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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
(MESTRADO E DOUTORADO)
EM BUSCA DE NOVAS POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS:
A INTRODUÇÃO DA ROBÓTICA NO CURRÍCULO ESCOLAR.
Maria do Rosário Paim de Santana
Salvador- Bahia- 2003
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MARIA DO ROSÁRIO PAIM DE SANTANA
EM BUSCA DE NOVAS POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS:
A INTRODUÇÃO DA ROBÓTICA NO CURRÍCULO ESCOLAR.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Educação, Faculdade de
Educação, Universidade Federal da Bahia,
como requisito parcial para obtenção do grau
de Mestre em Educação.
Área de Concentração: Currículo e Novas
Tecnologias.
Orientadora: Prof
a
Dr
a
Teresinha Fróes
Burnham.
Salvador
2003
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Este trabalho é dedicado à minha
família, pela paciência e compreensão,
especialmente a minha mãe (in memoria)
por ter me ensinado a aprender e à
minha tia Ida, grande fonte de
inspiração. Obrigada pelo carinho e
amor...
AGRADECENDO....
[...] E aprendi que se depende sempre de tanta, muita
diferente gente.
Toda pessoa sempre é as marcas das lições diárias de outras
tantas pessoas.
E é tão bonito quando a gente sente que a gente é tanta gente
aonde quer que a gente vá.
E é tão bonito quando a gente sente que nunca está sozinho
por mais que pense estar
E é tão bonito quando a gente pisa firme
Nessas linhas que estão nas palmas de nossas mãos
E é tão bonito quando a gente vai à vida nos caminhos onde
bate bem mais forte o coração [...].
Caminhos do Coração - Gonzaguinha, 1982.
São muitas as pessoas a quem quero agradecer nesse momento:
$ A Profa. Dra. Teresinha Fróes Burnham, minha orientadora, que esteve
sempre presente durante o meu caminhar nessa experiência, ouvindo-me,
aconselhando, encaminhando e, pacientemente, reencaminhando-me.
$ Ao Prof. Alceu Lisboa Filho, diretor geral do Colégio Alfred Nobel, pelo
apoio e compreensão a minha condição de Mestranda, possibilitando a
realização da pesquisa na instituição.
$ A amiga-irmã Maria Arlinda Passos Lisboa, pelo apoio, compreensão,
incentivo... pelos vários momentos em que me substituiu na Coordenação
Pedagógica do ensino fundamental (5
a
à 8
a
série), em dias de aula na
Faced, não permitindo que o trabalho sofresse descontinuidade.
$ A Mario Sergio Almeida, professor de Robótica Pedagógica do Colégio
Alfred Nobel, pela santa paciência e colaboração neste trabalho.
$ Ao Prof. MS Paul Burnham, pelas muitas conversas sobre educação e
sobre robôs, pela forma carinhosa como me fazia refletir sobre essas
questões.
$ Aos amigos Eliane Mezzedimi Cunha, Marta dos Santos Sena e Carlos
Eduardo Passos Júnior, pela paciência... paciência... paciência... e
compreensão durante este período e em todos os outros de demonstração
de carinho e amizade.
$ A amiga-irmã Hélia Mascarenhas Macedo, pelo incentivo e por ser meu
eterno suporte musical.
$ Ao Prof. Dr. Edvaldo de Souza Couto, pelas várias sugestões, discussões,
orientações; enfim, pela presença durante esse caminhar.
$ Aos amigos Prof. MS Josemar Rodrigues de Souza e Profa. Dra. Noemi
Salgado, pelas conversas e, principalmente, pelo incentivo e confiança.
$ Ao amigo Prof. Dr. Arivaldo Leão de Amorim, que, pacientemente, me
mostrou caminhos a percorrer, quando resolvi (enfim) escrever o meu
projeto de pesquisa.
$ As amigas Profa. MS Jamile Borges e Profa. MS Lynn Alves, pela leitura
inicial do meu projeto de pesquisa e pela amizade sempre demonstrada.
$ Ao amigo Inácio Nakahata , que, mesmo longe, esteve perto, ajudando,
discutindo, incentivando, descobrindo materiais...
$ Ao Prof. Dr. Roberto Sidnei Macedo, que, mesmo sem me conhecer, não
pode imaginar o quanto foi importante a sua fala paciente e carinhosa na
entrevista de seleção para esse programa de Mestrado.
$ Aos Profs. Drs. Dante Galeffi, Dora Leal Rosa, Maria Inez Carvalho, Miguel
Bordas, Nelson Pretto, Robert Verhine, Theresinha Miranda, Vera Fartes,
meus professores no Mestrado, que muito contribuíram, com as
discussões em suas aulas, fazendo-me refletir sobre minha prática
pedagógica.
$ Aos meus colegas do Mestrado, turma 2001, pelas contribuições
recebidas, especialmente no dia da apresentação do projeto na disciplina
Projeto de Dissertação.
$ A Lucimere Santos, pela ajuda constante durante esses anos em que
estou na Coordenação Pedagógica do ensino fundamental (5
a
à 8
a
série).
$ Aos alunos da 5
a
a 8
a
série do ensino fundamental do Colégio Alfred
Nobel, que, dia após dia, me ensinam a arte de ensinar.
$ Aos professores de 5
a
à 8
a
série do ensino fundamental, a Renata Adélia,
Reginaldo Barros e Armando Júnior pela ajuda e pela compreensão
durante esse processo.
$ A minha família, sempre...sempre...sempre.
$ E a todos aqueles que fizeram e fazem parte da minha história.
A todos vocês, o meu carinho...
Um agradecimento especial....
ð Ao professor Luiz Felippe Perret Serpa (in memoria) por ter acreditado no
meu trabalho, pelos ensinamentos aprendidos e pelas orientações dadas
na apresentação do meu projeto de pesquisa na disciplina Projeto de
Dissertação em 01 de abril de 2002.
É tão estranho
Os bons morrem antes
Me lembro de você
E de tanta gente que se foi
Cedo demais.
Renato Russo
Nunca deixe que lhe digam
Que não vale a pena
Acreditar no sonho que se tem
Ou que seus planos nunca vão dar certo
Ou que nunca vai ser alguém
Tem gente que machuca os outros
Tem gente que não sabe amar
Mas eu sei que um dia a gente aprende
Se você quiser alguém em quem confiar
Confie em si mesmo
Quem acredita sempre alcança.
Mais uma vez - Flávio Venturini/Renato Russo, 1987.
RESUMO
Esta dissertação apresenta um estudo sobre a introdução da Robótica
Pedagógica, de forma sistemática, na matriz curricular de 5
a
à 8
a
série do
ensino fundamental, de uma escola particular de Salvador Brasil, tendo o
seu foco voltado para a 5
a
série. Discute os desafios enfrentados pela
instituição escola frente a uma sociedade permeada pelas tecnologias de
base telemática/informática e introduz a Robótica Pedagógica como uma
possibilidade presente na escola para contribuir com a aprendizagem de
alunos nessa faixa etária. Este estudo não é um manual de inovação via
uma “nova” tecnologia, mas sim uma discussão das possibilidades e limites
trazidos por ela. De fato, é uma memória viva” das discussões que
ocorreram sobre o uso de uma abordagem teórico-metodológica, à proporção
que ela se tornou uma “nova” disciplina; das dificuldades enfrentadas na
implantação dessa inovação curricular; do progresso realizado; dos
caminhos (re)trilhados e, finalmente, da aprendizagem e crescimento dos
estudantes, professores, supervisores da disciplina e coordenadores da
escola.
Palavras chaves: robótica pedagógica, aprendizagem, processo cognitivo,
tecnologia da informação e comunicação.
ABSTRACT
This dissertation presents a study of the systematic introduction of
Educational Robotics to the junior high curriculum (5th to 8th grade) at a
private school in Salvador, Brazil; the focus of the study being on the 5th
grade. The challenges and opportunities the school has as an institution in a
society permeated by telematics/informatics technologies are discussed, and
Educational Robotics is presented as a real possibility that can make a
contribution to student learning in this age group. This Study is not a
manual for innovation via a "new" technology, but more an examination of
the possibilities and limitations brought about by it. In fact, it is a "living"
memory of the discussions that took place on the use of a theoretical-
methodological approach as it became a "new" subject; of the difficulties
faced in the setting up of a curriculum innovation; the progress made; the
paths taken and retaken and, finally, of the learning and pedagogic growth of
the students, teachers, subject advisors, and the school coordinators.
Key words: educational robotics, learning, cognitive process, information and
communication technologies.
SUMÁRIO
1 PRIMEIRAS PALAVRAS. INTRODUZINDO..................................... 14
2 A ARTE DE SE AVENTURAR NOS CAMINHOS DA EDUCAÇÃO......
19
3 OS ROBÔS: ESSES “ESTRANHOS” SERES METÁLICOS................
61
4
A VIDA É COMO UM FILME... OU SERÁ COMO UMA HISTÓRIA?
FICÇÃO OU REALIDADE? EIS A QUESTÃO..................................
104
5 É POSSÍVEL UMA APRENDIZAGEM ATRAVÉS DA ROBÓTICA
PEDAGÓGICA?............................................................................
127
5.1
PROJETOS CONSTRUÍDOS... UMA PEQUENA AMOSTRA DE UM
GRANDE TRABALHO.................................................................
160
6
O FIM. OU SERÁ UM NOVO COMEÇO? AS DESCOBERTAS... NÃO
CONFIRMAÇÕES.........................................................................
195
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................ 198
APÊNDICES................................................................................. 209
ANEXOS...................................................................................... 257
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 -
Alunos trab
alhando no Projeto de Integração Curricular
numa sala de aula de uma escola pública na Cidade de
Plano..............................................................................
21
Figura 2 -
Alunos trabalhando no Projeto de Integração Curricular
numa sala de aula centrada no aluno (Colégio Nobel)... ..
24
Figura 3 -
Mafalda e a solicitação de uma TV.................................. 35
Figura 4 -
Mafalda sem TV: um animal raro.................................... 36
Figura 5 -
Mafalda e a utilização da TV........................................... 36
Figura 6 -
Sam:um robô paciente....................................................
65
Figura 7 -
A Casa do Futuro 257
Figura 8 -
Robô industrial de 6 graus de liberdade 71
Figura 9 -
Pigmalião e Galatéa........................................................ 79
Figura10 -
Frankenstein.................................................................. 81
Figura11 -
Dr. Mureau.................................................................... 82
Figura12 -
Pinóquio e Gepeto...........................................................
83
Figura13 -
O homem de lata, o leão e o espantalho..........................
84
Figura14 -
Emília............................................................................. 84
Figura15 -
Relógio de água.............................................................. 86
Figura16 -
Crepsidra....................................................................... 87
Fígura17 -
Crepsidra....................................................................... 88
Figura18 -
Os autômatos de Jaquet-Droz........................................ 91
Figura19 -
O pato de Vacauson....................................................... 91
Figura 20-
O enxadrista huma
no e o autômato enxadrista de Von
Kleper.............................................................................
92
Figura 21-
Robô PUMA 560............................................................. 94
Figura 22-
Robô Assimo................................................................... 95
Figura 23-
Robôs SDR-4X II.............................................................
95
Figura 24-
Robô Wakamaru............................................................. 96
Figura 25-
Robô Átila....................................................................... 98
Figura 26-
A atriz Brigitte Helm vestida de robô no filme Metrópolis.
109
Figura 27-
A atriz Brigitte Helm como a operária Maria....................
109
Figura 28-
Tima Robô do animee Metrópolis..................................
110
Figura 29-
Robôs C3PO R2D2..........................................................
114
Figura 30
O Homem máquina: as peças de reposição..................... 258
Figura 31-
Enfoques teóricos à aprendizagem e ensino 129
Figura 32-
Conjunto para programação: PC, Transmissor Infra
Vermelho, RCX. RCX com sensores ligados as portas de
entrada de informações..................................................
137
Figura 33-
Semáforo (carros). 164
Figura 34-
Basquete........................................................................ 168
Figura 35-
Travessia........................................................................ 173
Figura 36-
Radar............................................................................. 175
Figura 37
Robô fabricado pela Manufatura de Brinquedos Estrela
em 1969.........................................................................
260
Figura 38
Robô fabricado pela Manufatura de Brinquedos Estrela
em 1981.........................................................................
260
Figura 39
Robô fabricado pela Manufatura de Brinquedos Estrela
em 1983.........................................................................
261
Figura 40-
Professor de Robótica mediando a discussão
Oficina de
brinquedos.....................................................................
190
Figura 41-
Organização do sistema nervoso humano....................... 214
Figura 42-
Principais divisões do sistema nervoso............................
214
Figura 43-
Célula piramidal do córtex ou do hipocampo...................
219
Figura 44-
Estrutura da sinapse nervosa......................................... 220
Figura 45-
Rede de conexões dos neurônios.....................................
223
Figura 46-
O cérebro visto de cima.................................................. 226
Figura 47-
Mosaico das funções cerebrais....................................... 228
Figura 48-
Sistema límbico.............................................................. 230
Figura 49-
Brinquedo Genius.......................................................... 242
Figura 50-
Robô interativo Ir-v......................................................... 243
Figura 51-
Cyber combate............................................................... 244
Figura 52-
Acrobat Robot................................................................ 244
Figura 53-
Talking robô e Space robot............................................. 245
Figura 54-
Roger Robot................................................................... 245
Figura 55-
Rad Robot...................................................................... 246
Figura 56-
Wuvluvs......................................................................... 247
Figura 57-
Petzi............................................................................... 248
Figura 58-
Furbys........................................................................... 249
Figura 59-
Ursos contadores de histórias (1
a
e 2
a
versões)................
249
Figura 60-
Cyber animais................................................................ 250
Figura 61-
Poo-chi (The Interactive dog) e o Poo-
chi friends
(buldog)..........................................................................
250
Figura 62-
Super Poo-chi................................................................. 251
Figura 63-
Rock Climber................................................................. 252
Figura 64-
Yano.............................................................................. 252
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 -
Atividades preferidas pelos alunos no Projeto de
Integração Curricular.....................................................
253
Tabela 2 -
Preferência demonstrada pelos alunos da 5
a
série 2001
pela disciplina Robótica Pedagógica................................
253
Tabela 3 -
Preferência demonstrada pelos alunos da 5
a
série 2001
pela disciplina SOE.......................................................
253
Tabela 4 -
Posição do Brasil em número de hosts (2003)................. 254
Tabela 5 -
Canais de TV mais assistidos.......................................... 254
Tabela 6 -
Programação preferida.................................................... 255
Tabela 7 -
Freqüência de utilização do computador.........................
255
Tabela 8 -
Formas de utilização do computador.............................. 255
Tabela 9 -
Freqüência com que os alunos jogam..............................
256
Tabela 10 -
Tipos de jogos preferidos.................................................
256
Tabela 11 -
Freqüência de utilização da Internet...............................
256
Tabela 12 -
Alunos que possuem e-mail próprio................................
256
Tabela 13 -
Alunos que já assistiram filmes com a existência de
personagens robôs.........................................................
256
Tabela 14 -
Filmes assistidos/preferidos........................................... 256
Tabela 15 -
Classificação Hierárquica das Grandes Estruturas
Neuroanatômicas............................................................
214
1 Primeiras palavras. Introduzindo...
Eu sei o que hei de expor. Mas não como fazê-lo, por onde começarei
e como irei terminar. Na cabeça, não há uma frase pronta sequer.
Mas basta-me passar os olhos pelo auditório e proferir um
estereotipado: na aula passada paramos no... e as frases voam-me
da alma, numa longa fileira. E lá vai a matéria. Falo com incoercível
rapidez... apaixonado... e parece uma força capaz de interromper a
torrente do meu discurso. Para discorrer bem, isto é, de maneira não
enfadonha e com proveito para os ouvintes, é preciso ter, além de
talento, habilidade e experiência, a noção mais nítida sobre as
próprias forças, sobre aqueles a quem se dá aula e sobre o objeto do
discurso. Um bom regente de orquestra, ao transmitir o pensamento
do compositor, executa simultaneamente vinte tarefas. O mesmo faço
eu, dando aula
1
.
Anton Tchekhov
Sinto-me assim neste momento. Não porque esteja entrando em
uma sala de aula para falar para meus alunos, mas sim porque preciso
registrar, de forma fidedigna e não “apaixonada”, através da escrita, a
pesquisa que venho realizando sobre uma prática pedagógica que surge
como uma nova” possibilidade educativa: a utilização da Robótica
Pedagógica no ensino fundamental. O assunto fascina-me e, quando falo
sobre ele... as frases voam-me da alma, numa longa fileira. E é, exatamente,
nesse momento que me dou conta da grande responsabilidade assumida
no diálogo com os leitores. Tenho de ter a habilidade de não enfadá-los,
apresentando um texto envolvente e, ao mesmo tempo, uma noção muito
clara e nítida sobre o que é mais significativo no percurso atravessado
1
Fragmento do texto Uma Estória Enfadonha extraído do Vídeo Aprendizagem Significativa exibido pela TV Escola
(s.d).
e percorrido durante os últimos quatro anos, principalmente, durante o
período 2001/2002, quando, enfim, resolvi assumir os olhos de
“investigadora” participante. Nessa hora, comungo do pensamento de
Landowski (2002, p. ix) quando diz:
O discurso da pesquisa é apanhado em sua própria
contradição. Para poder dizer o que busca, ser-lhe-ia preciso já o ter
encontrado. Se fosse esse o caso, porém, só lhe restaria calar-se,
exceto se se tornasse outro, didático, por exemplo, ou, por que não,
promocional. Inversamente, se ele fala, e até, se não pára de falar, é
porque seu próprio fim, em parte, continua a escapar-lhe. E, é claro,
ao buscá-lo, ele está se buscando. É, portanto, duas vezes uma
ausência (relativa), a do objeto, sempre a construir ou a reconstruir,
e aquela que ele experimenta em relação a si mesmo, que o
fundamenta e o motiva.
No entanto, já que assim é a lei do gênero, chega um momento
em que ele precisa “se apresentar”: nomear-se mostrando-se, situar-
se dizendo do que se ocupa, em suma, alegar o que é, como se
conhecesse a própria identidade e soubesse exatamente o que faz,
enunciando-se: como se fosse transparente ao próprio olhar e já
inteiramente presente diante de si mesmo.
O texto que ora apresento constitui a sistematização e o relato de um
projeto desenvolvido com alunos de 5
a
a 8
a
série do ensino fundamental em
uma instituição de ensino privado, na cidade do Salvador-BA: a implantação
e acompanhamento da Robótica Pedagógica como disciplina inclusa de
forma sistemática na sua matriz curricular. Por uma questão organizacional,
dividi o texto em quatro blocos distintos, porém dependentes. No primeiro
bloco, apresento o corpo do trabalho, seus objetivos, pertinência e que
desafios a instituição escola pode estar enfrentando para atender a educação
do século XXI, numa sociedade “permeada” pelas tecnologias
contemporâneas. A metodologia utilizada na pesquisa é explicitada neste
momento. O segundo bloco apresenta um panorama geral sobre a Robótica;
referencio a história dos primeiros autômatos encontrados na Mitologia
Grega, especificamente na historia de Pigmalião
2
, até os dias atuais,
quando os robôs são utilizados em situações de risco, em operações
médicas, ou quando usados para atravessar as pirâmides do Egito na
descoberta de mistérios ainda não decifrados. Passeio pelas histórias
encontradas na literatura infantil, buscando um pouco do nosso imaginário
2
“Escultor que obteve de Afrodite o dom de dar vida a uma das suas esculturas”. (MATTIUZZI, 2000, p.180).
e pelos filmes de ficção que nos trazem todo o encantamento dos robôs. O
terceiro bloco traz os aportes teóricos para o processo de aprendizagem.
Apoio-me em teorias cognitivistas para entender como se realiza a
aprendizagem. A experiência com a Robótica Pedagógica foi realizada no
Colégio Alfred Nobel e os seus “primeiros” resultados são mostrados nesse
bloco. Cyberbrinquedos são apresentados nesse cenário, como objetos dos
quais as crianças precisam “cuidar”, dar e receber afeto e, através dos quais,
podem aprender. Contribuições da biologia e recentes estudos sobre o
cérebro são contemplados para entendimento do processo de aprendizagem e
apresentados no Apêndice A.
Mesmo tratando-se de uma Dissertação de Mestrado, optei por
escrever um texto leve, repleto de figuras coloridas, tentando retratar o clima
alegre e divertido que se apossa do ambiente nas aulas de Robótica
Pedagógica. Sei o quanto é difícil, mas ainda assim tentarei. Faço minhas as
palavras de Rosa (1998, p. 7), na introdução do seu livro, pois este trabalho
[...] não é e não pretende ser nada que se aproxime da idéia de
ensinar algo a alguém, seja do ponto de vista teórico, seja do ponto
de vista prático. Prefiro pensá-lo como uma oportunidade de diálogo
entre pares, como espaço possível de troca de experiências,
impressões, perspectivas. Entre “livros” e “professores” há uma
característica comum, marcada pelo imaginário social em torno
deles: de “livros” e de “professores” espera-se um saber seguro,
verdades fundamentais, discursos logicamente articulados, uma
coerência tal que obscureça a precariedade inerente às pessoas
existentes atrás das denominações de “autor” e “mestre”. [...]
Diria que este trabalho é o resultado de mais um esforço de
pensar a prática pedagógica e o papel do educador, a partir das
questões que se apresentam no dia-a-dia da sala de aula, no
momento vivo do aprender-ensinar, momento em que atuam não
alunos e educadores ideais, e sim alunos e professores reais a partir
e de dentro da ambigüidade que os caracteriza como seres
humanos.[...].
Compreendo assim, porquê, já no ano de 1978, recém-formada no
curso de Magistério, dediquei-me a atuar em educação. Tenho consciência
da forte influência da minha família nessa escolha. Minha mãe e minha tia
trilhavam esse caminho. Quando cursava o ginásio (como era chamado o
ensino fundamental de 5
a
à 8
a
série naquele tempo) ajudava minha mãe a
datilografar avaliações para os seus alunos. O velho mimeógrafo à álcool era
bastante utilizado, na minha casa, para duplicar exercícios e avaliações dos
seus alunos. Então, logo ao me “formar” em professora, lá estava eu já
lecionando em uma classe da 3
a
série do ensino fundamental no Instituto
Nossa Senhora da Salette. Nesse mesmo ano, prestava vestibular para
Pedagogia, iniciando o curso na Universidade Católica do Salvador (UCSal).
Durante três anos, colocava em prática na sala de aula o que aprendia na
Universidade. Era apaixonada pelos meus “pequenos” alunos e insistia em
estar com eles em todos os momentos, incluindo os horários de recreio,
quando podia brincar de pícula, roda e baleado. Logo veio a formatura na
UCSal: Pedagogia com habilitação em Orientação Educacional (1981) e, com
ela, classes de ginásio seguidas de classes de magistério. Em 1984, passei a
trabalhar no Colégio Alfred Nobel, no qual tive a oportunidade de atuar em
setores pedagógicos e administrativos. Essa experiência possibilitou (e tem
possibilitado) recriar o meu fazer pedagógico, dia após dia. Até o ano de
1997, sentia a necessidade de estar acompanhando as discussões relevantes
em educação através de livros e revistas especializadas; participei de
congressos em educação, realizados, principalmente, na cidade de São
Paulo, visitei escolas pelo Brasil e, mesmo fora dele, participei de cursos de
extensão nas diversas áreas de atuação escolar. Em 1997, senti a
necessidade de voltar à universidade. Busquei, então, cursos de
especialização na área de educação na UCSal. O primeiro curso, intitulado
“Aplicações Pedagógicas dos Computadores”, discutia as possibilidades
introduzidas na escola, através das tecnologias. Nesse curso, tive a
oportunidade de dialogar com professores que tiveram forte contribuição na
continuidade dos meus estudos, especialmente os professores MS Josemar
Rodrigues de Souza, coordenador do curso e professor da disciplina Redes de
Computadores e MS Lynn Rosalina Gama Alves, professora de Psicologia da
Educação. Antes mesmo de apresentar a monografia de conclusão do curso,
já estava freqüentando a minha segunda especialização, desta vez na área de
currículo. E a oportunidade do feliz encontro com a Profa Dra. Teresinha
Fróes Burnham, hoje minha orientadora e a Profa. Dra. Regina Celi Oliveira
Cunha, orientadora da monografia Currículo Integrado: sonho ou realidade?,
que inicia os estudos que dão origem a esta pesquisa. Em fase final de
defesa de monografia, freqüentava a terceira especialização na área de
recursos humanos. E hoje encontro-me concluindo a minha Dissertação de
Mestrado (e pensando na continuidade dos meus estudos...) nessa grande,
diversa e apaixonante área que é a EDUCAÇÃO.
2 A Arte de se aventurar: uma necessidade nos caminhos da educação.
A Robótica Pedagógica consiste em um ambiente de aprendizagem
que utiliza kits de montagens compostos por eixos, rodas, roldanas, motores,
sensores e diversos outros tipos de peças ou materiais (mesmo os
sucateados) que possibilitem a construção de modelos mecânicos e
eletrônicos. Os modelos criados são interfaciados ao computador, através de
um software, sendo programados, realizando atividades previstas por quem
os criou.
A presença da Robótica Pedagógica em instituições de ensino, no
Brasil, é relativamente nova. Alguns trabalhos realizados por essas
instituições e divulgados através de suas homes pages, ou em revistas
especializadas
3
são feitos em períodos determinados, utilizando-se a
Pedagogia de Projetos
4
ou de Oficinas de Trabalho
5
, não constando na matriz
curricular da instituição. As referências bibliográficas encontradas referem-
3
Mecatrônica Atual. São Paulo: Saber; Mecatrônica Fácil. São Paulo: Saber; dentre outras.
4
“Essa modalidade de articulação dos conhecimentos escolares é uma forma de organizar a atividade de ensino e
aprendizagem, que implica considerar que tais conhecimentos não se ordenam para sua compreensão de uma
forma rígida, nem em função de algumas referências disciplinares preestabelecidas ou de uma homogeneização dos
alunos”. (HERNÁNDEZ & VENTURA, 1998, p. 61).
5
Aqui concebidas como laboratórios onde alunos e professores desenvolvem projetos pré-determinados, com tempo
estabelecido, a fim de atingir um objetivo.
se, na sua maioria, à Robótica Industrial, não contemplando o trabalho
pedagógico com crianças e adolescentes. Os livros e manuais destinados à
Robótica Industrial trazem contribuições relevantes, mas que se destinam a
alunos/professores universitários ou profissionais ligados à área, uma vez
que ela é usada, mais freqüentemente, na indústria. Na área educacional, no
entanto, registro de experiências sistemáticas realizadas no Massachussets
Institute of Technology (MIT) e referenciadas por Nicholas Negroponte
6
e
Seymourt Papert
7
mostra a importância da utilização da Robótica
Pedagógica para o desenvolvimento cognitivo de crianças e adolescentes. A
análise desses resultados e de projetos realizados, anteriormente, pela
instituição impulsionou, de forma positiva, a introdução dessa nova
tecnologia no Colégio Nobel.
O “desafio” de trabalhar com a Robótica Pedagógica
(propriamente dita) teve início no ano 2000
8.
Partiu dos resultados obtidos
com um Projeto de Integração Curricular, realizado durante os quatro anos
anteriores (1996 a 1999), implementado para os alunos de 1
a
à 4
a
série do
ensino fundamental, que consistia na integração das diversas disciplinas e
saberes da vida cotidiana do aluno, através de pesquisas desenvolvidas por
esses, utilizando recursos tecnológicos existentes na própria sala de aula,
denominada de “sala de aula centrada no aluno”. O Projeto de Integração
Curricular foi implementado após uma visita minha (como coordenadora
pedagógica) e dos diretores da instituição a escolas públicas, na Cidade de
6
Nicholas Negroponte é professor de Tecnologia da Mídia e um dos fundadores do Laboratório de Multimeios do
MIT.
7
Seymourt Papert é matemático, criador da linguagem LOGO, pesquisador participante do Laboratório de Mídia do
MIT.
8
Anteriormente, no ano de 1999, foi realizado um projeto experimental com um grupo constituído de 15
alunos voluntários de 1
a
e 2
a
séries do ensino médio, sob a responsabilidade do professor de física da instituição.
Plano, no Texas (U.S.A.). Numa das escolas visitadas, tivemos a
oportunidade de ver as crianças trabalhando com o referido projeto; elas
estavam atentas aos seus trabalhos, sem demonstrarem qualquer reação ou
manifestação de curiosidade com a nossa presença, o que, obviamente, me
encantou, pois, até então, essa era uma realidade inexistente em nossas
salas de aula. Mesmo concordando com Domingues (1997, p. 16) quando diz
que alguns trabalhos não se prestam a registros com “[...]imagens estáticas,
as quais impossibilitam experienciar o processo que lhes é inerente [...]”,
opto por mostrar o espaço americano em foto, bem como a sala de aula
construída no Colégio Nobel para vivência do projeto.
Figura 1
Alunos trabalhando
no Projeto de Integração
Curricular numa sala de aula de
uma escola pública na cidade de
Plano (Texas
-
USA, 1996).
Vi, no projeto americano, desde quando [re]criado para a realidade
brasileira, uma grande possibilidade de iniciar uma “educação tecnológica”
com os alunos desse ciclo, ao mesmo tempo em que poderia trabalhar, de
forma interdisciplinar, as “diversas” disciplinas e seus conteúdos. Os alunos
de 5
a
à 8
a
série já utilizavam, no dia-a-dia, softwares e lições de computador
dos conteúdos disciplinares, simuladores, equipamentos em laboratórios de
ciências e química, enfim uma série de ferramentas tecnológicas que
enriqueciam o processo de aprendizagem, tornando-o mais eficaz. Tinha, à
época, a visão do computador como ferramenta para o aluno, ou melhor, a
utilização do computador para o ensino de conteúdos, tornando-os mais
fáceis de serem entendidos. Para Valente, essa é uma das modalidades em
que o mesmo pode ser utilizado. Para o autor (1998, p. 2) “o ensino pelo
computador implica que o aluno, através da máquina, possa adquirir
conceitos sobre praticamente qualquer domínio”. Valente (1998, p. 12)
afirma que:
o computador pode ser usado como ferramenta educacional. [...] o
computador não é mais o instrumento que ensina o aprendiz, mas a
ferramenta com a qual o aluno desenvolve algo, e, portanto, o
aprendizado ocorre pelo fato de estar executando uma tarefa por
intermédio do computador.
Essa forma de utilizar o computador foi introduzida no trabalho
com os alunos de 1
a
à 4
a
série, quando, no retorno a Salvador, após
inúmeras discussões com os diretores da escola e os professores das séries
envolvidas, foi criado um “ modelo” de projeto que trabalhava os conteúdos
disciplinares, com o auxílio de recursos tecnológicos (colocados sempre à
disposição dos alunos). Foi escolhida a disciplina Ciências Naturais como
gerenciadora do projeto, uma vez que, através dela, poderiam ser
trabalhados os conteúdos previstos para as outras disciplinas componentes
da matriz curricular (Língua Portuguesa, Matemática, História, Geografia,
Artes e Educação Física) e também conceitos físicos e químicos que já faziam
parte do cotidiano do aluno, sendo possível fazer as intercalações
necessárias. A 1
a
série do ensino fundamental foi a escolhida para
implantação do projeto no primeiro ano (no ano seguinte foi implementado
na 2
a
, 3
a
e 4
a
séries). A partir da escolha da série e da disciplina, foi
selecionada a idéia organizadora adequada à idade e realidade do aluno.
Uma idéia organizadora, segundo Chen (1994, p. 6) é
estruturada como uma pergunta ou declaração que reflete o conceito
abrangente e fornece uma estrutura unificadora para as seqüências
de experiências de aprendizado relacionadas em diversas disciplinas.
A idéia organizadora fornece também a armação para que os alunos
manifestem seus traços vitalícios de aprendiz, numa demonstração
culminante de aprendizado do mundo real.
Baseado nesse conceito, foi escolhido o tema Seres Vivos, que
congregava novos assuntos, conhecimentos anteriormente adquiridos,
curiosidade, motivação para o desempenho da pesquisa e rigor científico.
Integrar um tema tão instigante nas diversas áreas do conhecimento não
constituiu uma tarefa difícil. Assim, foram definidas as atividades que
poderiam ser propostas nas disciplinas, possibilitando uma integração maior
entre essas. O material didático adotado para a série foi adaptado e, a partir
daí, escolhidos os recursos tecnológicos e os softwares educativos. Foi,
então, montada uma sala de aula específica, composta de recursos
tecnológicos TV, vídeo, som (toca-fitas/cd/rádio), computadores, fitas de
vídeo com assuntos relativos aos projetos, retroprojetor, tela, livros, blocos
de montar e materiais como massa de modelar, tintas e papéis de tipos
diversificados. Eis a sala criada:
O que surgia de novo nessa proposta era a possibilidade de o
aluno, e/ou equipe, escolher o recurso que iria utilizar para trabalhar os
conteúdos do projeto. Diariamente, o aluno (ou equipe composta de, no
ximo, quatro componentes) tinha o compromisso de entregar à
professora uma nova produção (texto, roteiro do vídeo assistido, história
recontada, construção com blocos, enfim o que o aluno escolhesse)
elaborada na sala. Dentre os recursos existentes nessa sala, encontravam-se
kits de um “brinquedo” (Lego) composto de peças e blocos para montar, que
estavam sendo lançados no mercado com objetivos pedagógicos e eram
comercializados exclusivamente para instituições de ensino. Foram
adotados, para esse Projeto, dois modelos de kits:
ciência e tecnologia na infância próprio para crianças entre 6 e 8 anos
de idade (1
a
e 2
a
séries) com 99 peças, incluindo engrenagens, alavancas,
Figura 2
Alunos trabalhando no
Projeto de Integração Curricular
numa “sala de aula centrada no
aluno” (Colégio Nobel, SSA, 1997).
polias, rodas, eixos, estruturas e sete lâminas contendo sugestões de
atividades, com instruções para construção de modelos diferentes;
mecanismos simples e motorizados próprio para crianças a partir de 8
anos (3
a
e 4
a
séries) - contendo 219 peças entre engrenagens, rodas, eixos,
polias, correias, etc. e cartões com sugestões de atividades e instruções para
exploração de conceitos.
A observação e o registro diário do trabalho dos alunos, realizados
pelos professores, e a opinião de 212 alunos envolvidos no projeto, durante o
ano de 1999, indicavam a “aceitação” das peças e blocos de montar para
execução do trabalho. Um levantamento feito sobre o grau de preferência dos
recursos colocados à disposição dos alunos, para a produção individual ou
coletiva, e das atividades, através das quais poderiam “demonstrar”
conhecimentos adquiridos sobre os assuntos estudados no Projeto, apontou
o “brinquedo” composto de peças e blocos para montar (brinquedo LEGO) e o
computador como preferidos pelos alunos (ver Tabela 1, em anexo A).
Durante todo o tempo de execução do Projeto de Integração Curricular, os
alunos foram observados, e essas observações registradas em relatórios. O
fato dos alunos estarem criando modelos motorizados, explicando como
chegavam à compreensão do seu funcionamento e testando suas hipóteses,
percebido através da análise criteriosa dos relatórios, instigou a necessidade
de se buscar um outro caminho para dar continuidade ao trabalho já
desenvolvido com os alunos da 4
a
série e que estavam sendo “promovidos”
para a 5
a
série. Surge daí a introdução da Robótica Pedagógica, com a
intenção de incluir o “trabalho mental”, através de um recurso tecnológico
que tem como base a utilização da lógica para funcionamento de modelos
criados, com alunos de 10 a 14 anos.
O primeiro passo para a introdução dessa inovação foi a escolha do
professor (o que não foi uma tarefa fácil!). O segundo, a capacitação desse
professor e das coordenadoras pedagógicas do ciclo (5
a
à 8
a
série do ensino
fundamental). Após essa capacitação, foi discutida a melhor forma de
trabalhar com a Robótica Pedagógica. Seria necessário criar um espaço de
aula diferenciado, com uma duração temporal maior do que o dedicado às
outras disciplinas, uma vez que os alunos iriam discutir o modelo a ser
construído, programá-lo, testá-lo e registrar as conclusões a que chegassem.
Para que a carga horária estabelecida na matriz curricular da 5
a
à 8
a
série
não diminuísse, a Robótica Pedagógica passou a ser oferecida em horários
do turno oposto ao das aulas das outras disciplinas. No primeiro ano, com
exceção da 5
a
série, os alunos das 6
a
, 7
a
e 8
a
séries foram divididos em
quinze grupos de, no máximo 24 alunos, independente da série cursada,
uma vez que todos os alunos estavam iniciando o trabalho com a Robótica
Pedagógica. Os alunos da 5
a
série foram divididos em quatro turmas de 20,
mantidos juntos pela própria especificidade da série. Tornou-se necessária a
construção do laboratório que, além de mobiliário especial e computadores,
necessitava de kits de montar (peças e blocos desmontáveis) que
possibilitassem uma interface com o computador. Um kit (LEGO) composto
de quatro possibilidades iniciais de construção: uma casa, um inseto, um
carro e um sistema de contagem de jogos foi o escolhido. No total, somavam
uma média de 2000 peças, entre eixos, polias, rodas, motores, sensores que
flexibilizavam inúmeras outras construções e um mini- computador
programado (RCX) através de um software instalado (Robolab) num PC que
lhe envia a programação através de um transmissor infravermelho. A partir
daí, foi introduzida formalmente a disciplina Robótica Pedagógica para
todos os alunos do ensino fundamental (5
a
à 8
a
série). Para minha surpresa,
já no terceiro bimestre (quinto mês) de trabalho com a Robótica
Pedagógica, os alunos recusavam-se a desenvolver os projetos
preestabelecidos (em manuais ou sugeridos pelo professor) e partiam
para a criação de projetos próprios. No primeiro ano de oferecimento da
disciplina, chamou-me a atenção a forma como os alunos participavam da
aula e a preferência que demonstravam. Mesmo sendo a disciplina oferecida
em turno oposto ao das aulas das outras disciplinas, não existia percentual
significativo de faltas, muito menos registro de questões disciplinares
(comportamentais). Em um levantamento realizado em 2001, através de um
formulário escrito, no qual 76 alunos da 5
a
série colocaram as disciplinas da
matriz curricular na ordem de preferência, justificando, inclusive, o porquê
da escolha, a Robótica Pedagógica apresentou um percentual elevado
de aceitação, estando localizada entre as três primeiras disciplinas preferidas
(ver Tabela 2, em anexo A). Apenas ultrapassava a Robótica Pedagógica na
preferência dos alunos, a disciplina Serviço de Orientação Educacional (ver
Tabela 3, em anexo A).
Os motivos alegados para a preferência pela Robótica Pedagógica
são variados: gostar do professor, ser uma aula diferente, a possibilidade de
construírem objetos, enfim uma gama de respostas que analisarei no bloco
referente a aprendizagem através da Robótica Pedagógica. Entrevistas
realizadas com os alunos, nesse período, indicavam a mesma aceitação e o
quanto gostavam da disciplina, inclusive, apontando o que aprendiam.
Para ilustrar essa afirmação, apresento uma entrevista
9
realizada com um
aluno da 5
a
série, no ano de 2001. Para preservar a identidade dos
alunos entrevistados, atribuí-lhes nomes fictícios
10
.
Pesquisadora - O que você mais gosta de fazer em Robótica
Pedagógica?
AMX3 - Programar e montar.
Pesquisadora - O que você faz na programação?
AMX3 - Eu faço o que a gente está pensando em fazer no nosso
projeto, como a gente quer que fique, a gente tem que colocar isso
na programação, ou seja, eu quero que o robô faça tal coisa, coloco lá
na programação, da minha maneira.
Pesquisadora - Você trabalhou sempre na mesma equipe?
AMX3 - Sempre, sendo que a equipe cresceu e está com sete
componentes.
Pesquisadora - Por quê?
AMX3 - Tem entrado gente na turma de quarta-feira, na turma 1; aí, a
nossa equipe era a mais vazia e agora é a mais cheia.
Pesquisadora - Você já executou todas as funções
11
dentro da
equipe?
AMX3 - Executei todas as funções.
Pesquisadora - Qual o seu último projeto?
AMX3 - Nosso último projeto foi corrida com engrenagem. A gente
montou um carro com um conjunto de engrenagem e procuramos saber
qual a velocidade dele para colocar no relatório.
Pesquisadora - E conseguiu que ele funcionasse?
AMX3 - Conseguimos que ele funcionasse e descobrimos que nosso
carro corria 6km/h.
Pesquisadora - Você acha que o que você aprendeu na Robótica
Pedagógica lhe ajudou nas outras disciplinas na sala de aula?
AMX3 - Me ajudou na parte lógica; o professor fazia algumas coisas
na lógica, assim me ajudou tanto na classe como em atividades fora
da classe como jogar quebra cabeças; eu raciocíno, coloco aqui, aqui
e aqui [o aluno respondeu utilizando os dedos para mostrar como fazia
com as peças]
12
ou então um jogo, por exemplo, de vídeo-game, RPG,
aquilo mais difícil eu raciocino, dá pra fazer isso, isso e isso
[novamente mostrando com as mãos].
Pesquisadora - Você conseguiu trabalhar em equipe no laboratório de
Robótica Pedagógica?
AMX3 - Consegui.
Pesquisadora - E você trouxe essa experiência do laboratório de
Robótica Pedagógica para a sala de aula, nas outras disciplinas?
AMX3 - Trouxe.
Pesquisadora - Você acha que ajudou em alguma coisa?
AMX3 - Ajudou bastante.
9
Transcrição editada de um fragmento de seqüências de entrevistas registradas em fita cassete, realizadas no
período de maio e junho de 2001.
10
Através da probabilidade, utilizei 3 letras e 1 dígito para criação dos nomes fictícios. Segui o modelo de nomes de
robôs utilizados em filmes de ficção científica.
11
Os alunos trabalham em equipe na construção dos projetos. Cada um deles assume uma função diferente na
equipe em cada aula: coordenador de programação, design virtual, especialista em comunicação, especialista em
design físico, especialista em materiais, especialista em informação. Essas funções serão explicitadas no capítulo
referente a aprendizagem através da Robótica Pedagógica.
12
Explicação dada pela pesquisadora a fala do entrevistado. Essas explicações, quando necessárias, serão
colocadas entre [ ].
Pesquisadora - Qual foi o projeto que você mais gostou de fazer este
ano?
AMX3 - A corrida de engrenagem.
Nas respostas do aluno, pude verificar a liberdade com que as
atividades se desenvolviam, possibilitando criação, independência e
autonomia. O senso de participação em equipe e necessidade de
conhecimentos oriundos de outras áreas também (como é o caso específico
de velocidade, que não é conteúdo trabalhado de forma sistemática até esta
série). O aluno encontra relações entre o estudo da Robótica Pedagógica e
atividades que realizava em ambientes fora da escola.
Após quatro aulas de Robótica Pedagógica, no primeiro bimestre,
utilizadas para apresentação de conceitos básicos e necessários à construção
dos projetos, foi aplicado um problema de lógica pelo professor, na própria
aula, para as quatro turmas formadas pelos alunos de 5
a
série, alcançando
resultados não satisfatórios em duas turmas. O grupo 1 obteve 74% de
acerto; o grupo 2, 57% de acerto; o grupo 3, 54% de acerto e o grupo 4, 53%
de acerto . O problema apresentado dizia o seguinte:
Cães amestrados
Lúcio, Márcio e Ricardo são donos, cada qual, de um cachorro amestrado. Cada
cachorro é capaz de realizar um truque com perfeição. Com base nas informações que
fornecemos, tente descobrir o nome de cada cachorro, o truque que cada um deles é
capaz de fazer, o nome de seu dono. Bob sabe fingir-se de morto. O cachorro de
Márcio foi treinado para pular obstáculos. O dono de Bingo não é Márcio nem Ricardo.
Donos: Lúcio, Márcio, Ricardo. Cachorros: Bingo, Bob, Jack. Truques: morto, bola,
pular.
Dono Cachorro Truque
Lúcio
Márcio
Ricardo
No final do segundo bimestre, um novo problema de lógica foi
apresentado aos quatro grupos. O problema era similar e continha a mesma
quantidade de proposições. Eis o segundo problema aplicado:
O rendimento alcançado foi superior a 80%, em todos os grupos.
As condições eram as mesmas: proposto pelo professor, retirados do mesmo
tipo de publicação (revistas Coquetel) aplicado na própria aula de Robótica
Pedagógica e com a possibilidade de responder utilizando uma tabela.
Durante todo o primeiro semestre 2001, observei aulas e conversei
com alunos sobre o que faziam nas aulas de Robótica Pedagógica. No final
do semestre, entrevistei
13
o professor. Queria ouvi-lo formalmente:
13
Entrevista realizada em 17 de junho de 2001.
Faça você mesmo!
Diogo, Luís e Ramiro são dessas pessoas extremamente habilidosas. Por isso, em
vez de gastar dinheiro pagando alguém para fazer o que queriam, cada um deles
consultou uma publicação diferente para orientar o trabalho que eles pretendiam
fazer. Com base nas dicas abaixo, tente descobrir que tipo de publicação cada um
consultou e o que cada um pretendia fazer por si mesmo.
1. Diogo leu as instruções de um website para construir um barco.
2. Luís não pretendia fazer seus próprios móveis.
3. Um dos homens consultou uma revista especializada para fazer seu jardim.
Publicação Objetivo
Livro Revista Website Barco Jardim
Móveis
Diogo
Luís
Nome
Ramiro
Barco
Jardim
Objetivo
Móveis
Pesquisadora - Como tem sido o desenvolvimento dos alunos de 5
a
série, no que concerne a:
a) Montagem do relatório
14
Professor - Eles são bastante exigentes na confecção do relatório e
preocupam-se quando algo não ocorre bem durante a execução do
experimento.
Pesquisadora b) Montagem das peças/modelos
Professor Em toda montagem que é acompanhada de manual, eles
se saem bem; só apresentam dificuldades quando precisam elaborar a
construção.
Pesquisadora c) Programação
Professor - Por estarem programando seqüencialmente, tarefa por
tarefa, as dificuldades são poucas, sempre todos os grupos
conseguindo executar os desafios. É preciso cuidar apenas das
trocas entre programadores e montadores, pois existe uma forte
tendência à acomodação de tarefas.
Pesquisadora - Como é a participação, de uma forma geral, nas aulas
de Robótica Pedagógica? E a freqüência? Como você controla a
freqüência? E o desempenho do aluno, como é
acompanhado/registrado?
Professor - A participação é excelente, com bastante entusiasmo.
Idem para a freqüência. O desempenho é acompanhado no grupo;
individualmente apenas quando detectada a acomodação em alguma
tarefa ou nas provas.
Pesquisadora Em que fase de programação/tipo de projeto os
alunos encontram-se agora?
Professor Programam seqüencialmente (tarefa após tarefa, um
máximo de duas tarefas) com condicionais simples de sensores de
toque ou tempo.
Pesquisadora Existe diferença de desempenho entre os alunos que
já trabalharam com a Robótica Pedagógica no ano anterior
15
e os
que não trabalharam?
Professor Sim, os que já trabalharam no ano anterior já tiveram
acesso às peças e conhecem muito mais recursos de programação. Os
novos estão ganhando “bagagem” para que a partir daí possam
desenvolver seus projetos.
Pesquisadora Existe diferença no desempenho entre os alunos que
usam computador ou mesmo gostam de jogos eletrônicos e os que não
os utilizam?
Professor São raros os alunos que apresentam dificuldade por não
usarem o computador. Os que costumam jogar têm a característica de
experimentar constantemente até atingir o objetivo e, mesmo depois de
o atingirem, continuam a fazer alterações nos robôs e nas
programações para ver o que acontece.
Pesquisadora O que seus alunos podem fazer agora (já observado
por você) e que não podiam fazer no início do curso?
Professor A maior mudança ainda não aconteceu no conteúdo da
programação. Hoje eles sabem que o robô vai executar aquilo que for
mandado, exatamente como foi escrito no programa. As maiores
mudanças aconteceram neles em parar para escutar o colega, em
saber que a opinião de todos é importante e na divisão das tarefas.
14
Ao finalizar a construção e programação do robô, o grupo apresenta um relatório escrito narrando o que fez, o
que concluiu e como chegou à conclusão e as dificuldades encontradas.
15
Refiro-me aos alunos do ano 2000, quando foi implantada a Robótica Pedagógica. Iniciei o trabalho de pesquisa
sistemática quando fui aprovada na seleção para o Mestrado em 2001.
Pesquisadora Você considera importante os professores das demais
disciplinas serem capacitados e entenderem o trabalho que está sendo
feito?
Professor Sim. Todas as vezes que converso com os professores,
sempre surgem boas idéias para projetos. Embora tenhamos uma
infinidade de recursos, é preciso adequar cada projeto ao nível dos
alunos.
Pesquisadora Como você avaliaria a disciplina Robótica Pedagógica
na matriz curricular?
Professor De grande importância, não só por estar capacitando o
aluno para enfrentar um mercado de trabalho muito próximo (há
algum tempo o computador era visto como um absurdo), como também
nas relações de trabalho, interação, participação, convívio e respeito.
Nas respostas apresentadas, fica clara a participação dos alunos
nas aulas. Os alunos já trabalham utilizando condicionais e sensores de
toque e tempo e a experimentação para atingir os objetivos previstos é
necessária. O trabalho em equipe é citado pelo professor como a
aprendizagem mais importante nesses dois primeiros bimestres,
possibilitando o desenvolvimento de habilidades interpessoais.
Atendendo à sugestão do professor, foi realizada, no final do ano
letivo de 2001, uma oficina com duração de 16h/aula, com os professores de
5
a
à 8
a
série do ensino fundamental, das outras áreas do conhecimento, a
fim de fazê-los vivenciar o processo de construção de projetos como se
fossem os alunos. Essa iniciativa desencadeou a discussão de novas idéias
de integração entre os conteúdos estudados nas diversas disciplinas e a
Robótica Pedagógica, possibilitando a construção de modelos com
conteúdos das áreas de Ciências e Matemática.
O estudo sistemático da utilização de um novo instrumento
tecnológico que possibilite a construção do conhecimento por parte dos
alunos faz-se bastante necessário, uma vez que estamos vivenciando um
momento de transição na educação. Um momento em que o passado, o
presente e o futuro andam juntos, entrelaçados. Não deixamos de lado os
conhecimentos provenientes do passado porque eles alicerçam, de alguma
forma, as nossas práticas atuais responsáveis pela formação da geração
futura. Há, pois, a necessidade de se redefinir o papel e a incumbência da
escola na formação de crianças e jovens para lidar com as exigências do
mundo contemporâneo. Para Carbonell (2002, p. 15):
A escola está em crise. Na realidade, sempre esteve. Muitas
foram as análises, de diferentes perspectivas, que prognosticaram
seu iminente desmoronamento ou uma morte em câmara lenta; mas
essa instituição, assim como a Igreja, mantém uma rara e enorme
capacidade de sobrevivência, apesar de suas múltiplas disfunções e
de sempre ter ido a reboque das mudanças sociais, tecnológicas e
culturais.
Fróes, analisando o contexto científico/tecnológico atual, chama
atenção para o repensar a escola à luz dessas novas configurações. Diz a
autora (2000, p. 284):
A escola espaço socialmente instituído para promover a
educação formal torna-se alvo de críticas de diversos grupos sociais
que alegam não estar a mesma cumprindo o complexo papel que lhe
foi consignado, incluindo a socialização do saber historicamente
produzido, a construção pessoal do conhecimento, a formação para o
trabalho e a produção de identidades coletivas, em especial a de
indivíduos que, vivendo em sociedade, (con)formam a cidadania.
Descontentes com o vazio político-epistemológico da escola formal
[...], diferentes setores da sociedade articulam-se para criar novas
alternativas, seja para a educação e a formação inicial de seus
membros na forma de cursos supletivos, escolas comunitárias,
profissionalização através do Sistema S (Senai, Senac...) seja para a
sua complementação oferecendo suporte, preenchendo lacunas,
provendo possibilidades de formação continuada através de cursos
livres (línguas estrangeiras, informática, música...), atividades
desportivas e artísticas (academias, oficinas, clubes...) e, mais
recentemente, iniciativas para as faixas etárias mais elevadas,
significativamente intituladas universidades (livres, da terceira
idade...). Espalhada pelos mais imprevisíveis lugares da sociedade,
uma multiplicidade de espaços de aprendizagem (institucionais ou
não) começa a ter visibilidade e a se impor como socialmente
relevante.
Como [re]inventar essa escola em crise, como fala Carbonell? Como
repensar a escola falada por Fróes, para que “volte” a cumprir o papel de
formação do aluno, tornando-o cidadão do mundo? Questionamentos
referentes à linearidade da ciência e um mundo imerso em tecnologia
tornam necessária a transformação da educação. Muitos educadores
(Sacristán, 1998; Coll, 1997; Gadotti, 2000; dentre outros) têm discutido
novas e diferentes formas de “ensinar e aprender”, de como tornar o
conteúdo trabalhado significativo e próximo da realidade do aluno,
sinalizando-se a necessidade de mudanças/transformações estruturais da
prática pedagógica, principalmente depois da chegada das tecnologias de
base informática/telemática à escola. Por outro lado, as escolas precisam
acompanhar essas discussões, uma vez que seus alunos, normalmente,
vivem em constante interação com “games” e Internet, utilizando
continuamente televisão, vídeo e computadores, dentre outros recursos
midiáticos, a fim de que possam compreender os efeitos trazidos por esses
meios ao processo de aprendizagem e aos novos processos cognitivos que
possam se formar e/ou estejam se formando, modificando a forma como
ensinam e também transformando-se em instituições capazes de aprender.
Surge uma nova era marcada pelo advento da tecnologia
informática, um mundo interligado por meios comunicacionais cada vez
mais poderosos e potentes. Para Toffler (1999, p. 23):
Uma nova civilização está emergindo em nossas vidas e por
toda a parte há cegos tentando suprimi-la. Esta nova civilização traz
consigo novos estilos de família, modos de trabalhar, amar e viver
diferentes; uma nova economia; novos conflitos políticos; e, além de
tudo isso, igualmente uma consciência alterada. Fragmentos desta
civilização já existem. Milhões de pessoas já estão sintonizando suas
vidas com o ritmo de amanhã. Outros, aterrados diante do futuro,
estão empenhados numa fuga inútil para o passado e tentam
restaurar o mundo moribundo que lhes deu o ser.
A alvorada desta nova civilização é o fato mais explosivo das
nossas vidas.
É o evento central a chave para compreender os anos
imediatamente à frente. É um evento tão profundo como a Primeira
Onda de mudança, desencadeada há dez mil anos pela descoberta da
agricultura, ou o terremoto da Segunda Onda de mudança,
provocado pela revolução industrial. Somos os filhos da
transformação seguinte, a Terceira Onda.
Estamos tateando à procura de palavras para descrever a
potência e o alcance totais desta mudança extraordinária. Alguns
falam de uma Idade Espacial, de uma Idade de Informação, de uma
Era Eletrônica ou de uma Aldeia Global que se anuncia.
E essa aldeia global tem possibilitado o desabrochar de uma nova
geração completamente diferente da nossa e mais longe da anterior, de
nossos pais. Mafalda, personagem criada por Quino
16
, na sua total
irreverência, mostra, de forma clara, essa diferença nas suas histórias
contadas através de tiras em quadrinhos:
Figura 3 Mafalda e a solicitação de uma TV. Fonte: Quino, 1993, p. 4.
E pensar que Mafalda “nasceu” em 1963, na geração intitulada de
Baby Boomer (nascidos entre 1946 e 1964). Para Tapscott, os Baby Boomers
tornaram-se a geração TV. Segundo o autor (1999, p. 17),
16
Quino é desenhista e considerado um dos melhores humoristas argentinos. Mafalda foi criada para uma
agência para servir de publicidade “disfarçada” numa propaganda para uma firma de eletrodomésticos. Os
protagonistas deveriam pertencer a uma família de classe média e seus nomes deveriam fazer alusão à marca dos
eletrodomésticos. Mafalda não foi utilizada na campanha por não ter sido aceita pelo cliente da agência. Foi
arquivada e utilizada um ano mais tarde quando “Primeira Plana, na época, o mais importante semanário da
Argentina, solicita a Quino uma colaboração regular ‘satírica, mas que não se limite às habituais vinhetas’ Ele
retoma então a idéia da menina atrevida, o elemento mais vigoroso do projeto arquivado no ano anterior”.
(QUINO,1993, p. X). Hoje, Mafalda ainda é um sucesso.
Os boomers poderiam ser chamados de geração Guerra Fria, geração
prosperidade pós guerra, geração economia crescente, ou de acordo
com qualquer outro desenvolvimento na sociedade que os afetasse
Entretanto, mais do que qualquer outra coisa, foi o impacto de uma
revolução nas comunicações a ascensão da televisão que moldou
essa geração e seu mundo.
A ascensão da TV foi tão rápida e abrangente que não se concebe
alguém que não tenha o referido aparato. Mafalda que o diga...
Figura 4 Mafalda sem TV: um animal raro. Fonte: Quino, 1993, p. 3.
E Mafalda, enfim, consegue realizar o seu sonho: ter uma TV. Ela
ilustra, de forma bem humorada, a diferença entre essas gerações:
Figura 5 Mafalda e a utilização da TV. Fonte: Quino, 1993, p. 23.
Ao afirmar que “[...] minha dor é perceber que, apesar de termos
feito tudo o que fizemos ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais
[...]”
17
Belchior
18
não poderia imaginar a revolução por que passaria essa
nova juventude, que desconhece os hábitos dos avós, ou mesmo, dos pais
considerados ‘ultrapassados’. Nunca foi tão evidente a crise existente entre
duas gerações que se seguem, num espaço temporal relativamente curto: a
nossa geração nascida entre os anos 60 e 70, sob a égide da TV,
protagonista de uma revolução social que valorizava o rock’n’roll, as drogas e
o amor livre - e que hoje assume o comando e os seus filhos nascidos a
partir dos anos 80, já cercados pela mídia digital, que reconhecem a
informação como forma de poder. Rushkoff (1999, p. 9) ratifica essa posição
ao dizer que:
O grau de mudança a que as três últimas gerações se submeteram
se compara com o de espécies em mutação. O “screenager” moderno
a criança nascida numa cultura mediada pela televisão e pelo
computador interage com seu mundo de maneira tão
dramaticamente diferente da de seu avô quanto a primeira
criatura dotada de visão com relação ao ancestral cego, ou a criatura
alada com relação aos antepassados presos à terra.
Essa modificação na estrutura das gerações é atribuída ao rápido
desenvolvimento tecnológico que vem modificando substancialmente a vida
da sociedade atual. Para Rushkoff (1999, p. 8-9):
[...]Somos todos imigrantes nesse novo país. Nosso mundo está
mudando tão rapidamente que não conseguimos notar as diferenças,
muito menos enfrentá-las. Seja chamada em espera, MTV, dinheiro
digital ou a lógica fuzzy, somos bombardeados todo dia por um
número crescente de palavras, artefatos, idéias e acontecimentos que
não entendemos. Numa escala mais ampla, as instituições culturais
das quais passamos a depender religião organizada, nossos líderes
e heróis, a organização da medicina, empresas que nos empregam,
os Estados nacionais e até mesmo a família parecem ter
17
Fragmento da letra da música Como Nossos Pais composta em 1974 por Antônio Carlos Belchior.
18
Compositor e músico brasileiro.
desmoronado sob o próprio peso e tudo isso no espaço de poucas
décadas. Sem sair do lugar, viajamos mais longe que qualquer
geração na história.
As transformações pelas quais o mundo vem passando são
irreversíveis. Redes de Computadores, Internet, Correio Eletrônico, Faxes, TV
a cabo estão alterando definitivamente a rotina diária do ser humano. Em
um mundo globalizado, onde as distâncias geográficas deixam de ter
importância, em decorrência do advento de tecnologias comunicacionais,
onde o “arsenal” tecnológico comanda determinados setores da sociedade
‘industrializada’, onde o aumento do desemprego estrutural é uma realidade,
onde a automação em diversos setores já se faz presente e constante, urge
pensar formas de educar que atendam às necessidades e especificidades
dessa nova era. Kenski (2003, p. 24-25) analisa essa era da seguinte forma:
Estamos vivendo um novo momento tecnológico. A ampliação
das possibilidades de comunicação e informação, por meio de
equipamentos como o telefone, a televisão e o computador, altera a
nossa forma de viver e de aprender na atualidade.
Antigamente as pessoas saíam às ruas ou ficavam à janela de
suas casas para se informarem sobre o que estava acontecendo nas
proximidades, na região e no mundo. A conversa com os vizinhos e
os viajantes garantia a troca e a renovação das informações. Na
atualidade, a “janela é a tela”. [...]. Pela tela da televisão é possível
saber de tudo o que está acontecendo em todos os cantos, desde as
mais longínquas partes do mundo até nossas redondezas. De nossa
sala, por meio da televisão ou do computador, podemos saber a
previsão do tempo e o movimento do trânsito, informarmo-nos sobre
as últimas notícias, músicas, os filmes e livros que fazem sucesso e
muito mais. Podemos interagir com pessoas e instituições de todo o
mundo.
O que é veiculado pelos programas televisivos passou a
orientar nossas vidas. Pessoas de todas as idades, condições
econômicas e de todos os níveis intelectuais começaram a viver
“ligadas na televisão”. Algumas pessoas chegaram no limite: trocaram
de lado. Assumiram em suas vidas valores, hábitos e
comportamentos copiados dos personagens de televisão. Viraram
também “personagens”. Não conseguem mais viver distantes da
televisão e assimilam acriticamente de tudo o que é ali veiculado. [...]
[...]Da mesma forma, todas as formas de interação
proporcionadas pelos computadores principalmente quando ligados
à Internet geram transformações explícitas no comportamento dos
seus usuários.
As mídias, como tecnologias de comunicação e de informação
invadem o cotidiano das pessoas e passam a fazer parte dele. Para
seus freqüentes usuários, não são mais vistas como tecnologias, mas
como complementos, como companhias, como continuação de seu
espaço de vida.
Por meio do que é transmitido pela televisão, ou acessado pelo
computador, as pessoas se comunicam, adquirem informações e
transformam seus comportamentos. Tornam-se “teledependentes” ou
“webdependentes”, consumidoras ativas, permanentes e acríticas do
universo midiático.
Blades (1999, p. 35-36) defende a idéia de que as tecnologias do
século XXI trarão um grande efeito para a educação, quando afirma:
O século XXI verá o surgimento de tecnologias que irão desafiar
as premissas fundamentais dos nossos atuais sistemas de educação.
Dada a resistência da educação em se modificar [...] os sistemas
existentes continuarão a aceitar a inovação tecnológica utilizando-se
da estratégia de incrementar o que já existe. Esse processo
funcionou com relação a algumas inovações como videoteipes,
projetores e fotocopiadoras. Mas as tecnologias que surgirão no
século XXI trarão um efeito maior para a educação. Neste século, a
mudança tecnológica nos forçará a repensar o que significa educar a
próxima geração de cidadãos. Se formos incapazes de responder a
essas mudanças, criando um novo currículo para o século XXI, a
educação irá se desintegrar com a crescente obsolescência. Três
tecnologias em particular ainda virão outras que não podemos
prever forçarão a elaboração desse novo currículo: andróides,
clones e computadores.
É necessário preparar essa nova geração que surge para conviver
com essas tecnologias, mesmo tendo consciência de que nem todos os jovens
têm acesso a elas, ou mesmo estão inclusos, e a utilizarão (pelo menos de
imediato). No que se refere à Internet, por exemplo, apesar do Brasil ocupar,
em 2003, o 9
o
lugar em número de hosts
19
, (ver Tabela 4, em anexo A) ainda
assim são muitos os “excluídos” tecnológicos, ou melhor, analfabetos
tecnológicos.
Tajra (2002, p. 21), ao analisar a situação do Brasil, estima que em
2000 existiam:
11 milhões de usuários de Internet, o que corresponde a 6,55% do
19
Na prática, [...] qualquer computador que esteja conectado a uma rede e envie informações para outro
computador. In.: MINIDICIONÁRIO de informática. São Paulo: Saraiva, 1999.
total da população do País. Dos 11 milhões que possuem acesso à
Internet, 4180 milhões pertencem à classe A, 5610 milhões
pertencem à classe B e apenas 1210 milhões às classes C, D e E.
A situação fica mais gritante quando se refere às escolas de ensino
fundamental e médio ligadas à rede. A referida autora (2002) afirma,
baseada em dados divulgados pelo Jornal Folha de São Paulo de 12 de
agosto de 2001, que, das 181.594 escolas de ensino fundamental, apenas
6,7% estão conectadas à Internet; das 19.456 escolas de ensino médio, 35%
estão conectadas à Internet. Essas informações estão contidas no livro
verde
20
da Sociedade da Informação no Brasil
21
, capítulo 4, dedicado à
“Educação na Sociedade da Informação” (2000, p.50-51):
A maioria das escolas brasileiras não está ainda conectada à
Internet. De acordo com o último censo escolar do MEC, em 1999,
apenas 7.695 escolas (3,5% do total de escolas de educação básica)
possuíam acesso à rede mundial de computadores, das quais 67,2%
são particulares. Ou seja, há conexão com a Internet para alunos de
apenas 2.527 das 187.811 escolas públicas brasileiras. O censo
revela ainda que cerca de 64 mil escolas do País não tem energia
elétrica 29,6% do total e que menos de 11 em cada 100
estabelecimentos dispõem de equipamentos para atividades
pedagógicas, como laboratórios de ciências ou de informática. Menos
de um quarto (23,1%) das escolas possui biblioteca. O mesmo censo
aponta que as escolas particulares são muito mais equipadas do que
as públicas, seja em presença de computador, conexão à Internet,
laboratórios de ciências, bibliotecas ou acesso à energia elétrica e
água.
Os números mostram o quanto a educação escolar está afastada
da chamadaSociedade do Conhecimento”. Uma preocupação muito maior
refere-se ao grande número de brasileiros analfabetos. “Segundo dados do
MEC, o País tem cerca de 19 milhões de analfabetos absolutos acima de 15
anos e 35 milhões de analfabetos funcionais
22
, jovens e adultos”
23
. Na Bahia,
20
Organizado por Tadao Takahaski; tem como objetivo divulgar as ações a serem implementadas pela Sociedade da
Informação no Brasil (SOCINFO).
21
Programa Sociedade da Informação - criado em dezembro de 1999 conforme Decreto n
o
3.294 (Ministério da
Ciência e Tecnologia).
22
Pessoas que mesmo sabendo ler e escrever, não desenvolveram a habilidade da compreensão do que lêem, não
satisfazendo às demandas do dia-a-dia.
23
EDUCAÇÃO treina alfabetizadores. Jornal A Tarde, Salvador, Bahia, 9 jan. 2003.
“segundo dados preliminares do Censo Escolar de 2002, realizado pela
Secretaria Estadual de Educação, na faixa etária de 25 a 49 anos, 20,5% da
população é formada por analfabetos. Entre as pessoas a partir de 50 anos,
o número sobe para 47,9%”.
24
A Bahia ocupa o 6
o
lugar entre os estados que
não têm acesso ao computador. Segundo dados do censo do IBGE, “apenas
4,61% da população pode ser considerada incluída no mundo da
informática”.
25
Por outro lado, a tecnologia não é neutra e pode trazer algumas
conseqüências consideradas graves. Para Tapscott (1999, p. 9):
Poucas tecnologias são isentas de valores. A televisão trazia
mensagens fortes que ajudaram a moldar a visão de uma geração a
respeito do mundo. Quando os boomers chegaram ao poder,
assumiram a mídia e perpetuaram sua própria ideologia. A nova
mídia, devido à sua natureza distribuída, interativa e de-muitos-
para-muitos, tem maior neutralidade. Um novo conjunto de valores
está surgindo à medida que as crianças passam a comunicar-se,
brincar, aprender, trabalhar e pensar com a nova mídia. Como
nunca ocorreu antes, toda uma geração está começando a aprender.
Chame a isso de aprendizado de geração.
Exatamente por não ser neutra, essa geração precisa ser preparada
para ter um olhar crítico sobre a mesma. Blades defende a idéia de que
precisam ser desenvolvidas três habilidades básicas, os 3Rs: Razão, Revolta
e Responsabilidade. Razão como a capacidade de “discernir categorias
lógicas”. Segundo o autor (1999, p. 47-49):
[...] Como novas tecnologias continuam a aparecer, o que as nossas
crianças necessitam é discernimento em face das novas posições e
reivindicações apresentadas pelas novas tecnologias [...].
[...] Na medida em que aumenta a velocidade da inovação
tecnológica, as comunidades precisarão ser ricas no seu
entendimento da ciência para examinar e lidar com a tecnologia
emergente. Um sistema educacional centrado na razão não apenas
iria examinar a lógica de afirmativas verdadeiras associadas à
tecnologia, mas também encorajaria os estudantes a adotar uma
24
RAMOS, Cleidiana. Bahia tem 20% de adultos analfabetos. Jornal A Tarde, Salvador-Bahia, 6 jan 2003.
25
BARROS, Manoela. Mundo digital é para menos de 5%. Jornal A Tarde, Local, Salvador, 22 jun. 2003.
postura cética em direção às reivindicações sobre o mundo natural
insistindo para que essas reivindicações permaneçam abertas à
investigação razoável, científica.
A segunda habilidade, segundo o autor (1999, p. 51-52), a ser
desenvolvida é a revolta:
Através do desenvolvimento da capacidade crítica dos
estudantes, a revolta desafia as premissas de maneira que tanto
complementa como desafia a razão. Na educação, os professores
encorajam a habilidade da revolta, convidando os estudantes a
desafiar e interrogar todas as formas de compreensão, incluindo os
limites da razão. [...]
O espírito de revolta não somente adota uma postura cética
em relação aos discursos totalizadores, mas também possui uma
preocupação fundamental em relação à experiência humana. A
educação, desta forma, também envolveria dividir essas experiências
não receptivas à investigação científica, mas reais.
A terceira habilidade seria a responsabilidade que, para o autor
(1999, p. 55):
[...]significa, literalmente, ‘a habilidade de resposta’. Um sistema
educacional concentrado apenas nas habilidades de razão e revolta
nos levará a uma geração de graduados frustrados. No final, o
conhecimento, criatividade e insights desenvolvidos através da razão
e revolta apenas serão válidos se levarem a um resultado concreto e
prático.
Não são poucos aqueles que apresentam argumentos contrários a
tecnologia, principalmente a TV, pela grande quantidade de violência
mostrada na sua programação e também pelos produtos divulgados através
de comerciais, de forma apelativa, estimulando o seu consumo
(Postman,1999; Setzer, 2001). A Internet é mencionada como um possível
meio de acessar fotos pornográficas, códigos secretos, violação de leis de
segurança, dispersão da atenção e fuga dos estudos. O depoimento de um
adolescente, divulgado por Bucht e Feilitzen (2002, p.42-43)
26
demonstra
claramente um dos aspectos negativos comentados. Diz o depoimento do
adolescente:
26
As autoras citam como fonte do depoimento: http://www.unicef.org.voy (setembro de 2001).
“A mídia, seja em livros, revistas, cartazes ou na TV e agora até
mesmo em jornais tem um imenso impacto sobre nossa juventude,
especialmente sobre as meninas e jovens. Alguns dos aspectos mais
óbvios da maneira como a mídia exerce um efeito negativo em nossas
jovens são os anúncios, em que mulheres sedutoras vendem cerveja,
spray de cabelo e pastilhas de hortelã. Embora muitas das pessoas
mostradas nesses anúncios sejam mulheres adultas, a tendência vem-
se alastrando para incluir não apenas adolescentes como também
meninas pequenas. Uma das estrelas favoritas de nossa nova
geração, Brittany Spears, é tantas vezes mostrada vestindo calças
justas e camisetas sem alça que raramente uma garota americana
consegue passar dois dias sem vê-la. Durante anos, a Barbie foi vista
em roupas justas e sensuais, mas, agora, as bonecas feitas para se
parecerem com meninas de 4 ou 6 anos estão usando minissaias e
miniblusas! De que tratam os programas de televisão para
adolescentes e das revistas para as moças e mulheres, e qual é o
assunto do dia entre as garotas das escolas primárias e secundárias?
Como arranjar um namorado, como se vestir para os garotos, do que
os homens gostam na cama, etc.,etc.,etc. Muita gente se pergunta por
que razão temos tantas garotas bulímicas e anoréxicas, por que as
meninas agora estão fazendo sexo aos 12 anos, por que temos tantos
casos de gravidez adolescente e por que as notas escolares das
meninas estão piorando. A mídia não mostra meninas, adolescentes e
mulheres inteligentes e não promove a idéia de que ‘uma mulher sem
homem é como um peixe sem bicicleta’. De maneira que, se vocês me
perguntarem ‘a mídia retrata a juventude de maneira correta?’, eu
terei que responder: ‘A mídia não retrata a juventude, é a juventude
que retrata a mídia’”.
Nancilee Swift, 18 anos, Estados Unidos, 17 de dezembro de 2000.
Para Bucht e Feilitzen (2002, p. 20):
A década de 90 pode ser resumida como a década na qual
regiões cada vez maiores do mundo passaram a ser inundadas por
aparelhos de TV e canais por satélite, e os jogos eletrônicos e os
computadores com CD-ROM e conexão com a Internet se
disseminaram pelos domicílios de renda elevada.
Frente a essa realidade, um dos grandes desafios da escola é, como
afirma Kenski (2003, p. 25-26):
[...] Viabilizar-se como espaço crítico em relação ao uso e à
apropriação dessas tecnologias de comunicação e informação.
Reconhecer sua importância e sua interferência no modo de ser e de
agir das pessoas e na própria maneira de se comportarem diante de
seu grupo social, como cidadãs [...]. Desenvolver a consciência crítica
e fortalecer a identidade das pessoas e dos grupos são desafios
atuais a ser enfrentados por todos nós, professores.
Splitter e Sharp (1999, p 10-11) na introdução do livro Uma Nova
Educação, definem as angústias relacionadas à educação nesse novo tempo:
Estamos vivendo tempos difíceis. A ameaça de uma guerra mundial
pode ter diminuído, mas apesar disso o mundo está assediado por
problemas. Há conflitos e descontentamentos em toda parte, ódios
étnico e racial vicejam, a distância entre os que “têm” e os que “não
têm” é cada vez maior, e ainda existe um longo caminho a percorrer
para assegurarmos uma harmonia sustentada entre conforto
material e um ambiente saudável.
E como que para exacerbar uma situação já problemática,
parece que as instituições, nas quais a humanidade tem
tradicionalmente confiado, vêm sendo cada vez mais questionadas.
Diz-se que a família está em crise, a religião organizada não vem
conseguindo atrair muitos daqueles a quem antes dava apoio, os
habitantes de nossas cidades sempre espalhadas procuram em
vão por um vestígio de comunidade, e o ideal de um Estado
verdadeiramente democrático parece mais ilusório do que nunca.
Levando-se em conta tal histórico, não é de se admirar que
nossas escolas, também, estejam sofrendo essa pressão. Dentro de
nossos sistemas de educação pelo menos, é dito aos professores que
eles são o ponto fraco que é deles a responsabilidade por produzir
gerações de jovens desprovidos das habilidades necessárias para se
darem bem em um mundo problemático. Em nossa experiência, esse
ataque está fora de propósito: a maior parte dos professores trabalha
duro e com habilidade e integridade consideráveis, numa profissão
seriamente desvalorizada. O problema, de acordo com nosso ponto
de vista, está em “o que” e em “como” ensinar, e nas exigências
freqüentemente confusas e insensatas impostas por sistemas mais
guiados pela política e pela economia do que por imperativos
verdadeiramente educacionais. Costuma-se dizer, por exemplo, que o
currículo não satisfaz mais as necessidades e os interesses dos
estudantes, que ele não é “relevante” e que precisa fornecer
caminhos claros desde a aquisição das habilidades “básicas” até o
“mundo do trabalho”. A pressão de agentes públicos continua a
polarizar o debate político, com um lado exigindo maior acesso à
educação e ênfase no treinamento vocacional, e o outro exigindo
“declínio” nos padrões e estimulando a retórica familiar de
“transmissão de conhecimentos e valores de uma geração para
outra”.
Apoiamos aqueles que vêem conhecimento, valores e bom
pensamento como ingredientes essenciais para o processo
educacional, mas sustentamos que tais ingredientes não são o tipo
de coisa que se possa simplesmente transmitir: eles precisam ser
construídos, não apenas por cada pessoa de acordo com seu próprio
gosto, mas como resultado de uma investigação sistemática e
colaborativa.
É primordial a necessidade de construção de conhecimentos,
valores e bons pensamentos, como pontos essenciais a serem trabalhados
pela instituição escolar, como bem colocado pelos autores, principalmente
pela existência de uma estreita relação entre educação e sociedade, uma vez
que a educação é responsável pela formação dos membros de uma sociedade
e, ao mesmo tempo é, por esta, influenciada através de suas
“normas”. Para Libâneo (2001, p. 10):
O impacto das transformações nos sistemas de ensino e nas escolas
é direto: alteração no perfil de formação geral e profissional dos
alunos, mudanças nos currículos e nas formas de gestão da escola,
reavaliação das funções e responsabilidades do professorado, formas
de participação das famílias etc. Ou seja, junto com a reestruturação
produtiva vêm as reformas educacionais, pois há suficiente base
histórica para sabermos que reajustes na realidade econômica e
produtiva incidem em alterações no âmbito social, cultural e até
pessoal.
É indiscutível a necessidade de se “pensar” formas de educação
para essa nova geração. Geração tão bem caracterizada por Ignácio Loyola
Brandão na sua crônica Adolescentes do ano 2000
27
:
Elas se telefonam, se bipam, marcam encontros e se reúnem
nervosas diante da escrivaninha, cadernos e livros, abertos e
espalhados. Não devo dizer escrivaninha, é termo da minha
adolescência, e entre a minha e a de minha filha se passaram 47
anos, o Brasil mudou, as palavras mudaram. No entanto, alguma
coisa permanece imutável. Percebo ao passar pelo corredor, vendo-as
no quarto, deitadas no chão, sentadas à escrivaninha, livros e
cadernos compulsados sofregamente. Não, não se diz caderno, e sim
fichário. Elas estão ansiosas, inquietas. São dias de prova. O clima é
o mesmo da minha adolescência. Na aula a atenção se dirigia pouco
ao professor. A menos que fosse criativo e soubesse segurar a classe.
Se houvesse, como hoje, jovens professores, as meninas gostariam
mais. Por que nossos professores pareciam velhos e sisudos? [...]
[...]Agora, ali no quarto, as meninas fazem a mesma coisa.
Desespero de última hora. Há diferenças. Eu contava com meu
caderno e um livro, o indicado pelo professor. Não existiam
pesquisas nem onde pesquisar, a biblioteca municipal era pobre.
Agora elas dispõem de apostilas, xerox (um roubo), fascículos,
enciclopédias, revistas. Comunicam-se por fax, modem, celular. E
internet. Tem prova igualzinha no site.
Há uma igualdade. A pouca vontade de estudar nessa idade.
Santa preguiça, Divina ausência de concentração. Elas falam dos
rapazes (em geral, preferem os mais velhos, os da mesma idade são
stracnados ou lesados; quer dizer bobocas; cada grupo tem sua
gíria), telefonam, combinam a balada, escolhem um bar [...] e passam
os olhos por um ponto. Está difícil, voltam a discutir uma tática,
uma forma original de, talvez, colar. Mal sabem elas, nos seus 16
anos, que a estratégia de colar é arte aperfeiçoada por séculos.
[...]Há uma diferença entre essa geração e a minha. A atual
não recorre aos poderes superiores. Nunca as vi rezando. Nem pondo
27
Fragmentos da crônica Adolescentes do ano 2000 de autoria de Ignácio Loyola Brandão. In.: CEREJA, William
Roberto; MAGALHÃES, Thereza Cochar. Texto e interação: uma proposta de produção textual a partir de gêneros e
projetos. São Paulo: Atual, 2000, p. 204-205.
sobre a mesa santinhos de Santo Expedito ou São Roque. Contam
com elas mesmas. Na minha época, dia de exame final, era uma
romaria à igreja. Findos os estudos, a vida seria leve. Como supor
que o coração jamais descansa? Os santos recebiam com olhar
complacente as promessas que, sabiam, seriam esquecidas. As mães
protestavam: sem estudo, o santo não ajuda. Nossa lógica:
estudando, dispensamos os santos! A igreja era poderosa,
catalisadora! Hoje, precisa das aeróbicas do padre Marcelo. Ah, que
bom, que mau! Chegamos ao ano 2000 e nada mudou! Mesmo tudo
tendo mudado.[....].
Não só as estratégias mudaram. O material escolar
solicitado/exigido pelos alunos aos seus pais também é outro. Não mais
querem os materiais convencionais usados pela geração anterior: cadernos,
livros, lápis, borracha... solicitam também “equipamentos” tecnológicos.
Carlos Drummond de Andrade retrata, numa de suas crônicas
28
, essa
intensa necessidade...
Equipamento escolar
- Pai! O material não tá completo não.
- O que? Se eu já comprei livros, apostilas, cadernos, pasta, caixa
de lápis de cor, lápis preto, esferográfica, borracha mole,
borracha dura, régua, compasso, clipe, apontador, tudo novo,
novinho, por que o material do ano passado está superado, como
é que não está completo?
- Cê esqueceu o gravador.
- Esqueci nada, rapaz. Vi o gravador na lista e achei que era piada.
Vocês gostam de brincar com a gente.
- Brincadeira tem hora, pai. Tô precisando de gravador.
- [...]A tiracolo, pai, com alça. Tem um modelo japonês, levinho,
muito bacana. Também se leva na sacola.
- Então você quer aparecer no colégio portando gravador porque
está na moda, pois não?
- Cê não entendeu lhufas. Gravador faz parte do equipamento
escolar moderno.
- Começo a perceber. O professor fala, você grava. Então vamos
jogar na lixeira esses cadernos, esses lápis, essa parafernália
inútil.
- Para...o quê?
- Fernália. Uma palavra que não existe mas que se aplica neste
caso.
- [...] Mas olha aí. Mesmo com gravador, o material ainda tá
faltando.
- Não me diga.
28
Fragmentos da crônica Equipamento escolar de autoria de Carlos Drummond de Andrade. In.: MESQUITA,
Roberto melo; MARTOS, Cloder Rivas. Português linguagem e realidade. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 116-117.
- Esqueci de botar na lista a minicalculadora. Faz uma falta
desgramada na aula de Matemática. [...].
- Pelo que vejo, o Brasil contará com grandes matemáticos no
futuro.
- Tá debochando? Sem calculadora, como é que a gente vai
calcular? Resolver um problema ouriçado?
- No meu tempo...
- Seu tempo já era. Não tinha calculadora, como é que cês iam
precisar de calculadora?
- Talvez você tenha razão. Era um tempo muito mal equipado. Pior:
nem equipado era.
- Viu? Gosto quando cê reconhece a verdade. Mas tem mais. Tá
faltando o principal.
- Um helicóptero, imagino?
- Não. Um minicomputador. Tem aí um modelo escolar que é jóia.
- Não pesa muito na mochila, é um barato, vou te contar. Sem
minicomputador não posso aparecer no colégio, fico
desmoralizado!
Que necessidades terão esses jovens, no futuro, principalmente no
mundo do trabalho? Pensar uma escola que promova a autonomia do sujeito
e “cumpra” o papel que lhe é consignado/designado, ou melhor, uma escola
que seja realmente construtora de conhecimento implica em quebrar
paradigmas e “aventurar-se” em novos caminhos.
Esses caminhos deverão promover a formação de um indivíduo
crítico, capaz de tomar decisões, solucionar problemas e posicionar-se
eticamente perante a vida em sociedade. Assim, a construção de uma escola
que favoreça a aprendizagem significativa, que desenvolva no aluno a
capacidade de “aprender a aprender”, que o leve a perceber as rápidas
transformações pelas quais está passando o mundo, principalmente em
função das grandes invenções e descobertas, uma escola que favoreça a
formação de um indivíduo empreendedor e preparado para competir em um
mercado de trabalho de alta tecnologia necessita ser pensada. Santaló (1999,
p. 11-12) acredita que:
A missão dos educadores é preparar as novas gerações para o
mundo em que terão que viver. Isto quer dizer proporcionar-lhes o
ensino necessário para que adquiram as destrezas e habilidades que
vão desempenhar, com comodidade e eficiência, no seio da sociedade
que enfrentarão ao concluir sua escolaridade.
Por isso, como o mundo atual é rapidamente mutável, também
a escola deve estar em contínuo estado de alerta para adaptar seu
ensino, seja em conteúdos como em metodologia, à evolução dessas
mudanças, que afetam tanto as condições materiais de vida como do
espírito com que os indivíduos se adaptam a tais mudanças. Em
caso contrário, se a escola descuida-se e se mantém estática ou com
movimento vagaroso em comparação com a velocidade externa,
origina-se um afastamento ou divórcio entre a escola e a realidade
ambiental, que faz com que os alunos se sintam pouco atraídos pelas
atividades de aula e busquem adquirir por outros meios os
conhecimentos que consideram necessários para compreender à sua
maneira o mundo externo, que percebem diretamente ou através dos
meios massivos de comunicação.
Como a educação informal desses meios extra-escolares segue
seu curso de maneira cada vez mais forte, se a escola não os leva em
consideração e pensa unicamente em uma educação para um mundo
ideal que vai-se distanciando da realidade, o resultado é o que tem
sido chamado de “o paradoxo de Ícaro”, que consiste em que os
alunos se afastam dos ensinamentos do professor para acreditar
mais no mundo simplificado da ciência-ficção que encontram nas
histórinhas das revistas ou dos filmes de cinema e televisão, com o
qual, ao querer atuar na sociedade, se espatifarão assim como Ícaro
ao ver derretidas pelo sol suas asas de cera, por falta de base firme
de um conhecimento organizado, que precisamente é o que a escola
deve proporcionar.
Litto questiona como deve ser a educação do jovem para uma
sociedade de cujo funcionamento não temos certeza, mas que parece ser
diferente das anteriores. Diz o autor (1998, p.15) que “não sabemos [...] as
conseqüências, a curto, médio e longo prazos, das possibilidades da
clonagem humana ou dos resultados do Projeto Genome, que está mapeando
o sistema genético do ser humano [...]”. Pondera, no entanto, que não
devemos ficar imobilizados, e sim buscar novas linhas de ação. Ao seu ver
(1998, p. 16),
[...] a meta principal, de toda a Educação hoje tem que ser preparar o
futuro adulto para pensar sistêmica e ecologicamente. Exatamente o
oposto da nossa Educação atual, organizada para empurrar os
jovens com fatos históricos e científicos potencialmente úteis no
futuro, mas a curto prazo aplicáveis apenas no exame vestibular
para entrada numa universidade, a nova meta da educação tem que
ser não o que pensar, mas, sim, como pensar. Processos e não
produtos são importantes no futuro, porque permitem adaptações e
atualizações rápidas.
O ensinar a pensar é a mola mestra do processo educativo; essa
aprendizagem poderia ser alcançada com o desenvolvimento de habilidades
tanto cognitivas como afetivas, dando ênfase à idéia de que o homem possui
múltiplas inteligências. As disciplinas consideradas fundamentais na
instituição escolar atual serviriam como “trampolim” para se aprender a
pensar. Litto explica que pensar sistematicamente significa “pensar em
termos de conexões, relações, contexto, interações entre os elementos de um
todo; de ver coisas em termos de redes, teias e comunidades”. Coloca o
referido autor (1998, p. 17) que:
Levar o aluno a saber pensar sistemicamente envolve capacitá-lo a
ver “processos” em qualquer fenômeno, de ver mudanças (reais ou
potenciais), crescimento e desenvolvimento, de compreender coisas
através do conceito de gestalt (um todo é maior do que a soma das
suas partes); de reconhecer que as nossas percepções são
condicionadas pelos nossos métodos de questionamento e que a
objetividade em ciência é muito mais uma meta do que um fato. Ver
o mundo em termos de sistemas interconectados envolve
conhecimento de cibernética (padrões de controle e comando) e de
como lidar com complexidade e com estruturas dinâmicas.
Já Toro aponta a existência de um acordo internacional sobre o
que uma criança deve aprender, ao longo de sua vida, para o século XXI.
Segundo ele (1996, p. 120-121), “o que ela deve aprender não são conteúdos,
mas habilidades, capacidades e competências”. Apresenta sete códigos, a
que chama de Códigos da Modernidade para essa educação. São eles:
1. Altas competências em leitura e escrita.
2. Altas competências em cálculo matemático e em solução de
problemas.
3. Altas competências em expressão escrita, em três aspectos:
precisão para descrever fenômenos e situações; precisão para
analisar e comparar e precisão para expressar o próprio
pensamento.
4. Capacidade para analisar o ambiente social e criar
governabilidade; isso significa formação política e democracia.
5. Capacidade para recepção crítica dos meios de comunicação de
massa.
6. Capacidade para planejar, trabalhar e decidir em grupo.
7. Capacidade para localizar, acionar e usar a informação
acumulada.
São muitas as propostas para a educação exigidas no novo século.
Para uma nova geração “criada” à luz das tecnologias contemporâneas e
desse novo mundo interligado pelas tecnologias da informação e
comunicação, como discutido até então, urge promover (ou melhor pensar!)
uma nova educação. Daí a necessidade de estudos dessa natureza que
possibilitem repensar e [re]criar esses novos caminhos. A proposta do
trabalho ora apresentado busca atender a essa necessidade. Assim, são
objetivos dessa pesquisa:
contribuir com as discussões sobre a forma como as tecnologias
contemporâneas estão moldando uma nova cartografia no processo de
aprendizagem;
discutir, de forma ampla, a utilização da Robótica Pedagógica em
instituições de ensino de Educação Básica, prioritariamente no ensino
fundamental (5
a
à 8
a
série);
acompanhar a implantação da Robótica Pedagógica na instituição de
ensino pesquisada e avaliar os primeiros resultados obtidos;
analisar que contribuições a Robótica Pedagógica pode agregar ao
processo de aprendizagem, tomando por base o acompanhamento e os
resultados acima referidos;
analisar as interações que se realizam dentro do espaço da sala de aula,
no contexto específico da aprendizagem mediada pela Robótica
Pedagógica, na instituição pesquisada, a partir de registros das
atividades desenvolvidas;
propor, a partir das análises anteriores, estratégias que possibilitem a
integração da Robótica Pedagógica no currículo, pelo seu caráter
eminentemente interdisciplinar
29
e multirreferencial
30
, e sua relação
com outras áreas do conhecimento, na instituição pesquisada.
Escolhi, como participantes da pesquisa, 76 alunos da 5
a
série do
ensino fundamental, no ano letivo 2001, do Colégio Alfred Nobel, instituição
de ensino privado na Cidade do Salvador, e o acompanhamento sistemático
desses alunos no ano de 2002, como ponto de referência para análise de
projetos, entrevistas e observações.
A escolha deu-se por ser a primeira série de uma nova etapa de
vida que, na opinião da grande maioria dos alunos, trata-se de uma série
difícil. Os depoimentos escritos, apresentados abaixo, confirmam essa
opinião. Quando questionados sobre o que pensavam da 5
a
série, a partir da
continuidade da frase: Quando eu era aluno(a) da 4
a
série, imaginava que a
5
a
série..., afirmaram:
...o máximo. Pensava que na 5
a
série seria mais independente, mais organizada.
Ser do ginásio significava ser adolescente, crescer. Mas tinha medo que não fosse
como eu imaginava; as provas fossem muito difíceis, os professores muito
rigorosos. Mas ficava muito ansiosa para chegar logo o fim do ano.
ABX2
Ou então...
29
Fazenda coloca não haver um conceito único para a questão, porém diz que “ Em termos de interdisciplinaridade,
ter-se-ia uma relação de reciprocidade, de mutualidade, ou melhor dizendo, um regime de co-propriedade, de
interação que irá possibilitar o diálogo entre os interessados, dependendo basicamente de um atitude cuja tônica
primeira será o estabelecimento de uma intersubjetividade. A interdisciplinaridade depende então, basicamente, de
uma mudança de atitude perante o problema do conhecimento, da substituição de uma concepção fragmentária
pela unitária do ser humano.” (FAZENDA, 1995, p. 31).
30
“[...] a abordagem multirreferencial propõe-se a uma leitura plural de seus objetos (práticos ou teóricos), sob
diferentes pontos de vista, que implicam tanto visões específicas quanto linguagens apropriadas às descrições
exigidas, em função de sistemas e referências distintos, considerados, reconhecidos explicitamente como não-
redutíveis uns aos outros, ou seja heterogêneos” (ARDOINO, 1998, p. 24).
... um curso mais avançado no qual aprenderia muitas coisas novas. Um pouco
mais difícil que a 4
a
, mas sabia que dominaria bem os assuntos, que os professores
dariam os deveres e os estudos.
ACX4
Ou ainda...
... uma série mais difícil, em que eu teria que me esforçar muito mais, afinal eu
iria passar para o ginásio, tudo iria mudar no meu colégio. Eu ainda me sentia
pequena, mas pensava que, na 5
a
série, eu ia crescer muito, pensava que ia passar
a ser grande.
DTZ2
Muitos outros depoimentos apontavam para a mesma questão:
uma grande inquietação por parte dos alunos para conhecimento da série,
insegurança para enfrentar o novo, grau de dificuldade maior do que o
enfrentado até então e, principalmente, alegria por se tornarem “grandes”.
Para entendimento da pesquisa, acredito ser necessária a
apresentação de alguns dados específicos dos participantes:
Faixa etária 11 a 12 anos (início da pesquisa).
Características da faixa etária
Orford (1994, p.52) afirma que:
Aos onze anos, a maneira de a da criança pensar muda. Enquanto
aos oito ou nove anos a criança é prática e precisa experimentar as
coisas para aprender e compreendê-las, aos onze anos começa a
pensar e a aprender usando a mente de maneira mais lógica. Nessa
idade, a criança recorre à memória para desenvolver um argumento,
capacidade esta que aumenta durante a adolescência e prossegue
durante toda a vida.
Para Piaget, crianças, a partir de 11 anos, estão iniciando um
estágio denominado de Operações Formais. Nesse período, que se estende
aproximadamente até os 15 anos, as crianças já podem pensar,
usando abstrações. São capazes de formular teorias sobre qualquer assunto
distinto do real. Charles (1975, p. 21-22) explica esse estágio:
Mais ou menos aos onze anos, as crianças começam a passar do
estágio das operações concretas para o estágio das operações
formais. Este é novamente um ponto muito significativo no decorrer
do desenvolvimento intelectual. Nesse período a criança está
passando para a maneira adulta de pensar. Isto não significa que ela
possa tomar decisões tão bem quanto o adulto ou solucionar
problemas tão bem ou ser tão equilibrada quanto ele em situações
novas. Simplesmente significa que os seus processos de pensamento
são semelhantes aos do adulto. Está se tornando capaz de pensar
sobre idéias abstratas e de efetuar operações usando abstrações que
não têm nenhuma referência concreta, tangível. Esta habilidade de
usar abstrações dá à criança poderosos e novos instrumentos para
estruturar seu mundo. É capaz de pensar além do mundo real e
além do presente. Não necessita mais limitar-se aos símbolos que
representam coisas reais [...]. Pode fazer uso efetivo de conceitos de
amor, ódio, honestidade e lealdade; de números negativos, forças,
velocidades, tempo e partículas atômicas. Com outras palavras, pode
pensar sobre o pensamento. Mais ou menos no fim, do estágio das
operações formais, que ocorre em média aos quinze anos, a pessoa
atingiu maturidade intelectual. Seus trabalhos mentais alcançaram o
nível máximo de desenvolvimento. [...].
O referido autor conceitua Operações como as “ações executadas
mentalmente. São componentes necessários do pensamento racional”. Para
ele essas operações incluem:
Conservação. O reconhecimento de que uma propriedade como
número, comprimento ou quantidade permanece a mesma apesar de
mudanças de posição, forma ou agrupamento.
Reversibilidade. O reconhecimento de que qualquer mudança de
posição, forma, ordem e outros, pode ser reversível, isto é, retornada
à posição, forma ou ordem inicial. (CHARLES, 1975, p. 3-4).
Por outro lado, além das modificações intelectuais, as
características físicas e emocionais e o próprio espaço da sala de aula
também se modificam, como explica Dias-Da-Silva (1997, p. 12) ao afirmar
que...
Entrar numa classe de 5
a
série é uma experiência peculiar
desde o primeiro momento. Um primeiro olhar pela classe já revela
um aspecto curioso: fisicamente, o grupo de alunos parece a síntese
de todo o 1
o
grau. As primeiras carteiras revelam crianças miúdas,
“baixinhas” mesmo, que mais parecem alunos de 1
a
ou 2
a
série. Já
as últimas carteiras são sempre preenchidas pelos “perulões”, como
dizem as professoras meninos e meninas de 11 ou 12 anos, mas
cuja altura (1,60m até 1,70m) denunciaria alunos do colegial, quase
adultos. Também as diferenças entre crianças e “moços” revelam-se
na postura, na linguagem e até nos olhares. Destacam-se as
meninas: há aquelas que brincam (e brigam) como moleques,
sentam-se de pernas abertas, correm, gargalham e xingam. Há as
“moiçolas”, de sorrisos contidos, gestos mais comedidos, batom nos
lábios, jeito mais dengoso de menina-moça, que olham
languidamente para os meninos da 8
a
série, ou que “até já têm
namorados”.
As características acima apontadas descrevem, de maneira
genérica, a faixa etária estudada. Mas, uma questão surgiu: como esses
alunos lidam e/ou utilizam tecnologias como a televisão e o computador?
Como iniciava uma pesquisa sobre a utilização de uma nova tecnologia, senti
a necessidade de levantar dados específicos sobre a utilização dos
instrumentos tecnológicos. Assim, apliquei um questionário escrito (77
alunos) para levantamento de dados referentes a utilização da TV,
programação, computador, Internet e jogos. Os dados extraídos dessa
pesquisa são apresentados a seguir (as Tabelas demonstrativas dos dados
apresentados encontram-se no anexo A):
+ Com relação a TV: os alunos pesquisados assistem com maior
freqüência à Rede Globo. Apenas 17 alunos não preferem esse canal, o
que corresponde a 22, 1% (ver Tabela 5). Filme é a programação preferida
(32,5%), seguida de novela (20,8%). Chamou-me atenção o fato de
apenas 10 alunos (13%) preferirem desenho animado, principalmente
por muitos desses desenhos tornarem-se “febre” entre as crianças, a
ponto de serem os seus personagens comercializados através de bonecos,
cartas, jogos eletrônicos, enfim produtos dos mais diversos. Programas
humorísticos alcançaram 11,7% na preferência, clips (shows com
bandas/cantores famosos) 9,1% e telejornais, 3,9% (outra surpresa, uma
vez que uma disciplina oferecida na matriz curricular da escola,
denominada Atualidade, discute fatos acontecidos no Brasil e no mundo)
(ver Tabela 6).
+ Com relação ao computador:
a) Freqüência de utilização: 58,4% dos alunos pesquisados utilizam o
computador diariamente (ver Tabela 7). A grande maioria utiliza o
computador para jogar, pesquisar e estudar. Uma pequena parcela
(7,8%) utiliza o computador apenas para salas de bate-papo (ver Tabela
8).
b) Com relação aos jogos: 38,2% dos alunos pesquisados jogam
diariamente; 36,8% apenas nos finais de semana. 28,6% preferem os
jogos de aventura, seguido de jogos de ação (27,3%) (ver Tabelas 9 e 10).
c) Com relação à Internet: 33,8% utilizam a Internet diariamente e 36,4%,
nos finais de semana (ver Tabela 11).
d) Com relação a possuir conta de e-mail: 73,7% dos alunos pesquisados
possuem e-mail próprio (ver Tabela 12).
Os alunos (baseada nos dados analisados) possuem acesso à
tecnologia e fazem uso dessa com grande intensidade, o que possibilitará o
manuseio da máquina, na Robótica Pedagógica, com facilidade. Além da
habilidade no manuseio e no raciocínio lógico apresentado com a utilização
de jogos, por exemplo, outras habilidades cognitivas e afetivas são
desenvolvidas através da Robótica Pedagógica, como demonstrarei no bloco
destinado ao processo de aprendizagem.
Estudar a Robótica Pedagógica em uma área como a educação
fundamental constituiu-se um desafio, principalmente por se tratar de uma
discussão atual. Busquei, então, um referencial teórico-metodológico que me
auxiliasse a entender a complexidade do objeto (Robótica Pedagógica).
Optei pela pesquisa qualitativa, mas especificamente, pelo trabalho de
campo. Sobre a pesquisa qualitativa, Bogdan e Biklen (1999, p.16) afirmam:
[...]. Utilizamos a expressão investigação qualitativa como um termo
genérico que agrupa diversas estratégias de investigação que
partilham determinadas características. Os dados recolhidos são
designados por qualitativos, o que significa ricos em pormenores
descritivos relativamente a pessoas, locais e conversas, e de
complexo tratamento estatístico. As questões a investigar não se
estabelecem mediante a operacionalização de variáveis, sendo,
outrossim, formuladas com o objectivo de investigar os fenómenos
em toda a sua complexidade e em contexto natural. Ainda que os
indivíduos que fazem investigação qualitativa possam a vir a
seleccionar questões específicas à medida que recolhem os dados, a
abordagem à investigação não é feita com o objectivo de responder a
questões prévias ou de testar hipóteses. Privilegiam, essencialmente,
a compreensão dos comportamentos a partir da perspectiva dos
sujeitos da investigação. As causas exteriores são consideradas de
importância secundária. Recolhem normalmente os dados em função
de um contacto aprofundado com os indivíduos, nos seus contextos
ecológicos naturais.
As estratégias mais representativas de investigação qualitativa,
e aquelas que melhor ilustram as características anteriormente
referidas, são a observação participante e a entrevista em
profundidade.
Para Cruz Neto (1994, p. 59):
A técnica de observação participante se realiza através do
contato direto do pesquisador com o fenômeno observado para obter
informações sobre a realidade dos atores sociais em seus próprios
contextos. O observador, enquanto parte do contexto de observação,
estabelece uma relação face a face com os observados. Nesse
processo, ele, ao mesmo tempo, pode modificar e ser modificado pelo
contexto. A importância dessa técnica reside no fato de podermos
captar uma variedade de situações ou fenômenos que não são
obtidos por meio de perguntas, uma vez que, observados diretamente
na própria realidade, transmitem o que há de mais imponderável e
evasivo na vida real.
As observações realizadas nas aulas de Robótica Pedagógica
possibilitaram perceber uma variedade de situações (como coloca Cruz Neto)
que não se estabeleciam normalmente em outras disciplinas da matriz
curricular. Era, realmente, uma aula diferente. Essa diferença detectada fez-
me elaborar as seguintes hipóteses (apesar do que diz Bogdan e Biklen, que
a “abordagem à investigação não é feita com o objectivo de responder a
questões prévias ou de testar hipóteses”):
1. A aprendizagem através da Robótica Pedagógica possibilitava o
desenvolvimento conjunto de habilidades, uma vez que trabalhava com
áreas cerebrais distintas ao mesmo tempo;
2. A aprendizagem dava-se de forma lúdica e num ambiente de completa
descontração;
3. Os alunos trabalhavam em ritmo próprio e em interação com os seus
pares;
4. Não existiam conteúdos exclusivos de uma disciplina sendo trabalhados,
mas sim a necessidade de relações existentes entre diversos
conceitos/conteúdos para construção dos projetos; assim sendo, o
trabalho desenvolvido era, necessariamente, interdisciplinar e multirre-
ferencial;
5. Um novo currículo” poderia ser estabelecido a partir da Robótica
Pedagógica.
Uma das questões percebidas nas primeiras aulas observadas foi a
facilidade com que os alunos “manejavam” o computador. Surgiu, então, a
necessidade de saber o grau de utilização e interação que tinham com
tecnologias contemporâneas. Apliquei um questionário escrito para
quantificar quantos alunos e com que periodicidade utilizam a televisão e o
computador (resultados já apresentados anteriormente). Neste momento,
utilizei a pesquisa quantitativa. Na opinião de Minayo (1994, p. 22) “o
conjunto de dados quantitativos e qualitativos, porém, não se opõem. Ao
contrário, se complementam, pois a realidade abrangida por eles interage
dinamicamente, excluindo qualquer dicotomia”. A pesquisa quantitativa foi
utilizada, também, para verificar quais os filmes assistidos pelos alunos que
mostravam, através de suas histórias, personagens robôs.
A disciplina (como todas as outras) possui um programa especifico
e plano de aula. O registro escrito das observações era, normalmente,
contrastado com o programa do curso/aula. Em muitos momentos, os
alunos trabalhavam de forma diferente do anteriormente previsto,
mostrando, dessa forma, a natureza flexível do trabalho proposto. Durante o
período das observações, utilizei a outra estratégia da pesquisa qualitativa
identificada por Bogdan e Biklen: a entrevista. Para Cruz Neto (1994, p. 57),
a entrevista:
é o procedimento mais usual no trabalho de campo. Através dela, o
pesquisador busca obter informes contidos na fala dos atores sociais.
Ela não significa uma conversa despretensiosa e neutra, uma vez
que se insere como meio de coleta dos fatos relatados pelos atores,
enquanto sujeitos-objeto da pesquisa que vivenciam uma
determinada realidade que está sendo focalizada. Suas formas de
realização podem ser de natureza individual e/ou coletiva.
Optei pelas entrevistas individuais e semi-estruturadas
31
,
realizadas com os 77 alunos cursantes da 5
a
série do ano letivo de 2001 e
com o professor da disciplina. Cruz Neto (1994, p. 58) afirma que as
entrevistas, em geral, podem ser:
31
As entrevistas realizadas com os alunos e com o professor de Robótica Pedagógica encontram-se gravadas em
fitas-cassete.
estruturadas e não-estruturadas, correspondendo ao fato de serem
mais ou menos dirigidas. Assim, torna-se possível trabalhar com a
entrevista aberta ou não-estruturada, onde o informante aborda
livremente o tema proposto; bem como com as estruturadas que
pressupõem perguntas previamente formuladas. Há formas, no
entanto, que articulam essas duas modalidades, caracterizando-se
como entrevistas semi-estruturadas.
Algumas aulas e a oficina realizada com os brinquedos tecnológicos
foram filmadas e registradas através de fotografias. Para Cruz Neto (1994, p.
63):
Fotografias e filmagens se apresentam também como recursos
de registro aos quais podemos recorrer. Esse registro visual amplia o
conhecimento do estudo porque nos proporciona documentar
momentos ou situações que ilustram o cotidiano vivenciado.
Durante todo o percurso da pesquisa, o levantamento bibliográfico
foi extremamente necessário. A pesquisa em livros e revistas (científicas ou
não) se fizeram necessárias tal a atualidade do assunto. Programas
televisivos (em canais de TV à cabo) foram assistidos e analisados por
contemplarem o estágio atual da pesquisa Robótica. Os filmes que utilizavam
robôs como personagens principais e secundários foram parte integrante
da pesquisa. Buscou-se relacionar, através deles, o ficcional e o real, bem
como a imagem trazida pelos alunos sobre eles.
Produções textuais e respostas dadas pelos alunos em
instrumentos avaliativos, aplicados na disciplina Língua Portuguesa, foram
analisados para complementar as informações obtidas através das
observações, entrevistas, questionários e exercícios aplicados na aula de
Robótica Pedagógica. O que eles entendiam sobre a Robótica foi revelado
através de um questionário escrito, aplicado no início do ano letivo, onde se
questionava: “Explique com suas palavras o que você entende por Robótica”.
Para CCR3 e AZX2 a Robótica éuma matéria que ensina a fazer robôs”. PTQ2 explica
que para mim, é uma matéria que mexe muito com o computador”. PMQ1 diz que éinventar um
robô”. Já PLQ9 acha que nós vamos inventar várias coisas como experiência. Para AVX1 a
Robótica émontar o lego como um robô e mexer no computador pra que ele ande”. PFQ6 entende
quemexer com robô é você exercitar sua criatividade”. Já PEQ5 explica quevocê tem que criar
seus próprios robores”. PQD4 diz que a Robótica émovimentar um robô pelo computador”.
CGR6 afirma que édesenvolver a mente e criar com sua criatividade o que quiser”. Para DBZ2
é umamatéria que você constrói umas coisas eletrônicas com lego”. PHQ7 afirma que a
Robótica émexer com objetos eletrônicos, fazendo robôs e usando técnica e raciocínio para isso”. Ela
esperaaprender o que o curso ensina e poder levar algo para o futuro. Os alunos entendem a
Robótica Pedagógica como a criação de robôs que são programados através
do computador. Eles envolvem a utilização do raciocínio e da criatividade
para tal fim. Os projetos construídos por eles e os conceitos compreendidos
serão mostrados no capítulo destinado à aprendizagem através da Robótica
Pedagógica.
3. Os robôs: esses “estranhos” seres metálicos...
Cientistas cruzam o Atlântico em ‘aperto de mão virtual’
Cientistas em lados opostos do Oceano Atlântico estão apertando as mãos pela Intern
et
na primeira demonstração pública da mais avançada tecnologia de ‘toque virtual’.
Numa experiência conjunta, cientistas em Londres e em Boston estão mostrando como
podem apertar mãos e realizar tarefas simples juntos, apesar de estarem separados por
mais
de 4,8 mil quilômetros. Os participantes podem sentir se os outros estão puxando,
empurrando ou manipulando objetos gerados pelo computador num mundo virtual.
[...]. Os cientistas participantes da experiência estão usando um computador e um
pequeno braço
robótico ao invés do tradicional mouse. O braço de robô desenvolvido
pela empresa Sensable Tecnologies traz na sua extremidade um aparelho que se
assemelha a uma caneta grossa. O participante segura o aparelho para ter a sensação
do que está acontecendo no
mundo virtual. Ele também transmite os movimentos para
os outros participantes. O aparelho conhecido como Phantom, dá aos usuários a
sensação do toque ao exercer força precisamente controlada sobre os dedos.
Disponível em <http://www.aol.com
>. Acesso em: 29 out.2002
Goleada High Tech
O mundial será palco para testar robô que reserva hotel, campo com gramado móvel e
bola mais veloz.
Não poderia ser diferente. Reconheci
do por sua vocação tecnológica, Japão e Coréia do
Sul convocaram um arsenal eletrônico para a Copa 2002. Em vez das belas modelos,
os anfitriões serão humanóides com pouco mais de meio metro de altura. Os robôs
Asimo, da Honda Motors, e SDR-3X, da Sony, vã
o recepcionar os jogadores e serão
uma espécie de guia turístico ambulante. Eles têm capacidade para armazenar
informações, se conectar à Internet e fornecer notícias em tempo real. Devem ajudar
os participantes a alugar automóveis e fazer reservas em hotéis e restaurantes[...].
Azevedo, Natália. Revista IstoÉ, São Paulo: Três, n
o
1705, 05/06/2002, p. 70.
Robôs explorarão solo de Marte no início de 2004
Londres
Dois robôs do tamanho de carrinhos de golfe vão percorrer o solo de Marte no início
de 200
4, anunciou anteontem a Nasa. Com eles, a agência espacial americana vai empreender
sua mais ampla exploração em busca de evidências de que Marte já teve água
uma forte
indicação de que teria abrigado vida.
Os dois robôs rovers (andarilhos) serão lançado
s separadamente em 22 de maio e 4 de junho
de 2003. O primeiro deve chegar em Marte no dia 2 de janeiro de 2004. Eles pousarão em
áreas diferentes, ainda não escolhidas. Uma deve ser uma região plana e a outra
provavelmente terreno acidentado.
Sete vezes
mais pesados que o Sejourner (o robô enviado a Marte em 1997), os rovers podem
cobrir mais de 90 metros por dia -
tanto quando a Sejourner fez em sua vida útil. Eles usarão o
mesmo método de pouso suave, quicando sobre o solo dentro de enormes airbags.
Os robôs terão cerca de 1,22 metro de altura e pesarão cerca de 113 quilos.
Cada um levará dez câmaras e instrumentos para analisar rochas. O custo total da missão é
de US$ 600 milhões.
Disponível em http://www.estado.estadao.com.br/jornal/00/08/12/news171.html. Acesso em: 15 out.2002
Sendo a Robótica Pedagógica objeto deste estudo, considero de
suma importância mostrar como os robôs surgiram e estão interagindo com
os seres humanos, principalmente porque estão “abrindo” outros espaços de
atuação além dos ocupados em filmes de ficção científica e em trabalhos
industriais, no chão das fábricas. Busca oferecer ao leitor, de forma sucinta,
uma base para a compreensão da Robótica em outras áreas e a possibilidade
da sua introdução no campo da educação, mesmo que difira em seus
objetivos.
Inicio a conversa sobre os robôs reproduzindo algumas notícias
divulgadas através da mídia, pois entendo ser necessário referenciar as
pesquisas atuais da cibernética
32
. As notícias veiculadas mostram a difusão
dos robôs em diversas áreas, possibilitando a substituição do homem em
operações de grande risco. Para Groover et al. (1988, p.1):
[...] A robótica é um componente promissor da automação fabril que
afetará a mão-de-obra humana em todos os níveis, desde operários
não especializados até engenheiros profissionais e gerentes de
produção. Os futuros robôs poderão encontrar aplicações fora da
fábrica, em bancos, restaurantes e até mesmo nos lares. É possível,
talvez provável, que a robótica venha a se tornar um campo, como a
tecnologia da computação de hoje, difundível por todas as camadas
da sociedade [...].
Na Medicina, por exemplo, os robôs (ou braços robóticos) vêm
sendo utilizados para garantir uma maior precisão de intervenção em
procedimentos cirúrgicos de necessária exatidão, ou mesmo, possibilitando
pequenas incisões e menos tempo de internação do paciente. No mês de
agosto de 2002, foi exibido no Programa Medicina do Século XXI
33
, quatro
episódios demonstrando a utilização da tecnologia como coadjuvante no
32
Cibernética “Ciência que estuda o mecanismo do sistema nervoso dos organismos vivos, para aplicá-lo na
criação de máquinas e dispositivos eletrônicos”. In: MINIDICIONÁRIO de Informática. São Paulo: Saraiva, 1999.
33
Programação exibida nos dias 6, 13, 20 27 de agosto de 2002, às 23:00h, através do canal de TV à cabo
Discovery Health.
tratamento de doenças graves/raras. O primeiro episódio, dedicado a
operações robóticas realizadas em hospitais americanos, mostrou três
casos de doenças consideradas potencialmente graves, solucionadas com a
ajuda de robôs. A apresentação traz a seguinte mensagem: “eles foram
projetados para fabricar carros e para construir estações espaciais. Agora os
robôs podem realizar buscas e fazer reparos no interior do corpo
humano".
A utilização dos robôs em salas cirúrgicas foi autorizada pelo
FDA
34
em 11 de junho de 2000. Essa notícia é publicada, no Brasil, pelo
jornal O Estado de São Paulo (Estadão) no dia seguinte:
FDA autoriza uso do robô Da Vinci em salas de cirurgia
35
Equipamento já está sendo testado em pontes de safena e troca de
válvulas cardíacas.
Washington Desde ontem, oficialmente, os robôs em sala de
cirurgia deixaram de ser ficção científica. A Food and Drug
Administration (FDA) deu a sua aprovação para o uso do Da Vinci
Surgical System, um equipamento que facilita a realização de
laparoscopias. O Da Vinci, porém, já está sendo testado para
utilização em pontes de safena e substituição de válvulas cardíacas,
procedimentos que ele é capaz de realizar por meio de três incisões
do diâmetro de um lápis. Os especialistas da FDA afirmam que a
capacidade do Da Vinci de trabalhar com precisão em áreas
reduzidas sem o risco de tremer como um cirurgião vai permitir
dentro de algum tempo que ele seja empregado em delicadas
microcirurgias neurológicas [...].
Essa realidade, no entanto, não é só americana. No Brasil, apesar
de números ainda não significativos, operações dessa natureza estão sendo
realizadas em hospitais. “O Instituto de Cardiologia de Porto Alegre realizou
em dezembro de 2000, a primeira cirurgia cardíaca na América Latina com o
uso de um robô”
36
.
34
FDA Food and Drug Administration - Órgão americano que legitima e autoriza a utilização de medicamentos
e procedimentos médicos.
35
Disponível em: < http://www.estado.estadao.com.br/editorias/2000/07/12/ger748.html.>. Acesso em 25 agos
2002.
36
Disponível em http://agendasaude.com.br/materias/index.asp?cod+191. Acesso em 25 agos.2002.
Além das máquinas que ajudam em operações, existem modelos
anatômicos que simulam a vida humana, possibilitando que estudantes de
medicina possam aprender praticando em vidas artificiais: esse é o caso de
Simulator Anestesy Machine (SAM). SAM
37
é “uma máquina, com aparência
humana, capaz de reproduzir fielmente todas as reações de um paciente
submetido a uma infinidade de possibilidades clínicas ou terapêuticas”.
SAM
38
:
fala, conversa com os médicos, responde à contração, tem pulso,
respira, sua pupila reage à luminosidade; sua temperatura varia de
acordo com a situação proposta, assim como a sua pressão arterial.
Seu coração [...] bate e tem o ritmo modificado em função do seu
quadro clínico ou dos procedimentos executados.
E para quem acha que isso ainda é pouco, SAM pode até, como um
paciente apreensivo, segurar a mão do médico, ou na pior das
hipóteses, morrer.
[...] é um manequim do sexo masculino, aparentando uns, digamos,
trinta anos de idade e uma saúde de ferro, pode ser configurado para
reagir como um frágil senhor de oitenta anos, cardíaco e diabético;
ou como um recém-nascido; ou ainda, até mesmo, como uma mulher
grávida.
As possibilidades de simulação de SAM são infinitas; basta ser
programado para a situação que se quer treinar e logo ele estará
obedecendo. Dr. Jorge Moll
39
, médico anestesista, membro da Sociedade
Brasileira de Anestesiologia, diz que o objetivo da utilização de SAM “é
viabilizar o treinamento em inúmeras situações de crise sem oferecer risco a
um paciente real e com a possibilidade de que os procedimentos sejam
revistos ou retomados a partir de qualquer ponto”.
SAM foi desenvolvido pela Eagle, empresa criadora de simuladores
de vôo da NASA e da BOEING; a sua utilização é recente só existindo 40
37
SAM. Um robô que se faz passar por qualquer tipo de paciente. On line. São Paulo, ano VI, n
o
1, fev/mar. 1999
p.35.
38
Id.
39
Id.
simuladores iguais em todo o mundo. A Figura 6 mostra SAM em
funcionamento.
Figura 6 SAM: Um robô que se faz passar por qualquer tipo de paciente. Fonte: Revista
On line, 1999, p. 35.
Outras áreas, além da Medicina, têm investido recursos e avançam
seus estudos na utilização da Robótica. Na realidade, o homem vive lado a
lado com o robô, mesmo sem ter a devida consciência desse fato. O
desenvolvimento dos robôs não é somente o evidenciado pelos ficcionistas,
com formas humanóides, mas formatados e adaptados às necessidades e
condições de trabalho em todas as áreas. Na indústria de entretenimento,
assistimos a uma ‘invasão’ de robôs nos desenhos animados, jogos, games e
brinquedos eletrônicos (de diversos formatos) que interagem com seus
donos. “Mundos” completamente robotizados já existem. Disney World, um
grande parque situado em Orlando, E.U.A, é um exemplo de utilização da
tecnologia de forma fantasiosa e com intuito de divertir. Seus muitos
visitantes podem se “deleitar” com desfiles de personagens infantis, shows de
bonecos e brinquedos eletrônicos. O EPCOT Center, situado no parque, é na
verdade, um “protótipo experimental da comunidade de amanhã” pois
possibilita a seus visitantes participarem de atividades divertidas mas que
trazem “forte apelo” à aprendizagem quando passeiam por espaços que
mostram desde a origem do oceano até a recriação da história das
comunicações através dos tempos, protagonizada por bonecos mecânicos.
Para funcionamento de todo este aparato tecnológico, a Disney congrega
cientistas, pesquisadores e técnicos em constante trabalho, formando uma
grande rede de pesquisa e desenvolvimento. Outros parques simbolizam
tecnologia. A Lego mantém parques temáticos denominados de Legoland na
Dinamarca, Inglaterra, EUA e na Alemanha. Esses parques exibem cidades
em miniatura completamente robotizadas. Mas esse mundo “imaginário” não
estaria se tornando realidade? Em 29 de agosto de 2002, a CNN divulgou um
projeto desenvolvido por especialistas de Hong Kong (China) para resolver o
problema de sua densidade demográfica. Eis a notícia:
A tecnologia cria a casa dos sonhos
40
Hong Kong, China (CNN) A alta densidade demográfica em Hong
Kong nunca será a mesma se um novo modelo de casa do futuro for
criado um lar onde a tecnologia e o meio ambiente andam de mãos
dadas. Críticos acusam Hong Kong de ter um sistema habitacional
mal planejado e sem qualquer preocupação com o meio ambiente.
Agora, o Integer Group que reúne arquitetos britânicos,
especialistas em tecnologia da informação e ambientalistas espera
mudar tudo isso com o sonho de um lar cibernético que mostra o
caminho para a casa do futuro. Todo o espaço é conectado, de
maneira que tudo está virtualmente ao alcance dos dedos. “Você
pode controlar sua temperatura, pode controlar a luz”, diz Donald
Hughes, da Hong Kong Housing Society. “Se você tem uma festa e
quer controlar o volume do som, você basicamente só terá que
pressionar alguns botões em vez de andar pela casa toda”,
acrescenta. Nesse lar high-tech, mesmo as torneiras são
comandadas, com diferentes controles para diferentes quantidades
de água. Sendo assim, o consumo de água é reduzido em 40 por
cento. O refrigerador com Internet armazena receitas e prepara uma
lista de compras. Mesmo as venezianas das janelas têm tecnologia
inteligente. “As venezianas vão se abaixar automaticamente conforme
40
Disponível em http://cnemportugues.com/2002/tec/08/29/casadofuturo/index.html acesso em 24 dez. 2002.
o sol se aproxima do seu prédio”, diz Hughes. Precisa de um quarto
extra? Nada de procurar um novo lugar. As paredes desse lar
cibernético estão prontas para se desfazer e ser instaladas em áreas
diferentes da residência. “Elas podem ser abaixadas em metade de
um dia e podem ser feitas por um simples operário. Uma parte pode
ser movida para fazer uma sala menor ou, talvez, criar uma sala de
jantar separada ou um estúdio separado para as crianças, conforme
elas crescem”, acrescenta o arquiteto. Lares inteligentes como esse
podem ser construídos 15 por cento mais depressa do que os
normais e com cerca de 30 por cento a menos de desperdício, o que
favoreceria o meio ambiente, segundo os autores do projeto.
Em dezembro do mesmo ano, a Revista Recreio (publicação de
periodicidade mensal dedicada ao público infantil) apresenta de forma
divertida uma casa do futuro (ver Figura 7, em anexo B).
Mas todo este avanço é fruto de pesquisas recentes. Martins (1993,
p.7) afirma que “os robôs entraram em funcionamento muito recentemente,
por volta de 1962”. Mesmo num espaço curto de tempo, para o referido
autor, “é incrível a crescente popularidade dessas criaturas entre pessoas
de culturas tão diferentes e de todas as idades”. Claramente essa afirmação
pode ser comprovada, se observada a reação das pessoas ante esses seres
mecânicos tão em voga na sociedade. Blades (1999, p. 33) confessa que...
há dias em que eu gostaria de possuir um robô pessoal. Aliás, quem
não gostaria de ter um servente mecânico para fazer a comida, jogar
o lixo fora, limpar a casa e cuidar das crianças? Um robô pessoal
poderia também ser meu motorista particular e, quem sabe, realizar
as minhas tarefas profissionais mais rotineiras como professor, como
arquivar papéis por exemplo.
Não só Blades, mas os alunos da 5
a
série também imaginam
resolver alguns problemas utilizando robôs. ADX5 conta como usaria um
robô: O problema
41
Um certo dia, estava tudo correndo normalmente em minha casa, até que
41
As produções textuais dos alunos foram reproduzidas em suas formas originais.
faltou luz. Eu achei que era um apagão rotineiro e que logo voltaria. Porém,
três horas se passaram impedindo meus pais de trabalharem e a mim e a minha
irmã de estudarmos. E tudo isso devido a energia que demorou a chegar. Resolvi,
então, tomar providências e liguei para a Coelba (empresa que fornecia energia
elétrica) perguntando o porquê da energia estar demorando tanto a chegar, mas
em resposta disseram-me que a empresa estava operando normalmente.
Então deduzi que deveria ser um problema na fiação de casa, no qual seria
necessário o Gnot (um robô minúsculo e muito ágil em resolver problemas que
envolviam fiação elétrica). Peguei o Gnot e ativei-o de maneira que ele
encontrasse facilmente o problema (o fio principal estava solto). O pequeno
robô entrou em um buraco que o levaria rapidamente ao problema; ao chegar, o
robô tirou de dentro de uma pequena caixinha algo que se parecia com uma fita
isolante, de maneira que a energia voltasse. Dois dias passaram-se e a
tranqüilidade voltou a reinar.
Nunca mais houve nenhum problema com fiação elétrica lá em casa.
Além de criativa, a produção escrita do aluno mostra a utilização
da máquina como auxiliar do homem na resolução de problemas simples e
corriqueiros. O aluno miniaturiza a máquina para que possa percorrer
pequenos espaços e utiliza-a da forma convencional: para realizar tarefas de
difícil acesso ao homem. Uma aluna, também utiliza a máquina para um
conserto elétrico. Ela lembra do robô ao sentir falta da luz para ligar um
ventilador. Como no texto de ADX5, ela também miniaturiza a máquina.
Assim, AFX6 conta a sua história...
O pequeno robô
Um dia eu e Janaína estávamos em casa quando escutei um barulho.
Olhei a cozinha, o banheiro, um dos quartos e nada tinha encontrado. Quando
me dei conta de que não tinha olhado o outro quarto. Chegando lá, vi uma broca
na parede com fios para fora. Fui olhar o resto da casa para ver se estava tudo
bem; quando acendi a luz, ela não acendia.
Eu podia não me preocupar, mas é que onde eu moro faz muito calor e sem
ventilador eu ia morrer de calor.
Daí eu me lembrei de um pequeno robô-mosquito que tinha nele instalada
uma câmara e pequenas garras que podiam aumentar de tamanho de acordo com
o tamanho do problema a ser solucionado. Eu introduzi ele no buraco e então ele
começou a consertar. Já era noite quando tudo voltou ao normal.
AGX7 traz um elemento novo: a relação amorosa de sua mãe com a
máquina. Ela fala sobre o robô como se estivesse falando de um humano,
embora apresente-o como um objeto de consumo adquirido em
supermercado. Eis o seu texto:
O robô mosquito
Era uma vez um robô chamado Gnot (robô mosquito) que foi criado por
Anita Flym. Esse robô estava sendo vendido no supermercado e minha mãe
resolveu comprar para ajudar em casa. No começo estava dando tudo certo; ele
estava ajudando minha mãe, ela pensava que não havia nada melhor.
Certo dia o robô estava quebrando as coisas e minha mãe resolveu ir
conversar com ele. De repente o encanamento do banheiro quebrou e minha mãe
foi chamar o Gnot, só que ele não conseguiu. Mas minha mãe pediu para ele
tentar
de novo. Então quando minha mãe menos esperava, o cano estourou e Gnot foi lá
de novo e não conseguiu. Enquanto isso, alagou a casa toda e minha mãe foi
chamar o encanador e não conseguiu.
Tivemos que nos mudar para a casa de minha avó. E mais uma vez Gnot
foi tentar e dessa vez ele conseguiu consertar e nós voltamos para casa e minha
mãe passou a amar mais ainda o Gnot.
Mesmo uma criança de 11 anos, (ou pré-adolescente, como
normalmente crianças nesta faixa etária gostam de ser tratadas) deixa claro
no seu discurso a relação amorosa com a máquina. AGX7 mescla a
capacidade da máquina (inclusive a possibilidade de não conseguir executar
a função que lhe é solicitada) com sentimentos que lhe são atribuídos
quando escreve que a mãe foi conversar com o robô ou mesmo que voltou a
amá-lo após ver o seu problema resolvido. Essa simbiose é muito comum
nos tempos de hoje, não só com crianças mas também na relação do adulto
com o seu computador, por exemplo, suscitando, inclusive, algumas
questões éticas sobre a convivência de seres humanos X máquinas
(discutirei esse assunto no bloco referente a ficção). Essa crença da simbiose
homem-máquina, as vezes imperceptível de forma clara para a idade
pesquisada, está embutida nas entrelinhas dos seus discursos.
Os robôs aparecem nas fábricas, nos discursos, na nossa vida,
mas o que é um robô? Como surgiu e qual a sua história? Existem várias
definições para um robô. Asimov (1994, p. 12) define-o como “uma máquina
computadorizada capaz de realizar tarefas complexas demais para qualquer
cérebro vivo, a não ser o do homem, e de um tipo que nenhuma máquina
não computadorizada é capaz de executar”. Para os franceses, um “robô é
um dispositivo automático adaptável a um meio complexo, substituindo ou
prolongando uma ou várias funções do homem e capaz de agir sobre seu
meio” (Martins, 1993, p.13). O autor compara a definição dos franceses ao
pensamento de Marshall McLuhan
42
de apontar a tecnologia como
extensão do corpo humano, ampliando ou estendendo os seus sentidos.
Com relação ao robô industrial, Pazos (2002, p.11) aponta como definição
supostamente ‘oficial’ a estabelecida pela Associação das Indústrias da
Robótica (RIA) que diz: “um robô industrial é um manipulador
reprogramável, multifuncional, projetado para mover materiais, peças,
ferramentas ou dispositivos especiais em movimentos variáveis
programados para realização de uma variedade de tarefas”. Martins (1993,
p.14-15) chama a atenção para a exclusão de algumas máquinas, a
exemplo de lavadoras e máquinas de transferência de peças em linhas de
montagens, se considerada essa definição. Romano e Dultra (2002, p. 3)
apresentam uma definição atribuída pela norma ISSO 10218, por
considerarem-na mais completa. Segundo a norma, um robô industrial é
“uma máquina manipuladora, com vários graus de liberdade, controlada
automaticamente, reprogramável, multifuncional, que pode ter base fixa ou
42
Marshall McLuhan canadense, teórico da comunicação, que na década de 60 formulou o conceito de Aldeia
Global. Segundo McLuhan, o mundo seria interligado, através da mídia eletrônica, transformando-se numa aldeia
global.
móvel para utilização em aplicações de automação industrial”.
Os robôs industriais podem ser classificados quanto:
: à estrutura mecânica - diz respeito à combinação de elementos
necessários (juntas e elos) para obtenção de configurações
desejadas dando origem aos robôs.
: à geração tecnológica - diz respeito a capacidade de atuação do
robô e seu grau de autonomia, indicando as possibilidades de
execução de tarefas.
: à participação do operador humano a participação do homem
no processo de controle do robô é “determinado pela
complexidade que o meio de interação apresenta e pelos recursos
disponíveis para o processamento dos dados necessários à
execução das tarefas”. (ROMANO E DULTRA, 2000, p. 10).
Figura 8
Robô
industrial de 6
graus de liberdade.
Fonte: Romano,
2002, p.4.
Uma outra classificação é apresentada por Pazos (2002) de acordo
com as diferentes utilidades para as quais os robôs são criados. O referido
autor classifica os robôs em três classes distintas: os robôs manipuladores,
os robôs exploradores e os robôs cujo objetivo é processar determinada
matéria-prima (máquinas-ferramentas).
Um robô industrial normalmente é acoplado a um braço humano,
para registrar em sua memória os movimentos executados por este; só
depois deste treinamento é que ele passará a exercer a sua função. Losano
(1992, p. 9-10) diz que:
o robô industrial é primeiro acoplado ao braço de um pintor perito e,
assim, registra em sua memória a seqüência de movimentos que
depois executará infatigavelmente. Portanto, o robô é máquina que já
não é apenas braço, mas também um pouco mente.
Uma máquina para ser caracterizada como robô necessita atender
aos requisitos: possuir função sensorial que possibilite a coleta de
informações independente de ajuda humana; possuir uma “espécie” de
inteligência que organize as informações coletadas e utilizar essas
informações coletadas e organizadas para atuar de forma programada. Para
Romano e Dultra (2002, p. 10-11),
O projeto de um robô é necessariamente interdisciplinar e envolve a
utilização de conhecimentos de várias áreas clássicas (...).
Engenharia mecânica: fornece metodologias para o estudo de
estruturas e mecanismos em situações estáticas e dinâmicas.
Engenharia elétrica e engenharia eletrônica: fornecem técnicas para o
projeto e integração de sensores, interfaces, atuadores e
controladores.
Teoria de controle: formula e avalia algoritmos ou critérios de
inteligência artificial que realizam os movimentos desejados e
controlam as interações entre o robô e o ambiente.
Ciência da computação: propicia ferramentas para a programação de
robôs, capacitando-os à realização das tarefas especificadas.
A vasta utilização dos robôs, no entanto, deve-se ao grande
desenvolvimento científico e tecnológico, principalmente na ciência eletrônica
que conseguiu desenvolver estudos e operar milagres aperfeiçoando as
células de luz, sensores, válvulas de grande capacidade, transistores,
chips
43
, tornando possível e imaginável o que era impossível há 100 anos e
que vem rapidamente modificando o mundo. Feldmann (1988, p. 17-19)
analisa o impacto causado pela automação, ao dizer:
Em função da crescente automatização das atividades,
profundas mudanças estão ocorrendo nos métodos de produção de
bens, produtos ou serviços, nos mais diversos setores, não só
industriais, mas também comerciais, bancários, agrícolas, além de
outros. Estas mudanças têm provocado um impacto muito grande
sobre as formas de organização do trabalho e consequentemente
sobre a própria gestão das empresas [...]
[...] Esse fenômeno se deve aos avanços de uma nova tecnologia
chamada microeletrônica, que é responsável pela fabricação do
principal insumo destes novos equipamentos, isto é, os circuitos
integrados, os quais, de certa forma, substituem os transistores que,
por sua vez, já haviam substituído as válvulas eletrônicas[...].
[...] As modificações que estão ocorrendo nos métodos de produção
seguem um novo padrão, bastante diferente daquele que vigorava até
um passado bem recente. A Revolução Industrial caracterizou-se por
fragmentar o trabalho, ou seja, enquanto o artesão medieval
conhecia perfeitamente tudo aquilo que ele fabricava e todos os
métodos e estágios de fabricação, o operário, ao longo dos últimos
200 anos, perdeu substancialmente a noção daquilo que faz. A partir
de meados do século XVIII, o processo de produção fabril passou por
uma intensificação de especialização e, consequentemente, da
divisão técnica do trabalho, que foi acentuado consideravelmente no
início do século XX com os estudos e propostas de Taylor, Fayol e
Ford. Hoje, com as novas tecnologias, passa a ser possível integrar
novamente todo o processo de trabalho, só que, nem sempre, com a
necessidade do trabalhador [...]
E essa não necessidade do trabalhador possibilita a introdução de
mecanismos automatizados, ou melhor, a utilização dos robôs em grande
escala, sendo uma das causas do chamado desemprego estrutural. Sobre
esse fenômeno (o desemprego causado pela automação), Rifkin (1995, p. 37)
aponta que:
43
Chip “Uma unidade semicondutora microscópica composta de transistores interconectados e outros
componentes eletrônicos que, em conjunto, compõem a memória de qualquer computador” In. MINIDICIONÁRIO de
Informática. São Paulo: Saraiva, 1999.
No passado, quando uma revolução tecnológica ameaçava a perda
em massa dos empregos em determinado setor econômico, um novo
setor surgia para absorver a mão-de-obra excedente. No início do
século, o setor industrial emergente conseguia absorver grande parte
dos milhões de trabalhadores agrícolas e fazendeiros que foram
deslocados pela rápida mecanização da cultura. Entre meados da
década de 1950 e o início da década de 1980, o setor de serviços, que
crescia rapidamente, foi capaz de reempregar muitos dos operários
demitidos em função da automação. Atualmente, no entanto, à
medida que todos esses setores vão sucumbindo, vítimas da rápida
reestruturação e da automação, nenhum novo setor “significativo” foi
desenvolvido para absorver os milhões que estão sendo demitidos. O
único novo setor no horizonte é o do conhecimento, um grupo de
indústrias e de especialistas de elite serão responsáveis pela
condução da nova economia automatizada da alta tecnologia do
futuro. Os novos profissionais os chamados analistas simbólicos ou
trabalhadores do conhecimento vêm de áreas da ciência,
engenharia, administração, consultoria, ensino, marketing, mídia e
entretenimento. Embora seu número continue a crescer,
permanecerá pequeno se comparado com o número de trabalhadores
que serão deslocados pela nova geração de “máquinas inteligentes”.
No Brasil, houve um crescimento considerável de robôs instalados
em industrias. Romano e Dultra (2002, p. 17) afirmam que:
a população mundial instalada de robôs de seis eixos no ano 2000 foi
estimada em 790 mil unidades; no Brasil, em torno de 5.500
unidades. Portanto o Brasil contribuiu com aproximadamente 0,7%
do número total de robôs industriais instalados no mundo. (...).
As industrias ligadas ao setor automobilístico, como
montadoras e fornecedoras de autopeças são as maiores usuárias de
robôs industriais no país. Cerca de 1.000 unidades (18%) do total
foram empregadas em pequenas e médias industriais.
Um estudo realizado pela Organização das Nações Unidas revela
que o Brasil é o país que possui o maior número de robôs na América Latina.
São cerca de 4000 mil em serviços alocados principalmente em indústrias
ligadas ao setor automobilístico
44
.
No entanto, mesmo com o crescimento apresentado, os robôs ainda
são sub-utilizados. A falta de capacitação de usuários (falta de treinamento e
conhecimento de programação) é o maior empecilho para sua utilização.
44
Dados divulgados pelo Jornal Nacional, programa exibido pela Rede Globo em 24 de setembro de 2003, às
20:00h.
Normalmente os robôs são usados nas pequenas e médias empresas, para
execução de tarefas repetitivas e são programados para a produção de um
único produto, o que os tornam caros para a empresa (para produzir um
outro produto ou executar uma função diferenciada precisaria ser
reprogramado). Na avaliação do professor Vitor Ferreira Romano, professor
do departamento de Engenharia Mecânica da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, “seria muito importante que os usuários usufruíssem ao máximo a
capacidade dessas máquinas para a produção de diferentes produtos”
45
.
Para José Reinaldo Silva, professor do departamento de Mecatrônica da
Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, “poucos robôs são
aplicados na montagem, inserção de chips e outras tarefas menos
convencionais e que alavancam a pequena e média empresa de base
tecnológica”.
46
A não flexibilidade de utilização de um robô para produção de
produtos diferentes (normalmente os robôs industriais pertencem a primeira
geração) e o alto custo de cada máquina tem feito empresários da indústria
automobilística (setor que mais utiliza robôs) repensarem o retorno do
homem às suas plataformas, equilibrando tarefas entre humanos e
máquinas, como apresenta a reportagem “A vingança dos humanos”
47
Robôs não pedem aumento de salário. Não se filiam a sindicatos. São
tão velozes quanto precisos e não se importam em fazer trabalhos
sujos, repetitivos e perigosos. São o sonho de qualquer empresário.
Uma tecnologia que a indústria, sobretudo as montadoras de
veículos, vem explorando ano a ano para desespero dos operários e
seus sindicatos. Hoje, já há linhas de montagem de automóveis
totalmente robotizadas, onde os antigos funcionários (os que ainda
45
VIEIRA, Sergio. Mercado de robôs caminha para o “gargalo”. Revista Mecatrônica Atual. São Paulo, ano 2, n
o
9,
abril-maio 2003.
46
Id.
47
OLIVEIRA, Darcio. A vingança dos humanos. IstoÉ Dinheiro, edição 3000, p.74-75, 28/05/2003.
restaram) se transformaram apenas em “apertadores” de botão. [...].
Só que as montadoras descobriram, recentemente, que o “brinquedo”
pode não ser tão divertido assim. A idéia de que o homem poderia ser
substituído completamente no chão de fábrica começou a ruir. E
duas palavras explicam a frustração: flexibilidade e custo. Entenda
por flexibilidade a prática de produzir na mesma linha de montagem
modelos diferentes, em tamanho, formato, peças. É a onda do setor
de reduzir custos usando a mesma plataforma. O trabalho do robô
nesse sentido vai até determinado ponto, aquele em que todos os
carros se assemelham, seja na usinagem dos blocos de motores, na
pintura ou na soldagem da parte inferior do veículo. Desta fase em
diante, na montagem final, no acabamento, na instalação de
acessórios, seria necessário ajustar os robôs para cada veículo. É
exatamente aí que entra o segundo problema. [...]O mais barato
custa R$ 40 mil, com poucas funções. Os mais vendidos são os de
linhas inteiras de montagem. Um exemplo: a de pintura com seis
robôs, custa R$ 50 milhões. Some-se a isso os gastos com
manutenção e a conta pode sair mais salgada do que o previsto.
Uma outra questão é levantada por Fróes
48
: a utilização de robôs
não possibilita a criação do conhecimento tácito, que está, segundo Nonaka
e Takeuchi (1997, p. 7) “profundamente enraizado nas ações e experiências
de um indivíduo, bem como em suas emoções, valores ou ideais”. Para os
autores, “o conhecimento tácito pode ser segmentado em duas
dimensões”. São elas:
A primeira é a dimensão técnica, que abrange um tipo de capacidade
informal e difícil de definir ou habilidades capturadas no termo
“know-how”. Um artesão, por exemplo, desenvolve uma riqueza de
habilidades, nas suas “mãos maravilhosas” depois de anos de
experiência. Mas, freqüentemente, é incapaz de articular os
princípios técnicos ou científicos subjacentes ao que sabe.
Ao mesmo tempo, o conhecimento tácito contém uma
importante dimensão cognitiva. Consiste em esquemas, modelos
mentais, crenças e percepções tão arraigadas que os tomamos como
certos. A dimensão cognitiva do conhecimento tácito reflete nossa
imagem da realidade (o que é) e nossa visão do futuro (o que deveria
ser). Apesar de não poderem ser articulados muito facilmente, esses
modelos implícitos moldam a forma com que percebemos o mundo à
nossa volta. (NONAKA & TAKEUCHI, 1997, p. 8).
O conhecimento é hoje considerado o maior ativo das empresas.
Dois tipos de conhecimento criam o conhecimento organizacional: o
48
Conversa entre a pesquisadora e a Profa. Dra. Teresinha Fróes Burnham realizada em 13 julh 2003.
conhecimento tácito e o conhecimento explicito. A diferença entre os dois é
explicada por Nonaka e Takeuchi (1997, p. 8):
O conhecimento explicito pode ser facilmente “processado” por um
computador, transmitido eletronicamente ou armazenado em banco
de dados. No entanto, a natureza subjetiva e intuitiva do
conhecimento tácito dificulta o processamento ou a transmissão do
conhecimento adquirido por qualquer método sistemático ou lógico.
Pois, para que possa ser comunicado e partilhado dentro da
organização, o conhecimento tácito terá que ser convertido em
palavras ou números que qualquer um possa compreender. É
exatamente durante o tempo em que essa conversão ocorre de
tácito em explicito e, [...], novamente em tácito que o conhecimento
organizacional é criado.
O conhecimento está diretamente relacionado ao saber e à
capacidade de aprendizagem. Para Maturana (2000, p. 88) “aprender não é a
aquisição de algo que está lá, é uma transformação em coexistência com o
outro”. O referido autor explica o saber através de uma comparação com um
robô. Diz Maturana (2000, p. 83):
O que é saber? Há várias maneiras de nos aproximarmos desse
tema, [...], escolhi fazê-lo por meio de uma comparação entre um
sistema vivo e um robô.
[...]. Estritamente falando, não existe nada que possamos
pensar e não possamos fazer, desde que respeitemos as coerências
operacionais do campo no qual as pensamos. Bem, isso é terrível e
magnífico ao mesmo tempo. Poderemos fazer robôs que falem como
falamos? Teoricamente, sim. Se compreendermos quais são as
coerências da linguagem, poderemos fazer robôs com linguagem.
Mas qual a diferença entre o robô e o sistema vivo? Para essa
comparação poderíamos usar qualquer robô, mas vamos tomar como
exemplo um robô bem simples, de uma fábrica de carros, que está
frente a uma máquina e a uma esteira rolante. Ele pega uma peça,
depois outra e as conecta ou parafusa, ou faz qualquer outra coisa,
depois deposita o produto na esteira, que fica ali até que a esteira
rolante traga mais duas peças para ele repetir a operação.
Se perguntarmos ao engenheiro como o robô faz isso, ele nos
dirá que o robô sabe como fazê-lo, que tem sensores, tem afectores.
Assim, ele vai usar um discurso sobre o saber do robô. O robô sabe.
Nós não ficaremos surpresos, porque sabemos que isso é uma
metáfora. Ela faz sentido, mas, na verdade, não é bem uma metáfora;
é algo que chamo de nisófora, é um caso. Mas, num sentido, o saber
do robô é um caso do saber dos sistemas vivos. Sabemos que o robô
sabe porque ele atua adequadamente nas circunstâncias em que ele
está operando.
Mas se tomarmos os sistemas vivos, qualquer que seja ele, por
exemplo, um peixe em um tanque: ele nada, respira, come. Ele sabe
como fazer isso. Como sabemos que o peixe sabe como fazer isso?
Porque ele o faz adequadamente. Se tirarmos o peixe fora do tanque
e o colocarmos sobre uma mesa, ele morre. Ele não sabe como fazer
e morre. Se tirarmos o robô da relação com a esteira de transmissão
e o colocarmos em outro lugar, ele não vai funcionar
adequadamente, porque ele não sabe como funcionar
adequadamente.
Qual a diferença? A diferença é histórica. O robô chega sem
história. Isso significa que ele chega através de um pacote de
informações num tempo seqüencial. Mesmo que conheçamos o
engenheiro, o projetista, e saibamos que eles possam ter levado um
mês, um ano ou dois para desenhá-lo, o robô chega num tempo
seqüencial, tal como está: quando está completo, lá está o robô.
[...] os sistemas vivos surgiram em dado momento da história e
se conservaram por três, oito, bilhões de anos. Conservaram-se por
reprodução, por um processo continuo de transformação, de vivência
e coerência com o meio. Assim, há um sistema vivo e um meio: o
sistema vivo e o meio mudam juntos, coerentemente, sem nenhum
esforço.
Pensando dessa forma, seria impossível um robô criar
conhecimento para a empresa. Mas, os robôs não surgiram com a aparência
atual, nem eram projetados e fabricados para servir às fábricas e substituir o
homem nas diversas atividades. Este formato resulta de estudos que vêm
ocorrendo há milhares de anos. Eles foram criados, a princípio, porque
desde os tempos pré-históricos, o ser humano sonhava em criar outros seres
semelhantes a sua imagem, porém perfeitos e imortais. Esse desejo é
mostrado através das palavras de Goethe, no clássico Fauto, citadas por
Bittencout ( 2001, p. 19):
“Minha convicção é cada vez mais inabalável; ousarei investigar
numa base racional aquilo, que na natureza, era tido como
misterioso, e farei cristalizar-se o que ela dispunha segundo suas
leis. [...]. No começo um grande projeto parece loucura, mas de agora
em diante zombarei do acaso; o cérebro destinado a pensar
superiormente, de agora em diante é o pensador que há de criá-lo”.
Explica o autor (2001, p. 19):
As palavras de Wagner, dirigidas a Mefistófeles, ao criar em seu
laboratório o homúnculo um pequeno ser humano, que vive no
interior de uma proveta e é capaz de responder a todas as perguntas
resumem a fascinação do ser humano diante da possibilidade de
criar uma “inteligência artificial”.
As mais antigas referências à criação de outros seres pelos homens
surgem na Mitologia, com a história de Pigmalião, rei de Chipre:
Pigmalião via tantos defeitos nas mulheres que acabou por
abominá-las e resolveu viver solteiro. Era escultor e executou,
com maravilhosa arte, uma estatueta de marfim, tão bela que
nenhuma mulher de verdade com ela poderia comparar-se. Era,
na verdade, de uma perfeita semelhança com uma jovem que
estivesse viva e somente o recato impedisse de mover-se. A arte,
por sua própria perfeição, ocultava-se, e a obra parecia
produzida pela própria natureza. Pigmalião admirou sua obra e
acabou apaixonando-se pela criação artificial. Muitas vezes
apalpava-a, como para se assegurar se era viva ou não, e não
podia mesmo acreditar que se tratasse apenas de marfim [...].
Estava próximo o festival de Vênus, celebrado com grande pompa
em Chipre. Vítimas eram oferecidas, os altares fumegavam e o
cheiro de incenso enchia o ar. Depois de ter executado sua parte
nas solenidades, Pigmalião de pé, diante do altar, disse
timidamente:
-Deuses, vós que tudo podeis, dai-me por esposa... não se
atreveu a dizer “minha virgem de marfim”, mas acrescentou:
...alguém semelhante à minha virgem de marfim.
Vênus que estava presente ao festival, ouviu-o e compreendeu o
pensamento que ele não se atrevera a formular, e, como augúrio
de sua benevolência, fez a chama do altar erguer-se três vezes no
ar. Ao voltar para casa, Pigmalião foi ver a estátua e,
debruçando-se sobre o leito, beijou-a na boca. Beijou-a de novo e
abraçou-a; o marfim mostrava-se macio sob seus dedos, como a
cera de Himeto. Atônito e alegre, embora duvidando e receando
que se tivesse enganado de novo, muitas vezes, com o ardor de
um amante, toca o objeto de suas esperanças. Estava realmente
vivo. (BULFINCH, 2001, p. 78-79)
Pigmalião, vendo o seu desejo tornar-se realidade, batiza a sua
estátua, antes marmórea, de Galatéa e casa-se com ela. Já no canto
XVIII do célebre poema épico Ilíada de Homero, encontra-se registrado a
seguinte passagem:
“Vem até aqui, caro Hefesto, que Tétis deseja falar-te”.
Disse-lhe, então, em resposta, o deus coxo de braços possantes:
“Acha-se, então, aqui em casa a deidade que estimo e venero, que me
acolheu quando tive o infortúnio de cair do alto do Olimpo, por
minha mãe imprudente atirado, que, assim, pretendia de mim livrar-
se, tão só! Por ser coxo! Teria sofrido imensamente, a não ser
recolhido por Tétis e Eurínome a bela Eurínome, filha do oceano
que a terra circunda. Junto das duas, nove anos, vivi numa gruta
escavada, a fabricar-lhes objetos de bronze, fivelas, colares, e
braceletes, e brincos. Fluía a corrente do oceano à minha volta,
espumosa, com seu incessante murmúrio. Homem nenhum,
nenhum deus onde certo eu me achava sabia, a não ser Tétis e
Eurínome, as duas que ali me ocultavam. E ora que Tétis, de tranças
venustas, vem ver-me em visita, é simplesmente um dever procurar
compensar-lhe a bondade. Dons hospitais primorosos apresta-lhe e
Figura 9
Pigmalião e
Galatéa. Fonte:
Bulfinch, 2001, p. 79.
mesa abundante, enquanto os foles afasto do fogo e os demais
instrumentos”.
Alça-se, logo, do banco da incude o disforme ferreiro, a coxear
afanoso, nas pernas recurvas e bambas. Tira das chamas os foles,
depondo os demais utensílios, com que folgava ocupar-se numa arca
de prata maciça. Com uma esponja, depois, limpa o suor e as
escórias do rosto, de ambas as mãos, do pescoço robusto, do peito
veloso, e pós vestir alva túnica, sai a coxear da oficina, num cetro
forte apoiado, ladeado por duas estátuas de ouro, semelhas a moças
dotadas de vida, pois ambas entendimento possuíam, alento vital e
linguagem, sobre entenderem das obras que aos deuses eternos são
gratas. O amo elas duas ladeiam, cuidosas. Coxeando, o ferreiro foi
para junto de Tétis, num trono luzente assentou-se. (HOMERO,
2001, p. 293).
Segundo Asimov (1994, p. 12), “durante os tempos antigos e
medievais, muitos homens de saber supostamente criaram seres vivos
artificiais através de artes secretas que eles aprenderam ou descobriram,
artes que lhes permitiam recorrer a poderes divinos ou diabólicos”. Losano
(1992, p. 9) complementa essa afirmação dizendo que “pela história dos
autômatos transitam literatos e políticos, fidalgos e magos, estudiosos e
homens de negócios, belas mulheres e ilusionistas”. O autor (1992, p. 8)
explica “que para superar a insuficiência dos meios técnicos que utilizavam,
seus construtores lançaram mão de todos os recursos, passando das artes
mecânicas às mágicas”. Hartmann, (apud Losano (1992, p. 7), aponta que:
muitas pessoas tecnicamente qualificadas se propuseram a construir
homens artificiais que falavam, escreviam e tocavam. Mas esse é um
ramo da técnica que, a despeito de todo interesse despertado, não
pode ter a pretensão de haver prestado ao homem algum serviço
digno de menção. Chegou a construir objetos esteticamente
agradáveis ou divertidos mas não criou valores econômicos e
culturais duradouros. Sem dúvida, é técnica que encerra qualquer
coisa de pouco sério. Em seu conjunto, entretanto, teve importância
por favorecer e difundir os procedimentos da mecânica de precisão,
que se tornou essencial às ciências naturais, cada vez mais
transformadas em ciências experimentais.
Diferente de Hartmann, Bittencourt aponta a importância dos
autômatos para o desenvolvimento tecnológico, especialmente da IA
(Inteligência Artificial). Diz o autor (2001, p. 42):
Os autômatos são interessantes do ponto de vista da IA por
partilharem com ela seu objetivo de construir mecanismos capazes
de “comportar-se como um ser vivo”. No entanto, este não é o único
ponto comum entre ambos; diversas características da história dos
autômatos têm analogias com a história da IA. Uma dessas analogias
é o fato de os autômatos realizarem coisas surpreendentes, de serem
capazes de enganar as pessoas, como alguns dos primeiros
programas de IA. Outro ponto comum é que tanto autômatos como
programas de IA podem ser vistos como brinquedos fúteis ou como
precursores da técnica futura. No caso dos autômatos, estes
serviram de “laboratório” para o desenvolvimento dos mecanismos
que posteriormente seriam adotados nas máquinas modernas. Em
IA, as principais técnicas foram desenvolvidas em experimentos
associados a “mundo de brinquedo” (do inglês, “toy world”). Outra
analogia ainda é o fato de que certos ramos da tecnologia dos
autômatos deram origem a técnicas, como a fabricação de relógios,
que se tornaram independentes. Analogamente, a IA deu origem à
robótica industrial, ao processamento de imagens e à matemática
simbólica por computador, domínios hoje independentes. O estudo
“arqueológico” dos autômatos, uma vez que podemos considerá-los
extintos, pode servir ainda para esclarecer o processo de
desenvolvimento de novas tecnologias e sua transferência para a
sociedade.
Algumas histórias de ficção científica e contos infantis retratam a
imensa vontade que tem o homem de “brincar de Deus”. Os ficcionistas
normalmente possuem uma percepção de futuro. E nessa percepção
baseiam as suas obras.
A primeira história de ficção que conta a criação de um ser perfeito
(que se tem conhecimento) foi escrita por Mary Shelley (1797-1851) em
1818: a história de Victor Frankenstein, um anatomista que não aceita a
morte e resolve criar em seu laboratório seres imortais, provenientes de
princípios científicos e restos de cadáveres. Kremer (1998, p. 76) conta como
nasceu a inspiração de Shelley:
Em 1771, o anatomista italiano Luigi Galvani descobriu que
músculos de um animal morto (no caso, um sapo), estremeciam
violentamente quando submetidos a choque elétrico. Mais tarde,
verificou que o mesmo fenômeno ocorria quando, mesmo na
ausência de faíscas elétricas, os músculos entravam em contato,
simultaneamente, com dois metais diferentes, como ferro e bronze.
Em 1800, outro italiano, o Conde Alessandro Volta, demonstrou que
dois metais diferentes podem servir como fonte de uma corrente
elétrica. Essas descobertas caíram no interesse público e algumas
pessoas chegaram a especular sobre a possibilidade de se criar vida
Figura 10
Frankenstein. Fonte:
Skelley, 2001,capa.
através da eletricidade. Tanto que, em 1816, esse assunto virou tema
de conversa de três amigos ingleses em férias na Suíça: Lord Byron,
Percy Bysshe Shelley e Mary Wollstonecraft Godwin (que no final do
ano se casaria com Shelley). Essa conversa inspirou Mary Shelley
(...) a escrever Frankestein, or the Modern Prometheus, publicado em
1818. A narrativa trágica do monstro criado pelo Dr. Frankenstein
através de choques elétricos aplicados em tecidos mortos, que depois
se vira contra seu criador, goza de imensa popularidade até hoje.
A Ilha de Dr. Moreau, escrita por Herbert George Well (1866-1946)
em 1895, retrata a criação de seres humanos, pelo Dr. Moreau, um
geneticista famoso que realizava experiências condenadas pela comunidade
científica. Para Kremer (1998, p. 77):
O inglês Herbert George Wells (...), escritor, sociólogo,
historiador e utopista, dedicou boa parte de sua imensa obra à ficção
científica. Seu primeiro sucesso, The time machine (1895) foi a
primeira narrativa na qual um avanço tecnológico torna possível uma
viagem através do tempo. Em The war of the worlds (1895) ele
inaugurou o tema das guerras interplanetárias. Outras obras de
sucesso foram The island of Dr. Moreau (1896), The invisible man
(1897), When the sleeper wakes (1899), The first men in the moon
(1901). Sempre interessado mais nas conseqüências que podem advir
de uma invenção do que na exatidão com que esta era descrita, ele
previu, na obra The world set free (1914), um futuro assustador,
assolado por guerras e um artefato que chamou de bomba atômica,
com meio século de antecedência.
Outras histórias existem, a exemplo da que é contada por Asimov
(1994, p. 12-14). Segundo ele:
A história medieval a respeito de robôs mais conhecida hoje em
dia é a do rabino Loew, passada em Praga, no século XVI. Segundo
essa história, o rabino fabricou um ser humano artificial, um robô,
usando como matéria-prima o barro, o mesmo material usado por
Deus para fazer Adão. Um objeto de barro, por mais que se pareça
com um ser humano, é uma “substancia não-formada” (a palavra
para isso em hebraico é “golem”), já que não possui os atributos da
vida. O rabino Loew, porém deu ao seu golem os atributos da vida
fazendo uso do nome sagrado de Deus, e pôs o robô para trabalhar
protegendo os judeus dos seus perseguidores.
A história do rabino Leow, no entanto, tem um final trágico: criado
para proteger o povo judeu nos ataques anti-semitas revolta-se contra o seu
criador e termina por exterminar o seu povo.
Figura 11 Dr.
Moreau. Fonte:
Vídeo: A Ilha do Dr.
Moreau, 1996(capa)
Os famosos clássicos infantis, que mexem com a nossa emoção e
fantasia, também possuem essas criaturas. Pinocchio, escrito por Carlo
Collodi (1826-1890) e imortalizada pelos estúdios Disney, narra a história de
um boneco de madeira construído por um carpinteiro, Gepeto, que sonha vê-
lo como um menino de verdade. Assim, numa noite clara, vê uma estrela
cadente e pede que seu sonho se torne realidade. A Fada Azul, representada
por uma bela criatura, transforma o boneco primeiramente num menino de
madeira, atribuindo-lhe a responsabilidade de ser ‘bom’ para que se torne
definitivamente humano. Para Held (1980, p. 146),
No mundo do conto e da infância o mito Pinóquio, criatura que
ganha vida e que se volta maliciosamente contra seu criador,
trazendo para o pobre Gepeto, alternadamente, inquietude e alegria,
já contém, em germe, toda a dialética do robô tal como vai se
desenvolver, em seguida nas grandes histórias de ficção científica. O
bonequinho de doce de alguns de nossos contos já não seria à sua
maneira uma criança robô?
Um outro clássico infantil, O Mágico de Oz, escrito por Lyman
Frank Baum (1856-1919) conta a história da garota Dorothy, que num dia
de temporal, em Kansas, sua cidade natal, vê a janela de sua casa
despencar, batendo-lhe à cabeça. Ao desmaiar, viaja, através de seus
sonhos, pela fantástica terra do “Oz”, um mundo repleto de surpresas e
fantasias. Na sua busca ao Mágico de Oz, que proporcionaria o retorno à sua
casa, Dorothy encontra três criaturas fantásticas, que a acompanham
durante toda a sua trajetória: um espantalho, um homem de lata e um leão.
Cada um deles possui um desejo: o espantalho quer ter um cérebro, o
homem de lata, um coração e o leão, a coragem. O cérebro (razão), o coração
Figura 12
Pinóquio e seu pai Gepeto.
Fonte: Collodi,
1985. (capa)
(emoção) e a coragem (virtude) não seriam atributos humanos? O Mágico de
“Oz” realiza os desejos, tornando-os humanos.
Monteiro Lobato (1882-1948) traz um outro
personagem do imaginário infantil: Emília, a boneca feita
de pano. Nas histórias escritas por Lobato, Emília possui
atributos humanos e convive com D. Benta, Pedrinho,
Narizinho que são personagens humanos.
No entanto, nunca fôra atribuído o nome de robô a esses seres
criados. Este termo só vem a aparecer em 1920, numa peça de ficção
escrita pelo teátrologo tcheco Karel Capek, intitulada Rossum’s Universal
Robots (Robôs universais de Rossum) R.U.R. A peça contava a história de
um inglês chamado Rossum, fabricante de homens artificiais, que
executavam tarefas consideradas árduas para os humanos. Capek intitulou
essas criaturas de Robôs” que significava na linguagem tcheca
trabalhadores forçados” . Na história, os robôs adquirem emoções e se
voltam contra os humanos, exterminando-os. A palavra Robótica é cunhada
por Isaac Asimov, em 1942, na história Impasse/Runaround, publicada na
revista Astounding Science Fiction, quando um personagem diz ao outro:
“Vamos começar com as Três Regras Fundamentais da Robótica”. Asimov
Figura 13 O homem de lata, o leão e o
espantalho. Fonte: Baum, 2001,(capa)
Figura 14 Emília.
Fonte: Lobato, s.d.
(1994, p. 17) conta que as “Três Regras Fundamentais da Robótica” ficaram
conhecidas como “As Três Leis da Robótica de Asimov”. São elas:
1. Um robô não pode fazer mal a um ser humano ou, por omissão,
permitir que um ser humano sofra algum tipo de mal.
2. Um robô deve obedecer às ordens dos seres humanos, a não ser
que entrem em conflito com a Primeira Lei.
3. Um robô deve proteger a própria existência, a não ser que essa
proteção entre em conflito com a Primeira ou Segunda Lei.
Ele já devia “prever” o grande desenvolvimento desses seres
metálicos ao escrever as Leis da Robótica. Romano e Dultra (2002, p. 2)
afirmam que “posteriormente”, Asimov acrescentou a lei zero da robótica:
Lei O. Um robô não deve fazer mal à humanidade, ou permanecer
passivo numa situação que prejudique a humanidade.
Contam os historiadores que a Ciência Robótica nasceu na Grécia
Antiga com Achytas de Tarentum que teria construído um pombo mecânico
voador. Asimov (1994, p.12) afirma que:
Como não dispunham de computadores, os antigos tiveram
que pensar em outras formas de introduzir qualidades quase
humanas em objetos artificiais, usando vagas forças sobrenaturais
que não estavam ao alcance do homem comum, mas sim dos deuses.
Duas hipóteses são levados em consideração para explicar a
origem dos robôs: ou são descendentes das inovações técnicas introduzidas
nos mecanismos industriais ao longo do tempo ou são resultados do
desenvolvimento dos primeiros brinquedos mecânicos. Para Losano (1992, p.
7) “os autômatos não são nem ferros velhos do fundo do baú nem
antecipações da robótica moderna são as raízes de nossa cultura técnica,
inseparáveis das raízes da nossa cultura geral”. Por fazerem parte da nossa
cultura, considero importante voltarmos a eles e entendermos um pouco da
sua grande história. Esse retorno, no entanto, não pretende abranger todos
os autômatos criados pela própria natureza do trabalho e, também, pela
quantidade de registros encontrados.
Bittencourt atribui aos árabes a responsabilidade pela transmissão
cultural da origem dos autômatos. Conta o autor (2002, p. 42):
A origem da engenharia árabe e, por meio dela, da engenharia
ocidental, remonta às obras de Ctesíbio (300-270 a.C.) e Filon de
Bizâncio (século III a.C). Por volta do século I, Herão de Alexandria
em seu livro Pneumatica e o engenheiro e arquiteto romano Vitrúdio
em seu livro De architectura registram as principais invenções
tecnológicas da escola mecânica grega, em particular os relógios de
água, as chamadas clepsidras. De Roma e Alexandria a Bizâncio, de
Bizâncio a Pérsia e a Bagdá, os árabes não apenas retransmitiram o
saber herdado dos gregos mas o aperfeiçoaram e aplicaram na
construção de relógios e máquinas de guerra. Por volta de 800 d.C.,
três irmãos, Mohamed, Achmed e Hassan Musá (os banú Musá, do
árabe “Banú”, irmãos), escreveram o Livro dos mecanismos
engenhosos (kitab al-hiyal) que reunia o essencial da ciência
mecânica da época. Esta obra, embora só tenha sido traduzida e
publicada na Europa no século XX, teve vasta projeção no mundo
islâmico e circulou até o século XIV.
Três séculos mais tarde, entre 1204 e 1206, Al-Jarazi escreve o
Livro do conhecimento dos mecanismos engenhosos, ponto
culminante da mecânica árabe medieval. Esta obra chegou até os
dias de hoje graças ao matemático e estudioso de línguas orientais, o
inglês John Greaves que durante uma viagem ao Egito, por volta de
1630, comprou uma cópia do manuscrito de Al-Jarazi. Após sua
morte em 1652, sua biblioteca foi vendida e se dispersou, mas os
manuscritos mais importantes foram preservados e adquiridos pela
biblioteca de Oxford em 1678. O manuscrito só foi publicado de
forma integral em tradução de Ronald Hill em 1975. Embora a
principal aplicação dos autônomos no mundo árabe tenha sido a
diversão dos grandes senhores, seus princípios não deixam de ser
igualmente válidos para aplicações práticas: um mecanismo, movido
a força de boi, para elevar a água em um campo e um medidor para o
volume de sangue extraído em uma flebotomia são dois exemplos
desse tipo de aplicação descritos no manuscrito de Al-Jarazi.
Os primeiros relógios mecânicos foram construídos na Grécia.
Originaram-se de relógios de água as clepsidras. Pimenta aponta o relógio
criando por Ctesíbio como o primeiro relógio desenvolvido com mecanismo.
Diz o autor:
Cerca de um século antes da nossa era, processa-se uma
alteração radical na construção de clepsidras. Isto sucedeu quando
Ktesíbio, famoso mecânico da Alexandria, que se dedicava à
construção de máquinas de guerra, instrumentos cirúrgicos e outros
aparelhos, aperfeiçoou de maneira notável o primitivo relógio de
água, agregando-lhe um mecanismo de rodas dentadas, tornando-o
portanto um relógio mecano-hidraulico. Foi uma inovação realmente
extraordinária para a sua época, constituindo-se também no
Figura 15
Relógio
de água, no tratado
de Al jazari, século
XIII.
Oxford, Bodleian
Library.
Fonte:
Losano, 1992.
primeiro passo que levou à construção dos relógios puramente
mecânicos, cujo aparecimento se deu em fins da Idade Média.
Baseados em documentos que descrevem esses relógios
mecano-hidráulicos, diversos autores procuraram reconstrui-
los, sendo uma das reconstruções mais conhecidas a que foi
realizada por Oscar Hulcker [...]. Esse relógio hidráulico de
Ktesíbio constituía-se de um recipiente de metal, dentro do
qual havia uma bóia que ia subindo conforme se elevava o nível
da água, proveniente do gotejamento que partia de um
recipiente superior; encimando essa bóia existia uma vareta
mantida em posição vertical por duas guias, na extremidade
dessa vareta uma pequena figura, com um braço esticado,
empunhava uma agulha que indicava as horas em uma coluna
graduada. Essa coluna apresentava divisões correspondentes
às diversas estações do ano e era giratória, permitindo ao
relógio funcionar indicando as horas durante todo o ano.
(PIMENTA,1976, p. 42)
Entre as invenções atribuídas a Ctesíbio, que viveu no século III
a.C.:
está o uso do ar como força motriz de aparelhos mecânicos, a
construção de máquinas hidráulicas, então acompanhadas de
autômatos, e por fim, o fabrico de relógios de água. Esses últimos,
porém, já deviam ser conhecidos havia tempos, e a contribuição de
Ctesíbio consistiria sobretudo em aperfeiçoar mecanismos já
existentes. (LOSANO, 1992, p. 24).
Uma clepsidra mais aprimorada atribuída a Ctesíbio, é composta
de uma coluna graduada, movimentada por um sistema de engrenagens,
realizando uma volta durante um ano. Junto a coluna, existia uma figura em
miniatura que vertia água de uma clepsidra comum gotejando para dentro
de uma câmara interna do aparelho. Esse movimento elevava um flutuador
que possuía uma haste sobre a qual outra figura em miniatura indicava as
horas nos círculos existentes, que girava sobre si mesma, mostrando os
dozes meses do ano, através de uma varinha (Pimenta, 1976). Um autômato
pertencente à época de Al-Jazari é apresentado por Losano (1992, p.33):
Cada um dos comensais tem nas mãos uma garrafa e uma
taça. O mecanismo faz com que um deles derrame a água ou o vinho
na taça do outro, o qual a conduz à boca, esvazia-a e sacode várias
vezes a cabeça em sinal de agradecimento. A cena repete-se
alternadamente a cada oitavo de hora, enquanto houver líquido no
recipiente posto sobre a cúpula do mecanismo. Daí a água desce por
meio de um tubo, que conduz uma quantidade predeterminada de
Figura 16
Clepsidra atribuída a
Ctesíbio. Fonte:
Pimenta, 1976, p. 43
líquido a um recipiente emborcável. Quando o recipiente está cheio,
sua parte anterior inclina-se para baixo, enquanto a posterior
desloca o tubo, voltando-o para o outro recipiente emborcável. Essas
duas bacias em equilíbrio são visíveis na parte superior do engenho.
A água assim conduzida escorre por tubos ocultos nas colunas e
chega à garrafa mediante tubos colocados sob as vestes e nos braços
dos comensais. Parecendo sair da garrafa, o líquido entra na taça do
outro conviva, que o conduz aos lábios e o emborca como se bebesse,
quando na realidade o líquido escorre pelo fundo da taça, por meio
de tubo escondido no braço e sob as vestes. Quando a água já
escoou, o braço se distende, e a cabeça balança várias vezes (...).
Desse modo, os dois comensais bebem alternadamente, pelo tempo
que os assistentes o desejarem. Terminada a festa, o líquido
recolhido no fundo do mecanismo se esvai.
Na Idade Média foram construídos cavaleiros de aço (armaduras
que andam e expelem fogo e gases pelos elmos) movidos a vapor. Com o
surgimento da arte da relojoaria e da mecânica de precisão, foram criados
vários dispositivos mecânicos: ferro voador que flutuava no espaço,
construído por Johan Muller, águia mecânica que planou em cima da cabeça
do Imperador Maximiliano quando este entrou vitorioso em Nuremberg,
figuras mecânicas que se moviam sozinhas para soar as badaladas dos
relógios das grandes catedrais e uma legendária cabeça falante que
respondia “sim” ou “não” quando questionada sobre o passado, presente e
futuro, atribuída ao papa Silvestre II (945-1003). Pazos (2002, p. 6)
acrescenta que:
Na época medieval, relógios montados no topo das igrejas e catedrais
tinham uma figura humana de tamanho natural, geralmente a
representação de um anjo ou um demônio, que se movimentava
para, com um martelo, bater num sino, marcando dessa maneira as
horas. Essas figuras, que no início eram simples e com um único
movimento de rotação, foram se sofisticando e adquirindo cada vez
mais complexidade.
Figura 17
Clepsidra atribuída a
Ctesíbio. Fonte: Pimenta, 1976, p. 40.
Nos seus estudos sobre o corpo humano, Leonardo da Vinci (1452-
1519) encontrou estruturas mecânicas e tentou reproduzi-las em robôs.
Atzingen (2001, p. 157) afirma que “em 1509, o rei Luís XII da França, já
adulto, ganhou um brinquedo feito por Leonardo da Vinci [...]. Era um leão
que andava, parava diante do trono e despejava flores-de-lis”. A referida
autora informa, ainda, que “cem anos depois René Descartes (1596-1650),
filósofo e matemático francês, fabricou um bebê mecânico que chamava de
ma fille Francine (minha filha Francine)”. Losano (1992, p. 50) põe em
dúvida a realidade dos autômatos na Idade Média, ao afirmar:
São freqüentes na literatura medieval as referências a
autômatos prodigiosos. É quase impossível dizer se se trata de pura
fantasia inspirada em modelos literários antigos de relatos
exagerados de autômatos realmente observados ou, ainda, de
descrições baseadas em conhecimento indireto sobre os autômatos
árabes.
Tais atividades mecânicas eram tidas como próximas da magia
e, freqüentemente, como ímpias, pois o homem, criatura, ao produzi-
las parecia querer rivalizar com o seu criador, imitando-lhe o
comportamento e emulando com ele nos resultados. As histórias dos
autômatos medievais estão, portanto, envoltas numa atmosfera de
magia, com aparências diabólicas que tantos inconvenientes
causaram aos mecânicos da época.
Bittencout concorda com Losano. Para ele (2002, p. 43):
Na literatura da Idade Média existem diversas referências a
autômatos e máquinas prodigiosas, como uma cabeça falante,
atribuída ao filósofo Alberto Magno (1192-1280), que respondia
perguntas e, conta a lenda, foi destruída por seu discípulo Tomás de
Aquino (1225-1274). Ou ainda uma mosca mecânica, construída por
um mítico mago Virgílio, bispo de Nápoles, que teria mantido
durante oito anos todas as moscas verdadeiras longe da cidade.
Nesses relatos é difícil separar realidade de fantasia. As atividades
mecânicas eram consideradas ímpias e próximas da magia, pois com
ela o homem tentava imitar o criador. Ao lado de figuras mecânicas,
os relatos da Idade Média também falam de criaturas movidas por
forças alquímicas, como o homúnculo descrito no poema Fausto de
Goethe e monstros da tradição hebraica como Golem, Lelapos e
Theraphim.
No século XVIII refereciam-se outros autômatos, a exemplo do
boneco de corda criado por Pierre Jacquet Droz (1721-1790); o boneco
pegava uma pena, molhava-a no tinteiro, escrevia uma frase inteira e
continuava a escrever mesmo que a tinta no tinteiro terminasse. Um pato
(de cobre) foi criado pelo francês Jacques de Vaucanson (1709-1782); este
autômato reproduzia fielmente os movimentos de um pato vivo (andava,
nadava, batia as asas, bebia e comia). À Vaucasson também foi atribuída a
construção de um tocador de flauta automatizado. Pazos (2002, p. 6) explica
o funcionamento do autômato: “um cilindro com relevo (uma verdadeira
memória de CD-ROM), ao girar, movimentava uma série de cames que
controlavam pistões de diferentes comprimentos, gerando assim os
diferentes tons de uma flauta”. Em 1769, o Barão Wolfgang von Kemplen
(1734-1804) apresentou na corte de Viena, uma máquina de jogar xadrez em
embates com humanos. Mais tarde foi descoberto que existia um enxadrista
dentro da máquina e que não passava de um truque. Essa máquina, no
entanto, tornou-se verdade em 1997, quando o Deep Blue, um super
computador projetado pela IBM, desafiou um campeão mundial de xadrez
(Garry Kasparov), vencendo-o. Henri Mailladert, em 1805, construiu uma
boneca mecânica capaz de escrever e desenhar. Pazos (2002,p. 6) informa
que a boneca “levava uns cinco minutos para executar uma tarefa, e tinha
vários itens no seu repertório (armazenados numa memória mecânica) que
podiam ser selecionados”
O movimento e som sempre foram os aspectos humanos mais
buscados na criação dos autônomos. Porém todos esses autômatos (apesar
de maravilhosos para a época em que foram criados) não passavam de
engrenagens de relógios sofisticados ou de truques ilusionistas. Asimov
(1994, p.14) assim descreve essa época:
O século XVIII foi a era de ouro dos “autônomos”, máquinas
que, a partir de uma fonte de energia como uma mola retesada ou
um reservatório de ar comprimido, podiam executar uma série de
movimentos complexos. Assim, foram fabricados soldados de
brinquedo que marchavam; patos capazes de grasnar, nadar, beber
água, comer milho, meninos que mergulhavam uma pena em um
tinteiro e escreviam uma carta (sempre a mesma, é claro). Esses
autônomos eram exibidos em locais públicos e se tornaram muito
populares (além de, às vezes, trazerem bons lucros para os seus
inventores). Era uma coisa sem futuro, é claro, mas manteve acesa a
idéia de que um dia talvez fosse possível construir máquinas capazes
de fazer mais do que repetir uma série de movimentos
estereotipados, algo que se parecesse mais com uma criatura viva.
Para Pazos (2002, p. 7), no entanto, as “criações mecânicas de
forma humana devem ser observadas como invenções isoladas que refletem
o gênio de homens que estavam bem à frente do seu tempo”. O referido autor
chama atenção para as invenções mecânicas construídas durante a
revolução industrial “por mentes de igual genialidade, muitas das quais
foram direcionadas para o negócio da produção têxtil” (PAZOS, 2002, p. 7).
Cita como exemplos a fiadeira de fusos múltiplos criada em 1770 por
Hargreaves, a máquina de fiar de Cromptom criada em 1779, o tear mecânico
de Cartwright, em 1785 e o tear de Jacquard criado em 1801.
Figura 18 Os autômatos de Jaquet-
Droz
Fonte: Losano, 1992.
Figura 19 Pato de Vacauson
Fonte: Losano, 1992.
Até o século XIX, a fonte de energia dos autômatos era apartada
das máquinas. Eles eram impulsionados pela água, vento, cavalo ou o
homem. No século XX, apareceram engenhos mecânicos capazes de realizar
ou não uma tarefa. Em 1902 foi construída uma máquina automática de
fazer chá que só funcionava com a utilização do fósforo para acender sua
lamparina e que talvez tenha sido considerada um verdadeiro robô. Com o
surgimento dos computadores, o sonho antigo dos homens de criar seres à
sua imagem e semelhança, toma um novo impulso.
Em 1948 o matemático Norbert Wiener (1894-1964) lança o livro
Cybernetics: or control and comunication in the animal and the machine
(Cibernética: ou, controle e comunicação nos animais e nas máquinas).
Neste mesmo ano, um inglês W. Grey Walter construiu Elmer, uma tartaruga
Figura 20
O enxadrista humano e o autômato enxadrista de Von
Kempler. Fonte: Losano, 1992.
mecânica. Elmer apoiava-se sobre três rodas e quando suas baterias
estavam carregadas procurava lugares escuros para descansar. Quando
suas baterias descarregavam, procurava lugares com luz. Em 1951, Elwood
Shannon criou um rato robô, um imã com bigodes sensores que em contato
com paredes imantadas girava em ângulo reto.
Para Pazos duas tecnologias foram desenvolvidas e podem ser
consideradas antecedentes imediatos da robótica: o comando numérico e o
telecomando. Segundo o autor (2002, p. 7):
O comando numérico é uma tecnologia desenvolvida no final da
década de 40 e início de 50, baseando-se no trabalho original de
John Parsons. Esta tecnologia é utilizada para controlar as ações de
uma máquina operatriz, a qual é programada por meio de números,
que podem ser introduzidos através de um teclado ou pela leitura de
um cartão perfurado. Esses números podem especificar, por
exemplo, as diferentes posições das ferramentas da máquina para
efetuar uma usinagem adequada numa peça.
O telecomando trata do uso de um manipulador remoto controlado
por um ser humano. O manipulador é um dispositivo, em geral
eletro-mecânico, que pode ser uma garra, um braço mecânico ou
ainda um carro explorador, que reproduz os movimentos indicados
por um operador humano localizado num local remoto. Esses
movimentos podem ser indicados pelo operador através de um
joystick ou algum outro tipo de dispositivo adequado.
A base dos robôs modernos é formada pela combinação de
telecomando e comando numérico. A dois cientistas é atribuída a
responsabilidade pela confluência dessas duas tecnologias: Cyril Walter
Kenward e George C. Devol. Kenward é um inventor britânico que em 1954
patenteou um dispositivo robótico. Devol é um inventor norte-americano a
quem, segundo Pazos (2000, p. 8),
devem ser creditadas duas invenções que tiveram por conseqüência o
desenvolvimento dos robôs tal como os entendemos hoje em dia. A
primeira invenção de Devol consiste num dispositivo utilizado para
registrar sinais elétricos magneticamente e reproduzi-los para
controlar uma máquina. Tal dispositivo data de 1946. A segunda
invenção denomina-se “transferência programada de artigos” e data
de 1961.
O primeiro protótipo de robô industrial foi criado por Joseph
Engelberger, juntamente com Devol, em 1962: o Unimate. Era utilizado em
aplicações industriais e o primeiro registro de utilização aconteceu na Ford
Motor Company “para descarregamento de uma máquina de fundição sob
pressão” (Pazos, 2002, p. 8). O autor afirma ainda que:
A mesma empresa que criou o Unimate desenvolveu, em 1974, um
outro robô chamado PUMA. Este rapidamente se tornou de uso
industrial popular e é altamente utilizado até nossos dias. O PUMA é
um robô relativamente pequeno, com um braço articulado, cujo
projeto estava baseado em estudos de automação de montagem
realizados na General Motors. Justamente, PUMA são as iniciais de
Programmable Universal Machine for Assembly (isto é, máquina
universal programável para montagem). (PAZOS, 2002, p. 9-10)
Experiências cada vez mais sofisticadas têm possibilitado a criação
de robôs com nariz artificial (odor), sensores que identificam o olfato e o
paladar, sentido de visão e pele artificial (tato). Atualmente diversos
protótipos de robôs são apresentados anualmente ao mercado. O P3 da
Figura 21
Desenho
de um robô PUMA 560.
Fonte: PAZOS, 2002,
capa.
Honda (montadora de carros japonesa), por exemplo, é um avançadissímo
robô bípede, equipado com 30 motores e 4 tipos de sensores. Possui 1,60m
de altura e pesa 130kg. Seu corpo, construído de uma liga de magnésio, é
leve e resistente e é capaz de subir escadas e segurar objetos com suavidade.
A Mistubishi, por sua vez, apresentou o Wakamaru, um robô que
pode se comunicar com o homem, uma vez que possui um vocabulário de 10
mil palavras.
Apresentado na Robodex 2003, o
Assimo
,
um robô de 1,20m e 54kg, também da
fabricante Honda, realiza maiores proezas:
pode andar em várias direções, atende a
comandos
, informa a temperatura e
previsão do tempo (em tempo real).
Outros robôs interessantes foram
apresentados na Robodex2003. A Sony
exibiu os seus robôs dançantes: os SDR-
4X
II.
Figura 23
SDR
-
4X II da Sony.
Fonte: http://www.terra.com.br
/
Informatica/galeria/robodex2003/fo
to_20030404017.htm
Figura 22
Assimo. Fonte:
http://www.terra.com.br/
informatica/galeria/robodex2
003/foto_20030404017.htm
Os robôs, hoje, não são mais “esses estranhos seres metálicos”.
Já podem ser construídos de plástico e silício além do velho e nobre “metal”.
E já são capazes de façanhas antes vistas só nos humanos como dançar e
falar (mesmo com voz ainda metálica). O mais contundente, no entanto,
são estudos sobre a estrutura do cérebro para criar uma máquina
inteligente, que possa solucionar problemas, tomar atitudes, sem a
interferência humana, uma máquina dotada de inteligência, ainda que
artificial. Para Clarke
49
,
Há muito tempo as pessoas se perguntam: máquinas podem pensar?
Pensar é a base daquilo que somos. Mesmo um simples computador
pensa de um modo limitado pois pensar significa reagir a um
ambiente de maneira adequada e não fazer alguma loucura. À
medida que forem ficando mais complexos, eles poderão nos superar.
Mas a questão é: eles serão conscientes? E isso é bem diferente.
Pensar é uma coisa, mas saber que você pensa é algo bem mais
complicado. Existe uma enorme discussão sobre isso atualmente: se
as máquinas, se os computadores, se tornarão entidades
conscientes.
Alan Turing (1912-1954)
50
foi o primeiro pesquisador a inquirir
49
Arthur C. Clarke é escritor de ficção científica. Entrevista concedida ao programa Robôs ou Humanos da série
Fronteiras da Ciência, exibido pela Discovery Channel em 5 nov 2003, às 5h.
50
Matemático nascido em Londres é considerado por alguns estudiosos como o fundador da Ciência da
Computação.Inventou em 1936 a Máquina de Turing. Segundo Lewis & Papadimitriou ( 2000, p. 176) “Uma
máquina de Turing consiste em um controle finito, uma fita e um cabeçote que pode ser utilizado para efetuar
leituras ou gravações na fita”
Figura 24
Wakamaru. Fonte:
http://www.terra.com.br/
informatica/galeria/robodex2003/foto_20030404017.htm
sobre a possibilidade de uma máquina pensar. No seu artigo “Computing
machinery and intelligence” publicado em 1950 no Mind, famoso jornal de
filosofia da Grã-Bretanha, ele propõe considerar a questão: “Can machines
think? Para responder a esta questão ele sugere um game, intitulado
imitation game’. Escreve Turing (1950, p. 433-434):
The new form of the problem can be described in terms of a game
which we call the ‘imitation game’. It is played with three people, a
man (A), a woman (B), and an interrogator (C) who may be of either
sex. The interrogator stays in a room apart from the other two. The
object of the game for the interrogator is to determine which of the
other two is the man and which is the woman. He knows them by
labels X and Y, and at the end of the game he says either ‘X is A and
Y is B’ or X is B and Y is A’. The interrogator is allowed to put
questions to A and B thus:
C: Will X please tell me the length of his ou her hair?
Now suppose X is actually A, then A must answer. It is A’s object in
the game to try and cause C to make the wrong identification. His
answer might therefore be
‘My hair is shingled, and the longest strands are about nine
inches long’.
In order that tones of voice may not help the interrogator the
answers should be written, or better still, typewritten. The ideal
arrangement is to have a teleprinter communicating between the two
rooms. Alternatively the question and answer can be repeated by an
intermediary. The object of the game for the third player (B) is to help
the interrogator. The best strategy for her is probably to give truthful
answer. She can add such things as ‘I am the woman, don’ t listen to
him!’ to her answers, but it will avail nothing as the man can make
similar remarks.
We now ask the question, ‘What will happen when a machine
takes the part of A in the game? Will the interrogator decide wrongly
as often when the game is played like this as he does when the game
is played between a man and a woman? These questions replace our
original, ‘Can machines think?
51
Durante muito tempo, as pesquisas para construção de robôs
centralizavam-se na estrutura do corpo humano. Agora, os cientistas
observam a natureza e, principalmente os animais, como inspiração para
51
O ‘jogo da imitação’ pensado por Turing propõe colocar três pessoas um homem (A), uma mulher (B) e um
interrogador que pode ser de qualquer um dos sexos (C) em salas separadas. Eles se comunicarão respondendo
perguntas feitas pelo interrogador, que deverá ‘acertar’ qual dos dois participantes é a mulher. Se o homem (B) for
substituído por uma máquina e esta consiga enganar o interrogador, não possibilitando que ele descubra que está
‘conversando’ com uma máquina, então poderíamos dizer que o computador não é apenas uma máquina de
calcular.
seus estudos. Um exemplo desses novos robôs é Átila criado por Rodney
Brooks, cientista do MIT. Kaku (2001, p. 95) afirma que:
Para Brooks, o futuro da inteligência artificial não pertence aos
computadores gigantes, que enchem andares inteiros, romantizados
em incontáveis filmes de Hollywood. Pertence, isso sim, a minúsculos
mas notavelmente ágeis insetos mecânicos como Átila, e a uma
maneira original, inteiramente nova de encarar a inteligência
artificial e a robótica.
Ao contrário dos robôs moveis tradicionais, que precisam ser
alimentados com enormes programas de computador antes de se
mover, Átila aprende tudo a partir do zero. Teve até de aprender a
andar. Quando foi ligado pela primeira vez, seus pés arrevesaram-se
em todas as direções, como os de uma barata embriagada. Aos
poucos, porém, depois de muita tentativa e erro, ele aprendeu como
mover seis pernas com a coordenação adequada como um inseto.
Um simples mecanismo de feedback é tudo de que Átila precisa para
aprender a rastejar por todo o Laboratório de IA.
Os robôs dessa nova geração são afetuosamente chamados
“insetóides” e “bugbots”.
Átila pesa 1,6kg, move-se a uma velocidade de 2,4 km por hora,
tem a aparência de uma enorme barata com seis pernas feitas de varetas e é
equipada com dez computadores e 150 sensores. Átila, que aparece na
Figura 25, representa um novo conceito de criação de robôs. Ele é
considerado um verdadeiro autômato, capaz de tomar decisões próprias.
Numa breve análise, podemos perceber que os últimos 100 anos
serviram de palco para uma modificação radical e veloz da vida e,
Figura 25
Robô Átila.
Fonte: KAKU, 2001, p. 95.
consequentemente, do comportamento humano. Inventos como o telefone
(1876), a televisão (1926), o computador (1946 o ENIAC
52
), dentre outros,
possibilitaram a derrocada de um mundo tradicional e o surgimento de um
mundo tecnologizado. Losano divide a história da técnica em três fases
distintas. Para o autor (1992, p.8-9), a primeira fase corresponde:
a descoberta dos mecanismos e vai da origem de nossa civilização ao
século XIX. A grande transformação se inicia no século XVII, mas a
tecnologia permanece essencialmente a mesma. Essa extensíssima
fase inicial caracteriza-se pelo progressivo aperfeiçoamento dos
instrumentos que substituem e incrementam a força muscular do
trabalhador individual.
A máquina a vapor abre a segunda fase, que pode ser definida
a dos motores; estes, a partir da metade do século XIX, permitem
não só substituir mas também multiplicar a força do operário. O
trabalho deste contém cada vez menos execução direta e cada vez
mais controle sobre a execução empreendida pela máquina. Foi fase
breve, pois durou menos de um século, mas produziu mudanças
sociais mais incisivas e radicais que os dois milênios anteriores.
A terceira fase abre-se com o fim da Segunda Guerra Mundial,
quando as técnicas do processamento eletrônico de dados foram
transferidos do âmbito militar para o civil. Em 1945, ninguém podia
imaginar que a eletrônica, em poucas décadas, teria levado à
extinção de famílias inteiras de produtos mecânicos. A fase da
eletrônica distingue-se pela construção de instrumentos que
substituem e ampliam não mais o trabalho manual mas o
intelectual, em grau cada vez mais amplo e em formas socialmente
cada vez mais inquietantes.
Agora estamos a caminho da nanoera, onde robôs
miniaturizados poderão percorrer os nossos corpos em busca de células
defeituosas a fim de combater doenças como o câncer e, quem sabe,
proporcionar a eterna juventude. O Dicionário de Tecnologia
53
diz:
A nanotecnologia, ou, como algumas vezes se diz, fabricação
molecular, é um ramo da engenharia que trata do projeto e produção
de circuitos eletrônicos e dispositivos eletrônicos extremamente
pequenos construídos no nível molecular da matéria. O Institute of
Nanotecnology no Reino Unido a caracteriza como ‘ciência e
tecnologia nas quais dimensões e tolerâncias na faixa de 0,1
nanômetro (nm) a 100 nm desempenham uma função importante’. A
nanotecnologia é muitas vezes abordada em conjunto com os
sistemas microeletromecânicos (MEMS), uma área que geralmente
52
Primeiro computador completamente eletrônico.
53
NANOTECNOLOGIA. In: Dicionário de tecnologia editado por Lowell Thing. São Paulo: Futura, 2003.
inclui a nanotecnologia, mas também pode englobar tecnologias de
nível maior do que o molecular. Há um limite para o número de
componentes que podem ser construídos sobre uma lâmina
semicondutora (semiconductor) ou ‘chip’. Tradicionalmente, os
circuitos são gravados sobre os chips pela remoção de material de
pequenas áreas. Entretanto, também é teoricamente possível montar
chips, átomo (atom) por átomo, obtendo assim dispositivos muito
menores do que aqueles que podem ser fabricados por gravação.
Nessa abordagem, não haveria átomos supérfluos; cada partícula
teria uma finalidade. Condutores elétricos, chamados de nanocabos
(nanowires), teriam a espessura de apenas um átomo. Para um logic
gate seriam necessários apenas alguns átomos. Um bit de dados
poderia ser representado pela presença ou ausência de um único
elétron (electron).
A nanotecnologia é bastante promissora na busca por computadores
e dispositivos de comunicação ainda mais poderosos. Mas as
aplicações mais fascinantes (e potencialmente perigosas) são na
ciência médica. Os chamados nanorobôs poderiam funcionar como
anticorpos programáveis. Como as bactérias e vírus patogênicos
sofrem mutações em suas infindáveis tentativas de esquivar dos
tratamentos médicos, os nanorobôs poderiam ser reprogramados
para localizá-los e destruí-los seletivamente. Outros nanorobôs
poderiam ser programados para identificar e matar células
cancerosas.
Cientistas médicos realizam pesquisas a fim de utilizar a
nanotecnologia, os melhor, os nanorobôs para vigiar e combater doenças no
corpo humano, a exemplo do que pode ser visto na Tohoku University
(Sendai) e nos projetos da NASA.
O sonho do tratamento microscópio está se tornando realidade. A
Universidade de Tohoku, tem um centro de promoção da pesquisa
industrial. O professor Masayoshi Esashi está agora desenvolvendo
um sensor para o tratamento de vasos sangüíneos no cérebro. Parte
de sua pesquisa concentra-se nos aneurismas cerebrais. Aneurisma:
esta é uma situação em que os vasos sangüíneos do cérebro ficam
dilatados. Se um aneurisma avança, pode se romper causando uma
hemorragia subaracnoidia. Até pouco tempo atrás, a única forma de
se localizar um aneurisma cerebral era através do Raio X que
mostrava apenas seu tamanho e formato. Para fazer uma observação
mais precisa de dentro do vaso sangüíneo foi necessário desenvolver
um sensor especial. O professor Masayoshi Esashi vem trabalhando
para criar um micro sensor que possa penetrar vasos sangüíneos e
medir sua pressão: sensor de pressão sangüínea. O sensor feito de
silício e outros materiais é embutido na ponta de uma fibra ótica. Ele
tem 1/8 de milímetro no diâmetro igual a um fio de cabelo. Ele
funciona assim: a extremidade do sensor é programada para
retroceder em reação a pressão do fluxo sangüíneo. A fibra ótica
transmite um comprimento de onda de luz especifico até a ponta do
sensor. Se a ponta retrocede, o comprimento da onda de luz refletida
difere daquela da luz original. A análise da diferença permite a
medição da pressão sangüínea. O professor Esashi está modificando
o sensor para que ele possa medir a pressão sangüínea com
precisão, mesmo num vaso sangüíneo retorcido. Ele espera colocá-lo
em prática no futuro próximo. O professor Esashi e sua equipe
acreditam que no futuro aneurismas cerebrais serão tratados da
seguinte forma: um catetere que se move livremente nos vasos
sangüíneos levará o sensor até a área atingida. O microsensor
medirá a pressão sangüínea em vários pontos na área do aneurisma.
Isso dirá aos médicos qual a pressão exercida em cada ponto. Após
analisar os dados, eles vão inserir uma peça estreita de platina no
vaso sangüíneo para coagular o sangue e evitar que o aneurisma se
rompa.
54
A NASA tem investido recursos e tempo no estudo do espaço
interior do corpo humano. Cientistas buscam estratégias para enviar
homens a Marte sem expô-los a riscos e, principalmente, possibilitando a
busca e cura de doenças que possam assolá-los.
Este é o início de uma nova era, a era da nanomedicina. Para manter
os astronautas seguros e saudáveis na missão a Marte robôs
miniaturizados serão colocados dentro do corpo humano.[...] O que a
NASA propõe é algo vindo do mundo da ficção científica. [...] A pílula
conterá milhões de máquinas microscópicas. Robôs minúsculos
feitos para patrulhar o corpo procurando doenças em estado inicial,
trabalhando nessa escala porque a célula viva é onde as doenças
primeiro atacam. A célula é a máquina básica composta de muitas
peças e componentes menores. [...]. Nós somos feitos de uma
multidão de células. Cada uma de nossas células é uma
nanomáquina complexa. Somos construídos pelas nanomáquinas da
natureza. Elas se dividem e nós crescemos. Essas células individuais
se multiplicam formando cada elemento e peça de nosso corpo. [...].
Criado por nanomáquinas chamadas células, o nosso corpo ganha
vida. Ao nascermos o nosso corpo é feito por uma miríade de células.
A idéia visionária de que cientistas possam criar robôs médicos para
trabalhar dentro das células parece ficção científica.
55
Os cientistas da NASA dizem que muitas das inspirações para
desenvolvimento das pesquisas e novas possibilidades de proteção à vida
humana são provenientes de filmes de ficção. Ralph Meskle referencia os
filmes ao dizer:
Viagem fantástica nos apresentou a idéia de ter pequenos aparelhos
viajando pela nossa corrente sangüínea. Mas a abordagem que eles
usaram não achamos ser praticável. Encolher submarinos àquela
escala não parece algo que vá acontecer. Mas a idéia de ter pequenos
aparelhos médicos nessa escala parece possível.
56
.
54
Extraido programa Nanotecnologia da série Fronteiras da Ciência, exibido pela Discovery Channel em 4 nov 2003,
às 5h.
55
Texto extraído do documentário Viagem fantástica pelo corpo humano: em busca da cura. Discovery Health
Channel (DVD). Produzido e dirigido por Michael Danks. São Paulo: Playarte Home Vídeo, s.d.
56
Id.
O cientista refere-se ao filme de ficção científica Viagem Fantástica.
Dois filmes de ficção empreendem a mesma jornada: Viagem Fantástica e
Viagem Insólita (1987). O primeiro conta a história de quatro cientistas que
são miniaturizados, juntamente com um submarino, para empreenderem
uma viagem através do corpo humano, rumo ao cérebro, a fim de realizarem
uma complicada operação utilizando raio laser. O segundo narra a história
de um homem que é miniaturizado, juntamente com uma nave espacial,
para ser injetado no corpo de um coelho visando pesquisas científicas, mas
que acidentalmente é injetado num corpo humano e empreende uma viagem
através do mesmo.
Enquanto a NASA e o professor Esashi realizam pesquisas para
utilização de nanorobôs, desde 1994 o professor Paul Swain, médico do
London Hospital, na Inglaterra, já utiliza uma pílula câmera que, instalada
no corpo do paciente, percorre todo o seu trato digestivo, fotografando-o. De
fácil instalação, possibilita um estudo extremamente minucioso realizado
através de um computador:
câmeras endoscópias convencionais usam um tubo conectado para
ver dentro do corpo. [...]. O endoscópio oferece uma visão importante
do organismo mas causa desconforto e tem uma visão bastante
limitada. A pílula de Paul Swain pode ser engolida e ela fotografa sua
viagem dentro do corpo do paciente indo até o intestino fino, onde os
médicos antes só viam através de uma dolorosa cirurgia. Enquanto o
paciente é informado, o equipamento é facilmente instalado.[...]. As
câmeras transmitem sinais que passam pela parede abdominal e são
capturadas por uma estrutura de 8 antenas. Durante o exame [...]
tiramos cerca de cinqüenta mil fotos, cinqüenta mil imagens são
armazenadas num poderoso computador amarrado à cintura. [...].
Com cada flash a câmera transmite uma foto. A pílula chega ao
estômago após oito segundos, onde fica durante uma hora. Ela segue
e durante três ou quatro horas, a câmera transmite fotos claras que
o professor Swain pode analisar do seu consultório. Medindo pela
nanoescala, a pílula de Paul Swain tem trinta milhões de
nanômetros.
57
57
Id.
A nanotecnologia não é nova. Ela foi anunciada pela primeira vez
em 1959 em uma palestra realizada no encontro anual da American Physical
Society por um físico norte americano chamado Richard Feymann (1918-
1988) prêmio Nobel da Física em 1965. O assunto só voltou a ser discutido,
no entanto, em 1992, através do Dr. K. Eric Drexler. Pesquisas nesta linha
continuam e como diz Osamu Tezuka, cartunista japonês
58
Teremos que enfrentar essa questão que é a co-existência com os
robôs. Dizem que o homem tem mais de quatorze bilhões de
neurônios. Mas mesmo que um robô com quatorze bilhões de
circuitos integrados seja produzido, ele será apenas um pseudo-
humano, não um ser humano real. Os pseudo humanos não serão
feitos por Deus, mas sim pela tecnologia do homem. E aí está o
problema. Porque os humanos que fazem e operam robôs não são
cem por cento confiáveis.
Ao que Clarke
59
complementa:
Criamos ferramentas que se tornaram cada vez mais complexas e
poderosas. Facilitamos a vida, mas não a simplificamos. Há o perigo
de que as ferramentas se tornem mais complicadas e ocupem cada
vez mais nossas vidas e assim perderemos a alegria e o prazer.
Espero que nós e as nossas criaturas possamos interagir de modo
mais positivo, numa espécie de simbiose, que nos levará a uma
civilização melhor. Mas só o futuro nos dirá.
A história do desenvolvimento do robô, contada de forma sintética
neste capítulo, mostra claramente que ele é uma realidade e que é preciso
preparar essa nova geração para utilizar uma tecnologia que já se faz
presente, de forma racional e humana. O que a Robótica pedagógica
proporciona ao processo de aprendizagem será discutido em capítulo
especifico.
58
Programa Robôs ou Humanos da série Fronteiras da Ciência, exibido pela Discovery Channel em 5 nov 2003, às
5h.
59
Id.
4. A vida é como um filme... ou será como uma história? Ficção ou
realidade? Eis a questão...
Normalmente, quando se fala em robô, logo vem à mente a imagem
de um ser com aparência humana e que age como um humano. Para
Groover at al. (1988, p.7), “esse conceito humanóide foi inspirado e
encorajado por inúmeras histórias de ficção científica”. Gunn e Boucher
(apud Kremer, 1998, p. 75) definem Ficção Cientifica como:
O tratamento ficcional em livros, revistas, filmes, televisão, discos
compactos e outros meios, relativo aos efeitos da ciência ou eventos
futuros sobre seres humanos. Ficção científica lida com eventos que
não aconteceram, poderiam ter acontecido, ou ainda não
aconteceram. Considera estes eventos racionalmente e preocupa-se
com o impacto da mudança sobre as pessoas. Assuntos comuns da
ficção científica incluem o futuro, viagens através do espaço ou do
tempo, vida em outros planetas e crises causadas pela tecnologia ou
por criatura e ambientes alienígenas.
Para Walty, são muitos os significados atribuídos à palavra Ficção,
mas, normalmente, as pessoas pensam em Ficção Científica. A autora (1999,
p. 12-13) afirma que:
Tem-se como ficção científica as narrativas geralmente verbais ou
fílmicas cujo enredo se baseia no desenvolvimento científico e nas
situações decorrentes de tal desenvolvimento no tempo e no espaço.
Assim, em 1883, quando Júlio Verne escreveu Vinte mil léguas
submarinas, ele concebeu o navio Nautilius com características de
submarinos que só agora, cem anos depois, se fizeram realidade.
Júlio Verne escreve, pois, sobre possíveis conquistas da técnica e da
ciência, transformando o seu personagem, Capitão Nemo, em um
precursor dos navegadores modernos.
O Nautilius, pensado pelo francês Júlio Verne (1828-1905), possuía
setenta metros de comprimento vezes oito metros de diâmetro, era capaz de
deslocar oito toneladas e possuía um corpo hidrodinâmico. Além de detalhar
a parte externa e capacidade de seu barco, Verne também imaginou o que o
moveria e a sobrevivência da tripulação, mantendo-se, inclusive, respirando
e, se necessário, como poderia essa tripulação sair do barco, mesmo este
estando submerso. Além de idéias para construção do submarino, Júlio
Verne foi mais além. Imaginou que, para voar, haveria necessidade da
construção de uma nave mais pesada do que o ar, mantendo-se nele através
de setenta e quatro pás giratórias. E, assim, surgiu a nave Albatroz, da
História Robur, o conquistador, escrita em 1886 e que lembra os helicópteros
de hoje. Em um outro livro, Da Terra à Lua, escrito em 1865, descreve com
precisão, 104 anos antes, a viagem dos astronautas. Assim como Verne,
outros escritores de ficção científica anteciparam-se no tempo e na história.
O escritor russo Alexander Kazantsev (1906-2002) também “premeditou”
algumas das invenções surgidas posteriormente. Ele acredita
que a ficção cientifica não é apenas diversão, passatempo. É um
gênero literário com normas próprias que prevê os avanços da
ciência e muitas vezes produz idéias que são aproveitadas pelos
cientistas. Além do mais, prepara a humanidade para o futuro e para
a implantação de novas tecnologias.
60
São muitas os obras em que Kazantsev antecipa o futuro: Anerida,
escrita em 1946, por exemplo, traz uma arma elétrica de alcance
continental, com a qual os seres humanos destruiriam um asteróide que
se aproximava da Terra. Kazantsev diz que “essa idéia, muitos anos mais
tarde, foi explorada pelo cinema, inclusive por Hollywood. Foi então que a
60
Entrevista concedida pelo engenheiro e escritor Alexander Kazantsev a Pablo Villarubia Mauso, publicada pela
Revista Superinteressante, edição 186, março 2003, p. 80-81.
prestigiosa Academia Soviética de Ciências adotou o livro para os estudantes
dos seus diversos cursos”
61
. A Ilha em Chamas, escrito em 1940, é
considerada uma das mais complexas obras do autor. Ele explica o motivo:
É um romance que previa o uso de tecnologias baseadas no princípio
da supercondutividade. No livro, o físico Klenov usa essa tecnologia
para convertê-la em uma poderosa arma.
[...] O livro antecipa também a questão do aquecimento da atmosfera
terrestre. Há, no livro, uma ilha no Oceano Pacífico que, na verdade,
é um pedaço de um asteróide. Dela, acidentalmente, começa a exalar
um perigoso gás violeta que, em contato com o ar, provoca incêndios
e combustões com o risco de expandir-se e incendiar toda a
atmosfera. Então, aparece um magnata alemão, comerciante de
armas, que monopoliza o metal radioativo da ilha. Esse homem
começa a armazenar todo o oxigênio líquido do planeta e cria uma
empresa destinada a transformar imensas cavernas em zonas
habitáveis para salvar uma pequena parte da humanidade. Os
cientistas encontram uma solução para evitar um cataclisma em
âmbito planetário: disparar uma bomba sobre a ilha e apagar o
incêndio, tal como se faz para apagar os incêndios em poços de
petróleo. Para tal fim, empregam um composto de
supercondutores.
62
São muitos os autores que escrevem sobre robôs, viagens
espaciais, alienígenas, viagens no tempo... E algumas dessas histórias não
só “antecipam” situações futuras como são transformadas em filmes. O
cinema é um dos grandes responsáveis por colocar as histórias de
ficção ao alcance de um público maior. São muitos os filmes que trazem
histórias ‘com’ ou ‘sobre’ robôs. Vieira (2003, p. 325) afirma que:
o cinema dos primeiros tempos já é pródigo na representação de
seres humanos, artificiais ou não. Thomas Edison é o primeiro a
adaptar o clássico Frankestein, de Mary Shelley, em 1910. A criação
em laboratório de seres superdotados cuja malevolência só é
interrompida graças a algum fenômeno de ordem natural, como um
raio, foi desenvolvida no seriado alemão Homúnculos (1916). Nesta
linha, existe também um bom número de filmes que giram em torno
da criação de seres humanos a partir de animais, criaturas que, a
exemplo de Frankenstein, se voltam muito facilmente contra seus
criadores, como acontece na primeira adaptação do clássico de H. G.
Wells, A ilha do dr. Moreau, intitulada Island of Lost Souls (direção de
Erle C. Kenton, 1933).
61
Id.
62
Id
Na opinião de Rodney Brooks, pesquisador do MIT,
Hollywood tem maltratado muito a Robótica e de duas maneiras:
uma é que, com os efeitos especiais, você pode fingir que os robôs
são capazes de fazer coisas fantásticas; por isso, em comparação
com o que Hollywood já mostrou, os robôs não parecem grande
coisa. A outra coisa prejudicial introduzida por Hollywood é a
necessidade de ter alguém que seja mal nos filmes e os robôs
acabam ganhando a injusta fama de serem os bandidos e de se
rebelarem contra quem os criou. Não me preocupo muito com isso
porque acho que nunca vamos fabricar de propósito robôs que sejam
maus assim como não fabricamos aviões para que caiam toda hora;
fabricamos aviões que voem e não caiam e vamos fazer robôs que se
comportem bem e que não sairão por aí fazendo maldades.
63
Não só Hollywood foi responsável por esta questão. As histórias
anteriores, como a de Karel Capek (R.U.R), já assumiam esse papel, como
explica Asimov (1994, p. 16-17):
Eu era um leitor compulsivo de ficção científica na década de
1930 e fiquei cansado da velha história dos robôs que se voltam
contra os seus criadores. Eu não encarava os robôs dessa forma.
Para mim, eles eram máquinas. Máquinas muito avançadas, é
verdade, mas apenas máquinas. Podiam ser perigosos, mas
certamente seus criadores poderiam introduzir dispositivos de
segurança. Esses dispositivos podiam ser insuficientes, ou falhar em
circunstancias imprevistas, mas os fracassos podiam ser sempre
usados como uma fonte de experiência para aperfeiçoar os modelos.
Afinal, todas as novidades envolvem riscos. A descoberta da fala
introduziu as comunicações... e as mentiras. A descoberta do fogo
tornou possível cozinhar os alimentos... e provocar incêndios. A
descoberta da bússola facilitou a navegação... e destruiu as
civilizações do México e do Peru. O automóvel é extremamente útil...
e mata milhares de americanos por ano. Os progressos da medicina
salvaram milhões de vidas... e agravaram a explosão populacional.
Em todos esses casos, os abusos poderiam ser citados para
demonstrar que “existem coisas que a humanidade não deve
conhecer”, mas é claro que não podemos renunciar a tudo que já
sabemos e reverter ao estado de australopitecos. Mesmo do ponto de
vista teólogico, podemos argumentar que Deus jamais teria dado
ao homem o dom do raciocínio se não quisesse que esse dom fosse
usado para criar coisas novas, para usá-las com sabedoria, para
instalar dispositivos de segurança... e para fazer o melhor que
podemos dentro de nossas limitações e imperfeições.
Muitos filmes materializaram os robôs através de suas telas,
sugerindo a simbiose, hoje amplamente discutida do homem-máquina.
A estátua mecânica, dirigido por J. Stuart Blackton, fez sucesso nas telas em
63
Extraído do programa Robôs ou Humanos da Serie Fronteiras da Ciência exibido pela Discovery Channel em 5
nov 2003, às 5h.
1907. Para Vieira (2003, p 326):
Títulos sugestivos como O marido mecânico (1910), A casa
automatizada (1915), O homem mecânico (1915) ou mesmo O segredo
do inventor (1911), dirigido por Mack Sennett sob a supervisão de D.
W. Griffith, apresentando uma garota mecânica, antecipam, de forma
eloqüente, o que viria a ser conhecido, nas décadas seguintes, como
a era da máquina.
Estendendo-se pela década de 1930, esse período de celebração
da máquina fixava o impacto da modernização, das novas tecnologias
e dos novos princípios científicos e, principalmente, de uma maior
difusão de valores utilitários que começaram a dominar as esferas do
comércio e da produção. No campo do conhecimento, tal período
resulta numa consciência de uma nova era mecânica, conforme
celebrado pelas vanguardas, em especial no contexto revolucionário
do construtivismo soviético. Junto com a glorificação dos ideais de
velocidade, eficiência e produtividade, trazida pelas máquinas, surge
também uma visão mais ambígua e menos celebradora, na qual
esses novos ícones de uma sociedade de consumo, afluente, como o
carro, o rádio ou a máquina de lavar roupa, também passaram a
representar um poder desestabilizador e incontrolável, com
promessas de ansiedade. Se existe um filme que vai trazer essa visão
distópica com força total e propor uma síntese dessa desconfiança é
o clássico de Fritz Lang, Metropólis, de 1926.
Metrópolis conta a história do mundo, no ano de 2026, subdivido
em classes (a elite dominante e a classe operária), onde uma operária
chamada Maria é admirada pelos trabalhadores. Essa operária é “raptada”
e substituída por uma operária robô, criada por um cientista, com uma
aparência igual à sua, porém com ideais completamente diferentes. Essa
operária robô é introduzida no meio de operários humanos a fim de provocar
a discórdia. Fritz Lang cria, na sua história, um mundo futuro, separado por
classes sociais, onde os “operários” são condenados a viver, desde a infância,
num mundo subterrâneo, escravos das máquinas que controlam Metrópolis,
e seus “ilustres patrões” na cidade (Metrópolis), num mundo bonito rodeado
de alegria. O filho do dono da cidade, no entanto, se apaixona por Maria. E
aí tem início uma luta de classes. Na época em que foi filmado, não existiam
efeitos especiais e, muito menos, possibilidades para criação de robôs
mecânicos. A atriz que protagonizou o papel de robô (Brigitte Helm) vestiu-se
com uma roupa de aparência metálica, bastante justa.
Para Vieira, o filme Metrópolis é extremamente atual e possibilita
uma discussão dos avanços tecnológicos e das tensões provocadas pelo
mesmo. Diz o autor (2003, p. 327):
Ali está, com certeza, a imagem mais completa jamais concebida de
um robô, certamente o mais famoso do período mudo do cinema. E,
também de forma ambígua, encontramos no filme de Lang, para
além do poder da tecnologia, a investigação das ansiedades e tensões
que se escondem por baixo das superfícies sedutoras desse fascínio
tecnológico. Perturbador em todos os sentidos, Metrópolis parece
sempre falar numa espécie de voz dupla: de um lado as desastrosas
conseqüências de uma sociedade completamente submissa às forças
da produção e da tecnologia; de outro, o filme encontra muito de seu
fascínio e apelo exatamente na visão e na construção dessas forças,
ou seja, no poder sedutor das imagens de uma sociedade altamente
tecnológica. De discussão inesgotável, Metrópolis até hoje serve de
referência tanto pela importância e pelo imediatismo de seus temas
a questão da opressão e das forças econômicas mostradas em suas
imagens como por suas características puramente visuais, de
superfície e textura cinematográficas, como a imponência de seu
décor futurista , até hoje copiado em exemplos os mais diversos,
como Blade runner, o caçador de andróides (1982), ou, ainda, as
diversas seqüências de Batman.
Figura 26
-
A atriz
Brigitte Helm vestida
de robô. Fonte:
Ca
pa do VHS
Metrópolis
Figura 27
-
A atriz
Brigitte Helm como a
operária Maria. Fonte
Capa do VHS
Metrópolis
Em 2001, com um orçamento inicial de US$ 15 milhões e 5 anos
de trabalho, foi lançado o animee Metropólis. Dessa vez, imagens
espetaculares e efeitos especiais narram a história de um mundo industrial,
dividido em classes de humanos e robôs. Tima é a avançada robô construída
por um cientista para o Duke Reid, com objetivos de assumir o trono e
comandar uma cidade. Baseada nos quadrinhos de Osamo Tezuca,
Metropólis é um belo desenho animado que retrata uma sociedade
completamente tecnologizada.
O Dia em que a Terra Parou, exibido em 1951, narra a história de
um ser extra-terrestre (Klaatu) que vem à Terra ensinar aos humanos como
promover a paz e traz consigo, num grande disco voador, um invencível robô
(Gort) guarda-costas, programado para não permitir que os homens se
destruam através de guerras. O robô também não é mecânico, e sim um
artista vestindo um roupa metálica. Goover at al (1988, p. 8) apontam que:
O filme O dia em que a Terra parou, de 1951, mostrava uma missão
oriunda de um planeta distante, enviada à Terra num disco voador
para tentar estabelecer o alicerce para a paz entre as nações do
Figura 28
-
Tima
Robô do
animee
Metrópolis. Fonte: Capa do
DVD Metrópolis.
mundo. A tripulação do disco voador compunha-se de apenas dois
membros, um ser parecido com os humanos e um robô onisciente,
onipotente, indestrutível, chamado Gort. O robô era um pacifista
universal, e, quando um planeta “saia da linha”, a punição era
imediata e final. A missão para a Terra não foi um sucesso
(obviamente), mas demonstrou o terrível poder destrutivo das futuras
armas.
Em 1956, um novo robô aparece nas telas de cinema. Em O
Planeta Proibido (Forbidden planet, direção de Fred McLeod Wilcox), um
artista ence- na Hobie, o robô; Para Vieira (2003, p. 329) o filme é lançado:
num momento tardio da ficção científica, pós Guerra-Fria, período
em que invasões alienígenas, mutações e criações também robóticas
colocavam em xeque questões políticas bem mais próximas, que
dramatizavam problemas do simulacro, do hiper-real. A máquina no
pós-guerra torna-se uma figura dócil, não ameaçadora, em geral
utilitária, cuja função, pelo menos superficialmente, era relativizar a
tecnologia diante das narrativas anteriores, que privilegiavam a
devastação atômica, as invasões alienígenas ou as mutações
humanas.
No filme, o ator veste-se com uma roupa construída de plástico
formatado e fibra de vidro. Ainda em 1956, mais um robô é representado por
um ator vestido com roupa de gorila e capacete espacial, no filme Monstro-
robô. 2001: uma Odisséia no espaço, de Stanley Kubrick (1928-1999),
inspirado na obra do autor de ficção, Artur C. Clarke, traz HAL, um robô
inteligente e falante que decide os destinos de uma viagem interplanetária. O
filme inicia-se com um belíssimo retorno à pré-história, mostrando o mundo
há quatro milhões de anos, quando os macacos são transformados em seres
carnívoros, iniciando a história da humanidade. Groover et al (1988, p. 9)
afirmam que:
O filme 2001: Uma odisséia no espaço, de 1968, mostrava não só um
robô mecânico, mas um computador altamente inteligente, falante,
chamado HAL. A tarefa do computador era monitorar e controlar os
sistemas a bordo da espaçonave a caminho do planeta Júpiter e ser
um amigo e companheiro da tripulação da espaçonave. Durante a
viagem, um dos circuitos de HAL falha, e sua personalidade se
deteriora. Ele começa a aniquilar os membros da tripulação para
proteger-se e somente é detido numa disputa final com o membro
remanescente da tripulação.
HAL foi projetado com capacidade para perceber tudo o
que acontecesse na nave. Era um “verdadeiro” companheiro para os
tripulantes, percebendo e conversando com eles sobre os seus medos,
indecisões, enfim... seus sentimentos. Mas possuía uma característica muito
mais importante: não só entendia a fala humana, incluindo a entonação de
como era falada, como conseguia ler o que falavam os tripulantes através
dos seus movimentos labiais. HAL era um computador inteligente, o que lhe
possibilitava tomar decisões e o que o levou a eliminar a quase totalidade
dos tripulantes. O filme termina num grande mistério: o que aconteceu com
HAL para que ele precisasse ser desativado pelo tripulante sobrevivente? E
qual o final desse sobrevivente? Só em 2010, 2
a
odisséia, exibido em 2001,
esse mistério é esclarecido: HAL recebe duas ordens antagônicas. Como não
foi idealizado para mentir ou desobedecer, opta em aniquilar os tripulantes
da nave. Tavares (1992, p. 67) diz que:
Os computadores vão ficando cada vez mais complexos em espaço
cada vez menor: crescem para dentro e não para fora. E se
sofisticam. Não são apenas calculadoras-relâmpago dotadas de
memória inesgotável: seus pensamentos podem se tornar (pelo
menos na fc) tão sutis quanto os de uma pessoa.
O computador SAL-9000, criado por Artur C. Clarke no livro 2010
2
a
odisséia (1982), filmado por Peter Hyams (1984), tem a voz
educada de uma jovem hindu: o contato cotidiano com o Dr.
Chandra, seu operador, fez com que Sal assimilasse inclusive o seu
sotaque. A relação entre os dois é afetuosa e platônica: Chandra se
dirige a ela como a uma pessoa viva, e fala do seu “irmão” Hal, de
2001, como de uma pessoa morta. Ele acha que os computadores
sentem emoções, e quando dizem “com muito prazer” podemos
acreditar tanto na sinceridade quanto na de um ser humano que
diga a mesma coisa.
Quando iniciei a pesquisa sobre a aprendizagem através da
Robótica Pedagógica, verifiquei quais os filmes com personagens robôs
tinham sido assistidos pelos alunos. Apliquei, objetivando esse fim, um
questionário escrito. O questionário, aplicado em 2001, afirmava:
Provavelmente você já viu em filmes alguns robôs... 66 dos alunos que
responderam ao questionário confirmaram haver assistido a filmes com a
presença de robôs contra 3 que responderam não (ver Tabela 13 em anexo
A). A segunda questão inquiria: Dos filmes assistidos, qual você mais gostou?
O filme preferido, dentre os assistidos pelos alunos, foi Star Wars com
27,6%, seguido de Robocop (23,4%) e Um Robô em Curto Circuito (16,9) (ver
Tabela 14, em anexo A).
Devido ao sucesso, Star Wars tornou-se uma série, ou melhor, a
principio, uma trilogia: Guerra nas Estrelas, exibido em 1977, O Império
contra ataca, em 1980 e o Retorno de Jedi, em 1983, que rendeu às
bilheterias US$ 2 bilhões. Hoje, já no seu quinto episódio, continua atraindo
a atenção de grandes platéias. O sucesso da série ultrapassou a renda das
bilheterias, gerando uma receita fabulosa em venda de produtos. Um novo
filme que complete a série é esperado. Grover at al (1988, p. 9) contam que:
A série Guerra nas Estrelas (Guerra nas estrelas, 1977; O império
contra-ataca, 1980, e o retorno de Jedi, 1983) mostrava robôs como
máquinas amistosas, inofensivas. Os robôs, R2D2 e C3PO são
capazes de andar de um lado para o outro, são inteligentes e podem
comunicar-se com seus senhores humanos. Eles não têm papéis
importantes nesses filmes, exceto, na maioria das vezes, como um
abrandamento cômico. Entretanto, para as platéias de cinema, eles
representam personagens importantes, porque são benevolentes e
porque mostram as oportunidades oferecidas pela robótica e outras
tecnologias avançadas de serem úteis e não ameaçadoras para os
homens.
Os robôs R2D2 e C3PO resolviam questões sem precisar da ajuda
direta dos humanos. Robôs dotados de personalidade e emoções eram
capazes de aprender tanto através das experiências como através de
instruções recebidas. Possuíam funções pré-determinadas como, por
exemplo, auxiliar os humanos nas tarefas diárias. O sentido da audição era
comum aos dois, mas só o C3PO era capaz de se comunicar através da fala
com os humanos. Para Cavelos (1999, p. 65):
O alto está quase sempre preocupado e infeliz, vendo desgraça
em toda esquina. O pequeno é aventureiro e determinado, impaciente
com o seu companheiro covarde. Ansioso e frustrado, o alto por vezes
ataca-o, verbalmente e mesmo fisicamente, chutando o pequeno e
batendo-lhe na cabeça. O pequeno contra-ataca estirando-lhe a
língua e mesmo quando a desavença se torna forte demais, deixa-o
falando sozinho. [...].
Encontramos muitos robôs em filmes de ficção científica, mas
nenhum como os inesquecíveis R2-D2 e C-3PO. Antes de mais nada,
eles são incríveis criações da tecnologia avançada, capazes de
executar uma grande variedade de tarefas. R2 possui sensores que
podem detectar sinais distantes de vida em Tatooine bem como
detalhes do campo ao seu redor, um projetor holográfico e uma
expressiva voz não verbal. Funciona como um componente da nave
de batalha X-wing de Luke; é plugado na rede Imperial da estação de
batalha Death Star (Estrela da Morte), lê arquivos e ignora controles;
carrega uma enorme quantidade de informação e usa da criatividade
para completar missões. 3PO não parece ser muito inteligente, ou
pelo menos não gosta de admitir que possa seguir as indicações
técnicas de R2. É fluente em seis milhões de formas de comunicação,
fala a linguagem de humanos e alienígenas e conversa com
máquinas, incluindo o trem de carga Falcon. 3PO chama R2 de
camarada, o que sugere que trabalham em conjunto.
Jeanne Cavelos, uma cientista entusiasta e fascinada por viagens
espaciais, realizou um estudo surpreendente sobre “A ciência de Star Wars”.
Figura 29
Robôs C3PO R2D2
Fonte: Encarte da trilogia Starwars.
Conta, a cientista, na introdução do seu livro (1999), como tudo começou...
Eu já estava fascinada pela idéia das viagens espaciais e Guerra nas
Estrelas incentivou meu interesse na exploração do espaço e na
possibilidade de vida alienígena. Contudo, enquanto freqüentava a
faculdade estudando astrofísica, me ensinavam ininterruptamente as
verdades cientificas que tornavam Guerra nas Estrelas impossível.
Não conseguimos viajar mais rápido que a velocidade da luz. A vida
na Terra surgiu por meio de uma combinação tão improvável de
fatores que a chance de esses fatores existirem em outro planeta
capaz de criar vida alienígena é ínfima. Robôs sofisticados, quando
conseguimos construí-los, não terão atitudes humanas e emocionais,
mas serão lógicos. E a força? Pura fantasia.
Ocasionalmente aparecia uma voz discordante, mas na maior parte
do tempo os cientistas achavam o universo de George Lucas
incompatível com o que conheciam.
Para ser honesta, não acho que George Lucas estivesse
especialmente preocupado com a ciência quando criou Guerra nas
Estrelas. Aquelas palavras de abertura, citadas sobre o som, mais
pareciam com o início de um conto de fadas do que com uma saga de
ficção científica. E, em vários aspectos, Guerra nas Estrelas parece
fantasia, com o poder místico da Força; grandes magos, chamados
Cavaleiros Jedi, que a controlam; e grandes potências do bem e do
mal travando uma batalha épica. Ao criar a obra parte ficção
científica/parte fantasia/parte mito que é Guerra nas estrelas,
George Lucas não procurou criar um universo futurista que
combinasse perfeitamente com o nosso conhecimento atual de
ciência. Se tivesse, ele teria produzido filmes bem lentos. Em vez
disso, ele procurou combinar elementos de várias fontes diferentes e
transformá-los em algo completamente novo. E conseguiu.
Ainda assim, Guerra nas Estrelas contém espaçonaves, alienígenas,
planetas bizarros e armas de alta tecnologia todos os ingredientes
da ficção científica. Esses elementos “científicos” fazem o fantástico
parecer quase plausível. E o quanto é real, possível essa “galáxia
muito, muito distante”?
A resposta, quando Uma Nova Esperança foi lançado, foi
“absolutamente não”. Mas uma coisa estranha aconteceu nos anos
desde que Guerra nas Estrelas foi lançado. A ciência está começando
a emparelhar com os passos de George Lucas.
Os físicos surgiram com métodos teóricos de rápidas viagens
espaciais interestelares. Descobertas recentes sugerem que planetas
e vida alienígena são muito mais comuns do qua acreditávamos
anteriormente. Muitos especialistas em robótica agora pensam que
as emoções podem ser um componente fundamental na criação de
robôs inteligentes. E a Força? Alguns cientistas têm teorias que
podem incorporá-la.
Descobrimos que o universo é um lugar muito, muito mais estranho
do que pensávamos, cheio de surpresas e novos mistérios. Hoje você
diz que algo é impossível e amanhã estará explicando como pode ser
feito. Assim, enquanto George Lucas pode não ter tentado criar um
universo cientificamente preciso, a ciência pode estar transformando
sua visão em realidade.
Em RoboCop, o segundo filme preferido pelos alunos, existe uma
sinalização aparente de robô. Na realidade, RoboCop é um ciborgue. Para
Couto
64
:
O primeiro homem, que de uma pedra fez uma arma ou um utensílio
doméstico, é o mais antigo ancestral do ciborgue. Na atualidade,
quando o mundo é traduzido em informação, tempo real e
ciberespaço, o processo simbiótico da cultura está vinculado às
tecnologias do virtual. Esse processo é a ciborgização do homem e da
cultura contemporâneas. É nesse contexto que emergem os
discursos sobre a transformação dos humanos em ciborgues.
O conceito ciborgue, na ficção científica, parece surgir de uma
história de Arthur Clark, de 1965, intitulada The City and the Stars,
designando os organismos cibernéticos. De lá pra cá, a literatura e o
cinema exploraram inúmeras vezes as imagens híbridas do homem-
máquina. Essas imagens alimentam o nosso imaginário sobre a
mixagem do corpo com os equipamentos tecnológicos avançados.
A questão do ciborgue, nos estudos da cultura, foi introduzida por
Donna Haraway, com o Manifest for Ciborgs. Para Haraway, o
ciborgue é um organismo cibernético, um híbrido de máquina e
organismo especiais apropriados para os tempos em que vivemos,
um composto biológico-técnico: uma parte é dada, outra é
construída; uma criatura de realidade social e também ficção.
RoboCop é um policial projetado para defender as ruas da cidade
de Detroit, constantemente assolada pela criminalidade. Peter Weller
interpreta um policial que é morto por uma quadrilha de traficantes. A
policia utiliza seu corpo para transformá-lo num andróide com
superpoderes. O que o distingue basicamente de um robô é sua capacidade
cognitiva, sua memória, que não é apagada. Para Couto (2000, p. 115):
Talvez nenhum filme tenha tratado do tema do homem-máquina de
modo tão explícito, como RoboCop. O superpolicial do futuro é uma
mesclagem que procura unir o melhor que existe entre os dois
mundos, o natural e o artificial, em um único ser, projetado como
meio homem, meio máquina.
A vestimenta do “suposto” robô é uma pesada armadura de látex
tratado, criada por Rob Bottin. Vieira (2003, p. 333) diz que:
O primeiro RoboCop apresenta um futuro sombrio em que a
necessidade dos indivíduos é mediatizada pela publicidade, bem de
acordo com um planejamento corporativo e pós-capitalista,
reguladopor uma força privada, computadorizada. Cidadãos e
policiais são meros dados econômicos, personagens completamente
manipulados tanto pelo submundo do crime como pelo capitalismo
corporativo. [...]. Numa versão bem mais complicada para um dilema
64
Couto, Edvaldo de Souza. Ciborgue. Texto inédito.
de identidade, o RoboCop do título é um policial que fica em
frangalhos após um acidente e que tem partes de seu corpo, na
verdade quase todo o corpo, reconstituídas como matéria restituível,
recomposta mecanicamente. Tais partes são substituídas por
equipamentos biônicos.
Nesse imblicamento homem-máquina, pode ser citado, também, o
filme O Homem Bicentenário, baseado no conto The Positronic Man, do
escritor Isaac Asimov, que se consagrou como um dos mais brilhantes e
conhecidos autores de ficção cientifica. O Homem Bicentenário foi o
quarto filme preferido pelos alunos. Protagonizado por Robin William,
vestindo uma armadura que pensava 15 quilos para simular a figura de um
robô humanóide, conta a história de um robô (Andrew) diferente, possuidor
de sentimentos. Adquirido em uma firma de construção de robôs e levado
para servir em uma casa, apaixona-se por uma das filhas de seu dono,
‘Menininha’, transferindo, depois, o seu amor para ‘Portia’, filha de
Menininha. Por ser um robô diferente, Andrew era dotado de muitas
habilidades. A mais bela delas, era fabricar utensílios de madeira. A
comercialização dos produtos fabricados tornou-o um robô rico. Ele utilizou
o seu dinheiro, durante longos 200 anos, em pesquisas para fabricação de
órgãos semelhantes aos humanos (próteses) que possibilitassem torná-lo
humano. Desejava ser reconhecido na condição de humano para que
pudesse realizar o seu grande sonho: desposar Portia. O filme mostra, de
maneira romântica, o relacionamento entre um humano e uma máquina.
Vieira (2003, p. 330) aponta que:
Robim William, em o homem bicentenário, também faz o tipo
bonzinho e prestativo, além de engraçado e quase mágico, ou seja,
tudo o que torcemos para que sejam, efetivamente, nossas criações
tecnológicas. Em última instância, ele representa a quintessência do
aparelho utilitário doméstico, espécie de etapa final na evolução das
tecnologias domésticas. Sempre uma imitação, apesar de ter poderes
sobre-humanos, Williams é centrado no ser humano e, efetivamente,
encontra-se sob controle do homem. Duplo dos mais perfeitos, ele
almeja a semelhança total com o corpo humano, materializada no
filme numa seqüência em que a ênfase recai sobre a mão e a cabeça
humanas, comparadas com uma personagem humana diante de um
espelho voltado, naturalmente, para o espectador. Ainda assim,
como um duplo, ele carregará, sempre, conotações positivas e
negativas, insinuando uma sutil ameaça. Como questão radical, fica
sempre a sugestão de que, pelo menos, algumas funções humanas já
foram substituídas, mas qual será o limite? E, se uma função pode
ser substituída, por que não todas? Trata-se de uma presença
sempre preocupante por causa da duplicidade, do simulacro que
força, diante do espelho, a busca da semelhança. E que traz
inquietação ao sugerir, no fundo, a facilidade com que nós podemos
ser substituídos por alguma outra coisa ou, talvez, sermos, de
verdade, considerados obsoletos, irrelevantes para o funcionamento
do mundo. Entre a imagem mais antiga do autômato e essas
criações, digamos, pós-modernas, encontra-se a diferença entre a
analogia com o humano e a equivalência. O homem bicentenário faz
essa passagem, pois é na equivalência que o autômato efetivamente
absorveu todo o sentido da diferença e, nesse processo, revela o
problema com a fascinação anterior pela imitação.
Um diálogo
65
, realizado no filme, entre Andrew e um juiz retrata
algumas questões apontadas por Vieira e demostra o que impedia a
realização do sonho de humanidade de Andrew:
- Sr. Martin, quer a aprovação de um projeto de lei declarando que é
um ser humano?
- Sim, mas especificamente uma licença para me casar com um
humano.
- Entendo. Devemos encarar o fato de que não importa o quanto se
pareça com um humano, não faz parte do círculo humano. Sua
espécie é outra. Você é artificial.
- Senhor, e quanto às pessoas no círculo humano com o corpo cheio
de próteses, muitas das quais eu inventei? O senhor não usa um rim
meu? Você também não é artificial em parte?
- Em parte, sim.
- Então, em parte eu sou humano.
- Que parte, Andrew?
- Esta aqui, senhor (Andrew aponta o coração).
- Entendo. E aqui? (O juiz aponta o cérebro).
- Sim, ainda sou equipado com um cérebro positrônico.
- E por causa desse cérebro positrônico você é para todos os efeitos
imortal.
- Sim, senhor.
- Andrew, a sociedade tolera robôs imortais, mas não podemos
tolerar um humano imortal. Cria muita inveja e muita raiva. Sinto
muito, mas esta côrte não pode validar sua humanidade. Assim,
encerro este caso. Esta côrte decidiu que Andrew Martin, daqui por
diante, continuará a ser considerado um robô... Uma máquina, nada
mais.
- É um prazer servi-lhe
65
Diálogo extraído do filme O Homem Bicentenário.
Esse diálogo suscita alguns questionamentos: o fato de o homem
utilizar uma prótese o torna artificial? E as questões éticas subjacentes a
essa prática? Os cientistas norte americanos S. Jay Oshlansky, Bruce A
Carnes e Robert N. Butler, através de estudos realizados, chegaram à
conclusão que o corpo humano tem prazo de validade. Os cientistas
afirmam que: “As máquinas vivas que chamamos de corpo deterioram,
porque não foram projetadas para funcionar durante muito tempo e porque
nós a obrigamos a continuar em atividade muito depois de expirada a sua
data de validade”
66
Seria natural aumentarmos o tempo de vida dessa
máquina “deteriorada” através da utilização de próteses? Mesmo não sendo
objeto de estudo (pelo menos não foi citado na reportagem lida) dos referidos
cientistas a utilização de próteses para aumento da validade do corpo
humano, considerando-se o estado atual de fabricação dessas, verifica-se a
existência de próteses para substituição ou potencialização de muitas partes
do corpo. Para Couto (2000, p. 220):
O culto ao corpo e a busca de um estilo de vida saudável são
prenúncio de uma obsessão denominada por Sfez de “a saúde
perfeita”. Por isso, a cada dia somos surpreendidos por novos
recursos, terapias, regimes, cirurgias plásticas, implantes e
transplantes de órgãos que prometem revolucionar o funcionamento
corporal. Somos todos envolvidos por anúncios que garantem a
excepcionalidade da perfeição. Torna-se cada vez mais possível
superar tudo aquilo que na estrutura física causa amolação,
desagrados, constrangimentos. Nenhum segredo pode se preservar-
se. Todo o corpo humano é inserido num imperativo absoluto. É
preciso que se saiba tudo sobre nós mesmos, desvendar a matéria da
qual somos feitos.
Para realizar essas aspirações a tecnociência revira o corpo
pelo avesso e o interior é exposto. É preciso cutucar, deslocar,
rejuvenescer, potencializar, substituir membros e órgãos que não
estão mais de acordo com os desejos dos sujeitos. É urgente
desvendar os mistérios alojados em cada gene, construir uma matriz
perfeita de cada ser. Com a mixagem entre a biologia e a informática
a tendência é construir o ser eletrônico: homo technologicus,
imagético, virtual, promovido pela purificação interna de todos os
6
Nascimento, Milton. Corpo humano tem prazo de validade. Jornal Atarde, 24 agos 2003.
males, possíveis doenças e deformidades, instalados no interior das
células.
Pode-se melhorar a vida e a sua duração por meio de uma terapia
genética, garantia da saúde perfeita e da plenitude humana.
A substituição de órgãos “defeituosos” ou uso de próteses para
embelezamento já podem ser realizados, uma vez que já existem. A Figura 30
(em anexo B) mostra essa realidade.
Alguns outros filmes, não citados pelos alunos, trazem a figura do
robô como andróide. Blade Runner (1982), inspirado no conto do autor
americano de ficção científica Philip K. Dick (1928-1982) discute uma
sociedade do futuro, em que vivem serem criados pela engenharia genética,
os replicantes (seres aparentemente humanos fisicamente aprimorados) que
compõem uma nova geração, a Nexus 5. Um ex-policial é encarregado de
eliminar esses andróides e termina por apaixonar-se por Rachel (que ele
descobre ser também replicante). Os replicantes possuíam a capacidade de
aprender através dos erros e acertos, ampliando a sua base de
conhecimentos, o que os tornava quase humanos. A história tem como
cenário a cidade de Los Angeles (EUA), no ano de 2019, envolta em cenas
que mostram um pretenso e ‘horripilante(?)’ futuro. Sobre Blade Runner,
afirma Vieira (2003, p. 332):
Entre os primeiros robôs e estas últimas invenções
tecnológicas, transformam-se em narrativas, popularmente, as
conquistas da engenharia genética, com a criação de seres
programados, completamente semelhantes aos modelos humanos e
com a determinação clara de tomar o nosso lugar no mundo exterior,
como os replicantes de Blade runner. Estamos já numa fase de
aliança crescente do tecnológico com o corpo, baseado no
desenvolvimento de próteses mais sofisticadas, partes substituíveis,
sistemas mecânicos de apoio, além da inserção definitiva da robótica
no trabalho, esta sempre carregando consigo a inquietação da
ameaça da substituição
Inteligência Artificial, filme de Steven Spielberg e Stanley Kubrick,
baseado no conto ‘Superbrinquedos duram o verão todo’, de Brian Aldiss,
traz como personagem principal um menino-robô. Conta a história de um
robô de aparência humanóide (um andróide) nascido em um laboratório
sofisticado, e levado por um funcionário desse para casa, em tentativa de
“substituir o filho” doente e congelado à espera da cura para sua doença. A
criança-robô é programada por Mônica, sua suposta mãe, dotando-lhe
capacidade de amar. Obcecado pela idéia de agradar a Mãe, passa a criança-
robô a buscar a Fada Azul (o mito na crença de transformação do sonho em
realidade da história de Pinóquio) a fim de torná-lo verdadeiramente
humano. Através de uma atmosfera poética, o filme leva à reflexão de “por
que a máquina pode amar o homem e o homem não pode amar a máquina”.
Aldiss (2001, p. 7) conta que:
“Superbrinquedos duram o verão todo” é a história de um garotinho
que não consegue agradar à mãe por mais que se esforce. Confuso
com a reação dela, o menino não percebe que ele é um andróide,
uma construção habilidosa de inteligência artificial, assim como seu
único aliado, o ursinho de pelúcia Teddy.
Foi essa a história que comoveu Stanley Kubrich e que ele quis tanto
transformar em filme.
[...] Kubrick estava convencido de que um dia a inteligência artificial
tomaria conta do mundo e de que a humanidade seria superada. Os
seres humanos não eram confiáveis nem inteligentes o suficiente.
Ainda não fomos superados (Graças a Deus!). Outros filmes
apresentam robôs, no entanto, sem a aparência humanóide, como em
Runaway, ou no início do filme Titanic, quando toda a exploração do navio
afundado é realizado através de um robô.
Os personagens robôs dos filmes são, em sua maioria, humanos
caracterizados. Diferente dos filmes anteriores, o robô de Short Circuit (o
terceiro filme citado pelos alunos) foi projetado mecanicamente. Em 1986
Eric Allard, um design especialista em efeitos especiais, criou o Número
Cinco, um robô simpático, personagem principal do filme. Short Circuit
conta a história de robôs criados para façanhas militares. Durante uma
experiência, um dos robôs, o Número Cinco, transforma-se em “humano(?)”,
após receber uma descarga elétrica. Ele não só cria consciência, como
sentimentos, capacidade de aprendizagem e um fascinante senso de humor.
Os militares o perseguem para devolver-lhe o gênio assassino. Mas Número
Cinco é adotado por uma personagem hilariante, criadora de animais, que
mantém em sua casa um verdadeiro zoológico. Allard utilizou alumínio e
plástico para construção do robô que pesava 68 quilos e consumiu um
período de três meses e meio para sua execução. Para Allard, “era
importante que ele tivesse as ferramentas que um ator tem para ser
expressivo e uma das principais coisas que um ator tem são as
sobrancelhas, para que ele possa parecer triste, possa parecer zangado”
67
.
Short Circuit foi um sucesso de bilheteria. Isso provocou a sua seqüência.
Em 1988 surge Number Five, ou melhor, Johnny Five (ele próprio batiza-se
no final do primeiro filme). Desta vez, Allard criou um sistema de controle
para o robô por telemetria. Segundo o dicionário de tecnologia
68
:
A telemétrica é a tecnologia que envolve a medição e transmissão
automáticas dos dados de uma fonte remota. O processo de medir os
dados na fonte e transmiti-los automaticamente é chamado de
telemetria. Os dois termos, telemetria e telemétrica, são usados
indistintamente. Originalmente, os dados eram transmitidos por
intermédio da fiação, mas agora a telemétrica geralmente se refere à
comunicação sem fio. Os aplicativos da telemétrica incluem o
monitoramento de vôos espaciais, transmissão de dados
meterológicos, videoconferência, controle de vida selvagem, robótica
de controle de câmera e oceanografia. [...] Em geral, a telemétrica
funciona da seguinte maneira: sensores na fonte medem os dados
elétricos (como voltagem e corrente) ou os dados físicos (como
67
Depoimento extraído do programa A Magia do Cinema exibido pelo canal de Tv à Cabo Discovery Channel em 19
de set 2003.
68
TELEMETRICS. In.: DICIONÁRIO de tecnologia editado por Lowell Thing. São Paulo: Futura, 2003.
temperatura e pressão). Esses dados são convertidos para voltagens
elétricas especificas e um multiplexador combina as voltagens, com
os dados de sincronização, em um único fluxo de dados para
transmissão para o receptor distante. Na recepção, o fluxo de dados
é separado nos seus componentes originais e os dados são exibidos e
processados de acordo com as especificações do usuário.
Allard justifica a utilização da telemetria dizendo: “Artisticamente
nos ofereceria um controle muito melhor e a habilidade de fazer movimentos
muito mais delicados”
69
.
Muitas outras histórias de ficção serão escritas e inspirarão novos
filmes, impulsionarão a ciência. E não será “coisa” nova, pois Asimov, o
escritor de ficção que mais histórias escreveu sobre robôs, conta como as
suas histórias influenciaram o desenvolvimento tecnológico:
Minhas histórias sobre robôs tiveram uma grande influencia sobre
a ficção científica. Eu abordava a questão dos robôs de forma
racional: eles eram fabricados por engenheiros, apresentavam
problemas de engenharia que precisavam de soluções, e soluções
eram encontradas. Eram mais retratos convincentes de uma
tecnologia futura que lições de moral. Os robôs eram máquinas, e
não metáforas.
Em conseqüência, as velhas histórias de robôs saíram de moda.
Os outros autores também passaram a considerar os robôs mais
como máquinas do que como metáforas. Os robôs agora eram
encarados como criaturas dóceis e benévolas, a não ser quando
ocorria algum defeito, e esses defeitos podiam ser eliminados e
corrigidos. Os outros autores não mencionavam as Três Leis (elas
eram consideradas como exclusividade minha), mas elas estavam
implícitas.
Além disso, o que é ainda mais curioso, minhas histórias sobre
robôs tiveram um efeito importante fora da ficção científica.
É fato sabido que os primeiros pesquisadores de foguetes foram
influenciados pelas histórias de ficção cientifica de H. G. Wells. Da
mesma forma, os primeiros pesquisadores de robôs foram
influenciados pelas minhas histórias sobre robôs, nove das quais
foram reunidas em 1950 em um livro chamado I, Robot/Eu, Robô.
Foi meu segundo livro publicado e permanece no prelo até hoje.
Joseph F. Engelberger, que na década de 1950 estudava na
Columbia University, leu o livro e ficou tão empolgado que decidiu
dedicar a vida ao estudo dos robôs. Na mesma época, conheceu
George C. Devol Jr em uma festa. Devol era um inventor que também
se interessava por robôs.
Juntos, os dois fundaram a Unimation, uma firma de robótica.
Eles patentearam muitos inventos e, em meados da década de 1970,
já haviam projetado modelos de robôs capazes de executar uma
69
Extraído do programa A Magia do Cinema exibido pela Discovery Channel em 19 de set 2003.
grande variedade de tarefas práticas. A única coisa que estava
faltando eram computadores compactos e baratos; no momento em
que os microcircuitos foram inventados, não faltava mais nada.
Daquele momento em diante, a Unimation se tornou a maior
companhia de robôs do mundo e Engelberger faturou o que jamais
sonhara (ASIMOV, 1994, p. 18-19).
Muitos não acreditam que uma história de ficção possa antever (de
modo genérico, claro) o futuro. Mas o que dizer dessas passagens? Em 1976,
foi publicado um artigo de Asimov intitulado Os Novos Professores. Eis
alguns trechos do artigo...
A porcentagem de velhos no mundo está aumentando e a de jovens
está diminuindo. Esta tendência persistirá enquanto a taxa de
natalidade continuar a cair e a medicina continuar a contribuir para
o aumento da expectativa de vida.
Para manter as pessoas idosas em boa saúde física e mental e evitar
que se tornem um peso morto para os jovens, tenho recomendado
freqüentemente que nosso sistema educacional seja remodelado e a
educação passe a ser considerada uma atividade para a vida inteira.
Como, porém, isso pode ser feito? Onde vamos conseguir os
professores?
Quem foi que disse que todos os professores precisam ser feitos de
carne e osso?
Suponha que, no próximo século, os satélites de comunicações se
tornem mais numerosos e sofisticados que os colocados em órbita
até agora. Suponhamos que, em lugar de ondas de rádio, passemos a
usar ondas luminosas, o que aumentaria enormemente nossa
capacidade de comunicações.
Nessas circunstâncias, haveria espaço para milhões de canais
independentes de voz e imagem; não é difícil imaginar que todos os
habitantes da Terra pudessem ter direito a um canal exclusivo de
televisão.
Cada pessoa (criança ou idoso) teria uma linha particular à qual
seria ligada, durante certos períodos de tempo, uma máquina
pessoal de ensinar. Seria uma máquina de ensinar muito mais
versátil e interativa do que as conhecemos hoje em dia, pois a
tecnologia dos computadores já estaria muito mais avançada.[...]
Para ser uma máquina pessoal, porém, essa máquina de ensinar não
poderia ser muito grande. Talvez lembrasse um receptor de televisão
em tamanho e aparência. Um objeto de dimensões tão reduzidas
poderia conter informações suficientes para ensinar aos estudantes
tudo que quisessem saber a respeito de qualquer assunto para o
qual a curiosidade os atraísse? Não, se a máquina de ensinar
estivesse isolada do resto do mundo. Quem foi que disse, porém, que
ela estaria isolada?
Em qualquer civilização em que a ciência da computação tivesse
avançado a ponto de tornar possíveis as máquinas de ensinar,
certamente haveria bibliotecas centrais totalmente
computadorizadas. As próprias bibliotecas poderiam estar ligadas a
uma única biblioteca planetária.
Todas as maquinas de ensinar teriam acesso a esta biblioteca
planetária e portanto poderiam consultar os livros, jornais, gravações
e fitas de vídeo que pertencessem ao acervo da biblioteca. O
estudante poderia observar o documento em uma tela ou imprimi-lo
em uma impressora para examiná-lo mais tarde.[...] (ASIMOV, 1994,
p. 396-397)
E o que dizer do artigo O Futuro Fantástico escrito em 1989?
No passado, três revoluções fundamentais nas comunicações
humanas alteraram nosso mundo de forma drástica e permanente. A
primeira foi a linguagem falada, a segunda a linguagem escrita e a
terceira a linguagem impressa.
Hoje nos vemos diante de uma quarta revolução tão importante
quanto as três primeiras: o computador. Esta quarta revolução
permitirá que os seres humanos sejam mais criativos do que seus
antepassados.[...]
Para as crianças da próxima geração (e para sociedade que criarem),
o maior impacto dos computadores será na área da educação. No
momento, nossa sociedade está se esforçando para educar o maior
número possível de crianças. Como o número de professores é
relativamente pequeno, o ensino precisa ser massificado. Todos os
alunos de um bairro, de um estado, de um país aprendem a mesma
coisa ao mesmo tempo, mais ou menos da mesma forma. Entretanto,
como cada criança tem diferentes interesses e aptidões, a experiência
da educação em grupo freqüentemente é desagradável. O resultado é
que a maioria dos adultos não quer saber de estudar depois que sai
da escola; já está farto do sistema.
O aprendizado pode ser um processo agradável, e mesmo
empolgante, se a criança estuda alguma coisa em que esteja
genuinamente interessada, no seu próprio ritmo e da forma que mais
lhe agrada. [...]
[...]As tecnocrianças de amanhã poderão saciar a sua curiosidade à
vontade. Aprenderão muito cedo a operar os computadores de modo
a obter a listas de materiais de leitura. Quando seu interesse for
despertado (e guiado, ao que se espera, pelos professores na escola)
aprenderão mais em menos tempo e descobrirão sozinhas novos
caminhos para trilhar.
A educação passará a ter um forte componente de automotivação.
A possibilidade de seguir um caminho pessoal encorajará a
tecnocriança a associar o aprendizado ao prazer e a se transformar
em um tecnoadulto ativo: bem informado, curioso, disposto a
expandir os horizontes mentais enquanto o cérebro permanecer
fisicamente imune as mazelas da velhice.[...]. (ASIMOV, 1994, p. 411-
416)
Kazantev
70
, afirma:
Costumo dizer que não pode existir ciência sem fantasia. Por isso a
ficção científica de boa qualidade tem contribuído para estimular a
nossa imaginação e a da ciência. O pensamento dos seres humanos
é o único que pode conquistar o tempo e o espaço e criar o que
jamais existiu, expandindo as fronteiras do conhecimento.
70
Entrevista concedida pelo engenheiro e escritor Alexander Kazantsev a Pablo Villarubia Mauso e publicada na
Revista Superinteressante edição 186, março 2003.
Além dos filmes de ficção científica, os desenhos animados e séries
televisivas também apresentam histórias com e sobre robôs. Os Jetsons, um
desenho animado lançado no início dos anos sessenta, tendo como cenário o
século XX, mostra uma empregada doméstica mecânica, Rosie, que, além de
realizar os trabalhos rotineiros de casa, cuidava dos filhos do casal. Jonas,
o robô, Futurama, o Laboratório de Dexter, Jimmy Neutron, Esquadrão do
Tempo, Beast Machines, Medabots, Transformers, Power Rangers, Projeto
Zeta são alguns exemplos de desenhos animados exibidos em televisão que
trazem robôs como personagens principais ou secundários. Pelo sucesso de
audiência, esses personagens logo são transformados em jogos,
cartas, bonecos, álbuns, adesivos, enfim, toda uma linha de produtos que
incentivam o consumo por parte das crianças.
Essa análise dos filmes e desenhos busca mostrar como se
construiu (ou se constrói) a imagem desses seres no imaginário humano.
Normalmente, quando se fala da Robótica Pedagógica, pensa-se de
imediato que o objetivo é a construção de robôs como os mostrados em
desenhos e filmes. Somente quando começam a construir modelos
diferentes, os alunos compreendem que os robôs nem sempre possuem a
forma humanóide, como normalmente são mostrados em filmes, ou a forma
do homem de lata (do Mágico de Oz), como mostrado em desenhos
animados. Os robôs construídos por eles, na verdade, buscam auxiliar o
processo de aprendizagem através do desenvolvimento de habilidades, como
será visto em capítulo especifico.
5. É possível uma aprendizagem através da Robótica Pedagógica?
O Planeta Terra é habitado por todos os tipos de pessoas com todos
os tipos de mentes. O cérebro de cada ser humano é único. Algumas
mentes são estruturadas para criar sinfonias e sonetos, enquanto
outras estão preparadas para construir pontes, rodovias e
computadores, projetar aviões e sistemas rodoviários, dirigir
caminhões e taxis, ou procurar a cura para o câncer de mama ou a
hipertensão. O crescimento de nossa sociedade e o progresso do
mundo dependem do nosso compromisso de educar nossas crianças
e de respeitar a coexistência desses vários tipos diferentes de mentes.
Mel Levine
Muitos foram os educadores que marcaram o século XX com
estudos sobre as diversas dimensões do aprender. Maria Montessori e o
respeito ao crescimento natural da criança; John Dewey e a educação vista
como um processo de melhoria da eficiência individual do aluno e não como
produto; William Heard Kilpatrick e o método de trabalho com projetos; Ovide
Decroly e os centros de interesse; Édouard Claparède e a educação funcional;
A. S. Neill e a educação para a liberdade; Jean Piaget e a construção do
conhecimento; Paulo Freire e a educação como prática de liberdade; Vigotsky
e a interação social. E muitos... muitos outros... E com eles muitas teorias...
Moreira (1999, p. 12) explica que:
De um modo geral, uma teoria é uma tentativa humana de
sistematizar uma área de conhecimento, uma maneira particular de
ver as coisas, de explicar e prever observações, de resolver
problemas.
Uma teoria de aprendizagem, é, então, uma construção
humana para interpretar sistematicamente a área de conhecimento
que chamamos aprendizagem. Representa o ponto de vista de um
autor/pesquisador sobre como interpretar o tema aprendizagem, [...].
Tenta explicar o que é a aprendizagem e porque funciona como
funciona.
Apesar das muitas teorias, considero importante citar algumas
delas porque entendo que toda prática pedagógica traz embutida uma
concepção do ensinar e aprender que fundamenta a ação docente e o
processo educativo. E a Robótica Pedagógica não foge a essa realidade; é
necessário, portanto, situá-la nesse contexto. Mizukami (1986, p. 1-4) afirma
que:
Há varias formas de se conceber o fenômeno educativo. Por sua
própria natureza, não é uma realidade acabada que se dá a conhecer
de forma única e precisa em seus múltiplos aspectos. É um
fenômeno humano, histórico e multidimensional. Nele estão
presentes tanto a dimensão humana quanto a técnica, a cognitiva, a
emocional, a sócio-política e cultural. Não se trata de mera
justaposição das referidas dimensões, mas, sim, da aceitação de
suas múltiplas implicações e relações. [...].
De acordo com determinada teoria/proposta ou abordagem do
processo ensino-aprendizagem, privilegia-se um ou outro aspecto do
fenômeno educacional. [...].
O conhecimento humano, pois, dependendo dos diferentes
referenciais, é explicado diversamente em sua gênese e
desenvolvimento, o que, consequentemente, condiciona conceitos
diversos de homem, mundo, cultura, sociedade, educação, etc.
Dentro de um mesmo referencial, é possível haver abordagens
diversas, tendo em comum apenas os diferentes primados: ora do
objeto, ora do sujeito, ora da interação de ambos. [...].
Diferentes posicionamentos pessoais deveriam derivar
diferentes arranjos de situações ensino-aprendizagem e diferentes
ações educativas em sala de aula, partindo-se do pressuposto de que
a ação educativa exercida por professores em situações planejadas
de ensino-aprendizagem é sempre intencional. Subjacente a esta
ação, estaria presente implícita ou explicitamente, de forma
articulada ou não um referencial teórico que compreendesse
conceitos de homem, mundo, sociedade, cultura, conhecimento, etc
A autora referencia cinco abordagens que direcionam a ação
docente: tradicional, comportamentalista humanista, cognitivista e sócio-
cultural. Cada uma delas aponta diferentes dimensões de homem,
conhecimento, sociedade e da própria educação. As teorias referentes a
essas abordagens são apresentadas por Moreira (1999, p. 18), através de
um esquema conceitual, ligando-as à alguns de seus representantes:
Figura 31 - Enfoques teóricos à aprendizagem e ensino. Fonte: Moreira, 1999, p. 18.
A Robótica Pedagógica insere-se no contexto cognitivista,
tomando-se como referência o significado que lhe atribui Mizukami (1986, p.
59):
Uma abordagem cognitivista implica, dentre outros aspectos,
se estudar cientificamente a aprendizagem como sendo mais que um
produto do ambiente, das pessoas ou de fatores que são externos ao
aluno.
Existe ênfase em processos cognitivos e na investigação
científica separada dos problemas sociais contemporâneos. As
emoções são consideradas em suas articulações com o
conhecimento.
Consideram-se aqui formas pelas quais as pessoas lidam com
os estímulos ambientais, organizam dados, sentem e resolvem
problemas, adquirem conceitos e empregam símbolos verbais.
Embora se note preocupação com relações sociais, a ênfase dada é
na capacidade do aluno de integrar informações e processá-las.
A abordagem cognitivista prevê a construção do conhecimento
através da interação entre o sujeito e o objeto. Moreira aponta no esquema
apresentado alguns teóricos cognitivistas: Piaget, Vygotsky, Ausubel...
Acrescentaria à sua relação, Seymour Papert e a sua teoria construcionista..
Para Papert, o Construcionismo “é aprender a fazer algo [...]. E o que você
aprende no processo de construção tem raízes mais profundas no subsolo da
mente do que qualquer coisa que alguém possa lhe contar”
71
. A sua teoria
difere do Instrucionismo, porque os conhecimentos não são ditados pelo
outro, e sim pelo prazer no aprender a aprender. Papert (1994, p. 127-128)
aponta que:
As metáforas de transmitir e construir são os temas pervasivos
de um movimento educacional maior e mais variado dentro do qual
situo o Construcionismo e ressalto isso pelo jogo de palavras em seu
nome. Para muitos educadores e para todos os psicólogos cognitivos,
minha palavra evocará o termo construtivismo, cujo uso educacional
contemporâneo em geral remete à doutrina de Piaget de que o
conhecimento simplesmente não pode ser “transmitido” ou
“transferido pronto” para uma outra pessoa. Mesmo quando você
parece estar transmitindo com sucesso informações contando-as, se
você pudesse ver os processos cerebrais em funcionamento,
observaria que seu interlocutor está “reconstruindo” uma versão
pessoal das informações que você pensa estar “transferindo”. O
Construcionismo também possui a conotação de “conjunto de
construção”, iniciando com conjuntos no sentido literal, como o Lego,
e ampliando-se para incluir linguagens de programação consideradas
como “conjuntos” a partir dos quais programas podem ser feitos, até
cozinhas como “conjuntos” com os quais não apenas tortas, mas
receitas e formas de Matemática-em-uso são construídas. Um dos
meus princípios matéticos centrais é que a construção que ocorre
“na cabeça” com freqüência ocorre de modo especialmente venturoso
quando é apoiada pela construção de um tipo mais público “no
mundo” um castelo de areia ou uma torta, uma casa Lego ou uma
empresa, um programa de computador, um poema ou uma teoria do
universo. Parte do que tenciono dizer com “no mundo” é que o
71
Fala extraída do Vídeo Institucional da Lego Dacta e Projeto Bahia produzido por Flávia Filmes (s.d.).
produto pode ser mostrado, discutido, examinado, sondado e
admirado. Ele está lá fora.
Assim, o Construcionismo, minha reconstrução pessoal do
Construtivismo, apresenta como principal característica o fato de que
examina mais de perto do que outros ismos educacionais a idéia de
construção mental. Ele atribui especial importância ao papel das
construções no mundo como um apoio para o que ocorreu na
cabeça, tornando-se, desse modo, menos uma doutrina puramente
mentalista. Também leva mais a sério a idéia de construir na cabeça
reconhecendo mais de um tipo de construção (algumas delas tão
afastadas de construções simples como cultivar um jardim) e
formulando perguntas a respeito dos métodos e materiais usados.
Piaget, inspirador de Papert nos seus estudos, acredita que “o
conhecimento parte da ação que se exerce sobre os objetos. Mas exercer uma
ação sobre os objetos não é o mesmo que tirar o conhecimento dos próprios
objetos”
72
. Mesmo porque esse objeto pode ser externo ou interno. Piaget,
citado por Mizukami (1986, p. 64) afirma:
Conhecer um objeto é agir sobre e transformá-lo, apreendendo
os mecanismos dessa transformação vinculados com as ações
transformadoras. Conhecer é, pois, assimilar o real às estruturas de
transformações, e são as estruturas elaboradas pela inteligência
enquanto prolongamento direto da ação.
A autora aponta que Piaget admite duas fases relacionadas à
construção do conhecimento: a fase exógena, que é a “fase da constatação,
da cópia, da repetição” e a fase endógena, que corresponde à fase “da
compreensão das relações, das combinações” (MIZUKAMI, 1986, p. 64-65).
Um dos conceitos mais significativos na teoria piagetiana é o de
estágios de desenvolvimento da inteligência. Para Piaget, a inteligência pode
ser compreendida sob dois aspectos: função e estrutura.
Enquanto função, para Piaget, a inteligência é uma adaptação. Os
processos da inteligência têm a finalidade do sujeito sobreviver,
adaptar-se ao meio, modificar o meio para adaptar-se melhor a ele.
Isso é a função da inteligência. E do ponto de vista estrutural, da
descrição da inteligência, na verdade, a inteligência é uma
organização de processos que permitem, se a organização for
72
Fragmento da fala de Piaget extraído do Vídeo Cem anos de Piaget exibido pela TV Escola em 16 de maio de 1977.
complexa, um nível de conhecimento mais complexo, superior, e se
for um nível de organização menos complexo, um nível de
conhecimento inferior. A inteligência é uma organização. O
crescimento da inteligência não se dá tanto por acúmulo de
informações, mas sobretudo, por uma reorganização dessa própria
inteligência, ou seja, crescer é reorganizar a própria inteligência para
ter mais possibilidade de assimilação
73
.
O desenvolvimento da inteligência, para Piaget, ocorre em estágios,
sempre na mesma seqüência, embora possam diferir em idades. Piaget
trabalha com a noção de quatro estágios de desenvolvimento intelectual,
com linhas limítrofes entre as idades. Papert aponta três:
Bebês, desde que nascem, exploram o mundo ativamente. São
dirigidos por interesse próprio, estão no comando e aprendem muito.
O terceiro estágio é o que eu e toda pessoa criativa fazemos, seja do
homem de negócio, artista ou cientista; estamos o tempo todo
aprendendo com nossa paixão e interesse pelas coisas. Seguimos
aprendendo o que precisamos saber das coisas que realmente nos
interessam. Mas entre um estágio e outro, está o estágio dois, o
estágio da aprendizagem escolar. Os jovens exploram o mundo
aprendendo a questionar como as girafas vivem, o que há no espaço,
como um elefante come, o que não conseguirão responder por
exploração direta, tornando-se, assim, dependente dos adultos. Na
escola se tornarão dependentes de quem dita as regras, diz o que
elas devem saber e nem sempre o que elas querem saber
74
.
Um outro pensador inspirou Papert nos seus estudos. A noção de
concretude (que apoia a idéia de construir conhecimento concreto) foi
pensada através da palavra francesa intraduzível, segundo Papert, bricolage,
utilizada por Claude Lévi-Strauss (antropólogo nascido em 1908) para:
referir-se a como as sociedades “primitivas” conduzem uma “ciência
do concreto”. Ele vê isso como diferente da ‘ciência analítica’ [...].
Esta, assim como a ideologia, embora não necessariamente a prática,
da ciência moderna, baseia-se no ideal da generalidade o único
método universalmente correto que funcionará para todos os
momentos e para todas as pessoas. Bricolage é uma metáfora para os
estilos do antigo João-faz-tudo, que bate de porta em porta
oferecendo-se para consertar o que quer que esteja estragado. Face a
uma tarefa, o “arrumador” remexe em sua sacola de ferramentas
sortidas para encontrar uma que se adaptará ao problema à mão e,
73
Fragmento da fala do Prof. Dr. Yves de La Taille extraído do vídeo sobre a obra de Jean Piaget da coleção Grandes
Educadores produzido pela Atta Mídia e Educação.
74
Fala extraída do Vídeo Institucional da Lego Dacta e Projeto Bahia produzido por Flávia Filmes (s.d.).
se a ferramenta não funciona para a tarefa, ele simplesmente tenta
uma outra sem jamais se perturbar nem mesmo de leve pela falta de
especificidade do instrumento.
Os princípios básicos da bricolage como metodologia para a
atividade intelectual são: use o que você tem, improvise, vire-se. E
para o verdadeiro bricoleur as ferramentas na sacola terão sido
selecionadas durante um longo tempo através de um processo
determinado por mais do que a utilidade pragmática. Estas
ferramentas mentais serão gastas e confortáveis como as
ferramentas físicas do “arrumador” viajante, elas transmitirão uma
sensação de familiaridade, de estar à vontade consigo mesmo[...].
Uso aqui o conceito de bricolage para servir como uma fonte de idéias
e modelos para melhorar a habilidade de fazer e de consertar e
de melhorar construções mentais. Afirmo que é possível trabalhar
sistematicamente em direção a se tornar um melhor bricoleur [...].
Percebe-se mais diretamente o espirito do verdadeiro bricoleur na
história da engenhosidade (e deleite) [...] em usar peças Lego para
propósitos que jamais foram imaginados por seus fabricantes: uma
roda como sapato, um motor como vibrador. Vê-se também neste uso
do Lego-Logo um micromundo fortemente condutor às habilidades de
bricolage.(PAPERT, 1994, p. 128-129)
O Lego é apontado por Papert como um bom exemplo do aprender
construindo algo. O cientista introduziu a Robótica Pedagógica, no trabalho
com crianças, utilizando o Lego aliado à linguagem Logo para construção de
modelos motorizados/eletrônicos. Turkle (1997, p. 243-245) conta a
experiência realizada por Papert:
A história intelectual da robótica moderna tem acompanhado a
par e passo a da inteligência artificial. A IA tradicional concebia a
inteligência como uma operação formal, e a robótica tradicional
concebia robots que exigiam planos de acção formais,
predeterminados. [...] uma nova escola de investigação em robótica,
associada aos trabalhos de Rodney Brooks, do MIT, adoptou a
estética informal da IA emergente. Estes dispositivos robóticos são
por vezes referidos como “vida artificial real”.
No MIT, foi criada uma versão da “vida artificial real” destinada
às crianças. No Media Laboratory, um grupo chefiado por Seymour
Papert, usando peças Lego standard, bem como sensores, motores e
computadores, montou um kit para construção de robots. Depois de
terem construído estes robots, as crianças programam-nos na
linguagem de computador Logo e brincam com eles, fazendo-os
deslocarem-se pela sala.
Mitchel Resnick, um dos colaboradores de Papert no projeto
Lego-Logo, apresentou-o na Primeira Conferência sobre Vida
Artificial, realizada em 1987. Resnick referiu que, à partida, as
crianças pensam acerca dos seus robots em termos psicológicos, e,
em particular, atribuem-lhes uma personalidade e intenções
próprias. Acrescentou ainda que as crianças acabam por pensar
acerca das criaturas sob muitos prismas diferentes, alternando
descrições mecânicas, psicológicas e informacionais.
Resnick, aliás, admitiu que ele próprio se sentia por vezes
tentado a alternar entre diferentes perspectivas das suas criações
Lego-Logo. Num dado momento, ele era um engenheiro digitando
comandos que permitiriam a um robot Lego-Logo percorrer uma
linha traçada no chão, e no momento seguinte dava por si a estudar
a criatura como se esta fosse um animal sujeito a testes num
laboratório de psicologia experimental
[...]O projeto Lego-Logo estava intimamente relacionado com a
estética emergente da vida artificial. Christopher Langton
caracterizaria essa estética como indutivista, paralela e revelando
uma determinação local de comportamento. No entanto, era
geralmente impraticável pôr a funcionar muitas criaturas Lego-Logo
em paralelo. Para explorar comportamentos paralelos, Resnick criou
uma nova versão da linguagem Logo, chamada StarLogo, que
permitia às crianças controlarem as acções paralelas de muitas
centenas de “criaturas” no ecrã do computador. As crianças podiam
usar a linguagem StarLogo para reproduzir o comportamento de aves
num bando, de formigas numa colónia, de carros num
engarrafamento de trânsito.
O uso da linguagem StarLogo familiarizou as crianças com a
estética dos sistemas emergentes. Isto ressaltava muito
especialmente quando elas, ao referirem-se à programação em
StarLogo, sublinhavam um dos traços distintivos dessa estética a
asserção de que o comportamento complexo pode emergir dum
número restrito de regras simples. Uma criança disse: “Com esta
versão da linguagem Logo, a máquina ultrapassa as ordens que lhe
foram dadas”. Outra exprimiu-se assim: “É estranho... Quer dizer,
não há assim grande coisa para programar... bastam alguns
comandos simples e acontecem logo uma data de coisas”.
O Logo é uma linguagem de programação desenvolvida por
Seymour Papert no MIT (Boston/EUA), a fim de possibilitar a comunicação
com o computador. Papert (1994, p. 34-35) explica como a linguagem
“funciona”:
[...]Você pode pensar nisso como um instrumento de desenho cujo
uso mais simples se tornará claro a partir da seguinte cena. Imagine
que você está olhando para uma tela de computador. Nela, você vê
uma pequena tartaruga, que se move quando você digita comandos
numa linguagem, chamada “conversa de tartaruga”, deixando uma
linha à medida que anda. O comando PARAFRENTE 50 faz com que
a tartaruga se mova para frente em linha reta a uma determinada
distância. PARAFRENTE 100 fará com que ela se mova na mesma
direção duas vezes mais longe. Logo você capta a idéia de que os
números representam a distância que ela se move eles podem ser
pensados como passos de tartaruga. Agora, se você deseja fazê-la
andar numa direção diferente, você dá um comando como
PARADIREITA 90. Ela permanece no mesmo lugar, mas gira sobre si
mesma, voltando-se para o leste se anteriormente estivesse voltada
para o norte. Com este conhecimento você poderia fazê-la desenhar
um quadrado com facilidade. Se isto é fácil para você, então, pode
pensar em como desenhar um círculo; se isto também é fácil, você
pode tentar um espiral. Em algum lugar, você encontrará seu nível
de dificuldade e, quando o encontrar, eu lhe darei este conselho:
coloque-se no lugar da tartaruga. Imagine se movimentando em um
quadrado ou em um círculo ou em um espiral ou seja o que for. Você
poderá resistir por um momento porque está tentando arduamente
[...]Mas, quando se permitir relaxar, verá que há uma fonte mais rica
de conhecimento matemático no seu corpo do que nos livros-texto de
sala de aula.
Papert, como bem visto nas citações acima, utiliza o brinquedo
Lego e uma linguagem de programação para possibilitar que as crianças
construam modelos e dêem “vida” aos seus modelos. Agindo dessa forma,
elas poderão aprender através do concreto, do fazer, do construir, da
associação entre os modelos mentais (abstratos) e os modelos reais
(concretos). Os alunos do Colégio Nobel também utilizam, para construção
dos modelos, peças e blocos de montar, pertencentes ao brinquedo Lego. O
Lego é um brinquedo criado em 1949. Atzingen (2001, p.153) explica que são
“tijolinhos de plástico que juntos podiam se transformar em casas, carros e
em tudo o mais que a imaginação permitisse. Para se ter idéia, com seis
tijolinhos pode-se obter 102.981.500 combinações diferentes”. Além da
grande quantidade, existe uma variedade muito grande de peças: polias,
engrenagens, eixos, correias, rodas, conectores, pneus, aros, tubos, blocos,
vigas; enfim, uma infinidade de peças de todos os tamanhos. A amplitude de
possibilidades de construção é tão grande, que a Scania, indústria de
fabricação sueca de caminhões pesados “foi buscar inspiração no Lego, o
brinquedo de montar, para criar um sistema modular de fabricação de
veículos. Juntando as diferentes peças, a Scania pode fazer 6 milhões de
combinações”
75
.
Da construção faz parte uma espécie de tijolo, denominado
RCX, que, na realidade, é um microcomputador autônomo, programável,
75
6 milhões de combinações. Revista IstoÉ, edição 1804, n
o
21, 28 mai 2003.
que recebe a programação realizada pelos alunos no software Robolab
(instalado num PC), através de um Transmissor Infravermelho (denominado
Torre), ligado ao PC por um cabo serial. Acondicionado aos modelos criados,
após programado, o RCX dá “vida” aos modelos, tornando-os autônomos,
agindo sem o suporte do PC. O RCX funciona como uma espécie de
“cérebro” do robô. Possui três portas de entrada (input) de dados (coleta de
informações) que possibilitam a sua conexão com uma variedade de
sensores: temperatura, toque, luz, rotação, dentre outros. Pelo emissor de
infra vermelho (transmissor/receptor), pode receber até cinco programações
diferentes, que são selecionadas por um botão e identificadas através de um
visor que mostra a numeração de um a cinco. Ao ser apertado o botão de
inicialização, reproduz a programação escolhida. O visor, denominado de
LCD Janela de Display, mostra as informações referentes ao RCX:
firmware
76
, o progresso de downloading
77
do programa e o programa que
está em funcionamento. Possui três portas de saída de informações (output)
para o meio, que, a depender do projeto construído, possibilitam acionar
lâmpadas, motores e som.
76
”é programação é inserida na memória programável de leitura apenas (ROM programável), tornando-se assim,
uma parte permanente de um dispositivo de computador. Firmware é criado e testado como software (utilizando
simulação de microcódigo). Quando pronta, pode ser distribuída como outros softwares e, utilizando uma interface
do usuário especial, pode ser instalada na memória programável de leitura apenas pelo usuário. Firmware às vezes
é distribuída para impressoras, modems e outros dispositivos de computador” In.: Dicionário de tecnologia editado
por Lowwell Thing, 2003.
77
“é a transmissão de um arquivo do sistema de um computador para outro, geralmente para um sistema de
computador menor”. In.: Dicionário de tecnologia editado por Lowwell Thing, 2003.
Figura 32 Conjunto para programação: PC, Transmissor Infra Vermelho, RCX. RCX com
sensores ligados as portas de entrada de informações.
O softawre utilizado para programação é o Robolab, desenvolvido
conjuntamente pela Tufts University College of Engineering, em
Massachussetts (EUA), pela National Instruments, em Texas (EUA) e pela
LEGO Dacta.
O professor de Robótica Pedagógica do colégio
78
explica a
linguagem utilizada no software:
Professor A linguagem de programação é uma linguagem icônica.
O nome dela é Robolab (Labview), desenvolvida na Inglaterra. É a
mesma linguagem que mandou o Sejouner a Marte; é uma
linguagem científica, uma linguagem usada não só para Robótica
como, por exemplo, para o desenvolvimento de plataformas
eletrônicas. Mas essa linguagem chega para os meninos através de
ícones. É uma linguagem que dá uma grande flexibilidade para que
eles possam programar, não só por ser uma linguagem icônica. As
estruturas que eles montam com ícones e que não são feitas através
de palavras (como é uma linguagem formal de computador) são
criadas, o algoritmo é criado; mesmo o aluno querendo depois partir
para uma outra plataforma, a estrutura que foi montada pode ser
aproveitada em qualquer situação de programação, inclusive em
situações de programação para a Internet.
O professor fala sobre a flexibilidade da linguagem e afirma que,
depois de organizados os ícones para fazer funcionar o modelo construído, os
78
Entrevista realizada em julho de 2002. Para melhor exploração da fala do professor, ela foi editada e será
apresentada em fragmentos. A entrevista original encontra-se gravada em fita cassete.
alunos podem utilizar essa estrutura e transferir a programação para outras
linguagens (como o Logo, por exemplo). O software é apresentado com duas
opções de fases: Pilot e Inventor. Cyr, no Guia para o software Robolab (p.
15), explica que:
A programação Pilot é a fase introdutória. Usa uma interface fácil de
Clicar & Escolher, num modelo que pode ser modificado de acordo
com suas necessidades. Pilot tem 4 níveis, sendo o Nível 1 o mais
simples e o Nível 4, o mais flexível. Os 4 níveis estão em seqüência, o
que facilita o avanço para o próximo nível, quando o usuário se
familiariza com as opções do nível anterior.
A programação Inventor é uma seqüência da fase Piloto. A
programação é feita por meio de Pegar & Colocar os ícones da paleta
para a janela de programa. Arrumando-os em seqüência, você cria
seus próprios programas de maneira ilimitada. A programação do
Inventor tem 4 níveis, sendo o nível I o mais simples e tendo o
Inventor Nível 4 total flexibilidade e possibilidades ilimitadas.
Os alunos da 5
a
rie, por estarem iniciando o trabalho com a
Robótica Pedagógica, realizam, no 1
a
bimestre, apenas programações
lineares. Após um semestre de aula, já estão utilizando o Inventor, como
explica o professor de Robótica Pedagógica:
Professor No primeiro bimestre os alunos têm um primeiro contato
com o sistema de programação que é o Robolab. Dentro dessa
programação eles vão trabalhar em um sistema chamado Piloto que
possui quatro níveis Eles avançam com bastante facilidade e rapidez
para o piloto 1, 2 e 3; coisa de dez minutos em cada aula, no
primeiro bimestre. No Piloto 3 a gente aguarda um pouco para que
eles possam adquirir uma base, de tal forma, que ele possa avançar
para o Piloto 4 (isso é feito no segundo bimestre). Todo o sistema
Piloto é composto de programações lineares, ou seja, são ordens
dadas ao robô de tal forma que cada ordem não é executada
paralelamente a uma segunda ordem. Então o robô anda para
frente, anda para trás, acende uma luz, apaga, pára; mas ele não
pisca uma luz ao mesmo tempo em que ele acende uma lâmpada,
isso seria uma parte já de tarefas múltiplas. Eles vão trabalhar toda
a Robótica 1 com funcionamento de programações lineares. A partir
daí, eles vão começar a fazer algumas montagens simples, como por
exemplo, acender uma lâmpada ou funcionar motores;
O planejamento da disciplina é elaborado de forma a não
“sobrecarregar” os alunos com muitas informações de uma única vez. Um
ano letivo é divido em quatro bimestres, cada um tem a duração aproximada
de oito semanas de aula. A depender do projeto elaborado, o aluno pode
ocupar-se dele por duas, três ou até mais aulas. O primeiro bimestre é
dedicado à apresentação da Robótica Pedagógica, à introdução de uma
nova linguagem. Os alunos experimentam esses novos conhecimentos em
pequenas construções. É um período de experiências, da aprendizagem de
novas teorias; tudo é novo. A interação com o professor, durante todo o
período, é constante. As indagações são muitas. No segundo bimestre, os
alunos ainda “permitem” (ou aceitam{?}) a sugestão do professor no que
concerne à produção e elaboração dos projetos (ainda que muitos dos
conteúdos específicos da Robótica Pedagógica, tais como peças, montagens
e programação sejam introduzidos nesse bimestre). A partir do 3
o
bimestre,
não mais aceitam essa interferência, discutindo em equipe o que querem
montar/produzir. O professor relata como se desenvolve esse planejamento:
Professor O objetivo inicial é que os alunos reconheçam os
sistemas robóticos; para isso, eu preciso, também, identificar e
conhecer algumas características dos alunos e possibilitar aos
mesmos o primeiro contato com programação, com montagem, com
travamentos [significa a forma como as peças podem ser encaixadas]
que são necessários nas peças. Isso, no entanto, é dividido em
bimestres evitando uma sobrecarga de informação ao mesmo tempo.
Basicamente no primeiro bimestre eles conhecem o laboratório,
aprendem como ligar um computador [significa conhecer o
funcionamento da torre e do RCX e como estão conectados ao
computador] e como, de modo geral, o trabalho é desenvolvido porque
como é o momento em que eles estão chegando, não sabem ainda
como essas questões funcionam. Duas aulas são utilizadas para que
eles conheçam as tarefas, dividam os grupos. Explico como são
organizadas as tarefas e o momento de fazer cada uma delas. Um
outro trabalho desenvolvido na primeira unidade é o conhecimento
das peças; cada aluno precisa reconhecer cada uma delas, saber
para que servem, como vão manusear as peças, como organizá-las
para que o próximo grupo encontre o laboratório arrumado. O aluno
precisa conhecer, também, como funciona a aula porque é uma aula
muito livre, é uma aula em que eles conversam o tempo todo, é uma
aula em que eles trocam idéias o tempo todo; para o padrão de aula
que se tem, é uma aula bem diferente.
O professor salienta que a Robótica Pedagógica é “uma aula
diferente”. Essa é uma das justificativas apresentadas pelos alunos para
elencarem a disciplina como a segunda preferida (ver dados apresentados no
capítulo 2). Alguns depoimentos comprovam essa preferencia. AVX1 afirma
que na aula de Robótica Pedagógica, aprende coisas diferentes. AZX2 diz que a
aula é legal e o professor também”. AZX2 afirma que o professor é ótimo, a aula é superanimada e
adoro essa matéria”. Para AJX3, a aula é muito interessante e o professor é legal.DAZ1 diz que
o professor é engraçado e deixa as aulas superdescontraídas. DBZ2 gosta das aulas porque são
criativas e desenvolvem o raciocínio lógico”. AMX3 afirma que é uma aula divertida, dinâmica e o
professor é legal. Já DCZ3 apresenta um outro motivo, relacionado à preparação
profissional. Diz o aluno que adora a Robótica porque nos prepara para a vida
profissional no mundo. DDZ4 gosta porque mexe com o Lego e o computador. DEZ5 diz que o
professor é legal, explica muito bem e eu gosto de lego”. O aluno acrescenta, em outro
momento, que melhora a lógica”. DFZ6 diz que a aula é superlegal, interessante e posso
aprender inúmeras coisas”. DGZ7 afirma que gosta de aprender mais sobre tecnologia e robôs.
Para DHZ8 o professor é muito engraçado, gosto do que ele faz, está sempre disposto e também gosto de
trabalhar em grupo”. DIZ9 diz que a Robótica é uma coisa nova e diferente”. CBR2 afirma
que mistura conhecimentos com diversão. Para CCR3, é algo divertido e interessante porque você se
torna o construtor da máquina”. DLZ2 chama a atenção que, nesta aula, eu aprendo me
divertindo. DJZ1 acrescenta que desenvolve a criatividade”. DMZ3 afirma que é uma
aula que desenvolve lógica e criatividade. Através dos depoimentos, pode-se observar
a relação feita entre diversão, alegria, gostar do professor (que são processos
emocionais) e desenvolvimento da lógica, aprender tecnologia, mexer com
robôs (que são processos mentais). Esses processos emocionais e mentais
estão relacionados às habilidades desenvolvidas através da disciplina
Robótica Pedagógica (serão identificadas nos projetos apresentados no
decorrer deste bloco).
Uma das justificativas para gostar das aulas de Robótica
Pedagógica diz respeito à criatividade. Brunner e Zeltner (1994, p. 64)
apresentam a criatividade:
Com C. se designa a área do pensamento e da atividade
imaginativos do ser humano. A C. é considerada o oposto do à
pensamento convergente. Uma caracterização mais pormenorizada
de C. distingue as áreas: processo criativo, produto criativo e
personalidade criativa.
Desde POINCARÉ (1913) são designados como estágios do
processo criativo sobretudo: 1. A fase de preparação, 2. A fase de
incubação (nela ocorrem as mudanças de estruturação no âmbito
das estruturas de problemas), 3. A fase da intuição ou da iluminação
e 4. A fase da verificação.
O produto criativo se caracteriza pelo fato de ser novidade e
que até então só foi realizado por poucas outras pessoas. Manifesta
originalidade e engenhosidade e representa para o indivíduo uma
resposta primeira e não convencional ao seu meio ambiente.
Baseada nas afirmações dos autores, a Robótica Pedagógica se
insere nesse contexto de desenvolvimento da criatividade. Os modelos
criados pelos alunos diferem uns dos outros. Eles enriquecem cada modelo,
construído com peças e design sofisticados. Valente e Canhette (1998, p. 79)
afirmam que “[...] a montagem desse objeto envolve idéias de engenharia e
de ‘design’”, possibilitando ao aluno aprender conceitos referentes a essa
área e de engenharia. Para eles:
O objeto construído a partir de dispositivos LEGO, em geral, é um
modelo de um objeto real (uma máquina de lavar-roupa ou um
carro). Esse modelo, primeiro, deve se comportar de maneira
semelhante ao objeto real e, portanto, do ponto de vista da
engenharia, ele deve funcionar de maneira semelhante. Assim, tanto
a parte mecânica quanto a parte computacional do modelo devem
sofrer um tratamento a nível de engenharia. Segundo, o modelo deve
ter uma forma semelhante ao objeto real. Do ponto de vista do
“design”, o modelo requer o mesmo tratamento que possibilitou o
objeto real a ter a forma e a função que ele apresenta. (VALENTE &
CANHETTE, 1998, p. 79)
Os modelos criados pelos alunos podem ser semelhantes, mas
possuírem programações para o seu funcionamento completamente
diferentes, e modelos diferentes podem ter programações semelhantes. As
soluções apresentadas para resolução de problemas sociais, sinaleira para
deficientes visuais, por exemplo, mostram modelos nunca anteriormente
pensados ou criados. Goleman, Kaufman e Ray (2000, p. 59) afirmam que
“a criatividade desabrocha quando fazemos as coisas por prazer. Quando
uma criança aprende uma forma criativa, conservar a alegria importa tanto
quanto ‘fazer certinho’ se não mais. O que vale é a satisfação, não a
perfeição”. Antunes (2003, p. 113-115) define os estágios apontados por
Poincaré:
Preparação
A preparação está relacionada ao reconhecimento de que um
determinado problema é digno de um estudo e de uma solução
criativa, ou de que um determinado tema ou produto é adequado
para uma nova construção. É essencial que essa fase seja antecedida
de todas as informações disponíveis e dos dados relevantes sobre a
matéria que se busca criar. É importante evitar censuras, criticas ou
frustrações, e o professor deve abster-se de manifestar sua maneira
pessoal de encarar os fatos para ajudar o processo criativo, mostrar
caminhos para a ação e jamais impor a elas críticas antecipadas. Em
síntese, é essencial que se saiba o que criar.
Incubação
Esta é uma fase delicada, durante a qual o problema ou tema passa
a ser considerado no nível inconsciente. Nessa oportunidade, as
idéias devem ser “cozinhadas em fogo brando”, divagando-se e
“digerindo-se” tudo o que já se reuniu. O professor não deve intervir
muito nessa fase, e sim libertar o aluno de mecanismos conscientes
de autocrítica e de autocensura. A incubação é importante porque os
“subterrâneos” da mente ou onisciência guardam infinitas coleções
de dados, fatos, referências e pensamentos que são
inconscientemente freados pelo racional e, através dessa fase, vai-se
a esses subterrâneos buscar elementos que auxiliam o ato criador.
Devaneio
Esta é uma fase de curta duração, mas também extremamente
significativa. Representa a tentativa de se fugir do assunto, esquecê-
lo por alguns instantes, deixá-lo propositadamente de lado para
resgatá-lo com maior vigor. Pode ser um período curto em que se
ouve uma música, se conta uma piada ou até mesmo se faz um
pequeno passeio. [...].
Inspiração ou iluminação
[...]. É o instante em que as idéias novas já definiram o contorno do
produto criado. Executá-las é outra história. Essa etapa é
involuntária, e o professor nada pode fazer senão esperar que ocorra
quando isso acontece, a sensação é e que “a idéia surgiu do nada”.
Revelada a idéia, chega o momento da etapa final e, nesse caso, é
importante que o professor esteja atento para que a mente não se
volte ao devaneio.
Ação
É um instante muito especial, mas nem todos os alunos mostram-se
apaixonados por ele, pois a mente criativa libera o fluxo da idéia para
que as mãos ou o corpo a executem. É o momento em que a idéia
necessita ser traduzida em realidade [...].
Na aula de Robótica Pedagógica, os alunos passam por todos
esses estágios criativos. Ao receberem o desafio, discutem como executá-lo,
desenham a idéia no papel e aprimoram essa idéia. Partem para a concepção
e montagem do modelo e pensam a programação para movimentar esse
modelo. Testam o modelo e, se não funciona, partem para a descoberta do
que erraram. Nesse meio tempo, tanto o modelo construído como a
programação são constantemente aprimoradas. A criatividade deixa de ser
individual para ser grupal, possibilitada pelas discussões entre os membros
do grupo, e cada um deles expõe a sua forma de pensar o assunto. O que se
cria na sala é a cultura do pensamento. Para Papert (1994, p. 81) “Não é
usar a regra que resolve o problema; é pensar sobre o problema que promove
a aprendizagem”.
Outra questão apresentada pelo professor de Robótica Pedagógica
refere-se a desafios. A cada aula, os alunos são motivados a resolver um
desafio que vai aumentando de intensidade à medida que eles vão
desenvolvendo habilidades de resolução de problemas, partindo de um nível
fácil para um mais difícil. Segundo o professor:
Eles chegam no laboratório, se acomodam e escutam o que vão fazer
no dia, a tarefa que eles têm para fazer que normalmente é um
problema desafio e, a partir desse problema desafio, é que eu espero
que eles venham a adquirir o conhecimento do dia; a cada aula que
eles chegam têm um novo desafio um pouco mais difícil,
apresentando um pouco mais de dificuldades para que eles venham
a crescer com isso.
Como bem coloca Papert (1994, p. 49), “quando se está
profundamente envolvido em algo, o ‘estágio’ fácil não é o que se deseja”. O
desafio proposto pelo professor é sempre um exercício de lógica. Esses
desafios, no entanto, devem estar de acordo com as possibilidades de
resolução dos alunos. Deve existir um equilíbrio entre os desafios e as
habilidades necessárias à sua resolução. Hans Henrik Knoop
79
, estudioso do
processo de desenvolvimento da aprendizagem, explica que, “quando existe
um equilíbrio entre habilidades e desafios, é produzido um senso de
satisfação chamado estado de fluxo, onde a aprendizagem é mais rica”.
Segundo o pesquisador:
Há dois extremos em um estado de fluxo. Um deles é quando os
desafios excedem as habilidades fazendo com que se fique ansioso, o
que seria desagradável e muito improdutivo na aprendizagem. O
outro extremo é quando as habilidades superam os desafios
causando sensação de tédio, de não estar efetivamente aprendendo
ou o suficiente.
Igualmente esse fluxo é relacionado à criatividade, como colocam
Goleman, Kaufman e Ray (2000, p. 40-41). Explicam os autores:
Quando a criatividade está em plena incandescência, as
pessoas podem experimentar o que os atletas e atores chamam de
“momento branco”. Então, tudo dá certo. Suas habilidades
respondem tão perfeitamente ao desafio, que você parece mesclar-se
com ele. Tudo parece harmonioso, unificado, fácil.
A esse momento branco, os psicólogos costumam dar o nome
de “fluxo”. Semelhante condição foi amplamente estudada por
Mihalyi Csikszentmihalyi, psicólogo da Universidade de Chicago. No
fluxo, as pessoas se encontram em seu ponto máximo. Ele pode
ocorrer em qualquer tipo de atividade: pintura, xadrez, sexo, etc. A
única exigência é que a capacidade vá tão precisamente de encontro
ao desafio que a autoconsciência desapareça por completo.
79
Associate Professor Royal Danish Scholl of Educational Studies. Fragmento estraído do vídeo intitucional Lego
Dacta e Projeto Bahia produzido pela Flavia Filmes (s.d.).
Se a sua capacidade de solucionar problemas não está à altura do
desafio que tem que enfrentar, você sente ansiedade, não fluxo. É o
que acontece quando faz um exame para o qual não estudou ou está
prestes a pronunciar um discurso que não preparou. Se a sua
capacidade for grande demais para o desafio, você tem a experiência
contrária: tédio. [...]
Quando as habilidades e o desafio combinam, há mais
probabilidade de surgir o fluxo. Nesse instante, a atenção se volta
totalmente para a tarefa a cumprir. Um dos indícios dessa completa
absorção é que o tempo parece voar ou arrastar-se. A pessoa fica
tão empenhada no que faz que esquece as distrações.
[...] Estudos neurológicos mostram que, em fluxo, o cérebro na
verdade gasta menos energia do que quando nos vemos às voltas
com problemas. Uma das razões pode ser o fato de que as partes do
cérebro relevantes para a tarefa a cumprir serem mais ativas e as
irrelevantes relativamente passivas. Em contrapartida, quando
estamos num estado de ansiedade e confusão, não se observa tal
diferença nos níveis de atividade entre as partes do cérebro.
A assertiva apresentada pelos autores sobre o equilíbrio necessário
entre os desafios e habilidades, o grau de interesse e o envolvimento nas
atividades determinar o “tempo voar” ou “arrastar-se”, relaciona-se com o
que dizem quatro alunos, ao afirmarem que não gostam da disciplina. CRA1
justifica dizendo: não gosto de fazer robôs[o aluno não explica o porquê]. CDR4
diz: “eu não gosto porque eu não gosto de computador”. CRE5 não gosta, “pois as aulas são de
tarde e eu não aprendo nada. CFR5 justifica não gostar, dizendo “porque não entendo nada.
Estas questões apresentadas me fazem questionar se os desafios não estão,
no momento em que se apresentam aos alunos, distantes da sua capacidade
de entendimento e, por isso, tornam-se de tal forma difíceis que os fazem
perder o gosto pela disciplina. O que diz CFR5 é muito significativo neste
sentido. CRE5 coloca como um impedimento o “ir a escola no turno da tarde”. Por
não gostar dessa “obrigação”, ele não consegue aprender (ou acha que não
aprende?). CRA1 e CDR4 não gostam dos recursos tecnológicos: nem o
modelo a ser construído, no caso, um robô, nem do instrumento que vai
possibilitar, através de uma programação pensada pelo grupo, atribuir
comportamento a um robô.
Os alunos trabalham em equipes de seis alunos, cada qual
desempenhando uma função. O professor de Robótica Pedagógica detalha
essas funções. Explica o professor:
Um grupo com aproximadamente seis componentes é dividido em
programadores e montadores. Três alunos vão ser programadores e
três alunos vão ser montadores. Dentre os programadores, cada um
tem uma função específica: o design virtual é o aluno que é
responsável em trabalhar com o mouse do computador; é ele que vai
arrumar a programação e arrumar a idéia dos componentes do grupo
no computador; temos o programador chamado de coordenador da
programação, ele é o chefe da programação e temos um aluno que é
especialista em comunicação. O especialista em comunicação é
colocado dentre os programadores mas ele tem a obrigação, também,
de prestar atenção no que está acontecendo na parte de montagem
porque, ao final da aula, ele é a pessoa que vai apresentar as idéias
do grupo, tenha funcionado ou não, para a sala, para que a partir
daí cada grupo possa debater as idéias que tiveram, que sempre são
idéias diferentes, e com isso eles possam aprender. Digo concluído
ou não, porque muitas vezes o trabalho não é concluído, mas a
partir da troca de informações, numa aula seguinte normalmente
eles concluem o trabalho. Com isso temos os três programadores.
Temos também três montadores: o especialista em design físico que
é responsável pela montagem, o especialista em materiais que é o
aluno que, embora, montador é também o responsável pela
contagem, conferência e arrumação do material ao término da aula
bem como é responsável em solicitar alguma peça que esteja faltando
ou que o grupo sinta a necessidade. Isso porque os alunos não
recebem as peças desarrumadas; eles recebem as peças arrumadas e
as peças adequadas às experiências que realizam em primeiro
momento. Ao final do curso isso não é mais possível uma vez que
estarão montando os trabalhos sozinhos e tendo idéias próprias e eu
não conseguiria montar o material necessário para construção do
projeto do grupo. Neste instante, eles precisam fazer a solicitação dos
materiais e quem faz isso é o especialista em materiais. Especialista
em informação é responsável em redigir o relatório exigido ao final de
cada trabalho, com ajuda do grupo.
Essas funções são redefinidas a cada aula, como explica o
professor de Robótica Pedagógica:
Os alunos se revezam na execução das seis tarefas, de aula para
aula. Então um aluno que foi montador numa determinada aula,
passa a ser programador na aula seguinte. Isso quer dizer que o
aluno que escreve um relatório hoje, só vai retornar a escrever o
relatório seis aulas depois.
São vários os benefícios do trabalho em equipe. Um dos principais,
ao meu ver, é a possibilidade de troca de experiências, possibilitando a
construção do conhecimento através da interação entre os membros. Bonals
(2003, p. 13) afirma que o trabalho em grupo:
em determinadas condições, incrementa a qualidade das
aprendizagens e favorece a aquisição de conhecimentos de alunos e
de alunas, através da interação entre eles. Somente por essa razão,
estaria justificada sua utilização de maneira sistemática nas salas de
aula. Não podemos desconsiderar as enormes possibilidades
surgidas pela interação entre alunos como fonte de construção de
conhecimentos. Muitos autores de prestígio, como Vygotsky, não
deixaram de insistir sobre o valor da interação entre pares,
estabelecendo as condições adequadas, nas quais os alunos e as
alunas podem aprender mais e melhor, se lhes é permitido enfrentar
juntos os processos de aprendizagem, sobretudo quando lhes são
propostos os objetivos aos quais poderão chegar, trabalhando em
equipe.
No primeiro bimestre, quando os alunos já se conhecem e as
formas de relacionamento estão delineadas, embora as relações de amizade
ainda não estejam bem definidas e sedimentadas, aplica-se uma técnica
denominada sociograma para divisão das equipes (não só em Robótica
Pedagógica). Através de um teste sociométrico é possível verificar os alunos
mais integrados e juntá-los, a princípio, num mesmo grupo. Bonals
apresenta três funções do trabalho em grupo: função de regulação das
aprendizagens, função socializadora e função potencializadora do equilíbrio
emocional. Para o autor (2003, p. 15-16):
O trabalho em pequenos grupos favorece a regulação das
aprendizagens entre seus componentes. Os próprios grupos se
encarregam de organizar-se adequadamente para enfrentar algumas
tarefas e para incorporar, de maneira mais ou menos autônoma,
determinadas aprendizagens. Os alunos e as alunas aprendem a
colocar-se de acordo com os trabalhos que cada um irá realizar,
tendo em vista a conclusão da tarefa e a avaliação da mesma:
aumentam a capacidade de cumprir as decisões sobre as quais
concordam e aprendem a comprovar em que grau conseguiram
incorporar os conhecimentos a que se tinham proposto.
A partir de uma dinâmica interna, os alunos colocam seus
conhecimentos e as suas estratégias à disposição do grupo, fazendo-
se mútuas contribuições, o que lhes permite incorporar novos
conhecimentos. Realizam, de forma espontânea, correções sobre
conceitos, estratégias e, inclusive, atitudes. Dessa maneira, uma
parte importante das contribuições que tradicionalmente estavam
sob a incumbência do professor, agora o grupo as regula de forma
autônoma.
[...] A organização da turma em pequenos grupos estabelece
uma excelente condição para que os alunos e as alunas melhorem as
habilidades sociais e aprendam a compatibilizar sua convivências
com as necessidades dos demais. Além do mais, permite aos alunos
entender, como conquista valiosa, a apropriação das habilidades
sociais mencionadas e as atitudes de boa disposição para com as
necessidades do outro. Ao mesmo tempo, essa organização propicia
aos alunos ótimas condições para melhorar sua capacidade, para
dialogar, para aprender a chegar a acordos por meio do diálogo.
Nas aulas observadas, é evidente o grau de envolvimento dos
alunos nos grupos. O diálogo é primordial para a construção dos projetos,
como é expressado pelo professor quando diz que é uma aula em “que eles
conversam o tempo todo”. Essa possibilidade de troca de idéias possibilita
que a participação seja ativa e que todos dêem sua contribuição. Isso
implica, também, na relação entre os alunos considerados extrovertidos, que
se expressam de maneira mais livre, sem “vergonha de se mostrar” (às vezes
até considerados “líderes”, por possuírem esta característica) e o aluno
tímido: algumas vezes a resolução para o desafio é apresentada pelo aluno
tímido, que sai da sua “redoma” para contribuir positivamente com o grupo,
fazendo-se ouvir por aquele que quer dominar a situação com as suas idéias.
Habilidades sociais são desenvolvidas no trabalho grupal: o respeito à idéia
do outro, a importância atribuída a essa idéia, as discussões surgidas na
análise dessas idéias, a importância individual para o processo grupal. Para
que isso aconteça, é fundamental a atribuição de papéis e responsabilidades.
Como a cada um é dado o “direito” de expressar a sua idéia sobre o
assunto, a habilidade de argumentação é fortemente trabalhada nessa ação.
O relatório escrito, exigido do grupo após finalização do projeto, possibilita a
exposição de idéias de forma lógica, clara e concisa, dentro dos parâmetros
da língua formal (gramática normativa). Elaborar o projeto inicialmente no
papel possibilita a organização das idéias e mostra a necessidade de ações
planejadas, almejando um resultado esperado (que pode, no entanto,
funcionar ou não).
Muitos foram os projetos construídos pelos alunos das 5
as
séries,
ao longo desses dois anos de pesquisa. Optei em demonstrar, neste espaço,
os projetos apresentados na 1
a
FACE
80
realizada pelo Colégio Nobel, em
setembro de 2002. Cada um dos projetos aqui apresentado foi construído
em três horas de aula, obedecendo ao seguinte esquema:
: discussão do que seria feito (incluindo objetivos do projeto);
:
desenho do modelo;
:
elaboração de hipóteses para seu funcionamento;
: construção do modelo; programação;
: verificação do funcionamento do modelo;
: relatório final
A discussão do projeto é o primeiro passo para construção do
modelo. Os alunos precisam definir que modelo deve ser criado e o porquê
dessa construção. A partir daí, vem a fase da investigação, da pesquisa sobre
o quer querem construir. Novos conceitos são aprendidos nesse momento
(conceitos de força, velocidade, atrito, energia, por exemplo). Os conteúdos
relacionados, de forma mais direta, às outras disciplinas da matriz curricular
são trabalhados de forma prática na Robótica Pedagógica, aproximando
80
FACE Feira de Artes e Ciências Exatas realizada pelo Colégio Nobel em setembro de 2002; contemplou
apresentação dos trabalhos elaborados pelos alunos, no decorrer no 3
o
bimestre, nas disciplinas de Artes,
Matemática e Robótica Pedagógica.
esses conteúdos do dia-a-dia do aluno. Questionado sobre o assunto, o
professor de Robótica Pedagógica responde:
Pesquisadora - Como você consegue fazer com que o conhecimento
aprendido em outras disciplinas possa se tornar útil para Robótica
Pedagógica ou para os projetos de Robótica Pedagógica?
Professor As disciplinas, elas estão na verdade, interligadas
intimamente. Então, por exemplo, quando a gente pensa em um
projeto, tanto faz, pensar em um projeto de Robótica e as disciplinas
se engajarem ou pensar num projeto de uma determinada disciplina,
ou uma idéia em qualquer disciplina, e a Robótica se engajar. Tudo
isso é possível. Por exemplo, em Física que a Robótica vai estar
intimamente ligada também, a gente pode trabalhar com conceitos
de inércia, conceitos de velocidade, conceito de aceleração, conceito
de força, jogos de engrenagens, roldanas; em Matemática a gente
poderia pensar em trabalhos com probabilidade, trabalhos
envolvendo MMC, MDC; Matemática possibilita uma infinidade de
projetos, devido à estreita correlação que existe entre ambas. Em
Português, eles estão a toda aula, criando, montando e redigindo
relatórios; em Química, podem ser feitos trabalhos envolvendo
separação de materiais, seja por cor, seja por tamanho, seja em
classificação. Em Biologia, poderia pensar em trabalhos envolvendo
sistemas de músculos, que os robôs usam isso para pegar, agarrar,
inclusive, usando princípios que o nosso corpo tem; a gente poderia
associar, também, o robô com algumas partes do corpo humano,
bem como, pensar em fazer com que ele execute algumas tarefas do
corpo humano. Em história, a gente tem projetos, por exemplo, um
projeto que existe que os meninos constróem é um robô que foge do
labirinto que eles fazem a correlação com o minotauro, inclusive
apresentando trabalhos e relatórios sobre isso. Todo o histórico da
Robótica é muito debatido: o homem e a máquina, a inteligência
artificial, a máquina tomar o lugar do homem, até que ponto isso é
feito, até que ponto isso é bom, cada um expressando sua opinião e
discutindo o que seria viável ou não. Na Geografia, alguns trabalhos
envolvendo posicionamento, estações de meteorologia, ar, densidade
de ar. Sem contar com trabalhos que envolvem, por exemplo,
cidadania. É muito comum eles trabalharem projetos que tenham
como um bem dentro da sociedade, por exemplo, pensar no
deficiente físico, construção de cadeiras de roda robotizadas, pensar
num sistema de sinaleira que emita um som e que o pedestre cego,
no caso, saiba se o sinal está aberto ou fechado, pensar em robôs
capazes de guiar cegos também.
Esses assuntos constituem uma pequena parcela da
potencialidade do trabalho com a Robótica Pedagógica. Porém, para que a
discussão seja válida, a pesquisa assume papel preponderante na fase de
preparação do projeto. Para a montagem e funcionamento de modelos há a
necessidade de um estudo prévio de como os já existentes na sociedade
funcionam a fim de recriá-los. Conteúdos de História, Geografia podem ser
transformados em práticas. Conceitos físicos (que ainda não são estudados
na faixa etária observada), mecânicos, matemáticos, eletrônicos (além de
outros) são constantemente pesquisados e compreendidos, atribuindo um
caracter multirreferencial e interdisciplinar à aprendizagem através da
Robótica Pedagógica. As discussões sobre o papel social de cada um na
construção de uma sociedade mais justa pode ser visto como uma incitação
à participação cidadã no mundo. No entanto, tanto as discussões como as
construções imprimem à aula um caráter de autonomia. Para Papert (1994,
p. 61), “os professores que conferem tanta autonomia aos seus alunos estão,
por meio disso, declarando sua crença numa teoria de conhecimento
radicalmente diferente, que requer muito mais trabalho tanto para eles como
para seus alunos”. O autor advoga, também, a idéia de que, “quando o
conhecimento é distribuído em minúsculos pedaços, não se pode fazer nada,
exceto memorizá-lo na aula e escrevê-lo no teste. Quando ele está integrado
num contexto de uso, pode-se ativá-lo e corrigir falhas menores [...]”. Essa
integração entre conhecimentos novos e os já adquiridos possibilita a
construção de um conhecimento significativo, que, na perspectiva
apresentada por Hernández e Ventura (1998, p. 57), é:
[...]para tornar significativo um novo conhecimento, é necessário que
se estabeleça algum tipo de conexão com os que o indivíduo já
possua, com seus esquemas internos e externos de referência, ou
com as hipóteses que possam estabelecer sobre o problema ou tema,
tendo presente, além disso, que cada aluno pode ter concepções
errôneas que devem ser conhecidas para que se construa um
processo adequado de ensino-aprendizagem.
Definido o modelo, elaboram um pré-projeto e desenham o modelo
no papel (ás vezes elaboram o pré-projeto diretamente no computador).
Desenhado o modelo, elaboram e discutem as hipóteses para o seu
funcionamento. Nesse momento, verifica-se o desenvolvimento da habilidade
de argumentação. Habilidade aqui entendida como:
uma capacidade adquirida para se obter um bom desempenho;
proficiência. Obs.: O termo com freqüência refere-se a atos motores
complexos, finalmente coordenados, que são o resultado de
aprendizagem perceptual-motora, [...]. No entanto, o termo também é
empregado com referência a partes de atos que são basicamente
intelectuais, como, por exemplo, os atos envolvidos na compreensão
ou no raciocínio. (HARRIS & HODGES,1999, p. 131).
E, nesse momento, inicia-se o trabalho com a lógica simbólica.
Adoto para o trabalho com a Robótica Pedagógica o conceito de lógica
simbólica, instituído por Pinto (2001, p. 27-28), quando diz que é:
[...] uma ciência que estuda apenas a correção dos argumentos
demonstrativos, sem se preocupar com a verdade ou falsidade das
sentenças envolvidas. Tal ciência é a Lógica, que pode ser definida
como o estudo dos princípios que regem a inferência válida. A
palavra ‘Lógica’ vem do grego ‘logos’, que significa, entre outras
coisas, ‘palavra’, ‘dito’, ‘argumento’, ‘ordem’, ‘razão’, ‘justificação’. A
ciência a que nos referimos tem, pois, este nome porque se refere aos
princípios que regem nossa própria racionalidade.
O campo da Lógica é a linguagem, ou, mais exatamente, aquela
parte da linguagem na qual estão presentes os argumentos
demonstrativos. Seu objetivo principal é efetuar a análise lógica
desses argumentos, avaliando a sua correção.
Sobre a lógica trabalhada pelos alunos de 5
a
série, o professor de
Robótica Pedagógica afirma que:
a lógica começa a ser trabalhada de uma forma bem simples.
Primeiro é dada uma questão lógica para eles tentarem resolver em
grupo, um ajudando o outro sem que haja um conhecimento prévio
ou formal. A partir daí eles vão começar a perceber que existe um
porquê das coisas aconteceram ou porquê que acontece daquela
maneira.
Os conceitos chaves da lógica (segundo Pinto, 2001) são:
‘argumento’, ‘antecedente’, ‘conseqüente’, ‘inferência’, ‘validade’, ‘sentença’,
‘demonstração’. O referido autor (2001, p. 16) define ‘argumento’,
exemplificando-o:
Suponhamos, [...], que alguém nos dissesse o seguinte:
Os insetos possuem seis patas.
Ora, as abelhas são insetos.
Logo, as abelhas possuem seis patas.
Essa pessoa estaria tentando provar-nos que as abelhas
possuem seis patas, partindo do fato de que os insetos possuem seis
patas e as abelhas são insetos. O que nos assegura isso são duas
palavrinhas. A primeira delas, ‘ora’, articula as duas primeiras
proposições, configurando-as como ponto de partida. A segunda,
‘logo’, pelo seu caráter conclusivo, estabelece uma espécie de ponto
de chegada, configurando a terceira proposição como uma
conseqüência das duas anteriores.
Assim, estamos diante de uma estrutura lingüística
determinada, à qual poderemos chamar de ‘discurso’, em que a
primeira justifique a segunda. Numa primeira aproximação,
definiremos o argumento como sendo aquele discurso no interior do
qual se extrai uma conseqüência. Neste nível, ‘argumento’ é
sinônimo de ‘raciocínio’.
É importante observar aqui que os argumentos podem assumir
inúmeras formas na linguagem cotidiana, não existindo regras
seguras que nos permitam localizá-los mecanicamente. Todavia, uma
coisa é certa quando estamos diante de um argumento: uma dada
conseqüência é sempre extraída.
O autor (2001, p. 19) detalha o argumento exemplificado a fim de
mostrar o que é um ‘antecedente’, uma ‘inferência’ e um ‘conseqüente’.
Podemos identificar, com facilidade, três partes fundamentais
no mesmo. A primeira delas, através da palavra ‘ora’, articula duas
proposições que funcionam como ponto de partida e cujo conjunto
recebe o nome de ‘ANTECEDENTE’. A segunda, através da palavra
‘logo’, mostra-nos que a terceira proposição é o ponto de chegada,
tendo sido obtida a partir das duas anteriores e recebendo, por isso,
o nome de ‘CONSEQUENTE’. A terceira parte é mais sutil e difícil de
ser percebida à primeira vista. Trata-se da RELAÇÃO que existe
entre antecedente e conseqüente: através dela, vemos que, partindo
das duas primeiras proposições, temos que chegar necessariamente
à terceira. Algo nos empurra, nos conduz do antecedente ao
conseqüente. Este algo, esta relação de caráter imaterial recebe o
nome de ‘INFERÊNCIA’. [...].
Quando a relação realmente existe e de fato liga o
antecedente ao conseqüente, estamos diante do que se chama
‘INFERÊNCIA VÁLIDA’. Neste caso, o argumento que a expressa é
correto. Quando, porém, a relação é apenas aparente, não havendo
uma efetiva condução do antecedente para o conseqüente, estamos
diante de uma “INFERÊNCIA NÃO VÁLIDA’. Neste caso, o argumento
Os insetos possuem seis patas.
Ora, as abelhas são insetos.
ANTECEDENTE
INFERÊNCIA
CONSEQUENTE
Logo, as abelhas possuem seis
patas.
que a expressa não é correto e constitui aquilo que chamamos uma
FALÁCIA.
O professor de Robótica Pedagógica explica, ao ser questionado
pela pesquisadora, como são trabalhadas as estruturas lógicas e os
conectivos:
Pesquisadora - As estruturas [...se...], [...ou...] também são
trabalhadas na quinta série?
Professor essas estruturas são trabalhadas na quinta série, sim.
Essas estruturas são trabalhadas em níveis diferentes na Robótica 1
e 2. Na Robótica 3 já são experimentos práticos. Vamos imaginar,
por exemplo, o que é trabalhado na quinta série. São trabalhadas as
questões; isso fica muito no ar, fica muito no abstrato; na sexta
série eles montam os circuitos: o circuito [...e...], o circuito [...ou...], o
principio básico do funcionamento de computador. Na verdade eles
montam, eles constróem, por exemplo, lâmpadas e interruptores
através de fios, a gente larga nesse instante um pouco o material da
Lego, mas a gente trabalha com experimentos físicos de tal forma
que ele entenda que se eu tenho, por exemplo, um circuito [...e...]
eles constróem com dois interruptores e uma lâmpada, ou seja, é
preciso que os dois interruptores estejam ligados para que a lâmpada
funcione; esse mesmo circuito a gente pode montar com o circuito
[...ou...]. Ele tem que construir um circuito [...e...], um circuito
[...ou...]; constróem, também, um circuito paralelo. Eles constróem
isso com fios e com lâmpadas, material simples, preparado para eles,
sem usar soldas, apenas com jacarés, garrinhas, fios, cabinhos. Na
robótica 3 eles vão trabalhar esses mesmos algoritmos dentro do
computador, ou seja, eles vão montar um robô, montar um sistema
robótico que atenda a essas necessidades, um sistema que atenda
pelo [...e...], um sistema que atenda pelo [...ou...], pelo [se...então],
pelo [se...e somente se...] e pelo circuito paralelo. Então, são três
fases: a fase que eles conhecem o abstrato, uma fase que eles
montam esses circuitos com fios e a fase que eles montam os
mesmos circuitos com as próprias peças do robô ou com robôs
resolvendo os questionamentos.
Pesquisadora - O que você chama de abstrato?
Professor - A gente fala no abstrato porque matemática, na verdade,
é uma ciência abstrata. Por ser uma ciência abstrata, ela não vai
concretizar aquele experimento ainda, ela só vai trabalhar a lógica, a
parte mesmo que eles vão analisar se é verdadeiro, porquê que é
verdadeiro, se é falso, porque aquilo é falso, porque verdadeiro e
falso resulta numa condição falsa; então, eles analisam isso tudo
abstratamente.
Pesquisadora - Quais são as possibilidades na quinta série, por
exemplo, você disse que se uma alternativa é verdadeira e a outra é
falsa, torna-se falsa, foi isso? Quais as possibilidades disso na
quinta série?
Professor - é bem simples de entender, por exemplo, o circuito
[...e...]. O circuito [...e...] é como se eu lhe dissesse assim: vamos à
praia e ao cinema. Vamos a praia e ao cinema, explica isso. Quando
a gente larga essa frase, é uma frase padrão, é uma frase que só é
dada depois que eles criaram algum conhecimento sobre o que
representa o [...e...] , mas no momento em que você lança essa frase
a gente começa a analisar quais são as possibilidades que podem
acontecer. E a gente vai analisar se a pessoa que falou executou
aquela possibilidade, atingiu o valor verdadeiro ou falso. Vamos à
praia e ao cinema e essa pessoa vai a praia e vai ao cinema então ela
falou a verdade; vamos à praia e ao cinema e a pessoa foi à praia
mas não foi o cinema, vai resultar numa pessoa ter falado uma
mentira, é uma falsidade. Se não vamos à praia mas vamos ao
cinema continua sendo falsidade, que ela tinha dito antes que ia a
praia e ao cinema. Ou, então, se a pessoa disse vamos a praia e ao
cinema e não foi a um nem foi a outro, falso e falso, vai resultar em
falso. Então, a análise deles sobre verdadeiro e falso, na verdade, é
dado através de experimentos que são feitos nesse contexto. Eles
analisam as frases. Da mesma forma, isso vai ser feito com o circuito
ou algoritmo ou o conectivo [...ou...], o conectivo [...se...], [...então...]
o conetivo [se...e somente se...]. Isso é feito na 5
a
série com bastante
facilidade.
Essas frases exemplificadas pelo professor são argumentos. Pinto
(2001, p. 29) demonstra, no quadro a seguir, todas as combinações
argumentativas possíveis:
ANTECEDENTE CONSEQUENTE INFERÊNCIA
1. verdadeiro Verdadeiro válida
2. verdadeiro Verdadeiro não válida
3. falso Falso válida
4. falso Falso não válida
5. falso Verdadeiro válida
6. falso Verdadeiro não válida
7. verdadeiro Falso não válida
8. verdadeiro Falso válida
Sobre os conectivos falados, Pinto (2001, p. 49-50) afirma que:
Quando construímos um argumento, nem todos os termos que nele
usamos desempenham os mesmos papéis. Alguns deles possuem a
propriedade de designar objetos ou propriedades de objetos, como,
por exemplo, ‘casa’, ‘homem’, ‘político’, ‘honestidade’. Os nomes de
indivíduos também se incluem aí, pois designam um ser singular.
Outros termos, em vez de designar objetos, propriedades ou
indivíduos, servem apenas de ligação entre termos, sentenças ou
argumentos. O sentido deles está na sua função de complementar o
sentido dos primeiros. É o que ocorre, por exemplo, com os termos
‘o’, ‘este’, ‘é’, ‘todo’, ‘nenhum’, ‘alguém’, ‘se...’, ‘então’, ‘ou’, ‘e’. Cada
um deles complementa o sentido de outros termos ou articula-os na
sentença e no argumento. Assim, se a função dos termos do primeiro
grupo é designar coisas, a dos pertencentes ao segundo grupo é ligar
palavras. Para distingui-los, denominaremos os da primeira categoria
‘termos descritivos’ e os da segunda, ‘termos lógicos’.[...]. As
sentenças complexas são formadas com o auxílio dos termos lógicos,
que articulam sentenças simples em todos organizados. Por essa
razão, os termos lógicos são também denominados “conectivas
sentenciais’. As principais são as seguintes:
Não (negação),
...e... (conjunção ou copulativa),
...ou...ou (dijunção),
se..., então... (condicional),
...se e somente se... (equivalência ou bicondicional).
Elas estabelecem relações lógicas bem definidas entre sentenças,
permitindo inclusive a formulação de muitos argumentos com seu
auxílio.
Esses conectivos e alguns outros não citados pelo autor [...ou...]
são trabalhados através da linguagem de programação que acompanha os
kits Lego escolhidos para a disciplina, embora sejam priorizados os
conectivos [...e...], [...ou....], [se...então...], [se... e somente se....]. Os
conectivos fazem parte de uma linguagem lógica. No entanto, no caso
especifico do trabalho da disciplina, buscamos não enfatizar a lógica do
senso comum (intuitiva) e sim a lógica das proposições, muito como bem
captada e explicada por Fróes
81
:
quando a pesquisadora fala da lógica, ela fala de uma outra lógica, é
uma outra lógica completamente diferente, não é a lógica linear,
formal, seqüencial, dedutiva, não é, é a lógica de proposições, é uma
lógica que trabalha com a linguagem e que tem na linguagem a sua
forma e quando eu digo a linguagem, é a linguagem enquanto forma
de expressão do ler o mundo, de relação com o mundo.
O próximo passo é a construção do modelo já definido e discutido.
Utilizam, neste momento, as várias peças do Lego (pinos, correias, rodas,
sensores...) inclusive o RCX. Habilidades motoras e de catalogação (do
material a ser utilizado) são desenvolvidas nesse momento. A partir daí,
passam a programar o modelo criado. Na programação é utilizada a lógica
matemática, como explica o professor:
Professor - Nesse instante, a gente formaliza, depois que eles têm
algo estruturado, depois que eles já viram como as questões
funcionam, depois que eles responderam muitas questões, a gente
formaliza isso usando a lógica matemática mesmo, armando as
proposições, analisando as proposições que são verdadeiras,
81
Fragmento da fala da Orientadora Profa. Dra. Teresinha Fróes Burnham na apresentação do projeto da
pesquisadora realizada na disciplina Projeto de Dissertação em 01 de abril de 2002.
analisando o [...se...], todas a s estruturas, o [...e...] , o [...ou....], o
se...então...], o [...ou...ou...] [significa o ...ou...exclusivo] que é uma
estrutura que não se trabalha quando se fala em vestibular, nem
uma estrutura que se trabalha na faculdade, mas pela necessidade
de programação o [...ou...ou...] passa a ser importante para eles. A
partir daí, eles analisam; na verdade nenhuma questão é mostrada
para eles com tabelas prontas, como existe na lógica simbólica. Eles
constróem as tabelas. A partir das construções que fazem, passam a
deduzir os outros questionamentos. Algumas experiências, inclusive,
mostram que depois que eles têm contato com a lógica matemática,
eles começam a resolver aquelas mesmas questões que eles
resolviam antes, com uma estrutura, com uma forma própria, uma
forma organizada para chegar a uma conclusão.
O raciocínio lógico matemático é bastante exercitado nessas
análises. Isso pode ser observado através da resposta de CRF5 ao dizer que
gosta de Robótica “porque a matemática ficou um pouco mais fácil”. O
professor verifica se as análises feitas pelos alunos são verdadeiras através
das seqüências elaboradas no software (Robolab) para movimentar os
modelos pensados. O computador torna-se, nesse caso, um elemento de
mediação na construção de conhecimento, ao ser programado para “dar
vida” a modelos anteriormente estáticos. O erro também é verificado através
da programação realizada. Se o modelo não funciona como foi pensado, os
alunos rediscutem e verificam a seqüência inadequada e reprogramam. Para
Almeida (2000, p. 40-41), programar computadores significa:
representar os passos que podem levar à solução de determinada
situação-problema, ou seja, descrever uma seqüência de ações em
uma linguagem que o computador possa executar. O programa
desenvolvido é executado pelo computador, que fornece uma
resposta, diante da qual podem ocorrer duas situações. Na primeira,
o resultado fornecido é o esperado, e a atividade está concluída. Na
outra, o resultado fornecido pelo computador não corresponde ao
esperado e há necessidade de rever todo o processo de representação
do problema, tanto em termos da descrição formal das operações
como em termos da lógica empregada na solução. Isso promove o
desenvolvimento de reflexões que procuram compreender as
estratégias adotadas, os conceitos envolvidos, os erros cometidos e
as formas possíveis de corrigi-los o que leva o aluno a depurar o
seu programa e a inserir nele novos conceitos ou estratégias. Após
terem sido feitas as alterações na descrição do programa, ele é
novamente executado e o ciclo se repete até atingir o resultado
satisfatório.
O último passo é a elaboração de um relatório escrito, realizado em
grupo, no qual expõem as idéias principais, como realizaram o projeto e as
conclusões obtidas.
Uma outra questão que pode ser levantada é o fato de os alunos
discutirem e elaborarem projetos com a ajuda (mediação) do professor.
Oliveira (1993, p. 58) afirma que, nos estudos sobre o desenvolvimento de
uma criança, realizados por Vygotsky ( apontado como teórico cognitivista no
esquema apresentado por Moreira), se discute o que a criança é capaz de
fazer sozinha (estando preparada para), e o que ela é capaz de fazer com a
ajuda de um professor ou de um colega. A autora explica que:
Normalmente, quando nos referimos ao desenvolvimento de
uma criança, o que buscamos compreender é “até onde a criança já
chegou”, em termos de um percurso que, supomos, será percorrido
por ela. Assim, observamos seu desempenho em diferentes tarefas e
atividades, como por exemplo: ela já sabe andar? Já sabe amarrar
sapatos? Já sabe construir uma torre com cubos de diversos
tamanhos? Quando dizemos que a criança já sabe realizar
determinada tarefa, referimo-nos à sua capacidade de realizá-la
sozinha. Por exemplo, se observarmos que a criança “já sabe amarrar
sapatos”, está implícita a idéia de que ela sabe amarrar sapatos
sozinha, sem necessitar da ajuda de outras pessoas.
Esse modo de avaliar o desenvolvimento de um indivíduo está
presente nas situações da vida diária, quando observamos as
crianças que nos rodeiam, e também corresponde à maneira mais
comumente utilizada em pesquisas sobre o desenvolvimento infantil.
O pesquisador seleciona algumas tarefas que considera importantes
para o estudo do desempenho da criança e observa que coisas ela já
é capaz de fazer. Geralmente nas pesquisas existe um cuidado
especial para que se considere apenas as conquistas que já estão
consolidadas na criança, aquelas capacidades ou funções que a
criança já domina completamente e exerce de forma independente,
sem ajuda de outras pessoas. [...].
Vygotsky denomina essa capacidade de realizar tarefas de
forma independente de nível de desenvolvimento real. Para ele, o
nível de desenvolvimento real da criança caracteriza o
desenvolvimento de forma retrospectiva, ou seja, refere-se a etapas já
alcançadas, já conquistadas pela criança. As funções psicológicas
que fazem parte do nível de desenvolvimento real da criança em
determinado momento de sua vida são aquelas já bem estabelecidas
naquele momento. São resultado de processos de desenvolvimento já
completados, já consolidados.
Vygotsky chama a atenção para o fato de que para
compreender adequadamente o desenvolvimento devemos considerar
não apenas o nível de desenvolvimento real da criança, mas também
seu nível de desenvolvimento potencial, isto é, sua capacidade de
desempenhar tarefas com a ajuda de adultos ou de companheiros
mais capazes. Há tarefas que uma criança não é capaz de realizar
sozinha, mas que se torna capaz de realizar se alguém lhe der
instruções, fizer uma demonstração, fornecer pistas, ou der
assistência durante o processo.
[...] É a partir da postulação da existência desses dois níveis de
desenvolvimento real e potencial que Vygotsky define a zona de
desenvolvimento proximal como “a distância entre o nível de
desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução
independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial,
determinado através da solução de problemas sob a orientação de
um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes”.
Esse procedimento de ajuda é constante nas aulas de Robótica
Pedagógica, principalmente nos bimestres iniciais, quando, inclusive, as
equipes elaboram os projetos com a ajuda de manuais. A partir do momento
em que se sentem seguros e capazes de modelar os seus próprios projetos,
abandonam os exemplos. Esse processo pode ser verificado através da
explicação do professor:
Pesquisadora - Quais os projetos existentes? E quais deles vêm
acompanhado de manual?
Professor - Existe o projeto da casa, que normalmente é trabalhado
no primeiro bimestre, em qualquer que seja o nível, uma vez que
todo o conhecimento de programação pode ser passado aí. Existe um
projeto de um carro; no projeto do carro, eles armam um sistema
diferente porque o projeto da casa vem todo feito no manual; então o
projeto do carro, na Robótica 1, a gente pede para ele criar o carro; é
o momento em que eles começam a criar. Eles vão se desvencilhar,
se libertar de ter um manual dizendo a ele como construir, como
aconteceu na casa; e a gente passa a ter um móvel construído por
eles, que nem sempre vai dar certo, mas eles vão trabalhar a
primeira vez, vão trabalhar a segunda vez e vão construir um móvel.
Então alguns problemas de alguns conceitos começam a aparecer,
por exemplo, o móvel para fazer uma curva começa a ter o problema
de atrito porque eles colocam roda na frente, colocam roda no fundo;
para resumir, vamos dizer que no momento em que existe o carro, o
carro é usado na robótica 2, esse carro vem com manual, a gente
usa com outro objetivo, com o objetivo de engrenagens, de jogo de
roldanas, de jogo de velocidade, de alterações da velocidade através
de engrenagem. Na robótica 1 a gente prefere que eles construam um
carro livre, que não fica a desejar do carro pronto. Eles fazem carros
bastante criativos, com liberdade. Existem, ainda, o projeto do inseto
e o da engenhoca. Manual impresso existe nos quatro projetos.
Pesquisadora O que é que o inseto faz?
Professor - Não existe um objetivo no inseto, do que é que ele faz.
Existe, na verdade, o que se pede para ele fazer e uma infinidade de
trabalhos, uma infinidade de opções: dele trabalhar com o sensor de
toque, executar uma curva, que ande em linha reta ou até mesmo
condicionar um carrinho bate-volta. Seja o inseto, seja o carro que
eles criam, todos poderiam fazer a mesma coisa; na verdade o projeto
montado vai prender um pouco o aluno; em um determinado
momento é interessante que eles peguem alguma coisa já com
manual mas com certeza eles criam mais, eles aproveitam mais os
projetos que atendem às necessidades dos questionamentos que
estão sendo feitos
Não desejo “criar” um novo paradigma sobre a aprendizagem
utilizando a Robótica Pedagógica como matriz principal. Mas defendo a
idéia de que muitas habilidades são desenvolvidos e estímulos
enriquecedores são fornecidos ao cérebro através dela, possibilitando a
formação de novas conexões neurais. Houzel explica que o desenvolvimento
de nossas habilidades é decorrente de novas combinações realizadas entre
os componentes do sistema nervoso e a possibilidade de modificação das
sinapses existentes, melhorando a sua eficiência. Diz a autora (2002, p.24-
25):
[...] como então é possível desenvolver nossas habilidades? A
resposta está na mais maravilhosa e característica propriedade do
sistema nervoso: a capacidade de fazer novas combinações entre
seus elementos, e de mudar a eficiência das conexões as sinapses
já existentes. Quando a eficiência aumenta, a conexão entre dois
neurônios fica “fortalecida”; quando diminui, a conexão fica
“enfraquecida”. Além do mais, nenhuma conexão é fixa; uma conexão
enfraquecida demais pode ser eliminada, e uma nova pode ser feita
em outro lugar, com outro neurônio. Fortalecer essas novas
conexões, estabilizando-as, é uma maneira de criar novas
associações. Os neurocientistas hoje estão convencidos de que essa é
a base do aprendizado. Como sempre se pode tirar uma conexão
daqui e criar outra ali, será sempre possível fazer mais uma
combinação, mais uma associação entre neurônios, e aprender mais
alguma coisa.
Essa aprendizagem falada por Houzel pode ser percebida através
dos projetos apresentados a seguir.
5.1.Projetos construídos... uma pequena amostra de um grande trabalho
Projeto: Trânsito Semáforo (Sinaleira)
E Com a palavra os alunos: as diversas explicações escritas (relatórios
finais elaborados pelos grupos) dadas para o mesmo projeto.
Ø 1
o
grupo: equipe composta de 3 alunas.
Projeto básico: trânsito. Objetivo: sinaleira de carros.
Realização: 1
a
tarefa fizemos uma sinaleira de carro onde a luz verde
acenderia por 8 segundos, o amarelo, por 2 segundos e a vermelha por 10
segundos; planejamos uma espera (de segundos) entre as luzes. 2
a
tarefa
um teatro onde construímos uma sinaleira para pedestres; quando a gente
aperta o botão fica verde para ele e depois de 10 segundos, fica vermelho e o
carro passa.
Dificuldade de programação: fácil. Dificuldade de construção do modelo:
fácil.
Ø 2
o
grupo: equipe composta de 4 alunas.
Projeto básico : semáforo. Objetivo: construir um semáforo.
Realização: conseguimos fazer as luzes acenderem e apagarem nos
momentos adequados e, assim, o nosso semáforo ficou pronto, apesar de as
luzes não terem ficado em um lugar perfeito (significa que as luzes não
ficaram localizadas onde os alunos previram no projeto inicial].
Dificuldade de programação: fácil. Dificuldade de construção do modelo:
difícil. Observações: a programação foi a parte fácil, mas o tempo impediu as
luzes de ficarem em um semáforo perfeito.
Ø 3
o
grupo: equipe composta de 3 alunas e 1 aluno.
Projeto básico: uma sinaleira de carro (semáforo).Objetivo: acender o
semáforo.
Realização: primeiro nós construímos um semáforo e conseguimos fazer a
sinaleira acender por partes: uma de cada vez.
Vermelho = para
Amarelo = atenção
Verde = siga
Quando uma pessoa aperta o botão do sinal de pedestre, o mesmo
abre(verde), depois de 3 segundos, ele volta a ficar vermelho, onde estava
antes do botão ser pressionado.
Dificuldade de Programação: médio. Dificuldade de construção do modelo:
fácil (não teve).
Ø 4
o
grupo: equipe composta de 2 alunas e 1 aluno.
Projeto básico: semáforo (de pedestres).
Realização: os sinais verde e vermelho foram programados para ficarem
acesos 3 segundos, enquanto o amarelo ficou com 2 segundos. Era necessário
que, ao apertar o botão, depois de um tempo, ele voltasse ao vermelho e
desse um sinal de aviso quando fosse fechar, piscando 4 vezes.
Dificuldade de Programação: média. Dificuldade de construção do modelo:
fácil.
Ø 5
o
grupo: equipe composta de 3 alunas.
Projeto básico: semáforo. Objetivo: semáforo de carro.
Realização: conseguimos a montagem e não conseguimos a programação pois
o semáforo foi construído corretamente, mas não conseguimos fazer com que
as lâmpadas acendessem corretamente (uma de cada vez)
Dificuldade de Programação: média. Dificuldade de construção do modelo:
fácil.
Ø 6
o
grupo: equipe composta de 1 aluna e 3 alunos.
Projeto básico: semáforo. Objetivo: montar um semáforo e conseguir acender.
Realização: tentamos acender, mas não conseguimos. Só montamos o poste.
Dificuldade de Programação: difícil. Dificuldade de construção do modelo:
difícil.
$ Com a palavra o professor... Após os projetos concluídos, o professor
avalia:
Objetivo: construção de uma sinaleira, observando a ordem correta das
lâmpadas, guardando as proporções de tempo.
Como fazer: o aluno trabalha com montagem própria e deve observar as
leis do trânsito para construção da sinaleira.
O que é trabalhado: controle de tempo.
O que aprende: aprende sobre tempo, as leis que regem o trânsito, tráfego
de veículos e pedestres.
Observações do professor: por sugestão dos alunos, esse projeto foi
incrementado com a criação de um semáforo sonoro para pedestres cegos.
Os projetos serão apresentados acompanhados das programações para
funcionamento dos mesmos. Como explicado anteriormente, a linguagem
utilizada é constituída de ícones (Robolab). O significado de cada ícone
utilizado é explicado na decodificação da programação, no Anexo C.
Programação realizada por um grupo de alunos:
O semáforo de pedestres construído pelos grupos tem uma
programação mais complexa. Os alunos utilizam dois comandos diferentes
do semáforo de carros: o sensor de toque e o sinal de interrupção.
@ Com a palavra a pesquisadora: analisando os projetos...
O que se observa no relato de alguns alunos é que o projeto é de
fácil construção e apresenta um grau médio de dificuldade na programação.
Um único grupo considerou a programação com um elevado grau de
dificuldade, o que não possibilitou o término do projeto. A exceção de dois
grupos, que não conseguiram programar o semáforo, os quatro outros
grupos conseguiram fazê-lo. A programação apresentada foi executada pelo
Figura 33 - Semáforo (carros).
1
o
grupo. Os caminhos para o funcionamento do semáforo (programação) são
diferentes e dependem das variáveis (tempo de funcionamento, tempo de
sinal aberto/fechado...) discutidas pelo grupo. Nesse tipo de programação há
a conectiva sentencial [...e...], ou melhor, a sentença é organizada através de
uma conjunção que adiciona os termos: o vermelho acende e depois de
determinado tempo, obedecendo ordem de um sensor de toque, apaga; o
mesmo acontecendo com o amarelo e o verde. O semáforo para pedestre
possui um grau de complexidade maior, pois há a necessidade do comando
de quem necessita atravessar a rua. Vários conteúdos são trabalhados:
noção de tempo, seqüência de instruções, trânsito, local onde deve ser
instalado o semáforo (visibilidade). Esses conteúdos não estão inclusos
formalmente no programa da 5
a
série; são importantes os conhecimentos
prévios dos alunos para discussão em sala. É importante observar que o
semáforo faz parte do cotidiano do aluno: não é uma peça inventada. Para
construção do projeto é necessário pesquisar, também, as leis que regem o
trânsito. Algumas habilidades são necessárias à construção do projeto:
pesquisar, observar, conhecer o funcionamento do objeto, compreender esse
funcionamento, demonstrar o objeto, (re)criar um novo objeto, deduzir,
analisar o objeto, provar o seu funcionamento, concluir e relatar.
Projeto: Basquete
E Com a palavra os alunos: as diversas explicações dadas para um mesmo
projeto.
Ø 1
o
grupo: equipe formada por 7 alunas.
Projeto básico: basquete. Objetivo: colocar a bola na cesta (coador de café)
com uma catapulta.
Realização: tivemos problema com a borracha, pois a força era pouca e
impedia de fazermos a cesta. Colocamos o motor na porta A, com a velocidade
0,5.
Dificuldade de Programação: média. Dificuldade de construção do modelo:
fácil.
Ø 2
o
grupo: equipe composta por 5 alunos.
Projeto básico: basquete. Objetivo: construir um robô que possa se locomover,
por controle remoto, até a cesta e consiga colocar a bola lá dentro.
Realização: programamos, por controle remoto, o robô para que ele se
locomovesse ao apertarmos o sensor de toque a fim de conseguirmos fazer
uma cesta. A programação foi a seguinte: quando apertamos o primeiro sensor
de toque no controle remoto, o robô andou; quando apertamos o mesmo sensor
novamente, esse parou e, quando apertamos pela 3
a
vez, ele girou; quando
apertamos pela quarta vez, ele parou novamente e fez tudo novamente com o
loop. O segundo sensor jogou a bola para dentro da cesta.
Dificuldade de Programação: fácil. Dificuldade de construção do modelo:
média.
Ø 3
o
grupo: equipe composta por 3 alunas e 3 alunos.
Projeto básico: basquete. Objetivo: fazer um robô que jogue a bola na cesta.
Fazer o controle remoto para que possamos guiar o robô.
Realização: montamos o robô para que, através do sensor de toque, ele se
locomovesse em direção à cesta para acertá -la. Ele saiu do quadrado, foi à
procura da cesta para arremessar a bola. Tudo isso, através do controle
remoto, que, quando nós apertamos o sensor de toque, o robô locomoveu-se em
direção à cesta.
Dificuldade de Programação: fácil. Dificuldade de construção do modelo:
difícil.
Ø 4
o
grupo: equipe composta por 3 alunas e 2 alunos.
Projeto básico: basquete. Objetivo: fazer com que o robô faça a cesta por
controle remoto.
Realização: tivemos uma dificuldade em prender o motor ao RCX; nós
programamos detalhadamente o motor junto ao controle remoto. No do
controle, fizemos com que ele recebesse a mensagem e, toda vez que
apertássemos o sensor de toque, ele executasse a tarefa da programação do
robô que fazia girar o motor e, conseqüentemente, atirar a bola.
Dificuldade de Programação: fácil. Dificuldade de construção do modelo:
média.
Ø 5
o
grupo: equipe formada por 4 alunas e 2 alunos.
Projeto básico: basquete. Objetivo: fazer 3 cestas seguidas sem errar.
Realização: é um trabalho difícil na hora de montagem, mas, na hora da
programação e de fazer as 3 cestas, é fácil. A única dificuldade foi na hora de
posicionar a superfície no lugar certo.
Dificuldade de Programação: fácil. Dificuldade de construção do modelo:
média.
$ Com a palavra o professor...
Objetivo: lançar uma bola ao cesto, obtendo 3 acertos consecutivos.
Como fazer: os alunos trabalham com montagem própria, mas precisam
observar que forças iguais e ângulos diferentes proporcionam alcances
diferentes.
O que é trabalhado: trajetória/lançamento de objetos.
O que se aprende: força, velocidade de lançamento de objetos para
alcançar o destino previsto.
Observações do professor: os três acertos consecutivos não dificultam o
projeto, uma vez que o obstáculo consiste em acertar a primeira cesta.
Teoricamente, após o primeiro acerto, o robô não errará as outras duas
investidas. Cabe ao grupo de alunos retirar as interferências (posição fixa de
lançamento: o local precisa ficar firmemente demarcado, não pode haver
alterações nas guias de lançamento nem na força de lançamento) que
possam causar desvios. É necessário que os dados sejam anotados e fixados.
Programação realizada por um grupo de alunos
Figura 34 Basquete.
@ Com a palavra a pesquisadora: analisando os projetos...
Ao contrário do projeto apresentado anteriormente (semáforo), o
grau de dificuldade encontrado neste foi a construção do modelo. A
programação foi considerada fácil e concluída por todos os grupos, mesmo
utilizando caminhos diferentes. O 2
o
grupo apresentou um elemento novo: o
loop (executar a ordem várias vezes ou refazer). A programação apresentada
(elaborada pelo 1
o
grupo) apresenta conectivo sentencial [...e...]. Toda a
programação apresenta sentenças lógicas simples.
O 2
o
grupo apresentou, na programação realizada, o conectivo
[...ou...]. Isso pode ser observado no relatório dos alunos quando colocam
tarefas que acontecem opcionalmente, podendo o aluno escolher mover o
robô ou lançar a bola. Isso fica claro na determinação dos dois sensores: o 1
o
faz o robô se locomover até atingir uma posição determinada (se locomove e
para e gira e para) e o 2
o
sensor determina o arremesso no momento em que
o aluno quiser. O [ou] separa as tarefas que funcionam independentemente .
Os conteúdos trabalhados não estão inclusos na programação da
5
a
série: alcance/força/trajetória. Acrescentaria, além das habilidades
necessárias ao projeto anterior, conceituar (principalmente o loop) e
interpretar o seu funcionamento para utilização nesse projeto.
Projeto: Travessia.
E Com a palavra os alunos: as diversas explicações dadas para um mesmo
projeto.
Ø 1
o
grupo equipe formada por 3 alunos.
Projeto básico: travessia. Objetivo: salvar o bonequinho.
Realização: um robô andou durante um certo tempo até que abaixamos um
‘elevador’ para pegar o boneco; subimos o ‘elevador’ e fomos até o fim do fio.
Ligamos um motor a uma roldana presa em um fio, até um certo ponto onde
estava um banco com um boneco. Abaixamos uma esteira até o local onde
estava o banco com o boneco, chegamos ele um pouco para frente para pegar o
boneco, subimos a esteira e fomos ao final do fio.
Dificuldade de Programação: média. Dificuldade de construção do modelo:
média.
Ø 2
o
grupo equipe formada de 2 alunas.
Projeto básico: travessia. Objetivo: salvar um boneco.
Realização: botamos um sensor de toque na programação para quando
aparecesse tal número ele parasse de andar pela corda e descesse uma
cordinha para que salvasse o boneco que estava em cima da montanha.
Fizemos uma trava embaixo do RCX para se, no caso, ele virasse, aquela
trava não deixasse que o RCX caísse no chão. Botamos uma polia grande para
que o RCX andasse pela corda. Prendemos dois conectores simples com
encaixe, junto com a polia grande para que o segurasse. E botamos, também,
um motor para que fizesse a polia rodar.
Dificuldade de Programação: fácil. Dificuldade de construção do modelo:
fácil.
Ø 3
o
grupo: equipe formada por 5 alunas e 1 aluno.
Projeto básico: travessia. Objetivo: salvar um boneco.
Realização: andamos até o meio onde se encontrava o boneco. Abaixamos a
cordinha. Subimos a cordinha. Voltamos de onde saiu. Fizemos um bondinho
parecido com o do Pão de Açúcar, com 3 motores: dois para as rodas que
movimentavam e um para subir e descer a corda. Logo tivemos o salvamento
do boneco que estava em cima do banco, colocado no meio da sala.
Dificuldade de Programação: fácil. Dificuldade de construção do modelo:
fácil.
Ø 4
o
grupo equipe formada por 4 alunas e 2 alunos.
Projeto básico: travessia. Objetivo: fazer com que o gancho atravesse em uma
linha e salve dois bonecos que estão em lugares diferentes.
Realização: programamos dois controles independentes: um, quando aperta o
botão ele anda e quando aperta de novo ele para. E o outro controle, quando
selecionado, desce a corda de ajuda para o boneco; apertando de novo a
corda sobe.
Dificuldade de Programação: fácil. Dificuldade de construção do modelo:
fácil.
Ø 5
o
grupo equipe formada por 3 alunas e 3 alunos.
Projeto básico: travessia.
Realização: controlamos o projeto com um controle remoto e sensor de toque.
Fizemos andar e, em um ponto qualquer, parar através do controle para
resgatar um boneco. Fizemos uma montagem com um motor ligado a uma
polia para encaixar no fio que o robô anda e outro motor para descer o fio do
resgate.
Dificuldade de Programação: média. Dificuldade de construção do modelo:
fácil.
Ø 6
o
grupo- equipe formada por 4 alunas.
Projeto básico: travessia. Objetivo: salvar o bonequinho.
Realização: na programação utilizamos 2 sensores de toque: 1 para o motor
pequeno e 1 para o motor maior, que não funcionou. Na montagem a
dificuldade foi maior porque não conseguimos fazer uma montagem que
ficasse funcionando no fio. Não conseguimos fazê-lo funcionar.
Dificuldade de Programação: fácil. Dificuldade de construção do modelo:
Médio.
$ Com a palavra o professor...
Objetivo: um robô percorre um fio suspenso e salva um alpinista.
Como fazer: o aluno trabalha com montagem própria e deve superar
alguns obstáculos como mover o robô sobre o fio utilizando apenas um
motor. Para que isso ocorra, utiliza engrenagens, aumentando,
diminuindo ou igualando a RPM (Rotação por minuto).
O que é trabalhado: velocidade, equilíbrio e ajuste de momentos de força.
O que aprende: força, interpolação
(significa: busca do número correto
que complete a equação) nos controles de tempo e cálculo de proporção.
Observações do professor: o aluno precisa ter claro o conceito de força;
embora os segmentos de percurso sejam iguais, o tempo para percorrê-los é
diferente. Outro recurso a ser utilizado pelo aluno é o de varredura [significa:
limpar a área] da suposta área de resgate para garantir que o mesmo
aconteça.
Programação realizada por um grupo de alunos:
@ Com a palavra a pesquisadora: analisando os projetos...
Nestes projetos, novos conceitos são discutidos. Roldanas, polias e
esteiras são utilizados. É necessário, portanto, que os alunos
pesquisem sobre os mesmos. É uma programação mais complexa. O
grupo 4 inova, usando dois bonecos para serem salvos, o que exige
uma programação mais elaborada. São necessárias as habilidades
citadas nos projetos anteriores.
Projeto: Radar
E Com a palavra os alunos: as diversas explicações dadas para um mesmo
projeto.
Ø 1
o
grupo equipe formada por 4 alunos.
Projeto básico: barreira eletrônica. Objetivo: medir a velocidade de carros
(robôs) na rodovia.
Figura 35
Travessia
.
Realização: Medir a velocidade de um carro em uma distância de 60 cm.
Acionamos o primeiro sensor de luz (no início) que aciona um contador de
tempo que, no final da pista, aciona outro sensor de luz (exemplo).
60 cm = 30cm/s = 0,30m/s 0u 8,4 km
2
Nossa velocidade limite 90km/h (com tolerância de 3km/h); esse carro não
seria multado.
Dificuldade de Programação: média.. Dificuldade de construção do modelo:
média.
Ø 2
o
grupo equipe formada por 2 alunas e 3 alunos
Projeto básico: barreira eletrônica. Objetivo: construir um sistema robótico que
controle a velocidade dos carros.
Realização: Apertamos o sensor de toque e zeramos o temporizador. Depois
apertamos de novo, e o relógio começa a trabalhar. Apertamos o sensor, tempo
inferior a 5 segundos, e a luz verde acende, superior a 5 segundos a luz
vermelha acende.
Dificuldade de Programação: fácil. Dificuldade de construção do modelo:
difícil.
Ø 3
o
grupo equipe formada de 4 alunas e 2 alunos.
Projeto básico: radar. Objetivo: construção de uma pista com velocidade
máxima.
Realização: Com 2 sensores, 2 luzes. Quando um trem passa pelo 1
o
sensor, o
contador de tempo é ativado; quando passa pelo 2
o
sensor pára a contagem e
vê se for maior que 30 segundos, acende a lâmpada vermelha, se não acende
a lâmpada azul.
Dificuldade de Programação: média. Dificuldade de construção de modelo:
fácil.
$ Com a palavra o professor...
Objetivo: fotografar o carro, caso ultrapasse a velocidade permitida no
local trafegado.
O que é trabalhado: é discutida a ética, educação no tráfego, as medidas
de velocidade, possíveis erros de medição.
O que aprende: unidades de medidas, transformações, cálculo de
velocidade.
Observações do professor: um dos projetos mais elaborados, pois envolve
definições e cálculos de velocidade. Muito interessante é a rigidez que os
alunos têm quanto a flexibilidade da folga dada ao motorista em relação à
ultrapassagem da velocidade máxima permitida pela Lei do Trânsito.
Programação realizada por um grupo de alunos
Figura 36 - Radar
@ Com a palavra a pesquisadora: analisando o projeto
Esse projeto envolve um número maior de conceitos e, conseqüentemente,
de habilidades. Os conceitos de velocidade e tempo são discutidos baseados
nas experiências individuais. Alguns itens da Lei do Trânsito são discutidos
para que sejam modelados projetos que correspondam a esta realidade. Não
existe uma única condição, o que se pode comprovar na existência dos
conectivos [...e...] e [...ou...]. É um projeto que, além de conhecimentos
técnicos de montagem e programação, envolve conceitos físicos e também
questões referentes ao posicionamento do indivíduo no mundo.
Nos questionários aplicados, alguns alunos falam nos seus
depoimentos que, na Robótica Pedagógica, aprendem brincando. O
material utilizado na disciplina também é um brinquedo: o Lego. Atzingen
(2001, p 153) conta a história desse brinquedo...
Em 1932, na Dinamarca, um marceneiro chamado Ole Kirk
Christiansen começou um pequeno negócio fabricando tábuas de
passar roupa, escadas portáteis e brinquedos de madeira.
Seu filho de 12 anos, Godtfred, o ajudava.
Dois anos depois, com seis funcionários, deu à sua empresa o
nome de LEGO, juntando as primeiras letras das palavras Leg Godt
que significavam “boa brincadeira”.
Seu lema era “Só o melhor é bom o suficiente”. Em 1949 criou
o brinquedo LEGO, tijolinhos de plástico que juntos podiam se
transformar em casas, carros e em tudo o mais que a imaginação
permitisse. [...]
Ole Kirk Christiansen morreu em 1958 aos 67 anos e seu filho
Godtfred assumiu a companhia.
Hoje o grupo LEGO emprega mais de 9400 pessoas em 140
países, ocupando a posição de líder mundial no segmento de
brinquedos de montar.
Os brinquedos LEGO atendem a crianças de três meses a
dezesseis anos [...].
Utilizando-o na escola, poderia dizer que o lúdico está voltando à
essa e criando um novo espaço de prazer. E aí retomo a questão proposta
por Serpa:
Por que um espaço de prazer? Porque sob o ponto de vista educativo,
a aprendizagem é uma coisa lúdica, ou pelo menos ela é precedida
por um interesse lúdico. É só olhar/ver como uma criança aprende.
[...]. Elas aprendem de uma forma totalmente lúdica, caótica e
instável
82
.
E os brinquedos tecnológicos, será que possibilitam alguma
aprendizagem? Desde os tempos mais remotos, os brinquedos sempre
cativaram e possuíram a magia de inebriar as crianças, fazendo-as viajar
por mundos imaginários. Muitos brinquedos recheiam as prateleiras das
lojas todos os anos. E uma indústria poderosa e rica movimenta esse
mercado. A diferença é que os brinquedos antigos (a bola, o peão, a simples
boneca...) estão cedendo lugar para brinquedos que envolvem tecnologia
avançada. Veríssimo, através de sua crônica A Bola
83
, mostra essa diferença:
O pai deu uma bola de presente ao filho. Lembrando o prazer que
sentira ao ganhar a sua primeira bola do pai. Uma número 5 sem
tento oficial de couro. Agora não era mais de couro, era de plástico.
Mas era uma bola.
O garoto agradeceu, desembrulhou a bola e disse “Legal”. Ou o
que os garotos dizem hoje em dia quando gostam do presente ou não
querem magoar o velho. Depois começou a girar a bola, à procura de
alguma coisa.
- Como é que liga? - Perguntou.
- Como, como é que liga? Não se liga.
O garoto procurou dentro do papel de embrulho.
- Não tem manual de instrução?
O pai começou a desanimar e a pensar que os tempos são outros.
Que os tempos são decididamente outros.
- Não precisa de manual de instrução.
- O que é que ela faz?
- Ela não faz nada. Você é que faz as coisas com ela.
- O que?
- Controla, chuta...
- Ah, então é uma bola.
[...] O garoto agradeceu, disse “Legal” de novo, e dali a pouco o pai o
encontrou na frente da tevê, com a bola nova do lado, manejando os
controles de um vídeo game. Algo chamado Monster Ball, em que
times de monstrinhos disputavam a posse de um bola em forma de
blip eletrônico na tela ao mesmo tempo que tentavam se destruir
mutuamente. O garoto era bom no jogo. Tinha coordenação e
raciocínio rápido. Estava ganhando da máquina.
82
Fragmento da fala do Prof. Felipe Serpa no 1
o
momento da aula da disciplina Seminário de Pesquisa em Educa-
ção ocorrida em 20 de abril de 2001.
83
Fragmento da crônica A Bola de autoria de Luís Fernando Veríssimo. VERÍSSIMO, Luís Fernando. Comédias
para se ler na escola. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 41.
O pai pegou a bola nova e ensaiou algumas embaixadas.
Conseguiu equilibrar a bola no peito do pé, como antigamente, e
chamou o garoto.
- Filho, olha.
O garoto disse “Legal” mas não desviou os olhos da tela. [...]
Talvez um manual de instrução fosse uma boa idéia, pensou. Mas
em inglês, para a garotada se interessar.
A crônica de Veríssimo foi apresentada aos alunos de 5
a
série, em
uma avaliação parcial (teste) da disciplina Português. Uma das questões
interpretativas dizia: “- Ela não faz nada. Você é que faz as coisas com ela’.
Nessa fala, aparece claramente a diferença no modo de encarar o brinquedo
entre os garotos de antigamente e os de hoje. Explique, com suas palavras,
essa diferença”. Elegi a resposta de cinco alunos para representar o
pensamento grupal. As respostas complementam-se. ANX2 afirma que o
garoto da crônica agiu dessa forma porque, “antigamente, não tinha a sofisticação que
hoje tem. Naquela época era tudo brincadeiras manuais; bola, esconde-esconde, pega-pega, etc.”.
Coincidentemente, ARX6 diz que, antigamente, tudo era mais na base manual. Hoje existem
brinquedos que, com eletricidade ou pilhas, fazem coisas sozinhos ou brinquedos ainda mais modernos, jogos
eletrônicos. Então, quando uma criança ganha um brinquedo, tem certeza de que é um dos últimos citados”.
APX4 diz queos garotos de hoje em dia preferem encarar mesmo os jogos de futebol. E os garotos de
antigamente gostavam de jogos livres e bem criativos”. ATX8 afirma que os brinquedos
tecnológicos de hoje são mais interessantes, uma vez que desenvolvem o
potencial da criança, ao responder que, “antigamente, não havia tecnologia e, por isso, os
brinquedos eram mais bobos e, atualmente, os brinquedos são mais tecnológicos e desenvolvem mais o cérebro
da criança”. ASX7 ratifica essas questões ao dizer que os brinquedos de hoje ligam, têm manual de
instrução e, geralmente, são eletrônicos. Os de antigamente eram simples como o boneco, o peão, etc. Quero
dizer: você fazia o que quisesse com eles, hoje até as bonecas falam sozinhas”. Mas as bonecas não
só falam como são capazes de realizar atividades com a criança. Um exemplo
é uma boneca americana, a Amazing Amy, criada por Judy Shackelfo
(criadora de brinquedos da Playmates)
84
. Segundo ela, a Amazing Amy é “uma
menina virtual com um relógio interno”. Devido ao sucesso de vendagem
alcançado, está inspirando a criação de uma nova boneca, a Amazing Ally.
Ela faz várias atividades com a criança, e cada uma vem com um par de
calçados mágicos. Quando ela calça este sapato especial, passa a ter um
vocabulário novo sobre a atividade especifica que realizará com a criança”
85
.
Para Hirschlowits (Toy Historian)
86
, “o desejo pelos brinquedos não muda
com os anos. Na verdade, o brinquedo não muda; o que muda e permite que
ele seja diferente, ao longo das décadas, é a tecnologia”. A boneca é um bom
exemplo do que afirma Hirschowits, pois existe há vários séculos e esteve
presente em todas as civilizações, exercendo, em cada uma delas, um
fascínio diferente. De misticismo à entretimento, dos túmulos de
crianças onde foram encontradas em várias civilizações (egípcia, grega,
etrusca, romana, asteca) aos presépios do século XII, dos modelos
simples de antigamente aos que simbolizam personagens televisivos atuais,
as bonecas fizeram-se (e se fazem) presentes na vida tanto das crianças
quanto dos adultos. E o que dizer das belas e românticas histórias que
envolvem bonecos, como a da bailarina que se apaixona pelo velho e
quebrado soldadinho de chumbo, desprezado e jogado fora por seu dono,
nos contos de Andersen
87
? Segundo Atzingen (2001, p. 5):
84
Extraído do programa Segredos do Natal exibido pela Discovery Channel em 06 fev de 2003.
85
Id.
86
Id
87
O Soldadinho de Chumbo escrito por Hans Christian Andersen. Coleção Clássicos de Sempre. São Paulo:
Siciliano, s.d.
A origem das bonecas se perde no tempo. Possivelmente as
primeiras estatuetas de barro tenham sido feitas pelo Homo sapiens
sapiens há 40 mil anos, na África e na Ásia, com propósitos
ritualísticos. No Museu de História Natural de Viena, na Áustria,
encontra-se uma das mais antigas figuras humanas conhecida, a
Vênus de Willendorf (25 mil-20mil a.C.), uma pequena estatueta de
formas arredondadas, considerada um símbolo de fertilidade.
A transição das bonecas como ídolos para brinquedos
provavelmente ocorreu no Egito, há 5 mil anos.
A primeira fábrica de bonecas surgiu em 1413, em Nuremberg, na
Alemanha. Mas elas só chegaram definitivamente às mãos da crianças do
século XVIII, com a Revolução Industrial. No Brasil, as bonecas começaram
a ser fabricadas em série (cópias das bonecas americanas) a partir de 1945.
Hoje existem de todos os tipos: as que choram, falam, fazem xixi. Os bonecos
imitando os super-heróis, também são fabricados e desmistificam a idéia de
que é um brinquedo feminino. Lembrar a infância e as brincadeiras é próprio
do ser humano. Romancistas e poetas brasileiros o fazem com maestria e
poesia: Graciliano Ramos conta, em seu livro de memórias, Infância, suas
lembranças de menino pobre que precisava construir brinquedos de barro
quando tantas outras crianças “abastadas” já possuíam brinquedos
mecânicos; José Lins do Rego, em Menino de Engenho, relembra as suas
peraltices de criança, subindo em árvores e nadando em rios; Carlos
Drummond de Andrade, em sua obra poética A Família Que Me Dei
relembra, no poema Infância, os tempos saudosos que, “sozinho, menino
entre mangueiras, lia a história de Robinson Crusoé, comprida história que
não acaba mais”
(Drummond,1999, p. 67); José Mauro de Vasconcelos, em
Meu Pé de Laranja Lima, mostra, através de seu personagem principal, as
aventuras de um menino pobre que realizava os seus sonhos através das
brincadeiras, às vezes um tanto “maldosas”; já Ziraldo, encanta o imaginário
infantil, com as brincadeiras atuais do Menino Maluquinho. São muitos os
poetas e romancistas (uma missão impossível citá-los todos) que trazem a
importância de uma infância feliz cercada de brincadeiras de rua, jogos e
brinquedos. As crianças são as maiores responsáveis pela criação (ou
mesmo transmissão) de uma brincadeira de rua ou o sucesso de um
brinquedo. Isso é deliciosamente mostrado no filme Quero ser Grande,
estrelado por Tom Hanks, que narra a história de um garoto de doze anos
que vê seu pedido de tornar-se adulto atendido por uma estranha máquina
instalada num parque de diversões. Mesmo adulto, carrega consigo não só o
raciocínio, mas as emoções de um menino, o que encanta um “velho” dono
de uma fábrica de brinquedos. Logo ganha uma sala especial onde pode
brincar e escolher os brinquedos que farão sucesso. A sua sensibilidade e o
viver infância o fazem acertar nas melhores escolhas para o mercado. Dois
outros filmes trazem, nas entrelinhas, essa mesma sensibilidade: A Revolta
dos Brinquedos, estrelado por Robin Williams, aposta numa história
recheada de emoções, que fala de Leslie, herdeiro da fábrica de brinquedos
de seu pai e, em determinado momento da história, precisa brigar com o
seu tio, um velho general do exército, que assume o comando da fábrica
após a morte do dono, numa luta que arrola brinquedos antigos como
bailarinas, soldadinhos de chumbo, trenzinhos... contra bonecos com
inteligência artificial, caminhões blindados controlados através de
computadores, idealizados com o intuito de formar e treinar um exército
infantil. Neste filme, Leslie tem uma irmã “fabricada” pelo pai: um robô que
fala e sente como os humanos. Em contrapartida, os Pequenos Guerreiros
apresenta uma história contrária: um empresário dono de uma fábrica de
desenvolvimento de chips poderosos (utilizados em armas bélicas) resolve
investir em brinquedos com inteligência artificial. Surgem daí os bonecos do
Comando de Elite e os Gorgonites. Os personagens de desenhos animados
ou os “super-heróis” fabricados pela mídia também são grandes responsáveis
pela produção em massa de brinquedos. Bell Horward, presidente da
Playworks, afirma que: “Devido à importância dos personagens da TV na
vida das crianças e de personagens do cinema, o padrão será brinquedos nos
quais elas projetam suas personalidades e podem agir como os personagens
agiriam”
88
O filme Um Herói de Brinquedo, estrelado por Arnold
Schwarzenegger conta, de maneira hilariante, a influência que um super-
herói (Turbo Man), personagem de desenho infantil, exerce sobre o
imaginário de uma criança e sobre o comportamento dos adultos Porém...
histórias são sempre histórias e serão sempre contadas através das pessoas,
de livros e filmes, perpetuando e transmitindo a cultura dos seus povos.
Bonecas, trens, peões ou brincadeiras de pegar, o importante é que o
brincar é considerado pelos estudiosos como um aliado no desenvolvimento
da criança e no seu processo de aprendizagem. Mas o que realmente dizem
os especialistas com relação a arte de brincar?. Para Kishimoto
89
:
O desenvolvimento da criança deve ser entendido como um processo
global, um processo holístico. O que significa isso? No brincar, a
criança está andando, correndo, pulando, ou seja, desenvolvendo a
sua motricidade paralelamente ao desenvolvimento social, porque ela
brinca com parceiros, ela está se integrando e paralelamente na hora
que ela brinca, ela usa regras, ela usa informações; na brincadeira
está estabelecendo relações cognitivas e também na brincadeira ela
discute o que é certo, o que é errado, então está discutindo as
questões de moralidade; então, estamos lidando com um ser humano
inteiro quando se brinca.
88
Extraído do programa Segredos do Natal exibido pela Discovery Channel em 06 fev de 2003.
89
Resposta da Profa. Tizuco Morchida Kishimoto ao questionamento do Prof Luis Barco: Qual é a importância da
brincadeira para o desenvolvimento da criança? Fragmento extraído do vídeo Brincadeiras na educação produzido
pela Atta Vídeo.
Se o brincar desenvolve o ser humano sob os seus múltiplos
aspectos, então porque a instituição escola não se apropria mais
profundamente e assume o brincar como um dos seus pressupostos, como
uma possibilidade educativa? Fróes
90
aponta a necessidade do prazer, do
lúdico estar presente na escola, lugar que, no entanto, os tem negado:
Uma questão que para nós, na escola e no currículo, é muito
importante, que é a questão do prazer, a questão do lúdico, e que a
escola sempre negou, sempre reprimiu. A escola estava lá para não
deixar as crianças brincarem, para não deixar os adolescentes
brincarem, para controlar o corpo.
Kishimoto
chama atenção para a forma como o brincar é utilizado
na escola, nem sempre propiciando interações fundamentais para o
desenvolvimento da criança. Segundo ela
91
:
O brincar entrou na escola recebendo um significado extremamente
diretivo, eliminando a liberdade que faz parte do processo de brincar.
Então no âmbito escolar, o que nós observamos são dois momentos:
alguns professores usam o brincar de forma livre, espontânea, sem
se preocupa que no brincar você necessita de objetivos, de
parcerias, necessita de conteúdos. Então esse brincar espontâneo,
espontaneísta e que se imagina como qualquer coisa. O nada se
brinca. Eu estou entendendo, estou vendo um brincar que não está
desenvolvendo a criança e não está levando a aprendizagem da
criança. Por outro lado, se a gente entende o brincar como um
processo que ajuda o desenvolvimento da criança, a construção do
conhecimento, isso implica que a escola tem que se preparar para
criar espaço de brincadeira, os objetos, os brinquedos, os materiais,
as informações, as regras do brincar. Todo esse conteúdo tem que
fazer parte da formação do profissional. Então, se ele não tiver essa
formação, dificilmente ele vai usar as brincadeiras como uma forma
de desenvolvimento da criança; ele vai usar a brincadeira como uma
forma de recreação, de tapa buraco; ele não sabe o que fazer, ele
deixa a criança livre para ocupar aquele espaço e não como
instrumento de desenvolvimento da criança.
O brincar envolve múltiplas atividades: livres, de correr, jogos... e
envolve, também, de maneira direta, o brinquedo. Normalmente, os termos
jogos, brinquedos e brincadeiras são relacionados a atividades lúdicas e
90
Palavras ditas pela Prof. Dra. Teresinha Fróes Burnham na apresentação do projeto da pesquisadora na
disciplina Projeto de Dissertação em 01 de abril de 2002.
91
Extraído do vídeo Brincadeiras na educação produzido pela Atta Vídeo.
prazerosas. Vigotski ( 1998, p. 121) discorda de que a definição do brinquedo
esteja relacionada ao prazer. Para o autor:
Definir o brinquedo como uma atividade que dá prazer à
criança é incorreto por duas razões. Primeiro, muitas atividades dão
à criança experiências de prazer muito mais intensas do que o
brinquedo, como por exemplo, chupar chupeta, mesmo que a criança
não se sacie. E, segundo, existem jogos nos quais a própria atividade
não é agradável, como por exemplo, predominantemente no fim da
idade pré-escolar, jogos que só dão prazer à criança se ela considera
o resultado interessante. Os jogos esportivos (não somente os
esportes atléticos, mas também outros jogos que podem ser ganhos
ou perdidos) são com muita freqüência, acompanhados de desprazer,
quando o resultado é desfavorável para a criança.
No entanto, enquanto o prazer não pode ser visto como uma
característica definidora do brinquedo, parece-me que as teorias que
ignoram o fato de que o brinquedo preenche necessidades da
criança, nada mais são do que uma intelectualização pedante da
atividade de brincar. Referindo-se ao desenvolvimento da criança em
termos mais gerais, muitos teóricos ignoram, erroneamente, as
necessidades das crianças entendidas em seu sentido mais amplo,
que inclui tudo aquilo que é motivo para a ação. Freqüentemente
descrevemos o desenvolvimento da criança como o de suas funções
intelectuais; toda criança se apresenta para nós como um teórico,
caracterizado pelo nível de desenvolvimento intelectual superior ou
inferior, que se desloca de um estágio a outro. Porém, se ignoramos
as necessidades da criança e os incentivos que são eficazes para
colocá-la em ação, nunca seremos capazes de entender seu avanço
de um estágio do desenvolvimento para outro, porque todo avanço
está conectado com uma mudança acentuada nas motivações,
tendências e incentivos. Aquilo que é de grande interesse para um
bebê deixa de interessar uma criança um pouco maior. A maturação
das necessidades é um tópico predominante nessa discussão, pois é
impossível ignorar que a criança satisfaz certas necessidades no
brinquedo. Se não entendemos o caráter especial dessas
necessidades, não podemos entender a singularidade do brinquedo
como uma forma de atividade.
Fica claro nas palavras de Vigotski a importância do brinquedo
para o desenvolvimento infantil. Mas o que é um brinquedo? Normalmente
os termos jogo, brinquedo e brincadeira são empregados de forma indistinta,
como se significassem a mesma coisa. Cada um deles, no entanto, traz o seu
próprio significado. Brougère (1995, p. 62-63) apresenta as seguintes
definições para o brinquedo:
Os brinquedos podem ser definidos de duas maneiras: seja
em relação à brincadeira, seja em relação a uma representação
social. No primeiro caso, o brinquedo é aquilo que é utilizado como
suporte numa brincadeira; pode ser um objeto manufaturado, um
objeto fabricado por aquele que brinca, uma sucata, efêmera, que só
tenha valor para o tempo da brincadeira, um objeto adaptado. Tudo,
nesse sentido, pode se tornar um brinquedo e o sentido de objeto
lúdico só lhe é dado por aquele que brinca enquanto a brincadeira
perdura. No segundo caso, o brinquedo é um objeto industrial ou
artesanal, reconhecido como tal pelo consumidor em potencial, em
função de traços intrínsecos (aspecto, função) e do lugar que lhe é
destinado no sistema social de distribuição de objetos. Quer seja ou
não utilizado numa situação de brincadeira, ele conserva seu caráter
de brinquedo, e pela mesma razão é destinado à criança.
O brinquedo é um objeto utilizado como suporte para a brincadeira;
difere, no entanto, do jogo como explica Kishimoto (2001, p. 18):
Diferindo do jogo, o brinquedo supõe uma relação íntima com a
criança e uma indeterminação quanto ao uso, ou seja, a ausência de
um sistema de regras que organizam sua utilização.
Uma boneca permite à criança várias formas de brincadeiras,
desde a manipulação até a realização de brincadeiras como “mamãe
e filhinha”. O brinquedo estimula a representação, a expressão de
imagens que evocam aspectos da realidade. Ao contrário, jogos, como
xadrez e jogos de construção exigem, de modo explícito ou implícito,
o desempenho de certas habilidades definidas por uma estrutura
preexistente no próprio objeto e suas regras.
Admite-se que o brinquedo represente certas realidades. Uma
representação é algo presente no lugar de algo. Representar é
corresponder a alguma coisa e permitir sua evocação, mesmo em sua
ausência. O brinquedo coloca a criança na presença de reproduções:
tudo o que existe no cotidiano, a natureza e as construções
humanas. Pode-se dizer que um dos objetivos do brinquedo é dar à
criança um substituto dos objetos reais, para que possa manipulá-
los.
O brinquedo traz, em seu significado, a impregnação da cultura de
uma sociedade e a reprodução de seus avanços. Hoje são comuns os
brinquedos eletrônicos, próprios de uma sociedade permeada pela
tecnologia. Para Kishimoto (2001, p. 18-19):
Duplicando diversos tipos de realidades presentes, o brinquedo
metamorfoseia e fotografa a realidade. Não reproduz apenas objetos,
mas uma totalidade social. Hoje os brinquedos reproduzem o mundo
técnico e científico e o modo de vida atual, com aparelhos
eletrodomésticos, naves espaciais, bonecos e robôs. A imagem
representada não é uma cópia idêntica da realidade existente, uma
vez que os brinquedos incorporam características como tamanho,
formas delicadas e simples, estilizadas ou, ainda, antropomórficas,
relacionadas à idade e gênero do público ao qual é destinado.
Os brinquedos podem incorporar, também, um imaginário
preexistente criado pelos desenhos animados, seriados televisivos,
mundo da ficção científica com motores e robôs, mundo encantado
dos contos de fada, estórias de piratas, índios e bandidos. Ao
representar realidades imaginárias, os brinquedos expressam,
preferencialmente, personagens sob forma de bonecos, como
manequins articulados ou super-heróis, misto de homens, animais,
máquinas e monstros.
[...] O fabricante ou sujeito que constrói brinquedos neles introduz
imagens que variam de acordo com a sua cultura. Cada cultura tem
maneiras de ver a criança, de tratar e educar.
[...] A imagem de infância é reconstituída pelo adulto por meio de um
duplo processo: de um lado, ela está associada a todo um contexto
de valores e aspirações da sociedade, e, de outro, depende de
percepções próprias do adulto, que incorporam memórias de seu
tempo de criança. Assim, se a imagem de infância reflete o contexto
atual, ela é carregada, também, de uma visão idealizada do passado
do adulto, que contempla sua própria infância. A infância expressa
no brinquedo contém o mundo real, com seus valores, modelos de
pensar e agir e o imaginário do criador do objeto.
Acompanhando o momento de evolução tecnológica, os
brinquedos eletrônicos estão cada vez mais potentes e capazes de realizar
ações antes só vistas em histórias em quadrinhos e filmes de ficção. Mas
será que eles podem ser considerados auxiliares no processo de socialização
e de aprendizagem? Segundo Turkle (1989, p. 15):
Os computadores despertam sentimentos fortes, mesmo em
quem não está em contato directo com eles. As pessoas sentem a
presença de algo novo e excitante. Mas receiam a máquina, que
consideram poderosa e ameaçadora. Lêem jornais que falam de
“viúvas de computadores” e previnem contra o perigo da “viciação em
computador” Os pais acham-se divididos no que se refere ao
envolvimento dos filhos não só com o computador, mas também com
os irmãozinhos dessa máquina, a nova geração de brinquedos
electrónicos. Os brinquedos prendem a atenção de crianças que
nunca antes se haviam sentado quietas, nem sequer em frente de
um ecrã de televisão. Os pais vêem que os brinquedos podem ser
educativos, mas receiam o tipo de envolvimento das crianças com
eles. “É assustador que os seus companheiros de brincadeiras sejam
máquinas”. “Gostava que o meu filho não levasse para a cama o seu
‘Pequeno Professor’. Não me importava se fosse um livro, achava
óptimo um bicho de pelúcia, mas provoca-me uma sensação
esquisita que ele leve a máquina para a cama”. Estou sentada num
banco de jardim, com a mãe de uma garota de seis anos, que joga às
perguntas e respostas com um robô controlado por computador. A
criança fala com a máquina quando esta a repreende por uma
resposta errada ou a felicita por uma certa. “Meu Deus”, diz a mãe,
“ela trata aquela coisa como se fosse uma pessoa. Acha que ela
pensa que as pessoas são máquinas?”
Boff, ao analisar a sociedade contemporânea, afirma que, apesar
de tantos meios de comunicação, quanto mais pessoas estão
interligadas através da conexão promovida pela Internet, mais solitárias e
incomunicáveis estão. Um dos exemplos citados por ele é um brinquedo
tecnológico. Na realidade, um bichinho virtual, que muito sucesso fez entre a
criançada. Ele analisa o Tamagochi da seguinte forma (1999, p.12-13):
O que é o tamagochi? É uma invenção japonesa dos inícios de
1997. Um chaveirinho eletrônico, com três botões abaixo da telinha
de cristal, que alberga dentro de si um bichinho de estimação virtual.
O bichinho tem fome, come, dorme, cresce, brinca, chora, fica doente
e pode até morrer. Tudo depende do cuidado que recebe ou não de
seu dono ou dona.
O tamagochi dá muito trabalho. Como uma criança, a todo
momento deve ser cuidado; caso contrário, reclama com seu bip; se
não for atendido, corre risco. E quem é tão sem coração a ponto de
deixar um bichinho de estimação morrer?
O brinquedo transformou-se numa mania e tem mudado a
rotina de muitas crianças, jovens e adultos que se empenham em
cuidar do tamagochi, dar-lhe de comer, deixá-lo descansar e fazê-lo
dormir. O cuidado faz até o milagre de ressuscitá-lo, caso tenha
morrido por falta de atenção e cuidado.
Bem disse um perspicaz cronista carioca: “solidão, seu
codinome é tamagochi”. O cuidado pelo bichinho de estimação
virtual denuncia a solidão em que vive o homem/a mulher da
sociedade da comunicação nascente. Mas anuncia também que,
apesar da desumanização de grande parte de nossa cultura, a
essência humana não se perdeu. Ela está na forma do cuidado,
transferido para um aparelhinho eletrônico, ao invés de ser investido
nas pessoas concretas à nossa volta: na vovô doente, num colega de
escola deficiente físico, num menino ou menina de rua, no velhinho
que vende o pão matinal, nos pobres e marginalizados de nossas
cidades ou até mesmo num bichinho vivo de estimação qual seja um
hamster, um papagaio, um gato ou um cachorro.
O cuidado serve de crítica à nossa civilização agonizante e
também de princípio inspirador de um novo paradigma de
convivialidade.
Diferente de Boff, Turkle defende a idéia que existe uma nova
forma de relação, na qual o homem se comunica com objetos
computacionais, através da conversa, assumindo-os como um outro. Essa
relação envolveria os objetos relacionais que incluem o “software ‘afetivo’ e
robôs humanóides, animais de estimação e bonecas digitais”. Para a autora
(2001, p. 391):
Os objetos computacionais não são mais efetivamente
“neutros”. As pessoas estão aprendendo a se relacionar com
computadores através de conversação e gestos, estão aprendendo
que para se relacionar de forma bem sucedida com um computador
devem avaliar seu “estado emocional”, estão aprendendo que quando
defrontamos com uma máquina computacional, não perguntamos
como ela “funciona” no sentido de qualquer processo subjacente,
mas vemos a máquina por seu “valor de interface”, em grande parte
como faríamos com outra pessoa.
Talvez mais importante, uma primeira geração de crianças está
aprendendo a pensar nos objetos como entidades de quem elas
precisam cuidar e alimentar para ser recompensadas. Esses novos
paradigmas para o relacionamento com as máquinas levantam
muitas novas questões sobre como as pessoas pensam a identidade
humana, sobre o que há de especial em ser uma pessoa.
Consideremos os animais de estimação virtuais (como os
Tamagoshis) e as bonecas digitais (como as Furbies). O que esses
objetos têm e que os objetos computacionais anteriores não tinham é
que eles pedem, o cuidado das crianças. Eles pedem que a criança
avalie o “estado de espírito” do objeto para desenvolver um
relacionamento satisfatório com o objeto. Por exemplo, a fim de
crescer e ser saudável, os Tamagoshi precisam ser alimentados,
precisam ser limpos e entretidos. As Furbies, um brinquedo mais
recente, simulam aprendizagem e amor. Elas são carinhosas, elas
falam e participam de jogos com a criança. As Furbies acrescentam
elementos da conversação humana e o companheirismo a muitas
outras coisas que a criança pode esperar dos objetos
computacionais.
O Tamagoshi, falado pelos dois autores, é um bichinho virtual
inventado no Japão por Aki Maita, em 1996. Em meados de 1997, chegou ao
Brasil fazendo um grande sucesso. Lembro-me da época em que os
Tamagoshis viraram “febre” no meio da garotada. Os professores não
sabiam como resolver a questão, pois os brinquedos eram levados às salas e
as aulas interrompidas a cada vez em que o “bichinho” de uma criança
soava o seu “bip”, pedindo comida ou avisando que estava com sono, enfim
dando sinal de que “estava vivo”. Muitas escolas optaram em criar espaços
alternativos onde as crianças deixavam os seus bichinhos virtuais (sob
responsabilidade de alguém da escola) e só se relacionavam com eles na
hora do intervalo. Mas, assim como chegou, a “febre” desapareceu.
São muitos os brinquedos eletrônicos já lançados. E destes, muitos
têm a aparência de robôs. Segundo Atzingen (2001, p. 158), “o primeiro robô
de brinquedo foi o Robby, movido por um motor de relógio, lançado em 1956
pela companhia japonesa Ko-Yoshida, baseado no filme Forbidden
Planet.[...]. Na Casa dos Sonhos, uma espécie de museu montado na Cidade
de São Paulo, pela Manufatura de Brinquedos Estrela, encontram-se
expostos brinquedos da sua coleção. Em 1969, a Estrela já lançava um
brinquedo robô (ver Figura 37, em Anexo B). Com a aparência metálica, não
possuía muitas funções além de andar para frente e para trás e piscar luzes.
Logo vieram robôs mais avançados: o Ar-tur, em 1981 (ver Figura 38, em
Anexo B), que funcionava através de controle remoto e Percival, o genial em
1983 (ver Figura 39, em Anexo B), comandado através de visíveis botões.
Também, nesse período, dois outros brinquedos foram lançados
pela Estrela, porém sem a aparência metálica dos robôs: o Genius (1980) e o
Merlin (1981). Mas, como as crianças interagem com esses brinquedos
eletrônicos? A fim de observar essa interação e discutir a relação (existente!)
entre brinquedos eletrônicos e a disciplina Robótica Pedagógica,
proporcionei, em julho de 2003, uma oficina com vários dos brinquedos
eletrônicos existentes no mercado (muitos outros brinquedos foram lançados
após essa pesquisa, pois a indústria não pára e movimenta cifras
assustadoras). Participaram da oficina 11 alunos com faixa etária variando
entre 11 e 12 anos.
No primeiro momento, as crianças ficaram maravilhadas diante da
variedade de brinquedos tecnológicos (no Apêndice B são descritos os
brinquedos disponibilizados) espalhados pelo laboratório de Robótica
Pedagógica. As meninas AEX1, AHX8, AFX6 e AIX9 escolheram a mesa onde
estavam colocados os bonecos de pelúcia. Os meninos ADX5 e ALX1
escolheram os brinquedos com aparência de robô (estrutura metálica). ANX2
e AOX3 (meninos) escolheram os robôs de controle remoto. APX4 e AQX5
(meninas) mantiveram-se observando. Depois de algum tempo, todos eles
começaram a movimentar-se pelas mesas, experimentando os brinquedos:
como liga, como se movimenta, o que faz. Pareceu-me um momento mágico,
de descobertas. Logo a sala estava completamente tomada pela alegria. O
som próprio de cada um dos brinquedos misturava-se no ar, formando um
grande barulho. Músicas, luzes, tudo era rápido. O mais importante... a
alegria e a surpresa estampada no rosto de cada um. Os brinquedos mais
simples, como o Talking Robot, eram constantemente ligados. De repente, os
brinquedos “solitários” tomaram ares coletivos. Formou-se uma roda com
crianças sentadas no chão, brincando e descobrindo coletivamente. Pouco
tempo depois, a roda se desfez, e cada um deles procurou o brinquedo da
sua preferência. Durante toda a oficina, as crianças não se concentraram
nem levavam muito tempo em um único brinquedo. Essa reação pode ser
explicada pelo que diz Wassermann (1990, p. 14). Segundo ele, as crianças:
Nunca conseguem estar atentas durante muito tempo >
- é uma espécie de rótulo, que nós inventamos, para explicar por que
razão as crianças pequenas não se mostram interessadas em fazer o
que nós achamos que elas deveriam fazer. Raramente se aplica às
crianças que estão deliberadamente empenhadas em investigações
por sua conta e risco. Basta observar as crianças enquanto brincam
para nos apercebemos da sua capacidade inventiva, do seu gosto
pela experiência, da sua persistência, da criatividade das soluções
que encontram.
Poucas vezes, as crianças buscaram a nossa ajuda. Estavam
presentes a pesquisadora, o professor de Robótica Pedagógica e um
monitor (aluno da 8
a
série) que se propôs a ajudar; como conhecia o
funcionamento de todos os brinquedos, foi o responsável em ajudar as
crianças na parte da operacionalização. Uma hora depois de iniciarmos a
oficina, foi proposta uma rodada de discussão mediada pelo professor de
Robótica Pedagógica, que iniciou a conversa da seguinte forma:
Professor - Um monte de coisas que a gente estuda aqui na robótica
e independente de estudar na robótica, queria ouvir a opinião geral
de vocês sobre esses robôs. Existem robôs aqui que por mais que
vocês brinquem, vão cada vez mais descobrir coisas sobre eles. Tem
robôs que possuem joguinhos embutidos e que para vocês acessarem
precisam fazer combinações entre os diversos sensores, e que não
dava, nesse espaço de tempo. Nós queremos ouvir somente o que
vocês descobriram, o que vocês acham dos brinquedos.
As crianças escolheram o Ir-V (o primeiro robô interativo através da
Internet) para iniciarem a conversa. Logo dois deles indicaram quem era o Ir-
V (o laranja ou o verde). As crianças apontaram muitas das possibilidades
existentes no Ir-V. AOX3 coloca que “ele canta, mexe a orelhinha, se fizer a programação
certa, pode jogar nele”. É interrompido por AEX1, que diz: “toca música, anda, é tipo assim...
com a Internet... sei lá, pode se jogar nele”. AOX3 vai em sua ajuda e complementa,tipo um
celular”. APX4 e ADX5 não brincaram com o Ir-v. Nenhuma das crianças
conseguiu jogar, AOX3 disse que “quase conseguiu; eu coloquei lá, tinha lá um balãozinho
vermelho, tinha lá um negócio todo atrapalhado, eu quase consegui.
Todos queriam falar ao mesmo tempo sobre o Millenium Robot;
Figura
40
Professor de
Robótica mediando a
discussão coletiva.
foram então completando coletivamente. Descobriram que ele abre e gira a
parte de cima do corpo. Neste momento AEX1 levanta e imita o movimento
do robô, na intenção de mostrar ao professor o que queriam dizer. O
professor questionou como eles poderiam controlar o robô. ANX2 diz,
simplesmente, “é só a gente ligar”. AQX5 disse: “a gente liga e ele vai sozinho e quando desliga
pára”. Na discussão ficou claro que o robô não utilizava controle remoto e que
existia uma programação fixa para executar seus movimentos. AOX3 chama
atenção “que a programação é igual a que a gente faz aqui no robô, de programar para ele andar, fazer
alguma coisa, de acender a luz por três segundos. O professor pergunta que tipos de
mecanismos devem existir no robô, o que rapidamente é mostrado pelas
crianças. Eles identificam lâmpadas, sensores. AEX1 identificou sensores
nos olhos, o que AOX3 discordou, dizendo que, quando liga, começa a andar e, quando
desliga, ele não anda mais. Se fosse sensor, não teria o botãozinho atrás e se aproximasse faria igual aquele
robozinho cachorro” referindo-se ao cachorro robô (um pequeno cachorro que tem
um sensor no nariz). AFX6 explica como funcionam os robôs que brigam: “a
gente bota ele no chão e tem dois controles; cada controle é para um robô e os dois ficam lutando; tem
movimento no braço, no ombro; tem o murro, fica andando pra frente e pra trás. ADX5
complementa dizendo que “o objetivo da luta você tem que acertar como se fosse no coração para
ele parar. Quem fez o outro parar ganha”. O professor pergunta que tipo de sensores ou
elementos robóticos os robôs possuem. ADX5 responde: “uma programação e um
sensor de toque. Assim que você acerta, ele pára e depois volta a funcionar. Quando tomava um murro ele
parava, voltava para trás, para depois continuar. Quando tomava o murro não conseguia controlar”. Com
relação ao Furby, os alunos disseram possuir sensor de luz, fala, arrota,
espirra, mexe a orelha e os movimentos são realizados através de
engrenagens. ADX5 diz que “ele tem sentimentos como nós, humanos, porque ele chora, ele fica
feliz, ele dorme, coisas que nós fazemos”. Quando questionado se a máquina poderia ter
sentimentos, ele responde: é possível fazer isso se for programado para ter. Conforme a
tecnologia avança, vamos descobrindo cada vez mais coisas e vai chegar um momento em que nós poderemos
fazer qualquer coisa”. E discussão e as descobertas foram realizadas em todos os
brinquedos apresentados. No final da oficina, apliquei um questionário
escrito para saber qual o brinquedo que mais gostaram e como tinham se
sentido participando da mesma. O professor fez o mesmo questionamento,
oralmente, a cada criança para ver como se expressavam. As respostas que
se seguem contemplam as respostas dadas pelas crianças aos dois
questionamentos. Elas foram editadas para uma melhor compreensão:
ANX2 Eu gostei. Achei que os brinquedos são divertidos, muitos são programados.
Brinquei com um monte deles. Gostei mais do “boneco escalador” porque a gente tem
objetivo que é chegar lá em cima. Me senti feliz, pois o boneco é divertido.
AFX6 Eu achei legal porque tem vários brinquedos diferentes, legais, bem divertidos.
Gostei dos robôs que brigam porque eles brigam. Me senti feliz. Gostei também do
Wuvluv porque, além dele ser muito fofo, é divertido pra caramba.
AUX9 Também gostei dos brinquedos. Achei eles interessantes por causa da
programação e das funções que eles têm para poder fazer. Achei bem legal. Os brinquedos
têm em comum funções e programação. Gostei mais do Furby porque ele fala, pede
comida, carinho, pisca o olho, abre e fecha a boca. Me senti feliz.
AIX9 Eu achei interessante e divertido; legal. Brinquei com ADX5 com os robôs que
brigam. Gostei mais do boneco que escala porque escala e porque é dificil e cada vez mais
você quer chegar lá em cima.
AEX1 Eu gostei. Achei interessante. Tem alguns robôs que servem para ensinar
alguma coisa. Achei legal. O boneco que mais gostei foi o rosinha porque além dele ser
fofinho, bonitinho, tem um filhinho. De dentro da barriga dele sai um ovinho e aí tem o
filhinho. Ele é tipo humano, a gente tem que dar carinho. Me senti feliz. É muito
engraçado.
AHX8 A gente brincou e aprendeu ao mesmo tempo porque tem robôs que nos ensinam
algumas coisas. Eu gostei mais do Wuvluv porque ele é fofinho, bonitinho, fala, canta e
tem um filhinho que o acompanha.
AQX5 Achei muito legal porque a gente aprende sobre os robôs. O brinquedo que mais
gostei foi o planetário porque ele faz perguntas e ensina.
APX4 Foi legal porque a gente teve a oportunidade de aprender coisas que a gente
nem sabia que existia. A diferença entre a programação e as coias que a gente monta.
Acho mais interessante os robôs que a gente monta na robótica. Eu gostei mais do Yano
porque conta histórias.. Me senti feliz com as histórias que ele conta, me senti à vontade.
Gostei também do Wuvluv porque ele é legal, a gente ouve um monte de coisas que ele
fala e faz.
AOX3 Achei legal porque a gente se divertiu, a gente aprendeu algumas coisas como
em robótica. O que tem naquele robô que faz ele movimentar, mexer, fazer tudo assim.
Também gostei porque a gente aprendeu a mexer, a gente aprendeu a raciocinar como liga
e para mexer em alguns robôs. Gostei mais do bonequinho escalador porque ele sobe um
paredão feito de brinquedo. A gente tem que arrumar algum jeito de se posicionar para
ele não cair; se ele cair a gente perde o jogo. Eu me senti feliz.
ADX5 Eu achei divertido porque além da gente brincar, a gente aprendeu de maneira
que alguns brinquedos eram educativos, uns ensinavam letras, outros contavam
histórias, alguns tinham sentimentos. Aprendemos algumas coisas de robótica como
sensores de luz e de toque. Gostei mais do tigre (cyber animal) porque ele ruge e anda. Ao
brincar com ele me senti feliz pois gosto de tigres e o brinquedo me satisfez Eu gostei,
também, do que carrega coisas pois além dele ser útil,, ele pode iluminar algum lugar que
esteja escuro e que você queira entrar..
ALX1 Achei interessante. Gostei mais do Rad porque ele atira e anda.
Não foram entregues manuais às crianças. Embora não
conhecessem os brinquedos, como eles afirmaram, não enfrentaram
dificuldades para ligar, muito menos para descobrir o que faziam. Segundo
eles, em casa, quando recebem um brinquedo novo, agem da mesma
maneira. Só consultam o manual quando o brinquedo é difícil. Isso é
justificado pois
[...] as crianças são os mais empenhados investigadores científicos,
gostam de descobrir <como funciona > ou <como aconteceu >. A
repetição de experiências está longe de ser aborrecida para elas; a
repetição agrada-lhes, e conseguem retirar tanto prazer da
semelhança quanto da diferença (dois processos que as encantam).
(WASSERMAN, 1990, p. 14).
Muitas questões foram levantadas nas respostas dadas:
mecanismos robóticos, sensores, engrenagens, sentimentos adquiridos pelos
robôs, mas o mais surpreendente foi o fato de, na sua maioria, expressarem
a felicidade como o sentimento vivenciado durante a oficina. O velho slogan
adotado pela escola criança feliz aprende melhor” é mais uma vez
confirmado.
6. O fim. Ou será um novo começo? As descobertas... Não
confirmações....
Terminei. Mas não no que a palavra término traz como significado:
“acabar, por um ponto final”. Na realidade, terminei de tercer esse texto. De
narrar a minha história de pesquisa; ela termina (momentaneamente) e fica
gravada no papel, mas também no meu coração; no cérebro, fica vivamente
registrado o que aprendi, o que ajudei a construir. Foram muitas as
aprendizagens... aprendi com as crianças que um mundo melhor pode ser
construído e que elas são capazes de construir se as deixarmos livres para
criar, lhes dermos a oportunidade de aprender com prazer, se acreditarmos
que são capazes e, acima de tudo, se o ambiente da aprendizagem for
rodeado com uma áurea humana, for um ambiente feliz no qual as crianças
queiram permanecer. Vem à minha mente as palavras de Korczak (1988, p.
16-17), imaginando-se um professor:
Fico imaginando que sou um professor. Reuno uma porção de
pessoas e digo:
- É preciso construir uma boa escola. Uma que não seja
apertada, para a gente não precisar se empurrar, pisar um no outro,
esbarrar.
As crianças chegam à escola, e eu pergunto:
- Adivinhem o que vamos fazer?
Um responde:
- Vamos fazer uma excursão.
Um outro diz:
- Vai ter projeção de filmes.
Falam isso, falam aquilo.
E eu:
- Não, não. Tudo isso vamos ter também, mais além disso
teremos coisa mais importante.
E só quando tiverem se acalmado anunciarei:
- Vou construir uma escola para vocês.
Invento, então, diversos obstáculos. Por exemplo: a escola, já
quase pronta, desaba ou pega fogo. Precisa começar tudo de novo;
mas só para chatear, construo uma que será melhor ainda.
Sempre imaginei tudo com obstáculos. Quando viajo de navio, há
uma tempestade. Se sou o chefe guerreiro, começo sofrendo derrotas,
e só no final conquisto a vitória.
Porque, quando tudo sai bem desde o início, a coisa fica chata.
Mas então ao lado da escola há uma pista de patinação. Temos
quadros, mapas, instrumentos e aparelhos de ginástica, animais
empalhados.
Chegam as férias, mas na porta da escola reúnem-se meninos e
meninas que gritam:
- Deixem a gente entrar! Não queremos férias, queremos ir à
escola!
O servente fica discutindo com eles, mas não adianta. E eu fico no
meu gabinete, não sei de nada, porque estou preenchendo uns
papéis. Mas eis que chega o servente. Ele bate na porta, e eu digo:
- Pode entrar.
E ele:
- Senhor diretor, as crianças se rebelaram, não querem férias.
Respondo:
- Não se preocupe, vou logo acalmá-las.
Chego à porta. Estou sorrindo. Não estou zangado. Explico:
- Férias são férias. Os professores precisam descansar. Porque
quando estão cansados, ficam irritados e gritam com as
crianças.
Conversa vai, conversa vem, concluímos: eles podem brincar no
pátio, mas terão de prometer que não farão bagunça.
Aprendi muito com a minha orientadora; aprendi, principalmente,
que o conhecimento torna a pessoa grande; mas aprendi, também, que a
simplicidade e a humildade de se mostrar sempre aprendiz tornam a pessoa
mais humana. Talvez a criança seja exatamente assim: tem um saber
próprio nem sempre compreendido, mas é um grande aprendiz das coisas
que lhe são importantes. E a cada criança é dado o direito de escrever a sua
própria história. Volto a Korczak. Quando se pergunta o que faria se voltasse
a ser criança, ele diz (1988, p. 18-19):
Se fosse criança de novo, gostaria de me lembrar, de saber, de ser
capaz de tudo o que sei agora e de que agora sou capaz. E que
ninguém suspeitasse de que já fui grande um dia. Me faria de
desentendido. Fingiria que sou um menino igual a todos, que tenho
pai e mãe, que vou à escola. Assim seria mais interessante e melhor.
Ficaria só observando e acharia engraçado ninguém estar me
reconhecendo.
Um dia, então, estou deitado na cama, acordado, e fico pensando:
“Se eu soubesse naquela época, nunca teria feito força para
crescer. Ser criança é mil vezes melhor. Os adultos são infelizes. Não
é verdade que eles podem fazer o que querem. Tem até menos
liberdade do que as crianças. Têm pesadas responsabilidades. Têm
mais aborrecimentos. É mais raro terem pensamentos alegres. É
verdade que nós, os adultos, não choramos mais; deve ser porque
não vale mais a pena chorar. Em vez disso, suspiramos fundo”.
E suspirei.
Aprendi, sobretudo, a gerenciar melhor os processos educativos;
através dos estudos sobre o cérebro, aprendi a respeitar o tempo de
aprendizagem de cada aluno e que cada um deles tem uma maneira própria
de aprender. E aprendi mais ainda com a minha família; vivenciei, de forma
profunda, a arte da paciência, da tolerância, do respeito aos meus momentos
de aflição, nervosismo, questionamentos... E, nisso, aprendi a me conhecer
mais... A minha participação nessa história da aprendizagem através da
Robótica Pedagógica, no entanto, continuará, porque acredito que a
educação, assim como a vida, é um ciclo:
Desde o dia em que ao mundo chegamos
Caminhamos ao rumo do sol
Há mais coisas pra ver
Mais que a imaginação
Muito mais pro tempo permitir
E são tantos caminhos pra se seguir
E lugares pra se descobrir
E o sol a girar
Sobre o azul desse céu
Nos mantém neste rio a fluir
É o ciclo sem fim
Que nos guiará
A dor e a emoção
Pela fé e o amor
Até encontrar
O nosso caminho
Neste ciclo, neste ciclo sem fim
92
.
92
Letra da música de abertura do desenho animado O Rei Leão produzido pela Abril eBuena Vista.
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Osment; Jude Law; Frances O’Connor; William Hurt; Sam Robards; Jake
Thomas; Brendan Gleeson. EUA, DVD. (145min), color.
METROPÓLIS. Direção: Fritz Lang. Interpretes: Gustav Fröhlich, Brigitte
Helm, Alfred Abel. Roteiro: Theá Von Harbou. USA, 1926. (90 min) preto e
branco. VHS. Produzido por Continental Home Vídeo
METROPÓLIS. Direção: Rintaro. Direção e supervisão de animação: Yasuhiro
Nakura. Música: Toshiyuki Honda. Roteiro: Kalsuhiro Otomo. USA, 2001.
(109 min), color. DVD. Tezuka Productions. Baseado na história em
quadrinhos de Osamu Tezuka.
O DIA em que a Terra parou. Direção: Robert Wise. Intérpretes: Michael
Ronnie, Patricia Neal, Hugt Marlowe, Sam Jaffe, Billy Gray. EUA, 1951. (92
min), preto e branco.
O GOLEM. Direção: Paul Wegener. Interpretes: Paul Wegener, Albert
Sletnkuk, Lyda Salmonova. Roteiro: Paul Wegener e Henrik Galeen.
Alemanha, 1920. (68 min), preto e branco. DVD. Produzido por Continental
Home Vídeo.
O HOMEM bicentenário. Direção: Chris Columbus. Intérpretes: Robim
Williams; Sam Neill: Embeth Davidtz; Oliver Platt. EUA, 1999, VHS
(131min), color. Produzido por Columbia TriStar. Baseado na obra de Isac
Asimov.
O MUNDO mágico de oz. Direção: Walter Murch. Interpretes: Nicol
Williamson, Jean Marsh, Piper Laurie. Produção: Paul Maslansky. Roteiro:
Walter Murch & Gill Dennis. Música: David Shire. (106 min), color. VHS.
Walt Disney Pictures.
PEQUENOS Guerreiros. Direção: Joe Dante. Intérpretes: Kirsten Dunst;
Denis Leary; Gregory Smith; Joe Mohr; Phil Hartman; kevin Dunn; EUA,
1997, VHS (110mim), color. Produzido por CIC e Columbia.
QUERO ser grande. Direção: Penny Marsshall. Intérpretes: Tom Hanks;
Elizabeth Perkins; Robert Loggia; John Heard; Jared Rushton; David
Moscow; Mercedes Ruelh. EUA, 1988, VHS (102min), color. Produzido por
Abril e Fox.
ROBOCOP, o policial do futuro. Direção: Paul Verhoeven. Interpretes: Peter
Weller, Nancy Allen, Daniel O`Herlihy, Ronny Cox, Kurtwood Smith, Miguel
Ferrer, Robert DoQui, Ray Wise, Felton Perry, Paul McCrane. Roteiro:
Edward Neumeier e Michael Miner. Música: Basil Poledouris. EUA, 1987.
(103 min), color. Produzido por FlashStar.
RUNAWAY: fora de controle.Escrito e dirigido: Michael Crichton.
Intérpretes:Tom Selleck; Cynthia Rhodes; Gene Simmons; Kirstie Alley; Stan
Shaw. Produção: Tri-Star Pictures. EUA, 1984. (100min), color, DVD.
SHORT Circuit: o incrível robô. Direção: John Badham. Intérpretes: Ally
Sheedy; Steve Guttenberg. EUA, color, DVD.
UM HERÓI de brinquedo. Direção: Brian Levant. Intérpretes: Arnold
Schwarzenegger; Simbad; Jim Belushi; Rita Wilson; Robert Conrad. EUA,
1996. (105min), VHS. Produzido por Abril e Fox.
UM ROBÔ em curto circuito. Direção: Kenneth Johnson. Intérpretes: Fisher
Stevens; Michael McKean; Cynthia Gibb; Jack Weston; Tim Blaney.
Produção: David Foster; Lawrence Turman; Gary Foster. USA, 1988.
(111min), color, DVD.
VIAGEM insólita. De: Steven Spielberg. Direção: Joe Dante. Interpretes:
Demis Quaid, Martin Short, Meg Ryan, Kevin Mc Carthy. Roteiro: Jeffrey
Boam e Chip Proser. Produção: Guber Petters. Warner Bross, EUA, 1987.
(120 min), color. VHS.
VIAGEM fantástica. Direção: Richard Fleischer. Interpretes: Stephen Boyd,
Raquel Welch, Edmond O´Brien, Donaldo Pleasence, Arthur O´Connell,
William Redfield, Arthur Kennedy. Roteiro: Harry Klerner. Adaptado: David
Duncan. Produção: Saul David. Twentieth Century Fox USA. (1oo min),
color. DVD.
Vídeos:
Aprendizagem significativa. Produção TV Escola.
JEAN Piaget. Coleção Grandes Pensadores. Apresentação Yves de La Taille.
São Paulo: Atta Midia e Educação. VHS (54min), color.
KISHIMOTO, Tizuko. Brincadeiras na educação. São Paulo: Loyola
Multimídia, 1998. VHS (21 min), color.
APÊNDICE A - Sistema Nervoso: nossa interação com o mundo interior e
exterior.
O cérebro humano é um milagre da evolução. Ele é o objeto mais
complexo de que se tem conhecimento. Mas, para entender como ele
funciona, precisamos saber como ele evoluiu e de onde ele veio. O
cérebro de nossos ancestrais símios era bem pequeno. Seu volume
tinha cerca de meio litro. O equivalente ao tamanho [...] do cérebro
de um chimpanzé. O cérebro humano é cerca de três vezes maior.
[...]. À medida que nossos ancestrais evoluíram foi preciso aprender
ações cada vez mais complexas. Eles precisavam de cérebros maiores
e melhores. Cérebros mais poderosos e adaptáveis. É difícil explicar
como o cérebro humano aumentou tão rapidamente. Dos ancestrais
símios ao homem de cérebro grande foram cerca de 2,5 milhões de
anos. Pode parecer muito tempo, mas em termos evolucionários isso
é incrivelmente rápido. (...) Durante séculos os cientistas têm lutado
para entender o que vem a ser, afinal, esse objeto pouco atraente. O
filósofo Aristóteles, da antiga Grécia, pensava que o cérebro ajudava
a regular a nossa temperatura. Um nariz escorrendo era o líquido
refrigerador vazando do cérebro. Ele concluiu que, como o coração
bate mais rápido quando nos excitamos, ele deve ser responsável
pelos sentimentos e idéias. É fácil rir dele agora; mas, Aristóteles foi
o primeiro a pensar seriamente sobre como funciona o corpo
humano. Nós progredimos muito desde o século IV a.C. Hoje
podemos olhar dentro de um cérebro vivo. Aparelhos provam que o
cérebro é de fato onde pensamos e sentimos. (...) Mas, o que na
verdade se passa dentro do cérebro? É uma história fascinante mas
complicada...
Dr. Robert Wintson
93
E assim caminha a humanidade... produzindo e utilizando, cada
vez mais, conhecimentos técnico-científicos. Mas todo conhecimento
produzido e acumulado, até então, só foi possível com o desenvolvimento
93
A história da vida - O corpo humano: a incrível jornada do homem do nascimento à morte. Documentário em
DVD apresentado por Dr. Robert Winston.
desse superórgão humano: o cérebro
94
. Através dele, o homem criou formas
e instrumentos para sobreviver, conquistou o mundo, chegou à lua e hoje
parte para a conquista do universo. Estamos, agora, a caminho de Marte,
terceiro menor planeta do Sistema Solar, com diâmetro de 3800 km, distante
228 milhões de quilômetros do Sol
95
Por apresentar uma gravidade 38%
menor do que a da Terra, cuidados especiais devem ser tomados para
garantir a sobrevivência dos astronautas que enfrentarão uma viagem
estimada em três anos de duração, no ano de 2020, quando haverá
alinhamento de planetas. Para isso, cientistas da NASA buscam soluções,
utilizando a nanotecnologia. Se realmente acontecer, é mais um
desenvolvimento técnico-científico possibilitado pelo cérebro humano.
Mas, mesmo sendo capaz de compreender diversos assuntos, o
cérebro não está ainda totalmente conhecido, possuindo muitos mistérios a
serem desvendados; ele é, no entanto, o único órgão consciente da própria
existência. Devido ao seu grau de complexidade, é possível estudá-lo de
forma multirreferencial. Para Lent (2001, p. 3),
Há muitas maneiras de ver o cérebro, como há muitas
maneiras de ver o mundo.
[...]Também o sistema nervoso, e o cérebro em particular, pode
ser estudado de várias maneiras, todas verdadeiras e igualmente
importantes (...). Podemos encará-lo como um objeto desconhecido
mas capaz de produzir comportamento e consciência, e assim
dedicar-nos a estudar apenas essas propriedades (ditas
“emergentes”) do sistema nervoso. É o modo de ver dos psicólogos.
Podemos também vê-lo como um conjunto de células que se tocam
através de finos prolongamentos, formando trilhões de complexos
circuitos intercomunicantes. É a visão dos neurobiólogos celulares.
Alternativamente, podemos pensar apenas nos sinais elétricos
produzidos pelos neurônios como elementos de comunicação, como
fazem os eletrofísiologistas. Ou então nas reações químicas que
ocorrem entre as moléculas existentes dentro e fora das células
nervosas, como fazem os neuroquímicos. E assim por diante. Como
24
Palavra de origem grega que significa: en = dentro, kephalê = cabeça.
95
Estando a Terra há aproximadamente156 milhões de quilômetros do Sol, Marte possui o equivalente a uma vez e
meia distância existente entre o Sol e a Terra.
se vê, são muitos os modos (chamados níveis) de existência do
sistema nervoso, abordados especialmente pelos diferentes
especialistas. E seriam ainda muito mais, se considerássemos os
pontos de vista não científicos. [...] Os níveis de existência do sistema
nervoso não são uns “conseqüências” dos outros. Coexistem
simultaneamente, em paralelo.
Bentley (2002, p. 72) confirma esse caráter multirreferencial ao
colocar:
Psicólogos nos dizem o que os cérebros fazem, neurologistas nos
dizem como eles se organizam e os neurocientistas nos dizem do que
eles são feitos, embora ninguém saiba exatamente como eles
funcionam. Apenas os filósofos tentam unificar essas áreas não
relacionadas. E suas tentativas parecem causar muitos debates,
embora uma conformidade ainda pareça estar longe de virar
realidade.
Mas para todos os especialistas, no entanto, dois pontos parecem
coincidir: sua estrutura anatômica e sua importância. Para estudá-lo é
necessário situá-lo no sistema a que pertence: o sistema nervoso, que é o
responsável em realizar a sua interação com o mundo exterior, através dos
seus órgãos de sentido (visão, audição, olfato, paladar e tato), e possibilitar a
comunicação de todos os órgãos e partes internas entre si. Houzel
acrescenta mais dois sentidos aos já conhecidos: os sentidos do movimento e
do equilíbrio. Diz a autora (2002, p. 43-44):
Os sentidos são a porta de entrada para o cérebro, que sozinho não é
capaz de detectar grandes coisas. A gente aprende na escola que os
sentidos são cinco: tato, visão, audição, olfato e paladar. Mas na
verdade são sete.
[...] O sexto e o sétimo sentidos são sentidos verdadeiros, e tão
importantes aliás, muito mais do que os outros cinco que só
percebemos que eles existem quando não funcionam bem. Enquanto
os cinco sentidos bem conhecidos cuidam dos sinais que vêm de fora
do corpo, os outros dois cuidam dos sinais do próprio corpo: são os
sentidos do movimento e do equilíbrio.
[...] Quando funcionam normalmente, os sentidos do movimento e do
equilíbrio são os grandes responsáveis por conseguirmos ficar de pé
eretos, equilibrados, com a cabeça bem alinhada no centro do corpo,
e por conseguirmos nos mover sem precisar olhar para onde vai a
mão, o pé ou a cabeça, ou mesmo com os olhos fechados.
[...] Apenas uma palavra de cautela. Embora o sentido do movimento
(também conhecido como propriocepção, para a percepção do próprio
corpo) e o do equilíbrio sejam cada vez mais reconhecidos como
verdadeiros sexto e sétimo sentidos, os livros didáticos continuam
considerando apenas os cinco sentidos tradicionais. E devem
continuar considerando apenas os cinco sentidos por um bom
tempo, já que esse é o tipo de mudança que depende de grandes
reformas, por influenciar a correção de provas de escola e
vestibulares. Por isso, se perguntarem quantos são os sentidos, eles
ainda são cinco. Mas você sabe que possui um sexto, e até um
sétimo sentido. E não é a intuição...
Diariamente, muitos tipos de informações são recebidas pelo
homem provenientes do meio ambiente e de seu próprio corpo. Essas
informações, chamadas estímulos, são transmitidas ao seu cérebro através
do seu sistema nervoso, que as interpreta nos seus diferentes centros
nervosos, emitindo respostas para as glândulas e músculos através de
impulsos. Essa capacidade de produzir respostas para os estímulos
recebidos é uma característica das células nervosas (neurônios) e denomina-
se irritabilidade ou excitabilidade. Este processo de excitabilidade-resposta
constitui o arco reflexo, mecanismos nervosos mais simples encontrados no
homem. São formados por conexões de células nervosas sensitivas: uma
possuí um receptor na extremidade para que possa receber o estímulo
(aferente) e a outra apresenta uma conexão especial com um neurônio
(eferente). As vias centrípetas, aferentes ou sensitivas conduzem os
estímulos originados nas terminações nervosas da região estimulada até os
centros nervosos localizados no encéfalo ou na medula espinhal, de onde
saem impulsos nervosos conduzidos em sentido inverso através das vias
centrífugas, eferentes ou motoras.
Chama-se de ato reflexo o mecanismo pelo qual a informação é
passada pelos receptores sensoriais ao cérebro e à medula espinhal e
depois retorna através dos neurônios motores. A contração do joelho
é um exemplo conhecido de ato reflexo. Quando o médico bate no
joelho do paciente, receptores no joelho estimulam um neurônio
sensorial e enviam um impulso à medula espinhal. Este transmite
uma mensagem a um neurônio motor, que por sua vez a conduz até
os músculos; os músculos se contraem provocando um salto do
joelho.[...] A maioria dos atos reflexos envolvem neurônios adicionais
chamados associativos ou intermediários que transmitem os
impulsos através da medula espinhal ao neurônio motor. Muitos
outros reflexos envolvem milhares de neurônios e são capazes de
inibir ou aumentar a resposta do corpo
96
O ato reflexo normalmente acontece independente da vontade do
sujeito e de forma instantânea. Não descarta, no entanto, a aprendizagem
uma vez que, se submetido a uma mesma experiência ou similar, o sujeito,
baseado na lembrança, age de maneira a se proteger. No caso de uma
criança encostar o dedo em uma panela de água quente, por exemplo, e
queimar o dedo, ela não repetirá a experiência, pois lembrará a sensação
desagradável que sentiu, o que exemplifica os dois tipos de ato reflexo:
quando encosta o dedo na panela quente, o ato reflexo é incondicionado,
sem intenção; a partir do momento em que não encosta o dedo na panela
porque sabe que vai queimar, o ato passa a ser reflexo condicionado.
Sternberg (2000, p. 44) afirma que “o sistema nervoso é a base
para nossa capacidade de perceber, adaptar-nos e interagir com o mundo ao
nosso redor. É o meio pelo qual recebemos, processamos e, então,
respondemos à informação oriunda do ambiente”. O sistema nervoso é
dividido em sistema nervoso central (SNC) e sistema nervoso periférico
(SNP). Lent (2001, p. 2) diz que:
Sistema nervoso central e Sistema nervoso periférico são as duas
principais divisões do sistema nervoso. O primeiro reúne as
estruturas situadas dentro do crânio e da coluna vertebral, enquanto
o segundo reúne as estruturas distribuídas pelo organismo.
Weiten (2002, p.71) apresenta esquematicamente as relações
existentes entre as partes do sistema nervoso:
96
Vídeo: O Corpo Humano III O Sistema Nervoso produzido pela Enciclopédia Britannica do Brasil (s.d.).
Sterberg (2000, p. 45) apresenta, na Figura 42, essa divisão,
localizando as partes no corpo humano:
Sistema nervoso
Sistema nervoso central
Sistema nervoso periférico
Medula espinhal
Cérebro
Cérebro
anterior
Cérebro
médio
Formação
reticular
(que se
estende até
o cérebro
médio)
Metencéfalo
Grande
cérebro
Sistema
límbico
Tálamo
Hipotálamo
Cerebelo Ponte
Bulbo
Sistema
nervoso
somático
Sistema
nervoso
autônomo
Nervos
aferentes
Nervos
eferentes
Divisão
simpática
Divisão
parassimpática
Figura 41
-
Organização do sistema nervoso humano
.
Fonte: Weiten, 2002, p. 71.
Fi
gura 42
-
Principais
divisões do sistema
nervoso. Fonte:
Sternberg, 2000, p. 45
O sistema nervoso agrupa muitas funções. Umas mais importantes
do que outras. Para fins de estudo, o sistema nervoso central pode ser
dividido em grandes partes, segundo critérios anatômicos. Lent (2001, p. 9)
apresenta na Tabela um modo de classificação:
Tabela 15 - Classificação Hierárquica das Grandes Estruturas Neuroanatômicas
SNC
Encéfalo Medula
Espinhal
Cérebro Cerebelo Tronco Encefálico
Telencéfalo Diencé
falo
Córtex
Cerebral
Núcleos
de Base
Diencé
falo
Córtex
Cere-
belar
Núcleos
profun-
dos
Mesen
céfalo
Ponte Bulbo
Fonte: Lent, 2001, p. 9.
O autor (2001, p. 8-9) explica as partes definidas na Tabela da
seguinte forma:
Denomina-se encéfalo a parte do SNC contida no interior da caixa
craniana, e medula espinhal a parte que continua a partir do
encéfalo no interior do canal da coluna vertebral [...]. A medula tem
uma forma aproximadamente cilíndrica ou tubular, no centro da
qual existe um canal estreito cheio de líquido. Já o encéfalo possui
uma forma irregular, cheia de dobraduras e saliências, o que permite
reconhecer nele diversas subdivisões. A cavidade interna acompanha
as irregularidades da forma do encéfalo, formando diferentes
câmaras cheias de líquido, os ventrículos. Essa forma irregular do
encéfalo se deve ao enorme crescimento que sofre a porção cranial do
tubo neural primitivo (o primórdio embrionário do SNC), muito maior
que a porção caudal que formará a medula. Pode-se, então,
reconhecer três partes do encéfalo: o cérebro, constituído por dois
hemisférios justapostos e separados por um sulco profundo (...); o
cerebelo, um “cérebro” em miniatura, também constituído por dois
hemisférios, mas sem um claro sulco de separação (...); e o tronco
encefálico, estrutura em forma de haste que se estende a partir da
medula espinhal, escondendo-se por baixo do cerebelo e por dentro
do cérebro (...). No cérebro, a superfície enrugada cheia de giros e
sulcos é o córtex cerebral, região em que são representadas as
funções neurais e psíquicas mais complexas. Grandes regiões do
cérebro, de delimitação às vezes pouco precisas, são os chamados
lobos (...): frontal, pariental, occipital, temporal e insular (este último
situado profundamente no hemisfério, portanto invisível por fora). No
interior dos hemisférios estão os núcleos de base (às vezes chamados
impropriamente de gânglios de base) e o diencéfalo, invisíveis ao
exame superficial. No cerebelo, a superfície também é enrugada, mas
os giros são chamados de “folhas” e os sulcos de “fissuras”.
Semelhante ao cérebro, no interior dos hemisférios cerebelares estão
os núcleos profundos, invisíveis ao exame de superfície. O tronco
encefálico também se subdivide: o mesencéfalo é a parte mais
rostral dele, que se continua com o diencéfalo bem no centro do
cérebro; a ponte é uma estrutura intermediária; e o bulbo ou
medula oblonga é a parte mais caudal, que se continua com a
medula espinhal.
“O trabalho do sistema nervoso humano começa com o neurônio
ou célula nervosa: uma pequena estrutura destinada a receber e enviar
sinais também chamados impulsos”
97
Estão localizadas, na sua grande
maioria, no sistema nervoso central, juntamente com seus prolongamentos
e as interações que realizam entre si. Já os nervos, prolongamentos
agrupados em filetes, formando um conjunto de 43 pares, encontram-se,
em sua maioria, no sistema nervoso periférico. Os nervos (espinhais e
cranianos) são os responsáveis pela ligação entre os dois sistemas. Eles
processam e transmitem informações sensitivas, somáticas ou viscerais.
Esse processo de ligação é explicado por Lent (2001, p. 5):
Os nervos, principais componentes do sistema nervoso periférico,
podem ser encontrados em quase todas as partes do corpo. Seguindo
o trajeto de um nervo qualquer, percebe-se que uma extremidade
termina em um determinado órgão, enquanto a extremidade oposta
se insere no sistema nervoso central através de orifícios no crânio e
na coluna vertebral. Essa constatação permite supor como fizeram
os primeiros anatomistas que os nervos são “cabos de conexão”
entre o sistema nervoso central e os órgãos. No início se pensou
erradamente que a mensagem nervosa era transmitida pelo fluxo
de um líquido no interior dos nervos. Depois se esclareceu que a
mensagem consistia em impulsos elétricos conduzidos ao longo dos
nervos. Em seu trajeto, alguns filetes nervosos se separam do nervo,
outros se juntam a ele. Isso ocorre não porque as fibras nervosas
individuais se ramificam ao longo do nervo, mas porque grupos delas
saem ou entram no tronco principal. Geralmente perto do sistema
nervoso central os nervos são mais calibrosos, pois contêm maior
número de fibras. Próximos aos locais de terminação nos órgãos,
como muitos filetes vão se separando no caminho, eles ficam mais
finos. Nesse ponto é que as fibras nervosas individuais se ramificam
profusamente, até que cada ramo termina em estruturas
microscópicas especializadas.
Os neurônios são células especializadas que não se renovam,
permanentes e com pequena capacidade de regeneração. Podem, no entanto,
97
Vídeo: O Corpo Humano III O Sistema Nervoso produzido pela Enciclopédia Britannica do Brasil (s.d).
no decorrer de toda a vida do indivíduo, sofrer mudanças de volume, número
complexidade de seus dendritos e axônios e também das suas conexões
com outras células nervosas. Para Meireles (2001, p. 26-28):
As células do sistema nervoso, os neurônios, têm uma limitação de
reprodução que vai desde a formação embrionária até
aproximadamente 2 anos de idade. Nesta fase de vida, a influência
genética como as próprias condições de vida do indivíduo
determinam um sistema nervoso bem formado. E algumas funções
ficarão definitivamente comprometidas, casos estas condições não
promovam uma organização neuronal apropriada.
São formadas por um corpo celular (compreende a sua porção
central; abriga o núcleo, que através do ADN é responsável pela codificação
dos genes neuronais e o citoplasma, que dentre outras funções, é
responsável pela síntese de proteínas necessárias). Assim, como todas as
outras células que constituem o corpo humano, o neurônio também possui
uma membrana que o envolve a fim de proteger o seu citoplasma e núcleo do
meio ambiente. Essa membrana tem a responsabilidade de controlar o fluxo
de substâncias que entrarão na célula. Diversas substâncias líquidas,
compostas por diferentes sais minerais sob a forma de íons (átomos
carregados de eletricidade), envolvem os neurônios alimentando-os e
possibilitando o seu trabalho.
Os íons são átomos com carga positiva ou negativa e nas células
nervosas saudáveis eles estão em equilíbrio. Por causa desses íons, o
movimento dos impulsos nervosos através de cada célula nervosa
envolve mudanças químicas e elétricas. Antes de transmitir um
impulso, a camada externa de um neurônio compõe-se de íons de
sódio com carga positiva enquanto sua camada interna é formada
por íons de potássio com carga negativa. Quando um neurônio está
em repouso não há nenhum movimento de substâncias químicas
para dentro ou para fora da célula. Mas, quando um neurônio é
estimulado, ocorrem mudanças elétricas e físicas. No ponto
estimulado no exterior da célula nervosa se torna negativo e o
interior positivo. Os íons de sódio e potássio trocam de lugar. Assim
que passa o impulso, o ponto estimulado retorna ao seu estado
elétrico e químico original. A propagação do impulso nervoso ao
longo da célula provoca mudanças semelhantes em todo o neurônio.
Antes que cada parte da célula possa transmitir outro impulso, ela
tende a repousar. Em alguns, esse período de recuperação não
ultrapassa um milésimo de segundo.
98
O estado de repouso apresentado pela célula nervosa significa que
esta não está enviando sinais, mantendo fechada uma grande parte de
canais responsáveis pela entrada do sódio na célula, enquanto mantém
grande parte de canais responsáveis pela passagem de potássio aberta.
Assicronamente, as moléculas de proteínas que formam o sódio e potássio
trabalham para expulsar o sódio da célula, permitindo a entrada do
potássio.
Os neurônios recebem os sinais (informações) através de
numerosas ramificações curtas, especializadas, chamadas dendritos
99
e
longo eixo responsável em transmitir informações, denominado axônio. Na
extremidade mais distante do corpo celular, o axônio apresenta terminais
arborescentes (pequenas e finas ramificações), denominados terminais
pré-sinápticos. Squire e Kandel (2003, p. 41) explicam que:
Os terminais pré-sinápticos estabelecem contato com superfícies
receptivas especializadas de outras células, freqüentemente
localizadas nos dendritos. Por meio desse contato na sinapse, uma
célula nervosa transmite informação sobre sua atividade a outros
neurônios ou a órgão, tais como músculos ou glândulas endócrinas.
Os prolongamentos celulares, responsáveis em ligar as células às
outras partes constituintes do sistema nervoso, são envolvidos por uma
substância composta de fibras, chamada mielina, formando uma espécie de
bainha. Essa bainha possibilita que os sinais elétricos produzidos nos
neurônios sejam conduzidos com maior rapidez. Para Izquierdo (2002, p.
12):
98
Id.
99
Palavra de origem grega dendron - cujo significado é: pequenos ramos de árvore.
Os neurônios têm prolongamentos, às vezes, de vários centímetros,
através dos quais estabelecem redes, comunicando-se uns com os
outros. Os prolongamentos que emitem informação em forma de
sinais elétricos a outros neurônios são denominados axônios. Os
prolongamentos sobre os quais os axônios colocam essas
informações chamam-se dendritos. A “transferência” de informação
dos axônios para os dendritos é feita por substâncias químicas
produzidas nas terminações dos axônios, denominadas
neurotransmissores. Os pontos onde as terminações axônicas mais
se aproximam dos dendritos chamam-se sinapses, e são os pontos
reais de intercomunicação de umas células nervosas com as outras.
Do lado dendrítico, nas sinapses, há proteínas específicas para cada
neurotransmissor, chamadas receptores.
Izquierdo apresenta na Figura 43 a estrutura de um neurônio:
Os neurotransmissores são moléculas fabricadas por neurônios
transmissores, que escolhem entre os vários tipos o que quer fabricar. Forma
uma sinergia completa com o neurônio interlocutor, uma vez que esse
precisa criar estruturas receptoras compatíveis para receber essas
Figura 43
-
Célula piramidal
do córtex ou do hipocampo.
Fonte: Izquierdo, 2003, p.
13.
substâncias fabricadas e encaixá-las em sua membrana.
Sobre as sinapses, Lent (2001, p. 99) afirma que:
A sinapse é a unidade processadora de sinais do sistema
nervoso. Trata-se da estrutura microscópica de contato entre um
neurônio e outra célula, através da qual se dá a transmissão de
mensagens entre as duas. Ao serem transmitidas, as mensagens
podem ser modificadas no processo de passagem de uma célula à
outra, e é justamente nisso que reside a grande flexibilidade
funcional do sistema nervoso.
Há dois tipos básicos de sinapses: as químicas e as elétricas.
As sinapses elétricas chamadas junções comunicantes são
sincronizadores celulares. Com estrutura mais simples, transferem
correntes iônicas e até mesmo pequenas moléculas entre células
acopladas. A transmissão é rápida e de alta fidelidade; por isso as
sinapses elétricas são sicronizadoras da atividade neuronal. [...].
As sinapses químicas são verdadeiros chips biológicos porque
podem modificar as mensagens que transmitem de acordo com
inúmeras circunstâncias. Sua estrutura é especializada no
armazenamento de substâncias neurotransmissoras e
neuromoduladoras que, liberadas no exíguo espaço entre a
membrana pré e a membrana pós sináptica, provocam nesta última
alterações de potencial elétrico que poderão influenciar o disparo de
potenciais de ação do neurônio pós sináptico.
A estrutura de uma sinapse nervosa pode ser visualizada através
da Figura 44:
Figura 44 - Estrutura da sinapse nervosa. 1. Bainha de mielina; 2. Botão term
inal do
axônio; 3. Membrana do axônio (mostrando a inversão da polaridade); 4. Espaço intra
-
sináptico; 5. Vesículas com o mediador químico; 6. Mediador químico livre no espaço intra
-
sináptico; 7. Receptores moleculares pós-sinápticos já combinados com o me
diador
químico); 8. Membrana pós-sináptica. Fonte: Soares, 1999, p. 351.
As sinapses nervosas possuem a seguinte estrutura:
1. Neurônio pré-sináptico encarregado de transmitir a
informação;
2. Neurônio pós-sináptico receptor da informação enviada;
3. Impulso nervoso informação que é recebida pelo neurônio,
propagada dentro dele através de fenômenos elétricos.
4. Fenda pré-sináptica espaço destinado a separar as
membranas de células transmissoras das receptoras;
5. Neurotransmissores substâncias químicas fabricadas pelos
neurônios e que são liberados pela membrana pré-sináptica e
se difundem até os neurônios pós-sinápticos.
Carter (2003, p. 42) afirma que “diferentes tipos de células
secretam diferentes neurotransmissores. Cada composto químico cerebral
funciona em locais cerebrais bem espalhados mas relativamente específicos
e pode ter um efeito diferente de acordo com o lugar em que é ativado.” Os
efeitos possibilitados por essas substâncias são apresentados por Meireles
(2001, p. 34-36):
1. As Catecolaminas
Aceticolina, adrenalina e noradrenalina
São os neurotransmissores da comunicação inicial do organismo
com o ambiente que o circunda. Participam na transmissão dos
impulsos nervosos e nas funções vegetativas. Suas vias
intracerebrais localizam-se a partir das porções mais primitivas do
encéfalo dirigindo-se para todo o Sistema Nervoso.
1.1.A Acetilcolina
Responsável pelo tônus e contração muscular inclusive nos vasos, do
coração, dos rins, dos olhos, etc. Participa também dos processos de
aprendizado e memória.
1.2. Adrenalina
Produzida em pequena quantidade no cérebro. Tem predominância
de produção e liberação pelas células da Medula das Supra-Renais.
É o neurotransmissor da sensação do “viver perigosamente”.
Liberada em quantidade extra em qualquer situação de ameaça ou
perigo. Quando entra na corrente sangüínea, provoca a sensação de
“susto”. O coração parece parar para logo em seguida disparar em
batidas frenéticas, um frio percorre o estômago e se espalha pelo
corpo deixando as mãos geladas, e neste momento não somos donos
de nossa vontade.
Em condições normais, é responsável pela regulação da
pressão arterial, velocidade dos batimentos cardíacos e algumas
funções metabólicas.
2. A Serotonina
[...] Esta substância (um neurohormônio), produzida por neurônios
localizados em regiões cerebrais especificas, circula de neurônio para
neurônio através das ligações entre seus axônios nestas áreas, em
maior quantidade, e em menor quantidade em áreas difusas do
cérebro. Ela é responsável pelo estado de satisfação em relação ao
alimento, ao sono, ao prazer sexual, à vontade de produzir, de viver,
à coragem de enfrentar situações não desejadas e inesperadas.
(A Serotonina possui receptores diferentes nas terminações dos
axônios que recebem a substância vinda dos outros neurônios que a
produzem).
3. A Dopamina
É um outro neurotransmissor que está relacionado com as sensações
de prazer, de desinibição em extravasar emoções. Ela é também
responsável por anular os limites do racional em relação aos
instintos e participa também do desencadear do orgasmo.
4. As Endorfinas
Há ainda neuromodeladores envolvidos nas sensações e emoções.
São as endorfinas. A Betaendorfina tem ação permissiva em relação
às sensações de bem-estar e satisfação dadas pela serotonina.
Também ela permite um controle do limiar da dor. A atividade física,
alguns sons musicais, e o toque na pele têm ação na liberação das
endorfinas.
Existem muitas evidências de que as endorfinas atuam
também no sistema imunológico, controlando defesas no organismo
contra doenças.
Carter (2003, p. 43) cita ainda o Glutamato, que é “o principal
neurotransmissor do cérebro, vital para forjar as ligações entre os neurônios,
que são a base do aprendizado e memória de longo prazo”.
Além dos neurônios, o sistema nervoso também é formado por
células da neuróglia, responsáveis pela sustentação e preenchimento dos
espaços entre os neurônios, no tecido nervoso. Houzel (2000, 26-27) atribui
um papel fundamental às células glias ao afirmar que:
Neurônios são minoria quase insignificante em termos numéricos:
apenas 2% a 10% do total de células cerebrais. Os outros 90% a 98%
são células gliais, ou glia, para os íntimos. A glia é tradicionalmente
considerada um conjunto de células silenciosas, cumprindo funções
secundárias, como suporte, “preenchimento de espaço”, eliminação
de detritos, isolamento elétrico e fornecimento de nutrientes para os
neurônios.
[...] É natural, de fato, pensar que somente os neurônios possam
transmitir sinais no sistema nervoso. Neurônios têm ramos de
“entrada” e de “saída” distintos, enquanto a glia tem forma
geralmente estrelada. Além do mais, células gliais são menores do
que os neurônios, e ficam aglomeradas ao seu redor. Daí o nome
“glia”, que em grego significa “cola”.
O panorama começou a mudar em 1994, com a descoberta de
que as células gliais, até então consideradas “inexcitáveis”,
silenciosas, respondem ao glutamato, um importante sinal químico
de comunicação entre neurônios. Mais do que isso, a glia também
libera glutamato, igualzinho aos neurônios, e esse glutamato é
reconhecido pelos neurônios como um sinal igual a outro qualquer.
Ou seja: elas têm o potencial de se comunicar com os neurônios, ou
ao menos de influenciar a comunicação entre eles.
A glia também envolve as sinapses, os pontos de comunicação
entre neurônios, onde eles emitem e reconhecem substâncias como o
glutamato. Nesses locais, a função da glia é absorver rapidamente
todo excesso de glutamato que “transborda” da sinapse. Se não
fizesse isso, o banho de glutamato rapidamente se tornaria tóxico,
excitando os neurônios até à epilepsia e depois à morte.
Além de “ajudar” os neurônios a se comunicar, a glia também
os mantém vivos: sem ela, os neurônios morrem. Mas parece que a
glia faz mais do que passar nutrientes e fatores de crescimento aos
neurônios. A equipe de Bem Barres, da Universidade de Stanford,
nos EUA, acaba de demonstrar que, sem a glia por perto, os
neurônios em desenvolvimento não sabem montar sinapses, sua
estrutura mais importante e característica.
São aproximadamente cento e vinte bilhões de neurônios, cada um
deles ligado a outras dez mil células, formando redes de conexões que
conferem ao homem as suas extraordinárias características individuais de
pensamento, sentimentos, preferências, memória, enfim de todos os seus
atributos. As conexões formadas pelos neurônios são visualizadas
através da Figura 45:
Figura 45
Rede de conexões
dos neurônios.
Fonte:Revista
Superinteressante, edição
107, agosto 1996, p. 46-47.
O cérebro, juntamente com o cerebelo e o bulbo, pesa em média
1450g. Dois tipos de tecidos superpostos formam o cérebro: o externo é o
córtex cerebral. O tecido interno, formado por fibras nervosas (uma
substância branca), possibilita a interação entre as células do córtex e os
órgãos dos sentidos e músculos do corpo. Os neurônios e as células gliais,
formam um corpo celular (massa cinzenta), constituindo uma camada de 1 a
3mm, as chamadas circunvoluções. Sternberg (2000, p. 57) afirma que:
Nos seres humanos, as inúmeras circunvoluções do córtex cerebral
compreendem três camadas diferentes: os sulcos (do latim, sulcus
(singular), sulci (plural) que são pequenas ranhuras ou fendas; as
fissuras, que são grandes ranhuras ou fendas; e os giros (do latim,
gyrus (singular), gyri (plural) que são protuberâncias entre sulcos ou
fissuras adjacentes (...). Essas dobras ou pregas aumentam
grandemente a área superficial do córtex (...). A complexidade da
função cerebral aumenta com a área cortical. O córtex cerebral
humano capacita-nos a raciocinar planejar, coordenar
pensamentos e ações, perceber padrões visuais e sonoros, usar a
linguagem, e assim por diante. Sem ele, não seríamos humanos.
Quanto maior o número de circunvoluções existentes no cérebro,
mais extenso será o córtex e, conseqüentemente, mais eficiente e
aperfeiçoado será o mesmo. O modelo de córtex, criado com o
desenvolvimento de protuberâncias e sulcos é individual, o que faz com que
cada indivíduo perceba e pense o mundo de forma diferente. Os giros (ou
protuberâncias) são formados por áreas cerebrais intimamente conectadas,
enquanto os sulcos (ou pregas) resultam de conexões mais fracas. É
protegido por uma caixa óssea chamada crânio. Membranas existentes
dentro da crânio são responsáveis por isolá-lo química e fisicamente. Uma
membrana fina e transparente envolve-o diretamente; outra membrana mais
espessa e resistente envolve a sua superfície. Um líquido derivado do
sangue, existente entre as duas membranas (fluido cérebro-espinhal FCE),
é responsável por alimentar e proteger o cérebro de danos que possam
atingi-lo, uma vez que uma lesão em qualquer de seus pontos é capaz de
provocar alterações no comportamento intelectual, motor ou afetivo do
indivíduo. O oxigênio e o açúcar são os combustíveis necessários ao cérebro,
que viajam pelo órgão através de uma rede de vasos sangüíneos.
Assim como o corpo humano que possui simetria bilateral
100
,
o cérebro é dividido em dois hemisférios: esquerdo e direito. Quando o centro
de comando dominante
101
é o esquerdo (o lado é mais desenvolvido e o feixe
de nervos que parte dele é mais espesso), o indivíduo é destro e se o centro
de comando é o direito (inverte-se a posição de desenvolvimento), O
indivíduo é canhoto; algumas pessoas realizam atividades com as duas
mãos: são as chamadas ambidestras. Nesse caso, não existe um hemisfério
mais desenvolvido que o outro. Esse fenômeno de divisão bilateral acontece
com todos os movimentos: os hemisférios controlam os movimentos do lado
oposto (o cérebro exerce um comando cruzado). Springer e Deutsch (1998,
p. 18) afirmam, no entanto, que essa simetria bilateral não significa
equivalência de funções. Segundo os autores:
A simetria física esquerdo-direita do cérebro e do corpo, contudo, não
implica que os lados direito e esquerdo sejam equivalentes em todos
os aspectos. Basta examinarmos as habilidades de nossas duas
mãos para notar assimetria de funções. Poucas pessoas são
realmente ambidestras; a maioria possui um dominante. (Em muitos
casos, a capacidade manual de uma pessoa pode ser usada para
prognosticar muita coisa sobre a organização das mais altas funções
mentais em seu cérebro. Nos destros, por exemplo, quase sempre
verifica-se que o hemisfério que controla a mão dominante é
também o hemisfério que controla a fala).
100
Dividido em duas metades similares.
101
Springer e Deutsch (1998, p. 31) colocam que “A origem da expressão dominância cerebral é obscura, mas ela
encerra, de modo primoroso, a idéia de uma metade do cérebro direcionando o comportamento.
Excetuam-se os casos de canhotos que foram obrigados a utilizar treinar a mão direita, em função de um
determinado período da história terem sido considerados como pessoas ‘sinistras’. Hoje ainda encontramos
preconceito com relação às pessoas canhotas. O Michaelis Moderno Dicionário da Língua Portuguesa traz como
um dos significados para a palavra canhoto “desajeitado, pouco hábil”}.
E diferenças nas habilidades de ambas as mãos são apenas uma
manifestação de assimetrias básicas nas funções dos dois
hemisférios cerebrais. Muitas evidências acumularam-se nos últimos
anos, mostrando que o cérebro esquerdo e o direito não são idênticos
em suas competências ou organizações.
Os hemisférios não são independentes; são interligados através de
um grosso corpo caloso formado de fibras responsáveis por associar os
centros nervosos que compõem cada hemisfério. Eles possuem, no entanto,
formas diferentes de interpretar o mundo. O hemisfério direito é responsável
pelo pensamento criativo, pelas imagens e sensações, enquanto o esquerdo
pensa o mundo por meio de palavras, responde pelo pensamento lógico. As
partes agem assincronamente na interpretação dos conceitos: o hemisfério
esquerdo pensa uma palavra e logo o direito se encarrega de formar a
imagem pensada. Para Carter (2003, p. 65-66) “o cérebro esquerdo é
analítico, lógico, preciso e sensível ao tempo. O cérebro direito é mais
sonhador, processa as coisas de maneira mais holística do que as
decompondo e está mais envolvido com a percepção sensorial do que com a
cognição abstrata”. Cada um dos hemisférios é formado por quatro pólos,
divididos por várias dobras: frontal (corresponde a testa pólo anterior), o
occipital (localiza-se na nuca pólo posterior} o temporal (têmpora lado
inferior ao redor das orelhas) e o parietal (parte superior logo atrás do
frontal). Essa divisão pode ser vista através da Figura 46 :
Figura 46
-
O cérebro
visto de cima.
Fonte:
Enciclopédia Conh
ecer,
vol 1, p. 119.
Cada um deles processa diferentes estímulos. A área frontal do
cérebro (o lobo frontal) controla, em geral, as atividades voluntárias: é
responsável pelo processo de aprendizagem, pela formação dos pensamentos
e pelas emoções que sentimos. Já o centro motor (lobo parietal), controla
parte das atividades involuntárias, coordenando os vários movimentos do
corpo e os músculos. As áreas sensorial, paladar, olfato, audição e visão
respondem pelos estímulos recebidos através dos órgãos dos sentidos (a
sensorial através do toque, o paladar e olfato ajudam na identificação dos
sabores e cheiros e a audição além de receber as informações provenientes
do ouvido possibilita reconhecer as diferenças existentes entre um som e
outro; a visão recebe as informações distinguindo-as) e estão concentradas
nos lobos occiptal e temporal. As partes que compõem os hemisférios são
duplicadas, exetuando-se a glândula pineal, que se localiza na base central
do cérebro. Para efeito de estudos, o cérebro foi mapeado e dividido em
áreas. Mesmo tendo essas áreas mapeadas, os cientistas ainda não
conseguiram explicar os mecanismos que agregam as informações recebidas
e como elas são recuperadas. Cada área específica tem uma função
determinada, responde a estímulos diferentes e controla partes definidas do
corpo. Segundo Lent (2001, p. 22), essas regiões não operam isoladamente:
Ao contrário, o grau de interação entre elas é altíssimo, pois o
número e a variedade de conexões neurais é muito grande. E é
natural que seja assim, pois não há função mental pura, mas uma
combinação muito complexa de ações fisiológicas e psicológicas em
cada ato que os indivíduos realizam. Um exemplo bastaria para
compreender esse aspecto. É só pensar em um professor que fala a
seus alunos. Ao mesmo tempo em que articula as palavras, o
professor olha e vê seus alunos, ouve o burburinho da sala e as
perguntas, modula a respiração de acordo com o seu discurso, pensa
no que vai dizer a seguir, lembra-se do que disse antes, busca na
memória o que aprendeu durante sua carreira, move os olhos, a
cabeça e o corpo em diferentes direções, gesticula de acordo com o
que diz e assim por diante. A lista não termina aqui e poderia ser
aumentada indefinidamente.
O referido autor apresenta, na Figura 47, as possíveis áreas de
mapeamento dessas funções. Chama atenção, no entanto, que esta figura
deve ser vista com cautela.
Para Soares (1969, p. 6), “o cérebro é a sede da mente, onde
nascem e se desenvolvem os pensamentos, a inteligência e a memória. Ele é
a central que controla a atividade orgânica e motora do homem. É a própria
vida”. Já Machado (1997, p. 23) discorda de Soares ao afirmar que:
o cérebro torna possível a inteligência, mas dificilmente ele é a ‘sede’
da inteligência. Esta função não é algo consistente, mas alguma
coisa que se mobiliza, que se torna possível é uma faculdade. A
inteligência ocorre fora dos limites do ser físico. Evidentemente, a
estrutura do cérebro e, mais especificamente, a do sistema límbico e
a do neo-córtex tornam possível a inteligência, mas ela não está ali.
Para Squire e Kandel (2203, p. VI), o dito “Cogito ergo sum”
Figura 47
-
-
Mosaico das funções cerebrais. Fonte: Lent, 2001, p. 23.
“Penso, logo existo” pode ser considerado errado uma vez que:
Não somos aquilo que somos simplesmente porque pensamos.
Somos aquilo que somos porque podemos lembrar aquilo que
pensamos. [...] cada pensamento que temos, cada palavra que
falamos, cada ação na qual nos engajamos de fato, o próprio
sentido que temos de nós mesmos e nossa conexão com os outros -,
tudo isso devemos à memória, à capacidade de nossos encéfalos de
registrar e armazenar nossas experiências. A memória é o cimento
que une nossa vida mental, o arcabouço que mantém nossa história
pessoal e torna possível crescermos e mudarmos ao longo da vida.
Greenspan atribui à emoção importante papel no desenvolvimento
inicial da mente. As trocas emocionais, antes mesmo do registro dos
primeiros pensamentos, são fundamentais para a formação do sujeito: “na
realidade, as emoções, e não a estimulação cognitiva, funcionam como
artífices primários da mente”. Para o autor (1999, p. 15-16):
Valorizar o aspecto cognitivo da mente, em detrimento do emocional,
tem origens profundamente enraizadas. Desde a Grécia Antiga, os
filósofos priorizam o lado racional da mente em detrimento do
emocional, considerando-os entidades distintas. Segundo esse
enfoque, a inteligência é necessária para governar e cercear os
sentimentos mais passionais. Essa concepção tem exercido uma
profunda influência no pensamento ocidental; de fato, moldou
algumas de nossas instituições e crenças mais básicas. Psicólogos
modernos como Jean Piaget, embora tenham contribuído para a
nossa compreensão das interações dinâmicas e estratégias cognitivas
empregadas pelas crianças em seu aprendizado e aquisição do
ambiente que as cerca, continuam a encarar a inteligência como
relativamente independente do afeto ou da emoção. Mesmo Freud,
pioneiro em suas observações sobre o papel das emoções na
formação da personalidade, também as considerava como distintas e
até mesmo antagônicas à inteligência. Para ele, o “cavaleiro” racional,
o ego, retém as rédeas do “cavalo” passional, a libido. Devido a essa
dicotomia, nossa cultura apresenta um imenso investimento
intelectual e institucional, de longa data, na noção de que razão e
emoção são entidades distintas, irreconciliáveis, e que, em uma
sociedade civilizada, deve prevalecer a primeira.
Mas onde “nascem” e ficam armazenadas as nossas emoções? Em
que parte do encéfalo situa-se tão sublime capacidade? O sistema límbico
102
é responsável em dotar o homem de emoção, de sentimentos. Através de
102
A expressão Sistema Límbico foi cunhada por Paul MacLean em 1952. MacLean inspirou-se na expressão
originária de Broca, criada em 1878, “lobo límbico”. Do latim limbus, que significa “orla”, “borda”, foi utilizada em
decorrência do sistema límbico localizar-se em região fronteira ao Neocórtex.
uma conexão, neuronal liga-se ao córtex frontal, local onde as emoções
são registradas. Carter (2003, p. 55-56) afirma que:
Os módulos que se aninham debaixo do corpo caloso são geralmente
conhecidos como o sistema límbico. Essa área é mais antiga que o
córtex em termos evolutivos, sendo também conhecida como cérebro
mamífero, pois acredita-se que tenha emergido pela primeira vez nos
mamíferos. Essa parte do cérebro e áreas mais antigas deles é
inconsciente, mas tem um profundo efeito sobre nossa experiência,
pois está densamente conectada ao córtex consciente acima dela e
alimenta constantemente informações para cima.
As emoções são geradas no sistema límbico, juntamente com
muitos dos apetites e impulsos que fazem com que nos comportemos
de uma maneira que (geralmente) nos ajudam a sobreviver. Mas os
módulos límbicos têm muitas outras funções: o tálamo é uma
espécie de estação de comutação, direcionando as informações que
chegam à parte adequada do cérebro para processamento posterior.
Debaixo dele, o hipotálamo [...] é essencial para armazenar memória
de longo prazo. A amígdala, na frente do hipocampo, é o local onde é
registrado e gerado o medo.
Descendo ainda mais, você chega ao tronco cerebral. [...] é
formado dos nervos que sobem pelo corpo via coluna vertebral e
conduz informações do corpo para o cérebro. Várias massas
compactas de células do tronco cerebral determinam o nível geral de
vigilância do cérebro e regulam os processos vegetativos do corpo,
como a respiração, os batimentos cardíacos e a pressão arterial.
Além da amígdala (local onde as emoções são registradas) e do
hipotálamo, outras estruturas compõem o sistema límbico, conforme mostra
a Figura 48:
Figura 48
-
Sistema
límbico. Fonte: Machado,
p. 32.
Para Machado (1997, p. 33) o sistema límbico:
compreende o lobo límbico e as estruturas corticais com ele
relacionadas. A seguir, mostramos uma relação de estruturas
cerebrais cuja inclusão no sistema límbico é aceita pela maioria dos
autores: a) giro do cíngulo. “Cingulo” vem do latim “cingulum”, que
significa “cintura”, “o que cerca”, “o que rodeia ou forma círculo”. O
giro do cíngulo tem recebido terminologia variada como orla de
Foville, circunvolução do corpo caloso, girus fornicatus (isto é, “giro
abobadado”), giro cingulado, giro caloso marginal. [...] b) istmo do
giro do cíngulo (Isthmus gyri cinguli) (“istmo” é uma entrada estreita,
e este é o lugar mais estreito entre o giro do cíngulo e o giro
parahipocampal); c) giro parahipocampal. “Giro” é “volta” e
“parahipocampal” vem do hipocampo [...] e o prefixo grego “para”,
que significa “de...lados”, “junto de”, “ao longo de”, “ao lado de”; d)
hipocampo, que vem do grego hippókampos, “cabalo-lagarta”,
“cavalo-marinho”. Esta estrutura cerebral recebe seu nome em
virtude da forma que lembra um cavalo marinho; e) hipotálamo, do
grego hypó, “sob” e thálamus, “leito nupcial”, “quarto de dormir”,
recebe este nome em virtude de sua localização. O hipotálamo regula
a função hormonal; f) tálamo [...] assim denominado pela
semelhança a uma câmara, a um quarto. Do tálamo somente os
núcleos anteriores fazem parte do sistema límbico. O tálamo é um
ponto de encontro que junta muitos centros cerebrais uns aos outros
e serve como modulador de sensações, movimentos, emoções e
comportamento; g) epitálamo (do grego epi, “sobre” e thálamos, já
visto), exceto a parte endócrina; h) área septal. O septo, do latim
septum, “cerca”, pois “septo” é a parede (membrana ou outro tecido
que separa duas cavidades) considerada como sendo a parte mais
rostral da formação reticular. “Rostral” refere-se a “rostro”, isto é,
saliência em forma de bico ou apêndice de um corpo; e i) corpo
amigdalóide (do grego amyddále, amêndoa e eidos, forma).
O importante nesse sistema são as relações que envolvem as
partes que o compõem, possibilitando uma rede de comunicações. Porém,
mesmo regulando nossas emoções, não é “senhor absoluto” responsável
pelas nossas reações emocionais, conforme Carter (2003, p. 159),
O sistema límbico, [...], não tem soberania sobre nossas
reações emocionais. O tráfego emocional entre ele e o córtex é de mão
dupla. Assim como os impulsos vindos de baixo moldam nossos
pensamentos e comportamentos conscientes, também a maneira
como pensamos e nos comportamos pode afetar as reações do
cérebro inconsciente. Mas existem mais conexões subindo, do
sistema límbico ao córtex, do que aquelas caminhando na outra
direção [...] .
O que exatamente é essa coisa que nos informa tão
completamente? Pensamos na emoção como sentimento, mas a
palavra é enganosa porque descreve apenas metade da fera a
metade que, de fato, sentimos. Essencialmente, as emoções não são
de fato sentimentos, mas um conjunto de mecanismos de
sobrevivência enraizados no corpo, que evoluíram no sentido de nos
afastar do perigo e nos impulsionar na direção de coisas que podem
trazer benefícios. O comportamento mental o sentimento é
apenas um sofisticação do mecanismo básico. [...]
As emoções humanas são parecidas com as cores: parece haver
um punhado de cores primárias e uma maior gama de preparações
mais complexas criadas pela mistura de cores primárias. Vários
pesquisadores afirmam ter identificado as emoções primárias,
geralmente como aversão, medo, raiva e amor parental. São as
respostas que parecem ser exibidas por praticamente todas as coisas
vivas de qualquer complexidade. As emoções primárias não exigem
consciência podem precipitar a ação de uma pessoa para fugir ou
avançar na completa ausência de sua vontade consciente. Às vezes,
[...] o resultado pode ser catastrófico.
As emoções complexas, por outro lado, são constructos
cognitivos sofisticados aos quais se chega somente depois de
considerável processamento pela mente consciente e uma elaborada
troca de informações entre as áreas corticais conscientes do cérebro
e o sistema límbico abaixo.[...]
As percepções isoladas que ocasionam emoções são registradas
conscientemente no córtex, onde são juntadas em um único conceito
multifacetado. Mas isso, por si só, não garante emoção. Desde que
seja uma junção puramente cognitiva, será mero conhecimento. [...]
Uma vez que a mente consciente tiver percebido que a situação
pede uma certa reação emocional, ela enviará sinais pela linha até o
sistema límbico efetivamente exigindo que seja tomada a medida
adequada. O sistema límbico atende ao pedido da maneira habitual
envia mensagens ao corpo (via o hipotálamo) para que faça certas
alterações. Os neurotransmissores são liberados e inibidos; os
hormônios são bombeados; os processos vitais, como os batimentos
do coração e a pressão arterial, são alterados. As alterações são
então monitorados pelo hipotálamo e a mensagem volta correndo até
o córtex: “Temos emoção”.
A soma entre RAZÃO + EMOÇÃO possibilita a formação do ser
humano. Já as máquinas não possuem (e talvez nunca consigam!) emoção.
Têm, no entanto, um repertório grande de dados sem significado expresso,
como acontece com o ser humano. E, mesmo àquelas que “conseguem”
aprender, ainda que de maneira embrionária, falta uma faculdade
possibilitada apenas ao homem: o bom senso e a responsabilidade da
escolha. Numa situação de risco, por exemplo, um robô não conseguiria
definir que ação deveria ser implementada para resolver a situação. Trefil
(1999, p. 121) diz que “uma função intelectual humana extremamente difícil
de reproduzir em uma máquina (ou, a propósito, de entender) é o salto
intuitivo a inspiração repentina que lhe permite ‘perceber’. Há muitos
problemas cuja solução depende desse tipo de inspiração”. Mesmo que se
possa equipar uma máquina com um grande repertório de informações (um
robô), ainda assim seria impossível a capacidade de aprendizagem total, uma
vez que não bastam as informações, mas sim as relações que se fazem entre
elas. Os dados não seriam suficientes para possibilitar um diálogo, muito
menos para soluções adequadas. Um determinado conhecimento leva a
outro conhecimento, multiplicando-se como se fosse uma grande árvore
frondosa, cheia de galhos. Utilizarei a palavra aniversário para exemplificar a
formação de uma rede de conhecimentos. Para mim, a palavra aniversário
assume um determinado significado, de acordo com a minha história de
vida, e para uma outra pessoa, assume um significado completamente
diferente, de acordo com sua história, ou mesmo de acordo com a cultura
que permeia a sociedade onde vive. Eis o que o meu cérebro processa :
ANIVERSÁRIO
Festa
Salgados
Doces
Bebidas
Bolo
Velas
Família
Pai
Mãe
Irmãos
Cunhados
Sobrinhos
Marido/Mulher
Filhos
Outros parentes
Sentimentos
Alegria
Tristeza
Amigos
Presentes
Viagem
Brinquedos
Diversos
tipos
Alcóolicas
Não
alcóolicas
Livros
CD’ s
Brasil
Exterior
Roupas
Carro Marcas?
Eletrônicos
?
Tipos de
música
DVD
Show
F
ilme
E essa “árvore” continuaria crescendo à medida que fosse fazendo
relações de significados. E esses significados não podem ser atribuídos pelas
máquinas porque variam de pessoa para pessoa. E a aprendizagem só pode
acontecer quando existe uma rede de significados construída e com a
interação com o outro. Solé (1997, p. 31) explica essa significação:
Quando falamos de atribuir significado, falamos de um processo que
nos mobiliza em nível cognitivo, e que nos leva a revisar e a recrutar
nossos esquemas de conhecimento para dar conta de uma nova
situação, tarefa ou conteúdo de aprendizagem. Essa mobilização não
acaba nisso, mas, em função do contraste entre o dado e o novo, os
esquemas recrutados podem sofrer modificações, de leves a
drásticas, com o estabelecimento de novos esquemas, conexões e
relações em nossa estrutura cognoscitiva.
Muitas vezes, ao lermos sobre o cérebro e sobre computadores,
encontramos uma metáfora relacionando o cérebro a uma máquina em
funcionamento e, principalmente, ao computador. Santaella (1997, p. 34)
atribui esse comportamento às funções possibilitadas pela máquina e à
forma autônoma como funcionam. Diz a autora:
Definir o que são máquinas não é simples. Num sentido muito
amplo, a palavra se refere a uma estrutura material ou imaterial,
aplicando-se a qualquer construção ou organização cujas partes
estão de tal modo conectadas e interrelacionadas que, ao serem
colocadas em movimento, o trabalho é realizado como uma unidade.
É nesse sentido que se pode comparar o corpo ou o cérebro humanos
a máquinas.
Alguns cientistas, no entanto, não concordam com a analogia entre
o cérebro humano e o computador. Ratey (2002, p. 13) é um deles:
O cérebro não se parece em nada com os computadores pessoais que
projetou, pois ele não processa a informação nem constrói imagens
manipulando fileiras de dígitos como zeros e uns. Pelo contrário, o
cérebro é predominantemente composto de mapas, de conjuntos de
neurônios que, ao que tudo indica, representam objetos inteiros de
percepção ou cognição ou, pelo menos, qualidades sensoriais ou
cognitivas integrais desses objetos, tais como textura, cor,
credibilidade ou velocidade. A maioria das funções cognitivas envolve
a interação simultânea de mapas provenientes de muitas e diferentes
partes do cérebro: é a ruína dos cientistas cognitivos o fato de as
bananas não estarem localizadas numa só estrutura do cérebro. O
cérebro reúne percepções pela interação simultânea de conceitos
inteiros, de imagens inteiras. Em vez de usar a lógica predicativa de
um microchip, o cérebro é um processador analógico, o que significa,
essencialmente, que ele funciona por analogia e metáfora. Relaciona
conceitos completos uns com os outros e procura estabelecer as
semelhanças, diferenças ou tipos de ligações existentes entre eles.
Não procede à montagem de pensamentos e sentimentos a partir de
pequenos fragmentos de dados.
Já Zohar e Marshall (2000) acreditam que os computadores podem
simular determinados tipos de pensamento, mesmo sendo o cérebro humano
mais complexo do que o computador. Para eles, a copilação de pensamentos
seriais e associativos podem ser realizados de maneira uniforme pelo
computador, uma vez que dependem exclusivamente de uma lógica linear,
racional, baseada em regras e reconhecedor de padrões. O que o computador
não pode simular, no entanto, é a capacidade de criar. Além de Zohar e
Marshall, estudiosos como Gardner e Goleman discutem a possibilidade de o
homem possuir mais de uma inteligência. Gardner, através de sua Teoria
das Múltiplas Inteligências, propõe a existência de sete inteligências,
definidas por ele como:
A inteligência lingüística é o tipo de capacidade exibida em sua
forma mais completa, talvez pelos poetas. A inteligência lógico-
matemática, como o nome implica, é a capacidade lógica e
matemática, assim como a capacidade científica. Jean Piaget, o
grande psicólogo do desenvolvimento, pensou que estava estudando
toda a inteligência, mas eu acredito que ele estava estudando o
desenvolvimento da inteligência lógico-matemática. Embora eu cite
primeiro as inteligências lingüística e lógicomatemática, não é
porque as julgue as mais importantes de fato, estou convencido de
que todas as sete inteligências têm igual direito à prioridade. Em
nossa sociedade, entretanto, nós colocamos as inteligências
lingüística e lógico-matemática, figurativamente falando, num
pedestal. Grande parte de nossa testagem está baseada nessa alta
valorização das capacidades verbais e matemáticas. Se você se sai
bem em linguagem e lógica, deverá sair-se bem em testes de QI e
SATs, e é provável que entre numa universidade de prestígio, mas o
fato de sair-se bem depois de concluir a faculdade provavelmente
dependerá igualmente da extensão em que você possuir e utilizar as
outras inteligências, e é a essas que desejo dar igual atenção.
A inteligência espacial é a capacidade de formar um modelo
mental de um mundo espacial e de ser capaz de manobrar e operar
utilizando esse modelo.[...] A inteligência musical é a quarta
categoria de capacidade identificada por nós [...] A inteligência
corporal-cinestésica é a capacidade de resolver problemas ou de
elaborar produtos utilizando o corpo inteiro , ou partes do corpo.[...]
Finalmente, eu proponho duas formas de inteligência pessoal não
muito bem compreendidas, difíceis de estudar, mas imensamente
importantes. A inteligência interpessoal é a capacidade de
compreender outras pessoas: o que as motiva, como elas trabalham,
como trabalhar cooperativamente com elas. [...] A inteligência
intrapessoal, um sétimo tipo de inteligência, é a capacidade
correlativa, voltada para dentro. É a capacidade de formar um
modelo acurado e verídico de si mesmo e de utilizar esse modelo para
operar efetivamente na vida.(GARDNER, 1995, p. 15-16)
Gardner advoga que essas inteligências agem, na maior parte dos
homens com raras exceções , de maneira conjunta, possibilitando a sua
produção intelectual final. O que ele busca mostrar, prioritariamente,
através do seu estudo, é a pluralidade existente no intelecto, e não um tipo
único, monolítico. Baseado nos estudos apresentados por Gardner,
Golemam procura provar que não só a razão (QI) é responsável pelos nossos
atos, mas a emoção também influencia de maneira direta às nossas
respostas e possui um imenso poder sobre as pessoas. Os seus estudos
levaram-no a conceber a existência de uma Inteligência Emocional, que é
responsável por uma resposta “equilibrada” a situações vivenciadas. O
controle das emoções é fundamental, segundo o cientista, para o sucesso do
indivíduo, ou melhor, para formação da sua inteligência. Para Goleman
(1995, p. 56) “o QI e a inteligência emocional não são capacidades opostas,
mas distintas. Todos nós misturamos acuidade intelectual e emocional”.
Mas a palavra INTELIGÊNCIA suscita várias discussões e
polêmicas. Alguns estudiosos advogam a causa de que ela possa ser medida
através de testes de acuidade verbal e raciocínio lógico-matemático. Na sua
fala, acima citada, Gardner referencia testes de QI e SATs. Os SATs
(Scholastic Aptitude Tests) são testes de aptidão exigidos para ingresso em
universidades americanas. O testes de QI (Quociente Intelectual) foram
propostos pelo psicólogo francês Alfred Binet
103
.
Os testes de inteligência ainda hoje causam polêmicas uma vez que
se discute o que se pode medir e como é realizada essa medição e,
principalmente, que valor esses testes possuem. Prova dessa polêmica pode
ser confirmada com a discussão imposta pelo livro The Bell Curve (A Curva
do Sino) escrito pelo americanos Charles Murray (psicólogo) e Richard
Hernstein (sociólogo) que sustenta a idéia da superioridade entre raças (a
branca superior à negra)
104
.
Discussões referentes a como aprendemos também mobilizam os
ientistas que estudam o cérebro. Hoje já é verdadeira a afirmação de que
cada ser humano possui uma forma diferente de aprender. Antunes
(informação verbal)
105
afirma que seis ações são definidoras para o processo
de aprendizagem: a memória, a emoção, a linguagem, a atenção, a motivação
e a ação. Já Carbó apresenta cinco fatores (pré-requisitos) segundo os quais
os alunos podem desenvolver a capacidade intelectual, adquirir
aprendizagens e um nível maturacional em suas atitudes. Os pré-
requisitos a que se refere são: atenção, percepção, organização espaço-
temporal, memória e domínio motor manual. Para a referida autora (1996, p.
13):
103
A diferença entre os resultados obtidos por crianças no século passado, levou o psicólogo francês Alfred Binet a
estudar o fato. “Perguntava-se ele que fatores estariam provocando tão grande número de reprovações entre os
estudantes franceses. Tais fracassos não podiam ser interpretados todos da mesma forma, e isso fez com que Binet
procurasse determinar em que medida ocorriam diferenças.
Não bastava dividir as crianças em dois grupos extremos: aquelas que progrediam na escola e eram, portanto,
normais, e aos que fracassavam e podiam ser consideradas deficientes. Isso porque, segundo constatou, a aptidão
intelectual varia em escalas diversas, que abrangem desde os poucos dotados até os bem dotados e mesmo
brilhantes. A partir dessa concepção, Binet estabeleceu uma série de quesitos que iriam compor uma escala de
avaliação, através da qual os diferentes graus de aptidão individual para o aprendizado pudessem ser comparados.
A possibilidade de medir e quantificar essas diferenças abriu caminho ao aparecimento dos primeiros testes
mentais, cujo aspecto mais importante foi o de estimular adequadamente o aprendizado, na justa e exata medida
em que os diversos graus de inteligência pudessem suportar os ensinamentos e assimilá-los”. (Enciclopédia
Medicina e Saúde, vol. 9, p. 2176. São Paulo: Abril Cultural)
104
Os autores aplicaram testes de inteligência a indivíduos de raças diferentes e cruzaram, estatísticamente, os
resultados obtidos nos testes.
105
Palestra proferida pelo prof Celso Antunes em 22 de setembro de 2003, promovida pela Lego Dacta.
La educación de estos factores sensorio-perceptivo-motrizes,
estimulados a lo largo de toda la escolarización posibilita no sólo su
desarrollo sino también el que constituyan una base sólida donde se
apoye todo el proceso educativo tanto de los factores cognitivos:
lenguaje, razonamiento, como de la propia personalidad del niño
106
.
A autora propõe (1996, p. 12-13):
ATENCIÓN: para poder seleccionar los estímulos e información que
recibimos del exterior en función de las necessidades e intereses.
PERCEPCIÓN: a fin de poder captar y analizar los estímulos
seleccionados.
ORGANIZACIÓN ESPACIO-TEMPORAL: para estruturar no sólo el
espacio que nos rodea y el tiempo en el que suceden los hechos y
acciones sino también como base para una estructuración del
próprio sujeto en su globalidad: afectiva, cognitiva y motriz.
MEMORIA: a fin de poder almacanar cuanta información se vaya
captando, y recuperaria cuando se requiera ya sea a corto o a largo
plazo.
DOMINIO MOTRIZ MANUAL: como factor necesario y condicionante
de la mayoría de las repuestas no verbales, que debe realizar el
sujeito durante su vida ya sea en el ambito escolar o profesional
107
.
Para Squire e Kandel (2003, p. 14) “a memória é o processo pelo
qual aquilo que é aprendido persiste ao longo do tempo. Neste sentido, o
aprendizado e a memória estão conectados de forma inextricável”. Os
autores afirmam que:
a maior parte daquilo que sabemos sobre o mundo não foi
construída em nosso encéfalo ao nascer, mas foi adquirida por meio
da experiência e mantida pela memória o nome e o rosto de nossos
amigos e das pessoas que amamos, álgebra e geografia, política e
esportes, assim como a música de Haydn, Mozart e Bethoven. Como
resultado, somos quem somos em grande parte porque aprendemos e
lembramos. A memória, porém, não é apenas um registro de
experiências pessoais: ela permite que recebamos instrução e é uma
poderosa força para o progresso social. Os seres humanos tem a
capacidade única de comunicar para outros aquilo que aprenderam,
e, assim, podem criar culturas que podem ser transmitidas de
geração em geração.
106
A educação destes fatores sensorio-perceptivo-motor, estimulados ao longo de toda a escolarização possibilita
não só o desenvolvimento mas também o que constitui uma base sólida onde se apoia todo o processo educativo
tanto dos fatores cognitivos: linguagem, razão, raciocínio, como da própria personalidade do aluno (Tradução da
pesquisadora).
107
Atenção: para poder selecionar os estímulos e informações que recebemos do exterior em função das
necessidades e interesses. Percepção: a fim de poder captar e analisar os estímulos selecionados. Organização
espaço-temporal: para estruturar não só o espaço que nos rodeia e o tempo em que se sucedem os feitos e ações
mas também como base para uma estruturação do próprio sujeito em sua globalidade: afetiva, cognitiva e motora.
Memória: a fim de poder armazenar quanta informação se vá captando e recuperá-la quando se queira seja a curto
ou longo prazo. Domínio motor manual: como fator necessário e condicionante da maioria das respostas não
verbais que deve realizar o sujeito durante sua vida seja no ambiente escolar ou profissional.
O primeiro psicólogo a realizar estudos experimentais sobre a
memória foi Hermann Ebbinghaus (1850-1909). Através de seus estudos
descobriu que as memórias apresentam diferentes tempos de duração e que
a repetição de exercícios possibilitam a duração mais longa das memórias.
Geor Müller e Alfons Pilzecker inferiram que a memória de pouca duração,
com o passar do tempo, consolida-se. A partir desses dados, William James
(filósofo americano) distinguiu claramente as memórias de curta e de longa
duração. Disse ele (citado por Squire e Kandel, 2003, 16):
Memórias de curta duração [...] duram de segundos a minutos e são
essencialmente uma extensão do momento presente, como quando
alguém lê um número de telefone e, então, o mantém na mente por
alguns instantes. Ao contrário, a memória de longa duração pode
resistir durante semanas, meses ou por toda uma vida, e seu acesso
-se mediante uma consulta ao passado.
A memória é imprescindível ao processo de aprendizagem,
principalmente no que se refere aos conhecimentos prévios, conhecimentos
estes entendidos na perspectiva de Miras (1997, p. 60) como:
entendemos que a aprendizagem de um novo conteúdo é, em última
instância, produto de uma atividade mental construtivista realizada
pelo aluno, atividade mediante a qual constrói e incorpora à sua
estrutura mental os significados e representações relativos ao novo
conteúdo. Pois bem, essa atividade mental construtiva não pode ser
realizada no vácuo, partindo do nada. A possibilidade de construir
um novo significado, de assimilar um novo conteúdo, em suma, a
possibilidade de aprender, passa necessariamente pela possibilidade
de ‘entrar em contato’ com o novo conhecimento.
Em decorrência do desenvolvimento do encéfalo, o homem
“dominou o mundo”, é capaz de sentir e transmitir seus sentimentos, de
pensar em símbolos abstratos como a matemática e a linguagem e de
aprender e acumular informações, transmitindo-as ao longo das gerações.
Mas para aprender, algumas áreas cerebrais assumem mais importância do
que outras. Squire e Kandel (2003, p. 14) explicam que
podemos adquirir novos conhecimentos acerca do mundo porque as
experiências pelas quais passamos modificam nossos encéfalos e,
uma vez que aprendemos, é possível mantermos o novo
conhecimento em nossa memória por um tempo bastante longo, pois
alguns aspectos dessas modificações persistem em nosso encéfalo.
Posteriormente, podemos atuar sobre o conhecimento armazenado
na memória, agindo e pensando de novas maneiras.
O que o cérebro tem a ver diretamente com a aprendizagem através
da Robótica Pedagógica? Será que se fizéssemos um estudo utilizando as
técnicas de imageamento cerebral não nos surpreenderíamos ao perceber
que diversas áreas são iluminadas à medida que os alunos discutem,
planejam, constróem e programam seus modelos? Pesquisas realizadas por
Marian Diamond, em 1963, demonstram a possibilidade de os neurônios
cerebrais interligados, crescerem e se ramificarem a partir de estímulos
mentais, físicos e sensoriais recebidos de maneira apropriada. A pesquisa
mostrou, também, a não existência de idade para que esse processo ocorra.
Apesar de ser mais fácil acontecer na infância, ainda na idade adulta os
neurônios podem se desenvolver. Diamond (2000, p. 13) aponta que:
A mente da criança está repleta de mágicos, bruxas, fadas
madrinhas, varas de condão, escudos, pôneis e sapos mágicos.
Dando vida a essas imagens mágicas, invocando-as, estão as células
nervosas, como em um emaranhado de árvores e galhos, que se
ligam a milhões, bilhões de pontos de contato e convergem para uma
rede de consciência viva. Correntes eletroquímicas sussurram
através desse campo de neurônios, assim como o vento balança o
matagal sombrio. E desse balançar, nascem nossas faculdades
mentais: a produção de imagens, pensamentos, palavras,
sentimentos, música e a própria crença em gênios e sapos mágicos.
Nos anos 90, os pesquisadores fizeram grandes avanços no sentido
de compreender o desenvolvimento e o crescimento do cérebro
infantil e de como ele produz as habilidades humanas. Ao mesmo
tempo, descobriram meios de aumentar a inteligência, estimulando o
crescimento do cérebro durante sua fase mais ativa. No passado, via-
se o cérebro da criança como algo estático e imutável. Nos dias de
hoje, especialistas o vêem como um órgão altamente dinâmico, que é
alimentado por estímulos e experiências e responde por meio do
surgimento de florestas de neurônios. Essa descoberta nos permite
ajudar nossas crianças a alcançarem um desenvolvimento mental
pleno e sadio.
Em experiências realizadas com ratos, Diamond demonstrou que
ratos criados em gaiolas com brinquedos e ricas em oportunidade, possuíam
mais neurônios do que ratos criados em ambientes empobrecidos. De posse
dos resultados desses experimentos, concluiu que os seres humanos
também podem ter um aumento significativo de ramificações neuronais
quando têm os cérebros estimulados. Diamond (2000, p. 14) coloca que:
A camada exterior do cérebro pode crescer se uma pessoa ou um
animal viver em um ambiente estimulante, mas essa mesma camada
pode se atrofiar em um ambiente monótono e pouco desafiador. As
conseqüências das descobertas são tão profundas e podem variar
desde detalhes moleculares como, por exemplo, seriam ativadas e
afinadas as células nervosas que permitem uma criança escutar e
enxergar até questões sociais e familiares amplas como, por
exemplo, o melhor modo de educarmos as crianças em uma época
em que as habilidades diminuem e a tecnologia aumenta.
A Robótica Pedagógica, ao meu ver, é um forte aliado ao ambiente
estimulado e rico de experiências capazes de promover o aprendizado.
APÊNDICE B Brinquedos Eletrônicos
O Genius é um jogo de memória. Apresenta 3 possibilidades
diferentes (Genius comanda, o jogador inventa e escolha a sua cor). E quatro
níveis de habilidades. Traz na sua apresentação a mensagem:
Eu sou um computador programado para brincar com você. Mas,
não tente blefar comigo. Sou espertinho e tenho milhares de
seqüências e combinações diferentes para desafiar o seu poder de
concentração num jogo para uma, duas ou mais pessoas. Tenho 4
níveis de habilidade que você pode tentar alcançar. Se você tiver
dúvidas, eu repetirei a última seqüência ou a seqüência mais longa
do nosso jogo.
O Ir-V é considerado o primeiro robô interativo com a Internet.
Figura 49
Brinquedo
Genius
Quando ligado, testa os circuitos e solicita que o seu dono coloque
o dedo numa espécie de scaner e digite um código secreto de identificação.
Ir-v dança, canta, conta piadas, diz curiosidades, possui dados de
enciclopédias, jogos e interage com a Internet. Propõe aventuras on-line,
jogos e atividades, músicas e movimentos. Possui site próprio
(http://www.ir-vonline.com) através do qual recebe informações e pode ser
consertado, caso apresente algum defeito. Utiliza tecnologia Wireless
Interaction Tecnology (W.I.T), tecnologia de interatividade sem fios, que
possibilita receber informações imediatas através do seu site, bastando para
isso ser colocado frente ao computador quando conectado. Na sua tela de
display de cristal líquido aparecem informações importantes como o seu
estado de humor, relógio (mostra o tempo real) indica problema elétrico,
monitor quebrado... Quando acorda, desperta o seu dono com uma frase
famosa: “Ei, tem alguém aí?” Dessa forma, ele anuncia que quer brincar.
O Cyber combate é um brinquedo composto de dois robôs que
brigam entre si, recomendado para crianças acima de cinco anos. Quando
um deles recebe quatro golpes diretos, é desativado. Caminham e giram o
Figura 50
Robô
interativo Ir-v
corpo. Além do receptor infra-vermelho, possui motores para executarem os
movimentos de virar o corpo e mexer os braços. Funcionam com controles
remotos infra-vermelhos (sem fio).
O Acrobat Robot funciona com controle remoto sem fio (tipo
joystic). Mexe o corpo, movimenta as pernas (anda para frente) e os braços.
Toca música ao se movimentar.
Figura 51
Cyber
combate
Figura 52
Acrobat Robot
O Space robot é um robô pequeno que se movimenta de acordo com
a música tocada. Mexe os olhos, acende as luzes. O Talking robot grava as
frases ditas pelo dono, repetindo-as.
O Roger Robot funciona através de controle remoto (com fio). Anda
para frente e para traz, acende os olhos, abre os braços e pode carregar
objetos.
Figura 53
Talking robô e
Space robot
Figura
54
Roger Robot
O Rad anda para frente, curva o corpo, abre e fecha os braços,
carrega uma bandeja própria para transportar objetos. Possui em seu corpo,
à altura do peito, um compartimento com três balas que podem ser atiradas.
Funciona através de um controle remoto sem fio. A sua bateria é
recarregável.
O Wuvluvs é um bichinho de pelúcia que fala, canta, sorrir e
simula uma gestação, possibilitando o nascimento de um bebê. Possui
sensores de toque e movimento. Diz as seguintes frases (em seqüência igual):
gosto muito de você; oh, lelé, oh, lalá, hum, hum, tra-la-lá; gosto de abraço;
beijinho (simula o som e um beijo); quer brincar?; feliz...feliz...; hora da
papinha; muito bem!; hora de nanar; quer papar?; amorzinho, tá soninho...;
gosto muito de você. Em determinados momentos, só suspira. Na primeira
vez em que é ligado, após cinco minutos de brincadeira, nasce o bebê (é
possível religar reset para que nasça novamente). O bebê está guardado
Figura
55
Rad Rob
ot
dentro de um ovo plástico na barriga da mãe. Logo ao nascer, recebe um
nome escolhido pela mãe. Para ter interação com a mãe é necessário colocar
o bebê frente a mesma. Comunicam-se através de um sinal de luz emitido
pelas antenas. Além de simularem uma conversa, cantam juntos as músicas
“Atirei o pau no gato” e “pirulito que bate-bate”. Vem acompanhado de uma
certidão de nascimento para que a criança registre o nascimento do bebê.
O Petzi é um bicho de pelúcia falante que interage com seu dono
ensinando letras, números, cores e formas; seqüência de contagem; tempo;
fala, balança o corpo, o coração bate, beija, ri, boceja, ronca, espirra.
Funciona com controle remoto sem fio. Possui, ainda, um piano de oito
teclas e 18 diferentes canções.
Figura 56
Wuvluvs
O Furby baby é um bichinho de pelúcia que precisa ser cuidado.
Ao ser ligado se apresenta dizendo o nome. Pede que o dono diga se é “papai”
ou “mamãe”. Vem com uma linguagem furbish (acompanhado de um
dicionário) e na “convivência” com o seu dono aprende a falar português.
Pede carinho, diz que está com fome, diz que está doente. Sobre a sua
personalidade o manual de instrução coloca:
Eu falo Furbish, uma língua mágica comum a todos os Furbys.
Quando nos conhecermos será a língua que eu falo. Para te ajudar a
compreender o que é que eu digo, usa o dicionário que vem comigo
dentro da embalagem. Eu gosto que me peguem no colo, que me
façam festas e cócegas, e, como todos os bebês, gosto de ser
embalado. Sempre que fizeres estas coisas, eu falo e faço barulhos
engraçados. É fácil aprenderes a falar Furbish. A certa altura,
aprenderei a falar a tua língua além do Furbish. Quanto mais
brincares comigo, mas usarei a tua língua. Eu atravesso duas fases
de desenvolvimento. A primeira é quando me conheces. Sou
brincalhão e quero conhecer-te. Também te ajudo a tomar conta de
mim. A minha segunda fase de desenvolvimento é quando começo a
falar a tua língua, mas ainda falo um pouco de Furbish. Nesta
altura, já nos conheceremos muito bem.
Figura 57
-
Petzi
O Web.estrela é um urso interativo. Ele conta histórias que podem
ser renovadas através do seu site na Internet. Na versão anterior, vinha
acompanhado de fitas cassetes, cada uma com uma história diferente. Para
ouvi-las bastava que o dono trocasse as fitas. Já o Web permite que seu
dono escolha entre dois caminhos diferentes para a história. É conectado ao
computador através de um cabo e necessário a instalação de um programa
especifico para fazer o dowload de novas histórias e brincadeiras no site da
Estrela (www.estrela.com.br).
Figura 58
-
Furbys
Figura 59
Ursos contadores de histórias (1
a
e
2
a
versões).
Os cyber animais apenas se movimentam (andam em uma
direção), acendem luzes nos olhos e fazem um barulho como se estivessem
imitando vozes de animais. Funcionam através de um controle remoto com
fio.
O Poo-chi (The Interactive dog) e o Poo-chi friends (buldog) são dois
animais interativos da estrela Eles demonstram emoções através dos olhos e
abanando as orelhas. Através de tecnologia avançada, eles agem de acordo
como o dono brinca com eles. Eles podem se comunicar entre si, se
colocados frente à frente. A depender da forma como o dono brinca, ele pode
expressar o “seu carinho” através de músicas. Possuem três sensores: toque,
som e luz.
Figura 61
-
Poo
-
chi (The
Interactive dog) e o Poo-chi
friends (buldog).
Figura 60
Cyber animais
O super Poo-chi é um cachorro interativo com capacidade de
“aprender”. Além das funções dos seus “irmãos” acima apresentados, ele
aprende a reconhecer a voz do dono e a obedecer aos seus comandos. De
acordo com seu manual de instrução, o cachorro apresenta três estágios de
nutrição: bebê, filhote e adulto. No primeiro estágio (bebê) ele não entende
muito bem os comandos de voz do seu dono; não consegue ficar de pé muito
tempo e canta apenas uma canção. Quando filhote, aprende a fazer truques
através do comando de voz do seu dono. A depender do treinamento dado
pelo dono, pode se tornar um cão adulto preguiçoso, fiel ou talentoso
Interage com Poo-chi (The Interactive dog) e o Poo-chi friends (buldog).
O Rock Climber é um boneco escalador super interessante..
Funciona através de um controle remoto. Vem acompanhado de uma
superficie rugosa a ser presa em lugares altos (preferencialmente uma
porta). Além da destreza e coordenação motora, desenvolve o equilíbrio.
F
igura 62
-
Super Poo
-
chi
Yano é um velho contador de histórias. Vem acompanhado de
cartões interativos com histórias diferentes. Possibilita ao seu dono escolher,
a todo momento, o rumo da história. Além disso, possui uma espécie de
bússola mágica, na sua barriga, que oferece desejos a serem realizados.
Figura 63
Rock
Climber
Figura 64 - Yano
ANEXO A - TABELAS
Tabela 1 Atividades preferidas pelos alunos no Projeto de Integração Curricular.
Séries Atividades/Recursos
1
a
2
a
3
a
4
a
Total
%
Desenho 2 2 0,9
Brinquedo: peças e blocos para montar/Lego
10 4 25 21 60 28,3
Computador (lições, editor de texto/Internet)
11 22 10 17 60 28,3
Livro 3 4 7 3,3
Massa de modelar 1 1 2 0,9
Pesquisa 3 13 3 27 46 21,7
Som
Vídeo 1 2 6 2 11 5,2
Todas as atividades 6 4 12 2 24 11,3
Total
35 47 61 69 212 100
Fonte: SANTANA, 1999, p. 61.
Tabela 2 Preferência demonstrada pelos alunos da 5
a
série 2001 pela disciplina Robótica
Pedagógica.
Ordem de colocação da disciplina Freqüência
Percentual
Primeiro 12 15,8
Segundo 18 23,7
Terceiro 14 18,4
Quarto 8 10,5
Quinto 4 5,3
Sexto 3 3,9
Sétimo 3 3,9
Oitavo 4 5,3
Nono 4 5,3
Décimo 6 7,9
Total
76 100
Tabela 3 Preferência demonstrada pelos alunos da 5
a
série 2001 pela disciplina SOE.
Ordem de colocação da disciplina Freqüência
Percentual
Primeiro 36 47,4
Segundo 19 25
Terceiro 11 14,5
Quarto 4 5,3
Quinto 3 3,9
Sexto 1 1,3
Sétimo
Oitavo 1 1,3
Nono 1 1,3
Décimo
Total
76 100
Tabela 4 - Posição do Brasil em número de hosts (2003).
País Janeiro/2003
1
0
Estados Unidos* 120.571.516
2
0
Japão (.jp) 9.260.117
3
0
Itália (.it) 3.864.315
4
0
Canadá (.ca) 2.993.982
5
0
Alemanha (.de) 2.891.407
6
0
Reino Unido (.uk) 2.583.753
7
0
Austrália (.au) 2.564.339
8
0
Holanda (.nl) 2.415.289
9
0
Brasil (.br) 2.237.527
10
0
Taiwan (.tw) 2.170.233
11
o
França (.fr) 2.157.628
12
0
Espanha (.es) 1.694.601
13
0
Suécia (.se) 1.209.266
14
o
Dinamarca (.dk 1.154.053
15
o
Filândia (.fi) 1.140.838
16
0
México (.mx) 1.107.795
17
o
lgica (.be) 1.052.706
18
o
Polônia (.pl) 843.475
19
o
Áustria (.at) 838.026
20
0
Suíça (.ch) 723.243
21
o
Noruega (.no) 589.621
22
o
Argentina (.ar) 495.920
23
o
Rússia (.ru) 477.380
24
o
Nova Zelãndia (.nz) 432.957
25
o
Coreia (.kr) 407.318
Fonte: Comitê Gestor da Internet no Brasil. Disponível em <www.cg.org.br/indicadores/brasil-mundo.htm>. Acesso
em 25 março 2003.
Tabela 5 - Canais de TV mais assistidos
Canal de TV Freqüência Percentual
Globo 23 29,9
Globo + SBT + MTV 1 1,3
Globo + TV por assinatura 12 15,6
Globo + SBT + TV por assinatura 1 1,3
MTV + TV por assinatura 2 2,6
Globo + MTV + TV por assinatura 4 5,2
Globo + Bandeirantes 3 3,9
SBT 1 1,3
MTV 3 3,9
TV por assinatura 10 13,0
Globo + MTV 10 13,0
Globo + SBT 5 6,5
SBT + TV por assinatura 1 1,3
Globo + SBT + Bandeirantes + MTV 1 1,3
Total
77 100
Tabela 6 Programação preferida
Telejornal Filme Novela Desenho
animado
Programa
humorístico
Show Ordem de
preferência
F % F % F % F % F % F %
Primeiro 3 3,9 25 32,5 16 20,8
10 13 9 11,7
7 9,1
Segundo 3 3,9 23 29,9 13 16,9
8 10,4
11 14,3
8 10,4
Terceiro 11 14,3
7 9,1 7 9,1 16 20,8
16 20,8
8 10,4
Quarto 9 11,7
10 13 12 15,6
12 15,6
8 10,4
13 16,9
Quinto 16 20,8
2 2,6 9 11,7
6 7,8 14 18,2
16 20,8
Sexto 18 23,4
1 1,3 8 10,4
13 16,9
11 14,3 12 15,6
Sétimo 5 6,5 1 1,3 2 2,6 2 2,6
Oitavo 1 1,3 1 1,3
Não
responderam
9 11,7 10 13,0
9 11,7
8 10,4
11 14,3
Total
77 100 77 100 77 100 77 100 77 100
Tabela 7 Freqüência de utilização do computador
Utilização Freqüência Percentual
Diária 45 58,4
Dias determinados 12 15,6
Finais de semana 16 20,8
Dias determinados + finais de semana 3 3,9
Não responderam 1 1,3
Total
77 100
Tabela 8 Formas de utilização do computador
Formas de Utilização Freqüência Percentual
Estudo 2 2,6
Pesquisa e jogos eletrônicos 10 13
Estudo, pesquisa e jogos eletrônicos 5 6,5
Estudo e salas de bate-papo 2 2,6
Pesquisa e salas de bate-papo 3 3,9
Pesquisa, salas de bate-papo e chats 1 1,3
Pesquisa e chats 4 5,2
Estudo, pesquisa, jogos eletrônicos,
salas de bate-papo
5 6,5
Estudo e jogos eletrônicos 3 3,9
Estudo, pesquisa e chats 2 2,6
Pesquisa 3 3,9
Jogos eletrônicos, chats e salas de
bate papo
3 3,9
Estudo, pesquisa, jogos eletrônicos,
salas de bate-papo e chats
1 1,3
Pesquisa, jogos eletrônicos, salas de
bate-papo e chats
1 1,3
Jogos eletrônicos 12 15,6
Estudo, pesquisa e salas de bate-papo 1 1,3
Estudo e pesquisa 5 6,5
Salas de bate-papo 6 7,8
Pesquisa, jogos eletrônicos e salas de
bate-papo
8 10,4
Total
77 100
Tabela 9 Freqüência com que os alunos jogam
Utilização Freqüência Percentual
Diária 29 37,7
Dias determinados 11 14,3
Finais de semana 28 36,4
Dias determinados + finais de semana
8 10,4
Não responderam 1 1,3
Total
77 100
Tabela 10 Tipos de jogos preferidos
Simuladores Ação Aventura Ficção RPG Ordem de
preferência
F % F % F % F % F %
Primeiro 15 19,5 21 27,3 22 28,6 5 6,5 14 18,2
Segundo 9 11,7 18 23,4 24 31,2 12 15,6 2 2,6
Terceiro 17 22,1 15 19,5 13 16,9 14 18,2 4 5,2
Quarto 15 19,5 8 10,4 7 9,1 19 24,7 10 13
Quinto 10 13 3 3,9 2 2,6 13 16,9 30 39
Sexto 1 1,3
Não
responderam
11 14,3 11 14,3 9 11,7 14 18,2 17 22,1
Total
77 100 77 100 77 100 77 100 77 100
Tabela 11 Freqüência de utilização da Internet
Utilização Freqüência Percentual
Diária 26 33,8
Dias determinados 16 20,8
Finais de semana 28 36,4
Não utiliza 7 9,1
Total
77 100
Tabela 12 Alunos que possuem e-mail próprio
Utilização Freqüência Percentual
Sim 56 72,7
Não 19 24,7
Não responderam 2 2,6
Total
77 100
Tabela 13 Alunos que já assistiram filmes com a existência de personagens robôs.
Utilização Freqüência Percentual
Sim 66 85,7
Não 3 3,9
Não responderam 8 10,4
Total
77 100
Tabela 14 Filmes assistidos/preferidos
Filme Freqüência Percentual
Robocop 18 23,4
Star Wars 21 27,3
O Homem Bicentenário 10 13
Blade Runner e Robocop 1 1,3
Um Robô em Curto Circuito 13 16,9
Outros 1 1,3
Não responderam 13 16,9
Total
77 100
ANEXO B - FIGURAS
Figura 7 A Casa do Futuro. Fonte: Revista Recreio, Edição 146, p. 8-9.
Figura 30 O Homem máquina: as peças de reposição. Fonte: Revista IstoÉ, n. 1489, 11
março 1998.
Figura 37
Robô fabricado pela Manufatura
de Brinquedos Estrela em 1969. Exposto na
Casa do Sonhos São Paulo, S.P.
Figura 38
Robô fabricado pela
Manufatura de Brinquedos Estrela em
1981. Exposto na Casa do Sonhos
São
Paulo, S.P.
Figura 39
Robô fabricado pela
Manufatura de Brinquedos
Estrela em
1983. Exposto na Casa do Sonhos
São
Paulo, S.P.
As marcas e ilustrações utilizadas no decorrer desta Dissertação são usadas unicamente para fins
didáticos, sendo estas propriedade de suas respectivas companhias.
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