142
4.2 Jung, o pragmatismo de William James e das Wirksame
Jung conheceu pessoalmente William James. Encontrou-se com ele duas
vezes, durante não mais que uma hora, em sua primeira visita aos Estados Unidos,
em 1909
82
. Se o contato pessoal foi breve, o mesmo não se pode dizer do alcance
das idéias de James sobre Jung. Segundo Shamdasani (cf. 2003), o pragmatismo de
James constitui uma parte crítica da metodologia junguiana
83
. O próprio Jung, aliás,
distinguiu na visão psicológica e na filosofia pragmática do filósofo americano uma
forte influência sobre a psicologia analítica (cf. Jung, 1981).
No prefácio à primeira edição de “Tentativa de apresentação da teoria
psicanalítica”, Jung explica que suas diferenças teóricas em relação a Freud,
exibidas no texto, não devem ser tomadas como “cisão”, “apostasia” ou “cisma”,
mas, sim, como resultantes de sua experiência clínica, que lhe impôs fatos novos.
Jung (1998) prossegue dizendo que, em sua prática, adotou “como diretriz a regra
pragmática de William James”:
“Você deve extrair o valor prático de cada palavra e colocá-lo em ação
dentro da corrente de sua experiência. Isto parece menos, então, uma
solução do que um programa de mais trabalho e mais, sobretudo, uma
indicação dos meios pelos quais se podem mudar realidades existentes.
As teorias tornam-se, portanto, instrumentos e não respostas a enigmas,
em que possamos nos apoiar. Não nos detemos nelas. Nós avançamos e,
por vezes, mudamos a natureza com sua ajuda” (James apud Jung, 1998,
p.98).
Apesar do comentário favorável, a posição de Jung face ao pragmatismo de
James foi, como em outras áreas do pensamento filosófico, ambivalente. Com efeito,
pouco tempo depois da publicação do texto supracitado, Jung já não parecia tão
entusiasmado com o método pragmático. Entre os anos 1914 e 1916, ele e o
analista suíço Hans Schmid tiveram uma intensa troca de correspondência em torno
82
Cerca de 50 anos mais tarde, Jung (2003) comentou em carta o encontro: “[William James] era
uma personalidade distinta e a conversa com ele foi sumamente agradável. Foi muito espontâneo,
sem afetação e pomposidade, e respondeu às minhas perguntas e objeções de igual para igual.
Infelizmente já estava doente e não foi possível exigir muito dele. De qualquer forma, foi o único
espírito ilustre, além Th. Flournoy, com o qual pude manter uma conversação descomplicada. Cultuo,
pois, sua memória e sempre que possível me lembrarei do exemplo que ele me deu” (p.164).
83
A analista junguiana Marilyn Nagy não compartilha desta interpretação. Para ela, “a doutrina de
Jung não é hedonista nem pragmática” (Nagy, 2003, p.31). A fim de sustentar seu argumento, cita
uma passagem de Tipos psicológicos onde o psiquiatra suíço é critico do método pragmático. Parece-
me que, em sua consideração filosófica da psicologia de Jung, Nagy não atentou para textos como “A
técnica de diferenciação entre o eu e as figuras do inconsciente”, do livro Two Essays on Analytical
Psychology, e “Os objetivos da psicoterapia”, onde a abordagem de Jung é claramente pragmatista.