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conceitos ideológicos, que, por serem compartilhados por todos, ganharam o
status de axiomas inquestionáveis fortemente inseridos no senso comum, com
aparência de consciência. Ao duvidar, ainda segundo FROMM, Illich desvenda
a nudez do imperador e a fantasia do Império ou, como costumo me referir em
tempos de uma tal pós-modernidade, a inconsistência da MATRIX
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na qual
estamos imersos.
A dúvida radical, ainda segundo Fromm, é o processo de
libertação de todo pensamento idólatra, e, a meu ver, em particular das idola
theatri inquestionáveis de que falou Bacon
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(EVA, 2006) ao se referir aos
obstáculos que impedem o conhecimento da verdade. Esta dúvida de Illich é,
no entanto, uma dúvida não niilista, mas humanista e cristã. Humanista por se
orientar pelo conhecimento da natureza humana, e cristã por assumir que
existe uma tal natureza humana e que esta se origina da alteridade
transcendente: Deus.
Quanto a este radicalismo ser objetivo ou não, se for tomado o
princípio positivista de objetividade como a teorização ausente do compromisso
com a ação transformadora e questionadora da realidade, calcada na descrição
ou na atualização da realidade pela teoria, Illich não é objetivo. No entanto, se
por objetividade se compreende a presença de provas cuidadosas em cada
etapa da construção das afirmações, do exame crítico e da crítica ao status
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Referência ao filme “Matrix” ( Warner -1999), dos irmãos Wachowski, estrelando Keanu
Reeves e Laurence Fishburne.
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Luiz Eva ajuda a compreender este aspecto ao citar em artigo recente: “Bacon distingue
quatro espécies de impedimentos que atuam contra nossas pretensões de obter a verdade: os
“ídolos da raça” (idola tribus), decorrentes das imperfeições de nossas faculdades de
conhecer — seja o intelecto, comparado a um espelho deformante que, exposto aos raios das
coisas, mistura sua própria natureza à delas, falseando e embaralhando; uma faculdade refém
de erros sistemáticos que ela própria é incapaz de corrigir, seja pelas suas próprias forças, seja
com o auxílio da dialética; sejam as imperfeições dos sentidos, que, embora constituam a
instância à qual se deve tudo perguntar na pesquisa da natureza, diz ele, “a menos que se
queira delirar”, são por si algo de fraco e enganador e não podem, quanto a isso, ser auxiliados
pelos instrumentos inventados para aguçá-los e estender seu alcance. Em seguida, os “ídolos
da caverna” (idola specus), gerados, segundo Bacon, pela diversidade própria da natureza de
cada indivíduo, e dependentes das diferenças do corpo, da alma, da educação, do hábito, das
circunstâncias fortuitas e do modo como são afetados pelos objetos. Já os “ídolos do foro”
(idola fori) são aqueles particularmente residentes nas imperfeições da linguagem humana,
enquanto que os “ídolos do teatro” (idola theatri) são aqueles pelos quais Bacon
metaforicamente alude aos mundos imaginários inventados pelos diversos sistemas filosóficos
vigentes, constituídos por noções fantasiosas e imperfeitas (dentre as quais ele enumera as de
“ser”, “substância”, “elemento”, “matéria” etc.) e por demonstrações defeituosas que são, nas
suas palavras, os sistemas em potência.”