Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
D
D
A
A
O
O
R
R
G
G
A
A
N
N
I
I
Z
Z
A
A
Ç
Ç
Ã
Ã
O
O
À
À
F
F
R
R
E
E
N
N
T
T
E
E
Ú
Ú
N
N
I
I
C
C
A
A
:
:
A
A
R
R
E
E
P
P
E
E
R
R
C
C
U
U
S
S
S
S
Ã
Ã
O
O
D
D
A
A
A
A
Ç
Ç
Ã
Ã
O
O
P
P
O
O
L
L
Í
Í
T
T
I
I
C
C
A
A
D
D
O
O
P
P
A
A
R
R
T
T
I
I
D
D
O
O
C
C
O
O
M
M
U
U
N
N
I
I
S
S
T
T
A
A
D
D
O
O
B
B
R
R
A
A
S
S
I
I
L
L
N
N
O
O
M
M
O
O
V
V
I
I
M
M
E
E
N
N
T
T
O
O
O
O
P
P
E
E
R
R
Á
Á
R
R
I
I
O
O
G
G
A
A
Ú
Ú
C
C
H
H
O
O
(
(
1
1
9
9
2
2
7
7
-
-
1
1
9
9
3
3
0
0
)
)
Artur Duarte Peixoto
Porto Alegre, agosto de 2006.
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
DA ORGANIZAÇÃO À FRENTE ÚNICA:
A REPERCUSSÃO DAÃO POLÍTICA DO PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL
NO MOVIMENTO OPERÁRIO GAÚCHO (1927 - 1930)
Dissertação apresentada como requisito
parcial para conclusão do curso de
Mestrado em História do Programa de
Pós-Graduação em História da
Universidade Federal do Rio Grande do
Sul sob a orientação da Profª. Drª.
Silvia Regina Ferraz Petersen.
Artur Duarte Peixoto
Porto Alegre, agosto de 2006.
ads:
Eles eram poucos
e nem puderam cantar muito alto a Internacional
naquela casa de Niterói
em 1922. Mas cantaram e fundaram o partido.
(…)
O PCB não se tornou o maior partido do Ocidente
nem mesmo do Brasil
Mas quem contar a história de nosso povo e seus heróis
tem que falar dele.
Ou estará mentindo.
Ferreira Gullar
AGRADECIMENTOS
Embora a pesquisa em história seja uma atividade solitária, uma dissertação
para ser redigida não deixa de contar com a contribuição de várias pessoas, o que
não me exime da total responsabilidade sobre prováveis erros ou imprecisões
presentes neste trabalho. Em primeiro lugar, gostaria de agradecer a minha
orientadora Silvia Petersen, que acreditou e apoiou a pesquisa mesmo nos
momentos mais difíceis e quando esta parecia a realização de um trabalho de
arqueólogo, e não de historiador. Sua orientação paciente, atenta e cuidadosa foi
como um porto seguro para este iniciante pesquisador.
Aos componentes da banca do colóquio de qualificação, Beatriz Ana Loner e
Benito Bisso Schmidt, os quais contribuíram de maneira valiosa com a pesquisa por
meio de suas críticas e sugestões. Aos professores Adhemar Lourenço da Silva Jr.,
Dainis Karepovs, Diorge Konrad e Marcos Del Roio, cuja colaboração de cada um
obtive em momentos diferentes e de maneiras diversas.
A todos os funcionários e estagiários dos arquivos que pesquisei,
especialmente a Luis Alberto Zimbarg do Centro de Documentação e Memória
(CEDEM) da Universidade Estadual Paulista (UNESP). Este fervoroso torcedor do
“Parmera” fez com que as distâncias entre São Paulo e Porto Alegre se encurtassem
ao enviar-me dezenas de cópias digitalizadas de vários documentos, muitas por
correio eletrônico. À Aline Simões Menezes que me ajudou com o acervo de
periódicos da Biblioteca Rio-Grandense. João Batista Marçal, que abriu as portas de
sua casa e possibilitou que conhecesse seu acervo particular.
Aos colegas do curso de mestrado com quem tive o prazer do convívio
intelectual e de manter fraternas relações de amizade, especialmente Alexandre,
Álvaro, Aristeu, Arthur, Caroline, Gabriel e “as amiga” Ailana, Letícia, Luciana,
tenente Nóris, Renata e Viviane. À Carol, que acompanhou e apoiou quase todo
percurso de pesquisa e redação do trabalho. bora, que me auxiliou com algumas
informações referentes à pesquisa. Marinês, que me deu guarida em Passo Fundo
quando estive pesquisando na cidade. Aos amigos da faculdade, da militância e
familiares, que durante estes dois anos tive pouco contato devido à eterna crônica
4
falta de tempo. Aos meus pais, pois sem ajuda deles, através do famoso
“paitrocínio”, não teria a menor possibilidade de iniciar o curso de mestrado em uma
outra cidade.
Ao CNPq pela concessão da bolsa de mestrado.
Aos comunistas cuja ação política foi objeto de estudo nesta dissertação, os
quais ao dedicarem suas vidas a uma causa em que acreditavam, e muitas vezes
pagando caro por isso, proporcionaram a realização desta pesquisa.
RESUMO
Após alguns anos em situação precária, em 1927 o Partido Comunista do
Brasil tem sua estrutura partidária organizada no Rio Grande do Sul. O cenário
político mais geral do país de arrefecimento da repressão sobre as organizações da
classe trabalhadora contribuiu de maneira decisiva para a estruturação comunista no
estado. Entretanto, tal conjuntura durou apenas alguns meses e, no mesmo ano, a
perseguição policial voltou a atingir os trabalhadores e suas associações,
prejudicando novamente a atuação do Partido.
Paralelamente à estruturação partidária, os comunistas no Rio Grande do Sul
estavam envolvidos em um processo de divergências internas que, juntamente com
o retorno à ilegalidade, impediam que o Partido Comunista do Brasil obtivesse um
crescimento sólido no estado. Situação que começaria a mudar no início de 1929
quando, após a chegada de uma nova geração de militantes e a execução de um
planejamento com vistas a obter maior atuação entre os sindicatos, conseguiu
crescer de maneira expressiva. No entanto, esse avanço foi interrompido por uma
onda de repressão policial instalada em 1930 alguns meses antes do movimento de
outubro. Nesse sentido, o objetivo da dissertação é verificar a repercussão da ação
política do Partido Comunista do Brasil no movimento operário e sindical gaúcho.
Palavras-chave: MOVIMENTO OPERÁRIO; PARTIDO COMUNISTA;
COMUNISTAS.
ABSTRACT
After some years living in precarious conditions, in 1927 Communist Party has
its own framing organized in Rio Grande do Sul. The political scenery characterized
by moderate repression on workers decisively contributed to communist structuring in
the state. Meanwhile, such political context lasted only a few months and in the
same year police has come back to persecute workers and their unions, affecting the
party’s activities again.
Together with party structuring, communists in Rio Grande do Sul were
involved in a process of internal divergencies which, in addition to return to illegality,
hindered Communist Party to successfully develop in the state. This situation began
to change in early 1929 when, after the emergence of a new generation of militants
and the planning to increase unions’s actions, the party succeeded in growing more
significantly. However, this progress was interrupted by a wave of police repression
in 1930, some months before October movement. In this sense, the purpose of this
paper is to study the repercussions of political actions of Communist Party in Brazil in
Southern workers and unions movements.
Keywords: WORKERS MOVEMENTS COMMUNIST PARTY
COMMUNISTS
SUMÁRIO
SIGLAS ....................................................................................................................................................9
INTRODUÇÃO .......................................................................................................................................10
1. O PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL E SEUS “PRIMEIROS PASSOS” NO RIO GRANDE DO
SUL ........................................................................................................................................................36
1.1 O movimento operário, os efeitos da Revolução de 1917 e as primeiras tentativas de inserção
do comunismo no movimento operário gaúcho.................................................................................36
1.2 O PCB e o movimento operário gaúcho na primeira metade dos anos vinte ...........................46
1.2.1 Os “primeiros passos” da trajetória do PCB.........................................................................49
1.2.2 O movimento operário gaúcho e os comunistas..................................................................59
2. A LENTA E DIFÍCIL ORGANIZAÇÃO COMUNISTA NO RIO GRANDE DO SUL .........................68
2.1 Um raro momento de atuação legal e a visibilidade dos comunistas no Rio Grande do Sul ...68
2.2 O retorno à condição clandestina: repressão e ilegalidade do PCB.........................................76
2.3 Dificuldades de organização do Bloco Operário e Camponês no Rio Grande do Sul..............84
2.4 Permanências e descontinuidades dos comunistas em relação aos anarquistas....................95
2.5 Os congressos comunistas: o VI Congresso da IC e o III Congresso do PCB.......................101
3. O BOC, A CRT E AS DEMAIS FRENTES DE ATUAÇÃO COMUNISTAS: TRAJETÓRIAS DO
MOVIMENTO COMUNISTA GAÚCHO ...............................................................................................108
3.1 O BOC no cenário comunista gaúcho: sua transformação em substituto do Partido.............108
3.2 A CRT: ações a partir de um novo conceito de unificação dos trabalhadores e relações com a
CGT do Rio de Janeiro ....................................................................................................................115
3.3 O 1º de maio de 1929: as comemorações comunistas em Porto Alegre e Pelotas ...............123
3.4 O crescimento do BOC: a inserção dos comunistas em diferentes frentes de atuação e
eventos políticos em Porto Alegre e Pelotas ...................................................................................129
3.5 As greves e a crescente perspectiva de luta política do movimento operário sob a orientação
comunista.........................................................................................................................................146
4. DECLÍNIO E DESORGANIZAÇÃO COMUNISTA: AGITAÇÃO EXTREMADA E REPRESSÃO
POLICIAL.............................................................................................................................................154
4.1 As greves na Carris e o primeiro ensaio repressivo ...............................................................154
4.2 O BOC na disputa eleitoral......................................................................................................167
4.3 Congresso Regional da CRT e a confirmação da linha da luta de classes ............................173
4.4 Às armas..................................................................................................................................179
4.4.1 Um novo rumo político para os comunistas: o esquerdismo .............................................179
4.4.2 A suposta intervenção federal e a requisição de armas ....................................................184
4.4.3 O novo alvo dos comunistas: os soldados e sargentos do Exército e da Brigada Militar..188
4.5 A repressão policial e o declínio dos comunistas....................................................................191
CONCLUSÃO ......................................................................................................................................201
FONTES DA PESQUISA.....................................................................................................................210
8
BIBLIOGRAFIA....................................................................................................................................215
ANEXOS ..............................................................................................................................................223
ANEXO A – “Carta aberta a Maurício de Lacerda, a Azevedo Lima, ao Partido Socialista, ao Centro
Político dos Operários do Distrito Federal, ao Centro Político dos Choferes, ao Partido Unionista
dos Empregados no Comércio, ao Centro Político Proletário da Gávea e ao Centro Político
Proletário de Niterói. ........................................................................................................................224
ANEXO B – A data proletária...........................................................................................................235
ANEXO C – Resoluções do III Congresso do PCB sobre o BOC (1928-1929) ..............................236
ANEXO D – Programa do Bloco Operário e Camponês do Brasil (1929).......................................239
ANEXO E – Panfleto entregue no 1º de maio de 1929 pela CRT...................................................256
SIGLAS
AHMJSA – Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami (Caxias do Sul/RS)
AHPA – Arquivo Histórico de Porto Alegre “Moysés Velhinho” (Porto Alegre/RS)
AHR – Arquivo Histórico Regional – UPF (Passo Fundo/RS)
AHRS – Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul (Porto Alegre/RS)
ASMOB – Archivo Storico del Movemento Operaio Brasiliano
BO – Bloco Operário
BOC – Bloco Operário e Camponês
BPP – Biblioteca Pública Pelotense (Pelotas/RS)
BRG – Biblioteca Rio-Grandense (Rio Grande/RS)
CCE – Comissão Central Executiva do Partido Comunista do Brasil
CDHHPN Centro de Documentação Histórica Hugo Pereira das Neves FURG
(Rio Grande/RS)
CGTB – Confederação Geral do Trabalho do Brasil
CRT – Confederação Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul
CSCB – Confederação Sindicalista Cooperativista Brasileira
FTP – Federação do Trabalho de Pelotas
IC – Internacional Comunista ou III Internacional
IHGRGS – Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul (Porto Alegre/RS)
MCSHJC – Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa (Porto Alegre/RS)
NPH – Núcleo de Pesquisa Histórica – UFRGS (Porto Alegre/RS)
PCB – Partido Comunista do Brasil
PON – Partido Operário Nacional
PRR – Partido Republicano Rio-Grandense
PSB – Partido Socialista Brasileiro
RGASPI Rossiiskii Gosudarstvennii Arkhiv Sotsialnoi i Politicheskoi Issledovanii
(Arquivo do Estado Russo de História Social e Política)
SUO – Sociedade União Operária
UTG – União dos Trabalhadores Gráficos
INTRODUÇÃO
Após o colapso dos regimes pró-soviéticos do leste europeu, no início dos
anos noventa, o comunismo parece ter se transformado em coisa do passado. Logo
ele que chegou a ser visto como uma realidade futura possível e provável, inclusive
para muitos sua concretização era tida como certa. Com isso, o estudo do regime e
dos partidos comunistas perdeu o sentido para muitos pesquisadores e acabou
caindo em descrédito, que passou a ser concebido nos últimos anos como um
interesse anacrônico.
Isso veio a alentar o abandono do tema “revolução” em proveito de
“democracia”, mudança de eixo explicativo da historiografia que já vinha sendo
operada no Brasil a partir do fim das expectativas de sucesso dos projetos
revolucionários na década de setenta e que impactou particularmente o campo
historiográfico brasileiro.
1
No entanto, antes dessa reorientação do eixo explicativo, não a idéia de
revolução estava em voga, como também havia vários projetos revolucionários em
disputa. Logo, os partidos políticos com propostas de ruptura radical, como o
comunista, estavam em total sintonia com sua época. Não compreender isso, é
analisar o passado com olhos do presente, pois na atualidade estas organizações
são vistas com reserva, mesmo entre aqueles que são o alvo principal: os
trabalhadores. Portanto, um estudo sobre um partido comunista pode elucidar
aspectos sociais, políticos, econômicos e culturais importantes acerca do movimento
operário, da classe trabalhadora e do cenário mais geral em que estava inserido.
A partir desse pressuposto, esta dissertação pretende examinar a
repercussão da ação política do Partido Comunista do Brasil (PCB) na dinâmica
1
CAPELATO, Maria Helena. História política. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 9, n. 17, 1996.
Ver também: DE DECCA, Edgar. A revolução acabou. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 10,
nº 20, mar/ago, 1990, p. 63-74.
11
concreta do movimento operário e sindical gaúcho nos anos finais da Primeira
República, mais especificamente entre 1927 e 1930.
É pertinente tecer alguns comentários sobre esta delimitação cronológica. O
PCB foi indubitavelmente o partido político brasileiro mais estudado dentre todos.
Entretanto, trabalhos acadêmicos que abordem essa orientação partidária, sua
atuação no Rio Grande do Sul durante a Primeira República, o praticamente
inexistentes, o que evidencia haver uma lacuna na historiografia sobre o movimento
operário gaúcho. Portanto, esta pesquisa busca preencher (ou pelo menos contribuir
nesse sentido) a ausência de trabalhos sobre a ação política dos comunistas no
estado. Por isso, o “recorte” do marco temporal não está estipulado pelos
parâmetros clássicos da história política republicana.
Nesse sentido, percebi haver uma espécie de fase” na trajetória do PCB no
Rio Grande do Sul, que se iniciou em 1927 e terminou em 1930 e embora houvesse
militantes no estado antes desse período, foi apenas a partir desse momento que o
Partido obteve visibilidade na imprensa local, quando esta começou a noticiar a ação
política dos comunistas.
2
Esse período, no qual os jornais noticiam a atuação comunista encerra-se,
temporariamente e de forma abrupta, em 1930, por conta da desorganização
partidária ocasionada por uma onda repressiva policial que iniciou no final dos anos
vinte, ao mesmo tempo em que o Partido começou a adotar uma orientação política
extremamente esquerdista, baseada em orientações da Internacional Comunista (IC)
que pretendiam proporcionar uma feição mais “operária” aos partidos comunistas.
Os efeitos dessa linha política foram tão expressivos que não é possível estabelecer
de modo efetivo uma linha de continuidade entre o PCB dos anos vinte e dos anos
posteriores.
3
Portanto, pela disponibilidade e maior abundância de fontes e pela
própria dinâmica interna do movimento operário e do percurso do Partido Comunista
no Rio Grande do Sul, acredito que o período compreendido entre 1927 e 1930 é
2
PETERSEN, S.; LUCAS, E. Antologia do movimento operário gaúcho. Porto Alegre: EdUFRGS,
1992, p. 304-306.
3
GARCIA, Marco Aurélio. Contribuições para uma história da esquerda brasileira. In: MORAES, R.;
ANTUNES, R. e FERRANTE, Vera (Orgs.). Inteligência Brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1986, p.
208.
12
uma delimitação cronológica apropriada para o desenvolvimento da dissertação.
Destaco que neste período houve um dos poucos momentos em que os comunistas
atuaram em condição de legalidade.
Assim, procurei entender a razão dessa evidência e observar que tal
ascensão converge de certo modo com o que Edgar De Decca
4
salientara: o
crescente peso da intervenção política do PCB naquele período. Por isso teria
passado a ser visto pelos partidos tradicionais como o representante da classe
operária, principalmente a partir de 1928 com o Bloco Operário e Camponês (BOC),
ascensão interrompida violentamente pela repressão policial em 1930.
O cenário escolhido para ser objeto de análise está circunscrito ao Rio Grande
do Sul, sobretudo às cidades de Porto Alegre e Pelotas (principais bases dos
comunistas no estado), fazendo quando isso for analiticamente oportuno e possível
(em virtude da limitação de fontes) algumas incursões em outros centros como Rio
Grande, Caxias do Sul e Santana do Livramento, cidades que também tiveram
núcleos comunistas organizados.
A delimitação do cenário ao Rio Grande do Sul para se analisar uma
organização que se pretende nacional, passa necessariamente pelas fontes de
pesquisa disponíveis sobre este tema, as quais não são encontradas facilmente em
virtude de não existirem em grande quantidade (isso aconteceu porque o PCB
passou a maior parte de sua história perseguido de maneira violenta pela polícia e
por conseqüência parte significativa da documentação que ele produziu se perdeu)
e, principalmente, por estarem localizadas de maneira muito dispersa, o que foi uma
grande dificuldade no início da pesquisa. Dessa forma, um estudo centrado no Rio
Grande do Sul possibilitou um maior domínio sobre a documentação utilizada (que
será detalhada adiante), o que seria impossível em um marco espacial mais amplo
no curto período destinado à pesquisa e escrita da dissertação.
Aliás, desde que comecei a trilhar meu caminho como pesquisador do PCB
gaúcho, quando ainda era estudante de graduação, a pouca documentação
4
DE DECCA. Edgar. O silêncio dos vencidos. São Paulo: Brasiliense, 1981.
13
disponível sempre foi das maiores dificuldades enfrentadas e durante o período em
que realizei esta investigação, meu trabalho parecia arqueologia, e não história.
Nesse sentido, foi de grande valia as fontes copiadas digitalmente que recebi do
Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da Universidade Estadual Paulista
(UNESP), os quais certamente contribuíram para preencher algumas lacunas que
outrora existiam na pesquisa, sobretudo por dar voz aos próprios militantes.
Também por existir todo esse problema, é que várias vezes valorizo detalhes
mínimos sobre a ação política do Partido e dos militantes comunistas.
Não obstante ser uma organização com uma disciplina de feitio militar e com
um forte centralismo, dois dos fatores que produziram as condições propícias para a
maior parte dos estudos sobre o PCB abordar sua atuação “nacional”, inúmeras
singularidades regionais de ordem política, econômica, social e cultural que
não estão presentes na historiografia sobre o PCB. Portanto, uma investigação
sobre o Partido Comunista do Brasil que examine sua atuação circunscrita a uma
unidade da federação poderá se tornar uma contribuição importante para compor um
quadro nacional mais representativo da história desse partido e esse campo de
estudos poderia “alcançar um outro patamar analítico”, como sugere Silvia Petersen
para a história operária em relação à importância dos estudos que tratem de
questões regionais.
5
Conforme mencionado no parágrafo anterior, a estrutura dos partidos
comunistas era formada por diversas instâncias. No mais baixo degrau da hierarquia
organizacional estava a célula, a qual era organizada primordialmente por local de
trabalho, mas também por local de moradia, composta por no mínimo três pessoas.
Era a base da organização comunista, a que fazia a ligação entre a política expressa
pelo partido e a dinâmica social. No interior da célula é que o militante realizava
efetivamente a sua formação enquanto membro do partido. Geralmente era um
grupo pequeno, pois somente assim, conforme salienta Maurice Duverger, teria
condições de executar sua política com sucesso e, somado a esse fato, com sua
5
PETERSEN, Silvia. Cruzando fronteiras: As pesquisas regionais e a história brasileira. In: ARAÚJO,
Angela (org.) Trabalho, cultura e cidadania. São Paulo: Scritta, 1997, p. 85. Ver também: GOMES,
Angela de Castro. Política: história, ciência, cultura, etc. Estudos Históricos, vol. 9, n. 17, p. 59-84,
1996. REIS FILHO, Daniel Aarão. Um balanço da historiografia sobre a esquerda brasileira. In:
ARAÚJO, Angela (org.) Trabalho, cultura e cidadania. São Paulo: Scritta, 1997, p. 25-26.
14
organização nos locais onde os militantes trabalhavam ou moravam, seus membros
mantinham contato permanente entre si.
6
No topo da hierarquia dos partidos comunistas era comum existir o Birô
Político do Comitê Central (ou a Comissão Central Executiva, como no caso do
PCB), o mais alto responsável pela condução da política partidária. Os integrantes
da direção eram escolhidos por todos os membros do partido e uma vez em tal
posição adquiriam o controle da máquina partidária, de acordo com os princípios do
centralismo democrático, que era a forma utilizada para a tomada de decisões. Ou
seja, centralizado porque depois da rota política ser aprovada era exigido uma
disciplina rigorosa em sua aplicação, até mesmo daqueles que haviam emitido
opiniões discordantes. Este método também era considerado democrático porque as
decisões provinham da cúpula, mas eram tomadas em função da base após
discussões livres com todos os militantes (pelo menos em tese, mas sabe-se que
nem sempre foi assim).
Ainda que o PCB fosse disciplinado e centralizado, a ação de seus membros
não era o resultado de uma aplicação automática das diretrizes partidárias. Os
militantes são pessoas concretas que trazem consigo culturas e convicções
políticas, as quais são permeadas por questões sociais, culturais, de gênero,
geração e religião, repercutindo na linha política adotada pelo Partido. Por isso
também, a importância de investigações sobre atuações regionais dos comunistas,
pois aspectos nesse sentido podem ser mais fáceis de ser observados.
Embora a dissertação não verse sobre o movimento operário gaúcho como
um todo, mas se detenha sobre a atuação do Partido Comunista, considero ser
também uma contribuição importante para se aprofundar o conhecimento sobre os
nexos que permitiram a articulação das instituições operárias de luta, pois este
trabalho examina o percurso de uma instituição partidária voltada aos operários e
que orientava politicamente e criava outras associações proletárias, recompondo
uma parte considerável da rede institucional-organizacional do movimento operário
gaúcho.
6
DUVERGER, Maurice. Los partidos politicos. 3 ed. México: Fundo de Cultura Económica, 1957, p.
58.
15
Nesse quadro, o objetivo central da pesquisa, ao examinar o percurso do
Partido Comunista no Rio Grande do Sul, sobretudo em Porto Alegre e Pelotas, é
verificar a repercussão de sua ação política na dinâmica concreta do movimento
operário e sindical. Dito de outra forma, busco observar como o PCB procurou e que
instrumentos utilizou para se inserir e mobilizar os trabalhadores gaúchos,
almejando a transformação da sociedade, sua razão de existência.
Assim, procurei responder algumas questões suscitadas durante a elaboração
do projeto de pesquisa: o que teria levado o Partido Comunista do Brasil no Rio
Grande do Sul ter demonstrado tanta dificuldade de organização na maior parte dos
anos vinte, logo em uma região que fora um dos berços do comunismo no Brasil, em
virtude da importante participação do militante Abílio de Nequete na fundação do
PCB, o que será detalhado adiante; como foi a relação com o anarquismo, que tinha
um espaço expressivo no movimento operário gaúcho, especialmente no que se
refere às continuidades e as rupturas de práticas políticas e sindicais; o que teria
proporcionado a maior visibilidade comunista no fim da década de vinte; e quais as
motivações da repressão policial e seu peso na desarticulação partidária
experimentada em 1930.
A hipótese geral sobre os problemas enfrentados pelo PCB no sentido de sua
penetração nos meios operários gaúchos aponta para o fato do Partido ter priorizado
durante a maior parte do período estudado e ainda mais a partir de 1929 as
atividades de agitação operária em detrimento às de organização, produzindo um
descompasso entre sua capacidade de mobilização, que em alguns momentos
demonstrou ser considerável para as condições da época, e seu enraizamento mais
efetivo na classe trabalhadora. Ou seja, conseguiu mobilizar muitos trabalhadores,
mas, por outro lado, o engajamento político e ideológico dos mesmos era muito
tênue e variava conforme o cenário mais geral.
Mais especificamente, tentando responder às perguntas feitas acima, a
hipótese é que o PCB no Rio Grande do Sul apresentou dificuldades de crescimento
em virtude dos problemas de organização interna, derivados em parte das
divergências entre os militantes; os membros do Partido parece não terem visto no
anarquismo um de seus principais adversários de disputa pela hegemonia sobre o
16
movimento operário e sindical, por isso foram utilizadas práticas políticas similares
às anarquistas como estratégia de penetração na classe trabalhadora; a maior
repercussão da ação política do PCB em 1929 se deve basicamente a alguns
fatores: a chegada de militantes de outras regiões, os quais, tendo maior acúmulo de
experiência e mais conhecimento da “cultura comunista”, conseguiram oxigenar e
dar uma organização mais sólida ao Comitê Regional; o cenário de carestia de vida
para os trabalhadores, criando um contexto explosivo e por isso favorável ao
discurso comunista; e o afastamento dos anarquistas dos sindicatos, o que deixou o
campo aberto para os membros do PCB atuar praticamente sem adversários; a
repressão ocorreu em virtude da crescente perspectiva política que os movimentos
dirigidos pelos comunistas adquiriram, pela participação eleitoral (disputando o voto
operário com os partidos da elite política gaúcha), pela negação em apoiar a
candidatura de Getúlio Vargas à presidência e pelo caráter extremado que o seu
discurso passou a ter no início de 1930, com menções a obter armas e formar
células entre os militares de Porto Alegre.
Cabe tecer alguns comentários acerca do anarquismo, que é impossível
não abordá-lo quando se analisa a atuação do PCB, sobretudo no período proposto
para este trabalho.
A bibliografia acertadamente costuma apontar que a maior parte dos
fundadores do PCB foi anarquista, que após começar a descrer nos rumos do
movimento operário e sob influência da Revolução Russa de 1917, mudou de
orientação e aderiu ao comunismo. No entanto, esta mesma bibliografia não indica
os reflexos da herança libertária na atuação comunista, com talvez a exceção de
Dainis Karepovs, que mostra semelhanças de posição entre os anarquistas e os
comunistas de Santos em relação às eleições, a partir de um documento lançado
por estes sobre a disputa presidencial de 1922, no qual repudiavam qualquer tipo de
participação parlamentar.
7
No máximo, foi assinalada uma precariedade teórica dos
militantes do PCB, a qual provavelmente seria decorrente desse legado.
7
KAREPOVS, Dainis. A esquerda e o parlamento no Brasil: o Bloco Operário e Camponês (1924-
1930). São Paulo: USP. 2002. (Tese de doutorado em História), p. 45-46.
17
Essa visão, originária dos militantes e ex-militantes comunistas, contribuiu
para construir um campo na historiografia, representado pelos primeiros estudos
sobre os partidos e grupos de esquerda, que viram no PCB uma ruptura com a
tradição “pequeno burguesa” do “anarco-sindicalismo” ao implantarem a perspectiva
política no meio operário. Posição que é insustentável nos dias de hoje, pela
publicação de inúmeros trabalhos que apontaram o peso significativo dos
anarquistas no movimento operário na Primeira República.
8
Enfim, a bibliografia
enfatizava que as dificuldades iniciais de organização e de penetração no
movimento operário por parte dos comunistas provinham desse passado, mas
praticamente em nenhum momento foi mencionado onde isso se manifestou e como
prejudicaria a atuação comunista.
Como se sabe, o anarquismo é uma teoria social, que atua como uma
corrente ideológica operária, das que apresenta maiores dificuldades de definição
precisa, em face de sua ampla diversidade no que se refere aos métodos de
abordagem e ação, de modo que talvez o mais correto fosse falar em anarquismos
ou em campo do anarquismo, para dar conta dessa complexidade e diversidade, as
quais lhe são inerentes. Apesar disso, é possível apontar uma convergência em
relação ao objetivo da abolição do Estado. Essa idéia provém do entendimento do
Estado consubstancializar toda noção de autoridade imposta ao indivíduo.
O anarquismo tem uma visão naturalista da sociedade. Segundo ele “o
homem possui naturalmente todas as qualidades que o tornam um ser capaz de
viver em liberdade e harmonia”.
9
Portanto, o indivíduo naturalmente não precisaria
de nenhum instrumento mediador para viver em sociedade, pelo contrário, qualquer
recurso do tipo seria a imposição de leis que retirariam a liberdade individual, o que
8
Entre outros exemplos, ver: GOMES, Angela de Castro. A invenção do trabalhismo. 3 ed. Rio de
Janeiro: Editora FGV, 2005. Ver também PETERSEN, Silvia. “Que a união operária seja nossa
Pátria!”: História das lutas dos operários gaúchos para construir suas organizações. Santa Maria:
Editora UFSM; Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS. 2001. PETERSEN, Silvia. O
anarquismo no Rio Grande do Sul na Primeira República. Revista do Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas da UFRGS. Porto Alegre (15),1991-1992. SILVA JR. Adhemar. Povo! Trabalhadores!:
tumultos e movimento operário (estudo centrado em Porto Alegre, 1917). Porto Alegre: UFRGS,
1994. (Dissertação de mestrado em História).
9
WOODCOCK, George. História das idéias e movimentos anarquistas. Porto Alegre: L&PM, 2002, p.
22, v.1.
18
deveria ser encarado como inimigo da sociedade, pois a liberdade e a
espontaneidade são dos valores mais prezados pela proposta.
Mas o Estado não é o único elemento autoritário na sociedade na visão dos
anarquistas; pela mesma lógica, os partidos também o são:
“Na verdade, as idéias básicas do anarquismo, com sua ênfase na
liberdade e na espontaneidade, excluem a possibilidade de uma
organização rígida e especialmente de qualquer coisa que se
assemelhe a um partido criado com o objetivo de tomar e manter o
poder”.
10
Por isso, os comunistas eram vistos como inimigos da classe trabalhadora.
Além dessa rigidez de organização e da falta de liberdade, o Partido Comunista
exercia uma ação política, o que contrariava praticamente todas as correntes
anarquistas do movimento operário, as quais se diziam apolíticas e defendiam a não
participação da classe trabalhadora na política. O sistema político-partidário estaria
corrompido na sua gênese, não oferecendo nenhuma possibilidade segura de
participação, já que era um meio instrumentalizado pelas classes dominantes.
No caso do Brasil, conforme Angela de Castro Gomes, essa negação tinha
como um dos seus objetivos afastar possibilidades existentes de dissensões
internas, devido à heterogeneidade da classe trabalhadora na Primeira República
sob o ponto de vista da composição étnica e de nacionalidade.
11
Os métodos de luta
utilizados deveriam se basear na “ação direta” dos trabalhadores por progressivas
conquistas econômicas e o melhor instrumento para isso eram os sindicatos, vistos
como os embriões da sociedade do futuro, na qual os próprios trabalhadores
dirigiriam todo o processo produtivo após a abolição do aparato estatal, que nesse
novo cenário não seria mais necessário existir.
No entanto, apesar de se autoproclamarem apolíticos, suas ações inseriam-se
no interior do campo do político, ainda que não passassem pela instância de um
partido. Ou seja, eles não tinham ação político-partidária, mas não deixavam de
10
Ibidem, p. 17.
11
GOMES, Angela de Castro. A invenção... Op. Cit., p. 88.
19
exercer uma ação política. Um sindicato, mesmo que revolucionário, era um
organismo de reivindicações da classe trabalhadora por melhores condições
econômicas e dessa forma ele estava inserido no que se refere à administração
pública do social; da mesma maneira, a greve geral, era vista pelo sindicalismo
revolucionário como tática principal de luta na destruição do capitalismo e na
construção de uma nova sociedade. Portanto, todas essas ações se inserem em
uma esfera eminentemente política.
Na verdade, a negação da política era somente a de um determinado
significado atribuído ao conceito, vinculado exclusivamente à administração do
Estado capitalista, à disputa eleitoral e à prática partidária parlamentar, e não uma
negligência de um campo importante de atuação conforme a acusação de outras
correntes do movimento operário, notadamente os comunistas. Conforme Gomes:
“Os anarquistas defendiam outra estratégia de luta para a conquista
de uma nova identidade para os trabalhadores na sociedade. Nela a
idéia de política era redefinida, e é a partir dessa redefinição que as
questões dos interesses econômicos dos trabalhadores e de sua
participação podem ser entendidas”.
12
Os anarquistas afirmavam que os meios utilizados para a “ação direta” seriam
essencialmente sociais e econômicos, no entanto
“[...] a diferença entre meios socioeconômicos e políticos é, na
verdade, bem menos definida do que geralmente afirmam os
anarquistas, que uma greve geral com o objetivo de provocar
mudanças na estrutura política da sociedade — ou a dissolução
dessa estrutura é, na verdade, tal como Clausewitz disse sobre a
guerra, ação política executada através de outros meios”.
13
Os comunistas criticavam os anarquistas de serem negligentes com o político
por se recusarem a participar da disputa eleitoral e da prática partidária parlamentar.
Tal descaso teria como conseqüência o afastamento do operariado “do esforço de
construção de sua identidade coletiva, esforço este materializado em uma prática
contestatória cujo objetivo seria a luta política pela participação e tomada do poder”.
Além disso, por “carecerem de organização política-partidária e efetiva presença
12
Ibidem, p. 87.
13
WOODCOCK. George. História das idéias… Op. Cit., p. 34.
20
política, os anarquistas não se configurariam como forças adversárias significativas
para o governo”.
14
Mas, apesar de enfatizar a prática de uma ação política por parte dos
anarquistas, não quero reduzir as diferenças de ação existentes com as outras
vertentes do movimento operário, especialmente com os comunistas, apenas a essa
questão. Os comunistas vislumbravam na disputa eleitoral e na prática parlamentar
a possibilidade de participação em um espaço extremamente importante e que
poderia ser utilizado ao seu favor, apesar da dominação burguesa. O parlamento era
visto como um canal por onde os comunistas poderiam expressar sua doutrina
política abertamente e denunciar as mazelas produzidas pelo capitalismo.
Paralelamente a esse trabalho, iriam conquistando maior espaço político até o
momento em que tivessem condições de tomar o poder e instaurar a “ditadura do
proletariado” ou o “governo proletário”.
Um estudo sobre Partido Comunista merece alguns cuidados em sua
abordagem para não se incorrer em equívocos, até certo ponto, comuns de
acontecerem. Uma primeira preocupação, seria não confundir a atuação do Partido
com a do movimento operário e da classe como um todo, viés não incomum no
campo de análise sobre os partidos comunistas derivado em parte da falta de
densidade analítica dessas investigações.
15
O Partido Comunista pretende ser o representante, a vanguarda mais
consciente do que seria a real aspiração da classe operária (a edificação do
socialismo), a organização que se julga depositária e legatária desse movimento,
mas não deve ser tomado ingenuamente como a expressão de toda a classe
operária, uma vez que é apenas um elemento no interior de um leque político-social
complexo e diversificado. Embora, assim como as demais organizações do
movimento operário, o Partido Comunista seja uma expressão importantíssima e
contenha elementos da classe, não pode ser confundido com ela porque esta é
14
GOMES, Angela de Castro. A invenção... Op. Cit. p. 87.
15
Cf. GARCIA, Marco Aurélio. Contribuições... Op. Cit., p. 195. Ver também HOBSBAWM, Eric.
Mundos do trabalho. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. BATALHA, Cláudio. Vida associativa: Por
uma nova abordagem da história institucional nos estudos do movimento operário, Anos 90, Porto
Alegre, n.º 8, 1997.
21
constituída por outros componentes além do Partido. Se o compreendermos como
expressão da classe, estaríamos equivocadamente tomando o discurso comunista
como a expressão direta da realidade.
Portanto, a análise do Partido deve estar incorporada ao quadro social,
político, cultural e às relações com a classe e com o movimento operário, para não
se incorrer no erro de superestimar sua importância, segundo Eric J. Hobsbawm,
comum na historiografia sobre os partidos de esquerda.
16
Se nos esquecermos
desse cenário mais amplo e nos atermos ao discurso dos seus documentos,
poderemos acreditar que determinados aspectos tiveram maior repercussão na
dinâmica social do que efetivamente aconteceu.
Conforme aponta Cláudio Batalha,
“[...] sabemos que discurso e prática nem sempre caminham juntos,
na maioria das vezes não caminham juntos. Artigos teóricos em
jornais e muitas das resoluções de congressos têm uma função mais
didática e visam apontar para um objetivo, do que pretendem e uma
implementação prática imediata, são mais recomendações do que
resoluções. Mesmo nos casos em que uma expectativa de que a
recomendação seja seguida, pode haver uma considerável
discrepância entre discurso e prática [...]”
17
Além disso, um partido é o “lugar onde se opera a mediação política”, como
nos propõe Serge Berstein, pois a passagem da realidade vivida à expressão de um
discurso e um programa político não aparece como algo evidente:
“[...] A realidade vivida pertence à esfera do concreto cotidiano, o
campo do político à esfera do discurso e das representações
especulativas, e não existe passarela natural entre as duas. Quem
ousaria dizer, de fato, que o programa articulado por uma formação
política em resposta a um problema apresentado à sociedade seja a
expressão direta deste?”
18
No mesmo texto, o autor observa que, “entre um programa político e as
circunstâncias que o originaram, há sempre uma distância considerável, porque
16
HOBSBAWM, Eric. Mundos... Op. Cit., p. 19.
17
BATALHA, Cláudio. Vida associativa... Op. Cit. p. 93.
18
BERSTEIN, Serge. Os partidos. In: RÉMOND, René. Por uma história política. 2 ed. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2003, p. 60-61.
22
passamos então do domínio do concreto para o do discurso, que comporta uma
expressão das idéias e uma linguagem codificadas”.
19
Seria no espaço entre o
problema e o discurso que se situaria a mediação política de um partido. Portanto,
Berstein salienta que uma das tarefas do pesquisador dos partidos políticos é
“perceber essa distância, fundamental para a compreensão dos fenômenos
históricos, entre a realidade e o discurso”.
20
Um outro cuidado a ser tomado é a partir da constatação do Partido
Comunista não ser igual aos outros partidos políticos; este é um aspecto que o
pesquisador deve ter sempre em sua perspectiva. Quatro são os fatores que o
diferenciam de outras organizações. Primeiro, a atuação comunista não se resume à
disputa eleitoral, ao parlamento ou à vida institucional do Estado, mas durante boa
parte de seu percurso foi um membro constituinte de um movimento internacional
que exerceu um peso político-ideológico expressivo em vários países do planeta.
Segundo, o seu internacionalismo, ou seja, o sentimento de pertencimento a um
único “exército comunista internacional” era muito intenso o que, aliado ao fascínio
exercido pela revolução soviética, explica até certo ponto, a subordinação ao
bolchevismo, sobretudo na sua face mais obscura, no período stalinista. Terceiro, o
partido comunista se insere no movimento operário e sindical e em várias outras
frentes de atuação distintas e, no caso brasileiro, estas chegaram a ser em muitos
momentos os únicos meios de atuação política por conta do constante impedimento
de sua participação nos processos eleitorais. Por fim, a prática comunista abarca
toda a vida do indivíduo militante, inclusive constituindo o que poderia ser chamada
de uma “sub-sociedade comunista”, como observa Dulce Pandolfi,
21
na medida em
que os limites entre a militância e a vida privada em muitos momentos são muito
tênues e praticamente não existem, tamanha imersão do militante na estrutura
partidária.
19
Ibidem, p. 61.
20
Ibidem, p. 61. Para ver um outra concepção, ver: BRANDÃO, Gildo Marçal. A esquerda positiva: as
duas almas do Partido Comunista (1929-1964). São Paulo: HUCITEC, 1997, p. 23-24. Cf. CERRONI,
Umberto. Para una teoria del partido político. In: CERRONI, Umberto; MAGRI, Lucio; JOHNSTONE,
Monty (org.). Teoria marxista del partido político. México: PYP, Cuadernos del Pasado y Presente,
1978.
21
PANDOLFI, Dulce. Camaradas e companheiros: história e memória do PCB. Rio de Janeiro,
Relume-Dumará/Fundação Roberto Marinho, 1995, p. 38.
23
Mas todas essas considerações e cuidados apontados acima ficam
incompletos se não procurarmos compreender ao mesmo tempo a tamanha
abnegação com a qual os militantes comunistas construíram seus percursos,
característica fundamental de sua identidade política, sem a qual, como Hobsbawm
salientou, seria impossível compreender tanto as grandes realizações do
comunismo como as grandes perversões do stalinismo.
22
A identidade comunista
tem uma característica marcante: a visão extremamente cientificista, evolucionista e
teleológica da história, amparada no leninismo e que foi acentuada durante o
apogeu stalinista. Como acreditavam que o processo histórico rumava
inexoravelmente ao socialismo, os partidos comunistas somente deveriam guiar o
proletariado na rota dos seus “verdadeiros anseios históricos”. A crença na
inevitabilidade do socialismo seria como “água para o moinho” para construírem uma
prática de total abnegação com o Partido.
Em relação ao campo de estudos sobre o PCB, como a maior parte foi
produzida por militantes ou ex-militantes do Partido e, além disso, o tema está
impregnado de uma forte relação com o presente, estes trabalhos padeceram
freqüentemente de um processo de super-ideologização por parte dos seus autores.
Ou seja, muitos desses estudos foram redigidos na verdade para criticar ou justificar
certas posições adotadas pelo Partido no passado ou mesmo no presente.
Efetivamente, não passavam de “acertos de contas”, o que implicava graves
problemas analíticos, porque a análise era reduzida em função do que o Partido
deveria ter sido e não o que realmente foi,
23
tornando-se estudos desvinculados da
realidade.
A contribuição das pesquisas acadêmicas permitiu corrigir boa parte dessa
tendência. A postura com a qual o estudioso deve trabalhar é “avaliar o Partido
Comunista não em função de um dever ser, da ‘Revolução’ que ele não quis ou não
pode fazer, mas de examinar o papel que com maior ou menor consciência
desempenhou no processo real”.
24
Edward P. Thompson havia salientado que nós
não “deveríamos ter como único critério de julgamento o fato de as ações de um
22
HOBSBAWM, Eric. Revolucionários. 2 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985, p. 18.
23
BRANDÃO, Gildo Marçal. A esquerda positiva... Op. Cit., p. 31.
24
Ibidem, p. 31.
24
homem se justificarem, ou não, à luz da evolução posterior”.
25
Em outro texto de sua
autoria, sua observação enfatiza que
“[...] olhemos a história como história homens situados em
contextos reais (que eles não escolheram) e confrontados perante
forças incontornáveis com uma urgência esmagadora de relações e
deveres, dispondo, apenas, de uma oportunidade restrita para inserir
sua própria ação e não como um texto para fanfarronices do tipo
assim deveria ter sido”.
26
O impacto da produção militante repercutiu também de outra forma na
historiografia do movimento operário, utilizando termos retirados diretamente do
ambiente dos militantes como conceitos analíticos, carregados portanto de
subjetividade. Um dos mais conhecidos sem dúvida foi o “anarco-sindicalismo”,
confundido sistematicamente pela historiografia com o anarquismo. Tal conceito é
inapropriado e gerador de confusão, porque vincula automaticamente uma
concepção de prática sindical com uma corrente ideológica que atua nos sindicatos.
Edilene Toledo denomina sindicalismo revolucionário à concepção de prática
sindical que predominava em São Paulo, a qual
“[...] foi uma corrente política autônoma em relação ao anarquismo e
ao socialismo e se constituiu num movimento internacional que tinha
como base a defesa da luta de classes, da ação direta dos
trabalhadores, da autonomia operária e da neutralidade política do
sindicato. Esse projeto sindicalista revolucionário procurava conciliar
a luta cuja finalidade era obter melhorias para os trabalhadores a
curto prazo com a perspectiva a longo prazo da destruição do
capitalismo e da instauração de uma sociedade nova, gerida pelos
próprios trabalhadores”.
27
Embora haja semelhanças entre o movimento sindical de São Paulo com o do
Rio Grande do Sul e em algumas ocasiões alguns militantes mencionarem integrar o
sindicalismo, os mesmos indivíduos que eram predominantes no movimento sindical
gaúcho antes da ascensão comunista no final dos anos vinte se assumiam como
25
THOMPSON, Edward. A formação da classe operária inglesa. 3 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1997, p. 13.
26
THOMPSON, Edward. As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. Campinas: Editora da
Unicamp, 2002, p. 140.
27
TOLEDO, Edilene. Travessias revolucionárias: idéias e militantes sindicalistas em São Paulo e na
Itália (1890-1945). Campinas: Editora da Unicamp, 2005, p. 19. (grifos da autora).
25
anarquistas. Por isso, quando for feita referência a esses militantes será utilizado o
termo “anarquista”.
A mesma preocupação orientou a utilização do termo “socialista”, corrente de
pequena expressão durante todo o período analisado por este trabalho. Esta
definição será usada para não incorrer em apropriações ligeiras, como “social-
democrata”, termo recorrente na Europa e que denominava vários partidos políticos,
mas que quase o era utilizado pelos militantes que se assumiam como socialistas
no Rio Grande do Sul. Portanto, poderia não estar sendo preciso caso empregasse
“social-democracia”, como também não seria se aplicasse “amarelo” ou “reformista”,
pois são termos pejorativos criados por seus adversários no ambiente de luta com
objetivo de detratá-los.
Em relação ao tema da dissertação, como ele aborda, parafraseando Edward
P. Thompson, a ação de um partido político em seu próprio fazer-se e como é
composto, obviamente, por atores sociais, a origem das escolhas políticas e os
processos de tomada de decisão por estes mesmos atores assumem um papel
relevante na análise, pois elas não são como um espelho reflexivo das instâncias
econômicas e sociais, sofrem mediações e possuem uma relativa autonomia. Sobre
isso, Rémond salienta:
“[...] uma conclusão que se impõe ao cabo de múltiplas pesquisas
realizadas durante meio século sobre a origem das opiniões, das
convicções e das crenças: não existe uma relação única de
causalidade simples entre a situação, a posição, o status dos
indivíduos e aquilo em que acreditam, a causa a que aderem e pela
qual, eventualmente, dariam espontaneamente até a própria
existência”.
28
Isso traz conseqüências para a redação do trabalho, como a necessidade de,
em vários momentos, se recorrer a uma estratégia descritiva, de modo que seja
possível salientar os elementos para verificar e compreender como foram operadas
essas escolhas e decisões políticas, e não apenas o seu “resultado”, ou seja,
observar como o PCB procurou se inserir e mobilizar a classe trabalhadora gaúcha.
28
RÉMOND, René. Por que a história política? Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 7, n. 13, 1994.
26
No que se refere às fontes, foram utilizados principalmente os jornais e em
menor número correspondências entre militantes e documentos partidários oficiais.
Em relação ao primeiro conjunto, uma vinculação com a cronologia delimitada,
conforme indiquei antes, uma vez que no início do ano de 1927, iniciou-se a
publicação na imprensa gaúcha de matérias referentes à atuação do Partido
Comunista do Brasil (que pôde atuar livremente devido ao período de legalidade de
janeiro a agosto daquele ano) e, a partir de 1928, das atividades do Bloco Operário e
Camponês, que, como veremos, era uma frente única destinada a unificar
trabalhadores urbanos e rurais em uma legenda eleitoral durante a clandestinidade
dos comunistas, estando disponibilizadas, dessa forma, fontes valiosas para o
desenvolvimento da pesquisa.
Cabem algumas considerações quanto à utilização dos jornais, os quais são
as fontes mais abundantes de meu trabalho e por isso a base de sustentação
empírica da pesquisa. Primeiramente, quero salientar as qualidades desse tipo de
fonte. A primeira delas é o fato mencionado de ser a de natureza mais numerosa
para meu objeto. As fontes produzidas pelos próprios membros do PCB além de
estarem dispersas, muitas de difícil acesso,
29
uma grande parte se perdeu ao longo
do tempo, por conta da constante repressão e da clandestinidade da organização.
Os jornais operários, utilizados em menor quantidade na pesquisa, são
extremamente valiosos, pois sendo um “material bruto produzido no próprio meio
operário, eles o ricos em conteúdo teórico e permitem ao pesquisador uma
radiografia do seu processo de conscientização e organização”.
30
Em relação aos
jornais da grande imprensa, ainda que sua tendência política interfira no conteúdo
da notícias, criando várias interpretações possíveis para um mesmo
29
Provavelmente o local com maior quantidade de fontes sobre o PCB seja o Arquivo do Estado
Russo de História Social e Política, em Moscou, onde está depositada a documentação proveniente
da Internacional Comunista. As cópias de uma parte minoritária desse material foram trazidas para o
Brasil e estão alocadas no Arquivo Edgar Leuenroth da Unicamp, em Campinas, e no Centro de
Documentação e Memória da Unesp, em São Paulo.
30
CARDOSO, Alcina e ARAÚJO, Silvia. Jornais operários metodologia para análise histórica do
discurso operário na Primeira República. História: Questões & Debates, Curitiba, 4(6), jun., 1983, p.
100.
27
acontecimento,
31
isso não os descaracteriza como um importante meio de
informação para a história da Primeira República, como salienta Maria Helena
Capelato.
32
No entanto, creio ser necessário prevenir o leitor quanto a algumas questões.
O pesquisador deve lembrar que
“[...] em se tratando de jornais operários, eles são dirigidos por
alguns militantes que têm como objetivo ‘despertar a consciência da
classe’, ‘sacudir os companheiros do torpor em que se acham
imersos’ e não podem ser tomados mecanicamente como ‘expressão
da classe’. Sua própria circulação entre os operários é discutível. De
qualquer forma, e com esta advertência, é a fonte mais rica com que
contamos para a pesquisa [da história operária]”.
33
Outra questão a observar, sobretudo ao se utilizar dos jornais da “grande
imprensa”, é que em muitos casos eles estão ligados diretamente a alguma corrente
política local e, portanto, têm funções doutrinárias similares aos jornais operários.
Dessa forma, não devem ser vistos como expressão direta da realidade, assim como
nenhuma fonte.
Os periódicos da “grande imprensa” utilizados na pesquisa foram: de Porto
Alegre, Diário de Notícias, Correio do Povo e A Federação; de Pelotas, Opinião
Pública, O Libertador, Diário Popular e Correio Mercantil; de Rio Grande, A Lucta, O
Tempo, Rio Grande e Echo do Sul; de Caxias do Sul, Caxias e O Popular; de
Santana do Livramento, O Republicano; de Jaguarão, O Liberal; de Passo Fundo, O
Nacional; de Viamão, O Viamonense. Os jornais de extração operária usados na
pesquisa todos de Porto Alegre — foram: A Luta (anarquista), O Povo (socialista)
e O Sindicalista (anarquista). Em relação aos periódicos comunistas, foram
utilizados: A Voz Comunista, de Santana do Livramento; Martelo e Foice Hammer
31
Cf. ELMIR, Cláudio Pereira. As armadilhas do jornal: algumas considerações metodológicas de
seu uso para a pesquisa histórica. Cadernos de Estudos do PPG em História (UFRGS), Porto Alegre,
v. 13, p. 19-29, 1995.
32
CAPELATO, Maria Helena. Imprensa na República: uma instituição pública e privada. In: SILVA,
Fernando Teixeira da; NAXARA, Márcia; CAMILOTTI, Virgínia. (Orgs.). República, liberalismo,
cidadania. Piracicaba, SP: UNIMEP, 2003, p. 139.
33
PETERSEN, Silvia. “Que a união operária... Op. Cit., p. 20-21.
28
und Sichel, de Porto Alegre; A Classe Operária (jornal oficial do Partido) e A Folha
da Discussão, do Rio de Janeiro.
Afora os jornais, também foram utilizados materiais produzidos pelos próprios
militantes, sobretudo correspondências e documentos oficiais do PCB, emanados
dos órgãos diretivos nacional e regional. A importância da correspondência é trazer
à tona questões “subterrâneas” do cotidiano partidário que não aparecem nos
registros oficiais (suas teses, por exemplo), muito menos na imprensa: divergências
pessoais e políticas, ressentimentos e questões diversas são algumas das leituras
que podem ser feitas com esse tipo de fonte.
Em relação à documentação oficial do Partido (teses, relatórios, estatutos), ela
evidencia a compreensão da realidade que ditava a linha política da organização
que deveria ser aplicada por todos os seus núcleos e, além disso, ela mostra os
acertos, os percalços e os limites na implementação das tarefas a que se
propuseram. São fontes que se tornam importantes em virtude da organização
disciplinada e centralizada como é a comunista. Por outro lado, especialmente em
se tratando de teses e diretrizes políticas, possibilitam perceber como foi a aplicação
efetiva das orientações pelos comitês regionais e municipais: se seguida
disciplinadamente, com ressalvas ou com total resistência, podendo-se descobrir
tendências divergentes e disputas de opiniões no interior do Partido.
Quanto às obras que foram produzidas sobre o PCB e os comunistas, tal
produção bibliográfica pode ser dividida, de um modo muito geral, em duas
tendências principais: a produção militante e os trabalhos realizados no interior do
ambiente acadêmico.
Os primeiros trabalhos sobre o PCB foram escritos por militantes ou ex-
militantes comunistas ou por indivíduos com alguma espécie de vínculo com a
esquerda, e podem ser subdivididos, em histórias de “corte” ou “inaugurais”, das
efemérides e as memórias individuais.
34
O primeiro tipo são aquelas obras
34
Sigo a classificação criada por BATALHA, Cláudio. A historiografia da classe operária no Brasil:
trajetória e tendências. In: FREITAS, Marcos Cezar. Historiografia brasileira em perspectiva. 5 ed.
São Paulo: Contexto, 2003, p. 147., a qual se aproxima de ANDERSON, Perry. La historia de los
29
produzidas sobretudo entre as décadas de 50 e 70, as quais veriam na fundação do
“partido da classe operária” uma ruptura por parte do proletariado com a tradição
anterior do “anarco-sindicalismo”, no sentido de inaugurar uma nova etapa da
formação da classe, na qual esta estaria atingindo plena consciência de seus
anseios históricos. Os livros de Astrogildo Pereira
35
e Nelson Werneck Sodré
36
podem ser incluídos nesta classificação. Aliás, o último tinha a incumbência dada
pela direção do Partido Comunista, do qual fazia parte, de escrever a história da
organização. São estes os trabalhos que mais se aproximaram de uma história
oficial.
O segundo tipo é o das efemérides, obras que se detiveram ao mero
arrolamento de greves, congressos, lutas político-ideológicas que fizeram parte da
história do movimento operário. O trabalho de Hermínio Linhares pode ser incluído
aqui.
37
O terceiro tipo são as memórias individuais. Geralmente apresentam um
saudosismo da época de atuação partidária, enaltecendo um passado glorificado
pelas lutas comunistas,
38
ou expressam suas desilusões com o Partido.
39
Porém, por
outro lado, são obras que trazem um conjunto de informações valiosas, tanto as
ligadas ao cotidiano dos militantes quanto aquelas procedentes de documentos
citados ou transcritos, em geral já inexistentes na sua forma original, por isso mesmo
importantes para o pesquisador. Apesar da subdivisão, freqüentemente as obras
apresentavam características de ambas as modalidades.
partidos comunistas. In: SAMUEL, Raphael (org.). Historia popular y teoria socialista. Barcelona:
Grijalbo, 1984. Pelas características da historiografia européia sobre o comunismo apresentadas por
Anderson, se percebem aspectos similares as do Brasil.
35
PEREIRA, Astrogildo. Ensaios históricos e políticos. São Paulo: Alfa-Ômega, 1979.
36
SODRÉ, Nelson Werneck. Contribuição à história do PCB. Temas de Ciências Humanas. n.º 8 e 9,
São Paulo, Ed. Ciências Humanas, 1980.
37
LINHARES, Hermínio. Contribuição à história das lutas operárias no Brasil.o Paulo: Alfa-Ômega,
1977.
38
Como exemplos poderiam ser destacados os trabalhos de MARTINS, Eloy. Um depoimento
político. Porto Alegre: Edição do Autor, 1989. LIMA, Heitor Ferreira. Caminhos percorridos. São
Paulo: Brasiliense, Arquivo de História Social Edgar Leuenroth, 1982.
39
BASBAUM, Leôncio. Uma vida em seis tempos. 2 ed. São Paulo: Editora Alfa-Ômega, 1978.
30
Quando as pesquisas sobre o PCB passaram a fazer parte dos estudos
universitários,
40
parcela significativa das tendências apresentadas pela produção
militante foram modificadas, conforme foi comentado. Os trabalhos oriundos do
ambiente acadêmico apresentam variações teórico-metodológicas significativas,
embora praticamente todos tenham sido tributários em alguma medida do
materialismo histórico.
Neste conjunto de estudos, alguns temas foram discutidos de modo exaustivo.
Provavelmente o mais debatido foi o da influência estrangeira que o PCB recebeu
por parte da Internacional Comunista. A idéia de que o Partido fora conduzido
exclusivamente pelas orientações da IC, principalmente, a partir do seu VI
Congresso, em 1928, foi enfatizada por vários autores.
41
Uma posição antagônica a
essa defende uma atuação autônoma do Partido diante das diretrizes internacionais,
não recebendo influxos estrangeiros tão determinantes quanto foi destacado,
42
indicando com isso, uma ação eminentemente nacional por parte dos comunistas.
Além destes dois posicionamentos um intermediário, o qual procurava conciliar
as duas posições, captando o que cada uma tinha de mais consistente: os militantes
comunistas brasileiros estavam convergindo às orientações estrangeiras e o
organismo responsável pelos excessos de autoritarismo não era tanto a IC, mas o
seu entreposto na América Latina, o Secretariado Sul-Americano da Internacional
Comunista.
43
Embora não entre na polêmica, de um modo geral cada uma das três
posições têm uma parcela de razão, muitos trabalhos em que a qualidade de
40
Um dos primeiros trabalhos é o de PINHEIRO, Paulo Sérgio. Política e trabalho no Brasil. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1975.
41
PINHEIRO, Paulo Sérgio. Estratégias da ilusão. A revolução mundial e o Brasil 1922-1935. 2 ed.
São Paulo: Companhia das Letras, 1991. Do mesmo autor: O proletariado industrial na Primeira
República. O Brasil Republicano. Sociedade e Instituições (1889-1930). História Geral Civilização
Brasileira, Tomo 2, Vol. 9, São Paulo, Difel, 1977. E ainda: Política e trabalho no Brasil. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1975. ANTUNES, Ricardo. Classe operária, sindicatos e partido no Brasil. São
Paulo: Cortez, 1982. Do autor: Os comunistas no Brasil: as repercussões do VI Congresso da
Internacional Comunista e a primeira inflexão stalinista no Partido Comunista do Brasil (PCB).
Cadernos AEL. Campinas, n.º 2, p. 11-34, 1995. CHILCOTE, Ronald. Partido Comunista Brasileiro:
conflito e integração. Rio de Janeiro: Graal, 1982.
42
ZAIDAN, Michel. Comunistas em céu aberto 1922 - 1930. Belo Horizonte: Oficina de Livros, 1989.
Do mesmo autor: PCB (1922-1929): Na busca das origens de um marxismo nacional. São Paulo:
Global, 1985.
43
QUARTIM DE MORAES, J. Defende que houve uma convergência espontânea do pensamento de
Octávio Brandão, a quem considera o expoente do percurso teórico do PCB, com o pensamento de
Stalin. A influência do leninismo de Stálin no comunismo brasileiro. In: MORAES, João Quartim de;
REIS FILHO, Daniel Aarão (orgs.). História do marxismo no Brasil.vol. I, 2 Ed. Campinas: Editora da
UNICAMP, 2003. Conferir também CARONE, Edgard. Classes sociais e movimento operário. São
Paulo: Ed. Ática, 1989.
31
pesquisa empírica é indiscutível, inclusive, embrenhando-se em arquivos
estrangeiros, antes nunca visitados. Portanto, o obras que não podem ser
meramente descartadas.
No início dos anos oitenta, surgiria uma vertente na historiografia,
desenvolvida na Unicamp, que apontava para a existência de um período no final da
década de vinte em que vários projetos revolucionários disputavam a hegemonia do
processo político brasileiro. Nessa disputa, o Bloco Operário e Camponês, criado
pelo PCB, aparecia como o representante legítimo da classe operária e devido à sua
expressiva participação nesse processo foi reprimido violentamente pelas elites
dominantes.
44
Opinião extremamente polêmica, por superdimensionar o papel da
classe operária e do BOC na luta política daquele momento como agentes
revolucionários que estariam em igualdade de condições com os partidos da elite
dominante, e a importância do Bloco como representante da classe e não apenas de
uma parcela dos trabalhadores organizados. Entretanto, Marco Aurélio Garcia, ao
fazer um balanço historiográfico sobre a esquerda, constatou que as pequenas
dimensões do Partido e a manutenção de laços problemáticos com o movimento
operário são idéias predominantes, ou seja, são poucos autores que compartilham
das opiniões desenvolvidas por aquele grupo da Unicamp.
45
Também nos anos oitenta surgiram outros dois importantes trabalhos sobre o
PCB. O americano Ronald Chilcote analisou a atuação do Partido procurando
demonstrar as conseqüências da organização para a ação político-partidária
comunista.
46
Leôncio Martins Rodrigues examinou o peso da base social dos
militantes, principalmente os da direção partidária, na condução da rota política do
organismo.
47
44
DE DECCA. Edgar. O silêncio dos vencidos... Op. Cit. TRONCA, Ítalo. Revolução de 1930: A
dominação oculta. edição. São Paulo: Brasiliense, 1993. MUNAKATA, Kazumi. Algumas cenas
brasileiras. Campinas: Unicamp, 1982 (dissertação de mestrado em História).
45
GARCIA, Marco Aurélio. Contribuições... Op. Cit., p. 215.
46
CHILCOTE, Ronald. Partido Comunista Brasileiro... Op. Cit.
47
RODRIGUES, Leôncio M. O PCB: Os dirigentes e a organização. O Brasil Republicano. História
Geral Civilização Brasileira, Tomo 3, Vol. 3, São Paulo, Difel, 1981.
32
Gostaria de salientar ainda um outro tipo de bibliografia, as antologias,
48
que
de alguma maneira suprem a árdua tarefa de compilar documentos sobre a história
operária em suas mais variadas facetas, assim como indicar o paradeiro e trazer
informações sobre fontes jornalísticas produzidas pelos próprios trabalhadores,
49
são trabalhos muito salutares para nosso ofício, pois facilitam a atividade do
pesquisador ao disponibilizar o acesso à documentação, muitas vezes
extremamente rara e de difícil contato, a qual pode sugerir caminhos a serem
trilhados para responder as respostas suscitadas sobre o assunto, ou ainda, levantar
questionamentos a serem transformados em novas pesquisas.
A produção acadêmica sobre o Partido Comunista e o movimento operário, de
forma mais geral, não vinha atravessando bons momentos. Assunto fora de moda
era deixado de lado pela historiografia em proveito de outras preferências analíticas
que privilegiavam o estudo da classe e dos trabalhadores ao invés do movimento e
de suas instituições. Entretanto, contrariando a tendência nacional, foi publicada
pela editora da Unicamp uma compilação de artigos sobre o percurso do PCB, do
marxismo e da esquerda. Com uma gama variada de pesquisadores. A História do
marxismo no Brasil (cinco volumes),
50
cujo lançamento do primeiro número ocorreu
em 1991, foi resultado de um seminário realizado na Unicamp sobre comunistas e
inspirada na História do Marxismo organizada por Eric Hobsbawm, uma iniciativa
importante cujo impacto parece ter repercutido na historiografia como uma espécie
de “divisor de águas”, já que após a publicação de seus primeiros volumes a
quantidade de trabalhos sobre o PCB e os comunistas no Brasil aumentou. Outra
publicação recente que merece destaque é Corações Vermelhos,
51
também
resultante de um seminário, intitulado 80 Anos do Movimento Comunista no Brasil,
realizado na Unesp em 2002.
48
CARONE, Edgard. O movimento operário no Brasil (1877-1944). São Paulo: Difel, 1984. Também
de Carone: O PCB I (1922-1943). São Paulo: Difel, 1982. PETERSEN, S. e LUCAS, E. Antologia...
Op. Cit. PINHEIRO, Paulo S. e HALL, Michael. A classe operária no Brasil. 1889-1930. O movimento
operário. São Paulo: Alfa-Ômega, v.1, 1979.
49
MARÇAL, João B. A imprensa operária do Rio Grande do Sul (1873-1974). Porto Alegre: Edição do
autor, 2004. PETERSEN, Silvia. Guia para o estudo da imprensa periódica dos trabalhadores do Rio
Grande do Sul (1874-1940). Porto Alegre: Editora da Universidade /UFRGS/FAPERGS, 1989.
50
Há a previsão do lançamento de um sexto volume em breve.
51
MAZZEO, Antonio Carlos e LAGOA, Maria Izabel (orgs.). Corações vermelhos: os comunistas
brasileiros no século XX. São Paulo: Cortez, 2003.
33
Assim, nos anos noventa, os estudos tratando dos comunistas foram
retomados pela historiografia, os quais de maneira geral trazem novas
preocupações e novas formas de encarar a temática, expressando as recentes
tendências teóricas em curso. As problemáticas enfocando aspectos da cultura, do
cotidiano e da memória predominam: processos de construção identitária dos
militantes, a moral comunista, mitos conformando a militância e o discurso
anticomunista são alguns dos temas abordados atualmente.
52
Além dessas
abordagens, mais voltadas ao âmbito cultural, também vêm sendo produzidos, mas
em menor quantidade, artigos, dissertações e teses, publicados ou não, que fazem
da perspectiva organizacional do movimento operário e sindical um importante
objeto de análise.
53
No Rio Grande do Sul, ao contrário da tendência nacional, estudos sobre o
movimento operário são freqüentes e vêm crescendo o número de pesquisadores a
abordarem a temática. No entanto, existe uma pequena quantidade de trabalhos
específicos sobre o PCB,
54
os centrados na década de vinte são quase inexistentes
e, na maior parte dos casos, a abordagem sobre o Partido coloca-se lateralmente à
análise de outros temas, não sendo a problemática principal.
55
Portanto, o trabalho
52
SALES, Jean Rodrigues. O PCdoB conta a sua história: tradição, memória e identidade política.
Diálogos, DHI/UEM, v. 6, p. 155-171, 2002. PANDOLFI, Dulce. Camaradas e companheiros... Op. Cit.
NEVES, Lucília de Almeida. A voz dos militantes: o ideal de solidariedade como fundamento da
identidade comunista. Locus: Revista de História. Juiz de Fora, vol. 4, n. 1. p. 53-64, 1998. MOTTA,
Rodrigo Patto Sá. O PCB e a moral comunista. Locus: revista de história, Juiz de Fora, vol. 3. N. 1, p.
69-83, 1997. FERREIRA, Jorge. Prisioneiros do mito: cultura e imaginário político dos comunistas no
Brasil (1930-1956). Niterói: EdUFF: Rio de Janeiro: MAUAD, 2002.
53
a título de exemplos. MAZZEO, Antonio Carlos. Sinfonia inacabada: a política dos comunistas
no Brasil. Marília: Unesp-Marília-Publicações; São Paulo: Boitempo, 1999. SANTANA, Marco Aurélio.
Homens partidos: comunistas e sindicatos no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2001. SILVA, Angelo
José. Comunistas e trotskistas: a crítica operária à Revolução de 1930. Curitiba: Moinho do Verbo,
2002. KAREPOVS, Dainis. A esquerda e o parlamento no Brasil... Op. Cit. ZIMBARG, Luís Alberto.
O cidadão armado: comunismo e tenentismo (1927 1945). Franca: Unesp, 2001. (Dissertação de
mestrado em História).
54
Entre os quais destaco: GARCIA, Eliane. A ação legal de um partido ilegal: o trabalho de massa
das frentes intelectual e feminina do PCB no Rio Grande do Sul (1947-1960). Porto Alegre: UFRGS,
1999. (Dissertação de mestrado em História). KONRAD, Diorge Alceno. 1935: A Aliança Nacional
Libertadora no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: PUC-RS, 1994. (Dissertação de mestrado em
História). MARÇAL, João Batista. Comunistas gaúchos. Porto Alegre: Tchê, 1986.
55
Como é o caso de LONER, Beatriz. Construção de classe. Operários de Pelotas e Rio Grande
(1888-1930). Ed. Universitária, Unitrabalho, 2001. Fruto de sua tese de doutorado, a autora abordou o
PCB em Pelotas e Rio Grande, mas no interior de uma perspectiva analítica e temporal mais ampla,
cuja preocupação central era analisar o processo de formação de classe dos trabalhadores. O
trabalho de FORTES, Alexandre. Nós do Quarto Distrito...: a classe trabalhadora porto-alegrense e a
Era Vargas. Caxias do Sul, RS: Educs; Rio de Janeiro: Garamond, 2004 analisa o processo de
desenvolvimento da cidadania dos trabalhadores do Bairro Navegantes em Porto Alegre e o PCB
34
que desenvolvi de certo modo é pioneiro, pois desbravou um campo praticamente
intocado pelos pesquisadores acadêmicos. Isso trouxe dificuldades significativas
para a pesquisa, uma vez que grande parte da documentação utilizada era
praticamente desconhecida. Aliás, desde a época em que estava realizando a
pesquisa para minha monografia de graduação venho tentando descortinar fontes
sobre a história do PCB no Rio Grande do Sul, por isso visitei vários arquivos no
estado e procurei consultar documentos, ainda que a princípio o parecessem ser
frutíferos para a investigação.
Para finalizar esta introdução, de maneira sucinta é apresentado o conteúdo
dos quatro capítulos da dissertação, antecipando ao leitor a forma como ela foi
estruturada a fim de atingir seus objetivos.
O primeiro, O Partido Comunista do Brasil no cenário nacional e seus
“primeiros passosno Rio Grande do Sul, propõe contextualizar as origens do
comunismo no Brasil e no Rio Grande do Sul em sua relação com o contexto social,
político, econômico e cultural do país e destacar as experiências iniciais de atuação
comunista no movimento operário e sindical gaúcho. Seu objetivo é oferecer ao leitor
elementos para entender as questões que surgirão no final dos anos vinte, e que
constituem a temática da dissertação.
O segundo, A lenta e difícil organização comunista no Rio Grande do Sul,
verifica o processo de organização do PCB no estado quando este readquire o
estatuto de partido legal em 1927, pautado pelas fragilidades, divergências internas
e pelas dificuldades em se afirmar como referência no movimento operário do
estado, que contava com uma presença muito forte dos anarquistas, refletindo
inclusive na própria intervenção política dos comunistas. Esse capítulo também
examina a grande dificuldade inicial de consolidação do BOC quando o Partido
retorna à sua condição ilegal ainda em 1927.
entra como um dos elementos constituintes desse processo. Silvia Petersen redigiu um relatório de
pesquisa não publicado no qual fez um panorama do movimento operário gaúcho nos anos vinte,
com o objetivo de que servisse como uma referência contextual para objetos de pesquisa com
temáticas mais específicas. Nesse trabalho, embora o PCB tenha um peso importante, o foco da
autora não é exclusivamente sobre ele. PETERSEN, Silvia. Da ação direta à disciplina do partido:
percursos do movimento operário gaúcho nos anos 20. Relatório de pesquisa para o CNPq. Porto
Alegre. mímeo. (inédito), 2000.
35
O terceiro, O BOC, a CRT e as demais frentes de atuação comunistas:
trajetórias do movimento comunista gaúcho, examina a ascensão experimentada
pelos comunistas no movimento operário e sindical do Rio Grande do Sul, com a
criação e reorganização de vários sindicatos, federações sindicais e associações
políticas.
O quarto, Declínio e desorganização comunista: agitação extremada e
repressão policial, analisa o aumento do tom revolucionário do discurso e das
ações comunistas, que intensificaram as atividades de agitação operária. Também
são examinadas as condições de surgimento da repressão policial sobre os
membros do BOC e do PCB e o seu peso na perda total de visibilidade dos
comunistas no Rio Grande do Sul em 1930.
A dissertação apresenta na parte final, além de algumas conclusões, a
bibliografia e as fontes da pesquisa, anexos que possibilitam ao leitor conhecer uma
pequena parte da documentação consultada para a produção deste trabalho.
1. O PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL E SEUS “PRIMEIROS
PASSOS” NO RIO GRANDE DO SUL
Para o leitor, pode parecer estranho que uma dissertação centrada
cronologicamente nos anos entre 1927 e 1930 inicie com um capítulo que trata de
caracterizar os “primeiros passos” da inserção do comunismo no Rio Grande do Sul.
No entanto, este capítulo de contextualização do tema, embora genérico pareceu
indispensável para que o leitor possa posteriormente entender questões que
surgirão no final dos anos vinte e cujas raízes estão plantadas no mínimo desde a
segunda década do século XX.
1.1 O movimento operário, os efeitos da Revolução de 1917 e as
primeiras tentativas de inserção do comunismo no movimento operário
gaúcho
Desde os primeiros anos da República, os trabalhadores no Brasil construíram
várias associações e organismos de luta por suas reivindicações, como sindicatos,
uniões, federações e partidos. Entretanto, não caberia aqui um exame detalhado e
minucioso do percurso das instituições e lutas desenvolvidas pelo movimento
operário porque se trata de uma contextualização extensa e foi realizada por
outros autores.
1
Contudo, antes de abordar meu objeto de pesquisa propriamente
dito o Partido Comunista do Brasil é preciso fazer uma incursão pelos
antecedentes do Partido no movimento operário e sindical, para que o leitor conheça
o cenário em que os comunistas irão atuar no país e no Rio Grande do Sul, o locus
de minha abordagem. No mesmo sentido seletivo, não me remeterei às origens do
movimento operário e sim aos meados da década de dez, período em que o
movimento, como veremos a seguir, passa a ter implicações mais importantes em
relação ao surgimento do futuro PCB. Esta contextualização será extremamente
1
Entre eles destaco: BATALHA, Cláudio H. M. O movimento operário na Primeira República. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000. GOMES, Angela de Castro. A invenção do trabalhismo. 3 ed. Rio de
Janeiro: Editora FGV, 2005.
37
genérica e, considerando a proposta da dissertação, focalizará principalmente a
linha das tendências ideológicas do movimento operário no período.
Na década de dez, duas correntes ideológicas, entre outras, disputavam o
controle da condução do movimento operário: os socialistas e os anarquistas. Os
socialistas provinham de uma tradição teórica próxima do marxismo. Embora tenham
tentado durante um longo tempo organizar um partido político, nunca conseguiram
ter unidade suficiente para criar um que fosse sólido e duradouro, predominando
organizações efêmeras e com abrangência meramente local. os anarquistas se
baseavam, do ponto-de-vista teórico, especialmente em Pedro Kropotkin e Enrico
Malatesta e professavam uma forte oposição a tudo que entendiam como opressão
aos indivíduos, fazendo, como observei, que fossem antiestatistas, anticlericais e
defendessem com veemência a não participação dos trabalhadores na política
partidária,
2
como foi indicado na introdução deste trabalho.
As principais razões para as divergências entre socialistas e anarquistas
estão, basicamente, em dois aspectos: primeiro, enquanto aqueles enfatizavam a
necessidade dos trabalhadores em momentos particulares da luta por suas
reivindicações obterem ganhos parciais ao invés de não conquistarem nada, os
anarquistas geralmente defendiam apenas a vitória total. Segundo, a divergência
sobre a participação na política partidária: ao passo que os socialistas preconizam a
criação de partidos operários, os anarquistas combatiam veementemente este tipo
de envolvimento.
Por causa dessas diferenças, socialistas e anarquistas divergiram em vários
movimentos e disputaram o controle de entidades, sendo que a partir de meados da
década de dez o anarquismo predominou. No Rio Grande do Sul a situação era
muito parecida, onde também as duas principais correntes ideológicas operárias
eram a socialista e a anarquista, com a disputa entre ambas muito acirrada. Mas,
para compreendermos melhor o cenário da disputa entre as duas vertentes,
devemos conhecer a um pouco da trajetória da Federação Operária do Rio Grande
do Sul (FORGS), que os dois grupos travaram muitas batalhas pelo controle da
2
BATALHA, Cláudio H. M. O movimento operário... Op. Cit., p. 21-24.
38
entidade, além dela ser a principal referência do movimento operário gaúcho na
Primeira República.
A fundação da Federação Operária do Rio Grande do Sul (FORGS) ocorreu
como produto de uma mobilização em Porto Alegre, em outubro de 1906, conhecida
como a “Greve dos 21 dias”, a primeira greve geral do estado.
3
O movimento foi
deflagrado inicialmente pelos marmoristas, reivindicando a jornada de trabalho de
oito horas, e se alastrou por outras categorias. Ao todo, mais de três mil
trabalhadores participaram do movimento, abrangendo várias empresas da capital.
4
Como a mobilização acabou adquirindo proporções inesperadas pelos
industriais, estes se reuniram e propuseram uma jornada de nove horas,
contraproposta aceita pela maior parte das categorias após muita negociação, ao
contrário dos marmoristas, que o aceitaram e acabaram conseguindo a redução
da jornada para oito horas.
5
Um dos principais líderes dessa greve foi o anarquista
Antônio Nalepinski, que em virtude de não conseguir emprego nas empresas de
Porto Alegre logo depois do encerramento do movimento grevista (como retaliação
ao seu envolvimento) saiu do estado, mas para onde posteriormente retornaria, não
se sabe com precisão a data, e participaria então de uma associação conduzida por
comunistas, conforme será visto adiante.
Em relação à FORGS, a entidade foi criada sob o predomínio dos socialistas,
e sua presidência estava nas mãos da principal liderança da corrente: Francisco
Xavier da Costa. Os anarquistas, que haviam criado uma série de sindicatos na
esteira da greve, divergiram quanto à decisão de aceitar a proposta dos patrões e
garantir ganhos parciais e não participaram da entidade, deixando o campo aberto
3
Sobre a “Greve dos 21 dias” ver: BILHÃO, Isabel Aparecida. Rivalidades e solidariedades no
movimento operário: Porto Alegre 1906-1911. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1999, p. 42. PETERSEN,
Silvia. “Que a união operária... Op. Cit., p 193. SCHMIDT, Benito Bisso. Em busca da terra da
promissão: a história de dois líderes socialistas. Porto Alegre: Palmarinca, 2004, p. 165. Também do
mesmo autor: De mármore e de flores: a primeira greve geral do Rio Grande do Sul (Porto Alegre,
outubro de 1906). Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 2005.
4
PETERSEN, Silvia. “Que a união operária ... Op. Cit., p. 194. A Luta, Porto Alegre, 13 de setembro
de 1906, p. 2. Apud PETERSEN, S.; LUCAS, E. Antologia... Op. Cit., p. 145.
5
Relatório da Federação Operária do Rio Grande do Sul, 1913. Apud PETERSEN, S. e LUCAS, E.
Antologia ... Op. Cit., p. 165.
39
para a atuação socialista.
6
Parece que os socialistas ligados a Xavier da Costa
detiveram o controle da FORGS por alguns anos, mas sempre com um embate
muito acirrado com o grupo anarquista, com quem se alternavam na direção do
organismo, embora seja difícil estabelecer o peso relativo das correntes nesse
período.
7
A despeito dessa dificuldade, é possível verificar que as disputas entre
anarquistas e socialistas foram permanentes nos anos posteriores à fundação da
FORGS, oscilando entre momentos em que era acirrada e outros em que as
divergências se amenizavam.
No final dos anos dez, especialmente no período entre 1917 e 1919, a
participação do Brasil na Primeira Guerra produziu um cenário de descontentamento
para a classe trabalhadora, com alto custo de vida e elevado índice de desemprego.
Os produtos de primeira necessidade tornaram-se raros no mercado e
conseqüentemente seus preços aumentaram por conta da exportação destas
mercadorias para os países beligerantes. Tal situação pôs os trabalhadores em
estado de permanente agitação, tanto nos grandes centros do país, como Rio de
Janeiro e São Paulo, quanto no Rio Grande do Sul, onde também o impacto dessa
crise foi sentido. Por conseguinte, uma série de poderosas greves abalou várias
cidades do país nesses anos, como São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, entre
outras.
Em julho de 1917, tal cenário refletia-se em Porto Alegre, onde havia uma
grande agitação por parte da classe trabalhadora em decorrência da diminuição dos
salários, do aumento do custo de vida e do crescimento do desemprego. Existia a
expectativa de parcela do movimento operário, principalmente dos anarquistas, de
ser deflagrado um movimento grevista porque a situação era propícia. Entretanto, a
direção da FORGS (não-anarquista) o pensava da mesma forma. A possibilidade
de fracasso e o receio de uma destruição posterior da entidade era o que produzia
essa posição antigreve.
6
BILHÃO, Isabel Aparecida. Rivalidades e solidariedades... Op. Cit., p. 65.
7
PETERSEN, Silvia. “Que a união operária... Op. Cit., p. 210.
40
Os anarquistas pregavam a greve e ocuparam praticamente toda a Liga de
Defesa Popular, que apesar de criada pela FORGS com o intuito de conduzir o
movimento, não contava com nenhum integrante da direção da entidade. Mas ao
não participar ativamente da Liga, a diretoria da FORGS demonstrava a intenção de
boicotar o movimento que estava sendo organizado.
O barbeiro libanês Abílio de Nequete, futuro fundador do PCB, pela primeira
vez destacava-se no movimento operário gaúcho devido à sua importante
participação. Nequete, ainda que atuasse com os anarquistas, tinha discordâncias
com o grupo, entre as quais também se incluíam questões religiosas, que era
adepto de uma concepção peculiar de espiritismo, ao contrário do ateísmo defendido
pelos anarquistas. Aliás, por conta dessa opção, a Revolução Russa o alegrou: “o
programa socialista de Lênin e a cessação da guerra pareciam ser o primeiro passo
para o desenvolvimento de suas idéias: ‘espiritismo sem religiosidade nem
charlatanismo’”.
8
Sobre a participação de Nequete no movimento operário, ele foi eleito para a
Liga de Defesa Popular, juntamente com Carlos Toffolo, com quem atuaria no futuro
na União Maximalista, como se observará depois, e redigiu artigos para o jornal da
Liga, A Época, utilizando o pseudônimo de “Máximo Evidente”. Além disso, não tinha
nenhum vínculo com a FORGS
“[...] de cuja orientação anarquista discordava, sua decidida posição
em defesa dos trabalhadores levou-o a participar do comício que
antecedeu a greve de 1917, em que pronunciou um discurso
recomendando prudência e a proclamação de greve geral”.
9
A mobilização liderada pela Liga de Defesa Popular resultou em uma greve,
iniciada em 31 de julho, que se generalizou rapidamente, deixando Porto Alegre
praticamente paralisada. Dois dias depois, a Liga foi recebida pelo Presidente do
Estado, Borges de Medeiros, o qual intercedeu em prol dos trabalhadores: elevou os
salários dos operários a serviço do estado e restringiu a exportação dos produtos de
primeira necessidade para que os preços baixassem. A maioria dos empresários
8
PETERSEN, Silvia. “Que a união operária... Op. Cit., p. 332.
9
Ibidem, p. 332.
41
atendeu as reivindicações dos grevistas, como orientara Medeiros, e o resultado foi
a vitória do movimento ao obter as principais reivindicações que fizera.
Em julho de 1918, a FORGS, a União Metalúrgica e a União Geral dos
Trabalhadores (constituída por anarquistas), se reuniram para preparar algum
protesto contra o aumento de preços dos produtos de primeira necessidade e como
resultado incitam a classe trabalhadora à greve. Um memorial foi enviado a Borges
de Medeiros contendo as reivindicações dos trabalhadores (baixa de 40% dos
preços dos gêneros de primeira necessidade; regulamentação das oito horas de
trabalho; liberdade dos operários canteiros que se achavam recolhidos à Casa de
Correção; lei de proteção de acidentes de trabalho; passagens de bonde de cem réis
para os operários), na esperança de repetir-se o apoio do Presidente do Estado ao
movimento grevista, como acontecera em 1917. Porém, dessa vez o governo do
estado não interferiu. Então, no dia 21 foi organizado um comício em frente à sede
da FORGS e ao final se decretou greve geral, que logo se alastrou por diversas
empresas de Porto Alegre. A Brigada Militar, no entanto, passou a ocupar algumas
empresas, intimidando o movimento. A tática acabou dando resultado e no dia 23 a
imprensa já noticiava o fim da greve, com o saldo de diversos operários presos.
A agitação operária se repete em 1919, quando houve a ocorrência de muitas
greves e em 25 de agosto iniciou a que viria a ser a principal greve do ano. Os
trabalhadores das fábricas de fiação e tecelagem, em virtude dos baixos salários e
da extensa jornada de trabalho, entraram em greve e rapidamente o movimento se
estendeu a outros setores. Entretanto, a situação que os trabalhadores enfrentaram
também foi diferente da greve de 1917, pois os patrões se organizaram e decidiram
não ceder a nenhuma reivindicação, indo até Borges de Medeiros solicitar
providências para o caso. Um forte aparato policial foi destacado para vigiar os
bairros operários e em um comício realizado pelos trabalhadores, no dia 7 de
setembro, grande contingente foi designado e dissolveu a manifestação com
violência. Vários operários foram feridos e um deles faleceu. Após estes incidentes,
o governo estadual decidiu fechar as associações da classe trabalhadora. Então, o
movimento não teve mais condições de prosseguir e a partir de 10 de setembro a
greve entrou em declínio, terminando derrotada ao não conseguir obter o
atendimento de nenhuma reivindicação.
42
Abílio de Nequete era uma referência importante no movimento operário
porto-alegrense, mas não participou de muitas greves em 1919 em virtude de ter
sido preso várias vezes, como na ocasião do comício de 7 de setembro. Porém,
neste mesmo s conseguira participar da greve dos metalúrgicos, conduzindo o
movimento, que durou dois meses, e conquistando muitos adeptos para a entidade
que criara: a União Maximalista, examinada posteriormente, organismo de
orientação comunista criado sob o influxo da Revolução Russa.
10
Afora essa participação na greve dos metalúrgicos, Nequete tinha planejado ir
a Pelotas e Rio Grande promover uma greve geral, o que acabou não acontecendo,
mas por acaso recebeu o semanário Documentos del Progreso de Buenos Aires e
Justicia do Uruguai. Algum tempo depois, através de um contato na Argentina,
começou a receber também o jornal La Internacional.
11
Nestes periódicos localizou
obras marxistas, ajudando a fortalecer sua argumentação contra o anarquismo, que
vinha enfrentando tendências desagregadoras após as greves, enquanto o trabalho
da União Maximalista era intensificado.
Retornando ao ano de 1917, ele também é marcado pela emergência de um
outro elemento de grande repercussão sobre o movimento operário: a Revolução
Russa. A tomada do poder pelos bolcheviques exerceu um impacto muito grande no
movimento operário em várias partes do mundo, assim como no caso particular do
Brasil e acabou conformando o movimento comunista internacional.
Um dos primeiros sinais da repercussão em solo nacional foi sua recepção
calorosa por parte de muitos anarquistas, porque achavam se tratar de um
movimento de caráter libertário. Havia se instalado uma confusão muito grande entre
os militantes brasileiros sobre o verdadeiro significado da Revolução, uma vez que a
imprensa brasileira não informava com exatidão o que estava acontecendo,
causando com isso muitas interpretações equivocadas.
10
Ibidem, p. 368.
11
Carta de Abílio de Nequete ao Comitê Executivo da Internacional Comunista. Montevidéu, de
fevereiro de 1921, p. 3. (RGASPI).
43
No Brasil, os bolcheviques eram chamados de maximalistas, porque se
acreditava ser a correta tradução de programa máximo, radical. Era desconhecida a
cisão do Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR), em 1903, em
bolcheviques (majoritários) e mencheviques (minoritários). Portanto, passou a ser
chamado de majoritário o grupo que obteve a vitória no congresso do POSDR, e não
por causa da defesa de um programa radical.
Para demonstrar como pensavam os anarquistas destaco o que Hélio Negro e
Edgard Leuenroth redigiram sobre o tema
“Este livro [O que é o maximismo ou bolchevismo Programa
Comunista] destina-se aos trabalhadores do Brasil, a fim de lhes
dizer o que é o bolchevismo ou marxismo e o comunismo que, numa
palavra — é o socialismo.
Bolche significa máximo e menche quer dizer mínimo, assim como
vique corresponde à nossa terminação ismo. Portanto; a tradução de
bolchevique é maximismo e a de menchevique é minimismo.
Maximistas são os adeptos do programa máximo do partido
socialista; minimistas são os partidários do programa mínimo”.
12
Na esteira da Revolução Russa de 1917, surgiram no Brasil várias
organizações que se diziam legatárias da revolução. No Rio Grande do Sul, que nos
interessa para este trabalho, em 1918, conforme Moniz Bandeira, o militante
anarquista Santos Soares criou a Liga Comunista de Livramento, em Santana do
Livramento, cidade fronteiriça com a Argentina, e lançou uma publicação. Embora a
polícia tenha invadido a sede, a Liga continuou existindo a 1922 e Soares se
tornaria mais tarde militante do PCB. Em Passo Fundo, surgiu o Centro Comunista,
no entanto, não maiores informações sobre sua fundação nem sobre sua
trajetória.
13
Em Rio Grande, existiu no interior da Liga Operária, em 1919, um Núcleo
Comunista, que da mesma forma que a União Comunista, existente no mesmo
período, era uma organização libertária.
Dessas organizações, a mais relevante do Rio Grande do Sul
indubitavelmente foi a União Maximalista, criada em Porto Alegre por Abílio de
12
BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. O ano vermelho: a Revolução Russa e seus reflexos no Brasil.
São Paulo: Expressão Popular, 2004, p. 204.
13
Ibidem, p. 206.
44
Nequete, em de novembro de 1918,
14
juntamente com Francisco Merino e Otávio
Hengist; em 1921, além desses, contava com outros integrantes: Narciso Mirandola,
o metalúrgico Carlos Toffolo, o judeu argentino Samuel Speisky, os judeus Marcos e
Isac e o português Magalhães.
15
Esta organização teve uma notável participação no
movimento operário gaúcho e contribuiu para a propagação de idéias contrárias ao
anarquismo. Abílio de Nequete, que havia sido importante na greve de 1917, em
Porto Alegre, exerceu um papel fundamental para a consolidação do movimento que
estava ajudando a construir (o comunismo), como se pode ver na ocasião do
Congresso Operário do Rio Grande do Sul, em 1920, no qual Nequete e Carlos
Toffolo tiveram atuação destacada. O peso da Revolução Russa influiu nas decisões
do Congresso, facilitando com isso as divergências entre os anarquistas.
Nequete, além de se transformar em uma referência de destaque no meio
operário de Porto Alegre, se tornaria mediante a União Maximalista (denominação
modificada depois para Grupo Comunista), um dos principais articuladores do
comunismo no país, conforme será visto adiante, em conjunto com Astrojildo
Pereira. Afora a disposição pessoal e o esforço em cumprir uma tarefa desse nível, a
proximidade do Rio Grande do Sul, local de domicílio de Nequete, com os países do
Prata (Argentina e Uruguai), onde havia partidos comunistas organizados, facilitou o
desempenho obtido pelo militante.
No restante do país, foram criados vários núcleos comunistas, como a União
Operária de Maio, em Cruzeiro, no estado de São Paulo. Hermógenes Silva, um
dos futuros fundadores do PCB em 1922, dirigia a entidade, que funcionou de 1917
a 1919. Outros futuros fundadores do PCB criaram em Recife um Círculo de Estudos
Marxistas (ou Sociais), juntamente com uma Universidade Popular, que funcionou
entre 1919 e 1920. Este grupo uniu-se com o de Antônio Bernardo Canellas, outro
futuro membro do Partido, e formaram o Grupo Comunista de Pernambuco, em
14
BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. O ano vermelho... Op. Cit., p. 485-490. PETERSEN, Silvia. “Que a
união operária... Op. Cit., p. 352-355.
15
uma pequena divergência em relação aos nomes dos companheiros de Nequete na fundação
da União Maximalista: Petersen menciona que foram Francisco Merino e Otávio Hengist; Leandro
Konder além de Hengist, fala em Carlos Toffolo. Ver: PETERSEN, Silvia. Da ação direta à disciplina
do partido... Op. Cit., p. 28. e KONDER, Leandro. A derrota da dialética: a recepção das ideáis de
Marx no Brasil, até o começo dos anos trinta. Rio de Janeiro: Campus, 1988, p. 130.
45
de janeiro de 1922.
16
Um pouco antes, em 7 de novembro de 1921, foi criado o
Grupo Comunista do Rio de Janeiro, composto por doze pessoas.
17
Em 1919, o
Grupo Comunista Zumbi de São Paulo foi criado por Afonso Schmidt, mas teve curta
e confusa trajetória. Há ainda grupos que foram formados em Niterói e Juiz de Fora,
no segundo semestre de 1921.
18
Conforme veremos, estes núcleos comunistas
terão papel importante para a posterior fundação do PCB, sendo que os mais
significativos foram o Grupo Comunista do Rio de Janeiro e o Grupo Comunista de
Porto Alegre, liderados por Astrojildo Pereira e Abílio de Nequete, respectivamente.
A confusão sobre o real significado da Revolução Russa de 1917 a que me
referi em parágrafos anteriores, produziu um fato inusitado: a formação de um
partido comunista anarquista no Rio de Janeiro. Este Partido Comunista do Brasil foi
fundado em 9 de março de 1919 e em sua breve trajetória realizou atos públicos e
atividades em sindicatos em efemérides operárias. Logo após sua fundação,
começou a preparar uma Conferência Nacional, que teve lugar no Rio de Janeiro,
em junho do mesmo ano, na qual um representante oriundo do Rio Grande do Sul
esteve presente; embora sejam desconhecidos detalhes sobre o delegado,
19
pode-
se supor se tratar de um membro da União Comunista de Rio Grande, a qual
mantinha laços com este partido comunista.
20
Ainda sobre este partido, dois de seus fundadores, Hélio Negro e Edgar
Leuenroth, redigiram em 1919 o “Programa Comunista”, incluída na brochura O que
é Maximismo ou Bolchevismo, que era uma tentativa de esboçar um programa para
o organismo recém-fundado. Segundo ele: “O regime vigente na Rússia é uma
organização de defesa e reconstrução, a caminho do almejado comunismo libertário,
que trará para todos a paz, o bem estar e a liberdade”.
21
Os objetivos precípuos do
16
Na reunião de fundação havia cerca de trinta pessoas e foi o maior núcleo comunista dentre todos.
DEL ROIO, Marcos. Os comunistas, a luta social e o marxismo (1920-1940). In: RIDENTI, Marcelo;
REIS FILHO, Daniel Aarão (orgs.). História do marxismo no Brasil. vol. V. Campinas: Editora da
UNICAMP, 2002, p. 22.
17
Ibidem, p. 22.
18
DEL ROIO, Marcos. O impacto da Revolução Russa e da Internacional Comunista no Brasil. In:
MORAES, João Quartim de; REIS FILHO, Daniel Aarão (orgs.). História do marxismo no Brasil. vol. I,
2 Ed. Campinas: Editora da UNICAMP, 2003, p. 88.
19
BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. O ano vermelho... Op. Cit., p. 218.
20
LONER, Beatriz Ana. Construção de classe... Op. Cit., p. 377.
21
BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. O ano vermelho... Op. Cit., p. 227.
46
partido seriam: “Promover a propaganda do comunismo libertário, assim como a
organização de núcleos comunistas em todo o país”.
22
No entanto, à medida que as notícias veiculadas pela imprensa a respeito do
verdadeiro caráter da Revolução Russa de 1917 foram se tornando mais claras, o
partido acabou perdendo sua razão de existência e se extinguiu.
A Revolução Russa também causou intensos debates sobre a rota a ser
adotada pelo movimento operário gaúcho, sobre a própria Revolução e provocou
muitas divisões entre os anarquistas, ocasionando um recuo na organização da
classe trabalhadora. Beatriz Ana Loner, por exemplo, salienta que, nos primeiros
anos da década de vinte, o movimento operário pelotense arrefeceu, com isso as
notícias sobre os sindicatos desapareceram da imprensa e as greves diminuíram de
intensidade. Também muitas das atividades organizadas pela Liga Operária e União
Operária priorizavam as festividades e o divertimento, como bailes ou quermesses,
em detrimento de outras com conteúdo mais político; até mesmo o teatro, outrora
muito utilizado como instrumento doutrinário, entrou em declínio. Loner aponta como
uma das causas para esse recuo a disputa entre os simpatizantes do bolchevismo
ou maximalismo e os fiéis ao anarquismo.
23
1.2 O PCB e o movimento operário gaúcho na primeira metade dos
anos vinte
O alvorecer dos anos vinte não ofereceu uma conjuntura favorável ao
movimento operário e sindical brasileiro. Após as grandes greves do período de
1917/1919, a repressão às associações, às atividades e às mobilizações da classe
trabalhadora se intensificou, embora neste mesmo período tenha iniciado a
discussão sobre leis trabalhistas.
Com a assinatura do Tratado de Versalhes pelo Brasil e a participação na
Conferência do Trabalho, realizada em Washington, que instituiu a Organização
22
PEREIRA, Astrojildo. Ensaios... Op. Cit., p. 69.
23
LONER, Beatriz Ana. Construção de classe... Op. Cit., p. 210.
47
Internacional do Trabalho (OIT), o governo se viu pressionado a legislar em prol da
classe trabalhadora, tendo em vista que ambas recomendavam uma nova forma de
tratamento a ser dispensado ao trabalhador. Logo, para não causar má-impressão a
estas instituições internacionais, deveria introduzir uma legislação que
regulamentasse o trabalho. Isso, somado à pressão da agitação operária, fez com
que o debate sobre leis sociais fosse intensificado no final da década de dez.
Todavia, ao mesmo tempo em que o debate sobre a legislação social se
intensificava, uma outra discussão sobre leis era encaminhada na Câmara: a de
repressão ao movimento operário, especialmente aos anarquistas. Os dois tipos de
legislação, a social e a repressiva, eram discutidos paralelamente pelos deputados.
Angela de Castro Gomes salienta serem dois tipos de experiências diferentes, mas
complementares de certa forma:
“[...] Uma delas era a necessidade de elaboração de uma legislação
regulamentadora do trabalho, que atingisse certos pontos
considerados mínimos e em torno dos quais havia uma certa
concordância, como nos casos do trabalho de menores e das
mulheres. A outra, era a importância de uma legislação repressiva ao
movimento operário, que funcionasse ao lado da atuação policial, até
então a mais importante no assunto.
24
O presidente Arthur Bernardes (1922-1926) iniciou seu mandato sob muita
contestação e em meio a uma grave crise política por conta do levante tenentista do
Forte de Copacabana. Governou sob ininterruptos decretos de estado de sítio e
intensificou a repressão às organizações dos trabalhadores. Por outro lado, foi
justamente durante o governo Bernardes que a legislação trabalhista teve um maior
impulso. Vários projetos foram discutidos na mara e importantes medidas foram
tomadas, como a Lei de Férias, aprovada em 1925 e regulamentada no ano
seguinte,
25
e o Código de Menores, de 1927.
Embora fossem sancionadas apenas leis isoladas do que era originalmente o
projeto de um conjunto bastante abrangente de uma legislação regulamentadora do
24
GOMES, Angela de Castro. Burguesia e trabalho: política e legislação social no Brasil 1917
1937. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1979, p. 90. Sobre legislação social ver também: VIANNA,
Werneck Luís. Liberalismo e sindicato no Brasil. 4 ed. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999.
25
Sem a sua devida regulamentação, qualquer lei não poderia entrar em vigor efetivamente.
48
trabalho, isso freava o ímpeto reivindicativo dos trabalhadores, ainda mais que a
conjuntura era de intensa repressão governamental. Conseqüentemente, o
movimento operário e sindical chegou à segunda metade da década imerso em um
grande refluxo, em que greves e outras demonstrações políticas e reivindicatórias
por parte da classe trabalhadora eram escassas.
26
Contudo, ao contrário do cenário de outros importantes centros, como Rio de
Janeiro e São Paulo, que experimentaram ausência de movimentos grevistas como
salientei acima, o ambiente de carestia dos produtos de primeira necessidade no Rio
Grande do Sul trouxe na sua esteira a realização de várias greves em 1921,
especialmente em Rio Grande e Santa Maria.
27
Nesse momento, os anarquistas iniciavam um lento declínio no país,
fenômeno que também se verifica no Rio Grande do Sul, embora mais lentamente,
permanecendo como uma notável referência para os militantes de outros estados
por muitos anos. Mas, por outro lado, a ação cultural anarquista experimentou um
crescimento na região, sobretudo entre 1921 e 1923 com a publicação da Revista
Liberal, dirigida por Polidoro Santos, importante liderança anarquista.
28
Em relação
aos socialistas, com quem os libertários tiveram anos de muitos embates pela
hegemonia do movimento operário e sindical, a situação é semelhante e tiveram
talvez um recuo ainda mais sensível do que seus adversários, uma vez que não
foram encontradas na imprensa gaúcha notícias sobre sua ação política no estado
durante os anos vinte. Apenas em 1930 se organizaria uma nova agremiação que
reagruparia a corrente, como veremos depois.
No início dos anos vinte, o comunismo foi se colocando como uma via de
organização da classe trabalhadora gaúcha, ainda que seja difícil precisar a
orientação das associações “comunistas” surgidas nessa época, como é o caso do
Sindicato Gráfico Comunista de Porto Alegre, embora neste caso seja possível
haver uma ligação com o Partido Comunista, porque Victor Moraes, integrante da
direção do Sindicato, em 1929 integrará a União dos Trabalhadores Gráficos de
26
PINHEIRO, Paulo Sérgio. O proletariado industrial... Op. Cit., p. 171.
27
PETERSEN, Silvia. Da ação direta... Op. Cit., p. 12.
28
Ibidem, p. 18.
49
Porto Alegre, ligada à Confederação Regional do Trabalho (CRT), de orientação
comunista.
29
Apesar da FORGS não aparecer na imprensa em 1920 na mesma intensidade
que em períodos anteriores, foi a responsável pela organização do evento operário
mais importante do ano: o Congresso Operário do Rio Grande do Sul, realizado
em Porto Alegre, entre 21 e 25 de março. Durante o Congresso, ocorreu uma
disputa entre anarquistas e comunistas da União Maximalista, em que estes
propuseram a vinculação da FORGS à Internacional Comunista e embora a
proposta tenha sido derrotada, demonstrou força e os integrantes anarquistas da
mesa condutora dos trabalhos do Congresso tiveram que usar de artimanhas para
nenhuma proposição maximalista ser aprovada, adiando a inclusão do pedido do
grupo de Nequete na pauta de discussões para o terceiro dia do encontro.
30
1.2.1 Os “primeiros passos” da trajetória do PCB
No início de 1921, a União Maximalista de Abílio de Nequete alteraria seu
nome para Grupo Comunista de Porto Alegre e continuaria sua investida no
movimento operário, mas dessa vez tentaria alçar vôos mais altos e não mais ficar
circunscrita ao Rio Grande do Sul. Neste mesmo ano, Nequete entrou em contato
com os partidos comunistas da Argentina e do Uruguai, recebendo de ambos
periódicos e literatura comunista, pois, segundo ele, não conseguia “afrontar nossos
adversários”.
31
O Grupo Comunista de Porto Alegre, agora com doze membros, juntamente
com o Grupo Comunista do Rio de Janeiro são os principais articuladores dos outros
organismos comunistas espalhados pelo país na convocação do congresso de
fundação do Partido Comunista do Brasil, o qual foi chamado para março de 1922,
no Rio de Janeiro.
29
PETERSEN, Silvia. “Que a união operária...Op. Cit., p. 373.
30
GERTZ, René (ed.). Memórias de um imigrante anarquista (Friedrich Kniestedt). Porto Alegre:
EST, 1989, p. 131.
31
Carta de Abílio de Nequete ao Comitê Executivo da Internacional Comunista. Montevidéu, de
fevereiro de 1921, p. 2-4. (RGASPI).
50
Nos dias 25, 26 e 27 de março, em Niterói, foi realizado o Congresso de
fundação do PCB. Estiveram presentes nove delegados provenientes de várias
regiões do país, representando cerca de setenta e dois militantes: Abílio de Nequete
(barbeiro), Astrojildo Pereira (jornalista), Cristiano Cordeiro (contador e professor),
Hermógenes Fernandes da Silva (eletricista), João da Costa Pimenta (gráfico),
Joaquim Barbosa de Souza (alfaiate), Jo Elias da Silva (operário), Luís Peres
(vassoureiro) e Manuel Cendón (alfaiate).
32
O contato de Abílio de Nequete com os partidos comunistas da Argentina e do
Uruguai, fez com que neste Congresso ele representasse o Grupo Comunista de
Porto Alegre, fosse o porta-voz do Partido Comunista do Uruguai e da Agência de
Propaganda para a América do Sul da Internacional Comunista. Com o
reconhecimento da importância de seu trabalho como articulador dos grupos
comunistas, Nequete teve seu nome proposto para o cargo de secretário-geral do
Partido por Astrojildo Pereira, que organizara os trabalhos do Congresso, indicação
que obteve votação unânime.
No entanto, após alguns meses exercendo a função, ainda em 1922, Nequete
retornou a Porto Alegre, abandonando o cargo na direção do Partido que lhe havia
sido confiado. Os motivos que fizeram com que tomasse essa atitude são
contraditórios. Segundo Otávio Brandão
“[...] Ele foi preso... Houve o 5 de julho de 22, a insurreição de
Copacabana, e os comunistas estavam lá, na sede, como se nada
tivesse havido. Bom, a Polícia foi e prendeu tudo. Quanto Nequete
chegou na Polícia – pensava que aqui fosse como na Europa
disse: ‘Eu é que respondo por toda esta gente.’ [riso] O Pereira,
nosso velho conhecido, disse: ‘Quem é você?’ ‘Eu sou Abílio de
Nequete? Você é brasileiro?’ Ele disse: ‘Sou Brasileiro.’ ‘Você não é
brasileiro, você é um turco. É um turco safado, sem-vergonha.’ Viu?
‘Vá-se embora. De onde que você é?’ Ele respondeu: ‘Sou de Porto
Alegre.’ ‘Vá-se embora; senão, volta para aqui e leva uma surra, uma
surra daquelas.’
Bom, Nequete chegou lá, onde eu trabalhava. Sentou na cadeira e
disse: ‘Estou morto.’ Eu já sabia. Digo: ‘O que é, Nequete?’ Ele falou:
‘A Polícia disse isso.’ Eu falei: ‘Eu não disse a você que aqui não
era brincadeira, que a gente era preso e apanhava, pelo menos
soco?’ Pois ele tomou o primeiro navio e foi embora para Porto
32
PEREIRA, Astrojildo. Ensaios...Op. Cit., p. 72.
51
Alegre. E voltou a ser barbeiro, no final brigou com os outros, e os
outros acabaram expulsando-o. Então o centro de Porto Alegre, é
que se desenvolveu.”
33
Em sua versão, Nequete relata que após ter retornado a Porto Alegre, voltou
novamente ao Rio de Janeiro tentar montar uma tipografia para fazer propaganda e
efetuar o registro do PCB. Quando regressou a Porto Alegre, em 3 de agosto, deixou
o militante Everardo encarregado de zelar pela tipografia, a qual acabou dando
prejuízo total. Além disso, Nequete teria ficado descontente com o desaparecimento
da verba destinada aos flagelados russos do Volga, angariados em campanha pelo
Partido.
34
Todavia, esses relatos baseados em apontamentos redigidos pelo próprio
Nequete, estão carregados de subjetividade, assim como as acusações de Brandão,
e devem ser encaradas com reserva, mas são um indício das divergências
existentes no Partido já nesse momento inicial.
Após esses desentendimentos, Nequete abandonou ou foi expulso do PCB,
sendo desconhecido o momento exato do acontecido. O que se sabe é que em 1924
ele não era membro do Partido e no ano seguinte estava fazendo propaganda de
sua nova organização: o Partido Tecnocrata. Para Nequete, os operários haviam
dado mostras de não conseguirem sozinhos realizar a transformação social e,
segundo sua nova concepção, só conseguiriam com a ajuda da tecnocracia.
35
O processo de formação do PCB contém uma singularidade importante em
relação à de maior parte dos partidos comunistas: a origem ideológica anarquista da
maioria de seus fundadores. Com exceção de Manuel Cendón, que fora socialista,
todos os outros delegados tinham bebido na fonte do anarquismo. Diferentemente
de outros PC’s, “os comunistas brasileiros não surgiram no bojo de uma intensa e
prolongada discussão, entre as lideranças então mais abalizadas da classe operária,
sobre o movimento socialista nacional e internacional”.
36
Não eram as principais
lideranças do movimento operário e sindical, mas as de segunda grandeza e que,
33
REGO, Otávio Brandão. Otávio Brandão (depoimento, 1977). Rio de Janeiro: CPDOC, 1993, p. 84.
Grifos no original.
34
PETERSEN, Silvia. Da ação direta... Op. Cit., p. 31. Sobre a participação de Nequete no
movimento operário, a autora se baseia nos Apontamentos do próprio indivíduo (manuscritos datados
de 1944) disponibilizados por Lenine Nequete, filho do mesmo.
35
Ibidem, p. 31.
36
ZAIDAN, Michel. PCB (1922-1929): Na busca das origens... Op. Cit., p. 19.
52
por não acreditarem mais no anarquismo, decidiram romper com a doutrina e alterar
a rota política que iriam seguir dali em diante.
Em seus primeiros dois anos de vida, o jovem PCB não se envolveu
significativamente nos principais acontecimentos da conjuntura política e social do
país, já que tinha outras prioridades. A primeira delas era obter o reconhecimento da
Internacional Comunista (IC), também conhecida como III Internacional. O próprio
Congresso de fundação do Partido foi de certa forma apressado e realizado pouco
antes das previsões, a fim de que os militantes conseguissem enviar em tempo hábil
um representante ao IV Congresso da IC, marcado para o dia 5 de novembro de
1922, na União Soviética.
Eric Hobsbawm destaca a importância que os comunistas atribuíam ao
reconhecimento internacional.
“[...] Hoje, quando o movimento comunista internacional deixou de
existir em grande parte como tal, é difícil imaginar a força imensa que
seus membros obtinham da consciência de serem soldados de um
único exército internacional que, por mais variado e flexível que fosse
sua tática, executava uma única e ampla estratégia de revolução
mundial”.
37
Aliás, a própria estrutura da IC reforçava essa característica porque os
partidos comunistas eram seções nacionais de uma espécie de partido comunista
mundial. A denominação do PCB, por exemplo, era Partido Comunista: Seção
Brasileira da Internacional Comunista.
38
Sobre a importância da obtenção do
reconhecimento internacional, Paulo Sérgio Pinheiro vai em outro sentido, pois para
ele
“[...] a integração dos comunistas na IC aumenta o peso que o PCB
poderia ter na cena política nacional através de sua definição como
destacamento nacional no exército mundial da revolução. Antes
mesmo que os benefícios concretos possam ter aparecido, foi esse
37
HOBSBAWM, Eric. Revolucionários... Op. Cit., p. 17.
38
Estatutos do Partido Comunista (Seção Brasileira da Internacional Comunista). In: Centro
Comunista n. 4. (Seção Brasileira da Internacional Comunista). Porto Alegre, 1925, p. 17. Agradeço a
Silvia Petersen por ter cedido gentilmente sua cópia xerografada da fonte.
53
interesse que levou os comunistas brasileiros a lutarem para que a
IC os reconhecesse ‘oficialmente’ ”.
39
Embora sejam opiniões diferentes, acredito serem complementares, pois cada
uma delas contém uma parcela de verdade e não se excluem automaticamente. É
inegável que ser o soldado de um grande exército internacional era importante para
o comunista, mesmo que recém-adepto da corrente, como era o caso brasileiro, uma
vez que esse sentimento internacionalista também era uma característica marcante
da identidade comunista.
Para conseguir esse reconhecimento formal da IC e passar a integrar
definitivamente o “exército mundial da revolução”, o PCB enviou Antonio Bernardo
Canellas para representá-lo, o qual estava na Europa algum tempo. Porém, a
participação de Canellas nos debates travados durante o Congresso foi um tanto
inusitada. Expunha suas opiniões com a maior desenvoltura, defendendo uma
curiosa aliança do comunismo com a maçonaria. Chegou a discordar até mesmo de
Lênin, a grande autoridade do evento. Sua participação causou uma grande -
impressão nos delegados presentes no Congresso e, portanto, a meta tão
ambicionada de conseguir o reconhecimento formal da IC não foi atingida. O PCB foi
reconhecido apenas como um partido simpatizante, uma vez que ainda tinha
resquícios de anarquismo, segundo entendimento da direção da III Internacional.
40
O
aceite definitivo só viria mais tarde, em 1924, como veremos adiante.
Apesar da preocupação em obter o reconhecimento internacional, o houve
contatos sistemáticos entre Partido e IC na primeira metade dos anos vinte, mesmo
depois do aceite em 1924. Até 1929, o Partido foi pautado por uma atuação política
bastante autônoma em relação ao centro de poder do comunismo mundial e
“[...] não se pode dizer que a IC tenha utilizado instrumento de
pressão para fazer valer suas diretrizes. A pressão somente passa a
existir quando começam a concretizar-se contatos mais intensos,
através de viagens, envio de assessores e apoio concreto, por
exemplo, sob a forma de publicações”.
41
39
PINHEIRO, Paulo Sérgio. Estratégias da ilusão... Op. Cit., p. 50.
40
Ibidem, p. 56.
41
Ibidem, p. 49-50.
54
A outra prioridade do Partido naqueles primeiros anos era consolidar sua
organização interna, o que implicava “organizar” a classe operária e eliminar a
influência do anarquismo.
42
Segundo os apontamentos de Abílio de Nequete,
consultados por Petersen, o Congresso de fundação do Partido por pouco não se
dissolveu, pois Nequete fora o único entre os nove delegados que não se opusera à
tese da participação eleitoral imposta pela IC, mas aprovada ao final da discussão, o
que era flagrante demonstração da herança do método da ação direta anarquista.
43
Todavia, essa é uma questão que deve ser vista com cautela pelo leitor, que
mostra apenas uma versão para os fatos e, não podermos esquecer, além disso,
que Nequete teve muitos desentendimentos com outros membros da direção do
Partido, especialmente com Octávio Brandão, o qual o acusou de ser “charlatão,
covarde e fanfarrão”.
44
Portanto, esse depoimento de Nequete pode ser resultado de
ressentimentos acumulados com os membros da direção do PCB. Como foi visto,
em seguida Nequete abandona o Partido e retorna a Porto Alegre.
Naquele momento, o PCB tinha uma característica bem marcante: uma
acentuada precariedade teórica do seu quadro de ativistas, que atingia até mesmo a
cúpula dirigente. A despeito do Partido ser uma organização adepta do marxismo, a
teoria de Karl Marx era pouco conhecida entre eles, o que dificultava a “aplicação”
da linha política partidária. Ou seja, não conheciam a tradição teórica e política a
qual estavam vinculados. A tentativa de superação desse problema ocorreu com
alguns estudos feitos por Octávio Brandão sobre a sociedade brasileira, marcados,
no entanto, pelo esquematismo e pelas interpretações mecânicas da realidade e da
dialética marxista próprias do período.
45
Além disso, o PCB tentou criar uma
biblioteca com obras comunistas para suprir a carência teórica dos membros do
Partido. Essas obras eram enviadas para o Rio Grande do Sul, onde o Comitê
Regional estava tentando montar sua biblioteca, cujo responsável era Isaac Scliar.
46
42
PINHEIRO, Paulo Sérgio. O proletariado industrial... Op. Cit., p. 173.
43
PETERSEN, Silvia. Da ação direta... Op. Cit., p. 30.
44
DULLES, John F. Anarquistas e comunistas no Brasil (1900/1935). Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1977, p. 149.
45
Sobre os estudos de Brandão, conferir SILVA, Angelo José. Comunistas e trotskistas... Op. Cit.
46
Carta de Isaac Scliar a Astrojildo Pereira. Porto Alegre, 16 de abril de 1926. (ASMOB).
55
Após alguns meses de atividade, os militantes do PCB enfrentam a retirada de
sua condição legal de atuação e a conseqüente clandestinidade, que de julho de
1922 se entenderia até 31 de dezembro de 1926, por conta da decretação do estado
de sítio decorrente da crise em torno do levante do Forte de Copacabana. Esta
situação causou muitos transtornos à jovem organização, em virtude da maior
dificuldade para consolidar sua estrutura interna, fazer propaganda, ganhar novos
membros e, além disso, impossibilitou-a de disputar processos eleitorais, ótimas
oportunidades de propagandear suas idéias para a classe trabalhadora.
Portanto, diante desse cenário em que a prioridade era ser reconhecido como
membro da IC, em consolidar-se internamente, tanto no que se refere a questões
estruturais quanto ideológicas, e em meio à clandestinidade, o PCB não teve
praticamente influência sobre o movimento operário e sindical brasileiro nesse
período inicial de seu percurso.
Angela de Castro Gomes observa que a soma da repressão com legislação
trabalhista levada a efeito pelo governo Arthur Bernardes contribuiu para o
crescimento do cooperativismo,
47
com o qual os comunistas fizeram um acordo em
1923. O presidente da Confederação Sindicalista Cooperativista Brasileira (CSCB),
Sarandy Raposo, conseguira um espaço para a veiculação de uma “seção operária”
no jornal O Paiz (tradicionalmente simpático ao governo da República), sob sua
orientação pessoal, a partir de fevereiro de 1923. Conforme Gomes:
“[...] A proposta de O Paiz, bem como da CSCB, foi explicitada desde
o início. A difusão do sindicalismo cooperativista deveria ser feita
sem ataques frontais às propostas concorrentes, que seriam
insistentemente chamadas a colaborar; num grande esforço de
reunião dos trabalhadores, logicamente sob a coordenação da
CSCB”.
48
A possibilidade de aliança com os cooperativistas é repudiada inicialmente
pelo PCB, mas depois de algum tempo o partido muda de posição. O objetivo dos
47
Corrente do movimento operário que pregava a criação de cooperativas, atuante sobretudo no Rio
de Janeiro e ligada a Sarandy Raposo. Para mais detalhes ver: GOMES, Angela de Castro. A
invenção... Op. Cit. e PEIXOTO, Maria do Rosário da Cunha. O trem da História. A aliança PCB /
CSCB / O Paiz. São Paulo: Marco Zero/CNPq, 1994.
48
GOMES, Angela de Castro. A invenção... Op. Cit., p. 145-146.
56
comunistas com esse acerto era usar O Paiz e a CSCB para fazer propaganda do
comunismo, o que não havia sido feito até aquele momento satisfatoriamente no
Brasil. A partir de agosto de 1923, Astrojildo Pereira passa a escrever
periodicamente na coluna “Colaboração e Controvérsia” sobre a IC e a política de
frente única dos partidos comunistas.
49
Tal acordo, se for analisado pela ótica da
quantidade de artigos divulgados pelos comunistas através do jornal, foi bem-
sucedido. Entretanto, o PCB recebeu duras críticas dos anarquistas, que o
acusavam de favorecer a tentativa de cooptação operária por parte do governo
Bernardes.
50
Essa aproximação também pode ser compreendida como produto das
deliberações da IC, que desde a realização do seu III Congresso em 1921,
constatara o retraimento das forças revolucionárias; recomendavam, portanto, às
seções nacionais (os partidos comunistas) que formassem frentes únicas.
Entre 17 de junho e 8 de julho de 1924, foi realizado o V Congresso da IC, no
qual o PCB foi finalmente aceito como membro. Este Congresso continuou na
mesma linha dos anteriores, diagnosticando o recuo do movimento revolucionário
mundial e a estabilização do capitalismo, sendo, portanto, necessário reforçar a
unidades da classe trabalhadora, questão que provavelmente estava relacionada à
política exterior soviética. Enquanto o estado bolchevique não era reconhecido
oficialmente pela maioria dos países, havia confluência entre política externa
soviética e o movimento comunista internacional. Ou seja, a preparação da
revolução mundial ditava os rumos das relações exteriores da URSS, as quais
procuravam ajudar movimentos revolucionários. No entanto, a partir do momento em
que o governo soviético fora reconhecido pelos governos britânico e francês, em
fevereiro de 1924,
51
as “relações internacionais não serão mais vistas principalmente
sob o prisma da revolução mundial: o objetivo de consolidação da Revolução Russa
49
Ibidem, p. 146.
50
Ibidem, p. 147.
51
O tratado com a Grã-Bretanha estipulava que deveria ser evitada toda propaganda mútua hostil e
que o estado soviético deveria se abster das incitações para que os povos asiáticos se rebelassem
contra os interesses britânicos. PINHEIRO, Paulo Sérgio. Estratégias da ilusão... Op. Cit., p. 48.
57
pesará mais forte”,
52
pois a União Soviética não tinha interesse em se indispor com
estes países.
Houve uma pequena alteração na rota política adotada pela IC, com um tom
sectário na crítica aos social-democratas, embora conservasse a base das diretrizes
dos congressos anteriores. A social-democracia passou a sofrer uma dura crítica,
sendo enquadrada como aliada do fascismo, posição que seria consolidada no
Congresso seguinte de 1928 e teria conseqüências desastrosas para o movimento
comunista internacional, conforme veremos posteriormente. Mas como a tática das
frentes únicas era vista como indispensável em uma conjuntura de retração
revolucionária, a recomendação passou a ser de frentes únicas apenas nas bases
do movimento operário e sindical. Dessa forma os comunistas ficariam longe da
influência e do contato com os dirigentes da social-democracia.
53
Nesse momento, os militantes do PCB iniciaram seu “trabalho de formiga” no
movimento sindical, conseguindo formar os primeiros núcleos nos sindicatos
cariocas. Começavam efetivamente a colocar em prática a tese da unidade sindical.
Esta tese significava que uma mesma categoria deveria ter um único sindicato, pois
na época não havia limite ao número de entidades sindicais, o que na prática fazia
com que os comunistas disputassem a direção dos sindicatos com os anarquistas,
uma das prioridades do PCB.
No ano de 1925, de 16 a 18 de maio, o PCB realizou no Rio de Janeiro seu II
Congresso Nacional. A pauta de discussões era a seguinte: Relatórios; A situação
política nacional; A situação internacional; Organização. Reforma dos estatutos do
PCB. As células. Os comitês regionais. Reorganização dos serviços da Comissão
Central Executiva (CCE); Agitação e propaganda; Sindicatos e cooperativas; A
organização da Juventude Comunista; Eleição da CCE e da CCC; Diversos. Além
dos componentes da CCE (seis), estiveram presentes no Congresso os delegados
do Rio de Janeiro e Niterói (cinco), Pernambuco (dois), São Paulo (um), Santos
(um), Cubatão (um). A delegação do Rio Grande do Sul não compareceu por uma
52
Ibidem, p. 59.
53
Ibidem, p. 60.
58
impossibilidade ocasional,
54
o que refletia os problemas organizacionais de seu
Comitê Regional.
O Congresso decidiu apoiar e fortalecer o jornal que havia sido lançado um
pouco antes destinado a ser o órgão oficial do PCB, chamado A Classe Operária,
periódico que no Rio de Janeiro foi responsável pelo incremento da propaganda, por
facilitar a penetração dos comunistas nos sindicatos e a política de criação de
células, ainda que sua circulação tenha sido breve.
55
Além dessa questão, o
Congresso discutiu a aliança do imperialismo inglês com a burguesia rural brasileira
e do americano com a burguesia industrial e a disputa entre os dois imperialismos.
Entre outras questões, também foram debatidas a reorganização de células e de
comitês regionais, a representação no Comitê Central e a agitação e propaganda.
56
O PCB que até então desenvolvia um lento trabalho de penetração no
movimento sindical e no cenário político, a partir de 1926 desencadeou uma
ofensiva nesses dois campos de atuação. Nesse ano, no Rio de Janeiro, os
comunistas organizaram a União dos Trabalhadores Gráficos (UTG), a qual abrangia
todos os gráficos sob o modelo de sindicalismo por indústria. Segundo Gomes, a
forma principal de atuação dos comunistas era a “infiltração”, que consistia em
designar um militante para trabalhar em uma fábrica, onde “não deveria fazer
agitação, e sim ter conversas de ‘pé de ouvido’ para angariar adesões”.
57
Quando
conseguiam o número suficiente, se formava uma célula, que ficava subordinada ao
Comitê Regional do Rio de Janeiro, o qual, por sua vez, se subordinava à Comissão
Central Executiva. Os membros das células deveriam atuar dentro dos sindicatos,
procurando orientar a condução política destes.
Os comunistas adotaram, pois, um outro modelo de organização sindical.
Diferente dos anarquistas, que empregavam a organização por ofícios, os primeiros
passaram a reorganizar o movimento sindical utilizando os sindicatos de indústria,
54
PEREIRA, Astrojildo. Ensaios...Op. Cit., p. 91.
55
GOMES, Angela de Castro. A invenção...Op. Cit., p. 158.
56
CHILCOTE, Ronald. Partido Comunista Brasileiro... Op. Cit., p. 63.
57
GOMES, Angela de Castro. A invenção ... Op. Cit., p. 159.
59
os quais abrangiam todos os ofícios de um mesmo ramo industrial, rompendo com
uma tradição bastante arraigada e antiga no movimento operário brasileiro.
Gomes, para abordar a experiência sindical comunista carioca, utiliza-se de
uma observação de Hilcar Leite (militante carioca do PCB) sobre a formação da
União dos Trabalhadores Gráficos, o qual considera que esta transformação
operada no movimento sindical:
“[...] não foi fruto de uma ‘evolução natural’ ou do desenvolvimento de
críticas ao modelo do sindicato de ofícios, mas sim produto de um
ativo trabalho dos comunistas, que ‘forçavam’ os trabalhadores a
organizar-se em outro tipo de associação”.
58
Na seqüência deste trecho, Gomes vai afirmar que
“Grande parte do sucesso dos comunistas e do sindicato de indústria
possa ser entendida a partir da narrativa do próprio Hilcar Leite. Ele
conta que o PC se tornou forte entre os gráficos, os metalúrgicos e
os marceneiros, por exemplo, e que nestes sindicatos procurou-se
combinar a ação política e sindical com as ‘coisas práticas’. Na UTG
se organizou uma Bolsa de Trabalho que arranjava lugar para os
desempregados, forçando o aumento de salários. Criou-se também a
União Beneficente dos Gráficos, que garantia aposentadoria e
pensões, e a ‘Cultural’, que tinha biblioteca e fazia festas, bailes,
piqueniques e campeonatos esportivos. Ou seja, o sindicato por
indústria, se por um lado rompeu com a organização por ofícios
mantida pelos anarquistas, recuperou a tradição beneficente, tão
forte e antiga no movimento associativo dos trabalhadores quanto
criticada pelos anarquistas”.
59
Dessa forma, o PCB estava aplainando o terreno para investidas políticas e
sindicais mais ousadas, conforme veremos adiante por ocasião da criação do Bloco
Operário (BO).
1.2.2 O movimento operário gaúcho e os comunistas
O comunismo no Rio Grande do Sul, apesar de sua importância para a
fundação do PCB em 1922, não havia tido a aquele momento uma visibilidade
58
Ibidem, p. 159-160. Ver também o depoimento de Hilcar Leite In: GOMES, Angela de Castro.
Velhos militantes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988.
59
Ibidem, p.160.
60
significativa no movimento operário ou no cenário político mais geral, mesmo com a
presença de Abílio de Nequete. A atuação dos comunistas nos primeiros anos após
a fundação do Partido foi sempre intermitente e com períodos de altos e baixos, o
que demonstrava seu pequeno número de membros, as dificuldades de organização
advindas sobretudo da perda de seu principal militante e a pequena penetração no
movimento operário e sindical. É claro que, afora tudo isso, havia o problema da
repressão do governo Arthur Bernardes e da prioridade de consolidação interna da
estrutura partidária, o que impunha limites para a propaganda e a aquisição de
novos ativistas. Contudo, irei acompanhar os “primeiros passos” dos comunistas no
Rio Grande do Sul, após a fundação do PCB, para situar o leitor quanto aos
acontecimentos que antecederam a organização de fato do Partido no estado em
1927, embora o conjunto dessas informações tenha um caráter lacunar.
Uma das primeiras referências ao comunismo no Rio Grande do Sul, pós-
fundação do PCB, gira em torno de um membro do Partido Comunista Alemão, o
alfaiate F. Haberland. Provavelmente, ele tenha sido enviado para o Brasil por este
partido, fato que nunca desmentiu. Chegou a Porto Alegre em fins de 1922,
juntamente com seus dois filhos e ingressaram na Sozialistischer Arbeiterverein
(Associação Socialista de Trabalhadores), associação anarquista liderada pelo
imigrante alemão Friedrich Kniestedt, da qual os três são expulsos, possivelmente
por fazerem propaganda do comunismo, prejudicando o andamento da entidade.
Entretanto, isto não ocorreu sem abalos, pois criaram uma deutsch-kommunistische
zelle (célula teuto-comunista), que mandou vir da Alemanha material de
propaganda para ser distribuído na colônia alemã do Rio Grande do Sul. O grupo
desencadeou uma luta contra a associação, de onde haviam sido expulsos, e seu
jornal Der Freie Arbeiter (O Trabalhador Livre), chegando a utilizar para isto a
imprensa conservadora (a Neue Deutsche Zeitung). Haberland e seu grupo criaram
um jornal, Die Befreiung (A Libertação) editado em alemão (o primeiro jornal
comunista no estado), mas que se resumiu a três edições. Pouco tempo depois, o
líder do grupo voltou à Alemanha,
60
mas retornando para Porto Alegre rapidamente.
Após o seu regresso, se tornaria militante do PCB e da organização comunista
União dos Ofícios Vários.
60
GERTZ, René (ed.). Memórias... Op. Cit., p. 135-137.
61
Em maio de 1923, um congresso socialista em língua alemã foi promovido
pela Sozialistischer Arbeiterverein para reorganizar o trabalho que Haberland havia
prejudicado. O evento foi realizado na sede da FORGS, contando com
representantes de quatorze associações do interior do estado, e tinha o objetivo de
“sintonizar os interesses da população de fala alemã do Rio Grande do Sul com as
idéias do socialismo”.
61
Embora Haberland não tenha comparecido ao Congresso,
mesmo tendo sido convidado, o representante Richthofen
62
apresentou, por meio de
Boemertal, propostas com conotações bolchevistas (aos olhos de Kniestedt), mas
apenas o delegado de Ijuí, Brauks, as apoiou, o restante não concordou com tais
sugestões.
63
Ainda em 1923, foi criada a União dos Ofícios Vários, sob o comando do
judeu argentino e acadêmico de direito Samuel Speisky, contando ainda com o
mecânico Eduardo Budasewsky, o pedreiro Henrique Scliar, o metalúrgico alemão
H. Schondelmayer,
64
F. Haberland, W. Fremdling e o português Manoel Pereira.
65
Speisky fora companheiro de Nequete na União Maximalista desde 1921, e segundo
João Batista Marçal, foi o terceiro fundador do PCB no Rio Grande do Sul. Era muito
amigo de Hersch Schechter (aluno laureado do Colégio D. Pedro II no Rio de
Janeiro que fazia o elo entre os estudantes cariocas e o Comitê Central do PCB), o
qual em 1929 foi deslocado para o estado a fim de dirigir o movimento sindical
comunista. Provavelmente, foi por meio de Schechter que Speisky conseguiu uma
tradução do Manifesto Comunista e pôde lançar uma edição de três mil exemplares
do livro.
66
61
Ibidem, p. 137.
62
O professor Richthofen, que era de Agudo, no Rio Grande do Sul, segundo Kniestedt, “criticou
duramente o comportamento do grupo em torno de Haberland, recusava qualquer colaboração com
esta gente, mas se aqui não o fazia abertamente, aderiu depois em Buenos Aires ao comunismo”.
Ibidem, p. 136.
63
Ibidem, p. 137. Não foi encontrada nenhuma informação sobre Brauks e Boemertal.
64
H. Schondelmeyer era o diretor responsável pela edição em alemão do jornal Martelo e Foice
Hammer und Sichel. Morava em Porto Alegre na Rua Castro Alves, 35. In: Martelo e Foice Hammer
und Sichel, Porto Alegre, 7 de junho de 1924, p. 1. (ASMOB).
65
O barbeiro Manoel Pereira nasceu em Portugal em 1895, filho de Antonio Pereira e Rosa Maria.
Era o diretor responsável pela edição em português do jornal Martelo e Foice Hammer und Sichel.
Morava em Porto Alegre na Rua Marechal Floriano, 120. É possível que tenha atuado em Santos e
sido expulso de por implicações na greve da Light. In: Martelo e Foice – Hammer und Sichel, Porto
Alegre, 7 de junho de 1924, p. 1. (ASMOB). Matrícula dos presos recolhidos à Casa de Correção.
Porto Alegre, (set/1926 a mar/1928), p. 57. Fundo da polícia, maço 304. (AHRS). Cf. tb. PINHEIRO,
Paulo Sérgio. Estratégias da ilusão... Op. Cit., p. 119.
66
PETERSEN, Silvia. Da ação direta... Op. Cit. p. 52.
62
O objetivo da União dos Ofícios Vários era tentar penetrar entre os
trabalhadores que moravam no Bonfim, bairro com muitos anarquistas e imigrantes
judeus. Era um sindicato que abrigava aqueles operários cuja categoria não tinha
entidade própria. A União publicou durante um ano (aproximadamente de abril de
1924 a fevereiro de 1925) o jornal Martelo e Foice Hammer und Sichel, editado em
português e alemão, dirigido por Manoel Pereira e H. Schondelmayer e sob a
gerência de Samuel Speisky, substituído algum tempo depois por W. Fremdling.
A criação de uma entidade como a União dos Ofícios Vários, uma espécie de
“guarda-chuva” que abrigava os trabalhadores de várias categorias que ainda não
tinham sindicato próprio, demonstrava o pequeno número dos comunistas no
movimento sindical, pois não deixava de ser uma artimanha para ampliar a
participação nos sindicatos: como o conseguiam se inserir naquelas entidades
controladas pelos anarquistas, criaram uma destinada àqueles trabalhadores não
sindicalizados, os quais, assim não estariam sob a influência anarquista.
Em uma reunião realizada em fins de 1923, houve o lançamento da União dos
Ofícios Vários no local que seria a sede da entidade, Rua do Parque, nº. 71. Falaram
dois membros comunistas que, além de enfatizarem as ligações com o comunismo
internacional, defenderam a implementação da frente única nos sindicatos, em
sintonia com as determinações oriundas da Comissão Central Executiva do PCB e
da IC. Fato este que evidencia as ligações deste grupo comunista com o Partido
Comunista do Brasil, conexão que fica mais explícita com o passar dos anos.
Nesse mesmo período, paralelamente ao trabalho desenvolvido na União dos
Ofícios Vários, o movimento operário viu o lançamento da Liga dos Operários
Republicanos, vinculada ao Partido Republicano Rio-grandense (PRR), originada a
fim de cooptar a classe trabalhadora para votar nos candidatos republicanos.
Conforme alguns autores apontaram, durante a vigência da Primeira República, o
sistema político no Rio Grande do Sul diferenciava-se do restante do país. Enquanto
nos outros estados, predominavam partidos únicos republicanos, dominados pelo
presidente estadual ou por algum político bastante influente, no Rio Grande do Sul a
política partidária era polarizada entre dois partidos bem organizados e definidos
ideologicamente que lutaram ao longo de toda Primeira República, algumas vezes
63
de maneira muito violenta, com amplo predomínio do PRR sobre o Partido
Federalista (transformado em Aliança Libertadora, em 1924, e depois, em 1928, em
Partido Libertador).
67
A clivagem ideológica da elite política do Rio Grande do Sul, singularidade
marcante face às outras regiões do país, teve implicações importantes para o
movimento operário gaúcho. Adhemar Lourenço da Silva Jr. observa que, em virtude
dessa disputa, abriam-se espaços para a emergência de demandas operárias e
garantia-se um espaço efetivo de negociação dessas reivindicações.
68
Beatriz Ana
Loner, analisando as relações entre a oposição política tradicional e o movimento
operário gaúcho na Primeira República, salienta que o permanente confronto entre a
elite política estadual fazia com que os dois partidos buscassem apoio na classe
trabalhadora,
69
o que levava o governo a amenizar a repressão sobre o movimento
operário, explicando também o surgimento de uma entidade como a Liga dos
Operários Republicanos.
A direção da Liga em março de 1924 era composta por Gaspar Horácio
Jeronymo, primeiro-presidente; João Cândido Martins, segundo-presidente; Antonio
Gonzaga, secretário interno; Airton Fonseca, secretário externo; todos sem
nenhuma tradição no movimento operário e sindical, o que evidencia o seu caráter
de instrumento de cooptação eleitoral pelo PRR,
70
ainda que no ano seguinte dois
ativos membros do movimento sindical de Porto Alegre façam parte de sua diretoria:
Orlando de Araújo e Silva, sapateiro que havia sido membro da FORGS, e Abílio de
Nequete. No entanto, não há maiores informações sobre a ação de Nequete na Liga
dos Operários Republicanos. Como veremos posteriormente, a Liga irá disputar
67
LOVE, Joseph. O Rio Grande do Sul como fator de instabilidade na República Velha. In: FAUSTO,
Boris (org.). História Geral da Civilização Brasileira. Tomo 3, vol. 1, 4 ed. São Paulo: Difel, 1985, p.
111. TRINDADE, Hélgio. Aspectos políticos do sistema partidário republicano rio-grandense (1882-
1937): da confrontação autoritário-liberal à implosão da aliança político-revolucionária de 30. In:
DACANAL, José Hildebrando e GONZAGA, Sergius (orgs.). RS: economia & política. Porto Alegre:
Mercado Aberto, 1979, p. 119-120. Ver também LOVE, Joseph. O regionalismo gaúcho. São Paulo:
Perspectiva, 1975.
68
SILVA JR. Adhemar Lourenço da. Bipolaridade política rio-grandense e o movimento operário
(188?-1925). Estudos Ibero-Americanos. Porto Alegre: PUCRS, vol. XXII, n. 2, dezembro 1996, p. 7.
69
LONER, Beatriz. O canto da sereia: os operários gaúchos e a oposição na República Velha.
História Unisinos. São Leopoldo: Vol. 6, n. 6, 2002, p. 105.
70
PETERSEN, Silvia. Da ação direta... Op. Cit., p. 50.
64
direções de sindicatos com os comunistas no fim da década, mas sem, no entanto,
ser um adversário duro nesta questão.
Por meio da leitura dos seus Estatutos,
71
é possível perceber os propósitos de
subordinar os operários ao partido oficial. No primeiro artigo, consta que a Liga seria
composta por um número ilimitado de sócios, independentemente da cor, raça,
credo religioso, filosófico ou científico, mas “desde que estejam no uso e gozo de
seus direitos políticos e civis”. A condição essencial para ser associado era aceitar e
manter prestigiados os “preceitos da Carta Constitucional de 14 de julho de 1891” do
Rio Grande do Sul. Em suma, a participação operária na Liga estava condicionada à
possibilidade de votar, obviamente, no PRR, para somente dessa forma ter acesso à
assistência judiciária, médica, hospitalar e medicação gratuita estendida às famílias.
Em uma possível divergência entre patrões e trabalhadores no local de trabalho, a
Liga interviria procurando conciliar os interesses em disputa, retirando da arena do
trabalho a perspectiva da luta de classes.
Silvia Petersen aponta para o relativo sucesso dos propósitos do PRR em
cooptar o movimento operário,
72
conclusão que me leva a refletir no sentido de que,
se uma parcela do movimento operário foi cooptada pelas constantes investidas do
PRR (ou, ainda, dos libertadores), isso indicaria uma redução do campo de ação dos
comunistas. Ou seja, com essa postura de disputar a influência junto aos
trabalhadores, os partidos da elite política gaúcha retiravam espaço dos ativistas do
PCB. Acredito ser uma questão complexa para os comunistas, que não passavam
de um número reduzido de militantes e com uma ínfima penetração sindical,
competirem com uma tendência que poderia garantir benesses “tangíveis” à classe
trabalhadora. Embora não possa ponderar o peso dos republicanos no meio
operário, devido à insuficiência de fontes e, principalmente, por não ser o objetivo
deste trabalho, certamente eles criaram empecilhos ao PCB se consolidar como
uma força operária no Rio Grande do Sul.
71
Estatutos da Liga dos Operários Republicanos do Rio Grande do Sul. Apud PETERSEN, S. e
LUCAS, E. Antologia ... Op. Cit., p. 296-300.
72
Ibidem, p. 295.
65
Essa intromissão dos partidos da elite política gaúcha nas instituições
sindicais dos trabalhadores acentua a preocupação de não se confundir a atuação
do Partido Comunista com a atuação da classe, como referido na Introdução.
Embora pretendesse “dirigir” a classe trabalhadora como um todo em direção aos
seus “verdadeiros interesses” históricos, muitas vezes eles não coincidiam. Portanto,
deve-se analisar a ação política dos comunistas como ela foi, e não como deveria ter
sido, pois, do contrário, se poderia incorrer no equívoco de acreditar que todas as
dificuldades de penetração no movimento operário e sindical por parte dos adeptos
do PCB fossem resultado de erros de avaliação, incompreensão política, traição de
dirigentes , “falta de consciência” de classe, ou algum outro tipo de comentário que
não levasse em consideração a atuação real do Partido na dinâmica das
organizações operárias.
Tanto os comunistas organizados na União dos Ofícios Vários como os
anarquistas na Federação Operária do Rio Grande do Sul comemoraram o de
maio de 1925. A FORGS comemorou com dois comícios, nos quais participaram os
sindicatos a ela filiados. A União dos Ofícios Vários organizou uma reunião no
Teatro Thalia. A programação consistiu no seguinte: abertura com a Internacional;
Luiz Cuervo, principal dirigente comunista do Comitê Regional, falou sobre o
significado do de maio; em seguida Antonio Nalepinski, antigo militante
anarquista, abordou o mesmo assunto. Para finalizar foram exibidos três filmes: Os
funerais de Lênin, Os vaqueiros com os três macacos sábios e Defraudando o
público.
Nesse período, os comunistas lentamente foram avançando sobre o
movimento operário e sindical, aumentando o peso de sua intervenção política.
Provavelmente, o recuo dos anarquistas no sindicalismo e a negação da FORGS em
promover greves em um ano de carestia como foi o de 1925 devem ter contribuído
favoravelmente para o crescimento do PCB.
Neste ano, os anarquistas organizaram o Congresso Operário Regional,
realizado em Porto Alegre, entre 27 de setembro e 2 de outubro, reunindo muitas
associações da capital e do interior, demonstrando que o anarquismo não estava
totalmente ausente entre os trabalhadores organizados. É interessante destacar que
66
o avanço comunista foi constatado pelos delegados do Congresso, pois este
assunto entrou em discussão e a política no meio dos trabalhadores foi
veementemente combatida. Os comunistas tentaram participar do Congresso, mas
como eram minoria não conseguiram expor suas opiniões e abandonaram o evento
“sob o riso dos delegados”.
73
Em 1926, verifica-se uma nova demonstração do lento crescimento comunista
no estado. Novamente comemorações no Teatro Thalia no de maio; a
programação foi a seguinte: a Internacional; o drama Corações famintos; uma
comédia; um filme natural; um operário falou sobre a data; o Dr. Raul Bittencourt
abordou a Perspectiva da humanidade futura; o acadêmico Valmor ou França
abordou A origem e a evolução das classes; finalizando a conferência de Luiz
Cuervo sobe Política burguesa e política proletária.
74
Nessas duas comemorações do de maio pode-se perceber a relevância
dada pelos comunistas à formação intelectual dos trabalhadores, porque houve
muitas atividades abordando questões doutrinárias (mescladas com atividades mais
lúdicas, talvez para captar o interesse dos trabalhadores). Este tipo de sessões
solenes para festejar a histórica data proletária iria se repetir por mais alguns anos,
como será visto adiante.
O avanço dos comunistas era mais consistente na capital, o que parece
combinar com o declínio do sindicalismo ser mais acentuado em Porto Alegre do
que nas cidades do interior. Uma evidência dessa afirmação é a transferência da
principal entidade sindicalista do estado, a FORGS, de Porto Alegre para Bagé, no
ano de 1927. Uma outra é que nesse mesmo ano fora promovido em Pelotas uma
reunião de delegados preparatória de um congresso a ser realizado em 1928,
momento em que a FORGS retornaria para a capital. Nessa reunião, em 1927, a
presença de representantes de entidades porto-alegrenses foi muito pequena: dois
sindicatos, a Federação Operária local, o Grupo Cultural Braço e Cérebro e mais um
73
PETERSEN, Silvia. Da ação direta... Op. Cit., p. 63. GERTZ, René (ed.). Memórias ... Op. Cit., p.
133-140.
74
PETERSEN, Silvia. Da ação direta... Op. Cit., p. 65. Não obtive nenhuma informação sobre o
referido “acadêmico” (Valmor ou França).
67
jornal. Ela fica ainda mais inexpressiva se comparada com congressos realizados
anteriormente, em 1920 e 1925, ambos na capital, que esteve representada com
trinta e vinte associações respectivamente, números expressivos, mas que
demonstravam uma diminuição progressiva de entidades.
75
Talvez esse tenha sido
um dos motivos que levaram a reunião de 1927 e o Congresso de 1928 serem
organizads no interior, onde segundo Loner, a incidência da repressão era menor.
76
A reunião de 1927 havia dado mostras da preocupação dos anarquistas
quanto à crescente atuação dos comunistas no movimento operário gaúcho, uma
vez que praticamente o único assunto discutido foi como enfrentar o trabalho dos
comunistas.
77
No Congresso de 1928. divergências entre abandonar o sindicalismo
e manter o trabalho nos sindicatos deram a tônica ao evento. A proposta vitoriosa foi
a de renunciar à organização sindical, em prol de grupos de livre associação
anarquista. Mas, por outro lado, a conseqüência desse posicionamento, antecipada
por alguns militantes contrários à sua aprovação, era deixar o campo aberto para os
comunistas atuarem livres e sozinhos no terreno sindical.
A partir de então, o PCB foi ampliando lentamente sua influência no
movimento operário e sindical, embora com muitas dificuldades internas e com a
conjuntura política nacional de severa repressão.
75
LONER, Beatriz Ana. Quarto congresso operário do Rio Grande do Sul (1928). Cadernos do ISP.
Pelotas: UFPel (11), dezembro de 1997, p. 25.
76
Ibidem, p. 22.
77
Cf. GERTZ, René (ed.). Memórias... Op. Cit., p. 142.
2. A LENTA E DIFÍCIL ORGANIZAÇÃO COMUNISTA NO RIO GRANDE
DO SUL
Após longa contextualização, este capítulo começa a examinar a proposta
específica do presente trabalho, que é verificar a repercussão da ação política do
PCB no movimento operário e sindical gaúcho.
2.1 Um raro momento de atuação legal e a visibilidade dos comunistas
no Rio Grande do Sul
No fim do governo Arthur Bernardes, por volta de novembro de 1926, o PCB
iniciou os preparativos visando construir uma via de atuação parlamentar. Um pouco
antes, neste mesmo ano, o Partido fizera um ajuste nas teses do seu II Congresso
no que se refere à participação da pequena burguesia no processo revolucionário,
em função do livro lançado por Otávio Brandão Agrarismo e industrialismo. Brandão
estabelece uma correlação entre as revoltas tenentistas de 1922 e 1924, as quais
seriam rebeliões da pequena burguesia contra os senhores agrários feudais, com a
proximidade da chamada “terceira revolta”. Na visão do autor, as causas
econômicas, políticas e psicológicas dos dois primeiros levantes ainda existiam
quando redigia sua obra e dentre elas destaco aquela com maiores implicações na
política comunista: a disputa interimperialista, na qual o imperialismo americano e o
inglês disputavam o controle do mercado brasileiro, apoiados pela burguesia
industrial e a rural, respectivamente. Era um cenário conturbado, no qual a explosão
da “terceira revolta” era iminente.
1
Por tudo isso, a participação da pequena burguesia no processo
revolucionário foi redimensionada, no sentido de ser uma aliada em potencial dos
comunistas. O objetivo dessa aliança era fazer uma revolução democrático-
pequeno-burguesa, na qual primeiramente seria instalado o capitalismo e ao mesmo
1
SILVA, Angelo José. Comunistas e trotskistas... Op. Cit., p. 76-77.
69
tempo eliminando os aspectos feudais da sociedade brasileira, para somente assim
se realizar a revolução proletária.
Portanto, essa aliança também precisava ser “costuradano meio urbano e o
caminho escolhido para efetivá-la foi o eleitoral. Dainis Karepovs observa que
“[...] no vislumbre de uma modificação na situação política, os
comunistas brasileiros tiveram como meta, naquele instante, ao
mesmo tempo em que defendiam a teoria da ‘terceira revolta’, a
participação política nos marcos da legalidade burguesa por meio da
via parlamentar”.
2
Afora a alternativa parlamentar nos centros urbanos, os comunistas entraram
em contato em 1927 com Luiz Carlos Prestes, o principal líder dos tenentes, que
estava exilado em Puerto Suárez, na Bolívia. Durante o encontro, Astrojildo Pereira
entregou a Prestes algumas obras marxistas, desconhecidas deste até então,
pretendendo iniciá-lo no marxismo e com isso trazer o cavaleiro da esperança para
sob a influência do PCB. O segundo encontro ocorreria apenas dois anos mais
tarde, em 1929.
3
Com o início do novo governo, Washington Luís (1926-1930), outras
perspectivas políticas se vislumbravam para o movimento operário. Em 1º de janeiro
de 1927, chegou ao fim o estado de sítio promulgado ininterruptamente durante o
mandato do presidente Arthur Bernardes e com ele o fim da ilegalidade, conferindo
ao PCB possibilidade de ação política mais visível com a retomada de sua condição
legal. Dessa forma, o Partido poderia aumentar seu número de ativistas e militantes
e elevar o peso de sua atuação política na dinâmica das organizações dos
trabalhadores.
2
KAREPOVS, Dainis. A esquerda e o parlamento no Brasil... Op. Cit., p. 180.
3
O contato do PCB com Luiz Carlos Prestes foi exaustivamente abordado na historiografia, por isso e
pelo fato de Prestes somente entrar para as fileiras comunistas quando se encerra o marco
cronológico da dissertação não me deterei em sua relação com o PCB. Para os interessados, arrolo
algumas obras sobre o assunto: BASBAUM, Leôncio. Uma vida... Op. Cit. CARONE, Edgard.
Classes sociais... Op. Cit. PEREIRA, Astrogildo. Ensaios... Op. Cit. PINHEIRO, Paulo Sérgio.
Estratégias da ilusão... Op. Cit. PRESTES, Anita Leocádia. A Coluna Prestes. 4 ed. São Paulo: Paz e
Terra, 1997. VIANNA, Marly de Almeida Gomes. Revolucionários de 35: sonho e realidade. São
Paulo: Companhia das Letras, 1992. ZIMBARG, Luís Alberto. O cidadão armado... Op. Cit.
70
No final de 1926, ainda sob estado de sítio e vislumbrando o início de uma
conjuntura mais favorável, os comunistas iniciaram a construção desse caminho
eleitoral, por meio da constituição do Bloco Operário. Preliminarmente foram
contatadas personalidades políticas do Rio de Janeiro, como o deputado federal
João Batista de Azevedo Lima
4
e o intendente municipal, Maurício Paiva de
Lacerda,
5
e associações operárias. De acordo com Karepovs:
“[...] Na verdade, isto também serve para dimensionar uma evolução
na postura do PCB que começava a compreender a necessidade de,
como partido que almejava ser uma referência de massas, possuir
várias frentes de atuação, funcionando de maneira coordenada e
subordinadas ao objetivo maior, que era a conquista do poder”.
6
Isso faz com que de certa maneira seja possível compreender a profusão de
associações políticas dirigidas pelos comunistas no final dos anos vinte, como
veremos adiante.
Nesse período de atuação legal, bastante breve, diga-se de passagem, de
somente poucos meses (de janeiro a agosto de 1927), que gozou durante o início do
governo Washington Luís, o Partido Comunista do Brasil lançou no Rio de Janeiro o
Bloco Operário. A proposta dessa nova organização era unificar o proletariado em
torno de uma mesma legenda visando participar da disputa eleitoral carioca de 24 de
fevereiro de 1927. Note-se que com a criação desse organismo estava indo ao
encontro das teses aprovadas no V Congresso da Internacional Comunista (IC), de
1924, as quais propunham a formação de frentes únicas pelos Partidos
4
[...] formou-se em medicina, profissão à qual se dedicou, mesmo quando ingressou para a política,
o que ocorreu em 1917, quando se elegeu intendente do Distrito Federal. Novamente eleito em 1920,
não chegou a concluir seu mandato em razão de ter sido eleito deputado federal pelo Distrito Federal
em 1921, reelegendo-se sucessivamente até 1930”. KAREPOVS, Dainis. A esquerda e o parlamento
no Brasil... Op. Cit., p. 185 (nota de rodapé).
5
“[...] Maurício de Lacerda obteve um mandato de deputado federal no ano de 1912, mesmo ano em
que seu pai fora nomeado pelo Presidente da República para o Supremo Tribunal Federal. Reeleito
sucessivamente até 1921, quando perdeu o mandato em razão de sua oposição ao governo de
Epitácio Pessoa, Lacerda foi, na Câmara dos Deputados, um defensor de causas relativas ao mundo
do trabalho e um dos patrocinadores da chamada legislação social, que buscava regulamentar as
relações entre patrões e empregados. Desenvolvera por isso uma polêmica atuação, sendo
classificado tanto de demagogo como criara fama de ser “bolchevista”. Envolvendo-se nas
conspirações “tenentistas”, acabou sendo preso em 5 de julho de 1924. Na prisão, resolveu aceitar o
lançamento de sua candidatura a intendente no Distrito Federal nas eleições de 1º de março de 1926,
na “Chapa Vermelha”, sendo o segundo mais votado no Distrito”. Ibidem, p. 183-184 (nota de
rodapé).
6
Ibidem, p. 182.
71
Comunistas.
7
O lançamento público do Bloco Operário ocorreu no jornal carioca A
Nação, de 5 de janeiro de 1927,
8
onde foi publicada uma Carta Aberta a entidades
operárias cariocas (ANEXO A).
9
É muito peculiar a forma como foi proposta a aliança operária, pois
proclamando que o "Partido Comunista é o único partido operário que
verdadeiramente representa os reais interesses e as aspirações totais da classe
operária", o PCB demonstrava, com essa atitude, não querer aliar-se efetivamente
com o Partido Socialista Brasileiro (PSB)
10
ou com Maurício de Lacerda, ao pautar
somente as divergências que os separavam ao invés de ressaltar as convergências
que os uniriam:
“[...] Nós não concordamos de modo algum com a sua [de Maurício
de Lacerda] política individualista, não partidária, geradora de
confusões e mal-entendidos, que podem servir aos inimigos da
política proletária”.
11
Após a leitura da Carta Aberta fica difícil acreditar na possibilidade de adesão
por parte de Lacerda ou ainda do Partido Socialista, o que de fato não aconteceu.
7
As teses sobre a formação de frentes únicas foram aprovadas pela primeira vez no IV Congresso da
Internacional Comunista, realizado em Moscou, em 1922. No V Congresso, a tática das frentes
únicas permanece, mas com ressalvas. Efetivamente, elas somente poderiam ser concretizadas na
base dos movimentos e excluía-se a possibilidade de aliança com os socialistas. CLAUDIN, Fernand.
La crisis del movimiento comunista. De la Komintern al Kominform. Paris: Ruedo Ibérico, 1970, p.
118. Ver também PINHEIRO, Paulo Sérgio. Estratégias da ilusão... Op. Cit.
8
O professor de direito Leônidas de Rezende editava um jornal de oposição que havia sido fechado
pelo estado de sítio em julho de 1924 quando se aproximara das idéias de Marx e Engels, com as
quais queria fazer uma curiosa conjugação ao positivismo de Auguste Comte. Rezende propôs ao
PCB retomar a publicação do jornal, como órgão de propaganda do Partido, o que é feito a partir de 3
de janeiro de 1927. KAREPOVS, Dainis. A esquerda e o parlamento no Brasil. Op. Cit., p. 189.
9
Carta Aberta a Maurício de Lacerda, a Azevedo Lima, ao Partido Socialista, ao Centro Político
Proletário do Distrito Federal, ao Centro Político dos Chauffers, ao Partido Unionista dos Empregados
no Comércio, ao Centro Político Proletário da Gávea e ao Centro Político Proletário de Niterói, 1927.
Apud CARONE, Edgard. O PCB I... Op. Cit., p. 64.
10
O Partido Socialista do Brasil foi criado em 1º de maio de 1925 e seu Manifesto-Programa,
provavelmente da autoria de Evaristo de Moraes, assinado por operários, jornalistas e advogados.
Pregava a instituição de um Governo em colegiada, pequeno grupo de admiradores igualmente
responsáveis, investidos de autoridade coletiva, sem distinção de hierarquia, apenas, até certo ponto,
especializados em determinadas funções.” Apud CARONE, Edgard. Classes sociais... Op. Cit., p.
137-138.
11
Carta Aberta a Maurício de Lacerda, a Azevedo Lima, ao Partido Socialista, ao Centro Político
Proletário do Distrito Federal, ao Centro Político dos Chauffers, ao Partido Unionista dos Empregados
no Comércio, ao Centro Político Proletário da Gávea e ao Centro Político Proletário de Niterói, 1927.
Apud CARONE, Edgard. O PCB I... Op. Cit., p. 64.
72
Ainda no mesmo documento, a crítica feita ao PSB evidencia que os próprios
comunistas consideravam inviável a união, pois
“[...] Adversários intransigentes da nefasta política reformista,
confusionista, colaboracionista do PSB, entendemos, todavia, que é
esta uma excelente oportunidade para, aos olhos das massas, pôr-se
à prova a sinceridade dos socialistas que se apresentam aos
sufrágios proletários. [...] falando claro e franco, nós não acreditamos
na sinceridade dos chefes do PSB nem dos seus candidatos, e muito
menos em sua influência ou força eleitoral [...]”
12
Kazumi Munakata, em sua dissertação de mestrado, tece uma dura crítica aos
dirigentes comunistas por causa do teor da Carta Aberta.
13
Para o pesquisador,
eram os operários o alvo da convocação, e não as lideranças e as organizações
operárias, conforme expressava o documento, uma vez que, mesmo com a
proposição de unidade, estaria definido previamente quem poderia participar da
aliança. Os dirigentes do PCB, segundo Munakata, estavam preparando o que
pareceria, na visão dos operários, “uma traição por parte do Partido Socialista e de
Maurício de Lacerda” por negarem-se participar da aliança. Diz o autor:
“[...] É por isso que ela é apresentada como algo ‘natural’,
necessária, que obedece a ‘lógica econômica e social’: os
traidores do proletariado podem recusar esta lógica. E é neste
contexto que se tornavam inteligíveis as denúncias que os
comunistas invariavelmente endereçavam aos anarquistas, no
mesmo momento em que os convida para aderirem à frente única.
Pois, na realidade em momento algum é cogitada a adesão desses
adversários: quando se lhes propõe a frente é apenas para
‘demonstrar’ que a recusa de algo tão óbvio como a necessidade de
unificar as forças só pode significar traição”.
14
O autor faz críticas ainda mais duras, ao afirmar que os dirigentes comunistas
realizaram uma manipulação e enunciaram um discurso mentiroso. Embora as
observações de Munakata sejam importantes, sua análise está, na verdade,
baseada naquilo que o Partido “deveria ser” e que parece não ter sido. Em outros
termos, o autor examina a atuação do PCB em função de um dever ser, de uma rota
política que deveria ter tomado, ao invés do caminho que efetivamente seguiu.
Mostra, por outro lado, uma íntima vinculação da análise com o presente, o que
12
Ibidem, p. 66.
13
MUNAKATA, Kazumi. Algumas cenas... Op. Cit., p. 112.
14
Ibidem, p. 74-75.
73
acontece com alguns trabalhos que abordam a história do Partido, conforme foi
ressaltado na Introdução.
Essa postura do PCB, no lançamento da Carta Aberta, também deve ser
compreendida à luz das orientações deliberadas durante o V Congresso da
Internacional Comunista. As teses deste Congresso preconizavam a formação de
alianças com os socialistas somente na base do movimento; com os dirigentes a
postura deveria ser de “desmascaramento”, o que efetivamente implicava quase
impossibilidade de união entre ambas as forças políticas.
15
O PCB acabou por se
aliar somente com Azevedo Lima, eleito deputado federal e a única voz do Bloco
Operário na Câmara dos Deputados.
Desde o final dos anos vinte, o movimento operário estava mergulhado em um
grande refluxo. O governo Arthur Bernardes intensificou ainda mais a repressão
sobre as entidades operárias, que vinham apresentando fragilidades, dificultando
o trabalho de organização da classe trabalhadora. Por isso, greves e outras
manifestações políticas operárias ocorreram em pouca quantidade em 1927 e
1928.
16
Nesse cenário adverso, os poucos meses de atuação legal no início do
governo Washington Luís conferiram aos comunistas a liberdade de atuar
publicamente, fazendo propaganda de sua doutrina política em nome do Partido
Comunista, sem precisarem usar nenhum disfarce para esquivar-se da repressão
policial. Com isso, a ação política do Partido obteve um ganho importante, sobretudo
pela maior facilidade em arregimentar novos militantes e ativistas. Além disso, como
a repressão havia sido ligeiramente amenizada, a tarefa de organização tornava-se
menos complexa. Conseqüentemente, foi durante esse período que os comunistas
começaram a se organizar de modo efetivo, passando a repercutir com mais
intensidade e mais freqüência no movimento operário e sindical do Rio Grande do
Sul, especialmente em Porto Alegre.
15
CLAUDIN, Fernand. La crisis del movimiento comunista… Op. Cit. p. 118.
16
PINHEIRO, Paulo Sérgio. O proletariado industrial... Op. Cit., p. 171.
74
Ainda que, no período de vigência do estado de sítio, o Partido no Rio Grande
do Sul tivesse um Comitê Regional, um pequeno número de membros, uma
associação (União dos Ofícios Vários) e editasse um jornal (Martelo e Foice
Hammer und Sichel), não podemos superestimá-lo, pois eram elementos frágeis,
sem regularidade e intermitentes. Aponto duas evidências para demonstrar a
veracidade dessa afirmação: o fato do Comitê Regional não ter enviado nenhum
representante ao II Congresso do PCB em 1925 “por impossibilidade ocasional”
17
e,
no ano seguinte, não ter encaminhado relatório à Comissão Central Executiva sobre
as atividades sindicais no estado.
18
Portanto, creio ser prematuro considerá-lo
organizado antes de 1927. Os comunistas vinham obtendo realmente um lento
crescimento, mas tal aumento se tornou mais consistente apenas quando expirou o
estado de sítio em janeiro de 1927.
O “nascimento” do PCB no Rio Grande do Sul ocorreu, então, durante esse
curto período de atuação legal no início de 1927, quando conseguiu, inclusive,
aparecer na imprensa “de cara própria”, ao final do mês de abril, anunciando os
preparativos para comemorar a passagem do 1º de maio em Porto Alegre. Foi
divulgado nos jornais Correio do Povo e Diário de Notícias convite feito pelo Partido
à classe trabalhadora para comparecer ao Teatro Thalia, onde iria realizar uma série
de atividades culturais: abertura com a execução de A Internacional, em seguida a
apresentação de dois filmes; por fim, as conferências História do 1º de Maio, O
capitalismo e a luta de classes, Necessidade de organização sindical e A origem e a
evolução das classes, conjunto de atividades que será analisada adiante.
19
Entre as atividades que integraram a comemoração, gostaria de chamar a
atenção para a conferência Necessidade de organização sindical, que parece
evidenciar duas coisas: a pequena penetração sindical dos comunistas e, ao mesmo
tempo, a ofensiva neste terreno que fora lançada com uma política mais agressiva a
fim de conseguir maior inserção em sindicatos, estabelecida no II Congresso do
PCB realizado em 1925.
17
PEREIRA, Astrogildo. Ensaios ... Op. Cit.p. 91.
18
Relatório da Comissão Central Executiva aos Comitês Regionais sobre a situação sindical. Rio de
Janeiro, 2 de fevereiro de 1926, p. 1 (ASMOB).
19
Diário de Notícias, Porto Alegre, 1º de maio de 1927, p. 5.
75
Voltando à questão da legalidade, caso o país ainda estivesse regido pelo
estado de sítio, seria praticamente impossível o Partido conseguir veicular sua
propaganda na imprensa. Muito menos realizar atividades em teatro e abertas ao
público, pois correria perigo de ser reprimido pela polícia. Portanto, o fim do estado
de sítio e o retorno à legalidade proporcionaram benefícios imediatos à ação política
dos comunistas, como sofrer menos com a violência policial e ter maior visibilidade.
Ou seja, o fim da clandestinidade acabou repercutindo positivamente na vida do
PCB no Rio Grande do Sul, tendo em vista que passaram a intervir com mais
regularidade no movimento operário e sindical gaúcho. Não foi por acaso que, na
reunião anarquista preparatória do IV Congresso Operário do Rio Grande do Sul,
realizada em Pelotas, em janeiro de 1927, o combate aos comunistas monopolizou o
debate. Segundo o militante anarquista Friedrich Kniestedt:
“[...] Neste congresso praticamente foi abordado um tema: como
enfrentar o trabalho maléfico dos agitadores bolchevistas? Havia a
consciência de que a tolerância representaria a destruição do
movimento sindical local. Após amplos debates, foram tomadas as
devidas decisões. A evolução posterior mostrou que já era tarde”.
20
Contudo, as dimensões do Partido ainda eram muito pequenas e não
podemos superestimá-las em virtude de seu crescimento e de sua melhor
organização.
Além disso, os comunistas não estavam sozinhos no movimento operário e
sindical. Como o trecho acima, deixa transparecer, os anarquistas tinham uma
tradição relativamente longa e ainda exerciam uma influência significativa junto às
organizações da classe trabalhadora. Evidência disso o os encontros em Pelotas
de 1927 e 1928, os sindicatos, ligas, federações que dirigiam e os jornais
publicados.
21
Contavam com vários militantes, o que fazia deles a principal corrente
do movimento operário e sindical gaúcho até aquele momento, inclusive em nenhum
outro estado do país tinham tanta força. Mas, por outro lado, conforme salientei no
capítulo anterior, desde o início da cada vinha apresentando sinais de lento
20
GERTZ, René (ed.). Memórias ... Op. Cit., p. 142-143.
21
Ibidem, p. 142-143. Cf. LONER, Beatriz Ana. Construção de classe... Op. Cit. LONER, Beatriz Ana.
Quarto congresso operário... Op. Cit. PETERSEN, S. e LUCAS, E. Antologia... Op. Cit. PETERSEN,
Silvia. Da ação direta... Op. Cit. PETERSEN, Silvia. O anarquismo... Op. Cit.
76
declínio, o que alargava as fissuras que contribuíam para o PCB ir lentamente
elevando o peso de sua atuação política.
2.2 O retorno à condição clandestina: repressão e ilegalidade do PCB
O período de atuação legal, decorrente do término do estado de sítio no início
do governo Washington Luís, teve uma duração muito breve. Em julho de 1927, o
deputado federal Aníbal de Toledo emitiu um parecer sobre um projeto de lei em
tramitação no Senado que elevava as penas dos artigos do Código Penal referentes
à violência nas greves, sob o pretexto de conter uma suposta intensificação da
propaganda comunista no país, especialmente em capitais importantes como São
Paulo e Porto Alegre.
22
O objetivo do parecer era “coibir a ‘violência’ do protesto com a ameaça da
violência da repressão penal”, aumentado as penalidades previstas nos artigos do
Código Penal que se referiam à violência nas greves. Para Pinheiro, tal medida
“[...] Quer agravar as penalidades previstas pelo decreto 1162, de
12/12/1891, que visava atingir aqueles que fizessem ‘desviar
operários e trabalhadores dos estabelecimentos em que forem
empregados, por meio de ameaças e constrangimentos’. Em vez de
penas de um a três meses, pedia de seis meses a um ano de prisão
celular. Para o caso, previsto no decreto anterior, de ‘causar ou
provocar cessação ou suspensão de trabalho por meio de ameaças
ou violências, para impor aos operários ou patrões aumento ou
diminuição de serviço ou salário’, a prisão celular passa de um a três
meses para um a dois anos”.
23
Além de procurar coibir as greves, a “lei celerada” (nome que ganhara de seus
opositores pelo caráter extremamente repressor que continha) limitava a liberdade
de imprensa. Por isso, os próprios comunistas decidiram fechar A Nação, antes
mesmo da aprovação da lei, com receio de provocar o aniquilamento do Partido e do
trabalho construído até aquele momento.
24
22
PINHEIRO, Paulo Sérgio. Estratégias da ilusão... Op. Cit., p. 118.
23
Ibidem, p. 119.
24
KAREPOVS, Dainis. A esquerda e o parlamento no Brasil... Op. Cit. p. 267.
77
O projeto sofreu muita resistência no Congresso Nacional para ser aprovado,
principalmente dos deputados da oposição Adolfo Bergamini, Maurício de Medeiros,
Marrey Júnior e Azevedo Lima (Bloco Operário), desenrolando-se um debate
acirrado sobre as conseqüências que ele acarretaria. Fora do Congresso, a
discussão parece ter sido ainda mais intensa, com a organização de muitas
demonstrações sociais de repúdio. O cerceamento à liberdade das entidades
operárias fez com que comícios fossem organizados como forma de protesto. Da
mesma forma, o controle das notícias publicadas pela imprensa atraiu para a
mobilização antilei celerada a Associação Brasileira de Imprensa.
25
As críticas acerca do projeto de Aníbal de Toledo geralmente destacavam o
prejuízo às liberdades públicas, oculto pelo discurso de combate ao avanço do
comunismo no Brasil. Na maior parte das vezes, as apreciações negativas não eram
por causa da repressão aos comunistas, que para muitos dos opositores era até
bem-vinda, mas ao poder discricionário que o governo passaria a ter a partir da
aprovação da lei.
26
Entretanto, apesar da forte resistência, o projeto foi aprovado em
12 de agosto de 1927.
Novamente o PCB era colocado na ilegalidade, mas dessa vez por um
período muito mais longo, que terminaria em 1945. É claro, conforme observei
anteriormente, que a situação de partido proscrito era muito prejudicial para sua
ação política, sobretudo porque a repressão imposta com a aprovação da “lei
celerada” foi alçada a patamares muito elevados. Além disso, a imprensa passou a
ser controlada, impedindo em grande medida que vozes dissonantes ao governo
fossem ouvidas publicamente.
No Rio Grande do Sul, os efeitos da aprovação da “lei celerada” foram
sentidos pelos comunistas praticamente no mesmo instante. O chefe de polícia do
Distrito Federal enviou um telegrama ao chefe de polícia do estado alertando sobre
o suposto avanço do comunismo.
27
Solicitava notificação imediata sobre a situação
25
Diário de Notícias, Porto Alegre, 17 de julho de 1927, p. 1. Os jornais Diário de Notícias e Correio
do Povo fazem a cobertura jornalística do longo debate em torno da lei e sua aprovação.
26
Diário de Notícias, Porto Alegre, 16 de julho de 1929, p. 1-2.
27
Diário de Notícias, Porto Alegre, 6 de agosto de 1927, p. 6.
78
local, que seria preocupante porque tal crescimento incluía, inclusive, planos de uma
revolução. Além da troca de informações, a correspondência continha ordem de
prisão aos comunistas que atuavam na capital gaúcha.
Rapidamente a repressão chegou ao interior do estado. Após o jornal de
Santana do Livramento O Republicano noticiar, em 27 de julho, a existência de um
centro comunista criado por estrangeiros, a polícia intimou os membros da entidade
a comparecerem à delegacia a fim de prestarem informações sobre a circulação de
boletins anônimos na cidade. Nessa investigação, o tipógrafo Adalgiso Py,
28
desertor
da Brigada Militar, foi detido e enviado para Porto Alegre.
29
Adalgiso realmente havia
lançado um boletim, intitulado A Voz Comunista,
30
ao que tudo indica restrito ao seu
primeiro e único número, do qual era o autor de três das quatro matérias presentes
na publicação.
Gostaria de abrir um parêntese e me deter neste momento no boletim, uma
vez que o considero importante para perceber a presença do PCB em Santana do
Livramento. A primeira matéria, Nada mais pior do que, um imbecil que se julga
inteligente, critica a “lei celerada” e uma matéria do jornal O Republicano a qual, pelo
que se pode aferir, lançara acusações contra o Centro Comunista de Santana do
Livramento em virtude da predominância de estrangeiros. Ao final da matéria,
Adalgiso vivas ao Partido Comunista do Brasil e “A Nação” comunista,
demonstrando existir ligação do Centro com o PCB. Aliás, a denominação de Centro
Comunista, por si só, evidencia essa conexão, pois na seção Dos Centros nos
estatutos do Partido consta que:
“Art. 6º - O Partido é constituído por centros locais ou distritais, desde
que contém (sic) um mínimo de 9 aderentes. Nas localidades onde
não haja centros organizados admitem-se aderentes isolados, os
quais devem constituir-se em grupos de propaganda logo que
atinjam o número de três”.
31
28
Não existem muitas informações sobre Adalgiso Py além do que contém o texto. Sabe-se, no
entanto, que era militante do PCB em Santana do Livramento, onde editou A Voz Comunista, e em
1929 seria candidato a deputado federal pelo BOC às eleições de março de 1930.
29
Diário de Notícias, Porto Alegre, 6 de agosto de 1927, p. 6.
30
A Voz Comunista, Santana do Livramento, 26 de julho de 1927. (ASMOB)
31
Estatutos do Partido Comunista (Seção Brasileira da Internacional Comunista). In: Centro
Comunista n. 4. (Seção Brasileira da Internacional Comunista). Porto Alegre, 1925, p. 19.
79
A partir deste trecho dos estatutos, conclui-se, obviamente, que o Centro
Comunista de Santana do Livramento continha no mínimo nove membros. Ainda
com relação a esta mesma brochura, nela estavam inseridos os estatutos dos
Centros Comunistas, os quais salientam que:
“Artigo 1.º O Centro Comunista é parte integrante o (sic) Partido
Comunista (S.B.I.C.).”
*******************************************************************************
“Artigo 3.º Serão admitidos como membros do Centro as pessoas
que aceitarem o programa e os estatutos do Partido Comunista e que
preencherem as condições estabelecidas nos referidos estatutos
(artigo 3.º e suas letras)”.
32
Voltando ao boletim, a segunda matéria é uma resposta à menção sobre
estrangeiros do Centro Comunista de Santana do Livramento. Embora não tenha
ficado clara qual a acusação sofrida pelos comunistas além da predominância de
membros oriundos do exterior, a réplica observava
“[...] somos nacionales, y talvez mas puros, porque en nuestras
venas corren sangre de indios los verdaderos dueños de este pais y
nada posehemos, somos nosotros los que luchamos encontra de los
usurpadores estranjeros, capitalistas y no de los obreros estrangeros,
pues esto tambien son despojados de su propriedad como nosotros y
luchamos unidos porque defendemos la misma causa [...]”.
33
O trecho supracitado, escrito em espanhol, demonstra a presença de
estrangeiros entre os componentes do Centro Comunista de Santana do Livramento.
Certamente, o fato de ser uma cidade fronteiriça com Rivera, no Uruguai, facilitava
esse contato. Todavia, como veremos adiante, isso não era exclusividade de
Santana do Livramento e atingia também Porto Alegre.
Conforme salientei e a historiografia demonstra,
34
o anarquismo vinha
apresentando sinais de que estava declinando nos anos vinte, o que era menos
intenso no Rio Grande do Sul do que no restante do país. No estado, o local mais
32
Estatutos dos Centros Comunistas. In: Centro Comunista n. 4. (Seção Brasileira da Internacional
Comunista). Porto Alegre, 1925, p. 35.
33
A Voz Comunista, Santana do Livramento, 26 de julho de 1927. (ASMOB)
34
Cf. GOMES, Angela de Castro. A invenção... Op. Cit. LONER, Beatriz Ana. Construção de classe...
Op. Cit. PETERSEN, Silvia. Da ação direta... Op. Cit. PETERSEN, Silvia. O anarquismo... Op. Cit.
80
fragilizado era Porto Alegre, pois aí os anarquistas sofreram embates que não
alcançaram os grupos do interior. Tiveram uma vida mais longa em Ba e
Uruguaiana, cidades que sediaram os núcleos mais expressivos.
35
Mesmo inserida
nessa conjuntura adversa, ainda em 1927, no s de agosto, a Federação Operária
do Rio Grande do Sul (FORGS), orientada então pelos anarquistas, organizou uma
série de comícios para protestar contra o decreto de execução de Nicolau Sacco e
Bartolomeu Vanzetti, operários italianos anarquistas acusados injustamente de
assassinato nos Estados Unidos.
36
Esse acontecimento comoveu a opinião pública
mundial e causou forte repercussão no movimento operário em vários países, sendo
o estopim para a deflagração de muitas mobilizações.
Nessa onda de protestos, ocorreu uma situação interessante em Porto Alegre:
apesar das divergências que separavam comunistas e anarquistas e das disputas
que vinham tendo no movimento sindical gaúcho, um membro do Comitê Regional
do PCB procurou o Comitê de Agitação Pró - Sacco e Vanzetti porque o Partido teria
deliberado participar deste evento e queria colaborar com sua realização.
“[...] Depois de considerar-se a proposta, o Comitê de Agitação Pró -
Sacco e Vanzetti, resolveu, não aceitar a colaboração do ‘Partido
Comunista’ em vista, que eles apóiam diretamente ou indiretamente
a um governo que martiriza a dezenas de revolucionários, inclusive
anarquistas”.
37
Contudo, os comunistas participaram em um dos comícios organizados pelo
referido Comitê, na Praça da Alfândega, que parece ter sido bastante prestigiado
pelas entidades operárias, mediante a presença de Luis Cuervo, naquele momento o
principal dirigente comunista no estado, representando o Sindicato dos Vidraceiros.
38
Também figurou Antonio Nalepinsky, outrora anarquista, que no final dos anos vinte
esteve envolvido em algumas associações e atividades comunistas.
35
LONER, Beatriz Ana. Quarto congresso operário... Op. Cit., p. 32.
36
Alguns dos oradores nessas atividades: Francisco Grecco, Abílio Santos, Orlando Martins,
Anastácio G. Filho, T. Nalipinsky (provavelmente Antonio Nalepinsky), Manoel Otero, F. Carvalho,
Carlos Ferrari (pertencente ao Partido Trabalhista).
37
O Sindicalista, Porto Alegre, 15 de novembro de 1927, p. 4. (NPH). As citações serão corrigidas
ortograficamente conforme as normas atuais da língua portuguesa.
38
Diário de Notícias, Porto Alegre, 9 de agosto de 1927, p. 7. Diário de Notícias, Porto Alegre, 10 de
agosto de 1927. Correio do Povo, Porto Alegre, 10 de agosto de 1927, p. 5.
81
Esta situação evidencia a pequena penetração dos comunistas no movimento
operário gaúcho, uma vez que tentaram uma espécie de acordo para participarem
da mobilização. Caso tivessem um peso maior entre as entidades operárias,
possivelmente não seria necessária uma atitude como essa, porque poderiam
bancar uma atividade própria. Mas, por outro lado, pode ser compreendida,
paradoxalmente, como um sintoma do crescimento da presença do PCB no
movimento operário e sindical, ainda que em ritmo lento, o que havia sido
constatado por delegados presentes na reunião preparatória do IV Congresso
Operário do Rio Grande do Sul, conforme apontei antes. A decisão de participar dos
protestos contra a execução de Sacco e Vanzetti demonstra que desejavam ampliar
a sua inserção no movimento operário, disputando espaços com os anarquistas e o
empenho em executar tal tarefa, a qual estava em consonância com os desígnios do
último Congresso do Partido.
O fato dos anarquistas estarem expressando seu descontentamento com a
crescente penetração sindical comunista, sendo que estes não desenvolviam
atividades públicas numerosas, é indício que o PCB vinha desenvolvendo um
trabalho “de formiga” nos sindicatos. Ou seja, embora não viessem realizando um
grande número de ações a descoberto, em grande medida por causa da repressão,
os comunistas estavam realizando nos bastidores dos sindicatos uma ofensiva nas
bases do sindicalismo revolucionário, inserindo militantes nas empresas e
angariando, de maneira discreta, novos membros e ativistas, até conseguirem tomar
a direção das entidades sindicais, da mesma forma que fizeram no Rio de Janeiro.
39
Contudo, os resultados ainda eram pequenos e o número de sindicatos
controlados unicamente por comunistas provavelmente se resumia à União dos
Ofícios Vários e ao Sindicato dos Vidraceiros, se é que este era dirigido somente por
membros do PCB. Mas, por outro lado, é possível que o descontentamento dos
anarquistas se devesse mais à ameaça simbólica da presença de um Partido
Comunista organizado e impondo uma ofensiva em outros centros do país, do que
propriamente a um grande número de sindicatos comunistas, o que de fato não
39
GOMES, Angela de Castro. A invenção... Op. Cit., p. 159.
82
existia. Conforme veremos, apenas em 1929 o Partido criaria e/ou reorganizaria um
número expressivo de entidades sindicais.
Porém, a despeito do recuo anarquista, o quadro político desfavorecia os
comunistas por causa da clandestinidade, impedindo mais uma vez o PCB de
aparecer em público. Provavelmente, a intervenção de Luis Cuervo em um dos
comícios organizados pelo Comitê de Agitação Pró - Sacco e Vanzetti foi a última
manifestação pública dos comunistas em 1927, naquele que foi o ponto alto do
movimento operário do ano. Mas, por outro lado, é possível que os comunistas
tenham desenvolvido outras atividades sem divulgação pela imprensa, em virtude da
censura imposta pela “lei celerada”.
As dificuldades de organização e propaganda dos comunistas no Rio Grande
do Sul, no entanto, não se deviam unicamente à repressão advinda da “lei celerada”,
mas também às próprias dificuldades internas que acometiam o Partido. O PCB
apresentou um problema crônico de crescimento no estado, mesmo este sendo um
dos berços do comunismo no país. Desde a fundação do Partido em 1922 até
aquele momento, pouco havia sido realizado em termos de ampliar o quadro de
militantes e ativistas, permanecendo por quase todos os anos vinte com um número
muito pequeno de membros. Não podemos esquecer que, logo após a fundação do
Partido, o principal militante do Rio Grande do Sul, Abílio de Nequete, abandonou a
organização, o que deve ter abalado a estrutura comunista gaúcha. Contudo, o fraco
desempenho não pode ser creditado unicamente à ausência de um indivíduo por
maior importância que ele tivesse.
Ainda sobre o pequeno número de militantes, o Comitê Regional do PCB
liberava a filiação de um novo membro após este passar por um longo período de
teste, a fim de provar o merecimento de ingressar no Partido. O metalúrgico Eloy
Martins,
40
que nos relata em suas memórias essa condição, esperou cinco anos
40
Eloy Martins nasceu em Laguna, Santa Catarina, em 1922. Muda-se para Porto Alegre em 1925,
onde fixa residência. Metalúrgico, em fins de 1927 entra em contato com o Grupo de Operários
Apolíticos (organização anarquista) por meio do seu irmão Moarê. No início de 1928 é preso pela
primeira vez por participar de reunião preparatória de uma greve. No mesmo ano, quando estava
trabalhando no estaleiro Alcaraz & Cia, conhece Ramão (membro do PCB) e logo em seguida, em um
jogo de futebol da empresa, Jacob Koutzii (outro membro do PCB), de quem recebe exemplares de A
83
para sua filiação ser liberada. Em 1928, Martins tinha dezessete anos de idade e,
segundo os estatutos do PCB,
41
não poderia filiar-se ao Partido, pois só eram
aceitos indivíduos maiores de dezoito anos. Ainda que, no ano seguinte, atingisse a
maioridade, a filiação de Martins só foi liberada em 1933, quando estava com vinte e
três anos.
42
Evidentemente, esse rigor na filiação de novos membros limitava a
ampliação do quadro de militantes comunistas.
Aqui cabe explicar uma aparente contradição entre o crescimento do número
de militantes do Partido e a penetração sindical. Se os comunistas enfrentavam
problemas de crescimento, conforme estou enfatizando, como compreender ao
mesmo tempo a maior repercussão no movimento operário e sindical? Considero o
aumento do mero de militantes e de células não ser a mesma coisa que
penetração sindical, não existindo relação direta entre ambas. A ampliação da
presença comunista nos sindicatos de Porto Alegre era produto de uma política de
inserção sindical mais agressiva, de acordo com as deliberações dos seus fóruns
nacionais. Provavelmente, os poucos militantes deviam se desdobrar e realizar um
trabalho abnegado, no qual cada um multiplicava-se em muitos.
Aliás, a abnegação era uma característica marcante do comunista. A visão
cientificista, evolucionista e teleológica do processo histórico, implicava a crença por
parte do militante na inevitabilidade do socialismo, o que ensejava um forte
engajamento político-partidário, como freqüentemente se observa na história dos
partidos comunistas. Na ação política cotidiana da militância “o presente é vivido não
como algo em si, mas como um momento parcial de um projeto maior que será
necessariamente realizado”,
43
daí a extrema dedicação e o desprendimento em
realizar inúmeras atividades. Jorge Ferreira, mesmo analisando o período
imediatamente posterior ao do presente trabalho, tece alguns comentários que
considero pertinentes para dimensionar a imersão do militante na estrutura do
Classe Operária. Na semana seguinte ao encontro, Martins ingressa no BOC. Eloy Martins filia-se ao
PCB em 1933, organização na qual dedica toda sua vida à causa comunista. Faleceu em Porto
Alegre em 2005. Maiores detalhes ver: MARTINS, Eloy. Um depoimento político... Op. Cit.
41
Estatutos do Partido Comunista (Seção Brasileira da Internacional Comunista). In: Centro
Comunista n. 4. (Seção Brasileira da Internacional Comunista). Porto Alegre, 1925, p. 18.
42
MARTINS, Eloy. Um depoimento político... Op. Cit., p. 41.
43
PANDOLFI, Dulce. Camaradas e companheiros... Op. Cit., p. 43.
84
Partido. Ao examinar a vida partidária comunista, destaca a grande quantidade de
tarefas que o militante era submetido a cumprir:
“A vida do revolucionário na organização era totalmente absorvida
pelas tarefas, atividades que atuavam como um verdadeiro massacre
sobre os quadros revolucionários. [...] As tarefas, particularmente as
externas, envolviam por completo o cotidiano do militante, deixando-
o assoberbado de trabalho”.
44
Segundo o mesmo autor, independente da posição na hierarquia do Partido,
se dirigente ou militante, “os revolucionários dedicavam todas as suas energias para
o cumprimento de suas obrigações, sem medir as conseqüências físicas, pessoais,
emocionais, financeiras ou familiares”.
45
Ou seja, o comunista entregava-se à ação
política com afinco para, assim, conseguir atingir os seus objetivos imediatos e com
o socialismo em seu horizonte. Portanto, os poucos membros do PCB no Rio
Grande do Sul, em virtude dessa obstinação, deveriam aparentar ser em maior
número do que eram na realidade.
2.3 Dificuldades de organização do Bloco Operário e Camponês no Rio
Grande do Sul
Com a avaliação de que a experiência no Bloco Operário fora exitosa no Rio
de Janeiro, ao eleger Azevedo Lima deputado federal em 1927, o clandestino PCB
decidiu mantê-la e expandi-la a todas as localidades onde existissem núcleos
comunistas organizados. Dessa forma, procurava driblar a ilegalidade para
conseguir atuar livremente. Como observei, o marco teórico que orientava os
comunistas brasileiros naquela época, desenvolvido por Otávio Brandão,
interpretava a sociedade brasileira como alvo da disputa entre o imperialismo
americano, ligado à burguesia industrial, que explorava os trabalhadores urbanos, e
o inglês, ligado por sua vez à burguesia cafeeira, que explorava os trabalhadores
rurais. Portanto, sob essa concepção, era necessária a unidade da classe
trabalhadora, tanto urbana quanto rural, na mesma luta de transformação social. Por
isso, em 2 de novembro de 1927, o nome do Bloco Operário foi alterado para Bloco
44
FERREIRA, Jorge. Prisioneiros do mito... Op. Cit., p. 89.
45
Ibidem, p. 94.
85
Operário e Camponês para comportar o campesinato, se bem que este não foi muito
mais do que uma palavra na sigla da organização.
46
Nas eleições municipais do Distrito Federal, em outubro de 1928, o BOC
obteve uma vitória importante ao conseguir eleger e empossar seus dois únicos
candidatos ao Conselho Municipal do Rio de Janeiro: Octávio Brandão e Minervino
de Oliveira. Em outras cidades, candidatos do BOC foram eleitos mas não
empossados devido ao não reconhecimento pela comissão de verificação de
poderes.
47
Enquanto isso, no Rio Grande do Sul, devido às dificuldades em Porto Alegre,
a FORGS se transferiu para Bagé, em 1927, provavelmente, porque existia um
dos maiores núcleos anarquistas do estado,
48
mas acabou retornando no ano
seguinte para a capital. Em janeiro de 1928, foi sediado em Pelotas o IV Congresso
Operário do Rio Grande do Sul, realizado por anarquistas. Compareceram
representantes de diversas entidades operárias do estado, inclusive da FORGS, que
demonstrava cada vez maior fragilidade e a realização de um evento desse porte no
interior, ao invés da capital, é um indicativo do declínio do anarquismo em Porto
Alegre. Provavelmente, pela maior penetração dos anarquistas no interior, os
comunistas, em que pese suas fragilidades internas, tenham enfrentado um pouco
mais de dificuldades em organizarem-se nessas cidades. Talvez por isso, o PCB
tenha se concentrado especialmente em Porto Alegre, tendo desenvolvido
paralelamente algum trabalho em Santana do Livramento e crescido em Pelotas um
pouco mais tarde.
No entanto, as condições para a presença comunista no movimento operário
foram se ampliando lentamente. Ao final da década de vinte os anarquistas se
afastaram do movimento sindical, para se dedicarem com mais intensidade às
questões culturais e doutrinárias. Um exemplo disso é a edição do jornal A Luta, de
setembro de 1928. Numa de suas matérias, intitulada “Organização Sindical”, o
46
Praticamente não existiu penetração do BOC entre os trabalhadores rurais. Para ver um dos
poucos casos onde o contrário ocorreu, conferir ROSA, Lilian Rodrigues de Oliveira. Comunistas em
Ribeirão Preto (1922-1947). Franca: UNESP/Franca, 1999.
47
PINHEIRO, P. e HALL, M. A Classe Operária no Brasil... Op. Cit., p. 132.
48
LONER, Beatriz Ana. Quarto Congresso operário... Op. Cit. p. 30.
86
colunista destacava a importância do sindicalismo para a aquisição de novos e
abnegados militantes. Mas, por outro lado, esboçava um descontentamento com o
movimento sindical nos moldes de então, baseado exclusivamente em critérios
econômicos e no qual vários problemas que atingiam a vida dos trabalhadores não
estavam sendo respondidos de maneira adequada pelos sindicatos. Portanto, o
colunista defendia que a “intervenção dos companheiros anarquistas na organização
sindical terá que ser puramente doutrinária”,
49
o que abria uma brecha
importantíssima para os comunistas ampliarem o peso de sua intervenção política
no movimento sindical.
Em relação ao BOC no Rio Grande do Sul, ele foi criado, aproximadamente,
em fins de abril de 1928, em Porto Alegre, cuja inauguração pública ocorreu nas
comemorações do de Maio, atividade analisada mais detidamente adiante. Neste
mesmo dia, foi mencionada pela primeira vez uma ação comunista em Pelotas. O
jornal de circulação nacional do PCB, A Classe Operária, publicou no dia 19, na
seção destinada às manifestações partidárias regionais, um manifesto lançado pelo
“Núcleo Proletário Pelotense” em razão da passagem da importante data operária
(ANEXO B).
50
Esse surgimento um pouco tardio do PCB pelotense na forma precária
de um núcleo e sua atuação resumida a um panfleto evidenciam a fragilidade do
Partido no estado. Além disso, demonstrava que os comunistas não tinham inserção
em nenhuma entidade operária da cidade e eram em pequeno número, o que é
confirmado em uma correspondência da Comissão Central Executiva ao Comitê
Regional do Rio Grande do Sul: existiam entre dez e quinze militantes.
51
Do
contrário, poderia ter sido realizada uma manifestação com maior envergadura.
Ainda neste mês, um núcleo do BOC foi criado em Santana do Livramento, na
fronteira com o Uruguai. Luiz Gonzaga Madureira,
52
um militante que, fugindo da
49
A Luta, Porto Alegre, setembro de 1928, p. 4. (NPH)
50
A Classe Operária, Rio de Janeiro, 19 de maio de 1928, p. 2. (ASMOB).
51
Carta da Comissão Central Executiva ao Comitê Regional do Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro, 11
de setembro de 1928. (ASMOB).
52
Luiz Gonzaga Madureira era português e atuava em Santos, onde fora dirigente do Comitê Local.
Em junho de 1927, teve sua expulsão do país decretada por conta de um suposto atentado
revolucionário contra a Companhia Light, no Rio de Janeiro, imputado a anarquistas e comunistas
estrangeiros. Madureira consegue fugir e acaba chegando a Santana do Livramento, onde entra em
contato com o BOC local. In: SILVA, Fernando Teixeira da. Operário sem patrões: os trabalhadores
87
perseguição policial de Santos, veio parar em Livramento, relata que Satyro
Lacerda, principal dirigente comunista local, orientava o BOC para se aliar com a
oposição (provavelmente libertadora), a fim de compor uma chapa de intendentes
para as eleições de julho de 1928. Não concordando inteiramente com o
encaminhamento, Madureira recomendou à Comissão Central Executiva intervir
rapidamente para evitar maiores problemas. Além disso, descobriu-se que Satyro
Lacerda fora membro do Partido Comunista do Uruguai, do qual havia sido expulso.
Foi decidido, então, fundar um novo BOC na cidade, o que acabou não dando certo
porque a maior parte dos membros como vimos era estrangeira.
53
Em outras cidades algumas tentativas de criação de núcleos existiram, mas
sem obter sucesso, o que refletia os problemas internos do PCB.
Mas o Partido parecia o conseguir ocupar o espaço deixado pelo recuo do
anarquismo. O BOC, que desenvolvia um trabalho importante no Rio de Janeiro,
parece não ter tido o devido tratamento por parte do Comitê Regional do Rio Grande
do Sul. A leitura das fontes de pesquisa indica que outras frentes de atuação foram
priorizadas pelo grupo dirigente estadual do PCB, em detrimento da organização do
BOC, especialmente a de combate ao imperialismo, mediante a atuação da Liga
Pró-México Antiimperialista em Porto Alegre. Ou seja, de certa maneira, este
trabalho parece ter menosprezado e até mesmo contrariado as deliberações da
direção nacional do Partido, que atribuía um papel destacado ao BOC.
É possível identificar alguns membros do PCB que estavam atuando no
estado em 1927, mas não é possível reconhecer dentre eles todos os nomes do
grupo dirigente estadual do Partido, nem os seus respectivos cargos na direção,
com algumas exceções: Luiz Cuervo (estrangeiro), principal dirigente do Comitê
Regional; Isaac Scliar, livreiro do Comitê Regional; Henrique Scliar; Samuel Speisky
(argentino); Nicolau Artsevensco (estrangeiro);
54
Eduardo Budasewsky, H.
da cidade de Santos no entreguerras. Campinas: Editora da Unicamp, 2003, p. 372. KAREPOVS,
Dainis. A esquerda e o parlamento no Brasil... Op. Cit., p. 323.
53
KAREPOVS, Dainis. A esquerda e o parlamento no Brasil... Op. Cit. p. 323.
54
O estrangeiro Nicolau Artsevensco, cuja procedência não pude estabelecer, era dentista e
membro do PCB desde a sua fundação e presidente do Comitê Regional do BOC reorganizado em
julho de 1928. In: Correio do Povo, Porto Alegre, 14 de outubro de 1928, p. 3. Carta de Marcos
88
Schondelmayer (alemão); F. Haberland (alemão); Manuel Pereira (português);
Adalgiso Py; Santos Soares; Ramão;
55
Jacob Koutzii (russo)
56
e o advogado Hugo
Ungaretti.
57
Em relação a este último, gostaria de relatar um incidente protagonizado por
ele, que indica a existência de divergências internas entre os comunistas no Rio
Grande do Sul. Hugo Ungaretti, que exercia a tarefa de orador da principal
associação conduzida pelos comunistas no período (a Liga Pró-México
Antiimperialista), enviou uma correspondência à Comissão Central Executiva,
reclamando da postura do grupo dirigente regional por adotar práticas políticas
sectárias Luiz Cuervo dizia que “o ideal [revolucionário] é um monopólio
exclusivamente seu
58
—, o que desagradava o ativista. Além disso, acusava a
direção de ser composta, em sua maioria por estrangeiros e por operários
ignorantes. Então, propunha à Comissão Central Executiva a intervenção no Comitê
Regional para formar um Comitê alternativo, que ele já estava pondo em prática, o
que foi veementemente recusado pelo comando nacional do PCB. A resposta dada
a Ungaretti foi um tanto dura:
“O Partido Comunista é uma organização internacional única. O
Partido brasileiro é apenas a ‘seção brasileira’ da Internacional
Comunista. Não pode haver sinão (sic) uma única seção ou partido
em cada país. Pelas mesmas razões, em cada Estado ou Região do
país, nós não podemos admitir sinão (sic) uma única seção do nosso
Partido. Segundo o sistema de organização que nos rege, o Brasil se
Piatigoski ao Secretariado da Seção Latino-Americana da IC. Paris, 26 de julho de 1930. (RGASPI).
Relatório do Comitê Regional do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, [dezembro 1928], p. 2. (RGASPI).
55
O militante do PCB Ramão exerceu papel importante no convencimento de seu colega de trabalho
Eloy Martins para se filiar ao BOC, em 1928. In: MARTINS, Eloy. Um depoimento político... Op. Cit.,
p. 28.
56
Jacob Koutzii nasceu na Rússia em 1908, no início da Guerra veio para o Brasil com os pais,
Julio e Olga Koutzii. Utilizava o nome de guerra “Isaac” e, como colaborador de A Classe Operária, o
pseudônimo “Plínio Moraes”. Era o responsável do Partido pela organização da juventude comunista
e seu trabalho se concentrava entre os jovens operários. Embora ressentido com o PCB, não se
afastou como outros por causa da proibição de filiação de estrangeiros. Faleceu em 1975 com 67
anos de idade. In: MARTINS, Eloy. Um depoimento político... Op. Cit., p. 28. Matrícula dos presos
recolhidos à Casa de Correção. Porto Alegre, (set/1926 a mar/1928), p. 57. Fundo da polícia,
prontuário 304. (AHRS).
57
Hugo Ungaretti era advogado, morava na Rua Ramiro Barcellos, n.º 324. Exercia a tarefa de
orador da principal associação conduzida pelos comunistas em 1928, a Liga Pró-México
Antiimperialista. Era divergente do comando do Comitê Regional liderado por Luiz Cuervo. In:
Correspondência expedida pela Delegacia Auxiliar da Chefatura de Polícia. Porto Alegre, de
julho de 1931. Fundo da polícia, prontuário 13. (AHRS). Carta da Comissão Central Executiva a Hugo
Ungaretti. Rio de Janeiro, 1º de junho de 1928. (ASMOB).
58
KAREPOVS, Dainis. A esquerda e o parlamento no Brasil... Op. Cit., p. 322.
89
acha dividido em Regiões (mais ou menos correspondentes às
divisões estaduais), onde a organização dos membros do PCB é
dirigida por um Comitê Regional diretamente ligado ao Comitê
Central do Partido. As organizações regionais e locais regem-se pelo
mesmo Estatuto do Partido, visto que esse Estatuto é nacional.
Do que fica dito se concluí: 1) que o Comitê Central do PCB
reconhece como parte integrante do PCB uma única organização
regional no Rio Grande do Sul, que é aquela dirigida pelo Comitê
Regional de Porto Alegre (composto pelo camarada Cuervo e
outros); 2) que o Comitê Central do PCB não pode admitir outra
organização comunista paralela, ou sobreposta, na mesma Região,
muito menos com estatutos especiais, como é o caso constante de
sua carta”.
59
Logo a seguir, enfatizava-se que, mesmo sendo verdadeiras as acusações de
Ungaretti, o caminho a ser trilhado para modificar tal situação era dentro da
organização partidária, e não por fora como estava fazendo ao construir outro
Comitê. Era argumentado que a predominância de estrangeiros seria natural em um
estado de imigração como o Rio Grande do Sul. Com relação à “ignorância” dos
membros do Comitê Regional, isso era tratado com naturalidade, pois seria produto
do capitalismo, regime que não instrui operários. Somente após a revolução é que
os operários teriam oportunidade para se instruírem, revolução que em todo o caso
apenas eles poderiam fazer, mesmo com toda sua ignorância. E continuava o
documento:
“[...] Evidentemente, o PC não despreza o concurso de intelectuais
instruídos, vindo da pequena e mesmo da grande burguesia; mas é
preciso que esses intelectuais proletarizem pelo menos sua
mentalidade, desfazendo-se da presunção e das fumaças próprias
dos intelectuais. O PC é um partido de operários e não de
intelectuais”.
60
Ao final da carta, repousava dúvida sobre a filiação de Ungaretti ao Partido,
que seu nome não estava incluído na relação de filiados. Tudo isso, inclusive este
último fato, aponta para a existência de divergências internas na militância
comunista gaúcha. Essa dissonância era ocasionada por interpretações diferentes
sobre a rota a ser implementada pelo PCB no estado e a postura adotada pelos
59
Carta da Comissão Central Executiva a Hugo Ungaretti. Rio de Janeiro, de junho de 1928, p. 1.
(ASMOB). Grifos no original.
60
Ibidem, p. 2.
90
membros (ou por alguns) da organização. Também evidencia um choque entre
militantes nacionais e estrangeiros.
Entretanto, mesmo apoiando o Comitê Regional e ficando contra Hugo
Ungaretti, a Comissão Central Executiva parecia não estar satisfeita com o que
estava acontecendo no Rio Grande do Sul. Tanto é que, no mês seguinte ao
recebimento da carta de Ungaretti, o PCB e o BOC gaúchos foram reorganizados
pela CCE.
Em 5 de julho de 1928, constituiu-se um Comitê Regional provisório para o
PCB no Rio Grande do Sul. Nesse momento, o Partido contava com trinta e seis
membros (dez pequenos e médios patrões, dois intelectuais, três artesãos e
dezenove operários),
61
dos quais dez ou doze em Porto Alegre e o restante
distribuído em Pelotas, Rio Grande, Caxias do Sul e Santana do Livramento.
62
E
quando foi realizada a I Conferência Regional, em fins de setembro, havia
aumentado seu efetivo para quarenta e oito (dois intelectuais, três artesãos e
quarenta e três operários), o que era um crescimento considerável, principalmente
no meio operário.
63
No final do ano, o número se elevou ainda mais, atingindo
oitenta filiados,
64
demonstrando que a nova direção estava conseguindo de início ser
vitoriosa, pelo menos no que se refere à ampliação do quadro de militantes
partidários.
Não obstante o crescimento, ainda era um número relativamente pequeno.
Desconheço a quantidade de militantes anarquistas, mas pelo que indica a
participação nos congressos operários ocorridos no estado, eles talvez fossem mais
do que oitenta.
65
Ou seja, os comunistas provavelmente levavam desvantagem
61
Os dados apresentados são estes, embora se perceba claramente que imprecisões, uma vez
que a soma dos membros divididos por categorias (trinta e quatro) não corresponde ao número total
da militância (trinta e seis).
62
KAREPOVS, Dainis. A esquerda e o parlamento no Brasil... Op. Cit., p. 322.
63
Relatório do Comitê Regional do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, [dezembro 1928], p. 2.
(RGASPI).
64
KAREPOVS, Dainis. A esquerda e o parlamento no Brasil... Op. Cit., p. 269.
65
O III Congresso Operário realizado em 1925 reuniu cerca de vinte e sete delegados; a reunião
preparatória ao IV Congresso realizada em 1927 contou com dezoito; o IV Congresso Operário de
1928 participaram 20 representantes. LONER, Beatriz Ana. Quarto congresso operário... Op. Cit., p.
25.
91
numérica em relação aos seus maiores adversários, mesmo que estes estivessem
perdendo fôlego.
Além disso, mesmo em se tratando de militantes, entre os quais
provavelmente haveria mais homogeneidade, nem todos tinham o mesmo
engajamento partidário. Cláudio Batalha aponta no movimento operário a existência
de três tipos (embora não seja uma classificação rígida), que considero apropriados
para usar neste caso: as lideranças, aqueles que produziam artigos teóricos e
definiam políticas para o movimento; os quadros intermediários, que tinham
participação efetiva nas direções de entidades, embora não produzisem
teoricamente; e os militantes de base, o maior grupo, aqueles que tinham atuação
eventual e participavam mais nos momentos de ascenso, e nos momentos de
refluxo abandonariam a participação no movimento retraindo-se na vida privada.
66
Portanto, deve-se relativizar esse número de oitenta militantes, pois nem todos
deveriam ter engajamento político mais efetivo no cotidiano da organização, sendo
apenas filiados.
O BOC também foi reorganizado, cortando-se o vínculo com o anterior que
não conseguira construir nada significativo. A organização teve algum impacto entre
os sindicatos, sobretudo dos gráficos.
67
A composição do novo Comitê Regional do
BOC gaúcho ficou a seguinte: Nicolau Artsevensco, presidente; João Batista
Carminati, secretário; Mário Pitel; João Torres e Leopoldo Gonçalves.
68
Nos
primeiros meses, o novo BOC procurou estabelecer contatos com os núcleos do
PCB, a fim de expandir as atividades, porém o obteve sucesso nem participou de
processos eleitorais.
69
66
BATALHA, Cláudio. Vida associativa... Op. Cit., p. 93.
67
Relatório do Comitê Regional do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, [dezembro 1928], p. 4.
(RGASPI).
68
Correio do Povo, Porto Alegre, 14 de outubro de 1928, p. 3. São desconhecidas outras informações
sobre os membros do novo Comitê e de seus cargos no mesmo.
69
Relatório do Comitê Regional do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, [dezembro 1928], p. 4.
(RGASPI).
92
Por outro lado, em Rio Grande, em novembro de 1928, numa reunião da
Sociedade União Operária (SUO),
70
Octávio Santos, integrante da entidade,
comunica que o BOC estaria se organizando na cidade e gostaria de se reunir em
uma sala da SUO. Este pedido, após longo e acirrado debate, foi negado sob a
alegação de tratar-se de uma “sociedade comunista com idéias puramente políticas
incompatíveis com os princípios conservadores da Sociedade União Operária”.
71
No
entanto, a direção do BOC rio-grandino, apesar de recrutar trinta e um membros nos
primeiros dias de funcionamento, ainda em 1928,
72
foi oficializada em 21 de abril
de 1929,
73
no esforço dos comunistas ampliarem sua influência no movimento
operário e sindical gaúcho, como veremos posteriormente. Os membros desta
direção eram: Félix Ferro, presidente; Gustavo [ou Octávio] Santos, primeiro-
secretário; Antonio Lima, segundo-secretário; Frutuoso Iglesias, tesoureiro; José
Marciscano, arquivista. Porém, apesar da organização do BOC na cidade, durante o
ano de 1929 sua atuação praticamente não obteve destaque.
Ainda que o BOC fosse umas das prioridades estabelecidas pela Comissão
Central Executiva do PCB, no ano de 1928 a associação influenciada pelos
comunistas que obteve maior repercussão em Porto Alegre, principalmente pela
visibilidade adquirida na imprensa, foi a Liga Pró-México Antiimperialista. Esta
associação foi criada em janeiro daquele ano para protestar contra uma intervenção
no México pelos Estados Unidos, fato que havia motivado o representante do
Partido Comunista Norte-Americano na V Reunião do Comitê Executivo da IC em
1925, a propor união com outro partido operário americano no sentido de criar uma
liga antiimperialista.
74
Mas a Liga Pró-México Antiimperialista não era uma associação composta
exclusivamente por comunistas (Jorge Bahlis, presidente, Hugo Ungaretti, orador
oficial e Luis Cuervo, que exercia um trabalho destacado na entidade): havia
também integrantes com outras opções político-ideológicas, como Antonio
70
Associação fundada em 1898 sob influência dos socialistas, mas que nos últimos anos havia se
transformado numa entidade promotora de atividades culturais.
71
Livro de Atas das Sessões de Assembléia Geral da Sociedade União Operária. n.º 48, Rio Grande
18 de novembro de 1928. (CDHHPN). Agradeço a Beatriz Loner pela indicação da fonte.
72
KAREPOVS, Dainis, A esquerda e o parlamento... Op. Cit., p. 322.
73
Echo do Sul, Rio Grande, 30 de abril de 1929, p. 2. (BRG).
74
PINHEIRO, Paulo Sérgio. Estratégias da ilusão... Op. Cit. p. 153.
93
Nalepinski, o qual tinha um passado anarquista e Carlos Ferrari, pertencente ao
Partido Trabalhista. A Liga procurava “congregar um grupo de intelectuais seletos
com o fim de proporcionar a seus aderentes reuniões artísticas e instrutivas”.
75
Funcionava por meio de reuniões abertas e conferências públicas sobre assuntos
específicos relacionados à luta antiimperialista, implementando um nítido caráter
doutrinário às suas sessões, as quais tinham cobertura freqüente pelos jornais.
76
Pela vinculação política plural de seus componentes, provavelmente sua direção
fosse motivo de disputa interna entre as tendências.
A Liga, sendo a principal associação (praticamente a única, tendo em vista o
fraco desempenho do BOC e o desaparecimento da União dos Ofícios Vários) em
que os comunistas atuavam, acabava por dar a tônica à atuação do Partido. Ou
seja, as características da atuação da Liga eram as mesmas do Partido. Sua ação
política se resumia a um grupo de propaganda, que não passava de um número
reduzido de indivíduos preocupados com debates intelectuais, sem maiores
inserções no mundo operário.
Em outubro de 1928, já com outro Comitê Regional do PCB e do BOC
instituídos, passou a se chamar de Liga Antiimperialista de Porto Alegre após longa
discussão sobre mudança nos seus estatutos, transformando também o seu caráter
para o combate do imperialismo em geral.
77
Essa mudança,
78
que ocorreu também
na direção da Liga, com a presença de José Jobim, secretário; Ignácio Mascagni,
tesoureiro; João Torres, bibliotecário; Luis Cuervo e Manoel Scliar, comissão de
controle, demonstrava maior participação dos militantes comunistas, porque a nova
denominação da entidade estava em consonância com a orientação do PCB pela
luta antiimperialista, baseada na mencionada convicção do país ser um alvo da
disputa entre dois imperialismos, o inglês e o americano. Esta nova Liga surgia no
âmbito da proposta do Partido Comunista de constituir um grande movimento de
contestação ao capitalismo, conforme veremos mais adiante, atuando em variadas
75
Correio do Povo, Porto Alegre, 3 de julho de 1928, p. 4.
76
Em Passo Fundo também existiu uma associação aparentemente similar à de Porto Alegre. Era a
Liga Pró-México General Ortaz Rúbio, presidida pelo advogado Nicolau Cristaldi. Mais detalhes sobre
o seu funcionamento até agora o totalmente desconhecidos. Mesmo o jornal da cidade O Nacional
não noticia nada a respeito da Liga. Correio do Povo, Porto Alegre, 13 de janeiro de 1928, p. 4.
77
Correio do Povo, Porto Alegre, 10 de outubro de 1928, p. 5.
78
Ibidem, p. 5.
94
frentes, articulando os anseios específicos da classe trabalhadora com a luta mais
geral de transformação da sociedade. Dentro desse objetivo, o tinha apenas os
trabalhadores como alvo, mas também as classes médias pois, no entendimento dos
comunistas, todos indistintamente sofriam as mazelas produzidas pelo imperialismo.
O que procurei demonstrar nesta seção foi que o Bloco Operário e Camponês
não conseguiu afirmar-se como proposta política operária no estado, principalmente
no primeiro semestre de 1928, momento em que a Liga Pró-México Antiimperialista
predominou. Segundo Hugo Ungaretti, o primeiro Comitê Regional do BOC e o
grupo liderado por Cuervo adotavam seguidamente práticas sectárias, o que pode
explicar este fraco desempenho ocasionado por uma espécie de boicote em
decorrência do caráter político mais plural de uma frente única como o BOC possuía.
Mas se o sectarismo desse grupo o impedia de priorizar a organização de
uma entidade que em outros lugares, como o Rio de Janeiro, dava mostras do
potencial em obter algum sucesso, como explicar a atuação comunista na Liga Pró-
México Antiimperialista de Porto Alegre conjuntamente com anarquistas e
trabalhistas? Por mais diferente que fosse o caráter das entidades, a atuação de
ambas dava possibilidade de atuar com outras correntes políticas, como de fato
ocorreu na Liga. Acredito que uma diferença fundamental entre as duas teria
motivado essa situação: a perspectiva eleitoral por parte do BOC. A disputa
parlamentar havia sido pivô de um debate extremamente acirrado no movimento
comunista internacional, onde os favoráveis à perspectiva eleitoral eram em maior
número. Não era uma questão assentada entre os militantes dos partidos
comunistas e provocava discussões apaixonadas de ambos os lados.
Provavelmente, por essa suposta aversão à participação parlamentar, os membros
do grupo dirigente gaúcho do Partido Comunista tenham sidos taxados como
sectários.
Após a intervenção da direção nacional do PCB, a partir do que os comitês do
Partido e do BOC foram reorganizados, há um pequeno avanço no número de
militantes. Contudo, o quadro não sofre alterações substanciais e permanece
praticamente o mesmo. Ou seja, continuava a pequena penetração no movimento
95
operário e sindical gaúcho, mesmo diante de um cenário de recuo de outras
propostas.
2.4 Permanências e descontinuidades dos comunistas em relação aos
anarquistas
Como salientei, os trabalhos sobre a história do movimento operário no
Brasil geralmente apontam de maneira correta para o fato do PCB ter sido originado
de ex-militantes anarquistas, uma vez que a maior parte dos fundadores do Partido
havia construído seu passado de militância política nessa corrente e que, diante da
descrença com os rumos recentes do movimento operário no país e pela influência
da Revolução Russa de 1917, resolveram mudar de orientação. Porém, esta mesma
bibliografia não aponta para os efeitos que receberam ou poderiam ter recebido
dessa herança libertária, com talvez a exceção de Dainis Karepovs, o qual percebe
algumas semelhanças de posicionamento político acerca das eleições entre os
anarquistas e os comunistas de Santos, a partir de um documento lançado por estes
a propósito da disputa eleitoral de 1922, no qual repudiavam qualquer tipo de
participação parlamentar,
79
como indicado antes. No máximo, a historiografia do
movimento operário assinalou a precariedade teórica dos militantes comunistas, que
seria fruto desse legado, mas onde exatamente ela se manifestaria ou “distorceria” a
atuação comunista praticamente não foi apontado.
A indigência teórica dos comunistas realmente não deve ser subestimada,
porque, em sua grande maioria, não conheciam a própria teoria política e a tradição
a qual pertenciam (o marxismo), o que poderia suscitar posicionamentos como esse
percebido por Karepovs. O desconhecimento do marxismo pode ser evidenciado na
preocupação do Comitê Regional nos primeiros anos em adquirir obras comunistas
e construir uma biblioteca.
80
O próprio dirigente comunista Luiz Cuervo expressa
essa carência em carta endereçada a Astrojildo Pereira.
79
KAREPOVS, Dainis. A esquerda e o parlamento no Brasil... Op. Cit., p. 45-46.
80
Carta de Isaac Scliar a Astrojildo Pereira. Porto Alegre, 16 de abril de 1926. (ASMOB).
96
“¿Mas que hamos hacer si este centro no es como esos otros
centros?”
*******************************************************************************
“[...] que este centro, al carecer de comunismo abstracto no lo realiza
em la practica”.
81
Além disso, tal situação possibilitava que, muitas vezes, não houvesse limites
claros entre as posições tomadas pelo PCB, pelos socialistas ou, até mesmo, pelos
anarquistas. Contudo, que uma parcela significativa dos comunistas teve raízes
no anarquismo e tinham um conhecimento teórico muito precário sobre o marxismo,
a herança libertária devia ter um peso na ação política dos militantes do PCB e se
manifestar de alguma forma. Da mesma maneira, o movimento operário, que
experimentou o predomínio anarquista durante um período relativamente longo,
ainda devia sentir o peso dessa tradição, mesmo na década de vinte, período em
que estava em declínio.
Angela de Castro Gomes, baseando-se nos relatos de Hilcar Leite,
82
observa
que no Rio de Janeiro, nesse período, havia uma forte tradição anarquista no
movimento operário e que os militantes comunistas, para conseguirem se inserir
entre os trabalhadores, utilizavam de maneira intencional estratégias típicas dos
anarquistas, como atividades teatrais.
83
Então, se no Rio de Janeiro, o local onde
estavam localizados os militantes do PCB mais experientes e com maior
conhecimento do marxismo e do comunismo, havia essa forte tradição anarquista
que obrigava os membros do Partido a utilizar instrumentos de propaganda dessa
corrente, o que se poderia dizer do Rio Grande do Sul, local onde os anarquistas
tinham maior peso no movimento operário e sindical e os comunistas eram mais
frágeis sob o ponto de vista organizativo (do que em relação ao Partido Comunista
carioca, por exemplo). Provavelmente, em um cenário adverso como esse, os
comunistas gaúchos também usassem esse tipo de recurso intencionalmente para
tentar penetrar no meio proletário. O que ajuda a reforçar essa suposição são
também algumas ações típicas anarquistas praticadas pelos militantes do PCB
gaúcho, como veremos adiante.
81
Carta de Luiz Cuervo a Astrojildo Pereira. Porto Alegre, 6 de março de 1927, p. 1-4. (ASMOB).
82
Cf. GOMES, Angela de Castro. Velhos militantes... Op. Cit.
83
GOMES, Angela de Castro. A invenção... Op. Cit., p. 171.
97
Entretanto, as fontes consultas não possibilitam afirmações categóricas nesse
sentido, além de ser difícil verificar quão arraigada era a tradição anarquista no
movimento operário e sindical gaúcho. Logo, considerar que os comunistas no Rio
Grande do Sul utilizavam esses artifícios para penetrar no movimento operário e
sindical intencionalmente pode ser um equívoco, pois não fontes, principalmente
depoimentos de militantes, imprescindíveis para tanto. Por outro lado, se não
existem evidências concretas demonstrando a intenção dos militantes, é possível
que o uso desses artifícios não tenha sido de maneira intencional, o que é plausível.
Visto sob esse ângulo, o conceito de identidade (definição do ator individual ou
coletivo por si próprio), pode clarear a questão.
O processo de construção da identidade se em duas vias simultâneas:
pelas semelhanças que unem o grupo, neste caso os comunistas, e pelas diferenças
que os distingue de outros, os anarquistas, os socialistas ou os burgueses. O
sentimento de pertença a um grupo passa necessariamente pelo sentimento de o
pertencimento ao que o exterioriza, é a construção de um “nós” diante dos “outros”.
Os critérios de pertencimento e de igualdade (a definição de um “nós”) passam pela
relação contrária de não pertencimento e de distinção, de não ser igual e em alguma
medida não pertencer aos “outros”. A diferença ao mesmo tempo em que o separa,
o unifica em torno de uma característica comum. Dulce Pandolfi, ao tratar do
assunto, tendo Placide Rimbaud como referência, menciona que
“[...] uma das características centrais da identidade é ‘a afirmação,
simultânea, e como que dialética, das diferenças e das igualdades’.
Ou seja, a construção de um ‘nós’ coletivo pressupõe
simultaneamente a explicitação das diferenças e das fronteiras com
os ‘outros’ ”.
84
Loner, utilizando a definição de identidade coletiva esboçada por Alain
Touraine na obra Producción de la société, observa que o conceito está relacionado
a dois princípios: oposição e totalidade.
“[...] O princípio de oposição remete à identificação do adversário. Ou
seja, a consciência da diferenciação, a nomeação do adversário, é
fundamental para o estabelecimento de uma identidade coletiva.
84
PANDOLFI, Dulce. Camaradas e companheiros... Op. Cit., p. 15.
98
Quanto ao princípio de totalidade, este vem a ser o que ele chama de
sistema de ação histórica, ou seja, o campo social onde se desenrola
o conflito, o qual, nesse primeiro momento de teorização do autor,
sempre coloca em causa, de uma forma ou de outra, a orientação
geral do sistema. Assim ‘a identidade do ator não pode ser definida
indepentemente do conflito real com o adversário e do
reconhecimento do que está em jogo na luta’ ”.
85
Pela herança anarquista que o PCB recebeu, parece que a identidade
comunista que estava sendo forjada no Rio Grande do Sul identificava claramente
apenas a burguesia como sendo sua adversária (“os outros”), e não os socialistas ou
os anarquistas, com quem disputavam a hegemonia sobre o movimento operário e
sindical. Se os comunistas não tinham intenção de utilizar esses artifícios para ter
maior inserção entre os operários, é porque não estavam demarcando os limites
com seus adversários de movimento sindical. Portanto, não os viam como reais
oponentes, daí a utilização de práticas semelhantes.
De qualquer forma, as celebrações comunistas do 1º de maio em 1927 e 1928
em Porto Alegre revelam algumas práticas e formas de abordagem em relação aos
operários, possibilitando verificar a utilização de propaganda similar a anarquista,
conforme vimos no caso carioca. Por isso, relato como foram tais atividades.
Em 1927, na programação referente à data ocorreu uma comemoração no
Teatro Thalia, no bairro São João, com uma série de atividades culturais: de
abertura, a execução do hino da Internacional Comunista, em seguida a
apresentação de dois filmes. Na seqüência, foram ministradas conferências sobre os
temas: História do de Maio; O capitalismo e a luta de classes; Necessidade de
organização sindical; e A origem e a evolução das classes.
86
Os comunistas
pareciam estar demonstrando uma preocupação com a questão doutrinária e
atribuindo-lhe um papel importante, talvez com os filmes e as conferências
estivessem procurando despertar nos operários presentes a consciência de que
eram explorados pela sociedade capitalista e não podiam como deveriam acabar
com tal exploração através da conscientização de que a mudança deveria iniciar
pelos indivíduos, para somente assim transformar a sociedade. Posição muito
85
LONER, Beatriz Ana. Construção de classe... Op. Cit., p. 35.
86
Diário de Notícias, Porto Alegre, 1º de maio de 1927, p. 5.
99
próxima dos anarquistas e totalmente diferente da adotada posteriormente pelos
comunistas, os quais passaram a priorizar mobilizações coletivas de massa
baseados na concepção de que o indivíduo mudaria com a transformação da
sociedade. Portanto, seria necessário primeiro fazer a tomada do poder e a
transformação social para se operar profundas alterações nas consciências
individuais.
No ano seguinte, no de maio de 1928, ainda indícios de haver práticas
similares às dos anarquistas. A comemoração, dirigida pelo BOC, ocorreu no mesmo
local do ano anterior, o Teatro Thalia,
87
e também foi exibido um filme.
88
Ou seja,
ainda existia a preocupação com as atividades culturais, sobretudo com objetivos
doutrinários. Contudo, apesar da semelhança com a atividade do ano precedente,
são nítidas as diferenças nas atitudes dos comunistas, e percebem-se
descontinuidades com a tradição anarquista, que talvez sejam, ligeiramente, maiores
que as continuidades. No boletim lançado para a reunião, expressavam de maneira
mais contundente suas divergências, enfatizando que os operários deveriam fazer
um balanço do passado, “avaliando bem, as vantagens ou desvantagens dos
métodos empregados na defesa dos interesses de sua classe”.
89
Em outras
palavras, estavam criticando sutilmente a atuação política libertária, a qual não teria
correspondido às necessidades da luta proletária, devido aos seus métodos
baseados na ação direta e na ausência de um partido político da classe operária.
No mesmo texto, observam que
“[...] Até hoje o de Maio limitou-se a comemorar os mártires de
Chicago. Mas isso não basta. Não é chorando o passado que se
prepara o futuro. interesses mais urgentes a se atender. Assim é
preciso lutar para aumento geral dos salários, generalização do
pagamento semanal, nenhum desconto nos salários, metade dos
salários quando o trabalhador cair doente, extinção das multas,
horário semanal de 44 horas, horário de 7 horas para as mulheres e
de 6 horas para os menores, direito de atrasar-se 5 minutos e em
geral lutar pela baixa dos aluguéis e barateamento dos gêneros de 1ª
necessidade. Cumprimento da Lei de Férias.
87
Diário de Notícias, Porto Alegre, 3 de maio de 1928, p. 6.
88
Correio do Povo, Porto Alegre, 2 de maio de 1928, p. 5.
89
Diário de Notícias, Porto Alegre, 3 de maio de 1928, p. 6.
100
O proletariado não pode ficar inativo diante dos males que o afligem.
É preciso acordar, lutar e vencer”.
90
Esse boletim apresentava, além da crítica ao anarquismo, um conjunto de
reivindicações econômicas e políticas. E a defesa do cumprimento da Lei de Férias
demonstrava uma mudança de comportamento importante dos comunistas com
relação aos anarquistas, que priorizavam a ação direta contra o capital: cobrar do
Estado melhores condições de vida e trabalho para a classe trabalhadora.
Dessa forma, iam identificando e delineando, com mais clareza, os elementos
que os distinguiriam de outros grupos e reconhecendo, ao mesmo tempo, os seus
adversários, no caso os anarquistas. Assim, os comunistas estavam forjando a
própria identidade no conflito real com seus opositores pela disputa da hegemonia
do movimento operário e sindical gaúcho.
Por outro lado, a confluência de certas práticas entre comunistas e
anarquistas indica também uma indigência teórica por parte daqueles, os quais não
conheciam em profundidade a sua própria doutrina e a tradição política na qual
estavam inseridos. Isso tornava mais difícil a demarcação de limites entre ambas
correntes. Digo isso, não querendo cobrar uma atuação comunista “autêntica”, mas
no sentido de salientar que a tradição comunista, sobretudo naquele período sob
forte influência soviética, cobrava um modelo de ação política, cujo expoente era o
Partido Comunista da União Soviética.
Mas não é somente em torno das comemorações do de maio que se pode
perceber permanências de práticas anarquistas. Ao examinar a atuação da Liga Pró-
México Antiimperialista, também é possível identificar alguns traços nesse sentido. A
forma básica de organização e atuação da Liga se dava por meio de reuniões
artísticas e instrutivas, a fim de abordar assuntos relacionados à luta antiimperialista
e a conjuntura política mexicana por seu grupo de “intelectuais seletos”. Novamente,
atribui-se à questão doutrinária um papel extremamente importante, obtendo com
isso maior destaque do que o estabelecimento de relações mais próximas com o
movimento operário e sindical. Embora alguns integrantes da Liga sejam membros
90
Ibidem, p. 6.
101
de sindicatos, a prioridade era proporcionar aos seus integrantes debates
intelectuais.
Além disso, diversos militantes circulavam com desenvoltura entre várias
correntes políticas e ideológicas do movimento operário e na maioria das vezes é
difícil precisar o real motivo dessas mudanças. Tais foram os casos de Orlando
Martins e Antonio Nalepinsky: ambos iniciaram seu ativismo político no anarquismo e
participaram de entidades dirigidas pelos comunistas, não sendo claro ao longo de
militância dos dois, as reais motivações desses percursos. Talvez, a presença de
Nalepinsky na Liga Pró-México Antiimperialista tenha contribuído para a importância
dada à questão doutrinária pelo organismo.
2.5 Os congressos comunistas: o VI Congresso da IC e o III
Congresso do PCB.
Nesta seção, farei uma referência a dois congressos comunistas, o VI
Congresso da IC e o III Congresso do PCB, realizados entre 1928 e o princípio de
1929. Esse exame se deve às importantes conseqüências na história do comunismo
brasileiro que tais eventos trouxeram. Entretanto, não quero com isso
superdimensionar a relevância destes congressos ou resumir a atuação posterior do
Partido às deliberações tomadas nestes eventos.
De 17 de julho a de setembro de 1928, foi realizado em Moscou o VI
Congresso da IC. As principais constatações deste Congresso eram que as massas
estavam em um processo de radicalização, cujos sintomas se faziam sentir no
aumento do número de mobilizações operária, ao mesmo tempo em que havia um
agravamento das contradições do capitalismo, as quais seriam o prenúncio do seu
fim. Esse cenário passou a ser caracterizado como o “terceiro período” do sistema
capitalista no após Primeira Guerra. De 1917 até 1923 era o primeiro, marcado pela
crise do capital e ascensão revolucionária. O segundo, de 1923 a 1927, de
estabilização parcial do capitalismo. Portanto, como o “terceiro período” era de
ascensão revolucionária, a política de alianças a ser empregada pelos comunistas
deveria ser de “classe contra classe”, rechaçando uniões com os social-democratas.
Estes passaram a ser duramente criticados e adjetivados de “social-fascistas” e as
102
frentes únicas se não completamente abandonadas, somente comportariam alianças
na base do movimento para evitar o contato com as lideranças da pequena
burguesia.
91
Bukharin era quem sustentava esta tese e uma outra, segundo a qual
existiam três tipos de países: os de capitalismo muito desenvolvido, de capitalismo
com desenvolvimento médio e os coloniais e semicoloniais.
Nesse mesmo Congresso, foi publicado pela primeira vez um relatório
abordando a situação específica da América Latina, assim como discutidas questões
concernentes às estratégias e táticas que deviam ser seguidas pelos partidos
comunistas na região. O fracasso da insurreição na China, em Cantão, comandada
pela III Internacional, e também a constatação do avanço da presença dos Estados
Unidos em países latino-americanos paralelamente ao declínio da Inglaterra,
motivou a IC se voltar à América Latina.
92
Em relação às suas teorizações sobre a
região, segundo Ricardo Antunes o Congresso foi pautado por formulações
generalizantes, abstratas e equivocadas, as quais, obviamente, não conseguiram
apreender as especificidades de cada país, ao desconsiderar as diferenças entre a
realidade asiática e a latino-americana, especialmente a brasileira.
93
Todos os países da América Latina foram caracterizados como coloniais ou
semicoloniais e tal posição sofreu muitas críticas e resistências por parte dos
militantes da região, os quais procuravam destacar as peculiaridades existentes,
para com isso esboçar um cenário mais próximo da realidade latino-americana.
Entretanto, para a IC a China e a Índia eram como paradigmas de países coloniais e
semicoloniais, atribuindo automaticamente características destes à América Latina,
quais sejam, resquícios do modo de produção feudal e de relações pré-capitalistas.
Sob esse ponto-de-vista, a revolução democrático-burguesa era tida como etapa
necessária para a instauração de uma revolução socialista.
91
CLAUDÍN, Fernand. La crisis del movimiento comunista... Op. Cit., p. 118. Ver também: HENN,
Leonardo Guedes. As concepções de revolução produzidas pela Internacional Comunista e por seus
organismos da América do Sul para as colônias e semicolônias, especialmente para a América Latina
(1919-1943). São Leopoldo: Unisinos, 2005. (Tese de doutorado em História). ROSAL, Amaro del.
Los congresos obreros internacionales em el siglo XX. Barcelona: Ediciones Grijalbo, 1975.
92
ANTUNES, R. Os Comunistas no Brasil... Op. Cit., p. 17-18.
93
Ibidem, p. 26. Ver também do mesmo autor. Classe Operária, Sindicatos e Partido no Brasil. São
Paulo: Cortez, 1982.
103
Mesmo que a origem da virada esquerdista da IC tenha se originado no VI
Congresso, foi somente depois de algum tempo, mais especificamente no X Pleno
da Executiva da IC, que a linha da “classe contra classe” teria maiores repercussões
no Brasil.
94
Inicialmente, o impacto dessa concepção ocorreu na fração sindical do
PCB do Rio de Janeiro, provocando uma cisão. Joaquim Barbosa e João da Costa
Pimenta, os principais líderes da “oposição sindical”, se contrapuseram à linha da III
Internacional, porque concretamente “levou o PCB a entrar em conflito com
sindicalistas com quem seus líderes haviam colaborado intimamente na formação do
BOC”.
95
Realizado entre 29 de dezembro de 1928 e 4 de janeiro de 1929, em Niterói, o
III Congresso do PCB reuniu trinta e um delegados, sendo dez da antiga direção,
treze de seis comitês regionais (Pernambuco, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São
Paulo, Rio Grande do Sul e Distrito Federal), dois da juventude, três comunistas sem
direito a voto e outros três ouvintes.
96
Em linhas gerais, mantiveram-se as diretrizes
do congresso anterior do PCB. As teses apresentadas primeiramente foram
aprovadas pela Comissão Central Executiva e submetidas ao Secretariado Sul-
Americano da IC, que fez algumas observações e devolveu o texto a CCE, sendo
aprovado novamente e encaminhado às seções regionais.
97
Nesse ínterim, os delegados que haviam participado do VI Congresso da IC
retornaram de Moscou, trazendo as novas orientações e as discussões realizadas
durante o Congresso. Obviamente, estas instruções exerceram algum impacto sobre
o III Congresso do PCB, mas não a ponto de serem as responsáveis diretas pela
rota política do Partido, mesmo porque ocorreu uma convergência em relação a
algumas questões, como o caráter democrático-burguês da revolução. Os reflexos
ocorreram, provavelmente, mais no sentido de referendar as deliberações do PCB,
94
Cf. DEL ROIO, Marcos. A classe operária na revolução burguesa: a política de alianças do PCB
(1928-1935). Belo Horizonte: Oficina dos Livros, 1990. DEL ROIO, Marcos. O impacto da revolução
russa e da internacional comunista no Brasil. In: MORAES, João Quartim de; REIS FILHO, Daniel
Aarão (orgs.). História do marxismo no Brasil.vol. I, 2 Ed. Campinas: Editora da UNICAMP, 2003.
MORAES, João Quartim de. A influência do leninismo de Stálin no comunismo brasileiro. In:
MORAES, João Quartim de; REIS FILHO, Daniel Aarão (orgs.). História do marxismo no Brasil.vol. I,
2 ed. Campinas: Editora da UNICAMP, 2003.
95
CHILCOTE, Ronald. Partido Comunista Brasileiro... Op. Cit., p. 66.
96
PEREIRA, Astrogildo. Ensaios... Op. Cit., p. 135.
97
KAREPOVS, Dainis. A esquerda e o parlamento no Brasil... Op. Cit., p. 527.
104
como aconteceu no caso da recomendação da IC para a criação de blocos das
forças revolucionárias (trabalhadores urbanos e rurais) e de aliança com a pequena
burguesia, o que foi visto pelos militantes brasileiros como uma aprovação da
política desenvolvida pelo Partido no que se referia ao BOC.
98
A extensa pauta do III Congresso abordava os seguintes tópicos: 1) A
situação política nacional e a posição do Partido Comunista; 2) A luta contra o
imperialismo e os perigos da guerra; 3) O trabalho do Partido nos sindicatos
operários; 4) Sobre a questão camponesa; 5) Sobre o Bloco Operário e Camponês;
6) Sobre o Socorro Vermelho; 7) Sobre a luta contra o fascismo; 8) Sobre a questão
esportiva; 9) Sobre cooperação revolucionária; 10) Sobre a imigração; 11) Sobre a
questão dos inquilinos; 12) Sobre a organização do Partido; 13) Sobre a Juventude
Comunista; 14) O Partido em São Paulo; 15) A questão da oposição; 16) Moções
diversas: À Internacional Comunista; Ao Secretariado Sul-Americano da IC e aos
partidos irmãos da América Latina; Aos PC’s do Paraguai e da Bolívia; Saudação ao
General Sandino; Aos PC’s da América do Norte e da Grã-Bretanha; Ao PC
(bolchevique) da URSS.
99
As resoluções aprovadas no III Congresso não foram totalmente inovadoras,
como destaquei; em geral apenas deram continuidade e reafirmaram as teses
implementadas no anterior. No que se refere à caracterização das burguesias
agrária e industrial, foi apontado que haviam consolidado uma aliança, ambas
submetidas ao imperialismo. Por outro lado, estava ocorrendo uma “radicalização
das massas laboriosas” na sociedade brasileira. De acordo com a concepção dos
comunistas, esse reagrupamento de classe era decorrente de algumas
características econômicas do país: primeira, a subordinação econômico-financeira
ao imperialismo, derivada de empréstimos externos, da dependência industrial
(importação de manufaturados e meios de produção) e da subordinação provocada
pelo café, que dependia de capitais ingleses e americanos; segunda, a política
utilizada pelo Instituto do Café de valorização do produto, sustentada artificialmente;
por fim, a disputa interimperialista entre Estados Unidos e Inglaterra.
100
98
Ibidem, p. 523.
99
PEREIRA, Astrogildo. Ensaios... Op. Cit., p. 135-136.
100
KAREPOVS, Dainis. A esquerda e o parlamento no Brasil... Op. Cit., p. 527.
105
A análise sobre a situação econômica, política e social do Brasil realizada
durante o III Congresso chegou a conclusões que são assim resumidas:
“1º) O Brasil é um país de tipo semicolonial, economicamente
dominado pelo imperialismo, se bem que politicamente
‘independente’.
2º) O Brasil é um país de economia principalmente agrária, baseada
na grande propriedade e na exploração de grandes massas
campesinas.
3º) O desenvolvimento autônomo e normal das forças produtivas do
país — notadamente da indústria pesada — é entravado pelas forças
de compressão imperialista.
4º) Involuntariamente, porém, o próprio imperialismo promove certas
condições técnicas que favorecem esse desenvolvimento, de que
resulta a formação de núcleos industriais (como o Rio e São Paulo),
onde se aglomeram massas proletárias consideráveis.
5º) A burguesia nacional, que até um certo momento (Revolução de
1924) parecia poder desempenhar um papel revolucionário, capitulou
completamente diante do imperialismo, aliando-se aos grandes
proprietários de terra, que estão no poder.
6º) Em virtude mesmo dessa capitulação da burguesia diante do
imperialismo, agravando-se cada vez mais a opressão desse último,
acentua-se cada vez mais a exploração econômica e
conseqüentemente a radicalização política das massas laboriosas do
campo e da cidade, inclusive as camadas mais pobres da pequena
burguesia.
7º) De tal sorte, a pequena burguesia constitui um fator
revolucionário da maior importância no momento atual, tendendo a
aliar-se à forças revolucionárias do proletariado.
8º) Mas a pequena burguesia não poderá levar a revolução às suas
últimas conseqüências, mesmo dentro do quadro democrático-
burguês. o proletariado poderá fazê-lo, assumindo a direção do
movimento, com o apoio das mais largas massas e conduzindo-as a
etapas superiores e mais avançadas.
9º) Assim, pois, deve o proletariado apoiar energicamente, desde já,
o movimento revolucionário em preparação. Este apoio, no entanto,
deve ser dado na base das seguintes reivindicações, fundamentais,
que constituem o conteúdo essencial da revolução na sua primeira
etapa:
a) solução do problema agrário, confiscação da terra;
b) supressão dos vestígios semifeudais;
c) libertação do jugo do capital estrangeiro”.
101
Uma discussão importante ocorrida durante o III Congresso teve o BOC como
tema central (ANEXO C). Em primeiro lugar, foi destacado o seu papel relevante
desempenhado até então, tendo sido apontado “como das melhores coisas que tem
feito o Partido”. Além disso, vinha despertando as “massas laboriosas para a
101
O III Congresso (dezembro de 1928 janeiro de 1929). Rio, 11 de fevereiro de 1929. CC do PCB.
Apud CARONE, Edgard. O PCB I... Op. Cit., p. 71-72.
106
atividade política independente”.
102
Mas, por outro lado, alguns problemas foram
levantados. O primeiro deles era o perigo de se incorrer no que chamavam de
“desvio oportunista e eleitoralista”. Ou seja, perder a direção política do BOC,
podendo deixá-lo a mercê de políticos inescrupulosos e oportunistas (aludindo aos
problemas com Azevedo Lima),
103
o que havia sido assinalado por Jules Humbert-
Droz no VI Congresso da IC.
Outro perigo apontado era que o PCB arriscava-se a “perder sua fisionomia
própria como conseqüência da adaptação de toda a sua política ao conteúdo político
do BOC, subordinando sua ação às possibilidades de trabalho legal”. Por isso, o
Partido deveria desenvolver sua própria propaganda nas massas, em seu próprio
nome e sem subordinar-se às possibilidades legais de luta:
104
“[...] O III Congresso discutiu amplamente tudo isso, esclarecendo
que o BOC - é a organização política da frente única das massas
laboriosas em geral sob a hegemonia do PC. Este último é e deve
ser cada vez mais o núcleo central dirigente do BOC, o cerne
compacto e resistente em torno do qual se agrupam as mais largas
massas de operários, camponeses, gente pobre de toda natureza.
Dentro do BOC, dirigindo-o, guiando-o, dando-lhe vida
revolucionária, o Partido deve sempre conservar a sua própria
fisionomia de Partido Comunista como tal, isto é, como único
verdadeiro partido do proletariado, como "o partido" específico do
proletariado, chefe das massas laboriosas na luta revolucionária.
Firmando, assim, as características políticas e orgânicas do BOC, o
Congresso, para combater aqueles perigos, determinou, como tarefa
primordial, que se intensificasse o trabalho ilegal do PC como tal,
paralelamente ao trabalho legal do BOC”.
105
Não obstante todas as críticas direcionadas à diluição do PCB no BOC, as
resoluções do III Congresso (ANEXO C) contraditoriamente abriam precedentes
para o problema se agravar. Salientava-se o fato do BOC até então ter concentrado
suas atividades no terreno eleitoral e que era necessário “dar-lhe agora um caráter
profundo, de trabalho permanente, ampliando sua ação no seio das massas, em
todos os terrenos da luta de classes, utilizando todas as formas do trabalho cultural,
102
Ibidem, p. 74-75.
103
Azevedo Lima desde 1928 estava em relativo confronto com o BOC e o PCB. No dia 5 de abril de
1929, foi expulso publicamente do BOC.
104
Resoluções do III Congresso do PCB sobre o BOC (1928-1929). Apud KAREPOVS, Dainis. A
esquerda e o parlamento no Brasil... Op. Cit., p. 626.
105
O III Congresso (dezembro de 1928 janeiro de 1929). Rio, 11 de fevereiro de 1929. CC do PCB.
Apud CARONE, Edgard. O PCB I... Op. Cit., p. 75.
107
esportivo, etc., como meio para atrair as massas”.
106
Ou seja, eram atribuições de
um partido político. Logo, o problema da confusão sobre os limites entre BOC e PCB
tenderia a continuar.
106
Resoluções do III Congresso do PCB sobre o BOC (1928-1929). Apud KAREPOVS, Dainis. A
esquerda e o parlamento no Brasil... Op. Cit., p. 626.
3. O BOC, A CRT E AS DEMAIS FRENTES DE ATUAÇÃO
COMUNISTAS: TRAJETÓRIAS DO MOVIMENTO COMUNISTA GAÚCHO
3.1 O BOC no cenário comunista gaúcho: sua transformação em
substituto do Partido
O lento declínio dos anarquistas no movimento operário e sindical continuava.
No referido Congresso Anarquista de 1928, realizado em Pelotas, divergências entre
abandonar o sindicalismo e manter o trabalho nos sindicatos deram a tônica ao
evento. A proposta vitoriosa foi a de renunciar à organização sindical, em prol de
grupos de livre associação anarquista. Provavelmente, por esse motivo, o
anarquismo tenha experimentado, como observei, um crescimento da sua ação
cultural. A conseqüência dessa posição antevista por alguns militantes contrários
à sua aprovação era a de deixar o campo aberto para os comunistas atuarem
livremente no terreno sindical.
1
Mas, por outro lado, o contexto no qual o PCB gaúcho estava situado era
duplamente desfavorável. Primeiro, a situação de clandestinidade impunha uma
barreira para atuar de maneira mais visível. Segundo, o anarquismo, embora em
declínio, era um adversário que ainda influenciava algumas organizações operárias
importantes, como a FORGS e a Federação Operária de Porto Alegre. Inclusive,
com o Congresso, os anarquistas demonstraram vigor, realizando a principal
atividade operária de 1928.
Além disso, o Comitê Regional do PCB e do BOC haviam sofrido a
intervenção da Comissão Central Executiva, por isso estavam atravessando um
período de consolidação, mas enfrentando divisões internas, sem conseguirem até
então desenvolver um trabalho mais significativo. Contudo, demonstravam
potencial de crescimento, pois o número de militantes aumentou significativamente
com a constituição da nova direção: de trinta e seis para quarenta e oito. Entre os
1
LONER, Beatriz Ana. Quarto congresso operário... Op. Cit., p. 44.
109
trabalhadores o aumento é mais expressivo: de vinte e dois para quarenta e seis.
2
Por tudo isso, a Comissão Central Executiva decidiu contribuir com o novo Comitê
Regional.
Foi então que a direção nacional do PCB elaborou, no início de 1929, um
plano para orientar o Comitê Regional a ampliar o peso da sua ação política no
movimento operário e sindical, culminando com a criação de uma Federação
Operária que unificasse os trabalhadores em sindicatos organizados à base de
indústrias e de empresas, e não mais por ofícios como faziam os anarquistas.
3
A
preocupação de ampliar a influência no movimento sindical gaúcho estava em
consonância com as preocupações expressas no III Congresso do PCB, de corrigir
algumas falhas que vinha apresentando neste setor.
Embora o movimento sindical tivesse dado bons frutos aos comunistas,
apresentava algumas limitações, na visão destes:
“[...] Em primeiro lugar, o espírito corporativista, a tradição anarco-
sindicalista, a rotina profissionalista, coisas que dificultam a
compreensão, por parte de muitos camaradas, da verdadeira tarefa
dos comunistas dentro dos sindicatos. Em segundo lugar, o excesso
contrário, antianarquista, isto é, a tendência exagerada para
combater o verbalismo anarquista levando ao quase reformismo
‘praticista’. Em terceiro lugar, a pouca influência do Partido entre
certas categorias de operários, notadamente dos transportes, em
cujos sindicatos jamais chegou a penetrar, anteriormente, a
influência anarco-sindicalista. Junte-se a isso a falta de um trabalho
de conjunto metódico, sistemático, coletivo e teremos explicadas
as causas principais do pouco rendimento obtido pelo Partido em
relação ao que poderia obter com o esforço despendido pelos
militantes comunistas dentro dos sindicatos”.
4
O plano de ofensiva sindical no Rio Grande do Sul incluía a transferência do
jornalista gaúcho Plínio Mello,
5
de São Paulo, e do estudante Hersch Schechter
6
do
2
Relatório do Comitê Regional do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, [dezembro 1928], p. 2. (RGASPI).
3
DULLES, John F. Anarquistas... Op. Cit., p. 287.
4
O III Congresso (dezembro de 1928 janeiro de 1929). Rio, 11 de fevereiro de 1929. CC do PCB.
Apud CARONE, Edgard. O PCB I... Op. Cit., p. 73.
5
Estudante de Direito em Porto Alegre, Plínio Mello desgostoso com os rumos da política gaúcha,
em 1923 foi para o Rio de Janeiro. Em 1925, foi para São Paulo, onde volta a estudar Direito e
conhece Mário Pedrosa e Lívio Xavier, influências que marcaram sua trajetória política. Vincula-se ao
PCB e abandona o Direito em 1927. Sua primeira missão era vir ao Rio Grande do Sul discutir com
os comunistas gaúchos a importância de Luiz Carlos Prestes. Jornalista, trabalhou em São Paulo em
110
Rio de Janeiro para Porto Alegre, onde chegaram em fevereiro de 1929. A vinda de
militantes experientes tinha sido solicitada pelos membros do novo Comitê Regional,
pois mesmo após a reorganização dos Comitês do PCB e do BOC o trabalho de
ambos ainda não dera resultados mais significativos:
“Para maior propaganda do Bloco Operário e Camponês em todo o
Estado, o C. [Comitê] R. [Regional] espera que a direção do Partido
envie ao Rio Grande do Sul camaradas para fazerem reuniões de
propaganda em Porto Alegre, Pelotas, Rio Grande, Livramento e
outras localidades”.
7
Mello tinha a tarefa de se candidatar pelo BOC às eleições para a Assembléia
dos Representantes do Estado, que ocorreriam em 30 de março de 1929. Além
disso, tinha a incumbência de rearticular politicamente os comunistas e por isso
acabou se tornando o presidente regional do BOC. Em relação a Schechter, sua
atribuição era de coordenar a frente sindical do Partido e a instalação da CRT,
criada em abril, dois meses após a sua chegada.
No entanto, como existiam militantes no Rio Grande do Sul com relativa
experiência política que poderiam se candidatar, como realmente aconteceu mais
tarde,
8
a vinda de Plínio Mello e de Hersch Schechter evidencia que fora planejada,
na verdade, para serem as pessoas que implementariam novas diretrizes em solo
gaúcho, contribuindo com o trabalho do novo Comitê Regional do Partido, instituído
em 5 de julho de 1928.
9
O resultado foi que, sob a nova direção, o BOC, a então, organizado
somente na capital, conseguiu criar núcleos em algumas cidades do interior, sendo
que o principal foi o de Pelotas. A partir da ação do BOC, os comunistas ampliaram
vários jornais, entre eles A Esquerda. No Rio Grande do Sul foi editor do jornal Extrema Esquerda.
Mais informações em MELLO, Plínio. Memória: entrevista com Plínio Mello. Teoria e Debate. São
Paulo, n.º 7, p. 30-45, jul/ago/set. 1989. Entrevista concedida a D. Karepovs e outros.
6
Hersch Schechter, conhecido como Arthur Araújo, havia sido aluno laureado do Colégio D. Pedro II
do Rio de Janeiro. Schechter (que era amigo de Octávio Brandão) foi deportado para o Uruguai e foi
substituído por Marcos Piatigoski. In: DEL ROIO, Marcos. A Classe Operária... Op. Cit. p. 177. Ver
também PETERSEN, Silvia. Da ação direta... Op. Cit., p. 52.
7
Relatório do Comitê Regional do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, [dezembro de 1928], p. 4.
(RGASPI).
8
O militante Adalgiso Py foi candidato pelo BOC a deputado federal na eleição de março de 1930.
9
Relatório do Comitê Regional do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, [dezembro de 1928], p. 2.
(RGASPI).
111
o seu raio de atuação entre a classe trabalhadora do Rio Grande do Sul, preparando
o terreno para a “tomada de assalto” dos sindicatos.
Efetivamente, o plano sindical começou a ser colocado em prática com a
criação da Confederação Regional do Trabalho, em Porto Alegre, e da Federação do
Trabalho de Pelotas (FTP). Essas duas entidades criaram e reorganizaram vários
sindicatos, sendo quinze na capital: União dos Operários em Calçados Luiz XV e
Classes Anexas, União dos Operários em Indústria de Vidros e Louças, Associação
dos Operários em Construção Civil, União dos Estivadores, Sociedade União dos
Trabalhadores em Trapiches, Associação dos Trabalhadores na Indústria Mobiliária,
Associação Protetora dos Operários da Viação Férrea do Rio Grande do Sul, União
dos Trabalhadores Gráficos de Porto Alegre, União dos Operários da Indústria
Metalúrgica, União dos Operários em Fábricas de Tecidos, União Rio-grandense de
Vidreiros, União dos Trabalhadores em Hotéis, Bares, Restaurantes, Cafés,
Confeitarias e Anexos, União dos Trabalhadores em Transportes Marítimos e
Portuários do Brasil, União dos Trabalhadores em Calçados, Couros e Peles e União
dos Alfaiates e Classes Anexas.
Em Pelotas ao todo foram oito: União Geral dos Trabalhadores em Hotéis,
Bares, Cafés, Restaurantes e Anexos, Sindicato das Artes Metalúrgicas, Sindicatos
dos Trabalhadores em Curtumes, Sindicato dos Trabalhadores em Faca, Sindicato
dos Trabalhadores na Indústria de Calçados, Sindicatos das Artes Gráficas, União
dos Trabalhadores em Padarias, Fábrica de Massas e Confeitarias e Sindicato dos
Trabalhadores na Construção Civil.
10
Além disso, a CRT e a Federação do Trabalho de Pelotas realizaram uma
série de manifestações públicas em conjunto com o BOC. Ambas as entidades
foram bem recepcionadas pela classe trabalhadora, pois em pouco tempo
exerceram um forte impacto no movimento operário do Rio Grande do Sul, tornando-
se os principais organismos do movimento sindical, o que demonstrou existir um
10
Segundo Ronaldo Herrlein Jr., Porto Alegre tinha uma diversidade industrial maior do que Pelotas e
provavelmente essa fosse uma das razões para o maior número de sindicatos na capital. HERRLEIN
JR., Ronaldo. Desenvolvimento industrial e mercado de trabalho no Rio Grande do Sul: 1920-1950.
Revista de Sociologia e Política, Curitiba, nº. 14, 2000, p. 104.
112
campo favorável à proposta dos comunistas de reorganização dos sindicatos por
bases de indústria e empresa.
O BOC e as federações sindicais primeiramente agiram no sentido de criar e
reorganizar os sindicatos sob novos parâmetros, segundo a concepção do PCB. Ao
invés de organizados por ofícios, agora eles seriam por indústrias ou empresas, o
que abarcava todas as profissões de um mesmo ramo industrial. Dessa forma, os
trabalhadores de um mesmo local de trabalho passariam a ter maior proximidade e,
por conseguinte, maior possibilidade de diálogo com os membros do sindicato e com
a luta sindical, facilitando e dando novo alento à luta dos trabalhadores.
Somente após a mudança na composição do Comitê Regional e da instituição
do plano de “tomada de assalto” dos sindicatos, os comunistas experimentaram um
crescimento real em sua ação política na dinâmica do movimento operário gaúcho,
aumentando consideravelmente sua participação nos sindicatos e criando com
sucesso várias associações que se inseriam em diferentes frentes de atuação,
principalmente em Porto Alegre e em Pelotas, conforme veremos adiante.
Entretanto, com a impossibilidade do PCB aparecer de cara própria em
decorrência da clandestinidade, o BOC foi progressivamente ocupando o espaço e
assimilando as atribuições do Partido ao ponto de substituí-lo por completo. Esse
problema ocorreu em várias localidades do Brasil e havia sido motivo de alerta e
discussão no III Congresso partidário, como vimos no capítulo anterior. Foi também
bastante criticado pela Internacional Comunista em reunião de seu Secretariado
político destinada a discutir a realidade brasileira com dirigentes do PCB.
11
Apesar destes alertas, o BOC no Rio Grande do Sul em 1929 não fugiu à
regra e acabou ocupando o lugar do Partido, mesmo porque, como vimos antes, as
resoluções do III Congresso (ANEXO C) abriam precedentes para a ocorrência do
problema quando mencionava que o BOC deveria ampliar “sua ação no seio das
massas, em todos os terrenos da luta de classes, utilizando todas as formas do
11
Resolução da Internacional Comunista sobre a questão brasileira. Secretariado político da IC.
Moscou, fevereiro de 1930. Apud A Classe Operária, Rio de Janeiro, 17 de abril de 1930, p. 3.
(ASMOB).
113
trabalho cultural, esportivo, etc., como meio de atrair as massas”.
12
Inclusive Plínio
Mello, em um comício no Bairro Tristeza em Porto Alegre, faz referência às
“atribuições partidárias da organização”, referindo-se ao Bloco Operário e
Camponês,
13
o que era uma evidência da confusão dos papéis que caberiam a cada
entidade. Ou seja, mesmo que tenha apontado o problema e alertado os membros
do Partido para não incorrerem no erro, contraditoriamente as resoluções do III
Congresso indicavam também o sentido contrário, o que se refletiu na atuação dos
comunistas gaúchos.
Além disso, os programas das chamadas “organizações auxiliares”,
associações criadas pelos comunistas para se inserirem em frentes de atuação
específicas recomendadas pelo III Congresso, eram meras adaptações das
deliberações e do programa do BOC (ANEXO D) que amplificavam a confusão de
papéis com o PCB. Com essas associações, os comunistas objetivavam vincular os
interesses imediatos da classe trabalhadora com a luta mais geral de transformação
da sociedade, tentando constituir, dessa forma, um grande movimento de massas
sob a liderança do BOC, o que viria a acrescentar novos ativistas às fileiras do
Partido e aumentar o peso de sua ação política na dinâmica do movimento operário.
Nesse sentido, ao longo da trajetória do BOC foram criadas em Porto Alegre e
Pelotas as seguintes associações: o Comitê de Mulheres Trabalhadoras, o Centro
de Jovens Proletários, a Federação dos Esportes Proletários, a Liga Antiimperialista,
o Comitê de Defesa da Imprensa Proletária e o Comitê de Operários e Camponeses
de Luta Contra a Intervenção Federal e o Separatismo, em Porto Alegre e Pelotas, e
a Liga dos Consumidores, a Liga dos Inquilinos e o Comitê de Luta Contra o
Entreposto do Leite somente em Pelotas.
14
As resoluções do III Congresso também salientavam a importância do trabalho
com os esportistas, as mulheres e jovens trabalhadores, os inquilinos e contra o
12
Resoluções do III Congresso do PCB sobre o BOC (1928-1929). Apud KAREPOVS, Dainis. A
esquerda e o parlamento no Brasil... Op. Cit., p. 626.
13
Diário de Notícias, Porto Alegre, 21 de maio de 1929, p. 5.
14
É possível que associações como essas tenham sido criadas também em Santana do Livramento
ou alguma outra cidade do interior que tivera militantes comunistas. Contudo, não foi encontrado
nenhum indício nesse sentido.
114
imperialismo. Percebe-se pelas associações arroladas acima, que as frentes de
atuação em que os comunistas tratavam de influir no Rio Grande do Sul
ultrapassavam as indicadas pelas deliberações congressuais. Ou seja, o BOC
gaúcho foi original ao procurar mobilizar frentes não mencionadas pelo fórum
deliberativo principal do Partido, conseguindo antever questões que agitavam os
trabalhadores e criando um organismo que abordasse aquele problema particular.
O BOC desempenhava primordialmente a função de articulador de todas
essas associações e transmitia a linha política a ser adotada por elas. Essa
atribuição fica evidente nos momentos em que várias dessas associações foram
criadas, pois era o principal incentivador de sua fundação, oferecendo a estrutura
inicial para as primeiras reuniões. Em relação ao papel de transmissor da linha
política, isso se evidencia na existência de pontos em comum entre os programas de
todas essas entidades, cuja matriz era o programa do BOC (ANEXO D), como no
caso do Comitê de Mulheres Trabalhadoras:
“1º - A licença, às proletárias grávidas, de 60 dias antes e 60 dias
depois do parto, com o pagamento integral dos respectivos salários;
- A criação de maternidades e creches gratuitas, à custa do
Estado e do patronato, junto aos locais de trabalho, e fiscalizadas
pela Confederação Geral do Trabalho; A licença remunerada de
meia hora, de 3 em 3 horas, para que a mãe proletária possa
amamentar o filho; - Os mesmos direitos políticos e sociais dos
homens”.
15
São demonstrações de como o Partido foi sendo substituído, pois diante da
ilegalidade era difícil para os militantes estabelecerem os limites e os espaços
adequados para a ação política comunista. Na clandestinidade partidária, era uma
incumbência complexa distinguir as questões que diziam respeito à esfera de uma
ou outra organização, ainda que este problema tivesse sido discutido em fóruns
deliberativos anteriores.
15
Programa do Bloco Operário e Camponês do Brasil. Rio de Janeiro, setembro de 1929. Apud
KAREPOVS, Dainis. A esquerda e o parlamento no Brasil... Op. Cit., p. 628.
115
3.2 A CRT: ações a partir de um novo conceito de unificação dos
trabalhadores e relações com a CGT do Rio de Janeiro
Para implementar o novo modelo de organização sindical (sindicatos sob base
de indústrias e de empresas e trabalhadores unificados em uma mesma federação
sindical nacional com suas ramificações regionais e municipais), os comunistas
criaram a CRT, formada em Porto Alegre entre março e início de abril de 1929.
O surgimento da CRT se inscreve no objetivo do PCB de criar a Confederação
Geral do Trabalho do Brasil, uma entidade sindical que unificasse os trabalhadores
do país inteiro de acordo com o modelo de sindicatos de base industrial, a qual
começava a tomar corpo efetivamente em 1929 após alguns anos de tentativas não
tão bem sucedidas. Para tanto, o Comitê Pró-CGT, criado durante a Conferência dos
Sindicatos do Rio de Janeiro e arredores, iniciou os preparativos para realizar o
Congresso Operário Nacional, também no Rio de Janeiro, entre 26 e 30 de abril de
1929.
Pela pauta a ser discutida durante o Congresso podemos perceber as
reivindicações que os sindicatos pertencentes à rede CGT deveriam encarar como
prioritárias: defesa da jornada diária de oito horas, aumento salarial, aplicação da Lei
de Férias. Ou seja, cobrar do Estado melhores condições de vida e trabalho para a
classe trabalhadora. Além disso, destacava a importância de organização de
sindicatos dos assalariados agrícolas, da juventude e das mulheres proletárias,
16
de
acordo com a resoluções do III Congresso do PCB.
17
A Confederação Regional do Trabalho no Rio Grande do Sul foi formada em
meio aos preparativos para a realização do Congresso Operário Nacional, chamado
pelo Comitê Pró-Confederação Geral do Trabalho, utilizando a circular convocatória
16
Além dessas questões, constavam na pauta: apresentação do relatório do Comitê Pró-CGT,
informações dos representantes dos estados, Confederação Latino-Americana, estatutos da CGT,
eleições. Este último parece referir-se à participação dos trabalhadores nas próximas eleições
presidenciais. Correio do Povo, Porto Alegre, 2 de abril de 1929, p. 5.
17
O III Congresso (dezembro de 1928 janeiro de 1929). Rio, 11 de fevereiro de 1929. CC do PCB.
Apud CARONE, Edgard. O PCB I... Op. Cit., p. 73.
116
expedida pelos organizadores do Congresso como forma de impulsionar em Porto
Alegre o seu trabalho inicial.
A circular recebida pela CRT, com as informações sobre o Congresso, foi
repassada às organizações sindicais da cidade com o intuito de convocar a
Conferência Sindical de Porto Alegre, a ser realizada no dia 7 de abril na Praça
Parobé nº. 12, sede da CRT (mesmo endereço do BOC) para, entre outras coisas,
escolher os delegados a serem enviados ao Congresso Operário Nacional.
18
Sobre
a importância deste, constava na circular o seguinte texto:
“Nessa hora tão difícil para o proletariado nacional, nada mais
oportuno do que esse Congresso.
A carestia da vida, a alta do custo dos gêneros de primeira
necessidade, a alta dos aluguéis e do preço do vestuário, o
desrespeito da Lei de Férias e das outras que beneficiam os
trabalhadores, a ofensiva patronal contra o dia de 8 horas e salários,
todas essas questões exigem um estudo acurado por parte da classe
operária, todos esses problemas, indicam a necessidade de uma
revisão geral dos meios de luta empregados pelo proletariado na
defesa dos seus direitos e um aparelhamento mais eficiente das
organizações de classe dos operários.
Daí a importância extraordinária desse Congresso Operário
Nacional, no qual serão debatidas as questões que mais de perto
interessam à defesa dos interesses proletários mais imediatos”.
19
Caso o leitor se atenha ao segundo parágrafo do fragmento da circular,
perceberá a visão dos comunistas sobre as condições de vida e trabalho no país, a
partir das quais erigiram suas reivindicações. Neste mesmo parágrafo, conforme
foi salientado anteriormente, uma crítica ao anarquismo, por isso expressaram a
necessidade dos trabalhadores fazerem uma “revisão geral dos meios de luta
empregados pelo proletariado” e o “aparelhamento mais eficiente das organizações
de classe dos operários”. Queriam dizer com isso que os meios de luta anarquistas
(ação direta) não eram eficientes, assim como os sindicatos organizados sob essa
concepção. Portanto, a circular expedida pelo Comitê Pró-Confederação Geral do
Trabalho não tinha somente o papel de divulgar o Congresso Operário Nacional,
mas também de construir o movimento sindical comunista.
18
Correio do Povo, Porto Alegre, 2 de abril de 1929, p. 5.
19
Ibidem, p. 5.
117
Na Conferência porto-alegrense, as entidades representadas foram, além da
Confederação Regional do Trabalho, o Centro de Jovens Proletários de Porto
Alegre, a União dos Trabalhadores em Trapiches, a União dos Operários em
Fábricas de Tecidos, a Comissão Pró-Associação Protetora dos Operários da Viação
Férrea do Rio Grande do Sul, a União dos Trabalhadores em Hotéis, Bares,
Restaurantes, Cafés, Confeitarias e Anexos, a União Riograndense de Vidraceiros e
a União Beneficente dos Empregados da Usina Força e Luz. Afora a discussão
referente à pauta do Congresso e a escolha dos delegados que representariam os
sindicatos e organizações operárias do Rio Grande do Sul, também foi debatida a
comemoração do de maio, que se aproximava. Foi aprovado que os sindicatos
teriam a incumbência de convocar suas bases para a programação conduzida pela
CRT e deveriam informar quantos meros do jornal comunista A Classe Operária
conseguiriam distribuir.
20
No que se refere ao Congresso Operário Nacional, foi aprovada por
unanimidade a seguinte resolução:
“O Congresso Operário Nacional deve realizar uma crítica severa das
falhas do movimento operário do passado, entre os quais figuram
como os mais importantes: o alheamento dos sindicatos da situação
econômica do proletariado, o posicionamento do movimento
operário, a falta de uma ligação íntima com a massa das fábricas e
empresas, o corporativismo, a não existência nos sindicatos de
orientação classista de seções de beneficência, recreativas e
esportivas.
O Congresso deve particularmente frisar a concentração cada vez
maior das forças capitalistas e o avanço do imperialismo no Brasil,
concorrendo para agravar ainda mais a exploração das massas
laboriosas. E para fazer frente a essa opressão, o proletariado deve
reorganizar os sindicatos de oficio em sindicatos de indústria. É
precisa ainda organizar sindicatos de empresa, agrupando
trabalhadores de uma grande empresa.
Os sindicatos de uma localidade devem unir-se em Federações de
Trabalho locais. Os sindicatos de uma região, em Confederações
Regionais do Trabalho. Os sindicatos de uma indústria, em
Federações Nacionais de Indústria e, trabalhadores do Brasil, e na
cúpula, unindo todos a Confederação Geral do Trabalho. Para fazer
frente ao imperialismo na América Latina, o congresso deve
prestigiar a obra da fundação da Confederação Sindical Latino-
americana. a concentração das forças da classe operária poderá
lutar contra a crescente exploração capitalista.
20
Correio do Povo, Porto Alegre, 9 de abril de 1929, p. 7.
118
As organizações sindicais precisam dedicar uma atenção especial
para a organização das massas desorganizadas, assalariadas
agrícolas, juventudes e mulheres proletárias.
Para que as massas saibam lutar vitoriosamente contra os
exploradores, é preciso ensinar aos trabalhadores a confiar somente
na força da unidade e da solidariedade proletárias. Para isso,
combater energicamente a intervenção dos políticos advogados e
representantes a soldo da burguesia, mostrando aos trabalhadores
que a força da unidade proletária é capaz de arrancar melhorias
para a massa laboriosa.
O Congresso deve ainda examinar detidamente a forma de
conquistar as massas, ainda não organizadas, para as organizações
sindicais. Para isso, além das medidas aconselhadas, os
sindicatos devem elaborar um plano concreto de reivindicações para
os trabalhadores de uma determinada indústria ou de uma grande
empresa, lutando, passo-a-passo, para a conquista dessas
reivindicações. Não nos devemos interessar pelas lutas dos
trabalhadores organizados, as lutas desorganizadas devem ser
dirigidas com a máxima dedicação pelas organizações sindicais, para
que possam ser aproveitadas em benefício da organização dos
trabalhadores em luta.
Uma atenção especial deve merecer a questão da preparação
ideológica da massa, devendo o Congresso tomar medidas
concretas, tendentes a divulgação no meio das fábricas, oficinas,
campo e locais de trabalho, da imprensa do proletariado. Ao mesmo
tempo devemos dar uma solução adequada à questão de formação
de quadros de dirigentes sindicais, capazes de fazer frente às novas
condições de luta de classes.
Particularmente, o Congresso deve examinar a questão da ligação
entre os sindicatos e a massa operária, a fim de que as organizações
possam sempre estar à frente das lutas contra a exploração que está
sujeita o proletariado.
Reorganizados os sindicatos à base de indústria e de empresa,
unidos entre si, intimamente ligados à massa laboriosa, lutando
resolutamente contra a escravidão capitalista e imperialista, o
Congresso terá dado um passo decisivo para a emancipação da
classe operária do Brasil”.
21
A resolução apresentava várias questões e pode ser considerada um resumo
da concepção de prática sindical comunista. No início do texto havia uma crítica
enfática ao movimento sindical dirigido pelo anarquismo por ser responsável por
muitas falhas, como a “falta de uma ligação íntima com a massa das fábricas e das
empresas”. Destacava a importância de se transformar a forma de organização dos
sindicatos, passando aos moldes de base de indústria ou empresa, pois os
trabalhadores teriam maior poder de conquistar suas reivindicações. Ou seja, ao
explicitar as suas diferenças com os anarquistas, os comunistas estavam
21
Ibidem, p. 7.
119
demarcando o próprio campo e o seu espaço político, ao mesmo tempo em que
identificavam claramente o seu principal adversário no movimento sindical. A partir
desse momento, percebe-se que os militantes do PCB passavam a ter uma
preocupação maior em se diferenciar dos libertários, tentando romper com esta
tradição, ainda influente no Rio Grande do Sul.
Além da preocupação com os trabalhadores organizados, manifestavam
interesse em conquistar os não organizados. Para tanto, os sindicatos deveriam
elaborar um plano concreto de reivindicações para os trabalhadores de uma
determinada indústria ou de uma grande empresa, buscando, efetivamente, a
conquista dessas reivindicações, e não simplesmente criar fatos políticos. O
interesse pelos trabalhadores e pelas lutas não organizadas deveria exigir a máxima
dedicação por parte das organizações sindicais, de modo que pudessem auxiliar na
organização desses operários.
Da mesma forma que havia o interesse pelas massas desorganizadas,
expressavam a necessidade de se dedicarem aos assalariados agrícolas, juventude
e mulheres trabalhadoras. Em outras palavras, os comunistas estavam preparando
ações em várias frentes para formar um grande movimento de massas, o que
ultrapassou os limites do movimento sindical, como veremos à frente.
A Conferência Sindical elegeu, ao que se sabe, dois delegados para
representar as entidades gaúchas: o gráfico Joaquim Pinto e o carpinteiro Victor de
Mello.
22
O Congresso Operário Nacional, que foi realizado na sede da União dos
Gráficos do Rio de Janeiro e presidido pelo representante do BOC, Minervino de
Oliveira, tinha como um dos seus objetivos impulsionar a tendência comunista no
meio operário, porque ao serem discutidos os pontos da pauta, a escolha e o envio
de delegados, se geraria, por conseqüência, uma movimentação interna nas
entidades da classe trabalhadora que poderia resultar frutiferamente para a
expansão do comunismo.
22
Apesar da pesquisa não obtive outras informações sobre os dois delegados.
120
No Rio Grande do Sul isso teve resultados positivos, já que certamente,
depois do BOC, a CRT foi a associação dirigida por comunistas com maior
importância no que se refere à mobilização dos trabalhadores e construção de novas
organizações proletárias. Ambas atuavam de forma bastante articulada, organizando
atividades em conjunto: manifestações, passeatas e reivindicações praticamente
idênticas, como a defesa da aplicação da Lei de Férias e a de Menores, entre
outras. Mas apesar dessa atuação muito próxima elas não se confundiam como
aconteceu na relação entre BOC e PCB. Nesse caso, não houve substituição de
uma pela outra, nem confusão sobre os limites de atuação de cada entidade. Apesar
da mesma orientação política, transmitida pelos comunistas, cada qual tinha seu
objetivo bem delimitado: a CRT era uma federação sindical regional responsável por
unificar os trabalhadores organizados em seus sindicatos, à base de empresa e de
indústria, sob uma mesma entidade. Já o BOC tinha objetivos muito mais genéricos:
era uma frente ampla que procurava aliar operários e camponeses
23
de diversas
correntes do movimento operário, objetivando a participação eleitoral, e pela forma
como foi conduzido atuou como um partido político, diferenciando-as ainda mais.
A CRT exerceu um papel extremamente importante para romper com a antiga
tradição de estrutura sindical por ofício do anarquismo. Embora este ainda tenha
mantido certa influência em algumas entidades importantes, como a FORGS, o
recuo e a retirada do campo sindical a que se submeteram após o Congresso
Operário de Pelotas, possibilitaram que a CRT se tornasse a principal entidade
sindical do Rio Grande do Sul, recompondo o movimento operário gaúcho sob
outros padrões.
No entanto, aqui cabe uma advertência: apesar da Confederação Regional do
Trabalho parecer ter conquistado o predomínio sindical do Rio Grande do Sul, isso
não quer dizer que seu patamar de mobilização tenha sido muito elevado. O
movimento operário de maneira geral ainda estava debilitado devido à repressão e à
divisão entre comunistas e anarquistas; portanto suas condições de mobilização da
classe trabalhadora eram, evidentemente, limitadas. Certamente essa fraqueza do
23
O trabalho com os camponeses no Rio Grande do Sul ficou praticamente no papel. Somente em
Caxias do Sul o núcleo local do BOC teve trabalhadores rurais filiados. Contudo, parece não ter
passado da mera filiação. Correio do Povo, Porto Alegre, 14 de fevereiro de 1930, p. 8.
121
movimento operário, especialmente do libertário, contribuiu para a CRT mesmo com
a ressalva anterior, se consolidar como a mais importante entidade sindical gaúcha
nos momentos finais da Primeira República.
Em relação às associações que atuavam entre os trabalhadores
paralelamente aos sindicatos, como o Comitê de Mulheres Trabalhadoras e o Centro
de Jovens Proletários, estas não tiveram o mesmo fôlego de atuação que o BOC, a
CRT ou a Federação Geral dos Trabalhadores de Pelotas, conforme veremos
adiante, pois em geral a duração tendeu a ser um pouco mais efêmera. Talvez por
isso o aparecimento de notícias de suas atuações na imprensa foi também em
menor quantidade. Contudo, participavam das atividades mais amplas promovidas
pelos comunistas, nas quais exerciam importante papel ao mobilizarem seus grupos
específicos de atuação.
Dessas, a principal talvez tenha sido o Comitê de Mulheres Trabalhadoras,
que atuava reivindicando melhores condições de trabalho para o mundo feminino,
como: melhores condições de higiene nos ambientes de trabalho, sanitários
diferenciados dos masculinos e questões ligadas à maternidade. Outra associação
com atuação importante foi o Centro de Jovens Proletários, o qual procurava,
através das especificidades dos jovens trabalhadores, atraí-los para a luta política.
a Federação de Desportos Proletários, utilizava os esportes como um meio para
trazer operários para o âmbito das idéias comunistas. Foi justamente dessa forma
que Eloy Martins tomou conhecimento do jornal do PCB A Classe Operária.
24
A solidariedade entre os trabalhadores motivava grandes mobilizações com o
apoio da CRT e do BOC. Conforme veremos adiante, em caso de greves, a CRT
liderava movimentos solidários aos trabalhadores envolvidos na mobilização. Da
mesma forma quando ocorriam demissões consideradas injustas ou para apoiar
reivindicações de uma categoria específica.
Esse apoio chegava ultrapassar as fronteiras do Rio Grande do Sul, como no
caso da greve dos gráficos paulistas. Como a duração da greve ia se prolongando,
24
MARTINS, Eloy. Um depoimento político... Op. Cit., p. 28.
122
os grevistas começaram a sentir dificuldades financeiras, o que poderia prejudicar o
andamento da mobilização. A CRT e o BOC criaram o Comitê de Ação em Defesa
da Greve dos Gráficos Paulistas, o qual procurava arrecadar quantias em dinheiro
para enviar aos grevistas de São Paulo, objetivando auxiliá-los para que
permanecessem paralisados.
25
Também, realizavam mobilizações em Porto Alegre,
como a passeata que foi paralisando algumas fábricas que estavam em seu
itinerário (Sul América, Renner, Rio Guahyba, Fiação e Tecidos, fábrica de móveis
Gerdau) e incorporando seus trabalhadores.
26
A passeata foi encerrada com um
comício que reuniu em torno de três mil pessoas, no qual protestaram contra a
repressão policial paulista e exigir a libertação dos trabalhadores detidos em São
Paulo. Além disso, foi enviado um telegrama ao presidente do Rio Grande do Sul,
Getúlio Vargas, relatando a realização do comício e pressionando o governo gaúcho
para que, de alguma forma, causasse uma espécie de constrangimento no governo
paulista e, principalmente, fazendo uma demonstração da força do movimento
operário a Vargas.
27
Ou seja, estavam mandando um aviso do potencial de
mobilização que dispunham e que poderia ser utilizado em outras ocasiões.
A greve durou setenta e dois dias e exemplos como esse do Rio Grande do
Sul em auxiliar os grevistas ocorreram em outros lugares também. Com a derrota
dos trabalhadores, a repressão se intensificou e se alastrou por todo o país
demarcando um divisor de águas no movimento operário e atingindo os comunistas,
os quais passaram, a partir de então, a ser de novo duramente reprimidos pela
polícia em várias localidades.
28
O BOC começou a refluir progressivamente,
perdendo de maneira considerável seu poder de mobilização e o peso de sua ação
política entre os trabalhadores praticamente desapareceu.
No entanto, a incidência da repressão no Rio Grande do Sul ocorria em uma
escala bem menor, como veremos adiante, e não impedia os comunistas de atuar.
Muito pelo contrário, enquanto o BOC no restante do país declinava por causa da
violência policial, no sul ele continuava crescendo.
25
Diário de Notícias, Porto Alegre, 25 de julho de 1929, p. 5.
26
Opinião Pública, Pelotas, 25 de maio de 1929, p. 1. (BPP).
27
Diário de Notícias, Porto Alegre, 26 de maio de 1929, p. 13.
28
KAREPOVS, Dainis. A esquerda e o parlamento no Brasil... Op. Cit., p. 544.
123
3.3 O de maio de 1929: as comemorações comunistas em Porto
Alegre e Pelotas
O de maio de 1929 foi comemorado pelos trabalhadores em várias cidades
gaúchas e é interessante observar algumas dessas atividades para verificarmos
como os comunistas usaram a data proletária para chegar aos trabalhadores. O
BOC, a CRT e a Federação do Trabalho de Pelotas organizaram manifestações em
Porto Alegre e Pelotas que contaram com ampla participação operária.
Na capital, segundo os dados apresentados pelo jornal Diário de Notícias,
teriam participado aproximadamente mil e quinhentos operários. O ato foi
coordenado por Antônio Cândido Thomaz (ao que parece, um militante comunista),
29
quem deu início às falas. Logo após, sucederam-se Plínio Mello, representando o
BOC regional; Orlando Martins, antigo militante anarquista, em nome da Federação
Operária, a qual havia recebido da CRT o convite para participar do ato;
30
um
representante da CRT; um representante da União dos Operários da Indústria
Metalúrgica e um da União dos Operários em Fábricas de Tecidos. Enviaram
saudações a Sociedade União dos Trabalhadores em Trapiches, a União dos
Estivadores, a União Riograndense dos Vidreiros, a Federação de Desportos
Proletários do Rio Grande do Sul, a União dos Trabalhadores em Hotéis, Bares
Restaurantes e Cafés, Confeitarias e Anexos, o Comitê Pró-União dos
Trabalhadores na Indústria do Vidro e Louças, a Associação Protetora dos Operários
da Viação Férrea do Rio Grande do Sul, o Comitê de Mulheres Trabalhadoras, o
Centro de Jovens Proletários e a União dos Trabalhadores em Transporte Marítimos
e Portuários do Brasil. Os discursos dos representantes das entidades, de maneira
geral, abordaram a referida bandeira da reorganização sindical sob novas bases,
29
É interessante observar que em praticamente nenhum momento a imprensa porto-alegrense, assim
como a pelotense, divulga os nomes da diretoria da CRT e da Federação do Trabalho de Pelotas,
com a exceção de Pelayo Gil Ribas, secretário geral da CRT, Camillo Santos, delegado da CRT,
Ângelo Fontes, representante da CRT, Ludurino Lopes, representante da CRT no Comitê Regional do
BOC, e Tolentino Marques Cardoso, representante da FTP.
30
O de maio também foi comemorado pelos anarquistas. Realizaram um comício interno na sede
da Federação Operária de Porto Alegre. Terminada a sessão, se dirigiram ao comício promovido pela
CRT, já que haviam sido convidados, ao qual lançaram pesadas críticas nas páginas do jornal A Luta,
como sendo umleilão de ofertas”, por causa da forma como teria sido conduzido o ato, com a venda
de bandeiras e outros tipos de acessórios. A Luta, Porto Alegre, junho de 1929, p. 3. (NPH).
124
abandonando os sindicatos por ofício e substituindo-os pelos de indústria ou
empresa.
31
A CRT ainda aproveitou a data para lançar um “apelo” aos trabalhadores da
cidade e do campo (ANEXO E), no qual estava incluída a seguinte pauta de
reivindicações:
“Todos os operários dentro dos sindicatos de indústria e de empresa!
Todos os sindicatos do Rio Grande, unidos na Confederação
Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul! A classe operária do
Brasil inteiro, arregimentada sob a bandeira da Confederação Geral
do Trabalho! Toda a América Latina proletária, na Confederação
Sindical Latino-americana, para a batalha contra o imperialismo! Pelo
dia de 8 horas de trabalho! Pelo pagamento extraordinário de serões!
Pelo cumprimento da Lei de Férias, de Acidentes de Trabalho e
Menores! Aumento de salários de acordo com o aumento dos custos
de vida! Contra as leis que limitam e suprimem o direito de livre
organização operária, garantida pela constituição! Contra as leis que
limitam e suprimem a liberdade de reunião, palavra e imprensa para
os trabalhadores! Contra as leis que arrancam do seio do
proletariado os seus militantes, deportando-os para o estrangeiro e
para as Clevelândias! Nem mais um operário fora dos sindicatos!
Todos ao grande comício promovido pela Confederação Regional do
Trabalho do Rio Grande do Sul, no dia de maio, às 5 horas da
tarde, defronte da escadaria da Intendência Municipal! Que cada
trabalhador saiba cumprir com seu dever, participando do comício do
1º de maio!”
32
O documento destacava a tradição de lutas dos anarquistas nos anos
anteriores, mas considerava que devido à sua prática ineficaz seu movimento fora
destruído em 1920-21 e tudo o que havia sido conquistado ruiu “diante de um
movimento sindical desmantelado”. A organização sindical sob a base de ofício
dispersaria as forças operárias, enquanto os capitalistas executariam o movimento
contrário, se unificando cada vez mais e fragilizando em grande medida o
proletariado, o que faria com que a derrota fosse inevitável. Teria faltado a eles uma
visão clara do caminho que levaria a classe operária à sua emancipação e também,
disciplina, unidade de pensamento e ação e capacidade de direção do movimento.
Na concepção daqueles militantes, isso somente poderia ser alcançado com a
direção política e ideológica de um partido político proletário, o qual atuaria como
31
Diário de Notícias, Porto Alegre, 2 de maio de 1929, p. 8.
32
Diário de Notícias, Porto Alegre, 1º de maio de 1929, p. 8.
125
uma vanguarda da classe operária. Em outras palavras, o que estavam tentando
dizer nas entrelinhas era que a única organização capaz de atender àquelas
exigências seria o Partido Comunista.
Esse documento marca uma investida mais agressiva dos comunistas, no
sentido de afirmar suas diferenças com a tradição anarquista, com o que alegavam o
que identificava o grupo. Isso incluía uma nova orientação para as comemorações
do 1º de maio, agora com um caráter político mais acentuado, com a organização de
atos públicos, comícios e passeatas, deixando para trás as sessões solenes, com
atividades festivas e doutrinárias em lugares fechados.
Sobre essas comemorações, Eloy Martins acrescenta outro ângulo: a
violência policial sobre os comunistas nessa data.
33
Durante a passeata, os
trabalhadores foram surpreendidos por gritos de “Abaixo Getúlio” e “Morra Getúlio”,
que Martins não sabe ao certo a procedência, se de “comunistas ultra-sectários ou
de policiais”. Com isso, os presentes foram cercados pela polícia na Praça XV de
Novembro, próximo à sede do BOC, e violentamente atacados:
“[...] foi uma luta impressionante, a massa não recuou, com os paus
dos estandartes e das faixas, que não eram poucos, procuramos
enfrentar os brigadianos. O mais importante é que na frente da
passeata, ostentando as faixas com as palavras-de-ordem, vinham
grupos de moças, a maioria tecelãs, que enfrentavam com galhardia
o terror policial, que não impediu que, de uma janela da sede do
Bloco Operário e Camponês, um orador, cujo nome de guerra era
Araújo, falasse para os manifestantes, que se dispersaram
quando ele terminou de falar”.
34
Por outro lado, existem dúvidas sobre a precisão da data do ocorrido. Não
nenhum indício nos jornais nem na documentação do Partido consultada, sobre essa
violência por parte da polícia; o andamento da atividade descrita por Martins não
corresponde inteiramente aos relatos da imprensa: quanto às referências do
militante sobre a repressão, poderiam nesse caso pensar que não foram noticiadas
pela imprensa devido à censura. De qualquer forma, na programação publicada nos
jornais não aparecia a passeata a que Martins se referia. Além disso, o
33
MARTINS, Eloy. Um depoimento político... Op. Cit. p. 35-36.
34
Ibidem.
126
acontecimento mencionado se assemelha à outra atividade desenvolvida pelos
comunistas em janeiro de 1930. Portanto, creio que a distância temporal tenha
produzido uma imprecisão na memória do militante sobre o fato.
Embora Martins não esteja se referindo unicamente aos militantes do Partido,
mas a todos os presentes na passeata, convém salientar a extrema abnegação dos
comunistas em suas atividades políticas, característica marcante de sua identidade.
A dedicação à causa pode explicar como muitas vezes enfrentaram adversidades
extremamente duras, pondo em risco, amesmo, a sua integridade física. Nesse
sentido Dulce Pandolfi, utilizando o conceito de “projeto” de Gilberto Velho, salienta:
“Além do despojamento do mundo material e do espírito de sacrifício,
o comunista tem de ser antes de tudo um bravo. Deve cultuar o
estoicismo e ter uma grande capacidade de resistir ao sofrimento.
Num partido comunista, assim como em certo tipo de instituição onde
existe um fim último a ser alcançado, todos os sacrifícios pessoais
são justificados. Os indivíduos existem em função do coletivo;
suas ações visam exclusivamente à realização de um projeto
comum”.
35
Além do envolvimento político no ato público promovido pela CRT, os
operários de Porto Alegre tiveram também outra forma de participação nas
atividades relacionadas à passagem do 1º de maio de 1929. A Federação dos
Esportes Proletários, que como foi exposto era uma entidade orientada pelos
comunistas com objetivo de trazer militantes para a luta de transformação social
através dos esportes, organizou um torneio para os trabalhadores, no qual a equipe
campeã ganharia a taça “1º de Maio”.
36
Em Pelotas, o Comitê Pró-Federação Geral do Trabalho, que já existia desde,
pelo menos, fevereiro
37
foi impulsionado pelas comemorações do de maio, para o
qual organizou uma sessão solene que, segundo o jornal Opinião Pública, foi
presenciada por um grande número de trabalhadores. O BOC, a convite do Comitê,
35
PANDOLFI, Dulce. Camaradas e companheiros... Op. Cit., p. 37.
36
Diário de Notícias, Porto Alegre, 1º de maio de 1929, p. 3.
37
No mês de fevereiro daquele ano, o Comitê Pró-Federação Geral do Trabalho de Pelotas havia
realizado um comício em sua sede. Contudo, não foi encontrado detalhes sobre esse evento nem
sobre a fundação do Comitê.
127
esteve representado na reunião pelo gráfico Álvaro Campos,
38
o qual ministrou uma
conferência abordando o de maio, a Lei de rias, a penetração do imperialismo
no Brasil e outros assuntos.
39
Com o convite feito ao Bloco e pela presença de
Campos na reunião, evidenciava-se a ligação estreita entre as duas associações.
O de maio comunista em Pelotas, como se pode observar acima, não teve
seu caráter político tão acentuado quanto em Porto Alegre, uma vez que promoveu
uma sessão solene e não houve nenhuma passeata, comício ou outra atividade
política de maior impacto. Contudo, essa data serviu como impulsionadora da ação
dos comunistas na cidade, sendo uma espécie de marco cronológico para o grupo.
A partir desse dia, o PCB, o BOC, a Federação do Trabalho de Pelotas e as
associações dirigidas pelo Partido iniciaram um crescimento que iria ser interrompido
apenas no início de 1930, conforme veremos adiante.
A Federação Geral do Trabalho de Pelotas foi bem recepcionada pelos
trabalhadores da cidade, tendo em vista a rapidez e a amplitude com que foram
criados os sindicatos em sua campanha de sindicalização. Com isso, demonstrava
existir um campo de atuação extremamente favorável à proposta comunista de
unificação sindical e reorganização dos sindicatos pela base de indústria.
Além da campanha de criação de sindicatos e sua unificação na Federação,
essa entidade desenvolveu, ainda no mês de maio, com o apoio do jornal Opinião
Pública, uma campanha de alfabetização dos proletários adultos e analfabetos.
Cabe mencionar a contribuição expressiva que este jornal Opinião Pública
prestou ao movimento operário, particularmente aos comunistas, ao longo de 1929.
Após novos proprietários assumirem a direção do jornal, entre eles Mário Santos,
ocorreu uma mudança brusca na linha editorial, tendo uma inflexão à esquerda. A
coluna “A ‘Opinião’ no Operariado”,
40
criada pelos novos proprietários, dava amplo
38
Álvaro Campos era gráfico, presidente do BOC pelotense e a principal liderança comunista de
Pelotas.
39
Opinião Pública, Pelotas, 4 de maio de 1929. (BPP).
40
Esta coluna foi criada em meados de 1929 e dava amplo espaço às atividades do BOC e da FTP, e
às lutas operárias e sindicais na cidade de Pelotas. As matérias desta coluna foram contribuições
valiosas para a pesquisa.
128
espaço para as questões operárias. A atuação dos núcleos pelotenses das
associações é divulgada com mais detalhes do que as porto-alegrenses, por isso é
mais fácil acompanhar o funcionamento das entidades em Pelotas do que na capital.
Durante todo esse processo de organização e consolidação das entidades sob
influência do PCB, o jornal sempre teve um papel destacado, ora defendendo os
operários, ora denunciando as arbitrariedades dos empresários.
Após o de maio, a Federação do Trabalho de Pelotas se consolidou como
entidade sindical e em junho lançou um programa, o qual compreendia, além da
organização dos sindicatos por indústria e empresa, a união deles à Federação; uma
aproximação com o proletariado do resto do Brasil e da América; fundação de
escolas e cooperativas de consumo e de beneficência; obtenção da Lei de Férias
para todos os trabalhadores e educação técnica-profissional do operariado.
41
A defesa da implementação da Lei de Férias para todos os trabalhadores foi
uma das principais bandeiras de luta da entidade, demonstrando a nova postura dos
comunistas frente ao Estado, cobrando a aplicação efetiva da legislação trabalhista
aprovada pelo governo federal e elegendo os direitos sociais como um campo de
luta importante para os trabalhadores.
Em outubro, a Federação lançou uma plataforma de lutas bem extensa e mais
uma vez as reivindicações que aparecem poderiam ser implementadas caso o
Estado interviesse nas relações de trabalho:
“Sustentemos a imprensa proletária! Pelo salário igual para trabalho
igual! Pelo cumprimento da lei de férias, de acidentes e de menores!
Pelo aumento geral de salários, segundo o custo de vida! Pela
supressão das multas e descontos! Pelas 7 horas de trabalho para
as mulheres e para os homens! Pela supressão das horas
extraordinárias e do trabalho por tarefas, ou pelo pagamento em
dobro dessas horas e desse trabalho! Pelo fornecimento de material
bom! [sic] Pelo repouso pago de seis meses antes e dois meses
depois do parto! Pela construção, a custo do patronato, de creches
junto aos locais de trabalho para os filhos do peito das operárias!
Pela licença de meia hora, cada três horas, para amamentação dos
filhos das operárias, sem descontos nos salários nem nas horas de
trabalho! Pela higiene nos locais de trabalho (refeitórios decentes,
41
Opinião Pública, Pelotas, 4 de junho de 1929. (BPP).
129
privadas, lavatórios decentes e exclusivos para as operárias)! Pela
construção de casas baratas e higiênicas para as famílias proletárias!
Pelo seguro, a custa do patronato, contra o desemprego parcial ou
total, contra a velhice, a invalidez e a doença! Pela proibição do
trabalho noturno, em indústrias nocivas e perigosas, sobretudo para
as mulheres grávidas! Pelos direitos sociais das mulheres iguais ao
homem! Pela liberdade de nossa organização e de nossa imprensa!
Contra o imperialismo e as guerras imperialistas! Viva a Federação
do Trabalho de Pelotas! Viva a Confederação do Trabalho do Rio
Grande do Sul! Viva a Confederação do Trabalho do Brasil! Viva a
Imprensa Proletária! Viva o Comitê das Mulheres Trabalhadoras de
Pelotas! Viva a Juventude Proletária de Pelotas!
42
Com o movimento sindical comunista e as principais entidades sindicais se
consolidando, o BOC podia investir em ações com um conteúdo mais político e
ampliar suas frentes de atuação.
3.4 O crescimento do BOC: a inserção dos comunistas em diferentes
frentes de atuação e eventos políticos em Porto Alegre e Pelotas
Pode ter causado certo estranhamento no leitor o fato de até aqui ter sido
abordada a experiência comunista de maneira quase exclusiva a Porto Alegre e
Pelotas, com algumas alusões a outras cidades, sendo que o objetivo do presente
trabalho é analisar a atuação do PCB no Rio Grande do Sul. Não obstante a
documentação do Partido salientar a existência de militantes em Santana do
Livramento, Caxias do Sul e Rio Grande, ele pouco se desenvolveu nessas
localidades e todas as informações que encontrei estão contidas aqui. Também
procurei na imprensa das cidades de Rio Grande, Viamão, Caxias do Sul, Santana
do Livramento, Jaguarão e Passo Fundo notícias sobre a ação do BOC, CRT e das
associações comunistas, mas praticamente nada foi encontrado.
Como o BOC priorizava as atividades de mobilização e agitação da classe
trabalhadora, o processo de escolha dos deputados estaduais, que seria realizado
em maio de 1929, era uma grande oportunidade para divulgar o seu programa
político. No Rio Grande do Sul, as eleições para a Assembléia dos Representantes
do Estado ocorreriam no dia 30 de maio. Em meados de abril, teve início a
campanha eleitoral para o candidato comunista, Plínio Mello, com a realização de
42
Opinião Pública, Pelotas, 22 de outubro de 1929. (BPP).
130
um comício em frente à Fábrica Gerdau, mesmo com a proibição de Getúlio Vargas
de que fossem realizados comícios eleitorais em frente às bricas.
43
Foram
abordados vários assuntos, entre eles a precária situação econômica dos
trabalhadores e a necessidade de uma política independente de classe, por parte do
proletariado. No dia 16 de abril seriam realizados mais dois comícios, um em frente à
Fábrica Ernesto Neugebauer e outro na Serraria S. Müller & Filhos.
44
Talvez como
resultado dessa mobilização, Mello obteve quinhentos e oitenta e quatro votos na
referida eleição, votação significativa para um nome recém-chegado ao estado,
embora insuficiente para ser eleito.
Não há na imprensa de Porto Alegre notícias a respeito da repressão policial
sobre os comunistas quando realizavam propaganda de Plínio Mello nas portas de
empresas. Isso pode indicar que Getúlio não estava interessado em usar a violência
policial para que a proibição decretada por ele fosse colocada em prática e
provavelmente não esperava a votação significativa do candidato comunista. Vargas
parece o ter querido se atritar com os trabalhadores a fim de, com isso, conseguir
votos para seus candidatos naquela eleição.
O BOC, após o de maio de 1929, ressentiu-se da necessidade de
intensificar a exposição do seu programa político entre os trabalhadores (ANEXO
D).
45
Por isso, a partir de um comício realizado no Bairro Tristeza, em Porto Alegre,
e em todas as manifestações seguintes, o programa passou a ser exposto para que
os trabalhadores tivessem um maior conhecimento sobre ele:
[...] fazendo ver, por fim, a necessidade que os trabalhadores têm de
lutar, não economicamente, dentro de poderosos sindicatos
industriais e de empresa, como também, politicamente, nas fileiras
de uma organização partidária genuinamente de classe, como é o
Bloco Operário e Camponês.
46
43
KAREPOVS, Dainis. A esquerda e o parlamento no Brasil... Op. Cit., p. 534.
44
Opinião Pública, Pelotas, 16 de março, de 1929, p. 3. O PRR elegeu 25 e o PL 7 deputados.
Opinião Pública, Pelotas, 5 de abril de 1929, p. 2. (BPP).
45
Programa Político do BOC apud KAREPOVS, Dainis. A esquerda e o parlamento no Brasil... Op.
Cit. p. 635.
46
Diário de Notícias, Porto Alegre, 21 de maio de 1929, p. 5.
131
Se os comunistas sentiam a necessidade de expor com mais freqüência seu
programa político, no qual constavam suas posições sobre a luta operária, era,
obviamente, porque ele ainda não era totalmente conhecido nem completamente
assimilado pelos trabalhadores. Isso também pode indicar certa resistência em
setores do movimento operário em aceitá-lo, devido à tradição anarquista. Daí a
insistência em expor o seu programa político, para impor uma nova via de luta
proletária.
É preciso lembrar que essa ofensiva dos comunistas ocorreu quando setores
anarquistas haviam decidido, pelo menos um ano, abandonar o sindicalismo
em proveito de atividades culturais e doutrinárias. Portanto, não houve disputa direta
e acirrada entre os grupos pelo controle das entidades operárias, pois a grande
maioria dos libertários não estava mais atuando no movimento sindical, como é
possível observar pela pequena quantidade de sindicatos que dirigiam em Porto
Alegre em 1928 e 1929 e pela retração das comemorações dos de maio neste
período.
Além da preocupação em intensificar a exposição do seu programa político, a
direção regional do BOC passou a estudar a criação de melhores instrumentos de
obter contato com os trabalhadores do interior, para fundar um maior mero de
comitês locais que ampliassem sua base política no Rio Grande do Sul.
47
Ou seja,
os comunistas queriam realizar uma investida nas cidades do interior, que na
capital estavam obtendo algum sucesso.
A ofensiva dos comunistas divulgando o programa político do BOC incluiu a
participação da CRT. Em outubro do mesmo ano ela reuniu o Conselho Confederal,
espécie de instância deliberativa na qual participavam todas as associações filiadas
à entidade, com o objetivo de apresentar um novo programa de propaganda para
suas entidades afiliadas, transmitindo instruções que os respectivos comitês nos
locais de trabalho deviam obedecer a partir de então.
48
De qualquer maneira, o BOC
foi o principal promotor dessa política. Infelizmente não obtive acesso ao referido
programa de propaganda, o que impossibilita fazer afirmações mais contundentes.
47
Diário de Notícias, Porto Alegre, 26 de maio de 1929, p. 13.
48
Correio do Povo, Porto Alegre, 20 de outubro de 1929, p. 11.
132
Todavia, como o BOC estava promovendo seu programa político, a nova proposta
de propaganda da CRT, cujas íntimas relações com o BOC não podemos esquecer,
provavelmente fazia parte da tática mais geral de divulgação do programa do BOC.
Com o referido comício no Bairro Tristeza, o BOC porto-alegrense iniciou uma
campanha de criação de comitês específicos, por bairro ou sindicato, a qual
conseguiu ter êxito na Tristeza, Mont’ Serrat, Navegantes, São João e no Sindicato
dos Tecelões em Porto Alegre. Na Tristeza, o Comitê Executivo do BOC ficou
composto por Antenor Machado, presidente; Hugo Arthur Jaeckel, primeiro-
secretário; Antonio Guerrapiero, segundo-secretário; André Meireles, tesoureiro; e,
Silvio Mendes, arquivista.
49
Em São João, parece ter havido certa dificuldade na
mobilização e na organização do comitê local do BOC, pois a reunião preparatória
do referido comitê foi adiada por duas vezes, sendo que na segunda vez o foi por
mais de uma semana.
50
Além disso, foram feitas reuniões em locais diferentes, o
que poderia indicar dificuldade em encontrar um local de referência aos
trabalhadores do bairro para serem realizadas os encontros locais.
51
Para os
tecelões ficou organizado um comitê composto por Gustavo Jacoby, presidente;
Ulysses de Moraes, primeiro-secretário; João Cândido Ponsbach, segundo-
secretário; Jorge Vieira, tesoureiro; Maurillo Antonio Martins, arquivista.
52
Em duas outras reuniões, em Mont’ Serrat e Tristeza, foi apresentado um
plano de propaganda do programa político do BOC, cuja elaboração coube à
executiva regional e servia de base para ser adaptado às condições locais de cada
comitê. Pretendiam, com isso, intensificar a adesão de novos ativistas e fazer com
que os trabalhadores visualizassem o BOC como a única organização de frente
única proletária com disposição de lutar pela conquista de seus direitos.
53
49
Diário de Notícias, Porto Alegre, 21 de maio de 1929, p. 5. Não obtive outras informações sobre
estes militantes.
50
Diário de Notícias, Porto Alegre, 9 de julho de 1929, p. 11. Diário de Notícias, 10 de julho de 1929,
p. 5.
51
Uma foi marcada para ser feita na Rua do Parque, no salão do Restaurante Parque. Diário de
Notícias, Porto Alegre, 9 de julho de 1929, p. 11. Uma outra, na Rua Ernesto Fontoura, 220. Correio
do Povo, Porto Alegre, 1º de outubro de 1929, p. 9.
52
Diário de Notícias, Porto Alegre, 19 de julho de 1929, p. 9. Não obtive outras informações sobre
estes militantes.
53
Correio do Povo, Porto Alegre, 12 de outubro de 1929, p. 8.
133
O resultado que se queria alcançar com os diversos comitês espalhados pela
cidade era a penetração comunista de maneira mais orgânica naqueles bairros,
que alguns eram habitados principalmente por operários, como era o caso do São
João, de modo que pudessem realizar a divulgação do programa político do BOC e
fazer trabalho de agitação entre a massa operária desses locais. Tanto o BOC
quanto a CRT e também a Federação do Trabalho de Pelotas (que havia fundado
uma subseção no Bairro Areal), aproximavam-se da forma de organização do PCB:
células em locais de trabalho ou moradia, contribuindo, dessa forma, para o Bloco
assumir completamente as funções do Partido.
O BOC experimentou um momento de ascensão considerável a partir de
outubro de 1929, em Porto Alegre e Pelotas, resultado que pode ser atribuído à
ofensiva que vinha implementando com a maior divulgação do programa, com a
criação de novos comitês e principalmente com as adesões coletivas. Os cerca de
quarenta militantes do Bloco que havia no Rio Grande do Sul passaram a
quatrocentos em janeiro de 1930,
54
ou seja, em pouco tempo houve um crescimento
de 900%! Mas é claro que entre esses quatrocentos “militantes” muitos não
deveriam passar de simpatizantes ou meros filiados sem uma atuação efetiva, pois
não havia muito controle sobre os novos aderentes.
Nesse momento, o BOC também foi criado em Bagé,
55
onde foram
organizados alguns sindicatos sob a influência comunista. No entanto, devido ao
pouco tempo de existência, interrompida logo em seguida pela repressão, o BOC
bageense não experimentou uma atuação significativa.
Conforme explicitei anteriormente, a criação do BOC em Rio Grande
ocorreu em abril de 1929, mas tivera uma atuação bastante discreta ao longo do
ano, exceto por uma acusação proveniente dos anarquistas militantes na Sociedade
União Marítima, os quais culparam os comunistas por denunciar à polícia do
município os componentes da entidade durante uma greve da categoria, que havia
iniciado em fevereiro e durou mais de dois meses.
56
54
DEL ROIO, M. A Classe Operária ... Op. Cit. p. 177.
55
Opinião Pública, Pelotas, 30 de novembro de 1929, p. 4. (BPP).
56
A Luta, Porto Alegre, junho de 1929, p. 4. (NPH).
134
O plano dos comunistas de elevarem o peso de sua intervenção política no
movimento operário e sindical no Rio Grande do Sul foi exitoso, sobretudo em Porto
Alegre e Pelotas, considerando os vários sindicatos que passaram a ter na sua
esfera de influência e o trabalho de agitação tomar cada vez maiores dimensões.
Contribuiu para isso, o fato da violenta repressão, que desde junho de 1929 atingira
os cleos do BOC nos outros estados, por causa da greve dos gráficos paulistas,
não ter atingido os comunistas gaúchos com a mesma intensidade. Segundo
Karepovs:
“A greve dos gráficos foi uma espécie de divisor na forma de ação do
governo em relação aos trabalhadores, e particularmente, aos
comunistas e às entidades por eles controladas. Antes da
paralisação dos gráficos paulistas o governo buscava enfrentar os
comunistas no âmbito das instituições sindicais [...] No entanto,
desde a paralisarão dos gráficos paulistas a atuação dos governos,
tanto estaduais como o federal, passou a incorporar uma intensa e
violenta repressão dirigida contra as mobilizações, os sindicalistas e
as suas entidades. Bem como contra as associações que lhes
manifestavam solidariedade”.
57
posteriormente e por outras razões os comunistas gaúchos sofreram com
a repressão policial. Procurei nos relatórios expedidos pelos presidentes do estado à
Assembléia de Representantes do Rio Grande do Sul as razões que pudessem
iluminar essa tolerância com os comunistas, mas nada foi encontrado nesse
sentido.
58
Essa investida do BOC no segundo semestre, além de evidenciar uma
preocupação em penetrar nos bairros operários, sobretudo em Porto Alegre, e a
nova forma de filiação coletiva então assumida pela entidade, também
57
KAREPOVS, Dainis. A esquerda e o parlamento no Brasil...Op. Cit., p. 544.
58
Governo do Estado do Rio Grande do Sul. Mensagem enviada à Assembléia dos Representantes
do Rio Grande do Sul pelo Presidente do Estado Antonio Augusto Borges de Medeiros, em 20 de
setembro de 1927. Porto Alegre. Disponível em. <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u810/index.html>
(Acesso em 24 abril de 2004). Governo do Estado do Rio Grande do Sul. Mensagem enviada à
Assembléia dos Representantes do Rio Grande do Sul pelo Presidente do Estado Getúlio Vargas em
20 de setembro de 1928. Porto Alegre. Disponível em. <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u811/index.html>
(Acesso em 24 abril de 2004). Governo do Estado do Rio Grande do Sul. Mensagem enviada à
Assembléia dos Representantes do Rio Grande do Sul pelo Presidente do Estado Getúlio Vargas, em
20 de setembro de 1929. Porto Alegre. Disponível em. <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u812/index.html>
(Acesso em 24 abril de 2004). Governo do Estado do Rio Grande do Sul. Mensagem enviada à
Assembléia dos Representantes do Rio Grande do Sul pelo Presidente do Estado Getúlio Vargas, em
20 de setembro de 1930. Porto Alegre. Disponível em.
<
http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u813/index.html>(Acesso em 24 abril de 2004).
135
demonstravam um interesse pelas eleições à sucessão presidencial de março de
1930. Ou seja, eles já estavam em campanha eleitoral.
A atuação dos comunistas no ano de 1929, como vimos, tem nitidamente
duas fases: uma primeira, de investida no terreno sindical, onde procuraram criar e
reorganizar sindicatos e implementar um novo modelo de organização sindical, ao
mesmo tempo, criando uma base de apoio mais sólida. E uma segunda fase, em
que a prioridade era agitação política. Nesse período, foram organizadas muitas
atividades nas quais os comunistas aproveitavam para divulgar o conteúdo do seu
programa político, além de comícios, manifestações e greves. Por tudo isso, se
percebe que as federações e as entidades sindicais tiveram maior proeminência
num primeiro momento, para depois serem suplantadas pelo BOC e as ações com
propriedades mais políticas e de agitação operária.
Foi também nesse momento que os comunistas começaram a criar inúmeras
associações políticas, chamadas internamente como “organizações auxiliares”, para
agir em frentes de atuação específicas. Como são várias frentes, muitas entidades e
nem todas são as mesmas em Porto Alegre e Pelotas, analisar esta questão
assemelha-se a montar um “quebra-cabeças”. Portanto, procurei expor o
desenvolvimento de algumas dessas associações, pois assim o leitor tecondições
de compreender essa rede tecida pelos comunistas.
Com esse intuito de agitação política da massa proletária gaúcha, o Centro de
Jovens Proletários, o qual também tinha atuação em Pelotas, promoveu em Porto
Alegre, na primeira quinzena de setembro de 1929, a Semana da Juventude
Proletária. Uma pauta de reivindicações que defendia melhores condições de vida e
trabalho para os jovens trabalhadores foi lançada na ocasião, incluindo: aplicação do
código de menores, direito de voto aos jovens maiores de dezoito anos, aumento de
salários, melhores condições de trabalho, proibição de trabalho nas fábricas de
menores de quatorze anos, jornada de seis horas para menores de dezoito anos,
matrículas gratuitas aos estudantes pobres das escolas superiores, pela lei de
perdas, acidentes de trabalho, higiene nos locais de trabalho entre outras
reivindicações. Também, lançaram um boletim explicando as precárias condições de
vida e trabalho que a juventude trabalhadora enfrentava e a necessidade que, por
136
isso, tinham de se organizarem. Além disso, chegaram a realizar um comício na
capital.
59
Em Pelotas, a diretoria do Centro era composta por Jesus Vergílio,
secretário geral; Dario Medeiros, propagandista; Antero G. da Silva, tesoureiro; e
Pedro Gonçalves, tesoureiro.
60
Um dos temas mais pautados na ação nacional do BOC foi o referido
combate ao imperialismo. Para enfatizar sua luta nesse campo e ampliar sua
inserção em setores que não somente o da classe trabalhadora, fora criada, como
se observou antes, a Liga Antiimperialista, primeiramente em Porto Alegre em 1928,
e agora, em 1929, em Pelotas. Seu objetivo era
“[...] pugnar pelo fim do imperialismo estrangeiro; desmascarar ao
público as maneiras diversas que usa de penetração; mostrar as
maneiras que servem a tão impatriótico fim, notando quando o faz
em boa fé e quando não; combater a política de empréstimos,
porque escraviza o país; mostrar ao povo a verdadeira significação
dos fatos internacionais; luta contra o "fenômeno Mattarazo", os
trusts, os exploradores gananciosos; lutar pela libertação dos povos
escravos e semi-escravisados como: Egito, África, Índia, Marrocos,
Arábia, Palestina, China, Peru, Panamá, Nicarágua, Bolívia,
Venezuela, Cuba, Haiti, Honduras, Costa Rica, Paraguai e Brasil”.
61
Um dos dirigentes da Liga em Pelotas era Mário Santos, também um dos
diretores do jornal Opinião Pública. Diferentemente das outras associações do PCB,
a Liga não distinguia classes sociais ao recrutar novos membros, visto que, segundo
a análise que fazia, todos indistintamente sofriam com as mazelas produzidas pelo
imperialismo. Para tanto, a Liga reunia-se na sede do Clube Fica Aí,
62
dessa forma,
transmitia uma aparência mais plural à entidade.
Outra organização comunista foi o Comitê de Defesa da Imprensa Proletária,
o qual tinha o objetivo de fazer propaganda dos jornais comunistas em Porto Alegre
e Pelotas, que eram dois: Extrema Esquerda, dirigido por Plínio Mello e A Classe
Operária, jornal de circulação nacional do PCB. O Comitê organizou em Pelotas um
59
Diário de Notícias, Porto Alegre, 19 de setembro de 1929, p. 10.
60
Opinião Pública, Pelotas, 4 de novembro de 1929. (BPP). Não obtive outras informações sobre
estes militantes, nem sobre os integrantes do Centro de Juventude Proletária.
61
Opinião Pública, Pelotas, 17 de outubro de 1929. (BPP).
62
Contudo, a primeira reunião realizou-se na sede da Federação Geral dos Trabalhadores de
Pelotas.
137
festival, em dezembro, para arrecadar recursos de modo que fosse possível
continuar a distribuição dos jornais, sendo o evento amplamente divulgado nas
páginas do jornal Opinião Pública.
Provavelmente, como estava se aproximando a data do pleito nacional de
março de 1930, o dinheiro arrecadado com o festival deveria ser destinado, também,
para financiar a confecção de materiais de propaganda dos candidatos do BOC
àquelas eleições. Em função da visibilidade que obteve a realização desse festival, a
atuação do Comitê de Defesa da Imprensa Proletária foi mais proeminente em
Pelotas do que em Porto Alegre.
No mesmo mês, foi criada outra associação em Pelotas, a Liga dos
Consumidores. Embora não tenha encontrado nenhum indício de sua atuação,
certamente teria sido criada para denunciar o elevado custo de vida da classe
trabalhadora, devido à alta dos preços dos gêneros alimentícios de primeira
necessidade, como carne e leite.
Por conta dos altos preços dos aluguéis e das péssimas condições de
moradia da classe trabalhadora, os comunistas criaram também a Liga dos
Inquilinos. Mas da mesma forma que a Liga dos Consumidores, foi uma entidade de
duração efêmera, que não realizou praticamente nada e não informações sobre
sua atuação. Ambas são associações exclusivas de Pelotas.
Ainda em Pelotas, os comunistas criaram em janeiro de 1930 o Comitê de
Luta Contra o Entreposto do Leite para protestar contra a nova forma de
higienização do leite que passou a ser utilizada na cidade:
63
a pasteurização,
64
a
qual seria monopólio do referido Entreposto, empresa responsável pelo processo, o
que prejudicava inúmeros comerciantes, cujos interesses o BOC também defendia
em seu programa político. Com o Entreposto, o preço do leite subia, gerando
descontentamento entre os leiteiros, pequenos proprietários de leiterias e população
63
Opinião Pública, Pelotas, 28 de janeiro de 1930, p. 4. (BPP).
64
Exposição de alimentos (leite, queijo, iogurte, cerveja ou vinho) a temperaturas elevadas por tempo
suficiente para aniquilar certos microorganismos nocivos à saúde, sem alterar o sabor e a qualidade
dos produtos.
138
local, porque elevava o já alto custo de vida dos trabalhadores. Tanto que foi
lançada na imprensa a seguinte campanha, que parecia ser obra do Comitê:
“O povo que não tem noção de seus direitos, é um povo fadado à
escravidão. Admitir a carestia dos principais alimentos:
Carne, leite e pão
é admitir a lei da fome!”
65
A luta dos leiteiros e dos pequenos proprietários de leiterias durou pelo menos
até julho, tendo vida mais longa que o Comitê de Luta Contra o Entreposto do Leite.
Enquanto a entidade existiu foi responsável por chamar a atenção para o problema
do monopólio do Entreposto e da elevação do preço do leite.
Em janeiro de 1930, especulações sobre uma suposta intervenção do governo
federal no Rio Grande do Sul
66
mobilizaram os comunistas a criarem o Comitê de
Operários e Camponeses de Luta Contra a Intervenção Federal e o Separatismo,
que foi uma das associações mais atuantes. Pela importância e pelas implicações
de suas ações, será analisada mais detidamente adiante.
Essa profusão de associações ligadas aos comunistas, as “organizações
auxiliares”, está relacionada, basicamente, a duas questões. Em primeiro lugar,
tinham a intenção de vincular as reivindicações específicas dos trabalhadores
surgidas nestas frentes com a perspectiva mais geral de luta pela transformação
social. Em segundo, principalmente com essa ação política em diferentes frentes de
atuação pretendiam realizar um grande movimento de massas, no qual cada
associação contribuiria mobilizando suas bases, daí o motivo de serem chamadas
“organizações auxiliares”. Estavam atribuindo, efetivamente, um papel destacado ao
trabalho de agitação operária. Ou seja, a agitação era encarada na prática com a
questão prioritária, em detrimento de uma tentativa de se enraizar efetivamente
entre os trabalhadores, pois praticamente todas as ações executadas pelos
comunistas ou pelas várias associações que dirigiam rumavam no sentido de agitar
a “massa” trabalhadora.
65
Opinião Pública, Pelotas, 17 de fevereiro de 1930, p. 1. (BPP).
66
O Nacional, Passo Fundo, 31 de janeiro de 1930, p. 4. (AHR).
139
A participação política comunista nos marcos da via parlamentar, conforme
observa Karepovs,
“[...] serve para dimensionar uma evolução na postura do PCB, que
começava a compreender a necessidade de, como partido que
almejava ser uma referência de massas, possuir várias frentes de
atuação, funcionando de maneira coordenada e subordinadas ao
objetivo maior, que era a conquista do poder”.
67
Por outro lado, Cláudio Batalha salienta a existência de uma “cultura
associativa” entre os trabalhadores do Rio de Janeiro durante a Primeira República.
O autor observa que a tendência de “conferir uma certa institucionalidade a formas
de sociabilidade diversas” era comum naquele período. Proliferavam associações de
diversos matizes, como culturais, carnavalescas, dançantes, sindicais, entre
outras.
68
Partindo de outros referenciais teórico-metodológicos, Ricardo de Aguiar
Pacheco, tratando de Porto Alegre, chega a conclusões similares às de Batalha.
Pacheco enfatiza a existência de uma cultura política associativa na capital gaúcha
nos anos vinte,
69
a qual se manifestava na emergência de inúmeras associações
políticas ao longo da década.
Com base nas considerações destes autores creio ser possível aplicá-las para
todo o Rio Grande do Sul do período, o que ajuda a compreender a profusão de
associações comunistas. Por um lado, os militantes do PCB estavam imersos em um
ambiente no qual era corriqueiro a fundação de uma associação política. Por outro,
explica, de certo modo, o sucesso obtido por algumas delas entre os trabalhadores.
Mas, voltando à importância da agitação para os comunistas, a cada data com
algum valor histórico simbólico para os trabalhadores, e não somente no 1º de maio,
realizavam grandes manifestações, ou seja, grandes empreendimentos no sentido
67
KAREPOVS, Dainis. A esquerda e o parlamento no Brasil... Op. Cit., p. 182-183.
68
BATALHA, Cláudio H. M. Cultura associativa no Rio de Janeiro da Primeira República. In:
BATALHA, Cláudio H. M.; SILVA, Fernando Teixeira; FORTES, Alexandre (orgs.). Culturas de
classe: identidade e diversidade na formação do operariado. Campinas, São Paulo: Editora da
Unicamp, 2004, p. 96.
69
Cf. PACHECO, Ricardo de Aguiar. A vaga sombra do poder: vida associativa e cultura política na
Porto Alegre da década de 1920. Porto Alegre: UFRGS, 2004 (tese de doutorado em História).
140
de agitar a classe trabalhadora. A seguir relato algumas dessas mobilizações de
modo que o leitor verifique como os comunistas nestas ocasiões procuravam pôr em
prática seu intuito.
No aniversário de quinze anos da declaração da Primeira Guerra Mundial, no
dia 4 de agosto de 1929, o BOC e a CRT realizaram um comício em Porto Alegre
para protestar contra o imperialismo. Fizeram ampla divulgação pela imprensa da
capital, o que parece ter dado resultado positivo, pois segundo estimativas do jornal
Diário de Notícias de 7 de agosto, participaram mais de mil pessoas. Durante o
comício vários oradores fizerem-se presentes, entre eles uma mulher, representando
o Comitê de Mulheres Trabalhadoras. Os temas abordados nas intervenções
operárias denunciavam a carestia de vida e a situação de penúria na qual os
trabalhadores viviam. Também defendiam a paz, pois parecia inevitável para eles a
deflagração de uma nova guerra devido à disputa entre o imperialismos americano e
inglês.
70
Também o segundo ano da passagem da execução dos operários italianos
anarquistas nos Estados Unidos, Sacco e Vanzetti, ensejou ao BOC e a CRT a
realização de um comício, em 25 de agosto, na Praça Pinheiro Machado, no Bairro
São João em Porto Alegre, que também serviu para protestar contra a deportação
do militante comunista Arthur de Araújo, da capital.
71
As acusações lançadas contra
ele eram de pregar a greve entre os trabalhadores e de que, segundo informações
coletadas junto à polícia carioca pelo delegado responsável, Dario Barbosa, seria
um agente soviético, cujo verdadeiro nome era Hersch Schechter, enviado pela
Comissão Central Executiva do PCB a Porto Alegre para contribuir na organização
da CRT, demonstrando que a polícia tinha ciência das atividades comunistas.
A comemoração pelo aniversário da Revolução Russa de 1917, que ocorreria
em 7 de novembro, mereceu maiores preparativos para a sua realização por parte
das associações envolvidas em comparação às outras duas manifestações.
Provavelmente, isso deve ter acontecido pela proximidade da eleição e a maior
necessidade de serem efetuadas grandes mobilizações, pela crescente valia que as
70
Diário de Notícias, Porto Alegre, 7 de agosto de 1929, p. 13.
71
Diário de Notícias, Porto Alegre, 23 de agosto de 1929, p. 10.
141
atividades de agitação adquiriram após a chegada de Marcos Piatigoski ao estado,
conforme veremos depois, e também pela importância simbólica que tinha para os
comunistas a instalação daquele regime. Em Porto Alegre foi realizado um intenso
trabalho de mobilização e de divulgação.
72
Em alguns bairros operários foram feitos
comícios menores, procurando, dessa forma, atrair público para o comício principal,
no centro da cidade.
Para o comício preparatório no Bairro São João, que iria ser realizado no dia 3
de novembro de 1929, o BOC enviou um comunicado ao Diário de Notícias
contendo as reivindicações a ser tratadas no dia do comício principal, quatro dias
depois:
“[...] Reivindicações imediatas do BOC.
Entre as reivindicações salienta-se o cumprimento das leis que
beneficiam os trabalhadores como, a de férias, de menores, de 8
horas.
Lutando pelo cumprimento dessas leis, o proletariado deverá ainda
exigir leis beneficiadoras da mulher proletárias, assim como a
revogação de leis reacionárias como a de imprensa, a celerada e a
ditadura policial. O reconhecimento da Rússia proletária será
também uma das reivindicações que devemos exigir com a maior
energia, assim como reivindicar o mais amplo direito de greve e de
organização proletária, constitui para nós uma necessidade.
São essas as reivindicações que o proletariado terá ocasião de exigir
na jornada de 7 de novembro, e que devem ser delineadas no
comício do próximo dia 3”.
73
Visando a organização do ato principal, foi formado o Comitê Pró 7 de
Novembro, o qual divulgou um outro conjunto de reivindicações que já vinham sendo
trabalhadas pelo BOC: aumento de 30% de salários, garantia das oito horas de
trabalho, liberdade de organização, revogação das “leis reacionárias”, cumprimento
das Leis de Férias, Acidentes e Menores e solução imediata para a carestia de vida
dos trabalhadores.
74
Às quinze horas do dia 7 de novembro os trabalhadores se reuniram na Praça
Rui Barbosa e saíram em passeata pelo centro da cidade, passando pelas ruas
72
Para a divulgação do evento, a CRT contribuiu com a impressão de dez mil panfletos.
73
Diário de Notícias, Porto Alegre, 29 de outubro de 1929, p. 11.
74
Diário de Notícias, Porto Alegre, 1º de novembro de 1930, p. 10.
142
Marechal Floriano, Otávio Rocha, Dr. Flores, Andradas, Praça da Alfândega, 7 de
Setembro, Praça Montevidéu, José Montaury, terminando na Praça Parobé em
frente à sede da CRT, local de realização do comício. A passeata foi estruturada em
diversas colunas, cada qual representando um determinado setor, tendo à frente de
cada uma trabalhadores segurando cartazes com palavras de ordem e enfileiradas
geometricamente de acordo com a quantidade de integrantes.
Na abertura da passeata havia um grande cartaz, conduzido por jovens, no
qual estava escrito Pelo reconhecimento da Rússia Soviética, seguido de uma
banda de sica e uma coluna de operários. Na coluna seguinte, vinha o Comitê
das Mulheres Trabalhadoras trazendo um cartaz da entidade. Atrás desse cartaz,
estavam todas as mulheres da manifestação organizadas em fileiras de oito
componentes. A seguinte era a dos sindicatos, formando uma coluna por fileiras
de oito operários cada uma, composto por várias bandeiras. A próxima trazia à
frente um cartaz referindo-se à libertação dos presos políticos, na seqüência vinte
fileiras de oito membros cada uma. A seguinte, seguia o pavilhão do BOC, com a
guarda de honra de dois lados, formada por várias fileiras de oito operários. A da
CRT trazia um cartaz da entidade e era formada por várias fileiras de oito operários.
A coluna seguinte era a dos clubes de esportes proletários, portando bandeiras e os
times estavam fardados. Atrás vinha o Centro de Jovens Proletários trazendo um
cartaz. A nona coluna era precedida pelo cartaz Abaixo o Imperialismo Anglo-
americano, formada por todos os estudantes da manifestação. A cima continha
cartaz sobre as leis reacionárias e era formada por vários operários. A penúltima
trazia um cartaz com reivindicações dos trabalhadores e a última e décima segunda,
um cartaz sobre a carestia de vida e era formada por fileiras de oito operários.
75
O
total de participantes não é informado, no entanto uma projeção aponta para um
número que varia em torno de trezentos a seiscentos e cinqüenta componentes.
A partir da forma como foi estruturada essa passeata, é possível perceber
como o PCB atuava e os valores que preconizava para a futura sociedade que
pretendia criar. A forma extremamente organizada das colunas, cuja disposição se
assemelhava a uma parada militar, evidencia a importância conferida pelo Partido à
75
Diário de Notícias, Porto Alegre, 8 de novembro de 1929, p. 10.
143
disciplina e à organização da classe trabalhadora. As colunas mostravam as frentes
em que deveria atuar: mulheres, jovens, sindicatos, esportistas, entre outras.
Também é interessante percebê-la como uma demonstração de força por parte dos
comunistas, uma vez que haviam colocado todo o seu “exército” nas ruas para ser
visto pelos trabalhadores, pelos anarquistas e pela elite política gaúcha, efetivo que
não era composto somente por membros da capital, mas também do interior, das
cidades de Pelotas, Santa Maria e Taquara, o que ampliava simbólica e
concretamente as suas dimensões. Assim, como um “ato tipicamente mágico”, o
Partido se mostrava à sociedade, se tornava visível para os outros grupos e para si
próprio.
76
Após a chegada dos trabalhadores à sede da CRT, na Praça Parobé, o
comício foi iniciado. Plínio Mello, que foi o primeiro a falar, destacou os motivos
pelos quais se faziam necessário realizar atividades como a que estava ocorrendo
naquele momento. Teceu vários elogios ao regime instalado na URSS, o qual teria
sido responsável pela emancipação do proletariado. Em seguida, foi a vez do
discurso do representante da CRT, Ângelo Fontes, que além de fazer referência à
vitória dos trabalhadores soviéticos, abordou a necessidade de organização sindical
da classe trabalhadora para que fosse possível obter melhores condições de vida.
Após os dois primeiros oradores, sucederam-se ainda vários outros representantes
das entidades proletárias e, de maneira geral, todos abordaram os resultados
positivos do regime instalado na União Soviética para o proletariado, em
comparação com a situação dos trabalhadores de outras partes do mundo. Também
fizeram breves comentários sobre o programa comunista. Outros representantes das
entidades que participaram da manifestação foram: Miguel Barcala (Sindicato da
Construção Civil), Oscar Ribeiro (Centro de Jovens Proletários), Setembrino de
Paula (PCB), Mário Flores (Federação da Juventude Comunista do Brasil), Dolores
Robles (Comitê de Mulheres Trabalhadoras),
77
A. R. Fortes (Associação dos
Trabalhadores da Indústria de Calçados), Eugenia Gelski (provavelmente do Comitê
de Mulheres Trabalhadoras), Tolentino Marques Cardoso (Federação do Trabalho
76
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 6 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003, p. 118.
77
Provavelmente, Dolores Robles fosse esposa de Diogo Robles, barbeiro espanhol de quarenta e
seis anos, filho de Affonso Robles e Dolores Morilla. In: Matrícula dos presos recolhidos à Casa de
Correção de Porto Alegre. Porto Alegre, (set/1926 a mar/1928), p. 56. Fundo da polícia, prontuário
304. (AHRS).
144
de Pelotas), Lario Soares e Firmino Siqueira (Centro Trabalhista de Taquara), Felipe
Garcia (Liga dos Trabalhadores de Santa Maria), Jacob Koutzii (Federação dos
Esportes Proletários), e Coradino de Assis (União Operária em Fábricas de
Tecidos).
78
Uma banda de música tocava A Internacional após cada discurso
pronunciado.
No final do comício, Plínio Mello interveio mais uma vez, indicando aos
trabalhadores a necessidade de se organizarem dentro dos sindicatos, pois somente
dessa forma poderiam conquistar suas reivindicações mais imediatas. Explicou a
orientação do BOC em torno da sucessão presidencial: lançar candidatura própria, a
ser ratificada brevemente pelo Congresso Nacional do BOC, que se realizava
naquele momento no Rio de Janeiro, mas não havia chegado ao fim dos seus
trabalhos devido à intervenção policial. Durante a atividade foram distribuídos
exemplares do jornal Extrema Esquerda.
79
Após a manifestação, a comissão executiva da CRT se reuniu com os
representantes da Federação Geral do Trabalho de Pelotas, com o Centro
Trabalhista Taquarense e com Liga dos Trabalhadores de Santa Maria e todas elas
comentaram as boas impressões que tiveram sobre a manifestação. Aquela última já
havia manifestado desejo da filiação à CRT, que fora aprovada unanimemente. Essa
reunião permitia colher informações acerca do andamento do movimento sindical em
suas localidades específicas
80
e a presença destas entidades demonstra que a
ofensiva dos comunistas ao interior dera alguns frutos.
Paralelo ao comício em Porto Alegre ocorreu outro em Pelotas, no qual teria
participado grande público, segundo o jornal Opinião Pública.
81
Usaram da palavra,
em nome do BOC, Álvaro Campos e Ildefredo Avendano.
82
Mário Santos falou
representando a Liga Antiimperialista. Durante o comício, o BOC realizou o
78
Correio do Povo, Porto Alegre, 8 de novembro de 1929, p. 7. o obtive outras informações sobre
estes militantes.
79
Correio do Povo, Porto Alegre, 10 de novembro de 1929, p. 13.
80
Correio do Povo, Porto Alegre, 9 de novembro de 1929, p. 8.
81
Opinião Pública, Pelotas, 8 de novembro de 1929. (BPP).
82
Ildefredo Avendano participou da organização da União Geral dos Trabalhadores em Hotéis,
Café, Bares, Restaurantes e Anexos em 1929, sendo presidente da Comissão Provisória que deu
origem à entidade. Teria participação destacada no movimento sindical pelotense nos anos trinta.
Opinião Pública, Pelotas, 20 de maio de 1929, p. 1. (BPP).
145
lançamento de sua nominata eleitoral, a fim de disputar a próxima eleição
presidencial, marcada para março de 1930: Minervino de Oliveira (marmorista), para
presidente; Gastão Valentim Antunes (ferroviário), para vice. Pelo Rio Grande do
Sul, Plínio Mello foi indicado para deputado pelo círculo e Adalgiso Py, para
deputado pelo círculo.
83
Portanto, não apoiariam nenhum dos candidatos das
grandes alianças, nem Júlio Prestes, nem Getúlio Vargas, o que traria sérias
conseqüências para os comunistas no Rio Grande do Sul.
Neste mesmo mês, o BOC pelotense elegeu nova direção, composta por
Álvaro Campos, presidente; Dorval Leal, primeiro-secretário; Adolpho Borba,
segundo-secretário; Tolentino Marques Cardoso, arquivista; Luis Almeida,
tesoureiro.
84
a Comissão Executiva do Comitê Regional do Rio Grande do Sul do
BOC ficou composta por Plínio Mello, presidente; Setembrino de Paula
(representante do PCB), primeiro-secretário; Mário Flores (representante da
Federação da Juventude Comunista), segundo-secretário; Leopoldo Gonçalves
(representante da Federação de Esportes Proletários), tesoureiro; Ludurino Lopes
(representante da CRT), arquivista; Comissão de propaganda das candidaturas:
Plínio Mello, Setembrino de Paula, Dolores Robles, Oscar Ribeiro e Mário Flores.
85
Em suma, o BOC obteve um crescimento significativo no Rio Grande do Sul,
sobretudo em Porto Alegre e Pelotas, em 1929, o que demonstrava de certa maneira
existir um campo favorável entre os trabalhadores à ação política comunista.
83
Na nominata divulgada na imprensa uma variação nos nomes dos candidatos. No Opinião
Pública, Pelotas, 13 de novembro de 1929, p. 3, Tolentino Marques Cardoso aparece como candidato
a senador, depois não mais. Felipe Garcia como candidato a deputado pelo círculo. Mas nas
edições de A Classe Operária de fevereiro de 1930, nenhum dos dois aparecem como candidato. Na
edição do Opinião Pública de 18 de novembro de 1929, além de Plínio Mello com candidato a
deputado, o nome de Álvaro Campos , apontado como candidato. Tudo isso pode indicar meros erros
no jornal ou ainda disputas e divergência internas quanto à escolha dos candidatos.
84
Opinião Pública, Pelotas, 4 de novembro de 1929. (BPP). Não obtive outras informações sobre
estes militantes.
85
Opinião Pública, Pelotas, 13 de novembro de 1939, p. 3. (BPP). Não obtive outras informações
sobre os militantes não apontados anteriormente.
146
3.5 As greves e a crescente perspectiva de luta política do movimento
operário sob a orientação comunista
O crescimento do BOC, da CRT e dos comunistas de uma maneira geral, que
afirmei ter ocorrido em 1929, teve um cenário propício para o pleno desenvolvimento
de sua ação política em uma espécie de surto grevista, principalmente porque se
atribuía grande importância para a agitação dos trabalhadores, os quais, em virtude
dessa conjuntura mais geral de proliferação de greves, estavam permanentemente
mobilizados.
Um pouco antes disso, no período compreendido entre 1927 e 1928, não
relatos de movimentos grevistas no Rio Grande do Sul. A única exceção conhecida
foi em Rio Grande, onde ocorreu uma greve dos padeiros no ano de 1928.
86
Conforme explicitei, baseando-me em Petersen, o governo estadual de Borges de
Medeiros teve um relativo sucesso em cooptar o movimento operário através de uma
política paternalista e acredito, inclusive, que isso possa ser estendido ao governo
estadual de Getúlio Vargas devido à presença de uma entidade como a Liga dos
Operários Republicanos (vinculada ao PRR) e à postura frente a conflitos ocorridos
entre patrões e trabalhadores, procurando amenizá-los mediante atitudes
conciliatórias, o que, provavelmente, tenha sido um dos motivos pelos quais o
número de greves durante o período foi reduzido.
Em algumas destas greves que ocorreram em 1929, como demonstrarei
adiante, o governo do estado interferiu nas contendas entre patrões e trabalhadores,
buscando dirimir as divergências entre ambos. Os próprios trabalhadores
procuraram várias vezes Getúlio Vargas ou o secretário Oswaldo Aranha, a fim de
solucionar os conflitos.
No ano de 1929, o Rio Grande do Sul se encontrava em uma situação na qual
os preços dos produtos de primeira necessidade estavam elevados, principalmente
86
Não se sabe precisamente a data da deflagração da greve, nem dos motivos que a teriam
originado. Somente que após o seu encerramento, uma forte repressão se abateu sobre os sindicatos
de Rio Grande, o que pode ter prejudicado a atuação comunista na cidade. Livro de Atas de
Reuniões de Diretoria da Sociedade União Operária. n.º 1154, Rio Grande, 3 de outubro de 1928.
(CDHHPN)
147
a carne.
87
Para a classe trabalhadora, essa era uma questão extremamente grave,
na medida em que, aumentando o valor gasto com moradia e alimentação, o custo
de vida elevava em demasia, devido aos seus tradicionais péssimos salários. Era
tão grave a situação que os jornais de várias cidades (Porto Alegre, Pelotas, Rio
Grande, Passo Fundo, entre outras) relatavam constantemente os altos preços de
vários produtos e as dificuldades que eram geradas para os trabalhadores
sobreviverem.
Essa conjuntura de carestia e a não aplicação da incipiente legislação
trabalhista aprovada pelo governo federal, sobretudo a Lei de Férias e de Menores,
produzia as condições propícias para crescer o sentimento de insatisfação entre os
trabalhadores, tendo por conseqüência a explosão de um surto grevista em várias
cidades do Rio Grande do Sul e que atingiu diversas categorias profissionais.
88
Este surto iniciou em janeiro de 1929, quando mais de mil trabalhadores da
capital se declararam em greve.
89
Reivindicavam a aplicação da Lei de rias, a
qual havia sido aprovada três anos antes no Congresso Nacional e não estava
sendo aplicada efetivamente nos estabelecimentos fabris de Porto Alegre.
Provavelmente um problema encontrado no país inteiro devido à ausência de
fiscalização. A imprensa porto-alegrense acusou o governo de ser o responsável
pela deflagração da greve, pois uma vez a lei sancionada, os trabalhadores estariam
corretos em cobrar a aplicação efetiva do direito que haviam conquistado.
O Presidente do Estado, Getúlio Vargas, enviou um emissário, o Secretário do
Interior Oswaldo Aranha, para tentar fazer um acordo com os grevistas. Foi oferecido
aos trabalhadores garantia de plena execução da referida lei, mas com a condição
de voltarem imediatamente ao trabalho.
90
Diante do sucesso do acordo, a greve
encerrou no seu segundo dia de mobilização.
91
Exemplos como esse de
87
PETERSEN, Silvia. Da ação direta ... Op. Cit. p. 86.
88
Ao longo dos anos de 1929 e 1930 ocorrem mais de 20 greves no Rio Grande do Sul. Fenômeno
que não atingiu apenas o estado; na Argentina, por exemplo, ocorreram 125 greves, ver: RAMA,
Carlos. Historia del movimiento obrero y social latino-americano contemporaneo. Barcelona: Editorial
Laia, 1976, p. 98.
89
O Libertador, Pelotas, 10 de janeiro de 1929, p. 1. (BPP).
90
Ibidem, p. 1.
91
FORTES, Alexandre. Nós do Quarto Distrito... Op. Cit., p. 286.
148
intermediação governamental entre patrões e operários, procurando mediar os
interesses em conflito ocorreram outras vezes. Oswaldo Aranha também intermediou
um acordo entre os grevistas das fábricas de tecidos e das padarias e os respectivos
patrões, os quais se comprometeram em respeitar as oito horas diárias de trabalho,
adotar a semana inglesa e conceder 50% sobre os salários dos serões.
92
Após essas primeiras greves, inúmeras outras categorias fizeram as suas,
como os condutores de veículos em Bagé, Rio Grande e Pelotas, os trabalhadores
do Grande Hotel em Pelotas; os operários do engenho Kessler, Vasconcelos & Cia.
Ltda. em Porto Alegre; além das paralisações na Renner, Fiação e Tecidos, Rio
Guahyba, Moinho Porto-Alegrense e Rio-Grandense e Fábrica de Calçados
Sant’Anna, entre outras. Contudo, apesar da proliferação de greves, a quantidade de
informações sobre elas é, geralmente, muito pequena, o que impossibilita uma
análise mais acurada.
Uma das mobilizações mais noticiadas pela imprensa ocorreu na Viação
Férrea do Rio Grande do Sul, onde os trabalhadores estavam descontentes com os
baixos salários pagos pela empresa e decidiram, então, reivindicar aumento. A CRT
orientou-os no sentido de formarem uma entidade sindical, sob o argumento de que
assim teriam mais chances de obterem suas reivindicações. No entanto, em maio de
1929, os trabalhadores Frederico Guilherme Ficher e José Alfredo Lucas foram
demitidos. A demissão ocorreu por causa do envolvimento de ambos na criação da
Associação Protetora dos Operários da Viação Férrea do Rio Grande do Sul. Ou
seja, foram despedidos por razões eminentemente políticas, pois pelo tempo de
serviço que tinham, argumentavam os trabalhadores, somente o Presidente do
Estado poderia fazê-lo.
93
Então os trabalhadores da Companhia entraram em greve, reivindicando a
readmissão dos dois funcionários. Esta foi uma das que teve maior repercussão no
Rio Grande do Sul, no ano de 1929. Em decorrência, a exigência de liberdade de
92
Opinião Pública, Pelotas, 13 de março de 1929, p. 3. (BPP).
93
Em janeiro de 1923, foi aprovada pelo governo federal a criação de Caixas de Aposentadorias e
Pensões para Ferroviários, que previa entre outras coisas, que após dez anos de serviço em uma
mesma empresa, o trabalhador poderia ser demitido se incorresse em falta considerada grave.
GOMES, Angela de Castro. Burguesia e trabalho... Op. Cit., p. 94.
149
organização operária foi mais uma palavra de ordem enfatizada no arcabouço das
reivindicações comunistas. A imprensa de Porto Alegre e Pelotas veiculou várias
notícias sobre o desenrolar dos acontecimentos, inclusive o jornal A Classe
Operária.
94
A CRT intercedeu em prol dos trabalhadores junto a Oswaldo Aranha, então
Secretário do Governo, e fez um amplo movimento pela liberdade de organização
dos ferroviários que estava sendo impedida pela direção da Viação Férrea. Apesar
desse trabalho de agitação, ao que tudo indica, os dois trabalhadores não foram
readmitidos, mesmo a greve tendo durado por volta de um mês.
Como salientei antes, o preço da carne havia aumentado e estava elevado
para o poder aquisitivo dos trabalhadores,
95
assim como os produtos de primeira
necessidade em geral. Além disso, constantemente incidia sobre a classe
trabalhadora o aumento ou a cobrança de novos impostos, o que encarecia ainda
mais o custo de vida. Um exemplo disso foi a taxa de consolidação rodoviária (o
imposto rodoviário), implementada pelo governo estadual para melhorar as
condições do sistema rodoviário gaúcho, conservar em boa qualidade a malha
existente e construir novas estradas.
96
Esta nova tributação incidia sobre os condutores e pequenos empresários
proprietários de veículos, causando um grande desconforto na classe em várias
cidades. A cobrança do imposto encareceu o custo de vida dos trabalhadores
envolvidos nessa atividade, assim como o valor dos produtos transportados. Por
isso, nas cidades de Porto Alegre, Pelotas, Rio Grande, Bagé, Uruguaiana e Santa
Vitória do Palmar os condutores de veículos decretaram greve em 3 de junho.
97
Contudo, o movimento parecia estar conquistando as simpatias da população,
mesmo tendo interrompido o fornecimento de alimentos como verdura, pão e leite.
98
94
A Classe Operária, Rio de Janeiro, 20 de julho de 1929, p. 2. (ASMOB).
95
O Nacional, Passo Fundo, 4 de junho de 1929. (AHR). O Libertador, 5 de junho de 1929. (BPP).
Echo do Sul, Rio Grande, 12 de junho de 1929, p1. (BRG).
96
Opinião Pública, Pelotas, 1º de fevereiro de 1929, p. 1. (BPP).
97
Opinião Pública, Pelotas, 5 de junho de 1929, p. 2. (BPP). O Tempo, Rio Grande, 7 de junho de
1929, p. 3. (BRG). Echo do Sul, Rio Grande, 6 de junho de 1929. (BRG). A Lucta, Rio Grande, 6 de
junho de 1929, p. 2. (BRG).
98
Echo do Sul, Rio Grande, 6 de junho de 1929, p. 6. (BRG).
150
Em cada cidade, a greve teve uma duração diferente. Em Pelotas e Rio Grande,
onde foi mais longa, terminou em 11 de junho, não conseguindo vitória.
A CRT e a Federação do Trabalho de Pelotas tiveram uma participação
discreta na mobilização dos condutores de veículos, resumindo-se ao envio de uma
carta, por parte da Confederação, de apoio àquela luta, destacando o valor daquele
combate e criticando o governo do estado. Além disso, nada mais fizeram.
Provavelmente a CRT e a FTP não tiveram um maior envolvimento porque a greve
não foi conduzida por comunistas ou por ser uma categoria vista como pouco
atrativa para a ação do PCB. Aliás, a categoria dos transportes tinha um histórico de
baixa penetração dos comunistas.
99
Naquelas onde havia membros do Partido, simpatizantes ou que pareciam
promissoras sob o ponto-de-vista de ampliação de sua intervenção sindical, a
participação das federações comunistas se fazia de maneira mais presente, como
na ocasião em que a CRT prestou auxílio aos grevistas do Engenho Kessler,
Vasconcelos & Cia. Ltda. em Porto Alegre, os quais haviam solicitado apoio e
instruções.
100
Ou como no caso do movimento dos trabalhadores da Renner, o qual
merece ser destacado pela repercussão que obteve na capital do estado e que
demonstra como a Confederação agia em casos de greve.
Em meados de setembro, a jovem de dezesseis anos Sophia Papvoska se
dirigia ao trabalho na empresa Renner, como fazia diariamente. No entanto, uma
queda temporária no fornecimento de energia fez com que fosse proibida a entrada
dos funcionários até o problema ser resolvido. Desconhecendo a proibição,
Papvoska entra sem ser vista por ninguém. Mas quando estava no interior da
empresa o porteiro a viu e começou a agredi-la. Dois operários intercederam em prol
da menina e acabaram os quatro sendo demitidos.
101
Após o incidente, os
trabalhadores da empresa entraram em greve (em torno de duzentos e quarenta
99
O III Congresso (dezembro de 1928 janeiro de 1929). Rio, 11 de fevereiro de 1929. CC do PCB.
Apud CARONE, Edgard. O PCB I... Op. Cit., p. 73.
100
Diário de Notícias, Porto Alegre, 19 de junho de 1929, p. 9.
101
Opinião Pública, Pelotas, 5 de setembro de 1929, p. 4. (BPP).
151
grevistas), reivindicando a readmissão de Sophia e dos dois trabalhadores que
intercederam por ela.
A CRT organizou uma comissão de auxílio aos operários grevistas, a qual se
reuniu diversas vezes procurando estabelecer as melhores formas de contribuir com
os trabalhadores parados. Conjuntamente com o BOC e a União dos Operários em
Fábricas de Tecidos, a CRT angariou dinheiro para ser distribuído entre os grevistas.
Essa campanha de arrecadação contou com a realização de comícios nos bairros
São João e Navegantes, em Porto Alegre. Também foi realizado comício em
Pelotas, promovido pela Federação do Trabalho da cidade.
102
Aqui, seria oportuno abrir um espaço para comentar a situação do movimento
operário na cidade de Rio Grande, o qual parecia estar passando por um momento
de refluxo, especialmente após a repressão aos sindicatos advinda com a greve dos
padeiros, em 1928. Inclusive, isso deve ter prejudicado a criação do BOC na cidade,
pois no momento em que a entidade estava sendo criada, essa perseguição policial
ainda incidia sobre as organizações operárias rio-grandinas. Portanto, não são
muitas informações sobre o movimento proletário naquele local. Dentre estas, sabe-
se que uma entidade importante, a Sociedade União Operária, tinha se transformado
em mera promotora de atividades culturais, educacionais e que contribuía com
sindicatos e organizações de trabalhadores cedendo seu espaço para reuniões e
festas. O papel de representação política de classe havia ficado com a Federação
Operária de Rio Grande, antiga União Geral dos Trabalhadores. Entretanto, esta
entidade funcionou de maneira intermitente e em 1928 dava claros sinais de sua
desorganização.
103
Contudo, cabe mencionar os incidentes na categoria dos marítimos entre
anarquistas e supostos comunistas. A Sociedade União Marítima de Rio Grande
havia deflagrado uma greve em junho de 1929 e os supostos comunistas eram
acusados, no jornal anarquista A Luta, de prejudicarem o movimento, delatando à
102
Correio do Povo, Porto Alegre, 8 de outubro de 1929, p. 9. Opinião Pública, Pelotas, 6 de
setembro de 1929, p. 4. (BPP).
103
LONER, Beatriz Ana. Construção de classe... Op. Cit., p. 221-222.
152
polícia as lideranças grevistas.
104
Apesar da gravidade da denúncia, não encontrei
nenhuma resposta por parte dos comunistas ou alusões a respeito, nem menções
desse incidente na imprensa rio-grandina.
Voltando ao tema das greves, pelos relatos expostos percebe-se que as
razões principais da eclosão dos movimentos grevistas foram: defesa dos direitos
sociais (aplicação da Lei de Férias, principalmente); melhorias econômicas (aumento
de salário ou contra a carestia de vida); e solidariedade aos trabalhadores da
mesma ou de outras empresas. Em relação à participação da CRT nestes
movimentos, conforme procurei apontar, ela se dava basicamente de duas formas.
Caso fosse uma categoria cujo sindicato estivesse sob o controle comunista ou o
grupo tivesse um peso importante entre o restante dos trabalhadores, o apoio era
total. Ou seja, a CRT apoiava a mobilização politicamente, orientando os rumos a
serem tomados pelas grevistas, com material humano para sustentá-la, arrecadando
recursos para ser distribuído entre a categoria paralisada e, principalmente,
procurando fazer muita agitação na cidade para que o movimento atingisse maiores
proporções.
Do contrário, se não havia comunistas ou interesse na categoria em questão,
o apoio da CRT era parcial. Nesses casos, geralmente, era enviada uma
correspondência louvando a mobilização e oferecendo seus préstimos, mas não
passava disso. Se não fizesse essa diferenciação, a CRT poderia ter participado em
greves importantes no interior, como foi a dos condutores de veículos, em que a
paralisação atingiu Porto Alegre, Pelotas, Rio Grande, Bagé, Uruguaiana e Santa
Vitória do Palmar, e ampliado a influência dos comunistas em cidades onde o
tinha núcleos seus organizados.
Por outro lado, a presença anarquista nessas cidades talvez tenha causado
impedimentos nesse sentido. Parece que com esse apoio meramente formal, a CRT
tentava também mostrar aos trabalhadores que havia sim participado, mas na
verdade a participação decorria da repercussão significativa que alguns desses
movimentos alcançaram.
104
A Luta, Porto Alegre, junho de 1929, p. 4. (NPH).
153
Em relação à CRT, a solidariedade prestada por ela se dava através de apoio
político e material, contribuindo para sustentar a agitação da categoria em greve por
mais tempo, exercendo, com isso, maior pressão possível contra os patrões. E a
solidariedade da CRT não se resumia à capital, como demonstrou o caso da greve
dos gráficos da Livraria do Globo em Pelotas: sob orientação da Confederação, foi
formada em Porto Alegre uma comissão em favor dos grevistas pelotenses que
orientava os gráficos porto-alegrenses a não boicotarem a greve dos seus
companheiros de Pelotas.
105
Sua ação também se observa na greve dos estivadores
de Rio Grande, aos quais foram oferecidos os préstimos da Confederação, ao
mesmo tempo em que procurava obter maiores informações sobre o movimento de
modo que pudesse tomar as medidas cabíveis e dar uma contribuição mais
qualificada.
106
105
Correio do Povo, Porto Alegre, 8 de outubro de 1929, p.9.
106
Correio do Povo, Porto Alegre, 10 de outubro de 1929, p. 7.
4. DECLÍNIO E DESORGANIZAÇÃO COMUNISTA: AGITAÇÃO
EXTREMADA E REPRESSÃO POLICIAL
Este capítulo compõe-se de quatro seções que, embora examinem questões
distintas, em seu conjunto se vinculam, no sentido de demonstrar como o BOC, a
CRT e os comunistas foram estimulando as atividades de agitação da classe
trabalhadora, colocando progressivamente a intervenção política mais à esquerda, à
medida que a violência policial ia se intensificando. o elas: a primeira
demonstração de intolerância sistemática com a prática sindical comunista, a
participação eleitoral do BOC, o aumento do tom esquerdista no discurso dos
comunistas e a violência policial que aniquilou os comunistas naquele momento.
4.1 As greves na Carris e o primeiro ensaio repressivo
O ano de 1929, como apontado no capítulo anterior, foi um período marcado
por um grande número de mobilizações da classe trabalhadora no Rio Grande do
Sul, em que a ocorrência de comícios, passeatas e greves era constante, e a
participação dos comunistas na condução ou no apoio a esses movimentos
acontecia em praticamente todas as ocasiões. No entanto, em duas greves
deflagradas no interior da Companhia Carris Porto Alegrense, no segundo semestre
desse mesmo ano, o cenário começaria a se modificar em dois pontos: primeiro, a
participação da CRT não obteve recepção calorosa pelos trabalhadores envolvidos
na paralisação, ao contrário do que costumeiramente vinha acontecendo em outras
empresas. Segundo, a repressão que até então o havia trazido muitos
inconvenientes aos comunistas gaúchos, como no Rio de Janeiro e São Paulo após
a greve dos gráficos paulistas, começou a atuar numa escala de violência crescente,
até atingir o ápice entre fevereiro e maio de 1930, quando o Partido Comunista do
Brasil foi praticamente desarticulado por causa da ação policial. Passo
imediatamente à análise desses acontecimentos.
Em setembro, um atrito entre dois funcionários do alto-escalão da Companhia
Carris Porto-Alegrense motivou um movimento grevista na empresa. O engenheiro
155
de tráfego, Leovegildo Paiva, ao desentender-se com o representante-geral norte-
americano, G. E. Sands, pediu demissão de seu emprego. Tal notícia foi muito mal
recebida pelos trabalhadores e com isso cerca de quinhentos condutores e
motorneiros ameaçaram entrar em greve,
1
procurando mostrar o descontentamento
com a saída de Paiva e, ao mesmo tempo, pressionar a Carris para readmiti-lo.
2
Ou
seja, ao mesmo tempo o movimento era uma forma de expressão de suas
insatisfações e uma forma de pressão para conseguir o que estavam pleiteando: a
readmissão de Paiva.
Diretores da empresa intercederam junto aos trabalhadores e conseguiram, a
princípio, abortar a greve iminente. Porém, após a “visita” do secretário-geral da
CRT, Pelayo Gil Ribas,
3
ao local onde estavam reunidos os grevistas (Estação da
Várzea), estes passaram a reivindicar não somente a readmissão do funcionário,
mas, também, aumento salarial.
4
Fato que, de certa maneira, aponta para a
implicação de Ribas na inclusão do pedido de elevação de ordenados.
O jornal Correio do Povo lançou insinuações sobre a existência de vínculo
entre a inclusão do pedido da nova reivindicação e a presença do militante entre os
grevistas, o que parece ser bastante plausível, até porque ele estava no interior da
Companhia tentando impor “em altas vozes” que os trabalhadores não encerrassem
o movimento e permanecessem paralisados, mas acabou sendo detido pela polícia.
5
Além de Ribas, estava um grupo de “homens de nacionalidade estrangeira”,
segundo o Correio, transmitindo orientações aos trabalhadores da Carris,
provavelmente, sobre a condução do movimento. Segundo a notícia:
1
Correio do Povo, Porto Alegre, 10 de setembro de 1929, p. 5. Também Diário de Notícias, Porto
Alegre, 10 de setembro de 1929, p. 11.
2
Não fica claro qual teria sido o entendimento dos trabalhadores a respeito da demissão de
Leovegildo Paiva. Provavelmente, eles em um primeiro momento acreditaram que teria sido demitido,
e não pedido demissão.
3
Pelayo Gil Ribas, mecânico, nasceu na Argentina, aproximadamente, em 1902, filho de Gobano Gil
e Benilde Ribas. Ingressou no PCB em 1927, quando conheceu Artsevensco e A. Petroski. In:
FORTES, Alexandre. Nós do quarto distrito... Op. Cit., p. 299.
4
Correio do Povo, Porto Alegre, 10 de setembro de 1929, p. 5.
5
Correio do Povo, Porto Alegre, 11 de setembro de 1929, p. 9.
156
“[...] Estarão os comunistas em contato com os grevistas?
Ontem, à tarde, esteve na estação dos bondes, o nosso repórter
policial, que ali foi colher as necessárias informações sobre o
movimento grevista.
Nas imediações da estação encontravam-se alguns homens de
nacionalidade estrangeira entre os grupos de grevistas, dando-lhes
este ou aquele conselho.
Após esse fato, os grevistas, exigiam aumento de salário.
Informou-nos, mais tarde, a polícia que tivera conhecimento da
intromissão de elementos suspeitos entre os condutores e
motorneiros, procurando lançar descontentamento e discórdia entre
os grevistas.
O delegado encarregado da greve tomou as providências
necessárias, no sentido de afastar esse elemento das imediações,
da estação, os quais serão presos incontinente”.
6
A presença e as ações de Pelayo Gil Ribas em meio à movimentação dos
trabalhadores da Carris são interessantes para compreender a extrema importância
que os comunistas atuantes no Rio Grande do Sul atribuíam às atividades de
agitação naquele período.
A forma como Ribas abordou os trabalhadores aos gritos para que a
mobilização tivesse prosseguimento parece não ter encontrado eco na categoria,
pois não havia total consonância entre as razões primeiras que motivaram o
movimento e a tentativa como que desesperada para que não retornassem ao
trabalho. Ou seja, talvez na visão dos comunistas, independentemente das razões e
do andamento da negociação, os trabalhadores deveriam manter-se em greve,
como se um movimento grevista deflagrado devesse ocorrer não em função das
reivindicações dos trabalhadores, mas por si mesmo. Em suma, a greve pela greve.
Por outro lado, caso Pelayo Ribas tenha tentado se impor realmente em “altas
vozes”, conforme relata o jornal, pode-se imaginar que esta atitude evidenciava
relações frágeis dele com os trabalhadores da Carris, como se fosse um “corpo
estranho” em meio aos grevistas, o que confirmaria a avaliação feita no III
Congresso sobre a dificuldade de penetração na categoria dos transportes.
7
Como a
posição do PCB era de intensificar ao máximo a agitação operária, era necessário,
na visão dos comunistas, a continuidade daquela mobilização. A forma de
6
Correio do Povo, Porto Alegre, 10 de setembro de 1929, p. 5.
7
O III Congresso (dezembro de 1928 janeiro de 1929). Rio, 11 de fevereiro de 1929. CC do PCB.
Apud CARONE, Edgard. O PCB I... Op. Cit., p. 73.
157
abordagem com a qual Ribas tentava empreender sua tarefa talvez seja a
demonstração de uma característica marcante da identidade comunista: a crença na
sua superioridade intelectual sobre toda a sociedade,
8
inclusive sobre a classe
trabalhadora. O comunista, por considerar o marxismo uma ciência, supõe ter um
conhecimento científico sobre a realidade.
9
Logo, uma atitude como essa, de forçar
uma tomada de posição como se não houvesse outra alternativa para os grevistas, é
plenamente condizente com a postura do comunismo daquele período no Brasil.
Sobre isso, Leôncio Basbaum, que no fim dos anos vinte fazia parte da
direção nacional da juventude comunista, comenta ao descrever sua entrada no
PCB:
“[...] Fui atacado do mesmo mal que atacava a todos os que
ingressavam no Partido: uma espécie de sectarismo que nos tornava
em criaturas alcançadas pela graça divina e nos fazia encarar todos
os seres humanos não-comunistas como infelizes que ainda não
haviam descoberto a Verdade”.
10
Outro militante jovem do período, Eloy Martins, também explicita uma opinião
similar sobre a clarividência do Partido, mas pelo lado contrário, de quem ainda não
tinha adquirido essa mesma visão. Em meio à sua avaliação sobre as eleições
presidenciais de 1930, analisada adiante, relata que somente os integrantes do
Comitê Regional do PCB no Rio Grande do Sul eram contrários à candidatura de
Getúlio Vargas. As massas e os “elementos fracos politicamente, como eu, achavam
que o movimento de trinta favorecia aos trabalhadores”.
11
Ou seja, com esta frase
fica claro que para Martins ele seria “fraco politicamente” porque não “compreendia”
a posição do Partido sobre o processo eleitoral, a qual seria a correta conforme sua
visão posterior ao evento. Estas divergências de posicionamentos evidenciam as
diferenças entre as lideranças do Partido e os trabalhadores ou ativistas sem
vínculos mais orgânicos com as idéias comunistas.
8
FERREIRA, Jorge. Prisioneiros do mito... Op. Cit., p. 73.
9
PANDOLFI, Dulce. Camaradas e companheiros... Op. Cit. p. 43.
10
Deve-se levar em consideração que o comentário de Leôncio Basbaum foi emitido após mudança
de posicionamento político, refletindo certa mágoa com acontecimentos do período. BASBAUM,
Leôncio. Uma vida... Op. Cit., p. 41.
11
MARTINS, Eloy. Um depoimento político... Op. Cit., p. 35.
158
Mas, voltando ao movimento na Carris, se não havia realmente consonância
entre a principal reivindicação dos grevistas (readmissão de Leovegildo Paiva) e o
que talvez defendessem os comunistas (manutenção da greve a todo custo),
conforme acabei de salientar, como compreender a inclusão do pedido de aumento
salarial por parte dos trabalhadores, pois a princípio isso poderia ser considerado
uma contradição. No entanto, são duas questões completamente diferentes e que
produzem respostas distintas. Aquela situação, de conflito entre capital e trabalho,
era uma ótima oportunidade para pedirem aumento de ordenados, principalmente
em virtude da postura da empresa logo na deflagração do movimento, já que esta se
mostrou muito preocupada com o impacto da greve e procurou com afinco
interrompê-la, embora sem sucesso.
Em relação ao trecho da notícia veiculada no Correio do Povo sobre a greve
na Carris, a menção a “homens de nacionalidade estrangeira” é uma clara referência
aos comunistas, pois havia um contingente significativo de militantes estrangeiros
partidário desta ideologia atuando no Rio Grande do Sul, salientada em capítulos
anteriores. Também evidencia a concepção que pairava em certos setores da
sociedade sobre o comunismo, como sendo a “infiltração” de uma “doutrina exótica”,
que o tinha nenhuma conexão com o Brasil, um “corpo estranho” produzido no
exterior e introduzido no país por estrangeiros, “contaminando” os “puros”
trabalhadores brasileiros.
12
Portanto, ao salientar a existência de “homens de
nacionalidade estrangeira” a notícia do jornal evoca o imaginário anticomunista do
perigo do Brasil ser invadido e dominado por uma potência estrangeira: a URSS.
13
12
Ver MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o “perigo vermelho”: o anticomunismo no Brasil
(1927-1964). São Paulo: Perspectiva: FAPESP, 2002, p. 55. Conferir também PINHEIRO, Paulo
Sérgio. Estratégias da ilusão... Op. Cit., p. 127-128.
13
A produção historiográfica sobre o anticomunismo tem sido grande nos últimos anos, sobretudo
após o ano de 2000, com a publicação de vários artigos, dissertações, teses e livros. A titulo de
informação do leitor, já que não é meu interesse neste momento, indico alguns trabalhos que podem
servir de referência para examinar mais detidamente o assunto àqueles que porventura se
interessarem: MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o “perigo vermelho”... Op. Cit. OLIVEIRA,
Rodrigo Santos de. “Perante o Tribunal da História”: o anticomunismo da Ação Integralista Brasileira
(1932-1937). Porto Alegre: PUCRS, 2004 (dissertação de mestrado em História). RODEGHERO,
Carla Simone. O diabo é vermelho: imaginário anticomunista e Igreja Católica no Rio Grande do Sul
(1945-1964). Passo Fundo: UPF, 1998. SILVA, Carla Luciana. Onda vermelha: imaginários
anticomunistas brasileiros (1931-1934). Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001.
159
No que tange à mobilização, apesar do referido acordo entre diretores e
trabalhadores da empresa, a greve acabou ocorrendo. A superintendência da Carris
solicitou, então, a intervenção da polícia, cujo delegado auxiliar, Dario Barbosa,
reuniu-se com os grevistas a fim de dar uma solução ao caso. Afora isso, Barbosa
enviou um grupo de brigadianos à estação onde os trabalhadores estavam
mobilizados sob a alegação de evitar depredações ao patrimônio da empresa e
represálias aos fura-greves.
14
Na verdade, eram ações que visavam impelir os
trabalhadores a encerrar o movimento e demonstravam existir relações estreitas
entre empresariado e ação policial, pelo menos neste caso, o que evidencia a
utilização privada de uma instituição pública.
Assim, na greve da Carris, a polícia se envolveu no conflito após solicitação
por parte da empresa. É desconhecido qual o poder de influência desta sobre a
polícia. Se ocorria mediante relações privilegiadas com as autoridades policiais ou
devido ao seu poder econômico, porque as fontes consultadas não possibilitam
afirmações conclusivas a tal respeito. De qualquer forma, é possível afirmar que sob
o manto de uma postura conciliatória a polícia interferiu na contenda em prol dos
interesses dos patrões.
Contudo, a greve prosseguia sem dar mostras de esgotamento. Então, mais
uma intervenção ocorreu: Oswaldo Aranha entrou em contato com os dois
representantes da empresa envolvidos no incidente, procurando amenizar a
indisposição entre ambos. No entanto, Paiva não recuou em sua disposição de se
demitir da empresa, mas lançou um apelo aos grevistas para que retornassem ao
trabalho mesmo sem sua readmissão. Somente após a fala do engenheiro aos
trabalhadores a greve terminou. Ainda assim, alguns foram se certificar
pessoalmente com Paiva sobre a veracidade do apelo divulgado, e na manhã
seguinte, outros foram falar com Oswaldo Aranha, para que intercedesse junto aos
dirigentes da Carris no sentido de garantir os mesmos lugares de trabalho ocupados
antes da greve. O Secretário assegurou que atenderia ao pedido, incumbindo Dario
Barbosa de executar tal missão. Os dirigentes da Companhia garantiram o
atendimento da solicitação e concederam o reivindicado aumento de salários.
14
Correio do Povo, Porto Alegre, 10 de setembro de 1929, p. 5.
160
Poucos meses depois, em novembro de 1929, o Correio do Povo divulgou a
circulação de um boato sobre a iminência de outra greve dos trabalhadores da
Carris, o qual teria surgido por conta da demissão de dois funcionários da empresa,
sob a alegação de serem comunistas, o que havia descontentado, evidentemente,
seus colegas de trabalho. Fazia parte desses rumores que os integrantes da CRT,
aproveitando o ensejo, estariam tentando insuflar os trabalhadores a paralisar suas
atividades como protesto contra a atitude arbitrária dos seus patrões para com seus
companheiros. Contudo, o movimento parece não ter conseguido muitas adesões
naquele momento e acabou não vingando de imediato.
15
Esta mesma reportagem, embora destaque o envolvimento da Liga dos
Operários Republicanos, ligada ao governo, no incidente e relate o fato de Plínio
Mello e Manoel Pereira, em nome da CRT, não serem bem recebidos na assembléia
dos trabalhadores da Carris, o que isenta os comunistas de terem participado da
mobilização, paradoxalmente os acusa de estarem por detrás dos acontecimentos,
sendo nítida a intenção do jornal em responsabilizá-los pela tentativa de
desencadear o movimento.
Como a própria reportagem relata, a participação da Liga dos Operários
Republicanos e o impedimento à atuação dos comunistas pelos trabalhadores, o que
inviabiliza a tese do Correio do Povo. De que maneira os militantes do BOC e da
CRT teriam sido os líderes da greve, se havia a participação dos Republicanos e se
não conseguiram adesões e nem mesmo intervir em uma assembléia local?
16
Nas páginas de outro jornal da cidade de Porto Alegre, o Diário de Notícias, a
cobertura deste movimento parece ser menos capciosa,
17
pois não é tão
contraditória e apresenta maior quantidade de detalhes, sendo possível obter
informações mais abrangentes e consistentes acerca do que aconteceu na empresa.
Com base neste periódico, passo a relatar o transcurso do movimento.
15
Correio do Povo, Porto Alegre, 19 de novembro de 1929, p. 5. Também Diário de Notícias, Porto
Alegre, 19 de novembro de 1929, p. 9.
16
Correio do Povo, Porto Alegre, 19 de novembro de 1929, p. 5.
17
Depois o posicionamento “isento” do jornal é alterado consideravelmente, conforme demonstrarei
adiante.
161
Os membros da Liga dos Operários Republicanos, Orlando Torelly de Araújo e
Ayrton Fonseca, acompanhados por dois funcionários recém-demitidos da Carris
visitaram a redação do jornal Diário de Notícias para informar o que acontecera.
Relataram haver um desejo entre os trabalhadores da Companhia de criar uma
entidade de classe. Para tanto, procuraram a Liga com o intuito de organizarem uma
associação e, também, para divulgar as idéias do PRR entre os trabalhadores da
companhia.
18
Com a ajuda da Liga, poucos dias depois, em 10 de novembro, foi
criada a União Sindical dos Operários da Companhia Carris de Porto Alegre, cuja
diretoria ficou composta por: Cypriano Coimbra (condutor), na presidência; Dorval
Medina (motorista), secretário; Dorival Marques dos Santos (condutor), tesoureiro.
Na ata de fundação da entidade constava como um dos princípios “a orientação do
PRR”. Contudo, dois dias após a formação da entidade, seus membros foram
demitidos sob alegação de serem comunistas,
19
apesar da explícita vinculação dos
trabalhadores com a fração “operária” do PRR.
A demissão dos funcionários, obviamente, foi muito mal recebida no corpo dos
trabalhadores da companhia, os quais decidiram realizar uma assembléia para
organizar uma greve em solidariedade aos companheiros, pressionando a empresa
a readmiti-los. Inclusive existia a possibilidade de contar com a participação dos
estivadores e dos padeiros, o que faria com que o movimento tivesse uma
repercussão maior na cidade.
Durante a assembléia, Plínio Mello e Manoel Pereira propuseram a
incorporação da entidade recém-criada à CRT. Argumentavam que os trabalhadores
obteriam muitas vantagens com a vinculação, como aumento de salários. No
entanto, não a proposta foi rejeitada, como Plínio Mello foi impedido de concluir
sua intervenção,
20
o que demonstrava, provavelmente, a pouca receptividade da
presença dos comunistas entre os empregados da Carris.
18
Pelo menos é o que relataram ao jornal os representantes da Liga dos Operários Republicanos.
Diário de Notícias, Porto Alegre, 17 de novembro de 1929, p. 8.
19
Diário de Notícias, Porto Alegre, 17 de novembro de 1929, p. 8.
20
Correio do Povo, Porto Alegre, 19 de novembro de 1929, p. 5.
162
Além dos preparativos da greve, foram utilizados outros instrumentos para
tentar readmitir os funcionários. Os advogados da Liga, da Companhia Força
Elétrica (empresa subsidiária da Carris) e a diretoria da Carris reuniram-se buscando
chegar a um acordo. Porém, o encontro não foi bem sucedido e não se obteve
consenso. Afora isso, alguns trabalhadores procuraram o primeiro-delegado auxiliar
para ser o intermediário entre as partes.
21
Ainda de acordo com o Diário de Notícias, Dario Barbosa entrou em contato
com a direção da empresa, mas foi informado que os operários não seriam
readmitidos, pois Dorval Medina e Dorival Marques dos Santos seriam novos na
empresa (não tinham mais do que dois meses de serviço) e Cypriano Coimbra
teria sido readmitido duas vezes com o perdão da companhia. Também não seria
tolerada a existência da entidade congregadora dos empregados.
22
Contudo, a partir da edição do dia 24 de novembro, o posicionamento do
Diário de Notícias foi alterado de maneira bastante significativa. O que era uma
postura razoavelmente descritiva e informativa torna-se um ataque frontal aos
comunistas e à Confederação Regional do Trabalho.
Na reportagem em que relatava o possível início da paralisação, que até
então não tinha sido deflagrada efetivamente, apesar de toda movimentação e
boatos em torno, mencionava não se tratar de uma simples greve, mas, conforme o
jornalista teria descoberto junto às autoridades, um movimento comunista, dirigido
pela CRT:
“Não se tratava, pois, soubemos mais tarde, por informações das
autoridades, de uma simples greve, mas, sim, um movimento
comunista, sob a direção da Confederação Regional do Trabalho. [...]
Não se sabe ao certo o fim almejado pelos grevistas, se o de obrigar
a Companhia Carris a conceder-lhes um aumento de salários, ou de
um medida de represália contra essa empresa que, pouco, como
noticiamos, despediu alguns condutores, por serem comunistas. [...]
Em Porto Alegre existe número regular de comunistas, que outras
coisas não fazem senão espalhar descontentamento entre os que
trabalham [...] Quando da outra greve em apoio a Leovegildo a
21
Diário de Notícias, Porto Alegre, 17 de novembro de 1929, p. 8.
22
Diário de Notícias, Porto Alegre, 19 de novembro de 1929, p. 9.
163
polícia prendeu um comunista, que estaria incitando o movimento. A
partir de então o delegado auxiliar Sr. Dario Barbosa, passou a
acompanhar de perto as reuniões comunistas, conseguindo prender
os mais exaltados, obrigando-os a abandonar a capital.
Apesar dessa providência, entretanto, os comunistas continuaram a
se movimentar, até que conseguiram imiscuir-se com o pessoal da
Companhia Carris”.
23
A reportagem noticiou que a polícia reprimira o movimento antes mesmo dele
ser realizado efetivamente e que não se sabia ao certo os objetivos dos grevistas, se
aumento salarial ou readmissão dos funcionários demitidos, ainda que o próprio
jornal tivesse veiculado matérias explicitando os motivos da mobilização. Além
disso, relatava que a greve interromperia somente a circulação dos bondes e que
havia uma combinação com os trabalhadores dos ônibus para a completa
paralisação, caso o protesto se prolongasse. As mulheres trabalhadoras da empresa
iriam ter, conforme o artigo, um papel importante durante a paralisação das
atividades. Elas se espalhariam e tomariam vários bondes tentando convencer os
condutores reticentes a para aderirem à paralisação. A referência à presença
feminina na suspensão do trabalho dos coletivos não deixava de ser também uma
sutil insinuação contra o Comitê de Mulheres Trabalhadoras, dirigido por
comunistas.
A mobilização, de acordo com a mesma fonte, foi delatada por alguns
motorneiros aos diretores da Carris, os quais, por sua vez, informaram a polícia. Os
líderes foram interrogados e confessaram toda organização do movimento, mas
ninguém foi preso. Além de contar com o apoio de alguns trabalhadores para
“informar” o andamento da agitação operária, a polícia infiltrou alguns agentes nas
reuniões para identificar os principais líderes, conseguindo efetuar algumas prisões
e expulsá-los de Porto Alegre.
24
Este relato evidencia o amplo conhecimento da
polícia acerca das ações das entidades operárias, o que era um fato recorrente na
Primeira República.
Os próprios comunistas negaram o envolvimento da CRT na mobilização
ocorrida na Carris. A Confederação enviou uma carta ao Correio do Povo, alegando
23
Diário de Notícias, Porto Alegre, 24 de novembro de 1929, p. 8.
24
Ibidem, p. 8.
164
não ter nenhuma vinculação com o movimento e apontando a responsabilidade para
a Liga dos Operários Republicanos, que não passaria de um “centro de exploração
eleitoral do proletariado Porto Alegrense”. A missiva começava defendendo a CRT
da acusação de ser dirigida pelo PCB, salientando que a entidade era
“[...] uma organização sindical do proletariado para a conquista de
suas reivindicações simplesmente econômicas, não é possível que
se lhe possa atribuir uma atividade essencialmente política como
seja a de um movimento comunista”.
25
Entretanto, apesar de negar a vinculação com o Partido, contraditoriamente
ela deixa transparecer a ligação existente entre ambos quando esclarece que
“reconhecemos nele [o PCB] o único partido que de fato defende a linha política do
proletariado, procurando levá-lo à sua completa emancipação do jugo capitalista.”
26
O Comitê de Mulheres Trabalhadoras também negou ter participado na
mobilização que estaria sendo preparada na Carris em comum acordo com a
Confederação Regional do Trabalho e destacava não ter nenhum envolvimento no
envio de quarenta mulheres para obrigar os motorneiros a parar os bondes.
27
Em
referência à CRT, o Comitê salienta se tratar de uma entidade genuinamente
proletária e que defendia os interesses do proletariado, não tendo vinculação com
partido político algum.
28
Por um lado, esses depoimentos são fortes evidências do não envolvimento
dos militantes comunistas na mobilização realizada na Carris. Mas, por outro, não
seria um tanto constrangedor à CRT admitir de maneira tão enfática sua não
participação em uma greve, um instrumento de reivindicação e de manifestação tão
legítimo dos trabalhadores, e que a própria entidade vinha sempre apoiando dentro
de suas possibilidades? Não estaria se eximindo de responsabilidades que ela
mesma dizia ter enquanto uma confederação sindical? A resposta dada pela
entidade era que estava cumprindo com suas “obrigações”, inclusive tinha auxiliado
a organização do sindicato, quando procurada por trabalhadores da empresa:
25
Correio do Povo, Porto Alegre, 27 de novembro de 1929, p. 7.
26
Ibidem, p. 7.
27
Correio do Povo, Porto Alegre, 30 de novembro de 1929, p. 7.
28
Correio do Povo, Porto Alegre, 1º de dezembro de 1929, p. 9.
165
“[...] um mês mais ou menos, fomos procurados por um grupo de
condutores e motorneiros daquela Companhia, que desejavam se
organizar em uma associação protetora de seus interesses
econômicos, e, como constituímos um organismo sindical que
procura organizar, unificar, centralizar e dirigir o movimento operário
do RS, não nos era possível deixar de atender aquele pedido
principalmente tendo em conta que a liberdade de associação é um
direito taxativamente expresso na constituição da República”.
29
Entretanto, quando as primeiras ações foram tomadas no sentido de
concretizar a iniciativa dos operários da Carris, continua a carta:
“[...] elementos estranhos ao verdadeiro movimento operário, agindo
com intenções declaradamente policiais, tentaram prejudicar nosso
trabalho.
A famosa Liga dos Operários Republicanos, que outra coisa não é,
senão, um centro de exploração eleitoral do proletariado Porto
Alegrense, intrometendo-se entre os operários da Carris, para
organizá-los, segundo apregoava, outra coisa não queria de fato,
senão denunciar os chefes da companhia para serem demitidos
aqueles operários que se encontravam à frente do movimento. Foi o
que aconteceu, dez dias, mais ou menos, com três dos principais
militantes da Carris: denunciados pelos ‘operários republicanos’,
foram postos no olho da rua...”
30
É perceptível a disputa entre a CRT e a Liga dos Operários Republicanos pela
direção do processo de formação da entidade sindical representativa dos
trabalhadores da Companhia Carris, cujo resultado pendeu favoravelmente para os
Republicanos, os quais conseguiram criar uma União Sindical sob sua esfera de
influência, como os próprios comunistas admitem. Sobre sua participação no
movimento grevista , como foi apontado, a CRT negou-a com veemência, pois
“A agitação grevista que vem sendo feita entre os operários da
referida companhia é motivada principalmente por este fato
[demissão dos operários] e pela falta de garantias do direito que eles
têm de se organizar. A CRT, oficialmente, nada tem a ver com essa
agitação”.
31
Assim, em que pese a participação inicial na construção da União Sindical dos
Operários da Companhia Carris de Porto Alegre, parece que nem o BOC, nem a
CRT, nem o Comitê de Mulheres Trabalhadoras tiveram qualquer participação na
29
Correio do Povo, Porto Alegre, 27 de novembro de 1929, p. 7.
30
Ibidem, p. 7.
31
Ibidem, p. 7.
166
condução daquele movimento grevista. Todavia, foram os comunistas que passaram
a ser responsabilizados pela mobilização, o que não era novidade na sociedade da
época.
Embora não seja objetivo da dissertação o exame do anticomunismo, um
elemento comum no período em estudo era o medo das atividades comunistas.
Assim, qualquer agitação operária, por mínima que fosse, era qualificada como
comunista. Rodrigo Patto de Motta observa que, diante do temor que o poder de
atração do novo regime russo poderia ter, os governos dos países capitalistas
dominantes empenharam-se com vigor na repressão e na propaganda
anticomunista. Não é pois surpresa que as elites brasileiras tenham sido caudatárias
dessa vertente.
32
Mas, como Motta salienta, apesar do discurso anticomunista enfatizar o
comunismo como uma “planta exótica” ou um “corpo estranho” em solo nacional, se
havia grupos que faziam propaganda contra os comunistas é “porque tinham medo e
sentiam-se inseguros” quanto à ação do grupo.
33
Quando havia participação dos
militantes do PCB no movimento operário, como no caso do Rio Grande do Sul no
fim dos anos vinte, esse receio aumentava ainda mais, mesmo essa ação não sendo
da magnitude suficiente para pôr em perigo a ordem estabelecida.
É importante frisar que o movimento realizado na Carris ocorreu na semana
seguinte às comemorações do aniversário da Revolução Russa, 7 de novembro,
organizado pelo BOC, CRT e Federação do Trabalho de Pelotas, as quais tiveram
uma participação operária expressiva em Porto Alegre e Pelotas, conforme foi
apontado anteriormente. Portanto, até certo ponto, esse posicionamento da
imprensa, da empresa e da polícia em atribuir o movimento na Carris aos
comunistas não pode ser encarado com surpresa, devido à constante agitação
operária produzida a partir da influência das associações conduzidas politicamente
pelo PCB no ano de 1929, contribuindo para que a imputação de responsabilidade
aos comunistas por todos os conflitos ocorridos nas relações de trabalho tivesse
certo “respaldo” na realidade.
32
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o “perigo vermelho”... Op. Cit., p. 1-2.
33
Ibidem, p. 6.
167
4.2 O BOC na disputa eleitoral
O ano de 1929 também foi assinalado pelas discussões a respeito da
sucessão presidencial, marcada para março do ano seguinte. Porém, esse debate
foi realizado sob o novo cenário instalado na política brasileira a partir de 1928, mas
especialmente em 1929, pois a aliança entre a oligarquia paulista e a mineira dava
mostras de crise por conta de uma série de divergências políticas e econômicas
entre Washington Luís e Antônio Carlos, presidente de Minas Gerais.
Cláudia Maria Ribeiro Viscardi elenca algumas questões que demonstram a
deterioração progressiva do que ela considera a difícil aliança entre mineiros e
paulistas. Havia discordância dos deputados mineiros com a política econômica
adotada pelo governo federal e a “substituição de um mineiro por um paulista, na
presidência da Comissão de Finanças do Senado” afastou Minas das elaborações
econômicas do governo, além de ter sido um desprestígio público para o estado.
Também as divergências entre Minas Gerais e São Paulo sobre a política para o
café tiveram continuidade e foram aprofundadas.
34
Com as relações entre os dois estados abaladas e em meio a uma grave crise
econômica alimentada pela superprodução do café de 1929, ficava difícil a
manutenção da aliança para o próximo processo eleitoral. Portanto, o presidente
Washington Luís lançou o nome de Júlio Prestes (paulista) à sua sucessão (cabe
lembrar que durante a Primeira República o apoio dado pelo presidente em vigor era
praticamente a antecipação do resultado das eleições). Antônio Carlos sentindo-se
traído, pois seria teoricamente a sua vez de disputar a presidência, pela alternância
prevista no acordo, convenceu Getúlio Vargas a se candidatar, com o apoio de
Minas e da Paraíba. Esta coligação denominada Aliança Liberal trazia Vargas como
candidato à presidência e João Pessoa, presidente da Paraíba, na condição de
candidato à vice.
35
34
VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro. O teatro das oligarquias: uma revisão da política do “café com
leite”. Belo Horizonte: C/Arte, 2001, p. 337-338.
35
Os acontecimentos ligados às eleições de 1930, à Aliança Liberal e a chamada Revolução de 1930
são de conhecimento público, além da produção historiográfica sobre o assunto ser extensa, e não
interessa aqui aprofundá-los. Por isso, a visão panorâmica do processo em que se gestou a
candidatura de Vargas à presidência. Meu objetivo é apenas “ambientar” o leitor no cenário da época
168
No Rio Grande do Sul a formação da Aliança Liberal veio acompanhada de
uma união histórica entre as elites políticas gaúchas, implementada desde o ano
anterior (1928) mediante a formação da Frente Única Gaúcha. Os dois
agrupamentos partidários da elite política do Rio Grande do Sul, republicanos e
libertadores, se digladiaram ao longo da Primeira República, mas com a ascensão
de Vargas à presidência do estado houve uma aproximação entre os dois grupos no
sentido de cessarem as hostilidades, o que foi extremamente importante para a
formação da Aliança Liberal, embora, conforme salientou Luciano Aronne Abreu,
tenha existido certa resistência em ambos os lados para a pacificação.
36
O PCB estava eufórico com os bons resultados alcançados pelo BOC no Rio
de Janeiro, porque elegera seus dois candidatos, Octávio Brandão e Minervino de
Oliveira, para o Conselho Municipal da cidade e decidiu, então, participar das
eleições em âmbito nacional, apresentando candidatos no Ceará, Espírito Santo,
Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo. A definição
dos nomes ocorreu no Congresso do BOC realizado em novembro de 1929, no Rio
de Janeiro.
37
No entanto, a violência policial acompanhou mais uma vez os comunistas
nesta empreitada em várias localidades do país. Sobre isso, Dainis Karepovs
salienta:
“[...] como resultado da orientação vigente de ‘ação descoberta e
revolucionária’ que os militantes do PCB deveriam adotar, o que, na
prática acabava resultando em alimentar conflitos com a repressão, a
campanha do BOCB
38
acabou sendo mais uma sucessão de prisões,
de dissoluções de comícios e de outras arbitrariedades da repressão
do que um movimento de agitação, disputa de idéias e difusão de
posicionamentos”.
39
de modo que consiga compreender a vinculação entre estes acontecimentos e a atuação dos
comunistas no Rio Grande do Sul.
36
Cf. ABREU, Luciano Aronne. Getúlio Vargas: a construção de um mito (1928-30). Porto Alegre:
EDIPUCRS, 1996.
37
A nominata dos candidatos do BOC está na página 145.
38
No Congresso Nacional do BOC, realizado em novembro de 1929, passou-se a adotar o nome
Bloco Operário e Camponês do Brasil (BOCB). Contudo, como no Rio Grande do Sul em nenhum
momento se fez referência ao novo nome, será utilizada em todo o texto a antiga sigla BOC. (nota
minha).
39
KAREPOVS, Dainis. A esquerda e o parlamento no Brasil... Op. Cit., p. 605.
169
Entretanto, ao contrário da tendência nacional, no Rio Grande do Sul o
trabalho do BOC no movimento operário e sindical, assim como as atividades de
propaganda eleitoral, não sofreram maiores perseguições policiais de modo que o
Bloco atuava com relativo desembaraço. Como foi demonstrado até agora, a
repressão sobre os comunistas no estado ocorria de forma pontual, não atingindo
todos os militantes e ativistas nem os movimentos conduzidos pelo Partido. Dessa
forma, enquanto os comunistas no país inteiro sofriam pesadamente com as
arbitrariedades da violência policial, culminando com o recuo e a desorganização do
Bloco Operário e Camponês em todos locais em que estava organizado, no Rio
Grande do Sul, não ele conseguia atuar, influenciando movimentos expressivos,
como também aumentava o peso de sua intervenção política no movimento operário
e sindical gaúcho. Ou seja, paralelamente ao refluxo do BOC no Brasil, os
comunistas pareciam experimentar um crescimento considerável em solo gaúcho,
semelhante com o percurso do anarquismo.
Com a formação da Aliança Liberal e a candidatura de Getúlio Vargas à
Presidência da República, uma votação praticamente unânime no Rio Grande do Sul
era fundamental para sua candidatura ter chance de êxito. Dessa forma, a
participação eleitoral da classe trabalhadora era extremamente importante. A
necessidade de Vargas conseguir uma quantidade de votos expressiva fazia com
que qualquer nicho eleitoral fosse considerado como crucial. Além disso, a postura
corporativista de seu governo e a menção a questões sociais na plataforma da
Aliança Liberal faziam com que a repressão ao movimento operário e sindical não
fosse explícita. Por isso, a postura de tolerância, em um primeiro momento, com os
movimentos dos trabalhadores e com os comunistas.
A campanha que o BOC realizou para os seus candidatos no Rio Grande do
Sul iniciou assim que a nominata foi divulgada na imprensa local e se desenvolveu
principalmente em Porto Alegre e Pelotas, os dois núcleos mais importantes do
Bloco no estado. As formas de propaganda executadas durante a campanha
seguiam os mesmos tipos de atividades de agitação que os comunistas vinham
realizando costumeiramente, sobretudo ao longo do ano de 1929. Ou seja, muitos
comícios, passeatas, atividades em sindicatos e propagandas nas portas de
algumas empresas. Aqui, mais uma vez, podemos ver a importância que os
170
militantes do PCB atribuíam às tarefas de agitação da classe trabalhadora, uma
preocupação bastante recorrente nessa geração de militantes e ativistas adeptos do
Partido.
Paralelo a este trabalho de agitação relacionado com a campanha eleitoral, o
BOC com o auxílio da CRT, como foi visto no capítulo anterior, continuava criando
associações políticas diversas, tentando captar anseios específicos da classe
trabalhadora e direcioná-la para a luta mais geral de transformação da sociedade, a
fim de criar um amplo movimento de massas, contribuindo para a constituição de um
cenário de intensa mobilização dos trabalhadores.
Entretanto, a participação do BOC na disputa eleitoral por meio de
candidaturas próprias, mesmo que tolerada de início, deveria estar produzindo
apreensão no governo do estado, pois os comunistas estavam entrando em um
terreno pouco utilizado até então pelas correntes políticas operárias: o da disputa
eleitoral. Dessa forma, o BOC passava a disputar o voto operário com os partidos
políticos tradicionais do Rio Grande do Sul. Ou seja, estava disputando o mesmo
espaço com a Aliança Liberal, prejudicando o objetivo de Getúlio Vargas, ainda que
essa disputa não acontecesse em igualdade de condições, dado o pequeno
contingente de militantes e ativistas ligados ao PCB, o direcionamento de campanha
nitidamente classista do BOC e o ônus da tradição de fraudes eleitorais que
marcaram a Primeira República. Em suma, os fatos praticamente inviabilizavam uma
votação mais expressiva dos candidatos comunistas e faziam com que não fossem
uma ameaça real à elite política gaúcha.
Apesar de parte significativa das associações operárias serem dirigidas pelo
BOC, que fazia uma dura oposição a Getúlio Vargas, o posicionamento político da
classe trabalhadora não refletia automaticamente a posição das direções destas
entidades e estava em disputa. Mas ainda assim os comunistas tornavam-se uma
presença incômoda no processo eleitoral. Principalmente após Vargas ter
conseguido unificar as elites numa Frente Única Gaúcha, os trabalhadores perderam
ligeiramente sua posição anterior de definidores das contendas eleitorais da elite
política gaúcha, o que poderia resultar em respostas mais duras por parte do
governo estadual em relação ao movimento operário a partir de então.
171
Plínio Mello relata que, quando se aproximavam as eleições presidenciais de
março de 1930, foi procurado pelo presidente do Estado interino, Oswaldo Aranha
40
(um dos principais articuladores da Aliança Liberal e do processo golpista de outubro
de 1930), para firmarem um acordo. Aranha estaria alarmado diante das realizações
do BOC e das entidades orientadas pelos comunistas:
“Fizemos várias demonstrações de rua, puxamos o proletariado das
fábricas com bandeiras vermelhas. Isso deixou o Osvaldo Aranha,
uma espécie de substituto do Getúlio Vargas, alarmado. Para acabar
com aquilo, um oficial veio me procurar, a mando do Oswaldo
Aranha, para um entendimento. Oswaldo Aranha, um sujeito muito
insinuante, me disse: 'Como é, Plínio? Nós estamos aqui em frente
única e você está querendo rompê-la? Que história é essa?'. E eu
respondi: 'Nós não somos da frente única, somos contrários a ela, e
contrários aos outros também. Não somos contra a frente única,
somos contra os dois. Não há por que falar na frente única, portanto'.
[...] Na conversa, Oswaldo Aranha insistiu: ‘Mas você precisa estar
em combinação conosco, Plínio’. E insinuou uma hipótese de
suborno. Nesse meio tempo ele disse que eu era um bolchevique e
ele, um menchevique. Concluí, então: ‘É por isso mesmo que não
temos possibilidade de trabalhar em comum’.”
41
Perante a recusa de Plínio Mello em apoiar a Aliança Liberal, rejeitando
inclusive uma insinuação de suborno, quinze dias antes das eleições vários
comunistas foram presos, retirados da cidade e “barbaramente espancados”.
42
“[...] Valendo-se da Frente Única que conseguiram impor ao povo
gaúcho, comprando jornais e cerceando completamente a liberdade
de seus adversários, seqüestraram nas vésperas das eleições de
março, os principais militantes operários de Porto Alegre, assim
como alguns propagandistas da candidatura Júlio Prestes. E depois
de espancar barbaramente aqueles, isto é, todos nós, militantes
operários, e de nos conservarem presos durante quase um mês -
alguns assim permaneceram durante mais de dois meses! -,
deportaram-nos também: os brasileiros, para outras regiões do país,
e os estrangeiros, para fora do Brasil".
43
Mesmo com a unificação das elites políticas gaúchas, a importância da classe
trabalhadora no processo eleitoral era muito grande, devido ao fato, salientado
anteriormente, de Getúlio Vargas precisar de uma votação muito expressiva no
40
Getúlio Vargas havia se afastado do comando do governo estadual por causa das eleições, sendo
substituído pelo seu secretário do interior Oswaldo Aranha.
41
MELLO, Plínio. Memória: entrevista com Plínio Mello...Op. Cit.
42
Ibidem.
43
Ibidem.
172
estado para sua candidatura ter mínimas condições de obter sucesso. Por isso,
primeiramente a postura de tolerância com as associações a atividades conduzidas
pelos comunistas organizados em torno do BOC e da CRT. Contudo, em um
segundo momento, com a crescente perspectiva política destes movimentos,
mediante um discurso com forte apelo revolucionário, a preocupação com a
participação dos comunistas no pleito aumentou, sendo visto a partir de então como
perigoso. Portanto, a saída seria retirá-los da disputa, mesmo que fosse preciso usar
a violência.
Além disso, como foi mencionado, os comunistas sempre fizeram oposição
ferrenha a Getúlio Vargas. Inclusive, conforme o depoimento de Eloy Martins,
somente o grupo dirigente do PCB no Rio Grande do Sul tinha essa posição
contrária a Getúlio, já que a classe trabalhadora, de maneira geral, o apoiava:
“No Rio Grande do Sul havia uma enorme contradição, as massas
eram getulistas e prestistas, somente os comunistas dirigentes
tinham posições firmes contra Vargas, os elementos fracos
politicamente, como eu, achavam que o movimento de 30 favorecia
aos trabalhadores. Getúlio reagia aos ataques dos comunistas
perseguindo-os por todos os meios possíveis”.
44
Por mais que os comunistas pretendessem colocar a classe trabalhadora
contra Getúlio Vargas, segundo Eloy Martins praticamente ninguém estava seguindo
o discurso do Partido. Ou seja, mesmo que os comunistas defendessem que o
"Partido Comunista é o único partido operário que verdadeiramente representa os
reais interesses e as aspirações totais da classe operária"
45
e, também postulassem
ser o único em condições de operar uma transformação mais radical da sociedade,
Partido e classe não são a mesma coisa e não podemos confundi-los um com outro.
Caso contrário, poderíamos acreditar que o peso da repercussão da proposta da
Aliança Liberal entre os trabalhadores teria sido pequeno, por conta da rejeição do
grupo comunista.
44
MARTINS, Eloy. Um depoimento político... Op. Cit. p. 35.
45
Carta Aberta a Maurício de Lacerda, a Azevedo Lima, ao Partido Socialista, ao Centro Político
Proletário do Distrito Federal, ao Centro Político dos Chauffers, ao Partido Unionista dos Empregados
no Comércio, ao Centro Político Proletário da Gávea e ao Centro Político Proletário de Niterói, 1927
apud CARONE, Edgard. O PCB I ... Op. Cit, p.66.
173
4.3 Congresso Regional da CRT e a confirmação da linha da luta de
classes
Em dezembro de 1929, a CRT, vislumbrando a realização de seu Congresso
Regional em janeiro do ano seguinte, reúne por duas vezes o Conselho
Confederal,
46
preparando o terreno para a divulgação do encontro. Na primeira
destas reuniões, foi discutida a situação dos sindicatos das cidades do interior do
Rio Grande do Sul, mediante relato dos representantes destas entidades. O objetivo
da CRT era tomar conhecimento de todas as organizações sindicais gaúchas e das
condições em que se encontravam para que a investida nos sindicatos do interior
tivesse mais chances de obter êxito. Também interessava ao BOC, porque sua
forma de filiação havia mudado: de individuais passou a aceitar somente filiações de
entidades coletivas. Eram informações que interessavam evidentemente às outras
associações comunistas, porque dessa forma conheceriam a situação do movimento
operário e sindical no interior do estado, facilitando o trabalho de ampliação do raio
de ação política que ainda era muito restrito a poucas cidades.
Convém lembrar que os anarquistas, ou pelo menos uma parcela importante
dos já poucos adeptos da corrente, haviam decidido abandonar o sindicalismo, pelos
limites que demonstrara na sua capacidade de luta, segundo avaliação de alguns
militantes libertários. Portanto, a saída encontrada por estes mesmos militantes foi a
retirada da luta no terreno sindical em proveito da ação doutrinária apenas, salvo,
como diziam, em “ocasiões especiais”. Dessa forma, acreditavam que o anarquismo
conseguiria obter o vigor de épocas passadas. Contudo, o que se observa é que
essa opção imergiu o anarquismo em um profundo refluxo, facilitando o trabalho dos
comunistas, pois estes ficaram praticamente sem oponentes neste meio, ainda mais
que os socialistas também não atravessavam um bom momento em toda a década
de vinte.
Ainda no mês de dezembro, alguns sindicatos da capital realizaram suas
reuniões internas (União dos Trabalhadores na Indústria Metalúrgica; União dos
Trabalhadores Gráficos; União dos Trabalhadores em Hotéis, Bares, Restaurantes e
46
Correio do Povo, Porto Alegre, 1º de dezembro de 1929, p. 9. Correio do Povo, Porto Alegre, 8 de
dezembro de 1929, p. 9.
174
Anexos; Associação Protetora dos Trabalhadores em Calçados, Couros e Peles;
União dos Trabalhadores em Fábricas de Tecidos e União dos Trabalhadores na
Metalurgia e Construção Naval),
47
provavelmente como resultado da preparação do
Congresso Regional da CRT e da participação no último comício do BOC do ano,
realizado no dia 29, na Praça Montevidéu, para fazer propaganda dos candidatos às
eleições.
48
Em janeiro continuaram as reuniões sindicais para ser discutida a
preparação do Congresso, inclusive no interior do estado.
49
Os dirigentes da Confederação Regional do Trabalho efetuaram uma série de
visitas às entidades sindicais do interior do Rio Grande do Sul, a fim de promover o
Congresso Operário Regional. Diversas cidades, como Rio Grande, Bagé,
50
Passo
Fundo,
51
Cruz Alta,
52
Santa Maria, Santana do Livramento, Dom Pedrito, Taquara e
Montenegro, entre outras, tiveram seus sindicatos e confederações sindicais
visitados por integrantes da direção da entidade. Como o BOC estava concentrado
em poucas cidades, sobretudo em Porto Alegre e Pelotas, a visita de representantes
da CRT a localidades do interior denotava o interesse comunista em ampliar o seu
raio de ação política no estado, ou seja, penetrar em localidades em que os
comunistas não tivessem núcleos organizados.
Como será demonstrado a seguir, com essa propaganda nas cidades do
interior, que tinha como objetivo mobilizar os trabalhadores, conhecer a realidade em
que se encontrava o movimento sindical gaúcho e assentar as bases para ampliar
as zonas de influência dos comunistas, foram obtidos alguns frutos positivos, pois,
considerando as dificuldades de organização, financeira e de deslocamento, a
participação de entidades de fora do eixo Porto Alegre/Pelotas no Congresso foi
significativa.
47
Correio do Povo, Porto Alegre, 4 de dezembro de 1929, p. 9. Correio do Povo, Porto Alegre, 17 de
dezembro de 1929, p. 9. Correio do Povo, Porto Alegre, 18 de dezembro de 1929, p. 14.
48
Correio do Povo, Porto Alegre, 22 de dezembro de 1929, p. 9. Correio do Povo, Porto Alegre, 28 de
dezembro de 1929, p. 5.
49
Correio do Povo, Porto Alegre, 12 de janeiro de 1930, p. 9.
50
Opinião Pública, Pelotas, 30 de novembro de 1929, p. 4. (BPP).
51
O Nacional, Passo Fundo, 8 de janeiro de 1930, p. 2. (AHR).
52
Correio do Povo, Porto Alegre, 18 de janeiro de 1930, p. 8.
175
O Congresso Operário Regional da CRT foi realizado em Porto Alegre, entre
18 e 21 de janeiro de 1930. O encontro tinha como um de seus objetivos divulgar o
trabalho da CRT em todo o Rio Grande do Sul, de modo que o alcance de sua
intervenção política fosse ampliado para além de Porto Alegre e de Pelotas,
buscando estabelecer definitivamente a hegemonia sobre o movimento operário e
sindical gaúcho, aproveitando o vácuo político deixado pelo abandono do
sindicalismo pelos anarquistas e pelo recuo acentuado dos socialistas. Também
pretendia mobilizar a classe trabalhadora, pois paralelo às atividades de divulgação
do Congresso seria necessário que os sindicatos se reunissem para discutir se
participariam ou não, como ocorreria a participação, quem representaria a entidade,
entre outras questões. Ou seja, fazia com que a “massa” trabalhadora do Rio
Grande do Sul se mobilizasse sob a condução do Bloco Operário e Camponês.
De certa maneira, o objetivo foi alcançado, pois estiveram presentes
delegados das entidades sindicais de Porto Alegre, Pelotas, Santa Maria, Santana
do Livramento, Dom Pedrito, Bagé, Taquara e Montenegro, demonstrando, como
indiquei antes, uma participação expressiva, nas circunstâncias da época, das
organizações do interior do estado, levando em consideração as dificuldades para
se fazer representar e o relativo pouco tempo de divulgação do Congresso. Além de
sindicatos, participaram as associações comunistas: BOC, Comitê de Mulheres
Trabalhadoras e Centro de Juventude Proletária, entre outras,
53
o que evidenciava
que o Congresso não era somente voltado ao meio sindical, como o próprio nome do
encontro indicava. Ou seja, tinha um caráter um pouco mais amplo do que um
evento sindicalista, pois contava com organizações operárias que atuavam
juntamente com os sindicatos.
A pauta de discussões do Congresso foi a seguinte: leitura do relatório da
Comissão Executiva; informes dos representantes das cidades do interior; questão
de horas de trabalho e salários; programa de reivindicações imediatas; organização
dos trabalhadores agrícolas; organização da juventude e mulheres trabalhadoras;
53
Diário de Notícias, Porto Alegre, 19 de janeiro de 1930, p. 12.
176
estatutos e modificação do nome do organismo regional; eleição do Conselho
Confederal e Comissão Executiva; assuntos vários.
54
Mediante o exame dos pontos incluídos na pauta de discussões do
Congresso, é possível tirar algumas conclusões. Como apontei em outra ocasião,
os informes dos representantes das entidades do interior do estado tinham por
objetivo demonstrar o patamar de organização em que o movimento operário e
sindical gaúcho se encontrava. Dessa forma, poderiam ser definidas prioridades de
ação referentes a algum sindicato ou a uma cidade considerados como importantes.
Com relação à defesa das oito horas de trabalho e aumento de salários, se podem
perceber duas coisas óbvias: a jornada de trabalho da classe trabalhadora praticada
nas empresas ainda era extensa e os salários continuavam muito baixos. alguns
anos estas duas questões eram reivindicadas de modo recorrente pelos
trabalhadores, sendo, inclusive, a motivo da deflagração de inúmeras greves.
55
Portanto, a presença deste tema na pauta de discussões do Congresso indicava se
tratar de uma questão prioritária para o movimento operário.
Outra questão a ser discutida referia-se à organização dos trabalhadores
rurais, que até o momento não haviam recebido atenção por parte dos comunistas.
O trabalho com os camponeses se resumia a constar seu nome na sigla do BOC,
que fora alvo de muitas críticas internas por não avançar neste ponto. Portanto, era
uma questão preocupante para o BOC e a CRT, que tinham o objetivo de penetrar
entre os trabalhadores rurais, maioria dos trabalhadores no Brasil e no Rio Grande
do Sul. Ou seja, como a maior parte da classe trabalhadora no país estava no
campo, e ainda em uma proporção um pouco maior no estado, a atuação dos
comunistas ficando restrita aos grandes centros urbanos, deixava de incluir os
camponeses na política do PCB.
56
54
Diário de Notícias, Porto Alegre, 15 de janeiro de 1930, p. 5.
55
Sobre as greves, consultar o capítulo anterior.
56
Dados do Anuário Estatístico do Rio Grande do Sul indicam a existência de apenas três cidades
com mais de noventa mil habitantes, Porto Alegre (260.000), Passo Fundo (96.000) e Pelotas
(92.500), em um universo de 2.612.500 habitantes em todo o estado. Embora, seja conveniente
salientar a possível não exatidão dos números apresentados em virtude dos precários métodos do
censo do período. O Nacional, Passo Fundo, 23 de abril de 1929, p. 1. (AHR).
177
O Congresso Operário Regional, segundo relato do Diário de Notícias, contou
com a participação de todas as associações proletárias da capital e do interior do
estado, o que obviamente era um exagero. Provavelmente a reportagem se baseou
nos relatos “otimistas” feitos pelos organizadores durante o Congresso, que
superestimavam as dimensões do encontro.
Afirmações como as que foram feitas pelo Diário não se sustentam
basicamente por três motivos. Primeiro, o anarquismo ainda exercia um peso sobre
algumas entidades operárias na capital e, da mesma forma, ou até mesmo em uma
proporção maior, no interior. Segundo, os tradicionais problemas financeiros das
entidades impossibilitavam o deslocamento de um número mais expressivo de
delegados à capital. Por fim, havia outras correntes de opinião no interior do
movimento operário e sindical além de comunistas, anarquistas e socialistas, e que
poderiam simplesmente não desejar participar do Congresso, por discordar da
política da CRT e do BOC. Afora isso, algumas cidades com movimento operário e
sindical organizado não participaram do encontro.
57
Logo após a abertura do Congresso, foi escolhida a mesa diretora para a
condução dos trabalhos, composta por Pelayo Gil Ribas, Plínio Mello, Dolores
Robles, Felipe Garcia
58
e Mário Flores. Em seguida, foi passada a palavra para o
representante do BOC, Plínio Mello. Em sua intervenção, primeiramente enfatizou as
péssimas condições de vida e trabalho da classe trabalhadora do Brasil e do Rio
Grande do Sul decorrente da crise econômica que assolava o país, cuja natureza
estava nas próprias contradições do capitalismo. Logo a seguir começou a atacar a
disputa entre o imperialismo inglês e o norte-americano. Em relação à Aliança
Liberal, que unia a elite política do estado, Mello afirmou que o objetivo era “afastar
as massas da luta revolucionária pela sua libertação” e, portanto, não caberia outro
posicionamento no processo eleitoral vindouro que não fosse o das candidaturas
próprias do BOC. Também salientou que somente a “revolução agrária e
57
A Sociedade Operária Beneficente de Passo Fundo foi visitada por Pelayo Gil Ribas, mas não
enviou nenhum delegado ao Congresso Regional. A cidade de Rio Grande, que contava com
sindicatos organizados e com a Sociedade União Operária, não enviou nenhum representante
também. As razões para o não envio de delegação são desconhecidas.
58
Na reportagem consta como sendo Garova o sobrenome de Felipe. Contudo, acredito que a grafia
correta seja Garcia, representante da entidade de Santa Maria, que havia participado das
comemorações do sete de novembro em Porto Alegre.
178
antiimperialista poderá libertar as massas da situação aflitiva em que se encontram”.
Acusou, ainda, os liberais de rumarem para o fascismo, embora dissessem o
contrário.
59
Dessa maneira, Plínio Mello expressava uma opinião extremamente hostil em
relação à Aliança Liberal, o que, certamente, gerou desconforto entre as lideranças
da elite política gaúcha, ao ensejar perigosamente, um forte motivo para entrar em
conflito aberto contra os partidos tradicionais do Rio Grande do Sul. Aliás, mais um,
pois os comunistas já faziam firme oposição a Getúlio Vargas. Além disso, rompia-se
definitivamente com qualquer esperança, mesmo mínima que fosse, por parte da
Aliança Liberal, de ter os comunistas como aliados nas eleições de março de 1930,
pois dessa forma seria mais fácil Vargas obter a completa hegemonia na disputa
eleitoral em seu próprio estado.
Após Plínio Mello, vários representantes de entidades sindicais fizeram uso da
palavra. O Congresso Operário Regional da Confederação Regional do Trabalho do
Rio Grande do Sul encerrou no dia 21 de janeiro, coincidindo com o aniversário da
formação da Comissão Nacional Pró-Confederação Geral do Trabalho do Brasil e
também com o quinto aniversário da morte de Lênin. Ao final do encontro, os
congressistas realizaram uma passeata pelas ruas de Porto Alegre para comemorar
a data, culminando com um comício no centro da cidade.
60
A passeata foi estruturada de forma bastante semelhante à do 7 de novembro,
com várias alas, uma para cada associação, todas geometricamente alinhadas.
Como era tradicional, trabalhadores traziam bandeiras aludindo às respectivas
associações ou contendo palavras de ordem à frente de cada ala. A passeata saiu
de dois pontos diferentes de concentração, o primeiro na Praça Rui Barbosa e o
segundo no Parque Farroupilha, reunindo-se na Rua dos Andradas de onde
prosseguiram até o local do comício, no qual foi criado o Comitê de Operários e
Camponeses de Luta Contra a Intervenção Federal e o Separatismo,
61
cuja atuação
será examinada mais detidamente adiante.
59
Diário de Notícias, Porto Alegre, 19 de janeiro de 1930, p. 12.
60
Ibidem, p. 12.
61
Opinião Pública, Pelotas, 27 de janeiro de 1930, p. 4. (BPP).
179
Paralelamente a esta passeata em Porto Alegre, em Pelotas o BOC e o PCB
realizaram um comício na sede da Federação do Trabalho de Pelotas, para
homenagear a memória de Lênin. Contudo, os detalhes dessa atividade são
desconhecidos.
62
4.4 Às armas...
4.4.1 Um novo rumo político para os comunistas: o esquerdismo
Após a prisão de Pelayo Gil Ribas durante a greve na Carris, em
solidariedade a Leovegildo Paiva, a polícia organizou uma dura perseguição aos
comunistas na capital. O delegado Dario Barbosa incumbiu alguns agentes da
missão de se infiltrarem no movimento operário e sindical disfarçados de
trabalhadores, para descobrir e prender as principais lideranças comunistas. Esses
espiões participaram de diversas reuniões promovidas pela CRT e pelo BOC,
conseguindo identificar vários militantes do Partido. O resultado dessas ações foi a
prisão e a deportação para o Rio de Janeiro de um dos mais importantes membros
do PCB, Hersch Schechter, impingindo um duro golpe aos comunistas, porque este
era um dos principais responsáveis pelo crescimento da ação política da
Confederação Regional do Trabalho.
O PCB no Rio Grande do Sul foi abalado pela deportação de Schechter, um
dos seus mais proeminentes militantes. Portanto, para substituí-lo a Comissão
Central Executiva enviou ao estado, em outubro de 1929, Marcos Piatigoski,
militante do PC desde 1928,
63
que atuava naquele momento no Rio de Janeiro para
ser o novo secretário-geral do Comitê Regional, passando a ser encarregado da
direção e controle do Partido no estado.
64
Piatigoski tinha a incumbência de
62
Opinião Pública, Pelotas, 21 de janeiro de 1930, p. 1. (BPP).
63
O alfaiate estrangeiro Marcos Piatigoski, de codinome “Jeca”, era casado com a costureira Hilda
Piatigoski, membro da Federação da Juventude Comunista do Brasil desde 1927 e membro do
Comitê de Mulheres Trabalhadoras, com quem tinha um filho pequeno. Era irmão de Leon
Piatigoski. In: Carta de Marcos Piatigoski para o Secretariado Latino-Americano da IC. Paris, 26 de
julho de 1930. (RGASPI).
64
Pablo Osório [Plínio Gomes de Mello]. La situación en el Rio Grande do Sul y la actuación del
P.C.B. en esa región. Buenos Aires, maio 1930, p. 4. (ASMOB).
180
“[...] se encontrar com Plínio Mello para orientá-lo sobre a nova linha
política, preconizando que o partido mantivesse o operariado em
constante agitação e organizasse grupos de defesa dos comícios, de
modo a se preparar para, no cenário da luta política entre as
oligarquias, evoluir pra a luta armada, ‘aproveitar a oportunidade
para lançar-se à frente das massas e conseguir diversas
reivindicações sociais, transformando a guerra civil em uma
revolução agrária e antiimperialista’ ”.
65
Essas novas diretrizes que Piatigoski trazia na bagagem que tinha missão de
implementar no Comitê Regional do Rio Grande do Sul, estavam relacionadas com
os rumos do movimento comunista internacional. Após o VI Congresso da IC, uma
violenta luta interna estava se desenvolvendo no núcleo dirigente do Partido
Comunista da União Soviética (bolchevique) entre Stálin e Bukharin. Tal disputa teve
implicações para a rota política da III Internacional. Paulo Sérgio Pinheiro observa
que
“Depois da introdução da coletivização e do primeiro Plano
Qüinqüenal, Stalin tinha necessidade, mais talvez por insegurança
do que pelo acertado de suas análises, de expurgar dos partidos e
dos grupos dirigentes quem quer que pudesse contestar a
brutalidade dos seus métodos e a sabedoria de suas opções”.
66
Não é sem motivo que vários membros da Comissão Executiva da
Internacional Comunista, como Bukharin (até então o maior expoente da IC) e Jules
Humbert-Droz (responsável pelo Secretariado Sul-Americano), são substituídos da
direção por membros de menor prestígio e de maior afinidade com Stálin. Esse
processo de substituições de dirigentes aconteceu em vários partidos comunistas.
O X Pleno da Comissão Executiva da Internacional Comunista, realizado entre
3 e 19 de julho de 1929 em Moscou, ocorreu inteiramente coadunado com as
novas diretrizes stalinistas para a conjuntura internacional. O X Pleno colocaria em
relevo o entendimento de Stálin sobre o “terceiro período”, visto como uma nova
forma de estabilização capitalista, que seria associada a uma agudização das
contradições internas do regime e, por conseguinte, traria uma nova onda
revolucionária. Isso fez com que a tática de “classe contra classe fosse
intensificada. Também fortaleceu a vinculação da social-democracia com o fascismo,
65
FORTES, Alexandre. Nós do quarto distrito... Op. Cit., p. 297.
66
PINHEIRO, Paulo Sérgio. Estratégias da ilusão... Op. Cit., p. 200.
181
adjetivando-a pejorativamente como “social-fascista” e difundiu esta associação para
todas as seções nacionais.
67
Os reflexos dessa reorientação na rota da IC chegaram ao Brasil em setembro
de 1929, quando o Secretariado Sul-Americano, em total consonância com as
deliberações do X Pleno, enviou uma “Carta aberta aos partidos comunistas da
América Latina sobre os perigos da direita”. O documento enfatizava, entre outras
coisas, a “superestimação das possibilidades revolucionárias da burguesia e da
pequena burguesia e, pelo contrário, a subestimação do caráter semicolonial desta
região e do conteúdo agrário do movimento”.
68
Além disso, reforçava a necessidade
da direção do partido ter militantes proletários. Estava aberto, então, o caminho para
uma inflexão esquerdista e para a “proletarização”.
A “proletarização” consistiu em afastar da direção do Partido os indivíduos de
origem intelectual, substituindo-os por operários, os quais eram elevados ao cargo
de dirigentes, independentemente de sua capacidade teórica, condição e
disponibilidade de militância (foi tão ampla que até Astrogildo Pereira acabou sendo
expulso, sendo vítima do que ele mesmo havia implementado). Leôncio Basbaum
observa que essa política provocou uma instabilidade no Comitê Central do PCB,
devido à constante substituição de dirigentes, pois muitos deles não tinham as
menores condições para exercerem uma cargo de direção.
69
Segundo Marco Aurélio
Garcia, o Partido foi modificado completamente:
“[...] Pelas inflexões de sua política e metamorfoses orgânicas por
que passa entre 1930 e 1934-1935, seria difícil estabelecer
efetivamente uma linha de continuidade entre os dois partidos que se
encontram na extremidade desses cinco anos, a menos que se
aceite a boutade (Lucien Goldmann) da faca de Janot que trocava o
cabo e depois a lâmina, mas permanecia sempre a mesma...”
70
Em outubro de 1929, o PCB realizou o III Pleno do Comitê Central. As
deliberações desta reunião alteraram substancialmente a rota política do Partido,
67
Ibidem, p. 201-202.
68
DEL ROIO, Marcos. Os comunistas... Op. Cit., p. 38.
69
BASBAUM, Leôncio. Uma Vida... Op. Cit., p. 76-77. Do mesmo autor ver também: BASBAUM,
Leôncio. História Sincera da República de 1889 a 1930. vol. 2. 4 ed. São Paulo: Editora Alfa-Ômega,
1976.
70
GARCIA, Marcos Aurélio. Contribuições para uma história da esquerda brasileira... Op. Cit., p. 208.
182
principalmente ao concluir que havia a “subestimação da situação objetivamente
revolucionária do país e das forças do partido”.
71
Ou seja, constatara que o Brasil
havia passado de um “período pré-revolucionário” para uma “situação objetivamente
revolucionária”, o que era um nítido reflexo produzido pelas diretrizes emanadas
pelo X Pleno da Comissão Executiva da IC e pela “Carta aberta” do Secretariado
Sul-Americano. Esse novo rumo iria produzir uma inflexão à esquerda e fortalecer
tendências “extremistas” no Partido.
72
Segundo Karepovs
“[...] o principal foco de ação dos comunistas foi deslocado do BOC, a
quem restou apenas papel de fachada eleitoral, para o PCB. Os
comunistas, imbuídos da lógica do Terceiro Período” e convencidos
da inevitabilidade de um processo revolucionário, acreditavam que
lhes caberia conduzir diretamente esse processo, sem a necessidade
de órgãos auxiliares como o BOC, a quem caberia, como vimos,
apenas apresentar candidatos e agitar palavras de ordem”.
73
Contudo, parece que esse comentário não se aplica ao Rio Grande do Sul,
onde até fevereiro de 1930, tanto o BOC quanto às associações dirigidas pelos
comunistas, terão maior importância do que o PCB para a ação política comunista
no estado. E essa relevância provavelmente não se estendeu por mais tempo em
virtude da repressão que desarticulou toda a estrutura organizativa comunista na
região, como veremos adiante.
Após a chegada de Piatigoski, essa nova rota, a “proletarização”, foi sendo
implementada no Comitê Regional. Logo em seguida, foi colocada em prática a nova
forma de organização do BOC, aprovada no Congresso da entidade realizado em
novembro de 1929 no Rio de Janeiro: as filiações coletivas. Esta foi uma diretriz que
tinha por objetivo ampliar a quantidade de militantes do órgão e aumentar a
influência na classe trabalhadora. A partir de então, foi desenvolvida uma ofensiva
rumo às entidades sindicais, com as quais se promoveu uma série de atividades
(reuniões, comícios, passeatas) visando à máxima adesão por parte dos sindicatos.
Nesse ínterim, estavam sendo efetuadas as reuniões sindicais de preparação do
71
O III Pleno do C.C. (outubro de 1929). Apud CARONE, Edgard. O PCB I... Op. Cit., p. 81.
72
DEL ROIO, Marcos. O impacto da Revolução Russa... Op. Cit., p. 100.
73
KAREPOVS, Dainis. A esquerda e o parlamento no Brasil... Op. Cit., p. 568.
183
Congresso Operário Regional do CRT, examinadas anteriormente. Ou seja, os
membros do Partido aproveitaram a realização do Congresso e a grande agitação
operária do momento para efetivar suas novas orientações para o movimento
operário e sindical.
Do ponto-de-vista do objetivo das filiações em massa, os resultados obtidos
pelos comunistas foram extremamente significativos, pois o seu quadro de filiados
aumentou de maneira bastante expressiva: conforme indiquei anteriormente, em
janeiro de 1930 o BOC havia passado de quarenta para quatrocentos militantes.
74
Ou seja, obteve um crescimento de 900% e em um período de tempo bastante curto,
embora o aumento numérico, mesmo tão vertiginoso, possa não ser muito
consistente.
Em outros momentos deste mesmo texto salientei o fato de existir
diferenças de níveis de engajamento entre os militantes de uma organização.
Portanto, um crescimento o expressivo como o do BOC, provavelmente, tenha
comportado uma gama considerável de meros aderentes, sem uma vinculação mais
orgânica com a entidade ou com o comunismo. Além disso, a cultura política
associativa existente no Rio Grande do Sul,
75
fazia com que os trabalhadores se
engajassem em associações políticas que havia no estado, o que teria facilitado o
grande crescimento do número de ativistas do BOC na virada de 1929 para 1930.
Neste mesmo período, as novas orientações trazidas por Piatigoski resultaram
em uma inflexão acentuada na rota política do BOC. Com isso, as associações
dirigidas pelos comunistas intensificaram as atividades de agitação operária e o
discurso revolucionário se extremou, embora tivesse pouco respaldo na realidade
para ser posto em prática. A influência das novas diretrizes esquerdizantes da
Internacional Comunista, que chegavam ao país naquele momento, era nítida na
postura que passou a ser adotada pelos comunistas no Rio Grande do Sul.
74
DEL ROIO, Marcos. A classe operária... Op. Cit., p. 177.
75
Cf. PACHECO, Ricardo de Aguiar. A vaga sombra do poder... Op. Cit.
184
4.4.2 A suposta intervenção federal e a requisição de armas
Essa política de extrema agitação da classe trabalhadora, implementada por
Piatigoski, começou a tomar corpo de maneira mais visível no final do Congresso
Operário Regional, quando foi realizada uma passeata seguida por um comício no
centro de Porto Alegre e criada mais uma associação política por conta dos rumores
que estavam circulando. Tinham sido publicadas na imprensa gaúcha e de outras
localidades do Brasil notícias sobre uma suposta intervenção do governo federal no
Rio Grande do Sul. Os rumores surgiram após a movimentação de tropas federais
na fronteira norte do estado, depois que foi criada a Aliança Liberal e Vargas ter
lançado sua candidatura à presidência.
76
Independentemente da veracidade dos rumores, a intervenção do governo
federal nos estados era um temor bastante recorrente durante a Primeira
República.
77
Portanto, a reação no Rio Grande do Sul a esse boato foi tamanha, que
acabou culminando com a criação de duas associações para combater a suposta
interferência do governo federal, as quais organizaram núcleos em várias cidades do
estado. A primeira, as Ligas Anti-Intervencionistas, influenciadas pelos membros da
Aliança Liberal, eram “destinadas a opor resistência à dita intervenção do governo
federal”. A segunda, o Comitê de Operários e Camponeses de Luta Contra a
Intervenção Federal e o Separatismo, organizado pelos comunistas, veio para não
perder espaço para as Ligas.
“Logico es que nuestro partido no podía quedar indiferente a este
movimiento. En reunión del C. [Comitê] R. [Regional] fue estudiado el
problema evidenciandose todo el peligro que la fundación de esas
‘ligas’ representaba para nuestro movimiento, principalmente por su
caracter prefascista. Para evitar esse peligro, hemos resuelto tomar
la iniciativa inmediata de la organización de ‘comités de operarios y
campesinos de lucha contra la intervención’ “.
78
Não existem muitas referências na imprensa sobre a Liga Anti-Intervencionista
e a atuação de seus núcleos no Rio Grande do Sul. Algumas das principais
76
Pablo Osório [Plínio Gomes de Mello]. La situación en el Rio Grande do Sul y la actuación del
P.C.B. en esa región. Buenos Aires, maio 1930, p. 5. (ASMOB).
77
VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro. O teatro das oligarquias... Op. Cit., p. 319.
78
Pablo Osório [Plínio Gomes de Mello]. La situación en el Rio Grande do Sul y la actuación del
P.C.B. en esa región. Buenos Aires, maio 1930, p. 5. (ASMOB).
185
informações a seu respeito são provenientes dos comunistas, o que torna a versão
muito parcial. Eram por eles acusadas de pregar o separatismo como solução para
enfrentar o problema da suposta intervenção e, além disso, ter finalidade fascista.
São questões que não podem ser confirmadas por causa da insuficiência de fontes
referentes à sua ação política no estado.
“Os nossos comitês são com a finalidade de combater a intervenção
e o separatismo, as Ligas Anti-Intervencionistas são só contra a
intervenção. Os nossos comitês lutam contra o fascismo e as Ligas
Anti-Intervencionistas são de finalidade fascista; nossos comitês
lutam contra o imperialismo e as Ligas Anti-Intervencionistas dos
‘liberais’ não lutam contra o imperialismo e tem finalidade
eleitoralícia. [...] As Ligas Anti-Intervencionistas irão até o
separatismo, que quer dizer a divisão dos trabalhadores do Brasil e
consequentemente o enfraquecimento de suas organizações de lutas
de classe”.
79
Assim que as Ligas foram criadas, a situação foi discutida pelos comunistas
em uma assembléia de ativistas, na qual se manifestaram quatro posições distintas
sobre as diretrizes a serem tomadas: a primeira, preconizava o apoio público do
BOC e da CRT e a inserção destes no interior das Ligas para ganhar a hegemonia
do movimento; a segunda, enfatizava que ao mesmo tempo em que as Ligas
deveriam ser combatidas, deveriam penetrar em seu interior para conquistá-las; a
terceira posição recomendava o combate das Ligas criadas pelos aliancistas,
mediante a criação de ligas antiintervencionistas de operários e camponeses; por
fim, o Comitê Regional defendia a criação de Comitês de Operários e Camponeses
de Luta Contra a Intervenção Federal e o Separatismo.
“[...] no solamente como organización independiente de las masas
laboriosos, [sic] sino também como organización de lucha contras as
ligas antiintervencionistas, acentuando aun las necessidades de
penetrar en las mismas para desorganizarlas y conquistar a las
masas para nuestros ‘comités de lucha’ “.
80
Aparentemente a divisão de opiniões não teve implicações maiores e após
longa discussão foi aprovada de modo unânime a posição apregoada pelo Comitê
Regional do BOC: criar Comitês de Operários e Camponeses de Luta Contra a
79
Opinião Pública, Pelotas, 27 de janeiro de 1930, p. 4. (BPP).
80
Pablo Osório [Plínio Gomes de Mello]. La situación en el Rio Grande do Sul y la actuación del
P.C.B. en esa región. Buenos Aires, maio 1930, p. 5. (ASMOB).
186
Intervenção Federal e o Separatismo,
81
lançados oficialmente durante o
encerramento do Congresso Operário Regional da Confederação Regional do
Trabalho. O Comitê pretendia organizar subcomitês nas cidades, locais de trabalho
e de moradia, preparando a realização de uma conferência estadual em Porto
Alegre, no dia 18 de fevereiro, a qual culminaria com uma grande demonstração de
rua dois dias depois, em que se esperava o comparecimento de cerca de dez mil
trabalhadores.
82
Com a formação dessa associação, o discurso esquerdista dos
comunistas, que vinha sendo radicalizado progressivamente, foi intensificado,
chegando, em matéria veiculada no jornal Opinião Pública, a exigir armas para
“realizar a sua defesa contra a intervenção federal”.
83
É possível imaginar que com tal declaração os comunistas tenham atraído
para si as atenções da elite política gaúcha. A exigência de armas para defender o
Rio Grande do Sul de uma suposta intervenção do governo federal, mesmo sendo
muito mais um discurso esquerdista do que propriamente um projeto real de armar a
classe trabalhadora (embora fosse recomendado pela IC), provavelmente tenha
despertado preocupação na elite política estadual em virtude do caráter extremado
dessas declarações.
Em relação à atuação do Comitê de Operários e Camponeses de Luta Contra
a Intervenção Federal e o Separatismo ela ocorreu efetivamente, de acordo com o
que foi noticiado na imprensa, em Porto Alegre e Pelotas. Em Rio Grande não
nenhuma indicação da existência de um núcleo do Comitê. Em Caxias do Sul foi
criado um núcleo com a adesão de cerca de trinta operários, após uma visita de
Plínio Mello à cidade em nome do Bloco Operário e Camponês.
84
Nesta mesma
visita, o BOC realizou um comício em uma praça com a presença de operários e
colonos. Segundo o jornal Correio do Povo, mais de mil trabalhadores urbanos e
rurais apoiaram publicamente o programa do BOC (ANEXO D) e filiaram-se na
81
Ibidem, p. 5.
82
Opinião Pública, Pelotas, 27 de janeiro de 1930, p. 4. (BPP).
83
Ibidem, p. 4.
84
Além de Caxias do Sul, estava planejada a visita a Novo Hamburgo, Taquara, São Leopoldo e
outras. Mas não existe nenhuma informação a respeito.
187
entidade,
85
o que é bastante interessante, pois até aquele momento não havia
nenhuma inserção dos comunistas entre os camponeses no Rio Grande do Sul e
ínfima no restante do Brasil. Isso era mais uma indicação do empenho dos
comunistas em ampliar o seu número de membros, principalmente no interior do
estado, e dos resultados relativamente satisfatórios que estavam alcançando na
região.
Contudo, não existem indícios de uma atuação mais presente dos comunistas
entre os trabalhadores rurais no Rio Grande do Sul e provavelmente a inserção
entre eles tenha se resumido a essas filiações. Além disso, a repressão policial
começou a agir logo em seguida, conforme veremos, fazendo com que não
houvesse tempo para se desenvolver praticamente nada, terminando com qualquer
expectativa de trabalho do BOC entre os camponeses.
Voltando a examinar a atuação do Comitê, ela não diferiu em grande medida
das outras associações comunistas. Ou seja, primava pela promoção de reuniões
públicas, comícios e passeatas, sempre priorizando as atividades de mobilização. O
objetivo era desenvolver um intenso trabalho de agitação da classe trabalhadora em
todo o estado, preparando ao mesmo tempo a realização de um Congresso
Regional dos Comitês locais em Porto Alegre, no início da segunda quinzena de
fevereiro de 1930, “que culminará com uma grande demonstração de rua no dia 20,
em que deverão comparecer 10 mil trabalhadores, exigindo armas para operários e
camponeses”.
86
Em Pelotas, durante o comício realizado pelo Comitê de Operários e
Camponeses de Luta Contra a Intervenção Federal e o Separatismo, na Praça da
Matriz, em 31 de janeiro de 1930, graves incidentes impediram que a atividade
tivesse um andamento tranqüilo, precipitando o seu fim. Enquanto os membros do
Comitê faziam suas intervenções, um grupo de pessoas não identificadas começou
a lançar provocações aos participantes, terminando em uma grande pancadaria
85
Correio do Povo, Porto Alegre, 14 de fevereiro de 1930, p. 8. Segundo o jornal Caxias, Caxias do
Sul, 13 de fevereiro de 1930, p. 2. (AHMJSA), o comício teve poucos participantes e não menciona a
criação de núcleos do BOC ou do Comitê de Operários e Camponeses de Luta Contra a Intervenção
Federal e o Separatismo.
86
Opinião Pública, Pelotas, 27 de janeiro de 1930, p. 4. (BPP).
188
(inclusive tiros foram disparados). Um dos provocadores tentou impedir uma pessoa
de falar e nesse momento a polícia interveio, espancando os comunistas. O militante
Ildefonso Avendano e sua esposa ficaram com vários hematomas no corpo em
decorrência das agressões.
87
A partir desse momento, passou a figurar nos panfletos distribuídos pelos
comunistas na cidade a frase: Trabalhador não tenhais receio!!,
88
o que era uma
clara alusão aos atos violentos protagonizados pela polícia em Pelotas por ocasião
do comício do Comitê. Também demonstra, com isso, que os trabalhadores
provavelmente se amedrontaram, prejudicando a arregimentação de novos
militantes e a ação comunista como um todo.
Com a criação do Comitê de Operários e Camponeses de Luta Contra a
Intervenção Federal e o Separatismo, os comunistas intensificavam o viés
esquerdista de seu discurso, uma vez que chegavam a mencionar a intenção de
conseguir armas. Embora a aquisição de armamento que mencionavam na imprensa
fosse justificada para defender o Rio Grande do Sul de uma provável intervenção
por parte do governo federal, era certamente um motivo de preocupação para a elite
política gaúcha. Mesmo porque, certamente havia uma razão que estava para além
do pretexto da intervenção federal: o real interesse do PCB era armar a classe
trabalhadora visando uma futura tentativa de tomada do poder, ainda que estivesse
muito longe de efetivá-lo. Portanto, se os comunistas tivessem adquirido
armamentos realmente, significaria que um partido que pregava a subversão da
ordem estava de posse de material bélico, o que seria extremamente perigoso,
principalmente, com o medo que a Revolução Russa de 1917 e o comunismo
internacional ainda inspiravam nas elites brasileiras.
4.4.3 O novo alvo dos comunistas: os soldados e sargentos do Exército e da
Brigada Militar
O perigo dos comunistas se armarem mudou de um medo por algo que
provavelmente não passava de um discurso esquerdista de um grupo de militantes,
87
Opinião Pública, Pelotas, 1º de fevereiro de 1930, p. 1. (BPP).
88
Opinião Pública, Pelotas, 19 de fevereiro de 1930, p. 1. (BPP).
189
para algo próximo de materializar-se, após incidente com soldados em um quartel do
Exército e da Brigada Militar em Porto Alegre. A resposta policial, como se observará
logo a seguir, foi extremamente dura com os militantes do BOC e do PCB.
O incidente foi o seguinte: o primeiro-tenente do Exército, Napoleão de
Alencastro Guimarães, estava de serviço no Batalhão de Caçadores, quando
ouviu o diálogo entre Santo Trevisano, “soldado de rancho da segunda companhia”
e um civil desconhecido, o qual se encontrava ao lado da janela pelo lado de fora, de
onde incitava o praça à rebelião. Dizia a Trevisano “que, num caso de guerra, ou de
desordem, ele, soldado, não deveria atirar contra os amotinados, pois que todos
eram irmãos, mas deve voltar suas armas contra os oficiais, a quem não deviam
obedecer”.
89
Logo a seguir, o soldado recebeu do indivíduo um exemplar de A
Classe Operária com a responsabilidade de entregar aos presos políticos que
houvesse no quartel.
Ao mesmo tempo, os comunistas distribuíam aos soldados da Brigada Militar
o panfleto intitulado: Pela greve dos soldados, incitando-os a aderirem ao movimento
operário e armá-lo.
“Na caserna, vivemos pior do que os operários! Rancho infame!
Soldos miseráveis! Etapas reduzidas! Obediência cega de escravos.
E em nossos lares, mulher, mãe, pai, filhos, pobres como nós, a
passarem fome. Somos homens e nos tratam como escravos! Somos
cidadãos e não podemos votar!
Como acabar com isso? Como conseguiremos os nossos direitos de
homens, de cidadãos e de proletários? […] A nossa salvação está na
união com os nossos companheiros de classe, os operários, que
nunca se esquecem de nós […] Preparemos a greve geral e
armemos os nossos companheiros de classe, os operários! Viva a
vitória da greve dos soldados! Comitê militar de reivindicações dos
soldados da Brigada Militar.”
90
O texto deste panfleto evidencia que os comunistas esperavam armar os
operários e, como não é mencionada a intervenção federal, organizar um movimento
contra a ordem, embora, saliento novamente, fosse mais um discurso esquerdista,
89
Processo de Expulsão de Marcos Piatigoski, Leon Piatigoski, Nicolau Artzvenco, Simão Brodin e
Pelayo Gil Ribas. MJNI Caixa IJJ7/172. AN-RJ. Citado por FORTES, Alexandre. Nós do quarto
distrito... Op. Cit., p. 293-294.
90
Ibidem, p. 294.
190
sem raízes lidas nas condições sociais concretas, do que propriamente um
planejamento real e em condições de promover uma ação dessa natureza. Contudo,
era uma palavra de ordem muito agressiva e trazia o descontentamento e a
preocupação da elite política gaúcha.
As notícias referentes à tentativa dos comunistas atuarem entre os soldados
do Exército e da Brigada Militar se espalharam nos meios militares e políticos do
Brasil inteiro, chegando a ser, de certa forma, um constrangimento para o governo
estadual, chefiado interinamente por Oswaldo Aranha. Aranha recebeu vários
telegramas informando sobre uma série de manifestações coletivas de indisciplina
em vários quartéis da Brigada Militar, em Porto Alegre, inclusive a Escolta
Presidencial, para reivindicar aumento de salários aos soldados, que havia sido
concedido apenas aos oficiais.
91
As respostas de Aranha procuravam negar a maioria dos acontecimentos e
diminuir a importância da indisciplina nos quartéis, que não “foram constatadas
ramificações em outras unidades da Brigada Militar, que se mantém dentro de sua
severa disciplina e conhecida lealdade aos poderes constituídos”. Atribuía a
responsabilidade do incidente a um pequeno grupo de soldados, três inferiores e
dois praças do primeiro batalhão, e havia sido verificado que mantinham “íntimo
contato com elementos comunistas chefiados por um agente russo de nome Marcus
Pietergoski (sic), vindo do Rio e que aqui organizou elementos comunistas em
combinação com outros do resto do país e do exterior”.
92
Procurava demonstrar,
também, salientando as punições que os soldados envolvidos sofreram, estar
fazendo tudo o que lhe dizia respeito para resolver o problema instalado no Exército
e na Brigada Militar.
Com um discurso cada vez mais esquerdista e essas ações tão extremadas
vindo a público, como foi a reivindicação de armas através da imprensa e a tentativa
de se inserirem entre os militares da capital, os comunistas além de facilitarem,
91
Telegrama de Antonio Carlos a Oswaldo Aranha. Belo Horizonte, 17 de fevereiro de 1930, p. 1.
Arquivo Borges de Medeiros. (IHGRGS).
92
Telegrama de Oswaldo Aranha a Washington Luis. Porto Alegre, 17 de fevereiro de 1930, p. 2-3.
Arquivo Borges de Medeiros. (IHGRGS).
191
deram motivo para a repressão policial agir sobre eles. Em outras palavras,
acabaram “cavando a própria sepultura”, porque a partir desse momento a situação
enfrentada pelos militantes do BOC e do PCB foi de uma implacável perseguição da
polícia, aa quase completa dissolução da estrutura organizativa dos comunistas
no Rio Grande do Sul, como veremos logo a seguir.
4.5 A repressão policial e o declínio dos comunistas
O surto grevista de 1929 e a intensa agitação dos trabalhadores causaram
preocupação no governo estadual de Getúlio Vargas, especialmente pela crescente
perspectiva política que o movimento vinha adotando com a constante referência à
defesa da aplicabilidade da Lei de Férias, liberdade de organização, à proteção
contra acidentes de menores e à candidatura própria do BOC para as eleições de
1930. É provável que, aos olhos dos governantes, eles estariam percebendo a perda
do controle do movimento operário, tido como um elemento de peso importante nas
contendas entre as elites do poder político gaúcho. No entanto, como Vargas havia
conseguido unificar as elites numa Frente Única Gaúcha, a classe trabalhadora
perdeu ligeiramente sua posição anterior de “fiel da balança”, surgindo a perspectiva
com isso de obter respostas mais duras por parte do governo estadual em relação
ao movimento operário, como acabou acontecendo. Segundo Loner
“[...] o surgimento de uma força política operária, disposta a participar
no processo eleitoral, disputando votos com os representantes
burgueses, rompeu os laços, frágeis e nem sempre explícitos,
entre a oposição libertadora e alguns setores do movimento operário,
desencadeando, então, uma repressão mais dura sobre os
comunistas do que a sofrida pelos anarquistas anteriormente”.
93
Contudo, apenas a participação eleitoral dos comunistas e o não-fechamento
do acordo para apoiar a Aliança Liberal, não são suficientes para explicar toda a
perseguição policial sobre os militantes do PCB. Isso porque a repressão
começou a agir de maneira sistemática em meados de fevereiro de 1930, ou seja,
após as exigências de armas e, principalmente, depois das tentativas de penetração
entre militares de Porto Alegre.
93
LONER, Beatriz Ana. Construção de classe... Op. Cit., p. 382.
192
A resposta a essas ações mais radicalizadas dos comunistas foi uma violenta
perseguição policial que conseguiu desorganizar todas as associações políticas
conduzidas pelo PCB no Rio Grande do Sul. Aliás, o próprio Partido não escapou
dessa desorganização, uma vez que todos os seus principais militantes foram
postos na cadeia e os estrangeiros, em sua maioria, expulsos do país.
A repressão sempre acompanhou os comunistas desde a fundação do PCB,
alternando momentos em que a intensidade era maior com outros em que a
perseguição arrefecia. Este revezamento está relacionado com a conjuntura política
mais geral do país ou com questões particulares de ordem regional. Quando o
Partido estava em plena legalidade, o que aconteceu apenas em dois breves
períodos até então, sua ação política era tolerada. Porém, quando era posto na
ilegalidade, como foi durante a maior parte do tempo, a violência policial recrudescia
e agia com muito vigor.
Mas também nos períodos em que o PCB esteve na ilegalidade, a intensidade
da repressão oscilava. De patamares que sempre se podem considerar bem
elevados, ela podia atingir a completa intolerância em conjunturas específicas, como
após a greve dos gráficos paulistas, sobre a qual a historiografia é praticamente
unânime ao ressaltar que atuou como um divisor de águas no movimento operário
brasileiro, desencadeando uma onda repressiva sobre a classe trabalhadora em
algumas regiões do país, como Rio de Janeiro e São Paulo.
Especificamente no Rio Grande do Sul, embora de maneira geral a repressão
tenha acompanhado os graus de intensidade do restante do país, ela obedeceu a
determinantes singulares que criaram uma situação bastante particular durante o
período de 1929 a 1930. Enquanto no restante das regiões onde havia núcleos
organizados o PCB passava a ser duramente reprimido pela polícia após a greve
dos gráficos paulistas, no Rio Grande do Sul a repressão era menos intensa e
ocasional, possibilitando que os comunistas continuassem sua atuação e, até
mesmo, ampliassem seu poder de influência sobre o movimento operário e sindical
ao longo de 1929. Todavia, quando as ações do BOC começaram a ficar radicais
demais aos olhos da elite política gaúcha, o que aconteceu no início de 1930, a
repressão policial começou a agir de maneira mais intensa.
193
Essa repressão foi desencadeada, como apontei, após o incidente no Exército
e na Brigada Militar, atingindo os militantes e ativistas do BOC e as demais
associações políticas criadas sob influência comunista em todo o Rio Grande do Sul.
Em 14 de fevereiro de 1930, a perseguição iniciou com uma invasão na sede do
BOC e da CRT onde foi apreendida volumosa documentação e vários militantes
foram presos. A alegação da polícia para esta ação foi a tentativa de infiltração entre
soldados e sargentos da Brigada Militar.
“[...] uma feliz diligência da polícia veio interromper um movimento
comunista que se procurava infiltrar no seio da Brigada Militar.
Elementos comunistas, por meio de boletins e palestras com alguns
inferiores daquela corporação, tentaram incutir, ali, as suas idéias,
mas foram descobertos em tempo, de modo que o plano abortou,
não tendo passado de uma tentativa sem importância, que atingiu
apenas seis ou oito praças daquela milícia. A essas praças, o
comando da Brigada aplicou as penas disciplinares estabelecidas
pelo respectivo regulamento. Quanto aos comunistas que
procuravam perturbar o espírito de ordem e disciplina que caracteriza
a Brigada Militar, transmitindo aos seus soldados idéias anárquicas,
a polícia efetuou a sua prisão, por meio de uma diligência que
efetuou na sede da Confederação Regional do Trabalho e do Bloco
Operário e Camponês.
94
Foram presos ao todo vinte e dois militantes, entre eles Marcos Piatigoski,
Leon Piatigoski,
95
Nicolau Artsevensco, Simão Borodini,
96
Pelayo Gil Ribas e Plínio
Mello. Do total, dez eram estrangeiros, dos quais cinco foram postos em liberdade e
o restante deportado, um para a Argentina (provavelmente Ribas) e os outros
quatro, os irmãos Piatigoski, Artsevensco e Borodini, enviados para a União
Soviética. Entre os militantes brasileiros, alguns foram soltos ou deportados para
outros estados. Marcos Piatigoski relata que estiveram presos durante cerca de
quarenta dias no Rio Grande do Sul e cerca de três meses na Casa de Detenção, no
Rio de Janeiro. Quanto à Aliança Liberal, salientava se tratar da
94
Diário de Notícias, Porto Alegre, 18 de fevereiro de 1930, p. 9.
95
O pintor estrangeiro Leon Piatigoski, de codinome “Theodoro Xavier”, era membro da Federação
da Juventude Comunista do Brasil desde 1928 e membro do Comitê Central da Juventude. Estava a
serviço do Comitê Regional do PCB. In: Carta de Marcos Piatigoski para o Secretariado Latino-
Americano da IC. Paris, 26 de julho de 1930. (RGASPI).
96
Simão Borodini, comerciário, pertencia ao PCB desde o final de 1929 e membro de um comitê
ilegal local. In: Carta de Marcos Piatigoski para o Secretariado Latino-Americano da IC. Paris, 26 de
julho de 1930. (RGASPI).
194
“[...] fração pretensamente democrática da grande burguesia agrária
e industrial do Brasil, vendida ao imperialismo americano, em luta
com a grande burguesia conservadora, lacaia do imperialismo inglês,
em torno da sucessão presidencial – usou conosco das maiores
atrocidades. Sofremos as maiores humilhações, o novo sistema de
inquisição, por meio de fome, espancamentos e torturas de toda a
ordem, foi posto em prática conosco”.
97
Alguns dias depois da invasão da sede do BOC e da CRT, o núcleo pelotense
do Comitê dos Operários e Camponeses de Luta Contra a Intervenção Federal e o
Separatismo organizou um comício, que também deveria ser promovido nas
principais cidades do estado, ao mesmo tempo do ato de encerramento do I
Congresso do Comitê, em Porto Alegre.
98
A polícia enviou um forte aparato aos
arredores de onde aconteceria o meeting (em frente à sede da Federação Geral do
Trabalho de Pelotas), o que intimidou os participantes, sobretudo porque em outra
atividade do Comitê já havia tido um exemplo de violência policial em Pelotas, como
vimos anteriormente. Ainda assim, o evento foi realizado.
99
Mas o principal, que
deveria ocorrer em Porto Alegre, provavelmente tenha sido cancelado em função
dos problemas advindos com a invasão da sede do BOC e da prisão dos vários
militantes.
A edição do jornal Diário de Notícias do dia 21 noticia a prisão de quatro
comunistas em São Leopoldo. A chefatura da polícia na capital recebera um
telegrama de Sapiranga, informando que havia passado um caminhão conduzindo
diversas pessoas e quando os soldados se aproximaram, todos abandonaram o
veículo e tentaram fugir, mas foram presos pelo delegado da cidade. Todos os
militantes detidos foram remetidos para Porto Alegre e recolhidos à Casa de
Correção. Eram eles David Lima, Leon Piatigoski, Salomão Schuater e Luiz Corrêa.
Um quinto indivíduo preso conseguiu fugir sem ser identificado.
100
A onda repressiva que vitimava os comunistas não dava trégua. No de
Maio de 1930, ocorreu mais uma série de prisões, embora seja desconhecida a
situação em que aconteceu. Os militantes presos foram: Mário Grazzini, João
97
Carta de Marcos Piatigoski para o Secretariado Latino-Americano da IC. Paris, 26 de julho de 1930.
(RGASPI).
98
Opinião Pública, Pelotas, 19 de fevereiro de 1930, p. 1. (BPP).
99
Opinião Pública, Pelotas, 21 de fevereiro de 1930, p. 1. (BPP).
100
Diário de Notícias, Porto Alegre, 21 de fevereiro de 1930, p. 6.
195
Kovolsky,
101
Antonio Nalepinsky, Diogo Robles, Ary Cardoso, Manoel Pereira e
Jacob Koutzii.
102
A presença de Mário Grazzini em Porto Alegre na ocasião é um
indício de que algo havia sido preparado para o dia, mesmo que de pequenas
dimensões, para a data não passar sem nenhuma atividade, mas não foram
encontradas notícias alusivas a comemorações do BOC ou da CRT.
O “tiro de misericórdia” foi dado sobre os comunistas no dia 29 de maio,
quando as últimas prisões de militantes foram efetuadas pela polícia nessa
conjuntura, Salomão Cohen,
103
Pelayo Gil Ribas (que havia sido preso neste
mesmo ano) e Pedro Santos
104
foram recolhidos à Casa de Detenção de Porto
Alegre.
105
Como era usual, grande parte dos militantes presos eram expulsos do Rio
Grande do Sul. Caso fossem estrangeiros o destino mais provável era o exterior; em
se tratando de brasileiros muitos eram enviados para outros estados, conforme
demonstrava o relato de Marcos Piatigoski.
A partir da instalação dessa violenta onda de repressão policial no Rio Grande
do Sul iniciada em fevereiro de 1930, a atuação dos comunistas em todo o estado
sofre um recuo acentuado, evidentemente. A visibilidade das ações do BOC e de
todas as associações conduzidas pelo PCB diminui ao ponto de praticamente
desaparecer do noticiário da imprensa gaúcha. As únicas referências que persistem
101
João Kovolsky nasceu na Rússia, aproximadamente em 1890. Era filho de Misceslau Zeclinsky
Kovolsky e Maria Kovolsky. In: Matrícula de detentos à Casa de Correção de Porto Alegre. Porto
Alegre, (set/1926 a mar/1928), p. 56. Fundo da polícia, prontuário 304. (AHRS).
102
Matrícula de detentos à Casa de Correção de Porto Alegre. Porto Alegre, (set/1926 a mar/1928),
pp. 56-57. Fundo da Polícia, prontuário 304. (AHRS). É possível que alguns dos nomes destacados
não sejam militantes comunistas (João Kovolsky, Antonio Nalepinsky e Ary Cardoso), que nunca
foram mencionados antes em nenhuma atividade ou documento do Partido. Contudo, acredito que
todos eram militantes devido ao fato da prisão ocorrer justamente numa data tão importante para o
movimento operário e a justificava para a detenção não ser informada, da mesma forma como foi feito
com os comunistas conhecidos. Também esses quatro indivíduos poderiam ser anarquistas, pois
Antonio Nalepinsky havia sido militante libertário alguns anos antes, embora tenha circulado por
diversas vezes em associações e atividades conduzidas por comunistas.
103
O comerciário Salomão Cohen era grego, trinta e quatro anos, era filho de Jacob Cohen e Elisa
Cohen. In: Matrícula de detentos à Casa de Correção de Porto Alegre. Porto Alegre, (set/1926 a
mar/1928), p. 62. Fundo da Polícia, prontuário 304. (AHRS).
104
Nascido no Rio de Janeiro, o comerciário Pedro Santos tinha trinta e um anos, era filho de
Antonio Joaquim dos Santos e Laurentina Oltilia dos Santos. In: Matrícula de detentos à Casa de
Correção de Porto Alegre. Porto Alegre, (set/1926 a mar/1928), p. 62. Fundo da polícia, prontuário
304. (AHRS).
105
Também neste caso não se sabe maiores detalhes sobre como foram efetuadas as detenções.
Afora Ribas, importante militante do BOC e da CRT, não podemos afirmar com total certeza se eram
realmente militantes comunistas. Matrícula de detentos à Casa de Correção de Porto Alegre. p. 62.
Fundo da Polícia (AHRS).
196
sobre os comunistas são da repressão policial aos núcleos ainda existentes na
capital e no interior. É provável que a ausência de notícias sobre a atuação do
Partido seja, também, devido a uma censura imposta à imprensa pelo governo
estadual ou pela própria polícia, para, pelo silêncio, acabar com qualquer resquício
do comunismo no estado. Mas, por outro lado, também evidencia que a repressão
desarticulou a estrutura organizativa comunista gaúcha, uma vez que seus principais
líderes foram presos ou deportados.
Os relatos de violência policial a núcleos comunistas adentram ao ano de
1930 e chegam pelo menos até 1932,
106
quando a repressão começou a dar
mostras de arrefecimento. A maior partes dessas ações ocorrem no interior, em
cidades com pequena ou sem nenhuma tradição de atividade comunista, e
provavelmente não deviam ter relação com o PCB.
Com os seus principais militantes sendo presos e expulsos do Rio Grande do
Sul, a situação do PCB no estado ficou muito precária. O restante da militância se
amedrontou, muitos abandonaram Porto Alegre e os que ficaram não tiveram
coragem de enfrentar a sanha da polícia. Inclusive, nas eleições presidenciais de
março de 1930, alguns militantes lançaram um boletim pregando a abstenção
eleitoral dos trabalhadores. Obviamente, este boletim não deve ter sido o
responsável pelos dez votos que Plínio Mello, candidato a deputado pelo estado,
obteve na votação, quando a expectativa do Partido era de conseguir entre dez a
quinze mil votos só na região de Porto Alegre.
107
Pelayo Gil Ribas, que estava em Montevidéu, em junho de 1930 relata a
situação do PCB no Rio Grande do Sul a partir das notícias que recebia de alguns
militantes que ainda não haviam saído da região. Segundo ele, as melhores
informações provinham de Pelotas: “Recebi uma carta do C. [Comitê] de Z. [Zona]
de Pelotas, onde dão as melhores notícias do entusiasmo da massa, mas os
106
Sobre a repressão nesse período ver: KONRAD, Diorge Alceno. O fantasma do medo: o Rio
Grande do Sul, a repressão policial e os movimentos sócio-políticos (1930-1937). Campinas:
Unicamp, 2004. (Tese de doutorado em História).
107
Pablo Osório [Plínio Gomes de Mello]. La situación en el Rio Grande do Sul y la actuación del
P.C.B. en esa región. Buenos Aires, maio 1930, p. 6. (ASMOB).
197
organismos do partido estão funcionando com grandes dificuldades”.
108
No restante
do interior do estado a situação era completamente obscura e não se sabia
absolutamente nada. Com relação a Porto Alegre
“[...] oficialmente nada tem dito, somente tenho recebido noticias
particulares, e as quais dizem que estão expulsando a todo mundo,
assim que parece que só reúnem para expulsar aos companheiros, e
nada tratarem do partido nem dos Sindicatos, visto não funcionarem
nenhum deles, nem o C. [Comitê] das Mulheres Trabalhadoras, desta
forma parece que estão trabalhando ao sistema de Grimberg”.
109
Também, militantes que haviam feito trabalhos importantes, como Luiz
Gonzaga Madureira, agora não realizavam mais nada. Além disso, encontravam-se
isolados dos outros organismos do Partido, inclusive do Comitê Central, o que
complicava a reestruturação organizativa dos comunistas.
110
A situação do comando nacional do PCB também atravessava problemas
nesta época. Astrogildo Pereira vai a Moscou em 1929 reunir-se com a IC e quando
retornou ao Brasil, em 1930, trouxe na bagagem as pesadas críticas sobre os
“equívocos” do Partido. Uma delas fez com que o PCB ficasse pelo menos até 1933
no mais completo ostracismo político: a necessidade de “proletarizar” sua direção, o
que fazia parte da concepção do "terceiro período", que desde a realização do X
Pleno da Comissão Executiva da IC estava sendo aplicada de modo mais rígido.
Em fevereiro de 1930 a IC elaborou uma resolução sobre a situação
brasileira,
111
constatando a proximidade de um amadurecimento revolucionário, fruto
do acirramento da disputa entre os imperialismos do EUA e da Inglaterra. Por meio
do documento, o BOC
foi duramente criticado, assim como Octávio Brandão
acusado de uma visão menchevista, antileniniana e antimarxista. Além disso, o
documento propunha a instauração de uma república operária e camponesa com
base nos sovietes.
112
108
Carta de Pelayo Gil Ribas ao Comitê Central do PCB. Montevidéu, 27 de junho de 1930.
(ASMOB).
109
Ibidem.
110
Ibidem.
111
Resolução da Internacional Comunista sobre a questão brasileira. Secretariado político da IC.
Moscou, fevereiro de 1930. Apud A Classe Operária, Rio de Janeiro, 17 de abril de 1930, p. 3.
112
ANTUNES, Ricardo. Os Comunistas no Brasil... Op. Cit., p. 33-34.
198
Ricardo Antunes enfatiza que o resultado dessa resolução foi o afastamento
de uma possível aliança com o movimento tenentista, liderado por Prestes e a não
participação do Partido na “Revolução de 1930”. Naquele momento, ainda estavam
indefinidos quais seriam os resultados dessa disputa. O processo golpista que depôs
Washington Luís foi extremamente complexo, com muitos projetos disputando a
direção dos acontecimentos. Portanto, caso os comunistas tivessem participado do
golpe, eles poderiam ter influenciado o episódio em direção a um final diferente.
113
A
visão simplificada do conflito entre os imperialismos americano e inglês, não dava
conta do que estava em jogo no processo político nacional e do papel que o PCB
poderia exercer naquela situação.
Em suma, a direção nacional do PCB estava imersa em um autofágico
processo de divisão interna, que trouxe, por conseqüência, reflexos negativos para
os comunistas no Rio Grande do Sul. Especialmente por ser um partido com uma
estrutura organizativa extremamente centralizada, cujas orientações emanadas do
Comitê Central deveriam ser aplicadas com rigor pelo conjunto da militância (embora
saibamos que nem sempre foi assim), quando havia um problema na cúpula
partidária, logicamente, toda a estrutura ficava comprometida. Sabe-se, conforme
afirmado antes, que a “proletarização” começou a chegar ao estado por meio de
Marcos Piatigoski, no entanto, há poucas evidências sobre como foi o impacto dessa
linha política entre os membros do Partido e os relatos de Pelayo Gil Ribas ajudam a
iluminar a questão.
Ribas menciona ter se afastado do PCB aproximadamente no início de 1930,
“devido à diretriz que ultimamente imprimiram a esse partido” e que reprovava os
“excessos de alguns companheiros durante as referidas manifestações”.
114
Provavelmente, os excessos a que Ribas se refere fossem o tom esquerdista que o
discurso comunista adquiriu após a chegada de Marcos Piatigoski ao Rio Grande do
Sul. Assim como ele, é possível que outros ativistas o tenham acompanhado nesse
distanciamento da organização. O relato de Pelayo Gil evidencia o impacto negativo
113
Cf. Ibidem. Ver também: ANTUNES, Ricardo. Classe operária... Op. Cit. e DE DECCA. Edgar. O
silêncio dos vencidos... Op. Cit.
114
FORTES, Alexandre. Nós do quarto distrito... Op. Cit., p. 299.
199
no PCB gaúcho da nova rota política proveniente das mais recentes orientações da
IC.
Em relação às expulsões em massa do PCB a que Ribas se referiu, são
posturas esquerdistas do grupo de membros que permaneceu em Porto Alegre no
comando do Partido, que evidenciam os ecos da linha política da “proletarização”.
Pelayo em sua comunicação com o Comitê Central observa que “Merino me
escreveu contando uma série de coisas, assim que seria bom que os companheiros
daí, escrevessem dando instruções pois do contrário eles farão igual que
[Salomão] Grinberb” (sic),
115
antigo dirigente estadual e conhecido por adotar
posturas sectárias. Ou seja, após a repressão desarticular a estrutura partidária e a
“proletarização” chegar ao estado, a postura do Comitê Regional ao expulsar todo
mundo, atribuindo-a a uma ação típica do antigo dirigente, revelava que com a rota
política implementada, militantes mais “rudes” assumiram a direção do Partido em
Porto Alegre e protagonizaram essas ações sectárias.
O estado de letargia em que mergulhou, logo após a onda de repressão
policial, acentuada pela linha política da “proletarização” foi de tal magnitude, que os
comunistas não conseguiram tirar proveito da conjuntura de mobilização da classe
trabalhadora, na efervescência política do ano de 1930 em torno da proposta da
Aliança Liberal e do movimento golpista de outubro. Os trabalhadores (que em sua
grande maioria apoiavam Getúlio), conforme salienta Eloy Martins,
116
depositavam
muitas esperanças nos itens referentes à legislação social que compunham o
programa aliancista e estavam em permanente estado de agitação no Rio Grande
do Sul.
O vácuo político deixado pelos comunistas em pouco tempo foi ocupado pelos
socialistas, que, após um longo período em que praticamente desapareceram,
ressurgiram com uma nova proposta de organização operária: o Partido Operário
Nacional (PON).
117
A criação do PON em Porto Alegre aconteceu em fevereiro de
115
Carta de Pelayo Gil Ribas ao Comitê Central do PCB. Montevidéu, 27 de junho de 1930.
(ASMOB).
116
MARTINS, Eloy. Um depoimento político... Op. Cit., p. 35.
117
SCHMIDT, Benito Bisso. Em busca da terra da promissão... Op. Cit., p. 386-387. PETERSEN,
Silvia. Da ação direta... Op. Cit., 105.
200
1930,
118
paralelamente à perseguição e desestruturação do Partido Comunista do
Brasil pela polícia, acabou preenchendo o lugar do BOC como principal referência
no noticiário operário gaúcho.
Os fundadores desse partido são Reynésio Barbosa (presidente), Nicolau B.
Muniz (secretário), Dorival Azevedo, João Latuada, Manoel Cabral e Carlos
Cavaco.
119
No de maio é lançado o jornal O Povo, trazendo um manifesto do
PON, o qual entre várias questões enfatizava o cumprimento das leis sobre
acidentes de trabalho e de férias.
120
Entretanto, como não era objetivo da pesquisa,
o percurso do PON não foi acompanhado com detalhes. Contudo, parecia estar
conseguindo obter muitos membros na capital e no interior.
Quanto ao Partido Comunista do Brasil, somente por volta de 1933 começou a
se reorganizar de novo no Rio Grande do Sul, reiniciando a sua vida sindical em
Pelotas e Rio Grande. Porém, este é um assunto que ultrapassa os limites deste
trabalho.
118
Correio do Povo, Porto Alegre, 16 de fevereiro de 1930, p. 5.
119
Não obtive informações sobre a maior parte destes militantes, sobre Carlos Cavaco ver.
SCHMIDT, Benito Bisso. Em busca da terra da promissão... Op. Cit.
120
O Povo, Porto Alegre, 1º de maio de 1930, p. 1-2. (NPH).
CONCLUSÃO
Ao examinar o percurso do Partido Comunista do Brasil no Rio Grande do Sul,
sobretudo em Porto Alegre e Pelotas, nos momentos finais da Primeira República, o
objetivo central da dissertação foi verificar a repercussão da ação política do Partido
nas condições sociais concretas do movimento operário e sindical. Para atingi-lo,
analisei como o PCB buscou e quais instrumentos utilizou para se inserir e mobilizar
os trabalhadores gaúchos com o objetivo de impor seu projeto político de subversão
da ordem social capitalista, a razão de existência dos comunistas.
No período subseqüente à sua organização no Rio Grande do Sul, o PCB
enfrentou problemas em sua estruturação partidária. Assim, até meados de 1928, os
comunistas não conseguiram ser muito mais do que um pequeno grupo de
propaganda e de discussão intelectual com uma ínfima atuação entre os
trabalhadores. Portanto, inicialmente os comunistas não conseguiram obter um
crescimento mais lido de sua influência no meio operário e a repercussão de sua
ação política foi muito pequena durante a maior parte dos anos vinte.
De maneira geral, como a dissertação procurou demonstrar, o PCB no Rio
Grande do Sul privilegiou ao longo do período estudado a organização de diversas
associações para exercer sua ação política na classe trabalhadora, especialmente a
partir de 1929, momento em que houve uma profusão desses organismos em
algumas cidades do estado. Mediante a atuação dessas entidades, foi possível
constatar que a intervenção política dos comunistas no movimento operário e
sindical gaúcho priorizava desenvolver ações que colocavam a classe trabalhadora
e as instituições pelas quais esta se organizava em mobilização. Portanto, atividades
como passeatas, comícios e atos públicos eram constantemente realizadas sob a
condução do BOC, da CRT ou das “organizações auxiliares” criadas pelo Partido.
Todavia, as ações que almejavam uma inserção com um enraizamento mais
profundo na classe trabalhadora não eram tão praticadas quanto às de mobilização.
202
Mesmo nos momentos em que havia uma preocupação neste sentido, como na
defesa da aplicação da legislação social. Elas eram sempre direcionadas para
organizar atividades públicas com grande número de participantes, ocasionando um
descompasso entre capacidade de mobilizar, que em algumas oportunidades
demonstrou ser considerável para as condições da época, e sua vinculação mais
efetiva na classe trabalhadora. Ou seja, o PCB conseguiu mobilizar os trabalhadores
em várias atividades, porém o engajamento político e ideológico destes era muito
tênue, variando conforme a conjuntura mais geral e ao menor sinal de adversidade
retraíam-se à vida privada. Por conseqüência, a base dos comunistas no movimento
operário e sindical se mostrou frágil à medida que a perseguição policial ia se
intensificando.
* * * * * * * * * * * * * *
Um dos principais eixos de abordagem deste trabalho foi, por meio da análise
da atuação do Partido Comunista do Brasil em sua relação com o movimento
operário e sindical, circunscrita a uma unidade da federação, verificar singularidades
de ordem regional que tornassem única, de certa forma, a experiência comunista no
Rio Grande do Sul, sobretudo em relação ao Rio de Janeiro onde ficava localizada a
cúpula partidária e a certo ponto servia de parâmetro para o desempenho dos
comitês estaduais.
Nesse sentido, uma questão importante se refere à atuação do Bloco Operário
e Camponês gaúcho e as chamadas “organizações auxiliares”, as associações
criadas para atuar em frentes específicas indicadas pelas diretrizes partidárias,
como no caso da feminina e da juventude trabalhadora. No Rio Grande do Sul houve
certa originalidade na criação desses organismos, pois o número de frentes e
associações em que os comunistas atuaram foi maior do que as designadas
anteriormente e a maioria não estava prevista nas resoluções do Partido. O caso
mais emblemático nesse sentido é o do Comitê de Operários e Camponeses de Luta
Contra a Intervenção Federal e o Separatismo, que criou núcleos em algumas
cidades do estado e que teve uma atuação destacada na ação política comunista,
sendo dos principais executores da radicalização do discurso dos membros do PCB.
A originalidade dessas associações estava ligada às escolhas políticas operadas
203
pelos militantes, que no vislumbre do potencial de mobilização que algumas
questões conjunturais poderiam ensejar nos trabalhadores, formavam tais
associações.
Ainda em relação às singularidades da atuação dos comunistas no Rio
Grande do Sul, um outro ponto refere-se à crescente repercussão de sua ação
política, intensificada significativamente a partir de meados de 1929. Enquanto no
Rio de Janeiro o BOC começou a declinar após a greve dos gráficos paulistas em
decorrência da repressão policial advinda por conta da dimensão obtida pelo
movimento, o qual foi de certa forma um “divisor de águas” no movimento operário,
no Rio Grande do Sul a repressão agia com uma intensidade bem menor e de modo
mais pontual. Assim, o BOC não só não recuava como crescia cada vez mais.
A vida mais longa do comunismo no estado, a que me referi no parágrafo
anterior, se assemelha com o que acontecera com o anarquismo alguns anos antes,
o qual também demonstrou um lego maior que no restante do país. Conforme,
procurei demonstrar, a incidência da violência policial no Rio Grande do Sul sobre as
organizações do movimento operário e sindical era em menor escala e com menos
intensidade em comparação a outras regiões, fazendo com que, primeiramente os
anarquistas, depois os comunistas tivessem um período de desenvolvimento com
mais longevidade que em outros estados.
Em relação aos comunistas, a menor violência policial ocorria por uma maior
tolerância da elite política gaúcha em virtude do interesse no voto dos trabalhadores,
tido como importante para ajudar a definir as contendas eleitorais entre republicanos
e libertadores. Com a criação da Aliança Liberal e a união entre o Partido
Republicano Rio-grandense e o Partido Libertador em torno de Getúlio Vargas como
candidato à presidência da República, o equilíbrio dessa balança foi alterado. A
partir disso, a disputa foi estabilizada e, como conseqüência, a forma como os
comunistas eram vistos pelo governo estadual também mudou, com isso eles
tornaram-se elementos incômodos na política gaúcha. Assim, desapareceu a
tolerância inicial com a atuação do PCB e com todos os organismos sob sua
influência que resultara em um maior lego dos comunistas no Rio Grande do Sul
do que em outros estados.
204
Todas essas questões que levantei, demonstram a importância dos estudos
que abordam um objeto de pesquisa circunscrito especialmente a um estado ou
localidade do país, pois desse modo a história do movimento operário e do PCB
pode ficar mais representativa à medida que incorpora suas ações regionais.
* * * * * * * * * * * * * *
Nessas considerações finais gostaria agora de retomar de maneira pontual e
de acordo com a seqüência em que foram apresentados os objetivos da pesquisa,
enunciados na Introdução do presente trabalho.
A história do PCB no Rio Grande do Sul apresenta um certo paradoxo:
embora militantes oriundos do estado tenham desempenhado um papel importante
na fundação do Partido, os comunistas não obtiveram aqui um crescimento
satisfatório e não é sem motivo que apenas em 1927 o PCB conseguiu se organizar
efetivamente.
Além da ilegalidade, que é uma razão óbvia nesse sentido, um outro fator
impediu que o PCB obtivesse um crescimento mais expressivo da repercussão de
sua ação política nas organizações da classe trabalhadora e do número de seus
membros, principalmente até 1928: a presença dos anarquistas.
Ainda que estivessem vivenciando um lento recuo no movimento operário e
sindical gaúcho, os anarquistas entre 1927 e 1928 ainda exerciam um peso
considerável nas organizações da classe trabalhadora. Essa influência era ainda
mais expressiva em algumas cidades do interior que na capital, onde o recuo
anarquista se apresentava mais acentuado, permitindo que os comunistas tivessem
um espaço de desenvolvimento um pouco maior em Porto Alegre e com isso se
consolidarem primeiro na capital.
Era tão presente a tradição libertária, que ela trouxe conseqüências para a
própria atuação do PCB entre os trabalhadores, que se traduzia na utilização, por
parte dos comunistas, de algumas práticas semelhantes às anarquistas,
especialmente no que se refere à importância dada às questões doutrinárias,
205
embora o seja possível precisar as razões dos membros do Partido ao praticar
essas ações. Os anarquistas não estavam sendo vistos como os principais
adversários na disputa pela hegemonia sobre o movimento operário e sindical
gaúcho, por isso não houve uma ruptura mais contundente na intervenção política
comunista entre os trabalhadores com relação à tradição anarquista.
Sobre a dificuldade de crescimento do PCB, há ainda um outro elemento a ser
destacado: as divergências entre os próprios membros do Partido. As principais, se
referiam à forma como estava sendo conduzida a rota política comunista no Rio
Grande do Sul pelo Comitê Regional (seu principal dirigente chegou a ser acusado
de sectário por um outro membro), o que enfraquecia toda a estrutura partidária no
estado e em virtude desse problema o Bloco Operário e Camponês não conseguiu
obter um desempenho satisfatório no ano em que foi lançado. Em relação ao BOC,
também havia divergências, as quais giravam em torno de sua perspectiva eleitoral,
assunto esse que não era uma questão plenamente resolvida no movimento
comunista internacional e produzia debates extremamente acirrados sobre a
validade da participação no parlamento burguês. Por isso ao invés de se priorizar a
organização do BOC, que demonstrara no Rio de Janeiro ser promissor para o
Partido, um outro organismo obteve esse destaque: a Liga Pró-México
Antiimperialista.
Alguns dos problemas que o PCB enfrentava no Rio Grande do Sul
começaram a ser amenizados apenas em julho de 1928, quando a Comissão
Central Executiva interveio e mudou os integrantes do Comitê Regional do PCB e do
BOC. Com essa reorganização na cúpula dirigente comunista estadual, ocorreu uma
nítida reorientação em sua ação política, produzindo de imediato alguns efeitos
positivos: o aumento do número de membros e a diminuição sensível das
divergências internas.
Após essa reorganização, o PCB começou a por em prática um plano de ação
para controlar mais sindicatos, o qual impulsionou a atuação do Partido no estado,
consolidando-o como uma das mais importantes forças políticas operárias, ao
mesmo tempo em que toda uma nova geração de militantes passou a integrar as
fileiras comunistas no Rio Grande do Sul.
206
Mas antes de tratar da ascensão comunista no movimento sindical, gostaria
de abordar outra conseqüência da mudança no Comitê Regional do BOC e do PCB:
uma delimitação mais contundente das diferenças que os separavam dos
anarquistas. A semelhança com algumas ações dos libertários foi diminuindo e o
discurso do Partido começou a criticar mais enfaticamente a antiga tradição sindical
da ação direta, ou seja, os comunistas passaram a ver os anarquistas como reais
adversários na luta pela hegemonia sobre o movimento operário e sindical e ao
mesmo tempo em que tentavam consolidar essa visão entre trabalhadores sob sua
influência.
Em relação à consolidação dos comunistas no terreno sindical, verificamos
que ela começou a acontecer no início de 1929 com a elaboração de um plano de
inserção nos sindicatos gaúchos, que previa uma ofensiva nas entidades, não da
capital, mas também do interior. Para isso, era necessário criar uma Confederação
Regional do Trabalho e suas congêneres locais, além da fundação e reorganização
de sindicatos à base de indústria ou de empresa. O plano também preconizava uma
ofensiva com caráter político mais acentuado, com a expansão do BOC. Para
colocar em prática esse planejamento foram enviados ao estado pela Comissão
Central Executiva dois militantes, Plínio Mello e Hersch Schechter, cada qual com
uma missão diferente: o primeiro seria responsável pela direção do BOC e o outro
pela criação da CRT.
A presença destes dois militantes oxigenou o Comitê Regional do PCB e do
BOC contribuindo para solidificar a organização comunista estadual. A partir do
momento da chegada de ambos, a repercussão da ação política do Partido na
classe trabalhadora obteve um crescimento expressivo no movimento sindical, com
a criação e reorganização de vários sindicatos, na capital e no interior, e no campo
político, com a consolidação do BOC e com a criação das várias associações
“auxiliares” do Partido, ascenso não presenciado até então.
O crescimento da repercussão da ação política dos comunistas no meio
operário em 1929, como vimos, foi favorecido pela conjuntura de carestia, pela falta
de aplicação da legislação trabalhista e a retirada dos anarquistas do campo
sindical.
207
Em 1929, o alto preço dos produtos de primeira necessidade, como carne,
leite e pão, encareciam ainda mais seu elevado custo de vida e somando-se a
isso a não aplicação das leis sociais recém-aprovadas pelo governo federal, como a
Lei de Férias, fazia com que o cenário fosse explosivo e portanto propício para a
deflagração de muitas greves, como de fato aconteceu. Um contexto como esse de
efervescência por parte dos trabalhadores tornava o terreno rtil para a ação
política dos comunistas, os quais cobravam melhores condições de vida e trabalho,
a implementação efetiva da legislação trabalhista e de maneira geral procuravam
apoiar os movimentos de reivindicação dos trabalhadores, mesmo porque isso
combinava com as atividades de mobilização operária que o Partido vinha
implementando e que foi acentuada nesse momento.
Além do cenário político e econômico mais geral favorável aos comunistas,
estes estavam atuando cada vez mais sozinhos no terreno sindical em virtude do
abandono do sindicalismo pelos anarquistas, já que os sindicatos não estavam
atendendo às suas expectativas conforme avaliavam alguns dos principais líderes
libertários. Com isso, o campo ficou praticamente livre para a intervenção dos
comunistas, os quais então conseguiram obter o predomínio do movimento sindical
gaúcho.
No entanto, com o crescimento da repercussão da atuação dos comunistas na
dinâmica do movimento operário e sindical este panorama mudou. A intensificação
da perspectiva política dessas ações, ao reivindicar a aplicação efetiva de direitos
sociais e melhores condições de vida e trabalho para a classe trabalhadora, lançar
candidatos próprios à eleição de 1930, disputar espaço tradicionalmente ocupado
por inteiro pela elite política gaúcha, e negar apoio à Aliança Liberal de Getúlio
Vargas, despertou nesta mesma elite uma preocupação muito grande. Os
comunistas dessa forma estavam penetrando em uma esfera praticamente intocada
por forças políticas operárias, o que traria graves conseqüências para os membros
do PCB.
A preocupação da elite política gaúcha com os comunistas aumentou ainda
mais após o discurso e as ações comandadas pelo PCB sofrerem um influxo à
esquerda no final de 1929, intensificado a partir de janeiro do ano seguinte. Uma
208
nova rota política foi implantada no Comitê Regional sob influência das diretrizes
emanadas pelos organismos do movimento comunista internacional as quais
vislumbravam uma conjuntura propensa a uma nova onda revolucionária mundial,
por isso os partidos comunistas deveriam radicalizar seu discurso e suas ações
vislumbrando participar desse movimento.
O resultado no Brasil da política do “terceiro período” e da chamada
“proletarização” foi catastrófico. No Rio Grande do Sul, em particular, como vimos,
os ecos dessa linha política esquerdista foram sentidos no caráter extremado que o
tom do discurso comunista passou a emitir, com referências explícitas em plena
imprensa à posse de armas pelos operários e de uma tentativa de penetração entre
militares do Exército e da Brigada Militar em Porto Alegre. Além disso, procurou-se
intensificar a agitação operária de modo que a classe trabalhadora ficasse sob um
estado de mobilização extrema.
Isso fez com que a tolerância da elite política gaúcha com os comunistas
terminasse e, por conseqüência, uma violenta perseguição policial atingiu os
membros do PCB. A repressão conseguiu desarticular toda a estrutura organizativa
do Partido: vários militantes foram presos, enviados para fora do estado ou do país e
muitos sofreram agressões físicas. O restante dos membros do Partido se
amedrontou com a violência da polícia e se retraíram à vida privada. Depois de tudo
isso, o PCB, o BOC e todas as associações comunistas desapareceram, deixando o
campo aberto para investidas de outras forças operárias, espaço aproveitado pelos
socialistas, reagrupados em torno do Partido Operário Nacional.
A perseguição e a violência policial romperam a não muito sólida relação do
PCB com o movimento operário e sindical gaúcho, logo a repercussão da ação
política dos comunistas na classe trabalhadora desapareceu por alguns anos. A
relativa facilidade com que a repressão conseguiu desorganizar o PCB e
principalmente cortar sua relação com os trabalhadores, demonstra o frágil vínculo
existente destes com os comunistas, pois embora tenham promovido movimentos
com grande participação e repercussão, ao mesmo tempo não eram mobilizações
com laços sólidos com a classe trabalhadora.
209
Pelo que procurei retomar nestas considerações finais, fica visível que esses
poucos anos foram fundamentais para a consolidação da organização do PCB no
Rio Grande do Sul e para o crescimento de sua proposta entre os trabalhadores, em
que pese os limites da pesquisa, a qual no futuro pretendo dar continuidade sob
novos parâmetros. Ainda que a repressão do início de 1930 tenha interrompido o
crescimento do PCB e cortado as relações deste com o movimento operário e
sindical, alguns anos depois as organizações operárias veriam novamente a ação
política comunista repercutir, mas isto ultrapassa os limites deste trabalho.
FONTES DA PESQUISA
a) ARQUIVOS PESQUISADOS
AHMJSA – Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami (Caxias do Sul/RS)
AHPA – Arquivo Histórico de Porto Alegre “Moysés Velhinho”
AHR – Arquivo Histórico Regional – UPF (Passo Fundo/RS)
AHRS – Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul (Porto Alegre/RS)
AJCV Arquivo do Jornal Correio do Povo (Porto Alegre/RS)
APERS Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul (Porto Alegre/RS)
APJBM – Arquivo Particular de João Batista Marçal (Viamão/RS)
ASMOB Archivo Storico del Movemento Operaio Brasiliano CEDEM - Centro de
Documentação e Memória – Unesp (São Paulo/SP)
BPP – Biblioteca Pública Pelotense (Pelotas/RS)
Brazilian Government Document Digitization - Project Provincial Presidential
Reports (1830-1930). Sítio construído e mantido pela Universidade de Chicago/EUA.
Disponível em. <http://www.crl.edu/content/provopen.htm> (Acesso em 24 de abril
de 2004)
BRG – Biblioteca Rio-Grandense (Rio Grande/RS)
CDHHPN - Centro de Documentação Histórica Hugo Pereira das Neves FURG
(Rio Grande/RS)
IHGRGS – Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul (Porto Alegre/RS)
MCSHJC – Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa (Porto Alegre/RS)
NPH – Núcleo de Pesquisa Histórica – UFRGS (Porto Alegre/RS)
Programa de História Oral do CPDOC. Sítio construído e mantido pelo Centro de
Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil – Fundação Getulio
Vargas (Rio de Janeiro/RJ). Disponível em. <http://www.cpdoc.fgv.br/comum/htm>
(Acesso em 19 de novembro de 2005)
RGASPI - Rossiiskii Gosudarstvennii Arkhiv Sotsialnoi i Politicheskoi Issledovanii
(Arquivo do Estado Russo de História Social e Política) - CEDEM - Centro de
Documentação e Memória – Unesp (São Paulo/SP)
b) JORNAIS
Caxias, Caxias do Sul – RS (1930) – AHMJSA
A Classe Operária, Rio de Janeiro - RJ (1928-1930) - ASMOB/CEDEM
211
Correio do Povo, Porto Alegre - RS (1927-1930) AHPA; AJCP; MCSHJC;
NPH/UFRGS
Correio Mercantil, Pelotas - RS (1929-1930) - BPP
Diário de Notícias, Porto Alegre - RS (1927-1930) – AHPA; MCSHJC
Diário Popular, Pelotas - RS (1929-1930) - BPP
Echo do Sul, Rio Grande - RS (1928-1930) - BRG
A Federação, Porto Alegre - RS (1930) - BPP
Folha de Discussão, Rio de Janeiro - RJ (1930) - ASMOB/CEDEM
O Liberal, Jaguarão - RS (1929) - IHGRGS
O Libertador, Pelotas - RS (1928-1930) - BPP
A Lucta, Rio Grande - RS (1928-1930) - BRG
A Luta, Porto Alegre - RS (1927-1928) - NPH/UFRGS
Martelo e Foice – Hammer und Sichel, Porto Alegre – RS (1924) – ASMOB/CEDEM
O Nacional, Passo Fundo - RS (1928-1930) – AHR/UPF
Opinião Pública, Pelotas - RS (1927-1930) - BPP
O Popular, Caxias do Sul - RS (1930) – IHGRGS
O Povo, Porto Alegre - RS (1930) – NPH/UFRGS
O Republicano, Santana do Livramento - RS (1929) - IHGRGS
Rio Grande, Rio Grande - RS (1928-1930) - BRG
O Sindicalista, Porto Alegre - RS (1926-1927) – NPH/UFRGS
O Tempo, Rio Grande - RS (1928-1930) - BRG
O Viamonense, Viamão - RS (1929) - IHGRGS
A Voz Comunista, Santana do Livramento - RS (1927) - ASMOB/CEDEM
c) CORRESPONDÊNCIAS
Carta Aberta a Maurício de Lacerda, a Azevedo Lima, ao Partido Socialista, ao
Centro Político Proletário do Distrito Federal, ao Centro Político dos Chauffers, ao
Partido Unionista dos Empregados no Comércio, ao Centro Político Proletário da
Gávea e ao Centro Político Proletário de Niterói, 1927.
Carta da Comissão Central Executiva ao Comitê Regional do Rio Grande do Sul. Rio
de Janeiro, 27 de agosto de 1928. A 2, 16 (3). (ASMOB).
Carta da Comissão Central Executiva ao Comitê Regional do Rio Grande do Sul. Rio
de Janeiro, 11 de setembro de 1928. A 2, 16 (3). (ASMOB).
Carta da Comissão Central Executiva ao Comitê Regional do Rio Grande do Sul. Rio
de Janeiro, 18 de setembro de 1928. A 2, 16 (3). (ASMOB).
Carta da Comissão Central Executiva ao Comitê Regional do Rio Grande do Sul. Rio
de Janeiro, 25 de outubro de 1928. A 2, 16 (3). (ASMOB).
Carta da Comissão Central Executiva ao Comitê Regional do Rio Grande do Sul. Rio
de Janeiro, 3 de dezembro de 1928. A 2, 16 (3). (ASMOB).
212
Carta da Comissão Central Executiva ao Comitê Regional do Rio Grande do Sul. Rio
de Janeiro, 9 de dezembro de 1928. A 2, 16 (3). (ASMOB).
Carta da Comissão Central Executiva ao Comitê Regional do Rio Grande do Sul. Rio
de Janeiro, 12 de dezembro de 1928. A 2, 16 (3). (ASMOB).
Carta da Comissão Central Executiva ao Comitê Regional de Porto Alegre. Rio de
Janeiro, 4 de outubro de 1928. A 2, 16 (3). (ASMOB).
Carta da Comissão Central Executiva a Hugo Ungaretti. Rio de Janeiro, de junho
de 1928. A 2, 16 (3). (ASMOB).
Carta de Abílio de Nequete ao Comitê Executivo da Internacional Comunista.
Montevidéu, 1º de fevereiro de 1921. (RGASPI).
Carta de Marcos Piatigoski ao Secretariado da Seção Latino-Americana da IC. Paris,
26 de julho de 1930, rolo 4. (RGASPI).
Carta de Luiz Cuervo a Astrojildo Pereira. Porto Alegre, 6 de março de 1927. A
2,15(2). (ASMOB).
Carta de Isaac Scliar a Astrojildo Pereira. Porto Alegre, 16 de abril de 1926. ARCH A
2, 9 (2)-1. (ASMOB).
Carta de Pelayo Gil Ribas ao Comitê Central do PCB. Montevidéu, 27 de junho de
1930. ARCH A 2,9 (3). (ASMOB).
Telegrama de Antonio Carlos a Oswaldo Aranha. Belo Horizonte, 17 de fevereiro de
1930. Arquivo Borges de Medeiros. (IHGRGS).
Telegrama de Oswaldo Aranha a Washington Luis. Porto Alegre, 17 de fevereiro de
1930. Arquivo Borges de Medeiros. (IHGRGS).
Correspondência expedida pela Delegacia Auxiliar da Chefatura de Polícia. Porto
Alegre, 1º de julho de 1931. Fundo da polícia, maço 13. (AHRS).
Correspondência da Confederação Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul à
União dos Trabalhadores Gráficos de Porto Alegre. Porto Alegre, 22 de julho de
1929. Apud PETERSEN, S. e LUCAS, E. Antologia do movimento operário gaúcho.
Porto Alegre: EdUFRGS, 1992, p. 311-312.
Correspondência da Confederação Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul e
Comissão Executiva do Bloco Operário e Camponês às organizações operárias.
Porto Alegre, 26 de julho de 1929. Apud PETERSEN, S. e LUCAS, E. Antologia do
movimento operário gaúcho. Porto Alegre: EdUFRGS, 1992, p. 313-316.
d) ATAS
Livro de Atas de Reuniões de Diretoria da Sociedade União Operária. n.º 1154, Rio
Grande, 3 de outubro de 1928. (CDH/FURG).
Livro de Atas das Sessões de Assembléia Geral da Sociedade União Operária. nº.
48, Rio Grande, 18 de novembro de 1928. (CDH/FURG).
e) RELATÓRIOS
Relatório do Comitê Regional do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, [dezembro 1928],
rolo 4. (RGASPI).
213
Resoluções da Conferência Sindical de Porto Alegre ao Congresso Operário
Nacional. Apud Correio do Povo, Porto Alegre, 9 de abril de 1929, p. 7.
Relatório de Pablo Osório (Plínio Mello) no Plenun Ampliado do Secretariado Sul-
Americano da IC, maio de 1930. ARCH, A 2-11 (ASMOB).
Pablo Osório [Plínio Gomes de Mello]. La situación en el Rio Grande do Sul y la
actuación del P.C.B. en esa región. Buenos Aires, maio 1930. ARCH, A 2, 11(1)-0.
(ASMOB).
Relatório do Presidium ao CC Restrito de 24 de novembro de 1929, rolo 5.
(RGASPI).
Resolução da Internacional Comunista sobre a questão brasileira. Secretariado
político da IC. Moscou, fevereiro de 1930. Apud A Classe Operária, Rio de Janeiro,
17 de abril de 1930, p. 3.
Resoluções do III Congresso do PCB sobre o BOC (1928-1929). Apud KAREPOVS,
Dainis. A esquerda e o parlamento no Brasil: o Bloco Operário e Camponês (1924-
1930). São Paulo: FFLCH, USP. São Paulo, 2002. (Tese de doutorado), p. 626.
Relatório da Comissão Central Executiva aos Comitês Regionais sobre a situação
sindical. Rio de Janeiro, 2 de fevereiro de 1926. (ASMOB).
f) PANFLETOS
A data proletária. Apud A Classe Operária, Rio de Janeiro, 19 de maio de 1928, p. 2.
A Confederação Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul, apela aos
trabalhadores das cidades e dos campos! Apud Diário de Notícias, Porto Alegre,
de maio de 1929, p. 8.
g) PROGRAMA
Programa do Bloco Operário e Camponês do Brasil (1929). Apud KAREPOVS,
Dainis. A esquerda e o parlamento no Brasil: o Bloco Operário e Camponês (1924-
1930). São Paulo, FFLCH, USP. São Paulo, 2002. (Tese de doutorado), p. 628.
h) ESTATUTOS
Estatutos do Bloco Operário e Camponês. Rio de Janeiro, 1927. Apud KAREPOVS,
Dainis. A esquerda e o parlamento no Brasil: o Bloco Operário e Camponês (1924-
1930). São Paulo, FFLCH, USP. São Paulo, 2002. (Tese de doutorado), p. 312.
Estatutos dos Centros Comunistas. In: Centro Comunista n. 4. (Seção Brasileira da
Internacional Comunista). Porto Alegre, 1925.
Estatutos do Partido Comunista (Seção Brasileira da Internacional Comunista). In:
Centro Comunista n. 4. (Seção Brasileira da Internacional Comunista). Porto Alegre,
1925.
Estatutos da Liga dos Operários Republicanos do Rio Grande do Sul. Apud
PETERSEN, S. e LUCAS, E. Antologia do movimento operário gaúcho. Porto Alegre:
EdUFRGS, 1992, p. 296-300.
i) OUTROS DOCUMENTOS PARTIDÁRIOS
Notas sobre a situação atual do Partido Comunista do Brasil, Rio de Janeiro, 2 de
abril de 1930, rolo 4. (RGASPI).
214
A vida do Bloco Operário e Camponês, 1928, rolo 5. (RGASPI).
O III Congresso (dezembro de 1928 – janeiro de 1929). Rio, 11 de fevereiro de 1929.
CC do PCB. Apud CARONE, Edgard. O PCB I (1922-1943). São Paulo: Difel, 1982,
p. 71.
O III Pleno do C.C. (outubro de 1929). Apud CARONE, Edgard. O PCB I (1922-
1943). São Paulo: Difel, 1982.
j) MEMÓRIAS DE MILITANTES
BASBAUM, Leôncio. Uma vida em seis tempos. 2 ed. São Paulo: Editora Alfa-
Ômega, 1978.
GERTZ, René (ed.). Memórias de um imigrante anarquista (Friedrich Kniestedt).
Porto Alegre: EST, 1989.
LIMA, Heitor Ferreira. Caminhos percorridos. São Paulo: Brasiliense, Arquivo de
História Social Edgar Leuenroth, 1982.
MARTINS, Eloy. Um depoimento político. Porto Alegre: Edição do Autor, 1989.
l) ENTREVISTAS
BRANDÃO, Otávio. Entrevista com Otávio Brandão, realizada em 1979. História em
Revista. Pelotas, v. 2, p. 209-254,1996.
MELLO, Plínio. Memória: entrevista com Plínio Mello. Teoria e Debate. São Paulo,
n.º 7, p. 30-45, jul/ago/set. 1989. Entrevista concedida a D. Karepovs e outros.
REGO, Otávio Brandão. Otávio Brandão (depoimento, 1977). Rio de Janeiro:
CPDOC, 1993. 139 p. dat.
m) OUTROS DOCUMENTOS
Matrícula dos presos recolhidos à Casa de Correção. Porto Alegre, (set/1926 a
mar/1928). Fundo da polícia, março 304. (AHRS).
Governo do Estado do Rio Grande do Sul. Mensagem enviada à Assembléia dos
representantes do Rio Grande do Sul pelo Presidente do Estado Antonio Augusto
Borges de Medeiros, em 20 de setembro de 1927. Porto Alegre. Disponível em.
<http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u810/index.html> (Acesso em 24 de abril de 2004)
Governo do Estado do Rio Grande do Sul. Mensagem enviada à Assembléia dos
representantes do Rio Grande do Sul pelo Presidente do Estado Getúlio Vargas em
20 de setembro de 1928. Porto Alegre. Disponível em.
<http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u811/index.html> (Acesso em 24 de abril de 2004)
Governo do Estado do Rio Grande do Sul. Mensagem enviada à Assembléia dos
representantes do Rio Grande do Sul pelo Presidente do Estado Getúlio Vargas, em
20 de setembro de 1929. Porto Alegre. Disponível em.
<http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u812/index.html> (Acesso em 24 de abril de 2004)
Governo do Estado do Rio Grande do Sul. Mensagem enviada à Assembléia dos
representantes do Rio Grande do Sul pelo Presidente do Estado Getúlio Vargas, em
20 de setembro de 1930. Porto Alegre. Disponível em.
<
http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u813/index.html> (Acesso em 24 de abril de 2004)
BIBLIOGRAFIA
ABREU, Luciano Aronne. Getúlio Vargas: a construção de um mito (1928-30). Porto
Alegre: EDIPUCRS, 1996.
ANDERSON, Perry. La historia de los partidos comunistas. In: SAMUEL, Raphael
(org.). Historia popular y teoria socialista. Barcelona: Grijalbo, 1984.
ANTUNES, Ricardo. Classe operária, sindicatos e partido no Brasil. São Paulo:
Cortez, 1982.
____. Os comunistas no Brasil.: as repercussões do VI Congresso da Internacional
Comunista e a primeira inflexão stalinista no Partido Comunista do Brasil (PCB).
Cadernos AEL. Campinas, n.º 2, p. 11-34, 1995.
BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. O ano vermelho: a Revolução Russa e seus
reflexos no Brasil. São Paulo: Expressão Popular, 2004.
BASBAUM, Leôncio. História sincera da República de 1889 a 1930. Vol. 2. 4ª
edição. São Paulo: Editora Alfa-Ômega, 1976.
BATALHA, Cláudio H. M. A historiografia da classe operária no Brasil: trajetória e
tendências. In: FREITAS, Marcos Cezar. Historiografia brasileira em perspectiva. 5
ed. São Paulo: Contexto, 2003.
____. Cultura associativa no Rio de Janeiro da Primeira República. In: BATALHA,
Cláudio H. M.; SILVA, Fernando Teixeira; FORTES, Alexandre (orgs.). Culturas de
classe: identidade e diversidade na formação do operariado. Campinas, São Paulo:
Editora da Unicamp, 2004.
____. O movimento operário na Primeira República. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed., 2000.
____. Vida associativa: por uma nova abordagem da história institucional nos
estudos do movimento operário. Anos 90, Porto Alegre, n.º 8, 1997.
BERSTEIN, Serge. Os partidos. In: RÉMOND, René. Por uma história política. 2 ed.
Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003.
BILHÃO, Isabel Aparecida. Rivalidades e solidariedades no movimento operário:
Porto Alegre 1906-1911. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1999.
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 6 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
BRANDÃO, Gildo Marçal. A esquerda positiva: as duas almas do Partido Comunista
(1929-1964). São Paulo: HUCITEC, 1997.
216
CANALE, Dario. Problemas na construção da história do Partido Comunista
Brasileiro. Revista Novos Rumos. São Paulo, v. 1, nº. 1, jan/mar 1986, p. 77-92.
CAPELATO, Maria Helena. História política. Estudos históricos. Rio de Janeiro, vol.
9, n. 17, 1996.
____. Imprensa na República: uma instituição pública e privada. In: SILVA,
Fernando Teixeira da; NAXARA, Márcia; CAMILOTTI, Virgínia. (Orgs.). República,
liberalismo, cidadania. Piracicaba, SP: UNIMEP, 2003.
CARDOSO, Alcina e ARAÚJO, Silvia. Jornais operários metodologia para análise
histórica do discurso operário na Primeira República. História: Questões & Debates.
Curitiba, 4(6): 99-110, jun., 1983.
CARONE, Edgard. Classes sociais e movimento operário. São Paulo: Ed. Ática,
1989.
____. O movimento operário no Brasil (1877-1944). São Paulo: Difel, 1984.
____. O PCB I (1922-1943). São Paulo: Difel, 1982.
CERRONI, Umberto. Para una teoria del partido político. In: CERRONI, Umberto;
MAGRI, Lucio; JOHNSTONE, Monty (org.). Teoria marxista del partido político.
México: PYP, Cuadernos del Pasado Y Presente, 1978.
CHILCOTE, Ronald. Partido Comunista Brasileiro: conflito e integração. Rio de
Janeiro: Graal, 1982.
CLAUDIN, Fernand. La crisis del movimiento comunista. De la Komintern al
Kominform. Paris: Ruedo Ibérico, 1970.
DE DECCA. Edgar. O silêncio dos vencidos. São Paulo: Brasiliense, 1981.
____. A revolução acabou. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 10, 20,
mar/ago, 1990, p. 63-74.
DEL ROIO, Marcos. A classe operária na revolução burguesa: a política de alianças
do PCB (1928-1935). Belo Horizonte: Oficina dos Livros, 1990.
____. A teoria da revolução brasileira: tentativa de particularização de uma
revolução burguesa em processo. In: MORAES, João Quartim de; DEL ROIO,
Marcos (orgs.). História do marxismo no Brasil, vol. IV, Campinas: Editora da
UNICAMP, 2000.
____. O impacto da Revolução Russa e da Internacional Comunista no Brasil. In:
MORAES, João Quartim de (org.). História do marxismo no Brasil, vol. I, 2 Ed.
Campinas: Editora da UNICAMP, 2003.
____. Os comunistas, a luta social e o marxismo (1920-1940). In: RIDENTI,
Marcelo; e REIS FILHO, Daniel Aarão (orgs.). História do marxismo no Brasil, vol. V.
Campinas: Editora da UNICAMP, 2002.
217
DULLES, John F. Anarquistas e comunistas no Brasil (1900/1935). Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1977.
DUVERGER, Maurice. Los partidos politicos. 3 ed. México: Fundo de Cultura
Económica, 1957.
ELMIR, Cláudio Pereira. As armadilhas do jornal: algumas considerações
metodológicas de seu uso para a pesquisa histórica. Cadernos de Estudos do PPG
em História (UFRGS). Porto Alegre, v. 13, p. 19-29, 1995.
FERREIRA, Jorge. Prisioneiros do mito: cultura e imaginário político dos comunistas
no Brasil (1930-1956). Niterói: EdUFF: Rio de Janeiro: MAUAD, 2002.
FORTES, Alexandre. Nós do quarto distrito...: a classe trabalhadora porto-alegrense
e a era Vargas. Caxias do Sul, RS: Educs; Rio de Janeiro: Garamond, 2004.
FORTES, Alexandre (org.). História e perspectivas da esquerda. São Paulo:
Fundação Perseu Abrahmo, 2005.
FRANCO, Sérgio da Costa. Porto Alegre: guia histórico. 3 ed. Porto Alegre:
EdUFRGS, 1998.
GARCIA, Eliane. A ação legal de um partido ilegal: o trabalho de massa das frentes
intelectual e feminina do PCB no Rio Grande do Sul (1947-1960). Porto Alegre:
UFRGS, 1999. (Dissertação de mestrado em História).
GARCIA, Marco Aurélio. Contribuições para uma história da esquerda brasileira. In:
MORAES, R.; ANTUNES, R. e FERRANTE, Vera (Orgs.). Inteligência brasileira. São
Paulo: Brasiliense, p. 193-223, 1986.
____. O gênero da militância: notas sobre as possibilidades de uma outra história
da ação política. Cadernos Pagu. Campinas, nº. 8/9, p. 319-342, 1997.
GOMES, Angela de Castro. A invenção do trabalhismo. 3 ed. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2005.
____. Burguesia e trabalho: política e legislação social no Brasil 1917 1937. Rio
de Janeiro: Editora Campus, 1979.
____. Política: história, ciência, cultura, etc. Estudos Históricos. vol. 9, n. 17, p. 59-
84, 1996.
____. Velhos militantes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988.
HERRLEIN JR., Ronaldo. Desenvolvimento industrial e mercado de trabalho no Rio
Grande do Sul: 1920-1950. Revista de Sociologia e Política. Curitiba, nº. 14, p. 103-
118, 2000.
HENN, Leonardo Guedes. As concepções de revolução produzidas pela
Internacional Comunista e por seus organismos da América do Sul para as colônias
e semicolônias, especialmente para a América Latina (1919-1943). São Leopoldo:
Unisinos, 2005. (Tese de doutorado em História).
218
HOBSBAWM, Eric. Revolucionários. 2 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.
____. Mundos do trabalho. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
KAREPOVS, Dainis. A esquerda e o parlamento no Brasil: o Bloco Operário e
Camponês (1924-1930). São Paulo: USP, 2002. (Tese de doutorado em História).
KONDER, Leandro. A derrota da dialética: a recepção das ideáis de Marx no Brasil,
até o começo dos anos trinta. Rio de Janeiro: Campus, 1988.
____. Astrogildo Pereira: o homem, o militante, o crítico. In: Astrogildo Pereira et alli.
Memória & História. nº. 1, São Paulo, LECH, 1981.
KONRAD, Diorge Alceno. 1935: A Aliança Nacional Libertadora no Rio Grande do
Sul. Porto Alegre: PUC-RS, 1994. (Dissertação de mestrado em História).
____. O fantasma do medo: o Rio Grande do Sul, a repressão policial e os
movimentos sócio-políticos (1930-1937). Campinas: Unicamp, 2004. (Tese de
doutorado em História).
KOVAL, Boris. História do proletariado brasileiro: 1857 a 1967. São Paulo: Alfa-
Ômega, 1982.
LENA JÚNIOR, Hélio de. Astrojildo Pereira: um Intransigente Libertário (1917 -
1922). Vassouras: Universidade Severino Sombra, 1999. (Dissertação de mestrado
em História).
LIMA, Heitor Ferreira. Caminhos percorridos. São Paulo: Brasiliense, Arquivo de
História Social Edgar Leuenroth, 1982.
LINHARES, Hermínio. Contribuição à história das lutas operárias no Brasil. São
Paulo: Alfa-Ômega, 1977.
LONER, Beatriz Ana. Construção de classe. Operários de Pelotas e Rio Grande
(1888-1930). Ed. Universitária, Unitrabalho, 2001.
____. O canto da sereia: os operários gaúchos e a oposição na República Velha.
História Unisinos. Vol. 6, n. 6, 2002, p. 97-125.
____. Quarto congresso operário do Rio Grande do Sul (1928). Cadernos do ISP.
Pelotas, UFPel (11), dezembro de 1997.
LOVE, Joseph. O regionalismo gaúcho. São Paulo: Perspectiva, 1975.
____. O Rio Grande do Sul como fator de instabilidade na República Velha. In:
FAUSTO, Boris (org.). História Geral da Civilização Brasileira, Tomo 3, vol. 1, 4 ed.
São Paulo: Difel, 1985.
MARÇAL, João Batista. A imprensa operária do Rio Grande do Sul (1873-1974).
Porto Alegre: Edição do autor, 2004.
____. Comunistas gaúchos. Porto Alegre: Tchê, 1986.
219
MAZZEO, Antonio Carlos. Sinfonia inacabada: a política dos comunistas no Brasil.
Marília: Unesp-Marília-Publicações; São Paulo: Boitempo, 1999.
MAZZEO, Antonio Carlos e LAGOA, Maria Izabel (orgs.). Corações vermelhos: os
comunistas brasileiros no século XX. São Paulo: Cortez, 2003.
MORAES, João Quartim de. A esquerda militar no Brasil: da coluna à comuna. São
Paulo: Siciliano, 1994.
____. A influência do leninismo de Stálin no comunismo brasileiro. In: MORAES,
João Quartim de; REIS FILHO, Daniel Aarão (orgs.). História do marxismo no Brasil.
vol. I, 2 Ed. Campinas: Editora da UNICAMP, 2003.
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o “perigo vermelho”: o anticomunismo
no Brasil (1927-1964). São Paulo: Perspectiva: FAPESP, 2002.
____. O PCB e a moral comunista. Locus: Revista de História. Juiz de Fora, vol. 3. n.
1, p. 69-83, 1997.
MUNAKATA, Kazumi. Algumas cenas brasileiras. Campinas: Unicamp, 1982
(dissertação de mestrado em História).
NEVES, Lucília de Almeida. A voz dos militantes: o ideal de solidariedade como
fundamento da identidade comunista. Locus: Revista de História. Juiz de Fora, vol.
4, n. 1. p. 53-64, 1998.
OLIVEIRA, Rodrigo Santos de. “Perante o Tribunal da História”: o anticomunismo da
Ação Integralista Brasileira (1932-1937). Porto Alegre: PUCRS, 2004 (dissertação de
mestrado em História).
PACHECO, Ricardo de Aguiar. A vaga sombra do poder: vida associativa e cultura
política na Porto Alegre da década de 1920. Porto Alegre: UFRGS, 2004 (tese de
doutorado em História).
PANDOLFI, Dulce. Camaradas e companheiros: história e memória do PCB. Rio de
Janeiro, Relume-Dumará/Fundação Roberto Marinho, 1995.
PEIXOTO, Maria do Rosário da Cunha. O trem da História. A aliança PCB / CSCB /
O Paiz. São Paulo, Marco Zero/CNPq, 1994.
PEREIRA, Astrogildo. Ensaios históricos e políticos. São Paulo: Alfa-Ômega, 1979.
PETERSEN, S. e LUCAS, E. Antologia do movimento operário gaúcho. Porto Alegre:
EdUFRGS, 1992.
PETERSEN, Silvia e SCHMIDT, Benito. O movimento operário no Rio Grande do
Sul: militantes, instituições e lutas (das origens a 1920). In: GRIJÓ, Luis Alberto.
(Org.). Capítulos da Historia do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Editora da
UFRGS, 2004.
220
PETERSEN, Silvia. “Que a união operária seja nossa Pátria!”: História das lutas dos
operários gaúchos para construir suas organizações. Santa Maria: Editora UFSM;
Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS. 2001.
____. Ainda o movimento operário como objeto historiográfico. Anos 90. Porto
Alegre, n.º 8, p. 62-78, 1997.
____. Cruzando fronteiras: As pesquisas regionais e a história brasileira. In:
ARAÚJO, Angela (org.) Trabalho, cultura e cidadania. São Paulo: Scritta, 1997.
____. Da ação direta à disciplina do partido: percursos do movimento operário
gaúcho nos anos 20. Relatório de pesquisa para o CNPq. Porto Alegre. mímeo.
(inédito), 2000.
____. Guia para o estudo da imprensa periódica dos trabalhadores do Rio Grande
do Sul (1874-1940). Porto Alegre: Editora da universidade /UFRGS/FAPERGS,
1989.
____. O anarquismo no Rio Grande do Sul na Primeira República. Revista do
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFRGS. Porto Alegre (15),1991-1992.
PINHEIRO, Paulo S. e HALL, Michael. A classe operária no Brasil. 1889-1930. O
movimento operário. São Paulo: Alfa-Ômega, v.1, 1979.
PINHEIRO, Paulo Sérgio. Estratégias da ilusão. A revolução mundial e o Brasil
1922-1935. 2 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
____. O proletariado industrial na Primeira República. O Brasil Republicano. In:
História Geral Civilização Brasileira, Tomo 2, Vol. 9, São Paulo: Difel, 1977.
____. Política e trabalho no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975.
PRESTES, Anita Leocádia. A Coluna Prestes. 4 ed. São Paulo: Paz e Terra, 1997.
RAMA, Carlos. Historia del movimiento obrero y social latino-americano
contemporaneo. Barcelona: Editorial Laia, 1976.
REIS FILHO, Daniel Aarão. Um balanço da historiografia sobre a esquerda
brasileira. In: ARAÚJO, Angela (org.) Trabalho, cultura e cidadania. São Paulo:
Scritta, 1997.
RÉMOND, René. Por que a história política? Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol.
7, n. 13, 1994.
____. (org.). Por uma história política. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003.
RODEGHERO, Carla Simone. O diabo é vermelho: imaginário anticomunista e
Igreja Católica no Rio Grande do Sul (1945-1964). Passo Fundo: UPF, 1998.
RODRIGUES, Leôncio M. O PCB: Os dirigentes e a organização. O Brasil
Republicano. In: História Geral Civilização Brasileira, Tomo 3, Vol. 3, São Paulo,
Difel, 1981.
221
ROSA, Lilian Rodrigues de Oliveira. Comunistas em Ribeirão Preto (1922-1947).
Franca: UNESP/Franca, 1999.
ROSAL, Amaro del. Los congresos obreros internacionales em el siglo XX.
Barcelona: Ediciones Grijalbo, 1975.
SALES, Jean Rodrigues. O PCdoB conta a sua história: tradição, memória e
identidade política. Diálogos. DHI/UEM, v. 6, p. 155-171, 2002.
SANTANA, Marco Aurélio. Homens partidos: comunistas e sindicatos no Brasil. São
Paulo: Boitempo, 2001.
SCHMIDT, Benito Bisso. De mármore e de flores: a primeira greve geral do Rio
Grande do Sul (Porto Alegre, outubro de 1906). Porto Alegre: Editora da
Universidade/UFRGS, 2005.
____. Em busca da terra da promissão: a história de dois líderes socialistas. Porto
Alegre: Palmarinca, 2004.
SEGATTO, José Antonio. Breve história do PCB. 2 ed. Belo Horizonte: Oficina dos
Livros, 1989.
SILVA JR. Adhemar Lourenço da. Bipolaridade política rio-grandense e o
movimento operário (188?-1925). Estudos Ibero-Americanos. Porto Alegre: PUCRS,
vol. XXII, n. 2, p. 5-26, dezembro 1996.
SILVA JR. Adhemar Lourenço da. Povo! Trabalhadores! Tumulto e movimento
operário (estudo centrado em Porto Alegre, 1917). Porto Alegre: UFRGS, 1994.
(Dissertação de mestrado em História).
SILVA, Angelo José. Comunistas e trotskistas: a crítica operária à Revolução de
1930. Curitiba: Moinho do Verbo, 2002.
____. Tempo de fundadores. In: In: MORAES, João Quartim de; DEL ROIO, Marcos
(orgs.). História do marxismo no Brasil. vol. IV, Campinas: Editora da UNICAMP,
2000.
SILVA, Carla Luciana. Onda vermelha: imaginários anticomunistas brasileiros
(1931-1934). Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001.
SILVA, Fernando Teixeira da. Operário sem patrões: os trabalhadores da cidade de
Santos no entreguerras. Campinas: Editora da Unicamp, 2003.
SODRÉ, Nelson Werneck. Contribuição à história do PCB. Temas de Ciências
Humanas. n.º 8 e 9, São Paulo, Ed. Ciências Humanas, 1980.
THOMPSON, Edward. A formação da classe operária inglesa. 3 ed. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1997.
____. As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. Campinas: Editora da
Unicamp, 2002.
222
TOLEDO, Edilene. Travessias revolucionárias: idéias e militantes sindicalistas em
São Paulo e na Itália (1890-1945). Campinas: Editora da Unicamp, 2005.
TRINDADE, Hélgio. Aspectos políticos do sistema partidário republicano rio-
grandense (1882-1937): da confrontação autoritário-liberal à implosão da aliança
político-revolucionária de 30. In: DACANAL, JoHildebrando e GONZAGA, Sergius
(orgs.). RS: economia & política. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1979.
TRONCA, Ítalo. Revolução de 1930: A dominação oculta. edição. São Paulo:
Brasiliense,1993.
VIANNA, Marly de Almeida Gomes. Revolucionários de 35: sonho e realidade. São
Paulo: Companhia das Letras, 1992.
VIANNA, Werneck Luís. Liberalismo e sindicato no Brasil. 4 ed. Belo Horizonte: Ed.
UFMG, 1999.
VINCENT, Gérard. Ser comunista? Uma maneira de ser. In: PROST, Antoine e
VINCENT, G. (org.). História da vida privada 5: da Primeira Guerra aos nossos dias.
São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro. O teatro das oligarquias: uma revisão da política
do “café com leite”. Belo Horizonte: C/Arte, 2001.
VIZENTINI, Paulo G. O Rio Grande do Sul e a política nacional: as oposições civis
na crise dos anos 20 e na Revolução de 30. Porto Alegre: BRDE, Academia
Brasileira de História, 1982.
VIZENTINI, Paulo G. Fagundes. A crise dos anos 20: conflitos e transição. 2 ed.
Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 1998.
WOODCOCK, George. História das idéias e movimentos anarquistas. Porto Alegre:
L&PM, 2002, v.1.
ZAIDAN, Michel. Comunistas em céu aberto 1922 - 1930. Belo Horizonte: Oficina de
Livros, 1989.
____. PCB (1922-1929): Na busca das origens de um marxismo nacional. São
Paulo: Global, 1985.
ZIMBARG, Luís Alberto. O cidadão armado: comunismo e tenentismo (1927 –
1945). Franca: Unesp, 2001. (dissertação de mestrado em História).
ANEXOS
224
ANEXO A “Carta aberta a Maurício de Lacerda, a Azevedo Lima, ao
Partido Socialista, ao Centro Político dos Operários do Distrito Federal, ao
Centro Político dos Choferes, ao Partido Unionista dos Empregados no
Comércio, ao Centro Político Proletário da Gávea e ao Centro Político
Proletário de Niterói.
CANDIDATURAS DE CLASSE
As próximas eleições federais, para renovação do Parlamento nacional, estão
interessando sobremaneira ao proletariado e às classes laboriosas em geral de todo
o Brasil.
Pode dizer-se que pela primeira vez, entre nós, o proletariado brasileiro a
possibilidade de sua intervenção direta e independente no pleito a travar-se. Com
efeito, até aqui salvo alguma que outra exceção de caráter local ou pessoal
jamais o eleitorado operário do Brasil participou de uma campanha eleitoral nacional
como força própria, como classe independente, apresentando um programa de
reivindicações ditadas por seus interesses e aspirações de classe. Os operários
eleitores votavam indistintamente nos diversos candidatos da burguesia, a isto
quase sempre obrigados pela pressão patronal e devido à sua própria
desorganização partidária.
Mas esses tempos são passados. O proletariado vai adquirindo uma
consciência de classe o que quer dizer que vai compreendendo serem seus
interesses antagônicos aos interesses da burguesia. Ora, este despertar da
consciência proletária reflete-se e projeta-se igualmente sobre o terreno eleitoral. O
mesmo instinto de classe diz aos operários eleitores que eles, nas eleições para os
cargos blicos, devem votar nos próprios candidatos, isto é, nos candidatos que
representam realmente seus interesses de classe independente.
É o que agora se verifica. O eleitorado proletário quer enviar gente sua, lídimos
e autênticos representantes seus ao parlamento nacional. Ele não quer mais votar
no candidato patrão, ou no aliado e criatura do patrão-candidato, o qual será,
necessariamente, nas Câmaras, como tem acontecido até hoje, o defensor dos
interesses patronais contra os interesses proletários.
Demais, o proletariado brasileiro o que se passa nos demais países do
mundo e aprende no exemplo prático que nos vêm nisto como em tudo o mais
do estrangeiro. O proletariado dos países europeus e americanos possui seus
225
próprios partidos de classe e, nas eleições, só vota nos candidatos de seus partidos.
Aqui mesmo bem perto de s, no Uruguai, na Argentina, no Chile, os partidos
operários participam dos pleitos eleitorais como força independente e como tais
elegem seus próprios candidatos.
A INTERVENÇÃO DO P.C.B.
Assim sendo, o Partido Comunista do Brasil, constituído pela vanguarda
consciente do proletariado deste país, não podia deixar de participar nas próximas
eleições de fevereiro. Os interesses e as aspirações do Partido Comunista não são
diversos dos interesses e das aspirações do proletariado em geral. Pelo contrário, o
Partido Comunista é o único partido operário que verdadeiramente representa os
reais interesses e aspirações totais da classe operária. É, pois, em nome da massa
proletária, que o P.C.B. se dirige, nesta carta aberta, às pessoas, aos partidos e aos
centros acima mencionados, os quais, de uma forma ou de outra, apresentam-se
aos sufrágios operários como candidatos das classes laboriosas e espezinhadas ,
cujos interesses dizem representar.
É o caso de Maurício de Lacerda. Gozando da mais larga popularidade, com
um passado de brilhantes lutas parlamentares em prol das liberdades públicas, ele
surge no cenário da campanha eleitoral como candidato dos oprimidos e explorados.
O Partido Socialista o apóia como candidato dos oprimidos e explorados. Nós não
concordamos de modo algum com a sua política individualista, não partidária,
geradora de confusões e mal-entendidos, que só podem servir aos inimigos da
política proletária, prejudicando, por conseguinte, ao próprio Maurício de Lacerda.
Certo, sua popularidade é grande, e a massa, apesar de tudo, apesar daquelas
reservas formuladas pela vanguarda, tem-no como um dos seus e irá votar nele,
convicta de que votará num candidato proletário, defensor dos interesses proletários.
Pois bem: o P.C.B., mesmo desconfiando, quer confiar em Maurício de Lacerda e,
em nome da classe operária, propõe-lhe a formação de uma frente única proletária
na campanha eleitoral iniciada, tomando para base uma plataforma única do
combate, contendo as reivindicações mais elementares comuns às massas
laboriosas em geral.
Igual proposta fazemos a Azevedo Lima. Este possui um eleitorado próprio,
fortemente arregimentado e não depende de ninguém do ponto de vista estritamente
eleitoral. Mas sua atuação combativa durante a extinta legislatura, com o criar-lhe
226
uma justa auréola de indômita bravura no bom combate em prol das causas
populares, criou também, tacitamente, uma espécie de compromisso moral entre ele
e o proletariado. Demais, como reforço a esse compromisso, Azevedo Lima, embora
ainda revelando certas contradições ideológicas, tem feito afirmações peremptórias
de simpatia do comunismo e tem tomado atitudes de desassombrado apoio às lutas
de classe do proletariado, como foi principalmente no caso da campanha da ‘A
Classe Operária’ contra Luís de Oliveira. De tal sorte, a aliança de Azevedo Lima ao
Bloco Operário, cuja formação propomos, parece decorrer logicamente de todo seu
recente passado e assim o esperamos firmemente. Sua eleição é geralmente tida
como assegurada pelo numeroso e dedicado eleitorado que ele pessoalmente
arregimentou. Neste sentido é evidente que sua aliança conosco pouco resultado
prático numérico lhe trará. Há, porém, o aspecto essencialmente político da batalha
e neste sentido sua adesão ao Bloco Operário, que propomos, é não só uma adesão
lógica, mas necessária e de recíprocas vantagens, isto é, de vantagens para a
política proletária, feita de verdade, nitidez e firmeza.
AOS DEMAIS PARTIDOS E CENTROS
O Partido Socialista, partido reformista, mas que pretende representar as
massas laboriosas, além de apoiar a candidatura de Maurício de Lacerda, apresenta
vários candidatos seus, não aqui no Distrito Federal, como também no Estado do
Rio, na Bahia, em Pernambuco, em Santa Catarina. Adversários intransigentes da
nefasta política reformista, confusionista, colaboracionista do P.S.B., entendemos,
todavia, que é esta uma excelente oportunidade para, aos olhos das massas, pôr-se
à prova a sinceridade dos socialistas, que se apresentam aos sufrágios proletários.
O P.C. quer unir, reunir numa frente única todas as forças proletárias que se
aprestam para o próximo combate eleitoral. É o próprio interesse proletário que o
P.C. põe acima de tudo, visto como o interesse proletário é o próprio interesse do
comunismo que comanda, em momentos tais, a coesão e a unificação das forças
diante do inimigo comum. E como nós não fazemos questão de nomes pessoais
guardadas, é claro, certas exigências mínimas – porém, sim, de programa, de
compromisso coletivo, convidamos o P.S.B. a integrar-se na formação do Bloco
Operário, sob cuja bandeira comum, batalhando sobre a mesma comum plataforma
proletária, se apresentarão seus candidatos, no Distrito Federal e nos Estados.
Falando claro e franco, nós não acreditamos na sinceridade dos chefes do P.S.B.
227
nem dos seus candidatos, e muito menos em sua influência ou força eleitoral, mas
estamos prontos a apóia-los, desde que assumam publicamente, perante o
proletariado, o compromisso de defender e submeter-se à plataforma proletária do
Bloco Operário.
Não sabemos ainda que atitude vão tomar, com relação às próximas eleições,
o Centro Político Operário, o Centro Político dos Choferes, o Partido Unionista dos
Empregados no Comércio, o Centro Político Proletário da Gávea e o Centro Político
Proletário de Niterói. Quanto a estes dois últimos, não temos vida de que
formarão ao nosso lado, dadas as afinidades entre o seu programa e o nosso.
Quanto aos outros três, não sabemos se pretendem apresentar candidatos próprios
ou apoiar eventualmente tais ou quais candidatos. Seja como for, tornamos
extensivo a essas organizações políticas operárias este convite para sua adesão ao
Bloco Operário, na base dos princípios e reivindicações mais adiante expostas.
FRENTE ÚNICA PROLETÁRIA
É coisa muito fácil de compreender que a participação no pleito eleitoral de
todos esses candidatos e partidos, concorrendo uns contra os outros,
dispersivamente, pode dar como resultado o enfraquecimento das forças
operárias, que todos eles pretendem representar. Enfraquecimento e dispersão não
somente no terreno estritamente eleitoral, aritmético, do pleito, mas, sobretudo,
enfraquecimento e dispersão no terreno político.
As massas operárias e as classes laboriosas em geral estão entre si ligadas
por uma afinidade básica de interesses, que lhes são comuns. Toda a gente pobre
operários, empregados no comércio, pequenos funcionários, artesãos, trabalhadores
agrícolas, pequenos lavradores, todos aqueles que vivem de seu trabalho pessoal
cotidiano –, toda essa grande massa sofredora e oprimida passa a mesma ‘vida
apertada’, porque seus ganhos mal chegam, quando chegam, para fazer frente às
dificuldades crescentes da existência. A carestia dos gêneros, a crise de habitações,
a falta de trabalho, a inflação, a baixa cambial, a política escorchadora dos impostos
federais, estaduais e municipais, toda a sorte de gravames pesando principalmente
sobre os pobres, tudo isso cria uma base comum de interesses, que o bom senso
indica deverem ser defendidos pelo esforço comum dos interessados.
É esta uma verdade claríssima, que ninguém poderá contestar: na defesa dos
interesses que são comuns todos os interessados deverão unificar e concentrar
228
seus esforços num bloco único que ao combate de fileiras cerradas, obedecendo
a um plano comum único.
É isto precisamente que nós vimos propor. O Partido Comunista, cônscio de
que os interesses supremos do proletariado devem ser postos acima das tendências
desta ou daquela facção política, propõe a formação de uma frente única, de um
bloco operário de todos os candidatos, partidos e grupos que vão disputar as
próximas eleições alegando ou pleiteando representação das classes laboriosas. O
Partido Comunista não pretende concorrer com candidatos próprios e de tal sorte
dividir as forças operárias. O Partido Comunista, que pleiteia a vitória da política
proletária independente, propõe, portanto, a concentração de todas as forças
operárias. O Partido Comunista está disposto a apoiar a campanha eleitoral dos
candidatos e demais grupos e partidos que aceitem travar a batalha na base em
comum na base de uma plataforma comum, segundo um plano comum.
Demais disso, o Partido Comunista, interpretando o verdadeiro e instintivo
pensamento de classe das massas trabalhadoras, pretende por este meio iniciar
uma vasta campanha de saneamento do meio político nacional, combatendo sem
tréguas a política personalista, individualista e irresponsável dos cabos eleitorais
sem princípio, sem programa, sem finalidade. É preciso sanear a política e para isto
é preciso intervir nela e não afastar-se dela, deixando-a entregue aos manejos
imorais de ambiciosos e negocistas sem escrúpulo. E o primeiro passo a dar no
sentido do saneamento da política está em exigir a responsabilidade dos políticos
perante as massas. Queremos uma política de princípios, de programas, de
responsabilidades.
O Partido Comunista, partido do proletariado, tem responsabilidades, defende
princípios e bate-se por um programa. Daí, sua atitude presente, saltando na arena
do combate eleitoral e convocando para a defesa em comum dos interesses do
proletariado todos aqueles que se apresentam como partidários do proletariado.
A PLATAFORMA DO BLOCO OPERÁRIO
Como base para a constituição do Bloco Operário, apresentamos a seguir os
itens da plataforma eleitoral a ser apresentada às massas laboriosas. Esta
plataforma, como se verá, é um verdadeiro programa de reivindicações imediatas,
consubstanciando em seus pontos as mais urgentes necessidades e as aspirações
mínimas das classes oprimidas deste país.
229
Política independente de classe A tarefa primordial dos candidatos do
Bloco Operário consistirá em chamar a massa operária ao exercício efetivo de seus
direitos políticos de classe. Realizando uma política independente de classe, os
candidatos do Bloco Operário manter-se-ão em contato permanente com a massa
operária por meio de seus órgãos representativos sindicais e partidários e por
meio dos comícios públicos. Representando a massa operária, cujos interesses
reais defenderão a todo transe no Congresso, os candidatos do Bloco Operário
tomam o prévio compromisso de subordinar sua atividade parlamentar ao controle
da massa operária, cujo pensamento ouvirão em cada ocasião, através de seus
órgãos de classe autorizados. Eleitos e sustentados pela massa operária, os
candidatos do Bloco Operário são responsáveis perante a massa operária por toda a
atividade política e legislativa que desenvolverem dentro e fora do parlamento.
Crítica e combate à política plutocrática Órgãos da política de classe da
massa operária dentro do Parlamento, os candidatos do Bloco Operário exercerão a
mais severa vigilância sobre a política e os políticos, que direta ou indiretamente
representam os interesses da plutocracia, não poupando a crítica aos seus crimes,
desmandos, abusos, hipocrisias, explorações. Os candidatos do Bloco Operário
bater-se-ão incessantemente por uma política de responsabilidades perante as
massas populares, contra a política personalista dos conchavos e arranjos tramados
à revelia do povo contribuinte.
Contra o imperialismo Na política exterior do país, os candidatos do Bloco
Operário orientarão sua atividade no sentido da luta mais encarniçada contra o
imperialismo das grandes potências financeiras. Dentro desta orientação, os
seguintes pontos serão particularmente visados: a) oposição a todo novo
empréstimo externo; b) revisão dos contratos das empresas capitalistas estrangeiras
concessionárias de serviços no Brasil; c) nacionalização das estradas de ferro, das
minas e das usinas de energia elétrica; d) extinção das missões militar e naval
estrangeiras; e) aliança com os países irmãos da América Latina, com os países
coloniais e oprimidos (as Índias, a China etc.) que lutam contra os opressores
imperialistas.
Reconhecimento “de jure” da U.R.S.S. – A União das Repúblicas Socialistas
dos Sovietes, imensa federação de povos, com cerca de 20 milhões de quilômetros
quadrados e 140 milhões de habitantes é hoje uma grande potência econômica e
política mundial que os Estados mais reacionários (como a Itália, a Inglaterra, o
230
Japão, etc.) não podem desconhecer e cujas relações comerciais não podem
dispensar. A U.R.S.S. é a aliada natural e a esperança suprema das classes
laboriosas e oprimidas do mundo inteiro, que nela têm o exemplo prático da
constituição e funcionamento da verdadeira democracia proletária, do governo do
trabalho. Ela é ainda o baluarte irredutível, o ponto de apoio principal dos povos que
lutam contra o imperialismo. Por tudo isso, os candidatos do Bloco Operário
preconizarão o reconhecimento “de jure”, pelo Brasil, do governo da U.R.S.S. e pelo
restabelecimento das relações diplomáticas, comerciais e culturais entre os dois
países.
Anistia aos presos políticos Somos partidários da mais ampla anistia aos
presos políticos de toda natureza, processados ou não, civis e militares. Pior, porém,
que as prisões sofridas pelas vítimas do sítio foram as deportações de operários
para a Clevelândia, no Oiapoque. Todos esses trabalhadores e suas famílias ficaram
com a vida completamente arruinada. Muitos deles morreram devorados pelas
febres e pelas misérias daquelas regiões. Os candidatos do Bloco Operário,
representantes dos trabalhadores oprimidos, pensam em primeiro lugar nas vítimas
operárias da repressão policial. E, assim, bater-se-ão para que os operários
sobreviventes, ou as famílias dos que morreram no desterro do Oiapoque, sejam
devidamente indenizados pelo Estado, calculando-se a indenização de cada caso
segundo os salários que respectivamente ganhavam, acumulados durante o tempo
decorrido, desde o dia da prisão ao da libertação ou morte de cada qual. Esta
medida justíssima de indenização deve ser aplicada em todos os casos semelhantes
aos dos vitimados no Oiapoque.
Autonomia do Distrito Federal Entendemos que a administração do Distrito
Federal o maior centro de trabalho do país deve estar liberta da tutela e da
opressiva influência da política federal. Para isto preconizamos principalmente: a) a
eleição do prefeito, que deve ser responsável de sua gestão perante o Conselho
Municipal; b) aumento das cadeiras do Conselho Municipal, sendo as eleições feitas
segundo o sistema da representação proporcional (como em Buenos Aires); c)
nenhuma subordinação da administração local ao Senado Federal ou qualquer outro
organismo do governo federal; d) municipalização completa da polícia e do corpo de
bombeiros, sendo os respectivos comandantes de nomeação do prefeito.
Legislação social Os candidatos do Bloco Operário bater-se-ão pelo
andamento imediato do Código do Trabalho encalhado no Senado, propondo seja o
231
mesmo submetido à revisão por uma assembléia especial de representantes
autorizados dos sindicatos operários. No que concerne à rigorosa aplicação das leis
e regulamentos integrantes do Código do Trabalho (bem como a lei de férias, a lei
de acidentes, a lei de pensões), preconizamos como medida preliminar
indispensável que sua fiscalização e controle sejam confiados aos comitês operários
eleitos nas próprias fábricas, oficinas e sindicatos. Os itens a seguir constituirão os
pontos principais da atividade parlamentar dos candidatos do Bloco Operário em
matéria de legislação social, condições de trabalho, problemas de higiene e
assistência social, no lar, na rua, na fábrica, na oficina, no comércio, nos transportes,
no subsolo, na lavoura: a) máximo de 8 horas de trabalho diário e 44 semanais, e
redução a 6 horas diárias nos trabalhos malsãos; b) proteção efetiva às mulheres
operárias, aos menores operários com a proibição do trabalho a menores de 14
anos; c) salário mínimo; d) contratos coletivos do trabalho; e) o seguro social a cargo
do Estado e do patronato, contra o desemprego, a invalidez, a enfermidade, a
velhice; f) enérgica repressão ao jogo e ao alcoolismo; g) licença às operárias
grávidas de 60 dias antes e 60 dias depois do parto, com pagamento integral dos
respectivos salários; h) extinção dos serões e extraordinários; i) descanso
hebdomadário em todos os ramos do trabalho, na indústria, no comércio, nos
transportes, na lavoura; j) proibição da dormida nos locais de trabalho; k) água
filtrada nas fábricas e oficinas; l) saneamento rural sistemático, visando a
regeneração física e moral do trabalhador agrícola, a higienização das condições de
trabalho e habitação na lavoura, assistência médica gratuita aos doentes pobres; m)
fomento e facilidades às cooperativas operárias de consumo e às cooperativas de
produção na pequena lavoura.
Contra as leis de exceção – Pugnando pela mais completa liberdade de
opinião, associação e reunião para as classes laboriosas, os candidatos do Bloco
Operário oferecerão encarniçado combate a todas as leis de exceção (lei Adolpho
Gordo, lei de expulsão de operários estrangeiros, lei de imprensa), inspiradas no
espírito reacionário e antiproletário do capitalismo dominante. O direito de greve é,
teoricamente, reconhecido pelo Código Civil. Para que esse direito se torne uma
realidade prática é absolutamente necessário proibir a indébita e arbitrária
intervenção policial nas greves. Por este direito bater-se-ão os candidatos do Bloco
Operário. Os direitos de livre associação e livre opinião política devem ser
extensivos aos pequenos funcionários e operários federais, estaduais e municipais
232
(correios e telégrafos, arsenais, limpeza pública, obras públicas, professorado
primário etc.).
Impostos Em matéria de imposto e taxações fiscais de qualquer natureza
federais, estaduais ou municipais os candidatos do Bloco Operário orientarão sua
atividade parlamentar guiados pelo seguinte princípio: só os ricos devem pagar
impostos. Atualmente, a quase totalidade dos impostos é de fato paga pelos pobres.
Estes pagam 300 mil contos, sobre o consumo; ao passo que os ricos pagam, sobre
a renda, a insignificância de 24 mil contos. O operário contribui com 25% de seus
magros ganhos para o Tesouro, ao passo que o nababo, que nada em dinheiro,
contribui, proporcionalmente, com apenas 0,5%... Os candidatos do Bloco Operário
propugnarão por que a totalidade dos impostos de toda natureza seja paga somente
pelos ricos, eximindo-se os pobres de tão pesados encargos.
A reforma monetária e a carestia da vida As conseqüências da reforma
monetária quebra do padrão, conversão, estabilização, substituição do mil réis
pelo cruzeiro vão atingir e afligir principalmente as camadas pobres da população:
operários, artesãos, empregados no comércio e nos transportes de terra e mar,
pequenos funcionários, pequenos lavradores, intelectuais pobres, soldados,
marinheiros, trabalhadores em geral, enfim, todos aqueles que vivem de um salário
ou de seu trabalho pessoal. A estabilização decretada vai operar-se na base de
um câmbio baixo e isto significa a estabilização da carestia, senão o aumento da
carestia. Demais, o decreto da reforma monetária autoriza o governo a procurar os
recursos de que carecer para a conversão e estabilização principalmente nas duas
fontes seguintes: a) nos saldos orçamentários o que seobtido pela majoração
dos impostos, de onde resultará maior alta nos preços das utilidades; b) nos
empréstimos no exterior o que acarretará a necessidade de aumentos das rendas
(isto é, novos impostos) para fazer face aos compromissos agravados, e aí teremos
novas causas de carestia. Haverá ainda, com o estabelecimento do “cruzeiro”, um
reajustamento geral nos preços e nos salários, e isto fatalmente será pretexto de
novas diminuições na capacidade aquisitiva dos ganhos proletários. Estas
considerações fundamentais bastam para mostrar o grau de gravidade que atingirá a
situação das camadas pobres da população com o efetivar-se do decreto de reforma
monetária. Mas, encarando de frente a situação, cônscios das responsabilidades
que assumem nesta plataforma, os candidatos do Bloco Operário reivindicarão para
as massas laboriosas a aspiração das seguintes medidas de defesa de seus
233
interesses ameaçados pela reforma monetária: a) o reajustamento dos salários
operários, dos vencimentos dos pequenos funcionários bem como das etapas dos
oficiais inferiores e praças de pré, segundo uma tabela, cientificamente estabelecida,
de relação entre o preço das utilidades e as necessidades mínimas da população
trabalhadora; b) oposição a todo novo empréstimo no exterior, o que poderá
agravar o estado de dependência nacional ao imperialismo financeiro anglo-
americano; c) severa repressão à jogatina cambial; d) oposição a toda majoração de
impostos que venham recair sobre as camadas pobres da população; e) imposição
das classes ricas, majoração dos impostos sobre o luxo, sobre as rendas e sobre o
capital dos grandes senhores agrários, industriais e comerciais.
Habitação operária A questão da habitação operária é daquelas que mais
preocuparão a atividade parlamentar dos candidatos do Bloco Operário. Eles
denunciarão implacavelmente as meias soluções burguesas, as medidas de
emergência, os paliativos demagógicos, e bater-se-ão em prol de soluções
proletárias amplas e decisivas, como sejam: a) construção, expropriação e
municipalização geral das casas para operários; b) aluguéis proporcionais aos
salários, sendo as respectivas tabelas estabelecidas e fiscalizadas por comissões de
inquilinos pobres; c) supressão dos depósitos, e pagamento por mês vencido; d)
derrubada dos barracões, “casas de cômodos” e “cabeças de porco”, e construção
em seu lugar de habitações que possuam todos os requisitos da higiene e da
comodidade; e) severa repressão da especulação dos intermediários e
sublocadores.
Ensino e educação Nas questões referentes ao ensino público, os
candidatos do Bloco Operário bater-se-ão não pela extensão e obrigatoriedade
do ensino primário, como ainda, complementarmente: a) pela ajuda econômica às
crianças pobres em idade escolar, fornecendo-lhes, além do material escolar, roupa,
comida e meios gratuitos de transporte; b) pela multiplicação das escolas
profissionais de ambos os sexos como uma continuação necessária e natural das
escolas primárias de letras; c) pela melhoria nas condições de vida do professorado
primário, cuja dedicação à causa do ensino público deve ser melhor compreendida e
compensada; d) pela subvenção às bibliotecas populares e operárias.
Voto secreto Somos partidários do voto secreto e obrigatório, e extensivo às
mulheres e às praças de pré, bem como aos operários estrangeiros com residência
definitiva no país. Entendemos, porém, que o voto secreto e obrigatório não é
234
panacéia universal capaz de curar todos os males da democracia, nem tampouco
um fim em si mesmo, e sim um meio de facilitar a participação das massas na
política e na administração do país. Neste sentido, entendemos que a instituição do
voto secreto e obrigatório deve ser acompanhada (ou mesmo precedida): a) [de]
facilidade e simplificação no processo de alistamento eleitoral, criando-se a
possibilidade real de intervenção das largas massas nos pleitos eleitorais; b) do
sistema de representação proporcional por quociente eleitoral, meio único de acabar
com a existência da “cabos” eleitorais e de forçar a criação dos partidos e a
apresentação dos candidatos em listas coletivas de cada partido.
Eis estão condensadas as reivindicações imediatas que verdadeiramente
consultam aos interesses e aspirações das massas laboriosas em geral.
Por estas reivindicações bater-se-ão denodadamente os candidatos do Bloco
Operário.
Todo operário, toda a gente pobre compreenderá que fora desta plataforma
não pode haver política proletária sincera. Fora do Bloco Operário, que sustentará
esta plataforma, não pode haver candidatos operários.
O P.C.B., que toma a iniciativa da formação do Bloco Operário, estabelece o
prazo de uma semana, a contar desta data, para resposta daqueles a quem se dirige
nesta Carta aberta.
Rio de Janeiro, 5 de janeiro de 1927
A Comissão Central
Executiva do P.C.B.”
235
ANEXO B – A data proletária.
Manifesto distribuído a 1º de maio.
“Surge novamente o de maio. Pela grande inconsciência que perdura ainda no
seio da classe operária, vem esta grande data encontrar o proletariado do mundo
(excepto da Rússia Soviética) maniciado pela miséria e emudecido pela força brutal
e feroz das “democracias” burguesas.
Não bastou ainda um decênio, em que a verdadeira democracia proletária russa
venha demonstrando o sistema genial de se destruir a fúria retrógrada do
parasitismo burguês?
Não bastou ainda a reação venenosa que, principalmente neste Brasil, uma tirania
bestial e caduca, atira contra as mais insignificantes exigências dos trabalhadores?
Não bastou ainda que o proletariado saiba das carnificinas que, muito, vem
sendo feitas sobre a sua classe?... O massacre dos 30 mil comunistas de Paris em
1871; os fuzilamentos em massa dos operários russos em 1905; os mártires de
Chicago; os povos coloniais agonizando sob as garras da frente única
imperialistas?...
A Classe Operária, Rio de Janeiro, 19 de maio de 1928, p. 2.
236
ANEXO C Resoluções do III Congresso do PCB sobre o BOC (1928-
1929)
A - “A situação política nacional e a posição do Partido Comunista
[...]
28 O Bloco Operário e Camponês, pelo seu próprio desenvolvimento e pela
experiência adquirida, tende a tornar-se uma grande organização política das
mais vastas massas operárias e camponesas. Organização legal, ele tem aparecido
muitas vezes como o próprio partido do proletariado, sustentando as palavras de
ordem específicas da classe operária. É preciso, porém, que o Partido Comunista
mantenha a mais vigilante atenção sobre a organização e a atividade do Bloco
Operário e Camponês, controlando-se estritamente, de sorte a evitar possíveis
desvios eleitoralistas e oportunistas.
Formando o núcleo central e dirigente do Bloco Operário e Camponês, o
Partido Comunista não deve fundir-se nem desaparecer dentro dele, mas, pelo
contrário, deve conservar sempre sua própria fisionomia política, para isto
desenvolvendo uma propaganda ilegal sistemática entre as massas, de sorte a
consolidar sua própria organização em conseqüência mesmo do trabalho realizado
no Bloco Operário e Camponês, bem como nas demais organizações auxiliares de
massa.
[...]”
B - Sobre o Bloco Operário e Camponês
O Bloco Operário e Camponês é uma organização de massas, de frente única
de todas as camadas do proletariado urbano e rural, os camponeses típicos e da
pequena-burguesia proletarizada.
Até hoje, o B.O.C. concentrou sua atividade no terreno eleitoral. Precisamos
dar-lhe agora um caráter profundo, de trabalho permanente, ampliando sua ação no
seio das massas, em todos os terrenos da luta de classes, utilizando todas as
formas do trabalho cultural, esportivo, etc., como meio para atrair as massas.
237
A vitória do B.O.C. nas eleições municipais confirma a justeza da sua linha
política em conjunto e tem a mais alta significação, porque aumenta a base de ação
e influência do P.C.B., abrindo vastas perspectivas.
As condições especiais do atual momento criaram para o B.O.C. duas funções:
como forma de organização das massas e, ao mesmo tempo, como uma forma de
trabalho legal do P.C.B.
Uma tal situação agrava os dois perigos seguintes:
O P.C.B. arrisca-se a perder a direção política do B.O.C. Isto produziria a
degenerescência eleitoral do B.O.C. e seu aproveitamento pelos políticos
parlamentares da pequena-burguesia, colocando o proletariado a reboque destes
elementos.
O P.C.B. arrisca-se a perder sua fisionomia própria como conseqüência da
adaptação de toda a sua política ao conteúdo político do B.O.C., subordinando sua
ação às possibilidades de trabalho legal. Este é o perigo mais grave e contra ele
devemos tomar todas as medidas. Para isto, o P.C.B. deve, ao mesmo tempo,
desenvolver sua própria propaganda nas massas, em seu próprio nome, com toda
nitidez classista, sem subordinação às possibilidades legais da luta. Só assim o
P.C.B. será cada vez mais o núcleo central do B.O.C., dirigindo sua atividade com
toda a firmeza.
A fim de exercer um controle real sobre o Bloco e este sobre os seus
representantes, subordinando o trabalho nas Câmaras à luta geral das massas, o
P.C.B. deve combater a tendência de certos camaradas que procuravam ocultar o
Partido sob o pretexto de que as massas têm medo da palavra comunismo.
* * *
O Congresso condena a aliança eleitoral que o B.O.C. de S. Paulo fez com o
P[artido]. D[emocrático]. Em fevereiro de 1928, apesar de ter instruções em contrário
da C.C.E. anterior. E bem assim os desvios oportunistas cometidos em Ribeirão
Preto, nas eleições de Outubro do ano passado. Estes desvios mostram que a
organização local do P.C.B. o tinha a necessária eficiência ideológica e orgânica,
para opor uma barreira a esses desvios.
* * *
O B.O.C. precisa evitar todo e qualquer desvio eleitoralista ou oportunista,
compreendendo a sua obra como um ponto de partida para a fermentação e a
radicalização das massas. Precisa criticar severamente a atuação do seu
238
representante na Câmara Federal, combater os desvios deste último, fazê-lo
comparecer às reuniões periódicas, para ouvir e discutir as críticas. Caso ele não se
subordine à linha política firme do B.O.C. e torne inevitável o rompimento,
precisamos fazê-lo com inteligência, realizando um trabalho preliminar de crítica
perante as massas, para que estas o responsabilizem pelo rompimento e o
condenem, deixando-o isolado.
* * *
O B.O.C. precisa organizar, por todo o país, uma rede de Comitês e Centros
Políticos a ele filiados. Precisa estudar a forma de organizar comitês de fábricas,
como uma base orgânica. Centros e Comitês não devem limitar sua atividade ao
terreno eleitoral, ampliando-a, como ficou explicado atrás. Precisa estudar as
formas orgânicas e concretas de sua ligação com todos os organismos de operários
e lavradores pobres, à luz da experiência. Nos Estados e, principalmente, onde
existe um começo de organização, estas tarefas devem ser adaptadas às condições
locais e realizadas com habilidade, firmeza e tenacidade. A penetração nos campos
deve ser uma das tarefas essenciais.”
239
ANEXO D – Programa do Bloco Operário e Camponês do Brasil (1929)
“PROGRAMA DO BLOCO OPERÁRIO E CAMPONÊS DO BRASIL
Projeto a ser apresentado ao 1º Congresso Nacional do B.O.C.B.
QUE É O B.O.C.B.
1) O Bloco Operário e Camponês do Brasil é a organização de frente única das
massas laboriosas, sob a direção da vanguarda consciente do proletariado
industrial, e unidas ao proletariado de todos os países.
2) O Bloco Operário e Camponês do Brasil aprofunda a sua ação no seio dos
trabalhadores, em todos o terrenos econômico, político, propriamente eleitoral,
esportivo, cultural etc. Faz da luta eleitoral e de todas as outras formas de luta uma
batalha em prol da conquista do poder político do governo – pelas massas
laboriosas e para elas.
3) O Bloco Operário e Camponês do Brasil defende todas as pequenas
melhorias. Procura transformar os combates por essas reivindicações imediatas
numa batalha pela emancipação dos trabalhadores manuais e intelectuais. Liga as
pequenas questões de salários às grandes questões políticas como a entrega das
terras pelo Governo Operário e Camponês aos trabalhadores, e a libertação do
Brasil, e de todos os outros países coloniais e semicoloniais, das garras do
imperialismo.
4) O Bloco Operário e Camponês do Brasil combate todas as formas do
eleitoralismo e do oportunismo.
O eleitoralismo é a limitação da luta política ao terreno estreitamente eleitoral.
A luta política é a luta pela conquista do poder político do Governo, do Estado.
O oportunismo é a falta de princípios. O oportunista prefere receber uma
bagatela no presente a esperar por um tesouro no futuro.
5) O Bloco Operário e Camponês do Brasil marcha à frente das massas
laboriosas, guiando-as, e nunca a reboque das mesmas. Sua obra é fermentar,
apurando e radicalizando as massas.
6) O Bloco Operário e Camponês do Brasil defende quaisquer trabalhadores,
das cidades ou dos campos, de qualquer raça, país, sexo, cor, religião, ideologia. E
240
aceita-os em suas organizações de base desde que estejam dispostos a lutar pela
realização do seu programa.
7) O Bloco Operário e Camponês do Brasil baseia-se em adesões coletivas.
Individualmente os trabalhadores devem aderir aos organismos de base.
8) O Bloco Operário e Camponês do Brasil apóia o jornal A CLASSE
OPERÁRIA, a Confederação Geral do Trabalho do Brasil, a Confederação Sindical
Latino-Americana, a Liga Antiimperialista e as organizações antifascistas de caráter
revolucionário. E aceita a adesão das organizações sindicais, do Partido Comunista
e das Ligas de Camponeses pobres.
AS DUAS CLASSES
9) A tese fundamental do programa do Bloco Operário e Camponês do Brasil é
a seguinte: a sociedade está dividida em duas classes inimigas: o proletariado e a
burguesia.
10) Fazem parte do proletariado:
Os operários das usinas, fábricas e oficinas. Os trabalhadores em transportes.
Os operários do Estado (federais, estaduais e municipais). Os trabalhadores a
domicílio que não são donos dos meios de produção. Os menores e as mulheres
pobres, inclusive as domésticas (as que trabalham em casa). Os que mourejam no
subsolo como os mineiros. Os empregados no comércio e na indústria. Os pequenos
funcionários. Os intelectuais pobres. Os soldados do Exército, da Polícia e do Corpo
de Bombeiros. Os guardas civis. Os marinheiros. Os inferiores do Exército, da
Marinha, da Polícia e do Corpo de Bombeiros. Os assalariados agrícolas. E todos os
elementos correlativos: os seringueiros, os cautcheiros, os balateiros, os tangerinos,
os vaqueiros, os almocreves, os carreiros, os lenhadores, os ervateiros, as
rendeiras...
11) Fazem parte da burguesia:
Os proprietários das grandes fábricas e oficinas, dos bancos, armazéns e
estradas de ferro. Os grandes proprietários de terras, minas e casas. Os atacadistas.
Os altos funcionários. Os ministros. Os ricos em geral (os capitalistas)...
12) a luta das classes libertará as massas laboriosas. Toda a conciliação
favorece a burguesia. Existindo um abismo entre as duas classes, quem não estiver
com uma, terá fatalmente de fazer o jogo da outra classe.
241
A CLASSE PROLETÁRIA INDEPENDENTE
13) O Bloco Operário e Camponês do Brasil realiza a política da classe
proletária contra a classe burguesa. Uma política de classe, independente.
14) Os representantes do Bloco Operário e Camponês do Brasil no Legislativo
e no Executivo têm de viver em contato com a classe proletária. Consultam as
organizações sindicais e o Partido do Proletariado, o Partido Comunista. Realizam
comícios. Subordinam sua atividade no Legislativo e no Executivo ao controle e à
ação das massas cujo pensamento ouvirão através dos seus órgãos autorizados.
São responsáveis perante as massas por toda a sua atividade. Realizam uma obra
coletiva, metódica e sistemática, baseada na mais severa disciplina.
O COMBATE À POLÍTICA BURGUESA
15) Os representantes do Bloco Operário e Camponês do Brasil combatem os
políticos que, direta ou indiretamente, estão ligados à classe burguesa ou defendem
os interesses dela. Desmascaram esses políticos. E vão às Câmaras com o fim de
combater o regime burguês. Não para fabricar leis e sim para provar que as
Câmaras não passam de máscaras da ditadura dos capitalistas e que as leis
preparadas pelos agentes da burguesia não podem beneficiar as massas. Tais leis
são verdadeiros engodos.
CONTRA O IMPERIALISMO
16) O Bloco Operário e Camponês do Brasil combate o imperialismo
internacional e os seus agentes no Brasil. O imperialismo é a dominação do capital
financeiro e das empresas monopolizadoras.
17) O Bloco Operário e Camponês do Brasil opõe-se a todo novo empréstimo
externo. Reivindica a extinção das missões estrangeiras (naval, militar etc.).
Reivindica a revisão dos contratos das empresas imperialistas. Reivindica para o
Estado Operário e Camponês do Brasil todas essas empresas. E apóia o
proletariado das metrópoles e as massas das colônias e semicolônias, com
especialidade as da América Latina, na luta contra o inimigo comum.
242
PELO RECONHECIMENTO DA U.R.S.S.
18) O Bloco Operário e Camponês do Brasil luta pelo reconhecimento de jure
da União das Repúblicas Socialistas Sovietistas por parte do Brasil o pleno
restabelecimento das relações diplomáticas, comerciais e culturais.
19) A União Sovietista é um imenso país com perto de 20 milhões de
quilômetros quadrados e 140 milhões de habitantes. Ocupa a parte do mundo.
Tornou-se uma força econômica e política tal que os governos mais reacionários
como os da Itália e do Japão se viram obrigados a reconhecê-la.
20) A União Sovietista é o esteio do proletariado internacional e de todos os
povos coloniais e semicoloniais (como o do Brasil) em suas lutas pela própria
emancipação. É a realização do verdadeiro socialismo, da verdadeira democracia. O
único país do mundo em que o Estado está nas mãos de cento e tantos milhões de
proletários e camponeses pobres, que governam de fato por intermédio dos Soviets,
dos Conselhos de Operários Camponeses, Soldados e Marinheiros. O único país em
que o governo entrega as armas aos trabalhadores.
PELA ANISTIA
21) O Bloco Operário e Camponês do Brasil luta por uma anistia completa a
quaisquer presos ou perseguidos políticos ou sociais. Luta pela indenização, por
parte do Estado, a todas as vítimas da reação ou às suas famílias, calculando-se a
indenização segundo os salários que respectivamente ganhavam, acumulados
durante o tempo decorrido desde o dia da prisão ao da libertação ou morte de cada
um.
22) O Bloco Operário e Camponês do Brasil luta para que os carrascos desses
mártires sejam entregues à justiça de tribunais populares, que não existem, mas
precisam ser criados. A ‘justiça’ atual, tão severa com os proletários e com os
revoltosos de 1922-1927 e tão branda com os carrascos do estado de sítio, faliu
totalmente.
23) A anistia deve atingir os revoltosos e todos os proletários deportados por
questões sociais. E todos esses perseguidos voltarão ao Brasil para continuar a
batalha.
243
PELA AUTONOMIA DO DISTRITO FEDERAL
24) O Bloco Operário e Camponês do Brasil luta para que o Distrito Federal – o
maior centro proletário do Brasil se liberte da tutela da política do governo federal,
política influenciada pelos grandes fazendeiros de café. Preconiza especialmente:
a eleição do prefeito e a sua subordinação ao Conselho Municipal; 2º o aumento das
cadeiras no Conselho Municipal e as imunidades para os intendentes; as eleições
segundo o sistema de representação proporcional, como em Buenos Aires;
nenhuma subordinação do município ao Senado ou a qualquer outro organismo
federal; a subordinação do corpo de bombeiros e da polícia civil e militar às
autoridades municipais, sendo os próprios chefes ou comandantes nomeados pelo
prefeito e responsáveis perante o Conselho Municipal.
EM PROL DA LEGISLAÇÃO SOCIAL
25) O Bloco Operário e Camponês do Brasil luta pelo andamento do Código do
Trabalho, encalhado no Senado, e sua revisão pela Confederação Geral do
Trabalho. Luta para que em todas as leis chamadas sociais seja introduzido um
artigo estipulando que o cumprimento das mesmas deve ser fiscalizado pela
Confederação Geral do Trabalho e pelos sindicatos proletários.
26) O Bloco Operário e Camponês do Brasil preconiza especialmente: o dia
de 7 horas; a semana de 40 horas de trabalho; o dia de 6 horas para os
menores, as mulheres e os que fazem trabalhos malsãos ou penosos (minas, redes
de esgotos, fábricas de fósforos etc.); a proibição do trabalho para os menores de
14 anos; o salário mínimo; os contratos coletivos de trabalho; o seguro, a
cargo do Estado e do patronato, contra o desemprego, a invalidez, a enfermidade e
a velhice; a licença às proletárias grávidas, de 60 dias antes e 60 dias após o
parto, com o pagamento integral dos respectivos salários; a extinção dos “serões”
e extraordinários; 10º o descanso semanal para todos os trabalhadores; 11º a
proibição da dormida nos locais de trabalho; 1a água filtrada e todos os requisitos
da higiene; 13º o aumento dos vencimentos e ordenados para os pequenos
funcionários e para os intelectuais pobres (professores primários, jornalistas mal
pagos).
244
CONTRA A REAÇÃO
27) O Bloco Operário e Camponês do Brasil luta pela anulação total de todas
as leis reacionárias: a lei Adolpho Gordo, a lei contra a imprensa, a reforma
bernardesca da Constituição, a lei celerada e a lei da ditadura policial. Foram leis
pagas pelos imperialistas com os empréstimos.
28) O Bloco Operário e Camponês do Brasil luta pela volta ao Brasil de todos
os proletários deportados por questões sociais.
29) Luta contra a intervenção do Estado capitalista e seus órgãos de
repressão, nas greves.
30) Sustenta a luta em prol dos trabalhadores presos ou perseguidos por
questões políticas ou sociais.
31) Luta pela máxima liberdade de associação, reunião e opinião política para
todos os proletários.
OS RICOS PAGARÃO MUITO MAIS IMPOSTOS
32) A classe proletária não pagará imposto algum, a classe média te uma
redução de 50% nos impostos atuais e a classe capitalista pagará muito mais.
33) Atualmente é inverso: O imposto sobre a renda sobre os ricos produz
uma insignificância: 24 mil contos. os impostos sobre o consumo sobre os
pobres – produzem 12 ½ vezes mais: 300 mil contos.
34) O Bloco Operário e Camponês do Brasil bate-se pela redução enérgica dos
impostos de consumo.
CONTRA A ATUAL REFORMA DA MOEDA
35) O Bloco Operário e Camponês do Brasil combate a atual reforma da moeda
porque ela se faz em proveito dos ricos, contra os pobres. Uma das suas
conseqüências é a estabilização da carestia e da miséria.
36) O governo capitalista procura arrancar as finanças ao descalabro em que
encontram, aumentando os impostos e contraindo novos empréstimos. O aumento
dos impostos sobre os pobres agrava a carestia. Os empréstimos imperialistas
acarretam novos impostos para fazerem face aos juros e à amortização. E acarretam
245
maiores quantias desviadas do Brasil para os cofres dos banqueiros de Londres e
Nova York. Um círculo vicioso, agravando cada vez mais a carestia.
37) Se o “cruzeiro” fosse estabelecido, haveria um reajustamento nos salários e
nos preços dos gêneros de primeira necessidade, isto é, um pretexto para a
diminuição dos salários e para o aumento dos preços desses gêneros.
38) O Bloco Operário e Camponês do Brasil preconiza: o reajustamento dos
salários e vencimentos dos proletários e da classe média segundo uma tabela
científica de relação entre o preço dos gêneros imprescindíveis e as necessidades
mínimas das massas laboriosas; o aumento desses salários e vencimentos e a
diminuição do preço desses gêneros; o combate a todo novo empréstimo no
exterior, que poderá agravar a carestia e a atual dependência do Brasil perante a
finança anglo-americana; a repressão à jogatina cambial; o combate a
quaisquer impostos sobre a classe proletária; a agravação de todos os impostos
sobre a classe capitalista; a extensão do imposto sobre a renda aos grandes
proprietários rurais.
PELA HABITAÇÃO PROLETÁRIA
39) O Bloco Operário e Camponês do Brasil denuncia a esterilidade das meias
soluções burguesas do problema da habitação, dos paliativos e medidas de
emergência.
40) Preconiza: a expropriação e a conquista pelas municipalidades, das
casas dos grandes proprietários; os aluguéis proporcionais aos salários; a
suspensão do despejo dos barracões até o alojamento em casas baratas e
higiênicas; 4º a moradia gratuita para os proletários sem trabalho; 5º a construção de
casas de repouso para os trabalhadores, por conta dos patrões; 6º as tabelas dos
aluguéis proporcionais estabelecidas e fiscalizadas por comissões de inquilinos
pobres; 7º a supressão dos depósitos e pagamentos adiantados; a construção de
habitações baratas e higiênicas como condição para a derrubada dos barracões e
casas de cômodos; 9º o combate à exploração dos intermediários e sublocadores.
246
PELO ENSINO E A EDUCAÇÃO PARA O PROLETARIADO
41) O Bloco Operário e Camponês do Brasil luta pelo desenvolvimento do
ensino primário e obrigatório. Preconiza como medidas especiais: o auxílio
econômico às crianças pobres em idade escolar, o Estado fornecendo-lhes
gratuitamente, além do material escolar, a roupa, o alimento e o transporte; a
criação de novas escolas profissionais de ambos os sexos como uma continuação
das escolas primárias; o aumento dos vencimentos do professorado primário; 4º o
apoio às justas melhorias que as associações do mesmo professorado
reivindicarem; as subvenções às bibliotecas operárias e populares; a
fiscalização da instrução pela Confederação Geral do Trabalho.
PELO VOTO SECRETO
42) O Bloco Operário e Camponês do Brasil luta pelo voto secreto e obrigatório.
Extensivo às mulheres, aos bombeiros, aos soldados, aos marinheiros, aos
analfabetos e aos proletários estrangeiros.
43) O voto secreto e obrigatório não pode resolver os problemas nacionais É
apenas um meio de despertar as massas adormecidas e levá-las a participar da
política e da administração do país.
44) O Bloco Operário e Camponês do Brasil preconiza as seguintes medidas
especiais: a máxima simplificação no alistamento; a representação
proporcional por quociente eleitoral para extinguir os “cabos” eleitorais, forçar a
criação dos partidos, e a apresentação dos candidatos em listas coletivas de cada
partido.
EM PROL DOS SOLDADOS E MARINHEIROS
45) O Bloco Operário e Camponês do Brasil apóia todos os protestos dos
soldados e marinheiros contra a atual opressão capitalista. E luta: pelo aumento
do soldo; pelo aumento da etapa e melhoria do “rancho”, fiscalizado pelas praças;
pela supressão dos castigos físicos e das prisões em células; 4º pela substituição
da atual disciplina burguesa por uma disciplina consciente; por uma completa
modificação dos regulamentos; pelo direito de voto; pelo direito de
247
organização; pelo alargamento radical dos insignificantes direitos atuais; 9º pela
intervenção direta na administração e na política nacionais.
EM BENEFÍCIO DA JUVENTUDE E DAS MULHERES PROLETÁRIAS
46) O Bloco Operário e Camponês do Brasil defende as seguintes
reivindicações especiais da juventude e das mulheres proletárias: - O aumento
dos salários; - O dia de 6 horas de trabalho, no máximo; 3º - A proibição do
trabalho para os menores de 14 anos; - A proibição do trabalho nas indústrias
perigosas e insalubres (vidro, fósforo etc.): - 15 dias de férias, de 6 em 6 meses;
6º - A proibição dos “serões”; 7º - O direito de voto aos maiores de 18 anos; 8º - Para
trabalho igual, salário igual; - A redução da aprendizagem ao máximo de 2 anos;
10º – O salário de acordo com o custo da vida.
47) O Bloco Operário e Camponês do Brasil defende mais as seguintes
reivindicações especiais das mulheres trabalhadoras: - A licença, às proletárias
grávidas, de 60 dias antes e 60 dias depois do parto, com o pagamento integral dos
respectivos salários; 2º - A criação de maternidades e creches gratuitas, à custa do
Estado e do patronato, junto aos locais de trabalho, e fiscalizadas pela
Confederação Geral do Trabalho; A licença remunerada de meia hora, de 3 em 3
horas, para que a mãe proletária possa amamentar o filho; - Os mesmos direitos
políticos e sociais dos homens.
A FAVOR DA CLASSE MÉDIA
48) Entre o proletariado e a burguesia existe uma categoria social intermediária
que rigorosamente não forma uma classe. É a chamada classe média, a pequena
burguesia.
49) Fazem parte da classe média:
Os artesãos, isto é, os que trabalham a domicílio com os seus próprios meios
de produção. Os pequenos comerciantes e industriais. Os funcionários médios. Os
técnicos. Uma grande parte dos estudantes e intelectuais. Os tenentes e os
capitães. Os que vivem das profissões liberais. Os pequenos lavradores
proprietários (os camponeses típicos). Os pequenos proprietários em geral...
50) - Qual a situação da classe média?
248
Economia: os vencimentos desvalorizados; os impostos sobrecarregando os
pequenos comerciantes e industriais; as profissões liberais sob os maiores vexames;
os pequenos proprietários em geral vegetando, rolando para um empobrecimento
cada vez maior...
Política: a opressão; as leis reacionárias; os tribunais parcialíssimos; a
promessa de uma anistia homeopática...
51) - Que espera a classe média à sombra do atual regime capitalista?
Uma agravação da exploração econômica; maior opressão política; a ditadura
da classe capitalista (o fascismo); violências e arbitrariedades; guerras
imperialistas...
52) No meio de 1.000 membros da classe média, 1 poderá ficar capitalista;
999 terão de vegetar a vida toda na “pobreza envergonhada”. E quanto mais o Brasil
se desenvolver, menor será o número de capitalistas. O capital concentra-se cada
vez mais, espoliando a massa de proletários e pequenos burgueses. A grande
propriedade aniquila a pequena propriedade.
53) O Bloco Operário e Camponês do Brasil defende as seguintes
reivindicações: - A redução, à metade, de todos os impostos que pesam sobre o
pequeno comércio, a pequena indústria e a pequena lavoura; - A redução, à
metade, dos aluguéis, que pesam sobre a classe média em geral; - A facilidade
na construção das habitações de valor abaixo de 20 contos; - O apoio e a
radicalização de todos os protestos da classe média contra a reação: 5º - O apoio
aos intelectuais e aos elementos das profissões liberais todas as vezes que lutarem
contra a exploração e a opressão capitalistas.
54) O governo Operário e Camponês (o governo das massas laboriosas) não
confiscará as casinhas dos subúrbios, o lote do camponês pobre, a lojinha, a
quitandinha, a pequena oficina as pequenas propriedades em geral - nem os
objetos de uso pessoal, indispensáveis à manutenção e à reprodução.
55) A luta fundamental do proletariado é contra a classe capitalista.
A QUESTÃO AGRÁRIA
56) No Brasil, como nos outros países, existem três categorias rurais
oprimidas:
249
- O assalariado agrícola, o proletário rural típico, a parte mais explorada da
população brasileira: o jornaleiro, o ambulante de Minas, o caboclo dos engenhos e
das usinas do Nordeste, o colono assalariado das fazendas.
O pequeno lavrador sem terras: o rendeiro ou arrendatário, o meeiro, o
terceiro. É um semiproletário.
3º - O pequeno proprietário, o camponês típico, o pequeno burguês rural.
57) Essas três categorias vivem oprimidas pelos grandes proprietários,
protegidos pelos imperialistas. Devem ser arrastadas, paralelamente, à luta pelas
suas reivindicações próprias, ao turbilhão da luta do proletariado industrial e, como
conseqüência, à revolução agrária e antiimperialista.
58) O Bloco Operário e Camponês do Brasil apóia os protestos das massas
rurais, principalmente quando esses protestos se fizerem como no Jary em 1928. E
luta pelas seguintes reivindicações:
Para o operário rural:
- O aumento dos salários; - a diminuição das horas de trabalho; - a
abolição das multas; 4º o pagamento em moeda corrente e não em vales falsos,
cartões ou moedas de alumínio; - o pagamento de quaisquer consertos, “limpas”,
ou trabalhos semelhantes; 6º - a extinção dos atuais armazéns ou “barracões”
ligados aos grandes proprietários, e o fornecimento dos gêneros de primeira
necessidade pelas cooperativas de operários agrícolas; 7º - o combate à sujeição
dos grandes proprietários, criadores, usineiros, senhores de engenho; a
anulação de quaisquer leis que permitam a existência de grupos armados a serviço
dos grandes proprietários e a dissolução dos grupos de “capangas”; - a demissão
dos fiscais e administradores prepotentes; 10º - a liberdade de locomover-se; 1- a
liberdade de trabalhar para quem entender; 12º - a união com os trabalhadores
industriais na luta contra o inimigo comum o grande proprietário aliado ao
imperialista; 13º - a liberdade de voto; 14º - a anulação da concessão Ford e das
outras semelhantes; 15º - a formação de sindicatos; 16º - a fiscalização do Patronato
Agrícola por esses sindicatos; 17º - a extensão da legislação social, das leis de
férias, acidentes etc., que atualmente estão limitadas ao proletariado das cidades;
18º - as escolas primárias; 19º - a construção de casas de taipa em lugar de
palhoças; 2- o dico, o hospital e a farmácia grátis; 21º - o saneamento rural
sistemático, visando a regeneração física e moral do trabalhador agrícola; 2 - a
higienização das condições de trabalho e habitação; 23º - o auxílio às cooperativas
250
operárias de consumo; 24º - a luz elétrica; 25º - a água encanada; 26º - as máquinas
que facilitem o trabalho; 27º - a proibição dos contratos de escravização.
Para o pequeno lavrador sem terras:
- a redução do arrendamento; - a facilidade e a barateza dos transportes;
- a conservação e o melhoramento das estradas atuais; - a construção de
novas estradas de rodagem; - a isenção de quaisquer impostos ou taxas de
qualquer natureza sobre os veículos de toda espécie, destinados ao transporte dos
produtos da pequena lavoura; 6º - o fornecimento gratuito de sementes e adubos;
- fornecimento, a crédito ou por aluguel, de animais e máquinas agrícolas; - o
desenvolvimento das ligas de pequenos lavradores; - a liberdade de vender os
produtos a quem entender.
E para o pequeno proprietário:
- o combate aos direitos hipotecários; - a redução de todos os impostos;
- o combate ao grande proprietário; - o auxílio às cooperativas de produção;
- o auxílio contra as formigas e outros insetos; - a canalização das águas para a
irrigação das terras; - as novas estradas; - a facilidade de embarque nas
estradas de ferro; - a luta contra as secas e inundações; 10º - a transferência do
fardo fiscal para as categorias ricas (os grandes proprietários); 11º - a organização
de Ligas Camponesas Típicas.
59) O Bloco Operário e Camponês do Brasil apóia as reivindicações dos
imigrantes, dos seringueiros e dos pescadores. Preconiza para estes: - a
liberdade de vender o pescado diretamente; 2º - o fornecimento pelo Estado de
recursos e utensílios para a pesca; 3º - a direção real das colônias, libertando-as do
controle do ministério da marinha; - a higienização das colônias; 5º - a criação de
escolas e hospitais; - a construção de casas baratas e higiênicas; - o combate
às empresas capitalistas de pesca, que reduzem os pescadores à miséria.
60) Os sindicatos de assalariados rurais devem aderir à Confederação Geral do
Trabalho do Brasil, e às Ligas de pequenos lavradores sem terras e de camponeses,
ao Bloco Operário e Camponês do Brasil e à Internacional Camponesa Vermelha.
61) O caráter fundamental da questão agrária no Brasil é o seguinte: a minoria
exploradora possui 800 milhões de hectares de terras (cada hectare tem 100 metros
de comprimento por 100 de largura), enquanto a imensa maioria proletária não
possui um único hectare. Apenas existem 26 milhões de hectares de terras
recenseadas, nas mãos dos pequenos proprietários.
251
62) A revolução agrária e antiimperialista tem por fim livrar o Brasil dos restos
de escravidão, da servidão e do imperialismo. A luta contra os grandes proprietários
rurais é inseparável da luta contra os seus financiadores, os imperialistas. A
revolução respeitará as terras dos pequenos proprietários, mas confiscará os
milhões de hectares dos grandes proprietários.
63) O Bloco Operário e Camponês do Brasil luta pela revolução agrária e
antiimperialista, revolução democrática pequeno-burguesa, prelúdio da revolução
proletária, dirigida pelo Partido Comunista. Luta para que, nessa primeira revolução,
o proletariado conquiste a hegemonia, uma influência decisiva.
64) O Bloco Operário e Camponês do Brasil procurará ligar solidamente, como
os elos da mesma cadeia, as reivindicações imediatas das massas rurais
(especificadas atrás), à revolução agrária e antiimperialista. Esta deve ser o
coroamento da luta por aquelas.
65) À medida que as massas evoluírem revolucionando-se, o Bloco Operário e
Camponês do Brasil deverá ir radicalizando as reivindicações acima, lançando
palavras de ordem intermediárias. Nesse período essencialmente revolucionário,
cabem as seguintes reivindicações das massas rurais, que deverão ser sustentadas
pelo proletariado industrial, com a máxima energia: - a extinção do arrendamento;
- a anulação das dívidas contraídas pelos lavradores pobres com o capital
usurário; - a anulação de outras dívidas quaisquer; 4º - redução enérgica dos
impostos; 5º - a confiscação (sem indenização) das terras; 6º - a nacionalização das
mesmas, isto é, a apropriação delas pelo governo das massas laboriosas; - a
repartição das terras pelas três categorias rurais especificadas atrás, especialmente
pelas duas primeiras, com a propaganda da lavoura, em comum e não do trabalho
isolado, individualista; - a criação dos organismos armados dos operários
agrícolas; - O desarmamento dos grandes proprietários e de seus grupos de
“capangas”.
66) O Bloco Operário e Camponês do Brasil preconiza que os
estabelecimentos agrícolas modernizados com arados, tratores etc. devem continuar
a ser cultivados coletivamente, sem a sua divisão em lotes. A produção deve
realizar-se em comum. Os produtos passarão a pertencer à coletividade dos
trabalhadores.
67) Os problemas nacionais e especialmente os problemas da massa
trabalhadora, poderão ser resolvidos pelo Governo Operário e Camponês do
252
Brasil, unido ao proletariado internacional. Esse governo realizará as melhorias
citadas no programa do Bloco Operário e Camponês do Brasil. Estendê-los-á
aprofundando e radicalizando. Elevará às últimas conseqüências a revolução agrária
e antiimperialista, preparando a revolução proletária a instauração do socialismo,
do primeiro passo para a sociedade comunista.
68) O Bloco Operário e Camponês do Brasil condena a política do café, que se
faz em proveito da insignificante minoria dos grandes fazendeiros, sacrificando a
imensa maioria da população; e em benefício dos imperialistas que a aproveitam
para conquistar novas posições estratégicas na economia e na política nacionais.
69) O Governo Operário e Camponês procurará valorizar os produtos nacionais
em benefício das vastas multidões laboriosas.
A QUESTÃO DOS ÍNDIOS
70) séculos, os índios vêm protestando contra a usurpação das suas terras.
Esse protesto tem se revestido: - de formas legais, como o dos Coroados do
Estado do Rio, em 1916, e dos Carijós de Pernambuco, em 1928; - de formas
semilegais, como o protesto dos Terenos de Mato Grosso, em 1929; - de formas
extralegais, como as lutas armadas em vários Estados. Os fazendeiros têm sido
ferozes espoliadores dos índios.
71) O Bloco Operário e Camponês do Brasil apóia o protesto dos índios contra
a usurpação de suas terras pelos fazendeiros, principalmente quando esse protesto
se fizer pelas armas. E reivindica: - que a Confederação Geral do Trabalho tenha
o direito de fiscalizar o Serviço de Proteção aos Índios; - que na direção desse
Serviço existam representantes dos índios, escolhidos em assembléia dos mesmos;
- que os índios tenham o direito de organização sindical e política;- que gozem
dos mesmos benefícios que o Bloco Operário Camponês do Brasil reivindica para
as massas rurais em geral; - que tenham todas as possibilidades de criar uma
civilização própria, como es sucedendo na União Soviética com as minorias
nacionais; administração própria, alfabeto, livros e formas na própria língua, uma
arte, uma cultura e uma indústria indígenas.
72) As palavras de ordem revolucionária como a confiscação de terras dos
fazendeiros pelos índios o inverso do que se atualmente – devem ser lançadas
253
e sustentadas, como também a favor dos pequenos proprietários do interior de S.
Paulo, espoliados pelos “grileiros”.
73) Que os índios tenham uma vida nacional própria e não vegetem à sombra
do capitalismo, envenenando-se com o álcool, cobrindo-se de todas as gafeiras
deste regime.
O problema dos índios está ligado à questão agrária e à questão das minorias
nacionais.
OS PARTIDOS POLÍTICOS
74) O Bloco Operário e Camponês do Brasil combate o Partido Republicano
porque tal partido está preso aos capitalistas em geral e aos fazendeiros de café em
particular, aos imperialistas em geral e aos imperialistas ingleses em particular;
porque a sua política da valorização do café, em proveito dos grandes fazendeiros; e
porque constitui a mão direita da burguesia.
75) O Bloco Operário e Camponês do Brasil combate a Aliança, falsamente
Liberal, o Partido pretensamente Libertador e os Partidos falsamente Democráticos
porque são dirigidos por fazendeiros, industriais e estancieiros descontentes, pelos
capitalistas em proveito dos capitalistas; porque os seus dirigentes estão ligados aos
imperialistas em geral e aos imperialistas norte-americanos em particular; e porque
tentam representar a comédia de um “esquerdismo burguês mascarando a
realidade fascista.
76) O Bloco Operário e Camponês do Brasil apóia-se nas organizações
revolucionárias como o Partido Comunista. E combate o Partido Trabalhista
partido de policiais e fura-greves que homenagearam Hoover e apóiam a
candidatura Julio Prestes, partido que é uma verdadeira caricatura do reformismo
internacional.
A SUCESSÃO PRESIDENCIAL
77) O candidato Julio Prestes é um instrumento da classe capitalista em geral e
dos grandes fazendeiros de café em particular. Sua política é a do Partido
Republicano e a do imperialismo inglês. Candidato da mão direita da burguesia.
Procurou esmagar a greve dos gráficos. Prendeu centenas de proletários. E é um
254
dos responsáveis pelas perseguições aos trabalhadores do Rio de Janeiro; pelos 35
assaltos às associações operárias, pelas 900 prisões etc.
78) O candidato Getulio Vargas é um instrumento da classe capitalista e do
imperialismo norte-americano. Candidato fascista a fingir de mão esquerda da
burguesia. Liberal na aparência e reacionário na substância.
79) O desejo da mão direita da burguesia e do seu candidato é instalar o
fascismo no Brasil, sob a proteção dos banqueiros de Londres. O desejo da
pretensa mão esquerda da burguesia e do seu candidato é instalar o fascismo no
Brasil, sob a proteção dos banqueiros de Nova York. O fascismo é a ditadura da
burguesia esmagando o proletariado e a classe média.
80) Contra o candidato declaradamente reacionário e contra o candidato
mascaradamente liberal, contra os candidatos fascistas dos banqueiros de Londres
e Nova York, o Bloco Operário e Camponês do Brasil apresenta o candidato das
massas laboriosas.
81) A luta pela sucessão presidencial deve ser uma luta pela revolução agrária
e antiimperialista, resultante da atual crise econômica, política e social.
A REVOLUÇÃO BRASILEIRA
82) Até aqui, a história do Brasil foi um mero reflexo da história universal. Pela
primeira vez, os acontecimentos nacionais vão influenciar sobre a situação
internacional. Chegou a hora da América Latina.
83) Como a França em 1789, a Rússia em 1917, a Finlândia, o Japão, a
Áustria e a Alemanha em 1918, a Hungria, a Coréia e a Baviera em 1919, a Turquia
e a Itália em 1920, a Alemanha em 1921, a Bulgária, a Alemanha e a Estônia em
1923, Marrocos e a Síria em 1925, a Inglaterra em 1926, a Áustria e a China em
1927 – a América Latina vai ser um dos esteios da revolução social mundial.
84) A revolução brasileira deve ser considerada como sendo a revolução
mundial no setor brasileiro em seu primeiro período de 1917 a 1920, sua base social
foi o proletariado. Esmagado este, a classe média deu um passo à frente. Lutou em
1922 e 1924 para derrubar a situação dominante. O proletariado, vencido e
desorganizado, não pôde auxiliá-la de fato. Preparam-se, agora, as condições
favoráveis a uma nova revolta. Nela poderá realizar-se a ação paralela do
255
proletariado e da classe média contra o inimigo comum, sob a hegemonia do
proletariado.
85) A nova revolta prolongando-se, transformar-se-á numa revolução agrária e
antiimperialista. Confiscará as terras dos grandes proprietários e as empresas
imperialistas. Terá como base social o proletariado e a classe média, contra a classe
capitalista. Radicalizar-se-á transformando-se numa revolução proletária.
86) O Bloco Operário e Camponês do Brasil apóia os revoltosos de
Copacabana, S. Paulo e da Coluna Prestes, especialmente os seus elementos
radicais, criticando, porém, os desvios dos elementos direitistas. Apoiará a revolução
agrária e antiimperialista. E lutará pela hegemonia do proletariado nessa revolução.
87) O povo brasileiro marcha atualmente para o fascismo ou para a revolução
agrária e antiimperialista, preliminar da revolução proletária. Marcha para uma
escravidão maior ou para a liberdade!
Setembro, 1929.
O COMITÊ CENTRAL DO BLOCO OPERÁRIO E CAMPONÊS”
256
ANEXO E – Panfleto entregue no 1º de maio de 1929 pela CRT.
“A Confederação Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul, apela aos
trabalhadores das cidades e dos campos!
O proletariado do Brasil comemora o de maio de 1929 em condições
excepcionais.
Durante os últimos anos, a situação da classe operária é cada vez mais
angustiosa. De um lado, devido à política do câmbio baixo, à estabilização da moeda
em taxa vil de outro lado, devido à formação de trusts açambarcando todos os
gêneros de primeira necessidade.
A estabilização da moeda baixa, embora beneficiasse os grandes fazendeiros
de café e capitalistas, entretanto, para a grande massa do povo, ela representa a
estabilização da miséria e das privações, a ameaça sinistra da fome. Os
açambarcadores dos gêneros mais necessários ao consumo, impondo preços
extravagantes, agravam ainda mais as tristes condições de vida das massas
laboriosas.
Premido pelas circunstâncias, agita-se o imenso proletariado das cidades e dos
campos do Brasil. Farto de sofrimentos, explorado, oprimido, humilhado, o
proletariado se revolta, reclamando os seus direito, exigindo pão e liberdade! E o
país inteiro é sacudido pelas greves, repetidas, cada vez mais amplas, mais vastas,
arrastando para a luta de classes milhares e milhares de trabalhadores...
A princípio, a revolta do Jary, depois, a fuga impressionante dos colonos da
concessão Ford; ainda a greve espontânea da massa sacrificada da Amazon River,
seguida pelas greves que ultimamente abalaram Porto Alegre. Pouco depois,
explodia a greve de São Félix, Cachoeira e Muritiba, no momento mesmo em que
principiava a grandiosa batalha dos 6.000 gráficos paulistas, acompanhada pela
greve dos trabalhadores da Estrada de Ferro São Paulo e Minas,
O sítio, durante anos inteiros, garroteou o proletariado. Arbitrariedade e
violência da classe operária a serviço dos nababos, amordaçaram o grito de protesto
da classe operária, vítima de uma exploração desumana! Mas o clamor de revolta
das camadas mais profundas da massa proletária, espoliada nas fábricas, campos e
oficinas, não mais pode ser abafado pelas leis “infames”!
O proletariado se movimenta. Essa imensa massa, a anônima propulsora da
grandeza do país, ela reclama o bem estar, exige o conforto, a que ela tem direitos
incontestáveis!
257
Queremos o dia de 8 horas. Reclamamos um aumento de ordenados, que
esteja em relação com o aumento do custo de vida. Reivindicamos o cumprimento
das leis de férias, acidentes de trabalho e de menores, votadas pela própria
burguesia e sancionados pelo governo dos fazendeiros de café.
Todas as conquistas da classe operária marcam lutas ásperas e penosas. E o
de Maio é o dia em que o proletariado no mundo inteiro comemora os tombados
na batalha pela sua libertação! E seja esta comemoração dos nossos mártires do
passado, a afirmação da nossa vontade de luta no presente, luta contra os
exploradores, luta por um futuro melhor, sem opressores, nem oprimidos!
Realizando o balanço das lutas passadas, lançando as palavras de ordem para
as batalhas que vêm, no dia de maio, os trabalhadores manifestam em praça
pública, protestando contra as injustiças do regime capitalista, reafirmando as suas
esperanças de emancipação!
A classe operária, no Rio Grande do Sul, lutou muito no passado. E ao lado
dos companheiros do país inteiro, assistimos, em 1920-21, à destruição do
movimento operário, edificado à custa de tantas dedicações e tamanhos sacrifícios.
Todas as conquistas alcançadas foram-se, pouco a pouco, diante da impossibilidade
de resistência de um movimento sindical desmantelado. Falta de uma visão clara do
caminho que nos de levar è emancipação, falta de disciplina, de unidade de
pensamento e de ação, incapacidade de direção, organização de sindicatos à base
de ofício, dispersando as forças operárias, enquanto os capitalistas se unem cada
vez mais, concentram a produção — tudo isto acarretou a derrota do proletariado.
E depois de tanto tempo, quando os nossos companheiros de Rio e São Paulo
libertam-se dos últimos vestígios do passado, quando anos que a Federação
Sindical Regional do Rio realiza a obra de reorganização das forças operárias da
capital da República, ultimamente é que no Rio Grande do Sul surgiu a
Confederação Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul, indicando aos
trabalhadores o caminho a seguir, nas lutas pelas suas reivindicações: poderosos
sindicatos de indústria, grandes associações de empresa, unificação das forças
operárias do Estado, na Confederação Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul;
filiação da Confederação, à Confederação Geral do Trabalho do Brasil, que unida
aos sindicatos de toda a América Latina, nos dirigirá para a luta contra a exploração
da burguesia nacional e imperialistas estrangeiras!
258
Que o de Maio seja para os trabalhadores do Rio Grande do Sul o início de
uma nova era de organização, mas organização que obedeça às necessidades
novas da luta entre a burguesia exploradora e o proletariado explorado!
Seja a comemoração do 1º de maio deste ano uma afirmação vigorosa da força
do proletariado e seja o começo de intensa campanha no Rio Grande do Sul pela
preparação da classe operária, para as batalhas que cada vez mais se aproximam!
O êxito dessa comemoração é uma questão de honra para o movimento
operário do país. Quando a polícia paulista fecha a UTG de São Paulo; quando ela
fecha as associações que se manifestam solidárias com o grande movimento da
União dos Trabalhadores Gráficos e prende os dirigentes da greve e operários
indefesos; quando o patronato se prepara para oprimi-nos ainda mais e a nossa
situação é cada vez mais precária é preciso que de todo o Brasil, das
comemorações do de maio, parta o grito do proletariado consciente, de protesto
contra as violências de que a nossa classe é vítima, contra a escravidão capitalista,
pela emancipação dos oprimidos!
Todos os operários dentro dos sindicatos de indústria e de empresa! Todos os
sindicatos do Rio Grande, unidos na Confederação Regional do Trabalho do Rio
Grande do Sul! A classe operária do Brasil inteiro, arregimentada sob a bandeira da
Confederação Geral do Trabalho! Toda a América Latina proletária, na
Confederação Sindical Latino-americana, para a batalha contra o imperialismo! Pelo
dia de 8 horas de trabalho! Pelo pagamento extraordinário de serões! Pelo
cumprimento da Lei de Férias, de Acidentes de Trabalho e Menores! Aumento de
salários de acordo com o aumento dos custos de vida! Contra as leis que limitam e
suprimem o direito de livre organização operária, garantida pela constituição! Contra
as leis que limitam e suprimem a liberdade de reunião, palavra e imprensa para os
trabalhadores! Contra as leis que arrancam do seio do proletariado os seus
militantes, deportando-os para o estrangeiro e para as Clevelândias! Nem mais um
operário fora dos sindicatos! Todos ao grande comício promovido pela
Confederação Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul, no dia de maio, às 5
horas da tarde, defronte da escadaria da Intendência Municipal! Que cada
trabalhador saiba cumprir com seu dever, participando do comício do 1º de maio!
O Comitê Provisório da Confederação Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul.”
Diário de Notícias, Porto Alegre, 1º de maio de 1929, p. 8.