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Amanda Costa Reis de Siqueira
A hora do almoço na balança:
um estudo sobre restaurantes a quilo
no centro do Rio de Janeiro
Dissertação de Mestrado
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais da PUC-Rio
como requisito parcial para obtenção do título
de Mestre em Ciências Sociais.
Orientador: Prof. Roberto Augusto DaMatta
Rio de Janeiro
Abril de 2008
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610488/CA
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Amanda Costa Reis de Siqueira
A hora do almoço na balança:
um estudo sobre restaurantes a quilo
no centro do Rio de Janeiro
Dissertação apresentada como requisito parcial
para obtenção do título de Mestre pelo Programa
de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUC-
Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo
assinada.
Prof. Roberto Augusto DaMatta
Orientador
Departamento de Sociologia e Política – PUC-Rio
Profa. Laura Graziela Figueiredo Fernandes Gomes
UFF
Prof. Valter Sinder
Departamento de Sociologia e Política – PUC-Rio
Prof. Nizar Messari
Coordenador Setorial do Centro
de Ciências Sociais – PUC-Rio
Rio de Janeiro, 28 de abril de 2008
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610488/CA
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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou
parcial do trabalho sem autorização da universidade, da autora e
do orientador.
Amanda Costa Reis de Siqueira
Graduou-se em Comunicação Social, com Habilitação em
Jornalismo pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso em 2004.
Cursou a Pós-Graduação (Latu-Sensu) em Sociologia, Política e
Cultura na PUC-RIO em 2005. Cursou Mestrado em Sociologia,
Política e Cultura em linha de pesquisa de Diversidades
Culturais.
Ficha Catalográfica
Siqueira, Amanda Costa Reis de
A hora do almoço na balança : um estudo sobre
restaurantes a quilo no centro do Rio de Janeiro / Amanda
Costa Reis de Siqueira ; orientador: Roberto Augusto Da
Matta. – 2008.
84 f. ; 30 cm
Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Sociologia e
Política.
Inclui referências bibliográficas.
1. Sociologia – Teses. 2. Comensalidade. 3. Hábitos
alimentares. 4. Simbologia do poder da comida. I.Matta,
Roberto Augusto da. II. Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro. Departamento de Sociologia e Política. III.
Título.
CDD: 301
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Aos meus familiares e, em especial,
ao meu namorado, Matheus.
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Agradecimentos
Desejo agradecer ao professor Roberto DaMatta por ter acolhido e incentivado,
desde o início, como especial interesse, a idéia de trabalhar com o tema da
Alimentação Brasileira e suas implicações antropológicas.
Àqueles que integraram as bancas de qualificação e defesa, Enrique Reinteria,
Laura Graziela Gomes e Valter Sinder, agradeço o carinho e a dedicação à leitura
cuidadosa e atenta do meu trabalho. As sugestões, críticas e observações foram
sempre muito enriquecedoras.
Agradeço à CAPES pelo incentivo aos estudantes e a mim, particularmente, por
acreditar na pesquisa que possibilitou a confecção desta dissertação.
Agradecimentos especiais aos colegas de turma e futuros mestres que estiveram
sempre comigo, dando sugestões e participando ativamente da elaboração de meu
trabalho.
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Resumo
Siqueira, Amanda Costa Reis de; DaMatta, Roberto Augusto (Orientador).
A hora do almoço na balança: um estudo sobre restaurantes a quilo
no centro do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2008. 84p. Dissertação de
Mestrado – Departamento de Sociologia Política e Cultura, Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro.
O presente trabalho tem por objetivo discutir como formas alimentares são
capazes de expressar hábitos sociais. A partir de pesquisa realizada em
restaurantes a quilo no centro da cidade do Rio de Janeiro, surge o cotidiano da
hora do almoço – que confere a fatores como a pressa, as misturas de alimentos
improváveis de serem consumidos num mesmo prato, o dinheiro, elementos
associados ao tradicional e ao moderno, tempero para o realizar das refeições. A
partir de referenciais sociológicos e antropológicos diversos, são interpretados
palavras, gestos e sentimentos em torno do ritual da alimentação. Emergem
diversos elementos que demonstram o que se interpreta como tradicional e novo
na alimentação, a partir da distinção entre “a casa e a rua” e também da utilização
da noção de “mundialização”, através da qual é possível identificar sobreposições
e convivência de valores culturais aparentemente conflitantes. A hora do almoço é
mais do que a hora da comida; a escolha da comida, por sua vez, está ligada a
fatores que extrapolam os aspectos financeiros, de conveniência ou mesmo
critérios de classe ou de gênero. Ao desvendar como este modelo de restaurante se
tornou um “espaço social alimentar”, revelam-se representações de valores da
cultura brasileira e traços da nossa identidade social.
Palavras-chave
Comensalidade; hábitos alimentares; simbologia do poder da comida.
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Abstract
Siqueira, Amanda Costa Reis de.; DaMatta, Roberto Augusto (Advisor).
Weighing lunch time: a study about kilo restaurants downtown Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro, 2008. 84p. Dissertação de Mestrado –
Departamento de Sociologia, Política e Cultura, Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro.
This study intends to identify the ways in which eating may express social
habits. Kilo restaurants downtown Rio de Janeiro show the daily lunch time and
its various seasonings: time, money, surprising mixtures, tradition and modernity.
The eating ritual, with its traditional and new patterns, is analyzed in light of the
distinction between “the home and the street” and also taking the concept of
“mundialization” into account. Such concept indicates that cultural values related
to tradition and modernity coexist and overlap. Other sociological and
anthropological references are ingredients also used to capture how cultural values
that are apparently conflicting mingle at lunch time, as demonstrated by words,
gestures and feelings towards eating. This research indicates that lunch time has
become much more than eating time; similarly, the choice of food is related to
elements that extend well beyond financial aspects, convenience or those related
to gender and class criteria. This type of restaurant reveals a new type of “social
locus” where Brazilian social values and identity traits are also on display.
Keywords
Commensality; eating habits; symbolism of the power of food.
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Sumário
1. Introdução: Entrada 10
2. Prato principal 25
2.1. “Tempo” 26
2.1.1. Tempo de hoje, tempo de ontem 29
2.2. Relativizando 31
2.2.1. Aproveitar o pouco tempo com comida de verdade 32
2.3. O Centro da Cidade 33
2.4. Hora do almoço 34
3. Acompanhamentos 37
3.1. Dias da Semana 38
3.1.2. Fim-de-semana 40
3.2. Comida feminina, comida masculina 41
3.3. Feijão com arroz 44
3.4. Dinheiro 46
3.5. Acompanhamento à parte do menu 48
4. Sobremesa 54
4.1. Casa e Rua 55
4.2. Desfeita 59
4.3. Comida de casa, comida de rua 60
4.4. Misturas permitidas 62
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4.5. Repetir o prato 63
4.6. A rua entrando pela porta da frente 64
5. Um cafezinho 66
5.1. O local e o mundial 67
5.2. Fast-food x Comida tradicional 71
6. Conclusão 74
7. Referências bibliográficas 79
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1
Introdução: Entrada
“Muito mais que um ato biológico, a alimentação humana é um ato social e
cultural [que] (...) implica representações e imaginários, envolve escolhas,
classificações, símbolos que organizam as diversas visões de mundo no tempo e
no espaço. Vendo a alimentação humana como um ato cultural, é possível pensá-
la como um ‘sistema simbólico’ no qual estão presentes códigos sociais que
operam no estabelecimento de relações dos homens entre si e com a natureza
1
”.
Com este trecho inicio minha dissertação de Mestrado que tem a intenção
de trazer, sob o tema dos restaurantes a quilo no centro do Rio de Janeiro, uma
interpretação de como formas alimentares são capazes de dizer muito sobre nós
mesmos.
Para além das necessidades fisiológicas que os homens buscam suprir
através da alimentação, há um potencial de expressão de hábitos sociais na
cozinha de cada local e, no Brasil (incluindo o Rio de Janeiro), não seria diferente.
Portanto, acompanhando a percepção do antropólogo Claude Lévi-Strauss
que em seu livro Mitológicas
2
observou que os alimentos não são apenas bons
para se comer, mas, também para se pensar, meu trabalho de campo em
restaurantes a quilo do centro da cidade do Rio de Janeiro tem como motivo a
busca de uma maneira de comunicação com formas alimentares, tornando
possível analisar mecanismos pelos quais o ritual da alimentação se dá na
sociedade brasileira, ou pelo menos parte dela.
Reforço o argumento da importância de pesquisas em locais onde os
hábitos alimentares dialoguem com atos sociais que caracterizam um povo já que:
A maneira como os homens concebem a satisfação de suas necessidades
alimentares não poderia reduzir-se a lógicas utilitárias ou tecnológicas estritas.
1
BARBOSA, Lívia & Gomes, Laura Graziela. Culinária de Papel. In: Estudos Históricos:
Alimentação, n.º 33, Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 2004, p. 25.
2
LÉVI-STRAUSS, Claude. A Origem dos Modos À Mesa - Coleção Mitológicas Vol.
III, Cosacnaify apud CERTAU, Michel de.; GIARD, Luce.; MAYOLl, Pierre. A invenção do
cotidiano 2. Morar, Cozinhar. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.
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11
A alimentação tem uma função estruturante da organização social de um grupo
humano
3
.
Em ruas movimentadas do centro carioca, nos dias úteis da semana e
durante o horário do almoço, procurei observar como “o comportamento relativo à
comida liga-se diretamente ao sentido de nós mesmos e à nossa identidade
social”
4
.
Acompanho o interesse de Mintz
5
sobre o tema, pois:
Não é de surpreender, portanto, que o comportamento comparado relativo à
comida tenha sempre nos interessado e documentado a grande diversidade
social. Também não espanta que os antropólogos, desde o começo, tenham se
fascinado pela ampla gama de comportamentos centrados na comida.
Raul Lody
6
também partilha da opinião de que um olhar interessado para o
tema da alimentação é capaz de trazer à tona traços relevantes de uma organização
social:
A alimentação é uma maneira de se chegar, interar e participar em diferentes
momentos da vida de um povo, de uma sociedade. A comida tem essa vocação de
socialização, de comunicação. Todos os grandes intérpretes da cultura olham
para comida, porque é uma referência muito importante para compreender como
se organiza, se representam os papéis sociais e a forma de identificarmos as
pessoas, suas identidades, diferenças e características.
Para localizar o tema sob um enfoque específico, que já foi posto acima
como sendo a zona central do Rio de Janeiro, o trabalho a seguir conta com a
relevância de como:
As formas sociais de comer em casa, em refeitórios, em restaurantes, na rua
envolvem aspectos relevantes para sua análise histórica ao serem abordadas em
suas transformações ao longo do tempo
7
.
3
POULAIN, Jean-Pierre. Sociologias da Alimentação. Florianópolis, Editora da UFSC, 2006,
p.19.
4
MINTZ, Sidney W. “Comida: uma breve revisão” In: Scielo, Revista Brasileira de Ciências
Sociais, v.16, n. 47, São Paulo, 2001.
5
Op. cit.
6
http://www.malaguetacomunicacao.com.br
7
CARNEIRO, Henrique. Comida e Sociedade – Uma história da alimentação. Rio de Janeiro:
Campus, 2003.
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12
Esta pesquisa propõe-se a encontrar para este modelo de restaurante um
“espaço social alimentar
8
”, buscar nele um ambiente onde se possa encontrar
representações de valores da cultura brasileira.
A intenção de tratar do estilo brasileiro do ritual de alimentação a partir
deste ângulo dos restaurantes a quilo cogita a possibilidade da mistura de hábitos
culturais mundiais. Influências de culturas alimentares oriundas de outras partes
do mundo se confrontam/convivem com temas que remetam à autenticidade dos
hábitos alimentares brasileiros.
Antigos e novos costumes brasileiros aparecem neste espaço dos
restaurantes às vezes de forma conflitante, às vezes em convívio harmonioso e às
vezes no que poderia se interpretar como uma reinterpretação do velho e do novo.
Nesse sentido, aspectos novos que são caracterizados por aspectos externos que
influenciam como se alimentam os brasileiros não se sobrepõem a antigos
costumes, comidas. Pelo contrário, nesta mistura entre o “estrangeiro” ou o que o
brasileiro classifica como tal e o nacional, ou o que o brasileiro assim classifica
convivem e produzem uma interação posta de maneira peculiar neste “espaço
social alimentar”.
Sobre o trabalho de campo
Este trabalho é resultado de pesquisa de campo em determinada rua do
centro da cidade do Rio de Janeiro
9
.
A pesquisa foi centrada em um local específico, escolhido depois de
caminhadas por esta movimentada área. Nessas andanças, pude perceber que neste
trecho definido havia todos os tipos de estabelecimentos alimentares (restaurantes
à la carte, lanchonetes, restaurantes de pratos feitos, padaria e choperia), além de
inúmeros restaurantes do modelo que desejava pesquisar, os restaurantes a quilo.
Um universo que abrigasse restaurantes a quilo e demais tipos de
estabelecimentos alimentares seria menos comprometedor para a pesquisa pois
contaria com uma variedade que não fizesse do espaço um local de maioria de um
8
CONDOMINAS, G. L’espace social à propôs de l’Asie du sud-Est. Flammarion, Paris, 1980
apud POULAIN, Jean-Pierre. Sociologias da Alimentação. Florianópolis, Editora da UFSC, 2006.
9
O nome da rua será mantido sob sigilo pois esta foi uma garantia que fiz aos clientes, gerentes,
donos e funcionários dos locais pesquisados.
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ou outro tipo de espaço de alimentação. A multiplicidade de locais se fez
importante para perceber quais eram as características daqueles que escolhiam os
restaurantes do tipo a quilo diante da oportunidade de opção de outros lugares.
O método escolhido se dividiu em entrevistas com freqüentadores,
cozinheiros e gerentes ou donos dos restaurantes, com perguntas previamente
estipuladas em um questionário. Mesmo assim, não estava limitada a
possibilidade de conversas abertas, com liberdade para que os entrevistados
fizessem relatos pessoais.
O questionário tinha a importância de me guiar e não me deixar esquecer
questões relevantes sem que isso cerceasse a abertura para depoimentos longos,
relatos de histórias de vida dos entrevistados, o que, de fato, aconteceu muitas
vezes. Assim, nenhuma entrevista estaria previsível, com um roteiro pré-
estabelecido de começo, meio e fim.
Em comum, cada entrevista foi feita de acordo com um questionário com
perguntas gerais como idade, sexo, estado civil, profissão e grau de escolaridade.
Estes quesitos se fizeram presentes em todos os grupos de entrevistados. Estes
grupos se dividiram em clientes, cozinheiros e gerentes ou donos dos restaurantes.
No questionário reservado aos clientes havia perguntas referentes às vezes
por semana que os entrevistados trabalhavam; quantas vezes por semana
freqüentavam restaurantes do tipo a quilo; se era sempre o mesmo; desde quando
freqüentava este tipo de restaurante; porque optou por este tipo de restaurante;
quanto tempo teria para almoçar; o que costumava fazer na hora do almoço; como
escolhia o que iria comer; se costumava almoçar acompanhado, entre outras.
No questionário para os cozinheiros, havia questões sobre a escolha do
cardápio do restaurante; qual ou que comida não poderia faltar no cardápio; quais
eram as principais características deste tipo de restaurante; dúvidas sobre o
funcionamento das cozinhas, entre outras.
Também havia questões para gerentes ou donos dos estabelecimentos,
perguntas sobre como eles definiam o que tipo de cliente de seu restaurante;
horários em que o almoço deveria estar servido; definições sobre as principais
características de seus estabelecimentos, curiosidades sobre a diferença entre o
restaurante a quilo e o à la carte, entre outras.
A maioria das entrevistas foi feita nos restaurantes por mim freqüentados
durante o trabalho de campo – tarefa nada fácil, já que precisava abordar pessoas
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enquanto almoçavam, o que me rendeu uma receptividade nem sempre amigável
por parte dos entrevistados. Ainda assim, era preciso que a abordagem fosse feita
naqueles momentos, era preciso entrevistar aqueles “que participaram, viveram,
presenciaram ou se inteiraram de ocorrências ou situações ligadas ao tema e que
possam fornecer depoimentos significativos
10
”.
A divisão em três distintos grupos me levou a diferentes partes do
restaurante. Enquanto circulava pelos salões, a comunicação se dava com clientes,
pelas cozinhas pude entrevistar os cozinheiros e, em áreas reservadas, como
pequenos escritórios no interior dos restaurantes ou em mesas selecionadas, a
entrevista se deu com gerentes e donos dos espaços.
Dessa forma, as entrevistas me proporcionaram um conhecimento de todas
as áreas de um restaurante e me forneceram uma visão ampla de todas as partes do
local que se somam na sua dinâmica de funcionamento.
Aqueles perfis que não foram encontrados durante os dias de pesquisa
foram buscados fora da área dos restaurantes, tendo eu feito algumas entrevistas
pessoalmente em ambientes que não o dos restaurantes e algumas por meio de
correio eletrônico.
Somando estes dois métodos de coleta de depoimentos, recolhi 40
entrevistas sendo elas de 18 homens e 22 mulheres. Dessa forma, procurei fazer
uma pesquisa que equilibrasse a quantidade de homens e mulheres entrevistados.
Apesar de optar pelo método de pesquisa qualitativo, que tem como
critério a seleção de entrevistados conforme sua identificação com o tema de
estudo, sem que isto signifique a necessidade de se buscar grande quantidade de
entrevistados, segui o conselho de Daniel Bertaux
11
sobre o critério do número de
entrevistas a realizar. Segundo o autor, quando as entrevistas de uma pesquisa se
tornam repetitivas significa que elas produzem pouca variedade de informação e,
portanto, já estão na fase de serem encerradas.
Com este método, aliei a escolha de pessoas que estivessem diretamente
relacionadas ao tema em questão com a percepção do momento de encerrar o
período de entrevistas e iniciar a etapa de interpretação dos dados recolhidos.
10
ALBERTI, Verena. Manual de História Oral, Rio de Janeiro, FGV, 2005, p. 32.
11
BERTAUX,Daniel. “L’approche biographique”. In: Cahiers Internationaux de Sociologie. Paris,
PUF, 1980, p. 197-225 apud ALBERTI, Verena. Manual de História Oral, Rio de Janeiro, FGV,
2005, p. 36.
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Deste número total de entrevistas vale ressaltar que foi realizada também
uma distinção de faixas etárias, já que pessoas de 18 a 65 anos participaram da
pesquisa, e de profissões, que se mostraram múltiplas ao longo do trabalho.
Sob alguns aspectos também se fez importante levar em consideração as
diferenças de gênero nas idéias acerca do uso dos restaurantes do tipo a quilo e da
hora do almoço. Foi sob forma hipotética que este tema chamou atenção para um
possível surgimento de distintas visões sobre a freqüência nos locais visitados
12
.
Com a ajuda tecnológica de um MP3, aparato compacto que aprendi a
utilizar para substituir o antigo gravador que, por seu tamanho, poderia tornar a
entrevista um pouco assustadora e acabaria por chamar a atenção de todos ao
redor, obtive o registro da maioria das entrevistas e, assim, pude concluir esta
etapa da minha pesquisa.
Também utilizei do recurso antropológico de observação-participante para
alcançar detalhes que pudessem escapar às entrevistas. Passei a almoçar em todos
os restaurantes, costumando chegar no horário de abertura dos mesmos,
geralmente às 11hs, e sair às 14hs, horário comum de fechamento.
Um caderno de campo me acompanhava neste período da pesquisa.
Ressalto sua importância, pois foi ele que me auxiliou na formação de impressões
sobre a circulação nos salões dos restaurantes. Algo que escapava aos
depoimentos e desenhos sobre a conformação dos ambientes são exemplos de
materiais que foram identificados com a consulta ao meu caderno de campo. Os
detalhes que pouco lembramos, o caderno de anotações pessoais não nos deixa
esquecer.
De forma geral, a construção de minha interpretação se deu através das
palavras e situações mais recorrentes ao longo da pesquisa no centro da cidade do
Rio de Janeiro. Os elementos-chave, sob forma de palavras, gestos e sentimentos
foram as principais inspirações para a composição deste trabalho de campo.
Por fim, e não menos importante, esta dissertação conta, ainda, com o
apoio de bibliografias, artigos, revistas, músicas e endereços eletrônicos que
tratam de alguma maneira da temática dos rituais em torno do tema da refeição.
Através delas busquei refúgio para me apoiar e tentar alcançar a multiplicidade de
12
Este questionamento sobre a possibilidade de homens e mulheres usarem de maneiras distintas
os restaurantes a quilo surgiu durante minha Qualificação de Mestrado, em intervenção feita pelos
professores da banca Enrique Reinteria, Laura Graziela Gomes, Roberto DaMatta e Valter Sinder.
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percepções que se pode tirar de um salão por onde circulamos no instante de um
dos rituais mais comuns de nossas vidas, o ritual da alimentação.
Sobre os restaurantes a quilo...
Embora pareça que eles sempre estiveram presentes nas ruas do Rio de
Janeiro, os restaurantes a quilo mais antigos encontrados, sob formato no qual esta
dissertação se propõe a analisar, datam não mais que vinte, vinte e poucos anos.
Este modelo já faz parte do desenvolvimento do hábito de se alimentar na rua,
mas nem sempre pareceu comum ao trabalhador:
Nas décadas de 50 e 60 era considerável o número de pessoas que almoçavam
em casa; outras quando saiam para o trabalho, comiam em pensões ou levavam
lanches. Pouco a pouco, essas práticas são vistas como sinais de arcaísmo e
caem em desuso. Os restaurantes e o fast-food tornam-se as opções
preferenciais. Isso implica a redefinição do significado da refeição
13
.
As mudanças e o aumento das atividades realizadas pelas pessoas que
circulavam pelos centros urbanos são simbolizados pelo hábito que se cria de
comer na rua. Retornar em casa para almoçar e retornar ao trabalho já não era
mais tarefa fácil
14
:
O self-service, o popular “quilo”, chegou na metade da década de 80 quando
eram pouquíssimas as opções para quem precisava almoçar fora de casa. O
cenário começou a mudar com a instalação de redes de fast-food e o surgimento
dos restaurantes por quilo passou a permitir ao consumidor escolher entre
várias opções como saladas, carnes e massas, pagando apenas pela quantidade
consumida. A novidade não demorou muito a se espalhar por todo o país
15
.
De variações que foram sendo estabelecidas, chega-se à conformação atual
dos restaurantes a quilo. Caminho traçado após o surgimento dos cafés das
13
ORTIZ, Renato. Mundialização e Cultura. São Paulo, Editora Brasiliense, 1994, p. 85.
14
Há de se considerar também a importância da entrada da mulher no mercado de trabalho,
fazendo com que o tempo que estas destinavam apenas às tarefas domésticas fosse sendo
substituído por funções profissionais das ruas. Por esta razão, as refeições antes planejadas pela
dona-de-casa deveriam ser realizadas fora dela, já que estavam elas trabalhando em esferas à parte
do ambiente doméstico.
15
Dados obtidos no endereço eletrônico (http://www.primeiramao.com.br), site interligado ao
Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) (
www.sebrae.com.br).
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17
crônicas de Luiz Edmundo
16
, das pensões com comida caseira oferecida aos
homens que não tinham tempo de voltar às suas casas, dos restaurantes com
cardápio fixo e das lanchonetes de fast-food, que eram novidade nos anos 60 no
Brasil, até o que encontramos nos dias de hoje como opções de serviços. A partir
deste momento chegamos ao ponto desejado: buscar definir características dos
restaurantes a quilo. Vamos a elas.
Restaurantes a quilo são estabelecimentos que oferecem grande variedade
de comidas expostas em displays. O cliente caminha por um corredor repleto de
opções e elege aqueles alimentos que deseja para formar seu prato. Em seguida,
há uma balança onde o prato é pesado e um preço é estabelecido. Todos os
produtos consumidos são identificados em uma cartela individual que é paga na
saída do restaurante.
A formação deste corredor de alimentos também pode variar de local para
local. Em comum, há sempre no começo destes corredores variações de saladas e
pratos frios e, ao longo do caminho percorrido pelo comedor, vão surgindo os
pratos quentes.
Alguns restaurantes dispõem de locais de churrasco, onde são servidas
carnes, lingüiças, enfim, itens relacionados ao churrasco; outros possuem
cozinheiros de massas, que as preparam na hora e ainda há lugares que possuem
sushiman preparando especialidades japonesas solicitadas pelos clientes.
Cada local elege os pratos que vai dispor em seu buffet, alguns promovem
suas especialidades e as mesclam com pratos comuns como o arroz com feijão e
saladas e ainda oferecem pratos variados conforme os diferentes dias da semana.
Em alguns restaurantes, a bebida e a sobremesa são igualmente expostas
próximas aos alimentos salgados e são inseridas na mesma bandeja. Noutros, há
garçons que servem bebidas aos clientes e as sobremesas são servidas
posteriormente; o cliente deve se dirigir a uma área onde elas estão expostas,
escolhê-las conforme sua decisão e pesá-las.
O cafezinho também pode ser servido de distintas maneiras. Em alguns
locais são servidos por garçons, em outros são servidos pelo próprio cliente em
garrafas térmicas dispostas no final do corredor de alimentos e há, ainda,
16
LUIZ EDMUNDO. O Rio de Janeiro do meu tempo. Rio de Janeiro, Conquista, Vol. I e III,
1957.
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restaurantes que dispõem de um coffeeshop próximo ao final do corredor de
alimentos.
Não há, portanto, um padrão estabelecido para a conformação destes
locais. Em comum, são espaços onde se serve individualmente a comida que
desejar, estando ela disposta em displays, e pesa-se o prato, estando o valor
associado à quantidade de comida colocada nele. As outras características variam
de espaço para espaço.
O que está além desta estrutura física é a possibilidade destes espaços
representarem simbolicamente modos da sociedade brasileira. Neste ponto, a
descrição dá lugar a chances de interpretação de questões que envolvam como
determinadas características culturais brasileiras possam estar embutidas nos
hábitos alimentares nacionais. Esta é a hipótese que norteia este trabalho:
encontrar nestes locais traços da cultura brasileira.
Sobre os capítulos
Os diferentes capítulos são divisões que fazem analogia a um cardápio que
separa em seu conteúdo as várias possíveis etapas de uma refeição. Uma refeição
completa cumpre todas estas fases e cada uma delas tem sua importância. Assim
também classifico os capítulos que fazem por dividir por etapas interpretações a
respeito do uso dos restaurantes a quilo, mas se completam na construção de uma
análise deste objeto.
No primeiro capítulo surgem as palavras mais citadas durante as
entrevistas feitas aos clientes dos restaurantes a quilo, seus cozinheiros e
responsáveis (gerentes ou donos). São elas: tempo, centro da cidade e hora do
almoço.
Sob a denominação de “Prato Principal”, este capítulo tem como proposta
discutir a idéia de tempo, que estava sempre presente nas entrevistas. Sua aparição
surge sob a alegação constante de falta de tempo, tanto para me conceder
entrevista quanto para comer; para tratar da solução das tarefas do cotidiano; para
compará-lo ao dinheiro.
Este último, o dinheiro, é citado em medida comparativa com o tempo, ou
seja, quando se falava em gastar pouco dinheiro também se propunha a fazê-lo em
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pouco tempo e, quando existia a possibilidade de maior tempo livre, o dinheiro
ganhava mais valor.
Em resumo, a palavra “tempo”, é utilizada sob múltiplas formas e é esta
multiplicidade que se configura como elemento chave para entender a dinâmica
destes restaurantes e seu entorno: o centro da cidade e a hora do almoço.
O centro da cidade é um aliado dos restaurantes a quilo; é nesta área que
este formato de estabelecimento é encontrado em grande quantidade. O espaço de
localização destes restaurantes possui características como a ligação com o mundo
do trabalho, o ambiente da rua, os trajes e as relações formais que reforçam a
lógica da refeição a quilo. Estes elementos, considerados característicos das
relações de trabalho nos centros urbanos, estão postados no local que abrange
estes restaurantes.
A hora do almoço é o último aspecto analisado neste capítulo. Hora em
que não estamos em nossas casas, esta refeição é tida como impessoalizada, já que
é realizada nos intervalos da jornada de trabalho com ruas do centro da cidade
repletas de pessoas circulando até encontrarem o local onde desejam almoçar. O
horário do almoço abrange o movimento das ruas neste período que os
funcionários “descem” de seus ambientes laborais e visitam estes restaurantes.
Mas, é neste tempo parcial de descanso no meio de um dia de expediente,
capaz de rapidamente encher ruas de pessoas querendo almoçar, que também são
realizadas outras atividades. Este intervalo ganhou variações de utilização maiores
que o ato único de realizar uma refeição, já que é neste período que lojas, bancos,
academias recebem um grande público.
Sendo assim, o almoço, em si, divide com outras tarefas o uso da hora do
almoço nos centros urbanos pois é preciso incluir neste trecho do dia todo o
movimento de uma hora do dia a dia de trabalho.
O capítulo seguinte segue com aspectos que também são relevantes para a
construção das características deste tipo de restaurante. Estas características são os
dias da semana, o dinheiro, o feijão com arroz, questões sobre diferença de gênero
e classe. São os chamados “acompanhamentos” do prato principal. São eles uma
variedade de elementos que ajudam na formação da idéia desta refeição.
Os dias da semana são uma divisão pré-estabelecida dos dias úteis, aqueles
em que temos que sair para trabalhar. Cada um destes dias assume sua
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importância pois estão mais ou menos perto dos dias de descanso, o final de
semana.
É esta relação de proximidade e afastamento com o sábado e com o
domingo que faz com que os dias “comuns” da semana não sejam iguais; eles
estão valorados conforme sua ordem, uma seqüência sob a qual estão inseridos
durantes os sete dias da semana.
Esta “escala de valor” dos dias da semana se traduz nos cardápios, que vão
variando conforme os dias se passam. Para os dias do início da semana, pratos
leves, para afastar o peso da comida mais pesada consumida durante o fim de
semana e, para os dias que se aproximam do final de semana, já é permitido “um
pouco mais”, comidas mais pesadas e, ao mesmo tempo mais aconchegantes, que
remetam aos dias de descanso que estão por vir. Nada melhor que uma feijoada às
sextas-feiras...
Porém, há também certa fixidez durante todos os cinco dias úteis da
semana. Esta está, por exemplo, na certeza da presença do arroz com feijão nos
buffês de todos os restaurantes. O prato típico do dia a dia brasileiro está no
cardápio de todos os restaurantes e não pode faltar dia algum. É uma das formas
de manutenção dos hábitos tradicionais na alimentação.
Embora a intenção deste texto esteja voltada para as características comuns
que os restaurantes a quilo possam apresentar, ou seja, para aquilo que envolve a
maioria das pessoas no que se refere ao ritual da refeição da hora do almoço, um
elemento que poderia ser considerado “off menu” recebeu menção neste capítulo:
são as idéias acerca da diferenciação de classes que podemos encontrar na
freqüência de distintos restaurantes.
Questões como a classificação de preços
17
e o perfil de clientes de cada
local foram levadas em consideração na percepção da ocorrência ou não de
critérios de divisão de classes no tocante à freqüência destes locais.
As diferenças entre as preferências de homens e mulheres também
surgiram ao longo da pesquisa. Apesar dos restaurantes não se classificarem como
“femininos” ou “masculinos”, a circulação de maioria de apenas um dos sexos em
alguns locais e vice-versa era empiricamente visível.
17
O menor valor encontrado para 100g foi de R$ 1, 39 e o maior valor foi de R$ 3, 29. Esta
distância entre os valores sinaliza que indivíduos com condições financeiras distintas têm
possibilidade de freqüentar este modelo de restaurante.
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21
Mesmo não fazendo parte da conformação da maioria dos locais, que tinha
como intenção mesclar a presença de público masculino e feminino, alguns locais
se definiam como restaurantes freqüentados por uma maioria de mulheres e outros
como restaurantes freqüentados por uma maioria de homens.
Questões como os cardápios dos restaurantes, com comidas que fazem
parte de uma dieta corporal para dar “boa forma”, no caso de restaurante
feminino, e dieta para dar “sustância” e para “se manter de pé o dia todo”, no caso
de restaurante masculino, surgiram em locais que classificaria como pólos opostos
já que não configuram a composição da maioria dos restaurantes.
A casa e a rua em pauta. Este é o terceiro capítulo. Nele estarão em
discussão as diferenças e semelhanças do comer em casa e comer na rua. Para
enfatizar o modo como as pessoas costumam agir na rua, é preciso entender a
diferença através das atitudes reveladas quando se está em casa. Não seria
possível entender como alguém reage a situações na rua se não houvesse um local
distinto onde ficasse clara a diferença, no caso, a casa.
Mas esta divisão não se configura tão simples assim. A mistura de
elementos de ambos os ambientes é perceptível nos restaurantes do tipo a quilo.
Tanto imagens comuns ao ambiente da rua quanto imagens do ambiente da casa
podem ser identificadas no local.
Com isso, veremos que situações que remetem a sentimentos que
expressamos no ambiente de nossas casas, como o sentimento em relação à
preparação das comidas, a interação com pessoas de que gostamos em torno da
mesa, estão postas nos restaurantes a quilo tanto quanto situações como a pressa e
o dinheiro, capazes de impessoalizar o ritual da refeição.
O quarto capítulo aponta para as especificidades de cada local e as suas
variadas maneiras de absorverem manifestações mundiais. Mesmo com a
possibilidade de formação de padrões mundiais de alimentação, de formas de
servir pratos, cada espaço adapta estas influências de acordo com suas regras.
No caso brasileiro, as atitudes ao se alimentar – dentro do recorte do
horário do almoço, visto sob perspectiva dos restaurantes a quilo do centro carioca
- acompanham a aceleração da vida urbana, mas, ao mesmo tempo, mesclam
elementos da chamada “cultura fast-food”, ou cultura da pressa, com expressões
tradicionais brasileiras, num hibridismo que faz com que os traços tradicionais
não sejam sobrepostos por traços culturais estrangeiros.
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22
Quando num mesmo cardápio se encontram práticas que são vistas como
presentes na formação da cultura brasileira, como, por exemplo, o arroz com
feijão, com aspectos característicos a uma cultura mundial, como a rapidez no
servir e no consumir uma refeição, se promove a interação entre manifestações
culturais que estão sendo difundidas mundialmente com manifestações que se
constituem como importantes para a manutenção de culturas locais.
Por fim, o último capítulo tem como intenção produzir um desfecho que
reitere o que de relevante foi discutido ao longo do texto. Sob o título de “...e a
conta”, expressão que normalmente utilizamos quando queremos terminar uma
refeição em visita a um restaurante, busco reforçar o argumento de que como,
onde, quando, a que horas e com quem se come “é tão importante quanto o que se
come
18
”.
Comensal x Comedor
Comensal é um indivíduo ou cada um dos indivíduos que comem juntos; o
comedor é aquele que come
19
. O comensal é aquele que faz do comer um ato de
interação enquanto o comedor é qualquer indivíduo que simplesmente exerce a
ação de comer:
O comensal é aquele que exerce a comensalidade, que significa respeitar a
seqüência das refeições, superar o naturalismo da hora de comer encontrando
horas predeterminantes para as refeições
20
.
Ao longo do texto, o sentido de comensal vai determinar aqueles que
fazem da refeição uma ação que ganha valor social, um ato de interação e
comunicação em torno das práticas alimentares:
A comensalidade faz com que aquilo que circula tenda a reproduzir, em
situações recorrentes, os mesmo pratos e elaborações culinárias, num amplo
espaço social de reciprocidades. Aquilo que nos dá conforto
21
.
18
CARNEIRO, Henrique. Comida e Sociedade – Uma história da alimentação. Rio de Janeiro:
Campus, 2003, p. 148.
19
POULAIN, Jean-Pierre. Sociologias da Alimentação. Florianópolis, Editora da UFSC, 2006, p.
20.
20
SIMMEL, Georg. Sociologia da Refeição. I In: Estudos Históricos: Alimentação n.º 33, Rio de
Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 2004.
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23
O termo comedor servirá para identificar o indivíduo em sua ação natural
de comer. Não está imposto ao comedor necessidade de comunhão ou interação
em torno do ritual da alimentação. Trata-se de designação daquele que exerce o
ato biológico de comer.
Assim, durante a leitura, os momentos em que for designado o termo
comensal propõem que o leitor busque enxergar a possibilidade de
desnaturalização do ato de comer, enquanto ao comedor cabe o sentido biológico
que integra fazer uma refeição.
Sobre a leitura do texto
A forma dada ao texto a seguir foi definida por duas razões. A primeira
delas veio de uma inspiração que tive após uma aula do curso de Mestrado,
denominada Seminários de Dissertação, ministrada pelo professor Valter Sinder,
onde ele sugeriu a mim e aos meus colegas de turma a leitura de um livro
interessante que foi publicado com base no texto final do Mestrado de um
renomado antropólogo brasileiro.
O peculiar deste texto
22
é que mostrava a prioridade do pesquisador em
adequar linguagem e forma com o tema. Ou seja, a intenção do autor era criar uma
narrativa que mostrasse de maneira clara e interessante o objeto de estudo, de
modo que a construção textual fosse um aliado do leitor no entendimento e
interação com o campo.
Curiosa com o feito, me adiantei para ler o livro e decidi, audaciosamente,
fazer uma dissertação nestes moldes. Dessa maneira, gostaria de, pelo menos,
elaborar uma forma de situar o meu tema de modo que o leitor acompanhe o
trabalho de campo de maneira que possa reconhecer as características dos
restaurantes a partir da interpretação por mim elaborada e, melhor ainda, que com
isso possa tornar a leitura um tanto mais agradável.
21
CASTRO, Celso & DURÃO, Susana. Entrevista com Joaquim Pais de Brito. In: Estudos
Históricos: Alimentação, n.º 33, Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 2004.
22
SILVA, Hélio. Travestis: entre o espelho e a rua. Rio de Janeiro, Rocco, 2007.
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24
A segunda razão me apareceu quando certo dia, minha mãe volta de uma
livraria com o livro Dom Quixote, de Miguel de Cervantes
23
, num formato que
para mim era diferente: o livro tinha cada página escrita em português, e, logo
abaixo, dentro da mesma página, havia a tradução para o espanhol. Desta maneira
o leitor poderia ler primeiramente o livro inteiro apenas na língua portuguesa ou,
se preferisse, ler todo em espanhol, ou ainda, poderia ler cada página em
português e o original logo abaixo para a língua espanhola, dentre outras tantas
maneiras que este formato proporcionava.
Tive então a idéia de arriscar uma confecção de texto que tivesse forma
similar. Sob os moldes desta proposta, o início de minha dissertação descreve as
etapas de uma refeição e, logo em seguida, após o corte que optei por intitular de
Trocando em miúdos” segue uma interpretação antropológica do campo por mim
pesquisado.
Assim, tomando emprestada a idéia de construção do livro de Cervantes, a
primeira parte do texto é uma introdução em forma de “descrição gastronômica
metafórica” do argumento antropológico que segue logo adiante. Uma espécie de
degustação do que está para surgir.
De trás pra frente, de frente pra trás, começando apenas pela “descrição
gastronômica metafórica” ou pelo argumento antropológico, cabe ao leitor optar
pelo modo mais interessante de se debruçar sobre o texto.
23
SAAVEDRA, Miguel de Cervantes. O engenhoso fidalgo D. Quixote de La Mancha. Editora 34,
São Paulo, 2002.
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2
Prato principal
(...) Me perdoe a pressa, é a alma dos nossos negócios!
- Oh! Não tem de quê! Eu também só ando a cem!
- Quando é que você telefona? Precisamos nos ver por aí!
- Pra semana, prometo, talvez nos vejamos... Quem sabe?
- Quanto tempo!
Paulinho da Viola, Sinal Fechado
Feito de ingredientes que parecem sólidos, o prato principal vai
desmanchando na boca à medida que o degusta. Cada mastigação o faz dissolver
ainda mais. A vontade é de que ele não se desmanchasse, para mantê-lo o máximo
possível na boca.
O sentimento constante durante esta degustação é de que prato já se está
acabando, uma sensação de que aquilo está prestes a chegar ao seu final, desde a
primeira garfada. É preciso aproveitar cada momento, pois tudo está se
dissolvendo tão facilmente na boca que já é possível prever seu fim. Esta sensação
é suficiente para entender a proximidade do término, não é necessário nenhum
tipo de aviso formal, pois a dinâmica da degustação já se encarrega disto.
Envolto em um molho que combina perfeitamente com ele, a sensação vai
se tornando cada vez mais nítida. Este molho é feito de ervas esfumaçantes e
animais sadios, que circulam por áreas movimentadas. Áreas cercadas por um
sabor todo especial; sabor de refeição preparada em forno quente, de grande
circulação, a todo vapor.
Para beber, foi aconselhado um vinho que facilita ainda mais a ingestão do
prato. Este vinho lembra momentos de pausa, um cheiro de relaxamento no meio
de uma vida intensa. Um vinho que harmoniza com o prato que, embebido num
molho especial, se desmancha a cada tilintar dos talheres.
O vinho facilita ainda mais a digestão do prato, pois cria uma atmosfera
que remete ao fim da refeição, ao pré-estabelecimento de algo demarcado para
terminar, de que é preciso voltar para a rotina após esta refeição.
Todas as características do vinho trazem uma dinâmica implícita de
agilidade da refeição. Mas, é mesmo assim preciso enfatizar que esta agilidade
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26
não diminui a sensação de que se está em um momento de refeição real. Aqui se
come comida de verdade, comida para se lembrar, que nos deixa ativo por todo o
dia.
Trocando em miúdos...
2.1.
“Tempo”
Meu trabalho de campo foi marcado por entrevistas curtas, pois os
freqüentadores dos restaurantes a quilo sempre tinham o mesmo argumento na
hora da entrevista: a falta de tempo. A preciosidade dos minutos fazia com que os
entrevistados apenas concordassem em falar caso isto tomasse poucos instantes da
sua hora de almoço.
Uma segunda aparição do uso da palavra tempo surge durante as
entrevistas quanto ele, o tempo, é citado como um dos principais fatores para a
eleição destes restaurantes: “onde se pode comer rápido, sem perder tempo”,
segundo os entrevistados.
De tão presente como palavra nas entrevistas, passei a contar, então, o
tempo que as pessoas disponibilizavam para sua refeição da hora do almoço.
Assim, criei uma nova forma de usar este elemento.
O “tempo”, palavra tão marcante em todas as entrevistas, me saltou como
algo digno de observação e, como minha participação no campo requeria uma
presença durante todo o horário de almoço nos restaurantes, passei a prestar
atenção na duração das refeições nas mesas ao meu redor, chegando até mesmo a
cronometrar algumas delas.
A constante presença desta palavra ao longo de todas as argumentações,
pelos mais variados motivos, a torna integrante do Prato Principal. O tempo como
palavra mais usada pelos entrevistados, de ambos os sexos e das mais diferentes
faixas etárias, aponta para sua representação enquanto algo quase concreto, mas
que ao mesmo tempo está a todo tempo escapando e tendo que ser aproveitado.
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27
Como palavra cujas interpretações o colocam próximas a algo palpável,
quase concreto, encontra-se o tempo tão precioso aos entrevistados. Aquela uma
hora que normalmente é disponibilizada para o almoço se transforma num horário
condensado, que ganha forma. Por isso, quando todos saem de seus escritórios,
salas comerciais e demais espaços laborais com o estabelecimento pré-
determinado do tempo a se gastar, os segundos, minutos, se tornam material
contável.
Dessa forma, há uma hora do dia que se converte em algo mais “concreto”,
já que a pré-determinação do horário a se gastar durante a refeição da hora do
almoço confere ao trabalhador sentido de prazo, de maior percepção de um
período com a fixação de início e fim.
Essa “condensação do tempo” normalmente é encontrada no horário de
meio-dia às 13h. Este é, não por coincidência, também o período de maior
movimentação nos restaurantes do centro da cidade do Rio de Janeiro.
Apesar de abrirem às 11h, o movimento neste horário é quase nulo, tendo
eu encontrado em alguns restaurantes funcionários almoçando neste período.
Após as 14h acontecia o mesmo, o fluxo de clientes também já estava muito
reduzido. Esta baixa circulação antes do meio-dia e após as 14h se tornava ainda
mais perceptível com a divulgação de promoções que contemplam com desconto
no preço do quilo os clientes que decidam almoçar nestes horários.
Segundo um dos gerentes entrevistados, “é uma hora de pouco movimento
e não muito convencional de se almoçar. Poucas pessoas entendem este tempo
como o de almoço e, portanto, apenas com promoções estes horários conseguem
ficar um pouco mais atrativos”.
É “no horário mais movimentado, de meio-dia às 13h” que se pode notar a
dinâmica dos restaurantes. Ela se dá para conseguir atender rapidamente todos
aqueles que desejam disponibilizar apenas parte de sua uma hora de intervalo para
estarem naquele local:
O mundo atual vinculou os horários das refeições aos de outras atividades
consideradas mais relevantes, como o trabalho e o estudo, sendo que as pausas
para alimentação intercalam-se no decorrer do dia, a fim de atender os
compromissos assumidos. A jornada diária foi estipulada com um intervalo para
almoço, refeição principal que normalmente tem duração de uma hora e pode ser
realizada entre meio-dia e 14h, horários que correspondem ao grande
movimento observado em praças de alimentação, especialmente durante a
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28
semana de trabalho. Já o jantar, uma refeição mais descontraída e, em geral,
menos sujeita à pressão do tempo, prolonga-se das 18h30 às 22h, apresentando
um movimento constante nesse período
24
.
Dessa forma, ainda que estabelecida a hora do almoço, sempre havia entre
os entrevistados a justificativa de que seu tempo para almoçar deveria ser prático,
sem a necessidade de que se tomasse uma hora para fazê-lo. Aqui se estabelece
esta vertente do tempo, que deve ser aproveitado para realizar a refeição como
também para outros afazeres. Este ritmo passa a ser “uma questão fundamental do
mundo moderno
25
”.
Como a “sociabilidade urbana” introjeta a idéia do “perder tempo”, que
significa estar em descompasso com a ordem das coisas em um “conjunto de
atividades entre elas: morar, vestir, fazer compras, trabalhar, passear” estes
momentos do dia estão sempre com pessoas em movimento, preocupadas com a
pressa
26
. Não seria diferente com a hora do almoço no centro urbano, que está
envolta nesta mesma lógica e poderia estar inclusa neste “conjunto de atividades”
acima enumerado.
A dinâmica do ato de comer e sair nestes restaurantes levava em torno de
20 minutos, com exceção de algumas mesas animadas, normalmente formadas por
grandes grupos onde as pessoas levavam no máximo 30 minutos para se retirarem.
Mas, de maneira geral, em 40 minutos, todos os clientes já haviam sido
substituídos por novos clientes. Este é o exemplo da rotatividade, do movimento
constante já que a rapidez de entrada e saída de pessoas era incessante.
Sob esta agilidade, está o controle do relógio, onde se confere a todo
momento que horas são, numa regulação constante do tempo que se deve
permanecer no local. Nesse sentido, o relógio expressa a uniformização de um
tempo “vazio”, que foi quantificado de maneira a determinar zonas do dia, como a
jornada de trabalho
27
. Torna-se quase palpável a sensação de tempo, pois se cria
uma intenção de uso do local a partir de minutos marcados, contados. Eles
determinam as atividades; têm-se a imaginação de um cronômetro correndo e
inúmeras tarefas a serem cumpridas num período determinado.
24
COLLAÇO, Janine Helfst Leicht. Restaurantes de comida rápida, os fast-foods, em praças de
alimentação de shopping centers: transformações no comer. In: Estudos Históricos: Alimentação,
n.º 33, Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 2004, p. 124.
25
ORTIZ, Renato. Mundialização e Cultura. São Paulo, Editora Brasiliense, 1994, p. 82, 83.
26
Op. cit, p. 82, 83.
27
GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. São Paulo, UNESP, 1991, p.26.
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29
Durante meu trabalho de campo, foi possível presenciar que nenhum
cliente passava esta uma hora de almoço a que tinha direito à mesa. Para
comprovar isto, passava horas dentro dos restaurantes e sempre recebia olhares de
estranheza, como se todos se questionassem sobre o porquê de eu estar tanto
tempo ali. Estava eu, de certa forma, “denegrindo a lógica” do ambiente que
deixava implícitas ações como comer em um período curto, sem que se tomasse
com isso todo o horário reservado ao almoço:
Na cidade moderna, a necessária sincronização das atividades estabelece a
ditadura do horário e a importância do relógio
28
.
As pessoas, em teoria, poderiam ficar o quanto quisessem no local, mas a
estrutura deste é montada a lhe conferir movimentação. O serviço é realizado de
maneira a que se sirva rapidamente a comida, que se pese, consuma e se pague de
modo muito ágil.
É pegar um prato para se servir, eleger o que colocar nele, comer e pagar.
Estas ações estão tão introjetadas, que são capazes de produzir esta dinâmica de
rotatividade que promovem “discretamente” o uso e, porque não, a agilidade do
local.
Não há nenhuma regra imposta que faça com que as pessoas utilizem o
local assim, mas a forma como a comida, as mesas e os caixas para pagamento
estão dispostos constroem um espaço aberto a este tipo de rotatividade
permanente.
2.1.1.
Tempo de hoje, tempo de ontem
Quando as entrevistas mostram que o freqüentador leva em consideração o
tempo na hora de escolher onde vai fazer sua refeição, este não é exatamente um
aspecto novo no depoimento de trabalhadores do centro da cidade. Basta ver este
trecho do período imperial brasileiro, onde o número de restaurantes crescia na
cidade e a demanda por cozinheiros era grande; “ocupados com seus negócios e
28
LESSA, Carlos. “Trajetórias da cidade moderna”. In: Rio de Janeiro: panorama sociocultural,
Rio de Janeiro, Editora Rio, 2004, p. 11.
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30
sem tempo para voltar pra casa para o ‘jantar do meio dia’ [os cariocas] comiam
na rua
29
”.
E também em depoimento pessoal sobre a pressa das cidades brasileiras,
Câmara Cascudo já criticava a falta de tempo no realizar das refeições do
cotidiano urbano:
Precisamos comer depressa, digerir depressa, abandonar a mesa como a um
assento de brasa. Vida prática. Essências. Sumos. Comprimidos. Lataria. Pé no
acelerador. Avião hipersônico. Olho no relógio
30
.
Semelhanças à parte nos depoimentos, onde a idéia de não perder tempo
foi apontada como não sendo de todo nova
31
aos trabalhadores dos centros
urbanos, a maneira de se comunicar através da cozinha, que, também neste caso,
mostra que ações que acompanham o ritual da refeição da hora do almoço se
repetem até os dias de hoje, não são estanques:
Assim pode-se pensar a cozinha (e a culinária) como um vetor de comunicação,
um código complexo que permite compreender os mecanismos da sociedade à
qual pertence, da qual emerge e qual lhe dá sentido
32
.
Isto quer dizer que pontos em comum caminham ao lado de constantes
“redefinições do significado da refeição
33
”. Tomando como ilustrativo:
Nas décadas de 50 e 60 era considerável o número de pessoas que almoçavam
em casa; outras, quando saíam para o trabalho, comiam em pensões ou levavam
lanches. Pouco a pouco, essas práticas são vistas como sinal de arcaísmo, e
caem em desuso. O restaurante e o fast-food tornam-se as opções
preferenciais
34
.
29
Jornal do Commercio, Suplemento, Rio de Janeiro de 1849, p. 04 apud BRUIT, Héctor Hernán;
EL-KAREH, Almir Chaiban. Cozinhar e comer, em casa e na rua: culinária e gastronomia na
Corte do Império do Brasil. In: Estudos Históricos: Alimentação, n.º 33, Rio de Janeiro, Fundação
Getúlio Vargas, 2004, p. 87.
30
CASCUDO, Câmara. História da Alimentação no Brasil (Volume I e II), São Paulo, Cia. Ed.
Nacional, 1983, p. 418.
31
História da Alimentação no Brasil, de Câmara Cascudo, segundo o site
http://www.historiaecultura.pro.br , foi escrito entre 1962 e 1963 e Rio de Janeiro do meu tempo,
de Luiz Edmundo, teve sua primeira edição em 1938, fonte do site
http://www.estantevirtual.com.br.
32
BARBOSA, Lívia & GOMES, Laura Graziela. Culinária de Papel. In: Estudos Históricos:
Alimentação, n.º 33, Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 2004, p. 26.
33
ORTIZ, Renato. Mundialização e Cultura. São Paulo, Editora Brasiliense, 1994, p. 85, 86.
34
Op. cit
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31
Em resumo, há exemplos de pontos em comum sobre a complexidade da
idéia de tempo, que é algo vazio que foi sendo preenchido por significados sociais
capazes de torná-lo cheio, dotados de valores culturais que fazem dele uma fonte
de entendimento para a maneira como agimos diante de situações como trabalhar,
se alimentar, etc. Porém, estas formas de preenchimento dos significados do
tempo estão em constantes mudanças, são o contrário da fixidez e recebem novas
interpretações conforme as transformações sociais.
2.2.
Relativizando
O papel principal que a idéia de tempo desempenha na escolha destes
restaurantes é notável. Mas, no entanto, é preciso relativizar o discurso de que
estes restaurantes são muito freqüentados simplesmente porque permitem que se
coma em poucos minutos. Se houvesse apenas esta razão, outros locais, como
muitas lanchonetes localizadas na mesma rua dos restaurantes pesquisados, por
exemplo, também acolheriam este mesmo público, pois têm a mesma função da
rapidez no servir da comida.
Isto quer dizer que, apesar da relevância do aspecto da agilidade na hora de
servir a refeição, é preciso buscar outros elementos que justifiquem as visitas a
este local.
Uma das razões que podem relativizar este discurso do tempo como fator
primordial para escolha do ambiente da refeição está expressa no tópico a seguir,
denominado “Aproveitar o pouco tempo com comida de verdade”. Nele veremos
que esta busca do comer rápido se alia a outros fatores que influenciam a eleição
destes locais para se almoçar.
A soma da dinâmica dos restaurantes com a oferta de comidas que no
imaginário dos comensais fazem parte daquelas que classificam como “comidas
de verdade” resulta na grande freqüência dos restaurantes a quilo. Comidas que
estão no topo da lista de suas escalas pessoais de valor se unem à agilidade do ato
de comer.
Esta interação entre elementos modernos e elementos tradicionais da
cultura brasileira estará posta na conformação destes restaurantes. A possibilidade
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32
de comer de maneira rápida é um dos elementos modernos que são levados em
consideração durante o ritual da refeição realizada nos centros urbanos, enquanto
comidas classificadas como elementos tradicionais na representação da cultura
brasileira também são representadas nestes mesmos salões.
2.2.1.
Aproveitar o pouco tempo com comida de verdade
Ainda que haja busca pelo aproveitamento total de algo - o “tempo” - que
está mais no trânsito entre o concreto e o abstrato que especificamente num e
noutro, se enfatiza o fato de se estar comendo comida de verdade. Ou seja, mesmo
com a tentativa de aproveitar ao máximo o tempo disponível neste intervalo do
trabalho, que é a hora do almoço, se está num lugar que oferece comida e não
alimento para “tapear o estômago” e “sem sustância”.
Apesar da velocidade do comer, estes restaurantes não são considerados
fast-foods
35
simplesmente; são locais onde se come “comida de verdade”,
refeições que realmente “sustentam” as pessoas:
Para nós, brasileiros, nem tudo que alimenta é sempre bom ou socialmente
aceitável. Do mesmo modo, nem tudo que é alimento é comida. Alimento é tudo
aquilo que pode ser ingerido para manter a pessoa viva; comida é tudo que se
come com prazer, de acordo com as regras mais sagradas de comunhão e
comensalidade
36
.
Quando os clientes revelam que encontram nestes locais “comida de
verdade”, apontam para a manutenção de oferta de pratos que percebem como
comida, ou seja, como algo que produz interação, sentimento de reconhecimento e
de identificação entre os pratos e a composição da cultura brasileira.
Em outros estabelecimentos que possuem a mesma agilidade no servir de
uma refeição, falta este sentimento da comida; o que se serve é apenas alimento,
35
POULAIN, Jean-Pierre. Sociologias da Alimentação. Florianópolis, Editora da UFSC, 2006.
Fórmula norte-americana de comer rápido e a preços módicos que espalhou-se por diversos países.
Também são associadas a esta expressão comidas industrializadas, consideradas sem alma e que
são servidas de maneira sistemática nos balcões de lanchonetes e outros estabelecimentos que
representam o servir destas refeições.
36
DAMATTA, Roberto. O que faz do brasil, Brasil? , Rio de Janeiro: Rocco, 1991, p. 55.
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33
algo que deve ser servido a qualquer comedor e não é visto como prato capaz de
manter “energia suficiente para todo um dia de trabalho”
37
.
É a opção da rapidez aliada a costumes que já estavam bem estabelecidos
entre nós nos rituais de refeição que fazem destes restaurantes uma fórmula
contagiante, que tomou as ruas do centro urbano do Rio de Janeiro.
2.3.
O Centro da Cidade
O molho desta mistura do Prato Principal é o centro da cidade. Capaz de
envolver as várias possibilidades de uso do termo “tempo”, é ele quem ajuda na
significação do mesmo, pois é o local de trabalho de grande parte da população
carioca. É neste ambiente onde a circulação de trabalhadores é constante que estão
localizados os restaurantes pesquisados e onde o espaço de ruas e avenidas pode
revelar muito sobre o ritual da alimentação que envolve a hora do almoço durante
os dias úteis da semana.
Quando o assunto é o centro da cidade, a importância desta localidade vai
além de ser simplesmente o local geográfico onde se instalaram estes
estabelecimentos. Lá se está diretamente associado ao mundo do trabalho, pois,
distante de nossas casas e para onde vamos quando saímos para trabalhar, temos
com ele uma relação distinta, que não encontramos quando estamos no mundo de
nossas casas. Estamos na rua, local onde todos circulam, onde esbarramos com
“todo tipo de gente”, lugar que não é de uso exclusivo nosso e onde não
escolhemos quem será convidado.
Esta lógica do horário do almoço nos restaurantes a quilo situa-se numa
relação de tempo-espaço que perpassa a lógica interna destes estabelecimentos e
alcança a dinâmica do movimento do centro da cidade:
Um horário, tal como uma tabela que marca as horas em que correm os trens,
pode parecer à primeira vista meramente um mapa temporal. Mas na verdade é
um dispositivo de ordem tempo-espaço, indicando quando e onde chegam os
37
Trecho retirado de um depoimento de jovem estagiário de uma empresa estatal.
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34
trens. Como tal, ele permite a complexa coordenação de trens e seus passageiros
e cargas através de grandes extensões de tempo-espaço
38
.
No caso da área central do Rio de Janeiro, que segundo Carlos Lessa
39
está
“se projetando com personalidade na pós-modernidade”, não haveria local melhor
para se encontrar esta modalidade de restaurante:
Outra criação carioca é a comida a quilo. A invenção consiste não no fato de
haver sido criado um bufê variado a preço por grama e auto-serviço; é
universal. O gênio local se apresenta na notável antropofagia expressa na
composição criativa do prato pessoal, pelo carioca comum, que combina arroz e
feijão com a salada verde, carne grelhada, com algum pastel, espaguete, e até
mesmo sushis, sashimis... Sendo o brasileiro propenso literalmente a misturar
tudo, é provavelmente o único no mundo a combinar sashimis, farofa e feijão.
Foi genial a fixação de preço por grama, de qualquer combinação de alimentos,
o que permite a liberdade individual ao antropófago
40
.
A localização e as especificidades da cidade carioca fizeram por
transformar os restaurantes que atendem o público da hora do almoço num local
integrador de características universais do self-service (auto-serviço) com temas
da “criatividade brasileira”, como as misturas de comidas que normalmente não
são consumidas em conjunto.
2.4.
Hora do almoço
E o vinho é a hora do almoço, hora bem definida onde os restaurantes
estão lotados de pessoas a fim de fazerem sua refeição. É neste momento que a
lotação das ruas e dos restaurantes que nela se localizam promovem a chance de
olhares sobre o que fazem as pessoas em seu “tempo livre”
41
.
38
FRIDMAN, Luis Carlos. Vertigens pós-modernas. Rio de Janeiro, Relume Duamará, 2000, p.
28.
39
LESSA,Carlos. O Rio de todos os Brasis: uma reflexão em busca de auto-estima. Rio de
Janeiro, Record, 2005, p. 427.
40
Op. cit, p. 425, 426.
41
O tempo livre em questão está entre aspas, pois, apesar de ser o tempo de almoço um período
que permite ao indivíduo abertura na decisão do que fazer dele é também intervalo do trabalho,
que se refere à obrigação, a deveres. Dessa forma o tempo livre do almoço não está em
contraposição ao tempo de trabalho, ele está inserido na jornada diária dos trabalhadores.
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35
Em se tratando da hora do almoço nos restaurantes a quilo, pode-se dizer
que ela revela um pouco mais do nosso comportamento fora de casa. Almoçamos
em trajes de trabalho; nos preocupamos com o tempo que temos para comer e com
outros compromissos; compartilhamos da refeição com pessoas com as quais
mantemos relações de formalidade, enfim, encontramos elementos que reforçam a
relação com o ambiente da rua.
O tempo livre do almoço não é visto como uma refeição que segue um
ritual que dura a exata uma hora disponível a trabalhadores e estudantes. Pelo
contrário, esta nova modalidade de restaurante traduz essa nova relação das
pessoas com o espaço de tempo livre que conseguem no intervalo do trabalho.
A exemplo do uso do tempo da hora do almoço para outras tarefas que não
apenas a refeição, uma das entrevistadas revela que “mesmo com uma hora para
almoçar, nunca gasto este tempo todo apenas para comer. Mesmo quando não
preciso resolver alguma coisa importante, vou a uma loja, a uma livraria”.
É preciso destacar que a hora do almoço tem características que estão além
da alimentação. Neste horário, no meio de um dia de trabalho, como se costuma
dizer, é comum que se resolvam outros tipos de compromisso.
As filas dos bancos lotam de pessoas pagando suas contas, as academias
de ginástica recebem os mais preocupados com o corpo, os consultórios recebem
pacientes, as lojas recebem consumidores, as “casas de massagem” também
recebem seus clientes. Ou seja, a hora do almoço virou um horário para os mais
variados tipos de tarefas.
As “casas de massagem” são locais onde se oferecem serviços sexuais. No
centro da cidade, elas existem em grande quantidade e, inclusive, ocupam salas de
edifícios comerciais. Estes locais recebem grande movimento justamente no
horário de almoço e, segundo um colega de Mestrado que trabalha em uma
empresa também no Centro, seus colegas se referem a uma ida a este local como
“fazer um lanche rápido”
42
.
Isso não quer dizer que tenha se perdido toda a ligação do almoço com
rituais que envolvem uma refeição; pelo contrário, estes restaurantes servem de
42
Esta associação entre comida e sexualidade também é um tema interessante no Brasil, para saber
mais sobre ele ver CARNEIRO, Henrique. Comida e Sociedade – Uma história da alimentação.
Rio de Janeiro: Campus, 2003; DAMATTA, Roberto. O que faz do brasil, Brasil? , Rio de
Janeiro: Rocco, 1991; DOUGLAS, Mary. Pureza e Perigo. São Paulo, Perspectiva, 1976 e
QUEIROZ, Maria José de. A Literatura e o gozo impuro da comida. Rio de Janeiro, Topbooks,
1994.
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36
exemplo para uma dinâmica onde o protagonismo da refeição esbarra em outros
personagens tão importantes quanto aquele.
Em outras palavras, os restaurantes do tipo a quilo possibilitam que
trabalhadores do centro da cidade dividam seu espaço da refeição com outros
afazeres. O que é chamado de hora do almoço não se destina apenas à ação de
comer; também é neste intervalo que outras tarefas do cotidiano são resolvidas.
A valorização do curto espaço de tempo, onde deve-se realizar o maior
número de atividades possível, a espacialidade do centro da cidade que comporta
locais para que esta dinâmica de aproveitamento do tempo seja cumprida e um
horário estipulado, onde se sente o cronômetro correr, fazem os restaurantes a
quilo característicos desta lógica.
Afinal, eles estão inseridos no contexto de agilidade e do não perder tempo
no fazer da refeição; são locais bem fixados no centro urbano carioca e atendem
àqueles que utilizam parcialmente a hora do almoço para efetivamente almoçar.
Apesar da importância do Prato Principal na descrição dos restaurantes a
quilo no Rio de Janeiro, a refeição não se encerra por aqui. Ainda temos outras
degustações para atravessar.
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3
Acompanhamentos
“O cotidiano é aquilo que nos é dado a cada dia.”
Michel de Certau
Além do prato principal, são oferecidos acompanhamentos. Complementos
ao que de mais significativo se revela em uma refeição; outros ingredientes,
formando outros alimentos que acompanham a comida de marca maior.
Entre estes acompanhamentos, há a possibilidade de inúmeras opções. Mas
há aqueles que são mais pedidos pelos clientes, que são mais lembrados e
considerados mais saborosos e dignos de menção.
Primeiramente, destaque para aqueles acompanhamentos mais usuais, que
não deixam nunca de ser companhia do prato principal, mais tradicionais que,
mesmo nos ambientes mais modernos e arrojados, não podem faltar. São
acompanhamentos que fizeram parte da mesa de todas as gerações e de valor
inestimável, que perpassam as barreiras de tempo e continuam afirmando sua
importância nos cardápios dos dias de hoje.
Para não cair na mesmice, a sugestão é sempre ir mesclando os
acompanhamentos conforme os diferentes dias de refeição. Alguns
acompanhamentos se casam melhor conforme a atmosfera de cada dia, são os
famosos “pratos do dia”. Assim, durante a semana pode-se optar por uma das
várias combinações de sabores, só depende do dia da visita.
Para aqueles que queiram se sentir mais exclusivos, há comidas que não
estão divulgadas no menu, mas que podem ser servidas conforme a vontade do
cliente. Uma sugestão à parte é pedir para ser servido de algo que a princípio não
está no menu oficial, mas, cujos ingredientes podem ser encontrados na cozinha e
preparados conforme o gosto do comensal.
O que se deve notar é que os acompanhamentos não são meros
coadjuvantes; sejam eles quais forem, ajudam a compor o prato de maneira
peculiar e conferem a ele um paladar todo especial.
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38
Trocando em miúdos...
3.1.
Dias da Semana
O primeiro acompanhamento revela a temporalidade desta refeição: os
dias da semana. Isso porque estas refeições são realizadas nos chamados dias úteis
– que vão de segunda a sexta-feira -, onde nossa rotina está pautada em categorias
como “trabalho, obrigações, responsabilidade
44
”:
A totalidade dos dias da semana é o trabalho. Durante o período que se estende
de segunda a sexta, o trabalho se torna o elemento regulador das ações
individuais. (...) Os dias de semana são aqueles em que se trabalha. Em que a
maior parte do tempo é passada fora do ambiente doméstico, “na rua”, um local
público, de trabalho, e regido por leis impessoais, onde as “pessoas da casa”,
são tratadas como indivíduos. Onde o valor dominante é o trabalho e a
hierarquia
45
.
De segunda a sexta-feira a lógica das refeições é compatível com a rotina
de trabalho, mas, ainda assim, cada dia útil tem as suas especificidades:
Os dias da semana, com sua sucessão regular, nomes e distinções: à parte o seu
valor prático de identificar as divisões de tempo, cada um deles tem um
significado como parte de um padrão. Cada dia tem seu significado próprio e se
há hábitos que estabelecem a identidade de um dia particular, estas observâncias
regulares têm o efeito de um ritual. O domingo não é simplesmente um dia de
descanso. É o dia anterior à segunda, e igualmente a segunda em relação à
terça. Na verdade, não podemos experimentar a terça se, por alguma razão, não
tivermos formalmente recebido a segunda
46
.
A comida também acompanha esta variação dos dias da semana. Todos os
restaurantes da pesquisa tinham, além de uma base fixa de opções de comida,
variações conforme os dias da semana. O gerente de um dos locais definiu assim a
variação de alimentos:
44
BARBOSA, Lívia Neves de Holanda. Porque hoje é sábado... Um estudo das representações
dos dias da semana, Rio de Janeiro, Boletim do Museu Nacional, n.º 49, 1984, p. 15.
45
Idem, p. 32, 35.
46
DOUGLAS, Mary. Pureza e Perigo. São Paulo, Perspectiva, 1976, p. 83.
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39
Segunda-feira é um dia que temos comidas mais leves, porque todo mundo quer
maneirar, já que exagerou no final de semana. Quando vai chegando mais perto
do fim-de-semana, o cardápio vai ficando mais pesado. Penso que as pessoas
vão ficando mais relaxadas, felizes com a chegada dos dias de descanso e
comemoram também na hora de escolher a comida.
Noutro restaurante também fica explícita a relação da comida com os
diferentes dias da semana. Segundo a gerente de um famoso restaurante árabe do
centro da cidade:
Aqui temos um cardápio árabe fixo. Mas às segundas servimos massas; terças e
quintas temos cozinha mineira; quarta é cozido e sexta-feira é feijoada. Sexta-
feira tem feijoada
47
em praticamente todos os lugares; as pessoas estão mais
descontraídas, querem comer alguma coisa especial e estão mais animadas, o
que combina direitinho com a feijoada.
Dessa forma, os dias da semana, são exemplos de uma seqüência regular:
com experiências divididas em cada um dos dias. Nesta seqüência regular, cada
dia possui uma função diferenciada, pois, segundo Mary Douglas, o que confere
sentido às especificidade de cada dia está exatamente numa forma de sucessão
onde há um ordenamento capaz de qualificar os dias, tanto de acordo com a
proximidade com o dia que passou quanto com a proximidade o com o dia que vai
sucedê-lo.
Se utilizarmos o exemplo da sexta-feira para qualificá-la como um dia
diferente da quinta e próximo do sábado, é possível verificar que durante as
sextas-feiras as pessoas se permitiam “um pouco mais”. Um pouco mais de tempo
no almoço, um pouco mais de tempo conversando com os colegas, um pouco mais
de dinheiro para gastar, um pouco mais de novidade no cardápio.
Portanto, foi numa sexta-feira em que estava visitando pela primeira vez o
restaurante árabe da rua que escolhi para realizar o trabalho de campo, que quatro
mulheres com média etária de 30 anos, numa mesa animada, decidiram, segundo
uma das entrevistadas, “arriscar uma comida diferente e um restaurante novo, fora
47
MACIEL, Maria Eunice. Uma cozinha à brasileira. In: Estudos Históricos: Alimentação n.º 33,
Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 2004, p. 33. “A feijoada, o mais conhecido dos
chamados ‘pratos nacionais’ (...) pode-se afirmar que a feijoada é o principal prato identitário
nacional (...) é um prato reservado às ocasiões especiais, como convite aos amigos, implicando
assim comensalidade”. Para saber mais ver CASCUDO, Câmara. História da Alimentação no
Brasil (Volume I e II), São Paulo, Cia. Ed. Nacional, 1983 e FRY, Peter. “Feijoada e soul food 25
anos depois”. In: Fazendo Antropologia no Brasil. Editora DP&A, Rio de Janeiro, 2001.
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40
da rotina de restaurantes que costumamos freqüentar na hora do almoço”,
reiterando que o melhor dia para fazê-lo era mesmo numa sexta-feira.
Assim como neste depoimento, outras declarações apoiaram esta
expectativa diferenciada em relação aos dias da semana. Se alguns deles estão
mais próximos do final da semana, a comida e a interação entre os comensais se
estabelece com maior comunhão, conforto e possibilidade de experiências
inovadoras.
Enquanto os dias que se aproximam do sábado e do domingo têm
cardápios como a feijoada e o cozido, “que deixam o dia mais animado”, podendo
“gastar mais e demorar mais para comer”, os dias que anunciam que o final de
semana ainda não se aproxima têm cardápios com comidas mais “práticas” e
menos robustas, consideradas mais leves, fáceis de serem consumidas em menos
tempo e que são mais baratas.
A refeição oscila entre um intervalo para se alimentar com comida e repor
as forças para o trabalho com um momento de prazer associado ao não-trabalho,
definindo as escolhas. Conforme se chega mais perto do final de semana, as
escolhas tendem a ser definidas pela proximidade com os momentos de lazer e,
nos dias onde não se sente próximo o sábado e o domingo, as escolhas são “menos
passionais” com pratos mais distantes daqueles que simbolizam momentos de
descanso de tarefas de trabalho.
3.1.2.
Fim-de-semana
A relação direta dos dias úteis com o mundo do trabalho é diferente do
fim-de-semana. No que se refere às refeições, muitos entrevistados se diziam
cansados de comer em restaurante a quilo, alguns preferiam comer em casa,
outros em restaurantes de outros tipos, como à la carte, churrascarias, pizzarias e
outros, considerados locais onde se pode comer devagar, sem pressa, com amigos
e familiares com os quais não se pode encontrar durante os dias úteis.
Os poucos entrevistados que iam a restaurantes a quilo nos fins-de-semana
revelaram traços de intimidade com o local e afirmaram passar mais tempo neles;
faziam uso destes restaurantes de forma com que eles se aproximassem do modelo
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41
de restaurante citado como os “restaurantes de final de semana”. Ou seja, utilizam
o restaurante a quilo com outra dinâmica, sem priorizar a lógica da pressa e das
informalidades em torno da refeição.
“No fim-de-semana ficamos mais tempo dentro de um restaurante, também
acabamos comendo e gastando mais! Mas não me importo, pois é o tempo que
estou com minha família e amigos”. Este depoimento de um jovem entrevistado
se parece com o da grande maioria, que associa os restaurantes freqüentados nos
fins-de-semana com momentos de prazer, descontração e pouca preocupação com
o tempo da refeição.
Também há uma abertura maior para quanto se gasta, já que sair para
almoçar num sábado ou domingo é “como se fosse uma programação”. Não é algo
obrigatório, rotineiro. Nesse sentido, a refeição é valorizada como programa
principal, não cumpre função de intermediária entre as horas de trabalho.
“Durante a semana vou ao restaurante porque não tenho outra opção, nos
finais de semana vou pela diversão”, segundo um advogado entrevistado. Assim
são definidos os programas nos dias de descanso. “Sábado e domingo são
dedicados a programas de lazer
48
” e os dias da semana têm como característica a
obrigação do trabalho que, por conseqüência, mudam as razões de visita aos
restaurantes.
3.2.
Comida feminina, comida masculina
Num restaurante cuja especialidade eram variados tipos de salada e
grelhados, o público era composto por uma grande maioria de mulheres. Avistei
apenas uma mesa onde havia homens e mulheres e perguntei qual era a motivação
para a escolha do local. Os homens daquela mesa me responderam que
almoçavam no restaurante por estarem na companhia de mulheres; caso contrário,
preferiam almoçar em um restaurante a quilo comum, onde encontrariam “comida
de gente”.
48
CERTAU, Michel de.; GIARD, Luce.; MAYOLl, Pierre. A invenção do cotidiano 2. Morar,
Cozinhar. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003, p. 150.
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42
Noutro restaurante mais simples e com comida que segundo um dos
entrevistados lembrava as “comidas de pensão”, o público masculino era a grande
maioria. E, ao contrário do restaurante dos grelhados e saladas, perguntei às
poucas mulheres o que faziam no local e elas responderam que não conseguem
viver “como as outras mulheres” que, segundo elas, “comem aquela comida rala,
que não dá sustância para o dia todo”.
Esta observação empírica foi confirmada pelos gerentes de ambos os
restaurantes, que afirmaram que num a maioria era feminina e noutro que a
maioria dos seus freqüentadores era masculina.
Pois bem, será que existem restaurantes femininos e masculinos? Assim
como a dinâmica do funcionamento dos restaurantes a quilo não está posta
explicitamente, também assim acontece com relação aos estabelecimentos onde
almoçam mais homens ou mais mulheres. Não há regras de exclusão de um grupo
ou de outro, mas as características de cada local são tidas como masculinas ou
femininas (de acordo como o que se define como sendo um ou outro).
Neste caso, os “restaurantes femininos”, com buffês de saladas variadas e
pratos considerados leves, apontam para a tendência da preocupação com o corpo,
com o comer saudável. Uma assídua freqüentadora de um destes locais se definia
como uma “mulher moderna, que não vive como aquelas mulheres de antigamente
que ficavam somente em casa cozinhando, cuidando dos filhos e do marido”:
Do início do século XX até meados da década de 1970, os livros de culinária
dirigiam-se à figura tradicional da dona de casa – a rainha do lar. Esse lar era
composto de pai, mulher e filhos, e nele o homem se ocupava do sustento da
família e a mulher do funcionamento da casa
49
.
A saída da mulher para o mercado de trabalho inverte a relação entre a
comida e o corpo. Enquanto a dona de casa tinha a comida como resultado de seu
trabalho, a mulher nos moldes atuais usa esta comida como fonte de energia para
continuar seu dia de trabalho em outro local que não a sua própria casa.
A relação entre culinária e corpo altera-se drasticamente, invertendo a anterior:
o corpo passa a ser o universo explícito, e a casa, o implícito
50
.
49
BARBOSA, Lívia & GOMES, Laura Graziela. Culinária de Papel. In: Estudos Históricos:
Alimentação, n.º 33, Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 2004, p. 12.
50
Idem, p. 15, 16.
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43
Neste caso, a mulher também se revela como mais um membro da família,
um indivíduo como os outros que constituem seu lar sem que sejam atribuídas a
ela funções específicas da esfera doméstica. Ela não é mais organizadora da
refeição como “instituição social
51
”, como característico do caráter formador da
família tradicional.
A mudança de papel social deu à mulher outras possibilidades de escolha
no que diz respeito à seleção de alimentos que irá ingerir. Esta atuação feminina
no mercado de trabalho, visível no centro urbano carioca, de ruas lotadas de
mulheres nas mais diversas profissões, formou um mercado com produtos e
serviços que atendessem a esse público. Não seria diferente no que diz respeito a
comidas e locais que se propõem a atender os desejos das consumidoras
femininas.
É sobre este aspecto de inúmeros serviços oferecidos a este público-alvo
que surgem restaurantes preocupados em atender àqueles que buscam o padrão
atual de beleza, especialmente de mulheres com uma aparência magra. Este
padrão, identificado mundialmente, se torna definidor na hora de selecionar o que
comer e, portanto, foram montados ambientes que se encaixem nesta “necessidade
da consumidora”.
Dentre as preocupações das mulheres que comparecem a estes restaurantes
está a preocupação estética, a busca por um corpo esbelto, por um tipo físico
compatível com os critérios de beleza da atualidade:
[A] dieta estética tem como objetivo o corpo magro, com um novo
tamanho e densidade, e que irá encontrar sua expressão mais acabada no
corpo esculpido, malhado nas academias de ginástica
52
.
A dieta estética, todavia, não deixava de ser citada nos restaurantes
masculinos, já que alguns homens revelaram que precisam “comer bem” ou comer
segundo uma dieta estética para sustentarem os exercícios e outras atividades que
realizavam durante o dia a dia. Porém, esta não se mostrava a principal razão de
freqüência dos locais.
51
ORTIZ, Renato. Mundialização e Cultura. São Paulo, Editora Brasiliense, 1994, p. 85.
52
ORTIZ, Renato. Mundialização e Cultura. São Paulo, Editora Brasiliense, 1994, p. 10.
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44
Nos restaurantes de maioria masculina as opções de saladas e pratos leves
apareciam em menor quantidade. Reinavam nos displays pratos quentes
considerados “pesados”, seções de churrascaria e massas feitas na hora.
Para os comensais dos restaurantes tidos como masculinos, o sentido de
uma refeição completa depende de pratos que são pensados como próximos à
comida caseira, onde estar bem alimentado é comer de acordo com receitas “com
sustância, comida de panela, com gordura
53
”. O “comer bem” se referia a outra
escolha de pratos que não apenas aqueles indicados em dietas para manter um
corpo esbelto.
Nestes dois casos, podemos perceber definições extremas de restaurantes
mais visitados por homens e restaurantes mais visitados por mulheres. Cabe
enfatizar que estas são situações exageradas pois, normalmente, os restaurantes a
quilo se equilibram na freqüência de ambos os sexos, constituindo-se da mistura
das duas definições acima descritas.
Em todo o caso, sendo o corpo humano “um símbolo da sociedade, e os
poderes e perigos creditados à estrutura social reproduzidos em miniatura
54
”, o
surgimento de exageros que apontem de um lado para a concepção individual de
escolha do que será posto no prato e de outro para a manutenção da presença de
comidas como “as de pensão” e que “ainda lembram aquelas comidas caseiras
55
são, de fato, parte do caráter híbrido dos restaurantes do tipo a quilo.
A mescla de pratos leves e pesados, a possibilidade de manter a dieta
estética e se alimentar com “sustância” fazem deste ambiente local onde as
escolhas de cada comedor se combinem e tragam ao mesmo espaço os diferentes
indivíduos que circulam pelo centro da cidade.
3.3.
Feijão com arroz
Há ainda um acompanhamento especial, o prato que é hors concurs,
presente em todos os restaurantes, independente de suas características culinárias:
53
BARBOSA, Lívia & GOMES, Laura Graziela. Culinária de Papel. In: Estudos Históricos:
Alimentação, n.º 33, Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 2004, p. 16.
54
DOUGLAS, Mary. Pureza e Perigo. São Paulo, Perspectiva, 1976, p. 142.
55
Trecho retirado de entrevista de restaurante que foi classificado como “de maioria masculina”.
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45
o arroz com feijão. Ele está no cardápio de todos os restaurantes e não pode faltar
nenhum dia. É uma das formas de manutenção dos hábitos tradicionais na
alimentação.
O “feijão com arroz” - expressão popular utilizada para fazer referência a
fatos do cotidiano, da rotina brasileira - revela que a possibilidade de combinações
de comidas que normalmente não seriam servidas numa mesma refeição e os
novos arranjos de ambientes para a hora do almoço não anulam estruturas
tradicionais. Ao contrário, trazem conforto à novidade, amenizando a
impessoalidade de ambientes. O prato acrescenta parte do ritual tradicional
56
da
refeição em local onde poderia parecer improvável que isto ocorresse.
Dessa forma, o arroz com feijão foi a grande unanimidade dos restaurantes
e, por que não, um dos denominadores comuns desses locais, pois era lembrado
por todos, ou mesmo nem citado, pois os entrevistados já subentendiam que ele
era único e sempre presente.
Desse papel protagonista do arroz com feijão pode-se dizer que:
O consumo de alimentos é governado por regras particulares, revelando a
natureza dos agrupamentos sociais. A comida representa simbolicamente os
modos dominantes de uma sociedade. (...) A alimentação revela e preserva os
costumes, localizando-os em suas respectivas culturas. Ela traduz a estabilidade
do grupo social
57
.
Se o feijão com arroz representa a tradição, ele não deixa de ser “um modo
de integrar a monitoração da ação com a organização tempo-espacial da
comunidade; (..) uma maneira de lidar com o tempo e o espaço, que insere
qualquer atividade ou experiência particular dentro da continuidade do passado,
presente e futuro, sendo estes por sua vez estruturados por práticas sociais
recorrentes
58
.
Em outras palavras, a temporalidade cuida de ir reafirmando e re-
significando o valor de feijão com arroz na representação das tradições do Brasil.
56
O ritual tradicional brasileiro é “subvertido” pelo tempo de refeição encurtado, a comida “já
posta”, que fica exposta nos buffês e maneira impessoalizada de servi-lo, já que cada um serve seu
prato.
57
ORTIZ, Renato. Mundialização e Cultura. São Paulo, Editora Brasiliense, 1994, p. 77.
58
GIDDENS. Anthony. As conseqüências da modernidade. São Paulo, UNESP, 1991, p. 44.
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Novos lugares, novas formas de servir o prato se unem à constante reafirmação da
importância do prato na mesa do brasileiro.
Sendo a cozinha “local de resistência de identidades locais
59
” e o arroz
com feijão representante da cozinha brasileira, ele se mantém importante ao longo
do tempo e acompanha as mudanças nas práticas alimentares que possam ocorrer
como uma maneira de provar que modelos vistos como representantes de nossas
tradições históricas estão longe de desaparecer:
Modos de cozinhar, modos de comer e beber: objetos culturais portadores de
uma parte da história e da identidade de um grupo social [devem ser
preservados] (...) como testemunhos de uma identidade cultural
60
.
3.4.
Dinheiro
Foi a definição de uma mulher que me permitiu iniciar este tópico. Ela me
disse que procurava por um restaurante que “não fosse fechado” para almoçar.
Esta expressão “fechado” foi marcante, pois seria necessário compreender o que
ela estava considerando “fechado”. Será que era a opção de comidas restritas
nestes restaurantes? Ou o fechado se referia à seletividade de clientes?
Quando ela me disse que procurava um local que não fosse fechado,
perguntei o que ela entendia por “restaurante fechado”. Ela me respondeu que era
um lugar onde poucas pessoas poderiam comer, era caro, o prato demorava a ser
preparado e exigia muito tempo disponível para lá estar. Esta restrição, por ela
chamada de lugar “fechado”, incluía duas características consideradas “luxuosas”
em se tratando da hora do almoço no centro da cidade: o tempo e o dinheiro.
Portanto, o que ela quis dizer é que procurava um local nos moldes dos
restaurantes a quilo que, além de “promoverem ganho de tempo
61
, são
entendidos como lugares onde se paga o que é justo pela comida a ser consumida.
59
POULAIN, Jean-Pierre. Sociologias da Alimentação. Florianópolis, Editora da UFSC, 2006, p.
38.
60
Idem, p. 37
61
Devemos relativizar, como foi feito no tópico sobre o tempo no Capítulo I, esta interpretação
dos entrevistados acerco do “tempo” pois outros formatos de restaurantes também possibilitam
“ganho de tempo na hora de comer”.
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47
A associação de luxo com a lentidão e o alto preço do menu estava
colocada, para ela, como “fechada”, indisponível ou impossível.
A possibilidade de freqüentar estes locais só não era nula, pois muitos
entrevistados revelaram que apareciam oportunidades de saírem para comer com
seus chefes ou pessoas que exerciam cargos importantes em seu universo de
trabalho. Nessas situações, costumava-se ir a restaurantes incomuns às suas
rotinas, normalmente com características relativas ao que a entrevistada acima
definiu como “restaurantes fechados”.
Um dos entrevistados acrescentou:
Sempre que o chefe nos convida pra almoçar já sabemos que vamos gastar mais,
pois ele nunca freqüenta o restaurante que vamos todos os dias. Em
compensação, como estamos com o chefe, podemos demorar mais pra voltar pro
trabalho. Como estamos almoçando com ele não podemos sair antes.
Neste caso,
o dinheiro oferece um padrão para medir o valor; o ritual padroniza as situações,
e ajuda assim a avaliá-las. O dinheiro faz a união entre o presente e o futuro, da
mesma forma que o ritual. Quanto mais refletirmos na riqueza desta metáfora,
tanto mais fica claro que ela não é uma metáfora. O dinheiro é somente um tipo
um tipo extremo e especializado de ritual
62
.
A idéia dos freqüentadores dos restaurantes a quilo é a de que não se deve
gastar muito para comer. O gasto e o tempo devem ser compatíveis, merecedores
um do outro.
Segundo Parsons
63
, o dinheiro é um dos diversos tipos de “meio de
comunicação circulante” nas sociedades modernas, além do poder, da linguagem e
outros. E se apenas aqueles que têm mais tempo para comer gastam mais, o
dinheiro e o tempo estão interligados numa lógica de busca de equivalência entre
ambos. Ou seja, o cliente freqüenta o lugar onde se come rápido e pretende gastar
o que considera condizente àquele tempo: são merecedores um do outro.
Quando Weber toma de apoio a expressão “tempo é dinheiro
64
”, de
Benjamin Franklin, propõe que ambos, que poderiam não representar nada
concretamente, se enchem de valor quando são relacionadas a eles (o tempo e o
62
DOUGLAS, Mary. Pureza e Perigo. São Paulo, Perspectiva, 1976, p. 88.
63
PARSONS, Talcott. The Social System. Glencoe, III: Free Press, 1951 apud GIDDENS,
Anthony. As conseqüências da modernidade. São Paulo, UNESP, 1991, p. 31.
64
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo, Editora Pioneira,
1998, p. 29.
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48
dinheiro) fortes representações. Aos dois são atribuídas características sociais que
os afirmam como algo que passeia no abstrato e se afirma como concreto.
Segundo Marcel Mauss
65
, “o dinheiro intensifica a relação econômica se
as pessoas têm fé nele, assim como a relação com os rituais. Não são considerados
falsos quando se mede a sua aceitação”, as pessoas acreditam no seu potencial.
Quando lado a lado, o tempo e o dinheiro devem ser mostrar compatíveis; pode-se
dizer que as idéias de tempo alcançável e palpável, que se deve aproveitar ao
máximo sem desperdícios, e a idéia de um valor monetário que pareça justo a este
tempo determinado fazem parte do ritual da alimentação no período atribuído à
freqüência dos restaurantes.
Em resumo, o “valor da refeição” é medido pelo tempo que se destina a
estar nestes restaurantes, pelo aspecto financeiro que implica estar nestes
restaurantes e pela união de ambos, já que esta interação cria uma significação
peculiar, de tentar criar uma equivalência entre os dois aspectos, fazendo com que
eles estejam diretamente associados.
3.5.
Acompanhamento à parte do menu
Apesar de notar algumas diferenças entre restaurantes a quilo que
pudessem implicar em definições de classe, não tive a intenção de incluir em
minha dissertação diferenciações rígidas sobre esse aspecto na classificação dos
clientes dos restaurantes pesquisados.
Primeiramente porque minha intenção principal estava voltada para os
pontos em comum em todos esses locais, para aquilo que envolvesse a maioria das
pessoas no que se refere ao ritual da refeição da hora do almoço.
A segunda razão que me fez não buscar uma análise mais profunda no que
se refere a critérios de classe apareceu ao longo do trabalho de campo, pois os
entrevistados afirmavam freqüentar restaurantes com diferentes características
conforme a companhia que teriam para a refeição ou outras tantas razões.
65
MAUSS, Marcel. Esquisse d’une Théorie Générale de la Magie. L’Année Sociologique, 1902-
1903 [Reimpresso, 1950, em Sociologie et Anthropologie, Paris] apud DOUGLAS, Mary. Pureza
e Perigo. São Paulo, Perspectiva, 1976, p. 88, 89.
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49
Um almoço com o chefe é sempre num local mais caro, talvez num
restaurante à la carte, onde há mais tempo para comer, não há problema em
esperar preparar o prato para depois ser servido à mesa. Bem como uma reunião
de negócios, que não pode acontecer em um local tão barulhento e impessoal.
Mesmo para um almoço com a(o) namorada(o) ou alguém que se quer
impressionar ou quando se precisa de um lugar onde se possa dar mais atenção a
alguém, as pessoas recorriam à possibilidade de utilizarem restaurantes fora de
seus padrões cotidianos.
Ou seja, há diferentes locais para diferentes arranjos. Mesmo quando um
homem revela que está num restaurante a quilo característico por sua variedade de
saladas porque estava na companhia de muitas mulheres, este já é um novo
arranjo, já que sua rotina era freqüentar um estabelecimento a quilo com “comida
de verdade”.
Porém, há, sim, por sua vez, algumas diferenciações que podem estar
contidas em critérios de definição de classes nestes restaurantes. E entre estas
características que permitem definir o perfil da classe nos diferentes locais está o
fator preço, que ao longo da rua vai definindo, de alguma maneira, o perfil de
quem escolhe um lugar mais caro ou mais barato. A exemplo disso, presenciei
grupos olhando os preços na porta dos restaurantes e avaliando as possibilidades
de comerem em certos restaurantes e não em outros. A condição financeira destes
grupos implica em escolher locais compatíveis com seus salários, locais onde o
preço seja equivalente àquilo que se pode gastar todo dia.
Outro fator estava nas roupas, já que em um dos restaurantes, cujo slogan
dizia ser “um dos melhores do centro da cidade” e cujo preço destoava bastante do
preço médio dos outros restaurantes da rua, a presença de homens de terno e
gravata e mulheres com trajes sociais como taileurs e outras combinações
consideradas elegantes circulavam pelos salões livremente. Os acompanhamentos
de pastas de couro, celulares de última geração e outras ferramentas como
computadores de bordo, por exemplo, eram comuns aos freqüentadores. O perfil,
como a própria gerente me revelou, era de “executivos e profissionais de altos
cargos”.
Poucos metros à frente, noutro restaurante, a maioria dos clientes se
portava de maneira mais informal, com camisetas e calça jeans. Além disso,
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50
estudantes e estagiários circulavam com mochilas nas costas, numa combinação
bem diferente da visível no outro restaurante descrito.
Segundo o gerente do restaurante de preço mais módico, “a gente recebe
todo o tipo de cliente, gente que trabalha no centro, estudante das faculdades”.
As profissões, os modos de se vestir revelavam, de certa forma, um perfil
dos clientes de cada local, pois as limitações de quanto se pode gastar com uma
refeição por dia e trajes que revelam funções profissionais apontam para
classificações sociais possíveis de serem vistas pelos salões.
O que de peculiar se revela na conformação destes restaurantes é que
apesar de preços muito distintos no quilo de um e de outro eles possuem o mesmo
formato; são utilizados da mesma maneira apesar das distâncias sociais que
possam existir entre os freqüentadores de ambos.
Se Pierre Bourdieu ou Alan Warde fossem os autores deste texto,
provavelmente este item do menu não seria um quesito à parte. Pelo contrário, ele
estaria encabeçando a lista dos pratos principais, já que para ambos as definições
de classe foram essenciais para a formação de seus argumentos sobre a maneira de
comer em seus respectivos países, no caso, França e Inglaterra.
Para Bourdieu, em seu livro La Distinción
66
, os critérios de classificação
de classe são reveladores das diferentes escolhas que pessoas possam fazer na
hora de comer. Para ele, a classe social é o principal diferenciador do gosto e,
através da percepção dos vários modos de alimentação, é possível perceber meios
de segregação social:
Existe uma hierarquia dos gostos que é reflexo da hierarquia social, e conceitos
como ‘bom gosto’ e ‘mau gosto’, que são determinados pelas classes mais altas.
Aqueles que possuem ‘capital cultural’, por causa de sua posição sócio-
econômica, vão impor a sua visão de mundo cultural à sociedade como um todo.
Assim sendo, a escolha de certos alimentos e a maneira como são preparados e
servidos não são só parâmetro para identificar uma classe social como também
pode intensificar a segregação social
67
.
66
O livro “A invenção do cotidiano 2: Morar, Cozinhar” resume o argumento do livro de
Bourdieu mostrando que ele trata “das condutas de preferência (alimentação, vestuário, mobília,
música, etc.) que em geral dependem do gosto individual, mas ao mesmo tempo são reconhecidas
como ligadas à estratificação social. Assim os espaços de preferências em alimentos, em cosmética
se organizam segundo a mesma estrutura fundamental, a do espaço determinado pelo volume e
pela estrutura do capital (Certau, 2003, p. 247, 248).
67
BOURDIEU, Pierre. La Distinción: criterio y bases sociales del gusto. Madrid, Taurus, 2006
apud HECK, Marina de Camargo. Comer como atividade de lazer. In: Estudos Históricos:
Alimentação n.º 33, Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 2004, p. 141.
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51
A variedade de alimentos de cada grupo, segundo Bourdieu, são formas de
nivelação socialmente construídas que organizam o pensamento do mundo social
francês. Portanto, a escolha do que será servido à mesa de cada grupo social não é
algo livre de segregações. A comida das classes sociais está relacionada com a
possibilidade de um grupo ter a condição de servir aquele alimento à mesa.
Esta constituição de um gosto modelado por condições sociais do grupo
está fora de qualquer tipo de definição mecanicista. Ele é atribulado à formação de
estilos de vida que têm como sentido separar os grupos sociais e reafirmar suas
diferenças a partir das oposições por eles constituídas. Entre elas, a maneira de
comer, a escolha dos alimentos, a definição do que é bom e ruim para comer
revelam um pouco mais sobre como o status social do indivíduo reforça o
argumento da divisão de classes na França:
Es el habitus el que hace que se tenga lo que gusta porque gusta lo que se tiene,
esto es, las propiedades que de hecho resultan atribuídas en las distribuiciones y
que de derecho resultan asignadas en los enclasamientos
68
.
A formação de um habitus define o gosto dos grupos de forma que as
distribuições de alimentos estejam relacionadas a critérios de classe. Ou seja, cria-
se sob a idéia de que o gosto diferenciado é “natural”, revelador de características
variadas um sentido de divisão na forma de comer e no que se come:
La ética, que pretende imponer como norma universal los principios de un ethos,
es decir, las elecciones forzadas por una condición, es también una manera, más
o menos sutil, de sucumbir al amor fati, de contentarse con lo que es y con lo que
se tiene
69
.
A escolha não é, portanto, um impulso natural das classes em se fazerem
diferenciar. Elas definem divisões sociais que, dentre outras ações, envolvem o
ritual da alimentação sob o esquema diferenciador que a “estrutura do capital”
70
impõe aos grupos.
Para Alan Warde, os aspectos sócio-econômicos também são definidores
das escolhas dos locais que os britânicos elegem na hora de realizar suas refeições
68
BOURDIEU, Pierre. La Distinción: criterio y bases sociales del gusto. Madrid, Taurus, 2006, p.
174.
69
Idem, p. 174.
70
Idem e Ibidem.
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52
fora de casa. Em Eating Out: Social Differentiation, Consumption and Pleasure
71
,
uma pesquisa quantitativa buscava definir onde os ingleses costumavam fazer
suas refeições fora de casa, levando em consideração a possibilidade dos
pesquisados escolherem entre bares, restaurantes étnicos, cafés, lanchonetes e
outros.
As distâncias sociais foram consideradas relevantes na interpretação do
uso dos vários tipos de estabelecimentos alimentares, explorados tanto nos
horários comerciais quanto nos dias de lazer. Assim, Warde estabelece uma
espécie de ranking, com números definindo os tipos de restaurantes mais
freqüentados e seu público.
O texto, que leva em conta a diferenciação social na escolha de onde
comer, também apresenta uma visão geral da idéia do que representa para todos
“comer fora”, incitando os entrevistados a falarem um pouco sobre o ritual que
envolve a alimentação no mundo da rua.
Foram abordadas questões sobre as diferenças do comer fora por
necessidade e comer fora por diversão, a importância da companhia na hora de
uma refeição e outros aspectos menos formais que passeiam no tema da
comensalidade e do envolvimento do indivíduo com o tema da alimentação.
Com isso, o argumento formal e quantitativo que fazia do trabalho uma
pesquisa mais interessada num comedor ganhou critérios favoráveis a uma
argumentação capaz de trazer ao texto uma interação entre o entrevistado e os
rituais de comunhão e solidariedade em torno do tema da comida. Temas mais
informais ou ligados à memória pessoal dos entrevistados com relação ao ritual da
alimentação trazem à análise britânica a possibilidade de aparecimento das
vertentes de um verdadeiro comensal.
Assim como Warde que, mesmo na tentativa de realizar uma pesquisa
quantitativa, se viu envolvido com depoimentos que traduziam sentimentos,
memórias e demonstrações de comensalidade no que diz respeito ao ritual da
alimentação, também me deparei com uma questão diferenciadora deste formato
de restaurantes.
A variada gama de preços e ofertas que estes restaurantes oferecem
permitem a visita de grande número de pessoas, mas, apesar curta distância separa
71
WARDE, Allan. Eating Out: Social Differentiation, Consumption & Pleasure. Nova Iorque,
Cambridge University Press, 2000.
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53
restaurantes de um mesmo formato, há, sim, uma distância na possibilidade de
freqüência diária de um e de outro.
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4
Sobremesa
Com açúcar, com afeto
Fiz seu doce predileto
Pra você parar em casa
Chico Buarque, Com açúcar, com afeto
A sobremesa é um caso especial, é a doçura que não poderia faltar em uma
refeição completa – que neste texto se encontra composta pela Entrada, Prato
Principal, Acompanhamentos, Sobremesa e Cafezinho.
Este sabor adocicado traz à tona aqueles sentimentos especiais de infância,
que estão num cheiro de bolo ou de um doce feito por alguém especial. O doce
está sempre ligado aos momentos de prazer e nas analogias com doces são
formadas expressões e maneiras de se elogiar alguém.
São sentimentos de afetividade, de doçura, que nos ligam a momentos
felizes, confortáveis, lembranças boas de amigos e familiares, festas e outras
comemorações, datas especiais, nas casas daqueles de quem gostamos. São quase
que “poções mágicas, que mudam o estado de espírito das pessoas
72
”.
A ousadia deste menu propõe trazer um pedaço de bolo - doce que
representa o hábito de visitar pessoas que gostamos, fazer amizades, festas, “uma
delegação mais legítima na plenitude simbólica da doçura
73
” -, para fora de casa
com a finalidade de saber o sabor que pode causar esta mistura do doce das
lembranças dos momentos em nossas casas com o salgado da poeira, do barulho e
da movimentação das ruas. Como seria “adoçar a boca depois de salgar o
estômago
74
”.
Será mesmo que não é possível proporcionar ao nosso comensal uma
possibilidade de misturar ambos os ambientes, de forma que a rua possa, de
alguma maneira, proporcionar ao menos algumas das situações agradáveis dos
72
BRILLAT-SAVARIN, Jean-Anthelme. A Fisiologia do Gosto, São Paulo, Companhia das
Letras, 1995, p. 333.
73
CASCUDO, Câmara. História da Alimentação no Brasil (Volume I e II), São Paulo, Cia. Ed.
Nacional, 1983, p. 333.
74
Idem, p. 340
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55
momentos de docilidade da casa?
Mesmo com toda esta manifestação da vontade de agradar ao comensal,
sabemos que a mistura dos ambientes da casa e da rua podem ser fonte de prazer,
mas, podem, igualmente, causar sensações desagradáveis.
A dose do tempero, que pode dar um gosto especial à refeição, se passa do
ponto, é de um amargor tal que pode provocar sensações de nojo e repúdio ao
prato servido. “Indo do simples desagradável até o desgosto repugnante capaz de
provocar mal-estar
75
”.
O sucesso de uma receita está no “tanto certo” de cada ingrediente, no
cuidado para não passar do ponto, para não salgar ou adoçar demais as sensações,
não amargar o paladar, não queimar a refeição que nos convida ao prazer.
O tema musical “Com açúcar, com afeto”, de Chico Buarque conta a
história de alguém que torce para que seu amor se esqueça das andanças pelas
ruas e perceba que não há nada melhor que estar em casa. A conquista deste
objetivo é atribuída ao doce predileto de quem se ama. Ao provar a sobremesa, se
sentirá agradar o coração, não haverá como dizer não a quem está de braços
abertos pra você
76
.
Trocando em miúdos...
4.1.
Casa e Rua
Escolhi delimitar teoricamente o espaço do centro da cidade através da
estrutura da relação entre a casa e a rua formulada pelo antropólogo Roberto
DaMatta, onde a rua é vista de forma impessoalizada, enquanto a relação com o
mundo da casa é tida como pessoalizada.
No universo da casa e da rua, espaços que não cabem em si, já que
produzem reflexões sociológicas que escapam de seu espaço físico, é encontrada
75
POULAIN, Jean-Pierre. Sociologias da Alimentação. Florianópolis, Editora da UFSC, 2006, p.
104.
76
Trecho inspirado na letra da música “Com açúcar, com afeto”, de Chico Buarque.
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56
uma estrutura social complementar onde a casa estaria dotada de valores culturais,
pessoais, enquanto a rua estaria dotada de relações impessoais, de competição e
anonimato.
Em outras palavras, enquanto a casa faz parte do universo relacional que
nos aproxima das relações mais confortáveis como nossa família e nossos valores,
a rua nos atravessa com desafios, com o mundo impessoal do trabalho, das
normas e das regras.
A diferença de atitudes que as pessoas/indivíduos
77
tomam quando estão
nestes dois ambientes me interessa bastante, já que em cada um destes dois
lugares uma mesma pessoa pode revelar posturas distintas. Nesse sentido, a
pesquisa de campo sendo realizada em um local identificado como ambiente de
trabalho e, portanto, da rua, revelaria traços específicos do sujeito para aquele
local.
Por que será que isso acontece? Segundo Roberto DaMatta, a estrutura da
casa e da rua são complementares e, portanto, apesar de as pessoas se
comportarem de maneiras diferentes em cada um dos ambientes, são essas
variáveis que definem cada um, não apenas uma variável ou outra:
Quando digo então que ‘casa’ e ‘rua’ são categorias sociológicas para os
brasileiros, estou afirmando que, entre nós, estas palavras não designam
simplesmente espaços geográficos ou coisas físicas comensuráveis, mas acima de
tudo entidades morais, esferas de ação social, províncias éticas dotadas de
positividade, domínios culturais institucionalizados, e, por causa disso, capazes
de despertar emoções, reações, leis, orações, músicas e imagens esteticamente
emolduradas e inspiradas
78
.
Para enfatizar o modo como as pessoas costumam agir na rua, é preciso
entender a diferença através das atitudes reveladas quando se está em casa. Não
seria possível entender como alguém reage a situações na rua se não houvesse um
local distinto onde ficasse clara a diferença, no caso, a casa.
Enquanto a casa enfoca o lado pessoa de cada um, a rua tende a enfatizar o
lado indivíduo. Em casa, estamos confortavelmente reconhecidos por nossos
familiares e amigos, enquanto na rua somos apenas um a mais, que transita por
77
O termo pessoa/indivíduo é recorrente nos textos de DaMatta e revela a possibilidade de ora
alguém se tornar pessoa, dotada de reconhecimento pessoal, ora se tornar indivíduo, tendo que
respeitar regras universais e se tornando apenas “mais um na multidão”.
78
DAMATTA, Roberto. A Casa e a Rua. Rio de Janeiro: Rocco, 1997, p. 15.
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57
ruas movimentadas, tendo de obedecer a regras que nos surgem pelo caminho,
desde as mais simples como placas até as mais sofisticadas como códigos velados
de respeito
79
.
Este anonimato da rua - que assusta, pois ficamos todos iguais, como se
saíssemos de casa com nossas roupas e, assim que pisássemos na rua, esta roupa
se transformasse em uniforme, sem diferenciação a olho nu - faz parte de nossa
rotina. Esse processo de sairmos de casa para enfrentarmos “a selva das ruas” é
um processo de todo o dia, ou, pelo menos, de segunda à sexta-feira para a
maioria dos trabalhadores. Assim, saímos de uma lógica, a da casa, e seguimos
para outra, da rua, apenas com o abrir de uma porta.
Na rua, a diminuição do tempo e a individualização das refeições não
parecem assustar, enquanto em casa uma das demonstrações de união da família
está no hábito de comerem juntos à mesa, compartilhando da mesma comida. Ou
seja, a possibilidade de individualização do prato é bem menor, fica restrita, por
exemplo, à maneira como se mistura a comida no prato: Joãozinho gosta do feijão
em cima do arroz, enquanto Maria prefere o feijão ao lado do arroz. Mas todos
comem o mesmo tipo de comida. Não é feita uma massa para Maria, um
churrasco para João, frutos do mar para outro membro da família e assim por
diante.
Uma das entrevistadas deixou transparecer as diferenças entre comer em
casa e na rua. “Olha, vou falar uma coisa que parece besteira, mas ninguém faz
uma beterraba com a da minha mãe”.
Para mim, não há muita diferença entre as beterrabas que já experimentei.
Mas o que o depoimento expressa é um envolvimento com a comida que
transparece a afetividade e o caráter sentimental que envolve o preparo do
alimento. O sabor das coisas não está apenas nelas, mas em todas as etapas que
remetem àquele sabor.
As beterrabas representam a casa, associada ao “ambiente de amor e
carinho, a que a excelência da cozinha [dá] toques de festa permanente
80
”.
79
A estrutura da casa e da rua não é, no entanto, algo rígido, fixo. Há tanto a possibilidade de
serem encontradas características tidas como da rua no ambiente da casa quanto características da
casa no ambiente da rua. Para DaMatta, além de a casa e a rua se complementarem, elas se
envolvem e se misturam, conforme explicarei posteriormente.
80
QUEIROZ, Maria José de. A Literatura e o gozo impuro da comida. Rio de Janeiro, Topbooks,
1994, p. 281.
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58
Ao mesmo tempo, a maioria dos entrevistados revelou que costuma ir
sempre aos mesmos restaurantes e que preferem isto pois já conheciam a
qualidade da comida, o ambiente, os funcionários, etc. Isso demonstra que a
criação de um grau de intimidade com o ambiente traz sensação de conforto
mesmo quando se está na rua, local impessoal e freqüentado por desconhecidos.
Dessa maneira, “muitas combinações do moderno e do tradicional podem ser
encontradas nos cenários sociais concretos
81
”.
Se pensarmos na rua como o “lado moderno da sociedade”, esta nova
conformação de restaurante bem se encaixaria, pois admite, no caso das refeições
feitas na hora do almoço, a possibilidade de interação na hora da refeição com
pessoas que não estão no grupo de intimidade dos comensais; permite trajes
impessoais que não utilizamos quando estamos fazendo refeições em casa, temas
que não são abordados em “ambientes familiares”, novas misturas de alimentos,
enfim combinações distintas daqueles que aprendemos com as maneiras de estar à
mesa quando estamos em família.
Mas, ainda assim, não há uma linha que delimita as relações de casa e de
rua de maneira bem definida. Como vimos em depoimento e descrição dos
ambientes dos restaurantes a quilo do centro do Rio de Janeiro, o “lado
tradicional” da sociedade, retratado pela figura da casa insiste em aparecer em
ocasiões como confiança com o local freqüentado, grau de intimidade com os
funcionários, etc.
O lado tradicional de produzir conforto diante de situações impessoais não
foge à regra durante o almoço. Mesmo que esta conformação de restaurante não
tenha existido sempre, o que se vê é uma maneira de se adaptar características de
encurtamento de tempo de comer, pratos já prontos para serem servidos pelo
próprio indivíduo e pesagem da comida com situações de maior interação do
cliente com o local.
Quando Giddens
82
enfatiza que “a tradição não é inteiramente estática,
porque ela tem que ser reinventada a cada nova geração conforme assume sua
herança social dos precedentes”, bem encaixados estariam nesta definição os
depoimentos que traduzem estas relações de conforto mesmo fora de casa. Como
as relações com o que se entende como sendo tradicional são relações
81
GIDDENS. Anthony. As conseqüências da modernidade. São Paulo, UNESP, 1991, p. 43.
82
GIDDENS. Anthony. As conseqüências da modernidade. São Paulo, UNESP, 1991, p.44.
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“reformadas e examinadas
83
”, elas podem surgir em locais novos, sob novas
conformações do que seria o tradicional.
Portanto, não podemos dizer que há uma oposição severa entre as duas
estruturas da casa e da rua. Pelo contrário, a possibilidade de interação entre
ambas torna mais rica a interpretação destes locais.
Há tanto marcas de impessoalidade, como as idéias acerca de “tempo”,
quanto marcas de pessoalidade, como a intimidade com o restaurante, a
preocupação com não incomodar os clientes na hora em que estão realizando uma
refeição.
4.2.
Desfeita
Em todos os restaurantes em que fiz minha pesquisa não poderia deixar de
compartilhar da comida oferecida pelo local, portanto almoçava em todos eles.
Isso porque seria uma desfeita pesquisar o local sem provar da comida que eles
serviam.
Faz parte do apreço que as pessoas têm por você compartilhar a comida
que oferecem. Para a minha entrada nos locais seria um tanto estranho que
entrevistasse os funcionários, gerentes e clientes sem partilhar da razão pela qual
todos estão ali: a comida.
Nas nossas casas, aqueles que são bem vindos partilham do ritual de estar
à mesa, é uma demonstração dos laços que a família tem com outras pessoas que,
a partir de um convite para compartilhar uma refeição, deixam de ser estranhos e
passa a ser “pessoas de casa”.
A imediata percepção de todos de que eu havia almoçado no local já
deixava a todos mais confortáveis e em alguns restaurantes minhas refeições
viraram cortesias, uma forma de me agradar e mostrar a hospitalidade do local
com alguém interessado em pesquisá-lo.
“A hora da refeição é sagrada, ninguém gosta de ser incomodado”.
Segundo a gerente de um dos restaurantes, seus clientes se sentiam um pouco
83
Idem, p. 45.
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60
donos do local e não gostavam de interferências. Esta é mais uma razão para que
eu sentisse que deveria participar do ritual de almoçar em todos os locais da
pesquisa, juntamente com todos que estavam no local. Apesar de desconhecidos, a
interação de “comer a mesma comida” gerava uma identificação maior:
Não é exagero dizer que o ritual é mais para a sociedade do que as palavras são
para o pensamento (...) é impossível ter relações sociais sem atos simbólicos
84
.
4.3.
Comida de casa, comida de rua
A categoria de nojo também é um acompanhamento que chama atenção.
Principalmente quando entrevistados diziam evitar comer alguns pratos na rua.
As saladas eram um exemplo comum de prato que “não se deve comer na
rua”. Mas a definição desses pratos era um tanto aleatória, já que outros pratos
também foram citados:
“Pra te falar a verdade eu nem como feijão na rua, eu evito ao máximo”,
segundo uma jovem de 22 anos que foi atraída para o restaurante porque era dia
de bobó de camarão.
Mas, neste mesmo restaurante, duas mesas depois da jovem que comia um
bobó de camarão, duas mulheres relataram não ter coragem de comer este mesmo
prato na rua e que esta era uma “comida para se comer em casa”.
Há pratos que não se encaixam com o ambiente da rua. Definir que pratos
são esses não é tarefa simples, pois o que conta na hora de escolher o que se deve
comer em casa e o que se deve comer na rua faz parte de uma escolha bastante
subjetiva.
Umas das razões que influenciava as escolhas dos pratos corretos para
cada ambiente se revelava à medida que as histórias de família iam surgindo nos
depoimentos.
Aquelas comidas que lembram uma refeição onde os laços entre os que
dividem a mesa são afetivos, como amigos e familiares, quando surgem no
84
DOUGLAS, Mary. Pureza e Perigo. São Paulo, Perspectiva, 1976, p. 80.
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61
ambiente informal e impessoal dos restaurantes a quilo, parecem estar fora de
lugar, já que não estão acompanhadas do ritual que a referente comida traz de
dividir a mesa com aqueles “que são de casa”:
“A macarronada da minha mãe ninguém faz igual, porque tem um gosto,
tem um sabor que em restaurante não tem. O que muda mesmo é o gosto da
comida, a comida, o carinho de comida, às vezes eu mesma faço, minha mãe faz,
meu irmão também faz, então é diferente, cada um tem um jeito diferente”,
enfatiza uma mulher, 34 anos.
Em outras palavras, as comidas que fazem parte da história familiar dos
entrevistados estavam desconexas quando apresentadas nos displays dos buffês
dos restaurantes a quilo, seja por fazerem parte de representações da figura da
casa ou por avisos de familiares e amigos de que “aquilo não se deve comer na
rua”.
E, ainda, quanto à sensação de estranhamento ou até mesmo de
demonstrações de nojo em relação a alguns pratos servidos quando se está fora de
casa, elas também estão associadas ao descontrole no preparo do mesmo. Em
casa, há um conforto da procedência, da maneira de preparo além, também, do
sentimento envolvido nas etapas que envolvem o alimento.
Segundo Mary Douglas, os “rótulos
85
”, foram sistemas criados para
classificar as coisas e bem dividir aquilo que pode e não pode fazer – neste caso,
comer – em determinadas situações. A partir da uma divisão daquilo que é
apropriado comer em cada ambiente, sustentam-se os rituais de confiança em
torno de certos pratos, já que eles só podem ser feitos e servidos no ambiente da
casa e “liberam-se” outros pratos para o ambiente da rua, o que manteria uma
estabilidade no ritual da alimentação; um “mundo estável”, onde cada local tem
suas especificidades em relação ao ritual da alimentação e assim as duas maneiras
de comer, tanto em casa quanto na rua, se mantêm operantes e com suas reais
importâncias. Em outras palavras, há um sistema de compensação, onde não se
permite comer de tudo na rua e assim se mantém a importância do ritual
diferenciado que se tem em casa.
85
DOUGLAS, Mary. Pureza e Perigo. São Paulo, Perspectiva, 1976, p. 51.
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62
4.4.
Misturas permitidas
Apesar de produzir estranhamento que algumas comidas de se comer em
casa estejam dispostas em displays de restaurantes a quilo, a mistura de alimentos
que normalmente não são feitos para comer junto não causava má impressão às
pessoas. A possibilidade de fazer um prato individual onde a mistura de comidas
se dava de forma aleatória, ou seja, sem pré-definições de quais tipos de comidas
poderiam estar acompanhadas de outras, não causava estranheza.
Isto mostra que o que se entende como estranho ou “poluído
86
” “tem a ver
com cada contexto [e que] nossas idéias de sujeira também sustentam sistemas
simbólicos e que a diferença entre o comportamento da poluição em uma parte do
mundo e em outra é somente uma questão de detalhe
87
”.
A possibilidade de misturar arroz com feijão e comidas como massas,
sushi, pastéis, esfirras – comidas que convencionalmente não são servidas juntas -
num único prato não produz sensação de nojo. Esta possibilidade é possível pois,
segundo Douglas mesmo “dentro de uma estrutura [funcionam] (...) rituais de
separação
88
” que promovem esta divisão do que se pode misturar em casa e do
que se pode misturar na rua, sem que com isso cause alguma estranheza.
A individualização do prato que fazemos em restaurantes a quilo “liberta”
o comensal de convenções tradicionais que limitam quais comidas combinam
entre si:
Diferentemente do contexto familiar, no qual as decisões alimentares são em
grande parte delegadas à dona de casa, no restaurante de auto-serviço (self-
service) o comedor constrói individualmente sua escolha a partir de uma oferta
mais ou menos aberta. Para responder aos pedidos de uma clientela
diversificada, os profissionais da produção de refeições criam universos de
ofertas múltiplos, nos quais a liberdade de escolha para o cliente é ampla
89
.
O que pode e o que não pode misturar no prato? Se “ao examinarmos
crenças de poluição descobrimos que os tipos de contactos tidos como perigosos
86
Termo utilizado por Mary Douglas para classificar aquilo que está desconexo, fora de lugar no
sistema simbólico de cada sociedade.
87
DOUGLAS, Mary. Pureza e Perigo. São Paulo, Perspectiva, 1976, p. 49.
88
Idem, p. 57.
89
POULAIN, Jean-Pierre. Sociologias da Alimentação. Florianópolis, Editora da UFSC, 2006, p.
58.
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63
também carregam carga simbólica. Este é o nível mais interessante no qual as
idéias de poluição se relacionam com a vida social
90
”.
Assim, a mistura bem-vinda dos restaurantes representa a maior
mobilidade das ruas, enquanto as combinações previsíveis das comidas de casa
representam a manutenção da estrutura familiar. Dessa forma, as duas alternativas
se equilibram, reforçando as características da casa e da rua.
Nesse sentido, enquanto sentimentos da casa penetram os restaurantes a
quilo formas peculiares da rua se apresentam também sob suas estruturas. Em
outras palavras, estas misturas individuais e não convencionais para os pratos que
são feitos e compartilhados em casa são comumente formadas e consumidas nas
mesas dos restaurantes a quilo do centro da cidade.
4.5.
Repetir o prato
Vi poucas pessoas repetindo comida, atitude comum de se fazer quando
estamos em casa ou em restaurantes onde a comida fica exposta em nossas mesas
em travessas. Aprendemos que é mais educado não enchermos muito um prato de
comida e repetir conforme se queira.
“Minha mãe sempre me ensinou que não devemos fazer um prato muito
cheio, que isso é falta de educação. É melhor repetir várias vezes a fazer aquele
‘pratão de peão’”, disse uma mulher durante entrevista.
Mas, no caso das refeições em restaurantes a quilo, a quantidade
satisfatória é colocada de uma só vez prato. A refeição torna-se simplificada em
um prato único. Por esta razão, a regra de etiqueta da casa, de comer aos poucos,
não se encaixa na construção do prato do comedor na hora do almoço.
Esta “simplificação dos almoços é um fenômeno que se inscreve nos
modos de vida urbana
91
” e deixa para traz algumas convenções em nome de
regras aplicadas ao cotidiano de trabalho nos grandes centros urbanos.
Os códigos de etiqueta à mesa que estão implícitos “desde segurar faca e
90
DOUGLAS, Mary. Pureza e Perigo. São Paulo, Perspectiva, 1976, p. 57.
91
POULAIN, Jean-Pierre. Sociologias da Alimentação. Florianópolis, Editora da UFSC, 2006, p.
74.
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64
garfo, até os temas convenientes de ser falar à mesa
92
” perdem espaço para a
lógica do tempo, do centro da cidade carioca e da hora do almoço. Como
conseqüência, as boas maneiras são “subvertidas” por uma lógica distinta, a do
ritual do almoço no contexto do horário de trabalho nos centros urbanos.
Em resumo, por mais que algumas semelhanças entre gestos que
realizamos dentro de casa no que se refere aos hábitos alimentares sejam
identificados no ambiente da rua, a falta de tempo, já que “vive-se hoje sobre a
batuta da pressa
93
”, interrompe a realização completa de códigos identificados nas
refeições de esfera doméstica. Há limites para a aparição de características de
pessoalidade nos espaços urbanos, entre eles cabe ressaltar que repetir o prato é
algo incoerente com a lógica das ruas enquanto é prática comum nos lares
brasileiros.
4.6.
A rua entrando pela porta da frente
O ritual diferenciado da comida de casa e comida de rua, as companhias,
horários e sentimentos também se invertem quando a rua entra pela porta da frente
das casas. Isto porque depoimentos revelaram que “a alimentação fora de casa
desempenha um papel decisivo nas modificações alimentares da esfera
doméstica
94
”.
Fatores como trabalho feminino, a urbanização, a pressão sobre os
empregos do tempo que transformam os modos de vida foram citados como
justificativas para transformações nas refeições dentro do ambiente doméstico.
Jovens que comem sozinhos em seus quartos, comidas compradas prontas
ou pré-prontas, horários distintos que os familiares chegam aos seus lares também
serviram como exemplos de ações que transformam as maneiras de alimentação
cotidiana:
92
SIMMEL, Georg. Sociologia da Refeição. I In: Estudos Históricos: Alimentação n.º 33, Rio de
Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 2004, p. 162.
93
QUEIROZ, Maria José de. A Cozinha e a Comida: Iniciação à arte de comer. Rio de Janeiro,
Forense-Universitária, 1988, p. 164.
94
POULAIN, J.P. op cit., p. 56.
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65
Se antes os membros da família se sentavam regularmente à mesa,
partilhando um momento comum, hoje, cada um tende a coordenar seu
tempo em função de suas próprias atividades. Há uma deslocalização do
ato de comer. A instituição refeição se concentrava em lugares fixos (copa
ou cozinha); as novas modalidades alimentares favorecem a mobilidade
(restaurantes, cafés, cantinas, automóvel, etc. O ritmo da alimentação é
pautado pelas exigências da sociedade. A instituição refeição se
desestrutura, se fragmenta
95
.
Para Henrique Carneiro, em alguns lares já não são realizadas mais
“refeições em família
96
”. Ainda segundo o autor, “há uma nova relação com os
horários e os rituais da comida
97
” que fazem com que o grupo familiar se
transforme em indivíduos com horários e modos de se alimentar distintos. A
comunhão de todos à mesa já não se encaixa na estrutura da vida cotidiana de
cada um dos membros de uma família.
Fatores definidores do ambiente da rua como a pressa e horários
individualizados para realização de tarefas tornam-se visíveis também no
ambiente da casa. É nesse sentido que membros de uma mesma família cogitam a
possibilidade de já não mais interagir em alguns rituais, como o da refeição. Na
voz dos entrevistados ficou evidente que, para alguns deles, a comunhão possível
através de ações que impliquem na união familiar não têm mais valor simbólico.
No caso das refeições familiares em conjunto, elas ficam subsumidas pela
lógica do tempo particular de cada um dos indivíduos de uma família. Ou seja,
não é mais visto como um “compromisso familiar” o ato de comer juntos e de ter
estabelecido horários, pratos e locais determinados para este momento de
comensalidade.
95
ORTIZ, Renato. Mundialização e Cultura. São Paulo, Editora Brasiliense, 1994, p. 85.
96
CARNEIRO, Henrique. Comida e Sociedade – Uma história da alimentação. Rio de Janeiro:
Campus, 2003, p. 19.
97
Idem, p. 19.
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5
Um cafezinho
Modos de cozinhar, modos de comer e beber: objetos
culturais portadores de uma parte da história e da
identidade de um grupo social. Num mundo em mutação,
convém então preservá-las como testemunhos de uma
identidade cultural.
Jean-Pierre Poulain
Faço um convite a que se dê uma olhada em volta do ambiente, que
também se experimente a atmosfera do local onde a refeição está sendo servida.
Se o sabor está no que se come e em quando se come, também está em onde se
come.
Esta refeição poderia ter sido servida em qualquer lugar do mundo. Mas
tem algo que não se sabe bem onde está: se no sabor, no cheiro, no ambiente, que
faz dela algo único e particular. Sim, ela poderia ser feita em qualquer outro
pedaço do mundo, mas ficaria faltando alguma sensação, não seria por completo a
mesma...
O êxito deste momento gustativo está em tornar originais as percepções de
uma refeição, mesmo com os grandes intercâmbios que se fazem com os
ingredientes e receitas por todo o globo, tornar especial e inesquecível para o
visitante a experiência de estar nesse local.
A mistura dos ingredientes, embora alguns deles sejam encontrados por
toda a parte, se encaixa perfeitamente neste ambiente específico. Não existe
possibilidade de transportar para outro local o que aqui se oferece à mesa.
E, se por acaso, o comensal sentir aquela vontade de repetir este convite
gustativo, não tente substituí-lo por imitações. É preciso entender que cada local
guarda as suas especificidades, é isso que os torna incomparáveis e impossíveis de
serem reproduzidos.
O diferencial deste convite está exatamente nesta singularidade, tanto de
sensações quanto de sabores em relação aos pratos oferecidos. Se todos os
ingredientes e sentimentos envolvidos numa receita fossem misturados e
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67
harmonizados de maneira igual por todas as partes, encontraríamos um padrão
para uma refeição que se propõe a ser particular.
Para finalizar este momento gastronômico, não há nada mais peculiar ao
ambiente da refeição que oferecer uma bebida forte, quente, de coloração negra e
sabor amargo. O cafezinho encerra a refeição tipicamente brasileira...
Trocando em miúdos...
5.1.
O local e o mundial
Os restaurantes a quilo que se situam no centro da cidade do Rio de
Janeiro mostram que, por mais que existiam outros parecidos em outras cidades
ou países, existem também suas especificidades locais.
Até mesmo lanchonetes de grandes redes como o McDonalds, segundo
Peter Burke, “têm significados diferentes em lugares diferentes
98
”:
(...) padronização passou a coexistir com tentativas do que se
poderia chamar de ‘localização – adaptar o produto às
necessidades de certos mercados nacionais.
Apesar de haver pontos de convergência entre os países, isto não
uniformiza todos. O olhar é singular. “Uma civilização promove um padrão cultural
sem com isso implicar a uniformização de todos
99
”.
Portanto, por mais que existam características comuns, como a rapidez
com que as refeições são feitas – fato que é comum a diversos tipos de
estabelecimentos em todo o país e, porque não, em todo o mundo –, há modos
locais de utilização dos ambientes.
Voltando ao caso dos restaurantes a quilo, há sim características que são
encontradas em restaurantes espalhados por diversas partes do mundo. Mas, ao
mesmo tempo, há alimentos como o arroz e feijão, que fazem parte do que se
98
BURKE, Peter. MC². In: Caderno Mais, Folha de São Paulo, 15 de abril de 2007, p. 05.
99
ORTIZ, Renato. Mundialização e Cultura. São Paulo, Editora Brasiliense, 1994, p. 33.
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68
chama de “comida tradicional do brasileiro”, que se mantêm como prato
obrigatório em todos os locais, desde os mais simples até os mais sofisticados,
passando por restaurantes que têm como especialidade saladas ou comidas árabes.
Segundo Guiddens, “mesmo na mais modernizada das sociedades, a
tradição continua a desempenhar um papel
100
”. Com isso, ao mesmo tempo em
que “os alimentos descolam de suas territorialidades para serem distribuídos em
escala mundial
101
”, eles também convivem com especificidades locais, na maneira
como são servidos, na mistura feita com outros alimentos, na sociabilidade que
envolve seu consumo.
O Rio de Janeiro pode se considerar uma metrópole de “cultura
mundializada (...) cuja territorialidade se globalizou, (...) isto não significa, porém,
que o traço comum seja sinônimo de homogeneidade
102
”.
Este ponto mostra que os países - e suas cidades, que neste sentido está
representada pela interpretação do centro urbano carioca - apresentam traços
comuns mas que isto não quer dizer uma padronização dos costumes em todas as
sociedades. O modo como elas se adaptam e interpretam são distintas:
Mas é sobretudo um erro acreditar que os particularismos nacionais e regionais
desaparecem tão rapidamente. Eles são ainda muito fortes e as sociedades
transnacionais da alimentação são obrigadas a dar conta deles. O próprio
McDonald´s, que aparece como uma caricatura da homogeneização, tem de
colocar em prática estratégias de microdiversificação para adaptar-se aos
gostos dos mercados locais (...) uma série de modificações da oferta foi
produzida para adaptá-la aos hábitos locais
103
.
Isto quer dizer que os particularismos nacionais ainda são muito fortes e
que uma cultura mundializada não implica o aniquilamento das outras
manifestações culturais; ela convive e se alimenta delas. Quando se encontram
formas de padronização, acham-se também formas que traduzem a manutenção de
um padrão cultural; não é “a uniformização de todos
104
”.
Assim já previram as chamadas redes de fast food, que têm um padrão de
cardápio e capacidade de expansão para as mais diversas áreas do mundo e se
100
GIDDENS. Anthony. As conseqüências da modernidade. São Paulo, UNESP, 1991.
101
ORTIZ, Renato. Mundialização e Cultura. São Paulo, Editora Brasiliense, 1994, p. 80.
102
Idem, p. 31.
103
POULAIN, Jean-Pierre. Sociologias da Alimentação. Florianópolis, Editora da UFSC, 2006, p.
31.
104
ORTIZ, Renato. Mundialização e Cultura. São Paulo, Editora Brasiliense, 1994, p. 33.
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69
adaptam às peculiaridades de cada local. A rede Mc’Donalds, por exemplo, tem
variação de horários, comidas e nomenclaturas para os cardápios em cada país.
“Hoje existe uma visão mais complexa entre tradição e modernidade
105
”,
não são definições que não se tocam, há um hibridismo. O que aconteceu com as
sociedades modernas foi uma transformação delas em algo muito mais complexo.
O leque de relações, informações, fluxos de trabalho, acordos globais acabou por
transformá-las, fazendo surgir novidades nas relações do sujeito com o mundo.
Para entender como costumes de escala mundial e costumes tradicionais
podem conviver lado a lado, Renato Ortiz, propõe que temas relacionados às
manifestações culturais sejam analisados sob a definição de mundialização:
O processo de mundialização é um fenômeno social total que permeia o conjunto
das manifestações culturais. Para existir, ele deve se localizar, enraizar-se nas
práticas cotidianas dos homens
106
.
Com isso, os aspectos mundiais que apontam para a possibilidade de
englobamento de diferentes “comunidades, etnias, nações” são absorvidos de
maneiras particulares diante do dia-a-dia de cada sociedade.
É por isso que quando uma rede de lanchonetes se espalha por todo o
mundo, mesmo com a proposta de oferecer uma maneira padronizada de servir
seus alimentos, ela precisa ter atenção com as especificidades de cada local.
Neste ponto, a rede McDonalds serve novamente como exemplo de
observação, principalmente para aqueles que já visitaram lanchonetes da empresa
em diferentes países. Há locais onde o nome dos pratos não é escrito no idioma
inglês; há países, como na Inglaterra, por exemplo, onde se serve café-da-manhã
no estilo britânico; há sorvetes, como no Brasil, com calda de sabor manga, o que
não é sobremesa padrão da rede e há, ainda, em caso recente, protesto por parte
dos chineses por haver uma filial da rede próxima a um famoso ponto turístico da
China. Para eles, a presença do restaurante não se enquadrava no local, que servia
como um marco para a cultura local.
Estas exemplificações servem para reiterar o argumento de que as
especificidades locais não desaparecem a partir de seu encontro com
105
CANCLINI, Néstor García. Culturas Híbridas: Estratégias para entrar e sair da Modernidade.
São Paulo, Edusp, 1997, p. 23, 24, 25.
106
ORTIZ, Renato. Mundialização e Cultura. São Paulo, Editora Brasiliense, 1994, p. 30.
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70
manifestações de escala mundial. Elas insistem em se fazer presentes, se adaptam
às novidades bem como as novidades se adaptam a elas.
E é neste contexto que estes restaurantes de redes fast-food se encontram,
numa cultura mundializada que se dá através da possibilidade de interação entre
processos de escala mundial e permanência de manifestações tradicionais.
Reforço o argumento da importância de ambas as manifestações – tanto as
mundiais quanto as locais – pois elas fazem por recriar os dois processos. O que é
entendido como moderno e como tradicional é duplamente reinventado a partir da
constituição de novos locais onde se possa verificar o que são atividades que se
revelam como apontando para quesitos de novidade e para quesitos de
permanência. “O local não está necessariamente em contradição com o global,
pelo contrario, encontram-se interligados
107
”:
Nesta interpretação, a sugestão é que se troque o termo global por
mundial, já que estamos falando em aspectos culturais, tanto aqueles que são
reproduzidos nos mais diversos países quanto os aspectos que dizem respeito às
culturas locais. O termo global seria melhor aplicado aos assuntos sócio-
econômicos.
Dessa forma, propõe-se produzir uma diferenciação de classificação de
elementos culturais (mundiais) e elementos sócio-econômicos (globais). A
intenção é de utilizar termos distintos para melhor representar o que se quer
definir em representações culturais e em representações econômicas.
Nesse sentido, acompanho Renato Ortiz que, concomitantemente, propõe
que a diferenciação entre os termos não descarta a importância de ambas para
análise de processos que se realizam por todo o mundo, e se vale dela para
encontrar significados que sigam de encontro com processos mundiais e outros
com processos mais representados como globais.
Retornando ao tema de interação entre formas locais e mundiais, quando
um ambiente traduz formas do novo e do velho ele já está avaliando o que se
encaixa em cada um dos pontos a partir de uma invenção da população de cada
país do que se entende como atual e como antigo. Dessa forma, o que se vê como
tradicional e como moderno vai sendo reinventado na utilização de novos espaços.
107
ORTIZ, Renato. Mundialização e Cultura. São Paulo, Editora Brasiliense, 1994, p. 81.
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71
Pensando neste aspecto de interação do “novo” e do “velho” em novos
ambientes sociais – no caso, os restaurantes do tipo a quilo -, não há como
entender o perfil destes estabelecimentos comparando-os com formas antigas de
locais que usavam uma ou outra característica semelhante a este. Seria uma
simplificação da tarefa de interpretá-los.
O contexto atual no qual estão inseridos demonstra que por mais que haja
semelhanças com outros locais que servem refeições em todo o mundo ou até
mesmo em outras épocas, surgem diferenças reveladoras de novas transformações
e de novos arranjos, novas formas de mesclar elementos modernos e tradicionais.
Assim o que se entende como sendo novidade e antiguidade se renova e se
interpreta de maneira peculiar no uso dos locais no momento das refeições diárias.
5.2.
Fast-food x Comida tradicional
Segundo Maria Leonardo
108
, além do surgimento de locais que servem
nesta dinâmica do fast-food, atualmente “tudo é fast-food” (comida rápida), pois
ela retrata fielmente o que é a vida social intensa:
Na visão de que não se deve perder tempo no preparo da comida, tudo deve ser
preparado rápido e sem perda de tempo, pois na verdade a vida lá fora corre
depressa e você tem que comer rapidamente também.
Assim, a alimentação em geral, não apenas as rede de lanchonetes
chamadas de fast-food, se enquadra na cultura do “comer rápido”. Isso fica posto
pois a alimentação estaria de acordo com as inúmeras ações da vida cotidiana que
enfatizam a idéia de pressa e perda de tempo.
Sob este aspecto, os restaurantes do tipo a quilo se enquadram no que
Maria Leonardo classificou como mais que um modo de servir refeições, uma
“cultura fast-food”, já que ela é o resumo da “mentalidade urbana”.
108
LEONARDO, Maria. A cultura alimentar brasileira. In: <www.antropos.com.br>, 21 de junho,
2006.
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72
Neles também há a rapidez da refeição e também foram colhidas frases,
depoimentos, gestos e expressões sobre a correria da vida social, na constante
tentativa de não se perder tempo durante as tarefas do cotidiano.
Porém, quando a mesma acrescenta que nesta “cultura fast-food não há um
fator de interação social no processo alimentar [e que] (...) não há laços de
amizade e comunhão neste momento”, os restaurantes a quilo se afastam desta
idéia de falta total de intimidade
109
do comensal com o local de sua refeição.
O caráter de movimento de aceleração da vida da cultura fast-food se
mescla com expressões tradicionais brasileiras que promovem interação e
princípios de comensalidade durante as refeições, num hibridismo que faz com
que os traços culturais locais não sejam sobrepostos por traços culturais
estrangeiros:
Essa adaptação do estilo fast-food à cultura nacional encontra um exemplo
interessante no Brasil com a “comida por quilo”. Essa fórmula tipicamente
brasileira acrescenta um aspecto novo à rapidez e estandardização da
alimentação. Este aspecto diz respeito à mensuração do consumo, ou seja, a
unidade deixa de ser “um bife”, duas batatas, “uma colher ou uma concha” de
alimento, e passa a ser o peso do total consumido. (...) A rapidez é assegurada
pelo display de pratos prontos no buffet que antecede a pesagem
110
.
É na “novidade trazida pelos restaurantes a quilo”, - ressaltada por Carlos
Lessa
111
, como um momento onde a criatividade do carioca criou um novo tipo de
restaurante e, conseqüentemente, uma nova forma de interagir com a comida, os
comensais, a hora da refeição e tudo mais que envolva o ritual de alimentação -,
que se encontra um exemplo de como é possível identificar características da
mundialização e, ao mesmo tempo, de identificar valores e costumes nacionais
que continuam firmes no nosso cotidiano.
109
Já foi visto que o ambiente dos restaurantes produz relações pessoais, modos de intimidade
entre o comensal e o estabelecimento.
110
HECK, Marina de Camargo. Comer como atividade de lazer. In: Estudos Históricos:
Alimentação n.º 33, Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 2004, p. 143.
111
Para Carlos Lessa, atualmente o Rio de Janeiro estaria restaurando a sua auto-estima: “O povo
do Rio está em movimento restaurando a sua auto-estima “O Rio de Janeiro é cosmopolita e
inteiramente aberto a contatos e influências estrangeiras. É um ‘centro canibal’ que pratica o
exercício saudável da antropofagia sem arrogância e com criatividade. A digestão antropofágica é
responsável por curiosas inovações”, p. 449.
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73
A cultura mundializada do fast-food como sendo “uma das expressões do
movimento de aceleração da vida
112
” é forte argumento na caracterização destes
estabelecimentos mas perde força em sua definição quando se descarta a
possibilidade de encontro de identificações de culturas locais, formas de
comunhão e sentimentos destinados ao que se come, com quem se come, etc.
Elementos da identidade e da alma cultural brasileira “detêm” a
padronização dos hábitos alimentares brasileiros e, ao mesmo tempo, se utilizam
de expressões de vida difundidas por todo o mundo para formarem uma nova
composição da refeição brasileira.
112
MINTZ, Sidney. Tasting food, tasting freedom; Excursions into Eating, Culture, and the Past.
Beacon Press, Boston, 1996.
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6
Conclusão: ....e a conta
Com freqüência temos em volta da mesa todas as
modificações que a extrema sociabilidade
introduziu entre nós: o amor, a amizade, os
negócios, as especulações, o poder, as solicitações,
o protetorado, a ambição, a intriga: eis porque a
convivialidade tem a ver com tudo, eis porque
produz frutos de todos os sabores.
Brillat-Savarin
O tempo corrido, a individualização dos pratos se completam com as
características nacionais que fazem do feijão com arroz o prato indispensável de
todos os lugares e também com a intimidade que se cria com o restaurante, um
conforto para aquela hora em que não se está em casa, com seus entes mais
queridos.
Isto demonstra que os restaurantes do tipo a quilo possuem características
que atendem muito bem ao cotidiano das grandes metrópoles e, ao mesmo tempo,
mantêm estruturas tradicionais.
Quando o tempo da refeição não passa de vinte minutos, considerado um
tempo curto para uma refeição fora do contexto da hora do almoço no intervalo do
horário de trabalho, ele se enquadra neste perfil inerente à lógica do centro da
cidade.
Mas quando o trabalho de campo mostra que a companhia
113
de pessoas na
hora de se alimentar é importante, mostra-se pessoas buscando o conforto de
possuírem conhecidos para partilhar da refeição ou mesmo aqueles que comem
sozinhos muitas vezes revelaram que escolhem locais onde já possuem mais
113
Também há uma diferença de escolha do local onde vai comer de acordo com a companhia: o
chefe, esposa, colegas de trabalho, futuro sócio etc. Em certas ocasiões, inclusive, acontece uma
“negação” destes locais. Almoços de negócios ou mesmo almoços românticos aparecem como
ocasiões em que a escolha dos restaurantes a quilo está fora de contexto. Há situações em que a
atmosfera dinâmica não se encaixa com a interação entre a refeição e o acompanhante. Dessa
maneira, com quem estamos pode influenciar a escolha ou o descarte da visita ao restaurante a
quilo.
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intimidade, onde conhecem os funcionários, a comida, os freqüentadores - mesmo
que apenas os conheça de vista, como foi revelado por alguns freqüentadores.
Também pode-se dizer que a oscilação entre variantes modernas e
tradicionais se encontram quando mesmo sabendo-se que está comendo fora de
casa, está comendo comida de verdade, que remete àquelas comidas cujo alimento
e preparo remetem ao ambiente familiar e ao sentimento de que a comida tem
“sustância”, força capaz de dar energia durante todo o resto da jornada de
trabalho.
A linha dos restaurantes a quilo obedece à lógica da pressa, do dia-a-dia
movimentado dos grandes centros, mas, ao prestigiarem ingredientes e modos de
lidar com a refeição que remetem a formas tradicionais da alimentação brasileira,
mesclam, num mesmo ambiente, ambas as possibilidades, sem que uma tenha
necessariamente que descartar a outra.
A convivência entre um modo que se universalizou e a particularidade de
como nos portamos durantes as refeições torna o lugar, e seu uso peculiar, digno
de um olhar interessado. Está aí a possibilidade de analisá-lo neste duplo contexto,
entre o mundial e o local, sem estar num ou noutro, mas, sim, na interação de
ambos.
A diminuição de tempo e espaço está entre as principais características da
pós-modernidade. As relações sociais tiveram a distância encurtada, o mundo
ficou pequeno com todas as possibilidades que a ciência, a tecnologia e o capital
proporcionaram para os indivíduos. Todos os tipos de trabalho, mídia, amizades,
perderam as barreiras de fronteiras físicas e se tornaram possíveis com o aparato
dos recursos adquiridos. Daí não seria diferente quando o tema envolve os rituais
em torno das refeições. Eles também acompanham este movimento de
mundialização que integra o mundo e mistura culturas.
Ainda assim, de forma alguma isso apagou a história de cada local. As
transformações mundiais se chocam com tradições particulares e fazem com que
os estes movimentos tenham diferentes interpretações e impactos por onde
passam.
Fenômenos de escala global são integrados de formas diferentes, de acordo
com a situação de cada local e assim vão sendo adaptados. Para tanto foi utilizado
o termo mundialização, que propõe que processos que influenciam culturas de
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diversas partes do mundo sejam analisados levando em consideração que as
características de cada local.
Ao mesmo tempo em que países se abrem para relações mundiais, também
preservam e/ou adaptam suas tradições. O sentimento nacional, de alguma forma,
ainda sobrevive dentro de movimentos que não cabem mais em barreiras físicas.
Por mais global que seja um fenômeno, ele ainda vai esbarrar nas raízes de cada
nação e terá diferentes impactos em cada uma delas.
Nos restaurantes a quilo, todo o ritual da alimentação na hora do almoço
está condensado na figura de uma bandeja. Todas as etapas que se seguem nos
menus tradicionais brasileiros (entrada, prato principal, sobremesa, cafezinho)
são reunidas de uma só vez.
A intenção de tornar compacta a forma de ritual de alimentação, para que
ela se adapte à lógica “moderna” dos centros urbanos, não configura a falta de
presença de elementos do que se entende por “tradicional” no ambiente destes
restaurantes. Ou seja, de opostos - o “tradicional e o “moderno”-, foram
transformados em conviventes no que se refere à interpretação destes
estabelecimentos.
A vida moderna cotidiana muda o caráter de visão sobre a comida, pois,
aponta para o surgimento de novos significados sobre a idéia acerca da
alimentação. O que de interessante se revela é que cada espaço social – que pode
ser representado em divisões entre países, ou por cidades, ou até mesmo por
bairros e ruas, dependendo da intenção de análise-, constitui uma particular
interpretação do uso da comida como ferramenta simbólica para aspectos culturais
relevantes de cada ambiente.
Cada especificidade local de preparar e criar hábitos em torno do ritual da
alimentação faz parte do “sistema de diferenças de significado da comida em cada
sociedade
114
”.
É por esta razão que:
A comida como objeto e o comer como ato resultam em atitudes e emoções
relacionadas ao que os indivíduos entendem e pensam sobre si mesmos e sobre
as interações que se possa produzir
115
.
114
BARTHES, Roland. Toward a Psychosociology of Contemporary Food Consumption. In: Food
and culture. A reader. Londres e Nova Iorque, Routledge, 1997, p. 22.
115
MEIGS, Anna. Food as cultural construction. In: Food and culture. A reader. Londres e Nova
Iorque, Routledge, 1997.
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A divisão de capítulos em formas tradicionais de uma refeição (Entrada,
Prato Principal, Acompanhamentos, Sobremesa, Um cafezinho, E a conta) foi o
meio mais confortável que encontrei para analisar a reunião de significados “do
comer como parte de nossa cultura
116
”.
Separar sob o critério de tópicos relevantes palavras, gestos, espaços,
horas, sentimentos foi um caminho para colocar em questão, separadamente,
aquilo que se encontrava unido, entrelaçado no objeto de estudo. É que as
palavras-chave de entrevistas e de observação participante foram enumeradas ao
longo do texto estavam todas mescladas, cabiam numa só bandeja.
Utilizando do tempo de uma refeição aos modos da boa etiqueta,
aconselhada por Brillat-Savarin
117
, e aproveitando para colocar sobre eles um
olhar de atenção à particularidade da alimentação brasileira, como defendia
Câmara Cascudo
118
, procurei desmembrar a receita de funcionamento destes
restaurantes, separando ingrediente por ingrediente da mistura que forma a
atuação desses locais de alimentação no centro da cidade do Rio de Janeiro.
O primeiro capítulo trata das primeiras palavras-chaves obtidas nas
entrevistas. A primeira delas, o “tempo”, que para Câmara Cascudo
119
, é a forma
de possibilidade de mudança no paladar de um povo, não apenas se encarrega de
incitar câmbios no gosto alimentar de uma população, como se enquadrou como
protagonista da escolha do local, das formas de servir a refeição, de consumi-la.
O tempo como acompanhante na mudança das escolhas de comidas
selecionadas por um povo também se apresenta de maneira estipulada e encontra
na estrutura do centro urbano do Rio de Janeiro palco para a construção de
cenários alimentares dignos desta lógica.
O centro da cidade comporta muito bem estabelecimentos que obedeçam à
lógica da pressa e da refeição rápida. Basta acertar o relógio para a hora do
almoço e correr pelas ruas do centro carioca que toda a dinâmica da rapidez estará
116
FIDDES, Nick. Meat: a natural symbol. Londres e Nova Iorque, Routledge, 1991, p. 33.
117
BRILLAT-SAVARIN, Jean-Anthelme. A Fisiologia do Gosto, São Paulo, Companhia das
Letras, 1995.
118
CASCUDO, Câmara. História da Alimentação no Brasil (Volume I e II), São Paulo, Cia. Ed.
Nacional, 1983.
119
GONÇALVES, José Reginaldo Santos. A fome e o paladar: a antropologia nativa de Luisa da
Câmara Cascudo. In: Estudos Históricos: Alimentação n.º 33, Rio de Janeiro, Fundação Getúlio
Vargas, 2004, p. 44.
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posta, tanto nos locais de refeições quanto nos demais locais que fazem parte
desta área central.
Deste cenário geral, surgem novos personagens. São eles que ajudam a dar
movimento à cena urbana. O dinheiro, por exemplo, é matéria de troca nestes
locais. Com ele paga-se a comida, definem-se critérios de preço e uso de
diferentes ambientes, etc.
Os diferentes sexos que transitam pela zona também revelam algumas
diferenças na escolha de alimentos e nas preocupações com o corpo.
A emoção da apresentação fica por conta do surgimento de sentimentos,
servidos através da doçura das sobremesas. A possibilidade de encontro de
aspectos familiares no ambiente informal e corrido das ruas torna o ambiente dos
restaurantes a quilo um local híbrido, onde situações impessoais e pessoais
convivem, se misturam e promovem um novo modo de alimentação .
No fim da apresentação, não poderia deixar de ficar evidente a importância
deste local explorado. Afinal, ele é único e assim deseja ser analisado e utilizado.
A cogitação de uniformização das cozinhas de todos os países enfrenta “barreiras
bem montadas”. As características locais implicam em uma adaptação de
fenômenos mundiais a cada ambiente. Dessa forma, “a comida se expõe como um
sistema de comunicação, um conjunto de imagens, um protocolo de maneiras,
situações e comportamento
120
”.
No caso brasileiro, traços da identidade cultural nacional não são
sobrepostos por padrões alimentares estrangeiros. Ambos acabam por se
misturarem e reinventarem a forma de atuação na prática cotidiana:
A alimentação organizada como uma cozinha, torna-se símbolo de uma
identidade (atribuída e reivindicada) através da qual os homens podem se
orientar e se distinguir. Mais que hábitos e comportamentos alimentares, as
cozinhas implicam formas de perceber e expressar um determinado ‘modo’ ou
‘estilo’ de vida que se quer particular a um determinado grupo
121
.
120
BARTHES, Roland. Toward a Psychosociology of Contemporary Food Consumption. In: Food
and culture. A reader. Londres e Nova Iorque, Routledge, 1997, p. 21.
121
MACIEL, Maria Eunice. Uma cozinha à brasileira. In: Estudos Históricos: Alimentação n.º 33,
Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 2004, p. 36.
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