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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
DEPARTAMENTO DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA E
SOCIEDADE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DE CIÊNCIAS SOCIAIS EM
DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA E SOCIEDADE
A SOCIALIZAÇÃO DOS PROFESSORES DA EDUCAÇÃO
PROFISSIONAL AGRÍCOLA NA CONTEMPORANEIDADE:
IDENTIDADES DOCENTES ENTRE PERMANÊNCIAS,
AMBIGÜIDADES E TENSÕES
LIA MARIA TEIXEIRA DE OLIVEIRA
Sob a orientação da Professora
Eli de Fátima Napoleão de Lima
Tese submetida como requisito parcial para
obtenção do grau de Doutor em Ciências no
Curso de Pós-Graduação de Ciências Sociais em
Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade, na
linha de pesquisa em Estudos da Cultura e
Mundo Rural.
Rio de Janeiro, RJ
Agosto de 2008
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370.193
46
O48s
T
Oliveira, Lia Maria Teixeira de
A socialização dos professores na
educação profissional agrícola na
contemporaneidade: identidades docentes
entre permanências, ambigüidades e
tensões / Lia Maria Teixeira de Oliveira.
Rio de Janeiro: UFRRJ / ICHS, 2008.
x,185 f.
Orientador: Eli de Fátima Napoleão de
Lima.
Tese (doutorado) – Universidade Federal
Rural do Rio de Janeiro, Instituto de
Ciências Humanas e Sociais, Programa de
Pós Graduação em Desenvolvimento,
Agricultura e Sociedade, 2008.
Bibliografia: p. 185-191.
1. Educação profissional agrícola - Brasil
- Teses. 2. Estudos da Cultura e Mundo
Rural. I. LIMA, Eli de Fátima Napoleão. II.
Universidade Federal Rural do Rio de
Janeiro, Instituto de Ciências Humanas e
Sociais, Programa de Pós Graduação em
Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade.
III. Título.
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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DE CIÊNCIAS SOCIAIS EM
DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA E SOCIEDADE
LIA MARIA TEIXEIRA DE OLIVEIRA
Tese submetida como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor em Ciências no Curso
de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade, na linha
de pesquisa em Estudos da Cultura e Mundo Rural.
TESE APROVADA EM 30/05/2008
Eli de Fátima Napoleão de Lima Dra. UFRRJ/CPDA
Angela Maria Souza Martins Dra. UNIRIO/ PPGE
Maria da Conceição Calmon Arruda Dra. Câmara Municipal do
RJ/Políticas Públicas.
Ana Maria Dantas Soares Dra. UFRRJ/DTPE/PPGEA
Roberto José Moreira Dr. UFRRJ/CPDA
iv
Agradecimentos
Nessa “estrada da vida” não tracei “mapas” para percorrer esse longo e intenso caminho
sozinha, pois bem, muitas pessoas e companheiros de “viagem” me ajudaram nessa
cartografia. Dessa forma, correndo riscos de esquecimentos, tão normal na atual idade em que
acumulamos muitas informações, agradeço:
À minha família de origem, onde aprendi a seguir caminhos de paz e ter um coração limpo
para amar as pessoas, a natureza e a vida. Assim destaco por ordem de “chegada” a minha
mãe-anjo e companheira Lair Rubim T. de Oliveira, pessoa que me deu a vida e me ensinou a
ser mulher corajosa; ao meu pai Raimundo Lima de Oliveira (in memoriam), mesmo não
sabendo que a sua ausência em minha juventude, me fortaleceria para a luta pela
sobrevivência, contudo, mais tarde presente foi amigo, mostrou-se orgulhoso pela mulher que
me tornei; a minha Laura da Costa Rubim Teixeira (in memoriam), avó-guerreira, professora
no meio rural onde minhas identidades profissionais se forjaram e tive total compartilhamento
nos meus projetos de vida; ao meu avó Ofir Alfredo Teixeira, caboclo de pouca instrução mas
muita leitura, admirador de José de Alencar e Guimarães Rosa, me apadrinhou, me ensinou a
plantar, a colher e a respeitar a natureza. À minha irmã, agradeço pelo exemplo de dignidade,
força e que diante dos dias mais difíceis em que eu telefonava estressada, ela passando
períodos de grandes problemas pessoais, sempre destinou a mim palavras ternas e de
encorajamento. Assim como os seus filhos, meus sobrinhos, belos e amadurecidos
precocemente, me ajudaram sendo exemplos de uma vida difícil, porém, agradecidos à vida.
Aos demais familiares, tios e tias maternos que me ensinaram a amar, a dançar, a celebrar a
vida e a ser solidária. Amo muito todos e todas.
À família que constituí com o meu companheiro Aldo Lopes que de forma incansável apoiou
sem medir esforços objetivos e afetivos essa caminhada. Em todo momento ele soube a forma
político-ideológica onde me ancorei para traçar meu esse projeto acadêmico de doutoramento,
pois assumi essa empreitada com compromisso ético e público. Te amo. Aos meus filhos Ugo
T. Werneck Vianna e Clarissa T. Lopes. Lindos, maravilhosos, afetivos, companheiros,
solidários a todo instante em que me “enchia” de tantas obrigações procurava-os. Aos dias em
que não compartilhei de suas conquistas, ambos nunca deixaram de me acolher e dizer
palavras amorosas. Eu não poderia ser mais feliz e agradecida a Deus por ter me abençoado
na missão de criá-los, sou orgulhosa pelo homem e a mulher que criei. Amo demais. Obrigada
por compartilharmos o pão e o vinho!
Às minhas amigas. Ana Maria Dantas Soares, mais que uma amiga, há pelo menos 20 anos
dizemos que somos amiga-irmã. Basta olharmos uma para a outra que sabemos o que
achamos sobre algo. O nosso caminho fazendo e refazendo “mapas”, nos propiciou
chegarmos a um momento de nossas vidas como pessoas e profissionais que não cabem
disputas, soberbas, arrogâncias. Juntas, nós construímos as nossas identidades de professoras
da educação agrícola, refletindo-agindo sobre um meio entrelaçado de complexidade político-
ideológico. À Amparo Villa Cupolillo, vulgo, Amparito, contemporânea de graduação, há 12
anos faz-se presença marcante na minha vida como mulher aguerrida e digna, afetiva e
solidária, capaz de dividir a alegria de ser feliz, assim como capaz de trazer a ansiedade na
busca de respostas que ela sabe que nem sempre serão definitivas. Por assim ser a nossa
amizade fraterna. À Lucília Augusta L. de Paula, portuguesa com certeza, agradeço pela
forma às vezes até austera de falar, mas meiga e afetiva na manutenção da nossa relação, pois
amizade não é só alegria, é compartilhar o que deu certo para um com o outro. Dessa forma,
agradeço por ter dividido comigo o trabalho de campo, ter me ensinado a trabalhar com um
dos instrumentos do survey, facilitou em muito o resultado esperado nas nossas idas e vindas
v
ao CEFET onde fiz o estudo exploratório do meu objeto de estudo. Ao amigo Aloísio Jorge
de Jesus Monteiro, agradeço também pelo conforto, pelas leituras e discussões bourdieusiana,
um tanto esclarecedoras que muitas vezes fizemos na sala 9 do IE/UFRRJ e, à jovem
professora Lílian Estolano, amiga meiga, agradeço por me demonstrar que há esperanças de
renovação na academia.
Agradeço aos companheiros de trabalho do DTPE, em especial, ao jovem e experiente
professor Tarci Parájara, que me substituiu durante um ano letivo, de maneira que eu pudesse
entrar no “clima” de interpretar e escrever os resultados de minha pesquisa e escrevesse a
tese. Ainda da UFRRJ ressalto as amigas Nídia Majerowsck e Áurea Echevarria, Waldomiro
Neves, Miguel Ângelo, Ricardo Miranda parceiros de duas décadas do movimento docente e
das discussões efervescentes sobre a universidade pública, gratuita e laica.
Agradeço ao CPDA, em especial a minha orientadora Eli de Fátima N. de Lima. Aprendi com
o seu modo de ser e de enxergar para além do que a aparência das pessoas mostra. Por meio
de sua competente regência sobre as representações literárias de mundo rural e nação, ganhei
mais do que conteúdos disciplinares, pois aprendi sobre as especificidades que engendram a
minha raça sertaneja e a dignidade da nacionalidade brasileira. Obrigada pela orientação. Ao
professor Roberto José Moreira pela sua demonstração de interesse, quando nos 4 anos de
curso, ao procurá-lo para tirar dúvidas, sempre esteve disponível. Ao professor Raimundo
Santos pela sabedoria na arte da construção coletiva e por me manter acreditando na
transformação político-acadêmica das instituições universitárias. Aos professores Luís Flávio
Carvalho e Héctor Alimonda pela aprendizagem, acerca das imagens, pois aprendi a enxergar
os cotidianos rurais (campo) através de outras linguagens. Ao professor Sergio Leite,
Leonilde Servolo Medeiros agradeço à recepção e atenção como coordenadores no excelente
trabalho de orientação acadêmica. Agradeço a Teresa Ferreira, ao José Carlos e ao Henrique
Santos pelo profissionalismo e a forma colaborativa, sem contar que me escutavam diante de
lamúrias de estudantes envolvidos num projeto de quatro anos.
Agradeço à professora Angela Martins, da UNIRIO, que gentilmente me recebeu em sua sala
e de forma incondicional me emprestou materiais de pesquisa, valiosos, sobre Anísio Teixeira
e sobre os Pioneiros da Escola Nova.
Às amigas e amigos, turma 2004, Socorro Lima, Rejane Calazans, Eliane Oliveira, Margarita,
Liliana Palácio, Alcides Ricotto, Carlos Ros e ao amigo Ricardo pelos sinceros e atenciosos
“toques” sobre leituras, pesquisa e alegrias compartilhadas. À Betty Rocha, Gilmara, Bianca,
Sílvia, Karina, Andréa, Simone e Fernando do mestrado 2004, pessoas aguerridas, defensoras
de uma política acadêmica em prol da coletividade. Valeu pelas festas em Santa!!
Agradeço em especial a atual administração UFRRJ por ter me confiado à realização do
doutoramento, pois se trata de um projeto de caráter público. Em todo momento que precisei
tive amplo e incondicional apoio acadêmico e material, tal como deve agir uma administração
eleita democraticamente em relação ao corpo docente como um todo. Agradeço ao Sr.
Gilberto, Diretor da Imprensa Universitária da UFRRJ, pelo apoio institucional na reprodução
das cópias concedidas pela Decana de Pesquisa e Pós-graduação.
Por fim, agradeço aos meus alunos e alunas, responsáveis pela manutenção cotidiana de
minhas inquietudes e incertezas, que me levam a buscar e aprofundar mais e mais saberes da
profissão docente.
vi
Dedicatória:
À Lair e Laura (in memoriam), ambas
partícipes do meu projeto de vida e de me
entender como ser humano. Dedico à
dignidade de ambas;
Aos amores de minha vida, Aldo, Ugo e
Clarissa, pessoas tão singulares, mas cada
uma como parte distinta e contendo partes
de mim, colaboram cotidianamente na
formação do todo solidário, feliz e
incompleto que é a nossa família.
À Escola Pública que me inspira e me
fortalece como educadora, participando nas
ações coletivas das entidades incansáveis
pela luta da dignidade e valorização
profissional do magistério.
vii
Resumo
A problemática central dessa tese é o estudo sobre a construção social do magistério, cuja
análise compreende as identidades docentes como processo multidimensional e relacional
produzido nas sucessivas socializações. Quanto à temática específica, no tocante à pesquisa
geradora dessa tese refere-se aos processos de socialização do professor do ensino técnico
agrícola, no marco temporal da política educacional iniciada na década de 1990, cuja tônica é
a reestruturação do modelo de gestão e funcionamento da instituição tecnológica e a
concepção de profissionalização docente. Contudo os dados da pesquisa de campo forçaram
um deslocamento da análise para a origem da constituição profissional, quando por volta dos
anos de 1910 até 1940 incidem na sociedade os proclames públicos republicanos para a
profissionalização de um magistério capaz de uma intervenção qualificada na educação
profissional dos jovens “desvalidos” para serem “cidadãos úteis”. Delimita-se ainda um
enfoque de profissão docente, verificando os significantes globais vindos do sistema oficial,
como a noção de competências, mas a licenciatura nos contextos locais demonstra não haver
consensos sobre tais significantes globais. Congruente ao saberfazer docente e aos processos
identitários profissionais, demonstra-se por meio do trabalho de pesquisa de campo,
documentos e da literatura, a existência de espaços/tempos institucionais marcados pelas
permanências e ambigüidades, contudo na atualidade, essas marcas do passado e da dualidade
estrutural sob a esfera escolar/universitária tencionam os processos socioculturais e
acadêmicos para ações e percepções de caráter mais emancipado dos domínios agrários
hegemônicos. A discussão teórica que atravessa toda a tese remete ao entendimento que em
sociedade, nos espaços político-culturais, os indivíduos e grupos são “moldados” por saberes,
atitudes, valores, normalização técnica e perfis para exercerem papéis na profissão docente ou
em outra área profissional. De modo a configurar uma realidade não tão equilibrada em
relações de permanências e determinações, verifica-se a mesma sob tensão na e pela disputa
de profissionalização docente. Neste sentido, o objetivo geral da tese é buscar compreender as
identidades docentes desse professor da educação técnica agrícola a partir dos processos
sócio-profissionais institucionalizados pelo campo político-acadêmico de socialização.
Sobretudo, tomamos esse espaço como um lugar de disputas, particularmente, eivado de
articulações/interações das esferas interiores e exteriores, subjetivas e objetivas ao grupo
profissional. A abordagem e a interpretação dos dados e informações coletadas da pesquisa de
campo delimitam-se na revisão de literatura tomada nas categorias da sociologia
compreensiva de Pierre Bourdieu, Berger e Luckmann, Anthony Giddens, também na
sociologia da educação de Gimeno Sacristàn, na sociologia das profissões de Claude Dubar,
Eliot Freidson e diversos teóricos e pesquisadores referenciados no discurso da ANFOPE e
ANPED. Demonstra-se o enredamento institucional promovido entre os atores/agentes que
organizam os estudos das idéias, nação e cultura, nesse caso destaque-se Eli Lima, Anísio
Teixeira, Sérgio Miceli, Renato Ortiz. Às teorias das sociedades contemporâneas no tocante
as práticas políticas, econômicas e culturais que configuram e conferem significados ao
campo brasileiro, busca-se em Roberto Moreira. A metodologia está balizada nos aportes
teóricos da pesquisa qualitativa em ciências sociais e humanas, aonde os procedimentos e
instrumentos de natureza etnográfica chegaram aos dados que constata ser a profissão docente
uma construção social em processos de rupturas com os modelos passados, portanto, um
grupo sócio-profissional configurado nas tensões provocadas entre as permanências e
ambigüidades sobre uma realidade relacional, em plena dinâmica de novos processos de
institucionalização.
Palavras-chave: profissionalização, ensino agrícola, capital cultural e docência;
viii
ABSTRACT
The main concerning of this thesis has been about social identities accomplishment,
understanding them as a relational and multidimensional process performed through
successive socialization. In relation to specific theme, this survey was carried out under
socialization methodologies of agricultural technical teaching professor at the time of
educational politics start on the 90’s, concerning about the management model restoring and
technological institution working as well as professor professionalization conception.
However, data from field research forced to an analysis motion giving rise to professional
establishment, when around 1910 to 1940, and republican public announcement for the
professionalization of an education able to interfere over “poor” young people, “useful”
citizens professional teaching have emerged on society. Verifying global significatives of
official system as competence ideas and education, an approachment was limited on, in spite
of notifying over local contexts and resistances no consensus or ordinary readings on the
global significatives were reported. Through field research and bibliographic references
institutional space-time existence pointed by permanences and ambiguities have been
demonstrated when at currents days these signs from past ages and structural duality under
school/university sphere pressurize sociocultural methods towards actions and emancipated
character perception from hegemonic agrarian commands. Theorical discussion was based on
political and cultural spaces understanding that on society both groups and people have been
“shaped” in relation to knowledgements, values, behaviors and profiles for playing a role on
every professional occupation or another professional area. In order to represent not as much
balanced reality about determinations and permanences relationships under the same stress to
and for teaching professionalization dispute has been corroborate. In this meaning, the main
goal of the survey was to understand agricultural technical teaching professor identities from
social professional process institutionalized by political and academic socialization aspect.
Above all, it was considered this sphere as a conflict place, specially crossed by outter and
inner as well as subjective and objective spheres to professional groups.
According to Pierre Bourdieu, Berger and Luckmam, Anthony Giddens, Gimeno Sacristán,
Claude Dubar, Eliot Freidson on ANFOPE and ANPED speechs, data and information
approachment / interpretation were based on. As maintained by Eli Lima, Anísio Teixeira,
Sérgio Miceli and Renato Ortiz ideas nation and culture studies, institutional scheme played
by actors / agents was demonstrated. In relation to political, economical and cultural practices
of contemporary societies, theories by Roberto Jose Moreira were reported. The methodology
of this survey has been based on human and social sciences qualitative research where
proceedings and mechanisms from ethnographic nature have noticed professor occupation as
a social performance on ruptures methods with ancient patterns, therefore a professional-
social group represented by tensions caused between permanencies and ambiguities over a
relational reality in accordance to dynamics of new institutionalization practices.
Keywords: professionalization, agricultural teaching, cultural capital and teaching staff.
ix
Lista de Siglas e Abreviações
ANFOPE – Associação Nacional pela Formação dos Profissionais de Educação
ANPED – Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Educação
CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe
CEFET – Centro Federal de Educação Tecnológica
COAGRI – Coordenação Nacional de Educação Agrícola
EAF – Escola Agrotécnica Federal
ESAMV – Escola Superior de Agronomia e Medicina Veterinária
FSM – Fórum Social Mundial
FME – Fórum Mundial de Educação
IFES – Instituição Federal de Ensino Superior
IFET - Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia.
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
ISEB – Instituto Superior de Estudos Brasileiros
LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC – Ministério da Educação
MEC/DEM - Ministério da Educação/Departamento de Ensino Médio
MINAGRI – Ministério da Agricultura
PAC – Programa de Aceleração do Crescimento
PDE – Programa de Desenvolvimento da Educação
PDI – Plano de Desenvolvimento Institucional
PROEP – Programa de Organização da Reforma da Educação Profissional
PPC – Plano Pedagógico de Curso
PPP – Projeto Político Pedagógico
SEAV – Superintendência de Ensino Agrícola e Veterinário
SEMTEC – Secretaria Nacional de Educação Média e Tecnológica
SENAI – Sistema Nacional de Aperfeiçoamento Industrial
SENAC – Sistema Nacional de Aperfeiçoamento Comercial
SENAR – Sistema Nacional de Aperfeiçoamento Rural
SESG – Secretaria Nacional de Segundo Grau
SETEC – Secretaria Nacional de Educação Tecnológica
UNDIME – União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação
x
Sumário
Introdução ................................................................................................................................1
Delimitação Temática, Objetivos, Hipótese e Metodologia.....................................................3
Síntese dos Capítulos ...............................................................................................................8
Capítulo 1. Processos socioculturais e institucionais: perspectivas de novas noções
e seus enlaces na conceituação de profissão........................................................................12
1.1. A questão sempre presente no campo acadêmico: o habitus profissional – categoria de
pertença para pensar as identidades docentes .........................................................................29
1.2. A institucionalização da Sociologia das Profissões: contextualizações ...........................39
1.2.1. As identidades sociais e a socialização profissional: tecendo relações..........................45
1.2.2.Conceitos emblemáticos do campo da sociologia das profissões: especialização,
qualificação, profissionalidade, profissionalização e trajetórias – faz sentido defini-los fora
de uma situação profissional?...................................................................................................51
Capítulo 2. A nacionalidade e as instituições: o remodelamento da sociedade e da
educação em representações da ciência positivista – uma contextualização.....................55
2.1.A intelectualidade na institucionalização da profissão docente no âmbito do Estado: os
primeiros passos da organização da profissão .........................................................................63
2.1.1. Anísio Teixeira: “educador profissional” na organização do sistema nacional de
educação e na luta pela liberdade intelectual das instituições ..................................................72
2.2. A formação profissional: instituições tradicionais de ensino-pesquisa e profissionalização
(agrícola) ..................................................................................................................................76
2.2.1. A formação profissional agrícola no Brasil: dilemas do “ensinar a produzir” na
perspectiva da conectividade Educação-Trabalho ...................................................................85
2.2.2. A profissionalização na sociedade brasileira: ensino agrícola das instituições do Império
a República................................................................................................................................90
2.3. A Docência na educação técnica: identidades sócio-profissionais em meio aos
pensamentos institucionalizados e instituintes. ........................................................................99
Capítulo 3. A pesquisa: processo de construção e revelação da tessitura do concreto
segundo a percepção dos atores ..........................................................................................105
3.1. O cenário institucional da pesquisa de campo e atores político-pedagógicos.................112
3.1.1. Problematização e tipo de pesquisa..............................................................................117
3.1.2. O perfil do Centro Federal de Educação Profissional Agrícola/MG............................128
3.2. O olhar, as falas dos sujeitos: percepções da pesquisadora e dos professores.................132
3.2.1. O olhar sobre a própria prática docente: características dos sujeitos pesquisados:
resultados dos questionários....................................................................................................138
3.2.2. As falas nas entrevistas: percepções sobre a profissionalização docente na educação
profissional Agrícola ..............................................................................................................142
Capítulo 4. A socialização do professor: o olhar e a fala dos que pesquisam/ensinam
sobre a formação e a docência ........................................................................................... 160
4.1. As teses sobre as constituições identitárias docentes: algumas aproximações com as
entidades e colaboradores da ANPED e da ANFOPE ...........................................................161
4.2 A Socialização: enlaces do espaço/tempo de contradições e ambigüidades nas trajetórias
profissionais ...........................................................................................................................169
4.2.1. Socialização docente: um tema recorrente à pedagogia e sociologia ..........................171
xi
4.3. Professor na Educação Técnica Agrícola: construção social em múltiplas
identidades..............................................................................................................................180
Capítulo 5.Considerações Finais: Espaço-Tempo limite para chegarmos às
compreensões.......................................................................................................................182
6.Referências Bibliográficas..................................................................................................185
ANEXOS...............................................................................................................................192
1
Introdução
Começamos a suspeitar também que a percepção
da realidade através de categorias fechadas,
dualistas (verdadeiro/falso, certo/errado,
conservador/progressista etc) ou mesmo
“triádicas” (capitalismo/socialismo/terceira via
etc.), dificulta em lugar de favorecer tanto a
compreensão da realidade como o diálogo com
pessoas que compartilham óticas diferentes das
nossas. (MADURO, 1994)
O nosso interesse a respeito das identidades profissionais dos docentes da educação
tecnológica agrícola deu-se desde o momento em que decidimos realizar o doutoramento em
2002 e neste mesmo ano sistematizamos o projeto de pesquisa, apresentando-o em agosto de
2003 ao Programa de Pós-graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e
Sociedade, portanto, um longo e rigoroso caminho de investigação foi percorrido. Salvo os 21
anos de dedicação e interesse profissional como professora de Didática e Prática de Ensino e
Fundamentos do Ensino Agrícola, nós consideramos essa tese uma experiência ímpar, por se
tratar não unicamente de uma formalidade da carreira docente de nível universitário para
galgarmos maiores espaços profissionais na instituição em que atuamos, mas de um
investimento público que a UFRRJ nos confiou no sentido de colaborar com as demais
instituições do ensino tecnológico agrícola, há doze anos passando por reformulações
curriculares e nas estruturas organizativas. Tais instituições sociais merecem que as nossas
pesquisas na universidade façam uma avaliação a respeito das políticas públicas direcionadas
ao modelo de ensino técnico agropecuário e de seus professores que formamos nas
licenciaturas. Nessa perspectiva, a pesquisa em ciências humanas ganha sentido social, pois
também é um momento de avaliação sobre o trabalho da universidade na habilitação de
docentes para o magistério da educação técnica, no nosso caso a agrícola.
Podemos considerar também outro aspecto, mais pessoal, que nos mobilizou para a
nossa proposta de estudos sobre as identidades docentes. No mundo contemporâneo em que a
imagem é o apelo recorrente nos círculos e redes de relacionamentos sociais e de trabalho,
como estimular os jovens a percorrerem o caminho do magistério, sendo este uma profissão
que retribui cultural, social e economicamente tão mal os seus docentes, se levarmos em conta
as políticas. Como fazê-los crer que a docência é uma escolha certeira, quando se vai abraçar
uma profissão que excetuando os vínculos federais (cada vez menores), a profissionalização
(digamos a carreira/trajetória) é tratada com descaso pelos poderes público estaduais,
municipais e pela rede privada também? Na medida em que o capital cultural docente se
reveste de um plano de investimento próprio, como atrair os nossos jovens a abraçar essa
profissão? Será que realmente a profissão docente, no passado, figurou sucesso profissional,
conforme a visão romântica da literatura conta? Como incentiva-los se aos usarmos os
argumentos da mobilidade social, eles verão na história da profissão que os salários dos
professores nunca foram dos mais significativos na administração pública.
Ao longo do século XIX, por exemplo, segundo Hora (2006), os professores tinham
que buscar outras fontes de renda para fazer frente às necessidades de manutenção de suas
famílias, quando não das próprias escolas e de seu capital cultural. Este aspecto não mudou
muito no século XX. E na atualidade, início do século XXI? Uma questão se sobressai. Como
pensar/agir sobre a profissão docente cumprindo as exigências do seu papel social na
formação de jovens para uma vida produtiva e feliz, atendendo os dispositivos ocupacionais e
subjetivos da profissão, se o próprio docente tem parcos meios públicos para produzir os
2
conhecimentos fundamentais dos espectros de competências desejadas a tarefa de ensinar,
instruir e educar? O Estado, o mercado de trabalho, talvez mais do que nunca, enalteçam o
discurso da cultura geral, do profissional questionador e solucionador dos seus próprios
problemas. Enfim, as permanências, ambigüidades e contradições pesam sobre a
profissionalização docente na contemporaneidade, requerendo reflexidade não só do professor
e de sua categoria de base, mas de toda a sociedade civil.
Um dia de dezembro de 2006, em que estávamos no Centro Federal de Educação
Profissional Agrícola
1
no interior de Minas Gerais, onde realizamos o nosso trabalho de
pesquisa de campo, aguardando uma professora para entrevistar, nos deparamos com a
seguinte matéria intitulada “A Profissão Docente” do professor Luciano Mendes de Faria
Filho - Professor de História da Educação da Faculdade de Educação da UFMG, segundo ele:
O professorado sabe que a "condução das novas gerações"
implica um conjunto enorme de saberes e competências,
continuamente explicitadas pelas políticas educacionais e pela
literatura que o professor tem acesso ao longo de sua formação e de
sua atuação profissional. No entanto, ao mesmo tempo, as precárias
condições de formação e trabalho e a baixa remuneração impedem
que os docentes tenham acesso, de fato, a tais saberes e
competências. Este é um dos aspectos que aumentam ainda mais a
já tensa – por sua própria natureza – experiência docente. Diante do
crescente fracasso (secular) da escola em realizar bem as suas
tarefas mais básicas, o Estado, principal responsável pelas redes
públicas de ensino, sempre adotou as mesmas políticas: reformas
dos cursos de formação e dos currículos escolares, mudanças dos
livros didáticos e acenos de adoção de novas, e salvacionistas,
tecnologias de ensino. Em comum, todas essas reformas têm o fato
de imputar ao professor a maior responsabilidade pelo chamado
"fracasso da escola". Quanto à melhoria dos salários e das
condições de trabalho, isso sempre ficou para um futuro incerto que
nunca chegou, inclusive porque o "serviço da instrução" reúne um
contingente tão considerável de profissionais que o aumento
salarial, por pequeno que seja, repercute enormemente nas já
combalidas finanças do Estado. É evidente que a experiência dos
professores marca também as experiências dos alunos. E qual
aluno, uma vez chegando a sua vez de escolher uma profissão,
escolheria tal profissão, mesmo que ele a considere relevante
socialmente? A profissão docente concentra, desde o século 19, um
altíssimo nível de adoecimento profissional. A complexidade da
questão demanda, tanto do estado quanto do conjunto da sociedade
brasileira, uma séria tomada de posição. (2006).
No contexto de discussão que o autor situa, cabe a reflexão aprofundada a partir do
campo da sociologia e da história sobre os grupos de profissionais docentes. No Brasil, a
literatura direcionada aos estudos da profissão docente se avoluma progressivamente há pelo
menos três décadas. Neste sentido, mundialmente, a Sociologia das Profissões e a História
Social voltaram-se aos profissionais da saúde, da engenharia e do direito, as denominadas
“profissões imperiais”.
1
Nome fictício que demos ao CEFET onde gentilmente fomos recebidas para o trabalho de campo, entre os anos
de 2005 a 2006. Embora sendo uma instituição federal de educação tecnológica, portanto, pública, por conta de
normas de pesquisa, preferimos adotar a postura de manter o verdadeiro nome da instituição e de seus
professores em sigilo.
3
Delimitação Temática, Objetivos, Hipótese e Metodologia.
Este trabalho, de forma ampla, inscreve-se no âmbito temático que engloba questões
socioculturais e educacionais contemporâneas que vêm sendo focalizadas pelos estudos
sociológicos das profissões, do conhecimento e da história social das profissões agrárias e da
educação. Entre as questões, de forma específica, esse trabalho engloba aquelas relacionadas à
base da socialização profissional que repercutem em estratégias de construção de processos
identitários com ênfase nos conceitos de socialização, profissão docente, construção social
do magistério, habitus-campo e capital cultural. Desta forma, estamos nos situando num
campo político-acadêmico e cultural onde ocorrem disputas paradigmáticas pela
profissionalização docente, portanto, nos referimos às linhas de pensamento e ação que se
diferenciam em visões, práticas e percepções sobre o magistério na educação profissional.
Existe um ponto comum, nessas linhas não homogêneas, quando a orientação objetiva
e legal apóia-se na normalização estabelecida na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional. Não há divergências na categoria profissional do magistério de nível superior e as
políticas de Estado quando todos admitem ser a Licenciatura, o modelo de profissionalização
inicial. Uma graduação plena que torna os professores “especialistas” em educação; os
professores devem ser regulados pela legislação educacional onde o MEC tem a
responsabilidade de apoiar as políticas de profissionalização, de forma que as mesmas
contribuam com a inserção qualitativa dos docentes na realidade de mudanças ou de
conscientização para a transformação sociocultural. O que significa dizer que na
contemporaneidade o trabalho docente se associa à especificidade e diversidade de
experiências e expectativas institucionais, movidas pelos atores e sujeitos da escola na
sociedade pós-moderna. Assim, os professores devem ser habilitados em nível superior pelas
instituições universitárias, no modelo da Licenciatura Plena.
Entretanto, nem tudo é consenso entre as instituições universitárias, as entidades
profissionais e o governo quando as licenciaturas são transformadas em modelos “aligeirados”
de formação para o magistério, disseminados pelas políticas e discursos oficiais, como sendo
a solução dos problemas para a falta de professores e de profissionalização. Reside nesse fato,
uma alienação e por isso a crítica contundente por parte das entidades (ANFOPE/ANPED) e
pesquisadores/formadores sobre a Resolução n
0
. 2 de 1997 (Formação Especial de
Professores), pois a legislação mantém uma concepção de professor que basta dominar um
conteúdo para ser um profissional docente. Essa forma de licenciatura em um ano ou até em
meses, outrora apenas pertenceu à formação de professores das disciplinas de
profissionalizantes do ensino técnico. Na verdade, recrutava-se do mercado o bacharel ou o
técnico de nível médio para lecionar nas escolas profissionalizantes, em expansão desde a
década de 1940, dando-lhes as disciplinas pedagógicas ou mais algumas da parte técnica. No
final da licenciatura aligeirada, ele receberia o título como se fosse o mesmo de uma
licenciatura plena, regular de quatro anos. Essa seria uma das permanências ainda
circunscritas nas medidas de profissionalização para o magistério na legislação sobre a
formação dos professores para o ensino técnico agrícola.
O que fazer nesse momento em que os CEFET’s ampliam-se em unidades e
modalidades diversas, principalmente os agrícolas, onde há discursos inflamados segundo os
quais reivindicam direitos de formar os professores que inclusive atuarão nestas instituições,
após uma pós-graduação? Os Centros de Formação de Educação Tecnológica são locais de
formação de professores da educação básica e da educação profissional? Formar professores
nos CEFET’s significa adequar o futuro docente para uma prática de formação produtivista e
4
alinhada às competências do mercado tal como Acácia Kuenzer, Marise Ramos e Gaudêncio
Frigotto, entre outros, denunciaram sobre os objetivos da formação de técnicos? O modelo de
licenciatura da contemporaneidade está definido na Resolução n
0
. 2 de 1997, conforme
veremos nos próximos capítulos. Bem, no fundo trazemos esse debate, que respinga no
passado, no tempo em que Portarias Ministeriais abriram brechas para a complementação
pedagógica de bacharéis, em licenciaturas curtas. Atualmente o programa especial de
formação de professores, aprovado, viria substituir as portarias da década de 1970. Como não
introduzir e aceitar a legitimidade do discurso da ambigüidade nas reflexões de objetos de
estudo que só podem ser explicados mediante uma relativização dos contextos em que se
situam em tal realidade social. Nesse sentido, os professores têm se posicionado perante a
tentativa de desregulamentação profissional iniciada no governo FHC. Tal questão para a
nossa tese importa se associada às idéias de legitimidade de uma causa nacionalmente
defendida pelos professores, como é o caso da Licenciatura.
A propósito desse contexto de estudo que toma a especificidade da socialização do
professor da educação técnica agrícola num subcampo profissional de complexidade, devido
às disputas de ordem política e cultural no campo acadêmico-profissional em que se constitui
subcampo, optamos pela adoção de referenciais teórico-metodológicos segundo as dimensões
de análise requeridas pelos conceitos e as fontes as quais temos tido acesso desde o início do
doutoramento e no decorrer da pesquisa de campo. Desse modo, delimitamos como objeto de
estudo a profissionalização do professor da educação técnica/ tecnológica agrícola diante
das tensões identitárias provocadas por permanências e ambigüidades no cotidiano escolar,
buscando revelar as configurações socioculturais e política que constituíram/constituem o
subcampo da profissão docente na educação profissional agrícola no Brasil. Nesse sentido, o
objetivo geral da tese é buscar compreender as identidades docentes desse professor da
educação técnica agrícola a partir dos processos sócio-profissionais institucionalizados pelo
campo político-acadêmico de socialização. Sobretudo, tomamos esse espaço como um lugar
de disputas, particularmente, eivado de articulações/interações das esferas interiores e
exteriores, subjetivas e objetivas ao grupo profissional.
Pressupomos que na atualidade há tensões que são crises identitárias nas
representações sociais de uma profissão originada nos processos hegemônicos da política e da
sociedade agrária do passado. Para aquele professor do ensino agrícola estaria reservado um
papel político-cultural, tal como os engenheiros responsáveis pelo “progresso técnico” do
campo e da cidade, instituído no industrialismo, que compreendia a profissionalização
agrícola como basilar para a transformação nas estruturas de produção agrícola. Alguns traços
profissionais dessa origem apareceram em falas e respostas dadas ao questionário pelos
professores, o que denominamos de permanências. Não obstante as ambigüidades no interior
da escola/CEFET apareceram na percepção dos professores sobre o papel docente e da
educação profissional agrícola que hoje convive com as dualidades, profissionalizar para
transformar ou para reproduzir. Para esclarecer, podemos afirmar que nos modelos os quais
nos referimos situaram-se e são formas curriculares e profissionais de formação de botânicos,
de engenheiros agrônomos, veterinários na sua maioria graduados pelas antigas Escolas
Superiores de influência de setores da produção agrícolas. As escolas superiores como
ESALQ, LAVRAS, VIÇOSA estiveram próximas do poderio local ou ainda, como a ESAMV
ligada ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, à Sociedade Brasileira de
Agricultura ou após a década de 1960, ligados aos grupos político-acadêmico articulados num
sistema perito (GIDDENS, 2002) no MEC para manter o status quo. No sul do Brasil, por
exemplo, as escolas agrotécnicas sofrem influências do empresariado agrícola/agronegócios
desde os anos de 1970 com as cadeias agroalimentares de suínos e aves.
5
Vislumbrando a produção de um novo conhecimento, cabe ainda ressaltar os seguintes
problemas de pesquisa: a) levando-se em conta a formação acadêmica inicial e as experiências
profissionais do professor na prática docente, seria possível afirmar que há múltiplas
interações entre o universo social exterior com o microcosmo da escola concorrendo para a
construção de processos identitários reflexivos e críticos? b) a descentralização, após 1994,
das escolas agrotécnicas da coordenação nacional do MEC, em Brasília, no processo de
autarquização e a possibilidade de cefetização (“ifetização”) das escolas agrotécnicas a partir
de meados da década de 1990, seriam propulsores de uma ressignificação identitária docente
de caráter emancipatório, na medida em que didática e administrativamente as escolas estão
descentralizadas do MEC/SETEC? c) no magistério do ensino técnico agrícola, as interações
do tipo comunitárias (demandas sócio-produtivas, políticas e culturais locais etc.), em
confluência com os interesses escolares, estariam impactando as identidades profissionais
docentes na contemporaneidade, exigindo um professor mais propositivo, portanto mais
qualificado para ser um formulador de projetos? d) Em caso afirmativo, podemos conjeturar
que tais interações estiveram estreitando relações entre o indivíduo-professor, mobilizando
estruturas subjetivas – valores, cognições, percepções e afetivas – (pessoais) engendrando
identidades docentes reflexivas e propositivas tencionando as permanências e ambigüidades
da profissão? e) o professor da educação tecnológica agrícola, nesta época de crise de
identidades tradicionais, estaria se conscientizando no exercício do trabalho docente sobre os
novos significados sócio-profissionais, quando no cotidiano escolar há arranjos adensados na
relação micro e macro contextual?
Feitas todas essas indagações, lançamos a hipótese de que o professor da educação
técnica agrícola tende a construir uma docência portadora de reflexividade, de atitudes
propositivas e críticas, tendo em vista que a profissionalização se constitui na
contemporaneidade como um processo não linear, atravessado pela indagação permanente do
sujeito diante de si, da diversidade de projetos e atores vinculados às instâncias acadêmicas, à
classe de professores e, ainda, diante das estruturas de produção agrícola e das formas
socioculturais do campo que atravessam as práticas sociais no interior da escola agrícola.
Essas questões e a hipótese direcionaram a busca pelas diversas representações e significados
sociais e educacionais que há muito supúnhamos estarem tangenciando as relações docentes
no interior da escola. Em face da necessidade de atender às mudanças institucionais (como
por exemplo, a “cefetização”) o trabalho docente se alarga e se intensifica, portanto, não basta
para um CEFET um professor de qualificação mediana, pois na atualidade faz-se necessário
cumprir toda uma trajetória de qualificação para que ocorram mudanças significativas que
atendem às cobranças internas e externas, no tocante à consecução de projetos de ampliação
das Escolas Agrotécnicas, ainda, como Universidade Tecnológica ou como IFETS – Institutos
Federais de Educação, Ciência e Tecnologia.
Em função de determinismos burocráticos sedimentados nas instituições, contudo, aos
professores, num passado recente foi cerceado o direito de trabalhar com a diversidade, os
dilemas e ambigüidades consubstanciadas nas identidades sociais onde se constrói e
desconstrói a profissão docente (SACRISTÁN, 1995). Desde 1994, momento em que as
Agrotécnicas Federais e CEFET’s agrícolas passaram à autarquia, pensamos que essa
interdição tenha concorrido não só para descentralizar o projeto educativo escolar do MEC,
mas também para lançar um conjunto de desafios ao desempenho político-pedagógico do
professor no âmbito do trabalho docente.
A “cefetização” não é um projeto do passado vinculado ao Governo interino de Itamar
Franco (período da “autarquização” das Agrotécnicas e Técnicas Federais), mas como
6
demonstramos no corpo discursivo dessa tese, a questão vem sendo lentamente implementada
nas instituições de educação profissional desde a Reforma Universitária dos governos
militares. As transformações exitosas das Escolas Técnicas Federais iniciadas na década de
1970/1980 relativas ao CEFET-RJ, CEFET-PR e a do CEFET-MG vêm norteando as políticas
de ampliação da educação técnica e tecnológica desde então. Os documentos demonstram
quão emblemáticas são as instituições acima referidas como parâmetros de qualidade e
alternativa àqueles que não podem seguir um curso superior numa universidade. No caso dos
professores da educação tecnológica, a própria legislação educacional embora não
estabelecendo tão diretamente como direcionou os professores da educação básica, por conta
dos planos de desenvolvimento social e econômico do passado buscou tratar a formação
docente e a profissionalização desse grupo profissional do magistério nos moldes dados por
um (a) Curso/Escola de Licenciatura em nível superior. Desde a década de 1990, os decretos e
portarias destinam a formação inicial de professores aos CEFET’s, o que traduz um sentido de
permanências no projeto das políticas públicas e de ambigüidades no interior dos fóruns da
categoria profissional que até então se calam, sobretudo, porque diante de uma luta político-
ideológica contra a sociedade política, os professores unidos e sindicalizados esquecem que
em décadas de decisões de categoria do magistério, reafirmaram ser a instituição universitária
o lócus de formação inicial dos professores.
Tivemos como objetivos específicos: 1)tomar a idéia da formação pedagógica como
critério teórico-metodológico para enquadrar o professor da educação profissional agrícola na
categoria docente, embora este esteja frouxamente ou oportunamente mencionado na
legislação educacional; 2) investigar a história social da profissão docente, particularizando a
docência na educação profissional agrícola (como e por que veio a existir e também como se
institucionalizou essa profissão); 3) ir além, segundo Freidson (2004), de apenas uma forma
funcionalista de caracterizar ou trazer traços distintivos da docência ou ensino como instrução
apenas, pois nos interessa focar a análise no campo de disputas pela profissionalização desse
grupo, onde acreditamos que o Estado teve, até a autarquização das instituições no início dos
anos 1990, o máximo controle sobre a profissão docente, limitando os projetos, mas não
impedindo o grupo de construir suas identidades profissionais em interações entre os
indivíduos e os processos sociais, culturais e políticos que se encontram no cotidiano de
qualquer instituição da sociedade, objetivo possível de verificar quando refizemos as
trajetórias dos professores; 4) verificar e analisar as interações indivíduo-docência no sentido
de trazer a baila o universo de representações profissionais em que se assentam os professores
para terem controle ou não sobre as suas trajetórias de profissionalização; 5) identificar quais
os processos sociais primordiais de formação e profissionalização dos professores da rede de
educação técnica agrícola, particularizando a análise da rede federal (agrotécnicas e
CEFET’s); 6) identificar as condições/estruturas objetivo-materiais que interferem nos valores
da profissão, bem como os processos de interação objetivo-subjetivo (redes sociais
confluentes ao campo acadêmico) que mais se articulam na relação indivíduo-docência no
cotidiano escolar dos professores.
Quanto à metodologia de pesquisa, nos utilizamos de uma abordagem etnográfica,
buscando fontes primárias, secundárias, elaboração e aplicação de questionários, entrevistas
como procedimentos metodológicos da pesquisa, que a seguir detalhamos: 1) realizamos
visitação às bibliotecas (UFRRJ/CPDA, UFRJ, UFF e UERJ). Refizemos e fizemos novas
leituras e fichamentos de referências bibliográficas fundamentais e complementares ou
secundárias; 2) concomitantemente às revisões bibliográficas, identificamos um survey
(PPE/PUC-RJ) e reelaboramos os questionários; no final de 2005 até o segundo semestre
letivo de 2006, cumprimos três visitações, contatamos e mobilizamos professores,
7
coordenação de ensino no sentido de aplicarmos os instrumentos junto aos professores do
CEFET Agrícola
2
, assim, no sentido de verificarmos: a) se havia outros livros/textos legais
específicos e particulares que desconhecíamos, mas que vinham servindo aos dirigentes e
coordenadores pedagógicos na orientação dos docentes em reuniões pedagógicas ou
curriculares; b) fontes de informações utilizadas pelos professores; 3) realizamos entrevistas
com professores e uma professora na época coordenadora pedagógica; no período das
visitações passamos dois dias inteiros nas instalações do CEFET participando dos momentos
de descansos na sala de professores e dos horários de café; também fizemos compras na
cooperativa da escola; assistimos a abertura do Curso de Especialização em Agroecologia,
dezembro de 2006, momento em que pudemos perceber alguns valores sócio-ambientais
agregados à produção proveniente da natureza da profissão docente; observamos duas aulas
práticas, e tivemos acesso a um documento da reestruturação curricular ocorrida em 1997; 4)
buscamos o projeto educativo da escola do ano de 1997, período de instalação do projeto de
reformulação na educação profissional agrícola, assim como é mister termos que explicar o
Projeto Político-Pedagógico, de 2005/06, visto que essa iniciativa nos propiciou acesso às
expectativas nas relações profissionais, acadêmicas, comunitárias e de interesses pessoais dos
professores; 5) com a aplicação dos questionários ficamos sabendo dos professores que
investiram nas suas trajetórias de profissionalização. Neste sentido, localizamos as
dissertações e propostas de projetos, que para nós revelaram tendências e interesses em
termos de conhecimentos, valores, visão de mundo rural e de educação agrícola, que se
mostraram fontes de consulta e de dados sobre a percepção de profissionalização que os
professores têm.
Tendo nos certificado de que o caminho percorrido foi o esperado e o necessário,
realizamos uma análise do material empírico, incorporando os dados levantados de fonte
documental (primárias e secundárias), de discursos/falas dos entrevistados, dos documentos à
direção teórica e metodológica (a base conceitual então prevista). Desenvolvemos uma
pesquisa cujos procedimentos/instrumentos estiveram assentados em bases qualitativas,
contudo não vislumbramos uma etnografia ou um estudo de caso para chegar num trabalho de
tese apenas descritivo de uma situação particular. Justificamos a nossa opção pelos
procedimentos etnográficos devido a nossa suposição a respeito da existência de um “mundo”
profissional em pleno estado de construção e desconstrução de identidades, apropriado como
modelo dentre outros CEFET’s, na atualidade, marcado pela complexa e inter-relacionada
trama de significações, representações, valores, rituais pedagógicos, imagens idealizadas e
percepções construídas pelos indivíduos/sujeitos em relação entre si, com os outros iguais e
diferentes. Sobretudo, uma trama complexa que desafia os professores a darem significados as
suas práticas a partir dos significantes globais, mas, no âmbito local, as disputas entre as
esferas macro e micro de tendências político-culturais e científicas não são tão linearmente
constituídas. Esse fato sociocultural que interfere em opções individuais evidencia um
fenômeno marcado pelos processos identitários particulares da contemporaneidade.
Utilizamos o CEFET de Minas Gerais porque ele se associa a qualquer outro contexto que
vem sendo balizado e sofrendo mudanças pelas mesmas políticas públicas do Governo
Federal e, por assim ser, estas instituições são regidas pela mesma legislação educacional,
mas não significando que sejam homogêneas nos projetos em meio a Reforma. Todas as
Escolas Agrotécnicas podem ser transformadas em CEFET’s ou IFET’s, mas isso não
significa que possamos pré-determinar a seus docentes projetos de profissionalização acríticos
2
Lembramos novamente, que denominamos de Centro Federal de Educação Profissional Agrícola de Minas
Gerais, de forma que pudéssemos manter em sigilo a origem real das informações. Contudo, a UFRRJ/IE que
nos apoiou financeiramente no deslocamento e estadias da pesquisa de campo e a nossa orientadora sabem a
verdadeira localização e denominação da instituição.
8
ou subsumidos pela racionalidade instrumental. Esta certeza pode ser constatada pelas
entrevistas do trabalho de campo e nas observações participantes.
Síntese dos Capítulos
Deste modo, consideramos os estudos sociológicos e históricos, antes nomeados como
subsídios primordiais, que estão referenciados e dando suporte interpretativo e explicativo ao
longo dos capítulos dessa tese. Essas referências, na maioria das vezes apresentam-se citadas
e, permeando toda a nossa análise, as mesmas, então, constituem-se como arcabouço teórico
da tese, que elegemos para dialogar com os dados empíricos e, portanto, interpretar e
compreender o objeto estudado. No capítulo I objetivamos trazer, à luz da sociologia
compreensiva e da educação, a problematização das noções que vêm marcando uma
construção teórica sobre os processos identitários socioculturais da contemporaneidade, visto
o pressuposto da existência de mudanças na realidade social, engendradas por indivíduos e
grupo sociais em permanente disputa no campo da socialização profissional dentro da ordem
instituída. A esse propósito, voltamos a nossa atenção às mudanças paradigmáticas que
mobilizam sujeitos e atores coletivos num campo de socialização para a institucionalização de
novas condutas, conhecimentos e normas de socialização profissional. Neste sentido, nos
ancoramos nas contribuições de Pierre Bourdieu, Berger & Luckmann e Anthony Giddens
como principais referências, além de, secundariamente, outros autores de cujas discussões nos
valemos nas reflexões diante das nuances que as noções de campo, habitus, socialização,
profissão e identidades ganham especificidades.
No Capítulo II discutimos e refletimos com maior riqueza de detalhes teóricos sobre a
profissão docente na educação básica e na educação profissional em particular. Assim
delimitado, nos utilizamos da história social que entrelaça intelectuais à políticas de Estado,
onde repousam as concepções identitárias que visivelmente constituíram um processo de
construção social da profissão docente em geral e, em particular, da profissão docente na
educação profissional agrícola. São concepções que carregaram e carregam tipos idealizados
devido à dimensão simbólica, cultural e política da realidade social. A necessidade de
compreensão também dos fenômenos que sugerem estremecimentos nas instituições
tradicionais como escolas, universidades e sistemas de representação acadêmicos nesse
estágio da sociedade contemporânea. Nessa parte da tese, utilizamos tanto referências de
autores como Miguel Arroyo, Anísio Teixeira, António Nóvoa, Maurice Tardif, Gimeno
Sacristán, Renato Ortiz, Sérgio Miceli, Antonio Gramsci, Pierre Bourdieu, Maria A. Nogueira
que abraçam estudos que permitem nos aproximar da materialidade da profissionalização
docente. Em nossa visão, faz-se necessário trabalhar com autores que nos permitem trazer o
pensar, os saberes e o fazer associado às relações cotidianas onde circulam conhecimentos,
histórias, trajetórias, percepções, rituais pedagógicos, dilemas, esquemas práticos, estratégias
de formação em sinergia aos proclames de um campo de disputas, portanto, buscamos
também as fontes primárias e secundárias em publicações ligadas à educação. Dialogamos
com alguns pesquisadores da ANFOPE e ANPED, devido às fontes documentais de enorme
valor discursivo e experiencial. Cabe, ainda, registrar que tentamos evitar ao longo de nosso
trabalho a utilização de referenciais teórico-metodológicos que pudessem explicar apenas por
um enfoque
3
ou tendência sobre o objeto de estudo, sobretudo, ainda, evitamos adotar
3
Dizemos assim porque a nossa investida teórica e exploratória sobre o objeto de estudo tentou mostrar que não
era possível compreender o universo da profissão docente sem que nos aproximássemos das tendências
pedagógicas e sociológicas que foram primordiais à institucionalização da docência na educação, em particular
na técnica-agrícola. Por exemplo, não se pode negar as contribuições de Anísio Teixeira à história da
institucionalização da profissão docente no século XX, no Brasil, ignorá-lo seria ver essa história no ângulo da
descontinuidade ou dar saltos como diz José de Souza Martins (1986). Outro ponto e, talvez o de base, é o
entendimento que temos a respeito das análises sociológicas no momento atual em que se tenta no seio do
pensamento científico trazer à luz as dualidades e ambigüidades, enfim permanências e dicotomias que
9
concepções corporativistas ou de concepções funcionalistas (de causalidade). Por isso
procuramos interligar as questões específicas às amplas e vice-versa, buscando demonstrar a
existência de identidades que se constroem e desconstroem no interior do subcampo da
profissionalização docente em permanente relação com o campo político-acadêmico, isto é, as
identidades são problemáticas institucionais construídas em processos de socialização,
marcadas pelo adensamento da relação entre macro e micro contextos histórico-culturais do
passado aos contemporâneos.
No capítulo III, destinado a apresentar a construção da pesquisa e os resultados do
trabalho de campo, também está perpassado como pano de fundo um Brasil mergulhado em
reformas nas macroestruturas e no seio dos processos de formação e qualificação profissional,
nesse contexto a educação média e profissional não poderia estar fora desses processos de
mudanças institucionais. Há pelo menos uma década escutamos em meio social as novas
denominações relativas aos níveis e modalidades de ensino. Fulano vai para o ensino médio
(não mais para o segundo grau), sicrano vai para a educação profissional (não mais para o
ensino profissionalizante). Essas são expressões corriqueiras que sinalizam mudanças na
política educacional, iniciadas com os desdobramentos internacionais originados dos
organismos multilaterais (por exemplo, UNESCO e OIT) que vieram desde o Plano Decenal
de Educação para Todos, em 1993 e a nova LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional e as suas medidas complementares, em 1996.
A implementação de mudanças nos perfis e currículos de formação profissional
exigidos pela LDB da Educação Nacional, os Parâmetros Curriculares do Ensino Médio, a
substituição do “currículo mínimo” pelas Diretrizes Curriculares nos cursos de graduação, as
ações de qualificação profissional acordadas entre os ministérios da Educação e do Trabalho
em comum com as empresas e à CUT, a adequação progressiva das Escolas Agrotécnicas em
CEFET’s agrícolas, atualmente em IFET’s dentre outras medidas, anunciam novas
regulamentações, portanto, novos modelos de profissionalização tanto para o professor como
para os alunos da educação profissional.
Em função da reforma educacional, estivemos atentas à área de Educação Profissional
e à Formação de Professores dessa modalidade do ensino agrícola. Observamos, na leitura dos
textos normativos (de regulação), curriculares, o emprego sistemático de termos, outrora
enunciados por uma tendência progressista em educação: currículo contextualizado,
interdisplinaridade, qualidade social, etc. Mas, um dos termos mais salientado é o de
competências. Esse se destaca dos outros, nos chamando a atenção pelo que lemos a respeito
e pela aparição em todas as Diretrizes Curriculares a que naturalmente fomentou revisões nos
currículos de formação profissional de nível médio, tecnológico e superior. Não nos parece
um princípio epistemológico, mas sim uma categoria curricular fundamentada em bases da
psicologia empresarial e cognitivista, apoiada nas teorias do funcionalismo, que até no
passado fundamentaram as proposições de Ralph Tyler e o seu Planejamento Curricular
Racional (1949). Ao lermos os documentos constatamos um forte apelo à padronização, o
permeiam a realidade sociocultural e política, que por tanto tempo na ciência sociológica deu-se um tratamento
maniqueísta ou determinista. De certo, a dinâmica institucional não é factível de mudanças quando um indivíduo
sozinho tenta a transformação, mas como ator, a ação coletiva historicamente demonstra êxitos.
10
mesmo que erigiu a proposta de Tyler, cuja denominação neste presente momento é dada
como Paradigma de formação por competências
4
.
Dessa forma, as justificativas dos textos normativos e as críticas daqueles que vêm
estudando sobre formação profissional
5
- no tocante à associação do paradigma das
competências às mudanças em ocorrência no “mundo do trabalho”, principalmente, às
assentadas na tecnologia (microeletrônica) e estratégia de gestão – são ricas de conteúdo que
caracterizam a sociedade contemporânea em profunda mudança político-cultural. Nesse
contexto, se manifesta nos espaços formativos e de trabalho, o modelo de competências,
paradigma racionalizado no campo da reestruturação produtiva (CAMPOS, 2002) político-
científico pela burocracia do MEC, do Conselho Nacional de Educação e legitimado nos
colegiados acadêmicos e no campo do mercado econômico (rede paralela ao sistema federal
de educação profissional SENAR, SENAI, SESI...)
6
Nos movimentos sociais e acadêmicos situam-se discussões contrárias ao projeto
oficial de socialização profissional. Desde meados dos anos 1990 até 2006, as entidades
profissionais, sindicais e de pesquisa em educação (ANFOPE, SINASEFE, ANDES e
ANPED) evidenciaram uma forte rejeição às medidas burocráticas, ao julgarem ser o padrão
de competências uma representação da política neoliberal, que aponta a regulação nos
argumentos da qualificação pela via de um sistema nacional de certificação baseado na
codificação de quadros de carreira do mercado. Os atores dessas entidades usam como um dos
argumentos contra ao MEC, a desqualificação das diversas experiências de formação que o
professor passa para construir a sua profissionalização. Segundo as entidades, essa proposta
está associada à interiorização de normas prescritas pelos mercados, tal como um “selo de
qualidade” a ser colocado no trabalhador. Para elas, a perspectiva oficial pretende especializar
o professor para desenvolvê-lo apenas na dimensão cognitiva, a serviço dos setores produtivo-
ocupacionais. Como contrapontos, as entidades propõem a formação inicial e continuada no
pressuposto da docência como núcleo do trabalho pedagógico em diálogo entre os diversos
saberes e a multiplicidade político-cultural.
4
Esse apelo da sociologia das profissões consta nos estudos do início do século XX citados por Claude Dubar
(1997). Também consta já no final do século XX, no Brasil, em Maria Lígia de Oliveira Barbosa (1993), mais
recentemente em Naira Lisboa Franzoi (2006). Contudo todos os autores se inspiram em Eliot Freidson (1986),
pesquisador da sociologia das profissões. Em Freidson tomamos conhecimento sobre a discussão de outros
pesquisadores ligados as profissões e as respectivas competências funcionais. A maior parte da produção
científica é oriunda do início do século XX, quando notadamente nos Estados Unidos, Canadá e França as
mudanças sócio-ocupacionais evidenciaram a ascensão de uma classe social média assalariada diferente daquela
empresarial e operária, passaram a requerer estudos mais detalhados. Também há um investimento em pesquisas
sobre as profissões liberais na medida em que as mesmas ganham repercussão, por exemplo, o médico e o
engenheiro em face das atividades que estes grupos de profissionais representaram nos projetos nacionalistas da
modernidade, sobretudo devido às instituições e organizações sociais que surgiram das relações de trabalho
desses profissionais com o Estado. Por exemplo, a origem da Educação Profissional na França e no Brasil, as
Cooperativas Profissionais etc.
5
Ver em Plano Decenal de Educação para Todos, 1993; CEPAL/UNESCO, 1992; LDB 1996; CNE 1997, 1999,
2001; MEC/SEMTEC, 1998, 2000 A. F. B. Moreira/UFRJ (1997); Guillermina Tiramonti/ FLACSO (1997); M.
G. Miranda/UFG 1997; Jon Lauglo/Norwegian University of Science and Tecnology/Oslo (1996); GT de
Sociologia e Política Educacional trabalhos de A. Z. Kuenzer/UFPR (1999, 2002, 2003), R. F. Campos/UFBA
(2002), A.C. Lopes e R. E. Diaz/UFRJ (2003), dentre outros.
6
Anteriormente à aprovação da atual LDB, mas no mesmo tempo/espaço do Projeto de Lei desse texto legal,
Torres denuncia que estudos do IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada em 1993 elegiam como
modelo a ser seguido pela Educação Profissional o Sistema “S” (SENAI, SESI, SENAC, SENAR, etc.), por ter
uma estrutura considerada ágil e flexível e que poderia responder e se submeter rapidamente às reconversões e
adaptações dos novos paradigmas de mudanças sociais e econômicas. TORRES ET AL (2004) GTPE-ANDES e
SINDOCEFET-PR, 2004.
11
Como já dissemos a temática dessa tese versa sobre as identidades sócio-profissionais
docentes dos professores da rede federal das agrotécnicas. Esta perspectiva justifica-se porque
os professores da educação profissional foram “chamados” pelo MEC para adesão às medidas
da nova política de educação profissional e, consequentemente, pesa a responsabilidade
nesses professores e dirigentes pelo sucesso das mudanças que vêm sendo encabeçadas pelos
próprios vinculados a MEC/SETEC
7
. Na UFRRJ, instituição em que os docentes estão
ligados há 45 anos à formação de professores para o ensino técnico agrícola e com inúmeras
ações de ensino, pesquisa e extensão provenientes de um convênio firmado em 1979, rompido
em 1992, mas que por força de parcerias interinstitucionais dura até hoje, interiorizando o
Vestibular, trazendo alunos para as diversas graduações, no final das contas, exercendo
influências sobre inúmeras instituições que até hoje recebem os seus egressos. No momento,
fruto dessas ações formativas, o Departamento de Solos e o Departamento de Teoria e
Planejamento de Ensino acumulam diversas experiências em orientação de mestrandos no
Programa de Pós-graduação em Educação Agrícola. Uma boa parte das dissertações é de ex-
alunos formados pela UFRRJ, na Licenciatura em Ciências Agrícolas, ou em outras
licenciaturas da educação básica, que no momento atuam como professores em Agrotécnicas
ou CEFET’s agrícolas. Particularmente, o CEFET que utilizamos como base para o trabalho
empírico possui oito professores titulados mestres no Programa de Pós-graduação em
Educação Agrícola da UFRRJ e conta ainda uma docente matriculada no curso.
Entendemos que contexto institucional está permeado de regularidades, permanências
e dicotomias em choque, visto que, mediante as atuais medidas da reforma educacional, o que
vem interferindo sobre a formação e profissionalização de docente da educação técnica
agrícola, no momento sob tensão. Contudo, não significa que os projetos de
profissionalização docente ou do técnico estejam linearmente configurados nas normalizações
macro estruturais, pois é no micro cosmo da escola/CEFET que os sujeitos se enredam em
contrapropostas. Em Soares (2003) encontramos explicações para um perfil de intelectual
conservador existente no campo (rural) caracterizado por Gramsci, cuja realidade social de
atuação como intelectual militante foi construída nos processos contra-hegemônicos mediante
as revoluções passivas da Europa. Contudo, ela admite ser na atualidade pertinente resgatar o
conceito de intelectual-conservador no sentido de uma reflexão sobre as mudanças
socioculturais e tecnológicas que esse campo sofre ao ser impactado pela relação global-local.
Finalmente, no Capítulo IV objetivamos concluir nos utilizando do aporte empírico em
diálogo com as noções delimitadas por autores e pesquisadores ligados a ANPED e a
ANFOPE ou de outras entidades/instituições significativas do âmbito da profissionalização
docente. Para nós, significou chegar a um marco conceitual das identidades profissionais na
educação profissional agrícola. Todos os autores foram imprescindíveis para que pudéssemos
responder às seguintes perguntas-chave: O professor da Educação profissional agrícola é um
intelectual ou um prático? Quem são eles/elas e o que eles/elas pensam sobre o magistério na
Educação profissional agrícola? Para que tipo de sociedade os professores pretendem formar
o técnico? Enfim, podemos falar de quais identidades sociais e profissionais na docência da
educação agrícola. O Capítulo V apresenta as Considerações Finais remetendo a uma
elaboração sintética do trabalho. Baseamos-nos nas hipóteses, questões de estudos e objetivos
aqui anunciados, além de perspectivas de análise que a pesquisadora construiu ao longo da
tese sobre a questão da profissionalização.
7
Inclusive, alguns desses docentes foram encaminhados para visitas às escolas de formação de professores do
ensino técnico e superior agrícola francês. Aqui cabe um destaque. Desde o início dos anos 1990, a França tem
estreitado laços com o Brasil, em função do seu modelo de educação profissional que adota a formação por
competências e formação/capacitação de professores segundo o modelo de institutos superiores de formação
profissional.
12
CAPÍTULO I
Processos Socioculturais e Institucionais: perspectivas de novas noções e seus
enlaces na conceituação de profissão.
Sim, sou eu, eu mesmo, tal qual resultei de
tudo...
Quanto fui, quanto não fui, tudo isso sou...
Quanto quis, quanto não quis, tudo isso me
forma...”
(Fernando Pessoa in: Arroyo, 2000).
As discussões relativas ao plano teórico-conceitual do presente trabalho giram em
torno do processo de construção das identidades socioculturais na contemporaneidade. As
reflexões que o motivam, portanto, demonstram o nosso esforço em apreender as categorias
analíticas que configuram um quadro discursivo delimitado pela temática da socialização do
professor da Educação Profissional Agrícola, nos espaços e tempos em que se constituiu a
profissão docente no ensino tecnológico. Isso porque percebemos, na experiência de docente
como formadora de professores em contato com as escolas e na pesquisa de campo da parte
empírica dessa tese, a existência de discursos acadêmicos e político-culturais que cogitam
mudanças identitárias nas instituições e nos comportamentos dos sujeitos profissionais.
À luz das teorias sociológicas
8
, objetivamos a problematização do tema
tomando como idéia norteadora (pressuposto) a existência de mudanças na realidade social
engendradas por indivíduos e grupos sociais, não necessariamente contra-hegemônicos à
ordem instituída, mas principalmente sinalizadores de teorias, práticas e valores divergentes
do paradigma cultural e científico positivista. Observa-se que não negamos a contribuição do
positivismo na história das instituições científicas, na organização do pensamento social e na
formação profissional nas ciências diversas e no campo tecnológico do conhecimento,
contudo, a visão simplificada
9
do mesmo está comprovada por diversos estudiosos do tema.
Incluir e articular as contribuições teórico-metodológicas positivistas a outras epistemologias
e processos, parece-nos necessário para a definição e significação sobre a realidade social da
profissão docente em nosso tempo presente.
A emergência de novas reflexões político-culturais direcionando as diversas
experiências de vida no campo institucional de formação acadêmica está impactando a ordem
social cristalizada na modernidade. Os indivíduos e grupos portadores de uma outra/nova
visão de mundo estabelecem/reiteram a complexidade, o pluralismo e o relacional como
práxis e poiese
10
junto às instituições de socialização secundária. Poderíamos citar inúmeros
8
Referimos-nos à sociologia compreensiva e da educação que ao longo desse e dos capítulos seguintes estão
situados de acordo com os autores e respectiva categorização.
9
O termo simplificada está no sentido oposto ao da complexidade e do caráter relacional em que estão assentados
os processos sociais. A visão da complexidade está cada vez mais acentuada nas análises de campos científicos
como um todo, portanto, nos referimos à visão simplificada em oposição a visão de processos multidimensionais
ou complexos. Logo nas páginas seguintes situamos na fala de Edgar Morin (1994) o significado mais completo
de tal visão cultural e científica.
10
Não vamos nos deter nas discussões a respeito do Pensamento da Complexidade de Edgar Morin (1990),
Humberto Maturana e Francisco Varela (2001), mas os autores são tidos como principal referência a respeito da
13
indivíduos e grupos sociais, mas a título de exemplificação, Pierre Bourdieu, Paulo Freire,
Anísio Teixeira e outros que apostaram e apostam numa outra forma de leitura da realidade
em parâmetros concretos, indo contra a maioria das teses ou de paradigmas educacionais
11
de
sua época, que construíram teorias que puderam propiciar questionamentos frente à realidade
político-cultural. A propósito, estamos então voltando a nossa atenção às mudanças
paradigmáticas que mobilizam sujeitos e atores coletivos à institucionalização de novas
condutas e normas de socialização na vida cotidiana e que, particularmente, atingem a vida
profissional.
Consideramos também a realidade social e de trabalho sob a influência/intervenção
dos processos de globalização, que nos conectam em sociedade aos grupos sociais, às redes de
pertencimentos, tendendo a unificar os processos sociais e demais interações humanas a partir
do nexo global-local e vice-versa. Uma exemplificação dessa afirmação está no setor da
educação escolar. Segundo Lima Filho (1999)
“no debate acerca das atuais transformações no mundo do
trabalho, três questões têm assumido destacado relevo: a introdução
das inovações tecnológicas no processo produtivo e as mudanças
técnicas e organizações; as demandas atuais e futuras de utilização da
força de trabalho e a sua composição qualitativa; a adequação
organizacional e curricular das estruturas de formação da força de
trabalho” (p.41).
As Reformas Educacionais, baseadas em Parâmetros Curriculares Nacionais que
aconteceram em toda a Europa e Américas, com o objetivo explícito de homogeneizar
currículos, conhecimentos, mas também valores e comportamentos para também se
homogeneizar práticas sócio-ocupacionais cobradas nos discursos célebres de organismos
internacionais, como OIT, BIRD, etc. Nesse contexto é que podemos situar a experiência do
micro contexto – o cotidiano universitário/escolar, locus da socialização profissional –, onde
as ações formativas são cada vez mais mediadas por multifacetadas dimensões da sociedade
(de gênero, de economia, política, cultura, ambiente, etnia, tecnologia), espaço que aglutina
uma diversidade de complexos e interdependentes processos sociais de caráter
intersubjetivo
12
, até por conta das características locais, o microcosmo escolar.
Trabalhamos, portanto, a partir do pressuposto de que há mudanças e novas
concepções emergentes no seio das ciências humanas e sociais, que estão presentes também
em outras ciências, tencionando os indivíduos e grupos à reflexividade
13
nas dinâmicas
institucional-profissionais e do próprio eu. Devido à materialização dos processos de
comunicação em canais de informação da sociedade globalizada, os sujeitos e atores
14
sociais
autopoiese, substância conceitual capaz de definir e significar as práticas auto-organizativas de indivíduos
mobilizados para se tornarem sujeitos.
11
Muitos de nossos ilustres teóricos como, por exemplo, Anísio Teixeira e Paulo Freire no Brasil ou ainda Pierre
Bourdieu e Edgar Morin na França tiveram uma formação clássica ou liberal-positivista. Contudo, o caminho de
fazer ciência foi diferenciado da formação inicial, visto que em suas obras todos questionam a excessiva
tendência objetivista e pouco dialética ou complexa na produção científica de diversas áreas.
12
Sobre a discussão das interações subjetivas no quadro de situações socioculturais localizadas, comunitárias,
sofrendo impactos e reagindo aos processos de globalização, dentre outros, ver Moreira (1994/2002/2003),
Santos (2000, 2002), Otto Maduro (1994), Morin (1994 e 1999), Giddens (1991; 2002).
13
Conforme Anthony Giddens (1991, 2002) a respeito da “identidade do eu” na pós-modernidade, quando o eu
se torna uma consciência relativa. Conforme Giroux (1997), na sociologia do currículo, pensando o professor
como intelectual em permanente reflexão sobre si e, assim, lançando os conhecimentos fruto de sua reflexividade
para repensar a sua própria prática.
14
Baseando-nos em Pais (2003), fazemos a distinção entre sujeitos e atores nomeando a partir do seguinte
entendimento: para nós, sujeitos são aqueles que participam de um projeto dando sentido pessoal ou não, mas
dando sentido e sofrendo os impactos das possíveis interações dessa participação, enquanto os atores seriam
14
interconectados permanentemente em redes virtuais, constroem subjetividades. Por esse canal
de relações tendem a inventariar uma série de determinantes/significações de natureza
estrutural-economicista, enredando-se a processos de leitura da realidade, mais mobilizados
pela complexidade político-cultural de nosso tempo. Se fizermos uso da Literatura como
exemplo para nos referenciarmos nos termos da reflexão que ora estamos direcionando,
podemos facilmente constatar mudanças profundas na realidade das instituições educacionais
da sociedade brasileira. Para exemplificar tal colocação é só nos reportarmos à literatura
(romances e novelas, ou narrativas) do século XIX e início do século XX, quando
personagens possuíam características no linguajar, carregado de soberba científica ou, ainda,
possuíam traços/condutas peculiares de influência dos “estrangeirismos”. Na ausência de um
campo disciplinar sociológico, os primeiros teóricos da sociologia brasileira se valeram das
representações literárias.
Contudo, também recorremos, nessa discussão, aos vestígios do tempo passado, em
que a meritocracia pela titulação abria caminhos para a ascensão/mobilidade social. Porém, na
atualidade, estamos num mundo altamente competitivo, onde as políticas educacionais têm
democratizado o acesso á escola e o prosseguimento dos estudos em níveis universitários e
tecnológicos, portanto, acirra a competitividade, visto que não é mais exclusividade da classe
social abastada o diploma de graduação ou politécnico, como, também, ampliam-se os
espaços de habilitação profissional
15
.
A complexidade político-cultural à qual nos voltamos está associada ao mundo
contemporâneo em plena transformação societária, devido às interações mediadas pela
tecnologia. Conseqüentemente, valores de consumo vêm incidindo sobre a coletividade
mundial e local, pois a necessidade de domínio das linguagens tecnológicas nos setores de
produção material e imaterial acabou por desnudar as contradições sociais, o que propiciou
aflorar por outro lado valores mais solidários e de preservação da vida e da natureza. Lidar
com as contradições (questões/situações opostas, mas que se relacionam), que pesam nas
instituições, é um exercício dialético, torna-se um fundamento metodológico para as
redefinições de “mapas” até então orientadores de caminhos ditos como certos.
Na atualidade podemos trabalhar, inclusive lecionar, sem sair de casa. Podemos pedir
aconselhamentos a um grande amigo fora do Brasil, que por vezes nem conhecemos
fisicamente, e que em segundos ele responde a você. Com a mediação dos avanços
tecnológicos, o indivíduo está mais próximo de si mesmo e dos outros, é um sintoma que
corrobora à maior reflexividade, já que o indivíduo terá sempre mais oportunidades de fazer e
refazer escolhas segundo as informações vindas de várias dimensões do mundo social e dos
valores pessoais. Como o nosso objetivo é a problematização do pressuposto acima exposto,
acatamos as emergências identitárias implicadas, portanto, numa percepção deslocada de uma
análise apenas consubstanciada na determinação de padrão economicista ou mesmo macro
estrutural da profissionalização docente.
aqueles que são representantes dos indivíduos sociais em situações coletivas, em entidades de classe, categorias,
profissionais, etc. Entretanto, para Pais, ambos os termos podem ser concebidos como convenções sociológicas,
sendo representadas pela entidade de indivíduo social. Para nosso entendimento o mais importante é que nas
redes de subjetividade formadas pela ação de sujeitos sobre o cotidiano, micro contexto, este local de ações
formativas, compreende as “situações de interação” em que passam os professores. Assim o livro de José
Machado Pais foi incorporado em nossa pesquisa devido ao seu enfoque nos estudos do cotidiano e das redes de
subjetividades formadas por situações de interação de sujeitos e processos sociais em ocorrência em micro
contextos.
15
Sobre essa nossa afirmação, verificar entre tantas pesquisas a de Abramovay e Garcia (2003). Nesta
publicação de 7 cadernos contendo a discussão e os dados empíricos, as autoras identificaram imagens e
representações sociais sobre a escolarização do ensino médio e universitário de jovens e professores de
inúmeras escolas de nível médio de vários estados brasileiros. Ou então, sobre o passado é só verificar em
leituras de Machado de Assis, por exemplo, O Alienista retrata a força da idéia/linguagem cientificista/clássica
ou do capital social e político que a educação escolar e universitária pendia.
15
Nas análises de Giddens (2002) ou de Hall (2000)
16
a respeito das crises identitárias
nesse tempo presente de redimensionamento do projeto global e crise identitárias, as
referências objetivistas ou dogmáticas, essencialistas ou subjetivistas se esgotam juntamente
com os modelos que as engendraram. As desterritorializações e desenraizamentos marcam as
trajetórias individuais e coletivas, não existindo nelas tantos apegos às estruturas que no
passado buscaram homogeneizar os indivíduos em povo, massa, classes ou universos
cristalizados, engendrados na organização ou nas relações de trabalho capitalista. Por
exemplo, o movimento estudantil se fragmentou em vários outros campos de lutas, os
estudantes levantam bandeiras da política universitária, mas ao mesmo tempo estão lutando
nos coletivos de educação e de reforma agrária do MST. Que eixo comum ou nucleador
unificam ambos os movimentos? O eixo mais próximo de ambos é sem dúvida a solidariedade
em prol de uma sociedade mais inclusiva, que distribua equitativamente a renda e a
propriedade. Essa afirmação é verificada em inúmeras teses, por exemplo, as que relacionam
a miséria e demografia, movimentos de inclusão social e os negros, movimentos de
emancipação feminina e profissão, a feminização do magistério, etc. São temáticas que no
passado eram timidamente tratadas. Para efeito de prestar esclarecimentos diante de nossa
afirmação, no campo educacional, podemos verificar em Lino de Paula (2004), o estudo
aprofundado sobre a fragmentação dos eixos de luta do movimento estudantil dos anos de
1990 em comparação aos da década de 1970.
No campo acadêmico, associando as aplicações teóricas ao campo objetivo, o
pensamento de natureza complexo-reflexiva sugere, sobretudo a nós estudiosos, a necessidade
de avanços conceituais naqueles de pensamentos científicos e culturais positivistas (que
fundamentaram as instituições da sociedade/ciência moderna) que, aplicados à
contemporaneidade, têm demonstrado ser insuficientes para explicar a multiplicidade de
interações e relações circunscritas no universo social e natural. Para alguns teóricos que
experimentam tais rupturas e/ou inquietações, a discussão passa pela compreensão de
sociedades marcadas por mecanismos de desencaixe, processos de alta modernidade, da
modernidade tardia (conforme GIDDENS, 1991; 2002), ou, ainda, como outros denominam
de pós-modernidade. Na nossa discussão nos valemos da idéia de mudanças nas instituições
sociais, assim, não importando o termo usado pelos diversos autores, pois no que diz respeito
ao pressuposto adotado, as mudanças referem-se à crise identitária do pensamento científico e
social moderno, uma crise de valores e práticas que vem afetando as instituições objetivo-
simbólicas que, sob essas circunstâncias de crise, requerem novas construções
epistemológicas e revisão nas práticas sociais. O objeto de nossa atenção está localizado em
instituições ligadas à política e à cultura, ao Estado e à Sociedade, como por exemplo, a
escola, a universidade, os fóruns de ciência e cultura, centros de formação e de pesquisa,
extensão rural, entidades profissionais, entidades de ação coletiva do campo, etc.
Contrabalançando as diferentes noções cunhadas pelos autores, a comunidade
científica nomeia a emergente tendência de epistemologia da complexidade, do relacional, do
plural. No momento, essa tendência tem se mostrado como uma possível saída para
compreender o “mundo” e as suas interações sócio-humanas que formam as instituições na
sociedade, portanto, a estrutura econômica e o objetivo-material passam a ser consideradas
uma forma de ação humana, fruto das interações sociais, como já no passado anunciava Max
Weber na sua sociologia. Poderíamos ter citado Giddens ou Hall, mas Edgar Morin é um dos
16
Em que pese a abordagem sociológica de Giddens e a dos estudos culturais de Stuart Hall, ambos os teóricos
concordam com o eixo de análise sobre a realidade social na contemporaneidade desfocado dos
dogmatismos/determinismos estruturais economicistas, por isso utilizam noções como a de reflexividade, de
sujeitos, etc. que exaltam uma recorrência às interações dos indivíduos em micro-contextos ou mesmo de um
indivíduo desafiado a permanente reflexão sobre as suas escolhas e posições diante de sua coletividade ou de
outro indivíduo.
16
pensadores emblemáticos desta vertente ou configuração intelectual que emerge no seio das
instituições científico-culturais. Para Morin (1994):
A noção de complexidade só pode exprimir o nosso embaraço, a
nossa confusão, a nossa incapacidade de definir de maneira clara,
de pôr ordem nas idéias. (...) É preciso dissipar duas ilusões que
desviam os espíritos do problema do pensamento complexo. A
primeira é crer que a complexidade conduz à eliminação da
simplicidade. A complexidade aparece certamente onde o
pensamento simplificador falha, mas integra nela tudo o que põe
ordem, clareza, distinção, precisão no conhecimento (...). A
segunda ilusão é confundir complexidade com completude.
Certamente, a ambição do pensamento complexo é dar conta das
articulações entre domínios disciplinares, que são quebrados pelo
pensamento disjuntivo (que é um dos aspectos principais deste
pensamento simplificador); este isola o que ele separa e oculta tudo
o que o liga, interage, interfere. Neste sentido, o pensamento
complexo aspira ao conhecimento multidimensional. (...) É
complexo o que não pode resumir-se a uma palavra mestra; o que
não pode reduzir-se a uma lei ou a uma idéia simples. A
complexidade é uma palavra problema e não uma palavra solução
(p. 8-9).
Os instrumentos de pesquisa de campo aplicados aos professores do CEFET
Agrícola
17
- instituição onde se produz conhecimento científico-tecnológico e se forma para o
trabalho, sobretudo balizada na finalidade intrínseca de preparar jovens para o exercício pleno
da cidadania, como na universidade também se observa - nos propiciaram chegar à
constatação que as interações sócio-humanas formam as experiências cotidianas de
professores e alunos encarnando primordialmente uma racionalidade definida na cognição. Ou
seja, a construção do conhecimento escolar dá-se primordialmente por práticas educativas
balizadas nas “competências” cognitivas
18
que ambos os sujeitos utilizam para a construção
17
No caso da nossa pesquisa de campo, no CEFET que demos o nome-fantasia de Centro Federal de Educação
Profissional Agrícola de Minas Gerais, verificamos entre as tabelas de nº 24 a 31 (anexos) que a maior parte dos
recursos e processos de ensino refere-se às exigências cognitivas (ver Tabelas nos anexos). Também o Projeto
Pedagógico da Escola Agrotécnica (antes de se transformar em CEFET) teve um desenho curricular bastante
centrado no desenvolvimento de atributos cognitivos.
18
Em que pese as ambivalências ou polissemias sobre o conceito de competências, aqui sinteticamente
explicamos as relativas à discussão do modelo de competência mais entoado nos fóruns de educação profissional
e formação de professores. O entendimento de Campos (2002) e Kuenzer (2001, 2002) parece evidenciar uma
noção cunhada nas exigências de um mercado hegemônico, progressivamente volátil nas suas necessidades e
saberes exigidos numa profissionalização especializada, portanto, impõe à universidade e às escolas uma
formação também volátil. Posto isto, cumpre esclarecer que as mudanças ocorridas no trabalho do professor têm
sido provocadas não só pelo campo em que este exerce as funções relativas à profissionalidade, mas, inclusive,
pela universidade, que o forma conduzindo-o por meio de paradigmas absorvidos do mercado. É o caso da noção
de competências. Campos (2002, p.1) diz que as recentes reformas educacionais brasileiras, em especial aquela
voltada à formação de professores, tem se caracterizado, dentre outros aspectos, pela difusão de um conjunto de
conceitos e noções fornecendo um novo quadro de referências à docência cujo objetivo é balizar as práticas de
formação e de atuação. A autora enfatiza ser a noção de competências o eixo orientador da reforma em curso, e
lastima a forma simplista como vem sendo assimilada. A compreensão de Campos (2002, p.2-3) deixa em
evidência a crítica, posto que, esta noção se configura como se fosse a única racionalidade possível às práticas de
formação, supervalorizada nas dimensões cognitivas, constitutivas da ação docente, impondo novas normas de
eficácia ao trabalho pedagógico e, em conseqüência, corre-se o risco de se obliterar as dimensões políticas e
éticas que nortearam as discussões sobre a profissionalização dentre os educadores. Quanto a Kuenzer (2001;
2002), sua investigação debruçou-se sobre as teses do esgotamento do modelo taylorista-fordista e da economia
17
do conhecimento, mesmo em que pese interesses, perspectivas de ordem mais afetivas ou de
outras dimensões socioculturais. A nossa experiência de sujeito que há 20 anos convive em
meio às relações cotidianas com tantos outros sujeitos atuantes na formação de professores,
nos permite argumentar que para o pensamento complexo e plural ser incorporado como
prática sócio-educativa escolar ou universitária há de ser por meio de tantos outros processos
educativos que provoquem a reflexividade e valorizem as interações dialógicas em detrimento
de processos cognitivos de repetição, instrucional ou de conteúdos superficiais e
descontextualizados.
O quadro em tese permite caracterizar os processos institucionais e socioculturais
como diversos/relacionais, superando os radicalismos ou excessos objetivistas ou subjetivistas
– poucos objetos podem ser definidos ou significados pelos modelos teórico-metodológicos
racionais simplificados - o funcionalismo, o evolucionismo nas ciências sociais, o
criacionismo nos estudos ecológicos e outros paradigmas que se configuraram no positivismo.
Ao longo da modernidade, para consolidar o modo de produção capitalista, a simplificação
dos fenômenos sócio-ambientais, econômicos e culturais em problemas naturais deu-se pela
racionalidade técnica-instrumental descolada das relações humanas e sociais, promovendo a
naturalização dos processos sociais.
Essa argumentação de uma razão substantivada na instrumentalização técnica parece-
nos plausível naquele tempo-espaço sócio-histórico. Na realidade educacional e científica
brasileira, o efeito das teorias (em versões críticas ou apologéticas) de cunho economicistas
ou produtivistas, transplantadas de outras nações nas décadas de 1940/60, repercute até os
nossos dias, enfatizando as mesmas determinações culturais, de gênero, étnica e técnica do
passado, quando todas as ênfases enaltecidas pela idéia reducionista do não respeito à
alteridade das minorias da população brasileira, fato que repercute também na cidadania e na
participação popular durante a vigência do padrão desenvolvimentista para o Progresso.
A modernidade retrata a idéia de comprovar todos os processos sociais e do trabalho,
submetidos pela racionalização da burocracia, pela cientifização, ajudando a disseminar o
ideário do progresso e da técnica nas diversas e múltiplas experiências cotidianas. O
postulado economicista do capitalismo colocou a ciência e a profissionalização como
funcionais no sistema (tanto em termos superestruturais como estruturais), houve um hiper
dimensionamento simbólico da ciência e da técnica, quando foi disseminada nas estruturas
sociais a idéia segundo a qual os meios de gerar estruturas produtivas (para manter a
acumulação do capital) só seriam possíveis pela materialização da ciência. No contexto das
instituições político-culturais e produtivas, a ciência passa a ser a teoria-prática essencial, ou
flexível. Contudo tanto Campos quanto Kuenzer, em trabalhos distintos, desvendam a gênese da noção de
competências. Comprovam que os defensores da noção de competências, acreditam que a formação deve voltar-
se para o domínio do processo de trabalho no quadro de imprevisibilidade. A imprevisibilidade associada aos
saberes requeridos pelas novas tecnologias e novas formas de organização do processo produtivo, são parâmetros
que definem características desejáveis do trabalhador: profissional intelectualizado, autônomo, dominador dos
processos, com múltiplas inteligências e competências. Campos (2002, p.4-5) ressalta que a base cognitivista da
noção de competências na pedagogia está na abordagem cientificista que permeia as justificativas de apropriação
deste modelo: abordagem ergonômica e abordagem substancialista. A ergonômica entrelaça competências à
performance, para se chegar a ter determinadas capacidades. Conceitua competências como um conjunto
estabilizado de saberes/tipos orientados para a ação. Mas, Campos se fixa na substancialista, visto que essa
espelha o paradigma de formação proposto nas diretrizes curriculares, em que se assenta a idéia de articulação da
realidade educacional universitária e escolar ao mercado, via as chamadas competências-chaves ou
competências transversais que se referem basicamente à atitudes gerais (atitude para comunicar, capacidade de
liderança, etc.); tal movimento pretende também observar de forma mais efetiva os aspectos relacionados à
transferibilidade seja de competência ou de trabalhadores de um emprego para outro (...) no que diz respeito à
formação profissional, visa-se aquisição de atitudes e comportamentos, porém interdependentes aos saberes
teóricos e mesmo práticos (pp.6-7).
18
seja, passa a ser o alicerce do industrialismo; e a indústria (a ciência materializada) a base do
desenvolvimento social e das organizações, em que as instituições do capitalismo foram
engendradas. Contudo, as normas para firmar contratualmente as relações de trabalho no seio
da produção material, desde o fim da escravidão (início da força de trabalho livre) e das
primeiras Revoluções Burguesas, tornar-se-iam cada vez mais informais e reguladas pelo
capital.
No sentido de dar conta das análises sobre as identidades docentes nos espaços/tempos
de socialização (formação/profissionalização) julgamos que o pensamento complexo e
relacional abre e clareia a compreensão sobre a ”opaca e entrelaçada” rede de relações
socioculturais e políticas, intrinsecamente subjetivada no cotidiano de trabalho do professor.
Temos a convicção que as identidades docentes se constituem por processos sociais
diversificados e situados política e culturalmente em micro contextos da vida cotidiana
escolar, dimensionados simbólica e culturalmente. Pais (2003) foi por nós selecionado tendo
em vista o tratamento que o autor dá à realidade social do cotidiano escolar. O autor busca
decifrar os enigmas que constituem o cotidiano escolar, pois para a maioria daqueles que por
lá trabalham, esse universo adensado pelo objetivismo-subjetivismo, perpassado de processos
socioculturais, para eles não passa de uma rotina, onde simplesmente ações e pensamentos se
repetem, e não há expectativas ou percepções de mudanças e trocas subjetivadas. A
multiplicidade de dimensões (política, cultural, gênero, etc.) da sociedade age entrelaçando a
“realidade docente” ao cotidiano escolar, definindo a socialização do professor num campo de
representações sociais, que ao contrário do que se pensa a docência no cotidiano não se define
por conhecimentos homogêneos
19
organizados numa rotina onde parece acontecer nada de
importante. Sacristán (1995) ao analisar o ensino como um repertório de esquemas práticos
que delimita dentre outros esquemas a profissionalidade docente, remete o ofício de ensinar
no cotidiano escolar, como “local onde se pode tratar da educação como práxis, isto é, como
prática que se desenvolve em contextos reais, carregada de intenções e de interpretações
subjetivas, construída por diversos actores e reflectida em usos de natureza prática (...) são
rotinas orientadas para a prática” (p.79).
Nesse sentido, a problematização com base nas teorias sociológicas do conhecimento e
da educação delimita as análises, tecendo relações que se adensam devido à conectividade
entre os micro e macros contextos das sociedades. Isso porque, as ciências sociais e humanas
em processos de revisão de seus paradigmas analíticos retratam o micro contexto das
instituições de ciência e tecnologia compreendidas como tempo-espaço das ações formativas
não exclusivamente determinadas pelos arranjos economicistas de ideário positivista e/ou
crítico-reprodutivistas, cuja discussão simplista recaía na educação escolar como funcional
e/ou redentora da sociedade do “atraso”. O discurso da Escola Nova, e/ou ainda, na idéia de
dominação ideológica de uma classe sobre a outra, que reforçou a teoria de reprodução social
de Bourdieu e Passeron, compreendendo a macroestrutura sócio-econômica sobre a micro
19
Pais (2003), considerando o seu trabalho de investigação empírica discute profundamente as bases da
metodologia da sociologia do cotidiano. Nestes termos utilizamos o conceito de situações de interação, segundo
o qual o autor destaca como próprio para decifrar as expressões e representações da vida cotidiana em narrativas
literárias (fontes orais e biográficas/documentais) capazes de tão bem objetivar o real. Segundo o autor, “os
procedimentos e paradigmas de conhecimento mais usados pela sociologia da vida cotidiana – quer pela
primazia que outorgam à experiência subjectiva como matéria-prima do conhecimento sociológico, quer ainda
pelo interesse em desvendar como as pessoas experimentam o mundo que compartilham e constroem em
interacção” (p.19). Ressalve-se o nosso objetivo de problematização, que não passa por um estudo sobre o
cotidiano escolar, mas sim de recorrer ao autor porque esse utiliza a idéia de cotidiano de modo a contextualizar
ou situar os processos identitários docentes num tempo-espaço de atuação profissional ou de profissionalização.
19
estrutura escolar
20
, fora deformado em função das circunstâncias ditatoriais. Contudo, essa
forma de interpretar essas escolas da sociologia e da pedagogia foi circunstancial de uma
época, onde as ciências que ancoram o discurso pedagógico alicerçavam uma luta de classe
que ocorria por força das prerrogativas ideológicas da ditadura varguista e mais tarde a
militar.
A discussão sobre os impactantes e múltiplos processos de transformação de ordem
social, econômica, de trabalho, política, cultural e tecnológica, na contemporaneidade,
ampliam a compreensão de profissionalização docente. Por conseguinte, o discurso oficial
expressa, desde a década de 1990, uma simpatia pela profissionalização aligeirada na
educação técnica e na educação básica, de modo que o professor na sua socialização
profissional vem se colocando para acompanhar as mesmas reconfigurações identitárias e
comportamentais engendradas na idéia de um mundo do trabalho flexível, em plena
transformação tecnológica e cultural
21
. Esse discurso está contido em pronunciamentos
públicos desde meados da década de 1990. Oliveira (1998) evidenciou que a Licenciatura se
consolidou em bases de tendência tradicional-tecnicista, conseqüentemente, esse modelo de
profissionalização inicial do magistério na educação técnica agrícola sofreu muito mais do
que a licenciatura que forma para a educação básica na questão da fragmentação e da
especialização do conhecimento. Mormente, consideramos essa visão um reducionismo e um
paradoxo, na medida em que o governo reduz o campo de possibilidades de socialização do
professor, tal como o fez, no período da industrialização, por meio do ideário veiculado pelo
produtivismo. Portanto, o determinista proveniente do economicismo e, da forma tecno-
burocrática de enquadrar as profissões na modernidade, ainda assombra a profissão docente.
20
Não queremos classificar Pierre Bourdieu como estruturalista ou em qualquer outra vertente sociológica.
Nogueira e Nogueira (2004) concluíram que a apropriação da obra de Bourdieu no Brasil deu-se em tempos
diferenciados e por diferentes modalidades de apropriação. Segundo os autores, “a primeira metade dos anos
1970 caracteriza-se por uma apropriação de tipo “acidental e esporádico” (referências rápidas ao autor sem a
incorporação de seu arcabouço conceitual), no final da década de 1980, o grau elevado de politização do
pensamento educacional brasileiro impôs uma forma particular de leitura dos escritos bourdieusianos que os
reduzia à dimensão revolucionária ou “reprodutivista” da ‘práxis’ educativa (para utilizar expressões em voga à
época), aprisionando o pensamento na dicotomia ‘reprodução versus transformação’. É somente, a partir dos
anos de 1990, com as transformações sofridas pelo campo educacional brasileiro (introdução de novos autores,
enfraquecimento das concepções “crítico-reprodutivistas”), que se verificará maior pluralidade nos modos de
leitura da obra de Bourdieu, com o surgimento, em particular, de um bom número de trabalhos que evidenciam
uma apropriação do modus operandi do pensamento bourdieusiano na construção de seus objetos (o pensar
relacional ou a análise reflexiva, por exemplo)” (pp. 17-18).
21
Oliveira analisou que sob a égide do desenvolvimentismo a política educacional moldou a formação
profissional na universidade, pois em períodos ditatoriais a universidade recebeu a incumbência de formar
recursos humanos especializados, de forma que cumpriu a sua parte ao profissionalizar e enviar profissionais
para o processo de aceleração do crescimento econômico. No dizer da autora “no passado desde o tempo da
ditadura e na política educacional de FHC tende-se a associar o modelo de formação profissional ao sistema
econômico. Os currículos organizadores do processo formativo estão sujeitos a portarem uma série de
compromissos, interesses, ideologias e códigos culturais demandados pelos responsáveis que os
institucionalizam. A tendência tradicional de conceber e organizar o currículo acadêmico parece impregnada na
licenciatura e corrobora ao encarnar uma dimensão dual, técnica e burocrática, pois qualquer tentativa de
reforma curricular, os departamentos das ciências específicas (a maioria) controlam e supervalorizam o
tecnicismo no ciclo profissionalizante. Na educação técnica, o professor pauta a sua prática docente na
transmissão de conhecimentos técnico-científicos racionalizados instrumentalmente apenas para o aluno
exercitar-se profissionalmente (...) o excesso de objetivações na prática escolar reduz tempos e espaços das
interações reflexivas nos quais aluno e professor se reconhecem como sujeitos da práxis, exercitando o
conhecimento crítico (...) Para Boaventura Santos
50
os sistemas educativos da modernidade ocidental foram
moldados por um tipo único de conhecimento, o conhecimento científico, e por um tipo único da sua aplicação, a
aplicação técnica” (pp. 98-100). Na sua origem, este modelo visou converter todos os problemas sociais e
políticos em problemas técnicos. Na fala do Ministro Paulo Renato Souza, veiculada nos jornais do Brasil
(1/12/96) e O Globo (11/12/96), na Revista Isto É (25/12/96) o modelo aligeirado de formação seria um meio
eficaz e rápido para solucionar o problema da demanda de professores da rede oficial de ensino do Brasil.
20
Para explicar melhor: na época de expansão do ensino agrícola, entre as décadas de
1960 a 1980, via instituições universitárias e de educação profissionalizante, o professor
(naturalmente do sexo masculino, visto as preferências sócio-ocupacionais agronômicas)
idealizado encarnava a figura do engenheiro, a imagem do progresso e do “bem sucedido” na
prática do mercado. Esse perfil de profissional seria o professor capaz de reproduzir, por meio
de um modelo pedagógico liberal-tecnicista, a agricultura produtivista e quimicamente
tratada, idealizada pelos arautos da Revolução Verde; esse perfil era almejado pela política de
Estado. O tipo, portanto, dotado de aptidão técnica, com total domínio da informação
revestida de “neutralidade científica” e “pseudoesvaziada” de ideologia, esteve à frente das
principais instituições universitárias e tecnológicas, consolidando as ciências agrárias e a área
de educação profissional agrícola (OLIVER & FIGUERÔA, 2006; MOREIRA, 2005;
OLIVEIRA, 1998; SOARES, 2003). E, na atualidade, o tipo ideal de docente se esgota num
perfil produtivista? A profissionalização (trajetória de formação e exercício profissional) se
esgota em atividades técnico-científicas?
Ao especularmos sobre a existência de uma crise de paradigmas socioculturais que
imprime a necessidade de permanente reflexividade das instituições e dos seus sujeitos,
portanto, cabe discorrer, ainda, sobre as opções acerca do referencial, pois mesmo que os
autores tenham sofrido influências das teorias sociais como a weberiana ou durkheimiana ou
marxista, de certo o prosseguimento de seus estudos pretendeu demonstrar quão complexa e
relacional é a realidade social e cotidiana das instituições. Durkheim, ainda que objetivista
inconteste foi imprescindível à sociologia da educação e à pesquisa social. Quanto aos demais
que no passado foram classificados como estruturalistas, funcionalista, positivistas,
evolucionistas, subjetivistas, etc., o foram devido às formas de apropriação radicadas na
ideologia política ortodoxa marxista. A militância contra-hegemônica pretendia
transformações na superestrutura das instituições que estiveram sob o comando de intelectuais
orgânicos a serviço dos governos militares, que nos impuseram, ao longo do período
desenvolvimentista do capitalismo, o credo objetivista idealizador do progresso técnico-
burocrático. O progresso seria uma meta a ser alcançada a qualquer custo social, político e
técnico, mesmo que para isso fosse necessário interromper políticas sociais e isso acirrasse as
exclusões por conta da acumulação do capital por poucos.
Nas sociedades complexas, os movimentos contra-hegemônicos, que lutam pela
hegemonia nas instituições e nos espaços em que se dá a produção material, as relações de
trabalho ainda se mantêm na luta de classe, embora saibamos pelas experiências de travessia
dos anos 1980 a 1990 em diante, que para as transformações sociais contra-hegemônicas
continuarem ocorrendo nas instituições, temos que ter claro: o capitalismo na sua atual versão,
diga-se, iniciada no pós 2º guerra mundial, com o domínio das multinacionais e a integração
de grandes mercados, está configurado numa nova roupagem do capital; o capital
transnacionalizado, sobretudo ancorado numa economia global, pretende continuar
expandindo mais e mais os mercados, a produção e o consumo, numa perspectiva de forçar a
interdependência das nações incluídas nos processos de globalização. Tais fatos foram
previstos por Marx já no século XIX quando eles perceberam que os mercados trilhariam
caminhos do cosmopolitismo. Mas, então, o que mudou? O que muda são os novos processos
socioculturais relacionados e intercambiados pelo ritmo acelerado de manipular
tecnologicamente o espaço-tempo nessa atual sociedade. Portanto, entendemos que não
caberia no propósito deste capítulo inicial, um prolongamento da crítica sobre a ordem
interpretativa dos fenômenos sócio-culturais em bases positivistas - consi2da pela
universidade, pelas instituições e seus intelectuais como hegemônica. Ao nosso olhar, cabe
sim trazer o estabelecimento discursivo do contra-senso nas ciências e nas instituições, cuja
denominação de nova/outra, ou ainda, emergente vimos trabalhando na tentativa de ampliar a
discussão do processo de construção das identidades docentes no mundo atual. Uma realidade
21
social construída em discursos e práticas políticas e socioculturais que consideram a
nacionalidade como relevante à nova configuração societária.
Não nos interessa colocar o “velho” paradigma contra o “novo” paradigma, mas sim
discuti-los na maneira como forjam um arcabouço de idéias ou representações da realidade (as
instituições, no caso). Tem-se como propósito, participar do debate que se trava no seio das
ciências humanas e sociais sobre os processos identitários. A apropriação de teorias
sociológicas que refutam o reducionismo determinista do nosso objeto de estudo é possível na
medida em que o trabalho de campo feito por nós evidenciou uma realidade concreta e
relacional, condizente com situações de contextos específicos em interações macro e micro
sociais. Dessa forma, estamos nos apropriando das idéias do pensamento complexo numa
reforma de paradigma nas ciências sociais e humanas, sem pretensões precípuas de entrar no
mérito dos estudos epistemológicos ou filosofar sobre o conhecimento, stricto sensu. Foi tão
somente uma necessidade de contextualização e opção metodológica de delimitar o quadro
teórico de análise.
Concebido em bases paradigmáticas da ciência clássico-oficial
22
, o pensamento
hegemônico na ciência e, por conseguinte, na sociedade, como um manto de previsibilidade,
de universalidade, de certezas veio conformar epistemológica e institucionalmente os papéis e
as funções a partir dos quais os indivíduos e grupos sociais se orientariam ou se
representariam pragmaticamente na vida produtiva cotidiana. Tal pensamento hegemônico
vinculou-se, sobretudo, à idéia de uma ordem consensual, já que, na modernidade, inaugurou-
se uma concepção de instituição social, supostamente vinculada aos interesses da
coletividade em detrimento dos interesses individuais (o objetivismo das leis morais,
conforme Durkheim, ao se referir ao consciente coletivo).
Kuhn (2000) não descarta o “velho” paradigma, nem o coloca no embate com um
“novo”. Contudo, já na década de 1960 o autor afirmou que a ciência “normal” (oficial)
reforçava um paradigma dominante até que o mesmo fosse questionado, por um sistema de
representação científica (próximo ao que pensa Giddens), pelo fato de não responder a uma
dada realidade, ou explicá-la. Ou seja, a partir da tese do autor, admite-se a possibilidade de
um paradigma vir a ser questionado e rompido por uma demanda emergente, projetada
institucionalmente por campos científicos
23
. Kuhn percebe que à medida que os cientistas
param de se dedicar às construções conceituais dentro da visão paradigmática dominante e se
voltam à adoção de novas conceituações e enfoques teórico-metodológicos, eles abrem
caminhos para uma possível “revolução” científica, uma revisão paradigmática.
Durante dois séculos, o aporte científico e tecnológico que circulou (e ainda circula)
como conhecimento teórico e analítico válido para compreender a vida individual e
institucional apresentou-se como “linguagem” de caráter racional-instrumental, por meio das
quais as práticas formativas e de organização social se ancoravam no compromisso com a
22
Conforme compreendido por Kuhn (2000).
23
Os sistemas abstratos (perito) são colocados por Giddens (2002) não especificamente numa discussão sobre a
reforma do pensamento científico, mas com relação à reflexividade institucional, que por excelência denota um
arranjo e rearranjo nos campos/sistemas de conhecimento especializado, dependentes de regras e atuante em
transferência de conhecimentos de indivíduo para indivíduo ou de instituição para instituição. Vale ressaltarmos
o enfoque de Giddens sobre a temática: “em relação ao conhecimento científico tanto social quanto natural, a
reflexividade da modernidade acaba por confundir as expectativas do pensamento iluminista – embora seja
produto desse pensamento. Os fundadores originais da ciência e da filosofia modernas acreditavam estar
preparando o caminho para o conhecimento seguramente fundamentado dos mundos social e natural: as
afirmações da razão deveriam superar os dogmas da tradição oferecendo uma sensação de certeza em lugar do
caráter arbitrário do hábito e do costume. Mas a reflexividade da modernidade de fato solapa a certeza do
conhecimento, mesmo nos domínios centrais da ciência natural. A ciência depende não da acumulação indutiva
de demonstrações, mas do princípio metodológico da dúvida. Por mais estimada e aparentemente estabelecida
que uma determinada doutrina científica seja se ela está aberta à revisão – ou poderá vir a ser inteiramente
descartada – à luz de novas idéias ou descobertas” (pp.25-26).
22
verdade e com as certezas propaladas pelas teorias universalistas a serviço do progresso. Tal
orientação corroborou para a consolidação de modos de vida, de produção material e
intelectual tipificada como um ideal de sociedade moderna; em última instância, para um
pensamento único, destinado a engendrar relações sociais e de trabalho homogêneas,
contínuas, ordenadas e estáveis. (MORIN, 1999)
Na área de ciências humanas e sociais, os questionamentos de Edgar Morin a respeito
do pensamento hegemônico na modernidade são amplamente conhecidos. Há mais de duas
décadas, o intelectual francês analisa a necessidade da reforma do pensamento, apontando as
bases filosóficas e sociológicas a partir das quais se engendraria uma mudança
epistemológica. A crítica de Morin (1999) centra-se na idéia de que não há nenhum
fundamento único, último, seguro do conhecimento. A partir dessa constatação, Morin
demonstra quais são os princípios universais do paradigma hegemônico na ciência, a saber:
Em ciências, o fundamento era a experiência, a observação e a
razão, isto é, o procedimento empírico-racional. Empírico, quer
dizer, a partir do momento em que elaboravam uma teoria coerente,
isto é, logicamente argumentada, chegava-se ao fundamento do
conhecimento científico. (...) No domínio da ciência, pensava-se
que (embora esta idéia já tenha sido bastante questionada em
filosofia) o conhecimento nessas condições era o espelho da
realidade e o espelho do mundo. (...) No domínio da ciência, ou das
ciências, podemos dizer que havia três idéias poderosas que, de
algum modo, davam esta certeza de ter um conhecimento
verdadeiramente pertinente (...) era a idéia de ordem. O universo é
ordenado. O universo obedece a um determinismo universal; (...) na
concepção clássica da física, é uma ordem mecânica. (...) O
princípio da separação no plano do pensamento filosófico, ou do
pensamente em geral, Decartes havia fundado os progressos do
conhecimento na capacidade de separar as dificuldades uma das
outras, resolvê-las sucessivamente, de maneira a bem resolver um
problema. (...) A própria idéia de experimentação significa separar
(...) naturalmente, a ciência é separada da filosofia; esta é
especulação no ar, abstrata, enquanto a ciência está inteiramente no
campo das certezas do mundo empírico. Podemos mesmo dizer que
a cultura científica deu-se separada da cultura humanista ou
literária(pp. 22 – 23).
Em suma: ao criticar os princípios da ordem e da separação das coisas que “compõem”
a realidade, segundo o paradigma da ciência oficial, Morin traz a discussão da razão como
outro princípio basilar gerado no iluminismo. A propósito da razão, questiona o autor:
Que significava a razão nessa lógica? Era uma coerência
autenticada especialmente pela obediência aos princípios clássicos,
não apenas de dedução, ou indução, mas também os princípios da
contradição, da identidade, do terceiro excluído e, portanto, uma
vez que uma teoria obedecia a essas regras, obedecia à razão. Eis o
que parecia constituir o fundamento absolutamente incontestável do
saber (...) caminhamos, hoje, em direção à pesquisa de uma razão
aberta e não mais de uma razão fechada nos princípios da lógica
clássica. É preciso tentar penetrar nesse universo novo. O problema
que se coloca atualmente não é substituir a certeza pela incerteza, a
separação pela inseparabilidade ou a lógica clássica por não sei o
quê... Trata-se de saber como vamos fazer para dialogar entre a
certeza e a incerteza
(op.cit.p. 23 a 27).
23
A visão paradigmática predominante na modernidade, sob a égide da ordem política e
econômica, buscou explicar técnica e cientificamente os processos socioculturais e naturais
pelo viés analítico de tendência funcional; às vezes muito evolucionista, a realidade cultural
parecia obedecer a um determinismo natural. Por meio desse viés, foi se disseminando uma
cultura/saber institucional racionalizado pela técnica que viabilizava apenas um modo de
transformação da sociedade agrária para a industrial. Acostumamo-nos a compreender a
realidade de forma tão simplificada e racionalizada que, muitas vezes, somos incapazes de
perceber a diversidade nas relações que podem ser estabelecidas no contato do homem com a
natureza e com os “outros” humanos.
A perspectiva da complexidade e/ou pluralidade é o oposto da razão simplificada que
organizou o mundo capitalista, ordenado por teorias/empirismo que obedecem as
regras/normas da razão baseada no positivismo, e que, aos poucos, organizou-se
institucionalmente pelo aporte científico, substituindo os vínculos de sangue e de parentesco
próprios da organização social do passado por vínculos formais e burocráticos; as instituições
racionalizadas pela burocracia vieram intermediando os interesses e as preferências dos
indivíduos por meio de relações mais impessoais. Vão se perdendo os vínculos de sangue do
passado, aqueles das sociedades primitivas analisados pelos antropólogos, ocorrem rupturas
com conhecimentos de ordem do absolutismo de dogma religioso, na atualidade se questiona
os dogmas da doutrina positivista na medida em que as teorias se debruçam nas análises sobre
as redes sociais, que se constituem como redes de subjetividades intervindo nas instâncias
produtoras de conhecimentos e valores mediados pela multiplicidade de sujeitos e suas
linguagens.
Cientes de tal visão, nós recorremos às idéias de teóricos como Giddens e
principalmente Bourdieu e, também outros já citados, que não resumem as explicações sobre
os processos de construção identitária à crença dogmática ou a análise de uma via de “mão
única”; nem pretenderam salientar, em ambas as construções teóricas, uma perspectiva
totalizadora do conhecimento sobre a vida social, supervalorizando o objetivismo ou por
vezes o subjetivismo cuja tendência outorga aos indivíduos uma autonomia total das
estruturas estruturadas. O pensamento complexo/relacional como tratamento metodológico do
marco
24
de nosso trabalho de campo, nos propiciou trabalhar com procedimentos múltiplos de
pesquisa qualitativa para chegarmos à interpretação do fenômeno social em tela, evitando
excessos de objetivismos ou de subjetivações
25
. Perseguimos a construção identitária do
docente da educação técnica agrícola adotando a hipótese de indivíduos que compõem um
grupo profissional que sofre impacto e impacta campos culturais diversos da vida social. O
indivíduo e o grupo profissional no qual ele participa não estão fadados a somente reproduzir
um ou outro subcampo (o da produção agrícola, das elites agrárias, tecnicismo, por exemplo,
no campo agrário), mas, mormente, ao estreitamento de subjetivações, ocorrem as
transformações internas (reflexidade) que possibilitam ressignificações nas expressões
identitárias. A seleção de autores que tendem a dialogar com os diversos campos do saber
24
Conforme Goffman, 1974 (apud Pais, 2003: 13) “um marco é um dispositivo cognitivo/conceitual e prático de
atribuições de sentido que rege a interpretação de uma situação”.
25
O esquema analítico de Bourdieu considera os fenômenos sociais da moda, da arte, da religião, da economia,
do sistema educacional como fenômenos histórico-sociais. Isto posto, possuem estabelecimentos, permanências,
continuidades, mas estes em relação com a diversidade dos campos (indivíduos e grupos dotados de habitus
subjetivados nas esferas de socialização), caracterizam-se também pelas descontinuidades e fragmentações que
darão sentidos mais singulares ao fenômeno. Não foi a toa que Bourdieu se interessou pelo sistema educacional.
Assim também, a concepção weberiana da sociologia econômica que evita fechar a idéia de regras de mercados
sem que estas sejam compreendidas por esquemas de ações sociais e políticas dos indivíduos interessados nas
transações econômicas.
24
sócio-histórico e cultural pôde contribuir, portanto, para uma revisão da idéia reducionista de
identidade docente fixa ou linearmente construída na pseudo-determinação do trabalho
especializado (como querem fazer crer os discursos das políticas educacionais
consubstanciados no pensamento positivista das competências-chave que desprezam e
desqualificam a experiência da vida cotidiana como se limitada ao universo das rotinas).
Em parágrafo anterior demonstramos que entre as políticas educacionais mais
recentes, o pensamento neosócio-psicologizante, segundo o qual as identidades docentes são
reduzidas às competências-chave, buscam enquadrar a profissão docente num sistema sócio-
ocupacional tal como o do trabalho flexível. De acordo com a lógica dessa noção, o professor
pode vir a se dar conta da totalidade das interações sócio-humanas no cotidiano escolar, caso
venha a dominar tais competências. Então, para se adotar tal noção de competências se iguala
o trabalho pedagógico da escola à onipotência e onipresença “divina”. Impossível por meio de
alguns processos formativos a adoção de valores e posturas que decorrem muitas vezes da
trajetória de vida de um indivíduo num determinado tempo-espaço sócio-histórico de sua
socialização. Seria o professor um Deus para dar conta da totalidade? Qual a representação de
docente que está nas entrelinhas dessa categoria curricular das Competências? Nós docentes
que formamos professores, sabemos que o cotidiano escolar é construído pelas rotinas,
contudo não significa que nestas rotinas haja a coisificação dos processos educativos e as
interações sejam pragmáticas ao repetirmos todas as mesmas tarefas, pois cada turma é uma
turma diferenciada em expectativas, fracassos, saberes etc. A representação de docente pela
noção simplificada numa ou noutra competência decorre, a nosso ver, de uma forma racional
e minimalista do trabalho de ensinar e educar. Anteriormente ao parcelamento das tarefas no
modo de produção capitalista, por exemplo, o artesão tinha domínio do conhecimento de
todas as etapas de produção e da confecção do produto, até mesmo da comercialização. O
professor se comparado ao artesão, ainda é um dos profissionais que detém pleno
conhecimento de sua prática de ensinar e construir conhecimento, ainda é capaz de pegar uma
informação e juntamente com os alunos transformar essa informação em conhecimento,
mostrando a complexidade que existe em cada unidade de informação.
Para entender a perspectiva de um mundo social rotinizado e especializado podemos
recorrer à sociologia econômica de Weber. O teórico clássico foi capaz de enxergar em lentes
complexas a constituição das instituições econômicas criadas pelos indivíduos em interação
no mercado, ao firmarem seus contratos como trabalhadores livres. Pela idéia de ação social
Weber percebeu que as transações econômicas se davam nas relações entre os indivíduos e o
mercado. Para o teórico, os indivíduos não estariam determinados pela lógica das instituições,
desprovidos de interesses pessoais, uma vez que o mercado seria uma construção social em
que as ações dos indivíduos historicamente envolvidos sempre se deram social, cultural e
politicamente situadas.
Jessé de Souza (2004), dentre outros analistas da sociologia econômica (de natureza
compreensiva) de Max Weber, destaca-se por traduzir o pensamento do autor clássico
segundo o enfoque discursivo que adotamos nesse trabalho. De acordo com Jessé de Souza,
Weber conseguiu captar, por meio do fenômeno econômico, a idéia segundo a qual o
capitalismo é um construto capaz de organizar toda uma civilização, por ser dotado de um
caráter racional e universal em seu valor e significado (p.20). Esse entendimento do autor
ilustra bem o caminho que Max Weber traçou para analisar o racionalismo como forma
cognitiva e subjetiva para viabilizar a institucionalização de meios racionais para nortear a
relação político-administrativa. Assim posto, o racionalismo como burocracia apóia as
instituições do capitalismo, no período de expansão das instituões sociais. É nesse sentido
que Jessé de Souza critica a visão simplista dos intelectuais brasileiros estudiosos de Weber,
no que diz respeito às explicações das relações entre público-privado, a partir do viés do
25
racionalismo burocrático. A crítica parte do pressuposto segundo o qual esses autores não se
aprofundaram o suficiente para perceber que “as instituições objetivas ou simbólicas que nos
transmitiram algumas idéias se associam aos valores ou sentidos encerrados numa
simplificada avaliação da realidade, onde idéias se entranham no cotidiano e em práticas
culturais, permitindo uma direção singular dos comportamentos individuais e coletivos”
(p.160).
Conforme buscamos destacar, não queremos anular as conquistas teóricas e práticas
provenientes do velho paradigma, seja positivista, seja do materialismo histórico ou da
fenomenologia; enfim, buscamos abrir essa tese para os diálogos possíveis entre as teorias
sociais e humanas que explicam os fenômenos identitários dos docentes da educação técnica
agrícola. Na contemporaneidade, estamos presenciando uma reconfiguração de conceitos e
práticas, proveniente de um balanço feito pelos indivíduos; simultaneamente ocorre uma
diversidade de demandas subjetivadas em meio às situações de interação (cf.MACHADO
PAIS) nas esferas macro e micro-estrutural da realidade social. Essa reconfiguração se dá em
virtude das relações intersubjetivas da esfera micro-estrutural (espaço social localizado onde
se processa a experiência local cotidiana e as resistências) se aproximarem espacial e
temporalmente, dados os entrelaçamentos de informações, valores e práticas mais
solidárias/orgânicas e por vezes até propositivas.
Na experiência cotidiana dos indivíduos ordinários, conforme Giddens (2002) já
situava, a interação subjetiva é mais intensa, pois se origina dos desdobramentos de relações
de ordem política, cultural, tecnológica e econômica associadas ao caráter pessoal, onde
indivíduos, grupos e o próprio “eu” num espaço-tempo que objetivamente vai se estruturando
para ampliar novas formas de socialização decorrentes das interações. Na transição de um
mundo estabelecido em “visões consolidadas” (parafraseando Edward Said), surgem as visões
emergentes do balanço de idéias/pensamentos e ações das esferas político-econômicas da
modernidade, cujo resultado tem gerado nos atores coletivos uma espécie de inventário de
valores, crenças, saberes e de bandeiras de lutas. Esse inventário se constrói rapidamente em
vários espaços sociais, mormente, em face dos questionamentos provenientes de indivíduos
em ação coletiva ou de grupos social-comunitários unidos por interesses, afinidades e laços
solidários (marcados pela territorialidade), que incitam o debate pela desnaturalização dos
significados outrora objetivados nas estruturas de dominação e consensos onde se instalam
“confortavelmente” outros atores coletivos da esfera de representação do poder global.
Então, refletimos sobre a resistência do positivismo como pensamento dominante nas
ciências sociais, especificamente de tradição dual, pois ao ser analítico e objetivo, separando
as partes do todo, ignorando que o todo está em cada parte, configurou estruturas engessadas
na idéia de instituições duais, onde as contradições presentes nos fenômenos que conformam
a vida social são naturalizadas de acordo com os interesses de quem domina um determinado
campo. Moreira (1994) pleiteia a necessidade de superar paradigmas reducionistas de
explicação simples e causal
26
. Para o autor, o paradigma dominante “concebe a sociedade
como uma totalidade de estruturas objetivas que determinam a consciência e a cultura (...) ou
como totalidade cultural que determina a organização das estruturas, respectivamente, como
realidade objetiva ou subjetiva, própria da percepção dual corpo-mente” (p.126). Com essa
afirmativa, Moreira concorda sobre a emergência de novas configurações explicativas no seio
26
Aqui é importante salientar a compreensão de Moreira (2005) ao abordar os dois sentidos de determinação
muito utilizados nas análises vinculadas ao surgimento da reprodução e transformação dos processos sociais. Na
visão dele, “nada pode ser explicado por uma só causa. Não há uma causa única determinista de um fenômeno
social e mesmo natural. Toda explicação de causalidade contém graus de incerteza e de indeterminação. Em
outro sentido, não haveria um sentido nato determinista de nossas vidas, dado de uma vez por todas que nos
levaria a viver um destino já para sempre traçado, seja por Deus seja pela natureza, ou ainda pelos poderosos de
cada sociedade” (p.12)
26
da sociedade e do pensamento científico, que revisitam a ciência oficial ou predominante que,
embora desdobrada em múltiplas orientações teóricas (porém dogmáticas), absteve-se de
olhar a perspectiva da heterogeneidade e da diversidade nos espaços onde sujeitos de
determinados campos travam disputas pela hegemonia de pensamento e de ação sobre a
análise da realidade social, cultural e científica.
Em artigos mais recentes sobre os elementos e noções que perpassam o conceito de
identidade social do técnico em agropecuária, Moreira (2002 e 2005) nos convida a adotar
uma postura reflexiva sobre os processos socioculturais de construção da realidade, visto que
os campos de produção cultural, econômico, ou seja, campos sociais, que abrigam relações
estreitas e distintas entre os atores e/ou sujeitos que se relacionam e significam tais processos,
não apenas reproduzindo as manifestações subjetivadas na estrutura objetiva do campo,
sobretudo, agindo para ressignificação subjetivas dessas manifestações.
A perspectiva analítica de Moreira leva à reflexão sobre quão complexa e diversa é a
constituição do pensamento (linguagem, dimensão simbólica atuando na socialização de um
indivíduo que pretende a formação profissional). A nossa cultura ocidental se formou
distintamente das demais, das “outras”, por conta da natureza do capitalismo como modo de
produção exigente em conhecimentos científicos e especializados. Por conseguinte, os
processos de socialização estão baseados nas leis de contrato, de regulação capitalista, dado
que a ciência e o capital de ordem privada manipulam os espaços sociais visando transforma-
los em campos de poder pela disputa do espaço público de socialização. A socialização
secundária têm-nos feito compreender o que pode ser considerado conhecimento, como a
ciência e o que pode ser explicada ou justificada pela mesma, por exemplo, e o que não pode.
Ou seja, as formas/expressões de linguagem (culturais) às quais damos significados as nossas
ações humanas, apesar da ciência as utilizar, as subjetividades nessas ações cotidianas
(originais), sob o ponto de vista científico, pois o que é empírico, o que é experiência não é
conhecimento válido para a ciência.
Neste tempo presente, alguns autores reagem contra a tentativa de esvaziar o
conhecimento das subjetividades em que necessariamente encarna uma experiência seja
científica ou da vida comum cotidiana. Moreira (2005) tem refletido sobre essa realidade,
explicando que:
As mudanças científicas que estão em curso relativizam a verdade
científica reconhecendo a incerteza e a indeterminação. A
percepção de que o todo não é uma simples somatória das partes e
sim uma totalidade nova, diferente de suas partes componentes,
também se amplia na ciência. Os seres vivos e a natureza não são
máquinas formadas de peças separadas. As noções contemporâneas
sobre os limites do conhecimento científico e as críticas a este
conhecimento – quando tomado como verdade absoluta ou superior
– implicam necessariamente no reconhecimento dos valores
culturais como parte constitutiva da própria ciência
(p. 24).
Moreira, como outros autores interessados nas identidades sociais do campo, destaca
as suas análises no panorama das ciências sociais diante das transformações profundas tecidas
no nexo global-local ou processos de globalização, conforme é colocado por ele. Pensando
assim, Moreira considera as profundas transformações sociais fora do discurso assumido
pelos arautos da globalização, cujas teses partem do determinismo ou mesmo do
indeterminismo econômico e de mercados dos países que mantêm o controle do capital, como
se o fenômeno da globalização fosse inevitável para a organização societária mundial.
Moreira, dialogando com Boaventura Santos (2002) esclarece que para a maioria dos críticos
ou dos conservadores, o olhar por meio do qual se percebe o fenômeno está sempre localizado
27
nos países de onde se origina o discurso dominador dos processos de globalização (no
hegemon). A propósito de uma crítica à razão conservadora dos arautos e dos céticos sobre a
compreensão do fenômeno social como processos de globalização, Moreira et al (2002;2007)
asseveram que a modernidade de matriz eurocêntrica (transformação institucional e de
pensamento por mudanças nos paradigmas socioculturais) foi conduzida por um ideário
reducionista de natureza objetivo-material que encontrou sustentação na economia, na política
e na ciência. Nesse sentido, o autor propugna uma teoria crítica que se aventura a reconhecer
que - mesmo que no seio da sociedade contemporânea diante do fenômeno das globalizações
haja confronto de interpretações e tendências às uniformizações – no mundo ocorrem relações
heterogêneas complexas onde as práticas socioculturais, religiosas, políticas se
transnacionalizam, portanto, Moreira acena para perspectivas identitárias partilhadas em
emancipação formando campos sociais contra-hegemônicos. Segundo Moreira e Oliveira
(2007) observando Boaventura Santos, consideram que:
“no campo das práticas sociais e culturais transnacionais, as
mudanças contra-hegemônicas representam a construção
democrática das normas de reconhecimento mútuo entre
identidades e entre culturas diferentes que pode resultar em
múltiplas formas de partilha. Identidades híbridas, identidades duais
(...) são criações possíveis de irromper Entretanto, conforme
ressalva o autor, elas devem estar norteadas por princípios
transidentitários e transculturais, traduzidos pela sentença: ‘temos o
direito de ser iguais quando a diferença nos inferioriza e a serem
diferentes quanto a igualdade nos descaracteriza’ ” (p.15).
Esse complexo quadro político, sociocultural mundial na roupagem globalizada,
favorece as práticas de produções simbólicas (arte, religião, literatura, sistema educacional,
culinária, etc.) para o exercício da sua função de dominação (estrutura estruturantes) na
percepção dos indivíduos diante dos apelos da comunicação de massa, das informações
circularem rapidamente, etc. Contudo, na atualidade a mediação tecnológica amplia e
intensifica a comunicação entre indivíduos e grupos de diversos campos socioculturais
(inclusive o científico-acadêmico), fragilizando estruturas dos sistemas simbólicos, pois há de
se levar em consideração o conhecimento produzido na diversidade de realidades constitutivas
do conjunto de instituições, indivíduos e grupos políticos, socioculturais que formam tais
campos; portanto, é difícil aceitar que as produções simbólicas se reduzam à manipulação e à
dominação. Na essência da teoria bourdieusiana (1998) os sistemas simbólicos são sistemas
de percepção, conhecimento, comunicação e pensamento, produzidos e socializados numa
realidade concreta em que os indivíduos não estão dispersos como átomos no espaço e, ainda,
possuem certo grau de autonomia para se ligar e criar outras estruturas simbólicas que agem
contra – hegemonicamente no mesmo campo, que é sempre relacional. Assim, podemos dizer
que um conjunto de idéias, valores, percepções e conhecimentos criados e produzidos
formando um sistema simbólico, por exemplo, de ensino, pode ser revisado na medida em que
grupos ou indivíduos que circulam no campo sócio-científico (cultural) tomam certas posições
dominantes, com relativa autonomia disputam o controle da produção de bens simbólicos.
Na visão de Nogueira e Nogueira, estudiosos de Bourdieu, os sistemas simbólicos no
campo disciplinar da Sociologia são diferenciados respeitando as três tradições sociológicas, a
saber: durkheimiana, que toma os sistemas simbólicos como estruturas estruturantes,
representações sociais agindo na percepção que os indivíduos têm da realidade; a de Sausurre
que influenciado por Lévi Strauss considera os sistemas ou produções simbólicas como
estruturas estruturadas como realidades organizadas em função de uma estrutura subjacente
que se busca identificar; e, finalmente, aquela representada pelo marxismo, compreende os
28
sistemas ou produções simbólicos como instrumentos de dominação ideológica para legitimar
os bens culturais e materiais de uma classe sobre a outra. (pp. 33 a 35). Contudo, na obra de
Bourdieu, os autores ressaltam que ele sintetizou as três tradições, configurando-as assim,
“Bourdieu busca estabelecer uma síntese entre essas três tradições.
Em primeiro lugar, articulando as contribuições das duas primeiras,
afirma que os sistemas simbólicos funcionam como estruturas
estruturantes porque são estruturados (...) Em segundo lugar,
articulando as contribuições das duas primeiras tradições com as da
terceira, Bourdieu argumenta que a estrutura presente nos sistemas
simbólicos e que orienta (estrutura) as ações dos agentes sociais
reproduz, em novos termos, as principais diferenciações e
hierarquias presentes na sociedade (...) Esse duplo trabalho de
síntese desenvolvido por Bourdieu implica (...) em oposição a que
ele chama de ilusão idealista – ‘a qual consiste em tratar as
produções ideológicas como totalidades auto-suficientes e auto-
geradoras, passíveis de uma análise pura e puramente interna’ (...)
Bourdieu enfatiza que essas produções devem suas características
‘aos interesses das classes ou das frações de classe que elas
exprimem e aos interesses específicos daqueles que as produzem e
à lógica específica do campo de produção’ (1989ª, p.13)” (pp.34-
35).
Nessa perspectiva bourdieusiana, remetemos a profissionalização docente, em
particular a referente aos professores da educação técnica agrícola, ao campo acadêmico,
subcampo universitário e escolar profissionalizante
27
.
As identidades profissionais agrícolas foram corporificadas na modernidade pelos
valores e conhecimentos disseminados no projeto hegemônico nacionalista e de paradigma
positivista. A origem das instituições de ensino agrícola está totalmente vinculada ao ideário
27
Conforme dissemos na Introdução dessa tese o material documental investigado nos revelou uma história
social da profissão e da educação agrícola intrinsecamente relacionada entre o sistema de bens simbólicos e o
sistema de produção material agrícola, legitimados no campo formado pelo conjunto de instituições
universitárias, órgãos públicos e espaços onde se disputavam as forças sócio-políticas no meio rural (Mendonça,
1998). Como pretendíamos não fechar a nossa tese em apenas uma análise documental, visto que podíamos ter
acesso às instituições de ensino agrícola, decidimos realizar o trabalho de campo numa instituição de formação
tecnológica agrícola, preferencialmente numa antiga região que abrigou e abriga a maior parte dos colégios e
escolas agrotécnicas do Brasil, a sudeste, passando por processos de transformação de instituição médio/técnico
para médio/superior e tecnológico ao aderir o Programa de Reforma na Educação Profissional – PROEPE.
Portanto, um lugar onde supúnhamos estar acontecendo disputas internas não só pelo poder dirigente da (antiga
SEMTEC) SETEC/MEC, como também do poder local onde há a produção de bens culturais e agrícolas de
setores vinculados ao rural; daí acharmos condizente trabalhar com as categorias de Bourdieu. Nesse sentido
buscamos demonstrar que em se tratando de um subcampo acadêmico (cultural) historicamente influenciado
pelas relações sócio-políticas (Mendonça, S. 1998) de base da produção agropecuária, os processos internos das
percepções, ações e pensamentos da profissionalização docente agrícola podem ser reformulados mediante as
trajetórias profissionais adotadas pelos indivíduos pertencentes ao subcampo. Procuramos também demonstrar
que não há determinismos no campo acadêmico e nem em outros campos. Por exemplo, o positivismo no Brasil
da geração de 1870, fortemente apegado a Comte, Spencer ou ao darwinismo social, legitimado nas primeiras
instituições de ensino superior em todas as áreas até a primeira República, não é o mesmo que legitimou as
Faculdades, Institutos que constituíram na década de 1930 as primeiras Universidades, assim como não é o
mesmo que circulou na Reforma Universitária na década de 1960. Como não é o que está em disputa na atual
configuração de poder acadêmico das Universidades. Todavia, cada campo de disputa tem indivíduos ou grupos
de especialistas dominantes e pretendentes a dominantes, a circulação de conhecimentos sobre a realidade está
em constante processo de produção na medida em que os agentes (conforme Bourdieu significa o indivíduo
social) se inserem no espaço social e produzem outros novos conhecimentos para contestar o poder hegemônico
que atua no campo de pertença e de luta. (NOGUEIRA e NOGUEIRA, 2004).
29
propalado pelos primeiros agrônomos, botânicos (história natural), veterinários, médicos,
enfim, identidades enraizadas no passado das organizações profissionais reconhecidas como
profissões “imperiais” de paradigma científico positivista. A crença nesse paradigma
consolidou conceitos e práticas sócio-produtivas sobre a realidade agropecuária e fundiária,
por meio de uma mobilização dos intelectuais e produtores (“fazendeiros”) em torno das
objetivações da técnica que levariam a sociedade brasileira ao progresso, a transformar o
Brasil numa nação soberana. Tal paradigma solidificou a crença de identidades socioculturais
de natureza homogênea e consensual para fazer valer nas instituições de educação profissional
como os Patronatos e Aprendizados Agrícolas
28
uma formação disciplinar e moralizante,
entretanto, discriminado na ordem do trabalho escravo e domesticado.
Ao favorecer uma única via de progresso técnico e científico nas instituições,
favoreceu-se também a idéia de determinação estrutural e cultural. Portanto, a hegemonia das
teorias objetivistas em detrimento da discussão crítico-dialética foi suporte para a produção de
teorias explicativas reduziram a interpretação e as intervenções na realidade social ao que
parecia existir como dado ou como objetivamente parece ser a totalidade estrutural e cultural.
A idéia da emergência de uma nova ordem que pretende questionar a rigidez das teorias
sociais construídas na modernidade já está se materializando nas práticas de socialização
profissional; até mesmo, na atualidade, necessitamos revisar a dita crítica, como quis a Escola
de Frankfurt, ou as originárias do objetivismo, tipo aquelas que entendem o sistema social
configurado por indivíduos e grupos atomizados, dispersos porque são sub-socializados ou
super-socializado pelas estruturas objetivas (cf. PARSONS, 1937 apud DUBAR, 1997), etc.
Na atualidade necessitamos de uma releitura crítica dos clássicos, que, inspirados numa
leitura de sociedade equilibrada socialmente, atestaram o funcionalismo, o estruturalismo, o
darwinismo social etc. como pretensão científica de análises que vislumbraram compreender
ou explicar a totalidade dos fenômenos sociais.
1.1 A questão sempre presente no campo acadêmico: o habitus profissional –
categoria de pertença para pensar as identidades docentes.
Em que pese qualquer dúvida sobre a nossa intenção em problematizar um campo
conceitual e de prática de nível tão complexo e, por vezes, ainda pouco objetivo no sentido de
atender a pesquisa e a elaboração de uma tese, não pretendemos abrir mão de questões
clássicas em detrimento das temáticas da “vez”. Isto posto, para nós o estudo sobre as
Identidades Sócio-profissionais faz-se necessário na medida em que é um assunto que está
constantemente em pauta ao se relacionar com as mudanças que permanentemente ocorrem
nos sistemas simbólicos das instituições tradicionais. Consideramos a dúvida uma aliada da
produção científica e a pouca referência sobre o nosso tema como um campo de
possibilidades, o que torna recorrente em nossa tese, a tomada de posição perante a forma e o
caminho a adotar para compreender e explicar a realidade social e a multiplicidade de
significações que atores e sujeitos dão às suas instituições.
28
O intuito maior era o de “higienizar” as ruas das capitais das parcelas sociais denominadas na forma da lei
“menores desvalidos”, “vadios”, etc. Nesses estabelecimentos seria dada a “instrução primária e vocacional”; os
primeiros foram criados entre 1910/1918, logo após a Abolição da Escravatura, além do papel de “limpar” das
ruas os desafortunados, os locais adaptavam tais indivíduos às práticas de trabalho livre no setor da agricultura e
assim, apoiariam os projetos republicanos. Ver Oliveira (1998), Soares (2003), Nascimento (2004), Mendonça,
S. (2006) e Oliveira, Milton (2003) sobre a criação e finalidades dos Patronatos e Aprendizados Agrícolas e
outras formas menos formais de ensino agrícola. Antes dessas formas de educação profissional elementar, houve
no século XIX as primeiras instituições coercitivas ou de asilos de órfãos denominadas de Asilos ou Colônias
Agrícolas. Essa informação nós buscamos no estudo de Oliver e Figuerôa (2003), onde as autoras abordam
também sobre o entrelaçamento de fatos decorrentes de processos sociais e políticos do Império à Primeira
República que culminaram em locais para abrigar “o nacional livre”, o “vadio”, “o ingênuo”.
30
Na atualidade, a tendência em pesquisa de cunho sociológico é tomar o tecido
sociocultural no nível de complexidade que esse emana em face da realidade concreta
formada no seu conjunto de experiências individuais e coletivas, significadas no cotidiano de
relações adensadas entre a macro e as microestruturas da esfera social. Portanto, essa
tendência foge a qualquer outra tendência de tomar a realidade numa perspectiva simplificada
como se fosse possível dar conta de uma totalidade somente pelas subjetivações ou somente
pelas objetivações.
O sintoma de crise ou de crises nas instituições tradicionais de educação é possível de ser
apreendido na pista deixada pelos sujeitos e atores coletivos nas suas intervenções
institucionais; os processos educativos nas escolas e universidades revelam uma tendência de
revisão nos seus pressupostos científicos e culturais institucionalizados ao longo de dois
séculos de formação profissional e de pesquisa das gerações de intelectuais brasileiros que
criaram e consolidaram as instituições tradicionais, que no momento são emblemáticas do
campo acadêmico e cultural.
Carlos Nelson Coutinho (1990) se refere ao papel dos intelectuais e da relação deles com
os mecanismos de reprodução cultural da realidade (sistema educacional, jornalismos,
literatura, artes, etc.) se apoiando nas idéias manuscritas de Antonio Gramsci. Pensamos em
dialogar com os autores no sentido gramsciano, refletindo sobre os processos de
“estandardização” de comportamentos humanos gerados pela pressão do desenvolvimento
capitalista que se instalara nas instituições de socialização secundária. Segundo Coutinho, o
processo de “estandardização” tais como os educacionais se voltam para uma socialização que
satisfaz a “nova esfera social dotada de leis e de funções relativamente autônomas e
específicas” (p.14). Contexto este observado por Coutinho que se associa perfeitamente ao
pensamento bourdiuesiano no que tange a categoria de campo, com as suas normas, disputas,
decisões e funções de relativa autonomia, como o autor quer dizer a respeito do campo
acadêmico, literário, artístico, por exemplo.
Nossa reflexão gramsciana pretende ressaltar o termo, porque este implica um repensar
sobre as questões do processo de massificação de padrões comportamentais pela via das
instituições educacionais e de profissionalização. Os intelectuais de diversos matizes
estiveram/estão na organização de todo o sistema simbólico e da conseqüente produção de
bens culturais necessários à dominação de mentes e posturas, para consolidar no capitalismo
uma forma consensual de interpretar o sentido de nossas instituições de ensino e cultura.
Poderíamos apenas citar Max Weber que emprega a idéia associando
burocracia/racionalização e dominação; poderíamos também nos voltar para a relação dos
intelectuais orgânicos com o poder dirigente para a organização da cultura e suas instituições,
contudo, como é tratado por Sérgio Miceli torna-se inquestionável. Enfim, aqui objetivamos
tão somente tratar sobre a relação do campo acadêmico-profissional e o habitus, o que supõe
conceitos, discursos e percepções disputando a organização da cultura escolar e da formação
profissional.
Voltando a Gramsci e Coutinho, ambos intelectuais do pensamento político, a sociedade
civil situa-se numa esfera intermediária do Estado, onde se localizam os aparelhos privados de
hegemonia, que têm a tríplice função de lutar pelo consenso, pela direção política e pela
racionalidade cultural. Quanto ao Estado liberal-democrático instalado após as Revoluções
Burguesas, segundo eles, apresentou-se classista, não dogmático de religião, mas
compactuando com a Igreja. O Estado é estruturado intelectualmente por
instituições/atividades de reprodução e/ou de transformação de sua cultura, de forma que na
opinião de Coutinho (1990),
A ‘organização da cultura’, em suma, é o sistema das instituições
da sociedade civil cuja função dominante é a de concretizar o papel
da cultura na reprodução ou na transformação da sociedade como
31
um todo. Um momento básico da organização da cultura é o
sistema de ensino: cada vez mais, com o crescimento da sociedade
civil, o sistema de ensino deixa de ser uma simples instância direta
de legitimação do poder dominante para se tornar um campo de luta
entre as várias concepções político-ideológicas (basta pensar, por
exemplo, na luta entre o ensino laico e o ensino religioso). E até
mesmo nas organizações de ensino ligadas diretamente ao Estado
ocorre hoje uma ampla batalha de idéias: se a sociedade civil é
realmente autônoma, as Universidades, por exemplo, tornam-se um
campo de luta pela hegemonia cultural de determinados projetos de
conservação ou de transformação das relações sociais; a luta de
classes se trava também no interior das Universidades”
(p.17).
Então, conforme delimitamos inicialmente, aceitamos a idéia de enveredar nas
reflexões dessa tese por meio de um formato teórico-conceitual problematizador das questões
do sistema de educação e profissionalização. Buscamos a linha da complexidade devido à
própria realidade brasileira, onde a organização da cultura e do campo político acadêmico
base do sistema de educação e profissionalização, por mais que possa aparecer homogêneo,
não o é. O pensamento educacional brasileiro vem passando por transformações nas idéias e
concepções de escolarização, profissionalização, desde o momento em que foi estruturado em
instituições e regras. Basta pensarmos que o movimento da Escola Nova, na sua origem, teve
posições conflitantes entre Anísio Teixeira, Pascoal Leme e Lourenço Filho, por exemplo,
fato esse citado por Clarice Nunes (2001). Em estudos sobre filosofia da educação, Demerval
Saviane (1983), no tocante ao pensamento educacional-pedagógico, o classifica e o analisa
matizado por diversas concepções. Contudo, é interessante que ele atenta para as identidades
pedagógicas predominantes no trabalho docente. Na atualidade, Demerval Saviane retoma a
sua discussão, no livro recém lançado História das Idéias Pedagógicas no Brasil (2007), onde
analisa o drama dos professores em quatro atos, a saber:
“o professor tinha a cabeça escolanovista, mas era obrigado a atuar
nas condições tradicionais; segundo ato: nessa condições
sobrevém a ele a tendência tecnicista, instando-o a ser eficiente e
produtivo; terceiro ato: ao mesmo tempo, a visão crítico-
reprodutivista veio mostrar que, na crença de estar formando
indivíduos autônomos, o professor estava reproduzindo a ordem
vigente e, assim, contribuindo para reforçar os mecanismos de
exploração. Como as pedagogias contra hegemônicas formuladas
nos anos de 1980 não tiveram força para reverter esse quadro, nos
anos de 1990 o professor entra no quarto e atual ato do seu drama:
ainda se pede a ele eficiência e produtividade, mas agora sem
seguir um planejamento rígido; não é preciso pautar sua ação por
objetivos pré-definidos e regras estabelecidas. Como ocorre com
os trabalhadores de modo geral, também os professores são
instados a se aperfeiçoarem continuamente, num eterno processo
(...) todo aludindo a questões práticas do cotidiano. O mercado e
seus porta-vozes governamentais parecem querer um professor
ágil e flexível que, a partir de uma formação inicial aligeirada, de
baixo custo, prosseguiria sua qualificação no exercício da
docência, lançando mão da reflexão sobre a sua própria prática
(...) recorrendo aos meios informáticos, transmitiriam em doses
homeopáticas as habilidades que o tornariam competente nas
pedagogias da “inclusão exclusão”, do “aprender a aprender” e da
“qualidade total”. É a concepção produtivista que hegemônica
32
desde a década de 1970, é agora refuncionalizada numa espécie de
neoprodutivismo” (entrevista concedida ao SIMPRO/SP
“Expressão Sindical/2007, p.4-5)
É nesse sentido que até aqui não buscamos apenas o diálogo com um ou dois autores,
pois preferimos nessa parte do trabalho ratificar a posição anterior de uma configuração
discursiva e metodológica diversa e plural que emerge no seio das análises sobre a profissão e
os saberes docentes em meio a um campo de lutas pela hegemonia do projeto de formação e
profissionalização. As identidades docentes são identidades sociais e individuais atravessadas
pela crise de sistemas simbólicos e políticos da contemporaneidade. Identidades docentes se
formam na relação plural, ambígua e dual delineada entre as esferas, social e individual, do
sujeito socialmente subjetivado indo ao encontro dos diversos sujeitos que compõem a sua
individualidade. São relações contraditórias e duais porque são marcadas pelo universo do
indivíduo social e do indivíduo com ele mesmo, com ele e os seus pares e seus opostos em
meio institucional. Por outro lado, as identidades estão profundamente marcadas pelos
discursos que anunciam crises e mudanças culturais e políticas na instituição onde o indivíduo
subsumido ou não pelo discurso social vai se defrontar com outros atores, tendo que tomar
posições e fazer as suas escolhas.
Seguindo essa linha de raciocínio, a posição dos intelectuais e as suas intervenções
sobre os processos de reprodução e/ou transformação cultural da realidade (sistema
educacional, jornalismo, literatura, as artes, estética, etc.) foi e sempre será palco de inúmeros
debates em diversos estudos disciplinares das ciências humanas, sociais e políticas. O peso
dos intelectuais na configuração político-acadêmica das instituições em que eles intervêm está
balizado nas características, finalidades e na natureza do conhecimento produzido por eles e
seus “discípulos” que, por conseguinte, será parâmetro para as demais intervenções que
servirão à manutenção daquela configuração político-acadêmica. Por exemplo, o próprio
Bourdieu carrega em seus ombros o peso positivo (por volta dos anos de 1970 a 1980) e
também o peso negativo (por volta dos anos 1990) de ter publicado juntamente com Jean-
Calude Passeron, o livro La reprodution: elements pour une theórie du système
d’enseignement, na década de 1970. Embora tenham colaborado para consolidar grupos de
pesquisa e estudos que aproximaram o discurso e as práticas de resistência ao sistema político
autoritário, aproximando universos escolares aos universitários, Bourdieu e Passeron
carregam um fardo pela leitura oportunista e simplificada que fizeram sobre a sua obra acima
mencionada. No entanto, a tese defendida pelos autores refere-se muito mais, conforme
Carlos Benedito Martins, ao princípio da ação onde repousa a relação entre habitus e campo.
Apropriando-nos de Martins, diríamos na relação entre o ator/agente/indivíduo e a estrutura
social. Portanto, Bourdieu foi alvo de uma leitura simplificada, ideológica e circunstancial à
realidade que o Brasil vivia entre as décadas de 1970 a 1980.
O discurso militante designaria a escola como sendo um espaço de reprodução social
ou como espaço de luta de classe, onde a elite mantém o domínio, portanto, ditando e
organizando os conhecimentos, valores e comportamentos para dirigir a classe operária. Mas,
há uma exaltação aos poderes dos “governantes”, e das elites. Isso é pura deformação de
análise, porque sabemos que no Brasil o campo acadêmico atua no educacional, validando na
prática as teses e as experiências cotidianas, ou seja, é no dia a dia da escola/universidade que
os professores, como intelectuais junto ao poder político ou prestando serviços às elites
econômicas ou científicas, ou ainda como formuladores dos projetos político-pedagógicos das
escolas/cursos. Nós, professores, temos exercitado a prática de reformulação curricular desde
o fim da ditadura e inclusive naquele tempo quando muitos professores foram chamados para
elaboração de propostas para o processo de expansão dos cursos de graduação ou técnico-
profissionalizantes. Nesse meio tempo, por exemplo, quem lançou a idéia no início da década
33
de 1990 do Construtivismo como paradigma dos processos de ensino-aprendizagem, foram os
professores que assumindo as Secretarias Municipais, agiram e agem como intelectuais
orgânicos.
Para Bourdieu, as classificações sociais são expressas de forma mais complexa,
quando pretende distinguir os estilos de vida relacionados às posições que ocupam no espaço
social. É nesse contexto relacional que as suas análises sobre a relação entre campo e habitus
se definem. Nesse contexto, o próprio Bourdieu (1997) reconhece que as noções por ele
trabalhadas resultam de exaustivas pesquisas teórico-empíricas sobre as construções sociais e
seus sistemas simbólicos. Assim, os conceitos não podem ser vistos como modelo teórico
examinado por si mesmo ou em si mesmo, pois segundo ele, as noções
“são utilizadas e postas às provas em uma pesquisa
inseparavelmente teórica e empírica que, a propósito de um objeto
bem situado no espaço e no tempo, a sociedade francesa dos anos
de 70, mobiliza uma pluralidade de métodos quantitativos e
qualitativos, estatísticos e etnográficos, microssociológico e
macrossociológico (tantas oposições desprovidas de sentido) de
observação e de avaliação; o resultado dessa pesquisa não é
apresentado na linguagem a qual fomos acostumados por uma série
de sociólogos, especialmente os americanos, e que deve a sua
aparência de universalidade apenas à indeterminação de um léxico
impreciso e que mal se distingue do uso comum: vou dar só um
exemplo – a noção de profissão. Uma montagem discursiva (...) faz
com que coexistam o mais abstrato e o mais concreto, uma
fotografia do presidente da república da época jogando tênis, ou a
entrevista de uma padeira, com a análise mais formal do poder
gerador e unificador do habitus”
(pp. 14-15).
De fato, Bourdieu (1998) explica que o seu empreendimento científico não privilegia
tão somente a estrutura sem que ela não fosse uma construção das relações sociais e dos
indivíduos num jogo de luta e disputas no universo social. Na opinião dele, de Martins (1990)
e de Nogueira e Nogueira (2004), intérpretes do autor, estrutura é uma noção historicamente
situada e datada que pode ser apreendida nas relações com uma variante observada (por isso
se firmaria na praxiologia
29
); Bourdieu considerava ilusória a idéia de se chegar a uma síntese
29
Para os intérpretes, a problemática que perpassa todo construto de Bourdieu está na possibilidade de
“compreender a ordem social de uma maneira inovadora, que escape tanto ao subjetivismo (tendência a ver essa
ordem social como produto consciente e intencional da ação individual) quanto ao objetivismo (tendência a
reificar a ordem social, tomando-a como uma realidade externa, transcendente em relação aos indivíduos, e de
concebê-la como algo que determina de fora para dentro, de maneira inflexível, as ações individuais)” (2004;
p.21). Nesta perspectiva, Bourdieu constrói a sua teorização superando de um lado a fenomenologia
existencialista (Sartre) e, de outro o funcionalismo (Durkheim). No entender de Nogueira e Nogueira, o próprio
Bourdieu apostou na possibilidade sociológica de superar os excessos de reducionismos ou distorções das
“formas subjetivistas e objetivistas de conhecimento (...), segundo o autor o subjetivismo restringer-se-ia a captar
a experiência primeira do mundo social, tal como vivida cotidianamente pelos membros da sociedade (...)
excluiria de seu campo de investigação a questão das condições objetivas que poderiam explicar o curso das
interações (...), sobretudo, o fato de o subjetivismo contribuir para uma concepção ilusória do mundo social que
confere aos sujeitos excessiva autonomia e consciência na condução de suas ações e interações. As escolhas, as
percepções, as apreciações, as falas, os gestos, as ações e as interações não deveriam, sob o risco de se construir
uma concepção enganosa do mundo social, ser analisados em si mesmos, de forma independente em relação às
estruturas objetivas que os constituem (...) o objetivismo tenderia a conceber a prática, ou seja, de explicar como
se dá a articulação entre os planos da estrutura e da ação (...) tenderia a conceber a prática apenas como execução
de regras estruturais dadas,sem investigar o processo concreto por meio do qual essas regras são produzidas e
reproduzidas socialmente (...) tenderia a descrever as regularidades que estruturam um espaço social e a supor
que os sujeitos obedecem às regras dessa estruturação, sem demonstrar como essas regras, de fato, operam na
34
que retratasse a totalidade de uma realidade concreta. Nogueira e Nogueira (2004) e Carlos
Benedito Martins (1990), traduzem o pensamento de Bourdieu num campo sociológico da
França dos anos de 1960, que na interpretação dos autores, as instituições superiores de
pesquisa e ensino rechaçavam o empiricismo positivista e a alternativa marxista recusava
Weber. Mas Bourdieu, segundo os autores, construiu uma teoria das práticas sociais e
culturais aberta, relacional, coerente, cujos conceitos foram se modificando de acordo com os
objetos investigados nos seus contextos historicamente situados. Então, na opinião de Nogeira
e Nogueira, Bourdieu estaria precisamente centrado na questão fundamental de como
sintetizar uma interpretação da realidade concreta que captasse o caráter estruturado
(organizado) das práticas sociais, superando a idéia de sujeitos que agem autonomamente na
diversidade sociocultural, organizando-se independentemente na condução das suas ações e,
de outro, superando a idéia de sujeitos que agem de acordo com as regras da estrutura, sem
que houvesse mediações sociais nessa relação estrutura-ator. Em Razões Práticas sobre a
Teoria da Ação, Bourdieu explica a relação complexa entre as estruturas objetivas e as
construções subjetivas, mobilizando a sua análise nas diferenças e distinções às quais as
classes se posicionam individual e coletivamente no espaço social. Todos os intérpretes de
Bourdieu consideram que o conhecimento praxiológico é a base da teoria dele, por ser capaz
de captar na realidade concreta a dialética que permeia a estrutura e as disposições
estruturadas estáveis que nas relações sociais com a estrutura, os sujeitos tendem a reproduzir.
Em outras condições, por exemplo, adversas ao seu universo social, os sujeitos tecem novas
relações para poder reproduzir ou reelaborar comportamentos, valores, estilos, habitus ligados
a posição no espaço social que anteriormente adquiriram, esta foi uma das questões
levantadas por ele após os seus estudos antropológicos sobre os Cabiles na Argélia.
Bourdieu se coloca sempre no papel de crítico de pesquisadores que saem por aí
fazendo análises de “particularidades aparentes”, como aqueles que na opinião dele se pegam
aos “exotismos”, “diferenças pitorescas” de uma dada realidade diferente. Para ele essa
postura científica evoca muito mais um cientificismo etnocêntrico, do que um respeito às
realidades históricas e suas respectivas alteridades. Portanto, no entendimento de Bourdieu, o
pesquisador deve ser modesto em suas investiduras científicas. Para o autor, a sua pesquisa
objetiva
apreender estruturas e mecanismos que, ainda que por razões
diferentes, escapam tanto ao olhar nativo quanto ao olhar
estrangeiro, tais como os princípios de construção do espaço social
ou os mecanismos de reprodução desse espaço (...) ele pode, assim,
indicar as diferenças reais que separam tanto as estruturas quanto as
disposições (os habitus) e cujo princípio é preciso procurar, não na
singularidade das naturezas - ou das “almas” - , mas nas
particularidades de histórias coletivas diferentes. (1997; p.15)
Para nós, o conceito de habitus de Bourdieu contempla as análises sobre o processo
social de construção de identidades profissionais porque é uma teoria da razão prática,
onde os agentes atuam de acordo com o campo que delimita a posição social. Conforme
trata Bourdieu, podemos analisar a profissão docente na educação tecnológica agrícola não
se limitando a sujeição obediente e mecânica dos indivíduos e sujeitos coletivos às regras
do jogo institucional, compelido às regularidades num cotidiano pragmático, apenas. Nem
tampouco, entendendo a profissão como ação docente num campo acadêmico de sujeitos
autônomos às estruturas objetivas que estabeleceram por si só o campo sociocultural dessa
prática. Isto porque as significações e repercussões constitutivas da trajetória de um
prática (...) o conhecimento objetivista não forneceria instrumentos conceituais adequados para se compreender a
mediação entre estrutura e prática” (pp.25-26).
35
profissional estão condicionadas aos processos sociais estruturantes e estruturados (ver
Bourdieu, 1998, pp. 8-73)
30
.
Assim, a praxiologia bourdieusiana objetiva articular dialeticamente sujeito e
estrutura social e vice-versa. No nosso caso, pretendemos demonstrar que o habitus
profissional docente vai se formando nas experiências passadas (histórias incorporadas)
numa seqüência de socializações, em tempos-espaços onde a imagem e o conhecimento
prévio sobre a profissão docente se constituem na experiência de vida estudantil,
permanecendo no indivíduo, inclusive, interferindo nas escolhas profissionais. O
indivíduo/agente/sujeito carrega as representações que se formaram na socialização, entre
estruturas e subjetividades. Não obstante, na formação inicial do professor (graduação) e
na socialização profissional (no exercício) todas as representações sociais que ele
interiorizou da estrutura como sendo dele, participam do ajustamento do habitus como
professor. No exercício da profissão, no espaço social mais complexo, o habitus das
disposições sociais do passado se defronta com outros habitus de indivíduos num campo
conflituoso de disputas, onde os atos deverão ser representativos de um coletivo e das
regras comuns da profissão. O habitus então compreende um aprendizado sobre algo que
se deu nas experiências passadas e presentes do indivíduo, que por vezes ocorreram e
ocorrerão mediante situações promotoras de ações que exporiam as disposições duráveis
num espaço social comum dos agentes
31
. O habitus seria uma matriz de conhecimentos,
percepções, atos, gostos, comportamentos ajustados à posição do sujeito num espaço social
ou num campo de pertença. De modo geral o habitus colabora para que o indivíduo se
ajuste ao espaço social, num estilo de vida que o faz se sentir membro de um determinado
grupo ou classe social. São disposições sociais incorporadas num determinado mundo/vida
onde há pertencimentos. A cada situação específica que ocorra no espaço em que se situa o
sujeito, ele atua com as disposições sociais subjetivadas, mas adaptadas de acordo com as
situações e conjunturas que delimitam o espaço social.
30
Bourdieu ao abordar o conceito de habitus remete a categoria à lógica relacional entre o indivíduo socializado
(subjetivo-objetivo), devidamente imerso na relação de vida e a posição social. Para o nosso estudo, interpreta-se
que a categoria de habitus permite analisar esquemas individuais e grupais, como os dos indivíduos-
profissionais, socialmente constituídos nas dimensões estruturadas (social/institucional) e estruturantes
(subjetivo/individual).
31
Conforme Bourdieu significa sujeito/indivíduo é o agente que atua. Para Bourdieu “se o mundo social, com
suas divisões, é algo que os agentes sociais têm a fazer, a construir, individual e, sobretudo coletivamente, na
cooperação e no conflito, resta que essas construções não se dão no vazio social, como parecem acreditar alguns
etnometodólogos: a posição ocupada no espaço social, isto é, na estrutura de distribuição de diferentes tipos de
capital, que também são armas, comanda as representações desse espaço e as tomadas de posição nas lutas para
conservá-lo ou transformá-lo” (1997, p. 27). Portanto, como vemos a teoria da ação de Bourdieu por mais
estruturalista que pudesse ser feita da sua leitura, não invoca um indivíduo passivo e subsumido pela estrutura
objetiva que organiza as instituições, o agente está no espaço social distinto e diferenciado pelas posições e
estilos definidos no lugar que ocupa, participando municiado de um arsenal de capitais que detém que
obviamente resultou de sua socialização. No nosso caso, pode-se recorrer a Bourdieu, pois o autor considera que
os professores universitários e secundários sob a perspectiva de um domínio da cultura, podem até ter tido uma
socialização primária (familiar) retraída no acesso aos bens culturais, contudo eles na socialização profissional
adquirem um somatório positivo diante do capital cultural (dos três tipos, incorporado, objetivado e institucional
in:Nogueira, 2004) acumulado e dos títulos, daí que Bourdieu os diferenciam dos professores de nível
fundamental. O teórico considera que os professores universitários/médio técnico estão mais valorizados, o que
os coloca numa posição de concorrentes nos processos de distribuição de bens originários de espaços onde
circulam o capital social, econômico e político. Então, o professor como agente de um microcosmo social possui
identidades docentes que seriam condições de existência objetivada e subjetivada no seu grupo de pertença,
tendendo a produzir ou reproduzir sistemas de disposições semelhantes às dos demais parceiros para manter o
funcionamento do subcampo. Foi-se o tempo que o professor cumpria as regras do jogo sem questionar. Mais a
diante falaremos sobre a organização das entidades de classe/profissional que no discurso criticam as regras
disputando no campo político-acadêmico o projeto social de profissionalização docente.
36
Estudar sobre o processo de construção das identidades do professor do ensino
técnico agrícola significa remeter a análise ao aporte das ciências sociais e humanas,
contudo, evitamos as análises pedagógicas simplificadas que apenas classificam a
identidade como tecnicista ou progressista, por meio de ações objetivadas em práticas
didáticas reducionistas. A nossa investigação volta-se para um grupo profissional, cuja
identidade é construída sob a dialética das configurações de um determinado campo
32
de
disputas (BOURDIEU, 1998, pp. 8-73), portanto, além de uma prática de ensinar onde o
professor usa tal ou qual instrumento metodológico para ensinar, ele é instado a se
aperfeiçoar continuamente, num processo de profissionalização que suscita uma eterna
reflexividade ou um processo contínuo de “aprender a ensinar”. Sendo o campo um
produto da história, esta categoria traduz o institucional nas suas relações e pressões entre
sujeitos e sociedade, mas traduz também as disputas paradigmáticas que se acirram na
tentativa de ressignificações de habitus.
A docência está num universo específico que é o da ação docente, conjunto de
ações concretas dialeticamente determinadas num dado esquema de pensamento que a
sustenta no espaço/posição social. Para Bourdieu (1997)
“o espaço de posições sociais se retraduz em um espaço de tomadas
de posição pela intermediação do espaço de disposições (ou do
habitus) ou, em outros termos, ao sistema de separações
diferenciais, que definem as diferentes posições (...) a cada classe
de posições corresponde uma classe de habitus (ou de gostos)
produzidos pelos condicionamentos sociais associados à condição
correspondente e, pela intermediação desses habitus e de suas
capacidades geradoras, um conjunto sistemático de bens e de
propriedades, vinculadas entre si por uma afinidade de estilo. Uma
das funções da noção de habitus é a de dar conta da unidade de
estilo que vincula as práticas e os bens de um agente singular ou de
uma classe de agentes (...) os habitus são diferenciados; mas são
também diferenciadores. Distintos, distinguidos; eles são também
operadores de distinções (...) Os habitus são princípios geradores de
práticas distintas e distintivas – o que o operário come e, sobretudo
sua maneira de comer, o esporte que prática e a sua maneira de
praticá-lo, suas opiniões políticas e sua maneira de expressá-las
diferem sistematicamente do consumo ou das atividades
correspondentes do empresário industrial (...) mas o essencial é que,
ao serem percebidas por meio dessas categorias sociais de
percepção, desses princípios de visão e de divisão, as diferenças nas
práticas, nos bens, nas opiniões expressas tornam-se diferenças
simbólicas e constituem uma verdadeira linguagem. (p.21-23)
Portanto, o que existe no conceito e na prática da docência, se constitui como atividade
primordial da profissão de professor. A docência é uma distinção que marca os que
ensinam nas modalidades e nos níveis de ensino, de diferentes áreas e setores do
conhecimento e de práticas. Entretanto, em ambas as práticas a licença reconhecida
institucionalmente está na graduação, em cursos de Licenciatura de matizes diferenciados.
32
Ainda destacando a categoria habitus, pode-se argumentar utilizando-a no sentido de ser um conjunto de
esquemas de percepção, apropriação e ação que é experimentado e posto em prática, por um grupo de pertença,
tendo em vista um campo. Segundo Bourdieu, as categorias habitus e campo são produtos da história, não
obstante incorporam relações entre as objetivações e subjetivações de grupos/indivíduos posicionados
estruturadamente.
37
Historicamente, a carreira ou a trajetória do professor da educação tecnológica agrícola
pende ora para um especialista no conhecimento educacional, assim o discurso volta-se
para uma política educacional que induz a profissionalização inicial na Licenciatura plena,
ora pendendo para um profissional prático conformado nas representações de um
profissional mecanicista que tem espaço no mercado de trabalho por ser especialista num
determinado campo da técnica e da ciência, daí a política educacional direciona a formação
pedagógica como complementação, tipo a aquela da Resolução n
o
2/1997 (formação
“especial” “aligeirada” de bacharéis).
Nas escolas agrotécnicas não importa se o professor da educação básica, por exemplo,
de Biologia e Matemática, fez uma Licenciatura ou somente o Bacharelado em Medicina,
Biologia, Computação, Engenharia; como não importa se o professor das disciplinas
profissionalizantes, por exemplo, de Grandes Culturas ou Pequenas criações é Zootecnista,
Agrônomo, Veterinário ou Licenciado em Ciências Agrícolas. O mais importante no
subcampo da educação tecnológica agrícola é que este carrega o habitus que reforça os
mecanismos de dominação do grupo que criou e consolidou o discurso da técnica, da
eficiência e da produtividade, portanto, aludindo a docência à prática das políticas das
classes/agentes vinculadas ao capital cultural, social, econômico e político, hegemônicos
para legitimação de um tipo de produção agrícola.
Entender nesta perspectiva, não significa que aceitamos a determinação de
estruturas incorporadas sem que houvesse possibilidades de enxergarmos mecanismos de
flexibilização das disposições duráveis (gostos, modos, comportamentos, percepções,
conhecimentos...) estruturantes da profissão docente. Todavia, conforme dissemos, no
confronto de situações conjunturais de disputas pela profissionalização, o indivíduo não
descarta o habitus formado na sua história particular de vida, entretanto, as novas
condições de um campo (espaço social de estrutura própria e relativamente autônomo) que
abriga grupos de pertença em jogo, permitem os ajustamentos no habitus. Como sempre
ocorreu no campo científico e cultural onde se localiza o sub-campo da educação
tecnológica agrícola dotado de capitais social, simbólico, econômico, mesmo em que pese
influências do capital social, político e econômico.
Para Nogueira e Nogueira (2004),
“o argumento de Bourdieu é o de que cada sujeito, em função de
sua posição nas estruturas sociais, vivenciaria uma série
característica de experiências que estruturariam internamente sua
subjetividade, constituindo uma espécie de ‘matriz de percepções e
apreciações’ que orientaria, estruturaria, suas ações em todas as
situações subseqüentes. Essa matriz ou seja o habitus, não
corresponderia, no entanto, enfatiza o autor, a um conjunto
inflexível de regras de comportamento a ser indefinidamente
seguidas pelo sujeito, mas diferentemente disso, constituiria um
‘princípio gerador duravelmente armado de improvisações
regradas’ (...) o habitus seria formado por um sistema de
disposições gerais que precisariam ser adaptadas pelo sujeito a cada
conjuntura específica de ação (...) o sujeito precisaria então
necessariamente, ajustar suas disposições duráveis para a ação, seu
habitus, formado numa estrutura social anterior, à conjuntura
concreta na qual age. È importante, então, observar que o conceito
de habitus desempenha na obra de Bourdieu, o papel de elo
articulador entre três dimensões fundamentais de análise: a
estrutura das posições objetivas, a subjetividade dos indivíduos e as
situações concretas das ações” (p.28-29).
38
As ações profissionais dos professores têm significações objetivas (a docência, o ato
de ensinar) que na maioria das vezes, conscientemente, a eles como pessoas comuns
escapam. Como professores, agem segundo regras institucionalizadas, mas a relação
indivíduo-docência está mediada pelas subjetividades construídas normalmente como
membros de um grupo sócio-profissional, como parte das relações sociais presentes no
âmbito escolar e comunitário; o exercício da ação docente reflete o poder dominante
através de todo o aparato simbólico (linguagem, gestos, modo de falar...) voltado à
aprendizagem e que passara a ser percebido como parte de seus conhecimentos definidores
da sua natureza social. O trabalho de campo nos mostra que os professores da educação
tecnológica agrícola são interessados nas qualificações para progredirem na profissão, por
mais que alguns deles carreguem uma matriz de percepção, gostos, apreciações,
conhecimentos moldados no percurso de uma trajetória de práticas pedagógicas. Na
realidade social, os professores tendem a flexibilização das disposições constituídas pela
reflexão de uma nova prática docente vislumbrada no processo de qualificação
profissional. Por exemplo, no passado era comum ter professores na educação tecnológica
recrutados das escolas agrotécnicas onde se formavam técnicos agrícolas. Por conseguinte,
para melhorar a sua prática pedagógica e habilitá-los, eram oferecidas licenciaturas
aligeiradas de curta duração visando ampliar os conhecimentos da agropecuária. Na
atualidade, o processo progressivo de “cefetização” das escolas agrotécnicas não permite
que se tenha no quadro de professores nem um de nível médio com licenciatura curta. No
mínimo, os últimos editais determinam que o indivíduo seja portador de graduação com
Licenciatura Plena com mestrado ou bacharel com formação pedagógica em cursos
específicos de complementação com mestrado, visto a identidade dos CEFET’s estar
pendendo para os estudos superiores, sobretudo para poderem oferecer Programas de Pós-
graduação.
Normalmente, para os níveis técnicos e de formação geral os editais exigem
Licenciatura com mestrado e/ou doutorado, de forma que ao ser selecionado o professor
atue no nível tecnológico (superior), mas também que seja aproveitado para demais áreas e
níveis. As exigências têm recaído muito mais na titulação de pós-graduação, devido às
finalidades e objetivos dos CEFET’s. Um professor de química do ensino médio, num
CEFET ou EAF, certamente poderá lecionar num módulo profissionalizante em áreas
afins, por exemplo, Química, Fisiologia, Farmacologia etc.
Neste contexto, o habitus profissional é recorrentemente ajustado às intenções do
meio. O habitus se flexibiliza para responder às políticas não só do “sistema perito”, mas
ao contexto que se impõe no campo científico-profissional ordenador das ações docentes
(estruturas). Contudo, a teoria praxiológica de Bourdieu ao relativizar os determinismos
das objetivações ou dos subjetivismos em excesso, estabelece conceitos que permitem
entender a relação dialética do indivíduo como agente praticante
33
.
A teoria da ação nos forneceu pistas conceituais para estruturar a pesquisa de campo
sem perder de vista a dialética entre sujeito, estrutura, educação e sociedade. Essa
perspectiva foi por nós testada nas entrevistas, quando percebemos no relato dos
professores que nem todas as suas ações, comportamentos, percepções, conhecimentos ou
aspirações individuais derivavam de uma total obediência às regras e planejamentos
33
Nilda Alves (2004) em entrevista descrita no artigo da própria, recorre a Michel de Certeau e a Bourdieu para
significar o professor no espaço do cotidiano escolar que é o lugar social do professor. Segundo ela, ambos os
teóricos remetem à idéia de ser “um praticante como aquele que vive no cotidiano criando, permanentemente, na
prática do espaço dominado. Os sujeitos do cotidiano escolar são praticantes por necessidade” (p. 83).
39
objetivos de diretores ou superiores, ou ainda de entidades de classe; são antes aspirações
produzidas no confronto do habitus e as pressões e estímulos de uma conjuntura político-
educacional favorável a novas posturas e qualidades profissionais mais promissoras aos
que detêm conhecimentos de alto nível tecnológico.
1. 2. A Institucionalização da Sociologia das Profissões: contextualizações.
Iniciamos essa seção trazendo a definição social de profissão para logo após entrar na
discussão empreendida pelo campo sociológico. Como definição é uma forma simplificada de
expressar um entendimento sobre algo, e uma definição social seria uma idéia comum que
circula no seio da sociedade, a rigor nada poderia ser mais óbvio do que expor a explicação
dos dicionários, que traduzem esse pensamento comum numa linguagem universalizada.
Segundo Holanda Ferreira (1986)
34
“Profissão [Do lat. Profissione.] S.f.1. Ato ou efeito de professar
(...) 3. Atividade ou ocupação especializada, e que supõe
determinado preparo: a profissão de engenheiro; a profissão de
motorista. 4.V. Ofício (2.)5. Profissão (3) que encerra certo
prestígio pelo caráter social ou intelectual: a profissão de
jornalista , de ator, as profissões liberais. 6. Carreira (8): a
profissão jurídica. 7. Meio de subsistência remunerado resultante
do exercício de um trabalho, de um ofício: Não tem profissão. (...)
profissão de liberal. Profissão (3) de nível superior caracterizada
pela inexistência de qualquer vinculação hierárquica e pelo
exercício predominantemente técnico e intelectual de
conhecimentos.” (p.1398).
O sentido atribuído pelo autor e seus colaboradores ao verbete Profissão é sem dúvida
aquele socialmente empregado por nós brasileiros, porque tem a ver com o que está
determinado pela norma culta e coloquial de nossa língua pátria fluente nas relações sociais e
profissionais. Acostumamos-nos com o termo na medida em que as instituições, como por
exemplo, a escola pública (o Estado)
35
e a família nos orientam numa socialização dirigida
para o desenvolvimento integral como ser humano, um futuro promissor como sujeitos
produtivos e auto-realizados. No caso brasileiro, por mais que tenhamos a iniciativa privada
progressivamente atuante na educação básica, a legislação nacional, as estaduais e municipais
devem ser rigorosamente cumpridas por todos os estabelecimentos de ensino sejam públicos
ou privados. Os currículos escolares e universitários, os da educação profissional, mais do que
em outros tempos estão transnacionalizando-se desde meados dos anos 1980, como atestam
Michel Apple (1995), Antonio Flávio Moreira (1990, 1995, 1996, 1999) e Tomaz Tadeu da
Silva (1994, 1995), ao relacionarem setores da economia e da cultura em processos de
globalização agindo fortemente sob os contextos escolares e de formação profissional
nacionais. Michel Aplle dialogando com Bourdieu destaca que o sistema simbólico em que se
sustenta a cultura escolar (capital cultural), portanto arquiteto do desenho curricular, possui
um discurso que faz transparecer ser o currículo é um conjunto neutro de conhecimentos.
Contudo, o autor salienta que o currículo faz parte de uma tradição seletiva, resultado da
seleção de alguém, da visão de algum grupo ou intelectual acerca do que seja conhecimento
legítimo. Conforme Apple o currículo é um
“produto das tensões, conflitos e concessões culturais, políticas e
econômicas que organizam e desorganizam um povo (...) tudo isso
34
Utilizamos o dicionário que mais é referenciado pelas autoridades na língua portuguesa, bem como o seu autor
é membro da Academia Brasileira de Letras e da Academia Brasileira de Filologia.
35
Embora não seja a centralidade deste trabalho discutir escola e currículo, consideramos importante destacar o
que vem sendo abordado sobre esse campo de estudos.
40
está diretamente relacionado à maneira como domínio e
subordinação são reproduzidos, sempre existe, pois, uma política do
conhecimento oficial (...) Bourdieu prossegue dizendo que ‘essas
formas culturais, através das condições econômicas e sociais que
pressupõem, estão intimamente ligadas aos sistemas de disposições
(habitus) característicos de diferentes classes e segmentos sociais’
(...) estamos vivendo um período que podemos chamar de
Restauração Conservadora” (MICHEL APLLE, 1995; pp.59-61)
Ainda nesse contexto de um mundo que vem transnacionalizando a cultura,
globalizando imagens locais para evidenciar estilos de vida, gostos, valores sócio-
econômicos, Moreira enfatiza a influência do novo ciclo de acumulação e de regulação do
capital que se constituindo em discursos e práticas homogeneizadas pelo neoliberalismo
globalizador. Nessa ordem social, Antonio Flávio Moreira (1999) se posiciona ressaltando
que
“no que se refere à esfera educacional, a ideologia neoliberal
defende uma escola que se constitua em efetivo instrumento de
controle social e se paute por qualidade e produtividade,
características essas definidas com base no resultado educacional
obtido e estabelecidas por meio de padrões, indicadores e medidas.
Daí a preocupação tanto com a proposição de um currículo nacional
ou, segundo o eufemismo preferido entre nós, de Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN), como a criação de um sistema de
avaliação do desempenho das escolas (...) questiono a
‘transferência” de idéias inspiradoras da Reforma Espanhola,
principalmente do pensamento de César Coll, professor da
Universidade de Barcelona, mentor da mencionada reforma e, no
Brasil, consultor de equipes responsáveis por diversos documentos
componentes dos PCN” (pp.93-94).
Portanto, o Estado regula o sistema educacional, bem como sanciona a legislação por
meio de medidas da política educacional, que deverão ser seguidas pelo público e privado. O
currículo escolar tem cada vez mais se ajustado à idéia de um sistema nacional de
certificação, principalmente a educação profissional devido a pedagogia das competências, tal
como Dias (2003) analisa a universalização da mesma nas reformas curriculares dos países.
No passado, até o início do capitalismo predominar como único modo de produção, o
artesão era dotado de prestígio junto à sociedade e aos mercadores
36
, pois era o profissional
36
A título de reforçar como se deu no passado a trajetória e a ocupação profissional diferente daquela do mundo
pós-capitalista, recorremos a Claude Dubar (1997) no estudo dele sobre identidades sociais. Considerando os
artesãos como uma categoria de destaque para que se possa pensar o rumo tomado pelas demais organizações
profissionais no industrialismo, Dubar afirma que o “nascimento e a extensão das manufacturas foram
precedidos e acompanhados por um sistema de ‘trabalho ao domicílio’ característico do capitalismo mercantil.
Neste sistema, os mercadores enviavam materiais e dinheiro aos artesãos de oficina doméstica que trabalhavam
em casa, em geral, com a ajuda de membros da sua própria família. Os mercadores faziam contratos com estes
trabalhadores ao domicílio para o fabrico de bens ou de peças que deviam ser entregues numa data estabelecida
em troca de uma percentagem fixa à peça. Os trabalhadores utilizavam os adiantamentos de fundos para comprar
as matérias-primas e as ferramentas de que precisavam e podiam trabalhar ao seu ritmo e eram livres para
trabalhar inventando as suas próprias técnicas. Eram mais subempreiteiros do que assalariados no sentido
moderno do termo: artesãos ou operários do ofício, eles assumiam plenamente a responsabilidade do seu
trabalho e a organização da produção” (p. 146). Daí em diante, sabe-se que o capitalismo prossegue com a
segunda Revolução Industrial, científica (taylorismo e o fordismo) que vai tirando do artesão e dos trabalhadores
de ofício a autonomia e o conhecimento sobre a produção da mercadoria; o poder individual desses não é mais
reconhecido, o controle está na mão do proprietário através da organização científica da empresa e dos meios de
produção se diversificando e tecnificando, o saber se especializa e se parcela, o conhecimento profissional passa
41
que detinha total domínio de conhecimentos desde o projeto até a elaboração e
comercialização do produto. Quando jovem, ele aprendia a sua profissão no seio da família ou
junto daqueles artesãos com prestígio na comunidade e que empregava jovens promissores
para ensinar a arte e a técnica. Com o fortalecimento do modo de produção capitalista, o
trabalho do artesão passou a ser gradativamente parcelado entre homens e máquinas no
processo de produção, assim como foi fragmentando o conhecimento. A escola profissional e
a universidade (o Estado) passaram a ter o controle pela credencial para entrada no mercado
de trabalho na medida em que passaram a produzir e a deter o corpo de conhecimentos
científicos e técnicos, credenciais responsáveis pela habilitação e o exercício profissional.
Pudemos verificar na literatura que os termos ocupação, atividade, ofício, prestígio,
caráter social e intelectual, profissional especializado possuem forte conotação qualificativa
na definição de profissão. A alusão aos termos nos remete a uma série de pensamentos de
cunho social, político, mas também pensamentos de cunho pessoal como os que lembram os
objetivos de progresso ou aqueles de frustrações, de saudosismos, arrependimentos,
inquietações, enfim, sentimentos e saberes que nos levaram ou nos levam a acreditar que
tomamos a direção profissional correta ou não. Afinal, é na socialização escolar e
universitária onde depositamos o planejamento de uma vida inteira, vida que sabemos ser
finita para determinados projetos profissionais. Podemos até ter tempo para voltar e sempre
retomar caminhos e trajetórias profissionais, todavia nunca partindo do zero.
Não satisfeita com a definição anterior, buscamos o dicionário de ciências sociais da
Fundação Getúlio Vargas (1986). Segundo o verbete de autoria de Norbert Elias, profissão ou
profissões
“indicam as ocupações que exigem conhecimento e habilidade
altamente especializados, adquiridos, pelos menos em parte, em
cursos de natureza mais ou menos teórica, e comprovados em
alguma forma de exame numa universidade ou em outra instituição
autorizada. A posse do título conferido traz às pessoas autoridade
considerável em relação aos clientes. Essa autoridade é
cuidadosamente mantida e, muitas vezes, deliberadamente
aumentada por associações semelhantes aos grêmios de
profissionais (associações profissionais), que determinam regras de
admissão, treinamento e comportamento em relação ao público
(ética profissional), providenciam para que o nível de conhecimento
e habilidade dos profissionais não baixe, defendem o nível de
remuneração, tentam impedir que grupos competidores invadam as
fronteiras de suas atividades e zelam pela preservação do status
profissional (...) atualmente, o termo indica mais ocupações que
prestam serviços do que as que se dedicam à produção e
distribuição de mercadorias e bens (...) de trabalho manual são
normalmente excluídas, excetos em casos como cirurgiões,
farmacêuticos ou alguns grupos de engenheiros, para os quais
vender ou fazer trabalho manual exige formas de conhecimento e
habilidades que só podem ser adquiridas por meio de treinamento
científico”. ( p.994)
Tomando, ainda, as definições do verbete, a referência de Elias ao termo se situa na
história e sociologia das profissões e do trabalho. Para ele, é importante que nos estudos sobre
a ser de domínio social e as escolas e centros de formação profissional é que se responsabilizam pela reprodução.
Na França é comum, há muito, a ocorrência de capacitações no próprio local de trabalho. O artesão, então, é
desapropriado de seus saberes. Numa analogia, podemos afirmar que os professores ainda é uma categoria
profissional que tem domínio dos saberes que são ferramentas primordiais de consecução dos objetivos da
docência.
42
as profissões seja ressaltado o sentido antigo, quando o termo surge próximo das profissões de
sacerdócio, advocacia e medicina, segundo as quais se podia exercer uma ocupação com
oportunidade de remuneração fora do comércio e do trabalho manual. Nenhuma novidade
para nós brasileiros que tivemos a nossa colonização marcada por portugueses que
escravizavam índios e negros para fugir de trabalhos agrícolas essencialmente manuais,
segundo Gilberto Freyre em Casa Grande e Senzala e Sérgio Buarque de Holanda em Raízes
do Brasil. Já era uma prática dos portugueses escravizarem homens e mulheres, nas mais
antigas colônias, para os trabalhos manuais. Elias segue ressaltando o sentido histórico-
sociológico das profissões militares para que, as quais, diferentemente, das demais, havia
remuneração para ganhar a vida sem que tivesse exaustão física e ainda valorizava-se o
militar como intelectual.
Elias continua fazendo alusão aos termos de acordo com a atualidade, se referindo a
uma visão socialmente determinada. De acordo com ele,
“o termo se refere a todas as pessoas que possuem instrução
acadêmica, diploma ou equivalente, como cientistas, professores,
sociólogos, funcionários públicos, arquitetos (...) com a marcada
tendência no desenvolvimento das sociedades industriais, o
significado do termo estendeu-se ainda mais, para incluir
ocupações que requerem instrução e conhecimento científicos,
embora não forçosamente de nível universitário, e diploma ou
certificado, geralmente baseado em exame, para o exercício das
habilidades ocupacionais específicas (profissão secundária,
auxiliares profissionais)” (p.994).
O termo ocupação está presente na sociologia das profissões na mesma proporção e
grau de importância que o termo profissão. Como demonstramos nas duas definições de
profissão, ambas estão associadas ao modo de vida e trabalho moderno, quando a ocupação
nada tem a ver com um sentido de “prática de esforço físico” ou simplesmente uma atividade
subordinada ou desqualificada que resulta numa produção material. Ocupação está associada
à profissão. Tanto ocupação quanto profissão na sociedade moderna são termos identificados
com um meio de vida remunerado e que implica uma carreira especializada, onde se agrega
uma série de capitais (social, econômico, cultural...) para que o indivíduo alcance sucesso
profissional e esteja incluído na estrutura sócio-produtiva. O mundo todo, até bem pouco
tempo, utilizou a classificação sócio-ocupacional, nomeada Bureau Norte-americano do
Censo, baseada numa idéia hierárquica advinda da educação e renda, onde se destacam os
agrupamentos de ocupações em profissões técnico-científicas, liberais, gerenciais,
administrativas, comerciais, etc. A base teórica é a sociologia das sociedades modernas,
especificamente, uma sociologia das sociedades que atravessaram a Revolução Industrial,
sobretudo, sociedades que assumiram uma estrutura econômica e educacional semelhantes.
Outras classificações se baseiam também na posição social e prestígio
37
.
Na verdade, existem muitas discordâncias de abordagem sociológica. Pelo o que
estudamos sobre o assunto, dependendo do objetivo e finalidade das classificações sócio-
ocupacionais é possível se chegar a um número expressivo de categorizações, segundo o
dicionário da FGV. Mas o que importa na nossa investidura nos estudos sobre a profissão na
sociedade moderna brasileira é demonstrar que a mesma, particularmente, a docente na
educação profissional têm uma história associada à criação e consolidação das instituições
públicas de educação e de ciência, sob os auspícios do Estado brasileiro. Ao longo dos
37
As informações desse parágrafo a respeito também foram retiradas do Dicionário de Ciências Sociais da
Fundação Getúlio Vargas (1986), no verbete Estrutura Ocupacional e Ocupação.
43
processos de modernização, o Estado centralizou as decisões, regulando e intervindo na
sociedade através das políticas sociais. As regras que mantiveram as instituições onde a
ciência é produzida; instituições científicas tomaram as rédeas da formação e regulamentação
da profissão docente, sobretudo, em articulações do Estado com o campo acadêmico-
científico e profissional agrícola.
Na seqüência dessa seção nos baseamos principalmente em Eliot Freidson e Claude
Dubar, visto que são expressões intelectuais a respeito das profissões, de identidades sócio-
profissionais. A título de esclarecimentos sobre os teóricos, uma brevíssima biografia
38
nos
pareceu interessante. Freidson é professor emérito de Sociologia na New York University,
aposentado em 1993, continuando as suas atividades como professor adjunto do
Departamento de Ciências Sociais e do Comportamento na University of California, em San
Francisco, professor-visitante do Departamento de Sociologia na University of California, em
Berkeley, alguns “torcem o nariz” para a produção dele, questionando o universo
institucionalista ou do estruturalismo-funcionalista que até hoje ronda a Escola de Chicago,
University of Chicago, onde Freidson foi aluno da segunda geração de sociólogos.
Sabemos pouco de Claude Dubar, apenas que é professor de Sociologia da
Universidade de Versailles-Saint Quetin/Ivelines, pesquisador renomado da área de sociologia
das profissões, também coordenador de diversos programas de formação continuada e
“mobilidade social” para o Ministério da Educação e Trabalho da França.
No Brasil temos informações sobre alguns pesquisadores e professores que transitam
pela Sociologia das Profissões, cujas contribuições variam entre os campos da medicina e das
engenharias, bem como na profissão docente; contudo, a matriz teórica de todos traduz o
revigoramento dado a Sociologia das Profissões após a década de 1970, quando as abordagens
teóricas do interacionismo simbólico, do estruturalismo ou neoweberiana de Freidson,
Howard Becker, Hughes, Chapoulie, Larson e Bourdieu, dentre outros, ultrapassam Merton,
Parsons, e outros seguidores de variantes do funcionalismo durkheimiano ou anglo-saxão que
estudaram as “profissões sábias” ou como dizemos no Brasil, as “profissões imperiais”. Nesse
contexto, poderíamos citar inúmeros intelectuais brasileiros, mas Maria da Glória Bonelli
(Medicina), Maria Ligia de Oliveira (Engenharia), Arthur Perrusi (Medicina), Silke Weber
(Magistério), Roberto José Moreira (Formação profissional nas Ciências Agrárias), Luís Jorge
Werneck Vianna (Magistrados), André de Faria Pereira Neto (Medicina), Naira Lisboa
Franzoi (qualificação e inserção de trabalhadores/operários) são representativos de uma
sociologia das profissões e do conhecimento que no momento se fazem presentes nas reuniões
da Sociedade Brasileira de Sociologia – SBS, na Associação Nacional de Pesquisa e Pós-
graduação em Ciências Sociais – ANPOCS, atuantes no sentido de uma conceituação e de
uma contextualização de processos de profissionalização, indo além de traços distintivos de
uma dada profissão, importando no caso as relações de poder, a regulamentação da política
por meio de processos de judicialização, as identidades e representações sociais da profissão,
a construção social da doença, enfim... cada um dos pesquisadores trabalhando para ir além de
características que colocam em funcionamento uma profissão.
Em relação a Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Educação, Iria
Brzezinski (Magistério) e outros estudiosos da formação de professores fazem de suas
pesquisas um importante trabalho para discernir a profissionalidade na formação inicial e no
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No que tange a Eliot Freidson, a biografia por nós organizada baseia-se nas informações obtidas numa parte
sobre a vida e obra do autor, escrita por Maria da Glória Bonelli, pesquisadora da FAPESP na sociologia das
profissões, no campo da medicina, constitutiva do livro “Renascimento do Profissionalismo” de Freidson (1994)
traduzido por Celso Mauro Paciornik, publicado pela EDUSP. Quanto a Claude Dubar, sabemos muito pouco
sobre a sua vida e obra, pois não encontramos registros biográficos publicados. Entretanto, desde a organização
do anteprojeto de tese, em 2003, todas as leituras que fizemos sobre identidades docentes e sócio-profissionais
de autores brasileiros, portugueses e espanhóis, evidenciavam a inserção do pesquisador na sociologia das
profissões, especificamente na publicação “Socialização: construção das identidades sociais e profissionais”.
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trabalho docente. Ressaltamos as entidades de pesquisa devido aos grupos de trabalhos que
vêm se formando tangenciando a sociologia das profissões, cujos pioneirismos nos levam a
trabalhar entendendo as profissões como construções sociais que se diferenciam e possuem
embates dentro do próprio grupo ao lutarem pela delimitação de seus territórios de saber-
fazer, sobretudo, quando nessa luta o embate ocorre com o Estado, a sociedade política, e se
quer ter total jurisdição para impor uma carreira e um tipo de profissionalização.
Nessa contextualização, cabe ainda ressalvar que tudo o que pesquisamos esteve
direcionado para um quadro teórico que nos apoiou na interpretação de um objeto concreto - a
profissionalização (socialização) do professor da educação tecnológica agrícola em meio aos
debates e novas práticas socioculturais no marco temporal a partir da década de 1990. A
profissionalização é um conceito-chave para os estudos sobre identidades do professor, mas
também é uma experiência vivida e construída por indivíduos e grupos em processos de
socialização secundária, devidamente situados em contextos escolares e universitários –
institucionais – que tem sentido para alguém porque abre campos de sentidos para manter-se
numa ocupação, num trabalho. Então, nesta perspectiva, uma profissionalização remete a uma
trajetória, portanto, a alguém que constrói um percurso num dado tempo e espaço orientado
por conhecimentos, percepções e um imaginário social da profissão.
Essa temática é fundamental quando se pretende destacar a socialização do indivíduo
(portador de valores, conhecimentos e papéis especializados em relação com os demais
indivíduos congêneres nas situações específicas da trajetória profissional) como eixo da
investigação sobre a profissionalização. Em processos de profissionalização, o indivíduo se
relaciona participando, fazendo escolhas, assumindo posições e negociando as suas condições
de agir e pensar sobre a realidade na qual pretensamente anseia interferir. A hipótese de um
indivíduo-professor ser portador de autonomia de ação e pensamento na sua prática de ensinar
pode ser inviabilizada pela própria natureza de sua ocupação profissional dar-se numa
escola/universidade. A docência supõe que o indivíduo-professor participe de uma
coletividade (seja real ou virtual), tendo relações com os outros que, por conseguinte, nessas
relações as marcas das instâncias sociais que estão institucionalmente situadas nessas
relações, pressionam para que esse coletivo se vincule às redes sociais, culturais, políticas e
econômicas que margeiam o exercício profissional. Sendo a escola, universidades ou
CEFET’s instituições públicas vinculadas a rede federal de ensino, as nossas ações estarão
sempre submetidas as pressões entre as permanências e crises identitárias do Estado e o
campo acadêmico.
O trabalho do professor (a docência) está agregado ao capital cultural que foi
disponibilizado pelo sujeito e/ou sua família em amplos e sucessivos processos de
socialização; uma maioria desse capital vem de investimento pessoal desse professor,
portanto, também é privado. Na trajetória profissional dos professores, os investimentos
públicos na qualificação são parcos ou mesmo inexistentes
39
. Exceto os programas de pós-
graduação nas IFES’s onde os professores não pagam a sua qualificação. A formação inicial
do professor, que pode ou não te-la recebida numa licenciatura, não esgota o capital cultural
segundo o qual ele necessita para se apropriar dos meios necessários à produção de
39
Cabe destacar o trabalho de Hora (2005). Alguns teóricos analisam por meio da categoria de precarização,
certo mal estar docente que vigora no cotidiano escolar. Seria esse um sentimento de baixa auto-estima
provocado por inúmeros fatores que vão de ordem social, identitária à pessoal. Mas vale resgatar na história
social que esses sentimentos, devido ao descaso governamental, vêm de pelo menos um século e meio desde a
criação das primeiras Escolas de Magistério. Segundo a autora, no Império, mesmo sendo reconhecida na
Constituição de 1824 a necessidade da instrução primária para todos os cidadãos, a Lei de 15 de Outubro de
1827 irá determinar a criação de escolas, mas declara que a qualificação/preparação docente ficaria sob a
incumbência dos próprios, desresponsabilizando o Estado das políticas de formação e profissionalização de seus
professores. (p.4)
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conhecimentos em serviço e à manutenção da sua capacidade intelectual com o intuito de
manter uma produção de qualidade (ABDALLA, 2006). Esse modo privado de formação em
serviço, quando o professor assume os meios para desenvolver o trabalho público, tem cada
vez mais desresponsabilizado o Governo na edição de políticas públicas de profissionalização.
Tal fato, no entanto, duplica a responsabilidade do professor, pois implica uma crescente
autonomia na orientação e no exercício da sua docência, que, por sua vez, implica uma
progressiva assunção da reflexividade sobre a própria prática profissional. Uma das
evidências desse fato tem se dado na ação coletiva da categoria docente, nos sindicatos e
associações profissionais. Unificados em entidades de classe e/ou profissionais ao longo da
modernidade, os atores lutam pela valorização do magistério contrapondo-se às imagens
negativas de orientação religiosa e burocrática/produtivista, que colocam o trabalho do
professor como um dom, um sacerdócio, uma profissão de fé, um trabalho desinteressado ou,
até mesmo, atravessado por uma relação de parentesco (tio/tia).
Optamos por não entrar na sociologia do trabalho, pois não pretendemos pesquisar
sobre as mudanças na base técnica e científica que sustenta e corrobora uma produção
objetiva do ato pedagógico tal qual a discussão sobre o reordenamento produtivo, a
reorganização das relações econômicas associadas aos processos de globalização imprimem.
É significativo trazer o fato dos professores serem uma categoria profissional que não
atravessa período de turbulência no mercado. Os professores em geral, inclusive, os da
educação tecnológica agrícola, na sua maioria, são funcionários assalariados do Estado,
possuem plano de cargos e salários e, sobretudo, desde a saída de FHC, o governo Lula da
Silva retoma a oferta de concursos públicos para o quadro de efetivos, devido a política de
expansão do ensino médio-técnico em CEFET’s e atualmente os IFET’s. Além disso, têm
cada vez mais espaços de profissionalização abertos, é o caso dos programas de pós-
graduação como o de Educação Agrícola da UFRRJ.
No magistério da educação profissional há políticas de aligeiramento na
profissionalização inicial dos professores, que apenas visam à complementação pedagógica
fragmentando conhecimentos, percepções, reflexividade sobre a sua prática de ensinar no
cotidiano escolar, o que implica em numa despolitização dos processos de construção das
identidades sócio-profissionais. Então o desenvolvimento profissional de um indivíduo-
docente – a profissionalização – está atravessado por outros indivíduos, instituições e pelos
administradores e burocratas do Estado (governo federal) que colaboram nesse processo, por
isso fomos para a sociologia das profissões, da educação, do conhecimento, e não do trabalho.
1.2.1. As identidades sociais e a socialização profissional: tecendo relações.
Seguindo a mesma perspectiva das considerações introdutórias, propomos, nesse
segmento do trabalho, dialogar reflexivamente com os autores que possuem afinidade
analítica com a discussão sobre a constituição de identidades sócio-culturais e profissionais
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na contemporaneidade. Para tal, faz-se necessário destacar que, na socialização acadêmica e
profissional, as identidades docentes foram conformadas em campo ou campos de saber e de
práticas profissionais (ou cf. TARDIF, 1991 e 2000, nos saberes da profissão) que se
articulam às relações específicas e interações situadas ao longo de uma trajetória de formação
e profissionalização na escola. Por esse motivo, tentamos deixar claro que as identidades
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A palavra profissional está relacionada aos processos de construção de identidades socioculturais no campo de
estudos da profissionalização docente. Dessa forma, a leitura, ao longo do presente trabalho, sobre as identidades
profissionais docentes e/ou identidades socioculturais pode ser feita no sentido de que ambas são portadoras de
representações e práticas hegemônicas ou contra-hegemônicas, tal qual a ciência e os processos formativos
escolar-universitários.
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docentes podem não se processar somente na essência institucional, materializada em rotinas,
normas, regras, mas também nos campos científicos e de representação profissional onde se
localizam grupos sociais e espaços de ação coletiva da categoria.
Objetivamente, interessa-nos nessa parte refletir sobre a socialização dos professores
da educação profissional agrícola, no tempo/espaço em que os indivíduos/grupos sociais
constroem e desconstroem identidades e assumem representações sociais (um modo de
pensar/representar) do cotidiano de trabalho que são a um só tempo, comuns e específicas,
mas não necessariamente determinadas apenas pelos papéis especializados de ordem
objetivo/institucional. Os autores já mencionados compartilham da idéia comum, segundo a
qual existem condicionamentos vindos das redes de interações motivadoras - a exemplo das
experiências pessoais e coletivas - por meio das quais a categoria social docente manifesta na
forma de rituais, impulsos, desejos, saberes e expectativas que constituem as identidades.
Os processos instrucionais (comportamentais e cognitivos) visam à interiorização de
um universo baseado na linguagem técnico-institucional, no saber da ciência e nos
pertencimentos, pois são promotores de funções específicas, o que leva muito dos estudiosos
das identidades docentes a investigarem o tempo/espaço de formação e profissionalização,
então denominado de cotidiano escolar. Assim, se compreendemos que a sociedade
contemporânea representa um momento de transição paradigmática (transição que contém o
“velho” e o “novo” paradigma) nas instituições formativas, sociais, científicas e culturais, faz-
se urgente uma profunda reflexão sobre a micro esfera de socialização (o cotidiano), lócus de
acontecimentos que geram construção e desconstrução de pensamento e ação profissional, ou
seja, de identidades docentes.
Nos processos de socialização, a interação entre o indivíduo e os atores sociais é
atravessada pelas imagens, pelos símbolos e códigos culturais que representam a sua situação
na dinâmica de um mundo institucional (cotidiano, ciência, trabalho, profissão, linguagem,
entretenimentos, etc.), para além do lugar
41
. Na atualidade, essa configuração institucional
dá-se progressivamente pelas novas tecnologias da informação e pelas conseqüentes
transformações que, pouco a pouco, desenham novas/outras estruturas e relações sociais de
produção e de trabalho que continuamente seguirão materializando-se mediadas pela
tecnologia..
Diz-se, segundo a lógica determinista, que, no mundo institucional o que está em jogo
na socialização, num primeiro momento, é a aquisição de conhecimentos, papéis e funções
específicas. Por meio desses, as identidades sociais serão estruturadas em tipos, condutas,
funções e rotinas. Como diriam Berger e Luckmann (1985) “a socialização secundária é a
interiorização de “submundos” institucionais ou baseados em instituições” (p.184). A idéia de
legitimação de determinados conhecimentos e valores simbólicos, engendrados na vida
objetiva e na rotina dos indivíduos, traz também a idéia de legitimação por carregar a
justificativa de uma ordem institucional que interage com os indivíduos pelas normas, regras,
contratos, impessoalidades, papéis sociais, etc., ou das representações socialmente
41
Aqui tomamos o sentido de lugar conforme empregado por Giddens (1991: p.26-27) ao analisar as
construções teóricas e das experiências sobre Tempo e Espaço no âmbito do mundo pré-moderno e do mundo da
modernidade; “o advento da modernidade arranca crescentemente o espaço do tempo (...) em condições de
modernidade o lugar se torna cada vez mais fantasmagórico: isto é, os locais são completamente penetrados e
moldados em termos de influências sociais bem distantes deles. O que estrutura o local não é simplesmente o que
está presente na cena”. Assim falando, entendemos que a representação do lugar não está condicionada pelo
espaço físico posto em termos de referência a um local que até no passado poderia ser um local físico e particular
para o acontecimento de um determinado evento, por ex; na atualidade existem equipamentos ligados a
tecnologia da informação que permitem que uma aula possa acontecer simultaneamente nos mais variados
espaços sociais e nas mais variadas línguas em tempo real.
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subjetivadas que nos fazem dar um sentido coletivo, já que constituem conhecimentos
comuns construtores da realidade social.
Inspirado na discussão de Berger e Luckmann (1985), Moreira também discute a
socialização e as identidades sociais, dando um caráter de reflexividade à questão para poder
fugir dos determinismos estruturais. Moreira (2005) argumenta que somos educados por meio
da linguagem, em processos de socialização em que se introduz a idéia de um mundo
ordenado e através da qual significamos e damos sentidos às coisas, os objetos, sentimentos e
valores vão sendo apreendidos pela linguagem. Segundo o autor, os sentidos dessas coisas:
“representam um mundo ordenado pelas relações entre as coisas e pessoas. Representam
ainda valores sociais (morais e éticos) que distinguem as coisas e pessoas naquele mundo”
(p.4).
A perspectiva de discussão apontada por Moreira também se configura na questão das
identidades sociais, porque remete a idéia de um sistema lingüístico que se apresenta,
inclusive, para podermos lidar com o que é “estranho” às práticas cotidianas. Para nós, o autor
provoca a discussão sobre identidades docentes perspectivadas ao diferente ou ao diverso que
circunda o trabalho docente. Tal perspectiva urge ser redimensionada por estudiosos das
representações sociais, uma vez que nem tudo que está arquitetado na prática de ensino, é
decorrente do racional, formal, sobretudo hoje, é comum encontrarmos no trabalho docente
aqueles sujeitos que executam a sua atividade sob a influência da espiritualidade, de uma
crença pedagógica e de outras manifestações do extra-sensorial, do intuitivo ou daquilo que é
construído no imaginário pessoal como religião ou credo. Na discussão sobre meio ambiente e
corporeidade, a tendência do criacionismo vem ganhando vulto no meio acadêmico.
Nesse contexto discursivo, Moreira dá prosseguimento à sua reflexão, situando-a num
mundo do desconhecido, porém, incorporado na linguagem em diversos ambientes. Um
mundo de sentidos que podem representar os inimigos daquele mundo, os estranhos, bem
como as coisas, energias e as forças que são objetivamente desconhecidas na sociedade. Em
nota de roda-pé, o autor traduz essa argumentação: “Estamos usando essa noção
objetivamente desconhecido para diferenciar, por exemplo, o que seria objetivamente
conhecido na pedra, no João, no frango, na lua (demonstráveis e reconhecíveis pelos nossos
sentidos do corpo) daquilo que é uma representação social do desconhecido, como Deus,
Diabo, energia, tempo, Origem da vida, Morte e mesmo Natureza” (p.4). Nessa perspectiva,
prossegue o autor,
Tanto aquilo que é objetivamente conhecido (realidade objetiva)
como o objetivamente desconhecido (realidade subjetiva) compõem
a visão de mundo, ou seja, a realidade da cultura na qual estamos
sendo socializados, ou criados (...) Nosso corpo (objetivo) e nossa
mente (subjetivo) são, também, uma unidade socialmente construída
que contem elementos e processos subjetivos. Tanto as coisas que
podemos sentir pelos nossos sentidos corpóreos, como o (s) Mistério
(s) da vida e da morte como representados na cultura e na linguagem
que nos socializa
(p. 5-6 grifos do autor).
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42
Pretendemos com essa citação continuar mantendo o pressuposto do capítulo introdutório, segundo o qual, os
conhecimentos, valores, sentimentos, etc. que participam da construção identitária docente não são determinados
unicamente pelos campos disciplinares de formação. Anteriormente, pensava-se sobre a dinâmica social e
cultural apenas tomando como fundamento o que era reconhecido como paradigma da ciência normal. Na
atualidade as práticas educativas tanto de formação como profissionalização incorporam as contribuições
subjetivadas nas diversas expressões culturais, religiosas, espirituais, ecológicas que denotam crenças e visões de
mundo ainda pouco ou nada explicadas por um sistema abstrato, exceto por paradigmas holistas. Um exemplo
pode ser a discussão que alguns estudiosos fazem a respeito do conceito de Corporeidade (CUPOLILLO, 2007).
Nesse debate podemos encontrar elementos/noções de religiosidade ou espiritualidade vindas da crença do corpo
encarnado ou desencarnado, ou ainda da visão de mundo que propicia construção de identidades sociais pela
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A sociedade, como realidade objetiva compreendida na dialética da exteriorização,
objetivação e interiorização, coloca o indivíduo em campos de especialização onde se situam
vocabulários e regras específicas que nele (o indivíduo) estruturam formas semânticas de
interpretações e condutas (“compreensões tácitas”) para lidar com a realidade. Na
socialização secundária – ao contrário da socialização primária (na família) – por conseguinte,
dispensa-se do indivíduo qualquer identificação de natureza afetiva. Assim, o indivíduo está
preparado para lidar com o contexto institucional de especialização, que se traduz em funções
específicas e regras formais para mediar relações informais. Entretanto, Berger e Luckmann
supõem, por meio da discussão da fenomenologia, que o Homem, uma vez integrado à
sociedade, sofre influência do mundo social e influencia o mesmo. A partir desse
entendimento, os autores analisam a socialização dispensando a idéia de que tal processo
social é completo. Os conteúdos interiorizados não se esgotam nem na socialização primária,
nem na secundária, pois estão continuamente ameaçados ou em possibilidade de serem
ressignificados na realidade subjetiva de cada pessoa.
A propósito dessa perspectiva, cabe olhar com desconfiança para a socialização
secundária, da forma como é reforçada pelos estruturalistas. Uma vez que o mundo
institucional vem sendo criado pela atividade humana objetivada, e destinado para que os
determinantes estruturais e superestruturais conformem as subjetividades dos indivíduos em
subjetividades socializadas, as identidades profissionais não necessariamente estarão
plenamente condicionadas pelos determinantes. Essa idéia nos faz pensar como Moreira
(2002;2005) que entende ser um campo específico, portador de uma multiplicidade de
relações heterogêneas não acomodadas, e que por mais particular ou singular que seja, o
mesmo está em permanente movimento de interação dialógica, devido às disputas ou
parcerias próprias da natureza dos indivíduos/atores coletivos na esfera das objetivações.
É recorrente situarmos em nossa reflexão a possibilidade de haver disputas,
permanências, ambigüidades e contradições imbricadas no interior dos campos e/ou
subcampo socioculturais de um mundo institucional, onde se localizam historicamente as
tensões sociais (de ordens diversas) que impulsionam movimentos de
desconstrução/construção identitárias e de rupturas com as pertenças, de ordem política e
cultural. Para uma melhor “visualização” dessa dinâmica, recorremos a Berger e Luckmann
(1985: p.184-241), para quem a essência da institucionalização é a corporificação em rotinas.
Nessa noção forma-se o indivíduo especializado, educado para não criticar a instituição, mas
para reproduzir as normas e as rotinas quiçá uma educação que o convence a aceitar a
realidade como socialmente parece estar determinada. Como já dito, no âmbito institucional,
as rupturas também podem ocorrer em face dos movimentos contra-hegemônicos, que
questionam a idéia segundo a qual a realidade da vida cotidiana dos indivíduos e atores
sociais é experimentada/reproduzida somente por uma institucionalização de conhecimentos
das funções específicas. Dessa forma, as identidades não seriam apenas conformadas por
representações da realidade objetiva ou pelo que de objetivo-material foi incorporado e
transformado em subjetividade. Nem somente conformadas pela subjetividade fruto de uma
autonomização dos sujeitos em relação às estruturas social-objetivas.
Berger e Luckmann compreendem que o simples fato de o indivíduo estar em
sociedade, interagindo dialeticamente com outros indivíduos e outras instituições, isso pode
implicar a possibilidade de construção de novos conhecimentos que modifiquem a sua
percepção e atuação sobre a realidade social provocando novos processos de constituição
adesão de determinados estilo de vida como nos ensina Giddens (2002; p.97). Muito interessante também é a
abordagem de Morin (1999) a respeito da re-ligação do ser complexo, uma re-ligação do ser nas relações entre
corpo/espírito, daí o “gancho” que autor faz para discutir a emoção como intelecto.
49
identitária, ou novas visões sobre a estrutura social tida como dada, acomodada ou como
totalidade social.
À luz da discussão até aqui empreendida, se pode apreender a existência de conexão
entre as categorias de instituições, socialização secundária, processos identitários, profissão
às noções de capital cultural, campo e habitus. Ao introduzir a categoria de campo, pensamos
na necessidade de um método de análise da realidade social (espaço social) que permita
identificar, nas estruturas institucionais tradicionais (escola, universidade, linguagem, etc.) o
pensamento e a ação contra-hegemônica dos indivíduos e grupos sociais em relação de
cumplicidade, para provocarem processos de rupturas com as estruturas estruturantes. Tal
perspectiva viria demonstrar que as estruturas não se definem apenas por suas propriedades
intrínsecas ou “naturais”, como se nada, dentro dessas estruturas, apontasse para um
movimento de tensão entre regras e agentes/indivíduos. Os sujeitos não estão como os átomos
(dispersos) nos espaços sociais, na medida em que se movimentam em função de seus
projetos pessoais e coletivos. Essa movimentação predispõe os sujeitos a se mobilizarem,
questionando as estruturas rígidas que os impedem de avançar a cada tentativa de mudança;
notadamente, aquelas de disposições objetivas, simbólicas, hierárquicas e de regularidades
que conformam à trama social que será questionada.
Os campos socioculturais encontram-se tencionados pela racionalização econômica e
de poder das instituições estruturadas e estruturantes, que formalizam regras e hierarquias,
incitando os comportamentos individuais e a consciência coletiva a se constituírem em
subjetividades socializadas nas objetivações do cotidiano pragmático, portanto em habitus (as
disposições socializadas). A noção de campo, segundo Bourdieu (1998: capítulos II, III e IV),
é um espaço (conjuntural) capaz de validar as análises sobre as relações de disputas entre
grupos que lutam por distintos projetos, posições sociais e de poder. Um exemplo é o campo
científico conceituado por Bourdieu e por Khun de comunidade científica. Na filosofia de
Khun uma comunidade científica é considerada a partir da idéia de espaço de consenso para
validação de um paradigma aceito/empregado por um grupo de cientistas. Quanto à Bourdieu
pensamos que o conceito de campo científico abarca tensões devido às relações de disputas de
poder, digamos, de um determinado paradigma ou visão de mundo não determinado apenas
por posições firmadas numa ou noutra estrutura.
Para Bourdieu (1997;1998) cada campo possui suas especificidades, fruto de intensas
relações entre estilos e posições sociais e culturais. Por isso, trabalhamos com a suposição do
campo científico como espaço social de relativa autonomia visto que está permanentemente
sob a ação individual e/ou de grupos que lutam pela hegemonia de uma dada certeza ou
verdade científica. Se há disputas é porque têm grupos/indivíduos de relativa autonomia nas
relações do campo, o que nos faz considerar o campo como um espaço social democratizado.
A própria categoria de habitus parece ter sido cunhada pelo autor para referir-se as
ações, comportamentos individuais dispostos em práticas de pertencimentos, naturalizadas
pelos indivíduos nas estruturas de socialização, por estarem sob o domínio de campos
instituídos para estreitar as relações indivíduo-sociedade. Os campos podem expressar
hegemonias, mas mobilizam os indivíduos para manter ou transformar na medida em que as
crises requerem dos indivíduos e/ou grupos os devidos ajustamentos, adaptações ou
mudanças. Não obstante, pela leitura e reflexão até aqui realizadas em Bourdieu, atribuímos
para o objeto estudado nessa tese a noção de campo (conjuntura de luta pelo poder) e a de
habitus (pertencimentos, subjetividades construídas pelas objetivações do mundo
institucional) numa relação de interdependência. Desse modo, Bourdieu demonstra que os
indivíduos estão em relação com outros indivíduos e grupos sociais, com possibilidades de
interação.
Nas noções de campo e habitus de Bourdieu prosseguimos na busca pela resposta do
por que das nossas ações estarem tão configuradas ou seguras em normas/regras que ao
50
mesmo tempo nos queixamos de serem tão rígidas. Mediante a crise do pensamento nas
ciências como um todo, uma das razões explicativas reside na idéia da fragmentação dos
conceitos que até então tem na tradição epistemológica positivista, segundo a qual só
podemos compreender tal conceito por meio de tal teoria, de tal escola de pensamento, de tal
comunidade científica. Então, por onde devemos andar? Essa foi uma pergunta-chave ao
iniciarmos a nossa pesquisa e a discussão dos resultados. Por que não pensar que podemos
compreender os indivíduos nos sucessivos processos de socialização também incorporando
outras disposições sociais advindas de outras práticas de socialização em ocorrência no campo
social Podemos pensar, ainda, que uma mesma prática de socialização possa incorporar outras
estruturas de configuração heterogêneas e flexíveis. Tais práticas, vistas de fora ou de dentro
do micro-contexto ou macro-contexto institucional, gozam de certa autonomia com relação
àquelas engendradas pela determinação das macro-estruturas erigidas para subalternização.
Na sala de aula, no processo de escolarização, na profissionalização são expressivas as
relações sociais contraditórias às atividades planejadas, previsíveis nos planos, nos manuais
didáticos, posto que tais ações são executadas por indivíduos originários de diversos
contextos culturais e familiares.
Na explicação de Dubar (1997), a provável causalidade campo/habitus/identidades
sociais/reprodução do sistema requer um tratamento mais complexificado, pois:
A problemática assim amplificada concebe a socialização como
um processo biográfico de incorporação das disposições sociais
vindas não somente da família e da classe de origem, mas também
do conjunto dos sistemas de acção com os quais o indivíduo se
cruzou no decorrer da sua existência. Sem dúvida, ela implica uma
causalidade histórica do passado sobre o presente, da história vivida
sobre as práticas actuais, mas esta causalidade é probabilística:
exclui qualquer determinação mecânica de um “momento”
privilegiado em relação aos seguintes. Quanto mais as pertenças
sucessivas ou simultâneas forem múltiplas e heterogêneas, mais se
abre o campo do possível e menos se exerce a causalidade de um
provável determinado (...) As identidades resultam, portanto, do
encontro de trajectórias socialmente condicionadas por campos
socialmente estruturados. Mas estes dois elementos não são
necessariamente homogêneos e as categorias significativas das
trajectórias não são necessariamente as mesmas do que aquelas que
estruturam os campos da prática social. Este defasamento abre
espaços irredutíveis de liberdade que tornam possíveis, e, por vezes,
necessárias, reconversões identitárias que engendram rupturas nas
trajectórias e modificações possíveis das regras do jogo nos campos
sociais” (p.77).
Há algum tempo a ciência social da sociedade contemporânea percebe as
transformações socioculturais como resultados (produtos) de novas formas de comunicação e
diálogo, visto que as mesmas se dão ou se constroem nas relações intersubjetivas. Neste
sentido, outras configurações (estruturas) de ordem social, contratuais e jurídicas se
instauram. Essas configurações emergem da coexistência de distintas redes culturais de
valores e de projetos múltiplos. Portanto, são emergentes em habitus, pertenças sedimentadas
às antigas estruturas simbólicas, morais e jurídicas, pois apesar das crises que ressignificam
processos, as antigas formas de socialização não desaparecem. Emergem, portanto, valores e
processos sociais de representação das novas formas de solidariedade e de abertura para as
ações contra-hegemônicas que potencializam sinais de emancipação do indivíduo e das
culturas dominadas. Pelo o que expomos até aqui, considera-se possível uma releitura flexível
51
das categorias de habitus e campo a partir do aporte epistemológico de Bourdieu.
Perseveramos que, diante de uma relativização ora em andamento nas ciências sociais e
humanas, tais conceitos poderão ser empregados, primordialmente, na análise das disposições
sociais que são construídas na socialização a partir de relações humanas de solidariedade,
pluralismo cultural e dos estilos de vida e visões de mundo instituintes.
1.2.2.Conceitos emblemáticos do campo da sociologia das profissões: especialização,
qualificação, profissionalidade, profissionalização e trajetórias – faz sentido defini-los
fora de uma situação profissional?
O que vem a ser uma Profissão? Em que perspectiva pode ser respondida essa
pergunta? Na perspectiva organizacional, portanto, de aporte jurídico-legal? Ou na
perspectiva da prática profissional, portanto do espaço e tempo de experiência, no saber-
fazer? Ou no desenvolvimento das trajetórias profissionais? Para nós essa questão é
fundamental no sentido do recorte que demos à temática.
As perguntas feitas anteriormente são na verdade a forma como construímos nosso
instrumental ou estratégia de análise a respeito das identidades docentes em meio às
interações socais e intersubjetivas que se estabelecem no cotidiano escolar, no espaço-tempo
institucionalizado onde se contrapõem projetos pela profissionalização do professor. Segundo
a nossa percepção, as identidades docentes se formam entre trajetórias de formação inicial e
processos de profissionalização, um movimento não necessariamente linear e nem muitas
vezes programado. Contudo, a trajetória de um docente vinculado à educação profissional
num CEFET ou numa Universidade não é um processo imprevisível, pois esse processo está
previsto em um plano de carreira ou num plano de cargos e salários que hierarquiza em níveis
a progressão funcional. Então, podemos considerar a trajetória como “um processo
estruturado social e historicamente que abrange ‘o conjunto de estratégias e vivências no
marco de uma oferta social determinada no tempo e no espaço’ de um indivíduo” (FRANZOI,
2006; p.19). Em convergência ao conceito de trajetória está o de profissão e vice-versa.
Profissão está para trajetória assim como trajetória está para profissão, o mesmo sentido de
complementaridade aplica-se ao conceito de profissão e profissionalização, profissão e
profissionalidade, profissão e qualificação, profissão e especialização.
Da perspectiva da prática profissional, portanto, do espaço e tempo de experiência, no
saber-fazer profissional ou do desenvolvimento das trajetórias profissionais, o conceito
articulador da perspectiva é o de profissão. No tocante a questão central dessa tese, o lugar de
onde falamos é o da docência significada por indivíduos e agrupamentos coletivos que atuam
e constroem na educação profissional agrícola processos identitários. Sobretudo, esses
indivíduos e seu grupo de pertença contribuem para fazer da educação profissional uma
construção social, por conseguinte em relações de conflito, de interesses, de ambigüidades
entre discursos e práticas de permanências, sentimentos de frustrações entre o indivíduo e a
profissão. Sobretudo, ainda, na contemporaneidade os indivíduos e grupos profissionais
buscam rupturas com a idéia pré-concebida (dogmaticamente fechada) segunda a qual a
docência imaginada/idealizada fora “perpetuado” socialmente pela Igreja e/ou Governos.
Contudo, na prática pedagógica de muitos professores, a profissão é um sacerdócio, um dom,
uma vocação natural ou, por outro, uma relação privada de parentesco, entre aluno e
professor, por vezes é uma profissão demonizada segundo a avaliação da sociedade política
ou dos dirigentes.
A noção de profissão docente no subcampo da educação profissional agrícola remete
uma relação direta e objetivada na interiorização de técnicas e experiências concretizadas na
prática de ensinar e educar sujeitos para uma vida cidadã e produtiva; como também uma
prática significada nas subjetividades de expectativas dos alunos que buscam na prática do
52
professor saberes técnicos e humanos que os qualificam pessoal/profissionalmente na
agropecuária, mas que também os preparem para as mudanças sociais.
Os aspectos envolvidos no processo de profissionalização docente (socialização
profissional) do grupo em foco foram investigados fora da idéia de buscar características de
funcionamento da profissão, sobretudo buscamos a percepção dos professores sobre a
docência e como eles a constroem na trajetória comum que se completa nas exigências das
regulamentações e/ou políticas e numa trajetória específica pautada em gostos, interesses,
conhecimentos, especializações e valores
43
. Dessa forma, em nossas investiduras desviamos
a atenção de entender o grupo profissional ou as suas trajetórias, percepções, valores como
um conjunto homogêneo, como quer a política educacional e a noção de competências.
O conceito de profissão para Claude Dubar e Freidson engendra-se nos processos
socais e históricos, das relações que se estabeleceram entre Estado, Sociedade, Ciência,
Nação, Progresso. Para conceituar profissão ambos os teóricos remetem aos primeiros
indivíduos especializados nas técnicas de produção e as demandas sociais da mercadoria
produzida por eles. Tal como registramos na parte anterior desse capítulo, os artesãos e os
trabalhadores de ofício (do Francês, metier).
Na discussão feita por Claude Dubar, o termo profissão segue distinções a partir do
projeto de organização da cultura e das políticas de organização profissional, que, por
conseguinte tem a ver com as instituições e o Estado. Por isso Dubar ressalta que a sociologia
das profissões se traduz universalmente em “sociology of the professions”, segundo ele no
sentido da
“palavra ‘profissão’ para traduzir o termo inglês profession, a
palavra ‘emprego’ para traduzir occupation e a palavra ‘ofício’
para traduzir o sentido do termo craft. Os termos profissão e
profissional assim como ofício, sem indicação particular, vão ser
utilizados no sentido geral de atividades remuneradas. Em
francês, o termo ‘profissão’ tem (pelo menos) dois sentidos
correspondentes ao anglo-saxão (...) profissão designa – o
conjunto dos ‘empregos’ (em inglês: occupations) reconhecidos
na linguagem administrativa, nomeadamente nas classificações
dos recenseamentos do Estado; profissões liberais e ‘sábias’ (em
inglês: professions), isto é, learned professions, por exemplo, os
médicos e juristas. A terminologia francesa complica-se mais se
introduzirmos um terceiro termo, o de ‘ofício’ (métier). As
profissões (liberais) e os ‘ofícios’ têm em comum no Ocidente,
uma origem: as corporações. Na Idade Média, a partir do século
XI e de forma totalmente instituída no século XV, ‘idade de ouro
das corporações’, distinguiam-se: - os que tinham ‘direito a
pertencer à corporação; - os que não tinham esse direito:
jornaleiros, trabalhadores braçais, carrascos... (pp. 123-24).
43
Por exemplo, numa trajetória comum a todos os docentes atuantes na educação profissional agrícola ou não, a
política educacional traçada pela legislação ou regulamentação profissional reconhece a Licenciatura como
referencial de formação pedagógica; o domínio das ciências pedagógicas e de áreas científicas é a base e o
fundamento da especialização profissional. Quanto a uma trajetória em termos específicos queremos dizer com
isso que ela não se dá em detrimento da outra, mas essa é de cunho pessoal, de domínios cognitivos e afetivos
que o indivíduo investiu. Exemplificando, novamente, um professor de artes de um agrotécnica pode
desenvolver estudos para aproveitamento de resíduos inorgânicos e orgânicos porque ele é sensível a outros
estudos e relações com o ambiente. Daí ele pode seguir nessa linha de trabalho se programando para
planejamentos e projetos não somente identificado com os saberes estéticos ou das artes, mas passar a fazer parte
de grupos de pesquisa e estudos de ecologia, por exemplo. No passado, perguntaríamos: o que a educação
artística tem a ver com ecologia? Mudaram-se paradigmas também nas artes. Basta assistirmos as exposições de
esculturas em sucata ou as fotografias do meio ambiente de Sebastião Salgado. Em ambos os eventos, com
certeza, os artistas tiveram que estudar sobre as relações que se estabelecem entre arte e ambiente (natureza).
53
Tanto Dubar (1997) como Freidson (1998, 1996) referem-se à história indo de
encontro ao século XIII, período de criação e expansão das Universidades na Europa e
Estados Unidos, onde as profissões e ofícios passam a ganhar estatuto científico e
especializado. Esse estatuto científico engloba o estatuto jurídico (representação moral) das
corporações que detinham autonomia de exercer e de defender o monopólio e os privilégios
de interesse comum. Pensamos que todo esse cenário é muito conhecido por nós profissionais
das ciências e das artes de ensinar, medicar, construir, enfim, está ainda na base dos
juramentos que até hoje fazemos na solenidade de percepção de diplomas e certificados ou
quando assumimos um posto numa entidade científica. Para Freidson, chegar à conceituação
sobre a profissionalização de um grupo profissional ou conceituar uma profissão (estrutura
invariável) na particularidade de um grupo num determinado tempo espaço do saber-fazer
(variante) é o papel da sociologia das profissões. Portanto, a definição de profissão só tem
sentido se a extrairmos das especificidades de população ou de grupo estudado.
Dessa forma, estudar as profissões é o mesmo que investigá-las como casos empíricos
individuais que têm a ver com as instituições sociais onde se formam e se desenvolvem
profissionais em meio às relações objetivas/subjetivas que se travam dentro das instituições.
O que importa é a identificação dos conflitos, das dualidades, das contradições, diferenças,
ambigüidades. Na medida em que há estranhamentos, o pesquisador pode visualizar o objeto
menos determinado às subjetividades ou razões funcionais que levam muitos cientistas a lidar
com a sociologia das profissões.
Nesta perspectiva, Freidson se afasta do funcionalismo que permeou as abordagens na
sociologia das profissões, que podemos compreender nas explicações contidas no livro de
Claude Dubar
44
. Sobretudo, ambos os autores se distanciam do funcionalismo quando
44
Na primeira parte de seu livro, Dubar analisa as principais teorias/abordagens sobre a socialização e a
construção social das identidades, dialogando com Durkheim, Weber, Piaget, Parsons, G. Mead, Hughes, Berger
e Luckmann e Bourdieu. Após os sucessivos diálogos, o autor argumenta a favor de uma teoria sociológica das
identidades sócio-profissionais, assumindo como ponto de partida redefinições na dualidade indivíduo-
sociedade, que se apresenta nas teorias sociais separando o ser individual do ser social, o eu do outro, o
biográfico do estrutural, o societário do comunitário etc. Tais dualidades, presentes nas ciências sociais, pouco
contribuem para dar sentido à categoria de identidades na contemporaneidade, segundo o autor. Para ele
“a
identidade social não é ‘transmitida’ por uma geração à seguinte, ela é construída por cada geração com base em
categorias e posições herdadas da geração precedente, mas também através das estratégias identitárias
desenroladas nas instituições que os indivíduos atravessam e para cuja transformação real eles contribuem. Esta
construção identitária adquire uma importância particular no campo do trabalho, do emprego e da formação que
ganhou uma forte legitimidade (...) para precisar os mecanismos da socialização profissional” (1997; p.118).
A
segunda e a terceira parte do livro de Dubar cogitam que a institucionalização idealizada e estabelecida na
sociologia das profissões serviu às agências governamentais americanas e, mais tarde, às canadenses e francesas.
No passado, a sociologia das profissões teve como propósito traçar um modelo conceitual de profissional
diferenciado do operário e do empresário, uma vez que se percebeu na sociedade a emergência de um
trabalhador que progressivamente ascendia em face de um perfil técnico especializado, predisposto às estratégias
de mobilidade social. Nessa perspectiva, o autor passa a analisar as abordagens a partir de seus respectivos
conceitos de profissão, profissionalização, qualificação profissional, mobilidade social, e das concepções de
mercados de trabalho que cada um dos conceitos implica. Na última parte, o autor analisa a dinâmica das
identidades profissionais e sociais, utilizando-se de quatro configurações identitárias resultantes da investigação
empírica ocorrida na França, iniciadas nos anos de 1960 e ao fim dos anos 1980, em vários locais de trabalho.
Para a nossa tese sobre as identidades docentes, verifica-se não somente uma discussão teórica profícua, mas rica
em procedimentos de pesquisa, pois foi a partir dos dados do trabalho de campo em confronto com as teorias que
Dubar e sua equipe do LASTREE/França construíram as formas sócio-profissionais (configurações identitárias)
de trabalhadores especializados e assalariados da região do Sena/França. A título de exemplificação, Dubar
concluiu que algumas representações profissionais dos inquiridos no trabalho de campo não portavam
significados sociais ou profissionais provenientes da formação acadêmica inicial recebida, e nem da participação
do trabalhador no sindicato. A identificação mais importante pareceu ser a da cultura organizacional, em que o
indivíduo conquistou o domínio de saberes práticos e adotou condutas desejadas pela empresa.
54
afirmam não fazer sentido um estudo que apenas volta-se a entender um grupo profissional
sob a ótica do equilíbrio, da harmonia ou mesmo da complementaridade entre os
profissionais e os que são atendidos ou dependentes deles, por exemplo, professores e alunos,
médicos e clientes, corretores e inquilinos etc. Os autores consideram o desvelar das
contradições nas relações entre atores, sujeitos e individuação e a regulação do Estado um
campo de análise complexo e pressupõem mais próximo da realidade e as posições em que as
profissões se configuram e ganham significados sociais.
55
CAPÍTULO II
A Nacionalidade e as Instituições: o remodelamento da sociedade e da educação em
representações da ciência positivista – uma contextualização.
A condição essencial para a liberdade no Estado moderno
está, com efeito, acima de tudo, na independência das
instituições que guardam, aplicam e promovem o saber
humano, isto é, as profissões chamadas liberais e a
universidade, em face do Estado, ao qual cabe velar por
elas, mas jamais interferir em sua área de ação ou na
consciência profissional de seus agentes (Anísio Teixeira,
1977:135).
Para nós, pesquisadores, entender a história social das instituições culturais e
educacionais requer descortinar os dilemas e paradigmas que cercam a construção de um
projeto de nacionalidade constituído de idéias e corpos de conhecimento – o pensamento
científico e social – de natureza ideológica e de caráter positivista. A organização do
pensamento científico foi um processo par e passo ao da organização racional das instituições
modernas no Brasil, fato este que se aplica às primeiras instituições que conformaram a
formação e profissionalização. No caso em tela, às dos agrônomos e veterinários, de técnicos
agrícolas e dos primeiros professores na modalidade de ensino agrícola. Esse recorte tem
constituído uma questão comum a todos os estudos ligados ao ensino técnico agrícola. Nesse
sentido, as profissões nas ciências agrárias se alargaram social e educacionalmente ao longo
do século XX, juntamente com as demais necessárias à modernização das instituições sociais.
Objetivamente, interessou-nos entender o campo sóciopolítico e acadêmico onde se
configurariam as instituições científicas e culturais voltadas à formação escolar/universitária
em geral e, na modalidade de educação profissional agrícola em particular onde se forjaram
uma série de representações profissionais, inclusive a docente. Encontramos em Ortiz (2005),
Lima (2002), Máximo (2000), Schwarcz (1993) e Miceli (1979) as pistas sobre a história
social das primeiras instituições voltadas ao propósito de uma profissionalização, sendo esta
basicamente centrada num discurso de supervalorização dos saberes científicos, de nível
superior. Por conseguinte, um discurso científico especializado voltara-se para um
humanismo sob a perspectiva redentora da escola e das condutas humanas, que foi o caso das
primeiras escolas de formação de professores.
As idéias engendradas no pensamento de caráter científico e sociológico/filosófico
dogmático estão na base dos textos e narrativas publicadas e anunciadas pelos intelectuais que
estudavam a sociedade brasileira na tentativa de compreenderam os porquês do atraso. O que
tinha a nação européia que a brasileira não tinha? A criação das instituições de formação
humana e científica, de socialização secundária veio junto com o diagnóstico: o problema do
atraso era uma questão do meio e da raça. Como construir um Estado-Nação, uma República,
na posição de atraso que o Brasil passava segundo pensavam aqueles que fundaram e
organizaram o pensamento sociológico brasileiro; intelectuais, segundo Ortiz, como Euclides
da Cunha (estudou a sociedade e a sua territorialidade), Nina Rodrigues (no direito), Sílvio
Romero (folclore, literatura), etc., todos imbuídos em trabalhar voltando as suas discussões
para conhecer a sociedade brasileira. As idéias dos intelectuais que alçaram o propósito de
organizar um pensamento social e científico, humanista, estiveram em meio a campos de
disputas, pois não nasceram espontaneamente, foram forjadas nas relações/processos sociais.
As idéias tiveram em comum o dogma positivista, mas diferenciaram-se no campo de disputas
políticas, ideológicas, culturais, até chegarem a ser aceitas como modelo interpretativo, cada
56
um deles em seus subcampos de formação científica e política. Alguns intelectuais foram
rechaçados pelas entranhas na política, nos interesses econômicos, nos cargos que assumiram,
enfim... algumas idéias continham tendências políticas que na posição cientificista não
podiam ter para quem assumia o papel de intelectual e cientista
45
.
Desta forma, neste capítulo nos detivemos em perseguir as seguintes conjeturas: pela
idéia de nação/nacionalismo seria de fato possível chegarmos às primeiras instituições que
deram origem à profissionalização daqueles que foram os professores em geral e, na educação
técnica agrícola, em particular. Os intelectuais ligados às Escolas Superiores de agronomia e
veterinária do Brasil, do final do século XIX a República Velha, formaram um grupo
profissional articulado ao Estado ou a outras instituições/entidades. Os valores da produção
agrícola em bases racionais/técnicas incorporados nas relações socioculturais do século XIX e
XX engendraram uma escola em conectividade a uma idealização do progresso e do
desenvolvimentismo presentes no imaginário dos intelectuais e da sociedade. A escola e a
profissão na educação agrícola da atualidade ainda compartilham dessa linearidade mecânica
entre escola-produção. As mudanças nas instituições de ensino agrícola interferiram na
profissionalização do professor. As instituições de ensino agrícola alçaram modelos de
profissionalização de acordo aos ideários de grupos sociais e políticos de influência do
campo. Estas são questões que se inserem em inúmeras perspectivas teóricas, mas para nós,
segundo os objetivos dessa tese, as constatações estão em meio aos movimentos de
intelectuais da política, da educação e da cultura que no final do século XIX até meados do
XX, estiveram defendendo valores e ideais de um Brasil republicano, portanto, desenvolvido
e modernizado nas suas instituições. Os intelectuais foram capazes de pensar as instituições
educacionais, a epistemologia e os valores que as consubstanciariam e seriam orientadores
para a profissionalização docente. Independentemente das tendências políticas, os intelectuais
deram conta das idéias e ações que ancoraram a institucionalização em diversas áreas da
cultura e da ciência.
A educação das massas, a universalização do ensino é considerada um fenômeno do
século XIX. Muitos manifestos em países da Europa como França, Inglaterra, Alemanha e
também na Rússia foram assinados e discutidos em inúmeros fóruns, partidos, sindicatos em
prol da educação fundamental e profissionalizante dos trabalhadores, classe inaugurada com o
capitalismo surgindo como modo de produção. As escolas normais e normais superiores já
eram reconhecidas na Europa e abrigaram a formação de muitos intelectuais
46
que se
45
Máximo (2000) chega a caracterizar os intelectuais em tempos e espaços sociais diversos, na tessitura que dá
contorno à intelectualidade (classe; intellighenzia), questões políticas, de crítica, de luta de classe, do início da
burguesia, etc. Neste sentido, achamos conveniente neste nosso parágrafo nos referir como Máximo atribui em
termos gerais a esse segmento social, tomado a partir do “conjunto de características ligado ao “intrínseco” do
ser intelectual e, simultaneamente, às suas atividades sociais, por exemplo, usam a natureza da investigação
científica, as exigências da aplicação do método, etc., como elementos caracterizadores do “ser” intelectual (...)
todavia, no limite, o trabalho de depuração do conceito poderia desconsiderar tudo, exceto dois traços
fundamentais: produção e difusão do conhecimento – ainda que Weber (1993) reconheça que, nem sempre, essas
duas qualidades sejam possíveis numa mesma pessoa”.(p. 20)
46
Segundo Máximo (2000) das escolas normais e normais superiores, instituições ligadas à educação e ciências
humanas da Europa formaram-se muitos intelectuais como Paul Nizan, do célebre livro ‘Cães de Guarda’, no
final do século XIX ou, então na França, Pierre Bourdieu dos anos de 1930. O autor ressalta que a carreira de
muitos intelectuais inicia nessa instituição, contudo, seguem outras oportunidades como a filosofia, a literatura,
as artes. Neste sentido exemplifica a de Nizan e Bourdieu que seguiram os mesmos rumos, diferenciando-se em
face da militância política, seguindo o primeiro para a filosofia, a literatura e o outro para os trabalhos de campo
na Argélia segue o caminho das ciências sociais (sociologia e antropologia). Ainda sobre o contexto segundo o
qual nos debruçamos é interessante um comentário do autor sobre Emile Durkheim, que na sua juventude se
preparou para o magistério. O ilustre sociólogo cursou a Escola Normal Superior de Paris, onde fez as suas
primeiras críticas à atitude diletante da intelectualidade francesa, pois buscaria no funcionalismo o seu lado
objetivista de compreender uma realidade que para ele estava em desordem devido ao modo de produção que se
57
dedicaram aos estudos sobre a educação das massas e a qualificação dos trabalhadores e seus
filhos. Existia toda uma conjuntura científico-cultural corroborando para institucionalizar a
escola e os cursos de formação de professores no século XIX.
Acreditamos que os fundamentos sociais da educação nacional estão na criação das
escolas normais no Brasil, criadas no início do século XIX junto aos Liceus (escolas
masculinas de caráter propedêutico) que vieram no bojo de políticas voltadas para o ensino
das massas
47
. O projeto de escola pública, instrucional, universal no Brasil começa a se
delinear no século XIX, enquanto na Europa se iniciou no século XVI com as primeiras
investiduras do campo da ciência e do enfraquecimento da ideologia absolutista da Igreja, o
iluminismo segue com o laissez faire liberal no processo de universalização da educação. Os
nossos primeiros “mestres-escola” aparecem caracterizados por Manuel Antonio de Almeida
(apud VILLELA, 2000) na sua obra Memórias de um Sargento de Milícias. A obra está
carregada de imagens de um espaço escolar e uma profissão construída no século XIX, em
meio à atmosfera de expansão do liberalismo e positivismo de matriz européia. Mas não nos
esqueçamos! O primórdio de nossa educação de caráter intencional está na história da
Companhia de Jesus de domínios do nosso colonizador português. Entre várias Reformas
48
no
mundo todo, tivemos revoluções contra a absolutização do clero e da nobreza, unindo a
burguesia à classe operária, esta ultima aos poucos se impunha como classe reivindicando o
seu projeto de vida, trabalho e educação.
No Brasil do início do século XX, dentre outros ressalvamos Anísio Teixeira como
educador e pesquisador emblemático da luta pela democracia e autonomia das instituições. A
sua adesão como signatário do Manifesto dos pioneiros da escola nova deu-se pela defesa
árdua em prol da laicidade, da gratuidade e do projeto social e filosófico para a formação de
professores. Nesse sentido, trazemos a referência de Anísio Teixeira pela sua militância
pedagógica e social, por expor suas idéias e ser um ideólogo de uma educação de base geral e
humanista, defensor de uma escola pública gratuita e laica preparatória para a democracia de
um país que queria ser um Estado-Nação.
Anísio Teixeira também é emblemático de um grupo de intelectuais fortemente
enraizados na formação científica pelo conjunto de saberes específicos, sobretudo saberes
articulados ao humanismo, da filosofia da educação. Ao professor o tirocínio (palavra usada
por ele) em perspectivar uma trajetória de profissionalização científica e filosófica (para ele
ciência e filosofia são dois pólos do conhecimento humano); mesmo no exercício do
magistério, para Anísio Teixeira seria possível aos professores lapidarem comportamentos,
impunha social e produtivamente. Máximo comenta que no Brasil o principal discípulo de Durkheim foi
Fernando de Azevedo, precursor da criação do campo disciplinar da educação e formação de professores. É do
escolanovista os termos engenheiro-professor e médico-educador, cujas definições muito possivelmente
carregam as representações sociais, alinhadas ao método durkheimiano, de profissionais de instituições
educativas “adaptadoras” ao sistema de valores morais necessários à ordem em bases una (leis morais, moral
coletiva) e múltipla (educação especializada).
47
No prosseguimento dessa tese teremos uma discussão mais ampliada sobre o assunto, quando discutiremos a
docência como projeto de profissionalização e profissionalidade. Essa parte inicial não pretendeu esgotar a nossa
problemática e hipóteses, conforme anunciamos nos objetivos de pesquisa e da fundamentação teórica.
48
No Brasil do final do século XIX, em que pesem as implicações de ordem sócio-econômica e cultural
derivadas do colonialismo e imperialismo, as estratégias de poder e privilégios (BOURDIEU, 1997) no
contexto de dominação de uma reprodução social e econômica das oligarquias, ainda assim houve Reformas no
início da República Velha. Contudo foram medidas antidemocráticas, favorecendo as idéias de um bacharelismo
personalista e meritocrático distante dos movimentos sociais ocorridos entre o final do período monárquico e a
republicano. Destaque-se Benjamim Constant como um dos positivistas do século XIX, diretor do Instituto
Politécnico esteve na vanguarda da luta pela formação de professores nas Escolas Normais, modalidade de dupla
função social: profissionalizar e escolarizar as mulheres e mantê-las sob a tutela patriarcal. Esta afirmação é
possível de ser verificada nos estudos diversos sobre as primeiras Escolas Normais, como a de Niterói que foi
criada em 1835 e a do Rio de Janeiro em 1880.
58
valores democráticos, compromissos com a profissão formando um ethos. Ao professor
caberia utilizar o ideário nacionalista e escolanovista para conformar um determinado
indivíduo em agente de campos da especialização profissional. Formaria o sujeito, o cidadão
útil ao progresso de uma nação soberana e de instituições livres de pensamentos
transportados de outra realidade.
Nessa perspectiva, então, cabe salientar a história social de nossas instituições que está
permeada por crenças e valores (“cultura do progresso”) que marcam as nossas organizações
de formação escolar, científica, administrativa, pesquisas, etc. Logo, para que o Brasil criasse
condições políticas e objetivas para implementação do seu projeto republicano de
modernização das estruturas, fazia-se necessário lançar mão das idéias de seus intelectuais.
Ou seja, o nosso olhar histórico-sociológico está focado nas iniciativas de implantação de um
sistema de produção de conhecimento especializado em respectivas instituições para o fim de
uma formação profissional e científica, a Universidade e as Escolas Agrícolas
Profissionalizantes, essa ultima viria se tornar o que denominamos na atualidade de educação
profissional de nível técnico e tecnológico.
A filosofia do conhecimento científico que sustentou as primeiras escolas superiores
esteve ancorada no paradigma positivista, cuja referência de cientificidade era necessária ao
padrão moderno de cultura, educação, profissionalização, urbanização das cidades, enfim,
necessária à produção de conhecimentos especializados aptos a organização das instituições
culturais e burocráticas. Visando compreender as instituições nacionais no quadro sócio-
histórico da modernidade, Eli Lima (2002), em seus estudos sobre Nação e Mundo Rural em
representações literárias, aborda questões relativas à organização das instituições sociais e das
idéias dos “homens de ciência e de letras”, no período que vai de fins do século XIX ao início
do XX. Na análise da autora, a história das idéias no Brasil demonstra que, a partir de fins do
século XIX, a chamada “geração de 70” traduz a intelectualidade configurada no positivismo
como filosofia de ação, de pensamento. Uma intelectualidade vista ou compreendida como
profissão
49
ou prática do diletantismo, entretanto, são pessoas ou profissionais, segundo
Máximo, desempenharam suas atividades voltadas para o campo das idéias e da ciência
aderindo ao paradigma teórico-interpretativo positivista para alavancar as estruturas de
organização cultural, política, econômica e social
50
. Tal perspectiva fora adotada, portanto,
num cenário de colonialismo e imperialismo político-cultural.
A partir desse cenário, Eli Lima remonta às principais idéias - ora de modernidade, ora
de nação, ou mesmo de progresso - que circulavam em representações literárias e científicas,
influenciando as decisões político-culturais e institucionais derivadas da concepção de
nacionalidade ou de atraso e progresso. No período analisado pela autora, embora o caráter
49
No livro de Antonio Carlos Máximo (2000) encontramos uma conceituação sobre Intelectuais e
Intelectualidade, como também uma análise sobre a prática intelectual, sua ligação com o poder público na
organização das instituições de educação das massas. Nesta perspectiva, o autor busca mostrar que intelectual ou
intelectualidade é uma categoria histórica transitória, estando vinculada ao tempo, às idéias, aos contextos
políticos e culturais de uma dada época das instituições e nações ou sistemas políticos, culturais, educacionais e
científicos. De meados do século XIX ao século XXI, por exemplo, no Brasil pudemos verificar a existência
desse grupo social agindo a partir de um conjunto de características ou traços de um “ser” intelectual
(inteligência, coisa do espírito...) situado em atividades sociais e/ou políticas; um sujeito comprometido “em
dizer a verdade e praticar a liberdade” (p.15). De outra forma, a intelectualidade sofre críticas contundentes, é
vista ao longo da história das idéias como um parasito, um burguês arrogante. Na atualidade se vê uma gama de
intelectuais trabalhando juntamente com movimentos sociais diversos, como por exemplo, no MST, Afro-
descencentes, gays, etc. O autor cita Castâneda (1994) porque ele acredita que há uma forte tendência dos
intelectuais no que diz respeito ao engajamento dos intelectuais nos movimentos sociais e, ao contrário, do
passado quando os mesmos aderiam aos partidos políticos.
50
Ver Eli Lima na sua tese de doutoramento História e Narrativa: Euclides da Cunha na Amazônia. Rio de
Janeiro: CPDA/DDAS/ICHS/UFRRJ, 2002, ao analisar a narrativa de Euclides da Cunha quando o autor
descreve a Amazônia em À Margem da História utilizando uma linguagem de forte conotação científica.
59
científico do conhecimento ficasse restrito ao lócus de produção, as idéias de uma nação em
processo de modernização ganhavam vulto nas diversas narrativas literárias, de pasquins e/ou
nos lugares de socialização. Em meio social e científico geravam-se pensamentos comuns
(representações), que logo ao se tornarem coletivos, contribuíam para formar um complexo e
consolidado ideário político-cultural, que atravessava a produção intelectual e o cotidiano
como imaginário social
51
, via as instituições responsáveis pelo progresso.
Eli Lima considera que
É fato que à geração intelectual da República Velha caberia a
missão da busca de uma identidade coletiva para o país, de uma
base para a construção da nação; na verdade, a responsabilidade
seria a de redefinir os rumos da República. (...) É possível se
observar que até meados deste século XX a literatura no Brasil
(bem como na América Latina em geral), dada a pequenez de
estudos de caráter disciplinar ou acadêmico em Ciências Sociais
desempenhou, por longo tempo, papel determinante na
representação da realidade”
(p.15).
Nessa parte do trabalho, evidenciamos, se não a origem, pelo menos as fontes sociais e
políticas do pensamento técnico-científico-burocrático no Brasil, tomando como referência as
escolas superiores, escolas profissionalizantes, instituições socioculturais (educacionais e de
pesquisa) brasileiras (cujos respectivos discursos podem ser detectados nas diversas narrativas
dos “homens de ciência e de letras” do nosso tempo), sobretudo, ainda espelham as idéias do
bacharelismo do final do Império e da República Velha. Por conseguinte, na história social
podemos descobrir que as concepções de processos identitários profissionais
espelham/espelhavam as idéias que circulavam nas instituições de caráter sociocultural.
Conforme enunciamos no início do capítulo, compreender os meandros/relações dos sujeitos
no envolvimento da organização do pensamento científico e das instituições constitui um
ponto central no estudo sobre as identidades docentes.
Durante a época estudada por Eli Lima (2002), por exemplo, em âmbito institucional
a “geração de 70” até a da primeira República, em meio acadêmico ou social, imperava um
único pensamento, o científico spenceriano ou comtiano. A socialização secundária
institucionalizou a concepção de ensino-pesquisa positivista por meio de um arcabouço de
idéias sobre saúde, educação, urbanização, engenharia, que brotavam da ansiedade dos
sujeitos por um progresso que tardiamente viria referenciado nos princípios científicos do
método experimental. O conhecimento científico imporia credulidade nos projetos de
modernização das estruturas de produção material e de conhecimento. Ou seja, as sociedades
em que as estruturas foram tardiamente modernizadas tendiam a compreender o conhecimento
cada vez mais pela ciência, pela razão técnica. A evolução/progresso social do Brasil só seria
possível mediante a efetivação de instituições racionalizadas pela mentalidade pragmática e
científica moderna. A propósito, os “homens de ciências e letras” nas suas atividades e
51
Os autores até então mencionados demonstram que as idéias que diagnosticavam o “atraso” em que julgavam
viver mergulhado o Brasil, nem sempre foram as mesmas ou derivavam das mesmas fontes. Ortiz ressalta, por
exemplo, no século XIX, Euclides da Cunha, Sílvio Romero ao introduzir o conceito de mestiçagem ou mestiço
ele está pensando em raça e determinismo do meio ambiente; décadas no século XX, Gilberto Freyre está
sintonizado numa mestiçagem que vai ganhar uma discussão mais periférica, pois Freyre dá sentido em Casa
Grande e Senzala a miscibilidade portuguesa que chega ao mestiço brasileiro, porém o foco está na idéia de
raças em harmonia. Entretanto, Ortiz coloca o mestiço em Gilberto Freyre não mais aprisionado nas teorias
deterministas de raça e meio, conforme em Gobineau, por exemplo. O Estado Novo e o início da República
anunciam uma ideologia da mestiçagem que provoca no senso comum uma positividade em ser brasileiro,
devido as realizações na música popular, nas festividades de comemoração nacional, na literatura e no trabalho.
O mestiço é unicidade em termos da identidade de ser nacional brasileiro (Capítulos I e II).
60
investiduras profissionais corroboravam dos mesmos princípios/leis adotados pelo empirismo
(experimentalismo), o pragmatismo da medicina e da engenharia fundamentava os
procedimentos para estudar a organização do “corpo social”.
Portanto, o saber-fazer a partir do qual fluíram os conhecimentos para a organização
sociocultural e econômica da sociedade brasileira da época, paulatinamente viria a se
estruturar com base na crença dos princípios científicos do positivismo e em suas vertentes
análogas
52
. Nos estudos de Eli Lima encontra-se uma explicação acerca do progresso como
projeto coletivo, em que a autora discute as noções científicas do positivismo que
perpassavam a intelectualidade, sobretudo no que diz respeito ao remodelamento das cidades
e da configuração da ciência (47-84). As bases européias e americanas do positivismo davam
o tom da libertação do atraso (mundo rural escravocrata, oligárquico) para alavancar também
um modelo político mais alinhado aos valores liberais e republicanos. Essas bases vieram por
meio dos intelectuais que se formavam em medicina, engenharia, filosofia, direito,
agronomia, história natural, etc. na Europa ou nos Estados Unidos; a formação profissional
adquirida contribuiu na criação das instituições clássicas voltadas aos estudos das ciências e
das letras, como as eclesiais, as militares. O conhecimento veiculado na literatura da área
relatava o imaginário dos projetos de urbanização, sanidade e de cultura desde os tempos da
Corte nas primeiras investiduras imperiais de modernização do Brasil.
Neste espírito progressivista do pensamento científico de meados do século XIX à
Primeira República foram criadas as Escolas Superiores de Direito, Medicina, Filosofia,
Letras, Agronomia etc., que mais tarde, ao longo do século XX, transformaram-se em
Universidades Federais (de Pernambuco, Ceará, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Minas
Gerais e Federal Rural do Rio de Janeiro) ou Estaduais (no caso da Agronomia anterior à
ESAMV-UFRRJ, houve a ESALQ – Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz,
atualmente vinculada a USP)
53
. Nas Escolas Superiores, nos Colégios (Pedro II, Militar,
Escola Normal) e Seminários, a intelectualidade embevecida do positivismo adota idéias
construtivas de um modelo social, político e econômico moderno e associa-se aos que
estavam à frente do poder político na esfera pública, para responder pelo projeto nacional que
visava o progresso, espalhando em meio social uma imagem europeizada ou americanizada
que logo se configuraria no povo brasileiro como a nossa identidade nacional. Nesse recorte
analítico adotado por Schwarcz e Eli Lima, o estilo bacharelesco/cientificista dos nossos
literatos, cientistas, educadores/pesquisadores e políticos fora destacado pelos autores
associando-se ao projeto pragmático/objetivo de modernização da sociedade brasileira, além
disso, ambas ressaltam, ainda, a colaboração dos intelectuais nos processos de organização
política, de trabalho e sindical no seio da sociedade civil.
Apoiamo-nos em Eli Lima para refletir sobre o remodelamento do sistema de
instituições de formação profissionalizante, escolares ou faculdades, que conformaram um
modelo ideal de educação das massas para alimentar na sociedade também um tipo ideal de
progresso. O contexto discursivo apresentado pela autora nos incentivou a buscar
autores/teóricos da sociedade e da educação daquela época. A partir dessa busca, foi possível
compreender por que eclodiram, em vários estados brasileiros, os diversos campos
52
Também descritos por Schwarcz (1993) a respeito dos homens de ciências e letras e a criação das instituições
sociais.
53
Queremos ressaltar que a criação das Universidades no Brasil esteve atrelada a projetos políticos de inúmeros
governos, contudo somente na década de 1930 é que são institucionalizadas. No caso da USP esta nasce como
Universidade, ao contrário da Universidade do Brasil (UFRJ) que fora a reunião de algumas escolas superiores.
Também a Universidade do Distrito Federal foi criada por Anísio Teixeira na Secretaria de Estado de Educação
do Distrito Federal, mas logo foi fechada pelo governo federal na década de 1930.
61
disciplinares e culturais consubstanciados nas doutrinas positivistas
54
, que, segundo Eli Lima,
nas instituições tornavam a política uma atividade/dimensão secundária pelo fato de
enfatizarem “o papel eminentemente cultural do positivismo, (...) pregando a mudança dos
costumes e da mentalidade como condição prévia à reforma social” (p. 73).
Cabe nesta parte de nosso trabalho, um parêntese ao situarmos o estilo bacharelesco
numa época em que se inicia a modernização das instituições com a criação das primeiras
Escolas Superiores. Aqui não estamos nos reportando à visão letrada do bacharelismo
personalista, onde a retórica e a atitude diletante de homens ligados ao ensino vernáculo e
jurídico foi se estruturando anterior ao Estado Novo, contudo no período da República em
diante decresce esse tipo social com a ampliação da mentalidade pragmática na
Administração e Poder Público que acima mencionamos.
É amplamente conhecido no meio científico que, desde as primeiras iniciativas do
homem como indivíduo social, ou seja, que se relaciona com um método de compreensão da
realidade e dos fenômenos que o circunscreve, ele buscou aperfeiçoar um conjunto de
concepções e procedimentos metódicos (normativos) nos diversos campos do conhecimento,
no sentido de institucionalizar o saber-fazer científico de pensar a si próprio, a sua relação
com o outro e com a natureza, abrigando esse tipo de conhecimento mais especializado em
instituições sociais. Abrimos uma ressalva, tangenciando o século XIX e início do século XX,
para focar no positivismo comtiano e spenceriano que influenciava as mentes dos homens
brasileiros de ciência, letras e filosofia. A missão desses homens primava pela organização
das instituições sociais e político-burocráticas de ensino-pesquisa. Após algumas buscas em
autores e dicionários da área de ciências humanas e sociais, percebemos que, embora muitos
dos “Homens de ciência e da política” tivessem se apoiado em Stuart Mill, H. Spencer e C.
Darwin, foi principalmente em A. Comte que encontraram a força motriz para as suas
formulações empírico-teóricas.
De forma que é recorrente trazer à baila alguma referência mais detalhada sobre o
positivismo comtiano para podermos entender o encanto que as suas teses exerceram nas
mentes de nossos ilustres docentes das primeiras escolas superiores. O Dicionário de Ciências
Sociais da Fundação Getúlio Vargas (1986, p.938-45)
55
ressalta que o termo positivismo,
cuja formulação ampara-se nas Leis dos Três Estados e da Classificação
56
, diz respeito ao
54
Conforme Eli Lima, nas Escolas superiores se formaram disputas paradigmáticas em torno das tendências
positivistas, mas o discurso à superação do atraso em prol de reformas sociais e institucionais para construção de
uma nação soberana era o ponto de acordo. (Op. cit. pp.46-84).
55
O dicionário cita como relevantes aos dogmas positivistas as seguintes obras de Comte: a) Opuscules de
philosophie sociale, 1819-1828 (Paris,E. Leroux, 1883); b) Cour de philosophie positive(Paris, Bachelier, 1830-
42); c) Traité Philosophique d’astronomie populaire(1814. Paris,Carilian-Goeury et V. Dalmont, 1844); d)
Systeme de politique positive (1852.1851-54. 3.ed.Paris,Larousse, 1890-95); e) Catéchisme positviste (1852.
Paris, Garnier-Flammarion, 1966); f) Synthèse subjective (1856. 2. ed. Paris, Fonds Typographique de
l’exécution testamentaire d’Auguste Comte, 1900).
56
Vários sites e o dicionário da FGV explicam as Leis dos Três Estados e da Classificação. Entretanto
encontramos no site
www.mundodosfilosofos.com.br uma explicação objetiva. Segundo o site, para Comte "as
idéias conduzem e transformam o mundo" e é a evolução da inteligência humana que comanda o desenrolar da
história. Como Hegel ainda, Comte pensa que nós não podemos conhecer o espírito humano senão através de
obras sucessivas - obras de civilização e história dos conhecimentos e das ciências - que a inteligência
alternadamente produziu no curso da história. O espírito não poderia conhecer-se interiormente – Comte rejeita a
introspecção, porque o sujeito do conhecimento confunde-se com o objeto estudado (...) o espírito humano, em
seu esforço para explicar o universo, passa sucessivamente por três estados:
a) O estado teológico ou "fictício"
explica os fatos por meio de vontades análogas à nossa. Este estado evolui do fetichismo ao politeísmo e ao
monoteísmo;
b) O estado metafísico substitui os deuses por princípios abstratos como "o horror ao vazio", por
longo tempo atribuído à natureza. A explicação dita teológica ou metafísica é uma explicação ingenuamente
psicológica. A explicação metafísica tem para Comte uma importância, sobretudo histórica como crítica e
negação da explicação teológica precedente.
c) O estado positivo é aquele em que o espírito renuncia a procurar
os fins últimos e a responder aos últimos "por quês". A noção de causa é por ele substituída pela noção de lei.
62
conjunto de concepções de Auguste Comte (1798-1857). A sociologia, denominação criada
por Comte como campo disciplinar, só chegou a ser desenvolvida posteriormente, uma vez
que a filosofia das ciências fora o motivo do “ponta-pé” inicial rumo à formulação
sociológica. Encontramos no dicionário a seguinte explicação:
“O termo filosofia tem na obra de Comte o mesmo sentido que lhe
dá Aristósteles, i.e., o sistema geral das concepções humanas, e a
palavra positiva significam que essa filosofia, eliminando a
pesquisa das causas primeiras, limita-se essencialmente à definição
e à coordenação das leis que ligam entre si os fenômenos físicos,
sociais e morais e que permitem por uns prever os outros. É pelo
conhecimento – mesmo empírico – dessas leis que o homem pode
atuar sobre o mundo ou sobre si mesmo; segundo a fórmula
positivista, é necessário ’saber para prever a fim de prover’
(p.938).
Amparada no Dicionário da FGV de Ciências Sociais foi possível chegarmos à
seguinte explicação: debruçado na Lei da Classificação, Comte especula sobre uma visão
paradigmática de ciências, ordenadamente compreendida em termos de uma crescente
complexidade, indo da matemática, astronomia, física, química, biologia e sociologia à moral.
Pode-se destacar como um aspecto interessante na lógica de Comte o fato dele considerar que
algumas ciências complexas, como a biologia, possuíam laços estreitos com a matemática, a
química, a sociologia e a moral. No entanto, os laços que as uniam só poderiam ser explicados
cientificamente pela “superioridade” de alguns fenômenos em relação aos outros,
considerados inferiores. Segundo Comte, não se reduz a sociedade apenas pelo viés da
economia política ou a elucubrações metafísicas; metodologicamente a racionalidade positiva
se instala no raciocínio dedutivo-indutivo, daí vimos germinar o experimentalismo. Para
Comte, portanto, é necessário “induzir para deduzir a fim de construir. A construção constitui
a síntese total dos conhecimentos humanos” (Op.cit. p.938). Quanto à sociologia positiva:
“Compreende uma parte estática, que é o estudo do organismo
social, e uma parte dinâmica, que analisa a evolução humana. A
estática representa a ordem social e a dinâmica, o progresso. Sendo
o indivíduo isolado uma pura abstração, o organismo social é
formado de famílias e de pátrias. Estas pressupõem, além de um
território, uma atividade coletiva que repousa na divisão dos ofícios
e na convergência dos esforços, assegurada por um governo. (...) A
Contentar-nos-emos em descrever como os fatos se passam, em descobrir as leis (exprimíveis em linguagem
matemática) segundo as quais os fenômenos se encadeiam uns nos outros. Tal concepção do saber desemboca
diretamente na técnica: o conhecimento das leis positivas da natureza nos permite, com efeito, quando um
fenômeno é dado,
prever o fenômeno que se seguirá e, eventualmente agindo sobre o primeiro, transformar o
segundo.
A Classificação das Ciências: as ciências, no decurso da história, não se tornaram "positivas" na
mesma data, mas numa certa ordem de sucessão que corresponde à célebre classificação: matemáticas,
astronomia, física, química, biologia, sociologia. Das matemáticas à sociologia a ordem é a do mais simples ao
mais complexo, do mais abstrato ao mais concreto Esta ordem corresponde à ordem histórica da aparição das
ciências positivas. As matemáticas, entretanto, desde a antiguidade, é uma disciplina positiva. A astronomia
descobre as suas primeiras leis positivas, a física espera o século XVII para, com
Galileu e Newton, tornar-se
positiva. A química vem no século XVIII (Lavoisier). A biologia se torna uma disciplina positiva no século XIX.
O próprio Comte acredita coroar o edifício científico criando a sociologia. As ciências mais complexas e mais
concretas dependem das mais abstratas. Os seres vivos estão submetidos não só às leis particulares da vida, como
também às leis mais gerais, físicas e químicas de todos os corpos. Além disso, os métodos de uma ciência
supõem que já sejam conhecidos os das ciências que a precederam na classificação. É preciso ser matemático
para saber física. Um biólogo deve conhecer matemática, física e química. Entretanto, se as ciências mais
complexas dependem das mais simples, não poderíamos deduzi-las de, nem reduzi-las a estas últimas”. Site
capturado em 16/06/2006.
63
formação da riqueza material funda-se no princípio de que cada
indivíduo pode produzir mais do que ele próprio consome questão à
qual Comte consagra um capítulo (...) mas do que a solidariedade é
a continuidade que caracteriza as unidades sociais, visto como cada
geração recebe mais das gerações anteriores do que o que ela
própria produz no domínio material, intelectual e moral” (Op.p.
938).
A partir das informações do Dicionário, pudemos constatar que Comte acreditava no
progresso científico como um fator singular da Modernidade e as suas instituições, pois
pressupunha que corroboraria, entre outras coisas, para o progresso da indústria e do comércio
com vistas à continuidade da vida humana. Naquela época Comte entendia que “o espírito
positivo e a noção de humanidade poderão criar uma comunhão intelectual que dê novas
bases à condição humana. Cheio de otimismo, ele propõe a instituição de um comitê positivo,
destinado a organizar a república ocidental, o que corresponde hoje à comunidade européia”
(p.938).
2.1 – A intelectualidade na institucionalização da profissão docente no âmbito do
Estado: os primeiros passos da organização da profissão.
A que poderíamos associar essa breve contextualização? A repercussão do pensamento
comtiano, em diversos campos do pensamento cultural e político do Brasil, remetia aos
intelectuais aspirações de uma sociedade brasileira aberta ao progresso sociocultural, em que
as instituições burocraticamente organizadas seriam depositárias de expressão científica
metódica, técnica, estética e sócio-ocupacional do moderno. Ressaltar a influência da tese
comtiana na história social de autores/pensadores entre os anos de 1870 e 1946 remete à
história da sociedade brasileira e às suas instituições tradicionais. Por meio de seus escritos
documentais ou literários, esses autores/teóricos puderam nos prover das representações
sociais e culturais que circulavam no cotidiano e no imaginário dos indivíduos, além de
mostrar que as idéias não eram “naturalmente” situadas em Comte, Spencer ou mesmo no
darwinismo social.
O conjunto de instituições educacionais sedimentado na crença de uma realidade
possível de ser manipulada segundo as teorias e práticas científicas, no período
desenvolvimentista de Vargas, deu sentido a edificação de um subcampo da educação
agrícola, que desde então se constitui de ensino profissionalizante
(técnico/tecnológico/superior), de formação de seus professores em nível superior e normal,
de criação de escolas rurais, de cursos avulsos (extensão/assistência técnica), de institutos de
pesquisas em nível federal, estadual, enfim de uma gama de instituições sociais, culturais e
científicas que na atualidade configuram uma rede de ensino, educação e pesquisa agrícola, de
vínculos incomensuráveis tendo em vista a tradição da área e as demandas sócio-técnica no
Brasil.
Nesse sentido, a leitura nos autores que nos serviram de consulta possibilitou conferir
a significação social da ciência dada por eles às estruturas que abrigaram (na forma de
discurso) as idéias e as ações da intelectualidade ao longo de dois séculos. Vinculados à
cultura, política, às artes, à ciência e às profissionalizações, os intelectuais de uma forma ou
de outra se mantiveram colaborativamente junto ao poder público ou das classes dominadas
57
,
57
Gramsci considera que fora de um vinculo institucional ou partidário, o intelectual perde sentido, visto que
estão sempre vinculados a uma causa ou uma ligação mais orgânica a um grupo. Segundo Máximo “em Gramsci
os intelectuais estão vinculados, organicamente, a uma das classes sociais fundamentais e, por decorrência sua
autonomia é, necessariamente, relativa. Fora desse caráter de relatividade, a função do intelectual perde sentido.
Se totalmente autônomo, perde o vínculo de organicidade e relação à sua classe; se totalmente subalterno, perde
64
sobretudo, movimentaram-se em diversos eventos, assumiram cargos, produziram idéias para
criação das condições objetivo-materiais de funcionamento das instituições (ambientes) onde
se geravam o conhecimento especializado tão necessário à reprodução das idéias em meio
social e a preparação da profissionalização docente. Muitos deles foram professores,
“professaram as idéias por meio da docência”, de forma que além de escritores, médicos,
juristas, engenheiros, eles encarnavam o papel de professor para transmitir suas idéias, valores
e crenças da ciência positivista
58
. Obviamente, conforme Miceli (1979), muitos desses
precisavam pagar as suas contas; viver da ciência, artes e das letras era difícil para aqueles
que não nasceram abonados ou ainda saíram do interior para o Rio de Janeiro, Belo Horizonte
ou São Paulo. Ser professor era uma identidade social complementar e necessária a muitos
intelectuais da engenharia, da medicina, das letras e da filosofia, não por razões de status quo
da profissão, mas porque muitos que viviam da literatura poderiam viver como funcionários
do Estado. A profissão docente em todos os níveis e modalidades após a ruptura com a Igreja
tornou-se uma profissão de Estado, onde teve no nível superior e técnico a maior penetração
dos intelectuais nos cargos. Diz Miceli que:
“Durante o regime Vargas, as proporções consideráveis a que
chegou (...), com efeito, o período 1930-1939 caracteriza-se pela
ingerência do poder central na organização das ocupações de nível
superior, baixando as competentes regulamentações e vinculando
as ordens ou conselhos ao Ministério do Trabalho. Esse processo
envolveu tanto os ramos tradicionais das profissões liberais já
sedimentadas no sistema de ensino e no mercado de trabalho – a
saber, direito, medicina, engenharia, farmácia, odontologia – como
as novas especialidades que passaram a dispor de um campo
próprio de atividades, como por exemplo, os agrônomos,
veterinários, químicos e outros. É idêntico o teor substantivo dos
decretos que visavam regulamentar essas profissões (...) para a elite
intelectual do regime é possível apreender os liames entre sua
competência escolar e profissional (...), todavia, a parcela
majoritária dos intelectuais continuou ingressando nas antigas
fileiras da burocracia civil – a saber, o magistério, o ensino
superior
26
, as carreiras judiciárias
27
, o corpo diplomático – que
atravessavam um período de transformação em virtude das
inúmeras frentes de expansão que então se abriam para essas
atividades. A intervenção do Estado na regulamentação dos
conflitos entre padrões e operários acarretou a criação de uma nova
instância judiciária, a justiça do trabalho; o projeto do poder central
em assumir a formação escolar e ideológica das novas frações
a capacidade de funcionar como autocrítica da própria classe. Ou seja, sem vínculo de classe e sem a autonomia
relativa, o trabalho do intelectual perde a razão de ser. A autonomia relativa o coloca como criador-difusor da
concepção de mundo da sua classe, por um lado; por outro, permite-lhe reagir sobre ela e fazer-lhe a crítica – o
que significa apontar caminhos para a correção de percurso, visando manter, ou conquistar, a hegemonia em
todos os campos” (p72).
58
Neste capítulo, ainda, se faz necessária dar continuidade a contextualização resgatando a história social que
tem a ver com as idéias de desenvolvimento ou o sentido do desenvolvimento via criação e remodelamento das
instituições de ciência e cultura já na República Velha até 1946, quando o Estado efetivamente lança em todo
território nacional a institucionalização da educação profissionalizante pelo ensino técnico, aliando a modalidade
industrial à agrícola em função do projeto de industrialização. Pois antes da Lei Orgânica do Ensino Industrial
em 1942 e do Ensino Agrícola em 1946 não havia um ensino técnico como hoje, somente houve
profissionalização (semi-qualificação, qualificação): sobre tal política educacional ver em Oliveira, 1998;
Ramos, 2000; Soares, 2003; Moreira, 1996 e 2005. Resgatar essa história social, vale no sentido de tornar as
explicações menos abstratas ao leitor, pois o pensamento sobre a educação universitária e técnica moderna
passava pela mente dos intelectuais à frente das instituições ou dos intelectuais, dentre outros, como Anísio
Teixeira fora impedido pelo Estado Novo de por em prática as suas idéias.
65
intelectuais levou à criação das faculdades de filosofia, ciências e
letras, dando ensejo à introdução de novas disciplinas (sociologia,
antropologia e etnografia, geografia humana, ciência política, etc.)
e ao recrutamento de especialistas (...) ademais, verifica-se a
abertura de cargos especializados – técnicos em educação, de
organização, assistentes e ajudantes técnicos (...) são os
economistas, estatísticos, geólogos, cientistas sociais, educadores
que, muitas vezes, ingressam nos escalões inferiores do setor
público, mas que de algum modo ascendem na hierarquia graças às
suas qualificações” (pp.140-156).
A aquisição da profissão docente podia não ter significado de poder no campo
político-econômico, contudo, abria chances para ampliar o capital cultural associado ao
capital social, como o próprio Miceli destaca na citação, a qualificação de tais profissionais
corroborava para abrir o espaço dos possíveis (Bourdieu – 1997), abria o campo de produção
cultural onde estaria o conhecimento especializado e as idéias que os intelectuais possuíam e
poderiam possuir. De acordo com Bourdieu,
“os campos de produção cultural propõem, aos que neles estão
envolvidos, um espaço de possíveis que tende a orientar sua busca
definindo o universo de problemas, de referências, de marcas
intelectuais (freqüentemente constituídas pelos nomes de
personagens-guia), de conceitos em “ismo”, em resumo, todo um
sistema de coordenadas que é preciso ter em mente (...) Esse espaço
de possíveis é o que faz com que os produtores de uma época sejam
ao mesmo tempo situados, datados, e relativamente autônomos em
relação às determinações diretas do ambiente econômico e social
(p.53).
A idéia de nação e nacionalidade seria então disseminada no imaginário do povo por
“homens de ciência e letras” sob a tutela do Estado; a sociedade política por meio das
estratégias de reprodução (poder, privilégios, dominação, arranjos sociais...) fez emergir na
sociedade civil (conjunto de instituições sociais – privadas) discursos e práticas científicas
(racionalmente organizadas por uma burocracia-intelectual à serviço do Estado) no seio das
instituições de socialização com a finalidade ultima de gerar o sentimento de nacionalismo.
Muitos autores trabalham com a idéia de um nacionalismo de natureza ambígua, dentre tantos
ressalto Sérgio Buarque de Hollanda, Renato Ortiz e outros (por exemplo, Norbert Elias em
Sociedade da Corte ou o próprio Bourdieu em Razões Práticas). Buarque de Hollanda ao
buscar o sentido do desenvolvimento econômico e social, perspectivando a nossa entrada na
vida moderna da República, interpreta o nacionalismo em Raízes do Brasil, a partir da questão
de um Estado onde interesses privados assumem sentidos/práticas públicas.
O discurso e a prática de construção da identidade nacional no Brasil estão
compreendidos por dois ângulos, dentre outras perspectivas teóricas, se encontram tanto na
força da dominação político-econômica, numa sociedade erigida e consolidada nas
ambigüidades que na sua essência configura-se no âmbito do privado se apropriando do
público
59
, quanto na produção de discursos/socializações sedimentados no outro ângulo, o
campo das idéias. Nesse sentido, a ciência entrando em diversos setores da sociedade foi
condição essencial como produção de sentido/significantes para o remodelamento social,
cultural, político desde a vinda da Corte, na transição da Colônia ao Império, mais
59
Muitas publicações “denunciam” ou analisam esse fato “clássico” em que algumas sociedades passaram,
dentre tantos, cito: Renato Ortiz, Jessé de Souza, Sérgio Buarque de Hollanda, Norbert Elias, Gramsci etc.
66
precisamente. Em que pese a importância de tantos discursos e práticas, podemos destacar
eventos como o da criação de Hortos, Institutos de Agricultura, Congressos, até a urbanização
do Rio de Janeiro e São Paulo, por exemplo. Essa investidura do governo associada à prática
de “higienização” das ruas e avenidas, onde, desde o final do Império à República Velha,
pobres e miseráveis foram confinados em asilos, colônias ou patronatos agrícolas (LOPES,
1994, OLIVEIRA, 1998), corroboraria para a difusão de um padrão estético e saudável para
os incluídos. Quanto aos excluídos menores, anciãs, desempregados eram explorados nestas
instituições, sem que tivessem noção que estavam colaborando com engenheiros, médicos,
advogados, agrônomos e governos para o início de políticas de formação para o trabalho
associado à educação (instrução primária associada aos trabalhos manuais).
As políticas educacionais no projeto nacionalista do Estado Novo de Vargas até o
“nacionalismo com segurança” dos governos militares, não se efetivaram de modo
homogêneo e nem tampouco ideologicamente foram semelhantes, visto que não havia
racismo (explícito) nos discursos e práticas varguistas. Também não tivemos a pretensão de
focar o racismo e/ou os determinismos culturais nas medidas das políticas educacionais
instauradas ao longo do desenvolvimentismo. Todavia, gostaríamos de lembrar que no meio
desse caminho passaram intelectuais e presidentes que longe estiveram de compactuar com os
extremos do nacionalismo, na forma mais autoritária que é a ditadura ou o racismo fascista
60
.
Portanto, situamos nessa nossa passagem Juscelino Kubitschek, João Goulart e seu Ministro
da Educação Darcy Ribeiro; Anísio Teixeira foi Secretário de Estado duas vezes (Bahia e Rio
de Janeiro que então era Distrito Federal), projetou e implantou diversas instituições CAPES,
INEP, ISEB, ABE e UNB juntamente com Álvaro Vieira Pinto, Nelson Werneck Sodré, Hélio
Jaguaribe, Guerreiro Ramos, Roland Corbesier; Paulo Freire atuou no início do ISEB com
Álvaro Vieira Pinto. Nesse sentido, a tessitura desenvolvimentista de nuances populistas à
autoritária conformou-se devido à colaboração de muitos intelectuais de diversos matizes
teórico-políticos, contando com a estruturação da educação e cultura nacional (níveis e
modalidades) alinhada ao projeto de transformação do Brasil em país moderno.
Lembramo-nos que, anteriormente, os intelectuais embora fechados nas teorias
positivistas, avançam numa embrionária discussão sociológica dos problemas de nossas
instituições sociais e de nossa identidade nacional; a geração de 1870 chega ao diagnóstico do
“atrasado”, mas não consegue olhar além dos determinantes do meio e da raça. Como
dissemos anteriormente, nos baseando em Ortiz (2005), o discurso de nossos positivistas era
de uma ciência reificada porque trabalhavam na objetividade histórica e social de suas teorias,
era como se a realidade fosse a teoria. A teoria ajuda-nos a entender a realidade, mas não
podemos agir como os economicistas, que pensam que a vida real equilibrada dar-se-ia pela
aplicação de suas teorias funcionalistas. Assim, aquela geração de 1870 esteve impregnada de
uma teoria sobre a sociedade brasileira que mesmo não consciente, ao testarem, ao
confrontarem a experiência com os conceitos, eles acabavam por reproduzir e legitimar o
atraso.
Na análise de Ortiz algumas representações de sociedade, progresso, cultura nacional
foram deixadas tanto na literatura como nos estudos antropológicos, sociológicos, históricos
de modo que logo após a entrada do Século XX podemos constatar idéias que corroborariam
para fixar no imaginário coletivo a perspectiva de uma nova ordem socioeconômica, cultural e
política. A saber, Ortiz seleciona as seguintes: difusão da identidade mestiça (iniciada com
Manuel Bonfim) pela literatura, o modernismo na literatura e outras expressões da cultura
60
Nesse caso gostaríamos de esclarecer que as fontes por nós consultadas não apontaram em direção de um
Estado fascista, nem na era Vargas e nem no período dos governos militares. Havia maior comprometimento
ideológico, portanto, um totalitarismo ideológico. Não havia perseguição explícita devido à determinada raça ou
etnia. No período de Vargas como o da ditadura militar, houve amplo apoio de intelectuais orgânicos nos
aparelhos privados de hegemonia.
67
nacional, o pensamento durkheimiano, a abolição da escravatura levando à falência gradativa
de um tipo “oligarca” rural, a emergência de uma classe média, etc. consubstanciariam uma
intelectualidade onde suas produções serviriam ao Estado no processo de consolidação das
instituições universitárias, de pesquisas e de produção cultural; um Brasil pós-1930 de
governo interventor precisaria dos intelectuais para tocar o pensamento racional-burocrático e
científico como fundamento do processo de desenvolvimento socioeconômico do
industrialismo; um Estado que contava com os seus intelectuais para lançar a “pedra
fundamental” da “construção institucional”.
Sérgio Miceli (1979) classifica/caracteriza os intelectuais responsáveis pela
“construção institucional” no período de 1920-1945 como “educadores profissionais” a
serviço de um Estado que embora recém formado se colocara como árbitro em assuntos
culturais. Para nós não importa o debate sobre cooptação dos intelectuais pelo poder público,
pois o que nos interessa é demonstrar a estreita relação deles na criação das instituições e da
produção científica que apoiou processos de profissionalização das profissões nascidas e
subvencionadas pelo Estado, a profissão docente, por exemplo. Segundo Miceli:
“diante dos dilemas de toda ordem com que se debatiam por força
de sua filiação ao regime autoritário que remunerava seus serviços,
buscavam minimizar os favores da cooptação se lhes contrapondo
uma produção intelectual fundada em álibis nacionalistas. Pelo que
diziam o fato de serem servidores do Estado lhes concedia melhores
condições para a feitura de obras que tomassem o pulso da Nação e
cuja validez se embebia dos anseios de expressão da coletividade
(...) é nesse contexto, sem dúvida, que tomou corpo a concepção de
‘cultura brasileira’ sob cuja chancela, desde então, se constituiu
uma rede de instâncias de produção, distribuição e consagração de
bens simbólicos (...) foi esse momento chave na definição da
autoridade de que se reveste o mandato daqueles incumbidos de
gerir a política cultural do regime. (p.159).
A propósito do apoio intelectual ao governo Vargas, Miceli destaca a gestão de
Gustavo Capanema no Ministério da Educação e Saúde Pública desde 1934, no Estado Novo.
A questão educacional é bandeira de luta no discurso nacionalista, seja para os que estavam
como intelectuais orgânicos no governo Vargas, seja os que estavam como intelectuais
orgânicos a serviço de sindicatos ou dos partidos de direita, integralista ou comunista. Nesse
momento da história se “respirava” um projeto político-econômico nacional que pretendeu
rupturas ideológicas com as do colonizador que, até a proclamação da República, impusera a
sua identidade européia ao da nacional. Nesse contexto de luta ideológica, no início da
República os nossos intelectuais se apropriaram de conhecimentos culturais e científicos que
pudessem interpretar a “alienação”, o “parasitismo” do bacharelado, os porquês de
utilizarmos uma “sociologia consular” (Paulo Prado citado por Ortiz) ao invés de uma
sociologia “autêntica”, “nacional” (Ortiz, 2005; p.37-39).
O Estado-empreendedor e interventor é o Estado-capitalista que investe e quer
investimento e, também pretende acumular o capital. Todavia, o Estado também discursa
como Estado-mantenedor (Welfare State) é o Estado dos direitos sociais e das garantias
trabalhistas. A educação é um direito como diz Anísio Teixeira, educação não é privilégio.
Assim sendo, vivíamos períodos difíceis quando para se escudar a sociedade política, o
dirigente toma/coopta frações intelectualizadas da sociedade civil no sentido de cumprir as
suas metas desenvolvimentistas
61
. A categoria de Bourdieu, estratégia de reprodução
61
Em que pese uma possível linearidade na nossa discussão, mesmo assim, não vamos entrar no mérito da
questão político-econômica no Brasil após a Primeira e Segunda Guerras Mundiais. Em termos gerais podemos
68
(conhecimento, poder e privilégios) é pertinente ao pretendermos situar o discurso/prática dos
intelectuais do nacionalismo no campo educacional. Como nos demais países o processo de
industrialização motivou os investimentos do Estado na educação. Nesse contexto, Miceli faz
um registro interessante sobre os educadores-profissionais desde o início da República Velha
até a gestão de Gustavo Capanema (atuação mais forte no período das Leis Orgânicas, de
1942 a 1946). Segundo Miceli (1979):
“quanto aos educadores-profissionais, talvez se devesse buscar os
princípios que regem sua trajetória nas dissensões entre a iniciativa
pública e as instâncias concorrentes do Estado (a Igreja Católica e
as denominações protestantes, importantes investidores no sistema
de instituições educacionais em torno dos rumos que deveriam
tomar as reformas do sistema de ensino) A convocação de
elementos jovens egressos dos bancos acadêmicos por parte de
certos governos estaduais no correr dos anos 20, inscreve-se no
esforço derradeiro de ‘modernização’ que tentaram empreender
alguns dirigentes oligárquicos. São exemplos dessa política a
contratação de Lourenço Filho, Francisco Campos, Mário
Cassasanta, Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Carneiro Leão
para levarem a cabo as reformas da instrução pública (...) a
profissionalização de um grupo de especialistas em problemas
educacionais correu por conta de exigências postas pelo próprio
sistema de poder oligárquico que por uns tempos passou a enxergar
na extensão das oportunidades de escolarização uma estratégia que
poderia lhe render dividendos políticos (...) numa conjuntura de
escassez de elementos qualificados para gerir tais iniciativas, as
determinações impostas pela origem social se retraem perante os
trunfos conferidos por uma formação escolar profissionalizante.
(pp. 167-168).
Miceli continua a sua análise sobre a relação dos intelectuais com o poder e a
institucionalização de uma cultura nacional, conforme Bourdieu entende ser a noção de
“arbitrário cultural”
62
. Uma cultura necessária ao sistema público de educação técnica,
superior ou secundária configurada no discurso nacionalista, materializada nos currículos
estrategicamente organizada para reproduzir e ao mesmo tempo legitimar a ideologia do
nacional desenvolvimentismo. Vimos em Bourdieu que muito dos sujeitos e/ou grupos sociais
com um acumulo histórico-social e cultural adotaram um senso prático (habitus) diante do
mundo objetivado e pragmático da realidade social, capitaneado por meio do campo de
possibilidades aberto pelo capital cultural (Bourdieu, 1997, se refere ao espaço dos possíveis
explicar: as metas político-econômicas forma adotadas para o protecionismo de Estado devido a desarticulação
da economia mundial e as crises e desempregos em massa em meio as guerras mundiais. Fatos que
proporcionaram no plano econômico interno a valorização do produto nacional em detrimento do importado, a
permanência de processos migratórios (no Brasil tivemos políticas de branqueamento), as disputas políticas
internas entre comunistas e o governo Vargas, apoios comerciais externos, mas tudo isso ocorrera com super-
controle e a mão-de-ferro do governo para proteger o Brasil.
62
Essa noção é utilizada por Bourdieu para explicar que os conhecimentos e valores transmitidos pela instituição
escolar ou universitária estão baseados em critérios pedagógicos e curriculares longe de serem universais ou
desinteressados, são cultural e socialmente determinados; deixa claro que a instituição não é neutra, assim como
a ciência que se estuda e aplica; em termo valorativo nenhuma cultura seria objetivamente considerada mais
importante do que a outra; nestes termos, por exemplo, a cultura escolar ou científica não seria mais importante
do que a cultura dos xamãs esse valor dado à cultura escolar e científica é arbitrário, pois só encontra valor nela e
naqueles que crêem nela. Então essa cultura escolar legitima a classe que domina o maior volume de capital
cultural e social, hierarquizando os indivíduos e os classificando de acordo com os títulos e diplomas que
possuem.
69
ou causalidade do provável; objetivações – materiais ou simbólicas agindo no indivíduo de
modo a orientá-lo nas suas chances no espaço social)
63
.
Por intermédio das relações sociais dos intelectuais estes ocupam posições
diferenciadas e privilegiadas no espaço social, acumulando saberes e práticas, ou seja, capital
cultural que abre possibilidades para o capital social e simbólico. No dizer de Nogueira e
Nogueira (2004) ao analisar o conceito de capital social e simbólico em Bourdieu, esses são
entendidos como:
“o primeiro se refere ao conjunto das relações sociais (amizades,
laços de parentesco, contatos profissionais, etc.) mantido por um
indivíduo. O autor observa que os indivíduos podem se beneficiar
dessas relações para adquirir bens materiais (um empréstimo, uma
bolsa de estudos ou uma boa indicação de emprego, por exemplo)
ou simbólicos (prestígio decorrente da participação em círculos
sociais dominantes). O volume de capital social de um indivíduo
seria definido em função da amplitude de seus contatos sociais (...)
o capital simbólico diz respeito ao prestígio ou à boa reputação que
um indivíduo possui num campo específico ou na sociedade em
geral. (p. 51).
De fato, consideramos o conceito de capital cultural (nas suas formas: objetivada,
incorporada e institucionalizada) apropriado ao caráter da produção vinda da intelectualidade
no seu campo acadêmico-político do final do século XIX aos meados do século XX.
Notamos que o universo do nacionalismo ou da busca da identidade do “nacional”, fosse ele o
nacional “ingênuo”, “malandro”, “mestiço” ou “sertanejo”, mas foram esses que habitaram a
literatura de Machado de Assis, Lima Barreto, Gilberto Freyre, Euclides da Cunha, Guimarães
Rosa, e tantos outros.
Nesse tempo-espaço em que nos dirigimos à literatura e aos movimentos pela cultura
nacional, o retrato em preto e branco tanto identificava como diferenciava homens/mulheres;
a literatura era uma forma de estudar os problemas nacionais, na falta de uma escola de
sociologia. Assim, a história social escrita pela nossa intelectualidade emergiu de categorias
de análise, para interpretar o objeto “o sentido de nossa identidade nacional”, enfim, deixaram
claro que para prosseguirmos na busca do sentido de nossa cultura seria necessário
avançarmos sem receios na desnaturalização da ideologia da raça e do meio, matriz teórica
dos movimentos racistas, sexistas etc.
De certo os movimentos de intelectuais cientistas, das artes, da saúde e do humanismo
prosseguiram lutando contra o “parasitismo” que persistia no aparelho de Estado, contra as
péssimas condições de higiene e habitação, além do que muitas questões passavam pelos
problemas no campo, como: a improdutividade dos latifúndios e minifúndios, a ocupação
desordenada das áreas urbanas e rurais, a alienação política, a ausência de um Sistema
Nacional de Educação, etc. problemas sociais e culturais que estiveram em meio a Revolução
de 1930. Contudo, logo após, no período do Plano Diretor de Vargas, no Estado Novo, os
problemas permaneceriam e chegariam ao Plano Diretor de Juscelino dos “cinqüenta em
cinco”, com uma diferença constante na pauta dos intelectuais: em meados do século XX as
diferenças e ambigüidades que afetavam o desenvolvimentismo em bases da industrialização,
tornar-se-iam novas perspectivas de interpretação da nossa nacionalidade. A mestiçagem
constituída da miscibilidade entre índios, brancos, negros, amarelos, arianos, latinos
engendraria um novo paradigma que daria prosseguimento aos estudos e pesquisas sobre a
identidade nacional, sobretudo, inauguraria uma nova geração para uma outra etapa da
63
Ver detalhes em Nogueira e Nogueira, 2004.
70
história social dos intelectuais, estamos nos referindo aos anos de 1950 a 1960, os anos de
auge do ISEB, até a sua desarticulação pelo Golpe de 1964.
O ISEB nasceria e ficaria reconhecido devido ao suporte intelectual dado ao Estado
desenvolvimentista. Em que pesem no campo disciplinar e de formação dos seus integrantes
as diferentes abordagens que por lá circularam nessa década, os estudiosos sobre esse
aparelho privado do Estado comungam da mesma posição ao classificar o trabalho dos
isebianos na noção que Gramsci denominou de intelectuais orgânicos. O ISEB mantinha o
compromisso dos intelectuais, os educadores-profissionais de outrora, que pretenderam
trabalhar no tempo-espaço real, procurando articular na estrutura da sociedade política as suas
idéias de identidade, cultura, educação e sociedade. Não obstante, os intelectuais do ISEB
tiveram a seu favor as formações políticas que propiciariam investir no desenvolvimentismo
desde que incluindo nas suas produções as diferenças e ambigüidades que formavam o
Estado-Nação brasileiro. A produção dos educadores como Álvaro Vieira Pinto (membro do
ISEB) e Paulo Freire e Anísio Teixeira que tiveram passagem rápida por lá (nos três a
socialização na religião católica foi marcante) se juntaram perspectivando a educação pública,
gratuita e laica num sistema orgânico e articulado entre níveis e modalidade de ensino que,
por conseguinte, à essa perspectiva a concretização deu-se com a aprovação da LDB da
Educação Nacional, no melhor espírito do laissez-faire em 1961, após uma trajetória de 15
anos de inúmeros embates entre católicos e liberais
64
. Sobretudo, a LDB foi aprovada após a
negociação com o “melhor” do conservadorismo instalado no Congresso Nacional e no
âmbito dos acordos “secretos” entre a Igreja e o Estado.
Considerando que até o final dos anos 1940 ainda convivíamos com algumas formas
sociais, político-culturais do mundo rural, os agrarismos, já no período dos intelectuais
isebianos essas formas sociais (instituições, burguesia, trabalhadores, educadores, etc.) e de
socialização tiveram no industrialismo as suas representações de nação rumo aos progresso;
sobretudo, a ciência corporificada na técnica fora o esteio de discursos e práticas produtivistas
no âmbito das formações acadêmicas e profissionalizantes que vinham sendo articuladas
desde então. Na época do presidente Juscelino, tivemos a assinatura do decreto que
regulamentaria a profissão dos professores da educação técnica agrícola (Decreto nº.
42054/1957), uma profissão necessária ao rural brasileiro que até então não perspectivava a
industrialização. No mesmo período a extensão rural acenava com programas de adoção de
técnicas preparando o agricultor para a adesão de novas práticas e técnicas de produção.
Para nós valeu a pena recorrer aos estudos sobre os isebianos, inclusive, pela visão de
Ortiz (sócio-histórica e antropológica) e de Paulo Ghiraldelli Jr. (professor/pesquisador no
campo da história e sociedade), mesmo em que pese para um o lado da cultura e para o outro
o da educação. Conseguimos em ambos, as informações que demonstram como o as teorias
desenvolvimentistas, consideradas no plano interno da produção, voltaram-se para tratar a
educação da classe trabalhadora como mola propulsora ou fator de progresso social e
econômico, sobretudo, porque essas teorias perpassaram o discurso liberal de universalização
da educação técnica e profissionalizante para as massas.
64
Sobre o tema da educação e as disputas no campo ideológico-pedagógico ver a produção de Jamil Cury entre
as décadas de 1970 a 1980.
71
Dessa forma, Álvaro Vieira Pinto, Paulo Freire e Anísio Teixeira
65
são emblemáticos
do grupo de intelectuais brasileiros daquela geração que se utilizaram do tema
desenvolvimento para tratar sobre as implicações educacionais no processo de “reconstrução
nacional” ou de “transformação social e econômica”. Em várias instâncias da produção
intelectual se pretendia estudar a cultura e a educação sob as perspectivas do “nacional”, do
“mestiço” e do “popular”, o que ocorria também no ISEB. Particularmente, segundo Ortiz, no
ISEB houve diversos estudos, inclusive, de esquerda e de liberais simpáticos à categoria de
alienação (o sujeito colonizado). Nesse sentido, os isebianos não partiram do “zero”, na
verdade a busca de uma teoria para o Brasil remetia aos primeiros estudos da geração de
1870, bem como aos de Caio Prado, Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre e outros dos
anos pós-revolução de 1930 (Ortiz, 1979; cap. II e III). Segundo Paulo Ghiraldelli Jr. (2001)
os movimentos pela cultura e educação popular se acirraram e a
“burguesia brasileira tomou posição unânime quanto a isso, mas
dividiu-se na luta pelo controle do processo de industrialização.
Parcela da burguesia nacional defendeu a participação do Estado –
que em parte ela integrava – na gerência do processo, e acreditava
que a industrialização deveria se fazer sob controle do capital
nacional (...) a outra parcela da burguesia ficou no comando da
UDN e serviu de braço direito do capitalismo internacional (...) o
operariado e as forças de esquerda apoiavam a industrialização,
entendendo que o avanço desse processo possibilitaria o surgimento
de condições materiais necessárias para uma revolução nacional ou
mesmo uma revolução de caráter socialistas. (...) no governo JK , a
ideologia oficial baseou-se no nacionalismo desenvolvimentista,
consubstanciada na produção teórica e ideológica do ISEB. Criado
em julho de 1955 pelo presidente Café Filho, o Instituto Superior de
Estudos Brasileiros ficou relativamente subordinado ao MEC, e
adentrou o período juscelinista e janguista sustentando uma
produção teórica (cursos, publicações etc.) no sentido de garantir a
veiculação dos ideários de industrialização e nacionalismo como
diretrizes para a prosperidade nacional. Apesar de conter um ideário
nacionalista simpático às esquerdas que, de certo modo, servia
como barreira aos interesses do capital estrangeiro no país, o ISEB
não veiculava doutrinas radicais. Defendeu a idéia de
“desenvolvimentismo dentro da ordem”, com patrões e
trabalhadores resolvendo seus litígios através da mediação de
organismos criados com tais finalidades, vinculando-se assim às
tese reformistas do “capitalismo social”. (p.118-119).
No melhor espírito da época, nos anos de 1950 a 1960, ocorreram as contradições
entre os discursos (oficiais) propugnados pelo ISEB e os atos presidenciais promotores e
interventores da industrialização. Ghiraldelli Jr. interpreta como sendo “as bases econômicas,
65
Anísio Teixeira em meados da década de 1950 foi convidado a fazer parte como membro efetivo do ISEB,
visto que tinha afinidade com o grupo formado por Roland Corbisier, Guerreiro Ramos, Nelson Werneck Sodré,
Álvaro Vieira Pinto, Hélio Jaguaribe. Contudo, ele se distanciou do grupo, pois dedicava atenção integral à
direção do INEP, onde se mantivera pesquisando sobre a temática da educação nacional. Por chegar à conclusão
que o problema da educacional nacional o se explicaria apenas pelas estruturas objetivas ou socioeconômicas
(cf. o ISEB), Anísio Teixeira percebera que o indiduo e a sua subjetividade compõem esse cenário das
estruturas na conquista das liberdades individuais e de nossas instituições. Logo após a criação do ISEB, que
teve Anísio Teixeira como veemente articulador junto ao Governo Café Filho e, também, logo após Juscelino, o
professor Anísio estaria se dedicando de corpo e alma ao projeto de criação da UNB.
72
ou seja, o componente substancial da estrutura se colocou em franca contradição com a
ideologia vigente (a superestrutura)” (id. p.164).
Poderíamos ter discutido a história social da intelectualidade e como esse grupo social
colaborou no aparelhamento e estruturação do campo político-cultural e acadêmico brasileiro
nos utilizando de outra perspectiva discursiva, por exemplo, a visão sociológica do
colonialismo/imperialismo de Edward Said ou da hermenêutica dialética de Frederic Jameson.
Entretanto, preferimos o caminho da história social de Lima e Schwarcz nos situando no
tempo-espaço em que se deu a relação orgânica entre sociedade política e sociedade civil.
Todavia ao percorrer esse caminho e as fontes documentais pesquisadas chegamos às
contribuições sociológicas de Ortiz, Miceli e Bourdieu, que nos apoiaram para que
tecessemos o enredamento político-cultural norteado de capital simbólico que perpassou o
processo de construção e remodelamento das instituições nacionais. Permitiu-nos constatar
ainda que num campo profissional – especializado – o capital cultural agrega relações de
interdependência social e política que se configuram nos arranjos da rede social que grupos,
indivíduos e governos participam estruturados nas estratégias de reprodução (privilégios e
poder).
2.1.1. Anísio Teixeira: “educador-profissional” na organização do sistema nacional de
educação e na luta pela liberdade intelectual das instituições.
Afinal, nossa vida são as nossas idéias
(Anísio Teixeira apud Nunes, 1991)
Não vamos fugir de uma contextualização e de uma biografia. Afinal, estamos nos
referenciando nessa seção da tese em estudiosos do pensamento social e das ciências da
educação de Anísio Teixeira. O objetivo é de resgatar o conturbado quadro social e político
do início da República mergulhada numa série de (não) ações relativas à questão educacional
nesse tempo-espaço. O tom do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova se assemelha ao
tom do universo sócio-político e educacional brasileiro; dizia o documento político:
Na hierarquia dos problemas nacionaes, nenhum sobreleva em
importância e gravidade ao da educação. Nem mesmo os de caráter
econômico lhe podem disputar a primazia nos planos de
reconstrução nacional (...) No entanto, se depois de 43 anos de
regimen republicano, se der um balanço ao estado actual da
educação pública, no Brasil, se verificará que, dissociadas sempre
as reformas econômicas e educacionais, que era indispensável
entrelaçar e encadear, dirigindo-as no mesmo sentido, todos os
nossos esforços, sem unidade de planos e sem espírito de
continuidade, não lograram ainda crear um systema de organização
escolar, à altura das necessidades modernas e das necessidades do
paiz. Tudo fragmentário e desarticulado. (apud Ghiraldelli Jr.,
1992; p.54)
Qual o quadro da educação nacional – ensino primário e secundário – na passagem do
século XIX ao XX, mas precisamente no tempo/espaço do Império ao da República? Como o
nosso objetivo não é adentrar as entranhas do quadro sócio-educacional, apenas nos
detivemos em descrever a evolução do pensamento educacional-pedagógico associada ao
movimento da escola-nova.
73
O quadro que ora retratamos traduz certa desordem institucional pela qual toda
mudança de regime político provocaria ascensão ou a decadência de classe, grupos
hegemônicos, etc. que se enredam na trama do poder político-social. A evolução do
pensamento/idéias pedagógicas esteve permeada pelas lutas político-ideológicas do Império a
Primeira República. Não foram diferentes tais lutas no Estado Novo. Por exemplo, no campo,
entre o período de transição do Império para a recém instalada República, tivemos
implicações político-econômicas profundas impactando a sociedade, a saber: a abolição dos
escravos e a substituição deles no trabalho agrícola pelos imigrantes; a manutenção dos
privilégios dos “senhores donos da terra” com a consolidação da Lei de Terras; o
messianismo, produto do Império e da monarquia, ocasionando o movimento de resistência
dos camponeses na Guerra dos Canudos; propostas racistas de políticas de branqueamento
com a vinda dos imigrantes; perseguições políticas aos grupos afro-culturais; crises de
produção agrícola associadas ao início de relações capitalistas no campo; tudo isso
exemplifica a desordem rural-urbana que impelia o Estado no sentido das transformações
profundas, social e política. Na República do Estado Novo o campo educacional sofreria mais
efetivamente com as perspectivas de industrialização pela maciça intervenção do governo.
Um exemplo disso, foram os Patronatos Agrícolas criados na República Velha como
“depósitos” de desvalidos ou “vadios” e, aos poucos tomam vulto entre os anos de 1920 a
1940, em expansão para atender a idéia de “educar os cidadãos úteis” (OLIVEIRA, 1998 e
MILTON OLIVEIRA, 2003) portanto, passam a integrar uma instrução pública orientada para
o trabalho.
O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova reflete a vertente do “otimismo
pedagógico”, a motivação para ampliar o pensamento pedagógico, isto posto demais
concepções como o da pedagogia libertária surgiria no seio dos profissionais. Em que pesem
as abordagens no campo das ciências da educação distintas nos diversos grupos profissionais
e socioculturais de pertencimento dos sujeitos, as propostas espelham o ideário político do
nacionalismo. A propósito dessa realidade educacional, os intelectuais mantiveram-se
mobilizados desde a criação da ABE – Associação Brasileira de Educação, em 1924. Essa
associação seria uma entidade que aglutinaria a profissionalidade
66
dos intelectuais, que sob a
custódia do capital cultural e simbólico consubstanciavam o Estado de suas expectativas de
ruptura com o atraso materializado nos domínios da oligarquia e da força político-ideológica
da Igreja. A igreja como instituição educacional fora um local onde muito desses intelectuais
desprovidos de famílias abastadas fizeram a sua trajetória inicial de estudos e
profissionalização.
Nessa perspectiva, selecionamos Anísio teixeira, nascido em 1900, por retratar o
emblemático “educador-profissional” (MICELI, 1979), essa classificação não desprezara o
militante do movimento político-ideológico e pedagógico da educação pública, gratuita e
laica, incansável mentor, articulador, formulador, político e educador. Uma breve biografia de
Anísio Teixeira, nada romântica, elaborada por Sérgio Miceli, traduz os laços de sua família
com as forças do Estado, a saber:
“As biografias de Anísio Spíndola Teixeira, um dos quatro filhos
homens de um médico, senhor de terras e líder político numa região
do sertão baiano (...) revelam as duas principais vias de acesso à
carreira de educador-profissional (...) Anísio era entregue aos
cuidados dos jesuítas, primeiro no interior e depois no Colégio
Antonio Vieira em Salvador onde realizou o secundário. Enquanto
66
Estamos trabalhando o termo no sentido de fins, práticas e valores do grupo de educadores-profissionais.
Segundo Gimeno Sacristàn (1995), por profissionalidade entende-se o que “é específico na acção docente, isto é,
o conjunto de comportamentos, conhecimentos, destreza, atitudes e valores que constituem a especificidade de
ser professor” (p.65).
74
Lourenço Filho cumpria os passos de uma habilitação profissional
para tornar-se professor primário, a família de Anísio, pressentindo
a ‘vocação’ que os jesuítas estavam prestes a aliciar, se dispõe a
financiar seus estudos jurídicos no Rio de Janeiro, onde concluiu o
curso em 1922. Dois de seus irmãos haviam realizado o curso de
engenharia e um terceiro faria carreira política como deputado
estadual (...) Anísio Teixeira se beneficia das dívidas políticas que
seu pai estava em condições de exigir o resgate. Tendo assumido o
governo estadual o banqueiro Góes Calmon ‘do qual era uma
coluna de sustentação’ no sertão baiano, o pai de Anísio reivindica
para o filho a promotoria pública de Caetité (...) em lugar do posto
solicitado, Góes Calmon convida-o para o cargo vitalício de
Inspetor-Geral de Ensino. Os biógrafos oficiais de Anísio
costumam atribuir à sua nomeação para a direção de ensino as
características de um chamado divino” (1979;p.169).
Vale à pena destacar as contradições de Anísio que se revestem na constatação de uma
não fixidez dos processos de construção das identidades sociais no indivíduo, e porque não
pensar que na categoria profissional existem muitos que trilharam na educação em meios às
contradições como Anísio. Queremos dizer que toda essa rede de pertencimento, não só de
Anísio Teixeira, de Lourenço Filho, de Fernando de Azevedo e tantos outros intelectuais com
o conservadorismo
67
no início de suas vidas de profissionalização docente e que, embora
devam quase tudo ao poder público, as relações subjetivas que atravessam o cotidiano da
profissionalização também podem formar outras tantas redes de sociabilidade e
pertencimentos, provocando rupturas/tensões profundas com habitus construídos na esfera da
socialização primária, ou até mesmo vice-versa. O sujeito não está determinado pela estrutura
na medida em que de posse de capitais construídos em outras relações, ele pode estar
susceptível a flexibilizar habitus de um capital cultural anteriormente incorporado.
Toda a trajetória de profissionalização de Anísio, estabelecida nas contradições
forjadas entre a esfera pública e a privada (Banco Econômico de Góes Calmon, a Igreja) e de
sua própria contradição de vida, talvez tenha conferido a ele a conscientização e a
responsabilidade que viria assumir diante de um contexto público de digressões da ordem
republicana. Nessa trajetória de profissionalização ele viajou à Europa (Sorbone) e à América
do Norte (Universidade de Columbia), realizando inúmeros cursos no campo da educação
junto às instituições eclesiais. Na volta das viagens, já com o título de mestrado em educação,
após ser aluno de Dewey e Kilpatrick, assumiu a docência de filosofia da educação, em torno
dos 29 anos de idade, na Escola Normal de Salvador. Daí, em diante, assumiria cargos por
conta de suas rupturas ideológicas e familiares com o agrarismo e a Igreja
68
.
Entre os anos de 1931 até o Golpe militar de 1964, Anísio trabalhou incansavelmente
pela educação nacional em todos os níveis. Como administrador, gestor, intelectual e
67
Caso o leitor dessa tese queira aprofundar a temática sobre Anísio Teixeira, além de Ghiraldelli Jr. (2001) e
Otaíza Romanelli (1991), encontramos inúmeras referências sobre a vida e a obra de Anísio Teixeira na PUC-
RJ, na UNIRIO, UFRJ/Praia Vermelha, instituições onde seus pesquisadores concentram teses, dissertações,
monografias, artigos nos diretórios de pesquisas e documentação sobre Anísio. No final da década de 1980, com
a extinção do IESAE/FGV, local de muitas referências sobre o tema da nacionalidade/instituições e Anísio
Teixeira, o patrimônio acadêmico-cultural sobre Anísio foi distribuído, na medida em o seu corpo docente foi
admitido nas instituições acima mencionadas e com eles seguiram as produções. Na verdade, na FGV ainda
restam algumas publicações de Anísio Teixeira, visto que ao retornar ao Brasil em 1966, tempo passado
lecionando nas Universidades de Columbia e Califórnia/USA, por ter sido afastado da UNB pelo Golpe Militar,
ele tornou-se consultor da Fundação Getúlio Vargas. Quanto ao INEP – CIBEC (Centro de Informação e
Biblioteca em Educação) é possível de encontrar inúmeras obras de Anísio Teixeira e também experiências
escolares que foram inspiradas no intelectual.
68
Clarice Nunes (1991) e Libânea Nacif Xavier (1993) nos apoiaram nessa biografia.
75
educador na rede pública municipal, estadual e federal executou projetos inspirados na sua
visão de educação integral de jovens e crianças e na idealização de instituições sob a
democracia e autonomia de pensar, condições inerentes a escola pública e laica. No
INEP/CIBEC é possível de pesquisar sobre a Escola Guatemala, primeiro centro experimental
do INEP (Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos) no Rio de Janeiro/Bairro de Fátima, o
Centro educacional Carneiro Ribeiro em salvador, organizado em escola-parque e o Plano de
Construções Escolares em Brasília, três exemplares que puderam reunir uma prática curricular
e pedagógica inspirada nas concepções de educação integral, autonomia e participação dos
alunos no processo ensino-aprendizagem. Anísio Teixeira sempre trazia a sua luta incessante
pela autonomia das instituições na organização e sistematização do pensamento pedagógico e
financiamento público da educação nacional. Um tema caro a Anísio era a formação de
professores, a ciência e a arte de educar, que escreveu em quase todas as suas publicações.
Para ele a ciência da educação era um misto complexo de arte e progresso científico,
contextualizada na tessitura social (ver em www.prossiga.br/anisioteixeira/artigos, 2003).
Em 1971 silenciou-se ao morrer em situação obscura num “acidente” de elevador de
um prédio na Avenida Rui Barbosa, na Zona Sul do Rio de Janeiro. Anísio Teixeira foi
formulador de políticas, pensamentos que culminaram na “construção institucional” e no
aporte superestrutural do campo acadêmico e do subcampo profissionalizante (por exemplo, a
escola do trabalho, GOT – Ginásio Orientado para o Trabalho).
O discurso nacionalista, político, contido no Manifesto de 1932 tinha força simbólica
como produção acadêmica, como tiveram as dos movimentos literários e culturais
modernistas. Tanto no manifesto quanto nos textos científicos e artísticos, as representações
de moderno e de progresso apareciam porque povoavam o imaginário do cientista, do poeta e
do artista ganhando sentido nas produções como nos bens culturais. Mas, sobretudo, porque
eram representantes diretos do Estado e do povo na construção das instituições que formariam
a Nação. Assim o Rio de Janeiro seria a “vitrine do Brasil” e São Paulo na narrativa poética
de Cassiano Ricardo tornar-se-ia a representação do trabalho e da industrialização em “Café
Expresso”, por exemplo.
As políticas educacionais propugnadas, a partir dessa época, para a educação
profissional e a formação de seus professores constituem importantes medidas para a
introdução de técnicas no âmbito do desenvolvimento tecnológico. Contudo, o professor da
educação profissional ainda convive com os dilemas surgidos nos processos sociais que têm o
modo de produção capitalista como projeto de socialização, a divisão social e técnica do
trabalho. Já apontada por Gramsci, de certa forma por Anísio Teixeira no início do século XX
ou mesmo Bourdieu, mais contemporâneo, conforme discutimos anteriormente, a divisão
social delimita as fronteiras escolares. Entre outras citações possíveis, Martins (2000) sintetiza
o pensamento progressista que rejeita a idéia de profissionalização como mero treinamento
por meio de informações técnicas, segundo ao autor:
“O nosso século está profundamente marcado pelo
desenvolvimento tecnológico (...) as aquisições de novos
instrumentos materiais deram ao homem a possibilidade de
trabalhar sem despender força física quanto antes; para agir basta
um simples apertar de botões (...) mas esse trabalho, facilitado pelas
máquinas exige um treinamento prévio, que se desenvolve de forma
extremamente compartimentada, limitando-se à simples
compreensão de uma ou mais operações. Treinar para entender
como e em que momento apertar este ou aquele botão, limitar-se a
compreender uma fase da operação (...) qual o destino dos produtos
finais, qual o significado e valor do trabalho realizado pelo
trabalhador. Essas indagações tornaram-se ininteligíveis àqueles
76
que se dedicam à simples técnica, ao simples fazer sem saber”
(pp.20-21).
Nessa perspectiva é que vêm sendo acumulados os dilemas do professor que ensina e
se profissionaliza no âmbito da educação profissional. As relações de produção do modo
capitalista e as suas contradições e ambigüidades perpassam as relações cotidianas da escola
que traz o trabalho como princípio educativo.
2.2. A Formação Profissional: instituições tradicionais de ensino-pesquisa e
profissionalização (agrícola).
Retomamos Bourdieu (1997) no sentido de introduzir a questão específica da docência
na educação técnica agrícola no meio em que se dá. Para tanto, valemo-nos da idéia
bourdieusiana sobre a base das estratégias de reprodução (heranças, economias,
matrimoniais... enfim estratégias educativas). O significante desta idéia diz respeito aos
poderes e privilégios que um sujeito, um grupo social ou uma classe adquire na medida em
que investe em capital cultural significado político, econômica e socialmente. Esse modelo
interpretativo de Bourdieu nos orientou na compreensão das configurações sócio-profissionais
a partir das ambigüidades sociais constitutivas das instituições escolares, sobretudo, nos
orientou para que víssemos o interior do campo acadêmico e profissional de fora dele, sem
que tendêssemos a naturalizar tais configurações porque somos agentes desse meio.
Colaborou para que entendêssemos as fronteiras sociais, sem tender a naturalização da
dualidade estrutural que acoberta essa barreira de diferenciação social no interior do campo.
No dizer de Bourdieu:
“Esse modelo que pode parecer muito abstrato, permite
compreender que as mais altas instituições escolares, aquelas que
levam às mais altas posições sociais privilegiadas (...) de maneira
mais geral, esse modelo permite compreender não apenas como as
sociedades avançadas se perpetuam, mas também como elas
mudam sob o efeito de contradições específicas do modo de
reprodução escolar (...) O sistema escolar age como o demônio de
Maxwell: à custa do gasto de energia necessária para realizar a
operação de triagem, ele mantém a ordem preexistente, isto é, a
separação entre os alunos dotados de quantidades desiguais de
capital cultural herdado daqueles que não o possuem. Sendo as
diferenças de aptidão inseparáveis das diferenças sociais conforme
o capital herdado, ele tende a manter as diferenças sociais
preexistentes (...) Instaurando uma ruptura entre os alunos das
grandes escolas e os alunos das faculdades, a instituição escolar
institui fronteiras sociais análogas àquelas que separavam a grande
nobreza da pequena nobreza, e esta dos simples plebeus” (p.37).
Como podemos notar aqui, não se trata de uma análise que perspectiva a partir da
clássica divisão social do trabalho, da dicotomia trabalho intelectual e trabalho manual; trata-
se de uma questão anterior colocada por Bourdieu na análise das estratégias de reprodução
que põe uma ordem centrada no privilégio e no poder emanado pelo o que ele chama de novo
capital – o capital cultural. Na verdade ele o entende imbricado aos “mecanismos complexos
pelo os quais a instituição escolar contribui (insisto nessa palavra) para reproduzir a
distribuição do capital cultural e, assim, a estrutura do espaço social” (p.35). Nesta
perspectiva, ele observa que são duas as dimensões fundamentais que agem definindo
mecanismos ou modos de reprodução da estrutura de distribuição do capital cultural: “a
77
reprodução se dá na relação entre as estratégias das famílias e a lógica específica das
instituições escolares” (p.35).
Bourdieu (1997) considera que a classificação escolar na verdade é um ato de
ordenação, num sentido duplo do termo. Ele compreende tendo estudado a realidade social
francesa, portanto, que existem as pessoas eleitas por critérios de diferenciação social, pois
são “membros de uma ordem, no sentido medieval do termo” e de uma ordem que classifica
pela essência, uma idéia bastante preconceituosa, pois elege como diferença aqueles atributos
“naturais” dos que nasceram para dominar ou “reinar” (NOGUEIRA e NOGUEIRA, 2004). A
escola irá classificar por meio da técnica, afinal a burocracia escolar instituiu a racionalidade
instrumental como perspectiva da prática pedagógica que certifica a competência técnica de
quem está apto ao reconhecimento social. A diferenciação é uma categoria configurativa de
identidades. A “nobreza de Estado” diferente da nobreza por hereditariedade tem uma relação
com as instituições de socialização, criadas por um corpo que detém o monopólio (a nobreza
de Estado) legítimo sobre o poder do Estado, uma nobreza que traduz o seu status pelo capital
cultural que agrega outros tipos, o social, o econômico, o político. Essa nobreza é a mesma
dos intelectuais que já na segunda metade do século XIX se apoiaram no poder ou nas
instituições sociais para firmar uma ideologia nacionalista de Estado moderno.
Em que pese a diferença de intelectuais de Estado da França e do Brasil, mas ao que o
autor se refere pode ser comparado ao tipo que vinha sendo formado no Brasil, o
bacharelismo. Um tipo de “burguesia letrada”, “sanguessuga” das instituições, que muito
contribuiu para discursar e pensar (não obstante pouco serviu para efetivar), por exemplo, o
nosso sistema público de educação profissional e de nível superior. Contudo, na parte inicial
desse capítulo já nos referimos àqueles que efetivamente colaboraram com as idéias e as
instituições. Queremos destacar que a burocracia no Brasil do Estado Novo de fato rompe
com esses tipos, como mais a frente irá romper com o coronelismo, freando os esquemas de
apadrinhamentos e, colaborando para a emergência de uma nova mentalidade, mais
comprometida com o público (o discurso) e menos ligada aos interesses privados. Nesse
período, nos países do ocidente, novos valores técnicos e racionais são introduzidos nos
setores de produção material e intelectual, são os conhecimentos e códigos do campo
burocrático, segundo o qual gozava de certa autonomia em relação às instituições do Estado.
O campo burocrático articulou diversos outros campos de racionalização, inclusive o
educacional.
Neste contexto, a instituição escolar esteve (ainda está) trabalhando com os valores da
burocracia e dos poderes do campo de reprodução social; a burocracia se aprofunda no século
XX de forma a racionalizar, mensurar, tendendo a homogeneizar o setor público da educação
a ser oferecida às massas. Todavia, a escola/colégio desde o século passado está dividida
pelas fronteiras sociais. A nova classe de burgueses essa sim se configuraria como classe
proprietária por meio do habitus imputado pelo senso prático que determina a vida pelo
capital cultural. Segundo Bourdieu:
“Os ‘sujeitos’ são de fato, agentes que atuam e que sabem,
dotados de um senso prático (título que dei ao livro no qual
desenvolvo essa análise), de um sistema adquirido de preferências,
de princípios de visão e de divisão (o que comumente chamamos de
gosto), de estruturas cognitivas duradouras (que são essencialmente
produto da incorporação de estruturas objetivas) e de esquemas de
ação que orientam a percepção da situação e a resposta adequada. O
habitus é essa espécie de senso prático do que se deve fazer em
dada situação – o que chamamos, no esporte, o senso do jogo. (...)
dito de outra maneira, as “partículas” que avançam em direção ao
“demônio” trazem nelas mesmas, isto é, em seu habitus, a lei de sua
direção e de seu movimento, o princípio da ‘vocação’ que as orienta
78
em direção a tal instituição ou a qual disciplina (...) isto é, que
alunos da escola normal, futuros professores ou intelectuais, digam-
se de esquerda, leiam revistas intelectuais, vão muito ao cinema,
pouco praticam esportes etc., ao passo que os alunos da HEC
(Hautes Études Commerciales) digam-se de direita, dediquem-se
intensamente aos esportes etc. (...) no lugar do demônio, há entre
outras coisas, milhares de professores que aplicam aos estudantes
categorias de percepção e de avaliação estruturadas de acordo com
os mesmos princípios”.(pp.43-45).
Dessa forma, Bourdieu chega mais próximo a nossa realidade quando examina nas
estratégias de reprodução o primado do efeito de destino que o sistema escolar exerce sobre
os adolescentes submetidos à pressão psicológica dos julgamentos escolares. São julgados,
segundo ele, pelos “veredictos sem apelação”, que classificam os estudantes dentro de uma
‘hierarquia única de formas de excelência’; são veredictos que absolvem os alunos
possuidores de inteligência ou com aproximações da “cultura arbitrária” para prosseguirem os
seus estudos superiores, ou que condenam os estudantes limitados de capital cultural,
portanto, sem aproximações com a ‘cultura arbitrária’ a prosseguirem para o ensino técnico-
profissional.
Então a ordem escolar e a ordem social e familiar são complementares, na medida em
que a ordem social visivelmente através de ordenações seletivas na socialização escolar e
familiar proclama quem terá a cultura geral e quem terá a especialização para o trabalho. As
próprias famílias e a escola se submetem ao efeito do destino trabalhando com critérios
socialmente orquestrados/ordenados nas fronteiras socioculturais. Bourdieu exemplifica:
“cito como exemplo apenas o estatuto inferior que é objetivamente
atribuído pelas famílias ao ensino técnico e o privilégio que elas
atribuem ao ensino geral. É provável que, tanto no Japão como na
França, os grandes dirigentes, eles mesmos originários das grandes
escolas na França, defensores da revalorização de um ensino
técnico reduzido ao estado de refugo ou de lixeira (e, especialmente
no Japão, vítima da concorrência do ensino empresarial)
considerariam uma catástrofe a relegação de seus filhos ao ensino
técnico. A mesma contradição aparece na ambivalência desses
dirigentes em relação a um sistema de ensino ao qual eles devem, se
não sua posição, pelo menos a autoridade e a legitimidade com que
a ocupam. (p.47)
Freidson (1996) situa o ensino profissional como credencial para o mercado de
trabalho cuja estratégia e controle ocupacional coloca em primeiro plano o “treinamento
vocacional”. O treinamento passa a ser a chave de controle ocupacional, condiciona o lugar
que o indivíduo irá ocupar na divisão social e técnica do trabalho. Ele destaca sinteticamente
os tipos de formação profissional institucionalizada na realidade anglo-saxão. Segundo ele
existem “treinamentos” pelos ofícios no próprio mercado, “dentro do mercado de trabalho,
nos locais rotineiros onde trabalham os membros do ofício” (p.145). O teórico reflete sobre a
aprendizagem de ofícios remetendo esse processo de profissionalização em meio aos recursos
materiais e humanos de uma empresa/indústria; para ele seria como ser treinado em meio às
instalações empresariais, no exercício de por em prática a técnica diretamente no local onde
ocorre a produção. Do contrário, ele argumenta favoravelmente ao ensino realizado ou
experimentado em um local tipo sala de aula ou sala ambiente, com um professor que além da
prática discuta conteúdos abrangentes, sistemáticos, essa profissionalização propiciaria
79
“compreender um considerável material discursivo, inclusive
conceitos e teorias abstratas (...) a diferença no modo pelo qual o
treinamento é institucionalizado nas profissões, em comparação
com os ofícios, tem seu resultado mais importante na criação e
extensão do discurso, das disciplinas e dos campos – o corpo de
conhecimentos e qualificações da profissão. O fato de que o corpo
docente nas escolas de profissões possa devotar tanto ao ensino
como à pesquisa e ao estudo melhora grandemente a capacidade de
uma profissão para justificar, adaptar e expandir sua jurisdição
diante da competição de outras ocupações bem como da crescente
sofisticação da população leiga e dos avanços tecnológicos e
administrativos na racionalização (...) a prática de ensinar ofícios
tentou preservar o controle pelo o seu trabalho, procurando manter
segredo acerca de seu corpo de qualificações e os conhecimentos
especializados, ensinando apenas aos admitidos no aprendizado e
realizando greves e manifestações. Nenhum desses métodos de
controlar a prática das qualificações é tão efetivo como o método
viabilizado pelo ensino das profissões. Um corpo docente de
dedicação integral em tempo livre para refinar, revisar e codificar o
corpo de conhecimentos e qualificações recebido, bem como para
redescobrir e criar novos elementos. Uma vez que o corpo docente
se apóia num mercado-acadêmico, e não comercial, ele se isola das
demandas práticas do mundo cotidiano e é livre para se engajar em
pesquisa “pura” ou básica ou em investigações e raciocínios sem
relevância imediata para os problemas cotidianos. Isso tem podido
nos levar ao desenvolvimento de novas formas de conhecimentos e
qualificação, bem diferentes das antigas. (pp.145-146).
O artigo publicado pela revista da ANPOCS e o livro citado no capítulo anterior
expressam um profundo conhecimento de Freidson sobre os processos profissionais. A base
empírica de investigação de seus trabalhos contextualiza a classe médica, anglo-saxão. A
realidade dele, no sentido político e, portanto, do pensamento educacional anglo-saxão
distingue-se a partir de dois tipos comumente estabelecidos por lá, mas também próximos ao
da educação brasileira. A perspectiva de formação na educação profissional no Brasil
consolida a idéia de qualificação por meio da Escola Técnica ou por meio do local de
trabalho. No início da década de 1940 surgiram o SENAC e SENAI, logo após o SENAR
(rural), instancias privadas concorrentes dos recursos públicos na área de ensino
profissionalizante. Tais instâncias foram criadas na mesma década de instauração das Leis
Orgânicas do Ensino Industrial, Comercial e do Ensino Agrícola, em 1946. Ou seja, na
sociedade se instalaria um “sistema paralelo” de educação profissional, ligado aos interesses
privados do industrialismo e do poder econômico “paralelo” ao do Estado.
Para o que nos interessa focalizar em Freidson, ressalvamos o destacado papel de
formuladora e construtora de conhecimentos que ele atribui às Universidades (o ensino
superior) nos processos de qualificação profissional. Sobretudo, fizemos questão de salientar
as suas análises, anteriormente e nessa parte da tese, por entender que ele se aproxima muito
da idealização de grupos profissionais e docentes brasileiros considerados progressistas da
área de educação profissional. Em que pese certo formalismo pedagógico (cientificismo) nas
suas colocações a respeito do ensino superior e do que seria melhor na educação técnica
executada nas instâncias escolares
69
, o autor defende uma profissionalização configurada na
relação teoria-prática consolidada em espaços escolares/universitários.
69
De certa forma as colocações de Freidson contemplam a nossa expectativa na interpretação que a seguir
apresentaremos a respeito do papel e da qualidade de ensino da formação profissional que vêm sendo assumido
80
A perspectiva do autor nos faz lembrar do perfil dos docentes, como um todo, da
educação profissional até o final dos anos de 1980. Os traços profissionais eram muito
comprometidos com o tecnicismo produtivista. Em geral, eram bacharéis recrutados no
mercado de trabalho e técnicos de nível médio. A noção de Didática era oferecida nas
licenciaturas de complementação pedagógica ou então nas licenciaturas curtas, bem como de
programas como o do MEC/PREMEN, programas de formação pedagógica aligeirados. Duas
leis sustentavam tal formação profissional: a Lei de Diretrizes e Bases do ensino de primeiro e
segundo graus (Lei 5692/71) reforma instituída entre os segundo e terceiros governos
militares no Brasil e a própria legislação profissional do técnico agrícola. É claro que a partir
dessa legislação, vieram Pareceres, Resoluções, Portarias Ministeriais, etc. para complementar
a política de profissionalização docente.
Fazia-se necessário oferecer a complementação pedagógica diante das exigências
legais pela habilitação na licenciatura, condição para todos que atuassem no ensino de 5
a
a 8
a
séries na formação especial (categoria curricular dirigida às disciplinas/áreas de atividade de
orientação para o trabalho – Leis 5692/71 e 7044/82) ou no médio/técnico; no caso do setor
primário chamava-se de área de atividades de Técnicas Agrícolas, aliás, denominação e
ideário pedagógico, provavelmente, “copiado” dos Ginásios Orientados para o Trabalho de
Anísio Teixeira, nos anos de 1950-1960. Contudo, nesse período ajustou-se a educação as
medidas de transformações estruturais e ideológicas, balizada num sistema de idéias
tecnicistas que entrava na educação escolar desde as primeiras séries, atos que nada tinham a
ver com o ideário liberal-humanista e democrático de Anísio Teixeira. Tanto o ensino técnico-
profissionalizante como o ensino de primeiro grau de “despertar aptidões” acentuava a forma
truculenta ou técnica de tratar as questões humanas e políticas no período da ditadura. A idéia
era de integrar a educação técnica nos planos sócio-econômicos. Nesse contexto, caberia uma
formação profissional cujo papel fosse de preparar capital humano (no sentido de
qualificações associadas aos valores ideológicos) para a força de trabalho (capital ativo e de
reserva) na indústria, pressupondo que a ampliação do parque industrial diversificaria
empregos exigentes de qualificação, inclusive no rural. Assim, gradativamente os cursos de
licenciatura vão ganhando espaços até mesmo para mediação e desnaturalização de um
projeto desenvolvimentista que ignorava as relações sociais e humanas no centro desse
processo de industrialização. Portanto, o perfil dos professores na educação profissional em
todos os níveis (básico, técnico ou tecnológico) e nas respectivas modalidades das profissões
(agropecuária, meio ambiente, agroindústria, eletrônica, segurança alimentar, enfermagem
etc.), na atualidade está infinitamente melhor do que nos anos iniciais de sua criação.
Inclusive, mais a frente estaremos discutindo a tese que defendemos: na atualidade quando os
professores atuando de forma descentralizada do MEC, buscando o desenvolvimento da
profissão docente nos programas e processos que detêm capital cultural de qualidade,
perspectivam uma docência mobilizada na subjetividade formada nas relações socioculturais
que atravessam o cotidiano das escolas agrotécnicas e CEFET’s. Ao contrário do passado,
onde eles eram trazidos “às rédeas” do poder público central pela COAGRI/MEC subsumidos
aos mecanismos/estratégias de reprodução social (formas pedagógicas politicamente
orquestradas).
Na conceituação sobre profissionalização de qualidade, continua Freidson:
nos CEFET’s em geral e nas escolas técnicas e agrotécnicas. Segundo publicações e teses como a de ARRUDA
(2007) as escolas técnicas de cidades como Rio de Janeiro têm sobressaído como escolas de qualidade, seja o
parâmetro de investigação voltado para o acesso ao ensino superior ou a formação para o trabalho. No Rio de
Janeiro há cursinhos preparatórios para crianças e jovens se prepararem para o “vestibulinho” dos CEFET’s e
escolas técnicas.
81
“o que sustenta esse privilegio de independência diante das práticas
de mercado rotineiras é a associação do ensino profissional
diferenciado com as instituições usualmente chamadas de
universidade. Não por acaso, em inglês se diz com freqüência que
as universidades oferecem educação “superior”. Seus programas
educacionais são literalmente superiores, no sentido de terciários ou
avançados, posteriores aos programas de ensino primário e
secundário, mas isso vale também para o ensino técnico. A
educação universitária é superior em um sentido cultural mais
importante, pois, ao contrário das escolas e dos institutos técnicos
está associada com valores e preocupações da alta civilização.
Relaciona-se com o que Max Weber, ao falar dos literatos chineses
denominou “pedagogia da cultivação” (Weber, 1946; p.p. 416-44) e
oferece a seus alunos o ingresso em uma classe educada, mais que à
mera proficiência técnica. Como notou Bourdieu, o que os
economistas chamam ‘capital humano’ é nesse caso composto tanto
de elementos culturais como vocacionais, enquanto o ensino técnico
avançado provê somente o último. Mais do que isso, o vínculo entre
treinamento da profissão e educação superior fornece parte das
justificação ideológica para a pesquisa pura ou básica e para a busca
de idéias, independentemente do mundo prático do comércio e da
política (...) Com efeito, os profissionais tendem a considerar os
padrões acadêmicos e científicos como irremediável e injustamente
pouco prático, ressentindo-se contra os que formulam e promulgam.
O ensino das profissões cria assim uma aguda e problemática
divisão entre profissionais e autoridades acadêmicas, criando uma
classe cognitiva no seio da profissão.
(pp.146-148).
O significado dual que o ensino profissional ganhou no pensamento pedagógico e sociológico
remonta a ordem socialmente legitimada na maioria dos países do Ocidente que optaram pelo modo
de produção capitalista como organização política e econômica da sociedade
70
. O dilema da
formação profissional calcada na qualificação que a escola do trabalho oferece, é maior do que se o
reduzirmos à estrutura social e econômica objetivando apenas a discussão clássica da dicotomia
trabalho intelectual x trabalho manual. A dualidade no momento é um recurso de discussão nas
ciências sociais e educacionais, pois estão mais explicitadas nas relações culturais e de trabalho.
70
Miguel Arroyo (1999) enfatiza as teses e a prática que pesam sobre a realidade escolar quanto ao papel
institucional da escola na sociedade moderna dos países capitalistas periféricos ou não. Fundamentalmente ele se
baseia em Enguita e Foucault para direcionar a sua análise da educação na integração de indivíduos nas relações
sociais de produção. Para ele os processos educativos há muito vêm solapando a individualidade dos sujeitos,
pois ao universalizar a educação básica, pretendeu-se universalizar também comportamentos, valores do
trabalho, sobretudo, na intenção de uma adequação dos indivíduos a uma rotina pautada na organização do
ambiente e do tempo, do ritmo, das necessidades fisiológicas, da disciplina, como diz Arroyo “uma normatização
das instituições totais (escola entre elas), o controle disciplinar e a correta disciplina como arte do bom
adestramento. Assumindo como suposto que há um isomorfismo entre a organização interna da escola e a
organização da oficina” (p14). Embora concordando com as teses que trouxeram as análises da educação como
integradora dos sujeitos nas relações de produção, Arroyo pretendeu avançar resgatando a idéia das teses de
socialização que aceitam a inexorabilidade dessa relação nos países capitalistas, entretanto, vão além ao
captarem o suposto lógico de que “no sistema escolar se expressam as mudanças ocorridas na esfera do trabalho,
só nos resta entender esta esfera com a certeza de que as mudanças nelas ocorridas se expressarão nas relações
sociais na escola (...) poderíamos começar a por em dúvidas as crenças que estão na base de muitas das certezas
da relação conectiva entre escola e trabalho (...) podemos esperar que as incertezas do mundo do trabalho e
também da educação, em vez de reforçar modelos dedutivos acrescentem nota de realismo (...) desse nosso
campo da educação e da cultura temos a contribuir nessa incerta relação entre educação e trabalho, porque as
crises do trabalho não são só econômicas, são também sociais e culturais, é de formas de apreender o real”
(pp20-21).
82
Elas não são mais acobertadas pelo conservadorismo de base totalitária ou populista
71
. O raio de
alcance das análises é superior a simples alusão a tal dicotomia, por nós compreendidos até o início
da década de 1990, como uma conseqüência de idéias/práticas desenvolvimentistas propugnadas
por intelectuais orgânicos à disposição do Estado que cria o nível técnico e tecnológico no início do
século XX, bem como por aqueles que estiveram em cargos na administração pública, organizando
a burocratização de natureza cientificista destituída da política nos aparelhos de Estado.
Concordamos com Arroyo (1999) na medida em que coloca a necessidade de relativizar a
dicotomia nas relações intersubjetivas no cotidiano escolar, onde ela provavelmente não se dá tão
subjugadamente, pois nem tudo nessa realidade de socialização é ou foi percebido na “essência”
como pretenderam as políticas que integram educação ao trabalho. Para Arroyo os anos 1990
avançaram nas perspectivas de relativização das análises sobre e na realidade cotidiana escolar,
devido à própria conformação sociocultural. Para ele:
“as visões do trabalho, da qualificação, da escola e da ordem social
são vistas, hoje, como uma realidade bem mais complexa e as
ciências sociais avançaram cientes dessa complexidade, o que
permite esperar que uma visão mais global oriente as análises (...) a
realidade vem mostrando que nem tudo é socializável (nem as
idéias dominantes), que as condutas humanas não são facilmente
racionalizadas e ajustadas segundo a marcha triunfante da razão
instrumental. Aprendemos a duvidar do salvacionismo religioso
tanto quanto o do laico. Estamos em outros tempos” (p21).
Na questão nacional, historicamente no que diz respeito aos processos e políticas de
profissionalização em diversos níveis e modalidades de ensino técnico, a realidade entrelaça o
público ao privado. As macro-políticas vêm de uma classe dirigente, entretanto, os executores são
os professores e os dirigentes da instituição, mas o âmbito privado está sempre na mesa de
negociação. Ao chegarmos a meados da década de 1990, as disputas pela qualificação profissional
no Brasil continuariam desiguais. Pois o tempo-espaço público tem se detido muito mais nas
normalizações das medidas da política educacional do que efetivamente na articulação de um plano
político-administrativo que preparara a expansão de um sistema público de educação profissional
72
.
Sobretudo, articulações no plano político-pedagógico e curricular garantindo concursos para
professores de modo a podermos ampliar as áreas de qualificação, antigas reivindicações das
entidades dos docentes.
Não obstante, o ensino médio e o superior desde as políticas educacionais da ditadura
militar, cada vez mais estão associados ao ideário e uma prática empresarial-pedagógica. Quanto à
educação profissional de nível técnico, embora naquela época até os anos de 1990 tivesse muito
mais alinhada aos planos de desenvolvimento econômico e, por isso teve maciço investimento
público, na atualidade a mesma vem paulatinamente idealizada e corporificada na relação de
simbiose entre a esfera pública e privado (o Sistema “S” e os programas de qualificação e re-
profissionalização). O programa público de expansão da educação profissional das Escolas
Técnicas e CEFET’s, iniciado na década de 1990, em termos de ampliação física e material e de
propostas curricular-pedagógicas públicas é tênue em proporção ao crescimento do sistema paralelo
de educação profissional mantido pelos SENAI, SENAC, SESC, SENAR, SESI, FIRJAN, etc. O
71
Ver José de Souza Martins (1994;1986).
72
Desde o primeiro bimestre de 2007 que o governo anuncia a expansão com meta de 150 escolas técnicas
contemplando as áreas profissionais que estão aprovadas desde o início do Programa de Expansão e Reforma da
Educação Profissional – PROEP – da época de FHC, além disso, há previsões de criação de novas áreas
profissionais. Informação recebida pelo site
www.emquestao.planalto.gov.br e www.mec.gov.br. Segundo os
sites estão para ser entregues até dezembro de 2008 mais de 200 escolas profissionalizantes, excetuando a
ampliação de CEFET’s e as suas Unidades Descentralizadas de ENSINO (UED’s) e, mais os IFET’s que até a
presente data estão sendo formados pela adesão de escolas técnicas, agrotécnicas e CEFET’s à Chamada Pública
MEC/SETEC n
0
. 02/2008
83
apoio do Estado ao Sistema “S” continua, mesmo que reduzido em relação ao do governo FHC,
quando recursos do FAT – Fundo de Assistência ao Trabalhador, inclusive mediado pela CUT –
Central Única dos Trabalhadores, foram por meio dos programas de qualificação e requalificação
transferidos à esfera privada.
No dizer de Freidson
“A variável mais importante para o profissionalismo é o Estado. O
único recurso intrínseco a uma ocupação é seu corpo de
conhecimentos e qualificações, e, embora este possa ser chamado
de capital humano e cultural, certamente não tem o poder do capital
social, econômico e político. As instituições do profissionalismo
não podem ser estabelecidas ou mantidas sem o exercício do poder
do Estado, pois o controle ocupacional da própria divisão do
trabalho, do próprio mercado de trabalho e do modo de ensino vai
contra o interesse tanto dos consumidores como das empresas. A
questão é: que tipo de Estado tende a criar um campo de trabalho
ocupacionalmente? Como tal apoio será fornecido pelas políticas de
Estado e que papel as instituições desempenharão?”
(p.147-148).
Independente das soluções dadas pelo autor que se vale de uma tipologia de Estado, nós
consideramos pertinente sua análise quando ressalva a possibilidade de parceria entre o Estado e as
instituições públicas e privadas ligadas à profissionalização, desde que haja controle dos
administradores públicos sobre os recursos públicos. As políticas educacionais e profissionais de
Estados que primam por evitar a hierarquização e especialização, inclusive, como filosofia
assumida nas próprias instituições de administração pública, pois o Estado deve cumprir o seu
papel primordial no sentido das políticas sociais e educacionais, todavia, com a participação
deliberada e a mobilização da sociedade civil.
Para Freidson, o que emperra são os administradores públicos que nunca largam mão das
estratégias de poder e privilégios. A escolha na constituição das parcerias é “negociada”, pois eles
sabendo quem ‘fecha’, normalmente, vão pelo poder econômico e político, fato este que enfraquece
a entidade e associações profissionais da sociedade civil. Os administradores do Estado
“selecionam” para apoio e legitimação das suas propostas aqueles que têm posições compatíveis
com as suas políticas de privilégios. O que não pode é a falta de controle do Estado sobre as
políticas de qualificação profissional da esfera privada. Marise Ramos
73
no Brasil, assim como
Freidson nos Estados Unidos, em que pese as possíveis diferenças de orientação política, ambos
73
Professora do CEFET de Química, ex-coordenadora de Programas de educação profissional na Secretaria
Nacional de Ensino Médio e Tecnológico do MEC, no Ministério da Educação de Cristovam Buarque. Vale destacar a
visão político-pedagógica de formação profissional de Ramos (2001): “a educação moderna vai-se configurando nos
novos confrontos sociais e políticos em geral (...) o projeto burguês de educação, desde o final do século XVIII, já é
fortemente marcado pela concepção de educação para as massas como fator de racionalização da vida econômica, da
produção, do tempo e do ritmo do corpo. Em outras palavras, a educação do trabalhador, no projeto burguês, é
subsumida à necessidade do capital de reproduzir a força de trabalho como mercadoria (...) a educação de caráter geral,
clássico e científico, destina-se à formação das elites dirigentes (...)assim sendo, o ensino levado a cabo pelas escolas
destinadas a formar trabalhadores já não visa somente o ato de disciplinar, mas conferir ao trabalhador o domínio de um
ofício. A formação para o trabalho passa a ser formação profissional (...) a classificação dos processos de preparação da
força de trabalho é característica do modelo taylorista-fordista de organização da produção no que se refere ao modo de
organizar o ensino, seja por via formal e escolar (pela qual se deu, principalmente, a formação do técnico), seja por
ações diretas das empresas (...) Tendo em vista o modo de organização do ensino, em face do modo de organização do
trabalho, a categoria qualificação, parece ter tomado vários sentidos (...) a associação dos termos qualificação aos
processos de trabalho e ao desenvolvimento do saber profissional e social do trabalhador sob o modo de produção
capitalista, considerando a relação pedagógica que se estabelece pelo uso dos meios de produção e pelo contato com
outros trabalhadores” (pp32-35).
84
demonstram o quanto as qualificações baseadas em pressupostos de “especializações mecânicas”
forjaram ou tendem a forjar uma pedagogia estritamente tecnicista na formação profissional.
No Brasil, as dimensões produtivas aparecem no desenho curricular da educação profissional
na forma de competências e habilidades, garantidas na cientificidade das especializações cujo
formato disciplinar esconde a verdade da divisão social e técnica do trabalho, considerando que os
trabalhadores desapropriados de seus saberes necessitam cada vez mais de se manterem vinculados
aos programas de qualificação. A fragmentação do conhecimento pelo trabalhador deu-se ao longo
da história da industrialização; na atualidade com a automação em todos os setores de produção e a
microeletrônica, parte desse conhecimento antes generalista, virou parcela na programação de
tarefas executadas seja na empresa urbana ou na rural. Para Freidson nas políticas de Estado há
ideologias e valores que não passam muitas vezes pelos atores coletivos das entidades profissionais,
visto que há mediações privadas entre as relações do Estado com as políticas de profissionalização
dos sujeitos, portanto, os modelos de qualificação e especialização a rigor têm obedecido a divisão
social do trabalho. Embora, com todo o controle das entidades de profissionais e de categorias da
sociedade civil, os governos desregulamentam a sua relação com a esfera privada.
Quanto à questão mais político-pedagógica e curricular, no entender de Freidson,
“Adam Smith no século XIX louvou as conseqüências produtivas
da especialização, não apenas no caso da especialização mecânica
envolvida na fabricação de alfinetes, mas também no exemplo das
especializações criteriosas dos ofícios, ou dos artífices e dos
negócios intelectuais como a “filosofia ou especulação”. Mas
embora louvasse o valor da especialização em geral, reconhecia o
lado obscuro das especializações mecânicas: a pessoa que gasta sua
vida inteira de trabalho em tal tarefa ‘torna geralmente tão estúpida
e ignorante quanto é possível para uma criatura humana’ (...) Karl
Marx, por sua vez, concordava com Smith quanto aos efeitos
especialmente destrutivos da especialização mecânica sobre os
trabalhadores, mas ia mais longe ao defender que a dedicação
integral a qualquer especialização, não importa quão desafiante,
impessoal o cultivo do pleno e multifacetado potencial intrínseco à
humanidade. No seu estilo caracteristicamente polêmico, ele
argumentava que a especialização produz um tipo de ‘idiota de
ofício’, quer a pessoa se especialize em fazer cabeças de alfinete ou
sociologia. O ideal subjacente expresso por Marx é o do homem
que cultiva uma série de qualificações” (p.148-149)
.
No campo um trabalhador rural da cultura da cana de açúcar tem tanto conhecimento prático
como um técnico agrícola tem na lida do cultivo, do manejo, da colheita, inclusive, da
comercialização, mas no dia a dia o saber da prática é encoberto pelas representações do trabalho
escravo, na medida em que o trabalhador está subsumido às condições minimamente humanas,
quando o saber internalizado na prática do trabalho cotidiano é renegado à repetição de tarefas
mecânicas. O fato é que um trabalhador da cana numa jornada/dia de trabalho pode não raro colher
até a mesma tonelada de cana que uma colheitadeira. Contudo, tal fato está naturalizado entre seu
meio, de tal forma, que se ele acabar morto por fadiga, um ataque cardíaco devido à exaustão, isto
não mudaria a rotina nem deles e nem dos usineiros proprietários que exploram a mais valia.
Comumente ouvimos essa notícia na TV, através das denúncias do Sindicato, do MST ou mesmo
dos próprios trabalhadores. Algum dia será que presenciaremos um noticiário que anuncie o
interesse dos usineiros e empresários da agroindústria, seja da cana ou da soja, pela qualificação de
seus trabalhadores em programas de educação profissional? Antes disso, quantos mais noticiários
denunciando a morte de trabalhadores devido as péssimas condições de trabalho teremos que
85
assistir? Quantos trabalhadores rurais ou filhos deles têm conhecimentos sobre os concursos para
tentar uma vaga num CEFET Agrícola ou numa Agrotécnica? Um complexo campo de
ressignificações sobre o trabalho rural seria possível de ser construído por aqueles que são
candidatos à docência na educação profissional, caso os esquemas formativos e curriculares
estiverem mediados por conhecimentos e saberes definidos no trabalho portador de dignidade do
ser humano
74
. Assim quem sabe teríamos políticas de democratização do acesso e permanência dos
trabalhadores e seus filhos onde efetivamente faz-se necessário atender.
2.2.1.A formação profissional agrícola no Brasil: dilemas do “ensinar a produzir” na
perspectiva da conectividade educação e trabalho
Em qualquer situação o ato de começar é sempre uma ação muito inquietante. Essa
parte da tese é sem dúvida aquela em que nós poderíamos ser mais exigentes, por um motivo
óbvio: trabalhamos com esse sub-campo acadêmico um pouco mais de duas décadas, além te
termos uma formação inicial e continuada (mestrado) decorrentes da docência no ensino da
política educacional e em especial da educação profissional agrícola e na didática do ensino
agrícola.
O ensino agrícola no Brasil carrega as marcas de uma racionalidade produtiva digamos
irracionalmente oposta aos padrões racionais de direitos humanos, da igualdade, liberdade e
de justiça social. Com toda possibilidade de contar uma história de fatos linearmente
estabelecidos pelo campo disciplinar de perspectiva escolástica, ao contrário, optamos em
trabalhar buscando os fatos concretos, tentando dialetizá-los nas injunções da dominação
colonial e imperialista, base social e político-cultural de criação do ensino profissionalizante
agrícola nacional, sobretudo até meados do século XX. Faz-se, então, primordial articular essa
questão das injunções cristalizadas no espaço-tempo escolar, relativizando-as na medida em
que ao se configurar nas instituições, esse ensino técnico vai se integrando ao propedêutico ao
longo do século XX. De certa forma havia e há interesses de integrar os indivíduos e atores
coletivos ao sistema de educação como um todo, provocando dissensos à ordem estabelecida
na dualidade estrutural anterior. Não podemos admitir que tudo continue igual ao século XIX
e início do XX, seria colocar abaixo as idéias que brotaram da constituição dos indivíduos em
sujeitos/atores sociais na dialética da vida cotidiana, onde se dão as relações face a face, onde
espaço-tempo não se dicotomiza, portanto, os mecanismos de ensino-aprendizagem não são
tão mecânicos e “naturais”. Conforme Arroyo (1999) “a educação tem sido um campo
privilegiado para esse tipo de interpretações fragmentadas. Não obstante, a moderna teoria
pedagógica se fundamenta no reconhecimento de que o ser humano não se forma de dentro,
desenvolvendo potencialidades inatas, mas de fora, marcado pelas vivências em que produz e
reproduz sua existência” (p. 26). Ou seja, conforme Marx, o ser humano é um sujeito que se
constitui das múltiplas determinações e o seu trabalho age sobre a natureza de modo a efetivar
a organização social, política e técnica.
Nas discussões sobre a sociedade contemporânea, portanto, está implícita a
manifestação de identidades socioculturais radicalizadas na dinâmica paradigmática de um
novo e um velho que se cindem em olhar, fazer e situar os discursos e práticas. Identidades
sócio-profissionais são constituídas por um mundo de complexidade tomado na relação entre
a estrutura e os atores/indivíduos nos processos de socialização, de trabalho, sobretudo
quando nesses processos ocorrem choques de culturas, quando um outro mundo se apresenta
forçando mudanças nas microestruturas engendradas nas representações e identidades
enraizadas nos processos sociais onde houve lutas e resistências ou mesmo subalternidade.
74
Expressão muito utilizada por Miguel Arroyo no livro Ofícios de Mestre.(2000)
86
Neste sentido, recorremos brevemente a E. Said (1995)
75
. Há de se considerar que a
linguagem do dominador/hegemônico ainda se faz presente e é produzida nos campos de
poder (saber) das instituições formadoras/educacionais e de poder público no Brasil. Esse
recorte está pautado na idéia de colonialismo e imperialismo, que de outra forma analítica
vimos em Moreira (2005).
A linguagem (os termos/conceitos/preconceitos) torna-se importante componente de
análise para desvelar os modos de pensar e de ser dos indivíduos e atores coletivos que se
especializam em processar mudanças nas bases materiais e intelectuais das sociedades em
desenvolvimento
76
. Said nos fez pensar a respeito de literaturas ou campo disciplinares
ideologicamente orquestrados em bases materiais/objetivas (simbólicas) que nos
influenciaram na construção de narrativas e práticas cotidianas, consolidadas nas idéias e
imagens defendidas pela política cultural colonial, que pretendia manter o império à custa dos
efeitos letárgicos de suas produções simbólicas, cheias de representações de progresso técnico
e de ideais de nação européia e americanizada (o termo gramsciano é americanismo). Os
legados imperiais (idéias/instituições) do processo colonizador repercutem nas representações
que temos de inúmeras práticas socioculturais e profissionais, sobretudo no que diz respeito a
algumas idéias/imagens de magistério que aparecem recorrentes, de forma clara ou
subliminar, nos proclames do poder público
77
, nos livros didáticos, ou mesmo nos discursos
públicos.
As imagens e discursos sobre o demérito do sistema educacional recaem em outras
tantas imagens e discursos sobre o trabalho docente, paulatinamente desvalorizado como
75
Poderíamos recorrer ao brasileiro Tomás Tadeu (UFRGS), a Stuart Hall e a Kathryn Woodward (2005) no
livro de autoria deles dedicado a discussão sobre identidades e diferença, onde perspectivam o debate sobre
processos identitários com a tese que admite as identidades produzidas socialmente na relação entre instituições
e subjetivações; por isso recorrem à linguagem (Saussure) como importante instituição social para definição do
campo de diferenciação onde as identidades socioculturais se constituem. Os autores discutem a relação das
identidades sociais em processos de dominação/imperialismo aludindo a mutua determinação entre diferença e
identidade. Para Tadeu da Silva só faz sentido dizer que algo é diferente se significado numa identidade, ou seja,
“identidade e diferença partilham uma importante característica. Dizer, que são o resultado de atos de criação
significa dizer que não são “elementos” da natureza, queo são essências, que não são coisas que estejam
simplesmente aí, à espera de serem reveladas ou descobertas. A identidade e a diferença têm que ser ativamente
produzidas. Elas não são criaturas do mundo natural ou de um mundo transcendental, mas do mundo cultural e
social. Somos nós que fabricamos, no contexto de relações culturais e sociais” (p.76-77).
76
Na dissertação de mestrado de Raul Ribeiro de Carvalho há uma análise importante a respeito das
representações de saúde e produção que perpassaram às idéias de políticos e dos oficiais do exército do Império
à República Velha, marcando discursos e práticas de pertencimentos significados na ideologia agrária e política
dominante. Os políticos e o exército obedientes à política do “colonizador”, para fazer acontecer as mudanças
estruturais de remodelamento da sociedade brasileira, por conseguinte engendram a organização da profissão do
médico Veterinário e do Engenheiro Agrônomo em bases de representações das profissões conforme outras
nações; e na dissertação de Luiz Carlos Barreto Lopes o estudo sobre a concepção de relação educação-trabalho
posta na criação dos orfanatos e patronatos do final do Império à República Velha, ilustra muito bem a trajetória
de criação de modelos educacionais acordados à dinâmica industrialista em moldes do estrangeiro colonizador.
77
Diretamente da França, da Suíça, da Espanha vem a noção de competências, e em que pese à contribuição
desta no avanço de estudos sobre profissionalização, foi um dos apelos político-ideológicos do neoliberalismo
mais contundentes no período das reformas na educação profissional, ensino médio e superior. Como categoria
curricular ela se instala de forma polissêmica a provocar propostas diferenciadas de formação, profissionalização
e capacitação em função da significação profissional e/ou instrucional que se desejar, segundo Diaz, 2003. Quase
toda a base que ganha notoriedade a formação por competências está justificada nas Diretrizes Curriculares do
Ensino Médio, Tecnológico (1997 e 1999) baseando no Relatório Jacques Delors (UNESCO) ou na publicação
dele sob o título Educação: um tesouro a descobrir, como também em Philipe Perrenoud (França/Suíça). Esta
ultima referência pautada numa imagem idealizada de um professor para o século XXI enfatiza os processos de
ensino-aprendizagem e as motivações/experiências de suporte cognitivista e focado nas disposições subjetivas
(internas/pessoais) de alunos e professores. Parece-nos diante das reformas empreendidas baseadas na noção de
competências, que Perrenoud e as suas teses se apresentam meio deformada, tanto pedagógica como
politicamente na legislação educacional brasileira.
87
profissão ou, ainda, exaltam a nossa incapacidade em organizar modelos de
profissionalização. Daí é que vêm os “grandes modelos salvacionistas” pautados na
idealização de um aluno disciplinado para um professor de mil faces didáticas; um desejado
professor de educação técnica agrícola que seja capaz de preparar um trabalhador do campo,
um empresário agrícola ou um gestor para processarem a transformação do campo “atrasado”
no campo “globalizado”. São premissas anunciadas a toda hora no campo de regulação da
política de educação profissional agrícola.
Essa percepção que relaciona identidade e diferença é um recurso metodológico
(abstrato) para uma releitura crítica dos fenômenos socioculturais em sociedades sob o
impacto da colonização/imperialismo. A propósito, a mesma traduz as representações ou
modos de pensar e agir subliminares nos textos (discursos) legais dos atores políticos ou dos
profissionais que tanto no passado como no presente participaram das normalizações de
identidades arbitrando/elegendo uma forma identitária como ideal ou parâmetro para a
constituição de outra. Tem sido assim a formação de nossas principais instituições de
formação profissional ou de escolarização.
A abordagem política de Jamenson (1992) é conveniente aqui, sobretudo porque o
autor assevera ser possível uma nova hermenêutica quando houver diálogos entre os diversos
campos discursivos. Esta nova interpretação propiciará a libertação das amarras históricas-
políticas, doutrinárias dos códigos e das categorias de interpretação socialmente legitimadas
que se encontram envolta as narrativas literárias e científicas (p.18). Ao nos apoiarmos no
autor, pudemos imprimir ao nosso trabalho de campo
78
uma visão e uma dinâmica
metodológica dialética, que promoveu diálogos abertos às diversas leituras que podemos fazer
sobre as identidades docentes, sobretudo porque não excluímos ou fragmentamos as
manifestações discursivas diferenciadas dos sujeitos, tendo em vistas as respostas das
entrevistas, dos questionários, algumas de suas produções
79
e documentos institucionais
pesquisados sobre a profissionalização docente.
De acordo com Jamenson, a teoria do inconsciente político realiza uma nova
interpretação, mais próxima da crítica e menos vinculada ao que está sedimentado nas
estruturas institucionais de socialização; essa teoria está aberta às outras hermenêuticas,
ampliando o diálogo para remontar um campo discursivo e interpretativo dialético. Ao
estabelecer um exercício dialógico entre textos e entre textos e contextos, o leitor poderá
mergulhar na leitura sendo mais fiel aos escritos que geralmente narram uma realidade social
por meio de uma história (romance, novela, opera etc.) de vida ou de uma sociedade sob
dominação, cujo propósito autoral normalmente ratifica o universo simbólico e cultural do
autor, ocorrendo uma interação do leitor e a sua realidade (institucional)
80
.
Uma questão que precede como primeiro dos dilemas na profissão docente do ensino
agrícola, que circula como representação de desvalorização docente, é o fato da memória
trazer à tona a criação da primeira instituição superior de Agricultura em pleno processo de
escravatura
81
ou em meio às experiências do tipo servidão ou aquelas de práticas
78
Por exemplo, a leitura nos documentos que embasam a institucionalização da profissão docente ou nos
discursos e documentos escritos pelos professores que foram pesquisados.
79
Referimos-nos a uma das seis dissertações produzidas pelos professores do CEFET onde fizemos o trabalho de
campo. Nas produções além de conhecimentos científicos, encontramos valores, paradigmas científicos, visões
de profissão, papel institucional, inclusive uma proposta aligeirada de formação e profissionalização docente etc.
(PRATES, 2005).
80
Notas de aula da disciplina Mundo Rural e Nação em Representações Literárias, sob a responsabilidade da Eli
Lima, 2004.
81
Para se ter a idéia dos tipos de estabelecimentos de ensino agrícola, recorremos à historiografia construída por
Soares (2003) na sua tese de doutorado sobre a conformação da profissão do técnico em agropecuária diante dos
modelos de desenvolvimento social e econômico brasileiro. Os registros documentais revelam a
88
“higienistas”, que nada têm a ver com o que seja processos de qualificação para o exercício de
uma função técnica de atribuição profissional do técnico em agropecuária. Essa situação
alimenta o dilema que certamente, ainda que passado séculos e meio, rodeia-nos, professores
formadores de professores da educação profissional do campo: o ensino agrícola foi criado
para ensinar a produzir racionalmente na agropecuária, mas a quem? Aos escravos? Aos
filhos dos donos de terra? Aos trabalhadores livres que no final do século XIX ocuparam as
lavouras de café? Aos que por algum reconhecimento foram libertados? Para Figuerôa e
Oliver (2006) o contexto brasileiro de criação das instituições específicas (ensino-pesquisa e
profissionalização) emerge no século XIX na Bahia, Rio de Janeiro, Pará e Pernambuco, onde
as primeiras instituições de ensino agrícola tratam de legitimar a exclusão de uma população
pobre e mestiça que formava um tipo particular de campesinato. Segundo as autoras
82
“no Brasil escravista, mesmo depois da Lei de Terras, a abundância
e o acesso relativamente fácil às terras permitiram uma mobilidade
espacial em quase todas as formas de prática agrícola, tanto na
agricultura escravista como no campesinato, possibilitando aos
grandes proprietários descartar os solos cansados e, aos
camponeses, a sua própria reprodução (...) Sabe-se que isso
aconteceu nas áreas da Mata Pernambucana, no Recôncavo Baiano
e na Baixada Fluminense, sendo o controle feito por famílias
agregadas ou por posseiros, os quais, nas áreas açucareiras, eram
transformados em arrendatários, pagando pelo uso das terras uma
renda em dinheiro. Alguns até se transformavam em pequenos
agricultores escravistas, sendo inclusive proprietários de pequenos
engenhos. Nessas áreas de fronteira fechada é que foram cogitadas
as escolas agrícolas no início do século XIX, sendo inicialmente
orientadas por conhecimentos botânicos, ou anexas aos hortos”
(p.5).
Em hipótese, as autoras conjeturam sobre os novos conhecimentos estudados nas
escolas profissionais daquela época como um suporte técnico, por exemplo, como foi a
introdução de novas variedades (cultivares) da cana de açúcar ou de café. Elas consideram um
conjunto de fatores políticos, culturais que na especificidade do trato agronômicos/fundiários
resultaram, principalmente, após a lei do Ventre Livre, de 1871, na proposta de inclusão do
ensino agrícola em âmbito nacional para profissionalizar os negros nascidos livres e introduzi-
los no trabalho das plantações de cana e de subsistência. Continuando, Figuerôa e Oliver
conjeturam, ainda, que tudo leva a crer que tanto as Escolas Superiores como as profissionais
institucionalização das primeiras iniciativas de um ensino agrícola, segundo ela, de caráter assistencialista ou
moralizador, a saber, são os seguintes: Fazenda Normal de Agricultura, São Paulo, em 1836; Asylo Agrícola,
estabelecido pelo Imperial Instituto Fluminense de Agricultura de 1864, no Rio de Janeiro, O Congresso
Agrícola em 1878, que cobrava dos Estados e “povoados” a interdição de um ensino agrícola formal que
garantisse a educação dos jovens ingênuos ou filhos de ex-escravos libertos. Em nossa pesquisa documental
localizamos os Anais do Congresso Agrícola de 1878, na Biblioteca Nacional (código de catalogação
IV248,6,49), publicado pela Fundação Rui Barbosa. Nas páginas 3 a 9, 54-55 e 85-89 encontramos as indicações
concretas de uma reivindicação em prol do ensino agrícola vinda dos “lavradores” dos Estados que
compareceram ao Congresso. Figuerôa e Oliver (2006), em um estudo sobre a institucionalização das ciências
agrícolas no Brasil, revelam a emergência do ensino agrícola em meados do século XIX visto os interesses de se
ter uma agricultura racionalizada, científica e técnica, inserida para a exploração das riquezas naturais e de
legitimação do poder das elites agrárias.
82
Consultar Gilberto Freyre Casa Grande e Senzala, Caio Prado Formação Econômica do Brasil
Contemporâneo e Ciro Flamarion (1987) Protocampesinato Negro na América, sobre questões relativas a mão
de obra escrava na produção agrícola se comparada a agricultura camponesa que visava também a produção de
alimentos de subsistência.
89
agrícolas, do período que vai do século XIX ao início do século XX, carregaram estigmas
escravistas tanto que os filhos das elites agrárias iam para o nível superior ou para os Colégios
de ensino propedêutico ou para as carreiras imperiais de Direito, Medicina, Engenharia. Os
estudos sobre a Agricultura estiveram reservados a essa parcela discriminada socialmente pelo
trabalho na agricultura. Passado o tempo, fez-se necessário a racionalização instrumental não
só para os “desvalidos”, os “ociosos”, o “nacional ingênuo” e os “vadios” serem integrados ao
sistema das relações de produção pelo menos com alguma noção prática, sem que esses
pudessem alcançar a mobilidade sócio-ocupacional e ameaçarem os senhores “donos de
terras”, mas também como forma de disciplinar.
No contexto das primeiras iniciativas das políticas educacionais ganhara relevo o sub-
campo da educação profissional agrícola, no início da República, pois as contradições das
relações de trabalho no campo, conflituosa e carregada de dilemas sociais, políticos, culturais
decorria do colonialismo onde a agricultura se implantaria e se desenvolveria em bases
escravistas. O processo e o estabelecimento da docência na educação profissional agrícola
iniciariam vinculados às políticas educacionais do século XX para uma semi-
profissionalização dos desvalidos da fortuna e dos ingênuos ou do nacional livre, grupo
socialmente reconhecido predestinado aos estabelecimentos de práticas higienistas ou de
disciplinamento, portanto, enfatizavam uma docência e processos educativos com papéis
definidos para legitimação da ordem social. Antes ou concomitante à implementação do
processo de industrialização e da modernização das estruturas burocrático-adminsitrativa, a
União pretendeu dar conta moral e coercitivamente dos miseráveis desvalidos da sorte,
“limpando” as ruas da “vitrine do Brasil”, e da cidade do “café expresso”. Neste caso, o
ensino agrícola mantido na experiência prática e na instrução primária e cívica assumindo
características de um assistencialismo, pouco ou nada alinhado ao trabalho agrícola voltado
para as necessidades de uma economia agro-exportadora. Inicialmente foram criados os
Patronatos Agrícolas e logo depois os Aprendizados Agrícolas, este último mais adequado aos
discursos de qualificação profissional.
Então não fica difícil de concluir que os primeiros “professores” de perfil mais para
“instrutores”, foram preparados levando em conta a realidade social e objetivo-material,
preconizada nos discursos de discriminação étnica, de trabalho, de sociedade e de produção.
A propósito, tudo leva a crer que no Instituto Imperial Baiano em 1859, nos Institutos que
vieram a seguir nos estados de Sergipe, Rio Grande do Sul e nos Institutos Politécnicos de
Agricultura, Escolas de Agricultura do Pará, do Maranhão
83
, e mais, nos Institutos Normais
de Agricultura formaram-se, embora poucos, os primeiros profissionais de nível superior
responsáveis pelos primórdios do ensino agrícola profissionalizante.
De acordo com Kuenzer (2001) as primeiras experiências de educação profissional
tendo o Estado propugnado em 1909 delineiam-se com a criação de 19 escolas de artes e
ofícios nas diferentes unidades da federação, as quais seriam precursoras das escolas técnicas
federais. Essa afirmação de Kuenzer condiz com as nossas investigações nos documentos
legais ou mesmo fontes secundárias publicadas pelo Ministério da Agricultura (Miranda,
1949).
De certo, a conjuntura político-econômica e cultural do Estado está relacionada ao
campo acadêmico dos educadores profissionais. Por meio de pensamentos sobre os processos
educativos e os planos de instrução pública significaram e deram sentido prático a relação
trabalho e educação. Não obstante, os educadores-profissionais mantiveram-se articulados à
sociedade política e às elites econômicas estrategicamente mobilizadas na “construção
83
Oliveira (1998) em trabalho anterior apresentou uma contextualização do ensino agrícola no modelo social e
econômico desenvolvimentista, onde citamos Guy Capdeville (1991) que fez um levantamento minucioso sobre
as instituições do ensino agrícola superior e profissionalizante. No entanto, o autor, professor da Universidade
Federal de Viçosa se limita a descrição de fatos e raras contextualizações.
90
institucional” pelo capital cultural que os qualificava. Então, o período que efetivamente
aponta para um quadro de organicidade de níveis e modalidades de ensino aglutinando as
esferas federal, municipal e estadual, encontra-se na pós-Revolução de 1930. É de amplo
conhecimento no meio dos estudos sobre a política educacional que a história (em que pese o
campo ideológico dos educadores e pesquisadores dessa história) da educação brasileira no
sentido de um sistema de ensino técnico aglutinando as esferas dos estados e federal foi palco
de disputas, tal como Bourdieu analisa o campo como universo social/espaço de luta pelo
poder. Desde o início da organização da sociedade brasileira que é essa a configuração
político-ideológica, o exemplo emblemático foi à peregrinação (15 anos) da LDB/1961 no
Congresso Nacional, quando da disputa entre católicos/empresários da educação e os liberais.
2.2.2. A profissionalização na sociedade brasileira: o ensino agrícola das instituições do
Império a República.
Apoiadas pela sociologia das profissões, vimos que ao lado dos governos há as
alianças com os poderes sócio-econômicos de entidades e grupos privados de profissionais
que agem mantendo relações de trabalho no plano interno do campo acadêmico-público, onde
a maioria das vezes se interrelacionam interesses públicos e privados. No sub-campo da
educação profissional entre os anos de 1937-1945, Anísio Teixeira mesmo afastado, pelo
Estado Novo, de suas funções administrativo-pedagógica junto ao Distrito Federal, continuou
produzindo idéias contrárias ao que se produzia oficialmente, até então, na educação
profissional. Segundo ele, o que tínhamos era:
“imediatos e atuantes modelos estrangeiros, porém, dominados
ainda pelo velho dualismo para aqui transplantado ou aqui
restaurado, e que copiamos servilmente, com as nossas escolas
técnico-profissionais (‘de ofícios’, de ‘artífices’ ou de ‘aprendizes’)
imbuídas do espírito e do preconceito de uma educação popular, à
parte, antiintelectual, empírica ou simplesmente prática, como tal,
destinada às classes desfavorecidas e sem prestígio social, e de uma
educação de ‘colégios’ ou ‘ginásios’, imbuídos do espírito ou do
preconceito de uma educação de classe, qualificada, pretensamente
humanista, literária, intelectualista e teórica, destinada à ‘elite’ ou
classe dirigente (...) a constante brasileira de dualismo (mais um)
entre o Brasil que ‘resiste’ e o Brasil que se ‘adapta’ vai também
encontrar-se no ensino superior, onde se manifesta pelo conflito
entre ‘ensino livre’ e ‘ensino oficial’, paralelo ao conflito
‘alfabetização versus educação’ no ensino primário, a ao conflito
‘ensino técnico-profissional versus ensino acadêmico’ no ensino
médio” (pp.70-73).
A apresentação do ensino agrícola nos objetivos de cada uma das instituições, faz-se
necessário nessa parte da tese, onde restou-nos espaço para dialogar com os autores que
abordaram questões dos processos educativos que, Arroyo (1999) assume como sendo o lugar
onde a docência é significada identitariamente; espaço-tempo onde se fazem os caminhos da
profissionalização dos professores, no nosso caso as Agrotécnicas, os CEFET’s, as Escolas
Família-Agrícola, os Colégios Agrícolas vinculados às Universidades Federais e as ações dos
movimentos de Educação do Campo. Não pretendemos apresentar essa parte de forma
alinhada para ir definindo as instituições, mas de acordo com as idéias e objetivos e a atuação
docente que se espera no projeto ou modelo de formação a ser definido.
Portanto, voltamo-nos para um espaço-tempo de heterogeneidades de projetos de
formação e profissionalização do técnico e do docente. Ficamos perguntando a nós mesmos,
91
motivadas pela leitura da entrevista que fizeram com Nilda Alves, de título No cotidiano da
escola se escreve uma história diferente da que conhecemos, se é correto que a nossa tese
transite pelos conceitos das representações de mundo rural, da relação social de trabalho e
educação nos processos de constituição identitária docente. Acreditando que sim, fizemos
todo um esforço de contextualizar as idéias e pensamentos, nos registros de teóricos da
cultura, educação, profissão e sociedade remontando o cenário político-ideológico do discurso
republicano do progresso, do nacionalismo desenvolvimentista até as nossas ultimas décadas
de neoliberalismo e globalização.
Sobre a entrevista de Nilda Alves (2002), a entrevistadora perguntou a ela se as
pesquisas têm ajudado a ela na percepção das mudanças e avanços no jeito de ser da escola,
ou ainda, não haveria mudanças e o que escrevemos são novas versões. Por meio da resposta
da renomada educadora
84
, obtivemos informações valiosas que nos valeram para prestar
atenção em um livreto publicado em 1949
85
que, por vezes, não prestamos a devida atenção
no mesmo. A entrevista dela associada ao livreto levou-nos a reflexão sobre a “farsa” que
supostamente foram os processos educativos nas primeiras instituições e, em especial, os
Patronatos e Aprendizados agrícolas criados em 1910 e institucionalizados em 1918 e extintos
até meados de 1940, quando passaram a Escola de Iniciação e Mestria Agrícola e Escolas de
nível técnico pela Lei Orgânica do Ensino Agrícola
86
.
Por que nos referimos a “farsa”? Nilda Alves respondendo à entrevistadora, a respeito
da pesquisa que ela desenvolveu com o propósito de escrever a sua tese de candidatura à vaga
do concurso de professora titular na UFF, deixaria em evidência um tempo-espaço escolar,
mergulhado no cotidiano de “práticas educativas não realizadas”. Práticas que se
desenvolveram apenas no discurso e nos acordos das políticas educacionais do prefeito do
Distrito Federal (RJ), Mendes de Morais entre 1947 a 1951. Segundo Nilda Alves,
“em uma pesquisa sobre o espaço escolar
12
, soubemos que no
governo de Mendes de Morais
13
, foram criadas escolas rurais, no
Distrito Federal, numa época em que este se urbanizava e
industrializava aceleradamente. Isso teria ocorrido como
demonstração de apoio à política acordada com os Estados Unidos,
depois da Segunda Guerra Mundial, de devolver as pessoas ao
campo, o que era desejado por aquele país “aliado”. Buscava-se
com isso, a volta ao estado anterior, ou seja, que eles continuassem
industrializados e que nós retornássemos ao status de produtores
agrícolas. Diversas ações forma desenvolvidas, naquele momento,
visando “volta ao campo”. Uma dessas iniciativas foram as famosas
“missões rurais”. A primeira, a mais importante, a única que, quase
deu certo, foi a Missão de Itaperuna, no norte fluminense (...) eles
criaram, em pequenas cidades no interior, todo tipo de atendimento
que inexistia até então, como cursos para professores em zona rural
e algumas iniciativas
para melhorias das escolas rurais (...) Tudo
isso para que o Brasil percebesse como era bom viver no campo
84
Atualmente é professora da UERJ. Ela participou ativamente da organização e estruturação da ANPED e
ANFOPE. Enfim, é uma educadora reconhecida no meio educacional. Essa entrevista narra uma história que
muitos contam na época das escolas-polo ou escolas-modelo dos acordos americanos no Brasil. Posto isto, a
citação de Anísio que apresento nessa seção, quanto aos processos educativos duais no ensino técnico e
revestidos de farsa, nos parece bastante significativo.
85
O livreto a que nos referimos é: Costa, Sizenando.A Escola Rural, publicado pelo serviço gráfico do IBGE, no
Rio de Janeiro.
86
Por exemplo, o Colégio Ildefonso Simões Lopes, atual Colégio Técnico da Universidade Rural – CTUR; a
Escola Agrotécnica Federal de Barbacena, o Colégio Agrícola Nilo Peçanha da UFF, o Colégio Agrícola de
Bananeiras da UFPB, a Escola Agrotécnica de Sergipe, etc.
92
novamente e como era ruim ir para as cidades (...) na política oficial
brasileira sempre há vitrines para mostrar que se busca atender a
determinado objetivo que conta, em geral, com o apoio da imprensa
(...) ficamos sabendo de coisas interessantes sobre a criação do que
foi chamado de ‘escola rural’. Foi feito um acordo com o Ministério
da Educação que defendia a idéia de que as escola rurais eram
prioridades. Então Rio de Janeiro – urbanizando e industrializando
– o principal projeto de governo era o de fazer escolas rurais. No
papel era um projeto grandioso, copiado das escolas rurais
americanas; previa clube de mães, museu da região rural, salas
ambientes etc. Mas o projeto que o governo financiava era uma
escola de quatro salas (...) um projeto para se colocar na vitrine e
enganar o público (...) o professor Francisco nos contou um
episódio bem interessante. Disse que quando se estava inaugurando
uma escola rural, em plena zona urbanizada, insisto, o prefeito
Mendes Morais chegou para a solenidade. Ele abria uma torneira,
para mostrar que tinha água caindo, apertava um interruptor, para
mostrar que tinha luz, já que, segundo palavras do professor
Francisco, ‘não era igual a hoje, pois se não funcionasse, e não
tivesse tudo nos trinques para ser inaugurado, o engenheiro levava a
maior bronca” (...) ele lembra que essa escola era feita para
funcionar como rural e diz: ‘tínhamos casas de abelhas, galinheiros
na forma de apartamentos, porque umas galinhas maravilhosas (...)
e pensamos, essa escola vai funcionar! Vamos ter galinhas, hortas.
Porém, logo após o prefeito ir embora, chega o mesmo caminhão,
encosta, tira as galinhas, com o responsável dizendo que “”temos
que levar as galinhas porque vai ser inaugurada outra escola rural””.
Então essa idéia de vitrine, de coisa que tem que ser exposta, num
determinado momento, um acontecimento para ser fotografado, mas
que na verdade nunca funcionou” (pp.90-92).
Quando recorremos às fontes de pesquisa, é porque sabemos que as mesmas guardam
na memória as relações sociais e/ou culturais que nos ajudam nas significações dos
significantes (imagens, fotografias etc.) de uma dada realidade. Admitimos ao olhar as fotos e
desenhos que compõem as idéias de escola rural e de formação na proposta pedagógica do
livreto, que havia na nossa sala de professores, algumas semelhanças com a realidade narrada
na entrevista da professora Nilda Alves. Como nós nunca tínhamos percebido que as fotos e
imagens do livreto são desprovidas de movimento? Nelas estão jovens com vestimentas que
não condizem às que normalmente são usadas nos trabalhos de cultivar a terra e de colheita.
São imagens de um cotidiano escolar-rural representado nas práticas urbanas.
Assim sendo não pudemos deixar de chegar à conclusão sobre os processos educativos
dos primeiros professores que estão na base de consolidação do ensino agrícola. Tais
processos forjaram uma identidade docente centrada mais na idealização de um projeto
econômico do que na prática ou na realidade cotidiana, que Arroyo diz ser o lugar por
excelência de significar ou apreender o real. Impossível diante desse fato não lembrar da
política de branqueamento por detrás da vinda dos imigrantes. Essa é e sempre foi uma
estratégia político-ideológica para lidar com as massas, a farsa do fazer de conta.
Como disse anteriormente, não nos propusemos a fazer análises mecânicas a respeito
da educação profissional agrícola. Por isso tomando os dados da entrevista de Nilda Alves e
os demais documentos (alguns já citamos anteriormente) sobre o início do ensino agrícola,
questionamos as medidas da política educacional oriundas das reformas no período Imperial
propugnadas ao ensino agrícola. A maioria das medidas aparentemente se baseou nos
princípios liberais próprias dos discursos das elites intelectuais que desde o início do século
XIX clamavam pela abolição dos escravos, desde que as instituições não mexessem nos seus
93
privilégios
87
. Guy Capdeville (1991) descreve essa passagem da história do ensino agrícola
como sendo de mais insucessos e expectativas não realizadas do que de êxitos e realizações.
Fato óbvio de entendimento, quando refletimos sobre a condição humana escravizada para a
produção agrícola e uma ciência da agricultura sem quase nenhuma expressão simbólica de
progresso social. Qual a família que incentivaria seus filhos a trilharem uma carreira
profissional marcada pela escravidão. Guy Capdeville transcreve o discurso D.João na Carta
Régia de 25 de junho de 1812 numa passagem de sua tese de doutorado. A intenção do
Príncipe era a instrução pública em Agricultura ofertada, no dizer do autor:
“aos habitantes da capitania, dado a ‘total falta de conhecimento
próprios deste importante ramo das ciências naturais não têm
prosperado no Brasil algumas culturas já tentadas...’ por isso sua
Alteza resolveu facilitar a seus vassalos a aquisição dos ‘bons
princípios da agricultura, que sendo uma das artes que exigem
maior número de conhecimentos diversos, não tem sido até agora
ensinada pública e geralmente; mas antes aprendida por simples
rotina, do que provém o seu vagaroso progresso e melhoramento
(...) pretendia assim D. João equipar de conhecimentos
agronômicos os habitantes do Brasil, e, para isso, já providenciaria
a criação de ‘hortos reais’, aos quais se atribuíam funções tanto de
ensino quanto de pesquisa e de extensão” (p.44)
Então nos Hortos (mais tarde Jardins Botânicos), segundo a lei, seriam locais para
escolas de agricultura, centros de pesquisas, cursos de assistência e divulgação de estudos de
inovação das técnicas agrícolas por meio de boletins; Segundo Guy
“os planos de D. João era de fornecer profissionais para as novas
exigências da colônia, dentro de uma visão bastante utilitarista da
ciência, nos moldes do iluminismo em que o príncipe fora educado
(...) na verdade desde 1796 já existiam os hortos (...) o
Regulamento n
o
15, de 1
0
de abril de 1838 ‘crea na Fazenda
Nacional da Lagoa Rodrigues de Freitas uma Escola de Agricultura
theórica e prática’ (...) o modelo agroexportador da agricultura
nacional, baseada na monocultura latifundiária e no trabalho
escravo, ‘exigia um mínimo de qualificação e diversificação da
força de trabalho (Freitag, 1986) a ser preenchida pela escola’
(ibidem, p.47). As funções de reprodução das relações de
dominação e da ideologia dominante eram satisfatoriamente
preenchidas pelas escolas então existentes, não se justificando,
assim, esforços especiais para a criação das escolas agrícolas.” (p.
46)
Com o Ato Adicional de 1834 (Lei n
o
16/12) as medidas se dispuseram à criação de
escolas elementares, a normatizar o secundário (somente existiam as aulas-régias avulsas,
foram criados os Liceus), os vocacionais (só tinha o comércio), os de instrução pública em
geral. Os de nível superior e o Colégio Pedro II eram legislados por “leis gerais” (decretos do
Império). A partir da década de 1830 surgiam lentamente os cursos de formação de
professores, na modalidade Normal de nível secundário. No ensino agrícola secundário
87
Sabemos dos “parasitas” que se alimentavam pela arrogância de seus discursos e proselitismos, nesse grupo
havia conservadores e liberais, que preocupados com os discursos se esqueciam da distancia entre esses e as
condições materiais e objetivas necessárias à implementação das medidas para o ensino público e gratuito, além
da formação dos professores. Naquela primeira Constituição do período Imperial garantias foram reservadas ao
ensino público e gratuito ao povo, sob a competência das províncias.
94
apenas poucos se interessavam pelos Institutos (Imperiais, o primeiro na Bahia em 1859) ou
Escolas de Agricultura (nas províncias), a não ser os desvalidos da sorte e órfãos
compulsoriamente matriculados nos Asilos Agrícolas fundados a partir de 1860. As primeiras
medidas para o ensino agrícola pelo Ministério da Agricultura, Indústria e Obras Públicas,
desde a sua criação em 1860 e logo na República como Ministério da Agricultura, Indústria e
Comércio (MAIC), pareceram tênues diante do desinteresse do público pelo ensino
profissionalizante agrícola. Por volta do final do século XIX e início do XX essa modalidade
de ensino carregava marcas da reprodução social (de classe), de uma economia em bases
escravistas e uma distribuição fundiária solidificada na monocultura. As escolas de nível
secundário/profissional agrícola foram precursoras das escolas de nível superior ainda da
época do Império. Passado o Império e iniciada a República o ensino profissional e técnico no
Brasil engatinhava e permanecia como ensino especial fora do MEC
88
. Ao Ministério da
Agricultura cabia a criação, organização e controle dos cursos profissionais, no início da
República. Em 1909 foi instituída a rede federal de escolas industriais e logo surgiram 19
Escolas de Aprendizes e Artífices, uma em cada estado do Brasil, os formados saíam dessas
escolas como “contramestres” ou operários.
Peterossi (1994) e Miranda (1949) sugerem que os professores do ensino técnico
agrícola, entre o Império até meados da década de 1940, obtiveram a “licença” em processos
de profissionalização no próprio ambiente prático dos Institutos Agrícolas ou das escolas
normais rurais ou, ainda, nos cursos avulsos de Aperfeiçoamento e Especialização. Mais
tarde, o Decreto n
o
8.741/42 criaria a qualificação do Técnico em Educação Rural, com a
intenção de um profissional mais gabaritado para ensinar. De uma forma geral, como
primeiros professores do ensino técnico, a literatura se reporta aos profissionais formados nas
escolas superiores de história natural, botânica, engenharia, direito, medicina, agronomia,
veterinária, etc. As primeiras tentativas de profissionalização de técnicos se deram em locais
que pouco tinha em comum com as escolas técnicas de hoje, pois havia ainda uma forma
artesanal e fragmentada de produção e currículo. Segundo Miranda o decreto n
0
5.957 de
23/6/1875 ao aprovar o Estatuto da Imperial Escola Agrícola da Bahia atribui-lhe a finalidade
de
“generalizar no país os conhecimentos da sciência agrícola pela
recepção de alunos internos e externos e de ouvintes no curso das
matérias que se professarem na escola. Estabeleciam, ainda,
aquêles referidos estatutos, o que o ensino profissional de
agricultura ficasse dividido em dois graus: elementar e superior.
O ensino elementar habilitaria os “Operários” e “Regentes
agrícolas e florestais” (p.13).
Notem que no período em tela, para que os escravos tivessem a aprendizagem de um
ofício artesanal (semi-educação profissional) era recomendada uma autorização do poderio
local
89
, para aqueles que tivessem nascido após a Lei do Ventre Livre. Soares (2003) aborda
essa questão retratando minuciosamente a história das primeiras instituições
profissionalizantes (práticas), demonstrando as diversas fases de uma modalidade em
educação que carrega as permanências e ambigüidades geradas na base da ciência positivista e
dos pensamentos pedagógicos disciplinador e civilizador. Neste período com toda forma
fragmentária dos saberes e das disciplinas, a ciência compõe o universo simbólico das
primeiras instituições de ensino secundário e superior em substituição ao conhecimento
88
Até a LDB, n.
o
4024 de 1961, os ensinos na modalidade agrícola, industrial e comercial ficaram sob a
jurisdição do Ministério da Agricultura por serem denominados como especiais. Na atualidade apenas o ensino
militar permanece fora da legislação do MEC.
89
Maiores detalhes ver Soares (2003).
95
humanista “bacharelesco”, configurados na geração de 1870; enquanto nas instituições do tipo
“técnico”/profissionalizante a técnica encarna a forma instrumental do progresso e da
industrialização.
A rigor os Patronatos e os Aprendizados agrícolas ainda não seriam as instituições de
socialização secundária a incluírem de modo sistemático e instrucional, a técnica agrícola
consagrada no universo simbólico e científico do discurso da superação do “atraso” e do
moderno, ou seja, não eram instituições efetivamente de qualificação. Criados entre os anos
de 1910, os Aprendizados prosperaram até o início da implantação das medidas dos cursos
técnicos da política educacional do Estado Novo, do Ministro Gustavo Capanema. Essas
instituições de caráter assistencial e disciplinadora vingaram na década de 1920-30, em meio
à política de urbanização e remodelamento das grandes capitais brasileiras.
Verificamos em Oliveira (1998), Figuerôa e Oliver (2006), Werle (2001), Mendonça
(2006), Milton Oliveira (2003), Soares (2003), Feitosa (2006) e Nascimento (2004) que os
Patronatos e Aprendizados foram institucionalizados com objetivos e finalidades educativas
pautadas no disciplinar mais do que na formação para uma profissionalização de ofícios.
Todos os patronatos, embora com um discurso legal assistencialista de preparação de
“cidadãos úteis”, não passaram de estabelecimentos designados para abrigar a infância e
juventude pobre. A seleção para ingresso nos patronatos dava-se pela polícia, após registros
de queixas por “pequenos delitos” (cf. MILTON OLIVEIRA, 2003). Entretanto, sinalizariam
uma estrutura educativa que encarnaria tenuamente o papel de socialização profissional, do
tipo praticista, orientada para integrar a escola nas relações de produção do trabalho agrícola.
Diziam os estudiosos do tema que os patronatos visavam formar os “cidadãos úteis”
(MILTON OLIVEIRA, 2003).
Quanto a Miranda (1949) do MAIC/CENEPA, este se posiciona ingenuamente,
diferentemente dos demais referenciados, considerando os Patronatos como ensino
profissional elementar e médio exatamente ao contrário dos demais. Para ele “além da
instrução primária e cívica, noções práticas de agricultura, zootecnia (...) objetivando uma
obra de ‘previsão social e econômica’, os patronatos agrícolas destinavam-se, ao
aproveitamento de menores abandonados ou sem meios de subsistência por falta de ocupação
legítima” (p.111). Nesse posicionamento, notamos que, na sua ingenuidade ou cumplicidade,
Miranda parece desvalorizar duplamente o ensino agrícola. Primeiro quando afirma que os
abandonados seriam “aproveitados” – como mão de obra. E, segundo, “por falta de ocupação
legítima” – a agricultura em 1940 não seria ainda uma profissão legítima? Não se obtém uma
qualificação por meio dela? Até aqui constatamos a dualidade que Anísio Teixeira analisou,
naquela mesma época, o ensino técnico-profissional.
Segundo, Miranda os patronatos perante aos aprendizados agrícolas eram menos
capazes de darem uma orientação do que o aprendizado da “técnica agrícola” (Miranda, 1949;
pp.74-95), uma vez que em níveis elementares e médios, atenderia alunos na faixa etária dos
14 aos 18 anos. Dispunham de cota, pois 60% das vagas eram reservadas para os filhos de
pequenos agricultores, industriais rurais e trabalhadores rurais. Os aprendizados foram criados
em 1910 e os patronatos em 1918, sendo extintos e substituídos no período da Lei Orgânica
do Ensino Agrícola de 1946, pelos cursos primários de Iniciação Agrícola (“operário agrícola
qualificado”), Mestria Agrícola (mestre agrícola), Escolas Agrotécnicas (técnicos agrícolas
em sete habilitações a serem escolhidas pelo candidato ao curso técnico) e num ato inédito os
Cursos Pedagógicos destinados ao ensino agrícola das disciplinas peculiares e de pessoal
administrativo, a saber: Magistério de Economia Rural Doméstica, Didática do Ensino
Agrícola e Administração Agrícola (MIRANDA, 1949; p.99).
Nascimento (2004) fez um estudo de caso sobre um Patronato, de 1924, logo depois
transformado em Aprendizado, que existiu e que hoje atende como Escola Agrotécnica
Federal de Sergipe. Reconstituindo a memória, Nascimento encontrou uma série de
96
documentos e fotografias que lhe permitiram constatar que o Patronato e o Aprendizado
objetivavam finalidades focadas em ações corretivas e disciplinares de mentes e corpos.
Instituições para civilizar os “vadios incivilizados”, mais do que de fins educacionais ou
preparatórias para uma vida útil, cidadã, vislumbrada no discurso democrático de muitos
educadores republicanos daquela época. Nascimento sintetiza:
“o ruralismo pedagógico, que foi muito forte no cenário
educacional brasileiro da década de 1920, teve como arautos alguns
pensadores sociais do começo do século, como Sílvio Romero e
Alberto Torres. Estes intelectuais pretendiam transformar o ensino
primário em instrumento de fixação do homem ao campo,
amortizando os impactos causados pelo movimento migratório,
numa cruzada de ‘valorização do país agrícola’, através da
regionalização da escola e do ideário ruralista nas instituições
escolares (...) dentre outras necessidades, os patronatos também
apareciam como ação governamental que fazia intervenção sobre o
momento do problema da instrução popular, visto como solução
para o que se costumava denominar de atraso intelectual (...) o
caráter técnico tão propalado pela República, ficara, portanto,
restrito apenas à educação superior agrícola, enquanto a instrução
agrícola havia assumido o caráter assistencial (...) a partir da posse
de Getúlio Vargas na chefia do Governo brasileiro, em novembro
de 1930, foi anunciado um programa de reconstrução nacional (...)
o novo modelo de ensino agrícola proposto pelo Governo Vargas
buscava evidenciar que a capacitação para o trabalho, quando
acompanhada da transmissão da cultura, era uma importante
ferramenta para formar o cidadão” (pp.254-258).
Não obstante, a formação de professores e administradores para o ensino agrícola de
nível médio/técnico estava sendo prevista nas Leis Orgânicas do Ensino Agrícola de 1946.
Este foi um importante marco, na medida em que a partir daí existiria uma intenção de
qualificação docente dos engenheiros ou mesmo de técnicos para uma profissão no magistério
do ensino agrícola. Sabemos de ações similares, mas essa esteve dirigida para uma
profissionalização desses professores, integrando-os nas políticas de modernização e
burocratização das estruturas de Estado. Quanto as Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras,
criadas a partir da década de 1930, permaneceram até a época da Reforma Universitária
formando professores da educação básica (química, física, matemática, história natural, etc.),
quando as Licenciaturas iniciariam a sua hegemonia na formação de professores. Na LDB/61
os professores da educação profissional foram destinados à formação nas Escolas Superiores
de Educação Técnica, conforme artigo 59 da Lei (Oliveira, 1998), mais uma vez no espírito
da qualificação profissional dos especialistas na educação profissional.
Em que pese toda a trajetória de contradição e dualismos nos projetos de ensino
agrícola a formação de seus professores carrega, como podemos observar, na denominação
dos primeiros cursos e escolas, a identidade da educação, a identidade da qualificação, da
profissionalização de especialistas. Não à toa os primeiros cursos foram denominados de
“Regente Agrícola”, “Técnico em Educação Rural”, “Didática do Ensino Agrícola”. No
trabalho de Werle (2001) pudemos encontrar informações sobre as “Escolas Normais Rurais”,
que segundo a autora:
“constituíram de homens para o magistério de primeiras letras num
movimento vinculado à necessidade de estancar o êxodo para as
zonas urbanas e à importância de desenvolver lideranças religiosas
rurais que também promovessem a utilização de tecnologias mais
97
avançadas para o mundo rural (...) final dos anos 1920 e 1930
constitui-se uma proposta coadunada as teses da “ressurreição
agrícola no Brasil” e as teses de Belizário Penna que voltavam-se
para um projeto de higienização da cidade, tanto na dimensão de
contenção do migrante, como na de valorização de questões morais
e sanitárias” (p.2-3).
Quanto aos caminhos percorridos ao longo da institucionalização das medidas da LDB
de 1961 e das reformas da ditadura até o início da década de 1990, em que pesem os
diferentes intuitos ideológicos e abordagens pedagógicas, a educação profissional carregaria
as marcas das dualidades constituídas nas relações sociais de produção agrícola e industrial.
Contudo, os ranços do passado, em forma de permanências/ambigüidades, diante das
transformações sociais, tecnológicas e de produção a partir de 1990 estão tencionados, pois
entram em choque valores antigos sem vínculos subjetivos com o novo, formado nos
processos de integração da educação técnica à propedêutica, onde novos arranjos
institucionais difundem uma profissionalização de qualificação e não apenas de treinamento
vocacional.
A cefetização das agrotécnicas ou escolas técnicas e, mesmo, as técnicas vinculadas às
universidades federais e estaduais elevam a concepção de educação profissional tal como o
ensino superior, quando se apóia na indissociabilidade entre saber-fazer. No ambiente
institucional onde se situam as instâncias produtoras de discursos e os atores políticos
implicados nas medidas das reformas educacionais, voltadas para a formação profissional e
tecnológica dos profissionais do magistério na América Latina e especialmente no Brasil,
verificar-se-á o nível de efetividade da implementação e as metas de reestruturação do modelo
de formação profissional, bem como o grau de ajuste desse modelo aos papéis esperados e
seu possível direcionamento a um tipo específico de organização escolar-profissionalizante, a
exemplo dos Cefet’s agrotécnicas
90
. Assim, faz-se necessário remeter a noção de
competências, concebida como paradigma de formação, conforme exposto nos textos de
formação e regulação profissional editados pelo Conselho Nacional de Educação Superior e
pelas Portarias ministeriais e Decretos da Educação Básica e Profissional, cujos discursos às
vezes contradizem a própria concepção da noção. Nos diversos pareceres que vão desde a
90
Vale nos deter num comentário sintético sobre a questão, na medida em que a mesma remete à relação
instituição/papéis e funções profissionais e identidades docentes. Este termo cefetização foi cunhado na
atualidade, aproximadamente, década de 1990, tem sido comumente utilizado pelos intelectuais orgânicos a
serviço da sociedade política, bem como pelos intelectuais das entidades civis vinculados a pesquisa e
profissionalização que têm criticado a banalização da estrutura educacional CEFET pelos “oportunistas” que
pretendem através de alianças políticas locais e nacionais a transformação de Escolas Agrotécnicas em CEFET’S
Agrícolas. Como as instituições agrotécnicas estão situadas em locais estratégicos, principalmente aquelas
implantadas pelo MEC/DEM no período da Ditadura em face do modelo tecnológico e agrário pretendido, ainda
na década de 1990, os acordos políticos continuaram em torno de interesses locais de grupos correligionários
(ver NASCIMENTO, 2004). Cunha (2003) trata sobre o processo de cefetização desde a reforma universitária de
1968, tempo em que os CEFET’s seriam alternativos às classes de trabalhadores para o nível superior. A política
educacional criou medidas para a multiplicação de cursos técnicos e de tecnólogos aligeirados nos CEFET’s (de
curta duração), cuja justificação política estaria na correlata relação de uma base de formação de profissionais
para acelerar a tecnificação das estruturas de produção em moldes e escala industrial. O raciocínio de Cunha toca
no cerne da questão do oferecimento de cursos de curta duração. Caso continuassem a ser criados e
permanecessem na universidade, local dos cursos de longa duração, pela natureza em estudos mais profundos, os
cursos longos poderiam atrair para si os estudantes dos cursos curtos, poderia se ter o risco de colocar “abaixo”
toda a política educacional ancorada na idéia de 2º grau (ensino médio/técnico) de profissionalização
compulsória, principalmente para os filhos da classe trabalhadora. Daí a necessidade acelerar o processo de
cefetização. Um curso de curta duração muito conhecido naquela época foi o de engenheiro de operação, logo
nas décadas seguintes chamado no CEFET de tecnólogos. Segundo Cunha, entre as décadas de 1960 a 1970
esses cursos receberam apoio técnico e financeiro, respectivamente, da Fundação Ford e Banco Mundial.
98
educação básica, profissional, até aqueles sobre a formação de professores, a noção ampara-se
ora em certo cognitivismo, que respalda a autonomia do indivíduo de forma que o próprio
trace o seu percurso de profissionalização, ora num reducionismo que apenas pretende o
cognitivismo com o intuito de adaptar o indivíduo à “cultura” do mercado (prática construída
na e pela cultura organizacional).
Vale lembrar seguindo as orientações de Bourdieu (1998), que na relação estrutura-
ator as ações não são por parte do ator atos mecânicos, é sempre uma relação de ações
reflexivas/subjetivadas. Caso contrário, estaríamos reduzindo a realidade do ensino agrícola
ao modelo das agrotécnicas, no entanto outros modelos estão transformando a educação
profissional agrícola, incorporando a diversidade de socialização de sujeitos do campo. A
Educação do campo é um conceito construído nos Fóruns dos movimentos sociais e das
instituições organizadas em bases das associações de produtores e os municípios (Escolas da
Pedagogia da Alternância), além de outros. O trabalho do professor nas Escolas Agrotécnicas
não é mais apresentado como uma atividade “civilizatória” seguindo as prescrições das
“missões”. Como também o trabalho no ensino agrícola não se dá num “oásis” bem equipado
tecnologicamente, em meio ao “deserto” incivilizado do “atraso” agrário. Muitas destas
escolas mantêm estreitos laços com as comunidades locais e regionais, inclusive fazendo
parte, contribuindo no Plano Diretor das prefeituras. Outras escolas estão em territórios
contestados, de disputas políticas fundiárias. Em muitos casos, os sujeitos da práxis
educacional até participam das disputas, mediando interesses de grupos privados e
comunitários do espaço rural.
Não nos esqueçamos de que muitas escolas e universidades foram estrategicamente
criadas, no início do século XX, para interferirem nos processos de adoção de tecnologias
com o intuito de conferir um caráter técnico à agricultura pela formação de mão de obra.
Além disso, muitos dos nossos alunos e professores, como atores da sociedade civil, têm uma
longa história de militância nas associações ou movimentos sociais do campo. Falar de apenas
uma ou duas visões relacionadas à construção de docência é, portanto, manter a idéia
determinista do trabalho pedagógico cognitivamente orquestrado, o que é diferente de ser
compreendido como trabalho intelectual, inteligível, epistemologicamente aprofundado nas
diferentes perspectivas socioculturais. Pensar em um único modelo de formação ainda assim
aligeirado, é continuar a formar professores na lógica produtivista mercado-escola ou,
sobretudo, reduzir as identidades profissionais a um perfil curricular
91
. A noção de
competências vem sendo introduzida pelas políticas educacionais da reforma iniciada em
1990, traz o sentido e a imagem demonizada do professor, de um profissional defasado
porque ainda ensina com as ferramentas da modernidade. Essa noção levanta a diferença de
um professor engajado na pós-modernidade, atualizado para trabalhar no século XXI,
dominando as ferramentas tecnológicas e virtuais, bem como formando um jovem gestor. O
significante imagético na educação profissional segundo a pedagogia das competências se
reporta a palavrinha mágica “empreendedor”; um professor competente forma o “gestor”.
91
Pessoa (1999) e Beltrame (2000) enriquecem as nossas intervenções, apresentando a relação da escola-família-
comunidade nos processos de construção de saberes e significantes da docência ligada às identidades coletivas do
campo. A participação de muitos professores nas instâncias de educação no meio rural, a partir da década de 1960, tem
se configurado quase como uma forma de militância em duas principais frentes: nos processos de participação junto as
Escolas da Família Agrícola que se torna uma importante referência de educação do campo, na atualidade existem
mais de 180 estabelecimentos no território nacional. Estas escolas têm inclusive servido de referência para algumas
escolas federais agrotécnicas devido ao seu projeto educativo estar firmemente consolidado na relação escola-
comunidade-família, subsidiado curricularmente pelas concepções de Agricultura Familiar e as diversas tendências da
Agricultura Sustentável e da pedagogia de Paulo Freire (PESSOTI, 1995). A outra frente idealizada num projeto
educativo focaliza o projeto de sociedade socialista que nasceria de um espírito associativista dos trabalhadores do
campo no Brasil. As escolas dos assentamentos do MST, das comunidades atingidas pela exclusão social nasceriam
dos vínculos políticos de atores sociais identificados pelo
ideário pedagógico das vertentes da pedagogia libertadora de
Paulo Freire, Makarenko, Pistrak, Leontiev, Luria e etc.
99
Mas, refletindo, ficamos nos perguntando, será que é isso que precisamos formar nos jovens
da educação do campo (agrícola)? O que nos dizem os documentos das conferências, das
diretrizes operacionais e curriculares, dos fóruns diversos de educação do campo, contradizem
a pedagogia das competências. Em síntese os documentos assinados por entidades como
UNESCO, MST, INCRA, UNDIME, CNTE, etc. se referem ao ensino profissional agrícola
como parte da Educação do Campo, onde se espera um professor engajado nos movimentos
em defesa da diversidade ambiental e político-cultural para lidar com os desafios do ensinar a
produzir segundo os princípios pedagógicos da construção de conhecimentos a partir da
reflexão e da participação e da realidade multicultural campesina.
2.3 A Docência na educação técnica: identidades sócio-profissionais em meio aos
pensamentos institucionalizados e instituintes.
A respeito dessa incursão nas idéias ou episódios vinculados à história social das
instituições educacionais modernas e à formação dos seus intelectuais-professores,
engenheiros-professores, médicos-professores, agrônomos-professores, dentre outras
identidades dos profissionais construídas e ressignificadas na educação técnica, valeu-nos
aprofundá-las no decorrer da pesquisa que foi desenvolvida no Centro Federal de Educação
profissional Agrícola/MG (um CEFET) para chegarmos à elaboração dessa tese. Temos como
pressuposto o fato de a ciência moderna ter se estabelecido como âncora do progresso social e
tecnológico, porque se consolidou como pensamento hegemônico e prática cultural (apoiada
politicamente pelo capital), na dinâmica do processo de industrialização. A ciência moderna é
a filosofia e a materialização do positivismo na sua racionalidade instrumental. A filosofia é o
dogma ou a doutrina que na versão científica tornou-se dominante para quaisquer níveis dos
processos de formação acadêmica e de profissionalização docente até os dias de hoje.
Ao falarmos de prática de ensino, logo os licenciandos em qualquer área do
conhecimento, aplicado ou não, remetem ao imaginário da instrumentação didática, que
visualiza os meios práticos de ensinar a instruir. A definição de Prática de Ensino em meio à
profissionalização de bacharéis é o exemplo de um imaginário de professor que domina a
técnica de instruir, pois se assenta na dualidade entre ciência e técnica, ciência e humanismo
ou ainda entre instrumentação e teoria
92
. Carvalho (1992) denuncia a visão simplista e
instrumental de prática pedagógica decorrente de uma ciência cartesiana que acabou por
penetrar nos cursos de licenciaturas, visto que esse se organizou na mesma idéia cientificista
básica dos demais processos de profissionalização. Sobretudo, ainda a autora observa que nas
licenciaturas e na sociedade faz-se necessário desconstruir a idéia segunda a qual “se nasce”
“se é” bom professor, fruto de concepções essencialistas que obliteram as idéias didático-
pedagógicas baseadas na relação teoria-prática.
Lidamos com diversos autores ao longo do tempo de pesquisa dessa tese, entretanto,
com o intuito de compreender mais profundamente essa racionalidade, que se instalou,
destinou e normatizou os papéis (no caso as profissões) e as formas de compreender a
realidade e as regras do mundo das organizações social-científicas e burocráticas, nesse
sentido, estabelecemos um rápido diálogo com Weber (1999) e a sociologia das profissões de
Dubar e Freidson. Dessa forma, pudemos articular esses autores aos demais que, no momento,
92
Temos dados em nossa pesquisa de campo que demonstram essa afirmação, basta verificar as tabelas
referentes às práticas de ensinar, anexos dessa tese. Quando atuamos como docente por diversas vezes na
disciplina de Metodologia do Ensino Superior do Instituto de Educação da UFRRJ, nos cursos de Especialização
para bacharéis, bem como em demais instituições, por exemplo, no Centro de Formação do Exército no Forte do
Leme no RJ, verificamos sempre o mesmo apelo dual por parte dos cursistas. Eles definem a prática de ensino
inserida num leque de conhecimentos instrumentalizados para a técnica de transmitir conhecimentos. A
dualidade Instrução x Educação é analisada de forma maniqueísta ou é uma ou é a outra.
100
discutem a gênese e a história social das instituições brasileiras de educação científica e de
profissionalização docente
93
.
Tomando ares de modernidade, inclusive pela influência da “geração de 70” do século
XIX, no século XX a educação de massa, a educação profissionalizante e o ensino superior
passam a ter uma representação do progresso nos planos de instrução pública, pelo menos na
legislação educacional e nos discursos dos governantes. Segundo Gil Villa (1998)
referenciava-se certo tipo de homem teórico. Rumo ao século XX esse “homem teórico” passa
a ser o expert (Freidson) e o pragmático. Para Gil Villa passamos para uma sociedade que
veio construindo uma visão de profissionalização que progressivamente necessita de um
professor que valoriza o conhecimento científico. Citando Fernando de Azevedo, o autor
explica melhor:
“Dizia Fernando de Azevedo, que a função social do
professor não consiste só na difusão da crítica, mas na
organização e na circulação dos bens que constituem a
herança social de uma civilização (1973, p.137). Certamente,
houve um tempo em que o professor era venerado como
representante legítimo do conhecimento. O conhecimento era,
então, um bem escasso, mas, além de tudo, seu valor vinha
dado pela confiança em seu poder na hora de transformar o
mundo natural e social e leva-lo a metas de progresso
previamente planificadas” (p. 31).
No tempo presente, considerando a possibilidade de uma nova ordem interpretativa
que emerge na realidade sócio-institucional, pode-se ressaltar que, nas instituições sociais de
formação e de pesquisa (onde ocorrem os diversos processos de profissionalização e produção
de saberes profissionais e científicos), esta ordem, vista a partir de uma lente da complexidade
e da diversidade, vem amparando a práxis de indivíduos mobilizados por produzirem novas
instituições. Dessa forma, eles respondem mais criticamente às funções e aos papéis
multifacetados e alargados na realidade cotidiana que hoje lhes reserva institucionalmente.
Neste contexto, o discurso de priorizar a contratação de bacharéis “bem sucedidos” no
mercado de trabalho, para atuar na educação técnica, faz parte do passado, mesmo que as
permanências no campo acadêmico agrícola sempre apareçam trazendo a memória das
representações produtivistas da categoria de agrônomos, os pioneiros desta modalidade de
ensino técnico. Numa época de novas demandas e competências pedagógicas e, por isso
mesmo de questionamentos com relação às práticas pedagógicas mecanicistas, cognitivistas
advindas das mesmas bases técnicas e simbólicas do industrialismo ou produtivismo,
observamos que a profissionalização docente se baseia em discursos científicos emergentes
dos seus respectivos meios intelectuais. Na medida em que novos paradigmas entram na
comunidade científica, vão influenciar os processos de socialização profissional à altura das
93
Dentre outros autores, podemos citar os aqui pesquisados; a saber: Anísio Teixeira, Educação e o Mundo
Moderno de 1971 e Educação é um direito de 1967, O Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova de 1932; Sérgio
Miceli, Intelectuais e Classe Dirigente no Brasil (1920-1945) de 1979; Antônio Nóvoa, Estudo sócio-histórico
da gênese e desenvolvimento da profissão docente de 1991 e Os professores e a sua formação de 1997; Michel
Tardif, Saberes docentes e formação profissional de 2002; Luiz Carlos Barreto Lopes, Projeto educacional Asilo
de Meninos Desvalidos: uma contribuição à História Social da Educação no Brasil de 1994; Renato Ortiz,
Cultura Brasileira e Identidade Nacional de 2003; André Paulino, Remodelação da cidade e organização do
trabalho livre: representações da ordem nas relações entre educação e engenharia nos anos de 1920 de 2004;
Antonio Perrusi, Profissão, Vocação e Medicina de 2000. Faz-se necessário ressaltar que as publicações citadas
não esgotaram a discussão sobre a história social de nossas instituições de pesquisa/ensino e profissionalização
docente, particularmente as de docência na educação técnica agrícola.
101
representações educacionais de um CEFET, que na sociedade e em meio da categoria docente
é tido como escola de qualidade e próxima da politecnia.
Por outro lado, no interior das instituições, também atuam os movimentos sociais
vindos de diversas representações de classe, etnia, cultura, visão de produção com idéias
consideradas como “alternativas” ao modelo oficial. As temáticas tendem a promover o
debate no seio institucional e de categoria profissional recorrendo aos conceitos que
interpretam a diversificação do campo de atuação e formação profissional docente. Não à toa
é que na própria educação profissional agrícola emergem novos estilos e configurações de
práticas de ensinar e aprender objetivados em posicionamentos diante dos movimentos contra-
hegemônicos ao mercado, que agride o ser humano como trabalhador e o ambiente natural
como pressuposto de construção de uma cidadania planetária.
Moreira (1994, 1996 e 2005) coloca a idéia de que, no nosso tempo, vivemos nas
ciências sociais e humanas (no pensamento científico) uma fase de transição paradigmática
que pode germinar numa nova perspectiva institucional, profissional e cultural, sobretudo
societária. Com relação a esse aspecto sobre as mudanças nas relações sociais dos indivíduos,
também cabe lembrar Maffesoli (1998). O autor ressalta que, nos tempos das tribos, a
orientação do indivíduo social (sujeito, ator ou agente) implica a sua participação em uma
multiplicidade de grupos por afinidade, e não apenas em função de uma classe/categoria
imposta pelas estruturas de dominação. Maffesoli (1998) sugere uma reflexão mais profunda
sobre o “espírito do tempo” atual, cuja intervenção social e individual possa superar o saber-
fazer e o saber-dizer da modernidade, que possa ultrapassar a determinação
estrutural/mecanicista (p. 97). Na sociedade, os movimentos sociais têm se destacado pelo
discurso da coletividade. No entanto, ao estabelecerem o caráter e/ou a natureza das mudanças
sociais proclamadas, o indivíduo está sempre na centralidade do processo que visa à mudança,
mostrando-se no papel de sujeito da história e da cultura que assim o engendra. As questões
dos movimentos sociais sempre envolvem necessidades primárias de indivíduos, das classes
às necessidades locais/individuais/comunitárias. Mas essas necessidades pessoais estão
conectadas a um coletivo para ganhar força de reivindicação, portanto passam de necessidade
para se constituírem em questões/pauta de ordem político-cultural, de forma que no futuro
essas necessidades se transformem em políticas públicas.
Essas questões e seus atores estão associados a outros atores e as outras questões de
ordem jurídico-moral; atores e indivíduos interligados em redes subjetivas transcendem o
local, o espacial, em processos identitários de luta pela emancipação das estruturas rígidas da
realidade. A luta passa pelo indivíduo em afinidade com o outro, pelo compartilhamento das
mútuas aspirações num espaço coletivo e por entendimento de suas diferenças. Nos anais das
Reuniões anuais da ANPED é possível de verificarmos inúmeros artigos e trabalhos que
discutem os resultados de pesquisas sobre processos identitários articulados em redes de
pertencimentos, buscando articular projetos emancipados das amarras científicas do
positivismo experimental. Um exemplo é o GT de Educação Matemática (etnomatemática),
GT de Educação Popular, de Currículo (Cultura, Diferença e Estudos Multiculturais).
Uma vez que os processos comunicacionais em rede articulam os indivíduos dos
movimentos sociais aos das instituições onde se dá a profissionalização em nível superior, os
campos de formação profissional sofrem abalos no pensamento engessado pelo positivismo,
bem como sofre abalos a hierarquia dos campos do conhecimento e, conseqüentemente, do
lócus em que o conhecimento é produzido e sistematizado. Uma vez que se compreende que
as subjetivações dos movimentos sociais, sob múltiplas/diversas pretensões de identidades ou
diferenças, coadunam-se em pautas de reivindicação para se fortalecerem no propósito
idealizado, provocando abalos nas estruturas estruturantes
94
, podemos dizer então que as
94
Referimos-nos aquelas estruturas objetivo-simbólico de profissionalização (disposições cognoscentes que
mediam a socialização e contribuem para provocar o processo de construção e desconstrução de identidades
102
subjetivações se dão em redes de reivindicações não tão socializadas e domesticadas como
outrora se pensava e se dera as ciências ancoradas no espírito positivista.
Os movimentos sociais vêm rompendo barreiras normativas nas esferas
institucional/contratual/jurídica (por exemplo: o movimento ambiental, negro, MST, etc),
defendendo lutas - étnicas, de gênero, ambientais - estandardizadas pelo sujeito que reage ao
instituído, requerendo os seus pleitos. É justamente a partir desse contexto, que se caracteriza
pela tensão nas relações macro-estruturais e micro-estruturais (indivíduos coletivos e sujeitos
em relações intersubjetivas tencionando as rígidas estruturas), que se faz ainda mais urgente a
criação de um outro tempo/espaço de sociedade contemporânea; tempo/espaço de mais
profundidade no saber-fazer, pois requer para a manutenção das novas possibilidades de
construções sociais, conhecimentos multifacetados e construídos reflexivamente. Tempo que
exige novas epistemologias para pensar as novas configurações do agir e do pensar, sobretudo
no que diz respeito às ciências sociais e humanas. É possível, portanto, vislumbrar mudanças
nas estruturas, pelas redes de subjetividades formadas por sujeitos que estão mobilizados e
destinados a rupturas com os discursos e práticas deterministas. A progressiva organização
dos indivíduos, de pequenas coletividades em movimentos sociais contra-hegemônicos
(descentralizados, solidários, reativos ou pró-ativos), com bandeiras ou ações de luta distintas,
todavia mantém a solidariedade como unidade. Nesse movimento, a utopia é a idéia-força
grupal e o sujeito/indivíduo está na centralidade de suas proposições de mudanças. Essa
mobilização tem impactado diversos setores políticos, econômicos e culturais, no sistema
global-local.
Desmistificando a idéia de onipotência e de fatalismo neoliberal, particularmente na
educação profissional que sofre com o determinismo do Banco Mundial. Um dos teóricos de
maior repercussão na discussão sobre políticas e direitos sociais é o português Boaventura
Santos. No programa Roda Viva, da TV Educativa, em 2002, destacou com veemência que,
no cenário político-cultural existem atores coletivos em processo de organização
internacional, com pautas gerais e específicas (o intelectual usou o exemplo do Fórum Social
Mundial que agrega mídia alternativa, redes sociais de grupos étnicos, de gênero, etc.). Na
multiplicidade do tempo–espaço de formação das redes de relacionamentos, os atores
mobilizados em entidades apresentam manifestações em atos pacíficos, ou até de
enfrentamento (por ex: movimento ambientalista); transformam o tempo-espaço em
momentos (às vezes virtualmente transmitidos em cadeia midiática mundial) de intervenção
para denunciar os desdobramentos políticos, sociais, ambientais, culturais e econômicos
originários das ações globalizantes em seus locais; mobilizam-se em redes intersubjetivas para
apresentação de projetos de sociedade a partir de valores, significados culturais e identidades
referenciadas em sua nacionalidade, etnia, crenças etc.
Nesse capítulo, portanto, assumimos o pressuposto segundo o qual as instituições, na
forma social de estruturas tradicionais (estruturante) de profissionalização e de produção
intelectual, estariam sendo modificadas em conseqüência da tensão exercida pelo campo
político-profissional e cultural de representação do ser e estar docente. Esse campo age a
partir de múltiplas interações subjetivas, utilizando as redes sócio-profissionais para se
definirem como categoria coletiva em busca de uma emancipação dos determinantes
instituídos, engendrados na trajetória escolar/acadêmica (objetivações). Os sujeitos do
pensamento sócio-profissional em busca de emancipação, ora vinculados aos centros/escolas
agrícolas, estariam em redes intersubjetivas para se definirem como protagonistas (atores) e
também sujeitos do processo de profissionalização e das mudanças curriculares nas
sociais). No caso, tais estruturas que perpassam toda a trajetória acadêmica e de trabalho do indivíduo que
corporifica o trabalho de instituição vem sendo abalada, não assegurando as subjetividades socializadas que se
mantiveram em unidade e integração dos sentimentos adequados à condição de existência e valorização do grupo
social (Bourdieu, 1998: pp128-29).
103
instituições. Na atualidade, a partir da nossa pesquisa de campo e documental podemos
constatar que o velho patronato, aprendizado ou mesmo o sistema escola-fazenda fazem parte
do passado, outros modelos como os originários da diversidade de relações socioculturais e
produtivas do campo redefinem as práticas das agrotécnicas e dos CEFET’s (como a
Pedagogia da Alternância, as Escolas do MST, etc.).
Como reflete Maffessoli (2002), no tempo das tribos os indivíduos buscam a
identificação com distintos grupos, pois buscam elementos, imagens, aparências de modo que
se sintam em pertença e em permanente relação. Por isso Bourdieu é recorrente também ao
questionar tanto a pesquisa que pretende olhar e pensar o seu objeto como coisa em si, fora
das relações de interdependência. Para o autor, o estar em relação significa os
indivíduos/grupos relacionados à habitus, as escolhas e estilos, são particularidades de
comportamentos, conhecimentos, valores, gostos que unem os agentes e os fazem se sentir
membros de um ou mais grupos sociais nos espaços sociais. Observamos nos autores ser
apropriado na análise sobre as identidades e processos sociais as idéias de diversidade,
autonomia, espírito de grupo, identidades múltiplas, ou seja, idéias formadas na história social
de onde “falam” e se “situam” os sujeitos. Os documentos originários dos fóruns (o próprio
Fórum Social Mundial e o Fórum Mundial de Educação) na realidade são declarações e cartas
políticas onde a perspectiva identitária dos grupos expressa pensamentos contra-hegemônicos.
A alteridade tem sido o princípio de defesa em meio as lutas por democracia. Isso nos tem
feito pensar sobre a interlocução solidária e o diálogo como instrumento das mediações que
unificam posições e tecem redes de relações entre os atores nos distintos grupos. Acreditamos
que tais redes tendem a instituir elos de sociabilidade mais humanitários para modificar as
instituições sociais, no sentido de desnaturalizar a idéia determinista/indeterminista de
fatalidade do sistema neoliberal e dos processos autoritários advindos desse campo de ação
globalizadora do tipo imperialista, que insiste em achar que os sujeitos estão atomizados no
espaço social, portanto sem vínculos comunitários/nacionais.
Na atualidade, a possibilidade de uma nova configuração de ordem científico-social
pela ótica da complexidade, da pluralidade, contemplando as diferentes dimensões dos grupos
sociais pode ser mais compreensível para as análises dos fenômenos institucionais e
interpessoais, em confluência nessa sociedade contemporânea. Supomos que essa
configuração consiste num campo de possibilidades que de provocar à reflexividade sobre o
papel social da universidade, no sentido da formação e profissionalização em ciências agrárias
e seus campos do saber que, na conjuntura político-cultural, parecem estar imbricados e em
permanente movimento de confluência com movimentos sociais (pela terra, trabalho,
ambiente natural etc.).
Enfim, o pensamento científico-pedagógico que sustenta os processos formativos e
profissionalizantes, hoje, cada vez mais vem ganhando sentido nos movimentos sociais como,
por exemplo, como dissemos em capítulo anterior, na educação agrícola (rural) os
movimentos sociais cunharam a idéia de educação do campo. Não basta ser técnico em
agropecuária, há no interior de cada movimento atuante no campo expectativas de um CEFET
ou Escola ser um local de intersecção entre as dimensões do trabalho e da educação conforme
a diversidade de etnia, cultura, etc. que estão ressignificando o campo. As relações sociais do
campo brasileiro ampliaram, não estão amalgamadas na agricultura somente. Portanto, as
instituições e atores abrem um campo de possibilidades que ampliam e diversificam entre o
nexo local-global os espaços e modelos de socialização. Os mecanismos (redes, inovações
tecnológicas...) e os novos conceitos (flexibilidade, reflexividade, tempo, espaço...)
95
que
permeiam a socialização docente, recém introduzidos pelos atores e/ou indivíduos que atuam
95
Ver Richard Sennett (2003), Giddens (2002), Moreira (2002;2007).
104
nas instituições de formação profissional, também podem ser indícios de alterações nas
práticas educacionais, nas concepções de profissionalização e nas relações comportamentais.
Portanto, na pesquisa de campo e nos documentos, constatamos quais os aspectos da
realidade da profissão docente da educação técnica agrícola, a partir dos anos de 1990, que
vêm sendo mais apropriados/integrados nos processo de profissionalização (a socialização
profissional); também constatamos quais as concepções/percepções de docência que os
professores possuem e o que eles entendem como profissão docente. Dialogar com essas
questões, pelo menos parcialmente, constituiu um dos desafios para comprovar a hipótese
dessa tese.
105
Capítulo III
A Pesquisa: processo de construção e revelação da tessitura do concreto segundo a
percepção dos atores.
Anteriormente, discutimos sobre o espaço social como realidade objetiva
compreendido na dialética da exteriorização, objetivação e interiorização. Nesse
tempo/espaço o indivíduo se coloca em campos de especialização onde se utiliza de técnicas,
regras, gostos, atitudes, estilos específicos todos relacionados ao campo de socialização, onde
seu habitus se forma. Vimos que o habitus
96
imprime ao indivíduo comportamentos e
percepções originárias de uma história incorporada objetivada e subjetivada no grupo ou
classe de pertenças. Segundo Bourdieu, no livro Razões Práticas (1997), as interpretações e
condutas para lidar com a realidade estão relacionadas a estilos e percepções, a uma forma
específica e particular do grupo de formação do habitus em um campo. Nesse sentido, ele
esquematizou no livro uma classificação objetiva (p.20) que nos valeu para definitivamente
incluir a categoria de habitus e campo como inerentes a nossa pretensão de articular as
percepções, concepções dos atores pesquisados ao quadro teórico.
Na socialização secundária – ao contrário da socialização primária (na família) – por
conseguinte, dispensa-se do indivíduo qualquer identificação de natureza afetiva, pois as
relações contratuais são informais. Levando em consideração o pouco ou, por vezes, nenhum
laço de afetividade, as sucessivas socializações (secundária) preparam o indivíduo para lidar
com o contexto institucional de especialização, por meio de papéis designados às funções
específicas. A linguagem e as regras formais mediam às relações informais de interesses ou
desinteresses do sujeito no âmbito das instituições, assim como vice versa. Dissemos que a
discussão da fenomenologia centra a construção da realidade/conhecimento exclusivamente
pelas subjetividades. Contudo, em Berger e Luckmann a sociologia do conhecimento lança a
fenomenologia de modo relativizado. Os autores entendem que o Homem constrói o
conhecimento, integrado em redes de relacionamentos diante de seus iguais. Todavia na
sociedade ele sofre influência e influencia o mundo social. Sobretudo agindo assim, o Homem
se enreda em subjetividades relativamente emancipadas daquelas de habitus consolidados,
pois há atores e grupos que na estrutura sofrem tensões por outros processos de regulação ou
de controle social. Para Berger e Luckmann como para Bourdieu esse seria um sintoma de um
mundo relacional.
A partir desse entendimento, os autores analisam a socialização dispensando a idéia de
que tal processo social é completo, lógico, adaptativo e prescritivo, somente. Os esquemas
práticos e as experiências não se esgotam nos processos de socialização primária, nem na
secundária, pois estão continuamente ameaçados pela dialeticidade do Homem vivendo a
dinâmica do aprender, de se colocar com os seus conhecimentos e ser questionado, por ele
96
Retomando as categorias de habitus e campo, lembramos que Bourdieu (1997) as entende como princípios
para estudar os agentes na construção social da realidade. Para o autor, os sujeitos e ou atores não dispõem de
práticas tão individualista, movidas por uma consciência plena e autônoma guiados por objetivos totalmente
racionais e mecânicos. Segundo Bourdieu, refutando o óbvio, ele diz “O que é vivido como evidência na illusio
parece ilusória para quem não participa dessa evidência, já que não participa do jogo. Os saberes procuram
deslindar essa espécie de influência que os jogos sociais mantêm sobre os agentes socializados. (...) as induções
práticas fundadas na experiência anterior, não são dadas a um sujeito puro, a uma consciência transcendental
universal. Elas são criadas pelo habitus do sentido do jogo. Ter o sentido do jogo é ter o sentido do jogo na pele;
é perceber no estado prático o futuro do jogo; é ter o senso histórico do jogo (...) ele tem as tendências imanentes
do jogo no corpo, incorporadas: ele se incorpora ao jogo (...) o habitus (...) é um corpo socializado, um corpo
estruturado, um corpo que incorporou as estruturas imanentes de um mundo ou de um setor particular desse
mundo, de um campo, e que estrutura tanto a percepção desse mundo como a ação nesse mundo” (p.143-144).
106
próprio ou por outros. Bourdieu tem a mesma perspectiva dos autores da fenomenologia sobre
os processos de socialização primária e secundária para a formação ou ajustamentos de
habitus (subjetividades socializadas) nos indivíduos, na medida em que nem todos os
processos de socialização terão o caráter de irreversibilidade ou, ainda, estarão sob total
alienação à estrutura. Para Bourdieu (1997) as relações de ajustes de habitus em projetos
utilitaristas ou mecanicistas nos espaços sociais, podem ser compreendidas como:
“O habitus preenche uma função que, uma outra filosofia,
confiamos à consciência transcendental: é um corpo socializado,
um corpo estruturado, um corpo que incorporou as estruturas
imanentes de um mundo ou de um setor particular desse mundo, de
um campo, e que estrutura tanto a percepção desse mundo como a
ação nesse mundo. A oposição entre teoria e a prática, por exemplo,
encontra-se tanto na estrutura objetiva das disciplinas (a matemática
opõe-se a geologia como filosofia opõe-se à geografia etc.) quanto
no espírito dos professores que em seus julgamentos sobre os
alunos, operam com esquemas práticos, frequentemente associados
aos pares de adjetivos, que são os equivalentes incorporados dessas
estruturas objetivas. Quando as estruturas incorporadas e as
estruturas objetivas estão de acordo ou, ainda, quando a percepção é
construída de acordo com as estruturas do que é percebido, tudo
parece dado” (p.144).
Na verdade o questionamento de Bourdieu está na aparência/essência que “tudo parece
como dado”, “natural”. Segundo ele, essa forma de compreender a realidade se deve apenas
porque realizamos um raciocínio segundo a experiência da “doxa”, da tradição
“intelectualista”, do existo, do “cogito”, pois assim é mais fácil pensar as condutas humanas e
as suas práticas. No nosso caso as condutas de profissionalização docente. Mas para o autor é
preciso entender que a
“prática tem uma lógica que não é a da lógica e, consequentemente,
aplicar às lógicas práticas a lógica lógica, é arriscar destruir, através
dos instrumentos que utilizamos para descrevê-la, a lógica que
queremos descrever (...) percebemos que os agentes sociais (seja
um médico fazendo um diagnóstico, ou um professor atribuindo
nota em um exame) têm, no estado prático, sistemas classificatórios
extremamente complexos (...) substituir uma relação prática de pré-
ocupação, presença imediata de um por vir inscrito no presente, por
uma consciência racional, calculista, que se coloca objetivos como
tais. (...) Ao passo que a minha análise está correta, podemos fazer
uma belíssima carreira acadêmica, sem nunca ter a necessidade de
postular tal objetivo (...) transformando o trajeto em projeto, agem
como se o intelectual consagrado, cuja carreira eles pesquisam,
tivesse tido em mente, desde o momento em que escolheu uma
disciplina, um orientador de tese, um objeto de pesquisa, a ambição
de tornar-se professor no Collège de France. Eles atribuem a
conduta dos agentes em um campo (os dois monges que lutam pelo
bastão do prior, ou os dois intelectuais que lutam para impor sua
teoria da ação) à uma consciência calculista mais ou menos cínica
(...) De fato, o princípio do erro consiste no que chamamos
tradicionalmente de economicismo, isto é, o fato de considerar que
as leis de funcionamento de um campo social entre outros, o campo
econômico, valem para todos os campo. Na fundamentação da
teoria dos campos, temos a constatação (já encontrada em Spencer,
em Durkheim, em Weber...) de que o mundo social é lugar de um
107
processo de diferenciação progressiva (...) a evolução das
sociedades tende a fazer com que surjam universos (que chamo de
campos) que têm leis próprias, são autônomos. (p.145-147)
Como explica Bourdieu os saberes gerados nos microcosmos deslindam essa forma
mecanicista ou determinista que os “jogos sociais” tendem a manipular ou mesmo influenciar
os agentes de diversos campos. Por conseguinte os campos acadêmicos têm objetivos bem
definidos, relacionais, fincados nas posições e espaços onde se produz o habitus,
subjetividades socializadas, portanto, desinteressado do valor econômico que não é o
determinante das relações, sobretudo por ser mais voltado às paixões ou às virtudes, aos
compromissos ou atitudes virtuosas. Isto não significa dizer que o campo acadêmico seja
pleno de virtuosidade ou no sentido antropológico de uma “graça” ou dádiva, pois como
vimos no passado, período de construção das instituições escolares, da administração
educacional, da criação e expansão das universidades, museus, institutos de pesquisa, os
“educadores-profissionais” tinham na qualidade do capital cultural por eles incorporado, a
chance de manter o status quo, mas por isso teriam a obrigação da dádiva (a reciprocidade)
com a sociedade política do Estado. Conforme Bourdieu
“há interesses sutis, camuflados, e o burocrata não é apenas
servidor público do Estado, é também aquele que põe o Estado a
seu serviço (...) se o desinteresse é sociologicamente possível, isso
só ocorre por meio do encontro entre habitus predispostos ao
desinteresse e universos sociais nos quais o desinteresse é
recompensado. Dentre esses universos, os mais típicos são, junto
com a família e toda a economia de trocas domésticas, os diversos
campos de produção cultural, o campo literário, o campo artístico, o
campo científico etc., microcosmos que se constituem sobre uma
inversão da lei do interesse econômico é suspensa. O que não quer
dizer que eles não conheçam outras formas de interesse: a
sociologia da arte ou da literatura desvela (ou desmascara) e analisa
os interesses específicos constituídos pelo funcionamento do
campo” (p. 152-153).
É assim que remetemos à questão das relações sociais que atravessam a docência de
um indivíduo e de outros no cotidiano da educação profissional, incluindo a experiência
profissional dos docentes e dirigentes, considerando as políticas educacionais de 1990 até a
atualidade. Nesse sentido, os docentes estão em meio à macro políticas, mas também diante
de redes de subjetividades no microcosmo de modo que ressignificam posturas e valores
institucionais para disputarem a cefetização de suas Escolas Agrotécnicas como projeto social
que traz maiores exigências culturais à profissionalização. Ao tomar a profissionalização
docente como mola propulsora de realização desse projeto, os professores assumem uma
idealização de trabalho docente que torna o capital cultural uma condição do processo de
expansão e diversificação de cursos para que se chegue a cefetização. A propósito, dessa
postura, temos que considerar que houve avanços e descentralizações do sistema perito ou do
corpo intelectual/certifica que vinha até então manipulando os processos de
profissionalização. Contudo, para conhecermos a realidade escolar seria preciso mergulhar na
realidade dos professores do ensino agrícola, indo ao Centro Federal de Educação Profissional
Agrícola/MG como única possibilidade de perceber o contexto de relações “interessadas”,
onde os indivíduos se produzem docentes. Assim, construímos a metodologia de pesquisa
evitando “reproduzir” uma realidade apenas nos reportando aos estatutos, programas, etc.
108
Neste sentido, Berger e Luckmann discutem sobre a permanência do indivíduo em
sociedade, interagindo dialeticamente com outros indivíduos na diversidade de conflitos e
dilemas que se entrelaçam caracterizando as instituições modernas. Esse fato pode implicar a
possibilidade de ressignificação dos conhecimentos, por conseguinte implicará na mudança de
percepção e atuação sobre a realidade social, sobretudo, provocando reconfigurações
identitárias em estruturas sociais tidas como dadas, acomodadas ou cristalizadas.
Nesse sentido, pensamos também sobre a autonomia compreendida ao se formar entre
o pensamento e as ações humanas em meio à intersubjetividade, por exemplo, conforme ações
e pensamentos das relações de processos de organização coletiva, de ações sociais. A reflexão
crítica que os atores sociais conjuntamente fazem sobre as instituições da sociedade e dos
papéis que como indivíduo social eles exercem, daí fluí a intersubjetividade. A relação entre
indivíduos, ator social e as instituições não se esgota no simbólico-estrutural, mas na relação,
segundo Bourdieu, dos capitais simbólicos
97
que nos servem como critério de diferenciação
entre os campos e formação de habitus, de modo que possamos caracterizar determinados
contextos sociais, classificarmos, dividirmos, traçarmos princípios operacionais, normas de
condutas e percepções. Na instituição ocorrem processos carregados de significantes
(símbolos) que visam preparar o indivíduo social, por meio da educação, para adesão de
significados que, por conseguinte geram condutas, relacionamentos e valores necessários à
socialização, no âmbito primário e/ou secundário.
Ao tomarmos a instituição de determinadas formas objetivo-materiais e técnico-
científicas (conhecimentos especializados, códigos culturais, condutas e valores), faz-se
necessário reconhecer que essa compreensão constitui uma (re) produção social e, como tal,
remete-nos a um universo de significantes, definidos por sujeitos/agentes para nos
introduzirmos na realidade instituída.
A perspectiva interpretativa até aqui identificada, em especial na produção
bourdieusiana, portanto, funda-se na aceitação de que não há alienação e autonomização
absoluta do indivíduo e/ou grupo social em relação ao pensamento que tende a universalizar
gostos, estilos, interesses, conhecimentos, produção, enfim campos são universos distintos da
sociedade. Neste momento histórico, as instituições da sociedade evidenciam uma crise de
identidades cultural e jurídico-moral, cuja crise retrata situações de esgotamento de antigos
símbolos/significações que engendraram configurações sociais, como a docência na educação
em geral e em particular na educação profissional agrícola. Tomando, ainda, a idéia de crise,
abordar os processos de construção de identidades socioculturais e profissionais na atualidade
há de ser por meio de um olhar que extrapole a clausura do campo científico e produtivo-
material, estruturado em objetivos, metas e funcionalidades econômico-racionais em face dos
papéis desempenhados.
A profissionalização docente segundo o nosso trabalho de investigação, in loco, nos
evidenciou professores que agem como sujeitos por estarem sendo capazes de reconstruir
novas e críticas redes de sentido para a educação profissional, que não são exclusivamente
determinadas pelo discurso do outro (o institucionalizado oficial ou estrangeiro). Ou até que
97
Para o autor “cada campo, ao se produzir, produz uma forma de interesse que, do ponto de vista de um outro
campo, pode parecer desinteresse (ou absurdo, falta de realismo, loucura etc.). É possível uma sociologia desses
universos cuja lei fundamental é o desinteresse (no sentido de recusa do interesse econômico? Para que seja
possível, é preciso que exista uma forma de interesse que podemos descrever, por necessidade de comunicação, e
com risco de cair numa visão reducionista, como interesse pelo desinteresse, ou melhor, uma disposição
(habitus) desinteressada ou generosa. Aqui é preciso lançar mão de tudo o que diz respeito ao simbólico, capital
simbólico, interesse simbólico, lucro simbólico. Chamo de capital simbólico qualquer tipo de capital
(econômico, cultural, escolar ou social) percebido de acordo com as categorias de percepção, os princípios de
visão e de divisão, os sistemas de classificação, os esquemas classificatórios, os esquemas cognitivos, que são,
em parte, produto da incorporação das estruturas objetivas do campo considerado, isto é, da estrutura de
distribuição do capital considerado” (Bourdieu, 1997;p.149)
109
fossem determinadas, as relações se estabelecem mediadas por subjetividades e interesses
entre ambas as partes. Contudo lembremo-nos que a construção das identidades se dá pela
relação com o outro, o outro, acredito não é aquele dominador da colonização ou do
imperialismo que tempos da Revolução verde imprimia o seu projeto pela subjugação de
modelos de vida e de pensamento transpostos em artefatos culturais para consumo no
campo
98
. O outro da atualidade pode ser vislumbrado (ainda que pouco visualizado) na
emergência de confluentes processos que se entrelaçam entre lugares da modernidade e da
pós-modernidade. Daí é que surgem as novas instituições do rural e aí, nesse espaço tempo do
novo, como diz Moreira (2003) as instituições formadas se apóiam nas “visões e imagens que
temos do mundo, são elementos componentes da realidade deste mundo” (p.116). Continua o
autor levando em consideração que o campo nunca foi um espaço tempo a-histórico, ao
contrário, na medida em que
“a compreensão do mundo rural em uma perspectiva histórica leva-
nos a perguntar quais as forças sociais e os interesses que
projetaram os lugares e as funções que o rural ocupou na dinâmica
social e política. Dito de outra forma: em cada momento histórico
as forças sociais que exerceram a hegemonia tiveram uma visão de
si mesmo, da nação, do lugar do rural em seus projetos de nação.
Tais forças projetaram políticas agrícolas e agrárias bem como
projetaram suas instituições rurais” (p.133).
No passado, os Institutos de Agricultura, os cursos de educação rural, os Patronatos,
Escolas de mestria e iniciação agrícola, o curso de didática agrícola e economia rural
doméstica abrigaram projetos de profissionalização docente e de nível técnico alimentados
pela visão homogênea e linear de progresso rural associado à civilização do povo de natureza
selvagem, “incivilizados” ou “atrasados” segundo padrões culturais, estéticos, industriais e
capitalistas da cidade. No momento, as instituições rurais, como os atuais CEFET’s Agrícolas
e as Agrotécnicas, ou até as Escolas Família-Agrícola (Pedagogia da Alternância) carregam as
representações do novo rural, segundo Moreira (2005) caracterizada como uma nova imagem
do “rural como natureza, o que expressaria tensões de diversos âmbitos societários, tais como
na estética, na ciência e tecnologia, na sociedade civil, no Estado, no mercado e mesmo na
espiritualidade” (p.133).
98
No passado vimos as instituições de produção e educacionais rurais no Brasil utilizando o modelo de
industrialização e tecnificação da agricultura trazido pelas multinacionais e as agências de prestação de serviços
adeptas do ideário agrícola da Revolução Verde, fato que nos fizeram pensar que as comunidades agrárias
experimentariam novas formas de sociabilidade. Entretanto, tal estrutura objetiva/material não determinou uma
configuração social única no rural e, muito menos, determinou que os espaços de produção de conhecimento
avançassem noutras perspectivas de relação Homem-Natureza-Cultura.. Nessa tessitura social, em meio a uma,
digamos revolução pelo alto, emerge por exemplo, a agroecologia como campo político-cultural e de produção,
configurando um estilo de vida campesino mais confiável, sem risco e seguro segundo as vertentes sociológicas
e agrícolas que sustentam essa tendência (sobre essa forma de interpretar, Giddens - 2002 nos apresenta os
sistemas abstratos da alta modernidade).
110
Pensando ainda apoiadas em Moreira
99
, pudemos perceber que as novas instituições
educacionais em processo de consolidação no campo pouco atribuem ou aludem ao projeto
velho de profissionalização docente nos moldes do produtivismo da Revolução Verde. Se no
passado as identidades docentes públicas espelhavam as configurações dominantes das esferas
do Estado e dos agrarismos (poder local, regional, monocultura, tecnificação...) de esfera de
capital e produção privado, no presente instalam-se processos identitários de habitus
“desinteressados”. Desinteressados, em temos do poder emanado pelo capital simbólico
respaldado no economicismo. Porém, desinteressados não, quando a questão é tratada no
domínio de conhecimentos afinados à agroecologia ou de uma agricultura sustentável. Daí os
sujeitos na atualidade estarem agregando valores humanos e culturais para a construção de
uma outra sociedade rural. As subjetividades socializadas nas idéias e princípios da
Agroecologia se solidarizam às demais num quadro de complexidade anunciada por Moreira,
numa razão de produção agrícola ambientalmente sustentável, seria possível ressignificar os
processos curriculares e formativos do ensino agrícola. Tal processo exigiria no seio da
profissionalização docente da educação tecnológica agrícola não somente discurso bem
intencionados, mas ações solidárias entre atores coletivos no campo, projetos participativos
visando construir as tais novas instituições educacionais de formação tecnológica crítica; os
CEFET’s seriam uma das formas sociais de reconfiguração identitária da profissão docente e
técnica para o ensino na agropecuária. Como instituição tecnológica irá exigir
comprometimentos com a qualidade de ensino e do corpo docente, de forma a se manter
credenciada em nível politécnico.
Se levarmos em conta a “forma física” das sociedades globalizadas, pode-se dizer que
as suas instituições educacionais, principalmente as da esfera federal, todas têm um discurso e
uma estrutura material-objetiva dimensionadas pelos aparatos (artefatos) tecnológicos, da
microeletrônica, da comunicação, das novas estratégias de organização do trabalho. Um
exemplo disso pode ser dimensionado pela idéia falsa de que a Escola Agrotécnica de São
Gabriel da Cachoeira no Amazonas, a mais ou menos 400 km de avião de Manaus não está
inserida no contexto da informatização. Os Programas de informatização educacional vieram
junto com as Reformas. Essa falsa visão, construída na idéia de fronteira rural-urbano, não
condiz à realidade de mudanças cotidianas que a tecnologia opera ao estreitar relações entre
local-global, relações face a face virtuais e presenciais, que aglutinam sujeitos à realização de
projetos comuns ou solidários. A tecnologia em micro-contextos, como o do exemplo,
permite aproximar relações que a Escola Agrotécnica estabelece com a dimensão
sociocultural, também. Ficamos refletindo se naquela Agrotécnica do Amazonas quão
profundo são, no caráter e no significado, os conhecimentos gerados nas relações que se
socializam em meio escolar pela mediação da tecnologia. Sobretudo, o impacto que um
CEFET pode causar sobre a cultura regional e local.
No cotidiano, por exemplo, o indivíduo é capaz de ser transportado para qualquer
espaço/local, sem que, para isso, tenha que fazer nada além de simples movimentos com as
99
Nesse contexto de novas ruralidades, como expressão de processos identitários que se constituem no nexo da
relação global-local, Moreira remete ao passado das lutas revolucionárias de forma a caracterizar as raízes
agrárias que deram sustentação a um modelo de vida e produção, de desigualdades sociais, de favorecimento de
um padrão de dominação produtiva e cultural criando subjetividades socializadas. Entretanto, ressalta
identidades de fronteira na contemporaneidade, sob discursos do desenvolvimento sustentável que tendem a
desnaturalizar modelos que dicotomizaram o rural da cidade, o atraso do rural do progresso da cidade, do rural
tradicional da cidade do moderno; mas, o autor chama a atenção que esse novo rural corre riscos de desviar o seu
projeto de emancipação caso repita a tendência político-cultural de “visualizar apenas um processo homogêneo
ou linear de globalização, sugerindo o desaparecimento do local, do nacional e do rural. Em nossa
contemporalidade estaríamos falando de ruralidades no campo e na cidade, na história e nas diversas culturas,
nas ciências técnicas e profissões, nos processos educativos e socializadores, na cultura e política dos alimentos e
nas contraculturas de infinidades de novos movimentos sociais” (p.133).
111
mãos, manobrando o tempo real pelo tempo virtual. O livro, A Estrada do Futuro, de Bill
Gates, lançado em 1994, no Brasil, lançou também sobre nossos olhos imagens de uma
ampla, intensiva e progressiva revolução na comunicação, com redes computadorizadas
ligando indivíduos e culturas de distintas sociedades. Nesse livro, o autor chega a idealizar
mudanças arquitetônicas, refletindo uma idéia de mundo unificado por cabos e satélites, uma
futurologia? Não! Naquele livro e em cada linha dele uma mensagem subliminar de uma
acirrada disputa comercial e de mercados de perfil transnacional que o autor estaria disposto a
bancar. O autor descreve as redes de comunicação funcionando em tempo real, permitindo a
descentralização espacial ou transnacional do setor de produção ao setor de administração.
Em meio a toda a racionalização radicada na prática instrumental-produtivista, no entanto, há
também a conexão em rede, uma metáfora há muito utilizada pela antropologia
100
que nos
permite sinalizar um tipo de organização social, onde os indivíduos como sujeitos/atores
coletivos se conectam em função de interesses comuns e identificação de projetos.
Podemos entender a configuração em rede como uma nova forma de aglutinação e
mobilização das subjetividades de grupos sociais, técnicos, especializados que possuem
afinidades e habitus “desinteressados economicamente” (solidários). Redes são configurações
socioculturais em busca de autonomização de um mundo institucionalizado sob outras
racionalidades. Diante da realidade social em disputas pela inclusão de projetos no campo,
podemos também avistar diversos grupos que lutam por projetos de socialização não
subalternizados ao instrumental-produtivista da modernidade. Então, vimos os professores da
educação profissional agrícola como articuladores do projeto de cefetização que reflete uma
descentralização do projeto dominante dos sistemas administrativos, burocráticos do passado,
o que se deu ao contrário no projeto do Sistema Escola-Fazenda, quando os docentes eram
meros executores do projeto tecnoburocrático, inicialmente no MINAGRI e posteriormente na
COAGI/MEC.
De certa forma, no sentido de manterem um projeto em nível cultural, de produção de
conhecimento, de profissionalização, os professores vêm se qualificando e assumindo projetos
desinteressados do economicismo. No entanto, em nível político para conseguirem
transformar as suas escolas em CEFET, há certa submissão à ideologia de intelectuais
orgânicos aliciadores pela tática de trocas de interesses sutis. Bourdieu (1997) coloca assim,
“por trás da aparência piedosa e virtuosa do desinteresse, há
interesses sutis, camuflados, e o burocrata não é apenas servidor do
Estado, é também aquele que põe o Estado a seu serviço (...) a
questão da possibilidade da virtude pode, portanto, ser remetida à
questão das condições sociais de possibilidade em universos
(campos) nos quais disposições duradouras de desinteresse podem
se constituir e, uma vez constituídas, encontrar condições objetivas
de reforço constante, tornando-se o fundamento de uma prática
permanente da virtude (...) se o desinteresse é sociologicamente
possível, isso só ocorre por meio do encontro entre habitus
predispostos ao desinteresse e universos nos quais o desinteresse é
recompensado” (pp.68-69)
O campo acadêmico e educacional é um exemplo de microcosmo que se organiza a
partir de códigos, simbologias, outros interesses que não são os mesmos do campo
econômico. Bourdieu diz ser verossímil caso possa aludir aos interesses universais lucrados
no reconhecimento cultural do campo, o que nos leva novamente ao capital simbólico que
100
Elizabeth Bott em seus estudos sobre as relações em família, em meados do século XX, por exemplo.
112
aglutina valores/imagens dos processos sociais e políticos, mas não necessariamente aos
interesses apenas econômicos.
3.1. O cenário institucional da pesquisa de campo e atores político-pedagógicos.
Assim compreendido, passemos à parte descritiva da tese. Esse capítulo objetiva
apresentar os caminhos que trilhamos rumo ao cenário e atores sociais promotores dos
processos identitários docentes na educação profissional agrícola da atualidade. A idéia de
cenário é típica do aporte metodológico dos economistas e jornalistas. Mas aqui não temos as
mesmas intencionalidades deles na construção de cenários através das visões em confluência
na sociedade para prospecção de ações futuras, conforme Valle (1996). Fomos ao trabalho de
campo, nos municiando de meios e instrumentos que dispúnhamos para um estudo
exploratório, num CEFET do interior de Minas Gerais, possivelmente eivado de várias
dimensões e visões de ser e estar docente num espaço/tempo social em transformação.
Torna-se essencial explicarmos melhor o porquê da escolha de um CEFET. Por que
um CEFET em Minas Gerais? A propósito de uma resposta óbvia, dizendo que houve
reformas, e citarmos qualquer um dos inúmeros autores renomados aptos a uma análise sobre
a temática, optamos em remontar o cenário de reformas com a ajuda de alguns teóricos dos
estudos da política educacional, ressaltando autores que publicam em periódicos e livros
ligados as entidades e sociedades científicas e profissionais da educação. Fizemos assim por
três motivos, a saber: primeiro por questão de ordem material-objetiva (localização próxima
ao RJ e emblemático de um rural impactado por mudanças, CEFET que experimentou várias
mudanças regimentais, Ginásio Agrícola, Agrotécnica e atualmente CEFET, etc.); segundo,
por questão de finalidade do estudo sobre as percepções ou visões dos docentes e mudanças
institucionais, que sinalizam novos processos de socialização profissional e de identidades
docentes; por último, caso desconsiderássemos as questões anteriores e apenas nos
detivéssemos no tipo atual de instituição de ensino técnico, teríamos essa que passa por
transformações profundas nas normalizações e finalidades, inclusive, de atuação docente, o
que assim mesmo a escolha por um CEFET seria o melhor ambiente de pesquisa.
Ainda sobre a nossa escolha por um CEFET, as fontes documentais legais ou literárias
nos deslocaram para verificação sobre as relações ambíguas que pareciam existir no interior
dessas instituições educacionais. Por exemplo, os professores de CEFET’s participam de
programas de pós-graduação em Universidades Federais ou Estaduais. Nesses mestrados ou
doutorados, há professores da comunidade científica que agem como corpo de peritos e ainda
estão nas entidades (ANPED, ANFOPE), porque como representantes dessas entidades, eles
validam projetos de educação e sociedade (PDE, por exemplo); os professores desse campo
como intelectuais orgânicos estão elaborando discursos voltados à organização dos principais
programas educacionais. Mais um exemplo, Miguel Arroyo participou de extensos e intensos
debates sobre a Educação do Campo junto aos seminários/conferências nacionais e estaduais
organizados pelo governo federal e alguns secretários, mas também frequentemente era
convidado pelo Coletivo Nacional do MST para atuar nos cursos de formação de lideranças
ou do PRONERA. Ao mesmo tempo, se apresentou proferindo palestras, colóquios na
ANPED, onde é membro associado e respeitado pesquisador. Na reunião da ANPED de 2007,
se apresentou num colóquio sobre o PDE do governo federal. Nesse sentido, o campo
acadêmico possui singularidades próprias, que nos faz aceitar as ambigüidades (reprodução
social x transformação social) como referência identitária. Neste contexto, é que verificamos
as dissertações produzidas nos cursos de pós-graduação pelos professores do ensino agrícola.
113
O objeto estudado situa-se num espaço/tempo de crises identitárias provocadas pelas
mudanças institucionais na ordem societária global, principalmente a partir de 1990. Contudo,
localmente a profissionalização em diversas modalidades sofre ajustamentos
objetivados/subjetivados nas normalizações e na pressão das disputas de atores vinculados à
profissão docente e à educação profissional. Assim sendo, a investigação sobre a profissão
docente no ensino agrícola nos remeteu-nos a um inventário, indo da origem da profissão aos
processos socioculturais onde as identidades docentes incorporaram e objetivaram-se nas
relações do discurso e práticas do progresso, do cientificismo, do produtivismo da
modernidade. Mas, na atualidade, diante dos anos de 1990 até o momento, os indivíduos e
atores se percebem como docentes, questionando as permanências e ambigüidades devido às
representações sociais da profissão em meio às mudanças institucionais. Por ser assim, há
tensões entre o antigo e o novo que emerge pelas configurações valoradas na autonomia
institucional e na aquisição de capital cultural para lidar com a produção permanente de novos
conhecimentos (SOARES e OLIVEIRA, 2005). Como dissemos na apresentação dessa tese,
buscamos um cenário educativo como pano de fundo representativo de um sistema
educacional mergulhado em reformas no seio dos processos de formação e qualificação
profissional. O contexto da educação média e tecnológica viceja as transformações
institucionais que na contemporaneidade ocorrem no mundo do trabalho. Essas mudanças
institucionais são corriqueiras posto que ocorrem na política educacional, iniciadas com os
desdobramentos internacionais de origem dos organismos multilaterais (por exemplo,
UNESCO e OIT) que vieram desde o Plano Decenal de Educação para Todos
101
e a
101
Podemos dizer que entre os anos de 1991 a 1994 a construção do Plano Decenal de Educação Para Todos
mobilizou intensamente o cenário educacional, convocando lideranças universitárias, escolares, dirigentes
municipais de educação (UNDIME), coordenações no MEC, pesquisadores em educação, entidades
profissionais, sindicais (CNTE/CUT, ANDES, FASUBRA) e o Ministro Murilo Hingel. Enfim, o coroamento foi
a Conferência Nacional de Educação para Todos, realizada entre 29/08 a 02/09 de 1994, em Brasília, quando
surgiu, por exemplo, a proposta do Fundo de Valorização do Magistério e do Ensino Fundamental, logo
conhecido como FUNDEF (FUNDEB). A motivação que culminou nesse movimento nacional para se chegar ao
Plano Decenal deu-se a partir da Declaração de Jomtien em 1990 e de Nova Delhi em 1993, quando os líderes de
países em desenvolvimento foram “chamados” pelas organizações multilaterais (UNESCO, BIRD, OIT etc.)
numa Conferência Mundial sobre a Educação para Todos e pela Cúpula Mundial das Crianças para se
explicarem a respeito de tantos acordos mundiais com Bancos e ainda a educação de crianças, jovens e adultos,
etc. continuar deplorável. Contudo, independente das intenções políticas e das estratégias de poder e privilégios,
a verdade é que o Brasil estava um caos, o Rio de Janeiro com índices vergonhosos de evasão e reprovação na
educação básica. Não à toa tivemos em 1932, em 1959, 1986, 1994, 1996, 1997 manifestações públicas
(Manifestos, Conferências, Congressos) com posições contundentes de educadores e trabalhadores em prol da
democratização do acesso a educação básica e a valorização do magistério. Sintetizando Divonzir Guzzo (1993),
o caráter do Plano Decenal naquela época é político e ainda pouco situado no neoliberalismo do Relatório do
Banco Mundial porque a confecção resultou da intensa mobilização de atores coletivos e do próprio INEP. Mas
na avaliação de Guzzo havia, no fundo, um anúncio de esgotamento do desenvolvimentismo educacional, de
matrizes públicas verticalizadas e centralizadas no poder central. Guzzo associa o “atraso/agonia” do ensino
fundamental “por conta de negligências históricas do poder público federal, perpetuada na Nova República com
programas sociais assistencialistas”. Para ele, os estados e municípios (RJ, MG, CE, SP) que avançaram pegaram
à efervescência dos movimentos de democratização que ganha os anos de 1980. Tais movimentos e iniciativas
estaduais e municipais começariam a demonstrar certa emergência de novas condições teóricas e objetivas no
seio de suas instituições, sobretudo, com a promoção de “arcabouços cognitivos que demonstrariam que a crise
já começara (...), entretanto, as estruturas decisórias e as agências administrativas mais diretamente envolvidas
com o processamento de políticas permaneceram ainda por bom tempo alheias a esses avanços, inclusive no
período de 1990-1992, quando o governo federal alardeadamente assumiu um discurso modernizante, de talhe
neoliberal e, assim, aparentemente permeável às novas concepções de desenvolvimento educacional, mas ficou
na retórica (...) o clima – que tampouco se restringe a este cenário – só dará uns primeiros sinais de reversão com
o processo de queda do governo Collor. Entrementes, a sociedade continua, aqui e ali, a amadurecer fatores
objetivos e simbólicos de superação da crise de esgotamento (...) os acontecimentos políticos de final de 1992
adquirem um efeito simbólico ampliado” (p. 4-10). O Plano Decenal foi de importância histórica e política para a
educação nacional, municipal e estadual na medida em que por meio dele e do clima de mudança (impeachment)
114
promulgação da LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e as suas medidas
complementares, estão em curso desde o início de 1990 no Brasil. A partir da década de 1990,
as instituições retomam o clima de “democracia de fato” dimensionado por um imaginário
social e político construído nos pilares da força da sociedade civil, que em sete anos daria uma
demonstração ao povo brasileiro da dimensão da força de suas instituições e entidades, com a
saída da ditadura e o impeachment do Collor de Melo. No dizer de Divonzir Guzzo (1993)
“A sociedade começa a perceber, por exemplo, que não é aceitável
apenas expandir a oferta escolar – abalando um dos móveis das
pressões clientelísticas; distribuir mais diplomas – abalando os
efeitos credencialistas; atribuir à pobreza da família a incapacidade
do aluno para aprender – solapando a ‘cultura da repetência’ –
pondo em cheque o monopólio docente da gestão escolar. Decorre
daí o foco de questionamentos e das demandas vai se deslocando,
rápida e paulatinamente da primazia das macro-estruturas para o
interior da instituição educativa e para suas relações imediatas com
o entorno social” (p.11).
Contudo, a entrada de FHC consubstanciaria a ideologia neoliberal que Collor de
Mello e Itamar Franco não conseguiram tempo e consensos políticos para implementar nas
instituições, principalmente, aquelas ligadas ao trabalho, educação, comunicação, energia e
administração pública. Lima Filho (1999), professor da Universidade Tecnológica (ex-
CEFET/PR), do GT de Educação e Trabalho da ANPED, ratifica nossas colocações, ao trazer
as intenções e ações, que desde a década de 1990, logo após algumas poucas concretizações
constantes do Plano Decenal e a LDB de 1996, estiveram como suporte político-normativo da
superestrutura. O autor situa o debate e as principais ações que tangenciaram discursos do
governo FHC e dos aparelhos privados de hegemonia, bem como quais eram os intelectuais
que naquele momento trabalhavam para o Banco Mundial, nos tais relatórios que embasaram
a reforma no ensino médio e da educação profissional. Segundo Lima Filho:
No debate acerca das atuais transformações no mundo do trabalho,
três questões têm assumido destacado relevo nas políticas
educacionais: a introdução das inovações tecnológicas no processo
produtivo e as mudanças técnicas e organizacionais a elas
relacionadas; as demandas atuais e futuras de utilização da força de
trabalho e sua composição qualitativa e quantitativa; a adequação
organizacional e curricular das estruturas de formação da força de
trabalho de forma a responder satisfatoriamente às novas demandas.
No caso brasileiro, a terceira questão assume destaque na pesquisa
educacional, sobretudo, em função do conjunto de reformas em
implementação nas instituições e sistemas de educação e nos
programas de formação profissional conduzidos pelo setor público,
no âmbito da reforma do Estado, e também nos setores
empresariais, sobretudo, nos segmentos de ponta submetidos à
reestruturação produtiva, através da promoção e valorização de
programas de qualificação e requalificação da força de trabalho”.
(p.41)
as iniciativas vão deflagrar projetos e programas baseados no construtivismo. Foi no período de Hingel (docente
da UFJF) que as agrotécnicas e técnicas federais se tornaram autarquias em 1994.
115
Foi assim, em meio às perspectivas de reformas, que o Ministério da
Educação/SEMTEC e o Ministério do Trabalho foram desenvolvendo estudos, eventos e
ações no sentido de liderar as transformações necessárias a integrar o sistema público de
educação profissional e ensino médio no paradigma da reestruturação produtiva
102
. Após a
promulgação da LDB, houve a edição de uma legislação complementar. A bem da verdade, na
LDB/1996 os capítulos do ensino médio e do profissional são distintos, pois o ensino médio
está na seção IV da Educação Básica e a educação profissional na seção V, da Educação de
Jovens e Adultos. O simples fato da educação média e a educação profissional serem tratadas
de forma separada em capítulos e seções da LDB imprimiu uma enorme complexidade, na
medida em que permitiu acentuar a desarticulação entre o nível médio e a profissionalização.
Alias, uma estratégia política das reformas educacionais em tela tem sido lançar “a rodo” uma
“enxurrada” de leis, decretos, portarias e pareceres de forma que as entidades e sociedades
científicas se vêm em dificuldades de acompanhar e participar de processos de regulação da
legislação. Na época de FHC, o governo mantivera o CNE como instituição delegada ao
mesmo e não como é ou deveria ser uma instituição da sociedade civil. Vários dos assessores
do MEC e da SEMTEC mantiveram relações de consultoria com o Banco Mundial, o caso de
Cláudio Moura e Castro, Moacir Carneiro, Rui Berger, o próprio Ministro da Educação, Paulo
Renato e Souza. Como a LDB traz definições um tanto genéricas, a legislação
103
abusou de
102
O livro de Martins (2000) nos brinda com uma síntese sobre a trajetória política e as articulações internas e
externas da reforma no ensino técnico. O autor traz a questão da dualidade da educação nacional tecnológica ao
tratar o ensino técnico prioritariamente como preparação para o trabalho, ignorando que a escola, seja técnica ou
de ensino médio tem o objetivo de articular teoria e prática, portanto, construindo nos seus alunos valores
cidadãos e instrumentalizando-os para lidar com os demais seres humanos e o processo de produção. Como no
governo FHC nem tudo foi submissão, o autor demonstra que nessa trajetória da reforma e seus dispositivos
legais, articularam-se em redes sociais as resistências originárias de ações coletivas das inúmeras entidades
científicas e do movimento docente e discente, de sessões sindicais de todos os estados, visando pressionar o
Congresso Nacional, assim à que FHC revogasse o Decreto n
0
2208/1997 e seus dispositivos. De fato em 2004, o
governo Lula da Silva contempla, em parte, o movimento de oposição a reforma de FHC, pois foi revogado o
Decreto, que durante oito anos os docentes e pesquisadores da ANPED se mobilizaram para tal. Em que pese os
intelectuais, professores universitários trabalhando para o governo atual, que não pertencem ao quadro de
consultoria do Banco Mundial, como foi o caso de Marise Ramos, há inúmeros outros que trabalham produzindo
intelectualmente inúmeras experiências na educação profissional fora da rede federal, como as Escolas de
assentamentos de reforma agrária, as Escolas da Rede Família-Agrícola, em número superior ao sistema federal.
Parece que passado alguns anos do esgotamento das políticas centralizadoras e verticalmente organizadas na
esfera federal, o modelo de ensino técnico agrícola foi o que o lobby dos dirigentes das agrotécnicas no MEC
determinou para as demais (ver no capítulo sobre O Poder dos Dirigentes do ensino Agrícola em Nascimento,
2004). Cresce no Brasil o movimento de Educação do Campo que tende a englobar todas as experiências de
educação rural, assumindo a diversidade e as especificidades de ensino como princípios político-pedagógicos
(ver SECAD – Licenciatura de Educação do Campo – edital aberto às Universidades e CEFET’s de fevereiro à
maio de 2008)
103
Para se ter uma noção da legislação complementar à LDB/1996 que trata da Reforma da Educação profissional
desvinculando o ensino médio da estrutura curricular, surge o desenho curricular por módulos. Então, nas
Escolas Agrotécnicas os módulos profissionalizantes, organizam-se em três níveis de formação, a saber: básico
(idealizado para incrementar processos de requalificação e qualificação); o técnico (diploma emitido mediante
ensino médio e os módulos profissionalizantes, onde o nível médio deveria preferencialmente ser realizado em
concomitância externa e não integrada) e o tecnológico constituído de cursos superiores, deveria abrir acesso
direto aqueles portadores de diplomas do nível técnico ou com diplomas do ensino médio que estão no mercado
de trabalho. Esta formatação do nível tecnológico, inclusive, permitiria a expansão de cursos de curta duração
(seqüenciais), cursos de formação de professores para a educação profissional, ou seja, cursos que o movimento
docente e o estudantil reagiram devido ao culto minimalista de ensino superior. Os estudiosos, como Lima Filho,
Kuenzer, Ramos, Frigotto, Ferretti, Soares, entre outros, rejeitaram veementemente na época. A própria
formação de professores num CEFET ainda é uma opção que não se tem claramente um estudo apontando o
significado disso, se é uma função de circunstância endógena aos CEFET’s ou se formar professores passará a
ser incumbências de instituições do tipo Institutos Superiores. Por exemplo, como formar um professor de
Biologia, de Matemática, de Química, de Agroindústria, de Meio Ambiente num CEFET? O receio das entidades
ligadas à formação de professores sempre se pautou na profissionalização inicial focada no trabalho da docência
116
decretos. Até o momento o governo Lula da Silva não mudou o modus operandis de realizar
as transformações organizacionais e estruturais na educação profissional. Contudo, o
autoritarismo diminuiu, mas as principais intervenções têm vindo de propostas da cúpula do
governo, estruturada intelectualmente por professores universitários partidários do PT e
partidos governistas que também atuam em entidades sindicais, profissionais ou científicas.
A legislação base da educação profissional e da formação de seus professores
continuou a mesma da época do governo FHC, por incrível que pareça, por mais que o campo
acadêmico se mantivesse mobilizado desde a institucionalização da Reforma. Os cursos
seqüenciais de natureza praticista, em nível superior, a Resolução n
0
2/1997 dos cursos
aligeirados de formação de professores e tantos outros documentos legais ainda vigoram. No
momento apenas houve uma medida alterada, mas também por outro Decreto que substitui o
de n
0
2208, no governo Lula da Silva passou a vigorar o Decreto n
0
5.154 de 2004. De fato,
foi uma medida que contempla em parte as reivindicações, visto que o ensino médio volta a
ser integrado ao ensino técnico. Isto significa que as Escolas e CEFET’s poderão manter a
concomitância interna entre as séries do médio e do técnico. Essa decisão remete a idéia de
uma qualificação como modelo (o outro remetia a noção de competências como idéia chave
da formação). Por outro lado, há uma contradição do governo Lula da Silva quando em 2004
o MEC separa a Secretaria de Educação Profissional da de Ensino Médio (era SEMTEC,
agora é SETEC para educação profissional). Os CEFET’s do âmbito da SETEC, não incluídos
na SESU (ensino superior), gozam de uma legislação especial para oferecerem cursos
superiores, especialmente amparados pela configuração tecnológica, não se enquadram como
IFES e podem oferecer o ensino médio. Mas o que pode ocasionar com a medida de
transformação dos CEFET’s em espaços de formação de nível superior. Seria uma possível
elitização. Poderia ser mais um problema na identidade educativa do ensino médio/técnico,
pois emperraria o acesso de jovens e adultos trabalhadores para quem todos os discursos e
ações voltaram-se desde o Plano Decenal. Desde 2007 o Governo está lançando a criação dos
IFET’s. No Portal virtual do MEC, a criação dos IFET’s é elucidativa,
“Também em 2008, o MEC vai criar os institutos federais de
educação, ciência e tecnologia. Já está aberta a chamada pública
para que centros federais de educação tecnológica (Cefets), escolas
técnicas e agrotécnicas federais inscrevam, voluntariamente,
propostas para integrar o novo modelo da rede. Todos os estados
terão pelo menos um instituto. Até março, a Secretaria de Educação
Profissional e Tecnológica (Setec/MEC) divulgará o mapa da rede.
Os institutos oferecerão educação superior, básica e profissional,
pluricurriculares e multicampi, serão especializados em educação
profissional e tecnológica e promoverão forte inserção na área de
de sólida base epistemológica e da experiência pedagógica. Para se ter uma idéia, de inúmeros mecanismos de
controle pela legislação, o livro publicado em primeira edição em 1999 está na quinta edição em 2001. A
legislação básica compunha 20 Leis Federais, Decretos, Portarias, Resoluções e Pareceres promulgados. Dentre
essas, a Lei Federal n
o
8.948 de 1994 (Sistema Nacional de Educação Tecnológica e transforma as técnicas e
agrotécnicas em CEFET’s, concedendo autonomia), o Decreto n
o
2208 de 1997 (Regulamenta os artigos 39 a 42
da LDB/96, estabelecendo as diretrizes curriculares do ensino profissional), a Portaria 646 de 1997 (regulamenta
a implantação do disposto nos artigos 39 a 42 da LDB, do Decreto 2208/97 e dá outras providências para a rede
federal de educação tecnológica), a Portaria MEC n
o
1.005 de 1997 (implementa o programa de Reforma da
Educação Profissional – PROEP); Parecer CNE/CEB n
o
16 de 1999 (Fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação profissional de nível técnico); por ultimo a Resolução n
o
2 de 1997 corrobora com os outros
documentos na medida em que o profissional docente para o MEC/SEMTEC deveria ser o bacharel com
complementação pedagógica nos cursos dos Programas Especiais de Formação Pedagógica de docentes para as
disciplinas do Currículo da Educação Básica e da Educação Profissional em nível médio.
117
pesquisa e extensão. Metade das vagas oferecidas será destinada a
cursos técnicos de nível médio, em especial de currículo integrado.
Na educação superior, haverá destaque para cursos de licenciatura
em ciências da natureza, como física, química, matemática e
biologia. Também serão incentivadas as licenciaturas de conteúdos
específicos da educação profissional e tecnológica” (2007)
Esse cenário aponta para um protagonista principal, o professor da educação
profissional. Suas identidades profissionais embora sob crise, tensões, consubstanciam-se na
visão, percepção e modelos de docência construídos ao longo de um século, em meio às
ambigüidades e regularidades do mundo acadêmico e de produção positivista, que acirrou as
dualidades clássicas da modernidade e que separaram o campo-cidade, natureza-sociedade,
produção-instrução, professor-instrutor, educação propedêutica-profissionalização etc. Nos
capítulos anteriores, buscamos qualificar essa docência a partir das identidades sociais
construídas na dialética do institucional-profissional, do agrário-industrial, buscando amparo
teórico nos autores que discutem a profissionalização, as profissões, trajetórias, enfim,
conceitos que nos fazem crer que o profissional da educação tecnológica, independente de
lecionar Biologia, Química, Português ou Agroecologia, Agricultura I ou Zootecnia, desde a
criação dos cursos técnicos ou profissionalizantes sempre se reconheceram como professores,
porque acreditam ser a profissão deles a docência. Suas identidades docentes estão ancoradas
nas representações sócio-ocupacionais do magistério, pois atuam pedagogicamente utilizando
as ferramentas didático-curriculares. Estudam em programas de profissionalização
continuada, em programas de pós-graduação, se especializam em assuntos educacionais, etc.
Se comunicam com os seus alunos e seus companheiros de profissão utilizando o vocabulário
e o conhecimento específico do magistério.
Como dissemos anteriormente nos apoiando em Bourdieu (1997; 1998), a idéia de
espaço ou mundo social, contém o habitus que desempenha e mantém os papéis dos universos
(campos) diferenciados. O campo educacional tem regras diferenciadas do campo literário, o
espaço social ocupado pelo professor é profissional e socialmente diferenciado do espaço do
médico, do engenheiro de produção. Bourdieu nos diz que nesse terreno do domínio de
códigos culturais há especificidades, por isso há pluralidade de visões de mundo que se
cruzam em meio social. Em Bourdieu a percepção do mundo social é produto de uma dupla
estruturação social: objetivamente, ela está socialmente determinada, mas subjetivamente está
estruturada porque os esquemas de percepção e de apreciação são susceptíveis de serem
utilizados, pois são produzidos nas lutas simbólicas e exprimem de forma diferenciada as
relações simbólicas. Os sistemas simbólicos sancionados pelos indivíduos e grupos sociais de
diversos campos se diferenciam daí poderem ser distinguidos dos demais. Essa idéia
boudieusiana corrobora também com a hipótese do cotidiano do professor estar atravessado
por uma multiplicidade de determinações (sociais, de gênero, de etnia, profissional, cultural
etc.) que fazem dos indivíduos sociais adotarem identidades múltiplas. As mesmas não se
separam porque numa determinada hora o professor está na escola, em outra hora está fora da
escola, mas carrega o habitus profissional. Como diz Fernando Pessoa “Sim, sou eu, eu
mesmo, tal qual resultei de tudo...Quanto fui, quanto não fui, tudo isso sou...Quanto quis,
quanto não quis, tudo isso me forma...”
3.1.1. Problematização e Tipo de Pesquisa
A propósito de toda a discussão anterior, ainda nessa seção, procuramos deixar claro
que desde o final do Governo Itamar Franco, o CEFET passou a ser a instituição emblemática
de educação profissional de qualidade. O modelo CEFET de educação profissional está
118
configurado segundo a nossa interpretação na possibilidade de uma formação mais próxima
da politecnia
104
, que traduz o trabalho escolar sintetizando o saber-fazer-saber, tratando o
ensino como práxis que promove a reflexividade sobre a própria prática. Ramos (2005)
considera que após os reformadores de FHC, no primeiro ano do governo Lula da Silva, em
2004, houve uma imediata preocupação em revogar o decreto nº. 2208/1997 que acirrou as
dualidades entre o propedêutico e o profissional, por conseguinte promoveu o anacronismo da
dualidade estrutural repercutindo nas instituições sociais e de mercado. Contudo, Ramos
defende o retorno ao debate interrompido na tramitação da LDB até o Senado Federal, em
1994. Para ela, o ensino médio integrado à formação profissional será democrático e de
qualidade social e cientifica quando “buscar romper com a dicotomia entre educação básica e
técnica, resgatando o princípio da formação humana em sua totalidade; em termos
epistemológicos e pedagógicos, esse ideário defende um ensino que integrasse ciência e
cultura, humanismo e tecnologia, visando o desenvolvimento das potencialidades humanas.
Por essa perspectiva, o objetivo profissionalizante não teria fim em si mesmo nem se pautaria
pelos interesses do mercado” (2005, p.35)
Sabemos que a origem da educação profissional está na segregação social originária de
certezas objetivistas dos pensamentos positivistas ou evolucionistas, que se configuraram na
“higiene social”, na moral, nas missões civilizatórias e na coerção de jovens “ingênuos”,
“desvalidos” que iam (carregados) para institutos, colônias, orfanatos, patronatos. Tais
instituições maquiadas de escolas de artes, de aprendizes, de artífices ou ainda escolas semi-
profissionalizantes denominadas patronatos e aprendizados agrícolas, foram justificadas na
assistência à aquele pré-destinado ao abandono. Lá pelos anos de 1940-1950 vamos ter a
educação profissional associada à instrução primária, secundária e técnica de forma que o
ensino reproduzisse as relações de produção do capitalismo multinacional, vingando o modelo
de repetição de tarefas (no ensino agrícola, o modelo foi o sistema escola-fazenda, misto de
empresa agrícola e latifúndio com aprendizagem de técnicas para dar conta da visão de
produção) até meados da década de 1990, quando se iniciam as reformas neoliberais ainda
hoje em fase de implementação. O modelo de relações sociais de produção se integra no
âmbito pedagógico da escola, tornando mais complexa a prática, dado as qualificações
denotarem uma multifacetada configuração sociocultural, tecnológica. Na atualidade, o
discurso do mercado exige o trabalhador técnico, cognitivamente competente na gestão, na
gerência e cooperador, daí desde que se iniciaram as reformas os discursos que a justificavam
pautarem-se nos currículos flexíveis, na experiência prática etc.
O ano de 1994 é um marco na educação profissional. A autarquização das escolas
técnicas e agrotécnicas foi uma medida constitutiva de novos acordos/planos para a educação
tecnológica, inspirada nos modelos da França, Espanha, entre outros países que tiveram
reformas curriculares baseadas na idéia de Parâmetros Curriculares Nacionais, e de Institutos
104
A luz das experiências passadas, a instituição CEFET vem passando a imagem, porque a concretiza, de
instituição pública de nível médio/técnico e tecnológico qualificado em processos de ensino que se propõem a
sintetizar a formação articulada da teoria-prática, articulando na pessoa o homo faber ao homo labor (Ramos,
2005), síntese do Homem cidadão e profissional crítico. Para maiores detalhes sobre a politecnia procurar na
produção de Gaudêncio Frigotto (UFF/LAEP-UERJ) ou de Lucília Machado (UFMG), dentre outros. Seria um
ensino primordial no tratamento do desenvolvimento integral do Homem e interado nas relações humanas de
produção. No Brasil, os intelectuais basearam-se em Gramsci na idéia da escola unitária. Grosso modo a escola
unitária seria a base cognitiva, política e cultural para construir condições objetivas e subjetivas necessárias à
reforma intelectual, moral de modo que a classe subalterna chegasse a disputar a direção da sociedade. A escola
unitária promoveria uma articulação teoria-prática propiciando aos homens e mulheres uma explicação sobre a
sociedade e trabalho fundamentada na ciência, cultura, nas várias técnicas, nas artes e no humanismo, de modo
que estivessem com clareza teórica preparados para lidar com a reforma (fruto da revolução socialista).
119
Superiores de Formação. Assim as matrizes organizacionais e curriculares para a reforma na
educação profissional pela noção de competências estavam implantadas. Os CEFET’s voltam
à cena, pois o documento que dá providências a organização do Sistema Nacional de
Educação Tecnológica também dá providências no sentido da transformação de Escolas
Técnicas e Agrotécnicas em CEFET’s. Em nossa visão, a análise sobre a estrutura está
relacionada a de docência, na medida em que passa pela seguinte questão: a decisão federal de
autarquização repercute no imaginário de professores e dirigentes da rede de escolas técnicas,
seja federal, privada ou estadual, provocando mudanças nas práticas cotidianas, portanto, o
professor do CEFET Agrícola se diferenciará aos poucos daquele que esteve atrelado aos
produtivismo.
Em que pese à qualidade dos primeiros CEFET’s, afinal, no processo de expansão
seria a mesma instituição? A oferta do ensino médio/técnico, de cursos de (re) qualificação
profissional nestes CEFET’s da atualidade terá a mesma qualidade e compromisso com o
ensino técnico ou os docentes ao se qualificarem sucumbirão ao imaginário elitista que
enaltece a formação de nível superior como apropriada aos CEFET’s e caberia ao ensino
médio/técnico às agrotécnicas que não conseguirem status de IFET’s ou CEFET’s? Ensinar
articulando a formação geral ao científico/técnico evitando o produtivismo, ainda é uma
promessa das instituições de vocação agrícola? Os mesmos teriam uma verdadeira vocação
propedêutica de preparar para o ensino superior tecnológico ou científico, conforme nos
demonstra a pesquisa de Abramovay (2003)? Neste caso, constatamos por meio da pesquisa,
que a natureza dessas instituições é conviver com esse dilema e, agora, com o processo
intenso de cefetização, atualmente “ifetização”, os debates internos entre os professores,
dirigentes e alunos estão ou estarão sujeitos a delineamento de uma nova identificação de
docência, mais próxima do ensino superior do que de nível técnico. As identidades
profissionais estão sendo construídas diante das políticas de expansão do que das demandas
sócio-educacionais e curriculares? O que traz mais status, o que agrega mais valores
materiais-objetivos, o que carrega marcas de elite intelectual perante as representações sociais
do magistério, ser e estar docente numa escola agrotécnica ou de num CEFET? Os CEFET’s
continuarão a expansão da educação tecnológica de nível médio ou terão uma maior expansão
de cursos e programas tecnológicos de nível superior? As identidades docentes como são
produtos históricos são inacabadas, seja na atualidade ou mesmo no passado em outras
reformas e crises sociais, pois estão entre permanências e tensões que as ressignificam.
No caso do CEFET por nós pesquisado, na atualidade possui 8 (oito) cursos técnicos
(com exigência de ensino médio, seja para prestar exame de seleção ou ser feito em
concomitância interna ou externa) de Meio Ambiente, Agropecuária, Secretariado, Zootecnia,
Agroindústria, Gestão de Agronegócio, Informática e Segurança no Trabalho. Em 5 anos
estruturado como CEFET, já possuí 4 (quatro) cursos de nível superior, a saber: Tecnologia
em Agroecologia (3100 horas), Bacharelado em Ciência da Computação (3520 horas), em
Tecnologia em Laticínios (3040 horas) e em Ciência e Tecnologia de Alimentos (3540
horas); além desses tem Especialização em Agroecologia e Desenvolvimento Rural
Sustentável. Além desses cursos, em 1998, segundo a dissertação de Prates (2005), docente
do CEFET pesquisado, o estabelecimento “dotado de boa experiência no desenvolvimento de
cursos de formação de professores para o ensino profissionalizante
2
(...) amparado pela Nova
Legislação pertinente, abraçou a causa, montando a proposta de acordo com os novos
parâmetros e, em 1998, aproximadamente um ano depois da publicação da Res. 02/97 – CNE,
já ofertava a abertura da primeira turma” (p.32)
105
.
105
Segundo a professora Prates (2005), do ano de 1996 até o período em que a professora escreveu a dissertação,
a Escola Agrotécnica profissionalizou 300 alunos (professores), ou seja, até mesmo antes da aprovação da
Resolução n
0
2 de 1997. Tal resolução baseia-se na lei retrógrada dos Esquemas 1 e 2, Portaria ministerial n
0
432/1971, cuja finalidade dava-se apenas em emergencialmente habilitar engenheiros, médicos, veterinários,
120
O programa de formação de professores aligeirado, baseado nesta Resolução do
CNE/CEB, embora ampare uma visão curricular flexível num curto espaço de tempo, não
orienta e nem promove de fato uma docência reflexiva e culta, ancorada na epistemologia, na
multiplicidade cultural e na interdisciplinaridade como perspectiva crítica para ser trabalhada
no projeto didático-pedagógico de formação. A formação de professores oferecida nas escolas
técnicas ou agrotécnicas, seja para os professores das áreas específicas profissionalizantes ou
para os da educação básica (engenheiros, médicos, administradores etc.) é reducionista, tal
como Demerval Saviane situa que:
“nos anos de 1990 o professor entra no quarto e atual ato do seu
drama: ainda se pede a ele eficiência e produtividade, mas agora
sem seguir um planejamento rígido; não é preciso pautar sua ação
por objetivos pré-definidos e regras estabelecidas. Como ocorre
com os trabalhadores de modo geral, também os professores são
instados a se aperfeiçoarem continuamente, num eterno processo
(...) todo aludindo a questões práticas do cotidiano. O mercado e
seus porta-vozes governamentais parecem querer um professor ágil
e flexível que, a partir de uma formação inicial aligeirada, de baixo
custo, prosseguiria sua qualificação no exercício da docência,
lançando mão da reflexão sobre a sua própria prática (...)
recorrendo aos meios informáticos, transmitiriam em doses
homeopáticas as habilidades que o tornariam competente nas
pedagogias da “inclusão exclusão”, do “aprender a aprender” e da
“qualidade total”. É a concepção produtivista que hegemônica
desde a década de 1970, é agora refuncionalizada numa espécie de
neoprodutivismo” (2007, SIMPRO/SP; Expressão Sindical, pp. 4-5)
No tocante, ao cenário, vale resgatar um artigo de opinião do Ministro Paulo Renato
Souza, em 1998 (um ano após o início da deflagração dos primeiros textos legais da reforma)
para que tenhamos clareza das articulações políticas; no plano interno do subcampo os atores
políticos e dirigentes desde então movidos por identidades sociais e profissionais reproduziam
as ações e pensamentos expressos na prática de regulação das novas estruturas. O ministro
assume o lado totalmente econômico da reforma, o que de certa forma diferiria das
expectativas do campo e habitus acadêmico, que é movido pelos interesses relativamente
autônomos do universo científico-cultural. Contudo, sabemos que a profissionalização de um
professor de um CEFET tem necessariamente que passar por certa bagagem científica, social
e humana qualificada em cursos de pós-graduação, de modo que atenda aos critérios da
docência no ensino superior ou técnico. O reducionismo impera na concepção conteúdista de
tendência tecnicista, conforme aquela alardeada pelo Ministro da Educação justificando a
urgência de aprovação da Resolução n
0
2/1997
106
.
agrônomos, bacharéis ou técnicos de nível médio para a docência. A UFRRJ vivenciou nos anos 1970 a 1980,
período de expansão do ensino técnico, a formação de professores do ensino técnico, para atender o caráter
emergencial da reforma. Na medida em que as Licenciaturas se consolidam nas Universidades e Instituições de
Ensino Superior, não faz sentido que as licenciaturas sejam oferecidas em CEFET’s ou escolas agrotécnicas. Na
região sudeste em termos de atendimento ao ensino agrícola temos renomadas instituições que formam
regularmente licenciados para todas as áreas do conhecimento básico ou aplicado, tais como a UFMG, a UFJF,
UFV, UFLA e, ainda, a UFRRJ que desde 1963 prepara o magistério na educação profissional e desde 1970 na
educação básica.
106
Declarações do Ministro Paulo Renato à Revista Isto É em 25/12/1996 (logo após a aprovação da LDB), ao
Jornal O Globo de 11/12/1996 e o Jornal do Brasil de 01/12/1996. Na fala do ministro “esse seria o meio mais
eficaz e rápido para solucionar o problema da demanda de professores da rede oficial de ensino do Brasil”
121
“O Brasil vive hoje um momento de profundas mudanças na
educação (...) o ensino médio, que registrou um crescimento de
cerca de 40% nos últimos três anos, tem sido, no mundo todo um
desafio para governos e educadores. A falta de identidade tem sido
uma característica deste nível de ensino (...) com a reforma do
ensino técnico que estamos implementando no Brasil, estamos
dando respostas concretas a um conjunto de desafios que se nos
apresenta, inclusive o desafio de absorver a demanda sempre
crescente por formação técnica (...) o modelo de educação técnica
de que precisamos para que o nosso país adquira condições de
competir na nova ordem econômica, e que seja capaz de
impulsionar o desenvolvimento, tem de assegurar educação geral
com qualidade para todos e com múltiplas oportunidades para
permanentes atualizações técnicas, separando formalmente o ensino
médio do ensino técnico (...) agora, com a reforma, o ensino médio
passou a ser modularizado, criando-se chances para quem, antes, o
próprio sistema se encarregava de excluir”
(O Globo, 1998; p. 7).
Essa reforma começa a surtir os efeitos negativos da separação do ensino médio do
técnico. A ilusão de um aluno da classe popular sair do ensino fundamental e realizar apenas
os módulos da profissionalização, no CEFET ou numa Agrotécnica, colocou-o sem condições
teóricas e cognitivas de reter o conhecimento dos módulos, onde os pré-requisitos da química,
física, biologia, por exemplo, ciências de base da agropecuária lhe faltam. Como entrar na
sala de aula e acompanhar, por exemplo, o módulo de sistemas de irrigação, sem ter uma base
de mecânica, vazão e velocidade da água, química, conteúdos que apenas no ensino médio são
trabalhados, pois no ensino fundamental os alunos só estudam Ciências. Exemplificando,
novamente, nem todos os alunos que fizeram até pouco tempo a seleção para os curso,
optavam pela profissionalização integrada ou em concomitância interna com o ensino médio,
pois ao ofertarem 300 vagas para o curso de agropecuária, apenas 150 destinavam ao técnico
(médio mais profissionalizante), o restante das vagas oferecidas destinavam-se apenas aos
módulos profissionalizantes. Neste caso é que acontece o funil da seletividade: o edital
deixava claro que as 150 vagas para a parte profissionalizante, só poderiam ser ocupadas por
aqueles que tivessem cursando o ensino médio em outro estabelecimento ou então já tivessem
o ensino médio. Poucos estabelecimentos, em função da complexidade dos conteúdos da
agropecuária, dispunham as vagas dos módulos sem que o aluno tivesse o ensino médio ou
cursando. Todavia, alguns cursos com menos horas de profissionalização (Técnico em Meio
Ambiente, 800 horas) seria exigido no edital apenas estar cursando o ensino médio.
Rebatendo a política “inclusiva” da educação profissional e ensino médio
107
, Kuenzer
(2003), professora do Programa de Pós-graduação em Educação da UFPR, do GT de Política
107
Dados do censo escolar de 2004, da Folha de São Paulo On line, publicados em 24/03/2006 revelam o atraso
em que vive mergulhado o acesso ao ensino médio, fruto da evasão, da reprovação e da necessidade de políticas
efetivas para a juventude. De certo os dados correspondem às reformas duais que ocorreram, por conta da “nova
ordem econômica” alardeada pelo Ministro em 1998. Segundo a matéria, “é o maior índice de abandono desde
1996, segundo dados do Censo; no ensino fundamental, a taxa de evasão no país é de 8% (...) quinze em cada
cem jovens matriculados no ensino médio abandonaram os estudos no Brasil em 2004. Isso significa que 1,402
milhões de alunos deixaram a escola num universo de 9, 169 milhões de matrículas (...) além dos casos de
abandono, o Censo Escolar do INEP aponta que dez em cada cem estudantes do ensino médio foram
reprovados em 2004 (...) para se ter uma idéia o Brasil tinha em 2004, segundo o IBGE, 34,8 milhões de jovens
entre 15 e 24 anos. Representavam 19,1% da população total (...) por outro lado, a pesquisa mensal de empregos
(PME) realizada em seis regiões metropolitanas em dezembro do ano passado, indicava que 23% dos brasileiros
entre 16 e 24 anos não estudavam e nem trabalhavam” (capturado por mensagem recebida no endereço
eletrônico – grifos nosso).
122
Educacional da ANPED, atuante pesquisadora, avaliadora da CAPES, se coloca contrária à
formação aligeirada do professor, em função das diretrizes curriculares. Para ela:
“O eixo de sua formação, portanto, é o trabalho pedagógico, escolar e
não escolar que tem na docência compreendida como ato educativo
intencional, o seu fundamento. É a ação docente, portanto, o elemento
catalizador de todo o processo de formação do profissional de
educação, a partir do qual as demais ciências se aglutinarão para dar
suporte à investigação e à intervenção sobre os processos de formação
humana. As diferentes ênfases do trabalho pedagógico (educação
infantil, fundamental ou média, jovens e adultos, trabalhadores, e
assim por diante), assim como as tarefas de organização e gestão dos
espaços escolares e não escolares, de formulação de políticas
públicas, de planejamento, etc., constroem-se sobre uma base comum
de formação, que lhes confere sentido e organicidade: a ação docente.
É a partir dela, de sua natureza e de suas funções que se materializa o
trabalho pedagógico, com suas múltiplas facetas, espaços e atores (...)
ao compreendê-lo enquanto práxis educativa, unidade teórico-prática
e unitária, porquanto não suporta parcelarizações, rejeita-se qualquer
processo de formação que tome como referência “competências”
definidas a partir da prévia divisão dos espaços e tarefas dos
processos educativos. Ao contrário, esta forma de conceber, que toma
a ação docente como fundamento do trabalho pedagógico, determina
que os processos de formação dos profissionais da educação tenham
organicidade a partir de uma base comum – os processos educativos
em sua dimensão de totalidade sobre a qual dar-se-ão os recortes
específicos (p.5).
No entendimento de Acácia Kuenzer as formações aligeiradas significam a
descaracterização do professor reflexivo, cientista e pesquisador da educação. O
aligeiramento define por si só um perfil compatível com as mudanças curriculares de
formação do técnico, reduzindo o tempo espaço dessa formação docente, significa reduzir a
configuração de disposições internas (habitus) imprescindíveis à crítica da própria prática. No
desenho curricular da Resolução n
0
02/1997, verificamos a preocupação dos Conselheiros em
estruturar por temas e eixos e núcleos contextuais e integradores, mas esse discurso nem
sempre propiciará chegar ao habitus docente, o sentido objetivo-subjetivo – a
profissionalidade – não forma em qualquer espaço tempo sem que haja interações no campo
acadêmico que aglutina o conjunto de comportamentos, conhecimentos, destrezas, atitudes e
valores que constituem a especificidade de ser professor (Gimeno Sacristan, 1991;p.65).
Quanto à escolha de um CEFET no interior do estado de Minas Gerais, fizemos a
seleção em função do acesso, como dissemos, mas também para fugir da tentação do mais
fácil, uma vez que próximo a UFRRJ, nosso local de trabalho, temos dois colégios
agrícolas
108
, onde conhecemos os professores e a direção. Não poderíamos realizar tal
pesquisa num grupo social possivelmente “viciado” às nossas visões e pretensões analíticas.
Sobretudo, escolhemos uma instituição das mais antigas do Brasil, fundada em 1956, numa
das regiões mais prósperas para a agropecuária da Zona da Mata mineira, próxima a UFJF,
UFV e da EMBRAPA (gado de leite). Considerando a discussão de Moreira (2005), é
significativo dizer que, nos dias que passamos ao longo da pesquisa no Centro Federal de
108
Colégio Agrícola Nilo Peçanha da UFF e Colégio Agrícola da Universidade Rural da UFRRJ. Mesmo que
tivéssemos de realizar pequenos ajustes nas questões de estudo, a nossa hipótese poderia ser mantida, pois a
autarquização e a descentralização dos modelos de formação da esfera do governo federal, imprimem a toda rede
federal um imaginário docente de expectativas no “novo” professor e profundas mudanças nas estruturas
curriculares e de qualificação docente para propor novos cursos.
123
Educação Profissional Agrícola/MG, constatamos que há identidades docentes ressignificadas
no contexto de transformações locais-globais para pensar o CEFET num modelo adequado a
tal ambiência.
O perfil do CEFET influenciou muito, visto que é uma das instituições onde
encontramos professores de diversas formações na graduação e qualificação em pós-
graduação, sobretudo, porque para se transformar rapidamente em CEFET (2002), a
autorização de cursos de nível superior passa pela titulação de pós-graduação em áreas
correlatas aos cursos/corpo docente. Essa instituição em 1997, um ano depois do Decreto
n
0
2208/1997 também detinha expressiva colaboração do PROEP – Programa Nacional de
Reforma da Educação Profissional. O que podemos esperar para o futuro dessa instituição?
Pensamos que o “espírito de corpo” se mantenha unificado no projeto de criação da
Universidade Tecnológica ou de um IFET (atualmente o CEFET pesquisado está em fase de
estruturação para IFET juntamente com a Escola Agrotécnica de Barbacena e o Colégio
Técnico da UFJF).
Daí é que perguntamos, novamente, estarão às identidades docentes dos professores da
educação profissional afinadas com o ensino superior ou com o ensino médio/técnico? Ou
finalmente, os professores percebem de forma desafiadora os dilemas e as responsabilidades
com um projeto de ensino médio/técnico quando ao se qualificarem recai sobre eles o peso da
autonomia de uma opção de profissionalização e de organização cotidiana. Estarão os
professores pela primeira vez agindo diante da condição de autonomia concedida ou
conquistada em face da ação coletiva do magistério após se libertar da Igreja. Pela primeira
vez, de fato, as Escolas Agrotécnicas e CEFET’s possuem autonomia para escolherem o
projeto de profissionalização e colocar a educação profissional integrada à educação básica,
com possibilidades concretas de romper com as permanências e dualidades que também agem
sobre a sua profissionalização docente.
Vislumbrando responder a essas questões e outras levantadas no mesmo contexto
analítico, trilhamos no estudo exploratório junto ao Centro Federal de Educação Profissional
Agrícola de Minas Gerais, estruturando os seguintes problemas de pesquisa:
a) levando-se em conta a formação acadêmica inicial e as experiências profissionais do
professor na prática docente, seria possível afirmar que as múltiplas interações entre o
universo social exterior com o microcosmo da escola concorreriam para a construção de
processos identitários interiores reflexivos e críticos?;
b) a descentralização, após 1994, das escolas agrotécnicas da coordenação nacional do
MEC/Brasília, transformou as mesmas em autarquias, por conseguinte essa decisão retoma
aceleradamente o projeto antigo de cefetização das escolas agrotécnicas e técnicas, tais
processos em cadeia seriam propulsores de uma ressignificação identitária docente?
c) no magistério do ensino técnico agrícola, as interações do tipo locais e nacionais,
em confluência com os interesses escolares, estariam impactando as identidades profissionais
docentes, exigindo um professor mais propositivo, reflexivo, portanto, mais qualificado para
ser um formulador de projetos?
d) na existência de tais interações, pudemos conjeturar relações fincadas no
estreitamento do sujeito-professor, onde a docência mobiliza estruturas subjetivas – valores,
cognições, percepções e afetos – (pessoais) de maior autonomia que afloraram identidades
docentes reflexivas e propositivas?
e) o professor da educação tecnológica agrícola, nesta época de crise de identidades
tradicionais, estaria se conscientizando no exercício do trabalho docente sobre os novos
significados sócio-profissionais, quando no cotidiano escolar os indivíduos sociais se
mobilizam em torno dos arranjos adensados pela diversidade de experiências engendradas na
relação micro e macro contextual?
124
Referenciamos-nos nessa problemática para lançarmos a hipótese de que o professor
da educação tecnológica agrícola tende a construir uma docência portadora de reflexividade,
de identidades sociais mais desenraizadas daquelas do passado, uma vez que as propostas e
projetos se configuram numa profissionalização que, na atualidade, se originam de cotidianos
relacionais/abertos à indagação do sujeito diante de si, da diversidade sociocultural e das
ações formativas exigentes de qualificação afim ao campo acadêmico que é exigente de
práticas científico-pedagógicas cabíveis ao CEFET (IFET). As questões de estudo e a hipótese
quando colocadas no perfil que traçamos do Centro Federal de Educação Profissional de
Minas Gerais e de seus professores, na aplicação dos questionários, bem como quando
situadas nas respostas das entrevistas, revelam representações e significados sócio-
educacionais que há muito os professores dão sentido á docência. Portanto, uma “nova”
docência se configura não somente diante das mudanças institucionais, macro-estruturais
(com a “cefetização”), mas sim diante da profissionalidade exigente de qualificação para
atender técnicas e tecnologias contextualizadas. O que refuta a idéia de uma docência
delineada nas permanências e ambigüidades somente, pois os professores se identificam com
uma missão de ensinar, contudo, descartam uma docência tecnicista nos moldes do
produtivismo, já que se colocam como educadores, conforme as entrevistas. Sobretudo,
porque cumprir toda uma trajetória de qualificação de alto nível é condição para que ocorram
mudanças significativas que atendem às cobranças internas baseadas num “espírito de corpo”,
mas próximo da pessoalidade (subjetiva) também.
Em função de determinismos burocráticos sedimentados nas instituições, contudo, aos
professores, num passado recente, foi cerceado o direito de trabalhar na tensão da diversidade,
os dilemas e das ambigüidades imprimidas pela própria profissão docente no cotidiano. Desde
1994, momento em que as Agrotécnicas Federais e CEFET’s agrícolas passaram a autarquia,
pensamos que essa conquista ou concessão governamental tenha concorrido não só para
descentralizar o projeto educativo escolar do MEC, mas também para lançar um conjunto de
desafios ao desempenho político-pedagógico do professor no âmbito cotidiano do trabalho
docente. A “cefetização” não foi um projeto vinculado ao Governo interino de Itamar Franco,
mas como demonstramos no corpo discursivo dessa tese, a questão vem sendo lentamente
implementada nas instituições de educação profissional desde a Reforma Universitária dos
governos militares.
Uma das primeiras experiências avaliada como exitosa foi a transformação da Escola
Técnica Celso Suckows em CEFET, nos anos de 1980. Essa percepção perpetua a cefetização
e a ifetização na educação profissional, tanto no governo FHC, responsável pela Reforma da
Educação Profissional após a LDB de 1996, como no atual governo Lula da Silva,
implementador da expansão na educação profissional. O peso maior das justificativas de
criação e expansão dos CEFET’s sempre foi e é dimensionado tomando a idéia de uma
instituição, que diferentemente das universidades públicas, que não supriam a demanda
reprimida de ensino superior de boa parcela da população brasileira, pudesse oferecer
programas e cursos alternativos aos das universidades federais e estaduais.
A própria legislação educacional que versa sobre a formação inicial de professores da
educação básica embora estabelecendo a licenciatura como modelo pedagógico e normativo
para a habilitação no magistério, quanto à profissionalização dos professores da educação
profissional sempre tal legislação apresentou moldes “especiais” baseados na formação dos
professores da educação básica (Escolas de Filosofia, Ciências e Letras, Licenciaturas, Escola
Normal). Contudo, a legislação nunca teve clareza textual que afugentasse o destino da
complementação pedagógica, de forma que os professores visados pelos dirigentes de
125
escolas/cefet’s preferencialmente foram e são os que têm experiência nos espaços de
produção. A justificativa baseia-se na idéia de um professor que integra aptidões, valores e
competências profissionais do setor agropecuário do mercado, que pretende ser reproduzido
nas relações sociais do universo da profissionalização na escolarização. Essa concepção
jurídico-pedagógica de relegar ao mercado e aos interesses administrativos de dirigentes ou
corporações acadêmicas de caráter fechado tende a uma única visão de profissionalização, a
aligeirada por competências, embora não seja a das entidades científicas e profissionais, mas
são as que supostamente preponderarão, com certo aumento na carga horária, nas instituições
de educação profissional. Por conseguinte, as entidades sindicais e profissionais não têm se
manifestado com a devida preocupação com o professor da educação profissional. A
propósito da elaboração dos capítulos dessa tese, buscamos na pesquisa documental e de
campo, o material empírico indispensável para compreensão do quê efetivamente é pensado e
tratado e, como vêm se configurando as identidades docentes. Para tanto nos orientamos pelos
seguintes objetivos específicos:
1)tomar a idéia da formação pedagógica como critério teórico-metodológico para
enquadrar o professor da educação profissional agrícola na categoria profissional docente,
embora este esteja frouxa ou oportunamente mencionado na legislação educacional, bem
como nos discursos e ações de entidades ligadas às categorias;
2) investigar em documentos a história social da profissão docente, particularizando a
docência na educação profissional agrícola (como e por que veio existir e também como se
institucionalizou a profissão/profissionalização);
3) ir além, segundo Freidson (2004), de apenas uma forma funcionalista de
caracterizar ou trazer traços distintivos da docência ou ensino como instrução apenas, pois nos
interessou focar o campo da profissionalização desse grupo profissional, onde acreditamos
que o Estado teve até a autarquização das instituições no início dos anos 1990 o máximo
controle sobre a profissão docente, limitando os projetos, mas não impediu ao grupo de
construir suas identidades profissionais em interações entre os projetos individuais e os
processos sociais, culturais e políticos que se encontram permeando o cotidiano de qualquer
instituição da sociedade;
4) verificar e analisar a interação indivíduo-docência no sentido de trazer à baila as
percepções dos professores sobre o universo de representações sobre a profissão;
5) identificar quais os processos sociais primordiais de formação e profissionalização
dos professores da rede de educação tecnológica agrícola, particularizando a análise sobre a
rede federal (Agrotécnicas e Cefet’s) uma vez que as condições objetivo-materiais de
produção de conhecimentos e valores da profissão requerem processos formativos assentados
em um modelo de profissionalização de maio qualificação.
Quanto à metodologia de pesquisa, nos utilizamos de uma abordagem próxima a da
etnografia, buscando associar fontes primárias, secundárias aos instrumentos estruturados
visando à aplicação de questionários, entrevistas, observações, enfim, meios que pudessem
abrir os espaços-tempos onde às identidades profissionais se constituem. Nesse sentido,
guiadas pelas questões de estudo, pelos objetivos – geral e específico – focados no cenário
nacional e particular descrito, partimos para o “reconhecimento do terreno”, o qual
detalhamos a seguir:
126
1) realizamos no período da preparação do projeto de pesquisa, em 2005, uma re-
visitação às bibliotecas (UFRRJ/CPDA, UFRJ, UFF e UERJ) para uma revisão bibliográfica
mais detalhada;
2) concomitantemente às revisões bibliográficas, em 2004 fizemos contatos com
professores do CEFET pesquisado, por meio de um curso de pós-graduação da UFRRJ, em
nível de mestrado, onde professores do departamento da educação são orientadores e nos
indicaram possíveis contatos; após os contatos, elaboramos os questionários semi-estruturados
que aplicamos entre novembro de 2005 a dezembro de 2006, cumprindo três visitações ao
CEFET e mais uma em fevereiro de 2007; após, mobilizamos professores, coordenação de
ensino no sentido de aplicarmos os instrumentos junto aos professores do CEFET
109
no
interior do Estado de Minas Gerais, onde verificamos: que havia mais livros/textos legais
específicos e particulares que desconhecíamos até à época, que serviam aos dirigentes e
coordenadores pedagógicos na orientação dos docentes em reuniões pedagógicas ou
curriculares; que havia outras fontes de informações que os professores julgavam relevantes;
3) realizamos entrevistas com professores (as) e, nos períodos das visitações,
passamos dois dias inteiros, aplicando os questionários, mas também participando de
conversas nos momentos de descansos na sala de professores, no local do cafezinho, na
biblioteca etc. seguindo as normas da observação participante (GOLDEMBERG, 2002); por
duas vezes também fizemos compras na cooperativa da escola, para sabermos dos
vendedores, alunos, professores e pessoas da comunidade (consumidores locais) sobre a
qualidade dos produtos fabricados no próprio CEFET; assistimos a sessão de abertura do
Curso de Especialização Lato Sensu em Agroecologia, em dezembro de 2006, momento em
que pudemos perceber nos diálogos dos professores a conquista de um projeto que era mais
do corpo docente do que do dirigente; na fala de abertura e nos diálogos perpassavam os
valores sócio-ambientais e profissionais contemporâneos agregados à institucionalização do
CEFET. Sobretudo, percebemos que o ensino no CEFET pesquisado estaria avançando na
produção de conhecimentos e materiais construídos no estreitamento de pesquisas que
articulam ciência e tecnologia em interface com o que é necessário politicamente para os
professores manterem a sua instituição, como para o CEFET realizar o seu papel naquela
localidade de MG. Portanto, participamos de diálogos que nos informaram a respeito de
capitais culturais que hoje são valorizados pelo o que de simbólico traduzem e reproduzem no
universo da profissionalização tanto do docente como do aluno do CEFET agrícola, que será
formado para atuar como técnico em agropecuária, agroindústria, etc.;
4) buscamos o projeto educativo da escola do ano de 1997, período de instalação do
projeto de reformulação na educação profissional agrícola, onde a base de formação de
professores e de alunos configurou-se naquela época pela noção de competências. Essa noção
vinha como novidade no meio pedagógico-curricular da universidade, mas para quem estava
na educação profissional não era tão novidade assim. Pelo menos, para os que estiveram
contatados pelos acordos consolidados nas viagens técnicas de líderes dirigentes e professores
à França, Canadá, enfim aos países que tomaram e tomam essa noção como paradigma de
formação escolar ou para o trabalho. Também buscamos o Projeto Político-Pedagógico atual,
mas não conseguimos retorno, o que nos impediu de aprofundar as visões de trabalho,
formação, currículo, percebendo as relações de produção e pedagógicas influenciadas local e
regionalmente que perpassam os interesses e atividades individuais e do coletivo dos
109
Denominamos de Centro Federal de Educação Profissional Agrícola de Minas Gerais, de forma que
pudéssemos manter em sigilo a origem real das informações e assim os professores se comportarem mais
naturalmente. Contudo, a UFRRJ/IE que nos apoiou financeiramente no deslocamento e estadias da pesquisa de
campo e a nossa orientadora sabem a verdadeira localização e denominação da instituição.
127
professores; assim, procuramos o site do Centro Federal, onde obtivemos algumas das
informações;
5) com a aplicação dos questionários, nós identificamos professores que investiram em
capital cultural nas suas trajetórias profissionais; nesse sentido, localizamos algumas
dissertações desenvolvidas no Programa de Pós-graduação em Educação Agrícola, da UFRRJ,
vinculado ao Instituto de Agronomia, o que nos aguçou a investigação nas tendências e
interesses em termos de conhecimentos, valores, visão de mundo rural e de educação agrícola,
sobretudo de formação e profissionalização docente. Do grupo do CEFET pesquisado
encontramos uma dissertação (PRATES, 2005) que situa uma ideologia e uma pedagogia de
profissionalização docente; Durante a investigação tivemos acesso a outra dissertação
(REHEM, 2005) de uma ex-colaboradora orgânica do grupo que compôs a SEMTEC na
década que inicia e consolida a Reforma na Educação Profissional Agrícola, contudo essa não
era professora do CEFET;
Realizamos uma análise no material empírico incorporando os dados e informações de
fonte documental (primárias e secundárias), das respostas dos questionários, dos
discursos/falas das entrevistas e dos documentos, buscando dialogar com as noções/categorias
sobre identidades sociais, construção da realidade, capital cultural, profissões e processos de
socialização, campo e habitus de modo à configuração de uma análise sobre as percepções e
posições dos professores (grupo profissional) sobre a docência.
Pretendemos uma pesquisa cujos procedimentos estivessem assentados em bases
qualitativas, contudo não vislumbramos um estudo de caso, conforme Goldemberg (2002)
anuncia ser característico do da antropologia (p. 34) para chegar num trabalho de tese apenas
descritivo. O que fizemos pode ser considerado como um estudo de caso, posto que
analisamos uma situação particular, num sub-campo específico do campo acadêmico
(educacional). Justificamos a nossa opção pelos procedimentos quali-quantitativos devido a
nossa suposição a respeito de um “mundo” profissional em pleno estado de construção e
desconstrução que poderia ser explicado a partir da complexa e inter-relacionada trama de
significações, representações sociais, valores, rituais pedagógicos, imagens idealizadas e
percepções construídas pelos indivíduos/sujeitos em relação entre si e com a esfera político-
cultural e acadêmica. Esse fato sociocultural que interfere em opções individuais evidencia
um fenômeno marcado pelos processos identitários particulares da contemporaneidade.
Retomando a justificação pelo CEFET, o fizemos porque o mesmo se associa a qualquer outro
contexto educacional de nível médio/tecnológico que vem sendo balizado e sofrendo com as
mudanças oriundas de pensamentos e práticas perspectivadas por atores e indivíduos em
conflito; atores w sujeitos que vivem cotidianamente mediados pelas esferas objetivas da
produção, das subjetividades de indivíduos que perspectivam uma profissionalização de
jovens o ensino médio/técnico, mas, ao mesmo tempo objetivam o projeto CEFET como uma
forma de profissionalização qualificada para a docência.
Por não termos pretendido um estudo centrado na abordagem biográfica de um ou dois
professores ou somente na interpretação de narrativas (falas), esse contexto empírico pode ser
explorado e visualizado também em expressões e materiais produzidos pelos indivíduos do
Centro Federal, das escolas agrotécnicas, da universidade, em documentos e em outros
espaços-tempo que se manifestam processos profissionais, conforme acima mencionamos e
que nos foi permitido e possível de buscar. Por isso, nos servimos dos contatos feitos por
meio do Programa de Pós-graduação em Educação Agrícola da UFRRJ, que tem objetivos
compactuados com a formação e profissionalização pretendida pelo MEC e a antiga SEMTEC
e na atualidade com a SETEC para atender a qualificação dos docentes e, portanto, colaborar
com êxito o projeto de “cefetização” ou de “ifetização”.
128
3.1.2. O Perfil do Centro Federal de Educação Profissional/MG.
Não pretendemos tão somente trazer os dados para revelar os traços da estrutura e
funcionamento do Centro Federal de Educação Profissional Agrícola/MG, pois as
características são similares aos demais, sendo CEFET ou IFET ambos são regidos por uma
base legal comum do Sistema Nacional de instituições federais de educação tecnológica. Mas,
ao tomarmos os indivíduos em habitus profissionais, estes não estão dispersos ou solitários,
mas sim mergulhados num complexo de tantos outros indivíduos/habitus e instâncias/posições
socioculturais que seria desnecessário de nossa parte afirmar que as identidades docentes se
formam na multiplicidade de representações da docência deste universo social em intrínsecas
relações. A escola/CEFET é um universo do campo educacional que imprime (des)
construção de identidades profissionais (sociais e do eu) configuradas na lógica do próprio
campo, cujo complexo de instituições e atores com os seus valores, percepções, gostos e
conhecimentos particulares se relacionam disputando o projeto de estruturação daquele
campo. A propósito, o nosso contato com o material empírico foi facilitado pelo acesso que
tivemos anteriormente às teorias. Nos conceitos abstratos de representações, identidades e de
socialização encontramos as pistas para buscarmos no microcosmo (universo escolar do
CEFET) as significações que os sujeitos dão ao significante global/generalizado que é a
docência. Uma das significações é a valorização da pós-graduação, até então no período das
agrotécnicas, era pouco evidenciada. Em decorrência dos investimentos em capital cultural os
docentes estão redefinindo trajetórias e instituições.
O prestígio social ou a honra de atuar como professor de um CEFET nos pareceu
acrescentar e/ou redefinir valores, estilos e conhecimentos científicos e técnicos, decerto que
isso imprime adequações nas trajetórias profissionais, mas também recontextualiza a profissão
e o projeto de vida dos professores, que pessoalmente estarão mais reflexivos acerca dos
rituais, papéis, funções e as tradições que cercam o cotidiano da docência. Como dissemos
anteriormente, o desenvolvimento da docência (profissionalidade) desses professores é mais
sólido/abrangente nos conhecimentos e na configuração pedagógica do que foi no passado
com os primeiros agrônomos ou veterinários atuando como professores. Em que pese as
críticas ao modelo profissional com forte peso na superestrutura, prerrogativa da Reforma, na
atualidade, é fato que os professores necessitam da qualificação coadunada à perspectiva da
docência propositiva, devido os desafios que os CEFET’s e, atualmente IFET’s, podem
realizar, por conseguinte o habitus professoral na educação profissional agrícola remete ao
habitus universitário de docência. Desde toda história do campo acadêmico, houve uma
comunidade científico-universitária que exerceu o total domínio das mudanças nos sub
campos afins. Somente, a pós-autarquização das EAF’s é que os docentes criam cursos,
participam de comissões para reformulação curriculares, comissão de processos de seleção,
licitações, gozando de plena legitimidade e autonomia. Enfim, a prática profissional
(pedagógica) está cada vez menos especialista, porque está mais aberta às inovações e
exigências de sociabilidade da vida contemporânea em processos socioculturais intensos; uma
prática que se forma na diversidade e na complexidade, e não na amalgama de estruturas fixas
e lineares do produtivismo educacional tecnicista ou do produtivismo agrário.
O Centro Federal de Educação Profissional Agrícola/MG foi criado em 1956,
passando por inúmeras transformações na organização didático-pedagógica, refletindo as
finalidades formativas de cada época e objetivos da escolarização na educação profissional
em relação às demandas da sociedade rural e das políticas emanadas pelos poderes públicos
municipais e estaduais. Segundo consta no site do CEFET, a criação e consolidação do Centro
resultaram das investiduras políticas baseadas no Plano de Metas do Governo de Juscelino K.
de Oliveira, quando o Deputado Ultimo de Carvalho encontrou espaços políticos para por em
execução o projeto educacional para aquela região da Zona da Mata. Segundo consta no site,
129
naquela época o ensino agrícola era vinculado ao MINAGRI, por isso a escola agrícola visava
além de profissionalizar, manter os filhos de pequenos proprietários e trabalhadores rurais que
não tinham condições financeiras para realizar estudos fora ou no núcleo urbano. Versa sobre
a instituição que “a criação desta veio justamente preencher essa lacuna, proporcionando a
esses indivíduos a escolarização tão sonhada (...) em 1964 é autorizada a funcionar como
Ginásio Agrícola, decreto n
0
53.558/64 (...) em 1968, o decreto n
0
62.178 transforma o ginásio
em Colégio Agrícola (...) em 1979, por meio do decreto n
0
83.935, passa a denominação de
Escola Agrotécnica (...) em 14/11/2002 é transformada em CEFET”. O estabelecimento tem
uma cooperativa e uma loja com produtos feitos no próprio CEFET, famosas no núcleo
urbano da cidade devido a qualidade de seus queijos e iogurtes de produção integral. Os
alunos contam com um sistema de internato e semi-internato para os jovens de sexo
masculino, não tendo para as mulheres, que contam com serviços de hospedaria, pensões ou
se organizam em moradias do tipo “repúblicas” no entorno do CEFET ou no núcleo urbano.
Interessante ressaltar também que no Centro existe um Restaurante, do tipo
“bandejão”, cuja refeição nós constatamos (duas das três vezes que fomos ao CEFET fizemos
a alimentação no Restaurante da escola) ser de qualidade nutricional, atendendo não somente
aos internos, mas aos alunos, funcionários técnicos e professores. Tomamos conhecimento
que a grande parte de proteínas e dos vegetais, folhosos e legumes, são produzidos na própria
escola, como também frutas, leite, queijos, embutidos e iogurtes consumidos e o excedente
são dispostos na Cooperativa para a venda.
O cenário de recepção no dia em que nós chegamos pode ser classificado como
simpático e colaborativo. O “espírito” de corpo dos professores do Centro Federal de
Educação Profissional/MG transparecia a imagem da realização profissional, portanto, era
completamente perceptível a positividade passada pelos professores. No passado Moreira e
Soares (1993) sentiram um clima oposto, pois predominava nas instituições públicas apenas
as cobranças e a ameaça de reformas profundas. O início dos anos de 1990, nomeadamente
reconhecido no meio pedagógico como “mal estar docente”, refletia as identidades
profissionais ressentidas pelo esgotamento de modelos de matrizes verticalizadas e a
desvalorização do magistério denotava o clima de incertezas e aviltamentos que a política
pública passava (Vianna, 2003).
Os professores se apresentavam e logo iam perguntando, “será que na UFRRJ nós
conseguiremos entrar num programa de pós?” “Nós queremos estudar novamente, mas está
difícil, pois temos uma carga horária puxada”, enfim, conversas e mais conversas, todas
tiveram o mesmo tema, “precisamos fazer pós”. Tais expectativas que se formaram em torno
de nossa presença são óbvias, uma vez que eles/as sabiam de nossa procedência de uma
universidade tradicional na profissionalização em ciências agrárias (fitotecnia, ciências do
solo, biologia animal, etc.) e na educação agrícola. Nada demais sermos recebidas de forma
amistosa, pois os contatos iniciais com os entrevistados de uma pesquisa nunca são
espontâneos, logo de início são os mais simpáticos e cooperativos, contudo ao lançarmos os
primeiros instrumentos, a relação começa a entrar na normalidade do diálogo entre pessoas
que ainda não se conhecem. Tendo por base as orientações de Goldemberg (2002; p.49-50)
sobre as particularidades de um fenômeno em termos de seu significado para que o próprio
grupo opine sobre ele, procuramos por meio da aplicação do questionário de perguntas abertas
e fechadas, encontrarmos o perfil sócio-gráfico. De tal forma foi possível que pudéssemos
logo em seguida traçar as questões das entrevistas enfocando o que de fato fosse relevante
saber em termos da percepção deles em relação à docência. Os dados quantitativos dos
questionários nos deram informações comparativas entre os respondentes do grupo
pesquisado, gostos, tempo de trabalho, regime de trabalho, qualificação docente, afinidades,
estilos de vida, práticas pedagógicas, tipos de avaliação usuais, etc., dados que segundo
Goldenberg nos deram características do grupo profissional imerso na sociedade e na atuação
130
docente. Ao passo que as entrevistas e as questões abertas dos questionários nos permitiram
enfatizar as particularidades e significados atribuídos ao papel e a percepção deles em relação
à docência.
O local para a distribuição dos questionários foi o mais isento possível, deu-se dentro
do CEFET, alguns na sala dos professores, outros nos arredores próximos as unidades de
produção e na sala de café. Alguns ficaram insatisfeitos devido ao número de perguntas. Os
professores nos viram, eu e a professora Lucília de Paula
110
, com desconfiança, mas ao longo
de dois dias se aproximaram para então desabafar com as notas finais dos alunos, “pesos e
pesos de provas e trabalhos para corrigir” (fomos duas vezes ao Centro, em final de ano). Os
questionários foram elaborados com base em um survey, que a professora Zaia Brandão da
PUC/RJ e a sua equipe de pesquisa sobre “sucesso e fracasso escolar e escolas de qualidade”,
portanto refizemos o questionário para a nossa realidade de modalidade escolar e o grupo
profissional respondente
111
, no nosso caso de um Centro Federal de Formação Profissional
Agrícola/MG.
Quanto ao universo quantitativo da população de professores
112
(amostra), segundo
informações junto à coordenação do CEFET naquela época que aplicamos o questionário
(novembro de 2005), o número oscilava entre 58 a 60, considerando que entraram e saíram
professores substitutos neste período e que a população docente pode ter aumentado ou
diminuído. Conseguimos distribuir 33 questionários, dos quais 25 (vinte e cinco) foram
retornados totalmente respondidos e dois foram respondidos menos da metade. Preferimos
trabalhar com os 25 respondidos, desprezando os dois incompletos, onde fixamos a tabulação
de dados dos questionários em torno de 40% do total de professores. Contudo a nossa amostra
de professores pode ter chegado os 50%, visto que apenas aplicamos os questionários nos que
tinham e têm a ver com o ensino médio/técnico, uma vez que nem todos os docentes
lecionavam para esse nível naquela época (ver em GOLDENBERG, 2002 e FRANCO, 1994).
Os dados e informações fornecidos pelos 25 respondentes puderam ser organizados em
tabelas numeradas de 1 a 36, conforme Anexos.
No tocante a visão dos 25 professores
113
a respeito do CEFET como instituição de
qualidade, cumpridora das suas finalidades formativas previstas no regimento, eles
concordam no sentido das atividades, conhecimentos curriculares e parte diversificada
voltarem-se para o desenvolvimento integral dos jovens como pessoa cidadã e profissional,
seguindo a filosofia de trabalho pedagógico assentado em premissas educativas do “aprender
a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser”. A filosofia anunciada
baseada em premissas foi encontrada descrita no site institucional, e permite evidenciar a
aceitação do discurso e das ações fundamentalmente explicitadas pelos organismos
multilaterais (UNESCO, BIRD, por exemplo). Ainda permite constatar uma sintonia político-
110
Nós aplicamos os questionários juntas, de forma que pudéssemos obter informações também para a nossa pesquisa,
financiada pelo CNPq entre os anos de 2005 a 2007, cuja coordenação era da professora Lucília/DTPE/UFRRJ, intitulada
“Educação Profissional e Qualidade de Ensino: Investigando a relação família-escola”.
111
A professora Lucília e as suas orientandas de mestrado em Educação Agrícola utilizaram os mesmos
questionários junto a grupos de docentes na Escola Agrotécnica Federal de Colatina/ES e na Agrotécnica Federal
de Salinas/MG. O nosso questionário obedeceu além das finalidades precípuas do objeto estudado como também
aos objetivos específicos explicitados no início desse capítulo.
112
Ver a Tabela 20 nos anexos, onde 56% dos professores estão em regime de trabalho de dedicação exclusiva
(DE); na Tabela 21 sobre carga horária de aulas por semana no CEFET, 60% chegam até 20h/a e 16% até 30h/a;
a Tabela 22 refere-se às disciplinas por docente, onde 44% distribuem-se entre disciplinas/módulos
profissionalizantes e a maioria de 48% nas disciplinas das áreas de formação geral, contudo há ainda 8% que,
mesmo sendo das áreas de educação básica, lecionam disciplinas profissionalizantes.
113
A Tabela 19 nos anexos destaca os anos de trabalho no CEFET, onde 48% têm 5 anos, 20% têm entre 5 a 10
anos, 24% entre 10 a 25 anos e 8% com mais de 25 anos.
131
pedagógica com a conjuntura mundial
114
se tomar a referência no quadro de reformas,
principalmente dos países da União Européia, Estados Unidos, onde os condicionantes
estruturais alardearam um discurso clamando aos dirigentes da América Latina e África para
realizarem as reformas educacionais no sentido da correção das desigualdades sociais. Porém
a história da educação nos mostra que nem sempre as reformas em bases de transposições
curriculares ou de teorias de outras nações pela via “passiva” (sem a direção, participação e
formulações dos sujeitos da práxis) ou de uma visão consolidada (como explica E. Said)
resultam positivamente em transformações sociais.
Localizamos no Relatório de Jacques Delors (1998)
115
, as mesmas premissas (pilares
de aprendizagens e conhecimentos) que estão na home page do CEFET. No livro o autor
denomina as premissas de “Os Quatro Pilares da Educação” (Capítulo 4). Para o autor, os
pilares do “aprender a conhecer” e do “aprender a fazer” não podem estar determinados por
práticas de “qualificação”, visto que essa noção remete ao passado da industrialização, de uma
visão mecanicista propugnada pelo taylorismo ou fordismo; na atualidade, qualificação é uma
noção “obsoleta” para dar conta dos “novos processos de produção” que hoje são processos
de “concepção” de “desmaterialização” do trabalho (qualquer semelhança com o discurso das
linhas mestras das políticas neoliberais de trabalho flexível, no início dos anos de 1990 é mera
coincidência!!!) de forma que em detrimento do termo qualificação é exaltado a noção de
competências, onde o pessoal e o subjetivo (talvez mais próxima do toyotismo, qualidade
total) dariam contornos às relações produtivistas do neoliberalismo (DELORS, 1998, p.93).
Ambas as premissas sob a perspectiva pedagógica deixam a desejar. Isto porque as mesmas
ancoradas no referencial do humanismo, ao invés de justificarem a orientação de jovens a
partir de suas potencialidades humanas, cognitivas e criativas, para reverterem o quadro de
desigualdades e do trabalho informal legitimando a democracia, a cidadania e o trabalho
digno, ao contrário, ambas enfatizam ratificando uma educação na perspectiva de uma
aprendizagem sobremaneira balizada em aspectos de comportamentos adaptativos à
globalização da economia e do mercado informal.
A Análise do Relatório desconhece as relações intrínsecas entre os sujeitos e as suas
nacionalidades/localidade onde se constituíram como pessoas e indivíduos e certamente se
constituirão como profissionais.
Levando em consideração às sociedades periféricas, o documento ratifica um quadro
de relações de trabalho incertas devido à economia informal, ou seja, partem de um
pressuposto negativo para uma socialização de jovens que têm apenas a educação como fator
de mobilidade social e profissional.
114
Ver Parâmetros Curriculares do Ensino Médio; Referenciais Curriculares da Educação Profissional, áreas de
Agropecuária e Meio Ambiente, por exemplos. Nos documentos vimos citações diversas referentes a
concordâncias com o Seminário Internacional de Políticas Públicas (SP, 1996) e a Reunião Internacional sobre
Educação para o Século XXI (Bruxelas, 1995), ambos os eventos são considerados marcos da Reforma. Criam-
se uma série de justificações baseadas nos erros seculares que ocultados ou não mantiveram esse nível de ensino
e essa modalidade em dualidades que corroboraram para exclusões de uma massa de jovens nessa etapa de
escolarização; bem como persuadiu os jovens a buscarem uma precocemente uma qualificação para o trabalho.
Mas ao lermos os documentos e outros pareceres (como o Parecer n
0
16/99) há uma série de referenciais sobre a
formação e desenvolvimento integral do adolescente, contudo, a opção pelo humanismo para escudar os
excessos de tecnicismos provocados por relações sociais de produção integradas a educação de jovens em
reformas anteriores no Brasil e na Europa, ao longo do industrialismo, não demonstra rupturas também com as
mesmas relações e a globalização da economia em um novo ciclo do capitalismo.
115
Ficou conhecido pelas explicações que o autor dera (membro de uma Comissão da UNESCO) às premissas
que (algumas recuperadas da década de 1970) discutidas na Reunião Internacional sobre Educação para o Século
XXI (Bruxelas, 1995). A discussão do evento passou a ser incorporada como diretrizes e orientação para as
reformas curriculares do ensino médio/profissional, não só as do Brasil. A sistematização do Relatório Delors foi
publicado como livro intitulado como DELORS, J. Educação: Um tesouro a descobrir. (2003).
132
Quanto à opinião sobre a infra-estrutura (condições físicas e materiais) dos espaços
pedagógicos, 36% concordam que a maior parte é adequada para atender o número de
estudantes nos cursos; bem como 48% concordam que a maior parte do material de consumo
está adequada, 44% concordam que a maior parte dos equipamentos é suficiente para atender
as necessidades dos estudantes.
Quanto aos equipamentos de laboratório, indispensáveis na maior parte dos cursos de
nível médio/técnico, quanto os de nível tecnológico e de pós-graduação houve certa
contradição, segundo pode ser verificado na Tabela 27, a seguir:
Nº. de
respondentes
%
Atualizados e bem conservados 4
16
Atualizados mas, mal conservados 6
24
Desatualizados mas, bem conservados 2
8
Desatualizados e mal conservados 5
20
Não há laboratório no meu curso 8
32
Tabela 27 – Qualidade dos equipamentos de laboratório utilizados nos cursos.
Da mesma forma foram divididas as opiniões dos professores a respeito de como o
CEFET viabiliza o acesso dos alunos aos instrumentos de informática, sobretudo para nós foi
uma surpresa na medida em que possui um curso técnico de Informática, conforme a tabela
28.
Nº. de
respondentes
%
Plenamente 3
12
De forma limitada 20
80
Não viabiliza para os estudantes do meu curso 2
8
Não viabiliza para nenhum estudante -
-
O curso não necessita de microcomputadores -
-
Tabela 28 – Viabilização do acesso dos estudantes aos microcomputadores,
para atender as necessidades do curso.
Na época em que aplicamos os questionários, os dados que obtivemos a respeito do
quantitativo de professores efetivos se computavam 39 docentes do quadro permanente e 19
substitutos; 508 alunos cursavam o ensino médio, 868 alunos distribuídos entre os sete cursos
profissionalizantes de nível técnico e 80 alunos cursando o nível superior. O CEFET tinha na
época em torno de 95 funcionários, distribuídos entre os níveis técnicos e de apoio para
serviços gerais e trabalhadores de campo. Quanto à infra-estrutura, interessa ressaltar: 3
auditórios, 26 salas de aula, 1 biblioteca, 1 videoteca, 19 Unidades Educativas de Produção,
laboratórios de agropecuária, agroindústria, biotecnologia e ciências da matemática e da
computação, quadras de esporte e campos de futebol, infra-estrutura médica, odontológica,
psicológica.
3.2. O olhar, as falas dos Sujeitos: percepções da pesquisadora e dos professores (as).
As pesquisas de Franco (1994) e Moreira e Soares (1993) evidenciam que por um
longo período os professores do ensino agrícola estiveram potencializando a docência muito
mais centrada nos aspectos das relações de produção, um tanto negativos à profissionalidade
docente, porque os significantes das práticas curriculares estabeleceram-se nas relações
homogêneas e subalternizadas das práticas de produção do campo. A centralização da
coordenação nacional de ensino agrícola no MEC traduzia as relações institucionais em
133
grupos hegemônicos do campo, do mercado, destinando papéis mais configurandos na teoria
do capital humano pobre em capital cultural. O resgate da profissão docente de forma mais
qualificada, ressignifica o projeto de cefetização. Tal ação institucionalmente prevista na
Constituição, certamente se põe como desafiadora aos docentes mais antigos e mais novos,
efetivos ou substitutos, uma vez que redobram as responsabilidades dos profissionais,
sobretudo, no processo de qualificação desses, para que sejam portadores de uma docência de
mais atitudes propositivas e de reflexividade sobre as suas próprias práticas.
Portanto, buscamos as categorias-chaves de identidades sociais, profissionalização,
docência, instituições, campo, habitus e capital cultural, visando trabalhar com a idéia de
identidades sociais múltiplas ou muldimensionadas sob tensões e conflitos que margeiam a
dialética institucional e o próprio eu individual nos processos identificados como ambíguos ou
descontínuos. Lembramos que tais processos instáveis são configurados diante da sociedade
que se encontra entre a modernidade e a modernidade tardia, o que implica processos de
ressignificação nas instituições e na profissionalização docente. Ou seja, as identidades
docentes se constroem em relações diversas e relacionais tendendo a se constituírem entre
ideais/ações de um indivíduo ordinário que cotidianamente compartilha e articula a sua
subjetividade às subjetividades dos demais indivíduos ordinários de seu grupo profissional. O
processo de socialização permite esse compartilhar de projeto pessoal e social (políticas
demandadas para setores de produção, mercados, interesses públicos...), sobretudo, é um
processo que se constitui em espaços-tempos engendrados na dialética institucional que oscila
estruturalmente está imbricada entre a modernidade e a modernidade tardia.
No período em que o ministro Cristóvão Buarque esteve à frente do Ministério de
Educação foi publicado um documento intitulado “Proposta de Políticas Públicas para a
Educação Profissional e Tecnológica” que é interessante como fonte de dados colaborativos a
descrição que pretendemos, quando partimos para o trabalho de campo. Embora não haja
dados específicos do CEFET pesquisado por nós, achamos oportunas as informações, que
podem ser complementares aos dados que nós coletamos.
O capítulo 6 do referido documento, “Quadro descritivo da Educação Profissional e
Tecnológica” configura o ensino médio/técnico distribuído em redes federais, privadas,
municipal e estadual. No início da Reforma em 1997 a separação do ensino médio do técnico
contribuiu para aquele quadro alarmante de exclusão ao acesso escolar, por parte dos jovens,
dado publicado pela Folha de São Paulo em 2006, anteriormente citado. Nessa parte do
capítulo achamos oportuno ressaltar mais uma informação que talvez o IBGE ou DIEESE, ou
outros órgãos de estatística não estejam trabalhando. No início da Reforma muitos diretores se
viram pressionados pelo MEC/SEMTEC por força legal (decretos e leis) a diminuírem as
vagas até então destinadas à seleção do ensino médio concomitante às vagas de
profissionalização nas Escolas Agrotécnicas, ou seja, própria de um currículo integrado.
Como dissemos a Reforma baseou-se na separação do nível e da modalidade de ensino. Por
exemplo, desvinculavam-se as vagas de seleção voltadas para a agropecuária, agroindústria,
etc. às de formação geral. Enfim, a legislação impositiva vinha na forma de um “pacote”
(programa de reforma - PROEP) – o famigerado apoio financeiro do BIRD e BID, que
acompanhava um glossário contendo o vocabulário referente aos níveis e modalidades. A
noção de competências veio como modelo norteador dos processos de ensino-aprendizagem,
da formação de professores; ocorreu a redução das vagas do ensino médio em detrimento da
ampliação de cursos de (re)qualificação, pós-técnico (cursos seqüenciais ao técnico, tipo uma
especialização) e criação de cursos tecnológicos, cumprindo todos os quesitos segue a
promessa de cefetização.
116
116
Ver os seguintes textos legais, a saber: Decreto n
o
2208/1997; Portaria Ministerial n
0
646/1997; Parecer
CNE/CEB n
0
17/1997 e Portaria MEC n
0
1.005/1997.
134
De fato têm acontecido verdadeiras “revoluções” nas instituições de ensino
tecnológico e técnico. Uma revolução de caráter fortemente simbólico mais do que estrutural.
O imaginário dos professores da educação profissional era povoado de receios mediante a
“enxurrada” de leis e decretos que criavam o “novo ensino médio”, a “nova educação
profissional” e às justificativas dos diretores das agrotécnicas, hiper articulados aos ditames
da legislação e do governo, responsáveis pela direção da reforma e dos recursos do BID para
ampliarem a estrutura
117
. Mas afinal, no cotidiano quem faria a reforma seria o corpo docente,
protagonizando a organização de currículos, disciplinas ou módulos, criação de novos cursos
tecnológicos, expansão de áreas profissionais, criação de cursos pós-técnicos, articulação com
os movimentos locais, associações profissionais, entidades de classe de modo à organização
dos cursos de requalificação. Enfim, aos professores como agentes coube de fato a definição
dos rumos que cada escola tomaria. Na idéia dos intelectuais orgânicos
118
os docentes com
vínculos efetivos na instituição pressupunham um preparo baseado na experiência profissional
capaz de articular competências individuais da pessoa (conhecimento tácito)
119
construídas
117
Desde o início da década de 1990 os dirigentes vinham se organizando em Conselhos Diretores. O CONDAF
– dos Dirigentes de Agroténicas; o CONDETUF – dos Dirigentes de escolas Técnicas Vinculadas às
Universidades e o CONDCEFET – dos dirigentes de CEFET. Os dirigentes sempre estiveram próximos às
decisões que vinham sendo tomadas pelo Ministério, vários dos documentos acima referenciados no seu
conteúdo mencionam os conselhos para formalizarem os caminhos administrativos e financeiros da Reforma.
Alguns dirigentes de escolas técnicas vinculadas, como o do CTUR da UFRRJ, professor Alencar Balbinotto,
por vezes foi alertado pela SEMTEC o que ocorreria caso não seguissem a legislação. O referido professor fez
uma declaração pública num Encontro Nacional do Ensino Agrícola ocorrido em 1999 na UFRRJ, onde nós
participamos da organização.
118
Por exemplo, a conselheira do CNE naquela época Guiomar Namo de Mello, professora universitária,
membro do PSDB, mentor da visão de desenho curricular, princípios pedagógicos e práticos de formação e
defensora contumaz da noção de competências, inclusive, ressalta o Parecer n
0
16/99, de sua autoria que “a
prática profissional constitui e organiza o currículo (...) não se pode falar em desenvolvimento de competências
em busca da polivalência e da identidade profissional se o mediador mais importante desse processo, o docente,
não estiver adequadamente preparado para essa ação educativa” (MEC/SEMTEC, 2001; p136-137).
119
Sobre essa concepção, a noção de competências na formação inicial ou em serviço engendra a cientificidade
de cunho “pscicologizante”. Na época da reforma, não por acaso, o pesquisador e professor Philipe Perrenoud
vendeu rios de livros no Brasil, saíram inúmeras edições e cada mês parecia ter mais um novo na prateleira. Em
que pese à estratégia de poder do sistema perito buscando permanecer na disputa pelo projeto de formação de
professores e do ensino médio/técnico, as entidades de oposição fizeram o seu papel de críticos ao convidarem
sistematicamente Perrenoud, defensor da noção de competências. Por meio das entidades é que os professores
das IES tomaram conhecimento da noção. Mas no Relatório Jacques Delors estava claramente declarado que a
disputa entre qualificação x competências, a ultima expressaria o ideal de formação. Segundo Delors “aprender a
conhecer” e ‘aprender a fazer’ são, em larga medida, indissociáveis. Mas a segunda aprendizagem está mais
estritamente ligada à questão da formação profissional: como ensinar o aluno a pôr em prática os seus
conhecimentos e, também, como adaptar a educação ao trabalho futuro quando não se pode prever qual será a
sua evolução? É a esta ultima questão que a Comissão tentará dar resposta mais particularmente (...) Convém
distinguir, a propósito, o caso das economias industriais onde domina o trabalho assalariado do das outras
economias onde domina, ainda em grande escala, o trabalho informal (...) na indústria especialmente para os
operadores e os técnicos, o domínio do cognitivo e do informativo nos sistemas de produção torna um pouco
obsoleta a noção de qualificação profissional e leva a que dê muita importância à competência pessoal. O
progresso técnico modifica, inevitavelmente, as qualificações exigidas pelos novos processos de produção. As
tarefas puramente físicas são substituídas por tarefas de produção mais intelectuais, mais mentais (...) por tarefas
de concepção, de estudo, de organização è medida que as máquinas se tornam, também, mais “inteligentes” e
que o trabalho se “desmaterializa” (...) os empresários substituem, cada vez mais, a exigência de uma
qualificação ainda muito ligada, a seu ver, à idéia de competência material, pela exigência de uma competência
que se apresenta como uma espécie de coquetel individual, combinando à qualificação em sentido estrito,
adquirida pela formação técnica e profissional, o comportamento social, a aptidão para o trabalho em equipe, a
capacidade de iniciativa, o gosto pelo risco” (pp.93-94). Ou seja, pretendem um profissional que tenha prontidão
para viver sem vínculos, em permanente estado de risco e apto a “virar-se” de acordo com o trabalho informal,
sem relações assalariadas. Então, para o professor desse campo que une trabalho-educação é indispensável às
mesmas competências flexíveis? Sim, é o que está escrito no Parecer n
0
16/1999. A parecerista Namo de Melo
135
em processos de socialização ao longo da trajetória de vida de sujeito ordinário associadas às
competências da trajetória de profissionalização determinadas por um arcabouço cognitivo
subjetivamente orquestrado num itinerário/repertório de competências mediatizas num
mercado em constante risco
120
. Não à toa o princípio da laboralidade, empregabilidade são os
que fundamentam as diferentes versões dos textos legais e projetos políticos pedagógicos de
instituições ligadas à formação profissional, inclusive nas IES
121
.
Os professores como agentes de tal reforma agem sob diversas perspectivas de
profissionalização ressignificando valores, saberes, currículos e por que não as idéias que
acompanham o modelo de profissionalização por competências. Maurice Tardiff e Gimeno
Sacristàn tratam de teorias baseadas na discussão que envolve trajetórias, profissionalização,
profissionalidade e profissão docente diante de tantas controvérsias geradas nas reformas de
parâmetros curriculares de níveis e modalidades de ensino. Interessante é o debate que suas
teorias abrem sobre a questão das identidades docentes que se relacionam aos processos
individualizados de negociação entre as configurações subjetiva-objetiva da pessoa que detém
também uma profissionalidade formada em meio a autonomia da profissão e as ambigüidades
institucionais (como autarquizar e imprimir nessa decisão uma reforma de cima para baixo e
os docentes terem que cumprir para angariar recursos financeiros, cuja norma é
obrigatoriamente expressa na constituição, LDB/1996, estatutos e regimentos, etc.).
Como informar a sociedade que ocorria uma “revolução” no sistema de ensino médio
e profissional? Por meio de inúmeros artigos e reportagens de jornais o Ministro de FHC
anunciou, mas somente anunciou! Sim, pois nem professores e nem dirigentes tinham a exata
dimensão político-ideológica de tamanho anacronismo
122
. Nesse primeiro momento o que a
sociedade e as famílias ignoraram é que essa situação legal diminuiu o número de vagas para
o ensino médio, pois a intenção do governo era deixar nas Escolas Técnicas, Agrotécnicas e
CEFET’s a apenas a parte profissionalizante. Entretanto, ao diminuir vagas nessas
instituições, o governo não expandiu Escolas ou Colégios de Ensino Médio, assim como a
rede de ensino médio dos estados não expandiu, sobretudo, caso essa política de FHC
estivesse articulada às redes estaduais, municipais o impacto na perda de vagas seria menor.
Muitos diretores não cederam, mas, muitos cederam se levarmos em consideração que não foi
só com o ensino agrícola federal. O Decreto 2208/97 valia para toda a rede de educação
profissional, independente do setor ou esfera administrativa dos estabelecimentos da
sociedade civil. Agora, imaginemos, por exemplo, em São Gabriel da Cachoeira no Estado do
Amazonas, quantas escolas de ensino médio existem? Quantos jovens poderiam ter ficado
ressaltaria uma docência formada no pressuposto “principalmente da experiência profissional, quando seu
preparo para o magistério se dará em serviço, em cursos de licenciatura ou em programas especiais. Em caráter
excepcional o docente não habilitado nessas modalidades poderá ser autorizado a lecionar, desde que a escola lhe
proporcione adequada formação em serviço (...) em educação profissional, quem ensina deve saber fazer. Quem
sabe fazer e quer ensinar deve aprender a ensinar. A mesma orientação cabe ao docente da educação profissional,
que atua em nível básico, sendo recomendável às escolas técnicas e instituições especializadas em educação
profissional prepararem docentes para esse nível” (MEC/SEMTEC, 2001; pp.137-138).
120
Ver Giddens (2002) e Richard Sennet (2003).
121
Há bibliografias que podem esclarecer as nossas intervenções no campo teórico que articula saber-fazer à
noção de competências. Inclusive dentre outras podemos citar o Parecer n
0
16/1999 e a dissertação de Dias
(2003) cuja análise esclarece as dúvidas da relação entre o Relatório Jacques Delors e as Reformas Curriculares
na América Latina.
122
Inúmeros seminários e fóruns organizados pelas instituições da sociedade civil brasileira nos CEFET’s,
Universidades Estaduais e Federais, SENAI, SENAC, entidades como ANFOPE e ANPED todos trataram de
uma forma ou de outra sobre o caráter e a natureza curricular da reforma, que imprimia uma ideologia do
trabalho flexível, da precarização do trabalho e de novas formas de gestão nas estruturas sociais. O objetivo de
preparação de um exército de trabalhadores para um mundo de trabalho dessa vez de natureza informal, sem
direitos trabalhistas, Sobre o assunto e ligado à organização do ensino agrícola, a questão pode ser estudada em
profundidade na dissertação de mestrado de Feitosa (2006).
136
excluídos do ensino médio num espaço de uma década de redução de vagas, caso isso
ocorresse?
123
Os professores de muitas EAF’s, em vários fóruns, como os Seminários/Encontros
Nacionais de Ensino Agrícola (PB, SC, RJ) entre os anos de 1997 a 2000 se pronunciaram
descontentes e preocupados
124
com os caminhos de regulação adotados pelo governo FHC.
Eles próprios naquela época tiveram receios de desagr2 o pensamento dos dirigentes das
EAF’s, que unidos em seus conselhos estiveram mais preocupados em representar o governo
do que a sua comunidade acadêmica, haja vista a possibilidade de ganharem notoriedade ao
transformar suas escolas em CEFET. Foi um longo período de negociação, cuja tônica do
jogo, no fundo era não desperdiçar a autonomia conquistada, depois de quase seis anos da
instauração da Constituição, implantando abruptamente as medidas das instruções normativas
que na verdade impunham aos dirigentes competências de articular os interesses entre o
Estado/professores e sociedade. O documento do MEC/SEMTEC do período de ministério de
Cristóvão Buarque, acima mencionado (Jan/2005) diz que
“Após a publicação do Decreto Federal n
0
2208/97, houve uma
série de instrumentos normativos emanados do Executivo, que bem
caracterizou a reforma da educação profissional (...) as medidas
legais acima referidas estabeleceram claramente a separação entre o
ensino médio e profissionalizante, gerando sistemas e redes
distintas, caracterizando a dualidade estrutural. Isto significou o não
reconhecimento da educação básica como fundamental para a
formação científico-tecnológica sólida que deve permear toda a
formação dos jovens e adultos trabalhadores. Portanto tal postura
reforçou a idéia de duas redes, para acadêmicos e trabalhadores,
aprofundando a divisão taylorista, que separa dirigentes de
especialistas, o que corrobora a ruptura entre teórico-prático,
representado pelo tecnológico. Trata-se, pois, de uma posição
123
Na realidade, vale uma ressalva quando buscamos os números. No quadro quantitativo, percebe-se quão
irrisório foi a ampliação da rede de ensino técnico, onde a expectativa governamental do Ministro Paulo Renato,
nos oito anos de FHC, pouco êxito alcançou em termos de inclusão educacional dos jovens, conforme consta na
citação do Ministro entre os anos de 1997 a 2002. Em nível médio/técnico as instituições Agrotécnicas se
mantiveram praticamente com as mesmas; quanto a ampliação dos CEFET’s a maior parte de estabelecimentos
se deu no atual governo de Lula da Silva. Os CEFETs da rede federal, desde que iniciou o Programa de
Expansão e Reforma na Educação Profissional (PROEP) até o momento, após uma década, voltado para o ensino
agrícola constituem apenas 12 (doze). Anteriormente antes de serem CEFET’s já eram Escolas Agrotécinicas
Federais – EAF’s (EAF’s Bento Gonçalvez, Bambuí, Concórdia, Cuiabá, Januária, Petrolina, Rio Pomba, Rio
Verde, Roraima, São Vicente do Sul, Uberaba, Urutaí). Cada CEFET possivelmente criará uma ou mais
Unidades de Ensino Descentralizadas, o que provavelmente ampliará o número de cursos educação profissional
em nível médio integrado ou não ao ensino técnico. Contudo pelo período de uma década exatamente de 1997-
2007, não houve uma expansão expressiva a partir de unidades novas pautadas numa idealização de
desenvolvimento do campo pela atividade agropecuária voltada para a produção agrícola e seus produtos. No site
www.mec.gov.br/educaçãoprofissional encontra-se a maioria dos cursos de nível médio/técnico em voga,
destaque-se que essa é da área de Meio Ambiente, de Informática, de Agroindústria e de Gestão (em diversos
setores). Grosso modo remetemos tais informações apenas a titulo de demonstrar que o tão propalado discurso da
democratização do acesso à formação profissional pela noção de competências alinhada aos setores de produção,
considerando o aporte de unidades públicas e gratuitas parece não acompanhar tão par e passo o discurso do
mercado. Dissemos que o Governo Lula da Silva tem em seu planejamento criar mais 150 escolas técnicas ou
unidades de CEFET’s, mas é uma expectativa sem dados para dizer exatamente nesse universo voltarão os seus
cursos para a área profissional da agropecuária.
124
A tese de Soares (2003) toca profundamente na questão ao remeter a sua análise sobre a conformação
profissional do técnico em agropecuária diante das reformas que novamente retrata uma situação nacional onde a
Regulação via aparato legal compromete os processos educativos emacipatórios na profissionalização do técnico.
Também Feitosa (2006) é recorrente para os estudos sobre os impactos que as políticas de regulação promovem
no sistema de ensino agrícola e como os discursos legais (oficiais) se alinham aos discursos de ordem das
relações de produção e econômicas.
137
arcaica e de um ajuste conservador, que retrocede aos anos 40,
reconhecidos como tais até mesmo pela organização capitalista da
produção (Kuenzer e Ferretti, 1999) No fundo, a questão dos custos
permeia as bases dessas definições. Assim, a separação das redes de
ensino permitiu, por um lado, que a democratização do acesso seja
feita mediante um ensino regular de natureza generalista, o qual é
bem menos custoso para o Estado do que um ensino médio de
caráter profissionalizante (...) ademais, essa estratégia de divisão de
redes tende a comprometer a democratização do acesso ao ensino
médio para vários setores sociais populares (...) assim, a reforma da
educação profissional, concretizada pelo governo anterior, ao
desvincular a formação geral da profissional, desescolarizou o
ensino técnico, retirando-lhe o conteúdo de formação básica e
buscando atender às necessidades imediatas do mercado de trabalho
(...) nesse contexto, é oportuno lembrar que, na última década,
houve consentimento ativo das autoridades governamentais aos
princípios dos organismos internacionais (Banco Mundial – BIRD
e Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID) para os países
dependentes de seus recursos” (pp.36-38).
Nesse sentido, de modo a imprimir uma validação à hipótese que norteia toda a tese, é
recorrente ressaltarmos a reflexão de Tedesco (2001). A teoria do autor bem caracteriza as
relações intersubjetivas no meio da profissionalização docente ao se deparar num quadro de
reformas do tipo “de cima para baixo”. O esgotamento de paradigmas tradicionais que no
passado influenciaram a configuração dos locais de formação e atuação docente, bem como os
conhecimentos, na atualidade ao se esgotarem esses propiciará ruptura não só na estrutura, nas
epistemologias, mas também propiciará o aguçar da reflexividade, da unidade de “corpo”
docente, reconstruindo arcabouços cognitivos e trajetórias a partir da emergência das relações
intersubjetivas. É um processo perspectivado em momentos profícuos, onde os indivíduos e
atores coletivos não realizem ações precipitadas e pensamentos reducionistas sob a nova
perspectiva político-cultural, que traduz possibilidades emancipatórias, próprias dos processos
de crise, contrariando os determinismos político-ideológicos perspectivam mudanças em
bases mais locais e regionais.
No entendimento de Tedesco a implementação das medidas da reforma educacional
está nas mãos dos professores. No percurso da institucionalização de uma profissão ligada ao
Estado, o professor tem se mostrado um agente de mudanças porque lida com a educação e
porque no âmago dessa prática social se encontra o sentido de mudança, educar não significa
adaptar. Tedesco apresenta um olhar otimista ao examinar as tendências pedagógicas que se
pautam na docência como prática profissional construída no trabalho coletivo e na
cotidianidade. Os professores não estão sem vínculos coletivos. A dispersão das ações
sindicais em demais lutas tem sentido na pulverização dos atores coletivos críticos em outras
várias frentes de caráter humanista e emancipado dos sujeitos onde, no fundo, se ligam à
educação e ao papel da docência crítica. Se por um lado há dispersão, por outro, há formas de
manter, nas escolas, a coesão dos professores pelo trabalho solidário de educar os indivíduos
em bases diversas e heterogêneas visando o mútuo crescimento de alunos e professores como
ser humano, conforme Arroyo (2000).
O indivíduo, portanto, não estaria sozinho, pois a marca das profissões inauguradas a
partir da época moderna consiste em projeções e realizações coletivas, grosso modo, segundo
a sociologia das profissões. As ações coletivas marcaram os últimos decênios do século XX.
Em determinadas profissões como aquelas vinculadas à socialização profissional num campo
acadêmico-científico estas não retratam aparentemente que há um campo de disputas, mesmo
138
na atualidade onde esse campo de ações e pensamentos são difusos, em função das disputas
de poder estrategicamente semelhantes, constitui uma raridade a presença de indivíduos e
atores coletivos que participam ao mesmo tempo em entidades profissionais e de pesquisa no
sistema perito, como conceitua Giddens (1991, 2002). Não diferentemente de outras
profissões, a docente articula entidades e governos ao sistema perito, responsável por
regulamentações formativas e até nacionalmente algumas universidades detêm às rédeas das
reformulações curriculares, os professores universitários constituem a comunidade científica e
profissional. Hoje, os cursos passam por avaliações institucionais internas e no INEP/MEC de
forma sistemática, para obterem credenciamento. Vislumbramos que num futuro bem
próximo, os professores titulados dos CEFET’s e EAF’s serão convocados para participação
em comissões de avaliação.
3.2.1. O Olhar sobre a própria prática docente: características dos sujeitos pesquisados:
resultados dos questionários.
A propósito de um perfil dos professores fundamentado nas visões/escolhas de caráter
pessoal e de suas experiências didático-pedagógicas, curriculares e profissionais verificamos
que houve uma série de mudanças que ressignificam e dão novas significações à profissão
docente, no subcampo de educação profissional, que dizem respeito às múltiplas dimensões
das transformações nas sociedades contemporâneas. Até o passado recente, cerca de quinze
anos, havia um discurso ideológico que dizia ser a maioria dos professores da educação
profissional formado em identidades sociais muito subjetivadas no campo acadêmico das
profissões das ciências agrárias e do próprio campo de produção agropecuária, não só os
professores da parte profissionalizante do currículo, mas também os da educação básica que
atuavam nas EAF’s. As razões podem ser verificadas em Feitosa (2006), Oliveira (1998),
Soares (2003), Fischer (1987) e Mendonça (1998) onde estão as explicações sobre as
identidades sociais nas ciências agrárias que estariam localizadas na estrutura objetivo-
material e simbólica do Sistema Escola-Fazenda. As razões que as explicam está radicalizada
nas estratégias de poder e privilégios dos setores hegemônicos do campo, que juntamente
com os engenheiros agrônomos configuraram no passado o ensino agrícola profissionalizante.
Contudo, temos também a influência do modus operandi dos profissionais agrônomos,
veterinários, biólogos e zootecnistas que, embora não especializados na profissão pedagógica,
no processo de criação das primeiras instituições modernas de ensino agrícola que
imprimiram um cabedal cognitivo, científico e operacional segundo o qual constituiu uma
pedagogia – um saber-fazer – que por muitas décadas reproduziu a visão hegemônica da
produção agropecuária.
No Relatório de uma pesquisa financiada pelo CNPq, do início da década de 1990, os
pesquisadores Moreira e Soares (1993)
125
traçaram um perfil das EAF’s, caracterizando a
125
Esta pesquisa de base teórico-empírica foi desenvolvida pelos professores Ana D. Soares do IE/Departamento
de Teoria e Planejamento de Ensino e por Roberto José Moreira do ICHS/Pós-graduação de Ciências Sociais em
Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade/CPDA, ambos da UFRRJ. A pesquisa intitulada “A Formação do
Técnico em Agropecuária: reflexão crítica sobre o seu papel social” foi uma das mais completas realizadas até o
momento sobre o assunto, ocorreu entre os anos de 1989 a 1993, quando os autores e seus sete bolsistas
finalizaram com a entrega do mencionado Relatório ao CNPq. O objetivo era de “repensar o ensino agrícola
brasileiro, especialmente o de nível médio (...) onde o objeto de estudo recai sobre a formação desse profissional
e o seu papel social (...) transitando na perspectiva do desenvolvimento rural” (p.21). Anteriormente, do início a
meados da década de 1980, houve outra pesquisa intitulada “O ensino técnico agrícola do ponto de vista de seus
egressos” coordenada pela professora Maria Laura P. B. Franco (1985), na época da PUC/SP e livre docente da
UNICAMP, que se pautou sobre a necessidade de “indagar que ‘saber técnico’ estaria sendo difundido nas
escolas agrícolas de 2
0
grau. Saber que não exclui as formas organizacionais de apropriação coletiva, mas que se
amplia na discussão do contexto social e político, no qual foi gerado, para que alunos e egresso, tendo acesso a
ele, possam compreender e interpretar historicamente, a realidade social e, em especial, a realidade agrícola
139
proposta de profissionalização do técnico, o enfoque didático-curricular e pedagógico dos
professores e a estrutura e funcionamento do ensino da agropecuária pelo sistema escola-
fazenda.
As mudanças projetadas para a tecnificação da agricultura dos anos entre 1967 a 1985
implicaram numa forte apelação objetivo-estrutural nas instituições de educação agrícola.
Entrementes, na essência o projeto de transformação/modernização do campo ancorava-se na
superestrutura do bloco histórico no poder. A Educação técnica, o Sistema Escola-Fazenda
estruturou o funcionamento da concepção de ensino agrícola
126
. O modelo pautou-se na
constituição de uma escola de profissionalização técnica muito próxima ao funcionamento de
uma fazenda produtiva, com espaços experimentais (UEP’s – Unidades Educativas de
Produção) para ocorrência do processo ensino-aprendizagem das culturas e criações, e
atividades de manutenção da Cooperativa-escola. No período pesquisado (1989-1993) por
Moreira e Soares nas agrotécnicas os professores e administradores intuíam que mudanças
profundas ocorreriam em função de um modelo de formação profissional que vinha se
esgotando junto com um padrão de desenvolvimento social-econômico que o engendrou.
No plano institucional os documentos de governo das décadas de 1980/90 anunciavam
o esgotamento de uma educação atrelada à industrialização (III PND, o III PSNCD). Muitos
Seminários ocorreram nestas décadas, como aqueles de 1982, organizado por Pedro Demo na
Subsecretaria Geral de Educação Nacional, intitulado “Subsídios para o Planejamento
Participativo”. Os organizados pela ANFOPE e ANPED sobre as discussões de reestruturação
das instituições sociais na década de 1990, as mudanças curriculares que atropelavam as
decisões dos fóruns. Todas essas ações e discursos denunciavam mudanças na superestrutura
dos aparelhos privados de hegemonia.
brasileira” (p.81). Ambas as pesquisas pretenderam àquela época mapear um grupo de Escolas Agrícolas
selecionadas entre universo de aproximadamente 220 (Sendo Escola Federal Agrotécnica 33 e 22 vinculadas às
Universidades, seguido de estaduais, onde São Paulo liderava com a 33 escolas técnicas).
126
Em que pese os anos do modelo pedagógico do sistema escola-fazenda e a sua relação com o padrão
desenvolvimentista de tecnificação da agricultura, hoje esse está ultrapassado diante de processos de
ressignificação do rural e das suas instituições (Moreira, 2005). Na forma, o sistema Escola-Fazenda surgiu com
o ensino agrícola lá nas Colônias Agrícolas, Institutos de Agricultura, Patronatos e Aprendizados Agrícolas, pois
todas as instituições se assemelhavam fisicamente a uma grande propriedade. Embora, no passado essa visão de
formação profissional estivesse associada à moralização e disciplinamento de jovens desvalidos, oficialmente
como um projeto pedagógico de preparação e qualificação para o trabalho só por volta de 1969, na 4ª
Conferência Nacional de Educação, como parte de um Programa Especial do Ensino Agrícola. Associado àquele
programa educativo no âmbito do MNAGRI circulava outro conjunto de estratégias e ações governamentais
encadeadas ao projeto de tecnificação, que previam a formação de técnicos, extensionistas etc. nos padrões
produtivista da Revolução Verde (OLIVEIRA, 1998; p.122), logo em 1975 a Coordenação Nacional do Ensino
Agrícola – COAGRI – órgão autônomo tanto administrativo, como pedagógico e financeiramente do MEC
surgia. Feitosa (2006), Oliveira (1998) e Soares (2003) associam a COAGRI com a modernização segundo a
tecnificação da agricultura, no mote do “aprender a fazer fazendo” de racionalidade técnico-instrumental da
Revolução Verde, sobretudo necessitando de técnicos agrícolas que disseminação o modelo dos complexos
agroalimentares (empresa produtiva e moderna), a grande empresa agrícola. A COAGRI pretendia a integração
dos técnicos agrícolas nas relações sociais e econômicas de produção, mas ao ser extinta em meados em 1986
estaria inserida no bojo de transformações que viria acompanhando todo o processo entre o esgotamento do
modelo econômico que suportava a Revolução Verde e a reestruturação de novos processos de constituição do
rural. Feitosa corrobora com uma explicação: “a hipótese explicativa da extinção da COAGRI, a modificação no
padrão de acumulação capitalista, que uniformiza os processos de produção, seja no campo ou na cidade, utiliza
a mesma lógica. Por isso, no campo educacional, essa hipótese se materializa no tratamento dado a todas as
modalidades de formação profissional, centralizadas agora em um único órgão do Ministério da Educação”
(p.78). Portanto, dizer que a ideologia do Sistema Escola-Fazenda está fora ou superada na Rede do Sistema
Nacional de Educação Tecnológica Agrícola seria um erro grosseiro por ignorar as identidades sociais e
profissionais do passado ainda que tenuamente permaneçam em habitus pedagógicos dos docentes que atuam há
pelo menos quinze anos ou os que atuam menos, mas foram formados técnicos agrícolas no período anterior.
140
No tocante ao ensino agrícola, os professores pesquisados por Moreira e Soares (1993)
corroboram os dados que obtivemos após a tabulação dos questionários aplicados. O típico
professor do ensino agrícola por nós constatado é, na atualidade, bem próximo ao tipo que os
pesquisadores encontraram há 15 anos, período que inicia o processo de autarquização,
conforme verificamos no Relatório (1993, pp.4-5). No CEFET pesquisado por nós, a maioria
do efetivo de docentes está em Dedicação Exclusiva (56%), contudo aparece com força no
final de 1990 a figura do professor substituto, em regime de trabalho precário normalmente 20
horas (ver Tabela 20, 28%). Devido à ausência de concursos públicos ao longo dos oito anos
de governo FHC, não houve reposição no quadro docente, haja vista o quantitativo
significativo que as IFES e EAF’s perderam com a política de Estado Mínimo. Não foi só
isso, perdemos lideranças acadêmicas, precocemente, cientistas e professores receosos de
terem os seus salários aviltados. Observe-se que atualmente, de forma gradativa o quadro de
professor substituto vem sendo reduzido com os concursos públicos para o magistério de
ensino médio e profissional autorizados no governo Lula da Silva, em face da expansão dos
CEFET’s e suas UED’s, bem como da reposição dos quadros docentes nas agrotécnicas
originada nas aposentadorias.
Quanto ao número de horas de aula por semana o professor do Centro Federal de
Educação Profissional Agrícola/MG enquadra-se no mesmo tipo pesquisado por Moreira e
Soares (1993). Segundo os autores naquela época os professores tinham em média de 15 a 20
h/a por semana (p.14) o que na atualidade, constatamos no CEFET pesquisado, em média
60% têm 20h/a e 16% chegam às 30h/a, conforme pode ser verificado na Tabela 21.
Quanto aos outros locais de experiência profissional como docente, encontramos no
grupo profissional uma situação equilibrada diante do número de respondentes, visto que 28%
antes de irem para o CEFET atuaram na rede privada, 16% na rede pública estadual, 20% na
rede federal em outra escola técnica e 24% dizem que apenas tiveram experiência como
docentes, mas no próprio CEFET, 4% já foram professores de Universidades Federais (Tabela
23).
As informações sobre as experiências anteriores são relevantes, pois os dados a
respeito das disciplinas lecionadas nos demonstram que mesmo aqueles professores de
formação geral são os que podem estar também na formação profissionalizante (Tabela 22), o
que significa certa disposição intelectual e de domínio de saberes às identidades múltiplas ou
polivalentes. Essa relação denota uma estreita vinculação da pessoa com a profissão do
magistério (32% atuam no magistério em média entre 6 a 15 anos e 20% entre 16 a 25 anos,
Tabela 17). Ao passo que as experiências passadas no magistério, antes de ser efetivado ou
substituto no Centro Federal de Formação Profissional Agrícola/MG podem ter propiciado a
flexibilidade tão esperada de um professor da educação profissional que está diante de
mudanças profundas na natureza do trabalho docente interdisciplinar ou politécnico. Essa
pode ser uma característica que sempre diferiu a profissionalização docente na educação
profissional do ensino médio, bem como da profissionalização na docência numa
universidade. Na maioria, 36% dos professores disseram ter entre 6 a 15 anos de formação na
graduação, 28% têm entre 15 a 25 anos e 20 % têm 5anos ou menos (ver Tabela 16).
Quanto ao regime de trabalho a Tabela 20 revela que 56% estão enquadrados em
Dedicação Exclusiva. Este dado vem ratificar a idéia de docência engendrada nas relações
sociais e produtivas conferidas no projeto político-pedagógico e curricular de uma escola que
traz o trabalho como princípio educativo. Por conseguinte, em função de ressignificações do
rural, a emergência de valores mais humanistas, solidários e ambientais (ecológicos) articulam
a prática docente aos demais processos e práticas socioculturais específicas do entorno da
escola ou da sociedade rural. Nesse sentido, verificamos que 56% das respostas da parte semi-
estruturada dos questionários, os professores demonstram a preocupação com o
desenvolvimento da cidadania, da tecnologia, do ambiente e da crítica na formação para o
141
trabalho do técnico a ser formado por eles. Por exemplo, alguns respondentes disseram que o
papel de uma escola e do professor da educação profissional de nível técnico é:
“além de voltar-se para a formação de um profissional, se possível,
competente, deve ser o de se preocupar com a colaboração para a
formação do cidadão crítico com conteúdos humanitários e não
alienados” (
P103); “Formar um cidadão eclético, crítico e
consciente”. (P101)
; “Formar técnicos atualizados e completos”.
(P110)
; “Oferecer ensino profissional de qualidade preparando o
aluno para exercer plenamente a cidadania, interagindo
socialmente e preservando o meio ambiente”. (P120)
; “Oferecer
conhecimentos teóricos e práticos sobre as disciplinas básicas e
profissionais desenvolvendo o espírito crítico”. (P107)
;
“Desenvolver no aluno a sua criatividade, apoiando iniciativas
voltadas para a produção de tecnologia”. (P114)
; “Formar técnicos
para o mercado da região e formar pessoas para o convívio em
sociedade, para prestar sua colaboração”. (P102)
; “Formar técnicos
como pessoas com capacidade crítica e com preocupações sociais,
ambientais e econômicas”. (P104).
De modo a buscar correspondências entre a prática docente desses professores e os
discursos acima proferidos, buscamos saber, nos questionários, quais os processos formativos
que se voltam como elementos cognoscentes integrando cognitivo ao afetivo, portanto, se
constituindo como importantes para a construção de valores humanos, ambientais e solidários.
Verificamos então as questões respondidas por esses professores que valorizam o ensino
preocupado com valores humanos e ambientais. As respostas desse grupo preocupado, nas
tabelas 29 (técnica de ensino), 30 (Material instrucional) e 31 (Instrumentos de Avaliação), na
maior parte, trabalham com técnicas de ensino que priorizam a aula dialógica. Como segunda
opção, os professores desse grupo responderam os trabalhos de grupo em aula, a utilização de
material de consulta/instrucional por meio de apostilas, destaca-se ainda os livros didáticos e
notas de aulas; referem-se também a utilização de periódicos; quanto à avaliação a maior
parte opta por provas discursivas, como segunda opção foi mencionada o trabalho em grupo.
Não nos detivemos em analisar profundamente os dados dos 44% que diferem dos
56% em destaque, visto o nosso objetivo em trazer a discussão e comprovações para a
hipótese que norteia a tese. Contudo, a propósito de uma comparação com a pesquisa de
Moreira e Soares (1993) é relevante. De uma forma uníssona, 44% dos professores disseram
ser o papel das Escolas/CEFET’s e do professor “preparar para o mercado de trabalho”
(P121); “preparar profissionais com condições de competir no mercado de trabalho” (P118);
“Preparar técnicos realmente treinados e capacitados para o mercado de trabalho” (P106) e
por aí vão às respostas no mesmo sentido. Verificando os resultados de Soares e Moreira,
quando as EAF’s pouco sinalizavam mudanças estruturais e ideológicas e ainda não eram
instituições autárquicas, tudo era centralizado no MEC, o enfoque pedagógico no discurso,
também, da maioria em vários aspectos do trabalho docente sugere uma tendência mais
engajada às práticas progressistas. Segundo o Relatório (1993), o trabalho docente
direcionado aos processos de ensino-aprendizagem retratava um professor que
“é preocupado em relacionar a sua disciplina com as demais
disciplinas e com o contexto sócio-econômico, político e cultural
(gr. 11A) no planejamento de sua disciplina (...) os professores, em
ampla maioria (88%), tentam enfocar no planejamento e na
execução de suas disciplinas, aspectos econômicos, sociais e
ecológicos (...) em relação ao processo ensino-aprendizagem vê-se
142
claramente que há uma falha quando os professores usam mais a
técnica de aula expositiva que eles próprios reconhecem de menor
aprendizagem. Em outro ponto, a aula prática é bastante utilizada e
traz o melhor retorno, assim como o debate e o trabalho em grupo
são exemplos significativos de produtividade no processo
pedagógico (...) o que irá nortear a prática docente está ligado à
visão que este professor tem do futuro profissional que ele está
moldando e por onde deve passar para atingir tais objetivos (...) em
sua maioria, os professores buscam inspiração para a sua tarefa na
formação desses alunos, na compreensão crítica e histórica do
contexto social (53,4%). Outros consideram que a competência
técnica é o objetivo máximo a ser alcançado (30%). Dos
questionados, 28,5% consideram que o “aprender a fazer fazendo”,
o processo de aquisição do saber técnico é o mais importante do
que o saber propriamente dito. Uma pequena parcela considera que
a inspiração deve ser baseada no desenvolvimento de
comportamento social, na participação política, como base do
trabalho docente” (pp.16-19).
De fato percebe-se que o professor da educação profissional, nos últimos quinze anos,
estaria mobilizando um arcabouço de idéias mais próximas aos temas sociais, culturais e
ambientais de identidades múltiplas do que aquele anterior à criação das EAF’s, no Sistema
Escola-Fazenda, período em que a modernização do campo centrada na Revolução Verde
pretendia um tipo professor–instrutor para formar técnicos que disseminassem a ideologia
produtivista. Ou ainda, difere do educador-engenheiro, do educador-médico que pretendia
moralizar e disciplinar os “pobres desvalidos” e “nacionais ingênuos” pré-destinados a uma
semi-profissionalização nos patronatos agrícolas.
3.2.2. As Falas nas entrevistas: percepções sobre a Profissionalização Docente na
Educação Profissional Agrícola.
No tocante a essa seção pretendemos trazer as “falas” dos professores do Centro
Federal de Educação Profissional Agrícola/MG, onde as respostas dos entrevistados, nos anos
seguintes à aplicação dos questionários, dezembro de 2006 e fevereiro de 2007, revelam as
percepções, valores, gostos e representações quanto às suas trajetórias de profissionalização
docente e também nos dá uma dimensão de como veio sendo norteada à prática pedagógica na
relação de identidades entrelaçadas por um indivíduo e a sua categoria social-docente
127
,
ambos mergulhados no universo de escolarização e profissionalização técnica. Neste capítulo,
ainda temos questões que se destacam do questionário aplicado nos 25 docentes e, também,
aquelas que selecionamos das entrevistas com os seis professores, escolhidos aleatoriamente
127
Não nos esqueçamos que Bourdieu (1997;1998) em suas análises da relação campo-habitus, ou seja,
estrutura-ator ou estrutura-indivíduo nos permite pensar também sobre a escola como um espaço de socialização
que reflete incessantemente as relações sociais permeadas em diversidades de atitudes, gostos, estilos de vida,
crenças, costumes, valores em disputas. Assim, a socialização secundária é norteada de conhecimentos
multidimensionados, que são expressões das subjetividades dos indivíduos e atores. Influenciando e
determinando esse espaço de socialização está a relação de indivíduos/categorias e agentes segundo Bourdieu “o
espaço de posições sociais se retraduz em um espaço de tomadas de posição pela intermediação do espaço de
disposições (ou do habitus); ou em outros termos, ao sistema de separações diferenciais, que definem as
diferentes posições nos dois sistemas principais do espaço social, corresponde um sistema de separações
diferenciais nas propriedades dos agentes (ou de classes construídas como agentes), isto é, em suas práticas e nos
bens que possuem. A cada classe de posições corresponde uma classe de habitus e de suas capacidades
geradoras, um conjunto sistemático de bens e de propriedades, vinculadas entre si por uma afinidade de estilo”
(pp.21)
143
das áreas de conhecimento diferenciadas do currículo do nível técnico/médio. Não nos
interessou faixa etária, tempo de serviço, gênero, tipo de contrato e regime de trabalho, etc.
uma vez que estávamos focando aspectos da profissionalidade, conforme G. Sacristàn. O
critério é o exercício da docência na educação profissional em CEFET, tendo uma trajetória
de profissionalização no magistério técnico agrícola. É óbvia a necessidade de variar as áreas
de conhecimento, evitando homogeneizar questões específicas numa única área ou num
determinado campo do saber.
Vale fazer uma ressalva ainda sobre a contribuição dos questionários, na medida em
que dispúnhamos de perguntas que nos ajudariam a traçar o perfil da instituição e dos
professores. No período de elaboração do instrumento pensamos que no mesmo (questionário)
poderíamos ter uma série de perguntas abertas, de modo a obtermos os dados sobre a relação
estilo de vida/posição social, capital cultural, e que pudéssemos também retratar interesses
pessoais, valores, percepções, inquietações, visões que perpassam a trajetória docente.
As perguntas semi-estruturadas do questionário foram numeradas da seguinte ordem
(11) Para você o Centro Federal de Educação Profissional se diferencia das demais escolas
em que você trabalha ou já trabalhou, principalmente, por qual aspecto? (18) Em sua
opinião, qual o papel fundamental de uma escola de educação profissional e do trabalho
docente? (19) Como você definiria o Modelo de Formação Profissional de sua Escola? (20)
Na Prática como efetiva a sua autonomia didático-científica na Escola? (30) Como você
caracteriza os seus alunos nesta escola, se comparados com os alunos de outras escolas?
(69) Você se considera uma pessoa de elite, Sim ou Não e Por quê? (75) Em sua opinião
como a sociedade vê a profissão de professor (docente)? Essas foram às perguntas abertas do
questionário, que nos permitiram afirmar uma profissionalização mais coerente aos discursos
de educadores. As subjetividades que as perguntas abertas poderiam carregar, portanto,
naquele momento nos ajudariam a mergulhar na “singularidade dos fenômenos sociais que
não podem ser identificados através de questionários padronizados” (GOLDENBERG; 2002,
p.50); as “falas” estão marcadas pelas identidades sociais da docência, porém elas carregam a
pessoalidade de quem “fala”. Consideramos as perguntas abertas como parte dos
procedimentos para levantar as “falas” situadas conforme foi entendido nas entrevistas
128
.
Quanto às perguntas feitas aos seis entrevistados (as)
129
, nos detivemos em abrir um
diálogo norteado por questões voltadas à percepção pessoal sobre a profissão/trabalho docente
em geral e em particular a que ele (a) abraça na educação profissional agrícola; foi ressaltado
o nosso interesse em saber deles a visão que têm sobre o que/como a sociedade percebe a
profissão. Também houve diálogos sobre a reforma maciçamente propugnada pela
128
Como não nos interessou trabalhar especificando os saberes docentes construídos/envoltos na cultura escolar
(conforme Tardif, 2002), nos debruçamos sobre a profissionalização docente construída na forma de uma
socialização. Dessa forma, consideramos as perguntas tanto dos questionários como as das entrevistas, sendo o
nosso foco para revelar os habitus, no campo de socialização profissional, espaço/tempo possível de captar as
impressões e percepções que delineiam identidades profissionais em interação, de relativa autonomia na
diretividade, organização, estruturação e proposição do trabalho docente nas instituições de educação
profissional.
129
As entrevistas ocorreram com 6 (seis) professores nomeados de forma fictícia, de formação, faixa etária e
tempo de serviço docente diferentes. Eles atuam no ensino médio e técnico, não sendo exclusivos do nível
médio. Portanto, poderão algum momento atuar também na parte profissionalizante. Dos quatro que possuem
mestrado há expectativas da instituição que eles lecionem no ensino superior tecnológico ou na especialização
em Agroecologia, segundo a coordenação. Os nomes são fictícios, sendo o professor Adriano graduado em
Biologia, com especialização; a professora Maria José é graduada em Farmácia e Bioquímica, sua titulação de
maior grau é o mestrado; o professor João é graduado em Tecnologia na área de alimentos e sua maior titulação
é de mestre; a professora Mariana é graduada em pedagogia e educação artística, tem especialização; o professor
Antonio é formado em Zootecnia e possui mestrado e finalmente a professora Vitória tem graduação em Letras e
mestrado. Embora com trajetórias de formação inicial diferenciadas, dos quatro existem dois que têm mestrado
em Educação.
144
autarquização, a LDB/1996 e os Decretos, sobretudo que resultaram em mudanças
curriculares e estruturais nas instituições de educação técnica e tecnológica e no trabalho do
corpo docente; foram ressaltadas questões sobre a influência das organizações de
representação profissional e as entidades que interferiam e interagiam com eles; também
focamos questão sobre os grupos sociais e ou comunitários que interagem na estruturação do
trabalho docente; sobretudo, ainda foram feitas questões a respeito das perspectivas de
mudanças ou não na profissionalização docente norteada por investimentos em capital cultural
(programas e ações de qualificação); enfim, nas entrevistas perpassaram diálogos definidos a
partir das hipóteses e objetivos, além do conteúdo que embasam a nossa tese.
De forma a associarmos as discussões dessa parte com aquela que nos detivemos na
descrição da estrutura e funcionamento do Centro Federal de Educação Profissional
Agrícola/MG, convém nos referirmos a alguns documentos
130
basilares à orientação dos
professores na elaboração do projeto político-pedagógico (PPP, PDI e PPC)
131
do Centro. Na
verdade, trazemos a nossa hipótese como linha mestra das questões por nós analisadas, pois a
mesma credita aos professores uma relativa autonomia em relação às determinações
reguladoras ou normativas as quais eles não participem como mentores, mas por vezes são
passíveis à submissão. Tendo em vista os dados até aqui analisados sobre a estrutura e
funcionamento escolar e a configuração do trabalho docente, vislumbramos essa
independência num cenário autárquico, portanto, construído socialmente, sofrendo múltiplas
determinações. Os professores não agem somente determinados pelas medidas das políticas
educacionais oriundas das reformas iniciadas nos anos de 1990, a não ser que seja
conveniente aos objetivos anunciados na missão/finalidades e estratégias traçadas nos planos
de curso, planos pessoais que mesmo assim terão a decisão do professor. Desde o momento
em que a autarquia está instaurada, toda mudança didático-científica (criação de cursos,
ampliação das áreas de conhecimento, linhas de pesquisas etc.) e administrativa é de
responsabilidade docente, mesmo que ele resista, ele já está compromissado com a instituição.
As medidas de autarquização abriram perspectivas de revisão e redefinição nas
finalidades da atuação docente, impedindo de fecharem-se em planos internos da escola muito
sedimentados nos poderes de grupos internos ou de facções políticas (clientelismos) ou
doutrinárias. Quando nos referimos a autarquização, não entendemos que tal processo
manteve os professores, ainda, muito dependentes aos elementos estruturais. Entendemos essa
medida como uma conquista de processos democráticos que após a ditadura foram
restabelecidos gradativamente.
A abertura à qualificação via capital cultural, ao trabalho de pesquisa, extensão
propiciou aos professores maior inserção na localidade e nos arranjos adensados pela
130
Os documentos que nos referimos, além daqueles já mencionados em páginas anteriores, são: O Projeto de
Auto-Avaliação Institucional de 2006; uma Coletânea de textos para “Reflexão sobre a Formação de
Competências” publicado em 1997 (segundo o documento os textos foram cedidos pela EAF de Cuiabá) como
subsídios aos docentes do quadro da então “Escola Agrotécnica” (não era CEFET); Catálogo Nacional de Cursos
Técnicos do MEC/SETEC (no caso do CEFET pesquisado os cursos estão em setores de tecnologias aplicadas
aos Recursos Naturais, Gestão e Negócios e Ambiente, Saúde e Segurança); etc.
131
Por mais que tentássemos ter acesso a esses documentos não conseguimos. Entretanto, trabalhamos nesta
parte com as falas, o que metodologicamente constitui fonte de dados que acreditamos ter a maior coerência
para discutirmos sobre as identidades docentes. Esses documentos são fontes de dados sobre a legislação geral
(LDB/1997, artigo nº 12, estipula a participação docente na elaboração dos Planos ou Projeto Político-
pedagógico). Os PDI’s e PPP’s são elaborados por comissões administrativas, segundo depoimentos que
ouvimos recentemente de docentes na aula que ministramos sobre Projeto Político-pedagógico e a construção da
práxis na EAF de Sertão/RS do Programa de Pós-graduação em Educação Agrícola da UFRRJ, destinado a
capacitação em nível de mestrado dos professores da rede federal, estadual e privada de educação profissional e
tecnológica reconhecidas pelo MEC. Além disso, desde o primeiro ano do Governo Lula da Silva, as EAF’s e os
CEFET’s estiveram autorizados oficialmente para estruturarem as eleições diretas para direção, coordenação,
etc.
145
diversidade político-cultural local, dos diversos processos sociais do campo. O trabalho
docente está mediado por atores coletivos de toda ordem, de sujeitos que possuem
individualidades de professor e que busca integrar as suas expectativas às da instituição e ás
da comunidade; além do que, há mediação de atores coletivos nos conselhos que organizam,
estruturam as atividades de ensino, pesquisa e extensão, de captação de recursos e prestação
de contas etc. Sobretudo, as interações didático-curriculares num CEFET como esse preconiza
dão-se no adensamento de pensamentos e ações entre os pares e os diferentes, pois não tem
apenas um professor (a) de matemática, português, zootecnia, fato que se fosse contrário
poderia suscitar a predominância do pensamento homogêneo para fundamentar as ações
didático-curriculares e formativas. Sobretudo, ainda, essa instituição mantém relações com as
instituições, empresas públicas e privadas de pesquisas e produção que atendem os seus
alunos nos estágios
132
curriculares obrigatórios, condição prévia para integralizar a carga
horária do curso técnico. Como observamos em documentos relativos à gestão, regulação
(estatuto e regimento) e avaliação institucional (a seguir ressaltamos um deles),
necessariamente as EAF’s CEFET’s têm conselhos e comissões constituídas nas localidades
que abrigam as entidades e/ou representações da sociedade civil, portanto agentes/atores que
opinam, votam, deliberam questões que influenciam práticas, valores e conhecimentos em
âmbito escolar.
De acordo com os documentos O Projeto de Auto-Avaliação Institucional de 2006 e a
Coletânea de textos para “Reflexão sobre a Formação de Competências” publicada em 1997,
ambos editados em momentos diferentes, este ultimo é relativo a poucos meses em que
ocorrera a publicação da LDB/96 e o Decreto 2208/97, portanto, ainda era uma instituição
agrotécnica e o primeiro documento referido é mais recente, já da época de CEFET. Na parte
anterior dessa tese, mostramos as percepções dos professores a respeito do papel pedagógico
deles e de um CEFET. Na missão, extraída do documento sobre avaliação institucional,
pudemos perceber a coerência nas falas dos entrevistados e nas respostas abertas dos
questionários aplicados aos 25 professores, onde 56% demonstram afinidades em relação às
finalidades do CEFET. Segundo o documento O Projeto de Auto-Avaliação Institucional de
2006 a missão do Centro Federal de Educação Profissional Agrícola/MG é:
“Promover a formação do ser humano, preparando-o para o
exercício pleno da cidadania, oferecendo-lhe formação técnico-
profissional, qualificando-o, requalificando-o e habilitando-o para
os diferentes setores produtivos da economia. Conduzir o processo
de formação educacional através de cursos regulares de curta,
média e longa duração, abrangendo áreas do conhecimento
científico e tecnológico, tornando seus educandos capazes de
participarem da formação e do desenvolvimento da sociedade, bem
como capacitando-os para a vida, compromissados com o
desenvolvimento de uma sociedade mais justa e solidária” (p.9).
132
Captamos no site do CEFET pesquisado as empresas e instituições de toda e variada ordem/tendências dos
setores de produção conveniadas ao Centro Federal de Educação Profissional Agrícola/MG. Encontramos no site
http://www.cefet.edu.br/setores/ciec/downloads/EMPRESAS_CADASTRADAS2.pdf, simplesmente, 85 páginas
de empresas cadastradas para estágios dos alunos. Também foi possível localizar o documento “Proposta para a
Constituição do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sudeste de Minas Gerais”, onde
verificamos que o CEFET pesquisado encontra-se em fase de integração a mais duas instituições técnicas do
sudeste de MG para ser incorporado e transformado em IFET. No documento datado de fevereiro de 2008,
encontramos no CEFET 14 projetos de pesquisa em andamento (área de agroecologia, meio ambiente e áreas
degradadas, microbiologia em laticínios e carnes, gestão e administração, impacto ambiental, etc. e 22 projetos
de extensão envolvendo palestras, assistência técnica à hortas de hospital, de escolas, de patronatos, além de
cursos, treinamentos e requalificações profissionais, proejas, participação em concursos leiteiros, capacitação de
filhos de produtores e o PROEXT-MEC/SESu em projetos de agroindústrias familiares.
146
Quanto ao documento de 1997, são textos constitutivos da época em que o Decreto
2208/97, e a noção de competências vieram apoiando a primeira reforma curricular do
CEFET pesquisado
133
. Período de inúmeras articulações internas do CONDAF – Conselho de
Diretores de Escolas Agrotécnicas para estar participando do jogo político que dava as regras
para que o processo de cefetização ocorresse o mais breve possível. De certo ao longo dos
anos em que o Ministro Paulo Renato instalou a reforma “passiva” ou “pelo alto”
134
na
educação profissional e no ensino médio, prestigiando poucas EAF’s na transformação à
CEFET, principalmente porque poucos dirigentes eram articulados à direção da SEMTEC
(atual SETEC)
135
. Alguns dirigentes de EAF’s mal sabiam o que era Pedagogia das
Competências
136
mas logo providenciariam consultores do próprio MEC e CNE no sentido de
promover rapidamente as reformas e conseguirem a transformação das EAF’s em CEFET’s,
por exemplo. Foi o caso do CEFET de Januária (região do norte de Minas Gerais), de Urutaí
no Mato Grosso etc.
Desde 1997 até 2003 permaneceu na SEMTEC o grupo simpático às exigências do
Banco Mundial. Com a entrada de Cristóvão Buarque no MEC até o momento, as questões
normativas têm sido negociadas, de modo a não interferirem na autonomia das EAF’s e
CEFET’s, até porque como conforme Nascimento (2004, capítulo III) as pressões e
desrespeitos em relação à autonomia dos professores, sempre foi mais no plano interno,
exercido por dirigentes nomeados como interventores, no passado até à época de Rui Berger
na SEMTEC.
No passado, as pressões políticas foram mais suavizadas quando houve na década de
1960, a transferência do ensino agrícola do Ministério da Agricultura para o Ministério da
Educação, fato que desarticularia a Agrotécnica dos mandonismos dos latifundiários
municipais e regionais. O prestígio político emanado pelo cargo de direção de uma
agrotécnica esteve associado muito mais aos poderes locais e até a maçonaria.
A Coletânea de textos para Reflexão sobre a Formação de Competências (1997),
publicada pelo Centro Federal de Educação profissional Agrícola/MG, na época Agrotécnica,
133
Entre 1997 até a revogação do Decreto n
0
2208/97 em 2004, (complementou os preceitos da Portaria
Ministerial n
0
646/1997 e do PROEP) algumas instituições mantiveram projetos de resistências ao Decreto,
principalmente no que diz respeito à redução de vagas do ensino médio. Criaram estratégias no plano interno de
modo que o aluno tivesse duas matrículas, uma no ensino médio e outra na habilitação profissional pretendida.
Essa atitude de resistência colaborou com a sociedade na manutenção de vagas do ensino médio, que está
praticamente privatizado em todo o Brasil. A “desescolarização” do ensino médio na educação profissional foi
evitada por muitos diretores que estiveram à frente de EAF’s e CEFET’s principalmente àqueles do interior do
Brasil, como a EAF de Manaus, do CTUR/UFRRJ na Baixada Fluminense etc. ou outros municípios onde as
vagas destinavam a indivíduos da classe de trabalhadores rurais e operários de baixa renda, tais como algumas
Agrotécnicas do Nordeste.
134
Conforme Gramsci se refere às transformações institucionais que se definem pelo “alto”, sintoma político de
mudanças provenientes do bloco hegemônico de poder constituído das elites dirigentes e econômicas. Fato que
para ser mudado, precisaria passar por uma reforma intelectual nas massas, onde seriam necessárias medidas
contra-hegemônicas a partir da participação colaborativa de intelectuais emancipados das estruturas de
dominação. (ver GIROUX, 1987 e COUTINHO, 1990)
135
Falamos com propriedade sobre essa afirmação a partir das experiências que tivemos em mesas redondas nos
eventos na UFPB – Campus de Bananeiras em 1997, onde nós e outros professores ligados ao ensino
profissional agrícola debatemos com o Sr. Moacir Carneiro, assessor da SEMTEC naquela época pessoa de
altíssima confiança de Rui Berger, secretário da SEMTEC/MEC. Também ocorreram na UFRRJ em 1999/2000
eventos destinados às questões político-pedagógicas da Reforma. Além disso, participamos de duas audiências
públicas na Comissão de Educação Básica da Câmara Federal no Congresso Nacional em 1999, ambas versando
sobre a questão das metas da reforma no Plano Nacional de Educação, onde o Sr. Deputado Federal Nelson
Marquezan (governista) era relator. Portanto, falamos como sujeito-pesquisadora.
136
Como dissemos e comprovamos em passagens dessa tese, essa noção traz valores e representações de
trabalho pedagógico no bojo da reforma das diretrizes curriculares do ensino médio e profissional transportados
de outras nações, mas também da ordem econômica e política a frente do nexo global-local.
147
traz um conjunto de conteúdos de discussão que visavam, então, articular uma proposta de
formação profissional em nível técnico, num desenho curricular cujo formato e conceitos se
configuram nas medidas regulatórias das iniciativas da Reforma. A Coletânea remete a
questão:
“a renovação curricular e a seleção de conteúdos pretendem
características dos desenhos curriculares que refletem diferentes
visões de mundo, pressupostos valorativos diversos, concepções
variadas de educação que indicam seu comprometimento e sua
filiação com o modelo de sociedade vigente a cada época (...) o
modelo curricular decorrente do conceito de formação orientada
para a polivalência tende a superar as limitações dos paradigmas
anteriormente mencionados, traduz a intenção de um trabalho
educacional destinado à preparação de profissionais que possuem o
domínio dos fundamentos de sua prática e sejam capazes de
intervir crítica e criativamente no processo produtivo (...) dentro
dessa ótica, as disciplinas se distribuem em três grupos: núcleo
básico da área: conhecimentos gerais – técnico-científicos e
sócio-econômicos, que fundamentam uma área de formação;
núcleo de subárea: competências cognitivas, sócio-comunicativas
e técnico-operacionais próprios de uma família ocupacional; parte
específica: conhecimentos, habilidades e atitudes específicas de
uma ocupação. Isto significa, em linhas gerais, incorporar nos
currículos de diferentes cursos, conteúdos que correspondam às
bases das técnicas e procedimentos de trabalho, bem como adotar
métodos de ensino baseados no pressuposto do cognitivismo. É
esta integração de conteúdos e métodos de ensino, tomada como
diretriz de organização dos currículos, que poderá assegurar o
desenvolvimento daquelas competências (1997, p.14-15).
Uma longa citação não se faz a não ser pela necessidade de trazermos a originalidade
de uma idéia em questão. No que diz respeito à citação, a mesma elucida qualquer dúvida
sobre os caminhos e relações político-pedagógica e ideológica que se teciam no emaranhado
de normativas e regulações de pressuposto cognitivista, por nós citado na tese nas explicações
de Campos (2002, p.7) e Ramos (2001, p.88). No mesmo documento, aparecem as
competências de forma mais específicas, a saber: as “competências técnico-intelectuais”
significadas no “exercício do ‘aprender a pensar’, quanto às competências
organizacionais/metódicas traduzem a “organização do indivíduo no seu ambiente de
trabalho (...) gerenciando seu tempo e seu espaço de trabalho (...) adotando procedimentos
adequados para solucionar problemas e tomar decisões”; as competências comunicativas
segundo o documento são habilidades imprescindíveis em uma administração participativa
para obtenção de maior produtividade e qualidade das empresas; as “competências sociais se
revelam no ‘saber ser’, ou seja, o saber originado e construído na esfera social (...) constitui-se
de saberes informais e tácitos, ligados à vivência concreta do indivíduo” (conforme citamos
em Campos, 2002).
Por fim o documento se reporta às competências comportamentais relacionadas a
posturas, vontades, características pessoais que interferem numa atitude pró-ativa diante de
dificuldades, dilemas, “resultam da necessidade de incorporar a subjetividade do indivíduo na
nova organização do trabalho”, continuando o documento embora enfatize competências
relacionadas a subjetividades criativas, reflexivas toda a justificativa volta-se para a mesma
compreensão de Jacques Delors (1998) no seu livro-relatório da comissão da UNESCO que
antes de ser publicado, serviu como subsídio a Reunião Internacional sobre Educação para o
Século XXI, em Bruxelas, 1995.
148
Ao contrário do que as medidas pressupunham, não há total subserviência dos
docentes às exigências administrativas, posto que a atual carreira docente está pautada numa
trajetória de qualificação docente e político-acadêmica, para se manter nas transformações de
EAF’s em CEFET’s/IFET’s. Paulatinamente, os docentes e dirigentes percebem que as
práticas emancipadas se engendram em meio à reforma. Um exemplo disso foi a notícia que
tomamos conhecimento ao realizarmos uma das entrevistas. Soubemos que em 2006 houve
um concurso de Produtos Agroindustriais, onde seriam selecionados projetos enviados frutos
de experiências da educação técnica e tecnológica, de caráter socialmente referenciado. Os
Centros Federais de Educação Tecnológica do Espírito Santo e do CEFET que nós
pesquisamos, denominado de Centro Federal de Educação Profissional/MG, respectivamente,
foram selecionados para o 1º Concurso Mercosul: Experiências Inovadoras em Educação
Tecnológica. Pelo comentário feito pelo professor João (tecnólogo em alimentos), acessamos
um site de busca e localizamos a seguinte informação, no site do CONCEFET (Conselho de
Dirigentes de CEFET’s).
A notícia da premiação foi de encontro a todo o perfil/contexto institucional em que
nos detivemos na descrição dos dados de campo. Abaixo, mais uma demonstração de relações
subjetivadas na prática dos professores identificados com o seu trabalho docente,
independente das medidas autoritárias ou reguladoras de sua profissionalização. A saber, diz a
notícia:
“a proposta do prêmio é melhorar os processos educativos, de
gestão, de2eração entre a escola e o setor produtivo e de
empreendimentos em instituições brasileiras e do Mercosul
capazes de inspirar outros (...) as experiências integrarão um banco
de práticas bem sucedidas de educação profissional, como
esclarece a coordenadora do concurso, Márcia Moreschi. Os
critérios utilizados pela comissão julgadora privilegiaram o
impacto das experiências, parcerias, relevância, recursos e
orientação para a cidadania. A experiência do CEFET (...)
estimulou os alunos do curso de Agroindústria e Tecnologia em
Laticínios a desenvolver e aplicar conhecimentos na produção de
alimentos. Eles participaram de todo o processo. Gerenciaram o
tempo, os gastos, os custos, fizeram o estudo de mercado,
estipularam o preço de venda, criaram as embalagens, colocaram o
produto à venda e apresentaram perante uma banca julgadora. O
concurso, que já teve três edições e é dividido nas áreas de carnes,
derivados do leite e vegetais. A equipe organizadora composta
pelos(as) professores(as) Maurício Henriques Louzada Silva,
Vanessa Riani Olmi Silva, Bruno Gaudereto Soares e Brazilina
Elisete Reis de Oliveira, CIEC, ATEC-Empresa Júnior, sob a
orientação do professor Roselir Ribeiro da Silva se empenharam na
organização da III edição do concurso o qual teve 17 produtos
selecionados e avaliados pelos jurados, com excelente repercussão
no meio estudantil. Gostaríamos de parabenizar aos alunos, os
funcionários, os professores, os colaboradores, os patrocinadores, a
ATEC, a CIEC, a cooperativa dos alunos e a todos que
contribuíram para o pleno sucesso deste evento e que agora será
publicado pelo MEC como experiência inovadora” (site do
CONCEFET, 11/05/2006).
Como dizíamos, no último decênio por conta das transformações das EAF’s em
CEFET’s, os professores alavancam o capital cultural em cursos de qualificação e de
capacitação docente necessários a uma trajetória profissional capaz de não somente
149
incrementar a instituição para despontar como uma instituição de nível superior
137
alternativa
àquelas alienadas a uma formação tecnológica voltada às demandas do mercado de trabalho.
Não obstante, a cefetização tornou-se opção para que provocasse expectativas de trajetórias de
profissionalização ancoradas na qualificação docente dos professores da educação
profissional. Por muitos anos os professores e dirigentes mantiveram-se pré-destinados ao
poderio local/regional, dos vínculos entre MINAGRI-Sociedades Rurais de investiduras
ideológicas baseadas nas relações sociais hegemônicas do campo da produção agrícola e de
poder fundiário.
Os dados coletados que dizem respeito à percepção dos professores sobre a sua
pessoa/categoria profissional no espaço das posições sociais e espaço dos estilos de vida
138
nos informa que na época de nossa pesquisa, dos 25 respondentes 56% são do sexo feminino,
onde 44% estão na faixa etária entre 30 a 39 anos e 36% estão entre 40 a 49 anos.
Considerando as parcelas majoritárias de trabalhadores, esses em nossa opinião estão
financeiramente estáveis se comparados no universo da mesma categoria que atua na rede
municipal ou estadual, pois 32% ganham proventos entre R$1.200,00 a R$2.000,00, 28%
percebem entre R$2.001,00 a R$2.800,00. Contudo, encontramos empatados em 12%
professores que recebem proventos entre R$2.801,00 a R$3.600,00 e 12% percebem entre
R$3.601,00 a R$4400,00. Mais além, em outra margem, estão 8% ganhando até R$6.600,00,
o que nos remete a questão bourdieusiana que implica a relação entre os capitais social,
cultural e econômico, neste sentido, uma categoria que adota um estilo de vida bem própria da
classe pequeno burguesa. Bourdieu ressalta que esses profissionais são politicamente
simpáticos aos movimentos de esquerda, sobretudo são consumidores de cultura, pois o
campo profissional alia-se às exigências de um estilo de vida de ambientes e produtos de
investimentos de capital econômico em cultural. (Bourdieu, 1997; p.20)
139
137
Na tese de doutoramento de Soares (2003) e na dissertação de mestrado de Oliveira (1998) há uma ressalva
sobre a questão da produtividade como princípio de regulação e controle pedagógico dentro das EAF’s que por
muitos anos influenciou (talvez ainda influencie) currículos, planos de aula e de curso de professores das
mesmas. Ao longo da existência da obrigatoriedade das EAF’s manter funcionando a Cooperativa-Escola, sabe-
se que havia até um ranking dentre as mesmas, disputando as Agrotécnicas que mais produziam e se auto-
sustentavam, dirimindo as despesas da COAGRI em material didático, alimentação dos alunos, residências etc.
Hoje pelo que sabemos o professor não quer ser o “pé-de-boi” ou um professor alienado em capital cultural,
muito por conta da cefetização e a ampliação dos cursos, além da objetividade e as finalidades de um CEFET,
estabelecidas no Decreto nº 5.225 de 1º de outubro de 2004, ou mesmo num futuro o IFET. As futuras
Instituições Federais de Educação Tecnológica – IFET, desde 2007 em andamento, propõem reunir certo número
de CEFET, EAF, ETF próximas territorialmente para transformação em uma autarquia federal, de razão
universitária, com um reitor. Trabalhar num CEFET, IFET ou numa EAF voltados aos cursos de nível superior
tecnológico e Licenciaturas, afinal, requer capital cultural a ser investido em perspectivas de abrir o acesso a
capital social e político. Conforme Bourdieu refere-se às estratégias de poder (privilégios) oriundas de capital
cultural associado ao capital social. Em localidades do campo (rural) o capital cultural atrai respeito, honra e
investimentos pessoais e de grupos, uma das versões que também Sérgio Miceli considera ao analisar a categoria
de educador-profissional.
138
Bourdieu (1997) recorta um diagrama muito expressivo sobre a conceituação publicado em La Distinction
onde ele aponta indicadores significativos em termos de um capital global formado por todos os tipos de capitais
e de habitus subjetivamente socializados em universos da socialização familiar e de escolarização. Nesse
diagrama ele mostra que o habitus dos professores secundários (categoria inclusiva dos docentes do ensino
médio/técnico no Brasil) corresponde a espaços/universos pautados na diferença, na distinção que está no
“fundamento da própria noção de espaço, conjunto de posições distintas e coexistentes, exteriores umas ás
outras, definidas umas às outras, por sua exterioridade mútua e por relações de proximidade, vizinhança ou de
distanciamento e, também, por relações de ordem, como acima, abaixo e entre (...) o espaço social é construído
de tal modo que os agentes ou grupos são aí distribuídos em função de sua posição nas distribuições estatísticas
de acordo com os dois princípios de diferenciação (...) o capital econômico e o capital cultural” (p.18-19).
139
De certo os dados referentes ao nosso universo de pesquisa não se comparam em números aos dos universos
pesquisados por Bourdieu. Eentretanto, as ciências sociais e suas categorias nos permitem – em situações
culturais (científicas/educacionais), sociais e econômicas como as de formação ocidental (França e Brasil, por
150
Ao verificarmos esses dados que se associam à categoria profissional docente,
assalariada, de nível superior
140
, de uma rede federal, notadamente podemos julgar relevante,
pois os professores estão sujeitos a se perceberem como um grupo de elite, conforme Tabela
14, onde 56% não assumem essa identidade social, mas 40% se consideram de elite. Nas
anotações dessa pergunta, os professores explicam a identidade ou a diferença em relação às
se incluírem ou excluírem das elites. Alguns que não se consideram “elite” trazem as
representações do campo econômico e de trabalho assalariado para resposta, o (a) docente
P121 diz que “não me considero, porque meu salário não é muito alto”; o (a) P111 acha que
não é de elite pois “as condições financeiras é uma das causas”; o (a) docente P117 não se
considera uma pessoa de elite, explicando por meio das representações sociais de elite
relacionadas ao campo acadêmico e de trabalho, diz que “tenho muito que aprender. O
conhecimento não se fecha na conclusão de um Doutorado, ainda há muito a se buscar. Se
considerar em temos de ‘salário’ comparado com o salário mínimo, um professor com
Doutorado recebe um pouco mais que 10 salários mínimos, pelo investimento de
aproximadamente oito anos na sua vida pessoal e profissional. Tem gente ganhando mais do
que um professor com Doutorado”; os (as) docentes P108 e P109 colocam que não se vêm
como elite, porque “a minha profissão não é valorizada” . O P103 traz as representações de
trabalhador dos processos de produção material, segundo, o professor “sou proletário,
assalariado, contribuinte fiscal federal, responsável pelo pagamento dos salários de nossos
funcionários também federais, estaduais e municipais do ‘alto escalão’”
Interessante que alguns trazem representações de origem social, habitus de camadas
rurais subalternas, discordando assim de uma identidade social de elite, é o caso do P120
achar que não é uma pessoa de elite “pela minha origem social rural e meu modo de pensar e
agir. Apesar das pessoas me olharem e acharem que eu faço parte de uma classe de elite”;
outro que associa às representações de elite com o capital econômico complementar ao capital
cultural incorporado, e o (a) P104 ao achar “não financeiramente, só se for de elite pensante
(intelectual), mas não da elite econômica”. Por fim há quem não se considere elite, se
colocando solidariamente, o (a) P102 se vê como uma pessoa privilegiada porque “satisfaço
as necessidades familiares, enquanto muitos estão longe disso”.
Quanto aos 40% que se consideram de elite, a maior parte relaciona ao capital cultural
incorporado e como se engendra em representações profissionais configuradas socialmente na
idéia de elite. Vale ressaltar o P119, que se inclui como elite porque “diz respeito a minha
qualificação profissional”; o (a) P101 denota a sua condição de elite “pelas condições
exemplo) – comparações e analogias para interpretação de grupos sociais, como os dos profissionais docentes.
Portanto, para confirmação de nossa constatação remetemos ao Anexo dessa tese referente às Tabelas de n
os
6 a
15.
140
Tabela 15 demonstra 64% de especialistas, 24% mestres e 12% doutores, ou seja, todos com pós-graduação,
situação inversa há de 15 anos atrás quando Moreira e Soares (1993) constataram um universo educativo ainda
tendendo a ser engendrado nas políticas públicas de profissionalização docente voltadas para ampliar capital
humano de natureza tecnicista, onde a cultura geral e acadêmica da época era mediada só de interesses de
integrar a Escola nos arranjos sociais e de poder que sustentavam o produtivismo agrícola. Uma trama social
tecida nas relações de identidades locais de projetos pessoais hegemônicos, destituídos de um sentido coletivo.
No momento, não há mais espaço para o professor que trabalha isolado, dentro de seus “feudos” onde ele pensa
que domina servos/escravos ou “desvalidos”. A natureza política, social e cultural do trabalho é intelectual. A
docência mudou, podemos perceber ou mesmo constatar pela quantidade de publicações e pesquisas que ganham
vulto desde o final de 1980 até hoje. Todas as tentativas de conceituação da docência esbarram numa
profissionalidade intelectual. Dentre tantas, a identidade profissional situada na função docente denominada de
“intelectuais transformadores” (de origem gramsciana) ou a de “intelectual/professor reflexivo” (origem nas
teorias que pressupõem sociedades marcadas pela pós-modernidade, onde a escola é construída também nas
relações intersubjetivas), ou ainda a de “professor investigador” (sentido na profissionalidade e da atividade está
em Pedro Demo) ou, ainda, um profissionalismo que reconhece a intelectualidade e a prática docente do
professor sendo uma relação entre pensamento e ação – pensamento profissional “dilemático” (o professor seria
um gestor de dilemas, segundo Gimeno Sacristán).
151
socioculturais que nós os professores temos”; quanto ao P118 este (a) afirma ser elite porque
“infelizmente o ensino no Brasil é uma conquista que poucos alcançaram. Somente uma
“elite” consegue formação em nível de pós-graduação”; o (a) P113 se considera uma pessoa
de elite, explicando as mesmas representações que assim o faz se classificar, mas acrescenta
uma outra representação que é contraria a de elite, pois na concepção do entrevistado, elite
não dá conta de tanto trabalho. Segundo ele (a) elite é “ter tido a oportunidade de
estudar/graduar/pós-graduar em Universidades Públicas, infelizmente é uma elite, apesar do
‘duro’ que se dá”; quanto ao P122 concorda que é uma pessoa de elite pelas “condições
culturais e de estrutura familiar”.
Por ultimo, destaque-se o (a) P124 que acrescenta além de capital cultural, traz as
representações de uma categoria profissional que trabalha com sentimentos, como a “paixão”
(conforme Paulo Freire). Ele (a) diz que é elite porque “Faço parte do grupo profissional
apaixonado por educação, que em minha opinião é o maior instrumento de transformação
social do país”; também surgem representações afinadas às elites dominantes formadas
porque englobam os capitais econômico, social e político, conforme o (a) P105 que se
considera elite porque “freqüento com participação efetiva eventos sociais e terceiro setor.
Faço parte de grupos de serviços”.
Ao verificarmos os dados das entrevistas
141
que dizem respeito às percepções deles
(as) sobre a docência como trabalho nucleador do profissional professor, eles (as) se reportam
a profissão como uma atividade humana purista, de essência sagrada ou pessoa predestinada,
uma trajetória profissional naturalmente construída. Para quatro dos (as) seis entrevistados
(as):
“o professor que tem o gosto pela profissão, já nasce gostando.
Tanto é que a gente luta mesmo (...) mas é porque no fundo, no
fundo mesmo a gente nasce com isso. É uma vocação” (Mariana,
professora de Artes e do núcleo comum);
“eu vejo que ser professor é um dom. Nós temos aptidão para
sermos professores” (Vitória, professora de Português e do núcleo
comum);
“eu vejo essa nossa profissão de professor como um sacerdócio. A
gente às vezes trabalha muito, mas com muito prazer” (Antonio,
professor de Zootecnia de módulos profissionalizantes;)
“ser professor eu acho que é mais uma vocação. Tem que ter um
pouquinho do dom e gostar, porque lecionar hoje não está fácil”
(Adriano, professor de Biologia de módulos profissionalizantes e
do núcleo comum);
Moreira (2005) entende as identidades sociais, como as de professor, por exemplo, na
tessitura de múltiplas e entrelaçadas dimensões e processos de socialização. A imagem ou as
significações de magistério e/ou docência que circulam em meio às sociedades estão
assentadas em histórias de vida individuais, de profissão, de grupo e de atores que pouco a
141
Em Bardin (1994) encontramos amparo para trabalhar com as entrevistas tomando como uma base de dados
qualitativos as particularidades que são especificidades de diferentes ou semelhantes idéias/questões levantadas
pelos 6 docentes entrevistados de um determinado assunto. A nossa base de classificação deu-se em buscar a
significação construída em torno da profissão associada a uma categoria/grupo profissional do magistério, alem
do já nos pronunciamos na nota de roda pé nº116, acima referenciada. A nossa intenção metodológica não foi de
seguir a risca o método de pesquisa da “Análise de Conteúdo” conforme Bardin propõe, mas de nos apoiar na
teoria de modo a não correr riscos na análise dos dados que denotam particularidades ou permanências.
152
pouco compõem os conhecimentos e percepções sobre a realidade. De forma muito
elucidativa o autor explica que:
“Tanto aquilo que é objetivamente conhecido (realidade objetiva)
como a objetivamente desconhecido (realidade subjetiva)
compõem a visão de mundo, ou seja, a realidade da cultura na
qual estamos sendo socializados ou criados. A realidade contém
assim uma unidade objetiva-subjetiva do mundo. A natureza desse
mundo, a essência desse mundo, a identidade desse mundo é a
totalidade desses valores e compõem as leis da vida daquela
cultura (...) como não é possível pensar em processos nos quais
existia antes uma sociedade (sem indivíduos) e depois é que
aparecem os indivíduos, bem como é impossível pensar em
processos onde existiam antes indivíduos (sem sociedade) e depois
é que se constrói a sociedade, podemos dizer que somos
‘indivíduos em sociedade’ ou uma ‘sociedade de indivíduos’
Ambos, o indivíduo e a sociedade, são construídos em processos de
co-determinação complexo. A sociedade, apesar de ser uma
construção social do passado e conter uma história objetivada nas
coisas e nas instituições, nos é dada, a nós que já nascemos em
uma sociedade já constituída, como algo natural (...) A essa forma
de pensar e ser que tendemos a perceber como sendo nossa, é a
história corporificada, ou seja é a sociedade presente no nosso
interior em nossas mentes e em nossos valores. Essa história
corporificada é parte componente de nosso mundo subjetivo(pp.5-
7).
Interessante notarmos como estão significados os processos identitários da profissão
docente em imagens ou repertórios de uma história objetivada e corporificada nas primeiras
instituições de ensino – a Igreja – espaço-tempo de reconhecimentos e diferenciações. O dom,
a graça recebida para seguir a missão já determinada por uma superioridade divina imprime
naqueles indivíduos crenças, valores, atitudes, gostos e saberes que estão nos processos de
socialização complexos e múltiplos ao longo de toda uma vida. Nessas circunstâncias os
professores entrevistados estabelecem relação sacralizada ou naturalizadas, como parte das
subjetividades socializadas ou história incorporada em instituições que ainda consideram
como essência do trabalho docente, por isso, muitos se colocam como ser professor é um
dom, um sacerdócio, uma missão.
Continuando em Moreira (2005), partimos para outra questão, a saber, qual é o
espaço-tempo (lugar social) dos professores, das constituições identitárias de docência? Os
professores, acima referenciados, se vêm em imagens e “cobertos” de dom, de vocação para o
magistério porque numa vida individual passada nos processos de socialização familiar e
escolar, além da trajetória profissional, ocorreram situações de interação indivíduo-sociedade
cujo resultado foi a internalização de valores, crenças, estilos de vida adequados a exercer um
habitus docente sob a ótica de uma profissão própria de pessoas abnegadas ou de pessoas que
recebem uma “graça”.
Viver a missão de ensinar, talvez explique o que o professor Antonio de zootecnia
compreende, “é duro, mas dá prazer”, ou seja, receber uma graça é ter o compromisso de
retribuir, sob qualquer condição objetivo-material da docência; Assim a profissão estaria
determinada pela reciprocidade entre aquele que recebe a graça com aquele para quem se tem
a obrigação de retribuir (conforme Marcel Mauss). Se voltarmos ao passado, aos Patronatos e
Aprendizados Agrícolas, estes estiveram como espaço social reservado a moralizar ou
disciplinar, que traz também as representações e semelhanças com o passado dos professores
educador-missionário, “civilizador”. Essa visão faz parte da cultura profissional construída
153
em processos situados na socialização da prática escolar
142
. Nesse sentido, remetemos a
Moreira mais uma explicação, sobre as identidades sócio-profissionais, que para o autor se
“apóia na afirmação de que as identidades sociais são entidades
sociais construídas em co-determinações complexas, ou seja, são
resultantes de múltiplos processos sociais. Podemos adiantar que
toda identidade tem uma socioistória, ou seja, tem um lugar social,
um espaço social e um território
11
, contém uma história de sua
nacionalidade, de sua família, de sua língua e do ser individual que
é (...) nesse sentido podemos dizer que uma identidade social é
complexa, múltipla e aberta às relações que a conformam. Contém
elementos de seu passado e de suas expectativas, desejos e
aspirações de futuro. Tanto o passado quanto o futuro interagem
nas ações presentes de cada um de nós (pp. 11-12).
Então, a sócio-cultura escolar nos permite constatar transformações na docência da
educação profissional agrícola na contemporaneidade. Gariglio (2004) referindo-se aos papéis
da docência atribuídos num projeto curricular constata implicações objetivo-subjetivas num
conjunto de particularidades e significações quando essa docência saí do discurso e encerra
uma prática, quando o ensino se materializa tornando-se um saber situado e interativo.
Embora não nos interessasse diretamente analisar os saberes que estão na base profissional ou
nas trajetórias de profissionalização, a questão dos saberes da experiência em Gariglio nos
interessa porque remete à constituição da profissionalização num universo situado na cultura
escolar (particular) da educação técnica agrícola. (pp.43-73). A cultura escolar da educação
profissional agrícola configura-se também no passado que civilizava corpos e mentes
rebeldes. Daí um dos termos mais comum na cultura escolar dos anos da COAGRI era
reconhecer o professor como profissional que “treinava”, ensinava “destrezas” ou transmitia
“informações técnicas”.
Dessa forma, os professores constroem a sua profissionalização onde o lugar social
possui maiores particularidades por ser um microcosmo de relações adensadas entre as lutas
cotidianas de atores sociais e às do subcampo da educação profissional resultantes das
interações sócio-pessoais próprias do tecido cultural institucional. Para o jovem e atuante
professor João:
a profissão docente nessa área profissional necessita de uma
formação especial, haja vista que os professores normalmente vêm
de uma formação mais voltada para a área de produção e por ser
técnico necessitam de uma formação pedagógica, voltada para
educação, mas como educadores (...) a nossa instituição, por
exemplo, oferece curso de formação especial destinado a esse tipo
142
Gariglio (2004) compreende a necessidade de estabelecer relações entre os saberes docentes e a escola, por
diversas razões de ordens diversas também. Para o que nos interessa destacamos o autor por apresentar como
uma das razões de crise da escola à fragilidade da profissão docente e a necessidade de profissionalizar o
magistério como remédio para essa crise. Nesse sentido Gariglio dialoga com autores que buscaram aprofundar
essa discussão “valendo-se das pesquisas sobre o trabalho docente produzidas atualmente (...) a carreira é, assim,
um processo de identificação e de incorporação dos indivíduos às práticas e rotinas institucionalizadas dos
grupos de trabalho. Os saberes dos professores são também situados, ou seja, construídos em função das
situações particulares e singulares de trabalho (...) a noção de saber, aqui proclamada, diferentemente do
conhecimento científico, encerra um sentido mais amplo, uma vez que englobaria os conhecimentos, as
competências, as habilidades (ou aptidões) e as atitudes, isto é, aquilo que muitas vezes é chamado de saber,
saber-fazer e saber-ser. (TARDIF,2000) Esses saberes apreendidos e incorporados em contextos situados e
singulares de trabalhos são definidos como saberes da experiência profissional (...) são inventados da experiência
e por ela validados e revalidados, incorporando-se à vivência individual e coletiva sob a forma de habitus,
rotinas e habilidades de saber-fazer e saber-ser” (pp44-48).
154
de demanda. (...) basicamente, esse professor precisa constituir
elementos da prática pedagógica que permitam a ele ajustar o
conteúdo aos seus diferentes públicos, principalmente na questão
da práxis, de trazer a teoria à prática, todo esse embasamento
teórico que ele constitui para a prática pedagógica (...) preparar o
aluno para o mundo real que ele vai encontrar lá fora, que via de
regra é muito distante do mundo idealizado que normalmente, você
consegue constituir dentro de uma sala, de uma prática acadêmica.
O discurso do professor João parece conter elementos discursivos de uma escola de
formação profissional que traz o trabalho como princípio educativo, mas ao mesmo tempo ele
fala de uma profissionalização (ou socialização) docente bastante carregada de valores e
saberes da prática docente que somente podem ser adquiridos na instituição onde o professor
atua. Uma formação especial que diferencia daquela de “pinceladas pedagógicas”, de
aprendizagem aligeirada baseada em métodos e técnicas de ensino cientificamente eficaz para
um agrônomo aprender a ensinar aos alunos as técnicas de “apertar parafusos” (ou
enroscar/acoplar tubos de irrigação). Parece-nos, baseadas na “fala” do professor João, que ele
internalizou um discurso próximo às teorias utilizadas por Gariglio, cuja abordagem
demonstra um professor profissionalizado e se identificado nos saberes produzidos na
experiência da docência, um saber constantemente atravessado pelas subjetividades dos
sujeitos da práxis educativa. O que supomos ser necessário uma reflexividade por parte do
professor para perceber as experiências e conhecimentos que se formam na sua própria
prática.
João recorre à imagem do educador. Um docente educador segundo as teorias
progressistas
143
é mais valoroso do que um docente-técnico, de ação e pensamento positivista.
Um docente educador ganha subjetividades construídas no cotidiano de embates e superações
que solidarizam os sujeitos da escola pública, articula teoria à prática, é um docente da práxis.
Essa “fala”, sobretudo, nos pareceu consciente dos riscos conceituais e de práticas
reducionistas em que a reforma do ensino médio colocam não somente para a formação do
técnico e tecnólogo, mas essencialmente na profissionalização docente. Outro professor, o
Adriano, de biologia e de módulos profissionalizantes também recorre à imagem do educador
para diferenciar-se dos restantes. Na visão de Adriano quando perguntamos em que bases
identitárias repousam a trajetória profissional dele como professor, logo ele responde de
forma contundente. A saber, diz:
“com certeza não sou professor, professor não! eu acho que eu sou
mais um educador (...) muitas empresas acabam reclamando sobre
a questão da conduta, forma de atuação. Então, eu procuro pegar
essas coisas para poder melhorar e tentar formar técnicos de
qualidades pessoais mais elevadas. Eu tento ser educador no meu
cotidiano escolar (...) eu acho que a ética profissional é o que
marca, é o que tem de respeitar. Melhor errar tentando mudar do
que se omitir não tentando.
143
Temos inúmeros pesquisadores que construíram o pensamento pedagógico progressista. Dentre esses, Paulo
Freire está identificado na concepção pedagógica libertadora; Rubens Alves é reconhecido pelas abordagens
românticas, contudo, o discurso mais próximo à idealização de Educador encontra-se no livro consagrado de
Rubens Alves, Conversas com quem gosta de ensinar, onde o autor faz analogias entre os eucaliptos
(professores) e os jequitibás (educadores) para expressar a sua visão de trabalho ou profissão docente. Outro
teórico importante no sentido de uma identificação com o sentido humano que emana a identidade educador em
meio profissional e escolar é Miguel Arroyo (2000). Para Arroyo se pode entender a profissão na especificidade
que constituem os conteúdos da humana docência. No passado, início do século XX também em Fernando de
Azevedo se encontram analogias aos médicos e engenheiros-educadores.
155
Outra imagem, mas também associada à de educador compromissado e ético é
colocada também por Maria José, professora da área de química, farmácia e de módulos
profissionalizantes. Ela pensa que a sua trajetória profissional docente inicia na faculdade,
período em que se identifica com a forma de ensinar de uma professora. Segundo Maria José:
“a minha trajetória começou quando eu fiz um curso em que a
gente não é preparada para ser professor, o curso de farmácia e
bioquímica. Então, eu já saí direto para o mercado de trabalho.
Mas, quando eu fiz o curso de bioquímica, a matéria de bioquímica
na faculdade, eu gostei tanto da professora que eu decidi ser
professora de bioquímica naquele período. Criei uma identidade a
partir da professora que detinha um conhecimento e uma
qualificação. Ela era bem ética, tinha uma didática excelente, dava
uma matéria que eu gostava muito e dava a matéria muito bem!”
A professora Vitória do ensino médio, formada em Letras, situa a idéia/imagem de
trajetória profissional docente mais próxima de um discurso da prática do “aprender a fazer
fazendo”, um mote muito utilizado desde a época de institucionalização das EAF’s baseadas
na pedagogia do Sistema Escola-Fazenda da COAGRI/MEC. A opinião da professora é que
“nós temos aptidões para sermos professores. Na área da educação
profissional nós utilizamos muitos professores da área técnica
(bacharelado, tecnólogos) e que às vezes são formados técnicos em
universidades e vêm para a educação profissional sem uma
formação pedagógica adequada. Mas, isso tem mudado na medida
em que eles passam a exercitar e praticar a docência. Então, eu
acho que o contato que eles vão tendo com os alunos, o dia-a-dia
na área da docência tem aprimorado enormemente essa atividade
prática deles, a didática desse professor”.
Quanto à percepção que eles têm sobre a profissão docente perante a sociedade, há
unanimidade entre os professores sobre a desvalorização do profissional, contudo
demonstraram em responder à altura, mostrando que eles estão atentos a qualificação como
perspectiva de melhoria e investimentos na profissão, sobretudo, para participarem como
formuladores dos processos de expansão de cursos, estudos curriculares, mudanças
institucionais. Nesse sentido, o professor João se pronuncia sobre a sua formação, quando
inicia bem jovem a sua trajetória de profissionalização. Refletindo ele atesta que:
“na ocasião eu não aproveitei por ser muito jovem. Se eu tivesse
mais maduro, eu teria aproveitado melhor o meu curso, embora eu
não tenha feito um curso ruim. Tive a sorte de passar por uma
instituição muito conceituada, uma instituição que tem projeção
internacional (...) tive uma formação integral. Eu pude ter ali a
formação profissional e a formação humana também. O instituto
tinha uma base crítica muito forte. Inclusive, com promoção de
eventos culturais, esse estímulo todo ao longo da vida acadêmica.
Que hoje eu vejo que é uma preocupação minha, desenvolver mais
esse perfil na minha instituição (...) Passei por essa formação e
entrei numa empresa de transformação onde conheci tudo da
empresa, desde a produção, comércio, aquisição de matérias-prima,
negociações com bancos, projeto, tudo! (...) apareceu a
oportunidade de ingressar no serviço público, onde ministrei aulas
no curso pós-técnico e eu fiz o curso de pedagogia e fiz um
concurso para docente. Era uma carreira que eu não imaginava
156
seguir, porque eu via nessa profissão um grau de responsabilidade
muito grande que talvez muitos educadores às vezes não estão
alertas para isso (...) porque na formação técnica, a gente deve
fornecer também a formação ética e moral porque o conhecimento
além do grau de responsabilidade, conduz para a qualidade da
formação e da instituição”.
Quanto à percepção da professora Mariana sobre a questão, ela considera
“uma necessidade a formação pedagógica para atuar na educação
profissional, como pedagoga e especialização em Artes, eu consigo
estar passando o conteúdo para os alunos (...) não, a gente não tem
valor como professor de artes (...) fazer mestrado e doutorado é
indispensável. No caso, eu só tenho especialização (...) eu acho que
a gente praticamente não tem apoio. E até mesmo a sociedade não
valoriza o professor. Na maioria das vezes, quando alguém te
pergunta: - Qual é a sua profissão? Você fala: - Professor. Você
percebe aquele arzinho de mais ou menos. Não é aquela profissão
(...) mas eu acho que vai melhorar, eu acredito na ação coletiva.
Com certeza. Porque se a gente quer essa valorização, a gente tem
que correr atrás, se unir e correr atrás!”.
O professor Antonio de uma geração mais antiga no ensino agrícola remonta a sua
percepção reconstituindo a sua trajetória profissional, ele repara a importância da formação do
professor. Segundo ele
“a gente vê o descaso das autoridades. Deveríamos ter mais
reciclagens e melhor remuneração (...) eu vejo da seguinte forma:
no passado, contando da época que eu comecei a trabalhar como
professor, de 1982 para cá, a gente tinha uma remuneração que
animava a gente a trabalhar, mas era só também. Em relação à
reciclagem, especialização não tinha nada, era zero. Isso caiu numa
situação muito difícil nas escolas. Então ensinar para mim ficou
muito prejudicado (...) sim, eu acho que esse foi o maior prejuízo,
porque se o professor não tem uma reciclagem, não tem
informações da realidade, os alunos também ficam sem essa
informação. Isso prejudica o nosso aluno na seqüência profissional
(...) a formação pedagógica é necessária, com certeza,
principalmente, após eu ter feito a complementação pedagógica. Eu
me senti muito mais capaz de entender o sentido da educação, o
aprofundamento e a valia da educação não só dos conteúdos, mas
de você formar o cidadão (...) vim perseguindo esse caminho
porque eu tenho um desejo muito grande de conhecimento. Veja!
Eu fiz mestrado 23 anos após ter saído da Universidade, tudo por
falta de oportunidade”.
Na opinião de Maria José, a formação adequada para uma docência na educação
profissional está configurada
“acima de tudo no conhecimento e cursos para atualização, para
que o professor esteja se atualizando, para que ele possa da melhor
maneira possível passar o conhecimento para o aluno. Eu acho que
o professor tem também que atuar no sentido de educar, sempre
considerando a base do aluno, sempre buscando aspectos de moral,
157
de conscientização para que ele seja um profissional melhor, para
que ele seja um profissional idôneo, íntegro. Acho que o professor
tem que tentar relacionar a teoria à prática de forma que o aluno
quando sair para o mercado de trabalho, ele consiga se
desempenhar melhor no âmbito do trabalho, não ficando apenas
com a teoria. Então tentar levar o aluno para os laboratórios, para
campo mesmo, para que ele tenha essa parte prática vivenciada (...)
eu acho que a sociedade ainda não valoriza a nossa profissão, ela
não tem noção da importância de um profissional, de um professor.
Como isso é importante socialmente, mas no meio em que eu
trabalho aqui no CEFET, eles valorizam muito a nossa profissão.
Então no CEFET a gente tem apoio para sair, para se qualificar
cada vez mais, para melhorar o nosso perfil e o da instituição.
Acho que os professores querem qualificação. Hoje em dia, eles
têm buscado cada vez mais, ou por eles ou por exigências
institucionais (...) mas a sociedade não acha que queremos
melhorar. A sociedade continua achando que o professor,
principalmente o federal, não quer nada com nada”.
Os professores entrevistados foram unânimes em perceber a docência como uma
atividade profissional sujeita às intervenções das medidas de Estado, sobretudo, desde a
Reforma na Educação profissional, eles percebem que há uma necessidade de rever as
práticas e conceitos curriculares configurados no aporte normativo e de regulação que tendem
ao aligeiramento da formação do técnico e a redução de vagas do ensino médio. Todavia
todos consideram as medidas de transformação das EAF’s em CEFET’s e a autarquização um
campo de possibilidades para a qualificação docente, transformando uma docência estagnada
em uma de qualidade profissional, sobretudo, vindo a atender às necessidades de alunos que
jamais poderiam realizar um curso superior numa universidade da capital.
Vale ressaltar o que pelo menos dois dos entrevistados dizem a respeito. A professora
Vitória diz ser favorável a reforma. Ela se posiciona:
“a partir do momento em que houve essas modificações, há
possibilidades de flexibilização no ensino técnico e tecnológico, no
ensino técnico houve maior facilidade para a gente, tanto para o
trabalho como para oferecermos os cursos, as modalidades de
ensino profissional ampliaram. Os currículos se flexibilizaram e o
aluno opta em se profissionalizar em áreas diferentes e ao mesmo
tempo. Ele pode ter que parar de estudar e depois retornar sem
problemas nenhum. Então, eu acredito que essa flexibilização tem
sido (...) muito positiva. Em termos de normalização para a
instituição acho também muito eficiente (...) as demandas pelos
cursos mudam de tempo em tempo e podemos estar adequando de
acordo com o mundo do trabalho (...) essa demanda exige do
professor constantes atividades de se (re)profissionalizar. Por outro
lado, eu vejo positivamente, porque o professor pode estar
buscando alguma coisa nova. Ele tem que estar sempre correndo
atrás de inovações, de atividades para que ele não se deixe estagnar
(...) muitos dos professores da educação profissional no início se
colocam assim: - eu fiz um curso X, mas estava com dificuldades
de emprego e não podia sair, então surgiu a oportunidade na
educação técnica e eu comecei a dar aulas. Muitos se identificam
com a profissão outros não (...) a interação sob as várias
perspectivas dentro e fora da escola, outros grupos, eles acabam
tendendo para a docência. E o que agente observa é que a partir do
158
momento em que eles tomam conhecimento do que é realmente dar
aulas, das disciplinas pedagógicas, de como pode ser feito um
trabalho sem ser com aquela educação bancária, como dizia Paulo
Freire , que nós, os professores ficávamos atrás da mesa e os
alunos na carteira, aquela aula maçante, sem diálogo. Então,
quando eles percebem que dar aula pode ir além disso aí, pode
ultrapassar esse conceito, eles começam a enxergar a docência de
uma outra maneira”.
O professor João tem uma opinião própria sobre as transformações em ocorrência
desde a década de 1990. A posição dele busca uma reflexão, não é tão contundente como a da
professora Vitória. De acordo com João
na educação profissional, nós passamos a partir do final da
década de 1990 até início do ano 2000, por algumas modificações
na estrutura de ensino e curricular, que objetivamente tiveram a
finalidade de acelerar o ensino, diminuir o tempo de permanência
desse aluno e levá-lo para o mercado. Mas, esse é um fator que
merece ser rediscutido com mais atenção. Nós tivemos cursos aqui
que o aluno concluiu com um ano e meio, dois anos (...) me
preocupa mais essa redução no sentido de que existia uma
perspectiva de jogar o profissional no mercado mais rápido (...)
quando você faz isso, também reduz o embasamento que você dá a
esse aluno e vai precisar de novos programas de requalificação,
que no meu entender acabam constituindo um custo maior para a
União, no futuro. Você como docente gera uma massa de pessoas
que na verdade estão preparadas para aquele exercício, mas, talvez
não estejam bem constituídas para a questão do aprender a
aprender (...) exige do professor uma visão mais crítica de tudo
isso. Exatamente, falta para esse aluno um tempo de interiorização,
de apropriação, de sedimentação e aquele tempo gerador de
dúvidas para ele poder retornar suas dúvidas ao professor.
Preocupa-me essa aceleração do ensino profissional, porque na
verdade o professor talvez esteja preparado para perceber na sua
grande maioria o que é uma mudança, um salto de paradigma
muito grande, sair de uma estrutura disciplinar para uma
modularizada. Como professor penso que manter os alunos mais
um ano na escola, é um investimento mais barato que manter uma
massa de desempregados lá fora. Muitas vezes a questão
educacional é tomada por uma análise econômica que dentro dela
não está compreendida o viés das repercussões que às mudanças
trarão (...) a educação tem sofrido muito com isso. Recebemos
muitos pacotes. Isso aí é uma coisa que me preocupa muito, porque
na verdade quem faz a educação somos nós dentro da instituição,
no exercício diário. E muitas vezes esses pacotes chegam de cima
para baixo, quando na verdade, eles deveriam ser produzidos a
partir das nossas bases”.
Ao finalizar esse capítulo, gostaríamos de registrar mais uma vez que a definição
social do trabalho docente na educação tecnológica/profissional agrícola tem nos últimos dez
anos sofrido profundas alterações na medida em que os professores assumem a dianteira das
reformas, mesmo tendo algum tradicionalismo ou dualidades próprias da história do ensino
agrícola. Em que pese toda a relação entre a função social da profissão docente, as
intervenções do poder público no sentido de querer intervir do alto para baixo na configuração
159
que esta função demanda e se alarga, não esgota a profissionalidade docente nos esquemas de
normas e regras padronizadas. A profissão está condicionada às relações complexas e
múltiplas dos sujeitos, atores e indivíduos em interações com o Estado, grupos sociais, redes
sociais etc. Gimeno Sacristán (1995) aceita que a constituição da profissionalidade docente
não é autônoma das políticas e das multifacetadas dimensões sociais, econômicas, culturais,
além de pesar todo o processo de regulação externa ao trabalho docente. Entretanto, pensa que
há um estreitamento entre a dinâmica interna cotidiana e as condições externas em nível
macro, o que ele acha que passa a exigir de nós pesquisadores a devida atenção em incluir os
contextos mais abrangentes do pensamento e da acção. Para Sacristán (1991)
“aquilo a que vulgarmente chamamos educativo não esgota as
práticas relacionadas com a educação, porque remete para outros
âmbitos de acção, que incidem sobre a realidade escolar imediata
(...) é necessário alargar o conceito de prática (...) o
profissionalismo docente implica relacioná-lo com todos os
contextos que definem a prática educativa. O professor é
responsável pela modelação da prática (...) o docente não define a
prática, mas sim o papel que ocupa; á através da sua actuação
que se difundem e concretizam as múltiplas determinações
provenientes dos contextos em que participa (pp.67-74).
Concluímos esse capítulo constatando que a metodologia de pesquisa utilizada,
procurou reunir as informações e dados quali-quantitativos sobre o “nosso” grupo
profissional, “bom para pensar” (GONDENBERG, 2002, p. 35) abrangendo as diferentes
técnicas de pesquisa. Indivíduos, atores, estruturas e instituições são partes interdependentes
nas teorias das sociedades contemporâneas, uma não cabe separada das outras e vice-versa;
analisamos as representações profissionais dentro do campo do sistema simbólico ou cultural
(no caso acadêmico-científico) como espaços contra-hegemônicos de busca de emancipação
das amarras da sociedade política e econômica (onde se situa o produtivismo, o oficial) pelas
características específicas das normas do próprio campo acadêmico. É um campo que não
incluí todas as normas do capitalismo, embora ambiguamente trabalhe reproduzindo
conhecimentos, saberes, práticas, significados no campo do economicismo-produtivista. O
habitus profissional pode ser flexível à estrutura em que foi subjetivado na medida em que a
face transformadora da cultura escolar permite redes de subjetividades que a cada crise
(reforma, novas demandas, paradigmas emergentes, etc.) desafia os atores/sujeitos/indivíduos
(professores) a repensarem sobre a sua própria prática em universos adensados entre macro e
o micro contexto.
160
CAPÍTULO IV
A Socialização do professor: o olhar e a fala dos que pesquisam/ensinam sobre a
formação e a docência.
Os dois primeiros capítulos desse trabalho se estabeleceram com o propósito de
construir um quadro teórico-conceitual, cujo objetivo espraia-se nos contornos dos processos
socioculturais e identitários configurados nas transformações objetivo-material das estruturas,
mas também no âmbito das subjetivas dos indivíduos e grupos, assim tratados na literatura.
Por conseguinte, as transformações expõem publicamente as instituições tradicionais,
revelando a sociedade como uma teia tecida na multidimensionalidade da vida cotidiana dos
sujeitos, atores e indivíduos vinculados em relações de descontinuidades, permanências,
assimetrias, ambigüidades e contradições que geram as tensões.
Naqueles capítulos, mais especificamente, pretendemos ter discutido ancorados nas
noções que explicam as transformações socioculturais e institucionais. Retratando os novos
conceitos/noções e práticas, o campo das ciências humanas e sociais, direciona para múltiplas
análises sobre a crise nas identidades sociais da modernidade. Sobretudo, ainda, buscamos nas
ciências sociais discutir conceitos provocadores da idéia segunda a qual os fenômenos
socioculturais são relacionais/plurais e, que, o processo de constituição de indivíduos em
sujeitos/atores se relaciona à dialética entre às identidades e às diferenças conformadoras
desse indivíduo. As relações dialéticas estão em tensão permanente, conseqüentemente,
podem-se pressupor possibilidades de aberturas nas estruturas tradicionais de socialização, o
que tem impedido a desarticulação entre indivíduo, sujeito, atores e realidade social.
Referimos-nos a sujeitos que estão na produção da cultura/ciência e das várias representações
desta nos ambientes mediados pela diversidade de arranjos sócio-políticos e tecnológicos
(ambiente escolar/universitário, por exemplo).
Apesar de todos os estudos elaborados em torno da categoria de identidade ou
identidades, encaramos como um desafio teórico e metodológico trabalhar com um conceito
tão complexo, ambíguo e inacabado, conforme é entendido por Stuart Hall (2000). Segundo o
autor uma discussão onde as formulações são provisórias e abertas à contestação (...) o
próprio conceito de “identidade” é demasiadamente complexo, muito pouco desenvolvido e
muito pouco compreendido na ciência social contemporânea para ser definitivamente posto à
prova (p. 8). Mesmo sendo amplamente reconhecido pelas diversas ciências, e especialmente
estudado pelas ciências sociais e humanas, tal conceito é investigado a partir de teorias
específicas em campos acadêmicos de áreas científicas diferenciadas, como por exemplo, as
teorias da psicologia, da saúde e das sociologias imbuídas em estudar fenômenos ligados à
discussão dos processos identitários como aqueles sobre a construção social da doença e os
médicos, do mercado, das profissões, da educação pública, etc. Todos os fenômenos são
partes constitutivas de um mundo em permanente processo de crises, ou seja, de
mutações/transformações.
No terceiro capítulo objetivamos a descrição da “matéria” viva, da prova cabal do que
está ocorrendo na construção das identidades docentes no âmbito da educação profissional
agrícola. Na descrição do trabalho de campo procuramos descortinar um “mundo” em pleno
estado de transformações na estrutura e superestrutura.
Nessa parte da tese, objetivamos direcionar o recorte no sentido de especificar
discursivamente qual o entendimento que as entidades profissionais e de pesquisadores, bem
como os autores do campo acadêmico da profissionalização têm a respeito da construção
identitária docente. De modo que classificamos ou pelo menos buscamos apontar as
identidades dos atores/profissionais e indivíduos da educação profissional, configurada na
161
idéia de identidades docentes heterogêneas e ambíguas no campo político-cultural,
nomeadamente reconhecido por Sacristàn como um campo dilemático, um campo explicado a
partir das novas noções, conceitos e paradigmas de conhecimento e da diversidade e do
plural. O campo dos processos e trajetórias de profissionalização docente está envolto de
dilemas e expectativas.
O campo é gerado no saberfazer acadêmico, em meio aos processos socioculturais e
políticos, assim, não é essência e nem é naturalmente constituído na ciência neutra ou
positivista. A ciência ao ancorar-se no espaço político de disputas pelo poder dos saberes
científico-racionalista, contou com o poder público na medida em que as políticas e
programas de desenvolvimento objetivamente transformaram as teses científicas em
materialidade.
O campo acadêmico, o “perito”, com as suas ambigüidades pende ora para o consenso
ora para um pensamento e ações dialéticas críticas. As entidades profissionais, de pesquisa,
em educação e os indivíduos travam lutas pela hegemonia do processo de profissionalização,
defendendo um projeto autenticado nas experiências e no acúmulo de saberes da prática que
reformulam dinamicamente os esquemas, repertórios e itinerários de indivíduos e atores.
Portanto, esse recorte sustenta todo o corpo teórico-empírico dessa tese. As bases teórico-
metodológicas de Bourdieu, Berger e Luckmann e outros, como Giddens, nos permitem
compreender os campos/campo numa perspectiva mais aberta e relacional, visto que o campo
se apresenta como um conceito engendrado nas ciências humanas e sociais, para explicação
das relações estruturais com os atores e indivíduos em sociedade. Não obstante, os conceitos,
servem para desvelar habitus (disposições sociais encarnadas na mente e no corpo, estilos dos
indivíduos e grupos de pertença) que tecem e articulam configurações específicas/particulares
na esfera da profissionalização em meio à relação entre micro e macro contextos das
sociedades, um processo de reconfiguração institucional, como é o caso dos processos das
identidades docentes na educação profissional.
Nessa tese tratamos sobre a construção social do magistério na educação profissional
agrícola, nos orientando por uma pesquisa de campo para verificarmos como o grupo de
professores atribuiu sentido a docência e quais são as percepções deles em relação à prática e
o papel da docência. Portanto, a docência é uma prática social e profissionalmente construída
por meio de trabalho intelectual de indivíduos em relações, tal como são as demais profissões
de engenheiro, médico, agrônomo, etc.
4.1. As teses sobre as constituições identitárias docentes: algumas aproximações com as
entidades e colaboradores da ANPED e da ANFOPE
144
A percepção do professor sobre a profissionalização é proveniente de ações e
pensamentos constitutivos do cotidiano escolar e de ações de formação continuada. Os
estudiosos, até aqui citados, formularam um conjunto de teses cujos referenciais temáticos
centram-se nas seguintes perspectivas: a) adota-se a compreensão segundo a qual as
144
Conforme mencionamos em capítulos anteriores, fizemos o recorte do tema a partir dos objetivos da tese,
enveredando o nosso caminhar nas principais questões postas nos textos ou artigos da ANPED. Como sabemos,
é vasta a contribuição dos GT’s de Formação de Professores, Educação e Trabalho, Política Educacional,
História e Currículo. Por isso, optamos por publicações específicas das categorias ligadas à discussão sobre
profissionalização e identidades, que no último decênio devido às Reformas em todos os setores educacionais,
estão em voga no campo de pesquisa sobre a profissionalização docente. Na ANFOPE estamos nos referindo aos
textos e artigos de professores e pesquisadores universitários filiados ou que foram membros da diretoria. É
significativo dizer que no Encontro Nacional da ANFOPE em 2004, Brasília, tiveram 19 estados da federação
presentes no evento, o que sinalizou naquela época a reunião de mais de 19 IES. .
162
identidades profissionais/docentes estão dimensionadas por fatores de ordem externa e
pessoal, por conseguinte, são identidades frutos das crises nas relações sociais e do
pensamento científico, ou ainda, de crises vivenciadas no cotidiano de todos os indivíduos de
sociedades complexas que atuam num campo marcados por disputas
145
; b) outra perspectiva
parte do pressuposto de profissionalização docente (as identidades) em processos permanentes
de ressignificação (se constrói e se desconstrói) a partir do conjunto de condições que
classifica e caracteriza a ação e o pensamento do sujeito nas situações de interação (pessoal e
profissional) no cotidiano escolar
146
; c) outra perspectiva se apóia na idéia de discursos e
práticas produtores das identidades docentes como diferenciados, uma vez que na escola há
alteridades que se identificam não pelos pares, mas pela diferença e pela disputa de diferentes
concepções de profissão docente, de ensinar e aprender. Tais discursos se sustentam,
sobretudo, pelas trajetórias profissionais (visão de mundo do novo/antigo professor), além do
fato, segundo os estudiosos, de a escola ser possuidora de uma cultura institucional específica
(GARIGLIO, 2004) produtora de saberes que concorrem pela formação dos seus próprios
docentes naquele lugar, os saberes da prática ou da experiência.
Pode-se dizer que nas perspectivas tratadas sobre trajetórias e identidades docentes,
não descartam o entendimento segundo o qual as identidades do professor se dão em
espaços/tempos de construção, desconstrução e reconstrução de valores, percepções, crenças e
saberes dos sujeitos envolvidos em projetos individuais e/ou coletivos entrelaçados no outro
olhar na e para a instituição ESCOLA. Buscam-se respostas num outro modo de ver e
conceber as descontinuidades, as permanências, as regularidades e os descompassos, as
rupturas com modelos culturais e políticos, com a diversidade de relações e saberes que se
mesclam na rotina de ações dos (as) professores (as) num espaço-tempo que parece ser tudo
neutro e rotinizado. Essa parte da tese, portanto, tem como intuito problematizar tais
perspectivas, que, embora já estudadas, ou em processo de estudo na área da formação de
professores, não esgotaram o campo de análise a respeito das identidades profissionais
docentes da área da educação profissional agrícola, conhecido socialmente como o ensino
técnico agrícola.
Abdalla (2006) aborda a questão das identidades docentes, fundamentando na idéia de
um senso prático de ser e estar na profissão. Para ela o professor se traduz como docente ao
ir de encontro com o conhecimento. Esse conhecimento não só técnico, científico, mas dos
saberes profissionais vindos das experiências no e com cotidiano. Segundo ela “o trabalho do
professor é este conhecer permanente: da exploração, da experimentação, das trocas de
experiência, do esforço para passar da ignorância ao conhecimento. É o conhecer da
aprendizagem de conhecer mais e melhor, do aprender a ensinar e a ser professor de
determinados saberes (...) para conhecer/saber, é preciso refletir sobre a nossa prática” (pp34-
35).
Verificamos na literatura, em documentos de fontes primárias e secundárias que o
padrão de formação adotado pela política educacional tem sofrido críticas. A maior parte
delas deriva de pesquisadores e professores das ciências sociais e humanas que estudam sobre
as políticas públicas, profissionalização e currículos de formação profissional e da sociologia
do trabalho. Assim como as reformas anteriores
147
, a atual também conta com resistências.
145
Recorremos à Amélia Lopes (Universidade do Porto/Portugal; 2004), Selma Garrido Pimenta (USP; 2001), Iria
Brzezinski (ANFOPE/UNB; 2001), Zaia Brandão, Isabel Lélis e Menga Ludke (PUC-RJ; 1994,1998, 2001), Maurice Tardiff
(Universidade de Quebec/Canadá; 2002) Antonio Nóvoa (Universidade de Lisboa/Portugal; 1991 e 1997), Gimeno Sacristám
(1995) dentre outros que comungam das mesmas análises ou utilizaram-se dos autores mencionados.
146
Ver Isabel Lélis (2001) em artigo da ANPED sobre as histórias de vida de professoras do ensino fundamental
e as respectivas trajetórias de profissionalização.
147
A tendência pedagógica do pensamento da Escola Nova, que teve Anísio Teixeira como interlocutor dos
educadores pela escola pública, gratuita e laica e da sociedade política, desde as primeiras Reformas Capanema
163
De acordo com as nossas observações nos eventos e nos documentos das entidades, o fato de
um modelo de formação ter sido introduzido por um decreto e de a maioria dos conselheiros
do Conselho Nacional de Educação trabalhar somente para o MEC, descumprindo o
compromisso institucional com a sociedade civil, acirrou o debate entre as entidades e
governo, principalmente no período de FHC e no início do Governo Lula da Silva.
As resistências motivaram inúmeras mobilizações e geraram temas de congressos e
seminários da categoria. Os principais espaços de debate crítico são os sindicatos (ANDES e
SINASEFE), no Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, atuante desde a época da
Constituição, em 1988, na ANFOPE - Associação Nacional pela Formação dos Profissionais
da Educação e na ANPED - Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação.
Nos debates temos verificado uma contraproposta, reconhecida como alternativa ao
projeto instituído oficialmente. Em contraposição à política homogênea e hegemônica da
educação, cuja crítica recai na unilateralidade escola-mercado-ocupação, as entidades
propõem uma formação de tendência epistemológica e multicultural, social e politicamente
referenciada (ANFOPE, 2004; BRZEZINSKI, 1992 e 2001). Conforme dissemos, a
concepção de currículo está no pressuposto da docência como base nuclear do trabalho
pedagógico do professor em diálogo com os diversos saberes e a multiplicidade cultural.
Mesmo levando-se em conta tal pressuposto, parece haver uma defesa política do projeto de
instituição social em bases emancipadas, favorável a uma política nacional de
profissionalização que não desqualifique o processo histórico-social de luta pela construção
do magistério comprometido com as lutas da categoria e da autonomia para que os cidadãos
façam as suas escolhas diante das opções de escolarização.
Grosso modo, supomos que o discurso político-profissional das entidades tem uma
forte identidade nacionalista, oriunda de novas bases socioculturais e de pensamento
pedagógico, que busca o projeto de formação e profissionalização na autonomia requerida
pela própria docência, como trabalho cotidianamente construído nas relações do docente com
a escola. Há um contraponto entre governo e as entidades, na medida em que o vinculo de
trabalho nas medidas regulatórias propugnadas pela legislação se mantêm altamente
até a primeira LDB, foi precursora da popular Educação moderna, assim reconhecida em toda a sociedade
brasileira nos anos de 1960. O que pretendemos dizer com resistência não se associa ou assemelha sob hipótese
alguma com as resistências da luta politicamente correta das entidades de classe contra o autoritarismo dos
textos legais baixados por decretos ao longo das décadas de 1960 a 2005. Queremos enfatizar que antes dos anos
1955 havia resistências, muito porque a sociedade política, parlamentares e empresários da educação,
desqualificaram a visão de Educação moderna de Anísio Teixeira cujo discurso de educador centrado na busca
de um sentido de nacionalidade brasileira, revelava o desejo de fazer acontecer à modernização das instituições
escolares e a autonomia do pensamento pedagógico dos educadores. Não, nos referimos a uma visão pragmática
esvaziada de sentido político-pedagógico progressista como quiseram fazer crer aqueles que socialmente
desqualificaram Anísio Teixeira como emblemático da luta pela autonomia das instituições. Entretanto, achamos
interessante situar Pereira (1967), por ser uma monografia de especialização, orientada por Florestan Fernandes,
que teve a sua publicação devido a sua proposta inovadora de pesquisa, entre os anos 1958/1960, suja
notoriedade demonstra por ocasião da influência da educação moderna (tendência da escola nova – Anísio
Teixeira). Os professores resistiam devido à forte influência do tradicionalismo católico nas instituições
educacionais do Brasil, segundo podemos consultar no livro de Antonio Flávio Moreira (1995) ou na tese de
Clarice Nunes - Anísio Teixeira: a poesia da ação, a resistência de professores e do poder público de alguns
municípios e estados que formavam uma corrente social e política contra as idéias inovadoras de Anísio
Teixeira. Também há resistências dos professores e dirigentes em relação às reformas educacionais tecnicistas do
período da ditadura militar, em face da ênfase de artefatos da tecnologia educacional e do discurso produtivista
na relação educação-trabalho. Enfim, queremos enaltecer que vale a pena continuar investigando o porquê da
atual resistência dos professores e suas entidades diante da reforma educacional promulgada desde 1996, após a
instauração da atual LDB da educação nacional, documento que alavanca a entrada da educação brasileira no
ideário da noção de competências.
164
controlado pela sociedade política. A idéia do paradigma das competências seria mais uma
transposição de conceitos e práticas do mundo do trabalho flexível vinda “de fora”
148
.
Na socialização secundária, os indivíduos construíram identidades profissionais
baseadas na interdependência entre as condições objetivas e intersubjetivas que permeiam o
local de trabalho do professor e as funções delegadas pela profissão. A história das profissões
tem nos mostrado o potencial gregário da natureza humana dos indivíduos que lideram as
organizações profissionais. Em ação coletiva, tal potencial mobiliza estratégias mais
autônomas em relação às instituições tradicionais, provocando mudanças político-pedagógicas
e de habitus nos processos tradicionais de socialização. O indivíduo que pertence ao
magistério, diante das pressões externas e internas, juntamente com outros, transforma-se em
sujeito responsável pela construção de sua própria profissionalização, mesmo diante do peso
de roteiros institucionalizados em rotinas e regularidades que, cotidianamente, tendem a
naturalizar o trabalho docente. Pensamos que não há, portanto, determinismos no fato de
haver uma reforma na educação tecnológica, uma vez que este momento pode propiciar novos
eventos ou roteiros para mobilização dos professores na perspectiva de fazer valer a ação cuja
prática já vem sendo desenvolvida nas demandas subjetivas de indivíduos e grupos em ação,
driblando aquelas transpostas por meio somente das normalizações e acordos internacionais.
Estando unidos por uma causa e, ao refletirem coletivamente sobre as condições
objetivas impostas como regulação do trabalho pedagógico, os indivíduos tendem a se
fortalecer (subjetivamente) e, como sujeitos que se educam uns aos outros mediatizados pela
realidade deles (PAULO FREIRE, 1975), são seres portadores de autonomia intelectual,
didático-pedagógica, constantemente em contato com diversos saberes. Os professores podem
ser capazes de apontar caminhos para uma profissionalização mais emancipada das estruturas
burocráticas e objetivas.
A história Ocidental, de acordo com Nóvoa (1991), testemunhou a busca pela
autonomização da profissionalização docente, que se deu, por exemplo, através dos episódios
de desvinculação da trajetória profissional da esfera religiosa. Em face da organização da
sociedade capitalista e das respectivas lutas de classe na modernidade, assim como outras
categorias de trabalhadores, também os professores se organizaram em entidades civis para
protestarem contra as tentativas autoritárias de regulação da profissão pelo Estado liberal e na
atualidade neoliberal. No Brasil, pouco depois do início do século XX, vimos que um grupo
social formado por literatos, artistas plásticos, filósofos e educadores, manifestando
publicamente o seu descontentamento com a educação nacional.
O movimento da Escola Nova, motivado pelas concepções socioculturais de influência
modernista européia e americana, mas também enraizado no modernismo nacional, mobilizou
intelectuais pela defesa da educação pública, gratuita, laica, tencionando a esfera político-
institucional do Estado, em 1932, cobrou políticas públicas que garantissem a universalização
da educação de massa. O Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova ao reivindicar o Plano de
Reconstrução Educacional buscava emancipar a educação da esfera privada da Igreja católica
e de uma legislação inoperante. Munidos, sobretudo, de uma visão unificada de formação de
professores laicos sob o compromisso de políticas vindas da esfera da União, apontaram as
primeiras bases de qualificação e profissionalização docente em nível superior
149
. Essa
148
Não é de nosso interesse uma análise aprofundada sobre reordenamento produtivo e trabalho flexível. No
entanto para a contextualização sobre a questão, nos capítulos I e II fizemos considerações com o suporte teórico
de ZARIFIAN, P. Objetivo Competência. Por uma nova lógica.; RAMOS, M. N. A Pedagogia das
competências: autonomia ou adaptação? e ROPÉ, F. & TANGUY, L. Saberes e Competências: O uso de tais
noções na escola e na empresa.
149
Dayse Hora, da Faculdade de Educação da UNIRIO, por tempos na Diretoria Regional da ANFOPE, realiza
uma discussão a respeito da formação e profissionalização do magistério da educação básica e seus formadores
nos cursos de licenciatura das IFES. No trabalho Qualificação do magistério e Formação Superior (2006) a
165
posição política corrobora, na mesma década, para a criação das primeiras escolas de
formação de professores do ensino secundário e em pedagogia (São Paulo e RJ)
150
. Esse fato
sócio-político demonstra a ação coletiva de liberais e simpatizantes do socialismo na defesa
do projeto de educação nacional em bases sistêmicas e articulada aos níveis e modalidades de
ensino. Em 1959, novo Manifesto vem denunciar o descaso da União com a qualidade e a
universalização da educação pública e a formação de seus professores. A partir dos anos
1961, com a primeira LDB, devido ao artigo 59 da lei destacaria a importância da formação e
habilitação docente. Como especialistas no campo da educação, os professores tenderam a
mobilização pela organização de classe, de modo a articular interesses profissionais e
trabalhistas às políticas educacionais. Professores e intelectuais adotaram o materialismo
histórico como práxis de militância da categoria e de sustentação filosófica da docência.
Diante da ditadura dos anos 1970, atitudes profissionais politicamente engajadas
ampliaram a luta pelo pensamento emancipado na prática pedagógica de visão tecno-
burocrata. Os professores criaram as entidades civis profissionais e de classe ligadas à
educação. As entidades pretenderam lutar contra o apartheid social que diferenciava a
educação (propedêutica) de elite da educação de massa (profissionalizante), além de visarem
romper com o padrão de desenvolvimento socioeconômico que induzia os jovens da educação
técnica ao exército de reserva do mercado. Nos anos 1980, os professores já dispunham da
entidade de pesquisa em educação, ANPED, que nasceu da consolidação dos programas de
pós-graduação e pesquisas. No final da década de 1970, os professores dispunham de um
sindicato nacional, ANDES, unificado pelos professores dos colégios de aplicação, das
escolas técnicas e das IES federais e estaduais e, ainda de uma Confederação de profissionais
formadores de professores, gestada no Congresso Nacional de Educação, ocorrido em
BH/MG. Posteriormente, a confederação passou a se chamar ANFOPE. Tanto ANPED como
ANFOPE possuem concepções de formação e profissionalização pautadas nos conhecimentos
acumulados pelas experiências nos programas de pós-graduação e graduação em licenciatura.
Ambas as associações se mantêm mobilizadas pelo reconhecimento da licenciatura oferecida
em instituições universitárias como o único projeto viável de formação e habilitação
profissional de professores
151
.
A pesquisadora, membro da ANFOPE e do GT de Formação de Professores da
ANPED, Iria Brzezinski (1992) descreve num artigo publicado no periódico Em Aberto
(1993), a trajetória de mobilização e a rearticulação dos docentes após o final da década de
1970. Para o que nos interessa, ela e outros que vieram a escrever (Angela Martins/UNIRIO,
autora apresenta um levantamento histórico de base documental e bibliográfica da formação e profissionalização
de professores comparando Qualificação e Formação em Nível Superior, nos discursos diversos referentes ao
tema. Interessa-nos registrar que Dayse Hora constata algumas práticas e discursos de regulamentação
profissional que percorrem e persistem autoritários e tradicionais há séculos, mostra a descontinuidade e os
fracassos de propostas de institucionalização da profissão do magistério em bases de uma formação de nível
superior, como a da primeira Escola de Educação da Universidade do Distrito Federal (UDF) durante a década
de 1930, que não foi a diante conforme os Planos de Implantação;
150
Essa informação nos foi inicialmente dada ainda na minha adolescência pela a minha avó, que em 1927 ainda
cursou a Escola Normal anexada ao Liceu em Teresina/PI, logo depois indo lecionar no interior do PI. Como
minha avó faleceu não temos muita certeza sobre essa nossa afirmação afetivamente guardada na memória. Mas
vimos na literatura que a institucionalização da Escola Normal, em nível secundário, realmente deu-se
inicialmente nos Liceus em 1834, quer dizer mais ou menos cem anos antes do Manifesto. Os Liceus
essencialmente masculinos preparavam para os estudos universitários, portanto tinham caráter propedêutico,
contudo passaram a abrigar as Escolas Normais até o início da década de 1930. Diante de outras leituras que já
fizemos sobre o assunto, apostamos na informação que o Manifesto deu a sua colaboração.
151
Cláudia Vianna (2003) nos oferta um estudo sobre as perspectivas de profissionalização docente pautadas na
construção de identidades vinculadas às ações coletivas da categoria, destacando as literaturas e documentos que
revelam duas tendências no percurso da profissionalização, assim por ela classificadas: o
otimismo (anos 1980) e o
esgotamento (idéia de crise política, social e sindical a partir dos anos 1990).
166
Deise Hora/UNIRIO, Lucília de Paula/UFRRJ, Bertha Borja/UERJ, Nilda Alves/UFF,
algumas ex-diretoras) sobre a ANFOPE, essas estão baseadas nas discussões dos Fóruns que
desde 1970 até o momento, vêm comungando da concepção de educador que se evidencia na
docência como base da identidade profissional. No curso da mobilização e consolidação das
entidades, anualmente, as mesmas organizam encontros, reuniões, fóruns em todos os estados.
Quando a ANFOPE não consegue organizar um evento nacional, pelo menos, a mesma utiliza
os espaços de reunião anual da ANPED. Entretanto, a união das entidades dá-se na
perspectiva de fortalecimento da academia e da categoria, pois cada uma delas carrega seus
objetivos e suas finalidades político-pedagógicas e de militância. Contudo, fazemos uma
ressalva. Em termos de ação coletiva as duas entidades estão em dívida quanto às discussões
sobre a formação de professores na educação tecnológica e profissional. As propostas de
formação de professores pelos Programas Especiais (Resolução nº 2/1997) avançam dentro do
governo, que estende aos CEFET’s e aos Colégios/Escolas Técnicas em parceria com
CEFET’s e IES, o direito a formação e especialização docente. (Decretos Federais nº
2406/1997, nº 3462/2000).
No capítulo anterior a esse, recorremos aos pensamentos, crenças e visões, estilos de
vida, conceitos sobre a profissão etc. para mostrar como os professores do Centro de Federal
de Educação profissional Agrícola/MG, têm ressignificado às experiências individuais e
coletivas de profissionalização docente. Acreditamos que a melhor forma que tivemos de
coletar dados para responder a questão das configurações identitárias seja através das
percepções, saberes, valores, foi verificando as respostas dos docentes, isto é, no ideário,
pensamentos que norteiam a prática do trabalho que eles exercem no CEFET e que nos foram
relatados. São aquelas visões que orientam e dão sentido à prática cotidiana escolar, no
exercício da docência, é por meio do trabalho que eles e elas se definem professores e fazem
opções político-pedagógicas, culturais e tecnológicas.
Gimeno Sacristán num livro organizado por Antonio Nóvoa (1995)
152
se reporta à
profissionalidade docente na esfera de socialização onde os esquemas e repertórios são
originados na prática. Segundo Sacristán (1995)
“uma correcta compreensão do profissionalismo docente implica
relacioná-lo com todos os contextos que definem a prática
educativa (...) a competência docente não é uma técnica composta
por uma série de destrezas baseadas em conhecimentos concretos
ou na experiência, nem uma simples descoberta pessoal. O
professor não é um técnico nem um improvisador, mas sim um
profissional que pode utilizar o seu conhecimento e a sua
experiência para se desenvolver em contextos pedagógicos práticos
preexistentes (...) em educação, não existe um saber-fazer
desligado de implicações de valor, de conseqüências sociais, de
pressupostos sobre o funcionamento dos seres humanos,
individualmente ou em grupo, de opções epistemológicas acerca do
conhecimento que se transmite. A prática transmite a teoria que
fundamenta os pressupostos da acção (...) o facto de as práticas
pedagógicas terem implicações noutros contextos torna essa
análise ainda mais necessária e obriga a ampliar o leque de
conhecimentos necessários para estudar a práxis educativa (p.74-
80).
152
Ambos são muito utilizados pela categoria de pesquisadores da área de educação participantes da ANPED e
ANFOPE.
167
Nessa perspectiva, pareceu-nos plausível apreender as identidades profissionais nas
interfaces entre indivíduo, docência e cotidiano escolar a partir dos relatos, descrições e
classificações dos professores do Centro Federal de Educação Profissional Agrícola/MG. Na
ótica de nossos entrevistados, eles compactuam com Sacritán. O cotidiano escolar constitui o
espaço-tempo de onde podem emergir concepções e práticas que o professor transforma em
saberes que apóiam o sentimento/estado de ser ou estar profissional-docente. Muitos autores
têm escrito a respeito do magistério como construção cotidiana, de múltiplas e interconectadas
faces e determinações. O professor expressa pensamentos e ações, pouco identificados na
militância da entidade ou no aporte da noção de competência. A prática profissional é uma
experiência ímpar que abriga aspirações individuais (pessoais) e coletivas em que
compromissos, conhecimentos, valores, expectativas e rupturas se sintetizam e se reelaboram
para formarem novas práticas e saberes. Nesse sentido a reflexividade como campo subjetivo
e cognitivo do professor torna-se pré-requisito para a práxis que não se cansa de refletir-agir-
refletir.
Por meio desse argumento freiriano, podemos visualizar o indivíduo-professor, o
sujeito-professor, um sujeito portador de uma profissionalização construída na relação de
individuação com o mundo sócio-institucional, uma relação de contradições, de adaptações às
instâncias e aos planos de socialização prescritos desde a chegada do indivíduo ao mundo
institucional. A profissionalização pode ser o resultado da permanente negociação e confronto
com esferas de socialização, papéis sociais, identidades herdadas, desejadas e prometidas,
fontes identitárias de diferentes expectativas em relação ao real e ideal docente que habita o
imaginário de um indivíduo-professor.
Queremos dizer, então, que a profissionalização do professor na contemporaneidade,
diante das reformas estruturais, tecnológicas, de trabalho e educacionais em curso, está ainda
mais sujeita a se configurar pelos elos de sociabilidade que se dão em diversos ambientes,
condições de trabalho, de articulação entre as esferas macro e micro contextos socioculturais
de referência dos professores, de práticas diferenciadas no e pelo cotidiano escolar e local. O
professor não é mais aquele que trabalha planejando o processo de ensino em si, para si e para
o mundo que supõe ser a realidade social desejada por ele. Muito desse entendimento reside
no fato de estar em sociedade, significa estar diante de inúmeras tensões socioculturais e
políticas em permanente estado de conflito e desordem, conforme expõe Edgar Morin. Essas
tensões cada vez mais alargam e intensificam as novas funções socioculturais das instituições
educativas, a exemplo da participação do professor em diferentes frentes de diversos espaços
educacionais e culturais, onde atores sociais e indivíduos se encontram para propor diferentes
concepções de socialização/profissionalização com o intuito de desconstruir a ordem
instituída.
Conforme constatado em estudos anteriores (OLIVEIRA, 1998; SOARES, 2003), na
maioria das Escolas Federais Agrotécnicas e CEFET’s agrícolas, estão em exercício
profissional (magistério) alguns professores que não passaram por uma licenciatura plena, e
que, portanto, assumiram a docência desprezando a trajetória inicial que supomos qualificar e
definir a habilitação num determinado campo profissional-acadêmico. Amparando-nos em
tais estudos, ainda podemos supor que tais professores construíram o significado da prática
docente muito identificado às demandas típicas da racionalidade instrumental. Sabemos que a
maioria das escolas, com o objetivo de “ajeitar” a situação ilegal dos bacharéis
(s/licenciaturas), busca matricular os professores sem licença profissional (lembramos que a
Licenciatura é uma licença, ver Parecer n
0
28/2001 CNE)
em cursos “aligeirados”, conhecidos
168
como cursos de complementação pedagógica nas faculdades privadas, com o aval do próprio
MEC
153
.
De certo, esse fato explicita um dos problemas da complexa teia de valores sociais,
técnicos e políticos, tecida por indivíduos, atores e pelas instituições da educação tecnológica
agrícola, por nós pesquisados no CEFET. O motivo de nos referirmos ao problema é a
detecção de uma contradição. Se a profissionalização do professor, tanto nos textos de
regulação como nos discursos das entidades, exige uma formação inicial de nível superior de
modo que o indivíduo ingressasse na profissão portando um leque de saberes e
“competências” que o faz detentor dos meios de produção intelectual e do conhecimento, não
seria uma forma despolitizada do mundo oficial de contratar profissionais especialistas apenas
com conhecimento tecnológico sobre a produção agrícola? Na atualidade as entidades
sindicais e de pesquisa ligadas à educação superior aceitam que os CEFET’s ofereçam a
formação de professores em nível de graduação via complementação pedagógica, sendo que
essa mesma prática no período da reforma universitária e da Lei nº 5692/71 provocou uma
série de documentos contra a formação, ou mesmo há pouco tempo houve reações inúmeras
contra o esquema 3+1 ainda em processo.
As questões de análise, levantadas nessa tese, requereram respostas mais amplas,
inacabadas ainda. Supomos que para uma identificação sócio-profissional adequada às
transformações em processo no mundo do trabalho docente, os indivíduos que formam um
grupo profissional tendem a buscar significados nas referências de qualidade pessoal
(estruturas cognitivas, pertencimentos, gostos, por exemplo) e coletiva (classe) para poderem
fixar as linhas de sua atuação. Tanto é assim que os professores da educação profissional,
embora, bastante identificados com os saberes da experiência profissional agrícola, mostraram
carregar representações profissionais muito semelhantes aos da educação básica de uma rede
municipal ou estadual, formados numa licenciatura plena. Ou mesmo semelhantes em termos
de posição/estilo de vida demonstrado nas análises de Bourdieu (1997). A Licenciatura seja
na forma da complementação pedagógica ou regular parece ser o caminho inicial (comum) de
profissionalização. O professor se identifica com o outro da educação básica, conforme o
processo de constituição identitária. Ele se vê atuando nas Unidades de Produção ou nos
Laboratórios de Sementes ou de Citologia, visivelmente se identificando com o educador, o
outro que se preocupa com o seu trabalho pedagógico multidimensionado na realidade social.
Se for moda ou não, na verdade, pelas falas dos professores entrevistados percebe-se que
todos valorizam a ação docente de educador engajado na dimensão pública da educação e
qualificado cientificamente.
153
Por ter a UFRRJ vários cursos de licenciatura e em especial um de formação de professores para o ensino
agrícola, no passado, por inúmeras vezes foi solicitado pela extinta COAGRI (década de 1970/87) e a SESG
(1987-1989), ambas as instâncias eram do MEC, que a UFRRJ/IE oferecesse cursos de complementação
pedagógica aos professores contratados sem licenciatura. Além da ausência de licenciatura, as identidades
docentes por estarem vinculadas aos valores e normas sociotécnicas do produtivismo requeriam um professor
das agrotécnicas (ainda não eram autarquias) que dominasse o conteúdo muito especializado nas ciências
agrárias, mas também um professor que conhecesse a didática e os métodos de ensino. Um especialista que
soubesse transmitir a informação técnica. Assim se fez necessário dar a complementação pedagógica, pois
muitas vezes o indivíduo era contratado sem licenciatura e sem bacharelado, apenas eram técnicos agrícolas de
nível médio. Ao ser selecionado (por concurso de provas, mas, sem prova de título) o MEC autorizava a
efetivação, exigindo à direção da agrotécnica que providenciasse a formação em nível superior. Daí, além da
complementação pedagógica a exigência recaía na formação “aligeirada” de nível superior, através da
Licenciatura Curta ou muito pior de uma Licenciatura Plena em um ano. Oliveira (1998) situou o problema,
ressaltando que naquela época havia na própria lei que regulamentava a profissão do Técnico Agrícola certa
abertura para que esse profissional de formação prática exercesse a docência.
169
A respeito de uma visão de docência mais emancipada das estruturas de privilégios e
poder e dos governos, podemos exemplificar no passado recente, início da década de 1990,
quando a proposta do construtivismo como paradigma de ensino-aprendizagem não vingou.
Muitos professores diziam nos cursos de capacitação promovidos pelos governos em parceria
com as universidades “isso é que é construtivismo? Ah!! Mas se for isso!! Há muito tempo eu
sou construtivista!” A profissionalização do professor constitui, portanto, a forte componente
de pessoal que engloba fatores de formação inicial em interdependência com os de
expectativas existenciais/afetivas resultantes das múltiplas interações cotidianas de um sujeito
profissional ou ordinário.
A reflexividade, portanto, constitui um importante conceito para compreender o
trabalho do professor em permanente estado de resignificação de seu saberfazer específico (a
docência). Um bacharel contratado para ser professor pelo fato de ser bem sucedido no
mercado de trabalho da área de produção agrícola teria o mesmo nível de
compreensão/reflexividade sobre a sua docência ou o seu saber-fazer tal como aquele que
cursou uma licenciatura regular e problematizou profundamente por quatro anos a ciência e o
cotidiano da educação? Obviamente não, a não ser que seja autodidata. As respostas que
tivemos dos 56% preocupados em formar para a cidadania, revelam identidades construídas
na razão humanista e ambientalista.
Neste sentido Arroyo (2000) nos ensina dialogando com Paulo Freire a olhar e sentir a
docência pelo veio flagrante do humanismo. De acordo com ele
“Paulo Freire foi e é uma imagem forte para os mestres mas,
também, estes foram uma referência para ele. Esses encontros
revelam essas sintonias e identidades mútuas. Escrever a história
da educação brasileira, latino-americana ou da educação popular
sem lembrar de Paulo seria uma injusta lacuna. Olhar a imagem do
magistério reconstruída nas últimas décadas sem ver e captar a
imagem do Paulo Mestre seria um injusto esquecimento (...) Como
professores (as) aprendemos a voltar nosso olhar para os milhares
de crianças, adolescentes e jovens-adultos que com tantas
renúncias freqüentaram nossas aulas diurnas e noturnas (...) a
repetida vinculação entre escolarização-progresso faz parte de um
discurso repetitivo, cansativo, de uma ideologia que usa a escola
como caminho certo para o futuro (...) uma ideologia das elites que
sempre utilizaram o discurso da educação como garantia de futuro
para justificar a sua riqueza (...) o que não dá para entender é que
nós professores e professoras da educação básica pública e privada,
tenhamos introjetado essa ideologia (...) lutar pelo humanização,
fazer-nos humano é a grande e atual tarefa da humanidade. Este é o
sentido do fazer educativo na docência (PP.239-241).
Essa é uma tese que ampara as identidades docentes na concepção da humana
docência (os educadores). Para Arroyo as preocupações dos professores com a
profissionalização docente remetem às necessidades do magistério de uma permanente
busca pelas identidades. Para ele o discurso de profissionalização é um sonho ambíguo.
Arroyo diz que o discurso não combina com as nossas práticas, por muitas vezes com os
nossos ofícios de mestres, do tipo mestre Paulo Freire, educador engajado. Nesse contexto
ele situa o discurso da competência que parece perseguir a constituição de nossa imagem
pública. Segundo Arroyo,
“profissionalismo do lado da categoria pode significar o
reconhecimento e a valorização. Do lado social, pode significar a
justificativa para adiar esse reconhecimento (...) o discurso da
170
incompetência-competência não tem servido de justificativa, mais
aparente do que o real, para adiar esse reconhecimento. Não penso
que os profissionais da educação básica sejam menos competentes
do que outros profissionais de áreas próximas. A qualificação
aumentou consideravelmente nas últimas décadas não obstante o
estatuto profissional da categoria continua indefinido, ainda imerso
em uma imagem social difusa (...) quem somos? Dominando
competências mudaremos a imagem? Mas como se constrói o
reconhecimento social de uma profissão? Repito, seria um bom
ponto de partida: somos a imagem social que foi construída sobre o
ofício de mestre, sobre as formas diversas de exercer esse ofício.
Sabemos pouco sobre nossa história. Nem os cursos normais, de
licenciatura e pedagogia nos contaram quanto formos e quanto não
fomos. O que somos. A imagem social de professor não é única. O
campo da educação não tem fronteiras socioculturais e políticas
bem definidas e além do mais é muito diversificado. (pp.228-29).
Brzezinski (1998), amparada na sociologia das profissões, questiona a falta de
políticas públicas para ampliar os espaços de formação e de profissionalização do magistério
em pleno século XXI. Seria essa ausência um fator para forjar a contratação de profissionais
liberais? zootecnista, agrônomo, médico, arquitetos, entre outros, atualmente desempregados,
estão sendo contratados segundo o atual modelo de cefetização? Como questiona Arroyo,
quem somos nós professores? Temos a convicção que não encontraremos respostas fora de
nossas identidades sociais. Assim como temos convicção que não temos respostas fora do
ambiente de crises que experimentamos. Temos convicção também que os profissionais-
bacharéis, de “pinceladas pedagógicas” no itinerário de profissionalização inicial nos cursos
de complementação recorrem à reflexividade sobre a prática profissional de químico, físico,
engenheiro de mercado no setor de produção, de modo à ressignificarem a docência. Esses
bacharéis buscariam no magistério uma situação provisória de emprego? Pode ser. Seriam
eles autodidatas? Pode ser. O órgão de regulamentação tem sido também de
desregulamentação? Pode ser. Entretanto, o que não podemos admitir é que o espaço para
abrigar a defesa racional e burocrática de apoio institucional da docência, desprofissionalize,
desqualifique publicamente a profissão docente. Para tanto, os professores se mantêm em
ação coletiva pressionando o debate nacional, de forma que o Estado apóie as política e
programas de formação dos professores da educação profissional. Para responder as
perguntas, a professora Prates (2005) diz acreditar que os cursos aligeirados de programas
especiais podem formar 300 professores de uma vez, tal como o Ministro Paulo Renato
afirmou em 1997/98. O perigo de tal correria é a promoção de cursos que de fato sejam de
“pinceladas pedagógicas”, de finais de semana, descontextualizados da profissão, ou que se
promovam programas de profissionalização como Dermeval Saviane alerta, aqueles do tipo
“oficinas”, sem motivar o professor a construir reflexividade e crítica sobre a sua própria
prática.
Brzezinski (1998, p.39) acredita que o professor sem formação inicial numa
licenciatura plena carece de identidades indagadoras (reflexivas) que comumente derivam de
dilemas e aspirações gestados nos primeiros contatos do indivíduo com a profissão e da
confrontação desses dilemas com os conhecimentos e valores incorporados na formação
acadêmica inicial. Essas identidades são elaboradas a partir de valores e percepções
engendradas, ainda, no processo de formação acadêmica inicial, na universidade. Brzezinski
enfatiza que a docência semiprofissionalizada configura-se a partir de um reducionismo de
dimensão instrumental e do esvaziamento de sua dimensão crítica, uma vez que os indivíduos
171
que não participaram de um processo anterior de formação profissional estão envolvidos
apenas numa visão de sua própria experiência de socialização estudantil ou mesmo das
representações coletivas sobre a figura do professor de uma escola técnica-profissionalizante.
Nesse caso, o indivíduo pouco contribui com a sua profissionalização e com a própria
categoria pela valorização do profissional docente. Sabemos que uma percepção fruto da
semiprofissionalização persiste ainda hoje no imaginário social, a exemplo da representação
da profissão reificada em imagens sacralizadas ou demonizadas da docência.
Enfatizar determinadas imagens ou figurações de professor é ratificar uma
racionalidade sacerdotal ou instrumental que esteve muito presente na origem da
profissionalização docente da educação técnica, do seminário, do engenheiro-educador, do
médico-educador, do início da profissão que surge no Brasil com a Ratio Studiorum dos
jesuítas até neste século XXI, nas casas de órfãos desvalidos. Na época moderna a
racionalidade instrumental impera respaldada na idéia de realização do progresso pela
higienização das arcaicas instituições sociais e pela mecanização da estrutura produtiva
(Paulino, 2004). Desde a expansão do ensino técnico agrícola até os anos 1980,
predominantemente, a visão tecnicista das diversas medidas reformadoras, instauradas no
Brasil desenvolvimentista, fortaleceu para a educação tecnológica a idéia do professor como o
profissional do mercado de trabalho enraizado em práticas e discursos dos setores
hegemônicos da produção agrícola do tipo moderna. Essa visão é ainda predominante, como
verificamos nas respostas de 44% dos professores que acreditam ser o papel de um CEFET,
apenas formar para o mercado.
A problemática sobre o professor do ensino tecnológico agrícola, exposta até o
momento, está ancorada numa crise identitária de uma docência que persiste em permanecer e
de outra que persiste em caminhar rumo as novas estruturas e contextos. Uma ou mais de uma
concepção tradicionalista pode ainda estar se alicerçando na idéia de um projeto de educação
tecnológica articulado às instituições tradicionais do campo, favoráveis à exclusão de
processos produtivos do tipo agricultura familiar e sustentável. Será que tais concepções
tradicionalistas ainda estariam ancoradas na compreensão hegemônica de empresa agrícola?
Pareceu-nos que essa compreensão está ainda institucionalizada na docência como sendo
aquela que apenas precisa dominar a técnica referente ao setor de produção para o qual o
aluno será formado. Essa impressão está sincronizado à relação escola-mercado-ocupação
cuja profissionalização docente apresenta-se pela noção de competências, detectada nos 44%
dos respondentes que disseram ser o papel da docência e de uma instituição de educação
profissional formar para o mercado, somente. Mas, não desconsideramos que apesar dos 44%,
temos 56% que se posicionam enfaticamente pelo papel de formadores de posições, atitudes
críticas sobre a realidade sociocultural onde o técnico formado por eles, se defrontará e atuará
em meio à diversidade de toda ordem, mediados pela “desordem” tecnológica e ambiental.
4.2 A Socialização: enlaces do espaço/tempo de contradições e ambigüidades nas
trajetórias profissionais.
Nesta tese referimo-nos à profissionalização como uma das dimensões da socialização de
um indivíduo
154
. Qualquer indivíduo que exerça uma profissão tem a sua profissionalização
marcada pela formação inicial recebida na universidade e pelo desenvolvimento da carreira
(a trajetória). Isso significa dizer que estamos nos referenciando nas experiências vividas
pelo indivíduo que se consolidaram nas estruturas de regulamentação ocupacional, acadêmica,
de classe, que outorgaram a licença para o exercício profissional. Essa licença habilita o
indivíduo ao exercício de papéis sociais de tipo especializado. Como já dito num momento
154
Ver Claude Dubar (1997).
172
anterior, contudo, no caso brasileiro, a formação e a licença não se esgotam como parâmetros
para homogeneizar a profissionalização e validar uma carreira do professor da educação
tecnológica num CEFET agrícola ou numa Agrotécnica.
Soares e Moreira (1993), Oliveira (1998), Soares (2003) constataram em trabalhos de
pesquisa e ensino que os engenheiros agrônomos, veterinários e zootecnistas, sobretudo, das
instituições federais foram os profissionais que mais representaram as necessidades
produtivas e operacionais do modelo pedagógico adotado pelas agrotécnicas - o Sistema
Escola-Fazenda. Esse modelo de formação está implicado conforme abordamos numa
concepção profunda e tecnicamente mediada na relação entre educação e trabalho agrícola.
Conseqüentemente, abrem-se caminhos para uma configuração dos processos identitários
sócio-profissionais no mundo agrário, alavancados nas representações sociais e produtivas
desse mundo rural. Ao ser extinta a COAGRI na década de 1980, as agrotécnicas ficaram
“órfãos” de um projeto articulado com uma única via de produção agrícola e estrutura
fundiária, às dos complexos agroalimentares e da grande propriedade
155
.
Algumas das Fazendas-Modelo que abrigaram os Patronatos e Aprendizados Agrícolas
(Asilos de crianças e jovens “desvalidos”) a partir de 1910 até 1946, passaram a ser
denominados Sistema Escola-Fazenda, após, o final da década de 1960 para a formação
profissionalizante de ensino médio/técnico agrícola (OLIVEIRA, 1998; SOARES, 2003).
Essa visão e estrutura de formação profissional têm motivado teses e dissertações, desde
1980, em alguns programas de pós-graduação no Brasil. Poderíamos citar alguns desses
estudos, mas nos limitamos nesse momento do trabalho a citar somente um. Peter Fischer
(1988), Ensino ou produção: dilema das escolas agrotécnicas, traduz a proposta de formação
profissional conforme se pretendia, conceitual e politicamente, pela COAGRI/MEC. Tal
instituição preconizava o Sistema Escola-Fazenda como ideal devido ao forte apelo dos
acordos internacionais para a modernização via tecnificação dos setores de produção agrícola.
A partir de Fischer podemos deduzir que havia no discurso oficial da COAGRI/MEC algumas
misturas de idéias contraditoriamente colocadas, se levarmos em consideração o produtivismo
propalado no período do industrialismo
156
.
A idéia do Ginásio Orientado para o Trabalho – GOT foi concebida por Anísio Teixeira.
O GOT, tendo forte influência pedagógica de John Dewey, mestre de Anísio Teixeira e
defensor da escola democrática e ativa (“aprender fazendo”) esteve na base de criação das
Escolas Fazendas, como local de formação de cidadãos úteis para o desafio da
industrialização democrática. Tal como a idéia de formação do técnico agrícola aos moldes
dos farmers, agricultores americanos familiares subsidiados pelo governo na época do auge da
Revolução Verde, esteve influenciando os agrônomos à frente do ensino agrícola, de modo
que as Agrotécnicas na década de 1970 já no Ministério de Educação idealizaram os “agentes
de produção”. Esse modelo mostrava-se equivocado para a realidade brasileira, que vivia a
ditadura. Nos Estados Unidos de Dewey e dos farmers, a modernização dos setores de
produção agrícola se deu por políticas sociais de desenvolvimento balizadas no ideário
liberal-democrático do Welfare State. Dessa forma, de Brasília/DF a COAGRI imprimia-se
nas agrotécnicas federais ditando um processo de ensino-aprendizagem que trazia as
representações de produção e ensino agropecuário nos moldes do ideário político e econômico
desenvolvimentista de segurança nacional propalado no período do “milagre brasileiro” da
155
Ver Feitosa (2006) para uma análise de viés mais estruturalista.
156
Jesus (1996) caracteriza a Agricultura Industrial – agroquímica e manipulada geneticamente (em oposição às
abordagens da Agricultura Alternativa) – numa perspectiva crítica de análise. Para ele “o paradigma científico
agrícola dominante tem suas origens ligadas à da ciência como método (Descartes, Bacon, Newton e Galileo,
entre outros) e deve muito também ao positivismo de Comte (...) a superespecialização em pequenas áreas do
conhecimento, as quais raramente se comunicam, faz parte dessa abordagem” (p.15)
173
ditadura. Como um modelo implantado pela “revolução passiva” poderia ser exitoso, ainda
mais voltado para o campo.
Esse fato conservara o ideal de um tipo profissional ligado ao bacharel engenheiro
agrônomo desde as primeiras iniciativas de modernização do campo, um tipo-ideal
emblemático para o progresso técnico
157
propalado pelo ideário produtivista, associado à
expansão do ensino agrícola médio/técnico e à matriz da cefetização que, na atualidade,
persiste sob outras configurações sociopolíticas.
Pelo o que foi investigado até o momento, ainda persiste no sistema perito
MEC/SEMTEC/SETEC a idéia do professor que deve adquirir conhecimentos técnico-
científicos e, de forma simplificada e mecânica, deve transferi-los aos alunos. São muitos os
problemas que se interconectam ao processo de desenvolvimento profissional na educação
tecnológica agrícola. Perseveramos no estudo da socialização e das identidades sócio-
profissionais, porém, munidos da idéia do professor como indivíduo singular e genérico, em
permanente reflexividade com relação ao seu trabalho docente, porque, conforme já dissemos,
na contemporaneidade a profissionalização engloba múltiplas interações cotidianas,
orientando o professor a uma crítica sobre o seu saber-fazer específico, de modo a sentir-se
identificado (ou diferente) com grupos sociais e/ou instituições que, direta ou indiretamente,
sofrem os efeitos de sua prática.
Nesse contexto, a socialização secundária apresenta uma multiplicidade de modelos de
profissionalização, integrando as instituições formadoras, de trabalho, das entidades sociais e
profissionais e de pesquisa da área do conhecimento em ciências humanas e sociais. Dessa
forma, a socialização configura um campo social (instituições e entidades) de disputa política
e cultural pela conformação de um habitus docente. Considerando que a incorporação de um
habitus (disposições sociais no indivíduo) compreende interações entre as estruturas de
objetivação às de subjetivação, pode-se dizer que ambas atuam no indivíduo de modo a
conformar um perfil de profissional ajustado, em pensamento e ação, aos grupos de
pertença
158
que disputam à profissionalização e á sua própria posição no espaço social.
A partir dessa perspectiva, a profissionalização do professor, sob a pressão da
regulação, pode tender a manter identidades mais estáveis nas instâncias tradicionais do
campo sócio-profissional valendo-se da representação político-científica definida, há muito,
num sistema perito que expressa ao professor certeza e confiabilidade. Esse sistema perito
159
tem o MEC como representação pública; no passado, contudo, o Ministério da Agricultura
assumiu tal papel. Todavia, algumas questões permanecem em aberto: quem está na
representação (na realidade) do sistema perito (MEC/SEMTEC/SETEC) desde os anos 1990,
quem está à frente da organização das medidas da reforma e, mais atualmente, da proposta do
sistema de certificação? A instância que constitui o sistema perito (instituições normativas
com corpo de especialistas) da educação superior e da educação profissional brasileira?
157
Sobre esse tipo ideal concebido no período de organização de modernas estruturas de produção agrícola
vinculado aos ditames de um mundo de produção capitalista, podemos utilizar o volume II do livro de Max
Weber – Economia e Sociedade, bem como Jessé de Souza – A Modernização Seletiva: uma reinterpretação do
dilema brasileiro, além dos autores já referenciados.
158
Tais referências estão de acordo com BOURDIEU, 1998 e NOGUEIRA, M.A.; NOGUEIRA, C. M. M., 2004.
Dentre inúmeros trabalhos que se destacam sobre as teorias de campo e habitus de Bourdieu, elegemos ainda
SETTON (2002).
159
Para Giddens, A. Modernidade e Identidade Pessoal, um sistema perito se identifica por se traduzir num
conjunto de práticas e saberes consolidados em áreas/campos de especialização/certificação que pode ser, no
nosso entendimento, vinculado à estrutura de sistema científico e profissional. No fundo este conceito traduz a
importância e confiança público-institucional depositada num determinado campo político-científico, que é
capaz de legitimar/certificar e estabelecer normas.
174
Podemos entender o sistema perito de Giddens conforme um campo político-acadêmico
(Bourdieu) ou uma comunidade científica (os especialistas conforme Khun)? Houve nessa
instância instituições que se interconectaram de alguma forma às entidades de pesquisa que
disputam o projeto de profissionalização no campo sociocultural e a construção de identidades
com o intuito da emancipação profissional.
4.2.1. Socialização Docente um tema recorrente à pedagogia e sociologia.
Há de ser registrada às contradições de pensamentos e ações nos professores
pesquisados, assim como há no interior tanto do MEC/SETEC quanto no CEFET, quanto das
entidades, das universidades que deixaria em evidência o enredamento da docência sob
diversos propósitos que a profissão na contemporaneidade vem apresentando. Isto posto, essa
contradição é fruto das identidades ambíguas e heterogêneas cuja idéia fortalece a
configuração de identidades profissionais docentes sob múltiplas determinações. Será que
podemos falar de uma total emancipação? Obviamente que não. Podemos dizer que os
professores da educação profissional agrícola aos poucos deixam as suas identidades e
diferenças de formação e profissionalização outside para se constituírem nas identidades
docentes de fronteira, sob a perspectiva do indivíduo-docente perante aos múltiplos contextos
socioculturais ou comunitários do campo. Os movimentos internos na escola propiciam uma
profissionalização estreitada nas subjetividades que se renovam diante de novas
institucionalizações e de movimentos instituintes em prol de uma educação centrada nas
diferentes concepções do rural.
Na literatura, o tema do processo de construção de identidades profissionais docentes
na educação agrícola permanece pouco trabalhado. São raras as referências direcionadas à
especificidade e generalidades das identidades profissionais do magistério no cotidiano das
escolas agrotécnicas federais ou da educação profissional agrícola. Mas há uma vasta
literatura sobre a socialização e as identidades profissionais docentes associadas à ação
coletiva da categoria, políticas públicas, bem como à profissionalização na educação básica.
Destacamos a seguir os autores e seus respectivos enfoques e abordagens.
No cotidiano escolar, alguns fatos não são mais invisíveis, a exemplo dos episódios de
violência escolar, que têm exigido de nós educadores conhecimentos e novos valores, práticas
pela via do multiculturalismo ou da cultura popular, para que adequamos os currículos aos
diversos movimentos sociais. Tanto Stuart Hall como Tadeu Silva (2000), muito citados nas
publicações da ANPED dirigidas aos Estudos Culturais, em suas respectivas teses ambos
exploram as formas sociopolíticas decorrentes do movimento de descontinuidades e rupturas
nas instituições tradicionais da modernidade, instauradoras de “crises” nas identidades
cultural-nacionais que exigem de nós resignificações (discursos e práticas) sobre o cotidiano
escolar de formação profissionalizante ou de educação básica. A questão do outro, do
discurso da diferença e do colonialismo, entre tantos conceitos e metáforas, adensam as
representações sociais que mobilizam os intelectuais da sociologia e antropologia na
expectativa de ampliar as análises do campo da diversidade cultural.
Sobre as identidades profissionais enraizadas, buscamos o apoio na literatura que
remonta à origem da atividade de professor num momento de organização burocrática das
profissões, quando o pensamento científico e técnico voltava-se a um tipo-ideal na educação
profissionalizante. Entre os trabalhos já comentados no início desse capítulo, cabe ressaltar
novamente o de André Luiz Paulino (2004) e Eli Lima (2002). Apesar das diferentes
finalidades do objeto estudado pelos autores, ambas as análises se reportam à história das
idéias situando um sistema de representações, em discursos e práticas nacionalistas, que
viriam a formalizar na República Velha um conjunto de técnicas científicas provenientes dos
175
engenheiros e médicos à frente de instituições sociais a serviço do progresso, cuja tônica
maior recaía na modernização das estruturas arcaicas no sentido de alavancar a nação
brasileira à soberania.
Vislumbrando uma ordem profissional a ser instituída no âmbito dos aparelhos de
Estado, as profissões de engenheiro e médico corroboraram não só com o progresso técnico e
científico, mas também com um arcabouço de idéias sobre a formação de profissionais livres
e qualificados. Segundo Paulino:
“Nesse discurso as idéias de habilitação, saber científico e
capacidade determinaram os espaços nos quais o credenciamento
escolar adquiria sua legitimidade em outras áreas do saber, de
organizar uma sociedade administrada por peritos cuja realização
dependia, segundo seus ideólogos, tanto do ensino primário
obrigatório quanto de um programa de formação profissional capaz
de criar um estrato social educado para ser ‘um elemento de
progresso técnico nas oficinas e nas indústrias nacionais’. Dessa
perspectiva, a educação deixaria de receber somente engenheiros-
professores para abrigar engenheiros-educadores, isto é,
profissionais não só comprometidos com o ensino, mas, sobretudo
portadores de um conjunto de idéias a respeito da educação que não
só penetrariam os quadros da administração escolar como editariam
obras...”
(p.03)
Conforme destacamos em capítulo anterior, as contribuições de Anísio Teixeira, e
Sergio Miceli se fazem presentes na explicação daquilo que estava oculto no terreno
movediço das representações de progresso e cultura, onde os intelectuais, à frente das
instituições educacionais da República Velha, do Estado Novo traçavam planos de
reconstrução nacional ditadas pelas elites. Esta é uma passagem da história social que remonta
às concepções identitárias docentes, sujeitas à profissionalização sob os auspícios do Estado
mediante pressões de grupos sociais e políticos. No caso em questão Nascimento (2004)
retrata a memória de um Patronato e Aprendizado Agrícola perspectivando disciplinamento e
adestramento de jovens para o trabalho precoce.
O estudo de caso de Pereira (1976) ratifica o de Arroyo (1999), pois ambos
demonstram que nem tudo que consta na lei é executado pelos professores nos seus planos de
aula e entre as quatro paredes de uma sala de aula ou de uma administração escolar, o trabalho
docente não tem a sua base na economia. Pereira, amparado nos conceitos de racionalidade
burocrática de tendência weberiana, situa as contradições entre os programas curriculares
elaborados pelos professores e o projeto educativo perspectivado na legislação educacional
aprovada na Secretaria de Estado de Educação. Esta forma de agir dos professores e dirigentes
demonstra a autonomia do grupo profissional diante da equivocada racionalidade burocrática
moderna via ditames transpostos e gestados por outros sujeitos externos à realidade escolar. O
trabalho de Pereira vem corroborar as ações e pensamentos de autonomia que na atualidade
demonstram ter as entidades dos professores em relação às regulamentações e controles
governamentais. Ao buscarmos entender a profissionalização dos professores do ensino
técnico agrícola seria por demais pobre chegarmos à compreensão que as ambigüidades se
deram por culpa dos engenheiros e veterinários precursores da educação profissional. Na
verdade, a nossa temática e hipótese nos ajudaram a compreender que os professores
participam dos processos sociais que têm transformado as EAF’s e CEFET’s em espaços
formativos democráticos, construídos pelas identidades dilemáticas formadas na dialética do
mundo rural.
176
Guarnieri e Giovanni (2000) enxergam a docência como núcleo da profissionalização,
cuja relevância está associada à possibilidade de o professor aprender a ensinar e se formar
professor na própria prática pedagógica. Segundo as autoras, o professor é o protagonista da
sua trajetória profissional, do agir pedagógico, apesar das estruturas objetivas e burocráticas
agindo sobre a subjetividade e os valores individuais. Para ambas as autoras, o trabalho do
professor aprofunda a interdependência entre as condições objetivas e subjetivas, o que o
motiva a refletir sobre os rumos a serem tomados nos processos de profissionalização.
Brzezinski (1998), fundamentada em Enguita (1991), destaca a profissionalização do
magistério diante das reformas nas políticas educacionais à luz da sociologia das profissões. A
autora nos oferece uma rica análise de cinco categorias imbricadas no desenvolvimento da
profissão docente (competência, licença, vocação, independência e auto-regulação),
destacando a pertinência de estudos que se debruçam profundamente sobre as categorias tal
qual Enguita realizou para defini-las como marcas da identidade docente. Ludke (1998),
utilizando os referenciais teórico-metodológicos da sociologia da profissão, também discute a
profissionalização do magistério por duas perspectivas da socialização secundária: o
indivíduo na formação acadêmica inicial e o indivíduo utilizando-se das ferramentas da
formação inicial no exercício do magistério. A autora comenta que os seus estudos e os de
outros sociólogos remetem a uma questão que considera crucial: a complexidade que envolve
a dura realidade enfrentada pelos professores nas escolas está longe de ser contemplada pelas
propostas de profissionalização do professor segundo os parâmetros fornecidos pelas políticas
governamentais e pela universidade. Ludke acredita também que o cotidiano é o
espaço/tempo ideal para se pesquisar as identidades docentes. Bryan (1996) e Santos (1996)
tratam dos desafios e das particularidades que se apresentam na formação e na
profissionalização dos professores da educação técnica diante dos planos e estratégias do
novo modelo industrial e das novas formas de gestão. Bryan discute, em especial, a
preparação e a trajetória profissional como constitutivas e condicionantes de um projeto
nacional de desenvolvimento tecnológico.
A trajetória profissional de qualquer trabalhador do campo, atualmente, situa-se entre
um projeto de desenvolvimento rural inconcluso (da tecnificação) e uma reconfiguração do
rural em outras bases socioculturais, que implicam novas formas de lidar com a natureza e as
tecnologias de última geração. Roberto Moreira retrata o impacto causado pelo quadro de
transformações globalizadoras nas identidades locais/nacionais, tendo como pressuposto a
complexa teia de novas relações em redes socioculturais e políticas responsáveis por
reconfigurar os processos e produtos nas sociedades contemporâneas. Desse modo, achamos
pertinente consultar Moreira (2002 e 2005), pois o autor supõe que, na contemporaneidade, há
uma resignificação social do rural como um lugar reservado não somente à produção agrícola.
Embora tenhamos situado ao longo da tese a importância do conceito de indivíduo
como referência não o destacamos para maiores explicações por ser esse conceito inerente à
discussão sobre a profissionalização – a profissionalização supõe a socialização de alguém ou
de um grupo de profissionais. Fundamentalmente, o indivíduo, sujeito social ou biográfico
tende a ganhar centralidade na discussão das identidades docentes e saberes da experiência. O
exercício da docência é uma ação humana intencional que não pode reduzir ou dissociar da
formação do indivíduo da de sociedade; não constitui, portanto, uma ação profissional
hermética, neutra e isolada (GUARNIERI e GIOVANNI, 2000). Não podemos perder de vista
que o trabalho do professor não se esgota nas competências de uma atividade mecânica ou
repetitiva, cognitiva, de transmitir conhecimentos. O professor é um formador de opinião.
Ensinar é trabalhar em constante relação com indivíduos sociais e pessoas que portam
ideologias e expectativas em nível pessoal e social; é um trabalho em que um indivíduo
177
interage com outros indivíduos mediados por conhecimentos, interesses, aspirações, valores
existenciais/afetivos, sob uma série de condições objetivo-subjetivo.
Apesar da contribuição das correntes teóricas da sociologia do conhecimento e da
sociologia das profissões, ainda cabe ressaltar Dubar (1997). O autor problematiza a questão
da construção das identidades sócio-profissionais na perspectiva da socialização primária e
secundária, destacando as identidades para si e para os outros. Adotando a tese segundo a
qual os processos identitários sócio-profissionais se encaixam na atual preocupação teórica
das ciências sociais, Dubar afirma que, tais processos encaixam-se na “crise” do pensamento
político-cultural das sociedades contemporâneas. Para o autor, trata-se de uma matéria a ser
explorada a partir da compreensão da socialização como a conjunção das identidades
individuais e coletivas, ou seja, uma ininterrupta articulação entre duas transacções: uma
transacção “interna” ao indivíduo e uma “externa” estabelecida entre o indivíduo e as
instituições com as quais interage (p. 103). Na primeira parte de seu livro, Dubar analisa as
principais abordagens sobre a socialização e a construção social das identidades, dialogando
com diversos teóricos. O autor argumenta a favor de uma teoria sociológica das identidades
sócio-profissionais, assumindo como ponto de partida redefinições na dualidade indivíduo-
sociedade, que se apresenta nas teorias sociais separando o ser individual do ser social, o eu
do outro, o biográfico do estrutural, o societário do comunitário etc. Tais dualidades,
presentes pouco contribuem para dar sentido à categoria de identidades. Segundo o autor:
“A identidade social não é ‘transmitida’ por uma geração à
seguinte, ela é construída por cada geração com base em
categorias e posições herdadas da geração precedente, mas
também através das estratégias identitárias desenroladas nas
instituições que os indivíduos atravessam e para cuja
transformação real eles contribuem. Esta construção
identitária adquire uma importância particular no campo do
trabalho, do emprego e da formação que ganhou uma forte
legitimidade (...) para precisar os mecanismos da socialização
profissional” (1997; p.118).
A segunda e a terceira parte do livro de Dubar cogitam sobre a institucionalização da
sociologia das profissões, quando serviu às agências governamentais americanas e, mais
tarde, às canadenses e francesas. No passado, a sociologia das profissões teve como propósito
traçar um modelo conceitual de profissional diferenciado do operário e do empresário, uma
vez que na sociedade a emergência de um trabalhador que progressivamente ascendia em face
de um perfil técnico especializado, predisposto às estratégias de mobilidade social. Nessa
perspectiva, o autor passa a analisar as abordagens da sociologia profissional a partir de seus
respectivos conceitos de profissão, profissionalização, qualificação profissional, mobilidade
social, e das concepções de mercados de trabalho que cada um dos conceitos implica. O autor
analisa a dinâmica das identidades profissionais e sociais, utilizando-se de quatro
configurações identitárias resultantes da investigação empírica ocorrida na França, iniciadas
entre os anos de 1960 ao fim dos anos 1980. Verifica-se não somente uma discussão teórica
profícua, mais rica em procedimentos de pesquisa, pois foi a partir dos dados do trabalho de
campo em confronto com as teorias que Dubar e sua equipe do LASTREE/França que se
construíram as formas sócio-profissionais (configurações identitárias) de trabalhadores
especializados e assalariados da região do Sena/França. A título de exemplificação, Dubar
concluiu que algumas representações profissionais dos inquiridos no trabalho de campo não
portavam significados sociais ou profissionais da formação acadêmica inicial recebida, e nem
da participação do trabalhador, nem da militância no sindicato. A identificação mais
importante pareceu ser a da cultura organizacional, em que o indivíduo conquistou o domínio
178
de saberes práticos e adotou condutas e valores desejados pela empresa. Para nós isso ratifica
o que possivelmente Gimeno Sacristán entende sobre a profissionalidade tendendo aos
esquemas e itinerários da prática profissional.
Ressalte-se na sociologia das profissões a tensão clássica entre indivíduo, instituições
e Estado e profissão, sinaliza duas perspectivas analíticas primordiais que podem ser
encontradas também em Elias (1994): o indivíduo entra em cena na modernidade pelos
processos de socialização (público e privado, social e familiar). Nas instituições familiares e
educacionais da sociedade, o indivíduo vai se complexificando a partir do seu nascimento;
estar na realidade social implica a sua inserção em complexas estruturas (as instituições) da
esfera pública e privada, as quais o socializam para ser protagonista. A segunda perspectiva
de análise diz respeito a como o indivíduo em sociedade pode ser incluído ou excluído da rede
tecida a partir de acontecimentos sucessivos de ordem das relações sociais e institucionais
dependendo da natureza do trabalho com que ele se identifica (Elias, 2000). Para nós, a
questão indivíduo-sociedade que Elias assume almeja a configuração de um modelo próprio
para interpretações sobre os indivíduos singulares ligando-se a outros, em relações sociais de
interdependência, de alteridade (negando-se ou afirmando-se no outro), num espaço social
multifacetado denominado: sociedade. Num trabalho sobre Profissão, Vocação e Medicina,
Artur Perrusi (2000) toca no cerne da questão dos modelos de profissão e profissionalização,
idealizados, racionalizados e legitimados no alicerce da ciência e dos serviços especializados
no período de construção das instituições da modernidade. Entretanto, o autor ressalta que
algumas profissões ainda encontram dificuldades para serem socialmente reconhecidas
160
como modernas porque são imaginadas pela representação “angelical” ou “altruísta”.
Perrusi trabalha em duas perspectivas de análise: apoiando-se em Weber, demonstra que o
modelo ou interesse pelas profissões carrega a idéia de burocracia associada ao processo de
racionalização (Weber apreende a profissão como uma forma de organização especial,
paralela à organização burocrática). A outra perspectiva diz respeito à qualificação
profissional e à inserção no mercado de trabalho numa posição não mais inspirada na
sociologia das organizações weberiana. Nesse sentido, Perrusi direciona-se a Braverman que
discute a inserção do profissional no mercado de trabalho após passar por uma qualificação
anterior e dentro do próprio trabalho capitalista. Segundo o autor:,
O que mais transparece na maioria dessas teorizações sobre a
profissão seria que o poder profissional estaria relacionado ao
monopólio de um saber especializado e à posição particular do
profissional no mercado de trabalho, seja numa escala individual ou
coletiva. Acreditamos que tal “enquadramento” da profissão
permite uma melhor apreensão histórica do surgimento do
fenômeno profissional, já que, apesar de suas origens remontarem
às antigas corporações da Idade Média, ele se constituiu como um
fato moderno nascido do processo de racionalização social – da
posição historicamente determinante da ciência nas sociedades
modernas – e da solução institucional ao problema essencial da
alocação de recursos e de mão-de-obra: o mercado de trabalho – ou,
pelo menos, historicamente a profissão desenvolveu-se, enquanto
tal, a partir desses dois pólos constituintes da modernidade”
(2000;p.2-3)
160
Essa conotação de uma desvalorização profissional docente foi lembrada por uma de nossas entrevistadas, a
professora Mariana, professora de Artes do Centro Federal mde Educação profissional Agrícola. Para ela quem é
professor não tem o reconhecimento social como tem um médico, um engenheiro. Neste capítulo Arroyo (2000)
também nos alerta sobre os processos de profissionalização como parâmetros de diferenciação dos competentes e
incompetentes.
179
O conceito de competências, de acordo com a ampla literatura pedagógica, sociológica
e da psicologia
161
, é fundamentalmente discutido pelos autores nas evidências de um ideário
neoliberal pedagógico implícito nas reformas educativas da América Latina, Brasil e Europa.
Nessa perspectiva, os autores Ramos, Ropé e Tanguy, Diaz, Campos não discordam de
Zarifian que ressalta ser
o enfoque das competências centra-se no indivíduo porque é o
indivíduo que aprende ao se defrontar com as situações concretas e
as reconstrói por sua iniciativa, modifica suas estruturas mentais.
(...) A formação profissional dar-se-ia no processo permanente de
compreensão e mobilização de saberes no trabalho. No entanto,
para que esse conhecimento seja reconhecido ele tem de ser
socializado no trabalho” (ZARIFIAN, p.56).
Muito pertinente são os trabalhos de Nóvoa (1991 e 1997), Tardif (2002) e Gariglio
(2004) quando articulam os conceitos de profissionalização, identidades e saberes docentes
em ações e pensamentos em contextos escolares situados. Os dois primeiros partem de
considerações históricas e sociológicas de mudanças na organização e administração do
trabalho. Os professores nas sociedades contemporâneas percebem que é na experiência de
trabalho, especialmente no campo do discurso, em que há relações entre professores e alunos,
e professores e saberes, que as mudanças identitárias estão se dando. Não querendo enfatizar
uma cultura escolar negativa, mas sabendo que nesse tempo-espaço age a dimensão cultural
da sociedade, unindo indivíduos aos seus grupos de pertença. Na escola, portanto, os
professores adquirem conhecimentos pela a sua experiência profissional e assim dão
significados para a sua docência, bem como significam a si mesmos num mundo cultural em
que estão se descobrindo como protagonistas de mais um papel. Para Tardiff (1991) o
professor é antes de tudo uma pessoa que sabe, um sujeito da episteme que, além de transmitir
cultura erudita, também conhece os saberes que circulam no cotidiano escolar, um saber da
experiência (saberes profissionais) cotidiana proveniente das interações intersubjetivas.
Para finalizar, vale retomar o conceito de reflexividade. Tendo em vista a delimitação
temporal e temática segundo a qual focamos o objeto de estudo, achamos pertinente
estabelecer um diálogo com Giddens (1991 e 2002). O autor faz referência ao conceito
tomando-o nas relações sociais da modernidade, pois supõe que o estejamos vivenciando em
nível extremo de complexidade, na chamada alta modernidade. O autor entende que a alta
modernidade está assentada sob os seguintes pilares: as redefinições das noções de tempo-
espaço (lugar), os mecanismos de desencaixe e o fenômeno da reflexividade. Para o que nos
interessa, esse conceito pode ser utilizado na discussão sobre a idéia de formação profissional
num mundo de constante e simultânea fragmentação e volatilização do conhecimento, um
mundo de desapegos estruturais e de transitoriedade nas variadas relações sociais e, inclusive,
nas profissionais. Dada essa característica cultural das sociedades na contemporaneidade,
acreditamos que instituições como a família, escola e comunidade, dentre outras tradicionais,
também tendem às crises de identidades. Essas crises interferem nos processos que
estabelecem as ações pessoais/coletivas, as relações intersubjetivas e os papéis institucionais,
conferindo ao indivíduo e aos atores uma constante necessidade de ressignificação de suas
condutas, conhecimentos e percepções da realidade.
161
O conceito vem sendo analisado por vários autores nacionais e estrangeiros de países que passaram pelas
reformas educacionais a partir do final da década de 1980 em diante. Destaque-se, dentre outros, a França,
Portugal, Espanha, Canadá, Estados Unidos, Chile, Argentina e Brasil, só para citar aqueles autores que têm
dado contribuições conceituais de relevância ao estudo que vislumbramos desenvolver. Consideramos pouco
oportuno citar todos, mas para o objetivo deste trabalho ressaltamos Ramos (2001), Ropé e Tanguy (1997), Diaz
(2003), Zarifian (2001),
180
4.3. Professor da Educação Tecnológica: intelectual ou prático? Múltiplas
Identidades docentes.
Nesta parte do trabalho, vamos nos repetir, pois os pensamentos, valores, gostos,
posições extraídas dos dados nos questionários e entrevistas nos mostrou às experiências
individuais e coletivas docentes no sentido da profissionalização ou da socialização.
Acreditamos que a melhor forma de aproximação com os professores, para conhecer a
mentalidade, valores, rituais deles, foi travando contatos. Quando no exercício da docência, o
pensamento, a ação e os posicionamentos que orientam a prática cotidiana escolar de um ou
de uma docente, espelham as suas convicções e opções político-pedagógicas, definindo o
espaço e a sua posição; por conseguinte, deixam marcas na trajetória de profissionalização.
Os professores da educação profissional deram todas as pistas de uma categoria ainda
difusa como profissional destinado a exercer o papel de preparar o aluno para a cidadania ou
para prosseguir no mercado. Verificamos que a nossa pesquisa, no que tange aos objetivos do
ensino médio e finalidades
162
, alcançou os mesmos resultados da pesquisa feita por
Abramovay (2003). Ela e a sua equipe espalhada por escolas, colégios e instituições de ensino
médio em 13 capitais, constataram que tanto alunos como professores (terceira opção
escolhida, p.211) disseram ser esse nível voltado à preparação para o ensino superior
(Vestibular). Mas a primeira opção dos professores foi entender o ensino médio como
prioridade à preparação do aluno para á vida. Segundo Abramovay tal como nós encontramos,
“entre os professores, a preparação para o mercado de trabalho enquanto um dos principais
objetivos do ensino médio foi segunda opção mais citada em todas as capitais. Esta postura
pode ser identificada mais freqüentemente entre os professores dos estabelecimentos públicos
(...) os atores entrevistados estão conscientes de que o mercado de trabalho está sempre
inovando e apresentando novos desafios aos trabalhadores e há uma grande preocupação com
a contextualização e aplicabilidade do conteúdo transmitido pela escola” (p.213).
Gostaríamos de finalizar essa tese, deixando o nosso sentimento como conhecimentos
expostos em cada capítulo. É inexorável aos estudos e discussão das identidades docentes o
levantamento de dados na própria realidade onde se dá sentido à profissão de professor e ao
estar docente. As imagens e representações sobre eles próprios estão marcadas pelas relações
sociais e as trajetórias profissionais, muito mais do que leis e normas estabelecidas pelos
poderes públicos.
A constituição da profissão docente pelos resultados da pesquisa de campo como pelos
dados documentais ou das publicações traduz a idéia de Arroyo sobre a humana docência.
Para ele a constituição social e histórica da profissão docente perpassa à idéia da relação de
indivíduos em interação pessoal e coletiva, pois em meio dessa identidade social – professor,
docente – está a educação que sofre mudanças nas formas e objetivos explicitados em cada
projeto ou ciclos porque passam a sociedade. Não por acaso, nós e Abramovay encontramos
respostas sobre as percepções de docência como uma missão do tipo abnegada. Nas
sociedades ocidentais é muito forte os princípios estruturantes de profissão docente balizados
na religião e na ciência (no nosso caso na técnica), fato explicável pelos paradigmas de
socialização imputarem valores morais e dogmáticos. A profissionalização tem o seu valor de
reconhecimento como profissão moderna, atuante, responsável pela mobilidade social e pelo
sustento. Outro fator de modernidade é o capital cultural imensamente valorizado, no meio
162
Podemos utilizar essa referência na medida em que o ensino médio faz parte do universo pesquisado por nós
nas escolas de ensino técnico/médio do Centro Federal de Educação profissional Agrícola/MG. Um dos
objetivos da pesquisa era verificar os impactos e percepções da reforma do ensino médio na opinião dos
professores e alunos.
181
acadêmico. Na categoria da educação profissional a idéia de qualificação supera arquétipos de
representações de grupos associados à condição menor, de pouca instrução que socialmente o
trabalho na agricultura emana.
Ao finalizar as nossas anotações nessa tese, apenas pergunto: “De tantas certezas que
nos deram segurança em nosso caminhar, quantas ficarão e por quanto tempo? Estamos em
um momento de incertezas, em que certezas que tínhamos sobre o nosso papel perdem força”
(ARROYO, 2000;p.181).
182
CAPÍTULO V
Considerações Finais: Espaço-Tempo limite para chegarmos às compreensões.
Na verdade, vemos essas considerações finais como um espaço-tempo limite que nos
foi dado como prazo para apresentarmos respostas a uma problemática anunciada há quatro
anos atrás. Perseguimos muitas pistas, trilhas que nos levaram aos caminhos nunca antes
percorridos por nós nas ciências sociais. Tal como foi o caso de aprofundarmos as teorias de
Pierre Bourdieu, Berger e Luckmann, Anthony Giddens, Gimeno Sacristàn, Claude Dubar,
Eliot Freidson, autores da Sociologia das Profissões, da Sociologia do Conhecimento, da
Educação e da História Social.
Foi desafiador buscar nos enredar nas teias que formam os Estudos das Idéias, Nação e
Cultura junto com Eli Lima, Anísio Teixeira, Sérgio Miceli, Renato Ortiz, ao invés de manter-
nos enraizadas na tendência marcante dos nossos trabalhos anteriores com as políticas sócio-
educacionais. Tampouco foi menos desafiador voltar às teorias sobre as práticas políticas,
econômicas e culturais dos atores que configuram e conferem significados ao campo
brasileiro de Roberto Moreira.
A docência mudou, podemos dizer que as políticas de valorização do magistério
editadas pelos governos tiveram uma carga de negatividade sobre a categoria ao serem
proclamadas, pois vieram através de uma propaganda que visava desqualificar o trabalho
docente. O Estado não é só governo, portanto, com a sociedade civil organizada em prol da
qualidade em educação, os sucessivos governos não conseguiram descaracterizar o professor
como categoria. Os sindicatos, as associações, entidades profissionais e de pesquisa se
formaram e há muito se debruçam positivamente em ações coletivas, visando alavancar as
políticas de profissionalização e carreira. Algumas contradições sobre a profissionalidade na
relação sociedade política, sistema perito (comunidade acadêmica), sociedade civil (atores
coletivos e instituições) se configuram nitidamente na contemporaneidade. Estas relações são
possíveis de serem visualizadas nesse tempo histórico com menos estigmas e preconceitos do
que no passado recente, por exemplo, do apoio de pedagogos, agrônomos e sociólogos de
universidades nos Programas e Planos de Vargas, Juscelino, da Ditadura devido aos objetivos
e finalidades diferenciadas das instituições. Nesse cenário, pudemos constatar pela quantidade
de publicações, pesquisas, monografias, dissertações, teses que ganham vulto desde o final de
1970 até hoje, conforme citamos e dialogamos com elas nessa tese, somam as discussões e
formulações a respeito dos processos identitários docentes.
Com certeza não temos o sentimento de trabalho encerrado, pois trilhamos no
doutoramento os caminhos inquietantes que nos levam à diversidade e à complexidade de
questões entrelaçadas pela história, atores/sujeitos e os processos sociais configurativos e
estruturantes da profissionalização do professor da educação tecnológica agrícola. O tempo-
espaço restante nesse trabalho torna-se indispensável para tecermos as considerações que nos
deixarão fios para os próximos pontos que delimitam os novos mapas, que nos guiarão para os
próximos desafios teóricos e metodológicos no campo da educação profissional e tecnológica
na tessitura sociocultural brasileira.
O que nos resta a guisa de conclusão é não nos preocuparmos em fazer afirmações ou
demonstrarmos nossas convicções a partir somente do caminho conceitual das noções como
teorias soltas, mas sim construídas em relação com a metodologia em que assentou a
pesquisa, suporte empírico dessa tese. Conforme dissemos, não nos preocupamos em dar uma
resposta conclusiva, fechada ou definitiva de nossa hipótese, pois como sabemos, na
atualidade, em permanentes processos de transformações societárias e nas ciências, as teorias
são como pistas que perseguimos para elucidação de partes dos fenômenos. Por assim ser,
183
para os que estudam sobre os processos sociais e históricos temos poucas certezas e a verdade
pode ser relativizada de tantos em tantos tempos/espaços dos fenômenos.
Entrementes, os quatro anos em que mergulhamos em mais um desafio, desde então, a
investidura ao doutoramento até a elaboração dessa tese, sentimos que poderíamos chegar à
compreensões mais profundas a respeito da socialização e profissionalização dos professores
da educação tecnológica agrícola caso pudesse relacionar teoria ao empírico. Particularmente,
nos detivemos sobre os processos identitários de uma categoria que, até pouco menos de
quinze anos, era tratada pelas políticas de profissionalização como “instrutores” de técnicos
responsáveis por reproduzir a triste situação fundiária brasileira, através das práticas agrícolas
conservadoras. Portanto, conjeturamos a existência de interações socioculturais, políticas
atravessando o espaço/tempo institucional, abrindo perspectivas para ressignificações e
reconfigurações na profissionalização docente. Logo a possibilidade de dar novos
significados, veio concomitante a uma docência portadora de reflexividade, de atitudes
propositivas e crítica sobre a própria prática na medida em que se qualificam na trajetória de
profissionalização para atender à cefetização.
Apoiada às noções de socialização profissional, profissão, construção social do
magistério, instituições, capital cultural, campo e habitus buscamos na pesquisa de campo os
elementos específicos (representações, imagens, idéias, percepções, crenças, valores etc.) que
caracterizam a profissionalidade docente na educação técnica agrícola, diante das
transformações institucionais que os próprios tomam às rédeas de fato. Deparamos-nos com
um grupo que tem relativo domínio de sua prática pedagógica se o enquadramos na categoria
do magistério que atua em autarquias, quando em uma década se posiciona mostrando o tipo
de instituição tecnológica que a categoria quer, mesmo em que pese no imaginário docente o
status quo do ensino superior. Até porque no passado recente, antes da autarquização, os
professores não tiveram a oportunidade de optar nem pela profissionalização e menos ainda
pelo tipo de instituição necessária ao ensino agrícola de nível técnico.
As teses sobre o valor da ciência e da burocracia na configuração acadêmica do
subcampo do ensino agrícola nos ajudaram a compreender, também, que muito das
representações sociais sobre a educação profissional no final do século XIX, início da
República, apesar de pautarem-se em teses sobre progresso e nação, carregavam o universo do
preconceito referente ao atraso do rural, da raça, do paradigma da abundância reificado nas
próprias teorias que enalteciam os objetivos das instituições educacionais agrícolas nas
finalidades de domesticação, de disciplinamento, de civilizar o incivilizado. Temos
convicções sobre as primeiras escolas de ciências sociais e humanas, de literatura, de que os
movimentos do pós 1930 até a ditadura militar, contribuíram naquela época com novas
abordagens sobre o sentido e o significado de nossa nacionalidade na perspectiva da
modernização das estruturas burocráticas, de pensamento e produtivas, visando acelerar o
desenvolvimento econômico, social, científico e tecnológico. Como exemplos, na tese foram
analisados: o Movimento da Escola Nova e seus engajados intelectuais defensores da
Reconstrução Nacional e da Educação Nova e o ISEB com as suas teses desenvolvimentistas
de fundamento cultural e econômico, onde Anísio Teixeira não permaneceu, mas ajudou nas
articulações para a fundação.
Toda a constituição do ensino agrícola médio/técnico em termos racionais e
burocráticos se desenvolveu sob a égide do desenvolvimentismo e de uma idéia ainda pautada
nos preconceitos que cercam o campo e seus indivíduos. A razão desenvolvimentista tomou
rumos produtivistas permanecendo impedido, por força da ditadura, de uma docência
autônoma ou pelo menos crítica da racionalidade hegemônica. O ensino agrícola continuou
seu processo de expansão subssumido às estruturas de dominação e poder do campo, até que
os movimentos sociais saíram do silêncio para buscar rupturas nas brechas que apontavam
saídas nas construções sociais complexas, pautadas no estreitamento de relações
184
intersubjetivas entre os grupos político-culturais anunciadores de novos paradigmas
societários e educacionais.
Os docentes do Centro Federal de Educação Profissional Agrícola/MG nos ajudaram a
constatar que a natureza política, social e cultural do trabalho docente é intelectual. Não
importa se o exercício da intelectualidade exige novas alianças políticas ou novos paradigmas
de pensamento ou societário. No exercício da prática docente carregam crenças e valores de
identidades incorporadas no passado, mas eles se posicionam. Essa atitude faz a diferença
quando se trata de fazer educação e de ser educador.
A identidade profissional situada na função docente ou por vezes em imagens de
missionários, de sacerdotes, de tios e tias faz parte do processo de construção social do
magistério. Não obstante, os professores não estão alienados às estruturas que disseminaram
essas idéias. Para tanto, discutem em fóruns e publicam sobre a reflexividade necessária a
crítica de suas próprias práticas e dos saberes que advêm de suas experiências docentes no
cotidiano escolar. Por fim, temos a compreensão que as denominações dadas aos professores
nas teses que estudam a natureza intelectual da docência, em níveis e modalidades diversas,
traduzem as identidades docentes por meio das diferenças e dos pares que interagem na
dialeticidade do cotidiano do professor da educação do campo/agrícola.
Temos a convicção que, pelas entrevistas, os professores do CEFET encarnam
características como a: de educador (Rubens Alves, Arroyo e Paulo Freire); de intelectual
transformador (de origem gramsciana, de Michel Apple e Henry Giroux); de
intelectual/professor reflexivo (de origem das teses de pós-modernidade, onde a escola é
construída nas relações intersubjetivas); de professor investigador (a profissionalidade vista
por Pedro Demo); de um profissionalismo que reconhece a intelectualidade e a prática
docente do professor sendo uma relação entre pensamento e ação – pensamento profissional
“dilemático”, gestor de dilemas (segundo Gimeno Sacristán); sobretudo, aquela analisada por
Maurice Tardiff sobre a constituição do trabalho docente a partir dos saberes da experiência
focada numa cultura escolar, devidamente situada.
Assumindo que as nossas investiduras são caminhos abertos às demais contribuições,
deixamos claro que nos posicionamos nessa tese como uma profissional que termina o seu
trabalho de conclusão de curso, com a certeza de ter cumprido o papel social de docente da
educação agrícola.
185
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ANEXOS
A. TABULAÇÃO DAS RESPOSTAS DO QUESTIONÁRIO APLICADOS NOS
PROFESSORES – 2005-2006
Centro Federal de Educação Profissional Agrícola/MG
TABELAS
tabela 01
Qual o sexo?
Nº. de
respondentes
%
Masculino 11
44%
Feminino 14
56%
tabela 02
Qual é a sua idade?
Nº. de
respondentes
%
Até 24 anos -
-
De 25 a 29 anos 2
8
De 30 a 39 anos 11
44
De 40 a 49 anos 9
36
50 anos ou mais 3
12
tabela 03
Qual o salário bruto (com adicionais se houver) como professor (a)?
Nº. de
respondentes
%
De R$ 1.200,00 a R$ 2.000,00 8
32
De R$ 2.001,00 a R$ 2.800,00 7
28
De R$ 2.801,00 a R$ 3.600,00 3
12
De R$ 3.601,00 a R$ 4.400,00 3
12
De R$ 4.401,00 a R$ 6.600,00 2
8
Mais de R$ 6.600,00 1
4
Menos de 1199,00 1
4
tabela 04
Em relação ao mercado de trabalho dos professores seu salário está:
Nº. de
Respondentes
%
Acima da média 5
20
Na média 12
48
Abaixo da média 8
32
193
tabela 05
Qual é a sua renda familiar bruta?
Nº. de
Respondentes
%
De R$ 1.200,00 a R$ 2.000,00 5
20
De R$ 2.001,00 a R$ 2.800,00 6
24
De R$ 2.801,00 a R$ 3.600,00 3
12
De R$ 3.601,00 a R$ 4.400,00 2
8
De R$ 4.401,00 a R$ 6.000,00 7
28
De R$ 6.601,00 a R$ 7.000,00 1
4
De R$ 7.001,00 a R$ 8.000,00 -
-
Mais de R$ 8.000,00 -
-
Não informou 1
4
tabela 06
Nos últimos 12 meses com que freqüência participou das seguintes atividades:
Nunca
%
1 ou 2 vezes
%
3 a 4 vezes
%
mais de 4 vezes
%
Exposições ou feiras agropecuárias 5
20
15
60
-
-
5
20
Congressos ou eventos científicos 5
20
16
64
2
8
2
8
Festas/casa de amigos 1
4
3
12
4
16
17
68
Bares e restaurante -
-
1
4
4
16
20
80
Clubes 6
24
4
16
1
4
14
56
Eventos Esportivos 10
40
8
32
2
8
5
20
Igrejas (outros templos)/ Grupo religioso 3
12
2
8
1
4
19
76
Livraria -
-
1
4
5
20
19
76
Cinema 6
24
11
44
4
16
4
16
Teatro 11
44
12
48
1
4
1
4
Ópera/Concerto de música/Espetáculo de dança 10
40
9
36
5
20
1
4
Museu 9
36
14
56
1
4
1
4
Centro Cultural 9
36
14
56
-
-
2
8
Show de música 4
16
12
48
6
24
3
12
tabela 07
Freqüência que lê jornal
Nº.
respondentes
%
Diariamente 7
28
Algumas vezes por semana 8
32
Somente aos domingos 4
16
Raramente 6
24
Nunca -
-
194
tabela 08
Jornais que lê regularmente + de uma rsp
Nº. de
respondentes
%
Folha de São Paulo 9
Jornal do Agronegócio 1
O Globo 9
Páginas da Internet 3
Tribuna de Minas 1
Estado de Minas 8
O Imparcial 1
Diário de Minas 1
Jornal do Brasil 6
Não citou 3
O Tempo 1
Panorama 1
Jornal “Local” 2
O Lutador 1
tabela 09
Freqüência que lê revistas de informação geral
Nº. de
respondentes
%
Semanalmente 12
48
Uma ou duas vezes por mês 9
36
Algumas vezes por ano 3
12
Raramente 1
4
nunca -
-
tabela 10
Revistas de informação geral que lê regularmente (+ de Uma rpt)
Nº. de
respondentes
%
Veja 15
Isto É 12
Super interessante 5
Saúde 1
Não citou 1
Você S&A 3
Pequenas Emp. e Grandes Negócios
3
Globo Rural 5
Época 6
Nova 1
Boa Forma 1
Sci American 1
Galileu 2
InfoExame 1
Agronegócio 1
Revistas “Técnicas” 1
National Geographic 1
195
tabela 11
Tem acesso a revistas acadêmicas sobre sua área de atuação
Nº. de
respondentes
%
Sim, na escola e costumo lê-las regularmente 10
40
Sim, na escola, mas leio-as apenas ocasionalmente 3
12
Sim, na escola, mas raramente as leio -
-
Sim, na escola, mas nunca as leio -
-
Não, não tenho acesso a essas revistas 12
48
Sim, em casa -
-
-
tabela 12
Conhecimento de língua estrangeira (+ de
uma rsp)
Bom
%
Razoável
%
Nenhum
%
Inglês 6
24
13
52
6
24
Francês 2
8
6
24
17
68
Espanhol 7
28
8
32
10
40
Alemão -
-
2
8
23
92
Outra -
-
-
-
25
100
tabela 13
Viagem ao exterior
Nº. de
respondentes
%
Sim 4
16
Não 19
76
Não respondeu 2
8
OBS: Um viajou para Costa Rica na circunstância de Turismo Familiar; o mesmo viajou para EUA
melhorar conhecimentos de Inglês; também viajou para Cuba em Turismo Familiar. Um viajou para o
Canadá como pesquisador visitante; também viajou para o Canadá como estudante e para a Finlândia
também em estudos. Um viajou para a Alemanha, França e Itália como congressista. Um viajou para a
França e Argentina como estagiário.
tabela 14
Você se considera uma pessoa de elite?
Nº. de
respondentes
%
Sim 10
40
Não 14
56
Marcou os dois itens 1
4
tabela 15
Curso de mais alta titulação que possui
Nº. de
respondentes
%
Superior -
-
Especialização (mínimo de 360 horas) 16
64
Mestrado 6
24
Doutorado 3
12
196
tabela 16
Há quanto tempo você obteve o curso superior?
Nº. de
respondentes
%
5 anos ou menos 5
20
De 6 a 15 anos 9
36
De 16 a 25 anos 7
28
Há mais de 25 anos 4
16
tabela 17
Há quantos anos é professor?
Nº. de
respondentes
%
Há 5 anos ou menos 9
36
De 6 a 15 anos 8
32
De 16 a 25 anos 5
20
Mais de 25 anos 3
12
tabela 18
Em qual instituição concluiu o Ensino Superior?
Nº. de
respondentes
%
UNIPAC – Visconde do Rio Branco/MG 4
16
Universidade Federal de Viçosa/MG 8
32
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ubá/MG 2
8
Universidade Federal de Juiz de Fora/MG 3
12
Universidade Federal de Lavras/MG 1
4
Universidade Federal de Minas Gerais/MG 2
8
Não informou -
-
CES de Juiz de Fora/MG 2
8
Universidade Federal de Santa Catarina/SC 1
4
Centro Universitário Newton Paiva/MG 1
4
INCOR – Três Corações 1
4
tabela 19
Há quantos anos trabalha nesta escola?
Nº. de
respondentes
%
Há 5 anos ou menos 12
48
De 5 a 10 anos 5
20
De 10 a 15 anos 3
12
De 16 a 25 anos 3
12
Há mais de 25 anos 2
8
197
tabela 20
Qual o regime de trabalho?
Nº. de
respondentes
%
40 horas/Dedicação Exclusiva 14
56
40 horas 4
16
20 horas -
-
Professor substituto (contrato) 7
28
Professor voluntário -
-
tabela 21
Carga horária de aulas por semana no CEFET-RP
Nº. de
respondentes
%
Até 10 horas-aula 3
12
Até 20 horas-aula 15
60
Até 30 horas-aula 4
16
Até 40 horas-aula 3
12
Mais de 40 horas-aula -
-
tabela 22
Você é professor de
Nº. de
respondentes
%
Disciplinas/módulos profissionalizantes 11
44
Disciplina das áreas de formação geral 12
48
Disciplinas de formação geral e profissionalizante 2
8
tabela 23
Trabalha ou trabalhou em outra escola?
Nº. de
respondentes
%
Sim, rede privada. 7
28
Sim, rede pública municipal 1
4
Sim, rede pública estadual 4
16
Sim, em outra escola técnica federal 5
20
Não, somente nesta escola 6
24
Todas as redes 1
4
Sim, Universidade Federal 1
4
tabela 24
Espaço pedagógico é adequado ao número de estudantes?
(Condições
físico-
materiais)
Nº. de
respondentes
%
Sim, em todas elas 7
28
Sim, na maior parte delas 9
36
Sim ,mas apenas em metade delas 5
20
Sim,mas em menos da metade delas 2
8
Não, em nenhuma 2
8
198
tabela 25
O material de consumo utilizado nas práticas é suficiente para o número de alunos
Nº. de
respondentes
%
Sim, em todas elas 5
20
Sim, na maior parte delas 12
48
Sim ,mas apenas em metade delas 4
16
Sim,mas em menos da metade delas 2
8
Não, em nenhuma 2
8
tabela 26
Os equipamentos disponíveis são suficientes para o número de estudantes?
Nº. de
respondentes
%
Sim, em todas elas 4
16
Sim, na maior parte delas 11
44
Sim ,mas apenas em metade delas 5
20
Sim,mas em menos da metade delas 1
4
Não, em nenhuma 4
16
tabela 27
Como são os equipamentos de laboratório utilizados no curso?
Nº. de
respondentes
%
Atualizados e bem conservados 4
16
Atualizados, mas mal conservados 6
24
Desatualizados, mas bem conservados 2
8
Desatualizados e mal conservados 5
20
Não há laboratório no meu curso 8
32
tabela 28
Como a escola viabiliza o acesso dos estudantes aos microcomputadores, para atender as
necessidades do curso?
Nº. de
respondentes
%
Plenamente 3
12
De forma limitada 20
80
Não viabiliza para os estudantes do meu curso 2
8
Não viabiliza para nenhum estudante -
-
O curso não necessita de microcomputadores -
-
199
tabela 29
Que técnica de ensino tem utilizado, predominantemente?
Nº. de
respondentes
%
Aulas expositivas 1
4
Aulas expositivas, com participação dos alunos 14
56
Aulas práticas 5
20
Trabalhos de grupo, desenvolvidos em sala de aula 5
20
Outra -
-
Obs.: A técnica de Trabalho de Grupo foi algumas vezes assinalada por quem
respondeu aulas expositivas com a participação dos alunos; apenas três respostas
juntam três opções (aulas expositivas c/ a participação..., aula prática e trabalhos em
grupo na sala de aula). Nas respostas com mais de uma opção, optamos em aceitar
como principal a opção Aulas Expositivas, com participação dos alunos, devido às
configurações didáticas entre as mesmas. Apenas uma vez OUTRA foi mencionada
como Pesquisa.
tabela 30
Tipo de material mais utilizado durante o ano
Nº. de
respondentes
%
Livros didáticos e/ou manuais 5
20
Apostilas e resumos 12
48
Copias de Trechos ou capítulos de livros 3
12
Artigos de periódicos especializados (técnicos) 2
8
Anotações manuais nos cadernos 3
12
Obs. Por algumas, raras, vezes foram combinados às opções Apostilas e Resumos
com Periódicos e Anotações manuais, bem como com Livros didáticos. Optamos por
Apostilas e Resumos, pela característica das técnicas de ensino e o perfil de
formação profissional. Apenas um/a professor/a assinalou todas as opções.
tabela 31
Que instrumentos de avaliação adota predominantemente?
Nº. de
respondentes
%
Provas escritas discursivas 12
48
Testes objetivos 2
8
Trabalhos de grupo 7
28
Trabalhos individuais 1
4
Provas práticas 3
12
OBS: Por algumas vezes foram combinadas às opções Provas escritas discursivas
com Testas Objetivos e Trabalhos de Grupo.
tabela 32
Como avalia o Ensino Médio/Técnico oferecido na escola?
Nº. de
respondentes
%
Bem integrado, havendo clara vinculação entre as disciplinas -
-
Relativamente integrado, as disciplinas se vinculam apenas por blocos ou áreas de conhecimento
afins
11
44
Pouco integrado, já que poucas disciplinas se interligam 9
36
Não apresenta integração alguma entre as disciplinas 5
20
200
tabela 33
Características que melhor representam os alunos desta Escola
Sim
%
Não
%
Estudiosos 9
36
16
64
Educados 18
72
7
28
Críticos 7
28
18
72
Arrogantes 4
16
21
84
Agitados 20
80
5
20
Humildes 16
64
9
36
tabela 34
Em qual curso você ministra aulas
Nº. de
respondentes
%
Ensino Médio 10
40
Ensino Técnico 13
52
Ensino Médio/Técnico 2
8
tabela 34.1
(dos respondentes 8 também lecionam nos cursos de tecnólogos).
Ensino superior (tecnólogo) 8
32%
tabela 35
Atitude mais freqüente das famílias de seus alunos em
relação à escolaridade dos filhos
Nº. de
respondentes
%
Presente -
-
Presente em excesso -
-
Presente só quando são chamados 11
44
Ausente 4
16
Presente só nas reuniões dos pais 10
40
tabela 36
Programas de televisão que mais assiste
(regularmente)
Sim
%
Não
%
Jornais e noticiários 25
100
-
-
Filmes ou seriados 18
72
7
28
Programas de auditório 5
20
20
80
Documentários 21
84
4
16
Shows e Músicas 12
48
13
52
Esportes 17
68
8
32
Novelas 9
36
16
64
Humor 14
56
11
44
Entrevistas 24
96
1
4
Noticiário Rural 18
72
7
28
Outro? Qual? 3
12
22
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