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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
MESTRADO EM HISTÓRIA
A FORMAÇÃO DE OÁSIS: DOS MOVIMENTOS FRENTENEGRINOS
AO PRIMEIRO CONGRESSO NACIONAL DO NEGRO
EM PORTO ALEGRE - RS
(1931-1958)
ARILSON DOS SANTOS GOMES
PORTO ALEGRE
2008
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2
ARILSON DOS SANTOS GOMES
A FORMAÇÃO DE OÁSIS: DOS MOVIMENTOS FRENTENEGRINOS
AO PRIMEIRO CONGRESSO NACIONAL DO NEGRO
EM PORTO ALEGRE - RS
(1931-1958)
Orientadora: Dra. Margaret Marchiori Bakos
PORTO ALEGRE
AGOSTO
2008
Dissertação apresentada como requisito
p
arcial e último para a obtenção do grau de Mestre
p
elo Programa de Pós-Graduação em História da
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul.
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3
ARILSON DOS SANTOS GOMES
A FORMAÇÃO DE OÁSIS: DOS MOVIMENTOS FRENTENEGRINOS
AO PRIMEIRO CONGRESSO NACIONAL DO NEGRO
EM PORTO ALEGRE - RS
(1931-1958)
Orientadora: Dra. Margaret Marchiori Bakos
Aprovada com o grau 10, em 14 de Agosto de 2008 pela seguinte,
BANCA EXAMINADORA
Dissertação apresentada como requisito
p
arcial e último para a obtenção do grau de Mestre
p
elo Programa de Pós-Graduação em História da
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul.
Profa. Dra. Margaret M. Bakos (PPGH-PUCRS)
(Orientadora)
Profa. Dra. Lúcia Regina Brito Pereira
Prof. Dr. Paulo Roberto Staudt Moreira (UNISINOS)
4
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)
Ficha elaborada pela bibliotecária Luciane Scoto da Silva CRB 10/1833
G633f Gomes, Arilson dos Santos
A formação de Oásis: dos movimentos frentenegrinos ao primeiro
Congresso Nacional do Negro em Porto Alegre – RS (1931-1958) /
Arilson dos Santos Gomes. – Porto Alegre, 2008.
309 f. : il.
Orientador: Profa. Dra. Margaret Marchiori Bakos
Dissertação (Mestrado em História) - Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas,
Programa de Pós-Graduação em História, Porto Alegre, 2008.
1. Negros – Rio Grande do Sul - história. 2. Movimento Frentenegrino. 3. Organizações
negras. 4. Sociedade Beneficente Floresta Aurora. I. Bakos, Margaret Marchiori. II. Pontifíci
a
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas,
Programa de Pós-Graduação em História. III. Título.
CDD 981.650541
5
L
ágrima
Mais vale a lágrima derramada
P
or arriscar e não conseguir,
o que a farsa mal arranjada
P
or nem se quer ousar construir.
(AMARO, 2005, p.26).
6
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Ilza dos Santos Gomes in memoriam, minha mãe, ao meu pai, José Carlos
Dias Gomes por me trazerem a este mundo, e a minha nova amiga Claudete, pela compreensão.
A Cristina Recuerdo Nunes, pelo apoio e a todos os meus irmãos, Rosemeri, Marlene, Cristiane,
Elyelson e Gerson, pela paciência na minha ausência em momentos de confraternização e
também aos meus sobrinhos, a quem, de coração dedico esta vitória.
Agradeço a professora Margaret Marchiori Bakos que acreditou em mim e me inseriu no
mundo sério, rigoroso e proveitoso da pós-graduação. Aos ex-diretores do Memorial do RS, José
do Nascimento Jr, José Bacchieri Duarte in memorian e especialmente ao atual diretor, Voltaire
Schilling, por me disponibilizar o tempo para eu estudar e pesquisar. A todos os professores de
minha vida, em especial para Véra Barroso, André Luis Reis da Silva e Sandra Carelli.
A todo o corpo docente do Programa de Pós-Graduação em História da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, em especial Moacyr Flores, René Gertz, Sandra
Brancatto, Hélder Gordim e Charles Monteiro. Aos funcionários deste Programa, o meu muito
obrigado, desde aqueles da limpeza até a secretaria, pois por onde passei fui bem atendido e
recebido. A Carla, Davi e ao Luiz. Aos amigos Yosvaldir Bittencourt, Jane Mattos e Paulo R.
Aos integrantes do GT Negros/ANPUH-RS, Luiz Carlos Amaro in memoriam, Lúcia
Regina Brito Pereira, Elenir Marques, Leandro Toral. Às amigas Teniza Spinelli, Carla Xavier,
Dani, Anna, Marcelo, Júlia Matos, Mônica Karawejczyk e ao amigo Eduardo Soares. Aos
colegas da ANPUH-RS biênio 2006-2008, pelo acolhimento. A José Antônio dos Santos, pelas
fontes e ao meu amigo Adriano Mabilde, pelo coleguismo, amizade e cumplicidade. A Luciane
Scoto da Silva, Eva Esperança, Preiss e a Juliana Garcia Nunes. A Capes pelo financiamento.
A todos os colegas do AHRGS, em especial a Paulo Moreira, aos colegas do Memorial do
RS que, desde 2002 me acompanham, a Elizabeth Castillo Fornés, pelo profissionalismo, ao seu
Léo Guerreiro, pela seriedade e caráter, ao Marcelo Neves, Edenir, Barbosa e Maria Terezinha
Isolini pela compreensão, ao seu José Domingos e a Dona Sema por me rodearem de afeto e
amizade. E, principalmente, a todas as crianças do mundo, que me ensinam a responsabilidade de
sermos humanos, e aos mais velhos, que me transmitem a prudência.
A todas as pessoas que conheci, conheço e conhecerei, e que sou eternamente grato.
7
RESUMO
Esta pesquisa investigou a história do Primeiro Congresso Nacional do Negro, realizado em Porto
Alegre, no ano de 1958, sob a organização da Sociedade Beneficente Floresta Aurora.
Descobrimos que os primeiros passos para a formação de eventos sobre a comunidade negra
coincidem com a data da origem da Frente Negra Brasileira, fundada em São Paulo em 1931.
Pesquisamos a Frente Negra paulista, a pelotense, a baiana e a pernambucana, identificando um
movimento frentenegrino em busca da inserção social das populações afro-descendentes e
questionando se as suas ações iam ao encontro das propostas apresentadas nos encontros
nacionais afro-brasileiros e negros realizados em nosso país. Identificamos, na realização destas
atividades, a formação de oásis, já que somente passaram a existir em decorrência dos esforços e
perseverança daqueles que lutaram por um mundo melhor. Em contrapartida, denominamos de
deserto a intolerância, discriminação e preconceitos existentes em nossa sociedade. A metáfora
de oásis e deserto foi pensada a partir da leitura de Hanna Arendt, que utiliza esses termos para
refletir a condição humana, mantida através destes desafios. Segundo a autora: o deserto é o
mundo sob cujas condições nós nos movemos e dependendo da situação, talvez sejam
necessárias a capacidade de sofrer, a virtude do suportar ou a coragem para agir. Destes fóruns
agrupadores que aconteceram em todo o Brasil, desde 1931 a 1958, formaram-se os oásis em
busca de um país melhor.
Palavras-chave: Movimento Frentenegrino. Sociedade Beneficente Floresta Aurora.
Organizações negras. Congressos. Oásis. Desertos.
8
ABSTRACT
This research investigated the history of the First National Congress of Blacks, that was achieved
in Porto Alegre (RS), in 1958. This Congress was organized by the Sociedade Beneficente
Floresta Aurora. We found out that the first steps to the creation of the events on the Black
community coincided with the date of creation of the Brazilian Black Front, in São Paulo (SP), in
1931. We research the paulista, pelotense, baiana and pernambucana Black Fronts and we
identify a Frentenegrino Movement that was searching the social insertion of the Afro-Brazilian
populations. We ask if their actions were similar to those proposals presented during the Afro-
Brazilian and Black National meetings achieved in our country. We identify during the
achievement of these activities the creation of an oasis that existed because of the efforts as well
as the human perseverance of those fought by a better world. On the other hand, we call desert
the intolerance, discrimination and prejudices in our society. The metaphor of “oasis” and
“desert” came from the Hanna Arendt thought. This author uses these words to reflect the human
condition that was mantained by these challenges. According to the author: the desert is the world
where we move under its conditions and depending on the situation, perhaps the suffering is
necessary as well as the vitue to bear or the courage to act. In these agglutinating foruns that were
achieved in Brazil, from 1931 to 1958, the oasis were created searching a better country.
Key words: Frentenegrino Movement, Sociedade Beneficente Floresta Aurora, Black
organizations, Congresses, Oásis, Deserts.
9
SUMÁRIO
LISTA DE IMAGENS...................................................................................................
09
LISTA DE TABELAS...................................................................................................
10
SIGLA DOS ACERVOS...............................................................................................
10
ABREVIATURAS.........................................................................................................
10
INTRODUÇÃO.............................................................................................................
11
CAPÍTULO – I
1. PONTO DE PARTIDA: A FRENTE NEGRA BRASILEIRA..................................
27
1.2 OÁSIS E DESERTOS: INTERESSES E REGISTROS..........................................
29
1.3 O MOVIMENTO FRENTENEGRINO....................................................................
34
1.3.1 A FORMAÇÃO DO OÁSIS PAULISTA.............................................................
35
1.3.2 A FRENTE NEGRA EM SALVADOR................................................................
53
1.3.3 EM PELOTAS: O “ALVORADA” COMO ORIGEM.........................................
58
1.3.4 NO RECIFE: O CONGRESSO COMO PRINCÍPIO...........................................
75
CAPÍTULO – II
2. CONGRESSOS: OS OÁSIS NACIONAIS...............................................................
79
2.1 O I CONGRESSO AFRO-BRASILEIRO E A CULTURA NACIONAL...............
87
2.2 O II CONGRESSO AFRO-BRASILEIRO E O ASPECTO RELIGIOSO..............
109
2.3 CONVENÇÕES E CONFERÊNCIA NACIONAL DO NEGRO: O QUE
IMPORTA SÃO OS PROBLEMAS SOCIAIS..............................................................
122
2.4 PRIMEIRO CONGRESSO DO NEGRO BRASILEIRO: ASSUNTOS SOCIAIS,
CULTURAIS OU POLÍTICOS......................................................................................
137
CAPÍTULO – III
3. A FORMAÇÃO DO OÁSIS PORTO-ALEGRENSE................................................
151
3.1 PRIMEIRO CONGRESSO NACIONAL DO NEGRO: ORGANIZAÇÃO,
PROGRAMAÇÃO, PARTICIPANTES, TEMAS E INTERESSES.............................
153
3.1.2 O CONGRESSO E A PARTICIPAÇÃO POLÍTICO-PARTIDÁRIA.................
187
3.1.3 O ENCONTRO, AS SOCIEDADES NEGRAS E O BRANQUEAMENTO.......
210
3.1.4 A SBFA, O CONGRESSO E A IMPRENSA.......................................................
238
CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................
260
FONTES DOCUMENTAIS...........................................................................................
275
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................................................
276
ANEXOS I – MATÉRIAS JORNALÍSTICAS..............................................................
287
ANEXOS II – CORRESPONDÊNCIAS........................................................................
297
ANEXOS III – DOCUMENTOS...................................................................................
307
10
LISTA DE IMAGENS
IMAGEM 1: PALESTRA DA FRENTE NEGRA BRASILEIRA...................................................
38
IMAGEM 2: FOLHA DE ROSTO DE EXEMPLAR DO JORNAL A VOZ DA RAÇA................
46
IMAGEM 3: GETÚLIO VARGAS E ISALTINO VEIGA DOS SANTOS DA FNB.....................
67
IMAGEM 4: CARTAZ DO Iº CONGRESSO AFRO-BRASILEIRO DE CÍCERO DIAS.............
87
IMAGEM 5: SESSÃO INAUGURAL DO 1º CONGRESSO AFRO-BRASILEIRO.....................
97
IMAGEM 6: SESSÃO INAUGURAL DA CONFERÊNCIA NACIONAL DO NEGRO...............
132
IMAGEM 7: PÚBLICO NA SESSÃO INAUGURAL DA CONFERÊNCIA DO NEGRO............
134
IMAGEM 8: HEITOR NUNES FRAGA..........................................................................................
161
IMAGEM 9: RALPH JOHNSON BUNCHE....................................................................................
169
IMAGEM 10: JOSÉ MARIA RODRIGUES....................................................................................
171
IMAGEM 11: ARMANDO HIPÓLITO DOS SANTOS..................................................................
171
IMAGEM 12: ABERTURA DO PRIMEIRO CONGRESSO NACIONAL DO NEGRO...............
172
IMAGEM 13: DANTE LAYTANO PALESTRANDO NO CNN...................................................
172
IMAGEM 14: MESA DO PRIMEIRO CONGRESSO NACIONAL NA SBFA.............................
173
IMAGEM 15: COELHO DE SOUZA PALESTRANDO NO CONGRESSO.................................
176
IMAGEM 16:
PÚBLICO PRESENTE AO CONGRESSO NA FLORESTA AURORA................
176
IMAGEM 17: ARCHYMEDIS FORTINI PALESTRANDO NO CNN..........................................
176
IMAGEM 18: PÚBLICO DO CONGRESSO NA CÂMARA MUNICIPAL POA.........................
176
IMAGEM 19: BAILE DE DEBUTANTES DA SBFA ENCERRANDO O CNN...........................
177
IMAGEM 20: PLANTA DE NOVA SEDE ALMEJADA PELA SBFA.........................................
183
IMAGEM 21: IMAGEM DA NOVA SEDE DA SBFA NO CRISTAL..........................................
184
IMAGEM 22: CARLOS DA SILVA SANTOS................................................................................
195
IMAGEM 23: ARMANDO TEMPERANI PEREIRA.....................................................................
198
IMAGEM 24: MESA DE ABERTURA DO PRIMEIRO CCNN....................................................
200
IMAGEM 25: MANOEL LUIZ LEÃO.............................................................................................
201
IMAGEM 26: VALTER SANTOS E EURICO SILVA CONCEDENDO ENTREVISTA.............
203
11
LISTA DE TABELAS
TABELA 1: QUADRO INFORMATIVO SOBRE A IMPRENSA NEGRA
PAULISTA E SUL RIO-GRANDENSE ENTRE 1892 E 1933..........................................................
62
TABELA 2: TOPOGRAFIA DOS OÁSIS (CONGRESSOS NACIONAIS)
ENTRE 1934-1958...............................................................................................................................
80
TABELA 3: TOPOGRAFIA DOS OÁSIS (ORGANIZAÇÕES NEGRAS NACIONAIS)
ENTRE 1931-1958...............................................................................................................................
84
TABELA 4: PRESIDENTES DA SBFA ENTRE 1932-1959.............................................................
155
TABELA 5: LISTA DE PAÍSES AFRICANOS INDEPENDENTES ENTRE 1956-1966)..............
156
TABELA 6: QUANTIDADE DE ELEITORES BRASILEIROS.......................................................
204
TABELA 7: RESULTADO DAS ELEIÇÕES PARA GOVERNADOR DO RS DE 1959................
205
TABELA 8: ANALISE DE CONTEÚDOS DAS CORRESPONDENCIAS DA SBFA....................
214
TABELA 9: TIPOLOGIA DAS CORRESPONDÊNCIAS LOCALIZADAS NO ACERVO DA
SBFA....................................................................................................................................................
218
TABELA 10: UNIDADE DE REGISTRO DAS CORRESPONDÊNCIAS LOCALIZADAS NO
ACERVO DA SBFA............................................................................................................................
219
TABELA 11: COMPARAÇÃO DE CONTEÚDOS SOBRE O PRIMEIRO CNN............................
249
TABELA 12: COMPARATIVO DE QTD LINHAS IMPRESSAS SOBRE O 1ºCNN.....................
252
TABELA 13: COMPARATIVO DE TEMAS.....................................................................................
253
TABELA 14: TÍTULOS NOTICIADOS SOBRE O PRIMEIRO CNN..............................................
254
SIGLA DOS ACERVOS
MCHJC – MUSEU DE COMUNICAÇÃO SOCIAL HIPÓLITO JOSÉ DA COSTA
CPCP – CENTRO DE PESQUISAS CORREIO DO POVO
ASBFA – ACERVO DA SOCIEDADE BENEFICENTE FLORESTA AURORA
ABREVIATURAS
FNB – FRENTE NEGRA BRASILEIRA
FNP – FRENTE NEGRA PELOTENSE
FNB – FRENTE NEGRA BAIANA
FNP – FRENTE NEGRA PERNAMBUCANA
PTB – PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO
PSD – PARTIDO SOCIAL DEMOCRÁTICO
PSB – PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO
SBFA – SOCIEDADE BENEFICENTE FLORESTA AURORA
TEN – TEATRO EXPERIMENTAL DO NEGRO
CNN – CONGRESSO NACIONAL DO NEGRO
12
INTRODUÇÃO
Em setembro de 1998, tive pela primeira vez contato com um livro que versava sobre a
História do africano no Estado do Rio Grande do Sul.
1
Nesta obra, que abordava a situação do
negro sulino nas charqueadas e as suas precárias condições de trabalho, era descrito, também,
como estas populações escravizadas foram sendo utilizadas e tratadas pelos seus senhores no
período da escravidão, entre os séculos XVIII e XIX, época em que o proveito desta mão-de-obra
também era empregado para a prestação de serviços militares, sendo uma constante neste Estado
fronteiriço, lutando por uma causa, que para eles motivaria, em última instância, a sua liberdade.
2
Ao ler o livro de Maestri (1993) fiquei desejoso em aprofundar os meus estudos quanto à
participação ativa do negro em solo sul-rio-grandense pela sua liberdade, já que, as populações
afro-descendentes vieram de regiões Africanas
3
e provincianas brasileiras para este Estado, como
mercadorias, muitas vezes sendo reduzidas a um objeto comercial negociado ao gosto do cliente,
pagando-se o preço estipulado.
4
Portanto, eu pensava comigo: será que neste período e em
virtude das relações entre senhores e homens privados da liberdade serem tão desiguais, existiu
resistência por parte deste grupo sujeitado? Hoje, sabemos que existiram muitas resistências
diante da coerção e vigilância senhorial, inclusive para além das fronteiras da província de São
Pedro.
5
No ano de 2001, enquanto acadêmico do Curso de História da FAPA – Faculdades Porto-
Alegrenses, realizando a disciplina de Brasil, ministrada pela Professora Dra. Véra Barroso,
descobri, através de leituras pertinentes, com a produção própria de artigos e até encenando peças
teatralizadas sobre o período do Brasil enquanto Império- que ela nos motivava a realizar -, que
1
Ver MAESTRI. Mario. O escravo gaúcho – resistência e trabalho. Porto Alegre: Editora UFRGS, 1993.
2
Ver FLORES, Moacyr. Negros na Revolução Farroupilha. Porto Alegre: EST, 2004.
3
Ver ASSUMPÇÃO, Jorge Euzébio. Idade, Sexo, Ocupação e Nacionalidade dos Escravos Charqueadores. Estudos
Iberos – I Simpósio Gaúcho sobre a escravidão negra. EDIPUCRS, 1990. p.29-46.
4
Ver BERUTE, Gabriel Santos. Características Mercantis do Tráfico Negreiro no Rio Grande de São Pedro, C.1790-
C.1825. V Mostra APERS, 2007, p.153-168.
5
Ver PETIZ, Silmei de Santana. Buscando a Liberdade. Passo Fundo: UPF, 2006.
13
sempre existiu, durante a história de nosso país, a participação constante do negro em busca de
sua liberdade.
6
Através de outras leituras entendi, então, que realmente houve a luta do negro pela
liberdade. Desde as resistências escravas e das negociações efetuadas por seus representantes,
para obter dignidade, ao menos como um ser humano autônomo, ávido pela realização de seus
desejos e de suas necessidades familiares, incluindo a luta por direitos jurídicos
7
sendo que
muitas vezes a forma de protestar era o enfrentamento e a ação contra a sua condição, “calado
restou-lhe agir”. (BAKOS, 1988, p.118).
A situação no período pós-abolicionista, patrocinado pelo Estado, seus dirigentes e ex-
senhores visou mais os interesses destes e; deixara de lado, de certa forma até piorando a
condição do negro, liberto, pois esta situação foi condicionada pelo preconceito racial e racismo,
advindo pelos métodos científicos da época.
8
Conforme explicou Florestan Fernandes (1978, p.59): “Sob a aparência da liberdade,
herdaram o pior da servidão, que é a do homem que se considera livre, entregue de mãos atadas
à ignorância, à miséria, à degradação social”.
Quanto à ausência de políticas públicas no pós-abolição, os afro-descendentes receberam
poucos incentivos de inserção por parte do estado, o que de certa forma contribuiu para a sua
“queda demográfica”, anomia e desajuste social.
9
Antes, constituindo-se na principal força de
trabalho, integrado socialmente, sendo considerado, juntamente com a grande lavoura, a base do
6
Em 2002, eu e os colegas Alexandre Franco de Melo, Ana Paula Bernardes, Edimilson André Trisoldi, Fabio
Galarza Torres, Iolanda Castro, João Batista, Renata Chimango e Ricardo Porte da Fontoura, acadêmicos do Curso
de História da FAPA, apresentamos na III Mostra de Iniciação Cientifica da instituição, o trabalho: Visão de
independência do Brasil, segundo a autora Emilia Viotti. Ver Caderno de Resumos III MIC, II MEP e I MEG, 2002,
p.63-64.
7
Ver LAUREANO, Marisa Antunes. A última vontade: em memória de uma preta forra chamada Rosa Maria.
ANAIS da III Jornada de Estudos Afro-Brasileiros - Caderno de Resumos. Porto Alegre: Memorial do RS, 2006,
p.17.
8
MOURA, Clóvis. As injustiças de Clio - O Negro na historiografia brasileira. Belo Horizonte: Editora Oficina de
Livros, 1990, p.141-197.
9
Anomia, degradação e desajuste social, são termos utilizados por integrantes da Faculdade de Sociologia da USP.
Ver FERNANDES, Florestan. A Integração do Negro na Sociedade de Classes. São Paulo: Ática, 1978. e
CARDOSO, Fernando Henrique. Capitalismo e escravidão no Brasil Meridional – O negro na sociedade
escravocrata do RS. São Paulo: Paz e Terra, 1991.
14
sistema escravista (C
OSTA, 1998, p.271). Agora, o negro, recém livre, desintegrado das novas
demandas econômicas, políticas e sociais necessitaria de uma atenção especial por parte de
órgãos competentes, fossem eles ligados ao estado, à igreja e até mesmo aos antigos senhores e
donos, o que não ocorreu de uma maneira geral, e sim em casos esporádicos e nem sempre
satisfatórios.
10
Outra forma de “auxílio”, recebido pelos negros no pós-abolição foi o contrato por
prestação de serviços, que servia como forma de manter os laços de submissão entre o alforriado
e o seu ex-senhor, que continuava a obter lucro em cima deste indivíduo, conforme pesquisou
Moreira (2002, p.254-255) no caso de Boaventura Marques da Silva, de Porto Alegre em 1884.
11
Os contratos por prestações de serviços foram formas condicionais de alforria ainda no
período escravista, sendo que alteraram pouco a condição do ex-cativo, pois muitos continuaram
trabalhando compulsoriamente para os seus donos. A maior preocupação dos escravocratas, no
pós-abolição era perder a força de trabalho e o capital empregado na compra dos seus escravos.
12
Portanto, podemos considerar que a liberdade chegou ao negro “amarrada” em duas
questões básicas: a garantia de que os senhores seriam restituídos e que socialmente, através dos
contratos, eles fossem controlados.
Com este entendimento, em construção, sobre a história do negro no Brasil e, em especial
no nosso Estado, iniciei, em 2002, um estágio remunerado no Memorial do Rio Grande do Sul,
instituição vinculada à Secretaria de Estado da Cultura, com a condição de aprender, e preparar-
me através de um aprendizado temporário, o desenvolvimento da vivência histórica.
10
No Rio Grande do Sul, um exemplo de apoio esporádico foi notado na relação estabelecida entre os pais de Carlos
Santos e a Igreja Matriz de São Pedro, já que sua mãe tocava órgão nos cultos e missas realizadas pela paróquia. É
importante ressaltar que seus pais mantinham laços estreitos com a Igreja Matriz de São Pedro o que marcou
profundamente a vida da família. Desse núcleo, houve cinco filhos; Carlos foi o caçula (C
LEMENTE, 1994, p.12).
Carlos Santos (1904-1989) foi líder sindical, Deputado Estadual, Federal e Governador Interino do RS. Ver GOMES,
Arilson dos Santos. Laços de família, laços em sociedade: Carlos Santos e a questão negra, 2008 (Prelo).
11
Boaventura Marques da Silva foi libertada: “Com cláusula de prestação de três anos de serviço: com a condição
porém de nos acompanhar, ficar debaixo de nossa guarda e prestar serviço doméstico da casa... reservando o direito
de velar pelo seu futuro para que não se entregue à perdição”. Para saber mais ver: MOREIRA, Paulo Roberto
Staudt. Os cativos e os Homens de Bem – Experiências Negras no Espaço Urbano – 1858-1888. Porto Alegre: EST,
2003.
12
Ver BAKOS, Margaret Marchiori. Escravismo e abolição no RS. Porto Alegre: Mercado aberto, 1982.
15
Na época existiam reuniões constantes, com o grupo de monitores, visando aplicar na
prática os conhecimentos que aprendemos na teoria, em nossas universidades, no que diz respeito
ao contato com professores, alunos e conteúdos. Composto por acadêmicos e acadêmicas de
(IES) Instituições de Ensino Superior das cidades de Porto Alegre, Canoas e São Leopoldo,
realizávamos trabalhos com escolas e grupos visitantes do prédio, que foi inaugurado em 1914,
como sede central dos Correios e Telégrafos da cidade de Porto Alegre, e que desde 2001 se
tornou a Instituição de Estado da Cultura Memorial do Rio Grande do Sul.
13
Como guia/monitor versávamos sobre a história tradicional
14
dos principais
acontecimentos deste Estado, expostos em ordem cronológica no primeiro pavimento da
Instituição. Na “Linha do Tempo”, formada por trinta e nove painéis, que utilizávamos para o
suporte de informações, situávamos o público interessado sobre as origens da formação do
Estado do RS, desde o período mais remoto até a reabertura democrática.
Chamava-me a atenção especial um painel datado de 1884, de título: Escravidão no RS.
Questiona-me: Será que somente este episódio poderia significar a contribuição das populações
afro-descendentes na História do Rio Grande do Sul? No painel era ovacionada a liderança o
pioneirismo deste estado na abolição da escravatura, anterior à abolição oficial, datada de 1888.
15
Mas e o negro, o que ele fez pela sua liberdade neste estado?
Além destas visitas-guiadas, foi solicitado para nós, por intermédio de nossos
supervisores, a realização de oficinas e projetos educativos, propostos a partir de nossas
13
O prédio dos Correios, construído entre 1910 e 1914, saiu da prancheta do arquiteto alemão Theo Wiedersphan,
responsável por várias construções em Porto Alegre no começo do século. Tombado em 1980, o imóvel passou, a
partir de 1998, por um criterioso processo de restauração, objetivando preservar suas características originais e
adequá-lo para a instalação do Memorial. A idéia da criação de uma instituição que privilegiasse a cultura gaúcha
surgiu entre 1995 e 1996, sendo concretizada através de um convênio entre o governo federal e o governo estadual,
em setembro de 1996. Ficou acordado, nessa ocasião, que a sede dos Correios e Telégrafos por quase um século,
abrigaria um centro histórico sobre a memória rio-grandense. O acordo de cedência do prédio implicaria também a
criação de um Museu Postal e uma Agência Filatélica, o que manteria uma estreita vinculação com as suas funções
originais. O projeto de restauração foi previamente aprovado pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional). O Memorial do RS fica na Rua Sete de Setembro, nº 1020 – Centro de Porto Alegre/RS. Fonte:
http://www.memorial.rs.gov.br/memorial.htm#topo/ Acesso em 10 de junho de 2008.
14
Por história tradicional pensamos a história objetiva, sem crítica, tendo no acontecimento e nos ditos “heróis” os
grandes responsáveis pelo desenvolvimento da sociedade, pela grandeza da pátria. Ver BOURDÉ Guy e MARTIN,
Hervé, As escolas históricas. Portugal: Editora Europa-América, 1983, p.97-117.
15
Ver BAKOS, Margaret Marchiori. Escravismo e abolição no RS. Porto Alegre: Mercado aberto, 1982, e MONTI.
Verônica A. O Abolicionismo – sua hora decisiva no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1985.
16
experiências. Sem hesitar escolhi como tema os negros no Rio Grande do Sul, pois, além de ser
um assunto, que eu me familiarizava, era o conteúdo que pretendia aprofundar-me. Também
executados simultaneamente, eram realizados os demais projetos pelos monitores: a história do
índio no RS e, outro, sobre a arqueologia de Porto Alegre.
Sobre o “Os negros no RS”; acabei fazendo uma oficina, que abordava os seguintes
conteúdos: África, escravidão no RS, quilombos, abolicionismo, personalidades negras, música,
alimentação, etc., temáticas que demonstravam a influência africana nesse Estado.
16
Com a
duração de dois anos, a visita-guiada especifica obteve procura constante e boa participação de
público.
17
Conforme fui realizando este estágio foi também avançando o recorte cronológico de
minhas indagações sobre a participação ativa do negro na história do Rio Grande do Sul e do
Brasil.
Através do livro de Márcio Barbosa (1998), intitulado: Frente Negra Brasileira,
depoimentos, fiquei encantado ao descobrir que existiu uma organização negra competente e
estruturada administrativamente, propondo, através de reivindicações político-sociais, pouco
tempo após a abolição da escravatura, integração e inserção plena do negro em nosso país, na
década de 1930.
18
Mas a minha curiosidade avançou para a seguinte questão: descobrir se esta
organização também existiu no Rio Grande do Sul.
As organizações negras são núcleos de (re) encontro para a comunidade negra reivindicar
a sua inserção social, afastando-a de vez da marginalização, de certa forma, imposta após o dia 13
de maio de 1888. Conforme Singer (1980, p.143) “o negro brasileiro sempre foi um
organizador”. Nesse sentido os quilombos, as insurreições, as fugas, etc., podem ser consideradas
formas de ordenar esta população, já que eram maneiras pensadas de lutar contra a condição
adversa e desumana. Mas as organizações negras, a que nos referimos neste trabalho são as de
16
Este projeto foi apresentado ao público no dia 27 setembro de 2003, por ocasião da III Jornada Estadual de
Estudos Afro-Brasileiros, realizada no Memorial do RS. Ver relatório das Jornadas em anexo neste trabalho.
17
A visita “Os negros no RS” recebeu, entre março de 2004 a maio de 2005, 49 escolas, totalizando um número de
2.076 alunos atendidos, que tiveram a possibilidade de conhecer mais sobre a história do negro neste Estado, através
de debates, vídeos, mapas, músicas e interatividade. Fonte: Caderno de agendamentos do Memorial do RS e
GOMES, Arilson dos Santos. Ensino sobre a história e cultura negra no Memorial do Rio Grande do Sul, SMED-
Canoas. (Prelo).
18
Ver BARBOSA, Marcio. Frente Negra Brasileira, depoimentos. São Paulo: Quilomboje, 1998.
17
caráter associativo, político e/ou social como blocos carnavalescos, sociedades de auxílio mútuo
e sociedades políticas ou dançantes.
Nesta procura, localizei uma dissertação de mestrado com o seguinte título: Raiou “A
Alvorada”: Intelectuais negros e imprensa, Pelotas (1907-1957), pesquisa realizada pelo
historiador José Antônio dos Santos (2000) e lendo este trabalho tive conhecimento da Frente
Negra Pelotense.
19
A partir destas constatações e da visita-guiada que eu realizava sobre os “Negros no RS”,
acabei conhecendo duas pessoas que aguçaram ainda mais as minhas iniciativas no
aprofundamento da História do negro nesta região do país, os professores Paulo Roberto Staudt
20
Moreira, historiógrafo do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Sempre que ele podia nos
falava de suas experiências e de suas pesquisas em arquivos porto-alegrenses sobre parentescos e
atitudes do escravo diante da situação do cativeiro, e Luiz Carlos Amaro Cardoso (1948-
2008),
21
que ao me conhecer apresentou-me um Grupo de Trabalho denominado GT Negros,
vinculado à Associação Nacional de História do RS, grupo do qual faço parte até os dias atuais.
No aprofundamento das pesquisas sobre a Frente Negra Brasileira, descobri que a mesma
existiu em outras cidades brasileiras com outras configurações e propostas, além do município de
Pelotas-RS, mas queria descobrir uma vertente sua em Porto Alegre, algo que as leituras
inquietantes e incessantes deveriam, em algum momento, demonstrar-me.
22
19
Sobre associações e organizações negras na região sul do estado Ver LONER, Beatriz Ana. Classe Operária:
Mobilização e Organização em Pelotas: 1888-1937. Tese de Doutorado, UFRGS, 1999.
20
Paulo Roberto Staudt Moreira, mestre e doutor pela UFRGS, historiógrafo do AHRGS, estuda semelhanças e
diferenças entre raças, etnias e culturas. Ver MOREIRA, Paulo Roberto Staudt. Os cativos e os Homens de Bem
Experiências Negras no Espaço Urbano – 1858-1888. Porto Alegre: EST, 2003. Agradeço ao Paulo Staudt Moreira
pelas motivações acadêmicas.
21
Luiz Carlos Amaro Cardoso (1948-2008), poeta, professor, mestre em História pela UFRGS, pesquisava sobre
movimentos sociais. Ver AMARO, Uma nova história sindical. Porto Alegre, SCORTECCI, 2002.
22
As Frentes Negras existiram em São Paulo, Sorocaba, Santos, Campinas e Rio de Janeiro. Ver Petrônio José
Domingues em A insurgência do Ébano: A História da Frente Negra Brasileira (1931-1937). p.135-156. Em Tietê,
Campinas, Ribeirão Preto, Birigui, tinha delegações. Ver BARBOSA, Marcio. Frente Negra Brasileira, depoimentos.
São Paulo: Quilomboje, 1998, p.39. Em Salvador Ver BACELAR, Jeferson. A hierarquia das Raças, Negros e
Brancos em Salvador. Rio de Janeiro: ED Pallas, 2001, em Pelotas, Ver SANTOS, José Antônio dos. Raiou “A
Alvorada”: Intelectuais negros e imprensa, Pelotas (1907-1957) Dissertação, 2000, UFF, e em Pernambuco, Ver
SILVA, Fátima Aparecida. O movimento social Frente Negra Pernambucana - 1936-1937-. A história continua.
XXIV Simpósio Nacional de História. São Leopoldo, 2007. Também localizamos referências quanto a um núcleo
fundado em Minas Gerais; Ver Gomes (2005, p.48) e Luna (1978, p.313), que informa que a Frente Negra Mineira
foi fundada em 1935.
18
Em 2003, como integrante do GT Negros, conheci a historiadora Lúcia Regina Brito
Pereira, que assumiu a coordenação do grupo no lugar de Luiz Carlos Amaro Cardoso. Deste
período em diante aprofundei ainda mais a minha participação em pesquisas no próprio grupo, e
em eventos sobre a temática afro-brasileira e afro-gaúcha, que eu passei a participar e que
passamos a organizar no Memorial do RS.
23
Realizando debates e encontros, que tinham por intuito motivar professores,
pesquisadores, educadores e interessados sobre as propostas e a aplicabilidade da Lei 10.639/03,
lei federal sancionada no dia 09 de janeiro de 2003
24
, continuavam meus estudos sobre o tema,
com muito afeto.
No mesmo ano terminei meu estágio como monitor no Memorial, mas minha estada na
instituição continuava, agora na função de Assistente de Produção, o que me manteve próximo às
atividades culturais e históricas do Rio Grande do Sul e do negro neste Estado.
Através deste cargo tive a possibilidade e a condição de organizar mais ativamente
eventos, em torno das questões afro-descendentes e de construir um projeto de pesquisa para
concorrer ao mestrado, que ingressara no segundo semestre de 2006.
Continuando com as leituras sobre as organizações negras, tendo por intenção localizar
indícios da Frente Negra, agora em Porto Alegre, tomei conhecimento de uma Sociedade fundada
em 1872, denominada de Sociedade Beneficente Floresta Aurora. Em um primeiro momento
senti que esta organização negra porto-alegrense se aproximava da Frente Negra de São Paulo e
de Pelotas, pois percebi que ela no final do século XIX e início do século XX, já apontava
propostas de integração do negro na sociedade porto-alegrense e brasileira.
25
23
De 2003 até o momento participei da Comissão Organizadora dos seguintes eventos: I, II, III, IV e V Jornada de
Estudos Afro-Brasileiros e da organização de cinco Seminários Debates sobre a questão negra em evidência, além de
inúmeros eventos sobre a História e a Cultura do RS.
24
A Lei 10.639/03 foi sancionada em 9 de janeiro de 2003. Essa lei torna obrigatório, nos estabelecimentos de
ensinos fundamental e médio, oficiais e particulares o ensino sobre a História e Cultura Afro-Brasileiras,
contemplando o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e
o negro na formação da sociedade nacional, valorizando a participação do povo negro nas áreas social, econômica e
política pertinentes à História do Brasil. Ver Educação anti-racista: caminhos abertos pela Lei Federal nº 10.639/03,
Brasília: SECAD, 2005, p.7.
25
“Monteiro Lopes, eleito em 1909, deputado para a Assembléia do Rio de Janeiro, havia sido impedido de receber
seu diploma em função da cor da pele. Tão logo a notícia circulou pelo país, os negros organizados em estados como
o Rio Grande do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro, deram início a uma intensa campanha para efetivar sua
19
Conforme Muller (1999, p.14), esta organização negra e outras que atuavam socialmente,
surgiram em Porto Alegre após a criação da Irmandade do Rosário, fundada em 1786. Para a
autora, “a partir dela é que se criou na cidade um espaço burocrático e simbólico, podendo este
grupo criar uma “comunidade de destino” ou comunidade emocional”.
26
Com o passar do tempo
surgiu a preocupação sobre a defesa de seus interesses e a busca pela ascensão social.
Pesquisando sobre esta sociedade, tive a sorte de conhecer um senhor chamado José
Domingos Alves da Silveira
27
, que tinha em sua residência um acervo de recorte de jornais
contendo muitos dados sobre o Negro no RS. Através de sua coleção, tive conhecimento do
Primeiro Congresso Nacional do Negro realizado em Porto Alegre no ano de 1958, sob
organização da Sociedade Beneficente Floresta Aurora.
A Partir das fontes impressas localizadas na residência do Seu José, iniciei as pesquisas
nos acervos do Museu de Comunicação Social Hipólito José de Costa e Centro de Pesquisas
Correio do Povo, para localizar matérias jornalísticas sobre o encontro do no ano de 1958.
28
Nelas, localizei imagens, programações e participantes do congresso, que me demonstravam
aspectos semelhantes entre os representantes da Sociedade Beneficente Floresta Aurora com os
intelectuais negros que tive conhecimento através das imagens da Frente Negra Brasileira.
Nesse sentido, me surgiu a seguinte indagação: o que estas duas organizações negras
poderiam ter em comum? Como as suas reivindicações poderiam ser tão parecidas se uma era de
São Paulo e a outra de Porto Alegre? Existiu na Sociedade Beneficente Floresta Aurora alguém
que também foi membro da FNB? Quais as semelhanças e diferenças entre as suas propostas? A
diplomação. Alcançado o objetivo, Monteiro Lopes visitou Porto Alegre no ano seguinte, sendo recebido com festa,
especialmente na Sociedade Floresta Aurora”. (MÜLLER, 1999, p.130). A historiadora Lúcia Regina Brito Pereira
complementa esses dados informando que a Sociedade Cultural Floresta Aurora foi criada em 1872, com o objetivo
de gerar pecúlio para custear as despesas de enterros de escravizados e libertos. (PEREIRA, 2008, p.125).
26
Conforme Maffesoli. Entre outras considerações, explica o autor que “o costume, nesse sentido, é o não-dito, o
‘resíduo’ que fundamenta o estar junto”. Maffesoli propõe chamar isso de centralidade subterrânea ou potência social
em oposição ao poder oficial. (MALFFESOLI apud MÜLLER, 1999, p.14-15. (rodapé).
27
Ver PEREIRA, Lúcia Regina Brito. Estratégias Negras e Educação. Porto Alegre: VI Congresso Internacional de
Estudos Ibero-Americanos – PUCRS,2006 e sua Tese de Doutorado, intitulada: Cultura e Afro-descendência:
organizações negras e suas estratégias educacionais em Porto Alegre (1872-2002), 2008.
28
Os jornais localizados são: A Hora, Porto Alegre, setembro de 1958, Correio do Povo, Porto Alegre, setembro de
1958, Folha da Tarde, Porto Alegre, setembro de 1958 e Revista do Globo número 727, outubro de 1958, p.58.
20
Frente Negra Brasileira existiu em muitas regiões do Brasil; e a SBFA, em quais as regiões
brasileiras que ela existiu?
A FNB tinha como propósitos reivindicar melhorias em torno dos problemas enfrentados
pela comunidade negra nos anos trinta.
29
Neste sentido tínhamos indícios dos caminhos a trilhar
para procurar entendê-la, pois havia localizado, além de seus estatutos, uma razoável bibliografia
sobre as suas atividades em São Paulo.
30
Mas quanto as suas atividades em outras partes do
Brasil, notamos que as informações ainda são escassas.
E quais eram os seus estatutos da Sociedade Floresta Aurora? Como ela funcionava e
quando passou a existir? Descobri a sua atuação e a sua importância para a comunidade negra
porto-alegrense devido à leitura da dissertação de mestrado da historiadora Liane Muller, e
também, através de pesquisas em documentos localizados no acervo desta organização,
localizada, atualmente, na Av. Coronel Marcos nº527.
Em atas encontramos informações escritas sobre as reuniões realizadas entre os seus
membros desde a sua fundação, além de dados sobre o Primeiro Congresso Nacional do
Negro.
31
Surgiu-me a seguinte questão: Aonde estas duas organizações negras, a FNB e a SBFA,
poderiam se relacionar através de suas ações em prol da comunidade negra? Em que elas
poderiam ser próximas? Será que ambas poderiam defender um projeto de inserção da
comunidade negra em nível nacional? Foram muitos os questionamentos e as dúvidas que nos
envolveram tendo estas organizações como objeto.
29
Ver estatutos completos em: BARBOSA, Marcio. Frente Negra Brasileira, depoimentos. São Paulo: Quilomboje,
1998, p.110-111.
30
Ver Florestan F.(1978) Integração do Negro na Sociedade de Classes, Luis Luna (1978), O Negro na luta contra a
escravidão, Roger Bastide (1979) em Brasil, Terra de Contrastes e Brancos e Negros em São Paulo (1959), Paul
Singer (1980), São Paulo: o povo em movimento, Clóvis Moura (1992) História do Negro Brasileiro e Dialética
Radical do Brasil Negro (1994), Márcio Barbosa (1998) em Frente Negra Brasileira, depoimentos, Beatriz Ana
Loner (1999) em Classe Operária: Mobilização e Organização em Pelotas: 1888-1937, José Antônio dos Santos
(2000) em Raiou “A Alvorada”: Intelectuais negros e imprensa, Pelotas (1907-1957), Jéferson Bacelar (2001), A
hierarquia das Raças, Negros e Brancos em Salvador, Laiana Lannes (2002) em “A Frente Negra Brasileira: Política
e Questão Racial nos anos 1930”, Kabengele Munanga (2004), Rediscutindo a mestiçagem no Brasil – identidade
nacional versus identidade negra, Flávio Gomes (2005) em Negros e Política (1888-1937), Petrônio José Domingues
(2005) em A insurgência do Ébano: A História da Frente Negra Brasileira (1931-1937), e Pe. Gedeon José de
Oliveira (2006): A resistência de ébano: Uma abordagem da Frente Negra Brasileira a partir do simbólico (1930).
31
As atas pesquisadas foram as de número 234 a 262, de janeiro a outubro de 1958.
21
Para construir elos, entre estas duas organizações negras, escolhemos em um primeiro
momento de nossa análise, identificar como eram as suas formas de ação, em um segundo, como
elas conseguiriam difundir, em nível nacional, as suas idéias para que as populações negras
fossem contempladas e atingidas por seus projetos, que visavam à inserção e integração, plena,
do negro em nossa sociedade.
A partir disto identificamos que a Frente Negra Brasileira teve inúmeras organizações
espalhadas pelo país, o que nos possibilitou, através de uma revisão bibliográfica, seguirmos os
seus passos, com isso entendendo melhor os seus desdobramentos e ações. Mas como identificar
a difusão dos interesses da Sociedade Beneficente Floresta Aurora se ela existiu somente em
Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul? Com esta indagação, localizamos um encontro que
poderia levar as idéias desta organização para o restante do país, este local era o Primeiro
Congresso Nacional do Negro, realizado em 1958.
Pensamos da seguinte forma nossa hipótese quanto ao “movimento das idéias” sobre a
temática negra, pois para as mesmas se deslocarem entre as regiões brasileiras necessitavam,
obrigatoriamente, de pessoas envolvidas com a questão.
Portanto, em um primeiro momento, cabos distritais
32
arregimentavam filiados para os
quadros da Frente Negra nos bairros da cidade de São Paulo. Em um segundo momento, os
delegados em trânsito
33
fundavam núcleos da organização em cidades portuárias pelo Brasil e em
num terceiro, estas idéias passam a se movimentar através das delegações e de participantes de
outros estados brasileiros, que viajaram pelo país para participar dos congressos nacionais sobre
a temática negra, o que de certa forma coloca essas pessoas, como cabos distritais dos encontros,
pois as mesmas levam seus estudos e pesquisas para apresentar nesses eventos, e trazem
32
“A FNB inovaria com o mecanismo de cabos para arrecadar sócios e recursos”. GOMES, Flavio dos Santos.
Negros e Política (1888-1937). Rio de Janeiro: Jorge Zahar editor, 2005, p.48.
33
Notamos estas viagens através do discurso de fundação da FNB em Salvador no ano de 1932, sendo que naquela
ocasião o seu líder, Marcos Rodrigues dos Santos disse, que: “gostava de ensinar a ler aos que não sabiam, chegando
a reger a Escola noturna da Sociedade de São Vicente (...) fui alfabetizar em Segueiro do Espinho, Verruga,
Encruzilhada, ahi (sic) iniciei a minha vida de judeu errante viajando para o norte de minas, sempre pregando contra
o analfabetismo (...) fui para Santos, lecionando no mosteiro de São Bento. Ahi fundei a Frente Negra, conseguindo
alistar quatro mil negros...”. Diário da Bahia, 16/11/1932 apud Bacelar, 2001, p.146. Em outra leitura identificamos
que Simeão M. da Silva, pelotense, foi convidado para ser “delegado em trânsito” da FNB em Santos, no ano de
1932, viajando a bordo do cargueiro Mantiqueira. Segundo José Antônio dos Santos, como Simeão viajava
regularmente pelos portos brasileiros, poderia representar a FNB em outras cidades do país. Ver SANTOS, José
Antônio dos. Raiou “A Alvorada”: Intelectuais negros e imprensa, Pelotas (1907-1957) Dissertação, 2000, p.132.
22
informações sobre os temas que estiveram em pauta para os seus estados e cidades de origem, o
que serve como formas de dar continuidade à difusão das idéias apresentadas nesses locais. Algo
que retomaremos mais adiante e que incide no que denominamos de “idéias em movimento”.
Nesse sentido, nos pareceu fundamental narrar a sua existência para “movimentar” a
nossa dissertação em conjunto com a nossa proposta, que é a de entender os Congressos como
“oásis” de reflexão e de descanso dos debates em torno da temática negra e afro-brasileira, sem
esquecê-los enquanto lugares sociais
34
, que, além de seus participantes terem produzido
materiais escritos, foram delineados os interesses de grupos sociais sobre a situação cultural,
política e social da identidade negra.
Identificamos no deslocamento dos homens vinculados à Frente Negra Brasileira, e na sua
difusão de idéias entre as regiões brasileiras, como um movimento frentenegrino e denominamos
os locais que estas pessoas se reuniam, bem como os congressos, de “Oásis”. Ou seja: esse
“oásis” que estamos fazendo referência somente passou a existir em decorrência dos esforços e
perseverança dos homens que lutaram por um mundo melhor. Reconhecemos nessa dissertação,
como “desertos” o racismo, preconceito e as discriminações sofridas por qualquer ser humano,
neste caso, conforme citado anteriormente, mazelas que atingem diretamente a população negra.
A metáfora de oásis e deserto foi pensada a partir da leitura de Arendt (2006), que utiliza
esses termos para refletir a condição humana que é mantida através desses desafios, segundo a
autora: “... o deserto é o mundo sob cujas condições nós nos movemos... dependendo da situação,
talvez seja necessária a capacidade de sofrer, a virtude de suportar ou a coragem para agir. Em
termos genéticos, que a esperança repouse sobre aqueles que vivem apaixonadamente sob as
condições do deserto e que podem agir com coragem: pois, o que eles fazem, é político”.
(ARENDT, H, 2006, p.183).
A formação das Frentes Negras e a realização dos Congressos tiveram como principais
características proporem “oásis” para os negros brasileiros combaterem o racismo, preconceito e
as discriminações em todas as cidades que elas existiram, em um momento ‘tumultuado’ e de
transição das estruturas de nosso país, que saíra de um modelo econômico e político tradicional
para outro pensado como moderno.
34
Ver CERTEAU, Michel De. A Escrita da História. Rio de Janeiro: Ed. Forense Universitária, 2006.
23
Convém informar como percebemos os lugares sociais que estamos dissertando, sejam
eles uma organização negra ou um Congresso. Entendemos estes locais como espaços políticos,
acontecimentos propícios para que seus organizadores e participantes procurem entender e agir,
através das pesquisas e das propostas efetuadas a sociedade em que viviam, para com isso tentar
interpretá-la e conseqüentemente melhorá-la. Seja buscando respostas nos aspectos culturais para
formar uma nação; ou seja: procurando aprofundar os conhecimentos dos problemas enfrentados
cotidianamente pelos negros no período, com isso visando atenuar o preconceito e os problemas
sociais que sofria este grupo.
Sobre a Frente Negra Brasileira pensamos que, para analisá-la, bem como para
mensurar a sua importância para as populações negras, devemos contextualizar sua existência nas
diversas cidades, evitando com isso cair no erro - freqüentemente repetido pelos sociólogos da
USP -,
35
que, ao examinarem o movimento específico de São Paulo, levaram em conta somente
aquele núcleo em sua profundidade, mas sem aprofundar o contexto político e social vivenciado
pelo movimento frentenegrino, através de outras vertentes espalhadas por outros Estados
brasileiros. Portanto, ao se pesquisar esta organização, devemos entendê-la como um movimento
frentenegrino, pois concordamos com Flávio dos Santos Gomes (2005, p.55) ao dizer que: “para
se analisar a FNB temos que pensar em seus desdobramentos que foram diversos, ganhando
perfis e configurações particulares”. Ou seja: devemos pensá-la através de um “movimento de
idéias”.
Para analisar a formação dos oásis, como o Primeiro Congresso Nacional do Negro,
devemos historicizar os encontros de caráter nacional
36
, que ocorreram antes dele em nosso
35
Entre os anos de 1950 e 1980, sociólogos como Florestan Fernandes e Roger Bastide contribuíram muito em suas
pesquisas no que tange à formação e à organização dos Movimentos Negros paulistas e principalmente sobre o que
conhecemos da Frente Negra Brasileira. No entanto, seus aprofundamentos, devem ser entendidos como pesquisas
realizadas sobre o núcleo paulista, que embora representasse em seus estatutos os negros brasileiros, ela era somente
de São Paulo e interior. Existiram vertentes da Frente Negra, em outros Estados, com ideologias políticas
completamente diferentes, embora todas elas primassem pela elevação social do negro na década de 30, conforme
veremos no Primeiro Capítulo desta dissertação. Por isso denominamos as Frentes Negras como um “movimento
frentenegrino”, tendo sua origem em São Paulo, mas levando em consideração os seus desdobramentos em outras
regiões brasileiras.
36
Denominamos de encontro de caráter nacional os congressos realizados entre 1934 e 1958 nas cidades do Recife,
Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre, que trataram especificamente da temática afro-brasileira e negra.
Em suas atividades sempre foram localizados participantes de outros estados brasileiros e até de outros países sul-
americanos e norte-americanos. Agora, o importante é identificar que fora o Estado, sede do encontro, em todas essas
24
país, uma vez que foram estes locais que motivaram as questões culturais, sociais e políticas
sobre a temática negra. Ou seja, nestes “oásis” as idéias continuam movimentando-se, entretanto,
se antes as propostas encontravam campo fértil para se concretizar em determinada região do
país, tendo como vanguarda a
Frente Negra
, através de seus homens ou de sua imprensa, agora
os intelectuais envolvidos em torno destas temáticas passam a propor e a organizar, em um lugar
fixo, os Congressos para que outras pessoas tragam consigo suas mais diversas experiências e
contribuições, sejam elas de maneira escrita ou oral, com isso contribuindo para o entendimento
da identidade negra em nossa sociedade, o que acompanharemos nas próximas páginas de nosso
trabalho.
Para ter o entendimento mais profundo deste oásis organizado e proposto pela Sociedade
Beneficente Floresta Aurora, construindo um elo entre a sua proposta e às da FNB, será
necessário conhecermos os outros Congressos, realizados em nosso país, com isso tentando
desvendar se existiram, em suas formações, pessoas que participaram desta organização. Nesse
sentido analisaremos, também: o Primeiro Congresso Afro-Brasileiro, realizado em
Pernambuco, na cidade do Recife no ano de 1934, o Segundo Congresso Afro-Brasileiro,
ocorrido na Bahia, em Salvador, em 1937, as Convenções Nacionais do Negro, com sede em
São Paulo, capital, no ano de 1945 e no Rio de Janeiro, em 1946, a Conferência Nacional do
Negro, acontecido no Rio de Janeiro em 1949 e o Primeiro Congresso do Negro, também
sediado no Rio de Janeiro em meados de 1950.
O Primeiro Congresso Nacional do Negro, de 1958, cuja criação descortinaremos foi
organizado, através da Sociedade Beneficente Floresta Aurora, sob a liderança de Valter
Santos, ocorreu no estado do Rio Grande do Sul, no município de Porto Alegre. Notaremos que o
termo “nacional”, além de ser o diferenciador da nomenclatura entre este congresso e o realizada
oito anos antes no Rio de Janeiro, denota ainda uma transformação importante nos interesses de
seus organizadores, já que existiu uma forte influência do Partido Trabalhista Brasileiro, em sua
organização.
37
atividades foram constatadas as presenças de participantes e delegações de mais de dois estados brasileiros, o que
evidencia e justifica a utilização desse termo.
37
Sobre a organização do Primeiro Congresso Nacional do Negro de Porto Alegre encontramos, através das
pesquisas realizadas em Atas de reuniões da SBFA e em consultas em periódicos do período, nomes como o de
Leonel Brizola, Armando Temperani Pereira, J.P Coelho de Souza, todos políticos tradicionais vinculados ao PTB.
25
Chamamos a atenção quanto à relação intrínseca entre os locais em que existia o
movimento frentenegrino e os estados onde foram realizados os encontros de caráter nacional
sobre esta temática. Ou seja: no Estado de Pernambuco, Bahia, São Paulo e Rio Grande do Sul,
existiram núcleos da
Frente Negra
, porém, o mais interessante é que se antes as idéias viajavam
de São Paulo para o Sul e depois para o norte e nordeste brasileiro por ocasião deste movimento
social, agora, por realização dos congressos, o movimento é justamente o inverso, pois os “oásis”
surgem no nordeste, passam pelo sudeste e, por se tratar da proposta de nosso trabalho, que tem
um marco cronológico de 1931 até 1958, chegam ao Sul do país, mais precisamente na cidade de
Porto Alegre. O que entendemos como um incessante movimento de idéias e pessoas por
praticamente todo o território nacional, terá sido essa marcha de idéias mera coincidência?
A partir deste momento acreditamos que a Sociedade Floresta Aurora, em nossa análise, à
luz do pensamento de Gramsci, tornou-se um partido orgânico aos moldes da Frente Negra
Brasileira, pois passa a representar os interesses de seu grupo social, o que veio resultar na busca
de um consentimento com outros grupos, visando os seus interesses e o de seus pares.
38
Propomos debater, nesta pesquisa, a questão do “branqueamento”, já que notamos este
item como ideologia assim como a “democracia racial”, criada pelos intelectuais tradicionais, e
assim como a da “negritude” criada pelos intelectuais orgânicos negros.
39
Neste sentido, a presente pesquisa visa aprofundar, em um primeiro momento, como
aconteceu a participação ativa de intelectuais tradicionais e intelectuais orgânicos negros
40
identificados com a temática afro-brasileira e negra desde 1931, ano de fundação da Frente Negra
38
Um Partido orgânico faz abstração da ação política imediata: constituído por uma elite de homens de cultura, que
tem a função de dirigir do ponto de vista da cultura as massas. Ver GRAMSCI, 1980, p.23. A Frente Negra Brasileira
se tornou de fato um Partido Negro, fundado em 1934 e extinto em 1937, por ocasião do Estado Novo. Ver Para
GOMES, Flavio dos Santos, Negros e Política (1888-1937), Rio de Janeiro: ZAHAR, 2005, p.63-67 e Ver
BARBOSA, Marcio. Frente Negra Brasileira, depoimentos. São Paulo: Quilomboje, 1998, p.58-60.
39
A ideologia do “Branqueamento” foi formulada primeiramente pelos pesquisadores da USP da década de 1950 e
ainda hoje é utilizada. Simplesmente ao fazer uso deste conceito, estudiosos das relações raciais acreditam que o
negro ao ascender perde os seus valores como negro. Kabengele Munanga aponta para a ambigüidade formada pela
cor/classe social e enfatiza que o embranquecimento foi estratégia utilizada pelos grupos negros para ascender
socialmente. (MUNANGA, 2004 p.105).
40
Ver GRAMSCI, A. Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1995.
Sobre intelectuais orgânicos negros, ver SANTOS, José Antônio dos. Raiou “A Alvorada”: Intelectuais negros e
imprensa, Pelotas (1907-1957), 2000.
26
Brasileira na cidade de São Paulo até 1958, ano de realização do Primeiro Congresso Nacional do
Negro organizado pela SBFA, ocorrido na cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul enfocando
os seus interesses e as suas propostas na formação destes oásis. No segundo momento, como
estas idéias se movimentaram pelo Brasil difundindo as questões culturais
41
, socais
42
e políticas
43
sobre a participação da comunidade negra na história brasileira, e em um terceiro momento,
como estas questões foram sendo gradativamente localizadas em Congressos nacionais em torno
do tema, bem como se estes locais delinearam de fato um rumo satisfatório à conscientização da
comunidade negra no que tange as suas necessidades culturais, sociais e políticas, entre 1931 e
1958.
No intuito de respondermos estas questões, utilizaremos as seguintes fontes: Jornais
Correio do Povo, Folha da Tarde, A Hora, Diário da Manhã e Revista do Globo, periódicos
impressos, que circularam na cidade de Porto Alegre e do país entre setembro e outubro de 1958,
localizados no Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa e no acervo particular do
Sr. José Domingos Alves da Silveira, atas de reuniões e correspondências localizadas no acervo
da Sociedade Beneficente Floresta Aurora, entrevistas realizadas com pessoas que conviveram
em organizações negras de Porto Alegre na década de 1950, ANAIS da Assembléia Legislativa
do Estado do Rio Grande do Sul, Diário Oficial do Estado do RS, ambos localizados na
Biblioteca da Assembléia Legislativa do Estado, além de bibliografia adequada.
Apresentaremos em nosso trabalho três capítulos. No primeiro capítulo, evidenciaremos a
importância da Frente Negra Brasileira para a compreensão da movimentação de homens e
idéias pelo país, que versavam sobre a temática negra e afro-brasileira.
41
HALL, Stuart. Da Diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: UFMG, 2003, p.332. “o terreno
das práticas, representações, linguagens e costumes concretos de qualquer sociedade historicamente específica.
Também inclui formas contraditórias do ‘senso comum’ que se enraízam e ajudam a moldar a vida popular”.
42
SANTOS, Boa Ventura de Souza. Pela Mão de Alice. O social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez
Editora, 2001, p.126. “o espaço de cidadania que é constituído pelas relações sociais da esfera pública entre cidadãos
e o Estado. “Nesse contexto, a unidade da prática social é o indivíduo, a forma institucional é o Estado, o mecanismo
de poder e dominação é a forma de juridicidade é o direito territorial e o direito oficial estatal, o único existente para
a dogmática jurídica”.
43
ARENDT, Hannah. O que é política? Fragmentos das obras Póstumas Compilados por Ursula Ludz. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 2006, p.21-22. “A política baseia-se na pluralidade de homens e trata da convivência entre
diferentes (...) manifesta-se na vida privada, em costumes e convenções; e na vida pública em leis, constituições e
estatutos”. Será dada ênfase também sobre o contato político partidário no que tange às relações entre políticos ou
partidos políticos e os organizadores dos congressos e representantes das organizações negras.
27
No segundo capítulo demonstraremos os congressos de caráter nacional, como lugares
sociais que motivaram, através da presença do público interessado, a temática afro-brasileira e
negra.
No terceiro, e último capitulo, analisaremos o
Primeiro Congresso Nacional do Negro
realizado na cidade de Porto Alegre no ano de 1958, bem como e a participação de partidos
políticos, das Sociedades Negras neste encontro, e questionaremos, também, como foi possível o
estabelecimento de uma relação social entre a comunidade negra, representada neste evento pela
Sociedade Beneficente Floresta Aurora, e a imprensa porto-alegrense.
28
CAPÍTULO – I
PONTO DE PARTIDA: A FRENTE NEGRA BRASILEIRA
Este capítulo visa demonstrar a importância da Frente Negra Brasileira para a
compreensão da movimentação de homens e idéias pelo país, que versaram sobre a temática
negra e afro-brasileira, dando sentido ao que denominamos de “idéias em movimento”.
Propomos identificar, em um primeiro momento, o deslocamento destes pensamentos tendo por
suporte os intelectuais ligados aos seus quadros e que viajaram pelo país na intenção de
arregimentar simpatizantes e divulgar a organização, e em um segundo momento demonstrar a
difusão destes projetos, que buscavam a inserção social das populações negras, através da mídia
impressa, que era produzida por eles e que circulava nas diversas regiões do país.
44
A Frente Negra, embora tenha características diferentes de um Congresso propriamente
dito, pois mantinha uma relação dinâmica com a sociedade brasileira, existindo simultaneamente
em várias cidades, merece atenção especial em nossa análise, pois representou, como movimento
social e organização negra, o embrião político-social de unidade para uma comunidade negra,
fragmentada, carente de recursos materiais e de “direção” no pós-abolição, o que poderia levá-la
à marginalização, propriamente dita, em nosso país, neste período.
45
Esse movimento foi importante para a organização da população negra principalmente,
através de personalidades como Miguel Barros, Solano Trindade (1908-1974) e Abdias do
Nascimento, cuja participação foi direta e fundamental nos Congressos afro-brasileiros e negros
outrora realizados.
Durante esses vinte e sete anos (1931-1958), período em que surge a FNB, na cidade de
São Paulo, e que culmina com a realização do Primeiro Congresso Nacional do Negro, na
cidade de Porto Alegre, ocorreram sete Congressos que motivaram os estudos culturais,
discussões sobre as questões sociais e os assuntos de cunho político sobre o negro em nosso país.
44
Neste sentido, logo concordamos com Gramsci, que explicou que as idéias se movimentam tendo como suporte
uma organização ou locais específicos para o seu desenvolvimento, sejam estas instituições culturais, políticas,
educacionais e religiosas, os intelectuais são os agentes principais da difusão de suas ideologias. (GRAMSCI, 2004,
p.331).
45
Enfatizamos que antes da Frente Negra existiram outras formas de resistências negras, mas ao analisarmos esta
organização queremos demonstrar uma organização de postura política e social que repercutiu em nível nacional,
demonstrando relacionamentos estratégicos de grupos negros organizados com os poderes públicos constituídos.
29
Nesses encontros sediados nos municípios do Recife, Salvador, São Paulo, Rio de Janeiro e Porto
Alegre, os aspectos culturais
46
, políticos
47
e sociais
48
foram inseridos, gradualmente, como
temática, os assuntos afro-brasileiros-negros.
Salientamos que esses aspectos são identificados nesses eventos de maneira dinâmica,
sendo que, em determinados momentos, algum dos três ficou mais em destaque.
Pensamos como insuficiente deixar de perceber, para uma análise mais coerente de nossa
parte, que esses encontros carregavam, no momento de suas realizações, ingredientes culturais,
políticos e sociais, independente de seus organizadores serem pesquisadores acadêmicos ou
militantes da causa negra
49
, situação que entenderemos melhor no desenvolvimento de nossa
dissertação.
Durante o período examinado, entre as realizações dos Congressos, evidenciou-se a
presença de intelectuais que tiveram a sua participação registrada em mais de um encontro, o que
demonstra a troca de conhecimentos entre os pesquisadores dessa temática em praticamente todas
as regiões brasileiras. Foram realizadas sete atividades denominadas por nós de encontros de
caráter nacional.
50
Serão objetos de análise neste primeiro capítulo a Frente Negra Brasileira com origem
em São Paulo, no ano de 1931 e seus desdobramentos nos estados da Bahia, Rio Grande do Sul e
Pernambuco.
46
Ibidem, 2003, p.332.
47
Ibidem, 2006, p.21-22.
48
Ibidem, 2001, p.126.
49
Pessoas que carregam o interesse sobre o assunto, independentemente de sua formação. É a doxa: termo grego que
significa “crença”, “opinião”. Ensina Agnes Heller (Heller, 1983), que somente valores não particulares, ou seja,
valores que foram universalizados devem coexistir com o conhecimento verdadeiro, sem comprometer sua
cientificidade, caso contrário esse tipo de saber ainda se encontra no âmbito da opinião (dóxa).
50
Ibidem rodapé nº36.
30
1.2 OÁSIS E DESERTOS: INTERESSES E REGISTROS
Antes de analisarmos as Frentes Negras e os Congressos realizados, convêm demonstrar
como entendemos a representação dos espaços físicos onde foram feitas essas atividades, já que
os consideramos referenciais para a sociedade brasileira no momento de seus acontecimentos,
independente do grupo étnico e social que propôs os Congressos, pois acreditamos que o que
deve ser pensado, em última instância, é a contribuição que cada um deles acrescentou para a
existência pacífica, mas logicamente sem perfeições, e mais interpretável, para a formação de
nosso país ao longo de nossa história contemporânea. Tratamos, neste caso específico, dos
Congressos que tiveram como temática a identidade do grupo negro culturalmente, socialmente e
politicamente constituído.
Metaforicamente, intitulamos os espaços físicos de realização dessas atividades de
“oásis”, pois neles ocorreram momentos de “cultivo”, “descanso” e reflexão das idéias em torno
da temática afro-brasileira e negra, em períodos tumultuados de nosso país.
Em contrapartida, reconhecemos que existem os “desertos” nas relações humanas,
principalmente na sociedade brasileira, cujo principal desafio consiste em tratar igualmente e
respeitando as diferenças culturais, políticas e sociais na teoria e principalmente na prática, de
negros e brancos, pobres e ricos, homens e mulheres, o que acreditamos ser um desafio em uma
estrutura concebida por séculos na escravidão, má distribuição de renda e intolerâncias diversas.
Ou seja: esse “oásis” que estamos fazendo referência, somente passou a existir em decorrência
dos esforços e perseveranças dos homens que lutaram por um mundo melhor. Nesse sentido
identificamos nessa dissertação, como “desertos” o racismo, preconceito e as discriminações
sofridas por qualquer ser humano, neste caso, conforme citado anteriormente, mazelas que
atingem diretamente a população negra.
Mas o que seriam dos “oásis” sem os “desertos” em se tratando dos assuntos humanos?
Como teríamos parâmetros comparativos se passarmos despercebidos pelas dificuldades do
“deserto” como sentir calor excessivo, sede, fome e no terreno social, político e cultural
convivermos com agressões, racismos, violências e intolerâncias sem nos importarmos uns com
os outros? Certamente acreditamos que são corajosos os que agem nessas condições, pois é a
31
partir dessas dificuldades que se formaram estes “oásis”, e conforme Arendt (2006, p.183) se faz
política.
51
Nesse sentido, pretendemos também demonstrar como esses encontros/oásis se tornaram
marcos referenciais para nosso estudo sobre temas referentes às questões negras, no momento de
suas respectivas realizações para a sociedade brasileira.
Na intenção de apontar algumas “balizas” norteadoras da narrativa nesse momento, serão
levantados questionamentos para respondermos e, conseqüentemente, localizarmos informações
de como foram se desenvolvendo os grandes encontros sobre as questões negras, de caráter
nacional em nosso país, entre 1931 e 1958.
Portanto, perguntamos em um primeiro momento: qual a influência da Frente Negra para
o entendimento das atividades de caráter nacional sobre o negro em nosso país no período
proposto? Quais os principais congressos que ocorreram no Brasil entre 1934 e 1958?
A fusão de questionamentos entre a importância da Frente Negra e os Congressos são
“frutos” ocorridos perante uma situação historicamente constituída; já que seria impossível, em
nosso entendimento, pensar e analisar a temática afro-brasileira e negra, em nível nacional, em
seus aspectos históricos, sem mencionar uma organização que existiu nas principais regiões do
Brasil e que teve participação direta nos Congressos realizados.
No intuito de responder tais questionamentos, serão utilizados para fundamentar a nossa
analise os conceitos de lugar social
52
, política
53
e democracia racial
54
, o que propiciará um
51
A metáfora de oásis e deserto foi pensada a partir da leitura de Hanna ARENDT, pois a autora utiliza esses termos
para refletir a condição humana que é mantida através desses desafios, segundo a autora: “...o deserto é o mundo sob
cujas condições nós nos movemos...dependendo da situação, talvez sejam necessárias a capacidade de sofrer, a
virtude do suportar ou a coragem para agir. Em termos genéticos, que a esperança repouse sobre aqueles que vivem
apaixonadamente sob as condições do deserto e que podem agir com coragem: pois o que eles fazem, é político”.
ARENDT, H, 2006, p.183.
52
CERTEAU, Michel De. A Escrita da História. Rio de Janeiro: Ed. Forense Universitária, 2006. O que
denominaremos por lugar social nessa dissertação são as organizações negras de caráter nacional e os congressos,
encontros e convenções nacionais, ocorridas no Brasil entre 1931 e 1958. Os lugares Sociais específicos são: As
Frentes Negras paulista, baiana, pelotense e pernambucana, o Primeiro Congresso Afro-Brasileiro, Segundo Afro-
Brasileiro, Teatro Experimental do Negro, União dos Homens de Cor, Primeira e Segunda Convenções do Negro,
Primeiro Congresso do Negro, Teatro Popular Brasileiro e Primeiro Congresso Nacional do Negro e Sociedade
Beneficente Floresta Aurora.
53
ARENDT, H. O que é política? Fragmentos das obras Póstumas Compilados por Ursula Ludz. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2006.
32
melhor entendimento teórico de nosso objeto, restrito às iniciativas e propostas efetuadas durante
essas reuniões, além de uma bibliografia pertinente que nos permita elucidar e compreender a
organização e desenvolvimento destes encontros.
Outros dois conceitos importantes para o desenvolvimento de nossa narrativa serão os de
intelectuais tradicionais e intelectuais orgânicos.
55
A necessidade de suas utilizações incide em
um motivo pontual, que é a abordagem teórica da organização desses congressos, pois, para
entendermos as motivações que engendraram as suas realizações, devemos conhecer quem foram
os proponentes dessas atividades, como os dirigentes e idealizadores, buscando uma aproximação
interpretativa e compreensiva de como os mesmos pensavam.
Nesse momento, é importante mencionar os Congressos que ocorreram em nosso país e
contribuíram, através da produção de teses, debates culturais, políticos e sociais, para a história
da comunidade negra. Os espaços físicos, utilizados para tais atividades, serão denominados por
nós de lugar social. Conforme Certeau:
Toda pesquisa historiográfica se articula com um lugar social de produção
sócio-econômica, político e cultural. Implica um meio de elaboração que
circunscrito por determinações próprias: uma profissão liberal, um posto
de observação ou de ensino, uma categoria de letrados, etc. (...) é em
função deste lugar que se instauram os métodos, que se delineia uma
topografia de interesses, que os documentos e as questões que lhes serão
propostas, se organizam. (CERTEAU, 2006, p.66-67).
Através da utilização do conceito de lugar social complementamos o subtítulo desse
item, pois é a partir desse lugar - os Congressos sobre a temática afro-brasileira e negra -, que
passaram a existir os métodos e que também foram elaborados os registros escritos, por seus
participantes, influenciando diretamente nas formas de pensar de pesquisadores sobre esta
temática, sejam eles acadêmicos ou militantes do movimento negro.
Interpretações culturais, sociais e políticas do que entendemos e conhecemos sobre a
identidade negra brasileira foram constantes nestes lugares, seja esta pensada por outros grupos
54
Mito relacionado com a idéia de que no Brasil existi uma harmonia sobre as relações raciais e que brancos, índios
e negros tenham as mesmas oportunidades de ascensão social. Para saber mais ver Nilma Lino Gomes, no artigo:
Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre as relações raciais no Brasil: uma breve discussão. Educação
anti-racista: caminhos abertos pela Lei Federal nº 10.639/03.p 56-59.
55
Ver GRAMSCI, A. Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1995.
33
sociais, através de sua contribuição para a cultura nacional, ou seja, esta identidade pensada, pelo
próprio grupo negro de maneira positiva para superar as dificuldades enfrentadas cotidianamente
após a abolição da escravidão.
Foram justamente as interpretações culturais, sociais e políticas sobre como entendemos
a identidade negra em nosso país, o tema que incidiu diretamente nos interesses de pessoas
letradas que produziram propostas através de documentos nesses congressos, sejam eles: anais de
pesquisas, jornais, livros, pautas de reuniões, cartas, etc. Evidências que nos esforçaremos para
demonstrar em nossa dissertação, já que foram estes materiais produzidos os responsáveis por
preservar diretamente esta história, da mesma forma legitimando os respectivos encontros. Nesse
sentido, podemos perceber como cada congresso contribuiu de maneira dinâmica, em se tratando
do contexto de sua realização, para o (re) conhecimento da identidade negra na formação do
Brasil.
É importante salientar que nessas reuniões inexistia o caráter separatista ou isolacionista
entre grupos étnicos, instâncias políticas, etos religiosos ou coisas do gênero, pelo contrário, eram
altamente “integracionistas”, pois pleiteavam, através da ordem legal estabelecida, a inserção
político social e cultural do negro no país, como preconizavam as Constituições vigentes.
A Constituição de 1891 dispunha apenas: “Todos são iguais perante a lei”. A Constituição
de 1934 dizia: “Todos são iguais perante a lei. Não haverá privilégios, nem distinções, por
motivos de nascimento, sexo, raça, profissões próprias ou dos pais, classe social, riqueza, crenças
religiosas ou idéias políticas” (art.113, alínea I). Já a Constituição de 1946, artigo 141, ofereceu
as bases dos direitos individuais à “vida, liberdade, segurança e propriedade pessoal”, enquanto
estabelecia novamente: “todos são iguais perante a lei”. (Davis, 2000, p.39).
Devemos entender que embora estes encontros primassem por ser uma iniciativa conjunta
entre diversos pensamentos, salientamos que através de seus organizadores existiram sim
interesses específicos, sejam estes ligados aos aspectos culturais, partindo da contribuição e
influência negra em nossas tradições, sociais, para o negro atingir a plena cidadania, e até
assuntos políticos partidários, para arregimentar votos. Ou seja: o principal objetivo desses
encontros, realizados no seio específico de uma organização negra ou organizado em um lugar
social como os Congressos e Convenções, foi a integração prática do negro, através dos aspectos
culturais, políticos e sociais à vida brasileira, era fazer valer a Constituição. Nesse sentido, essas
34
iniciativas foram políticas, independente de terem reforçado o futuro “mito da democracia racial”
brasileira, como desenvolvermos mais adiante e que propomos “descortinar” através destes
“oásis”.
35
1.3 O MOVIMENTO FRENTENEGRINO.
A influência exercida pela Frente Negra para o entendimento das atividades de caráter
nacional realizadas sobre o negro em nosso país é o que passamos a demonstrar neste momento,
pois nessa relação entre grupos humanos e em virtude das diferenças históricas constituídas em
nossa sociedade, seria impossível desenvolver uma pesquisa sobre os lugares sociais que
pensaram na complexidade das relações raciais e sociais, a partir da década de 1930, sem
mencionar a Frente Negra Brasileira, por dois motivos. O primeiro é que ela notadamente
influenciou o fazer política em uma sociedade complexa e diversa, pois pleiteava a integração das
populações negras em todos os segmentos sociais da vida brasileira, em um período
relativamente curto, datado entre o pós-abolição de 1888 e o ano de sua fundação, datada de
1931. O segundo motivo é que as demais iniciativas de caráter nacional, que tiveram como
temática as questões negras entre os anos 30 e 50, período que abrange nossas pesquisas, tiveram
apoio e participação direta de homens que passaram por essa organização.
56
Além desses dois motivos ainda acrescentaria um terceiro, que é a “movimentação”
desses homens e das suas idéias entre as regiões brasileiras, o que identificamos como um intenso
movimento frentenegrino.
Analisaremos, em ordem cronológica, a existência de quatro Frentes Negras fundadas
em nosso país, tendo como referência a
Frente Negra
de São Paulo, primeira a ser fundada no
ano de 1931. Depois analisaremos os núcleos originados na Bahia, em 1932, no Rio Grande do
Sul, em Pelotas, em 1933 e a Frente Negra Pernambucana, instalada em Recife, no ano de
1936, após o Primeiro Congresso Afro-Brasileiro.
57
56
Solano Trindade, Barros Mulato e Abdias do Nascimento são exemplos das participações de ex-membros da
Frente Negra em atividades de caráter nacional sobre o negro em nosso país até a década de 50.
57
Além da Frente Negra paulista, baiana, pelotense e pernambucana existiram núcleos dessa organização em
Sorocaba, Santos, Campinas e Rio de Janeiro. Para saber como funcionavam esses núcleos ler Petrônio José
Domingues em A insurgência do Ébano: A História da Frente Negra Brasileira (1931-1937), p.135-156. Também
localizamos referências quanto a umcleo fundado em Minas Gerais, em Gomes (2005, p.48) e Luna (1978, p.313),
que informa que a Frente Negra Mineira foi fundada em 1935.
36
1.3.1 A FORMAÇÃO DO OÁSIS PAULISTA.
A Frente Negra Brasileira
58
foi fundada em São Paulo no dia 16 de setembro de 1931
por Arlindo Veiga dos Santos (1902-1978).
59
No decorrer de sua trajetória, de setembro de 1931
até dezembro de 1937, a organização foi presidida por Arlindo Veiga dos Santos, que ocupou o
cargo até junho de 1934, e por Justiniano Costa, que ocupou a presidência até a extinção da
organização. (Domingues, 2007, p.5).
Desde a sua formação, a Frente Negra tornou-se uma organização centralizada, o que
possibilitou seu crescimento e penetração no interior paulista e em outras regiões do país. Foi um
movimento social que contribuiu para que os negros enfrentassem os problemas sociais existentes
na sociedade brasileira na década de 1930. Segundo Maria Luiza de Souza:
Movimentos Sociais são as formas de enfrentamento das contradições
sociais que expressam em reações coletivas a algo que se apresenta como
bloqueio ou afronta aos interesses e necessidades coletivas de
determinado grupo social (...) Esse processo acontece à medida que a
população supera as saídas individuais e recorre a alternativas
coletivas”.(SOUZA, 1997, p.99-100)
Para perceber a importância da Frente Negra enquanto movimento social e “oásis”,
convém informarmos um pouco sobre o contexto social vivenciado pelas populações negras no
período, mais especificamente no município de São Paulo, sua cidade de origem, antes da década
de 1930. Conforme Domingues (2002, p.566-572), em seus atributos populacionais podemos
identificar cinco fatores, concomitantes, ocorridos no final do século XIX, após a abolição oficial
58
A influência do nome “Frente” denominado pela organização estava muito em voga no período, segundo Florestan
Fernandes
no livro A Integração do Negro na Sociedade de Classes. 3ª Ed vol. 02 Ática São Paulo-Rio 1978. Pág 46,
devido às alianças políticas em torno das disputas oligárquicas, cita-se à Frente Única Gaúcha formada pela união
do Partido Libertador com o Partido Republicano Rio-grandense, Pesavento, S.J. RS: a economia e o poder nos anos
30. Porto Alegre. Mercado Aberto, 1980. Pág.36, que se uniram em torno do nome de Getúlio Vargas para o governo
do Estado e a Frente Única Paulista, união do Partido Republicano Paulista, Partido Democrático e a Liga de Defesa
Paulista.
59
Para Petrônio Domingues (2006), Arlindo Veiga dos Santos (1902-78) fora uma das principais lideranças negras
na primeira metade do século XX. Destaca-se pelo seu ativismo político e postulados ideológicos à frente do
movimento negro e monarquista; foi integrante da Ação Imperial Patrianovista Brasileira (1932-37/1945-64),
nutrindo, no período republicano grande simpatia pela monarquia. Para saber mais ler Domingues: O "messias"
negro? Arlindo Veiga dos Santos (1902-1978): "Viva a nova monarquia brasileira; Viva Dom Pedro III !".
37
da escravidão brasileira, que decretaram as mazelas sociais para a população negra.
60
Todos eles
relacionados com a diminuição proporcional da população negra.
61
O primeiro fator é a
diminuição “assombrosa” da natalidade, o segundo corresponde aos óbitos agravados com o
aumento da mortalidade infantil e por doenças advindas das precárias condições sociais. O
terceiro item relaciona-se com a ausência de políticas públicas para as populações negras, antes
escravizadas, e agora à margem da sociedade. O quarto fator foi devido ao aumento da imigração
européia, e o quinto, e não menos importante, ocorre com a miscigenação pensada como processo
de branqueamento da população negra.
62
Para Domingues (2002, p.03), os números são reveladores. Pelo censo de 1872, os negros
(pretos e mulatos) correspondiam a 37,2% da população da cidade de São Paulo. Já em 1893, o
percentual era de 11,1% e, pelas estimativas de 1934, declinava para 8,5%. Em 1934 eram 90.110
negros, em um total de 1.060.120 pessoas.
Na cidade de São Paulo as agitações econômicas, políticas e sociais culminaram com a
“Revolução de 1930”. “Antevendo a possibilidade de ter essa situação mudada com o período
tumultuado, os negros entusiasmaram-se e passaram a encará-la como a solução de todos os seus
males”. (FERNANDES, 1978, p.20).
63
60
A abolição brasileira foi decretada em 13 de maio de 1888. O trabalho escravo fora abolido por influências
externas e internas. Pela influência externa salientamos o movimento de combate à escravidão, liderado pela
Inglaterra em virtude da Revolução Industrial. Pelos fatores internos, o Brasil desencadeia mudanças estruturais de
adequação ao modo de produção, baseado no trabalho livre. Neste sentido podemos relacioná-lo com a agonia do
sistema escravista brasileiro, que tinha como base a grande lavoura sustentada pela mão-de-obra escrava que
despendia altos custos de seus proprietários.
61
Clóvis Moura levanta três hipóteses para a diminuição das populações negras. Primeiro, a grande exigência da
utilização da mão de obra escrava após a cessão do Tráfico Negreiro, onde não havia a reposição de braços e o
constante aumento da exploração o que causava mortes nos plantéis. Segundo, as epidemias, como cólera, varíola ou
febre amarela tenha atingido a massa escrava de modo especial, como costumava acontecer e, finalmente, outro fato
que contribuiu para esse vácuo demográfico foi a Guerra do Paraguai, pois dizimou de 80 a 100 mil negros escravos
enviados aos campos de batalha. Para saber mais sobre essas três hipóteses, ler Clóvis Moura, em Dialética Radical
do Brasil Negro. MOURA, Clóvis. Dialética Radical do Brasil Negro. São Paulo: Anita Ltda, 1994, p.145-146.
62
Conforme DOMINGUES (2002), o conceito de “branqueamento” pode ser pensado de duas formas: como aspecto
populacional e/ou ideológico. Tanto o branqueamento populacional, quantitativo, quanto o ideológico, qualitativo, se
relacionam com os aspectos que envolvem a transformação ou adequação do grupo negro a um determinado período
histórico brasileiro, que se estabelece entre os finais do século XIX e meados do século XX. Nesse momento
estamos analisando o branqueamento quantitativo, que é a diminuição da população negra em nosso país no pós-
abolição, nesse caso específico de sua pesquisa, a ocorrida na cidade de São Paulo.
63
Para Florestan Fernandes: “Sob a aparência da liberdade, herdaram o pior da servidão, que é a do homem que se
considera livre, entregue de mãos atadas à ignorância, à miséria, à degradação social”. Quanto à ausência de políticas
38
Era o momento da mudança nos rumos dos acontecimentos. Para Bastide (1959, p.270) as
reivindicações só assumiram a forma de movimentos sociais no ‘meio negro’ porque neste ‘meio’
encontram-se as pessoas prejudicadas direta ou indiretamente pela atual situação surgida no pós-
abolição. São como “reações espontâneas contra o preconceito de cor e a degradação”. Por outro
lado Fernandes (1978, p.29) explica que, a situação de existência desse grupo no mundo urbano
abrirá vias de comunicação da comunidade local com o resto do país. Neste sentido o momento
de transição, certamente possibilitou as reivindicações, mais do que justa do grupo negro
organizado.
Com isso os negros mobilizaram-se para resolver os problemas que os impossibilitaram
de usufruir em todos os espaços da vida nacional o direito à dignidade, à cidadania e ao trabalho
assalariado. “O que vinha em primeiro lugar era a correção da injustiça social e a conquista de
uma situação sócio-econômica que regulasse a sua integração normal a ordem existente”.
Conforme Fernandes (1978, p.13), três incentivos básicos motivaram o “protesto negro”:
Primeiro, as dificuldades sucessivas enfrentadas pelo negro ao aspirar uma melhor classificação
social em uma sociedade de classes, capitalista incipiente; o segundo incentivo foi o êxito
econômico e social dos imigrantes italianos em São Paulo, que substituíram os negros libertos do
mercado de trabalho assalariado devido ao melhor preparo técnico-competitivo europeu, o que
fez com que alguns imigrantes inclusive elevassem o seu nível econômico acima de famílias
importantes paulistas e um terceiro incentivo foi o “colapso” da dominação tradicionalista e
patrimonialista, efetivada com a chamada “Revolução de trinta”.
64
A Frente Negra teve como principal característica propor um “oásis” para os negros
paulistas combaterem o racismo, preconceito e as discriminações em um momento ‘tumultuado’
e de transição das estruturas de nosso país, que saíra de um modelo econômico e político
tradicional para um modelo pensado como moderno.
públicas, após a abolição da escravidão o negro, não recebeu incentivos por parte do Estado, o que de certa forma
contribuiu para a sua “queda demográfica” e desajuste social. Antes, escravo, constituindo-se na principal força de
trabalho, integrado socialmente, sendo considerado, juntamente com a grande lavoura, a base do sistema escravista
(COSTA, 1998). Agora, o negro, recém livre, desintegrado das novas demandas econômicas, políticas e sociais,
necessitaria de uma atenção especial por parte dos órgãos competentes, o que não ocorreu. Por isso é consenso entre
todos os autores que pesquisam sobre a Frente Negra a importância dos acontecimentos ligados à “revolução de 30”.
64
Para saber mais das “agitações dos anos 30” Ver: FAUSTO, Boris. A Revolução de 1930 – Historiografia e
História. São Paulo: Brasiliense, 1994.
39
Existiam em São Paulo, antes da fundação da FNB, jornais e organizações negras
recreativas que criticavam as dificuldades enfrentadas pelos negros no pós-abolição, mas
nenhuma atingiu tamanha expressão como ela, em contrapartida, foram os embriões de sua
formação.
65
Nesse sentido, a organização contribuiu para a inserção social do negro em várias regiões
do país, já que ela existiu, além de São Paulo, no Rio de Janeiro, em Minas Gerais, na Bahia, Rio
Grande do Sul, Pernambuco, Espírito Santo e interior paulista.
Imagem 1- Palestra da FNB. Em pé, o segundo Presidente da entidade Justiniano Costa, do lado esquerdo
do Presidente está o Secretário Francisco Lucrécio; à mesa é possível observar a bandeira brasileira. Imagem
localizada no livro Frente Negra Brasileira: depoimentos. Barbosa, 1998, p.49.
Sobre a organização conter em seu título a nomenclatura “Frente”, já sabemos que era um
nome comum em outras reivindicações de grupos organizados, como em torno das disputas
oligárquicas. Mas por que esta organização carregou também o adjetivo de Brasileira? Conforme
65
Conforme Domingues (2007): “A FNB não foi criada da noite para o dia; ela foi resultado do acúmulo de
experiência organizativa dos negros no pós-Abolição. Artur Ramos observa que o "espírito associativo" do negro
marcou sua trajetória no país. Desde a escravidão, esse segmento populacional desenvolveu diversas formas de
organização coletiva. Até a Abolição, foram criados grupos ou associações de caráter religioso, cultural e
socioeconômico representados por quilombos, confrarias, irmandades religiosas, caixas de empréstimos, etc.
(Ramos, 1938)”. Para saber mais do início das associações em São Paulo Ver: BASTIDE e FERNANDES. Brancos
e Negros em São Paulo. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1959.
40
Francisco Lucrécio (1909)
66
, integrante da Frente Negra em 1931 e que aparece na foto acima,
com suas mãos na bandeira brasileira, não foi fácil, para os integrantes do movimento, definir
uma ideologia entre tantas outras existentes, na época, em nosso país.
67
Lucrécio citou o socialismo, trotskismo, comunismo, integralismo etc. E afirma “nós
fazíamos política de boa vizinhança tanto com Plínio Salgado como com Prestes, porque tinha
elementos que freqüentavam a Frente Negra e eram nossos amigos como Oswald de Andrade e
professores nacionalistas”. (apud BARBOSA, 1998 p.44).
68
66
Barbosa entrevistou cinco integrantes da Frente Negra Brasileira. Francisco Lucrécio entrou para a FNB no ano de
sua fundação, 1931 e fez parte da diretoria. Foi Funcionário Público e Cirurgião Dentista. Além de Lucrécio,
Barbosa entrevistou: Aristide Barbosa, João Correia Leite, Marcello Orlando Ribeiro e Placidino Damaceno Motta.
Ver BARBOSA, Marcio. Frente Negra Brasileira, depoimentos. São Paulo: Quilomboje, 1998.
67
Roger Bastide (1959), Florestan Fernandes (1978) e Clóvis Moura (1992) citam o hitlerismo, fascismo e
integralismo como sendo ideologias da organização, tecendo poucas referências dos motivos que faziam com que a
organização pendesse para tais idéias da época.
68
Plínio Salgado nasceu em São Bento do Sapucaí (SP), em 1895. Foi Jornalista e em 1928, elegeu-se deputado
estadual, em São Paulo, pelo PRP. Em 1930, apoiou a candidatura situacionista de Júlio Prestes à presidência da
República, contra o candidato da oposição, Getúlio Vargas. Em seguida, sem terminar seu mandato de deputado,
viajou ao Oriente Médio e à Europa. Na Itália, impressionou-se com o fascismo e com Mussolini. Em fevereiro de
1932, criou a Sociedade de Estudos Políticos (SEP), que reunia intelectuais simpáticos ao fascismo. Meses depois,
divulgou o Manifesto de Outubro, no qual apresenta as diretrizes básicas de uma nova agremiação política - a Ação
Integralista Brasileira (AIB). O ideário da AIB inspirava-se nitidamente no fascismo italiano e em seus similares
europeus. Valorizava, ainda, uma série de rituais e símbolos, como a utilização da expressão indígena Anauê como
saudação, a letra grega sigma (S) e os uniformes verdes com os quais seus militantes desfilavam pelas ruas. Em
fevereiro de 1934, no I Congresso da AIB, em Vitória (ES), Plínio confirmou sua autoridade absoluta sobre a
entidade e recebeu o título de "chefe nacional". Morreu em São Paulo, em 1975. Para saber mais ver:
http://www.cpdoc.fgv.br/nav_historia/htm/biografias/ev_bio_pliniosalgado.htm, acesso em 17/03/2008.
Luiz Carlos Prestes (1898-1990): Nasceu em Porto Alegre, RS, decide-se pela carreira militar tendo estudado no
Colégio Militar do Rio de Janeiro, diplomado Engenheiro Militar em 1920, aos 22 anos como primeiro aluno de sua
turma. Em 1922 participou dos preparativos para o levante contra o governo federal. Participou do movimento
revolucionário de 1924, que pretendia depor o presidente Artur Bernardes tendo comandado as forças revolucionárias
no nordeste do Rio Grande do Sul, iniciando a famosa "marcha da coluna", que atravessou o Brasil de sul a norte e de
leste a oeste, percorrido mais de vinte e cinco mil quilômetros a pé, o que passou para a história com o nome de
"Coluna Prestes". Em 1930 rompe com o movimento tenentista lançando o seu "Manifesto de Maio" em que prega a
revolução. Em 1931 vai para a URSS onde trabalha como engenheiro. Por pressão do Partido Comunista da URSS,
em agosto de 1934 é admitido no Partido Comunista do Brasil e é aclamado Presidente de Honra da Aliança Nacional
Libertadora, organização antifascista e antiimperialista. Para saber mais ver:
http://www.marxists.org/portugues/dicionario/verbetes/p/prestes_luiz_carlos.htm/ acesso em 17/03/2008.
Oswald de Andrade (1890-1954) é um dos mais significativos autores modernistas da literatura brasileira. Participou
da Semana de Arte Moderna, editou o jornal "O Homem do Povo" e ajudou a fundar "O Pirralho" e a "Revista
Antropofágica". É de sua autoria o Manifesto Antropófago de 1928. Para saber mais ver:
http://www.releituras.com/oandrade_menu.asp/ acesso em 27 de março de 2007.
41
Observamos que, independente de ideologias, a organização pretendeu orientar o negro
brasileiro que, como vimos anteriormente, corria sério risco de desaparecer em virtude de
doenças e das teorias racistas disseminadas
69
, e que influenciavam de maneira drástica na sua
existência. Portanto, para se inserir e competir em uma sociedade emergente foi necessário
formular idéias e procurar soluções práticas para sobreviver, mesmo as que aos olhos atuais
causam certo desconforto, como a manutenção de alianças e contatos com ideologias
centralizadoras.
Outro marco registrado nesse período foi a grave crise enfrentada pelo capitalismo. De
escala mundial, a estagnação de 1929 trouxera miséria, desemprego e desesperança, além da crise
política que colocou em “xeque” a democracia liberal, com seus partidos e lutas inúteis em
solucionar esses problemas. (FAUSTO, 2002, p.194).
Temos, no pensamento de Luiz Luna (1976, p.312), a síntese que evidencia as agitações
ideológicas ocorrida neste período para os negros e para a sociedade brasileira como um todo.
Portanto, a análise abaixo se torna importante para interpretarmos a Frente Negra, que por ter
sido uma organização política e social, formada por humanos, “acima de tudo”, que vivenciaram
o período tiveram sim, em seus quadros, influências diretas das ideologias do momento, o que
acreditamos ter sido algo normal para a época. Conforme Luna:
Essa fase da vida brasileira foi das mais agitadas deste século. Com a
ascensão do fascismo, vitorioso na Itália e na Alemanha, organizou-se
aqui a Ação Integralista Brasileira, sob a chefia do escritor Plínio Salgado,
egresso da Semana de Arte Moderna, que passou a liderar a corrente da
direita, enquanto a esquerda se agrupou sob a bandeira da Aliança
Nacional Libertadora, chefiada por Luis Carlos Prestes, oriundo do
movimento tenentista. Foi do integralismo que evoluíram os atores Abdias
do Nascimento e Aguinaldo Camargo, os professores Pompílio da Hora
(educado por padre italiano) e Sebastião Rodrigues Alves para, depois,
69
As três escolas principais do pensamento racista eram: a etnológico-biológica, que sistematizou a sua formulação
filosófica nos Estados Unidos e pretendia sustentar a criação das raças humanas através das mutações diferentes das
espécies (poligenia). A base de seu argumento era que a pretendida inferioridade das raças – índia e negra – podia ser
correlacionada com as diferenças físicas em relação aos brancos, e que tais diferenças eram resultado direto da sua
criação como espécies distintas. Esta teoria ganhou o apoio de Louis Agazis, zoólogo suíço, que atribuía a diferença
das espécies humanas às diferentes regiões climáticas em que habitavam. A escola histórica de Gobineau, que ajudou
a propagar a mensagem pela Europa de que a raça era o fator determinante da história humana. E a escola do
darwinismo social, que pregava a evolução da vida natural como resultado da “sobrevivência dos mais aptos”, numa
competição de diferentes espécies e variedades, logicamente admitia-se que as diferentes raças humanas tinham
passado por processo evolutivo semelhante.
42
juntamente com os esquerdistas Raimundo Souza Dantas, Solano
Trindade, J. Romão da Silva, Aladir Custódio e Corsino Brito, fundar no
Rio de Janeiro, o Centro Democrático Afro-Brasileiro. Integralista fora
também o sociólogo Guerreiro Ramos...
Portanto, muitos homens citados anteriormente como Abdias do Nascimento e Solano
Trindade (1908-1974), que pertenceram aos quadros desta organização, eram adeptos dessas
ideologias. (Luna, 1976, p.312). Nesse sentido, foram muitas as discussões no seio da
organização, tanto que a Frente Negra Socialista, fundada por José Correia Leite, que foi um
dos líderes do jornal frentenegrino e da própria FNB, tornou uma dissensão da organização. Leite
acusava os líderes da FNB de monarquistas e integralistas. Mas em ambos os casos, tanto
individualmente como coletivamente, notamos que esses homens foram a favor da ascensão e
inserção social da comunidade negra, de fato e de direito, à sociedade brasileira, independente de
serem adeptos de ideologias diferentes.
Segundo Fernandes:
As primeiras divergências surgiram em função das técnicas autoritárias de
organização de poder, adotadas pelos primeiros líderes principais da
FNB... a identificação da orientação da Frente com os ideais direitistas
fica bem evidenciada através do fato, ocorrido mais tarde, quando da
realização do Primeiro Congresso da Ação Integralista, de haver o Dr.
Arlindo Veiga dos Santos feito um discurso no qual hipotecava a
solidariedade da Frente e seus 200.000 negros...um dos componentes do
grupo Clarim da Alvorada, apresentou uma sugestão concernente a
algumas das diretrizes que deveriam nortear a luta em prol da causa
específica do levantamento social, econômico e cultural do negros. O Dr.
Arlindo Veiga dos Santos... não aceitou... (FERNANDES, 1978, p.59-60)
José Correia Leite (1900-1989) era contrário aos ideais integralistas escolhidos por
Arlindo (1902-1978). Certamente que a Frente Negra estava envolvida com a complexidade do
contexto internacional da época em que o período “entre guerras”, influenciou e atordoou a
humanidade indefinida entre regimes liberais versus os regimes centralizadores. Somou-se a isso
a própria crise econômica mundial, determinada pelo crash da bolsa americana de 1929
70
,
70
No final da Primeira Guerra Mundial, os Estados Unidos assumiram a hegemonia mundial. O seu crescimento
trouxe euforia social interna de consumo e super produção. A crise de 1929 foi provocada, sobretudo, pela
insistência norte-americana em manter o mesmo ritmo de produção do período de guerra, o que culminou em uma
43
portanto, a idéia construída por sociólogos e pesquisadores que aprofundaram seus estudos sobre
esta organização, que a definiam adepta a ideologias centralizadoras como o integralismo,
fascismo ou hitlerismo, merecem uma revisão rápida dentro desses limites. Nitidamente notamos
que uma questão jamais deve ser esquecida: o que estava em jogo para os líderes da
FNB
, antes
da ascensão e integração das populações negras, ou até mesmo de ideologias políticas, era a
sobrevivência coletiva e competitividade deste grupo em uma sociedade capitalista incipiente, e
até certo ponto “um mundo desconhecido” para grande parte da população brasileira, mas
principalmente para este grupo, que teve pouco acesso a uma vida digna e cidadã no pós-
abolição. Era necessário formar um referencial simbólico, era preciso forjar uma “visão de
mundo”, era necessário formar em um primeiro momento um “oásis” negro.
71
Para contemplar as informações citadas anteriormente e pensando no que representou a
Frente Negra para as populações afro-brasileiras e pela sua importância na difusão das idéias
negras em nosso país, naquela época, concordamos com Raul Joviano do Amaral, um dos líderes
do movimento, que disse:
Perseguida por uns, que não conheciam as suas altas, salutares e benéficas
finalidades, combatida por outros, que a observavam com olhos do mal
disfarçados do despeito e da ira, e, finalmente, guerreada pelos que
propagavam o preconceito desumano e mesquinho, a Frente Negra
Brasileira, prosseguiu impávida no seu trabalho de arregimentação,
desfraldando aos quatro ventos a sua bandeira racial e de brasilidade,
trombeteando o seu clarim de reunir, cujo eco ressoou pelos mais
inóspitos rincões do país. (AMARAL apud FERNANDES, 1978, p.59).
Portanto, a principal preocupação da organização foi a criação de uma ideologia
identificada com a nacionalidade, com o ser brasileiro. Lucrécio explica que o referencial de
resistência para o negro no passado do Brasil foi a Guerra do Paraguai, Zumbi, a Revolta de João
crise mundial sem precedentes. “Ao longo dessa década a nuvem sombria da II Guerra Mundial iminente dominava
os horizontes...”. Ver HOBSBAWM, Eric. Tempos interessantes. São Paulo: Cia das Letras, 2002, p.134.
71
Além de referenciais históricos eram utilizadas menções religiosas como forma de construção ideológica de seus
membros. A Frente Negra implementou, através desses referenciais, estratégias políticas para a ascensão dos negros.
Arlindo Veiga dos Santos, presidente da FNB, era dirigente da Congregação Mariana da Imaculada Conceição de
Santa Efigênia. Segundo Gedeon, fazia-se com freqüência a leitura da Bíblia antes das reuniões. Ver OLIVEIRA,
Gedeon José de. A resistência de ébano: Uma abordagem da Frente Negra Brasileira a partir do simbólico (1930).
Dissertação de Mestrado, Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, 2006.
44
Cândido, a Revolta dos Malês, etc. A referência não era a volta à África e sim dar seqüência
nessas lutas em território brasileiro, segundo Lucrécio:
Nossa ideologia era a negritude, acima de tudo patriota. Nós achávamos
que tínhamos que defender, como brasileiros, aquilo que nossos
antepassados sofreram para nos deixar (...) Nos posicionávamos como
nacionalistas, radicais às vezes, porque só dessa maneira poderíamos
conseguir um pedaço de chão ou a nossa identidade como brasileiros.
Tinha já uma história dos negros que vieram para cá que, naturalmente,
não iríamos perder (...)(apud BARBOSA, 1998 p.46).
Para Darcy Ribeiro “a luta mais árdua do negro africano e de seus descendentes
brasileiros foi, e ainda é, a conquista de um lugar e de um papel participante legítimo na
sociedade nacional. Nela se viu incorporado à força. Ajudou a construí-la e, nesse esforço, se
desfez, mas, ao fim, só nela sabia viver, em razão de sua total “desafricanização”. (RIBEIRO,
1995, p.220).
Nesse sentido observaremos, mais adiante, em nossa dissertação, o quanto esse
sentimento do grupo negro pertencer ao território e as tradições nacionais, gerarão um movimento
de idéias que será fundamental para as intenções políticas e sociais do então Presidente Getúlio
Vargas.
Retornando às características desse movimento social, notamos que elas se diferenciaram
ideologicamente de região para região do Brasil, sendo a afirmação social da comunidade negra a
constante nessa organização, independente da cidade em que ela passou a existir. Tinha como
metas principais elevar e inserir o negro na vida cultural, social, política e econômica do Brasil,
ou seja: a Frente Negra propunha ensinar e aprimorar o negro a disputar espaços na sociedade.
Objetivos que poderiam ser atingidos, segundo seus organizadores, através da educação,
conscientizando o negro de seus direitos e deveres, ensinando-o a lutar contra o preconceito e a
discriminação vivenciados no cotidiano
72
, além de prepará-lo para uma sociedade competitiva.
72
Entendidas aqui como situações constrangedoras vivenciadas pelos negros no dia-a-dia, tais como ser proibido de
entrar em certos locais públicos ou até a criação de conceitos que colocavam as populações negras como pessoas
inferiores devido à raça.
45
Com o tempo, seus líderes passaram a visar a disputa político-partidária, e a partir disso a
organização realizava seminários políticos.
73
Conforme Francisco Lucrécio (1909):
A
Frente Negra
foi um movimento social que ajudou muito nas lutas
pelas posições do negro aqui em São Paulo, existiam diversas entidades
negras. Todas essas entidades cuidavam da parte recreativa e social, mas a
Frente Negra veio com um programa de luta para conquistar posições para
o negro em todos os setores da vida brasileira. Um dos seus
departamentos, inclusive, enveredou pela questão política, porque nós
chegamos à conclusão de que, para conquistar o que desejávamos,
teríamos de lutar no campo político, teríamos de ter um partido que
verdadeiramente nos representasse. (apud BARBOSA, 1998, p.38).
Nessa necessidade de ensinar e aprimorar o negro, a alfabetização teve por intuito, além
de educar e instruir, fazer com que as populações negras atingissem as condições necessárias para
disputar, através do voto, cargos políticos partidários.
Em sua sede, na cidade de São Paulo, localizada na Rua da Liberdade nº196, foram
elaborados os seus estatutos e organizada a sua administração. Composta por um grande
conselho, constando com 20 membros, tinha dentro desse conselho o chefe e o secretário. O
Grande Conselho era ajudado pelo auxiliar, formado pelos cabos distritais que arregimentavam
simpatizantes para os seus quadros. Abaixo, um didático fluxograma
74
para entendermos tal
organização administrativa:
73
Para saber mais sobre a origem e reivindicações da Frente Negra Brasileira em diversas regiões do país ler:
Florestan F.(1978) Integração do Negro na Sociedade de Classes, Luis Luna (1978), O Negro na luta contra a
escravidão, Roger Bastide (1979) em Brasil, Terra de Contrastes e Brancos e Negros em São Paulo (1959), Paul
Singer (1980), São Paulo: o povo em movimento, Clóvis Moura (1992) História do Negro Brasileiro e Dialética
Radical do Brasil Negro (1994), Márcio Barbosa (1998) em Frente Negra Brasileira, depoimentos, Beatriz Ana
Loner (1999) em Classe Operária: Mobilização e Organização em Pelotas: 1888-1937, José Antonio dos Santos
(2000) em Raiou “A Alvorada”: Intelectuais negros e imprensa, Pelotas (1907-1957), Jéferson Bacelar (2001), A
hierarquia das Raças, Negros e Brancos em Salvador, Laiana Lannes (2002) em “A Frente Negra Brasileira: Política
e Questão Racial nos anos 1930”, Kabengele Munanga (2004), Rediscutindo a mestiçagem no Brasil – identidade
nacional versus identidade negra, Flávio Gomes (2005) em Negros e Política (1888-1937), Petrônio José Domingues
(2005) em A insurgência do Ébano: A História da Frente Negra Brasileira (1931-1937), e Pe. Gedeon José de
Oliveira (2006): A resistência de ébano: Uma abordagem da Frente Negra Brasileira a partir do simbólico (1930).
74
Apresentado por nós em duas oportunidades. A primeira foi na III Jornada de Estudos Afro-Brasileiros, realizada
em setembro de 2005 no Memorial do RS, em Porto Alegre e a segunda foi em outubro de 2005, na VIII Semana de
iniciação científica da Unilasalle/ Canoas-RS.
46
Organização Interna da FNB
A utilização desse fluxograma por nós desenvolvido será de fundamental importância
para o entendimento deste capítulo, pois, como veremos mais adiante, é a partir dos “cabos
distritais” que analisaremos a “movimentação” das pessoas e de suas idéias em torno da temática
negra.
Pensamos da seguinte forma nossa hipótese quanto ao “movimento das idéias” sobre a
temática negra, pois para as mesmas se deslocarem entre as regiões brasileiras necessitavam,
obrigatoriamente de mentalidades de pessoas envolvidas com a questão.
Portanto, em um primeiro momento, cabos distritais arregimentavam filiados para os
quadros da Frente Negra nos bairros da cidade de São Paulo. Em um segundo momento, os
delegados em trânsito fundavam núcleos da organização em cidades portuárias pelo Brasil, e em
um terceiro momento, estas idéias passavam a se movimentar através das delegações e de
participantes de outros estados brasileiros, que viajaram pelo país para participar dos congressos
nacionais sobre a temática negra, o que de certa forma coloca essas pessoas no que é, pensado
por nós, como cabos distritais dos encontros, pois as mesmas levam seus estudos e pesquisas
para apresentar nesses eventos, e trazem informações sobre os temas que estiveram em pauta para
os seus estados e cidades de origem, o que serve como formas de dar continuidade à difusão das
idéias apresentadas nesses locais.
Chefe
Secretário
Grande Conselho: formado por 20 membros
Conselho auxiliar
Cabos distritais da capital
Cabos distritais da capital
arregimentação arregimentação
47
Retornando à organização interna da Frente Negra Brasileira de São Paulo, em sua sede
estavam estruturados departamentos de educação, jurídico, médico, propaganda, dramático,
musical, esportivo e de imprensa.
A partir de 18 de março de 1933, esse lugar social passa a produzir, sob a coordenação do
departamento de imprensa, o seu próprio jornal para defender e divulgar os seus interesses,
intitulado:
A Voz da Raça.
Agora as reivindicações da organização passam a ser registradas e as
informações passam a ser públicas.
75
Imagem 2 – Folha de rosto do primeiro exemplar do jornal, datado de 18 de março de 1933.
A capa do jornal continha a seguinte frase: “o preconceito de cor no Brasil só nos negros
podemos sentir”. Segundo Domingues (2005), o jornal tornou-se o principal veículo de
comunicação da FNB. Seus dirigentes informavam que o periódico era destinado à publicação de
assuntos referente ao negro com matérias escritas por intelectuais brancos e negros. Conforme o
historiador:
Em formato de tablóide, o A Voz da Raça tinha uma composição gráfica
de limitada qualidade técnica, com poucas fotos e ilustrações intercalando
75
Para saber do expediente, circulação e função social do Jornal A Voz da Raça, ler: Petrônio José Domingues em A
insurgência do Ébano: A História da Frente Negra Brasileira (1931-1937), p.139 a 147.
48
com os textos. Era impresso em oficina gráfica terceirizada, porém, foi
movida uma campanha em prol de “oficina própria”, que não vingou. O
jornal informava ser um “semanário independente”... foi publicado de 18
de março de 1933 a novembro de 1937, somando um total de 70 edições.
Com tiragem de 1.000 a 5.000 exemplares, o periódico era mantido
basicamente com os recursos da própria FNB... o jornal mantinha
representantes em várias cidades do interior de São Paulo e em outros
Estados, como Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo e Rio Grande
do Sul. Eles realizavam o trabalho de divulgação e, ao mesmo tempo,
enviavam notícias das “delegações” (filiais) para serem publicadas... era
encontrado em todos os pontos de vendas de jornais da capital”. O jornal
também era vendido nos bailes das associações recreativas negras.
(DOMINGUES, 2005, p.141).
Em linhas gerais, o jornal propunha: promover a solidariedade dos negros, despertando-
lhes a consciência de grupo, a fim de que reunidos conseguissem forças para a luta competitiva
com outros grupos; enaltecer o afro-brasileiro com o fim de eliminar seu sentimento de
inferioridade; difundir a instrução e a educação moral, para colocar o negro em melhores
condições culturais na competição com grupos não negros. (BICUDO, 1948 apud
DOMINGUES, 2005, p.15).
A partir da produção e circulação do jornal, percebemos que a difusão das informações
referentes aos ideais da organização passa a ter repercussão nacional. Nesse sentido, as relações
existentes entre o jornal e seus representantes, localizados em outros estados, constituíram
avanços significativos para o conhecimento desse movimento social em nível nacional, pois,
através dos contatos mantidos entre as suas filiais existentes na região sudeste e sul do Brasil,
passou a existir possibilidade de os interesses de seus dirigentes atingissem um maior número de
leitores, o que e conseqüentemente influenciaria na arregimentação de sócios e na fundação de
núcleos em muitos cantos do Brasil.
76
76
É importante fazer referência aos jornais que antecederam o A Voz da Raça e que circularam na cidade de São
Paulo no início do século XX. São eles: O primeiro jornal negro, de São Paulo foi o Menelik, fundado em 1915,
depois surgiram os seguintes jornais: A Princesa do Norte, o Tio Urutu, A Rua, O Xauter e A União, em 1918, O
Alfinete e o Bandeirante, e A Protetora, em 1919; A Liberdade, de 1920; A Sentinela, em 1922, O Kosmos, em 1923,
O Getulino, em 1924, O Elite, em 1928, O Auriverde, O Patrocínio e O Progresso, em 1932. O mais representativo
jornal no ‘meio negro’ foi “O Clarim da Alvorada”, fundado por José Correia Leite e Jayme Aguiar. José Correia
Leite foi um dos fundadores da FNB, mas devido a divergências ideológicas entre ele e Arlindo Veiga dos Santos,
deixou a entidade para fundar a Frente Negra Socialista, com estatutos publicados no Diário Oficial do Estado de São
Paulo no dia 21/06/1933. Para saber mais da Frente Negra Socialista ler Barbosa: Frente Negra Brasileira:
depoimentos, 1999. Para saber mais sobre a imprensa negra paulista ver Roger Bastide (1959) em: A Imprensa Negra
no Estado de São Paulo, Florestan Fernandes (1978) em: A Integração do Negro na Sociedade de Classes, Miram
Nicolau Ferrara (1986) em: A Imprensa Negra em São Paulo, Antonio Sérgio Alfredo Guimarães (2000) em: Notas
49
A participação feminina na entidade ocorreu através de dois grupamentos. O primeiro
agrupamento feminino foi denominado de
As Rosas Negras.
Formado por mulheres que se
vestiam de branco, usavam luvas e ostentavam uma rosa preta no peito, elas diversificaram o
“movimento frentenegrino”. Presidido por Benedita Costa, o grupo foi responsável pela
organização de saraus, festivais literários e dançantes. O segundo agrupamento feminino da
entidade foi a
Cruzada Feminina
, que era responsável pelos trabalhos beneficentes, além de
auxiliar no orçamento de provimento de material escolar para os cursos de formação social,
diurnos e noturnos. Outra atividade deste grupo foi a de organizar as biografias dos fundadores da
Frente Negra Brasileira, além da galeria dos antepassados heróicos. Tinham como atribuição,
também, aumentar o número de assinantes do jornal A Voz da Raça. (A Voz da Raça 29/06/1935
p.3 apud DOMINGUES, 2007, p.14).
As frentenegrinas publicaram alguns contos no periódico, mas sem polemizar as questões
específicas das mulheres negras. Segundo Domingues (2007, p.1-21) que pesquisou a
participação feminina no Jornal A Voz da Raça: “foram encontrados apenas 16 artigos e contos
de autoria delas, alguns reforçavam a representação estereotipada da mulher negra outros
exaltavam a beleza da mulher da raça enfatizando a sua beleza”.
A Frente Negra na cidade de São Paulo durante a sua breve existência, de 1931 a 1937,
constituiu-se como o principal movimento social negro organizado da cidade, e quiçá do país.
Conquistou avanços para o negro nas áreas sociais e políticas sendo que seus exemplos acabaram
sendo seguidos por outras pessoas, em outros estados da federação.
77
No que diz respeitos aos
aspectos culturais, a organização entendia cultura como instrução e conhecimento. E foi com essa
finalidade que a mesma instituiu as “domingueiras”.
A FNB promovia diversos eventos em sua sede em São Paulo, dos quais
adquiriram destaque especial as chamadas domingueiras. Tratava-se de
reuniões semanais organizadas pela direção da entidade, tendo em vista
sobre raça, cultura e identidade na imprensa negra em São Paulo e no Rio de Janeiro, 1925 e 1950 e Yosvaldir
Carvalho Bittencourt (2005) em: As Escolas de Comunicação Social como instrumento de desconstrução do racismo
e discriminação racial.
77
Conforme Francisco Lucrécio os negros paulistas eram proibidos de passear em alguns parques da cidade.
Também aos negros era impossibilitado acesso a trabalhos como os de guarda-civil. Ambas as proibições foram
extintas devido a conversas de líderes da Frente Negra com o então presidente Getúlio Vargas. Ver BARBOSA,
Marcio. Frente Negra Brasileira, depoimentos. São Paulo: Quilomboje, 1998. p.54-55.
50
desenvolver os “bons dotes” no negro, elevar seu nível cultural e,
principalmente, despertar-lhe uma consciência crítica para o exercício da
cidadania.... A programação era composta por palestras e declamações de
poesias e apresentações musicais. Desta forma, a entidade valorizava o
trabalho dos artistas frentenegrinos. As palestras tratavam tanto de
questões gerais (“morais e cívicas”) como da questão do negro... “eram
ministradas aulas de higiene e puericultura, aulas de religião e catecismo,
conferências sobre filatelia; as poesias de Luiz Gama eram comentadas,
bem como as datas nacionais. Também foram feitas campanhas para que
os negros depositassem seus salários na Caixa Econômica a fim de
possibilitar a aquisição da casa própria”... as palestras serviam para
eliminar o complexo de inferioridade que atingia muitos negros
(DOMINGUES, 2005, p.196-197).
Em 1934 a direção da Frente Negra paulista, decidiu registrá-la como partido político
atuando pela busca de votos para conquistar o eleitorado negro. O que se tornou impossível
devido ao encerramento das atividades eleitorais em nosso país, preconizadas pela instauração do
Estado Novo, em 1937. Segundo Fonseca:
A 10 de novembro de 1937, Getúlio Vargas, com o apoio das forças
armadas e da maior parte dos governadores estaduais, ordenou o
fechamento da Câmara e do Senado federais, cujos prédios amanheceram
cercados por tropas de cavalaria. Ainda pela manhã foi outorgada nova
constituição ao país... iniciava-se o período conhecido como Estado Novo
outubro de 1945. (Fonseca, 1989, p.249).
Para Francisco Lucrécio, membro da Frente Negra que vivenciou o fechamento da
organização, em 1937, no estado novo:
Quando a Frente Negra foi fechada, podíamos até ter fechado o
departamento político que tinha sido registrado como partido e continuar a
obra social, educacional e de assistência. Mas na época, ninguém pensou
nisso. Os próprios partidos grandes não protestaram contra o ato de 37 do
Getúlio. Depois é que eu e outros companheiros fomos refletir: a Frente
Negra podia ter continuado, fechava o partido, não as outras áreas. Os
estatutos seriam os mesmos. Mas naquele impacto, com aquela correria,
aquela lei em cima... nem os outros partidos políticos pensaram nisso.
(Lucrécio apud Barbosa, 1998, p.63)
É praticamente consenso entre os pesquisadores que investigam a origem da Frente
Negra Brasileira na cidade de São Paulo, que a sua fundação decorreu, em linhas gerais a partir
de dois aspectos. O primeiro aspecto diz respeito à influência direta da “Revolução de 1930” na
51
população negra da cidade, que sentiu a possibilidade de mudanças benéficas com as agitações
econômicas e sociais do período; e um segundo aspecto, que refletiu no surgimento da
organização, foi o amadurecimento da imprensa negra, denominada por Bastide como imprensa
adicional
78
, em franca expansão desde a década de 1920, que culminou com o jornal
frentenegrino A Voz da Raça, fundado em 1933, já mencionado anteriormente.
José Correia Leite, um dos fundadores do jornal, ao descrever o nascimento dessa
imprensa, assim depõe:
A comunidade negra em São Paulo vivia, como uma minoria que era, com
suas entidades e seus clubes. Por isso tinha necessidade de ter um veículo
de informação dos acontecimentos sociais que tinham na comunidade:
uma série de sociedades recreativas e sociedades culturais. Como é
natural, a imprensa branca não ia cuidar de dar informações sobre as
atividades que essa comunidade tinha. Daí surgiu a imprensa negra. (apud
MOURA, 1980, p.149).
A partir daí surgem os líderes e intelectuais orgânicos negros que, com utilização de
periódicos destinados à causa negra, difundiram e organizaram os anseios dessa comunidade,
dando sentido e direção às reivindicações desse grupo social, o que ia ao encontro de educação e
instrução para a inserção em uma sociedade capitalista incipiente. Segundo Gramsci:
79
Cada grupo social, nascendo no terreno originário de uma função
essencial no mundo da produção econômica, cria para si, ao mesmo
tempo, de um modo orgânico, uma ou mais camadas de intelectuais que
78
Segundo Bittencourt (2005, p.69): “A imprensa negra nasceu do sentimento de que o negro não era tratado em
de igualdade com o branco, apresentando-se como um órgão de protestos. Para Roger Bastide, tais jornais
representavam a opinião de uma classe negra ascendente, denominada por ele de elite negra...raramente era uma
imprensa de informação econômica e política, uma vez que a maior parte procurava ser veiculo de divulgação de
clubes e de associações recreativas da comunidade negra, tal era o anseio de expressar o universo de relações sociais
negros, por meio da sociabilidade aberta e pública e por isso a imprensa fora denominada de adicional”. Bastide
caracteriza a imprensa negra em dois períodos: o primeiro, de 1915 até 1930; o segundo, de 1930 até 1937.
Conforme Bittencourt (2005, p.72): “A segunda fase coincide com a implementação da Nova República, pela
Revolução de 1930. A educação, que era a causa principal dos temas registrados no período anterior, passa a ser
gestada por uma política educacional gratuita incentivada pelo governo federal. De modo que é uma reivindicação
política e a luta pelo direito de conquista do direito de voto que passa a ocupar o centro das preocupações, e que
ganha corpo com o movimento denominado Frente Negra Brasileira...”.
79
Nesse sentido a nossa análise vai ao encontro do pensamento de José Antônio dos Santos (2001) que, para
examinar a Jornal A Alvorada e a sua função social junto à comunidade negra pelotense, entre 1907-1957, utilizou-se
do conceito de intelectual orgânico negro, tendo por fundamentação teórica Gramsci.
52
lhe dão homogeneidade, e consciência da própria função, não apenas no
campo econômico, mas também social e político. (GRAMSCI, 1995, p.4-
5).
Após o surgimento da imprensa negra, o “grito” de protesto se cristalizou com a Frente
Negra. Para Abdias do Nascimento, a Frente Negra “foi um movimento de massas, protestava
contra a discriminação racial que alijava o negro da economia industrializada, espalhando-se para
vários cantos do território nacional”. (NASCIMENTO, 2000, p.204).
80
Já para o historiador Flávio dos Santos Gomes, o perfil dos intelectuais líderes da
entidade era de funcionários públicos e letrados, o que impediu a afirmação da organização entre
as massas, sendo Arlindo Veiga dos Santos (1902-1978), professor de latim e Francisco Lucrécio,
cirurgião-dentista. Para o historiador:
a Frente Negra não se constituiu em um movimento de massas, como,
aliás, nenhuma instituição naquela época. Tinha força popular junto aos
setores negros com mobilidade social muito limitada... os seus
desdobramentos foram diversos, ganhando perfis e configurações
particulares. (GOMES, 2005, p.55).
Acreditamos que, independente destas opiniões, Abdias do Nascimento (2000), como
integrante da organização negra, percebe que o movimento foi um divisor de águas entre o
surgimento da entidade e as organizações anteriores.
81
Mas notamos que ele, por ter citado a
industrialização, remete única e exclusivamente, em sua análise, ao núcleo paulista, pois como
veremos mais adiante esse fator, embora importante para a cidade de São Paulo, influenciou
80
Abdias do Nascimento foi integrante da Frente Negra nos anos 30, fundador do Teatro Experimental do Negro em
1944, e Senador Federal nos anos 90.
81
Segundo L.C Pinto, que pesquisou associações da década de 40 e 50 na cidade do Rio de Janeiro, as
sociedades/organizações negras, dividem-se em duas formas: as tradicionais, e as de novo tipo. Conforme o autor,
esta distinção não é exclusivamente cronológica (...) é que as associações que chamamos de tradicionais resultam, e
cabem perfeitamente dentro do padrão tradicional das relações entre negros e brancos no Brasil, enquanto que as que
aqui são chamadas de novo tipo, não só resultam das alterações que vem sofrendo aquele quadro tradicional das
relações de raças, mas também tendem, e pretendem, imprimir a elas uma nova direção... A partir do início do século
XX, no Pós-Abolição e com o advento da República, começa a surgir um novo tipo de atitude entre as populações
negras e, com elas, as associações de um ‘novo tipo’. Ver PINTO. Luiz Antonio Costa. O Negro no Rio de Janeiro.
São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1953, p.238). Mas cabe aqui colocar que acreditamos que jamais devemos
pensar essas associações tradicionais ou de um novo tipo como algo estanque, pelo contrário, devemos pensá-las
como associações dinâmicas, pois o recreativo muitas vezes se torna reivindicativo e político, pois são formas de unir
e organizar o coletivo negro em torno da sociabilidade.
53
pouco, ou de maneira menor ou de forma diferente, as Frentes Negras surgidas em Salvador, na
Bahia, em Pelotas, no Rio Grande do Sul e em Recife, Pernambuco.
Portanto, nada mais justo que Abdias, como integrante daquele movimento social de
caráter inovador para os padrões dos grupos negros da cidade paulista em plena “efervescência”
na época, o considerasse como um movimento de massas. Por outro lado, Gomes (2005) define
que o movimento, por ter tido configurações diferenciadas em cada região do país, deve ser
pensado de maneira específica com suas características regionais, próprias de cada localidade em
que o mesmo existiu. E é isso que propomos, após identificarmos o encerramento das atividades
da Frente Negra Brasileira de São Paulo, a fazer nas próximas linhas de nossa narrativa.
54
1.3.2 A FRENTE NEGRA EM SALVADOR.
A Frente Negra, de Salvador, foi criada entre julho e novembro de 1932, por Marcos
Rodrigues dos Santos, fiscal de estrada de rodagem, que participara um ano antes da fundação de
um núcleo da organização na cidade de Santos, interior paulista.
Na “Mulata Velha”, como era conhecida Salvador na época, sua sede se localizava na Rua
Rui Barbosa, nº44. As principais propostas da Frente Negra na cidade eram a alfabetização e o
levantamento moral da raça.
82
Em janeiro de 1933, a organização baiana mudou para a Rua da Ajuda, nº 12, mantendo-
se até agosto do mesmo ano. Realizou, em suas dependências, cursos de alfabetização, música,
datilografia e línguas, além de sessões de filmes. Também manteve um quadro social feminino.
(BACELAR, 2001, p.147).
Em Salvador, promovia conferências sobre os temas relacionados à questão negra. Entre
os títulos localizamos: “O negro, a indústria e a sociedade”, “O negro baiano, a família e a
alfabetização”, além de publicar um semanário com o objetivo de divulgar e defender seus
interesses.
83
Quais as aproximações e os distanciamentos que localizamos entre a Frente Negra
Paulista e a sua coirmã Baiana? Segundo Bacelar:
Do ponto de vista do ideário, bem como das ações, existem muitas
aproximações entre a Frente Negra Paulista e a Baiana. Porém, levando
em consideração as peculiaridades históricas e políticas de Salvador, no
que concerne ao seu quadro social e o alcance de suas propostas, iremos
verificar um grande distanciamento entre as duas Frentes. (BACELAR,
2001, p.149).
A cidade de Salvador, diferentemente do que ocorreu em São Paulo, era a favor da ordem
social, política e econômica estabelecida nos moldes tradicionais
84
, e foi isso que divergiu os seus
82
Diário da Bahia, 26/04/1933 apud Bacelar. Ver BACELAR, Jeferson. A hierarquia das Raças, Negros e Brancos
em Salvador. Rio de Janeiro: ED Pallas, 2001.
83
Ibidem, p.148.
84
Por moldes tradicionais entendemos uma sociedade onde negros e brancos convivem cientes de suas posições
sociais, sem conflitos visíveis. Termo endossado por Gilberto Freyre que diz: “...a distância social, no Brasil, fora
55
quadros formadores dos quadros da Frente paulista, embora seja identificada por Bacelar (2001,
p.150) uma “sincronia quanto aos aspectos da inserção social e integração das populações negras,
entre ambas”.
A diferença de seus organizadores ocorreu porque na cidade de São Paulo os negros
sofreram abertamente discriminação no mercado de trabalho, sendo substituídos pelos
imigrantes.
85
Segundo Bacelar (2001, p.150), os negros paulistas tinham grandes expectativas de
superação dessas condições com as mudanças acenadas pelas agitações dos anos 30. Já em
Salvador, os negros baianos continuavam em posições normais, integrados ao trabalho, sobretudo
autônomo. Ainda conforme Bacelar:
A Revolução de 1930 não opera grandes transformações no campo social
em Salvador, sendo mantidas as tradicionais formas de dominação e
relações sociais. Ou seja, uma situação completamente distinta da
existente em São Paulo... onde o padrão de relação entrou em crise
progressiva e irreversível, graças aos efeitos da universalização do
trabalho assalariado, à consolidação da ordem social competitiva e à
industrialização. (BACELAR, 2001, p.150).
Se em São Paulo os líderes da organização assumiram a função de intelectuais orgânicos
negros, sendo que a maioria deles eram funcionários públicos, o que era relevante para época, já
que grande parte da população negra se mantinha desprovida de bem materiais, em Salvador a
Frente Negra era inteiramente rejeitada pela elite negra, mestiça intelectual, que era auto-
identificada com os valores brancos e primava pelas relações harmoniosas, que Bacelar (2001,
p.151) define como produto de um possível “paraíso racial”.
Marcos Rodrigues dos Santos, fundador da Frente Negra de Salvador era operário, sendo
que os dirigentes que o acompanhavam na organização da entidade eram negros de condição
modesta, tendo a participação de trabalhadores pequena, mas existente.
resultado de diferenças de classe, bem mais do que de preconceito de cor ou de raça. Como os negros brasileiros
desfrutavam de mobilidade social e oportunidades de expressão cultural, não desenvolveram uma consciência de
serem negros da mesma forma que seus congêneres norte-americanos”. Apud Costa, 1998, p.365.
85
Foi após a guerra de 1914-1918 que o negro começou a reivindicar e ter consciência de sua condição inferior ao
do imigrante na capital paulista, que tendo chegado ao Brasil tão pobre como ele, conseguiu subir na escala social,
enquanto o negro permaneceu embaixo. Ver BASTIDE e FERNANDES. Brancos e Negros em São Paulo. São
Paulo: Companhia Editora Nacional, 1959, p.226.
56
Os negros socialmente ascendentes se afastavam inteiramente da identificação com os
“pretos pobres” e seu modo de vida, ou seja, quanto mais bem sucedido o negro, mais integrado e
mais distante da identidade negra, inclusive da participação nesse movimento social.
(BACELAR, 2001, p.156)
É interessante salientar que Jéferson Bacelar
86
utiliza em sua narrativa, ao explicar sobre a
existência da
Frente Negra
em Salvador, o termo preto e mestiço quando se refere aos
fundadores da organização, ou seja, no nosso entendimento, a partir do momento que ele opta
pelo uso freqüente desses termos, o autor acaba evidenciando a falta de uma identidade negra nos
líderes da entidade, já que os representantes da Frente Negra, tanto em São Paulo como em
Pelotas, como veremos mais adiante, assumem essa identidade em uma sociedade capitalista
incipiente e competitiva, se identificando como negro e não como “preto ou mestiço”,
evidenciando que ao contrário da Bahia, o dito “paraíso racial”, era mera ideologia dos grupos
dirigentes. Por identidade negra utiliza-se o conceito de Nilma Lino Gomes que explica:
A identidade negra é entendida, aqui, como uma construção social,
histórica, cultural e plural. Implica a construção do olhar de um grupo
étnico/racial ou de sujeitos que pertencem a um mesmo grupo
étnico/racial, sobre si mesmos, a partir da relação com o outro. Construir
uma identidade negra positiva em uma sociedade que, historicamente,
ensina aos negros, desde muito cedo, que para ser aceito é preciso negar-
se a si mesmo é um desafio enfrentado pelos negros e pelas negras
brasileiros (as). (GOMES, 2003, p.43).
A Frente Negra de Salvador, ao contrário da Frente Negra de São Paulo, encontra uma
sociedade imobilizada por todos os seus segmentos sociais no que diz respeito às tensões raciais,
mas não sociais. Pois conforme Bacelar:
Ao iniciar-se a década de 1930, a Bahia atravessa uma grave crise
econômica e social, com desemprego em massa e empobrecimento
generalizado dos trabalhadores. Por sua vez a contínua repressão
desencadeada ao longo da década de 1920 sobre o movimento operário
solapava brutalmente a sua capacidade reivindicatória (...) como o
episódio da quebra dos bondes.(BACELAR, 2001, p.152).
87
86
Ver BACELAR, Jeferson. A hierarquia das raças. Rio de Janeiro: PALLAS, 2001.
87
A quebra dos bondes ocorreu com a destruição de veículos, oficinas e edifícios da Companhia Linha Circular de
Carris Urbanos e do jornal A Tarde, em repúdio ao aumento das passagens nos meios de transportes e aparentemente
sem relação com a “Revolução de 1930”, que eclodiu no dia anterior em vários estados (Rio Grande do Sul, Minas
57
Ou seja, localizamos três fatores que diferenciam a
Frente Negra
de Salvador e a de São
Paulo:
1) a pouca influência da “Revolução de 1930” na sociedade baiana,
2) a falta de tensões raciais na capital baiana
3) a desmobilização social, advinda com o brutal cerceamento do movimento operário.
Segundo Donald Pierson, que pesquisou as relações raciais na Bahia nos anos quarenta,
em São Paulo e no Rio Grande do Sul existia um sentimento de “preconceito de cidade
cosmopolita”, entretanto, para o autor, esses casos eram exceções ao padrão cultural do Brasil. E
cita exemplos de que para uma organização negra ter respaldo e existir, necessita existir na
cidade em que a mesma surge, forte tensão racial. Segundo Pierson:
Um mestiço baiano voltou recentemente do Rio Grande do Sul, afirmando
que lá se tinham referido a ele como “negro” e que ele sentira outras
distinções desagradáveis a que não estava acostumado na Bahia... a
organização da Frente Negra Brasileira, com a finalidade de unir negros
em todo o Brasil, indica claramente a existência de, pelo menos, alguma
consciência de raça por parte dos negros de São Paulo e, por conseguinte,
refletem sentimentos de exclusão e “discriminação”. O mesmo sucede
com a Frente Negra Pelotense em Pelotas, Rio Grande do Sul. Entretanto,
essas indicações de consciência de raça são provavelmente exceções do
padrão cultural geral do Brasil, e não típicas. Depois de várias semanas de
esforços inúteis, organizadores da Frente Negra do Brasil abandonaram a
tarefa de organizar uma filial na Bahia... é possível que a Bahia, que
durante muito tempo sofreu pouca mudança social, em comparação com
as áreas do sul, guarde mais que em São Paulo e algumas áreas
meridionais do Brasil os “mores” originais do Brasil colonial.(PIERSON,
1949, p.414).
A Frente Negra Baiana, fundada na cidade de Salvador em julho e/ou novembro de 1932
existiu até setembro e/ou outubro de 1933. Tentou, como em São Paulo, enveredar pela trajetória
Gerais, Paraíba e Pernambuco), mas, até então, sem intervenção na Bahia... Os líderes da “Quebra-bondes” eram
desconhecidos, porém foram efetuadas prisões de pessoas suspeitas de participação no movimento. Para saber mais
ver Mônica Celestino em: O jornalista Cosme de Farias e a imprensa como instrumento de mobilização em Salvador,
sd. Para saber mais acessar: http://www.redealcar.jornalismo.ufsc.br/cd4/impressa/m_celestino.doc/ acesso em
17/03/2008.
58
política, mas devido a divergências internas acabou tendo a candidatura de seu representante
impugnada, sendo tutelada pelo interventor Juracy Magalhães.
88
Conforme Bacelar (2001, p.157), a organização teve vida curta, porém, de fundamental
importância na história dos negros na Bahia, na medida em que o movimento trouxe à tona a
questão racial, a desigualdade entre negros e brancos e a união dos negros como caminho para a
superação do preconceito e da discriminação. Seu líder e fundador, Marcos Rodrigues dos
Santos, continuou morando em Salvador, onde veio a falecer na década de 1950.
88
Juracy Montenegro Magalhães (1905-2000): Em julho de 1922, sentou praça no exército, no 23º batalhão de
caçadores na capital cearense, seguindo no início de 1923 para o Rio de Janeiro, a fim de ingressar na escola militar
de Realengo. Transferido para o 1º regimento de infantaria, na vila militar do Rio de Janeiro, em 1928, teve o seu
primeiro contato com Juarez Távora, iniciando a atividade conspiradora que levaria à revolução de 1930. Nomeado
interventor federal da Bahia, depois do fracasso das interventorias civis, tomou posse em 19 de setembro de 1931.
Durante sua permanência na interventoria, construiu um novo pacto político no estado, com a criação do PSD da
Bahia. Assegurou o apoio dos baianos ao governo provisório de Vargas, ao reprimir as manifestações de apoio ao
movimento constitucionalista de 1932, deflagrado em São Paulo. Juracy Magalhães construiu uma nova aliança
política no estado, em torno dos chefes políticos municipais, consolidada na criação do partido social democrático da
Bahia. Foi responsável pela implantação, na Bahia, de medidas modernizadoras propostas pela revolução de 1930.
http://www.governador.ba.gov.br/governadores/juracymontenegro.htm/ Acesso em 17/03/2007.
59
1.3.3 EM PELOTAS: O “ALVORADA” COMO ORIGEM.
No Rio Grande do Sul, a Frente Negra Pelotense foi fundada no dia 10 de maio de 1933
por José Adauto Ferreira da Silva, Carlos Torres, José Penny, Humberto de Farias e Miguel
Barros, sendo que, este último, também fora fundador da Frente Negra de Pernambuco.
Tinham como atividades, em suas dependências, a realização de cursos e seminários para a
comunidade negra direcionados para a educação e a união. Dentre os seminários direcionados
estavam a “reabilitação e engrandecimento de todos os elementos da raça”, e temas como: “A
mulher negra e o futuro da raça”.
Segundo José Antônio dos Santos (2001, p.143), que pesquisou os estatutos da Frente
Negra de Pelotas/RS, um dos interesses desta organização na cidade era em instruir a mulher
negra. O principal motivo, segundo o autor, era porque ela ficava encarregada de dar educação
para as crianças, isso poderia encaminhá-las para um futuro melhor da “raça”, definido pela FNP
como sendo possível via educação.
89
Uma das peculiaridades da Frente Negra Pelotense era que
a mesma tinha um caráter mais sindical, inclusive mantendo alianças com organizações
classistas.
90
Para continuarmos examinando as diferenças e especificidades das Frentes Negras
analisadas neste trabalho, convém demonstrar como foi a escravidão em Pelotas e como a mesma
sentiu a industrialização incipiente em nosso país, que teve como centro a experiência paulista.
A cidade de Pelotas teve em sua consolidação urbana e industrial, motivações geradas
pela da riqueza proporcionada pelo charque. Em função dos estabelecimentos saladeris
89
Identificamos, nestas informações do historiador José Antonio dos Santos, uma forte influência do Positivismo na
Frente Negra Pelotense, pois ao instruir a mulher negra para educar seus filhos, temos uma das principais doutrinas
do positivismo difuso em nossa sociedade: o de que as mulheres deveriam ficar em casa educando seus filhos.
Conforme ISMÉRIO, 1995, p.31-33: “as mulheres deveriam educar seus filhos nos princípios da moral e do civismo,
tendo como base a História, a ‘grande mestra da vida’ (...) sendo educadora por natureza, a mulher poderia exercer a
profissão de professora, orientando os alunos como se fossem seus próprios filhos. A professora trabalhava em
escolas, casas particulares ou em sua própria casa... isso acontecia porque o lugar da mulher era dentro do lar
cuidando de seus entes ou afazeres (...)”. Sobre o Positivismo político, difuso e religioso, ver BOEIRA, Nelson. O
Rio Grande de Augusto Comte. In GONZAGA, Sergius, RS: Cultura & Ideologia. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1980. Sobre o Positivismo e a mulher Ver também: LEAL, Elisabete da Costa. O Positivismo, o Partido Republicano
Rio-Grandense, a moral e a mulher. (1891-1913). Dissertação de Mestrado, UFRGS, novembro de 1996. p.175-188.
90
Para saber mais sobre associativismo, organizações negras e o operariado na cidade de Pelotas Ver LONER,
Beatriz Ana. Classe Operária: Mobilização e Organização em Pelotas: 1888-1937. Tese de Doutorado, UFRGS,
1999, p.249-258.
60
(charqueadas), de caráter artesanal, que iniciaram em 1780, a região foi um dos locais de maior
concentração de escravos no Rio Grande do Sul, situação que se manteria até o século XIX,
quando as charqueadas, localizadas nos arredores da cidade, transformaram-se em empresas
voltadas para o mercado nacional. (SANTOS, 2000, p.48).
91
A indústria do charque na cidade de Pelotas começou a decair em virtude da concorrência
da região platina que já utilizava uma tecnologia mais aprimorada na produção do charque,
diferente de Pelotas, que ainda utilizava técnicas artesanais.
92
A saída para os pelotenses foi o aumento no preço do charque para obter lucro. Nessa
disputa, gradualmente a “Princesa do Sul”, como era conhecida a cidade, passa a sofrer e a perder
com a concorrência platina. Somam-se a isso a promulgação da Lei Áurea em 1888, o que sela
gradualmente a sorte dos grandes charqueadores na região, e que influenciou diretamente nas
populações negras, pois: o que fazer com essa mão-de-obra na cidade após a abolição?
93
Conforme José Antonio dos Santos:
91
Para saber mais sobre o sobre o negro e a escravidão no RS ler: Cláudio Moreira (1976): O negro e descendentes
na sociedade do Rio Grande do Sul. BAKOS, Margaret (1982), Escravismo e abolição no RS, CONFORTO, Marilia
(1990), Breves considerações sobre a criminalidade escrava, segundo “o livro dos sentenciados” da Casa de correção
de Porto Alegre (1874-1900), I Simpósio Gaúcho sobre a Escravidão. Estudos Ibero-Americanos. p.69-79. BENTO,
BERND, Zila e BAKOS, Margaret (1991), O negro: consciência e trabalho. GATTIBONI, Rita (1993). Escravidão
Urbana na Cidade de Rio Grande. DALLA VECCHIA, Agostinho Mario (1993), Os filhos da escravidão: memórias
de descendentes de escravos na região Meridional do Rio Grande do Sul. MAESTRI, Mario (1993), O escravo
gaúcho – resistência e trabalho. ZANETI, Valéria (1994), Calabouço Urbano – escravos e libertos em Porto Alegre
(1840-1860). Moacyr Flores (org), (1994) Negros e Índios – Literatura e História. ASSUMPÇÃO, Jorge Euzébio
(1995), Pelotas: Escravidão e Charqueadas. PEREIRA, Lúcia Regina Brito (1995), Fábulas de Escravos e Libertos
no Cenário da Justiça em Porto Alegre - 1870/1888. MÜLLER, Liane Suzan. (1999): “As contas do meu rosário são
balas de artilharia” – Irmandade, jornal e sociedades negras em Porto Alegre 1889-1920. MOREIRA, Paulo Roberto
Staudt (2003). Os cativos e os Homens de Bem – Experiências Negras no Espaço Urbano – 1858-1888. FLORES,
Moacyr Flores (2004). Negros na Revolução Farroupilha. PETIZ, Silmei de Santana (2006), Buscando a Liberdade e
OLIVEIRA, Vinícius Pereira (2006). De Manoel Congo a Manoel de Paula. Um africano ladino em terras
meridionais.
92
Por região platina denominamos os países que fazem fronteira com o Rio da Prata, Argentina e Uruguai, que
usavam mão-de-obra livre em sua produção. No Rio Grande do Sul: “a economia escravista por um lado é uma
economia de desperdício pela sua própria natureza e, por outro, funda-se em requisitos sociais de produção que a
tornam obrigatoriamente pouco flexível diante das necessidades de inovação na técnica de produção. Em outros
termos e sintetizando, a economia escravocrata, por motivos que se inscrevem na própria forma de organização
social do trabalho, impõe limites ao processo de racionalização da produção e ao lucro. Isto significa que, a partir de
um certo limite, a economia escravocrata se apresenta como um obstáculo fundamental para a formação do
capitalismo...o trabalho escravo apresentava índices menores de produtividade que o trabalho livre. Para saber mais
sobre a concorrência entre as indústrias saladeris do prata e as charqueadas gaúchas ver Cardoso (1991, p.155-186).
93
A Abolição brasileira foi decretada em 13 de maio de 1888. O trabalho escravo fora abolido por influências
externas e internas. Pela externa salientamos o movimento de combate à escravidão, liderado pela Inglaterra em
virtude da Revolução Industrial. Pelos fatores internos, o Brasil desencadeia mudanças estruturais de adequação ao
61
Antes da abolição, trabalhar era coisa de escravo; portanto, atividade
degradante, desqualificada e desvalorizada pela sociedade imperial,
mesmo na sua porção mais empobrecida... modificar esta situação na
visão dos trabalhadores e da burguesia se fazia mais do que uma
necessidade política, era um imperativo econômico. Em sua nova
condição jurídica, muitos dos que foram escravizados e seus descendentes
permaneceram na região de Pelotas... Em Pelotas foram incentivados pela
Associação Comercial
94
, formada por uma fração da burguesia pelotense,
preocupada com a mão-de-obra de sua indústria e com consumidores para
seus produtos. (SANTOS, 2000, p.51).
A utilização da mão-de-obra do ex-escravo, na industrialização incipiente da cidade
pelotense, viria a ser direcionada para o comércio e a indústria local, sendo que o município
manteve-se como indústria pecuária até a década de 1930.
Devido às situações como as citadas anteriormente, o município desenvolveu fatores
socioeconômicos diferenciados de São Paulo, pois era uma economia subsidiária. Conforme
Loner (1999, p.232), como característica peculiar da cidade, podemos ressaltar a utilização da
mão-de-obra dos ex-escravos e seus descendentes na industrialização da cidade, ao contrário de
São Paulo, que utilizou o imigrante. Outro dado diferenciador, segundo Santos (2000, p.43), em
relação à cidade de São Paulo, é quanto à predominância dos operários negros na diretoria de
várias entidades classistas.
Os operários negros através de organizações classistas, desenvolveram o que Santos
(2000, p.44) denominou de dupla militância, em associações de raça e de classe. Para Loner
(1999, p.233): “... a opção pela organização classista operária era, para eles, mais essencial do
modo de produção baseado no trabalho livre. Neste sentido podemos relacioná-lo com a agonia do sistema escravista
brasileiro que tinha como base de sustentação a grande lavoura sustentada pela mão-de-obra escrava que despendia
altos custos de seus proprietários. Não muito diferente, no Rio Grande do Sul, onde a Abolição foi decretada em
1884, as charqueadas também passam a sofrer com a mão-de-obra escrava “cara” e com a concorrência da região do
Prata, onde o trabalho assalariado e as charqueadas, com tecnologia incipiente, motivam a concorrência na região.
Além dos fatores econômicos, podemos pensar na “derrocada” da escravidão através das ações do escravo que
pesquisas atuais ‘desvendamos’ a sua participação neste processo. Através da luta contra a sua condição o negro agiu
sob forma de fugas, quilombos e insurreições o que colaborou significativamente para o encerramento de seu
cativeiro e a Abolição da Escravidão. Podemos afirmar que outros fatores influenciaram o abolicionismo desde
sociedade civil organizada, partidos políticos e da própria imprensa. Para saber mais ver: Margaret Marchiori Bakos
(1982 e 1988) em RS: Escravismo e Abolição e Repensando o Processo Abolicionista Sul-Rio-Grandense – Revista
PPGH-PUCRS, Verônica Monti (1985), O Abolicionismo – Sua hora decisiva no Rio Grande do Sul, Emília Viotti
da Costa da Monarquia à República e Fernando Henrique Cardoso(1991).
94
Para saber sobre a Associação Comercial ler: Maria Dias Costa. Segundo a autora essa associação, fundada em
1873, foi a principal responsável por várias iniciativas que criaram a infra-estrutura para o progresso de Pelotas.
Maria Dias Costa (org). As relações de trabalho e as organizações de classe em Pelotas, 1997.
62
que para qualquer outro grupo de trabalhadores, porque representava, concretamente, uma das
poucas esperanças de melhoria de vida”.
Nos anos trinta, a situação social e política da comunidade negra, na cidade, era muito
parecida com a situação evidenciada em outras regiões brasileiras pois, como se integrar e
ascender socialmente em uma sociedade que os condenava? Conforme Loner:
A situação do negro na República Velha era extremamente débil. Imerso
numa sociedade acostumado a tratá-lo como escravo, frágil em seus
apoios culturais e econômicos, abandonado quando da abolição pelos seus
parceiros brancos, ele teve que, pacientemente, tecer uma ampla rede de
associações, clubes e jornais que, ao mesmo tempo, organizassem e
conscientizassem os elementos da raça negra, dando-lhes respaldo em
momentos de crise... (LONER, 1999, p.251).
A exemplo do oásis de São Paulo eis que se forma a Frente Negra Pelotense. Esse
movimento social contou com o apoio de parte significativa da comunidade, mas muitos ficaram
temerosos com o que tal organização pretendia, já que o preconceito de cor e o racismo na cidade
eram “desertos” poucos falados publicamente, seja por negros, seja por brancos. Nesse sentido,
“a maioria dos negros lutava pela sua integração na sociedade, de forma individual”.
95
A Frente Negra Pelotense, conforme citado antes foi fundada em 1933, por José Adauto
Ferreira da Silva, Carlos Torres, José Penny, Humberto de Farias e Miguel Barros, todos
intelectuais negros. Antes de analisarmos de fato as suas ações, seus interesses e a produção
escrita produzida nesse lugar social convém, neste momento, citarmos a origem do Jornal A
Alvorada, já que diferentemente da Frente Negra de São Paulo, que mantinha seu próprio
periódico, ou da baiana, que manteve um semanário e que registrava e divulgava suas
informações no Diário da Bahia, a organização de Pelotas utilizava-se do periódico A Alvorada
para difundir e registrar os seus interesses. Mas a sua fundação ocorreu duas décadas antes da
Frente Negra na cidade, como veremos a seguir.
Aliás, é importante notar que se deu no Rio Grande do Sul o nascimento da denominada
“imprensa negra brasileira”. O jornal
O Exemplo,
de Porto Alegre é o mais antigo do Brasil,
fundado em 1892, e o jornal A Alvorada de Pelotas, foi o que mais tempo circulou, sendo o
95
Ver LONER, Beatriz Ana. Classe Operária: Mobilização e Organização em Pelotas: 1888-1937. Tese de
Doutorado, UFRGS, 1999, p.254.
63
primeiro número lançado em 1907 e o último em 1965. São Paulo supera o Rio Grande do Sul na
quantidade de jornais negros, mais na qualidade, verificamos que no ‘quesito’ origem e
longevidade os jornais negros gaúchos destacam-se, o que demonstra um problema a ser
investigado, já que, por um longo período histórico, São Paulo foi considerado o estado pioneiro
no que diz respeito a ‘imprensa negra’.
96
TABELA– 1
QUADRO INFORMATIVO SOBRE A IMPRENSA NEGRA
PAULISTA E SUL-RIO-GRANDENSE ENTRE 1892 E 1933
Periódico Localidade Ano de origem
O Exemplo Porto Alegre 1892
A Cruzada Pelotas 1905
A Alvorada Pelotas 1907
A Hora Rio Grande 1914
Menelik São Paulo 1915
A Princesa do Norte São Paulo 1918
Tio Urutu São Paulo 1918
A Rua São Paulo 1918
O Xauter São Paulo 1918
A União São Paulo 1918
O Alfinete São Paulo 1919
O Bandeirante São Paulo 1919
A Protetora São Paulo 1919
A Liberdade São Paulo 1920
96
Liane Müller pesquisou no último capítulo de sua Dissertação de Mestrado o jornal “O Exemplo”. Através de suas
pesquisas, a historiadora, identificou três fases deste jornal. A primeira fase entre 1892 e 1910, em que o qualifica
como jornal de gênero literário, a segunda fase, de 1911 a 1916, que pode ser entendida como momento de transição,
já que combatia de fato o preconceito, e a terceira fase de 1917 a meados de 1920, que já revela um jornal de
operários empobrecidos, sejam negros ou brancos. “As contas do meu rosário são balas de artilharia” – Irmandade,
jornal e sociedades negras em Porto Alegre 1889-1920. Dissertação de Mestrado, 1999, p.170-192. E para saber mais
do Jornal A Alvorada ler: José Antonio dos Santos, Raiou “A Alvorada”: Intelectuais negros e imprensa, Pelotas
(1907-1957). Outros jornais que podemos citar como exemplos dessa imprensa negra gaúcha são: A Cruzada (de
Pelotas 1905), A Navalha (de Santana do Livramento 1931), A Revolta (de Bagé 1925) e A Hora (Rio Grande 1917-
1934).
64
A Sentinela São Paulo 1922
O Kosmos São Paulo 1923
O Getulino Campinas 1924
O Clarim da Alvorada São Paulo 1924
A Revolta Bagé 1925
A Navalha
Santana do
Livramento
1931
O Elite São Paulo 1928
O Auriverde São Paulo 1932
O Patrocínio São Paulo 1932
O Progresso São Paulo 1932
A Voz da Raça São Paulo 1933
Fontes: Roger Bastide (1959) em: A Imprensa Negra no Estado de São Paulo, Florestan Fernandes (1978) em: A
Integração do Negro na Sociedade de Classes, Miriam Nicolau Ferrara (1986) em: A Imprensa Negra em São Paulo,
Antonio Sérgio Alfredo Guimarães (2000) em: Notas sobre raça, cultura e identidade na imprensa negra em São
Paulo e no Rio de Janeiro, 1925 e 1950 e Yosvaldir Carvalho Bittencourt (2005) em: As Escolas de Comunicação
Social como instrumento de desconstrução do racismo e discriminação racial. Liane Müller em “As contas do meu
rosário são balas de artilharia” – Irmandade, jornal e sociedades negras em Porto Alegre 1889-1920. Dissertação de
Mestrado, 1999, p.170-192 e José Antonio dos Santos, Raiou “A Alvorada”: Intelectuais negros e imprensa, Pelotas
(1907-1957).
José Antonio dos Santos (2000) pesquisou em sua dissertação de mestrado, a origem,
desenvolvimento e encerramento das atividades do periódico “A Alvorada” de Pelotas-RS,
analisando-o através de artigos escritos por seus fundadores e colaboradores.
Fundado por Rodolfo Xavier, Juvenal Durval Morena Penny e Antonio Baobab, todos
negros, o jornal circulou entre os anos de 1907 e 1965, parando momentaneamente de circular em
virtude da II Guerra Mundial, em meados da década de 1940, que afetou a imprensa da época de
uma maneira geral em decorrência da escassez de matéria-prima. (SANTOS, 2000, p.74).
Era um jornal direcionado para duas questões: tratava de situações pertinentes à raça
negra e também das alusivas ao operariado, independente de sua cor. Segundo José Antonio dos
Santos, esses fatores geraram uma diferença significativa no que Bastide (1959) denominou
simplesmente de imprensa adicional negra, pois, para Bastide, essa imprensa tratava somente de
65
assuntos raciais e sociais relativos a esta parcela da população. Ao pesquisar o jornal A
Alvorada
, Santos contribui para novas interpretações sobre a “imprensa negra”.
Para Santos (2000, p.62): “o público ao qual o jornal A Alvorada era dirigido incluía “os
da raça” e os operários, indiscriminadamente, o que alarga muito mais o campo de atuação dos
negros envolvidos com a manutenção do periódico”. Santos denomina esse jornal característico
da imprensa negra gaúcha como sendo uma imprensa de opinião, pois primava por opiniões
apaixonadas dirigidas a um público específico, negro e operário.
Portanto, conforme Santos (2000, p.76), “o jornal é caracterizado como um órgão de
informação, educação e protesto da comunidade negra contra a discriminação racial que atingia
os negros e a condição social precária em que se encontravam os operários pelotenses”.
Tinha como uma de suas principais características a moralização e a ordem social do
negro, o que o aproxima dos valores morais do jornal A Voz da Raça, da Frente Negra
Paulista. Outro fator que avizinha este jornal do jornal dos paulistas, são as chamadas freqüentes
para a realização de concursos de belezas, festivais, informações sobre peças de teatro, clubes
bailantes e jogos de futebol, o que propicia a indicação de lugares onde os negros na cidade
pudessem compartilhar e trocar suas experiências culturais e sociais. Neste sentido esses lugares
também influenciavam na auto-estima de seus freqüentadores. Funcionavam como as
domingueiras, realizadas pela Frente Negra de São Paulo.
97
O jornal A Alvorada também circulava em Rio Grande, Canguçu, Bagé, Jaguarão,
Alegrete e Porto Alegre. Nestas cidades existiam representantes do jornal que eram encarregados
pela cobrança de assinaturas, o que mantinha a produção do periódico. Outra fonte de recursos
para mantê-lo era a organização de bailes e festas. (SANTOS, 2000, p.85).
Notamos que apesar dos parcos recursos o jornal conseguiu difusão nas principais
cidades de região, incluindo a capital dos gaúchos, o que demonstra a capacidade de organização
e empenho de seus fundadores em atingir o maior número de negros no estado, independente da
sua localidade. Inclusive, o periódico possuiu correspondentes em São Paulo, Rio de Janeiro e
97
As domingueiras tratavam-se de reuniões semanais organizadas pela direção da Frente Negra de São Paulo, tendo
em vista desenvolver os “bons dotes” no negro, elevar seu nível cultural e, principalmente, despertar-lhe uma
consciência crítica para o exercício da cidadania...A programação era composta por palestras e declamações de
poesias e apresentações musicais.
66
Portugal, conforme material impresso localizado por José Antonio dos Santos (2000, p.87) na
Biblioteca Calixto Nóbrega em João Pessoa na Paraíba.
Rodolfo Xavier, um dos fundadores do A Alvorada e líder operário na cidade escrevia
muitos artigos no jornal, e nos anos trinta passara a articulista do periódico, sendo que por
ocasião da “Revolução de 1930”, dirigida por Vargas, escreveu um artigo intitulado: Nova Era.
Na realidade, esse artigo, antes de ser escrito como forma de elogio a Vargas ou às
transformações sociais e políticas, advindas com o período, era uma veemente crítica, porque,
segundo Xavier (1931), surgia:
uma era nova para as classes trabalhadoras... porque sindicalizando-
se todas as classes e oficializando-as por lei elas terão,
indubitavelmente, apoio dos governantes... patrões e operários,
ricos e pobres e agora até militares, poderão ter tudo menos
associações de classe... não precisamos de intermediários... a
emancipação dos trabalhadores tem que ser obra dos próprios
trabalhadores. (XAVIER, 1931 apud SANTOS, 2000, p.90).
Para Boris Fausto (2002, p.187): “o trabalhismo de Getúlio teve por objetivo reprimir os
esforços organizatórios da classe trabalhadora e atraí-la para o apoio difuso do governo” sendo
que, “o enquadramento dos sindicatos foi estabelecido por um decreto de março de 1931. Nesse
sentido, o sindicato foi definido como órgão consultivo e de colaboração com o poder público”.
Se a Frente Negra de São Paulo era mais próxima a Getúlio e de seus ideais trabalhistas,
notamos que a Frente Negra de Pelotas, por ser formada pelos intelectuais negros,
mantenedores do periódico “A Alvorada”, eram contra a política de Vargas, pois viam nessas
ações formas de tutelar e manter o controle sobre os sindicatos de trabalhadores e associações de
classe.
98
No início da década de 1930 surgiu, a nosso ver, uma nova geração de intelectuais
orgânicos negros que passaram a dirigir do jornal, eram eles: José Penny, filho de Juvenal Durval
Morena Penny, um dos fundadores do periódico, Barros Mulato e Humberto Farias. Nessa época
98
Os operários negros da cidade de Pelotas através de organizações classistas desenvolveram o que Santos (2000,
p.44) denominou de dupla militância, em associações de raça e de classe. Neste sentido, nas associações de raça os
afro-descendentes lutavam pela afirmação da comunidade negra e nas associações de classe, eles reivindicavam seus
direitos trabalhistas autônomos ao paternalismo instituído pelos governantes do período.
67
o jornal inicia uma Campanha de Pró-Educação
99
a favor da comunidade negra, também é nesse
período que tem origem o movimento social
Frente Negra
na cidade.
Os intelectuais negros integrantes do jornal, Humberto Farias e Miguel Barros; tornaram-
se além de fundadores, também líderes desta organização, o que o torna, a partir desse momento,
o periódico oficial da Frente Negra Pelotense, tendo por intuito a seguinte proposta:
Propor uma identidade como negros, através do jornal, era uma das
maneiras que os intelectuais encontraram de buscarem unir todos os
descendentes da senzala em um objetivo único qual seja, reivindicarem
seus direitos e se integrarem na sociedade brasileira sem distinções ou
privilégios de qualquer tipo ou etnia. (SANTOS, 2000, p.107).
A campanha pró-educação foi uma proposta efetuada pelos intelectuais negros pelotenses
para a comunidade negra no sentido de aceitação de uma identidade negra, o que viria ao
encontro do movimento social Frente Negra Pelotense.
A primeira informação sobre a Frente Negra Brasileira no jornal A Alvorada foi um
artigo assinado por Rodolfo Xavier, fundador e articulista do jornal, conforme citado
anteriormente, que escreveu:
São Paulo, neste momento, indica o caminho a seguir pela raça negra, em
todo o Brasil, preparando-a para o futuro não como serva das outras raças,
mas ciente e consciente de seu valor moral, cívico e intelectual, como
parte integrante do povo brasileiro... mas deveria em primeiro lugar
instruir-se no seu principal papel para a conquista de seus direitos à
cidadania...(A ALVORADA, 28/02/1932
apud SANTOS, 2000, p.129).
A Frente Negra Brasileira indicava duas direções a seguir pelos negros pelotenses. Uma
referente à identidade negra positiva incentivada pela educação e, outra, a reivindicativa, linha já
adotada pelo jornal em torno dos direitos trabalhistas. Tudo isto ocorria em um momento
profícuo para tais discussões advindas dos debates gerados pela “Revolução de trinta” e a posse
do Governo Provisório, que tinha criado, em agosto de 1931, a “Lei de Nacionalização do
99
José Penny era um dos articuladores dessa campanha. Na época ele estava morando em Porto Alegre e estudava no
colégio Júlio de Castilhos. Em um texto produzido por ele, datado de 15 de janeiro de 1933, dizia: “Negro! Evita o
samba se quiseres evoluir...”. Segundo José Antônio dos Santos (2000, p.106): “O principal objetivo daquela
campanha era a alfabetização e a educação dos negros pelotenses. Outro fator importante constatado por José
Antonio foi que, para ele, o convívio de Penny em Porto Alegre serviu para aumentar a sua auto-estima e no sentido
de o mesmo se reconhecer como negro. Um dos maiores obstáculos para os mantenedores do jornal na época. (A
ALVORADA, 15/01/1933 apud SANTOS, 2000, p.106).
68
Trabalho”, que limitava a 25% a mão-de-obra imigrante no país. A Frente Negra era tida como a
principal organização negra naquela discussão, representando o trabalhador “nacional”.
Imagem 3: Na fotografia acima, vemos o Dr. Getúlio Vargas, Chefe do Governo Provisório, em companhia
do Sr. Isaltino B. Veiga dos Santos, Secretário Geral da F.N.B, logo após a audiência especial, concedida à Frente
Negra Brasileira, no Palácio Rio Negro, em Petrópolis. (Imagem e texto consultado em um Fac-símile do Jornal A
ALVORADA, 18 de Março de 1933).
Entendemos que das duas direções indicadas pela Frente Negra Brasileira, tidas como
exemplo para os intelectuais negros pelotenses, que fundaram a Frente Negra na cidade, a mais
aceita foi o exemplo da educação e da instrução como meio para a construção de uma identidade
negra positiva, o que viria a contribuir para a elevação da auto-estima desse grupo social em uma
cidade que embora os negros sofressem preconceitos, ainda tinham poucas estratégias de
reivindicação político-social tendo como base a positivação de sua identidade, com isso se
fortificando para lutar por seus direitos de integração e inserção social à ordem vigente,
assumindo-se como negros.
Entendemos que as Leis trabalhistas, em virtude da dupla militância contida na entidade,
foram aceitas com limites, já que os sindicalistas da região queriam autonomia em suas ações
reivindicatórias.
Uma questão que evidencia as diferenças nos contextos vivenciados pelos negros
pelotenses dos negros baianos e até mesmo paulistas, foi confirmada por Rodolfo Xavier, por
69
ocasião do surgimento da Frente Negra Brasileira.
100
O que colabora com a visão de Donald
Pierson (1945) que pesquisou o contexto social em que existiu a
Frente Negra
em São Paulo e
na cidade de Salvador. Segundo Xavier:
Uma separação de raças inviável no Brasil, histórica e etnologicamente
falando... contudo é verdade insofismável, indiscutível que esses
preconceitos se bem muitíssimo atenuados existem...julga o Norte do
Brasil pelo Sul, lá, os preconceitos de raças são superfectações (sic), casos
esporádicos que o bisturi dos tempos de quando em quando extirpa. Aqui
não. A escravidão, nem nos cafezais, foi tão dura e aviltante como nas
senzalas das charqueadas...os descendentes de sangue africano, mulatos
descascados negam e menosprezam a sua própria origem! Por isso a
fundação da Frente Negra contribuirá não para a separação de raças mas
para educar os seus próprios elementos envergonhados de sua
origem...absorvida pelo desdobramento e cruzamento incessante de
ininterruptas gerações..., para ombrear lado a lado com a raça branca para
os destinos de nossa nacionalidade. (A ALVORADA, 07/08/1932 apud
SANTOS, 2000, p.138)
Embora ciente das diferenças sofridas pelos negros brasileiros em outras regiões do país,
tendo Pelotas como o pior lugar para os descendentes de africanos, Xavier (1932) viu a
construção de nacionalidade como benéfica para o país com uma ressalva, o negro deveria
compor a nação reconhecendo-se como negro, afirmando-se, sem vergonha de sua identidade.
A partir dos anos 30, servindo de suporte para os registros desse lugar social e difusão de
seus interesses, em suas páginas os intelectuais negros propunham:
Uma identidade como negros através do jornal, pois era uma das maneiras
que os intelectuais encontraram de buscarem unir todos os descendentes
da senzala em um objetivo único qual seja, reivindicarem seus direitos e
se integrarem na sociedade brasileira sem distinções ou privilégios de
qualquer etnia. (SANTOS, 2000, p.107).
A fundação do Centro de Cultura Negra, em 23 de abril de 1933, na cidade de Pelotas,
gerou um intenso debate nas páginas do periódico sobre a necessidade de criação de um “oásis”
100
Deve-se entender a Bahia no período como estado integrante da região norte do Brasil.
70
que agregasse os negros naquela comunidade.
101
Conforme Rodolfo Xavier, que apoiou a criação
do centro:
Apelemos destas colunas aos intelectuais descendentes da raça... para a
fundação de um Centro Cultural igual aos da Frente Negra de São Paulo,
abstraindo discussões de raças e de preconceitos, tendo em vista
exclusivamente o levantamento moral e intelectual da raça por meio de
reuniões e preleções noturnas. (CAMPANHA PRÓ-EDUCAÇÃO-
CENTROS DE CULTURA/ A ALVORADA 26/03/1933 apud SANTOS,
2000, p.140).
Para José Antonio dos Santos, esse centro de cultura foi o embrião da Frente Negra na
cidade. Se o Centro de Cultura Negra foi em Pelotas a origem desse movimento social, ocorreu
o inverso no Recife, por ocasião da
Frente Negra Pernambucana
, problema que propomos a
identificar mais adiante, quando analisaremos a formação daquela entidade naquele município.
102
O primeiro registro no
Jornal A Alvorada,
sobre a
Frente Negra Pelotense,
foi um
artigo localizado no dia 11 de Junho de 1933 e estava assinado pelo pseudônimo Zumbi dos
Palmares. Além dos interesses de entidade, fora anunciado que o jornal era o órgão de divulgação
oficial da organização. Segundo os seus estatutos:
A Frente Negra é uma entidade organizada por negros e para os negros...
destina-se a pugnar pela união, educação, instrução, reabilitação e
engrandecimento de todos os elementos da raça negra...combate
tenazmente o Preconceito de cores (sic), fruto da vaidade e incompreensão
daqueles que julgam-se superiores a nós...procurará conquistar para o
negro, o direito, a igualdade e a consideração que a Lei lhe dá mas o
Preconceito, lhe nega...é completamente independente, não sendo filiada a
partidos, nem religiões, nem a clubes ou sociedades recreativas,
carnavalescas ou desportivas. Negro meu irmão, não te envergonhes da
tua cor, procura educar-te, instruir-te, valorizar-te, para mostrar a outrem,
a cultura e a inteligência da raça negra... a maioria negra é incontestável.
(A ALVORADA, 11/06/1933 apud SANTOS, 2000, p.144)
101
A formação de um espaço como denominamos nas páginas 29-33, desta pesquisa.
102
Se o embrião da Frente Negra em Pelotas fora o Centro de Cultura Negra, no Recife ocorreu justamente o inverso,
já que Frente Negra Pernambucana a partir de 1937 passou a se chamar Centro de Cultura Afro-Brasileiro. Ver
SILVA, Fátima Aparecida. O movimento social Frente Negra Pernambucana - 1936-1937-. A história continua.
XXIV Simpósio Nacional de História. São Leopoldo, 2007, p.5.
71
No jornal A Alvorada, datado de 19 de novembro de 1933, “ocorreu na sede social do
Clube Chove Não Molha”
103
, a proclamação da diretoria, sendo identificado na ocasião o nome
de dez pessoas da comunidade negra que formaram a diretoria da Frente na cidade. O Secretário
Geral era Humberto de Freitas (Dono do Jornal A Alvorada no período) o Vice-Presidente, Julio
Ribeiro, o Secretário Auxiliar era Juvenal Pás da Silva e Ivo Porto, todos operários. O Presidente
era Valdemar Rodrigues da Silva, funcionário postal federal, e Carlos Torres que era alfaiate,
além de mais dois bancários e um funcionário da Prefeitura, sem nomes identificados. Devido às
profissões dos membros da diretoria da entidade José Antonio dos Santos denomina que a direção
era exercida por uma classe média negra pelotense, dadas as condições sócio-econômicas do
período. (SANTOS, 2000, p.151).
O responsável pelas atividades culturais na Frente Negra Pelotense era Miguel Barros
que “trabalhava ativamente num domingo na A Hora da Frente Negra Pelotense no Clube
Chove Não Molha”. Exercia seu talento como artista plástico, além de ser um dos redatores do
jornal, se tornando um ícone na cidade e na organização, pois foi representante da entidade no
Primeiro Congresso-Afro-Brasileiro, realizado em 1934 no Recife. (SANTOS, 2000, p.107-
109).
A exemplo das Frentes citadas anteriormente, a paulista e a baiana, também foi
identificada, em Pelotas, a participação das mulheres negras em atividades sociais da
organização, como no preparativo de quermesses esportivas, assistenciais e festivas. (SANTOS,
2000, p.124), o que as aproxima das qualidades exercidas pelos grupos femininos: Rosas Negras
e Cruzada Feminina, do movimento paulista.
Mas o que localizamos e que acreditamos ter sido o diferencial da participação feminina
no jornal A Alvorada e na Frente Negra Pelotense são as colunas mantidas por elas a partir de
1934, conforme explicou José Antonio dos Santos,
No início de 1934 é criada uma “Página Feminina” no Semanário e, desta
maneira, as mulheres são incentivadas a se manifestarem: “faz-se questão
que sejam produzidas pelo elemento feminino”. Neste número temos
artigo assinado por Irene, em que a mesma reflete sobre a situação da
mulher negra no seio de uma família pobre “... em que o atraso da nossa
raça faz culminar ... a briga, a bebida, os maus tratos, terminando muitas
103
Clube carnavalesco fundado em Pelotas em abril de 1934, existente até os dias atuais.
72
vezes na delegacia e o dinheiro que lhe cai da mão, ganho em seus
medíocres empregos, logo tratam de esbanjá-lo em futilidades”. (A
MULHER NEGRA/ A ALVORADA 07/01/1934 apud SANTOS, 2000,
P.125)
Segundo Jacira Reis da Silva, em sua tese de doutoramento intitulada: Vozes de mulheres
negras na imprensa negra pelotense: a luta por educação através dos escritos do jornal “A
Alvorada.”...
A existência deste jornal revela a iniciativa e a liderança de um grupo
negro que foi capaz de elaborar e colocar em circulação o seu discurso.
Ainda que de forma intermitente, a circulação deste jornal, aponta para a
organização em busca do espaço e reconhecimento social. Além disso, seu
significado torna-se maior, na medida em que ele é portador das vozes de
mulheres negras. (SILVA, 2001, p.05).
Retomando a fundação da Frente Negra em Pelotas, embora obtendo o apoio
significativo da comunidade negra, conforme explicou Loner (1999, p.254), foram notados dois
problemas que dificultaram a sua formação, segundo José Antonio dos Santos (2000, p.127).
1) O primeiro, foi o problema da discriminação racial, sofrido pelos negros
naquela cidade e no Estado do Rio Grande do Sul.
2) O segundo, os problemas que diziam respeito à identidade negra, proposta pela
FNP, que fora rejeitado por algumas pessoas da própria comunidade negra.
O exemplo para a sua origem veio através da Frente Negra Brasileira de São Paulo que
motivara os negros pelotenses a se organizar
104
, tomando para si a responsabilidade de educar e
instruir os seus pares, mas esses dois problemas citados anteriormente, criaram uma forma muito
peculiar de embate no próprio seio da organização na cidade, pois além dessas situações e por ser
um movimento social de duplo sentido, organização racial e de classe, muitos tinham dificuldades
para entender qual os limites existentes entre ambos sentidos, dificuldades enfrentadas pelos
104
Segundo Xavier, intelectual negro que escreveu no Alvorada após saber da existência da FNB: ... “a fundação da
Frente Negra contribuirá não para a separação de raças mas para educar os seus próprios elementos envergonhados
de sua origem...absorvida pelo desdobramento e cruzamento incessante de ininterruptas gerações..., para ombrear
lado a lado com a raça branca para os destinos de nossa nacionalidade”. (A ALVORADA, 07/08/1932 apud
SANTOS, 2000, p.138).
73
próprios operários negros, e principalmente por quem era pouco identificado com a identidade
negra.
Santos (2000, p.134) identificou três aspectos que dificultaram a aglutinação das
populações negras em torno de uma organização que defendesse a identidade negra:
1- A dificuldade de assumir-se como negro.
2- Ao ascender econômica e socialmente e negar o segmento social de origem, algo
idêntico ao aspecto identificado por Bacelar (2001, p.151) na Bahia, mas com um,
porém: o contexto da cidade pelotense estava longe do “Paraíso Racial” identificado
em Salvador.
3- Dificuldade na construção de tal identidade devido ao discurso do “congraçamento
entre raças”. (SANTOS, 2000, p.134).
Devemos entender que esses três fatores foram debatidos entre as pessoas que
concordavam com a fundação da entidade e as que discordavam, preferindo o seu fechamento,
debates esses motivados por uma complexidade racial e de classe, diferentemente do núcleo
baiano, que sofreu extinção espontânea sem sequer ter conseguido propor tal discussão em
virtude de dois fatores, primeiro, a total falta de apoio dos pretos e mestiços soteropolitanos à
entidade, que gerou um quadro administrativo imobilizado, e também devido a um segundo fator,
este condicionado à falta de incentivos classistas e sindicais, que devido à repressão feita pelo
Estado da Bahia, desmobilizou o operariado e as suas organizações.
Além destas discussões internas, o jornal A Alvorada serviu veículo de comunicação da
entidade, já que os seus organizadores difundiam e registravam os seus interesses em prol da
inserção e da educação da comunidade negra pelotense e gaúcha através de suas linha. O
periódico também servia como veículo efetivo de denúncia. Conforme notícia publicada no dia
11 de fevereiro de 1934.
A Frente Negra Pelotense envia telegrama ao prefeito de São Leopoldo e
ao interventor do Governo Provisório, residente no Palácio do Governo na
capital, reclamando da atitude do prefeito daquela cidade que proibira os
negros de sentarem na praça. (A ALVORADA, 11/02/1934 apud
SANTOS, 2000, p.153)
74
Retornando aos debates internos, que ocorriam no seio da organização, entendemos que a
Constituição brasileira foi a principal barreira que dificultou o entendimento, por parte da
sociedade pelotense, sobre a real necessidade de construção de uma identidade negra sob a forma
de um “oásis”, o que fatalmente veio a repercutir na própria fundação da entidade na cidade, pois
seria muito complexo defender uma identidade exclusivamente negra e ao mesmo tempo
defender a Carta Magma do país, formulada através da igualdade jurídica que igualava
teoricamente; brancos e negros. O que por outro lado também acomodou a comunidade negra em
uma sociedade que cotidianamente o desqualificava, pois cabe aqui a seguinte questão: “Se
juridicamente somos iguais será que as oportunidades sociais são iguais para todos? Será que
realmente depende de cada indivíduo o seu lugar ao sol?” Perguntas complexas e discutíveis até
para os dias atuais, imaginemos na época, quando havia a imensidão do deserto?
Devido a esses fatores até outro nome foi sugerido para que a entidade fosse aceita sem
traumas: Frente Educacional Pelotense, pois segundo Francisco de Paula Alves da Fonseca,
representante da elite pelotense que propunha a alteração: “não há questão racial, mas sim falta
de educação do povo em geral”, algo que fora descartado pelos fundadores da entidade na cidade,
que viam essa alteração de nome como “enfraquecimento de forças”, já que o racismo existia e
era latente na cidade.
105
Os fatores citados anteriormente dificultaram a continuidade dos trabalhos desse
movimento social na cidade, pois a união e a elevação da auto-estima dessa comunidade ficaram
desequilibradas pela falta de aglutinação em torno da construção de uma identidade negra sólida.
Rodolfo Xavier, intelectual negro, militante da causa negra, operário, líder sindical e um
dos fundadores do jornal A Alvorada, e que foi localizado por nós através das pesquisas de José
Antonio dos Santos (2000), serviu-nos primeiramente para apresentar a realidade vivenciada
pelos negros pelotenses, bem como quanto aos debates do início dos anos trinta, e também para
apresentar-nos os indícios da Frente Negra Pelotense na cidade. Escreveu no jornal até os
últimos dias em que o periódico circulou na cidade em 1957.
Embora tenhamos passado brevemente pela suas informações, reconhecemos a
contribuição deste intelectual em torno da construção positiva da identidade negra em Pelotas,
105
Ver SANTOS, José Antônio dos. Raiou “A Alvorada”: Intelectuais negros e imprensa, Pelotas (1907-1957). 195
f. Dissertação, 2000, UFF, p. 127-154.
75
pois através de sua dupla militância, especificidades da Frente pelotense analisada, identificamos
nesse homem a síntese desse movimento no sul do país.
Para José Antonio dos Santos, Xavier parecia “embarcar” na ideologia do mito da
democracia racial, pois vislumbrava juntar negros e brancos para fundar a nacionalidade
brasileira. Nesse sentido, vemos isso como estratégia política e levamos em consideração como
algo benéfico.
Sobre a organização negra, ela durou na cidade apenas três anos, entretanto, pelo breve
período de sua existência e de suas ações; pautadas e identificadas na educação, realização de
bailes e de confraternizações para a comunidade negra local, mostras culturais coordenadas por
Miguel Barros e da divulgação de seus interesses e informações registrados através de denúncias
como a ocorrida em São Leopoldo, tendo como suporte o jornal A Alvorada, que circulou em
várias cidades gaúchas. Entendemos que, as atividades da Frente Negra Pelotense foram
importantes para a sociedade, pois a tentativa de formar uma rede social entre as demais
organizações negras da cidade e do Estado, para combater os preconceitos e formar oásis foi
contemplada.
Identificamos dois motivos essenciais que contribuíram com a sua breve existência. Em
primeiro lugar, a Constituição brasileira, e em segundo a causa proletária, sendo que ambas iam
de encontro ou dificultavam a construção de uma identidade exclusivamente negra. Esse
movimento social, pelos indícios que dispomos, perdurou em Pelotas por três anos, até 1936.
Percebemos que devido à Frente Negra Pelotense ter sido fundada pelos donos do jornal
A Alvorada na década de 1930, essa situação fez com que na prática essas duas instituições, pelo
período de três anos, tornassem fundidas em um único lugar social, registrando e difundindo os
mesmos interesses: A legitimação e a construção de uma identidade exclusivamente negra.
76
1.3.4 NO RECIFE: O CONGRESSO COMO PRINCÍPIO.
Neste momento, passar-se-á a analisar a fundação de um quarto e último núcleo deste
movimento, intitulado de:
Frente Negra Pernambucana
que, conforme veremos, teve a estreita
ligação com a Frente Negra Pelotense, pois, conforme Luna:
Pelotas é a cidade gaúcha de mais acentuada participação negra e como
Goiana em Pernambuco, forma os centros de maior discriminação racial
do interior do país. Pois foi justamente de Pelotas que partiu Miguel
Barros (o pintor “Barros o Mulato”), em 1934, para organizar a Frente
Negra Pernambucana. Em Pernambuco, com o poeta Solano Trindade, os
etnógrafos Vicente e Gerson Lima, além de outros negros e mulatos, bem
como intelectuais e estudantes brancos e com a participação do povo do
Recife, encontrou Barros, o Mulato Campo favorável. (LUNA, 1978,
p.312)
Ou seja, segundo essas informações, Miguel Barros, conhecido por o “Mulato”, foi um
dos responsáveis diretos pela fundação desse movimento social em Recife. Mas abaixo, temos
uma importante informação adicional, de que Barros, ao assumir a redação do Jornal A
Alvorada, em 1934, viajou para o Recife visando participar das atividades do Primeiro
Congresso Afro-Brasileiro, ao invés de ter partido de Pelotas, especificadamente para fundar
um núcleo da Frente Negra na cidade pernambucana, pois, conforme Santos (2000, p.107):
“Barros assume a redação do jornal por breve período em 1934, logo após iria representar a
Frente Negra Pelotense no I Congresso Afro-Brasileiro em Recife”.
Domingues (2007, p.271) confirma a participação de Barros “o Mulato”, também como
representante da organização no Congresso. Conforme ele: “em 1934, um dos principais
dirigentes da Frente Negra Pelotense, Miguel Barros, participou do I Congresso Afro-Brasileiro,
organizado por Gilberto Freyre no Recife. Lá, ele fez um discurso de denúncia da discriminação
racial no Rio Grande do Sul e, em determinado momento, relatou a situação da mulher negra”.
Estas evidências demonstram que na realidade Miguel Barros, representante da Frente
Negra Pelotense, se deslocou para o Recife para participar de fato das atividades do Primeiro
Congresso Afro-Brasileiro. Segundo Florentina Souza (2004, p.283), a Frente Negra
Pernambucana foi fundada em Recife com a participação de Solano Trindade (1908-1974) no
ano de 1936, portanto dois anos após o indicado por Luna (1978, p.312). A autora sequer cita em
77
seu artigo o contato mantido entre “O mulato” e Solano Trindade, mas em contrapartida nos
demonstra a movimentação de Trindade entre as regiões brasileiras, pois, segundo ela: “tendo
vivido em Pernambuco, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, ele espalhou por
essas cidades tanto sua produção quanto seu apreço pela cultura popular, fazendo-se personagem
de uma história do teatro, da textualidade e da vida político-cultural brasileira. (SOUZA, 2004,
p.283).
Neste sentido vislumbramos a participação tanto em Miguel Barros, quanto em Solano
Trindade das ”idéias em movimento”, pois enquanto Barros viajou para Pernambuco, saindo do
Rio Grande do Sul, Trindade fez o caminho inverso, deslocando-se de Pernambuco para o Rio
Grande do Sul.
Solano Trindade foi poeta, escritor, teatrólogo, ator, pintor e pesquisador das tradições
populares. Participou dos dois Congressos afro-brasileiros, em 1934, no Recife e em 1937, em
Salvador. No Recife, sua cidade natal foi considerado o poeta do povo. (SOUZA, 2004, p.293).
Fátima Aparecida da Silva (2007), vem desenvolvendo, na Universidade Federal do
Ceará, uma pesquisa específica sobre o movimento social Frente Negra
Pernambucana.
106
Segundo a autora, que entrevistou o filho de Vicente Rodrigues, um dos
fundadores do movimento no Recife em 1936, o Senhor Gustavo Augusto Rodrigues Lima,
Fátima descobriu importante informação sobre a fundação da Frente Negra na cidade, datada de
1936, o que vai ao encontro das informações localizadas por Florentina Souza, conforme citado
anteriormente. Segundo a versão de Gustavo Lima, entrevistado: “o gaúcho Barros dos Mulatos
(sic) veio para Pernambuco e quando ele chega aqui faz contato com Solano e com Zé Vicente e
criam a Frente Negra Pernambucana, isto é em 1936”. (Depoimento para Fátima Aparecida em
20/01/2007).
Independente do ano de sua fundação, se foi em 1934 ou em 1936, Miguel Barros, Solano
Trindade e Vicente Lima, estiveram juntos na origem desta organização no Recife, tanto Luna
(1976, p.312) quanto Fátima (2007, p.283) sincronizam nesta informação, o que aceitaremos
como indícios dessa hipótese, e que confirma a estreita ligação entre frentenegrinos pelo
território nacional.
106
O movimento social Frente Negra Pernambucana - 1936-1937-. A história continua. XXIV Simpósio Nacional de
História. São Leopoldo, 2007.
78
Conforme citado anteriormente, se o embrião da Frente Negra em Pelotas fora o Centro
de Cultura Negra,
no
Recife ocorreu justamente o inverso,
107
pois conforme Fátima (2007, p.5),
devido à vaidade dos pernambucanos, a Frente Negra Permabucana, a partir de 1937, passou a
se chamar
Centro de Cultura Afro-Brasileiro
, querendo ser uma organização original,
“diferente daquela imitada”, vinda do sul. Em 1987, por ocasião dos 50 anos de fundação do
CCAB,
Vicente Lima, que participou da fundação da
Frente Negra
na cidade, em 1936, diz:
A Frente Negra Pernambucana, transformada no Centro de Cultura Afro-
Brasileiro, se projetara junto das outras associações co-irmãs de todo o
país. Se não construirmos patrimônios materiais, construímos, entretanto,
um patrimônio muito maior, Patrimônio Cultural, que legamos aos nossos
sucessores. Ideal que nos animou nesses 50 anos que hoje aqui se
comemora nesta brilhante apoteose. (CARTILHA de divulgação do
cinqüentenário do Centro de Cultura Afro-Brasileiro, 1987 apud SILVA,
2007, p.5).
Acreditamos que a vaidade pode ter sido um dos modestos ingredientes para essa
alteração de nome, já que Vicente Lima, por ter sido companheiro de Miguel Barros, deva ter em
algum momento, tomado conhecimento do Centro de Cultura Negra de Pelotas, fundado em
1934, até porque, “o mulato” era o responsável direto pelas atividades culturais do movimento
pelotense. Portanto, vemos essa alteração de nome como fruto de outras influências. Devemos
estar atentos para os fortes acontecimentos relacionados com o ano de fundação do CCAB de
Recife, preconizados pela ditadura do Estado Novo. Pensado por nós como o principal fator da
alteração de nome da Frente Negra na cidade. Por isso a curta duração, entre 1936 e 1937. Já o
Centro de
Cultura Afro-Brasileiro
que teve como embrião a
Frente Negra Pernambuca
,
conforme Fátima Aparecida da Silva (2007, p.1): “a história continua...”, pois a entidade existe
até os dias atuais.
108
107
Centro de Cultura Negra fundado em Pelotas em 1933, segundo José Antônio o embrião da Frente Negra
Pelotense. Ver mais na pagina 68 e 69, desta dissertação.
108
Em virtude de desconhecermos profundamente as pesquisas de Fátima Aparecida da Silva propomos motivar o
debate sobre o desaparecimento das Frentes Negras diante da ditadura do Estado Novo e a continuidade de suas
propostas. Este debate em nossas pesquisas é incipiente quanto esta questão, mas salientamos que este período é
propício para serem desenvolvidos debates e discussões quanto à permanência das organizações negras entre 1937 e
1945. Em virtude disso acreditamos que os estudos de Fátima Aparecida da Silva, como o apresentado no XXIV
Simpósio Nacional de História, ocorrido na Universidade UNISINOS em São Leopoldo, no RS, no mês de julho de
2007 é de suma importância para difusão das pesquisas sobre a temática negra no período estado-novista.
79
Nesse sentido, repetimos o que escrevemos sobre Francisco Lucrécio na página 49 dessa
dissertação, membro da
Frente Negra Brasileira
de São Paulo, que relatou após o fechamento
da organização, em 1937, no estado novo, a seguinte passagem: “Quando a Frente Negra foi
fechada, podíamos até ter fechado o departamento político que tinha sido registrado como partido
e continuar a obra social, educacional e de assistência. Mas na época, ninguém pensou nisso”.
Ledo engano, a co-irmã do movimento social do Estado de Pernambuco, pensou...
Portanto, ao desenvolver uma dissertação sobre os Congressos afro-brasileiros e negros
sem analisar, mesmo que brevemente, o movimento frentenegrino, seria condicionar esse
trabalho a um “congelamento” de idéias, pois o “movimento” de assuntos referentes à temática
afro-brasileira e negra pelo território nacional inicia tendo como ponto de partida a Frente
Negra Brasileira, fundada em São Paulo, e as suas existências em diversos cantos do Brasil, e
em específico na nossa pesquisa, os núcleos da Bahia, Rio Grande do Sul e de Pernambuco.
Nos pareceu fundamental narrar a sua existência para “movimentar” a nossa dissertação
em conjunto com a nossa proposta, que é a de entender os Congressos como “oásis” de reflexão
e de descanso dos debates em torno da temática negra e afro-brasileira, sem esquecê-los
enquanto lugares sociais, nos quais, além de terem produzido materiais escritos, foram
delineados os interesses de grupos sociais sobre a situação cultural, política e social da
identidade negra.
Ou seja, nestes “oásis” as idéias continuam movimentando-se, entretanto, se antes as
propostas encontravam campo fértil para se concretizar em determinada região do país, tendo
como vanguarda a Frente Negra, através de seus homens ou de sua imprensa, agora os homens
envolvidos em torno destas temáticas passam a propor e a organizar em um lugar fixo os
Congressos para que outras pessoas trouxessem consigo suas mais diversas experiências e
contribuições, fossem elas de maneira escrita ou oral, com isso contribuindo para o entendimento
da identidade negra em nossa sociedade.
80
CAPÍTULO – II
2. CONGRESSOS: OS OÁSIS NACIONAIS.
Este capítulo visa atualizar as atividades de caráter nacional, ocorridas no Brasil em
virtude dos congressos afro-brasileiros-negros. Passemos a demonstrar neste momento, os
congressos de caráter nacional, como lugares sociais que motivaram, através da presença do
público interessado, a temática afro-brasileira e negra em suas vertentes culturais, políticas e
sociais.
Analisaremos: o Primeiro Congresso Afro-Brasileiro, realizado em Pernambuco na
cidade do Recife no ano de 1934, o Segundo Congresso-Afro Brasileiro, sediado em Salvador
em 1937, as Convenções nacionais do Negro, ocorridas em São Paulo, capital, no ano de 1945 e
no Rio de Janeiro em 1946; a Conferência Nacional do Negro, realizada no Rio de Janeiro em
1949 e o Primeiro Congresso do Negro, também acontecido no Rio de Janeiro em 1950.
Antes de desenvolvermos a narrativa deste item, chamamos a atenção para a relação
intrínseca entre os locais em que existia o movimento frentenegrino e os estados onde foram
realizados os encontros de caráter nacional sobre esta temática. Ou seja, nos Estados de
Pernambuco, Bahia, São Paulo e Rio Grande do Sul, existiram núcleos da Frente Negra, mas o
mais interessante é que se antes as idéias viajavam de São Paulo para o Sul e depois para o norte
e nordeste brasileiro, por ocasião deste movimento social, agora por realização dos Congressos, o
movimento é justamente o inverso, pois os “oásis” surgem no nordeste, passam pelo sudeste e
chegam ao Sul do país, mais precisamente na cidade de Porto Alegre. Esse incessante movimento
de idéias e pessoas por praticamente todo o território nacional, identificado por nós neste período,
terá sido mera coincidência?
Apresentamos, abaixo, tabelas informativas sobre os oásis/Congressos e os oásis/
Organizações Negras de caráter nacional localizadas entre 1931, ano de fundação da Frente
Negra Brasileira em São Paulo e 1958, quando também ocorreu o Primeiro Congresso Nacional
do Negro em Porto Alegre-RS.
TABELA – 2
TOPOGRAFIA DOS OÁSIS (CONGRESSOS NACIONAIS) ENTRE 1934-1958
Cidade Título Ano Espaços
físicos
Organização Interesses Abrangência Resultados
Para a identidade e comunidade negra.
Referências Bibliográficas e fontes
consultadas.
Pernambuco/
RE
Primeiro
Congresso Afro-
Brasileiro
1934 Teatro Santa
Isabel
Gilberto
Freyre
A história da importação
e da escravidão africanas,
os problemas de
aculturação, as variações
antropométricas raciais e
discussões sobre os livros
Casa Grande e Senzala e
Sobrados e Mocambos.
Nacional Influências dos aspectos culturais das
populações afro-descendentes e o seu
reconhecimento na formação da
identidade nacional e inicio de uma
sistematização dos estudos do negro no
Brasil.
ANAIS – Estudos Afro-Brasileiros –
Trabalhos apresentados no 1º
Congresso Afro-Brasileiro reunido no
Recife em 1934. 1º vol. Rio de
Janeiro: Ariel, Editora LTDA, 1935.
PIERSON. D. Brancos e Pretos na
Bahia. São Paulo, Companhia Editora
Nacional, 1945. LUNA, L. O Negro
na luta contra a escravidão. Rio de
Janeiro: Editora Cátedra, 1976.
SKIDEMORE, T.E. Preto no Branco.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.
TUNA, Gustavo Henrique. O negro
deu régua e compasso: Revista de
História da Biblioteca Nacional, p.68-
73. setembro de 2005. PAZ, Clilton
Silva (2007). A importância do
Primeiro Congresso Afro-Brasileiro
do Recife. Encontro Escravidão
Mestiçagem – MG, 2006.
Salvador/ BA Segundo
Congresso Afro-
Brasileiro
1937 Instituto
Histórico e
Geográfico
da Bahia e
Faculdade de
Medicina
Edison
Carneiro,
Aydano do
Couto Ferraz e
Reginaldo
Guimarães.
A história da importação
e da escravidão africanas,
os problemas de
aculturação, as variações
antropométricas raciais e
Protestos contra a
interferência policial no
candomblé.
Nacional Influências dos aspectos culturais das
populações afro-descendentes e o seu
reconhecimento na formação da
identidade nacional. Os participantes do
Congresso aprovaram duas resoluções:
“Uma resolução sobre a liberdade das
religiões africanas e outra encarregando a
Comissão Executiva de criar um
organismo que congregasse,
democraticamente, os chefes de seita da
cidade e do estado”. (CARNEIRO, 1940,
p.100-101). Surgiu a Criação da União
das Seitas Afro-Brasileiras.
CARNEIRO, E. Ladinos e Crioulos.
Rio de Janeiro, Ed. Civilização
Brasileira, 1964. PIERSON. D.
Brancos e Pretos na Bahia. São Paulo,
Companhia Editora Nacional, 1945.
AMADO.J. Bahia de Todos os Santos.
São Paulo, Martins, 1960.
SKIDEMORE, T.E. Preto no Branco.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.
CLAY, Vinícius. O Negro em O
Estado da Bahia: De 09 de maio de
1936 a 25 de janeiro de 1937. 2006.
http://www.facom.ufba.br/pex/viniciu
sclay.doc/ acesso em fevereiro de
2008
82
Campinas/ SP Congresso Afro-
Campineiro
1938 Instituto de
Ciências e
Letras de
Campinas
Abdias do
Nascimento,
Agnaldo de
Oliveira
Camargo,
Aguiar
Sampaio, o
tipógrafo
Jerônimo e
José Alberto
Ferreira.
Combater o ostensivo
racismo e separatismo
tradicional dessa cidade.
Durante uma semana
discutiram- as condições
da vida do negro
brasileiro sob vários
aspectos: econômico,
social, político, cultural.
Regional Primeira forma de debater através de um
encontro realizado em uma instituição de
ensino o racismo.
NASCIMENTO; GUIMARÃES, A S.A
Tirando a máscara. São Paulo, Paz e Terra,
2000, p.203.
Belo Horizonte/
MG
Terceiro
Congresso Afro-
Brasileiro
1944 - Ayres da Mata
Machado e
João Dornas
Filho.
Reunião de etnógrafos,
psiquiatras, antropólogos,
lingüistas, historiadores,
folcloristas e sociólogos,
tendo o negro como tema.
Nacional -
BASTIDE, Roger. As religiões africanas
no Brasil. São Paulo: Livraria Pioneira
Editora, 1971, p.37.
São Paulo/ SP Convenção
Nacional do
Negro
1945 - TEN Sob a
liderança de
Abdias do
Nascimento.
Acontecimento político
de cunho popular, sem
pretensões acadêmicas.
Foram tratados temas
sobre necessidades negras
e situações
socioeconômicas.
Nacional Surgiram reivindicações concretas sociais
a favor da população negra: admissão de
gente negra para a educação secundária e
superior, formulação de uma lei
antidiscriminatória e medidas jurídicas
contra a discriminação, enviado a todos
os partidos políticos. Compareceram 500
pessoas
NASCIMENTO; GUIMARÃES, A S.A
Tirando a máscara. São Paulo, Paz e Terra,
2000, p.211-213.
Rio de Janeiro/
RJ
Convenção
Nacional do
Negro
1946 - TEN Sob a
liderança de
Abdias do
Nascimento.
Acontecimento político
de cunho popular, sem
pretensões acadêmicas.
Foram tratados temas
sobre necessidades negras
e situações
socioeconômicas.
Nacional Idem anterior quanto aos interesses.
Compareceram 200 pessoas.
NASCIMENTO; GUIMARÃES, A S.A
Tirando a máscara. São Paulo, Paz e Terra,
2000, p.211-213.
Rio de Janeiro/
RJ
Conferência
Nacional do
Negro
1949 Sala de
Reuniões da
Associação
Brasileira de
Imprensa
Abdias do
Nascimento,
Guerreiro
Ramos e
Edison
Carneiro.
A revisão das teorias
racistas das teorizações
antropológico-
sociológicas
convencionais sobre o
negro, representado pelos
Congressos Afro-
Brasileiros da década
anterior.
Nacional Serviu conforme os seus organizadores,
como reunião preparatória para o
Primeiro Congresso do Negro Brasileiro.
NASCIMENTO; GUIMARÃES, A S.A
Tirando a máscara. São Paulo, Paz e Terra,
2000, p.214-215.
Fac-Símile do Jornal Quilombo, ano 1, nº3,
junho de 1949, p.06.
83
Rio de Janeiro/
RJ
Primeiro
Congresso do
Negro Brasileiro
1950 Abdias do
Nascimento,
Guerreiro
Ramos e
Edison
Carneiro
O I Congresso Negro
pretendeu dar uma ênfase
toda especial aos problemas
práticos e atuais da vida da
nossa gente de cor. Sempre
que se estudou o negro foi
com o propósito evidente ou
a intenção mal disfarçada de
considerá-lo um ser distante,
quase morto, ou já mesmo
empalhado como peça de
museu. Por isso mesmo o
Congresso dará uma
importância secundária, por
exemplo, às questões
etnológicas, e menos
palpitantes, interessando
menos saber qual seja o
índice cefálico do negro, ou
se Zumbi suicidou-se
realmente ou não, do que
indagar quais os meios de
que poderemos lançar mão
para organizar associações e
instituições que possam
oferecer oportunidades para a
gente de cor se elevar na
sociedade. (Abdias
Nascimento, 1950, editorial
Jornal “Quilombo”).
Nacional Declaração de Princípios:
a) a defesa vigilante da sadia tradição
nacional de igualdade entre os grupos que
constituem a nossa população; b) a
utilização de meios indiretos de
reeducação e desrecalcamento em massa
e de transformação de atitudes, tais como
o teatro, o cinema, a literatura e outras
artes, os concursos de beleza, e as
técnicas de sociatria; c) a realização
periódica de congressos culturais e
científicos de âmbito internacional,
nacional e regional; d) a inclusão de
homens de cor nas listas de candidatos de
agremiações partidárias, a fim de
desenvolver a sua capacidade política e
formar líderes esclarecidos, que possam
traduzir em formas ajustadas às tradições
nacionais, as reivindicações das massas
de cor; e) a cooperação do governo,
através de medidas eficazes, contra os
restos de discriminação de cor ainda
existentes em algumas repartições
oficiais.
NASCIMENTO; GUIMARÃES, A
S.A Tirando a máscara. São Paulo,
Paz e Terra, 2000, p.215. PINTO. L.A
C. O Negro no Rio de Janeiro. São
Paulo, Companhia Editora Nacional,
1953. CEVA, Antonia Lana de
Alencastre. O negro em cena: a
proposta pedagógica do Teatro
Experimental do Negro. Dissertação
de Mestrado, 2006, PUC-RJ.
RAMOS, Guerreiro. O problema do
Negro na Sociologia Brasileira.
Transcrito de Cadernos de Nosso
Tempo, 2 (2): 189-220, jan./jun. 1954.
Disponível em
http://www.schwartzman.org.br/simon
/negritude.htm. Acesso em 31
Ago.2007.
Jornal “QUILOMBO” / Rio de
Janeiro/ 1950/ Editorial.
Fontes: ANAIS – Estudos Afro-Brasileiros Trabalhos apresentados no 1º Congresso Afro-Brasileiro reunido no Recife em 1934. 1º vol. Rio de Janeiro: Ariel,
Editora LTDA, 1935. PIERSON. D. Brancos e Pretos na Bahia. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1945. LUNA, L. O Negro na luta contra a escravidão. Rio de
Janeiro: Editora Cátedra, 1976. SKIDEMORE, T.E. Preto no Branco. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976. TUNA, Gustavo Henrique. O negro deu régua e compasso:
Revista de História da Biblioteca Nacional, p.68-73. setembro de 2005. PAZ, Clilton Silva (2007). A importância do Primeiro Congresso Afro-Brasileiro do Recife.
Encontro Escravidão Mestiçagem – MG, 2006, CARNEIRO, E. Ladinos e Crioulos. Rio de Janeiro, Ed. Civilização Brasileira, 1964. PIERSON. D. Brancos e Pretos
na Bahia. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1945. AMADO.J. Bahia de Todos os Santos. São Paulo, Martins, 1960. CLAY, Vinícius. O Negro em O Estado da
Bahia: De 09 de maio de 1936 a 25 de janeiro de 1937. 2006. http://www.facom.ufba.br/pex/viniciusclay.doc/ acesso em fevereiro de 2008, NASCIMENTO;
GUIMARÃES, A S.A Tirando a máscara. São Paulo, Paz e Terra, 2000, p.215. PINTO. L.A C. O Negro no Rio de Janeiro. São Paulo, Companhia Editora Nacional,
1953. CEVA, Antonia Lana de Alencastre. O negro em cena: a proposta pedagógica do Teatro Experimental do Negro. Dissertação de Mestrado, 2006, PUC-RJ.
RAMOS, Guerreiro. O problema do Negro na Sociologia Brasileira. Transcrito de Cadernos de Nosso Tempo, 2 (2): 189-220, jan./jun. 1954. Disponível e
m
http://www.schwartzman.org.br/simon/negritude.htm. Acesso em 31 Ago.2007.
Jornal “QUILOMBO” / Rio de Janeiro/ 1950/ Editorial.
84
Porto Alegre/
RS
Primeiro
Congresso
Nacional do
Negro
1958 Câmara de
Vereadores e
Sociedade
Beneficente
Floresta
Aurora
Sociedade
Beneficente
Floresta
Aurora sob a
liderança de
Valter Santos e
PTB.
Os principais temas do
encontro foram três eixos:
a necessidade de
alfabetização do negro
frente à atual situação do
Brasil; a situação “do
homem de cor” na
sociedade e o papel
histórico do negro no
Brasil e demais nações. O
encontro pretendia
aprofundar os estudos
relativos às necessidades
de maior adaptação do
negro na sociedade
brasileira através da
elevação de seu nível
cultural.
Nacional
A criação de um Grande Plano de Trabalho
incluindo palestras, seminários, endereçados
principalmente aos homens de cor, (...)além de
medidas a serem tomadas pelos poderes
constituídos
.
Ampla campanha de alfabetização através das
entidades negras com a formação de escolas e
de cursos, motivando a inserção do homem
negro à sociedade brasileira.
GOMES, A.S. Análise de conteúdo: o
condicionamento das informações sobre o
Primeiro Congresso Nacional do Negro
Brasileiro realizado em Porto Alegre
através dos periódicos Correio do Povo,
Folha da Tarde e Revista do Globo. Artigo
publicado no site História e História, junho
de 2007. Disponível no site:
http://www.historiaehistoria.com.br/indice.
cfm?tb=alunos. Acesso em 24 Jun.2007.
GOMES, A.S. Idéias Negras em
Movimento. III Encontro Escravidão e
Liberdade no Brasil Meridional.
Florianópolis SC. São Leopoldo: OIKOS,
2007.p.78-79
GOMES, A.S. Primeiro Congresso
Nacional do Negro Brasileiro realizado em
Porto Alegre no ano de 1958. Porto Alegre:
VI Congresso Internacional de Estudos
Ibero-Americanos – PUCRS, 2006.
GOMES, A.S.
Visibilidade negra: informações e imagens
em três jornais de Porto
Alegre sobre o Primeiro Congresso
Nacional do Negro no ano de 1958. V
Mostra APERS. Porto Alegre, CORAG,
p.195-209, 2007.
GOMES, AS. Assuntos Levantados e
registrados: Informações em três jornais
sobre o Primeiro Congresso Nacional do
Negro realizado em Porto Alegre no ano
de 1958. Revista OPSIS. Disponível no
site:
www.catalão.ufg.Br/historia/revistaopsis/s
umario/OPSIS2007.2/357_opsis2007_2pdf
/ Acesso em 08 de junho de 2008.
Fontes: Referências Bibliográficas que foram consultadas e que constam na última coluna desta tabela.
85
TABELA – 3
TOPOGRAFIA DOS OÁSIS (ORGANIZAÇÕES NEGRAS NACIONAIS) ENTRE 1931-1958
Cidade de
origem
Nome Período
Líder Interesses Publicações
Periódicos
Estados que existiu Referências Bibliográficas
São Paulo Frente Negra Brasileira
1931 até o Estado
Novo 1937
Arlindo Veiga dos Santos
Intelectual Negro
Irradiar por todo o Brasil, a partir de São
Paulo, a união política e social da gente negra
nacional, para afirmação dos direitos
históricos da mesma, em virtude de sua
atividade material e moral no passado e para
reivindicação de seus direitos sociais e
políticos na comunhão brasileira. Elevação
moral, intelectual, artística, técnica,
profissional e física; assistência, proteção e
defesa social, jurídica, econômica e de
trabalho da gente negra.
Criação de cooperativas econômicas, escolas
técnicas de ciências e artes, e campos de
esportes dentro de uma finalidade brasileira.
Pleitear, dentro da ordem legal instituída no
Brasil, os cargos eletivos de representação da
gente negra brasileira, efetivando a sua ação
político-social em sentido rigorosamente
brasileiro. Fonte: estatutos aprovados em
12/10/1931, publicados no diário oficial em
04/11/1931.
Jornal A Voz da
Raça
São Paulo,
Rio de Janeiro, Minas
Gerais,
Bahia,
Rio Grande do Sul,
Pernambuco e interior
paulista.
BACELAR, J. A hierarquia das Raças,
Negros e Brancos em Salvador. Rio de
Janeiro: ED Pallas, 2001. BARBOSA, M.
Frente Negra Brasileira, depoimentos. São
Paulo: Quilomboje 1998. BASTIDE, R.
Brasil, Terra de Contrastes. São Paulo-Rio
de Janeiro: DIFEL, 1979. BASTIDE, R.
Brancos e Negros em São Paulo. São
Paulo, Companhia Editora Nacional,
1959. FERNANDES, F. A Integração do
Negro na Sociedade de Classes. São
Paulo: Ática, 1978. GOMES, F. Negros e
Política (1888-1937). Rio de Janeiro:
Jorge Zahar editor, 2005. LUNA, L. O
Negro na luta contra a escravidão. Rio de
Janeiro: Editora Cátedra, 1976. MOURA,
C. História do Negro Brasileiro. São
Paulo: Editora Ática S.A., 1992.
MOURA, C. Dialética Radical do Brasil
Negro. São Paulo: Anita Ltda., 1994.
MUNANGA, K. Rediscutindo a
mestiçagem no Brasil – identidade
nacional versus identidade negra. Belo
Horizonte: Coleção Cultura e Identidade
Brasileira, Autêntica. 2004. SANTOS,
J.A. Raiou “A Alvorada”: Intelectuais
negros e imprensa, Pelotas (1907-1957)
Dissertação de mestrado orientada por
Prof. Dr. Geraldo de Beauclair Mendes de
Oliveira. Niterói, 2000. SINGER, P.;
BRANT, V.C. (org) São Paulo: o povo
em movimento. Petrópolis: Vozes, 1980.
OLIVEIRA, L.L. “A Frente Negra
Brasileira: Política e Questão Racial nos
anos 1930”. Dissertação de Mestrado
orientada por Marilene Rosa Nogueira da
Silva. Rio de Janeiro, 2002.
Porto
Alegre
União dos Homens de Cor
– UHC
1943 até a
Ditadura Militar
João Cabral Alves, que
segundo seu estatuto era
farmacêutico e articulista.
A União dos Homens de Cor dos Estados
Unidos do Brasil – ou UAGACÊ, como
costumava ser chamada – tinha como um dos
seus objetivos, expressos no artigo 1º do
estatuto, no capítulo das finalidades: "elevar
o nível econômico, e intelectual das pessoas
de cor em todo o território nacional,
p
ara
- Minas Gerais,
Santa Catarina, Bahia,
Maranhão,
Ceará,
Rio Grande do Sul, São
Paulo,
Espírito Santo,
SILVA, J. A União dos Homens de Cor:
aspectos do movimento negro dos anos 40
e 50. Rio de Janeiro, 2003. Estudos Afro-
Asiáticos. Vol.25 nº2 ISSN 0101-546 X,
www.scielo.br/ scielo.php?pid=S0101-
546X2003000200002&script=sci_arttext -
73k -. afro
@
candidomendes.edu.br.
86
torná-las aptas a ingressarem na vida social e
administrativa do país, em todos os setores de
suas atividades", principalmente através da
assistência social.
Piauí e
Paraná
Acesso em mai.2006.
PINTO. L.A C. O Negro no Rio de
Janeiro. São Paulo, Companhia Editora
Nacional, 1953.
Rio de
Janeiro
Teatro Experimental do
Negro - TEN
1944 até a
Ditadura Militar
Abdias do Nascimento.
Intelectual Negro e ex-
membro da FNB
Contestar a discriminação, formar atores
afro-brasileiros, reivindicava a diferença e
não apenas integrar-se a sociedade,
reconhecimento do valor civilizatório da
herança africana, cursos de alfabetização.
Jornal
“Quilombo”
Atuou no Rio de
Janeiro e em São Paulo.
GUIMARÃES, A S.A Tirando a máscara.
São Paulo, Paz e Terra, 2000.
MUNANGA, K. Rediscutindo a
mestiçagem no Brasil – identidade
nacional versus identidade negra. Belo
Horizonte: Coleção Cultura e Identidade
Brasileira, Autêntica. 2004.
PINTO. L.A C. O Negro no Rio de
Janeiro. São Paulo, Companhia Editora
Nacional, 1953.
São Paulo Associação dos Negros
Brasileiros
1945-1948 Integrantes dos
movimentos dos anos 30,
FNB, Aristide Barbosa,
ex-membro da FNB
Combater o problema econômico, social,
cultural e racial do negro.
Jornal a
Alvorada
São Paulo e interior FERNANDES, F. A Integração do Negro
na Sociedade de Classes. São Paulo:
Ática, 1978.
Rio de
Janeiro
Teatro Popular Brasileiro 1950 Solano Trindade, fundador
da Frente Negra
Pernambucana.
Movimento da Cultura Popular, conjunto de
negros e mulatos fundado no Rio e
transferido para SP quatro anos depois.
Participação de escritores, artistas, estudantes
e jornalistas do país e estrangeiro. Pesquisas
sobre macumba e candomblé, escolas de
samba, folias de Reis e teatro alegórico, além
de manter uma cozinha de pratos típicos afro-
brasileiros. Contribuiu para o Cinema
Brasileiro. Participou e apresentou obras
afro-brasileiras no exterior, em Portugal,
França, Espanha, etc.
- Rio de Janeiro e São
Paulo
LUNA, L. O Negro na luta contra a
escravidão. Rio de Janeiro: Editora
Cátedra, 1976.
Fontes: Referências Bibliográficas que foram consultadas e que constam na última coluna desta tabela.
Portanto, para analisar esses importantes eventos, restritos aos conclaves, perguntamos:
onde ocorreu e quem foi ou quais foram os organizadores desses congressos? Houve a
participação de intelectuais negros em suas atividades? Que pesquisas e trabalhos foram
apresentados nesses encontros? Quem eram os participantes das atividades? E as mulheres,
participavam? Quais as cidades e que localidades enviaram representantes ao encontro? Que
topografia de interesses e que produção escrita foi emitida nesses lugares? Quais os resultados
políticos e sociais desses congressos para a comunidade e identidade negra?
Iniciamos demonstrando como foram as atividades do Primeiro Congresso Afro-
Brasileiro.
88
2.1 O CONGRESSO AFRO-BRASILEIRO E A CULTURA NACIONAL.
O Primeiro Congresso Afro-Brasileiro foi realizado na cidade do Recife, em
Pernambuco, do dia 11 ao dia 16 de novembro do ano 1934, nas dependências do Teatro Santa
Isabel. Organizado, patrocinado e proposto por Gilberto Freyre (1900-1987), esse Congresso
contou com a presença de intelectuais, acadêmicos, antropólogos e representantes da comunidade
negra pernambucana, que viriam a fundar, dois anos depois, a Frente Negra Pernambucana.
Imagem 4 – Cartaz do Iº Congresso Afro-Brasileiro, de autoria do pintor Cícero Dias que ressalta o tema da
presença africana no Brasil. Apud Tuna, 2005, p.69.
Convém, neste momento, biografarmos, brevemente Gilberto Freyre, organizador do
encontro.
Freyre nasceu em 1900, no Recife, filho de família tradicional
pernambucana. Seus estudos iniciais foram realizados sob orientação de
professores particulares. Estudou posteriormente no Colégio Americano
Gilreath, em Pernambuco, para prosseguir na Universidade de Baylor,
com pós-graduação em Ciências Políticas, Jurídicas e Sociais na
Universidade de Colúmbia...
109
109
A biografia e a bibliografia completa de Gilberto Freyre é localizada na íntegra no livro Casa Grande e Senzala
21ª edição (1981). Ver FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala. Rio de Janeiro: Livraria José Olimpio Editora
S.A, 1981, 11-28.
89
Localiza-se, em nossa historiografia, uma importante bibliografia pertinente a este
congresso, no entanto, sentimos que faltam trabalhos que versem sobre sua contribuição para a
sociedade brasileira e principalmente para a identidade negra, pois esse item ainda é pouco
evidenciado.
110
Nesse encontro, que teve como eixo a temática afro-brasileira, foram debatidos temas
variados, além de discussões sobre os livros
Casa Grande e Senzala,
e
Sobrados e
Mocambos.
111
Perante a mesa de apresentações do 1º Congresso Afro-Brasileiro, foram apresentados
trabalhos históricos e etnológicos sobre o período da escravidão, pesquisas sobre a situação dos
afro-descendentes no pós-abolição, comunicações sobre a contribuição dos africanos e negros
para a arte e religião brasileira, trabalhos que trataram das influências sociais advindas com as
experiências das populações negras cotidianas em nosso país, trabalhos sobre saúde mental e
social dos negros e pesquisas sobre a mestiçagem.
Sobre o tema que versou sobre o período da escravidão africana no Brasil, localizamos os
seguintes autores e títulos que participaram das atividades deste Congresso: Adhemar Vidal, que
apresentou o trabalho: “Negros fugidos na Paraíba”. Dividida em treze tópicos essa comunicação
procurou analisar a inserção e a importância da mão-de-obra negra na formação social, política e
econômica do Estado da Paraíba. Nesta linha temos os seguintes títulos: “A Inglaterra e o
Tráfico” e “Três séculos de escravidão na Parahyba”. Alfredo Brandão apresentou o trabalho “Os
negros na história de Alagoas”, dividida em cinco tópicos, o autor procurou analisar a
importância do negro na formação social e econômica do Estado das Alagoas, desde a sua
colonização até a década de trinta.
110
Para saber mais sobre o Primeiro Congresso Afro-Brasileiro ler: FREYRE, Gilberto. O que foi o 1º Congresso
Afro-Brasileiro (1934), Estudos Afro-Brasileiros – Trabalhos apresentados ao 1º Congresso Afro-Brasileiro reunido
no Recife em 1934. 1º Vol. (1935), PIERSON, Donald. Em brancos e pretos na Bahia (1945), RAMOS, Guerreiro
em O problema do Negro na Sociologia Brasileira, BASTIDE, Roger (1971) em As religiões africanas no Brasil,
Márcio Barbosa (1998) em Frente Negra Brasileira, depoimentos, TUNA, Gustavo Henrique (2005) em O negro deu
régua e compasso: Revista de História da Biblioteca Nacional e PAZ, Clilton Silva (2007). A importância do
Primeiro Congresso Afro-Brasileiro do Recife.
111
Ver PAZ, Clilton Silva. A importância do Primeiro Congresso Afro-Brasileiro do Recife. Encontro Escravidão
Mestiçagem – MG, 2006.
90
Gonçalves de Mello Neto apresentou o trabalho intitulado: “A situação do negro sob o
domínio holandês”. Também localizamos títulos como: “Uma escrava original” e “Deformação
de corpos dos negros fugidos”. José Valadares apresentou a comunicação intitulada: “A
República dos Palmares”, Ruy Coutinho apresentou a “Alimentação e estado nutricional do
escravo no Brasil”. Neste trabalho o autor procurou analisar através de estudos que a alimentação
dos negros no Brasil se conservou, em alguns aspectos, idêntico ao da África, contendo apenas
vegetais, concluindo que a carência alimentar era bem acentuada no negro brasileiro, revelando a
existência de doenças que tinham como causa a desnutrição. Justino de Oliveira apresentou o
trabalho sobre, “O trabalhador negro no tempo do bangüê
112
comparado com o trabalhador negro
no tempo das usinas de açúcar”.
Localizamos também os seguintes trabalhos sobre a condição do negro no pós-abolição: a
“Abolição e suas causas”, de Jovelino M. Camargo Jr. (ANAIS, 1935, p.153), “explicou que o
seu trabalho visou contribuir para a história do desenvolvimento da sociedade brasileira”.
Também sobre o pós-abolição tivemos a apresentação do trabalho de Edison Carneiro, intitulado:
“Situação do negro no Brasil”. Neste trabalho o autor analisou que com o fim da escravidão, a
questão social do negro não tinha sido resolvida, pois este ainda se encontrava à margem da
sociedade brasileira. Conforme Carneiro (apud ANAIS, 1935, p.238): “Ainda aqui, sob o
capitalismo, o negro ficou sendo burro de carga da produção nacional, representando a
esmagadora maioria da população trabalhadora do Brasil. Entregue a si mesmo, dono de uma
liberdade fictícia, ganhando mal, vestindo mal, alimentando-se mal. caiu no álcool, na
malandragem, na criminalidade”.
Jarbas Pernambucano apresentou o trabalho, “Maconha em Pernambuco”. Neste trabalho
o autor procurou analisar os mais variados nomes que a maconha tinha na época de sua pesquisa,
tentando verificar a sua utilização por indivíduos provenientes das camadas mais baixas da
sociedade pernambucana: negros e mestiços pobres. (PAZ, 2006, p.22).
Sobre as artes e a literatura tivemos trabalhos como: “Musicalidade do escravo negro no
Brasil” e a comunicação de Renato Mendonça que apresentou o trabalho, “O negro no folk-lore e
112
Conforme Pierson, a moenda primitiva, usada no Brasil colonial e freqüentemente chamada de engenho, era
também conhecida por banguê. Ver PIERSON. Donald. Brancos e Pretos na Bahia. São Paulo, Companhia Editora
Nacional, 1945, p.272.
91
na literatura do Brasil”. Neste trabalho o autor apresentou uma das questões que mais
interessavam a etnologia à época: saber as crenças religiosas dos negros africanos. Tivemos
também a participação de Samuel Campello, que apresentou a comunicação “Fizeram os negros
teatro no Brasil?”. Campello procurou analisar que através dos autos da fé os negros participaram
da formação cultural do Brasil, além de terem realizado peças teatrais. Gilberto Freyre e Cícero
Dias apresentaram em conjunto: “O negro na arte popular e doméstica de Pernambuco”; Odorico
Tavares expôs o trabalho intitulado: “O negro e a poesia brasileira”, já Diógenes Junior falou
sobre, “O negro na música do Nordeste” e Gonçalves Fernandes, “A pintura e a escultura entre os
afro-brasileiros”. Jorge Amado também participou do encontro com um trabalho sobre “A
presença da África na literatura brasileira”.
Sobre os aspectos afro-religiosos brasileiros, localizamos os seguintes títulos: “Aspectos
da influência africana na formação social do Brasil vocabulário Nagô Xangô”, de Rodolpho
Garcia, “Os Mythos de Xangô e sua degradação no Brasil” de Artur Ramos, e “Toadas de Xangô
do Recife”, de Geraldo de Andrade. Pedro Cavalcanti mostrou o trabalho: “As seitas africanas do
Recife”, “Notas sobre catimbó”
113
e “Ohum Eniadúdú”. Na comunicação sobre as seitas do
Recife Cavalcanti (1935, p.243) dizia que: “Tais seitas viviam até então, de certa maneira,
escondidas. Ou porque, a política não lhes permitia o livre funcionamento, ou porque os jornais,
vês por outra, traziam reclamações dos moradores da rua tal...”.
José Lins do Rego falou sobre, “Xangô em Alagoas”; Edison Carneiro em sua segunda
participação, também apresentou a comunicação, “Xangô”. Neste trabalho Carneiro examinou a
relação do orixá Xangô com o santo católico São Jerônimo. Nóbrega da Cunha apresentou a
“Macumba no Rio de Janeiro”. Muitos trabalhos religiosos foram apresentados por representantes
diretos destas religiões, pois conforme Gustavo Henrique Tuna:
A presença de representantes dos cultos africanos, além de ter como meta
a construção de uma imagem de proximidade entre os intelectuais e o
povo, era importante para a defesa das religiões africanas, vítimas de
intensa perseguição pela polícia do Recife até o início dos anos de 1930.
(TUNA, 2005, p.70).
113
Ibidem, p.272. “Catimbó é a palavra usada para designar o culto afro-brasileiro do nordeste, conhecido como
candomblé na Bahia, Xangô no Recife e Batuque no Rio Grande do Sul”.
92
Segundo Clilton Paz (2007, p.66), por ocasião das atividades do Congresso, houve no dia
13 de Novembro, às 21 horas, uma manifestação religiosa no Terreiro do Babalorixá Pai Oscar de
culto gêgê, localizado no bairro de Campo Grande, Recife, em que tomaram parte das atividades
os escritores Mário Marroquino, José Lins do Rego, Adhemar Vidal, Aderbal Jurema, Odorico
Tavares, o Comandante da Brigada Militar do Estado, Sr. Jurandyr Mamede, além dos pintores
Di Cavalcanti, Noêmia e Cícero Dias, a professora Ida Marinho Rego, o Dr. Gildo Neto e sua
família e o jornalista Nóbrega da Cunha.
Conforme Clilton Paz, que pesquisou em sua dissertação de mestrado o Primeiro
Congresso Afro-Brasileiro:
Esta foi a maior manifestação de indivíduos num terreiro do Recife, pois
havia a necessidade deste tipo de manifestação pelo fato de que o
Congresso
do Recife, ter sido uma forma de preservação da cultura e da
identidade do negro e por isto, o aspecto religioso deveria ser inserido de
forma bem larga nos parâmetros das apresentações. A cada final de dia de
evento, um Babalorixá que participou das apresentações teria em seu
terreiro, a participação de convidados a assistirem uma pequena cerimônia
de agradecimento pelo bom andamento das apresentações. (PAZ, 2007,
p.66).
É importante salientar que, independente do auxílio de intelectuais contra as perseguições
policiais, os próprios afro-religiosos desenvolveram, na cidade do Recife, estratégias de luta para
resistir à opressão do período, como utilizar-se das relações de aceitação, resistência, consenso,
dissenso entre eles com os representantes do Poder de Estado, no intuito de preservar a sua fé e os
seus ritos.
114
Sobre as influências sociais e políticas negras em nosso país tivemos a participação de
Rodrigues de Carvalho, com a comunicação intitulada, “Influência etnológica do negro no
Brasil”. Neste trabalho o autor analisou a importância do negro para a vida social, política e
cultural do país. José Valadares apresentou o trabalho intitulado: “Organização dos Palmares”. Já
Aderbal Jurema comunicou sobre o “Potencial revolucionário do negro americano”, Rubens
Saldanha participou do encontro falando sobre a “Influência indiana do negro no espírito do
Direito Nacional” Ascenço Ferreira, “O que eu devo a influência negra”. E Astrogildo Pereira
expôs a comunicação sobre “O negro e a sua situação atual no Brasil”.
114
Ver CAMPOS, Zuleica Dantas Pereira. Os Afro-Umbandistas e a resistência na ditadura do Estado Novo. Revista
Saeculum, UFP, João Pessoa, 819, 2002-2003.
93
Também localizamos pesquisas que demonstravam a consciência dos participantes em
debater se realmente existiam “diferenças físicas e mentais” entre as raças brasileiras, dos quais
citamos as seguintes comunicações: “Alguns dados antropológicos da população do Recife”,
“Nota antropológica sobre os mulatos pernambucanos”, “Estudo biotypológico de negros e
mulatos brasileiros normaes e delinqüentes”, “Ensaio ethno-psychiatrico sobre negros e
mestiços” e “Contribuição ao estudo do índice de Lapicque”.
115
O Dr. J. Robalinho Cavalcanti participou com o trabalho intitulado: “Longevidade do
branco, do negro e do mulato no Brasil” e “O recém-nascido branco, negro e mulato”. Neste
trabalho o autor nanalisou, através de fichas dos recém-nascidos na maternidade do Recife, suas
condições de sobrevivência. Concluiu que os nascidos de mães pobres tinham, biologicamente, as
mesmas condições dos filhos de mães ricas. Também localizamos os seguintes títulos, “O
problema da tuberculose no preto e no branco e relações de resistência racial”, “As doenças
mentais entre os negros de Pernambuco”. Geraldo de Andrade apresentou o trabalho: “Psicologia
do afro-brasileiro”. Neste trabalho o autor examinou a forte presença mestiça no Brasil,
observando, através de estudos de craneologia, aproximações biológicas entre brancos e mulatos.
Já o Dr. Octavio de Freitas participou com a comunicação, “Doenças trazidas pelos negros”. O
Professor Ulysses Pernambucano apresentou o trabalho intitulado: “Doenças mentais entre os
negros de Pernambuco” e José Lucena versou sobre o “Estudo psicotécnico de dois grupos de
negros e brancos”.
Além das comunicações referidas anteriormente, foram apresentados três trabalhos sobre
a mestiçagem em nosso país, com os seguintes títulos: “Os mestiços e o problema da
degenerescência” e “A causa social da degenerescência, em oposição à causa racial”. Nesse tema
115
Sobre o índice Lapcique, conforme Santos, R. (2004): “O índice foi criado pelo francês Louis Lapicque em 1906.
É de uma simplicidade estonteante. Basta medir (A) o comprimento do osso rádio (aquele entre o cotovelo e o pulso)
e (B) a largura da bacia pélvica. A seguir divide-se A por B. Agora o pulo do gato. Aqueles com índices superiores a
1 (rádio > pélvis) são da raça negra; abaixo de 1 (pélvis > rádio), brancos. E por que isso? Gorilas e chimpanzés têm
aqueles braços longos em relação a outras partes do corpo, certo? Nos tempos de Lapicque, supunha-se que pessoas
negras e macacos eram mais aparentados, com os brancos numa segura distância”.Fonte:
http://www.ifcs.ufrj.br/~observa/bibliografia/artigos_jornais/SantosRV_CotasUnB_CorreioBraziliense_18042004.ht
m. Santos, R. V*. Cotas, UnB e raciologia contemporânea. Correio Braziliense, 18/04/2004 Acesso em 14/4/2008.
94
Paulo Barros apresentou: “O negro na obra de Silvio Romero”. “A mestiçagem no Brasil como
fator eugênico” foi o título do trabalho apresentado por Antônio Austragésilo.
116
Conforme Henrique Tuna:
O elogio à capacidade de miscigenação dos africanos no Brasil, tão caro a
Freyre, encontrou eco considerável no Congresso na voz do médico
pernambucano Antônio Austragésilo (...) Austragésilo afirmou que a
paixão que a Alemanha cultivava na época pelo arianismo deveria ser
levada em discussão e o caso do Brasil deveria ser levado em conta, por
ser um dos países, segundo ele, onde a “mistura étnica” se processara de
maneira mais profunda e com grande resultados...assim como outros de
sua época que defendiam a miscigenação racial, o pernambucano fez uma
lista extensa de mestiços brasileiros preeminentes, em que incluiu, entre
outros, Gonçalves Dias, Tobias Barreto, Floriano Peixoto, Lima Barreto,
Carlos Gomes e Machado de Assis. (TUNA, 2005, p.73).
Mas conforme Pierson (1945, p.276), “analisando-se mais detidamente a situação,
verifica-se que cada um destes três trabalhos, citados anteriormente, afirmava que o negro era
racialmente inferior e de que a mistura leva a degerescência (sic)”.
Além destas discussões, tivemos a participação feminina nos trabalhos do Primeiro
Congresso Afro-Brasileiro
por intermédio da Senhora Moreira. Na realidade, as idéias de
Juliano Moreira sobre o grupo negro foram lidas por sua esposa, a viúva Augusta Moreira. O
trabalho apresentado era: “Juliano Moreira e o problema do negro e do mestiço no Brasil”. Nesta
comunicação, a “autora” procurou abordar que em diversas pesquisas realizadas pelo médico
falecido Juliano Moreira, na virada do século XIX para o XX, apontavam o negro e o mestiço
como sendo os principais responsáveis pelo atraso da sociedade brasileira. Outro trabalho
apresentado pela senhora Augusta Moreira foi sobre a questão da loucura nos negros e mestiços,
intitulado: “Notas sobre coloridos no Brasil”. (PAZ, 2006, p.55).
O Congresso ainda ofereceu temas como: “Receitas de quitutes afro-brasileiros”,
apresentados pela Ialorixá Santa e pelos Babalorixás Oscar de Almeida e Apolinário Gomes, “A
116
Todos os títulos das comunicações apresentadas no 1º Congresso Afro-Brasileiro foram consultados no livro de
Donald Pierson, 1945.(apud Freyre 1937), sendo mantido o português da época. Também fizemos uso de TUNA
(2005) e PAZ (2007), para complementar.
95
calunga dos maracatus”, apresentada por Mario de Andrade e trabalhos sobre a “Biblioteca do
povo” e material sobre a “Colleção Moderna”, estes dois últimos apresentados por Jorge Amado.
Nesse caldeirão cultural, o Congresso contou com a presença de Babalorixás, cozinheiras
e artistas, e também com a fala do trabalhador negro Jovino da Raiz, que em seus apontamentos,
“reclamou muito que as condições do negro no Brasil haviam piorado muito com a chegada da
usina”. (TUNA, 2005, p.73).
Quanto à participação de representantes da comunidade negra, nas atividades do encontro,
como afro-religiosos e de Jovino da Raiz, percebemos ambas como de fundamental importância
para a legitimidade do Congresso, já que na época Pernambuco tinha uma população composta
por 45,37% de negros (BASTIDE, 1959, p.70), ou seja, praticamente a metade da população
naquele Estado.
Miguel Barros “o Mulato”, representante da Frente Negra Pelotense, participou do
Congresso apresentando uma comunicação, que além de versar sobre a mulher negra e africana,
evidencia o que denominamos por “idéias em movimento”
117
, pois conforme ele:
A Frente Negra Pelotense, entidade que tem por lema: União, Cultura e
Igualdade, que devem ser invocadas, quando se inicia um movimento,
portentoso e inédito do elevamento moral, intelectual e social do negro; de
uma raça entregue a si mesma e que não tem outra cousa sinão (sic) sua
extraordinária capacidade de trabalho e intelligencia virgem, que deve e
merece ser cultivada. Para que essa massa, que foi na submissão, sempre
dirigida, sem a menor noção de humanidade; impedida de sair do
marasmo, da inactividade; embargada nos passos para a arrancada
sublime e patriótica, que viria a fortalecer, de uma vez por todas, uma
terra, que se pouco fez, foi somente porque essa grande maioria de 80%
da população brasileira, vive à parte, no analphabetismo e que necessita
da segunda abolição, que desenvolva a mente, para que a levará ao
caminho extraordinário a evolução humana...A Frente Negra Pelotense, da
plaga de Marcílio Dias, cumprimenta o Iº Congresso Africano-Brasileiro,
da terra pernambucana de Henrique Dias, com um amplexo sincero, pela
Grandeza da raça. (MIGUEL BARROS apud ANAIS do I Congresso
Afro-Brasileiro, 1935, p.269).
A distância percorrida por Miguel Barros, tendo como partida a cidade de Pelotas-RS até
o Recife-PE é de mais de 4 mil quilômetros, na época o principal meio de transporte para viagens
117
Ver página 45.
96
de longas distâncias era o navio, o que denota um imenso movimento de pessoas e de suas idéias,
por ocasião destes oásis, independente da distância e das regiões de suas formações.
118
Quanto à participação do Poeta do Povo, Solano Trindade que iria fundar dois anos depois
do Congresso na cidade do Recife a
Frente Negra Pernambucana
, localizamos evidências de
sua participação no evento, mas sem maiores detalhes.
119
Podemos identificar a partir das produções que foram apresentadas nesse lugar social os
métodos e a topografia de interesses delineados na ocasião (Certeau, 2006), o que nos
demonstrou, através da localização dos títulos das mesmas, a preocupação dos participantes em
produzir e trocar conhecimentos antropológicos, etnológicos, biológicos, sociológicos e culturais,
para entender a sociedade em que viviam com a participação do negro. Conforme Henrique
Tuna:
É bem verdade que muitos participantes apenas enviaram seus trabalhos e
não compareceram. Foram os casos do escritor Mário de Andrade, do
historiador Rodolfo Garcia, do Antropólogo e Folclorista Artur Ramos, do
Antropólogo Bastos Ávila, do Médico Antônio Austrogésilo e do
antropólogo norte-americano Melville Herskovits. De qualquer forma, a
quantidade de trabalhos, tanto apresentados como os enviados, demonstra
a habilidade de Gilberto Freyre em compor um amplo espectro da
discussão em torno da contribuição do africano à “gênese do povo
brasileiro”, tema extensamente desenvolvido por ele em Casa Grande e
Senzala, publicado em 1933. (TUNA, 2005
, p.70).
Além da apresentação de pesquisas, o evento também contou com as participações e
trabalhos de artistas da época, como: Cícero Dias que, além de ser o autor do cartaz do
Congresso, organizou uma exposição de objetos de arte-afro-brasileira no Salão Nobre do Teatro
Santa Isabel - com figas, cachimbos e bonecas de maracatu - Luiz Jardim, Di Cavalcanti,
118
Para saber a distância entre as principais cidades brasileiras ver: http://www.dnit.gov.br/rodovias/distâncias.asp.
119
Ver LUNA, Luiz. O Negro na luta contra a escravidão. Rio de Janeiro: Editora Cátedra, 1976, SOUZA,
Florentina. Solano Trindade e a produção literária afro-brasileira. Edição: 31 (2004).
http://www.afroasia.ufba.br/pdf/31_14_solano.PDF/acesso em março de 2008 e SILVA, Fátima Aparecida. O
movimento social Frente Negra Pernambucana - 1936-1937-. A história continua. XXIV Simpósio Nacional de
História. São Leopoldo, 2007.
97
Noemia Mourão, Manoel Bandeira, Santa Rosa, Tarsila do Amaral e o fotógrafo Francisco
Rebello também participaram. (TUNA, 2005, p.70 e PAZ, 2007, p.44).
Conforme Paz (2007), o Centro Religião da Humanidade do Apostolado Positivista do
Brasil
participou do evento, enviando todos os seus boletins referentes à situação do negro no
Brasil.
Segundo relatou Freyre:
Gente que afinal se voltara para o assunto e descobrira nessas ‘coisas de
negro’ mais do que simples pitoresco: uma riqueza nova de emoção, de
sensibilidade, até mesmo de espiritualidade; uma parte grande e viva da
verdadeira cultura brasileira; a arte dos Villa-Lobos e dos Ciceros Dias
nas suas raízes mais profundas. (FREYRE apud PAZ, 2007, p.44).
São localizados, através dos participantes, os seguintes Estados representados neste
Congresso: Pernambuco, por Gilberto Freyre, Solano Trindade, Pedro Cavalcanti entre outros;
Alagoas, por Alfredo Brandão e José Lins do Rego. Da Paraíba tivemos a participação de
Adhemar Vidal, da Bahia, Edison Carneiro e Jorge Amado, do Estado do Rio Grande do Sul,
mais precisamente de Pelotas, o frentenegrino Barros o “Mulato”. E representando o Rio de
Janeiro: Nóbrega da Cunha, Robalinho Cavalcanti e Renato Mendonça.
Os ouvintes que participaram das atividades pagaram, segundo PAZ (2007, p.77), “uma
pequena quantia que serviu para sanar algumas despesas”. Arrecadou-se o total de 876$000, que
“serviu para pagar as correspondências dos convites, o transporte dos Babalorixás e Ialorixás, a
compra de objetos de arte brasileira para enfeitar o ambiente e a ceia, toda ela de iguarias afro-
brasileiras como: vatapá, caruru e inhame com mel de engenho”.
Por ocasião da Sessão Solene de encerramento do Congresso, Gilberto Freyre,
organizador do encontro, fez no dia 16 de novembro de 1934, no Teatro Santa Isabel, a leitura
do seguinte manifesto:
Sendo as classes trabalhadoras do Brasil, em grande parte, gente de
sangue negro, e herdeira de elementos valiosos de cultura negra, o 1.o
Congresso Afro-Brasileiro manifesta sua solidariedade a essas classes
contra toda forma de opressão... O 1º Congresso Afro-Brasileiro protesta
contra toda a espécie de discriminação contra negros ou mestiços ainda
que se verifique no Brasil. (
JORNAL PEQUENO. 1. O CONGRESSO AFRO-
BRASILEIRO: O SEU ENCERRAMENTO. 16/11/1934 apud PAZ, 2000, P.88).
98
Mas conforme citado, anteriormente, houve também no decorrer deste Congresso, entre as
amostras de comunicações, trabalhos artísticos e a leitura de manifesto, debates constantes sobre
o livro Casa Grande e Senzala, de autoria do organizador do Congresso, o sociólogo Gilberto
Freyre.
120
Este livro, desde a sua publicação, até aos dias atuais, é motivo de debate entre os
pesquisadores que versam sobre as relações sociais e raciais em nosso país. A principal causa
disto decorre da possível criação, a partir de sua publicação, das bases de uma ideologia que
visasse a construção de uma nacionalidade brasileira, onde vigorava a pretensa igualdade racial
entre brancos, índios e negros, consolidando-se no que conhecemos como a “democracia social e
racial” brasileira.
Imagem 5 – Registro da sessão inaugural do Congresso. À esquerda, a pintora Noemia Mourão, à direita, a
bailarina africana Mamah Adah. Apud Tuna, 2005, p.70.
120
Ver PIERSON. Donald. Brancos e Pretos na Bahia. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1945. LUNA, Luiz.
O Negro na luta contra a escravidão. Rio de Janeiro: Editora Cátedra, 1976 e SKIDEMORE, Thomas E. Preto no
Branco. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.
99
Conforme Mota (1980, p.54), o estudo da trajetória da obra de Freyre sobre os meios
intelectuais assume grande importância por permitir a análise da cristalização de uma ideologia
com grande poder de difusão: a da cultura brasileira.
Para Maria Aparecida da Silva Bento a ideologia da democracia racial, ou ideologia da
cultura brasileira, conforme Mota (1980, p.05), surge justamente a partir da publicação de Casa
Grande e Senzala,
de Gilberto Freyre lançado em 1933. Conforme nos explica Bento:
Ao postular a conciliação entre as raças e suavizar o conflito (Gilberto
Freyre) ele nega o preconceito e a discriminação possibilitando a
compreensão de que o ‘insucesso dos mestiços e negros’ deve-se a eles
próprios. Desta forma, ele fornece à elite branca argumentos para se
defender e continuar a usufruir do famigerado Mito (ou ideologia) da
Democracia Racial Brasileira (BENTO, 2002, p.48).
Segundo Emilia Viotti da Costa:
Em esboço, os fatos são suficientemente claros: um poderoso mito, a idéia
da democracia racial – que regulou as percepções e até certo ponto as
próprias vidas dos brasileiros da geração de Freyre – tornou-se para a
nova geração de cientistas sociais um arruinado e desacreditado mito.
(COSTA, 1998, p.368).
Ou seja, na realidade entendemos que o organizador do Congresso tentou formar um oásis
entendendo as relações raciais no Brasil a partir de sua realidade agrária, clientelista e
paternalista, embora existindo participantes com outras propostas neste encontro, como Miguel
Barros, representante da Frente Negra Pelotense. Quanto aos organizadores, como eram membros
da elite branca, acreditavam que ao formular a mestiçagem ou a harmonia entre as raças
acomodariam as relações raciais e ao mesmo tempo mostrariam ao país e ao mundo as qualidades
do povo brasileiro. Infelizmente, viam como solução a integração do negro em nossa sociedade
somente através da mestiçagem, considerada como forma de degeneração dos grupos não
brancos, o que de fato mascarou o preconceito e o racismo da época.
121
121
Neste caso, o termo não é apresentado em sua forma biológica, mas sim política. Conforme nos explica Nilma
Lino: “O Movimento Negro e alguns sociólogos, quando usam o termo raça, não o fazem alicerçados na idéia de
raças superiores e inferiores, como originalmente era usada no século XIX. Pelo contrário, usam-no com uma nova
interpretação, que se baseia na dimensão social e política do referido termo”. Ver GOMES, Nilma Lino. Alguns
termos e conceitos presentes no debate sobre relações raciais no Brasil: uma breve discussão. Educação Anti-racista
100
Muito antes da realização do Primeiro Congresso Afro-Brasileiro, já estava sendo
formulada a base para o futuro mito da “democracia racial”. Antes, intelectuais ligados ao estado
brasileiro já se referiam à mestiçagem.
Esses debates surgem no bojo das transformações econômicas, sociais e políticas que
ocorrem em nosso país. Na República surgem as discussões de como pensar a nação brasileira,
em seus aspectos étnico-sociais. E o negro? Como incorporá-lo nesta nação emergente?
“Apenas na República, tardiamente finda a escravidão, a elite se colocou o problema de
como integrar simbólica e materialmente os negros à nação”. (GUIMARÃES, 2000, p.26).
Segundo pensadores brasileiros do período, entre eles Oliveira Viana, existindo a
possibilidade da “mistura” étnica, entre negros e índios com o “elemento” branco, poderia ser
solucionado o “problema negro”, desde que prevaleça o mestiço, elemento de possível
“degeneração”. Para as elites do período, formadas por políticos e intelectuais: “A miscigenação
não produzia inevitavelmente “degenerados”, mas uma população mestiça, sadia capaz de tornar-
se sempre mais branca, tanto cultural quanto fisicamente.” (
SKIDMORE, 1978, p.81).
No campo ideológico, esta teoria foi amplamente utilizada e aceita na época por
intelectuais e políticos no pós-abolição. Conforme explica Skidmore:
A teoria brasileira do “branqueamento” já tem sido mencionada. Aceita
pela maior parte da elite brasileira nos anos que vão de 1889 a 1914, era
teoria peculiar no Brasil (...) A tese do branqueamento baseava-se na
presunção da superioridade branca. (SKIDMORE, 1978, p.81).
É importante salientar que existiam intelectuais e pensadores que não concordavam com
esta teoria, como Manuel Bomfim e Alberto Torres.
122
Caminhos Abertos pela Lei Federal nº10.639/03. Brasília: Coleção Educação Para todos. SECAD/MEC, 2005, p. 44-
49.
122
Para Skidmore, ambos estavam à frente de seu tempo ao rejeitar todo o quadro de determinismo da época. Manuel
Bomfim não hesitava em admitir o atraso da América Latina e nela incluía o Brasil. Via os problemas do Brasil
herdados da era colonial e ao atraso de Portugal. Atacava as três escolas principais do pensamento racista: a escola
etnológico-biológica, a escola histórica de Gobineau, que ajudou a propagar a mensagem pela Europa de que a raça
era o fator determinante da história humana e a escola do darwinismo social que pregava a evolução da vida natural
como resultado da “sobrevivência dos mais aptos”, numa competição de diferentes espécies e variedades. Para
Alberto Torres a suposta inferioridade étnica do Brasil era aceita por demais freqüentemente como desculpa para os
seus problemas – quando, a seu ver, as causas jaziam alhures – na falta de educação, na nutrição pobre, na higiene
precária. Em suma, na falta de adaptação inteligente ao meio. Tal adaptação constituía o mesmo desafio para
qualquer tipo racial que vivesse no Brasil. Para ele o “problema brasileiro” só poderia ser explicado depois da
101
Para Guerreiro Ramos (1954, p.198), sobre as relações de raça no Brasil, Alberto Torres
resistiu com vantagem à comparação entre outros intelectuais que trataram do assunto, pois o
autor esforçou-se para ver as relações de raça no Brasil, à luz dos fatos da vida brasileira, e não,
literalmente, a partir das categorias da ciência antropológica européia. Conforme Guerreiro
(1954, p.198), Torres explicou que "a posição eventual de superioridade de certos povos emana
de uma seleção histórica, que obedece a fatores ou poderes tão artificiais quanto os que
selecionam os indivíduos".
Na realidade, existia uma “notável aflição” dos intelectuais da época para explicar e
entender os motivos do atraso brasileiro, notório em aspectos políticos, econômicos e sociais.
Neste sentido, com o advento do cientificismo e da história objetiva, muitos autores encorajavam
a idéia de descobrir quem era o culpado dessa situação. Infelizmente, o negro era considerado o
fardo para o desenvolvimento do país e as escolas racistas, norte-americana e européia, destacam-
se e influenciam o pensamento étnico-brasileiro.
Segundo Barreiras (1998, p.30), surgiram assim duas vertentes explicativas sobre a
identidade nacional, a primeira identificava a raça com o meio e a segunda reinterpreta o conceito
de raça para o de cultura. Para a autora s primeira vertente foi identificada por Ortiz no final do
século XIX, composta por Silvio Romero, Nina Rodrigues e Euclides da Cunha, considerados os
precursores das Ciências Sociais no Brasil e que identificavam o atraso nacional devido à raça e
ao meio. O mestiço era apontado como um produto defeituoso em uma perspectiva pessimista.
Ainda conforme Ortiz: “As incertezas do período são fundamentais para a elaboração da vertente
meio e raça”. (ORTIZ apud BARREIRAS, 1998, p.30). Já a segunda vertente tem por expoente
Gilberto Freyre, conforme veremos mais adiante.
Sendo o Brasil um campo fértil para as teorias advindas dos Estados Unidos e da Europa,
com os equívocos das teorias da época
123
chego à conclusão de que no período não existia crítica
e o esforço teórico, por parte da intelectualidade brasileira que, ao invés de analisar, reproduzia
estes conhecimentos, conforme citado anteriormente, fruto do período. A partir de 1911, por
liquidação da doutrina racista e via como abandono da população nacional o favorecimento de imigrantes que
recebiam privilégios especiais.
123
Ibidem, p.81.
102
ocasião do I Congresso Universal de Raças, em Londres, a tese de João Batista de Lacerda
iniciou, teoricamente, as bases do “branqueamento” brasileiro, sustentada da seguinte maneira:
Contrariamente à opinião de muitos escritos, o cruzamento do preto com o
branco não produz geralmente progênie de qualidade intelectual inferior;
se esses mestiços não são capazes de competir em outras qualidades com
as raças mais fortes de origem ariana, se não tem instinto tão pronunciado
de civilização quanto a elas, é certo, no entanto, que não podemos por o
métis ao nível das raças realmente inferiores.”(LACERDA apud
SKIDMORE, 1978, p.82).
Notamos que os aspectos populacionais do branqueamento fundamentam-se nas bases da
miscigenação como meio de substituir progressivamente a população negra. João Batista
Lacerda, em sua tese, elogia a participação de mestiços na história brasileira e apóia o casamento
inter-racial inclusive afirmando: “que no Brasil em três gerações todos os caracteres físicos
serão das raças brancas”. (
SKIDMORE
, 1978).
A diferença entre o pensamento dos intelectuais ligados ao estado, inspirados em idéias
estrangeiras, e o de Freyre (1933), é que estes pensavam na mestiçagem como forma quantitativa
como forma de embranquecer a população e Freyre passa a pensar através de uma ótica
nitidamente interna, brasileira. Ou seja, os intelectuais antes dela acreditavam que ao ocorrer a
mistura das raças, gradativamente, a população negra diminuiria, o que, de fato, aconteceu de
forma inversa.
Nesse sentido, nitidamente, notamos a função de intelectual tradicional exercida por
Freyre e os demais que o antecederam, pois, conforme Gramsci:
Cada grupo social “essencial”, contudo, surgindo na história a partir da
estrutura econômica anterior e como expressão do desenvolvimento desta
estrutura, encontrou, pelo menos na história que se desenrolou até os
nossos dias, categorias de intelectuais preexistentes, as quais apareciam,
aliás, como representantes de uma continuidade histórica que não foram
interrompidas nem pelas mais complicadas e radicais modificações das
formas sociais e políticas...
podem ser comparados à aristocracia
fundiária
exercício da propriedade da terra e privilégios estatais.
(GRAMSCI, 1995, p.5).
Ou seja, Freyre e os intelectuais de sua época, oriundos na grande maioria da elite agrária
do nordeste, passam a pensar a mestiçagem através da contribuição das raças que formaram o
103
Brasil a partir de uma visão interna e regionalista
124
, valendo-se, agora, de um esforço teórico
nitidamente mais nacional do que estrangeiro. Tinham por hábito escrever e pensar o Brasil a
partir de sua realidade local e, diga-se por passagem, o livro de Freyre tem uma narrativa bem
pensada, gostosa e atraente aos nossos olhos, o que era uma das virtudes dele e de outros filhos
da elite agrária, pois, conforme Mota (1980, p.59), “o eruditismo e o bem escrever constituem o
revestimento do ensaísmo social característico dos filhos das oligarquias regionais”.
Segundo Emilia Viotti Da Costa:
A elite branca brasileira já tinha em sua própria sociedade os elementos
necessários para forjar sua ideologia racial. Tinha aprendido desde o
período colonial a ver os negros como inferiores. (COSTA, 1998, p.378).
Casa Grande e Senzala, produzido por um filho da República Velha, identificado com as
forças conservadoras da política, indica os esforços de compreensão da realidade brasileira
realizados por uma elite aristocratizante que vinha perdendo poder. A perda social e política deles
correspondem a uma revisão, à busca do tempo perdido. Uma volta às raízes. (MOTA, 1980,
p.58).
Nesse sentido, o que Freyre (1933) faz é utilizar a mestiçagem de maneira ideológica e
qualitativa, auferindo a contribuição das três raças para a formação cultural do Brasil. E o mais
pertinente em sua obra é que ele “desnuda a vida íntima da família patriarcal, a despeito do tom
valorativo, em geral positivo, emprestado à ação do senhoriato colonizador, ação que se prolonga,
no eixo do tempo, da Colônia ate o século XX, na figura de seus sucessores, representantes das
oligarquias”. (MOTA, 1980, p.58).
Utilizando o padrão branco como o elemento principal dessa relação, a mestiçagem teve
um caráter remodelado a partir de Freyre. Conforme Skidmore:
124
Por regionalismo, entendemos que os intelectuais do Nordeste brasileiro difundiam a idéia que a nacionalidade
brasileira iniciou por aquela região. Conforme os escritos de Austregésilo de Athayde, que participou do Primeiro
Congresso Afro-Brasileiro, apresentando o trabalho: “A mestiçagem no Brasil como fator eugênico” é no Nordeste
que se encontram as raízes mestras da nacionalidade. (1981), opinião escrita por ocasião da 21ª edição do Livro Casa
Grande e Senzala. Ed. José Olimpio.
104
Gilberto Freyre oferecia, assim, àqueles brasileiros que quisessem
interpretar dessa maneira, uma nova rationale para a sociedade
multirracial, em que as ‘raças’ componentes – européia, africana e índia –
podiam ser vistas como igualmente valiosas. O valor prático da sua
análise não estava, todavia, em promover o igualitarismo racial. A análise
servia, principalmente, para reforçar o ideal de branqueamento.
(SKIDMORE, 1978, p.211).
Para Mota (1980, p.66), ficaram eliminadas, no discurso de Freyre, as contradições reais
do processo histórico-social, as classes e os estamentos em seus dinamismos específicos e seus
conflitos e desajustamentos no sistema global. Do ponto de vista interpretativo-metodológico, o
encaminhamento é hábil, uma vez que opera sistematicamente com pares antagônicos para
esvaziar a contradição, propiciando uma sociedade aparentemente sem “desertos”.
E nesse sentido Freyre conseguiu difundir o seu discurso, pois, ao esvaziar as polarizações
entre dominantes e dominados, introduziu uma variável que escapa a qualquer controle para um
discurso que se pretenda cientifico, para a época: a noção de região. Para Mota (1980, p.55), a
partir deste momento rompia-se, aparentemente, no nível da explicação, que até então se
propunha como saber científico, uma compartimentação que os quadros ideológicos anteriores
preservavam, a separação entre as raças. Fortalecia-se a ideologia da democracia racial, a
segunda vertente
125
. Conforme Barreiras:
Década de 30. O expoente da segunda vertente é Gilberto Freyre. Não
rompe com a anterior, mas a reinterpreta. A temática social é reeditada
como a chave para a compreensão dos brasileiros, passando do conceito
de raça para o de cultura. Cai por terra a herança genética, e a
negatividade do mestiço transforma-se em positividade. No Brasil
democracia racial. A indolência para o trabalho, discurso que resulta da
primeira vertente, é transformado em ideologia do trabalho. O samba não
é mais música de negros e sim música nacional. (BARREIRAS, 1998,
p.30).
Para Guimarães (2000, p.26), esta representação, freyreana, faz com que nós não
tenhamos propriamente uma raça; não somos brancos, negros ou índios, mas uma nação, um
povo mestiço.
125
A primeira vertente foi identificada por Ortiz no final do século XIX, composta por Silvio Romero, Nina
Rodrigues e Euclides da Cunha, considerados os precursores das Ciências Sociais no Brasil e que identificavam o
atraso nacional devido à raça e ao meio. Ver BARREIRAS, Maria José Lanziotti. Dario Bittencourt (1901-1974)
Uma incursão pela cultura política autoritária gaúcha. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1998.
105
Já os revisionistas, da década de 1950, acompanham um novo processo das relações
raciais no Brasil, em que a acomodação e o modelo paternalista são substituídos pelo conflito
racial, preconceito e pelo modelo competitivo. Tal situação demonstraremos mais adiante, em
nosso segundo capítulo, no qual analisaremos os contextos em que ocorreram os Congressos.
É interessante notar que Gilberto Freyre, então deputado federal pela UDN - União
Democrática Nacional
em 1950, também se torna um revisionista das idéias que ajudou a
construir; mas em contrapartida, também é saudosista quanto às relações tradicionais do Brasil,
por ocasião de um ato de discriminação racial ocorrido em um hotel da São Paulo, que se recusou
a hospedar a cantora negra norte americana Katherine Dunham. Conforme Freyre na tribuna da
câmara federal:
Sr. Presidente, se é certo que um hotel da Capital de São Paulo recusou
acolher como seu hóspede a artista norte-americana Katherine Dunham
por ser pessoa de côr, o fato não deve ficar sem uma palavra de protesto
nacional nesta Casa.
Pois entre nossas responsabilidades de
representantes da Nação Brasileira está a de vigilância democrática
da qual tanto se fala hoje nos discursos, mas que nem sempre é
praticada nos momentos precisos.
Este é um momento – o ultraje à
artista admirável cuja presença honra o Brasil – em que o silêncio cômodo
seria uma traição aos nossos deveres de representantes de uma nação que
faz do ideal, se não sempre da prática, da democracia social, inclusive a
étnica, um dos seus motivos de vida, uma das suas condições de
desenvolvimento... Estou certo de que justamente em São Paulo o gesto
infeliz do hoteleiro que teria negado hospedagem a Katherine Dunham
por ser Miss Dunham mulher de côr, teve a repulsa mais forte.
Porque em
São Paulo o comercialismo, o mercantilismo, o negocismo, o
dolarismo, o imediatismo, tudo que é ismo inseparável de uma
vigorosa e triunfante civilização na América industrial de hoje.
(grifo
meu)
126
A ideologia da democracia racial, possivelmente remodelada por Freyre na década de
1930, e revisto pelos pensadores paulistas no final da década de 1950, condicionada agora a mito,
durante muito tempo serviu para harmonizar e manter status quo da elite branca em nossa
sociedade, mas, ao mesmo tempo, foi útil para se produzir uma sociedade, se não perfeita ao
126
CONTRA o preconceito de raça no Brasil. Discurso proferido na Câmara dos Deputados, Federal, Rio de Janeiro,
17 jul. 1950. A UDN, partido de Gilberto Freyre, foi fundada no dia 7 de abril de 1945, reunindo diversas correntes
que nos anos anteriores haviam-se colocado em oposição à ditadura do Estado Novo. Constituiu-se numa ampla
frente anti-Vargas. Para saber mais ler: “Partidos políticos nacionais”, fonte:
http://www.cpdoc.fgv.br/nav_historia/htm/anos37-45/ev_fim_ppn.htm/ acesso em 14 de fevereiro de 2008.
106
menos sem conflitos, isto é, mais política. Mas certamente essa relação era harmoniosa e
desequilibrada, pois concordando com Emilia Viotti da Costa:
É óbvio que os brancos beneficiaram-se com o mito. Mas também é
verdade que os negros beneficiaram-se igualmente, embora de uma
maneira mais limitada e contraditória. A negação do preconceito, a crença
no “processo de branqueamento”, a identificação do mulato como uma
categoria especial, a aceitação de indivíduos negros entre as camadas da
elite branca, tornaram mais difícil para os negros desenvolver um senso de
identidade como grupo. De outro modo, criaram oportunidades para
alguns indivíduos negros ou mulatos ascenderem na escala social. Embora
socialmente móveis, os negros tinham, entretanto, que pagar o preço por
sua mobilidade: tinham que adotar a percepção que os brancos possuíam
do problema racial e dos próprios negros. (COSTA, 1998, p.375).
Notamos que a atividade deste Congresso culminou com a publicação de Casa Grande e
Senzala, livro debatido entre as atividades do encontro. Não é por acaso também que na 1ª edição
do livro, em 1933, no seu prefácio, Gilberto Freyre agradece a José Gonsalves (sic) de Mello
Neto, seu primo, e a Cícero Dias, seu amigo, pois ambos tiveram participações ativas no
Congresso.
127
Pensamos que Casa Grande e Senzala, enquanto escrito por um filho da oligarquia
nordestina, merece todos os elogios possíveis para quem gosta de uma leitura atraente e
“azeitada” sobre as relações existentes entre os senhores, moradores dos engenhos, e os negros,
moradores das senzalas. No entanto, fazemos algumas ressalvas, principalmente quanto ao
contexto de sua publicação, década de trinta, período em que a oligarquia do nordeste, que
dominou o poder do país desde a época colonial, passa a perder o seu espaço para outros grupos
econômicos e políticos. Neste sentido o que este grupo passou a produzir culturalmente dignifica
as suas raízes ideológicas, visando com isso manter seu status quo.
Acreditamos que o Primeiro Congresso Afro-Brasileiro foi de suma importância para a
construção da identidade negra, pois neste momento ela passa a ser constitutiva da própria idéia
de nação brasileira, vista como parte inseparável desta representação de nação mestiça.
127
Gonçalves de Mello Neto apresentou no Primeiro Congresso Afro-Brasileiro o trabalho intitulado: “A situação do
negro sob o domínio holandês” e Cícero Dias, além de ter feito o cartaz do Congresso, apresentou, em conjunto com
Gilberto Freyre, a comunicação: “O negro na arte popular e doméstica de Pernambuco”.
107
Acreditamos que foram os aspectos culturais que mais repercutiram positivamente no referido
Congresso.
128
Conforme Clilton (2007, p.19): “o Primeiro Congresso Afro-brasileiro do Recife foi
muito importante para a época, por pretender estudar o processo da trajetória do negro e a sua
importância para o processo de formação da identidade sócio-cultural do país, principalmente
sobre o papel do negro no pós-abolição”. Ainda é presente conceber que após a abolição o negro
ficou largado à própria sorte, sem um papel relevante na formação da identidade nacional.
Portanto, é esta relevância sob a forma de discurso que o Congresso possibilitou a identidade
negra.
Tuna (2005, p.73), explica que este Congresso representou um amplo esforço de
sistematização do que havia sido produzido até então sobre a cultura afro-brasileira, num tempo
em que a Universidade brasileira ainda estava em estágio de formação.
Para Guimarães (2000, p.27) o problema é que neste período a aceitação dos negros
somente ocorre no campo cultural
129
, e apenas na condição de marcos da brasilidade como um
dos grupos “formadores” da nação brasileira.
Concordamos com Figueiredo (2007, p.02) que, independente da ideologia criada por
Freyre (1934), é a partir dele, do Congresso e de seus livros, que surge o interesse em entender os
problemas das "relações raciais" em nosso país, antes mesmo da institucionalização da sociologia
brasileira, que viria a ocorrer com a criação da Escola Livre de Sociologia e Política, em 1933, e
da criação da Universidade de São Paulo (USP), em 1934.
O Congresso evidenciou a importância da identidade negra para a nossa formação
nacional. Logicamente, faltou aprofundar e avançar em aspectos mais essenciais da vida
cotidiana do negro brasileiro, como a falta de educação, saúde e integração social, pois os
interesses de seus participantes estavam focados, conforme demonstrado anteriormente, em
debater o negro enquanto um dos ingredientes da formação nacional. Faço a seguinte reflexão: se
a Frente Negra teve representantes neste congresso, significa que o esforço de pensar a nação foi
128
“O terreno das práticas, representações, linguagens e costumes concretos de qualquer sociedade historicamente
específica. Também inclui formas contraditórias do ‘senso comum’ que se enraízam e ajudam a moldar a vida
popular”.
129
Ibidem, p.332.
108
fruto de brancos e negros, pois foi esta uma das principais reivindicações deste movimento social.
Porém, é importante salientar que existiam outras, como por exemplo, inserir e integrar o negro
em todos os aspectos da nacionalidade.
Se o resultado deste congresso, para os problemas concretos enfrentados pelas populações
negras, foi pouco falado por um lado, por outro serviu como um estimulante para a percepção dos
intelectuais brasileiros sobre a necessidade de pensar nas formas de incorporar influências
africanas na história e na realidade nacional, algo que se pararmos para analisar “urgia” como de
extrema importância, já que o período se configurou como sendo delicado para a nossa
construção enquanto nação em um capitalismo incipiente, principalmente quanto à integração das
populações negras.
Enfatizamos que na atualidade percebemos a contribuição das populações negras para o
nosso país, em diversos aspectos, sejam eles econômicos, políticos, sociais, etc. Mas ao
analisarmos o pensamento dominante na época, e a influência do cientificismo e racismo em
parcela significativa dos intelectuais tradicionais, pensamos que este Congresso deve ser
analisado como uma “gigantesca” contribuição para o entendimento de nosso país e de nossa
sociedade, que embora tenha privilegiado certos grupos, constituiu-se através de uma
complexidade social e cultural imensa, e foi nisto que este Congresso obteve êxito.
Portanto, neste período deveria ser moldado um país ou, na melhor expressão, um
nordeste menos conflitante, logicamente para o benefício dos detentores do poder, uma
“democracia racial”.
Se cria o que Guimarães (2000, p.26) denominou de “metarraça”, “um povo”, “o povo
brasileiro”, pensamento nitidamente localizado como sendo o principal vetor de interesse deste
Congresso. Ainda conforme Guimarães, “os negros na política republicana, são apropriados
como objetos culturais, símbolos e marcos fundadores de uma civilização brasileira, mas têm
negado o direito a uma existência singular plena como cidadãos...”.
Percebemos a “democracia racial” construída em torno da brasilidade e de seus aspectos
culturais, como uma das alternativas viáveis, se não a única possível naquele momento, para as
elites entenderem a identidade negra e a sua contribuição, para acalmar um país que viveu mais
de quatrocentos anos sob o manto da escravidão e de suas relações, perversas, entendidas como
109
“desertos”, já que na época Pernambuco tinha uma população formada por 45,37% de negros
(BASTIDE, 1959, p.70), isto é, praticamente a metade da população naquele Estado.
Este pensamento difuso na “democracia racial” foi aonde os intelectuais tradicionais da
elite branca como Freyre e os que o antecederam, com a participação de intelectuais orgânicos
negros, ligados à Frente Negra e amplos setores da sociedade, conseguiram momentaneamente
formar um “oásis” afro-brasileiro, por ocasião do Congresso, e que foi difundido posteriormente.
O que deveria ser entendido naquele período era a manutenção e o convívio entre negros e
brancos. Certamente a maior beneficiada, materialmente e institucionalmente, foi a elite branca
(COSTA, 1998, p.375), constituída como dominante em virtude das relações tradicionais de
nosso país. Por outro lado, culturalmente, se formaram as bases para a percepção das populações
negras de sua participação na construção deste país, o que ecoa até os dias atuais.
Embora os aspectos culturais tenham dado o “tom” deste Congresso, lembramos que
através de suas comunicações identificamos cinco linhas de interesses apresentadas pelos
participantes no encontro. São elas: primeira, a situação dos afro-descendentes no pós-abolição,
segunda linha, a contribuição dos africanos e negros para a arte e religião brasileira, terceira,
influênciais sociais advindas com as experiências das populações negras cotidianas em nosso
país, quarta linha, trabalhos sobre saúde mental e social e, quinta, pesquisas sobre a mestiçagem,
além da principal motivação do Congresso: os debates em torno dos livros Casa Grande e
Senzala e Sobrados e Mocambos.
Deste Congresso, foram produzidos os ANAIS, compostos pelos trabalhos apresentados
pelos seus comunicadores e prefaciados por Roquete Pinto, que afirmou a importância da postura
de Freyre e a sua disposição ao dedicar maior atenção ao negro na história brasileira. Conforme
Pinto (1935, p.03), “em matéria anthropologica e ethnografica, no Brasil como em tantos outros
paizes, estamos nas preliminares da construcção. Estabelecer planos, ajuntar recursos e materiais,
systematizar as indagações, é o papel destas gerações que, assim, hão de preparar para as outras,
o que elas não tiveram: fontes puras para beber”. (ROQUETE PINTO apud ANAIS DO Primeiro
Congresso Afro-Brasileiro, 1935, p.03).
Analisaremos, a seguir, a importância do Segundo “Oásis” identificado por nós, o
Segundo Congresso Afro-Brasileiro.
110
2.2 O II CONGRESSO AFRO-BRASILEIRO E O ASPECTO RELIGIOSO.
O Segundo Congresso Afro-Brasileiro ocorreu em Salvador, na Bahia, entre os dias 11
e 19 de janeiro do ano de 1937, nas dependências do Instituto Histórico e Geográfico da Bahia
com seu encerramento na Faculdade de Medicina. Patrocinado pelo Governo do Estado da
Bahia, sob a liderança de Edison Carneiro (1912-1972), Áydano do Couto (1914-1985) e
Reginaldo Guimarães, teve grande repercussão nacional e internacional, além da presença de
participantes de todo o Brasil.
Biografamos, brevemente, um dos organizadores do encontro que acreditamos ser o de
maior evidência, o etnógrafo e jornalista Edison Carneiro. Carneiro nasceu em Salvador em 1912
e faleceu na cidade do Rio de Janeiro no ano de 1972. Parafraseando Waldir Freitas Oliveira
(1980), que foi seu amigo; Edison Carneiro morreu quatro meses após os seus sessenta anos.
Diplomou-se em direito e viveu na Bahia até o ano de 1940, quando se transferiu para o Rio de
Janeiro. Com dezessete anos era presença no movimento dos moços do seu tempo. Em 1930, ao
lado de Jorge Amado e outros organiza a “Academia dos Rebeldes”, grupo de opinião e de luta,
de enorme importância na história das letras baianas. Foi jornalista assíduo desde os anos 20. Aos
24 anos, Edison Carneiro participou de modo ativo na organização do II Congresso Afro-
Brasileiro. (OLIVEIRA, 1980, p.08-09).
Segundo Vinicius Clay, que pesquisou a sociedade baiana através da imprensa, no
trabalho intitulado: “O Negro em O Estado da Bahia: De 09 de maio de 1936 a 25 de janeiro de
1938”:
Edison Carneiro se destacou como o principal articulador durante a
criação da União das Seitas Afro-Brasileiras da Bahia e também é
considerado o idealizador de uma entidade que acolhesse os estudos
africanistas no estado, hoje representada, embora com propostas diversas,
pelo Centro de Estudos Afro-Orientais da Universidade Federal da Bahia
(CEAO - UFBA), criado em 1959. (CLAY, 2006, p.03).
Antes de analisarmos as atividades realizadas em torno do Segundo Congresso Afro-
Brasileiro, na Bahia, acompanharemos um debate entre Gilberto Freyre, organizador do
Primeiro Congresso Afro-Brasileiro do Recife e Edison Carneiro, organizador do Segundo
Congresso.
111
No dia 13 de novembro de 1936, o jornal o Diário da Bahia publicou uma entrevista
concedida por Gilberto Freyre ao jornal
Diário de Pernambuco
, com o seguinte título: “Em
torno do Segundo Congresso Afro-brasileiro”, e o subtítulo, “Falando ao Diário de Pernambuco,
o escritor Gilberto Freyre diz do seu receio que o certame se marque dos defeitos de coisas
improvisadas”. (apud CLAY, 2006, p.50).
Edison Carneiro (1964, p.98) diz que às vésperas do Congresso da Bahia, os estudiosos
foram surpreendidos com as declarações pessimistas de Gilberto Freyre. Na ocasião, Freyre teria
dito:
Só há dois ou três dias soube, por uma carta do escritor Edison Carneiro,
que ia realizar-se um segundo Congresso Afro-Brasileiro na Bahia.
Receio muito que vá ter todos os defeitos das coisas improvisadas.
Deveria ser muito maior o prazo para os estudos, para as contribuições
dos verdadeiros estudiosos. Os verdadeiros estudiosos trabalham devagar.
A não ser que os organizadores do atual Congresso só estejam
preocupados com o lado mais pitoresco e mais artístico do assunto: as
“rodas” de capoeira e de samba, os toques de “candomblé” etc. Este lado é
interessantíssimo e na Bahia de certo terá
um colorido único
. Mas o
programa traçado no primeiro Congresso foi um programa mais extenso e
incluindo a parte árida, porém igualmente proveitosa para os estudos
sociais, de pesquisas e trabalhos científicos. (DIÁRIO DE BAHIA,
13/11/1936 apud CLAY, 2006, p.50).
Conforme Carneiro (1964), o “colorido único” do encontro da Bahia foi o contato entre os
estudiosos com o povo negro, diferentemente do de Recife.
O Congresso do Recife, levando Babalorixás com a sua música para o
palco do Santa Isabel, pôs em xeque a pureza dos ritos africanos. O
Congresso da Bahia não caiu nesse erro. Todas as ocasiões em que os
congressistas tomaram contato com as coisas de negro foi no seu próprio
meio de origem, nos candomblés, nas rodas de samba e de capoeira.
(CARNEIRO, 1964, p.99).
Gilberto Freyre continuou questionando a legitimidade do Congresso da Bahia, desta vez
fazendo severas críticas ao fato de o Congresso contar com apoio financeiro do Governo do
Estado, o que, para ele, representaria indícios de demagogia e partidarismo. Para Freyre: “esses
Congressos de estudiosos deviam ser como foi o 1º Congresso Afro-brasileiro reunido no Recife,
inteiramente independente dos governos ou de qualquer organização política, com interesses
112
partidários ou fins imediatos. Essa independência, segundo Freyre, foi um dos traços
característicos do 1º Congresso do de Recife”.
130
Edison Carneiro refuta as críticas de Freyre ao informar que o Congresso da Bahia, além
de ter aceitado o patrocínio de 1:500$ do Estado, também conseguiu, através da Comitiva
Organizadora do Congresso, composta por ele, Áydano do Couto e Reginaldo Guimarães,
hospedagem oficial para os congressistas de outros estados, mas sem confabular anteriormente
com nenhum político, sendo todo este auxílio liberado através da Assembléia Estadual. Conforme
Carneiro (1964, p.99): “Nós não éramos, nem somos ainda hoje, políticos no sentido que Gilberto
Freyre dava à palavra. Nem o Congresso tratou de tão interessante assunto”.
Segundo as pesquisas de Clay (2006), as atividades deste Congresso começaram a ser
divulgadas na imprensa baiana a partir de dezembro de 1936, contando com outros meios de
difusão. Além das reportagens no jornal O Estado da Bahia ocorreram divulgações do evento
também na Rádio Comercial, da cidade de Salvador.
No dia 15 de dezembro de 1936, Joãozinho da Goméia e seus filhos e
filhas de santo fariam uma apresentação com músicas de candomblé. A
apresentação foi transmitida ao vivo pela Rádio Comercial e divulgada
três dias antes, 12 de dezembro, no jornal O Estado da Bahia, em uma
nota intitulada “Uma noite africana na Rádio Comercial”; e com o
subtítulo “O pai de santo João da Pedra Preta, com a sua orquestra de
negros, executará músicas religiosas dos candomblés”. (CLAY, 2006,
p.53).
Dois dias após esta apresentação, em 17 de dezembro, O Estado da Bahia publicou a
seguinte nota: “Transcorreu, anteontem, com o maior sucesso possível, a noite africana da Rádio
Comercial PRF-8 da Bahia (...) em colaboração com o Estado da Bahia e com a comissão do
congresso Afro-Brasileiro da Bahia, a Rádio Comercial proporcionou aos ‘rádio-ouvintes’ da
cidade a audição de músicas e cânticos dos candomblés afro-baianos”. (O ESTADO DA BAHIA,
17/12/1936 apud CLAY, 2006, p.53-54).
Amplamente divulgado no jornal O Estado da Bahia entre os dias 07, 08 e 09 de janeiro
e através das “ondas sonoras” da Rádio Comercial, o Segundo Congresso Afro-Brasileiro
atingiu grande divulgação para a época.
130
Ver CLAY, Vinícius. O Negro em O Estado da Bahia: De 09 de maio de 1936 a 25 de janeiro de 1937. 2006.
http://www.facom.ufba.br/pex/viniciusclay.doc/ acesso em fevereiro de 2008, p.51.
113
No dia 09 de janeiro, dois dias antes da abertura do Congresso, o Jornal anunciava: “A
sessão preparatória de ontem e a colaboração de elementos populares ao Congresso da Bahia”:
A sessão preparatória de ontem teve, como resultado, a colaboração mais
eficiente de elementos populares. Silvino Manoel da Silva, tocador de
tabaque do candomblé do Gantois, vai apresentar ao Congresso um
interessante trabalho sobre os toques nos terreiros. Aninha, chefe da Cruz
Santa do Axé do Opô Afonjá, de São Gonçalo, no Retiro, escreverá sobre
velhos costumes africanos da Bahia. Maria Badá, velha negra de mais de
noventa anos, fará receitas de comidas afro-brasileiras. Menininha, mãe-
de-santo do candomblé do Gantois, escreverá a história do seu “terreiro”,
baseada nos arquivos dos seus avós. A Rádio Comercial da Bahia, em
colaboração com o Congresso Afro-Brasileiro, irradiará a festa que
encerrará o Congresso, no candomblé do Gantois. (O ESTADO DA
BAHIA, 09/01/1937, p.07 apud CLAY, 2006, p.56).
Entre as atividades do Congresso teve a participação, segundo Edison Carneiro (1964,
p.98), de quarenta candomblés e a apresentação de teses como: “Castro Alves e a poesia negra na
América”, “O Africano na Bahia”, “Contribuições bantú para o sincretismo fetichista no Brasil”,
“O negro e o espírito guerreiro nas origens do Rio Grande do Sul”, tese apresentada pelo Prof.
Dante Laytano (1908-2000), “Documentos antigos sobre a guerra dos negros palmarinos”,
“Problemas de aculturação no Brasil”, “O criminoso negro na Bahia” e trabalhos apresentados
por afro-religiosos, além de homenagens a Nina Rodrigues (1862-1906).
131
O congresso da Bahia contou com o apoio de intelectuais, afro-umbandistas, órgãos de
cultura e delegações de pesquisadores de diversas regiões do Brasil e exterior. Carneiro explica
que:
Tínhamos o apoio de Percy Martim, Robert Park, Fernando Ortiz, Maria
Archer, do Iternational Commite os African Afairs e da All África
Convention, Artur Ramos, Donald Pierson... o Departamento de Cultura
da Prefeitura de São Paulo... de Alagoas chegaram-nos duas
comunicações, uma de Manoel Diegues Júnior, sobre as danças do
131
Nina Rodrigues (1862-1906) foi considerado pelos seus contemporâneos, início do século XX, como o principal
pesquisador da presença africana no Brasil Para saber ver: Edison Carneiro (1964) Ladinos e Crioulos, Donald
Pierson (1945), Brancos e Pretos na Bahia, Jorge Amado (1960)em Bahia de Todos os Santos e Tomas
Skidmore(1976), Preto no Branco. Todos os títulos das comunicações apresentadas no II Congresso Afro-Brasileiro
foram consultados no livro de Pierson (1945, p.270). Ver RODRIGUES, Nina. Os Africanos no Brasil, São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1976.
114
nordeste, e outra sobre os negros de Palmares. Do Rio de Janeiro, Renato
Mendonça, Robalinho Cavalcanti, Jacques Raimundo. João Calazans fês
(sic) relato das insurreições de escravos no Espírito Santo.
Dante
Laytano e Dario Bittencourt garantiram a representação do Rio
Grande do Sul
... João de Mendonça, médico e comissário, fez
observações sobre o criminoso negro. De todos os pontos do Brasil
chegavam-nos os mais entusiásticos aplausos... As sessões do Congresso
se realizaram no salão de leitura do Instituto Histórico... (CARNEIRO,
1940, p.100-101). (Grifo meu).
Entre os comunicadores e trabalhos apresentados, além dos citados acima, tivemos
especificamente a Bahia, representada por: Áydano do Couto Ferraz escreveu sobre os malês,
Reginaldo Guimarães estudou a mitologia dos negros bantos. João Mendonça fez observações
sobre o criminoso negro. O Comissário João Varela apresentou o Culto de Cosme e Damião. A
professora Amanda Nascimento procurou demonstrar a deseducação do negro, Martiniano do
Bomfim explicou as Doze Lendas de Xangô. Estácio de Lima, diretor do Instituto Nina
Rodrigues, organizou um Museu Afro-Brasileiro. Teodoro Sampaio e José Guimarães
acompanharam as atividades fazendo desenhos em temas africanos. (CARNEIRO, 1964, p.101).
Passaremos a atualizar as atividades do II Congresso Afro-Brasileiro, tendo por fonte, a
pesquisa realizada por Clay (2006), no Jornal O Estado da Bahia entre os dias 09 de maio de
1936 a 25 de janeiro de 1938. Desta forma, as diligências do encontro foram realizadas da
seguinte maneira:
No dia 11 de janeiro, sob a presidência do professor Martiniano do Bonfim, iniciam os
trabalhos. A prefeitura de São Paulo enviou o compositor Camargo Guarnieri para apresentar
notas musicais africanas e populares, até então segundo Clay: “ainda não estudadas por
pesquisadores da música nacional”. No mesmo dia tivemos os trabalhos do professor gaúcho
Dante de Laytano, o alagoano Alfredo Brandão e o organizador do encontro, Edison Carneiro.
No dia 13 de janeiro de 1937, o jornal O Estado da Bahia informou que os participantes
do Congresso visitaram os terreiros de Procópio e de Engenho Velho, além das sessões presididas
no dia anterior, dia 12, pelos intelectuais: Donald Pierson, Camargo Guarnieri, Jorge Amado e
João Calazans.
No dia 14 de janeiro, a programação do evento contou com a participação de um samba
africano comandado pelo pai de santo Joãozinho da Goméia na sede do Clube de Regatas
115
Itapagipe. E, à noite, os congressistas ficaram encantados, segundo informações do Jornal, com o
Centro Cruz Santa do Axé de Opô Afonjá, de Aninha, no São Gonçalo do Retiro, onde
participaram de uma festa especial. (CLAY, 2006, p.59).
Inicialmente previsto para terminar no dia 15 de janeiro, o encontro se estendeu até o dia
19 de janeiro. No dia 18, O Estado da Bahia publicou uma matéria com o título “As últimas
reuniões do Congresso Afro-Brasileiro”:
Por várias razões, o Congresso não pôde, como estava anunciado,
encerrar-se sexta-feira, 15, terça-feira, 19, haverá uma sessão as 2 e meia
da tarde, no Instituto Histórico, a fim de serem lidas as últimas teses
chegadas à secretaria do Congresso, uma de Reginaldo Guimarães sobre
as “contribuições bantas para a obra de sincretismo”, outra de Melville
Herskovits, professor do College of Liberal Arts da Northwestern
University, dos Estados Unidos, sobre a presença de “deuses africanos a
santos católicos nas crenças do negro do novo mundo”, e de Salvador
Garcia Aguero, de Cuba, sobre a “presença negra na música”, da sua ilha.
Por fim, à noite, nessa mesma terça-feira, haverá a sessão de
encerramento do Congresso, sessão essa em homenagem a Nina
Rodrigues, devendo falar o prof.dr. Arthur Ramos, o escritor Edison
Carneiro e o dr. Hosanah de Oliveira. (apud CLAY, 2006, p.60)
O interesse delineado por ocasião deste lugar social foi o de constituir uma organização
que lutasse em torno da liberdade de culto da religião afro-brasileira que, a exemplo do Recife,
sofria diretamente perseguições e ações contra a sua liberdade de culto. Os participantes do
Congresso aprovaram duas resoluções: “Uma resolução sobre a liberdade das religiões africanas
e outra encarregando a Comissão Executiva de criar um organismo que congregasse,
democraticamente, os chefes de seita da cidade e do estado”. (CARNEIRO, 1940, p.100-101).
Para Bacelar, (2001, p.130), Carneiro buscou dar ao Candomblé uma organização que o
capacitasse para o exercício da liberdade religiosa e à preservação das tradições das seitas
africanas em suas formas autênticas... a União das Seitas Afro-Brasileiras (1937) não vingou e
viria a redundar na Federação Baiana do Culto Afro-Brasileiro, fundada em 1947. Ainda
conforme Bacelar: “é preciso que se pense na realidade vigente, pois a Bahia antes de ser africana
era branca e européia”. Entendemos que, para este autor, “a exaltação da África seria a
contrapartida, com a mesma função controladora, em termos culturais, do mito da democracia
racial”. (BACELAR, 2001, p.131). Carneiro era mais próximo dos intelectuais tradicionais, pois
116
alterou pouco o que vinha sendo pensado sobre a contribuição do negro em nosso país.
Movimentou idéias e formou um “oásis”, mas um “oásis” onde a cultura e a tradição
continuavam a dar o “tom”.
Após a realização deste Congresso, para ser mais exato, sete meses depois, no dia 03 de
agosto de 1937, fundava-se a União das Seitas Afro-Brasileiras da Bahia, conforme citado
anteriormente, com intuito de preservar e auxiliar a manutenção da religião de matriz africana no
Estado. Este órgão foi de extrema importância na resistência às pressões exercidas pelos
representantes do poder.
Segundo Oliveira (1980, p.09), a proposta de criação de uma federação das casas de
Candomblés baianas partiu diretamente da ação efetiva de Edison Carneiro. Outra iniciativa
importante, porém mais voltada para os estudiosos e pesquisadores da temática negra, foi a
produção de um livro composto pelos trabalhos apresentados no encontro, intitulado: O negro no
Brasil. (Carneiro, 1940).
Localizamos alguns palestrantes, presentes neste Congresso, que participaram também
das atividades do Congresso do Recife de 1934, são eles: Alfredo Brandão, de Alagoas, Jorge
Amado, da Bahia, Renato Mendonça, Robalinho Cavalcanti, do Rio de Janeiro, além do próprio
Edison Carneiro, que participou daquele Congresso apresentando duas comunicações.
Deve-se ressaltar a presença de dois intelectuais do Rio Grande do Sul no II Congresso
Afro-Brasileiro, a do Prof. Dante Laytano (1908-2000) e do Prof. Dario Bittencourt (1901-1974),
ambos estariam juntos nas atividades do Primeiro Congresso Nacional do Negro realizado,
vinte e um anos depois, na cidade de Porto Alegre, em 1958.
Passaremos a um breve, mas importante debate sobre os interesses gerais delineados no
Primeiro e Segundo Congressos Afro-Brasileiros. Inicialmente, embora percebendo a
importância destes dois eventos para a identidade negra, inclusive tendo a efetiva participação de
representantes deste grupo, concordamos com Pierson (1945), quanto aos Congressos, mas com
ressalvas quanto à ausência de problemas raciais no período, já que disse por ocasião de suas
pesquisas na Bahia:
Se tem desenvolvido no Brasil um vivo interesse pelo africano e seus
descendentes, o que se refletiu na realização de dois Congressos Afro-
Brasileiros: o primeiro reunido em novembro de 1934 em Recife, o
segundo em janeiro de 1937, na Bahia. Neles tomaram parte intelectuais
117
que se interessavam pelo negro brasileiro. Mas a agenda de ambos indica
que este interesse limita-se quase inteiramente a três campos: (1) a história
da importação e da escravidão africanas; (2) os problemas de aculturação,
visando especialmente as sobrevivências de formas culturais africanas; e
(3) as variações antropométricas raciais. Falta, em geral, qualquer
preocupação pelos problemas de conflito racial ou de acomodação, o que
indica, bem definidamente, a relativa ausência destes problemas na
sociedade brasileira, bem como a relativa ausência de raça por parte do
negro, ou de qualquer outro grupo racial, em resposta a esses problemas.
(PIERSON, 1945, p.269).
Donald Pierson (1900-1995) é considerado, conforme Bacelar (2001, p.94) uma das
figuras responsáveis pelo desenvolvimento da Sociologia no Brasil. Permaneceu em Salvador de
1935 a 1937, pesquisando, em sua tese de doutoramento, sobre a situação racial e cultural baiana.
Vinculada à Universidade de Chicago, a sua pesquisa representou uma inovação nos estudos
sobre o negro no Brasil. Visava concretamente uma dada realidade social. O seu livro Anisfiel
Award, em 1942, foi premiado e elogiado pelos intelectuais norte-americanos, identificados com
a segregação racial, e principalmente pelos brasileiros, que davam o “problema racial” como
inexistente. Dentre suas idéias, tinha um otimismo evolucionista, preconizando que, com o passar
dos anos e da modernidade, as diferenças seriam menos de raça e mais de cultura e trabalho. Um
fator importante sobre a Escola de Chicago é que a mesma distancia-se inteiramente das teorias
biológicas sobre raça, visão próxima aos interesses de Freyre.
Donald Pierson, antes de vir ao Brasil fez um estágio em Nashville, Tennesse, no sul dos
Estados Unidos, região socialmente similar à Bahia, atrasada e pré-industrial, e inteiramente
contrastiva do ponto de vista racial, ou seja, a área mais racista do país, segundo Bacelar,
“paraíso” dos linchamentos de negros. (BACELAR, 2001, p.94). Pierson afirma: “o linchamento
de gente de cor é desconhecido no Brasil”. Certamente para um intelectual negro e norte-
americano como ele, estar pesquisando sobre a sociedade baiana deve tê-lo impressionado. Mas
ele tem uma explicação lógica para isso, pois segundo afirma: “Para existir preconceito de raça,
torna-se necessário como fator determinante o medo ou receio de que o grupo racial subordinado
ameace ou esteja em vias de ameaçar a posição privilegiada do grupo dominante”. Como isso não
ocorre no Brasil, “tem-se então, a dúvida se na Bahia haverá qualquer coisa que possa, com
justificação, ser chamada de preconceito de raça”. (PIERSON apud BACELAR, 2001, p.95).
118
Além de seus próprios pensamentos, refletidos em comparação com o “deserto” norte-
americano, Pierson contata a matriz tradicional brasileira, aquela que vimos anteriormente por
ocasião de do Primeiro Congresso Afro-Brasileiro.
132
Apesar de suas contribuições à
Antropologia e a Sociologia, Pierson trouxe linguagens e metodologias novas as pesquisas
brasileiras, mantendo a visão de que o que moldava as relações sociais e raciais do Brasil era o
hibridismo.
Pela sua distância com o Brasil, que conhecera em um curto período de tempo, e embora
influenciado pelos intelectuais tradicionais, Pierson deve ser levado em consideração pelo seu
pensamento técnico, pois perceberá que os Congressos analisavam as populações negras como
“objetos de pesquisas”.
O sociólogo e intelectual negro Guerreiro Ramos (1915-1982), em 1954, analisou da
seguinte maneira o Primeiro e o Segundo Congresso Afro-Brasileiro:
Ainda nesta corrente de tematização do negro brasileiro se incluem dois
certames. O primeiro teve lugar em 1934, na cidade do Recife, tendo sido
seu principal organizador o sociólogo Gilberto Freyre. Seguiu-se a este,
em 1937, na Bahia, organizado por Aydano do Couto Ferraz e Edison
Carneiro, o 2° Congresso Afro-Brasileiro. Ambos estes conclaves foram
predominantemente acadêmicos ou descritivos. Exploraram o que se pode
chamar de temas de africanologia, bem como o pitoresco da vida e das
religiões de certa parcela de negros brasileiros. Apesar da participação de
elementos de cor, esses dois foram congressos "brancos" pela atitude que
assumiram em face da questão, como também pelos temas focalizados,
temas de interesse remoto do ponto de vista prático. Mas isto é dito aqui
sem nenhum intuito de empequenecer tais congressos afro-brasileiros. É
de justiça reconhecer que eles desbravaram o caminho para os
movimentos atuais. (RAMOS, 1954, p.55).
132
Fundamentamos de intelectual tradicional os representantes da oligarquia do nordeste incluindo Freyre e os
demais que o antecederam, pois conforme Gramsci: Cada grupo social “essencial”, contudo, surgindo na história a
partir da estrutura econômica anterior e como expressão do desenvolvimento desta estrutura, encontrou, pelo menos
na história que se desenrolou até os nossos dias, categorias de intelectuais preexistentes, as quais apareciam, aliás,
como representantes de uma continuidade histórica que não foram interrompidas nem pelas mais complicadas e
radicais modificações das formas sociais e políticas... podem ser comparados à aristocracia fundiária no exercício da
propriedade da terra e privilégios estatais. Ver GRAMSCI, Antônio. Os intelectuais e a organização da cultura. Rio
de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1995, p.5.
119
“Alberto Guerreiro Ramos foi sociólogo, baiano, mulato como a maioria dos
pesquisadores o descreve”, faleceu em 1982, em Los Angeles, aos 67 anos, vítima de câncer.
Conforme Figueiredo (2007, p.5), “Guerreiro Ramos convive num contexto acadêmico em que
‘os estudos sobre os negros brasileiros’, como ele definiu, já estavam consolidados e eram
realizados quase que exclusivamente por pesquisadores brancos”. Segundo esta autora, as
reflexões de Guerreiro sobre o papel político da sociologia, sobre a importância de uma
assimilação crítica da teoria e, principalmente, suas considerações críticas sobre os estudos
realizados “sobre e não junto” com os negros no Brasil, possivelmente o excluíram do “panteon
dos grandes sociólogos brasileiros”, centrados na teoria “eurobrasileira”. (FIGUEIREDO, 2007,
p.5).
Guerreiro advogava em prol de uma sociologia nacional e mostrava sua preocupação
quanto às pesquisas que vinham sendo realizadas sobre o negro no Brasil. “A constante
reivindicação de Guerreiro era acerca de uma sociologia brasileira, que deveria estar empenhada
em resolver os problemas nacionais”. (FIGUEIREDO, 2007, p.08).
Neste sentido Bastide (1971, p.44), também concorda com a visão de Guerreiro Ramos,
pois a sociologia brasileira deveria ter, segundo ele, seus próprios métodos e conceitos, ao invés
de aplicar modelos norte-americanos ou europeu.
133
Analisamos as opiniões de Pierson e de Ramos, sobre os Congressos Afro-Brasileiros
realizados, como a de dois intelectuais que, embora tenham por interesse pesquisar a importância
da identidade negra para o nosso país, examinam a sua contribuição através de duas formas de
pensamento, até certo ponto divergentes. A primeira identificada em Donald Pierson, através da
escola de Chicago, que prima por relacionar o negro identificado e inserido na cultura nacional, o
que vai ao encontro da ideologia da “democracia racial” da época, ou conforme explicou Mota
(1980, p.54): a ideologia da cultura brasileira, identificado lá em Gilberto Freyre.
A segunda opinião, a de Guerreiro Ramos, visa a participação do negro através dos
estudos de suas necessidades, avançando além dos aspectos culturais, conforme ele:
133
Embora Bastide concorde com Guerreiro neste ponto, acredita que Guerreiro faz errado ao criticar negativamente
a Antropologia e a Etnologia juntamente com a Sociologia, “tudo na mesma situação”. Para Bastide, era a
Sociologia que mantinha o intuito de branqueamento, este iniciado, segundo ele, a partir de Gilberto Freyre. Já a
Antropologia e a Etnologia queriam descobrir através de reinterpretações a conservação das civilizações africanas no
Brasil. Ver BASTIDE, Roger. As religiões africanas no Brasil. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1971, p.40.
120
os trabalhos sociológicos deveriam ajudar a encontrar saídas para a
marginalidade da população negra brasileira, em vez de simplesmente
descrever a cultura... de acordo com ele, os estudos produzidos em nada
contribuíam para melhorar a vida dos negros brasileiros, uma vez que a
ênfase era atribuída aos aspectos exóticos, ou melhor, os negros eram
vistos como um espetáculo. (apud FIGUEIREDO, 2007, p.09).
Em síntese, nestes breves debates notamos que Pierson, apesar de estar mais de acordo
com a visão dos intelectuais tradicionais brasileiros do período, notou que ambos os Congressos
mostraram o negro como “objeto de estudos” em lugar de partirem de sua condição de sujeitos,
com a competência cotidiana de tratarem dos problemas sociais que a população negra
vivenciava. Este pensamento está de acordo com os seus métodos advindos de sua escola, pois
primam por pesquisar a sociedade de maneira tangível. Já Guerreiro, por sua vez, tem a visão
mais próxima dos intelectuais orgânicos negros, pois queria que os estudos sobre a temática
negra apontassem para as suas condições sociais, o que vai refletir na formação de outros “oásis”,
que analisaremos mais adiante.
Retornando à importância do Segundo Congresso Afro-Brasileiro, acreditamos que ele
foi legitimo para consolidação da identidade negra por dois motivos: o primeiro é o de identificar
a importância da preservação dos aspectos ligados à religiosidade afro-descendente, que sofria
perseguições intensas no período; e o segundo demonstra a participação efetiva de representantes
“afro-religiosos” no encontro, sendo os mais importantes e representativos nomes o de
Martiniano do Bonfim (1859-1943), presidente de abertura do Congresso e o de Mãe Aninha
(1869-1938).
O Babalaô Martiniano Eliseu do Bonfim foi um membro muito influente dos candomblés
da Bahia, desde os fins do século XIX. Nina Rodrigues já se referia e ele, sem mencionar-lhe o
nome, como um valioso informante, um informante remunerado (LIMA, 2004, p.4). Em 1936,
Édison Carneiro convidou Martiniano para ser o Presidente de Honra do 2
º
Congresso Afro-
Brasileiro, “papel que ele exerceu com grande interesse e dignidade”. (LIMA, 2004, p.5).
Segundo Carneiro (1940, p.101), um dos organizadores do II Congresso, este encontro
prestou a devida homenagem a Nina Rodrigues, considerado por ele como o pioneiro dos estudos
afro-brasileiros em nosso país, o que foi negligenciado no Primeiro Congresso. Portanto, através
de Martiniano Bonfim que foi o Presidente de Honra do Congresso e também palestrante,
apresentando a comunicação intitulada: “Os Doze Ministros de Xangô”, a memória de Nina
121
Rodrigues foi contemplada no encontro, já que, segundo Lima (2004, p.4), ele e Martiniano
mantinham estreitas relações. Martiniano colaboraria muito para que o 2º Congresso Afro
Brasileiro se tornasse realidade. “Com seu prestígio perante à comunidade negra, ele conseguiu
reunir os principais nomes das religiões afro-brasileiras, concedendo o apoio popular e, por
conseqüência, a legitimidade necessária ao evento”. (CLAY, 2006, p.20).
Nina Rodrigues, conforme citamos anteriormente, também foi homenageado na sessão de
encerramento do Congresso aonde falaram na ocasião Arthur Ramos, Edison Carneiro e Hosanah
de Oliveira.
Mãe Aninha participou das atividades do II Congresso Afro-Brasileiro apresentando
“um pequeno trabalho sobre quitutes afro-baianos”. Foi uma das articuladoras e fundadoras da
União das Seitas Afro-Brasileiras da Bahia. Assim como Martiniano Bonfim era veemente na
manutenção dos rituais africanos no Candomblé baiano. Aninha era influente na sociedade em
que vivia, inclusive mantendo contatos políticos.
Segundo Pierson,
Mãe Aninha afirmava-se, a cada dia, como uma mãe-de-santo
competente, empreendedora e prestigiosa. Sua reputação a fazia procurada
por pessoas que se situavam, socialmente, fora dos estratos de classe
dominantes No começo da década de 1930, Aninha viajou para o Rio de
Janeiro. Sobre esta e outras viagens ao Rio - de navio, carregada de
bagagens, levando o axé de seu santo, acompanhada, sempre, de uma
pequena corte de filha-de-santo, correm muitas histórias... Sabia-se de
suas relações íntimas com pessoas associadas ao Governo da República,
diplomatas, Ministros, Chefes de Polícia. Dessas viagens ao Rio resultou a
criação, ali, de um ramo do Opô Afonjá, cuja direção entregou à sua filha-
de-santo Agripina Sousa. (PIERSON, 1945 apud LIMA, 2004, p.15).
Conforme Lima (2004, p.3), que pesquisou o Candomblé na Bahia na década de 1930:
“Nessas duas figuras singulares bem se poderiam identificar as clássicas categorias weberianas da
legitimação do poder, no caso, do poder teocrático exercido pelos pais e mães dos terreiros da
Bahia: pois eram eles pessoas que conheciam suas origens étnicas e culturais”. Ou seja, o poder
da cultura é incomensurável, e devido a isto, este Congresso foi fundamental para a continuidade
organizada da identidade negra adepta à religião afro-brasileira, mais comum nas populações
negras, o que repercutiu diretamente sobre elas como formas de luta para se manter, inserir e
ascender socialmente, seja a nível individual, ou ao nível coletivo, através da comunidade.
122
Para Lima (2004, p.2), estas personalidades transcendiam o ambiente dos terreiros e se
impunham, igualmente, à sociedade inclusiva. E ainda dotados de uma aura carismática emanada
de suas personalidades poderosas; plenas de sabedoria e de mistério.
Podemos perceber, através destas lideranças, que culturalmente a comunidade negra
manteve, por ocasião do Congresso, uma forte influência na sociedade baiana, o que a coloca
plenamente inserida no contexto da época vigente inclusive, fundando, com o apoio de
intelectuais, uma organização social para defender os seus interesses, o que foi muito
significativo, já que no Estado da Bahia tinha uma população de 71,21% de negros. (BASTIDE,
1959, p.40).
O Segundo Congresso Afro-Brasileiro pode ter-se desenvolvido de forma semelhante ao
Primeiro no que diz respeito à influência cultural atribuída à identidade negra na formação da
nacionalidade brasileira, em um primeiro momento, mas em segundo, se distingue na ênfase dada
as suas religiões, colocando a religião em destaque.
Para as necessidades dos intelectuais negros, o “oásis” ainda precisava mais do que a
representação da identidade negra e afro-brasileira somente através dos aspectos culturais
134
“no
terreno das práticas, representações, linguagens e costumes” (HALL, 2003, p.332), neste caso
tendo por eixo a religião, pois para eles o negro somente iria de fato estar integrado à nação se as
suas demandas sociais fossem contempladas, interesse este que teve como origem nas Frentes
Negras e em suas lutas por cobranças sociais e que iriam pautar os interesses das atividades
propostas pelo Teatro Experimental do Negro nas Convenções e Congressos organizados, nas
décadas de 1940 e 1950.
134
O “tom” do Primeiro e Segundo Congresso Afro-Brasileiro foi importante, mas foram lugares sociais onde os
aspectos culturais mais se destacaram. A partir dos outros Congressos que analisaremos, notaremos que as discussões
apontam para as necessidades cotidianas da população negra à procura de umoásis” social nos desertos do Brasil.
123
2.3 CONVENÇÕES E CONFERÊNCIA NACIONAL DO NEGRO: O QUE IMPORTA
SÃO OS PROBLEMAS SOCIAIS.
Para desenvolvermos este tópico de nossa dissertação, utilizaremos uma bibliografia
pertinente para compreendermos a fundação do TEN – Teatro Experimental do Negro, e o
contexto das populações negras na cidade do Rio de Janeiro, além das matérias que saíram no
periódico da entidade, intitulado de “Jornal Quilombo”, que acompanhou e divulgou os interesses
e as atividades produzidas por este lugar social.
O TEN - Teatro Experimental do Negro foi fundado na cidade do Rio de Janeiro no ano
de 1944, no final da vigência do Estado Novo, pelo intelectual negro Abdias do Nascimento.
Tinha por intuito, além de produzir peças teatrais, motivar o negro, através da alfabetização, a
combater a discriminação e o preconceito racial que existia na sociedade carioca. Funcionava em
sede emprestada da
União Nacional dos Estudantes
, na Praia do Flamengo.
Nascimento (2004, p.209), explicou que o que o influenciou na fundação da organização
foi principalmente a falta de atores negros em cena, nos teatros da cidade e do país, pois sempre
que estavam em cartaz peças com papéis que representassem personagens negros, era comum
pintar os atores brancos com tinta preta; com isso, atuavam nos espetáculos em detrimento dos
atores negros. Para Nascimento (2004, p.209), isso era inadmissível em um país como o nosso,
que, segundo ele, tinha na década de 1940, uma população de 60 milhões de habitantes, composta
por 20 milhões de pessoas negras, que os diretores artísticos escalassem artistas brancos para as
peças teatrais podendo estrelar com atores negros.
Com esta reflexão, Abdias do Nascimento organizou o grupo que, além dele, contou com
a participação de Aguinaldo de Oliveira Camargo; o pintor Wilson Tibério (1916-2004)
135
, que
era gaúcho de Porto Alegre, e morava na Europa na época; Teodorico dos Santos e José Herbel.
A estes cinco, se juntaram, logo depois, Sebastião Rodrigues Alves, militante negro; Arinda
Serafim, Ruth de Souza, Marina Gonçalves - empregadas domésticas -; Claudiano Filho; Oscar
135
Wilson Tibério nasceu em Porto Alegre no ano de 1916. Estudou na Academia Real de Belas Artes do Rio de
Janeiro. Lá participou de inúmeras exposições e das decorações do Carnaval de 1942 e 1943. Entre os destaques de
seu currículo, exibe a participação em uma coletiva ao lado de Pablo Picasso, na Galerie Henry Tonchet, em Paris,
no ano de 1951. Faleceu em Paris em 2004. Maiores informações: Jornal do Comércio de Porto Alegre, de 14, 15 e
16 de fevereiro de 2003. Comportamento: “Um reencontro” escrito por Tânia Barreiro. Na ocasião, o jornal trata do
reencontro entre Wilson Tibério com o seu irmão, Manoel. Também foi possível notar, através de Wilson Tibério,
“as idéias em movimentos” já que ele nasceu em Porto Alegre, morou no Rio de Janeiro e na França, mantendo
contatos com o TEN.
124
Araújo, José da Silva, Antonieta, Antonio Barbosa, Natalino Dionísio, entre outros
(NASCIMENTO, 2004, p.211).
Conforme o seu organizador:
Em 1944, no Rio de Janeiro, o Teatro Experimental do Negro, ou TEN, se
propunha a resgatar, no Brasil, os valores da pessoa humana e da cultura
negro-africana, degradados e negados por uma sociedade dominante que,
desde os tempos da colônia, portava a bagagem mental de sua formação
metropolitana européia, imbuída de conceitos pseudocientíficos sobre a
inferioridade da raça negra. Propunha-se o TEN a trabalhar pela
valorização social do negro no Brasil, através da educação, da cultura e da
arte. (NASCIMENTO, 2004, p.210).
Para L.C. Pinto (1953, p.277), originalmente o grupo surgiu como um protesto contra a
ausência do negro nos palcos brasileiros, ou contra sua presença apenas em papéis de segunda
categoria, geralmente bufões e ridículos, que assim teatralizavam a posição subalterna do negro
na estrutura social. Passou a existir, a partir do TEN, um Grupo dedicado a representar peças em
que eles tivessem a oportunidade de se revelarem e se destacarem.
Abdias do Nascimento, organizador do TEN, nasceu em Franca, interior paulista, no dia
14 de março de 1914. Sua família era numerosa, somando um total de sete irmãos. Sua mãe era
doceira, cozinheira e ama-de-leite de filhos de fazendeiros de café. O pai era sapateiro e um
católico praticante. Com treze anos de idade, Abdias já ensinava no primário e atuava como
guarda-livros em fazendas da vizinhança. Aos dezesseis anos, entrou para o exército, no qual foi
expulso por ter se envolvido em uma briga, depois que seguranças o impediram de entrar em um
bar na companhia de um amigo, pelo fato de serem negros. Desde a sua infância se envolvia com
protestos e passeatas de rua contra a discriminação racial e pela integração do negro à sociedade.
No entanto, sua primeira experiência de luta orgânica foi como membro da
Frente Negra
Brasileira, fundada em 1931. Como, na época, ele ainda servia no exército brasileiro, envolveu-
se pouco nas atividades da organização, mas distribuiu panfletos reivindicando e denunciando o
preconceito em nosso país na ditadura de Vargas. (CEVA, 2006, p.20-21).
Querendo agir em duas frentes, Nascimento promoveu uma primeira experiência de
denúncias aos “equívocos e a alienação dos chamados estudos afro-brasileiros” (NASCIMENTO,
2004, p.211), ocorridos, segundo ele, nos Congressos realizados anteriormente e promoveu uma
125
segunda rumo à conscientização do negro, entendido para ele como de fundamental importância
para que o mesmo tomasse consciência da situação objetiva em que se achava inserido no seu
país.
Para Guerreiro Ramos (1954, p.215), o
Teatro Experimental do Negro,
fundado, em
1944 foi a manifestação mais consciente e espetacular do período, caracterizado pela recusa do
negro em servir de mero tema de dissertações "antropológicas", e passando a agir no sentido de
desmascarar o preconceito de cor.
Localizamos em Dexami (2001, p.361), outra necessidade que explicou a origem do TEN,
a de mercado, pois, conforme a autora, devemos entender o Grupo através de várias
condicionantes, incluindo esta: “essa identificação pode ser entendida tanto pela necessidade de
produzir um espaço de expressão militante para os atores e diretores negros quanto pela abertura
de um mercado de trabalho para o ator negro”.
Para Ceva (2006, p.26), o objetivo do TEN, era centralizado no combate ao racismo
136
e
na construção da identidade negra positiva; isso fez emergir um discurso crítico marcado pela
imposição da questão racial, questão esta efetivamente desconsiderada como um tema legítimo
no contexto das décadas de 1940 e 1950, já que o Brasil tinha um forte projeto nacionalista e
culturalmente vivia-se sobre a égide de uma civilização híbrida, miscigenada, um produto do
cruzamento entre brancos, negros e índios, ideologia que, como vimos anteriormente foi iniciada
com Gilberto Freyre e em seus estudos apresentados por ocasião do Primeiro Congresso Afro-
Brasileiro.
Através destes autores elencamos as principais necessidades sociais apontadas pelo TEN
na criação de seus “oásis” sociais:
1- Apontar e agir nos problemas cotidianos do negro
2- Espaço militante de conscientização e de auto-estima
3- Instrução para o mercado de trabalho
4- Vagas no mercado de trabalho
5- Denúncia contra o preconceito e a discriminação através de medidas jurídicas
6- Autonomia de ações a favor da comunidade negra
7- Alfabetização
136
O termo não é apresentado em sua forma biológica, mas sim política. Idem p.57.
126
Se Tuna (2005, p.73) explicou que o Primeiro Congresso Afro-Brasileiro representou
um amplo esforço de sistematização do que havia sido produzido até então sobre a cultura afro-
brasileira, num tempo em que a Universidade brasileira ainda estava em estágio de formação, eu
complementaria que, este esforço foi realizado pela elite agrária nordestina inflamada pelo
discurso da miscigenação e que, de fato, foi e é observável, pois vivíamos e vivemos em uma
sociedade multirracial com elementos culturais e principalmente humanos nas suas relações mais
íntimas em certa harmonia, embora com desigualdades sociais. Qualquer pessoa percebe isto que
escrevemos. Mas entendemos, por outro lado que foi a partir de Abdias do Nascimento e do
Teatro Experimental do Negro, que teve início a sistematização da reivindicação jurídica pelos
problemas enfrentados cotidianamente pelo negro em nossa sociedade. Isso representado, através
das Convenções e Congressos Negros realizados pela entidade, que além de ter legitimado essas
cobranças, significou um esforço teórico de quem sentia na pele o preconceito racial.
O que também é observável atualmente, pois embora o negro tenha mudado
consideravelmente através das décadas, notamos que ainda são poucos os que conseguiram se
destacar em setores sociais importantes, seja em cargos públicos, comerciais de televisão,
novelas, pilotos de avião, etc., o que identificamos como influências do preconceito e que com o
desenvolvimento político da humanidade será superado.
Retornando às propostas do TEN, neste lugar social foram organizados concursos de
artes plásticas, concursos de beleza que enalteciam os padrões afro-brasileiros, eventos sócio-
políticos. Também foi nele onde se cogitou uma medida constitucional para a criação de uma
legislação anti-racista, além da produção de um periódico, intitulado de “Jornal Quilombo”.
(NASCIMENTO, 2000, p.210).
O jornal Quilombo: vida, problemas e aspirações do negro; divulgou
trabalhos do TEN em todos os seus campos de ação, entre 1948 e 1951. O
jornal trazia reportagens, entrevistas, e matérias sobre assuntos de
interesse à comunidade. A precariedade dos recursos financeiros do TEN,
e do poder aquisitivo de seu público, não lhe permitiu uma permanência
maior. (NASCIMENTO, 2004, p.223).
127
Antes de fundar o TEN – Teatro Experimental do Negro, Abdias foi preso na ditadura
do Estado Novo, sendo que, depois de liberto, organizou, em 1938, o
Congresso Afro-
Campineiro.
137
Segundo ele:
Protestando contra o Estado Novo, fui condenado pelo tribunal de
Segurança Nacional no Rio de Janeiro, e ao sair da prisão em abril de
1938, fui com Geraldo Campos de Oliveira, companheiro de cárcere,
ajudar na organização do Congresso Afro-Campineiro, com Agnaldo de
Oliveira Camargo, Aguiar Sampaio, o tipógrafo Jerônimo e José Alberto
Ferreira, entre outros. Este Congresso, realizado com a colaboração do
Prof. Nelson Omegna, no Instituto de Ciências e Letras de Campinas, teve
o propósito de combater o ostensivo racismo e separatismo tradicional
dessa cidade, e avaliar a situação geral do negro no país. Durante uma
semana discutiram-se as condições de vida do negro brasileiro sob vários
aspectos: econômico, social, político, cultural. (NASCIMENTO, 2000,
p.203).
Abdias é, hoje na maturidade de seus 94 anos de idade, um intelectual orgânico negro,
que iniciou esta função nos quadros do movimento frentenegrino na década de 1930. Mas ao
refletir sobre a entidade a que pertenceu, na atualidade, passados setenta anos, ele critica a
maneira integracionista com que a Frente Negra procurou conscientizar as populações negras no
período. Conforme suas palavras:
A
Frente Negra
Brasileira
representava, sem dúvida, a maior expressão
da consciência política afro-brasileira da época, consciência essa formada
ao reagir contra o mais evidente aspecto do racismo, a sistemática
segregação e exclusão à base de critérios raciais. Tratava-se de uma
consciência e uma luta de caráter integracionista, à procura de um lugar na
sociedade “brasileira”, sem questionar os parâmetros euro-ocidentais
dessa sociedade nem reclamar uma identidade específica cultural, social
ou étnica. (NASCIMENTO, 2000, p.206).
Discordamos da visão atual de Abdias do Nascimento pelo seguinte motivo: há setenta
anos, a
Frente Negra
lutou pela elevação social e a inserção social do negro brasileiro em várias
regiões do Brasil. Considerando o período tumultuado em que a mesma viveu, crise de 1929,
“Revolução de 1930”, Período de Guerras, crise liberal, ascensão das ideologias centralizadoras,
137
O Congresso Afro-Campineiro foi considerado por nós como o primeiro oásis formado para se combater o
racismo no Brasil.
128
etc., ela deve ser sim pensada como um movimento questionador, pois passou a abrir portas em
um momento nada fácil.
Pensamos que para refletirmos, na atualidade, o que representou esta organização para as
populações negras devemos contextualizar, evitando com isso cair no erro que freqüentemente foi
repetido pelos sociólogos da USP
138
, que ao examinarem o movimento especifico de São Paulo,
levaram em conta somente aquele núcleo em sua profundidade, mas sem aprofundar o contexto
político e social vivenciado pelo movimento frentenegrino através de outras vertentes espalhadas
por outros Estados brasileiros. Pois a Frente Negra que existiu no Rio Grande do Sul, por
exemplo, e como vimos no primeiro capítulo de nossa dissertação, queria a integração através da
identificação assumida da identidade negra, em seus aspectos sociais, culturais e políticos.
Portanto, ao pesquisar esta organização devemos entendê-la como um movimento frentenegrino,
pois concordamos com Flávio dos Santos Gomes (2005, p.55), quando diz que: “para se analisar
a FNB temos que pensar em seus desdobramentos que foram diversos, ganhando perfis e
configurações particulares”. Ou seja, devemos pensá-la através de um “movimento de idéias”.
Retornando aos dois principais interesses do TEN, que eram “denunciar os Congressos
Afro-Brasileiros realizados anteriormente” e “conscientizar o negro de seus problemas
cotidianos”, o Grupo organizou as Convenções e a Conferência do Negro, além de manter uma
proposta de alfabetização continua em sua sede.
Neste sentido realizou, nos mesmos moldes dos Congressos anteriores, “oásis” para
debater a situação cotidiana enfrentada pelo negro, concretamente em seus aspectos sociais, ações
que distanciaram estas iniciativas do tom cultural apresentado nos Congressos realizados no
Recife e em Salvador, que, como vimos anteriormente, delinearam interesses mais tradicionais
sobre a contribuição da identidade e das populações negras na formação de sociedade nacional. Já
em um segundo momento o TEN, acreditava que para que os negros atingissem a plena
138
Entre os anos de 1950 e 1980, sociólogos como Florestan Fernandes e Roger Bastide contribuíram muito em suas
pesquisas no que tange à formação e à organização dos Movimentos Negros paulistas e principalmente no que
conhecemos sobre a Frente Negra Brasileira. No entanto, seus aprofundamentos em torno da FNB, devem ser
entendidos como pesquisas realizadas sobre o núcleo paulista, que embora repressentassem em seus estatutos os
negros brasileiros, ela era somente de São Paulo e interior, pois existiram vertentes da Frente Negra em outros
Estados com ideologias políticas completamente diferentes, embora todas elas primassem pela elevação social do
negro na década de 30, conforme vimos no Primeiro Capítulo desta dissertação. Por isso denominamos as Frentes
Negras, como um “movimento frentenegrino” tendo sua origem em São Paulo, mas levando em consideração os seus
desdobramentos em outras regiões brasileiras.
129
consciência de sua condição social vivenciada, deveriam, os mesmos, participar de cursos de
alfabetização e de cultura, o que de fato aconteceu, pois conforme Abdias:
Cerca de seiscentas pessoas, entre homens e mulheres, se inscreveram no
curso de alfabetização do TEN, a cargo do escritor Ironides Rodrigues,
estudante de Direito dotado de um conhecimento cultural extraordinário.
Outro curso básico, de iniciação à cultura geral, era lecionado por
Aguinaldo Camargo, personalidade e intelecto ímpar no meio cultural da
comunidade negra. (NASCIMENTO, 2004, p.211).
139
Os seminários realizados no TEN tinham por objetivo “formar uma turma de técnicos
hábeis para organizar grupos, tendo em vista a eliminação das dificuldades emocionais que
impediam a plena realização da personalidade do negro”. Com as turmas formadas, o Grupo
atuava em morros, terreiros e em associações, promovendo a valorização social do negro”. (L.C
PINTO, 1954, p.288).
O dirigente do Grupo, responsável teórico direto por este setor de atividades foi Alberto
Guerreiro Ramos. Para Pinto (1954, p.292), é a partir destas atividades que surgiu a bandeira de
luta de forte conteúdo emocional e místico, capaz de se propagar, de despertar, de arrastar os
homens negros com a força estimulante que têm as grandes idéias e as mensagens redentoras, a
ideologia da negritude.
Tendo como ideologia esta bandeira, o Grupo passou a ser acusado de racista às avessas,
tanto por grupos de direita ligados à UDN, como por grupos da esquerda, ligados ao Partido
Comunista. (NASCIMENTO, 2000, p.214).
Para L.C. Pinto (1953, p.293), artistas, poetas, escritores, pequena elite intelectual negra,
homens de sensibilidade multiplicada pelo choque de sua vocação, seu temperamento e suas
ambições de encontro à realidade de classe e de raça em que estão situados, racionalizaram a sua
queixa e transformaram sua cor, fonte, muitas vezes, de dissabores, num valor supremo para eles,
sob o qual se abrigam para dizerem, “sem medo e sem vergonha”: niger sum!
139
Para saber mais da Proposta Pedagógica do TEN, ver: CEVA, Antonia Lana de Alencastre. O Negro em Cena: a
proposta pedagógica do Teatro Experimental do Negro (1944-1968), 2006, p.72-73. Ceva concluiu que: “O TEN,
mesmo com uma atuação breve (1944-1968), e devido à falta de patrocínio e de espaço físico próprio para a sua
continuidade, mantém na contemporaneidade, se compararmos com as entidades atuais do movimento negro, as suas
demandas. A educação é uma forma de luta contra a discriminação racial” e segue a autora: “...A Frente Negra
(1931-1937) e o TEN (1944-1968) fizeram da educação sua principal estratégia de ação, para transformar a situação
social do negro/a na sociedade brasileira”.
130
Retornando às Convenções e à Conferência proposta pelo TEN, notamos uma nova
abordagem a partir destes encontros, pois nestes lugares sociais o interesse passou a ser sobre os
temas que versavam diretamente sobre a realidade social do negro. Conforme L.C. Pinto (1953,
p.32), “os estudos sobre o negro no Brasil quase que se limitaram, até hoje, a encarar o negro
como espetáculo, no qual o centro de interesse estava localizado na assimilação do africano ao
Novo Mundo, ou, mais particularmente, nos produtos desses processos sobre os diversos setores
da vida brasileira: religião, língua, culinária, vestuário, música”. Quanto à questão de sua
existência na sociedade brasileira, de maneira a pesquisar suas reais condições sociais, estes
assuntos jamais despertaram o interesse sério ou sistemático de estudiosos do negro no Brasil. Foi
Justamente com este intuito que o TEN organizou as Convenções e Conferência do Negro.
Sobre os “oásis” que esta entidade realizou, destacam-se a Primeira e a Segunda
Convenção Nacional do Negro. A primeira, na capital paulista no ano de 1945, que contou com
a presença de 500 pessoas; a segunda, em 1946, na capital carioca, com a presença de mais de
200 pessoas. As Convenções foram acontecimentos políticos de cunho popular, sem pretensões
acadêmicas. Foram tratados temas sobre necessidades negras e situações socioeconômicas. A
partir do interesse de seus organizadores, surgiram reivindicações concretas a favor das
populações negras como a admissão de gente negra para a educação secundária e superior,
formulação de uma lei antidiscriminatória e medidas jurídicas contra a discriminação.
(NASCIMENTO, 2000, p.211).
É importante salientar que a cidade do Rio de Janeiro, devido à industrialização e
urbanização crescente passa a ser socialmente e politicamente diferente das cidades do nordeste,
como Salvador e Recife, locais onde ocorreram os Congressos anteriores, pois a questão racial
era latente. Segundo Donald Pierson, que pesquisou as relações raciais na Bahia nos anos
quarenta, no centro e no sul do país existia um sentimento de “preconceito de cidade
cosmopolita”, entretanto, para o autor, esses casos eram exceções ao padrão cultural do Brasil. E
cita exemplos de que para uma organização negra ter respaldo e existir, necessita ter, na cidade
em que a mesma surge, forte tensão racial.
(PIERSON, 1949, p.414).
Faremos uma breve análise, tendo como suporte as pesquisas realizadas em 1953 por L.C.
Pinto em Rio de Janeiro, uma vez que foi nesta cidade de forte tensão racial que surgiu o TEN.
131
O sociólogo L.C. Pinto, que pesquisou as populações negras na cidade na década de 1950,
identificou a industrialização e a urbanização, como fatores de origem das fortes tensões raciais
na cidade, comprovadas mediante as suas pesquisas de ordem demográfica, de estratificação
social e ecológica.
Na ordem demográfica, verificou-se uma queda da população negra na cidade, sendo que
a proporção dos brancos passou, entre 1872 e 1950, de 55,21% para 69,86%, a dos negros, no
mesmo período, diminuiu de 24,13% para 12,30%, o que era a tendência dominante no país.
(L.C. PINTO, 1953, p.49). Sobre a estratificação social, percebeu que, embora tivessem
permanecido teoricamente abertas as portas para os negros de outras camadas sociais, os meios
para atingi-las, o progresso objetivo, para a maioria veio acompanhado pela urbanização a pela
conseqüente proletarização. (PINTO, 1953, p.111).
Sobre a “ecologia” foram analisadas as distribuições dessa população nos espaços
geográficos da cidade; Pinto (1953, p.113) explicou: “Um dos aspectos mais odiosos da
discriminação racial é a segregação residencial, que obriga, pela força do costume, da lei, ou
ambos, a população de determinado grupo étnico, inferiorizado pelo grupo dominante”, seja
espalhado pelas periferias. O autor verificou que: “Quanto mais distante do centro, maior é a
quantidade de negros que residem nos territórios do DF” (Rio de Janeiro), sendo que 71% dos
negros da cidade viviam nas favelas.
140
O autor (1953, p.147-169) também identificou o baixo
índice de alfabetização dos negros na cidade.
Na nossa ótica, para lutar contra os “desertos” e enfrentar estes problemas foi que surgiu a
proposta de realização dos seguintes oásis: Convenções e da Conferência do Negro, realizadas na
cidade do Rio de Janeiro, que tiveram como destaque debater estes temas no campo jurídico e
social.
Antes de continuarmos a nossa narrativa, é importante salientar que a própria Frente
Negra Brasileira já conquistara, na década de 1930, portanto uma década antes das Convenções
do TEN, vitórias significativas no campo social para as populações negras, como por exemplo: a
140
Segundo Edson Diniz Nóbrega Jr., em sua dissertação de mestrado defendida no ano de 2007, as favelas do
município do Rio de Janeiro chegaram a crescer 500 % na década de 1960, sendo que a da Rocinha cresceu 200%.
Em 1950 a população do Rio de Janeiro era de 2.375.280, destes 169.305, ou 7,13% moravam em favelas. Ver
JÚNIOR, Edson Diniz Nóbrega. O programa criança Petrobrás na Maré em oito escolas públicas do maior conjunto
de favelas do Brasil. Dissertação de Mestrado em Educação, PUC-RIO, 2007. http://www.maxwell.lambda.ele.puc-
rio.br/cgi-bin/prg_0599.exe/11196-1.pdf?nrOco=361628 Cdlinprg=pt. Acesso em 07/07/2008.
132
admissão na Guarda Civil, que antes não aceitava negros em seus quadros, o que passou a ser
permitido após um encontro entre os líderes da organização com o então Presidente Getúlio
Vargas. (LUCRÉCIO apud BARBOSA, 1998, p.55). Mas, juridicamente foi o TEN que se
destacou, pois passou a lutar arduamente para que no país passassem a existir leis contra a
discriminação racial.
De 09 a 13 de maio do ano de 1949, em comemoração ao aniversário da abolição, na
capital Fluminense, o Teatro Experimental do Negro realizou, nas dependências da Sala de
Reuniões da Associação Brasileira de Imprensa, a Conferência Nacional do Negro, que reuniu
representantes de várias regiões do país para articular uma resposta às ações concretas da
comunidade negra. Este encontro propunha, segundo Abdias do Nascimento “(...) a revisão das
teorias racistas das teorizações antropológico-sociológicas convencionais sobre o negro,
representado pelos Congressos Afro-Brasileiros da década anterior (...)”. A Conferência serviria
também como preparatória para o Primeiro Congresso do Negro Brasileiro. (NASCIMENTO,
2000, p.214).
Pareceu-nos estranho localizar, após o que foi escrito acima por Abdias do Nascimento, a
presença de Edison Carneiro, principal organizador do Segundo Congresso Afro-Brasileiro, entre
os idealizadores da Conferência Nacional do Negro, problema que desenvolveremos mais
adiante, pois, se Abdias queria tomar uma postura diferente das adotadas nos Congressos
anteriores, por que Edison Carneiro estava entre os líderes desta Conferência?
141
Os organizadores da Conferência foram: Guerreiro Ramos, Edison Carneiro e o próprio
Abdias do Nascimento. As participantes de outros Estados, presentes nas atividades foram: a
Sociedade Recreativa Floresta Aurora, de Porto Alegre, representada por Heitor Nunes Fraga,
Turma Alvi-Verde e Grêmio Cruz e Souza, de Juiz de Fora, por Sebastião de Souza, Oswaldo
C. de Oliveira, de Ribeirão Preto, Milton Nunes da Silva, da cidade de Cabo Frio, Rio de Janeiro,
Cap. Antonio Carlos, chefe do Estado de Minas Gerais, a União dos Homens de Cor,
representada por seu Presidente nacional Sr. José Pompilio da Hora, entre outros. Dos Estados
141
Temos Edison Carneiro em nossa análise mais próximo aos intelectuais tradicionais, pois conforme Bacelar,
embora este intelectual fosse próximo às questões negras, a realidade da Bahia era branca e européia. Neste sentido:
“a exaltação da África seria a contrapartida, com a mesma função controladora, em termos culturais, do mito da
democracia racial”. Ver BACELAR, Jeferson. A hierarquia das Raças, Negros e Brancos em Salvador. Rio de
Janeiro: ED Pallas, 2001, p.131.
133
Unidos veio o enviado especial do jornal The Pittsburgh Courier, o jornalista George S.
Schuyler. (JORNAL QUILOMBO, ano I, Nº3, 1949, p.06).
Imagem 6 – Registro da sessão inaugural da Conferência. À esquerda, em pé, Abdias do Nascimento. Fonte:
Fac-Símile do Jornal Quilombo, ano 1, nº3, junho de 1949, p.06.
A abertura da Conferência ocorreu em uma segunda-feira, dia 09 de maio. Na mesa
inaugural do encontro estavam Castro Barreto, ex-presidente do SESI, Dr. Carlos Sampaio,
representando o Departamento Nacional de Educação, Prof. Lourenço Filho, Paul Vanorden
Shaw, representante da ONU no Brasil, Prof. Guerreiro Ramos e Dra. Maria Manhães, médica do
Departamento Nacional da Criança.
Carlos Barreto fez o pronunciamento de abertura do conclave, logo após falou Guerreiro
Ramos, sendo seguido de Abdias do Nascimento, que palestrou na qualidade de diretor-fundador
do TEN. Edison Carneiro apresentou uma saudação às Nações Unidas. Logo após, o
representante da ONU na Conferência agradeceu aos organizadores dizendo as seguintes
palavras: “todo ser humano tem direitos, sem distinção de cor, credo ou condição social”.
(QUILOMBO, 1949, p.06).
Sobre os representantes de outros Estados, localizamos a delegação gaúcha nesta
Conferência, conforme o Jornal Quilombo:
Os representantes estaduais, Heitor Nunes Fraga, do RG. Do Sul e Milton
Nunes, do estado do Rio de Janeiro, saudaram a assistência em nome da
gente de cor de suas respectivas representações. À mesa chegaram, por
telegramas, votos de bom êxito à Conferência dos Prof. Roger Bastide da
134
Universidade de São Paulo, Dante Laytano da Universidade de Porto
Alegre. (QUILOMBO, 1949, p.06).
A exemplo dos Congressos anteriores, localizamos representantes do Rio Grande do Sul
nas atividades deste acontecimento, novamente Dante Laytano, que embora tenha marcado a sua
presença através de telegrama, manteve viva a sua participação em encontros de caráter nacional
sobre a temática negra. Outra participação importante foi a do membro da Sociedade Floresta
Aurora, Sr. Heitor Nunes Fraga, que viria a ser Presidente da entidade no biênio de 1956-1957, e
um dos conselheiros da Sociedade no ano seguinte, 1958, ano de realização do
Primeiro
Congresso Nacional do Negro na cidade de Porto Alegre, como veremos em nosso terceiro
capítulo.
Sobre os participantes e trabalhos apresentados na Conferência, localizamos os seguintes
dados entre os dias 10, 11 e 12 de maio do ano de 1949: Guerreiro Ramos fez a leitura da tese de
Roger Bastide denominada: “Ilhas Culturais, consciência de cor enquistamento étnico”, Castro
Barreto falou sobre a “Contribuição do Stock Negro a formação da população brasileira”,
Sebastião Rodrigues Alves abordou “A questão da “gente negra em fase à assistência social”.
Haroldo Costa, falou sobre o “preconceito nas escolas”, Aldemário Ezequiel dos Santos, sobre a
escola “José do Patrocínio”, José Cláudio dos Santos, a respeito de “A alfabetização nos morros”.
O escritor Assis Barbosa apresentou um trabalho sobre “Lima Barreto”. Ironildes Rodrigues,
palestrou sobre a “alfabetização de Machado de Assis e de Lima Barreto”. Elza Soares Ribeiro,
chefe do setor trabalhista da Rádio Mauá e da Seção de empregos do SESI, falou sobre: “Os
preconceitos de cor nos contratos de trabalho”. Dra Guiomar de Matos, que abordou sobre “os
problemas femininos” e Nilza Conceição, que palestrou sobre “a situação do estudante
secundário de cor”.
A empregada doméstica Arlinda Serafim tratou das questões referentes à organização do
trabalho doméstico; Waldemar Sizenando, presidente da Federação dos Morros, abordou o tema
da união de brancos e pretos para a conquista da educação e do progresso. José da Silva
apresentou uma “fala” sobre o preconceito do negro contra o negro, José Pompilio da Hora,
Presidente nacional da União dos Homens de Cor, Isaltino Veiga dos Santos, ex-presidente da
extinta Frente Negra Brasileira, Ligia Oliveira, Milton Nunes, Maria de Lourdes Vale
Nascimento, também apresentaram trabalhos. Segundo o Jornal Quilombo (1949, p.7), o
135
Deputado Sagadas Viana, e Dante Laytano, enviaram tese sobre: “O problema do trabalho para o
negro”.
142
É importante salientar que além de Abdias do Nascimento, outro frentenegrino participou
das atividades da Conferência, o intelectual negro Isaltino Veiga dos Santos.
Imagem 7 – Registro da sessão inaugural da Conferência, público presente no dia da inauguração da
Conferência. Fonte: Fac-Símile do Jornal Quilombo, ano 1, nº3, junho de 1949, p.07.
A sessão de encerramento da Conferência foi realizada na noite de 13 de maio de 1949,
sexagésimo primeiro aniversário da Abolição. Na ocasião, tendo por presidência da mesa o Sr.
Paul Vernorden Shaw, representante da ONU, Guerreiro Ramos, Edison Carneiro e Abdias do
Nascimento, fizeram as considerações finais da Conferência, além da uma convocação para as
atividades do Primeiro Congresso do Negro Brasileiro, que seria realizado no ano seguinte. As
falas de encerramento, dos trabalhos deste encontro, foram realizadas por Arthur Ramos (1903-
1949).
143
Notamos uma nova postura nos encontros propostos pelo TEN, o discurso tornou-se mais
agressivo, inclusive questionador quanto às idéias apresentadas em Congressos anteriores
144
,
oportunizando a seguinte pergunta: existia de fato democracia racial no Brasil nos anos 50? As
142
Todos os apresentadores e as comunicações elencadas foram consultados no Jornal Quilombo, datado de Junho de
1949, p.07.
143
Para saber mais sobre Arthur Ramos Ver: GUSMÃO, Marilu. Arthur Ramos: o homem e a obra. Maceió:
Departamento de Assuntos Culturais da SENEC em convênio com o MEC-DAC, 1974.
144
Os Congressos anteriores foram: O Primeiro e o Segundo Congresso Afro-Brasileiros, realizados em 1934 e 1937
respectivamente.
136
oportunidades eram iguais para todos? Não existiam conflitos raciais no Brasil? Se a sociedade é
mestiça como um todo, por que os negros continuam, em sua grande maioria, à margem?
Segundo o Jornal Quilombo: “Arthur Ramos deu encerrada a Conferência como primeiro
passo no caminho da realização do Congresso do ano próximo, cuja importância para os destinos
do negro e dos estudos sociológicos no Brasil será decisiva”. (QUILOMBO, 1949, p.07).
Sobre as propostas do
TEN
, ironicamente foi a partir de ações geradas por preconceitos
raciais sofridos por estrangeiras no Brasil, que os políticos passaram a perceber e a valorizar a
importante proposta efetuada pelos intelectuais do grupo, como uma forma de combater o
preconceito racial na sociedade brasileira, pois conforme Abdias do Nascimento:
A discriminação diária contra o negro, banido de teatros, boates,
barbearias, clubes, empregos, o processo político, não era o suficiente,
inclusive porque, sendo tão formal e comum merecia pouco comentário na
imprensa... a antropóloga negra Irene Diggs foi barrada no Hotel Serrador,
no Rio; este exemplo já mereceu alguma atenção... e em 1950 a
coreógrafa negra norte-americana Katherine Dunham e a cantora Marian
Anderson foram discriminadas no Hotel Esplanada, em São Paulo, a
“liderança nacional” começou a perceber a existência de “exemplos
concretos”. (NASCIMENTO, 2000, p.212).
Nesse contexto, foi sancionada, em julho de 1950, a “Lei Afonso Arinos”, que tornou
crimes comuns, passíveis de sanção penal, os atos de discriminação racial no Brasil.(PINTO,
1953, p.341).
145
Nesse sentido, os Congressos Negros tornaram-se mais sociais, voltados para as
necessidades cotidianas do negro na luta por cidadania e mudanças jurídicas em nosso país, como
veremos mais adiante.
Concordamos com o aspecto social de Boaventura de Souza Santos (2001, p.126),
identificado no espaço de cidadania, que é constituído pelas relações sociais da esfera pública
entre cidadãos e o Estado, onde ocorrem as lutas sociais. “Nesse contexto, a unidade da prática
social é o indivíduo, a forma institucional é o Estado, o mecanismo de poder e de dominação, e a
forma de juridicidade é o direito territorial e o direito oficial estatal, o único existente para a
dogmática jurídica”.
145
O Projeto Nº 562 – 1950, mais conhecido como Lei Afonso Arinos, era composto por 8 artigos. Em linhas gerais
a Lei instituía como contravenção penal o estabelecimento que recusasse hospedar, servir e atender negros. Crime
passivo de multa de Cinco Mil Cruzeiros ou prisão de quinze dias a três meses. Ou até o fechamento de
estabelecimentos que desrespeitassem negros. Lei na íntegra no O Jornal Quilombo, Junho e Julho de 1950, Ano II,
nº10, p.09.
137
E foi justamente este aspecto social, ligado às dificuldades cotidianas enfrentadas pelas
populações negras, e as suas demandas jurídicas os maiores interesses delineados nas
Convenções e na Conferência Nacional do Negro organizada pelo Teatro Experimental, e que
gerou, conforme veremos mais adiante, um debate importante entre intelectuais tradicionais,
motivados pela difusão da ideologia da “democracia racial brasileira”, tendo como principais
expoentes os organizadores e participantes das atividades do Primeiro e Segundo Congresso
Afro-Brasileiro, e os intelectuais orgânicos negros, ligados ao TEN, motivados pela difusão da
“ideologia da negritude”, teorizada por Guerreiro Ramos, em conjunto com os organizadores e
participantes das Convenções Nacionais, Conferência do Negro e de outro Congresso que
analisaremos em nosso próximo item, intitulado de Primeiro Congresso do Negro Brasileiro.
138
2.4 PRIMEIRO CONGRESSO DO NEGRO BRASILEIRO: ASSUNTOS SOCIAIS,
CULTURAIS OU POLÍTICOS.
O Primeiro Congresso do Negro Brasileiro foi realizado em 1950, na então Capital
Federal, a cidade do Rio de Janeiro.
146
Também organizado pelo TEN, este conclave teve entre
seus temas: a necessidade da regulamentação e organização das empregadas domésticas,
campanhas de alfabetização e teses sobre manifestações de racismo.
A idéia de sua realização surgiu após as atividades da Conferência Nacional do Negro,
conforme vimos anteriormente, e pretendia aprofundar os estudos sociais sobre a vida prática do
negro. Guerreiro Ramos, Abdias do Nascimento e Edison Carneiro, passaram a organizar o
Primeiro Congresso do Negro Brasileiro após o encerramento da Conferência realizada em 1949,
expedindo cartas para participantes e organizações de outros Estados brasileiros, além de definir
o temário do encontro, que continha os seguintes pontos: História, Vida Social, Sobrevivências
Religiosas, Sobrevivências Folclóricas, Línguas e Estética.
147
Com data marcada para os dias entre 26 de agosto e 4 de setembro do ano de 1950, no
Distrito Federal, na época a cidade do Rio de Janeiro, meses antes, mais especificadamente entre
janeiro e fevereiro, iniciou a organização e a montagem de Comissões Regionais para confirmar a
ampla participação de representantes de todo o Brasil nas atividades do Congresso.
Conforme anunciou o Jornal Quilombo de fevereiro de 1950:
O certame não tem ligações, sinão (sic) muito remotas com os Congressos
Afro-Brasileiros do Recife (1934) e da Bahia (1937). Esses Congressos
formam, em certo sentido, acadêmicos, mais ou menos distantes da
cooperação e da participação popular. O Congresso de 1950 reconhece a
existência de uma população de cor no pais, consciente da sua
importância como fator do progresso nacional e tenta, por um lado, suprir
as deficiências de estudo do passado da gente negra e, por outro encontrar
modos e maneiras de prover o bem estar social dos treze milhões de
negros e mulatos do Brasil. Assim, o Congresso realizará dois objetivos,
146
A cidade do Rio de Janeiro tornou-se a capital do Brasil em 1763, título que manteve até 1960, quando foi
inaugurada Brasília. Para saber mais do Rio de Janeiro e as suas funções administrativas desde o século XVI até o
inicio do XX, Ver: CARVALHO, José Murilo. Os bestializados e a República que não foi. São Paulo: Cia das
Letras, 1999, p.152-154.
147
Para saber o temário e o início da organização do Primeiro Congresso do Negro Brasileiro, ver o Jornal
Quilombo, 1949, ano I, Janeiro e Junho, nº3, p.5.
139
um passivo e outro ativo, um acadêmico e outro popular, um técnico e
outro prático. (QUILOMBO, Rio de Janeiro fevereiro de 1950, p.03).
As Comissões Regionais formadas foram: a do Distrito Federal, que era a cidade do Rio
de Janeiro, composta na grande maioria por representantes do TEN, a de São Paulo, que entre os
representantes tinha Florestan Fernandes, Roger Bastide e o ex-frentenegrino José Correia Leite,
a Comissão da Bahia, que contava com Tales de Azevedo e José Valadares, que também
participou em 1934 do Primeiro Congresso Afro-Brasileiro, realizado no Recife apresentando a
comunicação intitulada: “A República dos Palmares”, a comissão de Pernambuco, composta por
Ascenso Ferreira, que esteve no Congresso do Recife, 16 anos antes apresentando, “O que eu
devo à influência negra”, além de Vicente Lima, um dos fundadores da
Frente Negra
Pernambucana, de 1936. A Comissão do Rio Grande do Norte, que tinha como um dos líderes
Luiz Câmara Cascudo e Veríssimo Melo, do Pará, Nunes Pereira, do Estado do Rio de Janeiro,
Solano Trindade
148
, também um dos fundadores da Frente Negra de Pernambuco, do Estado de
Minas Gerais, teve Aires da Mata Machado Filho e Onofre Francisco Eva e do Estado do Rio
Grande do Sul, tivemos a Comissão Regional formada novamente por Dante Laytano, pelo
representante da
Sociedade Floresta Aurora
, Heitor Nunes Fraga e por uma terceira pessoa
chamada José Pedrosa.
149
Conforme Abdias do Nascimento, um dos líderes do encontro:
O I Congresso Negro pretende dar uma ênfase toda especial aos
problemas práticos e atuais da vida da nossa gente de cor. Sempre que se
estudou o negro foi com o propósito evidente ou a intenção mal disfarçada
de considerá-lo um ser distante, quase morto, ou já mesmo empalhado
como peça de museu. Por isso mesmo o Congresso dará uma importância
secundária, por exemplo, às questões etnológicas, e menos palpitantes,
interessando menos saber qual seja o índice cefálico do negro, ou se
Zumbi suicidou-se realmente ou não, do que indagar quais os meios de
que poderemos lançar mão para organizar associações e instituições que
148
Entre os anos de 1950 e 1954 surgiu, na cidade do Rio de Janeiro e de São Paulo, o Teatro Popular Brasileiro.
Organizado pelo ex-frentenegrino Solano Trindade, essa iniciativa visou aprofundar as pesquisas sobre macumba e
candomblé, escolas de samba, folias de reis e teatro alegórico, além de manter uma cozinha de pratos típicos afro-
brasileiros. O TPB contribuiu para a cultura e o cinema brasileiro além de apresentar obras afro-brasileiras no
exterior, em Portugal, França e Espanha. Para saber mais ver: Ver LUNA, L. O Negro na luta contra a escravidão.
Rio de Janeiro: Editora Cátedra, 1976, p.313.
149
Informações das Comissões Regionais localizadas no Jornal Quilombo, Rio de Janeiro fevereiro de 1950, p.03
com continuação na página 10.
140
possam oferecer oportunidades para a gente de cor se elevar na sociedade.
Deseja o Congresso encontrar medidas eficientes para aumentar o poder
aquisitivo do negro, tomando-o assim um membro efetivo e ativo da
comunidade nacional (...) (QUILOMBO / Rio de Janeiro/ 1950/ Editorial).
Para Abdias, este Congresso visou afirmar o que já existia em nosso país, uma “elite de
cor” capaz de infundir confiança às classes dominantes, sendo que o movimento não é
diversionista, visou ir além dos “objetivos pitorescos” caracterizado por aquelas iniciativas que,
segundo ele, eram “irresponsáveis porque prejudicavam a maioria das iniciativas dos negros do
Brasil". (NASCIMENTO, maio de 1950, Editorial do Jornal Quilombo).
Mas para Edison Carneiro, organizador do encontro, que estivera no comando de um dos
Congressos anteriores, o da Bahia de 1937, e da Conferência, de 1949, passaria a ter atitudes
contrárias às idéias de Abdias do Nascimento e de sua organização, o Teatro Experimental do
Negro.
Sobre as atividades do Primeiro Congresso do Negro Brasileiro, este encontro contou
com a participação de inúmeras organizações negras e também com a presença de intelectuais
que organizaram os Congressos Afro-Brasileiros de 1934 e 1937. Teve uma postura acadêmica,
diferente destes Congressos, pois visou pesquisar o negro não como objeto, mas sim os
problemas de sua vida. Segundo o sociólogo carioca L.C. Pinto:
Foi de extraordinário valor científico e humano a participação, como
observador, nos trabalhos do 1º Congresso do Negro Brasileiro, reunido
no Rio de Janeiro em agosto-setembro de 1950. O conclave nada teve de
comum com os anteriores congressos “afro-brasileiros” e representou, na
verdade, o papel de uma grande “mesa redonda” em que uma elite negra
expôs e discutiu seus problemas, alguns problemas do negro-massa e do
povo brasileiro em geral. (...) Experiências como aquelas e fonte de
documentação tão rica e tão direta, substituem, para o estudioso, coleções
inteiras de documentação secundária... (L.C. PINTO, 1953, p.39).
Conforme L.C. Pinto (1953, p.299), o 1º Congresso Brasileiro do Negro pretendeu
também criar uma progressiva identificação dos objetivos comuns entre os negros brasileiros,
pois chegou a discutir a criação de uma Confederação Nacional de Entidades Negras, idéia
improdutiva em conseqüência de duas oposições, uma de intelectuais brancos, que julgavam
prematura e perigosa tal iniciativa, pois podia insuflar a segregação racial, e outra, promovida por
141
intelectuais negros, como José Bernardo da Silva, líder da UHC – União dos Homens de Cor
da cidade do Rio de Janeiro, que foi contra o Congresso, pois disse que era um encontro realizado
para as “intenções pessoais de Abdias”.
150
O
Primeiro Congresso do Negro
, realizado pelo
TEN
, contou com a apresentação de
treze trabalhos entre os dias 26 de agosto e 04 de setembro de 1950. As comunicações
apresentadas foram: “A criminalidade entre os negros” e “Análise de sonhos de negros”; por
Roger Bastide, “Princesas africanas no Brasil”, comunicada pelo organizador do Primeiro
Congresso Afro-Brasileiro realizado no Recife, Gilberto Freyre, “Aspectos periódicos da
discriminação racial”, de Afonso Arinos de Melo Franco, “A regulamentação da profissão de
domésticas”, trabalho apresentado por Guiomar Ferreira de Matos, “A escravidão e a
emancipação no município de São Paulo”, de Oraci Nogueira, “O Negro e as artes plásticas”, de
Mário Barata, “O negro e a arte moderna” de Mario Pedrosa, “O negro no Folclore nordestino”,
de Luis Câmara Cascudo, “A estética da negritude”, de Ironildes Rodrigues, que explicou que “o
negro, em conseqüência de atributos específicos de raça, tem uma sensibilidade hiper-
desenvolvida, que o predestina à música, à poesia, à literatura, à dança, ao canto, em sua, às
artes”. (apud L.C PINTO, 1953, p.296).
Também tivemos trabalhos sobre: “O negro e o folclore”, de Edison Carneiro, “O negro
na Amazônia” de Charles Wagley, “A UNESCO e a questão racial” e “A grupoterapia e as
relações da raça”, ambas apresentadas por Guerreiro Ramos.
151
150
A UHC era uma organização assistencialista negra, preocupa-se mais diretamente com ela e aponta como solução
para o problema do negro a assistência social, como meio de atender aos seus problemas imediatos de miséria
econômica e social... organizou caravanas que visitavam bairros e cidades vizinhas promovendo a distribuição de
roupas, calçados, alimentos, medicamentos, etc..., às populações pobres. (L.C PINTO, 1954, p.302). No ano de 1943,
em plena ‘ditadura do estado novo’ surge a UHC, União dos Homens de Cor. Fundada em Porto Alegre, pelo
farmacêutico João Cabral Alves, a UAGACÊ existiu nos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Santa Catarina,
Bahia, Maranhão, Ceará, São Paulo, Espírito Santo, Piauí e Paraná. As suas reivindicações eram muito próximas das
idéias de inserção político-sociais, propostas pela Frente Negra Brasileira, pois pretendiam, conforme os seus
estatutos: "elevar o nível econômico e intelectual das pessoas de cor em todo o território nacional, para torná-las
aptas a ingressarem na vida social e administrativa do país, em todos os setores de suas atividades", principalmente
através da assistência social. A diferença está neste último item: a assistência social
10
. A UHC encerra as suas
atividades em meados da década de 1960. Para saber mais ver: Joselina Silva: A União dos Homens de Cor –
Aspectos do Movimento Negro dos anos 40 e 50. Estudos Afro-Asiáticos, ano 25, nº2. 2003, p.215-235.
151
Ver Antonia Lana de Alencastre Ceva. O negro em cena: A proposta pedagógica do Teatro Experimental do
Negro. Dissertação de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2006. p.56-68.
142
Para José Correa Leite (1900-1989), militante, socialista e ex-integrante da Frente Negra
Brasileira
, e participante do encontro, em depoimento concedido para Márcio Barbosa, falou o
seguinte:
O Abdias fez em 50 o Congresso Negro Brasileiro; esse foi diferente
daqueles que fizeram no norte e nem dizem respeito a nós, né? Foi lá um
Congresso que os brancos fizeram... Foi o Gilberto Freyre, o Edison
Carneiro, não sei quem mais, pra discutir folclore, comidas, mas não o
interesse propriamente negro. Agora o Congresso que pretendeu discutir
esse problema nosso foi o Congresso que o Abdias fez em 50. (apud
BARBOSA, 1998, p.80).
No entanto, conforme Ceva (2006, p.66), “correntes divergentes surgiram no interior do
Congresso ilustrando a complexidade do tema, entre academia e militância”. Uma delas foi
coordenada por Edison Carneiro, Darcy Ribeiro e Costa Pinto. Elisa Larkin do Nascimento
(2003, p.267) explica que esse grupo afirmava que a idéia de organização política da comunidade
negra significava impor uma solução norte-americana a noção de cultura negra e africana no
Brasil Moderno, o que constituía um saudosismo ilusório.
Por outro lado Ceva (2006, p.66), identificou na corrente de intelectuais ligados ao TEN,
que era formada por Aguinaldo Camargo, Abdias do Nascimento, Ironildes Rodrigues, entre
outros, propunham tratar das necessidades específicas, sociais, políticas e culturais da população
negra. Segundo a autora, até o encerramento do Congresso estas divergências, entre acadêmicos e
militantes, se mantiveram na pauta das discussões.
Após intensos debates os participantes chegaram às seguintes conclusões em sua
Declaração de Princípios:
Como resultado o congresso sugere a criação de associações e instituições
que beneficiem a comunidade negra nos aspectos econômicos, cultural e
social. Ao convocar a participação da sociedade, lideranças e acadêmicos
no congresso, o TEN buscou mais uma vez tornar pública a questão racial
e lançar ações concretas, visando uma transformação na estrutura social...
o congresso recomenda a formação de institutos de pesquisa, públicas e
particulares, tendo em vista o estudo das reminiscências africanas no país,
no entanto, condena que estas instituições se pautem num exclusivismo
racial, o que levaria a um separatismo racial da sociedade. (CEVA, 2006,
p.66-67).
143
Edison Carneiro desaprovou o teor das recomendações acima e elaborou uma segunda
declaração, que foi rejeitada pela assembléia.
Quanto a L.C. Pinto, ligado às idéias de Edison Carneiro, e que constantemente
recorremos nesta dissertação, o mesmo foi acusado de plágio e denunciado por Guerreiro Ramos,
junto à UNESCO por ter se utilizado dos trabalhos e das comunicações apresentadas por ocasião
deste Congresso pelos participantes, para produzir as suas pesquisas sob patrocínio da própria
UNESCO, e que viriam a ser publicadas três anos depois sem a autorização prévia dos
organizadores do encontro. (Elisa Larkin do Nascimento 2003, p.274).
Quanto a utilizarmos o livro de L.C. Pinto em nossa dissertação, entendemos o mesmo
como uma pesquisa rigorosa e passível de ser consultada, no que tange às populações negras da
cidade do Rio de Janeiro e as suas questões sociais, pensando que estas divergências, entre ele e
Guerreiro Ramos, foram influências deste embate de idéias que aconteceu com os intelectuais
acadêmicos e militantes, fruto do período, divergências que inclusive notamos na sua narrativa,
pois sentimos imparcialidade nos dados quantitativos demonstrados por L.C. Pinto, quando
demonstra a demografia da cidade carioca. Em contrapartida quando o autor descreve sobre a
ideologia da negritude ou sobre a existência de uma possível “elite negra”, a sua narrativa torna-
se mais parcial, inclusive, crítica e negativa contra os adeptos desta ideologia, tida por ele como:
“uma idéia branca, é o reflexo invertido, na cabeça de negros, da idéia que os brancos fazem
sobre ele, é o resultado da tomada de consciência (também em termos falsos à ascensão social do
negro). É, em suma, um racismo às avessas”. (L.C PINTO, 1953, p.333).
Sobre a Declaração final e os interesses definidos no Congresso. Segundo Guerreiro
Ramos (1954, p. 217-218), “a declaração final do I Congresso do Negro Brasileiro, publicada
na imprensa brasileira em 4 de setembro de 1950, continua sendo até agora a súmula mais
inteligente de um programa de tratamento objetivo das relações étnicas no país”.
O documento formula, entre outras, as seguintes recomendações: a) a defesa vigilante da
sadia tradição nacional de igualdade entre os grupos que constituem a nossa população; b) a
utilização de meios indiretos de reeducação e desrecalcamento em massa e de transformação de
atitudes, tais como o teatro, o cinema, a literatura e outras artes, os concursos de beleza, e as
técnicas de sociatria; c) a realização periódica de congressos culturais e científicos de âmbito
internacional, nacional e regional; d) a inclusão de homens de cor nas listas de candidatos de
144
agremiações partidárias, a fim de desenvolver a sua capacidade política e formar líderes
esclarecidos, que possam traduzir em formas ajustadas às tradições nacionais, as reivindicações
das massas de cor; e) a cooperação do governo, através de medidas eficazes, contra os restos de
discriminação de cor ainda existentes em algumas repartições oficiais.
Para Guerreiro Ramos:
as posições teóricas e práticas assumidas no meio brasileiro, pelos
representantes da nova fase (tendo como representantes os
intelectuais negros), não podem ser consideradas definitivas. Nelas
há muito o que discutir e já se discernem algumas incorreções,
contradições e até erros de tática e estratégia a serem evitados
daqui por diante. Mas a autocrítica deste movimento, já iniciada, é
outro assunto”. (RAMOS, 1954, p.218).
Para L.C. Pinto, avesso a idéias dos “problemas específicos da ideologia da negritude”,
estas pensamentos poderiam ser a de qualquer grupo excluído, pois:
a “Declaração Final”, aprovada na última sessão do Congresso entre
outras recomendações e afirmações, declara que os problemas do negro
brasileiro são uma parte dos problemas do povo brasileiro em geral e que
só assim podem ser encarados e resolvidos. Com esta afirmação,
apresentada assim; em termos muito gerais, e única possível, aliás, num
documento daquela ordem, coincidem os resultados de qualquer análise
séria e honesta da situação racial no Brasil; de outro lado parece não haver
dúvida, que, uma formulação tão geral como aquela é aplicável ao
problema de qualquer grupo étnico historicamente colocado em situação
desfavorável em qualquer sociedade nacional existente no mundo.
(PINTO, 1953, p299).
Edison Carneiro, organizador do Segundo Congresso Afro-Brasileiro e um dos
organizadores da Conferência Nacional do Negro, passou, após este Congresso, a ser contrário
às idéias de Abdias do Nascimento e de Guerreiro Ramos, conforme citado anteriormente. Para
Edison Carneiro a situação social do negro e os estudos afro-brasileiros desde o século XIX
seguiam em nosso país, apesar das dificuldades e de sua fase inicial, obtendo avanços
significativos, mas conforme afirmou sobre a postura do TEN, a partir deste momento passou a
ser equivocada, pois a situação do negro brasileiro era muito diferente da dos negros dos Estados
145
Unidos.
152
Carneiro também acreditava que essa nova posição negra em nosso país era uma
ideologia sustentada por uma minoria, influenciada pelos políticos profissionais:
Parece incrível que os estudos do negro, tentados, na melhor das
hipóteses, com o objetivo de lhes fazer justiça, fossem repercutir com um
tom de exaltação que a sua precariedade não justifica. Mas foi o que
aconteceu. O negro, que por essas alturas do século já era um velho
cidadão brasileiro, identificado com as vicissitudes da nossa gente, se fez
mais ainda, para os estudiosos e para os elementos negros de elite, um
estrangeiro... os males dessa fase afro-brasileira talvez se tenham revelado
melhor anos mais tarde, em 1950, quando da realização do
Congresso do
Negro Brasileiro
, na Guanabara. A experiência das
Frentes Negras
,
exploradas pelos políticos profissionais, já era uma advertência. Com o
Congresso, um avultado grupo de pequeno-burgueses e burgueses
intelectuais de cor tentou dar voz a manifestações racistas, de supremacia
emocional do negro... a fórmula norte-americana...esta americanização
forçada do problema, que felizmente atinge apenas um segmento
insignificante da população de cor...(Grifo Nosso) (CARNEIRO, 1953,
p.115-116).
Após analisarmos e atualizarmos as atividades propostas no Primeiro Congresso do
Negro Brasileiro e o embate de idéias em torno de suas definições, ratificamos o pensamento de
Ceva (2006, p.68), que explicou que o
TEN
propôs uma identidade negra em uma sociedade
onde a mestiçagem era uma ideologia fortemente enraizada. Neste sentido, ao afirmar a
construção de uma ideologia da negritude, os intelectuais ligados a ela poderiam, certamente,
levar o nosso país a um separatismo racial, algo que tanto negros quanto brancos eram contrários,
pois realmente se criou um embrião nacional, e que deveria ser moldado. Em contrapartida, o
TEN teve um pioneirismo dentro do contexto de uma nacionalidade brasileira em formação, até
então celebrada como mestiça e principalmente harmoniosa. A partir desses interesses surgem
novas formas de se pensar na construção da nação, agora em forma política denominada de
nacionalismo, se imperfeita diante de suas complexidades, quiçá mais justa, o que vai ecoar oito
152
Segundo Schilling: “Na década de 1950 os negros norte-americanos reagiram contra a situação de inferioridade e
exclusão que as leis dos brancos o condenaram. Ergueram-se contra a discriminação e a segregação racial que
sofriam no país... que o impediam-nos de votar e de freqüentar uma escola pública como os demais brancos.
Negavam-lhes hospedagem nos hotéis e nem em lanchonetes eram atendidos”. Neste contexto foi que surgiu o Civil
Reigths Movement que teve como um de seus maiores expoentes o reverendo Martin Luther King. Para saber mais
Ver: SCHILLING, Voltaire. A Luta pelos direitos civis: de Abraham Lincoln a Martin Luther King – América:
1863-1963.
146
anos depois no Primeiro Congresso Nacional do Negro, realizado na cidade de Porto Alegre.
Se no Primeiro e no Segundo Congressos Afro-Brasileiros, sobressaíram-se, em ambos, os
aspectos culturais da identidade negra em nossa formação nacional, e se nas Convenções,
Conferência e Congresso do Negro, realizado pelo
TEN,
surgiram e se destacaram os aspectos
sociais, visando atenuar os problemas cotidianos enfrentados pelas populações negras, a partir de
agora, são os aspectos políticos que mais se sobressaem.
Entendemos que, embora existissem interesses de políticos profissionais brancos nestas
iniciativas, devemos ter a percepção de que passaram a existir, também, interesses políticos
nitidamente negros neste período, pois como o contexto era de (re) abertura democrática
153
, a
ideologia da negritude estava sendo elaborada para além da auto-estima da identidade negra, já
visando o pleito democrático que se aproximava e ao qual poderiam concorrer os políticos
negros.
Passou a existir por parte dos intelectuais negros, em nosso entendimento, a tentativa de
lutar no campo eleitoral, através do voto, em torno da eleição de políticos negros, nesse sentido
era fazer valer o uso do direito político. “Por direito político entende-se o direito de participar
direta ou indiretamente da formação das leis, ou seja, ser eleitores ou eleitos”. (BOBBIO, 2000,
p.229). Devido a isto: “As eleições nacionais de 1950 representariam um teste decisivo” para o
grupo que representava no campo social e queria representar na disputa político-partidária as
questões negras. (L.C PINTO, 1953, p.284). Por isso o TEN passou a estimular o
“desenvolvimento da capacidade política do homem de cor brasileiro”. (QUILOMBO, 1950, p.5).
Ao analisarmos a participação de políticos negros nas eleições de 1950, repetimos que já
em 1934, a direção da Frente Negra paulista, decidiu registrá-la como partido político atuando
pela busca de votos para conquistar o eleitorado negro.
154
O que se tornou impossível devido ao
153
Em fevereiro de 1945 com o chamado Ato Adicional à carta de 1937, Getúlio Vargas fixou um prazo de noventa
dias para a marcação de eleições gerais em nosso país, era a abertura democrática iniciada com o final da II Guerra e
do Estado Novo. Com o novo código eleitoral passou a ser aberta a eleição para Presidente além de uma Assembléia
Constituinte, sendo que a data escolhida para a realização de eleições estaduais era o dia 06 de maio de 1946. Ver
FAUSTO, 2002, p.212.
154
Lucrécio apud Barbosa, 1998, p.63. Sobre a FNB como partido político Ver: Para saber mais sobre a origem e
reivindicações da Frente Negra Brasileira em diversas regiões do país ler: Florestan F.(1978) Integração do Negro na
Sociedade de Classes, Márcio Barbosa (1998) em Frente Negra Brasileira, depoimentos, Jéferson Bacelar (2001), A
147
encerramento das atividades políticas em nosso país, preconizadas pela instauração do Estado
Novo em 1937. Neste momento de (re) abertura democrática, pós Estado-Novo, surgiu a
possibilidade, através dos políticos negros ligados ao TEN e de outros, conforme veremos mais
adiante, novamente a oportunidade de a comunidade negra votar e disputar através do jogo
político, as eleições nacionais, tendo como meta eleger os representantes de seu grupo social que,
segundo os intelectuais negros, entendiam melhor a sua situação social enfrentada pelos mesmos.
É importante salientar que esta disputa continua sendo identificada, em nosso
entendimento, no espaço de cidadania
155
que é constituído pelas relações sociais da esfera pública
entre cidadãos e o Estado, pois o pleito eleitoral também é entendido como um campo de ação e
luta pelo poder, o que ocorre, através das urnas, dentro do Estado de Direto.
Segundo Kant:
O direito é a forma universal de coexistência dos arbítrios dos simples.
Enquanto tal é a condição ou o conjunto das condições segundo as quais
os homens podem conviver entre si, ou o limite da liberdade de cada um,
de maneira que todas as liberdades externas possam coexistir segundo
uma lei universal. Finalmente, o direito é o que possibilita a livre
coexistência dos homens, a coexistência em nome da liberdade... cada um
pode usufruir da liberdade que lhe é concedida pelo direito de todos os
outros usufruir de uma liberdade igual à dele. (KANT apud BOBBIO,
2000, p.114).
Se o Direito prima pela liberdade e igualdade universal entre todos e, se as nossas
Constituições brasileiras sempre preconizaram, ao longo das décadas: em 1891“Todos são iguais
perante a lei”, em 1934: “Todos são iguais perante a lei e não haverá privilégios, nem distinções,
por motivos de nascimento, sexo, raça, profissões próprias ou dos pais, classe social, riqueza,
crenças religiosas ou idéias políticas” (art.113, alínea I) e em 1946, o artigo 141 ofereceu as bases
dos direitos individuais à “vida, liberdade, segurança e propriedade pessoal”, enquanto
Hierarquia das Raças, Negros e Brancos em Salvador, Laiana Lannes (2002) em “A Frente Negra Brasileira: Política
e Questão Racial nos anos 1930”, Kabengele Munanga (2004), Rediscutindo a mestiçagem no Brasil – identidade
nacional versus identidade negra, Flávio Gomes (2005) em Negros e Política (1888-1937), Petrônio José Domingues
(2005) em A insurgência do Ébano: A História da Frente Negra Brasileira (1931-1937), e Pe Gedeon José de
Oliveira (2006): A resistência de ébano: Uma abordagem da Frente Negra Brasileira a partir do simbólico (1930).
155
Ver SANTOS, 2001, p.126. “E o espaço de cidadania”.
148
estabelecia novamente: “todos são iguais perante a lei” (Davis, 2000, p.39), por que nas relações
sociais concretas, em plena década de 1950 os negros brasileiros eram impedidos de entrar em
hotéis? Por que na década de 1930 eram impedidos de sentar em bancos de praças? Por que
somente após a discriminação sofrida pelos negros, e pelas negras norte-americanas, no “deserto”
criado pelo preconceito racial em São Paulo, se criou a Lei Afonso Arinos? Para entender essas
situações somente concordando com Emília Viotti que disse: “A elite branca brasileira aprendeu
desde o período colonial a ver os negros como inferiores”. (COSTA, 1998, p.378). Por isso, se
viam estes “desertos” preferiam dar as costas.
156
Portanto, embora muitos acreditassem que o preconceito era ínfimo ou inexistente em
nossa sociedade, já que a miscigenação era forte ideologia no período, os negros brasileiros,
cotidianamente, o sentiam. Eis que a luta envereda agora para a disputa político-partidária, sendo
encabeçada pelo líder do TEN, Sr. Abdias do Nascimento.
Edison Carneiro tinha razão quando delatou que as atividades negras foram do interesse
de políticos profissionais, conforme o ocorrido nas atividades do Congresso do Negro Brasileiro
realizado naquela cidade e organizado pelos intelectuais negros ligados ao TEN, pois, em
outubro de 1950, um mês após a realização do mesmo, ocorreram as eleições nacionais daquele
ano. Conforme L.C Pinto:
A situação racial brasileira, cujas barreiras o
T.E.N
. quis inicialmente
desbordar por vias laterais, obrigou-o, na prática, a superar a limitação
deliberada de seus objetivos artísticos originais, frustração que forçou a
transformar-se de um grupo teatral em um movimento social, que atingiu
seu período de maior vigor aparente quando, por assim dizer, deixou de
“representar” e passou a funcionar no quadro das tensões raciais como um
“grupo de pressão”, a desempenhar o seu papel de elite militante,
terminando por indicar um candidato às eleições municipais de 1950 –
que foi, aliás, o próprio Abdias... O período áureo do
T.E.N
, não foi pura
e originalmente artístico – foi pré-eleitoral (1949-50), quando o
entusiasmo de seus dirigentes e a generosidade interessada de candidatos
brancos a postos eletivos forneceu os meios psicológicos e financeiros
para o
T.E.N
, ter uma sede própria, editar um jornal e melhorar sua
apresentação, realizar seus bailes elegantes, concursos de beleza,
156
Para Abdias do Nascimento somente depois que a antropóloga negra Irene Diggs foi barrada no Hotel Serrador,
no Rio, a coreógrafa negra norte americana Katherine Dunham e a cantora Marian Anderson foram discriminadas no
Hotel Esplanada, em São Paulo foi que os políticos brasileiros passaram a perceber os exemplos concretos do
preconceito em nosso país. Ver NASCIMENTO, Abdias. Reflexões sobre o movimento negro no Brasil, 1938-1997.
In: GUIMARÃES, Sérgio Antônio. Tirando a máscara. São Paulo, Paz e Terra, 2000, p.212.
149
congressos e conferências, a reivindicar auxílio governamental –
concedido, mais não recebido – a aumentar sua envergadura, seus
propósitos, sua influência aos olhos dos negros, dos brancos e,
principalmente, aos seus próprios olhos...(L.C. PINTO, 1953, p.282-283).
Abdias do Nascimento escreveu no editorial do Jornal Quilombo dos meses de março-
abril, de 1950.
Amigos meus, colaboradores e simpatizantes do movimento que
fundamos visando à elevação cultural e econômica do negro brasileiro,
resolveram lançar minha candidatura à assembléia legislativa do Distrito
Federal. Justificaram seu gesto com argumento de ser minha eleição a
vereador uma etapa lógica e natural no desenvolvimento desse programa
de busca de meios que acelerem o processo de integração de brancos e
negros no Brasil, assegurando assim, à tática por nós usada, armas mais
efetivas e poderosas na luta pela conquista desse padrão de existência
ideal que libere os brasileiros de cor de complexos emocionais e das
atuais desvantagens sócio-econômicas... é necessário e imprescindível,
portanto, que apareçam outros candidatos mulatos, negros ou brancos,
identificados com esse importante problema brasileiro. Porque somente
num grande e árduo trabalho coletivo, presidido pelo alto espírito de
fraternidade racial que orientou a nossa formação histórica,
conseguiremos realizar a obra dessa valorização do negro, fundamental
para o desenvolvimento e o futuro de nossa estremecida pátria. Os
homens de cor, ontem como hoje, se confundem com os destinos da
nacionalidade, e não há força capaz de induzi-los atrás sua vocação de
maiores construtores materiais e espirituais da nossa grandeza, da
grandeza do Brasil. (FAC-SÍMILE QUILOMBO, MINHA
CANDIDATURA, 1950, p.83).
Nesse sentido o Jornal “Quilombo”, liderado e dirigido por Abdias do Nascimento, tendo
como colaborador Guerreiro Ramos, Edison Carneiro, além do próprio Gilberto Freyre que
escreviam colunas no periódico, passou a solicitar a relação de candidatos negros dos principais
partidos brasileiros, a fim de fazer propaganda gratuita para os mesmos.
157
Localizamos os anúncios das seguintes candidaturas de políticos negros, que
participariam do pleito do dia 03 de outubro de 1950: José Bernardo da Silva, candidato a
deputado pelo PTB – Partido Trabalhista Brasileiro, era diretor da União dos Homens de
Cor, da cidade do Rio de Janeiro, Jael de Oliveira Lima, candidato a deputado pelo PSD –
157
Para saber mais ler o Jornal Quilombo, março-abril, 1950, p.05, artigo com o seguinte título: O TEN dirige-se aos
Partidos Políticos.
150
Partido Social Democrático e Isaltino Veiga dos Santos, candidato a vereador pelo PDC –
Partido Democrata Cristão
. Isaltino foi um dos presidentes da
Frente Negra Brasileira
, como
vimos no primeiro capítulo deste trabalho. No jornal dizia o seguinte sobre a sua candidatura:
Desde moço dedicado ao jornalismo e à luta pelo soerguimento do negro
brasileiro, Isaltino Veiga dos Santos entre outras atividades, tomou parte
na Frente Negra Brasileira, um dos movimentos mais trepidantes que já
houve nesta segunda cruzada da abolição....apresentando-se como
candidato a vereador, na chapa do Partido Democrata Cristão, merece o
sufrágio dos que desejam ver o negro ocupar o seu lugar ao sol da
democracia. (QUILOMBO, JUNHO-JULHO, 1950, p.05-FAC-SÍMILE,
p.111).
Outro político negro apontado nas páginas do Jornal “Quilombo” foi José Alcides,
candidato para a vereança do Rio de Janeiro pelo PSD, considerado o “Homem do Povo”, “sem
espírito agressivo ou solucionista, que propugna a integração de todos os elementos que compõe
a nossa etnia”.
Abdias do Nascimento também saiu nas páginas de seu jornal como candidato. Ele iria
disputar a vereança no Rio de Janeiro, pelo PSD – Partido Social Democrático; inclusive
notamos que este partido foi o que mais saiu nas páginas do jornal, sinalizando para os interesses
políticos eleitorais do intelectual negro, e fundador do TEN.
Conforme L.C. Pinto (1953, P.301) José Bernardo, orientador da UHC, candidato pelo
PTB conforme vimos acima, depois de participar do 1º Congresso do Negro, organizado pelo
T.E.N escreveu em seu jornal o artigo: “O Congresso do Negro Abdias”, ele foi fortemente
crítico à pessoa, o passado, às atitudes e às intenções do dirigente do TEN.
Mesmo com estas acusações parece que tudo ia de vento em popa para os interesses de
Abdias do Nascimento até que, Segundo L.C. Pinto, Abdias sequer concorreu de fato, pois “foi
golpeado por uma manobra eleitoral do próprio partido que lhe patrocinou a candidatura, o PSD.
Na véspera da eleição concorria para vereador, mas durante os preparativos para o pleito
alteraram a sua candidatura para deputado, o que necessitaria de uma maior quantidade de votos
para eleger-se”. Conforme L.C. Pinto: “Abdias desistiu e foi traído”. (L.C PINTO, 1953, p.284).
O Jornal “Quilombo”, principal periódico do TEN circulou entre dezembro de 1948 até
julho de 1950, portanto fechou sem publicar as informações sobre os resultados das eleições
151
nacionais e os resultados para os políticos negros do centro do país. No momento estamos sem
estas repercussões, mas quanto ao resultado para o líder do grupo Abdias do Nascimento foi
desastroso, em um primeiro momento devido à “traição” a que foi sujeitado pelo PSD, mas em
um segundo momento, as suas iniciativas colocaram de vez o negro como agente político em
nosso país, algo que foi tentado na década de trinta com a Frente Negra e solidificado com o
TEN.
Com o advento do Estado autoritário brasileiro nos anos sessenta, o
TEN
encerrou as suas
atividades, o que culminou com o exílio de Abdias do Nascimento.
Após disso, segundo Nascimento:
Em 1968, o TEN abriu outra frente de ação, quando lançou em exposição
no Museu da Imagem e do Som a primeira coleção de seu Museu de Arte
Negra. Interrompido o projeto em razão da perseguição política do regime
militar, o teatro continuou em cena, já em termos internacionais, através
da atuação de seu fundador, exilado, denunciando o racismo brasileiro em
vários fóruns do mundo africano, da Europa, das Américas e dos Estados
Unidos. Mas isto é outra história. (NASCIMENTO, 2004, p.16).
Retornando aos aspectos políticos dos Congressos, Edison Carneiro dizia que “a
experiência das Frentes Negras, exploradas pelos políticos profissionais, já era uma advertência
para os intelectuais negros ligados ao
TEN
”. Mas perguntamos: quando passaram a existir
interesses políticos partidários nas realizações dos Congressos, somente os políticos profissionais
se beneficiaram, ou existiriam interesses de intelectuais negros em tirar proveito de suas
realizações a favor de suas intenções e de sua comunidade? Será que os grupos negros compostos
por suas organizações, seus jornais e seus semanários não iniciariam a sua pressão na disputa
política também como um Partido? É o que passaremos a descortinar por ocasião do Primeiro
Congresso Nacional do Negro de Porto Alegre.
152
CAPÍTULO - III
3. A FORMAÇÃO DO OÁSIS PORTO-ALEGRENSE.
Ao entendermos estes locais também como espaços políticos, retornamos ao conceito de
política de ARENDT (2006, p.21-22), que diz: “A política baseia-se na pluralidade de homens e
trata da convivência entre diferentes”. Neste sentido, ao pensarmos estes lugares como sociais,
lembramos que nos fundamentamos no conceito de Certeau (2006, p.66-67) que explica que
nestes locais se “delineia uma topografia de interesses, e os documentos e as questões que lhes
serão propostas, se organizam”. Ou seja, neles conservam-se elementos políticos e interesses
ideológicos e sociais que passam a se organizar antes, durante e após as suas realizações, visando
o benefício de determinados grupos sociais.
Embora sendo considerados “oásis” que buscassem primar pela conciliação, neste caso, a
aceitação das diferenças entre negros e brancos para a formação de nossa nacionalidade, a
aceitação dos grupos através da equidade social ou que se combatesse o preconceito existente em
nossa sociedade através de leis para superá-lo; embora existindo uma Constituição vigente, os
mesmos eram organizados com interesses e finalidades diferentes, sendo que os elementos desta
disputa se alternavam conforme os seus organizadores.
Ao se analisar o próximo Congresso de nosso trabalho, o Primeiro Congresso Nacional
do Negro realizado na cidade de Porto Alegre no ano de 1958, passaremos a dissertar sobre algo
pouco conhecido na historiografia, muito original. Pretendemos contribuir para a história sobre os
Congressos de caráter nacional sobre a temática negra e afro-brasileira, jamais pretendendo
limitar a discussão e sim procurando motivá-la.
Neste próximo Congresso passaremos a abordar elementos de interesse em torno da
questão político-partidária. É muito importante lembrar que, por excelência, todos os Congressos
foram políticos
158
mas nem todos tiveram interesses políticos partidários.
158
Antes de iniciarmos este capitulo convém informar como percebemos os lugares sociais que estamos dissertando,
seja ele um Congresso ou uma organização negra. Entendemos estes locais como espaços políticos, acontecimentos
propícios para que seus organizadores e participantes procurassem entender e agir, através das pesquisas e das
propostas efetuadas; melhor a sociedade em que viviam; para com isso tentar interpretá-la e conseqüentemente
melhorá-la. Seja buscando respostas nos aspectos culturais para formar uma nação; ou seja: procurando aprofundar
os conhecimentos dos problemas enfrentados cotidianamente pelos negros em nos período, com isso visando atenuar
o preconceito e os problemas sociais que sofria este grupo.
153
Os Partidos Políticos são os protagonistas de uma ação social que representa a função de
equilíbrio entre os seus interesses e os interesses de outros grupos. (GRAMSCI, 1980, p.22).
Edison Carneiro acusou as Frentes Negras de terem sido utilizadas por políticos
profissionais. Entendemos que ele criticou a sujeão da organização às propostas tuteladas pelo,
então, Presidente Getúlio Vargas.
Para Carneiro, os políticos profissionais usaram esta organização nos anos trinta e
continuaram a utilizar as organizações negras de caráter nacional ao longo dos anos cinqüenta,
para fim de seus interesses políticos e, neste caso, teriam tido interesse também nas atividades do
Teatro Experimental do Negro.
159
Ao analisarmos o Primeiro Congresso Nacional do Negro, organizado pela Sociedade
Beneficente Floresta Aurora, realizado no ano de 1958 na cidade de Porto Alegre, e as
influências político-partidárias sentidas neste encontro, evidenciaremos que existiram interesses
também de representantes da comunidade negra na formação deste tipo de oásis.
159
Para CARNEIRO, dois problemas atingiam a iniciativa do TEN nos anos 50. Primeiro: “A experiência das
Frentes Negras, exploradas pelos políticos profissionais, já era uma advertência...” para que os líderes desta
organização percebessem que estavam sendo explorados, e a segunda é que o TEN através de seus Congressos fazia,
segundo Carneiro, iniciativas “a fórmula norte-americana de reivindicação”, como se em nosso país existisse uma
sociedade segregada o que para ele era errado. Essas eram as justificativas de Carneiro para ser contrario as
iniciativas do TEN nos anos 50. CARNEIRO, Edison. Ladinos e Crioulos. Rio de Janeiro, Ed. Civilização Brasileira,
1964, p.115-116.
154
3.1 PRIMEIRO CONGRESSO NACIONAL DO NEGRO: ORGANIZAÇÃO,
PROGRAMAÇÃO, PARTICIPANTES, TEMAS E INTERESSES.
Ao iniciarmos a análise deste Primeiro Congresso Nacional do Negro, devemos dar a
devida atenção à mudança sofrida na nomenclatura do último encontro, ocorrido na década de
1950. Primeiro Congresso do Negro de 1950, que como vimos, foi organizado pelo Teatro
Experimental do Negro sob a liderança de Abdias do Nascimento e realizado na capital do Rio
de Janeiro. O Primeiro Congresso Nacional do Negro de 1958, cuja criação descortinaremos
pela sua organização, através da Sociedade Beneficente Floresta Aurora, sob a liderança de
Valter Santos, foi realizado no estado do Rio Grande do Sul, na cidade de Porto Alegre.
Notaremos que o termo “nacional”, além de ser o diferenciador da terminologia entre as duas
atividades denota, ainda, uma transformação importante nos interesses de seus organizadores, já
que existiu uma forte influência do Partido Trabalhista Brasileiro em sua composição.
160
Esse importante acontecimento na capital gaúcha recebeu delegações dos estados do
Paraná, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Santa Catarina, São Paulo, Distrito Federal e interior
gaúcho, contando também com a presença de estudiosos, pesquisadores, intelectuais brancos e
negros e a comunidade. Durante o encontro foram debatidos três temas centrais:
1) A necessidade de alfabetização frente à situação atual do Brasil;
2) A situação do homem de cor na sociedade;
3) O papel histórico do negro no Brasil e em outros países.
Esses temas foram distribuídos em seis dias, do dia 14 de setembro ao 19, do respectivo
mês.
Nossos objetivos passam a ser, a) a análise da história da Sociedade organizadora do
encontro; b) como ocorreu a organização do Congresso; c) a programação, bem como os
participantes e os temas e d) identificar os principais interesses dos líderes da entidade
Floresta
Aurora na realização do mesmo.
160
Sobre a organização do Primeiro Congresso Nacional do Negro de Porto Alegre encontramos, através de
pesquisas realizadas em Atas de reuniões da SBFA e em consultas em periódicos do período, nomes como os de
Leonel Brizola, Armando Temperani Pereira, J.P Coelho de Souza, todos políticos tradicionais vinculados ao PTB.
155
Utilizaremos como fontes documentais principais: as ATAS de reuniões da Sociedade
Floresta Aurora do ano de 1958 localizadas em seu acervo, cartas enviadas para os membros
dessa entidade, matérias jornalísticas dos Jornais Folha da Tarde, Correio do Povo, A Hora,
Diário de Notícias e Revista do Globo, todas publicadas no decorrer do mês de setembro de 1958
e documentos arquivados em um acervo particular pelo Sr. José Domingos Alves da Silveira
161
,
além de consulta bibliográfica.
A iniciativa de organizar o Primeiro Congresso Nacional do Negro coube à Sociedade
Beneficente Floresta Aurora. Fundada na cidade de Porto Alegre no dia 31 de dezembro de
1872, essa agremiação é considerada a sociedade negra mais antiga do Brasil. Seu fundador foi o
negro forro Polydorio Antonio de Oliveira. O principal objetivo da organização era zelar pela
comunidade afro-gaúcha materialmente e socialmente, auxiliando, inclusive, na realização de
enterros dignos para os negros da capital. (MÜLLER, 1999, p.116-134).
A historiadora Lúcia Regina Brito Pereira complementa esses dados informando que, a
Sociedade Cultural Floresta Aurora foi criada em 1872, com o objetivo de gerar pecúlio para
custear as despesas de enterros de escravizados e libertos, sendo que as suas primeiras ações
foram realizadas nas esquinas das Ruas Aurora (atual Dr. Barros Cassal) e a Rua Floresta (atual
Cristóvão Colombo). (PEREIRA, 2008, p.125).
Valter Santos, Presidente da Sociedade no ano de realização do Congresso, 1958, no
discurso de abertura do Conclave falou o seguinte sobre a sua fundação:
No distante ano de 1872, quando não existia nenhuma sociedade de
negros em nossa capital, um grupo de homens residentes na então Rua
Floresta, e mais alguns elementos femininos discutiam a necessidade da
formação de uma sociedade que congregasse o elemento negro. Era dia 31
de dezembro. O grupo estava reunido exatamente à espera da entrada do
ano novo. Como a discussão realizava-se numa rua de nome Floresta e
como a aurora neste dia despontou muito linda!!!...O grupo resolveu
denominar a sociedade com o nome que hoje é conhecida em todo o
Estado e em muitos recantos do Brasil – Sociedade Beneficente Floresta
Aurora.
(s.n/ Primeiro Congresso Nacional do Negro Instalou-se
Ontem em Porto Alegre. A HORA/ Porto Alegre/ 13/09/1958/
p.05).
161
Sobre o seu José Ver: PEREIRA, Lúcia Regina Brito Pereira. Estratégias Negras e Educação. Porto Alegre: VI
Congresso Internacional de Estudos Ibero-Americanos – PUCRS, 2006.
156
A pesquisadora Liane Susan Müller (1999, p.109-134) destacou, através de pesquisas
realizadas no
Jornal O Exemplo
, entre 1889 e 1920, e nos arquivos da própria organização,
dados quanto a sua origem, evidenciando que, entre as suas atividades, havia diversas ações
sociais. Localizando que a
Sociedade Floresta Aurora
além de ser beneficente social, cultural e
recreativa ela era também política, tendo como exemplo as suas atitudes por ocasião da
diplomação de Monteiro Lopes e com a realização de seminários da Aliança dos Operários.
162
No marco cronológico, que propomos nosso trabalho (1931-1958), a Sociedade teve,
como seus principais líderes, quinze Presidentes:
TABELA 4 - Lista dos Presidentes da Sociedade Beneficente Floresta Aurora entre os anos 1932-
1959.
Nome Período
Armando Hipólito dos Santos 1932-1934
Manoel Ferreira dos Santos 1935-1936
Izaque Marçal Cunha 1937-1937
João Rufino de Magalhães 1938-1938
Conrado Alves Guimarães 1939-1940
Bernardino Fraga 1941-1941
Dalmiro Rufino Lemos 1942-1945
Henrique Lucena 1946-1946
Álvaro Moura 1947-1948
Eurico de Souza Silva 1949-1950
Dilon Alves 1951-1951
Mario Inácio dos Santos 1952-1953
Julio Soares 1954-1955
Heitor Nunes Fraga 1956-1957
Valter Santos 1958-1959
Fonte: Dados retirados da Galeria de Fotos dos Presidentes da Entidade, localizadas no 2ª andar da Sede Social da
Sociedade Beneficente Floresta Aurora no dia 08 de novembro de 2007.
162
“Monteiro Lopes, eleito deputado em 1909, para a Assembléia do Rio de Janeiro, havia sido impedido de receber
seu diploma em função da cor da pele. Tão logo a notícia circulou pelo país, os negros organizados em estados como
o Rio Grande do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro, deram início a uma intensa campanha para efetivar sua
diplomação. Alcançado o objetivo, Monteiro Lopes visitou Porto Alegre no ano seguinte, sendo recebido com festa,
especialmente na Sociedade Floresta Aurora”. (MÜLLER, 1999, p.130) Para saber mais das atividades políticas da
SBFA, neste período, ler Liane Muller em sua dissertação de Mestrado intitulada: As Contas do meu Rosário são
balas de artilharia, Jornal e Sociedade negras em Porto Alegre 1889-1920.
157
Para o desenvolvimento de nossa pesquisa, é importante contextualizar brevemente em
nível internacional, o que estava acontecendo com as populações africanas devido ao período de
independências daqueles países, bem como o quadro político nacional com as ideologias da
época, e também as influências territoriais para a comunidade negra de porto-alegrense, devido
ao desenvolvimentismo, e a situação política interna da Sociedade Floresta Aurora, que
empossou em 1958 o Presidente Valter Santos.
No plano internacional, a década de 1950 é marcada pelos movimentos iniciais de
descolonização de territórios africanos sob jugo europeu e em torno dos debates de integração
racial.
Guiné tornou-se independente em 1958; em 1959 os países africanos movimentavam-se
em seus processos de autonomia. Na Conferência de Bamako, o Senegal e o Sudão Francês
formavam a Federação do Mali, independentes. Daomé, Niger, Alto da Volta, Costa do Marfim e
Togo tornam-se independentes em 1960. “Os novos países surgidos da divisão administrativa
colonial do pós-guerra eram uma realidade”. (RIBEIRO, 1998, p.55).
163
TABELA 5 - LISTA DE PAÍSES AFRICANOS INDEPENDENTES ENTRE 1956 E 1966.
Pais Ano Presidente
Argélia 1962 Ben Bella
Benin 1960 Maga
Botsuana 1966 Seretse Khama
Burkina 1960 Maurice Yameogo
Burundi 1962 Reinado/ Muabtusa IV Rei
tutsi
Costa do Marfim 1960 Houphouët Boigny
Camarões 1960 Ahmadu Ahidjo
Chade 1960 François Tombalbaye
Congo 1958 Yulu
Gabão 1960 M’ba
Gana (Costa do Ouro) 1957 N’Krumah
Guiné 1958 Sekou Tourê
Lesoto 1966 Reinado/ Moshoeshoe II
163
Entre 1956 e 1966, cerca de 30 países africanos tornaram-se independentes. Para saber mais ver MELO, José
Ernesto. Cronologia sobre a História da África Contemporânea (1945-1998). Revista Ciências e Letras FAPA 21/22,
África Contemporânea. Porto Alegre: Ed. Ponto e Vírgula. Novembro de 1998, p.329-367 e RIBEIRO, Luiz Dario.
Descolonização africana. Revista Ciências e Letras FAPA 21/22, África Contemporânea. Porto Alegre: Ed. Ponto e
Vírgula. Novembro de 1998, p.51-72.
158
Madagascar 1960 Philibert Tsiranana
Malavi 1966 Banda
Mali 1960 Modibo Keita
Marrocos 1956 Reinado/ Sidi Mohamed V
Mauritânia 1960 Moktar Uld Dada
Niger 1960 Hamani Diori
Nigéria/ independente dentro
da Comunidade Britânica
1960 Ditadura do tenente-coronel
Johnson Aguiye-Ironsi
Quênia/ Independente da
Comunidade Britânica
1964 Kenyatta
Republica Centro Africana 1960 David Dacko
Senegal 1960 Leópold Senghor
Serra Leoa 1961 Siaka Stevens
Sudão 1957 Abud
Tanganica (Tanzania)/
Independente dentro da
Comunidade Britânica
1962 Nyerere
Togo 1960 Olympio
Tunísia 1956 Burguiba
Uganda 1962 Apollo Milton Obote/
Primeiro Ministro
Zaire / Congo Belga 1960 Moise Tshombe/ Primeiro
Ministro
Zâmbia 1964 Kenneth Kaunda
Fonte consultada: MELO J.E. Cronologia sobre a História da África Contemporânea (1945-1998). Revista Ciências e
Letras FAPA 21/22, África Contemporânea. Porto Alegre: Ed. Ponto e Virgula. Novembro de 1998, p.329-367.
Para se ter uma noção da repercussão, em Porto Alegre, das intensas agitações
internacionais do período, vejamos o que publica o Jornal Correio do Povo do dia 16 de
setembro de 1958 na sua Capa de Abertura anunciava: “Africanos feriram o ministro de
informação francês”. Conforme o Jornal:
PARIS – O ministro de informações Jacques Soustelle foi atacado a tiros
próximo ao arco do triunfo quando dirigia o seu automóvel pelo
Movimento Nacionalista Argelino.(CORREIO DO POVO, PORTO
ALEGRE, 16/09/1958, p.01).
O mesmo jornal anunciou um dia depois a seguinte matéria: “Prossegue sem solução o
caso de integração escolar de Litle Rock”, segundo o Jornal:
159
O Governador de Arkansas Orval Faubris antecipou a data para realizar
uma reunião nesta cidade, sobre a questão da Integração Racial nas
escolas, para 27 de setembro até o dia 07 de outubro. O supremo tribunal
decidiu que fosse adiada a integração racial, com os estudantes negros
matriculados na Escola secundária de Litle Rock. (CORREIO DO POVO,
PORTO ALEGRE, 17/09/1958, p.01).
Já no dia 20 de setembro de 1958, nas páginas do Jornal Correio do Povo, era anunciada a
seguinte manchete: “Proclamada a República Argelina e Formado um governo no Exílio”.
Conforme o periódico:
Os rebeldes argelinos proclamaram hoje a República Argelina. O novo
governo recebeu o reconhecimento de três nações árabes e a denúncia de
Paris, que tachou como “organização artificial” a Frente de Libertação
Nacional Argelina (FLC)... o Governo francês considera hostil o
reconhecimento do governo argelino por alguma de suas nações
amigas....Líbia, Tunísia e Marrocos reconhecem o regime argelino...
prejudicadas as relações entre França e países árabes com a formação do
governo da Argélia.(CORREIO DO POVO, PORTO ALEGRE,
20/09/1958, p.01).
No quadro econômico nacional, as cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, por
contarem com um maior volume de capital e um mercado consumidor crescente, tornam-se
líderes de lucros e de empreendimentos, com a posição de frente no processo cultural e político
do período desenvolvimentista. Na política, o governo de Juscelino Kubistschek (1956-1961)
lança o arrojado Plano de Metas
164
expressando o desejo de modernizar o país nos aspectos sócio-
econômico-cultural. (BRUM, 1984, p.72).
Porto Alegre também passou a se destacar em caráter nacional e a rivalizar com as
capitais mencionadas, principalmente no âmbito político, já que a mesma havia sido laureada
com o Prêmio de Maior Progresso, concedido pelo Palácio do Catete através do IBAM – Instituto
Brasileiro de Administração Municipal.
165
164
O Plano de Metas do governo JK visou intensificar o ritmo de industrialização do país além da construção da
nova capital federal, Brasília, no Planalto Central. A aceleração do ritmo de industrialização se deu através da
implementação da indústria de bens de consumo duráveis (automóveis, eletrodomésticos), e de bens intermediários
(combustíveis líquidos, siderurgia, alumínio, papel e celulose, etc.). A construção de Brasília implicou, também, a
construção de uma rede de transportes que interligou a cidade com os principais centros do país. Para saber mais ler
BRUM, Argemiro J. em O Desenvolvimento econômico brasileiro, 1984.
165
Ver Correio do Povo, Porto Alegre ganhou prêmio de maior progresso. Porto Alegre, 24/09/1958, p.22.
160
Convém analisarmos uma reportagem que saiu no periódico porto-alegrense Zero-Hora,
datado do dia 13 de fevereiro de 2008. Nesta data Porto Alegre realizava um importante evento,
intitulado: “Conferência Mundial sobre o desenvolvimento das cidades”, com a presença de 267
representantes de prefeituras gaúchas e 230 representantes de prefeituras de outros estados e
países. O título da matéria era: “Como Porto Alegre se tornou um palco”, e dizia o seguinte:
Desde 2001, a circulação de pessoas por Porto Alegre discutindo grandes
temas, como política, religião e educação, não é surpresa para os gaúchos.
Foi o Fórum Social Mundial que ajudou a tornar a Capital uma espécie de
centro de debates. (ZERO-HORA, PORTO ALEGRE, REPORTAGEM
ESPECIAL, 13/02/2008, p.05).
Com relação a este fato é importante demonstrar que muito antes destes acontecimentos,
Fórum Social Mundial ou Encontro das Cidades de 2008, para ser mais exato, foi cinqüenta anos
atrás que Porto Alegre buscou se constituir como um centro nacional e internacional de debates,
sendo que localizamos, através da imprensa porto-alegrense, muitos Congressos de caráter
nacional e internacional, realizados na cidade nos anos 50. Identificamos outras temáticas
importantes nestes episódios, além da negra, que merecem destaque e que fizeram da capital
gaúcha, a principal do país e, quiçá, da América do Sul no período, em torno dos debates
respeitáveis. Em nossas pesquisas, tendo como fonte o jornal Correio do Povo, encontramos
vários acontecimentos realizados na capital gaúcha, no mês de setembro de 1950. Entretanto,
nenhum destes atingiu tanta repercussão quanto o Primeiro Congresso Nacional do Negro.
166
Em nosso país, no campo ideológico deste período, o nacionalismo difundia-se entre
amplos grupos sociais, surgindo a consolidação de um “sistema ideológico” com múltiplas
vertentes interligadas: neocapitalista, liberal, nacionalista, trabalhista, sindicalista,
desenvolvimentista, marxista, etc. (MOTA, 1980, p.156).
Em Porto Alegre, nos anos 50, a cidade vivenciava um período de transformações, com
destaque da comunidade negra, iniciavam-se as obras de urbanização decorrentes das políticas
166
Correio do Povo, Porto Alegre, 02/09/1958, p.11, 02/09/1958, p.12, 09/09/1958, s, Correio do Povo, 21/09/1958,
sp., localizamos os seguintes Congressos: V Congresso Brasileiro de Estudantes de Agronomia, Primeiro Congresso
Nacional de Dialectologia e Etnografia, Congresso Rural, Congresso Tradicionalista, Primeiro Seminário Brasileiro
sobre as indústrias de alimentos, Primeiro Seminário Estudantil Latino-Americano de Psicologia Médica, sendo este
último realizado na Faculdade de Medicina de Porto Alegre.
161
desenvolvimentistas do período, bairros tradicionais negros são desterritorializados entre eles o
Areal da Baronesa e a Colônia Africana
167
, espaços simbólicos para os negros porto-alegrenses
que, após este período, tornam-se espaços valorizados do ponto de vista imobiliário; na falta
destes territórios habituais a Rua dos Andradas passou a ser o referencial simbólico e identitário
para a comunidade negra. (CAMPOS, 2006, p.26-44).
No Rio Grande do Sul, a população de descendência africana representava 11, 27% da
população nos anos quarenta (BASTIDE, 1979, p.68) e, segundo Laudelino Medeiros - professor
da UFRGS na época e um dos palestrantes do Primeiro Congresso Nacional do Negro realizado
em 1958 -, “quando do último censo a população negra no Estado era de 440.000 almas”, num
total de 4.164.821 pessoas.
168
A Sede social da Sociedade Floresta Aurora era localizada na Rua General Lima e Silva
nº 316. Entre 1956 e 1957, a coordenação tinha como presidente Heitor Nunes Fraga, que
participou da Conferência e Congresso do Negro Brasileiro, ambos realizados no Rio de Janeiro
167
Sobre o Areal da Baronesa Ver: MATTOS, Jane Rocha de. “Que arraial que nada, aquilo lá é um areal”: O Areal
da Baronesa: Imaginário e História (1879-1921). Mestrado em história. PPGH-PUCRS, Porto Alegre, 2000.
Segundo a autora: “havia em Porto Alegre, desde os primórdios de sua ocupação, uma cisão entre cidade alta e
cidade baixa, sendo a primeira local de moradia das elites e setores abastados da sociedade, e a outra ocupada por
habitantes pobres, ex-escravos e escravos de ganho (...) os afro-descendentes ocuparam em Porto Alegre as áreas
periféricas, preferencialmente as várzeas (Areal da Baronesa). Que foi descrito por cronistas e memorialistas como
um território perigoso e ameaçador...ainda conforme Mattos, 2000, p.28-29: “Com o crescimento econômico e
espacial do núcleo inicial da cidade, na ponta da península, houve a retirada contínua dos segmentos empobrecidos
da população, dentro da política de higienização e ( re)ordenamento espacial, que na sua maioria ocupava os porões e
cortiços. Assim, as áreas mais baixas e de terrenos irregulares (como as várzeas), que constituíam a periferia, seriam
espaços para a construção de moradias, transformando-se em cortiços ou avenidas...”. Sobre o Areal Ver também:
MARQUES, Olavo Ramalho: Etnografia da Avenida Luís Guaranha:
Memória, Territorialidade e Identidade Étnica na cidade de Porto Alegre no Rio Grande do Sul. Revista
URBANITAS, Ano 2, Vol 2, 03 de dezembro de 2005. Revista de Antropologia Urbana.
http://www.aguaforte.com/osurbanitas3/olavomarques.html/ Acesso em 16/06/2008. Sobre a Colônia Africana,
segundo SILVA, 2005, p.19: “A Colônia Africana era povoada por escravos libertos e pelos descendentes. Filhos,
netos e bisnetos e assim por diante. Com a construção da Paróquia da Piedade, o bairro começou a evoluir. Foram
fundadas sociedades bailantes e futebolísticas, como a Sociedade Rui Barbosa que era dos descendentes de italianos.
Naquele tempo, estas sociedades não aceitavam negros. Por esse motivo eles criaram as suas sociedades e suas sedes
ou cavernas, nas quais se realizavam seus encontros festivos...no futebol, a Colônia Africana foi um celeiro de
craques existindo a liga da canela preta”. Ver SILVA, Jayme Moreira Colônia Africana – Nossa Senhora da Piedade.
Porto Alegre, 2005. (Prelo).
168
Ver Medeiros, Porto Alegre: Diário de Notícias, 18/09/1958, p.11. Sobre os dados demográficos Ver JARDIM,
Maria de Lourdes Teixeira, Evolução da População do RS. FEE.
www.fee.rs.gov.br/sitefee/download/eeg/1/mesa_6_jardim.pdf Acesso em 02 de junho de 2008.
162
sob organização do Teatro Experimental do Negro.
169
Em 1958, Valter Santos assumia o lugar
de Heitor Fraga. A SBFA deixava muitas dívidas para Santos, entre elas 54.000,00 cruzeiros em
débitos hipotecários; 18.000,00 cruzeiros no quadro social, além de 1.806,00 cruzeiros de dividas
da copa, geradas por bailes e festas realizados pela entidade.
Heitor Nunes Fraga (1918-x), embora com uma gestão irregular, devido às pendências,
merece atenção especial em nossa dissertação, já que era o intelectual florestino mais envolvido
com as Sociedades de Porto Alegre, do Rio Grande do Sul e do Brasil, uma vez que foi membro
do conselho fiscal da Federação Atlética Rio-Grandense e da Federação de Basquete. Na
Federação de Voleibol, foi diretor tesoureiro, tendo sido convidado de honra na delegação da
Confederação Brasileira de Voleibol para um torneio no Chile. Tinha um currículo respeitável,
também sendo um dos fundadores do Clube Náutico Marcílio Dias de Porto Alegre e o seu
primeiro Presidente.
170
Imagem 8 – Registro Jornal AURORA, órgão oficial da SBFA. Ano 2, nº2- Mensal, junho de 1968, sp.
169
Ver as suas participações nas Convenções e Congressos, analisados anteriormente neste trabalho. Inclusive na
Conferência realizada no Rio ele foi acompanhado do também gaúcho Prof. Dante de Laytano.
170
Maiores informações sobre Heitor Nunes Fraga ver Jornal AURORA, órgão oficial da SBFA. Ano 2, nº2-
Mensal, junho de 1968, sp. Sobre o Clube Náutico Marcílio Dias, foi fundado em 04 de julho de 1949, na cidade de
Porto Alegre. Era uma organização negra criada com finalidade esportiva. Em sua sede praticava-se o remo, natação
e atletismo. Para saber mais desta organização ler: Lucia Regina Brito Pereira, em sua tese de Doutorado intitulada:
Cultura e Afrodescendência: organizações negras e suas estratégias educacionais em Porto Alegre (1872-2002),
p.138-150.
163
Ao assumir a Presidência da Floresta Aurora, Valter Santos passou a criar laços com a
Sociedade negra porto-alegrense
Satélite Prontidão.
171
Em conjunto, realizaram importantes
bailes de debutantes para meninas moças da comunidade negra porto-alegrense. Parte das
quantias arrecadadas com as danças era utilizada como forma de adquirir recursos para a
manutenção da Sociedade, sendo naquele momento também empregada para o pagamento dos
credores.
172
“As atividades sociais como os Bailes de Debutantes eram acontecimentos importantes
nesta Sociedade negra”, segundo Júlio Soares
173
, que exerceu a presidência da entidade por cinco
vezes - o eleito como o Presidente que mais tempo exerceu esta função na organização - nos
biênios de 1954-1955, 1960-1961, 1962-1963, 1964-1965 e 1968-1969, para ele, estas atividades
eram de importante grandeza.
Conforme reportagem localizada na Revista do Globo do dia 12 de janeiro de 1957, sob o
seguinte título, “Debutantes de Ébano” a SBFA foi pioneira no Brasil neste tipo de atividades:
Quando findava o ano de 1956, a Sociedade Floresta Aurora, (fundada
antes da Abolição da Escravatura) lançou as suas debutantes numa festa
inédita entre a gente de cor de nosso país. Pela primeira vez na história do
Brasil, realizou-se um baile de debutantes da gente de cor. O gril-room da
boite “Mil e Uma Noites” apresentou-se em grande gala na noite em que a
nossa mais tradicional (e uma das mais antigas do Brasil) sociedade
colored, a Sociedade Floresta Aurora, lançava os seus brotos para este
ano. Com 84 anos de existência fundada pois, antes da Abolição da
Escravatura, a colônia afro-brasileira deu a reconhecer os progressos
alcançados nestes últimos anos e a esperança da remissão total do
elemento negro...foi o maior acontecimento social de gente de cor jamais
acontecido no Estado.
174
171
A Sociedade Cultural Beneficente Satélite Prontidão provém da fusão das Sociedades Negras Satélite Porto-
Alegrense, fundada em 1902, com a Sociedade Cultural Carnavalesca Prontidão, fundada em 1925. No ano de 1956,
com a fusão das duas organizações, tornou-se a atual Sociedade Cultural Beneficente Satélite Prontidão Para saber
mais sobre esta organização Ver: Lucia Regina Brito Pereira, em sua tese de Doutorado intitulada: Cultura e
Afrodescendência: organizações negras e suas estratégias educacionais em Porto Alegre (1872-2002), p.132-137.
172
As fontes consultadas são as ATAS de reuniões da Sociedade Floresta Aurora, de número 234 a 243, de janeiro a
abril de 1958.
173
Correspondência enviada por ele para o quadro administrativo e associados da entidade; 30/10/1965. Acervo José
Domingos.
174
Ver REVISTA DO GLOBO, 1957, p.46-49. Na revista são localizadas oito fotografias que demonstram o
glamour daquela noite. Fotos registradas pelo meu amigo, Sr. Léo Guerreiro, que muito me ensina em sua juventude
aos 78 anos. A reportagem foi escrita por Nélio Macedo.
164
Temos uma contribuição em nossas pesquisas utilizando as fontes de “escrita de si”
175
, ou
seja, correspondências de Júlio Soares, no acervo particular do Sr. José Domingos Silveira
Alves
176
, sobre as atividades sociais da entidade. Nessas cartas foi possível localizar convites,
chamadas de reuniões, demonstrativos e prestações de contas, redigidos pelos presidentes e pela
diretoria em exercício da entidade entre os anos de 1960 e 1970.
No total foram encontrados neste acervo particular 23 documentos, divididos da seguinte
forma: 10 convites para festas, 5 convocações para reuniões, 4 circulares e 4 correspondências
relatórios de ex-presidentes informando aos associados sobre suas gestões.
A correspondência, que será utilizada por nós como fonte das diligências sociais da
entidade, foi escrita por Júlio Soares no dia 30 de outubro de 1965, onde ficou evidenciada a
intensidade das ações desta organização negra porto-alegrense. Conforme palavras de Julio
Soares:
Socialmente falando, destacou-se a Floresta Aurora com a realização de
seis bailes de debutantes, todos eles num crescente de magnitude e beleza.
Não esquecemos dos 25 casamentos, todos pertencentes ao quadro social,
8 aniversários de 15 anos; 2 bodas de pratas, e finalizando não podemos
deixar de lembrar o coquetel oferecido a Miss Guanabara – Sra. Vera
Lúcia, que contou com a presença do Exmo Sr. Governador do Estado, na
pessoa de seu representante- Chefe da Casa Civil, e demais autoridades,
tais como: Presidente da Assembléia Legislativa do Estado, Prefeito
Municipal de Porto Alegre, Presidente da Câmara de Vereadores e,
também, a Srta.Tânia Lupo – Miss Rio Grande do Sul e representantes das
co-irmãs... (JÚLIO SOARES, 30/10/1965).
Retornando para o ano de 1958, empossado Valter Santos, a sua administração passou a
intensificar os contatos em outras esferas da sociedade gaúcha e do eixo Rio-São Paulo. A
175
GOMES, Ângela de Castro (org). Escrita de si, escrita da História. Rio de Janeiro: FGV, 2004, p.11.
176
O senhor José Domingos Silveira Alves tem 74 anos de idade e é casado com a Dona Sema. Conhecido como o
“catador de papéis”. Reside em Viamão, onde mantém um acervo com mais de 50.000 recortes de jornais. O seu José
é associado da Sociedade Floresta Aurora desde a década de 1950. A partir do momento que eu o conheci, em uma
atividade organizada pelo grupo de pesquisa ao qual pertenço, o GT Negros-ANPUHRS, a minha vida e as minhas
pesquisas ganharam um grande incentivo sentimental e profissional. Para saber mais do seu José e de seu importante
acervo Ver: Pereira, Lúcia Regina Brito Pereira. Estratégias Negras e Educação. Porto Alegre: VI Congresso
Internacional de Estudos Ibero-Americanos – PUCRS, 2006.
165
entidade teve as suas relações alargadas o que possibilitou a sua contribuição na situação político-
social e cultural, além da comunidade negra porto-alegrense, também para os negros gaúchos e
brasileiros.
A partir deste momento acreditamos que a Sociedade Floresta Aurora, em nossa análise, à
luz do pensamento de Gramsci, tornou-se um partido orgânico, pois passa a representar os
interesses de seu grupo social, o que veio resultar na busca de um consentimento com outros
grupos visando os seus interesses e o de seus pares.
177
Pensamos nesta hipótese a partir da admiração que as Sociedades Negras do Rio Grande
do Sul e do Brasil tinham pela Sociedade Floresta Aurora. Por isso ela tornou-se um exemplo a
ser seguido pelas coirmãs. Mas jamais queremos afirmar que nos quadros administrativos desta
Sociedade todos pensavam da mesma maneira, visto que as visões antagônicas permeiam
qualquer agremiação, o que ficou nítido no seio da Sociedade por ocasião de um acontecimento
publicado “A PEDIDO” quatro vezes no jornal Folha da Tarde, entre os dias 01, 02, 03 e 04 de
outubro de 1962, em que Valter Santos defende Fernando Ferrari, político do PTB, sobre a
acusação de racismo que ele estava sendo acusado pelos outros membros da Sociedade; José da
Silva Conceição, Eurico Silva e Júlio Soares. Segundo estes três integrantes da SBFA e que
participaram da organização do “Oásis” de Porto Alegre, quando a associação foi buscar apoio de
Ferrari no Rio de Janeiro para a realização do Congresso, Fernando Ferrari então líder da
Bancada do PTB no Rio de Janeiro, e próximo ao vice Presidente João Goulart, teria dito para a
delegação da Floresta Aurora: “O que quer esta negrada atrás de mim”.
178
Valter Santos contava, nos quadros administrativos da sociedade, com os conselheiros
Júlio Soares, ex-presidente por cinco vezes da Sociedade, Rio Grandino Machado, Dalmiro
Lemos, ex-presidente da sociedade entre os anos de 1942 a 1945, Rui Santos, Eurico Souza,
também ex-presidente da sociedade no biênio de 1949-1950, além dos conselheiros: Flávio Silva,
177
Um Partido orgânico fazem abstração da ação política imediata: constituído por uma elite de homens de cultura,
que tem a função de dirigir do ponto de vista da cultura as massas. Para saber ver GRAMSCI, 1980, p.23
178
Ver colunas “A Pedido” dos dias 01, 02, 03 e 04 de outubro de 1962, Porto Alegre, Folha da Tarde. Fernando
Ferrari (1921-1963) foi Deputado Federal e Senador pelo PTB. Faleceu em um acidente aéreo no alto do Morro do
Chimarrão em Torres-RS. Na ocasião, além dele, morreram Airton Braga, piloto do avião, e Juan Macedo Coelho,
também político vinculado ao PTB. Ver Correio do Povo, ECHENQUE, Silvio da Cunha, 27/05/1963.
166
Edson Couto e Armando Temperani, sendo este último deputado estadual pelo PTB e Presidente
da Comissão de Justiça da Assembléia Legislativa do Estado.
179
Eles iniciam uma nova etapa florestina
180
tendo como principal meta o ressurgimento
181
material, social e político da então octogenária Sociedade (1872-1958), na época. Antes e após a
posse, a nova diretoria encontrava uma sociedade em crise, mas ainda com prestígio.
Sob a liderança de Valter Santos, o grupo dirigente da Sociedade passou a delinear dois
interesses considerados fundamentais para o soerguimento da entidade:
1) Coletivo: a alfabetização e integração da comunidade negra, e que ia ao
encontro da realização do Primeiro Congresso Nacional do Negro;
2) Individual da organização: a reforma de sua Sede Social, considerada pequena
pelos seus conselheiros para as suas atividades sociais.
O primeiro interesse; de nível coletivo, visava à melhoria na condição social da
comunidade negra que ainda sofria com a falta de educação o que dificultava a sua integração na
sociedade brasileira.
182
E o segundo interesse foi notado através das atas de reuniões da entidade
que visava a reforma de sua sede social.
183
179
As datas referentes à legislatura de cada presidente, conforme citado anteriormente, são localizadas na atual sede
da Sociedade Floresta Aurora, situada na Av. Cel. Marcos nº527, na cidade de Porto Alegre. Na entidade existe uma
galeria de fotos com os respectivos presidentes e os anos dos mandatos, desde 1932 até os dias atuais. Já as
informações sobre o Deputado Armando Temperani encontramos no Arquivo da Assembléia Legislativa do Rio
Grande do Sul.
180
Este termo (florestina) foi achado no Jornal Folha da Tarde, datado de Janeiro de 1969. Em uma matéria
intitulada: “Floresta Aurora espera os 100 anos”. Nesta matéria estava sendo noticiada a construção de uma nova
sede para a entidade, que estava prestes a completar o seu Centenário. Na matéria dizia: “que a direção florestina
pretendia construir em sua sede nova piscina, canchas para jogos e ginásio...”. Ler matéria completa no Jornal Folha
da Tarde, Porto Alegre, 13 de janeiro de 1969, p.central.
181
Ressurgimento aqui é utilizado como forma de demonstrar a elevação material e social proposta pela nova direção
da entidade, a reestruturação da organização depois de um momento de crise. Ascensão, elevação e integração são
termos utilizados pelas Sociedades Negras para demonstrar que os seus objetivos principais visam as melhoras nas
condições materiais e sociais do grupo. Ver estatutos da Frente Negra Brasileira. BARBOSA, 1998, p.110-111.
182
Demonstrados nos três objetivos do Congresso: A necessidade de alfabetização frente à situação atual do Brasil;
A situação do homem de cor na sociedade; O papel histórico do negro no Brasil e em outros países.
183
Na ATA de reuniões nº 236, datada do dia 14 de janeiro de 1958, o conselheiro da Sociedade Sr. Dalmiro Lemos,
ex-presidente no biênio 1942-1945, propunha o seguinte projeto para os florestinos: a ampliação da sede social.
167
Atualizaremos nesta pesquisa o primeiro interesse coletivo da organização, a realização
do Primeiro Congresso Nacional do Negro, através da reunião de informações originais sobre
este episódio.
Como realizar um evento dessa envergadura sem dinheiro? Nas ATAS das reuniões
localizadas no acervo da Sociedade tornou-se possível detectar os indícios de como surgiram as
possibilidades do conclave.
Através dos relacionamentos políticos, empresariais, com setores da imprensa local e
nacional, e entidades negras do Estado e do Brasil, além de uma ampla campanha arrecadatória
entre os membros da entidade, lideradas pelos conselheiros: Julio Soares, Dalmiro Lemos, Edson
Couto e Flavio Silva, a entidade passou a buscar alternativas para viabilizar a realização do
Congresso.
Na ata nº 234, datada do dia 05 de janeiro de 1958, o conselheiro Rui Santos propunha um
projeto visando uma ampla campanha para buscar sócios, além do aumento da mensalidade dos
sócios efetivos; já o conselheiro Edson Couto (ATA, 235, 07/01/1958) confirmou que “seriam
concedidas maiores facilidades aos novos associados”.
Consta em ATA que o conselheiro Eurico Souza sugeriu que fosse oferecido, por parte da
entidade, um coquetel ao Prefeito de Porto Alegre, Leonel Brizola (1922-2004) e a sua esposa,
além da realização de um torneio de futebol entre as organizações negras do Estado do Rio
Grande do Sul como forma de manter entrosadas as associações negras regionais.
184
Após os possíveis contatos com o Prefeito da capital gaúcha, no mês de junho, o
Presidente da SBFA, Sr. Valter Santos e o conselheiro Eurico Souza viajaram para o Rio de
Janeiro com o objetivo de conseguir apoio do Presidente da República Sr. Juscelino
Kubistschek.
185
Quanto ao auxílio financeiro, como vimos, um dos maiores problemas para a realização
do evento, foi combinado patrocínio através dos apoios dos Governos estadual e municipal, que
assinaram decretos para a liberação de verbas para a SBFA em virtude da preparação das
atividades do Primeiro Congresso Nacional do Negro.
184
Ata 248, 20 de maio de 1958.
185
Informações localizadas na ATA 251, de 08 de junho de 1958.
168
O apoio do Governo do Estado do Rio Grande do Sul ocorreu mediante o Decreto nº
9267, datado de 19 de agosto de 1958, assinado pelo então Governador do Estado Ildo
Meneghetti (1895-1980), no qual autorizou a liberação de 60
.000
cruzeiros para a entidade
.
186
Fonte: Decreto localizado no Diário Oficial do Estado do Rio Grande do Sul,
Diário Oficial do Estado do Rio Grande do Sul nº327, do dia 20 de agosto de 1958.
É importante observar, no Decreto apresentado acima, que a SBFA recebeu do Estado seis
vezes mais dinheiro do que as Sociedades São Luiz, Nossa Senhora da Piedade e Nossa Sra.
Imaculada. Isto demonstra que o “oásis” de Porto Alegre foi formado por um amplo conjunto de
apoios formados pelos poderes públicos constituídos.
Outra fonte sobre a liberação de recursos, além desse decreto, localiza-se na ata de nº 262
encontrada no acervo da Sociedade Floresta Aurora, no documento consta à captação de
70.000,00 cruzeiros doados da Prefeitura Municipal de Porto Alegre, para a organização.
Nas ATAS pesquisadas também foi possível encontrar a adesão de empresas privadas ao
Congresso dos quais citam-se: Rede Mineira de Aviação, Rádio Farroupilha, Indústria de
Refrigerantes Pepsi Cola.
187
186
Ver Diário Oficial do Estado do Rio Grande do Sul, nº 327, 20 de agosto de 1958.s.p. Ildo Menegueti foi
Governador do RS em duas oportunidades, nos biênios 1955-1959 e 1962-1966.
187
ATAS de reuniões da SBFA de números 255 e 263, datadas de 06 de julho e 12 de outubro de 1958.
DECRETO Nº 9297, DE 19 DE AGOSTO DE 1958
Concede auxílios
GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL no uso de que lhe confere o art.37,
inciso XVI, da Constituição do
DECRETA:
São concedidos, nos termos do art. 1º, item I letra b, de 27 de dezembro de 1957, os seguintes auxílios:
Cr$
Sociedade Recreativa e Beneficente Floresta Aurora 60.000,00
Sociedade Recreativa e Beneficente do Morro de Santa 10.000,00
Porto Alegre
Sociedade São Luiz, de Porto Alegre 10.000,00
Sociedade Nossa Senhora da Piedade, Porto Alegre 10.000,00
Sociedade Nossa Sra.Imaculada Porto Alegre 10.000,00
________
100.000,00
A despesa ocorrerá à conta do crédito aberto pelo decreto de 02 de dezembro de 1957.
Revogam-se as disposições em contrário.
PIRATINI, em Porto Alegre, 19 de agosto de 1958.
ILDO MENEGETTI
Governador do Estado
Adroaldo Mesquita da Costa
Secretário de Educação e Cultura
Galeno Veríssimo da Fonseca
Secretário da Fazenda
169
Em reuniões realizadas na sede da Sociedade ficou firmado o apoio entre a Empresa
Jornalística Caldas Júnior
e os organizadores do
Primeiro Congresso Nacional do Negro
.
Como consta em ATAS registradas e localizadas no acervo da entidade.
(ATA nº 252 / Porto
Alegre/ Julho de 1958/ sp).
188
Portanto, através do apoio dos jornais Correio do Povo e Folha da Tarde - ambos em
1958 faziam parte da
Empresa Jornalística Caldas Júnior -
, a
Sociedade Floresta Aurora
conseguiria repercussão nacional para o Congresso, já que essa empresa tinha escritórios nas duas
principais cidades brasileiras do período, São Paulo e Rio de Janeiro.
As Sociedades de Porto Alegre Satélite Prontidão e o Clube Náutico Marcílio Dias, a
Sociedade Renascença Clube, da cidade do Rio de Janeiro, a Sociedade Laços de Ouro, de
Uruguaiana, Associação José do Patrocínio, de Belo Horizonte, a Sociedade Estrela do Oriente,
de Rio Grande e a Sociedade Sírio Libanesa, receberem agradecimentos pela adesão prestada à
realização do Primeiro Congresso Nacional do Negro.
189
Contando com o apoio político e financeiro do Governo Federal, Estadual e Municipal,
contatos políticos com o PTB, de empresas privadas de porte, a Empresa Jornalística Caldas
Júnior, com o apoio de organizações negras do interior do estado e de outras sociedades do
Brasil, estavam definidas as condições para a execução do encontro de Porto Alegre.
Conforme o Jornal Folha da Tarde de Porto Alegre “Contando com a adesão das
sociedades que reúnem os negros de todo o Brasil, o Congresso reuniu representantes de São
Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina e vários outros, cujas delegações já estão chegando
a Porto Alegre. Na sua instalação contou com grande afluência de público”. (FOLHA DA
TARDE, 13/09/1958, p.5).
O Congresso de Porto Alegre pode ser considerado como um oásis da maior relevância
para a melhor compreensão de como vinham se estabelecendo as relações entre os intelectuais
188
O relacionamento entre as Empresas Jornalísticas Caldas Jr e a comunidade negra existia desde a fundação da
empresa datada de 1º de outubro de 1895, por Caldas Júnior. Na ocasião, o jornalista negro José Paulino de Azurenha
(1861-1909), era um dos principais redatores do Correio do Povo, “tendo chegado a participar da fundação do jornal
junto com Caldas Júnior em 1895”.(LAZZARI, 1998). Ver: GOMES, Arilson dos Santos.
Visibilidade negra: informações e imagens em três jornais de Porto Alegre sobre o Primeiro Congresso Nacional do
Negro no ano de 1958. V Mostra APERS. Porto Alegre, CORAG, 2007, p.195-209.
189
ATAS 263, 12 de outubro de 1958. Localizam-se essas entidades devido à relação de correspondências que
deveriam ser enviadas, em forma de agradecimentos, as sociedades presentes ao Congresso de Porto Alegre.
170
negros e brancos em torno da temática negra e afro-brasileira, pois, a partir deste momento, a
elas se agrega um ingrediente: “os interesses de grupos políticos e partidários” em prol de sua
realização. Os Congressos analisados se delinearam da seguinte forma:
1) Primeiro Congresso Afro-Brasileiro, efetivado em Recife – aspecto cultural;
2) Segundo Congresso Afro-Brasileiro, realizado em Salvador – aspecto cultural;
3) Convenções e Conferencia Nacional do Negro; realizadas no Rio de Janeiro e em São
Paulo – aspecto social;
4) Primeiro Congresso do Negro Brasileiro, concretizado no Rio de Janeiro – aspecto
social.
Quais os locais e quem foram os palestrantes convidados para apresentar pesquisas no
Primeiro Congresso Nacional do Negro de Porto Alegre? Conforme informações localizadas
em ATAS, os conselheiros da SBFA acertavam diretamente, a partir de visitas e por
correspondências, a vinda de palestrantes para apresentar suas teses nas atividades do encontro.
Nelas são citados o Embaixador do Haiti, “o Dr. Ralfh Bunch, ilustre negro norte-
americano delegado dos E.U.A junto à ONU”, Prof. Dr. Dante Laytano e o Prof. Dr. Dario
Bitencourt, ambos da UFRGS.
IMAGEM - 9
Ralph Johnson Bunche (1904-1971)
Fonte: http.//en.wikipedia.org/wiki/image:bunche.jpg
O Dr. Ralph Johnson Bunche (1904-1971), era muito citado no Jornal Quilombo,
periódico oficial do TEN. No tablóide localizamos a seguinte matéria sobre ele:
171
Doutor em Filosofia e neto de escravos, o Doutor Ralph Bunche acaba de
ser condecorado, em New York, pelo êxito que obteve como mediador da
ONU na Guerra entre árabes e judeus, na Palestina. (QUILOMBO, RIO
DE JANEIRO, 1949, ANO 1, Nº2, p.03).
190
Embora não citados nas ATAS, localizamos em registros da imprensa porto-alegrense os
seguintes palestrantes deste congresso: Dr. Luiz Lesseigner de Faria, Dr. Darci Conde Salgado,
Dr. Manoel Luiz Leão, Presidente da SBFA, Valter Santos, Bacharel Armando Hipólito dos
Santos, Sr. Divino Ferreira, Professor Gilberto Jorge Gonçalves da Silva, Dr. Laudelino
Medeiros, Manoelito Ferreira, Professora Vera Bandeira Marques, Professor Dr. Justimiano
Espírito Santo, Radialista Abel Gonçalves, Deputado e Professor Armando Temperani Pereira,
Dr. J.P. Coelho de Souza, Dr. Hélio Carlomagno, Professor José Maria Rodrigues, Jornalista
Arquymedes Fortini e o conselheiro da SBFA, Sr. Edson Couto.
191
Quanto à presença de Ralph
Bunche no evento nada foi de fato localizado, embora sua vinda tenha sido anunciada nas
reuniões preparatórias do encontro.
Na realidade, podem-se construir cinco perfis de palestrantes representados nas atividades
do Congresso de Porto Alegre, principalmente se prestarmos atenção quanto às instituições dos
convidados.
1) O perfil do palestrante vinculado à Universidade Federal do Rio Grande do Sul, como
Laudelino Medeiros, Dario Bittencourt e Dante Laytano;
2) O do palestrante vinculado à UFRGS, especificamente ao Curso de Engenharia da
Universidade, o mesmo Curso em que se formou Leonel de Moura Brizola, como
Manoel Luiz Leão, Luiz Lesseigner de Faria e Darci Conde Salgado;
3) O do palestrante vinculado à organização negra líder do encontro, a Sociedade
Floresta Aurora, sendo os mesmos localizados como palestrantes e mediadores como
Edson Couto e Manoelito Ferreira;
190
São localizadas matérias no Jornal Quilombo, sobre Ralph Bunche nos números, 3, p.03 e 07, nº4, p.1 e 11, nº5,
p.9, nº7, p.3 e nº9, p.3.
191
Estes nomes foram coletados através de pesquisas realizadas no Museu de Comunicação social Hipólito José da
Costa, Arquivo Particular do Sr. José Domingos Alves da Silveira, e no Centro de Pesquisas Correio do Povo. Foram
consultados os seguintes jornais: A Hora, Porto Alegre, dia 15, 18 e 19/09/1958, Correio do Povo, Porto Alegre, dia
16, 18 e 20/09/1958, Diário de Notícias, Porto Alegre, dia 18 de setembro de 1958, Folha da Tarde, Porto Alegre, dia
15, 18 e 19 setembro de 1958, Revista do Globo número 727, outubro de 1958.
172
4) O político partidário, em sua grande maioria filiado ao PTB, sendo, estes participantes
localizados, praticamente, em todos os dias do encontro, como Armando Temparani
Pereira.
5) O quinto e último perfil localizado foi a do palestrante jornalista, este representando a
Imprensa gaúcha e brasileira, como Arquymedis Fortini e Abel Gonçalves.
Quanto aos participantes de outras localidades, localizamos evidências de que os mesmos
participaram como ouvintes. Ou seja, este Congresso, embora sendo de caráter nacional, teve
uma organização nitidamente regional, gaúcha, porto-alegrense.
Quais os intelectuais negros que participaram como conferencistas nas atividades? Além
do Prof. Dr. Dario Bittencourt
192
, Edson Couto e Valter Santos, outros dois intelectuais negros de
destaque na sociedade porto-alegrense estiveram no encontro, o Prof. da UFRGS José Maria
Rodrigues (1918-1970) e o Bacharel e advogado Armando Hipólito dos Santos, que foi
Presidente da SBFA entre 1932 e 1934.
IMAGEM - 10
Professor José Maria Rodrigues.
Fonte: Irene Santos, Negro em Preto e Branco,
Acervo Oliveira Silveira, Porto Alegre, Fumproarte, 2005, p.65.
Falou sobre os pontos importantes do congresso.
IMAGEM - 11
Bacharel e Advogado Armando Hipólito dos Santos
Fonte: Irene Santos, Negro em Preto e Branco,
Acervo Oliveira Silveira, Porto Alegre, Fumproarte, 2005, p.64.
Conferenciou sobre: Objetivos do Congresso Nacional do Negro.
Que pesquisas e trabalhos foram apresentados nos seis dias de encontro? Na ata nº 260,
de agosto de 1958, encontramos as seguintes sugestões de trabalhos: “A integração biológica no
Brasil e a Alma não tem cor”.
192
Dario Bittencourt (1901-1974) foi intelectual católico, advogado trabalhista e militante integralista. Segundo
BARRERAS (1998, p.14) Dario Bittencourt representava duas vertentes da cultura gaúcha: o castilhismo positivista
e a Igreja Católica, além de um desdobramento “peculiar”, o integralismo. Para a autora a matriz geral do castilhismo
positivista, do integralismo e do discurso católico é a mesma: a busca incessante da ordem. Dario era neto de Aurélio
Vírissimo Bittencourt, secretário particular de Julio de Castilhos, chefe do PRR no inicio do século XX.
173
A programação diária do Primeiro Congresso Nacional do Negro pode ser visualizada
através de imagens feitas pela imprensa porto-alegrense, sobre as atividades, os espaços físicos,
os participantes e temas que foram apresentados, entre os dias 14 a 19 de setembro de 1958.
No dia 14 de setembro, Valter Santos apresentou o trabalho intitulado: “Historiando a
Fundação da Sociedade Floresta Aurora”. No mesmo dia, Armando Hipólito dos Santos, que foi
presidente nos anos de 1932-1934 da entidade, falou sobre “os objetivos do Congresso Nacional
do Negro”, Já Divino Ferreira explicou o papel importante do homem negro não só nas letras,
como nas artes e na atividade política e trabalho. Dante de Laytano, que realizou uma viagem ao
continente africano dois meses antes do congresso, proferiu duas palestras, uma nesse mesmo dia
14, relatando “o modo de vida e aspectos sociais e geográficos de determinadas regiões
africanas” e outra, no dia 18 de setembro, sobre “os negros ilustres que viveram no Brasil nos
séculos XVIII e XIX”. As atividades de abertura do congresso ocorreram na Câmara de
Vereadores da cidade de Porto Alegre.
IMAGEM - 12
Da esquerda para a direita. Em pé Valter Santos palestrando sobre a
História da Floresta Aurora, na seqüência Dr. Legsiner de Farias, Dr.
Darcy Conde Salgado e Manoel Luis Leão. Imagem Revista do
Globo 2ªquinz.OUT.1958, p.86-87.
IMAGEM - 13
Prof. Dr. Dante Laytano palestrando sobre o continente africano.
Fotografia Folha da Tarde do dia 15/09/1958, p.14.
No dia 15 de setembro, já com as diligências sendo realizadas no salão de festas da
sociedade, palestrou Laudelino Medeiros, abordando o tema “Governo, Educação e Cultura”.
174
IMAGEM - 14
Manoel Ferreira, Prof. Vera Bandeira Marques, o Presidente da Floresta Aurora e líder Anfitrião do Congresso
Sr. Valter Santos, Dr. Conde Salgado, de cabeça baixa o palestrante Prof. Laudelino Medeiros,
que conferenciou sobre Governo, Educação e Cultura, e de braços cruzados, na ponta direita, o Coronel Theófilo de Barros
Registro da Revista do Globo página 86.2ª quinz.Out.1958, p.86-87.
Dia 16 de setembro palestraram a Professora Vera Bandeira Marques, única mulher
193
a
falar no encontro, Justimiano Espírito Santo e o radialista Abel Gonçalves. Já em 17 de setembro,
ainda com as atividades ocorrendo nos salões de festas da sociedade, palestraram Doutor Darcy
Conde Salgado, o Professor Dario Bittencourt e o político e conselheiro da sociedade, Armando
Temperani Pereira. Também nesta mesa estava presente Manoel Ferreira, que foi presidente da
Sociedade no biênio de 1935-1936.
As atividades realizadas no dia 18 de setembro ocorreram na parte da tarde, na sociedade
Floresta Aurora e, à noite, retornaram para a Câmara de Vereadores de Porto Alegre. Nesse dia
palestraram, nos salões de festa da sociedade, o político Coelho de Souza, que era Secretário de
193
Localizamos Vera Bandeira Marques como a única mulher a participar das palestras do Congresso Nacional do
Negro de 1958, de Porto Alegre. Mas, anteriormente, as mulheres já estavam nos encontros. Nos outros localizamos:
em 1934, no primeiro congresso afro-brasileiro, a viúva Augusta Moreira. O trabalho apresentado era: “Juliano
Moreira e o problema do negro e do mestiço no Brasil”; nesta pesquisa a “autora” procurou abordar as diversas
pesquisas realizadas pelo médico falecido e seu ex-marido, Juliano Moreira (PAZ, 2006, p.55). Neste congresso a
comunicação: “Receitas de quitutes afro-brasileiros” foi apresentada pela Ialorixá Santa. No congresso afro-
brasileiro de 1937, Mãe Aninha foi destaque; participou das atividades apresentando “um pequeno trabalho sobre
quitutes afro-baianos”. Foi uma das articuladoras e fundadoras da União das Seitas Afro-Brasileiras da Bahia. Na
Conferência do negro de 1949, participaram Ironildes Rodrigues, falou da “alfabetização de Machado de Assis e de
Lima Barreto”. Elza Soares Ribeiro, chefe do setor trabalhista da Rádio Mauá e da Seção de empregos do SESI,
falou sobre: “Os preconceitos de cor nos contratos de trabalho”. Dra Guiomar de Matos relatou sobre “os problemas
femininos” e Nilza Conceição, sobre “a situação do estudante secundário de cor”. (Jornal “Quilombo”, datado de
Junho de 1949, p.07), no Primeiro Congresso do Negro Brasileiro de 1950, tivemos a participação de Ironildes
Rodrigues, atriz do TEN, que explicou que “o negro, em conseqüência de atributos específicos de raça, tem uma
sensibilidade hiper-desenvolvida, que o predestina à música, à poesia, à literatura, à dança, ao canto, em sua, às
artes”. (apud L.C PINTO, 1953, p.296).
175
Educação do Estado do RS, novamente Armando Temperani Pereira, Darcy Conde Salgado,
Doutor Hélio Carlomagno e o Professor Dante Laytano, realizando sua segunda participação no
encontro agora falando sobre os negros ilustres do Brasil.
Aliás, Dante Laytano foi o gaúcho mais envolvido nas atividades de caráter nacional
sobre a temática negra, sendo evidenciada a sua presença nas atividades do Segundo Congresso
Afro-Brasileiro, da Conferência do Negro e no Primeiro Congresso do Negro Brasileiro. Outro
gaúcho foi Dario Bittencourt, que além da presença em sua cidade natal, Porto Alegre também
participou com Laytano do Segundo Congresso Afro-Brasileiro, realizado em Salvador, na Bahia.
Quanto a Heitor Nunes Fraga, importante representante da Sociedade Floresta Aurora, foi
localizada a sua participação na Conferência e no Primeiro Congresso do Negro Brasileiro,
ambos no Rio de Janeiro.
Antes de continuarmos na atualização das atividades diárias deste encontro, destacaremos
dois palestrantes: J.P Coelho de Souza e Hélio Carlomagno, que eram de Partidos Políticos
opositores ao Estado, PTB e PSD, e estiveram nas ações do Congresso, o que demonstra a
importância deste conclave para o Estado do Rio Grande do Sul.
J.P. Coelho de Souza era, na época, o Secretário de Educação do Município de Porto
Alegre, e também um tradicional político vinculado ao PTB, pois, conforme Suelen de Lima e
Eleomar Tambara, que pesquisaram este político e a nacionalização do ensino no Rio Grande do
Sul:
No ano de 1937, tendo como Secretário de Educação e Cultura J. P.
Coelho de Souza, o Rio Grande do Sul procurou instalar a campanha de
nacionalização do ensino, objetivando a unidade cultural pelo uso da
língua pátria, pelo ensino da geografia e história brasileiras e pela
instrução moral e cívica. A partir de abril de 1938, foi decretado o registro
e a nacionalização das escolas particulares na Secretaria de Educação,
sendo que o número de registros obtidos foi de 2.418 instituições.
Segundo J. P. Coelho de Souza em sua obra Denúncia, a campanha de
nacionalização do ensino no Rio Grande do Sul se deu através de medidas
preventivas e medidas repressivas. As medidas preventivas envolveram a
ação escolar e extra-escolar. (BACH, SUELEN DE LIMA; TAMBARA,
ELOMAR, 2006, p.3).
J. P. Coelho de Souza foi o responsável pela nacionalização do ensino no Rio Grande do
Sul na época do Estado Novo, sendo, inclusive, o responsável pelo fechamento de escolas alemãs
176
no RS, por ocasião da II Guerra Mundial. A sua participação e a de seu Partido no Congresso
evidenciou a ideologia nacionalista no encontro.
194
Segundo Bach e Tambara:
O movimento político-social nacionalista associava-se a uma veemente
preocupação com a educação, a qual se refletia em um esforço de
combater o analfabetismo da população e de difundir a escola primária
“integral”. Entretanto, essa ação visava transformar a escola, basicamente
o ensino primário, em um instrumento difusor dos objetivos nacionalistas.
A partir de 1930, com a política do Estado Novo, radicalizou-se a ação
nacionalista e o âmbito educacional foi visto, mais do que nunca, como
via de entrada para a construção da nacionalidade brasileira. No projeto
do governo ditatorial, o Ministério de Educação buscava valorizar e
resgatar a cultura e os valores nacionais, através de diversas medidas que
objetivavam a integração das comunidades étnicas à Nação. .(BACH,
SUELEN DE LIMA; TAMBARA, ELOMAR, 2006, p.3).
Hélio Carlomagno era Deputado Estadual pelo PSD, na legislatura de 1955 até 1959, mas
na época do Congresso foi nomeado Secretário do Interior e Justiça do Rio Grande do Sul, pelo
governador do mesmo partido, Ildo Meneguetti. Obviamente, destaca-se uma forte presença do
PTB no Congresso, mas houve esta participação singela, mas muito considerável do PSD, pois
ela caracterizou o tom do encontro como oásis democrático, embora mais sintonizado com os
interesses petebistas.
195
O Decreto nº9297, de 19/08/1958, liberando 60.000 cruzeiros para a
realização do evento também deve ser ressaltado como outra contribuição importante que
demonstrou a participação ativa do PSD na formação deste “oásis”, pois quem liberou a verba
foi o Governador da sigla.
Voltando ao Congresso de Porto Alegre, é possível notar, nas imagens a seguir, devido à
decoração e aos objetos enquadrados nas fotografias, que as atividades se realizavam nos espaços
194
Para saber mais da perseguição a escolas alemãs no RS, ver: GERTZ, René. Cidadania e Nacionalidade: história e
conceitos de uma época. In: MÜLLER, Telmo Lauro (org.). Nacionalização e Imigração Alemã. -. São Leopoldo:
Ed. UNISINOS, 1994. p. 13-26.
195
No Rio Grande do Sul, o PTB e o PSD, entre 1947 e 1966 revezavam-se no poder do Estado e da Prefeitura de
Porto Alegre. No Governo do Estado no biênio de 1946-47, governou Pompilio Fernandes, PSD; em 1947-51,
Walter Sá Jobim, também do PSD passou a exercer a função. Em 1951-55, o Governo do Estado foi exercido por
Ernesto Dorneles do PTB. Em 1955-1959, o Governador foi Ildo Meneghetti, do PSD. Entre 1959 a 1963, Leonel de
Moura Brizola, vinculado ao PTB exerce o cargo, retornando Ildo Meneghetti, entre 1963-1966. Na Prefeitura de
Porto Alegre, Ildo Menegheti foi eleito nos biênios de 1948-51 e 1952-54. Leonel Brizola foi Prefeito da Capital
gaúcha entre os anos de 1956 a 1958.
177
físicos da Floresta Aurora. Na fotografia da esquerda visualizamos o palestrante Coelho de
Souza, que era filiado ao PTB e na época exercia a função de Secretário de Educação de Porto
Alegre, conforme visto anteriormente.
IMAGEM - 15
Conferência do Doutor J.P Coelho de Souza.
Fotografia Folha da Tarde 18/09/1958, p.40.
IMAGEM - 16
Público presente na SBFA
Fotografia Folha da Tarde 18/09/1958, p.40.
Na noite de 19 de setembro, agora com as atividades sendo realizadas na Câmara de
Vereadores, local onde teve início, no dia 14 de setembro a programação do encontro, palestrou o
Professor José Maria Rodrigues e Archymedis Fortini, um dos homens mais importantes da
Empresa Jornalística Caldas Jr., conforme salientou Breno Caldas, dono da empresa, em artigo
produzido no mês de outubro do ano de 1975, por ocasião dos oitenta anos do Jornal Correio do
Povo.
(CALDAS, 1975, p.20).
Como nas imagens anteriores, nota-se através do formato da mesa e da estrutura do local,
que o encerramento do congresso esta sendo realizado na Câmara de Vereadores da capital
gaúcha.
IMAGEM - 17
Conferência de encerramento do congresso proferida pelo
jornalista Arquimedes Fortini, de pé. O terceiro homem sentado, da
esquerda para a direita, é o professor Jose Maria Rodrigues.
Jornal Folha da Tarde dia 19/09/1958, p.35.
IMAGEM - 18
Público presente na Câmara de Vereadores no
encerramento do Congresso.
Fotografia Folha da Tarde do dia 19/09/1958, p.35.
No dia 19 de setembro, sábado, ocorreu por ocasião do encerramento, um grande baile de
debutantes, organizado pela Sociedade Floresta Aurora em conjunto com a Sociedade Libanesa,
178
que emprestou o seu salão de festas para as festividades. Com o patrocínio da empresa de
refrigerantes Pepsi-Cola, os participantes do congresso confraternizaram saboreando salgados e
bebidas. no coquetel de ‘fechamento’ do encontro.
IMAGEM – 19
Baile de Debutantes ocorrido, no salão de festas da Sociedade Libanesa,
por ocasião do encerramento do Congresso.
Revista do Globo número 727, outubro de 1958, p.86-87.
O primeiro interesse da organização negra, a Sociedade Beneficente Floresta Aurora, foi
realizado. A partir dos esforços de seus quadros administrativos realizou com sucesso um de seus
maiores interesses a favor da comunidade negra, o
Primeiro Congresso Nacional do Negro
.
Além desta proposta, integrar os negros brasileiros, o contexto deve ser analisado para
uma reflexão mais coerente, pois não devemos deixar passar despercebido o apoio petebista, que
governava em âmbito municipal e que a nível federal tinha a vice-presidência, o que, neste
sentido, tornou possível que as atividades do Congresso tenham sido realizadas na Câmara de
Vereadores da capital gaúcha, liderada pelo PTB e “conduzido” por Brizola, que se licenciou da
Prefeitura um mês antes para concorrer a Governador do Estado do Rio Grande do Sul.
Quanto à produção escrita deste lugar social, até o momento nada específico foi
encontrado, entretanto a topografia de interesses nas atividades deste “oásis” e a quantidade de
informações que localizamos em jornais e documentos possibilitaram, a princípio, identificar o
que motivou tal iniciativa.
Outra situação a ser pensada é quanto aos demais apoiadores, oriundos de empresas
privadas, organizações negras, entidades sociais e da imprensa porto-alegrense. Pensamos ser
pretensão demais acreditar que todos os apoiadores visassem apoiar a candidatura petebista, sob
liderança de Leonel Brizola ao governo do Rio Grande do Sul, já que a empresa de refrigerantes
179
Pepsi-Cola é de origem americana, algo distante das intenções nacionalistas de Brizola e de seus
correligionários. Mas, certamente, as intenções eleitoreiras do
PTB
foram confirmadas em nossas
pesquisas, conforme verificaremos mais adiante.
Percebe-se, por outro lado, que o contexto possibilitou à comunidade negra, representada
pela SBFA, a proposição de melhorias em suas condições socioeconômicas, ainda debilitadas
pela falta de políticas públicas específicas que contemplavam os problemas enfrentados pelos
mesmos, como a falta de educação, confirmada pelos altos índices de analfabetismo deste
grupo.
196
Retornando ao debate sobre a democracia racial brasileira iniciada neste trabalho por
ocasião dos Primeiros Congressos Afro-Brasileiros, o encontro de Porto Alegre também propõe
sugestões para discussão. Os congressos de 1934 e 1937, respectivamente, colaboraram à
legitimação dessa ideologia, tendo como foco a contribuição cultural da comunidade negra na
formação do país, inclusive tendo Gilberto Freyre como primeiro organizador dessas atividades.
Já nos encontros propostos pelo TEN – Teatro Experimental do Negro, datados de 1944, 1947,
1949 e 1950, se propõe uma revisão dos estudos afro-brasileiros, buscando que os encontros se
voltassem para o estudo das condições sociais da comunidade negra. Deveriam ser práticos e
buscar a transformação da situação vivenciada cotidianamente por este grupo, pleiteando
oportunidades de participação de políticos negros para motivar a inserção de fato da comunidade
negra na sociedade brasileira, em todos os âmbitos de disputa. Também evidenciamos a
consolidação de outra ideologia através dos intelectuais negros, a ideologia da negritude.
No Primeiro Congresso Nacional do Negro, realizado na cidade de Porto Alegre, em
1958, apresentaram-se novas propostas em torno das iniciativas negras para a inserção político-
social e o que podemos “descortinar” através dos temas discutidos naquela ocasião é: “Primeiro a
necessidade de alfabetização frente à situação atual do Brasil; segundo, a situação do homem de
cor na sociedade; e em terceiro, o papel histórico do negro no Brasil e demais nações”.
197
196
Ver estatísticas no Jornal A Hora, Porto Alegre, 18/09/1958/ p.5. Mais de 70 % do negro brasileiro era analfabeto.
Ver PEREIRA, Lúcia Regina Brito Pereira. Cultura e Afro-descendência: Organizações Negras e suas estratégias
educacionais em Porto Alegre (1872-2002). Tese de Doutorado defendida no Programa de Pós-graduação em
História da PUCRS, 2008.
197
Ver os temas do Congresso no Jornal Folha da Tarde, Porto Alegre, 15/09/1958, p.15.
180
Esses assuntos “desvendam” que, além das preocupações cotidianas do negro brasileiro,
como a educação e a situação social, agregou-se a preocupação com os processos de
independência dos países africanos, ou seja, além das questões internas, discutem-se os
acontecimentos externos, estes relacionados ao continente africano.
198
O evento de Porto Alegre obteve resultados que evidenciaram a presença do mito da
democracia racial brasileira no encontro, já que demonstraram, mais uma vez, que o negro
deveria iniciar, através de seus próprios esforços, a mudança em sua condição de atraso, mas
neste momento, mantendo alianças com grupos políticos.
Em síntese, o Congresso realizado na capital gaúcha traz como maior contribuição a idéia
de novas alternativas políticas para a criação dos movimentos negros. A proposta surgiu da
comunidade negra, representada como partido político pela SBFA, para com o poder público em
lugar de partir das iniciativas do estado e intelectuais brancos preocupados com as causas
culturais negras, como ocorreu nos congressos de 1934 e 1937, e nem como uma iniciativa do
intelectual negro em debater os seus “problemas” com a participação de outros intelectuais, como
as iniciativas do TEN, propostas nas Convenções de 1944 e 1947, da Conferência de 1949 e no
Primeiro Congresso do Negro Brasileiro de 1950, que denunciou que o maior inimigo era o
racismo e o objetivo era combatê-lo através da educação e de medidas jurídicas, o que gerou,
devido à participação de políticos partidários, um desgaste considerável entre intelectuais brancos
e negros.
Portanto, estes Congressos, embora muitas vezes reforçassem a democracia racial
brasileira, acabaram por colocá-la como mito ao demonstrar que se existiram reivindicações por
parte da comunidade negra e de seus grupos foi porque a situação política social era insatisfatória
para essa parcela da população brasileira. Na prática existia a discriminação e o preconceito racial
em nosso país, como demonstrado nos atos discriminatórios sofridos pelos artistas negros em São
Paulo e ratificado por conta do Congresso de Porto Alegre realizado no final dos anos 50, pois
facilmente observamos que, naquele momento, as oportunidades estavam longe de serem iguais
entre negros e brancos. Como demonstram, abaixo, os dados sobre a quantidade de negros
analfabetos em nosso país:
198
Entre 1956 e 1966, 30 países africanos tornam-se independentes do jugo colonial. Para saber mais ver José
Ernesto Mello em Cronologia sobre a História da África Contemporânea (1945-1998) Novembro de 1998, p.329-
367.
181
Dados estatísticos manejados pelos congressistas apresentam um quadro
relativamente favorável ao grau de alfabetização do negro no sul do país,
enquanto no norte a situação é bastante mais grave.
SITUAÇÃO NO SUL SITUAÇÃO NO NORTE
Analfabetos...............70% Analfabetos...............75%
Cultura média............20% Cultura média............15%
Cultura superior.........10% Cultura superior.........10%
(S.N/ALFABETIZAÇÃO INTENSIVA DO HOMEM NEGRO
BRASILEIRO/A HORA/ PORTO ALEGRE/ 18/09/1958/ P.5)
As estatísticas demonstram que o negro da região sul do país era mais alfabetizado do que
o da região norte. Deve-se ressaltar que, embora existisse uma ligeira melhora no sul, o
Congresso propunha a alfabetização e a elevação cultural do negro em todo o país.
199
O Primeiro Congresso Nacional do Negro de 1958 foi proposto pela Sociedade
Beneficente Floresta Aurora com o objetivo de demonstrar que “problema do negro” não era
somente dele e, sim, de toda a sociedade brasileira, sendo que essa situação somente poderia ser
transformada a partir de uma construção coletiva e recíproca entre cidadãos e o poder público
constituído, o que se evidência com a participação de políticos entre os participantes do conclave.
Os participantes chegaram à seguinte conclusão e sintetizaram a situação afirmando que:
para os organizadores do Congresso o maior problema do negro brasileiro era o seu baixo nível
educacional, sendo por isso necessário um plano de alfabetização. Nesse sentido como principal
resolução surgiu a ‘Campanha de Alfabetização Intensiva dos Negros Brasileiros’ a ser
realizada a partir das organizações recreativas, culturais e beneficentes que congregavam a
comunidade negra em conjunto com o poder público municipal, estadual e federal. Conforme
anunciou o Jornal A HORA:
Alfabetização intensiva do homem negro brasileiro é o caminho para a sua
total integração na sociedade. Esta a principal conclusão a que levou o
Primeiro Congresso do Negro, que se realiza nesta capital desde o dia 14
do corrente e que hoje chega ao seu final. (
S
.
N
. A
LFABETIZAÇÃO
199
Em específico no caso do Rio Grande do Sul, a política e a organização da educação foram estruturadas pelos
dirigentes republicanos sob orientação positivista. Neste sentido, o esforço educacional era importante para a
organização da ordem e como instrumento de controle social. A tarefa moralizadora da educação, além de modelar a
condutas dos cidadãos, tinha a função de resolver os possíveis antagonismos sociais decorrentes das desigualdades
inerentes ao próprio sistema que era legitimado pelos positivistas. Isto pode ser um indicativo de alfabetização do
negro da região sul, ser melhor. Ver CORSETTI, Berenice. Política e organização da educação sob o castilhismo In
Julio de Castilhos e o paradoxo republicano. Porto Alegre: Nova Prova, 2005.p.203-216.
182
INTENSIVA DO HOMEM NEGRO BRASILEIRO
. P
ORTO
A
LEGRE
: A HORA,
18/09/1958.
P
.5).
Conforme o Presidente da SBFA, Sr. Valter Santos explicou no encerramento do
conclave: (...) será criado um Grande Plano de Trabalho incluindo palestras, seminários,
endereçados principalmente aos homens de cor (...) além de medidas a serem tomadas pelos
poderes constituídos. (Santos, Valter/Encerrados os trabalhos do Primeiro Congresso Nacional do
Negro/Correio do Povo/ Porto Alegre/ 20/09/1958/ p.07).
200
Como constou no Editorial do Jornal A Hora da cidade de Porto Alegre do dia 24 de
setembro de 1958, e reproduzido por nós na íntegra:
Êxito do Primeiro Congresso do Negro.
Encerrou-se em Porto Alegre, com êxito invulgar, o “Primeiro Congresso
do Negro”. O êxito do conclave manifesta-se não no número de
congressistas, no volume de teses e conferências apresentadas, ou, ainda,
na veemência eventual dos debates, mas sim na conclusão a que chegou.
Só a alfabetização intensiva do homem negro brasileiro constitui um
caminho seguro e verdadeiro para a sua completa integração social.
Aproximadamente nestes termos concretizou o referido congresso seu
pensamento. A acuidade e amplitude de visão daqueles que o elaboraram
não ficou desmerecida, todavia, por uma falha que, como já assinalamos
destas colunas, constitui um verdadeiro vício de congressos: a
inconseqüência. De nada valeria a constatação do elevado índice de
analfabetismo e a afirmativa de que o mesmo deve ser erradicado, se nada
fosse feito ou sugerido a respeito. Assim não agiu o Primeiro Congresso
do Negro. Como corolário imediato de sua principal conclusão decidiu
que seja encetada uma campanha, na qual tomarão parte todas as
entidades que congregam o homem negro do Brasil, para a fundação de
escolas e cursos de alfabetização nessas mesmas entidades. A iniciativa
alia, a outros méritos, o da praticabilidade quase imediata, ainda que exija
grande esforço e desprendimento de seus autores. Tal esforço, contudo,
será um exemplo magnífico a ser seguido e, paralelamente, um incentivo a
todos aqueles que hoje se batem pela alfabetização de nosso povo. É
ocioso repisar, aqui, na nocividade de nosso subdesenvolvimento cultural
e na urgência de que se faça alguma coisa para dar cultura ao povo.
Ninguém desconhece esta realidade ou nega que se possa dar a um
homem consciência de si mesmo e do papel que lhe é atribuído na
sociedade, sem dar-lhe, ao mesmo tempo, educação e cultura. É licito
afirmar, por tudo isso, que o Primeiro Congresso do Negro obteve,
200
Sobre o Floresta Aurora e educação Ver PEREIRA, Lucia Regina Brito, em sua tese de Doutorado intitulada:
Cultura e Afrodescendência: organizações negras e suas estratégias educacionais em Porto Alegre (1872-
2002).p.124-131.
183
realmente, êxito e atingiu excelentes resultados. (Êxito do Primeiro
Congresso do Negro, Porto Alegre: A Hora, 24/09/1958, Editorial).
Acreditamos que a Sociedade Beneficente Floresta Aurora atingiu plenamente um dos
seus primeiros interesses por ocasião deste evento, pois o Primeiro Congresso Nacional do
Negro repercutiu de maneira satisfatória na imprensa local e nacional, evidenciando a
necessidade de uma melhor integração do negro em nossa sociedade.
Quanto ao segundo interesse delineado pelos quadros administrativos florestinos
organizados sob a liderança de Valter Santos, estava a reforma de sua sede social, localizada na
Rua General Lima e Silva nº 316, e que passaremos a demonstrar neste momento.
Na ATA de reuniões, nº 236, datada do dia 14 de janeiro de 1958, o conselheiro da
Sociedade Sr. Dalmiro Lemos, ex-presidente no biênio 1942-1945, propunha um projeto para os
florestinos: a ampliação da sede social.
A sede social da entidade após o Congresso de 1958, segundo os seus administradores,
estava ficando pequena. Mas, ao invés da reforma proposta por Delmiro Lemos, os dirigentes da
Sociedade, por ocasião dos noventa anos de existência da organização que estava se
aproximando, optaram por lutar pela mudança de local, com vistas à construção de uma sede
social, nova, maior e mais confortável para atender a expansão de seu quadro social. Apesar de
estarmos sem as informações de quantas pessoas eram associadas antes do Congresso de 1958,
conforme dados abaixo, passaram, em 1962, de “meio milhar de associados”.
Segundo matéria localizada em um jornal Porto Alegrense, de autoria do jornalista José
Monserrat Filho, intitulada: “Floresta Aurora espera apagar noventa velhinhas em nova sede”,
completar seus noventa anos de casa nova era a meta de seus líderes, conforme matéria:
Contando com meio milhar de associados, Floresta Aurora defronta-se,
atualmente, com um sério obstáculo para dar pleno desenvolvimento ao
seu programa de ação. O progresso social da sociedade clama, em brados
cada vez mais altos, por melhores instalações. A sede da Rua Lima e Silva
mostra-se acanhada para servir de chão aos ideais do tradicional clube. A
construção de uma sede, mais ampla, mais completa, à medida que o
tempo passa, toma o caráter inadiável. Sentindo este fato, a diretoria do
Floresta Aurora vem de lançar, neste momento, uma grande campanha,
tendo em vista angariar fundos para a construção da nova sede, cuja planta
já esta projetada, prevê instalações para um jardim de infância, Curso
184
Primário e uma enorme biblioteca. A obra, de que consta ainda um salão
de bailes de grandes dimensões, uma piscina e canchas de vôlei, tênis e
bolão, esta orçada em alguns milhões de cruzeiros. Os membros da
diretoria não ignoram que estão iniciando uma empresa difícil. Entretanto,
não deixam também de manifestar sua confiança no espírito de
solidariedade do povo e dos poderes públicos, com o auxílio dos quais
esperam ver sua sociedade, no dia 31 de dezembro de 1962,
comemorando o nonagésimo aniversário na nova casa. E certamente, hão
de consegui-lo!(FOLHA DA TARDE, 1962, sp.).
Abaixo, planta oficial da nova sede almejada:
Imagem 20 – Registro da Planta da Nova Sede da Sociedade Beneficente Floresta Aurora
Jornal Folha da Tarde, 1962, sp.
A Sociedade continuou a realizar por mais de uma década suas atividades sociais na
acanhada Sede, conforme o baile de debutantes localizado no Jornal Folha da Tarde do dia 21 de
dezembro de 1965. Nele estiveram presentes o Deputado Carlos Santos, acompanhado de sua
família, acadêmicos da Faculdade de Engenharia da UFRGS, dirigentes da organização negra
Satélite Prontidão, além de inúmeras personalidades. A festa foi embalada ao som do Conjunto
Rivoli “animando as danças até alta madrugada”.
201
Mas no Jornal Folha da Tarde do dia 13 de janeiro de 1969, localizamos informações
sobre a compra do terreno onde seria construída a nova sede social. Conforme a matéria:
201
Jornal Folha da Tarde, Porto Alegre, 21/12/1965, p.48.
185
A Sociedade Beneficente e Cultural Floresta Aurora, tradicional Sociedade de
Porto Alegre, que será centenária em 1972, está aumentando o seu patrimônio
com duas áreas que adquiriu no bairro Cristal na semana passada. Situam-se
defronte ao Hipódromo. A Comissão de Obras eleita em Assembléia Geral do
ultimo dia 04, trata agora de proceder ao relançamento dos títulos patrimoniais, a
fim de que sejam efetuados os melhoramentos necessários nas áreas. Na maior
de todas, onde existe um palacete, com dimensões 48x110, será construída
moderna sede, cuja frente ficará para o Hipódromo. É, portanto, um terreno com
duas frentes, situando-se entre a avenida Icaraí, que é a faixa da Curupaiti. Na
esquina desta com a Itapitocaí há um outro terreno com 26x56, pretendendo a
direção ‘florestina’ construir piscina, canchas para jogos de diferentes
modalidades esportivas. Do projeto de construção vai constar também um
ginásio. (FLORESTA AURORA ESPERA OS 100 ANOS/FOLHA DA
TARDE, PORTO ALEGRE, 13/01/1969, sp).
A Comissão de Obras da SBFA era constituída por João Nelson Pinto, Adeverbal da Silva
Bastos, Darci Freitas, Feliciano Fontoura Bastos e César Silva. Júlio Soares e Eurico de Souza,
ambos Conselheiros da entidade na época do Congresso também estavam entre os membros desta
comissão, além de Carlos Santos e Alceu Colares, ambos políticos negros ligados ao PTB. Na
imagem constatamos a imponência da Sede nova, que se tornou uma realidade.
Imagem 21 – Registro da Imagem da nova sede social da Sociedade Floresta Aurora
Jornal Folha da Tarde, Porto Alegre, 13/01/1969, sp.
Conforme a circular nº04/72/P, assinada por Adherbal Bastos da Silva – Vice-Presidente
de Finanças e que estava exercendo a Presidência temporária -, enviada para os associados da
entidade no dia 20 de outubro de 1972, temos a dimensão do custo para a conclusão da nova sede
186
bem como das melhorias alcançadas para o ano do centenário, que acreditamos terem iniciadas
com o projeto de Delmiro Lemos e com a projeção política nacional obtida pela entidade após a
realização do Primeiro Congresso Nacional do Negro.
Na circular constava a seguinte informação:
Prezado amigo
...Todos nós, tanto os que aqui estão desde o início da jornada, quanto os
que chegaram em meio ao caminho, sabíamos das dificuldades que
encontraríamos para dirigir nossa Sociedade; entretanto, buscamos os
meios que julgávamos os únicos para superarmos as dificuldades. Onde?
Nos poderes públicos, onde haviam solicitações de auxílios. Fomos
felizes, posto que, da Prefeitura, recebemos CR$ 40.000,00 e do Governo
Estadual recebemos 240.000,00 dum Global de CR$ 300.000,00.
Com o que recebemos, levantamos a hipoteca da sede social (CR$
86.000,00); quitamos nossa dívida com a construção da boite (sic) e
benfeitorias de adaptação da sede e terreno (CR$ 61.500,00); colocamos-
nos em dia junto ao INPS, através de confissão de dívida (CR$ 2.200,00);
alcançamos a normalidade junto à CRT (CR$ 2.000,00) e hoje possuímos
um telefone ao seu dispor; levantamos diversas ações executivas que
passaram pela Justiça Estadual (CR$ 20.500,00); pagamos ação de
despejo movida pelos locadores do escritório que a Sociedade ocupou no
centro da cidade (CR$ 1.200,00); devolvemos empréstimos efetuados
junto a associados (CR$ 5.200,00). Isto foi parte que nos aguardava.
Superamos a isto e muito mais.
A par de recuperar o crédito de nossa Centenária no comércio local, a
batalha administrativa não foi menor, pois inúmeras eram as dificuldades
de organizarmos os nossos arquivos, dado que as simultâneas vendas de
títulos trouxeram o tumulto no setor. Tudo isto foi solucionado, graças ao
empenho de todos aqueles que se propuseram a ajudar a Floresta Aurora.
(Of. Circular nº 04/72/P, Porto Alegre, 20 de outubro de 1972).
Portanto, o segundo interesse dos dirigentes florestinos, com origem após a posse do
Presidente da entidade Sr. Valter Santos, foi conquistado com sucesso. Demorou um pouco, pois
após o Congresso de 1958 a intenção era que a nova sede fosse inaugurada quatro anos depois,
em meio às comemorações dos noventa anos de vida da entidade, previstas para o mês de
dezembro do ano de 1962.
Somente no centenário da organização negra, em 1972, foi concretizado o objetivo da
sede nova, localizada no endereço Rua Curupaiti nº 1221, no Bairro Cristal, em Porto Alegre, em
frente ao Hipódromo da cidade, identificado como zona nobre. Assim, as atividades sociais da
Sociedade Negra mais antiga do Brasil realizadas a partir da década de 1970, nos salões de sua
nova sede social, passariam a ser mais glamourosas.
187
A Sociedade Floresta Aurora, entre 1958 e 1972, através de uma eficiente e competente
administração, demonstrou equilíbrio em negociar os seus interesses com os de grupos políticos,
conseguindo estabelecer uma relação entre os seus quadros, com o poder público, o que
beneficiou a comunidade negra e, principalmente, a entidade, que atingiu projeção local e
nacional, com isso ganhando prestígio e aumentando o número de sócios, inclusive mudando de
endereço para uma sede imponente e “pomposa”.
Mas como se estabeleceram os interesses de políticos profissionais com os interesses dos
representantes da Sociedade Floresta Aurora por ocasião do Congresso? Como os interesses
políticos se delinearam nestas atividades? Qual foi a relação do PTB – Partido Trabalhista
Brasileiro, em 1958, com a Sociedade Negra mais antiga do Brasil? Poderiam existir interesses
comuns entre a comunidade negra, representada pela Floresta Aurora e o PTB, representado no
Congresso por seus políticos? É o que desenvolveremos a seguir.
188
3.1.2 O CONGRESSO E A PARTICIPAÇÃO POLITICO PARTIDÁRIA.
Neste subcapítulo narramos como as atividades do Primeiro Congresso Nacional do
Negro, realizado em Porto Alegre no ano de 1958, relacionaram-se com os interesses políticos
partidários oriundos, principalmente, do PTB – Partido Trabalhista Brasileiro. Obviamente
que para chegarmos a estas relações, devemos, em primeiro lugar, entender como passaram a
ocorrer as relações entre este Partido e a comunidade negra e, também, a sua relação com a
associação organizadora deste conclave, a Sociedade Floresta Aurora.
Para analisarmos tais relações utilizaremos entrevistas realizadas com pessoas que
conviveram e sofreram a influência petebista
202
na comunidade negra porto-alegrense na década
de 1950, consulta aos ANAIS da Assembléia Legislativa do Estado do RS, o Diário Oficial do
Estado do RS, ANAIS da Câmara Municipal de Porto Alegre, o periódico Correio do Povo, as
ATAS de reuniões da Sociedade Floresta Aurora, correspondências enviadas e recebidas entre os
representantes da Sociedade e de pessoas envolvidas com questões políticas, além de uma
bibliografia pertinente.
Por Partido Político entendemos:
... uma elite de homens de cultura, que tem a função de dirigir do ponto de
vista da cultura, da ideologia geral, um grande movimento de partidos
afins (na realidade, frações de um mesmo partido orgânico); e no período
mais recente, o partido de não elite, mas de massas, que como massas não
tem outra função política que a de uma fidelidade genérica, de tipo
militar, a um centro visível ou invisível (freqüentemente o centro visível é
o mecanismo de comando das forças que não desejam mostrar-se a plena
luz, mas apenas operar indiretamente por interposta pessoa e por
‘interposta ideologia). A Massa é simplesmente de “manobra” e é
“conquistada” com pregações morais, estímulos sentimentais, mitos
messiânicos de expectativa de idades fabulosas nas quais todas as
contradições e misérias do presente serão automaticamente resolvidas e
sanada”. (GRAMSCI, p.1980, p.24).
202
Nossos três entrevistados citaram o Partido Trabalhista Brasileiro como sendo a referência política para a
comunidade negra porto-alegrense.
189
O PTB seria o centro das massas, formadas pelos trabalhadores nacionais, e passaria a
exercer a função ideológica de partido orgânico das mesmas, pois passa a representá-las,
manobrando-as.
203
Antes de nos aprofundarmos na participação petebista nas atividades do Congresso e as
relações citadas, convém demonstrarmos o contexto de fundação do PTB e também como surgiu
a sua influência na comunidade negra.
Em fevereiro de 1945, com o chamado Ato Adicional à carta de 1937, Getúlio Vargas
fixou um prazo de noventa dias para a realização de eleições gerais em nosso país. Era a abertura
democrática iniciada no final da II Guerra e do Estado Novo. Com o novo código eleitoral
estavam dadas as condições para as eleições para Presidente, além de uma Assembléia
Constituinte, sendo que a data escolhida para a realização dos pleitos estaduais era o dia 06 de
maio de 1946. (FAUSTO, 2002, p.212).
Neste contexto de abertura política foi que surgiram os três principais partidos que iriam
vigorar no período entre 1945-1964: a UDN, o PTB e o PSD. A antiga oposição liberal, herdeira
da tradição dos partidos democráticos estaduais, adversária do Estado Novo, formou, em abril o
primeiro, a União Democrática Nacional. Gilberto Freyre, organizador do Primeiro Congresso
Afro-Brasileiro, foi eleito Deputado Federal por esta sigla em 1946.
204
Segundo Boris Fausto (2002, p.213), a partir da máquina do Estado montada no seio do
próprio Estado Novo surgiu, o segundo, em junho de 1945 o PSD - Partido Social Democrático.
Em setembro do mesmo ano foi fundado o terceiro, o PTB -Partido Trabalhista Brasileiro.
Existiam outros partidos de menos expressão no período, como o PSB e o próprio ressurgimento
do Partido Comunista.
205
Para Ivair Augusto Alves dos Santos (2002, p.58) no período entre 1945 a 1964, viveu-se
de modo singular, com a existência de um sistema multipartidário. A partir dessa fase
203
Ver FORTES, Alexandre. Nós do Quarto Distrito: A classe trabalhadora porto-alegrense e a Era Vargas, 2004.
204
Em 1946 Gilberto Freyre iniciou a sua carreira como político ligado a UDN, permanecendo como Deputado pelo
Estado de Pernambuco até 1950. Foi vice-presidente da Comissão de Educação e Cultura da Câmara. Ver Casa
Grande e Senzala 21ª edição (1981). Editada pela editora José Olimpio, p.12.
205
Ver FAUSTO, Boris. A Revolução de 1930 – Historiografia e História. São Paulo: Brasiliense, 1994.
190
democrática passaram também a existir em alguns partidos políticos a preocupação sobre a
questão racial. Conforme Alves dos Santos:
Ao analisar os programas partidários, encontramos referências sobre a
questão racial nos seguintes partidos políticos:
Partido Trabalhista
Brasileiro (PTB)
, Partido Socialista Brasileiro (PSB) e Partido
Democrata Cristão. Nos maiores partidos deste período, o
Partido Social
Democrático (PSD)
e a
União Democrática Nacional (UDN)
, partidos
conservadores, não constava nenhuma menção ou citação em seus
programas sobre a questão racial. Entretanto, foram os parlamentares da
UDN os autores da lei que dispunha sobre os atos de discriminação e
preconceito racial e de cor que, durante décadas, permaneceu como o
único recurso legal, a Lei Afonso Arinos. (Grifo nosso). (SANTOS, 2001,
p.59).
Portanto, o PTB contemplava as questões raciais em suas diretrizes, enquanto o PSD,
mais conservador, mantinha-se neutro quanto a este assunto. Retornando, brevemente, à suposta
mais importante “traição”, sofrida por Abdias do Nascimento nas eleições de 1950 por políticos
ligados ao PSD – Partido Social Democrático, conforme denunciou L.C. Pinto (1953, p.284),
localizamos o que influenciou esta “traição” ao termos ciência das informações acima.
206
Notamos que a estratégia de inserção política do TEN – Teatro Experimental do Negro,
sob a liderança de seu fundador foi equivocada
207
, pois como Abdias do Nascimento poderia
concorrer por um partido que nem sequer contemplava em seu programa a questão racial? A
Sociedade Floresta Aurora, sob a liderança de Valter Santos, estrategicamente evitou este erro,
pois realizou aliança com um dos três partidos que, no período, segundo Alves dos Santos (2001,
p.59), contemplavam em suas diretrizes a questão racial.
Inclusive, a Sociedade Floresta Aurora, diferentemente do Teatro Experimental do
Negro, manteve distância da disputa eleitoral, já que em seus estatutos tal situação era
206
Abdias era candidato do PSD ao cargo de vereador pela cidade do Rio de Janeiro nas eleições de 1950, mas não
chegou a concorrer, pois Conforme L.C Pinto: “foi golpeado por uma manobra eleitoral do próprio partido que lhe
patrocinou a candidatura. Na véspera da eleição concorria para vereador, mas durante os preparativos para o pleito
alteraram a sua candidatura para deputado, o que necessitaria de uma maior quantidade de votos para eleger-se”:
“Abdias desistiu e foi traído”. Ver PINTO. Luiz Antonio Costa. O Negro no Rio de Janeiro. São Paulo, Companhia
Editora Nacional, 1953, p.284.
207
Para saber mais desta traição política ver o início deste capítulo.
191
proibida.
208
Mas notamos que ela se manteve distante do pleito, mas próxima das relações mútuas
com homens ligados a partidos políticos, neste caso, vinculados ao
Partido Trabalhista
Brasileiro.
208
É importante salientar que o
PTB
era um partido que representava o trabalhismo
independente da origem étnica deste trabalhador, sendo localizadas suas influências em
sociedades polonesas, ucranianas, alemãs e russas de Porto Alegre.
209
Mas essa relação era
limitada quanto à influência destas sociedades no seio do Partido trabalhista, fossem elas
sociedades étnicas, beneficentes ou até Sindicatos de classe, porque suas participações eram
tuteladas e controladas, pois conforme Ângela de Castro Gomes existiu um “pluralismo
limitado”:
O
PTB
, assim como os sindicatos no Brasil; nasceu sob a chancela de um
estado autoritário, para atuar em um regime não mais autoritário, mas
certamente ainda conservador. Projetos de participação política mais
mobilizadores e instrumentos de representação mais autônomos não
tinham espaço nesta espécie de “pluralismo limitado” do pós-45.
(GOMES apud FORTES, 2004, p.437).
208
Quanto a SBFA ser apartidária, localizamos estes indícios em Júlio Soares por ocasião do fato que envolveu o
político Fernando Ferrari, então líder do PTB e próximo a Jango, com a delegação da Floresta Aurora que foi ao Rio
de Janeiro buscar apoio para a realização do Congresso. Segundo informações localizadas no Jornal Folha da Tarde
Ferrari teria dito: “O que quer esta negrada atrás de mim”. No dia 03 de outubro de 1962, Júlio Soares escrevia uma
carta ao então presidente da Sociedade naquele ano, Eurico Silva, na qual ele disse: “Nossa sociedade não quer nada
do senhor, nossa sociedade por força de seus estatutos é APOLITICA”. Ver estas discussões no Jornal Folha da
Tarde, de Porto Alegre do dia 01, 02, 03 e 04 de outubro de 1962, Colunas “Apedido”. Sobre a Sociedade ser
APARTIDÁRIA também localizamos esta informação na ata nº 243, datada de 20/03/1958, na qual Júlio Soares foi
convidado a fazer parte da campanha de Temperani Pereira, conforme escrito em ata: “Júlio Soares foi convidado a
participar do comitê pró-candidatura de Armando Temperani, e foi questionado já que a sociedade não pode ter
facção política”. Fonte: ata nº 243, Acervo SBFA.
208
Temperani Pereira era conselheiro da SBFA. Ver ata nº 251 de 08/06/1958, Acervo da SBFA.
209
Segundo Fortes (2004, p.440) : “A invenção do trabalhismo deu uma contribuição fundamental. Apesar de todas
as suas limitações, o espaço institucional permitia agora a expressão da diversidade...” .Entendemos que, esta
expressão da diversidade foi étnica, classista, política e racial, pois embora Fortes cite o contato do PTB com as
Sociedades porto-alegrenses de alemães, russos e polacos, acrescentamos por conta de nossas pesquisas a
comunidade negra nesta relação. Para saber mais das relações entre o Partido Trabalhista Brasileiro e as Sociedades
étnicas e de classe ver: Alexandre Fortes em Nós do Quarto Distrito: A classe trabalhadora porto-alegrense e a Era
Vargas, 2004, p.117 a 177. No livro de Fortes localizamos imagens de Armando Temperani Pereira, que também era
conselheiro da SBFA, em campanha política nas Sociedades Gondoleiros e Ginástica, todas localizadas no 4º Distrito
de Porto Alegre, ou seja: Temperani formava uma rede de relações políticas através das Sociedades.
192
O PTB, a partir da ideologia do trabalhismo buscou, através de um consenso com outros
grupos subordinados, difundir o seu projeto político, mantendo sua hegemonia através de uma
liderança perante estes grupos. Eis que surge uma questão relacional, em nossa opinião, entre este
partido e as Sociedades étnicas porto-alegrenses e gaúchas, com isso mantendo um “equilíbrio
instável”, tendo que ceder, em determinados momentos, algumas condições para exigir outras,
com isso elaborando estratégias para concretizar os seus interesses e objetivos imediatos, que era
ter sucesso no pleito do Estado do Rio Grande do Sul, neste momento. Esta situação também foi
analisada por nós para entendermos e identificarmos os interesses do grupo negro representado,
na ocasião, pela Sociedade Floresta Aurora na realização do Congresso.
210
O PTB mantinha o controle destas relações, exercendo a hegemonia, pois de um lado
passou a representar como liderança política a vontade coletiva deste e dos outros grupos que
passara a tutelar e de outro, a própria ideologia nacionalista serviu como um ingrediente
aglutinador entre o Partido e os grupos étnicos que vieram para o Brasil entre os anos 30, 40 e 50,
como polacos, russos, alemães e ucranianos, além dos próprios negros que, como vimos, a partir
da Frente Negra Brasileira, exigia o reconhecimento de suas raízes como formadora do Brasil,
na década de 30. O que o PTB porto-alegrense utilizou em última análise, à estratégia iniciada
por Getúlio em 1933 ao receber os líderes da Frente Negra no Palácio do Governo, com intuito de
formar uma aliança em torno da um projeto nacional, que culminou com o decreto do Estado
Novo. O que temos que entender é se esta estratégia foi utilizada por ele e pelo próprio PTB,
partido criado por ele, através da relação com outras etnias e classes que viviam em nosso país. O
partido passa e exercer a vontade coletiva das massas trabalhadoras. A Hegemonia pode ser
pensada através do Bloco Histórico que abrange a estrutura, campo econômico e a superestrutura,
campo das ideologias, a partir destes dois domínios temos caracterizada a Hegemonia. Localizada
no PTB através do Nacionalismo econômico, visando as estatizações e a produção, sendo
controlada pelo intervencionismo direto do estado, seja na difusão da ideologia nacionalista
através dos órgãos culturais, políticos e educativos, como a bandeira da nacionalização do ensino,
em que a língua nas escolas devia ser a portuguesa.
Conforme Gramsci:
210
Toda esta passagem do texto foi inspirada através de uma atenta leitura de Gramsci em Maquiavel, a política e o
Estado Moderno, 1980, p.09-25, e de Stuart Hall, em seu artigo intitulado: A relevância da Gramsci para o estado de
raça e etnicidade, 2003, p.295-334.
193
Embora cada partido seja a expressão de um grupo social e de um
grupo social, ocorre que, em determinadas condições, determinados
partidos representam um grupo social na medida em que exercem uma
função de equilíbrio e de arbitragem entre os interesses do seu grupo e os
outros grupos, e na medida em que buscam fazer com que o
desenvolvimento do grupo representado se processe com o consentimento
e com a ajuda dos grupos aliados... (GRAMSCI, 1980, p.22).
Em nossa pesquisa, optamos por questionar a gestão entre o partido PTB e a comunidade
negra, através da relação entre a agremiação e a Sociedade Floresta Aurora, Sociedade negra
porto-alegrense e gaúcha, de maior prestígio no período no Estado do Rio Grande do Sul, por sua
antiguidade e pela sua influência nacional. Ela, como vimos, além de enviar representantes para
os Congressos e Convenções Nacionais do Negro de São Paulo e do Rio de Janeiro, ainda teve
como ex-presidente Heitor Fraga, homem conhecido por sua influência em Confederações
regional e nacional de esportes. Por isso, a aliança entre o
PTB
e a
SBFA
poderia ser tão
profícua, para ambas as partes.
Devemos informar que o governo do Estado do Rio Grande do Sul, na época, era exercido
por Ildo Meneghetti, político vinculado ao conservador PSD, que mandou um representante para
este importante acontecimento, o Secretário do Interior e Justiça, Sr. Hélio Carlomagno, que
inclusive palestrou no conclave.
Retornando as relações, PTB e SBFA, outro fator que devemos ressaltar sobre o sucesso
da mesma, está no fato de que o partido teve como uma de suas principais diretrizes a educação,
o que também muito interessava às Sociedades Negras em sua meta de integração e inserção do
negro à sociedade, conforme vimos com as Frentes Negras e a Floresta Aurora. Portanto,
através deste denominador comum poderia surgir uma estabilidade de interesses entre os dois
grupos: o “equilíbrio”.
O PTB, neste período, tinha como principal interesse fazer com que seu projeto político
conquistasse o poder no Estado do Rio Grande do Sul através da eleição de seus representantes
ao Governo Executivo e à Assembléia deste Estado. Já a Sociedade Beneficente Floresta
Aurora tinha como principais interesses a sua (re) construção social e material devido às dividas
adquiridas pela administração anterior, com isto queria superar a sua crise financeira aumentando
194
o seu quadro social em um primeiro momento e, em um segundo, também alargar, através de
reformas, a sua sede social.
Mas ambos de fato entre as agremiações tinham um interesse em comum: a educação do
povo. Seja ela pensada como programa político nacionalizador, neste caso vinculado à ideologia
do PTB, seja como estratégia de inserção e de integração social de grande parcela da comunidade
negra ainda marginalizada neste estado, representada pela
SBFA
, que entendia profundamente o
sofrimento de seus pares com o analfabetismo existente. Eis, em síntese, que entendemos como o
principal elo de “estabilidade” entre os projetos destas duas organizações sociais, a educação. Sob
esta hegemonia tivemos, pelo intermédio da educação, a principal força geradora para a formação
do “oásis” porto-alegrense.
Segundo Hélio Fontoura, conhecido como “Fontourinha” pelos colegas políticos, que foi
secretário particular de Leonel de Moura Brizola por mais de quarenta anos, na eleição estadual
para o Governo do Estado do RS, realizada em outubro de 1958, a campanha de Brizola
candidato petebista tinha o binômio: “Educação Popular e Desenvolvimento Econômico”.
(FONTOURA, 2005, p.23).
Em entrevista realizada com o senhor Hélio Fontoura, que também era petebista inclusive
sendo eleito vereador pelo partido nos anos de 1960, ele explicou a seguinte situação quanto à
educação:
A verdade é o seguinte o país o Brasil, não tem solução se não cuidar de
suas crianças, se não educar o seu povo. Não só durante os governos do
Dr. Brizola tanto na Prefeitura de Porto Alegre quanto no Estado do Rio
Grande do Sul, especialmente no governo do Rio de Janeiro quando ele
criou os CIEPS – Os Centros Integrados de Educação Popular que
colocava as crianças os dias inteiros na escola e nos fim de semana abriam
as escolas e contavam com oficinas, com quadras poli esportivas colocava
este conjunto junto à disposição da sociedade a educação é fundamental, e
para isso ele sempre lutou, não só, insistia na educação do negro, e do
índio e das minorias, mas todo o povo brasileiro. Ele dizia que o povo
alfabetizado e esclarecido não aceita injustiças.
211
Lembramos de uma estatística apontada na sessão de palestras realizadas no Congresso no
dia 15 de setembro de 1958, nos Salões de Festa da Sociedade Floresta Aurora, na ocasião
211
Entrevista com Hélio Fontoura realizada no dia 18 de dezembro de 2006.
195
dados apresentados pelo palestrante Professor da UFRGS, Sr.Laudelino Medeiros. Na ocasião ele
denunciou que mais de 70% dos negros brasileiros eram analfabetos.
212
Segundo Boris Fausto (2001, p.246) no plano dos direitos políticos, o PTB, no período,
sustentava a necessidade de estender o direito de voto a dois setores diversos: os analfabetos e os
inferiores das forças armadas, de sargento para baixo, no caso do Exército. Ou seja, era dada
atenção às diretrizes do partido, além da questão racial e da luta a favor do direito político dos
analfabetos e também contemplava a educação como um todo. Enquanto isto era criticado
abertamente pelos partidos mais conservadores, entendemos que uma das formas estratégicas de
o PTB conquistar apoio desta parcela da população era incentivando a educação.
A Sociedade Floresta Aurora, bem como a Associação Satélite Prontidão, mantinham
em suas dependências bibliotecas e davam cursos de alfabetização.
213
Aliás, a luta por educação
sempre foi uma constante nas organizações negras, como pudemos acompanhar nas quatro
Frentes Negras analisadas no primeiro capítulo de nossa dissertação. Desde São Paulo, passando
por Salvador, Pelotas e Pernambuco, todas elas mantinham cursos de alfabetização e de instrução
técnica.
Carlos da Silva Santos (1904-1989)
214
, que foi o primeiro Governador negro em exercício
e Deputado Estadual pelo PTB nos anos 60, também integrante da Sociedade Floresta Aurora
no mesmo período, respeitava muito enquanto negro e político a educação. Por ocasião da
fundação do “Centro Cultural Marcílio Dias”
215
, notamos esta situação.
212
Ver MEDEIROS, Porto Alegre: Jornal Diário de Notícias, 18/09/1958, p.11.
213
Para saber mais sobre a educação nestas organizações negras ler: Lucia Regina Brito Pereira, em sua tese de
Doutorado intitulada: Cultura e Afrodescendência: organizações negras e suas estratégias educacionais em Porto
Alegre (1872-2002).
214
Para saber mais sobre a vida política e familiar de Carlos Santos ver: CLEMENTE, Elvo e BARBOSA, Eni.
Carlos Santos, uma biografia. Porto Alegre, PUCRS, 1995. PARLAMENTARES GAÚCHOS – Carlos Santos,
trajetória Biográfica. Porto Alegre: CORAG, 2004, GOMES, Arilson dos Santos. Laços de família, laços em
sociedade: Carlos Santos e a questão negra, 2007 (prelo) e José Antônio dos Santos. Raiou “A Alvorada”:
Intelectuais negros e imprensa, Pelotas -1907-1957. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal Fluminense,
2000. p.93.
215
Organização Negra fundada por Carlos Santos na cidade de Rio Grande em 11 de junho de 1936. Tinha como
principal objetivo a alfabetização e educação da comunidade negra daquela região. Ver SANTOS, Carlos. Sucata.
Porto Alegre: GLOBO, 1937.
196
Imagem 22 - Carlos da Silva Santos (1904-1989)
Fonte: http://www.deputadocarlossantos.blogspot.com
Na fundação da organização negra, datada do dia 11 de junho de 1936, ele, através de um
pronunciamento, dignificou a educação. A instalação oficial do Centro ocorreu no Teatro 7 de
setembro, na cidade de Rio Grande. Naquela noite, o então deputado classista, encerrou o seu
discurso da seguinte maneira:
Salve, instrução, deusa da felicidade, vida, doçura e esperança nossa,
salve. Bradam por ti os filhos das trevas. Por ti suspiram e gemem milhões
de criaturas que se enlodaram nos paués do analfabetismo. Eia, pois,
advogada dos fortes e dos valorosos, estes olhos luminosos a nós volvei e
depois deste desterro de ignorância e de todo maligno cortejo de que se
acerca o analfabetismo, mostrai-nos o livro, o saber, a educação, a
felicidade, o patriotismo e a liberdade, frutos benditos do teu ventre. Para
a glória do Brasil, deusa da instrução. Assim seja. (SANTOS, 1937, p.99).
Segundo a sua filha Sra. Neiva dos Santos:
Ele sempre aconselhava a estudar e a lutar, sempre aconselhava que o
negro devia pelo estudo, ele sempre incentivava a lutar e se igualar,
tinham condições, não estudou por que não quis, porque condições a
pessoa vai à luta e consegue. Até hoje é assim, não estudei porque não
pude, não vem! Não estudou porque não quis... porque querendo mesmo a
pessoa consegue. Não vê ai um juiz negro que foi engraxate (...) passou
por tudo e quis vencer, se as pessoas se acomodam e não adianta (...).
216
216
Entrevista com Neiva Santos realizada no dia 26 de outubro de 2007.
197
Apesar desta relação localizada entre os grupos, nenhum integrante da Floresta Aurora,
pelo menos nas eleições de 1958, concorreu através da sigla do
PTB
a cargos eletivos, pois
consta na ATA de Reuniões nº 243 da Sociedade Floresta Aurora, localizada em seu acervo, que
Júlio Soares, convidado a participar do comitê pró-candidatura de Armando Temperani, foi
questionado e repreendido, já que era “expressamente proibido a qualquer pessoa vinculada à
Sociedade, integrante de seu quadro administrativo, ter facção política”, o que viria a se
modificar com a eleição de Carlos Santos eleito na década de 1960. Mas é importante lembrar
que embora Carlos Santos tenha se tornado político partidário, ele era apenas associado da
entidade, permanecendo distante do quadro administrativo.
Já Júlio Soares, um dos florestinos mais experientes, eleito cinco vezes Presidente da
SBFA, foi quem os petebistas convidaram para integrar a campanha de Temperani. Mas quem era
Armando Temperani Pereira?
Temperani Pereira (1910-1991), era natural de Curitiba-PR. Foi professor Universitário e
político vinculado ao PTB. No dia 31 de janeiro do ano de 1955, foi empossado Deputado. Em
fevereiro do mesmo ano foi eleito Presidente da Comissão de Constituição e Justiça da
Assembléia Legislativa, cargo que iria ocupar até dezembro do ano de 1958. Em agosto de 1955
assumiu interinamente a Presidência da Assembléia.
Hélio Fontoura conheceu Armando Temperani, segundo ele:
Eu conheci o Dr. Armando Temperani Pereira, muito antes de ele entrar
para a política, ainda na minha juventude. Ele morava na vila Assunção e
o meu pai que era amigo dele nós morávamos na Tristeza, então
seguidamente havia esta convivência e participei de várias conversas de
meu pai com o Temperani. O Dr. Temperani Pereira era uma brilhante
figura, uma cabeça espetacular, foi vereador de Porto Alegre, foi deputado
federal, deputado estadual e sempre preocupado com as minorias,
especialmente com o movimento negro, que hoje no Brasil nós temos que
ter presença, todos nós temos um pouco de sangue negro e a mistura de
raças é que fez o brasileiro ser como ele é, uma pessoa trabalhadora,
pessoa que é, a cada vez mais esta tentando diminuir o preconceito com as
minorias, a favor dos índios, a favor do pessoal que precisa ter apoio do
governo parta melhorar de vida. Temperani, na realidade,
foi um dos
organizadores deste Congresso que teve frutos muito importantes
,
porque a partir deste Congresso, que foi um Congresso nacional onde
198
participou gente de todos os estados, e a partir daí começou o movimento
da diminuição do racismo existente em nosso país.
217
(Grifo nosso).
Neste depoimento encontramos importantes informações sobre o relacionamento deste
político com a Sociedade Floresta Aurora. Conforme Adair Barcelos, que freqüentou os bailes da
agremiação nos anos 50, em entrevista realizada no ano de 2007: “Armando Temperani Pereira
foi um batalhador na organização negra, foi uma pessoa que batalhou muito e auxiliou muito a
Sociedade Beneficente Floresta Aurora”.
218
O senhor Adair Barcelos, embora freqüentador dos bailes da SBFA, era membro de outra
Sociedade Negra, a Marcílio Dias neste período, sendo que nesta organização ele praticava
esportes. Perguntamos sobre as relações políticas partidárias entre esta Sociedade e o
PTB
, ele
nos respondeu:
O pessoal da nossa raça era quase que todos petebistas, dificilmente
alguma pessoa de cor não era petebista. Não sei a razão mais atraia muito
o Brizola, talvez pelas lembranças com Getúlio Vargas, de Leonel Brizola
tenha nos chamado atenção para isso, mas não se falava muito de política
abertamente dentro das sociedades, não se falava, até se dizia que era
proibido de falar-se em política dentro da sociedade...
219
Em outra entrevista realizada com o Sr. Nilo Feijó, antigo militante do movimento negro
de Porto Alegre, com mais de setenta anos de idade, e atualmente Presidente da Sociedade Negra
Associação Satélite Prontidão, foi possível constatarmos que o relacionamento entre a
comunidade negra e o PTB era tão profundo, que neste período vinha praticamente de berço,
inclusive se fundindo em uma bandeira comum, conforme ele respondeu minha pergunta quanto
ao seu início como militante negro:
lembro de meu pai, que ele era muito voltado às questões políticas ele
tinha um partido de sua preferência na época, nós negros pendíamos
muito para o lado do Partido dos Trabalhadores, porque nós éramos a
217
Entrevista com Hélio Fontoura realizada no dia 18 de dezembro de 2006.
218
Entrevista com Adair Barcelos realizada no dia 08 de outubro de 2007.
219
Ibidem.
199
grande massa trabalhadora, era o PTB na época, então o meu pai era
muito voltado às questões políticas, tinha lá as suas predileções, mas ele
era uma cara muito atento às questões da sociedade negra.
220
A partir destes depoimentos temos indícios de que o Partido Trabalhista Brasileiro
realmente passou a representar os interesses políticos da comunidade negra porto-alegrense e a
sua vontade coletiva. Inclusive, era representado dentro da entidade diretamente pelo político
Armando Temperani Pereira que, além de ter participado em praticamente todos os dias das
atividades do Congresso, era conselheiro ativo da Sociedade.
Imagem 23 – Armando Temperani Pereira (1910-1991)
Fonte: Arquivo de Dep. da Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul.
Este contato entre a comunidade negra e o PTB existiu também em São Paulo, pois
segundo Souza, militante negro paulista que fora entrevistado por Ivair Augusto Alves dos
Santos:
A imagem de Getúlio Vargas, fundador do PTB, sempre mereceu, por
parte da população negra, uma forte identificação, havendo um sentimento
de gratidão pelas reformas realizadas durante o período do Estado Novo.
No depoimento de militantes da Frente Negra, são valorizados alguns
episódios como o atendimento às reivindicações de romper com o tabu da
patinação (era vedada aos negros a entrada em ringues), o acesso à Guarda
Civil do Estado de São Paulo, também proibido para negros... nos
depoimentos registrados de militantes negros, todos de alguma forma,
fizeram referência à legislação trabalhista que o PTB se propunha a
defender, considerada uma conquista significativa para a população negra.
(Souza, Apud IVAIR SANTOS, 2001, p.59-60).
220
Entrevista realizada com Nilo Feijó realizada no dia 22 de maio de 2007.
200
Prova dos contatos políticos estreitos entre a Sociedade Negra e o PTB, na cidade de
Porto Alegre, além da presença de um representante da sigla no seio da organização negra, foi a
visita do principal líder do partido no Rio Grande do Sul. Em entrevista realizada com o Sr. Hélio
Fontoura
221
, advogado de Leonel Brizola, Prefeito de Porto Alegre na época do
Primeiro
Congresso Nacional do Negro, tornaram-se evidente estas relações. Segundo Seu Hélio
Fontoura:
Eu como morador da Tristeza passava sempre de ônibus de fronte à sede e
via o progresso da Sociedade Floresta Aurora, que foi se organizando por
a sua diretoria, foram construindo os seus prédios, e as comemorações
existentes no Floresta Aurora eram cada vez mais importantes e faziam
reuniões, faziam congressos, faziam bailes, na realidade o Floresta Aurora
era uma sociedade muito respeitada. E eu tive a oportunidade, uma ou
duas vezes em companhia do governador Leonel Brizola, de participar de
eventos nesta Sociedade.
222
Mas antes de acontecerem as visitas de Brizola e Hélio Fontoura a Sociedade Floresta
Aurora, demonstramos que o relacionamento entre políticos e a SBFA tornou-se possível a partir
de contatos realizados na Portaria do Curso de Engenharia da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul.
Um dos maiores desafios de minhas pesquisas foi localizar pessoas vivas que participaram
como palestrantes das atividades do Primeiro Congresso Nacional do Negro realizado na
cidade de Porto Alegre no mês de setembro de 1958. Embora eu tenha conseguido entrevistar três
pessoas que viviam na época e que até ouviram falar deste Congresso, localizar uma pessoa que
participou presencialmente das atividades, sempre foi para mim o maior obstáculo.
223
221
Para saber mais da relação de Hélio Fontoura e Leonel Brizola ler: 40 anos ao lado de Brizola, livro de autoria de
Hélio Fontoura.
222
Entrevista realizada no dia 18 de dezembro de 2006.
223
Os entrevistados que localizei e que eram pessoas atuantes e participativas em atividades sociais e políticas nos
anos 50 foram: Sr. Hélio Fontoura, que foi a algumas reuniões com o Brizola na Sociedade Floresta Aurora, Sr.
Adair Barcelos, que embora indo a bailes nos anos 50 na Sociedade Floresta Aurora e participante da Organização
Negra Marcílio Dias, conheceu o Congresso através de minhas informações, o Sr. Nilo Feijó, que também conheceu
o Congresso através de mim e a senhora Terezinha Regina, praticante de vôlei no Clube Náutico Marcílio Dias, que
ouviu falar do Congresso mas, devido à idade, se distanciou das atividades do mesmo.
201
Até que, com muita satisfação, consegui, através da internet, achar um palestrante que
participou da mesa inaugural do Congresso. É o senhor Manoel Luis Leão, Professor da
Faculdade de Engenharia na época. A seguir, vemos a mesa de abertura do Congresso, sendo o
senhor Manoel Luis Leão o primeiro homem sentado da direita para a esquerda.
IMAGEM - 24
Da esquerda para a direita. Em pé Valter Santos palestrando sobre a História da Floresta Aurora,
na seqüência Dr. Legsiner de Farias, Dr. Darcy Conde Salgado e
Manoel Luis Leão. Imagem Revista do Globo 2ªquinz.OUT.1958, p.86-87.
Ao localizar o seu Manoel na imagem e a instituição, que ele pertencia, passei a procurar
vestígios de sua vida e consegui encontrá-la através de um site vinculado aos funcionários antigos
da UFRGS. Entrando em contato com a Associação de Informática da UFRGS obtive o telefone
residencial do Sr. Manoel, com quem consegui falar.
224
Tentei agendar uma visita a sua residência, obtendo uma resposta inusitada de sua parte,
pois o mesmo disse que jamais ouvira falar desse Congresso. Solicitei o seu e-mail pessoal e ele
me forneceu, enviei a foto visualizada anteriormente em que ele aparece, e fiquei no aguardo de
uma resposta. Passada uma semana me respondeu e confirmou que era ele o homem sentado à
224
As minhas buscas por pessoas que participaram do Congresso de Porto Alegre tiveram inicio no ano de 2006.
Nestes dois últimos anos tenho entrado em arquivos, visito pessoas e continuo participando de reuniões em
Sociedades Negras antigas de Porto Alegre e do interior do Rio Grande do Sul a procura de homens e mulheres mais
velhos que ouviram falar do oásis de Porto Alegre. Felizmente localizei duas pessoas que sentiram o evento. Uma foi
o senhor Manoel e a outra foi a senhora Terezinha Regina Evangelista, a qual tive a honra e a sorte de entrevistar, e
que em 1958, ano de realização do encontro, tinha 22 anos de idade. Esta senhora, hoje com 73 anos, freqüentava
festas realizadas na Sociedade Floresta Aurora e praticava esportes assiduamente na organização negra Marcílio
Dias. Segundo ela, embora conhecendo os organizadores, sequer foi convidada a participar do Primeiro Congresso
Nacional do Negro de Porto Alegre. Para saber mais sobre a senhora Terezinha ver o capitulo 3 desta pesquisa.
Esperamos que tenhamos a oportunidade de continuar investigando este acontecimento, e de principalmente localizar
mais pessoas que tiveram conhecimento ou participaram deste congresso.
202
direita da mesa, algo que a minha intuição já havia confirmado. Enviei algumas questões para ele,
que gentilmente retornou-me.
IMAGEM – 25
Registro atual do Sr. Manoel Luiz Leão.
Localizado em uma reportagem do site do Instituto de Informática da UFRGS, sob título:
“Uma década formando Talentos”.
http://si.inf.ufrgs.br/informa/edicao3/memoria.html/ Acesso em 10 maio de 2008.
Elaborei uma lista de itens para tentar obter algumas respostas suas, e destas destacamos
duas, justamente as que evidenciam as relações entre o
PTB
e a
SBFA
. A primeira questão era se
ele conhecia Leonel de Moura Brizola. A resposta foi positiva, inclusive, segundo ele, foram
colegas de turma. Outro item era saber como ele foi convidado para participar do Congresso. Ele
respondeu que um homem, funcionário da Portaria da Escola de Engenharia chamado Eurico, do
qual esquecera o sobrenome, e que segundo as suas informações, detinha uma posição destacada
na Sociedade Floresta Aurora, o convidou, tanto a ele quanto aos outros Professores do Curso de
Engenharia, para a abertura do Congresso, sendo que, segundo ele, a sua participação devia ter-se
limitado à cerimônia inaugural, pois recordava pouco desta atividade.
Passaremos a identificar brevemente, a partir do contato com o Sr. Manoel Luiz Leão,
quem foram estes dois homens, Leonel de Moura Brizola e Eurico, de sobrenome Silva.
203
Leonel de Moura Brizola, ou simplesmente Brizola (1922-2004), nasceu em Cruzadinha,
hoje Carazinho, no interior do RS. De família humilde, Brizola, foi alfabetizado pela mãe, Dona
Oniva e mais tarde se matriculou no 2º ano na Escola Municipal Fagundes dos Reis, em Passo
Fundo. Aos 14 anos veio para Porto Alegre. Matriculou-se aos 17 anos na Escola Agrícola de
Viamão-RS e aos 18 anos fez concurso para o Ministério da Agricultura como Técnico Rural. Era
piloto de avião e chegou a presidir o Aeroclube do Rio Grande do Sul. Concluiu os estudos em
1943, na escola Estadual Júlio de Castilhos. E em 1944 fez o vestibular para o curso de
Engenharia, ficando em 11º lugar.
225
Conforme Fontoura, que escreveu sobre a sua relação com Brizola:
Na efervescência da vida universitária e nas lutas do Centro Acadêmico
começou a desenvolver seu gosto pela política. Ainda em 1945 organiza,
com operários de diversas categorias, o 1º núcleo gaúcho do Partido
Trabalhista Brasileiro (PTB) percorrendo o interior do Estado, com outras
lideranças, visando difundir os ideais do Partido... sua primeira aparição
pública de destaque foi em 1946, num comício em Porto Alegre, onde
estava presente o Dr. Getúlio Vargas, fazendo um aplaudido e vibrante
discurso, de improviso, representando a Ala Moça do PTB, onde era
dirigente...Em 1947, ainda estudante de engenharia, elegeu-se deputado
para a Assembléia Legislativa, com 3.839 votos. (FONTOURA, 2005,
p.7).
Em 1950, Brizola se reelege Deputado Estadual, agora já formado em Engenharia, sendo
o Deputado mais votado do PTB com 16.691 votos. Em 1953 foi convidado pelo então
Governador do Estado, Gen. Ernesto Dorneles, também filiado ao PTB, para ocupar a Secretaria
de Obras Públicas, já que era engenheiro de profissão. Com o slogan: “Idealiza, Planeja e
Constrói”, Brizola foi eleito, em novembro de 1955, Prefeito da cidade de Porto Alegre. Porém,
Brizola queria mais. No final de 1957, inicia a campanha para o Governo do Estado do Rio
Grande do Sul. Os resultados deste pleito, veremos mais adiante.
“E quem foi o Eurico?”
226
Eurico de Souza Silva foi Presidente da Sociedade
Beneficente Floresta Aurora nos biênios de 1949-1950. Embora tivesse muito prestigio nesta
225
Para saber mais sobre a vida política e familiar de Leonel de Moura Brizola ler: Hélio Fontoura: 40 anos ao lado
de Brizola, 2005. E para uma leitura histórica mais aprofundada da intenções de Brizola ver BEMFICA, Flavia
Cristina Maggi. Dissertação de Mestrado, intitulada: Governo Leonel Brizola no Rio Grande do Sul: descontruindo
mitos. PPGH-PUCRS, Porto Alegre, 2007.
226
Conforme escreveu o Sr. Manoel Luiz Leão e que se esquecera do sobrenome dele.
204
organização negra, conforme informou Manoel Luiz Leão, Eurico era o zelador da entrada
principal do
Curso de Engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
da cidade
de Porto Alegre, o que foi confirmado em um depoimento de Terezinha Regina Evangelista, que
o conheceu na década de 1950. Segundo ela: “ele trabalhava na portaria da Faculdade de
Engenharia da UFRGS, pai de amigas minhas com as quais eu me dou até hoje”.
227
IMAGEM – 26
Fonte: Jornal Folha da Tarde, dia 19/09/1958 p.35.
Imagens, da esquerda para a direita, de Valter Santos Presidente
da Sociedade Floresta Aurora no ano de realização do Congresso, 1958 e Eurico Souza, conselheiro.
Para o Senhor Nilo Feijó, que também o conheceu: “O Eurico foi uma grande liderança do
Floresta Aurora... foi um líder nato, uma pessoa que trabalhou muito pela comunidade e
principalmente pelo Floresta Aurora...”.
228
Notadamente tivemos, conforme visto, a participação de representantes do curso de
Engenharia da UFRGS nas atividades do Congresso, escola superior no qual se formou Leonel
Brizola e onde ele aprendeu, além das técnicas edificativas, a fazer o jogo político.
Provavelmente, foi lá também que conheceu e manteve contato com Eurico Silva que, por sua
vez, devia avistar muitos homens deste curso, já que cuidava da portaria do prédio. Portanto, o
Curso de Engenharia, o Partido Trabalhista Brasileiro e a Sociedade Floresta Aurora,
construíram, em conjunto, o Primeiro Congresso Nacional do Negro.
227
Entrevista realizada com Terezinha Regina Evangelista no dia 01 de maio de 2008.
228
Entrevista realizada com Nilo Feijó realizada no dia 22 de maio de 2007.
205
Podemos certamente enfatizar que a realização do Congresso foi fundamental para as
eleições estaduais e teve uma importante contribuição para as pretensões eleitorais do
PTB,
pois,
segundo o Jornal Correio do Povo, do dia 17 de setembro de 1958, em sua página 01, sobre o
eleitorado brasileiro:
TABELA 6 – Quantidade de eleitores brasileiros
Estado Quantidade de eleitores
Rio Grande do Sul 1.274.344
São Paulo 2.855.751
Rio de Janeiro 790.762
Bahia 920.249
Minas Gerais 2.034.771
Fonte: Correio do Povo do dia 17 de setembro de 1958, página 01.
Através desta tabela visualizamos que no Estado do Rio Grande do Sul estavam aptos a
votar 1.274.344 eleitores. A população negra conforme informado no discurso de Laudelino
Medeiros era de 440.000 pessoas. Como os analfabetos eram impedidos de votar e no RS o
número de negros analfabetos girava em torno de 70%, significava que somente 132.000 negros,
ou seja, 30% poderiam votar e isto se os mesmos tivessem a idade prevista em lei, isto é, maiores
de 18 anos.
229
Mas prosseguindo este raciocínio, se diminuirmos este número pela metade e nos
concentrarmos em um número de 66.000 mil eleitores, ou seja: 15% dos negros sendo eleitores,
mesmo assim devemos considerar esta quantidade como razoável e notar como foi importante a
relação entre o PTB e a comunidade negra gaúcha, por ocasião desta disputa eleitoral, pois os
resultados das eleições para o Governo do Estado do Rio Grande do Sul foram os seguintes:
229
Segundo informações localizadas no Jornal Correio do Povo do dia 27 de setembro de 1958, na página 18: ”São
eleitores os brasileiros de mais de 18 anos de idade, diz a revista Desenvolvimento e Conjuntura. Apreciando a
composição do eleitorado nacional e, prosseguindo: Mas o código eleitoral vigente impede o alistamento dos
analfabetos, dentro deste grupo e ainda dos que não saibam exprimir-se na língua nacional, dos que estejam privados
temporária ou definitivamente dos direitos políticos, e dos praças, salvo aspirantes e oficiais, suboficiais, sargentos e
alunos das escolas militares de ensino superiores. Estão desobrigados os inválidos e maiores de 70 anos (...)”.
206
TABELA 7 – Resultado das Eleições para Governador do Estado do RS.
Candidato Partidos Número de votos % de votos válidos
Leonel de Moura Brizola PTB 670 mil 55%
Walter Perachi Barcelos PSD, PL e UDN 500 mil 45%
Fonte: Hélio Fontoura: 40 anos ao lado de Brizola, 2005, p.23 e BEMFICA, 2007, p.18-21.
Nesta tabela constamos uma diferença de 170 mil votos a favor de Brizola. Pois bem,
proporcionalmente, através destes números, temos os indícios necessários para valorizar a
importância da comunidade negra para a realização dos interesses de Brizola e seu partido, o
PTB. O Primeiro Congresso Nacional do Negro foi concretizado entre os dias 14 a 19 de
setembro do ano de 1958 e no dia 10 de outubro de 1958, os resultados das eleições para o
Governo do Estado do Rio Grande do Sul confirmaram, por meio das urnas, a vitória do Partido
Trabalhista Brasileiro, com a escolha de Leonel Brizola como governador deste Estado. Através
de uma estrutura de campanha alicerçada em grupos étnicos e classistas, o PTB alcançou seu
maior objetivo, a vitória nas urnas. Lembremos do binômio no slogan da campanha de Brizola
neste pleito: “Educação Popular e Desenvolvimento Econômico”.
Conforme registro da fala de Valter Santos, Presidente da Sociedade Beneficente Floresta
Aurora e anfitrião do Primeiro Congresso Nacional do Negro de 1958, notamos certa coesão
quanto a este binômio, pois localizamos a educação, anteriormente, como o mote principal do
Congresso, que possibilitaria o desenvolvimento do negro, rumo à integração racial.
Transcrevemos, abaixo, o discurso de encerramento do Congresso:
É com grata satisfação que declamo que os resultados foram bastante
animadores e nos levam a prosseguir na luta em prol do elevamento do
nível de vida de nossos irmãos de cor. Esse Congresso é o início de uma
grande campanha objetivando a integração racial do homem de cor na
sociedade brasileira e o primeiro passo já foi dado. Valter Santos ressaltou
a colaboração prestimosa que os organizadores do Congresso receberam
do governo federal, estadual, municipal bem como de nossa imprensa, em
especial do Correio do Povo e da Folha da Tarde.( ENCERRADOS OS
TRABALHOS DO 1º CONGRESSO BRASILEIRO DO NEGRO,
JORNAL CORREIO DO POVO, 20 DE SETEMBRO DE 1958, p.07.
207
Assim os interesses de Leonel Brizola, em 1958, e de seu Partido foram alcançados com o
apoio da comunidade negra, pois através de uma diretriz que contemplou a questão racial e uma
campanha, que frisava como meta a educação popular, o Partido Trabalhista Brasileiro
conseguiu arregimentar esta parcela da população, tendo como representante nada mais nada
menos do que a agremiação negra mais antiga do Brasil Sociedade Beneficente Floresta Aurora
em torno de seu projeto.
230
Por menor que possa parecer a parcela do eleitorado negro apto a
votar, diante da pequena margem que Brizola obteve sobre Walter Perachi Barcelos, devemos
considerar como significativa a participação deste grupo fazendo a diferença a favor de Brizola,
considerado como o representante político da comunidade negra neste pleito, já que o Partido
opositor PSD, mantinha-se isento sobre a questão racial, embora tenha tido uma participação
mínima no Congresso através do Secretário do Interior e Justiça: Hélio Carlomagno.
231
Convém destacar que a eleição de Brizola como governador do Estado do Rio Grande do
Sul manteve relações com diversos grupos sociais, mas como estamos destacando a sua relação e
a de seu Partido com a comunidade negra, salientamos que o projeto vitorioso orquestrado em
conjunto com a comunidade negra serviu de inspiração para outros negros brasileiros atingirem
seus objetivos, conforme as fontes de “escritas de si” expedidas pelo Sr Archanjo Martins Santos,
Chefe da Estação da Rede Mineira de Viação, da cidade de Barra Mansa estado do Rio de
Janeiro, que foi uma das empresas apoiadoras do Congresso, conforme a ATA nº263.
Analisaremos duas correspondências de Archanjo enviadas para dois Governadores eleitos, o do
Rio de Janeiro e para Leonel Brizola, do Rio Grande do Sul.
230
Nas palavras de Luiz Luna (1976, p.311): “O Rio Grande do Sul sempre foi um Estado onde os negros se
destacaram por suas atividades reivindicatórias. É tradicional ali o clube Aurora, sociedade de negros e mulatos, cuja
fundação data dos tempos de cativeiro e até hoje existe, ou pelo menos, até, poucos anos atrás estava funcionando”.
Passado-se 32 anos deste livro de Luna, a Sociedade Floresta Aurora hoje, com 135 anos, continua existindo e
funcionando. O que demonstra o vigor e a longevidade desta organização negra em nossa sociedade. Em uma
publicação comemorativa pela passagem dos 130 anos da entidade, realizado em 2002, Nereidy Rosa, integrante da
SBFA escreveu o seguinte sobre a existência da entidade: “tempo que atravessa duas guerras mundiais e inúmeros
momentos históricos do Brasil, inclusive a abolição da escravatura, o movimento pelas diretas e o impeachment do
primeiro presidente eleito pelo voto direto depois da década de 60, entre outros fatos de suma importância na história
política deste país”. Ver ALVES, Nereidy Rosa, Projeto Povo Negro no Sul, 2002: ARI, Porto Alegre, 2002.p.08.
231
Para saber mais sobre Hélio Carlomagno Ver: www.al.gov.br/ biblioteca/pdf/1955-1959 pdf. Acesso em 15 de
maio de 2008.
208
Na correspondência, enviada por ele para o então Governador do Rio de Janeiro Roberto
Silveira, logo depois de sua participação nas atividades do Primeiro Congresso Nacional do
Negro:
Barra Mansa, 15 de dezembro de 1958.
Dr. Roberto Silveira
D.D Vice Governador do Estado do Rio de Janeiro.
É com a mais súbita honra que venho a presença de V. Excia enviar-vos
os meus sinceros parabéns pela Vossa eleição a Governador do Rio de
Janeiro. Como membro da União Mineira Pró-Homens de Cor do Estado
de Minas Gerais, da União Mineira Pró-Homens de cor do Distrito
Federal, sócia da Sociedade Beneficente Cultural Floresta Aurora de Porto
Alegre do Estado do Rio Grande do Sul, Associação Cultural Beneficente
e Recreativa José do Patrocínio de Belo Horizonte, filiado a Liga Mundial
Pró direitos dos Negros e como intransigente lutador pela eleição de V.
Excia (sic), ao Posto de Governador da Terra Fluminense, animo-me e
tomo a liberdade de sugerir a V. Excia que é uma nova mentalidade
política e Governativa para que aproveite também como auxiliares do
Governo de V. Excia, Homens de Cor, de reconhecida capacidade
administrativa, política e social como é o caso de nosso grande Orientador
Deputado José Bernardo da Silva
232
e outros mais, que venham
engrandecer a posição dos Homens de Cor no Brasil e fortalecer a nossa
Democracia.
Segundo informação tal medida será tomada pelo Exmo
Snr. Engenheiro Leonel de Moura Brizola, Prefeito de Porto Alegre e
eleito Governador do Estado do Rio Grande do Sul, e que num gesto
democrático nos ofereceu no dia 21 de setembro do corrente ano, um
grande churrasco por motivo da realização naquela capital do 1º
Congresso Nacional do Negro no Brasil.
Finalmente, confiante no
Espírito Magnânimo de V. Excia, como Governador do Povo Fluminense
sem distinção de cor ou raça, é que tomo a liberdade para tal apelo. Certo
de ser atendido aproveito para apresentar a V. Excia os meus altos
protestos de grande estima e distinção. (GRIFO NOSSO).
Que Deus guarde V. Excia, “AD MULTOS ANNOS”.
Cordialmente
Archajo Martins dos Santos.
Na correspondência enviada para o Governador do Rio de Janeiro, Archanjo destaca a sua
participação no Primeiro Congresso Nacional do Negro de Porto Alegre e ressalta o espírito
232
Citado na página 140 de nossa dissertação, José Bernardo da Silva, líder da UHC – União dos Homens de Cor
da cidade do Rio de Janeiro, foi contra o Congresso do Negro realizado em 1950 no Rio de Janeiro, pois disse que
foi um encontro realizado para as “intenções pessoais de Abdias”. Através desta carta de Archanjo comprovamos que
ele era Deputado no Rio de Janeiro, cargo que Abdias do Nascimento almejou, porém sem sucesso.
209
democrático de Brizola ao convidar um representante da comunidade negra, Alexandre Moreira,
para ser o oficial de seu Gabinete, além de ter oferecido aos participantes do Congresso um
churrasco. Sentindo aquela coesão de interesses Archanjo vislumbra tal aliança democrática no
Rio de Janeiro e um exemplo a ser seguido pelo Governador do Estado.
Em nossa próxima carta analisada, Archanjo confirma a sua admiração pela política de
Brizola. Segundo consta na carta, agora enviada diretamente para o Governador do Estado do RS.
Leonel de Moura Brizola
D.D Governador do Estado do Rio Grande do Sul
Exmo. Snr. Governador.
As grandes obras tendem a ser compreendidas, somente, por um círculo
restrito da opinião pública, só depois de exaustivos trabalhos, é que a idéia
vinga, floresce e frutifica. Conhecendo esse fenômeno, é que venho a
presença de Vossa Excia (sic) levar os meus sinceros parabéns pela tão
acertada escolha do cidadão Sr. Alexandre Moreira para oficial de
Gabinete de V. Excia. Trata-se de um dos atos mais simpáticos e
democráticos do governo de V. Excia, que veio repercutir em todo o
Brasil, numa demonstração de que V. Excia deseja governar o grande
estado, com a colaboração de brancos, pretos, sem a distinção de raça ou
credo, e com todos os Riograndenses que desejam o progresso do grande
estado sulino. Deixo aqui as minhas sinceras felicitações, apresentando V.
Excia os meus protestos de grande estima e distinta consideração.
Que Deus guarde V. Excia “AD MULTOS ANNOS”.
Cordialmente
Archanjo Martins dos Santos
B.Mansa, 30/06/59
Em síntese, a partir destas correspondências
233
evidenciamos que o
Primeiro Congresso
Nacional do Negro efetivado na cidade de Porto Alegre no ano de 1958 foi um evento voltado
para as alianças entre os grupos políticos e étnico-sociais - neste caso representados pela
Sociedade Beneficente Floresta Aurora -, visando a eleição Estadual no Rio Grande do Sul,
algo que favoreceu e muito o PTB, mas também a comunidade negra, pois a partir deste
momento ela passa a se beneficiar diretamente com essas alianças, fazendo parte diretamente do
233
Sobre fontes como correspondências e a sua aplicação nas pesquisas históricas, empregaremos a partir de nosso
próximo item a fonte “Escritas de si” proposta originada de Ângela Castro Gomes, que aprendemos no Seminário
realizado no Programa de Pós-Graduação em História da PUCRS no segundo semestre de 2007, sob coordenação da
Prof. Dra. Margaret Marchiori Bakos, a quem de coração agradeço os ensinamentos.
210
poder político do Estado gaúcho. Embora o PTB tenha conseguido “manobrar as massas”, as
mesmas tiveram alguns interesses contemplados.
Outra questão a ser ressaltada, neste fato é que, através de Archajo Martins dos Santos, as
idéias negras continuavam a se “movimentar” por este Brasil afora, porém, agora com o viés
político partidário, pois como ele esteve na realização do Congresso de Porto Alegre, pôde
pessoalmente observar a aliança realizada entre a comunidade negra, representada pela Sociedade
Floresta Aurora e o PTB, representado por Brizola. A partir disto leva este exemplo que deu certo
no Rio Grande do Sul, para o Governo do Rio de Janeiro, ou seja: formar alianças entre os
homens que representassem os interesses da comunidade negra em conjunto com o Poder
Político.
Mas e as Sociedades Negras participaram das atividades deste Congresso? Como foi este
relacionamento entre a Sociedade Floresta Aurora e as suas coirmãs porto-alegrenses por ocasião
desta atividade? É o que passaremos a analisar neste momento.
211
3.1.3 O ENCONTRO, AS SOCIEDADES NEGRAS E O BRANQUEAMENTO.
Antes de aprofundarmos nossa pesquisa sobre a participação das Sociedades Negras no
Congresso de Porto Alegre, investigaremos como eram feitas as comunicações entre a SBFA e as
suas coirmãs por ocasião de atividades sociais e quais os conteúdos destas informações, para,
depois demonstrarmos como as sociedades negras porto-alegrenses, rio-grandenses e do Brasil,
participaram deste encontro e qual foi a intensidade destas participações.
Para atingirmos nossos objetivos utilizaremos onze correspondências localizadas no
Acervo da SBFA, bem como entrevistas orais realizadas com pessoas que participavam de
organizações negras na cidade de Porto Alegre no final da década de 1950.
234
Em primeiro lugar, analisaremos o local em que foram escritas as correspondências, como
um lugar social, já que essas cartas eram enviadas de acordo com as atividades de interesse do
grupo emissor. Neste caso utilizaremos as cartas redigidas no interior da SBFA, as enviadas por
pessoas e pelas organizações negras identificadas nas mesmas.
A exemplo de como fizemos no início de nossas pesquisas, ao analisar
FNB,
faremos
agora com estas organizações negras que, embora sendo diferente de um Congresso propriamente
dito, produziam nas suas sedes, documentos que versavam sobre assuntos pertinentes as suas
necessidades. Portanto, este lugar social, que foi a Sede da SBFA ou de outra organização negra,
organizou os seus documentos de acordo a emitir as suas correspondências como forma de
distribuir suas comunicações para as entidades com as quais se relacionava informando-as de
seus interesses e também com isso formando em seu Acervo as possibilidades de manter esta
história viva.
Utilizaremos onze correspondências, dez passivas e uma ativa, de cunho privado e de
caráter íntimo, que circularam entre os integrantes das Sociedades Negras entre 1958 e 1959,
tendo como principal interesse, de nossa parte, localizar os assuntos relacionados com a
Sociedade organizadora do Primeiro Congresso Nacional do Negro, embora nestas cartas sejam
encontrados outros assuntos, o que enriquece nossa proposta, pois o que queremos demonstrar,
em última análise, é também como eram trocadas as informações entre essas organizações.
234
Agradecemos de coração a Leiriane Barbosa, Coordenadora Cultural da SBFA no biênio 2006-2008, e que
gentilmente nos disponibilizou as correspondências, localizadas no Acervo da entidade, na Av. Cel Marcos, 527.
Também agradeço a Senhora Terezinha Regina Evangelista, Senhor Nilo Feijó e Senhor Adair Barcelos por
gentilmente me receberem em suas residências para realizarmos as entrevistas.
212
As fontes documentais, como as que utilizamos são denominadas de “escritas de si”, pois
conforme explica Ângela de Castro Gomes:
a escrita de si engloba autobiografias, diários, cartões postais e
documentos de caráter íntimo. É um espaço que dá crescente destaque à
guarda de registros privados e públicos que passam a ser um “teatro da
memória”. Em todos os exemplos os indivíduos e os grupos evidenciam a
relevância de dotar o mundo que os rodeia de significados especiais,
relacionando com suas próprias vidas. (G
OMES
, 2004, p.11).
Além dessas fontes, utilizaremos o conceito de organizações negras, que podem ser
identificadas como sociedades, clubes e/ou associações Negras.
As organizações negras são núcleos de reencontro para a comunidade reivindicar sua
inserção social que a afaste de vez da marginalização, de certa forma imposta após o dia 13 de
maio de 1888. Conforme Singer (1980, p.143) “o negro brasileiro sempre foi um organizador”.
Nesse sentido os quilombos, as insurreições, as fugas, etc., podem ser considerados como
organizações negras, já que eram maneiras pensadas de lutar contra a condição adversa e
desumana.
Mas as organizações negras, a que nos referimos neste trabalho são as de caráter:
associativo, político e/ou social, tais como blocos carnavalescos, sociedades de auxílio mútuo e
sociedades políticas ou dançantes. Reconhecendo nos quilombos, nas fugas e em toda e qualquer
forma de resistência, uma forma de resistência organizada.
235
Conforme Muller (1999, p.14), estas organizações, surgiram em Porto Alegre após a
criação da Irmandade do Rosário, fundada em 1786. Para a autora “a partir dela é que se criou na
cidade um espaço burocrático e simbólico, podendo este grupo criar uma “comunidade de
destino” ou comunidade emocional”.
236
Com o passar do tempo surgiu a preocupação sobre a
defesa de seus interesses e a busca pela ascensão social.
235
É importante ressaltar a participação ativa da comunidade negra como agente de sua história. Desde os
quilombos, ataque a engenhos, irmandades, candomblés, passando pelas sociedades abolicionistas, e o surgimento da
imprensa negra, confirmamos a capacidade de organização do negro. Ver B
AKOS, 1988. p.118-138 e SINGER,
Paul.; BRANT, V.C. (org) São Paulo: o povo em movimento. Petrópolis: Vozes, 1980.
236
Conforme Maffesoli. Entre outras considerações, explica o autor que “o costume, nesse sentido, é o não-dito, o
“resíduo” que fundamenta o “estar junto”. Maffesoli propõe chamar isso de centralidade subterrânea ou potência
social em oposição ao poder oficial. MALFFESOLI apud MÜLLER, 1999, p.14-15. (rodapé).
213
Temos uma importante contribuição do historiador José Antonio dos Santos quanto a
origem das sociedades negras na cidade de Pelotas. Segundo ele, um dos motivos delas existirem
na cidade, entre os anos de 1920 e 1950, foi devido ao preconceito sofrido pelos negros em
associações dançantes operárias. Para este autor:
Consideramos de qualquer forma, que por mais tênue a possibilidade de
um indivíduo se sentir constrangido, no sentido de passar o vexame de ser
barrado no baile ou não sentir-se à vontade para se divertir entre aqueles
que ele pensa serem iguais, já os afasta muitas vezes daqueles ambientes.
A possibilidade real ou imaginária de sentir-se constrangido no direito de
ir e vir, já limita as opções dos indivíduos e delimita fronteiras entre as
pessoas, resignando-as aos limites definidos na relação para a buscar o
reconhecimento entre os seus. (SANTOS, 2000, p.155-156).
A partir destas questões entendemos que estas sociedades negras permearam vários
aspectos das atividades sociais da comunidade negra, como a busca por diversão por meio de
sociedades dançantes, por ascensão social, através das associações políticas, e até a prática de
esportes, como nas Associações esportivas. Neste último caso, o Clube Náutico Marcílio Dias foi
criado em Porto Alegre nos anos 50 com este objetivo, o da prática esportiva. Todas estas
atividades estão representadas nas cartas que analisaremos.
Mas existiam também associações que eram mais versáteis, possuindo muitas
características ao longo de sua existência, como a própria SBFA de Porto Alegre, que segundo
Muller:
A Floresta Aurora não foi, entretanto, uma sociedade com preocupações
apenas recreativas e beneficentes. Dando provas de seu empenho no
sentido de contribuir para a elevação social do negro, a associação, mais
de uma vez, colocou suas dependências e prestígio à disposição de
eventos de caráter político. (MÜLLER, 1999, p.129).
Ainda encontramos 46 clubes dançantes, 7 sociedades instrutivas e 1 instrutiva e
beneficente na pesquisa de Liane Muller que coletou informações sobre as associações negras
porto-alegrenses, entre os anos de 1889 e 1920. (MÜLLER, 1999, p.144).
Damos ênfase, ainda, às trocas de correspondências entre as sociedades negras, realçando
as relações existentes entre elas, tendo como parâmetro as cartas enviadas para a SBFA de Porto
214
Alegre por suas Coirmãs do Estado do Rio Grande do Sul, entre 1958 e 1959, período próximo ao
nosso principal objeto de pesquisa, o Congresso de Porto Alegre.
Para analisarmos com competência as informações sobre a troca epistolar entre essas
organizações, utilizaremos o método básico de análise de conteúdo para uma melhor
interpretação dos dados que dispomos.
O nosso corpus escolhido para a operação de análise de conteúdo são onze cartas
localizadas no Acervo da SBFA. Conforme Ciro Flamarion Cardoso (2006), certos critérios
devem ser satisfeitos para que possa ser aplicado o método.
1- O corpus em questão deve ser completo no sentido exigido pela natureza do
tema e das hipóteses.
2- Deve ser uma documentação que, em seus conteúdos e em suas dimensões,
justifique ser pertinente o uso da análise de conteúdo;
3- Deve ser homogênea segundo os princípios que se definam.
Através destas missivas formulamos a seguinte hipótese: que as correspondências
localizadas no Acervo da SBFA são indícios que comprovam, entre os anos cinqüenta e sessenta,
a troca epistolar foi - além das viagens realizadas por delegações e pessoas -, também um
importante instrumento de difusão e movimentos de idéias, contatos e relacionamentos entre as
administrações das Sociedades Negras do Rio Grande do Sul e, quiçá, do país,
independentemente das distâncias de suas cidades. Neste sentido, contemplamos o primeiro item,
proposto por Ciro Flamarion Cardoso, pois estes documentos complementam plenamente os
temas de nossa proposta, que são duas:
1 - Identificar como eram feitas as comunicações entre a SBFA e as suas co-irmãs porto-
alegrenses, rio-grandenses e do país, por ocasião de atividades sociais.
2 - Através deste corpus queremos analisar se as sociedades negras porto-alegrenses, rio-
grandenses e brasileiras participaram ou tiveram conhecimento do Primeiro Congresso Nacional
do Negro de Porto Alegre.
Segundo o historiador Ciro Flamarion Cardoso, devemos atentar para outro item
relacionado à análise do corpus documental: se os conteúdos e as dimensões dos documentos
justificam serem os mesmos pertinentes à pesquisa.
215
Acreditamos que por dispormos de onze cartas, datadas entre 1958 e 1959, que
demonstram em um total de treze páginas dados como: emissores, destinatários, cidade dos
envolvidos, assuntos, etc., referentes ao “universo” de relacionamentos entre as Sociedades
Negras, que existe uma documentação pertinente, pois elas perpassam o objeto principal de nossa
pesquisa, que é o Primeiro Congresso Nacional do Negro de Porto Alegre.
E por fim, temos uma documentação homogênea, já que se trata de um conjunto de onze
correspondências que tiveram como principal motivação o estabelecimento de uma rede de
contatos entre as organizações negras do interior do Rio Grande do Sul e do Brasil com a
Sociedade Beneficente Floresta Aurora.
237
Deste corpus identificaremos através do “esquema de Lasswell” a definição destes
documentos. Portanto, conforme o esquema proposto, caracterizaremos estas cartas a partir de
seis questões: Quem fala? Para dizer o quê? A quem? De que modo? Com que finalidade? E com
que resultados? Para facilitar a nossa compreensão das informações utilizaremos a tabela abaixo.
TABELA 8 – ANALISE DE CONTEÚDO DAS CORRESPONDENCIAS
LOCALIZADAS NO ACERVO DA SBFA (1958-1959)
1-Quem fala 2-Para dizer o
quê?
3- A quem? De que modo? Com que
finalidade?
Com que
resultados
1 Antonio V.
Marques/
Presidente e
Oswaldo
Machado/
Secretário da
Sociedade Cordão
C. Estrela do
Oriente, da cidade
de Rio Grande/
RS.
1 de setembro de
1958
Resposta a convite
para participar do
Congresso do Negro
de Porto Alegre.
Recusava o convite
porque iriam
realizar no dia 15 a
21 de setembro de
1958, o seu
tradicional baile de
debutantes.
Ao Presidente da
SBFA, Sr. Valter
Santos e demais
dirigentes.
Honrado pelo
convite, mas
preocupado em
realizar o seu
tradicional baile de
Debutantes de sua
Sociedade.
Recusa de convite. Essa carta
demonstra que o
Congresso de Porto
Alegre era menos
importante do que
um baile de
debutantes? É o que
parece, ao menos
para os
administradores da
Sociedade de Rio
Grande. Inclusive
na carta é
anunciado que o
que iria acontecer
em Porto Alegre,
entre 15 a 21 de
setembro, em Porto
Alegre, era uma
grande festa.
2 Noé de Jesus/
Secretário.
Sociedade
Convidar a diretoria
da SBFA para a
p
osse da nova
Ao Presidente da
SBFA, Sr. Valter
Santos e demais
Formal. Convite. Consideração de
respeito a SBFA
informar a diretoria
237
A Sociedade Beneficente Floresta Aurora neste período tinha a sua Sede localizada na Rua Gen. Lima e Silva nº
316, na cidade de Porto Alegre-RS.
216
Espírita
Beneficente Amor
e Caridade da
cidade de Porto
Alegre.
16 de maio de
1959.
direção da
Sociedade.
dirigentes. da SBFA que a
Sociedade Espírita
Beneficente Amor e
Caridade teria nova
diretoria.
3 Antão Lopes/
Presidente. Da
Sociedade
Recreativa
Ferroviária 13 de
Maio, da cidade
de Santa Maria.
15 de junho de
1959.
Relação com os
nomes dos membros
da nova diretoria da
Sociedade.
A diretoria da
SBFA.
Relatório
relacionando 25
nomes que estavam
sendo empossados
naquele ano. Desde o
Presidente até o
Bibliotecário da
Sociedade.
Informativo
Administrativo.
Como a carta
anterior,
consideração de
respeito a SBFA ao
informar a diretoria
da SBFA que a
Sociedade
Recreativa
Ferroviária 13 de
Maio teria nova
diretoria.
4 Breno Silva/
Secretário.
Garibaldi Futebol
Club, da cidade
de Porto Alegre.
22 de julho de
1959.
Sobre a realização
de um torneio de
pingue-pongue entre
as Sociedades.
A diretoria da
SBFA e demais
membros.
Planejamento da
competição. Primeiro
uma reunião, após as
inscrições e a
presença de atletas
competentes.
Convite Demonstra a
formalidade no
relacionamento até
em
correspondências
que têm por
interesse torneios
esportivos.
5 Antonio V.
Marques, da
cidade de Rio
Grande/
Presidente da
Sociedade Cordão
C. Estrela do
Oriente, da cidade
de Rio Grande/
RS. 08 de
novembro de
1959.
Acusou o
recebimento de
carta enviada pela
SBFA,
cumprimentando-o
pela sua formatura
de Bacharel em
Ciências Políticas e
Sociais.
Ao Presidente da
SBFA, Sr. Valter
Santos.
Honrado e orgulhoso
por ter recebido um
agradecimento de
uma Sociedade de
nível nacional.
Resposta às
considerações
enviadas pela
SBFA por tão
importante mérito.
A importância
dispensada pela
SBFA a uma
conquista individual
de um membro da
comunidade negra
que acabara de se
formar em um curso
superior.
Ovacionavam o
mérito.
6 Maciel Acosta e
Paulo Freire.
Músicos do
Grupo da
GUARDA
VELHA de Porto
Alegre. 16 de
novembro de
1959.
Solicitar espaço
físico na SBFA,
como uma sala, para
a realização de
ensaios do Grupo.
Composto por 10
músicos.
Ao Presidente da
SBFA, Sr. Valter
Santos.
Solicitação de um
espaço na tradicional
veterana, valiosa,
gloriosa, etc.
Sociedade. Bajula ao
máximo a SBFA para
conseguir seu
objetivo.
Solicitação. Para fazer tal
pedido pensamos
que neste período a
SBFA tinha um
importante contato
com orquestras e
grupos musicais.
7 Jorge da Silveira
Sá.
29 de dezembro
de 1959.
Agradecendo o
convite, que a
SBFA o enviou e
dizendo que iria se
associar.
A Diretoria e suas
respectivas
famílias
Honrado e satisfeito. Resposta a convite
efetuado pela
SBFA.
A Sociedade
desenvolveu uma
competente forma
de atrair sócios,
pois muitos destes
eram conquistados
através do envio de
convites.
8 De Valter Santos,
Presidente da
SBFA, da cidade
de Porto Alegre.
Entre o final de
1958 e início de
1959, ano de sua
gestão.
Como a
administração da
sociedade poderia
ser mais eficiente
nos relacionamentos
com as Coirmãs
através da
antecedência dos
convites enviados
paras as mesmas.
Aos Conselheiros
e membros da
administração da
SBFA.
Preocupado e
procurando a
eficiência das ações
da entidade no trato
com as outras
Sociedades Negras
Interno
Administrativo.
Demonstra a
preocupação da
SBFA em manter a
sua liderança
através da
qualificação de suas
ações, pois a
sugestão do
Presidente Valter
Santos, escrita nesta
carta, era para que
as correspondências
convidando as
217
Coirmãs para as
atividades
realizadas em Porto
Alegre fossem
enviadas com três
ou quatro meses de
antecedência.
9 De Archanjo
Martins dos
Santos, Chefe da
Estação da
R.M.Viação, de
Barra Mansa-RS.
30 de junho de
1959.
Informe sobre o
envio, que ele
realizou, de cartas
ao Governador do
Rio Grande do Sul,
Leonel Brizola e
para o Governador
do Rio de Janeiro,
Sr. Roberto Silveira.
Ao Presidente da
SBFA, Sr. Valter
Santos.
Com satisfação e
respeito pela SBFA,
identificando-a como
legítima
representante
nacional da
integração da
comunidade negra à
pátria, política, social
e
administrativamente.
Política eleitoral.
Demonstrar que a
população negra
deve apoiar o
candidato que
melhor representá-
la politicamente no
próximo pleito.
Esta
correspondência
evidencia a
participação política
efetiva da SBFA
diante das
possibilidades que o
jogo político podia
oferecer de benéfico
para a comunidade
negra, local e
nacional.
10 De Archanjo
Martins dos
Santos, Chefe da
Estação da
R.M.Viação, de
Barra Mansa-RS.
15 de dezembro
de 1958.
Solicitar a inclusão
de homens negros,
de reconhecida
capacidade
administrativa,
política e social,
como José Bernardo
da Silva, líder da
UHC – União dos
Homens de Cor do
Rio de Janeiro, para
os quadros do
Governo de Estado,
a exemplo do que
fez Brizola após a
realização do
Congresso de Porto
Alegre.
Ao Governador do
Rio de Janeiro, Sr.
Roberto Silveira.
Solicitação com
liberdade já que foi
apoiador e “lutador”
da eleição de Roberto
Silveira.
Participação
política no
Governo do RJ de
homens negros que
representassem os
interesses da
comunidade negra,
com isso
fortalecendo a
democracia.
Demonstra a
participação efetiva
de intelectuais
negros na disputa
eletiva. Em um
primeiro momento
como apoiador e em
um segundo, como
possível
administrador.
11 De Archanjo
Martins dos
Santos, Chefe da
Estação da
R.M.Viação, de
Barra Mansa-RJ.
30 de junho de
1959.
Parabenizar o
Governador eleito
do Estado do Rio
pela atitude de
escolher como
Oficial de Gabinete
Sr. Alexandre
Moreira, um homem
negro.
Ao Governador
Leonel Brizola.
Admirado com o ato,
como sendo
simpático e
democrático para o
progresso do RS.
Demonstração de
afinidade política.
Evidência o
resultado positivo
para a comunidade
negra do apoio
político dado ao
PTB pela SBFA,
além da repercussão
nacional deste
apoio.
Fonte: Correspondências localizadas no Acervo da Sociedade Beneficente Floresta Aurora.
Seu conteúdo integral encontra-se no anexo desta pesquisa.
Através do conteúdo destas onze cartas, confirmamos a nossa primeira hipótese quanto à
importância das trocas epistolares entre as organizações negras para identificarmos como eram
mantidas as relações da SBFA e as suas coirmãs porto-alegresnses, rio-grandenses e brasileiras,
por ocasião de suas atividades políticas, sociais e culturais.
Nestas onze cartas localizamos as seguintes cidades das organizações negras envolvidas
com as escritas: Porto Alegre, Rio Grande, Santa Maria e Rio de Janeiro. Foi possível encontrar
cinco tipos de organizações mantendo contatos nestas missivas:
1 – Sociedade Carnavalesca: representada pelo Cordão Carnavalesco Estrela do Oriente.
218
2 – Sociedade Recreativa: Sociedade Recreativa Ferroviária 13 de Maio.
3 – Sociedade Beneficente: Sociedade Espírita Beneficente Amor e Caridade.
4 – Sociedade Esportiva: Garibaldi Futebol Club.
5 – Empresa Pública: Rede Mineira de Viação.
A Sociedade número cinco, acima relacionada, que na realidade é uma empresa pública de
estradas e rodagem, com sede no Estado de Minas Gerais, foi assinada por Archanjo Martins dos
Santos
238
, que além de chefe da empresa escreveu também que era membro das seguintes
organizações negras:
1 – União Mineira Pró-Homens de Cor de Minas Gerais;
2 – Sociedade Beneficente Floresta Aurora de Porto Alegre, RS;
3 – Associação Cultural Beneficente e Recreativa José do Patrocínio de Belo Horizonte;
4 – Liga Mundial Pró-direitos dos Negros;
Neste sentido acreditamos que as organizações negras, através das missivas, tinham a
possibilidade de manter uma rede de contatos competente para a difusão de idéias, conforme
demonstramos acima, tendo por mentores intelectuais negros que escreviam, trocavam
experiências e organizavam suas propostas, sem exageros a nível mundial.
Também localizamos, representadas nelas, as seguintes atividades sociais envolvendo a
comunidade negra: convite para posses administrativas, baile de debutantes, torneios esportivos
como o de pingue-pongue, solicitação de empréstimos de salas para ensaios musicais, méritos por
um representante ter se formado em curso superior e atividades que evidenciaram questões
políticas eleitorais.
Nos indícios mostrados anteriormente demonstramos a importância das correspondências
para o relacionamento local, regional e mundial entre as organizações negras, mas continuando a
proposta de análise de conteúdo, queremos verificar como foi notado pelas organizações negras,
tendo por suporte as informações localizadas nas correspondências, o Primeiro Congresso
Nacional do Negro de 1958. Para isso, distribuiremos as onze cartas que dispomos por categorias
238
Localizamos três cartas assinadas por Archanjo Martins dos Santos. Uma para a SBFA, uma para o Governador
Leonel Brizola e outra para o Governador do Rio de Janeiro, Roberto Silveira. Nelas foi possível verificar duas
situações. A primeira foi a sua influência política no Governo do Rio de Janeiro, já que indicou que o Governador
Roberto Silveira deveria ter como membro de seu Governo Intelectuais negros em sua administração e a segunda
situação, diz respeito à consideração de Archajo para com importância da SBFA para a comunidade negra nacional,
já que ela conseguiu através da aliança com o PTB colocar um homem negro no Governo, Sr. Alexandre Moreira era
o Chefe de Gabinete do Governador do Estado do Rio Grande do Sul.
219
temáticas, conforme os resultados obtidos na tabela utilizando o “Esquema Lasswell”. No quadro
abaixo colocaremos o tema das cartas e a sua ordem, conforme exposto na tabela anterior,
fazendo referência a sua numeração e a seus resultados.
239
TABELA 9 - TIPOLOGIA DAS CORRESPONDÊNCIAS
Nº das Cartas Quantidade Temática
1, 2, 4 e 7 4 Convites sociais
9, 10 e 11 3 Interesses políticos
3 e 8 2 Internos administrativos
5 1 Elogio ao mérito
6 1 Solicitação de espaço físico
Fonte: Correspondências localizadas no Acervo da Sociedade Beneficente Floresta Aurora, coletadas da
tabela anterior. Seu conteúdo integral encontra-se no anexo desta pesquisa.
Esta categorização foi realizada de maneira atenta, mas devido à quantidade de
correspondências que dispomos, foi rápido definir um recorte quanto a sua pertinência,
exaustividades, exclusividade e objetividade para concluir as quatro categorias acima.
240
Passamos ao nosso segundo objetivo nesta analise, que é saber se as sociedades negras
porto-alegrenses, rio-grandenses e brasileiras participaram ou tiveram conhecimento do Primeiro
Congresso Nacional do Negro de Porto Alegre. Para este fim utilizaremos a unidade de registro
proposta por Bardin (1977, p.104). Neste sentido serão analisadas somente três das onze cartas,
pois nestas foi localizada o termo Congresso sendo que o contexto de sua produção, 1958 e 1959,
evidencia que o evento citado foi o realizado em Porto Alegre. Portanto, a nossa Unidade de
Registro para a análise foi a palavra Congresso.
239
Para chegar a nossa categorização Ver tabela anterior e relacionar a primeira coluna, nº, com a sétima, resultados.
240
Ver CARDOSO, Ciro Flamarion. Análise de conteúdo: método básico, 10/04/2006. (prelo) e BARDIN, 1977.
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Rio de Janeiro: Edições 70, 1977.
220
TABELA 10 - UNIDADE DE REGISTRO DAS CORRESPONDÊNCIAS
LOCALIZADAS NO ACERVO DA SBFA
Nº da
Carta
Temática Unidade do Registro
1
Convites sociais Acusamos o recebimento do oficio dessa Sociedade em que teve a nimia (sic) gentileza de nos convidar a nos
fazer representar nas festas (Congresso) que levarão a efeito nas noites de 15 à 21 do mês em curso e
posteriormente o telegrama em que colocavam as passagens a nossa disposição, deferência esta que muito
nos honra, e agradecemos.
O Cordão Carnavalesco Estrela do Oriente sente-se ufano por tão honroso convite...lamentávelmente... na data
de 20 de setembro realizaremos o já nosso tradicional Baile de Debutantes e por este motivo desde já
estamos preocupados com a elaboração do Programa. Entretanto o Cordão Carnavalesco Estrela do Oriente
agradece a distinção, almejando a digna Diretoria da Coirmã tenha pleno êxito em suas noitadas
.
8
Interno
administrativo
Em segundo plano vem quanto à questão das representações que por compromisso em viagem que a Sociedade
se fez representar em caravana em Sociedades co-irmãs no interior do Estado como seja nas cidades de Santa
Maria e Rio Grande e conforme desjo (sic) também de Sociedade do Rio de Janeiro de participar desta baile,
ouve quem argumentasse que tanto a cidade de Santa Maria como a de Rio Grande não poderiam censurar as
nossas instalações, porque as mesmas não apresentam um aspecto arquitetônico dos melhores mas
convenhamos e atentamos para os fatos, que nós uma Sociedade que pela a sua tradição tornou-se líder das
demais do gênero em nosso Estado não ter argumentos tão fracos como os apresentados, nós isto sim
devemos por uma questão de liderança de tradição nos agarramos nestes argumentos.
Outra coisa é de que em outras oportunidades não compareceu ninguém do interior do Estado e aqui nós
abrimos um parênteses, por uma mera questão de administração, por que se nós decidirmos com a
devida antecedência isto com 3 ou 4 meses de antecipação, nós poderemos contar até com mais cidades
que se farão representar, então alguém dirá que na época do Congresso também dizia-se que viriam
dezena de pessoas e que entanto o número foi exíguo, mas não poderemos tomar isso por base jamais alguém
se fará desde que não receba o convite com a devida antecedência, aí virá o outro argumentando a falta de
material humano mas este não será o problema (sic) por se for decidido que a realização em vista deva contar
com representação do interior do Estado, nós providenciaríamos quanto a expedição dos respectivos ofícios,
porque a nossa Secretária nunca falhou o que faltou isto sim o que sempre faltou foi o devido tempo para que
as correspondências fossem confeccionadas e que as mesmas chegassem aos seus destinos em época em que os
convidados pudessem providenciar em seu Guarda-roupas e as suas locomoções... (Grifo nosso).
11
Interesses políticos É com a mais súbita honra que venho a presença de V. Excia enviar-vos os meus sinceros parabéns pela Vossa
eleição a Governador do Rio de Janeiro. Como membro da União Mineira Pró-Homens de Cor do Estado de
Minas Gerais, da União Mineira Pró-Homens de cor do Distrito Federal, sócia da Sociedade Beneficente
Cultural Floresta Aurora de Porto Alegre do Estado do Rio Grande do Sul, Associação Cultural Beneficente e
Recreativa José do Patrocínio de Belo Horizonte, filiado a Liga Mundial Pró direitos dos Negros e como
intransigente lutador pela eleição de V. Excia, ao Posto de Governador da Terra Fluminense, animo-me e tomo
a liberdade de sugerir a V. Excia que é uma nova mentalidade política e Governativa para que aproveite
também como auxiliares do Governo de V. Excia, Homens de Cor, de reconhecida capacidade administrativa,
política e social como é o caso de nosso grande Orientador Deputado José Bernardo da Silva
241
e outros mais,
que venham engrandecer a posição dos Homens de Cor no Brasil e fortalecer a nossa Democracia.
Segundo
informação tal medida será tomada pelo Exmo Snr. Engenheiro Leonel de Moura Brizola, Prefeito de
Porto Alegre e eleito Governador do Estado do Rio Grande do Sul, e que num gesto democrático nos
ofereceu no dia 21 de setembro do corrente ano, um grande churrasco por motivo da realização naquela
capital do 1º Congresso Nacional do Negro no Brasil. (Grifo nosso).
Tendo por unidade de registro a palavra Congresso chegamos às seguintes conclusões
sobre a participação das Sociedades Negras nas atividades e como as mesmas sentiram o
acontecimento.
241
Citado nas páginas 140 e 148 de nossa dissertação, José Bernardo da Silva, líder da UHC – União dos Homens
de Cor da cidade do Rio de Janeiro, foi contra o Congresso do Negro realizado em 1950 na cidade, pois disse que
foi um encontro realizado para as “intenções pessoais de Abdias”. Através desta carta de Archanjo comprovamos que
ele era Deputado no Rio de Janeiro, cargo que Abdias do Nascimento almejou, porém sem sucesso.
221
A carta de número 1 foi escrita da cidade de Rio Grande –RS por Antonio V. Marques/
Presidente e Oswaldo Machado/ Secretário da Sociedade Cordão Carnavalesca Estrela do
Oriente. Nesta correspondência evidenciamos que a SBFA convidou a Sociedade Carnavalesca
Estrela do Oriente, da cidade de Rio Grande, interior do estado do Rio Grande do Sul, para
participar do Congresso. Mas notamos que o convite fora feito, devido à resposta acima, para a
organização vir a Porto Alegre participar de uma semana festiva, pois no conteúdo da réplica em
nenhum momento foi escrito sobre o Congresso ser de cunho político, inclusive sendo localizada,
no final, a seguinte frase, emitida por seus remetentes: “pleno êxito nas noitadas”.
242
A segunda correspondência analisada, tendo por UR a palavra Congresso, é a de número
8, de temática administrativa. Nesta missiva o Presidente da SBFA, no biênio de 1958-1959,
Valter Santos, escreveu para os conselheiros da entidade, e nela, destacamos duas questões. A
primeira foi quanto à convicção do Presidente sobre a liderança e tradição assumida pela
Sociedade neste período, o que conforme ele, colocou-a como a número um do Estado, e a
segunda, foi quanto a sua preocupação em manter a eficiência na emissão dos convites através de
um planejamento de 3 a 4 meses antes do evento, possibilitando com isso a vinda de outras
organizações negras do interior nas atividades realizadas na capital do Rio Grande do Sul. A
partir disto acreditamos que a participação de organizações negras do interior foi limitada a um
número reduzido, pois passou a existir, por parte da Presidência, um planejamento melhor
visando a melhoria para a emissão de convites.
243
E, por fim, a nossa terceira carta analisada é a de número onze, tendo por temática os
interesses políticos. Escrita por Archanjo Martins dos Santos, da cidade do Rio de Janeiro em 15
de dezembro de 1958, para o Governador do Estado Sr. Roberto de Silveira. A missiva demonstra
que a aliança política, tida por Archanjo como democrática, realizada entre SBFA e o PTB para
as eleições estaduais no estado do Rio Grande do Sul, deveria servir de exemplo para a
composição no Estado do Rio de Janeiro, pois através da mesma, poderiam ser contemplados os
interesses da comunidade negra e do Governo.
242
Ver carta na íntegra em anexo. Correspondência escrita em 01/09/1958.
243
Ver carta na integra em anexo. Correspondência escrita em 1958 ou 1958. sd. Como está assinada por Valter
Santos, provavelmente tenha sido entre estes anos, pois o mesmo foi presidente da entidade somente no biênio de
1958-1959. Ver nesta pesquisa a tabela de Presidentes da SBFA entre 1932 e 1960, p.155.
222
No Rio Grande do Sul, Leonel Brizola colocou como chefe de seu gabinete Alexandre
Moreira, um intelectual negro para compor a administração. Archanjo Martins dos Santos
244
, que
também era membro da Sociedade Beneficente Floresta Aurora indicou, através desta
correspondência, que o Governador do Rio de Janeiro, Roberto de Silveira, colocasse em sua
administração o intelectual negro José Bernardo da Silva, líder da UHC – União dos Homens
de Cor
, da cidade do Rio de Janeiro e também filiado ao PTB do Estado.
245
Concluímos através da análise de conteúdo, distribuída pelas temáticas, que localizamos
nestas correspondências, que o Primeiro Congresso Nacional do Negro de Porto Alegre foi um
acontecimento que embora tenha se sobressaído às questões políticas eleitorais, inclusive
influenciando os intelectuais negros do Rio de Janeiro, como Archanjo, que vislumbrou este tipo
de atitude no Rio de Janeiro, existiram, também na realização do Congresso de Porto Alegre
aspectos socioculturais e administrativos. Como notamos nas correspondências enviadas pelo
Presidente da Sociedade Cordão Carnavalesca Estrela do Oriente, que “desejou boas festas e
noitadas” para os integrantes da SBFA ao responderem o convite realizado pela entidade
organizadora do Congresso e a administrativa, aonde o Presidente da SBFA Sr. Valter Santos
explicou que o fato de haver poucos participantes do interior do Estado foi devido a problemas
internos, conforme ele:
244
Além de membro-sócio da SBFA, Archanjo era membro das seguintes organizações negras: União Mineira Pró-
Homens de Cor de Minas Gerais, Associação Cultural Beneficente e Recreativa José do Patrocínio de Belo
Horizonte e Liga Mundial Pró-direitos dos Negros. Ver correspondência em anexo, de 15/10/1958.
245
A UHC era uma organização assistencialista negra, preocupa-se mais diretamente com ela e aponta como solução
para o problema do negro a assistência social, como meio de atender aos seus problemas imediatos de miséria
econômica e social... organizou caravanas que visitavam bairros e cidades vizinhas promovendo a distribuição de
roupas, calçados, alimentos, medicamentos, etc..., às populações pobres. (L.C PINTO, 1954, p.302). No ano de 1943,
em plena ditadura do estado novo surge a UHC, União dos Homens de Cor. Fundada em Porto Alegre, pelo
farmacêutico João Cabral Alves, a UAGACÊ existiu nos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Santa Catarina,
Bahia, Maranhão, Ceará, São Paulo, Espírito Santo, Piauí e Paraná. As suas reivindicações eram muito próximas das
idéias de inserção político-sociais, propostas pela Frente Negra Brasileira, pois pretendiam conforme os seus
estatutos: "elevar o nível econômico, e intelectual das pessoas de cor em todo o território nacional, para torná-las
aptas a ingressarem na vida social e administrativa do país, em todos os setores de suas atividades", principalmente
através da assistência social. A diferença, esta neste último item a assistência social
10
. A UHC encerra as suas
atividades em meados da década de 1960. Para saber mais ver: Joselina Silva: A União dos Homens de Cor –
Aspectos do Movimento Negro dos anos 40 e 50. Estudos Afro-Asiáticos, ano 25, nº2. 2003, p.215-235.
José Bernardo Silva foi candidato estadual pelo PTB do Rio de Janeiro. Ver Jornal Quilombo, março-abril, 1950,
p.05, artigo com o seguinte título: O TEN dirige-se aos Partidos Políticos.
223
Outra coisa é de que em outras oportunidades não compareceu ninguém
do interior do Estado e aqui nós abrimos um parênteses, por uma mera
questão de administração, por que se nós decidirmos com a devida
antecedência isto com 3 ou 4 meses de antecipação, nós poderemos contar
até com mais cidades que se farão representar, então alguém dirá que na
época do Congresso também dizia-se que viriam dezena de pessoas e que
entanto o número foi exíguo, mas não poderemos tomar isso por base
jamais alguém se fará desde que não receba o convite com a devida
antecedência...
Embora tenhamos fontes limitadas para a análise de conteúdo mais exaustiva ou
quantitativa, percebemos que de uma maneira qualitativa as mesmas se mostraram ricas para
termos indícios das repercussões deste Congresso, e que nos mostrou que realmente este evento
foi sentido em nível local, da cidade de Porto Alegre, para um nível estadual, através das
informações emitidas da uma organização negra do interior do RS e a nível nacional, como
demonstrou o conteúdo da correspondência de Archanjo Martins dos Santos, da cidade do Rio de
Janeiro.
Passaremos a demonstrar, através do cotejamento de entrevistas com pessoas que
freqüentavam as sociedades negras porto-alegrenses no final dos anos 50, como se achegaram e
passaram a surgir as suas participações nas sociedades negras porto-alegrenses e se os mesmos
tiveram conhecimento do Congresso de Porto Alegre.
Os nossos entrevistados são:
1- Sr.Adair Barcelos
2- Sr. Nilo Feijó
3- Sra. Terezinha Regina Evangelista
Das muitas questões que construímos em nosso roteiro para a realização das entrevistas,
destacamos três para analisar e que, brevemente, configuram o “universo” das sociedades negras
no final da década de 1950.
O roteiro selecionado buscou: saber qual era a sociedade negra que eles freqüentavam em
1958, qual o sentido das organizações negras existirem naquele período e se eles tiveram
conhecimento ou participaram do Primeiro Congresso Nacional do Negro, organizado pela
Floresta Aurora.
224
Pretende-se iniciar uma breve, mais importante contribuição sobre como foi sentido o
Congresso pelas pessoas que viveram aquele período. Iniciaremos com a fala do Sr. Adair
Barcelos.
O Sr. Adair Barcelos nasceu em Porto Alegre no ano de 1933, atualmente está com 74
anos de idade. Na época do Primeiro Congresso Nacional do Negro de 1958, ele tinha 25 anos de
idade e era freqüentador do Clube Náutico Marcílio Dias. Conforme Sr. Adair:
eu pertencia a direção do Marcílio Dias e freqüentava lá por que eu era
metido a esportista, praticava esportes então me atraia mais o Marcílio
Dias devido ao esporte que eles ofereciam e sendo que o meu pai foi o
primeiro presidente eleito do clube, sr Armando Porto Barcellos.
246
Perguntado se ele freqüentou a Sociedade Floresta Aurora, ele respondeu:
Me lembro do Floresta Aurora no tempo em que eu era solteiro a gente
freqüentava as matines dançantes, o suerê, o suerê era das 8 as 9 horas da
noite até a 1 hora da madrugada dos domingos... Suere é uma palavra
francesa, eu fazia suerê. É que sábado tinha os bailes, domingos de tarde,
as matines dançantes e no domingo pela noite tinha o suerê. Para quem
gostava de dançar como eu freqüentava os três, (risos) Se tivesse mais
uma eu ia também (risos). Então eu freqüentava a Floresta Aurora por
uma questão de festa eu era um freqüentador...
247
Antes de perguntar-lhe se soube ou participou das atividades do Primeiro Congresso
Nacional do Negro, interrogamos qual o sentido das organizações negras existirem, e ele nos
respondeu o seguinte:
Existiam na década de 50 porque o negro se sentia isolado, por exemplo,
nos clubes de remo e de esportes da cancha as sociedades que tinham não
tinham negros, negro não participava e nem entrava nesse esportes de
cancha e esportes náuticos, o negro não entrava nas sociedades porque
não era admitido...
248
246
Entrevista com Adair Barcelos realizada no dia 08 de outubro de 2007.
247
Ibidem.
248
Ibidem.
225
Após estas questões, apresentei para ele as imagens que eu tinha sobre o Congresso
organizado pela SBFA e questionei se alguma pessoa da Diretoria do Marcílio Dias tinha sido
convidada, esta pergunta foi realizada porque na época ele fazia parte do quadro administrativo
desta organização, e ele emocionado, após ver imagem por imagem e depois de alguns minutos
falou:
Não sei, se houve esse convite eu não tenho conhecimento e não foi tão
falado como devia ser um Congresso dessa magnitude. Não tive
conhecimento, vim tomar conhecimento através do senhor Arilson, nessas
palestras que eu tenho tido com ele. Não tive conhecimento, não tenho
não posso falar mais nada sobre esse Congresso porque não tenho
conhecimento nenhum do Congresso da SBFA.
249
Na realidade Sr. Adair Barcelos respondeu-me com um tom de lamentação e tristeza, pois
somente após quarenta e nove anos da realização deste grandioso encontro ele, que era
freqüentador assíduo das sociedades negras, teve conhecimento do Congresso de Porto Alegre, o
que fez com que ele sentisse o Congresso como algo “deles”, antes de “nosso”, ou seja: para ele
este evento foi restrito aos membros da SBFA.
O outro entrevistado nosso foi o Sr. Nilo Feijó, atual Presidente da Sociedade Satélite
Prontidão. O Sr. Nilo Alberto Feijó nasceu em 1933, portanto assim como o Sr. Adair Barcelos
ele esta atualmente com 75 anos de idade. Segundo Sr. Nilo Feijó “as Sociedades Negras do
período eram menos contestadoras do que as atuais”. Seu Nilo, como é conhecido, iniciou a sua
participação em Sociedades do gênero por intermédio de seu pai, conforme ele:
Eu notava que meu pai era muito atento às questões da Sociedade Negra
tanto que eu me recordo, lá por volta de cinqüenta e poucos quando eu
acho, se eu não estou enganado, por ai mais ou menos, quando era
inaugurado o Clube Náutico Marcílio Dias, ele nem perguntou para mim
se eu queria ou não, chegou em casa e disse: tu é sócio do Clube Náutico
Marcílio Dias.
Isso ai, hoje é que eu posso entender, ele sabia que aquele grupo de
pessoas que estavam fundando, por incrível que pareça eu acho que foi
uma das idéias brilhantes que a comunidade negra já teve no passado, e
que infelizmente não conseguiu segurar, quem sabe iremos em uma outra
oportunidade.
249
Ibidem, 2007.
226
Mas essa foi uma oportunidade, assim grande, enorme expressiva , que a
gente deixou passar. O Clube Náutico Marcílio Dias era uma referencia,
era formado por negros, por grandes lideranças, negros militantes que
queriam realmente trabalhar esta questão da ascensão da comunidade
negra...
Quando comecei a trabalhar, em cinqüenta e poucos uma das
primeiras coisas que eu fiz foi me associar a Associação Satélite Prontidão
e a Sociedade Floresta Aurora, porque eu sabia que eu estaria com a
minha família e com os meus companheiros, com quem eu realmente
conseguia me entender...
Possivelmente tenha sido, mesmo que eu não tivesse me dado
conta tivesse sido realmente uma herança, meu pai tinha esta questão
muito fechada em nossa família, isso ai foi muito bom para mim...
250
Encontramos uma aproximação neste relato quanto ao início da vida social do Sr. Nilo,
com o relato do entrevistado anterior, Sr Adair Barcelos, pois ambos passaram a freqüentar estas
Organizações devido à participação de seus pais nas atividades do Marcílio Dias.
Seu Nilo Feijó atualmente é o Presidente da Associação Satélite Prondidão, Sociedade a
qual pertence desde o ano de 1956, ano de sua fundação, como sócio. Sobre a Sociedade Floresta
Aurora, nosso entrevistado explicou que:
Eu vejo assim na SBFA, uma espécie de história um baluarte histórico que
ta aí viva com todos os problemas que hoje ela possui, mas que ta ai 1872,
trinta de dezembro de 1872, é uma loucura... é tempo! Antes da Abolição
que foi em 1888.
251
Sobre alguma recordação do Primeiro Congresso Nacional do Negro realizado em Porto
Alegre o seu Nilo explica que pouco ouviu falar:
Pois é...isso aí que é interessante, eu sempre fui um cara ligado a essas
coisas, tanto é que eu já falei quando eu entrei para o Marcílio Dias
quando eu entrei para o Floresta Aurora, quando entrei para o Satélite
Prontidão, antes eu era muito ligado ao carnaval, eu sempre fui muito
ligado ao carnaval, aos 18 anos eu já estava participando do primeiro
Bloco de garotos que existia ali na antiga Colônia Africana, eu nasci na
Mariante e desde lá eu sempre fui um cara muito estudioso dessa parte do
carnaval...de repente eu não consigo lembrar...eu me lembro que na época
250
Entrevista realizada com Nilo Feijó realizada no dia 22 de maio de 2007.
251
Ibidem.
227
se falou alguma coisa mais eu não consigo me lembrar do evento
propriamente dito, eu tenho certeza que eu não participei.
252
Assim como o entrevistado anterior, seu Nilo pouco sabia a respeito do Congresso
organizado pela Sociedade Floresta Aurora. Sobre o sentido das Organizações Negras existirem,
nosso entrevistado falou:
Eu sempre entendi que até que fosse de forma instintiva eram frentes de
resistências porque o que acontecia com a comunidade negra, a
comunidade negra quando ela começou a se formar, porque tinha a
necessidade de uma série de coisas de avanços na parte de formação
educacional, e um outro fato que acho eu que pesou muito na questão da
comunidade negra é que ela não tinha entradas nas sociedades não negras
o negro não podia participar de outras sociedades...então ele começou a
chegar a conclusão de que bom, “se eu não posso entrar lá eu vou ter que
construir a minha”. Eu eu acho que foi com grande sabedoria...
Acho que em quase todos os recantos do Rio Grande do Sul, aqueles
municípios mais antigos, porque hoje tem uma série de municípios novos
a gente vai encontrar uma Sociedade, por que evidentemente havia um
racismo um preconceito muito violento e o negro era obrigado a buscar os
seus espaços, né, se “eu não posso pertencer e freqüentar a do outro eu
vou fazer a minha”...eu acho que com grande sabedoria, porque isso ai
também deu ao negro o poder de trabalhar com todas as suas questões,
não só as questões culturais, como as questões políticas, eu acho que isso
ai no momento que a gente esta em família a gente ta melhor né, a gente
consegue desenvolver com mais facilidade eu acho que isso foi um ganho
para a comunidade negra.
253
A última entrevistada a ser citada, em nossa pesquisa foi a Senhora Terezinha Regina
Evangelista, que ao me receber em sua casa sempre me atendeu com muita satisfação e saborosos
doces e salgadinhos. Conheci uma amiga nestas andanças atrás da História de uma comunidade
que sofreu, mas que através de pessoas como a Sra Terezinha Regina Evangelista, demonstraram
garra e prazer em lutar, constantemente, para conquistar os seus sonhos, de seu espaço.
Terezinha Regina Evangelista nasceu em Porto Alegre no ano de 1936, na época do
Congresso de 1958, ela tinha 22 anos. Neste momento, Terezinha Regina nos fala um pouco de
sua vida:
252
Ibidem.
253
Ibidem, 22 de maio de 2007.
228
Pobre, negra, mulher, e bastante batalhadora. Não tinha nada, não tenho
muita coisa, mas o que eu tenho eu consegui com o meu esforço, busquei,
busquei através do estudo do meu aperfeiçoamento adquiri tudo que eu
queria. Sou uma mulher realizada, uma mulher feliz e no momento estou
muito feliz de estar aqui na frente com esse menino...sou formada em
economia na UFRGS e antes cursei o Secundário em Nível de Técnico em
Administração, Formação de Professores a Nível de 2º Grau para
especifico em estatística e Curso de Inglês completo pelo Cultural e vários
Cursinho de aperfeiçoamento em Português e Datilografia, todo aquele
material que eu precisava para ser uma boa profissional...também cursei
Direito para o meu uso, mas cheguei até pela insistência de tantos amigos
e tantas causas que vieram parar em minhas mãos cheguei a advogar um
pouco. Agora sou aposentada e curto a vida...e curto mesmo...Porque eu
acho que eu mereço isso ai.
254
Terezinha conforme os outros entrevistados; iniciou a sua vida nas Sociedades Negras na
década de 1950, no Clube Náutico Marcílio Dias, conforme ela:
Eu tive uma educação aonde na época não tinha como, porque a minha
mãe não deixava freqüentar as Sociedades, quando eu completei 18 anos
eu solicitei a ela que eu queria iniciar as minhas festas. E então através de
um primo que freqüentava com a esposa o Marcílio Dias eu fui ao meu
primeiro baile, eu tinha 18 anos, sou de 1936, isso foi em...1954. Adorei,
foi uma festa muito bonita e depois fui convidada a comparecer no clube,
e como no colégio eu praticava esportes, para a praticar de esportes. Então
me enganchei no Marcilio Dias, pratiquei vôlei, atletismo, mas meu forte
mesmo era vôlei.
255
Através do relato da Sra. Tereza Regina Evangelista, que tem atualmente 72 anos de
idade, o Clube Náutico Marcílio Dias além de ser uma sociedade negra voltado para a pratica
esportiva, também realizava suas festas. Antes de prosseguir com a entrevista de Terezinha,
novamente utilizaremos um pouco o relato do Sr. Adair Barcelos para confirmar as atividades do
Marcilio Dias. Conforme Sr. Adair:
254
Entrevista realizada com Terezinha Regina Evangelista no dia 01 de maio de 2008.
255
Ibidem.
229
Eu fazia festa aonde tivesse né! Aonde o Floresta Aurora fazia parte das
festas. O Floresta Aurora não tinha esportes, mas dava mais festas, mas
festas que eu digo são festas dançantes...
256
Conforme seu Adair Barcelos, embora o Clube Náutico Marcilio Dias também
organizasse festas, o seu forte era o esporte, já a SBFA tinha como pratica assídua a realização de
festas dançantes e atividades sociais.
Retornando a Sra. Terezinha Regina Evangelista, através do esporte as sociedades passam
a manter uma interação com outras Sociedades étnico-sociais, pois segundo seus relatos:
Os campeonatos existiam e participamos do Campeonato da cidade e
inclusive nós fomos campeãs, uma pena que não tivesse divulgação,
vencemos Sogipa o União, eu tenho as medalhas, mas isso ai não era
comum que se divulgasse tanto, remava, aprendi a remar e praticava
também basquete, mas basquete eu achava muito ... comecei no basquete
aconteceu que eu achava muito bruto. Tudo dentro do Marcilio Dias...a
parte da negritude que gostava de esportes se reunia lá...os rapazes
também tiraram muitos campeonatos, é uma pena que isso não tenha sido
dada a importância necessária...
257
Sobre as festas ele falou:
No Marcilio tinham as festinhas, festinhas de aniversário, de colegas,
tínhamos um baile por ano, geralmente no primeiro sábado de julho,
aonde era festejado o aniversário do Clube ele era realizado nos Gaúchos,
em salões grandes, eram bailes bonitos, mas o Floresta Aurora era uma
parte mais recreativa, como também tinha a parte cultural como o teatro,
que eu fiz parte de mas se tu quisesse uma festa bonita com muito
atrativo, então isso era realizado no Floresta, o Floresta dava geralmente
bailes de fim de ano, baile de debutantes, davam reuniões dançantes,
traziam personalidades, mas tudo em festas, festas boas, festas bonitas...
258
256
Entrevista com Adair Barcelos realizada no dia 08 de outubro de 2007.
257
Entrevista realizada com Terezinha Regina Evangelista no dia 01 de maio de 2008.
258
Ibidem.
230
Conforme ela nos relatou, foi no final dos anos de 1950 e inicio dos 60, que surgiu a
conscientização racial nestas organizações, tendo por vanguarda a organizadora do Congresso, a
SBFA.
259
Conforme Terezinha:
ali no Floresta também eu me lembro, por esta época um pouco mais, seis
anos mais, falei em 1954, 55, 1960, 61, iniciou ...então um movimento
negro...para o qual eu fui convidada...Só que neste movimento eu notei
que havia uma discriminação, foram chamadas pessoas que estavam
estudando que tinham determinado nível social dentro do nosso meio mais
elevado, e eu não concordava, eu concordava que todos pudessem
participar, então por isso eu não gostei desse inicio deles, do movimento,
mas foi a primeira vez que se ouviu falar e que o pessoal começou foi
isso, lá no Floresta Aurora, no Marcilio era esporte, esporte e esporte.
260
Essa situação relatada por Terezinha Regina Evangelista, sobre os participantes do
movimento negro na organização, que para serem convidados deviam ser pessoas destacadas
socialmente, e que ela era contra, demonstra que existiu por parte da SBFA uma seleção entre os
seus sócios para fazer parte de seu movimento político negro organizado.
A partir desta constatação voltamos a falar sobre o Primeiro Congresso Nacional do
Negro, organizado pela SBFA em Porto Alegre. Segundo Terezinha:
Infelizmente, provavelmente por causa da idade, deslumbramento da
idade eu realmente não registrei é bem provável...e como eu também
achava que o movimento era muito elitista, se bem que este Congresso
não foi realizado pela turma que eram estudantes de Faculdade que
pensavam no movimento negro lá no Floresta, as pessoas que deles
estavam participando eram senhores, pais de amigos e amigas, então
minha participação foi nula, eu não participei...se foi falado, sabia que
estava sendo realizado, mas nós não tínhamos assim o amadurecimento
para querer participar, mesmo que não houve grande interesse parte deles
de misturarem a parte mais jovem...
261
Evidenciamos duas condições, a partir destes últimos relatos, sobre a condição sine qua
non em participar do movimento negro da SBFA e provavelmente das atividades do Primeiro
259
Notamos os esforços da SBFA na formação de um “oásis” porto-alegrense.
260
Ibidem.
261
Ibidem, 01 de maio de 2008.
231
Congresso Nacional do Negro organizado em 1958, pela mesma entidade: ser uma pessoa de
destaque social e ter uma idade mais madura, já que os jovens ficaram a parte.
Nossos entrevistados pouco souberam dizer sobre as atividades ocorridas na Câmara de
Vereadores de Porto Alegre e nas dependências sociais da Sede da Sociedade Beneficente
Floresta Aurora entre os dias 14, 15, 16, 17, 18 e 19 de setembro do ano de 1958. Na época os
senhores Adair Barcelos e Nilo Feijó, tinham ambos 25 anos de idade e Terezinha Regina
Evangelista tinha 22, idades tidas por nós como pouca para participarem daquela atividade
política, que conforme citado no inicio de nossos trabalhos era para pessoas especificas, ou seja,
para um público pensado como interessante para as pretensões de seus organizadores, e nestes os
jovens e as pessoas menos destacadas eram colocadas à parte. Já que os nossos três entrevistados,
embora sendo moços e moças, participavam ativamente no final da década de 1950, das
atividades sociais realizadas nas organizações negras porto-alegrenses, e todos freqüentavam as
atividades sociais da SBFA. Tanto que todos os três conheceram pessoalmente o Presidente da
Sociedade Floresta Aurora do período, Sr. Valter Santos e alguns conselheiros da organização
que participaram como palestrantes do Congresso, conforme o Sr. Adair Barcelos:
o Eurico eu conheci, foi meu vizinho na Marcilio Dias (sic), eu era um
menino quando conheci o senhor Eurico e o sr. Valter, mais ou menos da
minha idade conheci de bailes, mas não tinha uma contingência mais
aproximada da pessoa dele.
262
Sobre Armando Hipólito dos Santos, que palestrou na atividade do Congresso ele, relatou:
Armando Hipólito...uma figura inesquecível, o que ele fez? Trabalhou.
Conhecidíssimo em Porto Alegre, mais ainda no meio jurídico, ele é um
orgulho de nossa raça. Freqüentava sociedades, não só uma sociedade.
Bastava convidar que ele estava presente em todas as sociedades de
negros
.
263
Segundo Terezinha Regina, que conheceu alguns dos responsáveis pelo Congresso:
262
Entrevista com Adair Barcelos realizada no dia 08 de outubro de 2007.
263
Ibidem.
232
O Eurico ele trabalhava na portaria da Faculdade de Engenharia, pai de
amigas minhas com as quais eu me dou até hoje, o Professor José Maria
eu freqüentava a casa, tem uma filha que é professora, a professora
Julieta, eu me dava bem com eles...a maior parte de nossos negros nessa
época eles tinham destaques como contínuos de banco...eles eram
contínuos e eram muitos satisfeitos e acomodados...
264
Neste momento nossa entrevistada colocou um novo ingrediente em nosso trabalho ao
fazer comparações existentes entre homens e mulheres negras no período. Continuando o relato:
Os homens achavam que tinham atingido o máximo como contínuos de
Banco, era o pessoal que mais nos dávamos, tinham um ou outro que se
sobressaía, o seu Heitor Fraga eu conheci, conheci os familiares foi muito
meu amigo, era atuante, foi Presidente do Marcilio Dias e cuidava da
gente como cuidava da própria filha, que ficava junto ali com a gente e era
nossa amiga...
265
Heitor Fraga, conforme vimos anteriormente, foi o Presidente da SBFA no ano de 1957,
depois seria sucedido por Valter Santos, o anfitrião do Congresso.
Perguntamos para nossa entrevistada, assim como havíamos conversado com os nossos
outros dois informantes, qual era o sentido das organizações negras existirem ou o sentido deste
Congresso ter acontecido. Para ela:
A partir do Congresso as nossas vozes iniciaram a ser ouvidas junto com
outros grupos...
266
Perguntada sobre os relacionamentos entre as organizações porto-alegrenses e ainda
quanto a diferença entre homens e mulheres, Terezinha surpreendeu-nos pelas colocações, já que
os homens entrevistados pouco falaram das rivalidades existentes entre as sociedades negras.
Segundo Terezinha:
A gente conhecia em Porto Alegre uma população bem menor, mas nos
conhecíamos muito porque freqüentávamos os mesmos lugares, porque o
264
Entrevista realizada com Terezinha Regina Evangelista no dia 01 de maio de 2008.
265
Ibidem.
266
Ibidem.
233
pessoal do Floresta, do Marcílio não diferenciava muito um do outro e
também tinha o Prontidão né, que como Sociedade rivalizava de verdade
com o Floresta Aurora, o que acontece é que naquela época as mulheres
que eram professoras tinham um destaque quase como as doutoras de hoje
e os homens como eu já falei trabalhando como contínuos de Bancos e
bem acomodados. As mulheres começaram a se destacar ao iniciarem a
ingressar em grande massa nas faculdades, então o que se viu era assim,
nós éramos muitas, um número bem significativo cursando faculdades de
uma maneira ou de outra sempre procurando aperfeiçoarmos e os nossos
negros homens acomodados...até que aos poucos a conscientização
chegou, felizmente e agora temos uma geração linda e parelha...
267
Após estas três importantes entrevistas, nos propomos, mesmo que brevemente, a debater
o conceito de “branqueamento”, em sua vertente ideológica, que explica sobre a imitação dos
valores brancos pelos negros.
268
Neste sentido perguntamos o seguinte: as iniciativas negras
como a organização em Sociedades ou a realização de Congressos, eram formas de imitar a
iniciativa dos brancos? Ideologicamente, o negro queria ser branco?
Na historiografia, analisaremos duas dissertações de mestrado de historiadores porto-
alegrenses que trabalharam sobre organizações negras da cidade e de certa forma citaram o
conceito em questão, (branqueamento social e/ou moral) identificado por nós como qualitativo,
Liane Susan Muller e Deivison Campos. Adiantamos que pretendemos incentivar este debate,
longe de querer esgotar o tema e sim trazer elementos que contribuam para futuras pesquisas na
área.
269
Liane Suzan Muller em sua dissertação intitulada: As contas do meu rosário são balas
de artilharia”– Irmandade, Jornal e Sociedades negras em Porto Alegre (1889-1920),
defendida em 1999. no Programa de Pós-Graduação em História da PUCRS, pesquisou a
Irmandade do Rosário de Porto Alegre, as confrarias e associações negras, entre elas a Sociedade
267
Ibidem.
268
O conceito de “branqueamento” pode ser pensado de duas formas: como aspecto populacional e/ou ideológico.
Tanto o ‘branqueamento’ populacional, quantitativo, quanto o ideológico, qualitativo, se relacionam com os aspectos
que envolvem a transformação ou adequação do grupo negro a um determinado período histórico brasileiro, que se
estabelece entre os finais do século XIX e meados do século XX. Neste caso estamos analisando o branqueamento
ideológico.
269
Para aprofundar nas leituras sobre o conceito de branqueamento Ver: DOMINGUES, Petrônio José. Negros de
almas brancas? A ideologia do branqueamento no interior da comunidade negra em São Paulo, 1915-1930. Estud.
afro-asiát. vol.24 no.3 Rio de Janeiro 2002.http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-
546X2002000300006&lng=en&nrm=iso, Acesso em janeiro de 2008.
234
Floresta Aurora e a Laço de Ouro. Através de pesquisas em fontes primárias das próprias
entidades e de jornais, a autora examinou as estratégias de afirmação social da comunidade negra.
A historiadora utilizou o conceito de “branqueamento” em sua investigação, mas não o
restringiu a um simples imitar ou assimilar os valores brancos e sim apontou para as utilizações
estratégicas e cotidianas desse conceito, entre “nuances” e situações que fizeram os negros
resistissem ás dificuldades enfrentadas mo pós-abolição. Conforme Muller:
Essa luta travada, na maioria das vezes silenciosamente, entre uma “elite”
negra e a sociedade branca, não se estabeleceu por via de um processo
dicotômico que somente oferece duas possibilidades manter integra a
herança africana, ou assimilar completamente os valores brancos. (...)
Cheia de nuances, com avanços e recuos estratégicos essa luta que iniciou
nos tempos de fundação da Irmandade do Rosário e que continua ainda
em nossos dias, reflete um feixe variado de tensões e uma pluralidade de
experiências sociais. Se foram estes negros integracionistas ou
assimilacionistas, como querem alguns, isso é o que menos importa. Na
medida em que a necessidade de sobrevivência é bem possível que alguns
tenham se posicionado assim. Contudo, os negros fundadores da devoção
do Rosário de Porto Alegre e, mais tarde, de suas associações, sempre que
possível, se organizavam tendo por objetivo o reencontro com suas
origens étnicas, a revalorização do seu passado e a construção de uma
nova identidade livre do estigma da escravidão.(MULLER, 1999. p 201).
Embora longa esta citação, foi importante, colocá-la na íntegra, para entendermos como a
historiadora pensou na questão de inserção social da comunidade negra naquele momento,
conforme Muller (1999, p201) “foi uma estratégia negra de sobrevivência interagir com a
sociedade branca, mas o que não apaga as suas origens constituindo uma nova identidade
influenciada pelas condições histórico-sociais”.
Deivison Campos em sua dissertação de mestrado sob o seguinte título: O Grupo
Palmares (1971-1978): Um movimento negro de subversão e resistência pela construção de
um novo espaço social e simbólico, defendido no mesmo Programa de Pós-gradução, sete anos
depois de Muller, em 2006, pesquisou o movimento negro brasileiro desenvolvendo os motivos
que originaram a criação simbólica do dia vinte de novembro como data de referência para a
comunidade negra brasileira.
Através desse grupo composto por jovens negros porto-alegrenses, Deivison Campos
analisou como foi possível em pleno contexto da ditadura militar, aqueles jovens negros ligados a
235
organização negra denominada de Grupo Palmares; conseguiram propor um novo símbolo para a
identidade dos negros brasileiros. Representado por Zumbi dos Palmares e a (re) construção da
História do Negro e da África, tendo como marco a data do dia 20 de novembro, dia da morte de
Zumbi, como uma data conquistada ao invés do 13 de maio, dia da Abolição da Escravatura, tida
para eles como uma data concedida, já que foi um ato concretizado pela assinatura da Lei Áurea
efetuada pela Princesa Isabel.
Deivison assim como Muller utiliza-se do conceito em questão. Segundo Deivison
Campos:
O movimento negro moderno, iniciado em meio à ditadura, redirecionou o
processo de integração do negro na sociedade brasileira, buscada desde a
abolição. Rompendo com uma tradição, forjada pelos grupos
hegemônicos, de integração pela assimilação (branqueamento), propõe um
viés negro para negociar sua inclusão e o acesso à cidadania, através da
construção de uma identidade étnica afro-referenciada. (CAMPOS, 2006,
p.157).
Para Deivison existiu uma ruptura no movimento negro brasileiro a partir dos anos 1970,
como um ‘marco divisório’ entre os movimentos antes do Grupo Palmares e os pós - Grupo
Palmares como o MNU – Movimento Negro Unificado, que passam a se caracterizar pela
referência da África e do afro-brasileiro. Diferente dos movimentos anteriores que para o
historiador tinham o caráter “embranquecedor” e assimilacionista.
Localizamos dois processos em questão. O primeiro é o conceito que denominamos de
‘branqueamento quantitativo’ demográfico ocorrido a partir de meados do século XIX e o
segundo denominado de ‘branqueamento qualitativo’, iniciado a partir do século XX,
influenciado pelos aspectos morais e/ou sociais. Ambos ‘ligados’ a comunidade negra e a sua
adequação em determinado momento histórico da sociedade brasileira. Conforme Figueiredo:
O embranquecimento não deve ser entendido como um dado imutável,
mas sim como o resultado de uma interpretação histórica(...) o
embranquecimento não deve ser considerado uma ferramenta de análise,
mas ele próprio um objeto de pesquisa. O conceito de embranquecimento
e o de identidade negra devem ser lidos como modos de interpretação
opostos. (FIGUEIREDO, 2002 p.115-116).
236
O embranquecimento social para esta autora significa o negro entrar “no mundo dos
brancos” principalmente pela escolaridade. Mas Figueiredo revela que se ampliarmos as noções
de cultura e identidade negra constatamos que é no processo ascensional que muitos negros
incorporam os símbolos da cultura negra (FIGUEIREDO, 2002, p.116), o que passa a significar
mais complexidade neste conceito.
Portanto, perguntamos para dois entrevistados se achavam que o negro, ao avançar na
escolaridade, queria entrar no mundo dos brancos, que responderam:
Para o senhor Adair Barcelos que hoje tem 75 anos:
Não, eu acho que não. Por que o negro estudava para crescer na vida, não
para ser branco, eu nunca notei isso em negro nenhum...Agora, conviviam
muito com brancos porque ele viviam nos meios dos brancos, estudavam
no meio do branco, mas nunca ouvi falar que desprezasse a nossa raça
porque era inferior. Ele tinha que viver no meio do branco porque era
muito pouco os negros que freqüentavam as escolas, então eles tinham
que viver no meio dos brancos que se dava, mas não que fizesse de tudo
para querer ser branco. Isso eu nunca notei.
270
Já na visão da senhora Terezinha Regina Evangelista, hoje com 72 anos de idade:
É muito difícil saber o que se passava na cabeça de cada um, eu acredito
que ele queria ter seu lugar ao sol, porque todos nós merecemos, não
queremos ser melhores que ninguém mais queremos ser iguais a todos, e
isso ai, mesmo que se tu chegares a pesquisar profundamente, essa
liderança deste Congresso, eles, como é que eu vou te explicar...eles se
achavam o máximo, e eram, dentro daquele contexto com muito pouca
cultura.
271
Terezinha Evangelista enfatizou que todos merecem lugar ao sol, independente de sua
etnia. Quanto ao pouco estudo dos proponentes do Congresso que ela relatou, acreditamos que os
organizadores tinham a consciência da pouca cultura que os prejudicava, pois um dos destaques
deste acontecimento foi a parceira firmada entre esta agremiação com os poderes públicos
constituídos, e que acabou dando certo, por ocasião do evento.
270
Entrevista com Adair Barcelos realizada no dia 08 de outubro de 2007.
271
Entrevista realizada com Terezinha Regina Evangelista no dia 01 de maio de 2008.
237
Sobre a acomodação dos homens negros, apontada pela Sra. Terezinha, isto merece um
maior aprofundamento, que em virtude do tempo e de nossa proposta deixaremos para outro
momento, mas vemos como um problema a ser desenvolvido.
Retornando à questão do “branqueamento” notamos o mesmo como uma ideologia assim
como a “democracia racial”, criada pelos intelectuais tradicionais, assim como a da “negritude”
criada pelos intelectuais orgânicos negros, tendo no conceito de “branqueamento” um elemento
original, pois o mesmo é usado por grupos negros e brancos como forma de rotular os negros que
ascendem, o que acreditamos ser uma incoerência.
272
Pois entrevistando, mesmo que brevemente estes homens e esta mulher mais velhos, o que
localizamos foram negros e negras querendo evoluir, querendo melhorar a sua situação,
independente de ideologias construídas ao longo destas décadas, já que ambos queriam em última
análise viver e competir com igualdade. Neste sentido podemos notar o “embranquecimento”
como estratégia social, conforme Munanga (2004, p.105), mas vamos além, acreditamos que no
âmbito da História estes homens e mulheres eram sujeitos de seu tempo influenciado pelas
situações que viviam, sofrendo com o forte preconceito da década de 1950, o que fez com que a
sua busca pela integração e ascensão perpassasse estas ideologias. Acreditamos que independente
de “branquear-se” o que eles queriam eram melhorar de vida, e isso da maneira mais habitual,
através do estudo, neste sentido concordamos com a historiadora Liane Muller que ao nosso ver
sintetiza o que pensamos e o que os nossos entrevistados relataram:
a necessidade de
sobrevivência”.(MULLER, 1999. p 201).
Sobre o Congresso e as organizações negras, acreditamos que devido as fortes relações
existentes entre a sociedade organizadora e as demais Coirmãs, seria impossível as mesmas terem
sido afastadas de tão importante acontecimento, já que nas ATAS localizamos informações de
que foram enviados ofícios agradecendo a presença de algumas organizações negras porto-
alegrenses em terem participado do encontro. Inclusive, conforme a ATA nº 236, datada do dia
272
A ideologia do “Branqueamento” foi formulada primeiramente pelos pesquisadores da USP da década de 1950 e
ainda hoje é utilizada por pesquisadores, como vimos em nosso trabalho. Mas devemos estar atento para as
reproduções de tal conceito. Pois os pesquisadores da USP simplesmente acreditam que o negro ao ascender perde os
seus valores como negro. Para Kabengele Munanga aponta para a ambigüidade formada pela cor/classe social e
enfatiza que o embranquecimento foi a estratégia utilizada pelos grupos negros para ascender socialmente. Sendo
que antes da Frente Negra Brasileira, isto acontecia individualmente. Com a criação da Frente Negra, esta estratégia
passa a ser coletiva. Para o autor este movimento racial é o primeiro reivindicativo após a abolição da escravatura,
mas que insistia que quem deveria se transformar era o próprio negro para merecer a aceitação dos brancos
(MUNANGA, 2004 p.105).
238
12 de outubro de 1958, as seguintes organizações negras foram localizadas: Associação Satélite
Prontidão, de Porto Alegre, Clube Náutico Marcilio Dias, também de Porto Alegre, a Sociedade
Renascença Club do Rio de Janeiro, Sociedade Laços de Ouro de Uruguaiana, Associação José
do Patrocínio de Belo Horizonte e a Sociedade Estrela do Oriente, da cidade de Rio Grande,
sendo que desta última localizamos uma resposta enviada no dia 1º de setembro de 1958, para a
SBFA explicando o motivo de sua ausência no encontro, e que analisamos anteriormente.
Mas sobre a presença de depoimentos de pessoas que freqüentaram as sociedades negras
no período e que participaram de fato das atividades do Congresso, ainda temos como desafio
localizá-las, pois embora tenhamos pessoas que viveram as experiências e convivências no seio
das organizações negras porto-alegrenses no período, e que hoje tem mais de setenta anos de
idade poucas respostas tivemos.
Mas de uma coisa tivemos indícios, que os mais jovens que na época tinham entre 22 e 25
anos e que participavam como sócios e freqüentadores das organizações negras e estavam fora
dos quadros administrativos de suas organizações, para estes o Congresso foi algo distante já que
somente os mais velhos e, preferencialmente mais destacados, participaram. Podemos pensar: e o
seu Adair Barcelos que era dirigente do Clube Náutico Marcilio Dias, por que ficou sem saber do
Congresso? A resposta é simples, ele tinha apenas 25 anos. Lembrando que embora muitos citem
estes negros “mais destacados” como sendo uma possível “elite negra”; muitos negros do período
eram contínuos de Banco, e continuo significa “funcionários humildes do serviço público”, então
eles poderiam ser destacados entre os seus pares, mais socialmente ainda teria muito que avançar
este grupo étnico para realmente fazer parte de uma elite, participante e destacada em todos os
campos da vida social porto-alegrense, o que vem acontecendo gradualmente.
273
273
Liane Muller (1999, p.201) identificou como de “elite negra” os negros que comandavam determinadas
organizações e ascendiam socialmente, já Lúcia Regina Brito Pereira (2008, p.170-174) diz que o termo elite se torna
complexo neste caso, pois o grupo negro no período ainda mantinha muita carência em aspectos básicos sociais
como trabalho assalariado e educação. Para esta autora muitos negros se destacaram, sendo possível para melhor
identificá-los utilizar o conceito de “intelectual orgânico”, de Gramsci. Nós preferimos utilizar o termo, cunhado pela
Sra. Terezinha Evangelista ao identificar de “negros mais destacados” os negros que ascendiam socialmente e
coordenavam as organizações porto-alegrenses na década de 1950.
239
3.1.4 A SBFA, O CONGRESSO E A IMPRENSA.
Conforme registro no jornal Correio do Povo, após a realização do Primeiro Congresso
Nacional do Negro de Porto Alegre: “Valter Santos ressaltou a colaboração prestimosa que os
organizadores do Congresso receberam do governo federal, estadual e municipal bem como de
nossa imprensa, em especial do Correio do Povo e da Folha da Tarde”.
274
Passaremos a questionar, em um primeiro momento, como foi possível o estabelecimento
dessa relação entre a comunidade negra, representada neste evento pela Sociedade Beneficente
Floresta Aurora, e a imprensa porto-alegrense - em específico, entre os organizadores do
Congresso e os jornais Correio do Povo e Folha da Tarde -, a ponto de merecerem um
agradecimento especial do Presidente da Sociedade no encerramento do Congresso. E
demonstraremos também como as matérias deste encontro foram registradas por outros veículos
de comunicação do Estado do Rio Grande do Sul e do Brasil. E, por fim, em um segundo
momento, faremos uma análise de conteúdo das informações que circularam nos dias em que
ocorreu o Congresso.
Para atingir os nossos objetivos utilizaremos os periódicos: “Diário de Noticias”, “A
Hora” e o jornal “Correio do Povo”, além de ATAS de reuniões, localizadas no Acervo da
Sociedade Floresta Aurora, em Porto Alegre. Os jornais utilizados foram encontrados no Museu
de Comunicação Social Hipólito José da Costa
e
Centro de Pesquisas do Correio do Povo.
Na intenção de apontar algumas questões norteadoras deste item, levantamos os seguintes
questionamentos para respondermos e, conseqüentemente, localizarmos informações de como o
Congresso Nacional do Negro conseguiu atingir repercussão na mídia local e nacional.
Portanto, perguntamos: como se estabeleceu a relação entre o Jornal Correio do Povo e a
comunidade negra? Houve contatos anteriores à realização do Congresso entre a Sociedade
Floresta Aurora e este jornal? Qual o sentido dos organizadores do Congresso buscarem apoio na
mídia jornalística? Como os jornais: Diário de Notícias, A Hora e o Correio do Povo
acompanharam o encontro e como eles divulgaram as atividades? Quais matérias/informações
tiveram maior destaque nesses jornais? Como esse congresso repercutiu na imprensa local e
nacional?
274
Ver noticia CORREIO DO POVO, 20 DE SETEMBRO DE 1958, p.07.
240
Passemos a demonstrar a origem do jornal Correio do Povo e a ligação estreita entre este
periódico e a comunidade negra, que teve início em sua fundação.
O Jornal Correio do Povo foi fundado em 1º de outubro de 1895, por
Caldas Júnior. Breno Caldas, diretor em 1975, em um artigo publicado
por ocasião das comemorações dos 80 anos de fundação do jornal, nos
explica as dificuldades enfrentadas por Caldas Júnior para fundar e manter
o jornal. Segundo Breno Caldas: “O Correio do Povo nascera em prédio
alugado, pobre de recursos e desprovido da sofisticação técnica de que
dispunham, na época, os grandes jornais”.
275
Com o pseudônimo de “Léo Pardo”, o jornalista negro José Paulino de Azurenha (1861-
1909), era um dos principais redatores do Correio do Povo, “tendo chegado a participar da
fundação do jornal junto com Caldas Júnior em 1895”.
Conforme o historiador Alexandre Lazzari, que pesquisou o carnaval em Porto Alegre
entre 1870 e 1915:
José Paulino de Azurenha (1861-1909), à época um dos principais
redatores do Correio do Povo, tendo chegado a participar da fundação do
jornal junto com Caldas Júnior em 1895. Azurenha assinava o folhetim
que o Correio publicava todos os domingos sob o título de “Semanário”,
onde exercia um estilo literário que exprimia “seu torturado culto da
forma”, segundo a opinião de outro destacado jornalista da época, Aquiles
Porto Alegre, que também chegou a considerá-lo “o melhor cronista
literário rio-grandense” (...) Negro e “homem de jornal”, José Paulino de
Azurenha conquistou o respeito dos meios intelectuais e literários porto-
alegrenses do seu tempo, apesar de não possuir obra exclusivamente sua
publicada em vida. Em 1881 já teria sido co-fundador de uma Revista
Literária, junto com Aurélio Vírissimo de Bittencourt
276
, outro negro que
se destacou nas rodas literárias e jornalísticas, inclusive como alto
funcionário público, sendo secretário de presidentes do
Estado.(LAZZARI, 1998, p.40-41).
275
CALDAS, Breno. Uma vida dentro da outra. Porto Alegre. Correio do Povo – Caderno Especial - 1º seção.
01/10/1975, p.20.
276
Aurélio Viríssimo Bittencourt (1849-1919), avô de Dario Bittencourt, manteve relações com Júlio de Castilhos e
Borges de Medeiros, ambos Presidentes do Estado do Rio Grande do Sul. Funcionário Público, foi secretário do PRR
por várias décadas sendo considerado peça-chave nas administrações deste Partido no Estado. Ver MOREIRA, Paulo
Roberto Staudt, CARVALHO, Daniela Vallandro, VARGAS, Jonas Moreira e SANTOS, Sherol em: Entre
irmandades e Palácios: a trajetória de um Negro Devoto e Burocrata (o caso Aurélio Viríssimo de Bittencourt –
1848-1919). V Mostra de Pesquisa APERS – Produzindo História a partir de fontes primárias. Porto Alegre:
CORAG, 2007, p.169-180.
241
A partir de Alexandre Lazzari (1998) foram observados “laços” entre o fundador do
Correio do Povo
e Paulino Azurenha, um homem negro. Porém, podemos destacar outro
acontecimento que envolveu diretamente o jornal Correio do Povo com a comunidade negra: o
Primeiro Congresso Nacional do Negro de 1958.
277
A Sociedade Floresta Aurora representa, por ser organizadora desse encontro, a
possibilidade de um coletivo negro desenvolver, planejadamente, alternativas para a organização
política da comunidade negra porto-alegrense e, como vimos, gaúcha.
Neste período, a SBFA tinha como presidente Valter Santos. Em ATAS pesquisadas,
encontramos nomes das seguintes empresas e órgãos apoiadores do “oásis” porto-alegrense: Rede
Mineira de Aviação, Rádio Farroupilha, indústria de refrigerantes Pepsi Cola e os poderes
públicos como o Governo Federal, a Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul e a
Prefeitura de Porto Alegre.
278
A ligação existente entre a SBFA e o “Correio do Povo”, destacou-se pela legitimação do
Congresso através da divulgação impressa. Os intelectuais dirigentes da SBFA, diferentemente
dos intelectuais negros que faziam ações a favor da comunidade negra pelotense e fundaram o
Jornal Alvorada visto em nosso primeiro capítulo
279
, careciam de um jornal próprio para
divulgar o evento. Como divulgar e fazer com que o Congresso se legitimasse? Como difundi-lo
e fazer com que amplos setores da sociedade tivessem conhecimento do mesmo? Que jornal
apoiaria o encontro?
280
Em reuniões na sede da SBFA, ficou firmado o apoio entre as empresa jornalística Caldas
Júnior e os organizadores do Primeiro Congresso Nacional do Negro. Como consta em ATAS
registradas e localizadas no acervo da entidade.
277
Para saber mais ver GOMES, Arilson dos Santos em: Primeiro Congresso Nacional do Negro Brasileiro realizado
em Porto Alegre no ano de 1958. ANAIS do VI Congresso Internacional de Estudos Ibero-Americanos – PUCRS,
Porto Alegre Out.2006.
278
ATAS de reuniões da SBFA de números 255 e 263. Porto Alegre, 06 de julho e 12 de outubro de 1958, [sp].
279
Ver página 58 a 74 desta dissertação.
280
“O Jornal A Alvorada, provavelmente, seja o periódico de maior longevidade desta fase denominada de imprensa
negra”. Para saber mais ler José Antônio dos Santos. Raiou “A Alvorada”: Intelectuais negros e imprensa, Pelotas -
1907-1957. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal Fluminense, 2000, p.61.
242
(...) O Sr. Presidente (Valter Santos) falou sobre o apoio do vespertino
Folha da Tarde. Júlio Soares fala do apoio dos jornais Correio do Povo,
Folha da Tarde e sucursais do Rio de Janeiro no
Congresso do Negro
a
ser realizado por iniciativa desta sociedade o jornalista Adil Silva, dará
apoio e cobertura no Rio de Janeiro.
281
Portanto, através do apoio dos jornais Correio do Povo e Folha da Tarde, ambos em 1958
faziam parte da Empresa Jornalística Caldas Júnior, a Sociedade Floresta Aurora conseguiu fazer
com que o evento obtivesse repercussão nacional, já que essa empresa tinha escritórios nas duas
principais cidades brasileiras do período, São Paulo e Rio de Janeiro.
Conforme o discurso proferido por Valter Santos, Presidente da SBFA no ano de 1958, na
abertura do Primeiro Congresso Nacional do Negro, a ligação entre o Correio do Povo e a SBFA
teve início no ano de fundação do Jornal em 1895 quando, através de um convite feito por Caldas
Júnior, a banda da sociedade tocou na inauguração da empresa. Naquela época, a sociedade ainda
era banda musical e, posteriormente, tornar-se-ia entidade social. As palavras de Valter Santos,
impressas no Jornal Folha da Tarde evidenciam essas informações e a relação existente entre a
Sociedade e o Jornal:
A banda que se celebrizou – frisou o orador – ao ser especialmente
convidada pelo Jornalista Caldas Júnior para abrilhantar os festejos de
fundação do Correio do Povo, a 1º de outubro de 1895. Desse dia em
diante, até ser extinta, a lira da Sociedade Floresta Aurora, anualmente,
comparecia ao “Róseo”, para levar-lhe a sua homenagem na data de sua
fundação. Vem daí a amizade existente entre os jornais da Empresa
Jornalística Caldas Júnior e a nossa sociedade.
282
Nota-se uma questão a ser investigada após constatar-se a ligação entre a individualidade
e comunidade negra com as origens do Correio do Povo. Será que Paulino Azurenha, além de co-
fundador do jornal também era integrante ou membro da sociedade Floresta Aurora? Ele tinha
relação ou conhecia os fundadores da entidade lá no distante ano de1872?
281
As informações sobre o apoio das Empresas Jornalísticas Caldas Jr. constam na ATA de reunião número 252.
Porto Alegre, Julho de 1958.
[
sp
]
.
282
[
s.n
]
. Homens de cor de vários Estados no I Congresso Nacional do Negro. Porto Alegre: Folha da Tarde,
15/09/1958, p.14.
243
Voltando à participação do Correio do Povo e a sua parceira com a SBFA, por ocasião do
Congresso, um dos palestrantes foi o jornalista Archymedes Fortini (1887-1973), conferencistas
de encerramento do encontro.
283
Quando iniciei as pesquisas sobre o Primeiro Congresso Nacional do Negro já tinha
localizado Archymedes Fortini, sabia inclusive que ele era jornalista. Mas descobri, há poucos
meses, que ele não era um jornalista distante ou de fora do Estado, era um dos homens mais
importantes da Empresa Jornalística Caldas Júnior, conforme escreveu Breno Caldas no
encerramento de seu artigo elaborado por ocasião dos 80 anos de fundação do jornal Correio do
Povo, datado de 1975. Segundo Breno Caldas:
Por hoje, a título de resumo de uma vivência quase cinqüentenária, direi
apenas que o Correio do Povo aqui está presente, atuante – uma tradição
viva do Rio Grande do Sul – pela força impulsora de três razões
dinâmicas fundamentais, que eu desejo simbolizar em três nomes: Caldas
Júnior – o programa, o exemplo de independência e coragem. Dolorez
Alcaraz Caldas – a tenacidade, o espírito de luta. Archymedes Fortini – a
operosidade, o afã e dever.
284
Esta passagem de um artigo escrito por Breno Caldas, alusivo aos 80 anos do jornal, foi
revelador quanto à importância de Archymedes Fortini para o Correio do Povo. Nota-se que o
primeiro agradecimento de Breno foi ao seu pai, e fundador do jornal Caldas Júnior. O segundo
agradecimento foi para a Senhora Dolores Alcaraz Caldas, viúva de Caldas e a pessoa que
assumiu as dívidas da empresa após a morte do marido. Por último - pensamos que não menos
importante - foi o agradecimento a Archymedes Fortini. Ou seja, o apoio além dos registros nas
páginas do Jornal Correio do Povo e dos veículos da Empresa Caldas Júnior ao Primeiro
Congresso do Negro era humano, ativo e de “corpo presente”.
Nesse sentido, a visibilidade negra proporcionada através da Empresa Jornalística Caldas
Júnior foi diária. Em especial, no jornal Correio do Povo, a divulgação foi emblemática. As duas
283
Segundo COPSTEIN, Jayme, jornalista porto-alegrense que conheceu Fortini: “Em 1945, ao comemorar o
cinqüentenário do Correio do Povo, Breno Caldas achou que devia recompensá-lo pelos serviços prestados. As
relações de Fortini com os banqueiros da época tinham sido decisivas para angariar o financiamento que preservou o
jornal da falência, quando Caldas Júnior, o pai de Breno, morreu em 1913”. Para saber mais ver:
http://www.palegre.com/edicao_001.htm/ Acesso em 14 de maio de 2008.
Para ver Archymedes Fortini no Congresso do Negro ver imagem 17 - nesta dissertação p, 177.
284
Caldas, Breno. Uma vida dentro da outra. Porto Alegre: Correio do Povo – Caderno Especial - 1º seção,
01/10/1975, p.20.
244
reportagens que saíram foram a da abertura do encontro e a de encerramento. O evento foi
registrado em matérias de praticamente uma página inteira, o que contribuiu de maneira eficaz
para os organizadores do congresso, que conseguiram atingir amplas camadas da sociedade. As
informações diárias do encontro saíram no outro veículo da empresa.
285
Passaremos a abordar as informações registradas e levantadas em outros dois periódicos
com circulação diária na cidade de Porto Alegre em 1958, o jornal A Hora e o Diário de Notícias.
Como esses tablóides acompanharam o encontro e como eles divulgaram as atividades?
286
O jornal A Hora, fundado em 30 de novembro de 1954, era regional, sem sucursais em
outros estados brasileiros, diferentemente dos periódicos da Empresa Jornalística Caldas Júnior.
Em contrapartida, o diário A Hora, dirigido por Nelson Dias, ostentava na sua “folha de rosto” a
frase: “vespertino de maior penetração no interior”, ou seja: a matéria que ganhava as páginas
desse jornal teria uma forte repercussão no interior do estado do Rio Grande do Sul.
Depois dos jornais vinculados à Empresa Caldas Júnior, notamos que a gazeta que mais
divulgou o encontro foi A Hora. Localizam-se, em suas páginas, quatro matérias sobre o
Congresso Nacional do Negro, todas no centro do jornal. A primeira matéria foi encontrada na
página 5, do dia 15 de setembro; a segunda, na página 5, do dia 18 de setembro; a terceira
localizada na página 6, do dia 19 de setembro; e a última foi um editorial localizado na página 4,
também no dia 19, com o seguinte título: “Êxito do Primeiro Congresso do Negro.” As quatro
matérias totalizam 285 linhas impressas com duas fotos.
Este jornal é o único que traz dados estatísticos sobre o nível de estudo do negro
brasileiro, dando um destaque especial para um dos temas do congresso, a alfabetização. Além
dos elogios destinados aos “excelentes resultados produzidos pelo congresso.”
287
285
As informações no Jornal Correio do Povo são localizadas no dia 16 de setembro de 1958, na página 13 e 20 de
setembro de 1958, na página 07. Já as informações diárias do Congresso são encontradas no Jornal Folha da Tarde
dos dias 11, 13, 15, 17, 18 e 19 de setembro de 1958. Ambos os jornais são localizados no MCSHJC.
286
Ver GOMES, Arilson dos Santos. Assuntos Levantados e registrados: Informações em três jornais sobre o
Primeiro Congresso Nacional do Negro realizado em Porto Alegre no ano de 1958. Revista OPSIS. Disponível no
site: www.catalão.ufg.Br/historia/revistaopsis/sumario/OPSIS2007.2/357_opsis2007_2pdf/ Acesso em 08 de junho
de 2008.
287
[
s.n
]
. Alfabetização intensiva do homem negro brasileiro. Porto Alegre: A HORA, 18/09/1958, p.5.
245
As estatísticas demonstram que o negro sulino era mais alfabetizado do que o negro da
região norte do Brasil. Deve-se ressaltar que, embora existisse uma ligeira melhora na região sul,
o evento propunha a alfabetização e a elevação cultural do negro em todo o país, conforme
matéria registrada:
Alfabetização intensiva do homem negro brasileiro é o caminho para a sua
total integração na sociedade. Esta a principal conclusão a que levou o
Primeiro Congresso do Negro, que se realiza nesta capital desde o dia 14
do corrente e que hoje chega ao seu final.
288
O terceiro e último jornal pesquisado foi o Diário de Notícias, no qual saiu uma matéria
sobre o Congresso, no dia 18 de setembro de 1958. Localizada na página 11 e distribuída em 56
linhas, a matéria destaca-se pelas informações sobre a educação. O jornal enfatiza trechos de um
dos palestrantes da noite, do dia 15 de setembro, Sr. Laudelino Medeiros, que disse:
Em 1950, crianças de menos de dez anos atingem 65% de alfabetizados.
Quanto aos elementos de cor, apresentam no momento um bom sintoma
de alfabetizados. Quando do último censo, a população negra no Estado
era de 440.000 almas. De cada cem alunos, nas escolas primárias 11%
eram elementos de cor que alcançavam concluir o curso(...)
289
A utilização da fonte jornalística possibilitou dar visibilidade aos acontecimentos do
Primeiro Congresso Nacional do Negro. Acredita-se que os assuntos registrados e levantados
sobre esse acontecimento nos jornais contribuem como “indícios” importantes para reconstruir
uma melhor compreensão e entendimento desse acontecimento.
As relações existentes entre as Empresas Jornalísticas Caldas Júnior e a comunidade negra
merecem um maior aprofundamento, já que a visibilidade negra foi maior nos veículos ligados à
agência, inclusive com a participação do jornalista Archymedes Fortini, um dos homens mais
importantes deste “veículo jornalístico”, conforme Breno Caldas salientou, em uma das mesas de
conferência do conclave. Mas esse relacionamento, como foi observado, não foi somente no
congresso, e sim desde a fundação do primeiro jornal do grupo, o Correio do Povo, sendo a
288
[s.n]. Alfabetização intensiva do homem negro brasileiro. Porto Alegre: A HORA, 18/09/1958, p.5.
289
MEDEIROS, Laudelino. Trabalhos do 1º Congresso Nacional do Negro seguem com grande entusiasmo. Porto
Alegre: Diário de Notícias, 18/09/1958, p.11.
246
comunidade negra representada naquela ocasião individualmente por Paulino Azurenha e
coletivamente pela Banda Floresta Aurora.
Através desse relacionamento antigo foi possível a parceria entre os organizadores do
“Oásis” porto-alegrense e os veículos ligados à Empresa Jornalística Caldas Júnior, o que
legitimou por intermédio da mídia o encontro, sendo importante lembrar que essa companhia
tinha sucursais em São Paulo e no Rio de Janeiro. Nesse sentido, como as demais empresas
jornalísticas não anunciariam um evento que contava, além desse apoio, também com a parceria
dos governos estadual, municipal e empresas privadas de alto porte? Eis que a visibilidade se
difunde pelos outros jornais e periódicos porto-alegrenses como o A Hora e Diário de Notícias,
além de jornal do centro do país, como o periódico Correio da Manhã, da cidade do Rio de
Janeiro.
No periódico carioca, que circulou no dia 1º de outubro do ano de 1958, na página 03, foi
publicado editorial de seguinte título: “Preconceitos”. Na ocasião, foi dado destaque ao resultado
proposto pelos participantes do Primeiro Congresso Nacional do Negro: “Alfabetização intensiva
do homem negro brasileiro”. O periódico enfatiza que o preconceito no Brasil não é racial e sim
cultural. Conforme registrado no jornal:
A ausência de conflitos raciais no Brasil inspira certa preocupação em
face de uma iniciativa como o I Congresso Nacional do Negro, em Porto
Alegre (...) Encarado assim, aquele congresso impõe atitude de reserva.
Mas também há outra perspectiva, mais positiva: o Congresso Nacional
do Negro pode contribuir para despertar a consciência moral dos brancos
(....) A cultura é, para o indivíduo, meio de aperfeiçoamento espiritual e
profissional. Ou deveria ser. Mas em nosso ambiente a cultura é, muitas
vezes, rebaixada a meio de ascensão social. O diploma de bacharel ou
outro, equivalente, é o bilhete de ingresso para aquilo que se chama, com
algum exagêro, a elite do país. É um ídolo falso; às vezes o diploma é
mesmo falso. Não serve para distinguir o portador. Mas serve para fazê-
lo, como se diz, distinto. Esse preconceito de cultura é ruinoso, no Brasil,
para quase todos os pretos; mas também para muitos brancos.
290
Passaremos a tratar do segundo objeto de análise neste item, as informações veiculadas
em periódicos porto-alegrenses sobre o Primeiro Congresso Nacional do Negro.
290
Editorial. Preconceitos. Rio de Janeiro: Correio da Manhã, 01/10/1958.
[
sp
]
. Acervo particular do Sr. José
Domingos Alves da Silveira.
247
Analisaremos os temas sobre o Congresso tratados no Jornal Correio do Povo e Folha da
Tarde, já analisados pelo relacionamento mantido com a Sociedade Floresta Aurora, e
acrescentaremos mais um periódico a Revista do Globo.
Por isso propomos entender se as informações trazidas pela mídia sobre este Congresso
podem ser condicionadas através de mecanismos internos de uma redação jornalística, neste caso,
das redações dos periódicos citados, todos oriundos da cidade de Porto Alegre/RS. Diante da
questão perguntamos Como as informações sobre o Congresso chegaram até as redações destes
jornais e da Revista? Antes de anunciadas, como localizamos indícios das atividades do
encontro? Quais são as informações que aparecem alteradas entre as localizadas nos documentos
da Sociedade Floresta Aurora e as mensagens anunciadas na imprensa? Quais foram os
comentários sobre os resultados deste congresso, emitidos pelos periódicos pesquisados?
Para responder estes problemas, desenvolverei a abordagem de análise de conteúdo
proposta por Albert Kientz
291
que, através da finalidade a que se propõem os jornais, coloca a
redação das empresas jornalísticas como elemento central na produção e condicionamento das
mensagens, que pretendem atingir o grande público a grande massa.
Kientz (1973) desenvolveu o seu método da seguinte forma: primeiro deu ênfase ao
“tratamento da informação”, segundo, explicou como ocorrem as “alterações das mensagens” e
em um terceiro momento, desenvolveu as suas “fases de tratamento”. Tentaremos, através deste
“norte”, atingir o objetivo desta análise, que não pretende encerrar as possibilidades e as
variações que cada pesquisador pode localizar, tendo por metodologia o estudo do autor.
Para Kientz, as informações somente chegam às redações através dos coletores das
mesmas, que são receptores de mensagens. As notícias podem chegar à redação através de
despachos das agências de notícias, telegrafadas pelos jornalistas, através de celulares, etc., e
depois, são reformuladas. O autor denomina esta reformulação de rewriting, feita pelo
escritor/redator. Pessoas responsáveis para tornar as informações atraentes e acessíveis à massa.
Seguindo a metodologia formulada pelo autor, mais adiante, encontramos características
diferentes de cada “veículo” analisado, já que os redatores são diferentes, o público-alvo diverso
e a periodicidade dos mesmos variada.
291
KIENTZ, Albert. Comunicação de massa – Análise de conteúdo. Rio de Janeiro: Editora Eldorado, 1973.
Agradeço a Professora Sandra Brancato pelas aulas das Disciplinas Imprensa e História em que surgiu-me a
inspiração desta análise.
248
Para atingir os objetivos deste artigo, vamos seguir a metodologia proposta. Em primeiro
lugar, veremos como ocorre o “tratamento das informações”.
Todo órgão de imprensa é, simultaneamente, receptor de mensagens, que chegam através
das agências de notícias, por internet, celulares e de pessoas. No intervalo de tempo que separa a
recepção da emissão, a informação é tratada, acondicionada. O “tratamento” é dado pelos
escritores/redatores. Kientz, explica que o jornal é uma espécie de caixa escura, onde a
informação é recebida e no interior das redações ocorrem transformações e reformulações das
matérias, diferente de como entrou, o que não significa, necessariamente, que as mensagens
sejam falsas. O que acontece são variações de sentidos das informações, segundo Kientz:
A caixa escura dos cibernéticos é um sistema fechado cuja estrutura
interna não é diretamente observável. Somente pelo estudo das reações
aos impulsos que ele lhe comunica é que o observador poderá reconstituir,
por vias dedutivas, o que se passa nessa estrutura escondida. O problema
da “caixa escura” foi primeiramente formulada em eletricidade; dá-se a
um engenheiro um caixa selada que apresenta a tomada de entrada, à qual
ele pode aplicar os choques, tensões e perturbações que lhe apeteçam, e a
tomada de saída, onde ele pode observar o que se produziu, pergunta-se
então o que o engenheiro poderá ter deduzido sobre o conteúdo da caixa.”
(KIENTZ, 1973, p. 78)
Exemplo da caixa escura:
Entrada
Informação original/bruta
Reformulação/ transformação
Realizado pelos escritores/redatores
As notícias que entram na “caixa escura” são as informações originais, recebidas pelos
órgãos de imprensa. Na outra extremidade, teremos o que sai sob a forma impressa nos artigos,
produto já condicionado.
Em seu livro, Kientz pesquisou o Encontro Nacional dos padres do grupo Échanges et
dialogue, realizado em Paris nos dias 11 e 12 de janeiro de 1969. A informação original foi
Caixa
escura/
redação
Saída
Informação
impressa em
j
ornal e revistas
249
emitida em uma comunicação realizada pelos próprios organizadores do encontro, os padres, à
imprensa francesa. O autor, de posse das informações, o corpus retido, comparou as mensagens
comunicadas pelos padres com as impressas nos jornais Le Monde, Lê Nouvel Observateur,
L’Express, Lê figaro Littéraire e France Diamanche, o que compreende semanários e diários.
Neste momento analisaremos o Primeiro Congresso Nacional do Negro Brasileiro,
realizado em Porto Alegre nos dias 15, 16, 17, 18 e 19 de setembro de 1958. O nosso corpus
retido não será um documento de caráter oficial, emitido pelos organizadores do encontro, mas as
ATAS de reuniões da SBFA, três meses antes do encontro e um mês após o seu encerramento,
sendo as informações impressas consultadas nos Jornais Correio do Povo (dias 16 a
20/09/1958), Folha da Tarde (dias 13, 15, 17, 18 e 19/09/1958), ambos com circulações diárias,
e a Revista do Globo (2ª quinzena de outubro de 1958), com edição quinzenal.
Tentarei utilizar as ATAS tendo como exemplo o comunicado realizado pelos padres, na
pesquisa de Kientz. Acredito que as ATAS podem ser utilizadas como documentos originais
antes de serem passados pela “caixa escura”, já que as mesmas tratam de informações
organizativas e originais do evento, não conclusivas como as mensagens do comunicado dos
padres, mas são informações comparáveis com as informações impressas pelos periódicos antes,
durante e após o conclave. Acreditamos que as informações nas ATAS, guardadas as proporções,
podem ser utilizadas através do esquema proposto por Kientz. A diferença é que, ao invés de os
organizadores do congresso terem emitido comunicados para imprensa, em 1958, a exemplo dos
padres franceses em 1969, eu serei o responsável em trazer as mensagens das ATAS até a “caixa
escura” e analisá-las para formular o segundo passo da metodologia, que é como ocorrem as
“alterações das mensagens”.
Para esclarecer as alterações sofridas pela mensagem durante sua
passagem pela ‘caixa escura’, procedemos a uma análise de
conteúdo comparativo do comunicado original e dos artigos retidos
(...) como em toda análise de conteúdo começamos por decompor a
mensagem analisada, dividindo-a em menores unidades de
informação.(KIENTZ, 1973, p.80).
Começamos esta análise, conforme citado acima, dividindo-a em menores unidades de
informação. As ATAS podem ser consideradas através de elementos isoláveis e enunciáveis a
que chamaremos “itens”. Estes “itens” foram retirados das ATAS devido a serem assuntos
250
recorrentes nas mesmas. Entre os elementos isoláveis retive: O nome do Congresso, o objetivo do
encontro, os palestrantes citados, quantidade de participantes e os locais de onde vieram, os
apoiadores e o resultado do evento.
Nesta análise “de alterações das mensagens”, ao invés de examinar como Kientz,
quantitativamente as mensagens comunicadas em seus itens, analisarei qualitativamente as
informações, visto que sentimos e observamos tendências e alterações entre as informações
constadas nas ATAS, e as impressas nos periódicos.
Este é um quadro comparativo e não abrange a totalidade das ATAS pesquisadas nem as
informações impressas em todos os jornais, locais e nacionais, que acompanharam o encontro. É
sim um quadro comparativo das alterações que ocorrem na origem e no final de conteúdos
comparados tendo como procedência ATAS e destino os artigos impressos nos jornais Correio
do Povo e Folha da Tarde e na Revista do Globo.
TABELA 11 - COMPARAÇÃO DE CONTEÚDOS SOBRE O PRIMEIRO CNN
Itens Informações das ATAS de
reuniões da Sociedade
Beneficente Floresta Aurora
Correio do
Povo
Folha da Tarde
Revista do
Globo
1- Nome do congresso Congresso do Negro
Primeiro Congresso
Nacional do Negro
Primeiro Congresso
Nacional do Negro
1ºCongresso Brasileiro
do Negro
2- O objetivo do
encontro
Reunião dos negros mais ilustres
do Brasil e do estrangeiro e
debater temas como: A integração
biológica no Brasil” e “A Alma
não tem cor”.
Não tinha vistas
nenhuma o preconceito
racial e sim um estudo
relativo à necessidade
de maior adaptação do
negro na sociedade
brasileira através da
elevação do nível
cultural do negro.
A necessidade de
alfabetização frente à
situação atual do Brasil,
Situação do homem de
cor na sociedade e Papel
Histórico do negro no
Brasil e demais nações.
Levantamento da
situação do negro no
Brasil e, de modo
especial no RS,
estabelecer novo
entrosamento do negro
na sociedade, elevar o
nível de alfabetização
da classe m nosso
estado.
3- Palestrantes citados Ralfh Bunch, negro americano
delegado da ONU, Embaixador do
Haiti, Prof.Dante Laytano, Prof.
Dario Bitencourt Jornalista Abel
Gonçalves
Armando Temperani,
Divino Teixeira,
Manoel Luis Leão,
Conde Salgado,
Archymedes Fortini,
Dante Laytano, José
Maria Rodrigues,
Justiniano Espírito
Santo, Arilton Silva,
Coelho de Souza,
Walter Santos.
Prof. Gilberto Jorge
Gonçalves- UFRGS,
Laudelino Medeiros -
UFRGS, Prof. Vera
Bandeira Marques –
UFRGS, Dr. Justiniano
Espírito Santo,
Radialista Abel
Gonçalves, prof. Darci
Conde Salgado-
UFRGS, Prof. Dario
Bitencourt - UFRGS,
Walter Santos,
presidente da SBFA, Dr.
Luís Legsiner de Farias,
Diretor da Faculdade de
Engenharia, Darcy
Conde Salgado, Manoel
Luis Leão, engenheiros,
Prof. Vera Bandeira
Marques, Prof.
Laudelino de Medeiros
e o Cel. Theófilo de
Barros.
251
Dr. Armando
Temperani Pereira –
UFRGS, Dr. Coelho
Neto, Dr Hélio
Carlomagno, Prof. José
Maria Rodrigues, Dr.
Armando Hipólito dos
Santos e Prof. Dante
Laytano.
4- Quantidade de
participantes e os locais
que vieram
Contou com a presença de
participantes Minas Gerais, Rio de
Janeiro, interior do Rio Grande
do Sul, Rio Grande e Uruguaiana,
clubes negros de Porto Alegre,
Marcílio Dias e Satélite Prontidão,
Sociedade Estrela do Oriente de
Rio Grande. Professores
conhecidos do estado e do país.
Contou com a presença
de elementos destacados
em vários ramos de
atividades de todo o
Brasil. Apesar da
torrencial chuva
caída(sic), na ocasião de
se instalar o congresso,
o ato teve grande
assistência.
Contando com a adesão
das sociedades que
reúnem os negros de
todo o Brasil, o
Congresso reunirá
representantes de São
Paulo, Rio de Janeiro,
Paraná, Santa Catarina e
vários outros, cujas
delegações já estão
chegando a Porto
Alegre. Na sua
instalação contou com
grande afluência de
público.
Contou com regular
assistência,
principalmente por parte
dos associados do clube
organizador e de alguns
poucos visitantes de
outros estados. O
Congresso não chegou a
a atingir toda a classe
desta capital, nem do
Estado e muito menos
do Brasil.
5- Organizadores e
Apoiadores
Governo Municipal, Estadual e
Federal, Pepsi-Cola, Radio
Farroupilha, Jornal Folha da
Tarde e Correio do Povo e
sucursais no Rio de Janeiro e em
São Paulo.
Walter Santos ressaltou
a colaboração
prestimosa que os
organizadores do
Congresso receberam
dos Governo Federal,
Estadual, Municipal
bem como de nossa
impressa, em especial
do Correio do Povo e
Folha da Tarde
Floresta Aurora Floresta Aurora
6 - O resultado do
encontro
Cumprimentos a clubes locais e
nacionais negros, cumprimentos a
empresas locais e de outros
estados, cumprimentos a
Assembléia Legislativa e a
Prefeitura.
Resultados animadores,
inicio de uma grande
campanha objetivando a
integração total do
homem na sociedade
brasileira.
Agradecimentos do
presidente da SBFA,
Walter Santos ao
Governo Federal,
Estadual e Municipal
bem como para a
imprensa, em especial
do Correio do Povo e
Folha da Tarde.
O Congresso alcançou
plenamente os seus
objetivos coroando os
esforços de seus
organizadores. A
situação do nosso
homem de cor foi
estudada em todos os
seus aspectos, cultural e
econômico, sendo
tomada uma serie de
providências visando a
melhora-la. Será
organizado um grande
plano de educação e
serão criados cursos de
alfabetização que já se
conta com professores
de cor para auxiliar
neste sentido.
Certamente serviu como
uma preparação, talvez
remota, para próximos
conclaves que, segundo
a opinião de muitos, se
fazem necessários, para
estudarem e debaterem
o problema do negro em
nosso país.
Fontes consultadas: Jornal Correio do Povo dos dias16 e 20 de setembro de 1958, Jornal Folha da Tarde, dias 13, 15,
17, 18 e 19 de setembro e Revista do Globo, 2ª quinzena de outubro de 1958.
252
Kientz explica que as alterações das mensagens ocorrem de três maneiras: “perdas de
informações, distorções e parasitagem”
.
Através destes níveis de alterações farei alguns
comentários do quadro acima.
Kientz explica que as alterações das mensagens ocorrem de três maneiras: “perdas de
informações, distorções e parasitagem”. Através destes níveis de alterações farei alguns
comentários do quadro acima.
Referente à “perda de informações” o quadro a ser analisado difere quanto ao conteúdo
utilizado por Kientz, mas não quanto à forma, já que ele analisou as mensagens do Encontro
Nacional dos padres do grupo Échanges et dialogue, através de um comunicado oficial emitido
pelos padres para a imprensa francesa. Utilizaremos o seu método analisando as informações
pesquisadas das ATAS de reuniões localizadas no acervo documental da Sociedade Beneficente
Floresta Aurora. É importante salientar que, nestes documentos, foi possível encontrar as
informações até três meses antes da realização do Congresso, mas durante e depois os dados são
escassos, o que não ocorre nos jornais pesquisados. Ou seja, através das informações das ATAS,
dos jornais e revistas foi possível ter um corpus razoável de subsídios sobre o Primeiro
Congresso Nacional do Negro Brasileiro realizado em Porto Alegre, entre os dias 14 a 19 de
setembro de 1958.
As “perdas de informações” variam de intensidade. Pelo fato de aplicarmos o método
utilizando ATAS, entendemos que descobrir o que foi perdido das informações do ‘Congresso’
até passagem pela ‘caixa escura’, e após, sua impressão na mídia, não é tarefa simples, até porque
as informações saíram com mais intensidade na imprensa, posteriormente, do que anteriormente
nos documentos pesquisados. O que nos fica ‘latente’ é que as informações dos jornais Correio
do Povo e Folha da Tarde são muito próximas, no quadro 3, que são os palestrantes citados, na
Revista do Globo, faltam a maioria dos nomes, o que entendemos como “perdas de
informações”.
Em compensação, podemos analisar em que medida existe “distorções” nas informações
consultadas. Por exemplo: no item 1 são localizadas “distorções” quanto à nomenclatura do
acontecimento. Nas ATAS da SBFA é citado o conclave como Congresso do Negro, nos jornais
Correio do Povo e Folha da Tarde, é citado o evento como Primeiro Congresso Nacional do
253
Negro e na Revista do Globo o nome do encontro é anunciado como Primeiro Congresso do
Negro Brasileiro
. Devido a estas transformações podemos caracterizar a “distorção”.
Nos itens 4 e 5, respectivamente, denominado de participantes e resultados do encontro, é
possível notar outra “distorção” na informação. Nas ATAS, que coloco o “grau” de original,
notamos as evidências de que vieram para Porto Alegre delegações de outras regiões do estado e
do país, assim como no quadro “resultados”. Através da relação de cumprimentos, também
localizados em ATAS, evidenciamos que o Congresso atingiu números expressivos de
participantes.
Nos Jornais Correio do Povo e Folha da Tarde são encontradas informações que
respaldam as ATAS, tanto quanto aos participantes presentes e os resultados do encontro (ver
quadro 1), o que não ocorre na Revista do Globo. Na realidade os jornais legitimam o encontro,
pois vislumbram a iniciativa como algo necessário para a elevação social e cultural do negro. Já a
Revista do Globo utilizou, em sua matéria,, a pouca participação de público e o resultado regular
do encontro dando a entender que a iniciativa foi válida, mas não obteve êxito.
A “parasitagem” é o terceiro tipo de alterações das mensagens. Ocorre devido às
multiplicações em torno do tema. No nosso caso, assim como ocorreu na perda de informações,
temos as nossas análises diferenciadas. Kientz pôde realizar a análise do elemento “parasitagem”,
comparando o tamanho do texto comunicado pelos padres e os que foram impressos no jornal.
Preferiremos notar a “parasitagem” da seguinte forma: quantas linhas os ‘veículos de
comunicação’ pesquisados escreveram e quais as maiores ênfases dos conteúdos.
TABELA 12 - COMPARATIVO DE QTDE LINHAS IMPRESSAS SOBRE O 1ºCNN
Periódico QTD linhas Matérias Média linhas
Correio do Povo 338 02 169 p/ dia
Folha da Tarde 353 05 70,6 p/ dia
Revista do Globo 61 01 61 p/ dia
Fontes consultadas: Jornal Correio do Povo dos dias 16 e 20 de setembro de 1958, Jornal Folha da Tarde, dias 13, 15,
17, 18 e 19 de setembro e Revista do Globo, 2ª quinzena de outubro de 1958.
No próximo quadro o número de linhas nos mostra a importância quantitativa acordada
aos diferentes temas, pela imprensa, a partir dos itens por mim sugeridos que são: Objetivos do
Encontro, Programação do Encontro e resultados e conclusões.
254
TABELA 13 - COMPARATIVO DE TEMAS
Periódicos
Objetivos do
Encontro
Programação do
Encontro
Resultados e
Conclusões
Correio do Povo 11 linhas 61 linhas 31 linhas
Folha da Tarde 50 linhas 105 linhas 60 linhas
Revista do Globo 15 linhas 9 linhas 13 linhas
Fontes consultadas: Jornal Correio do Povo dos dias16 e 20 de setembro de 1958, Jornal Folha da Tarde, dias 13, 15,
17, 18 e 19 e Revista do Globo, 2ª quinzena de outubro de 1958.
Através da quantidade de linhas publicadas fica configurada a “parasitagem” explicada
por Kientz, que coloca como sendo um elemento de variações das mensagens, ou seja, a
multiplicação de seu volume. Nas ATAS, por mais curioso que possa parecer, não é localizada a
programação completa do evento. Portanto, para perceber e entender melhor este processo
devemos notar a ênfase que a Revista do Globo dá para a programação do evento, em um total
de 9 linhas; já a Folha da Tarde coloca 105 linhas de programação. Nitidamente notamos uma
variação multiplicada em mais de onze vezes no conteúdo de um para outro “veículo”.
Agora passamos para a terceira e última parte da metodologia proposta, que são as
principais “fases de tratamento da informação”. Para Kientz, facilmente observáveis se
colocarmos em evidência as variáveis a que se associam as perdas, distorções e parasitas
revelados pela análise de conteúdo e que nos possibilita propor um esquema interno da ‘caixa
escura’. (KIENTZ, 1973, p.85)
Filtragens em função da originalidade
Neste sentido, o que é informativo é o novo numa mensagem. A imprevisibilidade, que é
fornecida pela mensagem. O caráter surpreendente, conforme Kientz, faz do evento uma notícia.
Na proposta, devemos nos perguntar: o que o jornalista percebeu como inédito nesse
acontecimento? A fórmula de Roland Barthes é utilizada por Kientz sobre os títulos e manchetes
do encontro de padres. Por exemplo: Encontro Nacional de Padres Contestadores. Cabe a
pergunta, padres contestam? Quando eles saíram da ordem?
Para Kientz não é original a associação padre contestador, mas a associação padres-
contestadores. A contestação não é isolada ou individual e sim de um grupo organizado.
Pensando na originalidade do Primeiro Congresso Nacional do Negro, destacaremos o evento
listando como ocorreram os títulos das matérias nos periódicos pesquisados.
255
TABELA 14 – TÍTULOS NOTICIADOS SOBRE O PRIMEIRO CNN
Periódico Data Titulo
Correio do Povo 16 de setembro de 1958
20 de setembro de 1958
Instalados os trabalhos do
Congresso Nacional do
Negro.p.13.
Encerrados os trabalhos do
Primeiro Congresso
Nacional do Negro.p 07.
Folha da Tarde 11 de setembro
13 de setembro de 1958
15 de setembro de 1958
17 de setembro de 1958
18 de setembro de 1958
19 de setembro de 1958
Primeiro Congresso
Nacional do Negro.p11.
Instala-se amanhã o
Primeiro Congresso
Nacional do Negro.p5.
Homens de cor de vários
Estados no I Congresso
Nacional do Negro.p14.
Encerra-se amanhã o
Primeiro Congresso
Nacional do Negro.p18.
Ultima reunião do
Congresso Nacional do
Negro.p40.
Encerrado ontem
brilhantemente o I
Congresso Brasileiro do
Negro.p35.
Revista do Globo 2ª quinzena de Outubro de
1958.
Negros (em congresso)
debatem seus
problemas.p86.
Fontes consultadas: Jornal Correio do Povo dos dias16 e 20 de setembro de 1958, Jornal Folha da Tarde, dias 13, 15,
17, 18 e 19 e Revista do Globo, 2ª quinzena de outubro de 1958.
Em todos os títulos das matérias o original é a realização do Congresso
.
Este evento é
“fruto” da ação coletiva, como o encontro dos padres. Não é o negro individualmente discutindo
a sua situação e sim os negros reunidos em um conclave, acompanhado por grande parte da
imprensa porto-alegrense como sendo o primeiro, portanto, inédito a nível nacional. O que
256
colabora para o acontecimento ser incomum. A originalidade do evento possui duas variáveis: a
quantidade de papel a preencher e as quantidades de mensagens originais provenientes do meio
ambiente e seus índices de originalidade. “O órgão de imprensa desempenha o papel de uma
espécie de gargalo de estrangulamento que se contrai ou dilata em função dessas duas variáveis”.
(KIENTZ, 1973, p.90).
Tratamento da informação em função da inteligibilidade
Filtragens
É quando a mensagem passa por uma peneira e que possibilita o leitor intelectual médio
entender a publicação. É a facilitação pensada pelos escritores/redatores para o entendimento da
população em geral sobre um determinado acontecimento. Quanto menor a frase maior a
possibilidade de entendimento por parte dos leitores.
Outro fator de facilitação de entendimento é aplicado através das palavras-chave
utilizadas pelos jornais. Esta palavra é repetida diversas vezes sendo a sua freqüência provocada
para que o leitor assimile a informação.
Na matéria publicada na Revista do Globo, as palavras mais citadas foram: Congresso,
oito vezes,
negro
, com seis citações e
Floresta Aurora
, cinco vezes. Nas informações
consultadas no Jornal Folha da Tarde as palavras mais freqüentes foram: Primeiro Congresso
Nacional do Negro
, citada 24 vezes,
Sociedade Floresta Aurora
, com 16 citações e
Walter
Santos, citado seis vezes.
292
Ou seja: as palavras que mais saíram relacionam-se ao nome do
encontro, à entidade organizadora e ao presidente da entidade, “ingredientes” que facilitam ao
público leitor a compreender plenamente a informação.
Embalagens
Neste item a redundância da informação auxilia o leitor a compreender a mensagem. Por
exemplo: “o clero, esse corpo social que tem suas tradições, seus usos, suas regras” (clero=corpo
social=grupo que tem tradições, usos e regras próprios). Quanto ao congresso temos a seguinte
informação na Revista do Globo: “A Sociedade Floresta Aurora, sociedade organizadora do
292
Informações localizadas no jornal Folha da Tarde, dias 13, 15, 17, 18 e 19 e Revista do Globo, 2ª quinzena de
outubro de 1958.
257
conclave, agremiação de gente de cor...” (Sociedade Floresta Aurora=sociedade
organizadora=agremiação de pessoas de cor).
Tratamento da informação em função do grau de implicação
Neste item é medido o grau de implicação de uma informação. Kientz retirou este método
de A. Moles
293
, que propõe uma escala de 7 graus, do mais próximo ao mais distante grau de
implicação.
Filtragens
As perdas sofridas pelas mensagens de origem podem ser relacionadas com esta variável:
distância psicológica do indivíduo, que desempenha um papel preponderante na seleção das
informações, tornando-se um “gargalo” de ‘estrangulamento “elástico” das matérias. Dependendo
do público a que se direciona, o grau de implicação pode alternar de nível constantemente.
Embalagens
Neste item a empresa, o veículo da informação, em sua “caixa escura”, atribui polaridades
ao valor da informação, que são positivas ou negativas, favoráveis ou desfavoráveis, o que
influencia no juízo de valor do órgão emissor em determinada notícia. “Durante o tratamento a
que as notícias em bruto têm de ser submetidas, o órgão de imprensa atribui a cada uma delas
uma maior ou menor importância”. (KIENTZ, 1973, p.99).
Nota-se esta importância através da página em que foi impressa a informação: se no
início, no meio ou no final do jornal, na quantidade de linhas impressas sobre o evento, na
ilustração, etc. Ou seja, as embalagens são elementos qualitativos, se atribuídos juízo de valor ou
293
MOLES, A. Sociodynamique de La culture, Paris e Haia: Mouton, 1967. Abaixo, os sete graus de implicação
sobre o leitor. Quanto maior o grau, maior também se torna a distância entre a influência da matéria/ informação
sobre a vida prática do indivíduo:
1 - Implica uma reação imediata e concreta do indivíduo (ex. mobilização).
2 - O leitor é diretamente envolvido (ex: aumento do custo de vida).
3 - O indivíduo pode se permitir ignorar essa informação; interessa-se por ela sem se sentir preocupado.
4 - Implicações distantes ou a longo prazo (ex.: modificações do meio ambiente).
5 - O item está ligado, de forma enunciável, a acontecimentos que afetam o indivíduo.
6 - Preocupa vagamente o indivíduo, sem que possa definir em quê.
7 - Nenhuma implicação: o caso passa-se num outro planeta.
258
quantitativo, dependendo da abundância de linhas impressas sobre o tema. É importante destacar
que muitas matérias podem ser influenciadas por outros fatores, como espaço disponível para
preencher do jornal e valores atribuídos por determinado evento “surpresa”.
Para sensibilizar o leitor a imprensa utiliza textos personalizados, ou, como explica
Kientz, “humanos”. Através disto, a tendência de atrair leitores é maior. Abaixo, localizamos
mensagens que nos auxiliam a entender como ocorre o “tratamento da informação” em função do
grau de implicação.
O Jornal Folha da Tarde traz as seguintes mensagens: “A situação do nosso homem de
cor foi estudada em todos os seus aspectos” e “Nossos irmãos, os negros, debatem o seu
desenvolvimento cultural”.
294
Acreditamos, que este é o Grau nº 2, a qual o leitor é diretamente
envolvido. Já na Revista do Globo o título da matéria “Negros (em congresso) debatem seus
problemas” e a frase: “Certamente serviu como uma preparação, talvez remota, para próximos
conclaves que, segundo a opinião de muitos, se fazem necessários, para estudarem e debaterem o
problema do negro em nosso país”
295
, distanciam as informações do indivíduo, para nós obtendo
o Grau nº4, denominado de implicações distantes ou ao longo prazo.
Tratamento da informação em função da profundidade
Este tratamento é aplicado à imprensa sensacionalista, onde a principal meta da
informação é atingir o subconsciente das pessoas. Através do impacto ocasionado pelas
mensagens, o leitor acaba sendo influenciado em sua profundidade psicológica. Este item será
deixado de lado tendo em vista o corpus utilizado como fonte deste artigo, caracterizados como
‘veículos de informação’ sem cunho, a princípio, sensacionalista.
Para concluir, acreditamos que a análise de conteúdo proposta para a realização de nosso
objetivo, elaborada através da metodologia construída por Albert Kientz, pode ser aprofundada,
pois apenas fizemos um breve e simples resumo, do que pode ser realizado através de diferentes
294
sn/Encerrado ontem Brilhantemente o Primeiro Congresso Nacional do Negro/ FOLHA DA TARDE/ Porto
Alegre/ 19/09/1958/ p.35) e sn/Homens de Cor de vários estados no I Congresso Nacional do Negro/ FOLHA DA
TARDE/ Porto Alegre/ 15/09/1958, p.15.
295
Negros (em congresso) debatem seus problemas. REVISTA DO GLOBO nº 727. Porto Alegre, out 18 a 31. 1958,
p, 86.
259
composições de análise das informações advindas dos meios de comunicações, neste caso, da
mídia impressa.
296
Aplicamos esta metodologia utilizando como documentos as ATAS de reuniões da
Sociedade Beneficente Floresta Aurora
, escritas entre junho e setembro de 1958. Nestes
documentos são localizadas as informações preparatórias do Primeiro Congresso Nacional do
Negro,
bem como os seus resultados, o que possibilita fazer comparativos entre as mensagens ali
contidas e as que saíram como matérias nos periódicos: Correio do Povo, Folha da Tarde e
Revista do Globo. Sabemos dos limites que enfrentamos em propor tal metodologia, avançando
em determinadas etapas e recuando em outras, visando aplicar da melhor maneira a metodologia
proposta, tendo consciência da dificuldade que foi buscar as informações contidas nas ATAS e
“empurrá-las” para dentro das ‘caixas escuras’.
297
Através deste exercício tivemos a sensação de um melhor entendimento de como uma
informação pode ser reformulada e transformada de acordo com o “veículo” emissor. Ou seja: a
‘caixa escura’, denominada de redação, é constituída, conforme explicou Kientz, de ‘choques e
tensões’ o que muitas vezes passa despercebido por nós, leitores.
O Primeiro Congresso Nacional do Negro Brasileiro foi organizado na sala de reunião
da Sociedade Beneficente Floresta Aurora, que o realizou com o apoio da Prefeitura Municipal
de Porto Alegre, do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, Governo Federal, da imprensa
local e nacional, de empresas gaúchas e de fora do Estado e do PTB. As informações sobre o
congresso chegaram até as redações dos jornais Correio do Povo e Folha da Tarde devido a
estes periódicos serem apoiadores do encontro, inclusive recebendo em suas redações o
presidente da agremiação, Sr. Valter Santos e seus conselheiros Sr. Eurico Souza e Sr. Delmiro
Lemos, ambos citados em ATAS.
298
296
A proposta original desta metodologia foi construída tendo por referência um comunicado emitido pelos
organizadores do Encontro Nacional dos padres do grupo Échanges et dialogue, realizado em Paris nos dias 11 e 12
de janeiro de 1969. Repassado para os jornais Le Monde, Lê Nouvel Observateur, L’Express, Lê figaro Littéraire e
France Diamanch. Através do comunicado oficial, Kientz pôde observar fielmente como ocorreram as etapas de sua
teoria que são: “tratamento da informação, as alterações das mensagens e as suas fases de tratamento”.
297
As “caixas escuras” são consideradas as redações dos jornais, local onde ocorrem as tensões e conflitos para a
impressão e conseqüente circulação dos jornais para o público leitor. As caixas escuras aqui analisadas foram: a
redação do Correio do Povo, Folha da Tarde e Revista do Globo.
298
Informação localizada na ata 252, de junho de 1958.
260
Em contrapartida, nada foi localizado sobre a presença, visitas ou conversas entre os
organizadores do Congresso com pessoas vinculadas à
Revista do Globo.
Este indício pode ser
notado na composição dos conteúdos impressos nos periódicos pesquisados por nós. Neles foi
visível a aproximação do
Grupo Jornalístico
Caldas Junior
, dono dos jornais
Correio do Povo
e Folha da Tarde, com as intenções da SBFA, que era fazer deste encontro um sucesso de
público e de difusão de idéias em torno das propostas para conhecer e melhorar a situação da
comunidade negra na sociedade gaúcha e brasileira.
Ao mesmo tempo, foi notado por nós o distanciamento da redação da Revista do Globo
na organização e nos resultados do congresso, fator também influenciado por se tratar de um
veículo quinzenal, diferentemente dos jornais, com circulação diária. Itens comprovados e
observáveis através do método proposto e aplicado por Kientz no Encontro Nacional dos
padres do grupo Échanges et dialogue e utilizado por nós na análise de conteúdo das
informações sobre o Primeiro Congresso Nacional do Negro Brasileiro, realizado em Porto
Alegre, através dos condicionamentos das mensagens impressas nos periódicos Correio do Povo,
Folha da Tarde e Revista do Globo.
Mas existiram relações entre o Partido Trabalhista Brasileiro e as Empresas
Jornalísticas Caldas Junior? Provavelmente, mas estas relações mereceriam um maior
aprofundamento, que devido a nossa proposta e o tempo disponível, deixaremos para outro
momento.
261
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Esta pesquisa teve três objetivos principais. O primeiro foi o de demonstrar como
aconteceu a participação ativa de intelectuais tradicionais e orgânicos negros identificados com a
temática afro-brasileira e negra desde 1931, ano de fundação da Frente Negra Brasileira na cidade
de São Paulo até 1958, ano de realização do Primeiro Congresso Nacional do Negro, organizado
pela SBFA, ocorrido na cidade de Porto Alegre, enfocando os interesses destas propostas.
O segundo, tentar identificar como estas idéias se movimentaram pelo Brasil, difundindo
as questões culturais, socais e políticas sobre a participação da comunidade negra na história
brasileira.
E o último, consiste em procurar entender como estas questões foram sendo
gradativamente localizadas em Congressos nacionais em torno do tema, bem como se estes oásis
delinearam, de fato, um rumo satisfatório à conscientização da comunidade negra no que tange as
suas necessidades culturais, sociais e políticas, entre 1931 e 1958.
Quanto ao primeiro ponto, acreditamos tê-lo atingido com sucesso, já que conseguimos
localizar uma grande gama de intelectuais tradicionais e intelectuais orgânicos negros envolvidos
ativamente na formação de oásis sobre a temática afro-brasileira e negra em nosso país.
Salientamos que identificamos como intelectuais tradicionais Gilberto Freyre e Edison Carneiro,
pois os mesmos, embora organizando congressos que versassem sobre a participação africana na
identidade nacional, percebiam esta influência através de aspectos culturais, influenciados pela
visão tradicional oriunda de pensadores como Nina Rodrigues, Silvio Romero e Antônio
Austragésilo, uma vez que sentiam e defendiam que a principal participação da comunidade
negra foi a sua contribuição como formadora da nação brasileira sendo identidade integrante, sem
mencionar uma preocupação maior com os problemas cotidianos sofridos por este grupo e sim a
influência de seus costumes no dia-a-dia. Para eles, a identidade negra estava amalgamada com
outros dois grupos - os brancos e os índios - que, desta forma, constituíam o brasileiro. Da mesma
mistura surgiu o que muitos denominam de “democracia racial” e que outros a classificaram
como mero “mito”. Percebemos esta construção ideológica também como mito, já que, de fato,
existiam no dia-a-dia os desertos como preconceito, o racismo e a discriminação, nos anos trinta e
finais do cinqüenta contra as populações afro-descendentes.
262
Por outro lado, identificamos, nos intelectuais orgânicos negros, os porta-vozes e
representantes dos interesses dessa comunidade. Entre estes, localizamos: Arlindo Veiga dos
Santos, Miguel Barros, Rodolfo Xavier, Solano Trindade, Abdias do Nascimento, Guerreiro
Ramos, Heitor Nunes Fraga, Valter Santos e Archanjo Martins Santos.
Estes homens constituíram, em nossa opinião, um seleto grupo de pensadores da causa
negra. Ao reivindicar melhorias nas condições sociais de sua comunidade, assumiram como fator
de resistência a força de sua identidade, a ponto de criar uma nova opção ideológica, em
contraponto à ideologia da mestiçagem: a da negritude.
Devido à complexidade do tema, e tentando manter certo distanciamento destes atores
históricos, percebemos que muitos intelectuais, brancos e negros, entre 1931 e 1958, se
misturavam, ora parecendo orgânicos, ora tradicionais independentes de sua origem racial, já que
o contexto em questão se torna ambíguo ao que poderia ser mais importante para as necessidades
da comunidade negra, sendo que, a mesma continuou após a abolição da escravidão, imersa em
desamparo, aprendendo na difícil tarefa diária no âmbito das relações sociais a superar as suas
dificuldades. Nesse sentido: como dizer que era negativo compor, como comunidade, a formação
da nação? Como deixar de ser brasileiro se a África era outra dimensão à realidade
concreta/social? Ser mestiço foi muito importante para este grupo, pois a partir da identificação
nacional ele passou a entender quais estratégias poderiam ser traçadas para se tornar um cidadão.
Verificamos muitas situações que merecem aprofundamentos, já que se estes intelectuais
tradicionais fossem tão contraditórios quanto aos orgânicos, situações como estas seriam
impossíveis, bem como por exemplo: Gilberto Freyre, organizador do Primeiro Congresso Afro-
Brasileiro, sendo um dos principais colaboradores do Jornal “Quilombo”; do Teatro Experimental
do Negro, escrevendo uma coluna denominada “Democracia Racial”, enfatizando na estréia do
periódico que: “entre nós, os indivíduos de evidente origem africana não se sentem “africanos”
ou “negros”, mas brasileiros: tão brasileiros quanto os mais puros descendentes de índios; tão
brasileiros quanto os filhos de portugueses...”. (Jornal “Quilombo”, 1948, p.1, nº1, Ano 1). O
pensamento de Freyre vai ao encontro do pensamento da Frente Negra Brasileira nos anos trinta,
uma vez que a ideologia daquela organização era a reivindicação do negro como brasileiro, pois
como cidadão brasileiro queria usufruir dos direitos que a constituição lhe concedia.
263
Outro exemplo é o de Edison Carneiro, que além de ter sido o organizador do segundo
Congresso Afro-Brasileiro, também foi um dos líderes da Conferência Nacional do Negro, de
1949, e do Primeiro Congresso Nacional do Negro, ambos realizados no Rio de Janeiro, que
contaram com a participação direta de Abdias do Nascimento e Guerreiro Ramos, nas diligências
do encontro. Portanto, sentimos que estes intelectuais, naquele momento, eram unânimes em um
único ideal: identificar a identidade negra como sendo uma das que contribuíram para a formação
de nossa nação. Desta relação entre ambos se sobressaíam os aspectos culturais da identidade
negra incorporada à nação.
Por isso, praticamente todos os intelectuais orgânicos negros entendiam e reivindicavam
o negro como formador da nacionalidade brasileira. Mas mesmo entendendo isso, que esta
condição elevava a comunidade culturalmente, eles queriam também a ascensão material,
identificada por nós nos aspectos sociais. A partir daí, sentimos que passaram a se distanciar os
interesses de intelectuais tradicionais e negros que entendiam a temática.
Mas se a questão social distanciava os intelectuais, ao mesmo tempo aproximava os
interesses de outros grupos, como, por exemplo, os políticos, o que abriu espaço para outra
relação: a de intelectuais negros com os políticos partidários.
E foi nessa relação, partindo de interesses em torno da necessidade social, o principal elo
que identificamos entre os formadores do movimento frentenegrino, quando visitaram Getúlio
Vargas, na década de 1930, e os coordenadores do Primeiro Congresso Nacional do Negro, sob
organização da SBFA, que formaram aliança com Leonel Brizola no final da década de 1950.
Ambas as associações negras, por trajetos muito próximos, queriam que seu grupo étnico fosse de
fato inserido nas estruturas institucionais deste país. Já os políticos partidários pensavam em
consolidar seus projetos, fossem de estilo mais autoritário, como os de Getúlio Vargas, ou mais
democráticos, como os de Brizola, que com a ideologia do nacionalismo e do trabalhismo
mantinham a hegemonia desta relação, proveitosa em alguns pontos com os interesses
estratégicos da comunidade negra.
A partir do momento em que as reivindicações, por parte dos intelectuais negros, passam
a surgir, visando a integração e a melhoria dos aspectos sociais de sua comunidade, através de
relacionamentos com políticos partidários, começam a existir conflitos entre os intelectuais
negros e os tradicionais, pois os últimos entendiam que a partir dos interesses de pessoas
264
vinculadas à questão política partidária, poderiam existir ameaças para as reivindicações da
comunidade negra na construção de uma nação democrática etnicamente, o que notamos no final
do Primeiro Congresso do Negro Brasileiro, realizado em 1950, na cidade do Rio de Janeiro.
Conforme Ceva (2006, p.66), “correntes divergentes surgiram no interior do Congresso
realizado no Rio de Janeiro, ilustrando a complexidade do tema, entre academia e militância”.
Uma delas foi coordenada por Edison Carneiro, Darcy Ribeiro e Costa Pinto. Elisa Larkin do
Nascimento (2003, p.267) explica que esse grupo afirmava que, a idéia de organização política da
comunidade negra significava impor uma solução norte-americana à noção de cultura negra e
africana no Brasil Moderno constituíndo um saudosismo ilusório. Os intelectuais negros
independentemente das críticas continuaram a exigir e a reivindicar em outras esferas.
Após lutarem pelos aspectos sociais, estes intelectuais negros, passam a querer disputar no
âmbito do voto, o que surgiu em 1934, quando a FNB se transformou em partido político e foi
extinta pela ditadura do Estado Novo, melhorias nas condições da comunidade negra. O que
também se configurou após o seu fechamento, pois os líderes deste grupo, representados por
outras organizações e outros agentes continuam a construir alianças com políticos em prol de
seus interesses e de sua identidade. Isso nos pareceu bem delineado por ocasião de três vitórias
obtidas, em Porto Alegre, pela Sociedade Beneficente Floresta Aurora, sob liderança de Valter
Santos, em 1958 após a realização do encontro.
A primeira foi conseguir a troca da sede social da entidade, pequena e acanhada devido ao
crescimento de seu quadro social, para uma maior em uma zona nobre, o bairro Cristal,
localizado em frente ao hipódromo da cidade. A segunda foi a de possibilitar que um
representante da comunidade negra, Sr. Alexandre Moreira, participasse como chefe de gabinete
do Governador do Estado do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, após eleições estaduais. E a
terceira foi a comunidade negra, representada pela SBFA, propor, em conjunto com os poderes
públicos constituídos: “A campanha nacional de alfabetização intensiva do homem negro
brasileiro”, em virtude do alto índice de analfabetismo que assolava grande parcela desta
população.
Estas três vitórias serviram de exemplo para os negros brasileiros de outros estados, como
observamos nas correspondências de Archanjo Martins Santos, da cidade de Barra Mansa para o
265
Governador do Rio de Janeiro, que percebeu, nestas vitórias e na aliança de organizações negras
com políticos, situações que serviam para a democracia.
Notamos, nas correspondências de Archanjo, que para os intelectuais negros somente
poderia existir de fato uma “democracia racial”; se fossem contemplados, além dos aspectos
culturais, os sociais e políticos, já que somente o aspecto cultural, embora notado como
importante para eles, resolvia minimamente a integração do negro na sociedade. Com isso eles
criaram uma outra ideologia afirmando a sua negritude.
Localizamos em nossa pesquisa duas propostas ideológicas: a da “democracia racial”,
vinculada aos intelectuais tradicionais, e a “ideologia da negritude”, pensada por intelectuais
negros. A primeira com o interesse de demonstrar a contribuição da identidade negra como
formadora da nação, e a segunda, pensada por intelectuais negros, que enfatizavam que a
integração somente ocorreria se os problemas sociais cotidianos, tais como falta de moradia,
educação, combate ao racismo e a luta por direitos, fossem contemplados.
A partir das alianças políticas passam a surgir novos interesses e agentes nestes oásis,
intelectuais políticos partidários, que mediam as necessidades da comunidade negra com as suas,
de cunho eleitoral. Estes políticos foram: Getúlio Vargas, Leonel Brizola e Armando Temperani
Pereira, todos vinculados ao trabalhismo e ao PTB. É importante salientar que a partir destas
alianças aparecem as candidaturas dos representantes negros. Com base nestas evidências,
notamos que os interesses políticos deram o tom dos congressos formados nos anos cinqüenta.
No Primeiro Congresso Nacional do Negro de Porto Alegre, intelectuais vinculados aos
grupos políticos e à comunidade negra tinham um interesse bem definido: a educação. Seja ela
pensada como programa político nacionalizador, neste caso ligado à ideologia do PTB, seja ela
pensada como estratégia de inserção e de integração social, representada pela SBFA, que por ser
uma sociedade negra antiga entendia o sofrimento de seus pares e o analfabetismo existente. Em
síntese, entendemos que o principal elo de “estabilidade” entre os projetos destas duas
organizações político-sociais foi a educação.
A partir daí surgiu um terceiro interesse nestas relações, as alianças políticas eleitorais
como forma de equilibrar as coisas, fazendo, com isto, a comunidade negra atingir parte de seus
objetivos, motivada pela alfabetização considerada como o meio termo desta negociação, e que
266
para muitos passou a ser identificado como elemento da “ideologia do branqueamento” ou a
imitação do negro pelos valores brancos.
O conceito de branqueamento surgiu justamente nos anos cinqüenta, influenciado pelos
intelectuais ligados à Sociologia da USP, que teorizavam a sociedade através do materialismo
histórico, colocando o negro como proletário e o branco como burguês. Nomes como Florestan
Fernandes, Fernando Henrique, Otávio Ianni e Bastide, analisavam o processo de branqueamento
como um interesse social do negro em, negando-se a si próprio, ser aceito no mundo dos brancos,
e consequentemente tornando-se um burguês.
Nós acreditamos, embasados nas entrevistas realizadas com pessoas que participaram de
organizações negras porto-alegrenses, que o negro, ao querer se educar, ao se alfabetizar, ao estar
envolvido com a política, com a imprensa, no relacionamento com outros grupos e através de
contatos com os valores hegemônicos, antes de querer se branquear, o que achamos difícil, mais
por uma questão social, que genética, ele fazia através de seus representantes estratégias de
inserção, em um momento em que a circulação da informação e as alianças entre diversos
intelectuais de ideologias e de variadas tendências passam a serem importantes meios de
conseguir benefícios humanos e sociais para uma comunidade que queria se integrar. Todos estes
fatores são um meio termo para uma sociedade mais democrática, pois nitidamente notamos que
se os negros foram influenciados pelos demais grupos sociais, eles também os influenciaram,
transformando o mundo em que viviam. E é por isto que se formavam os oásis, existindo esforços
para construir uma sociedade melhor entre os grupos humanos por intermédio de seus
representantes.
Além destas situações, lembramos o surgimento de um aspecto que estava distante de
nossa pesquisa e que veio a somar em nossa construção: a participação das intelectuais femininas
na apresentação de propostas e trabalhos nos congressos, situação que foi além de nossas
expectativas.
Assim como localizamos as mulheres frentenegrinas paulistas e pelotenses, que escreviam
nos periódicos destas organizações, educavam as suas famílias e realizavam atividades
beneficentes, evidenciamos nas atividades dos congressos as seguintes intelectuais mulheres
apresentando trabalhos: em 1934, no primeiro congresso afro-brasileiro, a viúva Augusta
Moreira. O trabalho apresentado por ela foi: “Juliano Moreira e o problema do negro e do
267
mestiço no Brasil”, nesta comunicação a “autora”, procurou abordar pesquisas realizadas pelo
dico falecido Juliano Moreira (PAZ, 2006, p.55). Neste congresso, a Ialorixá Santa relatou
sobre: “Receitas de quitutes afro-brasileiros”.
No Segundo Congresso afro-brasileiro de 1937, Mãe Aninha, foi destaque, participando
de duas atividades, a primeira, apresentando “um pequeno trabalho sobre quitutes afro-baianos”,
e a segunda, foi como uma das articuladoras e fundadoras da União das Seitas Afro-Brasileiras da
Bahia.
Na Conferência do Negro de 1949, registramos a participação de Ironildes Rodrigues, que
falou da “alfabetização de Machado de Assis e de Lima Barreto”. Elza Soares Ribeiro, chefe do
setor trabalhista da Rádio Mauá e da seção de empregos do SESI, palestrou sobre: “Os
preconceitos de cor nos contratos de trabalho”. Dra Guiomar de Matos, explicou sobre “os
problemas femininos” e Nilza Conceição, sobre “a situação do estudante secundário de cor”.
(Jornal “Quilombo”, datado de Junho de 1949, p.07).
No Primeiro Congresso do Negro Brasileiro de 1950, tivemos novamente a participação
de Ironildes Rodrigues, atriz do TEN, que explicou que “o negro, em conseqüência de atributos
específicos de raça, tem uma sensibilidade hiper-desenvolvida, que o predestina à música, à
poesia, à literatura, à dança, ao canto, em suma, às artes”. (apud L.C PINTO, 1953, p.296). E no
Primeiro Congresso Nacional do Negro, de Porto Alegre, realizado em 1958, localizamos a
professora Vera Bandeira Marques.
Encontramos além destas participações de intelectuais femininas, algo ainda mais
relevante, a formação de um oásis feminino intitulado: Conselho Nacional de Mulheres Negras,
fundado em 18 de maio de 1950, na cidade do Rio de Janeiro, sob direção do departamento
feminino do TEN, com a seguinte proposta, segundo Maria do Nascimento, líder do Conselho: “o
trabalho do Conselho será uma tarefa árdua a necessitar imperiosamente da colaboração de toda
mulher, preta ou branca. Precisamos ser solidariamente unidas em torno desse objetivo de nos
valorizarmos, de impor nossa capacidade de trabalhar e realizar algo em benefício geral”.
Segundo suas organizadoras este lugar visava a integração da mulher negra na vida social. (Jornal
“Quilombo”, 1950, mar/abri, p.04 – FAC SÍMILE, 2003, p.86).
Apesar de ficarmos satisfeitos em encontrar tantas participantes femininas em nossas
pesquisas e de localizarmos este oásis intitulado: Conselho Nacional das Mulheres Negras,
268
sabemos que, iniciativas como esta, tendo a mulher como protagonista, merecem maior
aprofundamento, e nisto encontramos limites, pois necessitaríamos de um prazo maior para
valorizar estas evidencias históricas das mulheres na formação dos oásis.
Nosso segundo objetivo era de tentar identificar como estas idéias se movimentaram pelo
Brasil difundindo as questões culturais, socais e políticas sobre a participação da comunidade
negra na história brasileira.
No que tange à Frente Negra Brasileira, conforme salientamos na introdução deste
trabalho, pensamos a seguinte hipótese quanto ao “movimento das idéias” sobre a temática negra
nesta organização, pois para as mesmas se “movimentar” entre as regiões brasileiras
necessitavam, obrigatoriamente, de mentalidades envolvidas com a questão.
Portanto, em um primeiro momento, cabos distritais arregimentavam filiados para os
quadros da Frente Negra nos bairros da cidade de São Paulo. Em um segundo, os delegados em
trânsito fundavam núcleos da organização em cidades portuárias pelo Brasil e em um terceiro
momento, estas idéias passam a se movimentar através das delegações e de participantes de
outros estados brasileiros, que viajaram pelo país para compartilhar dos congressos nacionais
sobre a temática negra, o que de certa forma coloca essas pessoas, como cabos distritais dos
encontros, pois as mesmas levam seus estudos e pesquisas para apresentar nesses eventos, e
trazem informações sobre os temas que estiveram em pauta para os seus estados e cidades de
origem, o que serve como forma de dar continuidade à difusão das idéias apresentadas nesses
locais. Algo que retomaremos mais adiante e que incide no que denominamos de “idéias em
movimento”.
Quanto aos cabos distritais, tivemos conhecimento de sua existência por intermédio da
bibliografia que consultamos sobre a Frente Negra Brasileira; já pesquisada por historiadores,
sociólogos, cientistas políticos e antropólogos, que explicaram como eram realizadas as suas
arregimentações de pessoas pelas ruas de São Paulo e pelo interior paulista, em busca de novos
associados para o quadro social da organização. Porém, sobre a possibilidade destas idéias terem
viajado tendo por suporte os delegados em trânsito, pincelamos esta situação em dois trabalhos.
Na pesquisa do antropólogo Jéferson Bacelar (2001) e na pesquisa do historiador de José Antonio
dos Santos (2000).
269
Identificamos viagens destes homens, no trabalho de Bacelar, através do discurso de
fundação da FNB em Salvador no ano de 1932, sendo que naquela ocasião o líder da entidade,
Marcos Rodrigues dos Santos falou:
Gostava de ensinar a ler aos que não sabiam, chegando a reger a Escola
noturna da Sociedade de São Vicente (...) fui alfabetizar em Segueiro do
Espinho, Verruga, Encruzilhada, ahi (sic) iniciei a minha vida de judeu
errante viajando para o norte de minas, sempre pregando contra o
analfabetismo (...) fui para Santos, lecionando no mosteiro de São Bento.
Ahi fundei a Frente Negra, conseguindo alistar quatro mil negros...”.
(Diário da Bahia, 16/11/1932 apud Bacelar, 2001, p.146).
Na leitura do trabalho de José Antonio dos Santos, identificamos que Simeão M. da Silva,
pelotense que foi convidado para ser “delegado em trânsito” da FNB em Santos, no ano de 1932,
era um potencial difusor de idéias, pois viajando a bordo do cargueiro Mantiqueira poderia ter
contatos com negros em várias cidades portuárias. Segundo o historiador, como Simeão viajava
regularmente pelos portos brasileiros, poderia representar a FNB em outras cidades do país.
299
Através destas evidências identificamos que o que existiu foi um “movimento
frentenegrino”, pois ele esteve em diversas regiões do país, e conforme acompanhamos, teve
núcleos em São Paulo, na Bahia, no Rio Grande do Sul e em Pernambuco, e nos quatro casos
com ideologias diferentes, mas com um foco comum: a formação de oásis para a comunidade
negra. As ideologias de cada núcleo da organização eram diferentes, pois em São Paulo ela era
mais próxima de Getúlio, em Pelotas ela era mais sindicalista, em Salvador mais mestiça e em
Recife, mais cultural. Neste sentido ela também movimentoLu os três aspectos que identificamos
como mote de nossa pesquisa, os aspectos culturais, políticos e sociais.
As idéias destas organizações eram, na maioria das vezes, difundidas pela imprensa negra,
como o Jornal A Voz da Raça da Frente Negra de São Paulo, ou no Jornal “A Alvorada”, órgão
oficial da Frente Negra Pelotense, ou através de viagens de seus líderes, como foi o caso de
Miguel Barros, que saiu da cidade de Pelotas-RS para participar do Primeiro Congresso Afro-
Brasileiro do Recife-PE, percorrendo uma distância de mais de 4 mil quilômetros.
300
299
Ver SANTOS, José Antônio dos. Raiou “A Alvorada”: Intelectuais negros e imprensa, Pelotas (1907-1957).
Dissertação, 2000, p.132.
300
MIGUEL BARROS apud ANAIS do I Congresso Afro-Brasileiro, 1935, p.269.
270
No Recife, Miguel Barros conheceu Solano Trindade e Vicente Lima, e juntos fundaram,
em 1934, a Frente Negra Pernambucana.
Solano Trindade, um dos fundadores do movimento no Recife foi poeta, escritor,
teatrólogo, ator, pintor e pesquisador das tradições populares. Participou dos dois congressos
afro-brasileiros, em 1934 no Recife e em 1937, na cidade de Salvador. Por isso tudo, acreditamos
que o que existiu foi sim, em última análise, um “movimento frentenegrino”.
Mas também, pensamos em uma terceira forma destas idéias viajarem pelo país afora,
divulgando a temática afro-brasileira e negra, conforme apontamos em nossa pesquisa, que foi a
formação de congresso. Denominamos estas pessoas de cabos distritais dos encontros, pois as
mesmas levam seus estudos e pesquisas para apresentar nesses eventos e trazem informações
sobre os temas para os seus estados e cidades de origem, o que serve como formas de dar
continuidade à difusão das idéias em torno da temática.
No Primeiro Congresso Afro-Brasileiro, realizado no Recife tivemos a participação dos
seguintes estados e pessoas nas atividades: Pernambuco, representado por Gilberto Freyre,
Solano Trindade, Pedro Cavalcanti entre outros, Alagoas, por Alfredo Brandão e José Lins do
Rego, da Paraíba; tivemos a participação de Adhemar Vidal, da Bahia, Edison Carneiro e Jorge
Amado, do Estado do Rio Grande do Sul, mais precisamente de Pelotas, o frentenegrino Miguel
Barros. E representando o Rio de Janeiro: Nóbrega da Cunha, Robalinho Cavalcanti e Renato
Mendonça.
No Segundo Congresso Afro-Brasileiro, Conforme Carneiro, registramos as seguintes
participações:
Percy Martim, Robert Park, Fernando Ortiz, Maria Archer, do
International Commite os African Affairs e da All Africa Convention,
Artur Ramos, Donald Pierson...o Departamento de Cultura da Prefeitura
de São Paulo...de Alagoas chegaram-nos duas comunicações, uma de
Manoel Diegues Júnior, sobre as danças do nordeste, e outra sobre os
negros de Palmares. Do Rio de Janeiro, Renato Mendonça, Robalinho
Cavalcanti, Jacques Raimundo. João Calazans fês (sic) relato das
insurreições de escravos no Espírito Santo.
Dante Laytano e Dario
Bittencourt garantiram a representação do Rio Grande do Sul
... João
de Mendonça médico e comissário fez observações sobre o criminoso
negro. De todos os pontos do Brasil chegavam-nos os mais entusiásticos
aplausos... As sessões do Congresso se realizaram no salão de leitura do
Instituto Histórico... (CARNEIRO, 1940, p.100-101). (Grifo meu).
271
Quanto aos representantes do Rio Grande do Sul, Dante Laytano foi o mais envolvido nas
atividades de caráter nacional sobre a temática negra, sendo evidenciada a sua presença nas
atividades do Segundo Congresso Afro-Brasileiro da Bahia, Conferência do Negro e no Primeiro
Congresso do Negro Brasileiro, ambos realizados na cidade do Rio de Janeiro. Outro gaúcho
localizado em nossas pesquisas como participante de congressos negros foi Dario Bittencourt,
que além da presença em sua cidade natal, Porto Alegre também esteve com Laytano do Segundo
Congresso Afro-Brasileiro. Quanto a Heitor Nunes Fraga, importante representante da Sociedade
Floresta Aurora, foi localizada a sua presença na Conferência, de 1949 e no Primeiro Congresso
do Negro Brasileiro de 1950, ambos na cidade do Rio de Janeiro.
Falando especificadamente na Conferência Nacional do Negro, realizado em 1949 na
cidade do Rio de Janeiro, a sua realização foi, além de uma reivindicação dos problemas sociais
da comunidade negra, um encontro preparatório para o Primeiro Congresso do Negro Brasileiro,
também concretizado no Rio de Janeiro. Na Conferência, foram formadas as seguintes comissões
regionais, que participariam do Primeiro Congresso do Negro Brasileiro: a do Distrito Federal,
que era a cidade do Rio de Janeiro, composta na grande maioria por representantes do TEN, a de
São Paulo, que entre seus representantes tinha Florestan Fernandes, Roger Bastide e o ex-
frentenegrino José Correia Leite, a Comissão da Bahia, que contava com Tales de Azevedo e José
Valadares, que também participou em 1934 do Primeiro Congresso Afro-Brasileiro, sediado no
Recife apresentando a comunicação intitulada: “A República dos Palmares”, a comissão de
Pernambuco, composta por Ascenso Ferreira, que esteve no Congresso do Recife, 16 anos antes
apresentando, “O que eu devo à influência negra”, além de Vicente Lima, um dos fundadores da
Frente Negra Pernambucana, de 1936. A Comissão do Rio Grande do Norte, que tinha como
um dos líderes Luiz Câmara Cascudo e Veríssimo Melo, do Pará, Nunes Pereira, do Estado do
Rio de Janeiro, Solano Trindade, também um dos fundadores da Frente Negra de Pernambuco,
do Estado de Minas Gerais, teve Aires da Mata Machado Filho e Onofre Francisco Eva e do
Estado do Rio Grande do Sul, tivemos a Comissão Regional formada novamente por Dante
Laytano, pelo representante da Sociedade Floresta Aurora, Heitor Nunes Fraga e por mais uma
terceira pessoa chamada José Pedrosa.
É importante salientar que Miguel Barros, Abdias do Nascimento e Solano Trindade,
foram membros da Frente Negra Brasileira, e foram localizados seus nomes em seis dos sete
272
encontros de caráter nacional que analisamos. No Primeiro Congresso Afro-Brasileiro, de
Pernambuco, no
Segundo Congresso-Afro Brasileiro
, realizado na Bahia, nas
Convenções
nacionais do Negro, sediadas em São Paulo e no Rio de Janeiro; na Conferência Nacional do
Negro
, no
Primeiro Congresso do Negro Brasileiro
, efetivado também no Rio de Janeiro. E
Heitor Fraga, por sua vez, membro da Sociedade Beneficente Floresta Aurora, foi localizado por
nós nos dois últimos encontros. Neste sentido, certamente houve contato entre os líderes da
SBFA com os líderes da FNB.
No Primeiro Congresso Nacional do Negro de Porto Alegre, sob a organização da
Sociedade Beneficente Floresta Aurora, tivemos as seguintes delegações participantes nas
atividades: estados do Paraná, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Santa Catarina, São Paulo, Distrito
Federal e interior gaúcho, contando também com a presença de estudiosos, pesquisadores,
políticos do PTB, intelectuais brancos e negros.
Ficamos surpresos com a correspondência assinada por Archanjo Martins Santos, da
cidade do Rio de Janeiro relatando interesses políticos após este congresso, pois segundo a carta
ele era membro das seguintes organizações negras: União Mineira Pró-Homens de Cor do Estado
de Minas Gerais, da União Mineira Pró-Homens de cor do Distrito Federal, sócia da Sociedade
Beneficente Cultural Floresta Aurora de Porto Alegre do Estado do Rio Grande do Sul,
Associação Cultural Beneficente e Recreativa José do Patrocínio de Belo Horizonte, além de
filiado à Liga Mundial Pró-direitos dos Negros.
301
Com todas estas pessoas envolvidas nestas atividades, de muitas cidades e estados
acreditamos que, podemos denominar estes agentes de cabos distritais dos encontros, pois
através de suas viagens tivemos um incessante “movimento idéias” que dava continuidade na
difusão da temática afro-brasileira e negra em diversas regiões de nosso país, o que deve ser mais
aprofundado.
Nosso terceiro objetivo era entender como as questões culturais, sociais e políticas foram
sendo gradativamente localizadas em Congressos nacionais em torno do tema, bem como se estes
oásis delinearam de fato um rumo satisfatório à conscientização da comunidade negra no que
tange as suas necessidades, entre 1931 e 1958.
301
Ver correspondência em anexo, de 15/10/1958.
273
Em um primeiro momento, a partir do Primeiro e Segundo Congresso Afro-Brasileiros, a
identidade negra passou a ser valorizada neste país, já que tornou a ser motivo de pesquisas entre
os intelectuais brasileiros. Neste primeiro momento os aspectos culturais sobressaíram sobre o
social e o político, sendo importante à percepção, por parte daqueles estudiosos, que algo de
positivo o negro tinha legado à nação, seu jeito de andar, de sentir, de comer, de amar, em
síntese, de ser humano, o que anteriormente era renegado. Isso deve ser considerado, pois passa a
ser reconhecida a sua história neste país. Até as religiões afro-brasileiras, então perseguidas pelos
policiais a mando do governo, recebem atenção e foram defendidas pelos intelectuais mais
tradicionais. Estes aspectos foram percebidos nos Primeiros Congressos, organizados por
Gilberto Freyre e Edison Carneiro, nos anos trinta.
Em um segundo momento, as convenções nacionais, conferência e congresso organizados
pelo Teatro Experimental do Negro, nos anos quarenta e cinqüenta, mesmo respeitando os
encontros anteriores, forçaram mudanças em seus aspectos, pois através dos intelectuais negros
os interesses dos encontros representam os interesses do grupo negro socialmente identificado, o
que os distanciavam dos interesses dos congressos anteriores, que visaram a construção de uma
nação sem conflitos e mediada, uma vez que o que tinha que ser resolvido, era, segundo seus
organizadores, as diferenças herdadas da escravidão no cotidiano, e o que estava sendo resolvido
com a “democracia étnica” era a diferença cultural transformada em “igualdade cultural”. Mas e a
igualdade social? Esta é que passa a ditar o tom dos encontros propostos pelo TEN. E é também
no Primeiro Congresso Brasileiro, organizado por esta organização na qual notamos os aspectos
políticos surgindo, já que Abdias do Nascimento se torna candidato político à vereança da cidade
do Rio de Janeiro, sem sucesso.
Em um terceiro momento, constatamos que no Primeiro Congresso Nacional do Negro,
realizado em Porto Alegre, no ano de 1958, constitui a grande estratégia dos intelectuais negros
como representantes de seu grupo, pois os mesmos construíram alianças políticas para resolver as
situações de carência social e política. Notamos que passam a ser equilibradas as suas
necessidades com as dos partidos políticos, o que acaba mediando interesses e desejos em busca
da ascensão social de dois grupos. O da Sociedade Beneficente Floresta Aurora e de sua
comunidade e o do Partido Trabalhista Brasileiro e de seus correligionários. Esta parceria deu
certo para o PTB, que acabou elegendo o governador do Estado do Rio Grande do Sul, Leonel
274
Brizola, e, também, para a comunidade negra, que instaurou a “A campanha de alfabetização
intensiva do homem negro brasileiro” com a ajuda dos poderes públicos constituídos, além da
aquisição de uma sede nova para a Sociedade Negra mais antiga do Brasil.
Estes três exemplos foram importantes para negros brasileiros de outros estados, como
vimos nas correspondências de Archanjo Martins Santos para o Governador do Rio de Janeiro,
que viu nestas situações um grande exemplo de democracia.
Em suma, o Primeiro Congresso Afro-Brasileiro, o Segundo Congresso-Afro
Brasileiro, as Convenções nacionais do Negro, a Conferência Nacional do Negro, o Primeiro
Congresso do Negro, o Primeiro Congresso Nacional do Negro, foram acontecimentos
culturais, sociais e políticos que embora um ou outro aspecto tenha se tornado mais presente em
algum momento; acabaram sendo eventos dinâmicos e importantes para o entendimento desta
identidade para a formação de nosso país, já que todos, sem exceção reivindicavam o respeito às
constituições nacionais.
Sendo todos eles considerados oásis, pois necessitaram, para a sua formação, da
disponibilidade e da ação de homens e mulheres, brancos e negros, intelectuais de diversas
tendências e idéias que entendiam, à sua maneira, de que forma a identidade negra poderia ser
valorizada e respeitada nos desertos da intolerância e ignorância nacional.
Mencionamos outras possibilidades de pesquisas tendo por análise os nossos objetos e a
formação de oásis no sentido que propomos analisar neste trabalho, citando os encontros
internacionais, já que localizamos seis congressos deste tipo, todos identificados com o Pan-
africanismo.
Do Primeiro congresso Pan-africano, realizado em 1919, na cidade de Paris, na França,
sob a liderança de Dubois, até o sexto congresso Pan-Africano, realizado em Dar-es-Salaam (sic),
na Tanzânia, em 1974, no qual participou o ex-frentenegrino Abdias do Nascimento,
evidenciamos que existiram simultaneamente aos congressos brasileiros, outros eventos
importantes em torno da afro-descendência em escala mundial, sendo que as preocupações de
seus organizadores era em lutar pelo reconhecimento, independência e a afirmação destes países,
que integravam o continente africano. O que aprofundaremos futuramente, já que queremos
entender melhor como surgiu a formação de oásis em outras partes de mundo, desvendando,
também, como os intelectuais que participaram destes encontros pensavam e planejavam a
275
construção de resistências naqueles oásis, inclusive visando descobrir se existiram ligações entre
estes intelectuais com os intelectuais brasileiros formadores dos encontros que pesquisamos. O
que temos indícios através da leitura do intelectual negro Abdias do Nascimento. (2000, p. 217).
Em 2008, passados cento e trinta e cinco anos do surgimento da Sociedade Beneficente
Floresta Aurora, cento e vinte anos da abolição da escravidão, setenta e um anos da extinção do
movimento frentenegrino e cinqüenta anos da realização das atividades do
Primeiro Congresso
Nacional do Negro de Porto Alegre, percebemos através desta pesquisa, que a contribuição do
negro para o nosso país neste período, foi além dos costumes e da tradição nacional, foi social, na
luta contra os preconceitos e a discriminação racial sofrida por eles; e política, para a sua
ascensão social, o que os possibilitou de se tornarem conscientes de sua força nos rumos dos
acontecimentos eleitorais, trazendo benefícios concretos em torno de suas necessidades sociais a
curto prazo. É importante lembrar que, por excelência, todos os Congressos foram políticos, mas
nem todos tiveram interesses políticos partidários em sua origem como o que nitidamente
identificamos na organização do “oásis” porto-alegrense.
Os eventos ocorridos entre 1931 a 1958 marcam um amadurecimento da temática e da
identidade afro-brasileira e negra nos aspectos propostos, e principalmente para a
representatividade desta comunidade e da influência para a formação de oásis, confirmando a sua
força nos rumos dos acontecimentos históricos e da democracia no Rio Grande do Sul e no
Brasil.
276
FONTES DOCUMENTAIS
IMPRESSAS
Jornal do Comércio de Porto Alegre, de 14, 15 e 16 de fevereiro de 2003. Comportamento: “Um
reencontro” escrito por Tânia Barreiro.
Jornal Quilombo, Editorial, Rio de Janeiro, 1950.
A Hora, Porto Alegre, dia 15/09/1958, p.5.
A Hora, Porto Alegre, dia 18/09/1958, p.5.
A Hora, Porto Alegre, dia 19/09/1958, p.4-6.
A Hora, Porto Alegre, dia 24/09/1958, Editorial.
Aurora, órgão oficial da SBFA. Ano 2 nº2- Mensal, junho de 1968.
Correio do Povo, Porto Alegre, dia 16 setembro de 1958, p.13.
Correio do Povo, Porto Alegre, dia 20 setembro de 1958, p.7.
Correio do Povo - Caderno Especial - 1º seção / Porto Alegre, 01 de outubro de 1975, p.20
Diário de Notícias, Porto Alegre, dia 18 de setembro de 1958, p.11.
Folha da Tarde, Porto Alegre, dia 15 setembro de 1958, p.14.
Folha da Tarde, Porto Alegre, dia 18 setembro de 1958, p.40.
Folha da Tarde, Porto Alegre, dia 19 setembro de 1958, p.35.
Folha da Tarde, Porto Alegre, – A Pedido - outubro de 1962.
Folha da Tarde, Porto Alegre, 1962, sp.
Fac-símile do Jornal A ALVORADA, 18 de Março de 1933
Fac-símile do Jornal Quilombo, de 1949 a 1950. Rio de Janeiro: Editora 34, 2003.
Jornal Correio da Manhã, Rio de Janeiro, dia 01 de outubro de 1958, p.03.
Revista do Globo número 727, outubro de 1958, p.86-87.
Zero-Hora, Porto Alegre, Reportagem Especial, 13/02/2008, p.05.
MANUSCRITAS
Registro de ATAS da Sociedade Beneficente Floresta Aurora, Porto Alegre, Janeiro a outubro de
1958,
[
sp
]
.
Correspondências localizadas no acervo da Sociedade Floresta Aurora, entre janeiro de 1958 a
dezembro de 1959.
Correspondências para sócios da SBFA localizadas no acervo particular do Sr. José Domingos
Alves da Silveira, datadas entre 1960 a 1970.
ARQUIVOS PESQUISADOS
Arquivo Particular do Sr. José Domingos Alves da Silveira, colecionador de periódicos.
Arquivo da Sociedade Beneficente Floresta Aurora.
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Centro de Pesquisas Correio do Povo.
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FOLHA DA TARDE SET 1958 F22 E1 B3
CORREIO DO POVO SET 1958 F1 E2 B2
A HORA SET 1958 F4 E4 B1
DIÁRIO DE NOTÍCIAS SET 1958 F9 E7 B4
REVISTA DO GLOBO OUT 1958 F6 E1 B4 a B8
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290
291
292
293
294
295
296
297
298
ANEXOS II – CORRESPONDÊNCIAS
299
300
301
302
303
304
305
306
307
308
ANEXOS III – DOCUMENTOS
309
RELATÓRIO DE PRODUTIVIDADE DAS JORNADAS DE ESTUDOS AFRO-
BRASILEIROS.*
I JORNADA DE ESTUDOS AFRO-BRASILEIROS
- DE 24 A 29 DE SETEMBRO – ANO 2003 -
“HISTÓRIA E REALIDADE”
LOCAL: AUDITÓRIO DO MEMORIAL DO RIO GRANDE DO SUL.
Total de Mesas de Palestras: 4
Total de Palestrantes: 12
Total de comunicações: 05
Público presente ao evento: -
Dias: 04
Shows artísticos: 02
Média de público: -
Certificados emitidos: 75.
Carga Horária: 20.
II JORNADA DE ESTUDOS AFRO-BRASILEIROS
- DE 21 A 25 DE SETEMBRO – ANO 2004 -
LOCAL: AUDITÓRIO DO MEMORIAL DO RIO GRANDE DO SUL.
Total de Mesas de Palestras: 5
Total de Palestrantes: 10
Total de comunicações: 10
Público presente ao evento: 434
Dias: 5
Shows artísticos: 02
Certificados emitidos: 76.
Carga Horária: 40.
III JORNADA DE ESTUDOS AFRO-BRASILEIROS
- DE 24 DE OUTUBRO A 29 DE OUTUBRO - ANO 2005 -
PARA ALÉM DAS COTAS”
LOCAL: MEMORIAL DO RS E CASA DE CULTURA MÁRIO QUINTANA
Total de Mesas de Palestras: 7
Total de Palestrantes: 14
Total de comunicações: 23
Público presente ao evento: 418
Dias no Memorial 1: público 85 pessoas
Dias na Casa de Cultura 5: público 333 pessoas
Shows artísticos: 3
Média de público: mais de 69 pessoas p/dia. Certificados emitidos: 80 – (Emissão: SMED -
Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre).
Carga Horária: 40.
310
IV JORNADA DE ESTUDOS AFRO-BRASILEIROS
- DE 26 A 30 DE SETEMBRO - ANO 2006 -
“EDUCAÇÃO: LEI 10.639/03, METAS E MÉTODOS”
LOCAL: MEMORIAL DO RIO GRANDE DO SUL
Total de Mesas de Palestras: 4
Total de Palestrantes: 8
Total de comunicações: 16
Público presente ao evento: 354
Dias: 5
Shows artísticos: 1
Média de público: 70,8 pessoas p/dia.
Certificados emitidos: 84.
Carga Horária: 40.
V JORNADA DE ESTUDOS AFRO-BRASILEIROS
- DE 25 A 29 DE SETEMBRO - ANO 2007 -
“TRABALHO E EDUCAÇÃO”
LOCAL: MEMORIAL DO RIO GRANDE DO SUL
Total de Mesas de Palestras: 04.
Total de Palestrantes: 08
Total de comunicações: 33.
05 dias de atividades.
Certificados emitidos: 98.
Carga Horária: 25.
Instituições dos participantes: UFRGS, PUCRS, FAPA, UNILASSALE, UNISINOS, FEEVALE,
UFSM, UFBA, CESUCA, UNI.SÃO CAMILO-ES, UPF, SMED-POA, SMED-SÃO LEOPOLDO,
UNIVERSIDADE DE COIMBRA.
* Acervo do GT Negros – ANPUH/RS.
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