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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TURISMO – PPGTUR
CURSO DE MESTRADO
ESTADO E TURISMO:
POLÍTICAS PÚBLICAS E ENOTURISMO NO VALE DOS VINHEDOS
HERNANDA TONINI
Prof
a
. Dr
a
. Kenia Maria Menegotto Pozenato
Caxias do Sul, Dezembro, 2007.
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1
HERNANDA TONINI
ESTADO E TURISMO:
POLÍTICAS PÚBLICAS E ENOTURISMO NO VALE DOS VINHEDOS
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação do Mestrado em
Turismo da Universidade de Caxias do Sul,
como requisito parcial para a obtenção do
grau de Mestre em Turismo.
Orientadora: Prof
a
. Dr
a
. Kenia Maria
Menegotto Pozenato
Caxias do Sul, Dezembro, 2007.
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2
HERNANDA TONINI
ESTADO E TURISMO:
POLÍTICAS PÚBLICAS E ENOTURISMO NO VALE DOS VINHEDOS
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação do Mestrado em
Turismo da Universidade de Caxias do Sul,
como requisito parcial para a obtenção do
grau de Mestre em Turismo.
Orientadora: Prof
a
. Dr
a
. Kenia Maria
Menegotto Pozenato
Conceito Final: 4 (quatro)
Aprovado em 20 de dezembro de 2007.
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________________
Prof
a
. Dr
a
. Janaína Macke – UCS
_______________________________________________________
Prof. Dr. Carlos Honorato Schuch Santos – UCS
_______________________________________________________
Prof. Dr. Carlos Ricardo Rossetti - UNIVALI
3
AGRADECIMENTOS
A concretização desta pesquisa jamais poderia ser
finalizada sem a colaboração de algumas pessoas.
Àquelas que, de uma forma ou de outra me apoiaram e
reconhecem o significado deste trabalho; à família e
aos poucos mas insubstituíveis amigos pela
compreensão e discussão dos mais diversos assuntos,
capazes de me fazer crescer pessoal e
profissionalmente. Meus agradecimentos ao corpo
docente do programa, em especial à professora
Susana, à professora Janaína e ao professor Rafael. À
Regina, claro, sempre atenciosa e disposta a ajudar,
além do quadro de funcionários da UCS e meus
colegas, em especial à Joice, Tamisa, Rita, Gilmar e
Thiago. De modo particular, à professora Margarita
Barretto, pelo período em que tive a oportunidade de
ter sua orientação e também à professora e orientadora
Kenia, pela continuidade do trabalho. Agradeço a
disponibilidade dos empresários do Vale dos
Vinhedos, bem como dos Secretários Ivo (in
memorian), Ivane e Álvaro.
4
Desde o advento da civilização, chegou a ser tão grande o aumento da riqueza,
assumindo formas tão variadas, de aplicação tão extensa, e tão habilmente administrada
no interesse dos seus possuidores, que ela, a riqueza, se transformou numa força
incontrolável, teada diante da sua própria criação. Contudo, chegará um tempo em que
a razão humana será suficientemente forte para dominar a riqueza e fixar as relações do
Estado com a propriedade que ele protege e os limites aos direitos dos proprietários. Os
interesses da sociedade são absolutamente superiores aos interesses individuais, e entre
uns e outros deve estabelecer-se uma relação justa e harmônica. A simples caça à
riqueza não é a finalidade, o destino da humanidade, a menos que o progresso deixe de
ser a lei no futuro, como tem sido no passado. O tempo que transcorreu desde o início da
civilização o passa de uma fração ínfima da existência passada da humanidade, uma
fração ínfima das épocas vindouras. A dissolução da sociedade, ergue-se diante de nós,
como uma ameaça; é o fim de um período históricocuja única meta tem sido a
propriedade da riqueza – porque esse período encerra os elementos da própria ruína. A
democracia na administração, a fraternidade na sociedade, a igualdade de direitos e a
instrução geral farão despontar a próxima etapa superior da sociedade, para a qual
tendem constantemente a experiência, a razão e a ciência. Será uma revivescência da
liberdade, igualdade e fraternidade das antigas gens, mas sob uma forma superior.
(MORGAN, 1977, p. 552).
5
RESUMO
Ao estudar o turismo é inevitável analisar a evolução da sociedade e o surgimento das
formas de consumo e necessidades dos indivíduos. Diferentes segmentos objetivam
consolidar a atividade como um produto, comercializando lazer, cultura, passado e presente,
de acordo com a motivação do turista. Sendo assim, a pesquisa teve como prosito analisar
o papel do Estado e as políticas públicas elaboradas para direcionar o turismo no País, com
ênfase para esta inter-relação na rota enoturística Vale dos Vinhedos, na Serra Gaúcha. No
referencial teórico, são apresentados os conceitos relacionados à atividade enoturística, bem
como as discussões sobre o surgimento do Estado e sua participação na sociedade,
analisando as políticas públicas para o turismo no Brasil. O todo investigatório, de cunho
qualitativo, desenvolveu-se através de uma pesquisa do tipo descritivo-exploratório,
caracterizando-se por um estudo de caso. Foi realizada uma coleta de dados mediante
entrevistas com a iniciativa privada local e secretários de turismo dos munipios de Bento
Gonçalves, Monte Belo do Sul e Garibaldi, onde está localizada a região. Dentre os
resultados encontrados, percebe-se uma participação insuficiente do poder público no
gerenciamento e planejamento do turismo brasileiro no contexto sócio-econômico atual.
Quanto ao enoturismo, a inexistência de uma política específica para a atividade, tende a
comprometer seu desenvolvimento no Vale dos Vinhedos.
Palavras-chave: Turismo; Estado; Políticas Públicas; Enoturismo; Vale dos Vinhedos.
6
ABSTRACT
When conducting any study of tourism, an analysis of society’s evolution and the
appearance of different forms of consumption and individual needs is inevitable. The
various types of tourism aim to consolidate the activity as a product, marketing leisure,
culture, past and present targeted to what drives the tourist. Given that, this study aimed to
analyze the role played by the government and by public policies designed to chart a course
for tourism nationwide, with a focus on this interrelation in the Vale dos Vinhedos wine
tourism route in the Serra Gaúcha region. The study presents concepts related to wine
tourism activity and discussions on the emergence of the Government and its participation
in society, with an analysis of public policies regulating tourism in Brazil, all within a
theoretical framework. The qualitative field method was implemented through descriptive-
exploratory research characterized by a case study. A collection of basic data was compiled
from interviews with local private sector representatives and Secretaries of Tourism in the
Bento Goalves, Monte Belo do Sul and Garibaldi municipalities, all located in this region.
Among the findings, the scarce participation of public authorities in the management and
planning of Brazilian tourism within the current socioeconomic environment stands out. As
for wine tourism, the lack of a policy specifically targeted to this activity tends to
compromise its development in the Vale dos Vinhedos.
Key-words: Tourism; Government; Public Policy; Wine Tourism; Vale dos Vinhedos.
7
LISTA DE SIGLAS
APROVALE Associação dos Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos
AREV Assembléia das Regiões Vitícolas Européias
ATUASERRA Associação de Turismo da Serra Nordeste
BID Banco Interamericano de Desenvolvimento
BN Banco do Nordeste
BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
BNDES PAR BNDES Participações S/A
BNH Banco Nacional de Habitação
CNDU Conselho Nacional do Desenvolvimento Urbano
CNPUV Centro Nacional de Pesquisa de Uva e Vinho
CNTUR Conselho Nacional de Turismo
COMBRATUR Comissão Brasileiro de Turismo
COMPHAC Conselho do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural
CONTUR Conselho Consultivo de Turismo
CORSAN Companhia Rio-grandense de Saneamento
DAC Departamento de Aviação Civil
DIP Departamento de Imprensa e Propaganda
EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
EMBRATUR Instituto Brasileiro de Turismo
FAT Fundo de Amparo ao Trabalhador
FGTS Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
FINAM Fundo de Investimentos da Amazônia
FINAME Agência Especial de Financiamento Industrial
FINOR Fundo de Investimentos do Nordeste
FISET Fundo de Investimentos Setoriais
FMI Fundo Monetário Internacional
FNE Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste
FUNDOVITIS Fundo de Desenvolvimento da Vitivinicultura
FUNGETUR Fundo Geral de Turismo
IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
IBDF Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal
IBRAVIN Instituto Brasileiro do Vinho
INPI Instituto Nacional da Propriedade Industrial
INPS Instituto Nacional de Previdência Privada
IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
IPLAN Instituto de Planejamento
MTV Movimento Turismo del Vino
NZTB Junta de Turismo da Nova Zelândia
OCDE Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
OIV Organização Internacional do Vinho
OMT Organização Mundial do Turismo
8
ONU Organização das Nações Unidas
PAC Plano de Aceleração do Crescimento
PAEG Programa de Ação Econômica do Governo
PDITS Plano de Desenvolvimento Turístico da Serra
PIB Produto Interno Bruto
PLANTUR Plano Nacional de Turismo
PND Plano Nacional de Desenvolvimento
PNMT Programa Nacional de Municipalização do Turismo
PNT Política Nacional de Turismo
PROATUR Programa de Apoio ao Turismo Regional do Nordeste
PRODETUR NE Programa de Ação para o Desenvolvimento do Turismo no Nordeste
PRODETUR SUL Programa de ão para o Desenvolvimento do Turismo no Sul
PRONAF Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
SEBRAE Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
SEMA Secretaria Especial do Meio Ambiente
SENAC Serviço Nacional do Comércio
SISNAMA Sistema Nacional do Meio Ambiente
SPHAN Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
SUDAM Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia
SUDENE Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste
SUDEVE Superintendência do Desenvolvimento da Pesca
UVIBRA União Brasileira de Vitivinicultura
WFA Federação dos Vinicultores da Austrália
ZPPVV Zona de Preservação à Paisagem Vale dos Vinhedos
9
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – O Enoturista – Análise Tri-dimensional........................................................ 35
Figura 2 – Sistema do Enoturismo ................................................................................ 41
Figura 3 – O Ambiente Enogastronômico ..................................................................... 42
Figura 4 – Sistema de Gestão do Turismo..................................................................... 92
Figura 5 – Estrutura Organizacional do Ministério do Turismo ..................................... 97
Figura 6 – Mapa do Vale dos Vinhedos ........................................................................ 112
10
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Comparativo Demográfico de Visitantes....................................................... 36
Quadro 2 ntese dos Fatores Críticos das Fazendas Vitivicolas Voltadas ao Enoturismo
....................................................................................................................................... 49
Quadro 3 – Foco e Atividades das Estragégias Nacionais de Enoturismo ........................ 52
Quadro 4 – Agentes da Política de Turismo do Rio Grande do Sul.................................. 69
Quadro 5 – ões do Poder Público na Rota Enoturística Vale dos Vinhedos ................ 140
11
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ....................................................................................... 13
1 O SURGIMENTO DO TURISMO MODERNO................................. 20
2 REVISÃO DE LITERATURA ............................ ................................ 25
2.1 O ENOTURISMO......................................................................................... 25
2.1.1 Expansão do vinho: breve histórico.................................................................. 26
2.1.1.1 O Vinho no Brasil............................................................................................. 30
2.1.2 Compreensão conceitual ................................................................................... 32
2.1.3 O enoturista ....................................................................................................... 34
2.1.4 Aspectos organizacionais do enoturismo .......................................................... 38
2.1.5 O enoturismo no mundo.................................................................................... 46
2.2 A AÇÃO DO ESTADO E O TURISMO....................................................... 57
2.2.1 Estado e turismo: uma relação complementar......................................... 60
2.2.2 Políticas públicas e evolução do turismo no Brasil.................................. 70
3 PERCURSO METODOLÓGICO........................................................ 101
3.1 TIPO DA PESQUISA ................................................................................... 102
3.2 AMOSTRAGEM ......................................................................................... 103
3.3 COLETA DE DADOS ................................................................................. 104
3.4 ANÁLISE DE DADOS ................................................................................ 105
4 POLÍTICAS PÚBLICAS E O ENOTURISMO NO VALE DOS
VINHEDOS .............................................................................................. 106
4.1 VALE DOS VINHEDOS: BREVE HISTÓRICO.......................................... 107
4.2 POLÍTICAS PÚBLICAS NO VALE DOS VINHEDOS................................ 113
4.2.1 Ação Municipal no Vale dos Vinhedos: Bento Gonçalves................................ 122
4.2.2 Ação Municipal no Vale dos Vinhedos: Garibaldi........................................... 127
4.2.3 Ação Municipal no Vale dos Vinhedos: Monte Belo do Sul............................. 131
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................ 137
REFERÊNCIAS....................................................................................... 143
ANEXO A – DISCURSO DO SUJEITO COLETIVO........................... 153
12
ANEXO B – MAPA DA ZPPVV ............................................................. 157
ANEXO C – LEGISLAÇÃO PARA ZPPVV.......................................... 159
ANEXO D – CONSTRUÇÃO SPA DO VINHO..................................... 163
ANEXO E TERRENOS RURAIS À VENDA NO VALE DOS
VINHEDOS .............................................................................................. 165
ANEXO F HABITAÇÕES IRREGULARES NO VALE DOS
VINHEDOS .............................................................................................. 167
ANEXO G – MAPA DA CIDADE DE GARIBALDI............................. 169
ANEXO H CONDOMÍNIO RESIDENCIAL NO VALE DOS
VINHEDOS .............................................................................................. 171
ANEXO I – INSTALAÇÃO DE INDÚSTRIAS EM GARIBALDI....... 173
ANEXO J – MAPA DA CIDADE DE MONTE BELO DO SUL .......... 175
ANEXO K INSTALAÇÃO DE INDÚSTRIA EM MONTE BELO DO
SUL............................................................................................................ 177
ANEXO L ÕES DA SECRETARIA DE CULTURA TURISMO E
CULTURA DE MONTE BELO DO SUL............................................... 179
ANEXO M ROTEIRO DE ENTREVISTAS COM O PODER
PÚBLICO ................................................................................................. 181
ANEXO N ROTEIRO DE ENTREVISTAS COM A INICIATIVA
PRIVADA NO VALE DOS VINHEDOS................................................ 183
13
INTRODUÇÃO
O turismo vem obtendo grande destaque nas discussões acadêmicas,
governamentais e da sociedade civil. Caracterizado por ser uma atividade inter e multi-
disciplinar, compreende uma diversidade de interesses freqüentemente antagônicos,
dificultando a existência de um macro-planejamento sobre a atividade como um todo, suas
interfaces e suas limitações.
Enquanto fenômeno de deslocamento consolidado na sociedade atual, o turismo
passa por um processo que lhe confere maior importância, criando novos desafios em
termos econômicos, sociais, políticos e culturais, atingindo proporções outrora vistas nas
viagens de outros tempos da humanidade, bem como reconstruindo novos significados.
Sensível às mudanças sociais, no decorrer das últimas décadas o turismo ganhou
novos formatos, objetivando atingir um número cada vez maior de consumidores – os
turistas indiduos que viajam por motivações diversas. Com isso, as propostas de
comercialização e Marketing passaram a assinalar diferentes tipologias turísticas com
ênfase em atrativos distintos que contemplariam os interesses e desejos dos turistas. Estas
tipologias acabaram por ser academicamente incorporadas, nem sempre com o necessário
senso crítico.
Mas ao analisar o turismo sob uma ótica espacial, cabe nos questionarmos:
quem são os responsáveis por planejar o crescente desenvolvimento do setor, que se
constitui em mais um dos mbolos do capitalismo consumista da atualidade? As diferentes
conseqüências sejam elas positivas ou negativas, influenciam o ambiente natural, social,
político, econômico e cultural onde o turismo ocorre. Quem são os agentes capazes de gerir
a atividade turística de modo a evitar os interesses pessoais? Dentre as opções de respostas a
estas questões, a presente pesquisa identificou que cada um dos envolvidos com o turismo
possui determinado interesse, que na maioria das vezes incide com os anseios de uma
minoria que faz parte das localidades turísticas.
14
Embora o poder público tenha um papel fundamental ao elaborar políticas de
incentivo, de controle e de planejamento do turismo, tais ações não se apresentam
desprovidas de ideologias e interesses. Com isso, é freqüente que o Estado não exerça suas
responsabilidades direcionadas ao bem-estar da coletividade.
A fase político-econômica da atualidade demonstra uma participação cada vez
menor do Estado no âmbito do funcionamento da sociedade, deixando muitas atividades à
mercê das forças de mercado. Dentre as alterações estruturais da economia enfatizadas no
decorrer do século XX surge o capitalismo, com sua base conceitual presente no acúmulo de
riquezas, se fortalecendo acompanhado por um processo de internacionalização e
globalização da economia, criando um abismo cada vez maior entre massacrados pela
miséria e enaltecidos pela opulência; entre inclusão e exclusão; entre industrialização e
agricultura; entre urbano e rural. E esta não é uma escolha divina, como profetizava Henry
Ward Beecher
1
!
As crises sociais, políticas e econômicas, vivenciadas durante séculos e que
ainda percorrem o dia-a-dia do sujeito da atualidade, podem estar relacionadas à falta de
uma instituição (inicialmente vista como o Estado) capaz de gerar condições de convívio
social, acompanhando as constantes transformações mundiais. Parece que quanto mais os
indivíduos precisam da ação de uma instituição imparcial, com o passar dos anos menor tem
sido sua participação, caracterizando a liberdade de mercado e o Estado nimo. Redução
das despesas públicas e processos de privatização de indústrias e serviços de base (energia,
comunicações, siderurgia, saúde, etc) foram e ainda o são alternativas utilizadas pelos
governantes latino-americanos para solucionar problemas de inflação e endividamento
público. Estes últimos, em grande parte ocasionados pela gestão pública inadequada de seus
recursos, além das pressões de agências financiadoras internacionais, como o Fundo
Monetário Internacional (FMI) (CASTELLS, 2000).
Nestes processos transirios, o Estado vem reduzindo seu aspecto
intervencionista, estimulando as privatizações e o liberalismo de mercado, deixando
decisões de conseqüências coletivas sob responsabilidade de interesses privados. Durante o
final do último século, diferentes instituições de cunho privado absorveram a
responsabilidade quanto ao funcionamento econômico dos Países, contrários, por exemplo,
1
“Deus quis que os grandes fossem grandes e os pequenos fossem pequenos”. (apud GALBRAITH, 1998, p.
49).
15
ao conteúdo do relatório do Comi Consultivo do Governo Russo sobre os Problemas
Sociais da Transão, que, referindo-se a este Ps, concluiu em determinado momento que
o mercado o é substituto do Estado: é complemento. Sem o Estado, o mercado não
consegue funcionar” (CASTELLS, 2000, p. 158).
Novas atividades econômicas foram surgindo com os avanços tecnológicos, o
crescimento populacional e suas mais diversas necessidades, as alterações nos fatores de
produção e na divisão de trabalho, entre outros. Um dos setores que têm se destacado pela
sua participação na economia dos Países está relacionado ao fenômeno turístico e às
diferentes esferas que o mesmo abrange, devendo ser regulamentado e fiscalizado por parte
do Estado, seja em vel federal, estadual ou municipal, pois os empresários focam a
lucratividade, que por vezes pode vir a prejudicar a coletividade. Com a crescente demanda
pelo turismo, o poder público vem utilizando em seus discursos a atividade turística como
alternativa de salvação contra a pobreza e o desemprego (BENI, 2006). Beni (2004)
considera que o desenvolvimento do turismo de forma adequada ou não depende
diretamente das políticas públicas formuladas pelo Estado. O autor destaca ainda que, no
Brasil, o descaso político com o setor turístico tem sido grande, resultando em problemas
sócio-ambientais e culturais viveis na atualidade.
A pesquisa realizada analisa o papel das políticas públicas nacionais que
influenciaram de algum modo o processo de formação do turismo no País, focando uma
tipologia mais especificadamente: o enoturismo. Constitdo por elementos paisagísticos e
culturais de regiões produtoras de vinhos, as viagens motivadas por estes aspectos têm sua
origem em Países europeus, tradicionalmente vitivicolas (HALL et al, 2004). Com a
expansão cultural da época dos descobrimentos e mais recentemente com os processos
migratórios doculo XIX, o cultivo da uva difundiu-se pelos continentes. Nas últimas
décadas, Países do chamado Novo Mundo (aqueles cuja produção de vinhos não possui
tradição secular) aderiram à divulgação do vinho e sua região associada ao turismo,
caracterizando o enoturismo.
No Brasil, a região de maior destaque na indústria vicola é a Serra Gaúcha, que
possui a primeira certificação de origem de seus produtos: o Vale dos Vinhedos, inserido
nos munipios Bento Gonçalves, Garibaldi e Monte Belo do Sul. O local foi sendo aos
poucos reconhecido pela qualidade de seus vinhos e consolidou-se no cenário turístico
brasileiro, recebendo um número significativo de visitantes.
16
Devido à importância cio-econômica e cultural, o Vale merece especial
atenção por parte do meio acadêmico, através de seus estudos, e do poder público, a partir
de regulamentação adequada para seu uso e desenvolvimento pela comunidade, iniciativa
privada e turistas. Especialmente com este prosito que este tema foi escolhido.
Considerando-se a importância do poder público para o turismo, na visão de
diferentes autores (BENI, 2006; HALL, 2004; BARRETTO, 2003; CRUZ, 2000;
CORIGLIANO, 2000), é crescente a necessidade de aprofundar o conhecimento quanto à
participação do Estado brasileiro na atividade turística e suas possíveis inadequações. Com
este estudo, acreditamos na possibilidade de compreender o papel do Estado brasileiro no
turismo, na busca incessante por um melhor diálogo entre o poder público e demais
envolvidos no enoturismo no Vale dos Vinhedos, desde iniciativa privada, comunidade
local e visitantes, considerando-se as inúmeras transformações ocorridas na região durante
as últimas décadas.
Importante salientar que existem algumas pesquisas (FÁVERO, 2006;
VALDUGA, 2007) que identificam que o Vale dos Vinhedos é resultado quase que
exclusivo da participação privada, marginalizando o papel do Estado e sua relevância na
região, fato este que fortaleceu o interesse em aprofundar tal discussão.
Além disso, a descendência italiana e uma história familiar vivenciada junto aos
parreirais influenciou fortemente a decisão pelo tema. A aspiração em lidar com o
envolvimento do poder público com a atividade turística também provém de cunho pessoal
e familiar.
Delimitado o tema e o objeto de estudo, a pesquisa foi orientada a partir de um
questionamento macro: de que forma as ações do poder público brasileiro, nas suas
diferentes esferas, influenciaram positiva ou negativamente a atividade enoturística no Vale
dos Vinhedos?
Para se obter esta resposta, a pesquisa suscitou ainda os seguintes
questionamentos:
1 De que modo o Estado se envolve com o turismo?
2 Como o poder público brasileiro em vel federal, estadual e municipal
participou e participa do desenvolvimento da atividade turística?
17
3 Qual o envolvimento do poder público no Vale dos Vinhedos?
4 De que forma as políticas públicas influenciam o enoturismo no Vale dos
Vinhedos?
O estudo limitou-se a elementos fundamentais relacionados ao tema, impedindo
um aprofundamento e uma discussão teórica quanto a alguns conceitos divergentes na sua
simbologia e aplicação.
O uso do termo ‘desenvolvimentofoi realizado sob a ótica do poder público, na
maioria das vezes associado apenas ao viés econômico, quando na realidade o significado
da palavra abrange uma situação favorável sob diferentes aspectos, inclusive sócio-
culturais. Segundo Esteve:
O desenvolvimento ocupa o centro de uma constelação semântica
incrivelmente poderosa. Não há nenhum outro conceito no pensamento
moderno que tenha influência comparável sobre a maneira de pensar e o
comportamento humano. Ao mesmo tempo, poucas palavras são o
ineficazes, o frágeis e o incapazes de dar significado e substância ao
pensamento e ao comportamento (ESTEVE, 2000, p. 61).
Assim, as constantes citações de desenvolvimento por parte da legislação não
são amplas, estando direcionadas quase que exclusivamente aos aspectos econômicos.
Fischer (2002), ao abordar o desenvolvimento local na sua essência, que parte de um
interesse local, integrado e sustentável como forma de revitalização das comunidades, o
considera uma utopia.
Para caracterizar a instituição do poder público, originada nas sociedades
passadas e existente até hoje, foi utilizado o termo ‘Estado’, definido com sua letra inicial
em maiúscula. Já, quanto às referências realizadas sobre os estados brasileiros e seu
governo, foi empregado o termo ‘estado’ iniciando em letra minúscula.
Quanto ao acesso às informações para o estudo, este representou uma limitação.
Com relação ao enoturismo, escasso material científico é acesvel no País, quando
importantes pesquisas foram realizadas em Países como Austrália, Itália e Estados Unidos.
Além disso, nos deparamos com a falta de dados cio-econômicos atualizados sobre a
região pesquisada. Foi realizado o censo no ano de 2003, com dados a respeito da população
local, residências, plantio, indústrias e comércio. No entanto, este ainda não foi concldo e
18
apresentado, já estando defasado. Com isso, não foi possível atualizar algumas informações
sobre a realidade do Vale dos Vinhedos.
Em um primeiro momento, acreditamos que a maior limitação seria encontrada
no acesso às informações relacionadas ao poder público. No entanto, a receptividade dos
representantes dos órgãos municipais com os quais fizemos contato foi bastante satisfatória,
bem como da Associação dos Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos
(APROVALE).
Em decorrência do problema e das questões de pesquisa formuladas, o objetivo
geral orientador do estudo foi o de compreender o papel do Estado e sua inter-relação com o
turismo e as políticas públicas para o enoturismo na região do Vale dos Vinhedos.
Como objetivos específicos, destacam-se:
a) Analisar o envolvimento do Estado no turismo.
b) Pesquisar as políticas públicas em vel federal, estadual e municipal,
relacionadas ao turismo no Brasil.
c) Analisar as conseqüências das políticas públicas sobre a gestão do patrimônio
turístico local.
d) Identificar as ações do poder público na rota enoturística Vale dos Vinhedos.
A presente pesquisa está subdividida em sete etapas. Para melhor nortear o
leitor, os aspectos introdutórios apresentam as motivações que resultaram neste trabalho,
seu problema, seus objetivos e suas limitações, identificando o foco da pesquisa.
O capítulo a seguir aponta um breve histórico sobre o turismo, desde as viagens
da Antigüidade até a caracterização da atividade turística no contexto atual, bem como a
definição que orientou o decorrer da pesquisa.
O referencial trico é apresentado no segundo capítulo. Para compreender o
enoturismo foi utiliza uma vertente histórica sobre as visitações às regiões vitivicolas e
um estudo sobre os conceitos e os aspectos organizacionais da atividade, identificando
brevemente a atividade enoturística em alguns Países considerados seus principais
expoentes, incluindo o Brasil.
19
Ainda neste capítulo, a pesquisa retrata o surgimento da instituição Estado e sua
evolução até a atualidade, estruturando a inter-relação Estado e turismo, para culminar na
análise da ação histórica da administração pública brasileira na atividade turística.
A trajetória metodológica está caracterizada no terceiro capítulo, identificado os
instrumentos utilizados durante a pesquisa, na busca de atingir os objetivos propostos e
encontrar as respostas para as questões geradas.
O quarto capítulo da dissertação contempla a evolução do Vale dos Vinhedos e
sua formação como rota enoturística, através da participação iniciativa privada e o
envolvimento do Estado, analisando com maior ênfase a legislação dos três munipios que
compreendem o Vale: Bento Gonçalves, Garibaldi e Monte Belo do Sul.
Concluindo o estudo, são apresentadas no catulo cinco as considerações finais
a respeito das informações coletadas, com observações relevantes sobre o Estado e as
políticas públicas para a atividade enoturística no Vale dos Vinhedos.
As referências utilizadas como base da pesquisa e os anexos estão presentes ao
final da dissertação.
20
1 O SURGIMENTO DO TURISMO MODERNO
Muito embora os deslocamentos dos indivíduos existam desde a pré-história, as
viagens com características similares ao turismo atual começaram a surgir apenas no final
do século XVII. Segundo Barretto (1995), foi naquele período que surgiu na Inglaterra o
conceito de turismo que, devido à ocupação do Ps pelos franceses do século X até o século
XIV, apropriou-se do termo francês tour (volta). Seu equivalente em inglês é turn e em
latim é tornare.
A principal diferença entre os deslocamentos primitivos e as viagens mais
recentes está relacionada à intenção de retorno, pois o ser humano primitivo migrava em
busca de alimento e melhores condições de sobrevivência, o estando interessado em
retornar ao local inicial. Dentre os acontecimentos marcantes que antecedem o turismo,
alguns pesquisadores destacam as viagens gregas para acompanhar os Jogos Olímpicos.
Outros, no entanto, defendem que os Fenícios foram os pioneiros nas viagens com retorno, a
partir da criação da moeda e da atividade comercial (BARRETTO, 1995).
Os romanos também possuem papel de destaque na história do turismo. Com a
construção das estradas pelo Império Romano entre os séculos II a.C. e II d.C. e a pax
romana, proporcionando mais segurança aos viajantes, os deslocamentos tornaram-se mais
freqüentes. Outra importante colaboração dos romanos ao turismo foi o desenvolvimento
das instalações termais espalhadas em todo terririo a eles pertencente. A partir da ruína
deste Império e a conseqüente dominação das terras pelos povos bárbaros, as estradas
deterioraram-se, o comércio reduziu e as viagens por prazer ficaram temporariamente
suspensas (REJOWSKI, 2002).
A sociedade feudal da Idade Média viajava com pouca freqüência, apesar de seu
poderio econômico e financeiro, pois os deslocamentos eram perigosos e desconfortáveis.
Mas durante os séculos II e III, outro fato relevante colaborou com a atual concepção do
turismo: a intensa peregrinação a Jerusalém. Nos séculos seguintes outros locais foram
21
adotados nos roteiros religiosos, como Santiago da Compostela e Roma. Na visão de Viera
e Cândido (2003), a frase de Jesus Cristo aos apóstolos “ide a todas as partes do mundo
levar a minha palavra” pode ser considerada o início do turismo religioso, não baseado no
prazer e sim na fé.
Com o fim da Idade Média, a sociedade que até então estava estruturada no
campo deslocava-se gradualmente para as cidades. O crescimento da riqueza individual
propiciou a um número cada vez maior de pessoas a possibilidade de viajar. Paralelamente,
as peregrinações foram reduzindo devido ao crescimento do protestantismo na Europa. Com
a Renascença Italiana e uma considerável segurança nas estradas, as viagens voltaram-se
para o interesse em conhecimento e aprendizado. Durante os séculos XI e XVI, o grande
destaque foi a explosão das viagens marítimas de descobrimento realizadas pelos espanhóis
e portugueses (REJOWSKI, 2002).
Com o Renascimento Europeu, que se estendeu do século XIV até o século
XVII, as viagens culturais levavam professores, artistas e intelectuais a explorar novos
lugares. Estes deslocamentos recebiam o nome de acordo com os locais visitados. Assim,
existia o petit tour, viajando por Paris e o sudoeste da França, e o grand tour, que incla
tamm o Sul, o Sudeste e a Borgonha. Com a Revolução Francesa em 1789 e as guerras
napoleônicas, o grand tour foi interrompido e as viagens para o continente Europeu quase
acabaram (BARRETTO, 1995).
A Revolução Industrial noculo XVIII e suas conseqüentes transformações
contribuíram para o turismo conhecido atualmente. O invento de novas formas de
deslocamento, como a máquina a vapor, aumentou inegavelmente o número de viagens. O
incremento de fábricas ocasionou a criação de uma nova estratificação social: a classe
média. Com o passar do tempo, os trabalhadores passaram a fazer algumas exigências, uma
delas estava relacionada a um período de descanso das atividades laborais. Este aumento no
tempo livre de muitos indiduos possibilitou que estes se interessassem pelas viagens de
lazer, com ênfase para o termalismo (estâncias termais), o paisagismo (residências
secundárias) e o montanhismo. As viagens da época foram marcadas pelo transporte
ferroviário e marítimo. A evolução destes meios de transporte, associada a segurança,
salubridade, alfabetização crescente e conquistas trabalhistas foram os principais fatores que
contribuíram para o turismo nos séculos XVIII e XIX (REJOWSKI, 2002).
22
Aproveitando este período de grande interesse nas viagens, um vendedor de
blias chamado Thomas Cook, organizou em 1841 uma viagem com 570 pessoas, partindo
de Leicester para um encontro em Loughborough, na Inglaterra. Para tal, alugou um trem,
comprou e revendeu os bilhetes, caracterizando-se a primeira viagem agenciada e, ele, o
antecessor dos pacotes turísticos. Cook é conhecido atualmente como o “pai do turismo
(LICKORISH; JENKINS, 2000).
Após este período de crescimento da atividade turística, o mundo vivenciou a
Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e com ela momentos de instabilidade econômica,
política e social. No pós-guerra, os povos foram aos poucos retomando suas atividades,
intensificando as viagens terrestres e o turismo, com destaque ainda para a ferrovia.
Entretanto, com a repercussão na Europa da quebra da Bolsa de Valores de Nova York, em
1929, a atividade turística passou por uma nova crise, tornando a ser impulsionada a partir
de 1933 e estagnando novamente com a Segunda Guerra Mundial (BARRETTO, 1995).
Segundo Rejowski (2002), apesar desses períodos turbulentos, o icio do século
XX veio acompanhado das preocupações quanto ao conhecimento e estudo do turismo. A
busca de definições e de compreensão dos aspectos econômicos desta atividade obteve
maior desenvolvimento com a Escola Berlinense ou Escola de Berlim, na Alemanha. Até
mesmo durante a Segunda Guerra Mundial, pesquisadores estavam interessados em
conhecer melhor a atividade, como os professores suíços Walter Hunziker e Kurt Krapf, que
escreveram em 1942 a obra Fundamentos Gerais do Turismo.
Passadas as barbáries da Segunda Guerra Mundial, o turismo expandiu-se mais
rapidamente por todo o mundo, caracterizando o boom turístico, uma fase de massificação
com base nos pacotes turísticos (todos os serviços incldos) e a busca pelo produto sol e
praia. Lugares até então inacesveis tornaram-se acessíveis com o uso do avo como forma
de deslocamento. De acordo com Bocz (1996), para adquirir o aspecto massificado do
turismo era necessário um certo vel de invenções e tecnologia, o que estava surgindo no
pós-guerra.
A atividade turística passou a ser encarada com maior seriedade a partir da
segunda metade do século XX, considerando-se não apenas as oportunidades e benefícios
econômicos, mas também os riscos que a prática do turismo poderia ocasionar. Segundo
Barretto (1995), é a partir da década de 1970 que surge a preocupação com o meio
ambiente, um dos pilares da atividade turística, além de diferentes órgãos de turismo
23
encarregados em fornecer a superestrutura organizacional, legislativa e administrativa para
o desenvolvimento do setor. A análise do turismo quanto a sua característica
multidisciplinar resulta em estudos de áreas diversas, não enfatizando apenas sua ótica
econômica, mas também seu desempenho na sociedade, nos aspectos culturais, espaciais,
políticos, entre outros.
Inserido no contexto da sociedade moderna capitalista, o turismo não poderia
deixar de apresentar características similares aos produtos desta era do consumo:
padronização e normalização dos destinos turísticos, e a comercialização do tempo livre.
Além disso, o aspecto excludente também se faz presente, pois as viagens de lazer são uma
realidade para um número específico de indivíduos; uma elite que pode consumir seus
produtos ou ainda em condições físicas de faze-lo. Na concepção de Bocz (1996, p. 49),
contemporary tourism could be deduced as a popularized version of aristocratic patterns
of travel
2
.
Muitas definições foram e continuam sendo elaboradas pelo meio acadêmico que
estuda o turismo, relacionando-o com as mais diversas disciplinas. O conceito enfatiza
determinados aspectos de acordo com o campo em que está sendo estudado e sua
conseqüente corrente de pensamento. Dentre os elementos presentes nas definições, cabe
destacar o caráter não lucrativo da viagem, um tempo de permanência específico que
subentende um retorno e a busca do prazer. Para fins metodológicos, na presente pesquisa
foi adotada a definição da Organização Mundial do Turismo (1998, p. 44), para quem o
turismo comprende las actividades que realizan lãs personas durante sus viajes y
estâncias en lugares distintos al de su entorno habitual, por un período de tiempo
consecutivo inferior a un año côn fines de ócio, por negócios y otros.”
3
Diferentes ramificações estão sendo criadas junto à atividade turística,
objetivando atender a um número cada vez maior de pessoas, os turistas, que possuem
motivações diversas para que se desloquem de sua residência habitual em busca de algum
tipo de satisfação. Para Coriolano:
2
O turismo contemporâneo pode ser encarado como uma versão popularizada da forma de viajar da
aristocracia. Tradução da autora.
3
Compreende as atividades realizadas pelas pessoas durante suas viagens e estadas em locais diferentes de seu
entorno habitual, por um período de tempo consecutivo inferior a um ano, com fins de ócio, negócios e outros.
Tradução da autora.
24
A idéia de viajar vem penetrando de tal forma na mente do homem
moderno que, cada vez mais, se fortalece como uma conquista, um direito,
uma possibilidade, um consumo. Pode-se afirmar que a viagem é hoje um
dos grandes consumos criados no contexto da sociedade atras dos meios
de propagação coletiva, sobretudo os meios de comunicação de massa
eletrônicos (CORIOLANO, 1998, p. 30).
Nesta propagação de segmentos de consumo turístico que objetivam satisfazer as
mais diferentes necessidades e desejos do indivíduo no seu tempo livre, surge o enoturismo,
associando a prática do turismo às regiões produtoras de vinhos, proporcionando novas
oportunidades de comercialização para vinicultores e a comunidade local.
O enoturismo e suas características, seu histórico, seus aspectos organizacionais
e sua existência em alguns Países, inclusive no Brasil, serão analisados a seguir.
25
2 REVISÃO DE LITERATURA
A atividade turística abrange diferentes tipologias, criadas de acordo com as
transformações na sociedade e suas exigências quanto ao consumo de lazer. A revisão de
literatura contempla dois temas relevantes para a presente pesquisa: o enoturismo, a partir
de suas definições e seu aspecto organizacional, e o Estado, através de sua inter-relação com
a atividade turística como um todo e a formação das políticas públicas para o turismo.
2.1 O ENOTURISMO
Segundo Hall et al (2004), viagens com destino às regiões vitivinícolas eram
organizadas desde a época do Grand Tour, além de registros existentes entre gregos e
romanos da Antigüidade. No entanto, as mesmas não possuíam o vinho em particular como
fator motivacional. Isto veio a acontecer a partir da união de três fatores em especial: a
revolução dos transportes, com o desenvolvimento das estradas de ferro; as transformações
sociais que culminaram no crescimento de uma classedia interessada em vinhos de
qualidade; e a publicação da Classificação dos Vinhos do Gironde de 1855, associando às
localidades produtoras uma identidade e servindo como divulgação destas.
Desde 1920, os percursos vicolas fazem parte do chamado turismo industrial
na Alemanha e no final da década de 1970 praticamente todas as regiões alemãs com cultivo
de uvas possuíam rotas de vinhos. Mais recentemente, Países do Leste Europeu, como a
Hungria, passaram a estabelecer roteiros de vinhos objetivando atrair turistas do Oeste
Europeu. Com a crescente comercialização dos vinhos do Novo Mundo no mercado
mundial, foram surgindo novas rotas enoturísticas (HALL et al, 2004).
26
Embora exista um significado diferente quanto às viagens iniciais junto às
regiões vitivicolas e o enoturismo atual, sob a ótica de Corigliano (2000) a grande
novidade o reside na criação de novos vinhos ou modernas tecnologias de produção, mas
sim nas estratégias de Marketing, na modalidade da oferta e no âmbito em que é proposto o
conhecimento acerca do mundo dos vinhos.
Apesar dos estudos existentes, o surgimento do enoturismo a partir da concepção
atual não tem uma identificação precisa. No entanto, a associação Movimento do Turismo
del Vino
4
(MTV), criada em 1993 na Itália, é apontada por alguns autores como sendo o
marco inicial através da organização de um evento denominado Cantina Aberta, promovido
junto aos produtores de vinhos, que incla visitação às cantinas, castelos, museus da
cultural colonial, passeio pelos vinhedos e degustação de vinhos (MTV, 2007).
Outros estudiosos da mesma área afirmam que foram criadas na Austrália, no
mesmo ano, as estratégias de enoturismo desenvolvidas pelo Victorian Wineries Tourism
Council
5
. Nos anos seguintes, associações similares foram organizadas em outros estados
australianos, acompanhando o crescimento e importância de sua produção vitivicola,
promovendo estratégias integradas. Países de destaque na produção vitivicola possuem
diferentes associações locais, regionais ou nacionais com o objetivo de desenvolver a
atividade, de modo a colaborar com a indústria vinícola e incrementar as receitas do turismo
(HALL et al, 2004).
A seguir, uma breve explanação sobre o vinho desde seus primeiros incios até
sua presença na atualidade.
2.1.1 Expansão do vinho: breve histórico
Para melhor compreender o enoturismo, é fundamental conhecer a essência de
seu produto turístico: o vinho. Se o mesmo não existisse no contexto da atividade, este tipo
4
Movimento do Turismo de Vinhos. Tradução da autora.
5
Conselho de Turismo das Vinícolas de Victoria. Tradução da autora.
27
de turismo poderia ser chamado de ecoturismo, turismo rural, ou ainda outros segmentos da
atividade.
De forma simplificada, o vinho é uma bebida produzida a partir do fruto da
videira. No Brasil, segundo o art. 3
o
da Lei n
o
7.687, de 8 de novembro de 1988, “vinho é a
bebida obtida pela fermentação alcoólica do mosto simples de uva sã, fresca e madura”. O
parágrafo único deste mesmo artigo veda a utilização da denominação vinho para produtos
provenientes de quaisquer outras matérias-primas (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA,
2007). Esta definição para o produto brasileiro é baseada na Organização Internacional da
Vinha e do Vinho (OIV).
De modo mais detalhado, Johnson apresenta outra abordagem para a bebida:
Segundo a definição bem-comportada e convencional, o vinho ‘é o suco
de uvas frescas fermentado naturalmente’. Numa definição mais técnica,
trata-se de uma solução aquosa de etanol com maiores ou menores
vestígios de açucares, ácidos, ésteres, acetatos, lactatos e outras
substâncias presentes no suco de uva ou resultantes da fermentação. Mas é
o etanol o responsável pelos efeitos do vinho. Ele é uma forma de álcool
produzida pela ação dos levedos sobre o açúcar no caso, açúcar de uva
(JOHNSON, 1999, p. 13).
Numa visão mais romântica adotada por Phillips (2003, p. 16), “o vinho é
resultado de uma joint-venture entre o homem e a natureza”.
Não é possível precisar o lugar e a data do surgimento do vinho, mas escavações
e estudos indicam que a bebida é originária da Ásia Menor, entre as fronteiras da Turquia,
Rússia e Irã
6
. Devido à imprecisão quanto à origem da fabricação do vinho, inúmeras lendas
desde a Antiguidade atribuem para si a responsabilidade por esta criação.
Uma lenda basca (o basco é umas das mais antigas línguas do Ocidente)
celebra o herói “Ano”, que vindo do mar teria introduzido o vinho e a
agricultura ao seu povo. A mitologia galega também possui um herói
correspondente, de nome “Noya”. Entre os sumérios, na Mesopotâmia,
havia uma figura, uma espécie de sereia, de nome “Oanes”, e “Dionísio”,
o deus grego do vinho, foi amamentado pela ir de sua mãe, “Ino”
(SANTOS, 1995, p. 153).
6
Região que corresponde à antiga Armênia, hoje dividia entre os três Países citados (JOHNSON, 1999).
28
Outra versão citada por Pacheco (1995) conta que de acordo com o Gênesis, a
arca de Noé teria pousado na região de Ararat (hoje Turquia), onde Noé plantou a vinha,
colheu uvas e produziu o vinho.
Segundo apontamentos de Phillips (2003), a literatura da Antigüidade também
foi pródiga quanto às referências ao vinho. O mais antigo texto literário conhecido
atualmente, uma epopéia babilônica datada provavelmente de 1800 a.C. chamada
Gilgamesh, conta que o herói de mesmo nome parte em direção ao sol em busca da
imortalidade e encontra um vinhedo encantado, do qual, ao beber o vinho, se torna imortal.
Na literatura persa, uma jovem preterida pelo sultão tenta envenenar-se bebendo o conteúdo
de uma jarra que continha uvas esquecidas e que haviam fermentado. Ao beber, recuperou a
alegria e os favores do sultão, divulgando esta bebida entre seu povo.
Lendas e mitologias à parte, a comprovação científica mais antiga referente à
existência da vinha são as sementes de videira encontradas na Geórgia, datadas de 7000 a.C.
Segundo Johnson:
Reza a tradição que os georgianos sempre viveram ameaçados e, portanto,
deviam manter-se suficientemente sóbrios para se defender a qualquer
momento. Até hoje, os georgianos mantêm o costume de beber todo o
vinho que há na tigela, com excão de algumas gotas, que são lançadas
no chão. Antes, porém, eles as contam, pois correspondem ao número de
seus inimigos. É importante não ter muitos inimigos, mas sem tê-los como
se pode ser um homem de verdade? (JOHNSON, 1999, p. 18).
Mais tarde, em 4000 a.C., foram encontrados no Cáucaso (Ásia Menor) e na
Analia
7
vasilhames de cerâmica utilizados para servir o vinho. No decorrer dos séculos
seguintes, devido aos processos de colonização, do significado cultural do vinho, de sua
importância econômica e do aparecimento de uma demanda para a bebida, a vinha foi se
difundindo pelo Oriente Médio, pelo mundo mediterrâneo e através da Europa (SANTOS,
1995).
Os egípcios foram o povo da Antiguidade que atribuiu maior importância à
vinha, registrando em pinturas os detalhes de sua vitivinicultura, datadas entre 3 e 5 mil
anos atrás, demonstrando seu pleno domínio quanto à tecnologia vinícola (FRANCO,
2001).
7
Atualmente o centro do planalto turco (JOHNSON, 1999).
29
Na Grécia Antiga os cidadãos adoravam o vinho e realizavam anualmente os
festivais dioniacos, considerados os responsáveis pela construção do primeiro teatro do
mundo, na encosta da Acrópole de Atenas, no século IV a.C. O vinho era assunto freqüente
entre os filósofos gregos; alguns, como Platão, reprovavam o consumo da bebida, enquanto
outros, como Hipócrates, o pai da medicina, utilizava o vinho em praticamente todas as suas
prescrições (PHILLIPS, 2003).
Após a destruição de Cartago
8
, os romanos passaram a dedicar-se ao cultivo da
uva, pois a vitivinicultura estava tornando-se uma atividade econômica rentável. Similar aos
gregos, o povo romano festejava Baco como sendo o Deus do Vinho, em rituais conhecidos
como bacanais. Com a queda do Império Romano, por volta do século IV d.C., inúmeras
atividades foram interrompidas, inclusive a produção vinícola. Paralelamente, nasceu nas
culturas do Oriente Médio o profeta Maomé, que apresentava, através do Alcorão Sagrado
9
,
o vinho como uma das coisas boas da terra, ao lado da água (JOHNSON, 1999).
De acordo com Phillips (2003), com o fim do Império Romano e o início da
Idade Média, o poder ficou sob domínio da Igreja Católica, que se dedicou intensamente à
vitivinicultura, devido ao significado do vinho na liturgia. Os religiosos voltaram sua
atenção às diferenças de cor, sabor e outras qualidades presentes na bebida, identificando o
vinho produzido nas diversas áreas e demarcando este território, tornando-se grandes
detentores da sabedoria quanto à elaboração do vinho.
A difusão do vinho no mundo está associada à expansão do domínio europeu nos
demais continentes, ocorrida no século XVI. Segundo Johnson (1999), existiam uvas
silvestres em muitos locais dominados pelos europeus, mas não eram utilizadas para
produção do vinho. Assim sendo, os colonizadores passaram a cultivar a uva e produzir o
vinho nos diferentes territórios conquistados.
Na América Latina, os espanhóis introduziram a viticultura no Peru no icio de
1530, após derrotarem os astecas, e à medida que avançavam para as terras do Sul, eram
acompanhados pela produção vicola. Embora existisse a possibilidade de importar o vinho
da Espanha, o fato de cultivar a uva nas colônias era uma forma de reproduzir a cultura
espanhola o mais fielmente possível, visto que o vinho fazia parte da alimentação diária dos
8
Região situada ao Norte da África, sofria constantes ataques romanos pelo controle do Mediterrâneo
Ocidental (JOHNSON, 1999).
9
O livro sagrado do Islamismo (JOHNSON, 1999).
30
espanhóis (PHILIPS, 2003). No Brasil, a colonização portuguesa foi responsável por trazer
o cultivo da uva, que foi difundindo-se pelos estados, conforme será abordado a seguir.
2.1.1.1 O Vinho no Brasil
Com o Descobrimento do Brasil pelos portugueses em 1500, as videiras foram
por eles introduzidas no País, trazidas da Ilha dos Açores em 1532 pelo colonizador Martim
Afonso de Souza. No mesmo período o português Brás Cubas realizou tentativas de cultivar
a vinha no litoral paulista e logo depois nos arredores de Taubaté, devido às condições
climáticas inadequadas do litoral. Nos anos seguintes, a vitivinicultura foi se propagando
pelos demais estados brasileiros (PACHECO; SILVA, 2001).
Segundo De Paris (1999), o responsável por introduzir as cepas espanholas no
Rio Grande do Sul foi o padre jesuíta Roque Gonzáles de Santa Cruz, em 1626, ao fundar a
Redução Cristã de San Nicolao, na margem esquerda do Rio Uruguai (Sete Povos das
Missões), com o objetivo de fixar o homem nativo na terra. Mais tarde, em 1737, açorianos
chegaram ao litoral gaúcho e trouxeram vinhas de origem portuguesa, que não obtiveram
tamanha expressão quanto o cultivo feito pelos espanhóis, em função da região litorânea ser
baixa e úmida. Essa dualidade em termos de vitivinicultura permaneceu até meados de 1800
e por volta de 1839 o gaúcho Marques Lisboa enviou de Washington mudas de uva Isabel
(uva americana) ao comerciante Thomas Messiter, que as plantou na Ilha dos Marinheiros
10
.
Embora a imigração alemã também tenha registros do cultivo da uva na região
do Vale dos Sinos e Caí, é apenas após a chegada dos imigrantes italianos na região da
Serra Gaúcha, a partir de 1875, que o cultivo da uva Isabel adquiriu expressão. Cabe
salientar que as mudas trazidas pelos italianos, ou secaram durante a viagem, ou não se
adaptaram à nova terra e acabaram morrendo. Assim, nas suas idas a São Sebastião do Caí e
10
Localizada na margem Oeste da Lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul, distante 1,5 km da cidade de Rio
Grande. Disponível em: http://www.riograndevirtual.com.br/ilhadosmarinheiros/menu.htm. Acesso em 14 de
maio de 2007.
31
Montenegro para buscar suprimentos, descobriram a existência de cepas Isabel cultivadas
pelos alemães e as trouxeram para a Serra, iniciando seu cultivo e fortalecendo a produção.
No ano de 1928 foi oficializado o Sindicato do Vinho, com o objetivo de
congregar e defender os interesses dos vitivinicultores, regulando a oferta e a procura e,
conseqüentemente, os preços. Para melhorar a imagem e a reputação do vinho gaúcho no
Rio de Janeiro e em São Paulo, foi criada em 1929 a Sociedade Vicola Riograndense
Ltda, órgão comercial do Sindicato do Vinho. Como forma de reação, os colonos se uniram
criando cooperativas vitivicolas na região, estimulando o crescimento do setor. No ano de
1967 foi fundada a União Brasileira de Vitivinicultura (UVIBRA), reunindo as empresas e
entidades setoriais da vitivinicultura do País (APROVALE, 2006).
Para Tonietto (2005), a vitivinicultura brasileira apresenta quatro períodos:
1
o
Período: de 1870 aos anos 1920, no estágio de implantação da
vitivinicultura e fabricação de vinhos a partir de uvas americanas.
2
o
Período: de 1930 aos anos 1960, com a diversificação de produtos e
produção de vinhos híbridos e de viferas.
3
o
Período: de 1970 aos anos 1990, através da crescente necessidade de
qualidade e produção de vinhos varietais, cujo destaque é para a variedade da uva utilizada
na elaboração da bebida e não na região de produção.
4
o
Período: anos 2000, quando nasce o interesse em criar identidade para os
vinhos a partir de indicações geográficas reconhecidas nacional e internacionalmente, contra
a concorrência de vinhos importados.
As regiões vitivicolas perceberam que a união com o vinho poderia render
novos e bons frutos. Os deslocamentos para estes locais que existiam inicialmente partiam
do interesse do visitante. Nas últimas décadas, as vicolas compreenderam a importância
do turismo para contribuir na divulgação e comercialização de seus produtos e passaram a
incentivar as viagens com estes propósitos, criando um espaço de consumo turístico junto
aos parreirais. O termo utilizado para designar esta tipologia turística no Brasil resulta da
união dos termos turismo e eno, que segundo Zingarelli (2002), deriva do grego oînos,
significando vinho.
32
Paralelo ao crescimento do interesse dos turistas no enoturismo, as discussões
conceituais se fazem pertinentes, conforme abordagem a seguir.
2.1.2 Compreensão conceitual
Quanto às definições relacionadas à atividade enoturística, alguns elementos são
comuns entre os autores, mas devido à escassez de estudos que abordem o assunto na sua
totalidade, algumas divergências podem ser identificadas.
Na concepção de Hall e Macionis (1998), o enoturismo é caracterizado pela
visitação aos vinhedos, cantinas, festivais vinícolas e exposições de vinhos, por aqueles cujo
gosto pelo vinho e pela uva e/ou conhecer as características de uma região vitivicola o
os principais fatores motivacionais dos visitantes.
Segundo Hall et al (2004), o vinho se constitui em um importante atrativo
motivacional para o turismo, enquanto que, para a indústria vinícola, o enoturismo é uma
forma de construir relações com os clientes que podem experimentar e conhecer os produtos
nas diferentes fases da produção.
Ao analisar as duas atividades envolvidas o turismo e a produção vicola e
todos os seus participantes, é inevitável considerar uma abrangência muitas vezes confusa.
Na visão de Charters e Ali-Knight (2002), o enoturismo é uma atividade que, não raro, está
em conjunto com outras formas de turismo, como o rural, o eco-cultural ou de aventura, e
seus participantes não conseguem distinguir as diferentes formas. Além disso, os visitantes
carregam diversos paradigmas culturais, que fazem parte do processo de expectativas e
desejos ao chegar nos destinos.
De forma ampla, a definição apresentada no site do Department of the
Queensland Government State Development
11
não aborda a questão da demanda, mas sim
da oferta, agregando além dos bens e serviços do turismo e da indústria vinícola, as demais
empresas relacionadas à atividade na região produtora.
11
Departamento de Desenvolvimento do Estado de Queensland. Tradução da autora.
33
If ‘tourism’ is simply the provision of goods and services that attract
tourists, then ‘wine tourism’ is the same but has the added influence of
wine. Wine tourism is not only associated with cellar door wineries, rather
all business that are involved in the wine, tourism and associated
industries with the wine region. This includes accomodation houses, tour
operators, gift shops, national parks, etc
12
(DEPARTAMENTO DE
DESENVOLVIMENTO DO ESTADO DE QUEENSLAND, 2007).
Hall e Macionis (1998) consideram o enoturismo uma forma de turismo de
interesse específico e proem um modelo em que as viagens são motivadas pelo destino (a
região vitivicola), pela atividade (a degustação de vinhos), ou ambos. A abordagem dos
autores sobre o enoturismo desconsidera o tempo das viagens, aceitando como enoturistas
tanto os excursionistas como os visitantes que permanecem mais de 24 horas no destino.
Entretanto, Jonhson (1998) compartilha o conceito de Charters e Ali-Knight (2002) e alerta
para o fato de que o enoturismo é praticado em regiões rurais, o que dificulta a compreensão
quanto a este ser avaliado como turismo rural ou como enoturismo, com o que Hall (apud
Hall et al, 2004) discorda, ressaltando as viagens realizadas para festivais vinícolas que
freqüentemente ocorrem em áreas urbanas.
Ainda na concepção de Johnson (1998), o enoturismo tem uma proposta
recreacional e deve desconsiderar visitações profissionais, definindo-o como visitações aos
vinhedos, vinícolas, festivais e exposições de vinhos, com prosito recreativo (JOHNSON,
1998). No entanto, esta definição parece estar incompleta, visto que não contempla a região
vitivicola como um todo, essência da atividade enoturística. O conceito está em
construção e o desenvolvimento do enoturismo aos poucos mostra o quanto o turismo pode
auxiliar a indústria vicola e vice-versa.
Conflito conceitual semelhante ocorre com o termo enoturista, o sujeito cujas
motivações estão associadas ao vinho, o que torna duvidosa a identificação quanto ao
visitante ser turista ou enoturista. Tais dificuldades permeiam a complexa construção do
conhecimento sobre o turismo existente na atualidade e serão abordadas no pico a seguir.
12
Se o turismo é apenas a provisão de bens e serviços que atraem o turista, o turismo de vinhos é a mesma
coisa, sofrendo influência do vinho. O enoturismo não está associado apenas com as vinícolas, mas também
com todos os negócios envolvidos com o vinho, com o turismo e com as indústrias existentes na região
vinícola. Isto inclui meios de hospedagem, guias, lojas de presentes, parques nacionais, etc. Tradução da
autora.
34
2.1.3 O enoturista
Conforme abordado anteriormente, a dificuldade quanto aos conceitos
relacionados ao turismo amplia a complexidade da atividade. No caso do enoturismo, uma
discussão epistemológica existente diz respeito ao uso do termo enoturista. O principal
obstáculo reside no fato de compreender quando o visitante de uma região vitivicola deixa
de ser apenas turista, com interesses gerais, para assumir o papel de enoturista.
Uma pesquisa realizada no Distrito de Canberra, região vitivicola da Austrália,
identificou que a motivação principal do enoturista está centrada no vinho, entretanto um
grande número de motivações secundárias o acompanha, dentre elas: festivais e eventos
relacionados ao vinho, entretenimento e socialização com amigos, encontro com o produtor,
possibilidade de desfrutar as regiões vitivinícolas, aprendizado sobre vinhos, visitação pelos
vinhedos, além de outras experiências e atividades (HALL et al, 2004).
A importância quanto ao contato com a cultura vinícola é exposta por Clarke:
And once more, you’re far more likely to find me out amongst the vines
than seated at the tasting table. Sure, I’ll taste try to stop me but I’ll
taste when I have seen the vines, their soil, their place, the wine’s place.
[…] I want it all to make sense
13
(CLARKE, 2002, p. 8).
Conforme outro estudo realizado em 1999, focando duas regiões da Austrália,
foram identificadas quatro categorias de enoturistas de acordo com a motivação
(CHARTERS; ALI-KNIGHT, 2002):
Amantes do vinho: aqueles que possuem um bom conhecimento sobre a
bebida, a partir de leituras, cursos de degustação, programas de televio, visitas a outras
regiões produtoras. Sua motivação é claramente definida, centrada no aprendizado sobre o
vinho e no estilo de vida local e não consideram a compra de vinhos como a atividade mais
importante da viagem.
13
E novamente, é mais fácil vome encontrar no meio dos vinhedos que sentado na mesa de degustação.
Claro que eu vou degustar tente me deter mas eu vou experimentar quando eu tiver visto as vinhas, o
solo, seu lugar, o local do vinho [...] Eu quero que tudo tenha sentido. Tradução da autora.
35
Interessados pelo vinho: são os visitantes que possuem interesse em aprender
sobre vinhos e degustação, mas não estão muito preocupados em conhecer o estilo de vida
local, como a gastronomia.
Amadores do vinho: não são conhecedores de vinhos, tendo apenas uma
noção, e sua motivação para visitar a região vitivinícola é menos focada; no geral, gostam
das visitações pela cantina e pelos vinhedos. Tornam-se enoturistas quando a localidade está
próxima de onde estão ou se a mesma faz parte de uma proposta mais generalizada.
Penetra: categoria à margem dos demais, pois é composta de pessoas que
freqüentam as vinícolas sem interesse algum, apenas acompanhando determinado grupo.
A figura a seguir auxilia a compreensão quanto às categorias citadas:
Figura 1: O Enoturista – Análise Tri-dimensional
14
.
Fonte: Charters, Ali-Knight (2002, p. 317).
14
Tradução da autora.
36
Analisando a relação da figura anterior, quanto maior o interesse do turista no
vinho e mais ampla a proposta da viagem, maior é o relacionamento com outras atividades
turísticas, não focando a experiência apenas nas cantinas, o que evidencia a magnitude do
enoturismo.
Johnson (1998) proe uma tipologia baseada nas motivações, que distingue
dois tipos de enoturistas: o especialista, que realiza as visitas com o objetivo de recreação,
mas sua motivação principal é um interesse específico na uva e vinho; e o genérico, que tem
como objetivo a recreação independente de um interesse espefico, desejando
simplesmente um dia de passeio e relaxante.
Alguns estudos estão sendo realizados para identificar o perfil dos enoturistas,
considerando-se as limitações existentes quanto à região pesquisada. Um quadro
comparativo apresentado por Hall et al (2004) ilustra algumas das informações obtidas
quanto aos visitantes de algumas regiões vitivicolas da Nova Zelândia, conforme segue:
Quadro 1: Comparativo Demográfico de Visitantes
15
.
Local visitado
Masculino
%
Feminino
%
Meia-idade
%
Renda
superior %
Da região
%
Fora da
região %
Exterior
%
Texas 46 54 49 40 85 15 -
Victoria 48 52 39 67 79 21 3
Canberra 53 47 56 22 76 24 4
Augusta-Margaret
River
52 48 29 67 62 38 9
Festival de Barossa 49 51 51 21 78 22 7
Nova Zelândia (infra-
estrutura)
50 50 24 - - - 18
Nova Zelândia
(vinícolas)
46 54 46 41 38 62 26
Auckland - - 41 66 80 20 8
Fonte: Hall et al (2004, p. 122).
A partir do quadro, é possível perceber que a maior parte dos visitantes é
originária das cidades da própria região visitada, enquanto um percentual muito baixo
representa o turista estrangeiro. Outro dado identificado diz respeito à renda superior, cujo
percentual indica que a maioria dos visitantes possui bom nível sócio-econômico.
15
Tradução da autora.
37
Na Itália, o MTV utiliza uma classificação com quatro tipos de enoturistas, a
partir da análise do estilo de vida da demanda (MTV, 2007):
O profissional: possui idade entre 30 e 45 anos, conhecedor de vinhos, sendo
capaz de discutir detalhes das bebidas com os produtores e julgar suas virtudes e falhas.
Está sempre interessado em novidades e despende tempo considerável para descobri-las.
O apaixonado Neophyte: entre 25 e 30 anos, aprecia o vinho e o considera
uma forma de criar amizades, gosta de culinária e de explorar áreas rurais. Costuma viajar
com amigos e aprender sobre os vinhos, mas com menor seriedade que o profissional.
O oportunista: possui idade entre 40 e 50 anos; afortunado, é atraído pelos
vinhos, pois conhecê-los é sinal de diferenciação (status), com ênfase para o conhecimento
sico, sendo impressionado pelas marcas famosas e as aparências.
O bebedor: com idade entre 50 e 60 anos, visita as vicolas em grupos nos
domingos, como se fossem uma alternativa de bar, bebendo os vinhos servidos na
degustação e solicitando mais, optando por compras a granel.
Segundo Corigliano:
L’enoturista è un portavoce della cultura del vino, capace di far crescere
il flusso verso le cantine tramite il mecanismo del passaparola; è
sensibile, in ordine decrescente, al paesaggio, alla buona gastronomia, al
clima, all’elemento umano e all’arte; in cantina, la tecnologia sembra
influenzare positivamente solo quel segmento di clientela che percepisce
in modo rilevante il vino come status symbol
16
(CORIGLIANO, 2000, p.
86).
Ainda na concepção de Corigliano, o crescente interesse dos turistas pelo
turismo de vinhos está relacionado com os mitos do tempo livre” (2000, p. 104), que
surgiram com as transformações na sociedade moderna, com destaque:
Mito da idade do ouro, que idealiza um retorno às origens e às tradições, e
propicia a discussão sobre a busca pela autenticidade.
16
O enoturista é um porta-voz da cultura do vinho, capaz de aumentar o fluxo nas vinícolas transmitindo de
um para outro; é sensível, em ordem decrescente, à paisagem, à boa gastronomia, ao clima, às pessoas e à arte;
nas vinícolas, a tecnologia parece influenciar positivamente apenas aqueles clientes que percebem de forma
relevante o vinho como símbolo de status. Tradução da autora.
38
Mito de Minerva, que proe o turismo como fonte de contínua descoberta e
enriquecimento cultural.
Mito do deserto, que instiga uma fuga da paisagem urbana caótica das
cidades industriais, através de viagens a locais afastados e isolados.
Mito de Édipo, que nasce da busca pela própria identidade, com senso de
pertença a um território e o contato físico com a terra-mãe e com o ambiente natural como
um todo.
Os mitos apresentados se fazem presentes não apenas na atividade enoturística,
mas em muitos outros segmentos do turismo, como é o caso do Mito de Minerva ou o Mito
do deserto.
Após esta breve análise referente à demanda enoturística, serão abordados no
tópico seguinte alguns pontos sobre o enoturismo enquanto oferta turística, e os diferentes
agentes que nele participam.
2.1.4 Aspectos organizacionais do enoturismo
A atividade enoturística na sua concepção atual possui as características de um
produto turístico. Utilizando uma definição mercadológica, Kotler (2003, p. 204)
afirma que
produto é “qualquer coisa que possa ser oferecida a um mercado para a devida atenção,
aquisição ou consumo: objetos físicos, serviços, pessoas, lugares, organizações ou idéias”.
Ao considerar o setor de serviços como um produto, também o turismo faz parte desta
definição.
Acerenza (1984), ao abordar a expressão produto turístico, considera um
conjunto de atrativos, facilidades e acesso, existentes em um determinado local. De forma
mais detalhada, Ansarah define produto turístico como sendo:
(...) uma mistura de elementos tangíveis e intangíveis, centralizados numa
atividade específica e numa determinada destinação. Compreende e
39
combina as atrações dessa destinação, mas as facilidades e as formas de
acesso, das quais o turista compra a combinação de atividades e serviços
para atender as suas necessidades e desejos (ANSARAH, 2001, p. 21).
De acordo com as considerações dos autores acima, o enoturismo desenvolvido
junto aos roteiros vitivinícolas possui características que o transformam em um produto
turístico. Segundo Corigliano (2000, p. 22), um percurso enogastronômico enquanto
produto turístico, è un prodotto particolare che travalica la dimensione aziendale
17
.
Sua transformação em um produto acompanha a evolução da sociedade e os
processos de globalização e padronização de consumo, conforme verificado em muitos
setores. Segundo Alfageme (2005, p. 195), “a globalização da economia está a chegar ao
mercado do vinho, com a mesma agressividade que nos têxteis, na electrónica ou no
calçado”.
A atividade turística ainda é utilizada como ferramenta de geração de emprego e
uma forma de propiciar benefícios econômicos. No caso do turismo em áreas rurais, o que é
comumente verificado com o enoturismo, a busca pela reestruturação e a sustentabilidade
econômica da produção agrícola interferem diretamente no modo de vida das localidades.
De acordo com Craik:
Governments are embracing tourism as the industry of the future and
hoping that the benefits will outweight the costs. The reality is that, as
tourism becomes part of more local, regional and national economic
strategies, the range and degree of impacts is increasing… Inevitably,
changes attributable to or coincinding with tourist development are
becoming more intense and increasing in scope. Over time, this
phenomenon transforms the amenity, culture and lifestyle os destinations
18
(CRAIK, apud HALL et al, 2004, p. 199).
Getz (1999), na abertura da Conferência Australiana de Enoturismo, abordou a
atividade sob três perspectivas: como estratégia de Marketing das destinações e das
atividades relacionadas ao vinho; como uma forma comportamental de consumo, exercida
pelos amantes do vinho ou interessados nas regiões produtoras, que se deslocam para locais
17
É um produto particular que transcende a dimensão do ambiente da fazenda vinícola.
18
Os governantes estão adotando o turismo como a indústria do futuro e esperando que os benefícios excedam
os custos. A realidade é que, quanto mais o turismo faz parte das estratégias econômicas locais, regionais e
nacionais, a variação e o grau dos impactos tamm aumenta. Inevitavelmente, mudanças atribuídas – ou que
coincidem com – o desenvolvimento do turismo estão crescendo e se tornando mais intensas. Além disso, este
fenômeno transforma as particularidades, a cultura e o estilo de vida das destinações. Tradução da autora.
40
previamente escolhidos; e por fim, como uma oportunidade dos vinicultores educarem os
consumidores e comercializar seus produtos. Sua abordagem apresenta duas perspectivas
em que o enoturismo acontece a partir da oferta e uma delas sob a ótica da demanda, do
consumo.
Para Hall et al (2004), o enoturismo está caracterizado como um sistema
centrado na experiência enoturística que influencia e sofre influência de aspectos subjetivos
(individuais) do visitante e da oferta enoturística como um todo. Assim sendo, a demanda é
diferente de um turista para outro de acordo com aspectos culturais, e é formada pela
percepção, uma união entre experiência passada, informação e preferências, que,
combinadas com motivações específicas, criam uma expectativa bem como uma imagem
quanto à destinação turística.
No que diz respeito à oferta enoturística, é composta por todos os recursos
utilizados pelos visitantes, além das empresas e instituições que transformam os recursos em
um produto enoturístico, seja emvel público ou privado, conforme figura a seguir:
41
Figura 2: Sistema do Enoturismo
19
.
Fonte: Hall et al (2004, p. 7).
19
Tradução da autora.
42
O ambiente que cerca o enoturismo inclui infra-estrutura, área física, paisagem,
cozinha regional, além de componentes cio-culturais da região, criando o terroir do
enoturista, ou seja, as características particulares do local. Os acordos institucionais
abrangem não apenas o vel governamental, mas tamm as questões de legislação,
regulamentações e planejamento (HALL et al, 2004).
Com relação à abordagem sistêmica de Hall et al (2004), a falta da presença do
ator “comunidade” reduz o enoturismo a uma atividade basicamente econômica, utilizando
por parte da oferta apenas a indústria vicola e o setor turístico. Os chamados stakeholders
(indiretamente ligados a uma atividade) são igualmente importantes no desenvolvimento de
roteiros vitivicolas, pois podem comprometer seu sucesso estando à margem de um
processo de transformação do espaço que teria por base ser benéfico para todos.
Um aspecto apontado por Corigliano (2000) como sendo a maior dificuldade no
que tange ao enoturismo é a gestão das relações entre os envolvidos, visto que estes não
participam dos mesmos objetivos e resultados. A complexidade de relacionamento não diz
respeito apenas à variável econômica, mas tamm às de natureza extra-econômica,
derivadas principalmente da relação dinâmica entre o setor público e o privado.
Viganò (apud CORIGLIANO, 2000) analisa o ambiente enogastronômico a
partir de quatro componentes, conforme figura a seguir:
Figura 3: O Ambiente Enogastronômico
20
.
Fonte: Viganò G. (apud CORIGLIANO, 2000, p. 169).
20
Tradução da autora.
ECONOMIA
CULTURA
TERRITÓRIO
SOCIEDADE
ENOGASTRONOMIA
43
De um modo geral, podemos considerar que Viganò aborda os diferentes
interesses existentes no enoturismo ao construir o ambiente enogastronômico com o
elemento econômico, cultural, territorial e a sociedade. Ainda assim, não está presente de
forma clara na figura acima a relação com o poder público que deveria ser parte de todas as
ligações entre os elementos e não permite ser acrescentada em apenas um deles.
Nos diferentes Países produtores de vinhos, o desenvolvimento do enoturismo
baseia-se na criação de rotas ou estradas oficiais de vinhos, além de associações
responsáveis por estratégias integradas. Segundo Hall et al (2004), uma rota de vinhos
consiste em um itinerário através de regiões vitivicolas tematicamente sinalizadas e
apresentadas em forma de mapa, identificando os diferentes vinhedos e cantinas e
fornecendo informações históricas e de interesses diversos. Ainda na sua concepção, a
reestruturação da economia rural e as alterações nas preferências dos consumidores têm sido
os principais fatores em prol do desenvolvimento do enoturismo nos Países do Velho
Mundo.
A definição de uma “Strade del vino”
21
apresentada por Corigliano (2000), é de
um sistema de oferta turística que possui, em um determinado percurso, vicolas abertas ao
público, vinhedos, museus, edifícios históricos, comunidade local, atrativos naturais e
esportivos, receptividade, artesanato, agências turísticas, restaurantes típicos. De forma mais
generalizada, são todos os recursos presentes ao longo da região vitivicola que
proporciona uma demanda pelo enoturismo, integrando o vinho com todos os outros
recursos existentes no local.
Na Europa, o Conselho das Estradas do Vinho está focado em cinco objetivos
principais (HALL et al, 2004):
inventariar as estradas de vinho e trilhas na Europa;
desenvolver a sinalização e as ilustrações das rotas vinícolas e demais
componentes junto aos Países e regiões;
estabelecer critérios e normas de exigência das estradas do vinho;
facilitar demais necessidades para o desenvolvimento das rotas e trilhas;
21
Rota de vinhos. Tradução da autora.
44
estratégias de Marketing para o enoturismo, através da produção de guias,
divulgação na internet, network.
A Assembléia das Regiões Vitícolas Européias (AREV) desenvolveu uma
metodologia para criação de rotas de vinhos, acreditando na coordenação e organização dos
diversos participantes envolvidos, dividida em cinco grupos (AREV, 2007):
viajante do vinho: responsável por identificar as necessidades e motivações
dos enoturistas, proporcionando informações genéricas aos demais participantes;
estradas do vinho: identifica exigências e normas mínimas para as rotas
vinícolas e para os participantes individualmente. Discute estudos de caso de rotas de
vinhos já existentes e produtos complementares;
suporte da estrada do vinho: documenta e discute exigências e normas que
envolvem o desenvolvimento rural, incluindo transporte, construção civil, trade, turismo e
meio ambiente. Auxilia também os participantes do enoturismo a desenvolver suas
atividades e negócios, através de gerenciamento e Marketing;
agentes da estrada do vinho: responsáveis por identificar os diversos atores
ou participantes da rota, mostrando suas funções, responsabilidades e fornecendo assistência
de treinamento conforme necessário. Os envolvidos na estrada do vinho são os vinicultores,
instituições públicas, empresas de agroturismo, restaurantes, hospedagem, agências e
operadores de viagens, distribuidores, associações (culturais, recreativas, de esportes, da
natureza e ambiental, gastronômicas e outras), escolas e demais estabelecimentos de ensino,
além de outros serviços complementares;
Marketing: disponibiliza assistência e estratégias de Marketing para o
enoturismo, além de envolver-se com canais de distribuição e ferramentas de comunicação.
Segundo o MTV (2007), o enoturismo é um importante instrumento para
diversificar a economia regional e agregar valor às paisagens e à cultura, melhorando a
reputação e a imagem do vinho, associado ao Marketing nas regiões vicolas. Além disso,
oportuniza o incremento nas vendas a partir da comercialização direta dos produtos.
O enoturismo faz parte do turismo cultural, em função da exigência de
conservação e valorização de um território agrícola e particularmente vitivinícola, propondo
novas formas de viagens associadas às visitas em vinhedos e degustações de vinhos e
45
gastronomia típica, compartilhando um pouco da realidade da comunidade ao apropriar-se
de suas tradições e de seu patrimônio histórico-cultural (CORIGLIANO, 2000).
Com relação aos benefícios econômicos resultantes da atividade enoturística,
Corigliano (2000) subdivide em dois grandes grupos: a economia de escala, que
compreende a cadeia de valor inerente ao produto enoturístico, subdivida em produção
vinícola, hospedagem, alimentação e de estrutura complementar; e a economia de sistema,
que deriva da inter-relação e da sinergia entre os diversos componentes do sistema de
valores.
É possível verificar que as pesquisas voltadas para o enoturismo enfatizam
basicamente suas vantagens econômicas, como é comum observar nas discussões
concernentes à atividade turística como um todo. No entanto, pouco vem sendo estudado e
discutido com relação aos impactos causados pelo turismo de vinhos, que residem
principalmente nas alterações da paisagem rural comprometendo o produto turístico
criado junto às vicolas na degradação ambiental com a invasão dos turistas no ambiente
natural, no incremento do uso do solo para plantio de parreirais e na especulação imobiliária
das áreas dos residentes, muitas vezes pressionando seu afastamento (HALL et al, 2004).
Na tentativa de minimizar os impactos e garantir o desenvolvimento das rotas
enoturísticas, Corigliano (2000) identifica a importância da existência de uma sintonia entre
o setor público e o privado, que deve resultar no respeito a três fatores em especial: ao
produto vitivinícola, mantendo sua qualidade e conseqüentemente a imagem local; ao
ambiente de produção, a partir da transmissão das tradições e do conhecimento quanto à
produção de vinhos; e por fim, ao território, possuindo conotação histórica, cultural e
paisagística particulares (o pico), sendo uma alternativa para o modelo de vida urbano, de
consumo massificado e padronizado.
A seguir, uma breve abordagem sobre a atividade enoturística em alguns Países
que desenvolvem o enoturismo.
46
2.1.5 O enoturismo no mundo
Embora o enoturismo apresente um crescimento em termos de oferta e procura,
poucos Países estão desenvolvendo com seriedade a indústria de vinhos associada ao setor
turístico. Algumas iniciativas serão brevemente apresentadas a seguir, segmentadas por
Países.
a) França
A França possui grande tradição vitivicola e, durante um longo tempo,
experimentar a gastronomia francesa e seus vinhos tornou-se um atrativo para os turistas.
Apesar de ter vocação para o enoturismo, algumas pesquisas identificaram uma pequena
participação por parte dos vinicultores no setor turístico. Somente a partir da década de
1980 que os vinicultores passaram a receber visitantes nas cantinas e vinhedos,
comercializando seus produtos diretamente. Nos anos seguintes, o número de espaços
cultivados e disponibilizados para receber turistas teve um incremento, devido aos
investimentos privados e públicos, possibilitando a criação de rotas e infra-estrutura
adequada (HALL et al, 2004).
As principais regiões vitivinicolas francesas que possuem roteiros vinícolas são:
a Alsace (que foi uma exceção ao criar em 1953 sua rota de vinhos, como resposta à
devastação ocasionada com as duas guerras mundiais, para revitalizar economicamente a
região), Borgogna, Loire, Bergerac, Anjou et Saumur, Champagne, Franche-Comté e
Languedoc-Roussilon (CORIGLIANO, 2000).
Muitas vinícolas de pequeno e grande porte de diferentes regiões francesas estão
adequando sua estrutura para receber turistas (visitações guiadas em diferentes línguas,
centro de compras e visitações, cobrança da taxa de entrada, salas de degustação),
associando sua imagem e patrimônio cultural (heritage) e a outras atrações tais como
esporte, mostras de pintura, museus do vinho e eventos artísticos variados. Am disso, ao
considerar que rotas com um produto específico como o vinho podem atrair um público
restrito, muitos roteiros o combinados com outras atrações turísticas. É interessante
47
ressaltar que algumas pesquisas indicam a importância e os benefícios que a imagem
associada ao vinho e à gastronomia exercem nas regiões francesas, no entanto, o enoturismo
o é indicado como uma das principais atividades realizadas pelos visitantes (HALL et al,
2004).
b) Itália
Até a criação do MTV, em 1993, a maior parte dos produtores de vinhos
italianos não utilizava o turismo como componente da indústria vicola, bem como não
eram considerados atrativos turísticos pelo poder público. A associação sem fins lucrativos
foi fundada a partir de um estudo de Corigliano, que identificou a importância do vinho nas
escolhas relacionadas ao lazer, cujos objetivos envolvem um consumo de vinho de forma
responsável e o incremento da comercialização das vicolas e do fluxo turístico (MTV,
2007).
O MTV possui 600 membros (392 são produtores de vinhos) e visa a aumentar o
número de visitantes nas regiões produtoras através do slogan see what you drink
22
”.
Segundo apresentado pela associação, o principal obstáculo enfrentado para o
desenvolvimento do enoturismo na Itália é o de convencer os cantineiros a ficar
permanentemente abertos para visitações do público. Dentre as atividades pertinentes ao
MTV, estão relacionadas (MTV, 2007):
organização do evento Cantina Aberta, considerado o maior festival de
vinhos do mundo, onde as vicolas italianas abrem suas portas para visitação de um grande
número de pessoas
23
;
produção das redes de Marketing;
desenvolvimento das estradas de vinhos, além de medidas de proteção
ambiental e envolvimento com atividades históricas, artísticas e arqueológicas;
pesquisas;
22
Veja o que você bebe. Tradução da autora.
23
Em 1993 o evento teve a participação de 100 produtores. Em 1995, o número subiu para 595 cantinas e um
público aproximado de 400.000 turistas. No ano de 1996, 700 vinícolas participaram. Em 2006,
aproximadamente 1000 produtores abriram suas portas para receber mais de um milhão de visitantes (MTV,
2007).
48
desenvolvimento das exigências para operações de venda nas cantinas.
Na concepção de Corigliano (2000), a Itália possui um patrimônio
enogastronômico sem igual em qualquer outra parte do mundo, que possibilita o
fortalecimento da imagem associada ao vinho e à gastronomia, configurando em uma das
principais motivações no setor turístico do País e responsável pelo incremento da atividade
como um todo, além da melhoria na qualidade agrícola.
Ainda com base nos estudos de Corigliano (2000), ao analisar as Strade del
Vino” italianas, esta autora identificou que as vinícolas são o ponto fundamental na
atividade enoturística, revelando no quadro apresentado na página seguinte, os pontos fortes
e fracos perante os roteiros vinícolas de outros Países.
49
Quadro 2: Síntese dos Fatores Críticos das Fazendas Vitivinícolas Voltadas ao Enoturismo.
24
Pontos fortes Pontos negativos
Aspectos vitícolas
- Grande adoração e boa profissionalização dos viticultores - Fazendas vinícolas com dimensões maiores
- Terroir muito variado, possibilitando produção de vinhos - Dificuldade em obter todos os anos produtos com
com diferentes características excelência
- Vinhedo e vinícolas com características arquitetônicas - Idade média elevada dos viticultores e dos vinhedos
- Possibilita visitas aos locais de produção e assistir - Falta de diversificação de uvas
processo de vinificação
Aspectos enológicos
- Plantação vinícola tradicional, vinhos com DOC e - Falta de uvas com nível de qualidade de acordo com
DOCG
25
, de qualidade reconhecida em todo mundo determinado mercado
- Bom nível de preparação dos técnicos - Custos elevados de estocagem do vinho
- Bom nível da tecnologia utilizada - Matéria prima nem sempre de boa qualidade
Aspectos comunicacionais e Marketing enoturístico
- Forte valor territorial das vinícolas - Marginalidade do setor enoturístico no imaginário
it
aliano
- Instituições locais bem preparadas para o enoturismo - Campanha comunicacional pouco eficiente
- Qualidade do vinho geralmente elevada e não é facilmente - Desequilíbrio das informações das cantinas com as
trocado por produtos concorrentes vinícolas de menor importância
- Organizações administrativas sérias de credibilidade - Distribuição do vinho produzido em um sistema de
grande concorrência e clientela pouco diversificada
- Oferta ainda ligada nas tradições
- Imagem no exterior do País, das regiões e das áreas
Aspectos turísticos
- Proximidade a centros importantes e áreas de trânsito - Presença de poucas cantinas com vocação turística
- Território e fazendas com grande vocação turística - Falta de receptividade turística
- Presença de receptividade turística (rural ou não) - Necessidade de intermediários
- Presença de enólogos e guias enoturísticos - Falta de guias enoturísticos
- Presença de operadoras e agências especializadas - Escasso nível de desenvolvimento e organização,
frente à concorrência estrangeira
- Pouca incidência de sazonalidade - Média baixa de estada
Fonte: Corigliano (2000, p. 128).
O MTV recebe o apoio e trabalha em conjunto com a Associação Nacional das
Cidades do Vinho, nascida em Siena, em 1987, entidade voltada para os assuntos
legislativos do enoturismo, que opera em colaboração ao poder público, produtores e
demais atores enoturísticos, em prol da qualidade do vinho e dos recursos ambiental,
24
Tradução da autora.
25
Denominações de origem para os vinhos produzidos em determinado local, com características particulares.
50
paisagístico, artístico e histórico das regiões vitivinicolas. Outras associações em nível
regional foram criadas para desenvolver o enoturismo na Itália, em conjunto com as
determinações emvel nacional (CORIGLIANO, 2000).
c) Portugal
Portugal, o País responsável por introduzir a vinha no Brasil, possui grande
destaque na produção de vinhos mundial, cultivando hectares de parreirais em 39 regiões do
País, perpetuando uma tradição de séculos. Dentre as principais regiões que possuem
Denominação de Origem Controlada, garantindo a qualidade de seus vinhos, destacam-se
mundialmente: Vinho Verde, Porto e Douro, Dão, Birrada, Bucelas, Colares, Carcavelos,
Setúbal, Lagos, Portimão, Tavira e Madeira (CLARKE, 2002).
O enoturismo está sendo desenvolvido no País pelo Instituto de Turismo de
Portugal, através de financiamentos a fundo perdido ou com juros acessíveis, como forma
de oportunizar uma restauração em vel econômico para a população rural (INSTITUTO
DE TURISMO DE PORTUGAL, 2007).
d) Austrália
Com uma tradição voltada para as cantinas familiares e pequenas propriedades, a
Austrália tem se destacado mundialmente nas pesquisas relacionadas ao enoturismo e,
através de ações governamentais, construiu uma estrutura organizacional que visa a facilitar
o desenvolvimento do turismo de vinhos. Um dado que contrasta com Países do Velho
Mundo e reafirma a organização do enoturismo na Austrália, está relacionado com o
número de vinícolas abertas ao público: em torno de 79% comparado com 3% na França e
3% na Itália (HALL et al, 2004).
Muitos estados estão criando associações para desenvolver o enoturismo através
de iniciativas regionais, focados em quatro grandes áreas: Marketing e promoção,
desenvolvimento do produto e treinamento, pesquisa, comunicação e integração industrial.
Com relação a estas associações, Hall et al (2004) afirmam que elas formam uma
importante base para o crescimento do turismo de vinhos na Austrália, facilitando
51
relacionamentos e a integração entre os diferentes envolvidos no processo, sejam do setor
vinícola, turístico ou governamental.
Em termos de organização em vel nacional foi fundada em 1997 a Federação
dos Vinicultores da Austrália (WFA), subordinada ao Programa Nacional de
Desenvolvimento do Turismo, cujos objetivos estão direcionados para a criação de
estratégias para o enoturismo, incluindo: melhorar a compreensão sobre o turismo na
indústria vicola; estabelecer normas para o turismo de vinhos, aumentando o vel dos
profissionais e empregados; promover ligações entre vinho, gastronomia e estilo de vida
australiano. Algumas estratégias do programa são apresentadas na próxima página.
52
Quadro 3: Foco e Atividades das Estratégias Nacionais de Enoturismo
26
.
Foco Estratégias sugeridas e atividades
Marketing e
promoção
facilitar o desenvolvimento de estratégias complementares de Marketing entre a Comissão
Australiana de Turismo e (ATC) o Conselho de Exportação do Vinho Australiano (AWEC);
garantir o uso da imagem do enoturismo na promoção turística internacional;
assegurar que o enoturismo é um dos elementos da Iniciativa de Turismo Nacional;
facilitar o desenvolvimento e a promoção de roteiros de vinhos e gastronômicos, criando ligações
entre estes e símbolos e signos comuns.
Desenvolvimento
do produto e
treinamento
compilar uma base de dados nacional dos cursos relacionados ao enoturismo;
identificar oportunidades para o enoturismo;
encorajar das autoridades estatais do turismo a desenvolver estratégias para desenvolver o vinho
e a gastronomia junto ao turismo;
criar um Manual de Treinamento do Enoturismo de Sucesso, que identifica os recursos,
habilidades e operações necessários para estabelecer e gerenciar o turismo de vinhos com
sucesso.
Pesquisa
identificar e eliminar barreiras para o desenvolvimento do enoturismo, incluindo a elaboração de
um inventário de estudos de caso onde estes impedimentos foram vencidos;
desenvolver e disseminar um guia prático para monitorar as expectativas e a satisfação dos
visitantes;
criar questionários e entrevistas para os enoturistas internacionais.
Integração e
comunicação
procurar criar novos mercados e oportunidades através de encontros e convenções de indústrias
de diferentes estados;
auxiliar o estabelecimento de network entre vinho regional, gastronomia e o turismo;
implementar uma campanha sobre o enoturismo nos setores vinícola e turístico, para promover e
melhorar o entendimento mútuo.
Lobby
propor a eliminação de taxas nos vinhos utilizados com objetivo turístico (como é o caso das
degustações);
unir o Conselho Nacional de Enoturismo ao Conselho de Turismo Australiano;
trabalhar junto com o governo, em todos os níveis, para desenvolver políticas e programas para o
enoturismo.
Fonte: Hall et al (2004, p. 246-247).
Com relação às estratégias do programa, Hall et al (2004) consideram que são
muito focadas para a demanda e os fornecedores, com pouca abrangência nas questões de
planejamento e desenvolvimento, como é o caso da urbanização (como por exemplo, no
Napa Valley) ou dos riscos de pestes nas uvas devido ao contato com os turistas (como a
filoxera).
26
Tradução da autora.
53
e) Nova Zelândia
A indústria vicola na Nova Zelândia começou a se desenvolver a partir da
década de 1970, com as transformações das atitudes com relação aos vinhos e através dos
acordos institucionais criados. Com relação ao enoturismo, Hall et al (2004) não identificam
a existência de uma associação regional ou nacional para integrar o vinho à atividade
turística. Este trabalho está sendo realizado pela Junta de Turismo da Nova Zelândia
(NZTB), pois considera o enoturismo como sendo um dos pilares para incrementar o
turismo no País.
O número de visitantes nas cantinas da Nova Zelândia é impreciso, devido aos
métodos utilizados que não são padronizados ou consistentemente aplicados em todas as
vinícolas. Mas Johnson (1998) estima que aproximadamente três milhões de turistas visitam
as vicolas por ano, sendo que 19% são internacionais e os demais são nacionais.
f) África do Sul
A África do Sul é um dos principais concorrentes da Austrália e da Nova
Zelândia na exportação de vinhos para a Europa. As as dificuldades enfrentadas em
função das políticas de apartheid, as vicolas Sul-africanas iniciaram um processo de
modernização de seus equipamentos para ganhar mercados internacionais (HALL et al,
2004).
A primeira rota de vinhos foi criada em 1971, em Stellenbosch, e nas décadas
seguintes o enoturismo foi ganhando espaço no País. A combinação de ambiente natural,
cultural e social, possibilita a existência de características distintas e perceptíveis em cada
rota (HALL et al, 2004).
g) Estados Unidos
Diferentes regiões norte-americanas estão cultivando uvas e produzindo vinhos,
criando uma indústria vicola crescente em termos econômicos, após sofrer as dificuldades
da chamada Lei Seca”
27
. Um dos estados com maior destaque no setor é a Califórnia, que
27
A Lei Seca proibia a produção e o consumo de bebidas alcoólicas nos Estados Unidos e vigorou de 1929 a
1933, obrigando a maioria das vinícolas a fechar ou cultivar uvas de mesa (PACHECO; SILVA, 2003).
54
aumentou consideravelmente a área plantada e figura entre as principais rotas enoturísticas
mundiais, recebendo aproximadamente oito milhões de visitantes por ano (HALL et al,
2004).
O estado de Indiana, cuja produção de vinhos é consideravelmente menor que a
da Califórnia, criou o Conselho Vitivicola de Indiana, com o objetivo de desenvolver a
economia do estado através do incremento da indústria vicola junto com ações de
Marketing. Sob o título Seven Tips for Touring Indiana Wineries
28
”, o Conselho criou uma
espécie de código de conduta que visa a educar os consumidores e visitantes:
Ligue: para verificar endereços, horários de funcionamento, áreas
de residência e programação de passeios.
Aprenda: as vinícolas são o melhor local para aprender sobre a
produção de vinhos e degustação.
Pergunte: se um membro de seu grupo é fisicamente limitado,
entre em contato antecipadamente para verificar a acessibilidade das
cantinas, pois muitas delas possuem acessos adequados.
Jogue fora: não se sinta na obrigação de concluir uma degustação.
A maioria das cantinas possuem recipientes para colocar fora o vinho; se
o estiverem visíveis, solicite ao atendente.
Cuspa: se você pretende visitar muitas vinícolas em um único dia,
vonão deve engolir os vinhos que es degustando. É assim que os
profissionais do vinho mantêm seu senso crítico para degustar muitos
vinhos!
Alimente-se: saboreie um sanduíche ou queijos nas cantinas que
servem comidas. O alimento dificulta a absorção do álcool, reduzindo seus
efeitos.
Crianças: são permitidas em todas as vinícolas. Entretanto, sua
diversão é limitada, então leve um livro para entretê-las enquanto você
degusta um vinho. E lembre-se de estar atento com elas entre os
equipamentos e artigos de vidro (HALL et al, 2004, p. 57).
Outros estados americanos estão desenvolvendo sua indústria vicola em
conjunto com o turismo, criando associações que auxiliam na promoção e Marketing dos
destinos, como é o caso de Nova Iorque e sua rota em conjunto com regiões canadenses. A
Fundação Vitivicola de Nova Iorque estima que mais de um milhão de turistas visitam as
vinícolas a cada ano (HALL et al, 2004).
28
Sete passos para um tour nas vinícolas indianas. Tradução da autora.
55
h) Argentina
Após enfrentar um período de declínio na produção de vinhos, muitas vinícolas
argentinas sofreram significativas transformações na intenção de adequar seus produtos ao
gosto mundial. Das mais de 1800 vicolas existentes, menos de 100 produziam vinhos de
qualidade reconhecida internacionalmente, o que fazia com que grande parte delas
comercializasse sua produção apenas em vel nacional. Com a reestruturação, tornou-se
um dos maiores produtores vitivinícolas do mundo (JOHNSON, 1999).
Segundo o Guia de Viñas, Bodegas y Viños de America del Sur (2004), a
associação entre a indústria vinícola e o turismo não está bem fomentada na Argentina, pois
algumas vinícolas oferecem degustação e visitação, mas não possuem opções de
hospedagem e alimentação, ou seja, não criaram rotas estruturadas com o objetivo turístico.
Em termos de planejamento e legislação, o poder público ainda não reconheceu o potencial
da atividade.
i) Chile
Na concepção de Pacheco e Silva (2003), o Chile é um dos principais produtores
de vinhos da América do Sul, obtendo nos últimos anos destaque internacional na qualidade
de sua bebida, após passar por um processo de transformação de vinhos pesados,
direcionados para o consumidor nacional, para vinhos com aceitação do paladar
internacional.
De acordo com o Guia de Vinhos do Chile (2001), o País possui em torno de 80
vinícolas, mas apenas 1/3 das mesmas oferecem um trabalho junto às visitações,
disponibilizando guias bilíngües e salas de degustação. O Guia catalogou seis regiões
vitivicolas: Viñas del Valle de Casablanca, Valle del Maipo, Viñas de Rapel, Valle de
Colchagua, Valle del Curicó,Valle del Maule.
j) Brasil
A qualidade dos vinhos brasileiros tem melhorado gradativamente nos últimos
anos, frente a um paladar mundial. Segundo Pacheco (1995), isso é resultado da busca pelo
56
conhecimento por parte dos enólogos responsáveis, os investimentos em tecnologia
européia e americana, além da criação de entidades ligadas ao consumidor de vinhos.
Mesmo considerando a crescente participação da produção de vinhos nacionais
para o consumo externo, o Brasil é o décimo sétimo produtor mundial de vinhos e o
consumo per capita é inferior a 2 litros/ano. Formando um paralelo, Países europeus como
França e Itália, possuem um consumo entre 50 e 60 litros per capita por ano. A exceção
brasileira quanto às estatísticas de aquisição de vinhos está localizada na Serra Gaúcha, cujo
consumo per capita é de 30 litros/ano (UVIBRA, 2007).
Segundo Pacheco e Silva (2001), a expectativa é de que o Brasil consolide sua
posição entre os vinte maiores produtores de vinho mundiais, captando um número cada vez
maior de turistas nacionais e estrangeiros.
Este incremento na produção nacional vem possibilitando a atividade
enoturística. De acordo com Splendor (2003), o enoturismo no Brasil deve destacar a
qualidade e a imagem do vinho nacional, ativar a vida turística da região vitivinícola,
destacar os benefícios da bebida, além de estimular seu consumo. Na sua vio, os aspectos
que atraem o enoturista são os atrativos culturais, os eventos relacionados ao vinho e as
construções.
A atividade vitivicola no País possui destaque no Vale do São Francisco
(particularmente em Petrolina), algumas cidades do Sudeste (como São Roque, no estado de
São Paulo) e na região Sul, ênfase para a cidade de Urussanga, em Santa Catarina, e a
Campanha e a Serra Gaúcha no Rio Grande do Sul. Apesar desta expansão, o destino
consolidado dos enoturistas no Ps é a Serra Gaúcha. Segundo o GUIA de Viñas, Bodegas
y Viños de America del Sur (2004, p. 254), este destino oferece “[...] óptimos y lindos
caminos, naturaleza, clima, gente, historia, vinos y grapas hechas por vênetos.
29
Ainda segundo este guia, a oferta enoturística na Serra Gaúcha supera os demais
Países latinos, sendo que suas vinícolas estão entre as mais bem equipadas
tecnologicamente.
Apesar destes aspectos positivos, a região ainda não está adequadamente
preparada para atender os turistas, desde a infra-estrutura até a inexistência da preocupação
29
Ótimos e lindos caminhos, natureza, clima, pessoas, história, vinhos e grapas feitas por vênetos. Tradução
da autora.
57
com os visitantes, que não podem ser considerados como um mero consumidor de vinhos.
Segundo Pacheco e Silva (2001, p. 333):
Ainda é deficiente a assessoria prestada a esses turistas e são poucos os
profissionais capacitados a orientá-los. Assim, as visitas às vinícolas
acabam sendo precárias e marcadas sobretudo pelo interesse comercial,
sem que haja uma maior preocupação dos guias e das empresas em prestar
informações e aumentar o conhecimento do turista sobre o vinho.
Diferentes rotas enoturísticas estão sendo desenvolvidas pelo País, reunindo
esforços da iniciativa privada, comunidade local e poder público. Este último merece
especial atenção ao considerar que o enoturismo apropria-se da natureza, da cultura e de
outras particularidades de determinada localidade, fazendo uso do bem coletivo,
diretamente ligado à existência do Estado, abordado na seção seguinte.
2.2 A AÇÃO DO ESTADO E O TURISMO
Desde o aparecimento do ser humano, na sua vivência primitiva, existem
significativas formas de força e poder que acompanham os mais diferentes veis de
evolução sócio-cultural e econômica. A voz do mais forte (com sua legitimada sabedoria)
determinava quais caminhos deveriam ser percorridos por um grupo, o conjunto de
indivíduos que geralmente acatava as decisões originadas verticalmente.
A formação do Estado é encarada por alguns cientistas políticos como mais uma
conseqüência destas relações, como forma de garantir o equilíbrio em uma sociedade de
classes antagônicas (BOBBIO, 1987). O termo Estado tem seu uso mais freqüente a partir
de Maquiavel (2001) para designar o máximo de organização de um grupo de indivíduos
presentes em um determinado território sob um poder de comando destinado, afastando a
idéia do termo utilizado significando única e exclusivamente uma situação, ou seja, um
58
estado ou ainda o estado de natureza onde a razão governa para si e sem prejudicar os
outros – a que se referem alguns autores clássicos como Locke (1978).
Na concepção de Hobbes (1993), o Estado é uma instituição acima dos interesses
individuais e foi criada com o objetivo principal de evitar o grande medo dos cidadãos: o de
uma morte violenta. Max Weber (2004), apesar de não citar a obra de Hobbes em seus
estudos, vai ao encontro de sua concepção de Estado, mas sem partilhar do objetivo, pois
afirma que o Estado é o monopólio do poder de coação, ou seja, pode e deve utilizar
instrumentos de força em diferentes situações para manter sua hegemonia. Assim, poderia
desassociar-se do poder econômico e do poder ideológico, mas se renunciar ao poder
coativo deixaria de ser a instituição Estado.
Ao analisar o surgimento do Estado, Engels (1991) baseia-se na criação da
família e da propriedade privada. Sua relação reside no fato de que inicialmente a instituição
existente era a família, cujo poder era matriarcal, passando em seguida a ser patriarcal.
Naquele momento, a riqueza e os bens eram herdados a partir de graus de parentesco. Aos
poucos, com a criação do dinheiro, a riqueza tornou-se mais valorizada e apareceram novas
formas de aquisição e acumulação da mesma, fazendo com que fosse necessária a existência
de uma nova instituição capaz de proteger e assegurar as recentes modalidades de riqueza
individual, sobrepondo a tradição da herança familiar.
(...) uma instituição que, numa palavra, não perpetuasse a nascente
divisão da sociedade em classes, mas também o direito de a classe
possuidora explorar a não possuidora e o domínio da primeira sobre a
segunda. E essa instituição nasceu. Inventou-se o Estado (ENGELS, 1991,
p. 153).
Engels (1991) sugere que a função do Estado é basicamente a de manter o
domínio de uma classe sobre a outra, reformulando os laços gentílicos das famílias e tribos
e dividindo seus membros em privilegiados e não privilegiados.
Segundo Galbraith (1998), autor que defende que a sociedade justa é possível
com a ação estatal, os fatores responsáveis pela regulamentação pública e uma política
intervencionista convergem na necessidade de proteção do planeta e de proteger os
vulneráveis, e na propensão da economia em produzir e vender produtos ou serviços com
defeitos que possam vir a prejudicar os consumidores. O autor defende ainda que “a
59
economia moderna é incapaz, sem a intervenção governamental, de assegurar um
desempenho econômico geral satisfatório e estável” (GALBRAITH, 1996, p. 21).
Independente das posições teóricas que analisam a formação e as tendências do
Estado, atualmente sua existência é uma realidade e possui um papel cio-econômico que
deve ser abordado nas suas diferentes concepções. Suas obrigações são requeridas pela
sociedade e pela iniciativa privada. Esta última buscando maior liberalização para seu
funcionamento de acordo com interesses particulares. Na ótica de Schumpeter (1961), a
iniciativa individual é responsável pelo crescimento de uma nação. Isto justificaria a
liberdade de ação propiciada a empresários e comerciantes. Segundo Sorman:
Deixando funcionar a iniciativa privada e a democracia pública onde
trabalhamos nas empresas , onde vivemos nos municípios –, onde
nossos filhos são formados nas associações de pais e em mil outras
comunidades, podemos aplicar imediatamente a solução liberal
(SORMAN, 1986, p. 200).
Contrário às idéias de Schumpeter, Keynes (1992) defende que são as massas
que se tornam responsáveis pelo crescimento dos Países e o Estado deve intervir para
corrigir os desequilíbrios da sociedade. Neste sentido entram as questões de emprego,
segurança, meio ambiente, urbanização, justiça e muitas outras. Para buscar soluções para
os diferentes desequilíbrios, os governantes lidam com os interesses divergentes da
população como um todo: empresários, comerciantes, assalariados, cidadãos em geral.
Neste contexto, a base para que o Estado exerça suas funções concentra-se na
geração de receita para os cofres públicos e isto está diretamente ligado aos diversos setores
econômicos. Um destes setores, com indicadores crescentes devido às mudanças cio-
estruturais, é o de serviços. Mais ainda: na atual sociedade de consumo, o lazer é encarado
como um produto, sendo comercializado e chamado de turismo.
Ao considerar que o turismo faz parte do setor de serviços de destacada
importância para a sociedade e o Estado possui a responsabilidade de maximizar os
benefícios em prol da coletividade, pode-se inferir que existe uma inter-relação entre estes
dois atores sócio-econômicos e políticos.
A seguir, uma análise a respeito da relação entre o Estado e a atividade turística,
e suas diferentes variáveis.
60
2.2.1 Estado e turismo: uma relação complementar
O Estado é uma formação secular diretamente relacionada à coletividade, melhor
dizendo, ao equilíbrio dos conflitos ente os diversos grupos sociais. As funções atribdas
ao mesmo são de difícil compreensão na atualidade, devido à complexa estrutura
organizacional existente na sociedade. Novas organizações estão exercendo papéis que até
então eram considerados do Estado. É falha a atuação do poder público nestes papéis ou é
interesse do mercado optar pela marginalização do Estado?
A questão é de difícil (ou até impossível) solução, cujas hipóteses oscilam
conforme interesses particulares. No que concerne ao turismo, a possibilidade deste ser um
setor econômico promissor, o que vem sendo analisado estatisticamente desde a segunda
metade do século XX, faz com que o poder público o utilize como ferramenta capaz de
solucionar os problemas sócio-econômicos de uma localidade ou Ps.
Este discurso era utilizado como uma nova forma de demagogia, por organismos
internacionais como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE), a Organização das Nações Unidades (ONU), o Banco Mundial nos anos 1960, e
tamm pelos governantes de Países em desenvolvimento. Assim sendo, enfatizava apenas
o lado econômico do turismo, deixando à margem as análises espaciais, sociais, culturais e
tantas outras ciências que contemplam o turismo. Com interesse em aprofundar a análise
quanto ao setor, o Banco Mundial, juntamente com a ONU, organizou um semirio em
1976 objetivando analisar os impactos da atividade turística em diferentes locais,
enaltecendo seu caráter anti-subdesenvolvimento. Deparou-se com situações críticas de
estrutura devido ao boom de construções, a erradicação da agricultura nos locais que
aderiram ao turismo, dependência política, social e econômica do exterior, ruptura do tecido
social dos destinos, especulação do solo e conseqüente expulsão da população autóctone,
inflação, dentre outros graves efeitos relacionados à atividade turística sem compreensão de
sua amplitude (DE KADT, 1979).
Os resultados encontrados na atividade turística em determinada localidade são
diretamente influenciados pela política adotada. Segundo Wilkinson (1997, p. 13), “where
61
tourism succeeds or fails is largely a function of political and administrative action and is
not a function of economic or business expertise”.
30
Embora essas análises e esses alertas venham sendo realizados algumas
décadas, muitos governantes encaram a atividade turística de forma amadora e simplista,
considerando-a ainda uma salvação, exigindo do Estado apenas o papel de divulgador. Os
números do turismo fortalecem seu aspecto econômico: segundo a OMT, aproximadamente
700 milhões de turistas viajaram pelo mundo no ano de 2000, atingindo uma receita
superior a 477 bilhões de lares um acréscimo de mais de 400% com relação aos anos
1980. No ano de 2006 foram registrados mais de 840 milhões de desembarques, atingindo
receita de 735 bilhões de dólares (OMT, 2007).
Para Cruz (2000, p. 8), as estatísticas do turismo não contemplam realmente seu
significado, que reside “na sua incontestável capacidade de organizar sociedades inteiras e
de condicionar o (re)ordenamento de territórios para sua realização. Assim, vagar
exclusivamente pelos dados econômicos da atividade turística denota reduzir sua
importância no contexto social atual, produzindo significados diversos do que a atividade de
fato representa na sociedade.
Segundo Lickorish e Jenkins (2000), a participação do Estado no turismo se fez
mais presente após a Grande Depressão de 1930, quando o setor de serviços tornou-se mais
vivel. No período de reconstrução do pós-guerra, com a concretização do turismo de
massa e sua notável participação econômica, aumentando os ganhos do câmbio no exterior e
a receita de taxas e impostos, os governantes perceberam nessa atividade uma importante
peça para recuperar-se economicamente. Naquele momento, impactos sócio-culturais e
ambientais eram totalmente desconsiderados.
A partir da década de 1960, os governantes de Países em desenvolvimento
contrram empréstimos junto ao Banco Mundial e ao FMI, na tentativa de acompanhar o
movimento de industrialização verificado em muitos Países do Primeiro Mundo,
acreditando que obteriam sucesso econômico. Devido à má administração pública e
aplicação dos financiamentos no déficit gerado, a inadimplência destes Países fez com que
os credores ‘incentivassem’ a adesão à economia neo-liberal, disponibilizando empresas
estatais ao capital estrangeiro através das privatizações. Após a década de 1980, com as
30
Onde o turismo obtém êxito ou vem a falhar, é geralmente pelo funcionamento de ação política ou
administrativa, e não em função de habilidade econômica ou comercial. Tradução da autora.
62
pressões da iniciativa privada no Primeiro Mundo e de instituições financeiras
internacionais sobre os governos dos Pses em desenvolvimento, o Estado reduziu sua
intervenção nos setores econômicos o que incluiu o turismo deixando-os à mercê das
forças de mercado (CASTELLS, 2000).
Desta forma, o Estado passou a exercer uma função contrária àquela defendida
pelo keynesianismo cuja base incide no bem estar da coletividade para colaborar com
os interesses privados. A respeito desta nova concepção de funcionamento econômico
globalizado, Hall (2001, p. 66-67) aponta que o livre mercado não é um mecanismo
apropriado em si para proteger os interesses de todas as partes e interessados no processo de
desenvolvimento turístico”.
Assim, com menor participação do Estado, as minorias dominantes possuem
maiores condições de exercer o capitalismo na sua essência o acúmulo de riquezas e a
função do Estado parece ser ainda aquela sugerida por Engels (1991): manter o equilíbrio
entre dominantes e dominados, assegurando a hegemonia dos proprietários da riqueza.
As abordagens em torno do papel do Estado na atividade turística são das mais
diversas, mas uma característica se faz mais presente na concepção dos estudiosos: o
fornecimento de infra-estrutura para o desenvolvimento do turismo (BENI, 2004;
LICKORISH, JENKINS, 2000; HALL, 2001; WILKINSON, 1997).
Beni (2004) acrescenta às funções do Estado uma preocupação com as classes
menos favorecidas, afirmando que é também de sua responsabilidade o investimento social
na implantação de programas de turismo socializado, com o objetivo de proporcionar o
acesso ao turismo para as classes menos favorecidas economicamente.
Esta visão social em torno da coletividade é também admitida por McIntosh et
al, considerando que o desenvolvimento do turismo deve:
(...) ser guiado por uma política cuidadosamente planejada, constrda não
apenas sobre balancetes e demonstrações de lucros e perdas, mas a partir
dos ideais e princípios de bem-estar e de felicidade humanos
(MCINTOSH et al, 2002, p. 338).
Apesar da compreensão acadêmica com relação à importância do Estado no
desenvolvimento da atividade turística, não raro o poder público se coloca à margem deste
63
processo. Segundo Dias (2003), a redefinição do papel do Estado possibilitou um processo
de descentralização que favoreceu o crescimento da ação pública municipal, fortalecendo a
atividade turística em nível local, visto que aumenta o poder da comunidade nos assuntos a
ela relacionados, incluindo aí a forma de exploração de recursos turísticos.
Talvez um dos motivos para um certo desinteresse dos governantes no setor
turístico após a década de 1980 esteja alicerçado exatamente nos estudos que passaram a ser
realizados referindo-se aos efeitos negativos da atividade, até então avaliada apenas pelo
prisma econômico. A degradação e destruição dos recursos naturais, a perda da
autenticidade da cultura local e a ausência de perspectiva dos moradores do local que não
são beneficiados pelo turismo foram algumas das questões levantadas e ainda amplamente
discutidas quando o assunto envolve as conseqüências do turismo (HALL, 2001).
Na concepção de Lickorish e Jenkins (2000), os impactos da atividade turística
fazem parte de mais uma das responsabilidades do Estado, por considerar ser este o único
agente capaz de realizar ações remediadoras.
Nos últimos anos o setor público permanece utilizando o turismo como uma
ferramenta incorporada ao discurso político e associada principalmente a dois termos:
‘crescimento econômico’ e ‘desenvolvimento sustentável’. Cruz salienta que:
Desenvolvimento turístico o é como não poderia ser sinônimo de
desenvolvimento econômico-social. Nenhuma atividade econômica
setorial pode garantir esse desenvolvimento, que no imenso jogo de
relações que comanda esse processo, cada uma dessas atividades
representa apenas uma parte (CRUZ, 2000, p. 153).
Apresentar dados oficiais sobre o incremento no número de visitantes e de
geração de empregos é uma fácil alternativa para demonstrar crescimento econômico em
curto espaço de tempo e um suposto desenvolvimento. No entanto, estes benefícios podem
trazer altos custos sociais e ambientais pela falta de um planejamento e do
comprometimento entre os atores envolvidos na atividade turística. Com relação a estas
carências, Beni afirma:
Vejo entristecido a ausência de planos diretores que definam
cerios de articulação da produção, identificação e integração
dos atores sociais e agentes institucionais (stakeholders), gestão
64
compartilhada e participação mútua em custos; que compreendam
corretamente os impactos turísticos e a distribuição justa de custo
e benefícios, a geração de empregos locais, diretos e indiretos, a
inclusão social e a redução da pobreza; que contemplem
devidamente a estimulação de negócios lucrativos, a injeção de
capital e dinheiro na economia local, a redistribuição de renda, a
transferência de benefício e renda de uma região mais rica para
outra mais pobre contribuindo para um maior equilíbrio intra-
regional e, finalmente, que abranjam a coesão social e política,
a cultura associativa e a rede de empresas com vantagens
comparativas e competitivas (BENI, 2006, p. 33).
Paralelamente ao fato de que o turismo pode colaborar com o Estado, este
precisa fomentá-lo. É fundamental que esta inter-dependência seja percebida pelos membros
do poder público, da mesma forma como outras atividades presentes na sociedade e de
interesse coletivo.
O Estado possui diferentes formas de atuação junto à sociedade. Para legalizar
suas ações, a administração pública realiza decies em âmbito federal, estadual, municipal
e, dependendo da organização de Estado, até mesmo regional. Estas ações refletem em
políticas públicas, que possuem algum objetivo final. Na concepção de Dye (apud HALL,
2001, p. 26), política pública é tudo o que o governo decide fazer ou não”, sendo
fundamental que o processo para defini-la envolva os órgãos públicos.
Similar a Dye, Barretto (2003, p. 38) acrescenta na definição a preocupação com
a coletividade, afirmando que “por políticas públicas se entende as ações do Estado,
orientadas pelo interesse geral da sociedade”. Infelizmente, com freqüência verifica-se que
algumas ações do poder público refletem em resultados privados.
Lickorish e Jenkins (2000, p. 224) complementam as definições citadas ao
compreender como política uma consideração sensata de alternativas”, ao que Beni (2004)
acredita ser a maximização dos benefícios diante da minimização dos prejzos. Nas
palavras de Beni, política de turismo é:
A espinha dorsal do ‘formular’(planejamento), do ‘pensar (plano), do
‘fazer’ (projetos, programas), do ‘executar’ (preservação, conservação,
utilização e ressignificação dos patrimônios natural e cultural e sua
sustentabilidade), do ‘reprogramar (estratégia) e do ‘fomentar’
(investimentos e vendas) o desenvolvimento turístico de um País ou de
uma região e seus produtos finais (BENI, 2001, p.77).
65
De fato, o Estado possui a responsabilidade de escolher caminhos que resultem
em conseqüências que deveriam ser profundamente analisadas. Quanto a isso, Weber (2004)
considerava que uma das qualidades fundamentais dos governantes era a capacidade de
previo. A elaboração das políticas públicas envolve um grande número de variáveis, pois
dizem respeito ao funcionamento dos ambientes econômico, físico, social e político,
sofrendo constantes mudanças, num processo de ação e reação (HALL, 2001).
Ao considerar a abrangência da atividade turística, identificam-se políticas
públicas que atuam diretamente na atividade (como é o caso das Políticas Nacionais) ou
indiretamente (nas questões referentes à saúde, segurança, transporte, etc). Na visão de
Wilkinson (1997), a política de turismo é afetada por forças políticas, sociais e econômicas,
além de políticas agrícolas e industriais.
Segundo Hall (2001), a política pública para o turismo está relacionado a todas
as decies dos governos com relação ao setor, seja mediante ações ou a falta destas. Ainda
na concepção deste autore, existe uma ignorância generalizada sobre o papel do Estado nas
políticas públicas para o turismo, o que faz com que grupos de interesses exerçam algum
tipo de domínio durante este processo.
Dias (2003) argumenta que a política pública é caracterizada em função da
exclusividade de seu agente: o Estado. Nas suas palavras (2003, p. 121), “são linhas de ação
que buscam satisfazer ao interesse público e têm que estar direcionadas ao bem comum”.
Percebe-se nos diferentes autores a importância do papel do Estado para o
funcionamento do turismo enquanto atividade que resulta em conseqüências econômicas,
sociais e ambientais, não desconsiderando sua responsabilidade para com a coletividade.
Lickorish e Jenkins (2000) indicam como sendo funções do governo:
formular a política de turismo e aprovar as estratégias de desenvolvimento;
regulamentar, inspecionar e proteger o consumidor;
fornecer dados para um fórum consultivo;
realizar ações fiscalizadoras;
proporcionar assistência financeira ao desenvolvimento da atividade turística;
estabelecer condições favoráveis para o crescimento do setor;
66
fornecer dados estatísticos e informações;
promover os destinos nacionais no exterior e em vel
nacional/regional/local.
McIntosh et al, ao definir as políticas públicas para o turismo, relacionam a:
(...) um conjunto de regulamentações, regras, diretrizes, diretivas,
objetivos e estratégias de desenvolvimento e promoção que fornece uma
estrutura na qual são tomadas as decisões coletivas e individuais que
afetam diretamente o desenvolvimento turístico e as atividades diárias
dentro de uma destinação (MCINTOSH et al, 2002, p. 294).
Ao analisar a definição dada por Beni (2004, p. 101), identifica-se que, da
mesma forma que para McIntosh et al (2002), o Estado deve, a partir das suas decies,
fornecer a base de funcionamento da atividade turística.
Deve-se entender por Política de Turismo o conjunto de fatores
condicionantes e de diretrizes básicas que expressam os caminhos para
atingir os objetivos globais para o Turismo do País; determinam as
prioridades da ação executiva, supletiva ou assistencial do Estado;
facilitam o planejamento das empresas do setor quanto aos
empreendimentos e às atividades mais suscetíveis de receber apoio estatal
(BENI, 2004, p. 101).
O interesse no desenvolvimento adequado da atividade, com a maximização de
seus benefícios exige por parte do Estado uma forte participação no estímulo e
regulamentação do setor turístico como um todo. É importante destacar que a política e as
ações públicas estão repletas de ideologias e diferentes percepções. Segundo Cruz:
Uma política pública de turismo pode ser entendida como um conjunto de
intenções, diretrizes e estratégias estabelecidas e/ou ações deliberadas, no
âmbito do poder público em virtude do objetivo geral de alcançar e/ou dar
continuidade ao pleno desenvolvimento da atividade turística num dado
território (CRUZ, 2000, p. 40).
O que parece diferenciar esta definição das demais é a questão da
intencionalidade presente nas ações públicas, o que não significa que os governantes estão
67
agindo da melhor forma para a coletividade, pois é possível a existência de intenções de
cunho particular ou de minorias privadas.
Na vio de Hall (2001), as empresas raramente estão interessadas em
necessidades sociais e ambientais a longo prazo, comparadas ao lucro de curto prazo que
podem obter, fato este que obrigaria o poder público a interferir para corrigir impactos do
turismo. Mas, da mesma forma, os governos também têm mais interesse no curto prazo,
voltando esforços para que o turista consuma produtos turísticos incrementando as
estatísticas da atividade e incorporando-as nos discursos eleitorais.
Em muitos Países, a política de desenvolvimento do turismo agregou
características de organismos internacionais, criando novas formas de dependências. Molina
e Rodriguez (1991), ao criticar as políticas de turismo dos Países latino-americanos,
evidenciam o neo-colonialismo que a atividade turística sugere:
El turismo en América Latina constituye sólo una actividad
complementaria de la economía de los Países desarrollados, con lo cual
se refuerza la relación dominación-dependencia. La política turística
vigente en nuestros Países ha buscado únicamente facilitar a la población
de los Países industrializados el disfrute de su tiempo libre
31
(MOLINA;
RODRIGUEZ, 1991, p. 35).
Além das políticas públicas relacionadas ao funcionamento do turismo, outras
ações do poder público devem ser levadas em consideração ao avaliar os efeitos da
atividade na sociedade. Segundo Hall (2001), o Estado deve contribuir o apenas com a
infra-estrutura para o desenvolvimento do Turismo, mas também com serviços urbanos tais
como energia e iluminação pública, limpeza pública, transporte coletivo, saneamento
sico, controle da poluição da água e do ar, sistema viário, organização territorial, entre
outras. Ainda na sua visão:
Essa é a natureza da política e do planejamento turístico, em que se lida
com a riqueza e a variedade de valores humanos e a existência que,
conseqüentemente, é gloriosamente imperfeita, e deve ser aceita como tal,
para desgosto dos racionalistas econômicos e aqueles que preferem a
31
O turismo na América Latina constitui apenas uma atividade complementar da economia dos Países
desenvolvidos, com o qual se reforça a relação de dominação-dependência. A política turística vigente em
nossos Países buscou unicamente facilitar à população dos Países industrializados o desfrute de seu tempo
livre. Tradução da autora.
68
simplicidade do preto e branco ao estímulo dos tons coloridos. Ainda
acredito que o planejamento turístico e o planejamento público, em
especial, tenham um papel fundamental a desempenhar (HALL, 2001, p.
277).
A participação de diferentes agentes que interagem em prol de uma política de
turismo pode ser exemplificada para o estado do Rio Grande do Sul conforme o quadro da
página a seguir:
69
Quadro 4: Agentes da Política de Turismo do Rio Grande do Sul
GRUPOS AGENTES
Órgãos de Normalização e Deliberação Ministério do Turismo e órgãos adjacentes, Assembléia
Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul.
Órgãos de Financiamento Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES), Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BID), Banco do Estado do Rio Grande do Sul,
cooperativas de crédito.
Órgãos de Articulação Secretarias de Estado e de Municípios, órgãos municipais
de turismo, Câmara de Turismo do Rio Grande do Sul,
Atuasserra, Conventions & Visitors Bureau.
Órgãos de Suporte à Política Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA),
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(IPHAN), Serviço Nacional do Comércio (SENAC),
Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequena Empresa
(SEBRAE), universidades, institutos de pesquisa,
associações (de viagens, de hotéis, de transportes, etc) e
sindicatos.
Grupos Meta Turistas, agentes de turismo, agentes culturais,
promotores turístico, veículos de comunicação, rede de
serviços turísticos (transporte, hoteleira, restaurantes,
etc), rede de grupos culturais, comunidades, museus,
teatros, sítios históricos, parques naturais e de
preservação, grupos de artesãos, e outros.
Grupos de Interesse Ambientalistas, órgãos não-governamentais de meio
ambiente, organismos internacionais, órgãos públicos
governamentais e administradores públicos, promotores
de eventos, agentes de turismo, agentes financeiros,
empregados e empreendedores do setor turístico.
Fonte: elaborado pela autora a partir de Dias (2003).
70
A participação do Estado no turismo é diferente nos Países, pois cada um atribui
determinada importância à atividade, podendo existir maior ou menor descentralização ou
intervenção, além de órgãos governamentais e associações privadas em nível municipal,
regional, estadual e nacional. Na visão de Wilkinson (1997), o grau de envolvimento do
poder público no turismo reflete a importância da atividade em termos econômicos.
E no Brasil, como o poder público percebe a atividade turística e quais suas
funções e deveres?
No intuito de responder a esta questão, será apresentado no tópico seguinte uma
análise quanto à evolução do turismo no Brasil e as políticas elaboradas, considerando-se as
transformações sócio-culturais e econômicas vivenciadas no Ps.
2.2.2 Políticas públicas e evolução do turismo no Brasil
A atividade turística no Brasil teve sua evolução paralelamente às
transformações sociais, conforme ocorrido também nos Países europeus. No entanto, as
dificuldades existentes ao resgatar a memória histórica do turismo no Brasil, devido às
poucas informações e falta de estudos abrangentes, comprometem a compreensão dos
processos do setor na atualidade (REJOWSKI, 2002).
Na época do descobrimento, os desbravadores viajavam ao Brasil de modo
aventureiro, estando sujeitos a doenças, fome e perigos da nova e desconhecida terra. As
primeiras manifestações relacionadas ao turismo brasileiro datam do século XVI, quando a
Casa de Anchieta, em São Paulo, servia de abrigo aos religiosos que vinham em nome da
Companhia de Jesus (BARRETTO, 1995).
A hotelaria realmente tomou forma a partir de 1808, com a chegada da Corte
Portuguesa no Rio de Janeiro e a conseqüente abertura dos portos, trazendo um grande fluxo
de estrangeiros, o que aumentou a demanda por alojamentos. Até então, não existia uma
estrutura capaz de hospedar as pessoas que acompanharam a Corte. Camargo (2001) aponta
que neste período os viajantes escolhiam para morar locais mais afastados que o ambiente
71
de trabalho, em meio a florestas ou no litoral, exigindo deslocamentos periódicos, o que
incentivou a criação de um sistema de transportes através de trem ou navio.
Os viajantes que vieram ao Brasil trouxeram um hábito comum na Europa e
faziam uso das propriedades terapêuticas da água do mar, através de rituais e respeito com a
natureza: a talassoterapia. Aos poucos, tornou-se um modismo no Brasil e paralelamente
surgiu o aluguel de casas na praia com o objetivo de recuperação da saúde. No início do
século XX, a descoberta de fontes de águas minerais também estimulou a atividade turística,
principalmente no Rio de Janeiro e em Santa Catarina. A construção das estradas de ferro
permitiu viagens a outras localidades com águas termais. Todo este processo colaborou para
a implementação de serviços de apoio, desde hospedagem, alimentação, médicos
(REJOWSKI, 2002).
O bito de viajar começou a se desenvolver no Brasil a partir da
europeização”
32
e da construção de novas linhas rreas interligando zonas cafeeiras às
principais cidades imperiais: Rio de Janeiro e São Paulo. Uma das obrigações da elite
brasileira era viajar anualmente para a Europa (REJOWSKI, 2002).
Segundo Caldeira (1999), a transição de um sistema monárquico dependente da
escravidão para uma república, em 1890, exigiu acelerada adaptação por parte não apenas
dos brasileiros, mas do grande contingente de imigrantes europeus que chegavam ao Brasil.
Neste contexto de transformações, surgem os novos padrões de consumo e a necessidade de
introduzir e desenvolver o turismo no Ps, paralelo aos esforços de modernização.
Com a Primeira Guerra Mundial, a elite brasileira enfrentou dificuldades para
viajar à Europa, como era hábito. Isso resultou no interesse pelas viagens a novos locais no
País, estimulando a construção de infra-estrutura turística (SEVCENKO, 1998).
Embora o País tenha recebido muitos viajantes exploradores desde a época do
descobrimento, Barretto (1995) aponta que o marco inicial do turismo como fenômeno
social foi a criação da Sociedade Brasileira de Turismo, em 1923, que mais tarde tornou-se
o Touring Club do Brasil. Esta associação foi criada pelo aumento do uso de automóveis,
embora este tipo de veículo tenha sido trazido para o Brasil sem que houvesse estrutura
viária adequada. Foi também nesta década que ocorreu a construção de hotéis luxuosos,
32
Características da cultura de Países europeus, trazidas pelos nobres portugueses (REJOWSKI, 2002).
72
alterando as características até então existentes nos meios de hospedagem e surgem as
primeiras companhias aéreas nacionais (Varig, Panair, Vasp).
O aumento do tempo livre dos trabalhadores, ocorrido a partir da Revolução
Industrial na Europa, também chegou ao Brasil, como parte da reestruturação e regulação da
força de trabalho. Segundo Viera e Candido (2003), o direito de férias anuais remuneradas
concedidas aos trabalhadores pelo então Presidente Getúlio Vargas consolidou o turismo no
País. No entanto, Ianni (1996) aponta que a legislação trabalhista foi uma forma de acalmar
os conflitos existentes entre vendedores e compradores de força trabalhista. Diante de um
território onde o Norte era agrícola e o Sul industrializado, os governantes estimularam o
êxodo rural, objetivando garantir tranqüilidade social na região Norte e mão-de-obra barata
no Sul (IANNI, 1996).
É neste contexto de conflitos sociais que surgem as primeiras iniciativas do
poder público em legislar sobre a atividade turística. O Decreto-Lei n
o
406, de 4 de maio de
1938, regulamentou a venda de passagens aéreas, marítimas e terrestres, sob autorização do
Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (FERRAZ, 1992).
No ano seguinte foi criado o primeiro organismo oficial de turismo: a Divisão de
Turismo, cuja principal atribuição era superintender, organizar e fiscalizar os servos de
turismo interno e externo” (Decreto-Lei 1.915 de 27 de dezembro de 1939). Este órgão fazia
parte do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), diretamente vinculado à
Presidência da República. Mas o primeiro decreto exclusivo da atividade turística foi
definido apenas em 1940, o Decreto-Lei 2.440 de 23 de julho, que estabelecia três
categorias para as empresas e agências de viagens e turismo, sendo que estas eram
consideradas como uma forma remunerada de assistência aos visitantes (CRUZ, 2000).
Mesmo com o surgimento dos primeiros indícios para controlar a atividade
turística no País, isso não significava que o Estado estivesse valorizando de fato o turismo,
além de possuir uma compreensão ainda limitada quanto ao mesmo.
Os deslocamentos para tratamentos de saúde contribuíram muito para o
crescimento do turismo no País e como parte da moda da época, foram construídos cassinos
nas estâncias, chamado de cassinismo, cujo ápice ocorreu dentre os anos de 1936 a 1946.
Diversos hotéis-cassino foram constrdos em diferentes estados, como Rio de Janeiro, São
73
Paulo e Minas Gerais, oferecendo aos seus freqüentadores jogos, atrações internacionais,
atividades físicas, entre outras alternativas de lazer (REJOWSKI, 2002).
Após a hotelaria passar por períodos de crescimento, uma ação governamental
mergulhou o setor em uma nova crise: a proibição dos jogos de azar pelo então presidente
Eurico Gaspar Dutra, a partir do Decreto-Lei n
o
9.215, de 30 de abril de 1946
(PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2007). A ação, segundo disposto, era baseada nos
preceitos morais e religiosos do povo brasileiro. Conseqüentemente, muitos
empreendimentos viram-se obrigados a fechar suas portas, pois não conseguiam manter a
estrutura construída poucos anos antes para atender as necessidades dos hóspedes. O
desemprego também foi uma das conseqüências desta decisão.
Naquele momento, os assuntos sobre o turismo (através da Divisão do Turismo)
estavam ligados ao Departamento Nacional de Informações, que fazia parte do Ministério
da Justiça e Negócios Interiores, visto que o DIP havia sido extinto em 1945. Mais tarde, em
1946, o Departamento Nacional de Informações também foi extinto, encerrando
concomitantemente as atividades da Divio de Turismo (CRUZ, 2000).
O crescente interesse em viajar foi tomando conta dos brasileiros e começaram a
operar no Brasil as primeiras agências de viagens; a demanda tornou-se maior que a oferta
existente. O desenvolvimento do turismo no País foi limitado em função da decadência na
malha de transporte terrestre (ferroviário e rodoviário), uma vez que os portos estavam
voltados para o fluxo de cargas e a infra-estrutura aérea ainda era precária (REJOWSKI,
2002).
Naquele período, poucas medidas foram tomadas com relação ao turismo no
País. Uma delas dizia respeito à isenção dos impostos federais e municipais do Distrito
Federal sobre as instalações e atividades do Touring Club. Em contrapartida, era de
responsabilidade do Touring Club a publicação regular de guias e mapas de interesse
turístico, através do Decreto-Lei n
o
9.854, de 13 de setembro de 1946 (PRESIDÊNCIA DA
REPÚBLICA, 2007).
Com o retorno de Getúlio Vargas ao poder, em 1951, o quadro sócio-econômico
nacional enfrentava problemas tais como a inflação, o desequilíbrio na balança de
pagamentos, a necessidade de importar tecnologia, infra-estrutura viária insuficiente, falta
de alimentos para a população urbana. Além disso, como conseqüência do sistema
74
capitalista, eram crescentes no País os aspectos de desigualdade social. A alternativa
encontrada recaía no aceleramento do desenvolvimento industrial do Brasil, focando
principalmente na questão da energia e dos transportes, alterando ainda mais a sociedade
como um todo (IANNI, 1996).
As inúmeras referências quanto aos benefícios disponibilizados para os
investimentos privados contemplam diferentes setores, inclusive as empresas turísticas, com
ênfase para os empreendimentos hoteleiros. No entanto, o foco das políticas
desenvolvimentistas está centrado na industrialização e urbanização como forma de geração
de receitas aos cofres públicos e empregos à população marginalizada.
A política de automobilização no País, iniciada nos últimos anos da década de
1950 com a presidência de Juscelino Kubitschek, incentivou indiretamente o turismo
interno. A renovação da malha rodoviária, que prosseguiu nas décadas seguintes, não tinha
como foco desenvolver o turismo, mas colaborou fortemente para o seu incremento (CRUZ,
2000).
Em meio às graves desigualdades regionais presentes em um País com grande
área territorial como é o caso do Brasil, era necessário encontrar formas de reduzir tais
desníveis. Foi criada durante o Governo Kubitschek a Superintendência do
Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) que, na concepção de Cruz (2000), representou a
institucionalização do planejamento governamental da região. Foi uma alternativa de
estímulos fiscais a setores produtivos, especialmente a indústria. Como o binômio sol e
praia estava em destaque turístico desde a Segunda Guerra Mundial, associar o litoral
nordestino aos investimentos do turismo não foi tarefa dicil. Foi criada também a
Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), com os mesmos objetivos
da SUDENE, mas para a região Norte do País.
Pela inexistência de projetos destinados ao setor do turismo, percebe-se que o
governo federal ainda não encarava a atividade com prioridade. Ferraz (1992, p. 46) chama
o período de 1946 a 1958 de hiato jurídico-positivo”, sem envolvimentos políticos com o
turismo. O órgão que tinha algum tipo de relação com a atividade nesta época, através da
venda de passagens, era o Departamento Nacional de Imigração, posterior Instituto
Nacional de Imigração e Colonização, vinculado ao Ministério do Trabalho, Indústria e
Comércio.
75
Esta fase foi superada pelo Decreto n
o
44.856, de 21 de novembro de 1958, que
criou a Comissão Brasileira de Turismo (COMBRATUR). Este organismo foi um marco
para o turismo brasileiro, pois pela primeira vez o poder público fazia referências a uma
política nacional de turismo, ao aprovar o regimento da COMBRATUR através do Decreto
n
o
48.126, de 19 de abril de 1960. Dentre suas atribuições estavam a coordenação, a
supervisão, a promoção e o inventário dos atrativos turísticos do País (CRUZ, 2000).
Na segunda metade do século XX, os grandes centros urbanos começaram a
consolidar-se e a evolução dos meios de hospedagem no Brasil ocorreu com destaque após a
Segunda Guerra Mundial, devido ao crescimento industrial da década de 1960. Com o
Decreto n
o
44.863, de 1958, o foco das políticas públicas de turismo projetou-se para a
ampliação e modernização do parque hoteleiro do País, seguindo a tendência de incentivo
aos investimentos nacionais e estrangeiros nos mais diversos setores (DIAS, 2003).
Para satisfazer novos consumos da classe média, foram construídos prédios em
cidades do interior e no litoral de diferentes estados, caracterizando-se em residências
secundárias. Os vculos de comunicação faziam parte das transformações, contribuindo
para a divulgação do turismo. A atividade começou a ser estudada e aconteceram no Brasil
os primeiros congressos e exposições da área (REJOWSKI, 2002).
Em 1961 foi criada a Divisão de Turismo e Certames, que poderia indicar um
passo adiante em prol da atividade turística. Mas no ano seguinte, com a extinção da
COMBRATUR, as diretrizes favoráveis a uma política nacional de turismo foram
abandonadas. Assim, a Divio ficou com a tarefa de executar as diretrizes de uma política
inexistente. Sem um ordenamento para o setor, insuficiente foi o envolvimento do Estado,
com raras exceções, como é o caso da Lei Delegada n
o
11, de 11 de outubro de 1962,
vinculando a venda de passagens à Superintendência de Política Agrária (FERRAZ, 1992),
um organismo alheio às complexidades do turismo e sua abrangência.
No governo de Humberto de Alencar Castello Branco foi elaborado o Programa
de Ação Econômica do Governo (PAEG), e alguns passos foram dados em relação ao setor
de turismo. Um deles foi o Decreto-Lei n
o
55, de 18 de novembro de 1966 (PRESIDÊNCIA
DA REPÚBLICA, 2007), o qual definiu a política nacional de turismo e criou o Conselho
Nacional de Turismo (CNTUR) e a Empresa Brasileira de Turismo (EMBRATUR). O
artigo 1
o
do Decreto-Lei entende por política nacional de turismo:
76
A atividade decorrente de tôdas as iniciativas ligadas à indústria do
turismo sejam origirias de setor privado ou público, isoladas ou
coordenadas entre si, desde que reconhecido seu interêsse para o
desenvolvimento econômico do País (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA,
2007).
No ano seguinte, o Decreto-Lei n
o
60.224, de 16 de fevereiro, redefiniu a
compreensão sobre a política nacional como “o conjunto de diretrizes e normas integradas
em um planejamento de todos os aspectos ligados ao desenvolvimento do turismo e seu
equacionamento como fonte de renda nacional(PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2007).
Com isso, criou o Sistema Nacional de Turismo e o governo fortaleceu seu pensamento de
que a atividade poderia reduzir os desníveis regionais de um País territorialmente extenso
como o Brasil. A partir da legislação, o CNTUR redigiu diversas resoluções destinadas a
regulamentar empreendimentos e profissionais do setor turístico, tais como a profissão de
guia de turismo e as empresas turísticas (meios de hospedagem, agências de viagens,
transporte turístico).
Enquanto já iniciavam as discussões na Europa sobre a veracidade quanto ao
turismo ser considerado a salvação de Países em desenvolvimento (DE KADT, 1978), no
Brasil surgiu com este Decreto-Lei a primeira intenção quanto a uma política nacional para
a atividade, considerando-se quase que exclusivamente seu aspecto econômico, devido a
interesses privados. Segundo Cruz (2000, p. 49), “todas as iniciativas públicas e privadas
que concorrem para o desenvolvimento de certa atividade já nascem com um conteúdo
político”.
No entanto, a idéia quanto à multidisciplinaridade do turismo parecia estar
revelando seus primeiros incios, baseada nos representantes do CNTUR: das áreas de
relações exteriores, viação e obras, aeronáutica, patrimônio histórico e artístico nacional,
agentes de viagens, transportadores, indústria hoteleira. Enquanto o CNTUR tinha a
responsabilidade de formular, coordenar e dirigir a política nacional de turismo, a
EMBRATUR possuía o aspecto operacional, pois deveria incrementar o desenvolvimento
da atividade e executar as diretrizes traçadas pelo governo. Ambos estavam vinculados ao
Ministério da Indústria e Comércio. A divulgação do turismo brasileiro no exterior era
tarefa do Ministério das Relações Exteriores (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2007).
Ainda com esse Decreto-Lei, foi criada a Divisão de Exposição e Feiras e extinta
a Divisão de Turismo e Certames, cuja documentação passaria à EMBRATUR. O governo
77
federal atribuiu para si a responsabilidade quanto à coordenação e estímulo da atividade
turística no País. Isso significava principalmente a concessão de financiamentos e incentivos
fiscais, como é o caso do Art. 24, que dispõe que os hotéis em construção teriam um prazo
de dez anos de isenção de tributos federais (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2007).
Com o presidente Artur da Costa e Silva no poder, em 10 de abril de 1968 a
CNTUR apresentou a Resolução n
o
31, que estabeleceu o Plano de Prioridade de
Localização de Hotéis de Turismo, como forma de incentivar de modo direcional a
construção de meios de hospedagem. Assim, são prioritários os empreendimentos hoteleiros
nas capitais dos estados, em estâncias hidrominerais, climáticas e balneários. Este plano
seria provisório, encerrando com o icio do Plano Nacional de Turismo o PLANTUR. No
ano seguinte, com a Resolução n
o
71, de 10 de abril, o CNTUR apresenta todas as
indicações para elaboração do PLANTUR, cujos objetivos visavam à: desenvolver o
turismo receptivo como forma de captação de divisas; incrementar o turismo interno;
desenvolver a atividade em locais que proporcionassem novas oportunidades de trabalho;
estimular os investimentos privados; conceder estímulos fiscais e outras facilidades para os
empreendimentos que apresentem necessidade e condições para tal. Mas o Plano o entrou
em vigor e permaneceu a legislação da Resolução de n
o
31 (CRUZ, 2000).
Aos poucos o País erguia indiretamente a infra-estrutura necessária para o
desenvolvimento do turismo. De acordo com Janeiro (1997), a primeira cadeia internacional
a operar no País foi a Hilton International Corporation, que passou a administrar em 1971.
O crescimento do setor neste período também foi estimulado pelo aumento do número de
viagens, devido à evolução dos transportes aéreo e rodoviário, além do elevado nível de
atividade econômica. Novas formas de hospedagem mais simples se desenvolveram na
década, como foi o caso dos campings e albergues. Em contrapartida, foram colocados em
prática os mega-projetos turísticos na região do Nordeste, seguindo modelos como o de
Cancún, no México.
Sob a ótica de Cruz (2000, p. 79), a “política de megaprojetos turísticos” e o
Programa de Ação para o Desenvolvimento do Turismo no Nordeste fazem parte do
binômio sol e mar, e passam a ser utilizados pelo governo como estratégias de discurso e de
ação política.
Em 1971, a partir do Decreto-Lei n
o
1.191, foram concedidos novos incentivos
financeiros e fiscais aos equipamentos turísticos, equivalentes aos oferecidos à indústria
78
sica, considerando o turismo uma atividade econômica de interesse nacional. O maior
percentual de incentivo ficava destinado aos empreendimentos localizados nas regiões de
atuação da SUDAM e SUDENE. No mesmo Decreto-Lei foi criado o Fundo Geral de
Turismo (FUNGETUR), responsável por fomentar e prover recursos para financiamento do
turismo, sob administração da EMBRATUR (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2007).
No ano de 1974 foram institdos o Fundo de Investimentos Setoriais (FISET),
compreendendo os setores de turismo, pesca e reflorestamento, o Fundo de Investimento do
Nordeste (FINOR) e o Fundo de Investimentos da Amazônia (FINAM), sob
responsabilidade da EMBRATUR. A partir destes incentivos cresceram os
megaempreendimentos das regiões Norte e Nordeste. O FINOR era considerado o principal
instrumento de fomento à atividade industrial e turística no Nordeste (CRUZ, 2000).
Segundo Barretto (2002), foi apenas em 1977, durante a II Reunião do Sistema
Nacional de Turismo, que surgiu um documento com uma Política Nacional de Turismo,
relacionada à proteção do patrimônio natural, à promoção dos valores culturais, ao incentivo
para o turismo interno e o incremento de estrangeiros, à qualificação dos profissionais, ao
apoio à hotelaria e às agências de viagens.
Aos poucos o turismo ganhava uma regulamentação na parte da prestação de
serviços e o financiamento de seus empreendimentos, de uma forma mais lenta do que a
demanda gerada. No entanto, faltava a compreensão por parte do Estado e dos cidadãos do
que deveria ser considerado de interesse turístico, que veio a ser determinado com a Lei n
o
6.513, de 1977, protegendo os seguintes bens:
I – os bens de valor histórico, artístico, arqueológico ou pré-histórico;
II – as reservas e estações ecológicas;
III – as áreas destinadas à proteção dos recursos naturais renováveis;
IV – as manifestações culturais ou etnológicas e os locais onde ocorrem;
V – as paisagens notáveis;
VI as localidades e os acidentes naturais adequados ao repouso e à
prática de atividades recreativas, desportivas ou de lazer;
VII – as fontes hidrominerais aproveitáveis;
VIII – as localidades que apresentem condições climáticas especiais;
IX outros que venham a ser definidos (PRESIDÊNCIA DA
REPÚBLICA, 2007).
79
O esclarecimento quanto aos tipos de servos turísticos que seriam considerados
aptos a receber os incentivos do Decreto-Lei n
o
1.439 veio apenas com a Lei n
o
6.505, de 13
de dezembro de 1977. Esta definia que os serviços turísticos eram aqueles prestados por:
I - hotéis, albergues, pousadas, hospedarias, motéis e outros meios de
hospedagem de turismo;
II - restaurantes de turismo;
III - acampamentos turísticos (campings);
IV - agências de turismo;
V - transportadoras turísticas;
VI - empresas que prestem serviços aos turistas e viajantes, ou a outras
atividades turísticas;
VII - outras entidades que tenham regularmente atividades reconhecidas
pelo Poder Executivo como de interesse para o turismo (PRESIDÊNCIA
DA REPÚBLICA, 2007).
Além disso, essa Lei determinava que o Poder Executivo seria responsável por
regulamentar a atuação dos empreendimentos cadastrados, enquanto que a fiscalização
ficaria a cargo da EMBRATUR, bem como a aplicação das penalidades cabíveis.
O poder público lançou em 1979 a idéia de construir “portões de entrada” nas
cidades de Manaus, Fortaleza, Belém e Salvador, e aos poucos eram comercializados
pacotes para as regiões Norte e Nordeste. Foi criado também o programa Pró-Estâncias,
destinado a incentivar as viagens da classe média (BARRETTO, 2002). Essa era mais uma
das ações governamentais com o intuito de incrementar o turismo interno, visto que a
captação de turistas estrangeiros não trazia resultados efetivos (EMBRATUR, 2007).
A década de 1980 iniciou com recessão, desemprego, concentração de renda e
queda da atividade econômica. Resultante deste quadro de instabilidade econômica e
acelerado crescimento da inflação, a atividade hoteleira do País estagnou. Outra
conseqüência foi a redução da entrada de estrangeiros devido ao aumento da violência e à
crise internacional do petróleo. O governo federal reduziu ainda mais sua participação no
turismo, restringindo-se ao incentivo aos mega-projetos da região Nordeste. A infra-
estrutura de transporte no País era precária e necessitava de manutenção. O transporte
ferroviário e fluvial não possuía uma política de investimentos que estimulasse seu
incremento (REJOWSKI, 2002).
80
O Presidente Figueiredo assinou em 1980 o Decreto n
o
84.910, regulamentando a
Lei n
o
6.505, no que tange aos meios de hospedagem, restaurantes e acampamentos
turísticos, cujo registro era obrigatório na EMBRATUR. Os tipos e categorias dos
empreendimentos seriam definidos pelo CNTUR, mediante vistorias periódicas da
EMBRATUR. Em seguida, com o Decreto n
o
84.934, de 21 de julho de 1980, ocorre a
regulamentação sobre as atividades e serviços das agências de turismo, definindo os
seguintes serviços como privativos:
I - venda comissionada ou intermediação remunerada de passagens
individuais ou coletivas, passeios, viagens e excursões;
II - Intermediação remunerada na reserva de acomodações;
III - recepção transferência e assistência especializadas ao turista ou
viajante;
IV - operação de viagens e excursões, individuais ou coletivas,
compreendendo a organização, contratação e execução de programas,
roteiros e itinerários;
V - representação de empresas transportadoras, empresas de hospedagem
outras prestadoras de serviços turísticos;
VI - divulgação pelos meios adequados, inclusive propaganda e
publicidade, dos serviços mencionados nos incisos anteriores (SENADO
FEDERAL, 2007).
Com esta ação, para que pudessem exercer suas funções, as agências de viagens
deveriam estar devidamente registradas junto à EMBRATUR, órgão responsável por
fiscalizar e penalizar os empreendimentos cujo funcionamento fosse considerado irregular.
Começa assim a se tornar vivel no País uma política de regulamentação para o
funcionamento da atividade turística, contemplando aspectos até então desconsiderados pelo
poder público, que estava focado apenas nos incentivos à iniciativa privada.
No ano seguinte, entrou em vigor o Decreto n
o
86.176, de 6 de julho, com a
finalidade de instituir (artigo 2
o
):
Áreas especiais de interesse turístico e de locais de interesse turístico, bem
como a proteção dos bens de valor cultural e natural de interesse turístico
existentes nas referidas áreas e locais e dos respectivos entornos de
proteção e ambientação (SENADO FEDERAL, 2007).
81
Este foi o primeiro decreto a relacionar a importância do patrimônio cultural e
natural com o turismo, coordenado pela EMBRATUR em conjunto com os seguintes
órgãos: Instituto de Planejamento (IPLAN), Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (SPHAN), Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF),
Superintendência do Desenvolvimento da Pesca (SUDEVE), Secretaria Especial do Meio
Ambiente (SEMA) e Conselho Nacional do Desenvolvimento Urbano (CNDU). As áreas
especiais de interesse turístico foram classificadas em prioritárias (de alta potencialidade
turística, grande fluxo de visitantes e infra-estrutura turística e urbana satisfatória) e de
reserva (de elevado potencial turístico, dependente de implantação de infra-estrutura
turística e com medidas que assegurem a preservação do patrimônio cultural e ambiental)
(PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2007).
Esse decreto já dava indícios de que o turismo seria comercializado no Brasil
como qualquer outro produto, podendo ser produzido a partir de uma vocação inicial que
dependia apenas de investimentos em infra-estrutura e promoção. Isso nos remete à
observação de Molina e Rodriguez (1991), pois as ações políticas do turismo no Brasil
refletem o neo-colonialismo, buscando o incremento de turistas estrangeiros para desfrutar
seu tempo livre.
A questão da preservação foi enfatizada a partir das penalidades do artigo 39
o
do
mesmo Decreto, em caso de modificação não autorizada, a destruição, a desfiguração ou o
desvirtuamento da feição original, no todo ou em parte, das Áreas Especiais de Interesse
Turístico ou dos Locais de Interesse Turístico” (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2007).
Aos poucos novos serviços foram sendo considerados de interesse turístico pelo
poder público, tendo sua regulamentação através de decretos. Foi o que aconteceu com o
Decreto n
o
87.348, de 29 de junho de 1982, que regulamentou a atividade das agências de
turismo e de transporte turístico, funcionando mediante cadastro e responsabilidade da
EMBRATUR (SENADO FEDERAL, 2007). Em 1984, com o Decreto n
o
89.707, de 25 de
maio, foram reconhecidas as empresas de organização de feiras, congressos e demais
eventos como de interesse turístico, com registro obrigatório junto à EMBRATUR, órgão
responsável tamm pela sua fiscalização (SENADO FEDERAL, 2007).
O interesse em tornar a atividade turística acessível às diferentes classes fez com
que a EMBRATUR e o Ministério do Trabalho firmassem um acordo objetivando estimular
os sindicatos a organizarem viagens de turismo no período considerado de baixa temporada
82
para os empreendimentos do setor, possibilitando custos menores aos turistas (BARRETTO,
2003).
Na visão de Barretto (2002), com relação às diretrizes da Política Nacional de
Turismo e o que realmente estava sendo executado pela EMBRATUR, não estavam sendo
cumpridas as políticas propostas, limitando-se à promoção do País no exterior. Este era
apenas um dos instrumentos utilizados para divulgação e comercialização dos destinos
turísticos brasileiros, não uma ferramenta de gerenciamento e fomento à atividade turística.
Os diferentes planos políticos nacionais foram elaborados sob uma vio
reducionista dos problemas existentes no País. Isso fica evidenciado no Decreto-Lei n
o
2.294, de 21 de novembro de 1986, pelo qual o Presidente Sarney revogou as limitações e
exclusividades propostas pelo Decreto n
o
84.934, estipulando que são livres, no Ps, o
exercício e a exploração de atividades e serviços turísticos, salvo quanto às obrigações
tributárias e às normas municipais para a edificação de hotéis”. Com isso, a fiscalização
antes exercida por parte de um órgão público é destitda e a exploração dos serviços
turísticos não possui maiores ressalvas e um controle adequado, considerando-se a
amplitude de impactos decorrentes da atividade (SENADO FEDERAL, 2007).
O Governo Sarney também estimulou a atividade turística na região Nordeste,
através da Lei n
o
7.827/89, criando o Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste
(FNE), administrado pelo Banco do Nordeste (BN), cujo objetivo era contribuir com o
desenvolvimento cio-econômico da região mediante incentivos à iniciativa privada. Neste
contexto foi elaborado o Programa de Apoio ao Turismo Regional do Nordeste
(PROATUR), com intuito de financiar a implantação, ampliação e modernização de micro e
pequenas empresas turísticas. Outro programa de financiamento daquele período foi o
Sistema BNDES, formado pelo BNDES, a Agência Especial de Financiamento Industrial
(FINAME) e a BNDES Participações S/A (BNDES PAR). O Sistema BDNES era destinado
à implantação, modernização e aquisição de máquinas e equipamentos de empreendimentos
localizados em regiões identificadas pela EMBRATUR (CRUZ, 2000).
O processo de liberalização econômica no País se concretizou ao longo da
década de 1990 e o debate em torno do turismo passou a envolver o governo, a iniciativa
privada, a academia e a sociedade. Durante o Governo Collor, foram realizados acordos
turísticos com diversos Pses, como Jamaica, Costa Rica, Tunísia, além de Países da
América Latina, entre outros. Tais acordos objetivavam desenvolver ações conjuntas para a
83
promoção do turismo nos Pses que faziam parte dos mesmos, promovendo-os como
destino turístico (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2007).
Com relação à atividade enoturística que começou a desenvolver-se no País
nesta década, cabe destacar que o envolvimento do poder público federal com a
vitivinicultura teve um avanço em 1990, através do Decreto n
o
99.066, regulamentando a
Lei n
o
7.678, de 8 de novembro de 1988. Este Decreto determina, no artigo 118
o
, as zonas
de produção (região formada por um ou mais munipios produtores) de uva e fabricação de
vinhos no País, conforme segue:
I - Estado do Rio Grande do Sul:
a) Região da Serra Gaúcha;
b) Região do Alto Jacuí;
c) Região do Alto Uruguai; e
d) Região da Fronteira.
II - Estado de Santa Catarina:
a) Vale do Rio do Peixe;
b) Vale do Tubarão; e
c) Região de Urussanga.
III - Estado do Paraná:
a) Região da Grande Curitiba; e
b) Região de Maringá.
IV - Estado de São Paulo:
a) Região de São Roque; e
b) Região de Jundiaí.
V - Estado de Minas Gerais: Região da Serra da Mantiqueira.
VI - Estado da Bahia: Vale do Rio São Francisco.
VII - Estado de Pernambuco: Vale do Rio São Francisco (SENADO
FEDERAL, 2007).
Podemos inferir que isto contribuiu para a consolidação destas regiões enquanto
produtoras de vinhos, facilitando o ingresso nos anos seguintes no setor turístico,
remanejando seus objetivos e sua infra-estrutura. Também pode ser considerado um
elemento facilitador da obtenção da Indicação de Procedência Vale dos Vinhedos, conforme
será abordado no capítulo 4 da presente pesquisa.
Nos anos correspondentes à década de 1990, a tecnologia passou a fazer parte do
cotidiano de muitos indivíduos através do computador pessoal e o acesso à rede mundial de
computadores, a Internet. Tudo que havia sido considerado progresso e desenvolvimento
durante o passar do século gerou inúmeras conseqüências que até então não eram avaliadas.
Aos poucos o Ps voltou-se para o resgate do patrimônio e da cultura, como novos
84
produtos turísticos. Ainda assim, a falta de dados sobre a atividade turística e os destinos
brasileiros, juntamente com a inexistência de uma política específica e ao mesmo tempo
integrada para o setor, dificultava a adesão a um turismo sério (REJOWSKI, 2002).
A história do envolvimento do Estado brasileiro com o turismo restringiu-se aos
incentivos financeiros e fiscais, com raras exceções. As mudanças iniciaram em 1991, com
a reestruturação das finalidades da EMBRATUR a partir da Lei n
o
8.181.
Concomitantemente, o CNTUR foi extinto, transferindo suas atribuições para a
EMBRATUR. Com isso, este órgão passou a se denominar Instituto, vinculado à Secretaria
de Desenvolvimento Regional da Presidência da República, e tinha por finalidade
formular, coordenar, executar e fazer executar a Política Nacional de Turismo”. Dentre
suas competências, cabe destacar: o estímulo às iniciativas públicas e privadas para
desenvolver o turismo interno e externo; promover e divulgar o turismo no País e no
exterior, com intuito de aumentar os fluxos turísticos; fomentar e financiar as iniciativas do
setor; construir inventários e estatísticas do turismo; prestar consultoria; patrocinar eventos
turísticos (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2007).
De modo a dar continuidade à política de incentivos para a região Nordeste foi
criado pela SUDENE e EMBRATUR o Programa de Ação para o Desenvolvimento do
Turismo no Nordeste (Prodetur-NE), em 1991, repetindo a tentativa de utilizar o turismo
como alternativa para os antagonismos regionais do País, seguindo as diretrizes nacionais.
Sua área de atuação compreendia todos os estados da região Nordeste, além do Norte de
Minas Gerais. Os objetivos do programa diziam respeito ao aumento no fluxo de turistas e
tamm sua permanência na região, e à indução de novos investimentos visando à geração
de empregos e renda (CRUZ, 2000).
Com o Decreto n
o
448, de 14 de fevereiro de 1992, é feita nova menção a uma
Política Nacional de Turismo, objetivando que a atividade viesse a tornar-se fonte de renda
nacional, reduzindo as disparidades regionais e aumentando o fluxo de visitantes. Surge
neste decreto a intenção de “democratizar o acesso ao Turismo Nacional”, proporcionando
este tipo de consumo para as diferentes classes sociais. Tendo como diretrizes “a prática do
Turismo como forma de promover a valorização e preservação do patrimônio natural e
cultural do País” e a valorização do homem como destinatário final do desenvolvimento
turístico”, a Política Nacional utiliza um discurso que interpreta a atividade turística como a
solução de muitos problemas do mundo moderno brasileiro. As atribuições conferidas ao
85
poder público ficam limitadas ao apoio técnico e financeiro, mantendo a tradição de décadas
desta política, equiparando os investimentos no setor turístico ao setor industrial. Desde
1992 os assuntos sobre o turismo ficaram vinculados ao novo ministério criado: o
Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA,
2007). Para Beni (2006), esta Política deixou de contemplar importantes instrumentos
necessários ao efetivo e permanente desenvolvimento do turismo no País.
Baseados neste decreto foram criados novos órgãos de apoio ao setor turístico,
como é o caso do Conselho Consultivo de Turismo (CONTUR), cuja finalidade era
cooperar com a EMBRATUR nos aspectos institucionais, estruturais e conjunturais da
atividade (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2007).
Como instrumento de implantação da Política Nacional foi elaborado no mesmo
ano o PLANTUR, composto de sete programas: Programa Pólos Turísticos, Programa
Turismo Interno, Programa Mercosul, Programa Ecoturismo, Programa Marketing
Internacional, Programa Qualidade e Produtividade do Setor Turístico, Programa de
Formação de Recursos Humanos para o Turismo. Como este plano antecedeu a Política
Nacional, sua atividade ficou restrita às diretrizes que diziam respeito à preservação e
valorização do meio ambiente, à interação e execução de diferentes esferas e agentes
envolvidos no turismo e à regulamentação do setor, relacionada à ordenação e coordenação
das ações públicas e privadas no âmbito turístico (DIAS, 2003).
Segundo CRUZ (2000), o PLANTUR o foi colocado em prática, pois este
seria o instrumento de efetivação da Política Nacional de Turismo, a qual ainda não existia.
Ainda na sua visão, o Plano foi elaborado em um momento de reformulação da área
administrativa do poder público federal, durante o Governo Collor. Aquele foi um período
de grande instabilidade política, que culminou no primeiro impeachment da história do Ps,
além da instabilidade econômica que se refletiu nos mais diversos setores, inclusive o
turismo.
Referindo-se à Política Nacional de Turismo, Becker afirma que esta:
Fortalece a idéia do turismo como fator de desenvolvimento e é fundada
o só no discurso, mas na prática, na descentralização. Descentralização
no sentido de que a Embratur deixa de ser legisladora e executora do
turismo. Ela não é mais executora. Na verdade, agora o governo federal
vai atuar; a execução da atividade turística passa para outras esferas
86
governamentais de estados e municípios, e incorpora a iniciativa privada.
Esse é o marco desta política do turismo e o papel do governo federal é
deferido, como coordenador e indutor das atividades (BECKER, 1999, p.
187).
Com a ampliação dos serviços turísticos prestados e conseqüentemente a gama
de profissionais atuando no setor, o governo percebe a necessidade de regulamentar outras
atividades inerentes ao turismo. Em vista disso, foi promulgada a Lei n
o
8.623, de 28 de
janeiro de 1993, regulamentando a profissão de guia de turismo, que deveria ter seu
cadastro junto à EMBRATUR ou órgão delegado por esta (PRESIDÊNCIA DA
REPÚBLICA, 2007).
No mesmo ano, o Decreto n
o
946, de 1 de outubro, redige a Lei supracitada.
Com isso, dependendo de sua formação, os guias foram classificados em regional, de
excursão nacional, de excursão internacional, e especializado em atrativo turístico,
dependendo da área de atuação. Para se tornar um guia era necessário ter concldo o
segundo grau e o curso de Formação Profissional de Guia de Turismo (PRESIDÊNCIA DA
REPÚBLICA, 2007).
Desde a implantação do Plano Collor, em 1989, até o Plano Real, em 1994,
ocorreu uma redução na atividade econômica, o que não poderia deixar de refletir no
turismo. Este quadro foi revertido a partir de 1994, com fatores como o aumento de renda
da população, o financiamento de passagens aéreas e pacotes, o crescimento no fluxo de
estrangeiros e o incremento do número de viagens domésticas (TRIGO, 2000).
Em 1994 foi laado o Programa Nacional de Municipalização do Turismo
(PNMT), seguindo metodologia da OMT, dando continuidade ao trabalho de
descentralização do poder federal. Assim, ficava destinada ao munipio a tarefa de
execução, mediante coordenação dos níveis estadual e federal. Inicialmente, a EMBRATUR
identificou os munipios turísticos e aqueles com potencial turístico e posteriormente foram
formados monitores, instituindo novos órgãos (Conselho e Fundo Municipal) para que o
munipio pudesse estar inserido no PNMT e ter prioridade no recebimento de incentivos
governamentais para desenvolver o turismo. Na visão de Dias (2003), uma política
municipal de turismo deve levar em conta cinco fatores: o modelo turístico que pode ser
desenvolvido no munipio; a urbanização e o grau de organização do território; a gestão do
turismo em escala local, com participação pública e privada; a necessidade de criar o
87
envolvimento da comunidade com o turismo; uma política de turismo que associe
divulgação e comercialização com a qualidade da oferta.
Em 1995, surgiram novos incentivos financeiros através do Programa Nacional
de Financiamento do Turismo, institdo pelo BNDES. No ano seguinte, foi lançado o
documento Política Nacional de Turismo: diretrizes e programas 1996/1999, formado por
um conjunto de diretrizes, estratégias, objetivos e ações formuladas e executadas pelo
governo federal, através do Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo (via
EMBRATUR), pelo Sistema Oficial de Turismo e pela iniciativa privada. Seus objetivos
sustentavam-se em cinco macroestratégias: implantação de infra-estrutura básica e turística;
qualificação dos profissionais do setor; modernização da legislação; descentralização da
gestão da atividade turística; promoção e divulgação do turismo no Brasil e no exterior
(DIAS, 2003).
Para colocar em prática as diretrizes da Política Nacional, o governo federal
utilizou diferentes programas: PRODETUR, PNMT, Programa Nacional de Ecoturismo,
Programa de Formação Profissional no Setor Turístico e o Plano Anual de Publicidade e
Promoção. Na concepção de Cruz:
A recente valorização do turismo no Brasil, traduzida na
implementação da PNT para o período de 1996-99, é resultado de
fatores como a crescente importância econômica que a atividade
vem adquirindo no mundo, traduzida na sua ascendente
participação na composição do PIB mundial; a necessidade de
diversificação de empregos; e a difusão de certo senso comum no
que se refere às “potencialidades naturais turísticas” do território
nacional, principalmente em se considerando o binômio sol-praia e
ecossistemas como Amazônia e Pantanal (CRUZ, 2001, p. 62).
Durante o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, foi aprovada nova
estrutura regimental do Ministério de Esporte e Turismo através do Decreto n
o
2.928, de 8
de janeiro de 1999. No que concerne ao turismo, o Ministério ficou responsável pela
política nacional de desenvolvimento da atividade, pela promoção e divulgação no País e no
exterior, por estimular as iniciativas públicas e privadas, além das funções de planejamento,
coordenação, supervisão e avaliação dos planos e programas relacionados ao setor
(PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2007).
88
Em uma mensagem enviada ao Congresso Nacional em 1999, o Presidente
afirmou que o turismo tornara-se prioridade para o governo devido a sua capacidade de
geração de emprego e renda. Durante seu mandato, foi dado continuidade ao PNMT, em
parceria com o Banco do Brasil, SEBRAE e OMT, cujo objetivo era “trabalhar a
conscientização na base sobre a importância econômica e social do setor turístico, com
impacto positivo no desenvolvimento local” (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2007).
Foram realizados investimentos em publicidade e Marketing para melhorar a imagem do
País no exterior, bem como campanhas visando a incrementar o turismo interno.
Segundo Beni (2006), inúmeros esforços do setor público focaram o
desenvolvimento do turismo no País como um todo, sem, no entanto, identificar a real
vocação turística das localidades. O projeto de educação para o turismo desenvolvido
através do PNMT possuía em sua essência idéias e um planejamento relacionado à
profissionalização do setor e qualificação dos produtos turísticos brasileiros, traduzindo a
importância que o turismo estava ganhando gradativamente para o poder público.
Entretanto, o Estado brasileiro não deu atenção aos impactos da atividade turística.
Conforme observado por Hall (2004), quanto maior a participação do turismo nas
estratégias políticas, maiores tornam-se seus impactos.
Novamente restringindo-se aos benefícios da atividade turística, o Decreto n
o
3.683, de 6 de dezembro de 2000, definiu o turismo como um dos setores prioritários para o
desenvolvimento regional das áreas abrangidas pelas Agências de Desenvolvimento
Regional. Mais tarde, o governo determinou empreendimentos prioritários nas regiões Norte
e Nordeste, beneficiados com redução no imposto de renda, entre os quais infra-estrutura
sica, agroindústria e turismo (Decreto n
o
4.212 e Decreto n
o
4.213, de 26 de abril de
2002) (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2007).
Em outubro de 2002, o Decreto n
o
4.402 regulamentou as atribuições do
Conselho Nacional de Turismo, órgão integrante do Ministério do Esporte e Turismo. Eram
responsabilidades do Conselho assessorar o Ministério na avaliação e formulação da
Política Nacional do Turismo, bem como auxiliar na elaboração de uma legislação turística
e zelar pelo desenvolvimento da atividade nos aspectos social, ambiental e cultural
(PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2007).
Com a posse do Presidente Inácio Lula da Silva, em 2003, foram reorganizados
os ministérios. Assim, a Medida Provisória n
o
103, de 1
o
de janeiro, criou o Ministério do
89
Turismo sob responsabilidade de Walfrido Mares Guia cujas atribuições diziam respeito
à política nacional de desenvolvimento do turismo, à promoção e divulgação do turismo
nacional, ao estímulo às iniciativas públicas e privadas de incentivo às atividades turísticas e
ao planejamento, coordenação, supervisão e avaliação dos planos e programas de incentivo
ao turismo (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2007).
A criação de um órgão federal exclusivo para lidar com os assuntos do setor
repercutiu positivamente entre os diversos atores envolvidos na atividade turística. No
entanto, Cruz e Sansolo (2003) afirmam que essa atitude sugere, de um lado, a crescente
importância que o governo estaria dando ao setor; de outro, deixa transparecer que o
turismo fica à margem de decies nos demais ministérios, excluindo seu caráter multi e
interdisciplinar, tendo como alternativa única a criação de um órgão específico para esta
atividade.
Após a nova estruturação dos órgãos públicos de Turismo, as responsabilidades
foram assim definidas (EMBRATUR, 2007):
Secretaria de Políticas de Turismo: formulação, elaboração e avaliação da
nova Política Nacional de Turismo (PNT), segundo as diretrizes do Conselho Nacional de
Turismo;
Secretaria de Programas de Desenvolvimento de Turismo: incentivar as
iniciativas pública e privada de fomento e promoção aos Programas Regionais de Turismo,
além de promover a produção e comercialização dos produtos associados ao Turismo;
Instituto Brasileiro de Turismo EMBRATUR: promoção e divulgação dos
produtos, serviços e destinos turísticos, no exterior;
Conselho Nacional de Turismo: órgão auxiliar ao Ministério de Turismo,
cujas atribuições permanecem segundo o Decreto n
o
4.402.
Naquele momento, o Ministério do Turismo tinha como metas criar e implantar
uma estrutura organizacional apta a conduzir o turismo para alcançar as metas prioritárias:
atingir até o ano de 2006 um total de 9 milhões de turistas estrangeiros por ano, gerando
divisas em torno de US$ 8 bilhões, e aumentar para 60 milhões os desembarques de vôos
domésticos, gerando 1,2 milhão de novos empregos no setor turístico. Conforme aponta
Dias (2003), o Ministério teria que atuar da seguinte maneira:
90
criar e implantar uma estrutura organizacional capaz de atingir as metas
estipuladas;
lançar o Plano de Metas para 2003-2006;
elaborar a PNT em parceria com demais organismos públicos, privado e
comunidade;
consolidar o Conselho Nacional de Turismo como espaço de discussão sobre
os assuntos do setor;
consolidar o Fórum de Secretários Estaduais de Turismo como instrumento
para implantar a PNT;
criar um sistema de acompanhamento e avaliação trimestral dos resultados da
PNT;
criar um Sistema Nacional de Pesquisa de Informações sobre a atividade
turística;
promover o turismo como fator de desenvolvimento econômico, geração de
emprego e distribuição de renda;
aprimorar os métodos para identificar o turismo na pauta de exportação e
importação;
colocar o turismo entre as macroestratégias do governo, promovendo sua
integração com os demais ministérios;
promover a descentralização da administração pública do turismo,
estimulando roteiros que enfatizem as diferenças regionais;
promover a qualificação dos recursos humanos do setor;
intensificar as ações para estimular investimento privados na área do turismo,
bem como aperfeiçoar as linhas de financiamento;
desenvolver os produtos que agreguem valor ao turismo, como o artesanato;
desenvolver e negociar ações, planos e projetos com órgãos internacionais.
Com a reformulação da máquina estatal responsável pelo setor do turismo, a
EMBRATUR também teve suas ações revistas, ficando responsável por (DIAS, 2003):
91
revisar a estrutura organizacional e gerencial da EMBRATUR, visando ao
cumprimento das metas e objetivos do novo Ministério;
incrementar o fluxo internacional de turistas e a conseqüente participação do
Brasil em termos mundiais;
potencializar os atrativos turísticos, criando novos produtos comercializáveis,
ampliando o turismo interno.
Em abril de 2003, o governo federal divulgou o PNT, com diretrizes, metas e
programas para 2003-2006. A proposta do Plano era fazer com que o Ministério do Turismo
integrasse os diversos segmentos do setor, enquanto que a EMBRATUR ficaria responsável
pelo Marketing e promoção do produto turístico brasileiro. O PNT busca mais uma vez na
sua redação a descentralização da gestão turística, dando maior autonomia à
municipalidade, monitorada pelo governo estadual, seguindo diretrizes em âmbito federal.
Alem disso, o PNT enfatizava a necessidade de aumentar o turismo interno e, em vista
disso, proporcionar o acesso ao turismo às diferentes classes sociais. Para nortear as
diretrizes e objetivos do PNT, foram definidos sete macroprogramas: gestão de Relações
Institucionais, fomento, infra-estrutura, estruturação e diversificação da oferta turística,
promoção e apoio à comercialização, informações turísticas. Para custear o PNT, seriam
utilizados recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), do FGTS e de incentivos
fiscais através de isenção de impostos (DIAS, 2003).
Na concepção de Cruz e Sansolo (2003), a mensagem encaminhada pelo
Presidente Lula junto ao PNT reproduz a idéia de que o turismo é a salvação para os
problemas cio-econômicos do País. Ainda na visão destes autores, o território, espaço
onde o turismo é consumido, foi abordado de modo secundário, como historicamente tem
acontecido no Brasil, predominando o viés econômico.
O Sistema de Gestão do Turismo proposto para o período estava organizado
como demonstra a figura reproduzida a seguir:
92
Figura 4: Sistema de Gestão do Turismo.
Fonte: Dias (2003).
O foco local foi representado através dos programas de municipalização, que
estruturavam roteiros nas diferentes regiões do Ps. As diretrizes partiam do Ministério do
Turismo com a Política Nacional, discutida junto ao Conselho Nacional de Turismo e nos
Fóruns dos Secretários Estaduais, repassadas à instância dos Fóruns Estaduais para
execução em base local. Segundo Tendler (1998), essa característica descentralizadora torna
o governo mais vulnerável às pressões da comunidade, facilitando as reivindicações. No
FÓRUM DOS
SECRETÁRIOS
ESTADUAIS
MINISTÉRIO
DO TURISMO
CONSELHO
NACIONAL
DE TURISMO
ELABORA
DISPONIBILIZA
- Políticas - Recurso da informação
- Programas - Recurso de capital
- Ações - Recursos de gestão e orientações
- Parcerias estratégicas
MONITORA
FÓRUNS ESTADUAIS DE TURISMO
AÇÕES
- otimiza e ordena as demandas - prioriza as ações emanadas da política
- propõe soluções dos problemas e - apóia a atuação dos extensionistas
“obstáculos”
MONITORA
REGIÕES/ROTEIROS INTEGRADOS E MUNICÍPIOS
93
entanto, Tendler (1998) considera que a descentralização exige maiores habilidades
políticas em vel nacional. Quanto a isso, será que o poder público federal brasileiro possui
estas habilidades para gerir a Política Nacional do Turismo?
Sob o comando do Ministro Walfrido dos Mares Guia, a estrutura do Ministério
do Turismo possuía as seguintes ações (EMBRATUR, 2007):
Programa de Regionalização do Turismo, um dos principais elementos de
execução da Política Nacional de Turismo;
Salão do Turismo Roteiros do Brasil, para viabilizar o acesso dos
consumidores aos produtos gerados pelo Programa de Regionalização;
Programas Regionais de Desenvolvimento (PRODETUR), com
financiamentos do Banco Inter-americano de Desenvolvimento (BID) para PRODETUR
NORDESTE II (US$ 400 milhões entre 2003-2009), PRODETUR SUL (US$ 250 milhões
entre 2005-1009), PROECOTUR (US$ 200 milhões entre 2007-2011) e PRODETUR JK
(US$ 250 milhões entre 2006-2010);
produção associada, buscando fortalecer a produção local;
qualificação e certificação, pretendendo aumentar a competitividade dos
destinos turísticos;
Programa Turismo Sustentável e Infância, através de campanhas
educacionais sobre o turismo;
Conselho Nacional de Turismo, objetivando assessorar o Ministério na
formulação e aplicação da Política Nacional e seus planos e programas;
Fóruns e Conselhos Estaduais de Turismo, constituindo um canal de ligação
entre governo federal e os destinos nacionais;
elaboração do Manual de Referência para Fóruns e Conselhos Estaduais;
promoção do turismo em parques nacionais;
desenvolver relações ente o turismo e a indústria cinematográfica,
fomentando o turismo a partir das obras audiovisuais apresentadas ao público.
Pretendendo a integração nas ações públicas de desenvolvimento, o Decreto n
o
4.793, de 23 de julho de 2003, criou a Câmara de Políticas de Integração Nacional e
94
Desenvolvimento Regional, tendo participação de diferentes representantes, inclusive do
Ministério do Turismo. Dentre as finalidades da mara, coordenar e articular as políticas
setoriais com impacto regional, com vistas a reduzir as desigualdades inter e intra-
regionais” (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2007).
A partir do Decreto n
o
4.898, de 26 de novembro de 2003, as competências da
EMBRATUR relacionadas ao cadastramento, classificação dos empreendimentos turísticos
e fiscalização dos mesmos foram transferidas para o Ministério do Turismo. Desta forma, a
EMBRATUR fica restrita a exercer as funções de promoção e divulgação do destino
Brasil” (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2007).
Um dos programas implantados pelo Ministério do Turismo de acordo com as
diretrizes do PNT é o Programa de Regionalização do Turismo Roteiros do Brasil,
seguindo modelos propostos pela OMT. O programa busca descentralizar a coordenação e
organização da atividade turística, mantendo ao mesmo tempo integração e sinergia nos
diferentes veis da administração pública. A finalidade é criar e desenvolver novos roteiros
no País, para promoção no exterior. Os objetivos dizem respeito a:
Ampliar e qualificar o mercado de trabalho; dar qualidade ao produto
turístico; diversificar a oferta turística; estrutura os destinos turísticos;
ampliar o consumo turístico no mercado nacional; aumentar a inserção
competitiva do produto turístico no mercado internacional; ampliar o
consumo turístico no mercado nacional e aumentar o tempo de
permanência e gasto médio do turista (EMBRATUR, 2007).
O Programa está orientado para executar ações de ordenamento, normatização e
regulação; informação e comunicação; articulação; envolvimento comunitário; capacitação;
incentivo e financiamento; infra-estrutura; promoção e comercialização. Cada uma destas
ações é bastante abrangente e teoricamente contemplam o turismo nas suas diferentes
dimensões. No entanto, a especificação de cada uma delas é limitada principalmente à
questão econômica da atividade, ou até mesmo, interesses políticos e individuais.
A idéia da gestão coordenada do Programa institui ações e órgãos em vel
nacional, estadual, regional e local, com participação de representantes do trade turístico, da
área acadêmica e de associações da comunidade. O Programa utiliza ferramentas como a
mobilização, sistemas de informação e monitoramento para alcançar seus objetivos.
95
A pretensão central do Programa parece fortalecer o turismo enquanto “indústria
sem chaminés”, pois existe um grande esforço relacionado à promoção turística de
munipios interioranos, criando produtos com atrativos naturais, culturais e outros, em
preferência à adesão de indústrias modernas e poluentes, que já estão instaladas nos grandes
centros urbanos. Este caso se aplica ao objeto do presente estudo, o Vale dos Vinhedos.
A regulamentação das empresas turísticas, limitando as atividades
exclusivamente aos empreendimentos cadastrados no Ministério do Turismo, foi redigida
novamente através do Decreto n
o
5.406, de 30 de março de 2005. Neste decreto foram
tamm identificados os serviços turísticos que necessitam de cadastramento: os meios de
hospedagem, as agências de turismo, as transportadoras turísticas, os prestadores de
serviços de organização de congressos, convenções, eventos, feiras e exposições, parques
temáticos e outros prestadores de serviços reconhecidos pelo Ministério do Turismo
(PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2007).
Nas eleições de 2006 Lula foi reeleito e no ano seguinte, em substituição ao
Ministro do Turismo Walfrido Mares Guia, assumiu o cargo Marta Suplicy. No icio de
seu segundo mandato, foi laado o PNT 2007-2010, cujo título é Uma Viagem de
Inclusão”. Na mensagem do presidente, foram destacados os números do turismo no Brasil,
justificando o porquê de a atividade ser prioritária para o Estado e a necessidade de
programas que incrementem o turismo interno, direcionados às diferentes classes sociais e
faixas etárias (EMBRATUR, 2007).
O sentido profundo deste Plano Nacional do Turismo 2007/2010 é a
inclusão social. Trata-se de erguer pontes entre o povo brasileiro e as
esferas de governo federal, estadual e municipal, bem como da iniciativa
privada e do terceiro setor, para construir um lazer que seja também uma
visão compartilhada da nossa terra, da nossa gente, da nossa imensa
vitalidade econômica, cultural e ambiental. Trata-se de um importante
estímulo para o turismo interno, que vai retribuir em empregos,
desenvolvimento e inclusão social. Não se trata apenas de incentivar um
negócio, mas de transformar em cidadania o direito de conhecer o nosso
País e a nossa identidade (EMBRATUR, 2007).
O PNT apresenta a seguinte visão:
96
O turismo no Brasil contemplará as diversidades regionais, configurando-
se pela geração de produtos marcados pela brasilidade, proporcionando a
expansão do mercado interno e a inserção efetiva do País no cenário
turístico mundial. A criação de emprego e ocupação, a geração e
distribuição de renda, a redução das desigualdades sociais e regionais, a
promoção da igualdade de oportunidades, o respeito ao meio ambiente, a
proteção ao patrimônio histórico e cultural e a geração de divisas
sinalizam o horizonte a ser alcançado pelas ações estratégias indicadas
(EMBRATUR, 2007).
Com relação aos objetivos do PNT, os mesmos são repetitivos: estruturar os
destinos e desenvolver a qualidade e competitividade do produto brasileiro, promover o
turismo como fator de inclusão social, garantir uma gestão descentralizada, apoiar a
melhoria da oferta turística, qualificar os recursos humanos, criar um sistema de avaliação e
monitoramento dos impactos da atividade, estratégias de integração regional. A redação do
PNT reproduz por diversas vezes a importância do turismo para a geração de bilhões de
divisas e milhões de novos empregos.
Apesar do interesse e dos diferentes programas do poder público, direcionados à
inclusão social através do turismo, a atividade é naturalmente excludente. Enquanto sua
realização como turista depende diretamente de disponibilidade financeira, a participação no
setor como profissional exige qualificação que na maioria das vezes não é acesvel a uma
população carente de recursos. Assim, programas de estímulo e desconto para viagens de
pessoas da terceira idade, por exemplo, são divulgados no País que possui alto índice de
idosos sem condições para cuidar da própria saúde, pois o governo federal não dise de um
plano de previdência compatível, nem um sistema de saúde que supra as necessidades.
Em 22 de janeiro do ano corrente Lula anunciou o Plano de Aceleração do
Crescimento (PAC), um programa com meta de crescimento do PIB de 5% ao ano e
investimentos de mais de 500 bilhões de reais até 2010 para diferentes setores produtivos. O
PAC trabalha com seis grupos de ações: infra-estrutura, estímulo ao crédito e ao
financiamento, melhora do ambiente de investimentos, desoneração e administração
tributária, medidas fiscais de longo prazo e consistência fiscal (PRESIDÊNCIA DA
REPÚBLICA, 2007).
Os benefícios que o PAC deverá propiciar ao turismo serão repassados através
de investimentos na infra-estrutura de transportes, de água e esgotos, de habitação social, no
investimento privado. Está previsto um investimento de 5,63 bilhões de reais em infra-
97
estrutura turística, sendo 689 milhões de reais em promoção externa e 294 milhões de reais
em promoção interna (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2007).
Dentre as competências do atual Ministério do Turismo, destaca-se a política
nacional de desenvolvimento sustentável da atividade, a promoção e divulgação no País e
no exterior, o estímulo às iniciativas públicas e privadas e o apoio ao desenvolvimento da
infra-estrutura necessária ao turismo. Atualmente, a estrutura pública específica para o
Turismo possui a seguinte configuração, aprovada através do Decreto n
o
6.163, de 20 de
julho de 2007 (EMBRATUR, 2007):
Figura 5: Estrutura Organizacional do Ministério do Turismo
Fonte: elaborado pela autora a partir da EMBRATUR (2007).
Assistência direta
Conselho Nacional
do Turismo
Gabinete
Secretaria
executiva
Órgãos
específicos
Diretoria Gestão
Estratégica
Diretoria Gestão
Interna
EMBRATUR
C
onsultoria
jurídica
Secretaria Nacional
de Políticas do
Turismo
Secretaria Nacional de
Programas de
Desenvolvimento do Turismo
Departamento de
Planejamento e
Avaliação do
Turismo
Departamento de
Estudos e
Pesquisas
Departamento de
Estruturação,
Articulação e
Classificação
Turística
Departamento de
Relações
Internacionais do
Turismo
Departamento de
Promoção e
Marketing
Nacional
Departamento de
Programas
Regionais de
Desenvolvimento
do Turismo
Departamento de
Infra-estrutura
Turistica
Departamento d
e
Financiamento e
Promoção de
Investimentos no
Turismo
Departamento de
Qualificação e
Certificação e de
Produção
Associada ao
Turismo
98
Em 30 de agosto de 2007, a Ministra do Turismo anunciou que, a partir de uma
avaliação técnica, foi constatado que Porto Alegre, Gramado e Bento Gonçalves são as
cidades gaúchas capazes de impulsionar o desenvolvimento das regiões em que estão
localizadas. Com isso, priorizou o recebimento de investimentos técnicos e financeiros
(através do PAC) para estas cidades, que estão entre os 65 destinos indicados no País
(CORREIO DO POVO, 2007).
Através das políticas públicas adotadas, o Ministério de Turismo enfrenta um
desafio, pois pretende formar um novo modelo de gestão pública, descentralizada e
participativa, na tentativa de conceber maior poder de decisão à municipalidade. A PNT
apresenta as diretrizes do governo federal, de modo a orientar as ões necessárias para o
desenvolvimento da atividade turística.
Cada órgão do Ministério do Turismo possui atribuições específicas, que no todo
têm a responsabilidade de desenvolver a atividade turística no País, articulando os diferentes
atores envolvidos no processo, sejam eles de outras esferas do poder público, da iniciativa
privada, da demanda, ou da comunidade receptora. Segundo a OMT (1998), as principais
funções dos Ministérios de Turismo ou agências de desenvolvimento do turismo dizem
respeito às pesquisas, estatísticas e planejamento; ao Marketing; ao desenvolvimento dos
recursos do turismo; à regulamentação da atividade; ao treinamento e educação dos
envolvidos; à facilitação do funcionamento dos empreendimentos turísticos.
Diferentes programas e políticas públicas têm sido formulados, acreditando que
o “desenvolvimento sustentáveldo Turismo possa beneficiar um número cada vez maior
de brasileiros, incorporando esta idéia ao discurso político dos governantes. No entanto, é
possível verificar uma dicotomia dentro do próprio discurso estatal: interesse social x
interesse econômico, no momento em que se avalia a política dos megaempreendimentos no
Nordeste do Brasil, causando irreparáveis danos ambientais e sócio-culturais. Segundo
Cruz:
O modelo de desenvolvimento que se tem levado a cabo no Brasil, ao qual
se sujeita também o turismo, é concentrador de renda, excludente e
perpetuador das desigualdades sócioespaciais, e o turismo, inserido nesse
modelo, reproduz, tal como qualquer outra atividade econômica,
contradições do sistema (CRUZ, 2000, p. 153).
99
Existe um aumento na preocupação do Estado com o turismo brasileiro nos
últimos anos, o que reforça sua importância para o Ps. O que nos parece é que a
importância econômica da atividade tem sido o fator responsável pela adesão do poder
público às idéias de melhorar o planejamento e aproveitamento do turismo como um todo,
utilizando meios legais para isso.
Sob a ótica de Cruz (2000), uma análise quanto às políticas nacionais de turismo
no Brasil permite uma divisão em três fases distintas: a primeira, até 1966, chamada de pré-
história jurídico-institucional, correspondente a diplomas legais restritos principalmente a
aspectos de agências de viagens; a segunda, a partir do Decreto-Lei 55/66 até 1991, através
da idéia de uma política nacional de turismo e a criação de organismos oficiais, cuja ênfase
estava na ampliação e melhoria da infra-estrutura hoteleira; e a terceira, com a revogação do
Decreto-Lei 55/66 e a reestruturação da EMBRATUR, até a atualidade. Ainda na sua visão,
a legislação turística possui até hoje expressões de significado amguo, causando o inverso
a que se proem as ações políticas, desorganizando ainda mais o setor. A política de
turismo somente pode ser bem-sucedida se articulada com outras políticas setoriais e se
entendida como uma pequena parte de um imenso jogo de relações” (CRUZ, 2001, p. 62).
De acordo com Beni:
O governo ainda detém a responsabilidade pela aceitação completa do tipo
de turismo desenvolvido, assim como a responsabilidade total, coletiva, de
assegurar que os benefícios dele auferidos, inclusive os financeiros, não
sejam obtidos em detrimento das necessidades sociais, culturais e
ambientais (BENI, 2004, p. 124).
Embora nos últimos anos o turismo venha obtendo importância no cenário
brasileiro, ainda hoje a atuação do poder público remete à histórica ineficiência do Estado
em organizar a atividade considerando-se o complexo conjunto de relações que a mesma
está inserida (CRUZ, 2000).
Com relação às políticas públicas e o planejamento do turismo brasileiro,
Barretto assinala que:
O que foi planejado e realizado abordou o turismo apenas como um
fenômeno econômico gerador de divisas. Porém, o turismo é mais do que
uma mercadoria para equilibrar a balança de pagamentos. Uma política
100
nacional de turismo deve abranger o aspecto social e psicológico dessa
atividade, a fim de que ela seja vista como uma atividade humana que
deve, como o lazer, ser parte essencial da vida (BARRETTO, 2002, p. 94).
Segundo Sessa (1982), o Estado possui um papel fundamental na atividade
turística e o estudo de uma política de turismo deveria ser de cunho regional para depois
tornar-se nacional. Assim, as particularidades de cada localidade poderiam ser discutidas em
um primeiro momento para que depois fossem organizadas diretrizes nacionais. Além disso,
ainda na sua visão, tal política deveria ser dinâmica, adequando-se às diversas mudanças
que ocorrem constantemente na sociedade.
Apesar das divergências, parece ser papel do Estado estar atento às mudanças
que ocorrem nos diferentes veis da sociedade, no intuito de promover que o
desenvolvimento possa envolver um grande número de pessoas. Do contrário, abarcando
um pequeno número de cidadãos, a falta de equilíbrio gera novos problemas sociais e talvez
pensar que o desenvolvimento possa chegar a todos os indiduos seja uma grande utopia.
A histórica política de turismo no Brasil, cujos moldes permanecem até hoje,
alicerçada no estímulo fiscal e financeiro para empreendimentos privados como forma de
gerar emprego e renda, reduzindo desníveis regionais, remete o Estado à função proposta
por Engels (1991). Muito além disso, levar adiante tal política faz com que o próprio Estado
articule interesses contrários aos princípios de igualdade, fortalecendo ainda mais os
antagonismos presentes na sociedade brasileira atual. O lazer e o turismo possuem uma
característica natural de inacessibilidade, seja física, mental ou material (financeira).
É necessário que haja uma política de turismo que não maximize lucros
enquanto minimiza perdas e prejzos; deve ser uma política séria e planejada, condizente
com a realidade do País e sua população, e o apenas mais um discurso ilusório para
eliminar os problemas brasileiros em quatro anos de mandato.
As diretrizes nacionais e a legislação para o turismo apresentadas nos últimos
anos enfatizam a importância da base local; o programa de descentralização da ação do
poder público no setor incide especificamente em cada produto turístico. Indiretamente,
inúmeras ações refletem no turismo e seus segmentos, como é o caso do enoturismo,
conforme será abordado nos capítulos seguintes.
101
3 PERCURSO METODOLÓGICO
Para concretização da pesquisa, diferentes instrumentos foram utilizados, como
forma de obtenção dos dados necessários para viabilizar a análise. Ao procurar o melhor
método de realização de um estudo, torna-se fundamental questionar-se constantemente
sobre todas as respostas que se deseja obter.
Para fins metodológicos, a presente pesquisa teve na sua composição três etapas
distintas: fase preliminar, fase complementar e fase analítica.
O primeiro momento, chamado de fase preliminar, foi constitdo da elaboração
do roteiro das entrevistas com representantes da iniciativa privada no Vale dos Vinhedos,
bem como um dos diretores da APROVALE, para que na seqüência fossem realizadas as
entrevistas. Nesta fase, o intuito era conhecer de que forma a iniciativa privada percebia a
participação do poder público no enoturismo na localidade. O instrumento utilizado é
disponibilizado no ANEXO M.
A fase complementar é caracterizada a partir da preparação do roteiro das
entrevistas e posterior aplicação junto aos secretários de turismo dos munipios de Bento
Gonçalves, Garibaldi e Monte Belo do Sul. O interesse era descobrir a visão destes com
relação ao desenvolvimento do Vale dos Vinhedos enquanto rota enoturística e qual o
envolvimento por parte das ações públicas. O instrumento utilizado é disponibilizado no
ANEXO N.
Já, o último momento, a fase analítica, é composto da pesquisa documental
visando a confrontar as informações coletas nas fases anteriores, identificando quais ações
do poder público fizeram parte da construção da rota Vale dos Vinhedos.
102
3.1 TIPO DA PESQUISA
Na abordagem científica do fenômeno turístico, as hipóteses são muitas vezes
formuladas a partir de um olhar subjetivo mesmo que reprovado cientificamente que
obtém resultados que não devem ser generalizados, visto que determinado problema ocorre
em um dado momento e situação específicos, com agentes envolvidos nas suas
particularidades, submetidos à análise de um indiduo interno ou externo à ocorrência. Esta
mesma situação pode acontecer com algumas variantes, produzindo dados e conseqüências
completamente diferentes das anteriores, sofrendo uma apreciação diversa daquela realizada
no caso anterior.
O presente estudo, ao focar sua análise no âmbito das políticas públicas e sua
relação com o enoturismo no Vale dos Vinhedos, baseou-se em um levantamento do tipo
descritivo-exploratório, caracterizando-se em um estudo de caso, partindo da análise
documental e da revisão bibliográfica para identificar as diferentes variáveis relacionadas ao
problema de pesquisa. A necessidade de relacionar com o método exploratório surgiu
através do interesse em caracterizar qualitativamente os elementos analisados (KÖCHE,
1997).
Dentre as duas grandes metodologias utilizadas nas indagações da atualidade
(quantitativa e qualitativa), o estudo foi guiado pela metodologia qualitativa, baseando-se
principalmente na análise de documentos. Segundo Goldberg (1999, p. 53), “os dados
qualitativos consistem em descrições detalhadas de situações com o objetivo de
compreender os indiduos em seus próprios termos”. É exatamente neste momento que
surgiu a análise crítica sobre informações não padronizáveis.
Os estudos que empregam uma metodologia qualitativa podem descrever a
complexidade de determinado problema, analisar a interação de certas
variáveis, compreender e classificar processos dinâmicos vividos por
grupos sociais, contribuir no processo de mudança de determinado grupo e
possibilitar, em maior nível de profundidade, o entendimento das
particularidades do comportamento dos indivíduos (RICHARDSON,
1999, p. 39).
103
Descartes (1996) tamm se fez presente na pesquisa, com respeito aos quatro
preceitos por ele propostos: nunca aceitar nada como verdadeiro; dividir as dificuldades
para melhor resol-las; ordenar os pensamentos a partir dos mais simples para os mais
complexos; e, por fim, revisar de modo o mais completo possível para garantir que nada
seja omitido. Afinal, analisar posicionamento político não é tarefa simples, pois requer o
máximo de atenção aos discursos relacionando-os com a prática, além do desprendimento
ideológico e partidário.
3.2 AMOSTRAGEM
O Vale dos Vinhedos é composto por pessoas físicas e jurídicas, envolvidas ou
o com a atividade enoturística local. Optou-se por pesquisar os associados da
APROVALE, por fazerem parte de uma associação cujos objetivos relacionam-se
diretamente ao turismo e ao desenvolvimento econômico da localidade.
Em vista disso, de um universo de 56 associados produtores e não produtores de
vinhos, definiu-se uma amostra constitda por empresas localizadas nos três munipios
que comem o Vale. Considerando-se que as ações do poder público diferem de acordo
com a localização dos empreendimentos, o critério adotado para escolha dos entrevistados
baseia-se no caráter geográfico. Neste sentido, foram escolhidos representantes localizados
no início da rota, na região mediana e no final da rota enoturística (adotado como sendo
Monte Belo do Sul). Além disso, no intuito de buscar o pensamento da coletividade foi
realizada entrevista com o diretor executivo da APROVALE.
A segunda parte da amostra foi constrda junto aos representantes do poder
público de Bento Gonçalves, Garibaldi e Monte Belo do Sul, responsáveis pelo
desenvolvimento do turismo na esfera municipal.
104
3.3 COLETA DE DADOS
Inicialmente, foi realizado uma série de entrevistas semi-estruturadas, junto a
nove representantes da iniciativa privada no Vale dos Vinhedos, com o intuito de identificar
de que maneira o poder público estaria atuando ou teria atuado na região. As entrevistas
foram previamente agendadas por telefone, efetuadas nos dias 4 e 5 de janeiro de 2007, com
um dos proprietários dos empreendimentos, obtendo autorização para serem gravadas
através de aparelhos modelo MP3. Compondo o grupo 1, foram realizadas entrevistas nas
seguintes empresas:
- Adega Cavalleri, Sr. Nilso Cavalleri;
- Adega Dom Cândido, Sr. Marcos Valduga;
- Angheben Adega de Vinhos Finos, Sr. Eduardo Angheben;
- Casa Valduga, Sr. João Valduga;
- Famiglia Tasca, Sr. Décio Tasca;
- Hotel Villa Michelon, Sr. Moisés Michelon;
- Pizzato Vinhos e Vinhas, Sra. Flávia Pizzato;
- Vallontano Vinhos Nobres, Sra. Ana Paula Valduga;
- Vinhos Don Laurindo, Sr. Ademir Brandelli.
Além dos empresários, e ainda fazendo parte do grupo 1, foi entrevistado o
Diretor Executivo da APROVALE, Sr. Jaime Milan.
Em um segundo momento, procedeu-se às entrevistas com representantes do
poder público e da APROVALE, objetivando o cruzamento das informações. Os
entrevistados, constituindo o grupo 2, foram os seguintes:
- Secretário de Turismo de Bento Gonçalves, Sr. Ivo da Rolt;
- Secretária de Turismo de Garibaldi, Sra. Ivane Remus Fávero;
- Secretário de Cultura e Turismo de Monte Belo do Sul, Sr. Álvaro Manzoni.
105
Para concretização da pesquisa documental, foi utilizada a análise histórica.
Foram coletados instrumentos legais (Plano Diretor e Lei Orgânica) dos munipios de
Bento Gonçalves, Garibaldi e Monte Belo do Sul, além da reunião de documentos da
legislação federal e estadual e o Estatuto da APROVALE. Tais informações foram
contextualizadas de modo cronológico, acompanhando a evolução da atividade turística no
País e sua inter-relação na sociedade brasileira.
No intuito de apoiar o diagnóstico das informações obtidas sobre o Vale dos
Vinhedos, é apresentada na seção de Anexos uma relação de imagens da região, realizadas
com uma câmera fotográfica digital, identificando diferentes resultados originados através
deste estudo. Não foi utilizado nenhum tipo de programa de computador que altere a
realidade das imagens. De acordo com Bittencourt (1998, p. 199), as fotografias
representam “o cenário no qual as atividades diárias, os atores sociais e o contexto cio-
cultural são articulados e vividos”. Deste modo, foi feito um recorte espacial o Vale dos
Vinhedos – e temporalno decorre do ano de 2007.
3.4 ANÁLISE DE DADOS
Os resultados obtidos na fase preliminar foram tabulados utilizando-se a técnica
de Lefèvre e Lefèvre (2003), construindo o discurso do sujeito coletivo, em primeira pessoa,
destacando as idéias centrais (ANEXO A). No momento em que os resultados das
entrevistas tornaram-se repetitivos, foi determinado o encerramento das mesmas para ser
realizada uma amostragem inicial.
Na fase complementar, os resultados foram compilados objetivando associá-los
com os dados originados na primeira fase. Desta forma, muitas divergências de discurso
foram identificadas.
Por fim, a análise documental foi ao encontro ou não dos resultados identificados
durante as fases anteriores, tecendo a proposta da pesquisa em si.
106
4 POLÍTICAS PÚBLICAS E O ENOTURISMO NO VALE DOS
VINHEDOS
Ao enaltecer o turismo como agente capaz de gerar divisas e solucionar os
desequilíbrios regionais, a legislação e as diretrizes federais pré-estabelecem a ação e a
legislação estadual e municipal com base nestes termos. Sob muitos aspectos, a
possibilidade de ganhos econômicos para um grupo em determinada situação possui valor
maior do que os possíveis impactos sócio-culturais ou ambientais resultantes para uma
localidade. Neste sentido, o Estado parece retornar à condição proposta por Engels (1991),
de regular a relação entre dominantes e dominados.
O crescente envolvimento do Estado brasileiro no turismo nos últimos anos o
é suficiente para reverter uma situação (ou até mesmo uma ideologia) edificada durante
décadas da falta de uma real política de turismo, envolvendo o planejamento da atividade.
Infelizmente as ações precisam ser reparadoras e é comum faltar espaço para as ações
preventivas e de planejamento em muitos destinos turísticos no País.
Conforme abordado no tópico 2.2.3, historicamente a ação pública na atividade
turística no Brasil em nenhum momento contemplou sua abrangência. No decorrer dos anos,
foi possível identificar que o turismo foi influenciado pelo Estado de forma indireta, a partir
de ações visando outros setores, com exceção aos incentivos fiscais e financeiros destinados
aos investidores da área turística.
Através do Programa de Regionalização do Turismo, muitos produtos foram
criados, de acordo com uma identidade e atrativos pré-existentes em cada localidade,
juntamente com sua comunidade, caracterizando uma iniciativa local. Na região da Serra
Gaúcha, já consolidada nacionalmente como produtora de vinhos, em um processo
intimamente ligado à cultura italiana ali presente, associou-se esta construção identitária e
cultural ao turismo, surgindo entre outros o roteiro enoturístico Vale dos Vinhedos. Neste
espaço turístico, conforme a pesquisa procura demonstrar, existiria a presença da iniciativa
107
privada, com envolvimento do poder público sob alguns aspectos. A seguir, um breve
resgate sobre o surgimento do Vale dos Vinhedos até sua formação atual.
4.1 VALE DOS VINHEDOS: BREVE HISTÓRICO
No final do século XIX, houve um intenso fenômeno migratório a partir da
Europa para outros continentes. Segundo Caprara e Luchese (2005), este fluxo ocorreu
devido às difíceis condições de vida da população dos Países de origem, face às
transformações sociais, políticas e econômicas ocasionadas pela expansão do capitalismo.
Um dos Pses que enfrentou tais dificuldades foi a Itália, que após cinqüenta
anos de luta conseguiu a unificação em 1870, pois desde a Idade Média o País estava
dividido em diversos estados independentes. Com as transformações políticas (a unificação)
e econômicas (a expansão do capitalismo), as tensões sociais e disputas pela terra devido ao
excesso de população tornaram-se mais acirradas. A emigração foi uma das soluções
encontradas pela Itália, sendo incentivada pelos governantes locais para resolver os
problemas sociais (DE PARIS, 1999).
Paralelamente, o Brasil também passava por algumas crises, principalmente com
relação à escassez de mão-de-obra ocasionada pela abolição da escravidão, em 1888, e a
conseqüente perda do trabalho escravo na agricultura brasileira. Além disso, existia o
interesse na colonização das terras devolutas do Rio Grande do Sul e no branqueamento da
raça, resultado do medo dos estadistas do Império de que o mesmo viesse a tornar-se um
Império Negro”. Assim sendo, para os governantes brasileiros o aporte de imigrantes ao
Brasil também foi uma manobra política (DE PARIS, 1999).
Durante o século XIX, muitos imigrantes foram destinados a instalar-se no Rio
Grande do Sul, recebendo terras e um lote, comercializado a crédito. Naquela época, os
agrimensores e engenheiros abriam a mata e identificavam os melhores locais para
construção da igreja, cemitério, escola, diretoria e espaços públicos das colônias. As terras
foram demarcadas baseadas na Lei de Terras de 1850 e o Regulamento Colonial de 1867.
108
Até a chegada definitiva dos imigrantes (na Encosta Superior do Nordeste os italianos eram
a maioria), a região atualmente conhecida como Serra Gaúcha serviu de passagem aos
tropeiros dos Campos de Cima da Serra (região de Vacaria), a caminho da Capital para
comercializar seus produtos. O local era inicialmente conhecido como Cruzinhadevido à
morte de um dos tropeiros que ali passou, tornando-se as colônias Conde d’Eu e Dona
Isabel, através do Ato de 24 de maio de 1870, com área de 32 léguas. A ocupação efetiva da
região ocorreu apenas em 1875, devido às distâncias com o porto de Rio Grande e com a
sede Porto Alegre (CAPRARA; LUCHESE, 2005).
Segundo Caprara e Luchese (2001), com o incremento de imigrantes na região
nos anos seguintes e o desenvolvimento econômico, as colônias Dona Isabel e Conde d’Eu
formaram o munipio de Bento Goalves, pelo Ato n
o
474, de 11 de outubro de 1890.
Assim sendo, estava organizado em cinco distritos: Vila, Zemith
33
, Palmeiro, Conde d’Eu e
Azevedo de Castro. Mais tarde, em 1894, o munipio agrupou-se em dois distritos: Distrito
da vila, somando os três primeiros distritos, e Conde d’Eu, reunindo os outros dois.
Em 1897 foi recriado o 3
o
distrito, denominado de Montebello (antigo distrito
Zemith). Três anos depois foi criado o munipio de Garibaldi (antigo distrito Conde d’Eu).
Bento Gonçalves criou seu último distrito, pela Lei Municipal n
o
1805, de 17 de agosto de
1990: o Vale dos Vinhedos. O 5
o
Distrito Vale dos Vinhedos é composto pelas linhas
Leopoldina, Graciema e Zemith, com área equivalente a 21,8km. Em 1992 Montebello se
emancipou, criando o munipio de Monte Belo do Sul (CAPRARA; LUCHESE, 2001).
Segundo De Paris (1999), o distrito recebeu a denominação Vale dos Vinhedos
devido aos imensos parreirais existentes na localidade, bem como sua posição geográfica,
seu solo e a altitude. Sua colonização aconteceu desde janeiro de 1877, com imigrantes
oriundos do Tirol, então região da Itália.
Nos primeiros anos da colonização, a economia do local era bastante
diversificada, cultivando trigo, feijão, milho, arroz e frutas para subsistência, pois o
excedente era de difícil comercialização, devido à precariedade dos meios de transporte.
Alguns imigrantes dedicaram-se ao comércio, ao artesanato ou à produção de
manufaturados. Os negócios começaram a diversificar-se: criação de animais, moinhos,
sapatarias, ferrarias, entre outros, e as estradas foram melhoradas para que pudesse existir
33
Alguns autores mencionam o nome como linha Zamith.
109
maior intercâmbio de produtos com outras regiões. Além destes produtos, os imigrantes
trouxeram na sua bagagem cultural o hábito do cultivo da videira para fabricação de vinho,
bebida comum na vida dos italianos. Nos relatórios enviados ao governo sobre a situação
das colônias nas primeiras décadas da colonização, era constante a menção sobre a
produção de vinhos, que ultrapassou 1,5 milhão de litros nas linhas Leopoldina e Zemith,
em 1884 (CAPRARA; LUCHESE, 2001).
Ao final do século XIX, a produção de vinho nas colônias era suficiente para
suprir as necessidades próprias de consumo e iniciaram as primeiras comercializações para
outras cidades maiores como Porto Alegre e Montenegro, transportado em carretões
puxados por mulas ou até mesmo no lombo dos burros. Tendo icio o novo século, muitas
estradas foram construídas ou melhoradas e o transporte dos vinhos produzidos nas colônias
passou a ser realizado através de carretas. Simultaneamente aconteceram as primeiras
remessas da bebida para outros estados brasileiros, pela iniciativa do toscano Antonio
Pierucini e do vicentino Abramo Eberle, ambos agricultores, “dotados de inteligência,
coragem e espírito pioneiro fora do comum(DE PARIS, 1999, p. 273). A conclusão da
ligação ferroviária entre Montenegro e Caxias do Sul em 1910 também impulsionou a
expansão da produção de vinhos, bem como a plantação de outras variedades de uva.
Nas últimas décadas, o vinho da região tornou-se referência nacional e
internacional. Em busca de maior competitividade no mercado, as técnicas de cultivo e
produção foram aprimoradas, aumentando a quantidade de vinho produzido, bem como sua
qualidade. Segundo Falcade e Mandelli (1999, p. 25), ficam impregnadas nas
características sicas e químicas da uva e do vinho as condições geográficas do terririo
onde foram produzidos, especialmente, aquelas devidas ao clima e ao solo”.
Neste sentido, as regiões vitivicolas são espaços delimitados reconhecidos
mundialmente ao associar a qualidade de seus vinhos ao clima e solo locais. O hábito de
mencionar a origem do vinho remonta à antiguidade e ganhou força com o passar dos
séculos, com a criação de diferentes regiões demarcadas para referir-se ao produto final,
servindo como parâmetro de qualidade. Dentre alguns exemplos, cabe destacar a região de
Champagne e Bordeaux, na França, Asti e Chianti, na Itália, Rioja e Jerez, na Espanha,
Porto e Douro, em Portugal (CLARKE, 2002).
Segundo a Organização Internacional do Vinho (OIV):
110
Indicação Geográfica Reconhecida é o nome do País, da região ou do
lugar utilizado na designação de um produto originário deste País, desta
região, deste lugar ou da área definida para este fim sob este nome e
reconhecido pelas autoridades competentes do respectivo País. No que se
refere aos vinhos, o reconhecimento desse nome, está unido a uma
qualidade e/ou característica do produto atribuídas ao meio geográfico,
que compreende os fatores naturais ou os fatores humanos e está
subordinado à colheita no País, na região, no lugar ou área definida (apud
FALCADE; MANDELLI, 1999, p. 26).
A legislação brasileira estabelece através da Lei n
o
9.279/96 como sendo
indicação de procedência “o nome geográfico de País, cidade, região ou localidade de seu
território que se tenha tornado conhecido como centro de extração, produção ou fabricação
de determinado produto ou de prestação de determinado serviço” (PRESIDÊNCIA DA
REPÚBLICA, 2007). É regulamentada pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial
(INPI).
Ao referir-se à denominação de origem, a legislação nacional enfatiza a relação
existente com a natureza, definindo como:
O nome geográfico de País, cidade, região ou localidade de seu território,
que designe produto ou serviço cujas qualidades ou características se
devam exclusivamente ou essencialmente ao meio geográfico, incluídos
fatores naturais e humanos (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2007).
Até meados de 1980, os produtores de uvas do Vale dos Vinhedos negociavam a
safra para grandes vicolas ou cooperativas da região, permanecendo com uma pequena
parte para produção de vinho para consumo familiar. Quando a comercialização de vinhos
entrou em queda e o preço da uva desvalorizou, os viticultores formaram pequenas cantinas
para fazer o próprio vinho e comercializá-lo diretamente ao consumidor, possibilitando um
aumento na lucratividade. Desta forma, para melhorar as vendas era necessário produzir um
vinho com maior qualidade, associado às mais diversas tecnologias existentes no mercado
vitivicola, além de obter reconhecimento para seus produtos (APROVALE, 2006).
Segundo Tonietto (2005), a partir da década de 1980 a Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) e o Centro Nacional de Pesquisa de Uva e Vinho
111
(CNPUV)
34
, de Bento Gonçalves, iniciou uma pesquisa para avaliar o potencial da região
vitivicola da Serra Gaúcha quanto ao fato de produzir um vinho de qualidade superior
associado ao terroir
35
. Mais tarde, em 1993, a Embrapa publicou um trabalho, que
interessou alguns produtores de vinhos da região (TONIETTO, 1993).
Na busca por maior competitividade, seis produtores do Vale dos Vinhedos se
uniram e criaram em 1995 a APROVALE, uma das exigências legais para obter a Indicação
de Procedência dos seus vinhos (APROVALE, 2006). Segundo os entrevistados do grupo 1,
os principais motivos para a criação da associação, dizem respeito à necessidade de união
para competir no mercado de vinhos, visto que as vinícolas eram de pequeno porte, bem
como o fortalecimento da região. Segundo seu Estatuto atual, é uma instituição cultural,
social e de pesquisa, sem fins lucrativos, cujos objetivos concentram-se nas ões em prol
do desenvolvimento sócio-econômico e turístico da região. Podem participar da associação
produtores e pessoas físicas e jurídicas com afinidade aos objetivos da APROVALE, através
de contribuição mensal (APROVALE, 2004).
Nos anos seguintes foram realizados diferentes estudos através da EMBRAPA
Uva e Vinho, da Universidade de Caxias do Sul e de pesquisadores da EMBRAPA Clima
Temperado e EMBRAPA Florestas
36
, objetivando identificar as características de solo e
clima, bem como critérios para sua delimitação. A solicitação para reconhecimento
geográfico do espaço limitado a uma área de 8.122,95ha, chamada de Vale dos Vinhedos
37
,
foi realizada em 1998. Em 2001 foi criado o Conselho Regulador a partir da normativa de
produção, responsável pela gestão, manutenção e preservação da indicação geográfica. Com
isso, foi desenvolvido o Selo de Controle Vale dos Vinhedos, exclusivamente para os
vinhos e espumantes elaborados a partir das uvas cultivadas no Vale dos Vinhedos e
34
A EMBRAPA Uva e Vinho iniciou suas atividades em 1942 como Estação de Enologia de Bento
Gonçalves. Em 1972 foi criada a EMBRAPA, com sede em Brasília e em 1985 a Estação amplia seu
funcionamento, sendo denominada Centro Nacional de Pesquisa de Uva e Vinho, sob autarquia federal
(EMBRAPA, 2007).
35
O termo francês terroir esassociado ao conjunto de solo, clima e exposição à luz que determinado espaço
possui, tornando-o único e interferindo nas características do vinho produzido a partir de uvas ali cultivadas
(CLARKE, 2002).
36
O projeto recebeu apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul (TONIETTO,
2005).
37
A região geográfica Vale dos Vinhedos abrange o distrito Vale dos Vinhedos (pertencente à Bento
Gonçalves), além de espaços nos municípios de Monte Belo do Sul e Garibaldi, conforme a Figura 6,
cujo
deságüe se dá no Arroio Pedrinho (APROVALE, 2006). No decorrer da presente pesquisa, ao utilizar Vale dos
Vinhedos considera-se a região com Indicação de Procedência e não apenas o distrito de Bento Gonçalves.
112
engarrafados na origem. O reconhecimento da indicação de procedência foi conquistado
junto ao INPI apenas em 2002 (TONIETTO, 2005).
Em 2006 a União Européia reconheceu a Indicação Geográfica Vale dos
Vinhedos, facilitando a comercialização dos vinhos nos Países que a integram. Atualmente
(2007), a APROVALE possui 32 vinícolas associadas e 24 associados não produtores de
vinhos, que estão trabalhando em busca da Denominação de Origem para a região
(APROVALE, 2006). A preservação da Indicação Geográfica e demais ações a ela
relacionadas ficam a cargo da APROVALE.
A região que compreende o Vale dos Vinhedos enquanto indicação geográfica
está inserida em 3 munipios gaúchos, conforme identificada no mapa seguinte: Bento
Gonçalves, sua maior extensão, no centro e à direita, Garibaldi, na parte inferior, e Monte
Belo do Sul, sua menor extensão, no canto esquerdo.
Figura 6: Mapa do Vale dos Vinhedos.
Fonte: APROVALE (2007).
113
No último levantamento realizado, a região possa 10,01% de área urbana (uso
urbano em meio rural, solo exposto e sistema viário), 43,03% de mata, 20,82% de área
agricultada e 26,14% do terririo com plantio de vinhedos (FALCADE; MANDELLI,
1999).
Atualmente, o Vale dos Vinhedos firmou-se enquanto roteiro enoturístico no
País. Nos últimos cinco anos o número de turistas quase triplicou, chegando a 105.737
visitantes em 2006, com a perspectiva de superar este dado no ano de 2007 (APROVALE,
2006).
No decorrer de seu desenvolvimento, a região do Vale dos Vinhedos foi
influenciada por algumas ações do poder público, além da iniciativa privada local. A seguir,
a apreciação sobre a ação pública no Vale dos Vinhedos e suas conseqüências, bem como
uma apreciação quanto à participação da comunidade e da iniciativa privada na atividade
enoturística.
4.2 POLÍTICAS PÚBLICAS NO VALE DOS VINHEDOS
Em um primeiro momento, ao realizarmos as entrevistas junto à iniciativa
privada do setor vitivicola, localizada no Vale dos Vinhedos, não foram identificadas
ações do poder público de grande importância para a rota. A partir da técnica do discurso do
sujeito coletivo (LEFÈVRE; LEFÈVRE, 2003), após determinar as expressões-chave e as
idéias centrais de cada um dos entrevistados, foi organizado um discurso disponibilizado no
ANEXO A.
Segundo os entrevistados do grupo 1, o apoio por parte do poder público é quase
inexistente, seja mediante incentivos à indústria vicola e à agricultura, ou ainda através do
estímulo e fiscalização da atividade turística local e sua infra-estrutura. Na sua visão, os
méritos do Vale dos Vinhedos são resultado de um esforço e uma vontade que nasceu da
iniciativa privada, obtendo pouco ou nenhum auxílio do poder público, que se isentou de
suas funções. Um dos entrevistados afirmou que “o poder público não ajudou, quem fez o
114
Vale fomos nós mesmos” (entrevistado n
o
07). Em outra entrevista, o respondente
desabafou:
Me parece que quando se fala em Vale, o Vale já está pronto. O Vale não
precisa do poder público, pois tem muitas empresas ricas, quando na
verdade, a minoria é de empresas grandes, que tem um retorno financeiro
de muitos anos. Mas realmente tem este consenso, de que o Vale por si
se vira (entrevistado n
o
08).
A ação do Estado na região pesquisada aconteceu em um primeiro momento
durante as últimas décadas do século XIX, através do estímulo à vinda de imigrantes para
ocupação das terras e desenvolvimento das localidades, conforme identificado a partir do
histórico do Vale dos Vinhedos. A iniciativa foi do governo federal, repassando a
fiscalização e o funcionamento das formações populacionais de imigrantes ao vel
governamental do estado. Esta ação foi responsável pela primeira organização espacial
deste território, deixando suas marcas no decorrer dos anos e gerações seguintes.
Como um processo dinâmico, com as transformações que a sociedade brasileira
vivia ocasionadas pela industrialização, foi ficando clara a separação dos trabalhos agrícolas
e não-agrícolas, como uma forma de organização do espaço, criando a divisão entre urbano
e rural (ROSSINI, 1986). Aos poucos o espaço rural foi ficando à margem do sistema
capitalista, sendo englobado pela lógica de produção, consumo e urbanização. No âmbito
rural, a agricultura de marcas familiares e minifúndio viu cada vez mais o Estado afastar-se
de suas obrigações enquanto gestor do bem coletivo, desamparando agricultores e suas
famílias, que se viram obrigados a buscar novas alternativas de sobrevincia (OLIVEIRA,
2001).
Embora as legislações em vel federal, estadual e municipal pretendam evitar o
êxodo rural, um dos responsáveis pela pobreza e marginalização dos centros urbanos
nacionais, não existe no País uma política agrária que torne viável a atividade do pequeno
produtor frente à industrialização. O Estado brasileiro não garante na prática uma política
que possibilite a revitalização do espaço rural e sua comunidade, desencadeando inúmeros
problemas para o Brasil, produtor principalmente de bens pririos.
Segundo Bauainain e Pires (2003), a questão agrária possui diversas dimensões,
entre elas, a concentração da propriedade da terra, minifúndios e terras improdutivas; a
115
situação da agricultura familiar; a expulsão da mão-de-obra; o mercado de terras restrito e
com problemas jurídicos; as famílias sem terra; os conflitos sociais e agrários. Tal situação
se manteve ao longo das décadas, pois as ações públicas surgem em resposta às pressões
sociais e não funcionam como forma de desenvolver a área rural frente à crescente
urbanização, possibilitando um espaço avesso à industrialização.
A falta de uma política adequada para o ambiente rural brasileiro é criticada por
diversos autores (BAUANAIN; PIRES, 2003; ROSSINI, 1986; OLIVEIRA, 2001). Isto
ocasiona algumas conseqüências também na atividade turística realizada no espaço rural, o
que é vivenciado no Vale dos Vinhedos. Na tentativa de garantir sua produção e
conseqüentemente a sobrevivência de suas famílias, os agricultores do local tiveram a
necessidade de agregar novos valores a sua terra. Com isso, criaram vinícolas e passaram a
administrar o próprio negócio, migrando da atividade especificamente com a terra, para as
responsabilidades enquanto empresários.
A produção de uvas na década de 1980, portanto, já não era mais destinada
exclusivamente para as cooperativas, pois os produtores começando a fabricar vinhos e,
com a boa aceitação do mercado local, criando empresas próprias, fazendo eles mesmos a
comercialização. Em um primeiro momento, o envolvimento do poder público na região
limitou-se a pequenos financiamentos para aquisição de equipamentos e maquirio
mínimo, além de apoio institucional através da EMBRAPA.
Junto à EMBRAPA Uva e Vinho, os agricultores tiveram a oportunidade de
esclarecer dúvidas sobre a vitivicola, além de adquirir mudas provenientes de novas
pesquisas. Foi a partir de estudos deste órgão federal que produtores do Vale dos Vinhedos
descobriram que poderiam proteger seus produtos legalmente, através de selos de
denominação de origem e indicação de procedência (TONIETTO, 2005). O Decreto n
o
99.066, de 1990, pode ter facilitado este processo ao determinar que a Serra Gaúcha é uma
das zonas de produção de uvas e vinhos no País (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2007).
A inexistência de políticas integradas que objetivassem o desenvolvimento da
localidade, mantendo seu aspecto rural e predominantemente agrícola, foi verificada nos
diferentes níveis de governo através da pesquisa documental. A grande contribuição do
poder público (e podemos considerar essencial para o desenvolvimento do Vale dos
Vinhedos) foi a base institucional fornecida pela EMBRAPA para concretização da idéia de
um selo de indicação de procedência, conforme abordado no tópico anterior.
116
Aos poucos, os agricultores-empresários aprimoraram seu conhecimento e
habilidade na produção de vinhos e na função gerencial, agregando tecnologia às mais
diversas etapas do cultivo da uva e da fabricação vinícola. Isto era realizado na sua maioria
através de financiamentos concedidos à agricultura familiar.
Segundo Fávero (2006), a atividade turística na região da Serra Gaúcha pode ser
identificada a partir da metade do século XX, quando turistas visitavam estas cidades no
período do verão, em busca de temperaturas mais amenas. Nas décadas seguintes, o poder
público municipal, seguindo a ideologia federal, passou a valorizar o processo de
industrialização e a infra-estrutura turística procurava atender os homens de negócios.
Antecipando as diretrizes concretas de uma política nacional de turismo
descentralizadora, em 1985 onze secretarias de turismo dos munipios da região da Serra
Gaúcha se reúnem para criar a Associação de Turismo da Serra Nordeste (ATUASERRA).
As cidades que formaram a ATUASERRA foram: Caxias do Sul, Antonio Prado, Flores da
Cunha, Garibaldi, Farroupilha, Bento Goalves, Veranópolis, Serafina Corrêa, Nova Prata,
Guaporé e São Marcos. O objetivo da entidade era o de resgatar e fortalecer o turismo da
região, que ficou à margem do processo de desenvolvimento das localidades, em
substituição à industrialização (PAULUS, 2003).
Em contrapartida, a cidade de Gramado voltava seus esforços para o turismo,
recebendo visitantes de diferentes estados brasileiros que, já na década de 1990 eram de
aproximadamente um milhão por ano, que aproveitavam para conhecer outros atrativos dos
arredores, inclusive a chamada Região Uva e Vinho. Para Fávero (2006, p. 75), “o vinho e a
uva, produtos autênticos da cultura regional, passaram a ser utilizados sistematicamente
como atrativo turístico. O passeio aos parreirais do Vale dos Vinhedos foi organizado e
disponibilizado aos turistas”. Estas ações foram realizadas através da ATUASERRA e da
iniciativa privada local.
Isso motivou alguns empresários de Bento Gonçalves a criarem novas opções de
lazer aos turistas que passaram a freqüentar a região de forma crescente. Dentre os novos
atrativos, foram organizados passeios a parreirais no Vale dos Vinhedos, a Ferrovia do
Vinho (passeio de Maria Fumaça) e o roteiro Caminhos de Pedra (VERO, 2006).
Atualmente, a ATUASERRA possui 30 associados, inclusive a participação da
iniciativa privada através dos Centros de Indústria e Comércio, Sindilojas, Comércio de
117
Dirigentes Lojistas e Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares da Região. Entre
os munipios que aderiram à associação, estão as secretarias de Carlos Barbosa, Casca,
Cotiporã, Fagundes Varela, Marau, Monte Belo do Sul, Nova Pádua, Nova Roma do Sul,
Protásio Alves, Santa Teresa, Veranópolis, Vila Flores e Vila Maria. Aos poucos o
envolvimento da iniciativa privada foi crescendo, formando uma estrutura mais
independente e quase todos os projetos para o turismo eram desenvolvidos através dos
próprios empresários. A 1997, a atuação da ATUASERRA limitava-se à promoção do
turismo na região. Nos anos seguintes, considerando-se o grande envolvimento da iniciativa
privada e suas reivindicações quanto à falta de participação do poder público na atividade, a
associação assumiu um papel de liderança no processo de desenvolvimento regional,
atuando em diferentes frentes: institucional, promocional, financeiro. Na questão de
profissionalização do setor, outros parceiros fizeram-se presentes, como a EMBRAPA e
instituições de ensino, tais como a Universidade Federal do Rio Grande do Sul e a
Universidade de Caxias do Sul, entre outros (SERRA GAÚCHA, 2007).
Apesar do conceito de uma associação regional forte, segundo o diretor
executivo da APROVALE, Sr. Jaime Milan, a ATUASERRA não pode ser considerada um
parceiro efetivo do Vale dos Vinhedos, pois seus esforços estão voltados para o
planejamento de outros atrativos turísticos da região. O envolvimento é, basicamente,
através da divulgação em eventos onde a ATUASERRA participa.
Na concepção de Fávero (2006), o que fica evidente no desenvolvimento do
turismo na Serra Gaúcha é a participação decisiva da iniciativa privada. O envolvimento do
poder público na atividade pareceu limitar-se a um apoio mínimo, conforme realmente
necessário. A infra-estrutura turística e os atrativos foram desenvolvidos pelos empresários
locais, em algumas vezes de forma desordenada, visto que era insuficiente a política
organizacional relacionada ao ordenamento espacial, somado ao processo de crescimento da
atividade turística.
Este aspecto foi identificado no Vale dos Vinhedos através do resgate junto às
vinícolas da região, bem como em uma pesquisa nas legislações municipal, estadual e
federal. A função do Estado de ordenar o bem público e sua utilização, de modo a assegurar
benefícios para a coletividade neste caso com relação aos mais diversos aspectos presentes
no turismo – não foi exercida em sua amplitude.
118
Convém salientar que o poder público teve um papel fundamental na
consolidação do Vale dos Vinhedos, através do suporte institucional e da ATUASERRA.
Não temos dúvida de que a participação da comunidade local, através da iniciativa privada,
foi aos poucos substituindo os deveres do Estado e tornou-se o agente protagonista. No
entanto, estudos sobre desenvolvimento local apontam que, para que este obtenha êxito, o
envolvimento ativo da população é condição sine qua non (PUTNAM, 2002), o que é uma
das possibilidades para a concretização do Vale.
A atuação do governo do Rio Grande do Sul relativa ao turismo tamm não deu
grande importância à atividade. Considerando-se a ação legislativa e fiscalizadora que cabe
à instância federal através do Ministério de Turismo e da EMBRATUR, aliada à política de
descentralização do desenvolvimento do turismo, que recai ao vel municipal ou regional,
o governo estadual pouco se envolve com o setor, com raras exceções.
A Constituição Estadual não legisla sobre o turismo diretamente. Faz referência
a aspectos gerais do território e o que a ele pertence, atingindo indiretamente a atividade
turística. É o caso da proteção dos bens culturais, dos tios de valor histórico, paisagístico,
artístico, arqueológico, paleontológico, científico e ecológico (artigo 221
o
). A preservação e
a fiscalização do meio ambiente também é mencionada (artigo 251
o
), bem como o estímulo
ao trabalho no campo e uma política agrícola (CONSTITUIÇÃO ESTADUAL, 2007).
Quanto ao desenvolvimento estadual e regional, a Constituição Estadual
estabelece no artigo 166
o
que tem como objetivos promover a melhoria da qualidade de vida
da população, a distribuição eqüitativa da riqueza com redução das desigualdades sociais e
regionais, a proteção da natureza e a organização territorial, a integração da organização, do
planejamento e da execução das funções públicas de interesse comum, a integração e a
descentralização das ações públicas setoriais em vel regional (CONSTITUIÇÃO
ESTADUAL, 2007).
Em termos de incentivos financeiros, o governo estadual, através da Secretaria
do Estado de Turismo, Desporto e Lazer disponibiliza financiamentos para diferentes tipos
de empreendimentos de infra-estrutura turística, através do BNDES, Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), Fundo de Amparo ao Trabalhador
(FAT) (SECRETARIA ESTADUAL DE TURISMO, DESPORTO E LAZER, 2007). No
entanto, tais incentivos não provêm das receitas do estado, pois são repassados pelo governo
federal.
119
Outro projeto para o turismo que envolve o poder público na esfera estadual é o
Programa de Desenvolvimento do Turismo do Sul (PRODETUR SUL), que abrange os
estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul. Além das
secretarias estaduais, fazem parte do programa a Secretaria de Planejamento e Gestão, a
Companhia Riograndense de Saneamento (CORSAN), a Secretaria do Meio Ambiente, a
Fundação Zoobotânica, a Secretaria da Cultura, a Secretaria dos Transportes, entre outras.
Os objetivos do PRODETUR SUL estão relacionados à geração de emprego e renda a partir
do incremento do turismo regional. Os investimentos do programa estão voltados para infra-
estrutura básica, estímulo à iniciativa privada e melhoria da capacidade municipal para gerir
o turismo (SECRETARIA ESTADUAL DE TURISMO, DESPORTO E LAZER, 2007).
Os primeiros investimentos do PRODETUR SUL foram destinados para
aplicação na região que compreende as serras do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina,
contemplando dezessete munipios, entre os quais, Bento Gonçalves e Garibaldi. A escolha
deste local está relacionada principalmente a três fatores: o fluxo turístico real ou potencial,
a existência de roteiros turísticos integrados e a diversidade de produtos e atrativos
turísticos. As obras previstas estão relacionadas ao sistema de transportes, com a
pavimentação de algumas rodovias e construção de um aeroporto regional na Serra Gaúcha,
além do esgotamento sanitário em alguns munipios (SECRETARIA ESTADUAL DE
TURISMO, DESPORTO E LAZER, 2007).
O instrumento de estímulo e aprimoramento da atividade turística na região é o
Plano de Desenvolvimento Turístico da Serra (PDITS), entendendo que o turismo pode e
deve contribuir para o desenvolvimento sustentável em termos econômicos, sociais,
institucionais e ambientais. O objetivo geral do plano é:
Promover a realização de ações conjuntas entre a comunidade regional,
iniciativa privada, parcerias institucionais estratégicas e Governo do
Estado, com vistas à formulação de propostas e implementação de
programas necessários ao desenvolvimento sustentável do setor turístico
gaúcho (SECRETARIA ESTADUAL DE TURISMO, DESPORTO E
LAZER, 2007).
As ações propostas pelo Plano são as seguintes: captar novos segmentos da
demanda; expandir a visitação turística nos destinos; captar eventos para a baixa temporada;
qualificar fornecedores e prestadores; promover o fortalecimento institucional e legal das
120
municipalidades; definir linhas de crédito para o setor; conservar e fortalecer a identidade
cultural e regional; fortalecer a consciência regional; adequar e ampliar a infra-estrutura
pública para garantir vida adequada às populações turísticas; buscar cooperação com
instituições nacionais e internacionais (SECRETARIA ESTADUAL DE TURISMO,
DESPORTO E LAZER, 2007).
O PRODETUR SUL, através do PDITS, apresenta uma política para incrementar
o turismo na região identificada que abrange diferentes aspectos da atividade. No entanto,
tal amplitude dificulta a compreensão quanto à real execução das ações, pois o Plano não
traz indicações práticas e objetivas de como colocar em funcionamento o planejamento
proposto. A alternância dos eleitos ao governo estadual e o atraso na execução das obras e
ações impede que a proposta seja levada adiante com seriedade pelos demais envolvidos.
Em termos de apoio à indústria vicola, o governo estadual criou em 1997 o
Fundo de Desenvolvimento da Vitivinicultura (FUNDOVITIS), através do Decreto n
o
10.989, vinculado à Secretaria da Agricultura e Abastecimento. O objetivo do Fundo é
custear e financiar as ações, projetos e programas da Política de Desenvolvimento da
Vitivinicultura Estadual(artigo 1
o
do decreto n
o
37.865). Os recursos do FUNDOVITIS
são provenientes de dotações orçamentárias do Estado, de contratos com instituições
públicas e privadas, multas que tenham sido aplicadas, doações de pessoa física e jurídica,
taxas cobradas pelos serviços de inspeção, fiscalização, controle e promoção do vinho, além
de outras receitas destinadas pelo governo. Durante as entrevistas realizadas, os
proprietários reclamaram que o governo estadual não estaria repassando adequadamente os
recursos do FUNDOVITIS (IBRAVIN, 2007).
Outra iniciativa que pode ser considerada isolada, mas que possibilitou novos
atrativos e uma programação artístico-cultural no Vale dos Vinhedos foi a criação do Dia
Estadual do Vinho. Foi um projeto do Deputado Estadual Iradir Pietroski, aprovado pela
Assembléia Legislativa e sancionado pelo Governador Germano Rigoto em 11 de dezembro
de 2003 (IBRAVIN, 2007).
Diretamente, o governo estadual não incentiva e não legisla a atividade
enoturística como um segmento específico, como é percebido nas rotas da Europa. A
incapacidade de associações regionais planejarem e legislarem sobre o turismo local,
característica própria do poder legislativo brasileiro, dificulta a existência de ações que
121
trabalhem os diferentes elementos presentes no Vale dos Vinhedos, objetivando seu
desenvolvimento.
Ao analisar a legislação brasileira direcionada ao turismo, foi corriqueiro
encontrarmos a função de que o poder público deve incentivar a atividade. No entanto, este
incentivo pode acontecer de diferentes formas e raramente é explicitado, dificultando seu
entendimento e possibilitando interpretações errôneas que colocam em risco determinado
destino turístico. Além disso, o interesse em incentivar o turismo limita-se a um resultado
econômico que pode não ser compatível com as conseqüências sociais, culturais ou
ambientais, como é o caso de visitações à ilhas e refúgios ecológicos, por exemplo.
É em vel municipal que as particularidades de cada destino turístico tendem a
ser mais diretamente tratadas. A legislação federal e estadual estabelece diretrizes e macro-
programas, que devem ser delineados pelos órgãos responsáveis pelo desenvolvimento da
atividade turística, sejam as prefeituras ou as associações públicas, mistas ou privadas. A
administração municipal possui dois importantes instrumentos legais para gerir os mais
diversos aspectos presentes em uma cidade: a Lei Orgânica, que é a legislação municipal, e
o Plano Diretor, institdo através do Estatuto das Cidades (Lei n
o
15.257, de 10 de julho de
2001), pelo qual o governo federal estabelece diretrizes gerais para uma política que visa à
organização do meio urbano, objetivando um ordenamento das cidades de forma a evitar
danos à sociedade atual e futura (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2007).
Sob a ótica de Souza (2006), a simples aprovação de instrumentos jurídicos e
urbanísticos para ordenar as cidades não é suficiente para superar os impactos sócio-
ambientais a que as cidades estão submetidas, sem que haja uma revisão nos métodos e
processos que norteiam as políticas públicas e a articulação da comunidade.
A elaboração do Plano Diretor é obrigatória para cidades:
I – com mais de vinte mil habitantes;
II – integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas;
III onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os instrumentos
previstos no § 4
o
do art. 182 da Constituição Federal;
IV – integrantes de áreas de especial interesse turístico;
V – inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com
significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional
(PRESIDÊNCIA DA REBLICA, 2007).
122
Com esta legislação, o processo de descentralização política possui uma
continuidade, concentrando-se em base local a ordenação e fiscalização de diferentes
aspectos no desenvolvimento das cidades como um todo, acompanhando diretrizes
estipuladas pelo governo federal. Assim, a influência das políticas públicas no Vale foi mais
facilmente constatada nas municipalidades onde o mesmo está localizado. No entanto, cabe
ressaltarmos que em nenhum vel da administração pública do Brasil foram encontradas
ações direcionadas exclusivamente à atividade enoturística no Vale dos Vinhedos, conforme
verificado em alguns Países europeus.
A seguir, a avaliação dos instrumentos legais dos munipios de Bento
Gonçalves, Garibaldi e Monte Belo do Sul, e a forma como as políticas públicas afetam
positiva ou negativamente a região pesquisada.
4.2.1 Ação Municipal no Vale dos Vinhedos: Bento Gonçalves
Conforme visto na Figura 6, o Vale dos Vinhedos possui sua maior extensão
pertencente ao munipio de Bento Gonçalves, com 15 vicolas associadas à APROVALE.
A cidade teve sua emancipação política em 11 de outubro de 1890 e, após o
desmembramento de alguns distritos, possui atualmente uma área total de 382 km
2
(PREFEITURA MUNICIPAL DE BENTO GONÇALVES, 2007).
O último censo (2007) realizado no munipio revelou uma população de
100.643 habitantes, configurando-se entre as 10 maiores economias do Rio Grande do Sul,
com destaque para a indústria moveleira e vitivicola, e de forma crescente nos últimos
anos, o turismo. Os números econômicos apurados em agosto de 2007 apontam a existência
de 1.234 indústrias, 3.404 estabelecimentos comerciais, 3.985 empresas prestadoras de
serviços e 1.777 profissionais autônomos e liberais. Em termos de infra-estrutura de
hospedagem, a cidade possui 29 meios de hospedagem (entre hotéis e pousadas) que
totalizam 2.201 leitos (PREFEITURA MUNICIPAL DE BENTO GONÇALVES, 2007).
123
O foco da administração pública esteve sempre voltado para o desenvolvimento
industrial (com ênfase para o setor moveleiro) e as dificuldades relacionadas à agricultura
provinham de instâncias superiores, ou seja, a falta de uma política agrária federal e
estadual adequada. Quanto ao turismo, as discussões seguiram as diretrizes nacionais
estabelecidas pela EMBRATUR e mais recentemente o Ministério do Turismo.
A Lei Orgânica de Bento Goalves contempla o turismo em alguns aspectos,
como é o caso da proteção ao patrimônio histórico-cultural e ao meio ambiente (artigo 6
o
).
Mas até mesmo em base local as políticas públicas são amplas, tanto quanto a legislação
federal e estadual (CÂMARA MUNICIPAL DE BENTO GONÇALVES, 1990).
No que diz respeito à atividade turística é feito menção quanto ao incentivo do
turismo, da mesma forma que à indústria e ao comércio da cidade (artigo 7
o
, XII). A ação
direta no turismo é apresentada no artigo 150
o
:
O Município promoverá a prática do turismo através de um Plano
Municipal de Turismo, aprovado pela mara Municipal de Vereadores,
apoiando e realizando os investimentos na produção, criação e
qualificação dos empreendimentos, equipamentos e instalações de serviços
turísticos, através de incentivos (CÂMARA MUNICIPAL DE BENTO
GONÇALVES, 2007).
Embora a Lei Orgânica tenha sido aprovada em 1990, até então não foi
elaborado o Plano Municipal de Turismo, conforme proposto. No artigo seguinte (artigo
151
o
), é responsabilidade do poder público municipal definir uma política de
desenvolvimento do turismo, definindo áreas prioritárias e favorecendo a criação de uma
infra-estrutura turística com recursos próprios ou participação da iniciativa privada
(CÂMARA MUNICIPAL DE BENTO GONÇALVES, 1990).
O Plano Diretor em vigência no munipio foi aprovado a partir da Lei
Complementar n
o
103, de 26 de outubro de 2006, com algumas alterações realizadas em
2007. Os objetivos, apresentados no artigo 1
o
são os seguintes:
I A promoção do desenvolvimento econômico e social do Município de
Bento Gonçalves;
124
II – Organização físico-territorial da área urbana e rural em termos de uso
e ocupação do solo tendo em vista a perfeita adequação entre as funções
urbanas e rurais bem como a adequada ocupação em cada zoneamento;
III – Ordenação e hierarquização do sistema viário urbano e rural;
IV – Conservação do patrimônio ambiental, histórico e cultural;
V Organizar o desenvolvimento sustentável, equilibrando aspectos
físicos, ambientais, econômicos e sociais;
VI – Articular ações públicas e privadas de transformação e agenciamento
do território;
VII – Garantir o bem-estar do conjunto de seus munícipes;
VIII Estabelecer as exigências a serem atendidas pelas propriedades
urbanas e rurais, situadas no território do Município, com vista ao
cumprimento de sua função social;
IX consolidação do Município de Bento Gonçalves, como pólo
vitivinícola, moveleiro e turístico, como fundamentos da economia
(IPURB, 2007).
Os objetivos do Plano não focam apenas o ordenamento e funcionamento da área
urbana. Ao considerar as potencialidades econômicas do munipio, relacionado-as ao setor
vitivicola e turístico, seria incompreenvel o legislar sobre o espaço rural, uma vez que
ambos desenvolvem-se neste ambiente, no caso de Bento Gonçalves. Os aspectos gerais
para o desenvolvimento sócio-econômico destacam em diversos momentos a atividade
turística e sua importância para o munipio, tanto em área urbana quanto rural.
Outro elemento que requer atenção do poder público é o patrimônio histórico e
cultural. Este é um dos princípios constantes no Plano Diretor, pois é visto como uma forma
de preservação da identidade local, que é utilizada como atrativo turístico, segundo o artigo
8
o
(IPURB, 2007).
O Plano estabelece ainda as diretrizes físicas, sociais e econômicas que devem
nortear as ações do munipio. Dentre elas, cabe destacar a ocupação adequada da zona
urbana e rural, respeitando as potencialidades naturais, culturais, ambientais, econômicas e
sociais; priorizar o interesse coletivo acima do interesse privado e particular (artigo 10
o
);
propiciar ocupação e moradia a todas as classes sociais, buscando mais igualdade (artigo
11
o
). O artigo 12
o
refere-se às diretrizes econômicas e ressalta no inciso II:
II incentivar o turismo, como elemento econômico e de auto-
sustentabilidade das zonas urbana e rural do município, através de
empreendimentos públicos e da iniciativa privada, partindo da preservação
e consolidação dos espaços turísticos existentes, tendo como fundamento a
125
vitivinícola e ao mesmo tempo criando novos espaços de acordo com a
vocação natural, física, econômica e social (IPURB, 2007).
Para legislar sobre alguma coisa, é necessário defini-la. Desta forma, o Plano
Diretor de Bento Gonçalves estabelece que zona rural é aquela que não abrange zona
urbana, com uso predominantemente agrícola, turístico, agro-industrial e de conservação
(artigo 17
o
). Através da divisão de zoneamentos, a lei identifica as diversas áreas do
munipio e o tipo de uso que pode ser realizado nas mesmas.
Um dos espaços delimitados é a Zona de Preservação à Paisagem do Vale dos
Vinhedos ZPPVV, que recebe restrições quanto ao seu uso. Assim, é permitida a produção
vitivicola na região, sendo que os vinhedos e a linha do horizonte recebem proteção,
impedindo a construção de edificações que venham a seccio-la, considerando-se o
território de abrangência do munipio (IPURB, 2007). A legislação específica sobre a
região é disponibilizada no ANEXO C.
Existem alguns empreendimentos no Vale que estão em desacordo com esta
proteção, pois sua instalação antecedeu as definições do Plano Diretor, como é o caso do
Spa do Vinho, uma construção vertical (ANEXO D). Na vio de um dos entrevistados:
Somos cobrados pelas construções, como fomos cobrados pelo Spa do
Vinho. Não deveriam permitir construções verticais, na horizontal. Os
hotéis são benéficos, mas tem que cuidar para não descaracterizar
(entrevistado n
o
04).
Durante as entrevistas, os representantes da iniciativa privada e do poder público
afirmaram que foi formada uma Comissão para representar a região, pois novos projetos
foram encaminhados à Câmara de Vereadores do munipio. No entanto, tais projetos o
receberam aprovação por não serem atividades que viessem a agregar valor ao entorno
vitivicola e turístico.
A avaliação de impactos presente no Plano compreende quatro instâncias:
impactos na paisagem, impacto no ambiente, impacto na estrutura funcional, e impacto no
desenvolvimento econômico e turístico (artigo 246
o
). Neste último caso, a avaliação é
realizada segundo o artigo 251
o
, através da criação e consolidação de cadeias produtivas,
uso econômico da terra, agregação de valor e diversificação” (IPURB, 2007). Não foi
126
encontrado nenhum documento que apresentasse uma proposta para avaliação de impactos
do recebimento de turistas no Vale dos Vinhedos, o que poderia auxiliar o planejamento
local.
Em entrevista realizada com o Secretário de Turismo, Sr. Ivo Da Rolt, o mesmo
acreditava no potencial turístico do munipio, que foi fortemente influenciado pela
divulgação do Vale dos Vinhedos. Por outro lado, o Secretário defendeu a necessidade de o
poder público municipal auxiliar a formatação e divulgação de novos produtos e atrativos
locais, considerando que o Vale já possui autonomia e independência e não possui
necessidade do auxílio público.
Ao proferir um discurso em uma das festas do munipio realizadas no mês da
colheita da uva, o atual Prefeito de Bento Gonçalves, Alcindo Gabrielli, afirmou que “não é
o munipio que faz o turismo; são os empreendedores”
38
. Tal afirmação acaba por enfatizar
um deslocamento do poder público de uma função ativa para uma atitude passiva.
Cabe esclarecer que existem as políticas públicas e as práticas públicas, visto que
muitas políticas o são colocadas em funcionamento. Apesar de existir uma preocupação
com o Vale dos Vinhedos por parte do poder público municipal, muitas das ações propostas
pela legislação não ocorrem na prática. O interesse em combater o êxodo rural ou em
ordenar a ocupação espacial, por exemplo, não é suficiente para evitar a especulação do solo
verificada no Vale. O uso do solo muitas vezes deixa de cumprir sua função social e passa a
fazer parte de uma função econômica devido a sua valorização em espécie, paralela à
desvalorização do produto do campo. Alguns proprietários comercializaram suas terras onde
antes eram cultivadas parreiras e outros terrenos estão à venda (ANEXO E). A cultura local,
parte do produto enoturístico, passa a ter novo formato com a vinda de pessoas de outras
localidades e com outros interesses na região.
Outra situação encontrada está relacionada à ocupação do solo com habitações
irregulares (ANEXO F). Está reclamação foi constante durante as entrevistas com o grupo
1. Na sua concepção, o poder público deveria organizar esta ocupação de modo a evitar um
choque com a paisagem enoturística e conseqüentemente o desagrado por parte dos turistas.
No âmbito das políticas federais, estaduais e municipais, é dever do Estado
ordenar a ocupação e possibilitar a todos os cidadãos uma habitação digna, com saneamento
38
Discurso proferido pelo Prefeito na abertura da Festa de la prima ua”, na localidade do Vale Aurora,
interior de Bento Gonçalves, no dia 13 de janeiro de 2007.
127
adequado. No entanto, as reivindicações por parte dos proprietários das vicolas
relacionam-se diretamente ao interesse em melhorar os acessos para o Vale dos Vinhedos,
que em todas suas direções está cercado por moradias inadequadas, o que prejudicaria a
vinda de turistas. Este espaço e dualizado por Grostein (2001, p. 4) de cidade formal”, a
que possui atenção do poder público, enquanto que o processo de transformação do espaço
através da expansão urbana desorganizada é chamada de “cidade informal”, pois cresce na
ilegalidade e na precariedade, devido à falta de investimentos e políticas públicas.
Analisar o Vale dos Vinhedos como o resultado de ações integradas de
desenvolvimento local, quando sua lógica faz parte de um sistema de exclusão é o mesmo
que colocar uma máscara que impossibilita ver a realidade como um todo. O Estado deve
priorizar o bem-estar da população em geral e o fato de organizar a ocupação naquele local
o deveria ser encarado como uma forma de adequar o produto turístico devido à pressão
da iniciativa privada. Esta ação seria, antes de mais nada, a oportunidade de integrar estes
moradores à realidade local. Afinal, segundo Knafou (1996, p. 73), “não é o espaço que
se planeja, mas toda a sociedade”.
4.2.2 Ação Municipal no Vale dos Vinhedos: Garibaldi
O munipio de Garibaldi teve sua emancipação política ao desmembrar-se de
Bento Gonçalves, em 31 de outubro 1900, com uma área atual de 167,69 km
2
. O censo de
2006 encontrou uma população de 29.709 habitantes, cuja base da economia está no setor
alimentício. Os números econômicos apurados no ano de 2006 apontam 289 indústrias, 675
estabelecimentos comerciais, 1.006 empresas prestadoras de serviços e 1.012 profissionais
autônomos e liberais (CÂMARA DA INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE GARIBALDI,
2006).
Da região do Vale dos Vinhedos pertencente a Garibaldi, cinco vicolas fazem
parte do munipio. Em termos econômicos, o setor não gera um número de empregos
significante, no entanto participa com aproximadamente 23% da geração de impostos. Deste
128
total, quase 18% são provenientes de três vinícolas associadas à APROVALE, figurando
entre as 25 maiores empresas geradoras de impostos, independente do segmento. Em termos
de turismo, a cidade recebeu em 2006, 130 mil turistas que visitaram cinco rotas turísticas
divulgadas pelo munipio, com pouca participação econômica devido à reduzida infra-
estrutura de hospedagem aproximando-se dos 5% pois o tempo de permanência do
turista é de um dia (CÂMARA DA INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE GARIBALDI, 2006).
Garibaldi elaborou em 1975 o Código de Posturas do Munipio (Lei n
o
1.332),
uma relação de atitudes frente a situações diversas, com algumas alterações realizadas nos
anos seguintes. O objetivo do digo é nortear as ações dos cidadãos do munipio,
conforme a moral, costumes e a cultural local, de modo a existir o respeito mútuo,
possibilitando a convivência comum (PREFEITURA MUNICIPAL DE GARIBALDI,
2007).
Em 1990 foi promulgada a Lei Orgânica do munipio, legislando sobre a
atuação do governo municipal em seus diferentes poderes de modo a desenvolver a cidade.
Diretamente relacionado ao turismo, o artigo 138
o
estabelece que:
O Município instituirá política de turismo e definirá as diretrizes, a
observar nas ações públicas e privadas, com vistas a promover e incentivar
o turismo como fator de desenvolvimento social e econômico (CÂMARA
MUNICIPAL DE GARIBALDI, 1990).
Consta ainda nesta Lei, no artigo seguinte, que o munipio de Garibaldi deverá
promover a prática do turismo mediante “investimento, na produção, criação e qualificação
dos empreendimentos com calendário de eventos, para a área rural e urbana” (artigo 139
o
).
Além disso, cabe ao poder público municipal regulamentar o uso e ocupação dos bens
naturais e culturais de interesse turístico (CÂMARA MUNICIPAL DE GARIBALDI,
1990).
Indiretamente, a Lei Orgânica abarca os diferentes elementos que comem a
atividade turística, como é o caso da proteção ao patrimônio cultural (artigo 129
o
) e a
preservação ao meio ambiente (artigo 154
o
) (MARA MUNICIPAL DE GARIBALDI,
1990).
129
Em 2006, o munipio definiu o Plano Diretor através da Lei n
o
3.562, que tem
por objetivo “ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da
propriedade urbana” (artigo 2
o
), cujas diretrizes dizem respeito a:
garantia a uma cidade sustentável;
gestão democrática;
cooperação entre governo, iniciativa privada e demais setores da sociedade;
planejamento do desenvolvimento da cidade e sua distribuição espacial;
oferta de equipamentos urbanos e comunitários de interesse da população;
ordenação e controle do uso do solo;
recuperação dos investimentos do poder público quando da valorização de
imóveis urbanos;
proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e constrdo,
do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico;
regularização de áreas ocupadas pela população de baixa renda;
simplificação da legislação de parcelamento e uso do solo;
isonomia de condições para os agentes públicos e privados na promoção de
empreendimentos e atividades relacionados à urbanização (PREFEITURA MUNICIPAL
DE GARIBALDI, 2007).
Este Plano Diretor define a divisão da área urbana e rural (ANEXO G),
instituindo zonas de uso específico. O artigo 11
o
determina que o espaço rural é destinado a
abrigar as atividades produtivas primárias e referidos serviços de apoio, além das
agroindústrias, indústrias, residências, servos rodoviários e demais equipamentos que
atendam à necessidade da comunidade rural. Ao delimitar a zona industrial (Z8), a insere
em lotes rurais (PREFEITURA MUNICIPAL DE GARIBALDI, 2007).
Essa legislação interpreta a zona rural como uma simples extensão da área
urbana, permitindo seu uso para outras atividades que acabam por ocupar o espaço até então
utilizado para atividades agrícolas.
130
Quanto ao Vale dos Vinhedos, não existe nenhuma determinação específica para
proteção e ordenamento do território. Enquanto o Plano Diretor de Bento Gonçalves
restringe o uso do solo na região, o munipio de Garibaldi não tem a mesma visão,
trabalhando em discordância em um destino turístico que necessita da integração do poder
público. Isto foi verificado, na construção de um condomínio residencial em uma área até
então considerada rural, de acordo com suas características e o mapa da cidade (ANEXO
H). O pedido foi realizado junto à Câmara de Vereadores que aprovou o projeto do
condomínio, sem participação da Secretaria de Turismo, que, segundo sua representante, a
Secretária de Turismo Ivane vero, foi informada posteriormente sobre a ação. Para um
dos entrevistados:
Garibaldi tem interesse de desenvolver loteamentos e o reconhecimento da
rota turística do Vale dos Vinhedos ficou de lado, aporque eles têm
outras rotas. Então, talvez o Vale não interesse, até porque a parte que está
em Garibaldi é pequena. No Alto das Videiras tinha parreiral e ouve um
choque de interesses, porque algumas vinícolas tentaram comprar pra
tentar manter o parreiral, mas o que valeu foi o dinheiro (entrevistado n
o
09).
Outra situação encontrada na região do Vale dos Vinhedos foi a instalação de
indústrias em espaço rural, com a aprovação do poder público e algumas vezes a ampliação
da zona urbana para possibilitar a instalação das mesmas (ANEXO I). Em entrevista com a
Secretária de Turismo, esta expansão da zona urbana trouxe novos problemas, pois a
instalação de aviários, uma das bases econômicas de Garibaldi, não é permitida em área
urbana.
O que fica evidente na legislação e no planejamento do turismo do munipio, é
a preocupação que a administração pública possui com relação ao patrimônio histórico, pois
determina uma zona específica de preservação (Z1, nas ruas centrais da cidade), ficando
proibido, até mesmo, mudanças na pavimentação do local. As zonas 10 (Zona Especial de
Ermida), 11 (Zona Especial da Ferrovia) e 12 (Zona Especial do Esqui), restringem as
edificações, pois são consideradas zonas de interesse turístico (PREFEITURA
MUNICIPAL DE GARIBALDI, 2007).
Segundo a Secretária de Turismo, o poder público municipal atua em três linhas,
buscando ações em conjunto com associações e trade turístico: o planejamento, através do
131
fomento e participação em rotas turísticas; a promoção, com diferentes ações para atrair
turistas em parceria com ATUASERRA, SETUR, Ministério do Turismo e Ministério do
Desenvolvimento Agrário; e eventos, através de apoio e intermédio com o Ministério da
Cultura.
Na sua visão, o Vale dos Vinhedos é muito importante para o turismo na região
sendo um dos principais atrativos, mas a comunidade de Garibaldi não tem consciência de
que faz parte do Vale, pois este está muito atrelado a Bento Gonçalves. Ao considerar a
forte influência privada da rota, não existe um trabalho integrado entre as administrações
municipais, o que dificulta o pensamento convergente para o desenvolvimento do
enoturismo. O poder público de Garibaldi é mais atuante em outras rotas da cidade e
participa da rota Vale dos Vinhedos quando é solicitado, não se caracterizando um parceiro
envolvido na realidade e nas dificuldades do Vale. Ainda sob a ótica da Secretária, nem
mesmo no poder público existe um consenso sobre a preservação da paisagem e das áreas
de produção vitivicola, o que prejudica as decies quanto ao uso do espaço em que está
inserido o Vale.
Tanto a análise da legislação municipal quanto o resultado das entrevistas
remetem ao fato de que os interesses de um determinado munipio divergem dos demais,
quando a necessidade está no entendimento e na busca do desenvolvimento regional. Ações
públicas isoladas no Vale dos Vinhedos produzem conseqüências que atingem não apenas o
produto turístico, mas toda uma cadeia cio-cultural que se articula para adequar-se em
uma nova concepção de vida, caracterizada pela urbanização e pela industrialização.
4.2.3 Ação Municipal no Vale dos Vinhedos: Monte Belo do Sul
Similar ao munipio de Garibaldi, Monte Belo do Sul teve sua emancipação
política ao desmembrar-se de Bento Gonçalves em 20 de março de 1992, e possui uma área
total de 70 km
2
, incluindo neste número a área do Vale dos Vinhedos, cuja menor parte está
inserida em Monte Belo do Sul (Figura 6), com a presença de apenas uma vinícola. Da área
132
total do munipio, 21,6% equivale à zona urbana e 78,4% come a zona rural (ANEXO
J). Com relação à população, no ano de 2006 era de 2.879 habitantes, sendo caracterizados
864 habitantes na zona urbana e o restante na zona rural, visto que a maior área encontra-se
em espaço rural (PREFEITURA MUNICIPAL DE MONTE BELO DO SUL, 2007).
Economicamente, o munipio é predominantemente agrícola. Esta atividade
representou no ano de 2006 74,57% da arrecadação, enquanto a indústria equivaleu a
11,26%, o comércio 7,33% e o setor de serviços 6,81%. Segundo o Secretário de Cultura e
Turismo, Sr. Álvaro Manzoni, o índice de servos foi maior no último ano devido à
instalação de uma indústria de móveis. Do contrário, atinge em torno de 3%. Deste
percentual, a atividade turística não chega a 2%, pois a infra-estrutura turística fica restrita
ao artesanato, poucas vinícolas, um hotel, um restaurante, o mini-zoológico, a tanoaria. A
cidade recebe aproximadamente 10 mil turistas por ano, oriundos na sua maioria da própria
região ou de outras no Rio Grande do Sul, cujo foco é o Vale dos Vinhedos (PREFEITURA
MUNICIPAL DE MONTE BELO DO SUL, 2007).
A Lei Orgânica do Munipio, instituída em 06 de dezembro de 1994, visa ao
melhor aproveitamento da localidade e seus diferentes aspectos em prol da coletividade. No
artigo 11
o
, apresenta-se como uma das competências do munipio “incentivar o comércio, a
indústria, a agricultura, o turismo e outras atividades que visem ao desenvolvimento
econômico” (CÂMARA MUNICIPAL DE MONTE BELO DO SUL, 2007).
O processo de planejamento da cidade iniciaria de fato após a elaboração do
plano diretor, dispondo sobre o sistema viário urbano e rural, o zoneamento urbano, as áreas
de expansão, as edificações, os serviços públicos, as áreas de recreação e lazer e de
desenvolvimento industrial (artigo 78
o
) (CÂMARA MUNICIPAL DE MONTE BELO DO
SUL, 2007).
É um tanto complexo legislar com pensamento urbano sobre um espaço cujas
características são predominantemente rurais, a começar pelo reduzido número populacional
e sua base econômica voltada para a agricultura, sem traços marcantes de industrialização,
conforme apresentado anteriormente.
Os aspectos históricos e culturais presentes na localidade também remetem a um
ambiente rural. Com isso, o incentivo à preservação dos bens histórico-culturais está
calcado na possibilidade de utilizá-lo como forma de divulgação do munipio, presente no
133
artigo 128
o
da Lei Orgânica. Quanto à proteção ambiental, esta Lei considera áreas de
proteção permanente as nascentes dos rios e as paisagens notáveis (artigo 138
o
) (CÂMARA
MUNICIPAL DE MONTE BELO DO SUL, 2007).
Ao referir-se especificamente à atividade turística, o artigo 131
o
estabelece que:
Atras de um Plano Municipal o Município promoverá a prática do
esporte e do turismo propondo investimentos e a instalação de
equipamentos de esporte e serviços turísticos, bem como um calendário de
eventos e atrações, buscando infra-estrutura turística, com recursos
próprios ou com a participação da iniciativa privada (CÂMARA
MUNICIPAL DE MONTE BELO DO SUL, 2007).
De acordo com o Secretário de Cultura e Turismo, quando da execução e
aprovação da Lei Orgânica o munipio não possuía um departamento responsável pelo
turismo, sendo este associado ao desporto e ao lazer, o que era comum inclusive em vel
federal, até a institucionalização do Ministério do Turismo. Apenas em 2006 foi criada a
Secretaria de Cultura e Turismo, mais atuante no sentido de desenvolver a atividade
turística e a proteção do patrimônio histórico-cultural. Apesar disso, o Plano Municipal de
Turismo ainda não foi elaborado, permanecendo a realização de ações isoladas.
Segundo o Estatuto das Cidades, Monte Belo do Sul não teria a obrigatoriedade
de elaborar um Plano Diretor, visto o número de habitantes. No entanto, a Câmara de
Vereadores aprovou o projeto, como forma de melhor gerir os conflitos da comunidade,
bem como o desenvolvimento do munipio. A Lei n
o
745, de 05 de outubro de 2006, é o
instrumento legal que dispõe sobre o Plano Diretor e a ordenação territorial (PREFEITURA
MUNICIPAL DE MONTE BELO DO SUL, 2007).
Dentre as finalidades do Plano, cabe ressaltar o fomento à cultura, ao turismo e
ao lazer, além do interesse que o desenvolvimento local seja compatível com o dos
munipios vizinhos, integrando-se à Serra Gaúcha (artigo 2
o
) (PREFEITURA
MUNICIPAL DE MONTE BELO DO SUL, 2007). Esse interesse é compreenvel pelo
fato de que a vinda de turistas está diretamente ligada ao Vale dos Vinhedos. Apesar da
intenção, os entrevistados do grupo 1 e 2 criticaram a instalação de uma grande indústria de
móveis na cidade (ANEXO K), prejudicando a paisagem dos vinhedos protegida pelo Plano
Diretor de Bento Gonçalves, o que dificulta um diálogo em âmbito regional. Em entrevista
134
com o Secretário de Cultura e Turismo, o mesmo ressaltou que a negociação para instalação
desta indústria aconteceu na administração anterior e, de fato, não foi discutida no âmbito
do Vale. “Na realidade, não sei muito a respeito da vinda da indústria porque toda a
negociação para sua instalação foi feita com o prefeito anterior, então desconheço quais
foram as facilidades disponibilizadas”.
Como diretrizes para o desenvolvimento econômico, o Plano Diretor estabelece
a promoção de programas do setor turístico, cultural e de lazer, através do uso racional dos
bens naturais e culturais, incentivando a criação de novos loteamentos com este fim (artigo
4
o
) (PREFEITURA MUNICIPAL DE MONTE BELO DO SUL, 2007). A vinda de
empreendimentos turísticos, devido à quase inexistência de infra-estrutura turística, é
tamm incentivada através da Lei n
o
262, de 30 de março de 1999, desde que não incida
encargos financeiros para o munipio. Esta Lei considera projetos de natureza turístico-
cultural aquele que:
I Destacar aspectos da paisagem natural e urbana e da cultura
caractesticas do território e formação étnica da população do Município;
II promover a atividade no território do município, com base nos fatores
referidos no inciso anterior;
III – incrementar a atividade econômica de caráter turístico no território do
Município;
IV integrar em programas turísticos a visitação de estabelecimentos
industriais, comerciais e culturais estabelecidos no território municipal e
pontos de atração reveladores da paisagem, economia e cultura,
caractesticas de sua topografia e memória (PREFEITURA MUNICIPAL
DE MONTE BELO DO SUL, 2007).
Através do Plano, cabe ainda à administração municipal elaborar uma política de
estímulo à instalação de indústrias (artigo 8
o
), que deverão ser implantadas
preferencialmente no perímetro urbano (PREFEITURA MUNICIPAL DE MONTE BELO
DO SUL, 2007). Com esta ação, o interesse do poder público talvez esteja mais focado na
captação das receitas geradas pela industrialização do que na própria geração de empregos,
pois ainda não existe uma população marginal que viva na cidade. Segundo o Secretário,
existe um consenso no poder público municipal de que a vinda de indústrias é benéfica para
o orçamento, no entanto, o pode descaracterizar e prejudicar o turismo local. O
135
incremento no orçamento conseqüentemente melhoraria a verba para a Secretaria, que é
atualmente em torno de 0,8%.
Durante a entrevista, o Sr. Álvaro informou que recentemente foi aprovada a
instalação de uma indústria de sucos, e para tal foi expandida a delimitação da zona urbana,
acreditando-se que esta indústria agrega valor à localidade, bem como ao produto em si (a
uva), pois 90% da colheita é comercializado externamente.
É dever do munipio formular uma política voltada para o setor terciário,
levando em conta os serviços ligados diretamente à atividade turística, o comércio de
artesanatos e doces locais, programas de incentivo ao setor hoteleiro e a realização de feiras
e exposições (artigo 14
o
). Compete à Secretaria de Cultura e Turismo promover,
implementar e incentivar atividades culturais (artigo 31
o
) (PREFEITURA MUNICIPAL DE
MONTE BELO DO SUL, 2007). Além disso, o poder municipal deve criar programas de
divulgação e apoio ao turismo local, conforme ANEXO L.
Atualmente, a administração municipal possui em andamento o projeto
intitulado “Construindo Monte Belo Mais Belo”, objetivando e embelezamento e
valorização do espaço urbano, criando uma paisagem turística. Entre as ações do projeto:
- construção dortico na entrada da cidade e melhorar o entorno;
- revitalização da praça central;
- construção das calçadas com basalto irregular;
- arborização com plantio de plátanos e incentivo ao plantio de gerânios nas
janelas;
- criação e funcionamento do Conselho do Patrimônio Histórico, Artístico e
Cultural (COMPHAC), através da Lei n
o
370, de 02 de maio de 2001;
- melhoramento do tráfego da entrada e saída da cidade;
- concurso para escolher o melhor jardim;
- construção de trilha de caminhadas para meditação (PREFEITURA
MUNICIPAL DE MONTE BELO DO SUL, 2007).
A legislação de Monte Belo do Sul o possui ações específicas para a região
que compreende o Vale dos Vinhedos e, segundo o Secretário, as discussões em vel
136
regional acontecem com maior freqüência através da ATUASERRA, na sua concepção, um
importante órgão para o contexto turístico regional. Ainda na visão do Secretário, é
necessário ter em mente a diferente realidade dos munipios, citando como exemplo a
impossibilidade de construir prédios com mais de três andares na sua cidade, o que não faz
parte das diretrizes das demais. Ao mesmo tempo, as cidades que possuem identidade
cultural similar devem estruturar planos em conjunto, enfatizando o trabalho da Micro-
região da ATUASERRA, que compreende os munipios Monte Belo do Sul, Santa Tereza,
Garibaldi, Carlos Barbosa, Bento Gonçalves e Farroupilha. Para o Secretário, o poder
público deveria destinar uma verba obrigatória para aplicação em cultura e turismo, como
existe para a saúde e educação.
Com relação ao uso do solo, a área do munipio é divida em quatro macrozonas:
a urbana, a rural, a de expansão urbana e a de urbanização específica (artigo 63
o
). O Plano
prevê ainda criação do Plano Municipal de Desenvolvimento Rural, objetivando melhorar o
setor agropecuário (artigo 105
o
), inclusive através do estímulo à vitivinicultura
(PREFEITURA MUNICIPAL DE MONTE BELO DO SUL, 2007). No sentido de
preservar o espaço rural, o artigo 107
o
determina que:
Qualquer pretensão de alteração do solo rural para fins urbanos deverá ser
precedida de memorial justificativo e explicativo de que o
empreendimento agrega ao Município valores culturais, turísticos e
econômicos, respeita o meio ambiente e não prejudica a produção rural,
além das demais exigências eventualmente existentes em lei específica
(PREFEITURA MUNICIPAL DE MONTE BELO DO SUL, 2007).
Parece faltar neste artigo a definição de alguns aspectos, caracterizando a
principal dificuldade na legislação para o turismo em âmbito federal e estadual: a
ambigüidade. O que significa um empreendimento que agrega valor cultural? E turístico?
Talvez o econômico seja o mais simples de se detectar e acaba tornando-se a base das
escolhas públicas. Nos resta saber se o uso do solo de forma mais adequada é aquele que
realmente compreende a função social, tão exaustivamente defendida na legislação
brasileira, ou aquele que agrega valor” aos munipios, contemplando sumariamente a
função econômica do solo.
137
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao focar o estudo do enoturismo no Vale dos Vinhedos, é possível pesquisar
diferentes segmentos de análise. A presente pesquisa norteou-se pelo envolvimento do
poder público com a atividade turística, cujo objetivo geral caracterizou-se em compreender
o papel do Estado e sua inter-relação com o turismo e as políticas públicas para o
enoturismo no Vale dos Vinhedos, paralelo à participação da iniciativa privada local.
Cabe ao Estado planejar o melhor uso dos bens pertencentes ao seu território,
desenvolvendo as atividades concernentes a suas características, buscando a minimização de
problemas. No que tange ao turismo, o poder público possui a responsabilidade de
incentivar, fiscalizar e planejar o desenvolvimento do setor, visando à reprodução de
benefícios econômicos, sociais e ambientais, além da minimização dos impactos.
Apesar da legislação brasileira direcionada ao turismo pretender na sua redação
reduzir os desníveis regionais e os problemas cio-econômicos do País, o Estado nacional
acaba por regular a relação entre dominantes e dominados. Através da atividade turística e
as pressões do setor, está relação fica mais evidente, aumentado a distância entre eles. Estes
resultados vão ao encontro do objetivo a).
Contemplando o objetivo b) da pesquisa, identificamos que o Estado brasileiro
sempre participou de forma pontual e restrita na atividade turística do Ps. Apenas nos
últimos anos o governo buscou planejar o turismo ampliando sua visão, mas ainda de forma
limitada aos discursos eleitorais diretamente ligados à geração de empregos e renda. Não
duvidamos da necessidade deste aporte para a população brasileira, no entanto, a teoria
raramente foi colocada em prática.
No Rio Grande do Sul, o poder público vem atuando no turismo como um
espectador. Com as alterações em âmbito federal referentes ao setor, o governo estadual
tornou-se um mensageiro das diretrizes nacionais para execução com base local,
138
colaborando no Vale dos Vinhedos com a pavimentação do acesso principal e com ações
isoladas de divulgação.
Com relação ao objetivo c), identificamos que tanto a legislação federal, quanto
a estadual e a municipal, buscam a proteção do patrimônio histórico-cultural, como forma
de garantir a identidade dos destinos turísticos. Em termos de bens materiais, esta proteção
está diretamente vinculada ao IPHAN, que aprova projetos e orçamentos. Mas com relação
à cultura, um elemento dinâmico, como é possível protegê-la? Incentivar as diferentes
manifestações culturais de cada região do Ps não nos parece suficiente.
Embora uma das diretrizes do Ministério do Turismo esteja relacionada à
qualificação e sensibilização para o turismo, percebe-se entre a iniciativa privada existente
no Vale, um limitado conhecimento sobre a atividade turística, restringindo-se aos
benefícios econômicos. Para alguns entrevistados, bastaria que o poder público mantivesse
um bom acesso e sinalização na rota, ou retirasse as habitações irregulares existentes,
quando na realidade a vinda de turistas impacta na qualidade de vida de muitas pessoas,
desde o sistema viário, fornecimento de água e luz, rede de esgotos e recolhimento de lixo,
sistema de saúde, entre outros.
Um dos motivos para que o Estado seja diretamente responsável pelo
desenvolvimento do turismo diz respeito à ampla rede de elementos e conseqüências
existentes na atividade. O poder público possui uma estrutura ainda que trica, capaz de
abarcar as diversas situações desencadeadas pelo turismo, visto que deve exercer suas
funções de modo a legislar sobre interesses divergentes e conflitantes da sociedade. A
compreensão quanto ao turismo e sua abrangência, deveria ser fornecida pelo poder público
aos envolvidos no Vale dos Vinhedos, o que não acontece.
Em vel municipal, o poder público atua em alguns momentos nas questões de
ordenamento do espaço, na maioria das vezes através de ações remediadoras. Entretanto, as
reivindicações quanto ao uso do espaço e da paisagem verificadas durante as entrevistas no
Vale, são plenas de interesses individuais ou do grupo ligado ao turismo. Não se pretende
neste momento discordar de tais interesses, apenas ressaltar que o Estado deveria governar o
espaço para todos os cidadãos, lidando constantemente com situações de sobrevivência
digna versus a pressão capitalista. Engels saberia de que lado o Estado se colocaria... a nós
cabe levantar os dados e analisá-los.
139
Outro problema encontrado no Vale é o escasso envolvimento do poder público
nas questões rurais. Com exceção de alguns programas de incentivo para o setor
vitivicola, a região não possui ações pontuais que desenvolvam este que é a essência do
enoturismo. Através do Plano Diretor de Bento Gonçalves e a participação da comunidade
do Vale na sua elaboração, foram definidos alguns aspectos fundamentais como limitar as
atividades na região e preservar as características da paisagem. No entanto, não é suficiente
determinar a necessidade de preservar as parreiras, quando o valor da terra está associado a
outros interesses, ocasionando a especulação imobiliária e conseqüente repasse da terra para
novos proprietários. De certa forma, isto fragmenta a identidade cultural da localidade.
O interesse inicial em descobrir as políticas públicas direcionadas ao enoturismo
foi logo surpreendido pela sua inexistência. No entanto, indiretamente, tanto o poder
público quanto os vitivinicultores do Vale dos Vinhedos atuam no enoturismo nesta rota.
A análise dos documentos legais, associada às informações obtidas durante as
entrevistas, nos permitiram identificar através da pesquisa a existência de três fases do
envolvimento do poder público na construção da rota enoturística Vale dos Vinhedos:
- 1
a
fase (de 1870 até meados do icio do século XX): é caracterizada pelo
incentivo por parte do governo federal e estadual à vinda de imigrantes, que
povoaram a região e fixaram suas características culturais, muitas delas presentes
até a atualidade, como é o caso da vitivinicultura, e utilizadas como ferramenta
de atração de turistas.
- 2
a
fase (do início do culo XX até por volta de 1995): constituída pela falta de
legislação e envolvimento público para diferentes situações presentes no Vale
dos Vinhedos, acarretando transformações no modo de produção e
comercialização de vinhos, bem como a estruturação da iniciativa privada em
prol de sobrevivência no mundo globalizado.
- 3
a
fase (da década de 1995 até hoje): com as novas necessidades da sociedade
em geral e da região, o poder público dos munipios que participam do Vale
passa a permitir e incentivar novas atividades na rota através da instalação de
indústrias, meios de hospedagem, condomínios residenciais, alterando também
sua estrutura urbana e rural. Ao mesmo tempo, das pressões da comunidade e do
140
crescimento do turismo local, emergem políticas públicas que atuam de forma a
legislar a região como um todo, voltando-se para o enoturismo.
Tais considerações acerca do envolvimento do poder público na rota Vale dos
Vinhedos atingem o objetivo d) da presente pesquisa. Para melhor identificar as ações do
poder público no Vale, foi organizado o seguinte quadro:
Quadro 5: Ações do Poder Público na Rota Enoturística Vale dos Vinhedos
AÇÃO DO ESTADO DISCRIMINAÇÃO DA AÇÃO DO ESTADO
AE 1 Estímulo à vinda de imigrantes no final do século XIX para ocupação das terras.
AE 2 Pesquisas realizadas pela EMBRAPA Uva e Vinho.
AE 3 Base institucional para obtenção do selo de indicação de procedência Vale dos
Vinhedos.
AE 4 Criação da ATUASERRA para desenvolver o turismo na região da Serra Gaúcha.
AE 5 Profissionalização do setor vitivinícola e turístico através da EMBRAPA Uva e
Vinho e instituições de ensino.
AE 6 Proteção de bens que, indiretamente, possuem valor turístico pela Constituição
Estadual.
AE 7 Fornecimento de incentivos financeiros para empreendimentos turísticos atras da
Secretaria do Estado de Turismo, Desporto e Lazer.
AE 8 PRODETUR SUL através do Governo Estadual.
AE 9 Criação do FUNDOVITIS, vinculado à Secretaria Estadual da Agricultura e
Abastecimento.
AE 10 Criação do Dia Estadual do Vinho.
AE 11 Promoção do turismo em Bento Gonçalves através da elaboração do Plano
Municipal de Turismo.
AE 12 Delimitação da ZPPVV pelo poder público de Bento Gonçalves.
141
AÇÃO DO ESTADO DISCRIMINAÇÃO DA AÇÃO DO ESTADO
AE 13 Promoção do turismo em Garibaldi atras de investimento, produção, criação e
qualificação de empreendimentos, para área rural e urbana, além da regulamentação
de uso e ocupação dos bens de interesse turístico.
AE 14 Instalação de indústrias diversas no Vale dos Vinhedos.
AE 15 Atuação do poder público de Garibaldi no turismo através do planejamento,
promoção e eventos.
AE 16 Incentivo ao turismo em Garibaldi, visando ao desenvolvimento econômico.
AE 17 Criação da Secretaria de Cultura e Turismo de Monte Belo do Sul, objetivando
desenvolver a atividade turística e proteger o patrimônio arstico-cultural.
AE 18 Formulação pelo poder público de Monte Belo do Sul de uma política voltada para
os serviços ligados diretamente ao turismo, ao comércio de artesanatos e doces
locais, programas de incentivo ao setor hoteleiro e realização de feiras e exposições.
AE 19 Projeto “Construindo Monte Belo Mais Belo”.
Fonte: a autora.
A grande dificuldade do Vale dos Vinhedos reside na falta de diálogo entre os
diferentes envolvidos, seja do poder público, da iniciativa privada, dos pequenos
agricultores, da comunidade local, até mesmo porque possuem interesses antagônicos.
Apesar da atuação da ATUASERRA em foco regional, e da APROVALE em base local, os
órgãos governamentais não trabalham a gestão da rota de modo regional, o que fica
evidenciado nas situações colhidas durante a pesquisa e apresentadas em fotografias.
Na realidade, o que saltou aos olhos não foi a falta de diálogo entre poder
público e vitivinicultura; tampouco a quase inexistência de diálogo entre as três
administrações municipais que compreendem o Vale. O que se revela como a maior
dificuldade com relação ao desenvolvimento da região enquanto rota enoturística é a
ausência de discussões sobre o turismo e seu significado entre as próprias secretarias que
compõem cada prefeitura.
142
No decorrer da pesquisa, identificamos a diversidade de interesses através da
confrontação das entrevistas realizadas, o que limitou o uso das mesmas, na tentativa de
evitar análises equivocadas. Outra limitação encontrada diz respeito a verificação quanto ao
efetivo funcionamento e prática das políticas públicas que incidem na atividade turística
brasileira, seja de forma direta ou indireta.
A relação existente entre o poder público local e o turismo depende diretamente
dos cidadãos e sua participação junto às decisões de ordem coletiva. Assim sendo, o
presente estudo possui uma vio específica quanto à ação governamental a partir de um
recorte espacial e histórico, o que impede a generalização dos resultados e a limitação
quanto a pesquisas futuras que abrangem o tema. Tais estudos podem vir a ressaltar a
importância do Estado nas questões econômicas e sociais que abarcam o desenvolvimento
do turismo.
Ao finalizar a presente pesquisa, novos questionamentos sugerem caminhos para
outros estudos, no intuito de compreender o desenvolvimento do enoturismo nas suas
diferentes interfaces. Da mesma forma como ocorre com o turismo no espaço urbano,
muitos indiduos não participam da atividade turística no ambiente rural, o que denota que
os benefícios não atingirão todas as pessoas da comunidade. Em contra-partida, as
conseqüências negativas serão sentidas pelos cidadãos em geral. Uma análise neste sentido
contribuiria fortemente para o planejamento e as políticas públicas direcionadas ao
enoturismo, proporcionando continuidade a este estudo.
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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4212.htm. Acesso em 04 de setembro
de 2007.
152
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4213.htm. Acesso em 04 de setembro
de 2007.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4402.htm. Acesso em 13 de setembro
de 2007.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2003/D4793.htm. Acesso em 13 de setembro
de 2007.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2003/D4898.htm. Acesso em 13 de setembro
de 2007.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Decreto/D5406.htm. Acesso em
17 de setembro de 2007.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Decreto/D6163.htm. Acesso em
17 de setembro de 2007.
http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/L6938.htm. Acesso em 04 de setembro de 2007.
http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/1970-1979/L6505.htm. Acesso em 03 de
setembro de 2007.
http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/L8031.htm. Acesso em 14 de setembro de 2007.
http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/L8181.htm. Acesso em 14 de setembro de 2007.
http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/L8623.htm. Acesso em 14 de setembro de 2007.
http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/L9279.htm. Acesso em 14 de setembro de 2007.
http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/L15257.htm. Acesso em 14 de setembro de 2007.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/mp/103.htm. Acesso em 18 de setembro de 2007.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lc/125.htm. Acesso em 18 de setembro de 2007.
http://www.planalto.gov.br/ccivil/MPV/Antigas_2003/103.htm. Acesso em 28 de agosto de
2007.
http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/LCP/Lcp125.htm. Acesso em 18 de setembro de
2007.
http://www.riograndevirtual.com.br/ilhadosmarinheiros/menu.htm. Acesso em 14 de maio
de 2007.
http://www.serragaucha.com. Acesso em 14 de outubro de 2007.
http://www.uvibra.com.br/legislacao_lei10989.htm. Acesso em 07 de outubro de 2007.
153
ANEXO A
DISCURSO DO SUJEITO COLETIVO
154
DISCURSO DO SUJEITO COLETIVO
No início do Vale dos Vinhedos, a prefeitura ajudou com a terraplanagem, o
calçamento, escolas, o correio, telefonia. Mas hoje existe um consenso que o Vale dos
Vinhedos está pronto e que a Secretaria de Turismo tem que ajudar outros locais. É
difícil... o poder público não ajudou, quem fez fomos nós mesmos. Pelo contrário, o poder
público se aproveita da região e cita como exemplo, por ser reconhecida por seus produtos
de qualidade, seu empreendedorismo, como região turística, porque a imagem do Vale é
boa. Não querem dar importância ao Vale, ou não percebem a importância.
Na parte de sinalização o poder público nem auxiliou, foi com recursos
próprios, através da APROVALE e parceria com a VISA, dos cartões. O DAER
39
permitiu
que colocássemos as placas de sinalização, mas tem que cuidar com a poluição visual.
A questão do asfalto, a pavimentação da principal é do Governo do Estado, faz
uns oito anos que existe, mas não é de boa qualidade, o fluxo é grande e não tem
acostamentos. Na parte do município, foi feito parceria financeira com a prefeitura, mas
nós pagamos a maior parte do asfalto. Já onde falta pavimentação, faz muitos anos que tem
o projeto... parece que o prefeito ia assinar esta semana. O poder público teria que fazer a
limpeza das estradas, conservar, cortar o mato, deixar tudo florido, porque a paisagem é
importante, tem os acessos para ajeitar também. Mas a comunidade teria que ajudar a
cuidar e não existe o envolvimento da comunidade... nem sei se eles não vêem o turismo
como um incômodo.
Não lembro de ações do poder público específicas para o turismo da região. O
diálogo não acontece a partir das vinícolas em separado, mas através da APROVALE.
Estamos tentando agendar com o poder público de Garibaldi, pois tem um zumzumzum de
que vão construir mais loteamentos. Os empresários teriam que participar mais com o
poder público, auxiliando o planejamento. Tem a sub-prefeitura do Vale dos Vinhedos, mas
39
Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem.
155
é limitada, é pouco atuante. Uma coisa é o distrito Vale dos Vinhedos, que pertence a Bento
e outra é a região do Vale dos Vinhedos que é uma bacia.
Tivemos problemas com a Câmara de Vereadores, pois eles queriam aprovar
uns loteamentos populares. O vale é uma área rural e nós entendemos que deveria ser
caracterizada como rural. A construção do loteamento, não tem nada a ver numa região
turística. Nem nos consultaram. É área urbana por extensão, pois na realidade pertence à
área rural.
O Plano Diretor de Bento está funcionando, impediu alguns
empreendimentos, mas abrange Bento. Monte Belo e Garibaldi não tem, por isso
obedecer a legislação de Bento. Teria que se elaborar o Plano Diretor entre todas as
prefeituras, os secretários de turismo, da agricultura, do meio ambiente. Tem que ser uma
política coerente. Um plano para curto, médio e longo prazo, porque senão vira urbano e
surge outra região e se esquece o Vale dos Vinhedos. Somos cobrados pelas construções;
fomos cobrados pelo SPA do vinho, não deveriam permitir construir na vertical, na
horizontal. Os hotéis são benéficos, mas tem que cuidar para não descaracterizar. Como
aquela fábrica em Monte Belo que destoa. Desmataram hectares, podiam ter feito em outro
local, não precisava ser dentro do Vale.
Com relação à infra-estrutura básica, a rede de esgotos das famílias não é bem
feita; tem quem larga direto no arroio. As empresas têm uma legislação a seguir. Isso o
problema do borrachudo, que até tentou se fazer uma conscientização, junto com a
Secretaria do Meio Ambiente e parece que melhorou um pouco. Na questão de iluminação,
tivemos que usar recursos próprios pra puxar, pois falta iluminação pública. Ah, a
segurança... o Vale está muito visado e estão acontecendo muitos roubos, seqüestros. Teria
que ter um posto policial. Nós estamos nos preparando para cercar a área... mas é muito
mais receptivo chegar na área aberta.
Uma das grandes questões são as invasões. O poder público tem que controlar
as invasões, os loteamentos populares que estão se criando, e os moradores não poderiam
vender para qualquer um. Não é dentro do Vale, mas está entrando no vale. Quem vem pra
cá, o que enxerga? Uma grande favela. É a mesma coisa no outro acesso, tem que
atravessar uma favela. Ah, uma coisa que tem que ser feita logo é tornar a paisagem de
parreiral como patrimônio do Vale, porque por uma série de questões históricas hoje está
valendo mais a pena vender o terreno para um loteamento do que para plantar parreira e
156
se a gente perder o parreiral perde também o caráter turístico. Se você quer comprar uma
terra pra plantar parreira, está muito caro.
O Ministério do Turismo tem trabalhado aqui, com o projeto Economia da
Experiência, mas poucos participaram. Talvez seja muito teórico. Falta um trabalho de
envolvimento com a comunidade; eles querem aproveitar a parte boa do turismo, mas não
fazem sua parte, porque se o poder público não consegue atender, cada um teria que fazer
sua parte.
O poder público não auxilia na divulgação do enoturismo, quem divulga são as
vinícolas. Teriam que divulgar o Vale dos Vinhedos no País e no exterior, porque o Vale
está sendo reconhecido.
Outra coisa que dificulta são as taxas, os impostos, sobre o vinho, que são muito
altos e dificultam a comercialização do nosso produto. Para exportação existe muita
burocracia também e no entanto tem muito vinho de fora que está sendo vendido a um
preço muito baixo aqui. O poder público deveria proteger nosso produto!
157
ANEXO B
MAPA DA ZPPVV
158
MAPA DA ZPPVV
Fonte: IPURB (2006).
159
ANEXO C
LEGISLAÇÃO PARA ZPPVV
160
LEGISLAÇÃO PARA ZPPVV
SEÇÃO XVII
ZONA DE PRESERVAÇÃO A PAISAGEM DO VALE DOS VINHEDOS
URBANA- ZPPVV
Art. 69 - A ZPPVV (urbana) tem como características as áreas hoje destinadas à viticultura.
Art. 70 - Estas zonas serão protegidas e preservadas, incentivando a vitivinicultura.
Art. 71 - poderão ser substituídos por novas áreas de cultivo na mesma propriedade,
devendo ser incentivado o desenvolvimento de novas áreas de cultivo.
Art. 72 - São permitidos os usos do solo temporário e simultâneo à cultura da uva.
Art. 73 - Os vinhedos e a linha do horizonte estão protegidos de forma que nenhuma
edificação poderá seccio-la, observada de qualquer ponto da via pública da qual a
propriedade tem acesso.
Art. 74 - A ZPPVV (urbana) fica delimitada, conforme mapa Anexo 3.
Art. 75 - São usos permitidos:
I - na primeira Banda de 200,00m de largura contados a partir da Rodovia do Vinho, sentido
transversal, serão permitidos: residencial unifamiliar, atividades de comércio e serviços
vinculados à residência e comércio e servos voltados ao turismo de maneira especial
àqueles voltados à vocação do Vale dos Vinhedos. O lote mínimo será de 1.000,00m²;
II - após os 200,00m além dos usos permitidos na primeira banda será permitido também
parcelamento de solo sob forma de sítios de recreio com cota ideal de 2.500,00m2 e
condomínios fechados, com cota ideal de 800,00m² por residência unifamiliar tendo esses
55% (cinqüenta e cinco por cento) de área de uso comum.
Art. 76 - São índices construtivos permitidos na ZPPVV (URBANA)
I – IA (Indice de aproveitamento): 0.4;
161
II – TO (Taxa de ocupação) : 50%.
Parágrafo único - Os núcleos consolidados, em situação irregular, até a promulgação desta
lei serão estudados caso a caso para obter a sua aprovação dentro das novas características
prescritas acima.
DA ESTRUTURAÇÃO ESPECÍFICA DO ESPAÇO RURAL
CAPÍTULO I
DO ZONEAMENTO RURAL
SEÇÃO I
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 161 - As zonas de uso de que trata o presente capítulo estão graficamente representadas
na planta de zoneamento rural, conforme anexo 9, passando a fazer parte integrante da
presente lei.
Art. 162 - Modelo Espacial Básico MEB é o conjunto de regulamentos de ocupação e uso
do solo na área rural com predominância agrícola, turística, agroindustrial e de conservação.
Parágrafo único - O funcionamento MEB está especificado no Título IV, Capítulo II,
Seção II desta Lei.
Art. 163 - Para efeito da aplicação desta lei o criadas as seguintes zonas de uso do solo
rural:
I - Distrito do Vale dos Vinhedos: Área de Proteção a Paisagem Vale dos Vinhedos (APP
VALE);
II - Distrito de São Pedro Área de Proteção Paisagística Ambiental ao patrimônio
Histórico e Cultural (APPAHC);
III - Distrito de Tuiuty;
IV – Distrito de Faria Lemos;
V - Distrito de Pinto Bandeira.
SEÇÃO II
DO DISTRITO DO VALE DOS VINHEDOS
162
Art. 164 - Distrito do Vale dos Vinhedos – (APP VALE) tem como vocação natural
consolidada, a vitivinicultura, cuja cultura, ocupação do solo e paisagem fica protegida na
forma desta lei.
Art. 165 - Ficam estabelecidas como normas de proteção do Vale dos Vinhedos:
I Delimitação A totalidade da área do Distrito do Vale dos Vinhedos, conforme mapa do
zoneamento;
II – Elementos protegidos – Os vinhedos e a linha do horizonte;
III Condições de proteção As áreas hoje destinadas à viticultura ficam protegidas de
forma permanente e somente poderão ser utilizadas para outros fins que excluam a
viticultura se substituídos por novas áreas de cultivo dessa cultura na mesma propriedade,
bem como será incentivado o desenvolvimento de novas áreas de cultivo.
Art 166 - Serão permitidos usos do solo temporários e simultâneos à cultura principal que é
a viticultura.
Art. 167 - A linha do horizonte está protegida de forma que nenhuma edificação poderá
seciona-la, observada desde qualquer ponto da via pública da qual a propriedade tem acesso.
Parágrafo único - No Vale dos Vinhedos ficam instituídos os aglomerados considerados
Exceções Devidas a Padrão Emergente EPE”, cujas delimitações, padrões de ocupação,
parcelamento e uso estão especificados notulo IV, Catulo II, Seção XII, desta lei.
Mesmo nestes casos os parâmetros de proteção da paisagem prevalecem. São eles:
I – Aglomerado Funcional 8 da Graciema;
II – Aglomerado Multifuncional 15 da Graciema;
III – Aglomerado Multifuncional 40 da Leopoldina;
IV – Aglomerado Funcional da Suvalan;
V – Aglomerado Funcional 6 da Leopoldina.
Fonte: IPURB, 2006.
163
ANEXO D
CONSTRUÇÃO SPA DO VINHO
164
CONSTRUÇÃO SPA DO VINHO
Fonte: acervo da autora.
165
ANEXO E
TERRENOS RURAIS À VENDA NO VALE DOS VINHEDOS
166
TERRENOS RURAIS À VENDA NO VALE DOS VINHEDOS
Fonte: acervo da autora.
167
ANEXO F
HABITAÇÕES IRREGULARES NO VALE DOS VINHEDOS
168
HABITAÇÕES IRREGULARES NO VALE DOS VINHEDOS
Fonte: acervo da autora.
169
ANEXO G
MAPA DA CIDADE DE GARIBALDI
170
MAPA DA CIDADE DE GARIBALDI
Fonte: Prefeitura Municipal de Garibaldi, 2007.
171
ANEXO H
CONDOMÍNIO RESIDENCIAL NO VALE DOS VINHEDOS
172
CONDOMÍNIO RESIDENCIAL NO VALE DOS VINHEDOS
Fonte: acervo da autora.
173
ANEXO I
INSTALAÇÃO DE INDÚSTRIAS EM GARIBALDI
174
INSTALAÇÃO DE INDÚSTRIAS EM GARIBALDI
Fonte: acervo da autora.
175
ANEXO J
MAPA DA CIDADE DE MONTE BELO DO SUL
176
MAPA DA CIDADE DE MONTE BELO DO SUL
Fonte: Prefeitura de Monte Belo do Sul, 2007.
177
ANEXO K
INSTALAÇÃO DE INDÚSTRIA EM MONTE BELO DO SUL
178
INSTALAÇÃO DE INDÚSTRIA EM MONTE BELO DO SUL
Fonte: acervo da autora.
179
ANEXO L
AÇÕES DA SECRETARIA DE CULTURA E TURISMO DE MONTE
BELO DO SUL
180
AÇÕES DA SECRETARIA DE CULTURA E TURISMO DE MONTE
BELO DO SUL
I.catálogos impressos contendo informações publicitárias, dados do Munipio, bem como
roteiro para visitação;
II.convênio com a iniciativa privada, apoiando empreendimentos turísticos, como hotéis,
parques, spas, e outros;
III.trabalhos de programação visual da paisagem urbana e rural para orientação do turista;
IV.apoio à realização de congressos, simsios e seminários;
V.implantação dos equipamentos urbanos de apoio ao turista;
VI.incentivo à construção de locais de hospedagem e de programas de recuperação de
imóveis de interesse cultural;
VII.promover parcerias com proprietários rurais, visando ao desenvolvimento do turismo
rural;
VIII.ampliação, organização e divulgação dos roteiros e eventos culturais, históricos e
ecológicos;
IX.ampliação dos roteiros turísticos;
X.incentivo à criação do Fundo de Turismo (FUNTUR);
XI.implantação de locais para desenvolvimento de agro-negócios;
XII.incentivo ao desenvolvimento do artesanato como atividade ligada ao turismo;
XIII.treinamento para funcionários do comércio e prestação de serviços para melhor atender
os clientes e turistas através da realização de programas de parcerias com o SEBRAE,
SENAC, SENAI e outras entidades congêneres, bem como com a iniciativa privada.
Fonte: Prefeitura Municipal de Monte Belo do Sul, 2007.
181
ANEXO M
ROTEIRO DE ENTREVISTAS COM O PODER PÚBLICO
182
ROTEIRO DE ENTREVISTAS COM O PODER PÚBLICO
1. Números de turistas na cidade e demais dados estatísticos.
2. Qual a representatividade da atividade turística para o munipio, em termos
percentuais, segundo os setores? Valor estimado de gastos diários?
3. Qual a verba do munipio destinada para o turismo? Percentual quanto às demais
secretarias.
4. O Vale dos Vinhedos contribuiu para o turismo no município? Existe alguma forma de
mensurar?
5. Quantas empresas no VV? Por setores, qual sua contribuição sócio-economica para o
munipio?
6. Qual o papel do poder público com relação ao enoturismo? Suas responsabilidades?
7. Como o poder público municipal se comporta com relação ao VV? É dada importância?
De que forma? Como local turístico ou como zona industrial?
8. O plano diretor/lei orgânica contempla ações direcionadas ao enoturismo no VV?
9. Qual o diálogo existente entre o poder público e os vitivinicultores do VV?
10. São realizadas atividades promocionais (de Marketing) focando o VV?
183
ANEXO N
ROTEIRO DE ENTREVISTAS COM A INICIATIVA PRIVADA NO
VALE DOS VINHEDOS
184
ROTEIRO DE ENTREVISTAS COM A INICIATIVA PRIVADA NO
VALE DOS VINHEDOS
1. Nome da empresa.
2. quantos anos no Vale dos Vinhedos?
3. Quantos funcionários possui?
4. Quantos litros produz?
5. Qual a infra-estrutura para receber visitantes?
6. Qual o diálogo existente entre poder público e o setor vitivinícola (ou a empresa
específica)?
7. As interferências do poder público se dão em vel regional (municipal), estadual,
federal?
8. O poder público participa no desenvolvimento do enoturismo e de que forma?
9. Quais ações foram realizadas e quais as conseqüências percebidas?
10. Quais ações devem ser realizadas pelo poder público para melhor desenvolver o
enoturismo local, ou seja, o que está faltando?
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