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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
SETOR DE CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS
DEPARTAMENTO DE GEOCIÊNCIAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
MESTRADO EM GESTÃO DO TERRITÓRIO
ALMIR NABOZNY
A COMPLEXIDADE ESPACIAL DA EXPLORAÇÃO SEXUAL
COMERCIAL INFANTO-JUVENIL FEMININA: ENTRE TÁTICAS E
ESTRATÉGIAS DE (IN) VISIBILIDADE
Ponta Grossa
2008
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ALMIR NABOZNY
A COMPLEXIDADE ESPACIAL DA EXPLORAÇÃO SEXUAL
COMERCIAL INFANTO-JUVENIL FEMININA: ENTRE TÁTICAS E
ESTRATÉGIAS DE (IN) VISIBILIDADE
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Geografia, Curso de Mestrado
em Gestão do Território da Universidade Estadual de
Ponta Grossa, como parte dos requisitos necessários
para obtenção do título de Mestre em Gestão do
Território.
Orientadora: Professora Dra. Joseli Maria Silva
PONTA GROSSA
07 de fevereiro – 2008
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Ficha Catalográfica Elaborada pelo Setor de Processoscnicos BICEN/UEPG
Nabozny, Almir
N117c A complexidade espacial da exploração sexual comercial
infanto-juvenil feminina : entre táticas e estratégias de
(in)visibilidade. / Almir Nabozny. Ponta Grossa, 2008.
188f.
Dissertação ( Mestrado em Geografia – Gestão do
Território), Universidade Estadual de Ponta Grossa.
Orientadora: Profa. Dra. Joseli Maria Silva
1.
Espaço geográfico. 2. Exploração sexual comercial.
3. Gênero. 4. Poder. 5. Infância e adolescência. 6. Estatuto da
Criança e do Adolescente . I. Silva, Joseli Maria. II. T.
CDD: 364. 153.4
Ponta Grossa, 07 de fevereiro de 2008.
A Pedro e Petronilha (Tuna). Pessoas de poucas sílabas, mas amplamente
licenciadas nas diversas formas de racionalidades do cotidiano. Pelo legado
ético para a minha formação.
AGRADECIMENTOS
No momento em que recorria às minhas memórias, sobretudo pensando na
trajetória percorrida no ensejo de realizar este trabalho, meus olhos fizeram embaçar
os meus óculos, tendo eu de fazer uma pausa para enxugar o rosto. Talvez esse
seja um sintoma do fracasso positivista, sempre procurando dar razão mesmo àquilo
que nos é sutil demais para explicar em palavras. No entanto, é preciso passar por
certas chancelas do racionalismo, para galgar outros espaços no universo
acadêmico. Assim, nós nos apresentamos como que destituídos de pessoalidade.
Diria que o trabalho aqui exposto é um roteiro de uma peça geográfica e social.
Permito-me entrar no palco dos agradecimentos e lhes apresentar um pouco dos
bastidores dessa dissertação, que pode agora ir empoeirar nas prateleiras da
biblioteca. nos foi um veículo de amadurecimento como pesquisador geógrafo e,
sobretudo, como um ser humano sonhador com espaços mais luminosos. Passo
então a externar meus sinceros agradecimentos:
À Joseli pela amizade e orientação. Ela que tão bem soube aliar as palavras
desafios e parcerias. E por sua permanente crítica e incentivo. E, ainda, pela
vivência cotidiana, nessa caminhada de solidariedade acadêmica.
Grato à Fundação Araucária pela concessão de doze meses de bolsa de
estudos, ainda que reste o pagamento das parcelas finais;
À instituição Universidade Estadual de Ponta Grossa e ao Programa de Pós-
graduação em Geografia. Ambos não são anônimos, pois são formados por
professores, funcionários e colegas de estudos. Especial saudação às(aos)
funcionárias(os) do Restaurante(s) Universitário(s) (RU) por acrescentarem os seus
temperos;
À professora Cicilian por efetuar importantes contribuições no Exame de
Qualificação e no Seminário de Pesquisa. Ao professor Wolf-Dietrich pela leitura
atenciosa do relatório de qualificação e oportunidade de estágio-docência. Aos
professores Edson Armando e Ivan Jairo por terem nos ajudado com seus diálogos
em tomadas de decisões metodológicas. À professora Adriana Cançado pelos
estimulantes debates em torno das questões de gênero;
Aos companheiros e companheiras do Grupo de Estudos Territoriais (GETE)
por me proporcionarem um ambiente acadêmico instigante e fértil. Desses, em
carinho especial, o geógrafo e amigo Marcio;
Aos meus pais Pedro e Petronilha (Tuna) pela minha história;
Aos irmãos Ari Estevão (com gratidão), Alci (com respeito), Airton (com
saudades – in memoriam) e ao Alison (com amor);
Aos amigos que tornaram essa caminhada mais aprazível: Alides, Ben-Hur,
Jason, Ricardo (Putrefa), Rodrigo (Shetara), Wagner, comadre Jovane
(representando a ala feminina) e ao Marcelo, este um grato encontro que o curso de
mestrado me proporcionou. E outros cujos nomes se não estão no texto, certamente
nos acompanham em reminiscências de felizes momentos;
Meu permanente agradecimento a Andrea Rita pelo amor, carinho, dedicação,
paciência, compreensão, força e toda harmonia e equilíbrio que me proporciona. Em
especial por carregar dentro de si uma sementinha que já ilumina nossas vidas;
Esse trabalho não teria saído do projeto de pesquisa se não fosse a
contribuição de uma rede de apoiadores e facilitadores, os quais os represento nos
nomes de:
Thaís, Juíza Noeli, Promotor Carlos Alberto, da Vara da Infância e Juventude;
Fabiane, Rosmeri, Jocemara e demais Conselheiros do Conselho Tutelar Oeste;
Adriana e Irmãs da Casa Santa Luiza de Marillac; Ana Claudia e Irmã Terezinha, da
APAM; Denise, do PEMSE; Ana e Carmen, agentes comunitárias do PSF; Francisca,
do CMDCA; Francisco K. e Maria, do CEVES; Lídia, da Gerência de Epidemiologia;
Marcelo, da Polícia Militar; Ana Alina, do SENTINELA; Mônica, do Departamento da
Criança; Lucia, Psicóloga da UEPG/CEVES; Débora, Regina e Joice, da ONG
Renascer; Alceu, da ONG Reviver; as Assistentes Sociais do SAI; Manuela e Vânia,
da Semi-Liberdade; Mônica, da ALDEIA; Edna, do Instituto João XXIII; Amarildo, do
Centro de Sócio-Educação; e as profissionais do sexo adultas, por aceitarem em
compartilhar suas agruras, curiosidades e minúcias do cotidiano da “batalha”, elas
as quais optamos por preservar seus nomes, guardando suas imagens, palavras e
ensinamentos para e sobre a vida;
Sobretudo nossa enorme gratidão às protagonistas dessa dissertação, as
meninas que de forma indireta (processos) e diretamente nas atividades de
artesanato, assistindo filmes, recortando figuras de revistas etc e nas entrevistas,
mais do que nos mostrar uma geografia ofuscada, elas nos emocionaram, levando-
nos a redimensionarmos diversos valores. Mais do que prostituídas,
institucionalizadas, são protagonistas de talentos sublimes cujo aproveitamento é
necessário para construção de novos cenários.
EPÍGRAFE
O PIB DA PIB – PROSTITUIR
(Tom Zé/Sérgio Molina/A Siqueira)
Catorze, catorze anos,
Doze anos, doze anos
A Prostituição Infantil Barata
É a criança coitadinha do Nordeste
Colaborando com o Produto Interno
Bruto
E esse produto enterra bruto
REFRÃO:
Que dor, que dor
Que suja a bandeira
Oi, essa quebradeira
Oisquindô – lalá
Catorze, catorze anos,
Doze anos, doze anos
Sufocada, magricela, seca, pequenina,
Ah, Nossa Senhora minha
VERSOS PARA POSSÍVEIS
PARCERIAS
Imagine um gringo daquele tamanho
Em cima da criança pobre nordestina,
O PIB da PIB que pimba no seco
Pimba no molhado
Pimba no seco saco seco
Peixe badesco na filha dos outros é
refresco
Ô Senhora, Mãe Senhora,
Nessa hora olha pra tua menina,
Senhora
O governo acha que se ela pega
Uma aidisinha não é nada, nada
Passa na vizinha, vai na rezadeira
Pede à benzedeira chá de aroeira
Que esse Produto Interno Bruto
Justifica Tudo.
A grana da Europa que bate na porta
Doutor pouco se importa se ela seja
porca
Vêm o godo, o visigodo, o germano, o
bretão
Eita, globarbarização
O diabo zela a politipanela
Quando acende vela
Reza Ave-Maria todo o dia
Esse capeta pelo rabo
Soque esse diabo
Ah, Ah, pinta-la-inha
Bê cana-bentinha
Cê cê de marre-deci
REFRÃO:
Que dor, que dor
Que suja a bandeira
Oi, essa quebradeira
Oisquindô – lalá
SUMÁRIO
LISTA DE SIGLAS
LISTA DE FIGURAS
LISTA DE QUADROS
RESUMO
ABSTRACT
RESUMEN
CONSIDERAÇÕES INICIAIS ....................................................................................18
1 - Os primeiros caminhos percorridos na experiência de pesquisa..........................19
2 - Aspectos resultantes da experiência.....................................................................21
I – A TRAJETÓRIA DE PESQUISA DO FENÔMENO DA EXPLORAÇÃO .............29
SEXUAL COMERCIAL INFANTO-JUVENIL FEMININA
1 - A proposta original e as questões iniciais: ............................................................29
Procurando meninas – conceituações e (des)encontros
1.1 - Espacialidades sociais de meninas prostituídas................................................39
2 - A problemática de acessibilidade as meninas, das revelações do ......................49
campo a reconstrução da pesquisa
2.1 - A (re)construção do fenômeno no discurso institucional....................................54
II – O ESPAÇO COTIDIANO DAS PROTAGONISTAS DO FENÔMENO ................74
DA EXPLORAÇÃO SEXUAL COMERCIAL INFANTO-JUVENIL E AS
CONTRADIÇÕES DA REGULAÇÃO CONCEBIDA PELO ESTADO
1- O Espaço Cotidiano das Protagonistas do Fenômeno da Exploração .................79
Sexual Comercial Infanto-Juvenil Feminina
1.1 – Uma família protagonizada entre auto descrição e supervisão........................80
1.2- A conformação espacial identitária cotidiana das meninas e suas famílias .......90
2- As Contradições Concebidas pelo Estado no Tratamento do Fenômeno..............96
2.1- As instituições estatais e a infância na concepção do Estatuto da ....................97
Criança e do Adolescente (ECA)
2.2- A exploração sexual comercial na margem das ações centrais ......................111
do Estado
III - AS REDES DE INTERDEPENDÊNCIA E AS TÁTICAS ..................................121
ESPACIAIS COTIDIANAS NA PERSISTÊNCIA DO FENÔMENO
1- A pluralidade organizacional das redes de interdependência e as táticas ..........126
espaciais
2- O paradoxo da invisibilidade e a persistência do fenômeno ...............................144
CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................159
REFERÊNCIAS .......................................................................................................163
APÊNDICES ............................................................................................................173
ANEXOS .................................................................................................................184
LISTA DE SIGLAS
ABRAPIA - Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à
Adolescência.
AIDS - Síndrome da Deficiência Imunológica Adquirida.
AMENCAR - Associação de Apoio à Criança e ao Adolescente.
APAM - Associação de Promoção à Menina.
BASE LEGIS - Base de Dados Legislativa sobre Infância e Juventude.
CECRIA - Centro de Referência Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes.
CEVES - Comissão Municipal Permanente de Estudo, Análise e Enfrentamento das
Violências Físicas, Psicológicas e Sexuais.
CIESPI - Centro Internacional de Estudos Sobre a Infância.
CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito.
CMDCA / PG - Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de
Ponta Grossa.
CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente.
FUNABEM - Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor.
GETE – Grupo de Estudos Territoriais.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
MARILLAC - Casa Santa Luiza de Marillac.
MNMMR - Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua.
MS – Estado do Mato Grosso.
ONG – Organização Não-Governamental.
ONU - Organização das Nações Unidas.
PEMSE - Programa de Execução de Medidas Sócio-educativa em Meio Aberto de
Ponta Grossa.
PE – Pedidos de Providências.
PI – Procedimentos Investigatórios.
PIB – Produto Interno Bruto.
PMPG – Prefeitura Municipal de Ponta Grossa.
PRF – Polícia Rodoviária Federal.
PR – Estado do Paraná.
PSF – Programa Saúde da Família.
PSP - Profissional de Segurança Pública.
SAI - Serviço de Auxílio à Infância e Juventude.
SIPIA - Sistema de Informação Para Infância e Adolescência.
SP – Estado de São Paulo.
UEPG – Universidade Estadual de Ponta Grossa.
UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância.
LISTA DE FIGURAS
Figura 01: Exploração sexual comercial no Brasil e suas diferenças regionais.........40
Figura 02: Pontos de Exploração sexual comercial infanto-juvenil no Estado ..........42
do Paraná
Figura 03: Fluxo de atendimento do público infanto-juvenil em ................................55
Ponta Grossa – PR
Figura 04: Fluxo de reconstrução dos questionamentos e modelo de análise .........60
Figura 05: Vilas de procedência das protagonistas dos processos e acesso à ........92
rede de esgoto
Figura 06: Vilas de procedência das protagonistas dos processos e .......................93
acesso à escolaridade e renda
Figura 07: Topologia dos protótipos e Protótipo do Terminal Central de Ônibus.....135
Figura 08: Protótipo Centro – Cemitério Municipal .................................................136
São José
Figuras 09: Espacialidades da Exploração Sexual Comercial próximo às ..............139
rodovias
Figura 10: Espacialidade dos principais motéis de Ponta Grossa – PR .................141
Figura 11: Espacialidade dos principais hotéis de alta rotatividade de Ponta .........141
Grossa – PR
Figura 12: Fluxo da Exploração Sexual comercial infanto-juvenil feminina ............142
LISTA DE QUADROS
Quadro 01: Rede de exploração sexual de meninas no Brasil .................................45
Quadro 02: Perfil das meninas protagonistas da pesquisa .......................................69
Quadro 03: Entrada da menina na rede institucional – a ........................................148
primeira notificação
Quadro 04: Menina na rede institucional – depois da primeira notificação .............149
RESUMO
Esta dissertação constrói elementos para compreensão do processo sócio-espacial
da exploração sexual comercial infanto-juvenil feminina em Ponta Grossa PR. Em
meio a um marco legal (regulador das distinções entre adultos, crianças,
adolescentes) existem as práticas cotidianas das meninas conformando significados
em torno da sexualidade, do corpo e das identidades. O espaço geográfico exerce
um papel mediador, componente de relações e representações desenvolvidas na
sua cotidianidade. O grupo focal dessa investigação se constitui por crianças e
adolescentes do sexo feminino exploradas sexualmente na forma comercial. A
operacionalização desta pesquisa se deu a partir de (a) observação sistemática de
pontos de prostituição adulta; (b) análise de processos constantes na Vara da
Infância e da Adolescência, Comarca de Ponta Grossa; (c) leitura de registros de
ocorrências do Conselho Tutelar Oeste, após o ano de 1990; (d) entrevistas com
profissionais do sexo adultas; (e) entrevistas com profissionais que trabalham em
instituições cujo público-alvo são adolescentes e crianças; (f) diálogos com
profissionais de segurança pública; (g) interlocução com agentes comunitárias do
Programa Saúde da Família e (h) investigação junto às crianças e adolescentes
institucionalizadas em abrigos, a partir de entrevistas semi-estruturadas e de
expressão corporal e visual. Essas diversas frentes de trabalho são complementares
na compreensão do fenômeno indagado e reforçam a validação metodológica.
Constatou-se que a espacialidade do fenômeno da exploração sexual comercial
infanto-juvenil feminina é de alta complexidade e não apresenta um padrão
homogêneo. Pelo contrário, sua sobrevivência é possível pelas múltiplas
configurações espaciais. Assim se viabilizam as práticas dos agentes componentes
da rede de interdependência espacial. São táticas invisíveis às estratégias estatais.
PALAVRAS-CHAVE: Espaço geográfico, exploração sexual comercial, gênero,
poder, infância e adolescência, Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA
ABSTRACT
This research constructs elements for comprehension of social-spacial process of
comercial infantile-juvenile feminine sex exploitation in Ponta Grossa, State of
Paraná, Brazil. In the middle of a legal mark (regulator of distinctions between adults,
children, adolescents) there are quotidian practises of the girls forming meanings
around of sexuality, body and identities. The geographical space exercise an
mediator role, composing relations and representations by the quotidianity. The focal
group of this investigation is constituted by chidren and adolescents of female sex
who are sexual exploited in a commercial way. The execution of this research is
based on (a) sistematical observation of adult prostitution points; (b) analisis of
proceedings of Infancy and Youth Judgeship of Ponta Grossa, Brazil; (c) reading of
registers of occurrences of Conselho Tutelar Oeste (West Tutelary Council), after the
year of 1990; (d) interviews with adults sex professionals; (e) interviews with
professionals who works in institutions whose target public are adolescents and
children; (f) dialogues with public security professionals; (g) interlocution with
communitaries agents of Programa Saúde da Família (Family Health Program) and
(h) investigation with the institutionalized children and adolescents that are in
shelters, by half-structured interviews and corporal and visual expression. These
various fronts are complementaries in the comprehension of the phenomenon
enquired and they reforce the methodological validation. The research evidenced that
the spatiality of the feminine infantile-juvenile sexual exploitation phenomenon is
characterized by a high complexity and it does not presents a homogeneous
standard. On the contrary, its survival is possible by the multiple spatial
configurations. In this way, make feasible the practises fo the components agents in
the spatial interdependence. These are invisible tactics to strategies referred to the
State.
KEY WORDS: geographical space, comercial sexual exploitation, gender, power,
Infancy and Youth, Statute for Children and Adolescents (ECA, in portuguese)
16
RESUMEN
Esta investigación construye elementos para la comprensión del proceso sócio-
espacial de la exploración sexual comercial infantil y juvenil del sexo feminino en la
ciudad de Ponta Grossa, Estado de Paraná, Brazil. En medio a uno mojón legal
(regulador de las distinciones entre adultos, niños y adolescentes) existen las
practicas cotidianas de las niñas, ajustando significados al rededor de la sexualidad,
del cuerpo y de las identidades. El espacio geográfico exerce uno papel mediador,
componente de las relaciones y representaciones desarolladas en su cotidianidad. El
grupo focal de esta investigación se constituye por ninãs y adolescentes del sexo
feminino exploradas sexualmente de forma comercial. La operacionalización de esta
investigación se dió a partir de (a) la observación sistemática de puntos de
prostitución adulta; (b) el análisis de juicios presentes en la Vara de Infância e
Adolescência, Comarca de Ponta Grossa (Jurisdición de Infancia y Adolescencia,
región de Ponta Grossa); (c) la lectura de registros de ocurrencias del Conselho
Tutelar Oeste (Consejo Tutelar Oeste), después del año de 1990; (d) entrevistas con
profesionales del sexo adultas; (e) entrevistas con profesionales que trabajan en
instituciones cuyo público específico son adolescentes y ninãs; (f) diálogos con
profesionales de seguridad pública; (g) interlocución com agentes comunitárias del
Programa Saúde da Família y (h) investigación junto a las niñas y adolescentes
institucionalizadas en refugios, a partir de entrevistas semi-estructuradas y de
expresión corporal y visual. Esas diversas frentes de trabajo son complementares en
la comprensión del fenómeno indagado y reforzan la validación metodológica. Se
concluyó que la espacialidad del fenómeno de la exploración sexual comercial
feminina infantil y juvenil es de alta complejidad y no presenta un patrón homogéneo.
Por el contrario, su supervivencia so es posible por las múltiples configuraciones
espaciales. Así se posibilitan la prácticas de los agentes componentes de la red de
interdependencia espacial. Son tácticas invisibles a las estrategias estatales.
PALABRAS-CLAVES: espacio geográfico, exploración sexual comercial, género,
poder, infancia y adolescencia, Estatuto del niño y del adolescente (ECA, en
portugués)
17
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A formação de um pesquisador e de suas escolhas teórico-metodológicas
refletem uma teia complexa de relações e identidades que compõem uma história
que é singular e coletiva simultaneamente. As trajetórias de pesquisas e as
possibilidades de questões que um pesquisador faz à realidade estão
profundamente arraigadas em sua construção como ser humano. Michel Foucault e
Judith Butler, por exemplo, dedicaram grande parte de suas pesquisas voltadas a
discussões do poder e a des-construir as “naturalizações” das construções sociais
normativas de gênero. Estes filósofos têm suas vidas profundamente arraigadas no
estar homossexual” e, por conseguinte, refletem suas identidades nas causas por
eles abraçadas. No cinema de Fritz Lang há referências da falta de complacência do
ser humano e a projeção de uma metáfora, a Alemanha órfã, pós-Primeira Guerra
Mundial. A filmografia do cineasta sueco Ernst Ingmar Bergman é marcada pela
contestação da vida religiosa do pai. Nem de longe temos a pretensão de
comparabilidade com os cânones referidos. A exemplificação sustenta o argumento
de que a relação pesquisa e pesquisador não se estabelece sobre uma tábua rasa,
mas sim respaldada pelo histórico de vida e pelos anseios (engajamento) buscados
pelo agente pesquisador.
O ator / pesquisador dessa dissertação nascido e criado no Distrito de
Itaicoca, área rural do município de Ponta Grossa, filho de uma mãe do lar, agora
também fiscal do ônibus escolar e de um motorista. Os dois possuem reduzida
alfabetização formal, mas estão amplamente licenciados na construção do saber do
dia-a-dia. Ambos ex-pequenos agricultores inviabilizados pela “modernização
18
agrícola”, os quais referendando suas vidas na geografia de Itaicoca. Isso reflete
diretamente na educação, na sensibilidade e a maneira de olhar o mundo do filho. A
marca de ser itaiacocano esteve sempre em conflito com rançoso preconceito
deferido ao meu povo considerado: sem estudo, violento e que resolve suas
diferenças nas “brigas de foice”, em bailes iluminados pela luz do lampião de
querosene, às vezes, lembrado em alguma crônica ufanista de rádios emissoras AM
ou em esparsos escritos acadêmicos. Esses são alguns dos textos que perfazem a
vida desse geógrafo, que poderia estar problematizando a agricultura familiar, as
minas de exploração de talco, ou os fornos de cal, mas que preferiu abraçar uma
outra causa, a de lutar por estabelecer visibilidade científica aos discursos de grupos
silenciados: as mulheres chefes de família, as crianças e adolescentes prostituídas e
outros que, quem sabe, virão. Não estamos preocupados com o pragmatismo, mas,
afinal de contas para quê serviria? Para quem serve as nossas pesquisas? Ou,
quem as utiliza?
1 - Os primeiros caminhos percorridos na experiência de pesquisa
Nossas primeiras inquietações durante a graduação estiveram voltadas à
área humana da Geografia, notadamente aos seus aspectos simbólicos, tendo como
primeiro questionamento da realidade o de compreender como os significados
culturais ratificam o Cemitério Municipal São José no espaço central de Ponta
Grossa. A concepção teórica estava fundamentada na tese de que são os seres
humanos os produtores de significados. E que as formas presentes no cemitério são
projetados significados que são intercambiáveis e comunicáveis entre os grupos
19
sociais, podendo ser compartilhados, mas também contestados. Embora houvesse
um interesse pessoal pelos aspectos simbólicos ligados à morte. Talvez pelo
fantasma da experiência da perda de um irmão não efetivamos esta pesquisa - a
vida apresentou outras questões.
Ainda que sem executar a pesquisa relativa ao cemitério municipal, devemos
dizer que foi ela que levou a explorar o campo da Geografia Cultural e aproximar do
grupo de pessoas que até agora fazem parte da minha formação científica. Durante
a graduação, um grupo de alunos desenvolveu relações de afetividade,
solidariedade e identidade teórica que culminou com a formação do Grupo de
Estudos Territoriais (GETE), no ano de 2003, junto à Professora Dra. Joseli Maria
Silva.
No GETE, nossas primeiras pesquisas estiveram articuladas pelo “Protocolo
de Pesquisa - Espaço, cultura e poder na configuração das relações de gênero na
periferia pobre de Ponta Grossa. PR”, de responsabilidade da professora Joseli
Maria Silva. Nossas preocupações estavam voltadas a dar visibilidades à geografia
das mulheres pobres chefes de família e cada membro do grupo abordou um
aspecto da realidade de vida dessas mulheres. Rodrigo Rossi (2003 a 2005)
estudou as representações sociais instituídas pelas mulheres chefes de família
moradoras das margens do Arroio do Padre, em Ponta Grossa PR. Sendo os
fundos de vale eram locais privilegiados de moradia deste grupo focal.
Outro trabalho, desenvolvido nesse período e articulado aos demais, foi o de
Marcio José Ornat (2003 a 2005). Essa pesquisa teve por objetivo compreender os
deslocamentos cotidianos intra-urbanos desenvolvidos pelas mulheres chefes de
família moradoras da Vila Dom Bosco e da Vila Nova. E sua relação com a
reprodução dos espaços de pobreza. A pesquisa de Ornat demonstrou como as
20
relações de gênero influenciam e são influenciadas pelos processos socioespaciais,
em especial as mulheres chefes de família de baixo rendimento e moradoras de
“espaços” com baixa qualidade de infra-estrutura. Minha reflexão sobre esse grupo
focal foi a participação política e gênero na produção dos espaços de pobreza em
Ponta Grossa PR. Homens e mulheres são desigualmente representados no
Estado e isso decorre das diferenças de oportunidades que ambos adquirem no
processo de participação política e na organização de diferentes instituições que
serão eficientes e fortes se houver um desempenho dinâmico dos cidadãos no
desenvolvimento das políticas públicas (PUTNAM, 1996). Esse trabalho resultou em
novos questionamentos que deram origem a minha monografia de conclusão de
curso sob o título “Espaços de transgressão: participação política feminina na
periferia de Ponta Grossa – PR”.
Enfim, essa experiência no GETE foi o pilar de minha formação como
pesquisador durante a qual pude refletir sobre os obstáculos, superar a falsa
sensação da segurança teórica frente ao referencial empírico e aprendi a ouvir
quando os fatos dizem não à teoria, conforme argumenta Bourdieu et al (2004).
2 - Aspectos resultantes da experiência
Inicialmente, trabalhar com a associação entre gênero e Geografia foi um
desafio. A temática é recente na geografia brasileira. Silva (2006b), ao fazer um
levantamento na Plataforma Lattes do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq), aponta que o número de pesquisadores além de
reduzido é disperso e não constitui uma rede de pesquisa. Com exceção para Rosa
21
Ester Rossini que desde a década de mil novecentos e oitenta, vem
sistematicamente pesquisando na área de geografia e gênero. Com foco voltado
para a exploração da força de trabalho feminina, tanto nas atividades rurais como
urbanas (ROSSINI, 1993, 2004). E, recentemente, o gênero tem sido enfoque de
várias teses de doutorado. Um trabalho voltado para a educação geográfica e
gênero foi desenvolvido por Tonini (2002). Garcia (2004) consagrou sua tese de
doutorado à análise de gênero na luta pela terra no Pontal do Paranapanema. E
Silva (2004) realizou recentemente seu doutorado na área de trabalho informal e
gênero.
Outro aspecto do desafio enfrentado pelo GETE foi construir um suporte
teórico e metodológico o qual desse conta das relações entre gênero e espaço
urbano e que estivesse alinhado com nossa concepção de ciência geográfica. A
compreensão comum entre os membros do grupo era de que “gênero” deveria ser
compreendido como um conceito representação, que se define num contexto de
relações sociais processualmente re-elaboradas, compostas por seres multi
identitários (SILVA, 2003), onde:
Todos os aspectos de nossa existência são construídos a partir do gênero,
do tom de voz aos gestos, dos movimentos às normas de comportamento.
Reproduzimos socialmente – fazemos e re-fazemos – o gênero em milhares
de pequenas ações praticadas ao longo do dia (GIDDENS, 2004. p.108)
Foi importante discutir os fundamentos dos recortes de grupo (focal).Diante
da concepção de que gênero é uma representação e de que as mulheres não
constituem um único grupo identitário. Assim, é preciso construir grupos com
características socioespaciais similares enlaçadas às específicas temporalidades,
pois não podemos estudar “mulheres” genericamente. Ao estabelecermos o grupo
22
focal, os recortes temporais e espaciais trazemos à luz fenômenos que, em geral,
são escamoteados na análise geográfica tradicional. O cuidado com a escolha da
escala de análise (geográfica) também foi um fator fundamental para as pesquisas
endossadas aos espaços cotidianos, intrinsecamente relacionadas à política de
escolha intencional dos pesquisadores. Pois, ao adotar uma escala, ao geografar,
abre-se um leque de possibilidade em dar visibilidade aos grupos sociais invisíveis.
E a possibilidade de escolha em potencializar a visibilidade da ão de grupos
vulneráveis que, quase sempre, são desprezados na geografia brasileira por
procedimentos numéricos em guaritas laboratoriais.
Outro embaraço enfrentado, é que nossos estudos provocam, de certa forma,
o poder instituído do perfil masculino de produção científica. E isso inspirava críticas
e descréditos em torno de nossos trabalhos no GETE. Ainda que, nos países de
capitalismo central, os trabalhos das geografias feministas escalem visibilidade
desde a década de mil novecentos e setenta, essas pesquisas ou perspectivas
tiveram pouca permeabilidade na produção geográfica brasileira. De acordo com
Morin (1996), as construções de verdades em ciência são sempre concensuadas,
não sendo nem boas, e nem ruins a priori. O fato é que as fabricações da
objetividade e de temáticas dignas de pesquisas são geradas a partir de campos de
poder, as ciências construídas por aqueles que a instituem nominal e não
neutramente, em situações de estratégias. Todas as ordens que discorrem não ficam
isentas, “sorrisos de canto de boca”, anedotas, e até mesmo, o questionamento,
no nosso caso, da geograficidade dos temas abordados.
Ainda, um quarto elemento imbricou nossa trajetória. Estávamos
desenvolvendo temáticas relacionadas a explorar o universo de grupos focais
femininos. os componentes do grupo de estudos eram do sexo masculino, o que
23
se apresentava como um complicador. Por exemplo, no âmbito de efetuar
entrevistas em profundidade em que abordávamos aspectos da intimidade,
sexualidade, entre outros, que se interconectavam a uma gama de elementos no
momento da posicionalidade e singularidade, entre o pesquisador masculino e as
entrevistadas femininas. Obviamente, como o gênero é contraditório e
complementar, havia variações. Por outro lado, isso nos remeteu a um
posicionamento crítico inspirado na geógrafa Rose (1997), a qual argumenta que a
realidade espacial juntamente com a pesquisa se constrói numa relação de forças.
Embatem-se os saberes científicos com a posição de quem os pronuncia. Assim, os
conhecimentos se chocam, a noção de realidade que a pesquisa propõe é sempre
construída no ato de pesquisar concensuado.
De tal modo, havia todos os elementos possíveis para um caminhar mal
sucedido. No entanto, pensamos que a partir das adversidades pudemos trilhar uma
alameda de pesquisa em Grupo em que consegui uma formação de pesquisador
geógrafo que agora posso perceber o quanto foi especial. Fomentamos
coletivamente nossa capacidade de imaginação geográfica em que todo fenômeno
social é passível de ser analisado pela Geografia, pois, nas palavras de Cosgrove
(2004), a “Geografia está em toda parte”. O que me parecia uma constatação banal,
não obstante, em estágio de docência realizado na disciplina de “Introdução a
Ciência Geográfica” com a supervisão do Professor Dr. Wolf-Dietrich Gustav
Johannes Sahr, é que pude perceber no âmbito do exercício pedagógico em sala de
aula o quanto que a imaginação geográfica é importante e como os alunos, em
geral, têm dificuldades para problematizar uma dimensão de suas vidas, o espaço
geográfico.
A solidariedade de dados também é (foi) um aspecto enriquecedor no que
24
tange ao trabalho grupal, produzindo análises mais consistentes. Abrindo o percurso
da triangulação de pesquisa, confronto de dificuldades, busca por soluções
conjuntas, a crítica interna, sugestões e compartilhamento de leituras promovidas
em nossos encontros semanais. O trabalho em grupo potencializa os resultados, na
medida em que cada componente possui talentos específicos, que somados
possibilitam progressos. Em nosso caso, habilidades como domínio de geo-
tecnologias livres, ferramentas de banco de dados, acesso a outros idiomas.
Outro aspecto que destacamos é a ambição teórica, não em um tom
pretensioso. Mas, humildemente, averiguar que a investigação científica não está
pautada apenas na aplicação de modelos (implica às vezes na renovação dos
próprios modelos). Idear outras reflexões em torno da posicionalidade do
pesquisador com relação ao fenômeno inquirido. Debater a eficácia conceitual com
às questões efetivadas a realidade, que é muito mais complexa que todo aparato
científico. Enfim, também solidificamos nossos laços de afabilidade, fazendo
geografia.
na tentativa de operacionalizar os trabalhos e sustentarmos
financeiramente, o grupo de pesquisa concorreu ao edital 045/2005 Relações de
Gênero, Mulheres e Feminismos do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico –CNPq, no ano de 2005 e obteve a aprovação do projeto,
Feminização das periferias pobres: Gênero e sexualidade como elementos para
desenvolvimento de políticas urbanas contemporâneas”.
Dessa trajetória, aliada a aceitação do projeto no CNPq, foi aberta uma nova
frente de pesquisa, fruto de nossas reflexões em torno da invisibilidade de sujeitos e
temas no discurso geográfico, tópicos que poderiam ser explorados como a relação
entre sexualidade e espaço. Estabelecemos parceria com a Organização Não-
25
Governamental (ONG) Renascer via o projeto de extensão “Para além da 'batalha'
na rua: práticas de inclusão sócio-espacial e promoção de direitos humanos dos
grupos em situação de vulnerabilidade social, concomitantemente ao “Protocolo de
Pesquisa Ausências e silêncios do discurso geográfico: a produção do espaço
interdito”. Nos quais, Marcio Jose Ornat desenvolveu sua dissertação de mestrado
(Mestrado em Gestão do Território UEPG) abordando a co-relação existente entre
a territorialidade da prostituição travesti e a instituição dos sujeitos transgêneros na
cidade de Ponta Grossa, Paraná. A Profª.Drª Joseli Maria Silva explora a temática da
produção do espaço interdito na experiência cotidiana do sujeito transgênero. E a
dissertação que apresentamos “A Complexidade Espacial da Exploração Sexual
Comercial Infanto-Juvenil Feminina: Entre Táticas e Estratégias de (In) Visibilidade.
A trajetória de pesquisa junto ao grupo e a permanente vigilância
epistemológica permitiu várias re-elaborações das questões que norteiam a presente
investigação, culminando com a seguinte questão central: Como a dimensão
espacial compõe a exploração sexual comercial infanto-juvenil feminina? Essa
questão foi sistematizada nas seguintes sub-questões: Quais as relações entre os
elementos que compõem as múltiplas dinâmicas espaciais da exploração sexual
comercial infanto-juvenil feminina? Como as relações de gênero instituem os papéis
dos agentes na configuração da rede de exploração sexual comercial infanto-juvenil
feminina?
Na organização interna do trabalho as nuances, os avanços e retrocessos do
movimento de pesquisa compõem o capítulo I da dissertação, intitulado “Trajetória
de Pesquisa do fenômeno”. Apresentamos a proposta original de investigação e as
questões iniciais. Fazemos uma breve discussão em torno da prostituição,
evidenciando o espaço geográfico e o tempo como instâncias compositoras do
26
fenômeno. E definimos nosso recorte de grupo e refinamos as ferramentas
temáticas relacionadas à exploração sexual comercial infanto-juvenil feminina.
Ainda no capítulo inaugural, debatemos as revelações do campo e a
reconstrução da pesquisa sustentada pela incursão investigativa nas ruas e nas
instituições que realizam trabalhos junto ao público infanto-juvenil. Se na primeira
parte do capitulo é importante a definição dos recortes temático, de grupo, temporal
e espacial, nesse segundo momento é fundamental a re-construção das questões
suscitadas pelo trabalho empírico e modelo de análises. Delineamos o espaço como
elemento fundante do trabalho e destacamos alguns autores importantes nessa
argüição teórica, tais como Duncan (2004), Rose (1993), McDowell (1999),
acrescidos de Butler (2003), Elias (1994a-b) e Foucault (1990, 2006).
No capítulo subseqüente, discutimos o espaço cotidiano das protagonistas da
rede de interdependência de exploração sexual comercial infanto-juvenil feminina
centrando o olhar nas relações entre os grupos identitários e em questões atinentes
às características socioespaciais. Para tal iniciativa, dissertamos em torno da criação
de uma família paradigmática, que nos serve como exemplo, no âmbito de exercício
analítico.
Fazemos uma contraposição entre o significado atribuído ao contexto familiar
por parte das meninas e sua infância e juventude vivida. E contrastamos com a
impressão efetivada pelo Estado, essa substanciada no Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA). Discutimos algumas atribuições dos órgãos constituintes do
Estado e as suas ações margeantes com relação ao fenômeno aqui debatido. Bem
como nossa concepção teórica em torno do Estado arregimentado em Offe (1984) e
os embates relacionados às teorias referentes à infância e adolescência.
Finalizamos o trabalho com o terceiro capítulo As redes de interdependência
27
e as táticas espaciais cotidianas na persistência do fenômeno”. Relacionamos as
ações do diversos agentes envolvidos, dais quais discursamos a partir das inserções
das meninas nos processos e relatórios estatais. Mesmo havendo uma denúncia no
sentido de dificultar a exploração sexual comercial, essa aparece de forma
tangencial no Estado. Alguns agentes não têm o interesse em desarticular a rede.
Outros o têm, mas, paradoxalmente, buscam esconder a exploração, por ser um
coadjuvante, pela moralidade ou pela tentativa de preservar a própria menina.
Traçamos um panorama da pesquisa enquanto um meio de formação
pedagógica de um pesquisador. Trilhar um caminho alicerçado na perspectiva de
grupo. Chegando ao momento em que decidimos efetuar a busca por compreender
como a dimensão espacial compõe a exploração sexual comercial infanto-juvenil
feminina. Posteriormente, fazemos uma apresentação dos três capítulos que
compõem essa dissertação, ficando aqui mais do que um convite à leitura, mas a
expectativa de suscitar novas questões, debates e o aprofundamento das mesmas
no processo de construção científica e do engajamento social.
28
I A TRAJETÓRIA DE PESQUISA DO FENÔMENO DA EXPLORAÇÃO SEXUAL
COMERCIAL INFANTO-JUVENIL FEMININA
O que não é regulado para a geração ou por ela transfigurado não possui
eira, nem beira, nem lei. Nem verbo também. É ao mesmo tempo expulso,
negado e reduzido ao silêncio. Não somente não existe, como, não deve
existir e à menor manifestação fá-leão desaparecer sejam atos ou
palavras. As crianças, por exemplo, sabe-se muito bem que não têm sexo:
boa razão para interditá-los, razão para proibi-las de falarem dele, razão
para fechar os olhos e tapar os ouvidos onde quer que venham a manifestá-
lo, razão para impor um silêncio geral e aplicado. (FOUCAULT, 2006. p.10)
O objetivo deste capítulo é compartilhar o percurso científico trilhado na
elaboração da pesquisa em tela. No processo de investigação desenvolvemos uma
relação possível entre agente pesquisador e objeto de pesquisa a partir de um
tempo e de ferramentas disponíveis para construir a inteligibilidade do fenômeno que
elegemos. No caso da Geografia, uma ciência social, investigamos uma relação que
complexifica o vínculo entre agente-objeto do conhecimento, pois, no ato da
pesquisa, o agente pesquisador compõe seu objeto e refletir sobre isso é nosso
papel enquanto produtores de ciência. Assim, nas linhas que seguem, desdobra-se
um incessante e, porque não dizer, angustiante processo de análises dos cenários,
de reformulação de parâmetros, tentativas de abordagens que compuseram e
marcaram a produção deste trabalho.
1 - A proposta original e as questões iniciais: Procurando meninas
conceituações e (des)encontros
Esta proposta aborda um dos mais graves desafios sociais brasileiros, a
comercialização de práticas sexuais com crianças e adolescentes, em especial do
29
sexo feminino. A negociação ultrapassa o ato sexual em si, pois a sexualidade
compreende aspectos biológicos, sociais, psicológicos e culturais nos quais se
inserem diferenças dos papéis sociais de gênero.
Gomes et al (1999) consideram como nominativo dessas práticas comerciais
a expressão: prostituição infanto-juvenil a qual, remete a uma abordagem que
entrecruza a exploração econômica e a obtenção de prazer por parte do cliente, com
danos a quem está sendo explorado. Ao remetermos a conceituação da questão
enquanto prostituição destaca-se um brioso artigo de Libório & Castro (2004) em
que se altercam os debates acadêmicos e políticos, em torno do comércio de
práticas sexuais femininas. Neste texto Libório & Castro (2004) discutem a
polarização de trabalhos referentes à prostituição, onde alguns autores optam pela
situação de escolha e outros argumentam sobre a opção forçada pela prostituição
por parte das mulheres em meio às forças estruturais externas.
Em decorrência dessa dualidade, o primeiro grupo defende a
profissionalização (legalistas). O segundo conjunto remete a abolição
(abolicionistas), para os abolicionistas trata-se de uma pseudo-escolha ou de uma
sutil forma de escravidão condicionada por situações como violência, miséria entre
outros elementos que seriam geradores do fenômeno / prostituição. O indivíduo
nesse sentido é passivo à exploração que expressa idéias e comportamentos tanto
de ordem econômica quanto de gênero.As mulheres percorreriam caminhos
demarcados pelos papéis sociais de gênero e, por fim, teriam o seu corpo adquirido
para o uso sexual do homem.
Ainda referendando-nos nas idéias de Libório & Castro (2004), destacam-se
argumentos que defendem o uso do termo situação de prostituição como substitutivo
da nomenclatura prostituição. Nesse viés salienta-se a necessidade da discussão do
30
poder e a problematização da moral, hodiernamente pautada na honra e na
sexualidade cristã
1.
E os discursos tendem a atacar as prostitutas em vez de debater
todo um arranjo que promove a prostituição, incluindo clientes, aliciadores, cafetões
e cafetinas. Critica-se as próprias instituições que trabalham nessa temática quando
centram as discussões somente nas sujeitas / prostitutas, o que contribuiria para
reforçar relações assimétricas de poder. Entretanto, o debate em torno da idéia de
sujeitas é extremamente melindroso, tanto nas referências de sujeitas enquanto
situações de não-escolha (ou pseudo), ou mesmo, em opção voluntariosa.
Paradoxalmente negaria a própria idéia do ser sujeito (ativo), que dentro de uma
sociedade de consumo faz uma escolha racional. Nesse âmbito as sujeitas não são
vítimas voluntariosas, mas sim resistentes num contexto capitalista de consumo e
relações de classes dessimétricas.
As situações de prostituição perpassariam a um contexto societal ligado às
construções das subjetividades, do desejo e das necessidades sexuais destituídas
da moral cristã --- a qual intercambia sexo e amor. O sentimento legítimo na moral
cristã é o amor vivido no espaço privado e associado ao sexo. A vivência sexual sem
o amor seria inconcebível na esfera pública. Sendo assim, o ato da prostituição
impinge ao sujeito que se prostitui uma situação de negatividade.
Os diversos posicionamentos e as expressões conceituais não são somente
uma representação de grupos ou autores frente a um fenômeno, eles também criam
as representações racionais de realidade. Essas criações têm conseqüências, já que
passam também a compor o real. Carmama e Torralbo (2006), em trabalho
executado em Madrid (Espanha), optam pela categoria profissionais do sexo
definição provinda do próprio grupo. O Ministério da Saúde no Brasil em manual-
1 Ver a respeito do debate em torno da cristianização da sexualidade a obra “A sexualidade, ontem
e hoje” de CATONNÉ, J-P. (2001).
31
referencial (2002) para combater e prevenir doenças sexualmente transmissíveis
também incorpora a mesma terminologia utilizada pelas autoras espanholas. Todas
as descrições ou discursos sobre o mundo são também ações. Logo, toda
inteligibilidade fenomenal por mais que traga o agente investigado para a condição
de protagonista
2
, essa escolha do pesquisador é pautada na construção científica,
qual não se como uma tradução de uma realidade externa. Assim, a ciência se
constrói por pessoas apoiadas em uma condição construída por artefatos, conceitos,
categorias.
A posicionalidade adotada pelos pesquisadores frente a uma questão
abordada é compreendida nesta pesquisa conforme Löwy (2000). A autora disserta
sobre o concreto situado em uma realidade comunicada e argumenta que um
posicionamento do conhecimento gerado na comunidade científica que é inscrito em
redes e produzidos por pessoas que fazem suas opções. Para ela, o conhecimento
situado é uma estratégia para sair tanto do totalitarismo quanto do relativismo de
posições.
Carvalho (2000), em sua dissertação de mestrado, ao discutir uma vasta
bibliografia, destaca que a prostituição tem sido amplamente debatida no âmbito da
Medicina, da Criminologia, da Vigilância Sanitária, das Doenças Sexualmente
Transmissíveis, da Epidemiologia e das Representações, ressaltando uma
polissemia em torno do assunto. Enfatiza ainda as variações que podem ser vistas,
de um lado, como resultado das escolhas ideológicas dos pesquisadores
2 Muito embora na bibliografia se utilize à expressão Sujeito em prol de afirmar ou a remeter a uma
ação ativa dos indivíduos, ao pesquisarmos por Sujeito encontramos por definição cinco opções
que remetem a submissão (sujeitar-se) “Que está ou fica por baixo. 2. Que se sujeitou ao poder do
mais forte; dominado, escravo. 3. Adstrito, constrangido. 4. Sem vontade própria; domado,
escravizado. 5. Exposto a qualquer coisa, pela sua natureza ou situação”. Dessa forma optamos
por utilizar a palavra Agente ou Protagonista conforme o contexto. Protagonista: “Principal
personagem de uma peça dramática. 2. Pessoa que, de qualquer acontecimento, ocupa o primeiro
lugar”. Agente: “Que age, que exerce alguma ação; que produz algum efeito”. Fonte dicionário
eletrônico Michaelis. (versão,2002).
32
(posicionamento situado) e, de outro, conforme os contextos em que se decorrem as
investigações.
Ao considerar o contexto, tomamos como fundamental as categorias de
espaço e tempo. Ribeiro (1997) estuda a prostituição de rua em Copacabana bairro
da Zona Sul na Cidade do Rio de Janeiro (RJ) e, quando aborda a atividade
feminina, afirma que esta “pode ser subdividida conforme sua localização”
(RIBEIRO, 1997, p.99), estando alicerçadas a diferentes formas de territorialidades.
Em artigo anterior, Ribeiro, juntamente com Mattos, demarca que diferenças
claras entre a prostituição fechada e a de rua, quanto às personificações corporais
(gestos, vestimentas), veis sociais (das prostitutas e clientes), formas de
pagamento, atributos físicos, entre outros. A primeira, do bordel, boate, etc, com
certos véus de esconderijo social.Já na rua ao invés do acortinar, é preciso deixar
claro o que procura, a partir de suas vestes, atos de escolha espacial, local
reconhecido como de prostituição, pois o cliente precisa saber a quem se chegar
(MATTOS & RIBEIRO, 1996).
Em análise do fenômeno, considerando o tempo também evidencia variações,
Campos (2000) realizou um estudo das territorialidades do sexo na cidade do Recife
(Pernambuco) na primeira metade do século XX. Recorrendo as memórias de ex-
dona de pensão e de ex-universitário. A “zona” local da atividade de prostituição, é
rememorada como local de iniciação sexual, intelectual e de sociabilidade da
juventude. Lócus de formação de clubes literários, lembrado com nostalgia por
prostitutas como um tempo em que se tinha um parceiro fixo. Villalobos (1999),
numa excursão mais distante, busca em relatos de viajantes do Brasil Colonial um
imaginário social que produzia uma geografia sexual entrecruzando sexo, clima e
relevo ou uma erotização e o perigo do feminino (a mulher ameríndia como uma
33
ameaça aos bons costumes dos homens europeus), em comparação à fabulosa
fertilidade das terras do Novo Mundo.
Nosso posicionamento sobre o debate apresentado a propósito das
negociações sexuais é de evidenciarmos como pilastras espaço, tempo e as atitudes
situadas na conjuntura de grupos sociais (de pesquisadores e pesquisados). Ainda
que tenhamos separado as composições espaciais e as construções sociais de
tempo na exposição bibliográfica, para nós comportam-se como instâncias
componentes simultâneas de uma mesma realidade.
As dimensões de espaço e tempo consideradas na análise de um fenômeno
em que o recorte de grupo são crianças e adolescentes do sexo feminino e
moradoras de periferias pobres, complexifica ainda mais os caminhos deste
trabalho. Isso porque as pessoas não nascem prontas, seja do ponto de vista
biológico (maturação do cérebro) ou pelo nível de interações sociais
experimentadas.
Ao longo da vida as pessoas vivenciam diferentes fases e interagem de forma
distinta enquanto crianças, adolescentes ou adultos. Além disso, são submetidas
também a diferentes enquadramentos sociais, morais e legais de acordo com seu
espaço-tempo social. Além de cada sociedade construir parâmetros próprios a
serem seguidos, também diferenciações internas a serem consideradas. São as
experiências da vida concreta, cotidiana, que instituem pessoas de mesma faixa
etária com graus de maturidade diferentes, ainda sob uma mesma base legal e
moral.
O contrato social do Brasil reza que as pessoas com idade de até doze anos
incompletos são consideradas crianças e aquelas cuja faixa etária está
compreendida entre doze e dezoito são adolescentes, conforme prevê o Estatuto da
34
Criança e do Adolescente (ECA – Lei Federal n° 8.069, de 13 de julho de 1990). Esta
legislação concebe que a sociedade brasileira tem a obrigação de manter e proteger
essa parcela da sociedade e criar mecanismos específicos que norteiam a ação do
Estado no tratamento de questões que envolvam pessoas menores de dezoito anos.
Conforme o ECA, a prática comercial sexual com crianças e adolescentes é
considerada um crime perante o Estado brasileiro, realizado pelos adultos-clientes e
também por aqueles que facilitam, induzem ou forçam a prostituição desta parcela
da sociedade. Desde o ano de 1993, quando se efetivou no Brasil uma importante
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre a então chamada prostituição
infanto-juvenil, a temática passou a ser compreendida como exploração sexual
comercial infanto-juvenil, a fim de diferenciar o fenômeno em relação às atividades
de comercialização de práticas sexuais realizadas por adultos.
Em vista disso, a pessoa com idade inferior a dezoito anos não é parte
culpada da atividade de exploração sexual comercial. Leal (1999) destaca que a
nossa legislação compreende que uma criança, indivíduo com menos de doze anos
de idade, e um adolescente, menor de dezoito anos, não optam por se prostituírem,
mas fazem parte de um grupo social de risco e são seduzidos pela prática dos
adultos. Elas são prostituídas e não prostitutas.
Mesmo depois da CPI de 1993 Gomes et al (1999) mantém a postura
conceitual em prol da terminologia 'prostituição infanto-juvenil' mas polêmicas em
torno da nomeação do fenômeno. Faleiros e Campos (2000), que adotam a
terminologia de 'exploração sexual comercial', advertem que a conceituação é ainda
difícil e limites de pesquisa tanto de aspectos qualitativos quanto quantitativos. A
dificuldade conceitual da questão e sua precária avaliação quantitativa se devem ao
fato da rede de exploração ser extremamente poderosa economicamente,
35
constantemente 'reciclada', ilegal e criminosa
3
.
O termo exploração é reivindicado não somente com relação à questão
monetária, considera também o prejuízo sócio-mental que acarretam ao explorado.
Tanto o público infantil, quanto juvenil, não possuem uma consciência formada sobre
sua sexualidade e seus corpos. A exploração sexual comercial infanto-juvenil, além
de uma realidade jurídica (ou de enquadramento como crime na legislação aos que
fazem uso comercialmente de corpos infanto-juvenis) se traduz em um mercado de
pedofilia (1), turismo sexual (2), pornografia infantil (3) e a mercantilização de
práticas sexuais envolvendo trocas entre crianças e adolescentes com clientes e
facilitadores (4), este trabalho debate a quarta modalidade.
As relações transcorridas no mercado ilegal estão imbricadas pelo poder,
exercendo também uma sedução em torno das adolescentes que começam a
descobrir sua sexualidade, haja vista que no livro organizado por Leal (1999)
relatos de pessoas que trabalham em organizações não governamentais (ONG)
junto ao público de adolescentes prostituídas, em que as meninas afirmam algumas
vezes que também sentem prazer nessa relação, enquanto prática sexual, porém
convêm ressaltarmos que é:
3 Quando nos referimos à expressão que remete a criminalidade, não estamos simplesmente
reproduzindo o discurso da lei. Referimo-nos a fatos e cenas semelhantes as que o leitor poderá
ver ao assistir o filme: “Anjos do Sol” (2006) roteiro e direção de Rudi Lagemman. No filme a
personagem Maria (doze anos de idade), após ser vendida pelos pais no Sertão da Bahia, passa
por um “leilão de virgens”, vira presente de quinze anos do filho de um fazendeiro. Depois é
escravizada em uma boate na floresta amazônica para atender ao público do garimpo. Foge
para o Rio de Janeiro, onde uma cafetina providencia sua maioridade (falsifica documentos), após
fugir da cafetina, pede carona em uma rodovia, terminando o filme com a pergunta de um
caminhoneiro, de como ela pretendia pagar a carona. Treze textos (livros e artigos) mais notícias
de jornais sobre exploração sexual comercial infanto-juvenil embasam o roteiro do filme. Muito
diferente, por exemplo, da realidade do filme “O Céu de Suely” (2006) co-produção Brasil-França-
Alemanha e Portugal, dirigido por Karim Aïnouz. Nesse filme, Hermila (21 anos), após retornar de
São Paulo com um filho nos braços para a cidade de Guatu interior do Ceará, se vê sufocada pelo
contexto interiorano. Inspirada na amiga Georgina (prostituta) formula o codinome Suely e rifa uma
noite de sexo para conseguir dinheiro a fim de viajar a uma cidade cosmopolita. Ressaltamos que
“A arte de representar nos oferece um caminho de reconhecimento do mundo, da vida, da
memória e dos sonhos que pulsam do/no espaço geográfico” (BARBOSA, 2000. p.86).
36
na adolescência (que) ocorre a desorientação temporal, a manifestação da
evolução sexual, a atitude anti-social e separação progressiva dos pais e
muitas outras mudanças, além do jovem buscar a construção de uma nova
identidade. Nesta fase do indivíduo, o mercado do sexo parece um lugar de
aventura, liberdade, autonomia, sedução e conquista. Mas, o que significa
viver a adolescência no mercado do sexo numa fase de mudança do corpo,
sem conhecimento sobre o mesmo, cheio de mitos e fantasias? Viver este
momento como um simples objeto, num espaço que, muitas vezes, não se
encontra afeição? Como valorizar este novo corpo na prostituição que, na
verdade, o desvaloriza? Ou será que recebe uma importância que fora dela
não encontra? Será que o corpo é o único “instrumento” da mulher pobre
que é visto pelo mercado moderno? O adulto em vez de ser referencial, dar
apoio, aproveita-se deste momento de fragilidade e de busca do
adolescente. Os riscos deste mercado de sexo são muitos como a gravidez
precoce, abortos, doenças sexualmente transmissíveis, assim como a dupla
exclusão social, quando não atendem mais as exigências do mercado do
sexo. Numa cultura machista, na qual a primeira relação sexual é tão
valorizada, a perda da virgindade desvaloriza a menina. A saída encontrada
é casar com o autor ou ser vista como perdida (para o casamento). O
casamento precoce e a separação em seguida ou a nova identidade de
perdida são alguns dos fatores que influenciam na entrada no mercado do
sexo. Falta de lazer e opções de sobrevivência, vivência de abuso sexual na
família e repressão sexual são alguns outros (HAZEU & FONSECA, 1998.
p.36)
A atividade inscreve-se como alternativa de renda mas, implica relações
sociais e culturais dessimétricas, envolvendo os desejos e valores em que se ancora
um processo complexo que inclui grupo social, gênero, etnia e situações concretas
de vida na qual se constroem histórica e espacialmente as categorias crianças e
adolescentes.
O fenômeno da exploração sexual comercial infanto-juvenil se compõe
também de várias fabricações simbólicas como a valorização do consumo, gerando
um processo de retro-alimentação, a erotização precoce infanto-juvenil, a virgindade,
e o desejo de consumir este erotismo fantasioso por parte do homem adulto. As
trocas de 'bens' por atos sexuais vão desde celulares, roupas de marcas famosas,
até um chocolate ou ajuda no orçamento familiar. As práticas estão profundamente
arraigadas ao processo de exploração sexual comercial e às características
sócioespaciais de clientes e infantes explorados.
Assim, adota-se para esta pesquisa a terminologia 'exploração sexual
37
comercial'. Compreendendo o fenômeno investigado a partir da experiência de
crianças e adolescentes da periferia pobre como mais um componente de uma
realidade ampla de exclusão social, econômica e espacial.
As crianças e adolescentes, focos desta pesquisa, estão excluídas dos
acessos à escola, ao consumo, ao mercado de trabalho, à saúde e aos bens
culturais. Leal (1999) argumenta que a violência intra e extra familiar também é um
fator importante, não enquanto um dado determinante, mas enquanto fomentador de
uma situação de vulnerabilidade à exploração sexual comercial e outros tipos de
violência. Nesse sentido, a pobreza não somente indica exclusão social, mas
possibilita a inclusão
4
de crianças e adolescentes no mercado do sexo, ressaltando
que:
a pobreza e a indigência são vistas, assim, como condições de
propiciamento e possibilidade da exploração sexual de crianças e
adolescentes pela exclusão que comportam, pelas exigências de trabalho e
sobrevivência que recaem sobre as crianças, tanto pela falta de condições
da família como pela forma em que esta se estrutura para sobreviver e
relacionar-se (CECRIA,1997. s/p)
Além disso, para esta pesquisa uma outra importante questão a ser
abordada que é o perfil majoritariamente feminino de crianças e adolescentes
exploradas sexualmente em oposição ao perfil masculino dos clientes, conforme
4 Embora seja utilizada a expressão exclusão, fazemos a contrapartida com a inclusão. Longe, de
fazermos um trocadilho sarcástico referenciamos que esses antônimos não podem ser tomados
numa amplitude social, sempre que citados precisam necessariamente ser antecedidos pela idéia
excluída - incluída com relação à quê? Como seres sociais às meninas prostituídas não estão
imbuídas numa exclusão totalizante, mas incluídas precariamente, ou nas palavras de Castel
(1998) estão nos déficits de lugares ocuveis na estrutura social. Entretanto, o citado autor
trabalha com a expressão inúteis para o capital no âmbito da precarização do trabalho e a
negação da cidadania, tendo por efeito a inutilidade social. Parcialmente Castel (1998) nos é
apropriado quanto à negação da cidadania, mas como o próprio autor referencia inserção dos
flagelados em redes de sociabilidade. Essas redes podem garantir a vivência ainda que num
circuito mais nefasto do que o trabalho precário, porém, salientamos que não são inúteis, na
sociedade capitalista, em que complementaríamos a idéia com a canção gravada por Tom “A
PIB do PIB” para qual a exploração sexual comercial infanto-juvenil feminina faz parte do ciclo da
globarbarização: “Prostituição Infantil Bruta a serviço do Produto Interno Bruto”; inseridas numa
terminologia mais abrangente o qual situa-se esse trabalho: a exploração.
38
investigado por Faleiros e Campos (2000). Esse ponto evidencia que um
importante elemento simbólico de caráter de gênero que compõe o processo de
exploração comercial sexual deste grupo focal.
1.1 - Espacialidades sociais de meninas prostituídas
O fenômeno da exploração sexual comercial infanto-juvenil é bastante
heterogêneo, havendo elementos constitutivos desta espacialidade diferencial a
serem explorados. Ele se manifesta com maior intensidade, ou está mais saliente a
observação, em algumas localidades específicas, de certa forma acompanhando as
“necessidades sexuais territorializadas” e em consonância com a prostituição adulta:
é importante destacar as articulações do fenômeno da exploração sexual
com as atividades econômicas dos territórios onde ocorre. Ou seja, as
formas de exploração variam segundo o desenvolvimento econômico das
localidades ou regiões nas quais existe. Por exemplo, no Brasil, nas cidades
onde houve incremento ao turismo floresceu o sexo turismo; próximo a
atividades econômicas primárias de extração (garimpos) existem bordéis
com mulheres escravizadas; em Brasília, centro político e administrativo,
a oferta de garotas (os) de programa, “acompanhantes” de políticos e
executivos; nos portos encontra(m)-se, além de bordéis, o “turismo náutico”.
Verifica-se, também, que grandes empreendimentos e obras, com presença
de importantes contingentes de população masculina necessitando “ser
servida sexualmente”, provocam o aparecimento de muitas empresas do
mercado do sexo (CAMPOS & FALEIROS, 2000, p.19)
Além das diferentes intensidades do fenômeno, uma diversidade
econômica, social e espacial. Muito embora seja importante traçarmos algumas
variáveis propiciadoras do fenômeno estudado, lembramos que ele ocorre num
modo total de “singularização capitalística” emprestando uma expressão de Guattari
(1986), em que a subjetividade não é opositora da materialidade, mas uma matéria
39
prima para todo o sistema. Nesse sentido, Guattari (1986) é enfático contra a
polarização indivíduo e sociedade para o autor, o que é um agenciamento social,
uma espécie de diálogo entre as duas forças, onde é produzida a subjetividade, “ou
seja, toda a produção de sentido” (GUATTARI,1986, p.31).
Assim, enquanto apontamento para referência aos nossos procedimentos de
pesquisa, destaca-se um importante relatório sobre a exploração sexual comercial
infanto-juvenil do Centro de Referência Estudos e Ações sobre Crianças e
Adolescentes (CECRIA), divulgado em 1999, o qual demonstra que
especificidades regionais a serem consideradas e que, no caso da Região Sul do
Brasil, a exploração sexual comercial está arraigada à circulação de capital, drogas
e pessoas nas rodovias como podemos ver na figura 01:
Figura 01: Exploração sexual comercial no Brasil e suas diferenças regionais
Fonte: LEAL, M.L.P. (org). p.20
40
Em um ranking elaborado pela Associação Brasileira Multiprofissional de
Proteção à Infância e à Adolescência (ABRAPIA,2006. s/p), observamos que num
universo de 1547 denúncias de abusos sexuais endereçadas a ABRAPIA no período
de janeiro de 2000 a janeiro de 2003, três estados da Região Sudeste aparecem
com maior números de denúncias: Rio de Janeiro 448 (28,94%), São Paulo 200
(12,92%) e Minas Gerais 118 (7,62%). O estado do Paraná figura na nona posição
com 69 denúncias (4,46%). Ainda que, os dados não sejam efetivamente a respeito
de exploração sexual comercial e as porcentagens sejam carentes de uma
triangulação ao contingente populacional de cada estado, a nona posição ocupada
pelo estado do Paraná em um número total de 26 estados e um distrito federal foi
um dado que nos chamou à atenção no âmbito da pesquisa em tela.
A espacialidade da exploração no país levou a Polícia Rodoviária Federal
(PRF) a pesquisar e lançar um relatório no ano de 2005. Nesse relatório foram
identificados 474 pontos de exploração sexual comercial em todo o país. No Estado
do Paraná 23 pontos de exploração foram diagnosticados nas rodovias federais BR-
116, BR-273 e BR-277, concentrados em onze municípios, entre os quais, temos o
registro da cidade de Ponta Grossa com a ocorrência de exploração em “beira de
estrada”, como podemos visualizar na figura 02.
41
Figura 02: Pontos de Exploração sexual comercial infanto-juvenil no Estado do
Paraná
BR-373
BR-376
42
Como podemos observar na figura 02, as vias de acesso a pólos turísticos
como a cidade de Foz do Iguaçu (famosa pelas Cataratas do Iguaçu) são pontos
com freqüência de exploração sexual comercial. Também é expressiva a fronteira
inter-países com a incidência de um elevado tráfego de veículos. Vejamos, por
exemplo, que a BR-277 (que corta o estado no sentido leste-oeste) foi a que
registrou o maior número de ocorrências. Trata-se de uma estrada de mão dupla
com fluxo intenso de mercadorias, pessoas e narcotráfico entre o Brasil – Paraguai e
Argentina. Nessa composição de cenários, configurou-se o interesse por conhecer a
relação entre a exploração sexual comercial de crianças e adolescentes e a
produção do espaço em Ponta Grossa PR. Privilegiamos a escala local a fim de
conhecer o fenômeno a partir de suas especificidades de temporalidade e espaço,
com intuito de colaborar com os órgãos que combatem essa forma de exploração.
A Geografia analisa a dinâmica dos desenhos territoriais onde coexistem
ritmos diferentes de configuração de redes com inúmeras características, conforme
Santos (2001). Assim, o fenômeno social eleito seria compreendido em sua
dimensão espacial, considerando a complexidade do espaço cotidiano articulado às
diferentes escalas geográficas e, ainda, evidenciando o movimento dos fluxos e
fixos, concretos e/ou virtuais.
O espaço geográfico resulta da ação de diversos agentes e simultaneamente
o espaço é componente das mesmas ões, podendo estar organizado em redes
geográficas que funcionam:
como qualquer materialidade social, produtos e condições sociais. Na fase
atual do capitalismo a importância das diversas redes geográficas na vida
econômica, social, política e cultural é enorme e, de um modo ou de outro,
todos estamos inseridos em mais de uma rede geográfica e,
simultaneamente, excluídos ou ausentes de um número ainda maior de
redes (CORRÊA, 1997, p.108-109).
43
A possibilidade aberta por Corrêa (1997) pela multiplicidade de configurações
das redes geográficas remete-nos a uma flexibilidade da teoria e nos instiga a novos
caminhos. A geógrafa Dias (1995) defende a idéia de que todo tipo de fluxo
pressupõe a existência de uma rede, sendo a conexidade uma propriedade
essencial. Santos (1996) argumenta, em linhas gerais, a existência de dois tipos de
redes: uma material, com fluxos de bens e informações, outra social, com fluxos de
pessoas mensagens e valores. O espaço geográfico é produzido também por
indivíduos marginalizados que percorrem arestas frente a uma ordem dominante e
constroem teias de relações cotidianas que podem ser invisíveis sob a perspectiva
de uma escala pequena e hegemônica. Mas que, mesmo assim, são elementos
importantes de serem considerados na análise geográfica, pois se interconectam
fluxos de valores, perceptíveis somente numa escala grande, contudo não isolados
da sociedade.
A cidade de Ponta Grossa possui formidáveis atividades econômicas
desenvolvidas a partir de fluxos de inúmeras formas como pessoas, informações,
capital, mercadorias, etc. Sua localização geográfica constitua-se num importante
entroncamento rodoviário que liga o sul do país às demais regiões brasileiras e em
direção aos portos de Antonina e de Paranaguá (PR), que juntos são uns dos
principais exportadores de produtos agrícolas do país, em especial a soja.O Porto de
Paranaguá é o sexto maior do mundo e segundo do Brasil, o maior porto graneleiro
da América Latina. Isso facilita um imenso fluxo de veículos, notadamente
conduções de carga pesada que são dirigidos por caminhoneiros que, segundo
órgãos governamentais (ver quadro 01), constituem um grupo significativo dentre os
usuários de serviços sexuais comerciais que envolvem crianças e adolescentes ou,
ainda, são pessoas que convivem e presenciam o fenômeno de forma privilegiada.
44
Assim, as abordagens realizadas com alguns caminhoneiros levava-nos a conceber
a existência de meninas prostituídas em postos de combustíveis e “beiras de
estradas”. O conhecimento do senso comum aliada à facilidade dos fluxos e
conexidades que se dariam nas rodovias, configurava assim a possibilidade de
investigar as redes de exploração sexual comercial infanto-juvenil, tendo como
recorte espacial o município de Ponta Grossa.
Quadro 01: Rede de exploração sexual de meninas no Brasil
01 - REDE DE EXPLORAÇÃO
SEXUAL
Boates, Hotéis, Sexo-Turismo, Garimpos, Redes de Motéis,
Casas de Massagem, Prostíbulos / Bordéis, Gerentes / Donos
de Hotéis / Prostíbulos, Estações Rodoviárias / Ferroviárias,
Narcotráfico.
02 - EXPLORADORES SEXUAIS Motoristas de Táxi, Gigolôs, Cafetinas, Policiais,
Caminhoneiros, Patrão / Patroa, Donos de Lojas, Parentes.
03 - VIOLÊNCIAS E DELITOS –
VINCULADOS A EXPLORAÇÃO
SEXUAL
Torturas, Espancamentos, Tentativas de Assassinatos,
Estupros, Cárcere Privado, Seqüestros, Mutilações, Maus
Tratos, Mortes, Confinamentos, Tráfico / Vendas de Meninas.
04 - SAÚDE – VINCULADA A
EXPLORAÇÃO SEXUAL
AIDS (Síndrome da Deficiência Imunológica Adquirida),
Doenças sexualmente transmissíveis, Abortos, Suicídios,
Dependência Química (Drogas).
05 - ESTRATÉGIAS DE
ESTADO
Batidas / Blitz, Prisões, Inquéritos Policiais, Processos
Judiciais.
06 - AÇÕES DA SOCIEDADE
CIVIL
Denúncias, Eventos, Movimentos, Atuações de Igrejas e
Organizações Não Governamentais (ONG’S)
07 - RELATOS DE MENINAS
EXPLORADAS
Individuais, Meninas de Rua, Institucionalizadas
Fonte: Contribuição Lúcia Luís Pinto para a Oficina de Indicadores – Brasília – Dezembro de 2007 In:
LEAL, M.L.P. (org). p.25. Adaptado por: NABOZNY, A (2007). (sem grifos na fonte)
O fio condutor que norteou inicialmente a problemática dessa investigação
estava relacionado à compreensão da co-relação entre a produção do espaço em
Ponta Grossa PR e a atual rede de exploração sexual comercial infanto-juvenil
feminina. Este objetivo se desdobrava na perspectiva de analisar a dinâmica
espacial da exploração sexual comercial infanto-juvenil feminina. A caracterização da
rede de exploração sexual comercial infanto-juvenil feminina e na necessidade de
compreender como as relações de gênero instituem o papel das (os) sujeitas (os) na
45
configuração da rede de exploração sexual infanto-juvenil feminina.
Além disso, o grupo focal eleito para a análise constitui-se de pessoas do
sexo feminino com idade entre 10 e 18 anos, de escolaridade entre 0 a 08 anos de
estudo, procedentes de famílias com faixa de renda entre 0 a 2 salários mínimos,
moradoras de locais com deficiências de infra-estruturas e serviços urbanos.
Como o percurso científico é sempre construído em uma realidade contínua,
em fase exploratória, verificou-se que o Conselho Tutelar Oeste, responsável pela
área correspondente às rodovias, intensificou suas ações visando combater a
exploração sexual comercial infanto-juvenil a partir do ano de 2003, realizando
diversas blitz
5
em conjunto com a Polícia Rodoviária Federal. Com essa ação
conjunta, houve uma diminuição da visibilidade do fenômeno nas rodovias e o seu
re-arranjo no espaço intra-urbano.
Com a mudança da espacialidade do fenômeno, o recorte espacial passou a
ser pontos tradicionais de prostituição nas vias adjacentes ao Cemitério Municipal
São José (centro) e a Avenida Souza Naves (BR-376). Houve também um re-arranjo
do recorte temporal que inicialmente estava atrelado ao período 2003 a 2007 por
demarcar uma temporalidade de enfrentamento da problemática em questão por
parte dos órgãos que fazem a repressão à comercialização de práticas sexuais com
meninas.
Entretanto, após a investigação de campo re-adequamos o recorte temporal
de análise entre 1990 a 2007 que é no ano de 1990 que ocorreu a aprovação do
5 Blitz é o termo utilizado pelo Conselho Tutelar para as ações efetuadas em conjunto com as
polícias a fim de repreender a exploração sexual comercial infanto-juvenil em boates, rodovias,
entre outros. Em posicionamento oral (Exame de Qualificação na UEPG em Outubro de 2007) o
professor Wolf-Dietrich Gustav Johannes Sahr alerta que o termo foi utilizado pelo exército fascista
alemão para justificar as chamadas “guerras rápidas”. De acordo com Houaiss On-line (2008),
Blitz deriva de Blitzkrieg, uma rubrica militar. Em suas derivações regionais no Brasil é um termo
extensivo a batidas policiais. Nesse sentido, a terminologia utilizada pelo conselho pode estar
carente de uma proposição mais adequada. Redução de blitzkrieg (“ofensiva poderosa”).
46
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) o qual impôs normas específicas da
compreensão da infância no Brasil e que acabou por nortear as políticas estaduais e
municipais.
O ECA se tornou marco legal importante na construção da história da infância
brasileira, a criança passou de “sujeito tutelado” pela família e pelo Estado a ser um
“sujeito de direitos”. Esta transformação no âmbito jurídico-político desencadeou
uma série de obrigações estatais e civis em relação às crianças, conforme
interpretações presentes na bibliografia, como Campanatti & Carvalho (1998) e
Gomes (1996).
A exploração sexual comercial infanto-juvenil era tratada pelo ECA de forma
pouco objetiva. No artigo 95 o tema é considerado como situação de risco pessoal e
social, a criança ou o adolescente “envolvidos direta ou indiretamente com a
prostituição ou utilizado em espetáculos obscenos” (ECA, 1990 In: BASE LEGIS).
A falta de objetividade é sanada no artigo 244-A pela lei nº. 9.975, de vinte e
três de junho do ano 2000 definindo quem: “Submeter criança ou adolescente, como
tais definidos no Caput do art.2º desta lei, à prostituição ou à exploração sexual.
Pena reclusão de quatro a dez anos, e multa” (ECA, CMDCA, 2006, p.84). No ano
de 2000, o problema da exploração sexual comercial infanto-juvenil ganhou
visibilidade no pacto social brasileiro a partir de um lento processo que se estendeu
por toda a década anterior.
Durante os anos noventa, houve amplos debates públicos sobre questões
relativas à infância e adolescência. De acordo com o relatório de estudo do CECRIA
de 1997, foi instalada em 1991 a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na
Câmara Federal sobre Extermínio de Crianças e Adolescentes. Em 1992 houve a
CPI sobre a Violência Contra Mulher. No ano seguinte foi instaurada a CPI da
47
Prostituição Infanto-juvenil e, em 1996, realizou-se uma CPI no Distrito Federal
sobre a Exploração Sexual e Maus Tratos Contra Criança e Adolescentes.
Entretanto, o destaque maior ficou por conta da Comissão Parlamentar de Inquérito
realizada no legislativo federal em 1993, sobre a então chamada prostituição infanto-
juvenil. Quanto ao conteúdo dos debates, além das discussões acerca da
nomenclatura atribuída à temática, destaque-se que:
A CPI da exploração e prostituição infanto-juvenil de 1993 revelou um
quadro alarmante em que 50% dos estupros são incestuosos, o que implica
numa transgressão do dever de proteção que se inscreve no arcabouço da
família como instituição. Trata-se de uma situação que ocorre em todo o
país, tanto em contexto rural como urbano. (CECRIA, 1997. s/p)
Ainda com relação a CPI (1993), essa diagnosticou uma regionalização da
exploração sexual comercial infanto-juvenil em todo país similar à apresentada na
figura 01 do presente trabalho. Com grande saliência para a exploração de crianças
e adolescentes em garimpos, comunidades ribeirinhas próximos a rios navegáveis
na Região Norte e turismo sexual nas cidades litorâneas do Nordeste brasileiro,
entre outras especificidades regionais foram constante denúncias referentes a
cidades que fazem fronteiras com outros países, como porta para o tráfico de
meninas para fins sexuais em outros países. Dada a jovialidade da lei número 9.975,
de vinte e três de junho do ano 2000 decorrente do debate nos anos de 1990, ainda
não temos uma reflexão precisa ou agrupamentos de dados quantitativos indicativos
da aplicação da referida legislação em termos de penalizações de agentes
exploradores.
Em entrevistas exploratórias com membros do Conselho Municipal dos
Direitos da Criança e do Adolescente de Ponta Grossa (CMDCA), uma intenção
em em formar uma rede de enfrentamento à violência e exploração sexual infanto-
48
juvenil. Entretanto, as instituições que poderiam integrar esta rede de proteção
preconizada agem de forma isolada, o que dificulta a produção de dados de forma
otimizada, a confiabilidade das informações obtidas e o planejamento de ações para
o enfrentamento do fenômeno. Além disso, a dimensão espacial que compõe o
fenômeno é pouco discutida por essas instituições. Assim, esta pesquisa, ao trazer
uma temporalidade recente, pode contribuir para descortinar uma espacialidade
obscurecida, revelando táticas e ações que sustentam a exploração sexual
comercial infanto-juvenil.
Após um balanço realizado entre o que foi concebido com base na teoria
disponível e a exploração de campo, foram transformados os recortes temporais e
espaciais, entretanto, o campo provocará ainda novos movimentos de retro-ação
que são evidenciados a seguir.
2 - A problemática de acessibilidade as meninas, das revelações do campo a
reconstrução da pesquisa
Os novos parâmetros produzidos na fase exploratória indicaram a
necessidade de realizar duas frentes de trabalho. Uma delas era a investigação do
perfil e atuação das instituições que combatem as violações dos direitos da infância
e adolescência, entre esses a exploração sexual comercial. A outra frente de
averiguação, necessitava desenvolver uma abordagem direta com as meninas
exploradas a fim de conhecer o universo simbólico e material da sua existência
cotidiana.
Realizamos inicialmente as observações intensivas em pontos tradicionais de
prostituição, acompanhados do diário de campo e gravador, na expectativa de
49
preenchimentos de formulários e da realização de entrevistas qualitativas semi-
estruturadas. Nesse desenrolar, uma fonte nos concedeu a informação de uma
possível aliciadora na área central de Ponta Grossa, que acabou desaparecendo, o
que frustrou mais uma de nossas tentativas de aproximação com as meninas. Este
episódio, entre muitos outros, marcam as dificuldades da trajetória de pesquisa
que este tema envolve ações criminosas e o contato com as fontes era sempre
penoso e quase sempre, mal sucedido.
A tentativa de acessar o grupo diretamente na rua também não obteve o
sucesso esperado. Os locais e horários tradicionais da prostituição adulta e
indicados pelos Conselhos Tutelares eram pouco freqüentados pelas meninas e,
quando encontradas, em geral, alegavam maioridade. Mesmo com dúvidas da
veracidade das informações diante do corpo franzino, ausência de seios, baixa
estatura e da face infantil, não era possível considerar de outra forma a não ser
acatar o dado concedido
6
. Quando se conseguia algum contato, havia o problema
das meninas estarem “alteradas” pela ingestão de bebidas alcoólicas e, sobretudo,
pelo uso de drogas como o 'crack', droga usual na periferia. As relações das
meninas com as drogas como dependentes, vendedoras ou ainda com pessoas
ligadas ao tráfico (companheiro, namorado, cliente) foi outro importante empecilho
para o andamento da pesquisa
7
.
Dada a dificuldade de acessar o grupo focal pretendido para essa
investigação, optou-se por fazer o trabalho através de uma parceria realizada entre o
Grupo de Estudos Territoriais (GETE) e a Organização Não-Governamental
Renascer, através do desenvolvimento do projeto de extensão “Para além da
6 Reforça nossa opção metodológica de atribuir uma relativa autonomia para a agente imbuída na
pesquisa.
7 Durante o trabalho de campo ocorreram episódios difíceis como ameaças e agressões.
50
'batalha' na rua: práticas de inclusão sócio-espacial e promoção de direitos humanos
dos grupos em situação de vulnerabilidade social”. A ONG Renascer é constituída
por uma assistente social e por pessoas que são ou foram profissionais do sexo,
além dos atuais membros do GETE.
A relação estabelecida entre os pesquisadores do GETE e as pessoas da
ONG foi bastante lenta pois, inicialmente, havia uma sensação de desconfiança por
parte do público-alvo e dos componentes do Renascer, que nosso capital
simbólico não era reconhecido. Nossas práticas junto aos membros também eram
minuciosamente interpretadas e, em geral, ocorriam estranhezas uma vez que os
pesquisadores e as pessoas com as quais estávamos estabelecendo contatos
provinham de diferentes processos de socialização. Sobretudo a estrutura social que
incorporada e somada à individualidade dos agentes, compõe os sistemas de
disposições integrantes da experiência que Bourdieu (1998) denomina de “habitus”.
Havia diferenças que apenas com o tempo foram se atenuando e criando uma
esfera de respeito e confiança que possibilitou a realização efetiva das pesquisas no
grupo, em especial esta que está sendo aqui narrada.
Para nos aproximarmos do grupo focal, participamos de intervenções
realizada em conjunto com o Grupo Renascer, que tem como públicos-alvo
profissionais do sexo (mulheres, travestis, gays, transexuais, outros). Essas ações
se constituem em distribuição de preservativos e incentivar ao seu uso, explicações
sobre a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, orientação sobre saúde,
entre outros procedimentos efetuados na rua e em período noturno nos pontos
tradicionais de prostituição, atendendo em sua maioria profissionais do sexo adultas
e travestis. Novas relações e, interiorização de vocabulários específicos foram
necessários para adentrar nesse universo simbólico. A expressão batalha, por
51
exemplo, é utilizada para designar a atividade de prostituição na rua, ou seja, estar
na rua é uma luta constante na auto-avaliação do grupo. O grupo de profissionais do
sexo é estigmatizado pela sociedade e suas regras e leis tácitas são também os
seus bens, portanto, resistências em compartilhar esses códigos, pois esses, de
certa forma, são seus micro poderes que operam mecanismos de defesa e proteção.
O reconhecimento do campo, os relatos das profissionais do sexo adultas
sobre seu início na atividade de prostituição, a descrição das estratégias e dos
valores sociais veiculados nas ruas, nos bares e boates foram fundamentais para
confrontar os questionamentos da pesquisa. O cotidiano do contato com o campo
realizado em um ano e meio revelou também algumas importantes dificuldades na
relação entre “entrevistador e entrevistados”. A minha figura masculina de
pesquisador representava para as mulheres profissionais do sexo e meninas
exploradas um “cliente potencial”. Esse aspecto tornava a relação difícil e apenas
com o tempo houve uma re-significação da representação do homem / pesquisador
e não cliente. Aos poucos a confiança do grupo se estabelecia, seja pelo carisma ou
pela desconstrução da figura masculina associada à autoridade, repressão, estigma,
ou alguma outra posição de poder.
As constatações acima são recorrentes em várias outras experiências de
pesquisa envolvendo meninas que sofrem a exploração sexual comercial. Reis,
Verardo e Vieira (1999) têm um processo lento de aproximação das meninas
envolvidas na prostituição na cidade de Santos (SP). Ainda que estivesse explícito
para as autoras que as garotas estavam sendo prostituídas. As autoras destacam
que havia esquemas de segurança e uma série de normas tácitas do grupo que
repeliam uma aproximação. Depois, paulatinamente as pesquisadoras conseguiram
atrair algumas meninas para um projeto da Prefeitura Municipal de Santos que
52
visava a atender meninas prostituídas ou em risco de prostituição. O mesmo
processo é relatado num livro organizado por Silva, Senna e Kassar (2005) que
retrata a realidade de Corumbá (MS). No âmbito jornalístico, Trindade (2005) faz
uma pesquisa com meninas envolvendo relatos de diários, viabilizada por uma
Organização Não-Governamental que fazia um trabalho com as meninas, ou seja,
se tinha uma relação de confiabilidade. Gomes, Minayo, Fontoura (1999) realizam
pesquisa na temática, entretanto, suas fontes são os discursos proferidos durante a
CPI da prostituição infanto-juvenil realizada no ano de 1993.
Anjos (2005) faz uma análise das sexualidades de jovens empobrecidos no
país Cabo Verde, destacando alguns caminhos para a prostituição de jovens,
perfazendo entrevistas diretamente com algumas garotas. no Brasil, Libório
(2005) faz um trabalho realizando entrevistas abertas direcionadas a meninas
prostituídas, envolvendo aspectos quantitativos e qualitativos sobre a exploração
sexual comercial. Simon, Silva e Paiva (2002) realizam um trabalho em “chácaras-
boates” de Ribeirão Preto (SP) investigando aspectos sobre a prevenção da Aids
(Síndrome da Deficiência Imunológica Adquirida) com um grupo de treze
adolescentes entre dezoito e vinte e um anos e, Saffioti (1989,1995) realiza uma
reflexão em torno do tema da exploração sexual comercial infanto-juvenil.
Assim, como pode ser constatado, os poucos autores que abordam a
temática da exploração sexual comercial infanto-juvenil apresentam também
dificuldades no acesso aos grupos focais. Apenas Anjos (2005) em Cabo Verde e
Libório (2005) realizam contatos diretos com as meninas exploradas sem haver uma
instituição ou projeto mediador da relação entre pesquisador e pesquisadas. Outro
fato curioso é que apenas Gomes (1994, 1996,1999) e Anjos (2005) são
“pesquisadores masculinos” a executarem pesquisas na temática aqui tratada.
53
Juntamente com a dificuldade de acesso ao grupo focal, ainda a
dificuldade de encontrar um número expressivo de trabalhos realizados no Brasil, o
que dificulta a reflexão teórica do tema, assim como as construções metodológicas
de abordagem da temática, notadamente na geografia brasileira. Merece destaque à
produção de pesquisas em linhas jornalísticas (LUPPI, 1987; DIMENSTEIN, 1992;
TRINDADE 2005) e nos campos da Saúde Pública, Assistência Social, Psicologia e
Sociologia.
O trabalho de campo realizado junto aos pontos tradicionais de prostituição
nos trouxe importantes evidências, a prostituição adulta que acompanhávamos
apresenta certa organização da atividade como rotinas de horários, pontos e
estratégias de ação. A exploração sexual comercial infantil não tinha o mesmo
padrão, aparecia instável, fluída e fugaz. Aparentavam uma transitividade espacial,
ora por serem expulsas dos pontos tradicionais por profissionais do sexo adultas que
disputam clientes, ora por circularem pelas ruas constantemente atentas ao
movimento de policiais e Conselhos Tutelares.
2.1 - A (re)construção do fenômeno no discurso institucional
Enquanto as abordagens diretas ao grupo focal eram realizadas
infrutiferamente, iniciou-se, paralelamente, um trabalho em torno das instituições que
de alguma forma estavam envolvidas com o fenômeno e contribuíam para o
combate à exploração sexual comercial. As instituições compõem uma organização
que pode ser visualizada na figura 03:
54
Figura 03: Fluxo de atendimento
8
do público infanto juvenil em Ponta Grossa
– PR
Fonte: Levantamento de Campo – 2006. Org. NABOZNY, Almir – 2007.
8 O termo atendimento é usualmente utilizado pelos profissionais que atuam na rede de apoio de
crianças e adolescente com direitos violados. E também é utilizado pelos profissionais que
trabalham com adolescentes que cometeram algum ato infracional. Interessante é que o termo
parece ter uma precedência mais mercadológica: “(De atender + imento) S.M.1. Ato ou efeito de
atender. 2 Conjunto de atividades de uma agência de propaganda, relativas ao contrato com o
cliente e ao acompanhamento da execução e veiculação de seus anúncios. 3 Prop. Setor da
agência que executa o atendimento.” (FERREIRA, 1999, p.222).
Apoio
Controle
- Conselho Municipal dos Direitos das
Crianças e dos Adolescentes – CMDCA.
- Comissão Municipal Permanente de Estudo,
Análise e Enfrentamento da Violência Física,
Psicológica e Sexual – CEVES.
- Programa Sentinela.
- Casa Rosa Mística (destinada a meninas
com dependência química).
55
O Conselho Municipal dos Direitos das Crianças e Adolescentes (CMDCA), a
Comissão Municipal Permanente de Estudo, Análise e Enfrentamento das Violências
Físicas, Psicológicas e Sexuais (CEVES) e o Programa Sentinela foram instituições
com as quais mantivemos contatos, no entanto, não aprofundamos a investigação
por falta de dados. Uma ação mais intensiva foi realizada junto ao Conselho Tutelar
Oeste e a Vara da Infância e Juventude, que prontamente abriram a possibilidade de
investigação nos arquivos de processos de crianças e adolescentes, desde que
obedecidas às exigências éticas com relação ao sigilo e forma de coleta de
informações (ver documento de autorização, anexo 03). Este acesso aberto pelo
promotor Carlos Alberto Baptista e juíza Noeli Salete Tavares Reback da Vara da
Infância e Juventude, nos permitiu também manter contato com o Serviço de Auxílio
à Infância e Juventude (SAI), que funciona no prédio do Fórum e tem um papel
fundamental na instrumentalização das informações contidas nos processos
analisados pelas autoridades da Vara da Infância e Juventude.
Entre as instituições que recebem crianças e adolescentes do sexo feminino
em situação de risco social ou de vida foram selecionadas a Associação de
Promoção à Menina (APAM)
9
, que atende meninas de seis a doze anos e a Casa
Santa Luiza de Marillac, que abriga meninas de doze a dezoito anos.
É importante observar que para o acesso às casas de abrigamento foi
necessário também a expedição de autorização judicial e acompanhamento direto
pelas assistentes sociais responsáveis. Toda e qualquer ação necessitava ser
explicada e avaliada a priori pela assistente social, a fim de manter a proteção
psicológica e emocional das meninas que fariam parte da pesquisa, assim como a
9 A APAM, conforme relato uma de suas fundadoras, foi criada no ano de 1986 justamente para
atender meninas que eram prostituídas na PR 151. Relatou-se que na primeira intervenção
realizada pela instituição naquele ano, foram identificadas quarenta e sete meninas em situação
de prostituição.
56
autorização dos pais ou responsáveis como foi o caso do trabalho junto a APAM.
Para acessar as meninas e conseguir com que elas se interessassem em colaborar
com a pesquisa, foi necessário convencer várias pessoas da seriedade e
responsabilidade social de que os pesquisadores do GETE estavam imbuídos,
principalmente eu. Após esse lento processo é que tivemos a abertura para o
trabalho direto com as meninas institucionalizadas.
Nos arquivos institucionais que investigamos mais pormenorizadamente,
Conselho Tutelar Oeste
10
e Vara da Infância, não havia registros de exploração
sexual comercial infanto-juvenil feminina expressos de forma direta. Os processos
são organizados de forma analógica e precária seguindo a lógica do nome da
criança e dos direitos violados
11
O que nos aparecia como registro principal eram
outros tipos de direitos violados, sendo assim, foi necessário realizar um trabalho de
leitura minuciosa dos processos a fim de encontrar vestígios de registros de
exploração sexual comercial. Diante do tamanho dos arquivos e do perfil de
organização adotado pelas instituições, levaríamos décadas para realizar o trabalho,
que não podíamos desprezar processos porque os registros de exploração sexual
comercial nunca eram explícitos e esta percepção nos levou a outra importante
pista: uma invisibilidade do fenômeno na esfera institucional legal, mas não
sabíamos muito bem como isso se produzia na rotina de registros jurídicos.
Enfim, no processo de aproximação dessas fontes documentais percebemos
que as informações estão bastante dependentes da memória das pessoas
responsáveis e que a prática de registro formal estava deficiente. A dependência dos
10 Por ter sido indicado pelos próprios conselheiros como o de maior ocorrência de exploração
sexual comercial, bem como por corresponder às áreas de rodovias (ver apêndice E).
11 Os Conselhos Tutelares são obrigados a alimentar uma base de dados nacionais chamado de
Sistema de Informação Para Infância e Adolescência (SIPIA). Entretanto, a plataforma não
funciona para organização do trabalho dos Conselhos Tutelares na rotina cotidiana.
57
registros de memória das pessoas torna a base de dados bastante frágil. No caso do
Conselho Tutelar, por exemplo, uma pessoa pode exercer um mandato de três anos
com direito a uma reeleição, ou seja, depois de no máximo seis anos ocorre a perda
de muitas informações.
Nas instituições que são mantidas pela Prefeitura Municipal, nossa jornada
constatou o mesmo que Hamati (2006) havia evidenciado quando estudou a rede de
atendimento a criança e adolescente vítima de violência em Ponta Grossa. As
organizações gestadas pela municipalidade sofrem perdas de funcionários a cada
quatro anos quando troca do grupo político que ganha o pleito eleitoral e
conquista o Estado. Esse fato, além de gerar perdas dos “arquivos-pessoas”,
interrompe a execução de políticas de longo prazo.
Todas estas limitações serviram para tomar posicionamentos frente ao
processo de pesquisa que estávamos desenvolvendo. Primeiramente, tivemos que
nos conformar com a impossibilidade de dimensionar estatisticamente os casos de
exploração sexual comercial infanto-juvenil ou, ainda, definir um recorte grupal
segundo características socioespaciais a priori, como tínhamos previsto. Enquanto,
os estudos de Gomes et al (1999) e de Bontempo et al (1995) demonstram formas
da exploração distintas em níveis regionais, em Ponta Grossa as pistas nos
encaminharam para um fenômeno múltiplo e composto por várias escalas.
Os descaminhos, tanto em relação aos registros documentais quanto no
acesso direto com as meninas nas ruas, nos levou a re-interpretar a questão central
inicial. Havia uma persistência do fenômeno que era pouco documentado. Além
disso, as poucas aproximações com o grupo focal nos levava a pensar que havia
uma complexidade espacial embutida no fenômeno da exploração sexual comercial
feminina e, assim, re-definimos a pergunta de partida para: como a dimensão
58
espacial compõe a exploração sexual comercial infanto-juvenil feminina? Esta
questão foi sistematizada nas seguintes sub-questões: quais as relações entre os
elementos que compõem as múltiplas dinâmicas espaciais da exploração sexual
comercial infanto-juvenil? Como as relações de gênero instituem o papel das(os)
agentes na configuração da rede de exploração sexual comercial infanto-juvenil
feminina?
As questões redefinidas frente à exploração do campo tomaram novos
sentidos conceituais que podem ser visualizados de modo sintético na figura 04:
59
Figura 04: Fluxo de reconstrução dos questionamentos e modelo de análise
Abordagens preliminares:
Observação sistemática nas
ruas do fenômeno;
Entrevistas exploratórias c/
gestores da “rede” de proteção
à infância em Ponta Grossa.
Leituras:
Redes geográficas, sociais;
Prostituição infantil / Exploração
Sexual Comercial infanto-juvenil
A EXPLORAÇÃO PRELIMINAR
OBJETIVO DE PARTIDA
Investigar a co-relação entre a produção do espaço em Ponta Grossa – PR e
a atual rede de exploração sexual infanto-juvenil feminina.
OS NOVOS QUESTIONAMENTOS
Questão Central: Como a dimensão espacial compõe a exploração sexual
comercial infanto-juvenil feminina?
I) Quais as relações entre os elementos que comem as múltiplas dinâmicas
espaciais da exploração sexual comercial infanto-juvenil feminina?
II) Como as relações de gênero instituem o papel das(os) agentes na configuração
da rede (interdependência) de exploração sexual comercial infanto-juvenil feminina?
A CONSTRUÇÃO DO MODELO DE ANÁLISE
Conceitos e categorias:
Espaço geográfico;
Identidades;
Redes de Interdependência;
Gênero;
Exploração sexual comercial
infanto-juvenil feminina
Procedimentos: Análise de
procedimentos investigatórios (PI
-Processos) e pedidos de
providências (PE) da Vara da Infância
e Juventude e Processos do
Conselho Tutelar Oeste;
Entrevistas semi-estruturadas:
profissionais do sexo adultas;
profissionais que executam trabalho
na área de infância e juventude;
Entrevistas semi-estruturadas e
técnicas de estimulação ao discurso
com meninas abrigadas na APAM e
MARILLAC;
Observação na rua construção de
protótipos da exploração:
profissionais de segurança pública e
agente comunitária Programa
Saúde da Família.
Figura Baseada: SILVA, J.M (2002)
Construção da pesquisa inspirada In: QUIVY,R
& CAMPENHOUDT, L.V (2003)
Org. NABOZNY, A. (2007).
60
Na questão central ficou claro que o espaço era ponto fundamental da ação
do Estado via Conselho Tutelar, sendo assim, era importante compreender como o
espaço compunha o fenômeno da exploração sexual comercial infanto-juvenil
envolvendo, além do Estado, o grupo de meninas exploradas ou na tríade
sociedade-meninas-Estado.
Santos (1980) afirma que o espaço geográfico é uma instância social, deste
modo está contido em todas as relações que os seres humanos possam
desempenhar e, ao mesmo tempo, condiciona essas relações. Assim, é um produto
social bem como pré-condição de sua reprodução. Embora, o autor valorize a
concepção de espaço para a condição de existência da sociedade, em sua
concepção uma noção reprodutivista que compromete o sentido de mudança social.
Gottdiener (1993), ao atentar para produção social do espaço urbano, focaliza a
análise na estrutura e na ação onde se destaca o espaço como um produto co-
determinado processualmente na produção total de vida. As pessoas ao
desenvolverem suas ações cotidianas também compõem o espaço produzido.
Tanto Santos (1980) como Gottdiener (1993) escoram suas definições de
espaço ancoradas no ideário marxista, ou seja, com sustentação no paradigma do
materialismo histórico-dialético. Para Corrêa (1995) essa vertente tem como
fundamento a formação espacial em que espaço e sociedade só são inteligíveis
enquanto par indissociável. Mais recentemente, Santos (1996), refinando a sua idéia
de fixos e fluxos, refere-se ao espaço geográfico como um inter-relacionado sistema
de objetos e ações. As ações (seres humanos, instituições, empresas) criam, dão
forma e significado aos objetos. Numa linha fenomenológica, Duarte & Matias (2005)
referem-se ao espaço enquanto um fenômeno o qual temos que “percebê-lo como
objeto de manifestação do seu(s) sentido(s) e como estrutura que reúne existência e
61
significação, homem e mundo” (DUARTE & MATIAS, 2005. p.191).
Sintetizemos as conceituações de espaço geográfico ressaltando como
pontos comuns: a estrutura, o processo de produção, condição e reflexo da ação
social. Ao mesmo tempo, enquanto instância social, está contido e contém de forma
processual todas as relações sociais. Conforme afirma Gonçalves é:
preciso considerar que cada sociedade é, antes de tudo, um modo próprio
de estar-junto (proxemia) o que implica, sempre, que toda sociedade ao se
instituir enquanto tal o faz construindo o seu-espaço não cabendo, pois,
uma separação entre o social e o geográfico, separação esta que, num
segundo momento lógico, serve para estabelecer uma relação de
causalidade seja da sociedade para o espaço (sociologismo), seja do
espaço para a sociedade (espacismo, geografismo). O ser social é
indissociável do estar. A sociedade no seu devir histórico
12
não é a-
geográfica. (GONÇALVES, 2002, p.229)
O espaço é componente central do fenômeno da exploração sexual comercial
infanto-juvenil feminina. O sentido atribuído ao espaço é aquele possível de ser
vivido de forma diferente pelos grupos sociais e, assim, cada um tece os múltiplos
textos urbanos componentes da realidade construída em campos contratuais
intertextuais, assim como argumenta Duncan (2004).
O sentido que uma sociedade à sua relação com o espaço é uma
preocupação de Berque (2004) ao construir a representação racional da paisagem
enquanto marca e matriz. A paisagem exprime concretamente a relação sócio-
espacial produzida, reproduzida e transformada por um sujeito social. As vivências
12 Conforme o historiador Cardoso (1998) “É provável que a noção de espaço tenha sido percebida
pelos seres humanos antes da de tempo. As línguas mais antigas que nos deixaram documentos -
o sumério, o egípcio, o acádio e outros idiomas semíticos antigos - tendem a espacializar o tempo”
(CARDOSO,1998, p.07). Por outro lado, Massey (2007) brilhantemente demonstra como a
modernidade tratou de inverter a relação temporalizando o(s) espaço(s): Mais evidentemente, a
versão padrão da estória da modernidade como uma narrativa de progresso emanando da
Europa representa uma vitória discursiva do tempo sobre o espaço. Isto quer dizer que
diferenças que são verdadeiramente espaciais são interpretadas como sendo diferenças em
desenvolvimento temporal diferenças no estágio do progresso alcançado. Diferenças espaciais
são reconvocadas como uma seqüência temporal.” (MASSEY, 2007, p.146).
62
dos textos urbanos são significadas distintamente pelos grupos, conforme Duncan
(2004). Entretanto, o olhar do sujeito é co-integrante do espaço, em que os sentidos
são mediados pela expressão da teia de relações em sociedade, sendo esta
freqüentemente redesenhada, fluída e híbrida.
Nas relações entre o agente e o mundo, não é somente a percepção que
viabiliza a mediação, mas todos os modos de ações em que o individuo é situado no
seio de uma cultura no seu estar-junto espacial, muito embora o sentido nunca seja
exatamente o mesmo para cada indivíduo (BERQUE, 2004). O espaço geográfico na
sua dimensão concreta comporta significado enquanto produto social, esse é
representado por sujeitos que lhe atribuem sentidos a partir de sua significação
social, formada em seus círculos de intersubjetividades, na sua conformação
identitária de grupo.
O espaço geográfico é complexo e multi-dimensional. Envolve o concreto, o
representado, e o sonhado em relações processuais. Dessa forma, os agentes
sociais não estão espacializados a partir de variáveis geografizadas, mas sim
performam um espaço paradoxal nas palavras de Rose
13
(1993), oscilando nessa
teia de dimensões entre centro e margem nas configurações de poder. As posições
nunca são estáticas, estão em constante movimento.
Juntamente com a reconstrução da questão central e o posicionamento
teórico em conluio à Duncan (2004) e Rose (1993), salientamos o espaço enquanto
co-formador das identidades das meninas em situação de prostituição. Tal qual
13 Alertamos que Rose (1993) trabalha com a idéia de diferenciações internas ao território, em que
num espaço apropriado por relações de poder - masculino, co-existe o feminino tensionando o
centro da ordem estabelecida. Rose (1993) está interessada em uma construção conceitual que
visibilidade ao feminino, que segundo ela é impossível a partir da leitura territorial masculina
entre insider e outsider. Dessa forma a discussão que fazemos acima, tendo a autora como
referencia está, de certo modo transubstanciada por nós.
63
considerado por geógrafas feministas
14
como Rose (1993), McDowell (1999) e Silva
(2005), consideramos o espaço enquanto ativo nas construções identitárias de
gênero.
Nosso realce é que as meninas prostituídas constituem uma posição de
tensionamento com o discurso posto pelo poder hegemônico da sociedade civil e do
Estado. Isso se deve ao fato de que as pessoas vivem concretamente em diferentes
espaços / tempos e isso produz atos que são constantemente ressignificados. Os
processos movidos pelo aparato estatal nos levaram a conceber que o poder é
assimétrico, mas não totalizante. As identidades e as noções de adolescência e
infância são constantemente significadas através das redes de interdependências
formadas em torno do fenômeno da exploração sexual comercial infanto-juvenil
feminina.
A subquestão relacionada às dinâmicas espaciais passou a ser considerada
como uma busca que se estruturava para além de um único padrão. Havia, com
certeza, uma complexidade a ser investigada. Nesse momento da pesquisa
tínhamos pistas suficientes para saber que as dinâmicas espaciais eram múltiplas. O
sentido tomado pela questão da dinâmica espacial foi sua associação às redes de
configuração de pessoas unidas em torno do fenômeno, nos termos de Elias
(1994a), e, sendo assim, deveriam ser investigadas para além da relação menina /
explorada – cliente / explorador.
As redes de interdependência em sua dimensão espacial são passíveis de
serem analisadas por inúmeros aspectos que compõem a vida social,
permanentemente tensionados por relações de forças assimétricas. Assim, a
14 Fora da “Geografia de gênero” trabalhos como de Haesbaert (1999), Claval (1999a,1999b),
Bonnemaison (2002), Le Bossé (2004) ressaltam a importância do espaço na formação das
identidades sociais, mais precisamente referenciando às identidades territoriais.
64
interdependência se viabiliza relacionando processos micros e macros que vão
costurando o tecido social, construindo sociedade e espaço num incessante
mecanismo de ação-estrutura-ação. Porém, o estudo de um aspecto da realidade
implica a seleção de alguns atributos. As características das teias que ligam os
sujeitos em redes de interdependência são aqui recortadas para construir a
inteligibilidade do fenômeno da exploração sexual infanto-juvenil feminina composta
por elementos de gênero, das fases de vida e das características sócioespaciais
contratuais com, fazendo o que se visa conhecer.
As considerações de gênero, são aqui tomadas como uma produção
cotidiana. Os papéis sociais do sexo, do desejo e das práticas sexuais, ou seja, as
representações de gênero, são viabilizadas através das relações sociais do dia–a-
dia. Portanto, mantidas por práticas de relações processuais contraditórias e
complementares, de interiorização e socialização. Dessa forma, “não identidade
de gênero por trás das expressões do gênero; essa identidade é performativamente
constituída, pelas próprias ‘expressões’ tidas como seus resultados” (BUTLER,
2003, p.48).
Para Butler (2003), a ordem compulsória que instaura a vida cotidiana nunca
é reproduzida numa situação dual e oposicional entre dominantes e dominados. A
ordem é vivida em permanente tensão e instabilidade e, nesse processo, é re-
inventada, reposicionando sujeitos nos feixes de relações para utilizar os termos de
Foucault (2006).
O conceito de gênero é adotado como conceito representação e, nesse
sentido, pauta as experiências cotidianas da vida social e individual. Por ser uma
representação, o ideal de gênero nunca é vivido em sua plenitude. É na vivência
diária que os sentidos de seu conteúdo se transformam em algo novo, totalmente
65
diferente ou mantém elementos de permanência. A postura aqui adotada é de
considerar o conceito de gênero de forma desconstrucionista, que reconhece a
organização binária do mundo ocidental moderno entre homem/mulher,
masculino/feminino, heterossexual/homossexual, passivo/ativo, mas, questiona a
pretensa naturalização desta mesma ordem, trazendo elementos que desestabilizam
a organização oposicional destes mesmos pólos. Para nós o corpo é uma
construção social, não podemos compreendê-lo fora do âmbito das forças que giram
em torno dele e constroem” (HARVEY,2004, p.31).
As relações de poder que compõem a rede de interdependência que sustenta
o fenômeno da exploração sexual comercial infanto-juvenil são claras quando se
mapeiam as diferenças entre os agentes em relação e suas características
sócioespaciais. Entretanto, a tensão não se dá entre dominantes e dominados, como
argumenta Foucault (2006, p. 103) “o poder está em toda parte, não porque englobe
tudo e sim porque provém de todos os lugares”.
Nesse sentido, é importante marcar a multiplicidade de co-relações de forças
e, para todo o poder o contra-poder. A posição adotada é a de que as meninas
quando optam por se prostituir, o fazem por vontade própria, mas sob determinados
constrangimentos de atendimento de necessidades colocadas pela sociedade
capitalista ocidental.
A exploração sexual comercial infanto-juvenil desempenhada pelo homem
adulto, maduro, talvez seja a única forma de resistência das meninas prostituídas à
exclusão que a sociedade tem imposto às periferias pobres. Todo poder almeja um
alvo-objetivo e não pode existir senão por resistências, sendo que de acordo com
Foucault (2006):
66
É mais comum, entretanto, serem pontos de resistência móveis e
transitórios, que introduzem na sociedade clivagens que se deslocam,
rompem unidades e sustentam reagrupamentos, percorrem os próprios
indivíduos, recortando-os e os remodelando, traçando neles, em seus
corpos e almas, regiões irredutíveis. Da mesma forma que a rede das
relações de poder acaba formando um tecido espesso que atravessa os
aparelhos e as instituições, sem localizar exatamente neles, também a
pulverização dos pontos de resistência atravessa as estratificações sociais e
as unidades individuais (FOUCAULT,2006.p.107).
O direcionamento teórico re-organizado juntamente com os novos
questionamentos é fruto da mediação dos pressupostos iniciais e o trabalho de
campo realizado de forma crítica e consciente. Os questionamentos não são filhos
órfãos do empirismo, mas consubstanciados pela teoria apoiada nos conceitos de
espaço, rede de interdependência, gênero, identidades e poder.
Dessa forma, após a interiorização do conhecimento gerado pelos limites
encontrados e da re-organização dos questionamentos de pesquisa, optamos por
outras frentes de investigação que são complementares na compreensão do
fenômeno investigado e na validação metodológica. Foram explorados os processos
constantes na Vara da Infância e da Adolescência (Procedimentos Investigatórios e
Pedidos de Providências) da Comarca de Ponta Grossa, os registros de ocorrências
do Conselho Tutelar Oeste (ver roteiro apêndice A), após 1990 e foram ainda
realizadas investigações junto às crianças e adolescentes institucionalizadas em
abrigos através de técnicas de abordagem de expressão corporal e visual, e
entrevistas semi-estruturadas.
Com as dificuldades documentais que enfrentamos e, em contrapartida, à
certeza da existência do fenômeno, presenciado nas observações de campo e
cotidianamente nos espaços de pobreza, optamos por incluir os depoimentos de
assistentes sociais que realizavam as sindicâncias para instrumentar os processos
da Vara da Infância através do Serviço de Auxílio à Infância e Juventude (SAI).
67
Mesmo que a denúncia não tivesse o teor da exploração sexual comercial, estas
pessoas detectavam sua existência e registravam no processo de forma paralela ou,
muitas vezes, a negligenciava documentalmente, mas não em sua memória. Com
base nessas pistas recorremos aos arquivos do Programa de Execução de Medidas
Sócio-Educativa em Meio Aberto de Ponta Grossa (PEMSE), num primeiro
momento, não era um órgão a ser incluso na pesquisa por ter como objetivo
executar medidas com jovens infratores. Entretanto, as ocorrências não eram
lineares, ou seja, existia um entrecruzamento de fatores como uso de drogas,
pequenos furtos e a exploração sexual. Abriram-se novas alternativas de pesquisa,
que estávamos convencidos de que a falta de visibilidade do fenômeno no Estado
não correspondia à realidade de campo que explorávamos.
Destarte, foram levantados os processos oriundos do resgate da memória das
assistentes sociais do Conselho Tutelar Oeste, do Serviço da Infância e Juventude,
do PEMSE e das Instituições de Abrigo Casa Santa Luiza de Marillac e Associação
de Promoção à Menina (APAM). De posse dos nomes das crianças e adolescentes
envolvidas nos casos rememorados, foi realizado então o levantamento nos arquivos
da Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Ponta Grossa e pudemos
proceder à análise dos processos gerados.
Foram vinte e nove processos analisados dos quais, quinze provenientes de
indicações do Conselho Tutelar Oeste, nove oriundos do PEMSE e cinco processos
de meninas institucionalizadas em abrigos. Com exceção a esses últimos, os demais
vinte e quatro, haviam sido apontados por Conselheiros Tutelares ou pela
Assistência Social do PEMSE e do SAI como casos em que havia suspeita de
exploração sexual comercial infanto-juvenil feminina.
Para cercarmos a pesquisa por outro ângulo, optou-se por realizar um
68
trabalho de investigação com adolescentes abrigadas na Casa Santa Luiza de
Marillac e também duas meninas que freqüentavam o contra-turno escolar na
Associação de Promoção a Menina. Essas duas jovens possuíam históricos de
exploração sexual comercial registrado nos arquivos do Conselho Tutelar Oeste (ver
apêndice D).
Assim, as meninas que protagonizaram esta pesquisa, resgatadas dos
arquivos institucionais, das memórias dos agentes de Estado e das casas de abrigo
estão relacionadas no quadro que se segue.
Quadro 02: Perfil das meninas protagonistas da pesquisa
Nome (fictício)
15
*Idade
/ Anos
Irmãos
envolvidos no
processo
Uso de drogas Moradora de
áreas de baixa
renda
+
Motivo da
Primeira
notificação
Anastácia 16 não sim sim E.S.C.I.J
#
Aglaura 16 não sem
informação
sim E.S.C.I.J
Lalage 10 Não sim sim Erotização
precoce
Otávia 12 sim sem
informação
sim Desobediência
Ercília 12 sim sim sim Desobediência
Bauci 14 sim sem
informação
sim Desobediência
Dorotéia 17 sim sem
informação
sim E.S.C.I.J
Eutrópia 13 não sim não Falta a escola
Leandra 09 não sim sim Desobediência
Zemrude 15 sim sim sim Uso de drogas
Melânia 14 não sim sim Desobediência
Esmeraldina 15 não sem
informação
sim Desobediência
e localização
em local
indevido
Zaíra 05 sim sim sim Desobediência
Despina 12 sim sim sim Não consta
Tamara 08 sim sem
informação
sim E.S.C.I.J
Zobeide 14 não sem
informação
não Prática de
agressão
15 Esses nomes são todos fictícios, referendados na obra de Italo Calvino (2002).Assim, como para
outros nomes citados em processos. Sempre que aparecer o mesmo nome, é a mesma pessoa a
que nos referimos, assim o indivíduo ganha visibilidade a partir de seus contextos socioespaciais
narrados. Maiores detalhes ver apêndice F.
69
Continuação da página anterior
Ipásia 14 não sim sim Localização em
local indevido
Fílide 14 não sim sim Uso de drogas
Eufrásia 13 sim sim sim Prática de
Furto
Odila 16 sim sim não Uso de drogas
Margara 14 sim sim Sim Prática de
agressão
Getúlia 13 não sem
informação
sim Prática de
Furto
Pirra 14 não sim sim Prática de
Furto
Zora 15 não sem
informação
sim Danos ao
patrimônio
Adelma 13 sim sim não Localização em
local indevido
Eudóxia 13 Não sem inf. não Desobediência
Moriana 13 sim suspeito sim Sem condições
materiais de
manter-se
Clarisse 12 sim sem
informação
sim Sem condições
materiais de
manter-se
Sofrônia 10 não sem
informação
sim Sem condições
materiais de
manter-se
Juntamente com as meninas entrevistas na Casa Santa Luiza de Marillac e Associação de
Promoção à Menina (APAM). Olívia - 15 anos, Cloé – 16 anos, Valdrada- 15 anos, Armila – 16 anos,
Isaura – 15 anos, Maurilia – 11 anos e Sofrônia entrevistada e presente nos processos.
* Foi considerada a idade da primeira notificação da menina. E a idade do dia da entrevista. Com
relação as meninas das Instituições Marillac e APAM.
+
De acordo com figura 06, baseada no Censo Demográfico (IBGE,2000 (2002))
#
E.S.C.I.J – Exploração Sexual Comercial Infanto-Juvenil.
Para acessar nossas fontes privilegiadas, as meninas, realizamos um lento
trabalho de aproximação a fim de ganhar a confiança das meninas e demonstrar
nosso respeito por elas. Inicialmente foram feitas várias oficinas sobre valorização
do corpo, leitura de jornais, debates de filmes, elaboração de artesanatos, entre
outras atividades. Além disso, também estávamos inseguros e precisávamos
amadurecer a relação o suficiente, que não queríamos nos transformar em mais
um elemento de exploração das meninas, forçando-as a rememorar suas dores e
situações que podiam desencadear emoções diversas.
Depois de muitas atividades, todos se sentiam à vontade, as risadas,
70
piadas, gestos afetivos eram naturais entre as meninas e o grupo de
pesquisadores. Foi realizada então a atividade básica que daria suporte às
entrevistas semi-estruturadas. Em conjunto, as meninas criaram três painéis
utilizando gravuras de revistas diversas a partir dos seguintes eixos temáticos:
família, amor / sexo e cidade / vila / rua. Os painéis criados passaram a serem as
figuras pictóricas referentes para acionar os discursos durantes as entrevistas semi-
estruturadas. A atividade foi desenvolvida pelas meninas voluntárias. Do total de dez
meninas, cinco da Marillac e duas da APAM decidiram participar da atividade que
consistia em criar uma personagem e falar sobre aspectos da vida a partir dos três
painéis (ver anexo 02) de forma individual e privada.
Apesar da aproximação e das conquistas realizadas, eu pesquisador / homem
não consegui obter elementos suficientes que esta atividade abordava elementos
da sexualidade das meninas sobre os quais elas resistiam em revelar para uma
figura masculina. Assim, como temos a prática de trabalhar em conjunto no GETE,
esta dificuldade foi vencida pela ação de duas figuras femininas em relação às quais
as meninas se sentiam mais à vontade para expressar seus sentimentos e desejos,
a Andrea (minha namorada, sempre presente em todas as atividades) e a Joseli
(componente do GETE). Ao projetar o personagem criado, elas revelavam práticas e
valores que jamais pudemos captar nos processos e que agora fundamentam
nossos argumentos.
O desenvolvimento desta etapa de trabalho foi, ao nosso ver, a mais difícil,
rica e emocionante. Findamos esta fase com uma sensação de vitória por ter
vencido tantos limites encontrados até então, de satisfação por ter realizado um
trabalho sério e ético tão bem compreendido e aceito pelas meninas e de felicidade
porque constatamos durante esse convívio que, apesar da presença de tanto
71
sofrimento em suas vidas, as meninas são incrivelmente inteligentes, críticas e
talentosas, conforme demonstravam nas atividades que fazíamos, bem como em
posicionamentos críticos quando da realização das entrevistas. Mas, acima de tudo,
o maior registro na sensibilidade do grupo foi o aprendizado que obtivemos da
convivência com elas e a certeza do quanto nós, e a sociedade num todo, temos
uma dívida a ser resgatada oportunizando-lhes a vivência da infância e adolescência
em sua plenitude.
Enfim, os procedimentos de pesquisa haviam se completado em relação às
fontes. Foram adotadas várias linhas procedimentais como as entrevistas com
profissionais que trabalham com público infanto-juvenil (ver roteiro apêndice C),
entrevistas com as profissionais do sexo femininas adultas, que começaram na
prostituição ainda adolescência, e as atividades realizadas com as meninas
abrigadas. A análise documental girou em torno dos processos do Conselho Tutelar
Oeste, Vara da Infância e Juventude e PEMSE. Esses procedimentos tomados em
conjunto constituíram a triangulação metodológica. A triangulação é um recurso para
a resolução do problema da validade científica, constituindo na utilização
combinatória de diferentes técnicas e fontes a fim de fortalecer as interpretações, tal
qual defende Jovchelovitch (2000) na área da psicologia social. Todavia,
inscrevemos essa pesquisa no campo qualitativo do ponto de vista da abordagem,
entretanto explicativa no que tange seus objetivos.
Nessa configuração, este capítulo explorou a trajetória de pesquisa realizada
a fim de compartilhar com outros pesquisadores um caminho que foi constantemente
reconstruído pelo olhar crítico e consciente dos objetivos que se buscavam atingir
com esta investigação. Dar visibilidade aos aspectos difusos e peças dispersas
aparentemente sem lógica, foi um grande desafio o qual constituiu as bases dos
72
argumentos que sustentam as páginas da dissertação que se segue. Afinal, o
conhecimento produzido é mais uma representação e criação da realidade
inacessível em sua totalidade e, quem sabe, reconstruída por futuras pesquisas.
73
II O ESPAÇO COTIDIANO DAS PROTAGONISTAS DO FENÔMENO DA
EXPLORAÇÃO SEXUAL COMERCIAL INFANTO-JUVENIL E AS
CONTRADIÇÕES DA REGULAÇÃO CONCEBIDA PELO ESTADO
a experiência corporal muda com a idade e com o sexo, apresentando-se a
necessidade de explorar as geografias dos meninos (a), das mulheres e dos
velhos (a). (CLAVAL, 2002a.p.23)
Metade do que sou inventei na infância;
a outra metade a infância tratou de inventar (CARPINEJAR,2002.p.48)
Esse capítulo tem por objetivo problematizar o espaço cotidiano das
protagonistas da pesquisa em tela tanto do ponto de vista da materialidade estrutural
quanto da conformação de seus grupos de pertença identitária. Para tanto,
destacamos aquilo que chamamos de família paradigmática como importante
incursão efetivada em torno de um grupo familiar. Também faz parte da pauta desse
capítulo a construção social da concepção de infância e adolescência, abordando as
agendas do Estado brasileiro, tomado no âmbito da instituição de uma sociedade
capitalista de classes. Do espaço cotidiano das protagonistas à escala de Estado,
fundamentam-se nesse capítulo as contradições entre a exploração sexual
comercial infanto-juvenil feminina e a tentativa de regulação do fenômeno
empreendida pelo Estado.
No fio condutor de pesquisa, o espaço geográfico é central, pois é um
elemento ativo na composição do fenômeno da exploração sexual comercial infanto-
juvenil feminina. O espaço é vivido cotidianamente de forma diferente pelos grupos
sociais que, não são tomados como completamente homogêneos, mas podem ser
construídos por distinções de gênero, etnia, classes, faixas etárias e de renda. A
partir de cada diferença, pode-se encontrar as mais diversas formas de
sociabilidade, comunicação, valores e espacialidades.
74
Gomes (1996) ressalva que as relações singulares ou de grupos, entre outros
aspectos, foram majoritariamente escamoteadas da análise geográfica nas leituras
que tiveram como óculos apreensivos de realidade a obsessão pela racionalidade.
Entretanto, as valorizações das características de singularidades estavam
dispostas na ciência, ainda que numa posição marginal.
A experiência vivida através do espaço geográfico será sempre um objeto de
comunicação com a pluralidade de agentes em que transitam os sentidos da
experiência. Claval (2002b) evidencia que a Geografia ignorou por muito tempo o
papel da comunicação e das representações na relação entre os seres humanos
intermediado pelo espaço. A disseminação de mensagens e a difusão de
conhecimentos são questões referentes à comunicação e possuem como
mecanismos os signos e os sinais. Para Claval (2002b), antes de entendermos os
processos culturais, devemos compreender as relações interpessoais nos jogos de
comunicação entre os agentes e o social. Interessante neste contexto interpessoal-
geográfico é a idéia de intersubjetividade discutida na fenomenologia pura. A nossa
identidade depende da comunicabilidade. A identidade é de grupo, contrariamente
às ideologias individualistas de cunho neoliberal. Ao enfocar os grupos, valorizamos
a pluralidade. É neste sentido que evidenciamos as diferenças etárias e de gênero
como importantes aspectos diferenciais. Ambos são consubstanciados aos
universos de significações do espaço geográfico numa relação escalar de
cotidianeidade.
As experiências de gênero se operam em contextos histórico-geográficos.
Entretanto, a abordagem fenomenológica pressupõe uma relação espaço-agente em
que o pesquisador geógrafo exercita o seu olhar geográfico no encontro com outro
agente. Aqui nos distanciamos da abordagem fenomenológica, muito embora
75
trazendo dessa perspectiva as questões de intersubjetividades e a problematização
do agente-pesquisador e seu agente-objeto. Nosso posicionamento converge em
Claval (2005), que argumenta que devemos passar dessa posição para “olhar o
olhar do outro” sobre o espaço geográfico. Ou seja, os contextos existentes no
espaço-tempo que vão compor as decisões dos atores no jogo social.
As idéias de Elias (1994a) são adotadas nesse trabalho porque acreditamos
que as crianças e adolescentes apreendem a vida no processo com os outros, em
especial os adultos. Quando chega ao mundo, a criança passa por longo processo
de apreensão social, cultural e espacial até chegar à fase adulta. Os indivíduos
formam a sociedade que, por sua vez, forma os indivíduos numa correlação
processual. Elias (1994b), que concebe essa relação de forma inventiva, negando a
relação reprodutivista de causa e efeito. A ligação entre indivíduo e sociedade é
complexa.O autor defende que não possibilidade de compreender o todo pelo
isolamento de suas partes. Logo, as partes não explicam o todo porque estarão
destituídas de uma instância mediadora que é a relação. Ou seja:
Não vida de que cada ser humano é criado por outros que existiam
antes dele; sem dúvida, ele cresce e vive como parte de uma associação de
pessoas, de um todo social seja este qual for. Mas isso não significa nem
que o indivíduo seja menos importante que a sociedade, nem que ele seja
um “meio” e a sociedade, o “fim”. A relação entre a parte e o todo é uma
certa forma de relacionamento, nada mais, e como tal, sem dúvida, é
bastante problemática. Em certas condições, pode ser vinculada à relação
entre os meios e o fim, mas não lhe é idêntica; inúmeras vezes, uma forma
de relação não tem a mínima ligação com a outra (ELIAS, 1994b. p.19).
Em a “Poética do Espaço”, Bachelard (1996) nos chama atenção para o fato
de que a percepção, a imaginação e as sensibilidades humanas são transmitidas
pela comunicação espacial desde os primeiros momentos de vida do indivíduo. A
relação espacial entre a sociedade, família e contexto de socialização é transmitida
76
como uma herança na primeira infância até os sete anos. O que se comunica é
cultura que media a relação entre indivíduo - sociedade e natureza, desde as bases
combinatórias da matéria à matéria humanizada.
É no período da primeira infância que, segundo Claval (1999c), evidencia-se o
desabrochar de uma das buscas da vida: o sentido. Idéia aplicada no singular. A
família exerce um papel essencial na temporalidade, é quando acontece
O despertar de todos os sentidos (que) permite explorar o meio: ver e
reconhecer as pessoas e os objetos, o acessível e o longínquo, distinguir os
odores, os gostos mais ou menos agradáveis, o quente, o frio, o macio e o
rugoso, escutar as vozes e identificar os barulhos (CLAVAL, 1999c, p.64).
Portanto, uma inter-relação entre agente criança e sociedade na qual se
compõe o espaço geográfico e os próprios agentes num processo relacional, criativo
e receptivo.
Em especial na segunda fase de infância, a partir dos sete a oito anos de
idade, é que se efetiva o aprendizado das atitudes sociais, o comportar-se
sociológico. Para Claval (1999c), nesse momento que se faz necessário interiorizar
e respeitar os papéis sociais de gênero, as construções culturais de sociedade e as
convenções espaciais, pois não são universais. Claval (1999a) chama atenção para
a compreensão em Geografia Cultural de como os sistemas de valores se traduzem
nas articulações específicas do social, o que chamamos de especificidades
histórico-geográficas.
A abordagem do fenômeno das práticas sexuais comerciais envolvendo
crianças e jovens menores de dezoito anos com pessoas adultas são aqui
consideradas uma exploração. A análise deve contextualizar outros elementos que
compõem as relações de força entre os agentes a serem considerados. As
77
condições econômicas às necessidades materiais, as construções identitárias entre
os seus e os outros e os interesses para efetivar as trocas sexuais comerciais
desiguais.
Para este trabalho, considera-se a exploração numa relação de duplo vínculo,
nas quais as agentes envolvidas possuem ganhos e perdas relacionais. O
importante é compreender o resultado do tensionamento dos jogos de poder. E é
nessa resultante que devem ser lidas as condições de exploração. No caso do
fenômeno aqui investigado da exploração sexual comercial infanto-juvenil feminina,
que se na multiplicidade espacial, porque é vivido cotidianamente por diferentes
grupos que constituem diferentes textos urbanos. Pois, tal como argumenta Duncan
(2004), denotam-se “intertextualidades” que simplificadamente são as inter-relações
de textos que se entrecruzam, instituintes e instituídos da “cidade-texto”.
O texto hegemônico institui o desenvolvimento das crianças e dos
adolescentes, que ao vivenciarem o texto hegemônico, inventam também o próprio
texto, tecendo sua vida cotidiana que pode resistir, legitimar, subverter ou alimentar
o texto hegemônico.
A sociedade brasileira instituiu um aparato normativo legal que concebe as
crianças e adolescentes como sujeitos com direito sociais e que prescreve uma série
de parâmetros os quais identificam a infância, a adolescência e o conteúdo legítimo
da existência humana em cada fase da vida. Entretanto, as práticas cotidianas de
nossa sociedade não correspondem aos ideais criados. E é nesse descompasso
contraditório que surgem combinações das mais variadas.
Assim, um mesmo conceito muda de conteúdo, temporal e espacialmente. A
vivência da infância e adolescência se compõem de elementos da ordem
hegemônica mas também das práticas cotidianas tecidas pelos universos simbólicos
78
de pertença identitária de cada pessoa ou grupo social. Portanto, é nesse tenso jogo
que re-inventamos as vivências pessoais e concebemos o que é ser criança ou
adolescente, que é impossível que todos tenham a mesma compreensão dos
significados e práticas que lhes são correspondentes. Deste modo, é na invenção
cotidiana que surge o novo. Mas o novo não é necessariamente positivo, mas
necessário.
1- O Espaço Cotidiano das Protagonistas do Fenômeno da Exploração Sexual
Comercial Infanto-Juvenil Feminina
A compreensão do fenômeno da exploração sexual comercial implica em
contemplar diferentes versões sobre ele. Neste subcapítulo resgatamos um caso
que está presente quatorze anos nas instituições estatais que consideramos
paradigmático para análise do fenômeno. Longe de querer reduzir as ricas vivências
de inúmeras meninas que vivem a exploração sexual comercial à um único perfil,
tomamos este caso como base porque ele contém elementos, presentes em vários
outros. E porque pudemos compor várias peças do caso reunindo informações de
diferentes fontes o que torna a análise mais consistente. A reconstituição da
trajetória da família paradigmática é realizada com base nos processos do Conselho
Tutelar Oeste e da Vara de Família e também em entrevistas com as meninas da
família, assistentes sociais que acompanharam o caso e visitas ao bar da avó da
família em questão.
79
1.1 – Uma família protagonizada entre auto descrição e supervisão
Quando criança,
eu apanhava muito ...
Mas, mesmo assim,
sempre roubava flores
para ela, minha mãe.
(GADELHA, 1991. s/p)
Perda da honra e virgindade, gravidez antes do casamento, não cumprimento
da moralidade higienista instituída configuram-se nas “meninas perdidas”. Esteves
(1989) em seu livro “Meninas perdidas: os populares e o cotidiano do amor no Rio
de Janeiro da Bellle Époque”, constrói tendo como fonte de pesquisa os autos e
processos judiciais, as vivências sexuais de mulheres pobres no Rio de Janeiro que
adentrarão o século XX. Em meio a diversos processos, a autora tece uma narrativa
em torno de um “caso de amor” registrado nos autos em que aparecem diversos
aspectos vividos comuns aos outros processos. A autora utiliza uma espécie de
registro de síntese que inspira também o procedimento adotado nesta pesquisa.
Na nossa investigação em genealogia resgatada da família paradigmática, a
primeira geração que aparece nos processos é uma matriarca, dona de um bar.
Essa senhora recebe com freqüência em seu estabelecimento a visita de policiais e
conselheiros tutelares, os quais vão checar denúncias de prostituição, ou melhor, de
trocas sexuais comerciais envolvendo meninas, sobretudo suas netas. A filha mais
velha dessa senhora às vezes também freqüenta o estabelecimento para realizar
alguns programas ou mesmo para ajudar no atendimento dos fregueses no balcão,
já que sua mãe tem idade avançada e debilitado estado de saúde
16
.
16 Em visitas ao estabelecimento, utilizando-nos da estratégia da distribuição de preservativos e
orientação sobre doenças sexualmente transmissíveis, pudemos comprovar as precárias
condições de saúde da dona do estabelecimento, assim como constituir as relações familiares que
compõem o caso.
80
A filha da senhora dona do bar será aqui nomeada de Fedora. E é mãe de
oito meninas e amasiada com um ex-caminhoneiro, que segundo consta nos
relatórios oficiais, está impossibilitado de exercer a sua profissão por problemas de
saúde. Este senhor, aqui nomeado de Kamenfu, vive da venda de verduras, mais
propriamente, da renda obtida pelas filhas e amásia, haja vista que seus recursos
têm como principal destino a troca por bebidas alcoólicas, ficando insuficientes.
Conforme relato da própria senhora Fedora, genitora da família em tela, ela
vive amasiada há cerca de trinta anos, experenciando de um tumultuado
relacionamento com Kemenfu,consumidor assíduo de bebidas alcoólicas, além de
violento e ciumento. A senhora Fedora conta que teve doze gestações, das quais
resultam oito filhos vivos e quatro falecidos. Dois filhos são fruto do primeiro
casamento e moram com o pai, os demais são do atual companheiro. Além de
Fedora se prostituir no bar da mãe, conforme mencionamos, ela contrata
programas em bares próximos a Rodovia PR-151.
As filhas
17
da senhora Fedora, Tamara (16 anos), Zaíra (13 anos), Isaura (10
anos) e Maurília (7 anos) tiveram diversas passagens pelos órgãos públicos de
defesa dos direitos das crianças por vários motivos como vítimas de agressão física
de seus pais, denúncias de estarem sendo prostituídas, mendicância, trabalho
infantil, entre outros direitos violados. Foram, por fim, institucionalizadas, ou seja, o
Estado retirou da família a tutela das meninas e as colocou em instituições de abrigo
por diversas vezes.
A família paradigmática protagonizou um caso de abuso sexual denunciado
pela Associação de Moradores da vila onde reside:
17 No relatório de 2002 do Conselho Tutelar Oeste, em Ponta Grossa, consta a idade de algumas
das filhas da senhora Fedora. Assim, atualmente, pelo menos duas delas têm mais de dezoito
anos. Contudo, vamos nos ater em suas experiências enquanto crianças e adolescentes
registrados nos relatórios institucionais analisados.
81
No dia 06/02/2002, estivemos na Associação dos Moradores da Vila Zoé e
contatamos com alguns moradores da vila, que nos informaram sobre a
Família Paradigmática, confirmando a denúncia de mendicância, exploração
sexual e de trabalho infantil em que as filhas, crianças e adolescentes, eram
vítimas. Bem como, soubemos que a casa da avó é um bar de prostituição e
que abriga adolescentes e ainda que a mãe, Sra. Fedora , é conhecida
como Zenóbia, nos pontos de prostituição (bares, lanchonetes, na BR, etc.).
A presidente da Associação dos Moradores, Sra. Eufêmia, nos informou que
a comunidade vinha denunciando, algum tempo, o caso de abuso
sexual por parte do “Sr. Marco” às Meninas Paradigmáticas e outras, para
as autoridades competentes e, quando estes chegavam para averiguar, não
havia flagrante da situação e assim foi perdurando o caso até que os
moradores tomaram uma atitude, deram o flagrante e chamaram os órgãos
responsáveis (Polícia Militar e Conselho Tutelar) para as providências
cabíveis. (Extraído Relatório do CONSELHO TUTELAR OESTE, Ponta
Grossa)
As meninas, Isaura e Maurília, foram ouvidas pelo Conselho Tutelar
separadas da mãe e relataram sobre as experiências que deram origem à denúncia.
Na versão das meninas, havia um senhor, aqui chamado de Sr. Marco, que as
abrigava quando o pai, irritado com as filhas que não lhe traziam o dinheiro da venda
de verduras, não permitia que elas entrassem em casa. Elas freqüentavam a casa
desse senhor que lhes “dava” dinheiro, de cinqüenta centavos a quatro reais, para
que elas pegassem em seu órgão genital e permitissem que ele visse suas
genitálias. Maurília alega em seu depoimento que o referido senhor pagou para que
Isaura fizesse sexo oral e para que Zaíra e Tamara, suas irmãs mais velhas,
mantivessem relações sexuais completas.
Zaíra, por sua vez, relatou que, no mesmo dia em que havia “perdido a
virgindade” com o namorado, sua mãe perdeu o emprego. Nessa ocasião o Sr.
Marco ofereceu trinta reais para que eles “brincassem”. E acabaram mantendo uma
relação sexual. Da mesma forma, a irmã Tamara recebeu vinte reais para o mesmo
fim. Alegou ainda que o Sr. Marco a ameaçou de morte se ela contasse o que havia
ocorrido para o namorado. Em seu depoimento, Zaíra diz que “por volta dos onze
anos achava que prostituição era bom (lucrativo), que as mulheres ao fazerem
82
ganhavam dinheiro”.
No depoimento das quatro meninas ouvidas pelo Conselho Tutelar, a
convivência com o Sr. Marco e a troca de dinheiro, doces e abrigo por práticas
sexuais era algo comum. A mãe, ao ser questionada sobre o cotidiano da relação de
suas filhas com o referido senhor, disse saber que as filhas freqüentavam sua casa,
mas que ele era um senhor viúvo e velho conhecido da família. Relatou que Tamara
limpava a casa e cozinhava para ele. Fedora achava ainda que o Sr. Marco era
apaixonado pela filha Zaíra. Além disso, ela reclama o fato de “não dar conta da vida
das filhas”, aludindo ao comportamento de rebeldia. Quando questionada sobre o
abuso que as filhas vinham sofrendo por parte do referido senhor, disse não saber
de nada. Acabou desmentida pelas filhas. Em outra passagem, o relatório registra
que:
No dia 08/02/2002, ainda, a mãe também compareceu no Centro de
Referência, tendo sido atendida pela Coordenadora do Programa, sendo
que a referida senhora trouxe o xérox da documentação das filhas (...), para
arquivo. Na ocasião a mãe relatou que levou as filhas ao médico para
exames. E quanto a situação de abuso sexual sofrida pelas filhas, ela disse
que “elas foram por teimosas, (e que) com 10 e 07 anos, sabem o que
estão fazendo”, responsabilizando as crianças pelo fato. (Extraído de
processo do CONSELHO TUTELAR OESTE, Ponta Grossa, 2002 sem
grifos no original).
A família paradigmática é de baixa renda vive em situação de precariedade
material, caracteriza-se pela forte presença feminina, cujas referências identitárias,
mãe e avó, exercem a atividade de prostituição. Além disso, a convivência é
marcada pelas agressões físicas aos filhos, uso de drogas lícitas e ilícitas e trabalho
infantil. O relatório analisado apresenta a seguinte versão:
O ambiente da residência apresentava-se desorganizado, com pouca
higienização, móveis mal conservados e precariedade econômica. O sanitário
83
é separado da casa (na frente da mesma) o que expõe à família aos rigores
do clima e a falta de privacidade, após o banho. Observamos um quadro
familiar conflituoso, repleto de histórias de violência doméstica entre o casal e
contra os filhos, bem como, certa conivência à situação de exploração sexual.
(Extraído de processo do CONSELHO TUTELAR OESTE, Ponta Grossa,
2006).
No relatório do Programa Sentinela, dia vinte e cinco de abril do ano de 2002,
registros sobre um levantamento da situação da família e as ações de diversas
instituições em relação a ela junto ao Departamento da Criança e do Adolescente e
da Secretaria Municipal de Assistência Social. Constatou-se que a família vinha
sendo denunciada por maus-tratos, negligência e exploração sexual desde o ano de
1992. Já haviam sido realizados vários procedimentos por parte das instituições, tais
como avaliação psicológica das filhas e da mãe, inserção em programas de
atendimento social para a obtenção de alimentos, moradia, educação, saúde e, de
orientação, o qual consiste em momentos de aconselhamentos realizados pelas
assistentes sociais. Porém, o quadro familiar permaneceu o mesmo e as denúncias
de mendicância e prostituição continuaram a se repetir nos órgãos de defesa dos
direitos da criança e do adolescente.
O mesmo relatório analisado apresenta registro sobre a resistência das
adolescentes às institucionalizações e a culpabilização do Conselho Tutelar pelas
diversas vezes em que o Estado determinou e cumpriu a separação da família e as
colocou em instituições de abrigo como medida de proteção judicial. Em um dos
registros, o casal dirige-se ao Conselho Tutelar na busca de orientação sobre o
abrigamento por medida de proteção judicial, procedimento aplicado em duas de
suas filhas, eles relatam que uma outra filha havia fugido de casa para não ser
institucionalizada como as irmãs.
A linhagem familiar continua presente nas instituições do Estado, agora com
84
duas das filhas mais velhas de Fedora. As filhas as quais em diversos momentos
estiveram presentes nos órgãos de Estado por terem algum direito violado, se
tornaram mães. E retornam ao Conselho Tutelar para responder sobre embates com
seus ex-maridos com relação à guarda de seus filhos, bem como denúncias de
abandono de menoridade, entre outros. Repetindo-se o ciclo familiar.
Este mesmo drama familiar é apresentado em outra versão pelas filhas mais
novas da senhora Fedora, Isaura e Maurília
18
, com idade de 10 e 7 anos
respectivamente. Nas entrevistas realizadas,
19
as meninas descrevem suas relações
familiares da seguinte forma:
Eu gosto mais da minha mãe porque ela é amiga companheira, tudo.(...) A
minha mãe não trabalha, meu pai. Ele trabalha num sítio, tipo ele vai
busca feijão, essas coisa, só que ele não vende, traiz pra nóis mesmos. (...)
União, todos nos gostamos. (...) meu pai e minha mãe se amam, minhas
irmã são tudo casada, menos a que tem dezenove anos, que não é. Mais
em casa o amor não é problema, somos todos amados e amamos. (Trecho
de entrevista concedida por Isaura, realizada em 16/03/2007 na APAM em
Ponta Grossa)
Eu gosto mais da minha mãe. Ela dá mais apoio, fica adulando. Meu pai não
adula muito. Na minha casa todo mundo recebe carinho. (Trecho de
entrevista concedida por Maurília, realizada em 16/03/2007 na APAM em
Ponta Grossa)
Nos trechos retirados das falas das irmãs Isaura e Maurília há toda uma gama
de significações positivas em relação à família. Estas significações podem referir-se
a um desejo ou uma referência idealizada da família que influencia no perfil das
respostas que procuram correspondência social. De qualquer forma, a família é
significada como um espaço de amor, constituindo uma tendência benéfica para a
18 Importante lembrar que a abordagem das meninas pelos pesquisadores se deu mediante
autorização da justiça, da assistente social da APAM e da mãe das meninas.
19 Cabe lembrar a metodologia de abordagem que o grupo de pesquisas realizou junto às meninas
(já descrita anteriormente). três importantes eixos de estimulação do discurso, relações
familiares, relações com a cidade, relações de amor e sexo. Estas entrevistas foram realizadas
mais especificamente por Andrea Rita Silva. Técnica inspirada in: SELLTIZ, W.E.C. (1987).
85
saúde psicológica dessas meninas. As atividades de prostituição exercidas pela
mãe, o alcoolismo do pai e os atos de violência fazem parte de seu cotidiano desde
o nascimento e se mesclam com sentimentos de afeição familiar.
As sínteses das relações e as características da família paradigmática traz
alguns elementos que estão também presentes nos casos analisados, tais como
afetos contraditórios em relação à família, homens adultos que pagam por práticas
sexuais. Figuras femininas representativas na família como mulheres mais velhas,
de referências identitárias das meninas, vivenciando práticas sexuais comerciais as
quais são paulatinamente incorporadas pelas filhas.
As meninas com comportamentos de rebeldia experienciam espaços de
extrema pobreza e agressões. Naturalizarem as práticas das mulheres mais velhas
da família e ao mesmo tempo estão sujeitas ao medo e a carências materiais,
freqüentavam, por conta própria, a casa do tal Sr. Marco e estabeleciam trocas.
Mesmo porque, ele as acolhia em momentos de agressão familiar, além de lhes dar
dinheiro e conforto, dedicava atenção por mais paradoxal que esta situação possa
parecer. As meninas realizam escolhas num universo de perversidades em que, até
mesmo serem exploradas sexualmente, pode não ser a pior das situações vividas.
Os registros realizados nos relatórios, a partir da interpretação do agente de
Estado, retratam precariedades de infra-estrutura e os aspectos negativos da
família. Contudo, não explora os laços afetivos e identitários construídos entre seus
membros. O Estado significa a família em tela como desagregada, violenta, precária
em termos de condições materiais de sustento e reúne toda a sorte de situações
para justificar a institucionalização das meninas. No relatório analisado, um
registro sobre a surpresa dos agentes de Estado sobre a reação das meninas às
ações das instituições para sua proteção em relação à família:
86
As adolescentes reclamaram por terem sido institucionalizadas no passado,
culpando o Conselho Tutelar pelo abrigamento e não o fato que
desencadeou a situação, ou seja, a negligência e maus-tratos dos pais.
(Extraído do Relatório - Programa Sentinela, 25 de abril de 2002, Ponta
Grossa)
Apesar de toda sorte de sofrimentos, as meninas criam laços de afetividade
com os membros da família e procuram afirmar sua positividade
20
. Isso porque suas
vidas cotidianas se desenvolvem em meio a determinadas práticas que vão sendo
interiorizadas e, de certa forma, a família em que vivem é o lugar de pertencimento e
segurança, por mais contraditório que ecoe em relação ao cotidiano vivido. As
versões possíveis de serem construídas de uma mesma realidade dependem do
filtro dos olhos de quem olha. Estas meninas estão inseridas num contexto de
relações em que suas identidades são forjadas juntamente com as práticas
familiares, num processo de naturalização. Mesmo quando a mãe, irmãs e outras
são prostitutas, por exemplo.
Assim como resistência aos abrigos, também ocorrem alguns processos
da Justiça em que as filhas do casal Fedora e Kamenfu foram abrigadas em
“famílias substitutas”
21
e resistiram da mesma forma. As adolescentes abrem mão de
um relativo conforto na família substituta por uma vida menos regrada na sua família
de origem, com liberdade de horários para sair à rua e possibilidade de não
freqüentarem a escola. No relatório analisado, uma reclamação de uma parenta,
que havia acolhido uma das meninas, de que a adolescente preferia passar fome a
ter horários certos para as refeições.
As tentativas de disciplinar o comportamento das adolescentes se mostraram
fracassadas junto às instituições de abrigo e famílias substitutas. Em geral, o papel
20 Esta significação de positividade aparece em 100% dos relatos das meninas entrevistadas para
esta pesquisa e posteriormente será analisada em outro contexto deste trabalho.
21 A família substituta, em geral, é representada na figura de algum parente ou madrinha que aceita a
cumprir as prerrogativas familiares.
87
das instituições é criar outro quadro de referência identitária com padrões de valores
e organização da vida diária completamente diferentes da família de origem, como
pode ser evidenciado na fala de uma assistente social sobre o papel da instituição
em que trabalha:
Quebra do ciclo familiar de onde provêem estes meninos, ou seja, ciclo de
prostituição, alcoolismo, pobreza etc. Fornecendo-lhes garantias para o
exercício da cidadania. São fornecidos cursos profissionalizantes em
parceria com a comunidade e universidade.Eles fazem trabalhos dentro da
própria instituição como limpeza de jardim, ajudam na leiteria etc com a
funcionalidade de operarem como terapia ocupacional. Também às
atividades visam a disciplinar o menino, em especial, no sentido de
compromisso e obediência ao horário
22
.
Mesmo que as instituições de abrigo exerçam a disciplina e procurem marcar
os corpos adolescentes de outras experiências mais adequadas às normas
poderosas da sociedade, tal qual argumenta Foucault (2000), toda uma
existência das adolescentes que permanece viva, muitas vezes, em conflito com a
ordem vigente e desejada pelo Estado e por grupos sociais que não conseguem
compreender sua construção identitária.
A influência dos valores familiares, as ações desenvolvidas ao longo da vida
inferem no corpo. O corpo é um resultante de embates espaciais e históricos e
jamais uma materialidade pronta e acabada. Greiner (2005) argumenta que a própria
expressão corpo seria arbitrária, negando-lhe a idéia de processo. Para a autora,
uma linguagem processual seria a corporeidade. Baseada em filósofos japoneses,
Greiner (2005) trabalha a corporeidade em dois sentidos. Ao mesmo tempo é
estrutura vivida e contextos de lugares dos mecanismos cognitivos. O corpo é
22 Entrevista concedida a Almir Nabozny em 22/01/2007 com a assistente social Edna Terezinha da
Silva, funcionária do Instituto João XXIII, em Ponta Grossa. Embora esta instituição seja dirigida
ao público masculino de seis a dezoito anos, este é um procedimento comum às instituições de
abrigo. Várias das famílias de origem dos meninos apresentam casos de prostituição de mães,
avós e irmãs.
88
sempre um corpo em ação e os universos simbólicos podem ser organizados na
ação por movimentos de intencionalidade em relação corpo-espaço.
O espaço geográfico enquanto uma instância social, relacional e processual
passa a compor estruturas de amadurecimento e interiorização de práticas sociais
das meninas. O espaço marcado pela pobreza, trabalho infantil, agressões e
práticas sexuais envolvendo trocas se naturalizam no cotidiano das meninas da
periferia e legitimam o Estado a determinar a sua permanência em instituições de
abrigo, mesmo contra suas vontades.
Essas meninas vivem concretamente uma infância desconectada das normas
que o Estado preconiza. Elas são crianças e adolescentes que, ao criarem suas
táticas de sobrevivência, constroem o texto urbano, assim como argumenta Duncan
(2004). Talvez um texto inscrito de forma incompreensível para aqueles que não
possuem os mesmos referenciais socioespaciais, mas repleto de fugas, táticas e luta
pela vida.
Distante de atenuar a gravidade da realidade da exploração sexual, das
injustiças vividas por estas meninas, o que se quer destacar é a pluriversalidade da
cidade como um texto. Decorre-nos concomitantemente um exercício de alteridade,
inexoravelmente, a metáfora da cidade-texto inspirada em Duncan (2004),
desarraiga-nos de um pretensioso realismo etnográfico com tom discursivo
geográfico. Duncan (2004), ao versar em torno da paisagem construída da cidade de
Kandy no Sri Lanka, destaca que essa era interpretada e vivida de formas diferentes
por vários grupos sociais. O autor evidencia magistralmente que é a condição
paradoxal dos vários textos interseccionados que possibilitam a hegemonia. Pois,
discursivamente, o próprio pesquisador e a linguagem não têm correspondência
imediata com a realidade. Ambos se baseiam em construções sociais, comunicadas
89
e partilhadas.
Geertz (1998) afirma que nunca entendemos de forma adequada a
imaginação dos outros como abrangemos a nossa. A idéia foi de apresentar aqui um
registro síntese da família paradigmática e reunir elementos que possam evidenciar
um pouco da vida e das experiências que permeiam de forma recorrente os casos
analisados para esta pesquisa e de como as meninas constroem suas identidades e
suas escolhas, mesmo que premidas pelas adversidades e sofrimentos.
1.2- A conformação espacial identitária cotidiana das meninas e suas famílias
O trabalho realizado com o estímulo visual das gravuras com sete meninas
permitiu evidenciar aspectos importantes de sua vivência cotidiana. Todas as
meninas, sem exceção, construíram uma representação positiva da família,
aflorando a necessidade da referência primária. O ser é portador de uma
multiplicidade de situações identitárias, assim como pensa Ciampa (2006, p.67), “em
cada momento de minha existência, embora seja uma totalidade, manifesta-se um
ponto de mim como desdobramento das múltiplas determinações a que estou
sujeito”. As identidades estão em constante transformação e sempre vividas em um
tempo espaço, pois conforme argumenta McDowell (1999, p. 68), “o espaço não é
inerte, não meramente um recipiente para a ação social, mas é um elemento
significativo na constituição das identidades".
O fato de estarem em abrigos é forte indicador de que as condutas
familiares ou das próprias meninas estão em desacordo com as referências
comportamentais projetadas pelo Estado. Estes desacordos são vividos na periferia
90
urbana pobre e com precários serviços e infra-estrutura. De forma objetiva, o
Conselho Tutelar Oeste tem como usuários os extratos mais baixos de renda e
escolaridade, como pode ser confirmado por uma conselheira entrevistada:
a maior parte das crianças e adolescentes atendidas pelo Conselho são de
baixa renda, com família de baixa escolaridade. A maior parte, digamos que
mais de noventa por cento. Não são tantos os casos em que a renda ou
situação sócio-econômica da família é mais alta. São poucos os casos
atendidos. E o que a gente mesmo é carência sócio-econômica. Isto
afeta bastante, né? Porque já sofre a opressão, a repressão histórica, né? E
a exclusão também, né?
23
A constatação da conselheira é a mesma que obtivemos ao espacializar as
residências das meninas e comparar com os dados do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE, 2000) no que diz respeito ao perfil de renda,
educação e serviços urbanos disponíveis. As figuras que têm como base a área
urbana de Ponta Grossa evidenciam que as meninas vivem nas áreas mais
precárias da cidade. são vítimas da distribuição de renda, de terra e de serviços
públicos.
23 Entrevista concedida a Almir Nabozny em 19/01/2007 pela conselheira do Conselho Tutelar Oeste
Rosmeri Gebeluka, em Ponta Grossa.
91
Figura 05: Vilas de procedência das protagonistas dos processos e acesso à
rede de esgoto
92
Figura 06: Vilas de procedência das protagonistas dos processos e acesso à
escolaridade e renda
93
As figuras 05 e 06 apresentam os contextos estruturais das características do
cotidiano de nossas protagonistas, que vivenciam as áreas de piores indicadores de
renda, escolaridade e disponibilidade de infra-estrutura e serviços, numa cidade que
é profundamente desigual. A estrutura de desigualdade é por elas reconhecidas,
quando opõem seu localidade de moradia com os outros locais da cidade ao serem
questionadas durante o trabalho realizado sobre a figura que mais se parecia com
sua área de residência. Em geral, elas apontavam para uma gravura que apresenta
uma rodovia
24
(ver figura número 04 do anexo 02,). Elas conseguem estabelecer
uma diferença entre seu local de moradia e outros que julgam melhores que o seu,
como Cloé:
É porque no bairro a gente, é ... tem muitos bairros, que tem um (pausa)
uma dificuldade, né? Assim é no centro você quase não tem. Assim nos
bairros têm muitas encrenca, muita briga com os vizinhos e acho que no
centro não tem muito. (Entrevista concedida por Cloé, 16 anos, realizada em
03/05/2007 em Ponta Grossa)
As representações presentes nos discursos das nossas protagonistas se
relacionam com seus círculos de intersubjetividades. Os espaços de moradia são
representados por conflitos, carências, tarefas a serem cumpridas. E o centro da
cidade como local bonito, colorido, onde vitrines e coisas atraentes, bom para
paquerar e passear:
Na minha casa eu faço de tudo, né?. Tipo, a diferença entre a rua e a minha
casa, é que eu faço de tudo, ajudo minha mãe. E no Centro eu vou pra
passear, às vezes. Eu vejo população, vejo as lojas bastante coisa. As lojas,
os supermercados. As pessoas não me chamam muita a atenção, os
homens. Quando passa um homem bonitão, eu fico olhando, né? Nada
demais. Até uma mulher mesmo. Uma mulher bem bonitona, bem
arrumadona eu fico olhando, né? (Entrevista concedida por Isaura, 15 anos,
realizada em 03/03/2007 em Ponta Grossa)
24 A coincidência tem relação com o recorte espacial e a área de abrangência do Conselho Tutelar
Oeste.
94
Os espaços de moradia compõem os elementos de significação destas
meninas e também as representações que a sociedade lhes confere como
moradoras da periferia pobre. As temporalidades e as construções representacionais
compositoras e, ao mesmo tempo, compõem o espaço geográfico. São matizes de
muitas cores que formam uma tela entrelaçada de realidade.
A construção de realidade possível a essas meninas está fundamentada em
suas características sócioespaciais. Várias condutas consideradas ilegais a partir do
marco estatal são naturalizadas pela sua existência cotidiana. É comum na periferia
o trabalho infantil complementar à renda do adulto, o trabalho doméstico, o cuidado
dos irmãos menores, as agressões vividas por figuras masculinas envolvidas com
drogas legais e ilegais.
A infância vivida em meio às figuras femininas mais velhas que desenvolviam
atividades de prostituição é resgatada de forma a relativizar a atuação destas
mulheres, trazendo a atividade relacionada à necessidade ou à falta de opção de
renda. Como pode ser observado no trecho paradigmático de entrevista:
meu era bem rígido. Daí minha mãe foi e engravidou. E ele soube que
ela tava grávida de mim. Daí meu vô expulsou ela de casa. Daí ela veio aqui
pra Ponta Grossa. Foi e conheceu a mulher que é minha madrinha agora.
Foi conheceu a mulher. A mulher foi e ofereceu emprego pra ela. E ela tava
passando fome. Daí ela aceitou aquele emprego. Daí ela começou, né? Daí
nasceu eu. (...) Daí ela aceitou. As duas ficaram trabalhando no mesmo bar.
(Entrevista concedida por Sofrônia, 15 anos, realizada em 10/05/2007 em
Ponta Grossa)
Também é comum essas meninas viverem precocemente experiências
sexuais que resultam em relacionamentos maritais e em maternidade. Num dos
processos analisados uma adolescente de dezessete anos que se separa do
marido e acaba trabalhando em um bar:
95
24/02/2003. Compareceu ao CT o Sr. Khan, relatando que a adolescente
não está morando mais com ele desde 23/02/03. Não foi ao COMEN, nem à
escola. É possível que ela esteja na Lanchonete (...)’ Av. Souza Naves
(...) Em “13/08/2003 realizamos visita à genitora que informou que
provavelmente a filha estaria em um bar chamado ‘(...)’ na Av. Souza Naves.
No período da noite fomos até o bar e encontramos Dorotéia, que estava
com os documentos da irmã Isidora. (...) e disse “ter roubado os
documentos da irmã e que não adiantava levá-la até a casa de sua mãe,
porque a mesma vive alcoolizada e a coloca para fora de casa e que
inclusive leva homens para dentro de casa para dormir com a filha (ela)”.
(Trecho extraído de processos no CONSELHO TUTELAR OESTE, Ponta
Grossa, 2003).
As experiências diárias vivenciadas vão sendo por elas naturalizadas, mesmo
em conflito com o marco legal do Estado. Mesmo que tenham a obrigação de cuidar
dos irmãos menores, desenvolvem carinho por eles. Se acompanham a mãe na
atividade de prostituição, significam a atividade como única alternativa para suprir
necessidades materiais e assim por diante. opostos complementares que
marcam as experiências vividas e que compõem suas identidades. São meninas que
a sociedade torna mulheres, negando-lhes o direito de serem crianças. A vivência
nos espaços de periferia impõe aos corpos infantis o desempenho de tarefas adultas
e isso modifica radicalmente a temporalidade das etapas de suas vidas. Entretanto,
o Estado torna a infância homogênea, destituída de elementos espaço-temporais
que lhes são inerentes.
2- As Contradições Concebidas pelo Estado no Tratamento do Fenômeno
No item anterior foi estabelecido um quadro de referências que permitisse
conhecer as experiências socioespaciais das crianças e adolescentes envolvidas
nos processos de trocas de práticas sexuais por recompensas materiais como
presentes ou dinheiro. A infância por elas vivida é marcada por elementos
96
específicos que criam temporalidades e espacialidades que não se adequam às
normas de Estado. A relação entre as adolescentes que realizam essas práticas de
forma ativa com homens adultos que pagam por elas é um grande desafio para
nossa sociedade superar. De forma mais fácil, o Estado consegue detectar atos de
abuso ou estupro, que são cometidos sem a participação ativa da criança e
adolescente. Ou ainda, as situações onde as meninas são mantidas em situação de
escravidão sexual. Entretanto, este trabalho trata da exploração sexual comercial em
que a relação ocorre com a decisão da menina pela troca. Este fato torna as
relações entre elas e as instituições de Estado contraditórias, envolvendo táticas
desconstrucionistas do discurso hegemônico.
2.1- As instituições estatais e a infância na concepção do Estatuto da Criança e
do Adolescente (ECA)
A infância expressa uma concepção impossível de ser transposta para todas
as culturas de forma homogênea no tempo e no espaço. A palavra infância se refere
a um período particular da existência humana, sendo associado com as crianças e
compreendida desta forma pela maioria das sociedades. Entretanto, os valores e
concepções que esta palavra exprime devem ser analisados com cuidado. Dessa
compreensão serão produzidas as leis e o contrato social que rege os direitos e
deveres do Estado e da sociedade em relação à existência humana neste período
da vida.
Ariès (1981) conduziu um importante estudo sobre a infância na Europa com
base na história social da criança e da família. O livro aponta que a atual concepção
que se formula da infância variou significativamente ao longo do espaço-tempo. Ao
97
versar sobre a “descoberta da infância” referenciado na análise da iconografia e das
vestimentas, o autor salienta que havia uma ausência da infância nos séculos XI e
XII. Em meados do século XIII, a criança aparece na arte religiosa, porém com
traços de adultos, mudando apenas a escala da figura humana como se as crianças
fossem adultos em miniatura. Essa iconografia religiosa da infância tomaria
destaque na iconografia leiga nos séculos XV e XVI. Mesmo com o aparecimento da
criança na iconografia leiga, ela não tem status central. Manifesta-se enquanto
elementos de “cenas”, remontam uma infância misturada ao mundo adulto. Com
relação às roupas, durante a Idade Média não existiam diferenças de vestimentas
entre as idades. Por outro lado, no século XVI constitui-se, nas vestimentas uma
separação entre adultos e crianças, ficando as crianças incumbidas de desfilar os
modelos que há um século antes foram dos adultos, tais como túnicas e toucas.
Outro aspecto ressaltado por Ariès (1981) é a própria demografia, pois o fato
da criança apresentar grande vulnerabilidade às doenças e grande mortalidade,
havia o hábito das famílias produzirem muitos filhos. Os sentimentos relativos às
crianças eram também de menor importância. O historiador localiza em diversos
museus europeus quadros que retratam a morte de criança, datando do século XVI.
A mortalidade infantil continuava em elevados índices naquele tempo, mas, aos
poucos, as crianças foram envolvidas por uma nova sensibilidade, em muito ligada à
cristianização dos costumes, em que as crianças então eram indivíduos concebidos
de alma. Esses elementos iconográficos juntamente com as mudanças das vestes
remontam um marco na formação do sentimento de infância.
Portanto, de acordo com Ariès (1981), a infância como uma faixa de vida é
algo que data do século XVI. Anterior a este momento a idade não era gestora dos
papéis sociais a se desenvolver. O que chamamos hodiernamente de crianças eram
98
seres que estavam inseridos desde tenras idades nas práticas dos adultos nos
referenciais ocidentais atuais. Por outro lado, Heywood (2004) evidência que há toda
uma sorte de dificuldades para se estudar a infância no âmbito da historiografia em
virtude de que as próprias crianças não deixam muitos registros, além de
brinquedos. Para tanto, os pesquisadores recorrem a diversas fontes oficiais. Nesse
âmago, Heywood (2004) questiona a metodologia de Ariès (1981), que faria uma
abordagem com relação a uma minoria letrada e teria extrapolado a massa, o que
de forma alguma têm abrangência efetiva em torno de variações regionais e
socioeconômicas, por exemplo.
Stearns (2006), no primeiro capítulo de seu livro “A infância”, tece argumentos
sobre a infância nas civilizações clássicas, indianas, chinesas, entre outros povos,
traz como exemplo as leis mesopotâmicas sobre as quais a infância estaria
arraigada ao sistema de herança - herdar-se-ia tanto a escravidão como a nobreza.
Aí haveria uma distinção interna entre os primeiros a nascer e os demais, bem como
entre masculino, detentores da herança material, e o feminino, expurgado do acesso
do patrimônio material.
Contudo, ainda que possamos problematizar distinções entre adultos,
adolescentes e infantes nos mais distintos grupos sociais e temporalidades quanto
aos diferentes papéis sociais atribuídos a essas diferentes fases da vida societal,
ainda é uma temática bastante jovem (insipiente) na ciência. Tanto é que diversos
autores vêm, no campo da Sociologia, advogando por uma Sociologia da Infância.
No ano de 2003, em Arequipa (Peru), no Congresso da Associação Latino-
americana de Sociologia houve um debate especial em favor da Sociologia da
Infância. Quinteiro (2003) ressalta que pouco se ouve das crianças e que
inclusive debates questionando a aceitação das informações (palavras) e entrevistas
99
cedidas por crianças e dos adolescentes enquanto informações de seus mundos.
O que se advoga hodiernamente é relativo a culturas de infância e
adolescência, não no sentido que perfaçam universos isolados:
ao falarmos em culturas de infância, pode-se evidenciar a presença de uma
linguagem espacial entre as crianças que, com seus pares, presentificam
suas presenças na paisagem, transformam o espaço em lugares-territórios,
escrevendo suas histórias e geografia no mundo. É nesse sentido que suas
ausências nos documentos oficiais, que suas vozes muitas vezes mediadas
por situações teóricas ou institucionalizadas, nem sempre significam um
calar, mas sim, a emergência de outras linguagens, múltiplas formas de se
relacionar com seus contextos, ainda negados, ou pouco compreendidos
nos diversos segmentos sociais, inclusive nas pesquisas etnográficas.
(LOPES,2007.s/p).
Essa perspectiva vem sendo difundida no âmbito da Educação nas pesquisas
sobre a infância e adolescência. Destacaríamos no Brasil, o Programa de Pós-
graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF). Vejamos que
Borba (2005) buscou compreender em sua tese como as crianças, nas relações
entre si e nos espaços-tempos do brincar, elas constituem suas culturas da infância,
concebidas como formas de ação social sobre o mundo pelas quais se identificam
como um grupo de pares. Embora em espaços institucionais escolares. A autora
argumenta que essas crianças na partilha de elementos entre os seus criam um
espaço interativo no brincar.
Vasconcelos (2005) também compartilhar da mesma linha de abordagem das
culturas de infância, dando ênfase à questão espacial da produção infantil enquanto
conceito imbricado. A infância e o local intersectados simultaneamente pela posição
na estrutura do grupo social a que pertencem. Nesse sentido seriam as
territorialidades das circunscrições de infâncias a que estenderíamos para próprias
perspectivas de adolescência, muito embora ressaltando que nesse segundo caso
uma maleabilidade maior, uma fronteira de transitividade na posição estrutural de
100
grupo de pertencimento. Em entrevista para o periódico “Currículo Sem Fronteira”
Sarmento argumenta que:
a criança vive o processo de transição inerente ao seu trajecto de
desenvolvimento (isso não se nega, o que se recusa é que este seja um
processo linear, padronizado em estágios e teleológico), sendo o seu lugar
esse ponto de intercepção entre o que é a veiculação das culturas adultas,
elas próprias compósitas e híbridas, e as culturas infantis, afirmadas pela
interacção de pares e pelo processo de “socialização horizontal”, isto é de
pertença social aos colectivos infantis, com as suas linguagens, códigos,
protocolos, lógicas, artefactos, etc. A idéia da criança reduzida à “alteridade
radical” do seu estatuto ontológico, como diz Larrosa, é uma bela idéia
filosófica, mas sem pertinência sociológica. A criança “vive” no entre-lugar
da radicalidade de uma infância incontaminada e de uma adultez
precocemente induzida. Por outro lado, cada criança vive no interior de um
sistema simbólico que administra o seu espaço social. Quer dizer, quando
nasce a criança, vai entrar num mundo em que lhe é permitido fazer certas
coisas e outras lhe são interditadas, onde é conduzida a comportar-se e a
pensar de determinados modos e onde outros modos de pensar ou de se
comportar são reprimidos. que, ao crescer, esses modos de
administração simbólica do seu comportamento vão mudar, por vezes
milimetricamente, por vezes de maneira abrupta, e portanto a criança está
também no “entre-lugar” de uma condição geracional em transformação,
combinando em cada momento concreto um passado e um futuro.
(SARMENTO, 2006, p.19).
A infiltração adulta e os intercâmbios sofrem mudanças sensitivas nos
contextos de grupos, portanto nos soa estranho a cultura de infância quando
utilizada fora de seu status espacial. Lopes (2006), a partir de pontos cardeais
traçados num sentido linear na cidade, busca encontrar os lugares de encontro das
crianças. Mas esta generalização é impossível, porque seria necessário indagar
“quais” crianças? Ainda que o autor trabalhe com uma perspectiva geográfica de
território, argumentamos que o espaço compõe os indivíduos. Se não território
sem espaço, nos restaria saber quem são os indivíduos em questão.
Enfim, a infância brasileira tem sido estudada e debatida. Um estudo sobre a
criança indígena meio à colonização européia foi realizado por Del Priore (1996).
Nas terras que viriam a constituir o Brasil, havia uma pluralidade de tribos que
101
certamente mantinham relações sociais específicas. Entretanto, não detalhados
registros de estudos sobre a concepção de infância nessas culturas antes da
chegada (invasão) dos portugueses no final do século XV. A vinda dos portugueses e
jesuítas trouxe consigo o modelo europeu de infância mística, com valores especiais
e angelicais, imitando o menino Jesus. Segundo Del Priore (1996), este modelo
leva-os a pensar a criança indígena como ser estratégico para ser moldado
conforme a concepção européia. O pequeno-índio, considerado de “alma limpa”
poder-se-ia tornar o pequeno “Jesus” evangelizador e, assim, os jesuítas adotavam
o método de atração da criança pela música e, posteriormente, havia tentativa de
adestramento do jovem índio com uso do castigo físico.
A infância brasileira, retratada pelo livro de Del Priore (1996), se faz utilizando
de fontes documentais que denotam a construção social da infância a partir da ótica
do adulto e das instituições de poder. Assim, a sociedade, ao instituir determinada
compreensão de infância, utiliza-se de instituições que regulam as relações sociais
que envolvem seres enquadrados nessa compreensão.
Nesse sentido, é necessário trazer à luz a lógica institucional que norteia as
ações sociais em torno da infância brasileira, dedicando um pouco de atenção à
historiografia do pacto social brasileiro em torno da infância. Pesquisadores do
Centro Internacional de Estudos Sobre a Infância (CIESPI) registraram um acervo
documental legal de 1824 a 2002. Ou seja, do século XIX ao XXI, parte integrante da
Base de Dados Legislativa Sobre Infância e Juventude (BASE LEGIS).
No exame desse material disponível na Base Legis
25
, observamos quatro
25 Base de dados legislativa sobre infância e juventude (0 -18 anos).Contém textos do acervo de leis,
acórdãos, decretos, projetos de lei, portarias etc., no período de 1824 a 2002. A elaboração contou
com o apoio da UNICEF, Brasília e AMENCAR, Organização-Não-Governamental do Rio Grande
do Sul. O projeto BASE LEGIS possibilitou a digitalização de rico material bibliográfico legislativo
existente no Centro de Documentação da Infância da CESPI/USU. Extraído de:
Http://www.ciespi.org.br/ ciespi.htm visitado em 13/07/2006.
102
eixos predominantes dedicados à infância e juventude. Primeiramente, um
esforço para estabelecer uma legislação especial para menores infratores, na qual a
própria noção de “menor”, referindo-se à idade, gera muitas leis. um outro eixo
referente à educação. E em seguida, a legislação que dispõe sobre o trabalho. O
quarto eixo, refere-se a leis que instituem os órgãos de proteção e promoção da
infância e adolescência referentes à aprovação de recursos e fundos financeiros
para investimentos em temáticas infanto-juvenis. Este último eixo é posterior à
aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990.
O Estado, representado em suas esferas executiva, legislativa e judiciária,
deve orquestrar suas ações a fim de fazer cumprir os pactos sociais estabelecidos.
O Estado é uma instituição social que emana da sociedade, mas ao mesmo tempo,
está acima dela (CASTRO, 1995). No Estado Moderno, o cidadão individual pode
delegar governabilidade a grupos que se configuram dirigentes de Estado, numa
dada instância temporal. Isso se pela necessidade da perda parcial da liberdade
individual para a Instituição exercer o poder coletivo e organizar a política. Sánchez
(2005), ao dissertar sobre o poder de Estado, argumenta que
Lograda la aceptación social del Estado como instancia autónoma y superior
respecto a los individuos, permite imponerse sobre cada uno como poder de
Estado, y servirse de la razón de Estado como justificación incuestionable
de las decisiones adoptadas. En cuando las razones de Estado dispongan
de vigencía social, cada individuo deberá acatarlas y subordinarse a ellas, si
quiere permanecer integrado a la estructura social, y no desea verse
marginado, e incluso perseguido y castigado (SÁNCHEZ, 2005. p 102).
O Estado obtém uma autonomia e um poder relativo e tensionado pelo
controle social, necessário na busca de legitimidade que é outorgada através do
espaço e do tempo. A relação entre o Estado e a sociedade, temporalmente e
espacialmente, é um movimento constante e complexo que se objetiva nas leis que
103
sustentam os contratos sociais estabelecidos no tempo e no espaço.
A consideração de que o Estado é um comitê privilegiado para cumprir os
interesses da burguesia, é uma posição da vertente marxista leninista, segundo
Carnoy (1994). Essa concepção enfraquece a noção do papel do Estado para mero
instrumento da classe dominante. Harvey (2005) argumenta que o Estado não pode
se apresentar como instrumento de uma classe porque perderia sua legitimidade
social e, conseqüentemente, seu poder. Dessa forma, ele argumenta que uma
ilusão de que os Estados orquestram os interesses comuns de todos os cidadãos.
Para esse estudo, consideramos que o Estado de uma sociedade capitalista é
reprodutor das relações de classe existentes na organização social da qual ele faz
parte, sustenta e regula seus conflitos entre capital e o trabalho - partes
fundamentais na produção da riqueza na sociedade capitalista de classes. Assim, o
Estado:
não está a serviço nem é instrumento de uma classe contra outra. Sua
estrutura e atividade consistem na imposição e na garantia duradoura de
regras que institucionalizem as relações de classes específicas de uma
sociedade capitalista. O estado não defende os interesses particulares de
uma classe, mas sim os interesses comuns de todos os membros de uma
sociedade capitalista de classes (OFFE, 1984, p.123).
Entretanto, numa sociedade de classes, pode-se afirmar que o acesso ao
Estado é seletivo e comporta uma exclusão sistemática de certos grupos que são
marginalizados da educação, à informação e, muitas vezes, da participação pelo
voto.
O Estado é um agente que mobiliza forças e, por conseguinte, é resultado
de um processo de concentração de diferentes tipos de capital, capital de força física
ou de instrumentos de coerção (exército e polícia), capital econômico, capital
104
cultural, ou melhor, de informação, capital simbólico” (BOURDIEU, 1996. p.99).
Em seu papel regulador, sua função é fazer cumprir o pacto social
estabelecido na Constituição do País. Entretanto, ele não realiza esse papel de
forma neutra. Deve negociar com grupos de poder econômico e político e, com isso,
vive em contradições internas. Quanto maior a sua autonomia em relação à
sociedade civil, mais ele é fraco em legitimidade social. Quão maior a participação
da sociedade civil no âmbito do Estado, mais ele se fortalece em legitimidade. No
entanto, perde autonomia para realizar interesses particulares dos agentes que se
fazem governo e representantes de Estado numa dada temporalidade.
O Estado, conforme afirma Claval (2004), não é uma entidade autônoma,
superior à sociedade, mas instituída socialmente num contexto histórico-espacial.
Além disso, é necessário considerar que o poder do Estado se encontra dividido em
uma complexidade escalar que, no caso brasileiro, envolve a União, os Estados e os
Municípios. Por conseguinte, ainda se somam às escalas espaciais do poder estatal,
os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.
De posse do poder normativo, o Estado brasileiro instituiu um pacto social em
relação a uma concepção de infância que se objetivou na diretriz mais importante do
país para nortear a ação social, política e jurídica mediante a população brasileira
concebida como crianças e adolescentes - o Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA Lei Federal 8.069, de 13 de julho de 1990). Ao Estado é atribuído o dever
e o direito de exercer a força física de coerção social para fazer cumprir o pacto
social estabelecido e, inclusive, destituir a autoridade familiar sobre a criança, caso
ela esteja sendo prejudicada em seus direitos. Vejamos que um Estatuto diz respeito
à restrição legal e normativa:
105
A. Por oposição a contrato, diz-se das relações legais que se estabelecem
entre os homens, na ausência de todo ato de vontade da sua parte, e
apenas como conseqüência da situação que ocupa na organização familiar,
política ou econômica (homem ou mulher, pai ou filho, senhor ou escravo,
capitalista ou assalariado, etc.);
B. Conjunto de textos que regula a situação de um grupo de indivíduos , os
seus direitos, as sua obrigações. No plural: conjunto de artigos que definem
o fim e estabelecem nos seus traços essenciais a organização de uma
sociedade. (LALANDE, 1996, p.343)
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) foi aprovado no Brasil em
1990
26
, afiliado a uma conjectura internacional. Em 1989, em Assembléia Geral das
Nações Unidas (ONU), elaborou-se uma carta magna de direitos para crianças de
todo mundo. Configurou-se como lei internacional no ano seguinte, ratificando
muitos aspectos da Declaração Universal dos Direitos da Criança, de 1959. Porém,
o ECA é precedido de um movimento interno e, profundamente arraigado a história
brasileira. Data de 1927 o Código dos Menores, elaborado no âmbito de dar
enquadramento jurídico aos chamados “menores irregulares”. No período ditatorial,
temos a criação da Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM), em
1979. Embora tenha havido avanços nesse período, o público infanto-juvenil não
ficou ileso à política ideológica do regime.Os “menores irregulares” foram tratados
sob a égide do problema da segurança nacional. Nos anos oitenta, com início de
abertura política e redemocratização do país, diversos setores da sociedade
brasileira encadearam-se em prol da constituição de uma legislação em que
crianças e adolescentes viessem a desfrutar o status de cidadãos de direitos.
Em torno das lutas pelos direitos e a aprovação do texto do Estatuto,
buscavam-se a regulamentação e garantia de proteção do público infanto-juvenil,
assim como obrigatoriedade do Estado e das família (adultos) em propiciarem o
pleno exercício dos direitos então reivindicados. Diversos segmentos sociais lutaram
26 As datas citadas no parágrafo estão fundamentadas na BASE LEGIS disponível em:
Http://www.ciespi.org.br/ciespi.htm, visitado em 13/07/2006.
106
para aprovação do Estatuto, como igrejas e universidades. Destaque-se o
“Movimento Nacional Meninos e Meninas de Rua (MNMMR)”, assessorado por
intelectuais e organizações civis. O movimento deflagrou, a partir de 1985, um
processo de mobilização por todo país. Debateu assuntos como violência familiar,
educação, saúde, entre outros assuntos. As discussões foram fatores incisivos na
fundamentação e criação do Estatuto da Criança do Adolescente, em 1990.
O ECA prevê uma política de atendimento aos direitos da criança e do
adolescente a partir de um articulado arranjo institucional que envolve União,
Estados, Municípios e movimentos não-governamentais. A municipalidade é a
instância que desenvolve as ações práticas de atendimento em caráter de
assistência social, prevenção, assistência médica e psicossocial às vítimas de maus-
tratos, abusos, etc.
A gestão de recursos, guarnição da participação política paritária da
sociedade, por meio de organizações representativas, são tarefas administradas
pelos Conselhos Municipais, Estaduais e Nacionais dos Direitos da Criança e do
Adolescente. Os Conselhos, são órgãos deliberativos, compelidos a gerenciarem e
controlarem ações das demais entidades envolvidas no atendimento e cumprimento
dos direitos da infância e juventude.
As entidades que prestam atendimentos diretos às crianças e adolescentes
são as responsáveis pela sua organização interna e execução de seus programas.
As ações devem respeitar os princípios de preservação dos vínculos familiares,
desenvolvimentos de atividades de educação em grupo e/ou personalizadas,
garantia de participação na vida comunitária, entre outros princípios previstos no
Estatuto. As entidades são divididas de acordo com as seguintes finalidades:
orientação familiar, regime sócio-educativo em meio aberto, colocação familiar,
107
abrigo, liberdade assistida, semiliberdade e internação. Compete ao Conselho
Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), os registros e
credenciamentos das instituições e, posteriormente, a comunicação aos Conselhos
Tutelares e à autoridade judicial do município os registros ou exclusões de
entidades.
Peculiar atenção é merecida aos Conselhos Tutelares. Esses se constituem,
de acordo com o ECA, como órgãos autônomos, não jurisdicionais. Sua finalidade
social é a de zelar pelos direitos das crianças e dos adolescentes previstos no
Estatuto. Os Conselhos são compostos por cinco conselheiros, eleitos pela
sociedade para um mandato de três anos, com a possibilidade de uma recondução.
Para candidatar-se ao Conselho, se exige do pleiteante comprovação de idoneidade
moral, idade superior a vinte e um anos, residir no município onde exercerá um
possível mandato e comprovação que prestou serviços relacionados ao público
em foco. O local e os horários de atendimento dos Conselhos são definidos em lei
municipal. Assim como as despesas e remunerações são regidas pela Lei
Orçamentária da municipalidade. No caso da cidade de Ponta Grossa, foco dessa
pesquisa, dois Conselhos Tutelares: Leste e Oeste. Esse último é a principal
referência para nosso estudo.
Com relação às disposições para com a Justiça da Infância e Juventude, é de
encargo dos Estados a criação de varas específicas ao atendimento dessa parcela
da sociedade. Compete ao Poder Judiciário Estadual determinar a proporcionalidade
de Varas da Infância e Juventude, de acordo com números de habitantes por
comarcas, assim como a disposição de infra-estrutura necessária para seu
funcionamento. Em Ponta Grossa a Vara da Infância e Juventude representada
por um (a) Juiz (a) e um (a) Promotor Público especial para assuntos referidos aos
108
adolescentes e as crianças.
Dentre as diversas atividades competentes para a Justiça infanto-juvenil,
destacamos a tarefa de referendar o conhecimento de casos encaminhados pelos
Conselhos Tutelares e a aplicação de medidas cabíveis. Em geral, são abertos
Procedimentos Investigatórios (PI) em que o juizado conta com o auxílio de
sindicâncias realizadas no âmbito familiar, realizadas por assistentes sociais do
Serviço de Auxílio à Infância e Juventude (SAI). As informações relatadas nas
sindicâncias são somadas aos elementos diagnosticados pelo Conselho Tutelar,
servindo de instrumentos para subsidiarem as decisões do Juiz (a).
Conforme interpretação de Campanatti e Carvalho (1998), Gomes (1996),
entre outros autores, com a implementação do ECA, as crianças e adolescentes
deixam de ser “objetos” de direitos, concepção paternalista que precede o Estatuto,
e ascendem à condição de “sujeitos” de direitos. Embora haja uma constante
preocupação por parte da sociedade em criar dispositivos na configuração dos
direitos sociais das crianças e adolescentes, refletindo na arena de Estado; autoras
como Schuch (2006) e Schiocchet (2006) anotam que esses direitos se alinham a
uma composição universalizante, em concordância com as normas da Organização
das Nações Unidas (ONU), o que a caracteriza por uma base “legalista”.
Assim, emergem as dificuldades. Por um lado, uma preocupação de
inclusão de crianças e adolescentes a partir de uma base legal/universal e, do outro
lado, um esvaziamento dos conteúdos social, cultural e espacial. A sociedade da
qual as crianças fazem parte é composta por diversos estratos culturais e por
diferenças de gênero, classe social, etnia, entre outros. Portanto, crianças e
adolescentes não comportam um discurso monolítico, mas emergem concretamente
a partir dos seus contextos histórico-espaciais.
109
O Estado constituído por uma arena seletiva na qual apenas algumas classes
sociais mais privilegiadas se fazem representar, instituem uma pretensa
universalidade de direitos dos agentes menores de idade que norteiam as
representações de infância para ação das instituições e do discurso hegemônico do
Estado, que restringe a prática comercial sexual em que as meninas se encontram.
A universalidade de direitos tem sido confundida com a homogeneidade de
concepções e práticas relativas às características dos grupos sociais envolvidos no
processo de exploração sexual comercial infanto-juvenil tratado por esta pesquisa. O
referencial de vida burguês, tomado como fundamento da prática do Estado, é re-
significado nos espaços de periferia, contexto de vivência das meninas foco dessa
pesquisa.
O Estado, como um agente, é capaz de impor sua representação de infância
e ações coercitivas para enquadrar as práticas sociais. Entretanto, essa
representação tem se conflitado com as representações construídas a partir da
experiência da periferia pobre da cidade de Ponta Grossa, onde os discursos
formais chegam de maneira rarefeita. Conseqüentemente, a representação da
infância e adolescência fundamenta-se em sentidos diversos na experiência
cotidiana dos sujeitos e famílias pobres da periferia.
A efetivação das normas contratadas socialmente e referências das ações
das instituições legais ocorrerão na medida em que tais normas forem
incorporadas no cotidiano dos grupos sociais ou, ainda, que as regras sejam
produzidas com base também nas experiências dos protagonistas da periferia.
As normas objetivadas nas leis são estáticas e a cultura “reflete sistemas
importantes fragmentados, altamente contestados, freqüentemente híbridos e
sempre fluidos” (DUNCAN, DUNCAN, 1999, p.64). Não se está reivindicando o
110
enquadramento da concepção legal ao fato histórico-espacial, mas que as práticas
do Estado, ao utilizarem o contrato social como uma referência, sejam hábeis para
compreenderem que as normas são constrangidas nas experiências vividas através
do espaço-tempo e que contemplar este aspecto amplia a capacidade de sucesso
das políticas de Estado junto aos grupos sociais vulneráveis socialmente.
Embora haja necessidade de garantia irrestrita aos direitos sociais das
crianças e adolescentes, é preciso haver mediações das características
sócioespaciais específicas. A fim de possibilitar o sentimento de pertença e a
construção identitária dos diversos grupos sociais aos contratos sociais
estabelecidos para construção cidadã. Dessa forma, faz-se necessário incorporar a
dimensão geográfica para possibilitar a construção de projetos e veículos de
intervenções mais efetivos na dimensão cotidiana de crianças e adolescentes,
notadamente aquelas que vivem na periferia pobre da área urbana, sujeitas aos
diferentes círculos de intersubjetividades.
2.2- A exploração sexual comercial na margem das ações centrais do Estado
As estratégias do Estado para coibir a exploração sexual comercial infanto-
juvenil têm como ponto de referência o Estatuto da Criança e do Adolescente, os
Conselhos Tutelares (responsáveis diretamente pelas denúncias de infrações aos
direitos das crianças e adolescentes) e a Vara da Infância e Juventude (responsável
pela deliberação das medidas cabíveis). Órgãos centrais na operacionalização do
discurso da lei. A legislação, como um signo universal, permeia o mecanismo de
ação e, nesse sentido, o discurso se realiza nas práticas jurídicas, políticas e sociais.
111
Assim, o discurso é a ação que se desenvolve na mobilização de forças para
traçar estratégias no combate à exploração sexual comercial infanto-juvenil feminina.
Uma das ações principais de coibição das práticas sexuais comerciais que envolvem
meninas, clientes e aliciadores são as blitze que ocorrem numa parceira entre o
Conselho Tutelar Oeste e a Policia Rodoviária Federal.
A prática de coibição tem como referência fundamental a espacialidade
fenomenal a partir de locais e horários conhecidos da prostituição adulta, como
rodovias, boates, locais públicos e bares. Acredita-se que nestes locais se pode
encontrar as meninas menores em situação de “prostituição”, juntamente com
aliciadores, clientes ou facilitadores da exploração. Não um controle rígido no
registro das ações por parte do Conselho Tutelar. As informações são de que a
periodicidade pode ser mensal ou, algumas vezes, determinada pelo número
excessivo de denúncias. Podemos observar melhor a prática das blitze no trecho
extraído de uma reportagem jornalística:
A inspetora operacional da Polícia Rodoviária Federal, SGM, conta que a
rotatividade dos pontos de prostituição dificulta o mapeamento. “Dá apenas
para determinar a região”, explica. Bares, lanchonetes, pátios de postos de
combustíveis e casas noturnas são os focos. (...) Segundo o Conselho
Tutelar, elas não são agenciadas. Trabalham por conta própria ou são
induzidas pela família. SGM notou a redução de casos. “O administrador
do estabelecimento exige documentação por medo de ser notificado”, conta.
Na última blitz, nenhuma menina foi encontrada. Mas não o que
comemorar. “Estamos encontrando muitas que acabaram de completar 18
anos”, relata J (Conselheira Tutelar). São garotas que estavam na
prostituição (Reportagem de BREMBATTI, K. Gazeta do Povo 26/06/2005).
A prática das blitze tem registrado no Conselho Tutelar Oeste
27
números
inexpressíveis. De fevereiro a setembro de 2003 foram realizadas oito operações,
nas quais não houve nenhum caso registrado.
27 Embora tenhamos dois Conselhos Tutelares em Ponta Grossa, esta pesquisa se reporta ao
Conselho Tutelar Oeste, pelo fato desse atender as áreas de rodovias e suas proximidades
-espacialidades compositoras de nosso recorte.
112
No ano de 2004, uma intervenção, em 14 de abril, que resultou na
presença de três adolescentes em local indevido: uma menina de dezessete anos
encontrada em uma boate e um menino de quinze anos em outra. Além dessas
ocorrências, o registro de uma menor de dezesseis anos num posto de
combustíveis. Todos esses casos envolvem estabelecimentos localizados na
Rodovia BR-376.
Em 2005, há registro de três blitze. Uma em 17 de maio, em que foi verificada
a presença de uma adolescente de quatorze anos em frente a um antigo “posto de
gasolina”. No dia seguinte foram localizados dois meninos de quinze e treze anos,
respectivamente, cuidando de carros no pátio de uma churrascaria próxima à BR-
376. A última blitz registrada em 2005 ocorreu em 12 de outubro e não houve
autuações. Por conseguinte, num total de doze intervenções do Estado foram
encontrados seis menores de idade em locais e horários impróprios, o que
contabiliza uma média de 0,5 caso registrado em cada ação empreendida. Mesmo
frente às denúncias, as ações têm sido mal sucedidas, como pode ser constatado no
trecho de relatório que se segue:
Em 11/09/1996 Tamara, irmã de Despina, relata que a adolescente estaria
se prostituindo no Bar da avó. (...) A adolescente Despina (14 anos) teria
engravidado e provocado aborto, continua trabalhando no bar da avó. Em
07/10/1996 compareceram ao CT a Sra. Fedora e a filha Despina relatando
que Despina nunca esteve grávida e que estaria namorando com Sr. de
idade e que continuava morando com sua avó. Em 14/07/1998 vizinhos
relatam de que Despina não estuda e trabalha no bar da avó diariamente
junto com outras adolescentes, todas de menor idade. A polícia foi acionada,
mas as adolescentes fugiram do local. (Relatório do Projeto da Rua para a
Escola. In: Processo do CONSELHO TUTELAR OESTE, Ponta Grossa,
1998
28
).
O trecho ilustra a dificuldade de localizar meninas diretamente inseridas na
28 Nos trechos referentes aos processos e relatórios do Conselho Tutelar Oeste, Vara da Infância,
entre outros, optamos por não incluir o número da folha e tampouco o número dos autos,
preservando-se o sigilo judicial.
113
exploração, pois, mesmo com a denúncia e tentativa de flagrante por parte da
polícia, as meninas também exercem uma postura ativa fugindo de uma apreensão,
o que contribui para perpetuação de suas situações de exploração sexual comercial.
Somando-se a outros fatores, como bebidas alcoólicas, trabalho infantil (venda de
verduras) e a tutela da avó, as meninas exercem uma postura ativa, ainda que uma
escolha constrangida pelo contexto de pobreza, gravidez precoce, aborto e
naturalização das práticas no ambiente familiar.
Outra prática do Estado no combate à exploração sexual comercial infanto-
juvenil são os registros e averiguações de denúncias da sociedade. Para cada
“acusação”, um processo aberto com o nome da criança envolvida, onde são
registrados os procedimentos realizados para resolução do caso apresentado.
Diante da impossibilidade de solucionar os problemas denunciados, o Conselho
encaminha o processo à Vara da Infância e da Juventude, que toma novos
procedimentos.
A Vara da Infância, ao receber o encaminhamento do Conselho Tutelar,
designa uma sindicância para a averiguação dos fatos apresentados e da decisão
tomada pelo Conselho Tutelar. A condução da sindicância é realizada por uma
assistente social do SAI, ela realiza visitas junto à família da criança, reúne
depoimentos e elementos para instruir o processo a ser julgado. Além disso, a Vara
da Infância, através de sua promotoria, pode realizar denúncias de violação de
direitos das crianças e adolescentes.
A pesquisa nos arquivos e registros existentes nestes órgãos evidenciou que
os procedimentos realizados pelo aparelho competente de Estado apresentam
debilidades na atuação de combate à exploração sexual comercial infanto-juvenil
que promovem a invisibilidade de um fenômeno presente na sociedade.
114
A prática da blitz realizada pela parceria entre o Conselho e a Polícia tem
apresentado, como evidenciado anteriormente, números inexpressivos da atividade
em tela. O enquadramento do caso torna-se difícil que, geralmente, negação
por parte da menina menor de estar sendo prostituída. Além disso, a dificuldade
torna-se ainda maior pelo fato de que é pouco provável a ocorrência de um flagrante
do programa que ocorre entre as meninas e os clientes. Nesse sentido, os registros
são enquadrados como “menor encontrada em um local e horário impróprio”.
Mesmo quando a denúncia é realizada por parentes, a prática da blitz em
boates tem sido infrutífera:
Zaíra (adolescente) relatou que (...) suas irmãs Tâmara e Despina
trabalham na Boate (nome), porém nós fomos até o local e realizamos uma
blitz junto com a Polícia Rodoviária Federal e não encontramos nenhuma
menor no referido estabelecimento. (Extraído de processo do CONSELHO
TUTELAR OESTE, Ponta Grossa, 2006).
Em um dos estabelecimentos da PR-151, uma garota, atualmente com
dezenove anos, relatou que vários estabelecimentos contam com câmeras nas ruas
e conseguem então prever a chegada dos policiais juntamente com o Conselho
Tutelar. Disse ainda que com o celular tudo ficou mais fácil, porque quando as
batidas dos policiais começam, os estabelecimentos de prostituição se comunicam
rapidamente. Além disso, policiais que avisam previamente os estabelecimentos
de prostituição sobre as batidas e prontamente os responsáveis retiram as meninas
menores de idade do local. A própria depoente relata que, quando era menor de
idade, tinha que se esconder até que sua “mãe adotiva”, como carinhosamente se
refere à dona do estabelecimento, lhe conseguiu documentos falsos atestando sua
maioridade.
29
29 Durante quase dois anos foram realizadas visitas nos estabelecimentos de prostituição para
115
Nas ruas, rodovias e avenidas também ocorrem os dribles às práticas do
Conselho Tutelar. Um caso interessante é relatado pela conselheira Fabiane Franke.
Numa ocasião, o Conselho Tutelar Oeste recebeu freqüentes denúncias anônimas
de que havia uma garota que estava sendo prostituída na Avenida Souza Naves.
Pela descrição do físico da tal garota ela e outra conselheira suspeitaram de que se
tratava de uma menina que havia passado por Conselho e Casas de Abrigos.
Resolveram então flagrar a menina em situação de exploração sexual e para isso
tiveram que ir ao local disfarçadas. Deixaram o carro do Conselho e foram a pé,
usando roupas diferentes das habituais, usaram bonés e cabelos presos. No local
chegaram a ver a menina descendo da cabine de um caminhão, a qual as
reconheceu mesmo com todos os disfarces. De forma debochada, a menina abanou
a mão fazendo sinal de “tchau” e fugiu por área escura, impossibilitando a ocorrência
de um possível flagrante.
A invisibilidade é também promovida pela forma de registro que o Conselho
Tutelar Oeste tem desenvolvido. Nas categorias de registros não se contempla a
exploração sexual comercial ou crianças prostituídas, por exemplo. Os itens de
possíveis enquadramentos são: a violência sexual, anotações relacionadas aos atos
atentatórios à cidadania, como aliciamento, mendicância, crianças em lugares e
horários indevidos. Destarte, uma dificuldade em dar visibilidade a uma prática
em que, num contexto de toda ordem de carências, uma atitude ativa por parte
da menor para fazer o programa, pois ela recebe compensações para realizar o ato,
diferentemente do abuso ou do estupro, por exemplo.
Vinte e nove processos foram analisados. Quinze provenientes de indicações
do Conselho, nove oriundos do PEMSE e cinco processos de meninas
entrega de preservativos e prevenção de doenças sexualmente transmissíveis. O relato foi feito
durante uma destas visitas. Entretanto, sem a permissão de gravação.
116
institucionalizadas em abrigos. Com exceção desses últimos, os demais vinte e
quatro haviam sido apontados por conselheiros tutelares ou pela assistência social
do PEMSE como casos em que havia suspeita de exploração sexual comercial
infanto-juvenil feminina.
Mesmo assim, para nossa surpresa, em apenas 16,6% dos processos
analisados a exploração sexual aparece como primeira notificação. Nos 83,4%
restantes, a exploração é escamoteada dos processos num primeiro momento.
Durante as análises, observamos que nos relatos das assistentes sociais com
relação às visitas e nos depoimentos transcritos das pessoas envolvidas a
exploração sexual comercial surgia. Todavia, vinculada e camuflada a outras
situações como a ausência prolongada de casa, atos violentos, desobediências às
regras familiares, furtos, uso de drogas etc. Em dois trechos abaixo extraídos de
relatórios de acompanhamento do PEMSE, vislumbra-se paradigmaticamente o
percurso feito pelas adolescentes em questão:
a genitora de Zobeide esteve no dia 05/09/2006 na sede do programa e
relatou que a adolescente está fazendo uso de bebidas alcoólicas, está
fumando e posa fora de casa várias noites sem dizer onde está ou o que
está fazendo. (Relatório PEMSE. In processos da VARA DA INFÂNCIA E
JUVENTUDE, Ponta Grossa, 2006).
Pai fala: “(...) adolescente foge de casa, aparecendo apenas para tomar
banho e trocar de roupa, momentos em que relata que ela não gosta de
ficar em casa porque se sente presa (...) e ainda, que possibilidade dela
estar se prostituindo e usando drogas” Folha XX, mãe em 19/06/06 (...) nos
relatou que não houve nenhuma mudança positiva nos comportamentos de
Ipásia, e ela constantemente está fugindo de casa, está mantendo relações
sexuais com pessoas desconhecidas (Relatório PEMSE. In processos da
VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE, Ponta Grossa, 2006).
O primeiro trecho se refere a Zobeide cujo primeiro registro nos aparatos de
Estado se deu via polícia, motivado por agressão praticada contra uma outra
117
adolescente. Ipásia, atriz do segundo trecho de relatório, tem um percurso mais
extenso pela rede de atendimento ao público infanto-juvenil. Primeiramente, foi a
sua mãe quem comunicou ao Conselho Tutelar sobre a circulação da adolescente
por locais impróprios. Posteriormente, temos sete novos registros, sendo três por
desobediências, dois por estar presente em local indevido, um por localização
imprópria conjugada a furto e um registro de furto. A mãe é notificante da primeira
vez e em outras duas oportunidades. O pai aparece em duas ocasiões.
Contabilizando uma vez respectivamente para a escola, polícia e denúncia anônima.
Tanto Zobeide quanto Ipásia tiveram sua relação com o Estado por
cometerem infrações. quando os responsáveis foram ouvidos é que se levantou
o fato de haver desconfianças de exploração sexual comercial. Entretanto, esse fato
não se configurou como importante nos processos, nem mesmo para denunciar os
supostos clientes.
Os processos constituem um modelo em que a exploração sexual comercial
tem sido tratada. Ou seja, ela aparece sempre camuflada por outras irregularidades,
sem possibilidades de denúncias ou flagrantes dos exploradores. As meninas estão
cumprindo medidas sócio-educativas por agressão e furto, mas os seus
exploradores, homens adultos, estão confortavelmente alojados atrás do véu da
impunidade.
Para compreender a invisibilidade do fenômeno da exploração sexual infanto-
juvenil feminina foi preciso olhar por detrás das instituições simbólicas e discursivas
dos diferentes textos de cidade, produzidos tanto pelas próprias meninas como
pelas estratégias do Estado. O que se apresenta aqui como resultado de pesquisa é
“um ato criativo no qual se viabiliza o processo de construção, e não como uma
placa sensível que registra mimeticamente os ‘fatos de cultura’” (MONDADA &
118
SÖDERSTRÖM, 2004. p.139).
Compreendendo a cidade como uma rica trama discursiva ou textual, para
utilizar as palavras de Duncan (2004). A destacamos como uma teia de
pluriversalidade. Optamos por construir a visibilidade de textos que emergem das
fissuras e interdições do poder hegemônico das instituições formais.
Em torno da posicionalidade do pesquisador frente aos desafios
metodológicos, e em uma postura aberta para questões atinentes à significação e
inscrição de valores, como compositores da materialidade espacial, pois os atores,
no caso as atrizes, elaboram interativamente a concepção de espaço e a si mesmos,
indo além de um espaço estrutural a priori. De forma polifônica, as meninas, ainda
que exploradas, elaboram seus textos de cidade.
Semelhante a pesquisa de Katz (2004), que, ao estudar a vida diária de
crianças trabalhadoras em Howa no Sudão, revela todo seu potencial transformador,
retirando a carga passiva que a sociedade lhes imputa. Também aqui, as meninas
que vivenciam a exploração sexual comercial são partes ativas entre os diversos
textos que interconectados e compõem o espaço urbano e a cidade.
Destacamos como positiva a adoção de direitos universais das crianças e
adolescentes a partir do ECA. Entretanto, sua exeqüibilidade é possível quando
se contempla a diversidade espaço-temporal da vivência da infância. Pode-se
afirmar que a espacialidade do fenômeno da exploração sexual comercial infanto-
juvenil feminina é de alta complexidade e não apresenta um padrão homogêneo.
Pelo contrário, sua sobrevivência é possível pelas múltiplas configurações
espaciais nas quais se viabilizam as práticas dos sujeitos envolvidos e, inclusive, da
posição do papel repressor do Estado.
O desempenho dos serviços sexuais aparece como uma escolha, ainda que
119
constrangida pelo contexto sócioespacial de pobreza e exclusão dos direitos
básicos. As meninas aqui investigadas vivenciam um espaço paradoxal como
argumenta Rose (1993). Elas são agentes de direitos, mas invisíveis aos olhos do
Estado. Querem se manter invisíveis, mas, com isso, expandem as possibilidades
de perpetuação de uma condição perversa de exploração. Cabe também à
Geografia estudar e tornar o fenômeno inteligível a fim de subsidiar a promoção de
políticas públicas mais eficazes com relação a temática em tela.
120
III - AS REDES DE INTERDEPENDÊNCIA E AS TÁTICAS ESPACIAIS
COTIDIANAS NA PERSISTÊNCIA DO FENÔMENO
A exploração sexual comercial infanto-juvenil é um fenômeno presente em
nossa sociedade, embora, como evidenciado no capítulo anterior, esteja pouco
visível pela arena formal / legal do Estado, seja pelas dificuldades de
enquadramento e estratégias adotadas em sua abordagem, seja pela ação tática
dos agentes envolvidos. O objetivo deste capítulo é a compreensão das relações
que congregam sujeitos e suas correspondentes configurações, permitindo a
persistência do fenômeno da exploração sexual comercial infanto-juvenil no texto
urbano de Ponta Grossa. A análise é apresentada em dois tópicos. Primeiramente
são evidenciadas as plurais configurações de agentes generificados organizados em
redes de interdependência. E como foco principal, sua dimensão espacial.
Posteriormente, o capítulo aborda a persistência do fenômeno sustentada,
paradoxalmente, na invisibilidade garantida pelas próprias meninas e pela debilidade
das estratégias de Estado.
A concepção de Duncan (2004) sobre a cidade-texto possibilita o argumento
de que o fenômeno da exploração sexual comercial infanto-juvenil articula diferentes
textos urbanos produzidos por vários grupos sociais. Esta articulação de textos
produz intertextualidades que denotam as inter-relações de textos que se
entrecruzam. Associando a idéia de Duncan (2004) com a proposta de Elias (1994a),
a articulação dos textos urbanos que produz a intertextualidade se por agentes
em relação. Estes articulam as dimensões micro e macro em constante movimento,
ou seja, são analisados em sua co-relação com a sociedade - o que o autor chama
de “configurações” ou redes de interdependência pois,
121
A rede de interdependências entre os seres humanos é o que os liga. Elas
formam o nexo do que é aqui chamado configuração, ou seja, uma estrutura
de pessoas mutuamente orientadas e dependentes. Uma vez que as
pessoas são mais ou menos dependentes entre si, inicialmente por ação da
natureza e mais tarde através da aprendizagem social, da educação,
socialização e necessidades recíprocas socialmente geradas, elas existem,
poderíamos nos arriscar a dizer, apenas como pluralidades, apenas como
configurações. Este o motivo por que, conforme afirmado antes, não é
particularmente frutífero conceber os homens à imagem do homem
individual. Muito mais apropriado será conjecturar a imagem de numerosas
pessoas interdependentes formando configurações entre si (ELIAS, 1994a,
p.249).
Estas redes de interdependências comportam agentes que vivem no decurso
de suas espacialidades e ao produzirem uma determinada configuração colocam em
contato os diferentes textos urbanos, produzindo espaços intertextuais, como
argumenta Duncan (2004). Nesse sentido, o fenômeno da exploração sexual
comercial infanto-juvenil é abordado aqui configurando redes de interdependências
espaciais, que as pessoas em relação trocam, além de outros elementos, suas
experiências e marcas espaciais.
A cidade-texto de Duncan (2004) se define numa dinâmica relacional e
processual entre sistema de significados e práticas que se transformam mutuamente
ao longo do tempo. Os seres humanos são tanto agentes de mudança social e,
portanto, espacial, quanto seus produtos.
Na configuração do fenômeno da exploração sexual comercial infanto-juvenil,
intercâmbios de diferentes elementos entre as pessoas, envolvendo relações de
forças. Esta rede de interdependência envolve indivíduos que trocam em condições
de desigualdades sócioespaciais. As pessoas centrais da rede podem ser
sinteticamente descritas como homem adulto, em geral com melhores condições
econômicas que a menina, criança ou adolescente, com baixo nível de renda. Os
elementos que posicionam estas pessoas em vantagens ou desvantagens na rede
de interdependência são consensuados socialmente, ou seja, corroboram os
122
padrões hegemônicos duais. O padrão hegemônico dita que o masculino é superior
que o feminino, o rico é melhor que o pobre, o adulto domina a criança, o centro é
mais bonito que a periferia e assim por diante.
Contudo, os pretensos posicionamentos duais promovidos pelo discurso
hegemônico são móveis, constantemente tensionados, conforme Elias (1994a). O
tensionamento se dá pelas perspectivas das pessoas que estão em relação e ativam
os mesmos elementos de forma diversa. A prática sexual do homem mais velho que
recompensa materialmente uma criança ou adolescente pobre do sexo feminino
pode constituir significados diferentes para ambos. Para ele, significar uma prova de
superioridade masculina o fato de manter relações sexuais com uma pessoa jovem
e, para ela, constituir conquistas materiais num contexto de extrema precariedade.
De tal modo, cada um deles pode significar a prática com ganhos relativos. Esse é
um importante aspecto a ser considerado na rede de interdependência. Mesmo
porque o modelo entre explorado e explorador é superado quando a perspectiva
adotada é aquela do ponto de vista dos agentes da configuração. Mesmo
compreendendo que cada uma das pessoas pode construir perspectivas de
vantagens nesta relação, a configuração estabelecida impõe às crianças e
adolescentes pobres do sexo feminino as conseqüências que perpetuam sua
situação de fragilização social.
Ao adotar o ponto de vista relacional, as meninas são aqui compreendidas
como ativas na produção do fenômeno e, embora busquem vantagens nesta
relação, elas se mantêm na situação de subordinação, tanto em relação ao parceiro,
quanto na relação com o Estado. As relações imbricam elementos que constituem a
existência social das pessoas as quais formam redes e acionam elementos
compositores de processos complexos pluridimensionais que tensionam
123
localizações de agentes em redes, como argumenta Rose (1993).
A realidade é plural, constituída por heterotopias conforme referendado em
Corrêa (2005). Assim, os múltiplos significados que dão sentido à vida cotidiana são
produzidos por grupos sociais em seus contextos históricos e espaciais específicos,
como foi sustentado no capítulo anterior deste trabalho. Souza (2000) debate que as
pessoas residentes de favelas cariocas vivem constantemente com a presença do
risco de morte, do poder dos traficantes de drogas, das carências de todas as
ordens. E isso potencializa comportamentos, que aos poucos vão tecendo as
relações cotidianas. Essas se naturalizam como práticas quão simplesmente fazem
parte da vida.
O exercício da vida infanto-juvenil na periferia pobre se constitui por
elementos diversos que se entrelaçam compondo uma espiral de ressignificações
entre legal / ilegal, formal / informal. A infância e adolescência se formam de
conteúdos diferentes do padrão adotado pela ordem do discurso hegemônico. A
infância se concebe em articulação com seu espaço-tempo. É importante ressaltar
que as diferenças estruturais da sociedade capitalista são vivenciadas no cotidiano,
pois, na cidade desigual, a existência cotidiana sustenta a totalidade das relações e
da vida. A sociedade se num processo amplo, num sentido inteiro de “produção
de coisas (produtos) e de obras, de idéias e de ideologias, de consciência e de
conhecimento, de ilusões e verdades” (LEFEBVRE, 2001, p.37).
A existência cotidiana é marcada por desacordos e assimetrias, os quais se
configuram de forma relacional. Entre vários elementos que arranjam as
dessemelhanças sociais, as relações de gênero são fundamentais, notadamente
para esta pesquisa. O simbólico e o material se enlaçam no espaço urbano e as
diferenças de gênero fazem parte das configurações que são aqui analisadas.
124
Gênero é compreendido como
um conceito / representação e, assim, diferenciado espacial, temporalmente
e em permanente processo de redefinição, foi (é) preciso também
considerar que o gênero feminino não comporta todas as variações
identitárias das mulheres e, portanto, a identidade feminina exige uma
abordagem plural e re-elaborada constantemente (SILVA, 2006a, s/p).
A redefinição constante das identidades femininas das crianças e
adolescentes foco desta pesquisa compõe o fenômeno da exploração sexual
comercial infanto-juvenil. As experiências e escolhas, conforme Certeau (1996), são
realizadas por um cálculo racional dado pelas estratégias que são impositivas, tendo
como alvo, certo espaço de relações, que visa, versa e busca antecipar o próprio
tempo, centram-se em lugares de poder, privilegiam as relações espaciais e são
capazes de produzir, impor e mapear. Entretanto, as leis e estratégias são recriadas
no ato de consumi-las cotidianamente. Se há esquemas, regras e certas
disposições, também diferentes maneiras de agir e ser a partir delas. A astúcia, o
drible dado pelos fracos por práticas cotidianas por entre as brechas do poder
estratégico é definido como tática.
As táticas, para utilizar a expressão de Certeau (1996), ocorrem justamente
nos campos de interdições e de superposições, criando o próprio espaço do jogo,
como modos específicos de utilizar a ordem restritiva, como argumenta Santos
(1988) na obra A Cidade Como Jogo de Cartas. Para Santos (1988), é preciso fazer
uma distinção entre o consumo das regras (que implicaria numa posição de
passividade e imobilismo) para o que ele denomina de usança desse estatuto. O
status do drible é regido no próprio campo do poder estratégico, no entanto, na
escala das brechas em que figura a prática inovadora, pois a:
125
prática cotidiana inova a realidade através da experiência vivida pelos
sujeitos e, assim, pode-se dizer que constância e mudança são elementos
constitutivos da construção da realidade. Pode-se dizer, inclusive, que o
espaço se mantém vivo no processo de transformação, pois fora desse
processo, não existe espaço social. Assim, para a superação da visão
reprodutivista da produção do espaço urbano, é preciso levar em conta que
ele é objetivo e subjetivo simultaneamente e, embora a estrutura objetiva
restrinja e delimite a ação humana, ela também potencializa as trocas
simbólicas que se constroem através dos encontros e da comunicação que
se desenrolam nas práticas espaciais cotidianas e é justamente no
confronto diário das diferenças que os significados se formam, transformam
e mantêm vivo o potencial criativo do homem como produtor do espaço
urbano (SILVA, 2002, p.280-281).
Enfim, as meninas que compõem as redes de exploração sexual comercial
infanto-juvenis ao agirem re-inventam a realidade sócioespacial em organizações
plurais. As quais são debatidas neste trabalho.
1- A pluralidade organizacional das redes de interdependência e as táticas
espaciais
A exploração sexual comercial infanto-juvenil em sua concepção de gênero
que opõe homens e mulheres em eixos binários e opostos, como utilizado em
Saffioti (1987, 1989, 1995), tem sido criticada. Badinter (2005, p.53) advoga a idéia
de que a utilização das “categorias binárias são perigosas, porque apagam a
complexidade do real em benefício de esquemas simplistas e restritivos”. Assim,
conceber os homens ativos e as meninas passivas, por exemplo, dificulta a
compreensão dos interesses que levam a composição de agentes em redes de
interdependência espacial.
Outra importante crítica às concepções simplistas do gênero é de Butler
(2003). A autora argumenta que o gênero é um processo que articula sexo, desejo e
prática sexual, no qual o corpo é moldado pela cultura. Para a Geografia, o corpo é o
126
ser e este não difere do estar no mundo. O ser se faz nas relações espaciais num
incessante processo comunicante.
As relações de poder estão presentes na construção dos valores e códigos
culturais. E o corpo é um significante que comporta os valores estabelecidos no
processo de luta. Para Butler (2003), o corpo se constitui dentro de limites de
produção de certos esquemas de regulamentação. O “gênero pratica um ato de
inscrição cultural. Todavia, o gênero não é escrito no corpo” (BUTLER, 2003, p. 210).
São normas culturais e processos históricos-espaciais praticados e experienciados
que dão origem a as identidades de gênero. Logo, não é algo dado pela diferença de
corpos, mas uma realidade cultural que se constrói de forma relacional e plural,
esfacelando a idéia de dominação pautada por uma mão única masculina, branca e
adulta.
Embora os mais diversos artigos que trabalham com a categoria de gênero
caminhem a um consenso, aferindo-o como papéis sociais atribuídos ao homem e à
mulher construídos pela cultura, o espaço-tempo não é linear durante a vida das
pessoas. Bernardes (1993), analisando o processo de formação dos gêneros
identifica três fases. Primeiramente, a criança possui um descaso com relação aos
estereótipos de gênero. Na segunda fase é o momento em que as construções de
gênero não são percebidas como são fortalecidas, a exemplo de distintas
atividades lúdicas de meninas e meninos. Uma terceira fase é caracterizada pela
transgressão, após a qual:
não significa o momento final de um processo, mas o início de uma
orientação dialética em relação à vida; o conflito sempre se fará presente e
sua resolução é apenas um estado temporário que atende às exigências de
situações, disposições internas ou momentos determinados. (BERNARDES,
1993, p.50).
127
As configurações analisadas neste trabalho envolvem representações de
gênero vivenciadas pelo espaço / tempo por pessoas que também articulam e
agregam outros elementos como idade, renda, escolaridade e acesso às normas de
Estado. As relações entre as pessoas podem ocorrer acionando vários elementos
identitários ao mesmo tempo, superando a visão simplista e homogênea de papéis
de gênero.
A configuração em tela é específica. Envolve pessoas marcadas por
elementos que são acionados em redes particulares. O fenômeno da exploração
sexual comercial infanto-juvenil apresenta uma pluralidade de configurações. Apesar
disso, elementos repetitivos que as conformam, como as características das
pessoas envolvidas. São homens mais velhos que recompensam materialmente
crianças e adolescentes pobres do sexo feminino por práticas sexuais. Nas buscas
efetivadas para esta pesquisa, não foram encontrados registros de outras
configurações envolvendo este perfil masculino recompensando materialmente
crianças ou adolescentes de alta renda por práticas sexuais. Mulheres mais velhas
pagando crianças e adolescentes pelas mesmas práticas, por exemplo. Os
elementos marcantes da configuração envolvem o poder que articula identidades de
gênero, recursos materiais e o espaço.
O texto urbano produzido pelas meninas, nossas protagonistas, é resultante
de um artifício de subjetivações que se transformam em práticas objetivas,
compreendendo aqui um processo de duplo vínculo nos moldes de Elias (1994a), ou
ainda, de Duncan (2004). A prática cotidiana se desenvolve entre a objetividade que
é subjetivada e vice-versa, superando a noção de determinação da superestrutura
sobre os indivíduos.
A vivência do espaço urbano extrapola as fronteiras do espaço privado, da
128
casa. As relações entre os diferentes grupos confrontam significados e práticas que
instituem as teias da cidade-texto. As meninas vivenciam a prática da exploração
sexual comercial infanto-juvenil fora do espaço da residência da família. As
entrevistas realizadas
30
apontam que os espaços públicos são fundamentais para a
manutenção das práticas sexuais em troca de recompensas.
A rua e a casa são duas dimensões escalares que se encontram. Criam um
espaço de contraste, ou nas palavras de Santos (1988), perfazem antíteses
complementares. A rua como um elemento estruturante do espaço urbano, lócus de
encontro, trocas e muitos usos, espaço didático de aprendizado. Pois “na rua está o
transitório, o ambíguo, o excitante e o perigoso. Na casa, o estável, a certeza da
própria identidade” (SANTOS, 1988, p.89). A rua permite a troca de códigos e de
comunicações. As ruas são “também unidades de alto significado para quem sabe
reconhecê-las. Uma rua é um universo de múltiplos eventos e relações” (SANTOS &
VOGEL, 1985, p.23-24).
Para as meninas, a rua é descrita com maior entusiasmo. Representando o
encontro com os amigos e a diversão que se contrasta com a casa, concebida pela
hierarquia, ordem e proteção. As falas denotam uma forte atração pela rua e a opção
pela ausência de casa. Os relatos que se seguem são marcados também pelo
desajuste temporal de suas vivências entre a rua e a casa:
Eu não falo assim de piá pra ela (falando da mãe), falo pra elas (amigas). E
a gente assim conversa, passeia. Assim ficar distraída, se diverte. Conhecer
gente nova. (...) Daí eu fiquei na rua tipo assim, chegava muito tarde. Daí
minha mãe ficou preocupada. (...) Ficava com eles (amigos). Ficava assim.
Uma hora ia pra casa, outra hora não ia. Às vezes posava na casa de uma
amiga. (Entrevista concedida por Armila com estímulos de imagens)
31
30 É importante lembrar que as falas das meninas foram estimuladas por cartazes por elas
elaborados com recortes de revistas, conforme técnica relatada na metodologia do trabalho.
31 Entrevista concedida a Joseli Maria Silva em 03/05/2007, na MARILLAC em Ponta Grossa.
129
E onde eu moro tem a minha amiga (nome). A gente saía junto e ia no
Centro e se encontrava com as outras. Daí a gente ficava, daí tinha veiz que
eu saía de casa e voltava no outro dia de manhã. Daí minha mãe ficava
preocupada, né? Porque eu nunca dizia aonde eu ia. Se eu dizia que ia num
lugar, eu ia ao outro. Daí minha mãe sempre ficava preocupada. (Entrevista
concedida por Cloé com estímulos de imagens)
32
No capítulo anterior, as meninas Maurília e Isaura, retratadas na família
paradigmática, também descreviam a rua como atraente. Lugar onde podiam ver
pessoas arrumadas, maquiadas e vitrines de lojas contrastando com a casa onde
realizavam trabalhos domésticos para ajudar a mãe. Importante ressaltar que em
nenhum momento a rua foi significada como espaço de perigo, medo ou estranheza
pelas meninas. Pelo contrário, falavam da preocupação das mães como algo
infundado, sem ameaças concretas a elas.
Vivenciar as ruas da cidade, coloca as meninas no encontro com outros
grupos sociais. Os corpos que circulam pela cidade carregam consigo marcas de
suas espacialidades, desde vestimentas às formas de se comunicar, andar e olhar.
Não que haja uma espécie de carimbo-marca esse é “um corpo da periferia pobre”!
Não, mas práticas discursivas e processos culturalmente produzidos (em produção)
em que elementos se inscrevem as diferenças de gênero, classe, sexualidade,
faixas etárias, em negociações espaciais de poder.
Os corpos femininos, adolescentes e pobres são abordados por homens mais
velhos que são assim descritos pelas meninas:
Muitas vezes chegam perguntando o nome, onde você mora, se tem
namorado, se interessa sair com ele. vamô reto ao assunto. Oferecem
dinheiro. Pra mim ofereceram, eles perguntaram. Até um dia chegou um
home pra mim “vocêis preferem sair com esses rapazes novo que não
pagam nada pra vocêis. Em vez de sair comigo”. Eles sempre faziam
foguinho pra gente sai com eles.
(Entrevista concedida por Cloé com estímulos de imagens)
32 Entrevista concedida a Joseli Maria Silva em 03/05/2007, na MARILLAC em Ponta Grossa.
130
Eles chegam assim falando você é tão bonita, como eu queria ser mais
novo, né? Eles falam vamos ficar aqui trocando idéia. (...) A maioria oferece
dinheiro. Mas com a gente. Vamos sair. Vamos marcar um encontro. E a
gente. Eles dizem coisa que vão atiçar. (Entrevista concedida por Armila
com estímulos de imagens)
Os códigos de aproximação entre essas duas pessoas são de uma paquera
convencional em que os homens valorizam a estética das meninas e ao mesmo
tempo ostentam seu próprio poder econômico. Os elementos de posse, como os
carros, estão presentes em suas falas e se tornam fatores de atração, juntamente
com a sensação de ser desejada e cortejada. Quando questionadas sobre os
ganhos pertinentes da relação estabelecida, elas eram categóricas em afirmar os
ganhos materiais.
Muitas vezes que eu via que eles davam dinhero, ou eles davam (pausa)
uma ordem nas lojas pra elas comprarem roupas, pra elas. E eu acho que
elas saíam por causa disso, por causa do dinhero. (Entrevista concedida por
Cloé com estímulos de imagens)
A maioria oferece dinhero. (...) ganham os presentes, né? Roupa, presente,
maquiagem, brinco. Até mesmo tem uma que eu conheço, que ela sai com
homem e eles pagam tudo - tatuagem, pircing essas coisas tudo, sabe?
(Entrevista concedida por Armila com estímulos de imagens)
elas saíam com o dono da farmácia, era por que ele deu um celular pra ela.
Um celular novo, ela escolheu o modelo tudo. E ela acabou ficando com ele
por causa disso. E ele poderia ser de idade, mas não aparentava, sabe? E
ele gostava dela. que ela não. Então ela pensa também em tirá
vantagem. (Entrevista concedida por Sofrônia com estímulos de imagens)
A relação se estabelece na sutileza dos códigos da conquista, escamoteando
as relações desiguais que estão em jogo - a troca de práticas sexuais por
recompensas materiais. As meninas têm consciência dos elementos colocados em
jogo e procuram tirar vantagem da situação em que o homem mais velho pode lhe
proporcionar. Contudo, os afetos são evocados em relações de outra ordem, na
relação entre adolescentes. Inclusive, muitas vezes, o homem mais velho se
131
constitui na fonte de recursos para ambos os adolescentes, que a menina, ao
obter recursos, divide com o namorado. As meninas demonstram que sabem jogar
na rede de interdependências que se estabelece num modelo social que localiza o
masculino como possuidor de um natural apetite sexual incontrolável e de recursos
materiais capazes de proporcionar conforto. O feminino, por sua vez, é legitimado
por elas como o elemento que ardilosamente provoca os “instintos naturais
masculinos”. O trecho abaixo evidencia uma legitimação das relações em rede em
que é a própria menina quem busca a prática sexual e requer a recompensa
material, absolvendo de certa forma as ações masculinas:
Esses caras mais velhos, a menina tendo bunda, tendo peito, eles estão
indo. Daí a menina passa rebolando perto deles. Daí têm muitas meninas,
que nem elas. A maioria das vezes elas saem com sainhas mostrando as
pernas. Daí que home não vai ficá assanhado? Daí elas passavam perto
deles, daí eles (...) (Entrevista concedida por Cloé com estímulos de
imagens)
Imaginemos estas mesmas pessoas em uma configuração em que a
dimensão espacial fosse a residência da menina ou do homem. Ou ainda, a mesma
rua, proporcionando encontros entre o mesmo homem e uma menina bem vestida e
que exibisse posses econômicas. Em qualquer configuração a relação sexual não se
daria porque estariam rompidas as teias que colocam estas pessoas em redes de
interdependência.
É importante frisar que, embora elas reconheçam as trocas materiais por
práticas sexuais com homens que não são objeto de amor ou paixão, em nenhum
momento as meninas pronunciaram a palavra prostituição. É justamente esse jogo
sutil que escamoteia a exploração, que torna difícil sua detecção pelos
procedimentos adotados por órgãos estatais.
132
Gomes (1996), em seu livro sobre a exploração sexual comercial infanto-
juvenil feminina, desde o título faz uma distinção entre o corpo na rua e corpo da
rua. Para esse autor, um grande equívoco em atribuir a exploração sexual
comercial a todos os corpos infanto-juvenis femininos que vivem nas ruas,
evidenciando muitas diferenças de atuação das meninas. Todavia, os corpos de
meninas pobres nas ruas significam algo que é interpretado por outras pessoas.
Resgatemos Cloé e Armila e seus discursos, os quais representam corpos-
espaciais-pobres. Certamente não ofereceriam dinheiro a uma menina vestida com o
uniforme do colégio com a mais alta mensalidade da cidade. Essa é uma das
evidências dessa transitividade espacial e outro elemento é a sutileza das
abordagens, o que deixa mais complexa a caracterização ou autuação por assédio.
As relações que se estabelecem são complexas e envolvem amigas, pessoas
que abordam, donos de estabelecimentos comerciais que, via dimensão espacial
viabilizam a exploração sexual comercial infanto-juvenil. O espaço é elemento
fundamental na configuração do fenômeno, que se expressa de diversas formas.
Para evidenciar a dimensão espacial do fenômeno, foram elaborados, com base em
entrevistas, alguns tipos de redes de interdependências em que as práticas sexuais
das meninas são requisitadas e capitalizadas.
O primeiro protótipo foi construído juntamente com um Profissional da
Segurança Pública (PSP). A polícia, segundo ele, atua em duas frentes: uma de
geração de evidência-crime (inteligência) e outra em que se buscam provas
criminais (ou não) de atividades e fatos levantados como suspeitos na fase de
inteligência. O protótipo que configuramos se enquadra na primeira fase da ação.
Trata de uma ocorrência acompanha no ano de 2004. Caracterizada por uma
adolescente “esperta” funcionando como isca, abordando meninas pobres que
133
transitavam pelo centro da cidade, oferecendo a elas vantagens econômicas em
troca de práticas sexuais. Ao persuadir uma menina, elas se dirigiam a um telefone
público entre o Calçadão da rua Coronel Cláudio e Rua Benjamin Constant (próximo
ao Terminal Central de Ônibus). Um pretérito agenciador e, às vezes, “usuário” da
rede observava as meninas, provavelmente de um prédio, numa visada vertical. Ele
realizava o chamado e as meninas atendiam ao telefone, pelo meio do qual, o
destino da menina era traçado para a efetivação da prática. Algumas vezes, um
carro passava e encaminhava a menina para tomar um banho e depois efetivar o
programa. O telefone nunca tocou quando os “PSP’s patrulharamnas proximidades
do mesmo.
A partir desse caso, investimos novamente na relação espacial entre as
meninas e possíveis agenciadores e clientes. Com o detalhe de que havia uma
menina provavelmente pobre que era responsável pelo reconhecimento dos “seus”,
que transitavam pelo centro da cidade. Não por acaso, as palavras têm uma
etimologia próxima “trânsito” e “transa”. Logicamente caracterizamos um novo
elemento compositor de nossas redes de interdependência. A sapiência das táticas
das meninas e demais agentes da rede.
Façamos uma visada pictórica do protótipo que relatamos. Mas,
primeiramente, consultemos a figura de uma tipologia. Configurando uma legenda
orientadora do leitor para compreensão dos demais protótipos.
134
Figura 07: Topologia dos Protótipos e Protótipo Terminal Central de ônibus
135
Outro protótipo foi traçado com a ajuda de uma ex-profissional do sexo que
“batalhava” (prostituía-se) na área central, adjacências do Cemitério Municipal São
José. Ela descreveu que uma prostituta recebia solicitações por parte de clientes
para agenciar menores com quem mantinha contato na periferia pobre da cidade. As
meninas ficavam rondando o centro da cidade com um telefone celular à espera de
um chamado. Ao intermediar o programa, a prostituta-aliciadora recebia pelo
trabalho que realizava. Em geral, os clientes apanhavam as meninas de carro e se
dirigiam a locais pouco suspeitos, inclusive realizando o programa dentro do carro
em estacionamentos de supermercados e no período do dia.
Figura 08: Protótipo Centro – Cemitério Municipal São José
Protótipo Centro – Cemitério Municipal São José.
Ponta Grossa - PR
136
Estes protótipos apresentam uma espacialidade fluida, móvel, instável, na
qual a rede se configura de forma sutil, ágil e de difícil caracterização pela pequena
fixidez do fenômeno.
Outro protótipo da rede de interdependências foi construído juntamente com
as Agentes Comunitárias do Programa Saúde da Família, lotadas em Postos de
Saúde em proximidades com Rodovias. Elas relatam que prestam atendimento a
famílias com ocorrência de prostituição adulta e também, segundo elas, infanto-
juvenil. O fenômeno está intimamente aliado ao uso de drogas e as meninas,
embora menores de idade possuem relações maritais. A configuração se
estabelece com a ação do próprio companheiro que realiza a “segurança” do local
para que as adolescentes ofereçam práticas sexuais por dinheiro aos caminhoneiros
e, eventualmente, para outros homens que trafeguem na rodovia e adjacências.
Portanto, o marido funciona como uma espécie de cafetão, agenciando a
companheira que, ao obter a renda da prática sexual, sustenta o consumo do casal,
inclusive de drogas.
Por fim, com a ajuda da Agente Comunitária do Jardim Monte Carlo, foi
evidenciada outra configuração envolvendo práticas sexuais em troca de dinheiro na
área da vila. Duas adolescentes de treze e quinze anos respectivamente, abordam
homens moradores do Jardim Monte Carlo e oferecem práticas sexuais em troca de
dois reais ou ainda por cigarros, assumindo claramente a troca comercial das
práticas. Elas fazem parte de uma família em que outras mulheres, mãe, irmãs e
primas, são prostitutas na rodovia PR - 151 a alguns metros da residência. A
matriarca da família possui quarenta anos, é procedente da área rural, analfabeta e
iniciou na atividade após a separação do marido e o abandono dos filhos sob sua
tutela se obrigando a “descer para pista”, para utilizar sua palavras. ainda dentro
137
do contexto da área do Jardim Monte Carlo e da rodovia um outro grupo de
adolescentes que age de forma mais sutil, realizando as práticas sexuais em troca
de presentes ou porções de drogas, camuflando, de certa forma, a atividade
comercial da prática sexual.
A maioria das famílias residentes na área do Jardim Monte Carlo são oriundas
de áreas rurais de municípios como Reserva, Imbituva e Cândido de Abreu.
Realizaram a ocupação da terra de forma irregular, em locais de uso público, como
faixa de domínio da rodovia e faixa de preservação nas margens de córregos.
Na próxima figura estão expressas as redes que se estabelecem próximas às
rodovias. A espacialidade da atividade é intermitente, fluida e de difícil
caracterização, que envolve membros da própria família, a ativa participação
voluntária da adolescente e dinâmicas sociais locais em que a prática sexual das
adolescentes é naturalizada, somada à pequena presença de instituições do Estado.
As agentes comunitárias relatam que a área é um local em que ocorre também a
prática. Nos dois últimos protótipos, temos agentes familiares esposas, mães
compondo os arranjos, assim como a clientela, inserem-se pessoas da própria vila
como pequenos traficantes, aposentados, entre outros homens. Também as vilas
funcionam como espaço de subjetivação da prática por parte da menina que
efetuou algumas trocas sexuais por cigarros, trocados entre outras coisas.
Sabedores desses processos, freqüentemente temos um agente oportunista que
aparece na vila, alicia a menina para ir para boates, garimpos, turismo sexual ou
outros destinos que nossas fontes não souberam informar, haja visto que nenhuma
retornou para vila depois da partida.
138
Figura 09: Espacialidades da Exploração Sexual Comercial próximo às
rodovias
139
As configurações instituem redes de interdependência com inúmeros
formatos, envolvendo pessoas de vários perfis, desde pessoas próximas à família
até estranhos que realizam abordagens nas ruas. Nesse sentido, podemos afirmar
que o fenômeno da exploração sexual comercial é plural, multidimensional,
complexo e de uma grande heterogeneidade.
As dificuldades de enquadramento ocorrem justamente por isso. Em todas as
redes uma postura ativa e voluntária por parte da menina, vantagens materiais
(que muitas vezes não são muito claras), espacialidades fluidas e uma relação
profundamente assimétrica segundo gênero, maturidade, renda e informação,
envolvendo uma adolescente e um homem.
Embora o argumento apresentado até agora esteja sendo construído no
sentido de evidenciar as diferenças entre as práticas sexuais comerciais adultas e
de crianças e adolescentes, é preciso deixar claro que elas possuem pontos
importantes de ligação. Primeiramente, os casos em que as crianças e
adolescentes vivenciam as práticas sexuais das mulheres mais velhas da família e
desenvolvem uma naturalização de tais práticas. ainda os casos em que é uma
prostituta adulta, que trabalha em locais tradicionalmente conhecidos de atividade de
prostituição, é a agenciadora das meninas via telefone. Mas também um outro
aspecto que importante a ser destacado, que é a infra-estrutura utilizada para a
efetivação dos programas. Mesmo que haja uma prática em evitar os hotéis de
rotatividade e motéis, sabe-se que esses estabelecimentos evitam requisitar
informações a fim de garantir a discrição, requisito básico para o sucesso deste tipo
de negócio. Além disso, a permanência da adolescente é facilmente camuflada pela
ausência de registro dos usuários e porque as relações sexuais ocorrem em quartos
privados. Assim, os hotéis de rotatividade e motéis constituem a espacialidade das
140
Figura 10: Espacialidade dos principais motéis de Ponta Grossa – PR
Figura 11: Espacialidade dos principais hotéis de alta rotatividade de Ponta
Grossa – PR
141
redes de interdependência.
O espaço urbano fragmentado e desigual de Ponta Grossa é articulado pela
ação tática das crianças e adolescentes pobres que instituem a cidade inscrevendo
seu próprio texto urbano por meio da exploração sexual comercial. O cartograma
que segue evidencia as articulações espaciais do fenômeno.
Figura 12: Fluxo da Exploração Sexual comercial infanto-juvenil feminina
142
O fenômeno da exploração sexual comercial infanto-juvenil feminina ocorre
numa situação exasperada de poder assimétrico, na qual as meninas que são
prostituídas e os que procuram por serviços sexuais formam uma rede de
interdependência.
Os corpos de meninas adolescentes pobres nas ruas da cidade o
significantes que, conforme a geógrafa McDowell (1999)
33
, devem ser analisados em
conjunto com o espaço. Os corpos, possuem forma, tamanho e, conforme a
espacialidade por este corpo desenvolvida, pode representar diferentes significados
que são lidos pelos outros grupos sociais. Para a autora, uma mutabilidade de
acordo com a posição e colocação, onde esse é construído por um discurso público,
infligem na escala da posição e conseqüentemente com significativa variação da
dimensão fenomenal do que se visa abarcar. Embora falemos em corpos de
periferia, (da rua, na rua) eles se apresentam com certa plasticidade com diferentes
formas espaços temporais.
Gostaria ainda de resgatar um trecho do depoimento de uma das
adolescentes da família paradigmática que, ao estar vendendo verduras no pátio de
um posto de gasolina, recebeu uma oferta de uma irrisória quantia de dinheiro do
segurança do local para que ela permitisse que ele tocasse em seu seio. Esse
mesmo segurança teria a mesma atitude, nesse mesmo local, com uma menina que
apresentasse elementos de posse? A resposta provável é que não. É na forma
corpo-espacial de menina pobre na escala-posição da rua, que tem girando em torno
de seu corpo um discurso privilegiado a interditá-la e interceptá-la.
Evidenciamos um fenômeno que se manifesta pulverizado, multifacetado e
33 As discussões referentes ao corpo e a geografia podem ser vislumbradas particularmente no
capítulo intitulado “In and Out of Place: Bodies and Embodiment”. In: McDOWELL, L. Gender,
Identity e Place. Understanding feminist geographies. (1999).
143
com várias escalas, numa complexa organização espacial por parte dos agentes
compositores de redes de interdependências cujas táticas se viabilizam justamente
no espaço do jogo, driblando as estratégias do combate à exploração sexual
comercial das meninas.
2- O paradoxo da invisibilidade e a persistência do fenômeno
As configurações das redes de interdependências da exploração sexual
comercial infanto-juvenil têm como elemento central os grupos de crianças e
adolescentes pobres, prostituídos, que perpetuam, juntamente com os demais
componentes, a situação de invisibilidade social. Este é o paradoxo com o qual
convivemos durante toda a pesquisa. As práticas estão presentes, passíveis de
serem problematizadas. Ou seja, o “referente” é concreto, material e visível.
Entretanto, impera o silêncio das pessoas componentes fundamentais da rede,
meninas adolescentes e homens adultos. A marca dos processos investigados é a
ausência ou escamoteamento do fenômeno por parte do Estado. Além disso, a
posição clara por parte da família em manter o fenômeno abafado.
Ao percorrer dois anos de pesquisa, pudemos perceber que é importante dar
atenção para os significados das “ausências e silêncios”, tal qual sugere Foucault
(2006). O argumento é que a produção da invisibilidade a qual permite a
perpetuação das práticas.
Algumas vezes, durante as discussões no Grupo de Estudos Territoriais, nós
nos perguntávamos sobre a posicionalidade do pesquisador frente ao fenômeno.
Refutamos a idéia de conceber nossas protagonistas como vítimas e passivas de
144
uma exploração. Nossas investigações de campo apontavam que elas agiam e
optavam pelas práticas sexuais em troca de recompensas materiais e ainda fugiam
da ação “protetora” do Estado. Contudo, ao entrevistá-las, ouvir suas histórias de
vida, concepções de mundo, valores, esperanças e sonhos, não pudemos conceber
suas opções sem considerar as relações de poder e sem localizá-las nos feixes de
relações que construíram durante suas vidas. Com elas buscando sobreviver das
táticas que lhes foram possíveis desenvolver, em uma sociedade em que se interdita
certas condutas sexuais para salvaguardar um padrão moral que é subvertido às
custas da exploração sexual comercial infanto-juvenil feminina. O poder aqui tratado
é plurilocalizado e refuta a simples oposição entre dominadas e dominadores,
exploradas e exploradores. Trata-se de um discurso compreendido
como uma multiplicidade de elementos discursivos que podem entrar em
estratégias diferentes. É essa distribuição que é preciso recompor, com o
que admite em coisas ditas e ocultas, em enunciações exigidas e interditas;
com o que supõe de variantes e de efeitos diferentes segundo quem fala,
sua posição de poder, o contexto institucional em que se encontra; com o
que comporta de deslocamentos e de reutilizações de fórmulas idênticas
para objetivos opostos. Os discursos, como os silêncios, nem são
submetidos de uma vez por todas ao poder, nem opostos a ele. O discurso
veicula e produz poder, reforça-o mas também o mina, expõe, debilita e
permite barrá-lo. Da mesma forma, o silêncio e o segredo dão guarita ao
poder, fixam suas interdições; mas, também, afrouxam seus laços e dão
margem a tolerâncias mais ou menos obscuras (FOUCAULT, 2006, p. 111-
112).
Nas redes de interdependências evidenciadas no item anterior, entrecruzam
sexualidade, gênero, poder econômico. Os movimentos corporais se constituem de
ações comunicantes em um espaço ativo, negociando regras tácitas compartilhadas.
As funções sociais e simbólicas permitem aos grupos tecer suas concepções
de mundo e uma determinada maneira de viver. Os limites ou fronteiras permeáveis
são construções sucessivas de relações que se imbricam no cotidiano.
145
Butler (1998) argumenta que é nas práticas que os seres humanos constroem
posições que organizam suas identidades, sempre em permanente movimento. As
normas sociais ou o discurso é um instrumento / reflexão. Ao agir no mundo, com
base nas normas interiorizadas, é impossível uma repetição das normas.
Simplesmente porque ao exercitá-las, incorporamos elementos próprios e
possibilitamos o novo. Assim, os seres humanos são construídos, mas não
determinados. As constituições são legadas também do seu próprio agir. Essa
constituição é mediada pelo poder, que também é re-trabalhado. De modo que:
as idéias, convicções, afetos, necessidades e traços de caráter produzem-
se no indivíduo mediante a interação com os outros, como coisas que
compõem seu “eu” mais pessoal e nas quais se expressa, justamente por
essa razão, a rede de relações de que ele emergiu e na qual penetra. E
dessa maneira esse eu, essa “essência” pessoal, forma-se num
entrelaçamento contínuo de necessidades, num desejo e realização
constantes, numa alternância de dar e receber. É a ordem desse
entrelaçamento incessante e sem começo que determina a natureza e a
forma do ser humano individual. (ELIAS, 1994b, p.36).
O entrelaçar das pessoas nas redes de interdependência se numa ordem
de heterogeneidade em que os indivíduos são incorporados numa configuração que
enlaça gênero, poder e idade às desigualdades sócioespaciais. As redes, como
evidenciado no item anterior, possuem características de multi-dimensionalidade e
pluri-localidade, que oscilam e podem constituir inúmeras configurações sociais e
espaciais. Os movimentos provocam desestabilizações das configurações
estabelecidas e geram novas posições, tal qual argumentado por Rose (1993).
Dois elementos constituem a invisibilidade do fenômeno em tela. Eles são
simultaneamente opostos e complementares, as redes de interdependências da
exploração sexual comercial infanto-juvenil (em suas mais variadas configurações) e
o Estado (agente garantidor do cumprimento do Estatuto da Criança e do
146
Adolescente, que concebe como “sujeito de direitos” todas as crianças, como
discutido no segundo capítulo).
As redes de interdependências são constituídas por pessoas que possuem
interesses em jogo e estabelecem um pacto de silêncio. O homem que compra as
práticas sexuais de adolescentes requer silêncio. Ele tem consciência de que está
realizando um ato ilegal e, em geral, deve manter sua posição como homem maduro
e chefe de família.
A adolescente, por sua vez, mantém a invisibilidade por várias razões.
Quando está inserida na rede em que a troca não está bastante clara, cria uma
representação em que se sente sedutora e desejada. Condição possível de ganhar
presente. Nesse sentido, ela se sente também responsável pela relação e, ao
mesmo tempo, quer continuar como disponível para namorar os adolescentes de
sua idade, assim, mantêm silêncio sobre suas práticas.
No caso da adolescente configurar uma rede em que a relação comercial de
práticas sexuais é clara, uma intencionalidade no silêncio a fim de que ela alivie
sua própria culpa e corresponda minimamente aos padrões de moralidade impostos
pela sociedade, mesmo quando suas mães já atuam como profissionais do sexo.
É importante marcar uma posição de que, embora muitas meninas
naturalizem as práticas sexuais comerciais por conviverem com mulheres
importantes em sua referência identitária que realizam tais práticas, as meninas
constroem outros laços - vão à escola, igreja e acabam incorporando também
valores sociais que se entrelaçam aos seus. O trecho de entrevista que se segue
evidencia a contradição da adolescente a qual, mesmo crescendo com a mãe
prostituta, realiza um julgamento moral, enquadrando as práticas sexuais como
vergonhosas e repletas de culpa. Ou seja, por mais questionável que seja a
147
moralidade sexual cristã, as adolescentes, ao viverem em sociedade, incorporam
tais valores na identidade feminina em transformação:
minha mãe sempre fala pra mim eu quero que você estude, eu quero que
você fique lá, porque eu quero que você tenha futuro bom, não igual ao
meu”. Deu penso assim, né? Eu penso assim, né? Eu vou dar este gosto
pra sinhora. Não vou ser igual a sinhora, né? Sou descente, né? (...) Eu
ouço os outros falarem “Ah aquela mulher de bar, tem que mudá, não casa”
e eu lembro de minha mãe. Daí eu penso, imagine. Que um dia eu tava com
minha mãe e tava um carinha (ele) ficou me olhando. Daí falei: “olhe, mãe,
ele olhou”. Ela pegou abaixou a cabeça, “aquele cara vai no bar tomá
vinho”. É que tava com minha mãe, achou que eu era igual a ela...
(Entrevista concedida por Sofrônia com estímulos de imagens)
34
O afeto entre as adolescentes e suas mães, mesmo que prostitutas, implica
em sonhar com um futuro de melhor sorte, procurando modelos femininos de melhor
inserção social, como um bom casamento ou um bom emprego. Aliás, as vivências
sócioespaciais dessas adolescentes colocam em risco tais projetos. Destarte, admitir
a filha fazendo parte da rede de práticas sexuais comerciais é uma forma de colocar
de vez a filha no destino que se quer evitar. Em geral, o silêncio é partilhado também
pelos familiares.
Para o grupo social dessas meninas ainda é comum representar as mulheres
que servem para casar e aquelas que não. Assim, a manutenção de uma imagem
adequada aos padrões também auxilia no mercado do casamento e o silêncio das
práticas sexuais comerciais é ainda a melhor tática. A centralidade da vida das
mulheres da periferia é o relacionamento marital, é por meio dele que cumprem a
função social de constituir família e com isso obter respeitabilidade social. O silêncio
deve ser mantido a fim de construir uma imagem de uma pessoa apta ao
casamento, mesmo quando as compensações materiais são claras e, muitas vezes,
bem vindas no sustento de famílias extremamente carentes.
34 Entrevista concedida a Joseli Maria Silva em 10/05/2007, na MARILLAC em Ponta Grossa.
148
Há uma interiorização da “culpa” o que acaba por ter um efeito mais nefasto a
questão da exploração sexual comercial. Igualmente, os efeitos do poder se
complementam em duas esferas justapostas. Por um lado, elas se sentem
poderosas por despertarem desejos de um homem economicamente mais abastado,
ou ainda, por ajudarem no orçamento precário de sua família. Todavia, isso se
coloca de forma tensionada para as meninas, pois a sociedade a todo o momento
alça palavras e atitudes pejorativas a troca de práticas sexuais por dinheiro ou
presentes às mulheres que não são castas e puras. Isso é incorporado por elas
que, de acordo com Elias (1994b), essa se engendra por acordos cumulativos,
pautado numa estrutura funcional de limites estreitos em que as pessoas estão
ligadas numa margem bem circunscrita de convenção, dependentes das visões que
são projetas e do que é interiorizado, considerando os contextos históricos /
geográficos.
um pacto instituído nas redes de interdependências em que os seus
componentes optam por conviver com as práticas sexuais comerciais infanto-
juvenis, escamoteando as conseqüências a serem colhidas pelas adolescentes.
Ao trabalhar os dados dos vinte e nove processos que serviram de base para
este trabalho, pudemos constatar que a invisibilidade era também viabilizada pelas
estratégias do Estado. Ao analisar os processos, criamos algumas categorias para
poder traçar perfis da trajetória dos casos pelas instituições como: quem apresentou
queixa sobre a adolescente pela primeira vez, qual o teor da queixa, qual o local do
fato, se havia envolvimento de outros membros da mesma família, coincidência com
uso de drogas e como era concebida a exploração sexual comercial no âmbito do
processo.
Do total de vinte e nove processos a exploração sexual comercial aparece
149
relacionada a vinte e duas meninas. Contudo, raramente é a primeira queixa sobre
as atitudes das adolescentes. As atitudes de rebeldia, desobediência e presença em
locais indevidos são as queixas mais evidentes. quando o processo está
bastante volumoso, começam a aparecer os indícios da exploração, associados à
presença das adolescentes nas ruas e em mais da metade dos casos ao uso de
drogas. Os processos agregam, de forma majoritária, a presença de irmãos que
também sofrem com direitos violados, não necessariamente por exploração sexual.
Em 79% dos casos analisados, as adolescentes passaram pela experiência
do abrigamento provisório ou em longo prazo. Além disso, a média de reincidência e
retorno da menina ao abrigo é de 2,1 para um conjunto de vinte e três adolescentes.
O ingresso da adolescente nas instituições do Estado se dá, em sua grande
maioria, por dois elementos principais, a polícia (em 31% dos casos analisados) e a
mãe (20,8%). Quando a denúncia parte da mãe, é interessante evidenciar que elas
elaboram suas queixas com uso de droga e na necessidade de obediência da filha
aos horários e normas da casa. A participação da figura paterna é insignificante e é
raro uma mãe denunciar diretamente a filha por estar mantendo práticas sexuais em
troca de recompensas materiais. A exploração sexual comercial aparece de forma
sutil e co-adjuvante às demais queixas. As trajetórias de relatos familiares iniciam a
queixa de intransigência por parte da menina às regras familiares e,
crescentemente, vão sendo localizadas ou denunciadas por estarem nas ruas,
posando fora a de casa e em má companhia.
Quando é a polícia quem denuncia as ações das adolescentes, uma
relação com suas presenças em locais indevidos de acordo com a lei,
especificamente perambulando pelas ruas, às vezes, no horário noturno. Os agentes
de segurança pública também são acionados por pequenos furtos praticados pelas
150
meninas, flagrantes de uso de entorpecentes, ou mesmo em caso que a adolescente
agrediu alguma colega de escola, vizinha ou outra pessoa na rua.
A escola comunica ao Conselho Tutelar a respeito de ausências prolongadas
das adolescentes às aulas, um caso específico em que os pedagogos comunicaram
o conselho com relação à “erotização precoce” de uma de suas alunas, a que
classificamos como sexualidade exacerbada. O quadro que segue sintetiza a
primeira vez em que as nossas protagonistas aparecem nos registros de proteção à
infância e adolescência.
151
Mesmo depois do primeiro registro, as adolescentes continuam obtendo um
perfil de problemas em que a exploração comercial sexual infanto-juvenil aparece
em pequenos percentuais em relação aos outros tipos de problemas que elas
apresentam como pode ser visto no quadro que se segue.
Quadro 03: Entrada da menina na rede institucional – A primeira notificação
Fonte: Processos: Conselho Tutelar Oeste, Programa de Execução de Medidas Sócio Educativa em
Meio Aberto de Ponta Grossa (PEMSE) e Procedimentos Investigatórios (PI) e Pedidos de
Providências (PE) da Vara da Infância e Juventude da comarca de Ponta Grossa.
Organização e Pesquisa: Almir Nabozny 2007.Percentual: relativo a 30 notificações de 29
meninas.
Observação: A coluna do denunciante não possui uma ordem seqüencial com a dos tipos de
notificações.
Quem notificou Percentual
Polícia 31%
Mãe 20,8%
Não Consta 17,2%
Outro parente 13,8%
Escola 10,4%
Pai 3,4%
Outro processo 3,4%
Anônima 0%
A própria menina 0%
Vizinho 0%
Tipos de Notificações Percentual
Desobediência 26,9%
Exploração sexual comercial 16,6%
Localização em local indevido 10,0%
Furto 10,0%
Drogas 10,0%
Sem condição material para viver 10,0%
Prática de agressão 6,6%
Sexualidade exacerbada 3,3%
Danos ao patrimônio 3,3%
Falta a escola 3,3%
Vítima de violência 0%
Gravidez 0%
Estuprada 0%
Tentativa de homicídio (por parte da menina) 0%
152
Os dados de desobediência e de localização das adolescentes em local
indevido somam mais da metade dos casos. Quando cruzamos esses dados com as
entrevistas realizadas (que possibilitaram a expressão das redes de
Quadro 04: Menina na rede institucional – Depois da primeira notificação
Fonte: Processos: Conselho Tutelar Oeste, Programa de Execução de Medidas Sócio Educativa em
Meio Aberto de Ponta Grossa (PEMSE) e Procedimentos Investigatórios (PI) e Pedidos de
Providências (PE) da Vara da Infância e Juventude da comarca de Ponta Grossa.
Organização e Pesquisa: Almir Nabozny – 2007.
Observação: A coluna do denunciante não possui uma ordem seqüencial com a dos tipos de
notificações.
Quem notificou Percentual
Mãe 27,0%
Polícia 23,8%
Pai 12,3%
Anônima 10,4%
Outro parente 8,9%
Não Consta 5,9%
A própria menina 4,4%
Vizinhos 4,4%
Escola 2,9%
Outro processo 0%
Tipos de Notificações Percentual
Localização em local indevido 32%
Desobediência 23,3%
Furto 17,4%
Exploração sexual comercial 13,1%
Drogas 5,8
Vítima de violência 2,8%
Gravidez 2,8%
Estuprada 1,4%
Tentativa de homicídio (por parte da menina) 1,4%
Prática de agressão 0%
Sexualidade exacerbada 0%
Danos ao patrimônio 0%
Falta a escola 0%
Sem condição material para viver 0%
153
interdependências nos protótipos apresentados no item anterior), podemos
argumentar que o fenômeno permanece invisível também na arena do Estado.
O Estado não consegue caracterizar a exploração sexual comercial que os
integrantes da rede primam pelo silêncio (como foi relatado). Por outro lado, as
instituições não conseguem captar o ato de forma flagrante, pois, as meninas
utilizam táticas como a mobilidade dos corpos, os contatos telefônicos e horários e
espaços não convencionais da prostituição adulta.
Além disso, também pessoas que representam o Estado que fazem parte
da cadeia de exploração, constituindo assim, mais um forte motivo para manter o
fenômeno invisível. Como evidência, o relato de uma das adolescentes
entrevistadas. Trata-se de Olívia, uma menina de treze anos de idade que denunciou
toda uma rede de agentes, inclusive do próprio Estado, articulados em torno do
fenômeno:
Naquele bar tinha policial envolvido. Esse policial, tinha as mulheres do
Conselho Tutelar, que também sabiam que tinha de menor lá. Nunca
ninguém dava batida lá. Quando mandavam ordem judicial eles não iam. Os
policiais ligava avisando e as meninas de menor saíam, antes dos policiais
da batida.(...) Na época eu acho que tava com treze anos. Daí, depois disso,
eu fui prum abrigo. Eu não vim direto pra cá. E tinha até prefeito envolvido.
Foi. O prefeito era um dos que freqüentavam o bar. Além disso, tinha os
policiais, sabe? (Entrevista concedida por Olívia com estímulos de
imagens)
35
As táticas de dispersão espacial das adolescentes, que facilmente podem ser
categorizadas como desobediência ou permanência em local indevido, podem
escamotear as práticas sexuais comerciais. Como no trecho a seguir, em que a
adolescente é clara sobre as táticas das meninas que posam fora de casa e
inventam um namorado quando o Conselho Tutelar é acionado pela mãe,
35 Entrevista concedida a Joseli Maria Silva em 10/05/2007, na MARILLAC em Ponta Grossa.
154
preocupada com o comportamento desregrado da filha:
É assim aquele caso de não posá em casa. Assim com doze, treze anos.
Não posá em casa. A mãe não sabe onde tá. vem o Conselho Tutelar. E
fala: “tava na casa de meu namorado”. A gente, entre amigos, sabe onde
uma tava, outra tava. Então, elas transavam no carro. Às vezes posavam na
casa dos próprios clientes do bar. Ou até mesmo viajavam com eles pra
outras cidades. (Entrevista concedida por Olívia com estímulos de
imagens)
36
Cabe salientar que Olívia não é do município de Ponta Grossa. Foi
institucionalizada na Casa Santa Luiza de Marillac por medida de proteção a pedido
de uma juíza de um pequeno município próximo
37
. De acordo com entrevista
efetuada com assistente social
38
da instituição de abrigo, Olívia estava sendo aliciada
e, após denunciar a rede de exploração, sofreu ameaças de morte. No momento não
existia possibilidade alguma de retornar para sua casa junto à família.
Não podemos cometer a displicência de redirecionarmos este caso para o
nosso recorte espacial aqui empreendido. No entanto, o envolvimento de policiais e
conselheiros tutelares em redes de exploração sexual infanto-juvenil é tema
presente nos relatos colhidos durante os trabalhos de campo realizados pelo Grupo
de Estudos Territoriais. Assim, os agentes são responsáveis pela coibição da
exploração, podem ser também os integrantes da rede.
Olívia relata com detalhes as táticas realizadas, como a presença dos
policiais após a ronda noturna e fechamento do bar em festas que ocorriam nos
fundos do estabelecimento com portas fechadas. Segundo ela, a senhora,
proprietária da casa, possuía uma lista com os turnos dos policiais de plantão.
Quando ocorria do policial plantonista não ser participante do “esquema” as meninas
36 Entrevista concedida a Joseli Maria Silva em 10/05/2007, na MARILLAC em Ponta Grossa.
37 Omitimos os dados jurídicos e do município para proteger a integridade física da entrevistada.
38 Entrevista concedida a Almir Nabozny pela assistente social Adriana Bonfatti funcionária da
MARILLAC no dia 16/01/2007 em Ponta Grossa –PR.
155
com idade inferior à dezoito anos não freqüentavam o bar naquela noite.
Este caso em que Olívia figurou é cada vez menos comum em Ponta Grossa,
que as ações dos Conselhos Tutelares junto a bares e boates têm demonstrado a
redução da presença de menores de idade. Contudo, o fenômeno permanece,
graças às táticas desenvolvidas pelas adolescentes. Elas trocaram os pontos fixos
de bares e boates por fluxos de relações via telefone e mobilidade espacial,
gerenciando códigos corporais que lhes possibilita a troca comercial de práticas
sexuais e o drible às ações do Estado.
O Estado, para intervir neste fenômeno, precisa de alguém que denuncie e
rompa com a rede de interdependências, o que não acontece tomando como
referência os envolvidos. Assim, o Estado procura um ato flagrante ou a presença
das meninas em locais claramente identificados como de prostituição. Como o
Estado persegue um modelo superado pelas táticas dos componentes das redes de
interdependência, a invisibilidade do fenômeno permanece e é justamente ela que
fortalece as práticas sexuais comerciais infanto-juvenis que acabam aparecendo de
forma paralela ou subordinada à outros “desajustes da menina.
Como conseqüência, quem permanece protegido na invisibilidade é
justamente quem paga pelas práticas sexuais das adolescentes, quem explora sua
pobreza, sua falta do apoio familiar e das instituições sociais. Às adolescentes, cabe
o abrigamento e o carimbo de desajuste social, mesmo que seja tomado como
medida de proteção por parte do Estado.
É justamente Olívia, a adolescente explorada sexualmente aos treze anos de
idade, que é obrigada e viver em outra cidade separada de sua família. Ela
questiona as razões das opções que as adolescentes realizam ao praticarem sexo
por recompensas materiais, deixando claro que tais opções são resultados de
156
constrangimentos espaciais. A realidade destas adolescentes é a vivência da
realidade da periferia e da ausência de outras perspectivas:
Então o que adolescente tem? não tem curso de aprendiz, não uma
coisa pra ele ganhar um dinheirinho, numa coisa que ele mesmo faça, que
goste daquilo que ele faça. (...) Não basta ir e puni. Acho que deveria
assim ter uma coisa. (...) Sei lá, deveria trabalhar de forma diferente. (...)
Por que explorar, né? Uma menina de menor, com uma vida inteira em jogo,
jogando a vida pro ar num lugar desses. Mas eu acho que sei lá. Mas acho
que isso não vai mudar, isso sempre vai ter. O que tem que mudar é a
cabeça das meninas com relação a isso. (...) porque esse negócio de
exploração sempre vai ter. Sempre vai ter um bar ou um outro ali. Sempre
vai. No mesmo caso dos policiais, sempre vai ter policiais desse jeito.
Sempre. É muito difícil mudar o mundo hoje. Mas é preciso mudar o
pensamento das meninas, eu acho também. (...) Mas eu não posso fazer
nada pra mudar. Se hoje eu tivesse oportunidade de mudar, a primeira coisa
que eu faria era dar oportunidade de emprego (...) (Entrevista concedida por
Olívia com estímulos de imagens)
39
As adolescentes são ativas e constroem suas táticas de sobrevivência num
contexto histórico e geográfico, articulando a sua compreensão da realidade.
Escrevendo seu próprio texto urbano, para utilizar a metáfora de Duncan (2004). As
redes de interdependências permanecem graças aos permanentes re-arranjos
espaciais plurais, viabilizando às protagonistas sua invisibilidade de forma articulada
com outros componentes da exploração sexual comercial infanto-juvenil.
Parafraseando Calvino (2002), em Cidades Invisíveis, terminamos o capítulo
das meninas invisíveis. duas maneiras de versar sobre elas e suas experiências
sócioespaciais. A primeira é fácil, consiste em apenas ignorar suas existências. A
segunda, é mais complexa. Incide em aprendizagens contínuas, reconhecendo-as
agentes de suas táticas viabilizadas pelo espaço geográfico. As meninas e o
fenômeno que elas configuram são visíveis na medida em que lhes conferimos
capacidade de ação. Quando as representamos como vítimas passivas, bastaria
retirá-las do perigo da família, das ruas e abrigá-las em instituições. Contudo, é na
39 Entrevista concedida a Joseli Maria Silva em 10/05/2007, na MARILLAC em Ponta Grossa.
157
reflexão feita por uma menina de 15 anos de idade que permaneceu até os 13 anos
na exploração sexual comercial infanto-juvenil feminina, que nos disse: “é preciso
dar oportunidades”. Assim, as meninas fazem opções, mesmo que constrangidas
por toda sorte de carências. Se elas são ativas, há que se abrir outros espaços,
quem sabe os “Espaços de Esperança” de que fala Harvey (2004).
158
CONSIDERAÇÕES FINAIS
À guisa de arremate do trabalho se destaca que esta pesquisa teve como
fulcro compreender como a dimensão espacial compõe a exploração sexual
comercial infanto-juvenil feminina. Os referenciais metodológicos que sustentaram
nossos argumentos foram a reflexão em torno da posicionalidade do pesquisador
num processo de buscar estabelecer visibilidade aos agentes sociais ausentes no
discurso geográfico brasileiro, as meninas envolvidas na exploração sexual
comercial, com a tentativa de trazê-las a condição de co-participantes da pesquisa.
O processo de pesquisa empreendido evidenciou que trajetórias lineares de
planos racionais e modelos pré-concebidos jamais permitiriam a finalização deste
trabalho. Foi necessário adotar uma atitude desconstrucionista dos próprios pré-
supostos iniciais e se curvar frente às explorações empíricas. A mescla de
procedimentos, os recuos e avanços (inicialmente angustiantes), possibilitaram a
elaboração da resposta à questão central elaborada. Enfim, o balanço do exercício
desta pesquisa evidencia que, cada vez mais, é preciso acreditar que a ciência,
pretensamente objetiva, se faz também com grande carga de subjetividades.
A dimensão espacial da exploração sexual comercial infanto-juvenil feminina é
um elemento fundamental para sobrevivência do fenômeno. É justamente o jogo das
transformações de espacialidades fixas em difusas, de tempos homogêneos e
padronizados em tempos intermitentes e irregulares é que as meninas conseguem,
em conjunto com os demais agentes das redes de interdependências, produzir
táticas capazes de manter o fenômeno à margem da regulação estatal.
A padronização das táticas e a configuração das redes é impossível, mesmo
159
porque as configurações são móveis e é justamente a tensão permanente que
possibilita a persistência de sua existência. Constatamos que uma série de
configurações. E que se formam a partir de agentes em redes de relações de poder.
A fim de efetivar a prática sexual com crianças e adolescentes em troca de
compensações materiais. Assim, a dimensão espacial do fenômeno se manifesta de
forma a plurilocalizar os agentes em rede de relações que se compõem de várias
dimensões envolvendo identidades de gênero, recursos econômicos e espaço. Não
obstante, um perfil comum na composição dos agentes centrais das redes. São
meninas pobres que se relacionam sexualmente em troca de compensações
materiais com homens mais velhos e, em geral, com maior poder aquisitivo que o
dela. Não encontramos em todos os processos personagens centrais que fugissem
a esse padrão.
Embora as meninas desenvolvam práticas sexuais para a obtenção de
recursos numa relação desigual de forças, a posição de vítimas deve ser superada,
pois elas exercem um papel ativo. Quando nos referimos à superação da visão das
meninas como vítimas é no sentido de olhar suas táticas, compreender suas
expectativas sociais e sonhos, atribuindo a elas possibilidades de reconstrução de
suas vidas. Suas motivações e interesses em compor as redes e as opções que
realizam estão constrangidas por uma série de elementos de desigualdades e
necessidades. Porém, esta opção também é vivida de forma contraditória porque é
tensionada por pressões sociais relativas à moralidade sexual. Pelos papéis sociais
de gênero e às interdições institucionais.
toda uma gama de características sócioespaciais permeando as relações
entre os diversos agentes que juntos formam as configurações de interdependências
em constante transformação. O Estado age a partir de uma rotina estratégica,
160
criando uma estabilidade provisória, que ora encontra meninas em locais indevidos,
ora as institucionaliza. Fomenta-se a inércia, pois as meninas continuam ou
retornam para estas mesmas práticas, sobretudo os demais agentes envolvidos,
como clientes e aliciadores, permanecem ilesos. As conseqüências das práticas
sexuais comerciais com crianças e adolescentes têm sido mais pesadas para
aquelas que sofrem a exploração. Isso porque há toda uma aura de sutilezas e
táticas que obscurecem justamente a ação do explorador.
Os espaços cotidianos, componentes da formação identitária das meninas, se
a partir de violências familiares, contextos de prostituição de mulheres mais
velhas da família e carências de todas as ordens, que são internalizados ao longo da
vida. Mesmo assim, há uma tentativa de moralizar os costumes sexuais que também
é internalizada por elas, gerando culpa e baixa auto-estima. A família age de forma
contraditória, naturalizando um cotidiano de violência, agressões e práticas sexuais
comerciais. Mas as famílias perpetuam valores morais conservadores do
comportamento feminino. E essa contradição impede que as próprias famílias
rompam com a rede de interdependência, deflagrando denúncias que identificassem
os compradores das práticas sexuais, porque elas acreditam que as meninas são
também culpadas pelos fatos.
Entre o discurso formal-legal posto e a prática, a realidade não comporta a
legalidade. O poder é exercido em todas as direções das relações das redes de
interdependências, mesmo quando impera o silêncio, a ausência e a invisibilidade.
Aliás, compreendemos esta invisibilidade tal qual Foucault (2006). Ela não é
ao acaso, edifica-se de forma estratégica pelo poder exercido. A dimensão espacial
é um dos elementos que possibilita magistralmente esta invisibilidade. As redes de
interdependência atam e desatam linhas delicadas que se entrelaçam em torno de
161
fenômeno e com uma arregimentação espacial que perfaz as diferentes condutas de
gênero a se exercer. Somam-se aspectos econômicos, consensos simbólicos que
perfazem uma teia de relações. Essa é produzida, produz e modifica uma cidade-
texto. Mesmo invisíveis as meninas, por meio de suas táticas, produzem seu próprio
texto, instituindo de várias formas as intertextualidades argumentadas por Duncan
(2004).
As protagonistas dessa pesquisa são centrais no discurso legal de Estado,
que tem como função protegê-las em seus direitos cidadãos. No entanto,
simultaneamente estão na margem de suas estratégias. São centrais nas relações
cotidianas fazendo opções, ainda que numa racionalidade constrangida. O espaço
se faz numa construção e mediação, oscilando entre centro e margem numa
condição paradoxal, nas palavras de Rose (1993). As meninas sustentam suas
próprias espacializações, não sendo uma realidade fora de si. Todavia, reforçam
suas condições de exploração. Cabe à Geografia contribuir com a inteligibilidade
desse fenômeno, no sentido de abrir espaços e mediar uma intervenção social mais
igualitária.
162
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Referências citadas em Silva (2006b), não exploradas nesse trabalho
172
APÊNDICES
173
Apêndice A: Roteiro de análise - Processos.
Data de preenchimento:
Local:
Processo de:
Data de início dos procedimentos com a adolescente:
Data de último registro:
Constituição familiar:
Endereço: (somente uma referência para confecção dos cartogramas)
Idade:
Estado civil dos genitores: solteira (o) ( ) casada(o) ( ) amasiada(o) ( )
Separada(o) L ( ) Separada(o) I ( ) Viúva(o) ( ).
Quantos relacionamentos maritais da mãe:
Número de filhos:
Idade dos filhos residentes com a mãe / pai:
01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14
15 16 17 18 + 18
Trajetória da adolescente:
Quem denunciou 1º
vez.
Mãe: Pai: Escola: Anônima
:
Não
Consta
O que denunciou 1º
vez
Desobediência: Local
indevido
E.S.C.I.J Furto:
Denunciante Mãe: Pai: Escola: Anônima
:
Não
Consta
O que denunciou Desobediência: Local
indevido
E.S.C.I.J Furto:
174
Local
Outros Irmãos Irmãs
Caso significativo
relacionado à
E.S.C.I.J
Sim * Não * Abre nova análise
do processo sob a
perspectiva de nova
sujeita.
Coincidência com
uso de drogas
Sim Não Suspeito
Abrigamentos Sim Não Provisório
PEMSE Sim Não
Como é concebida a
E.S.C.I.J no
processo
Paralela Central
O que aparece
conjugado com a
E.S.C.I.J.
Tráfico Furto
Como se manifesta
a atividade
(materialidade do
fenômeno)
Rua/BR Casa de
um
terceiro.
Boate Fora de
Casa
Centro
E.S.C.I.J – Exploração Sexual Comercial Infanto-Juvenil.
PEMSE – Programa de Execução de Medidas Sócio Educativa em Meio Aberto.
TRECHOS DE FALAS DAS AGENTES QUE COMPÕEM A REDE:
175
Apêndice B: Roteiro de Entrevista Semi-Estruturada Profissionais do Sexo
Adultas
Entrevistador:
Local/Data:
1) Como você gostaria de ser chamada?
2) Onde você mora? Vila.
3) Quantos anos você estudou? Continua estudando? Em que série parou?
4) Estado civil.
5) Com quem você mora?
6) Qual é a renda da casa em salários mínimos?
7) Tem filhos? Quantos? De que sexo e qual idade?
8) Onde você nasceu? (cidade)
9) Como você soube que poderia ganhar a vida assim batalhando?
10) Há quanto tempo faz programas?
11) Como foi o seu primeiro programa (com que idade, em que local, com quem,
realizou que práticas, qual foi o pagamento)?
12) Como começou a fazer programas (quem fez os contatos?, houve indicação de
um cliente)?
13) O que sua família pensa disso? Tem mais alguém na família que batalha ou
batalhou no passado?
14) Você faz muitos programas? Com que freqüência (todos os dias, finais de
semana...)?
15) Com quem sai? (sexo, idade, padrão de renda).
16) Qual é o tipo de programa que mais é procurada? Práticas solicitadas?
176
17) Você diferencia preço em relação ao que faz?
18) Você sempre usa preservativo? Programa sem preservativo é mais caro?
19) Já experimentou algum tipo de droga ou faz uso? Quais?
20) Quais os locais que você batalha? Todos os dias? Sempre foi o mesmo?
21) Você é contatada por telefone para fazer programas? Quem contata? Cliente,
colega de ponto? Com relação ao horário, qual é?
22) Tem alguém que contrata o programa para você?
23) Como é feita a segurança para fazer os programas?
24) Quais os locais de realização do programa?
25) Já saiu do cotidiano de programas? Relatar os motivos ao retorno da prática.
26) O que espera de sua vida para o futuro?
27) Quantos anos você tem hoje? Poderia me dizer seu nome verdadeiro?
28) Se você pudesse resumir em uma palavra seu sentimento em realizar
programas. Qual seria essa palavra?
177
Apêndice C: Roteiro de entrevista: Profissionais que executam trabalho na
área de infância e juventude.
1) Nome
2) Formação/Cargo:
3) Instituição
4) Local e Data:
5) Há quanto tempo a instituição está prestando atendimento à comunidade?
6) Quem são as pessoas atendidas (público-alvo)?
7) Qual é a equipe da instituição?
8) Quais são as expectativas com relação ao trabalho desempenhado? Elas têm
sido atingidas?
9) Em sua opinião, o que vem a ser infância e adolescência.
10) Comente as expressões “sexualidade” e “relações sexuais”. Relacione elas à
infância e adolescência.
178
Apêndice D: Roteiro de trabalho com gravuras: Meninas institucionalizadas
Temas relevantes à pesquisa:
1- Constituição familiar
2- A cidade vivida
3- Amor e sexo
4- Sexo e troca
Parte 1. Seleção das imagens (pelas meninas) conforme temas dirigidos.
Parte 2. Elaboração do cartaz com as colagens das imagens selecionadas.
Parte 3. Entrevista semi-estrutura referendada nas imagens.
Elementos explorados na entrevista
1) Constituição familiar
- Pessoas componentes do grupo familiar
- Como significa cada (membro)
- Descrição das atividades dos membros da família
- Sentimentos em relação ao grupo familiar
2) A cidade vivida
- Qual o contexto de moradia
- Onde se localiza na cidade
- Significado da casa e da rua
3) Amor e sexo
179
- Com quem
- Por que com quem (tempo / experiência)
- O porquê do amor e do sexo na vida
4) Sexo e troca
- Com quem
- Por que e com quem (tempo / experiência)
- Por que do sexo e da troca
180
Apêndice E: Divisão de Conselhos Tutelares em Ponta Grossa – Paraná
181
Apêndice F: Nomes da Obra de Italo Calvino
Os nomes seguem quase uma ordem. Página a página de Cidades Invisíveis
(CALVINO,2002), relacionamos os nomes das cidades e suas histórias em metáfora
com parte da biografia de cada personagem presente na dissertação.
Algumas histórias de nossos atores e atrizes sociais não tinham relação com
a seqüência do livro, por exemplo, Zobeide. Esse nome aparece no início do
segundo terço do livro. Todavia, recorremos a ele para nomearmos uma menina.
Essa, aos quatorze anos de idade é encaminhada ao Conselho Tutelar, pela Polícia
Militar, após ter sido apreendida quando agredia uma pessoa. No decorrer do
processo e vida da menina, sua mãe, em entrevista familiar aos funcionários do
PEMSE reclama:
a genitora esteve no dia 05/09/2006 na sede do programa e relatou que a
adolescente está fazendo uso de bebidas alcoólicas. Está fumando e posa
fora de casa, rias noites, sem dizer onde está. Ou o que está fazendo
(Relatório PEMSE. Ponta Grossa, 2006).
Relacionamos a Menina (in) Visível. Por nós, nomeada Zobeide à Cidade
Invisível, cuja: “As ruas da cidade eram aquelas que o levavam para o “trabalho”
todas as manhãs, sem qualquer relação com a perseguição do sonho. Que, por sua
vez, tinha sido esquecido havia muito tempo”. (CALVINO, 2002. p.45)
Um segundo motivo nos levou a escolher os nomes da já referida obra.
Por um longo tempo, Pirra foi para mim uma cidade encastelada nas encostas
de um golfo, com amplas janelas e torres, fechada com uma taça, com uma praça
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em seu centro profunda como um poço e com um poço em seu centro. Nunca a
tinha visto. Em uma das tantas cidades que nunca visitara, que imaginava somente
a partir do nome: Eufrásia, Odila, Margara, Getúlia. Pirra era uma delas, diferente de
todas as outras, assim como cada uma delas era inconfundível para os olhos de
minha mente.
Chegou o dia em que as minhas viagens me conduziram a Pirra. Logo que
coloquei os pés na cidade, tudo o que imaginava foi esquecido; Pirra tornara-se
aquilo que é Pirra; e imaginei que sempre soubera que a cidade não tinha vista para
o mar, escondido atrás de uma linha reta; que as casas são reagrupadas em
intervalos, não altas, e são separadas por descampados de depósitos de madeira e
serrarias; que o vento move os cata-ventos das bombas hidráulicas. Daquele
momento em diante, o nome de Pirra evoca essa vista, essa luz, esse zumbido,
esse ar no qual paira uma poeira amarelada: é evidente que significa isto e que não
podia significar mais nada.
A minha mente continua a conter um grandemero de cidades que não vi e
não verei, nomes que trazem consigo uma figura ou fragmento ou ofuscação de
figura imaginada: Getúlia, Odila, Eufrásia, Margara. A cidade sobre o golfo também
está sempre lá, com a praça fechada em torno do poço, mas não posso mais
chamá-la com um nome, nem recordar como pude dar-lhe um nome que significa
algo totalmente diferente. (CALVINO,2002. p.87-88).
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ANEXOS
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DEDICARIA
(Euclides da Cunha)
Se acaso uma alma se fotografasse
De sorte que, nos mesmos negativos,
A mesma luz pusesse em traços vivos
O nosso coração e a nossa face
E os nossos ideais, e os mais cativos
De nossos sonhos... Se a emoção que nasce
Em nós, também nas chapas se gravasse
Mesmo em ligeiros traços fugitivos
Amigo! Tu terias com certeza
A mais completa e insólita surpresa
Notando - deste grupo bem no meio -
Que o mais belo, o mais forte, o mais ardente
Destes sujeitos é precisamente
O mais triste, o mais pálido, o mais feio.
Soneto escrito no verso de uma fotografia enviada ao escritor Rodrigo Otávio. Tirada
às margens do Alto Purus, Euclides aparece rodeado por todos os companheiros da
comissão. Extraído por nós do encarte do cd de Kátya Teixeira Lira do Povo,
Aracaju – Sergipe, 2005.
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ANEXO 03 – Autorização de Pesquisa Juíza da Vara da
Infância e Juventude
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