Ainda no Capítulo V do Decreto-lei nº. 25, verificamos a prevalência de critérios de
antigüidade e de raridade na valoração de acervos em papel a serem preservados. Diz o Artigo
26:
Os negociantes de antigüidade, de obras de arte de qualquer natureza, de
manuscritos e livros antigos ou raros são obrigados a um registro especial
no Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, cumprindo-lhes
outrossim apresentar semestralmente ao mesmo relações completas das
coisas históricas e artísticas que possuírem
228
.
Na análise dos critérios de valoração dos acervos em papel a serem preservados, é
sintomático verificar que se, por um lado, a conjuntura política do Estado Novo determinara a
preservação de livros raros e de valor excepcional, tendo em vista a consolidação da história
oficial da nação, de outra parte verificamos a destruição por parte do próprio Estado Novo
quando do episódio da queima em praça pública dos livros de autoria de Jorge Amado, então
considerados de teor subversivo
229
.
Desta forma, compreende-se que a ideologia estadonovista acabou por relegar ao
esquecimento os demais acervos em papel não inseridos nos princípios conceituais
estabelecidos no Decreto-lei nº. 25. A não adoção das idéias e propostas estabelecidas no
projeto marioandradiano - que evidenciavam uma concepção de patrimônio mais abrangente
e distinta da noção da monumentabilidade – contribuiu, sobremaneira, para o fato da exclusão
de outras categorias tipológicas de acervos em papel. Todavia, conforme observou Sérgio
Conde de Albite Silva, à respeito da criação do SPHAN em 1937: “Foi, nessa estrutura, que
os acervos arquivísticos, biblioteconômicos, museológicos, artísticos, arquitetônicos e seus
congêneres encontraram, em maior ou menor grau, proteção legal.”
230
228
Ibid., p. 18. (Grifos nossos).
229
Cf. “ATA DE INCERINAÇÃO – Aos dezenove dias do mês de novembro de 1937, em frente à Escola de
Aprendizes Marinheiros, nesta cidade do Salvador e em presença dos senhores membros da comissão de buscas
e apreensões de livros, nomeada por ofício número seis, da então Comissão Executora do Estado de Guerra,
composta dos senhores capitão do Exército Luís Liguori Teixeira, segundo-tenente intendente naval Hélcio
Auler e Carlos Leal de Sá Pereira, da Polícia do Estado, foram incinerados, por determinação verbal do sr.
Coronel Antônio Fernandes, comandante da Sexta Região Militar, os livros apreendidos e julgados como
simpatizantes do credo comunista, a saber: 808 exemplares de Capitães da Areia, 223 exemplares de Mar Morto,
89 exemplares de Cacau, 93 exemplares de Suor, 267 exemplares de Jubiabá, 214 exemplares de País no
Carnaval, 15 exemplares de Doidinho, 26 exemplares de Pureza, 13 exemplares de Bangüê, 4 exemplares de
Moleque Ricardo, 14 exemplares de Menino do Engenho, 23 exemplares de Educação para a democracia, 6
exemplares de ídolos tombados, 2 exemplares de Idéias, homens e fatos, 25 exemplares de Dr. Geraldo, 4
exemplares de Nacional Socialismo Germano, 1 exemplar de Miséria através da polícia (...) Transcrito do Jornal
Estado da Bahia, de 17 de dezembro de 1937, apud ASSIS DUARTE, Eduardo de. Leitura e Cidadania.
Disponível em <:http://www.unicamp.br/iel/memoira/Ensaios/leitura%20e%20cidadania.htm.>. Acesso em:
09/04/2007.
230
SILVA, Sérgio Conde de Albite. Algumas reflexões sobre a preservação de acervos em arquivos e
bibliotecas. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 1998. p. 7.