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efeito cômico se fingirmos entender uma expressão no sentido próprio quando ela é
empregada no sentido figurado”, ou quando “nossa atenção se concentra na materialidade
de uma metáfora, a idéia expressa se torna cômica”
70
.
Todavia, o riso nem sempre é engraçado ou tem um fim cômico. O riso pode ficar
na fronteira entre a tragédia e a comédia, como podemos observar nesse relato de Jorge
Luís Borges: ele, instado a interromper uma aula por exigência da direção da escola e
ameaçado com o apagamento das luzes, teria dito: “Não importa, tomei a precaução de ficar
cego”
71
.
Borges ri assim de sua própria deficiência física. Além disso, mostra que, para ele, o
trabalho intelectual é humorístico, talvez por lidar com a linguagem que, no seu
simbolismo, disfarça o destino trágico do ser humano. O humor é para ele um ditame de
beleza que encerra em seu mecanismo poético o descobrimento: ante o estupor que provoca
a incorrigível estupidez humana, o humor provoca o riso e impõe a sua desmesura,
indicando uma infração que, de alguma maneira, oferece uma ordenação do caos, rindo
para fazer sair de toda a verdade e usando talvez a única forma de salvação: a do absurdo.
Essa oscilação entre tragédia e comicidade pode ser resolvida com o humor, que ensinará a
não rir indevidamente e a desmascarar as falsas tragédias. O (artista) humorista, portanto, é
aquele que convida a perceber a alteridade, a ver um outro aspecto da mesma coisa, por
estar ao mesmo tempo tão próximo e tão distante de sua obra.
70
BERGSON, Henri. O riso, op. cit., p. 85-86. Lembremos da “teoria da ironia fechada” de Muecke: para
esse autor, a palavra “cômico” sugere uma certa “distância”, psicologicamente falando, entre o observador
divertido e o objeto cômico; a palavra “liberação”, característica da ironia, mas não peculiar a ela, sugere
desobrigação, desinteresse, e estas por sua vez lembram objetividade e desprendimento. Tomadas em
conjunto, constituem o que podemos chamar de postura arquetípica da ironia fechada, que se caracteriza,
emocionalmente, por sentimentos de superioridade, liberdade e divertimento e, simbolicamente, por um olhar
do alto de uma posição de poder ou conhecimento superior. Segundo esse teórico, Goethe seria um exemplo
de autor a utilizar esse tipo de teoria: “Goethe diz que a ironia ergue o homem ‘acima da felicidade ou
infelicidade, do bem ou do mal, da morte ou da vida’” (MUECKE, Douglas. Ironia e irônico, op. cit., p. 67).
Muecke vai indo mais longe ao dividir esta teoria em quatro tipos: “ironia cômica” (que “revela o triunfo de
uma vítima simpatética”), “ironia satírica” (“que revela o malogro de uma vítima não simpatética”), “ironia
trágica” (onde “predomina a simpatia pela vítima”) e “ironia niilista” (“o desinteresse satírico equilibra ou
domina a simpatia, mas resta sempre um certo grau de identificação desde que o espectador compartilhe
necessariamente a condição da vítima”) (Cf. MUECKE, Douglas. Ironia e irônico, op. cit., p. 71). Em
contrapartida, a “ironia aberta” ou “paradoxal”, tende, “como mostraram Kierkegaard e Wayne Booth, a
desenvolver um relativismo galopante, do qual ela pode ser salva pelo menos em teoria, por uma chamada à
ordem na forma de um riso irônico renovado a partir do alto, porém mais provavelmente pelas exigências
práticas da vida” (MUECKE, Douglas. Ironia e irônico, op. cit., p. 70-71).
71
Cf. PARREIRA, Lélia Parreira. Ironia e humor na literatura, op. cit., p. 64.