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Esse abandono da imagem da mãe fálica representa um avanço na teoria freudiana
do feminino, no sentido de que essa nova elaboração simbólica da maternidade, e
também do ser feminino, não está pautada na falta, no trauma, no recalque, nem na
necessidade de satisfação dos desejos do outro. Seria muito mais uma possibilidade de
desafiar e mesmo subverter as polarizações apresentadas pelo discurso falogocêntrico que
insiste em reforçar o hiato entre homem e mulher. Abre-se, assim, um espaço, discursivo
e ideológico, no qual a mediação masculina não é necessária para o entendimento do
feminino, visto que os dois gêneros possuiriam os meios lingüísticos necessários para
inserção na ordem simbólica.
Levando-se em consideração que para Jacques Lacan o ego é apenas uma ilusão
(LACAN, 1978, p. 287), um produto do inconsciente, podemos dar um passo além e
inferir que a representação fixa dos gêneros de acordo com a anatomia ou mesmo a
tradição cultural seria igualmente uma ilusão. Ou conforme Elizabeth Grosz aponta:
Lacan argumenta que os dois sexos são constituídos como
sexualmente diferentes, como objetos sexuados, apenas em referência
ao significante fálico. Posições masculinas e femininas são uma
função, não da biologia,mas da própria estrutura da linguagem. Via
falo cada sexo se posiciona como ser falante, “dando realidade ao
objeto”; através do falo, a realidade do sexo anatômico se liga ao
significado e ao valor que a cultura dá para a anatomia (GROSZ, 1995,
p. 131).
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Lacan sinaliza então para o fato de que o feminino, por ser marcado linguisticamente
pela falta, encarna simbolicamente o papel do Outro no jogo de sedução, visto que sua
representação lingüística baseia-se não no mascaramento da diferença inicial, mas na
evidenciação da mesma.
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Em outras palavras, para Lacan a mulher não buscaria
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“Lacan argues that both sexes are constituted as sexually different, as sexed objects, only with reference
to the phallic signifier. Masculine and feminine positions are a function, not of biology, but of the very
structure of language. Through the phallus each sex is positioned as a speaking being, “giving reality to the
object”; through the phallus, the reality of anatomical sex becomes bound up with the meanings and values
that a culture gives to anatomy”. (Tradução nossa).
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Cabe ressaltar a distinção existente na teoria lacaniana em relação ao conceito de outro. Para Lacan,
existem dois termos,
o outro e o Outro, diferentes entre si no fato de que o primeiro implica num
reconhecimento da auto-imagem no processo de individuação. O
outro em letras minúsculas designa “o
outro que se assemelha ao eu” (ASCROFT
et al, 1998, p. 170), sendo termo recorrente quando da discussão
da fase do espelho, apresentada por Lacan como essencial para que a criança se reconheça como elemento
separado da mãe, e também dos demais indivíduos, e comece a se preparar para entrar no âmbito do
simbólico, da linguagem. Assim, o
outro evoca o auto-reconhecimento de sua existência face identificação
inicial com uma imagem que se julga pertencer à outra pessoa. Em outras palavras, a ilusão especular cede
lugar, paulatinamente, ao reconhecimento do próprio corpo e à fixação dessa imagem no próprio consciente
do ser que se olha. Já o termo
Outro em letras maiúsculas não evidencia, entretanto, um interlocutor real,