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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
MESTRADO EM TURISMO
RITA LOURDES MICHELIN
A RECONSTRUÇÃO DA ETNICIDADE NA ARENA TURÍSTICA: O CASO DO
ROTEIRO DE TURISMO RURAL CULTURAL CAMINHOS DE PEDRA
BENTO GONÇALVES – RS
Caxias do Sul
2008
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1
RITA LOURDES MICHELIN
A RECONSTRUÇÃO DA ETNICIDADE NA ARENA TURÍSTICA: O CASO DO
ROTEIRO DE TURISMO RURAL CULTURAL CAMINHOS DE PEDRA
BENTO GONÇALVES – RS
Dissertação submetida à banca examinadora
designada pelo Colegiado do Programa de
Pós-Graduação em Turismo da Universidade
de Caxias do Sul, como parte dos requisitos
necessários para a obtenção do título de
Mestre em Turismo.
Orientador: Dr. Rafael José dos Santos
Caxias do Sul
2008
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3
AGRADECIMENTOS
À minha mãe, Marlene, ao meu pai, Jovenil e ao meu irmão, Régio, por todo o amor,
incentivo, apoio e principalmente paciência nestes dois anos.
À família da República CAPES: Tami, Marcelo, Cheila, Tiago e Thiago. Por todos os
momentos que passamos juntos, nos estresses, nas festas, nas brincadeiras, nos
estudos, no 46, no RU, nas jantas e almoços de findi, enfim, por todos os momentos
compartilhados nesses dois anos. Sem esquecer a Dona Catarina, nossa mãe da
República!
À Tami, minha irmã do coração, que conseguiu me aturar por um ano e meio nas
minhas crises pelas das trocas de orientador e que sempre me deu a maior força
para continuar quando eu queria desistir de tudo. Amiga irmã, uma pessoa
maravilhosa, com quem dividi ótimos, bons e maus momentos nestes dois anos.
Ao Paulinho, meu passarinho, por todo o carinho e companheirismo.
Ao Marcelo que, com toda a certeza, se tornou o melhor amigo que alguém pode
pensar em ter. Meu irmão, confidente, conselheiro, amigo para todas as horas.
Aos grandes amigos: Sandrinha, a pequena grande amiga, pelas conversas
intermináveis; a Nândri, pelos conselhos e o ombro amigo, e ao Gilmar (vulgo
Mineiro ou Minax), pelas risadas, baladas e cafés no Dias. Todo o pessoal do Bloco
46, à Pureza e o Renato, pelos lanches e cafés nas tardes frias de Caxias. As
turmas VI e VII, pelas trocas e discussões que contribuíram para o meu crescimento
pessoal e intelectual, pelos churrascos, jantares, almoços no RU (o suco sempre por
conta do Pablo), pelos momentos tensos e estressantes e principalmente os bons
momentos de diversão.
À Regina, amiga, confidente, o anjo da guarda de todos os mestrandos em turismo,
sempre disposta a ajudar todos.
Todos os professores do Mestrado, em especial ao meu orientador, Prof. Rafa, meu
Santo Expedito, que abraçou a causa impossível de minha dissertação nos últimos
meses e conseguiu me guiar para a realização dessa. E à Profa. Susana Gastal, por
ter me incentivado a entrar no mestrado.
A todos os moradores do Roteiro Caminhos de Pedra, pela hospitalidade e ajuda
durante a minha pesquisa de campo.
À Juliane, amiga de verdade, que mesmo de Porto Alegre sempre esteve presente
em todos os momentos bons e ruins do Mestrado, dando a força necessária!
À gurizada de Porto Alegre: Mirian, Palmer, Jô, Vau, Gunther, Kayder, Tuba, Alice,
Gomes e Eli, que sempre me ajudaram a esquecer um pouco do mestrado e relaxar,
para depois recomeçar com tudo.
Enfim, a todos que fizeram parte de minha vida nesses dois anos inesquecíveis de
Mestrado, que me ajudaram, me apoiaram e tiveram paciência comigo.
4
RESUMO
A presente pesquisa versa sobre a reconstrução da etnicidade italiana na
arena turística da comunidade do Distrito de São Pedro, zona rural do município de
Bento Gonçalves - RS, buscando demonstrar o processo de reconstrução da
etnicidade através das influências que essa pode receber do turismo. Sendo assim,
busca-se analisar como influências internas e externas que a cultura de um
determinado grupo pode sofrer, demonstrando a dinamicidade dos traços culturais.
Além disso, trata-se da relação entre visitantes e visitados, buscando demonstrar de
que maneira o turismo pode utilizar a cultura de uma sociedade como atrativo e se
colabora na reconstrução da etnicidade de uma comunidade. Para tanto, utilizou-se
a metodologia da etnografia com observação participante, registro fotográfico e
narrativa fotoetnográfica, tendo por objetivo perceber a etnicidade da comunidade da
arena turística a partir da visão dos próprios moradores no seu cotidiano e nas suas
relações com os turistas.
Palavras-chave: Turismo; Cultura; Etnicidade; Italianidade; Caminhos de Pedra
Rio Grande do Sul.
5
ABSTRACT
The present research is about the reconstruction of the Italian ethnicity in the
tourist arena of Distrito de Sao Pedro community, rural area of Bento Gonçalves
RS. It intends to demonstrate the ethnicity reconstruction process through the
influences this can suffer by tourism. Thereby this research intends to analyse
questions as internal and external influences that the culture of a specific group can
suffer, demonstrating how dynamic the cultural traces can be. Besides that, this
dissertation presents the relation between hosts and guests as a way to show in
which way tourism can use a society culture as an attractive issue and how this can
collaborate to the ethnicity reconstruction of a community. For that it uses the
methodology of ethnography with participative observation, photographic register and
photo-ethnographic narrative, aiming the ethnicity perception of this tourist arena, by
the point of view of the community people themselves on their routine and their
relation with the tourists.
Keywords: Tourism, Culture, Ethnicity, Italianity, Caminhos de Pedra Rio Grande
do Sul.
6
LISTA DE IMAGENS
Imagem 1 Placa de sinalização ............................................................................ 57
Imagem 2 Nova sinalização ................................................................................. 57
Imagem 3 Início do roteiro. Sentido Bento Gonçalves - Farroupilha .................... 61
Imagem 4 Mapa do roteiro ................................................................................... 62
Imagem 5 Casa dos Doces Pedrebon .................................................................. 66
Imagem 6 Casa Bertarello .................................................................................... 67
Imagem 7 Casa do Tomate .................................................................................. 67
Imagem 8 Mapa do roteiro - Casa do Tomate ...................................................... 68
Imagem 9 Ateliê Bez Batti .................................................................................... 69
Imagem 10 Casa da Ovelha ................................................................................. 69
Imagem 11 Casa do Artesanato ........................................................................... 70
Imagem 12 Casa Vanni ........................................................................................ 70
Imagem 13 Interior do Restaurante Casa Vanni ................................................... 71
Imagem 14 Cantina Strapazzon ........................................................................... 71
Imagem 15 Cantina Salvati & Sirena .................................................................... 72
Imagem 16 Jantar na Cantina Salvati & Sirena .................................................... 73
Imagem 17 Casa da Erva-Mate ............................................................................ 73
Imagem 18 ........................................................................................................... 79
Imagem 19 ........................................................................................................... 79
Imagem 20 ........................................................................................................... 79
Imagem 21 ........................................................................................................... 80
Imagem 22 ........................................................................................................... 80
Imagem 23 ........................................................................................................... 80
Imagem 24 ........................................................................................................... 81
Imagem 25 ........................................................................................................... 81
Imagem 26 ........................................................................................................... 81
Imagem 27 ........................................................................................................... 82
Imagem 28 ........................................................................................................... 82
Imagem 29 ........................................................................................................... 82
Imagem 30 ........................................................................................................... 83
Imagem 31 ........................................................................................................... 83
Imagem 32 Casa sendo reconstruída .................................................................. 96
Imagem 33 Final do roteiro. Sentido Farroupilha - Bento Gonçalves ................... 106
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 08
1 CULTURA, ANTROPOLOGIA E TURISMO...................................................... 12
1.1 Antropologia e turismo ............................................................................... 15
1.2 Etnicidade e herança cultural na arena turística ...................................... 20
1.3 Turismo rural, turismo cultural e turismo rural cultural ........................... 26
1.4 Planejamento do turismo cultural .............................................................. 33
2 PROJETO CULTURAL CAMINHOS DE PEDRA ............................................ 37
2.1 Imigração italiana no Rio Grande do Sul ................................................... 37
2.2 Bento Gonçalves – RS: breve histórico e dados gerais ........................... 42
2.3 O Projeto Cultural Caminhos de Pedra ..................................................... 43
2.3.1 Análise do Projeto Cultural Caminhos de Pedra ......................................... 46
2.3.2 Análise dos relatórios dos seminários de planejamento ............................. 52
3 O LÓCUS: ESTAR NO ROTEIRO CAMINHOS DE PEDRA............................. 61
3.1 Experiência de campo .................................................................................. 74
3.2 Percepção/interpretação da etnicidade sob o olhar da pesquisadora .... 97
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 103
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 107
APÊNDICE - Modelo aproximado do roteiro das entrevistas semi-estruturadas .. 111
8
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa, voltando-se ao segmento do turismo cultural, analisa a
reconstrução da etnicidade e sua ligação com o turismo a partir do olhar dos
visitados em uma arena turística
1
. As pesquisas acerca da etnicidade ligada ao
turismo ainda ocorrem de forma incipiente no Brasil. Na revisão bibliográfica, os
estudos do antropólogo Rodrigo de Azeredo Grünewald (2004) foram encontrados,
abordando diretamente a questão da influência do turismo na etnicidade de
determinado grupo social, no caso, os índios Pataxó. os pesquisadores da área
do Turismo voltam-se para questões ligadas à Antropologia, na relação entre
visitantes e visitados, sendo a etnicidade apenas um dos traços a ser analisado.
Como exemplo de pesquisadores, podemos citar a turismóloga Margarita Barretto
(2000; 2004; 2007); os antropólogos Álvaro Banducci (2001) e Rafael José dos
Santos (2006) dentre outros estudiosos iniciantes na pesquisa.
Na literatura estrangeira, encontram-se estudos voltados diretamente à área
da etnicidade ligada a Antropologia, com ênfase no trabalho de Philippe Poutignat e
Jocelyne Streiff-Fenart (1998) intitulado Teorias da Etnicidade. Assim como nas
pesquisas do Brasil, também nas estrangeiras, percebe-se grande variedade acerca
de estudos voltados para a Cultura e Antropologia. Quando se trata de Turismo,
uma preocupação antropológica da relação entre visitantes e visitados, porém a
etnicidade acaba sendo novamente apenas um traço do estudo e não o enfoque
principal.
Sabe-se que o turismo pode ser dividido em diversos segmentos como por
exemplo, turismo de aventura, turismo religioso, turismo de saúde, ecoturismo,
turismo rural, turismo cultural, dentre outros, dependendo do tipo de atrativos que
são trabalhados por essa atividade. No turismo cultural, o patrimônio tanto material
quanto imaterial pode vir a se tornar o principal atrativo de um destino. Como
exemplo de patrimônio imaterial, pode-se citar a cultura da comunidade local. Dentro
da cultura os traços culturais ligados à etnicidade e à identidade, que o as
características de cada cultura.
No segmento do turismo cultural, por se trabalhar diretamente com a
comunidade local, sendo por vezes a própria comunidade e sua cultura os atrativos,
1
De acordo com Rodrigo Grünewald (2004) é o espaço no qual ocorrem as relações geradas
pelo turismo.
9
é importante que haja planejamento. Durante o planejamento, a sensibilização da
população, a valorização e a reconstrução da cultura deveriam ser trabalhadas com
os envolvidos direta e indiretamente na atividade. No planejamento do turismo
cultural algumas questões que podem ser trabalhadas são a etnicidade e a
identidade dos grupos. A etnicidade de um grupo demonstra-se, assim como sua
identidade, a partir do contato com o outro. Nessa relação, os sinais diacríticos se
evidenciam, tornando-se traços característicos de determinado grupo.
A partir do momento em que a cultura se torna o atrativo turístico de um
roteiro, os visitantes que vêm em busca dessa esperam encontrá-la de uma forma
“pré-concebida”, ou seja, no caso de uma comunidade de descendentes de italianos
que têm a cultura étnica como o principal atrativo, é possível que alguns turistas
esperem encontrar os atuais descendentes vivendo da mesma maneira que seus
antepassados do século XIX.
Sendo assim, é preciso demonstrar que, embora a etnicidade de um grupo
não se perca, ela esta em constante reconstrução, nunca deixando de existir e
sempre sendo autêntica para o seu grupo social. Seguindo as idéias de Poutignat e
Streiff-Fernart (1998), de que a etnicidade, assim como a cultura, é dinâmica, optou-
se, então, por estudar a comunidade do Roteiro de Turismo Rural Cultural Caminhos
de Pedra, investigando de que forma a etnicidade encontra-se neste grupo, através
da percepção dos moradores locais. Essa escolha se deu pelo fato de que o roteiro
apresenta fortes características da etnicidade italiana e que os visitados comentam
aos turistas que tinham vergonha de ser descendentes de italianos, passando,
atualmente, a ter orgulho disso.
O Roteiro de Turismo Rural Cultural Caminhos de Pedra está localizado no
interior do município de Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha. Local de imigração
italiana e que ainda mantém fortes traços dessa cultura. Dessa forma, a presente
pesquisa buscou entender a questão da reconstrução da etnicidade em um
determinado grupo social, neste caso do Roteiro Caminhos de Pedra. Nesse roteiro
foi analisada de que forma a italianidade é compreendida pelos moradores locais
que repassam essa aos turistas que visitam o roteiro. Por se tratar de uma pesquisa
com base antropológica, a metodologia escolhida como mais adequada a este
trabalho foi a etnografia com observação participante, registro fotográfico e narrativa
fotoetnográfica, buscando analisar a etnicidade a partir da visão dos visitados. Para
tal, a pesquisadora residiu durante dois meses no roteiro, convivendo dia a dia com
10
a população local e turistas.
Em um primeiro momento, o Roteiro de Turismo Rural Cultural Caminhos de
Pedra chamou a atenção da pesquisadora devido às questões ligadas ao
planejamento. No entanto, percebendo a oportunidade de desenvolver uma
pesquisa voltada às questões étnicas ligadas ao turismo no roteiro, o tema pareceu
mais instigador do que o planejamento como vinha se pensando. Após a leitura do
texto Turismo, cultura e identidade étnica, do antropólogo Rodrigo Grünewald (2004),
e com a ajuda do professor orientador, Dr. Rafael José dos Santos, o enfoque da
pesquisa voltou-se para o estudo da etnicidade dos moradores locais da arena
turística do Roteiro Caminhos de Pedra, a partir da visão dos próprios visitados.
Sendo assim, a presente dissertação divide-se em três capítulos. O primeiro
deles, Cultura, Antropologia e turismo, aborda questões ligadas aos três temas,
iniciando com o estudo da Cultura por parte da Antropologia, compreendendo a
visão dos principais antropólogos acerca desse tema e passando ao estudo do
Turismo pela Antropologia, esse que iniciou somente após o ano de 1963 com
Theron Nuñez (BANDUCCI, 2001, p.24). Entrando na pesquisa mais voltada ao
Turismo, apresentam-se as questões de etnicidade e identidade em uma arena
turística, buscando clarear a relação existente entre a cultura, seus traços étnicos e
identitários, e a atividade turística. Apresenta-se ainda uma pesquisa bibliográfica
sobre os segmentos de turismo rural e turismo cultural, objetivando definir a
categoria nativa de turismo rural cultural, utilizada no material de divulgação do
roteiro. Finalizando o capítulo, abordam-se questões voltadas ao planejamento do
turismo cultural, com a finalidade de melhor analisar o Projeto Caminhos de Pedra
que resultou no atual roteiro.
O capítulo seguinte, Projeto Cultural Caminhos de Pedra, inicia com uma
retomada histórica sobre a imigração italiana no Rio Grande do Sul e a formação do
município de Bento Gonçalves, buscando situar o leitor nas raízes da italianidade da
população local residente no Distrito de São Pedro. Nesse capítulo, tamm é
apresentado e analisado o Projeto Cultural Caminhos de Pedra que resultou na
criação do atual roteiro. Além disso, é feita a análise dos documentos de dois
semirios de planejamento, com o objetivo de verificar se a etnicidade e a
identidade cultural dos visitados foi trabalhada desde o início do projeto.
No terceiro e último capítulo, intitulado O lócus: estar no Roteiro Caminhos de
Pedra, apresenta-se a descrição do roteiro com fotos, buscando situar o leitor em
11
relação à arena turística em que se realizou o estudo. Nesse capítulo apresenta-se
também a metodologia utilizada para a realização da pesquisa e da experiência de
campo, na qual a narrativa fotoetnográfica de dois grupos de visitantes ao roteiro
e a interpretação das entrevistas semi-estruturadas realizadas com a população
local. Finalizando com a percepção e interpretação da etnicidade sob o olhar da
pesquisadora após a realização da etnografia com observação participante na
comunidade do Roteiro de Turismo Rural Cultural Caminhos de Pedra.
A título de conclusão, aponta-se o turismo como uma das principais
influências no processo de reconstrução da etnicidade na arena turística dos
Caminhos de Pedra, por meio das relações entre visitantes e visitados, evidenciando
os traços diacríticos culturais.
12
1 CULTURA, ANTROPOLOGIA E TURISMO
Ao estudar a etnicidade e a identidade cultural de uma comunidade é preciso
observar as contribuições de teóricos de diferenciadas áreas, principalmente da
Antropologia. Segundo Laplantine (1999, p.16) “[...] a Antropologia não é senão um
certo olhar, um certo enfoque que consiste em: o estudo do homem por inteiro; o
estudo do homem em todas as sociedades, sob todas as latitudes em todos os seus
estados e em todas as épocas”.
Em fins do século XIX e início do século XX havia correntes que entendiam
que a cultura de cada sociedade dependia de fatores naturais como, por exemplo, o
clima e a situação geográfica. Dizia-se que as sociedades que vivessem em climas e
situações geográficas diferenciadas possuiriam culturas distintas, aquelas que
vivessem em climas e situações geográficas semelhantes teriam os mesmos traços
culturais.
[...] a idéia de que o homem é um ‘produto do meio’ foi, durante algum
tempo, a explicação que alguns geógrafos e antropólogos utilizavam, não só
para explicar a variedade de culturas, mas também para hierarquizá-las, isto
é, classificá-las em mais ou menos desenvolvidas (SANTOS, 2005, p.27).
Essa linha de pensamento, conhecida como determinismo geográfico,
desenvolveu-se com base nas explicações formuladas por Pollio, Ibn Khaldun, Bodin
e outros (LARAIA, 2004). Entretanto, a partir de 1920 essa corrente de pensamento
é superada por antropólogos como Boas, Wissler, Kroeber, entre outros,
demonstrando que existem diferenciadas culturas em um mesmo ambiente físico.
Então, de acordo com Laraia (2004, p.24), baseado em Sahlins (1976),
a posição da moderna antropologia é que a “cultura age seletivamente”, e
não casualmente sobre seu meio ambiente, explorando determinadas
possibilidades e limites ao desenvolvimento, para o qual as forças decisivas
estão na própria cultura e na história da cultura.
Percebe-se, através dessa posição da Antropologia, que a cultura independe
das condições climáticas e geográficas e que essa é um resultado do processo
histórico de cada sociedade, sendo entendida a cultura como um constante
processo de reconstrução.
Na busca de uma explicação para a origem da cultura, o antropólogo francês
Claude Lévi-Strauss “[...] considera que a cultura surgiu no momento em que o
homem convencionou a primeira regra, a primeira norma” (LARAIA, 2004, p.54).
13
o antropólogo norte-americano Leslie White “[...] considera que a passagem do
estado animal para o humano ocorreu quando o cérebro do homem foi capaz de
gerar símbolos” (Ibid, p.55), ou seja, a cultura, de acordo com esse antropólogo,
teria origem a partir do uso de símbolos.
Tylor (1871, apud LARAIA, 2004, p.25) foi o primeiro a definir o conceito de
cultura como o “[...] todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral,
costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como
membro de uma sociedade”. Para Geertz (1978, p.14) essa definição de Tylor chega
“[...] ao ponto em que confunde muito mais do que esclarece” devido a sua
amplitude.
Laraia (2004, p.36) apresenta também a visão de Franz Boas que [...] definiu
o particularismo histórico (ou a chamada Escola Cultural Americana), segundo o qual
cada cultura segue seus próprios caminhos em função dos diferentes eventos
históricos que enfrentou”. Percebe-se nessa já uma visão da cultura como sendo um
processo dinâmico.
Mesmo após apresentar e discutir as definições e idéias dos citados
antropólogos, o também antropólogo Laraia (2004) diz que ainda hoje não uma
compreensão exata do conceito de cultura. Por seu turno, Laplantine (1999, p.120)
apresenta uma definição antropológica:
a cultura é o conjunto de comportamentos, saberes e saber-fazer
característicos de um grupo humano ou de uma sociedade dada, sendo
essas atividades adquiridas através de um processo de aprendizagem e
transmitidas ao conjunto de seus membros.
Segundo Santos (2005, p.34), [...] a cultura é a exclusividade humana,
inclusive porque através dela nós transformamos o que nos é dado pela natureza,
uma transformação tanto no sentido do trabalho que é uma forma material de
transformação da natureza como em termos de atribuição de significados”.
Voltando à questão de que a partir do momento em que algo passa a ter um
significado para uma sociedade esse torna-se parte da sua cultura.
Nesse ponto vale lembrar que a cultura é dinâmica e sofre mudanças. De
acordo com Laraia (2004, p.96), dois tipos básicos dessas mudanças culturais são:
“uma, que é resultante da dimica do próprio sistema cultural, e uma segunda, que
é resultado do contato de um sistema cultural com outro”. Burns (2002, p.127)
apresenta dois processos que induzem a transferência cultural: interno, pela
14
evolução através de invenção, guiada por necessidades ou pelo capitalismo; e
externo, por mudanças forçadas por influências econômicas, políticas, ambientais e
culturais externas”, podendo ser o turismo uma dessas influências externas.
Para Geertz (1978, p.15) a cultura não se trata de um conjunto de padrões de
comportamento. Para ele a cultura é composta por teias de significados das relações
e a sua análise, assumindo “[...] a cultura como sendo essas teias e a sua análise;
portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma
ciência interpretativa, à procura do significado”. Na Antropologia utiliza-se muito o
método etnográfico nas pesquisas de campo. Dessa maneira, o etnógrafo passa a
fazer parte da cultura estudada para assim poder interpretar e analisar as teias de
relacionamentos e seus significados.
Entendendo a cultura como dinâmica, pode-se citar Ortiz (2000) que aborda a
mundialização da cultura. Ele afirma que através da globalização o processo de
reconstrução cultural torna-se cada vez mais amplo, sofrendo influências de todas
as partes do mundo, seja através dos meios de comunicação, da interação entre os
sujeitos, do turismo, dentre outros. São mudanças resultantes do sistema cultural e
sua dinamicidade.
Os exemplos do cinema, da publicidade, da indústria fonográfica, da
televisão e do rádio são significativos na medida em que indicam a
existência de uma malha imprescindível para a mobilidade cultural. A
circulação, princípio estruturante da modernidade, se realiza no seu interior
(ORTIZ, 2000, p.58).
Por meio dos processos de globalização, traços culturais da modernidade
passam a ser comuns a diferentes culturas. Entretanto, esses traços não
descaracterizam uma cultura, ao contrário, passam a fazer parte dessa, tornando-se
característicos. A mundialização da cultura pode ser comparada ao processo externo
de transferência cultural apresentado por Burns (2002).
Sendo assim, as mudanças culturais, conforme apresentando por Laraia
(2004), e a mundialização da cultura, abordada por Ortiz (2000), são fatores que
interferem e influenciam no constante e dinâmico processo de reconstrução das
culturas. Pozenato (1990, p.15) explana acerca das interferências que o turismo
pode gerar em um processo cultural:
Poderia ser um segmento de toda essa cultura de massa ou até da
sociedade de consumo, mas seguramente o turismo, e principalmente o
turismo chamado cultural, pode introduzir transformações e interferir no
significado da cultura, na manutenção ou perda de sua identidade.
15
Dessa forma, o turismo também se apresenta como parte dos processos de
globalização que podem interferir em uma cultura, podendo contribuir para a
recuperação e manutenção cultural ou afetando a identidade de uma sociedade.
Todavia, não se pode dizer que essas interferências sejam negativas, pois, por ser
dinâmica, a cultura constantemente estará recebendo influências tanto interiores
quanto exteriores.
1.1 Antropologia e Turismo
O Turismo, por ser interdisciplinar, está ligado a diversas áreas científicas,
incluindo a Antropologia. Tanto a Antropologia quanto o turismo
[...] tentam identificar e entender a cultura e a dinâmica humana. Uma vez
que o turismo é um conjunto global de atividades que cruza muitas culturas,
precisamos de um conhecimento mais profundo sobre as conseqüências de
interação entre as sociedades que geram e que recebem turistas (BURNS &
HOLDEN, 1995 apud BURNS 2002, p.92).
Sendo assim, através da Antropologia, voltada ao estudo do ser humano, é
possível estudar o Turismo por esse ser feito por e para as pessoas, devendo-se
estudar/analisar as relações entre os homens existentes no turismo para se
compreender a dinâmica cultural existente nessas relações. Além disso, por meio da
Antropologia pode-se assinalar também
[...] a relatividade de pontos de vista culturais, das relações recíprocas
inerentes a cada grupo e das diferentes estratégias de decisão do atores,
sendo possível reparar o caráter não racional de boa parte dos
comportamentos em, e das, sociedades, grupos e instituições implicadas
(SANTANA, 1997, p. 17, tradução minha).
De acordo com Banducci (2001), a Antropologia hesitou em estudar o Turismo
porque os antropólogos acreditavam que se o fizessem seriam considerados como
exploradores dos nativos, forma como os turistas eram vistos. Assim eles se
eqüivaleriam aos turistas. Outro fator que contribuiu para a hesitação no estudo do
Turismo foi porque os antropólogos ainda não estavam cientes do papel que o
Turismo começava a apresentar na sociedade moderna. No entanto, na cada de
1960 iniciam os estudos através da Sociologia e da Antropologia voltados ao
Turismo. O primeiro artigo tratando do assunto é datado de 1963, com autoria de
Theron Nuñez (BANDUCCI, 2001, p.24).
16
Tanto Banducci (2001) quanto Burns (2002) apresentam em seus estudos que
os primeiros escritos antropológicos acerca do Turismo tratavam esse como danoso
e abordavam principalmente os problemas gerados pela atividade turística culpando-
a pelas mudanças nas sociedades. Entretanto Burns (2002, p.117) alerta:
o turismo não é automaticamente a principal causa da mudança, mas
apenas um entre diversos canais para a transmissão de novas idéias. Seria
igualmente ingênuo, contudo, negar o papel que o turismo pode ter na
precipitação ou aceleração da mudança rápida.
Conforme apresentado anteriormente por Ortiz (2000), as mudanças culturais
também são provenientes dos efeitos da globalização, não sendo o turismo o único
responsável por essas mudanças. Sabe-se que o processo de reconstrução cultural
deriva de vários fatores influenciadores, sendo o turismo apenas um deles. Então
para compreender as contribuições do turismo nas mudanças de determinada
cultura, é necessário um estudo longitudinal de longa duração, conforme
apresentado por Burns (2002), ou seja, um estudo etnográfico, de vivência com a
comunidade a ser estudada, compreendendo as teias de significados das relações
e, assim, podendo analisá-las.
Nos estudos antropológicos voltados ao Turismo, apresentava-se uma
preocupação por parte dos antropólogos quanto a atividade turística que se
desenvolvia nas sociedades, promovendo mudanças, apontando para a relação
existente entre os turistas e a comunidade local (visitantes e visitados). Valene
Smith aborda que a cultural local está, provavelmente, diante de dois caminhos,
tendo que optar entre
“(1) controlar e restringir deliberadamente o turismo para preservar sua
integridade cultural e econômica, ou (2) estimular no possível o turismo por
considerá-lo um objeto econômico desejável e reestruturar sua cultura de tal
maneira que esta possa absorver o fenômeno turístico” (SMITH, 1989, p.38,
tradução minha).
Isso estaria relacionado às tensões entre moradores locais e visitantes,
ocasionadas pelo grande afluxo de turistas em uma determinada localidade. Smith
(1989, p.36-37) afirma que a variação da freqüência de visitantes em um local indica
as relações com os visitados. Quanto menor o número de turistas, menor as
interferências desses na cultura visitada e maior o contato com a população local.
Por outro lado, quanto maior o mero de visitantes, maior as interferências e menor
a interação com os visitados. Conforme Burns (2002, p.128), nessa relação uma
17
transferência cultural que “[...] caracteriza-se por uma transformação temporária no
comportamento do anfitrião, apenas durante o encontro ou interação entre anfitriões
e convidados”
Santos e Barretto (2006) relatam em seu artigo a visão que alguns autores
tinham de que a relação existente entre diferenciadas culturas resultava em
aculturação e impacto cultural e que a cultura se tratava de um sistema fechado. “Ao
falar de processos de aculturação estamos reconhecendo a diversidade cultural. Se
todas as culturas fossem iguais, a aculturação não existiria” (BARRETTO, 2007, p.
24, tradução minha).
Todavia, os termos aculturação e impactos nesses estudos da Antropologia
voltados ao Turismo, atualmente, apresentam problemas, pois não abrangem a
totalidade e a dinamicidade cultural. A aculturação era apresentada como o contato
de duas diferentes culturas que resultava em mudanças em ambas. “As discussões
contemporâneas vinculando Cultura e Turismo tem incorporado novos conceitos aos
de aculturação e impacto. Reflexividade, dialogismo, cosmopolitismo, hibridismo
cultural e limites aceitáveis de troca são alguns deles” (BARRETTO, 2007, p.53,
tradução minha). Entretanto, atualmente utiliza-se o termo hibridismo cultural. Esse
prega que a relação entre duas culturas diferenciadas resulta em uma terceira
cultura, pois uma troca cultural modificando-a. Sendo assim, as mudanças
ocorrem nos traços culturais que são trocados através dessa relação. Por meio do
hibridismo, segundo Santos e Barretto (2006), fica implícita que a cultura é um
processo dinâmico não podendo ser considerada um sistema fechado.
Nos estudos de turismo, durante praticamente quarenta anos, predominou
como uma grande narrativa o paradigma conceitual de aculturação.
Conceitos como hibridismo cultural, reflexividade e cosmopolitismo podem,
no entanto, contribuir melhor para a explicação dessa complexa relação
entre turistas e populações residentes (SANTOS e BARRETTO, 2006, p.
259).
Canclini (2003, p.XIX) entende por hibridação os “[...] processos socioculturais
nos quais estruturas ou práticas discretas, que existam de forma separada, se
combinam para gerar novas estruturas, objetos e práticas”, não podendo ser
considerados como fontes puras, por sofrerem influências.
Percebe-se que no hibridismo a modernidade e as tradições tendem a se
articular, os traços diferenciados passam a fazer parte dos traços culturais já
conhecidos, tornando-se, assim, parte da tradição de um determinado povo.
18
Segundo Barretto (2007, p.55), analisando Bhabha (2002), “[...] as culturas que se
encontram não se subordinam, mas que há mediações e traduções que resultam em
um processo de construção de uma nova cultura, com trocas de significados”.
De acordo com Barretto (2007), no período pós-II Guerra Mundial, o turismo
era visto como um dinamizador do desenvolvimento econômico, do intercambio
cultural e do entendimento entre os povos. Ou seja, valorizava as relações entre
turistas e moradores locais e suas trocas, “[...] embora a relação entre visitantes e
visitados tenha adquirido mais características de conflito a partir do surgimento do
turismo de massas, a dificuldade no intercâmbio não parece ter sido diferente em
formas anteriores de turismo” (BARRETTO, 2004, p.138). Esses conflitos, que
surgem nessa relação através do turismo, o inicio aos estudos antropológicos do
Turismo. Conforme mencionado anteriormente e apresentado por Burns (2002,
p.132), essas relações “[...] e o modo como o formadas e alteradas ao longo do
tempo têm uma importância profunda para o estudo antropológico do turismo”. No
turismo de massa a comunicação entre visitantes e visitados é afetada, pois não
uma relação consistente entre ambos, somente um contato breve. quando o
turismo é realizado de forma mais individualizada, a relação ocorre e a comunicação
entre a comunidade local e os turistas pode interferir nas representações e na
reconstrução da herança cultural e da etnicidade dos visitados.
A relação existente entre a comunidade local e os turistas “[...] varia em cada
caso, em função de uma série de circunstâncias, favoráveis ou desfavoráveis, o que
obriga os investigadores a terem muito cuidado antes de generalizar” (BARRETTO,
2007, p.58), pois essa relação difere em função de diversos fatores, inclusive a visão
que a comunidade local tem acerca dos turistas. Por esse motivo, acredita-se na
necessidade de um estudo de caso no qual é possível interpretar e analisar a
relação entre visitantes e visitados e os resultados dessa, principalmente do ponto
de vista do visitado.
Na atualidade, se pode dizer que a relação entre visitantes e visitados varia
dentro de um amplo espectro, desde situações de contato zero até
situações de intimidade dentro de casa ou da aldeia, desde situações de
simpatia e criação de laços de amizade até situações de hostilidade
(BARRETTO, 2007, p.81).
Percebendo essas formas de relações entre visitantes e visitados, optei por
estudar no Roteiro Cultural Caminhos de Pedra, no qual a relação entre visitantes e
visitados ocorre de diferentes formas dependendo da casa visitada. Em algumas
19
casas, um maior contato entre os moradores e os turistas do que em outras.
também aquelas em que o visitante tem contato apenas com funcionários que por
vezes não residem na comunidade. Surgiu tamm a necessidade de analisar de
que forma a etnicidade e a herança cultural dos moradores o influenciadas pelo
turismo no processo de reconstrução, sendo essa análise realizada através da
relação entre visitantes e visitados.
Barretto (2007, p.67) lembra que “o turismo é uma atividade realizada pelo
homem em sociedade. Como tal tem um importante grau de imprevisibilidade, por
isso não se podem generalizar as relações entre visitantes e visitados nem predizer
como serão em determinado momento e lugar”. Sendo assim, o que ocorre em uma
comunidade pode não ocorrer em outra, pois o turismo e a relação existente entre
moradores locais e turistas varia de caso para caso, não podendo generalizar e
afirmar que ocorra da mesma maneira em todos os locais. Assim, compreende-se
melhor a importância do estudo das relações entre visitantes e visitados no turismo e
de que forma a cultura é abordada nessa relação. Além disso, conforme lembra
Pozenato (2003), é preciso analisar um processo cultural dentro de um processo
histórico para poder compreendê-lo, pois
Ele estando dentro de um processo de história ele se transforma. É
importante saber identificar que fatores podem determinar transformações
culturais, mudanças culturais. Que fatores, ao introduzir mudanças culturais,
respeitam a identidade, fazem modificações, mas não destroem o
significado cultural, e que fatores, ao interferir numa cultura, destroem essa
identidade (POZENATO, 2003, p.30).
Sendo assim, é preciso analisar o turismo nas relações entre visitantes e
visitados como um fator que pode influenciar nas mudanças culturais, podendo
essas mudanças virem a ser positivas ou negativas, dependendo do local e a forma
com que a atividade turística é desenvolvida e da maneira como ocorre a relação
entre visitantes e visitados.
Segundo Wainberg (2003), trabalhando com a visão de Taylor (2001), tem-se
que uma das grandes potencialidades da comunicação através do turismo é que o
visitante e o visitado estão em uma área de contato.
A comunicação turística é sempre mediada por artefatos do outro. Nós
vivemos num mundo que é materialmente heterogêneo. Sua exposição pelo
nativo e o desejo do turista de vislumbrar tais acervos refletem o encontro de
alteridades. Um encontro com diálogo constrangidos, limitados pela própria
natureza desta indústria. Neste andar apressado, consomem-se marcas,
imagens, significações empacotadas, narrativas agendadas por roteiros pré-
20
moldados (WAINBERG, 2003, p.76).
Essa comunicação ocorre através das relações interpessoais favorecidas pelo
turismo, relações entre visitantes e visitados, nas quais a comunicação entre ambos
pode influenciar no processo de reconstrução cultural e na representação dessa aos
visitantes e para os próprios moradores locais.
Wainberg (2003, p.47) apresenta a segmentação de turistas exposta por
Moscardo e Pearce (1999) 1. O grupo de turistas em alta conexão étnica; 2. O
grupo de turistas passivos; 3. O grupo de turistas consumidores; 4. O grupo de
turistas de baixo interesse étnico”. Essas segmentações representam as diferentes
formas de relações que podem se dar entre turistas e moradores locais, iniciando
com os turistas de alta conexão étnica, que têm maior interesse nos visitados, e
finalizando com os turistas de baixo interesse étnico, que se revelam deslocados. O
interesse por parte dos turistas varia de acordo com o desejo de conhecer e se
envolver com a cultura do outro.
De acordo com Wainberg (2003, p.47) [...] turismo é comunicação acima de
tudo”, pois é feito por pessoas para pessoas sendo a comunicação a principal forma
de interação entre os sujeitos. “Devemos por isso [...] elaborar uma boa teoria
comunicacional do turismo para compreender outras dimensões do tema, mesmo
seus aspectos econômicos e sistêmicos mais amplos” (Ibid., p.83). Neste caso,
analisando a etnicidade dos moradores locais através da comunicação existente nas
relações com os visitantes
Sendo assim, busca-se perceber esses fatores existentes na relação entre
moradores locais e turistas no Roteiro Cultural Caminhos de Pedra a fim de
compreender o processo cultural atual e suas interferências provenientes do
processo histórico e turístico nesse local. Então, após situar a Cultura no Turismo e
vice-versa, e como esses podem ser abordados pela Antropologia, também é
importante estudar para compreender, além do Turismo e da Cultura, a herança
cultural, a etnicidade e a identidade cultural do grupo em questão.
1.2 Etnicidade e identidade em uma arena turística
A natureza, a crença religiosa, os esportes, a herança cultural, a identidade e
a etnicidade, dentre tantos outros, o utilizados como atrativos pela atividade
turística. Se uma das motivações do turismo é a busca do exótico, do diferente, do
21
outro, esse fato pode levar o visitado a
[...] se apresentar de acordo com o exotismo requerido pela perspectiva
turística a fim de serem atrativos no mercado turístico. Devem ter sinais
diacríticos a exibir, a serem consumidos nesse amplo mercado. A
construção, promoção ou fortalecimento de sinais diacríticos que
caracterizam (que definem culturalmente) um povo é o próprio âmbito da
etnicidade (GRÜNEWALD, 2004, p. 02).
Dessa forma, a etnicidade está no contexto da identidade dos visitados.
Esses buscam os sinais diacríticos de sua identidade, reconstruindo-os e
renovando-os de acordo com a demanda turística e, assim, valorizando a sua
etnicidade como um produto turístico. Segundo Barth (1998), a etnicidade se define
nas fronteiras, ou seja, quando o contato entre dois grupos diferenciados, as
fronteiras desses definem a sua etnicidade. Dentro de um grupo o conteúdo, os
traços culturais, pode se modificar, todavia a etnicidade continua a mesma sendo
percebida através dos sinais diacríticos das fronteiras.
De acordo com Grünewald (2004), Nelson Graburn percebe a etnicidade
como a construção identitária em que se tem a comunicação como um dos acessos
ao outro. Ainda interpretando esse autor, Grünewald (2004) afirma que uma
identidade pode buscar renovar as tradições baseada em um período anterior de
uma cultura, ou mesmo buscando traços culturais distintos. Segundo Graburn (apud
GRÜNEWALD, 2004, p.02), símbolos identitários não precisam ser originais de uma
cultura, eles podem ser trocados, emprestados e até roubados:
De fato, seria difícil selecionar qualquer cultura ou subgrupo cujos símbolos
culturais fossem totalmente de sua própria criação ou de sua própria
história. Além disso, tais identidades ‘emprestadas’ são freqüentemente
úteis ou funcionais num mundo onde velhos grupos são degradados ou
novas categorias e etnicidades estão sendo criadas.
Dessa forma, percebe-se a dinamicidade do processo de reconstrução
cultural, durante esse uma cultura pode absorver traços diferenciados de outras
culturas passando a ser característicos também da cultura que os absorveu. Am
disso, o que define a identidade de determinado mbolo transplantado de uma
cultura para outra é o significado que lhe é deferido:
Quando se copia uma manifestação cultural se copia o signo, não o
significado. Descobrir isso é um processo de interpretação permanente.
Toda interpretação é uma interpretação, uma leitura sempre sujeita a re-
exame, a reformulação, quer dizer, a leitura do significado é sempre um
processo em aberto. (POZENATO, 1990, p. 13).
Seguindo essa linha de pensamento, a etnicidade deriva da origem comum
22
que gera vários traços culturais, formando, assim, uma identidade que passa a ser
vivenciada como real em determinado momento. Com o passar do tempo, novos
traços culturais o sendo absorvidos e esses passam a fazer parte dessa
etnicidade, tornando-se a herança cultural de um grupo. A etinicidade determina
[...] um tipo particular de grau social que se alimenta de características
distintas e de oposições de estilos de vida, utilizadas para avaliar a honra e
o prestígio segundo um sistema de divisões sociais verticais. Mas essas
características distintivas têm eficácia na formação dos grupos étnicos
quando induzem a crer que existe, entre os grupos que existem, um
parentesco ou uma estranheza de origem (POUTIGNAT e STREIFF-
FENART, 1998, p.38).
É então essa relação de alteridade entre os visitantes e visitados que faz com
que os moradores locais do Roteiro Cultural Caminhos de Pedra passem a valorizar
a sua etnicidade, tornando-a um atrativo turístico, buscando reconstruí-la ou renová-
la. Conforme Poutignat e Streiff-Fenart (1998, p.124) “[...] a etnicidade não se
manifesta nas condições de isolamento, é, ao contrário, a intensificação das
interações características do mundo moderno e do universo urbano que torna
salientes as identidades étnicas”. Ou seja, é através das diferenças culturais e do
contato com o outro que a etnicidade se evidencia. Quando uma comunicação
entre diferentes culturas, a identidade étnica se define.
A etnicidade o é vazia de conteúdo cultural (os grupos encontram
‘cabides’ nos quais pendurá-la), mas ela nunca é também a simples
expressão de uma cultura pronta. Ela implica sempre um processo de
seleção de traços culturais dos quais os atores se apoderam para
transformá-los em critérios de consignação ou de identificação com um
grupo étnico (POUTIGNAT e STREIFF-FENART, 1998, p.129).
Seguindo o embasamento apresentado por Poutignat e Streiff-Fenart acerca
da etnicidade, tem-se que essa é dimica, estando em constante construção. De
acordo com Santos e Barretto (2006), esse fenômeno era conhecido como
aculturação, no qual os traços culturais de outros grupos eram absorvidos por
determinado grupo. Atualmente, trabalha-se com a idéia de hibridismo, uma vez que,
quando uma cultura absorve traços de outra cultura, nenhuma deixa de existir, mas
continua sendo percebida como cultura, na qual esse novo traço cultural faz parte,
passando a ser característico dela. Através do termo hibridismo fica implícita “[...]
uma concepção dimica e processual de cultura, já não mais concebida como
sistema fechado” (SANTOS e BARRETTO, 2006, p.246). Conforme Canclini (2003,
p.XXI) a construção lingüística (Bakhtin; Bhabha) e a social (Friedman; Hall;
23
Papastergiadis) do conceito de hibridação serviu para sair dos discursos biológicos e
essencialistas da identidade, da autenticidade e da pureza cultural”.
O processo de seleção dos traços culturais da etnicidade que irão se tornar
mais característicos de um grupo pode ocorrer objetivando a interação com o
turismo: “trata-se de uma ‘etnicidade-para-turismo na qual culturas exóticas figuram
como atração chave, onde os nativos se esforçam ‘para satisfazerem a demanda
turística ou para fazer-se-nativo-para-turista’” (MACCANNEL apud GRÜNEWALD,
2004, p. 03) e “[...] o turismo promove a restauração, preservação e a recriação de
atributos étnicos” (ibid, p.03).
Rodrigo Grünewald (2004) apresenta em suas pesquisas, a forma com que os
índios Pataxó e os Potiguara, de Coroa Vermelha na Bahia, desenvolveram o
turismo voltado à sua cultura. Os índios não querem integrar-se totalmente ao
desenvolvimento regional, tendo a necessidade de reforçarem a sua indianidade,
nesse ponto o turismo surge como uma forma de reforço. O autor demonstra como
os índios buscaram a renovação e o fortalecimento da sua identidade étnica
produzindo uma cultura diante do contexto turístico. Essa “é uma cultura que não
obedece mais a gicas ancestrais e relativas aos mitos de origem ou coisa parecida
[...]” ela recebe influências de uma “[...] dimica pós-moderna, globalizada,
informada por fluxos translocais de cultura [...]” (GRÜNEWALD, 2004, p.17), sendo
organizada de acordo com contextos específicos.
Assim como ocorre com os índios Pataxó, pode-se dar como exemplo a
italianidade, ou seja, a reconstrução da etnicidade italiana gerada pelo
desenvolvimento do turismo, sendo uma forma de reconstrução da cultura. “Essa
cultura à qual diz respeito a leitura que imigrantes fazem hoje do passado. Elegem
no passado os pilares que dão sustentação para o ideal de cultura italiana, que
corresponda às aspirações atuais, ‘modernas’, do que é ser italiano” (SAVOLDI,
2001, p.90).
Em seu estudo Adiles Savoldi (2001) destaca que na cidade de Urussanga,
região sul de Santa Catarina, a italianidade está se constituindo como uma forma de
marketing turístico, pois o fato de ser descendente de italiano deixou de ser algo
vergonhoso e passou a ser sinônimo de status. A população local contou com o
apoio de associações italianas no resgate da cultura e na sensibilização dos
descendentes quanto à valorização de seus antepassados e seus costumes, como a
alimentação e sotaque, que antes eram ridicularizados.
24
O resgate da italianidade no estudo de Savoldi (2001) vai ao encontro das
idéias de Grünewald (2004), quando afirma que os membros das comunidades
étnicas podem participar de atividades turísticas, ocorrendo um resgate de culturas,
tradições, danças e artefatos já esquecidos pelos descendentes, a fim de exibi-los
para os turistas.
O mesmo que Rodrigo Grünewald apresenta sobre os índios Pataxó pode
ocorrer em outras comunidades. O autor lembra que seria incorreto um turista
pensar que iencontrar os índios, atualmente, vivendo da mesma forma que os
índios da época do descobrimento. Assim como é equivocado o turista acreditar que
vai encontrar as pequenas comunidades coloniais da mesma maneira que as
encontraria no século XIX, quando da chegada dos imigrantes italianos ao Rio
Grande do Sul.
Seguindo a idéia de Grünewald, através do turismo a reconstrução da
etnicidade não é necessariamente negativa, pois contribui para restaurar traços
culturais que estavam se perdendo. Essa reconstrução contribui para a valorização
da etnicidade e da identidade de um grupo. No entanto, essas não são reconstruídas
da mesma forma que ocorria em gerações passadas, pois uma transformação,
um contato com outras culturas e a absorção de traços diferenciados, formando
assim determinada etnicidade que não deixa de ser original, mas também não se
trata de uma etnicidade totalmente nova.
No caso a ser estudado, do Roteiro Cultural Caminhos de Pedra, muitos
traços culturais “italianos” foram se alterando com o passar do tempo. Entretanto,
isso não significa que os descendentes dos imigrantes italianos perderam a sua
etnicidade. Mesmo absorvendo outros traços culturais, mantêm traços étnicos
particulares.
O realce da identidade étnica exprime-se, assim, inicialmente através de um
rótulo étnico entre outros meios possíveis de identificação das pessoas. É
apenas depois de ter selecionado esse rótulo [...] que os comportamentos,
as pessoas, os traços culturais que eles designam surgem quase
naturalmente como “étnicos (POUTIGNAT e STREIFF-FENART, 1998,
p.129).
A identidade de um grupo é, de acordo com Hall (2004, p.38), “[...] realmente
algo formado, ao longo do tempo, através de processos inconscientes, e não algo
inato, existente na consciência no momento do nascimento”. Essa se forma pela
comunicação com diferentes grupos e pela absorção de traços culturais
25
diferenciados, sendo assim dinâmica e estando em constante reconstrução/
reformulação. Estudos que levam em consideração os processos de hibridação nos
dão conta que
[...] não é possível falar das identidades como se se tratasse apenas de um
conjunto de traços fixos, nem afirmá-las como a essência de uma etnia ou
de uma nação. A história dos movimentos identitários revela uma série de
operações de seleção de elementos de diferentes épocas articulados pelos
grupos hegemônicos em um relato que lhes coerência, dramaticidade e
eloqüência (CANCLINI, 2003, p.XXIII).
Outro fator que contribui para a reconstrução de uma identidade é o
sentimento de pertencimento a determinada cultura. Esse sentimento contribui para
que o sujeito busque traços dessa cultura, podendo ser por meio da sua etnia,
passando a fazer parte da sua identidade cultural. Sendo assim, a identidade
permanece em um constante processo de formação, “[...] os processos
inconscientes não podem ser facilmente vistos ou examinados” (HALL, 2004, p.39).
Além disso, a identidade, assim como a etnicidade, é relacional, ela depende
de influências externas para ser tal identidade, ou seja, ela precisa de outra
identidade para se diferenciar. “A identidade é, assim, marcada pela diferença”
(WOODWARD, 2000, p.09).
As formas pelas quais a cultura estabelece fronteiras e distingue a diferença
o cruciais para compreender as identidades. A diferença é aquilo que
separa uma identidade da outra, estabelecendo distinções, freqüentemente
na forma de oposições [...]. A marcação da diferença é, assim, o
componente-chave em qualquer sistema de classificação (WOODWARD,
2000, p. 41).
É também a partir das diferenças que se reconstrói a identidade étnica. Por
meio da comunicação se evidenciam as diferenças e se estabelecem fronteiras
étnicas.
[...] dentro desses fatores que interferem nas mudanças culturais, na
questão das trocas entre culturas, não vamos encontrar maiores
dificuldades de compreeno, nem traumas culturais, porque esse processo
se faz dentro de uma dimica em que os significados vão sendo
reconstruídos, na medida em que os elementos vão sendo tomados de
empréstimo (POZENATO, 2003, p.33).
De acordo com Poutignat e Streiff-Fenart (1998, p.156), “um grupo pode
adotar os traços culturais de um outro, como a língua e a religião, e, contudo
continuar a ser percebido e a perceber-se como distinto”, pois os traços que esses
adotarem de outro grupo podem ser os mesmos, no entanto, podem ser atribuídos
significados diferenciados do que se tinha no grupo anterior. Sendo a identidade
26
étnica realçada por meio de um rótulo étnico como forma de identificação “é apenas
depois de ter selecionado esse rótulo (depois que a etnicidade foi realçada pelo
procedimento mesmo de sua seleção) que os comportamentos, as pessoas, os
traços culturais que eles designam surgem quase naturalmente como ‘étnicos’” (Ibid,
p.167).
O turismo, na medida em que supõe contato, pode levar as diferenças
culturais a se tornarem um atrativo. Em uma arena turística, que é o “[...] espaço
social onde ocorrem interações geradas pela atividade turística [...]. etnicidade
e a identidade étnica construída nesse palco também é legitima e autêntica na
medida em que autênticos e legítimos são os turismos nesses espaços sociais”
(GRÜNEWALD, 2004, p.05). Essa noção de arena turística, apresentada por
Grünewald pode ser aplicada ao Roteiro Cultural Caminhos de Pedra da seguinte
forma: sujeitos de comunidades étnicas inserem-se nas atividades turísticas,
juntamente com outros membros, dando origem a uma comunidade turística; as
fronteiras desta comunidade podem ter a mesma amplitude da arena turística, que é
o local no qual é desenvolvida a experiência turística. Então os membros da
comunidade turística, que são os envolvidos no turismo juntamente com os demais
da comunidade étnica, formam uma comunidade etnoturística.
Dessa forma, o Distrito de São Pedro, juntamente com as comunidades de
Santo Antônio e Santo Antoninho, formam uma comunidade etnoturística na qual os
membros que se inserem na atividade turística podem ser considerados membros
de uma comunidade étnica, e o roteiro, que é o espaço no qual a interação
gerada pelo turismo, como a arena turística.
Portanto, uma das tarefas dessa pesquisa é identificar como se reconstrói a
etnicidade da herança cultural, herdada dos primeiros imigrantes italianos chegados
ao Rio Grande do Sul, na arena turística do Roteiro de Turismo Rural Cultural
Caminhos de Pedra, através da análise do planejamento do projeto desse roteiro, da
descrição etnográfica e da análise da etnicidade através da relação entre visitantes e
visitados.
1.3 Turismo rural, turismo cultural e turismo rural cultural
As pessoas têm buscado no turismo não apenas a fuga do seu cotidiano , a
procura de lazer e descanso, mas também o conhecimento. Sendo assim
27
[...] a interpretação histórica contribui com uma nova perspectiva para o
turismo cultural, na medida em que amplia as possibilidades de objetos de
interpretação e das formas de interpretar as culturas passadas, ampliando,
ainda, as possibilidades de transformação dessas culturas em atrativos a
serem problematizados e valorizados pelo visitante (MENESES, 2004,
p.48).
Através da interpretação das culturas por meio do turismo cultural é instigado
o conhecimento dos turistas. Para isso, o necessárias diferentes formas de se
apreender e interpretar a cultura, estimulando o turista a sair de seu cotidiano e
buscar o encontro e o conhecimento do outro e seu dia-a-dia.
O turismo cultural, de acordo com Azevedo (2002, p.151), é composto por
dois termos, o turismo e a cultura, sendo o primeiro “[...] a busca de diferenças [...]” e
o segundo “[...] o digo mais profundo que revela o modo de ser de uma dada
sociedade”. Esse turismo tem como elemento diferencial a busca pelo patrimônio
“[...] que a Unesco veio a denominar ‘patrimônio humano’” por ser constituído
também por representações de estilos de vida. Dentre os elementos básicos, pode-
se citar “[...] a identidade dos povos e, também, por conseqüência [...], a diversidade
cultural”. Azevedo (2002, p.152) ainda especifica mais o turismo cultural, no qual
[...] a motivação central corresponde à busca do conhecimento, busca essa
que envolve satisfação da curiosidade, inclusive em relação ao patrimônio
humano. Outra característica marcante distinta do turismo cultural é que sua
oferta se pode dar independentemente de estações e de configurações de
território, podendo ocorrer no litoral ou interior, em zona urbana ou rural, em
região plana ou acidentada.
Barretto (2000, p.19-20) entende por turismo cultural “[...] todo turismo em que
o principal atrativo não seja a natureza, mas algum aspecto da cultura humana. Esse
aspecto pode ser a história, o cotidiano, o artesanato ou qualquer outro dos
inúmeros aspectos que o conceito de cultura abrange”.
Interpretando os conceitos apresentados por Azevedo (2002) e Barretto
(2000), percebe-se que a história e a cultura estão presentes quando se trata de
turismo cultural. Além disso, tem-se como uma das motivações centrais o
conhecimento do “outro”, sejam os seus valores, o seu patrimônio, enfim, sua
etnicidade, cultura, tradição e história. Quando se fala em patrimônio busca-se
enfatizar que esse
[...] deixou de ser definido pelos prédios que abrigaram reis, condes e
marqueses e pelos utensílios a eles pertencentes, passando a ser definido
como o conjunto de todos os utensílios, hábitos, usos e costumes, crenças
28
e forma de vida cotidiana de todos os segmentos que compuseram e
compõem a sociedade (BARRETTO, 2000, p.11).
Além do patrimônio denominado patrimônio humano pela Unesco e do
patrimônio de forma abrangente definido por Barretto (2000), esse tamm pode ser
dividido em patrimônio material e patrimônio imaterial. Conforme apresenta Meneses
(2004, p.24), “o primeiro é o conjunto das construções físicas do homem na sua
relação com o meio ambiente para o atendimento de suas necessidades práticas” e
o segundo agrupa “[...] as construções mentais e os valores culturais configurados
em signos e significados diversos”.
No turismo cultural é fundamental trabalhar com todas estas formas de
abordagem do patrimônio, seja humano, material ou imaterial. Todos m grande
importância nesse segmento da atividade turística mantendo a história e a herança
cultural, que geram o conhecimento, e o encontro com o cotidiano do outro, que os
turistas buscam.
Após anos de auge do turismo de massa, nas décadas de 1950/1960, o
turismo cultural vem se mostrando como alternativa àqueles que desejam mais do
que lazer e descanso em suas viagens, sendo voltado principalmente para
motivações como conhecer novas culturas, ampliando o seu conhecimento. Esse
turismo é possível, entre outros, através de atrativos histórico-culturais que são
utilizados pela atividade turística. Além disso, “o patrimônio que o turista quer e deve
ver está vivo. Ele deveria ser vivenciado em seu próprio devir, em sua dinâmica
vivência que conjuga história, tradições, artes, valores e práticas costumeiras”
(MENESES, 2004, p. 30), não perdendo o seu real significado e valor cultural. Gastal
(2002, p.127-128) lembra que
é necessário que a Cultura deixe de ser apresentada exclusivamente do
ponto de vista do lugar, do sedentário, como algo acabado, como produto a
ser assimilado/consumido. É preciso que mesmo os monumentos
arquitetônicos ou artísticos sejam visitados e usufruídos enquanto
símbolos de um determinado momento em uma comunidade, mas que eles
tamm continuem vivos para a comunidade onde estão.
Na busca do reconhecimento de um espaço turístico cultural é preciso “[...]
dar sentido e significado a coisas e a costumes de tempos diversos e de pessoas
diferentes do turista” (MENESES, 2004, p.104), além de incentivar a recuperação ou
preservação da memória coletiva com objetivo de recuperar ou manter viva a cultura
e a memória da população local. Assim como também “deve-se propiciar ao turista
informações e estrutura para que seja possível a experiência turística, para que ele
29
tenha um acentuado apreço ao ambiente natural, à vida material e aos costumes de
homens e mulheres que vivem nesse espaço” (Ibid, p.105), percebendo os sinais
diacríticos existentes entre as diferentes culturas.
Sendo assim, na busca do turismo cultural para um determinado local pode
ocorrer uma revitalização tanto do patrimônio material quanto imaterial, com objetivo
de recuperar o que havia sido perdido ou estava nesse processo e pode vir a se
tornar um atrativo turístico. Barretto (2000) alerta que dessa forma o patrimônio pode
se tornar um bem de consumo deixando de ter como seu valor principal a
significação histórica e passando a ser valorizado apenas como um atrativo turístico
sem história.
Percebe-se que a utilização do patrimônio cultural pelo turismo vem
crescendo e tornando-se uma alternativa de desenvolvimento da atividade turística.
O patrimônio cultural é o “[...] legado histórico socialmente determinado e preservado
pela memória coletiva [...]” (MENESES, 2004, p. 20), podendo tornar-se um atrativo
turístico bem sucedido, pois “é próprio do homem buscar conhecer as diferenças
culturais, intentar compreender significados para as vidas de outros grupos sociais,
visitar lugares que não são os seus para compreendê-los em sua espacialização
histórica e cultural própria” (Ibid, p.20). Desta forma, os indivíduos buscam através
do turismo conhecer o patrimônio cultural a fim de apreender melhor determinada
cultura, buscando compreendê-la, o que ocorre quando o patrimônio se torna um
atrativo turístico. Sendo assim, a transformação do patrimônio em atrativo turístico é
positiva quando o turismo é trabalho em conjunto com o significado histórico do
patrimônio, gerando conhecimento tanto para a comunidade local quanto para os
turistas.
É preciso levar em consideração o significado histórico e cultural do
patrimônio, tanto material quanto imaterial, para o desenvolvimento do turismo, pois
esse patrimônio muitas vezes é o cerne para o desenvolvimento do turismo cultural,
objetivando relembrar o passado mantendo viva parte da memória e a cultura de
determinada localidade. Entretanto, caso haja interferências negativas, pode-se
perder a memória cultural e essa dificilmente poderá ser reconstruída. Sendo assim,
Meneses (2004, p.41-42) lembra que
o exercício teórico e prático do turismólogo que se dedica ao planejamento
e desenvolvimento de um turismo cultural tem sua base fundamental na
interpretação de manifestações culturais que ele apreende, inventaria,
documenta e transforma em atrativo para pessoas que buscam conhecer o
30
outro e transformar esse conhecimento em momento de abstração e de
fruição prazerosa.
Por isso, no turismo cultural é preciso que, juntamente com o atrativo turístico,
a realidade da comunidade esteja presente, sendo uma história em construção e
não apenas um objeto museológico de observação, levando a “musealização da
vivência cotidiana frente a produção massiva de atrativos turísticos” (MENESES,
2004, p.12). Pois é observando a realidade que o turista visualiza, pensa e
compreende a concepção e a etnicidade daquela comunidade. Desta forma, o turista
não esquece e recomenda a visita a outros; é preciso que o turista incorpore
significados ao atrativo para não esquecê-lo.
No turismo cultural
caminhos, percursos, hospedagens e desconfortos desmotivam, mas não
desanimam quem quer conhecer culturas distintas. Ontem e hoje, viajantes
buscam, na fuga do seu cotidiano, empreender percursos que os levem ao
lazer, ao descanso, mas, sobretudo, ao conhecimento. Não dispensam,
entretanto, um planejamento receptivo que os acolha e lhes ofereça visitas
problematizadoras e prazerosas (MENESES, 2004, p.113).
Da mesma forma que o turismo cultural, o turismo rural surge como uma
alternativa de sair do cotidiano para os turistas, pois muitos vivem em centros
urbanos, perdendo quase todo o contato com a vida no campo. Sendo assim, o
turismo rural vem a ser uma alternativa de encontro com um meio diferente do seu
cotidiano. Esse, de acordo com Solla (2002), é o turismo que ocorre no meio rural
tendo os elementos desse ambiente como a principal motivação, [...] o turismo rural
está mais interessado nos aspectos do patrimônio, que pode abranger não a
própria natureza, mas também a cultura popular, a arquitetura, a gastronomia ou os
modos de vida” (SOLLA, 2002, p.117). Sendo assim, o turismo rural necessita não
somente do espaço rural para ocorrer, ele tamm depende do patrimônio que se
encontra em determinado espaço para que se torne atrativo juntamente com o rural.
Com essa união, o turismo é chamado de turismo rural. Esse segmento também
[...] busca a valorização do patrimônio cultural e natural, conservando raízes
e divulgando costumes, trabalhando com a perspectiva de manutenção do
homem no campo e servindo como novo segmento a ser agregado à
atividade econômica principal da propriedade (MACHADO, 2005, p.37).
Sendo assim, o turismo rural surge como uma alternativa de atividade
complementar aos indivíduos que vivem na zona rural e que têm sua atividade
31
principal baseada na agricultura:
[...] turismo rural deve estar relacionado, especificamente, ao meio e à
produção rural. Se a idéia é de complementar a renda do pequeno produtor
rural, gerar emprego, evitar o êxodo rural e promover o desenvolvimento
local, o Turismo Rural deve ser conceituado como uma atividade que
considere os atributos essenciais do que é, de fato, rural. (TULIK, 2004, p.
86-87).
Ainda de acordo com Solla (2002), um dos papéis do turismo rural seria criar
alternativas de renda complementar, com intuito de manter a população no campo
através das intervenções positivas geradas pela atividade turística. Am disso, Solla
(2002) aponta como motivação central do turismo rural os aspectos do patrimônio,
no sentido amplo, envolvendo a natureza, a cultura popular, a arquitetura, a
gastronomia, os modos de vida, o seu passado, entre outros. De acordo com esse
mesmo autor, “de modo muito simples pode-se dizer que o turismo rural é aquele
que se desenvolve no meio rural e que tem como principais motivações os
elementos próprios desse ambiente [...] mantém implícita uma estreita relação com
as populações locais” (Ibid. p.117-118).
Percebe-se, então, que o turismo recebe diferentes tipologias, tais como,
turismo ambiental, turismo religioso, turismo rural, turismo cultural, turismo de
aventura, dentre tantas outras. Cada uma dessas trabalha com uma diferente
abordagem do turismo, pois tendem a valorizar mais o seu enfoque, seja a natureza,
a religião, a cultura, etc.
Na presente pesquisa, o conceito de turismo rural cultural pode ser
considerado como uma categoria nativa, pois não é utilizado pela corrente científica.
Entretanto, é utilizado pelo Roteiro de Turismo Rural Cultural Caminhos de Pedra,
que se auto-intitula, na folhetaria impressa, um roteiro de “turismo rural cultural”. Por
esse motivo percebe-se a necessidade de buscar uma possível conceituação teórica
para esse. Sendo assim, será abordada a união entre o turismo rural e o turismo
cultural, com o objetivo de conceituar o turismo rural cultural em roteiros que
localizam-se no meio rural, mas que têm como principal atratividade a cultura.
Através da prática do turismo responsável, o que se deve buscar é o encontro
entre turistas e a comunidade local, pois através desse encontro, se esse ocorrer de
forma benéfica, ambos podem aprender com a cultura do outro. Ou seja, quando
não uma espetacularização da cultural local, quando o visitante tem a
possibilidade de observar a cultura e as tradições, o visitante aprende com o
32
visitado, podendo haver uma troca, pois o turista passa a conhecer mais acerca do
local e da população receptora. Além disso, quando há um contato mais direto com o
turista, a população local pode aprender com aquele, pelo fato de que mesmo em
uma conversa informal muito de cada cultura é passada. Entretanto, sabe-se que
esse encontro e essa troca ocorrem quando realmente uma integração entre
visitantes e visitados. O turismo deve permitir
[...] o encontro de seres humanos que habitam as regiões mais afastadas e
o de línguas, raças, religiões, orientação política e posição econômicas
muito diferentes. Ele os reúne. É graças a ele, em grande parte que estes
seres humanos conseguem estabelecer um diálogo entre si, compreender a
mentalidade do outro, que, de longe, lhe parece tão estranho, preenchendo,
dessa forma, o fosso que os separa. (KRIPPENDORF, 2000, p. 82-83).
Todavia, sabe-se que muitas vezes isso não ocorre. O turismo deve ser
responsável pela exaltação da cultura e não pela sua espetacularização, “[...]
promovendo a preservação da memória histórica e atuando como elemento de
continuidade que permite às comunidades se apropriarem do conhecimento de seus
bens patrimoniais, e perceberem o correspondente valor econômico (AZEVEDO,
2002, p.154).
O turismo rural cultural busca unir a cultura ao ambiente rural, demonstrando
que o meio rural também é muito rico culturalmente. No Roteiro Caminhos de Pedra,
esse turismo é claramente perceptível, pois se tratava de um local que era
considerado antigoe “ultrapassado” por alguns, mas quando foi avaliada a riqueza
cultural mantida naquele local percebeu-se o enorme potencial que ali havia.
Com o surgimento, cada vez maior, de novas tecnologias, muitas vezes os
costumes e hábitos acabam se modificando, por esta ser a tendência
natural. Contudo o Turismo traz como benefício a revitalização destes
costumes e hábitos esquecidos, mas é importante que esses não voltem
apenas por ser uma necessidade imposta pelo fenômeno e sim como algo
que já fazia parte da vida das pessoas e que continua fazendo como se
nunca tivesse sido esquecido. (MICHELIN, 2005, p. 44).
Sendo assim o turismo rural cultural é um turismo que ocorre em um espaço
rural, ou de características rurais fortemente presentes, associado ao patrimônio
cultural, lembrando que esse pode ser tanto arquitetônico quanto histórico, ou como
denominado pela UNESCO, patrimônio humano, no qual os visitantes buscam o
contato com o outro, buscam o local de moradia original para aprender mais sobre
as tradições, histórias, enfim, a cultura da comunidade local no seu espaço de
origem, que nesse caso é o espaço rural. De acordo com Meneses (2004, p.49),
33
“pensar o patrimônio cultural de uma sociedade é pensar a própria sociedade e
problematizar sua existência e a sua forma de participação na vida”. Sendo assim,
pensar o turismo cultural e rural requer que se pense no patrimônio cultural, na
sociedade e na relação que haverá entre visitantes e visitados.
Barretto (2007, p.58) apresenta a Recomendação de La Habana sobre
diversidade cultural e turismo da UNESCO (2003). Nela se
[...] reforça a necessidade de aprofundar na reflexão sobre a relação entre
turismo, cultura e desenvolvimento, incluindo nesta as relações entre
visitantes e visitados, nas quais deve prevalecer o equilíbrio para preservar
a diversidade e para promover o desenvolvimento local.
Então, para que haja a promoção do desenvolvimento local de forma
adequada, é necessário que haja um planejamento prévio com manutenção
constante. Sendo assim, é importante também verificar o planejamento do turismo
para melhor compreender a relação existente entre visitantes e visitados e de que
forma essa interfere na reconstrução da etnicidade e da herança cultural da
comunidade local.
1.4 Planejamento do turismo cultural
Planejar, segundo a OMT (Organização Mundial do Turismo), é “[...] organizar
o futuro de forma a atingir certos objetivos” (2003, p. 41). Para isso, se deve contar
com a participação da população local, pois “o compromisso participativo em
projetos de desenvolvimento possivelmente representa o caminho de maior
sustentabilidade com relação à garantia de continuidade do processo e aos impactos
indiretos dele decorrentes, e nem sempre mensuráveis” (IRVING, 2002, p. 40).
Tamm porque “o uso que se fizer do planejamento deverá estar de acordo com o
que a coletividade dispõe e não com o que os representantes dessa coletividade
consideram melhor para si” (MOLINA e RODRÍGUEZ, 2001, p.65). Segundo Ander-
Egg (1978, p. 15, tradução minha) [...] pode-se dizer que planejar é um conjunto de
procedimentos mediante os quais se introduz uma maior racionalização e
organização, e ações e atividades previstas antecipadamente [...]”, e complementa:
Em seu aspecto essencial o planejamento consiste em uma arte que
estabelece procedimentos para a otimização das relações entre os meios e
os objetivos proporcionando normas e pautas para uma tomada de
decisões coerentes, compatíveis e integradas, que conduzem a uma ação
sistemática organizada e cordialmente executada (Ibid, p.16, tradução
34
minha).
Dessa forma, no planejamento se definem os objetivos a serem atingidos e se
verificam as melhores maneiras para chegar a esses.
De acordo com o demonstrado até o momento, percebe-se que a etnicidade,
a herança e o patrimônio cultural de uma população podem se tornar um atrativo. No
entanto, para que esse processo ocorra de forma a não vir a afetar negativamente a
conservação e reconstrução dessa cultura, é necessário que haja um planejamento.
Conforme Barretto (2000, p.75), “[...] para que patrimônio e turismo possam ter uma
convivência saudável, é necessário que haja planejamento, o que inclui controle
permanente e replanejamento”. Um dos principais problemas quando se trata do
turismo cultural tem sido a falta deste planejamento. Os atrativos culturais são
vendidos no intuito de lucro e, segundo Barretto (2000), criam-se produtos
pseudoculturais que são criticados, com razão, pelos antropólogos.
A intervenção dos planejadores de turismo pode ser decisiva para que o
turismo cultural possa ser um produto realmente autêntico e trazer
benefícios não somente econômicos como também socioculturais aos
protagonistas. Pode-se criar um produto turístico cultural sem falsificações
para agradar os turistas. Basta pensar que o produto está dirigido não
apenas a uma platéia de curiosos forasteiros (estrangeiros ou não), mas
tamm aos próprios cidadãos locais [...] (Ibid, p.76-77).
Sendo o planejamento que tenha por objetivo manter viva a etnicidade e
herança cultural para que as futuras gerações aprendam acerca do processo pelo
qual aquela população passou até este momento. O planejamento para o
desenvolvimento do turismo de forma sustentável deve ser realizado de maneira
[...] com que seus recursos naturais e culturais sejam conservados, o
desenvolvimento turístico não gere impactos ambientais ou socioculturais
rios e adversos, a qualidade ambiental geral da área seja mantida ou
melhorada, os benefícios do Turismo sejam amplamente estendidos à
sociedade e os níveis de satisfação dos turistas sejam mantidos (OMT,
2003, p. 41-42).
Quando se trata de desenvolver o turismo cultural é necessário que o
planejamento ocorra de forma a abranger a totalidade dos recursos que serão
influenciados por meio da atividade turística, assim como contar com a participação
também da comunidade receptora juntamente com os profissionais responsáveis. É
importante que haja um trabalho tendo em vista a importância da valorização da
cultura e do patrimônio de uma determinada comunidade tanto para os moradores
locais quanto para os turistas. Além disso, durante o processo de elaboração e
35
aplicação, os planejadores devem ter uma visão clara de que
[...] um destino não é somente outro “produto” ou “mercadoria”. Destinos
o lugares nos quais as pessoas vivem, trabalham e se divertem. Se
temos intenções sérias de tornar esses lugares sustentáveis, devemos
tratá-los como o conjunto complexo de relacionamentos e redes que o
(HALL, 2001, p.216).
Essa visão é necessária para que o turismo, principalmente o denominado
cultural, ocorra de forma responsável gerando um desenvolvimento endógeno, pois
o desconhecimento por parte dos planejadores de que um destino não é apenas um
produto ou uma mera mercadoria, afeta significativamente a população local, que
acaba tendo que conviver com os danos gerados por essa “falha” dos planejadores.
Tamm se faz importante um trabalho de sensibilização turística para com a
população local, no intuito de essa não se sentir como uma mera mercadoria
durante a sua relação com os visitantes.
Para que a cultura tamm não se torne apenas uma mercadoria, é preciso
que ela seja valorizada por meio do turismo como sendo a expressão da etnicidade,
da herança e do patrimônio cultural de determinada comunidade. Como tal deve ser
mantida, passando essa visão aos turistas para que saibam que a cultura não é uma
mera mercadoria e, sim, a história de vida daquele povo.
Quando se fala de planejamento participativo, com intuito de desenvolver o
turismo, ainda não há uma total compreensão deste, principalmente por parte dos
planejadores. Segundo Barretto (2005, p.22) “[...] a questão participativa precisa ser
mais bem definida e estruturada do ponto de vista metodológico. [...] Muitas vezes,
chama-se de ‘participação’ à simples comunicação, durante uma reunião, de que
determinado plano será implementado”. Principalmente quando se tem como
objetivo o turismo cultural é fundamental a participação da comunidade local, pois
essa é a detentora do que será o principal atrativo: a sua cultura.
Devido à globalização e ao constante processo de reconstrução cultural,
muitas características modernas tendem a substituir as antigas. Sendo assim, um
dos fatores importantes do planejamento voltado ao turismo cultural é a recuperação
e conservação de bens culturais que estavam se perdendo. Visando, então, o
desenvolvimento do turismo cultural, o planejamento deve ocorrer com a
participação da comunidade local:
Assim, não se trata de planejar para e sim com a comunidade
(planejamento participativo). Não se trata de planejar um único setor,
36
isoladamente, sem análise de suas repercussões, nem de planejar sob uma
visão parcial da sustentabilidade (planejamento integrado), trata-se de
entender a função maior do poder público que é buscar o bem comum,
buscar o desenvolvimento de um município, de uma região, de um estado
ou país dentro dos quatro vértices da sustentabilidade: econômico, social,
ambiental e cultural (FÁVERO, 2004, p.79).
Então “[...] a sociedade, ao planejar para si mesma, encontra-se
constantemente aprendendo a planejar e a conhecer seus vazios ou insatisfações
[...]” (MOLINA e RODRIGUEZ, 2001, p.125), além de aprender a reconhecer e
valorizar tamm a sua cultura e o seu patrimônio.
Em suma, é preciso que o turismo cultural seja planejado, preferencialmente
com a participação da comunidade local, para que o turismo seja uma forma de
valorizar a cultura, contribuindo no constante processo de reconstrução da
etnicidade e da herança cultural e, financeiramente, para a conservação do
patrimônio cultural material.
37
2 PROJETO CULTURAL CAMINHOS DE PEDRA
Conforme apresentado no capítulo anterior, um dos fatores da etnicidade está
ligado ao passado comum. No caso do Roteiro de Turismo Rural Cultural Caminhos
de Pedra o passado comum é a imigração italiana. Sendo assim, nesse capítulo
será apresentado um breve histórico da imigração italiana no Rio Grande do Sul
para compreender a linha histórica até a formação do município de Bento
Gonçalves, entendendo, assim, as raízes da italianidade presentes no roteiro. Será
também apresentado o roteiro e a análise do projeto e dos relatórios dos seminários
de planejamento de acordo com o entendido e apresentado no capítulo antecedente.
2.1 Imigração italiana no Rio Grande do Sul
No Brasil do século XIX havia uma política de colonização através da qual
buscava-se povoar, além de outras, as terras devolutas da Província do Rio Grande
do Sul, incentivando a imigração de mão-de-obra européia. De acordo com Boni e
Costa (1984), no ano de 1824 inicia a imigração alemã para a atual cidade de São
Leopoldo.
A região da campanha e o litoral haviam sido povoadas, prevalecendo a
pecuária como base econômica. No entanto, ainda havia vazios demográficos no
Rio Grande do Sul na
[...] metade norte, compreendendo a zona de floresta na planície, à margem
dos grandes rios do estuário do Guaíba, a Encosta Nordeste da Serra e os
matos do Alto Uruguai. [...] Relegara-se a mata virgem, de difícil exploração,
requerendo contingentes maiores de mão-de-obra, tão escassa na época, e
cujo modelo de ocupação sequer fora definido, por não se saber
exatamente a que tipo de produção haveria de servir. Foi para estas regiões
que foram enviados os imigrantes (BONI e COSTA, 1984, p.38).
No ano de 1870 a situação encontrada no Rio Grande do Sul diferenciava-se
da que fora encontrada pelos primeiros imigrantes alemães. Quando os alemães
chegaram, ocuparam as terras planas e mais próximas dos núcleos urbanos. A
população do estado havia passado “[...] de 110 para cerca de 440 mil pessoas”
(ibid, p.62) e tamm houve um aumento no mero de municípios que passou de
cinco para vinte e oito. Entretanto, a Encosta Nordeste da Serra e o Alto-Uruguai
permaneciam como terras devolutas. Como as terras planas haviam sido ocupadas
pelos alemães, aos italianos restou os terrenos acidentados, no Nordeste do Estado,
38
cobertos por matas virgens e forte presença de fauna, com animais desconhecidos
dos europeus. Seguindo a política de colonização dessas terras devolutas, o
governo brasileiro inicia uma campanha nas áreas mais pobres da Itália:
foram os emissários do governo brasileiro, das Companhias de Colonização
e, também, das Sociedades de Navegação que, por meio de uma bem-
orquestrada campanha, se encarregavam de fazer o agenciamento de
imigrantes, inclusive estimulando o imaginário popular a identificar a
América como il paese di cuccagna [..] (RIBEIRO, 2002, p.65)
Isso ocorre porque no ano de 1870 a Itália passou por um processo político
de unificação, “a unificação da Itália, ao invés de dar solução aos problemas sócio-
econômicos, veio agravá-los” (FROSI e MIORANZA, 1975, p.12). Esse processo
levou à destruição da pequena indústria de tipo artesanal e tamm elevou os
impostos, contribuindo para a crise no campo. A população rural viu sua dieta
alimentar deteriorar-se aumentando então
[...] o consumo de produtos à base de milho, principalmente de polenta. A
subnutrição trazia consigo a predisposição para inúmeras doenças, algumas
das quais, como a malária, haviam decrescido num período anterior. A
pelagra, uma forma de avitaminose, devido ao consumo exclusivo de milho,
grassava assustadoramente no norte do país (BONI e COSTA, 1984, p.52).
Então, para muitos desses camponeses, a alternativa foi emigrar da Itália,
tendo o Brasil como um de seus destinos. De acordo com Ribeiro (2002, p.65), as
causas que levaram a emigração foram a fome e a miséria, conseqüências da
expansão do capitalismo europeu, mas razões de “[...] outra ordem poderiam ser
mencionadas como, por exemplo, o apelo do mito do Eldorado americano que, na
tradição da cultura camponesa será análogo ao mito del paese di cuccagna, causa
de desilusões e de alguns pedidos de repatriamento”.
Para os italianos, emigrar para o Brasil significava a solução para os seus
problemas, pois aqui iriam encontrar a cuccagna, ou seja, a fartura. Segundo Ribeiro
(2002, p.66), através deste imaginário construído para com os italianos o Brasil “[...]
passa a ser sinônimo do lugar da realização das expectativas e aspirações
populares, isto é, mais que uma referência geográfica, é um lugar utópico”.
Desse modo, a travessia do oceano, o balanço do navio, a alimentação
deficiente, o desembarque e a preocupação com a bagagem, o cuidado
com os demais membros da família e o clima diverso são alguns dos fatores
que provocaram nos imigrantes modificações orgânicas e psíquicas que
seriam agravadas no momento em que se instalaram nos lotes coloniais
(RIBEIRO, 2002, p.72).
39
Os navios com imigrantes italianos chegavam ao porto do Rio de Janeiro
onde cumpriam o tempo da quarentena na Casa dos Imigrantes” ou aguardavam
para que os grupos fossem remanejados. Após isso, eram enviados para as demais
Províncias. Os enviados para o Rio Grande do Sul chegavam no porto de Rio
Grande onde permaneciam em um barracão até serem encaminhados para Porto
Alegre de onde seriam alocados nas colônias. Os imigrantes enviados para a
Colônia de Dona Isabel (atual Bento Gonçalves) viajavam cerca de 78 quilômetros
no lombo das mulas ou a . Ao final da viagem, permaneciam em um barracão até
serem encaminhados ao seu lote.
No lote, abria-se uma clareira, o mais rápido possível, e construía-se uma
cabana de pau-a-pique, coberta com ramos de árvores. Era o primeiro
abrigo da família, e onde à noite ardia sempre o fogo para afugentar os
animais ferozes e, no inverno, para aquecer os corpos. Conforto, não havia;
os vizinhos, só muito longe; vias de comunicação inexistentes; instrumentos
de trabalho, os poucos fornecidos pelo governo ou trazidos da Itália; roupa,
a que se trouxera e que, em breve, estava se acabando, não havendo por
vezes a possibilidade de adquirir tecido para vestir-se (BONI e COSTA,
1984, p.106).
Assim como as instalações, também a alimentação era precária. Tendo como
um dos primeiros alimentos o pinhão (semente da araucária) que a princípio era
consumido cru, sendo descoberta após algum tempo a sapecada de pinhão. A
sapecada (costume de assar o pinhão ao fogo da grimpa
2
de pinheiro) foi sendo
descoberta pela necessidade de queimar as grimpas caídas dos pinheiros, para
limpar os potreiros onde estavam os bovinos e outros animais” (ibid, p. 132). Com o
passar do tempo foram descobrindo frutas comestíveis através do odor das
mesmas.
A polenta, que era conhecida na Itália como mosa, é o resultado da mistura
de água, leite e farinha de milho com sal, a mistura se realizava depois de ferver o
leite e a água. Dava-se mais uma fervura, depois de misturada a farinha e o sal. Era
um tipo de polenta mole, conhecida também com o nome de ‘le pape’” (BONI e
COSTA, 1984, p.135). Entretanto, chegando ao Rio Grande do Sul, o preparo da
polenta foi sofrendo alterações devido a falta do leite, sendo então preparada
apenas com a farinha de milho, a água e o sal. Vale lembrar que esse prato não era
preparado logo na chegada, e sim, somente após realizarem as plantações e
colherem os frutos.
2
Grimpa são os galhos secos da araucária.
40
Os imigrantes italianos ao chegarem em terras gaúchas confrontam-se com o
estranhamento tendo que passar por “[...] um processo de reintegração dos seus
laços tradicionais. A grande distância entre os dois universos o da aldeia natal e o
da mata subtropical da serra gaúcha – não era apenas espacial, mas também social,
tecnológica e econômica” (RIBEIRO, 2002, p.73). Além de sofrerem um grande
impacto ao chegar, perceberam que as terras do Rio Grande do Sul estavam longe
de ser as del paese di cuccagna com as quais eles sonhavam e esperavam
encontrar.
As colônias nas quais os imigrantes foram instalados não ficavam muito
distantes umas das outras, o que facilitava o convívio entre eles, tendo,
principalmente, as capelas como local de convívio e culto. Além dos filós, nos quais
as famílias visitavam umas as outras à noite, geralmente aos sábados. Nesses
encontros as mulheres costumavam fiar, fazer tranças de palha de trigo, contar
histórias às crianças e trocar receitas; os homens aproveitavam para jogar cartas
e tomar vinho, e todos cantavam.
Constam nas estatísticas que “entre os anos de 1875 e 1914, entraram no Rio
Grande do Sul entre oitenta e cem mil italianos. As estatísticas da época deixam a
desejar e, ao que parece, inúmeros colonos o se encontram nelas registrados”
(BONI e COSTA, 1984, p.68). Havia uma troca significativa entre os imigrantes pelo
fato de que muitos provinham de diferentes regiões da Itália, tendo costumes e
traços culturais diferenciados, que com o passar do tempo foram sendo trocados e
absorvidos entre si. Como por exemplo, a gastronomia, que era diferenciada de
acordo com a região da Itália da qual provinham.
Os povoadores italianos do Rio Grande do Sul foram provenientes
principalmente do Norte da Itália, que durante a unificação foi a região mais atingida
economicamente. O dialeto falado pelos imigrantes derivava da parte da Itália que
eles provinham e [...] o dialeto que vingou não foi um dialeto puro, mas uma soma
de características dialetais ou supradialeto, uma koiné
3
(FROSI e MIORANZA,
1975, p.67). Como o maior índice de imigrantes eram provenientes do Vêneto “[...] o
meio de comunicação lingüística que predominou foi uma mescla de dialetos
vênetos, uma fala comum ou koiné com caracterização vêneta” (Ibid, p.69).
Após algum tempo no Rio Grande do Sul, novas palavras do português foram
3
Uma fala comum.
41
inseridas ao dialeto, pois os italianos não teriam palavras equivalentes para algumas
situações ou objetos. Formando-se assim um novo linguajar a partir da mistura dos
diferentes dialetos falados na Itália com o português do Sul do Brasil, originando o
dialeto talian com característico sotaque, denominado por muitos como sotaque de
colono ou sotaque de “gringo”
4
.
Dentre os produtos cultivados pelos imigrantes italianos, pode-se destacar o
trigo, a uva e o milho, no entanto, “nenhum deles foi introduzido pelo imigrante
peninsular, pois o Rio Grande do Sul os cultivava desde os tempos das reduções
jesuíticas, embora não em tais escalas” (BONI e COSTA, 1984, p. 86). Desses
produtos foi a produção de uva e vinho que mais caracterizou a imigração italiana no
Rio Grande do Sul, principalmente nas colônias da Serra Gaúcha.
Outra característica dos povoadores italianos que vale ser ressaltada é a
arquitetura das suas construções. Para a residência definitiva eram realizadas, na
grande maioria das vezes, construções com porões de pedra os quais serviriam
como cantina/adega para o armazenamento do vinho
para a construção da casa, escolhiam preferentemente uma encosta onde
pudessem cavar e construir um amplo porão. Nele guardavam as pipas de
vinho, os instrumentos de trabalho, a vinagreira e os utensílios para os
animais de transporte, tais como pelegos, selas, cabrestos etc. (PARIS,
1994, p.40)
Característica muito presente nas primeiras construções era a cozinha
separada do restante da casa, ligada por um simples corredor. Essa era uma
prevenção contra possíveis incêndios, que o fogo na cozinha era feito em
fogolaro
5
. As casas que eram construídas de pedra tinham como liga barro, esterco
de animais e palha de trigo. as construções de madeira eram feitas de tábuas
rachadas, passando-se mais tarde às tábuas serradas manualmente até a chegada
das serrarias. A cobertura das residências era feita com pequenas tabuinhas,
chamadas de scándole. As coberturas de telhas foram somente após as primeiras
décadas da imigração.
Conhecendo então um pouco da história dos imigrantes italianos na sua
chegada ao Rio Grande do Sul é possível agora apresentar o município de Bento
4
É a forma como chamam o sotaque diferenciado que os descendentes de italianos
apresentam com dificuldade na pronuncia de algumas palavras em português.
5
Uma espécie de fogão rústico composto por uma mureta de tijolos, logo acima uma corrente
fixa em um barrote do telhado da cozinha e na ponta dessa corrente dependurava-se a panela preta
de ferro para cozinhar ou a chaleira para ferver água.
42
Gonçalves, que se origina da ocupação dessas terras devolutas colonizadas por
imigrantes italianos.
2.2 Bento Gonçalves – RS: breve histórico e dados gerais
Bento Gonçalves se localiza na Encosta Superior do Nordeste do Rio Grande
do Sul, distante 109 km da capital, Porto Alegre. Está a 618 metros de altitude.
Possui população estimada de 102.452 habitantes (IBGE, 2005). Cidade cuja
história esta ligada à imigração italiana e é veiculada, atualmente, como a Capital
Brasileira da Uva e do Vinho
6
, sendo a etnicidade italiana predominante no
município.
Segundo Frosi e Mioranza (1975), as Colônias com os nomes de Dona Isabel
(Bento Gonçalves) e Conde D’Eu (Garibaldi), em homenagem à filha de D. Pedro II e
seu consorte, foram fundadas em 1870. Entretanto, somente a partir de 1875 é que
começaram a receber contingentes de imigrantes italianos. Após a queda do
Imrio, em 1892, a Conia de Dona Isabel (que antes era conhecida como Região
da Cruzinha devido a uma cruz stica cravada sobre a sepultura de um possível
tropeiro ou traçador de lotes coloniais) passou a se chamar Bento Gonçalves, em
homenagem ao General Bento Gonçalves da Silva que foi presidente da República
do Piratini, proclamada em 1835 pelos Farrapos.
Na colônia de Dona Isabel
a sede era formada por pequenos lotes urbanos de 40x60m. Da sede
ramificam-se às linhas, que são cortadas por tantas outras linhas em todos
os sentidos. Junto as linhas distribuem-se os lotes rurais, que medem 220m
de frente por 1.100 de flanco, com uma área de cerca de 50 mil braças
quadradas (PARIS, 1994, p.25).
Após a etapa de ocupação das terras, estabelecidos com a consolidação
de suas atividades produtivas, os imigrantes construíam suas casas permanentes
com materiais elaborados artesanalmente (pedras irregulares ou talhadas, buas
serradas por eles mesmos), conforme apresentado anteriormente.
Vale lembrar que:
Tanto a colônia Dona Isabel como a Conde d’Eu não eram terras
desconhecidas, quando da chegada dos italianos. O caminho de tropeiros,
de Lagoa Vermelha para Montenegro, tinha uma pousada, [...] onde hoje
6
Informações obtidas através do site do município www.bentogoncalves.rs.gov.br . Acesso em
20 de Junho de 2007.
43
situa-se a cidade de Bento Gonçalves. Colonos alemães haviam chegado
até as terras do atual município, mas recuaram, devido à falta de
comunicações. Os primeiros colonos italianos chegaram à localidade na
véspera de Natal de 1875, e foram povoando rapidamente a região[...]”
(BONI e COSTA, 1984, p.71)
Percebe-se, então, as dificuldades com as quais os colonizadores italianos se
depararam e tiveram que enfrentar na sua chegada às terras da colônia Dona Isabel,
sendo que essas já haviam sido rejeitadas pelos alemães. Atualmente, Bento
Gonçalves é conhecida como um dos maiores pólos moveleiros do Sul,
representando 8% da produção nacional de móveis e 40% da produção estadual
7
.
Sendo veiculada como a Capital da Uva e do Vinho e também faz parte da região
turística da Serra Gaúcha.
No município de Bento Gonçalves observa-se destaque da italianidade,
principalmente após o desenvolvimento do turismo na Serra Gaúcha, sendo esta
incluída como um atrativo do município.
Chegando ao Rio Grande do Sul os colonizadores italianos conviviam
[...] apenas entre si, os colonos reconstruíram seu mundo cultural com as
adaptações necessárias – que, ao observador menos precavido, parecia um
prolongamento da Itália: língua, costumes, trajes, comidas, religiosidade,
tudo enfim tinha um cunho nitidamente italiano e contrastava com qualquer
modo brasileiro ou português de vida. E nem mesmo seria possível de outra
forma, devido ao isolamento cultural em que se encontravam. De quem
aprenderiam o português? Quais seriam os costumes brasileiros que
deveriam integrar-se na nova vida? Quem lhes transmitiria a religiosidade
popular da campanha? Por trás desta italianidade que muitos quiseram
preservar como sinal de cultura superior escondiam-se, porém, os
primeiros esboços de uma nova forma de ser brasileiro: o imigrante viera
para o Brasil após uma amarga experiência em sua terra natal que,
rapidamente, foi sendo esquecida e, por repetidas vezes, até mesmo
desprezada (BONI e COSTA, 1984, p.84).
Com o passar dos tempos, essa italianidade tão valorizada logo na chegada à
terra nova foi perdendo um pouco de sua importância e foi sendo gradualmente
esquecida, passando até mesmo a ser considerada motivo de vergonha para alguns,
agravada pela política do Estado Novo de supressão das manifestações culturais de
imigrantes. No entanto, atualmente, busca-se por meio de um processo de
reconstrução da etnicidade recuperar essa italianidade, dos primeiros imigrantes
italianos chegados a Bento Gonçalves, buscando agregar valor à mesma através do
turismo.
7
Informações obtidas através do site do município www.bentogoncalves.rs.gov.br acesso em
03 de Agosto de 2007
44
2.3 O Projeto Cultural Caminhos de Pedra
Com a construção da rodovia RS 453, na década de 1970, ligando os
municípios de Bento Gonçalves, Farroupilha e Caxias do Sul, o fluxo que antes
passava pela Estrada Julio de Castilhos foi desviado para a RS 453, pois esta é
asfaltada, diferentemente daquela que é de chão batido. Para os moradores do
Distrito de São Pedro, na Linha Palmeiro, ao longo da Estrada Julio de Castilhos, a
construção da RS 453 não foi bem vista, pois com o desvio do fluxo houve uma
baixa na renda dos moradores, principalmente dos que trabalhavam para os
viajantes em casas de pasto ou armazéns ao longo da estrada. Então, sem os
viajantes, os moradores da Linha Palmeiro acabaram ficando parados no tempo,
mantendo casas antigas e certos costumes da vida na zona rural.
No final da década de 1980, deu-se início a um levantamento do acervo
arquitetônico do interior do município de Bento Gonçalves. Através desse
levantamento, realizado em 1987, constatou-se que o Distrito de São Pedro era o
que possuía o maior número de casas antigas que ainda conservavam traços da
cultura e da história dos imigrantes italianos, além de ser de fácil acesso. A partir
desse levantamento, deu-se icio a elaboração do Projeto Cultural Caminhos de
Pedra, que teve por objetivo o resgate da herança cultural dos moradores da Linha
Palmeiro, no Distrito de São Pedro. Esse projeto inicial foi desenvolvido pelo
arquiteto Julio Posenato e recebeu financiamento da iniciativa privada, através do Sr.
Tarcísio Michelon, para o desenvolvimento turístico do roteiro.
De acordo com a Associação dos Caminhos de Pedra, juntando esses fatores
percebeu-se o potencial turístico da localidade e a necessidade de preservar
tamanho acervo material para que não fosse abandonado ou destruído. Sendo
assim, a partir do início da década de 1990, tendo como idealizadores um
engenheiro e um arquiteto, o projeto volta-se ao turismo como uma alternativa para
manter o patrimônio cultural material e reconstruir a herança cultural dos moradores
locais. A primeira casa a receber um grupo de turistas foi a Cantina Strapazzon, no
dia 30 de maio de 1992. Os turistas eram provenientes de São Paulo e vieram
através da Operadora CVC.
Pelo sucesso do roteiro, em 10 de Julho de 1997, com assessoria do Sebrae,
45
fundou-se a Associação Caminhos de Pedra, visando auxiliar na reconstrução do
patrimônio cultural da localidade tanto no aspecto arquitetônico quanto das tradições
e da língua (o dialeto talian ainda muito utilizado por parte dos moradores). O projeto
buscava, portanto, valorizar a etnicidade da população local. No ano de 1998 o
Projeto Cultural Caminhos de Pedra passou a contar com a Lei de Incentivo à
Cultura do Estado do Rio Grande do Sul (Lei 10.846 de 19/08/1996), através de
aprovação pelo Conselho Estadual de Cultura, passando a captar recursos de
empresas locais.
Através do Projeto Cultural Caminhos de Pedra, os moradores do Distrito de
São Pedro foram incentivados a reconstruir sua identidade, valorizando alguns
traços de suas tradições que estavam se perdendo, com objetivo de compartilhá-los
com os visitantes. As casas ainda mantêm algumas características, originais ou
recuperadas, das construídas pelos imigrantes italianos. Na sua grande maioria, são
casas de pedra ou então com o porão de pedra e o restante da casa em madeira,
característica típica das construções dos imigrantes italianos no Rio Grande do Sul.
Antes da implementação do projeto, algumas casas estavam se degradando e
ficando descaracterizadas. Algumas haviam sido rebocadas, pois ter uma casa de
pedra era sinônimo de vergonha e de estar parado no tempo, segundo os
moradores. Por meio de recursos recebidos pelo projeto, o reboco foi retirado e as
casas restauradas, retomando assim as suas características básicas originais para
serem abertas à visitação.
Esse projeto é considerado pioneiro no chamado segmento “turismo rural
cultural”, pois
[...] despertou novas possibilidades de aproveitamento do patrimônio
histórico arquitetônico, valorizando a cultura regional expressa pela
culinária, pelo linguajar (o dialeto vêneto, conhecido como talian), estilo de
vida, pelos usos e costumes, típicos dessa região, formada principalmente
por imigrantes italianos e seus descendentes (FÁVERO, 2006, p.75).
Esse roteiro recebe uma visitação média anual de 50.000 turistas
8
.
Atualmente o roteiro conta com 10 pontos de visitação e 52 pontos de observação
externa. Os atuais estabelecimentos de visitação são:
*Casa dos Doces Predebon;
*Restaurante Nona Ludia – Casa Bertarello;
*Il Cantuccio Del Pomodoro e Della Gasosa (Casa do Tomate);
8
Dados fornecidos pela Associação Caminhos de Pedra. Referente ao ano de 2005.
46
*Atelier Bez Batti – Casa Gilmar Cantelli;
*Casa da Ovelha / Hotel Cavalet;
*Casa do Artesanato;
*Casa Vanni - Restaurante e Tecelagem;
*Cantina e Casa Strapazzon;
*Cantina de Vinhos Finos Salvati & Sirena e
*Casa da Erva-Mate.
Além desses dez pontos de visitação, existe um ponto que recebia visitação
no início do projeto voltado ao turismo, a Ferraria Ferri, e que, no entanto, não
recebe mais por motivos particulares da família que preferiu deixar de fazer parte do
roteiro. Outros dois pontos, a Casa do Leite e a Casa do Coelho, fazem parte do
roteiro no planejamento, mas até o presente momento não iniciaram as atividades
turísticas, não havendo previsão para o início das mesmas.
As casas do roteiro comercializam produtos elaborados no próprio
estabelecimento, sendo alguns característicos de cada casa e tamm produtos de
outros moradores da comunidade, mas que não estão ligados diretamente à
atividade turística. Tornando-se uma comunidade etnoturística. Conforme
apresentado no capítulo anterior, de acordo com Grünewald (2004) a comunidade
etnoturística é a união dos membros da comunidade turística (envolvidos
diretamente com o turismo) e os membros da comunidade étnica (indiretamente
ligados ao turismo).
O que é apresentado no Projeto Cultural Caminhos de Pedra é que busca,
através do resgate da herança cultural, também a reconstrução daquela italianidade
dos descendentes que estava se perdendo com o tempo, tendo o turismo como um
meio para auxiliar nesse processo. Sendo assim, passa-se à análise do Projeto
Caminhos de Pedra e de dois semirios de planejamento organizados pela
Associação Caminhos de Pedra.
2.3.1 Análise do Projeto Caminhos de Pedra
No projeto intitulado Caminhos de Pedra Projeto de Resgate da Herança
Cultural, elaborado pelo arquiteto Julio Posenato, no ano de 1998, o objetivo
apresentado é a educação da comunidade para o resgate e a valorização da história
e do patrimônio cultural local. Pelo fato de que, conforme relatado no projeto
47
(POSENATO, 1998, p.04), a população local tinha vergonha de sua herança cultural,
de seu sotaque de “gringo”
9
, além da vergonha de suas “casas de colono”,
características da sua italianidade. Para os moradores do Distrito de São Pedro, ter
uma casa antiga era sinônimo de pobreza e de não ter acompanhado o progresso
como fizeram os vizinhos mais abonados. Então, quando possível, derrubavam ou
reformavam as casas antigas buscando dar características modernas, como, por
exemplo, rebocar as casas de pedra para que ficassem parecidas com as de
alvenaria.
Percebe-se que o projeto reconhece o valor da herança cultural e do
patrimônio da comunidade de São Pedro, que estava sendo abandonado por
motivo de vergonha, e também pelo processo de modernização e transformação
cultural. Nesse ponto, tem-se o turismo como um aliado, pois a atividade turística
contribui para a comunicação entre diferentes grupos, incentivando a valorização da
herança cultural e da etnicidade. Essa questão tamm é trabalhada no projeto:
como o turismo pode financiar a conservação do patrimônio cultural.
Não existindo ainda no povo a consciência da preservação pelo valor
cultural, senecessário recorrer a uma forma que, através da receita que
gera, num primeiro momento estimule a conservação do acervo por
interesses financeiros e, num trabalho sustentado ao longo do tempo
através da formação da juventude, desenvolva nas pessoas a convicção do
valor da Herança Cultural, como documento e testemunha da própria
Caminhada Histórica, base da segurança no presente e na evolução rumo
ao futuro (POSENATO, 1998, p.49).
De acordo com Julio Posenato (1998), a conservação da herança cultural
deveria proporcionar renda à comunidade local e ser valorizada pelo público externo,
para que assim os visitados também valorizassem o seu patrimônio. Sendo assim, o
projeto visa o turismo rural com o intuito de desencadear o reconhecimento dos
valores culturais ítalo-brasileiros”. O turismo seria a forma de proporcionar suporte
viável para que o objetivo básico do projeto fosse alcançado. Acredito que a maneira
mais adequada para nomear os traços culturais dos descendentes de italianos aqui
no Rio Grande do Sul seria “ítalo-gaúchos”, pois muitos traços culturais absorvidos
por eles são característicos apenas desse Estado brasileiro.
O projeto apresenta a residência como local de trabalho e lazer, concomitante
à atividade econômica do turismo que leva a reconhecer a importância do patrimônio
9
É a forma como se chama o sotaque diferenciado que os descendentes de italianos
apresentam, com dificuldade na pronúncia de algumas palavras em português.
48
como elo de ligação entre mundos aparentemente desconexos. Entretanto,
atualmente, não são todas as casas que são ao mesmo tempo resincias e local de
trabalho. Algumas das casas do roteiro foram transformadas apenas em
estabelecimentos comerciais. Atualmente, dos dez estabelecimentos que fazem
parte do roteiro cinco deles agregam a residência ao seu local de trabalho, dois são
apenas comerciais e três são comerciais tendo as residências próximas ao local de
trabalho. A implantação dos estabelecimentos ocorreu de forma linear ao longo da
estrada Julio de Castilhos, tendo apenas uma das casas distante cerca de 2 km
desta estrada.
A etnicidade nesse roteiro é responsável pela característica de arena turística,
pois por meio da relação entre visitantes e visitados, que ocorre no espaço da arena
turística, conforme apresentado por Grünewald (2004), a etnicidade passa a ser
mais presente. É através das fronteiras étnicas (BARTH, 1998) existentes por meio
da comunicação nas relações entre turistas e moradores locais, que ocorrem na
arena turística, que os sinais diacríticos das culturas se evidenciam da mesma forma
que símbolos e traços culturais em comum são percebidos.
Segundo Barretto (2000, p. 43) [...] o turismo que tem como principal atrativo
a oferta cultural histórica tem contribuído para manter prédios, bairros e até cidades,
evitando que sejam substituídos por novas formas arquitetônicas”. Percebe-se que
no Roteiro de Turismo Rural Cultural Caminhos de Pedra, o desenvolvimento do
turismo surge com essa proposta de manter as edificações históricas e com objetivo
da reconstrução da herança cultural da imigração italiana na região, contribuindo
financeiramente, para a conservação do patrimônio material, e psicologicamente,
para a valorização do patrimônio imaterial, a etnicidade. A autora ainda explana que
[...] o turismo com base no legado cultural permite que se mantenha, em um
lugar específico, um determinado período do tempo, que deu origem a essa
comunidade. Permite que a comunidade, de alguma forma, engaje-se no
processo de recuperação da memória coletiva, da reconstrução da história,
de verificação das fontes (ibid, 2000, p.49).
Em parte, pode-se dizer que no Roteiro Caminhos de Pedra isso vem
ocorrendo, ou seja, a comunidade vem sendo incentivada pelo turismo a buscar
recuperar e reconstruir a sua italianidade, a história de seus antepassados que
chegaram ao Rio Grande do Sul, percebendo que essa torna-se um atrativo
reconhecido pelos visitantes.
49
A questão da relação entre turismo, culturas e identidades étnicas pode ser
então, abordada de uma outra maneira. Longe de constituírem-se apenas
descaracterizações, assimilações, aculturações ou quaisquer outros tipos
de processos interpreveis nos termos das falsas oposições, o turismo
pode justamente oferecer aos agentes sociais uma possibilidade de
reafirmação étnica por meio do “realce” de traços diacríticos (SANTOS e
BARRETTO, 2006, p.258).
Ou seja, através das diferenças culturais existentes no contato com o outro, o
turismo contribui para a valorização cultural e das identidades étnicas, pois é na
relação com os turistas que os visitados percebem o diferencial da sua cultura e
como a sua italianidade é vista também como um atrativo local pelos turistas. Nesse
roteiro, de acordo com o apresentado no projeto,
o visitante retrocede ao antigo ambiente colonial onde encontra, exatamente
como naquela época, as moradias peculiares de pedra e madeira com até
quatro pavimentos; ermidas nos caminhos e capela com o campanário
separado, característicos da Itália; a cantina com fabricação caseira de
vinhos; os estabelecimentos da proto-indústria movida a roda d’água:
moinho, ferraria, serraria; produtos autênticos de artesanato e culinária
(POSENATO, 1998, p. 08).
Entendo que o visitante não encontrará “exatamente como naquela época”
em que os primeiros imigrantes italianos chegaram ao Rio Grande do Sul, isso
porque os descendentes desses imigrantes tinham a herança cultural como
sinônimo de vergonha, e também pelo processo de modernização que levou muitos
residentes a modificarem suas moradias. Através do Projeto Caminhos de Pedra, as
casas foram restauradas, entretanto não se pode dizer que são exatamente como
eram. A etnicidade dos visitados, assim como suas residências, tamm foi
reconstruída buscando a valorização da sua herança cultural. Contudo não se pode
dizer que essa voltou a ser exatamente como era com os primeiros imigrantes
italianos, pois muitos traços culturais foram perdidos e novos traços foram
absorvidos, passando a fazer parte da atual herança cultural, da italianidade, desses
descendentes.
O projeto ainda chama atenção para o fato da arquitetura aculturada”
(POSENATO, 1998, p.21) no roteiro. Essa arquitetura se refere aos casarões em
madeira, o que não acontecia na Itália. as construções eram de alvenaria; mas
chegando ao Rio Grande do Sul os imigrantes, com a grande quantidade de madeira
disponível, recorreram a ela para erguer suas moradias, seguindo as características
arquitetônicas italianas, mas alterando a matéria prima da construção. Passando a
ser um diferencial do roteiro, casas com o porão de pedra e o restante da casa (dois
50
andares e sótão) construída com tábuas inteiriças de cerca de sete metros.
De acordo com Posenato (1998, p.93), “a busca de formação de uma
identidade própria é constante em qualquer grupo, todo e qualquer auxílio a ser
dado necessita entender o princípio da não-intervenção, mas compreensão de suas
peculiaridades”. Então as peculiaridades da etnicidade contribuem para a
reconstrução da identidade a partir do momento que aquelas se tornam diacríticas
para um determinado grupo, identificando-o, colaborando para a valorização tanto
da sua etnicidade quanto da sua identidade e, conseqüentemente, na reconstrução
da sua herança cultural.
No projeto original constam 98 empreendimentos para integrarem o Roteiro
de Turismo Rural Cultural Caminhos de Pedra. Todavia, neste ponto uma certa
contradição, pois o projeto tem como objetivo o resgate da herança cultural italiana,
mas muitos dos empreendimentos citados para possível implantação não podem ser
considerados como detentores dos traços culturais da italianidade. Alguns desses
possíveis empreendimentos o: a casa das confecções, casa do esmalte, casa da
azeitona, casa do papel, dentre tantas outras. Acredito que essas casas não
representariam a herança cultural italiana que o projeto diz buscar, pois não
representariam as características da italianidade, assim como a maioria das demais
casas presentes atualmente no roteiro.
Contudo, além dos empreendimentos comerciais no Projeto Caminhos de
Pedra, espaço para o fomento à cultura, tendo projetos como, por exemplo,
escola de artes e ofícios, estágios de jovens na Itália, centro de pesquisas, dentre
outros. Esses subprojetos apresentam uma preocupação maior ligada diretamente a
reconstrução cultural e não tanto ao desenvolvimento da atividade turística. Busca-
se incentivar os próprios moradores locais e principalmente os jovens no
reconhecimento da importância da sua italianidade.
Atualmente os projetos que estão em desenvolvimento são os dos grupos
artísticos, sendo os Grupos de Dança Folclórica adulto e infantil, Banda Musical São
Pedro, Grupo de Flauta Doce, Grupo Teatral São Miguel, Grupo de Cordas
Caminhos de Pedra e Coro Caminhos de Pedra. Esses são abertos a todos os
moradores da comunidade buscando recuperar esses traços da cultural ítalo-
brasileira.
Barretto (2000, p.78), citando Pearce (1991), demonstra que [...] o
planejamento do turismo com base no legado cultural tem de obedecer a três pontos
51
básicos: preservação do prédio original (fachada), adoção de políticas de
administração do bem e restrição ao número de visitantes”. Entretanto no Roteiro de
Turismo Rural Cultural Caminhos de Pedra nem todos esses pontos básicos estão
sendo respeitados, pois ainda não um trabalho de capacidade de carga, ou seja,
de restrição ao número de visitantes. A capacidade de carga trata do número de
turistas que um determinado local pode receber. De acordo com Oliveira (2003,
p.17) “quando usada no contexto do gerenciamento urbano, capacidade de carga
pode ser definida como ‘a extensão em que o meio ambiente pode tolerar a
atividade humana sem sofrer danos inaceiveis’”. Sendo assim, durante a
realização de um projeto, principalmente voltado ao turismo cultural é importante a
realização de um estudo de capacidade de carga no qual se define o número
aproximado de visitantes que determinado local pode receber sem causar danos
negativos.
A partir de uma visão mais voltada à capacidade de carga relacionada com o
turismo, Oliveira (2003, p.23-24) explana:
O conceito de capacidade de carga para o planejamento sustentável do
turismo (em que sustentável pressupõe o homem integrado
harmoniosamente em seu meio ambiente, protegendo-o, ao mesmo tempo
em que o usa) deve ser entendido como uma tentativa de adotar essa
ferramenta para o êxito de qualquer ação que seja implementada em
localidades com potencial turístico. Reconhece-se que os recursos naturais,
assim como os construídos pelo homem, têm limite para absorver visitantes.
Esse limite, quando é ultrapassado, provoca a deterioração e, portanto, a
descaracterização do local.
Buscando-se evitar essa descaracterização e deteriorização do local que os
estudos de capacidade de carga são realizados durante o planejamento inicial de
um projeto. Segundo Swarbrooke (2000), a capacidade de carga pode ser de rios
tipos, sendo esses: físico; ambiental ou ecológico; econômico; social; perceptiva e
de infra-estrutura. Todos esses têm como base o número de turistas que um local
pode receber sem lhe causar danos ambientais, físicos, econômicos ou sociais. Na
capacidade perceptiva se avalia “o número de pessoas que um lugar pode receber
antes que a qualidade da experiência do turista comece a ser afetada
negativamente” (ibid, p. 41) e a infra-estrutura é o número de turistas que se pode
acomodar / receber.
Como cada localidade é totalmente diferente em termos de geografia,
ecossistema e estrutura social e econômica, é improvável que a capacidade
de carga seja a mesma em dois lugares quaisquer, de forma que sua
52
aplicação onde quer que seja é muito difícil de se prever (Swarbrooke,
2000, p.41).
Para que seja possível avaliar a capacidade de carga de um local, é
necessário um processo de planejamento que possua uma visão do todo que será
afetado pelo turismo e um projeto de desenvolvimento voltado ao bem estar de
todos e a conservação do meio. Todavia, no Projeto Caminhos de Pedra, em
nenhum momento é abordada a capacidade de carga, demonstrando que essa
questão não foi trabalhada desde o início do desenvolvimento da atividade turística
com base no legado cultural do Distrito de São Pedro.
O legado cultural do Distrito de São Pedro constitui um atrativo turístico local
responsável pela atração de turistas de todas as partes do Estado do Rio Grande do
Sul e de outras partes Brasil. De acordo com Barretto (2000, p.75)
[...] para os núcleos receptores, trabalhar a tradição como atrativo ajuda a
recuperar a memória e a identidade locais, o que, na atualidade, constitui
um imperativo para manter um equilíbrio saudável entre a manutenção da
cultura local e a incorporação dos avanços positivos da cultura global.
Desta forma, percebe-se que através da iniciativa do Projeto Caminhos de
Pedra se buscou reconstruir tanto a etnicidade quanto a identidade dos
descendentes de italianos locais, mantendo os novos traços culturais absorvidos e
recuperando os antigos que estavam se perdendo. Contudo, para que esse
constante processo de reconstrução cultural continue ocorrendo de maneira a
valorizar ainda mais a italianidade dos moradores locais com uma convivência
saudável com o turismo, é preciso que haja um controle permanente de
replanejamento. De acordo com Barretto (2000) nesse processo é feita uma análise
do planejamento anterior replanejando o que não ocorreu de uma melhor forma para
que seja realizado novamente com êxito. Sendo assim, no próximo subitem
analisarei os dois seminários de planejamento realizados pela Associação Caminhos
de Pedra.
2.3.2 Análise dos relatórios dos seminários de planejamento
Os seminários de planejamento foram organizados pela Associação
Caminhos de Pedra e moderados pelo Sr. Sérgio Cordioli, que é engenheiro
agrônomo, mestre em economia rural e possui empresa própria de consultoria em
Porto Alegre. O primeiro seminário é do período de 2002 a 2004 e o segundo do
53
período de 2006 a 2009. Esses períodos constam nos seminários de planejamento
como sendo o prazo para que as ações sejam realizadas. Desses seminários
participam a diretoria, os associados e os colaboradores da Associação.
O primeiro seminário a ser analisado será o que foi realizado no dia 5 de Abril
de 2002, no Distrito de São Pedro. Participaram vinte e sete pessoas, dentre essas,
um dos idealizadores do projeto, quatro colaboradores não residentes no Distrito e
vinte e dois moradores locais, associados ou não. De acordo com o apresentado no
relatório, o seminário “[...] seguiu princípios do enfoque participativo, com ênfase no
intercâmbio de experiências, tendo como ferramenta metodológica a visualização,
contando com o apoio de um moderador externo ao Projeto” (CORDIOLI, 2002,
p.04). Para que o planejamento ocorra com enfoque participativo é preciso que haja
uma troca de experiências e todas as partes tenham espaço para expor suas
opiniões.
A dimica do seminário foi mediada pelo moderador que dividiu os
participantes em pequenos grupos. As idéias debatidas foram registradas para a
melhor visualização, buscando verificar qual o problema a ser discutido. Após as
discussões e debate de idéias nos pequenos grupos, foi realizada uma sessão
plenária na qual houve a socialização dos resultados obtidos em cada grupo. O
debate ativo foi incentivado durante todo o seminário para que todos tivessem a
oportunidade de participar, “é na troca de idéias e experiências que está a riqueza
deste processo” (CORDIOLI, 2002, p.05).
Através do entendimento de planejamento no turismo cultural, tem-se que a
participação da comunidade é fundamental. No entanto, Barretto (2005), alerta que
essa questão participativa ainda precisa ser melhor definida, pois a simples
comunicação em uma reunião, por vezes, o pode ser considerada como
participação.
O primeiro semirio foi divido em três momentos: Análise da Situação Atual,
Visão de Futuro e Desafios do Projeto. No primeiro momento, foi incentivada a
releitura do projeto, buscando levantar os avanços e deficiências para se consolidar
a visão comum do atual cenário do roteiro. No segundo, buscou-se compreender a
importância do projeto para as futuras gerações e estabelecer as visões para esse
futuro. No último momento, identificaram-se os possíveis desafios que o projeto
poderia enfrentar esperando encontrar uma possível solução e o levantamento
das ações que deveriam ter sido realizadas no período de 2002 a 2004.
54
Vale lembrar que a análise dos seminários de planejamento não poderá ser
feita em profundidade, pois se tem apenas a visão acerca do material escrito gerado
por estes seminários, e não a visão do acontecimento do seminário, de que forma
ocorriam os debates, demais assuntos não relatados nos documentos e que podem
ter sido abordados, enfim, a visão da realidade do seminário.
Durante a análise da situação atual, foram levantados os principais avanços
do projeto nos últimos anos, recebendo maior enfoque as seguintes questões:
aumento da auto-estima, orgulho de ser morador dos Caminhos de Pedra, resgate
cultural com recuperação e valorização do patrimônio, aumento da renda, melhoria
da infra-estrutura local e resgate dos grupos folclóricos, dentre outras. Nota-se a
diversidade da percepção dos avanços elencados pelos participantes e também que
a questão cultural está bastante presente, demonstrando que essa, por ser o
enfoque principal do projeto, está sendo reconhecida.
Tamm as deficiências foram elencadas: a falta de sinalização dos
estabelecimentos, a perda cultural com a morte de algumas pessoas que recebiam
os visitantes e contavam as suas histórias de vida, a falta de organização do acervo
cultural e pesquisa histórica, a existência de individualismo por parte dos
empreendedores, a comercialização de produtos sem identidade cultural, dentre
outras. Infelizmente não se tem conhecimento de qual participante sugeriu essa
última observação e a quais produtos se referia, já que essa questão é de um fator
de grande importância, pois não apenas o ambiente e as pessoas são detentores da
identidade, mas também os produtos comercializados no roteiro e principalmente
pelo fato de um participante do seminário ter essa percepção. Os visitantes buscam
o conhecimento da identidade cultural local no todo e a levam consigo através da
memória, fotografias e também dos produtos.
Após o levantamento dos principais avanços e deficiências do Projeto
Caminhos de Pedra, os participantes foram questionados sobre o significado do
projeto para eles. As questões do resgate cultural, valorização pessoal e o orgulho
do que são e do que têm aparecem em primeiro plano, sendo sucedidas pelo
aumento da renda. Percebe-se assim a etnicidade valorizada através do turismo
como fator positivo. Em cerca de dez anos de existência do Roteiro Caminhos de
Pedra a italianidade, que era considerada como motivo de vergonha, passa a ser
valorizada e motivo de orgulho, incentivando cada vez mais o processo de
reconstrução da etnicidade e da identidade dos primeiros imigrantes italianos
55
chegados ao Rio Grande do Sul. No futuro elas estarão implícitas na herança
cultural dos atuais descendentes de imigrantes italianos.
Finalizada a primeira parte, iniciou-se um debate em plenária. Primeiramente
verificando a importância do projeto para as gerações futuras e assim construindo
uma visão de futuro tanto para o projeto quanto para essas gerações. Noto que a
questão da cultura é sempre uma das principais a ser abordada em todos os
momentos do seminário. Os participantes vêem o Projeto Caminhos de Pedra como
oportunidade de renda, de fixar o morador ao local, conhecimento cultural e histórico
e de valorização para os mais novos que fazem parte do projeto ou que virão a
fazer (muitos não têm idade suficiente para entender o contexto em que vivem). Os
participantes m o projeto como meio de valorização pessoal e profissional, com
resgates culturais, valorizando o simples e autêntico. No próximo capítulo,
trabalharei essa questão do autêntico, buscando apresentar o que no Roteiro
Caminhos de Pedra é considerado autêntico pelos moradores e de que forma
ocorre.
Quando se trata da visão de futuro, percebo uma grande abrangência no que
os participantes esperam. Entretanto o desejo de que a valorização cresça, que a
qualidade de vida deles melhore, que o projeto tenha continuidade e que sirva de
referência, gerando assim satisfação para todos, é perceptível no que toca ao futuro
esperado pelos empreendedores, diretores, colaboradores e demais envolvidos no
Projeto Caminhos de Pedra.
No momento em que buscam elencar os possíveis desafios a serem
enfrentados, há uma preocupação em bem receber os turistas e de que forma
realizar isso. Dentre as sugestões, destaca-se um sistema de informação e
sinalização, formação de guias locais, criação de um pórtico, troca cultural com os
visitantes, construção de refúgios no asfalto, uma ciclovia e buscar a
representatividade da identidade através dos produtos. Desta forma não estariam
apenas recebendo bem os turistas, mas também buscando o melhor, tanto para o
andamento do projeto quanto para a qualidade de vida dos moradores, além de mais
reconhecimento da sua italianidade, que vem se apresentando como o principal
atrativo do roteiro.
Dentre os desafios futuros citados, a melhora da infra-estrutura, da divulgação
e do sistema de informações, o apoio a novos empreendimentos, o fortalecimento da
cultura e a qualidade dos produtos e serviços foram levantados pelos participantes.
56
Acredito que esses desafios sempre farão parte do futuro do projeto, necessitando
de um constante acompanhamento e reavaliação para que reflitam em melhorias no
seu desenvolvimento. Questões de infra-estrutura, divulgação, informações, apoio e
qualidade requerem constante reestruturação, objetivando melhorias requeridas pelo
mercado e pela demanda. Sendo assim, o planejamento desempenha um papel
importante, que seria o de avaliação dessas questões, buscando sua melhora e
incentivando tamm o fortalecimento cultural, no caso do Roteiro Caminhos de
Pedra.
Após a identificação dos desafios, os participantes foram divididos em
pequenos grupos de trabalho nos quais tiveram a tarefa de verificar quais as
atividades prioritárias a serem executadas para uma possível solução. Analisando o
que foi definido como o que deveriam fazer e como fazer, observei que a grande
maioria das ações elaboradas pelos participantes no seminário de 2002, que
deveriam ser realizadas até o ano de 2004, não ocorreram. Das trinta e oito ações
elencadas apenas doze foram realizadas totalmente, mantendo-se até o momento
atual, quatro tiveram implantação parcial, cinco não se tem conhecimento se foram
ou não realizadas e as demais até então não saíram do papel.
Das doze ações que foram totalmente realizadas e se mantém atualmente
pode-se citar: telefonia; pavimentação asfáltica; sinalização; site na internet; folder
com mapa detalhado; participação em eventos de turismo; participação em feiras e
eventos; sede da associação; jardinagem
10
; folheteria; pontos de distribuição de
folheteria e o incentivo da divulgação do roteiro pelos próprios turistas.
Percebe-se que algumas dessas ações recebem uma constante manutenção,
por exemplo, a sinalização dos pontos de visitação, financiada parte pelos
empreendedores locais e parte por patrocinadores. Em um primeiro momento, no
início da implementação do roteiro, foi instalada uma pequena placa como pode ser
visualizada na imagem a seguir:
10
Sensibilização dos moradores para o plantio de camélias (como flor símbolo do Projeto) e
conservação dos jardins das casas.
57
Imagem 1: Placa de sinalização – Foto: Rita Michelin
Depois de certo tempo, percebendo a ineficiência dessa sinalização a mesma
foi trocara pela atual (imagem 2). Todavia algumas das antigas placas de sinalização
continuam instaladas ao longo do roteiro.
Imagem 2: Nova sinalização – Foto: Rita Michelin
O segundo seminário foi realizado no dia 09 de Junho de 2006, na
Comunidade de Santo Antoninho, tendo novamente como moderador o Sr. Sérgio
Cordioli. Esse seminário contou com a participação de vinte e oito pessoas, sendo
oito colaboradores do Projeto e da Associação não residentes no Distrito de São
Pedro, dezesseis moradores locais, três representantes dos grupos artísticos e um
dos idealizadores do roteiro. Desta vez, o planejamento discutido no seminário
passou de três anos de projeções para quatro anos, sendo de 2006 a 2009. A
metodologia utilizada foi a mesma do primeiro seminário de planejamento. Os
objetivos foram: “avaliar os resultados e estratégias desenvolvidas pela Associação
58
Caminhos de Pedra; revisar as prioridades e estratégias da Associação para o
período de 2006 - 2009 e elaborar um plano de trabalho para 2006/2007”
(CORDIOLI, 2006, p.04).
Basicamente, a metodologia utilizada nos dois seminários foi a mesma, com
enfoque participativo, divido em três momentos análise da situação atual, visão de
futuro e plano de atividades – alterando-se apenas a nomenclatura do terceiro
momento de um seminário para o outro.
Nesse seminário, quando os participantes foram questionados sobre a
situação atual do Projeto Caminhos de Pedra, dentre os principais avanços, foram
citadas a criação do site, a folheteria, a telefonia no Distrito e a sinalização, que no
semirio anterior haviam sido elencados como desafios do projeto. Diferente do
anterior, desta vez, a questão do aumento da auto-estima, do orgulho e da renda
não foram abordados, ficando ainda como principais avanços a melhoria de infra-
estrutura e a qualificação de pessoas, produtos e do próprio projeto. Tamm houve
uma mudança quanto às deficiências, elencando-se a infra-estrutura, baixa no fluxo
de visitantes
11
, falta de informações turísticas e de padronização no material do
projeto. O que se percebe quando a infra-estrutura é apontada como avanço e ao
mesmo tempo como deficiência é que ela foi melhorada em partes, no entanto ainda
faltam ações consideradas necessárias pelos participantes tanto para a própria
comunidade quanto para os turistas
Quando se analisa as mudanças do ano de 2002 para os anos de 2006 e
2007 é perceptível que algumas das ações planejadas no seminário anterior (2002)
não foram consolidadas, voltando a ser pauta no novo planejamento.
Nos desafios futuros para o Projeto Caminhos de Pedra, os participantes
citaram o marketing eletrônico, delimitação do roteiro com um posto de informações,
a padronização dos rótulos e embalagens, necessidade de buscar projetos culturais
em parceria com a Itália, mais investimento em cursos especializados voltados à
cultura, criar um projeto de tombamento histórico, instituir o dialeto talian como
língua oficial do roteiro e incentivar a abertura de novos estabelecimentos. Esse
último foi o único desafio citado nos dois seminários, os demais partem do mesmo
princípio, contudo alteraram-se um pouco de um seminário para o outro.
A questão da delimitação do roteiro com um posto de informações apresenta-
11
Entretanto, segundo informações da Associação Caminhos de Pedra, o ano de 2005 foi o
ano de maior fluxo de visitantes no roteiro.
59
se como extremamente necessária, pois a sinalização para se chegar até o roteiro é
um tanto confusa e deficiente. Não há informações no início nem ao longo do roteiro,
tanto que muitos turistas por vezes chegam à última casa do roteiro e perguntam
Onde fica o roteiro Caminhos de Pedra? tendo passado por todo o roteiro sem
mesmo perceber que estavam nele.
Quanto ao talian como língua oficial do roteiro, é perceptível que esse dialeto
já faz parte do dia-a-dia dos moradores, muitas vezes se misturando ao português.
Durante a pesquisa de campo, tendo contato com os visitantes, percebi que esses
esperam chegar ao roteiro e encontrar os moradores falando principalmente o
dialeto, e é perceptível a alegria dos turistas ao conversarem ou apenas ouvirem os
visitados falando talian.
A padronização das embalagens e rótulos seria uma forma de caracterizar
ainda mais o roteiro, apresentando tamm a identidade cultural nos produtos, pois,
atualmente, cada estabelecimento possui as suas próprias embalagens e rótulos
sem padronização. O apoio a novos empreendimentos que se mantém como desafio
nos dois planejamentos demonstra a intenção dos participantes no crescimento do
roteiro, desenvolvendo diferenciais através de novos estabelecimentos.
Quanto a todas as ações estabelecidas nesse seminário de planejamento,
não se pode dizer no total quantas foram realizadas, pois nos encontramos no
decorrer do mesmo, tendo ainda dois anos para que essas ações sejam efetivadas.
Até Janeiro de 2008, pode-se elencar as seguintes ações que foram ou estão
sendo realizadas: criação de mecanismos de divulgação na grande Porto Alegre;
qualificação dos grupos artístico-culturais; cursos para os moradores;
sustentabilidade financeira da Associação; conscientização das famílias para ensinar
o dialeto talian às crianças; conscientização da comunidade acerca da importância
da preservação da paisagem e o estímulo ao plantio de camélias no trajeto do
roteiro.
Através dos documentos dos seminários, não é possível saber se houve ou
não uma revisão das ações abordadas no primeiro planejamento, buscando avaliar o
que foi alcançado e o que o foi e por que motivo não se obteve sucesso, ou seja,
um replanejamento (BARRETTO, 2000).
As principais deficiências no Roteiro de Turismo Rural Cultural Caminhos de
Pedra que percebo até o momento, e que foram abordadas tanto no projeto inicial
quanto nos seminários de planejamento, são principalmente: a falta de acostamento
60
e refúgios na via do roteiro (tanto na parte asfaltada quanto na parte que ainda se
manm a estrada de chão batido) o que acaba dificultando as paradas para os
pontos de observação; a falta de um posto de informações logo no início do roteiro,
pois as informações no local realmente são deficientes.
Outro item que fica evidente após a análise do Projeto e dos Planejamentos é
que a questão identitária e étnica é pouco ou quase nada abordada; fala-se em
cultura de forma ampla. Pelo fato de o Roteiro ser definido como turístico rural
cultural é preciso que a cultura e as questões a ela ligadas recebam uma maior
ênfase dos planejadores, passando assim à comunidade local.
Em suma, percebo que no Projeto Caminhos de Pedra a participação da
comunidade local não está presente em nenhum momento no documento. nos
semirios de planejamento essa questão participativa é bastante evidenciada,
contudo através apenas dos documentos o é possível saber qual foi exatamente o
nível de participação dos moradores locais no processo de planejamento.
Percebe-se que a questão cultural é evidenciada no Projeto inicial e por vezes
retomada nos documentos de planejamento. Nota-se que no relatório do primeiro
planejamento maior espaço para a discussão de questões ligadas a cultura do
que no segundo planejamento, e, através apenas destes relatórios, não se sabe
exatamente de que forma a etnicidade italiana foi trabalhada com os moradores
locais. Sendo assim, para realmente saber como é o dia-a-dia dos descendentes de
imigrantes italianos e como a etnicidade é trabalhada no turismo é preciso um
contato mais direto, tanto com o local quanto com os atores do local, buscando esse
contato através da etnografia.
61
3 O LÓCUS: ESTAR NO ROTEIRO DE TURISMO RURAL CULTURAL CAMINHOS
DE PEDRA
O lócus do estudo não é o objeto do estudo. Os antropólogos o estudam
as aldeias (tribos, cidades, vizinhanças...), eles estudam nas aldeias
(GEERTZ, 1978, p.32).
Seguindo o apresentado por Geertz (1978), citado na epígrafe, tem-se a
etnografia como a forma adequada para se estudar no local e não o local. Quando
se trabalha com uma comunidade, desejando saber a visão que os moradores locais
têm acerca de determinado assunto, é fundamental estar lá, pois somente
vivenciando é que se pode chegar a alguma conclusão. Para realizar a etnografia
passei a residir por um determinado tempo da pesquisa no local: no Roteiro de
Turismo Rural Cultural Caminhos de Pedra.
Sendo assim, o método etnográfico foi realizado com a comunidade do
Roteiro Caminhos de Pedra, que se localiza no Distrito de São Pedro (Bento
Gonçalves RS), buscando compreender e interpretar, a partir da visão dos
visitados, como é para eles a herança cultural, a etnicidade e a identidade em suas
relações com os visitantes. Tamm analisar de que forma ocorreu e ainda ocorre o
processo de reconstrução cultural nesse roteiro por parte dos visitados para
“apresentar” aos visitantes.
Imagem 3: Início do roteiro sentido Bento Gonçalves - Farroupilha. Foto: Rita Michelin
O Roteiro de Turismo Rural Cultural Caminhos de Pedra, que está localizado
na zona rural do município de Bento Gonçalves, no Distrito de São Pedro, conforme
apresentado no capítulo anterior, conta, atualmente, com dez pontos de visitação.
Para os visitantes que desejam realizar o passeio sem o acompanhamento de um
62
guia de turismo, a opção de adquirir um guia impresso de visitação, no qual o
mapa auto-guiado. Esse guia apresenta brevemente a história de cada casa que faz
parte do roteiro, tanto das casas que recebem visitação quanto das casas que são
somente para observação externa.
Entretanto, esse guia impresso, juntamente com o mapa, por vezes acaba
confundindo os visitantes. Isso ocorre pelo fato de que nem todas as casas
apresentadas como pontos de visitação estão realmente abertas para serem
visitadas. A Ferraria Ferri, que estava aberta até por volta do ano de 2004, não
recebe mais visitação. A Casa do Leite e a Casa do Coelho ainda não estão em
funcionamento e não têm previsão para abrirem, no entanto aparecem no guia, o
que leva muitos turistas a ficarem procurando sem sucesso de encontrar.
O mapa que se encontra na parte central do guia apresenta pontos
numerados na cor laranja, que são os pontos de visitação, e na cor verde, que são
os de observação externa. Na imagem a seguir, visualiza-se esse mapa com os
pontos de visitação e observação, no entanto essa imagem não contempla a
legenda dos pontos, pois essa fica disposta ao longo do guia com um breve histórico
de cada ponto.
Imagem 4: Mapa do Roteiro - Associação dos Caminhos de Pedra
63
Tive a oportunidade de conhecer o Roteiro Caminhos de Pedra, parcialmente,
no ano de 2002, em visita técnica, quando cursava a graduação em Turismo da
Pontifícia Universidade Calica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Nessa primeira
visita, o roteiro despertou o meu interesse por ser diferenciado de todos os outros
que havia visitado, explorando principalmente a cultura italiana. Nesse dia visitei
apenas a Ferrari Ferri, a Cantina Strapazzon e a Casa Vanni (na época, Casa das
Massas e Casa da Tecelagem).
No mês de Outubro de 2006, juntamente com alguns amigos, retornei ao
Roteiro de Turismo Rural Cultural Caminhos de Pedra como turista, para um
reconhecimento do futuro local a ser estudado. A visita seguinte, também como
turista, ocorreu no mês de Abril de 2007. Nessas visitas fui a todas as casas, mas
não realizei nenhum contato com os moradores acerca da minha pesquisa, pelo fato
de que essa ainda não estava totalmente definida.
Objetivando identificar o processo de reconstrução da etnicidade e da
identidade cultural na arena turística do Roteiro de Turismo Rural Cultural Caminhos
de Pedra, utilizei o método etnográfico para a realização da pesquisa. Esse método
surge com a Antropologia Moderna na qual “os pesquisadores deixam de priorizar as
informações indiretas, fornecidas por colonizadores, viajantes e missionários, para
transformar a tarefa de coleta de dados em parte integrante de sua pesquisa”
(SANTOS, 2005, p. 37). De acordo com Laplantine (1999), a pesquisa etnográfica
passa a existir pela necessidade dos pesquisadores antropólogos saírem de seus
gabinetes, buscando coletar pessoalmente as informações necessárias das
sociedades estudadas, inserindo-se nessas e não apenas observando
superficialmente. Por esse motivo residi durante dois meses na Comunidade de
Santo Antônio, uma das três comunidades que formam o Distrito de São Pedro, pois
acredito que somente morando no roteiro e convivendo dia a dia com os moradores,
realmente poderia coletar os dados necessários a minha pesquisa para poder
analisar e interpretar adequadamente esses dados.
Segundo Goldenberg (1999), o os trabalhos de dois antropólogos Franz
Boas e Bronislaw Malinowski que consagram a idéia do pesquisador “[...] passar
um longo período de tempo na sociedade que estão estudando para encontrar e
interpretar seus próprios dados, em vez de depender dos relatos dos viajantes,
como faziam os ‘antropólogos de gabinete’” (Ibid, p.20-21).
Sendo assim, a partir do mês de Junho de 2007 fiz os primeiros contatos com
64
alguns moradores do roteiro em busca de um local que eu pudesse alugar por
alguns meses, objetivando realizar a pesquisa etnográfica da melhor forma possível.
Então, no dia 12 de Julho de 2007, fui ao roteiro e aluguei uma casa para no outro
dia iniciar a pesquisa. Aluguei a casa de uma nonna
12
que havia falecido três
meses. No dia 13 de Julho de 2007 passei a residir oficialmente na comunidade.
Na etnografia, o pesquisador deve buscar compreender o indivíduo dentro da
sua sociedade e do seu ponto de vista. A etnografia trata do mapeamento da cultura,
por esse motivo “[...] no campo tudo deveria ser anotado meticulosamente e que um
costume tem significado se estiver relacionado ao seu contexto particular”
(GOLDENBERG, 1999, p. 21). Segundo Laplantine (1999, p. 156) “no campo tudo
deve ser observado, anotado, vivido, mesmo que não diga respeito diretamente ao
assunto que pretendemos estudar”. Então para realizar esse mapeamento é preciso
se inserir na sociedade estudada e observar tudo o que acontece, buscando os
significados a partir da visão do pesquisado. Para isso é importante estar com o
visitado, buscando conhecê-lo e ganhar a sua confiança, para assim compreender
os significados a partir da visão dele. Além disso, mantive sempre um diário de
campo, no qual fiz anotações de todos os acontecimentos observados durante o
período para posterior análise, o me preocupando se eram relevantes ou não à
pesquisa.
No trabalho de campo, Malinowski colocou em prática a observação
participante
[...] nesse tipo de pesquisa, recomenda-se ao etnógrafo que de vez em
quando deixe de lado máquina fotográfica, lápis e caderno, e participe
pessoalmente do que está acontecendo. Ele pode tomar parte nos jogos
dos nativos, acompanhá-los em suas visitas e passeios, ou sentar-se com
eles, ouvindo e participando das conversas (MALINOWSKI, 1978, p.31).
Na observação participante, que faz parte da etnografia, o pesquisador deve
se inserir no cotidiano da comunidade pesquisada em uma estada de longa duração,
mergulhando na cultura nativa: “[...] o ‘estar lá’ implica o estabelecimento de uma
relação com as pessoas das comunidades ou grupos estudados, exigindo do
antropólogo, além dos procedimentos metodológicos, uma postura ética(SANTOS,
2005, p.68). E foi exatamente isso que fiz, por muitas vezes deixei de lado todos os
materiais didáticos referentes a pesquisa e acompanhei os visitados nos seus
12
Nonna significa avó tanto na língua italiana quanto no dialeto talian, com relação familiar e
como relação do idoso com a comunidade.
65
afazeres diários, ajudando quando possível, e com isso sempre aprendendo mais e
conhecendo-os melhor. Sendo assim, na observação participante, não se tem
apenas um crescimento intelectual voltado à pesquisa, e sim um crescimento
pessoal.
Malinowski (1978), no trabalho de campo, sugere três questões que ele
buscou responder através do convívio com o outro, registrado em drios de campo
e buscando compreender sempre o ponto de vista dos sujeitos. As questões são: o
que os nativos dizem do que fazem? O que realmente fazem? O que pensam a
respeito do que fazem? Para responder a primeira pergunta, ao final dos dois meses
que residi no roteiro, realizei entrevistas semi-estruturadas
13
com os moradores
locais nas quais eles tinham a oportunidade de dizer o que fazem, de que forma
fazem, como é a sua vida ligada ao atendimento dos turistas, dentre outras
questões. Vale lembrar que essas entrevistas foram a última parte do processo, pois
primeiramente era necessário ganhar a confiança dos visitados. Para a segunda
pergunta, observei o que os nativos faziam, estando com eles dia-a-dia. Seja na
hora de atender os turistas, realizar os seus afazeres domésticos ou demais
afazeres da zona rural, realmente me inseri no cotidiano deles para compreendê-los.
Para a terceira, percebi a resposta através do contato diário com os moradores
locais, nas conversas informais nas quais eles contavam o que pensavam sobre o
turismo e sobre a vida deles ligada ao turismo. Contavam o que realmente sentem e
pensam sobre a vida e a ligação com o turismo e os turistas.
No método etnográfico de pesquisa voltado para a Antropologia, outro recurso
que tem sido bastante utilizado são as fotografias. Esse recurso é conhecido como
antropologia visual, no qual as fotografias e demais materiais visuais “[...] antes de
serem cópias da realidade, são ‘textos’, afirmações e interpretações sobre o real”
(ACHUTTI, 1997, p.25). Sendo assim, utilizarei as fotografias como forma de
complementação textual, pois
[...] não se trata de buscar uma alternativa ao texto escrito, nem de provocar
um ‘duelo’ entre o texto e a imagem, mas de salientar o fato de que, mesmo
que o texto seja fundamental, sua associação a outras formas de linguagem
não pode senão enriquecer os enunciados metodológicos (ACHUTTI, 2004,
p.94).
Das dez casas de visitação que compõem o roteiro, a primeira, no sentido
Bento Gonçalves Farroupilha, é a Casa dos Doces Predebon, na qual são
13
Ver Apêndice – modelo aproximado do roteiro das entrevistas semi-estruturadas, página 111.
66
produzidos e vendidos variados doces e geléias de frutas cultivadas na propriedade:
maçã, figo, uva, marmelo e pêssego. A fabricação é caseira sem adição de
conservantes, da mesma maneira que as avós dos atuais moradores faziam. De
acordo com a Associação Caminhos de Pedra, essa é uma agroindústria construída
em tijolos maciços à vista, com características arquitetônicas típicas da imigração
italiana.
Imagem 5: Casa dos Doces Pedrebon - Foto: Rita Michelin
Essa casa é a primeira do roteiro se o visitante iniciar o passeio no sentido
Bento Gonçalves Farroupilha, mas se iniciar pelo lado oposto será a última casa,
pois o roteiro está situado ao longo da estrada Julio de Castilhos e pode ser iniciado
por qualquer um dos lados. O roteiro tem cerca de 14 km de extensão.
Seguindo, passa-se por cerca de três pontos de observação, no entanto
esses não são sinalizados, o que dificulta para o visitante que não está
acompanhado de um guia de turismo encontrar esses pontos.
Na imagem 6 está a Casa Bertarello que foi construída toda em pedra por
volta de 1880 por Giuseppe Dall'Acqua, sendo, depois, adquirida pela família
Bertarello. No ano de 1930, as pedras foram cobertas com reboco, mas em 1984
readquiriu suas características originais, tendo o reboco retirado e tornando-se a
primeira casa restaurada pelo Projeto Cultural Caminhos de Pedra. Atualmente
abriga um restaurante colonial italiano, o Restaurante Nona Ludia, que é dirigido
pelas famílias Casagrande e Cantelli. No pátio da casa há uma árvore chamada
Maria Mole (tamm conhecida como Umbú) a qual, sob suas raízes, forma uma
pequena gruta que, segundo relatos de moradores, era utilizada pelos primeiros
imigrantes como abrigo.
67
Imagem 6: Casa Bertarello - Foto: Rita Michelin
A Casa do Tomate, diferentemente da grande maioria das casas, não está
situada ao lado da estrada Julio de Castilhos e sim a cerca de 200 metros da
estrada. Essa é uma construção recente de propriedade da família Lerin, que foi
construída já com a finalidade de se tornar a Casa do Tomate no Roteiro Caminhos
de Pedra. Nela são produzidos e comercializados derivados de tomate (extrato,
molho, suco e tomate desidratado seco) e refrigerantes naturais (sem uso de
conservantes químicos) nos sabores limão, laranja e abacaxi, receita das avós que
foram sendo aprimoradas. Além de receber uma explicação sobre o processo de
fabricação dos produtos, nessa casa o visitante também fica sabendo um pouco
mais sobre a história do projeto e de todas as casas que fazem parte do roteiro.
Imagem 7: Casa do Tomate – Foto: Carlos Bem
Para falar sobre o Projeto e o Roteiro Caminhos de Pedra, os proprietários
utilizam um mapa improvisado feito em uma das paredes da fábrica que fica ao lado
da casa. Esse mapa pode ser observado na imagem 8, a seguir.
68
Imagem 8: Mapa do roteiro - Casa do Tomate - Foto: Rita Michelin
Em conversa informal com os proprietários da Casa do Tomate, eles contaram
que pretendem melhorar o mapa, talvez com miniaturas de todas as casas do roteiro
para que os visitantes tenham a idéia geral de tudo o que poderão conhecer. Além
disso, eles contam que fazem isso sem esperarem um retorno, fazem isso porque
acham que é fundamental o turista saber um pouco mais da história de todo o roteiro
e não apenas de algumas casas.
Nesse roteiro tamm espaço para as artes. A Casa Gilmar Cantelli foi
construída entre os anos de 1877 e 1883 toda em pedra, sendo uma das
construções mais sticas da arquitetura italiana que faz parte do roteiro. Foi
completamente restaurada no ano de 2002 através do Projeto Cultural Caminhos de
Pedra. Desde o ano de 2003 é moradia e ateliê do escultor João Bez Batti, que é um
dos poucos artistas que domina a técnica de esculpir em pedra basalto. Nessa casa,
o visitante pode conhecer um pouco mais acerca do trabalho do escultor, além de
observar as características de uma construção dos primeiros imigrantes italianos
chegados ao Rio Grande do Sul no século XIX. A Casa Gilmar Cantelli e Ateliê Bez
Batti está localizada a cerca de dois quilômetros da estrada Julio de Castilhos,
sendo a casa mais retirada de todas as que integram o roteiro.
69
Imagem 9: Ateliê Bez Batti – Foto: Nestor Foresti
O prédio em madeira da imagem 10 foi construído em 1917, pela Família
Cavalet. Abrigava um restaurante e hotel, conhecido como casa de pasto, pois no
andar inferior ficava o pasto para os cavalos dos hóspedes. Na época havia uma
demanda considerável devido ao grande movimento através da Estrada Julio de
Castilhos. Atualmente, o prédio pertence ao Hotel Dall'Onder e no ano de 1993 foi
restaurado e transferido cerca de 100m de sua localização original, tendo um porão
de pedra acrescentado à estrutura original e tamm a construção de mais uma
estrutura lateral. Nesse prédio localiza-se a Casa da Ovelha, onde o visitante pode
conhecer o processo de industrialização do leite. No porão degustação de
queijos, iogurtes e outros derivados do leite de ovelha, assim como o varejo dos
mesmos e produtos de lã e pele de ovelha e artesanato.
Imagem 10: Casa da Ovelha - Foto: Rita Michelin
A última casa a inserir-se no roteiro foi a Casa do Artesanato, em Julho de
2005. Essa casa estava localizada no interior de Farroupilha, tendo sido desmontada
70
e reconstruída no Distrito de São Pedro. O casarão, datado de 1910, pertenceu à
Família Dal Pizzol e atualmente pertence à Família Tomasi, que coloca a disposição
dos visitantes uma grande variedade de peças artesanais feitas pela própria família
e por moradores do Distrito de São Pedro, além dos produtos da antiga Casa das
Massas.
Imagem 11: Casa do Artesanato - Foto: Rita Michelin
Várias casas do roteiro sofreram intervenções nas suas características
originais, uma delas foi a Casa Vanni. Essa foi construída em 1935 por Pietro
Strapazzon, atualmente pertence à Família Vanni. No ano de 1975, o andar superior
foi retirado, retornando às características básicas em 1996, quando foi restaurada
através do Projeto Caminhos de Pedra. No primeiro andar, o visitante pode
acompanhar o trabalho dos teares manuais com os quais o produzidas mantas,
tapetes, palas, entre outros. No andar superior está localizado o Restaurante Casa
Vanni que oferece diversos tipos de massas acompanhados de vinhos produzidos na
comunidade.
Imagem 12: Casa Vanni - Foto: Nestor Foresti
71
Imagem 13: Interior do Restaurante Casa Vanni - Foto: Rita Michelin
A Cantina Strapazzon foi construída totalmente em pedras irregulares por
volta do ano de 1880 por Giovanni Strapazzon. Ela nunca passou por nenhum
processo de restauro, mantendo ainda a originalidade nas suas características da
primeira geração de imigrantes italianos chegados ao Rio Grande do Sul. A
construção é utilizada como cantina pela família e serviu de cenário para algumas
cenas do filme “O Quatrilho” no ano de 1995. Nessa cantina os visitantes conhecem,
através da explicação dos visitados, o processo de elaboração artesanal do vinho e
do suco de uva e ao final há degustação de todos os produtos coloniais por eles
produzidos, am de queijos, salames e copas.
Imagem 14: Cantina Strapazzon - Foto: Rita Michelin
Outra construção mais recente é a Cantina de Vinhos Finos Salvati & Sirena,
72
um prédio em formato octogonal, construído em pedras basálticas irregulares
retiradas do próprio local. Nessa é oferecida degustação de vinhos e suco de uva e
também o varejo desses produtos. Além disso, para agregar valor cultural,
também foram resgatados pratos da culinária italiana. Ali são servidos, com
agendamento prévio, jantares típicos da pobreza italiana, conforme o Sr. Silvério
Salvati conta em entrevista concedida:
Nós pensamos em fazer aqui tamm a área de gastronomia. Que que nós
vamos fazer? Típico italiano? Toda a Serra serve! Tem gente que vem da
Itália e come na Serra Gaúcha e diz No posso piu vere galeto e pasta
chega de galeto e massa, então nós não podemos também produzir o
galeto e massa. O que nós fomos em busca, também frizando novamente a
cultura, foi buscar os pratos que a nonna fazia a 90 / 100 anos atrás que é a
minestra de fagioli com taiadelle, é a sopa de feijão com talharim, era o
prato de toda noite o italiano comia isso, não tinha outra escolha, tinha que
comer e calar a boca, não dizer que tava quente, nem fria, nem paçocada.
Tinha que comer sem levantar os olhos. Outro prato como sendo o prato
base, nós servimos a polenta no tabuleiro cortada com frio de costura
número 16, também autêntica que nem no passado. Servimos a galinha
caipira com molho, fizemos três tipos de fortaias. Fortaias são omeletes.
Fizemos o radicci coti com la pancetta, a pancetta é o toicinho da barriga do
porco antes dele virar bacon. O bacon é industrializado, nós temos o
toicinho virgem, sai do porco e vai na panela. Fizemos o scodeguim, a
palavra scodeguim deriva de scodega, que é couro do porco, então é o
embutido que se aproveita o couro do porco, mais a carne dos músculos
que é dura, imprópria para salames e lingüiças, temperos e especiarias.
Esse é cozido em água, e servido bem quente, maravilhoso, um aroma
fantástico. Fizemos o pão da nonna feito no forno de barro sobre a palha de
milho, o salame rostido, a salada de radicci com a pancetta tamm e
vinagre caseiro feito por nós, forte, agravel, que deixa o lábio branco.
Fizemos um sagu com creme. Como entrada, temos frios, acompanham as
graspas. São coisas assim que a gente volta, doamo-nos à cultura,
precisamos mais um incremento.
Imagem 15: Cantina Salvati & Sirena – Foto: Nestor Foresti
73
Imagem 16: Jantar na Cantina Salvati & Sirena - Foto: Rita Michelin
O local que abrigava o antigo moinho Cecconello, após ser adquirido pela
Família Ferrari, foi adaptado para uma fábrica de erva-mate colonial, tornando-se a
Casa da Erva-Mate. Nela o visitante pode conhecer todo o processo de produção
com três históricos soques
14
, sendo dois movidos a energia elétrica e um movido a
roda d’água. O varejo funciona no porão da residência da família, que fica em frente
à fábrica. Lá o visitante acompanha o preparo e pode provar o chimarrão feito com a
erva-mate
15
ali produzida e também adquiri-la, além da uma ampla variedade de
outros artigos ligados ao preparo do chimarrão.
Imagem 17: Casa da Erva-Mate – Foto: Rita Michelin
14
Soque é o maquinário utilizado para a moagem da folha da erva-mate já seca e triturada.
15
Derivado produzido com folhas e galhos da planta da erva-mate.
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3.1 Experiência de campo
Em um primeiro momento, chegar a um local estranho é sempre um pouco
assustador e ao mesmo tempo instigante. O primeiro problema que tive de enfrentar
foi o transporte público deficiente para chegar até o roteiro e ter que “me virar” sem
carro, ou seja, colocar as pernas para trabalhar! Lembrando o que diz Garcia
Canclini (2003, p. 21) “o antropólogo chega a pé, o sociólogo de carro e pela pista
principal, o comunicólogo de avião. Cada um registra o que pode, constrói uma visão
diferente e, portanto, parcial”. Dessa forma realmente cheguei a ao roteiro e a
partir dessa visão e dos registros procurei construir o entendimento necessário para
a pesquisa.
Na estrada principal do roteiro um movimento considerável de veículos. A
grande maioria dos moradores possui algum meio de transporte. As nonnas
trabalham na horta, as pessoas andam de chapéu de palha, todo mundo se
conhece, e por esse motivo nos primeiros dias eu virei atração turística. Todo mundo
queria saber quem era a guria nova que estava morando na comunidade. No início
isso me deixou um pouco constrangida, mas aos poucos fui conhecendo os vizinhos
e essa sensação de ser uma estranha na comunidade passou.
no primeiro dia, iniciei as primeiras aproximações com os visitados para
falar sobre a minha pesquisa e pedir autorização para realizar a pesquisa
etnográfica em seus estabelecimentos. A recepção deles foi ótima tanto comigo
quanto com a minha pesquisa. Como o roteiro conta com dez pontos de visitação,
não seria possível realizar pesquisa etnográfica com observação participante em
todos os pontos, por esse motivo, optei em realizar apenas em quatro
estabelecimentos: o mais antigo do roteiro Cantina Strapazzon –, dois com quatro
anos de existência Cantina Salvati & Sirena e a Casa da Erva-Mate e o mais
recente (dois anos) Casa do Artesanato. Além desses motivos, tamm escolhi
esses estabelecimentos por fazerem parte do primeiro núcleo do roteiro no sentido
Farroupilha Bento Gonçalves, que ficava mais próximo da casa na qual eu estava
residindo, dando-me condições de chegar até eles a pé.
Então, no trabalho etnográfico eu passava o dia em uma dessas quatro
casas, geralmente das 9h às 18h. Nesse tempo procurava sempre ajudar os
moradores no que fosse necessário, para assim ir ganhando sua confiança, e
conversando para colher informações pertinentes ou não à pesquisa. No início eu
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ficava uma semana em cada estabelecimento; após as primeiras semanas alterava,
cada semana ficando em dois estabelecimentos, um dia em cada um.
Com o passar dos dias fui realmente ganhando a confiança dos moradores.
Eles conversavam de tudo comigo, me contavam dos problemas, das coisas boas
relacionadas ao trabalho com o turismo e tamm as coisas ruins. Diziam que
gostavam da minha ajuda e às vezes até “disputavampara ver em qual casa eu iria
ficar. Todos queriam que eu ficasse apenas na sua casa, pois eu sempre ajudava no
que fosse possível, sendo nas tarefas diárias de manter o estabelecimento
arrumado, na fabricação dos produtos e amesmo no atendimento aos visitantes.
Nesses primeiros momentos o método utilizado foi a observação participante,
na qual eu conversava e participava do dia-a-dia dos visitados, observando para
depois anotar todas as informações obtidas no diário de campo. As entrevistas semi-
estruturadas foram deixadas para o momento final do período de residência no
roteiro, pois somente após conhecer bem o cotidiano e a relação existente entre
visitantes e visitados é que seria possível elaborar questões nas entrevistas semi-
estruturadas para complementar a observação participante.
As entrevistas semi-estruturadas foram realizadas com dez moradores do
Distrito de São Pedro e um guia de turismo local. Entretanto, optou-se por utilizar
apenas as entrevistas em que as questões pertinentes à pesquisa foram abordadas
de forma natural, sem questionamentos diretos por parte da pesquisadora. Sendo
assim, sete entrevistas foram utilizadas na análise textual aqui apresentada. Os
moradores entrevistados assinaram um termo de colaboração no qual ficou claro o
sigilo e o respeito à privacidade dos participantes, sendo assim, optou-se em
nomear os entrevistados por letras e seu grau de descendência italiana, ou seja, a
geração a que pertencem a partir dos primeiros imigrantes italianos chegados ao Rio
Grande do Sul, no ano de 1875.
Em relação ao início do Projeto Cultural Caminhos de Pedra, cada morador
tem uma visão diferenciada de como foi a sua inserção. Os primeiros a se
envolverem com o turismo eram denominados “loucos”, pois ninguém acreditava no
potencial turístico do local, principalmente os próprios moradores.
Onde que muitas pessoas achavam que não ia dar certo. Diziam pra gente
que éramos loucos, que isso não ia dar certo, que a gente ia se dar mau, aí
a gente pensou muito, pensamos, pensamos e abrimos por um esporte,
vamos ver o que vai acontecer. E hoje estamos aqui, onde se esperava um
ônibus por mês pra visitar depois foi um por semana e hoje é de 8 a 10 por
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dia, então é muito visitante nos procurando. (Entrevistado C, 4ª geração).
Havia um certo receio nos moradores quanto a aderir ao projeto, no entanto
alguns estavam cientes de como o turismo funciona, conforme lembra o
Entrevistado C da 4ª Geração:
[...] demoramos dois meses para aderir ao projeto. A família ficou pensando
se poderia dar certo ou não, o que se poderia vender, que a gente já sabia
que trabalhar com o turismo, você não tem sábado, não tem domingo, não
tem segunda, é direto, seria visitantes todos os dias na casa, né.
Para os que se inseriram após o roteiro já estar em funcionamento, o turismo
já era visto como uma nova fonte de renda que estava dando certo para quem
estava trabalhando com isso. De acordo com o Entrevistado B da Geração “[...]
quando apareceu os Caminhos de Pedra funcionando, andando, nós aderimos
a ele e conquistamos o espaço [...]”. Mas quem começou depois tamm tinha a
visão de que ainda tinha muito caminho a seguir para chegar aonde os demais se
encontravam: “enquanto os outros já tinham quase todo o de meia feito nós
estávamos ainda na construção [...]” (Entrevistado A, 4ª Geração).
A inserção no Roteiro de Turismo Rural Cultural Caminhos de Pedra também
foi uma escolha por parte de alguns empreendedores
Eu sou professora meio turno e isso aqui pra mim é um anti-stress. Nós
podeamos muito bem ter ido morar na cidade, meu marido tem emprego e
eu também, mas eu gosto de mexer na terra. Muita gente diz “vocês não
deviam ter feito isso”, mas é uma coisa daqui, do ser, pra ter um pouco de
equilíbrio (Entrevistado F,Geração).
Diferente do caso do Entrevistado F, houve tamm quem queria fazer parte
do Projeto, no entanto não sabia o que fazer
[...] quando o pessoal aqui começou a trabalhar com o turismo, a gente viu a
possibilidade da gente também fazer parte do projeto, receber os turistas.
que assim, nós não tínhamos idéia do que fazer. um certo dia o
Tarcisio, que é o idealizador do projeto, ele veio aqui e nos convidou a
participar. (Entrevistado D, 4ª Geração).
Além dos que começaram do zero também aqueles que assumiram um
negócio que já havia sido iniciado
Aí esse ano eu tava querendo abrir um negócio em Bento na área de
gastronomia e surgiu a oportunidade de vir pra porque ele não estava
mais satisfeito com o trabalho que ele estava fazendo. [...] eles resolveram
vender, se desfazer e como ele ia sair de baixo também ia ter mais espaço
para poder desenvolver o projeto e eu resolvi assumir (Entrevistado G,
geração).
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Através das exposições dos visitados, percebi que o início relacionado ao
turismo aconteceu de formas diferenciadas para cada empreendedor. Além disso, o
que percebi na observação participante e na etnografia das conversas informais é
que sempre foram as mulheres da família que tomaram a frente para receber os
turistas em suas casas e que não deixaram os maridos desistirem quando parecia
que nada iria dar certo.
Antes do início oficial do Projeto para o turismo, os interessados participaram
de um curso do Sebrae, conforme conta o Entrevistado F da 4ª geração
[...] bem no comecinho, quando iniciou o projeto em 1992, foi feito um
curso aqui através do Sebrae e foi largada a notícia que quem se
interessasse em participar seria montado um projeto cultural, ele não tava
aprovado nem nada na época. Fiquei quase um mês fazendo esse curso de
como montar uma pequena micro-empresa.
A parceria do Sebrae para com o roteiro aparece como um ponto positivo a
partir da visão dos moradores locais, pois esses o acreditavam que poderiam se
tornar empreendedores no setor turístico.
A gente teve curso de tipo como fazer o preço, porque a gente sabia como
trabalhar com braços e pernas e cabeça não. Então imagina você sendo um
agricultor e logo ter um estabelecimento de vender produtos. Coisa que
nunca aconteceu na nossa vida, só se sabia pegar uma enxada e ir na roça
capinar. E depois o Sebrae deu vários cursos, de compra, venda, como
fazer o preço, atendimento, mas muito também se leva na prática, você
atendendo você vai melhorando. (Entrevistado C, 4ª Geração).
Nos pontos de visitação do roteiro, os turistas são recepcionados pelos donos
da casa ou por funcionários, dependendo do estabelecimento. Em alguns ainda
trabalha apenas a família, já a grande maioria utiliza os serviços de funcionários, que
são moradores da comunidade ou da cidade de Bento Gonçalves (apenas um
estabelecimento conta com os serviços de funcionários não residentes na
comunidade e sim na zona urbana de Bento Gonçalves). Nos estabelecimentos
onde visita guiada, os donos da casa ou os funcionários acompanham o visitante
contando a história do local e explicando sobre os produtos ali produzidos, já nos
demais o visitante tem a liberdade de chegar e conhecer a casa por si mesmo.
Podemos utilizar como exemplos de visita guiada, duas residências em que
se realizou a etnografia: a Cantina Strapazzon e a Casa da Erva-Mate. Nelas os
visitantes chegam, são recepcionados pelos donos ou funcionários (na primeira) que
os levam para conhecer o estabelecimento, contando a história do local e o
processo de fabricação dos produtos, para após realizarem as degustações. Quando
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os visitantes fazem parte de um grupo, chegam de ônibus ou van acompanhados
pelo guia, que acompanha o grupo, mas na casa a explicação fica por conta do
morador. Então, utilizando o recurso da fotoetnografia, que segundo Achutti (2004,
p.109) trata-se de uma narrativa etnográfica composta por “[...] uma série de fotos
que estejam relacionadas entre si e que componham uma seqüência de informações
visuais. Série de fotos que deve se oferecer apenas ao olhar, sem nenhum texto
intercalado a desviar a atenção do leitor/espectador” busca-se apresentar um pouco
da relação entre visitantes e visitados por meio de narrativas etnográficas feitas na
Cantina Strapazzon e na Casa da Erva-Mate, durante a realização da etnografia no
roteiro.
Ainda se pode complementar, de acordo com Achutti (1997, p.77), que por
meio da fotoetnografia
[...] pode-se construir textos imagéticos a respeito da cultura do outro, fazer
construções descritivas e narrativas. Narrativas no sentido amplo, como
conjunto organizado de significantes, cujos significados constituem uma
história (...) que deve se desenrolar no tempo’ (Aumont, 1993:244). Uma
narrativa visual que venha enriquecer, trazer novos ângulos, como uma
outra grafia’ (Leal, 1986:17).
Quando se propõe uma narrativa etnográfica através de fotografias [...] logo
surge o alerta de limites, alerta de que a fotografia é uma obra aberta sujeita a
múltiplas leituras ou interpretações” (ACHUTTI, 1997, p.76). Além disso, Achutti
lembra que a própria realidade pode ter diferentes interpretações e leituras,
conforme apresentado no primeiro capítulo, a visão de Clifford Geertz (1978), na
qual as culturas são compostas por teias de significados que podem ser analisadas
de diferenciadas maneiras resultando em interpretações variadas.
Sendo assim, apresento a seguir a fotoetnografia que realizei da chegada,
recepção e partida de um grupo de visitantes excursionistas na Cantina Strapazzon
para possíveis interpretações.
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A seguir a fotoetnografia de um grupo de turistas particulares na Casa da
Erva-Mate
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Imagem 31
O atendimento aos turistas é simples. Os visitados recebem bem os
visitantes, por vezes cumprimentando em dialeto talian. São hospitaleiros e tratam
bem os turistas, todavia se o turista não respeitar o morador este se coloca no direito
de tamm tratar aqueles de maneira diferenciada. Em conversas informais, os
moradores me contaram que já aconteceram muitos casos em que os turistas que
visitam o roteiro o mal-educados. Quando isso acontece, os visitados impõem
limites aos visitantes, pois estes estão na casa daqueles, que exigem o mínimo de
respeito.
Observei que alguns turistas (que têm conhecimento do dialeto vêneto)
chegam às casas falando talian como se essa fosse a língua predominante no
roteiro, e adoram quando os moradores conversam com eles em talian. Geralmente
os moradores costumam vestir-se um pouco melhor para receber os visitantes, ou
seja, o o fazem de roupa rasgada ou suja, que são utilizadas para o trabalho do
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campo. Os visitantes
[...] pedem pra gente conversar mais, porque muitos estudam o italiano, são
pessoas que estudam o gramatical e a gente conversando eles pedem pra
gente falar um pouquinho italiano com eles, a gente fica conversando
com eles e é até bonito que as pessoas ficam assim babando de ouvir a
conversa de dois italianos, não entendem nada, mas é bonito de ouvir, ficam
ouvindo e fazendo perguntas. (Entrevistado C, 4ª Geração).
Nem todos os moradores do Distrito de São Pedro estão ligados ao turismo.
Muitos ainda trabalham na lavoura ou, principalmente os mais jovens, buscam
empregos na cidade ou saem para estudar. Entretanto, para muitos o turismo é uma
alternativa justamente para não ter que buscar emprego na cidade, “[...] tem essa
parte do turismo ou trabalhando diretamente ou até fornecendo produtos. O caso do
artesanato, muita gente faz crochê, vários tipos de artesanato e oferecem para
esses pontos” (Entrevistado A, 4ª Geração). Percebe-se através dessa fala que além
dos que trabalham diretamente com o turismo, os que trabalham indiretamente,
seja fornecendo matéria prima para a produção ou mesmo os produtos prontos.
Nas entrevistas, os visitados sempre enfatizam que os produtos à venda não são
apenas seus: “Tenho produtos de outros moradores, de Santo Antonio, tenho pro
lado de Bento. Assim, nessa região aqui eu tenho bastante coisa das outras pessoas
que expõem” (Entrevistado E, 3ª Geração).
Sim, não se tem coisa nossa [...] se pega coisas dos outros que não se
tem, até tem eles no projeto pra se juntar ao projeto cultural, mas ainda não
tem a casa pronta, o estão aptos a fazer parte. Então, se pega o produto
deles, mais ou menos relacionado com o que é da gente e ajuda eles dessa
forma, até eles terem a deles. Mas tamm o todos, necessariamente,
irão fazer parte como empreendedores, mas como fornecedores. O
artesanato manual, no caso das mulheres é mais o crochê, essas coisas,
então já é uma fonte de renda (Entrevistado A, 4ª Geração).
Dessa forma, o turismo gera um efeito multiplicador para a população, pois
aqueles que não trabalham diretamente com o turismo também são beneficiados
mesmo que indiretamente. Os que trabalham diretamente com o turismo afirmam
gostar do que fazem.
Gosto sim. Você sempre em contato com pessoas diferentes, né? Não é
aquele trabalho que você trabalha numa fábrica, numa indústria, que é
aquela coisa repetitiva, repetitiva. Cada pessoa que chega, tu vai explicar,
você tem a base do que tem que passar pra eles, mas a forma de tu passar
o teu recado, de tu passar a informação pra eles é diferente porque você
chega já te chamou a atenção uma pipa, o outro já chamou a atenção
aquele detalhe da porta da pipa. Então você transmite o teu recado de
várias maneiras diferentes, sempre é, cada dia é uma novidade diferente.
Cada dia não, cada pessoa que chega até você (Entrevistado A,
Geração).
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Interpretando essa colocação, percebe-se que esse morador não entende o
trabalho com o turismo como um trabalho repetitivo, pelo contato que possibilita com
diferentes pessoas. Então, esse contato gera diferenciadas situações fazendo com
que nunca uma relação seja igual à outra. Assim como a percepção dos sinais
diacríticos de uma pessoa para outra, no qual um é diferente do outro, fazendo com
que a relação com um visitante nunca seja igual a que ocorre com outro. outro
morador diz que gosta tanto de trabalhar com o turismo quanto de trabalhar na
lavoura, que divide o seu tempo.
Que nem agora eu tô aqui, mas pouco movimento, eu tô na lavoura, porque
a demanda é maior. Que nem hoje, não adianta eu ficar aqui, hoje não
tem fluxo de turistas, [...] eu tenho que ir lá, porque lá a demanda de
trabalho é maior. Nos fins de semana os meus funcionários não trabalham e
eu me dedico aqui, a demanda aqui é maior que na lavoura. Então a gente
faz as duas coisas ao mesmo tempo. Gosto de atender turistas, porque uma
coisa muito importante, eu consigo falar a língua do povo. É uma língua que
eles têm que entender, que eles têm que assimilar. Termos técnicos não
adianta falar, tem que falar uma linguagem que as vezes tecnicamente i
ouvi-la, mas é a linguagem do povo brasileiro, ou quem visita a gente. [...] E
eu gosto porque a gente passa aqui que tu sabe para as pessoas que vêm
em busca de informação. Com uma linguagem que eles conseguem levar
pra casa e passar pros outros tamm (Entrevistado B, 4ª Geração).
A grande maioria dos moradores do Distrito de São Pedro que trabalham com
o turismo mantém uma atividade extra, sendo a lavoura, a horta, trabalho na cidade,
dentre outros. Então, o tempo para as diferentes atividades é dividido, mas sempre
fica alguém da família ou algum empregado cuidando da casa, pois os turistas
chegam a qualquer momento, sendo necessário ter sempre alguém para
recepcioná-los. Todos os moradores com quem conversei, que exercem uma
atividade extra além do turismo, admitem que adoram trabalhar com o turismo e que
“[...] todos os dias tu tem uma coisa assim diferente, tipo assim, dos lugares
diferentes, jeito que eles contam que tem as casas nos outros lugares. eu sempre
pergunto, que eu gosto de perguntar, se eles têm ainda aquelas casas antigas”
(Entrevistado E, Geração). Percebe-se assim a troca através dessa relação entre
visitantes e visitados.
Um morador entrevistado conta sobre o receio que tinha de trabalhar com o
turismo pelo seu pouco estudo:
Porque assim, eu senti muita dificuldade porque eu não tenho estudo, eu
estudei até a quinta série e eu me sinto com muita dificuldade ana
hora de pronunciar, de falar, porque a gente não tem este estudo, né? E a
gente às vezes fala com os visitantes que são de um poder aquisitivo maior
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e são pessoas estudadas, só que eles nos falam que é assim que eles
querem ver, é a simplicidade, as pessoas falando a sua própria língua, não
adianta querer inventar, falar coisas técnicas que eles não vão entender,
eles gostam de ouvir o que os nossos pais os nossos avós ensinaram, que
hoje a gente passa pra eles. Então, pra eles é gratificante ser do jeito que a
gente é e mostrar pra eles. Eles querem ver o natural, nada de inventar
palavras, nada de inventar coisas, a gente passa pro nosso visitante o dia-
a-dia da gente. (Entrevistado C, 4ª Geração).
Com isso se percebe que os visitados se preocupam muito com a forma de
falar com os visitantes. Alguns acham que m que falar de maneira diferenciada
com os turistas porque talvez eles não entendam os termos técnicos, já outros
acham que a falta de estudos pode lhes causar constrangimentos no contato com o
visitante, depois percebendo o contrário.
O Entrevistado D da 4ª Geração expõe todo o seu sentimento em trabalhar
com o turismo durante a entrevista:
Bom, eu acho assim que tu falando com uma pessoa que é apaixonada
por isso, todo mundo percebe a paixão pelo que eu faço. Sempre fui uma
pessoa batalhadora, porque demoramos 8 anos e meio pra restaurar a
casa [...] assim, com muitas dificuldades, no começo é muito difícil, até as
pessoas conhecerem o teu produto, o teu atendimento. Então agora [...] que
a gente sentindo retorno de pessoas que já vieram e estão retornando
com familiares, com outras pessoas. Como me aconteceu domingo, veio um
casal aqui, e eles vieram em Novembro de 2003, que foi no ano em que a
gente abriu a casa [...]. E eles voltaram aqui com os pais, voltaram e
gostaram muito, super satisfeitos de ver que a casa está bem, que está bem
organizada e que a gente está crescendo.
Para os visitados ter o reconhecimento por parte dos visitantes é ainda mais
incentivador para continuarem trabalhando com o turismo e gostando mais dessa
atividade, buscando, assim, melhorar cada vez mais o seu trabalho, dedicando-se
ao que fazem. Desta forma os visitados acabam valorizando ainda mais a sua
etnicidade, através desse contato com o outro no qual as diferenças o percebidas
e valorizadas e assim ocorre um constante processo de reconstrução da etnicidade
dos moradores locais no Roteiro de Turismo Rural Cultural Caminhos de Pedra.
Conforme o que fala o Entrevistado G da 4ª Geração quando questionado se gosta
de trabalhar com turismo
Adoro, gosto bastante, sempre gostei. Acho que essa troca é muito
interessante, essa vivência que eles têm. E depois é muito legal porque tu
trata com pessoas de tudo que é tipo, de todos os níveis culturais, então é
muito interessante, principalmente esse meu público, que é o público que
vem de carro, então a gente que tem mais experiência, mais vivência com
todo um mundo. Então é muito legal quando eles vêm e dizem “bah isso
aqui é que nem aquele pedacinho da Itália”, que tipo, eu estive e eu sei
como é, que realmente a gente encontra aqui um refúgio, uma coisa bem
parecida, fisicamente e culturalmente, então é muito legal toda essa troca. É
bem importante. Por isso que a gente se motiva a fazer, a melhorar, mesmo
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que não sejam muitos ainda.
uma percepção por parte dos moradores locais de que os turistas
realmente esperam encontrar a italianidade neste roteiro, principalmente aquela
trazida pelos primeiros imigrantes italianos chegados ao Estado que caracterizam
hoje os seus descendentes. Muitos demonstram de várias formas essa busca e a
satisfação ao encontrarem, contribuindo ainda mais na valorização da etnicidade dos
visitados nessa arena turística.
Dos turistas no roteiro, pode-se dizer que existem dois tipos de visitantes: os
visitantes particulares e os visitantes excursionistas. Os primeiros são aqueles que
vêm de carro, ou outro meio de transporte, por conta própria, especialmente para
visitar o roteiro, ou descobriram esse por acaso. Muitos turistas reclamam da falta de
divulgação e de informações acerca do roteiro e que acabam descobrindo esse por
acaso, seguindo algumas placas, mas sem saberem ao certo do que se trata. Os
segundos são os que vêm através de agências de viagens, geralmente provenientes
de outras cidades ou estados, na grande maioria das vezes o acompanhados por
guia local.
O particular tem mais tempo, ele vem em busca daquilo que ele quer.
Excursão em função dos atrasos, eles vêm sempre atrasados, não têm o
tempo necessário e é uma coisa o roteiro é direcionado, vonão vai onde
quer, você tem um roteiro a cumprir. E o pessoal vêm aqui, s pedimos pra
eles sentarem, é um ambiente fantástico, sentados, explanamos sobre a
casa [...], coisa importante que eles não conhecem, não sabem,
apresentamos [...] numa linguagem deles e nós falamos uma coisa bastante
importante, respondemos perguntas, eles querem saber porque, então s
temos esse espaço tamm (Entrevistado B, 4ª Geração).
Os próprios visitados percebem a diferença dos turistas que chegam ao
roteiro. Conforme o exposto pelo entrevistado B a diferença entre os turistas
particulares e os excursionistas é que os primeiros vão em busca do que querem e
os segundos fazem o roteiro de forma direcionada pelo guia. O Entrevistado G da
geração fala tamm sobre a troca com os turistas particulares
[...] acho que a troca é muito mais interessante, o menosprezando os
grupos, mas em função do tempo que eles m, de terem um passeio bem
delimitado feito pelo guia, então a troca não é tão grande quanto com o
público que tá de carro, a família, o casal, o grupo de amigos. Esses o
mais interessados na troca mesmo, eles vêm, ficam mais tempo, eles
apreciam mais a comida, eles querem conversar contigo, saber como que
era, porque que tu aqui. Então essa troca que é interessante e
satisfatória. (Entrevistado G, 4ª Geração).
Os particulares têm como diferencial um maior contato com a população local,
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pois costumam visitar o roteiro com mais tempo disponível e por esse motivo
acabam passando mais tempo com os moradores, conhecendo-os melhor e também
falando um pouco de si. Entretanto, vale lembrar que não é a totalidade dos
visitantes que têm o intuito de conversar e conhecer um pouco mais o visitado,
existem tamm aqueles turistas que muitas vezes nem olham na face do morador.
Os visitantes particulares possuem mais liberdade, conhecendo todos os pontos do
roteiro ou apenas aqueles que mais lhes interessam.
Os visitantes excursionistas costumam ter o tempo bem menor que os
particulares, pois, geralmente, o Roteiro de Turismo Rural Cultural Caminhos de
Pedra é apenas uma parte do passeio. Em um dia visitam esse roteiro e o passeio
no Trem Maria Fumaça, ou então visitam o Roteiro do Vale dos Vinhedos, ambos no
município de Bento Gonçalves. Por esse motivo, esses visitantes não conhecem
todas as casas do roteiro (costumam parar em uma média de três pontos de
visitação) e pelo pouco tempo disponível acabam o tendo uma maior aproximação
com o morador local.
Alguns visitados com quem conversei afirmaram que preferem o visitante
particular, por esse vir com mais tempo, geralmente disposto a conversar, muitas
vezes demonstram mais interesse na casa e na história do que os visitantes
excursionistas.
Os particulares a gente percebe que a pessoa tem mais tempo, a pessoa já
sai da cidade e já vem, ele pára onde ele quer. Então a gente percebe que a
pessoa tem aquele tempo de fazer perguntas, tempo de ficar com a família,
de conversar, se vê que ele tá gostando do roteiro e a pessoa compra mais
porque você tem mais tempo de explicar sobre o produto. Ônibus [...] tem
grupos que acham que é uma cidade, que o roteiro é um conjunto de casas,
é uma coisa diferente, tem pessoas que vem de sapato de salto, aí troca
pelo tênis porque vamos caminhar nas pedras, mas não é caminhar num
roteiro de estrada de pedra, então eles têm uma noção diferente, só depois
que chegam que eles vêem o que é os Caminhos de Pedra. Então seria
toda aquela parte rústica de antigamente, hoje esaberto para as pessoas
verem como é que faziam antigamente. (Entrevistado C, 4ª Geração).
A grande maioria dos visitantes buscam encontrar no roteiro características da
cultura da imigração italiana, seja através do dialeto que muitos tentam aprender,
principalmente os turistas provenientes de outros estados do Brasil. Alguns
demonstram grande interesse sobre a história da imigração na região, entretanto
nem os próprios moradores locais têm muito conhecimento para repassar aos
turistas. O conhecimento que os visitadosm acerca da história da imigração
italiana é o que os pais e avós contavam e partes que foram aprendendo até mesmo
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com os visitantes. Eu mesma, durante a pesquisa etnográfica em um dos
estabelecimentos, aprendi sobre a imigração italiana no estado de São Paulo e a
diferença dessa para com a do Rio Grande do Sul.
[...] os turistas que chegam até aí, todo mundo gosta, eles admiram
bastante, ele presta atenção, eles querem ouvir, ficam encantados com a
história com o que os antepassados passaram pra chegar até aqui, pra
desbravar as terras e fazer parte. Que nem s temos as fotos dos antigos
lá, você percebe que eram pessoas que tinham uma fisionomia triste,
sofrida, não é que nem as pessoas hoje em dia que tiram uma foto tá todo
mundo rindo, fazendo folia, assim, um semblante mais alegre. Se você
verifica qualquer foto dos antigos eles o todos rios, pessoas que te
impõem respeito, mas por traz dessa pessoa séria, desse semblante
diferente que eles têm é toda uma história difícil. Então o turista ele fica
assim encantado, ele não acredita que acontecia tal coisa que a gente
comenta, que foi difícil no inicio. Todo começo é difícil, mas principalmente
pros imigrantes. Então eles ficam encantados, tem gente que se tu fica ali
duas horas eles ficam duas horas conversando e como o italiano tem de ser
bastante falador. pano pra manga, mas é um trabalho bem gratificante
(Entrevistado A, 4ª Geração).
Através da percepção desse morador, os turistas vêm em busca da história,
não apenas do local, mas também dos antepassados, ou seja, da italianidade trazida
pelos imigrantes e repassada aos seus descendentes. Os visitantes querem
conversar para melhor conhecer e haver uma troca entre eles e os visitados.
[...] muitos lembram que os pais faziam os produtos, os avós, se emocionam
de ver a casa com o chão de terra, lembram que moraram numa casa
assim, evoluíram, hoje estão diferentes, então muita gente lembra dos avós,
então você vê muita gente emocionada quando você vai atender os turistas.
É o que eles querem, hoje também teve um grupo que tava visitando, ela
disse “que que eu quero com coisas da cidade? De shopping? É isso que
eu queria ver! Eu num paraíso vendo o seu caminho com essas flores, é
o paraíso!ela chorava de vê e dizer que eu tava morando num paraíso.
Então você vê que as pessoas que moram em cidades grandes tão
procurando assim lugares tranqüilos, calmos, como a gente está morando
no dia de hoje. Que é poucos que consegue ter uma vida como a gente leva
aqui, né? Trabalha bastante, mas se convive com a natureza, até mesmo
com os nossos visitantes, quando chegam pra nós é uma alegria de ter
contato com pessoas diferentes, conversar, senão seria todo esse sossego,
teria só roça, que a gente continua trabalhando nas roças, mas quando
chega o visitante poder compartilhar a nossa alegria com eles, então é isso
que eles gostam aqui (Entrevistado C, 4ª Geração).
Os turistas buscam algo diferenciado, não querem encontrar no Roteiro
Caminhos de Pedra o que eles encontrariam em qualquer cidade, eles buscam o
diferente, o simples, de preferência aquilo que consideram como autêntico. No
entanto, o que se entende por autêntico? Como foi abordado no primeiro capítulo
desta pesquisa, a cultura é dinâmica, gerando um processo de constante
reconstrução da etnicidade de um grupo. Sendo assim, o que é apresentado hoje na
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arena turística do Roteiro Rural Cultural Caminhos de Pedra pode ser considerado
autêntico, pois o autêntico é o hoje do grupo. Não se pode querer que os atuais
descendentes dos imigrante italianos vivam da mesma maneira que viviam os seus
antepassados para que a sua etnicidade seja “autêntica para os visitantes.
Atualmente, o autêntico no Distrito de São Pedro é a mistura dos traços culturais
herdados dos imigrantes italianos aliados aos traços culturais da modernidade,
principalmente os gerados por meio da globalização.
Além da cultura, tamm o ambiente em que se localiza o roteiro é um grande
atrativo e diferencial segundo os turistas. Esses dizem que a tranqüilidade e as
belezas naturais são encantadoras, que a qualidade de vida dos moradores locais
deve ser ótima graças a esses fatores. O entrevistado E da Geração conta que
“eles [turistas] dizem ‘nossa, vocês vão ter que viver 100 anos aqui’, é uma
maravilha, é uma paz. Realmente né, eu não penso nunca em trocar”.
Eles choram. Quando tu conta as histórias, eles choram. Porque eles se
lembram da infância deles e eles perderam isso hoje. Os da terceira idade
quem vêm, choram. Hoje tudo tu aperta a maquininha e vem tudo pronto. E
pra nós isso aqui faz bem porque os nossos jovens ficam aqui [...] são
coisas que ficam aqui (Entrevistado F, 3ª Geração).
Percebe-se uma certa freqüência em relatos de turistas que se emocionam
com as histórias que os moradores locais contam dos antepassados. Muitos desses
visitantes que se emocionam, geralmente, tamm são descendentes de imigrantes
italianos. Todavia haviam esquecido parte de suas origens, relembrando as mesmas
ou as dos seus pais e avós através do contato com os moradores de São Pedro.
Nesse contato uma troca, não somente cultural, mas também de experiências e
histórias de vida. Geralmente isso ocorre com os turistas de mais idade, conforme
relatado pelo entrevistado F na citação anterior. Isso até porque os mais velhos
costumam ter na memória as histórias contadas pelos seus pais e avós, que são
mais antigas. Isso o significa que os mais novos tamm o tenham essas
memórias. Todos podem tê-las, no entanto, no Roteiro Caminhos de Pedra os de
mais idade expressam mais esse sentimento de reencontro com o passado.
Entretanto o fato de os moradores locais o terem um bom conhecimento
sobre a história dos seus antepassados pode levá-los a passarem informações
erradas aos turistas. Pude observar um visitado contando para os visitantes que os
bisavôs haviam chegado ao Brasil por São Paulo e após foram descendo até se
instalarem aqui no Rio Grande do Sul, mais especificamente em Bento Gonçalves,
91
por causa do clima e da paisagem que eram próprios para a produção de videiras e
lembrava a região de que eram provenientes da Itália. Conforme o apresentado
anteriormente, o que se tem na história da imigração italiana para o Brasil é que os
imigrantes italianos não escolheram ficar na Serra Gaúcha, mas sim o governo os
alocou nas terras devolutas da Serra porque as próximas aos núcleos urbanos
haviam sido ocupadas pelos imigrantes alemães.
Essa história dos imigrantes italianos e de seus descendentes parece ser o
fator que mais encanta os turistas, juntamente com a paisagem. Os objetos e
utensílios antigos são apreciados pelos visitantes. Os que conhecem contam para os
que o conhecem, o que é cada um dos artefatos e para que eram utilizados,
aqueles que são sabem do que se trata pedem explicação aos visitados. As
explicações dos anfitriões são prestigiadas por alguns turistas. Um fato que me
chamou atenção, foi durante a explicação sobre o processo de fabricação do vinho
para um grupo de turistas do Rio de Janeiro, quando uma das integrantes do grupo
falou para o marido prestar atenção na explicação, porque aquilo era cultura. Esse
mesmo grupo perguntou ao morador local qual o grau de estudo do mesmo, pois
disseram que as explicações que receberam acerca da produção de vinhos nos
Caminhos de Pedra foram muito melhores do que as que tiveram nas grandes
vinícolas do Vale dos Vinhedos. Muitos turistas fazem questão de dizer que
gostaram da visita, do lugar e do atendimento, mas vale lembrar que não o todos
que pensam assim.
Os visitantes acham singular a forma como em fins do século XIX os
primeiros imigrantes conseguiam, com recursos limitados, construir as casas que
chegam a durar mais de cem anos e como eles transformaram um lugar que era
apenas mata na comunidade que é atualmente. Além disso, eles sempre questionam
os moradores locais acerca dos processos de produção realizados pelos seus
antecedentes, se continuam os mesmos atualmente, quais os materiais utilizados
para as construções e como faziam os utensílios, enfim, alguns visitantes querem
saber toda a história local.
Conversando com os moradores locais acerca do roteiro Caminhos de Pedra,
tem-se a percepção deles quanto ao mesmo, de acordo com o entrevistado D da
geração:
[...] o roteiro Caminhos de Pedra é um roteiro muito especial. Por quê?
Porque em primeiro lugar quem idealizou o projeto soube criar o projeto
muito bem. Porque assim, cada casa é uma especialidade diferente da
92
outra. E outra coisa, que esse projeto veio a ajudar muito as famílias aqui,
por quê? Porque da agricultura votem dificuldades financeiras e tu
não consegue manter a tua família própria aqui dentro, então com esse
projeto a gente tem os filhos trabalhando junto e eles têm uma opção
tamm, que eles podem estudar, como você que trabalhando, que tá
estudando pra turismo, e também outras coisas, arquitetura, engenharia,
eles tem várias opções de trabalhar aqui dentro do projeto mesmo.
Sendo percebido o roteiro como fonte de renda que influencia o trabalho em
conjunto da família, mantendo tamm os mais jovens na zona rural, por terem uma
opção de trabalho além da roça e até incentivando esses a especializarem-se em
virtude do turismo.
A questão cultural da preservação das casas antigas passou a fazer parte da
realidade dos moradores, em conjunto com questões da modernidade geradas não
apenas pelo turismo, mas tamm pela globalização. As mudanças, principalmente
as melhorias geradas após a implementação do roteiro, são destacadas pelo
entrevistado E da 3ª geração:
eu acho bem importante, ajudou bastante, desde o começo, antes do
turismo e agora mudou muita coisa aqui. Antigamente não tinha asfalto, o
telefone era super precário, aquele com ramal, não tinha nada de internet,
não tinha, bom praticamente nada, o negócio de lixo, o recolhimento pouca
coisa, da reciclagem não tinha divulgação disso, ninguém fazia separação
de lixo. Foi bem interessante, até pra preservar as casas tamm, porque
assim, a gente tinha aquela mentalidade que as casas antigas, velhas, eram
casas que não tinham valor, eram coisas ultrapassadas, que era bonito o
moderno só. Então quem tinha uma casa assim tinha até vergonha, bom,
nós tínhamos vergonha antigamente, por isso que os meus avós quando
eles chegaram num tempo que eles tiveram condições melhores, eles
mudaram o modelo da casa, fizeram pequena de um andar tiraram a
cozinha separada e colocaram junto. Porque o jeito que era essas casas
eram pessoas bem pobres, como que no começo era realmente, eram
casas assim simples que eram construídas pelos imigrantes que eram
pobres e eles mesmos se faziam a madeira tudo. Então quando eles
conseguiam mudar um pouquinho de vida, para eles era uma maneira de
trocar de pegar um pouquinho mais moderno pra não ficar fora mesmo da
cidade, para não fica diferente. depois de um tempo quando a gente viu
que tinha valor que é uma coisa da história, a gente foi achando
interessante, foi gostando, não tendo mais aquela vergonha, sabe? A
maioria das pessoas tinham vergonha das casas.
Também o entrevistado A da geração destaca a questão cultural de resgate
voltando à valorização do passado, do que é antigo e as novas oportunidade para as
gerações jovens em conjunto com a família
Ah, eu acho muito interessante, porque, uma que é resgate, se faz o
resgate aqui de uma coisa que foi esquecida e era até vergonha para as
pessoas tu prestigiar coisa velha. Coisa velha, antiga era passado, era feio,
aquilo era já descartado. Então foi recuperada essa parte cultural, que ele é
um trabalho cultural, e também tem oportunidade pra muita gente trabalhar,
principalmente os jovens que eles o precisam sair, nós também, mas, me
93
refiro aos jovens que eles procuram mais a cidade. Então aqui varias
opções pra pessoa tê o lugar pra trabalhar, fica em contato com a família.
O Entrevistado F da 3ª geração chama a atenção para o fato de que o
processo de desenvolvimento cultural é lento
[...] hoje o roteiro evoluiu bastante, o processo é lendo porque trabalhar com
cultura é mais demorado, e outra, o Brasil em questão de cultura ele é bebê,
estamos começando agora a valorizar a cultura. Algumas que outras
cidades que se desenvolveram mais, mas é pouco ainda e depois de o
problema do dólar ainda, que quando ele baixa o pessoal prefere ir pra fora,
a realidade é essa.
Entretanto, não são todos os envolvidos no roteiro que têm essa consciência
de que ao trabalhar com o cultural o retorno é a longo prazo. Muitos achavam que
logo teriam o retorno dos investimentos, no entanto, somente depois de muitos anos
trabalhando é que estão começando a ter um certo retorno de todos os
investimentos iniciais.
Mesmo o roteiro tendo completado 15 anos de existência, o entrevistado C
da 4ª geração pensa que ainda tem a crescer e
[...] muita coisa tem ainda que melhorar, nós estamos ainda pequenos, o
queremos crescer muito se crescer muito estraga, é isso que eu digo
porque não queremos nada de indústria, nós queremos manter assim que
se aumentar estraga que tem cidade, tem coisas modernas na cidade,
nós queremos que as pessoas visitem e muita coisa tem que melhorar no
atendimento, eu digo a arrumação, jardinagem, aqui as pessoas se
encantam porque tem flor, grama bem cortada, tudo bem arrumado em volta
das casas, as pessoas se maravilham de ver isso. E a minha idéia é que
cresça cada vez mais o movimento pras pessoas verem, a gente mostrar o
que é o nosso roteiro. tiveram aqui no nosso roteiro empresas grandes,
de chocolate, querendo colocar a fábrica aqui, mas o nosso intuito não é
botar essas coisas grandes é manter a nossa característica de comunidade,
que se mantenha assim, porque se coloca uma indústria estraga o roteiro,
agora porque tem turismo todo mundo quer botar um empreendimento,
então sem ter contato com a Associação ninguém pode abrir
estabelecimento, tudo característico como era antigamente, senão foge da
realidade porque modernidade não precisa, que todo mundo sabe o que é o
moderno, essa parte rústica, coisa antiga, mas dentro dos padrões, manter
pra mostrar também.
Manter as características do rural, de não-indústria, e sim do pequeno
produtor é uma preocupação desse entrevistado. Acredito que esse ponto é o
diferencial dos Caminhos de Pedra, no entanto, as características da modernidade
sempre estarão presentes de alguma forma. Seria praticamente impossível manter o
roteiro como nos tempos da chegada dos primeiros imigrantes no ano de 1875.
Então deve-se trabalhar com o diferencial étnico do roteiro em conjunto com os
traços da modernidade, apresentando ao turista a autenticidade dos atuais
94
descendentes de italianos do século XXI, que mantêm e reconstroem características
e costumes dos antepassados e também contam com os benefícios da vida
moderna em seu dia-a-dia. A etnicidade autêntica dos moradores do roteiro
Caminhos de Pedra é a união entre os traços culturais de seus antepassados com
os seus traços culturais da atualidade, formando assim a identidade cultural dessa
comunidade.
Em relação ao projeto, a questão da melhoria da divulgação é abordada pelo
entrevistado G da 4ª geração
o projeto eu acho que foi um projeto muito bom, que continua sendo, só que
eu acho que em matéria de divulgação a gente tem que trabalhar mais,
porque tem muita gente que não conhece ainda. Trabalhar com a região,
porque o pessoal do entorno é o pessoal que menos conhece, então
trabalhar esse entorno. Por exemplo, Porto Alegre, São Paulo, Rio, parece
que eles têm mais conhecimento e interesse que o pessoal aqui dos
arredores que seria um pessoal que poderia vindo no final de semana
sem problema nenhum, porque é aqui do lado. Eu acho que é bastante
precário e falho.
Acredito que essa questão realmente é muito importante, pois no tempo que
estive em contato tanto com os moradores quanto com os visitantes percebi que a
reclamação quanto a falta de informações é o que mais se escuta. Muitos moradores
de Bento Gonçalves o têm conhecimento do que se trata o “Caminhos de Pedra”.
Tive a oportunidade de conversar com vários visitantes que contaram serem
moradores do município de Bento Gonçalves e que viam as placas indicando
Caminhos de Pedra, mas não sabiam o que era. Outros contaram que já tinham
ouvido falar sobre o roteiro, mas não conheciam, se estavam ali, era porque levavam
algum parente ou amigo de fora para conhecer.
Com isso tem-se a impressão de que a divulgação do roteiro ocorre com mais
intensidade em outros estados e na capital do Rio Grande do Sul do que no próprio
município e nos arredores. Concordo com o Entrevistado G quando diz que tem que
trabalhar mais a divulgação na própria região, buscando atingir também o público
próximo que tem a possibilidade de ir visitar o roteiro e retornar no mesmo dia.
Além disso, o Entrevistado G chamou a atenção para a falta de integração de
alguns empreendedores que não se mobilizam para conseguir as coisas, esperam
pelos outros. É preciso um trabalho de sensibilização quanto a integração entre os
empreendedores, para que ocorra um trabalho em conjunto, no qual todo o roteiro
seja beneficiado. Um dos fatores que contribui para o sucesso de um roteiro é toda a
comunidade trabalhando em conjunto, em prol do crescimento de todos. Se cada um
95
tem uma visão diferenciada, pode-se debater problemas e desafios buscando a
solução em conjunto e assim beneficiando a todos.
[...] eu acho que é uma coisa bem meio mal acostumada, eles tavam ali
cuidando da sua casa, das suas coisas e aconteceu o projeto, como sempre
tem uma certa resistência, só que com certeza a todos agregou, eles todos,
a maioria a gente pode dizer que como em todo projeto tem o lado bom e o
lado ruim. Tem o lado que as pessoas vão interferir no teu dia-a-dia que tu
ali como uma atração, mas que de qualquer maneira se tu souber
aproveitar tu vai poder ganhar com isso, ganhar com isso eu digo
economicamente. Então é ótimo, e como aconteceu isso sem que eles
fizessem nada, eles acham que as coisas continuam assim, que elas têm
que cair do céu, como caiu o projeto pra eles. Eles não fizeram nada, eles
começaram a participar, do meu ponto de vista, posso até tá falando uma
besteira, mas do meu ponto de vista eles fizeram muito pouco. Então “ah
maravilha”, começa a incrementar a economia deles, que ninguém se
mexe pra fazer nada. A gente tem uma associação, a gente tem reuniões,
diz que vai fazer, mas não faz, porque ninguém se mexe. É muito difícil, tem
os empreendedores tão bem acomodados, tipo assim, reclamam muito, que
não tem isso, não tem aquilo, que a gente não ganha, que não tem turista
ou que o ônibus não pára aqui, mas eles não fazem nada pro ônibus parar,
eu acho. Sabe, é pouco, eu acho que devia ter muito mais engajamento dos
empreendedores, que essa associação funcionasse mais. Porque não
depende só de uma pessoa que está ali na associação que é o responsável
pra fazer isso, depende de quem é o empreendedor e tá fazendo, porque
é o teu negócio, tu que tem que ir atrás e fazer alguma coisa. É o objetivo,
mas funciona pouco, infelizmente, mas por falta de empreendedorismo
mesmo (Entrevistado G, 4ª geração).
Através dessa colocação, percebe-se uma certa falta de valorização do
projeto e dos benefícios que ele trouxe, por ter acontecido de forma simples para
alguns moradores. O que é percebido pelos demais empreendedores que iniciaram
seus projetos do zero, diferentemente desses que já tinham praticamente tudo
pronto, apenas abriram as portas. O entrevistado G diz que tem um parceiro com
quem sabe que pode contar no roteiro e que
[...] deveria ser assim com todos, afinal de contas a gente é um roteiro, é
uma atração junta [...]. Se o cara chega ali tu não vai dizer “tá, muito
obrigadadiz que tem um restaurante ali pra comer, não faz ele voltar até
Bento pra almoçar e chegando vai ter o shopping pra almoçar. Então
deixa ele conhecer, tem que fazer uma força. E às vezes não é tu o
empreendedor que tá ali fazendo o serviço, às vezes é o funcionário que
hoje pode ter vontade e amanhã não, que tá motivado ou não e mais
engajamento das próprias pessoas, acho que é isso que falta (Entrevistado
G, 4ª Geração).
Sendo assim, percebe-se que os moradores entrevistados acham que o
roteiro está indo bem até o momento, todavia ainda tem muita coisa pra melhorar,
sendo em infra-estrutura, na parte de sensibilização e engajamento dos próprios
empreendedores e da comunidade local. Assim o roteiro crescerá e terá melhorias,
tornando-se opção para as novas gerações continuarem o trabalho que seus pais e
96
avós iniciaram e que agora, depois de quase 15 anos, está se consolidando.
Em todo o roteiro, diversas casas sofreram alterações na sua estrutura
original e foram recuperadas pelo projeto. Outras sofreram modificações devido ao
início do Projeto Caminhos de Pedra, como por exemplo, a Casa da Ovelha, que
teve anexado um porão e a construção de mais uma parte lateral. Isso porque ter
uma casa antiga era sinônimo de pobreza e vergonha. Muito se perdeu no Distrito
de São Pedro, tanto que alguns empreendedores buscaram casarões antigos em
outras cidades da região para serem reconstruídos no roteiro, como é o caso da
Casa do Artesanato e outra casa que está sendo reconstruída ao lado e que
abrigará a Casa da Tecelagem.
Pode-se observar no foto a seguir a casa sendo reconstruída. Chamo a
atenção para a parte da cozinha separada da casa, a cozinha o se mantém
original está sendo construída agora, pois essa parte da casa original não pode ser
aproveitada.
Imagem 32: Casa sendo reconstruída – Foto: Rita Michelin
Existem também inúmeras casas e casarões que estão listados para fazerem
parte do Roteiro de Turismo Rural Cultural Caminhos de Pedra, no entanto, por falta
de incentivos e verba ainda não iniciaram as reformas necessárias e os projetos
para se integrarem ao roteiro. Com isso perde-se muito, pois diversas casas estão
ficando abandonadas, e assim grande parte do acervo de patrimônio arquitetônico
material não está sendo aproveitado da maneira como poderia ser. Algumas ainda
não aderiram ao roteiro por questões familiares de herança.
Outra forma de reconstrução da cultura, que faz parte do Projeto Caminhos
de Pedra, são os grupos culturais. Esses são abertos à toda comunidade e
97
existem cerca de 12 anos. Através desses grupos, busca-se a identidade italiana
por meio das músicas que os primeiros imigrantes trouxeram consigo, passando nas
apresentações a história e o porquê de cada música para o público. Assim não é
apenas uma música, mas sim uma inserção no contexto da realidade histórica dos
antecedentes. Dessa forma, não apenas os integrantes dos grupos culturais, mas
também o público que acompanha as apresentações aprendem um pouco mais
sobre a cultura italiana ligada às músicas.
Em relação aos grupos culturais, o Entrevistado C da Geração, que faz
parte de um dos grupos, conta que
além da associação nós temos os grupos culturais também. Quando chega
uma visita importante, que a gente tem que pegar grupos pra fazer
apresentações a própria comunidade tem os artistas, então nós temos a
banda, o coral (com pessoas mais de idade), a flauta doce (das crianças),
violinos e dança. Eu faço parte também, então a gente tem toda essa parte,
quando chega um turista que tem um restaurante que tenha um almoço ou
um jantar eles contratam o grupo pra fazer um show pros visitantes.
Então não precisa buscando na cidade, buscando fora grupos pra
apresentar, então a gente mesmo faz esse trabalho.
Além disso, através dos grupos culturais também é realizada, de certa forma,
a divulgação do Roteiro Caminhos de Pedra, pois os grupos apresentam-se em
diversos municípios do Estado, levando consigo a história e o nome Caminhos de
Pedra, e qualquer lugar que a gente vai tá divulgando o roteiro, estamos explicando
sobre as casas de pedras” (Entrevistado C, 4ª geração).
Após a análise das entrevistas semi-estruturadas, juntamente com a
observação participante realizada durante dois meses no roteiro, é possível realizar
a interpretação da cultura local baseada na etnicidade que a comunidade vivencia e
apresenta aos turistas pelos moradores locais e pelos guias de turismo.
3.2 Percepção / interpretação da etnicidade sob o olhar da pesquisadora
Depois de residir no roteiro durante dois meses, retornei diversas vezes para
finalizar as entrevistas e mesmo para rever os moradores e acompanhar, sempre
que possível, a relação desses com os visitantes. Posso dizer que a cada retorno ao
roteiro, o olhar era diferenciado, tanto sobre os significados dos mbolos culturais
quanto da relação existente entre os visitantes e visitados.
Posso dizer que o que percebi durante o tempo de interação com a população
local, contato com os turistas e estar nos Caminhos de Pedra é que os moradores
98
realmente se apresentam da mesma forma quando estão frente aos turistas ou
quando não turistas. Acredito que esse fator representa bem a autenticidade da
relação entres eles, pois os visitados o “se transformam para interagir com os
visitantes, eles agem da mesma forma que agem no seu cotidiano.
Na Casa da Erva-Mate tive a oportunidade de presenciar inúmeros visitantes
perguntando qual a ligação que a erva-mate e o chimarrão têm com a cultura
italiana. Diante desse questionamento, os visitados explicam que o chimarrão é da
cultura indígena e gaúcha e quando os imigrantes italianos chegaram ao Rio Grande
do Sul aprenderam com aqueles o hábito de tomar o chimarrão, tamm para se
aquecerem no frio. Desta forma esse traço cultural foi absorvido, tornando-se parte
da etnicidade que pode ser chamada de “ítalo-gaúcha”.
Esse fato chama atenção para o hibridismo cultural, pois os descendentes de
italianos continuam falando o dialeto talian, seguindo outros costumes dos
imigrantes italianos e tomando chimarrão. Sendo assim, ambos os traços culturais
tornam-se parte da herança cultural do grupo e contribuem para a formação da
identidade do mesmo. Sendo assim, a etnicidade autêntica dessa geração de
descendentes dos primeiros imigrantes italianos chegados ao Distrito de São Pedro.
Em um outro estabelecimento do roteiro, o entrevistado E da 3ª geração
contou que receberam um turista dos Estados Unidos que tem parentes em Porto
Alegre e foram visitar o roteiro. Esse turista falava apenas inglês dando resultado à
seguinte interpretação e atitude por parte do entrevistado:
Ele não falava nada de brasileiro, até comentei com a minha filha em
italiano “bom, se é pra começar a falar em outra língua vamo falar no
dialeto” ai comecei a falar com ela no dialeto ele só olhou assim, daí não
entendeu nada. Daí ele pensou, nossa essa aí é italiana mesmo daqui.
Dessa forma percebe-se como a comunicação é importante no turismo para
que haja uma relação entre os turistas e a comunidade visitada e como as
diferenças reforçam a etnicidade e a identidade cultural dos povos, conforme
apresentado por Barth (1998) acerca das fronteiras étnicas, nas quais os sinais
diacríticos se destacam.
Antes do início do turismo no Distrito de São Pedro, os moradores locais
tinham vergonha da sua etnicidade. No entanto depois que começaram as relações
com os visitantes de diferentes culturas, as quais apresentavam diferenciados
traços, passaram a valorizar e a buscar a reconstrução de sua etnicidade que estava
99
se perdendo, principalmente quando notaram essa valorização por parte dos turistas
que chegam até o roteiro. Nesse ponto, então, o turismo vem agregar valor a
italianidade dos moradores locais passando a ser também um atrativo para os
visitantes. Italianidade essa dos primeiros imigrantes italianos chegados ao Rio
Grande do Sul que tem alguns traços culturais reconstruídos através da relação
entre visitantes e visitados no Roteiro Caminhos de Pedra.
A etnicidade cultural dos descendentes de italianos do Roteiro de Turismo
Rural Cultural Caminhos de Pedra, atualmente pode ser considerada como autêntica
na medida em que dem traços culturais étnicos característicos de seus
antepassados, assim como os traços culturais atuais das novas gerações, formando
assim a etnicidade cultural dessa comunidade. De acordo com autores apresentados
no primeiro capítulo, tanto a etnicidade quanto a identidade são únicas e dinâmicas
e sofrem influências internas e externas, além de diferentes interpretações,
conforme apresentado por Geertz (1978), que emergem e ocorrem dentro do
contexto cultural, incluídos os pesquisadores. Sendo assim, a interpretação aqui
apresentada é a que tive através da convivência tanto com os moradores locais
quanto com os turistas, a percepção e interpretação da relação existente entre eles
e de que forma o turismo vem a ter grande influência no processo de reconstrução
da etnicidade dos moradores locais.
Os visitantes que vêm de fora, principalmente Rio de Janeiro, São Paulo e da
Região Nordeste do Brasil, são os que mais se interessam em conhecer a história
cultural do roteiro, sempre interagem mais com os moradores locais conversando e
trocando idéias. os turistas aqui do estado, talvez por terem um maior
conhecimento acerca da cultura italiana, parecem se interessar um pouco menos.
Contudo, vale lembrar que essa foi a percepção geral, da maioria, mas sempre tem
aqueles de fora que não se interessam e os daqui que se interessam em saber mais
sobre a italianidade local.
Um turista do Rio de Janeiro comentou que faltaria uma pessoa que contasse
toda a história do roteiro para que a visita ficasse completa. Vale lembrar que na
Casa do Tomate os moradores apresentam brevemente o histórico de todo o roteiro,
mas fazem isso apenas como complemento à explicação da casa, não sendo o
enfoque principal da visitação. Atualmente os únicos que contam essa história são
os guias de turismo contratados para acompanharem grupos em visita ao roteiro.
Observando os guias de turismo que chegam ao roteiro acompanhando os
100
grupos prestava atenção nos seus discursos, buscando perceber de que forma eles
passavam as informações para os visitantes e quais informações eram passadas.
Vale lembrar que essa parte da observação não foi o foco principal da pesquisa, que
se deu sobre a percepção dos visitados acerca da sua cultura na relação com os
visitantes.
Durante o tempo que permaneci no roteiro, tive oportunidade de conversar
com diversos guias de turismo, tanto locais quanto nacionais, e também com
taxistas que se tornam “guias de turismo” para turistas particulares. Geralmente, os
guias locais são contratados diretamente pelos grupos quando chegam ao município
de Bento Gonçalves, ou por agências de turismo receptivo. os guias nacionais
costumam vir com os grupos desde o seu local de origem.
Os guias de turismo nacionais, por exemplo, de grupos que m de São
Paulo com o guia de lá, acompanham o grupo até a porta do estabelecimento. A
partir do momento que chegam, o grupo passa a ser conduzido pelo morador na
explicação sobre a casa, o guia apenas ajuda a manter o grupo unido e a dar
atenção ao visitado.
Os guias locais, que são contratados pelos grupos em Bento Gonçalves,
geralmente têm maior conhecimento acerca do roteiro e da sua história. Dessa
forma, contam a história geral e tamm a de cada casa. No entanto, quando
chegam aos pontos de visitação em que irão parar, o guia passa a palavra ao
morador, mas continua acompanhando o grupo e chamando atenção para alguns
pontos ou informações que o visitado tenha esquecido, ou então passando essas
informações para pessoas do grupo que possam ter perdido parte da explicação do
morador.
Os visitados contam que preferem os grupos excursionistas que vêm
acompanhados de guias de turismo, pois muitos vêm sem guia, contando com
apenas alguém que organizou a viagem. Esse tipo de grupo, segundo os moradores
locais, fica muito disperso, o que acaba atrapalhando durante as explicações acerca
do empreendimento. quando acompanhados pelo guia de turismo, ele ajuda a
manter o grupo unido.
Alguns guias de turismo passam informações equivocadas aos turistas. Não
o fazem por mal, mas sim porque os mesmo também não obtêm a informação
correta, como por exemplo, a questão do início da imigração italiana no município de
Bento Gonçalves. Tanto os guias quanto alguns moradores locais pensam que os
101
primeiros imigrantes italianos escolheram a Encosta da Serra Nordeste por vontade
própria. No entanto, como foi visto no segundo capítulo, no qual se falou sobre a
imigração italiana, na chegada os imigrantes foram instalados nessa parte da Serra
porque os alemães ocupavam as partes mais planas e próximas aos principais
núcleos, não restando outra alternativa aos italianos. Acredito ser importante uma
sensibilização em conjunto com guias de turismo e moradores locais, a fim de que
todos tenham as mesmas informações acerca do roteiro, para que no momento de
passá-las aos visitantes não haja equívocos.
visitantes particulares que contratam os serviços de taxistas do município
de Bento Gonçalves para fazer o passeio no Roteiro Caminhos de Pedra. Esses
taxistas se transformam nos guias desses turistas. Não posso dizer com certeza
como é durante o trajeto do passeio, porque não tive a oportunidade de
acompanhar. Mas percebi, nos pontos de visitação em que paravam, que alguns
eram apenas motoristas, que ao chegar nem desciam do carro, ou então desciam,
mas não acompanhavam os turistas. outros se apresentavam como verdadeiros
guias, acompanhando os visitantes e até mesmo ajudando o visitado nas
explicações para tirar as dúvidas dos turistas.
Quando os guias locais acompanham grupos excursionistas, chamam
bastante atenção dos mesmos para as características arquitetônicas das casas, os
diferentes estilos de uma para outra, frisam bastante as datas de construções e de
certos acontecimentos importantes do Distrito. Também contam sobre as mudanças
das características originais de algumas casas, que foram recuperadas através do
projeto, e chamam atenção para a questão cultural de que ter uma casa de pedra e
antiga era sinônimo de vergonha e pobreza e somente agora esse pensamento se
modificou.
Durante o passeio, os guias de turismo vão explicando o porquê dos estilos
das construções, de ter a cozinha separada do resto da casa, os porões de pedra,
enfim todos os traços característicos da arquitetura da imigração italiana na região.
Eles não falam apenas sobre os pontos de visitação, mas tamm sobre os pontos
de observação, os quais não têm sinalização. Mas os guias de turismo já têm
conhecimento de todos, passando assim aos turistas.
Além de falarem sobre a história das construções e da chegada dos primeiros
imigrantes, os guias contam curiosidades aos turistas como, por exemplo, que um
102
dos primeiros alimentos dos italianos ali na comunidade foi o pinhão
16
: eles
observavam que os animais comiam e não passavam mal nem morriam, então
passaram a consumir também.
Em suma, aparentemente os guias de turismo passam as informações
necessárias aos visitantes, sendo complementadas com as explicações passadas
pelos moradores locais, fazendo com que o turista, depois de visitar o roteiro
acompanhado de guia de turismo local e tendo contato com os visitados de algumas
casas, tenha um conhecimento geral acerca do Roteiro Caminhos de Pedra, sua
história e um pouco mais sobre a etnicidade atual da comunidade do Distrito de São
Pedro. Entretanto, vale lembrar que algumas informações ligadas à história da
imigração italiana no Rio Grande do Sul ainda são passadas de forma equivocada,
devendo ser revista tanto pelos guias de turismo quanto por alguns moradores
locais. Já a autenticidade étnica dos descendentes de imigrantes italianos vem
sendo apresentada aos turistas através da relação entre visitantes e visitados, de
forma a valorizar a cultural local, a italianidade da comunidade do Distrito de São
Pedro.
16
Semente da araucária.
103
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sendo a cultura dinâmica, devido às influências internas e externas que
ocorrem nas sociedades, também a etnicidade e a identidade sofrem flexibilizações.
Por meio do contato com o outro podem ocorrer trocas culturais nas quais traços de
determinadas culturas são absorvidos por outras. No entanto, esses traços nem
sempre o absorvidos com o mesmo significado de uma cultura para outra, então,
após receber um novo significado, esse traço passa a ser característico do novo
contexto cultural.
Sabendo, então, que a etnicidade e a identidade de uma comunidade podem
sofrer influências, alterando-se com os passar dos tempos por serem dinâmicas
assim como a sua cultura, é possível melhor avaliar a situação encontrada, através
da etnografia, com os moradores do Roteiro de Turismo Rural Cultural Caminhos de
Pedra no município de Bento Gonçalves - RS.
Para analisar de que forma a etnicidade é compreendida pelos moradores
locais e como ela é apresentada aos visitantes, foi realizada observação
participantes através de etnografia com os visitados, observando e acompanhando a
sua relação com os turistas. Por meio dessa metodologia, percebeu-se que a
etnicidade dos moradores do roteiro encontra-se em um constante processo de
reconstrução, sendo um processo dinâmico que sofre influências externas, seja
pelos meios de comunicação e do contato com o outro através do turismo, seja pelo
processo de modernização e transformação no qual nenhuma cultura é estática.
Lembrando o apresentado por Barth (1998), para quem as fronteiras étnicas
são construídas através do contato com o outro, percebe-se no turismo a existência
dessas fronteiras, nas quais os sinais diacríticos de ambos os grupos em contato
são evidenciados e valorizados, da mesma forma que ocorrem as trocas culturais.
Percebe-se o hibridismo cultural, conforme apresentado por Canclini (2003), assim
como por Santos e Barretto (2006), que por meio das trocas as culturas sofrem
alterações dos seus traços, estando em constante transformação, sendo as
influências internas ou externas. Os traços culturais sofrem alterações devido às
influências tanto internas quanto externas, devido às mudanças culturais, conforme
apresentado por Laraia (2004), e através da mundialização da cultura, abordada por
Ortiz (2000). Influências essas que contribuem para a fragmentação da identidade
de determinado grupo social, reconstruindo-a constantemente.
104
No Roteiro Caminhos de Pedra, percebe-se o hibridismo cultural através da
absorção de traços culturais de outras culturas como, por exemplo, o costume de
tomar o chimarrão, vindo da cultura indígena. Esse traço cultural, absorvido pelos
primeiros imigrantes chegados ao Rio Grande do Sul, se tornou característico da
italianidade étnica dos seus descendentes. Além disso, também ocorre a absorção
de traços culturais provenientes da globalização. Traços característicos da
modernidade, que passaram a fazer parte do cotidiano dos moradores do Distrito de
São Pedro, como por exemplo, o uso de internet e telefone celular. Sendo assim, o
hibridismo cultural é perceptível em diversas culturas, lembrando que a partir do
momento que os símbolos recebem um novo significado em uma cultura passam a
ser traços culturais característicos dela.
Tendo, então, conhecimento acerca da dinamicidade da cultura e da
etnicidade, e também das questões ligadas ao hibridismo cultural é possível
apresentar a cultura atual dos moradores do Distrito de São Pedro como autêntica.
Ou seja, a cultura que eles apresentam hoje, com suas influências internas e
externas, com a reconstrução étnica e absorção de traços culturais, deve sim ser
considerada autêntica. Pois, toda e qualquer cultura é dinâmica sofrendo influências
e reconstruções, devendo ser considerados tanto os traços culturais passados,
quanto os novos como autênticos. A italianidade dos primeiros imigrantes italianos
chegados ao Rio Grande do Sul era autêntica, assim como a italianidade de seus
descendentes hoje é autêntica. Com a reconstrução dos traços herdados dos seus
antepassados acrescidos dos traços modernos provindos da globalização, formou-
se a etnicidade da população residente atualmente no Roteiro de Turismo Rural
Cultural Caminhos de Pedra.
No Roteiro de Turismo Rural Cultural Caminhos de Pedra a italianidade da
comunidade local que é apresentada aos turistas é a autenticidade do cotidiano dos
visitados, sendo a cultura dos moradores do Distrito de São Pedro do início do
século XXI que está em constante processo de reconstrução. Cultura essa
trabalhada como um dos principais atrativos do roteiro.
Nesse roteiro, o sentimento de vergonha gerada pela origem cultural,
influenciada pelo avanço da modernidade, foi fator contribuinte para o seu
“esquecimento”. Entretanto, através do desenvolvimento da atividade turística,
buscou-se reconstruir a herança cultural dos primeiros imigrantes italianos
valorizando a etnicidade e a identidade cultural dos seus descendentes. Então, no
105
Distrito de São Pedro, por meio do desenvolvimento do turismo e da relação entre
visitantes e visitados os sinais diacríticos da italianidade dos moradores locais
passaram a ser reconhecidos no contato com o outro e, dessa forma, se tornou um
atrativo turístico valorizado tanto pelos visitantes quanto pelos visitados. Percebe-se,
assim, que a comunicação existente entre a comunidade receptora e os turistas foi
um dos fatores de interferência nas representações e, principalmente, no processo
de reconstrução cultural da etnicidade, a italianidade, dos moradores da arena
turística.
Por meio da análise do Projeto Cultural Caminhos de Pedra e dos relatórios
dos seminários de planejamento, percebeu-se que a questão cultural foi evidenciada
no Projeto e por vezes retomada nos documentos de planejamento. Embora nos
relatórios o planejamento seja apresentado como participativo, a dinâmica e a
metodologia utilizadas apontam em outra direção.
Sendo assim, no caso apresentado, o turismo foi uma das alternativas para a
reconstrução da etnicidade da população local, pelo fato de que ela não reconhecia
a importância do seu patrimônio cultural e tinha vergonha deste. Somente a partir do
momento em que o turismo passou a fazer parte da realidade dos moradores do
Distrito de São Pedro, e que os turistas demonstraram interesse pela cultura local, é
que os moradores perceberam a importância e passaram a valorizar todo o
patrimônio cultural de que são detentores, além de buscar a reconstrução de traços
culturais de seus antecedentes que vinham se perdendo ao longo do tempo.
Como questões de pesquisa a futuros estudos, abrem-se duas possibilidades.
Tendo como enfoque principal o Turismo, a discussão acerca do planejamento
realizado com a população local, procurando saber se este ocorreu de forma
realmente participativa. Além do planejamento, a descaracterização da paisagem
surge como tema de pesquisa, pois a infra-estrutura solicitada pelos moradores
como, por exemplo, o asfalto, que pode contribuir para a descaracterização do rural
neste roteiro, e até que ponto a paisagem do Roteiro Caminhos de Pedra pode ser
considerada como caracteristicamente rural.
106
Imagem 33: Final do roteiro sentido Farroupilha - Bento Gonçalves – Foto: Rita Michelin
107
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culturais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
111
APÊNDICE – Modelo aproximado do roteiro das entrevistas semi-estruturadas
1 – Como foi o início, como entrou no roteiro?
2 – Conhece todos os estabelecimentos do roteiro?
3 – O que acha do roteiro como um todo?
4 – Como é o relacionamento com os turistas?
5 – Gosta de trabalhar com o turismo?
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