abrirem possibilidades para o encaminhamento de
soluções que contribuam para a aquisição do conhecimento.
108
3.5.1 A leitura sob diferentes aspectos
No tocante à leitura de literatura, universo maior do objeto deste estudo, a
realidade nos mostra que, ao longo das séries, ela vai se transformando em sala de
aula. Há uma alteração significativa na metodologia do ensino. Nas séries iniciais,
durante o Ensino Fundamental, a leitura de literatura tem, em alguns casos, a finalidade
de consolidar o processo de alfabetização, sendo, portanto, oralizada e coletiva. Nas
posteriores, chegando ao Ensino Médio, a situação se modifica: a leitura envereda por
novas perspectivas, torna-se, via de regra, silenciosa e individual, muito mais com
finalidades didáticas e de atribuição de notas, constituindo-se, em alguns casos, em um
pretexto para explorações gramaticais, práticas de resumos e tarefas afins. Atividades
desse tipo, ao contrário de trazerem os alunos para o prazer do texto, afastam-nos cada
vez mais de sua prática. Sobre esse aspecto da leitura, Kleiman (2000, p. 16) assim se
posiciona:
Ninguém gosta de fazer aquilo que é difícil demais, nem aquilo do qual
não consegue extrair o sentido. Essa é uma boa caracterização da
tarefa de ler em sala de aula: para uma grande maioria dos alunos ela é
difícil demais, justamente porque ela não faz sentido.
Partindo desse ponto de vista, o trabalho com a leitura de literatura para jovens
leitores, ou leitores em formação, deve levar em consideração os seus anseios, sua
forma especial de ver, compreender o mundo e de interagir com ele. Pensando a
leitura em sua importância social, de interação do homem com mundo, sua
socialização, Zilberman (1988, p. 17) afirma que “o ato de ler qualifica-se como uma
prática indispensável para o posicionamento correto e consciente do indivíduo perante
o real”. O texto, para essa autora, é um intermediário entre o sujeito e o mundo, e é a
partir da leitura que o sujeito consegue apropriar-se da realidade a que pertence e logra
descobrir outras realidades. E a autora continua (1988, p. 18):
embora a obra escrita, de um lado, signifique a possibilidade de o
indivíduo se integrar ao meio e melhor compreendê-lo, de outro, ela
estimula a renúncia ao contato material e concreto, denegrindo as
qualidades desse, ao negar-lhe os atributos de plenitude e totalidade.
109
Transmuta-se na mediadora entre o indivíduo e sua circunstância, e
decifrá-la quer dizer tomar parte na objetividade que deu lugar à sua
existência. Por isso, ler passa a significar igualmente viver a realidade
por intermédio do modelo de mundo transcrito no texto.
Nessa mesma linha de pensamento, Kleiman (2000, p. 10) considera que, “ao
lermos um texto, qualquer texto, colocamos em ação todo o nosso sistema de valores,
crenças e atitudes que refletem o grupo social em que se deu nossa sociabilização
primária, isto é, o grupo social em que fomos criados“.
Frank Smith (2003) também aponta para essa especificidade da leitura e
também para o poder que ela proporciona. Para Smith, através da leitura é possível o
acesso a pessoas distantes e possivelmente mortas, e além disso, o ingresso em
mundos que, de outro modo, não seriam experimentados, de outro modo não existiriam.
Esse autor envolve a leitura numa aura de complexidade porque acredita que ela só
pode ser compreendida se se levarem em conta os fatores perceptivos, cognitivos,
lingüísticos e sociais. Para esse autor, ler é fazer associações, previsões para
estabelecer relações com o que é lido.
Considerando os aspectos cognitivos que envolvem a leitura de um ponto de
vista interacionista, Magnani (2001, p. 49) também define a leitura como
um processo de construção de sentidos. Oscilando numa tensão
constante entre paráfrase (reprodução de significados) e polissemia
(produção de novos significados), ela se constitui num processo de
interação homem/mundo, através de uma relação dialógica entre leitor
e texto, mediada pelas condições de emergência (produção, edição,
difusão e seleção) e utilização desses textos.
Kleiman (1999) aponta ainda para a interação de diversos níveis de
conhecimento como primordiais para que o leitor consiga construir o sentido do texto. O
leitor possui conhecimentos prévios que devem ser levados em consideração, pois
estes são ativados no momento da construção de sentido no ato de ler, o que torna a
leitura uma ação interativa.
Dentre os vários níveis de conhecimento que entram em ação durante a leitura,
a autora cita (KLEIMAN,1999, p. 13):
110
o conhecimento lingüístico, que abrange desde o conhecimento sobre
como pronunciar português, passando pelo conhecimento de vocabulário
e regras da língua, chegando até o conhecimento sobre o uso da língua;
o conhecimento textual, que implica um conjunto de noções e conceitos
sobre a construção do texto quanto à estrutura, aos tipos de texto e às
formas de discurso;
o conhecimento de mundo, que é adquirido ao longo das vivências do
leitor.
Kleiman (1999, p. 20) defende que o leitor deve ser exposto aos mais diversos
tipos de texto para ampliar o seu conhecimento textual, pois isso facilitará sua
compreensão na medida em que “o conhecimento de estruturas textuais de tipos de
discurso determinará, em grande medida, suas expectativas em relação aos textos,
expectativas estas que exercem um papel considerável na compreensão”. A autora
também alega que a pouca familiaridade com um assunto pode determinar a
incompreensão devido a falhas no chamado conhecimento de mundo, pois, ao realizar
uma leitura, são ativados esquemas que permitem economia e seletividade na
codificação de experiências. Esse tipo de conhecimento se adquire através de
experiências vividas e convívio em uma sociedade. Para autora (1999, p. 23),
O conhecimento parcial, estruturado que temos na memória sobre
assuntos, situações, eventos típicos de nossa cultura é chamado de
esquema. O esquema determina, em grande parte, as nossas
expectativas sobre a ordem natural das coisas. [...]
O esquema também nos permite economia e seletividade na codificação de
nossas experiências, isto é, no uso das palavras com as quais tentamos descrever para
outro as nossas experiências: podemos lexicalizar uma série de impressões, eventos
discretos através de categorias lexicais mais abrangentes e gerais e ficar relativamente
certos de que nosso interlocutor nos compreenderá. Logo, a ativação dos esquemas
durante o processo da leitura permite fazer inferências, ajudando a relacionar diferentes
partes discretas do texto e montar um todo coerente.
111
Para Kleiman(1999), é preciso que o aluno saiba da necessidade de fazer uso
dos vários conhecimentos aqui listados para que mantenha um maior engajamento com
o ato de ler e deixe de ser um mero receptor. Em suma (KLEIMAN, 1999, p. 27),
O conhecimento lingüístico, o conhecimento textual, o conhecimento de
mundo devem ser ativados durante a leitura para poder chegar ao
momento da compreensão, momento esse que passa desapercebido,
em que as partes discretas se juntam para fazer um significado. O mero
passar de olhos pela linha não é leitura, pois leitura implica uma
atividade de procura por parte do leitor, no seu passado, de lembranças
e conhecimentos, daqueles que são relevantes para a compreensão de
um texto que fornece pistas e sugere caminhos, mas que certamente
não explicita tudo o que seria possível explicitar.
Ainda no processo de construção da compreensão na leitura, Kleiman (1999)
propõe também a leitura como uma atividade de interação a distância entre leitor e
autor via texto. Considera que o leitor não apenas recebe o texto mas constrói um
significado global para ele, procurando pistas, formulando e reformulando hipóteses e
aceitando ou rejeitando conclusões.
A relação entre leitor e autor implica responsabilidade mútua já que ambos
devem manter pontos de contato apesar das divergências possíveis de opinião e
objetivos. Aqui, Kleiman (1999, p. 67) salienta que, em casos em que o leitor vai ao
texto com idéias pré-concebidas e imutáveis, a compreensão se vê prejudicada, pois
não haverá a reconstrução do quadro referencial através das pistas formais fornecidas
pelo autor.
A monitoração simultânea da compreensão do leitor não é possível na interação
a distância. Isso explica o fato de a incompreensão do texto escrito ser um fenômeno
freqüente, e daí também a insistência na responsabilidade maior do autor e do leitor.
Essa responsabilidade para o caso do leitor, consiste em releituras, análise de palavras
e frases, inferências, ativação de conhecimentos; e, para o autor, consiste em mapear
claramente as pistas que permitam uma reconstrução do significado e da inteão
comunicativa.
Magnani (2001, p. 49) reitera as declarações de Kleiman (1999) afirmando que
112
a leitura não é um fato isolado de um indivíduo frente ao escrito de
outro indivíduo. Implica não só a decodificação de sinais, mas também
a compreensão do signo lingüístico enquanto fenômeno social. Significa
o encontro de um leitor com um escrito que foi oficializado (pela
intervenção de instâncias normativas como a escola, por exemplo)
como texto (e como literário) em determinada situação histórica e
social. E nessa relação complexa interferem também as histórias de
leitura do texto e do leitor, bem como os modos de percepção
aprendidos como normas, em determinada época e por determinado
grupo.
Assim, a leitura é uma vivência única para o ser humano, que, ao dominá-la,
abre a possibilidade de adquirir conhecimentos, desenvolver o raciocínio, participar
ativamente da vida social, alargar a visão do mundo, do outro e de si mesmo. Essa
perspectiva se coaduna com o pensamento de Smith (2003, p. 198) quando afirma que
“a leitura e sua remememorização sempre envolve as emoções, bem como
conhecimento e experncia”.
Dessa forma, a leitura é um processo de conhecimento e, por conseguinte, uma
escalada ao interior de todos nós. Ela pode nos proporcionar a diversão ou pode
também nos ser imposta; entretanto, seja qual for o processo, a leitura, certamente, nos
levará ao descobrimento de inúmeros fatos e emoções. Roland Barthes, em O prazer
do texto (1997), afirma que um texto pode elaborar um espaço de puro prazer e criar
caminhos para a arte do diálogo, na qual o desejo é o ponto de partida para que o leitor
desfrute do que lhe é oferecido pelo autor.
A função primordial de um texto é conectar autor e leitor de forma que os dois
possam coexistir dentro do seu contexto. Desse fato depende, indubitavelmente, a sua
construção, pois é através de uma leitura constante que o texto atinge a imortalidade.
Porém, para que autor e leitor coexistam nessa jornada através do texto, este tem de
estar repleto de emoções, pois a sua falta afasta, automaticamente, o leitor do livro.
Para Barthes (1997), quando o autor escreve um texto, ele o faz em comunhão com o
prazer, e aquele, automaticamente, deseja o leitor. Ainda segundo ele (1997, p. 34),
O texto que me escreve tem que me dar prova de que me deseja. Essa
prova existe: é a escritura. A escritura é isso: a ciência das fruições da
linguagem, seu kama-sutra (desta ciência só há um tratado: a própria
escritura)
113
Que tipo de prazer pode um leitor sentir quando lê? Para responder a essa
pergunta, é preciso estabelecer a diferença entre prazer e fruição, sobretudo, o que há
de real e de ficção que possa ser extraído do texto. Entretanto, é primordial que haja
uma comunhão entre o autor e o leitor para que ambos possam, no momento do gozo,
cortar o elo que os mantém suspensos. Para Barthes (1997, p. 12),
nem a cultura nem a sua destruição são eróticas; é a fenda entre uma e
outra que se torna erótica. O prazer do texto é semelhante a esse
instante insustentável, impossível, puramente romanesco, que o
libertino degusta ao termo de uma maquinação ousada, mandando
cortar a corda que o suspende, no momento em que goza.
Para esse autor, o prazer de um texto não pode ser julgado, pois cada leitor o
frui de forma distinta. O texto, todavia, pode ser classificado de duas formas
(BARTHES, 1997, p. 49): texto de prazer é aquele que contenta, enche, dá euforia;
aquele que vem da cultura e não rompe com ela; está ligado a uma prática confortável
da leitura. Já o texto de fruição é aquele que põe em estado de perda, que desconforta,
faz vacilar as bases históricas, culturais e psicológicas do leitor, a consistência dos seus
gostos, de seus valores e de suas lembranças; faz entrar em crise a sua relação com a
linguagem. Nesse mesmo campo perspectivo, pode-se acrescentar que o leitor vê o
texto pelo mesmo prisma que o texto o vê.
A abertura por onde o leitor entra no texto é a mesma por onde o autor sai
dele. Barthes (1997, p. 54) explica que,
visto que sou aqui um leitor em segundo grau, cumpre-me deslocar a
minha posição: esse prazer crítico, em vez de aceitar ser seu confidente
[...] posso tornar-me o seu voyeur: observo clandestinamente o prazer
do outro.
Dessa forma o leitor nunca faz uso de uma mesma técnica para ler um texto,
pois o que importa quando ele o explora, é a liberdade dos seus desejos. O texto toma
vida a partir do momento em que o leitor o lê; ele o faz porque necessita compartilhar,
pois se sente sozinho.
E Barthes (1997, p.111) complementa:
114
cada vez que tento 'analisar' um texto que me deu prazer, não é a
minha 'subjetividade' que volto a encontrar, mas o meu indivíduo, o
dado que torna meu corpo separado dos outros corpos e lhe apropria
seu sofrimento e seu prazer, encontro o meu corpo de fruição [...].
No que diz respeito ao prazer que a leitura proporciona, no texto O prazer
estético e as experiências fundamentais da poiesis, aisthesis e katharsis, de Hans-
Robert Jauss (1979), o foco central da narrativa dá-se sobre o prazer estético e suas
diferentes concepções através dos tempos: da sua exaltação pela Antiguidade,
passando pelo desprezo da burguesia capitalista, indo até a possibilidade de sua
reabilitação na modernidade. O significado da palavra "prazer" como “ter o uso ou
proveito de alguma coisa” é concebido nos dias de hoje como obsoleto ou
especializado.
Na Alemanha, segundo Jauss, a palavra "prazer" apreendeu significados
diferentes durante o período da arte clássica devido à necessidade de justificar o prazer
estético perante o clero e a filosofia. Essa justificativa baseou-se em uma argumentação
moralista e um controle imposto à retórica. Os significados, apenas na palavra alemã,
de "participação e apropriação" e de "alegrar-se com algo" condensam-se em um só.
Na poesia religiosa do século XII, "prazer" significava "tomar parte de Deus"; no
pietismo, "prazer e participação" se associavam diretamente à presença de Deus; a
poesia de Klopstock levava o leitor ao "prazer mental", enquanto para Herder "prazer"
significava "ter o mundo", segundo uma visão do "prazer espiritual". Para Goethe, em
Fausto, o "prazer" significava tanto os diferentes graus de experiência quanto o desejo
de conhecimento (JAUSS,1979).
Jauss, na trajetória do prazer estético, apresenta três categorias da fruição
estética. Poeisis, na concepção aristotélica de "faculdade poética", é o prazer que o
sujeito desfruta perante a obra; para Santo Agostinho, a perspectiva de chegar a Deus;
no Renascimento, o alicerce do sujeito autônomo. Aisthesis é o prazer estético da
percepção ante o ilimitado, segundo a visão aristotélica como disciplina autônoma. Para
Chklovski, aisthesis seria, como estranhamento, uma visão renovada. Katharsis,
segundo a visão de Aristóteles, é o prazer dos afetos provocados pelo discurso ou pela
poesia capaz de fazer o observador mudar suas convicções ao liberar sua psique, pois,
como experiência estética comunicativa básica, corresponde tanto a tarefa de prática
115
das artes como função social – isto é, serve de mediadora, inauguradora e legitimadora
de normas de ação – , quanto a determinação ideal de toda arte autônoma. Jauss vê
essas três categorias básicas da experiência estética como funções autônomas, mas
que podem se completar.
A experiência estética, de Jauss; o efeito estético, de Iser, e o prazer do texto,
de Barthes, tentam explicar o prazer estético, e é com esses conceitos que faremos o
experimento.
3.5.2 Leitura de literatura
Quando a questão da leitura é pensada do ponto de vista do ensino da
literatura, muito se discute e ainda se tem a discutir. Bordini e Aguiar (1993) consideram
que a realidade não está muito distante do exposto sobre o assunto por vários autores.
O modelo de aula de literatura que parece ainda vigorar na escola brasileira
poderia ser descrito como uma seqüência de atividades mais ou menos estáticas,
ditadas, inclusive, pelo próprio livro didático com apresentação de um texto, explicação
do vocabulário, exercícios de interpretação, exercícios gramaticais e composição, entre
outros. As autoras defendem uma leitura que vá além da exploração meramente
gramatical, pois consideram que a leitura de literatura permite ao leitor a reconstrução
do universo simbólico encerrado pelas palavras. Para Bordini e Aguiar (1993, p. 36),
a literatura, desse modo, se torna uma reserva de vida paralela, onde o
leitor encontra o que não pode ou não sabe experimentar na realidade.
É por essa característica que tem sido acusada, ao longo dos tempos,
de alienante, escapista e corruptora, mas é também graças a ela que a
obra literária captura o seu leitor e o prende a si mesmo por ampliar
suas fronteiras existenciais sem oferecer os riscos da aventura real.
Ainda segundo elas (1993), a literatura proporciona um contato mais
abrangente com a totalidade do real, uma vez que outros tipos de textos atêm-se a
fatos particulares. A literatura representa não somente os fatos sobre os quais se
escreve mas reflete a visão humana sobre os fatores histórico-político-sociais,
116
transmitindo a forma como se vêem e se sentem esses fatores para outros homens de
diferentes realidades, seja no tempo ou no espaço.
Isso evidencia a função histórica da literatura como referencial a fatos históricos
propriamente e também a questões da essência humana, de seus anseios, seus
posicionamentos perante sua história, seu modo de sentir no decorrer dos tempos e a
partir do mundo em que se encontra. Assim, “não é um mero reflexo na mente, que se
traduz em palavras, mas o resultado de uma interação ao mesmo tempo receptiva e
criadora”(BORDINI; AGUIAR,1993, p.14).
As autoras consideram ainda que a importância da literatura está na ausência
de necessidade de referência direta ao contexto, não precisando apontar o objeto real
de que ele é signo, o que lhe confere uma autonomia de significação. O texto literário
estabelece um pacto entre leitor e autor, criando suas próprias regras comunicativas e
dispensando a presença do contexto. Nesse pacto momentâneo, o leitor deixa de lado
sua realidade e passa a fazer parte do jogo imaginativamente quando aceita o mundo
criado como possível para si.
Na obra literária, um mundo possível é construído e possui lacunas que são
automaticamente preenchidas pelo leitor de acordo com sua experiência. Em
contraposição à rigidez do texto não literário, que oferece informação imediata e
restritiva, o texto literário “é plurissignificativo, permitindo leituras diversas justamente
por seus aspectos em aberto” (BORDINI; AGUIAR, 1993, 15).
Essa riqueza polissêmica confere ao leitor um campo de plena liberdade que
proporciona o prazer pela leitura, pois mobiliza, com intensidade e inteiramente, a
consciência do leitor sem obrigá-lo a prender-se às amarras do cotidiano. Mesmo
assim, a obra literária é capaz de fornecer um universo com muito mais informações ao
levar o leitor a participar da construção destas, forçando-o a repensar sua própria visão
da realidade concreta.
Da mesma forma, Magnani (1989, p. 50) considera que
assim como não se faz leitura como se fosse sobre um objeto sem vida,
também o texto, que não é neutro, não existe sem a leitura, e o
conjunto desse fenômeno se caracteriza como lugar de contradições e
de possibilidade deão, de transformação. Assim, pode-se falar de
117
uma relativa pluralidade de significados previstos para (e não por) um
texto, mas que não são nem únicos, nem infinitos.
Em consonância com os postulados de Jauss (1979), Iser (1996), Eco (2002) e,
em acordo com o que foi exposto por Kleiman (1999; 2000), Bordini e Aguiar (1993,
p.16) também consideram a importância da participação ativa do leitor na constituição
dos sentidos lingüísticos para a formação do gosto pela leitura da identificação do leitor
com a obra já que,
embora as palavras sejam explicadas no dicionário, nunca exprimem
um único significado quando integram uma frase de um texto
determinado. A tarefa de leitura consiste em escolher o significado mais
apropriado para as palavras num conjunto limitado.
Dessa forma é importante que a escola disponibilize para os alunos não só a
leitura de textos diversos como também a leitura de literatura, porque se constitui em
fator de extrema importância social. Como justifica Magnani (1989, p. 140),
a literatura mobiliza a imaginação, a diversidade de opções estimula a
busca de alternativas. E, na leitura das contradições e impasses por
que passa nosso país, devemos ser co-autores não só dos fracassos,
mas também da luta pela participação na construção da sociedade que
interesse não apenas a alguns, mas principalmente aos exilados da
palavra
.
De acordo com essas apreciações, a leitura pode ser compreendida como um
ato de perceão e atribuição de significados, visto que ela se realiza através de uma
conjunção de fatores pessoais, como o momento, o lugar e as circunstâncias, ou seja, é
uma interpretação sob as influências de um determinado contexto. Nesse processo, o
indivíduo é levado a uma compreensão particular e social da realidade. Trata-se de um
conceito de ordem cognitivo-sociológica, pelo qual a leitura é concebida como um
processo de compreensão mais abrangente. Essa dinâmica envolve componentes
sensoriais, emocionais, intelectuais, fisiológicos, neurológicos, além dos culturais,
econômicos e políticos. Sobre os aspectos da leitura, Martins (1994, p. 30) afirma que
118
o ato de ler é um processo de compreensão de expressões formais e
simbólicas, não importando por meio de que linguagem [...] e que o ato
de ler se refere tanto a algo escrito quanto outros tipos de expressão do
fazer humano, caracterizando-se também como acontecimento histórico
e estabelecendo uma relação igualmente histórica entre o leitor e o que
é lido.
Lamentavelmente, grande parte de escolas ainda concebe a leitura vinculada a
uma decodificação de signos lingüísticos através do aprendizado estabelecido a partir
do condicionamento estímulo-resposta, ou seja, a aprendizagem ocorre pela
transmissão e pela memorização através de uma série de exercícios para treinamento e
memorização de informões. Essa concepção de ensino calcada na verbalizão, em
que o aluno assume uma postura de ouvinte, desconhece a profundidade da
experiência do contato do indivíduo que, ao atuar sobre o objeto de conhecimento pela
atividade cognitiva, estabelece relações de análise e de generalização. Como afirma
Fontana (1997, p. 110), ao se deixar de dar prioridades apenas às funções instrucionais
e informativas da leitura, “o ensino tem sua função social redefinida: ele passa a
contribuir para o desenvolvimento dos indivíduos, possibilitando-lhes vivenciar modos
de construir conhecimento por si mesmo, modos de aprender pensando”.
A sociedade atual, vê como finalidade da educação, organizar a experiência do
indivíduo na vida cotidiana, desenvolver-lhe a personalidade e garantir-lhe a
sobrevivência. Além disso, a educação é direcionada conforme as técnicas aplicadas,
as normas vigentes e os valores compartilhados pelos indivíduos. Nesse contexto, o
ensino de literatura nas escolas é questionável. O texto literário é constitdo por uma
simbologia utilizada na construção de textos que não possui um sentido produtivo na
vida prática, isto é, não tem utilidade do ponto de vista da sociedade capitalista, visto
que não gera capital por meio do trabalho. Por outro lado, o desempenho intelectual
proporcionado pela leitura de literatura é dialetizado na sua função estética, pois gera
aprendizagem à medida que proporciona prazer não só pelo entretenimento mas
também pela realização do leitor ao descobrir os enigmas do texto e preencher os
vazios que o texto traz. Além do mais, a literatura é, em princípio, comunicação. Ela
possui uma estrutura de apelo, uma comunicabilidade com a qual leitor articula com
suas experiências para a construção do sentido. Colocando-se nessa perspectiva da
comunicabilidade do texto literário, Iser (1996, p.13-14) acredita que
119
a interpretação da literatura, orientada pela estética da recepção, visa à
comunicação, por meio da qual os textos transmitem experiências que,
apesar de não familiares, são, contudo compreensíveis. [...] através
desses textos, acontecem intervenções no mundo, nas estruturas
sociais dominantes e na literatura existente.
Nesse sentido, um ensino de literatura que não considere essa perspectiva
torna-se inexpressivo e voltado, quase que exclusivamente, para interpretão e
discussão de informações literais e de natureza referencial e unívoca. Essa forma de
ensino desconsidera a especificidade do texto literário que, decorrente da sua natureza
primordialmente estética e do seu processo receptivo, permite abrir caminhos comuns
para o estabelecimento da comunicação. Esse aspecto assegura ao leitor, além de
explorar distintas realidades, avaliar o modo como interagem os paradigmas culturais
de diferentes realidades.
Considerando que o ensino de literatura não tem uma finalidade específica, ou
seja, um uso social pragmático, as sociedades mais tecnologizadas tendem a encarar o
saber científico ou prático como o objetivo do ensino e menosprezam o pensamento, a
linguagem e as artes, relegando-os a acessórios instrumentais e de apropriação
natural. Nesse caso, dispensa-se o ensino. Essa abordagem não se coaduna com o
pensamento de Bordini (1991, p. 4). Para essa autora,
[...] essa é uma atitude falsificadora da realidade, pois separa,
hierarquiza e confunde modalidades correlativas e imbricadas do saber.
Discrimina disciplinas como Filosofia, Línguas, Artes e Psicologia e
promove outras como Matemática, Física, Química, Biologia na
formação escolar [...]
A sociedade precisa compreender o ensino de literatura como um dos meios
mais eficazes para o desenvolvimento cognitivo. Ao abrir possibilidades de leitura, a
literatura faz com que o leitor reflita, dialogue com o próprio texto e com outros leitores.
O texto literário é plurissignificativo e, como tal, permite diversas leituras justamente por
ter seus aspectos em aberto, fornecendo ao leitor uma gama muito maior de
informações. A riqueza polissêmica da literatura é um campo de plena liberdade para o
leitor, o que não ocorre com outros textos. Daí provém o prazer da leitura, uma vez que
120
ela mobiliza mais intensamente a consciência do leitor, desobrigando-o das amarras do
cotidiano.
3.5.3 Sob os olhos dos PCNEM: a literatura
As orientações curriculares para o ensino que se encontram propostas nos
PCNEM e na LDB 9.394/96 reconhecem, no ensino da língua materna, um papel
fundamental para definir o sujeito como pessoa que interage com os outros, descobre,
compreende e reinventa o mundo. Para essas orientões, a língua é o elemento
mediador que assegura o acesso ao conhecimento, à fruição e à criação. Isso implica
que a deficiência no seu domínio exclui o sujeito da participação na sua práxis social.
Apesar de esses parâmetros orientarem e fundamentarem o ensino para
professores e escolas, eles apresentam um caráter apenas indicativo, pois, na
realidade, o que se percebe é que o seu conteúdo está, às vezes, longe da prática dos
professores e do projeto pedagógico da escola.
Nas diretrizes que tratam do currículo nacional do ensino da língua portuguesa
para o Ensino Médio, destaca-se a importância das linguagens, dos códigos e de suas
tecnologias. Nessas linguagens, a língua portuguesa aparece não apenas como
comunicação e expressão mas como uma forma de acesso ao conhecimento para o
exercício da cidadania, além de representar fonte da ética e da estética. O processo de
ensino/aprendizagem de língua portuguesa tem bases em propostas interativas de
ngua/linguagem em oposição às conceões tradicionais, deslocadas do uso social.
Nessa concepção, o trabalho do professor centra-se no objetivo de desenvolvimento e
sistematização da linguagem interiorizada pelo aluno, incentivando a verbalização da
mesma e o domínio de outras utilizadas em diferentes esferas sociais.
De acordo com os PCN (1996, p. 139), os conteúdos tradicionais de ensino de
língua, como nomenclatura gramatical e história da literatura, são deslocados para um
segundo plano: a gramática passa a ser uma estratégia para a compreensão, a
interpretação e a produção de textos, e a literatura integra-se à área de ensino de
ngua.
121
Apesar de a literatura estar integrada à área de leitura, essa área não contém
um ensino sistematizado do texto literário, uma vez que, com relação a esse tipo de
texto, há referências apenas às competências e habilidades a serem desenvolvidas em
ngua portuguesa. Não há uma competência específica para as manifestões
estéticas, em geral, nem, em particular, para a literatura. Essa competência será
contemplada no capítulo subseqüente do PCNEM (BRASIL,1996, p. 145) em que se
afirma que a literatura servirá para recuperar “ as formas instituídas de construção do
imaginário coletivo, o patrimônio representativo da cultura e as classificações
preservadas e divulgadas, no eixo temporal e espacial”.
Pensar o ensino da literatura nesses moldes gera um descompasso ao se
confrontar essa proposta com os objetivos que estabelecem a compreensão e o uso da
ngua portuguesa como geradora de significão e integradora da organizão do
mundo e da própria identidade no emaranhado das relações humanas nas quais o
aluno está mergulhado.
Para atender ao objetivo do ensino de língua portuguesa, faz-se necessário
organizá-lo de forma tal que o aluno possa adquirir várias competências, visando à
formação de leitores competentes, aqueles que compreendem o sentido aparente do
texto e seus elementos constitutivos, estabelecem relações com o texto que lêem e
outros textos lidos, estão conscientes de que existem vários sentidos no textos e ainda
são capazes de saber utilizar a língua em situações subjetivas e/ou objetivas que
exigem graus de distanciamento e reflexão sobre contextos e estatutos de
interlocutores, ou seja, a competência comunicativa vista pelo prisma da referência do
valor social e simbólico da atividade lingüística e dos inúmeros discursos concorrentes
(BRASIL,1996, p. 131).
Dentre essas competências, o ensino de literatura resume-se em valorizar a
leitura como fonte de informação, não como via de acesso aos mundos criados pela
literatura e pela possibilidade de fruição estética. Daí a estratégia de se colocar todo
tipo de texto como elemento irradiador de abordagens e reflexões.
No tocante ao texto literário e, sobretudo, à poesia, não existe nos PCNEM
objetivos específicos para esse nível de ensino. A utilização de texto literário fica
122
apenas subtendida, ficando a responsabilidade para professores e/ou dos livros
didáticos.
Convém ressaltar que o projeto para o Ensino Médio no Brasil está definido,
nas suas diretrizes e bases, em sintonia com a última geração de reformas desse nível
de ensino no mundo.
A União Européia manifestou-se a favor da unificação do Ensino Médio,
alertando para a exigência de considerar outras necessidades, além das que são
sinalizadas pela organização do trabalho, visto que essa etapa de escolaridade
tradicionalmente acumula funções propedêuticas e de terminalidade. Essas
necessidades têm sido afetadas pelas mudanças nas formas de conviver, de exercer
cidadania e de organizar o trabalho, impostas pela nova geografia política do planeta,
pela globalização econômica e pela revolução tecnológica. Pensando assim, o
empresariado europeu vê que a missão fundamental da educação consiste em ajudar
cada indivíduo a desenvolver seu potencial e a tornar-se um cidadão completo, e não
um mero instrumento da economia. Segue essa mesma orientação a UNESCO que, no
relatório da Reunião Internacional sobre Educação, apresenta as quatro necessidades
de aprendizagem dos cidadãos para próximo milênio: aprender a conhecer, aprender a
fazer, aprender a conviver e aprender a ser, insistindo que nenhuma dessas habilidades
deve ser negligenciada (BRASIL,1996, p. 72).
Para pensar a educação do futuro, Jacques Delors (2003) aponta, como
principal conseqüência da sociedade do conhecimento, a necessidade de uma
aprendizagem ao longo da vida fundada em quatro pilares que são, ao mesmo tempo,
pilares do conhecimento e da formação continuada. Esses pilares podem ser tomados
também como bússola para a orientação rumo ao futuro da educação.
Aprender a conhecer é ter prazer em compreender, descobrir, construir e
reconstruir o conhecimento, a curiosidade, a autonomia, a atenção. Aprender a
conhecer é mais do que aprender a aprender. Aprender mais linguagens e
metodologias do que conteúdos, pois estes envelhecem rapidamente. Não basta
aprender a conhecer. É preciso aprender a pensar, a pensar a realidade, e não apenas
"pensar pensamentos"; pensar o já dito, o já feito, reproduzir o pensamento. É preciso
pensar também o novo, reinventar o pensar, pensar para reinventar o futuro.
123
Aprender a fazer é indissociável do aprender a conhecer. A substituição de
certas atividades humanas por máquinas acentuou o caráter cognitivo do fazer. O fazer
deixou de ser puramente instrumental. Nesse sentido, vale mais hoje a competência
pessoal que torna a pessoa apta a enfrentar novas situações de emprego, mais apta a
trabalhar em equipe, do que a pura qualificação profissional. Hoje, o importante na
formação do trabalhador, também do trabalhador em educação, é saber trabalhar
coletivamente, ter iniciativa, gostar do risco, ter intuição, saber comunicar-se, saber
resolver conflitos, ter estabilidade emocional. Essas são, sobretudo, qualidades
humanas que se manifestam nas relações interpessoais mantidas no trabalho.
Aprender a viver juntos, a viver com os outros é compreender o outro,
desenvolver a percepção da interdependência, e da não-violência, administrar conflitos;
descobrir o outro, participar em projetos comuns; ter prazer no esforço comum e
participar de projetos de cooperação. Essa é a tendência. No Brasil, por exemplo, essa
tendência está na inclusão de temas/eixos transversais como ética, ecologia, cidadania,
saúde, diversidade cultural, presentes nos Parâmetros Curriculares Nacionais, o que
exige equipes interdisciplinares e trabalho em projetos comuns.
Aprender a ser diz respeito ao desenvolvimento integral da pessoa: inteligência,
sensibilidade, sentido ético e estético, responsabilidade pessoal, espiritualidade,
pensamento autônomo e crítico, imaginação, criatividade, iniciativa. A aprendizagem
não pode ser apenas lógico-matemática e lingüística. Precisa ser integral. Para isso não
se deve negligenciar nenhuma das potencialidades de cada indivíduo.
Diante do desafio que representam essas aprendizagens, assiste-se a uma
revalorização das teorias (humanistas) que destacam a importância dos afetos e da
criatividade no ato de aprender. Dessa forma, a reposição do humanismo nas reformas
do Ensino Médio deve ser entendida como buscas de saídas para os possíveis efeitos
negativos do pós-industrialismo.
Para a educação se voltam, pois, as esperanças de preservação da integridade
pessoal e estímulo à solidariedade num mundo fragmentado pela quantidade e
velocidade das informações. Nisso a escola tem um papel preponderante na medida
em que seu papel, de acordo com os PCNEM (BRASIL,1996, p. 72), é
124
o de contribuir para uma cidadania de qualidade nova, cujo exercício
reúna conhecimento e informações a um protagonismo responsável,
para exercer direitos que vão muito além da representação política
tradicional:emprego, qualidade de vida, meio ambiente saudável,
igualdade entre homens e mulheres, enfim, ideais afirmativos para a
vida pessoal e para a convincia.
Assim, espera-se que a escola de Ensino Médio contribua para a aprendizagem
de competências de caráter geral, tendo como objetivo a constituição de jovens mais
aptos a assimilarem mudaas, mais autônomos em suas escolhas, mais solidários,
acolhendo e respeitando as diferenças, praticando a solidariedade e superando a
segmentação social.
Diante do exposto, a literatura e a poesia, em particular, terão um papel
importante na compreensão desses valores e dessas atitudes que deverão ser
mantidos ou mesmo desenvolvidos nesse nível de ensino. Dentre os valores, normas e
atitudes possíveis de serem adquiridos pelos textos literários estão, além dos acima
citados, o interesse por ouvir e manifestar sentimentos, experiências, idéias e opiniões.
A valorização da leitura de literatura pelo professor deve, além de ser fonte de
fruição estética,
promover a reflexão sobre outras possibilidades de ação, a exploração
de caminhos desconhecidos; remeter para outros textos lidos e, às vezes, para os
próprios textos, pelo que contêm de semelhanças e diferenças em relação a idéias,
relações diversas, problemas, soluções e também sonhos. Pensando no papel do
professor, Maia (2001, 29) afirma:
O papel do professor consiste em fazer com que o aluno compreenda
as possíveis interpretações que um texto literário possui e a relação
dessas interpretações com a estrutura lingüística e, ainda, as relações
emocionais e valorativas que o texto transmite.
Essas reflexões evidenciam ainda mais a importância desta pesquisa, o de
contribuir para uma formação do gosto estético dos nossos jovens por acreditarmos na
força trans-formadora da leitura de literatura e, em especial, a de poesia. Jacques
Delors (2003) percebe as mudanças no mundo, cujos principais motores parecem ser
a inovação tanto social quanto econômica. Nessas mudanças, deve ser dada
importância especial à imaginação e à criatividade. Esse autor sugere que se ofereçam
125
às crianças e aos jovens todas as ocasiões possíveis de descoberta e experimentação
estética, artística, desportiva, científica, cultural e social que venham completar a
apresentação atraente daquilo que, nesses domínios, foram capazes de criar as
gerações que os precederam ou suas contemporâneas. Ele afirma ainda que arte e
poesia, na escola, deveriam ocupar um lugar mais importante do que aquele que lhes é
concedido, em muitos países, por um ensino tornado mais utilitarista do que cultural.
Assim sendo, como elemento desencadeador do prazer estético da leitura, da
imaginação e da criatividade, a poesia deve ter presença marcante no espaço da
escola pela contribuição que dá à construção de vários tipos de conhecimento, não
no que diz respeito à educação formal mas também à educação para a formação geral
que as leituras de mundo porporcionam. O mundo hoje exige a socialização e o
desenvolvimento dos indivíduos, para que eles possam adquirir capacidade de
comunicar, de trabalhar com outros, de gerenciar e resolver conflitos.
126
4 O ADOLESCENTE E A ESCOLA
A ciência pode classificar e nomear os órgãos de um
sabiá
Mas não pode medir seus encantos.
A ciência não pode calcular quantos cavalos de força existem
Nos encantos de um sabiá.
Quem acumula muita informação perde o condão de adivinhar: divinare
Os sabiás divinam.
(Barros, 1996, p.53)
4.1 O DOLESCENTE E A ESCOLA
Os adolescentes são pessoas com diferentes trajetos e projetos de vida. São
pessoas que sonham e se encantam ao simples tocar do olho num objeto desejado. A
adolescência é um período de transição. Além de passarem por transformações
biológicas, próprias dessa idade, passam por mudanças psicológicas e sociais em seu
caminho em direção à fase adulta. Nesse percurso, muitas coisas se perdem e muitas
se transformam; renegociam o relacionamento com os pais, muitas vezes com atritos;
começam a passar mais tempo com amigos, incluindo o sexo oposto; tornam-se mais
capazes de raciocinar sobre questões morais e de definir valores religiosos, políticos e
morais. Além do mais, definem sua identidade com mais firmeza, tomando decisões
sobre educação e sobre uma possível vida profissional. Nesse quadro em que se
processa o desenvolvimento de uma fase tão particular de nosso jovem, como procede
uma escola que luta em manter em sua estrutura administrativa concepções que não se
coadunam mais com as aspirações do mundo cujos valores não se harmonizam mais?
Uma escola preocupada apenas em reproduzir valores sociais, modelos de
comportamento; em ensinar o conteúdo que está sendo aplicado na produção de
riqueza e da sobrevincia do grupo social?
Ao ensinar conteúdos sem explicar que eles se integram à vida cotidiana, a
escola dificulta o surgimento de questionamentos e universaliza seu saber, impedindo
que outros saberes sejam também veiculados e valorizados. Dessa forma, a escola
127
opta por um modelo de homem a educar – um homem passivo perante seu meio
social, visto que não sabe aplicar os conhecimentos aprendidos na escola para melhor
entender esse mundo e nele atuar de forma mais eficiente.
Como a escola vê esses indivíduos que querem ver seus valores transitarem no
seio da escola, que reivindicam voz, que querem ser compreendidos e aceitos como
seres quase autônomos, que contestam o enquadramento rígido imposto pelas
instituições e que querem dar asas as suas próprias necessidades? Dentro dessas
questões o que se percebe é um desencontro entre a cultura escolar e a cultura juvenil,
promovendo o distanciamento dos jovens que terminam por não ver sentido na escola,
que não a vêem como o lugar de aquisição de conhecimentopois não articula a vida
escolar com a vida cotidiana.
O Ensino Médio vem ganhando espaço em discussões e debates nos dias
atuais. Esse fato se deve à inserção maciça de jovens que querem concluir essa etapa
dos estudos. Os objetivos variam de acordo com a classe social e a cultura a que
pertencem. Para uns, é porta de entrada para o mercado de trabalho; para outros, é a
transição para se entrar numa universidade e continuar os estudos. Apesar de ser
grande a busca pelo Ensino Médio, o acesso ainda é limitado, não somente por fatores
sociais, como a necessidade de trabalhar para sustentar a si e a família, que pode
culminar no fracasso escolar, mas também pela qualidade educativa que se apresenta
distante dos novos ideais e princípios defendidos pelos instrumentos legais, PCNEM e
DCNEM.
Estão na fase da adolescência. Como é próprio da idade, estão o tempo todo
buscando uma forma de chamar atenção, de dizer que não estão gostando do que
estão fazendo. O corpo informa isso, pois se mexem constantemente. A professora
insiste em chamar atenção, mas eles são inquietos demais, brigam e discutem entre si,
questionam a professora sistematicamente. Põem em choque tudo o que é discutido
em sala de aula, porque essa é uma forma de mostrar as necessidades que têm, de
apresentar suas certezas e seu intenso oposicionismo. Como afirma Becker (1994), a
adolescência pode ser a passagem de uma atitude de simples espectador para uma
outra mais ativa e questionadora.
128
4.2 COMO A ESCOLA DE ENSINO MÉDIO VÊ A LITERATURA
A primeira questão que se faz ao introduzir este estudo é perguntar: por que se
estuda literatura? Melhor, por que a literatura compõe o conteúdo programático do
Ensino Médio?
O debate e as discussões sobre o ensino de literatura em escolas de nível
médio começaram a ganhar força não só no Brasil como também em outras nações.
Apesar de poucos estudos para esse nível de ensino, pesquisas como as de Malard
(1985), Zilberman (1988), Amarilha (1997) e Pinheiro (2002), entre outros, revelam no
Brasil a existência de uma crise no tocante à leitura de literatura no cotidiano escolar
desde o Ensino Fundamental.
Estudos sobre o papel da literatura na educação nacional revelam a forma
como se deu a inclusão do texto literário, em consonância com as posturas filosóficas
da educação ao longo dos anos na nossa história. As mudanças ocorridas, ao longo do
tempo, no Ensino Médio se refletem ainda na situação em que esse grau de ensino se
encontra, mesmo passado tanto tempo e por tantas reformas.
No Brasil, é possível afirmar que o ensino de literatura é um dos mais antigos,
tendo em vista que teve início nos colégios fundados pelos padres Jesuítas que aqui se
estabeleceram em missão de catequese. Em 1553, aproximadamente, o ensino se
dividia em dois níveis: um, de instrução preliminar, cujo objetivo era ensinar a ler,
escrever e contar; o outro, o colegial, voltava-se para o ensino da Religião e das Letras.
No curso de Letras, fundado pelos Jesuítas em 1553, na Bahia, os estudos de literatura
limitavam-se à leitura de clássicos gregos e latinos como Homero, Virgílio, Ovídio e
Cícero, para imitá-los, por serem exemplos de oratória. O intuito dessas leituras, como
afirma Malard (1985, p. 28), “era a supervalorização da beleza do mundo antigo, as
qualidades do estilo literário e do conteúdo moral da velha poesia, decorada e
declamada”. No ensino jesuítico, o espaço da literatura tinha como objetivo formar
catequistas para a conversão dos indígenas e homens letrados capazes de fazer
poemas e sermões. E isso se dava num ambiente colonial de senhores de terra e
comerciantes sem a mínima noção do que fosse cultura letrada. A formação dos
indivíduos nas letras remetia, portanto, a um mundo extinto, e o ensino dessa época
129
não possibilitava ao indivíduo uma intervenção direta na sua realidade, porque não
mantinha nenhuma conexão com esta, nem temporal, nem local. Decorre daí a
formação de um segmento intelectual livresco e afetado, inclinado ao exercício retórico
de discurso totalmente desconectado da realidade do país. Assim, a presença da
literatura na escola brasileira está, nas suas origens, ligada ao humanismo clássico e
vinculada à tradição jesuítica do período colonial.
Influenciada pelos modelos franceses e ingleses, a partir dos meados do século
XIX, a educação passou por reformas para se adaptar às novas circunstâncias
históricas e sociais vivenciadas no país. As transformações no Brasil do século XIX
estão, de certa forma, vinculadas às mudanças ocorridas na Europa. A fuga da família
real de Portugal, sob a proteção inglesa, trouxe, forçosa e necessariamente, alterações
para o solo brasileiro no quadro político, econômico e cultural. A administração
portuguesa, no período em que se instalou aqui, não elaborou nenhum projeto
educacional; como conseqüência, a taxa de analfabetismo chegou, na segunda metade
do século XIX, próxima de 70%. Nesse percentual, situa-se com maior índice a
população constituída de indígenas, negros e mestiços. A população branca portuguesa
aqui fixada confiava aos jesuítas a educação dos seus filhos. E, quando mais tarde,
desejava dar-lhes uma formação mais completa e com o apoio do Estado, deslocava-os
para a metrópole, empreendimento dispendioso ao alcance, apenas, dos senhores de
engenhos.
Vê-se, assim, que a situação das primeiras escolas brasileiras reflete bem as
idéias predominantes no início do século XX, uma atitude de louvor e de valorização
acrítica da cultura e da realidade estrangeira, como se fosse a própria realidade. Como
conseqüência, uma metodologia distanciada da realidade perseguirá durante muito
tempo o ensino brasileiro. Decorrente dessa metodologia é a atitude dos professores de
literatura e língua portuguesa que obrigavam os alunos a lerem clássicos da língua
portuguesa e latina cuja linguagem deveria ser imitada como modelo de escrever bem e
falar bem. Até meados do século passado, os professores distribuíam para os alunos
listas de nomes de autores clássicos estrangeiros com trechos de obras para serem
memorizados. Essa situação nos dá idéia da visão colonizada do ensino no Brasil
desde os primórdios.
130
Só mais tarde, quando o país passa a ser considerado independente, em 1822,
é que se criam condições de expansão e promoção dos ideais burgueses. O
desenvolvimento econômico com o sucesso na balança comercial da exportação do
café beneficia o crescimento de uma população urbana nas cidades do Rio de Janeiro,
Santos e São Paulo, promovendo o surgimento de uma classe média que vai reivindicar
uma organização no sistema de ensino. Os primeiros a se manifestarem foram os
progressistas republicanos, exigindo uma política educacional. Reivindicavam, inclusive,
o fim de um dos grandes entraves à democratização do ensino no país: a escravidão
negra. Essa escravidão era defendida pelos grupos conservadores e responsáveis por
violenta diferencião social entre o pequeno número de escolarizados e o imenso
número de analfabetos.
Dessa pequena e incipiente classe média, surgem nomes como Raul Pompéia,
Euclides da Cunha, Coelho Neto, Olavo Bilac e Monteiro Lobato, alguns dos renomados
intelectuais e literatos que lutavam pela superação dos problemas educacionais já em
pleno século XX. A República, que parecia imbuída em solucionar os problemas
relativos à educação, terminou sucumbindo à força política e econômica dos grupos
tradicionais e conservadores, estabelecendo-se um conflito: de um lado, o grupo
conservador, ligado à vida rural, que não queria mudanças, e, de outro, os grupos dos
menos favorecidos, urbanos, que exigiam mudanças na área educacional. Some-se a
isso, a pressão do mercado por mão-de-obra treinada e qualificada para atender às
exigências da industrialização.
Nessa nova sociedade, de cunho urbanístico e industrializado, a educação tinha
como objetivo a capacitação e preparação das pessoas para a assunção de
determinados papéis. O Ensino Médio (antigo Segundo Grau), como já foi citado,
orientado para os novos caminhos da sociedade dividiu-se em dois: um, de caráter
profissionalizante, direcionava o jovem para o mercado de trabalho; outro, de caráter
científico, para o ingresso nas universidades. Esses pressupostos foram além e
orientaram o processo educacional do século XX com um programa político que
começou na República Velha, na década de 20; adentrou pelo Estado Novo, na década
de 30, indo até as reformas educacionais que surgiram a partir de 1964. Na década de
70, as medidas governamentais transformaram o ensino em etapas profissionalizantes.
131
Essas medidas visavam atender à demanda industrial, fornecendo mão-de-obra
treinada (1º grau) e especializada (2º grau) para entrar no mercado de trabalho que se
ampliava e crescia com a produção. As autoridades e a sociedade passaram a ver,
então, o ensino como aparelho formador de mão-de-obra para as exigências do
mercado industrial e como vetor de mobilidade social para as classes mais baixas da
população.
Essas reformas, pelas quais passou o Ensino Médio, definiram e definem o
processo de leitura nas escolas e, por conseguinte, a presença do ensino de literatura
nos currículos escolares. Apesar de os cursos profissionalizantes não se preocuparem
com as humanidades, a crescente busca pelas universidades fez com que houvesse
uma aproximação dos currículos com intuito de atender à demanda que se instaurava.
Assim, a literatura passou a conviver com os objetivos profissionalizantes de segundo
grau e sua vertente de preparação para o ingresso às universidades.
Nesse contexto, a escola se transforma, e a literatura adquire o estatuto de
objeto do saber. Diferentemente do que ocorria nos tempos passados, o texto literário,
a partir das novas diretrizes, ganhou uma nova posição na sala de aula, deixando de
ser apenas lido para ser aprendido.
Na prática escolar, o ensino de literatura ainda se mantém, de certa forma,
como sinônimo de dados historiográficos, com reconhecimento de autores, obras,
escolas literárias e estilos de época, distanciados, muitas vezes, historicamente da
realidade do aluno. E, ainda, o fato literário se reduz, na maioria das vezes, a
amostragens, pois o que se apresenta em sala de aula são fragmentos de textos e,
como o aluno dificilmente tem acesso à obra integral - ou porque não pode comprar o
livro ou porque o acervo das bibliotecas é escasso - , culminará no desinteresse pela
leitura de literatura.
A escola, de uma forma geral, e essa onde se realizou o experimento, em
particular, não valorizam devidamente o ensino da literatura porque não o vêem como
uma forma a mais de se compreender o mundo e de o homem se comunicar. Elas
reproduzem o discurso da sociedade para quem a literatura não possui objetividade,
pois não produz trabalho, e, se não produz trabalho, é perda de tempo. A escola
precisa ensinar matemática, língua portuguesa, história, geografia, física, entre outros,
132
porque são contdos que irão ser utilizados ao longo da vida dos estudantes, ou seja,
são conteúdos que têm utilidade prática. A literatura vem apenas como um conteúdo a
mais porque está presente nos concursos de vestibular. Por isso, não há, por parte da
escola, uma preocupação em como está sendo esse ensino, ficando apenas por parte
dos professores sua aplicação. Isso pode ser comprovado na fala da professora que
participou do experimento. Perguntei-lhe, em entrevista, como a escola percebia o
trabalho que ela desenvolvia em sala de aula. Ela assim se posicionou:
Professora: Até agora não encontrei nenhum obstáculo. Não sei nem se a
escola toma conhecimento de minha forma de dar aula, entende? Mas eu
procuro fazer meu planejamento de acordo com a necessidade da turma,
com a realidade da turma. O que eu acho necessário, sabe? O que acho
viável, simplesmente, eu planejo e faço. Eu não estou muito preocupada se a
escola tá querendo que eu trabalhe.
Essa fala da professora pode ser uma das vozes que vêm comprovar a pouca
ou quase nenhuma importância que a escola dá ao ensino de literatura. A professora
envereda quase que sozinha nessa tarefa de ensinar a ler literatura e, nesse caminho,
faz o que acha conveniente, à revelia da escola e das diretrizes que orientam esse
ensino.
Esse aspecto possibilita compreender a dimensão do problema da leitura de
literatura em sala de aula, uma vez que a escola não se pronuncia para desenvolver, ao
lado do professor, um ensino adequado à formação a que se propõe; fica condicionada
apenas a manter um tipo de ensino que não se coaduna mais com os interesses atuais
que preconizam uma formação total para que os jovens tenham acesso aos
conhecimentos necessários para a integração na sociedade moderna como cidadãos
conscientes, responsáveis e participantes.
A escola deve estar mais atenta em preparar indiduos para pensar do que
para memorizar conteúdos. Isso significa a admissão de sua função mais importante
que é propiciar ao aluno atividades que desenvolvam sua capacidade de raciocínio e
argumentação, sua sensibilidade para a compreensão das múltiplas facetas da
133
realidade. Portanto, ela deveria ser, antes de tudo, um espo para o exercício da
liberdade e de expressão.
Se a literatura é uma forma particular de conhecimento da realidade, uma
maneira de ver o real, ela pode ajudar enormemente o professor na tarefa educacional,
pois pode ser uma excelente porta de entrada para a reflexão sobre aspectos
importantes do comportamento humano e da vida em sociedade, e ainda permite o
diálogo com outras áreas do conhecimento.
Porém, por circular na sala de aula junto com os textos escolares, muitas vezes
o texto literário acaba por sofrer um tratamento didático que desconsidera a própria
natureza da literatura. O texto literário não é um texto didático, pois a literatura não é
matéria escolar, é matéria de vida. Por isso, ele não tem uma resposta, não tem um
significado que possa ser considerado correto. Ele é uma pergunta que admite várias
respostas, depende da maturidade do aluno e de suas experiências como leitor. O texto
literário é um campo de possibilidades que desafia cada leitor individualmente.
4.3 COMO A ESCOLA DE ENSINO MÉDIO VÊ A POESIA
Ao refletir sobre o ensino de poesia na sala de aula, a primeira questão que se
impõe é a de saber se a poesia é um gênero que agrada.
Grande parte dos estudos que tratam do ensino de literatura e, mais
particularmente, do ensino de poesia nas escolas revela o caráter “burocrático” com que
esses textoso tratados, não explorando as possibilidades que eles anunciam,
impedindo o aluno de “usufruir da poesia como uma das formas de comunicação com o
mundo” (AVERBUCK, 1993, p. 67). Estudos apontam para a forma desestruturada pela
qual passa o ensino de poesias nas salas de aula. É realizado de forma elementar, ou
seja, um ensino destituído de objetivos específicos, incutido nas aulas de língua
portuguesa, sem a mínima preocupação com a divulgação mais ampla e séria de
alguns milênios de história poética. Assim, os alunos crescem desinteressados pela
literatura e descrentes com esta, de uma forma geral, e mais ainda com a poesia.
Como já foi dito, na sala de aula o ensino de poesia fica restrito, na maioria das
vezes, à métrica, aos versos e às rimas expressas no texto, ou ainda, para se estudar
134
escolas literárias e, algumas vezes, até a gramática. Maiakoviski (apud Schaiderman,
1971, p. 179) condena essa forma de ensino mecânico, vivenciado pelos alunos, e
sugere:
Em nome da melhoria da qualificação poética, em nome do
florescimento futuro da poesia, é preciso abandonar o destaque dado a
esse trabalho – o mais fácil de todos – entre as demais formas de
trabalho humano.
Além desses aspectos, o ensino restringe-se ao estudo formal das escolas
poéticas, de poucos poetas, em particular, ou de mínimos trabalhos envolvendo,
geralmente, versos de poetas conhecidos e admirados no meio pedagógico. Isso
porque os professores, em sua maioria, apóiam-se em textos extraídos de manuais
didáticos, que em, alguns casos, oferecem apenas fragmentos de textos literários.
A educação em consonância com as necessidades do mundo de hoje, com
suas múltiplas solicitações, requer indivíduos criadores, e só haverá criação quando
houver educação para a sensibilidade e para a imaginação. E a poesia em muito
contribuirá porque, como texto na sala de aula, estimulará a inteligência, educará a
sensibilidade, incentivará a criatividade e elevará o espírito dessa nova geração pelo
contato e pela apreciação de valores.
Vendo a poesia como agente transformador, os professores proporcionam aos
seus alunos uma linguagem que permite fantasiar, liberar a imaginação, sonhar,
devanear e brincar. O lúdico contém poesia, e a brincadeira é repleta de encantamento.
Segundo Marinho (2000, P. 36), em Escola com poesia–laboratório de poesia,
A poesia é apenas um dos usos entre todas as possibilidades da língua
e, talvez, o mais criativo de todos. Pode ser pictórico, plástica,
dramática, musical, afetiva, moral, cognoscitiva, técnico construtiva e
lúdica.
No entanto, a escola não se preocupa com a forma de como a literatura, mais
especificamente, a poesia, é apresentada na sala de aula. Isso se dá porque a escola
não se concebe como responsável por uma ação formadora, mas por uma visão de
interdependência entre suas concepções educacionais e a própria sociedade. Sobre
esse pensamento, Averbuck (1982, p. 66) faz a seguinte relação:
135
Em que medida a sociedade, com sua organização e seu sistema
estanque de relações, sufoca a imaginação criadora dos jovens e em
que medida a escola participa desse estiolamento, em vez de estimular
a capacidade de criar, como deveria ser seu papel.
A autora acusa, assim, a sociedade de tolher a imaginação criativa dos jovens e
de participar, a seu modo, dessa repressão. Compreende-se, então, que a sociedade
interfere no tipo de educação e, mais particularmente, no tipo de atividades propostas
pela escola. Essa interfencia pode ser observada através do utilitarismo da vida
moderna, por exemplo. Esse valor social reflete-se na organização escolar quando
tenta ensinar às crianças que o tempo perdido não é lucrativo. A arte e as atividades
lúdicas entram num domínio de menor importância, ao lado da gratuidade,
consideradas sem utilidade imediata. Dessa forma, na formação do ser humano, o
papel da arte, em geral, e da poesia, em particular, torna-se menos valorizado.
A atitude do professor, de um modo geral, frente à poesia no cotidiano de sala
de aula pode estar relacionada com a sua formação profissional, suas crenças e
concepções de educação, de homem, de mundo e de si mesmo, vindo a confirmar a
idéia de que a sociedade guarda estreitas relações com a escola. Em consonância
com o estabelecido pela sociedade e pela escola, apresenta-se, em situação de sala de
aula, a poesia de um tempo passado, remoto, cheio de regras rígidas e formalidade,
com uma dicção dura e, principalmente, uma linguagem arcaica sobre temas antigos,
os quais nada têm a ver com os sentimentos, a linguagem e a realidade dos jovens
hoje. Esse tipo de formação pode ser um meio de afastar os jovens da poesia.
Esse fato, embora bastante discutido, repetido e difundido pelos educadores em
geral, não é assumido como postura pedagógica individual. Quando perguntamos à
professora da pesquisa “você trabalha com poesia em sua sala de aula?”, a resposta
foi afirmativa. Porém, quando questionada sobre os procedimentos utlizados, ficou
implícito que ela apenas repetia os modelos que encontra nos livros didáticos. Desse
modo, torna-se necessário propiciar o encontro/reencontro entre o poema e o professor
leitor. O professor não apresenta aos alunos poemas de forma que eles estabeleçam
com o texto parcerias mágicas, provocadoras de descobertas inéditas (KIRINUS,1998).
136
Podemos afirmar esse fato, quando analisamos as respostas dos alunos em relação à
pergunta “você gosta de poesia?” O que escutamos dos alunos é que “poesia é coisa
de mulher que só pensa em amor.” “Não gosto, é maçante.” “A professora fica falando;
como não entendo nada, nem presto atenção.” No entanto, quando apresentamos
alguns textos que fazem parte de seu universo - como letras de canções, poemas de
amor conhecidos, expressões em diários, pensamentos escritos nos cadernos,
protestos e todo tipo de texto que permita expressar as preocupações e percepções
que compõem o universo juvenil, como material de poesia -, eles se mostram
admirados e dizem: “mas essas não são as poesias que a professora lê na sala.”
Percebe-se o desconhecimento por parte da escola e, de certa forma, de alguns dos
professores de que “todas as coisas cujos valores podem ser / disputados no cuspe a
distância / servem para poesia” (BARROS, 2001, p. 11).
De outra forma, quando conversamos com alguns jovens sobre algumas
poesias e estabelecemos com eles leituras com seus conhecimentos prévios, mostram-
se interessados e desejosos de conhecer mais profundamente esse gênero de texto.
Essas respostas vêm demonstrar que a leitura de poemas em sala de aula não
tem uma história. Retornando a Kirinus (1998), tomemos suas questões de empréstimo
para saber até que ponto o professor está preparado para propiciar o encontro entre a
poesia e o leitor. Ao questionarmos o repertório poético do professor, queremos saber
se ele acredita na necessidade de cultivar-se e cultivar poeticamente o aluno. Se ele
aprecia leituras poéticas, estimulará a turma a se envolver na trajetória de sentidos que
o texto apresenta. O aluno percebe quando o professor não gosta de ler. A atitude do
professor no manuseio com a linguagem literária é um dos pontos mais importantes na
apreciação de poesias em sala. O modo como o professor vê e sente o gênero, seu
interesse e envolvimento irão determinar o despertar e a disponibilidade do aluno para
o assunto. Esse aspecto é determinante quando se quer formar um leitor. A mediação
do texto passa pelo encantamento com o qual o professor apresenta o texto para os
alunos. A comprovação disso, podemos ver no depoimento da aluna no questionário,
quando perguntei se havia gostado dos encontros:
137
Alda: Sim, porque as aulas são muito criativas. Nós conhecemos coisas
diferentes. Por você gostar de poesia. Aprendi a gostar de coisas que eu não
gostava, como poesia.
Essa resposta nos faz refletir sobre a questão da formação do gosto. Gosto se
ensina? A afirmação de Alda mostra que sim. O envolvimento do professor, a
disponibilidade e a criatividade com a qual ele vivencia, juntamente com o aluno, o
material e a sua sensibilidade para o texto poético poderão promover o gosto em quem
ainda não despertou para isso. Conforme Averbuck (1993, p. 69), um ponto crucial para
a formação do gosto passa, indiscutivelmente, pelo gosto, ou seja: “ é preciso gostar
para poder criar no outro o gosto, trabalho, emoção e afeto que só pode partir daqueles
que se dispõem verdadeiramente.”
Esse aspecto de que “gosto também se ensina” também é evidenciado no
questionário por outro aluno.
Clóvis
:
Sim, porque a nossa professora (você) está nos ensinando a gostar de
poesia e a ler, pois eu não gostava de ler. Achava um saco!
Diante dessa resposta, é fácil inferir o quanto é necessário considerar as
respostas ou as reações dos alunos, as ações do professor e as transformações pelas
quais passam, por intermédio do processo de mediação pedagógica. Esse processo
assume características específicas, visto que se trata de uma ação intencional,
deliberada e sistematizada pelo professor em relação à construção do conhecimento
pelos alunos. Assim, o que antes não despertava interesse transforma-se e ganha vida
nas mãos do professor mediador que vise formar alunos leitores.
Dentre outras respostas presentes no questionário, uma outra também revela
que, se o professor gosta de poesia, ele mediará por meio do uso de instrumentos, por
meio de sua palavra, em interlocução com os alunos e, ainda, em função da condição
de sujeito mediador que ele assume nesse processo. Na mediação pedagógica, estão
envolvidos não só a ação do professor e o engajamento do aluno como também o
modo como se desencadeia uma nova relação de conhecimento. Essa nova relação
implica uma mudança, uma alteração de sentido entre o que o aluno compreendia
138
antes e o que passa a compreender depois da intervenção do professor. Assim, se o
professor gosta de poesia, ele poderá, através de si, despertar no aluno o gosto pela
leitura desse gênero textual, como mostra a resposta abaixo:
Célia: Gostei porque eu não lia poesia e com as dela eu passei a ler.
O que ocorre geralmente é um certo empurro de culpas. “O meu aluno não
gosta de ler”, é o que ouvimos muitas vezes. Entretanto, a pergunta deveria ser se o
professor gosta. Esse é um ponto crucial para compreendermos a relevância deste
estudo. Amarilha (1993) constatou a problemática relação dos professores com a
natureza prazerosa do texto e a pouca atenção que se tem dado aos componentes da
literatura que a transformam em objeto de prazer, desejada pelos usuários. Segundo a
autora, é difícil falar de prazer quem nunca o experimentou; mais ainda, é ensinar a
encontrar prazer no texto se não o conhecemos. E ela conclui: “ professores sem prazer
não podem formar leitores desejantes” (AMARILHA,1997, p. 25).
Quando pensamos a escola, nos perguntamos: que papel desempenha? É
preciso, antes de afirmar que o professor tem deficiências, observar também o papel da
instituição. Nesse sentido, a escola também deixa muito a desejar. Ela precisa definir
uma nova qualidade que deve começar pela organização escolar, ou seja, pelo projeto
pedagógico. Mas também faz-se necessário lembrar o quanto deficitário é o quadro
geral da escola. Em se tratando do aluno da escola pública, o quadro é ainda mais
problemático. A partir do ano 2005, o aluno passou a receber o livro didático; antes, ao
chegar ao Ensino Médio, o aluno deixava de recebê-lo. Bibliotecas, quando existem,
são deficitárias. Segundo depoimentos dos profissionais da área, computadores
existem, porém a escola não dispõe de uma manutenção adequada para instrumentá-
los, e, uma vez com problemas, fica difícil o conserto. Há ainda falta de material para
manuseio, como, por exemplo, papel para impressão. Esse tipo de problema traz como
conseqüências dificuldades do professor em desenvolver um trabalho que ele considera
bom para o crescimento da turma.
Na escola privada, mesmo não sendo objeto deste estudo, percebe-se que,
apesar de não estar diante de tamanha precariedade, o trabalho com o texto poético
139
também não se realiza de maneira satisfatória. Daí vem a pergunta: por que a poesia
não é estudada na escola de Ensino Médio? Será que os professores têm deficiências
teóricas que justifiquem a exclusão do texto poético em sala de aula? Se a questão
acima se confirmar, a escola precisa refletir sobre esse aspecto, pesquisá-lo e investir
na formação do seu corpo docente para que cada professor desenvolva um trabalho
específico e profundo sobre leitura e recepção de textos, dentre eles, os poéticos. Ela
precisa se comprometer em elaborar projetos que viabilizem o processo de ensino-
aprendizagem dentro da escola no seu funcionamento geral.
Além dessas observações, a realidade é que a poesia, como já foi citado,
quando aparece na sala de aula, tem apenas um caráter “utilitário”, o ensino é didático
e as experiências do aluno são desvalorizadas. As perguntas “para que serve a
poesia?” e “qual sua função e sua utilidade?” são comuns. A inexistência, a priori, de
uma justificativa pertinente ao mundo de hoje faz com que ela seja utilizada em
ocasiões comemorativas da semana da poesia e, como já foi dito antes, para tomar
conhecimento de sua estrutura formal, ou até mesmo, introduzir valores morais, éticos e
patrióticos. Contrário a essa posição, Pound (1997, p. 36) analisa a utilidade da poesia
a partir do seguinte pensamento:
A literatura não existe no vácuo. Os escritores como tais, têm uma
função social definida exatamente proporcional à sua competência
como escritores. Essa é sua principal utilidade. [...] um povo que cresce
habituado à má literatura é um povo que está em vias de perder o pulso
de seu país e o de si próprio
Também contrário àquela perspectiva, posiciona-se Huizinga (1993, p. 134): “A
primeira coisa que é preciso fazer para ter acesso a essa compreensão é rejeitar a idéia
de que a poesia possui apenas uma função estética ou só pode ser explicada através
da estética.” Para Averbuck (1993), a poesia, além de auxiliar a compreensão da
comunicação do irracional e do incomunivel, funciona como um andoto numa
civilização urbana e técnica. A autora vê na poesia o desenvolvimento do gosto pela
beleza, de um gosto pelo ritmo e pelo jogo promovido pela linguagem. O domínio
desses elementos leva à consciência ao mesmo tempo libertadora e lúdica da
linguagem.
140
O tratamento mecanicista do reconhecimento de escolas, de estilos, de rimas,
de métrica e de estrofação ou, ainda, de memorização que se dá ao gênero poético na
sala de aula, não propicia o encontro do leitor (aluno) com a poesia, visto que não
favorece a empatia do aluno com esse gênero. Segundo Maiakoviski (apud
Schaiderman, 1971 p.170), “a criação de regras não constitui em si a finalidade da
poesia, senão o poeta se tornará um escolástico, que exercitará na formulação de
regras para objetos e teses inexistentes ou desnecessárias”. O conhecimento dessas
regras nos primeiros encontros do aluno com a poesia pode quebrar o encanto que
esse texto proporciona e subtrair deste a idéia do sentir: a poesia é para ser sentida,
afirmavam os simbolistas. Averbuck (1993), nessa mesma linha de pensamento,
acredita que não se ensina poesia. Para essa autora (1993, p. 70), “a poesia não pode
ser ensinada, mas vivida: o ensino da poesia é o ensino da descoberta.” E a descoberta
também se dá pelo prazer que esse gênero suscita no leitor pelo seu caráter imagético
e sensorial. Para Amarilha (1997, p. 27), “ao transformar as imagens em expressão,
pela linguagem verbal, entra na composição literária o elemento prazeroso. Esse
componente de prazer advém, sobretudo, da natureza lúdica.”
O lúdico na sala de aula começa a desaparecer à medida que o educando
passa para séries posteriores. Da quinta à sexta série do Ensino Fundamental, os
estudantes ainda se envolvem com as atividades de leitura de literatura, e, em
particular, de poesia. Ao longo das séries até chegar ao Ensino Médio, o interesse vai
se perdendo.
É posvel inferir que as crianças gostam de poesia porque há uma perfeita
identificação entre elas, pela amplitude de imaginação e pureza ao mesmo tempo, e por
fazê-las brincar com a realidade, com a linguagem, com sentimentos e pensamentos. A
poesia atrai as crianças desde os seus primeiros anos de vida, como já foi citado. Nos
braços maternos ou no berço, há reações às cantigas de ninar. Ao choro, sucede a
calma e à calma, sucede o sono. São a rima, o ritmo, o movimento e a melodia que já
encontraram ressonâncias em seus ouvidos, e elas se divertem com os sons diferentes
das palavras antes mesmo de compreendê-las. Por que acreditar, então, que os jovens
não se sintam atraídos por esses elementos pertencentes ao universo da poesia?
141
Ao chegarem à escola, as crianças encontram um trabalho pedagógico, mesmo
que incipiente, de apreciação de poesia. Elas gostam de brincar e, algumas vezes, de
se sentirem poetas. Entretanto, ao atingirem a adolescência, considerada a fase mais
criativa e reflexiva, esse envolvimento vai se perdendo.
O prazer de brincar com a linguagem e com os textos vai se tornando algo
maçante, algumas vezes torturante, como afirmam alguns dos jovens com os quais
conversamos. Alguns alunos não querem mais participar das brincadeiras em sala,
sentem-se intimidados, são rígidos, têm medo de expressar seus sentimentos e
emoções. Como eles mesmos dizem, “não quero pagar mico”, ou seja, “não quero
servir de motivo para gozação dos outros”. Na aula em que trabalhávamos o corpo na
construção do sentido, essa atitude ficou bem marcada. No círculo que se formou na
sala para que os alunos tivessem espaço para se movimentar à vontade, poucos alunos
se permitiram penetrar na atividade. Assim, não relaxaram para soltar o corpo,
permitindo que os sons ganhassem sentido a partir das sensações despertadas pelos
sons e pelos movimentos.
É preciso ensinar nossos adolescentes a brincar porque, como acredita
Winnicott (1975, p. 93), é com base no brincar que se constrói a totalidade da existência
experiencial no homem. É no brincar, e talvez apenas no brincar, que a criança ou o
adulto fruem sua liberdade de criação (WINNICOTT, 1975, p. 79). Nesse brincar estão
incluídos os jogos, brinquedos e divertimentos e ele se relaciona também com a
conduta daquele que joga, brinca e se diverte. Por sua vez, a função educativa do jogo
oportuniza a aprendizagem do indivíduo, seu saber, seu conhecimento e sua
compreensão de mundo.
Na escola, o ato de brincar e de criar permite uma pedagogia do afeto. Permite
um ato de amor, de afetividade, cujo território é o dos sentimentos, das paixões, das
emoções, por onde transitam medos, sofrimentos, interesses e alegrias. Uma relação
educativa que pressupõe o conhecimento de sentimentos próprios e alheios que
requerem do educador a disponibilidades corporal e o envolvimento afetivo, como
também cognitivo, de todo o processo de criatividade que envolve o sujeito. A
afetividade é estimulada por meio da vivência pela qual o educador estabelece um
vínculo de afeto com o educando. O jovem também necessita de estabilidade
142
emocional para se envolver com a aprendizagem. O afeto pode ser uma maneira eficaz
de se chegar perto desse sujeito e a ludicidade, em parceria, um caminho estimulador e
enriquecedor para se atingir uma totalidade nesse processo de aprender. Por isso, o
ato de brincar está, pois, presente em todos as fases da vida dos seres humanos, o que
torna a sua existência especial. De alguma forma, o lúdico se faz presente e, além de
acrescentar um ingrediente indispensável no relacionamento entre as pessoas,
possibilita o despertar da criatividade.
143
5 A POESIA NA SALA DE AULA
... a poesia está presente em tudo que vemos, ouvimos, tocamos, falamos... E a poesia está
presente em nosso dia-a-dia.
(depoimento do aluno sujeito da pesquisa - 2005)
5.1 A POESIA NA SALA DE AULA
Ler poesia e com ela trabalhar virou mito em nossas salas de aula. Há
resistências na escola, tanto por parte do professor quanto do aluno em ler, interpretar,
vivenciar esse gênero. Durante a intrevista inicial, alguns alunos demonstraram não
gostar de poesia: à pergunta “se gostariam de trabalhar com poesia”, responderam
negativamente, mostrando falta de interesse. Trechos extraídos da entrevista mostram
que alguns adolescentes não se interessam por poesia, ou porque não gostam, ou
porque não a compreendem muito bem. Então, vejamos:
Pesquisadora: Você gosta de poesia?
João: Não.
Pesquisadora: Gostaria de ver um trabalho com poesia?
João: Não.
Um outro aluno assim se posiciona:
Pesquisadora: Você gosta de poesia?
Carlos: Não.
Pesquisadora: O que achou dessa que foi lida na sala?
Carlos: Mais ou menos ... porque eu não entendo direito ... essa poesia ...
assim.
144
Apesar de ter afirmado não gostar de poesia e de não a entender direito, as
respostas seguintes desse aluno mostram que, de certa forma, o poema José, de
Carlos Drummond de Andrade, o fez refletir sobre uma certa condição de alguém. Essa
reflexão ocorre quando o leitor associa as imagens produzidas pelo texto com sua
própria vida, estabelece relações com as informações que conhece, numa relação entre
o texto e suas próprias experiências, criando, explorando interagindo com mundos
reais, possíveis ou inventados. A leitura é uma experiência. Mesmo que não tenhamos
vivido uma determinada experiência, a leitura proporciona essa vincia emocionando
os leitores (SMITH, 2003).
Iser (1996) enfatiza a necessidade de se considerar o sentido não como algo a
ser explicado, mas, sim, como um efeito a ser experimentado. Assim sendo, a
interpretação deixa de explicar uma obra e revelar o seu sentido para passar a revelar
as condições de seus possíveis efeitos. Esses efeitos têm relação com a concretização
da obra produzida pelo leitor, quer dizer, com o seu pólo estético. O outro pólo da obra
literária – o artístico – designa o texto criado pelo autor. “A obra é mais do que o texto, é
só na concretização que a obra se realiza” (SMITH, 2003, p. 50). E é nessa
concretização que o leitor passa a ser protagonista. O seu “trabalho” passa a ocupar
um papel central, de modo tal que o que procuraremos saber é o que sucede com o
leitor quando dá vida aos textos ficcionais a partir da sua leitura, e não mais o que
significa a obra que ele está lendo.
Vejamos como o aluno se posiciona frente às sensações que o texto despertou:
Carlos: Assim ... eu não entendo bem, mas eu não entendo bem. Só
algumas partes.
Pesquisadora: Como você se sentiu quando leu aquele poema?
Carlos: Não... eu fiquei imaginando assim ... como seria aquele personagem,
José, né? Pensando assim ... como seria o jeito dele. O texto fala que ele
não tem nada. Fico imaginando como seria ele assim, sem nada, sem
amigos.
145
As respostas dos alunos indicam que desfrutar da poesia com adolescentes em
sala de aula, realmente, não é uma tarefa fácil, como postula o discurso presente no
cotidiano escolar que acredita que, se a leitura de textos não poéticos já é problemática
porque os alunos não gostam de ler, a de poesia é mais complicada ainda, pois o
gênero é considerado de difícil compreensão e a linguagem, em alguns casos,
inacessível, como afirmou o aluno ao dizer: “eu não entendo direito. “Só algumas
partes. Quando ele dizsó algumas partes, significa que, de certo modo, ele leu o que
compreendeu, e a compreensão aqui passa também pelo conhecimento de mundo.
Como afirma Smith (2003), ler é estabelecer relões. Assim o pouco que o aluno
entendeu é exatamente a relação que ele estabeleceu entre o que ele já conhece, a
pobreza, com a nova forma de o texto apresentar o já conhecido.
Entretanto, a escola não valoriza esse potencial. Em vez disso, conduz os
adolescentes a acreditarem num modelo pré-concebido, como, por exemplo, acreditar
que as motivações, os interesses e o comportamento dos adolescentes são,
simplesmente, frutos de conflitos interiores e represo sexual de explosivos instintos
sexuais (BECKER, 1994). Acreditar nesses aspectos como inerentes aos adolescentes
é desvalorizar as opiniões e atitudes desses jovens que, ao final, incorporam essa
ideologia como uma verdade “natural” e tendem a desqualificar sua própria emoção e
pensamento. Para a escola, torna-se mais fácil pôr nos adolescentes a culpa pelo seu
fracasso, pois não está conseguindo pôr em ação uma de suas funções, a mais básica:
formar um leitor. Começa, então, o discurso de que os adolescentes não gostam de ler,
não se interessam pelas coisas da escola. Assumindo esse discurso, vão seguindo e
confirmando esse modelo sem ao menos questioná-lo e se comportam como alguém
alheio às vivências escolares vivendo “a crise da adolescência”. Essa idéia, segundo
Becker (1994), começa a ser contrariada por investigações recentes que demonstram
ser a “crise da adolescência” muito variável, uma vez que existem diversas formas de
experimentar a adolescência sem qualquer conflito.
Na verdade, olhando esses jovens sob outro ponto de vista, o de que eles não
são tão arredios à leitura quanto parecem demonstrar, percebemos que talvez não seja
de ler de que eles não gostem, mas da forma e das modalidades de textos que a
escola apresenta para as leituras, via de regra, estranhas às suas perspectivas e
146
vivências. Como eso num mundo em constante transformação, o que importa é o
presente, o imediato, o fabricado, que pode ser vivenciado sem que, para isso, seja
necessário um envolvimento maior que dispense trabalho porque têm pressa, querem
respostas imediatas e objetivas para o que estão fazendo, como podemos ver na
composição Nada tanto assim, de Leoni e Bruno Fortunato, gravada em 1984 pelo
grupo Kid Abelha. Alguns versos desse texto apresentam a forma como o jovem
concebe a leitura do mundo e da vida:
Só tenho tempo pras manchetes no metrô
Eu me concentro em apostilas
coisas tão normal
leio os roteiros de viagem
enquanto rola o comercial
eu tenho pressa
e tanta coisa me interessa
mas nada tanto assim.
Esses versos revelam os sentimentos conflituosos dos jovens, a pressa, o jeito
de fazer várias coisas ao mesmo tempo. Entretanto, nessa variedade de interesses,
nada é determinante nem tem um fim duradouro; outros interesses se entrecruzam, se
confundem, e, entre anúncios, televisão, leituras no metrô e apostilas, o jovem vê sua
vida ganhar o ritmo próprio. Algumas escolas, infelizmente, não acompanham nem
reconhecem esse ritmo, que inclui, também, algumas transformações psíquicas que
influenciam sobremaneira a vida dos adolescentes, como o aumento da sonolência, a
perda de interesses pelas coisas da escola, queda no rendimento escolar. Passam a
viver largados, preguiçosos sem atividade nenhuma e não querem ser reconhecidos
como crianças; por isso, freqüentemente, se revoltam contra tudo o que é imposto. Em
vista desse comportamento, a proposta da leitura que requer não só atenção para se
sentir o texto e refletir sobre ele como também requer disponibilidade para isso, choca-
se com esse momento dos jovens de que nem dispõem de tempo, haja a variedade de
interesses e, nem, em alguns casos, nem desejam fazer essa atividade.
Partindo dessa perspectiva, o professor, para ser mediador da leitura, precisa
ter ciência de que esse é um momento peculiar na formação do indivíduo, é um período
inevitável do desenvolvimento psicológico do ser humano (CARVAJAL,2001). Precisa
147
compreender também que, ao mesmo tempo que é rebelde, exuberante, contraditório,
criativo, crítico, problemático e irreverente, o adolescente está disposto à integração, à
lógica, à sensatez e ao enriquecimento produtivo, não só para ele mas também para
seu grupo. Aprendendo com a tentativa e o erro, ele também está disposto a ser
orientado.
Na escola, além de estar aprendendo as lições escolares que o preparam para
o mundo, esses adolescentes estão formando seu self, ou seja, está aprendendo a
conhecer a si mesmos a partir das suas sensações e vivências, experimentando como
parte deles mesmos, tudo aquilo que os conforma e os compõem. Hábitos e traços de
comportamento aparentemente isolados adquirem um significado dentro desse contexto
pleno da vida e dos objetivos do indivíduo. Num determinado momento, os jovens se
isolam numa viagem interior como forma de conhecimento de si mesmos; num outro,
começam a vivenciar a vida em grupo. Nesse momento, começam a tomar atitudes
parecidas: vestem-se com o mesmo estilo, ouvem as mesmas músicas, vivem numa
cumplicidade, agrupam-se, revolucionam e se posicionam sempre contrários à ordem
estabelecida. Agora a ordem é outra. Na nova ordem que eles mesmos instauram para
suas vidas, não entra aquilo que não esteja coerente com seus desejos e valores.
Na sala de aula, para mediar a aprendizagem, o professor precisa compreender
que esses aprendizes são pessoas que, no momento, estão sentindo necessidade de
tomar consciência das experiências que possam ser vitais para a compreensão de seus
próprios comportamentos. Todo o estilo de vida está envolvido, uma vez que um dado
sintoma ou traço não é senão uma expressão do estilo de vida integrado do indivíduo, é
o self. É o estilo de vida da pessoa, é a personalidade se formando socialmente e deve
ser considerada como um todo integrado. Por isso, todo e qualquer trabalho a ser
desenvolvido em sala de aula só terá êxito se houver um planejamento que vise
adequar os conteúdos sistemáticos da disciplina com as expectativas e desejos desses
jovens, ou seja, que insira a cultura desses jovens.
No que diz respeito às afirmações que anunciam a dificuldade de se ensinar a
ler poesia em sala de aula com adolescentes, concordo que esta não seja uma tarefa
fácil, mas também acredito não ser impossível. É preciso que o professor reconheça
esse momento peculiar por que passam seus alunos, para poder utilizar várias
148
estratégias que possam despertar no aluno o prazer por uma leitura poética, pela
degustação de palavras combinadas numa forma de jogo com a linguagem e pela
viagem na fantasia das imagens tão peculiar ao gênero em discussão. Sob esse
prisma, a poesia reclama seu espaço e sua vez na sala de aula para romper com o
preconceito de que é difícil de ser trabalhada, de vivenciada e de sentida, às vezes, até
de ser experimentada.
Na experiência de vivenciar a poesia na sala de aula com os adolescentes
sujeitos desta pesquisa, confirmou-se a assertiva de que, apesar de complexo, é
possível, sim, um trabalho com a poesia no Ensino Médio. Numa análise quantitativa
teremos a seguinte posição: no questionário, dos vinte e cinco respondentes, todos
gostaram das aulas. No entanto, desses vinte e cinco, quinze afirmaram terem gostado
das aulas de poesia e dez, apenas das aulas.
Podemos observar nesses números o êxito da experiência, uma vez que as
respostas dos entrevistados evidenciam que os procedimentos e as estratégias
utilizadas como por exemplo – a mediação dialogada pela andaimagem - contribuíram
significativamente para a aprendizagem, pelo envolvimento e pela interação que ela
proporcionou. Foram aulas em que o aluno participou ativamente do processo,
manifestando suas opiniões, questionando o professor (pesquisadora), discutindo com
seus pares, refletindo sobre o texto.
As respostas dos alunos que afirmaram no questionário ter gostado das aulas,
mesmo que não tenham gostado das poesias, induzem às seguintes questões: o que
leva um jovem que não gosta de poesia gostar de uma aula de poesia? Que
referenciais ele possui para tanta convicção? Será que ele não gosta mesmo ou o
discurso é simplesmente uma atitude de oposição (ROCKWELL, 2006) àquela situação
em que o jovem tem necessidade de negar o estabelecido? As respostas negativas por
parte desses alunos suscitam uma outra reflexão: a poesia é, necessariamente, um
texto que agrada? Há possibilidade de alguém simplesmente não gostar do gênero e
não se interessar por ele? O questionário demonstrou que sim. Apesar de as aulas
terem proporcionado um envolvimento com participação ativa desses respondentes, a
poesia continuou a ser para eles um texto pelo qual têm menor interesse. Nesse caso,
em vez de se apregoar que o aluno não gosta de ler, é preciso se perguntar de que
149
textos ele não gosta e porque não gosta. A formação do leitor deve passar, inclusive,
por essa negação, uma vez que ele, como leitor, tem seus direitos - direito, por
exemplo, de não ler o livro, de não terminar a leitura, de pular páginas, de ler uma
página aqui, outra ali etc (PENNAC,1993).
Entretanto, mesmo posicionados contra a poesia, esses alunos se inserem no
percentual total que afirma ter gostado das aulas. Isso permite inferir que as aulas
criaram espaços de encontro, de trocas, de curiosidade e, possivelmente, de prazer de
aprender. Por trás de cada uma dessas falas, existem reflexões, intenções e desejos.
Assim, uma metodologia que permita o protagonismo, que abra espaços para deixar
emergiram as diversas vozes na sala de aula e que essas vozes possam repercurtir
como algo a ser ouvido, respeitado, através do diálogo, pode ser um meio eficaz para o
professor que pretende formar leitores.
Esse aspecto de ouvir e de dizer, de participar ativamente do processo ensino-
aprendizagem, chama atenção para alguns versos de Drummond (2002):
Deus que livre vocês de ficarem passivos,
ouvindo, repetindo, repetindo, repetindo.
Eu queria uma escola
que lhes desse múltiplos meios de vocês expressarem cada sentimento, cada
drama, cada emoção.
Esse tipo de aula, em que o aluno apenas escuta e repete sem compreender ou
articular o que repete com suas próprias vivências, infelizmente, ainda é vigente na
maioria das escolas. É contra essse tipo de escola e de aula que o poeta se posiciona
porque acredita que essa forma de ensino não ensina a pensar, a expressar pontos de
vista, a questionar e, ainda, não ensina a ver o mundo sob outra perspectiva: a
perspectiva do próprio aluno quando transfere para o texto suas experiências.
Afirmar Não gosto de poesias, apesar de as aulas terem sido boas, não
significa que o trabalho desenvolvido com os alunos não tenha sido proveitoso. Ao
contrário, pode também implicar no que Rockwell (2006) denomina de resistência em
sala de aula, ou seja, acostumados a serem sempre contrários ao que é estabelecido
como regra na escola, esses alunos tendem a ser manter sempre em situação de
150
oposição à autoridade do professor e às proposições cotidianas. Na sua compreensão
de resistência, Rockwell (2006 p. 33) afirma que
lo que sí tienen em común es la possiblidad de invocar y de cuestionar
tanto los criterios de verdad como las normas de rectitud em qualquer
acción comunicativa. Así, pueden resistir la obligación, implícita em el
acto da habla, de responder de obedecer uma orden o de aceptar como
verdadero el contenido propuesto, si no consideran que se cumlieron
las pretensiones de validez. Por supuesto, ello non responde a um
razonamiento consciente...
A negação desses alunos no tocante ao ensino de poesia pode não ser
exatamente o fato de não gostar desse gênero textual, já que gostaram das aulas, mas
uma atitude de resistência ao proposto, uma forma de chamar atenção, de se mostrar
hostil ao estabelecido. Pode ser, também, que não gostem mesmo, e isso é um direito
que assite a qualquer leitor.
Vimos ao longo deste texto discutindo a natureza da poesia como um dos
aspectos inerentes ao homem visto que este é, por natureza, um ser poético. Se
somos, é porque, na essência, somos também poetas, somos criadores. Na leitura do
poema nos vemos, nos recriamos, nos revelamos, numa revelação de sentimentos e
idealizações (poiesis), numa expressão de cognoscibilidade (aisthesis) ao nos
expressarmos por associações imagéticas num universo de imaginabilidade cujo limite
é infinitizar-se (JAUSS, 1979). Entretanto, seria ingenuidade acreditar na possibilidade
de que todos os alunos, após alguns encontros, aprendessem a gostar de poesia. O
experimento mostrou que é possível encontrar pessoas que não sintam prazer diante
de uma poesia e que não estejam dispostos a dela gostar, uma vez que ela não faz
parte de suas intenções de leitor. Segundo Smith (2003), a leitura não pode ser
separada das finalidades dos leitores e de suas conseqüências sobre eles. A
linguagem, neste caso, a da poesia, só faz sentido quando os leitores podem relacioná-
la àquilo que sabem, e a leitura se torna interessante e relevante para eles quando
pode ser relacionada com aquilo que desejam saber.
151
A despeito das respostas negativas desses alunos, assumimos que o ensino de
poesia deve ser valorizado nas escolas, pois ela, além de problematizar o mundo e
incitar à reflexão, é um desafio à sensibilidade do leitor que se enriquece a cada leitura.
5.2 DA LEITURA DE POESIA À POESIA DA LEITURA
Viver a poesia é deixá-la fluir entre os jovens para que eles possam perceber
que, na atividade criativa com a língua, se constroem formas originais de ver e
compreender o mundo. Fazê-los descobrir que a experiência com os elementos da
poesia se faz presente em suas vidas desde o nascimento, quando os primeiros sons e
acordes são ouvidos. O som, primariamente, extrapola o significado nas canções de
ninar, nas parlendas, nos poemas, porque produz correlações emocionais por
intermédio da sonoridade e do ritmo da fala que orienta o significado, a melopéia
segundo Pound (1997). Em seu cotidiano, o jovem, quando criaa, viveu a poesia por
intermédio não somente das cantigas de ninar mas também das brincadeiras, da
invenção de rimas, dos trava-línguas. Hoje, ele a vive por meio das músicas, das
quadrinhas tão próximas de seu universo, dos poemas que conhece etc. Esse aspecto
se apresenta quando os alunos pedem mais “música” em sala de aula ao responderem
à pergunta sobre a continuidade do experimento:
Marta: O que eu queria que você apresentasse e acrescentasse em outras
sessões era mais forma de música com os mesmos tipos de ritmo que
apresentou, mas com mais outros ritmos e expressões.
Ana: Mais música na próxima aula.
Diante dessas respostas, podemos compreender como o ritmo, a sonoridade e
a musicalidade fazem parte da natureza humana desde seu nascimento, perpetuando-
se ao longo de sua vida. Outros ritmos e expressões pedidos pelos alunos entram
naquelas categorias de Pound (1997, p. 11): a melopéia, em que as palavras são
152
impregnadas de uma propriedade musical (ritmo e som) que orienta o significado; a
fanopéia, um lance de imagens sobre imaginação visual, e a logopéia, a “dança do
intelecto entre as palavras”.
Esses aspectos também foram orientadores para a elaboração do repertório
desenvolvido em sala de aula, incluindo a reelaboração do experimento que ocorreu
devido à descoberta de que seria preciso articular o saber acadêmico com o saber da
cotidianidade, ou seja, do saber que esses jovens trazem para a sala como possível
caminho para a construção e para a vivência do exercício da consciência crítica dos
sujeitos na sua formão de leitores.
Durante o experimento, os primeiros encontros não foram bem sucedidos,
embora a previsão para concluí-lo fosse o final do mês de novembro, isso só veio
acontecer no mês de dezembro. Esse atraso deveu-se à necessidade de uma
reformulação do planejamento, como já foi citado. Mesmo que tenhamos consciência
de que a sala de aula é um espaço complexo, dinâmico, surpreendente, uma realidade
que contém muitas realidades (MORAIS,1988), ela sempre nos surpreende. As
respostas dos alunos nos primeiros encontros mostraram isso.
Quando estive na escola expondo o projeto, a recepção por parte dos alunos foi
boa. Mostraram-se interessados, queriam saber quando começávamos. Durante a
seleção dos alunos que iriam participar das entrevistas, ficaram pedindo à professora
que interviesse na seleção. Esse aspecto pareceu instigante. Preparei o experimento e,
na minha ansiedade e no desejo de que tudo acontecesse conforme minhas previsões,
tinha a certeza de que seria um sucesso. Foi, mas não da forma como acreditei a
princípio. As respostas negativas dos alunos aos primeiros encontros fizeram-me sentir
que nem tudo acontece como planejamos. A sala de aula é exatamente um lugar
imprevisível, é um lugar onde tudo acontece e tudo se transforma. Diante dessa
constatação, comecei a pensar em novas possibilidades. Que fazer para seduzir esses
alunos que se mostraram tão interessados e, de repente, o enfado, as reclamações? Às
respostas negativas, recomeçar. Não desisti e, a partir das observações em sala,
percebi que o que os estava incomodando era o fato de fazerem algo ao qual não
estavam acostumados: leitura. Leitura, não a que eles vivenciavam em seu cotidiano,
mas a leitura acadêmica que estava sendo implementada, que, muitas vezes, não fazia
153
parte de seu repertório cultural. Frente a essa constatação, reelaborei e guardei a
seleção que tinha feito, deixando-a para um momento posterior. O novo planejamento
passou a ser feito dia a dia, a partir de cada necessidade que aflorasse em sala, um
plano e a seleção do texto que mais se aproximasse das necessidades demonstradas.
As expressões de João, Não gosto de ler!, e de Marcos, Leitura de novo!, e o
conjunto de linguagens que os corpos desses garotos anunciavam – sentar-se e
levantar-se, mexer-se de pé ou sentado, mexer com o colega, atirar objetos nos
colegas, bater com os pés ou com algum objeto na cadeira, andar pelo meio da sala –
registraram as sensações de ordem geral. Eram sensações provindas das formas
como se desdobrava o diálogo, ou seja, o corpo comunicava apresentando
descontentamento, perplexidade, irritação, ansiedade, desinteresse, entre outros. Esse
conjunto de informações é revelador de quanto é necessário, no contexto escolar, a
compreensão desse momento particular na vida dos adolescentes. Momento de
sonhos, de busca de identidade e socialização e construção de uma vida melhor a partir
dos estudos. Às vezes, para demonstrar essa revolução interna pela qual estão
passando, os jovens encontram na negação a forma mais contundente de expor os
sentimentos. A escola parece não perceber essas necessidades, e qualquer ato que
fuja das normas por ela estabelecidas é descrito, algumas vezes, como delinqüência. A
compreensão e a articulação das relações que se estabelecem ou podem ser
construídas entre a vida escolar e a vida cotidiana dos adolescentes, não são
valorizadas, e a aula, que poderia promover uma leitura mais producente, se perde.
Desse modo, a aprendizagem na sala de aula necessita de uma prática docente que
materialize uma rede de sentidos e significados, o que implica uma subjetividade
expansiva em relação à qual a formação do leitor deva ser contemplada.
Ao reelaborar o conjunto de textos que traria para as discussões, a leitura de
poesia na sua forma mais acadêmica ficou guardada para ser recuperada no momento
propício. Para dar continuidade ao experimento, enveredei por caminhos que pudessem
despertar esses jovens do momento letárgico que eles estavam vivendo para envolvê-
los em ações em que eles pudessem protagonizar, pois o trabalho de leitura é o ato de
completar os vazios do texto, de acordo com a experiência e a individualidade de quem
lê. Assim, os alunos, ao atuarem como co-criadores do texto, já que este é uma
154
máquina à espera de ser manuseada (ECO, 2002), recebem a obra inacabada e dão a
esta a feição que melhor lhe servir. Assim organizamos a aula de título Acordar
palavras. Essa aula teve como tema motivador o encontro anterior quando refletimos
sobre poesia a partir de uns versos da canção de Alceu Valença, Morena tropicana, que
a professora citou e escreveu no quadro: “tua pele macia, é carne de caju / saliva doce,
doce, mel de uruçu / beijo travoso de umbu cajá.” A partir desses versos, a aula ganhou
um novo ritmo, quando eles começaram a descobrir como o autor vai organizando as
palavras para apresentar o sentido que ele quer construir. Discutiu-se o aspecto das
sensações, pois a poesia é para ser sentida. À pergunta, “quais os sentidos que
possuímos”?, os alunos responderam: os cinco sentidos são o olfato, a visão, o paladar,
o tato e a audição. Perguntei-lhes, então, como se percebiam no poema os sentidos
que eles tinham mostrado. Eles foram respondendo a partir das palavras que eles viam,
comparando “pele macia” com “caju”, caju é macio, falamos do tato. “Doce” com “mel de
urucu”, paladar, travoso com cajá. Cajá é amargo, travoso. O “beijo travoso” foi
comparado ao desentupidor de pia, que pega e não quer soltar, porque trava. A
descoberta das palavras e a construção do sentido que elas adquirem no texto a partir
do jogo que o autor estabelece com a linguagem, a dança das palavras no dizer de
Pound (1997), foram o elemento desencadeador para novas formas de se viver a
poesia em sala de aula de forma prazerosa. De Alceu Valença a Elias José, a poesia
ganhou sentido. Os alunos se envolveram com a leitura e podemos, então, retornar ao
texto preparado para aquela aula, Tem tudo a ver, de Elias José.
De posse desse texto, fomos juntos construindo o sentido do poema. A leitura
feita por alguns alunos mostrou-se bastante frutífera. Eles compreenderam a
construção do sentido criado pelo texto. Perceberam também que tudo que existe ao
nosso redor é matéria de poesia; que a poesia pode estar em qualquer lugar, em
qualquer coisa, até nas pessoas; que a linguagem poética é sugestiva porque não diz
diretamente, mas sugere na ampla possibilidade de significações que as palavras
suscitam. Assim, foi proposto um trabalho que propiciou aos alunos momentos lúdicos,
tendo em vista o exercício da imaginação, da fantasia, da criatividade, ao mesmo tempo
em que se mostrou ao aluno a vida de forma mais lúdica, mais poética, com maior
liberdade para construir seu conhecimento. Segundo Elias José (2003, p. 11), “vivemos
155
rodeados de poesia”. Em outras palavras, poesia é tudo que nos cerca e que nos
emociona quando tocamos, cheiramos, ouvimos ou provamos.
Essa aula modificou o planejamento, pois mostrou que os alunos se envolvem
quando protagonizam as ações, quando passam a ser co-criadores do texto, quando
articulam as informações contidas no texto com seu conhecimento de mundo.
A aula seguinte, intitulada Acordar palavras, aconteceu dia 10 de novembro de
2005. O seu objetivo era fazer com que os alunos conhecessem o sentido aparente
das palavras e a simbologia que há por trás delas. Uma folha com algumas palavras foi
entregue aos alunos para que pudessem completar, com seus conhecimentos, os
significados daquelas palavras a fim de descobrir e/ou atribuir os sentidos que cada
uma delas pode possuir. Essa atividade foi desenvolvida em pequenos grupos, e, após
despertar as palavras adormecidas em suas memórias, cada grupo apresentou as
palavras por eles acordadas (ver anexo).
Esse momento foi muito participativo porque a construção do sentido das
palavras partia do conhecimento de mundo deles para encontrar palavras que se
associassem ao que era pedido para ser feito, como por exemplo: acordar palavras
sólidas, palavras líquidas, palavras frias, palavras quentes etc. Nessa aula, toda a turma
se envolveu porque cada um queria, à sua maneira, demonstrar que conhecia mais
palavras que o outro. Em forma de brincadeira, a turma se descontraiu e começou a
jogar, ou melhor, na verdade, competir. Todos queriam ver quem conhecia mais
palavras. A competição faz parte do jogo, e o jogo sempre atraiu o homem, visto que
propicia uma relação afetivo-emocional entre os participantes, além da possibilidade da
vitória e do poder. Assim sendo, o jogo está na gênese do pensamento, da descoberta
de si mesmo, da possibilidade de experimentar, de criar e transformar o mundo.
É preciso entender o papel do jogo nessa relação afetivo-emocional e também
de aprendizagem. Isso requer que percebamos estudos de caráter psicológico, de
mecanismos mais complexos, típicos do ser humano, como a meria, a linguagem, a
atenção, a percepção e a aprendizagem. Elegendo a aprendizagem como processo
principal do desenvolvimento humano, Vygotski (1984) afirma que a zona de
desenvolvimento proximal é o encontro do individual com o social, sendo a concepção
de desenvolvimento abordada não como processo interno do indivíduo, mas como
156
resultante da sua inserção em atividades socialmente compartilhadas com outros.
Dessa forma, a aplicação da abordagem de Vygotski na prática educacional requer que
o professor reconheça a idéia de zona de desenvolvimento proximal e estimule o
trabalho colaborativo de forma a potencializar o desenvolvimento cognitivo dos alunos.
O fato de a participação nessa aula ter sido geral evidenciou o quanto a
ludicidade contribui para o aprendizado e, que por essa razão, não deve desaparecer
da sala de aula mesmo que esta seja de Ensino Médio, em que os alunos se preparam
para o mundo adulto. Para algumas pessoas, inclusive alguns professores, o mundo
adulto não comporta mais brincadeiras. Essa forma de conhecer o mundo através das
brincadeiras fica para as crianças que o fantasiam. Essa posição foi apresentada pela
professora da sala quando, em segredo, falou que as atividades propostas no
experimento eram muito “infantis” e que os nossos alunos já eram “adultos em
miniatura”. Era preciso fazer algo mais concreto para a idade deles. Essas pessoas não
compreendem que todo tipo de brincadeira desempenha papel importante no
desenvolvimento físico e mental do indivíduo e que o espírito lúdico é a necessidade
humana de comunicação, tendo as brincadeiras como sua primeira manifestação.
Assim, a brincadeira é a ferramenta auxiliar no processo do desenvolvimento que
começa na infância ao capacitar a criança a enfrentar situações de medo e estrutura as
atividades emocionais para a vida adulta. Além disso, a ludicidade é uma necessidade
do ser humano em qualquer idade e não pode ser vista apenas como diversão, pois o
desenvolvimento do aspecto lúdico facilita não só a aprendizagem e o desenvolvimento
pessoal, social e cultural, mas também colabora para uma boa saúde mental, prepara
para um estado interior fértil e facilita os processos de socialização, comunicação,
expressão e construção do conhecimento.
A aula em análise mostrou que o lúdico desempenha um papel fundamental no
aprendizado e que a posição da professora não condizia com o que se desenvolveu em
sala de aula. Mostrou também que o lúdico não é o único componente do jogo; que
tem outras funções tais como competição e passatempo, o que possibilita o exercício
da criatividade humana. A sala de aula passa a ser, então, o espaço onde a
brincadeira e o aspecto lúdico desempenham papel relevante na construção do
conhecimento. Vejamos a posição dos alunos em relação ao experimento:
157
João: Eu gostei porque as aulas foram diferentes, alegres e especiais. Por isso
que eu gostei das suas aulas.
Marcos: Sim, porque é uma aula diferente e é bem legal.
Lourdes: Essa experiência foi formidável, de verdade.
Essa aula teve uma conotação muito particular. Ela fez com que
percebêssemos o quanto era importante para esses sujeitos a participação efetiva;
portanto uma aula para atrair a atenção desses alunos deve possibilitar movimento,
ação e conjunção. Eles precisam gastar suas energias, precisam estar juntos para jogar
com suas sensibidades numa forma de amor fraternal que desenvolvem quando estão
juntos. Todos conhecem tudo de todo mundo. Se encontro pensamentos e pequenos
textos escritos e expostos no quadro, todos sabem a autoria, sabem inclusive o porquê
da escrita. Essa característica traz para o centro da nossa discussão um dos aspectos
que Delors (2003) propõe para a educação no século XXI: aprender a viver juntos.
Esse autor afirma que aprender a viver juntos é aprender a viver com os outros,
compreendendo o outro, desenvolvendo a percepção da interdependência e da não-
violência e administrando conflitos. Além do mais, é preciso também descobrir o outro,
participar em projetos comuns, ter prazer no esforço comum, participar de projetos de
cooperação.
Essa perspectiva de Delors (2003) encontra-se presente nas respostas dos
alunos ao questionário proposto no último dia de aula. Vejamos como se posiciona a
aluna quando se refere aos colegas:
Aline: Eu adorei esses encontros. Fiquei muito grata por você ter tido paciência
com o pessoal da minha turma que são muito diceis de se compreender. Tudo o
que você nos mostrou e nos ensinou foi muito importante para a maioria da
nossa sala que gostou e entendeu tudo que você nos disse.
Essa fala evidencia a necessidade desses jovens em conviver na forma mais
estrita da palavra: um colaborando com o outro, numa ajuda mútua.
Vejamos outra posição:
158
Shirley: Eu gostei das aulas, dos momentos em que passamos juntos, pois
pudemos aprender um pouco mais de poesias. De nossos amigos também.
Como vemos, nas respostas acima, es contida a presença de um nós, a
compreensão de que estão juntos e de que é prazeroso trabalhar juntos, pois vivem
juntos, em comunidade. A afetividade se manisfesta no estar juntos, conviver com o
outro e para o outro.
A tese aqui proposta teve como objetivo mostrar que o ensino de poesia
contribui para a formação lingüística, cognitiva, afetiva e psicológica dos alunos. A partir
das informações obtidas através da entrevista inicial, do registro no diário de sala e do
questionário final, ficou evidenciado que o ensino de poesia concretiza as idéias
propostas pela tese que, em sintonia com os novos modelos de educação, deseja um
ensino mais voltado para as vivências humanas. Isso pode ser confirmado na fala
seguinte do aluno:
Matheus: Eu particularmente adorei os encontros, pelo menos, os que
participei. Foram ótimos, muito dinâmicos. Eu gostei muito deles porque não era
só uma relação professor-aluno, mas também aluno-professor. A participação
da gente interessantíssima, pois através das aulas aprendemos a aguçar mais
nossas mentes para um aprendizado melhor, através de textos que nos
ensinavam bastante e ao mesmo tempo intrigavam, mas essa intriga logo se
transformava em aprendizado, pois tudo era discutido, tudo era esclarecido.
Essa fala dá vida a um outro dos pilares da educação, proposto por Delors
(2003), aprender a aprender. Essa orientação afirma que aprender a aprender é ter
prazer em compreender, em descobrir, em construir e reconstruir conhecimento. Esse
aprender se dá a partir do momento em que o aluno aprende a pensar, a pensar a
realidade, pois, como o aluno se pronunciou, tudo o que acontecia e se discutia se
transformava em aprendizado. Esse momento evidenciou o desejo de aprender, que
passa, necessariamente, pelo desejo de conhecer, trabalhar o aspecto cognitivo do
sujeito que se propõe ler.
159
Evidencia também a importância da interação em sala de aula. O aluno percebe
que teve uma participação efetiva no processo de aquisição do conhecimento, na
medida em que ele tem sua voz ouvida pelo professor e pelos colegas, ouve seus
colegas e também o professor. Percebemos o quanto a relão de proximidade entre
professor e aluno contribui de maneira singular para o aprendizado. O aluno deixa de
ser mero receptor de informações e passa a ser protagonista quando discute e reflete
para construir, junto com os colegas e o professor, o conhecimento. Essa prática
confirma o que Freire (1996, p. 26) postula: educar “demanda a existência de sujeitos,
um que, ensinando aprende, outro que, aprendendo ensina”.
Nessa via de aquisição de conhecimento que possui mão dupla – do ir e do vir,
do aluno ao professor e do professor ao aluno, do aluno ao aluno - a andaimagem teve
papel significativo. Na sala de aula em estudo, a andaimagem se deu não só por parte
da pesquisadora, uma leitora mais experiente, mas também entre os pares, como
podemos ver na fala do aluno na transcrição a seguir:
Glória: São aulas participativas que todos ali falando do que gosta, dando
suas opiniões e falando das coisas que acontece no mundo de ruim e de
bom.
Essa fala nos faz pensar no quanto é importante um professor preocupado com
a promoção da leitura, com o prazer que ela pode proporcionar. Um professor que
desenvolva, priorize, através de suas próprias experiências, a capacidade de seduzir,
de atrair, de formar leitores - e não, decodificadores - em busca de leituras
diversificadas, efetuadas com muito prazer, poderá contribuir para despertar no aluno o
gosto pela leitura de literatura e, mais ainda, de poesia. Vejamos os trechos abaixo:
Clóvis: Sim, porque a nossa professora (você) está nos ensinando a gostar de
poesia, e a ler, pois eu não gostava de ler. Achava um saco!
Sandra: Aprendi a gostar de coisas que eu não gostava, como poesia.
160
Thiago: Eu gostei dos encontros porque foram muito divertidos e aprendi a
gostar mais ainda de poesia.
Sandra: Sim, pois eu aprendi muito com essas aulas.
Cristina: Eu adorei os encontros não tinha oportunidade melhor do que a gente
saber o quanto o prazer da vida é bom. E que tudo isso se resume em uma só
palavra poesia. E você melhor que ninguém precisa do nosso carinho, pois você
é muito especial, meiga e muito legal. Espero que você continue assim.
Outras falas complementam as afirmações acima:
Célia : Gostei porque eu não lia poesia e com as dela eu passei a ler.
Eduardo: Eu gostei das aulas porque eu não sabia muito sobre poemas e
poesias e com estas aulas entendi mais o assunto.
Carmem: Eu adorei os encontros, porque eu aprendi mais sobre a poesia
e a literatura, pois [Diva] ela se expressa muito bem, e com a explicação
dela eu aprendi muita coisa. Eu aprendi que a poesia é arte, amor, carinho
bem estar e muitas outras coisas.
A partir das informações contidas no questionário final e acima expostas, é
possível inferir que, para seduzir ou ganhar novos leitores, é imprescindível saber usar
estratégias que possam oferecer ao aluno o que ele deseja, mesmo que não tenha
consciência de seu próprio desejo, de sua necessidade em adquirir conhecimentos.
Seduzir pela força da palavra bem aplicada, pela sugestão, passando por um
entusiasmo honesto e verdadeiro. Seduzir pelo exemplo do seu próprio exercício,
tornando a leitura uma prática prazerosa que pode (e deve) tornar-se familiar,
encontrando respaldo na escola através de professores leitores, no sentido amplo que
envolve a palavra leitura. Esse professor lê as necessidades dos alunos. Sabe que,
para formar um leitor despertando-o para o prazer de ler, é preciso fazê-lo realizar
inúmeras descobertas num livro, num gibi, num jornal, num conto, numa música e numa
poesia. É preciso trazer para a sala não só textos da tradição considerados necessários
161
ao conhecimento e sugeridos pela escola e pelos conteúdos programáticos, mas
também textos que falem dos interesses individuais do aluno, da realidade de seus
cotidianos, das suas alegrias e tristezas, das suas dores e inquietações, dos seus
sentimentos e de seus desejos, tornando o espaço da escola num ambiente propiciador
de experiências do conhecimento, não apenas de simples repasse de saberes
supostamente prontos (ASSMANN, 2004).
A sedução também se realiza pela construção coletiva do conhecimento, pela
troca de informações entre todos da sala, alunos, professor e texto. Se a leitura
proposta estabelecer uma discussão na sala, acontecerá entre os alunos troca de
idéias e experiências. Nessa interação, a andaimagem concretiza um dos seus fins, o
intercâmbio de idéias.
Durante a segunda aula, quando vivenciávamos as cantigas de roda, surgiu, no
meio da apresentação dos textos trabalhados, o seguinte comentário: Quem gosta
dessas cantigaso as meninas que têm o coração mole! Aproveitando a expressão
“coração mole”, a seguinte pergunta foi lançada: o que é ter um “coração mole”? Os
alunos começaram a dar significação a essa expressão.
João: Coração mole é de alguém que chora muito.
Marcos: Das meninas que estão apaixonadas.
Carlos: Alguém que é bom.
Um outro conceito surgiu na sala, o oposto de “coração mole”, “coração duro”.
Novas discussões.
Pesquisadora: Coração duro é o mesmo que fechado?
Cristina: Quem tem coração duro é fechado.
Nas discussões sobre “coração fechado”, surgiu a seguinte significação:
João: É quando se sente triste, por exemplo.
Marcos: Quando se perde alguém por morte.
162
O aluno João explicou que tinha ficado com o coração fechado quando seu avô
falecera. Todos concordaram que, quando se perde alguém por morte ou porque foi
embora, fica-se com o coração fechado. Nesse momento instalou-se na sala uma
reflexão sobre a idéia da perda. Cada reflexão era envolvida em aspectos relativos às
vivências pessoais cada um. É o momento em que na leitura se instaura a identificação
que o aluno estabelece da sua vida com o texto. Segundo Zilberman (1989), a
identificação envolve um significado tanto cognitivo quanto afetivo, podendo também
desencadear atitudes diferentes, como o espanto, a admiração, a compaixão, a
simpatia, o choro ou o riso, a partir das sugestões emitidas pelo texto. Acrescentamos
ainda o fato de as atitudes provenientes do processo de identificação poderem vir à
tona na atividade de leitura de poesia, como aconteceu nessa aula, formando, então,
entre os alunos, um consenso sobre o sentido de “coração fechado”. Após alguns
comentários entre eles, chegaram à seguinte conclusão: coração duro é algm mau,
e é uma coisa duradoura, enquanto que coração fechado é passageiro.
Na continuidade da discussão, observamos que a utilização da estratégia
relação texto-vida, por meio da qual o leitor “pode satisfazer a sua necessidade geral de
‘sentir-se em casa, no mundo’, ao ‘retirar do mundo exterior a sua dura estranheza’ e
convertê-la em sua própria vida” (JAUSS, 1979, p.101), uma aluna disse que seu
coração fechou quando tivera de vir embora para Natal e deixara seus amigos no Rio
de Janeiro. Outra falou que quando acabou o namoro ficou um tempão com o coração
fechado. Em meio a esse debate surgiu um novo sentido para a expressão o coração
mole, característica de quem está apaixonado.
À pergunta “por que vocês acham que quem está apaixonado fica com o
coração mole?”, eles responderam: Porque ficamos com cara de bobos. À pergunta
“como é ficar com cara de bobo”?, responderam: Ficar viajando, sonhando acordado. A
discussão continuou em torno dos apaixonados. As meninas disseram que ficavam
viajando, pensando no amor, e, uma aluna disse: Eu amarro o pé na cadeira para que
quando começar a sair da sala, o cordão puxe me trazendo de volta para a realidade.
Falaram de namoro, de amor, de despedida. Muito empolgados, falaram das
“bobagens” de amor. A andaimagem proporcionou a turma o conhecimento de um
163
pouco da vida do outro, contribuindo para o envolvimento que se estabeleceu entre eles
e a construção de novos conceitos, uma vez que cada um falou de si, interagiu e
descobriu o outro.
No contexto da sala de aula, o diálogo entre professor e aluno, aluno e aluno
adquire importância, pois é por intermédio da crítica ou da negociação dialógica que
ocorre entre esses locutores que se amplia o horizonte social dos sujeitos, elevando-se
o grau de consciência dos sujeitos através da linguagem. Essa relação dialógica implica
a presença e a contrapalavra do outro, que, num processo de interação verbal social,
amplia a consciência do interlocutor no processo dialógico (BAKTHIN, 1999). Em razão
disso, Bakthin (1999, p. 23) afirma que o diálogo, em seu sentido amplo, concebido
como toda comunicação verbal de qualquer tipo que seja, é a base da interão verbal
social, pois a dialogia implica a existência de sujeitos e a alternância dos locutores.
Nessa altenância, “a palavra do outro evoca, provoca, convoca outras palavras,
organiza ou re-organiza as palavras” (FONTANA, 2000, p. 160). Nessa interação,
admite-se a contrapalavra do outro, aceita-se que o outro, ouvinte ou leitor, assuma-se
também como sujeito no momento em que este se assume como locutor.
A presença da palavra do aluno e a relação deste com o outro, no experimento,
fizeram com que, em cada momento da interação verbal, cada um se constituísse como
sujeito. Vejamos a fala da aluna ao se posicionar sobre as aulas:
Glória: São aulas participativas que todos ali falando do que gosta, dando
suas opiniões e falando das coisas que acontece no mundo de ruim e de bom.
Lourdes: Essa experiência foi formidável, de verdade. Eu gostei mesmo.
Aprendi, inclusive, a respeitar os gostos musicais dos outros.
É na perspectiva dialógica de ouvir o outro e conhecer e reconhecer seus
gostos e valores que Bakthin (2004, p. 123) considera “o diálogo, não apenas no seu
sentido mais amplo de comunicação em voz alta, de pessoas colocadas face a face,
mas toda a comunicação verbal de qualquer tipo que seja”.
Durante uma aula em que trabalhávamos o ritmo, descobri que a turma gostava
do funk e do rap, o que contrariava a opinião deles na entrevista. Na entrevista, ao
164
serem perguntados sobre se gostavam dos estilos como o hip hop, o funk, rap, por
exemplo, a maioria se posicionou negativamente. É possível que essas respostas
sejam reflexos de que os alunos tendem a dizer, numa forma de agradar, o que o
professor gostaria de ouvir. Eles devem saber que esses ritmos não podem entrar na
escola, porque não são considerados textos de boa qualidade e que mereçam atenção.
No entanto, após os nossos encontros, começaram a se desinibir e dizer o que
pensavam. Daí que, à pergunta sobre no que chama a atenção deles o funk e rap, um
aluno assim se pronunciou:
Aluno: O ritmo é legal, dá para daar e cantar, e também fala da periferia, das
coisas que acontecem lá.
A palavra periferia despertou para a necessidade de trazer esses estilos para
sala de aula. É o mundo que alguns desses sujeitos conhece; além do mais, era uma
forma de lhes apresentar os estilos, trazendo-lhes informações, como a do hip hop, por
exemplo, como o entrelaçamento do rap, do break e do grafiti. O hip hop traz outras
novidades, não apenas uma estética de reencontro, da formulação de posse.
Transmite-se e tramita na apropriação conceitual de localidade, de apego ao bairro ou
centro do seu mundo de vivência. Esse estilo é a voz sonante, dissonante, consciente
das periferias urbanas. Traduz o tijolo aparente, das casas desconcertantes, sem
revestimento, o mapa sem mapa do crescimento não mapeado, sem saneamento,
apenas explorado pela especulação, da organização desorganizada promovida pela
ausência do Estado, pela falta de políticas públicas que tornam estéril o espaço sem
árvore e sem lazer, quase sem ar, sem o básico do básico. São essas informações que
os aluno possuem, e, quando se perguntou sobre o conhecimento deles de algum
autor que escreve nesse estilo, lembraram imediatamente de Gabriel, O Pensador.
Assim um deles se expressou sobre esse autor e sobre a temática de seus textos:
João: Esse estilo é uma forma de expressão para falar das mazelas do Brasil.
Ele mostra como Brasil está num barco furado. Que tudo no Brasil não tem
futuro, é sujo. É uma crítica aos governantes.
165
Entretanto, é preciso ressaltar que nem todos gostavam desse estilo. Alguns se
mostraram contrários à leitura das canções desse autor, porque não o consideravam
bom, visto que em alguns momentos o texto faz apologia à bagunça e à maconha. Esse
aspecto chama atenção para a Estética da Recepção, quando afirma que os textos são
lidos e assimilados nos vários contextos históricos. A perspectiva recepcional visa
identificar as condições históricas que moldaram a atitude do receptor num período da
história, numa determinada circunstância à qual juízos sobre literatura foram
transmitidos (JAUSS, 2002a). Na entrevista inicial, ao ser perguntada por que não
gostava de ouvir “músicas” com os colegas, uma aluna assim se posicionou:
Sandra: Acho que é a formação. Eu fui criada numa família que sempre deu
muito valor. Olhe cuidado com o que você escuta. Você tem que escutar
músicas que falem de coisas bonitas. Não aquela gritaria. Ao passo que eles
não. Os pais deles sempre deixaram eles escutar o que quisessem, né? Porque
eles tamm gostam. Meu paio. Meu pai sempre foigido nesse tipo de
música. Minha mãe também. Eles gostam dessas músicas .... eu não, eu não
gosto, aí fica dicil.
A resposta dessa aluna é permeada pela sua história de leitura. Para Jauss
(2002, p. 120), “a recepção é um momento do processo que se inicia pelo horizonte de
expectativa de primeiro público leitor, é a posição do primeiro leitor com as seguintes e
resgata o significado da obra na continuação do diálogo”. Isso se reflete no gosto da
aluna que já possui um determinado conhecimento adquirido através de leituras
primeiras com a família. A negação de textos que não fazem parte de seu repertório
está presente na concepção de Jauss (2002) quando este afirma que a recepção
abrange cada uma das atividades que desencadeia no receptor por meio do texto,
desde a compreensão até as reações provocadas. No caso dessa aluna, há a recusa
por não haver uma identificação dela com esse gênero textual e é a essa identificação
que Jauss atribui grande importância, pois é a condição primeira para o exercício da
função comunicativa. Podemos avaliar, também, a relevância da contribuição que a
Estética da Recepção veio agregar à experiência estética ao redimensionar o papel do
166
receptor no resgate da experiência artística. Na vivência estética, Jauss (2000) atribui,
ainda, a necessidade da existência do processo de identificação, reação maior de que é
capaz o receptor. Entretanto, essa identificação não coincide com a mera adoção
passiva de um padrão idealizado de comportamento, e sim conduz o espectador à
ação.
É justamente esse o ponto crucial da teoria da Estética da Recepção: essa
capacidade que possui a experiência estética de levar o receptor a uma profunda
identificação, de tal modo que o impulsione a expressar sua reação (katharsis). Ao
realizar-se a catarse, a função comunicativa da arte verbal é acentuada. Entretanto, a
experiência catártica tem a existência condicionada ao processo de identificação
vivenciado pelo receptor. Por isso, o repertório e as estratégias textuais se limitam a
esboçar e pré-estruturar o potencial do texto, cabendo ao leitor atualizá-lo para construir
o objeto estético. Ainda segundo Jauss (2000), a capacidade de compreensão do texto
é ativada no momento em que este se refere a normas e valores próprios do mundo do
leitor que estimulam os atos de interpretação. Disso conclui-se que a comunicação não
depende só do texto; o ato de leitura pressupõe uma interação dinâmica entre texto e
leitor.
Analisando-se as respostas dos alunos que se mostraram contrários ao rap ou
ao funk e a fala dessa aluna, deduz-se que essa alusão faz parte do seu ambiente
histórico. Como é um estilo não muito benquisto pela sociedade, esses alunos o
repudiam fazendo jus ao que escutam de seus parentes e amigos, ou seja, de sua
história de leitor. Alguns professores, da mesma forma que alguns segmentos da
sociedade, não querem trazer para a sala de aula esse gênero textual por considerar
uma prática menor ou menos legítima. Assim, não vai “olhar” para ele, nem tampouco
valorizá-lo como um texto que pode ser escolarizado.
Em outra perspectiva da recepção, a do efeito estético, este é considerado
numa relação dialética entre o texto e o leitor e as reações potenciais que esse efeito é
capaz de suscitar nos leitores. Uma interação que ocorre entre ambos, porque, ainda
que se trate de um fenômeno desencadeado pelo texto, a imaginação do leitor é
acionada para dar vida ao que o texto apresenta e reagir aos estímulos recebidos. Na
aula em que foram lidos Em busca da batida perfeita, de Marcelo D2, e Lado Bom, de
167
Ferrez, as reações aos textos no início foram as mais diversas possíveis. Rejeitados por
uns e aplaudidos por outros. A onomatopéia ECA! ECA! ECA! tomou conta da sala,
pronunciada pelos que rejeitavam os textos. Essas onomatopéias são o registro do
efeito que o texto provoca no leitor. Vomita-se o que não se consegue digerir, o que
causa asco. Para confirmar isso, bastava olhar para as expressões faciais de nojo e
recusa. Os que gostavam desse estilo reagiram de forma diferente, cantaram e
quiseram se movimentar na sala. Eles compreendem que a linguagem presente nesses
textos é uma forma de reagir a partir das reflexões aos descasos da sociedade para
com os menos favorecidos. Pensando no hip hop como um texto que poderia suscitar
discussões em torno da linguagem, do ritmo e das imagens que promove, ele entrou na
sala de aula.
Durante a discussão de pós-leitura, fez-se necessário um pouco de
conhecimento a respeito da presença desse estilo no Brasil. Esse também é o papel da
mediação: introduzir conhecimento ao apresentar conceitos.
O hip hop é um movimento de cultura juvenil que surgiu nos Estados Unidos, nos
últimos anos da década de 1960, unindo práticas culturais dos jovens negros e latino-
americanos nos guetos e ruas dos grandes centros urbanos. O movimento é constituído
pela linguagem artística da música (RAP-Rhythm and Poetry, pelos rappers e DJ´s), da
dança (o break) e da arte plástica (o grafite). O surgimento no Brasil data dos anos 80,
quando reunia jovens de periferias em torno de uma atividade: a dança. O hip hop herda
as bandeiras de luta do movimento negro e se expressa por meio de quatro elementos: o
rap, o grafite, o break (a dança quebrada) e o Mc (quem leva a palavra das composições
musicais à platéia).
Na sala de aula, a reação foi, a princípio, de negação, rejeição por alguns;
entretanto, ao se adentrar no texto e procurar encontrar nas palavras o sentido de cada
uma, a reação dos alunos foi, inicialmente, de espanto, surpresa, estranhamento
(CHKLOVSKI, 1970). Entre as discussões promovidas por eles mesmos, para sustentar
a beleza do texto, a descoberta de que este apresenta um conjunto de informações que
ditas de forma diferente retratam uma realidade da qual eles mesmos são conscientes:
da existência de um mundo pesado que pede socorro, e que está à mercê das próprias
adversidades que a sociedade promove e ao mesmo tempo rejeita. Através da música,
168
do ritmo e das imagens que esse gênero promove, o autor reflete sobre os problemas
sociais, econômicos e culturais em forma de brincadeira, tornando mais leve o peso da
desigualdade e da exclusão.
Sobre esse aspecto da leveza do texto, Calvino (1990) relaciona a elementos
diversos que permeiam textos literários, porque eles são capazes de fazer com que o
leitor vivencie essa sensação. O autor tece considerações sobre a construção textual
sinalizando-a como sendo esses elementos a corrente filosófica, o ponto de vista, as
ferramentas lingüísticas peculiares, a definição da idéia e a precisão na linguagem, que
visa estimular, em especial, a percepção. A leveza se manifesta no texto, segundo esse
autor, através de metáforas que transmitem essa sugestão verbal. Calvino, ressaltando
ainda que para vivenciar a leveza é necessário conhecer a experiência do peso, saber
o seu valor, cita três acepções diferentes para definir a leveza: a primeira seria um
despojamento da linguagem que pudesse permitir aos significados uma consistência
pouco densa; a segunda se relaciona com a narração de um raciocínio atravessado por
itens que assegurem a abstrão, e por fim, a formação figuras visuais leves.
No seu discurso sobre a leveza, Calvino (1990) afirma que as imagens de
leveza buscadas por ele não devem estar em contato com a realidade presente e
futura, mas dissolver-se como sonhos. Assim, a busca da leveza no âmbito das novas
tecnologias deve estar associada à idéia de flexibilidade, ou seja, é preciso romper as
barreiras entre o espaço e o tempo. Por isso, esse autor afirma existirem duas opções:
ou continuamos carregando o peso dos programas educacionais rígidos, das
metodologias tradicionais estanques, ou pensamos em processos comunicativos mais
participativos, em linguagens mais abertas e interativas, criando uma nova relação com
conhecimento.
Assim o hip hop como diversidade cultural chegou à sala de aula e ganhou
espaço para o debate que o validou como texto que pode ser lido na sala pelas reflexões
nele contidas, a despeito dos valores vigentes na escola. É preciso que a escola encontre
um meio caminho entre sua cultura e a dos jovens. Pode ser o jeito de harmonizar os
vários ritmos e melodias que cada vez são mais complexos, em virtude da diversidade,
da função e da tonalidade das diferentes vozes e dos diversos instrumentos que os
alunos representam. Afinal, é ao som do rock, do funk, da música pop, do axé, do rap, do
169
pagode, do dance, da música brega e do forró que a cultura juvenil encontra um espaço
apropriado para evidenciar a sua realidade, no movimento do corpo, na linguagem
(gírias), na comunicação com os seus pares, nas manifestações afetivas, nas formas de
vestir, gestos e atitudes, refletindo, de forma intensa, os seus princípios, as suas crenças
e valores e explicitando a sua visão do mundo e da vida.
O jogo com a linguagem, o ritmo e a forma condensada de expressar
sensações, sentimentos e vivências fazem do hip hop um texto que pode ser lido e
discutido nas escolas. É um texto com rimas, falado em ritmo com instrumentos
musicais, é uma linguagem musical e artística muito importante para a cultura da cidade
e merece respeito pela sua tradição: uma raiz cultural de rua, uma forma de liberdade,
uma vez que cria um espaço as pessoas pensarem sobre si e sobre o mundo. Como
trabalha com palavras, faz destas instrumento de iluminação. Usa a linguagem do povo;
é atitude, arte, cultura e autoconhecimento; é voz da periferia que quer ser sair
obscuridade e ser ouvida, a voz dos sem voz; é a luta armada de idéias e soluções para
a maioria escondida da sociedade.
A presença do hip hop e do rap em sala de aula pode ser uma das estratégias
do professor para aproximar os jovens da poesia, uma vez que esses textos, de uma
forma ou de outra, se fazem presentes no dia-a-dia dos jovens. Além do mais, contêm
em sua estruturas elementos que vão potencializar o gosto pelo dizer: a palavra
cantada, a batida que constrói o ritmo, a sonoridade e as imagens que suscitam o
movimento do som e do corpo. Como na Antiguidade, quando a poesia ganhava vida
na vocalização, esses estilos recuperam algo que estava perdido, o gosto pela
sonorização das palavras. Assim, na sala de aula, esses estilos possibilitaram aos
jovens um contato com a natureza do texto e estabeleceram uma relação desses textos
com a poesia.
170
5.3 A DIVERSIDADE NA SALA E AULA
O hip hop entrou na sala de aula na voz de Marcelo D2, seguido de Ferrez. Na
fase da pós-leitura, começamos um debate para que os alunos pudessem penetrar na
estrutura profunda do texto. A discussão gerada na sala em torno da temática do texto
do hip hop teve uma grande repercussão. Todos queriam dar uma opinião a partir da
impressão causada pela nova leitura e falar da rejeição e aceitação desse estilo
musical. Ficou esclarecido que determinados estilos não são benquistos na sociedade,
visto que destoam do conceito de belo que já está inserido nos gostos aprendidos.
Mostramos também que, em todas as épocas, algum poeta não foi bem aceito. Eles
então se lembraram de Gregório de Matos, o autor cujos textos estavam sendo
estudados em sala pela professora. O assunto da aula no momento era o estilo barroco
e seus representantes. Os alunos falaram que, por ser diferente e falar de coisas de
que ninguém gostava, o poeta havia sido chamado de “O boca de inferno”.
A aula que teve o hip hop como texto para ser discutido se mostrou frutífera em
vários aspectos. Um deles foi a expressão de descontentamento da professora. Como
ela não considerava o estilo como “próprio de sala de aula”, mostrou-se temerosa
porque, para ela, a tradição deveria ter prioridade já que estávamos formando leitores e
queríamos para suas leituras autores que já fossem consagrados e conhecidos por
todos. Um outro aspecto diz respeito à participação de grande parte da turma: uns
rejeitando, outros aderindo incondicionalmente, deixando emergir as diferentes
posições. Além do mais, nessa aula em que eles mesmos protagonizaram a maior parte
da mediação, foi possível registrar no diário quase todas as falas dos alunos visto que
dispunha de mais tempo na própria sala para as anotações. Conforme os alunos iam se
manifestando, eu anotava o nome e a fala para comentários posteriores.
Essa técnica não pôde ser utilizada ao longo de outras aulas, pois estava, o
tempo todo, envolvida no processo de mediação. Nessa aula, em particular, participei
mais como observadora e tive oportunidade de ver como ocorre a mediação entre
pares. Após a discussão em que os alunos manifestaram seus pontos de vista sobre o
texto, o diálogo mostrou como a interação verbal colabora para a construção do
conhecimento. O discurso mantido entre eles indicou um diálogo do tipo conversas
171
partilhadas e revelou que, em alguns momentos, as estruturas de participação que não
se centram mais no professor produzem discussões mais ricas e mais complexas.
Parece-nos que essa descentralização deixa-os mais à vontade, porque não precisam
dar respostas que agradem ao professor.
Vejamos alguns trechos do diálogo que consegui transcrever:
João: Assim professora – eh!....! Alguém que procura encontrar seu jeito? A
batida é isso, encontrar seu jeito.
Marcos: Estilo!
Carlos: Tem que gostar da gente do jeito que a gente é.
Anderson: Não precisa ficar enganando.
Essa mediação não acontecia somente entre eles. Apesar de trocarem idéias e
informações entre si, a cada comentário eles procuravam apoio na professora
(pesquisadora). Essa atitude chama atenção para a andaimagem que se faz
necesria em todo e qualquer momento de leitura do leitor. Assim, o papel do
mediador, um leitor experiente, configura-se numa relação do tipo sujeito-texto-sujeito.
Numa relação assim configurada, a discussão do texto passa a assumir a condição de
atividade nuclear no ensino-aprendizagem da leitura, razão pela qual a evidenciamos
neste estudo.
Durante a pós-leitura aconteceu o seguinte diálogo entre os alunos:
Sandra: Professora! Eu não via essa música desse jeito! Eu achava que só
falava de coisa feia!
Thiago: De sacanagem, não é? Mas não é sempre assim não. O povão
também vive! É feliz. Gosta de coisa boa! Tem gente boa. Vive bem! Olhe aqui:
há um caso diferente que envolve toda gente / não ser bucha de ninguém ficar
do lado do bem / atitude amor e respeito também / eu vou no samba é gente
bamba.
O diálogo continua:
172
José: Diva, ele fala também das pessoas que cantam músicas que não é a
dele. Tem gente assim, gosta de música em inglês e nem sabe o que é.
Pesquisadora: Que passagem do texto prova essa sua afirmação?
José: Aqui ó! o MC que é partideiro o bumbo que vira scracth / e é meu som
que mostra muito bem quem eu sou /aonde eu cresci aonde ando aonde fico
aonde vou / eu vou no samba a procura da batida perfeita.
Sandra: Engraçado, nunca tinha visto essa música assim! no hip hop tem
poesia?
João: Menina, você não viu? Tem poesia em todo lugar.
A fala “ Menina, vocêo viu? Tem poesia em todo lugar.é do aluno que, já na
entrevista inicial, afirmou não gostar de poesia e nem se interessar por um trabalho com
ela. Pelo tom de sua voz, percebemos uma certa ironia, de alguém que se mostra
descrente das coisas que estão acontecendo ao seu redor. “Tem poesia em todo lugar”
lembra a aula em que lemos o poema Tem tudo a ver, de Elias José. Nesse poema,
tudo é matéria de poesia. Nessa aula, esse aluno se mostrou chateado, inquieto,
posicionando-se sempre contrariamente ao que os colegas falavam. As atitudes desse
garoto chamavam atenção. Apesar de sempre estar presente às aulas, parecia
demonstrar não estar interessado pelas atividades desenvolvidas em sala de aula no
que se referem às poesias. Entretanto, é válido salientar que, mesmo não querendo se
envolver com poesias, ele era um dos que mais opinavam a respeito do tema discutido.
Após discussões em torno da rejeição, o texto do hip hop foi o viés para que a
tradição retornasse a sala de aula. Lemos Versos íntimos, de Augusto dos Anjos. A
presença desse poema tinha como objetivo fazer com que os alunos estabelecessem
uma relação entre o processo de criação no hip hop e na poesia de Augusto dos Anjos.
Era intenção eles compreenderem que nem todos os estilos são compreendidos à
época em que são produzidos e que o conceito de belo depende da história de cada
um. Após a leitura silenciosa, uma explosão onomatopéica ecoou na sala: ECA!!!!. A
reação ao efeito estético causado pelo texto diz respeito às sensações que ele
desperta, aqui de nojo. Começamos, então, um debate sobre a organização do texto,
perguntando-lhes o que haviam achado do poema. Responderam alguns:
173
João: um horror!
Marcos: Sujo!
Carlos: seboso!
Sandra: Professora esse poema dá vontade de vomitar.
A partir dessas falas, destacamos a noção de processo de identificação que
envolve a experiência estética, resultante do relacionamento leitor-obra (JAUSS, 1979).
Jauss caracteriza essas possibilidades ao definir que é através da experiência estética
que se cria e se dá prazer àquele que se sente arrebatado pelos sentidos, que ganha a
vitória na purgação do poder do desconhecido. A Estética da Recepção (JAUSS, 1979)
considera, pois, a literatura um sistema que se define por produção, recepção e
comunicação, e que há uma relação dialética entre autor, obra e leitor. Destaca ainda
que o ato de leitura tem uma perspectiva dupla na dinâmica da relação obra-leitor. A
projeção dessa obra pelo leitor de uma determinada sociedade interessa pelas
condições sócio-históricas que formularam as diversas interpretações que o texto
ficcional recebeu, assinalando que o discurso literário é o resultado de um processo de
recepção ao mover a pluralidade destas estruturas de sentidos historicamente
mediadas.
À pergunta sobre a imagem suscitada a partir da expressão “Escarra nessa
boca que te beija”?, alguns assim se posicionaram:
João: Alguém muito seboso!
Patrícia: Eca!! Eca!!
Alda: Professora, este poema fala que ninguém deve confiar em ninguém?
Sandra: Ah! Por isso deve escarrar!
Thiago: Bater antes que alguém bata!
Marta: É isso?
Thiago: É sim olhe: A mão que afaga é a mesma que apedreja. Não é isso não,
professora?
174
Essas posições remetem-nos para a outra vertente da teoria da Estética da
Recepção: tais reações são reflexos do efeito estético (ISER, 1999), que compreende
as respostas motivadas pelo texto no leitor. A aula, então, girou em torno do poema e
as palavras que o poeta escolheu para falar da desconfiança e da relação do homem
com homem. Discutiu-se novamente que alguns poetas ou textos não eram aceitos pela
sociedade pelo emprego de palavras que não são “boas” aos ouvidos, ou seja, que
ninguém gosta de escutar. Mas apesar de elas não serem bem digeridas, se olharmos
o poema com atenção vamos descobrir beleza que só possível numa leitura feita com
atenção. Houve ainda uma discussão sobre a sociedade que só gosta daquilo que não
fere seus conceitos. Os alunos ainda expressaram seus conceitos de “belo”. Belo,
segundo eles, é aquilo que agrada o povo de poder.
João: O que manda e a gente concorda. Mas o que mexe na sua vida, ele não
gosta,o!
Marcos: O poeta aqui usa palavras que ele considera importante para chocar
os outros.
Continuando o debate, vimos que o poeta também explorava assuntos
considerados “pesados”, como a morte, a fragilidade do corpo, as injustiças do mundo e
a desumanidade. Trechos de Versos Íntimos são um exemplo:
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Assim como o hip hop, a obra de Augusto dos Anjos, que também era
professor, choca pela agressividade do vocabulário. O público e a crítica da época não
estavam habituados a esse estilo; muito pelo contrário, nessa época, valorizava-se a
elegância da poesia.
A discussão em torno do trabalho do poeta com as palavras e do jogo da
linguagem presente no texto ocorreu na décima primeira aula, com os textos O todo
sem a parte não é todo, de Gregório de Matos, e As sem razões do amor, de Carlos
175
Drummond de Andrade. Nos poemas desses autores, é possível perceber o jogo de
palavras, como “O todo sem parte não é todo / a parte sem o todo não é parte” e “As
sem-razões do amor”. Após a leitura do texto de Drummond, na discussão de pós-
leitura, perguntei: O que é “eu te amo porque te amo”? Aluno: Para o amor não existe
explicação. Outra pergunta: O que “é que é “as sem razões?”. Aluno: Depende. Pode
ser cem, o número e pode ser sem nada. Após várias discussões em torno da
construção do sentido, os alunos concluíram que “As sem razões” é um jogo de
sentido, construído pela sonoridade das palavras: escuta-se “cem”, como quantidade, e
lê-se “sem”, como ausência ou falta da necessidade de explicação. Continuamos a
leitura e, para minha surpresa, eles participaram com bastante interesse. A cada verso
havia uma compreensão, e eles vibravam quando todos concordavam com a solão
que cada um dava para o sentido despertado no texto.
Após a leitura do texto de Gregório de Matos, perguntei se haviam gostado do
poema. A maioria respondeu que não porque não entendia as palavras. Alguns
disseram que sim, mas que era diferente, estranho. Comecei juntamente com eles a
reconhecer as palavras “todo” e “parte”. Perguntei: O que é um todo? Aluno: completo.
O que é uma parte: Aluno: um pedaço do todo. A partir dessa introdução, eles foram
lendo verso por verso e percebendo o jogo que poeta faz com a linguagem. O jogo
sonoro desperta, pois, os alunos para a construção do sentido a partir de um jogo de
linguagem e de palavras, para a construção da significação, a logopéia (POUND, 1997).
Nesse poema, o sentido é construído pelo trocadilho entre as palavras “ todo” eparte”.
Após essas aulas, registrei um maior interesse por parte desses alunos, e, o
mais importante, o fato de eles estarem fazendo leituras mais consistentes, não
reclamando mais quando havia texto para ser lido. Estão ainda, buscando sempre o
sentido que o texto apresenta. Considero essa reflexão como um ganho, visto que
atinge o objetivo proposto por este trabalho.
5.4 A VOZ MEDIANDO O SENTIDO DO TEXTO
Durante o experimento, a voz teve um papel preponderante, sendo a mediadora
entre o texto e aluno. Recorro a Zumthor (1993) para quem a voz humana constitui em
176
toda cultura um fenômeno central, e, se a fala é a função do corpo indispensável à
coexistência, é possível dizer que a humanidade, desde os primórdios até os dias
atuais, sempre procurou fazer bom uso da voz. A voz, através do tempo, tem indicado o
sentido do ser, por isso, de uma forma ou de outra, a palavra sempre acompanhou o
corpo e suas intenções. Assim, o falar e o calar das vozes indicam a presença e o
pensamento do homem no mundo, sua relação com o outro e sua relação com o tempo.
A voz encantou e ainda encanta o homem, se para narrar, contar fatos, se para
ouvir e se deixar enlevar pelo movimento encantatório da narrativa. Um costume que
vem desde que o homem aprendeu a falar diz respeito ao ouvir histórias contadas, quer
sejam pelos pais, avós, quer sejam por pessoas comuns. Essas histórias transitam no
tempo, através de seu veículo principal, a palavra, oral ou escrita. O homem passa,
então, a aperfeiçoar o costume, lendo e escrevendo tudo o que quer, contando assim,
as suas experiências, a vida e a sua imaginação, para que o tempo se torne a grande
testemunha de tudo o que se relata e se conta aos semelhantes. E, se a oralidade é
mobilizadora da imaginação através da narrativa, ela deve ser também veículo de
percepção do mundo da linguagem da poesia. Nesse sentido, a formação que tive na
infância foi determinante para que acreditasse na possibilidade de a atuação
pedagógica da mediação desenvolver a formação do leitor de poesia proposta nesta
tese.
No úlitmo dia de aula, um aluno pediu para que eu lesse em voz alta um
poema que estava escrito no quadro. Era Cidadezinha qualquer, de Carlos Drummond
de Andrade (2002, p. 23). Vejamos o poema:
Casas entre bananeiras
mulheres entre laranjeira
pomar amor cantar
Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.
Devagar ... as janelas olham.
Êta vida besta, meu Deus.
177
Ninguém sabia quem havia escrito o poema no quadro, mas eles queriam que a
pesquisadora lesse para dar sentido àquele texto estranho para eles. A leitura feita pela
pesquisadora levou em consideração a estrutura morfossintática e prosódica do poema.
Dentre esses elementos, priorizou a pontuação por ser um dos elementos fortes para
a compreensão do poema.
No poema, os verbos no infinitivo, as repetições e a prosopopéia
(Devagar...devagar, devagar e as janelas olham) expressam o tédio e a monotonia da
vida do interior. Na primeira estrofe, há um único sinal de pontuação (o ponto final) no
fim da estrofe. Os sintagmas “casas entre bananeiras”, “mulheres entre laranjeiras”,
“pomar”, “amor” e “cantar”, segundo a gramática, deveriam estar separados por vírgula
pelo fato de serem elementos de uma enumeração, dado o efeito pretendido por meio
da organização descritiva da referida estrofe; tal uso, no entanto, não se verifica. Essa
“desobediência” gramatical está relacionada com uma questão de conteúdo: a
apresentação da cena como um todo, um retrato em que os elementos estão
proximamente dispostos, constituindo uma unidade de forma e de sentido.
Já na segunda estrofe, cada um dos três períodos que constituem os versos
apresenta um ponto final. Tal procedimento remete ao fato de cada cena ocorrer a seu
tempo, em separado, quadro a quadro, o que leva à associação com o ritmo lento da
vida da cidade. Na última, o conteúdo semântico do sintagma “devagar” amplia-se com
uso de reticências logo a seguir. O olhar das janelas é, dessa maneira, mais vagaroso
do que a caminhada do homem, do cachorro ou do burro.
Nesse poema, a pontuação não se mostra relevante unicamente quando se
apresenta como ruptura do modelo lógico-gramatical. Afinal, a construção sintática não
está destituída de sentido e, por isso, também deve ser considerada. Desse modo, a
pontuação também contribui para o ritmo, um elemento extremamente relevante para o
sentido de cada uma dessas partes, remetendo à fala, que também se organiza em
blocos de sentido percebidos pela entonação e pela linha melódica.
A leitura orientada por esses elementos provocou risos na turma. Pediram que
fosse lido novamente. Após a segunda leitura, os comentários de alguns alunos:
João: Quando você lê, a gente compreende o sentido.
178
Outro disse: É o ritmo. Ela sabe dar o ritmo.
O pedido dos alunos para que eu lesse o texto duas vezes e as falas no debate
que seguiu à leitura evidenciam o quanto a voz é mediadora na construção do sentido.
O professor, para ser o mediador entre o texto e aluno, precisa ter ciência de que sua
voz contribuirá para a compreensão e a significação do texto, quer para ler ou contar
histórias, quer para ler poesia para seus alunos. É sua voz que vai encantar pelo ritmo,
pela sonoridade e pela entonação, já que a poesia é um jogo verbal em uma construção
sutil de frases que permite a exploração de múltiplos significados, de recriação sonora e
semântica, de adivinhações, de deslocamentos de pensamento e ação.
Assim, antes de levar um poema para a sala, é necessário conhecer como ele se
estrutura, a organização sintática, o nível semântico, os recursos sonoros, a métrica, a
pontuação e as rimas.Esse conhecimento não deve ser mostrado em sala de aula como
contdo quando a pretensão, de imediato, do professor é formar um leitor de poesia,
mas deve ser do conhecimento do professor, porque faz parte de sua competência
(PERRENOUD, 2001). De posse desse conhecimento, o professor vai conduzindo a
leitura e promovendo um encontro prazeroso do leitor com o texto.
Em alguns casos, compreensão parte, portanto, da voz. Sobre esse aspecto,
retornemos ao dia em que a professora trouxe para a sala o poema José, de Carlos
Drummond de Andrade, e eu estava presente. Convém ressaltar que nesse dia minha
presença em sala fazia parte do planejamento. Entrei na sala como observadora para
manter os primeiros contatos com a turma e observar o comportamento dos alunos
numa aula de literatura. Para iniciar a aula, a professora entregou aos alunos o referido
texto. Fez uma leitura oral, que foi acompanhada pelos alunos, e, em seguida, colocou
para tocar o Cd de Paulo Diniz, cantor brasileiro que transformou esse poema em
música. Os alunos ouviram em silêncio. Para compreensão, entregou uma lista de
exercício. Nessa hora algo me chamou atenção. Os alunos não se mostraram
interessados em ouvir a música. Os jovens gostam de música, por que não queriam
ouvir esta? A professora foi chamada à coordenação. Quando fiquei sozinha com eles
na sala. perguntei se tinham gostado da música. Ficaram calados. Perguntei se eles
queriam ouvir o poema novamente. Concordaram. Um colega pediu para ler. Ouviram-
179
no com atenção. Pediram-me também que lesse o texto. Li-o. Durante a leitura, tive a
idéia de ler o poema com outro ritmo. Novamente, tomei o poema e mostrei uma nova
possibilidade de leitura. Quando perguntei o que haviam sentido após essas leituras,
eles revelaram ter comprendido o sentido do texto após minha leitura. Depois que vo
leu, eu entendi, disse um aluno.
Como não pude passar muito tempo na sala porque ainda não havia começado
o experimento e as entrevistas estavam por fazer, deixei para voltar ao texto durante as
entrevistas. Entretanto, minhas expectativas em relação ao experimento começavam a
ganhar forma e comecei a acreditar, a partir desse primeiro contato, que se uma
pessoa, jovem ou adulta, que nunca tivesse tido acesso à leitura de poesia, se viesse a
tê-lo, poderia ter o gosto despertado. Para isso, bastaria que o acesso à poesia fosse
feito de uma forma que vivenciasse o prazer que esse gênero pode despertar.
Vejamos alguns trechos da entrevista em que a aluna discorreu sobre a poesia
de Drummond apresentada pela professora:
Pesquisadora: O que você achou dessa poesia que a professora trouxe
para a sala de aula hoje?
Glória: Interessante.
Pesquisadora: O que chamou sua atenção nessa poesia?
Glória: Chamou atenção, porque, assim ... ele tratou assim, sobre uma
pessoa que tava ... assim um mendigo que não tivesse nada na vida dele,
nenhuma mulher, nada, casa, nada.
Pesquisadora: E ele termina como? Quem seria esse José, na sua opinião?
Glória: Para mim, ele seria ... uma pessoa, um Zé ninguém que tava
necessitando de uma casa, de comer, de tudo. Tava necessitando de tudo.
No trecho acima, a leitura que a aluna faz estabelece uma relação direta com
seu conhecimento de mundo, o de que o José é um ser excluído, um mendigo, um zé
ninguém. Essa leitura chama atenção para dois dos aspectos que Pound (1997) discute
nas suas categorias da poética. A fanopéia, que perfaz as imagens, as metáforas, é o
jogo de imagem na retina mental, ou seja, a imagem que o leitor projeta no texto a partir
do elementos que conhece. Para a aluna, a imagem que ela possui de um mendigo é
180
recuperada pelo texto nas passagens que mostram um José desprovido de tudo quanto
é necessário à vida de um homem: não tem mulher, não tem carinho, não tem casa, um
mendigo. Já a logopéia, como bem denuncia o prefixo cuja derivação aponta para o
logos, trabalha nos domínios especificos das manifestações verbais, ou seja o autor
elabora pelas palavras que selecionou uma imagem, entretanto a aluna tem outro
conhecimento da linguagem e, pelas ausências que o texto projeta – como não pode
beber, não pode fumar, tossir já não pode, não pode morrer – , a sensação que essas
ausências despertam nela está a criação da expressão do conceito de “zé ninguém”,
daquele que nada tem e nada pode.
Um outro autor que nos orienta nesse complexo caminho de fazer com que um
aluno que se diga não leitor de poesias possa começar a sê-lo, de tentar entrar no seu
mundo para compreendê-lo e poder acompanhá-lo nas suas primeiras incursões
poéticas, é Iser. Diferentemente de Jauss, que está interessado na maneira como uma
obra é ou deveria ser recebida, Iser concentra-se no efeito que ela causa, na ponte que
se estabelece entre um texto literário e o leitor (JAUSS, 2002). Embora Iser (
1996, p. 7)
explicite essa diferença entre efeito e recepção e escolha centrar-se no efeito estético,
reconhece que ambos os conceitos são importantes, uma vez que
o efeito e a recepção formam os princípios centrais da estética da
recepção, que, em face de suas metas orientadoras, operam com
todos histórico-sociológicos (recepção) ou teorético-textuais (efeito). A
estética da recepção alcança, portanto, a sua mais plena dimensão
quando essas duas metas diversas se interligam.
Enquanto a teoria do efeito está ancorada no texto, a da recepção está
ancorada nos juízos históricos dos leitores. Os seus olhares estão fixados em pontos
diferentes, mas as duas teorias compartilham a idéia da participação ativa do leitor e da
leitura literária como ato de comunicação.
Vejamos mais um trecho da entrevista, no qual a aluna se posiciona sobre o
poema José:
Pesquisadora: O que você se sentiu com a poesia que a professora trouxe
para a sala hoje?
181
Marta: Assim ... eu achei um poema bem diferente.
Pesquisadora: Diferente em que aspecto?
Marta: Assim, ... ele é diferente assim ele ta envolvido na música,o é? Achei
diferente assim... da forma que lê você interpreta é diferente, quando tá na
música .. tá cantando.
O trecho mostra que os alunos, inconscientemente, conseguem perceber as
diferentes sensações que a leitura do poema e a música provocam.
Como Paulo Diniz não faz parte do repertório musical, eles não estabeleceram
sentidos a partir dessa voz. Quando a pesquisadora leu com o ritmo e musicalidade
própria da poesia, a repercussão foi diferente: o texto ganhou um novo sentido e os
alunos perceberam que cada construção, quer seja de poesia, quer seja de música, tem
suas particularidades. Perceberam também que o ritmo da poesia é diferente, que tem
outra entonação, e essa entonação é um dos fatores que contribuem para a construção
do sentido, o que Pound designa como melopéia ou melodia, presente na poesia pela
sonoridade rítmica, métrica etc. Em vista disso, a aluna estabeleceu a diferença entre a
melodia própria do poema e a melodia da canção cantada por Paulo Diniz.
Diante desse conhecimento de que o ritmo e a entonação contribuem para a
constrão do sentido, é que eles me pediram para ler o poema Cidadezinha qualquer
escrito no quadro. Pelas expressões de seus rostos, percebi que aquela poesia
causava estranhamento e que, de certa forma, já havia um certo debate entre eles a
respeito do texto, mas queriam ter a confirmão de que estavam realmente
compreendendo. Quando terminei a leitura, seguindo aquelas orientações expostas
acima, perguntei-lhes sobre as sensações que o poema despertava. Imediatamente
todos responderam:
Alunos: Vida chata de interior, não acontece nada de novo, um saco.
Marcos: Por isso ele escreveu vida besta!
Após essas primeiras respostas, estabeleceu-se na sala o seguinte diálogo:
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Carlos: A vida no interior não é chata não. É muito boa. Tem tudo isso:
bananeira, laranjeira, burro, cachorro, e, a gente não tem pressa pras coisas.
Sandra : A vida no interior é um tédio. Por isso não quero morar lá.
Pesquisadora a Sandra: Você já morou no interior?
Sandra:. E acho um saco. Deus me livre de voltar a morar lá. Lá é assim
como diz o poema. Não acontece nada de novo. É tudo igual.
Aline : O poeta que mostrar como é vida no campo é é é é ...
Continuando o debate, perguntei o que eles haviam achado do texto. Vários
responderam ao mesmo tempo:
Alunos: Monótono.
Pesquisadora: O poeta ou a poesia?
Marta: Ah! A poesia, o texto.
Uma aluna faz o seguinte em relação ao sentido do poema quando perguntei
como eles identificavam esse sentido no texto:
Pesquisadora: Como vocês perceberam esse sentido?
Marta: Pela palavra devagar, devagar devagar. Várias vezes. As palavras não
constroem o sentido do texto? Então a repetição é a mesma coisa.
O diálogo que se estabelecia logo após a leitura de textos tornou-se um ritual
que os alunos ainda não tinham como referência de aula. Todos queriam perguntar e
ver suas opines ouvidas pelo professor e pelos colegas. Essa atividade de perguntas
e respostas fomentadas na sala a partir da perspectiva do aluno prenche o hiato, o
espaço vazio deixado pelo texto que precisa de respostas para completar sua
significação (ISER, 1996). Por isso, o aluno no questionário final pediu para que, na
hipótese de continuidade do experimento, houvesse mais perguntas, bastantes
perguntas. Essa fala caracteriza, pois, que o leitor não quer ser apenas um recipiente
183
de informações; ele quer uma leitura em que seja possível seu engajamento para
construir seu próprio conhecimento, em vez de ser mero receptor. Recipientes não
compreendem (KLEIMAN, 1999).
O leitor quer construir sua própria compreensão, e as perguntas o subsidiarão à
medida que, ao escutar as respostas dos colegas e da professora, ele reelabora seu
pensamento a partir de algo que já conhece. Através dessa reelaboração advém algo
do mundo que ele antes não conhecia. E esse aspecto é importante, pois ele é um dos
fatores que contribuem para o prazer de aprender, o prazer de ler e de compreender.
Segundo Smith (2003), a compreensão textual só existe quando é possível estabelecer
uma ponte entre o conhecimento prévio (antecipado pelo autor) e o conhecimento novo
do leitor (adquirido através da leitura). É dessa forma que leitor estabelece conexões
com o texto e atribui-lhe sentido.
5.5 DA SALA PARA A PRAÇA: O CAFÉ POÉTICO
Num de nossos encontros, os alunos me pediram que fizéssemos uma coisa
diferente. Perguntei-lhes o que poderíamos fazer de diferente. Sugeriram: sair da escola.
Tive a idéia de organizar um café num lugar aprazível onde pudéssemos ler poesia.
Sugeriram uma praça perto da escola porque era um lugar muito bonito, cheio de árvores
e limpo. Um aluno se ofereceu para me mostrar dizendo que eu iria adorar o lugar. Esse
aluno era considerado pela professora problemático, muito trabalhoso, que não queria
nada e quando ia à escola, só atrapalhava. Fomos. Durante o trajeto conversamos sobre
a escola, sobre seus projetos para o futuro. Para ele, a escola era um meio de conseguir
um emprego no futuro, mas que nada do que aprendia lá parecia ter sentido. Por isso, ele
estava fazendo um curso de computação fora da escola. Segundo esse aluno, o curso de
computação iria mudar sua vida. Falamos sobre os encontros, queria saber o que ele
estava achando das aulas que eu estava ministrando. Para ele, a forma como as aulas
estavam sendo ministradas era interessante, mas que poesia não era seu forte porque
precisava ficar lendo, pensando. Essas informações também foram importantes para que
eu refletisse sobre minha prática.
184
Selecionado o lugar, combinamos que cada aluno escolheria a seu gosto uma
poesia para ler na praça. Todos concordaram. Chamamos esse encontro de “café
poético” e marcamos a data. Pedi autorização à diretora para sair com os alunos.
Durante os encontros que antecederam o “café poético”, perguntava se eles já tinham
selecionado a poesia e eles afirmavam que sim. Entretanto, no dia do encontro, a maioria
tinha se esquecido ou não tinha feito sua seleção. Como eu havia levado uns livros de
poesias, eles me pediram emprestado e começaram a procurar algum para ler. Introduzi
o momento lendo o poema Adolescente, de Cecília Meireles. E eles deram continuidade:
alguns, os que tinham selecionado, começaram a ler; outros selecionaram na hora. A
princípio estavam ainda tímidos, mas, ao longo do tempo, foram se desinibindo, e o que
pareceu desastroso no início se transformou em aprendizado porque todos se
envolveram escutando com atenção a leitura do colega.
Um fato chamou ateão. Um aluno, desses que transformam qualquer coisa em
brincadeira, trouxe um texto dizendo que era poesia e pediu para o colega ler em voz
alta. Após a leitura de alguns versos, esse aluno percebeu o malogro e disse em voz alta:
isto não é poesia. Chateou-se com o colega, parou a leitura. Irritado, não quis mais
participar. Esse reconhecimento de que qualquer coisa escrita em verso não é poesia já
é um dos resultados de que o experimento estava obtendo o êxito para o qual tinha sido
proposto.
O aluno considerado problema pelos colegas foi o único que trouxe um texto
selecionado. Leu em voz alta uma quadra que ele achava muito bonita. Seguindo esse
colega, os outros começaram a ler o que havia selecionando na hora. Esse momento fora
da sala contribuiu sobremaneira para que os alunos interagissem de forma mais fraternal,
pois na sala de aula estavam sempre entrando em conflito. O ambiente externo, a praça
arborizada, o canto dos pássaros, as leituras ouvidas atentamente, a interação entre
eles, tudo isso contribuiu para que aflorasse nesses adolescentes uma sensibilidade, até
então, desconhecida, a afetividade. Agruparam-se. Juntos começaram a descobrir
poesia. Cada movimento deles era de contato com a natureza: deitaram-se na grama e
deixaram-se ficar ali embevecidos pelo momento, como se de repente descobrissem uma
ligação entre natureza e poesia. Quando inqueridos sobre o experimento, a aula de
185
poesia na praça foi uma das que mais agradaram aos alunos, como nos mostram os
depoimentos abaixo:
Shirley: Eu gostei das aulas, dos momentos em que passamos juntos, pois
pudemos aprender um pouco mais de poesias. De nossos amigos também.
Gostei do café poético, pois pudemos desfrutar de um ar puro para aprender
poesias. Só que eu não dou valor a poesias.
Mariana: Eu gostei, foi bem divetido e o bom é que a gente aprende várias
coisas sobre a arte brasileira, o que passa o poeta em suas poesias. o nosso
encontro na Praça foi muito legal.
Marcos: Eu gostei da aula que foi para a praça. Escutamos e falamos poesia e
não gostei porque eu tive que sair.
O encontro na pra despertou para a existência de uma aliança entre a
natureza e a poesia. Poesia é emoção em estado puro, é um retorno ao estado natural
quando o homem vivia em comunhão com a natureza contemplando a si próprio,
compreendendo o que a natureza representa para fixá-la dentro de seus justos limites,
para compará-la a tudo o que se encontra acima ou abaixo dela. Por isso, não devemos
nos ater apenas a olhar para os objetos que nos cercam, mas contemplar a natureza
inteira na sua alta e plena majestosidade. A natureza inspirou e inspira poetas pelo
mundo todo. Viver e sentir as poesias pode ser uma forma de retornar ao mundo interior
para viver a magia que se dá quando compreendemos a poesia como deslumbramento,
contemplação, revelação, uma forma de conhecer e dar a conhecer o mundo. O exemplo
da necessidade dessa comunhão está na fala do aluno. Para ele, o melhor dos encontros
se deu na praça, pois o contato direto com a natureza inspira mais poesia.
Thiago: Eu acho que para melhorar os encontros você deveria realizá-los mais
ao ar livre porque para mim um dos melhores encontros foi aquele lá na
pracinha aqui perto, pois a natureza inspira mais ainda a poesia.
186
É preciso, pois, compreender as necessidades desses adolescentes que se
manifestam sempre querendo vivenciar algo novo, diferente, sair do espaço
compartimentado da sala de aula para o prazer de viver novas experiências. Em
entrevista, a professora da turma afirmou que uma aula para despertar prazer e
disposição dos alunos deveria ser “uma senhora aula”. Compreendo que uma “senhora
aula” deve dizer respeito à criatividade, à presença do próprio aluno contribuindo com
suas experiências, com suas histórias de vida e de leitor do mundo para a construção
da aprendizagem.
Aprender poesia pelo ouvir, o poema sendo também o lugar para a voz. Eis o
que esse encontro propiciou aos alunos. Ouvir com atenção, deixar aflorar a
sensiblidade provocada pelo texto vocalizado. Na praça, sentados, ouvindo poesias, os
alunos vivenciaram momentos de plena relação da voz com o sentido construído a
partir da interpretação de quem estava lendo. Esse aspecto da interpretação retoma
Zumthor (1993), para quem o papel do intérprete é mais importante do que o do
compositor, pois é a sua performance, o seu desempenho, que propiciará reações
auditivas, corporais, emocionais do auditório, ou seja, do ouvinte. O público tende a
associar a autoria da obra ao intérprete e não ao compositor, justamente porque a
poesia oral assume um caráter de anonimato se considerarmos que os discursos, por
serem fragmentados, não conseguem manter sua autonomia, mas sim a de quem os
pronuncia.
A performance do intérprete, segundo esse autor, é, pois, a responsável pela
sua força como disseminador do texto oral. A intimidade do intérprete com o poema ou
do narrador com o que está lendo vai ser avaliada pelo efeito que sua performance terá
sobre o público ou sobre o ouvinte: de convencimento, de emoção, de desprezo. Não
podemos ignorar, portanto, que nem sempre o que está sendo dito ou interpretado está
adequado ao ouvinte ou ao público ali presente.
Diante das considerões sobre as “dificuldadesdo professor em ensinar a ler
poesias, pode-se começar a entendê-las pela falta de familiaridade com o texto literário
por parte dos alunos e de muitos professores. Estes, sem refletir sobre a natureza
ficcional, poética e artística da literatura, acabam reproduzindo sem saber a concepção
de inutilidade, repetindo as informações do livro didático e dando ênfase
187
demasiadamente histórica à literatura. O texto literário deve ser discutido e analisado
por professores e alunos, numa relação de diálogo, trocas e respeito à fala e à voz do
aluno, bem como às suas leituras anteriores. Dessa forma, o ensino será direcionado
para a formação que se quer proporcionar ao jovens, desmistificando o discurso que é
difícil ensinar-lhes a ler poesia, com um professor que demonstra ter consciência de
que ensinar exige convicção e de que a mudança é possível. Acreditando na
perspectiva de Freire (1996) de que mudar é difícil, mas possível, o ensino de poesia
pode ser o elemento desencadeador para o prazer que leitura promove. Para isso, o
professor deve se considerar um reformulador, uma pessoa que, ao ser capaz de
mudar, de criar e de recriar sua prática, apresente sua atitude face à linguagem literária
como um dos pontos mais importantes na apreciação de poemas em classe. A maneira
como ele vê e sente a poesia, seu real interesse poderá determinar o despertar e a
prontidão do aluno para o assunto.
Enfim, dependendo da forma como é trabalhada em sala, a leitura de poesia
pode ser tudo ou nada. Será tudo se conseguir unir sensibilidade e conhecimento; nada
se seguir cegamente os passos de uma pedagogia tradicional em que predomina a
memorização das características de estilos de época, nome de autores e obras que não
atendem mais às necessidades existenciais dos alunos. Para se conseguir que o aluno
se torne um leitor crítico, o ensino deve colocar o texto como uma possibilidade de
reflexão e recriação, um espaço para se compartilhar emoções, idéias, sonhos. E nisto,
a poesia é singular.
188
CONSIDERAÇÕES FINAIS: O COMEÇO DO FIM DO COMEÇO
O desenvolvimento deste trabalho propiciou-me uma oportunidade ímpar de
vivenciar a realidade do ensino de leitura de literatura, em particular de poesia, em uma
sala de aula do Ensino Médio. O cruzamento de informações permitiu relacionar os
pontos de vista da professora e os dos alunos, dando-nos uma idéia mais ampla dessa
realidade, além de lançar um olhar a partir de prismas diferentes sobre a sala de aula
nesse nível de ensino, avaliando atitudes, repensando conceitos ou descobrindo novos
caminhos.
Dentre as descobertas feitas, está a de que nossos alunos não são tão arredios
à leitura de poesia como acreditam. O que acontece é que não se sentem
propriamente, atraídos pela leitura de poesia, seja porque realmente não gostam desse
gênero, seja porque não têm um contato mais amplo com a leitura. Sendo assim, uma
das primeiras coisas que observamos é que é preciso introduzir o aluno no mundo da
literatura o mais cedo possível. A literatura deve ser trabalhada desde o começo dos
estudos do aluno, partindo-se de textos mais próximos da sua realidade (seja
socialmente, no tempo ou mesmo no espaço) e, aos poucos, acrescentando novas
visões e ampliando o conhecimento lingüístico e cultural do aluno.
Buscamos algumas respostas a questões que se referem à leitura de poesia na
escola, do ponto de vista da prática do aluno, mostrando que o estudo sistematizado de
caráter investigativo/reflexivo das práticas de leituras contribui muito para o
redimensionamento da hegemonia que se mantém nas práticas escolares.
A condição de leitor de cada indivíduo não se reduz às oportunidades que este
teve e/ou deixou de ter durante a vida escolar. Muitos fatores interferem no lapidar
dessa condição. Entretanto, é necessário que o professor se apresente como um
mediador e dinamizador na construção do conhecimento. É preciso ficar atento a ponto
de saber em que contexto o aluno está inserido para poder não só ampliar e diversificar
as suas possibilidades de leitura, mas interagir com o grupo. Da mesma forma, o
professor precisa centrar a sua atenção na relação que tem com o seu aluno, precisa
também revisitar a sua história porque ela pode ser o vetor que o orientará nas
estratégias para seduzir, como foi seduzido pela leitura.
189
Na atual sociedade não há mais espaço para a prática horizontal da leitura. Não
se concebem mais procedimentos que exijam do leitor a reprodão ou a transcrição do
que está escrito; não se busca mais formar indivíduos que executem e concebam o que
está escrito como verdade absoluta, inquestionável mas, sim, que sejam capazes de
criar e recriar, de maximizar o seu tempo livre, de integrar-se a uma sociedade reflexiva
e complexa. Busca-se formar indivíduos que se percebam leitores proficientes e que
possam exercer o papel de cidadãos ativos na sociedade em que vivem.
Nesse aspecto, acreditamos na presença sistemática de poesia na sala de aula.
Todavia esse ensino precisa ser repensado e libertado de associações ideológicas ou
históricas que sirvam a uma determinada classe social que dita quais obras literárias
devem ser modelos para a leitura, de que forma a escola deve trabalhá-las em sala, o
que deve ser ensinado. Precisa, ainda, se desvincular de pedagogias que ofereçam
apenas receitas a serem seguidas.
A poesia, por outro lado, precisa ser vista na escola como fenômeno artístico,
considerada em sua natureza educativa por excelência, porque possui valores, crenças,
idéias, pontos de vista de seus autores, que podem, de alguma forma, enriquecer a vida
daqueles que a lêem. Por isso, não deve ficar presa a modismos pedagógicos, mas,
sim, ser considerada como uma atividade prazerosa de conhecimento do ser humano e
das diversas funções da linguagem, dentre elas a função poética, visto que retrata e
recria as questões humanas universais numa linguagem esteticamente trabalhada e
transgressora da rotina cotidiana.
O experimento atingiu, portando, o objetivo proposto: o de mostrar que o ensino
de poesia na escola de Ensino Médio contribui de forma singular para a formação
sociolingüística, cognitiva e afetiva dos alunos. Estes adquiriram novos conhecimentos
ao aprender a conhecer/reconhecer o gênero textual e estabeleceram relações do texto
com seu mundo. A partir das leituras de poesias, adquiriram novas formas de ver e
compreender o mundo, além de terem aprendido a importância de respeitar e de
conviver com o outro.
Os resultados foram satisfatórios, já que os alunos se mostraram, em algum
momento das aulas, capazes de ler uma poesia quase que de forma autônoma, isto é,
190
construindo suas próprias interpretações a partir de seus pontos de vista e destacando
os aspectos do texto que mais despertaram seu interesse.
Essa autonomia, manifestada na capacidade de construírem suas próprias
interpretações, é de fundamental importância sob dois aspectos: em primeiro lugar,
poque ela se harmoniza com o objetivo desta tese, o de mostrar a contribuição da
poesia na formação do leitor; em segundo, porque está relacionada com a concepção
de Vigotski (2000) quando se refere à necessidade de intervenção de mediador para
apoiar o aluno na realização de uma tarefa complexa que ele, por si só, seria incapaz
de realizar, sem a mediação dialogada. Este conceito indica ainda como o adulto
implementa processos de suporte - apoio / andaime – que se estabelecem através da
comunicação entre professor e aluno. Na andaimagem, o controle da tarefa é
transferido gradualmente do adulto para a criança, ou do professor para o aluno.
Segundo esses princípios, a concepção e o uso de ambientes interativos de
aprendizagem deverão apresentar diferentes graus de complexidade, de forma a
possibilitar a cada sujeito, em cada momento, atuações que estão na zona
desenvolvimento proximal, com variados recursos de andaimagem. Esses recursos
deverão ser gradativamente retirados de acordo com o desenvolvimento do aluno.
Enfim, a escola precisa considerar que a aprendizagem para a qual se propõe
como instituição de ensino deverá compreender o processo como mais importante do
que o produto, ou seja, deve se perguntar o que se está ensinando e para quem. Além
disso, deve saber que: o professor desempenha o papel de mediador entre o aluno e o
conhecimento, e não o de mero transmissor de conhecimentos; a aprendizagem não é
um ato solitário, mas de interação com o outro; a aprendizagem exige planejamento e
constante reformulação por parte do professor para as experiências que devem levar
em conta o quanto de colaboração o aluno ainda necessita para poder produzir
determinadas atividades de forma independente; o diálogo deve ser permanente,
permeando o trabalho escolar.
Ao desenvolver esta pesquisa, constatei, em revisão bibliográfica, que o
assunto de leitura de poesia no Ensino Médio não contempla sua grandiosidade. Muito
se discutiu e se discute sobre esse nível de ensino em categorias, tais como as
191
reformas por que tem passado e o ensino de literatura. Mas o ensino de poesia requer
ainda muita investigação e reflexão.
Em vista disso, este trabalho ganha relevância na medida em que considera
importante ensinar poesias para adolescentes, pois acredito na primazia dada à palavra
na escola que não pode apenas ter intenção pedagógica de explicar ou descrever.
um laborioso e delicado trabalho sobre o corpo material da palavra: o som, o gesto, o
sentido que poderia ser desencadeado para que o verbo mobilizasse aprendizagens na
adolescência. Assim sendo, chegaríamos à palavra viva, incendiada pelo som, pelo
gesto e pela imagem. À semelhança das artes plásticas, do teatro, da dança e da
música, a palavra poética é um elemento indispensável à formação dos alunos e
representa, no mundo de hoje, uma respiração profunda que permite a cada um
reencontrar as suas próprias raízes.
Emfim, dessa pesquisa ficou a sensação de que ainda tenho muito a aprender.
Vivi na escola com os alunos momentos de ansiedade, de alegria e de tristeza. Ora
parecia que tudo estava caminhando conforme o previsto, ora parecia que nada dava
certo. Transitei por caminhos sinuosos, com avanços e retrocessos. Nesse ir e vir muita
coisa se transformou em mim. Transformações que considero ganhos e, certamente, se
repercutirão ao longo de minha vida de pesquisadora e de professora, porque
implicaram a aquisição de novos conhecimentos e novas atitudes, pois tive que
aprender a trabalhar com flexibilidade e paciência, a aceitar desafios até então
desconhecidos. Foram aprendizados que transformaram meu modo de agir. Trabalhar
com adolescentes, alunos em processo de formação de leitor, foi uma experncia
inédita que enriqueceu a minha formação profissional porque trouxe desafios,
perguntas, descobertas e conhecimentos novos e permitiu, ainda, um olhar diferente,
reflexivo sobre minha própria prática.
Pretendi, pois, nesta tese, apresentar minhas reflexões sobre o assunto e
colaborar para o desenvolvimento de novas pesquisas, uma vez que esse campo tem
muito a ser explorado.
Termino, deixando nesse poema Romance LIII ou Das palavras aéreas, de
Cecília Meireles, o laborioso e delicado trabalho sobre o corpo material da palavra
incendiada pelo som, pelo gesto e pela imagem.
192
Romance LIII ou Das palavras aéreas
( Cecília Meireles)
Ai, palavras, ai palavras
que estranha potência, a vossa!
Ai, palavras, ai palavras,
sois vento, ides no vento,
no vento que não retorna,
e, em tão rápida existência,
tudo se transaforma!
Sois de vento, ides no vento,
e quedais, com sorte nova!
Ai, palavras, ai palavras,
que estranha potência a vossa!
Todo o sentido da vida
principia à vossa porta;
o mel do amor cristaliza
seu perfume em vossa rosa;
sois o sono e sois a audácia,
calúnia, fúria, derrota...
A liberdade das almas,
ai, com letras se elabora...
E dos venenos humanos
sois a mais fina retorta:
frágil, frágil como o vidro
e mais que o aço poderosa!
Reis, impérios, povos, tempos,
pelo vosso impulso rodam...
Detrás das grossas paredes,
da leve, quem vos desfolha?
Pareceis de tênue seda,
sem o peso de ação
- e estais no bico das penas
- e estais na tinta que as molha
- e estais nas mãos dos juizes
- e sois o ferro que arrocha
- e sois barco para o exílio
- e sois Moçambique e Angola!
Ai, palavras, ai palavras,
íeis pela estrada afora,
erguendo asas muito incertas,
193
entre a verdade e galhofa,
desejos do tempo inquieto,
promessas que o mundo assopra...
Ai, palavras, ai, palavras,
mirai-vos: que sois, agora?
- Acusações, sentinelas,
bacamarte, algema, escolta;
- o olho ardente da perdia,
a velar, na noite morta;
- a umidade dos presídios
- a solidão pavorosa;
- duro ferro de perguntas,
com sangue em cada resposta
- e a sentença que caminha
- e a esperança que não volta
- e o coração que vacila
- e o castigo que galopa...
Ai, palavras, ai palavras,
que estranha potência, a vossa!
Perdão podíeis ter sido!
- sois madeira que corta
- sois vinte degraus de escada
- sois um pedaço de corda...
- sois povo pelas janelas
cortejo, bandeiras, tropa...
Ai, palavras, ai palavras,
que estranha potência, a vossa!
Éreis um sopro na aragem...
- sois um homem que se enforca!
194
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205
ANEXO A
AS ENTREVISTAS
A entrevista semi-estruturada foi um dos instrumentos utilizados para aquisição
de alguns dados necessários para a pesquisa. Realizamos duas entrevistas: uma, com a
professora, porque queríamos conhecer o universo dos alunos que seriam os sujeitos da
pesquisa e o da professora para termos conhecimento da forma como ela utiliza o texto
literário em sala de aula, mais especificamente, a poesia; outra, com os alunos sujeitos
da pesquisa. O objetivo dessas entrevistas foi uma exploração inicial para termos
algumas informações a respeito dos alunos, como seus gostos e interesses.
Selecionamos os alunos num percentual de 15% para amostragem, ou seja,
participaram da entrevista 8 alunos. É válido salientar que, para a seleção dos
entrevistados, foi realizado um sorteio.
Utilizaremos nomes fictícios tanto para a professora como para os alunos
entrevistados. A professora, Sandra. Os alunos: 1 João, 2 Marcos, 3 Carlos, 4 Sandra, 5
Thiago, 6 Marta, 7 Glória e 8 Ana.
Designaremos os seguintes sinais utilizados nas transcrições:
Pesquisadora = entrevistadora
Professora = professora
.... = pausas
Eh! = indecisão
[...] = incompreensível
Durante a entrevista, a professora falou de seu trabalho e das dificuldades em
trabalhar o texto literário em sala de aula. Vejamos a entrevista.
206
ENTREVISTA COM A PROFESSORA
Entrevista aberta, sem roteiro
Pesquisadora: Como leitora, que tipos de textos você costuma lê?
Professora: Todos. Eh! .... um pouquinho de cada. Eu estava até comentando
hoje aqui, sobre o hábito de leitura do brasileiro, né? Que a média são dois livros por ano.
Eu falando pra minha amiga que eu não estou ainda nessa média. Mas, eh! ... a questão
de não ler o livro completo. Eh! .... mais fragmentos. Então, eu leio bastante, eu supero a
média lendo textos.
Pesquisadora: De onde você extrai esses textos para leitura?
Professora: Jornais, livros, revistas....
Pesquisadora: Como leitora de literatura, qual sua preferência? Prosa ou
poesia?
Professora: Gosto mais da prosa.
Pesquisadora: Por que?
Professora: Por quê? ... eu acho assim.... mais rico em interpretação. Os textos
em prosa. Gosto muito das narrativas, eu acho assim.... mais rico. Eu gosto da prosa por
ser mais rico.
Pesquisadora: Que gênero textual você traz mais para a sala de aula?
Professora :Trago mais prosa
Pesquisadora : A escola adota algum livro didático?
Professora: Este ano, sim.
Pesquisadora: Este ano sim, por quê? Antes, não? Por que não havia ou não se
interessavam?
Professora: Porque não havia, e também nós não poderíamos pedir para que
eles comprassem.
Pesquisadora: E, agora, por que estão utilizando?
Professora: O MEC, né? Proposta do MEC.
Pesquisadora: Você o está utilizando em sala de aula?
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Professora: Já utilizei, apesar de ser um livro não muito viável. Ele não tem textos
e eu gosto de trabalhar com textos. Eu trabalho também o texto e, como prosa, não
trabalho só o texto em prosa, mas, na maioria das vezes, eu trabalho mais a prosa.
Pesquisadora: Você utiliza recursos didáticos?
Professora: Utilizo.
Pesquisadora: Quais?
Professora: Olha eu, ...eu.... é filmes, músicas. Trabalho muito com músicas,
muito mesmo. Porque eu acho uma forma mais lúdica deles aprenderem.
Pesquisadora : Você percebe que há mais interesse quando vem música?
Professora: Com certeza, com certeza.
Pesquisadora: E o filme?
Professora: O filme não tem tanto interesse quanto a música. Eu acho, inclusive,
que tenho alunos que.... eles nunca foram ao cinema, acredita? Nunca foram ao cinema.
Pesquisadora: E não vêem na televisão?
Professora: Só na televisão. Agora também tem um probleminha que é a questão
do tempo do filme com o tempo da aula, entendeu? Geralmente o tempo do filme
extrapola o tempo da aula, mesmo sendo duas aulas seguidas.
Pesquisadora: Quando você seleciona, qual a intenção de trazer o filme para a
turma?
Professora: De ver o contexto, trabalhar personagens, ver o enredo. Enfim, todos
os elementos da narrativa.
Pesquisadora: Você trabalha com poesia na sala de aula?
Professora: Trabalho.
Pesquisadora: Como você seleciona a poesia que vai trabalhar?
Professora: Olha é, ...geralmente, se estou trabalhando figuras de linguagem,
trago poesias que eles..[ ...] que têm presença de figuras de linguagem. Sou apaixonada
por Manuel Bandeira, então, eu ... trabalho muitos textos de Manuel Bandeira, de Vinicius
de Morais também.
Pesquisadora: Qual ou quais os tipos de material didático pedagógico que você
utiliza para o trabalho com poesia?
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Professora: No quadro, no quadro não! Trago digitado. Tenho algumas poesias já
gravadas.
Pesquisadora: Você as traz para a sala de aula?
Professora: Trago.
Pesquisadora: Por que tipo você acha que eles se interessam mais? Digitado ou
gravado.
Professora: Quando trago gravado, gravado. Você conhece Monte Castelo de
Renato Russo? Renato Russo, Monte Castelo. Ali tem Camões e Corínthios. Aquela
música, Monte Castelo, é nada mais que Camões. Falo muito para os meninos, essa
questão de ser musicalizada é ter outro efeito. Tem também aquela, Motivo, de Cecília
Meireles, que o Fagner gravou. Também é muito interessante. Eu tenho também dois
CDs que têm poesias de Vinicius de Morais bem interessantes. Eu falo para eles que a
música é uma poesia. Mas nem toda música, porque eu abomino esse novo estilo.
Dessas músicas de forró que, atualmente, não têm nada com o nosso forró pé de serra
que não deixa de ser poesia. Não tem nada mais bonito que Asa branca e é poesia, né?
Pesquisadora: Você acha que poesia é um bom texto para se trabalhar em sala
de aula?
Professora: Acho.
Pesquisadora: Por quê?
Professora: Por ser rico. Um texto muito rico. Asa branca, por exemplo, vo
trabalha.... Você pode explorar tudo em Asa branca.
Pesquisadora: O quê, por exemplo?
Professora: Tudo, tudo você pode explorar em Asa branca. A linguagem, o vel
da fala, as figuras...
Pesquisadora: Você sente necessidade de idéias ou atividades para seu trabalho
com poesia?
Professora: Sim. Eu gostaria de ter uma reciclagem
Pesquisadora: Você percebe um maior interesse por parte dos alunos quando a
aula é de literatura ou de língua portuguesa?
Professora: Eles participam mais da de literatura, mas tem que ser uma senhora
aula de literatura. Se for aquela que você fala o tempo todo e não mostra o concreto, né?
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Porque a gente não vai trabalhar só a questão da teoria em literatura. Você tem [...] então
essa parte concreta é justamente quando eu falo a questão da música, do filme, novelas.
É a associação da teoria com aquela parte prática. Não fica só na abstração.
Pesquisadora: E quando a aula é de poesia? Eles gostam?
Professora: Não dá para perceber esse interesse neles, não. Vai depender da
aula e da motivação.
Pesquisadora: E a escola como ela se posiciona para o ensino da literatura? Há
um planejamento em que a direção se manifesta?
Professora: Até agora não encontrei nenhum obstáculo. Não sei nem se toma
conhecimento de minha forma de dar aula, entende? Mas eu procuro fazer meu
planejamento de acordo com a necessidade da turma, com a realidade da turma. O que
eu acho necessário, sabe? O que acho viável, simplesmente, eu planejo e faço. Eu não
estou muito preocupada se a escola tá querendo que eu trabalhe. Ah! Tem outra coisa
que eu gosto muito de trabalhar são as fábulas. Adoro trabalhar fábulas.
Pesquisadora: Por que você adora trabalhar fábulas?
Professora: Porque acho que prende a atenção do aluno. Ele aprende mais
porque tá ali se identificando com o personagem. Os animais são as personificações né?
Então eu acho assim bem interessante que eles tenham assim esse tipo de narrativa. Eu
acho o ato de narrar mágico, mágico. Acho que prende a atenção deles.
Pesquisadora: Quando você termina uma aula de literatura, os alunos se
mostram interessados em discutir ou rever o que foi falado em sala? Como vocês têm
biblioteca, eles vêm pegar um livro, ou um texto que despertou atenção?
Professora: Aqui não. Porque ... é.... os livros aqui, literatura praticamente não
existe. Língua portuguesa e literatura não existem.
Pesquisadora: Na biblioteca não tem livro de literatura?
Professora:o,o. Para pesquisa de ngua portuguesa e literatura não.
Pesquisadora: E quando os alunos precisam fazer pesquisas ou simplesmente
ler, como fazem?
Professora: Olha... é... eu acho que, poucos, poucos procuram sebos.
Pesquisadora: Eles pedem orientações a você, tipo, que livro é interessante para
se ler?
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Professora: Raríssimos.
Pesquisadora: Você percebe, então, que não há interesse pela leitura?
Professora: Não! Não! É tanto que essa questão do interesse pela leitura. Olha
só. Esse livro que veio esse ano, ele é super grosso, é um volume, vai servir para todas
as séries, a partir do primeiro ano. Os alunos reclamam do volume, né. Ele é um livro
mais que é mais para estudo do professor. Serve mais para embasamento do professor.
Não foi feito pensando no aluno, entende? Então veja bem. Eu marquei o dia para que
eles trouxessem o livro e eles não trouxeram. Era um texto do Luís Fernando Veríssimo.
Eleso trouxeram esse livro. Eu disse: – Gente, já que vocês não trouxeram o livro
tentem ler em casa, fazer em casa. [...] Tem o livro, mas eles não trazem. Acredito que
tanto pela falta do bito como também pela falta de interesse. Se eu tirasse cópias e
colocasse para eles comprarem, teria a mesma resistência. Então fica difícil para mim.
Eles têm o texto do livro e não trazem e eu necessito trabalhar o texto, e, como numa
turma são quarenta e sete alunos, apenas oito trouxeram. Diga aí, fica difícil para mim,
praticamente impossível de trabalhar a língua portuguesa ou mesmo a literatura sem
texto. Você não vai copiar um texto no quadro,o tem sentido. Então é muito difícil,
sabe? O trabalho do professor é tirano. Então essa leitura, eu fiz em sala de aula. Eu
pedi para que eles marcassem a fala dos personagens, que eles dramatizassem
também. Trabalhei os níveis da fala, trabalhei gramática também. Acho que passei umas
quatro aulas trabalhando esse texto.
Pesquisadora: E, mesmo assim, não houve envolvimento deles com o texto?
Professora: Forçadamente. Você forçando a barra e reclamando também. Tem
livros guardados ainda que os alunos não vieram ainda buscar.
Pesquisadora: Qual a origem do público desta escola?
Professora: Os bairros periféricos como, Cidade da Esperança, Cidade Nova,
Zona norte. Este ano tem menos alunos da zona norte.
Pesquisadora: Qual a faixa etária dos seus alunos?
Professora: Tenho alguns que eso fora da faixa, mas geralmente,... o meu
aluno mais novo tem treze anos, mas também tem senhora com filhos, na faixa de ...
trinta anos, por aí.
Pesquisadora: Obrigada!
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ROTEIRO DE ENTREVISTAS COM OS ALUNOS
A entrevista com os alunos seguiu um roteiro pré-estabelecido:
1 Que tipos de textos você costuma ler?
2 Na sua casa as pessoas costumam a ler?
3 Se afirmativo, o que elas preferem?
4 Quando a professora traz textos para a sala, você se envolve na leitura?
5 Qual o tipo de texto que a professora traz para a sala de que você mais
gosta?
6 Você costuma ir à biblioteca?
7 Quando você vai à biblioteca, que tipo de texto você procura?
8 Que tipos de música você gosta de ouvir?
9 Você se reúne com colegas para ouvir músicas?
10 Quando reunidos, que músicas escutam?
11 Você gosta de poesia?
Entrevista 01 – João
Pesquisadora: Como é seu nome?
Aluno: João.
Pesquisadora: Quantos anos você tem?
João: 15 anos.
Pesquisadora: Onde você mora?
João: Bairro de Nova Descoberta.
Pesquisadora: João, que tipo de texto você costuma ler?
João: Terror, gosto muito, muito mesmo.
Pesquisadora: Por que você gosta tanto desse tipo de texto?
João: Porque é um suspense. Depende, se for um suspense melodramático até
que ainda vai. Por ter muito envolvimento com, deixe eu ver, assim com a morte. Eu
gosto muito desse tipo de história.
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Pesquisadora: Como você se sente lendo um texto desse?
João: E me sinto bem. Também gosto de assistir, assim, ler livros infantis,
dependendo do texto, eu gosto de ler também.
Pesquisadora: Na sua casa as pessoas costumam ler?
João: Não. Assistem muito jornal. Ler, só eu mesmo, quer dizer, raramente leio.
Pesquisadora: Quando a professora traz textos para a sala de aula, você se
envolve na leitura?
João: Não muito. Depende da leitura.
Pesquisadora: Qual o tipo de texto que a professora traz para a sala de aula que
você mais gosta?
João: Bem... aí fica meio difícil dizer que tipo de texto é.
Pesquisadora: Quando ela traz uma crônica, por exemplo?
João: Não tenho nem idéia, não.
Pesquisadora: Você se lembra de algum texto que ela trouxe que você gostou?
João: Não. Os textos dela são muito puxados. Os textos da professora de
português.
Pesquisadora: O que você chama de “texto puxado”?
João: Bem... interpretação de texto. Eu não gosto de interpretação de texto. Mas
do jeito que ela trabalha texto ... assim, diariamente, ler texto interpretar, saber, saber o
texto está dizendo. Eu mesmo estou aprendendo agora com ela, porque eu nunca
estudei um texto assim, texto como ela trabalha.
Pesquisadora: Você costuma ir à biblioteca?
João: Não, não costumo. Fui uma vez aqui, mas não gostei não.
Pesquisadora: Do que você não gostou?
João: Porque eu só vou à biblioteca quando é para pesquisar alguma coisa de
trabalho da escola. Só vou à biblioteca para isso mesmo.
Pesquisadora: E, quando você foi, qual era o objetivo?
João: Só para turistar. Só para ver como é que era.
Pesquisadora: Não gostou do que, já que você foi só para turistar?.
João: Bem... porque ... eu sou uma pessoa que gosta muito de jogar RPG. Livros
que você pode ler, inventar uma história que segue um caminho, que tem regras. Então,
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eu fui pesquisar e só encontrei livros falando das matérias que tem aqui. Aí, eu não me
interessei muito não.
Pesquisadora: E de literatura?
João: Literatura, não gosto muito não.
Pesquisadora: Não se lembra, assim, de nada que leu?
João: Não, os livros que eu gosto, gostaria de ler agora e a coleção de Harry
Potter. Meu pai ainda vai comprar pra mim. Eu gosto desse tipo de história.
Pesquisadora: Que tipo de música você gosta de ouvir?
João: Pop rock internacional.
Pesquisadora: Nacional, você não gosta?
João: Não gosto de forró, não gosto de samba. Não gosto desses ritmos lentos.
Nunca gostei.
Pesquisadora: E o hip hop?
João: Não.
Pesquisadora: Quando você se reúne com seus amigos, o que vocês costumam
ouvir?
João: Ouvir.... os meus amigos assim, ... eles gostam de outras coisas... assim.
Eu não gosto de jogar bola. Já gosto de fazer outros tipos de atividades diferentes.
Pesquisadora: Que outras atividades você gosta de fazer?
João: Eu gosto de jogos eletrônicos. Sou viciado. Meu pai sempre quis que
gostasse de futebol, mas eu não gosto. Eu já quis gostar de esporte como a capoeira. Fiz
um monte vezes, mas parei. Fiz natação.
Pesquisadora: Você gosta de poesia?
João: Não.
Pesquisadora: Gostaria de ver um trabalho com poesia?
João: Não.
Pesquisadora: Obrigada!
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Entrevista 2 – Marcos
Pesquisadora: Como é seu nome?
Marcos.
Pesquisadora: Quantos anos você tem?
Marcos: Dezesseis.
Pesquisadora: Onde você mora?
Marcos: Cidade da Esperança.
Pesquisadora: Marcos, que tipos de texto você costuma ler?
Marcos: Nenhum.
Pesquisadora: Nada lhe chama atenção?
Marcos: Não.
Pesquisadora: Na sua casa as pessoas costumam ler?
Marcos: Sim.
Pesquisadora: Que tipos de textos as pessoas de sua casa costumam ler?
Marcos: Jornais e revistas.
Pesquisadora: Quem lê mais na sua casa, seu pai ou sua mãe?
Marcos: Minha mãe. Minha mãe é separada.
Pesquisadora: Que revistas ela lê?
Marcos: Sei dizer não.
Pesquisadora: Nunca folheou uma revista para dar uma olhadinha? Nem nas
imagens?
Marcos: Não.
Pesquisadora: Quando a professora traz textos para sala, você se envolve na
leitura?
Marcos: Não.
Pesquisadora: Por que você não se envolve?
Marcos: Não gosto muito de ler.
Pesquisadora: Se a professora trouxer uma variedade de texto, qual o texto que
você acha que se envolveria?
Marcos: Informativo.
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Pesquisadora: Você se lembra de algum texto que leu com a professora de que
você gostou?
Marcos: Ainda o.o me lembro.
Pesquisadora: Você costuma ir à biblioteca?
Marcos: Não.
Pesquisadora: Nem para fazer trabalho?
Marcos: Só para fazer trabalho.
Pesquisadora: Quais os professores que mais pedem para vocês irem à
biblioteca?
Marcos: Biologia.
Pesquisadora: Que tipo de música você gosta de ouvir?
Marcos: Rock.
Pesquisadora: O que tem no rock que desperta tanto sua atenção?
Marcos: A música é boa, eu gosto.
Pesquisadora: Você gosta de forró?
Marcos: Só pra show. Pra escutar não gosto não.
Pesquisadora: Quando você escuta rock, o que você procura?
Marcos: Aprender as letras. Só gosto de rock internacional. Tento traduzir as
letras. Rock brasileiro, mais ou menos.
Pesquisadora: Qual o cantor brasileiro de que você gosta?
Marcos: Charlie Brown e Rappa.
Pesquisadora: Eles são de rock?
Marcos: Rock pop.
Pesquisadora: O Rappa , ele não faz rap?
Marcos: Faz.
Pesquisadora: Então você gosta de rap?
Marcos: Não.
Pesquisadora: Do funk?
Marcos: Não.
Pesquisadora: E do hip hop?
Marcos: Do hip hop, eu gosto.
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Pesquisadora: O que tem no hip hop que faz você gostar?
Marcos: Acho legal a letra. Eles ficam rimando. Rima tudo, eu não entendo não,
mas gosto.
Pesquisadora: Você se reúne com colegas para ouvir músicas?
Marcos: Sim.
Pesquisadora: Que tipo de música vocês escutam quando reunidos?
Marcos: Rock.
Pesquisadora: Vocês conversam sobre a música que escutam, ou só escutam?
Marcos: Só escutamos.
Pesquisadora: Dançam?
Marcos: Não.
Pesquisadora: Você gosta de poesia?
Marcos: Gosto.
Pesquisadora: Essa poesia que a professora apresentou hoje, você gostou?
Marcos: Gostei.
Pesquisadora: O que foi que mais chamou atenção nela?
Marcos: Não lembro não.
Pesquisadora: Obrigada!
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Entrevista 3 – Carlos
Pesquisadora : Olá, tudo bem?
Pesquisadora: Como é seu nome?
Carlos.
Pesquisadora: Quantos anos você tem?
Carlos: Quinze anos.
Pesquisadora: Onde você mora?
Carlos: Cidade da esperança
Pesquisadora: Que tipos de textos você costuma ler?
Carlos: Textos assim ..... mais livro de ficção..
Pesquisadora: O que tem na ficção que desperta tanto interesse?
Carlos: Porque assim ...tipo ... fico imaginando o que aconteceria, se aquilo
mesmo existisse ... se acontecesse realmente.
Pesquisadora: Na sua casa, as pessoas costumam ler?
Carlos: É, menos meu pai. Mas o resto todo lê.
Pesquisadora: O que você chama de resto?
Carlos: Minha mãe, minha irmã, minha outra irmã que agora se casou.
Pesquisadora: Que textos elas costumas ler?
Carlos: Minha irmã lê assim.... essas coisas, tipo literário. Minha mãe mais
romance. Minha outra irmã, assim, eu não sei direito, e eu ficção. Meu pai não gosta de
ler, não.
Pesquisadora: Quando a professora traz textos para a sala de aula você se
envolve na leitura?
Carlos: Me envolvo.
Pesquisadora: Qual o tipo de texto que ela traz para a sala de que você mais
gosta?
Carlos: Texto de cotidiano. Dia-a-dia – os problemas ....
Pesquisadora: Você costuma ir à biblioteca?
Carlos: Não. Já fui. Mas ir à biblioteca, não. Prefiro ler em casa.
Pesquisadora: Quais os professores que mais convidam para ir a biblioteca?
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Carlos: Nenhum. Aqui no colégio, nenhum.... só... nenhum.
Pesquisadora: Você nunca vai à biblioteca?
Carlos: Só a professora de biologia que, quando passa trabalho, manda a gente
na biblioteca para pesquisar, mas o resto não
Pesquisadora: Você sempre encontra na biblioteca o que precisa?
Carlos: Assim,... para fazer trabalho, eu encontro. Tem muito livro didático. Mas
livro, assim,.... sem ser didático não quase nenhum.
Pesquisadora: Você já olhou direito?
Carlos: Já. Só tem mesmo para trabalho didático.
Pesquisadora: Que tipo de música você gosta de ouvir?
Carlos: Todas.
Pesquisadora: Dê um exemplo:
Carlos: Depende, se eu gostar.
Pesquisadora: Diga um nome de um cantor ou grupo que você mais gosta
Carlos: Deixa eu ver ... ... assim, eu não sei não.
Pesquisadora: O que chama a sua atenção quando você escuta uma música?
Carlos: Só o ritmo da música. Às vezes eu olho a letra. o ritmo.
Pesquisadora : Você se reúne com seus colegas para ouvir músicas?
Carlos: Não, só para falar sobre música.
Pesquisadora: Que tipo de música vocês gostam de ouvir?
Carlos: Rock. Direto.
Pesquisadora: O que tem o rock que faz vocês gostarem tanto?
Carlos: De rock, eu não gosto não. Mas todo mundo só fala em rock. Aí eu pego
e falo também. Mas eu não sei o que é não. Acho que é o ritmo, bateria, guitarra.
Pesquisadora: E o que vocês buscam no rock?
Carlos: Acho que a letra. Alguns gostam da letra. Mas a maioria gosta de rock
internacional. Não entendo nada, só a melodia é que é legal.
Pesquisadora: Você gosta de poesia?
Carlos: Não.
Pesquisadora: O que achou dessa que foi lida na sala?
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Carlos: Mais ou menos ... porque eu não entendo direito ... essa poesia ...
assim.
Pesquisadora: Mas, durante a aula, você respondeu às questões propostas pela
professora.
Carlos: Assim ... eu não entendo bem, mas eu não entendo bem. Só algumas
partes
Pesquisadora: Esse poema que a professora leu tocou você de alguma forma?
Carlos: Não.
Pesquisadora: Como você se sentiu quando leu aquele poema?
Carlos: Não... eu fiquei imaginando assim ... como seria aquele personagem,
José, né? Pensando assim ... como seria o jeito dele. O texto fala que ele não tem
nada. Fico imaginando como seria ela assim, sem nada, sem amigos.
Pesquisadora: Obrigada!
220
Entrevista 4 – Sandra
Pesquisadora: Olá, como é seu nome?
Sandra.
Pesquisadora: Quantos anos você tem?
Sandra: Quinze anos.
Pesquisadora: Onde você mora?
Sandra: Cidade da Esperaa.
Pesquisadora: Que tipos de textos você costuma ler?
Sandra: Gosto muito de ler textos que dizem respeito à Bíblia e gosto de jornais e
revista. Sempre que recebo jornal em casa leio alguma coisa que me chama atenção,
revista Veja, por exemplo. E gosto de obras literárias. Livro assim, eu gosto de ler.
Pesquisadora: Você tem lembrança de algum livro que gostou?
Sandra: Menino de engenho.
Pesquisadora: O que nessa obra lhe chamou mais atenção?
Sandra: A história dele. O fato de ele ter perdido a mãe que ele amava muito.
Exemplo do pai. Ele via o pai como algo assim – quando ele via o bigode, daquela
posição que ele tinha. Ele tinha perdido tudo aquilo em que ele foi criado. Aí ele fala da
tia, nos mostra que ele cresceu numa família diferente. O tio dele tinha coisas assim com
prostituição. Quando ele via, começou a imaginar aquelas coisas e tal. Bem interessante
a história. Gostei muito.
Pesquisadora: Na sua casa as pessoas costumam ler?
Sandra: Todos.
Pesquisadora: Quais são as leituras de sua casa?
Sandra: Minha mãe gosta de ler tudo, informação, Bíblia também ela gosta muito
de ler. Meu pai gosta de ler jornal. Ele lê o jornal todinho, do início ao fim. Meu irmão
gosta de ler coisas de criança, mas sempre que a gente dá uma coisa para ele lê, aí ele
lê também.
Pesquisadora: Quando a professora traz textos para a sala de aula, você se
envolve na leitura?
Sandra: Me envolvo.
Pesquisadora: Que tipo de texto a professora traz de que você mais gosta?
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Sandra : Texto ctico e literio.
Pesquisadora: O que é que o texto crítico desperta em você?
Sandra: Desperta meu senso crítico. Eu gosto de ver coisas assim, pelo outro
lado, porque gosto muito de fazer perguntas. Porque disso, porque daquilo, né? Então o
texto crítico estimula o raciocínio da gente. E eu gosto de coisa assim. Ele trouxe um
texto sobre o Brasil. Que comparava o Brasil assim com o inferno, essas coisas assim.
Eu não lembro muito bem, assim eu não sei explicar direito. Mas eu gostei muito. O texto
dizia que no Brasil tudo era vantajoso. Até no inferno, quando tinha o setor Brasil, tudo
era vantajoso.
Pesquisadora : Quem é o autor desse texto?
Sandra: Veríssimo, era Veríssimo.
Pesquisadora: Você costuma ir à biblioteca?
Sandra: Costumo.
Pesquisadora: Quais os professores que mais convidam vocês a ir à biblioteca?
Sandra: Assim ... sempre a professora de português. Assim, quando a professora
soube que tinha lido e gostado de Menino de engenho, disse que na biblioteca tinha um
que eu também iria gostar Meu pé de laranjeira.
Pesquisadora: Meu pé de laranja lima.
Sandra: Na biblioteca tem. Ainda não tive oportunidade de ir ver. Mas ela disse
que, quando eu pudesse, entrasse lá e lesse. Ela sempre me incentiva. Histórias
tamm, a gente sempre .
Pesquisadora: Você já veio procurar alguma coisa na biblioteca, sem que a
professora pedisse?
Sandra: Sempre venho mais a trabalho. Venho mais a trabalho. Mas quando
estou sem nada para fazer, eu venho pego algum livro e começo a ler.
Pesquisadora: Que tipo de música você gosta de ouvir?
Sandra: Música romântica, MPB eu gosto. Curto MPB, rock brasileiro. Aqueles
que dá para ouvir. Eu gosto do Legião Urbana, Paralamas do Sucesso, Capital Inicial,
Skank, mas detesto funk e aquelas músicas de forró que são pornografia pura. Não
gosto.
Pesquisadora: E do forró tradicional, você gosta?
222
Sandra: Gosto sim. Amo Luiz Gonzaga. Sou apaixonada por Luiz Gonzaga,
Dominguinhos, Fala Mansa. Aquele forró universitário arrasta pé. Meu tio quando bota o
DVD eu assisto até ....
Pesquisadora: Você se reúne com seus colegas para ouvir música?
Sandra: Difícil, porque a maioria das músicas que eu gosto, eles não gostam.
Pesquisadora: Por que você acha que a maioria das músicas que você gosta,
eles não gostam?
Sandra: Acho que a formação. E fui criada numa família que sempre deu muito
valor. Olhe, cuidado com o que você escuta. Você tem que escutar músicas que falem de
coisas bonitas. Não aquela gritaria. Ao passo que eles, não. Os pais deles sempre
deixaram eles escutar o que quisessem, né? Porque eles também gostam. Meu pai, não.
Meu pai sempre foi rígido nesse tipo de música. Minha mãe também. Eles gostam dessas
músicas .... eu não, eu não gosto, aí fica difícil.
Pesquisadora: Você gosta de poesia?
Sandra: Gosto.
Pesquisadora: O que você sentiu quando a professora trouxe aquele poema de
Carlos Drummond de Andrade?
Sandra: Eu gostei.
Pesquisadora: O que você sentiu quando leu o poema?
Sandra: Eu fiquei com pena. Assim, se a gente for imaginar assim, ele como
uma pessoa real dá pena, né?. O coitado está sem nada na vida. Eu sempre escutei o E
agora José. Só que não sabia de onde tinha vindo. E hoje eu fiquei sabendo o porquê
daquilo ali.
Pesquisadora : Quem seria José?
Sandra : Assim. Eu acho que José é um homem que perdeu o rumo da vida.
Pode ser alguma desgraça que aconteceu com ele. Ele perdeu tudo que tinha, até a
vontade de viver. Mas, infelizmente, como ele mesmo diz, nem morrer ele consegue.
Pesquisadora: Você falou que lê muito a Bíblia. O que o texto bíblico faz você
sentir?
Sandra: Me chego a Deus. Mesmo porque sou Testemunha de Jeová e nós
prezamos a Bíblia como livro inspirado por Deus. Então é o livro que ajuda as pessoas na
223
sua formação. Eu encaro como uma carta de Deus para mim. Então, ele é meu melhor
amigo. Como eu não posso vê-lo, ele conversa comigo por meio da Bíblia.
Pesquisadora: O texto bíblico, assim, a forma como ele é escrito, não chama a
atenção?
Sandra: Chama atenção nas palavras. Porque são palavras complexas. A forma
como eles escreviam no passado. As metáforas, a ilustração. Jesus usava ilustração.
Pesquisadora: Jesus usava muitas parábolas.
Sandra: Isso. Me chama ateão. Gosto da maneira como escreviam. As
palavras que eles usavam faz com que você prenda atenção na leitura, porque se você
não prestar atenção, você não vai entender. A Bíblia você tem que prestar muita atenção.
Toda semana leio três ou quatro capítulos da Bíblia.
Pesquisadora: O que você sente quando lê uma poesia?
Sandra: Eu viajo.
Pesquisadora : Obrigada!
224
Entrevista 5 – Thiago
Pesquisadora: Como é seu nome?
Thiago.
Pesquisadora: Quantos anos você tem?
Thiago: Dezesseis.
Pesquisadora: Onde você mora?
Thiago: Bairro de Nazaré.
Pesquisadora: Que tipo de textos você costuma ler?
Thiago: Poesia e aventuras.
Pesquisadora: O que tem a ficção que faz você se interessar tanto?
Thiago: Porque é irreal. Coisa que pode ou não acontecer. Pra fugir desse
mundo.
Pesquisadora: O que significa essa fuga?
Thiago: Pra esquecer dos problemas. Fugir desse mundo normal.
Pesquisadora: Na sua casa as pessoas costumam ler?
Thiago: Sim. Meu irmão gosta de ler coisas do vestibular e poesias.
Pesquisadora: Na sua casa todos gostam de ler poesia?
Thiago: Não. Só eu e meu irmão.
Pesquisadora: Sua mãe gosta de ler?
Thiago: Não.
Pesquisadora: Seu pai?
Thiago: Meu pai já morreu.
Pesquisadora: Tem outros irmãos em casa?
Thiago: Uma irmã.
Pesquisadora: Vocês se sentam para conversar sobre o que lêem?
Thiago: Não.
Thiago: Cada um lê por si.
Pesquisadora: Seu irmão mais velho que você te orienta nas leituras?
Thiago: Ele arranja os livros, troca, pega emprestado, .... eu leio.
Pesquisadora: Ele não diz assim: Thiago, esse livro é interessante, é bom, leia?
Thiago: quando eu pergunto: como é esse livro? Aí, ele fala.
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Pesquisadora: Quando a professora traz textos para a sala você se envolve na
leitura?
Thiago: Um pouco.
Pesquisadora: Quais são tipos de textos que ela traz que faz você se envolver
mais?
Thiago: Ela traz muitos que eu não gosto não. Ela traz muito do cotidiano, da vida
normal.
Pesquisadora: Você não gosta desse tipo de texto. Você prefere os que façam
você........
Thiago: Esquecer , ir para outro mundo.
Pesquisadora: Você costuma ir à biblioteca?
Thiago: Às vezes.
Pesquisadora: O que leva você a uma biblioteca?
Thiago: Só os livros de poesias.
Pesquisadora: A biblioteca possui livros de poesias?
Thiago: Alguns, por isso vou pouco.
Pesquisadora: A professora quando passa trabalhos, você não vai à biblioteca?
Thiago: Aí eu vou, né? ... mas tenho bastante livros em casa.
Pesquisadora: Você tem bastante livros em casa e como você é leitor...[...]
Thiago: Quase todas as matérias
Pesquisadora : Que músicas você gosta de ouvir?
Thiago: Romântica [ ...]
Pesquisadora: Diga-me uma coisa, essas românticas que você gosta de ouvir,
tem um cantor especial?
Thiago: Não. Escuto todos. Tenho um CD de melhores românticas.
Pesquisadora: Diga assim, um trecho de alguma música romântica de que você
gosta, pode ser um verso.
Thiago: No momento .... não tenho escutado muito.... não me lembro.
Pesquisadora: Você se reúne com seus colegas para ouvir música?
Thiago: Não, fico sozinho em casa. No momento só estou ouvindo Linkin Park.
Pesquisadora: Qual o estilo do ... Como é mesmo o nome dele? Dela?
226
Thiago: Linkin Park
Pesquisadora: É rock?
Thiago: É.
Pesquisadora: Você gosta de rock?
Thiago: É que eu gostei das tradões dela.
Pesquisadora: Das traduções?
Thiago: São poesias.
Pesquisadora: Eu não conheço essa banda.
Thiago: É famosa.
Pesquisadora: O que tem nela que faz você gostar tanto?
Thiago: É que são poesias. só que o jeito que eles constroem, o estilo deles...
Pesquisadora: Você falou o tempo todo em poesia. O que tem poesia que faz
você gostar tanto?
Thiago: Não sei ... o meu irmão fazia, eu lia , aí eu comecei a gostar, fazer e a ler
também.
Pesquisadora: O que você sente quanto escreve uma poesia?
Thiago: Desabafo.
Pesquisadora: O que você sente quando lê uma poesia?
Thiago: .... [silêncio].
Pesquisadora: Pense na poesia que a professora leu hoje. O que você sentiu
quando leu?
Thiago: Que João é um carinha só.
Pesquisadora: José era um carinha só?
Thiago: É, o José.
Pesquisadora: Baseado em que você acha que José é um carinha só?
Thiago: Porque os amigos dele foram embora e ele ficou só.
Pesquisadora: Você se lembra desse trecho?
Thiago: Só ficaram enquanto havia festa.
Pesquisadora: Você tem, assim, outro estilo de poesia que você gosta?
Thiago: Românticas.
Pesquisadora: Você é romântico, gosta de poesia romântica?
227
Thiago: Bastante.
Pesquisadora: Como é que uma poesia fala de amor para você?
Thiago: Não sei explicar direito. Amor impossível ....
Pesquisadora: Há amores possíveis, não há?
Thiago: Há
Pesquisadora: Você se lembra de alguma poesia que mexeu com você?
Thiago: Silêncio .......
Pesquisadora: Vinicius de Morais, por exemplo?
Thiago: Só o que tenho é um poema de Camões, mas eu não me lembro direito.
Pesquisadora: Amor é fogo que arde sem se ver?
Thiago: É. Amor é fogo que arde sem se ver.
Pesquisadora: Obrigada!
228
Entrevista 6 – Marta
Pesquisadora: Como é seu nome?
Marta.
Pesquisadora: Quantos anos você tem?
Marta: Dezessete .
Pesquisadora: Onde você mora?
Marta: Em Lagoa Nova.
Pesquisadora: Que tipos de textos você costuma ler?
Marta: Eu gosto de ler .... assim. Texto eu não gosto de ler muito não. Eu gosto
de ler biologia. Como é a matéria que eu mais gosto, eu leio muito livro de biologia. É o
que eu gosto de ler.
Pesquisadora: E de literatura, você não gosta?
Marta: Literatura. Eu lia muito. Aí dei uma parada depois que não encontrei mais
livro de literatura. Porque eu pegava emprestado na escola onde eu estudava.
Pesquisadora: Onde você estudava?
Marta: Eu estudava no Juvenal Lamartine
Pesquisadora: Lá tinha uma biblioteca boa?
Marta: Tem. Aí, aqui a gente não pode pegar livro emprestado. Aí eu parei de ler
livro de literatura.
Pesquisadora: Por que não pode?
Marta: À tarde, pode. De manhã, a mulher não deixa, não. Só não sei o motivo.
Pode pegar no intervalo. Mas o intervalo é muito pouco para a gente ler. A gente fica na
sala e quando toca ela já pede para sair.
Pesquisadora: Quer dizer que tem de ler o livro na biblioteca, não pode sair com
o livro?
Marta: Pode não.
Pesquisadora: Na sua casa as pessoas costumam ler?
Marta: Minha mãe ê a Bíblia.
Pesquisadora: Você já leu a Bíblia?
Marta: Já.
Pesquisadora: Você gostou?
229
Marta: Gosto de ler.
Pesquisadora: O que a Bíblia tem que chama sua atenção?
Marta: Gosto ...assim... de saber as histórias que aconteceu no passado. É o que
a Bíblia diz que vai acontecer no futuro que .... sobre o apocalipse.
Pesquisadora: Você gosta de textos que fazem previsão?
Marta: É.
Pesquisadora: Quando a professora traz textos para a sala você se envolve na
leitura?
Marta: Me envolvo na leitura.
Pesquisadora: Quais são os textos que ela traz de que você mais gosta?
Marta: O que eu mais gosto foi... uma literatura que fala da cantiga de amor.
Sobre cantiga, era o texto que ... ai, eu não consigo me lembrar.
Pesquisadora: As cantigas de amigo, as cantigas de amor. O trovadorismo é
isso?
Marta: É.
Pesquisadora: O que tem o trovadorismo que chamou tanto sua atenção?
Marta: Assim ... porque fala muito das hisrias de amor, assim de romance, de
amor, ... aí eu gosto.
Pesquisadora: O que têm as cantigas de especial?
Marta: As cantigas, assim,.... eu não sei explicar não. Não tenho como explicar,
não consigo.
Pesquisadora: Você costuma ir à biblioteca?
Marta: Eu gosto. Parei porque, como já disse, parei de vir porque ela não deixa a
gente passar muito tempo, e para a gente ler um livro, precisa ler e reler para entender.
o dá tempo, é muito pouco.
Pesquisadora: Quais são os professores que mais convidam você para ir à
biblioteca?
Marta: Por enquanto, até agora eu não tive nenhum
Pesquisadora: A professora de português não manda você pesquisar?
230
Marta: Eu cheguei há pouco tempo. Eu era da tarde, aí fui transferida para de
manhã. Eu pedi para transferir porque a gente tava sem professor à tarde. Alguns
professores. Algumas matérias, não tinham professor.
Pesquisadora: Você gosta desta escola?
Marta: Eu gosto daqui. É o primeiro ano que estou estudando. Mas estou
gostando muito daqui.
Pesquisadora: Que tipo de música você costuma ouvir?
Marta: Eu gosto de rock, mas não pesado. Rock pesado não, rock leve. Gosto de
Catedral.
Pesquisadora: O que você chama de rock leve?
Marta: É um rock assim ... que .... não daquele rock que chama palavrão. O rock
pesado tem alguns palavrões e eu não gosto.
Pesquisadora: Você falou em Catedral, o que é?
Marta: É um banda evangélica que não parece evangélica. Ela tem o estilo pra
música assim... rock. Só que, a primeira vez que a pessoa escuta ... se a pessoa prestar
atenção na letra da música vai ver que não é rock. Vai ver que são músicas evangélicas
que falam em Deus, de amor, amizade, de paixão ... de vários assim ....... mas as
pessoas que escutam pela primeira vez pensam que não é, pensam que não é uma
banda evangélica. Minha mãe, quando escutou pela primeira vez, perguntou que banda
era. É uma banda evangélica, UMA BANDA EVANGÉLICA? !!!! eu disse, preste atenção
na letra da música?
Pesquisadora: Ouvirei Catedral
Pesquisadora: Você se reúne com seus amigos para ouvir música?
Marta: Me reúno. Meus amigos lá na rua onde eu moro.
Pesquisadora: Quando vocês se reúnem, escutam o quê?
Marta: Minha rua todinha escuta catedral.
Pesquisadora: A sua rua todinha escuta catedral?
Marta: Sim, os mais jovens. O pessoal mais jovem.
Pesquisadora: As músicas dessa banda Catedral despertam que sentimentos em
você e nos seus colegas?
Marta: Hummm .. assim.
231
Pesquisadora: Vocês refletem sobre as letras das músicas, conversam sobre
essas músicas?
Marta: Muitas vezes .... sobre as letras, o ritmo.
Pesquisadora: Vocês discutem as letras ou só escutam as músicas?
Marta: Tem gente que discute, tem gente que só escuta.
Pesquisadora: Você gosta de poesia?
Marta: Gosto
Pesquisadora: O que você se sentiu com a poesia que a professora trouxe para a
sala hoje?
Marta: Assim ... eu achei um poema bem diferente.
Pesquisadora: Diferente em que aspecto?
Marta: Assim ... ele é diferente assim ele tá envolvido na música, não é? Achei
diferente assim... da forma que lê você interpreta diferente, quando tá na música .. tá
cantando.
Pesquisadora: O que você sentiu quando ouviu a música?
Pesquisadora: Assim eu não sei nem como dizer o que senti porque foi assim ...
ele foi falando de uma pessoa que é só ... solitário.
Pesquisadora: Quando o colega leu?
Marta: Eu não prestei atenção. Na hora que ele tava lendo ... eu tava lendo só
pra mim.
Pesquisadora : Obrigada!
232
Entrevista 7 – Glória
Pesquisadora: Como você se chama?
Glória.
Pesquisadora: Quantos anos você tem?
Glória: Quinze anos.
Pesquisadora: Onde você mora?
Glória: Lagoa Nova.
Pesquisadora: Que tipos de textos você costuma ler?
Glória: Assim .... textos sobre histórias antigas. Textos de ... tudo um pouco,
resumindo.
Pesquisadora: Na sua casa, as pessoas costumam ler?
Glória: Só meu pai.
Pesquisadora: O que seu pai costuma ler?
Glória: Negócio sobre governo.
Pesquisadora: Seu pai gosta de política? Você também gosta?
Glória: Não.
Pesquisadora: Nunca pensou em refletir com seus colegas sobre alguma coisa
que está se passando no país hoje?
Glória: Às vezes. Por exemplo, o mensalão todo mundo falou sobre o mensalão.
A gente discutiu um pouco, mas não é costume, não.
Pesquisadora: Quando a professora traz textos para a sala de aula, você se
envolve na leitura?
Glória: Às vezes.
Pesquisadora: Quais são os textos que ela traz que você mais chama sua
atenção?
Glória: Trovadorismo.
Pesquisadora: O que chama sua atenção no trovadorismo?
Glória: O eu lírico. A história que o homem falava para sua amada. Histórias
assim.
Pesquisadora: E o que o homem falava para amada?
233
Glória: Essas coisas assim... tinha horas que ele falava assim que tava com
saudade. Tinha horas que amando ela. Depende da leitura.
Pesquisadora: Então você gosta de texto que falem de amor?
Glória: É.
Pesquisadora: Você está apaixonada?
Glória: Não.
Pesquisadora: Você costuma ir à biblioteca?
Glória: Às vezes.
Pesquisadora: Quando é que você vai à biblioteca?
Glória: Quando preciso ler alguma coisa.
Pesquisadora: Quais são os professores que convidam você a ir à biblioteca?
Glória: A professora de português, de inglês, sobre dicionários, essas coisas, né?
Só.
Pesquisadora: você encontra sempre o que precisa?
Glória: Às vezes. É pouco livro.
Pesquisadora: Que músicas você gosta de ouvir?
Glória: Gosto de forró, axé, rock, pagode, menos brega.
Pesquisadora: O que você chama de brega?
Glória: Aquelas músicas que o povo fica roendo. Aquelas roedeiras. Aquelas
coisas véias, melancólicas....
Pesquisadora: Você se reúne com seus colegas para ouvir músicas?
Glória: Às vezes..... assim ..... final de semana é bom, né?
Pesquisadora: E quando vocês se reúnem, o que mais escutam?
Glória: A gente escuta muito pagode para dançar, axé, forró. Só esses três.
Pesquisadora: Você gosta de poesia?
Glória: Gosto.
Pesquisadora: O que você achou dessa poesia que a professora trouxe para a
sala de aula hoje?
Glória: Interessante.
Pesquisadora: O que chamou sua atenção nessa poesia?
234
Glória: Chamou atenção porque, assim ... ele tratou assim, sobre uma pessoa
que tava ... assim um mendigo que não tivesse nada na vida dele, nenhuma mulher,
nada, casa, nada.
Pesquisadora: E ele termina como? Quem seria esse José, na sua opinião?
Glória: Para mim, ele seria ... uma pessoa, um Zé ninguém que tava
necessitando de uma casa, de comer de tudo. Tava necessitando de tudo.
Pesquisadora: Obrigada!
235
Entrevista – 08 Ana
Pesquisadora: Como é seu nome?
Ana.
Pesquisadora: Onde você mora?
Ana: Moro em Nova Cidade.
Pesquisadora: Quantos anos você tem?
Ana: Quinze anos.
Pesquisadora: Que tipos de textos você costuma ler?
Ana: Revistas, jornais, os textos que a professora passa na sala de aula.
Pesquisadora: Na sua casa as pessoas costumam ler?
Ana: Não.
Pesquisadora: Você lê em casa?
Ana: Pouquíssimo.
Pesquisadora: Você não pode pegar livro na biblioteca?
Ana: Aqui a gente não pode pedir emprestado, quer dizer, eu não sei. Eu nunca
peguei emprestado. Mas as meninas dizem que não pode, Em casa, sei lá, eu só levo o
tempo em dormir.
Pesquisadora: Por que será que não pode pegar livro emprestado na biblioteca?
Ana: Não sei.
Pesquisadora: Quando a professora traz textos para a sala de aula, você se
envolve na leitura?
Ana: Sim, me envolvo.
Pesquisadora: Quais os tipos de textos que ela traz que mais você gosta?
Ana: Textos líricos, assim.
Pesquisadora: O que a lírica tem que desperta tanto interesse assim?
Ana: Acho legal as histórias, eu gosto.
Pesquisadora: Você costuma ir à biblioteca?
Ana: Não.
Pesquisadora: Quais os professores que mais pedem para vocês irem à
biblioteca?
Ana: Biologia, geografia, português - não muito, mas ela pede.
236
Pesquisadora: Que tipo de música você gosta de ouvir?
Ana: Rock, pop rock, forró, mas eu não gosto de ouvir em casa não. Eu gosto
mais de ver os shows.
Pesquisadora: Você se reúne com os colegas para ouvir música?
Ana: Sim. A gente quase sempre. A gente marca na casa de alguém para
conversar.
Pesquisadora: E quando vocês se reúnem para escutar, quais as preferências?
Se reúnem para ouvir o quê?
Ana: A gente vai mudando. Assim nunca a gente escuta um ritmo só.
Pesquisadora: Que ritmo vocês gostam mais de ouvir?
Ana: Pop rock.
Pesquisadora: O que tem o pop rock que desperta tanto interesse em vocês?
Ana: Não sei.
Pesquisadora: Não será o ritmo? A letra?
Ana: Deve ser a letra. Assim, porque eu gosto muito.
Pesquisadora: Lembra-se de algum grupo que você gosta?
Ana: Jota Quest.
Pesquisadora: Vocês se sentam para discutir/refletir sobre as letras desse grupo?
Ana: Não.
Pesquisadora: Só escutam?
Ana: Só escutamos.
Pesquisadora: Você gosta de literatura?
Ana: Não.
Pesquisadora: Você gosta de poesia?
Ana: Gosto.
Pesquisadora: Quando a professora traz poesia para a sala e aula, você se
interessa pelo texto?
Ana: Sim, porque eu acho bonito.
Pesquisadora: Você se lembra de alguma poesia que leu e que gostou?
Ana: Não.
237
Pesquisadora: Quando você olha na rua alguma coisa que lhe chama atenção,
você costuma gravar?
Ana: Eu sempre gravo, quando não estou com papel e caneta, gravo no celular.
Pesquisadora: Isso você anota onde?
Ana: Na minha agenda.
Pesquisadora: E no caderno?
Ana: Não.
Pesquisadora: Quando você manda bilhetinhos para suas colegas, você não
manda essas frases que alguns chamam pensamentos desses?
Ana: Sempre mando, elas adoram.
Pesquisadora: Muito Obrigada!
238
ANEXO B
PLANEJAMENTO DAS AULAS
PRIMEIRA AULA – DIA 05/10/2005
SOMOS HABITADOS POR LIVROS E AMIGOS
RECONHECENDO A LITERATURA
OBJETIVO:
Ativar o conhecimento prévio dos alunos sobre suas leituras e leituras de literatura,
incluindo leitura de poesias.
ATIVIDADE:
entregar aos alunos uma folha de papel em branco para que eles possam colocar ali
suas lembranças de leituras e possam compartilhar com colegas.
SEGUNDA AULA – 19 DE OUTUBRO DE 2005
RECONHECENDO A POESIA
OBJETIVOS:
refletir com os alunos sobre o conhecimento prévio que eles possuem de poesia;
buscar na tradição oral de nosso povo quadrinhas, provérbios, trava-línguas, trovas,
adivinhas, cantigas de roda e parlendas, para possibilitar o reconhecimento da poesia
em suas diversas formas de expressões no cotidiano.
239
ATIVIDADE:
entregar aos alunos uma folha contendo: quadrinhas, provérbios, trava-línguas, trovas,
adivinhas, cantigas de roda e parlendas, para que eles possam reconhecer no seu
cotidiano a poesia em suas diversas formas de expressão.
1 – QUADRINHA
Queria ser uma lágrima
Para em seus olhos nascer
Correr em sua face
E em sua boca morrer
2 – PROVÉRBIO
Água mole em pedra dura, tanto bate ate que fura.
3 – Seu Tatá tá?
- Não . Seu Tatá não tá.
Mas a mulher de seu Tatá tá
E quando seu Tatá não tá
E a mulher de seu Tatá
É a mesma coisa que seu Tatá tá. Tá?
- Tá
4 – Adivinha – o que é o que é?
Minha gente não se admire
De me abraçar com esse frade
Que a mãe de minha mãe
Era mãe da e do frade?
5 – Parlenda
Hoje é domingo
Pede cachimbo
O cachimbo é de barro
Que bate no jarro
O jarro é de ouro
Que bate no touro
O touro é valente
Que bate na gente
A gente é fraco
240
Cai no buraco
O buraco é fundo
Acabou-se o mundo.
6 – Cantiga de roda
Ciranda cirandinha
Vamos todos cirandar
Vamos dar a meia volta
Volta e meia vamos dar.
O anel que tu me deste
Era de vidro e se quebrou
O amor que tu me tinhas
Era pouco e se acabou.
TERCEIRA AULA – 25 DE OUTUBRO DE 2005
SABENDO UM POUCO MAIS DE POESIA
OBJETIVOS:
refletir sobre algumas características do poema;
definir e diferenciar algumas palavras do universo da poesia.
ATIVIDADE:
entregar uma folha com o poema, Tem tudo a ver, para leitura e discussão com os
alunos, com o objetivo de mostrar-lhes que poesia é uma brincadeira com palavras.
Questões de pré-leitura:
1 – O que vocês acham do título Tem tudo a ver?
2 – Alguém na sala já conhecia esse poeta?
3 – O que será que vamos encontrar no poema a partir desse título?
4 – O que chama atenção neste título?
241
Tem tudo a ver
A poesia
Tem tudo a ver
Com tua dor e alegrias,
Com as cores, as formas, os cheiros,
Os sabores e a música
Do mundo.
A poesia
Tem tudo a ver
Com o sorriso da criaa,
O dialogo dos namorados,
As lágrimas diante da morte,
Os olhos pedindo pão.
A poesia
Tem tudo a ver
Com a plumagem, o vôo e o canto,
A veloz acrobacia dos peixes,
As cores todas do arco-íris
O ritmo dos rios e cachoeiras,
A brilho da lua, do sol, das estrelas,
A explosão em verde, em flores e frutos.
A poesia
- é só abrir os olhos e ver –
Tem tudo a ver
Com tudo
( Elias José – Palavras de encantamento, São Paulo: Moderna, 2001)
Queses de pós-leitura
1 – Gostaram do poema?
2 – A leitura confirmou suas expectativas?
3 – Você gostou da poesia?
4 – O que você sentiu ao ler a poesia?
3 – Do que trata o poema?
242
QUARTA AULA – 10 DE NOVEMBRO DE 2005
ACORDAR PALAVRAS
OBJETIVO:
fazer com que os alunos conheçam o sentido aparente das palavras e os símbolos que
há por trás delas.
ATIVIDADE:
entregar uma folha com algumas palavras para que os alunos possam descobrir os
sentidos que cada palavra pode adquirir. Vejamos o modelo:
1 – As outras caras das palavras
Palavras sólidas ( emprego, verdade, razão, certeza, amizade, realidade ....)
Palavras líquidas ( água, fingimento,potico, lembraas, momento, mentira...)
Palavras frias (rancor, viuvez, desprezo, jamais, medo, esquecimento ...)
Palavras quentes ( carnaval, paixão, torcida, esperança, guerra, criança ...)
Palavras ferinas ( ódio, indireta, cinismo, gato, unhas, vampiro ....)
Palavras amáveis ( bom dia, mãos, olhar, conselho, oração, afago)
Palavras doidas ( etecétera, inflão, umbigo, fúria, pedrada, grilado...)
Palavras miseráveis ( esmola, fome, violência, mentira, inveja, delação...)
Palavras esnobes ( soçaite, arminho, marajá, iate, rainha, acadêmico...)
Palavras religiosas ( céu, mito, procissão, mãe, amor , bíblia ...)
Palavras coletivas ( igreja, praça, estrela, greve, graça, carnaval....)
Palavras pessoais ( segredo, diário, medo, cueca, gaveta, agenda...)
2 – As palavras e os cinco sentidos
Palavras auditivas ( sussurro, valsinha, ronco, grilo, acalante, fungado...)
Palavras visuais ( arco–íris, carta, cartaz, montanha, foto, circo...)
Palavras olfativas ( flores, mata, mexerica, poluição, cozinha ...)
Palavras gustativas ( beijo, bebida, hortelã, pé-de-moleque, licor, sorvete...)
243
Palavras táteis ( mãos, abraços, ternura, beliscão, frio, pisar ...)
3 – As palavras e as cores
Palavras azuis ( céu, encontro, amigo, beleza, sorriso, serenidade...)
Palavras brancas ( comunhão, véu, vôo, pureza, solidão, paz ....)
Palavras vermelhas ( samba, sangue, guerra, futebol, lábios, paixão...)
Palavras cinzentas ( pesadelos, indiferença, nunca, finados, inverno, poluição...)
Palavras amarelas ( girassol, luar, inteligência, poder, luz, sucesso ...)
Palavras verdes ( mar, mata, esperança, novo, brotação, vida ...)
Palavras multicoloridas ( arco-íris, jardim, lápis, festa, feriado, floricultura...)
QUINTA AULA –16 DE NOVEMBRO DE 2005
CONTINUAÇÃO DA SESSÃO ANTERIOR
SEXTA AULA – 23 DE NOVEMBRO DE 2005
BRINCANDO COM LETRAS, PALAVRAS E REPETIÇÕES
OBJETIVO:
sensibilizar os alunos a refletirem sobre suas características para criar um acróstico.
ATIVIDADE:
escrever na lousa as frases a seguir:
eu sou...............................................
eu gosto muito quando .....................
fico triste quando .............................
meus amigos dizem que ..................
fico desanimado(a) quando .............
minha maior qualidade é ..................
às vezes ..........................................
244
sonho com.......................................
Fazer um acróstico com o próprio nome (cada um escreve o próprio nome,
verticalmente, no papel.) e expor para o grupo.
Exemplo:
dedicação e afeto
imaginação
vida
amor
Agora fazer versos do acróstico. Rimas ou versos livres podem ser usados.
Acróstico – composão poética em que o conjunto das letras iniciais ( e por vezes
mediais ou finais) dos versos formam palavra ou frase. Poema com o nome de uma
pessoa disposto verticalmente.
Exemplo:
Pequena
Alegre
Um dia eu fui
Livre, leve
Agora eu sou.
SÉTIMA AULA – 29 DE NOVEMBRO
LEITURA DE POEMAS
OBJETIVO:
ler poemas com os alunos para que eles possam verificar a construção do sentido das
palavras e os símbolos que há por trás delas.
ATIVIDADE:
Entregar uma folha com os poemas Soneto da fidelidade e Soneto de separação, de
Vinícius de Morais, para uma discussão no grupo a partir de questões que promovam o
encontro do aluno com texto.
245
Questões para reflexão de pós-leitura dos poemas soneto de fidelidade e Soneto de
separação.
Questões de pré-leitura:
1 – A partir do título, vocês podem imaginar do que vai tratar o poema?
2 – O que significa fidelidade?
Soneto de fidelidade
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor [que tive]:
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
Queses de pós-leitura:
1 – Alguém na sala já conhecia esse poema?
2 – Gostaram do poema?
3 – De que trata o poema?
4 – Para construir o sentido de fidelidade, que palavras encontramos no texto?
5 – O que você sentiu ao ler o poema?
6 – A leitura confirmou suas expectativas?
Soneto de separação
1 – O que sugere o título, Soneto de separação?
2 – Alguém sabe o que significa separação?
246
Soneto de separação
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
(Vinícius de Morais. Antologia poética. 17 ed. São Paulo: Companhia das letras, 2001. p. 138)
1 – Qual a primeira impressão que se tem ao ler o poema?
2 – Como se organiza o poema?
3 – Como se organiza a rima?
4 – Por que a expressão “ de repente é repetida tantas vezes?
5 – Que sentido tem “espuma” na primeira estrofe?
6 – Que transformações ocorrem no poema, confrontando as situações de antes e
depois do “ de repente”
7 – Que imagem suscita a expressão “ das mãos espalmadas fez-se o espanto”?
8 – De que trata o poema?
247
OITAVA AULA – 07 de DEZEMBRO
O CORPO NA CONSTRUÇÃO DO SENTIDO
OBJETIVO:
desenvolver a percepção do ritmo a partir do movimento do corpo.
ATIVIDADE:
no primeiro momento, os alunos caminham no espaço disponível da sala na sala. Em
seguida, a cada toque o movimento seria modificado para lento, rápido, muito lento,
normal, lentíssimo. Nesse momento, eles devem perceber as sensões
proporcionadas pelos movimentos. No segundo, a pesquisadora leria trechos de
poemas e de acordo com a velocidade da leitura os movimentos seriam modificados.
Para finalizar, os alunos ao ouvirem um poema de Ronald Claver com características de
animais, se movimentariam imitando o animal lido.
O galo
O galo é a flauta do quintal.
O cavalo
O cavalo cavalga o sonho
O vento.
Sob seus cascos,
Planícies e planaltos
São nuvens de muitas
léguas e liberdades.
O camelo
O camelo,
248
Em seu isolamento,
Tem sede de deserto.
O pavão
O pavão
É um leque japonês
Bordado em arco íris
E caleidoscópio.
A serpente
A luxuriante e malabarista serpente
Serpenteia, esguia e sinuosa, diante
Dos olhos.
É um rio de métrica nervosa, redemoinhos,
Meandros e contornos.
Carretel de muitas linhas. Se enrosca.
Enrodilha. Arma o lance. Lança o bote.
Com pecado original na pele, o paraíso
Se esvai. Resta-lhe o arrastar no rastro
Do sol.
A onça
A onça está sempre pronta para a festa:
Bela,
Corpo pintado,
unhas afiadas,
bigodes elétricos.
É uma pantera.
Um gatão.
Ninguém veio buscá-la.
Ninguém abre-lhe a porta.
249
Impaciente, anda de lá para cá,
de cá para lá,
eternamente.
A girafa
A girafa, nas alturas, é alpinista
Sem montanha.
É um periscópio sob patas. Vê o mundo
De cabeça para baixo.
O Rinoceronte
O rinoceronte de bela feiúra
Carrega na cara a marca deste lugar:
O espinho.
NONA AULA 08 DE DEZEMBRO
A DIVERSIDADE NA SALA DE AULA
OBJETIVO:
desenvolver a percepção do ritmo a partir de um texto do repertório dos alunos. No
caso, o hip hop.
ATIVIDADE:
no primeiro momento, os alunos irão ler em silêncio. Em seguida eu leria conjuntamente
com os alunos para descobrirmos os significados das palavras presentes no texto.
Após a leitura, ouviremos o CD.
Discussão no grupo em torno da temática do texto. Estas questões foram o ponto de
partida para a discussão:
1 – Vocês gostam do hip hop?
2 – O que apresenta o hip hop que faz vocês gostarem dele?
250
3 – Vocês conhecem no Brasil algum cantor de hip hop?
À procura da batida perfeita
(Marcelo D2)
Eu vou no samba à procura da batida perfeita então corre / a batida é minha cheguei
primeiro / no ruim faz a fezinha que é tudo por dinheiro / solto na babilônia e lá procuro
a paz / perderam o manual e agora como faz? / João e Maria cheio de regalia / entrou
no conto do canalha que fazia e acontecia / agora é artista não se mistura com a plebe
/ domingo no Faustão terça na Hebe / iate em Botafogo apartamento em Ipanema /uma
vida de bacana se eu entrasse no esquema / mas eu busco na raiz e lá ta o que eu
sempre quis / não é um saco de dinheiro que me deixa feliz/ e sim a força do samba a
força do rap/ o MC que é partideiro o bumbo que vira scracth / e é meu som que mostra
muito bem quem eu sou /aonde eu cresci aonde ando aonde fico aonde vou / eu vou
no samba a procura da batida perfeita / o bicho ta pegando a chapa esquenta / o tempo
passa mas a evolução é lenta / mas não tenho pressa a velocidade é essa / não há
nada nesse mundo cumpadi que me estressa / porém / ah! porém / há um caso
diferente que envolve toda gente / não ser bucha de ninguém ficar do lado do bem /
atitude amor e respeito também / eu vou no samba é gente bamba / a diferença é clara
a gente fuma e eles fama / proteger a raiz pra que tenha bons frutos já diz o velho
ditado quem tá junto tá junto / e eu tô junto / e junto carrego meu orgulho / suburbano
convicto e sei meu lugar no mundo / há coisas que o dinheiro não paga ce sabe como é
/ tipo eu minha preta só no rolé.....
Vai vendo
D2/Mario Caldato
Verso à procura da batida perfeita / eu sei que pau que nasce torto se endireita / e eu
exemplo vivo continuo na luta / graças ao stephan, Lourdes e Luca / eu tô ligado na
parada e sem crocodilagem / safado é safado de humilde a malandragem / nem mané
galinha e nem zé pequeno / eu sô aquele que ce sabe o nome e vai vendo / Marcelo D2
boné ou cabelo black / não sei se o beck me fuma ou eu fumo o beck /md2 é a sigla
que vem no tag / não sei se sirvo o rap ou o rap é quem me serve / fruto do andara
criado na lapa / do seu Jorge a candeia de mos def a bambataa /declaro meu respeito
a todos os rimadores / partideiros repentistas e claro os versadores / porque quem
versa versa não fica de conversa / e sem tem pressa rima melhor porque se estressa / e
a minha é dessa saca só saca só / falei que eu vim com o pesadelo do pop / eu sei no
samba represento o hip hop / um bom partideiro só chora versando / vai da água para o
vinho e não fica se lamentando / à procura da batida eu continuo rimando / burn baby
burn eu continuo queimando / saca só todo mundo que não vou repetir / intelecto da rua
pronto para se divertir / e aproveito cada instante como ar que eu respiro / sagacidade e
sem precisar resolver no tiro / da central do Brasil à penn station / os mandamentos
que eu sigo são os da zulu nation / e mesmo que não deixem e ainda que se queixem /
as portas que se abrem cumpadi nunca mais fecham / no samba de raiz aonde eu me
inspiro e posso buscar minha rima e até mermo meu iaiá iaiá / não tem parada que não
pode então saca só cumpadi / falei que eu vim com o pesadelo do pop / eu sei no
251
samba represento o hip hop / não importa qual é a batida / a levada é que é pura
técnica / me diz qual a sua preferida / e come down selector / falei que vim com
pesadelo do pop / eu sei no samba represento o hip hop...
1 - Vocês gostaram do texto de Marcelo D2?
2- O que acharam do texto?
3- Por que gostam desse estilo de música?
DÉCIMA AULA – 14 DE DEZEMBRO
CAFÉ POÉTICO
OBJETIVO:
Confraternizar com a turma e avaliar a formação do leitor de poesia a partir das leituras
de poemas selecionados pelos próprios alunos.
ATIVIDADE:
em uma praça muito bonita localizada perto da escola de nome Deputado Patrício Neto,
os alunos leriam seus poemas e em seguida tomariam um café organizado para esse
momento.
DÉCIMA PRIMEIRA AULA – 15 DE DEZEMBRO
LENDO POEMAS
OBJETIVO:
ler poemas com alunos, fazendo-os compreender a construção do sentido a partir do
jogo de palavras.
ATIVIDADE:
entregar aos alunos uma folha com os poemas O todo sem a parte não é todo, de
Gregório de Matos e As sem razões do amor, de Carlos Drummond de Andrade. De
252
posse dos textos, os alunos farão uma leitura, agora sozinhos, para em seguida uma
discutir a compreensão do texto.
Questões de pré-leitura:
1 – Alguém já ouviu falar em Gregório de Matos?
2 – O que significa “todo”?
3 – O que significa “Parte”?
4 – Por que será que o poema se chama O todo sem a parte não é todo?
O todo sem a parte não é todo
(Gregório de Matos)
O todo sem a parte não é todo;
A parte sem o todo não é parte;
Mas se a parte o faz todo, sendo parte,
Não se diga que é parte, sendo todo.
Em todo sacramento está Deus todo,
E todo assiste inteiro em qualquer parte,
E feito em partes todo em toda parte,
Em qualquer parte sempre fica todo.
O braço de Jesus não seja parte,
Pois que feito Jesus em partes todo,
O todo fica estando em sua parte.
Não se sabendo parte deste todo,
Um braço, que lhe acharam, sendo parte,
Nos diz as partes todas deste todo.
Queses de pós-leitura
1 – O que vocês acharam do poema?
2 – Como o poeta organiza as palavras no texto?
3 – Essa organização chama atenção, por quê?
4 – a leitura confirmou suas expectativas?
As sem razões do amor
(Carlos Drummond de Andrade)
Atividade de pré-leitura
1 – O que chama atenção neste título?
253
2 – O que significa “sem”?
3 – A partir do título, alguém faz alguma do que o poema vai tratar?
As Sem-Razões do amor
Eu te amo porque te amo
Não precisa ser amante,
E nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
E com amor não se paga.
Amor é dado de graça,
É semeado ao vento,
Na cachoeira, no eclipse,
Amor foge a dicionários
E a regulamentos vários.
Eu te amo porque não amo
Bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
Porque amor é amor a nada,
Feliz e forte em si mesmo.
Amor é primo da morte,
E da morte vencedor,
Por mais que o matem(e matam)
A cada instante de amor.
Queses de pós-leitura
1 – O que vocês acharam do texto?
2 – Como o poeta organiza as palavras no texto?
3 – Essa organização chama atenção, por quê?
4 – A leitura confirmou suas expectativas?
5 – O que você sentiu ao ler a poesia?
254
DÉCIMA SEGUNDA AULA - 21 DE DEZEMBRO
O RAP NA SALA DE AULA
OBJETIVOS:
rever o conceito de poesia, explorando a estrutura formal do texto poético; aproximar o
rap e o poema pela temática; reconhecer a importância do rap como expreso atual
juvenil, e discutir o preconceito contra a cultura da periferia.
ATIVIDADE:
No primeiro momento, os alunos irão ler em silêncio o texto lado bom, de Ferrez e fazer
uma retrospectiva comparando com o texto de Marcelo D2. Em seguida, faremos uma
leitura do poema “versos íntimos de, Augusto dos Anjos para comparar a temática do
rap com a do poema.
LADO BOM – Ferrez
Questões de pré-leitura
1 – Vocês sabem o que é o Rap?
2 – Conhecem alguém no Brasil que faz Rap?
3 – O título chama ateão?
4 – Qual será a idéia do texto?
Lado bom (
Ferrez)
Periferia tem seu lado bom
Manos, vielas, e futebol no campão.
Meninas com bonecas e não com filhos
Planejando assim um futuro positivo
Sua paz e você que define
Longe do álcool, longe do crime.
A escola é o caminho do sucesso
Pro pobre honrar desde o começo
E dizer bem alto que somos a herança
De um país que o promoveu as mudanças
Sem atrasar ninguém rapaz
Fazendo sua vida se adiantar na paz
Jogando bolinha, jogando peão
255
Vi nos olhos da criaa a revolão
Que solta a pipa pensando em voar
Para não ver o barraco que era o seu lar
Periferia lado bom o que você me diz
Alguns motivos pra te deixar feliz
Longe do álcool, longe do crime.
Sua paz é você que define.
E nessa pipa no céu eu vi planar
A paz necessária para se avançar
Ânimo, positivismo em ação.
Hip-Hop cultura de rua e educação
Foi assim que criaram e assim que tem que ser
O mestre de cerimônia rimando pra você
Enquanto o DJ troca as bases
O grafiteiro pinta todo contraste
Da favela pro mundo
O caminho do rap pelo estudo
Por isso eu não me iludo
Roupa de marca não é meu escudo
Detentos já te disse no começo
E estudar do sucesso é o preço
Porque a fama não cabe num coração pequeno
Então positivismo pra vencer vai vendo
Periferia lado bom o que você me diz
alguns motivos pra te deixar feliz
Longe do álcool, longe do crime.
Sua paz é você quem define.
Questões de Pós-leitura
1 – O que você sentiu ao ler esse texto?
2 – A leitura confirmou suas expectativas?
3 – O que é lado bom?
256
VERSOS ÍNTIMOS
(Augusto dos Anjos)
Questões de pré-leitura
1 – O título Versos Íntimos chama atenção de vocês?
2 – Alguém na sala conhece ou ouviu falar em Augusto dos Anjos?
3 – O significa íntimo?
Versos Íntimos
(Augusto dos Anjos)
Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua quimera.
Somente a Ingratidão esta pantera
Foi tua companheira inseparável.
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena tua chaga,
Apedreja esta mão que afaga,
Escarra nessa boca que te beija.
Queses de pós-leitura
1 – Qual a primeira impressão que se tem ao ler o poema?
2 – Como se organiza o poema?
3 – O que chama atenção neste poema?
4 – Que imagem suscita a expressão “Escarra nessa boca que te beija”?.
4– De que trata o poema?
APLICAÇÃO DO QUESTIONÁRIO
Perguntas do questionário:
a) Como vos avaliam nossos encontros?
b) Se fôssemos continuar com o experimento, como gostariam de que as aulas
acontecessem?
257
ANEXO C
O DIÀRIO DE SALA DE AULA
OS PRIMEIROS ENCONTROS
Após ter selecionado a escola onde o experimento foi realizado, procurei a
professora que ministra a disciplina língua portuguesa e literatura. O primeiro encontro
aconteceu no dia 10 de maio de 2005. Ela se prontificou em ceder a turma para que
fosse possível realizar o estudo e me pediu para assistir ao experimento. A professora
se ressente de o ter tempo para reciclagem e como se sente longe do espaço
acadêmico, não tem oportunidade de ver as novidades, ou seja, não toma
conhecimento das novas formas de ensino. Marcamos uma entrevista para 17 de maio
de 2005. Essa entrevista teria um caráter exploratório.
Em seguida, fomos à sala conversar com a turma. Nosso encontro foi bom.
Apresentei o experimento aos alunos e eles se mostraram interessados. Ao perguntar-
lhes se gostariam de participar do experimento, aderiram imediatamente. Selamos
nosso acordo e marcamos para começar na semana seguinte. No dia seguinte, fui à
escola propor uma entrevista e pedir autorização para participar de umas aulas. A
intenção era observar o comportamento dos alunos e me familiarizar com a turma.
Perguntei se eles se incomodariam de conversar comigo e lhes falei que essa conversa
seria gravada. Eles concordaram prontamente. Marcamos a entrevista para a semana
seguinte. Quando cheguei à sala no dia marcado, 17 de maio, a professora estava
apresentando o poema José, de Carlos Drummond de Andrade. Ela pediu para os
alunos lerem o poema. Após a leitura silenciosa, ela apresentou uma versão
musicalizada por Paulo de Diniz. Os alunos ouviram a música e pegaram o roteiro de
perguntas para serem respondidas. Apesar de estarem com o roteiro nas mãos, eles
não pareceram muito interessados. Começaram a falar sobre outras coisas.
Começaram a mexer no equipamento de áudio, pois queriam ouvir outras músicas
porque aquela era “chata”. A professora insistiu no questionário que deveria ser
respondido, porque seria a base para a prova.
258
Após alguns minutos em que a professora, em vão, tentava trazer os alunos
para o texto, ela foi chamada à coordenação. Aproveitei a sua sda e peguei o poema.
Perguntei se eles queriam que eu lesse o poema para eles. Quiseram. Uma aluna pediu
para ler o poema. A turma concordou. Em seguida, eu também fiz leituras desse
poema. Li duas vezes. Numa leitura, utilizei um tom melancólico; na outra, um tom
irônico. Perguntei se eles tinham percebido alguma diferença na leitura. Responderam
que a segunda leitura era diferente da primeira e da música que tinham acabado de
ouvir. Na música e na primeira leitura havia um homem muito pobre, que não tinha
nada. Um aluno achou que era um mendigo. Na segunda leitura, utilizei um tom irônico
que eles perceberam que a entonação e a pontuação contribuem para a construção do
sentido. Conversamos mais sobre o poema, as formas que ele apresentava e sobre o
ritmo. Eles concluíram que o ritmo contribui para a constrão do sentido na poesia. A
professora retornou. Fizemos, então, um sorteio para ver quem iria participar das
entrevistas. Oito alunos foram selecionados. Outros reclamaram porque queriam
participar, mas como tinha planejado apenas um percentual, não foi possível atender a
todos.
As entrevistas estão em anexo.
Apesar de os primeiros encontros terem ocorrido no mês de maio de 2005, o
experimento só pôde se realizar em outubro. Uma greve de quarenta dias no início do
semestre atrapalhou o andamento das aulas, e a professora me pediu um tempo para
pôr em ordem suas aulas. Esse tempo foi aproveitado para organizar o experimento
enquanto esperava a autorização da professora para entrar na sala de aula. Após as
férias do semestre, pude, então, começar meus trabalhos em sala.
259
PRIMEIRA AULA
A primeira aula do experimento se realizou em 05 de outubro de 2005. Tinha
como título: Somos habitados por livros e amigos. A aula, como primeiro momento
meu com os alunos, tinha como objetivo ativar, não só o conhecimento prévio dos alunos
sobre suas leituras como também, suas lembranças para, em seguida, compartilhá-las
com os colegas.
A turma selecionada para o experimento é composta por 40 alunos que foram
conduzidos para a sala de vídeo, porque esse espaço é maior e dá mais possibilidade de
movimento. Entreguei aos alunos folhas coloridas em branco para que nelas fossem
colocadas suas memórias de leitura. Nessas memórias, deveria haver leituras de jornais,
de revistas, de livros, de literatura, música e, ainda, qualquer frase de livro, revista ou
pensamentos que tivessem tido algum significado para eles. Depois de escritas, as folhas
deveriam ser afixadas num quadro para que todos pudessem compartilhar as leituras.
Os alunos se envolveram na atividade com muito entusiasmo. Todos queriam
participar e conhecer as leituras dos colegas. A turma foi dividida em grupos de dois,
para que cada colega contasse, um ao outro, suas leituras para, em seguida, colocá-las
na folha em branco. Durante algum tempo, a turma se mobilizou nessa atividade. Houve
um entrosamento, mostrado pelo movimento na sala. Todos queriam saber o que cada
um tinha escrito. Em seguida, começaram a colocar no quadro, em forma de mural, os
textos que elaboraram.
Esse momento foi bastante enriquecedor para nós, pois observamos que, apesar
de alguns alunos dizerem que não são leitores (ver entrevistas em anexo), cada um tinha
uma lembrança e queria que o colega soubesse.
Diante do quadro onde estava exposto o mural de leituras, formou-se um grande
grupo para ler e admirar os textos ali apresentados. Muitos foram os comentários entre
eles. Estavam admirados pela quantidade de leituras feitas por uns e a escassez de
outros. Em forma de brincadeiras e comentários, a aula transcorreu em clima alegre e
descontraído, para a admiração da professora da sala que se encontrava presente. Ela
260
tinha pedido para participar das aulas como expectadora, pois, conforme afirmou, tem
interesse em aprender, com essa experiência, novas formas e métodos de ensino. Ela
deseja que seus alunos aprendam, despertem para o gosto da leitura e se tornem
leitores.
A professora se ressente com o fato de não ter com quem se sentar para discutir
formas e modos de ensino. Sente-se só e sabe o quanto é importante o encontro com
colegas para discussão e reflexão sobre suas práticas. Esse isolamento culmina no que
ela afirma: se fazemos algo diferente, se temos uma preocupação maior com os alunos,
os colegas nos vêem com olhos diferentes, e isso me magoa muito. Dá a impressão de
querermos aparecer, de sermos estrelas.
Os colegas, em vez de aplaudirem quem tem interesse em desenvolver um
trabalho melhor, ficam chateados e se tornam, algumas vezes, indiferentes a esse
professor. Há uma segregação daqueles que, conscientes de suas responsabilidades
para com seus alunos, se preocupam em desempenhar suas funções com mais
proficiência.
Para alguns professores, o salário que se paga e as péssimas condições de
trabalho são aspectos que desestimulam qualquer um a pensar num trabalho mais
elaborado; seguem, na maioria das vezes, apenas o livro didático. Além desses
aspectos, alguns dos alunos vêm para a escola desestimulados, apenas para cumprir
obrigações. A impressão que se tem é que eles não vêem objetivos na escola. Esta, por
sua vez, também não se preocupa em apresentar sua importância na vida do indivíduo,
tanto na sua formação profissional e na sua cidadania, quanto nas suas relações
pessoais. Afinal vivemos em sociedade, e a sociedade requer indivíduos que saibam ser,
que saibam fazer, que saibam a conviver com os outros e, acima de tudo, que saibam
aprender.
261
SEGUNDA AULA
A segunda aula de título, Reconhecendo a poesia, aconteceu em 19 de
outubro de 2005. Tinha como objetivos refletir com os alunos sobre o conhecimento
prévio que eles possuem de poesia e buscar, na tradição oral de nosso povo
quadrinhas, provérbios, trava-línguas, trovas, adivinha, cantigas de roda e parlendas,
para possibilitar o reconhecimento da poesia em suas diversas formas de expressões
no cotidiano.
A turma foi deslocada para a sala de informática porque os alunos preferem um
lugar que consideram mais aprazível. Na aula anterior, tinham pedido para ir à sala de
vídeo, mas hoje, especificamente, a sala não pode ser utilizada por nós, pois um outro
professor a utilizaria. Então, a nossa reserva foi substituída pela sala de informática.
Esse fato causou desgosto para a professora Sandra que se sentiu preterida. Disse que
a escola não a respeitava. Essa sala não foi uma boa opção. Lá estão os
computadores, máquinas que atiçam o interesse dos alunos. Todos queriam abrir os
computadores para ver as novidades, ver os recados no Orkut, ver os e-mails etc. Não
houve adesão imediata por parte deles; fez-se necessário chamar-lhes a atenção para
o contrato que tínhamos feito. Eles compreenderam e começaram a participar.
Passaram-se uns dez minutos para que pudéssemos atrair a atenção deles.
Entregue o material selecionado para a discussão de hoje, os alunos se engajaram e
começaram a se envolver no processo. Alguns não demonstraram interesse no início,
mas, ao longo das conversas, começaram a trazer as informações que queríamos com
objetivo dessa aula.
O primeiro texto era uma quadrinha, que despertou a atenção por
considerarem um texto antigo. Muitos já o conheciam. Riram e fizeram graça dos textos.
Perguntei onde eles tinham visto ou ouvido o texto. Alguns alunos responderam que na
escola e em conversas e brincadeiras com colegas. Outros tinham-no recebido como
mensagem pelo celular. Outros tinham visto nos livros ou nos cadernos das colegas.
O segundo texto é um provérbio. Nesse momento, todos os alunos se
mostraram conhecedores. Vários provérbios foram apresentados, entre eles: “Quem
262
não tem cão, caça com gato”. A aluna que pronunciou o texto mostrou qual a intenção
dessa escritura, explicando para os colegas o sentido do texto. Outros provérbios foram
citados, tais como: Quem tem pressa come cru, Quem espera sempre alcança, Quem
cala consente. Um aluno, muito brincalhão disse um bíblico, O Senhor é meu pastor,
nada me faltará, pois, segundo ele, só conhece os que estão na Bíblia.
O terceiro texto foi um trava-línguas. Houve um envolvimento e os alunos
falaram em coro o apresentado porque acharam engraçadas as distorções cometidas
com as letras (consoantes) que se repetem no texto e que provocam erro. Em seguida,
um aluno declamou em voz alta, outros trava-línguas que ele conhecia. Eles pediram
para lerem juntos e em diálogo o trava- línguas, trazido para a sala. Para eles foi uma
festa, nem todo mundo conseguia falar corretamente as palavras escritas e isso
provocou uma euforia geral.
O quarto texto a ser apresentado foi uma adivinhação. Esse momento também
foi de euforia, todos queriam saber a resposta. As adivinhações são interessantes
porque elas fazem parte de um jogo. Descobrir o que se esconde através do jogo de
palavras e das pistas que o texto propicia. É querer saber o não sabido, conhecer o
desconhecido. Após descobrir a adivinhação proposta, todos tinham uma adivinhação
para apresentar e queriam que os colegas descobrissem as charadas por eles
propostas.
O quinto texto foi uma parlenda. Todos conheciam a apresentada, leram com
entusiasmo, começaram a se movimentar na sala, fazer gestos para os colegas.
Perguntei se algum deles conhecia alguma para nos falar, mas não se lembravam de
outras que pudessem relatar.
A cantiga de roda, o sexto texto, provocou uma alegria geral na turma. Todos
cantaram em uníssono a cantiga apresentada. Lembraram da infância com brincadeiras
de rua, da escola onde dançavam e cantavam. O mais surpreendente é que os meninos
cantaram e queriam dançar na sala. Eram os mais eufóricos. Cantaram, não só a que
foi levada para sala, mas também outras de seus repertórios. Foi um reboliço na sala.
Até que um aluno falou, quem gosta dessas cantigaso as meninas que têm o
coração mole.
263
A expressão “coração mole” gerou uma discussão em sala. Qual o sentido
dessa expressão. Muitos foram os significados apresentados. João: Coração mole é de
alguém que chora muito. Carlos: Das meninas que estão apaixonadas. Sandra: Alguém
que é bom. Fizeram então uma comparação com “coração duro”, como aquele que
guarda rancor e sofre muito. Surgiu outro significado, “fechado”. João: Quem tem
coração duro é fechado. Perguntamos se “coração duro” é a mesma coisa que “coração
fechado”. Nesse momento, eles pensaram e chegaram à conclusão de que “coração
duro” é alguém mau, e é uma coisa duradoura, enquanto que “coração fechado” é
passageiro. Marcos: É quando se sente triste, por exemplo, quando se perde alguém
por morte, disse um outro. Um aluno disse que tinha ficado com o coração fechado
quando o avô morreu. Falamos então desse coração fechado, que ocorre sempre que
se perde alguém por morte ou por que foi embora da cidade. Uma aluna disse que seu
coração fechou quando teve de vir embora para Natal e deixou seus amigos no Rio de
Janeiro. Outra falou que, quando acabou o namoro, ficou um tempão com o coração
fechado. Durante a discussão surgiu um novo sentido para o coração mole, ou seja,
essa é uma característica de quem está apaixonado.
Perguntei por que quem está apaixonado fica com o coração mole. Eles
responderam: porque ficamos com cara de bobos. Perguntamos como é ficar com cara
de bobo. Eles disseram que ficar com cara de bobo, é para alguns, ficar viajando,
sonhando acordado. A discussão continuou em torno dos apaixonados. As meninas
disseram que ficam viajando, pensando no amor; por isso, uma delas disse que amarra
o pé na cadeira para que, quando começar a sair da sala, o cordão puxe trazendo-a de
volta para a realidade. Falaram de namoro, de amor, de despedida. Muito empolgados,
falaram das “bobagens” de amor. Sugeri que eles pesquisassem em casa, com os pais
ou com amigos, alguns desses textos que lemos na sala.
Os alunos tinham pedido para que antes de terminarmos a aula, eles
pudessem entrar nos computadores. Concedido esse tempo, fiquei observando o que
queriam ver na Internet. O que surpreendeu foi que a maioria entrou no site de busca,
Google. Um aluno considerado problemático, que não participa das aulas, atrapalha os
que querem fazer alguma coisa, não tem interesse em nada e está sempre chamando
atenção sobre si, foi o primeiro a buscar o computador. Prestando atenção nele, percebi
264
que estava na página da Internet, olhando as notícias do dia nos sites de jornais. Fiquei
algum tempo observando esse garoto. Durante o tempo em que permaneceu no
computador, ficou olhando as notícias dos jornais. Outros se envolveram na busca de
músicas de rock, entraram no Orkut para ver os recados e bisbilhotar a vida dos outros.
Algumas meninas entraram em sites que mostrava poemas de amor com imagens
repletas de corações.
Depois do tumulto inicial, a aula se desenvolveu tranqüila e cheguei à
conclusão de que os alunos gostam de ler mais do que imaginamos ou eles mesmos
imaginam, ou assumem. Posso inferir, então, que a leitura não está tão distante deles.
Eles lêem o que é interessante e faz sentido para eles no momento da leitura e
desconsideram o que a escola acredita ser o melhor para formação de leitor.
265
TERCEIRA AULA
A terceira aula de título, Sabendo um pouco mais de poesia, realizou-se em
26 de outubro de 2005. Tinha como objetivo refletir sobre algumas características da
poesia e do poema; Definir e diferenciar algumas palavras do universo da poesia. Foi
entregue aos alunos uma folha com um poema de Elias José, Tem tudo a ver, para
leitura e discussão para suscitar no grupo questões a respeito de poesia.
O início da aula se deu com uma retrospectiva da sessão anterior. Um aluno
trouxe para sala uma pequena pesquisa que tinha feito em casa sobre adivinhações e
queria apresentar para os colegas. Ele leu em voz alta suas adivinhações e propôs
algumas charadas para os colegas. No clima de descobertas, a turma se envolveu e
tivemos a participação de todos.
Após esse primeiro contato de leitura de hoje, apresentei o poema selecionado
para o dia, e, eles viram que teriam que ler, começaram a dizer: não gosto de ler!
Outro, Leitura de novo!, com a fisionomia de enfado. Começou um tumulto na sala.
Todos falavam ao mesmo tempo,o davam oportunidade a ninguém de falar.o
estavam dando importância ao que se passava na sala. A professora se irritou e exigiu
silêncio. Conversei com eles sobre a importância do trabalho e que era preciso ler
aquele poema. Entreguei o texto para eles. Pedi que fizessem uma leitura silenciosa.
Eles me pediram para ler em voz alta. Li o texto e eles acompanharam.
Em seguida, começamos a discutir sobre o universo da poesia. Perguntei como
eles identificam um poema. Um aluno respondeu: Pela apresentação no papel. O
poema é escrito em linhas verticais, uma abaixo da outra. Uma aluna falou: Poemas
têm rima.
Esse momento foi aproveitado para que pudéssemos discutir um pouco sobre a
composição do poema, para explicar como ele é organizado no papel e as formas com
as quais o poeta se utiliza para elaborar o texto. Diferenciar poema de poesia. A partir
dessas falas dos alunos, fiz perguntas para fazê-los pensar, trocar idéias, buscarem
informações novas. As perguntas foram: Toda poesia tem rima? Alguns disseram que
não, que há versos que não possuem. Toda poesia tem ritmo? Não, responderam. À
266
essas respostas, chegamos a conclusão de que há poesias com rimas e há, ainda,
aquelas cujos os versos são chamados de livres porque não possuem rimas.
Concluímos também que apesar de não possuírem rimas, há nessas poesias a
presença do ritmo. Falamos do ritmo como construtor do sentido que o poema traz.
Ao se falar em ritmo, um aluno chamou atenção para o funk e o rap. Dizendo:
ritmo bom é o do rap, do funk. Perguntei por que o ritmo desse estilo de música é bom.
Eles disseram: Porque mexe com a gente, dá logo vontade de dançar. Alguns
começaram a mostrar os movimentos que esse ritmo provoca, insinuando-se na sala.
Perguntei se a turma gostava desse ritmo. A maioria disse que sim. Alguns fizeram
caras de repugnância. A resposta afirmativa, de certa forma, foi de encontro às
respostas dadas pelos alunos entrevistados. Esses alunos disseram que a turma,
quase que de forma geral, gostava do rock pop. Hoje descobri que eles também gostam
do funk, do rap, do hip hop, e do rock.
Perguntei o que tinha no hip hop e no funk que faziam esses estilos
interessantes. O ritmo é legal, dá para dançar e cantar, e também fala da periferia, das
coisas que acontecem lá, foi a resposta da maioria. A partir dessas falas, percebi que
esse estilo interessa mais aos meninos porque foram os mais entusiasmados nas
respostas. Queriam logo ouvir um funk. Algumas meninas mostraram franco desagrado.
Bastava olhar para as expressões faciais de nojo e recusa. Após algumas conversas,
retornamos ao texto.
Apresentei o poema Tem tudo a ver, selecionado para essa aula. Pedimos
atenção deles, visto que a confusão na sala novamente começava a se generalizar.
Disse a eles que a leitura precisa também de um momento de quietude. A princípio não
quiseram, mas, depois de algum tempo, fizeram silêncio e começaram a ler o poema.
Pedi que lessem novamente, e enquanto liam silenciosamente, fiquei observando suas
reações. Alguns leram com atenção; outros nem olharam para o papel; outros apenas
leram rapidamente, passaram a vista sobre o poema. Alguns estavam com a cabeça
sobre os livros. Um dormia sobre o texto. Esse momento mostrou o quanto é difícil
manter os alunos atentos quando a atividade requer concentração. Alguns se
movimentam pela sala, mexendo com os outros tirando a atenção. Comecei a ficar
angustiada. Achei que o trabalho não estava evoluindo. Chamei a atenção deles mais
267
uma vez. Pedi que lessem o poema silenciosamente. Nesse momento, eles atenderam
ao meu pedido e começaram a ler.
Após a leitura silenciosa feita pelos alunos, li novamente o poema em voz alta
e fui acompanhada por eles. Em seguida, eles contaram os versos e as estrofes.
Começamos a discutir a primeira estrofe e a professora da sala resolveu intervir falando
de um texto que gosta muito. É uma música de Alceu Valença. Morena tropicana.
Coloquei no quadro, alguns versos que a professora citou como: Tua pele macia, é
carne de caju / saliva doce, doce, mel de uruçu / beijo travoso de umbu cajá. Nesse
momento, comecei a mostrar como o autor vai organizando as palavras para apresentar
o sentido que ele quer construir. Falamos que poesia é para ser sentida. Perguntamos
quais os sentidos que possuímos. Os alunos responderam os cinco sentidos, o olfato, a
visão, o paladar, o tato e a audição. Perguntei como se percebia no poema os sentidos
que eles tinham mostrado. Eles foram respondendo a partir das palavras que eles viam,
comparando pele macia com caju, caju é macio, falamos do tato. Doce com mel de
uruçu, paladar, travoso com cajá. Cajá é amargo, travoso. O beijo travoso foi
comparado ao desentupidor de pia, que pega e não quer soltar, porque trava.
Dessa forma, fomos juntos construindo o sentido do trecho citado. Voltamos ao
texto proposto. A leitura feita por alguns alunos mostrou-se bastante frutífera. Eles
compreenderam a construção do sentido criado pelo texto. Perceberam também que
tudo que existe ao nosso redor é matéria de poesia. Que a poesia pode estar em
qualquer lugar, em qualquer coisa, até nas pessoas. Que a linguagem poética é
sugestiva, porque não diz diretamente, mas sugere na ampla possibilidade de
significações que as palavras suscitam.
Para finalizar, fizemos apenas a leitura de um poema bastante conhecido por
eles, Soneto de fidelidade, de Vinicius de Morais.
Apesar de alguns alunos terem se mostrado interessados, uma outra parte não
se manifestou. É difícil, pois, mantê-los atentos e participativos. Conversam muito entre
si. Brincam. Soltam piadinhas na sala. Dizem coisas contrárias para provocar risos.
Desdenham, como se o que estão fazendo não tivesse importância. Esses alunos
fazem de tudo para chamar atenção, desviando o ritmo da sala. Esse aspecto deixou-
me bastante triste, e ás vezes, desestimulada. Mais uma vez, a intervenção da
268
professora ao perceber que eles não estavam dando importância ao trabalho que
estava sendo desenvolvido.
Entretanto, algo nos chamou atenção no encontro de hoje. Alguns alunos que
se mostravam até então arredios e não se envolviam no movimento da sala, hoje
começaram a mostrar-se. Participaram com atenção no momento dos questionamentos
com respostas ricas e interessantes.
Houve um pedido da turma. Fazer um trabalho diferente. Ir para outro lugar.
Sugeriram a ida a uma praça próxima do colégio para fazer uma atividade diferente.
Percebi, então, que eles estão o tempo todo querendo fazer algo diferente e novo.
Mudar o ritual da sala de aula. Sair da rotina. Esse aspecto é bastante relevante para
questionarmos o que existe na escola que não atrai os alunos. Por que essa
necessidade de sair da sala o tempo todo?
269
QUARTA AULA
A quarta aula de título, Acordar palavras, aconteceu em 10 de novembro de
2005. Tinha como objetivo fazer com que os alunos conhecessem o sentido aparente
das palavras e a simbologia que há por trás delas. Entregamos uma folha com algumas
palavras para que os alunos pudessem completar com seus conhecimentos, os
sentidos das palavras solicitadas para descobrir os sentidos que cada uma delas
possui. Dividi a turma em grupos de dois e eles puderam conversar entre si, discutirem
que palavras poderiam se associadas para a construção do sentido. Em seguida,
seriam apresentados os sentidos que conheciam para cada palavra solicitada.
Determinei um tempo para que eles pudessem conversar e anotar as palavras
de seus repertórios. Passado o tempo, comecei os questionamentos, e eles
prontamente responderam ao que pedi. Observei que quando levo um texto em que os
alunos participam de forma de construção própria, o envolvimento se dá de forma
efetiva. A turma silenciou e comou a trabalhar. Ás vezes, alguns solicitavam minha
presença em uma ou outra palavra que não fazia parte de seus repertórios. Isso
demonstra que os alunos só participam de atividades em que eles sejam protagonistas.
Comecei a perguntar o sentido e a turma prontamente se envolveu. Muitos queriam
participar falando suas descobertas. Cada um queria mostrar que tinha feito a atividade.
A participação foi geral. Um aluno sugeriu mais uma vez que fizéssemos algo diferente.
Sugeriram sair da escola para um passeio. Todos se mostraram entusiasmado.
Após algum tempo, a sessão foi interrompida pela presença da supervisora da
escola que entrou na sala, querendo falar sobre um distúrbio ocorrido um pouco antes
de começarmos a aula. Chateados com a intromissão, os alunos começaram a
dispersar-se. O horário se esgotou e eles tiveram que sair da sala. Deixamos o tema
aberto para continuarmos na próxima aula.
270
QUINTA AULA
No dia 16 de novembro dei continuidade à discussão anterior, interrompida
pela presea da supervisora. A turma, diferentemente, da aula anterior não se mostrou
interessada. A ausência da professora muito contribuiu para a desarmonia que se
instaurou na sala. Ao chegar à sala, encontrei no quadro pequenos textos, que algumas
meninas tinham ali registrado. É comum, toda quarta-feira encontrar esses registros.
Parece–me uma forma de dizer: Eu gosto de poesia, não a que encontro nos livros,
mas a que se faz presente no meu dia-a-dia, a que eu vivencio. Aquele texto que é
compreensível para mim. Vejamos alguns exemplos desses textos: seu olhar é como
uma chuva de estrelas caindo sobre mim. Todos os homens se enganam, mas os
grandes homens reconhecem que se enganaram.
Hoje, além desses textos, estavam registradas algumas comparações entre as
personalidades de algumas meninas, como por exemplo: Taíze 100%, engraçada.
Milena 100%, irreverente. Fernanda 100%, ajuizada. Aproveitei esses textos para
chamar atenção para a sessão anterior em que refletíamos sobre a construção do
sentido a partir das palavras.
Infelizmente, a aula de hoje o foi tão proveitosa, o que me deixou
angustiada. Os alunos estavam inquietos. Não queriam participar. Responderam as
questões mecanicamente. Conclui a aula e em seguida, organizamos os grupos para
uma pesquisa que eles farão para a apresentação no encontro que ocorrerá fora da
escola. Chamamos esse encontro de “café poético”. Ficou combinado que ele ocorreria
no mês de dezembro. A proposta era fazer leitura de poesias selecionadas pelos alunos
que seriam lidas ou declamadas. Eles escolheriam.
Hoje, tivemos a presença de um novato na sala. Veio transferido de uma
escola privada, CDF. Esse aluno criou um clima de terror na sala. A professorao se
conforma que sua sala se transforme num lugar de “despejo”. Sempre que possível, ela
lamenta a presença dele, afirmando que a sala se transformou com chegada desse
aluno. Ela diz isso em voz alta, para delírio da turma e do próprio aluno, que vê nessa
atitude uma forma de jogar com a professora. Ele passa quase que todo o tempo
271
chamando atenção para a bagunça que pretende instaurar. Aproveitando dessa força
que possui, esse aluno está sempre brincando, mexendo com os colegas. Um tipo de
aluno que não tem o menor interesse no que esta acontecendo ao seu redor. Está
levando a professora na brincadeira. Ela se ressente com isso. É como se ele estivesse
quebrando a autoridade que ela tinha imposto para a turma.
Nessa aula, os alunos decidiram que o “café poético” seria realizado numa
praça próxima da escola. Após o encontro, o aluno, considerado problemático, foi
comigo para fazermos reconhecimento da praça onde faríamos nosso café. Ele mesmo
se ofereceu dizendo que eu iria adorar o lugar. Cheio de árvores e bem limpo. Durante
o trajeto começamos a conversar. Ele me fez várias perguntas, entre elas se eu tinha
filhos. Disse-lhe que tinha uma filha. Ele me perguntou o que ela fazia. Respondi, o
curso de Farmácia. Ele me perguntou se era na Universidade Federal. Eu disse que
sim. Perguntei o que ele achava da escola. Ele disse que a escola é um meio de
conseguir um emprego no futuro, mas que nada do que aprende lá parece ter sentido.
Por isso, ele es fazendo um curso de computação fora da escola. Este sim, vai mudar
minha vida. Ele começou a falar de si. Disse que também queria fazer faculdade e que
já estava fazendo um curso de computação porque queria conseguir um emprego
melhor. Perguntou-me o que achava sobre o que ele estava me dizendo, e perguntou
ainda se eu o achava diferente dos outros. Eu disse que não. Disse que ele era apenas
um adolescente e que tinha muita coisa boa pela frente. Confesso que fiquei surpresa
com a pergunta, e momentaneamente não soube o que responder. Acredito que ele já
percebeu que a professora fala muito nele quando estou na sala. O tempo todo o
apresenta como problemático e se irrita muito com ele. Reclama o tempo todo porque
ele faz tudo para perturbar a aula. Perguntei a ele o que estava achando dos encontros.
Ele disse que bom, porque que era diferente da professora. Eu ouvia o que eles diziam.
Dava atenção a eles.
272
SEXTA AULA
A aula de hoje, Brincando com letras, palavras e repetições, transcorreu
num clima bastante envolvente. Essa aula, realizada em 23 de novembro tinha como
objetivo sensibilizar os alunos, procurando fazê-los pensar e refletir sobre suas
características e também conhecer um pouco de cada colega, já que a brincadeira
funcionava como apresentação.
Começamos com uma retrospectiva das aulas anteriores ao descobrir e dar
vida às palavras. Mais uma vez houve a ausência da professora. Todos os alunos se
encontravam no pátio brincando. Ao tomarem conhecimento da minha presença
retornaram a sala. Como já observei nas aulas anteriores, os alunos já ficam me
esperando as quartas feiras. A turma estava completa, uma coisa rara. Percebo uma
ausência muito grande na sala.
Mas hoje, comecei a ficar feliz porque estou percebendo que eles estão
começando a demonstrar, mesmo que lentamente, interesse pelo propósito da minha
presença em sala de aula. Disse que a aula de hoje seria diferente, pois iríamos
descobrir palavras que falem de nós mesmos. No quadro escrevi um texto em que seria
necessário se completar com palavras que falassem de cada um (acróstico). Os alunos
prontamente se envolveram porque já conheciam essa brincadeira. Em seguida, cada
um deveria se apresentar a partir das informações que eles deram. No início alguns não
quiseram, ficaram intimidados, muitos estavam chegando de outras. Após alguns
minutos, quiseram participar. O que me chamou atenção foi o aluno que é conhecido
como problemático e que sempre faz bagunça. A professora sempre se dirige a ele
falando dos problemas que causa. Ela afirma que esse aluno tem problemas mentais e
que toma remédios controlados. Hoje, dei a ele a oportunidade de se expressar. Insisti
em conhecê-lo e ajudando-o a completar seu acróstico. A partir de então, ele foi se
envolvendo e começou a se descobrir, foi se desinibindo e falando de si. Os colegas
começaram a rir, e ele não gostou. Parecia querer dizer: Eu não sou desse jeito que
vocês imaginam. Com minha insistência, não se intimidou e participou ativamente. O
273
mais surpreendente, ainda, foi que ele também queria ouvir determinados colegas e me
pedia com insistência para chamar alguém que ele gostaria de conhecer (uma menina).
Ele queria saber dela. Passou então a ouvir com atenção e a exigir a atenção dos
outros. Um outro aluno (participante da entrevista Marcos) que nas aulas anteriores
estava sempre desdenhando e que vive afirmando que não gosta de ler sempre que o
assunto requer leitura, dizendo bem alto: Hoje tem leitura de novo! hoje participou
ativamente. Deu opiniões, leu em voz alta. Foi um momento de alegria geral. Inclusive
com platéia e pedidos de apresentação. Todos queriam saber como era cada um.
Deixei a turma à vontade, só se apresentou quem quis. Ao dar a eles a liberdade de
participar, percebi que a maioria prontamente deu asas a imaginação e se deixou levar
pelo encantamento que o texto suscita.
Esse momento mostrou para os alunos que a poesia também faz parte desse
conjunto de coisas alegres e cheias de vida, em que todos podem participar e
expressar seus sentimentos e emoções. Todos deram suas contribuições. Os mais
midos e reservados perguntaram se iamos ficar indo todas as quartas feiras, pois as
aulas estavam ótimas. Disse-lhes que até o mês de dezembro, sim, e que estava muito
agradecida por eles estarem contribuindo com meu trabalho.
Depois, todos queriam que eu também me apresentasse daquela maneira.
Assim foi feito. Eles adoraram quando eu lhes disse o que eu mais gosto é quando eles
participam ativamente do trabalho e que fico triste quando eles não se mostram
interessados. Isso foi dito com uma expressão de tristeza. Disse também que gostava
de estar com eles e o que o trabalho estava sendo maravilhoso pela contribuição que
eles estavam dando. A empolgação foi geral, com aplauso e assobios.
Com a turma em estado de euforia, desenvolvi a aula de hoje. Por fim, falamos
no acróstico e a informação que tive é que já fazem com freqüência. Com as letras do
nome começaram a escrever. Entretanto, a construção que queríamos fazer a partir das
palavras que eles organizaram com seus nomes ficou para depois, pois terminou o
horário. Quando o tema é envolvente, eles não têm pressa e o tempo passa
rapidamente. Estão empolgados em organizar o café poético. Alguns já selecionaram
os poemas que vão apresentar.
274
Venho observando que um aluno que estamos chamando de Marcos, sempre
demora para entrar na sala e se sentar. Primeiro chega à porta, fica parado por um
longo tempo. Depois, ele entra, mas antes de se sentar, sai de carteira em carteira,
mexe com um, mexe com outro. Derruba o caderno de um, faz piadinha com outro. Faz
movimentos para chamar atenção da professora. Hoje, resolvi contar os minutos que
ele gasta para ir da porta a sua carteira. Ele gastou, aproximadamente, 4 minutos.
Parece que sua intenção é a de criar um clima de confusão na sala. Os colegas já se
preparam para suas investidas, protegendo a si e ao material.
275
SÉTIMA AULA
A aula de hoje, 29 de novembro de título Lendo poemas, tinha como objetivo
ler poemas com os alunos para verificar a construção do sentido das palavras e os
símbolos que há nelas. Levamos para sala de aula uma folha contendo os poemas
Soneto de fidelidade e Soneto de separação, de Vinícius de Morais.
Discutimos primeiramente o soneto de fidelidade. Comecei a leitura
perguntando aos alunos sobre o título e sobre o poeta. Perguntei: O que é fidelidade?
As respostas foram colocadas no quadro para que depois observássemos se os
conceitos compreenderiam o sentido que o texto propõe. A maioria compreende
fidelidade como alguém ser fiel a alguém. Começaram com uma leitura silenciosa. Logo
após, fizemos uma leitura oral. Todos se envolveram na leitura. Em seguida, comecei a
fazer os questionamentos do tipo: no poema as palavras são colocadas para construir
um sentido. Para construir o sentido de fidelidade que palavras encontramos no texto?
Prontamente eles responderam – atento, zelo, encanto, vivê-lo. Leram o poema mais
uma vez. Pediram que eu lesse porque quando eu lia, eles entendiam melhor. Percebi
que essa nova leitura deixou-os mais atentos. Depois desses comentários, pediram
para ler o outro soneto da separação. Foram logo dizendo: Esse fala de separação.
Concordamos. Fizeram mais uma vez uma leitura silenciosa e seguida, oral. Pediram
mais uma vez que eu lesse para eles. Perguntei: Para falar de separação que palavras
encontramos? Eles prontamente perceberam as antíteses que se organizam para
construir o sentido. Ficaram encantados e todos queriam falar ao mesmo tempo.
Falaram do riso que se fez pranto – calma com vento – próximo com distante – bocas
unidas e espuma – sozinho e contente.
Após a leitura, falamos sobre como se estrutura o poema, ou seja como ele se
organiza. Falamos das rimas que contribuem para o ritmo do poema e ainda, das
sensações despertadas pelas palavras. Falamos também da forma soneto. Eles já
conheciam porque estavam estudando o Barroco.
Há um outro problema na escola: o ruído. Hoje, estava demais. Ao lado da
janela da sala há um espaço livre que os alunos transformaram em campo de futebol.
276
Como as janelas são enormes, os que estão na sala vêem os que estão brincando. Isto
me lembrou “O conto de escola”, de Machado de Assis. Nesse conto o alun se ressentia
por estar na escola, em vez de estar brincando com colegas na rua. Os alunos que
estão fora da sala percebem um movimento diferente e ficam o tempo todo, abrindo e
fechando janelas, espreitando a sala. Gritam, fazem brincadeiras para atrair a atenção
dos alunos. Fica difícil desenvolver um trabalho na sala. Esse momento lembra a
pesquisa desenvolvida pela professora Marly Amarilha sobre a paisagem sonora. Essa
pesquisa demonstrou o quanto o barulho atrapalha o desenvolvimento da aula, e
conseqüentemente, a aprendizagem se perde em meio a tantos sons diferentes.
277
OITAVA AULA
A aula oitava aula, de título O corpo na construção do sentido, realizada em
07 de dezembro tinha como objetivo desenvolver a percepção do ritmo a partir do
movimento do corpo. A atividade desenvolvida no primeiro momento, os alunos
caminham no espaço disponível da sala na sala. Em seguida, a cada toque o
movimento seria modificado para lento, rápido, muito lento, normal, lentíssimo. Os
alunos deveriam perceber as sensações proporcionadas pelos movimentos para
compreender o ritmo. No segundo, eu leria trechos de poemas e de acordo com a
velocidade da leitura os movimentos seriam modificados. Após a primeira atividade,
pedi para que eles, ainda em movimento, tentassem mostrar através das sensações
que sentiam ao ouvir os trechos dos poemas que apresentavam animais o ritmo e a
possibilidade de ilustrá-los com linguagem corporal, mostrando as características mais
determinantes desses animais através do movimento e postura por eles apresentados.
A aula, que deveria ter sido bem desenvolvida, não ocorreu conforme
planejada. O fato de colocá-los em movimento não foi bem aceito. Os alunos não se
sentiram confortáveis com o fato de terem de se apresentar. Parece-nos que têm medo
de serem vistos. Ao serem solicitados, alguns resolveram participar. Mesmo assim,
mostraram-se tímidos. Um ou dois soltaram-se e começaram a participar, assumindo as
posturas que lhes eram solicitadas. A maioria ficou sentada, vendo os que tiveram,
segundo eles, coragem de se apresentar.
Ao serem lidos em voz alta, por mim, os poemas de Ronald Claver, os alunos
deveriam através da linguagem do corpo mostrar o movimento dos animais
reconhecidos, percebidos. Lemos A girafa, O rinoceronte. A serpente, essa chamou
mais atenção e até os alunos que estavam sentados se movimentaram. Acredito que o
fato de ser algo insinuante contribuiu para o interesse da turma. Muitos se contorceram
e se insinuaram para delírio dos outros. A onça e O pavão também chamaram atenção.
A leitura de O cavalo gerou grandes trotadas. O camelo e O galo não despertaram
278
interesse. Acredito que isso se deve ao fato de esses animais não fazerem parte do
repertório dos alunos.
Após esse momento, discutimos a respeito do ritmo que cada poema/poesia
possui. Na hora da saída, a professora da turma me segredou que essas
apresentações eram muito infantis e os alunos queriam coisas mais profundas. Fiquei
arrasada. Sai da escola passando mal. Eno todo o trabalho que tinha desenvolvido
não tinha valido a pena? Parei o carro na rua e fiquei pensando. Não, isso não é
verdade. Os alunos, apesar de demonstrarem pouco interesse, estão melhorando
visivelmente.
Fui conversar com minha orientadora. E ela me deu o alento que tanto
precisava. Cheguei à conclusão de que a professora da sala não vê a atividade lúdica
como algo inerente ao trabalho com literatura, nem percebe o ato de brincar como
forma de aprendizagem. Como não percebe cobrança por parte da pesquisadora,
acredita que o trabalho desenvolvido não tem credibilidade, ou melhor, funcionalidade.
279
NONA AULA
A aula de hoje, 08 de dezembro, tinha como objetivo desenvolver a percepção
do ritmo a partir de um texto do repertório dos alunos, no caso, o hip hop. O texto
escrito por Marcelo D2 está no CD À procura da batida perfeita. No primeiro momento,
fizeram uma leitura em silêncio. Em seguida, lemos conjuntamente para descobrirmos
os significados das palavras presentes no texto. Depois de discutirmos o texto, ouvimos
a música para percebermos o ritmo. Deixei a discussão, por uns minutos, ser conduzida
pelos alunos. Cada um queria dar sua opinião. Nesse momento, mostrei a importância
do silêncio para ouvir o outro. Quando um pedia a voz, os outros escutavam. Durante
algum tempo fizeram suas considerações sobre o hip hop.
Essa sessão teve um caráter diferente. O texto que levamos para a sala de
aula não está contido no espaço a que se destinam as poesias. Entretanto, como
estamos discutindo construção de sentido e dissemos que é possível encontrar poesia
em qualquer lugar, queremos mostrar que mesmo numa música encontramos
momentos que são poesia.
O hip hop, por exemplo, é constituído por quatro vertentes principais, como o
rap (ritmo e poesia), a dança break e os DJs; O rap é a mais conhecida faceta do hip
hop, tendo se originado a partir de experiências musicais perpetradas por DJs. Esses
artistas populares tinham o hábito de competir entre si. A idéia era ver quem conseguia
fazer um som mais “descolado” e audível do bairro, e para isso organizavam festas que
se chamavam hip hop. Esse movimento inclui também uma maneira específica de se
vestir, uma linguagem própria. Possui ainda uma “filosofia” característica, expressada
através da música, dos DJs e da dança break.
O rap, vertente do movimento hip hop, começou como uma forma de
expressão da juventude negra dos EUA, tornou-se popular e passou a ser incorporado
a outros estilos de músicas. Esse gênero é popular entre os jovens porque é uma forma
válida de expressão e um exercício de criatividade ao alcance de qualquer pessoa com
habilidade para entrar no jogo que o gênero propõe. É esse exercício de criatividade e
essa possibilidade de jogo que justificam a presença desse gênero na pesquisa.
280
Depois das conversas dos alunos, comecei a perguntar-lhes sobre o hip hop.
Perguntei se eles gostavam desse gênero. Alguns responderam que sim. Outros
ficaram em silêncio. Perguntei se eles conheciam no Brasil alguém que compõe nesse
gênero. Responderam: Gabriel, O Pensador. Nesse momento, os que não conheciam o
nome hip hop tiveram imediata resposta. Todos conheciam Gabriel, O Pensador.
Alguns disseram que adoram seu estilo porque ele retrata a vida das pessoas mais
pobres, da periferia e abandonadas. Outros responderam que não, porque ele faz
apologia às drogas.
Algumas respostas foram interessantes. Uma delas foi: Esse estilo é uma
forma de expreso para falar das mazelas do Brasil. Ele mostra como Brasil es num
barco furado. Que tudo no Brasil não tem futuro, é sujo. É uma crítica aos governantes.
Nesse momento discutimos que algumas poesias tamm criticam a forma como o
povo vem vivendo. A pobreza e a miséria do povo brasileiro.
Entramos no texto do Marcelo e eles perceberam a crítica que o texto
apresenta das pessoas que, ao crescerem financeiramente, esquecem o morro, suas
origens. E o samba raiz de nosso povo é esquecido em nome de uma música que não
fala da gente, que não pulsa nas nossas veias. Os alunos se envolveram na leitura,
refletindo sobre cada verso que o texto apresentava. E descobriram, como no primeiro
encontro que tudo é material de poesia. Descobriram ainda que poesia é dizer
diferentemente aquilo que é tido no dia-a-dia. Nesta aula foi possível registrar quase
toda as falas dos alunos, o que não era normal, visto que como o registro foi feito em
formas de diário, muitas falas se perderam. A pesquisadora mediadora introduziu o
diálogo, mas foram os alunos que mais se manifestaram nesse dia, por isso a liberdade
de escrita.
Pesquisadora: Vocês gostam do hip hop?
Alunos: Sim!!!!
Silêncio.
Alunos: Não!
Pesquisadora: O que apresenta o hip hop que faz vocês gostarem dele?
Aluno: O ritmo! É bom para dançar. Ninguém fica parado.
Pesquisadora: Vocês conhecem no Brasil algum cantor de Hip Hop?
281
Vários alunos: Gabriel, O Pensador !
Pesquisadora: Vocês gostam de Gabriel, O Pensador?
Alunos: Sim!
Alunos: Não!
Pesquisadora: Por que vocês gostam de Gabriel, O Pensador?
Luciano: Porque ele fala das pessoas pobres, da periferia e abandonadas.
Pesquisadora: Por que vocês não gostam desse cantor?
Sandra: Porque ele fala de maconha, de drogas.
João: Professora, esse estilo é uma forma de falar das mazelas do Brasil. Ele
mostra como Brasil está num barco furado. Que tudo no Brasil não tem futuro, é sujo. É
uma crítica aos governantes.
Pesquisadora: Qual é a primeira impressão que se tem ao ler o texto?
Silêncio.
Pesquisadora: Vocês gostaram?
Alunos: Sim!
Pesquisadora: Alguém na sala já conhecia Marcelo D2?
Alunos : silêncio
João: Assim professora .... eh!....! Alguém que procura encontrar seu jeito? A
batida é isso, encontrar seu jeito.
Carlos: Estilo!
Marcos: Tem que gostar da gente do jeito que a gente é.
Anderson: Não precisa ficar enganando.
Matheus: Também das pessoas que ficam ricas e ficam esnobando os pobres.
Olhe aqui: agora é artista não se mistura com a plebe / domingo no Faustão terça
na Hebe / iate em Botafogo apartamento em Ipanema.
Pesquisadora: Que outra parte do texto mostra o que você está dizendo?
Matheus: Olha aqui: João e Maria cheio de regalia / entrou no conto do
canalha que fazia e acontecia / agora é artista não se mistura com a plebe [...]
mas eu busco na raiz e lá ta o que eu sempre quis / não é um saco de dinheiro
que me deixa feliz / e sim a força do samba a força do rap/ o MC que é partideiro
o bumbo ...
282
Pesquisadora: Do que trata o texto?
Eduardo: Ele fala da favela. Das pessoas que moram na periferia.
Matheus: Também das pessoas que ficam ricas e ficam esnobando os pobres.
Olhe aqui: agora é artista não se mistura com a plebe / domingo no Faustão terça
na Hebe / iate em Botafogo apartamento em Ipanema.
Pesquisadora: Que outra parte do texto mostra o que você está dizendo?
Matheus: Olha aqui: João e Maria cheio de regalia / entrou no conto do
canalha que fazia e acontecia / agora é artista não se mistura com a plebe [...]
mas eu busco na raiz e ta o que eu sempre quis / não é um saco de dinheiro
que me deixa feliz / e sim a força do samba a força do rap/ o MC que é partideiro
do bumbo ...
Sandra: Professora! Eu não via essa música desse jeito! Eu achava que só
falava de coisa feia!
Thiago: De sacanagem, não é? Mas não é sempre assim não. O povão
também vive! É feliz. Gosta de coisa boa! Tem gente boa. Vive bem! Olhe aqui: há um
caso diferente que envolve toda gente / não ser bucha de ninguém ficar do lado
do bem / atitude amor e respeito também / eu vou no samba é gente bamba.
José: Diva, ele fala também das pessoas que cantam músicas que não é a
dele. Tem gente assim, gosta de música inglês e nem sabe o que é.
Pesquisadora: Que passagem do texto prova essa sua afirmão?
José: Aqui ó! o MC que é partideiro o bumbo que vira scracth / e é meu
som que mostra muito bem quem eu sou /aonde eu cresci aonde ando aonde
fico aonde vou / eu vou no samba a procura da batida perfeita.
Sandra: Engraçado, nunca tinha visto essa música assim? no hip hop tem
poesia?
João: Menina, você não viu? Tem poesia em todo lugar.
283
DÉCIMA AULA
A aula de hoje, 14 de dezembro, foi diferente. Conforme os alunos haviam
sugerido, fomos a uma praça que fica perto da escola para fazermos um encontro ao ar
livre. O objetivo desse encontro era avaliar a formação do leitor de poesias a partir das
leituras de poemas selecionados pelos próprios alunos. Escolhemos uma praça muito
bonita, de nome Deputado Patrício Neto, perto da escola. A praça é bem cuidada e
arborizada. Os alunos leriam seus poemas e em seguida tomariam um café organizado
para esse momento. Demos a esse encontro de “café poético”. Os alunos selecionariam
poemas que lhes fossem de seu agrado, leriam ou recitariam. Ficariam à vontade. Essa
sessão foi filmada e fotografada como registro do acontecimento. Confesso que não
acreditei que eles comparecessem. Tive receio. São tantas histórias que escutamos
sobre a falta de interesse dos alunos, da irresponsabilidade para com os assuntos
escolares. Mas, aos poucos, eles foram chegando. Fiquei angustiada, porque venho ao
longo desses dias observando a turma e a acho meio dispersa, sem demonstrar muito
interesse pelas atividades. É claro que já se percebem mudanças nas leituras deles. O
combinado seria, que após a leitura das poesias selecionadas, tomaríamos um café,
entretanto não tivemos, por parte dos alunos, o retorno previsto.
No início, ficaram meio tímidos. A maioria esqueceu dos poemas selecionados.
Não sei se houve realmente esquecimento ou se, na realidade, não selecionaram, ou
ainda, não se interessaram em fazer isso. Apesar de eles não terem retribuído de forma
satisfatória ao combinado anteriormente, percebi um certo interesse pelo assunto.
Levamos dois livros para o encontro. Eu mesma tentei ler um poema selecionado para
eles. Digo tentei porque quase não me ouviram. Por isso fiquei triste e perdi um pouco
do estímulo. Tinha preparado esse poema para ser lido. Chama-se Adolescente, de
Cecília Meireles.
A partir da leitura feita por alguns alunos, os outros começaram a se envolver e
procurar textos para ler. Um aluno, que gosta de brincar e de, como diz a professora
atrapalhar as aulas, fez um colega começar a ler uma seleção que não se enquadrava
no que já havíamos discutido sobre as diferenças entre o poema e a poesia. Após a
284
leitura de alguns versos, esse aluno percebeu o malogro e disse em voz alta: Isso não é
poesia. Chateou-se com o colega, parou a leitura, irritou-se e não quis mais participar
da atividade.
O aluno, considerado problema pelos colegas, foi o único que trouxe um texto
selecionado. Leu em voz alta uma quadra que ele acha muito bonita. Seguindo esse
colega, os outros começaram a ler o que estavam selecionando na hora.
Observamos que a temática escolhida por eles girava em torno do amor. Uma
garota leu Fanatismo de Florbela Espanca. Mostrei-lhes que Raimundo Fagner, assim
como Paulo Diniz com o poema Jo, tinha dado a esse poema um novo ritmo, uma
nova leitura. Coloquei o CD de Raimundo Fagner e eles ouviram com atenção.
Os alunos buscaram o livro que tinha levado e começaram a ler poemas e
selecionar aqueles com que mais se identificavam. A partir desse momento, todos
queriam participar. Muitos quiseram participar mais de uma vez. Considerei esse
momento muito rico da atividade, vendo que, de repente, esses alunos começaram a
mostrar interesse. Percebi que a formação desse leitor, nessa idade, é lenta, por isso é
preciso um pouco mais de boa vontade do professor. Um trabalho bem direcionado e
contínuo poderá ser de grande valia para esses adolescentes que estão começando a
perceber a importância da leitura. Hoje, diferentemente dos primeiros dias, percebo
uma leitura de poesia mais amadurecida por parte deles. Já não escuto mais: leitura de
novo! Não gosto de ler! Essas expressões eram sempre ditas.
Outra observação que faço é que, durante a leitura de alguns poemas, os
alunos sentiram necessidade de uma aproximação maior entre eles. Começaram a ficar
juntos. Formaram-se pequenos grupos. Um aluno que, até então, não falava comigo,
não respondia as minhas perguntas, não sentia menor interesse em participar e se
sentava bem distante dos colegas, hoje, aproximou-se de mim. Juntou-se a uma garota
e pediu-me para lhe tirar uma fotografia. Pela primeira vez, percebi que meu trabalho
poderia ter contribuído mais, principalmente no que diz respeito à afetividade que, de
repente, começa a se manifestar no grupo. Formou-se um grupo em torno desse aluno.
Ficaram, assim, um bom tempo juntos, folheando os livros, procurando poemas.
Quando encontravam algum interessante, liam juntos, às vezes, olhando uns para os
outros. Enquanto os olhava, fiz uma rápida retrospectiva dos encontros na sala e
285
descobri que, apesar de esse aluno parecer não se interessar pelas atividades, sempre
estava presente nos encontros. Calado, mas presente.
Há, na sala, um aluno que gosta de poesia, e escreve poesia. Gosta muito de
traduzir canções que considera como poesias. Ele está sempre calado, pensativo e
isolado dos outros. Soube pela professora que esse aluno tinha sido pego fazendo
grafite na escola. Descoberto, a família foi contactada. Para espanto da professora, a
mãe desse aluno juntamente com a supervisora saíram de sala em sala apresentando-
o como um delinqüente, e isso, segundo a professora, o transformou. Ele perdeu o
encanto e se isolou da turma. Na hora em que ele estava lendo um texto que tinha
traduzido de Linkin Park, sua banda preferida, ficou emocionado. Sua voz quase se
perdeu. Lágrimas surgiram nos olhos. Os colegas ficaram ali extasiados, escutando e
se emocionando a cada verso que o aluno recitava.
Uma observação que gostaria de marcar é que os poemas que eles mais
gostaram de ler falavam de amor.
Mesmo que a aula não tenha tido o êxito esperado, ela mostrou que é possível
desenvolver um trabalho com poesia para despertar o gosto pela leitura desse gênero
de texto. É preciso, é claro, um empenho muito maior por parte dos professores e da
escola.
:
286
DÉCIMA PRIMEIRA
A aula de hoje, 15 de dezembro, de título Lendo poesias, tinha como objetivo
ler poemas com os alunos fazendo-os compreender os sentidos que a poesia tem a
partir do jogo de linguagem que o poeta utiliza para construção do sentido que ele quer
que os leitores percebam. Foram entregues folhas com os poema O todo sem a parte
não é todo, de Gregório de Matos e As sem-razões do amor, de Carlos Drummond de
Andrade.
Os alunos receberam os textos e começaram a ler em silêncio. Comecei a
discussão por Gregório de Matos. Perguntei: gostaram do poema?. A maioria disse que
não porque não entendia as palavras. Alguns disseram que sim, mas que era diferente.
O poema causou estranhamento. Comecei juntamente com eles a reconhecer as
palavras “todo” e “parte”. Perguntei: O que é um todo? Aluno: completo. O que é uma
parte: aluno: um pedaço do todo. Esse momento foi importante para eles perceberem o
jogo que poeta faz com a linguagem. Lemos, juntos, cada verso e cada estrofe do
poema. Eles perceberam o jogo, começaram a participar e a compreender a
organização das palavras para a construção do sentido. Falamos então de Gregório de
Matos. De sua conduta, daí o nome de “boca do inferno”. Falamos um pouco do
barroco e de suas características porque fazia pouco tempo que a professora havia
falado no poeta e no estilo barroco.
Seguindo nossa leitura, começamos a ler As sem razões do amor, de Carlos
Drummond de Andrade. Perguntei se eles haviam gostado e porque tinham gostado
desse poema. Responderam que sim porque o poema falava de amor. Perceberam a
diferença na forma de apresentação. No poema de Gregório de Matos, tínhamos o
soneto, uma estrutura fixa, fechada. no poema de Carlos Drummond, as estrofeso
irregulares e as rimas não se apresentam no final dos versos nem seguem uma
seqüência formal. Começamos, juntos, a analisar os versos e a compreender que o
poeta também lança mão do jogo de palavras para a construção do sentido. Perguntei:
O que é que é: “ eu te amo porque te amo”? Sandra: para o amor não existe explicação
287
O que é que é: “as sem razões do amor”? Aluno: Depende. Pode ser cem, o número, e
pode ser sem nada. Iniciamos o debate mostrando que a “as sem razões” é um jogo de
sentido, construído pela sonoridade das palavras. Escuta-se “cem”, como quantidade, e
lê-se “sem”, como ausência ou a falta da necessidade de explicação. Continuamos a
leitura e, para minha surpresa, eles participaram com bastante interesse. Cada verso
tinha uma compreensão e eles vibravam quando todos concordavam com a solução
que cada um dava para o sentido despertado no texto.
Vale salientar a presença de um aluno que tinha se transferido para o turno
vespertino, mas que resolveu retornar ao turno matutino para a mesma turma que havia
deixado. Esse aluno é muito empolgado. Ele sempre afirma que lamenta não ter
participado do experimento. E, agora que estamos concluindo, participa de tudo.
Aparentemente esse aluno tem uma história de leitura, anterior às leituras da escola.
Suas pontuações são sempre bem colocadas. Ele tem uma compreensão bem mais
aguçada que os demais. Há ainda uma aluna que possui uma história de leitura em
casa. Ela também participa com interesse das sessões. A professora sempre se reporta
a ela como a melhor aluna da sala. Tudo que a professora quer saber pergunta a ela.
Hoje, estou percebendo um maior interesse por parte desses alunos, e, o mais
importante, eles estão fazendo leituras mais consistentes, já não reclamam mais
quando tem texto para ser lido. Estão ainda, buscando sempre o sentido que o texto
apresenta.
Um aluno, em voz alta, pediu para que eu lesse um poema que estava escrito
no quadro. Era de Drummond de Andrade, Cidadezinha qualquer:
Casas entre bananeiras
mulheres entre laranjeira
pomar amor cantar
Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.
Devagar ... as janelas olham.
288
Êta vida besta, meu Deus.
Ninguém sabe quem escreveu o poema no quadro. Mas eles queriam que eu
lesse para dar sentido àquele texto estranho para eles.
Li. Eles riram. Li de novo. Um aluno disse: Quando você lê a gente
compreende o sentido.
Outro disse: É o ritmo. Ela sabe dar o ritmo
Eu perguntei: Que sentido você deu ao texto após minha leitura?
Vários responderam: Vida chata de interior, não acontece nada de novo, um
saco!
Marcos: Por isso ele escreveu vida besta!
Carlos: A vida no interior não é chata, não. É muito boa. Tem tudo isso:
bananeira, laranjeira, burro, cachorro, e a gente não tem pressa pras coisas.
Sandra: A vida no interior é um tédio. Por isso não quero morar lá.
Perguntei: Você já morou no interior?
Sandra: Já. E acho um saco. Deus me livre de voltar a morar lá. Lá é assim
como diz o poema. Não acontece nada de novo. É tudo igual.
Como vocês perceberam o sentido do texto?, perguntei.
Aline: o poeta que mostrar como é vida no campo é é é é ...
rios ao mesmo tempo: Monótona.
O poeta ou a poesia?, Perguntei.
Marta: Ah! A poesia, o texto.
Como vocês perceberam esse sentido?
Marta: Pela palavra devagar, devagar, devagar, várias vezes. As palavras, não,
constroem o sentido? Essa palavra é tão devagar quanto o sentido do texto.
Respondi que sim. Conversamos mais sobre o poema e perguntei se eles
tinham gostado. Muitos afirmaram que sim. Fiquei feliz. Eles estavam me mostrando os
frutos do experimento. Ou seja, é possível, sim, o ensino de poesia em sala de aula,
pois contribui para o aspecto cognitivo do aluno. Lamentei não ter tido, à época, um
ensino assim de poesia.
289
DÉCIMA SEGUNDA
Essa aula do dia 21 de dezembro teve como objetivos rever o conceito de
poesia, explorando a estrutura formal do texto poético, aproximar o rap e o poema pela
temática, reconhecer a importância do rap como expreso atual juvenil, e ainda,
discutir o preconceito contra a cultura da periferia.
Distribuí os textos para os alunos lerem em silêncio. O texto é Lado bom, do
Ferrez. Em retrospectiva com o texto anterior de Marcelo D2, fizemos uma comparação
entre ambos. Em seguida, fizemos uma leitura do poema Versos íntimos, de Augusto
dos Anjos, para comparar a temática do rap com a do poema.
Durante a leitura dos poemas, muitos alunos participaram das perguntas que
levantei. Falamos sobre cultura de periferia, perguntando o que é periferia. Alguns não
sabiam o significado quando um aluno bem sarcástico falou: vocês não se lembram das
aulas de geografia! Periferia é o que está fora do centro. A partir de então todos
manifestaram seus pontos de vistas sobre a cultura de periferia. O que agrada e o que
não agrada. Mais uma vez, falaram em Gabriel, O Pensador e disseram que o rap fala
das coisas do povo que mora na periferia.
Perguntei o motivo pelo qual algumas pessoas não gostam desse estilo.
Disseram: muita gente não gosta porque choca, porque fala de coisas que ninguém
gosta de ouvir como a miséria, a pobreza, a droga, a marginalidade e a prostituição. Um
aluno fez um ruído: ECA!, que lembra o vômito quando se falou em rap, funk, break e
grafite. Essa sensação de asco que causa algo que incomoda o estômago. Essa
sensação foi provocada pela imagem que se criou em torno desses estilos de música.
À primeira leitura do poema Versos íntimos, de Augusto dos Anjos, as meninas
também fizeram a mesma cena. Repetiram o ruído: Eca. Após uma leitura junto comigo
começaram a perceber a beleza do texto. Claro que descobriram, a partir da mediação,
que tipo de beleza apresenta esse texto.
Comecei a falar que em todas as épocas houve autores que chocaram com
seus textos, que muitos “ecas” foram pronunciados, que Augusto dos Anjos foi um
poeta que não era lido devido à temática que se percebia nos seus poemas.
290
Assim como o hip hop, as poesias de Augusto dos Anjos não são textos
interessantes à primeira vista, mas, com uma leitura mais apurada, é possível perceber
o sentido que o texto proporciona. A elaboração de perguntas seguiu mais ou menos
este roteiro. Algumas vezes, uma palavra modificava o roteiro:
1 – O que vocês acharam do poema?
2– Qual a primeira impressão que se tem ao ler o poema?
3 – Como se organiza o poema?
4– Que imagem é suscitada a partir da expressão “Escarra nessa boca que te
beija”?.
5– De que trata o poema?
Os últimos encontros proporcionaram à pesquisadora transcrever quase que
literalmente algumas falas dos alunos porque estes já haviam se acostumado ao ritual
e, sempre que terminava a leitura, começavam a tecer considerações. Algumas
transcrições possíveis das falas dos alunos:
1 - À pergunta, o que vocês acharam do poema?
João: Um horror!
Marcos: Sujo!
Carlos: Seboso!
2 - Qual a impressão que se tem ao ler o poema?
Sandra: Professora esse poema dá vontade de vomitar.
Alda: É nojento. Como que se lê um negócio desse? ECA!!!!!!
À pergunta que imagem é suscitada a partir da expressão “Escarra nessa boca
que te beija”?.
João: Alguém muito seboso!
Marcos: Eca!! Eca!!
Carlos: Professora, este poema fala que ninguém deve confiar em ninguém?
291
Sandra: Ah! Por isso deve escarrar!
Thiago: Bater antes que alguém bata!
Marta: É isso?
Thiago: É sim, olhe: A mão que afaga é a mesma que apedreja. Não é isso não,
professora.
Após uma grande discussão na sala, em que todos queriam dar seus pontos de
vistas, preencheram um questionário com duas perguntas que elaborei: gostaria de
saber se eles haviam gostado dos encontros; e se eu fosse fazer novamente aqueles
encontros, se eles tinham alguma sugestão a fazer.
Confesso que fiz uma experiência meio extravagante. O dia marcado para
nossos encontros era as quartas-feiras. Como a professora precisava terminar o
conteúdo, pois a greve anterior havia desorganizado o calendário escolar, ela me
sugeriu ir às quintas-feiras quando era o horário vago da turma.
Nesta última quintafeira, passei mais de uma semana sem aparecer e não
liguei para a professora pedindo para avisá-los de nosso encontro. Quis fazer um teste
com eles. Confesso que tive medo, pois o que sabia, de acordo com o discurso da
professora, era da falta de compromisso deles para os assuntos da escola. Cheguei a
acreditar que eles não viriam. Mas, para minha surpresa, até da professora que também
não acreditava que eles viriam no dia em que podiam dormir mais, eles estavam na sala
me esperando. As sessões foram transferidas e, todos os dias, eles estavam lá
esperando.
Respondeu ao questionário final um percentual de 60% da turma. O que
presenciamos é uma ausência muito grande do aluno. Dissemos que não precisavam
se identificar. Alguns apagaram seus nomes, outros preferiram manter. Assim
chegamos ao fim de nossos encontros com a turma. Foi pouco tempo, mas acredito que
ficou uma semente na formação desses alunos. Eles mesmos disseram isso, conforme
podemos ver nas respostas ao questionário em anexo.
292
REFLEXÕES SOBRE O EXPERIMENTO
Durante o experimento, observei a ausência do livro didático em sala de aula.
Já sabia de sua existência na escola durante a entrevista com a professora. Na
entrevista, a professora afirmou que havia sido selecionado um outro exemplar porque
era didático, entretanto o Ministério da Educação e Cultura – MEC enviou um outro
muito volumoso, pois num único volume estão os três anos do Ensino Médio.
A professora manifestou–se contrária à utilização do livro porque acredita que
ele não esteja adequado para o nível dos alunos, porque não tem textos, só teoria.
Segundo a professora, esse livro é muito mais interessante ao professor para pesquisa
e estudos para aulas.
O aluno, por sua vez, reclama do peso e não o leva para sala de aula.
Fazendo reconhecimento do livro, percebi que ele é volumoso, mas não
concordo que esse motivo justifique a ausência em sala.
Quando os alunos me disseram que não tinham onde selecionar os poemas
para ler no café poético, sugeri a biblioteca e o livro didático que eles tinham. Dias
antes havia estado na biblioteca para fazer um levantamento do acervo existente. Nas
visitas exploratórias, eu tinha feito uma pesquisa na biblioteca e descobri que, mesmo
incipiente, ela contém alguns livros de literatura, incluindo de poesias, contrariando o
depoimento da professora que, durante a entrevista, afirmou não existir livros de
literatura na biblioteca. Vejamos o depoimento da professora:
Pesquisadora: Quando você termina uma aula de literatura, os alunos se
mostram interessados em discutir ou rever o que foi falado em sala? Como vocês
têm biblioteca, eles vêm pegar um livro, ou um texto que despertou–lhes
atenção?
Professora: Aqui não. Porque ... é.... os livros aqui, literatura praticamente não
existe. Língua portuguesa e literatura não existem
Pesquisadora: Na biblioteca não tem livro de literatura?
Professora:o, não. Para pesquisa de língua portuguesa e literatura não.
293
Em conversa com a bibliotecária, soube que há uma procura por livros de
literatura. Para comprovar sua afirmação, mostrou-me o livro de registro. Segundo a
bibliotecária, os alunos daqui se dão muito bem no vestibular porque são leitores.
Mostrou-se interessada pelo experimento por se tratar de poesia. Querendo saber mais,
mostrou-me uns poemas que tinha escrito e outros de umas alunas da escola que
tinham até ganhado um concurso.
Perguntei-lhe sobre quais os livros mais procurados pelos jovens. Os que vão
cair no vestibular. Os alunos aqui se preocupam muito com o vestibular, disse ela.
Nosso índice de aprovação é um dos maiores do estado. Também falou de um projeto
que havia na escola, chamado “Varal poético”. Esse projeto era muito bom, mas foi
desativado porque muita gente, segundo ela, – o que a deixava muito triste –, não se
interessava por esse tipo de trabalho. Não valoriza. Acham coisa sem valor porque não
vêem objetividade no assunto.
No tocante à utilização de livros em sala de aula, considero que esse assunto
deva ser estudado com mais responsabilidade e, além disso, reavaliado. Só se aprende
a ler lendo. Para isto é necessário o livro na mãos e aos olhos do leitor.
Do experimento, tenho a sensação de que ainda tenho muito a aprender. Vivi
na escola com os alunos momentos de ansiedade, de alegria e de tristeza. Ora parecia
que tudo estava caminhando conforme o previsto, ora parecia que nada dava certo.
Transitei por caminhos sinuosos, com avanços e retrocessos. Nesse ir- e- vir muita
coisa se transformou em mim. Foram transformações que considero ganhos e
certamente se repercutirão ao longo de minha vida de pesquisadora e de professora,
porque implicaram a aquisição de novos conhecimentos e novas atitudes, pois tive que
aprender a trabalhar com flexibilidade e paciência, a aceitar desafios, até então
desconhecidos. Foram aprendizados que transformaram meu modo de agir. Trabalhar
com adolescentes, alunos em processo de formação de leitores foi uma experiência
inédita que enriqueceu a minha formação profissional, porque trouxe desafios,
perguntas, descobertas e conhecimentos novos, e, permitiu, ainda, um olhar diferente,
reflexivo sobre minha própria prática.
294
Anexo IV
QUESTIONÁRIO FINAL
1 – Como vocês avaliam nossos encontros?
2 – Se fôssemos continuar com o experimento, como gostariam que as aulas
acontecessem?
João01
Gostei, por motivo maior, fazer a turma se descontrair um pouco, sem dúvida. O
seguinte, o que precisaria melhorar, é que quando for fazer essas atividades de novo,
poder se contar pontos na nota.
Feliz Natal e Próspero Ano Novo.
Marcos - 02
Eu gostei da aula que foi para a praça. Escutamos e falamos poesia e não gostei
porque eu tive que sair.
Carlos – 03
Eu gostei das aulas por que foram descontraídas, divertidas, e a professora foi
muito legal.
295
Sandra - 04
Sim, porque as aulas são muito criativas. Nós conhecemos coisas diferentes.
Aprendi a gostar de coisas que eu não gostava, como poesia.
Se todas as aulas tivessem lanche seria mais gostoso.
Thiago05
Eu gostei dos encontros porque foram muito divertidos e aprendi a gostar mais
ainda de poesia. Porque a poesia está presente em tudo que vemos, ouvimos, tocamos,
falamos... E a poesia está presente em nosso dia-a-dia.
Eu acho que para melhorar os encontros você deveria realizá-los mais ao ar livre
porque para mim um dos melhores encontros foi aquele lá na pracinha aqui perto, pois a
natureza inspira mais ainda a poesia.
Tenha um Feliz Natal.
Marta – 06
Sim, eu gostei dos encontros, pois eles falam de poesia que retratam o mundo
em relação aos sentidos que você tem pela vida. Falam tudo sobre a verdade do mundo.
O que eu queria que você apresentasse e acrescentasse em outras sessões era
mais forma de música com os mesmos tipos de ritmo que apresentou, mas com mais
outros ritmos e expressões.
Glória – 07
Sim, pois eu aprendi muito com essas aulas. Sei o que é poesia. São aulas
participativas que todos ali falando do que gosta, dando suas opiniões e falando das
coisas que acontece no mundo de ruim e de bom.
296
Que você continuasse com esse tema é muito bom.
Ana08
Eu gostei muito das aulas. Só não gostei das poesias.
Mais música nas próximas aulas.
Aline - 09
Eu adorei esses encontros. Fiquei muito grata por você ter tido paciência com o
pessoal da minha turma que são muito difíceis de se compreender.
Eu aprendi com você a ver mundo das palavras de outro jeito. Usar a imaginação
e voar com as palavras. Voar com as poesias. Eu não quero com essas palavras lhe
agradar, mas sim dizer o que sinto e penso.
Tudo o que você nos mostrou e nos ensinou foi muito importante para a maioria
da nossa sala que gostou e entendeu tudo que você nos disse.
Pode ter certeza que você ficará guardada na minha lembrança pelos bons
momentos que tivemos.
Eu sinto muito, mas agora eu não sei o que te dizer, pois eu não faço a mínima
idéia.
Boa sorte no seu trabalho.
Feliz Natal e um Próspero Ano novo cheio da paz, saúde e muitas felicidades.
Matheus -10
Eu particularmente adorei os encontros pelo menos, os que participei. Foram
ótimos, muito dinâmicos. Eu gostei muito deles porque não era só uma relação professor-
aluno, mas também aluno-professor. A participação da gente interessantíssima, pois
297
através das aulas aprendemos a aguçar mais nossas mentes para um aprendizado
melhor, através de textos que nos ensinavam bastante e ao mesmo tempo intrigavam,
mas essa intriga logo se transformava em aprendizado, pois tudo era discutido, tudo era
esclarecido.
Se acontecesse de novo, acho que não precisa mudar nada. Foi tudo muito bom.
ADOREI!!
Clóvis – 11
Sim, porque a nossa professora (você) está nos ensinando a gostar de poesia, e
a ler, pois eu não gostava de ler. Achava um saco!
Do mesmo modo que foi conosco., mas com algo mais a acrescentar, como
aulas mais divertidas, pois estas, às vezes me dá sono.
José – 12
Sim, porque foi bastante legal e divertidas todas as aulas.
Do mesmo jeito que estas aulas, divertidas. Deve continuar.
Anderson – 13
As aulas foram boas até começar as poesias, porque ODEEEIO poesias. Fora
isso foram ótimas.
Na minha opinião, tinha que colocar mais músicas.
Shirley – 14
Eu gostei das aulas, dos momentos em que passamos juntos, pois pudemos
aprender um pouco mais de poesias. De nossos amigos também. Gostei do café poético,
pois pudemos desfrutar de um ar puro para aprender poesias. Só que eu não dou valor a
poesias.
298
Eu acho que as aulas deveriam ser em tempos reduzidos, pois eu acho que
perdemos um pouco do tempo ouvindo poesia. Eu acho um saco.
Célia 15
Gostei porque eu não lia poesia e com as dela eu passei a ler.
Deveria ser como foi.
Mariana – 16
Eu gostei, foi bem divertido e o bom é que agente aprende várias coisas sobre a
arte brasileira, o que passa os poetas em suas poesias. O nosso encontro na praça foi
muito legal.
Você tem que escolher uma turma que se dedique o bastante porque em nossa
turma tinha uns engraçadinhos que não levaram muito a sério, o que você queria nos
passar. Mas nossos encontros na sala de aula foram muito legal.
Patrícia – 17
Sim. Porque é muito interessante as poesias. A gente apreende muito com as
coisas que move nossas cabeças.
Acho que deveria ter mais perguntas, bastantes perguntas. E um pouco mais de
criatividade. Criar novas idéias diferentes.
Alda18
Eu gostei porque as aulas foram diferentes, alegres e especiais. Por isso que
eu gostei das suas aulas.
O próximo encontro eu queria que fosse do mesmo jeito que as outras, alegres e
especiais.
299
Eduardo – 19
Eu gostei das aulas porque eu não sabia muito sobre poemas e poesias e com
estas aulas entendi mais o assunto.
Rubens – 20
Sim. Pois todas as aulas falavam de poesia, e eu gosto muito de poemas.
Do mesmo modo, com mais aulas e músicas.
Luciano - 21
Sim, porque é uma aula diferente e é bem legal.
Para fazer mais passeio, para se distrair mais. Porque nós só saímos uma vez.
Mas foi muito legal. Siga sempre assim.
Carmem – 22
Eu adorei os encontros, porque eu aprendi mais sobre a poesia e a literatura,
pois Diva ela se expressa muito bem, e com a explicão dela eu aprendi muita coisa. Eu
aprendi que a poesia é arte, amor, carinho bem estar e muitas outras coisas.
Pra mim, não precisa de mais nada, pois ela me ajudou nos meus estudos. Pode
continuar assim!
Cristina- 23
Eu adorei os encontros não tinha oportunidade melhor do que a gente saber o
quanto o prazer da vida é bom. E que tudo isso se resume em uma só palavra poesia. E
você melhor que ninguém precisa do nosso carinho, pois você é muito especial, meiga e
muito legal. Espero que você continue assim.
300
Lourdes – 24
Gostei muito, pois aprendi muita coisa sobre o que é a vida.
Continue assim, você maravilhosa.
Kátia - 25
1 – Sim. Gostei muito dos encontros. Aprendi a sentir as músicas, as poesias e a
analisá-las. Antes eu ouvia uma música, um poema, mas não conseguia ver a essência.
Hoje eu sei o que é uma poesia. Eu sinto a poesia. Eu me vejo dentro dela. Essa
experiência foi formidável, de verdade. Eu gostei mesmo. Aprendi a respeitar os gostos
musicais dos outros e procurar ver o que o que realmente o poema está querendo dizer.
2 - na minha opinião, você se saiu muito bem. Procurou ajudar-nos a ver
realmente o que é poesia, o que é literatura. Não tenho do que me queixar. Gostaria que
sinceramente de tê-la como minha professora de literatura. Se você for para a outra
turma, continue a ensinar dessa forma. Ficou show!
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