Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM INTEGRAÇÃO LATINO-
AMERICANA
ATORES SOCIAIS NO PROCESSO DE INTEGRAÇÃO DO MERCOSUL
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
Alejandro Lezcano Schwarzkopf
Santa Maria, RS, Brasil,
2008
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
ATORES SOCIAIS NO PROCESSO DE INTEGRAÇÃO DO MERCOSUL
por
Alejandro Lezcano Schwarzkopf
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Integração Latino
Americana (MILA), da Universidade Federal de Santa Maria(UFSM/RS),
como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Integração
Latino-Americana.
Orientador: Prof. Dr. Diorge Alceno Konrad
Santa Maria, RS, Brasil,
2008
ads:
Universidade Federal de Santa Maria
Centro de Ciências Sociais e Humanas
Mestrado em Integração Latino-Americana (MILA)
A Comissão Examinadora, abaixo assinada,
aprova a Dissertação de Mestrado
ATORES SOCIAIS NO PROCESSO DE INTEGRAÇÃO DO MERCOSUL
elaborada por
Alejandro Lezcano Schwarzkopf
Como requisito parcial para obtenção do grau de
Mestre em Integração Latino-Americana
COMISSÃO EXAMINADORA:
___________________________________________
Diorge Alceno Konrad. Dr. UFSM
Presidente/Orientador
___________________________________________
Júlio Ricardo Quevedo dos Santos, Dr.
____________________________________________
Jânia Lopes Saldanha, Dra.
Santa Maria, 17 de abril de 2008.
RESUMO
Dissertação de Mestrado
Programa de Pós-Graduação em Integração Latino-Americana
Universidade Federal de Santa Maria
ATORES SOCIAIS NO CENÁRIO DA INTEGRAÇÃO REGIONAL
Autor: Alejandro Lezcano Schwarzkopf
Orientador: Prof. Dr. Diorge Alceno konrad
Data e Local de Defesa: Santa Maria, 17 de abril de 2008.
Este trabalho analisa a situação e as perspectivas dos atores sociais
transnacionais, situados no contexto da construção de um espaço publico
alternativo, no processo de integração regional do Mercosul. A partir deste foco
central, o trabalho dialoga com temáticas diversas - globalização, movimentos
sociais, sociedade ―civil global‖ que, de alguma forma, permeiam o
surgimento dos atores sociais transnacionais contemporâneos. As múltiplas
temáticas são sintetizadas em três capítulos. O capitulo I apresenta os
aspectos mais amplos e gerais, que relacionam os efeitos da globalização da
economia mundial as mudanças ocorridas no Estado-Nação. Esta análise
ampla justifica-se, na medida em que a valorização do conceito de sociedade
civil (conceito dialeticamente integrado ao de Estado), assim como as
teorizações sobre o surgimento de uma sociedade civil global ou regional
(espaço onde atuam os atores sociais transnacionais) m como marco as
mudanças econômicas e políticas mundiais. Os capítulos II e III analisam as
dinâmicas estabelecidas entre espaços e ambientes institucionais do Mercosul
e sua relação com os atores sociais. Nesta análise se particular destaque a
atuação do movimento sindical (no capitulo II). No capitulo III é destacada a
atuação de ―novos atores sociais‖ em diversos espaços institucionais gerados
por o processo de integração.
Palavras chaves: atores sociais, globalização, sociedade civil, integração
regional.
Dissertação de Mestrado
Programa de Pós-Graduação em Integração Latino-Americana
Universidade Federal de Santa Maria
ATORES SOCIAIS NO CENÁRIO DA INTEGRAÇÃO REGIONAL
Autor: Alejandro Lezcano Schwarzkopf
Orientador: Prof. Dr. Diorge Alceno konrad
Data e Local de Defesa: Santa Maria, 17 de abril de 2008.
This paper analyzes the situation and prospects of social actors transnational,
situated in the context of the construction of a public space alternative, In the
process of regional integration in Mercosur. From this central focus, the work
dialogues with various themes - globalization, social movements, society "global
civil" - that, in some way, permeate the emergence of transnational social actors
contemporaries. The multiple themes are summarized in three chapters. The
chapter I present the most extensive in general, that relate the effects of the
globalization of the world economy changes in the nation state. This broad
analysis is justified, to the extent that the appreciation of the concept of civil
society (dialectically integrated the concept of State), and the discussions about
the emergence of a global civil society or regional (space where social actors
act transnational) have as landmark changes in economic policies worldwide.
Sections II and III analyzed the dynamics established between spaces and
institutional environments of Mercosur and its relationship to social actors. In
this analysis is given particular attention to performance of the union movement
(in chapter II). In chapter III is highlighted the role of "new social actors" in
various institutional spaces generated by the integration process.
Keywords: social actors, globalization, civil society, regional integration.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................10
1 PROCESSOS DE GLOBALIZAÇÕES E VISÕES DE SOCIEDADE CIVIL .
1.1 Aspectos Econômicos do Fenômeno Multifacetado ......................... 12
1.1.1 Construção do Estado-Nação Moderno ............................................ 13
1.2 Sobre a Valorização Contemporânea da Sociedade Civil ................. 23
1.2.1 Origem do conceito ........................................................................... 24
1.2.2 A reconstrução do conceito ............................................................... 26
1.2.3 Difusão do conceito ........................................................................... 30
1.2.4 O impacto da globalização na concepção da sociedade civil
sociedade civil global .................................................................................. 34
2 ATORES SOCIAIS NA INTEGRAÇÃO: O CASO DO MOVIMENTO
SINDICAL ........................................................................................................ 38
2.1 O Mercosul e o Movimento Sindical .................................................... 37
2.1.1 Avanços institucionais sobre a dimensão social do Mercosul ........... 42
2.2 Os Movimentos Sociais no Cenário Regional .................................... 47
2.2.1 Transformações no mundo do trabalho ............................................. 47
2.2.2 O Movimento sindical e os processos de regionalização ...................50
2.2.3 Trajetória das centrais sindicais do Mercosul .................................... 52
2.2.3.1 Sindicalismo na Argentina ................................................... 52
2.2.3.2 Sindicalismo no Brasil .......................................................... 53
2.2.2.3 Sindicalismo no Uruguai ...................................................... 54
2.2.2.4 Sindicalismo no Paraguai .................................................... 55
2.2.4 Mercosul, movimento sindical - marco institucional .......................... 56
2.2.5 Propostas da CCSCS ........................................................................ 63
2.2.6 Setores sindicais por atividade .......................................................... 64
2.3 O Foro Consultivo Econômico e Social do Mercosul ........................ 67
3 O MERCOSUL COMO ESPAÇO DE ATUAÇÃO DOS NOVOS
MOVIMENTOS SOCIAIS ..................................................................................72
3.1 Sobre os “Novos” Movimentos Sociais .............................................. 72
3.2 Relação Entre ONGs e Movimentos Sociais ....................................... 74
3.3 Ampliação dos FCES ............................................................................ 80
3.4 Regionalização e Novas Identidades .................................................. 84
3.4.1 A construção da identidade ............................................................... 85
3.4.2 Identidade nacional ........................................................................... 86
3.4.3 As identidades nacionais e os processos de regionalização ............ 88
3.4.4 Novas identidades ............................................................................. 89
3.5 Redes de Movimentos Sociais e o Novo Campo de Atuação Regional
....................................................................................................................... 90
3.5.1 O Programa Mercosul Social Solidário ..............................................91
3.5.2 O Programa Somos Mercosul ........................................................... 92
3.5.3 Cupulas Social do Mercosul .............................................................. 93
3.5.4 Movimento de mulheres no Mercosul ................................................ 94
3.5.5. O Movimento Cooperativo do Mercosul ........................................... 96
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 98
REFERÊNCIAS BILBIOGRÁFICAS ..............................................................103
INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas, é notório o fenômeno de aparição de atores não
estatais transnacionais que atuam em diferentes organizações visando resistir
a formas da globalização hegemônica. Surgem espaços sociais alternativos
onde diferentes visões, com interesses heterogêneos, com caráter regional ou
global, tentam coordenar ações visando mudar os rumos do que muitas vezes
é apresentado como inexorável. As transformações em curso do Estado-Nação
moderno e os processos de integração regionais acentuam a atuação destes
atores, pois eles interagem em um espaço transnacional, numa sociedade civil
global, internacional ou regional.
Os processos de integração em curso têm como características em
comum serem processos realizados como conseqüências das vontades de
elites econômicas e políticas. De forma paralela, e muitas vezes em oposição a
estas formas de integração, surgem outras visões de integração que
incorporam novas pautas e transladam lutas locais a um espaço transnacional,
muitas vezes incorporando reivindicações de setores excluídos. Neste
contexto, o objetivo central deste trabalho é de analisar a situação e as
perspectivas dos atores sociais transnacionais Movimento Sindical, e os
denominados ―novos movimentos sociais‖ -, situados no contexto da
construção de um espaço público alternativo em nível regional ou em uma
sociedade civil regional.
Para realizar o referido objetivo é necessário levar em consideração que
as transformações em curso exigem novas formas de análises. Particularmente
em relação à categoria de sociedade civil, pois muitas das referências
utilizadas pelas ciências sociais se construíram tendo o Estado-Nação como
eixo de interpretação.
De qualquer forma, não podemos analisar a origem nem o
desenvolvimento da noção de sociedade civil ou da categoria ―sociedade
global‖ sem relacioná-la com o processo de desenvolvimento do capitalismo
e com a formação do Estado moderno. Pois, a idéia de sociedade civil está
atrelada aos conceitos de mercado, de Estado e Nação. De fato, sua
9
construção foi produto dos Estados da Europa Ocidental e dos Estados Unidos,
especialmente no século XVIII e XIX. Portanto, nossa compreensão sobre a
categoria sociedade civil realiza-se a luz da tensão dialética formada com o
conceito de Estado em seu processo de transformação.
A primeira parte de nosso trabalho tem como objetivo analisar de que
forma o processo denominado globalização afetou a estrutura interna e externa
do Estado-Nação. Se a globalização rompe a relação que liga o Estado com o
território, como afirmam alguns autores (CASTELLS, 2002, p. 417) e
conseqüentemente os Estados-nação estão hoje mais fracos. Podemos
perguntar: quais são as reais transformações do Estado-nação, em que
aspectos esta mais fraco? Para responder essa pergunta, o primeiro capítulo
deste trabalho, inicialmente destaca alguns dos aspectos da globalização que
de alguma forma modificam a estrutura do Estado. Em segundo lugar,
destacamos alguns das características presentes na valorização
contemporânea do conceito de sociedade civil e alguns elementos preliminares
para uma conceituação de uma sociedade civil global.
Nos capítulos dois e três no centramos na situação e nas perspectivas
dos atores sociais transnacionais situados no contexto de sua atuação nos
âmbitos institucionais do Mercosul. Para este fim, no capítulo dois
descrevemos o surgimento de uma ―dimensão social do Mercosul‖, onde se
destaca a atuação do movimento sindical.
No capítulo três analisaremos algumas das características do
denominados novos movimentos sociais para desta forma compreender sua
atuação no âmbito regional. Neste mesmo capitulo, também apresentamos
uma breve problematização da relação existente entre os movimentos sociais e
surgimento das ONGs no Cone Sul, assim como discutimos o conceito de
identidade tão caro no análises dos novos movimentos sociais e dos atores
transnacionais em geral.
Para finalizar, queremos realizar breves considerações metodológicas.
Para a compreensão das formas inéditas de participação e exercício da
cidadania em nível transnacional, com espaços de participação publicamente
institucionalizados, e o advento de representatividades emergentes - de
―novos‖ e ―velhos‖ movimentos sociais realizamos uma análise em múltiplos
planos. Nosso trabalho tenta trabalhar com temáticas variadas que se cruzam,
10
se fundem e se complementam - tais como globalização, integração regional,
movimentos sociais, ONGs, uma emergente ―sociedade civil global‖ e
instituições intergovernamentais. Para sintetizar estes múltiplos planos, na
primeira parte, apresentamos aspectos que se poderiam denominar mais
amplos e gerais relacionados com a globalização da economia mundial -
compreendidos como limites estruturais para a ação dos atores sociais. Nos
capítulos dois e três o trabalho centra-se nas dinâmicas estabelecidas nos
espaços e ambientes institucionais (transnacionais) e sua relação com
―subjetividades‖, isto é, a percepção dos atores. Desta forma a dissertação
trata de realizar uma compreensão empírica dos processos em curso, tendo
como contexto a integração regional e a emergência de uma ―sociedade civil
regional‖. Para este fim, realizamos entrevistas semi-estruturadas com
representantes sindicais e membros de ONGs, em julho de 2007, na cidade de
Montevidéu.
1 PROCESSOS DE GLOBALIZAÇÕES E VISÕES DE
SOCIEDADE CIVIL
O recorrente - debatido, e pouco preciso - conceito de globalização
tornou-se uma referência que está na moda entre jornalistas, políticos de
tendências opostas e senso comum em geral. Desta forma, este conceito
adquire diferentes significados. Um dos mais comuns refere-se à globalização
como uma rede de produção e troca de mercadorias que se estabelece em
nível mundial. Também designa os fenômenos de intercâmbios políticos,
sociais e culturais entre as diversas nações, atualmente intensificados pelas
profundas transformações decorrentes da aplicação das inovações científicas e
tecnológicas na área da comunicação.
Através desta idéia se pretende dar conta de um conjunto de mudanças
mundiais. Entre elas, e talvez, a mais importante relaciona-se ao papel do
Estado no sistema da economia mundial. A globalização, por ser um conceito
pouco preciso, permite que apologistas
1
do neoliberalismo apresentem esta
idéia com um novo patamar na civilização e como um processo inexorável,
onde os mercados são ingovernáveis e os Estados são impotentes. Para esta
linha de argumentação as relações econômicas são totalmente incertas e
imprevisíveis, nas quais o Estado de Bem-Estar Social e as formas de
regulação econômica, como o Keynesianismo - e as esperanças de um
―capitalismo sem perdedores‖ - são inoperantes.
Nesta visão de mundo resignada ante as poderosíssimas forças
denominadas ―mercados‖ e ―fluxos financeiros‖, a palavra globalização adquire
conotações mitológicas. Para alguns autores ―a globalização é um mito
conveniente a um mundo sem ilusões, mas também um mito que rouba a
esperança‖ (HIRST; THOMPSON, 2001, p. 20)
1
A origem das visões mais apologéticas nas quais o termo globalização lugar vincula-se as
grandes corporações multinacionais originárias dos três centros do capitalismo mundial
(Estados Unidos, Europa Ocidental e Japão). Nelas afirma-se que a constituição de economias
sem fronteiras abre às firmas mais internacionalizadas a possibilidade de obterem altas taxas
de lucro através da globalização dos mercados e, sobretudo da integração global do conjunto
da cadeia de criação de valor (ANDREFF, 1996 apud GÓMEZ, 2000, p. 19).
12
Em torno dos processos de globalização ou mundialização reais ou
mitológicos podemos analisar muitos aspectos.
2
Neste capítulo pretendemos
ressaltar alguns dos novos elementos da economia mundial (representados
pelo ―consenso neoliberal‖), os quais, de alguma forma, modificaram o âmbito
institucional do Estado-Nação, apresentando algumas das novas
características das relações internacionais.
Utilizamos o conceito de globalização para a descrição de um processo,
não de um estado final. A questão central aqui é a noção dinâmica, de algo que
está em constante desenvolvimento. Não podemos analisar a globalização
desde nem do ponto de vista teórico, nem desde o ponto de vista empírico,
como algo estático, como um ponto final. Este processo tem como
característica central a quantidade cada vez maior e a intensificação das
relações de troca, de comunicação e de trânsito para além das fronteiras
nacionais (HABERMAS, 2001, p. 84). Este processo de intensificação esta
diretamente relacionado as mutações ocorridas no ambito tecnológico -
microtecnologia, processamento de informações e telecomunicações, que
permitem o incremento e o volume e velocidade das informações e reduzem os
custos de comunicação e transporte.
1.1 Aspectos Econômicos do Fenômeno Multifacetado
O fenômeno da globalização é um fenômeno multifacetado com
dimensões econômicas, políticas, sociais, culturais, religiosas e jurídicas
interligadas de modo complexo. Nos debates acerca da globalização uma
tendência para reduzí-la às suas dimensões econômicas - é nesta dimensão
que se situam suas características dominantes. Para Santos (2005, p. 27), os
sentidos da globalização não são consensuais. No entanto, por sobre todas as
suas divisões internas, existe um campo hegemônico que atua na base do
2
François Chesnais considera mais adequado denominar o fenômeno de globalização de
mundialização do capital, pois ele representa o próprio regime de acumulação do capital, e
explica: o conteúdo efetivo da globalização é dado o pela mundialização de trocas, mas pela
mundialização de operações do capital, em sua forma tanto industriais quanto financeiras
(CHESNAIS, 1996, p. 10).
13
consenso entre seus mais influentes membros. É esse consenso que confere a
globalização suas características dominantes, como também legitima estas
últimas como as únicas possíveis ou as únicas adequadas. As globalizações
contém componentes prescritivos, isto é, um conjunto vasto de ditames - todos
eles ancorados no consenso hegemônico. Este consenso é conhecido como
―Consenso de Washington‖, ou consenso liberal. Santos (2005, p. 27) sintetiza
desta forma a influência do ―Consenso de Washington‖ sobre a globalização:
―Nem todas as dimensões da globalização estão inscritas neste consenso, mas
todas são afetadas pelo seu impacto
O consenso neoliberal tem como marco as novas características da
economia mundial. Os traços principais da mesma são os seguintes: os efeitos
do colapso do sistema Bretton Woods e da crise do petróleo da OPEP, os
quais provocaram uma volatibilidade em todas as principais economias da
década de 1970 e 1980; a inflação nos países centrais; os empréstimos para
os países periféricos e semiperiféricos durante a década de 1970; a
internacionalização dos mercados financeiros, por meio do abandono geral dos
controles de cambio; a tendência a desindustrialização na Inglaterra e nos
Estado Unidos; o desenvolvimento de novos países industrializados e sua
penetração nos países centrais; a mudança da produção em massa,
padronizada para métodos de produção mais flexíveis, com uma mudança da
noção de corporação oligopolista enraizadas nacionalmente para um mundo
mais complexo de empresas multinacionais; as emergências de grandes
capitalismos transnacionais centrados na tríade EUA, Japão e a União
Européia (HIRST; THOMPSON, 1998, p. 19; SANTOS, 2005, p. 29).
A partir destas características estabeleceu-se um debate se a
globalização efetivamente constitui um fenômeno novo. Hirst e Thompson
(1998) questionam as teses extremas e radicais da globalização que afirmam
que ela é um fenômeno qualitativamente novo que estrutura a produção em
nível mundial. Os autores observam as atuais características como um
processo de internacionalização que tem uma longa data. Colocando em
questão a importância das empresas transnacionais na economia mundial e
como a mobilidade de capital afeta a inversão. Eles fazem uma distinção
analítica entre ―economia internacional‖ e ―economia global‖. A primeira é
aquela na qual os principais atores são as economias nacionais. A segunda
14
caracteriza-se pelo fato de que as distintas economias nacionais encontram-se
submetidas ao processo global. Por outro lado, encontramos posições
denominadas ―transformacionistas‖ as quais, afirmam que a globalização
contemporânea, mesmo que suas raízes históricas remontem à formação do
capitalismo e do sistema interestatal moderno, compromete fundamentalmente
o Estado-Nação soberano sobre o qual o sistema de Westphalia foi construído
(GÓMEZ, 2000, p. 60).
Neste trabalho, não pretendemos problematizar este debate, mas
retornado à definição de Habermas, tomamos o conceito de globalização em
seu sentido processual, o como um estado final. Este processo modificou
algumas das características do Estado-Nação moderno.
1.1.1 Construção do Estado-Nação Moderno
No processo de formação do Estado capitalista moderno podemos
distinguir diferentes etapas que vão desde uma forma administrativa ao Estado
social.
O primeiro patamar desta evolução surge no sistema de Estados
modernos, no século XVII. Neste século, o poder político se liga ao território. O
Estado aparece como a entidade que adquire o monopólio da violência legítima
em um território, tornando-se a forma dominante de governo, não aceitando
qualquer outra agência como rival.
3
A característica dominante do Estado era o
domínio soberano sobre um território. Este domínio se impôs sobre as formas
de controle e formações políticas antigas, tais como os antigos reinados das
cidades Estados. Nas sociedades onde o Estado se constituiu mais cedo, como
França e Inglaterra, observa-se primeiro uma concentração de força econômica
e de força física ambas funcionando juntas; é necessário dinheiro para fazer
3
Para alguns autores, o período de dominação do Estado acabou - estamos entrando em um
período em que governabilidade e território serão separados: a ―desterritorialização‖. O
processo de desterritorialização é ―uma característica essencial da sociedade global em
formação. Formam-se estruturas de poder econômico, político, social e cultural
internacionalizadas, mundiais e globais descentradas, sem qualquer localização nítida neste o
naquele lugar, região ou nação‖ (IANNI, 2005, p. 95). A desterritorialização teria afetado a
lealdade de grupos bem como as estratégias do Estado-Nação.
15
guerras, e é necessário a força da policia para poder arrecadar dinheiro
(BOURDIEU, 1998, p. 47).
Com o Tratado de Westphalia, em 1648, os Estados adquirem soberania
dentro de seus territórios. A soberania dos Estados fundamenta-se, diante dos
demais sujeitos de direito internacional, a partir do direito do reconhecimento
recíproco da integridade das fronteiras estatais. Portanto, o crescimento do
Estado moderno como poder territorialmente especifico e politicamente
dominante dependia de acordos internacionais. As relações externas entre
Estados e a autonomia de um em relação ao outro era, assim, uma
precondição para um efetivo monopólio de poder interno (HIRST; THOMPSON,
1998, p. 266).
O Estado soberano adquire característica de Estado administrativo.
Paulatinamente, o Estado moderno diferenciou uma esfera da circulação da
economia de mercado institucionalizada legalmente, ocorrendo uma separação
da esfera política da economia, permanecendo reservadas ao Estado - com
base no monopólio do uso legitimo da violência - as competências reguladoras
públicas e administrativas mais importantes. Por outro lado, o poder público é
dependente, como Estado fiscal, dos recursos econômicos liberados da esfera
privada, ou seja, tem uma dependência estrutural do capital.
No século XIX, os Estados incorporam a idéia de nação. O Estado
nacional, utiliza formas democráticas de legitimação. As demandas das
―classes perigosas‖ do século XIX - o proletariado urbano da Europa ocidental
e de América do Norte - fizeram os liberais oferecerem um programa trienal de
reformas: sufrágio universal, o início do Estado de bem-estar social e um
nacionalismo politicamente integrador e racista (BAUMAN, 2004, p. 103). Nos
paises centrais, sob as condições propícias do pós-guerra, o Estado nacional,
que se tornara um modelo para o mundo, pôde transformar-se em Estado
social (HABERMAS, 2001, p. 69).
Os Estados adquiriram os meios para administrar ou dirigir as
economias nacionais. Seja através de autarquias e do planejamento do Estado
políticas Keynesianas, usando políticas monetárias e fiscais para influenciar
as decisões dos atores econômicos e, assim, alterar os resultados
macroeconômicos. Neste sistema, o Estado deveria manejar as grandezas
macroeconômicas sobre as quais era possível acumular conhecimento e
16
controle prático. O poder público, desse modo, podia regular as oscilações de
emprego e investimento, moderando as crises econômicas e sociais. O New
Deal americano e o Estado de bem-estar europeu buscaram a convivência do
capitalismo com um forte setor público, negociações sindicais, políticas de
renda e seguridade social, etc.
Estes aspectos foram os que conformaram o chamado ―consenso
Keynesiano‖, legitimando essas formas de planificação, as quais visavam
corrigir as conseqüências negativas das oscilações do mercado. O consenso
era compartilhado por forças políticas antagônicas. Na Inglaterra, por exemplo,
trabalhistas e conservadores coincidiam na defesa do papel positivo do Estado
na criação de pleno emprego; na moderação de desequilíbrios sociais
excessivos e politicamente perigosos no socorro a países e áreas
economicamente deprimidas; na manutenção de um serviço de bem-estar; na
implantação de políticas sociais que atenuassem as desigualdades, etc.
(MORAIS, 2001, p. 30-31).
Nos países dependentes e periféricos, a intervenção estatal verificou-se
com projetos de industrialização nacional baseados no modelo de substituição
de importações, constituindo-se uma espécie de Estado social intervencionista.
O intervencionismo do Estado social - que buscou atuar, no sentido de
garantir as condições de vida, em termos sociais, que tornam possível a
igualdade dos direitos civis - fundamentada na própria Constituição, expande a
autolegislação democrática dos cidadãos de um Estado nacional. Isto se no
sentido de busca de uma autocondução democrática de uma sociedade
definida como Estado nacional.
Em todas estas características estão precedentes as ligações do Estado
ao território. Se a globalização rompe a relação que liga o Estado com o
território, podemos perguntar (lembrando a primeira parte de nossas perguntas
introdutórias): em que aspectos o Estado-nação se transforma? Para
responder essa pergunta, destacamos alguns dos aspectos da globalização
que, de alguma forma, modificam a estrutura do Estado.
Em primeiro lugar, destacamos o fenômeno da maior interdependência
dos diversos atores do sistema internacional, Estados, instituições
internacionais, organizações não-governamentais, corporações financeiras.
Manuel Castells (2006, p. 417) destaca que esta maior interdependência reduz
17
ao máximo as fronteiras nacionais, destacando que vivemos num período no
qual nossas vidas são cada vez mais influenciadas ou afetadas por fatores e
acontecimentos que estão além das fronteiras nacionais.
A maior interdependência acentua a imposição de consensos. O
―consenso Keynesiano‖ é substituído pelo ―consenso neoliberal‘‖. O mesmo
produz algumas inovações institucionais aos Estados tais como: restrições à
regulação estatal da economia; novos direitos da propriedade internacional
para investidores estrangeiros, inventores e criadores de inovações suscetíveis
de ser objeto de propriedade intelectual; subordinação dos Estados nacionais
periféricos às agências multilaterais tais como o Banco Mundial, o FMI e a
Organização Mundial do Comercio (ROBINSON, 1995, p. 373 apud SANTOS,
2005, p. 31).
O consenso neoliberal se efetivou em receitas que foram aplicadas de
forma diversa pelos diferentes países - variando do rigor à flexibilidade -, sendo
os países periféricos e semiperiféricos os mais expostos ao receituário, sendo
este uma condição para a renegociação da dívida externa através de
programas de ajustamentos estruturais.
Alguns autores afirmam que ocorreram importantes mudanças no
sistema interestatal, provocando mudanças nas instituições políticas nacionais,
particularmente nos países periféricos. Os Estados hegemônicos, por eles
próprios ou através das instituições internacionais que eles controlam,
comprimiram a autonomia política e soberania efetiva dos Estados periféricos e
semiperiféricos, apesar da capacidade de resistência e negociação. Por outro
lado, acentuou-se a tendência a acordos políticos interestatais (União
Européia, NAFTA, Mercosul). Os acordos internacionais apagam as fronteiras
entre a política externa e interna. Desta forma, nos aspectos políticos parece
haver um ―enfraquecimento do Estado‖. Apesar da soberania e o monopólio da
violência da autoridade pública ter permanecido formalmente intactos, a
crescente interdependência da sociedade mundial coloca em questão a política
nacional - que se restringe aos limites territoriais do Estado. O poder passa a
estar separado da política, ―poder global, política local‖ (BAUMAN, 2000, p. 57).
A crise política se relaciona diretamente a aspectos econômicos, pois o
Estado moderno apresenta uma dependência estrutural ao capital. Desta
forma, o Estado fiscal, utiliza recursos nacionais para alimentar sua
18
administração. A mobilidade de capital acelerada dificulta a intervenção estatal
nos lucros e nas fortunas, e acirramento da concorrência por posições conduz
à redução dos ganhos fiscais. A capacidade do Estado de fiscalizar os recursos
nacionais tem diminuído. A mobilidade de capital acelera e dificulta a
intervenção do Estado nos lucros e nas fortunas, e o acirramento da
concorrência por posições conduz a uma redução de ganhos fiscais.
4
A globalização dos mercados financeiros, a formação de espaços
globais de produção e o avanço do comércio mundial limitam a capacidade de
controle dos Estados - através de políticas monetárias fiscais e creditícias - de
suas economias. Os movimentos especulativos de capital têm condicionado a
política de diversos países. Em economias cada vez mais globalizadas a
estabilidade cambial e monetária torna-se fundamental para garantir o valor
dos investimentos e o livre fluxo de mercadorias e capital. Isto explica, em parte
adoção generalizada de políticas ortodoxas e a conseqüente perda de
liberdade por parte dos governos.
Para Habermas (2001, p. 70), desde o final dos anos 1970, as políticas
neoliberais e globalizantes, mudaram o perfil estrutural do Estado, forçam-no a
agir em um ambiente desterritorializado, altamente dinâmico e competitivo,
repleto de riscos e turbulências poucos previsíveis que rompem com os
fundamentos clássicos do Estado, provocando uma descontração da
―modernidade organizada‖.
5
4
Estas características acentuariam a crises do Estado. Para Nogueira ―sua crise seria tripla:
alcançaria o plano fiscal implicando uma progressiva perda de crédito por parte do Estado; o
plano do modelo de intervenção, com o esgotamento da estratégia estatizante de intervenção
do Estado; e o plano do formato organizacional, dado o fracasso do padrão burocrático de
organização da gestão, responsável maior pelos altos custos das operações estatais e pela
baixa qualidade dos serviços públicos‖ (2005, p. 41).
5
Durante a maior parte do século XIX, a forças que representavam a economia de mercado
auto-regulada capitalista tomaram a ofensiva, afirmando uma identidade com a sociedade
liberal que estava no processo final de emancipação do Estado absolutista e paternalista. No
entanto, ao final do século XIX e princípio do XX, ocorreu o contrário. Nesse momento, elites
que representavam a lógica e os objetivos do Estado moderno, afirmavam que expressavam os
interesses de grupos e tendências sociais que resistiam aos efeitos destrutivos da sociedade
de mercado capitalista (POLÀNYI apud COHEN; ARATO, 2001, p. 478), delineando as
estruturas para formar a ―modernidade organizada‖, do pós-guerra que dirigiu os
desenraizamentos e incertezas do século XIX para uma nova coerência de práticas e
orientações. O capitalismo organizado caracteriza-se pela passagem da cidadania cívica e
política para o que foi designado como cidadania social. Isto é, a conquista de significativos
direitos sociais, no domínio das relações de trabalho, da seguridade social, da saúde, da
educação e da habitação por parte de classe trabalhadora das sociedades centrais e, de um
modo muito menos característico e intenso, por parte de alguns setores das classes
trabalhadoras em alguns países periféricos e semi-periféricos. (SANTOS, 1997, p. 84). Nação,
classe e Estado eram os mais importantes elementos originários dessa construção, a partir das
19
Por um lado, podemos afirmar que a globalização, efetivamente,
provocou mudanças na relação do Estado com outros atores internacionais. A
soberania dos Estados mais fracos está hoje ameaçada, não tanto pelos
Estados mais fortes, como costumava ocorrer, mas, sobretudo por agencias
financeiras internacionais (SANTOS, 2005, p. 37). Por exemplo, as 200
primeiras multinacionais que atuam no mundo faturam uma porcentagem que
representa o 26,3% do PBI mundial. Um poder econômico dessa natureza
pode relativizar totalmente a margem de decisão de pequenos Estados
periféricos.
Por outro lado, os Estados permanecem como controladores de
fronteiras e do movimento das pessoas que as cruzam. A globalização é para
executivos de mobilidade internacional, profissionais altamente qualificados. A
imensa maioria das populações continua localizada. Bauman descreve
algumas das conseqüências da globalização recorrendo ao par dialético global-
local. Globalização e localização não são apenas dois momentos de duas fases
do mesmo objeto: são simultaneamente as forças propulsoras e as formas de
expressão de uma nova polarização e estratificação da população mundial em:
ricos globalizados e pobres localizados (...) Globalização e
localização podem ser fases inseparáveis da mesma moeda; porém
duas partes da população mundial vivem em fases distintas e
enxergam apenas uma delas - da mesma forma como os homens
vêem e observam apenas uma das fases da lua. Alguns habitam o
globo, outros estão acorrentados as seus lugares de origem
(BAUMAN, 1999 apud BECK, 1999, p. 106).
Neste sentido, apesar da retórica da globalização, as maiores partes da
população vivem confinadas as fronteiras nacionais de nascimento. Para o
trabalhador meio o Estado-Nação é sua comunidade de destino.
Também é necessário constatar que o Estado cumpre funções
essenciais para o funcionamento do sistema capitalista. Em primeiro lugar, o
Estado protege o capitalista contra o livre mercado. Esta afirmação parece
paradoxal, pois uns dos princípios liberais centrais é a defesa do ―livre
quais as identidades coletivas foram formadas. Sistemas de negociação equilibrados e
neocorporativos, relações regulamentadas, partidos de massa ancorados na estrutura social,
sistemas de seguro funcionando de maneira confiáveis, carreiras padronizadas: tudo isso
constituía, a partir desse ponto de vista, o fundo de uma sociedade relativamente estável,
marcada pela produção e o consumo em massa (BECK, 1999 apud HABERMAS, 2001, p.110)
20
mercado‖. Mas o certo é que o livre mercado mina os monopólios. Bauman
descreve a relação entre monopólios e Estados desta forma:
Se uma operação é lucrativa, e operações monopolizadas o são por
definição, então outros empresários entraram no mercado se
puderam, reduzindo desse modo o preço de venda de determinado
item no mercado. ‗Se puderam!‘ O mercado, ele mesmo, só põe
restrições limitadas a entradas. Chamam-se essas restrições de
eficiência. Se o entrante puder igualar a eficiência dos produtores
existentes, o mercado boas-vindas. As restrições realmente
significativas à entrada são obras do Estado, ou melhor, dos Estados.
(BAUMAN, 2004, p. 97)
As faculdades dos Estados de decretar ou proibir monopólios, ou criar
cotas continuam intactas, pois o lucro real só é possível com monopólios
relativos. Tais monopólios não são possíveis sem os Estados. Essa faculdade
também depende da localização dos Estados. Estados centrais têm a
capacidade de impedir de outorgar vantagens monopolistas a Estados
periféricos.
Os Estados são compradores fundamentais em seus mercados
nacionais. Os grandes Estados são monopsonistas, ou quase monopsonistas
de certos bens muito caros; por exemplo, armamentos ou supercondutores. Os
Estados usam esse poder para permitir que os produtores monopolizem uma
parcela de mercado aumentando seus preços (BAUMAN, 2004, p. 99).
Portanto, as políticas nacionais continuam viáveis para preservar as diferentes
forças da base econômica nacional e de empresas que comercializam a partir
delas.
Em segundo lugar, os Estados - sobretudo os centrais - têm um papel
fundamental na criação de condições para uma governabilidade internacional
(HIRST; THOMPSON, 1998, p. 284). A complexidade e multiplicidade de níveis
e de tipos de governabilidade implicam um mundo diferente daquele da retórica
da globalização.
Para os autores os Estados nacionais e o controle ―soberano‖ dos povos
persistem. Os mercados sozinhos não podem suprir a interconexão e
coordenação. Os poderes governantes (internacional, nacional e regional)
precisam ser articulados em um sistema relativamente bem integrado. Se isso
não acontecer, essas lacunas levarão à corrosão do sistema. O Estado-Nação
é fundamental para articular esse processo. Desta forma, as políticas nacionais
21
continuam viáveis para preservar as diferentes forças da base econômica
nacional e de empresas que comercializam a partir delas. Apesar dos altos
níveis de comércio e de investimento internacional, processos nacionalmente
localizados ainda continuam centrais. Este argumento é sustentado com
diversas evidências tais como: a natureza dos mercados financeiros mundiais,
o padrão de comércio internacional e de investimento externo direto, o número
e o papel das multinacionais. A grande parte dos atores da economia
internacional tem interesses na estabilidade financeira. Mas empresas não
podem, por si só, criar essas condições, mesmo quando são transnacionais A
estabilidade na economia internacional só pode ser obtida, se os Estados
combinam regulá-la e concordam objetivos comuns e padrões de
governabilidade.
Os mercados e as empresas não podem existir sem um poder público
para protegê-los, tanto em nível mundial como local. As vantagens oferecidas
pelo poder publico às empresas não se restringe só ao plano nacional. A
governabilidade econômica regional, desenvolvendo distritos industriais, e uma
efetiva parceria e divisão de trabalho entre Estados nacionais e governos
regionais são componentes centrais do sucesso de economias nacionais nos
mercados mundiais. Os Estados passam a atuar como locais a partir do quais
formas de governabilidade podem ser propostas, legitimadas e monitorizadas.
Regimes de regulação, agências internacionais, políticas comuns
sancionadas por tratados existem porque os principais Estados-Nação
concordam em criá-los e em conferir-lhes legitimidade compartilhando sua
soberania (HIRST; THOMPSON, 1998, p. 294). Um mundo constituído por
diversas forças políticas, agências governamentais e organizações de nível
nacional e internacional necessitará de uma rede de conexões de poderes
públicos, que regule e dirija a ação de modo relativamente consciente,
fornecendo padrões mínimos de conduta e compensações dos prejuízos.
Assim, as funções centrais do Estado-Nação tornar-se-ão as de promover
legitimidade aos mecanismos de governabilidade supranacionais e
subnacionais e garantir a responsabilidade por eles, assim como a regulação
das populações.
O Estado é uma realidade ambígua. Não se pode dizer que é apenas um
instrumento a serviços das classes dominantes. Isto não quer dizer que o
22
Estado seja neutro, completamente independente das classes dominantes,
mas tem uma autonomia maior quanto mais conquistas sociais tiver presentes
em sua estrutura (BOURDIEU, 1998, p. 48). O processo de intensificação das
relações de troca, de comunicação e de trânsito para além das fronteiras
nacionais, denominado globalização, transformou alguns dos aspectos do
Estado-Nação. A globalização é um fenômeno multifacetado. Mas sua
característica central ou hegemônica foi a imposição de princípios neoliberais
em nível mundial. O neoliberalismo destrói com projetos democráticos, pois a
evolução do Estado moderno, de Estado administrativo ao Estado social,
propiciou um marco estrutural para os projetos democráticos, sendo que os
mesmos tiveram como referência as fronteiras do Estado-Nação. A
transferência das instâncias de decisão da política nacional para uma difusa
economia transnacional provoca uma desconfiança nos governos e no jogo
político. A promessa democrático-republicana de uma comunidade política
capaz de se autogovernar e de se autolimitar fica bem mais difícil de ser
cumprida. Porque a idéia de que uma sociedade pode agir sobre si de modo
democrático foi implementada no âmbito nacional (HABERMAS, 2001, p.
78).
A grande concentração de capital em empresas transnacionais e
multinacionais relativiza o poder de ação dos estados periféricos. Mas estas
características não têm como conseqüência a relativização do Estado em geral.
Isto se evidencia ao analisar-se a distribuição geográfica das sedes das 200
empresas mais poderosas do mundo, pois estas se concentram nos Estados
mais poderosos. A empresa global continua sendo mais uma projeção de que
uma realidade. Todas as grandes firmas internacionais continuam tendo maior
parte de mão de obra em seu país de origem. Portanto, o Estado-Nação
continua sendo o centro de atuação das maiorias das grandes empresas.
Por outro lado, não se percebe o menor traço de enfraquecimento do
Estado-Nação no caso das tarefas clássicas de ordem e de organização, sobre
tudo o que tange à garantia estatal do direito à propriedade; ao controle estrito
das populações; às condições de competição das empresas; na criação de
monopólios; na atuação como parceiro das grandes empresas; na regulação de
mercados; nas políticas anticíclicas e; na sustentação de mercado financeiro
criando condições para uma governabilidade internacional.
23
A globalização neoliberal enfraqueceu o Estado, sobretudo nas
conquistas históricas dos trabalhadores, nas leis trabalhistas, na previdência
social estatal, na universalização dos direitos sociais, políticos e civis. Desta
forma, parece ser um grande erro minimizar e negligenciar o Estado, achar que
deixa de ser importante. Uma análise da estrutura econômica mundial
demonstra que o Estado não está mais fraco de que antes. Mas ressaltamos
que não está usando sua força para defender conquistas históricas de grupos
dominados e sim empresas. Como afirmamos ao começo do capitulo: a
globalização é um ―mito‖, um discurso poderoso, uma idéia que tem força
social. É a arma principal contra as conquistas do Estado Social.
1.2 Sobre a Valorização Contemporânea da Sociedade Civil
Alguns autores destacam que com a intensificação dos processos de
globalização, o sistema de Estados deixa de ser a única estrutura na ordem
mundial. Este processo abre espaço para atuação cada vez maior de
instituições internacionais e da sociedade civil, sem que isso signifique que os
fenômenos da supraterritorialidade anunciem o fim do Estado (GOMEZ, 2000,
p. 57).
A idéia de uma sociedade civil internacional tem como contexto a
emergência de novos discursos em torno deste conceito. Esta idéia, passou a
ser reivindicada em diferentes contextos. Entre eles podemos apontar: o fim do
―socialismo real‖; a luta contra as ditaduras e a posterior democratização nos
países latino-americanos; o surgimento de novos movimentos sociais; a
emergência do denominado ―terceiro setor‖; as reformas neoliberais, a
emergência de valores neoconservadores; o debate em torno de uma
democracia pós-nacional.
Hoje, a sociedade civil é debatida a partir de discursos políticos com
tendências opostas. Neoliberais, neoconservadores, nova esquerda, novos
movimentos sociais referem-se a coisas distintas, mas empregam o mesmo
conceito para legitimar diversos projetos.
24
No entanto, este não é um conceito novo para a ciência política. No
pensamento político moderno, a categoria sociedade civil aparece unida
dicotomicamente ao Estado, ou seja, como um conceito relacional onde sua
força, sua forma, seus espaços de ação, tudo isso fica vinculado com a
atuação do Estado (SCHEDLER,1996; apud, HENGSTENBERG, 1999, p. 12)
1.2.1 Origem do conceito
Na teoria política, o conceito de sociedade civil aparece em relação ao
Estado formando uma dicotomia central no pensamento político ocidental. Os
termos Estado/sociedade civil representam par conceitual utilizado para
delimitar, representar e ordenar o próprio campo de investigação. Para Bobbio
(1987, p. 13), estamos frente a uma grande dicotomia quando nos deparamos
com uma distinção que têm a capacidade de: 1) estabelecer, dentro de um
dado universo, uma separação entre duas esferas exaustivas e mutuamente
excludentes; 2) estabelecer uma divisão total que para ela tendem a convergir
outras dicotomias, as quais assumem um papel secundário.
No entanto, para Santos (1997, p. 117) o dualismo Estado/sociedade
civil nunca foi inequívoco, pois, de fato, mostrou-se tencionado por
contradições e sujeito a crises constantes. Para o autor, a separação
Estado/sociedade civil engloba tanto a idéia de Estado mínimo como a do
Estado máximo, e a ação estatal é simultaneamente considerada como um
inimigo potencial da liberdade individual tanto como condição para seu
exercício. O Estado, como realidade construída, é a condição necessária da
realidade espontânea da sociedade civil. O pensamento liberal esta totalmente
imbuindo destas contradições.6
6
O principio liberal de uma separação entre o econômico e político baseada na distinção
Estado/sociedade civil - expresso no principio de laissez faire - carrega duas contradições.
A primeira é que dado o caráter particularista da sociedade civil, o principio de laisser faire não
pode ser igualmente válido para todos os interesses. A discussão do princípio se fez sempre a
sombra dos interesses que o principio se aplicava. Assim, a mesma medida jurídica pode ser
objeto de interpretações opostas.
A segunda contradição refere-se aos mecanismos que ativam socialmente o principio de laisser
faire. As políticas de laisser faire foram aplicadas, em grande medida, através de uma ativa
participação estatal. O Estado teve que intervir para não intervir (SANTOS, 1997, p. 118).
25
Os autores clássicos do pensamento liberal - John Locke, Adam Smith,
Adam Ferguson e John Stuart Mill - estabelecem uma separação entre esfera
política - que concerne o exercício do poder estatal - e o todo multifacetado
conjunto de relações que nela não se enquadra. Esta última é denominada
―sociedade civil‖ ou sociedade dos cidadãos livres (SANTOS, 1997, p. 118).
A partir de Locke e Adam Smith, o centro da sociedade civil passa a ser
o mercado, cabendo ao Estado a função de protegê-la. Nessa concepção, a
separação entre Estado e sociedade civil torna-se mais acentuada,
preconizando a independência do mercado. Isto se evidencia em Adam Smith
para quem o Estado tem a função de assegurar a liberdade de comércio e do
livre empreendimento individual, gerando condições institucionais à expansão
do mercado e da civilização (ibid p. 118). Sinteticamente podemos afirmar que
a tradição liberal considera a sociedade civil como uma pluralidade atomística
de indivíduos e grupos onde qualquer principio unificador é exterior a tal
pluralidade
No marxismo, a dualidade Estado/sociedade civil, pondo de lado a teoria
política liberal francesa e inglesa do século XVIII e considerando apenas os
antecedentes mais próximos do pensamento de Marx - o contexto alemão -,
deve destacar-se a influência de Hegel. Com Hegel, a relação sociedade civil e
Estado adquire sentidos mais complexos. A sociedade civil é parte do
desenvolvimento do ―espírito objetivo‖, que não começa no estado de natureza
para alcançar a sociedade civil (teses jusnaturalistas). Mas, que parte da
família para alcançar o Estado - a sociedade civil é uma etapa neste processo.
A sociedade civil, para o autor, inclui a esfera das relações econômicas. Com
Marx, se produz uma ampliação do significado do conceito de sociedade civil a
toda a vida social pré-estatal, como momento de desenvolvimento das relações
econômicas que origina ou determina a esfera política. Portanto, como uns dos
termos de antíteses entre sociedade e Estado. Entretanto, esta polaridade tem
muita similitude com a dicotomia entre a base econômica, ou estrutura, e a
superestrutura, o sistema político (idem, p. 74).
Com Gramsci, assistimos a uma mudança importante no conceito de
Estado e de sociedade civil, e suas relações constitutivas. Em primeiro lugar, a
sociedade civil não é considerada como estrutura. Mas, pelo contrário,
26
Gramsci a situa no plano da superestrutura, o que também sucede com a
esfera política, o Estado (BOBBIO, 1987, p. 76).
Gramsci se apóia na categoria de sociedade civil de Hegel. Toma desta
os aspectos que tem uma relação mais direta com as corporações ou distintas
instituições sociais, como momento de agrupamentos de classes e grupos em
função de diferentes interesses que existem no sistema de necessidades ou
infra-estrutura econômica da sociedade. Gramsci refere-se à sociedade civil
como é entendida por Hegel, no sentido de hegemonia política e cultural de um
grupo social sobre toda a sociedade como conteúdo ético do Estado.
É importante a relação que Gramsci estabelece em relação à política e o
Estado. O pensador italiano oferece uma teoria ampliada do Estado em relação
ao conceito restrito que oferecia a tradição marxista até então. O Estado é
concebido num sentido amplo, não contendo somente a sociedade política,
mas ao mesmo tempo a sociedade civil (COUTINHO, 1994, p. 53-56). Desta
forma, a sociedade civil se caracteriza por ser o âmbito privilegiado onde as
classes dominantes como as dominadas buscam exercer o consenso. Neste
sentido, hegemonia é concebida como legitimidade, como aceitação voluntária
ou contratual de certas práticas ou instituições sociais em oposição à esfera
estatal, que se caracteriza pelo domínio ou coerção.
1.2.2 A reconstrução do conceito
O trabalho de Cohen e Arato é apontado como o grande responsável
pelo que se passou a chamar de modelo da ―nova sociedade civil‖ (Gurza
Lavalle, 1999, p. 122). O conceito, na perspectiva desses autores, deve
necessariamente diferenciar-se da economia. Apenas desta forma a sociedade
civil pode se tornar o centro de uma teoria social e política crítica nas
sociedades em que a economia de mercado desenvolveu ou está em
processo de desenvolver sua própria lógica autônoma. Dessa forma, apenas
uma reconstrução com base num modelo tripartite, que distingue a sociedade
civil tanto do Estado quanto da economia, tem possibilidade de assumir o papel
de oposição democrática desempenhado por estes conceitos nos regimes
27
autoritários, bem como de renovar seu potencial crítico nas democracias
liberais (Cohen; Arato, 2002, p. 11). A sociedade civil caracteriza-se, portanto,
segundo esta concepção, como a esfera da interação social entre a economia
e o Estado. No entanto, ela não engloba toda a vida social fora do Estado e da
economia, sendo assim é preciso distinguir a sociedade civil tanto de uma
sociedade política de partidos e organizações políticas, quanto de uma
sociedade econômica empresas, cooperativas, redes de produção, etc. O
âmbito especifico da sociedade civil seria o das associações e grupos sociais
estabilizados por direitos fundamentais - de associação de reunião, de
expressão, de imprensa e de privacidade -, que funcionam sob a lógica
normativa de coordenação da ação comunicativa, no sentido de Habermas
(ARATO, 1995, p. 21).
Através desta abordagem, se busca a possibilidade de encontrar, no
conjunto das práticas políticas, implementadas pelos atores da sociedade civil,
um modelo conceitual que distinga suas ações tanto daquelas próprias do
Estado e do sistema político, quanto da economia capitalista. Aponta como
possibilidade de realização efetiva da democracia, nas sociedades modernas, a
utopia autolimitada da sociedade civil. Nesta, a garantia de preservação dos
próprios princípios que regem o mundo da vida
7
encontra-se justamente na
organização e consolidação do Estado e da economia de mercado, ao qual o
mundo da vida reage de uma forma específica. A expressão desta reação
ocorre no contexto do mundo da vida na qual se dá a construção de uma
esfera pública não estatal e de esfera privada não econômica (COHEN;
ARATO, 2001, p. 508).
A visão da sociedade civil como uma instância separada da economia e
do Estado gerou um intenso debate teórico. A tese de Cohen e Arato (2001; p.
174) de que Gramsci foi o primeiro marxista a superar o reducionismo
econômico da sociedade civil e em insistir em sua autonomia em fase ao
Estado é refutada por Nogueira (2003, p.191), argumentando que a sociedade
civil não se sustenta fora do campo do Estado.
7
Partindo da teoria habermasiana, que distingue dois níveis de sociedades modernas, as
esferas sistêmicas e mundo da vida, os autores encontram na parte institucional do mundo da
vida, a dimensão característica da sociedade civil.
28
Neste artigo, Nogueira - ante a disseminação de linguagens sobre a
sociedade civil e certa confusão de conceitos -, retoma o conceito gramsciano
de sociedade civil. A partir de Gramsci, o autor apresenta o que ele vai
denominar três idéias de sociedade civil que vem sendo incorporadas e
reproduzidas na linguagem política contemporânea:
i) A sociedade civil democrática-radical. Esta visão refere-se ao conceito
gramsciano de sociedade civil, onde seria possível aplicara a equação
sociedade política + sociedade civil = Estado. Nesta visão, de Estado ampliado,
a coerção (monopólio legitimo da violência), ação típica do Estado vista como
sociedade política, tem que ser cada vez mais sintonizada coma busca de
consensos. O Estado pede o consenso através de associações políticas
sindicais. O terreno das associações privadas torna-se, assim, uma espécie de
dimensão civil do Estado, base material para a hegemonia e coerção política e
cultural. O Estado e a sociedade civil passavam, desse modo, constituem-se
como instâncias distintas, porem formando uma unidade.
A sociedade civil gramsciana condensa, nesse sentido o campo dos
esforços societais dedicados a organizar politicamente os interesses de classe,
articulá-los entre si e projetá-los em termos de ação hegemônica. O
associativismo é a base de tudo, mas desde que tratado politicamente. Para
Nogueira, Gramsci não via grande vantagem na agregação pela agregação em
função de interesses restritos.
Nesta visão de sociedade civil se reafirma a idéia de hegemonia política
e cultural de um grupo social sobre toda a sociedade, como conteúdo ético do
Estado. Portanto, trata-se de um espaço dedicado a promover a articulação e a
unificação de interesses, a politizar as ações e consciências. Seus
personagens típicos são atores do campo estatal em sentido amplo, que
dedicam a organizar hegemonias para conquistar o Estado. A sociedade civil
político-estatal é o campo por excelência do governo socialmente vinculado e
da constatação política. Nela se podem articular movimentos que apontam
tanto para a construção de hegemonias como para o controle e direcionamento
dos governos, como para a regulação estatal e o delineamento de soluções
positivas para os problemas sociais.
ii) A idéia da sociedade civil liberal: está idéia esta muito presente no
debate político contemporâneo e tem tido grande influência nas políticas
29
públicas. Esta visão apresenta as lutas em termos competitivos e privados
pautados pela lógica do mercado -, sem maiores interferências público-estatais.
A sociedade civil é vista como uma instância separada do mercado como do
Estado. Esta sociedade civil se como um setor ―público não estatal‖
8
. Trata-
se de um espaço cujos personagens típicos são atores que se organizam de
modo restrito, sem ações que pretendam a conquista do Estado, mas ações
contra o Estado ou indiferentes em relação a ele. O Estado que corresponde a
esta visão é o Estado liberal, o ―Estado mínimo‖. Nesta concepção, a
sociedade civil é externa ao Estado e nela se busca compensar a lógica da
burocracia pública e do mercado com a lógica do associativismo sociocultural.
Nela pode existir oposição, mas não constelação (NOGUEIRA, 2003, p. 192). É
neste terreno que se desenvolve o fenômenos das organizações não-
governamentais fenômeno que analisaremos de forma mais detalhada nos
próximos capítulos. A definição do Banco Mundial é muito elucidativa desta
visão de sociedade civil, para esta instituição a sociedade civil é a ―a arena na
qual pessoas se reúnem na busca por interesses comuns sem visar o lucro
nem o exercício do poder político, mas porque elas se preocupam com algo o
suficiente para se envolver numa ação coletiva‖ (2000, p. 5).
iii) A sociedade civil social. Nesta visão a política está presente e tem
lugar de destaque, mas nem sempre comanda a luta social, muitas vezes
exclui a luta institucional e com ela se choca impossibilitando ou dificultando o
delineamento e a viabilização de estratégias de poder e hegemonia. Recusa-se
a participar do âmbito institucional (entendido subretudo como sistema político
e partidário), já que se concebe como maior de que ele e imune a seus desvios
e degradações. Segundo Nogueira, nesta sociedade civil não lugar para a
questão da hegemonia, pois os interesses aqui se mostram refratários a
articulações superiores ou a quebra de atitudes coorporativas, sua maior
virtude é sua autonomia. Seus personagens típicos são atores que operam na
fronteira do Estado, isto é, os novos movimentos sociais, fortemente
concentrados nas metas ―não materiais‖, tópicas e particulares, muitas vezes
concebidas como políticas de identidade.
8
No próximo item desenvolveremos esta idéia.
30
1.2.3 Difusão do conceito
O ressurgimento do interesse contemporâneo na sociedade civil,
experimentado a partir do final dos anos 1960, tem sido produzido por lógicas
diversas. Em primeiro lugar, na América Latina, o conceito de sociedade civil foi
redimensionado no contexto das ditaduras, onde o Estado militar parecia se
contrapuser à sociedade civil, particularmente no Brasil da segunda metade da
década de 1970, quando novos movimentos sociais compunham uma forte
frente de oposição à ditadura. A sociedade civil tinha característica diferente do
uso que hoje se ao mesmo conceito. Naquele contexto de luta contra a
ditadura, sociedade civil tornou-se sinônimo de tudo ou quase tudo o que se
contrapunha ao Estado ditatorial. Nestes termos, ―civil significava o contrário
do ―militar‖, e, portanto, onde o Estado (militarizado) era contraposto à
sociedade civil ( dos movimentos sociais e da luta antiditatorial) (COUTINHO,
2000, p 17 apud MONTAÑO, 2003, p. 131).
Desta forma, em determinado momento da Ditadura Militar brasileira, a
sociedade civil organizada, de grupo dominados, conseguiu reunir, em
oposição ao poder militar concentrando no Estado, o conjunto das forças
democráticas, provenientes de diversas classes, movimentos sociais e
partidos. A oposição sociedade civil/Estado ficou marcada por uma ênfase
maniqueísta, onde tudo o que provinha da sociedade civil era visto de modo
positivo, entretanto, tudo que era referente ao Estado aparecia marcado por um
sinal fortemente negativo (ibid, p.131).
Em segundo, lugar, a valorização esteve ligada à expansão da cultura
democrática, em geral, e da cultura participativa, em particular, ganhando
impulso os chamados novos movimentos sociais. Os mesmos surgem em
sociedades complexificadas, onde ocorreu uma fragmentação do grande
sujeito histórico da modernidade capitalista, a classe operária - devido à
difusão social da produção e isolamento político das classes trabalhadoras
enquanto classes produtoras.
9
Estas características tiveram como
9
A difusão social da produção manifesta-se na descentralização; transnacionalização;
fragmentação geográfica e social do processo do trabalho. Mas isso não significa que o
31
conseqüência crises na estrutura tradicional de mediação: partidos e
sindicatos. É neste contexto que surgem os novos movimentos sociais. Estes
expressam uma realidade distinta, mas não contraditória, ao continuado
protagonismo das classes sociais.
10
As lutas que se traduzem pautam-se por
formas organizativas (democracia participativa) diferentes das pautas que
presidiram as lutas pela cidadania (democracia representativa) (SANTOS,1997,
p. 261). Conseqüentemente, também muda a morfologia da sociedade civil. Na
qual aparece uma multiplicidade de expressões sem poder de homogeneizar-
se num projeto alternativo.
Em terceiro lugar, as ideologias neoliberais e neoconservadoras, tendo
como princípios as doutrinas liberais do século XIX de economia auto-regulada,
valorizam a sociedade civil como oposto ao Estado. Para os neoliberais, o
Estado aparece como limitativo e opressor da sociedade civil. Assim, defendem
a restrição do seu tamanho como forma de reduzir seu dano e fortalecer a
sociedade civil (SANTOS, 2005, p. 41). Para o comunitarismo neoconservador,
o declínio moral e cívico da sociedade (o excesso de violência, a pornografia, o
egoísmo, a droga, o consumismo) tem como origem excesso de política
institucional ou de direitos regulamentados. Como antídoto, recomenda a
redução do político-estatal quanto à retradicionalização da sociedade, um
fechamento em si mesmo, à margem do Estado, dos direitos básicos do
indivíduo, em benefício da família, da comunidade e do ―capital social‖
(NOGUEIRA, 2005 p. 111apud COHEN, 2005)
Em quarto lugar, é importante destacar a emergência do que foi
denominado terceiro setor, o qual teve muita importância na aplicação de
políticas públicas nos países do Cone Sul. Na década de 1990, a reforma do
Estado, advinda das diretrizes preconizadas pelo chamado ―Consenso de
Washington‖, inclui recomendações de desenvolvimento de políticas
trabalho e a classe trabalhadora tenham perdido centralidade na estrutura do sistema
capitalista. A centralidade da classe operária radica em sua singular inserção no processo
produtivo e seu insubstituível papel na valorização do capital (BORÓN, 1994, p. 228)
10
Cremos que a proliferação de novos atores sociais não decreta a abolição dos conflitos de
classe: significa que a cena social e política se tornou mais complexa. O aumento no
número - assim como mudanças nas demandas, com ênfases nos aspetos culturais - dos
sujeitos sociais de forma alguma supõe a desaparição das classes sociais nem o ocaso de seu
conflito. Para compreender as reivindicações dos novos sujeitos é necessário ter um marco
amplo do conflito social. Estes novos movimentos expressam novos tipos de contradições e
reivindicações geradas pela renovada complexidade da sociedade capitalista.
32
compensadoras - preferencialmente levadas a efeito em parcerias com
Organizações Não-Governamentais (ONGs) - às populações mais vulneráveis
aos efeitos do ajuste fiscal. O incentivo e o repasse de recursos de instituições
multilaterais, como o Banco Mundial, aos projetos diretamente conduzidos por
ONGs, tem propiciado um significativo envolvimento destas organizações em
políticas públicas. Os Estados latino-americanos vêm utilizando de forma
crescente o estabelecimento de convênios com estas organizações para
provisão de serviços sociais às camadas carentes da população.
A difusão mundial de discursos de cidadania, solidariedade, altruísmo, e
voluntariado, encontram expressão através das ONGs das mais variadas
origens, o que tem dado ensejo ao surgimento de um novo conceito, o de
terceiro setor. Este estaria composto por um conjunto muito amplo e variado de
instituições, com importante participação do voluntariado. Abrangendo desde
fundações, organizações não-governamentais, associações de bairro,
movimentos sociais, instituições religiosas, associações de filantropia, etc. Sua
lógica de ação seria autônoma da racionalidade com que se moveria o Estado,
caracterizado como o primeiro setor, uma vez que seria diferente da
racionalidade própria do mercado caracterizada como o segundo setor (com
uma lógica baseada no interesses privados). As características comuns do
terceiro setor se resumem na idéia de iniciativas e instituições privadas, mas
que teriam objetivos públicos (FERNANDES, 1994, p. 65).
Os atributos característicos do denominado terceiro setor não estariam
em sua substância, mas em similitudes e diferenças com respeito a outros
setores. Assim, compartilham com as empresas sua condição de organizações
privadas e com o Estado os interesses por temáticas que encontram alguma
referência com o público. Tendo como condição ser não-governamentais e não
ter como fim o lucro. São estas características comuns as que justificam
considerar estas organizações como um conjunto baixo numa mesma
denominação. A estas condições soma-se outra, de ordem valorativa: estas
organizações têm que ter como motivação o altruísmo e bem comum
(ROITTER, 2004, p. 18).
O terceiro setor e a intensificação das relações público-privado são
apresentados por proponentes e defensores como um modo mais flexível,
eficaz e eficiente de intervenção na questão social (BRESSER PEREIRA,
33
1998, p. 31-32). Seus críticos apontam que o conceito do terceiro setor tem
origem numa visão segmentadora e setorializadora da realidade social,
apresentando uma forte funcionalidade com o atual processo de reestruturação
do capital, particularmente no que se refere ao afastamento do Estado das
suas responsabilidades de dar respostas às seqüelas da ―questão social‖.
Assim, o terceiro setor é considerado como um fator de despolarização do
conflito social ao transformar a lutas contra a reforma do Estado em parcerias
com o mesmo (MONTAÑO, 2003, p. 274). Outras críticas referem-se à
amplitude do conceito: falar de terceiro setor significa unir organizações que
não compartilham nem objetivos, nem gicas de funcionamento em comum,
nem práticas sociais equivalentes (ROITTER, 2004, p. 19).
A idéia de terceiro setor encontra sua legitimidade teórica na idéia de
uma sociedade civil como esfera separada da economia e do Estado - uma
―iniciativa privada com fins públicos‖. Para Montaño (2003, p. 22) a idéia de
terceiro setor é totalmente funcional ao projeto neoliberal, pois nessa
concepção a sociedade civil aparece como externa ao Estado e nela se busca
compensar as lógicas das burocracias públicas e do mercado com a lógica do
associativismo sociocultural. No entanto, os defensores do terceiro setor
observam uma mudança radical das concepções do público e do privado. A
seguinte passagem é ilustrativa desta opinião:
Além do Estado e do mercado, um ―terceiro setor‖. ―Não
governamental‖ e ―não lucrativo‖, e, no entanto organizado,
independente, e mobiliza particularmente a dimensão voluntária do
comportamento das pessoas. Sua emergência é de tal relevância que
se pode falar de uma virtual revolução a implicar mudanças gerais
nos modos de agir e de pensar (FERNANDES, 1994, p. 19-20).
No contexto dessas transformações, uma vasta literatura foi sendo
produzida, reconstruindo historicamente conceitos clássicos sobre a
constituição das sociedades modernas. Com base nas teorias clássicas da
sociedade civil, desde a visão liberal representada pelo mercado, passando por
a dialética de Hegel, a critica de Marx às estruturas burguesas - com a
afirmação da sociedade civil onde reina a estrutura econômica - até Gramsci e
a idéia polêmica da sociedade civil como parte da superestrutura política,
muitos autores buscaram mostrar como, no processo de complexificação das
34
sociedades modernas, os paradigmas que sustentam as teorias da democracia
social e política, encontram-se hoje em meio a um intenso processo de
reconstrução.
As novas elaborações sobre a sociedade civil se situam na realidade
contemporânea, espelhando-a e tentando ao mesmo tempo direcioná-la,
trazendo consigo os projetos políticos sociais correspondentes.
1.2.4 O Impacto da globalização na concepção de sociedade civil - sociedade
civil global
Apontamos que o Estado continua sendo a entidade central para a
regulação da economia mundial. No entanto, sem entrar em contradição com
tal conclusão, também podemos afirmar que as novas tecnologias de
comunicação e informação abrem espaço para atuação cada vez maior de
―atores secundários‖ das relações internacionais
11
, gerando maior
interdependência entre as diversas instâncias de poder mundial.
A atuação dos atores não estatais tem como contexto o surgimento do
fenômeno denominado opinião publica mundial.
12
A opinião pública mundial surge diretamente ligada ao desenvolvimento
dos meios de comunicação, pois através destes se reduzem as distâncias entre
o endógeno e exógeno, no entanto, este fenômeno é resultante de um longo
processo, que pode situar-se no final do século XIX e princípios do XX. As
grandes migrações da Europa transferiram pessoas e idéias, propagando
sindicatos e partidos socialistas, enquanto que os meios de comunicação de
11
Denominamos atores secundários das relações internacionais: 1) As Organizações
Internacionais (OI), isto, é, associações voluntárias de Estados constituindo uma sociedade,
criada por um tratado, com a finalidade de buscar interesses comuns através de uma
permanente cooperação. Estas abrangem instituições internacionais, tais como as que se
referem à manutenção da Paz e segurança internacionais, bem como as comunicações
migrações, saúde, trabalho, além dos temas transversais como os ligados aos direitos
humanos e ao meio ambiente. As mesmas adquiriram grande importância nas relações
internacionais, em razão de sua grande multiplicação. Este fenômeno surge, subretudo, a partir
da segunda guerra mundial, quando passam atuar mais de trezentos e cinqüenta OI, sendo
uma centena de alcance universal. 2) os entes privados das relações internacionais, isto é,
empresas transnacionais, organizações não-governamentais de alcance transnacional, igrejas,
as internacionais do crime organizado, a opinião pública mundial, os indivíduos (SEITENFUS,
2004, p. 114).
12
A opinião pública, que pode ser definida como a reação coletiva e instantânea de um
conjunto de indivíduos perante o conhecimento de uma situação.
35
massa convergiam para a criação de uma opinião pública transnacional. Mas
nas últimas décadas, a televisão a cabo, a internet aumentaram a
quantidade e a qualidade da informação, tornando-a disponível quase
instantaneamente. Também contribuíram para a intensificação deste fenômeno
o crescente processo de individualização e fragmentação social.
A influência da opinião publica nas questões internacionais pode-se
manifestar em dois aspectos. Primeiramente, como um vetor aprendido pelos
atores internacionais, os quais tendem a incorporar as demandas da opinião
pública fazendo-a participar da definição do conteúdo da ação internacional dos
atores tradicionais. A segunda forma de manifestação decorre da ação da
―sociedade civil organizada‖, sobre tudo pelas redes de telecomunicação e
internet (SEITENFUS, 2004, p.162).
A difusão de idéias de contextos nacionais e regional para o nível
mundial continua a ser um fator importante na mudança social. Direitos
Humanos, livre mercado, feminismo e ambientalismo formaram a opinião
publica transnacional através de um processo de formação de agendas globais
isto é, agendas para a mudança social que reivindicam validade universal.
É importante destacar que atuação de agentes não estatais nas esfera
internacional não é um fenômeno novo. No século XIX e XX, as sociedades
civis nacionais criaram uma grande rede de organizações transnacionais. Por
exemplo, a comunidade cientifica que em certos aspectos atua como uma
sociedade civil global como espaço livre de comunicação autônoma. Partidos
políticos e sindicatos também criaram redes transnacionais, assim como
grupos religiosos que sempre tiveram tendência a ultrapassar fronteiras
nacionais. No entanto, o fenômeno contemporâneo de maior interdependência
mundial aumentou a influencia destes atores.
Ao intensificar-se a inter-relação entre as esferas nacional e mundial se
aprofundam as relações entre movimentos sociais locais e mundiais,
provocando identidades em âmbito internacional. Surgem as denominadas
redes de movimentos sociais, formadas pelo conjunto dos sujeitos e formas de
organização, tais como ocorre com os movimentos ambientalista, feminista, de
Direitos Humanos. Nestas redes predominam identificações de sujeitos sociais
em torno de valores, objetivos e processos em comum, os quais definem os
autores ou situações sistêmicas antagônicas que devem ser combatidas. Ou
36
seja, o movimento social se constrói em torno de identidades (SCHERER-
WARREN, 2007, p. 151). A contínua composição e presença internacional
destes grupos, associações e movimentos muito diversos. Redes que
geralmente surgem em oposição à ―globalização hegemônica‖, gerando
espaços políticos onde os atores, que partem de posições distintas negociam,
formal ou informalmente o significado social, cultural e político de sua empresa
conjunta (COHEN, 2003, p. 434 apud KECK; SIKKINK, 1998).
As redes geralmente caracterizam-se por apresentarem esquemas de
comunicação e intercâmbio voluntários recíprocos e horizontais e estruturas
comunicativas que utilizam de forma cada vez mais freqüente os novos meios
eletrônicos. Estas características permitem o entrelaçamento de atores locais e
não locais, que se conectam e discutem no ciberespaço por meio da troca de
mensagens instantâneas. A internet facilita a expansão de interações
comunicativas em escala mundial.
As ligações estabelecidas através de redes transnacionais proporcionam
aos atores locais acessos, influência e informações utilizáveis para pressionar,
desde fora, os órgãos governamentais e o-governamentais relevantes. Estas
ações passam por cima de um Estado local, acionando uma rede transnacional
para dar publicidade a uma questão, criar uma ‗opinião pública mundial‘ e
apelar para normas e princípios acordados no plano supranacional. Esta rede
permite pressionar outros Estados, organismos regionais ou organizações que,
por sua vez, tentarão fazer pressão sobre o Estado cujas políticas estão em
causa (COHEN, 2003, p. 435).
As tentativas de conceituação da sociedade civil global são recentes e
apresentam um forte caráter empírico-descritivo. Geralmente se refere aos
novos atores transnacionais que promovem agendas globais. Para fins
operacionais, e como uma forma de conceituar o fenômeno da crescente
atuação sociais em âmbito internacional e global, conceituamos sociedade civil
global a estes espaços societais transnacionais - descritos em cima - que são
ativados sem passar necessariamente por instâncias político-estatais. Eventos
recentes fortalecem a idéia de que ocorreu uma intensificação destes espaços
transnacionais. A idéia de sociedade civil global manifestou-se empiricamente.
Estimativas recentes apontam para a existência de 50 mil organizações não
governamentais sem fins lucrativos operando em nível internacional, sendo que
37
90% delas surgiram nas últimas duas décadas (KEANE, 2003 apud
EVANGELISTA, 2006, p. 36).
Diferentes eventos acentuaram este processo: a realização das
Conferências Mundiais das Nações Unidas, na década de 1990, e a mudança
na participação da sociedade civil, tanto no que diz respeito ao número de
organizações quanto ao perfil delas; as manifestações de Seattle (1999) e
Gênova (2000), e o surgimento do conceito de ―movimentos anti-globalização‖;
no início dos anos 2000 e 2001, quando se iniciam os debates sobre o
movimento altermundialista, no contexto pós-Seattle e de realização da
primeira edição do Fórum Social Mundial (EVANGELISTA, 2006, 37).
Tratando de evitar as ciladas da ―analogia local‖, que simplesmente
transpõem uma análise inalterada dos parâmetros de uma sociedade civil
nacional para o plano global, analisamos a emergência desta sociedade civil de
forma descentrada, isto é, com diferentes subsistemas, onde reagem
solidariedades diversas que mobilizam diferentes grupos, por exemplo,
feministas ou defensores do meio ambiente (COHEN, 2003, p. 435). Cremos
que outra referência de subsistemas pode ser realizada em nível de espaço
políticos, por exemplo, a partir dos processos de integração regional, pois a
integração intensifica as inter-relações entre diferentes agentes regionais.
2 ATORES SOCIAIS NA INTEGRAÇÃO: O CASO DO
MOVIMENTO SINDICAL
No processo de constituição de regiões integradas, produto de
negociações entre estados, constituiem-se dinâmicas que estimulam a atuação
de atores transnacionais. A integração regional está inserida nos processos
econômicos e políticos que provocaram transformações no Estado-Nação.
Nesta conjuntura se criam novos referentes, que transcendem o mesmo,
criando novas estruturas de oportunidades para a ação coletiva. A integração
regional gera novos espaços para a atuação da sociedade civil em espaços
societais transnacionais que podem ativar-se sem passar necessariamente por
instâncias político-estatais. Cremos que os sentidos, as dinâmicas, os conflitos
gerados pelos atores sociais nestes espaços são uma alternativa para criar
novas hegemonias no sentido gramsciano, isto é, hegemonia como
expressão de um projeto estratégico, com apropriação subjetiva dos elementos
de transformação social - de setores até agora marginalizados do processo de
integração regional.
Neste espaço - como destacamos no capítulo anterior - atuam o que a
literatura sociológica contemporânea denominou ―novos‖ e ―velhos‖
movimentos sociais, Nessa classificação os movimentos ambientalistas,
feministas, de direitos humanos, aparecem com o rotulo de ―novos‖. O
movimento sindical estaria dentro da segunda denominação.
Na primeira parte deste capítulo, analisamos a consolidação institucional
do Mercosul, para num segundo momento, analisar a situação e as
perspectivas do movimento sindical, situado no contexto da construção de um
espaço público alternativo, em nível regional, ou uma sociedade civil regional.
Para este fim, realizamos entrevistas semi-estruturadas com representantes
sindicais e membros de ONGs, em julho de 2007, na cidade de Montevidéu.
39
2.1 O Mercosul e o Movimento Sindical
Para a análise do Mercosul, procederemos da mesma forma que
utilizamos para o fenômeno da globalização, no capítulo I. Isto é, acentuaremos
o caráter processual inacabado e aberto da integração regional. O Mercosul é
um processo em pleno desenvolvimento, um fenômeno que está se
sucedendo. Portanto, nos deparamos com a mesma problemática que
apontávamos em relação ao conceito de sociedade civil: as transformações em
curso exigem novas formas de análise, pois muitas das categorias utilizadas
pelas ciências sociais se construíram tendo o Estado-Nação como referência,
ou seja, nossa linha conceitual está em transformação.
O processo de integração do Mercosul caracterizou-se por ser aberto e
multidimensional. Aberto, no sentido de que o projeto teve avanços e
retrocessos e multidimensional, pois combinou objetivos econômicos e políticos
(DE SIERRA, 2001, p. 11). No entanto, a procura de integração na América
Latina não é nova. Nas últimas décadas existiram projetos visando à
integração, sendo que os mesmos tiveram como característica estar centrados
em aspectos econômicos. Um destes exemplos ocorreu na década de 1960,
nas discussões para a constituição de um mercado econômico regional para
América Latina que promoveram a Associação Latino Americana de Livre
Comercio (ALALC). Esse organismo foi sucedido pala Associação Latino-
Americana de Integração, na década de 1980.
13
Entretanto, os primórdios do Mercosul podem ser encontrados em
dezembro de 1985, quando Brasil e Argentina assinaram a declaração de Foz
do Iguaçu. Este Tratado tinha como contexto político o fim das ditaduras civis-
13
A Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC) foi uma tentativa frustrada de
integração comercial da América latina na década de 60. Os membros (Argentina, Brasil, Chile,
México, Paraguai, Peru e Uruguai) pretendiam criar uma área de livre comércio na América
Latina. Em 1970, a ALALC se expandiu com a adesão de novos membros: Bolívia, Colômbia,
Equador, e Venezuela. Em 12 de agosto de 1980, com o Tratado de Montevidéu, tornou-se a
Associação Latino-Americana de Integração (ALADI). Permaneceu com essa composição até
1999, quando Cuba passou a ser membro. Seu objetivo é expandir a integrão da região,
para garantir seu desenvolvimento econômico e social. A ALADI é constituída por três órgãos
políticos: Conselho de Ministros de Relações Exteriores, Conferência de Avaliação e
Convergência, e Comitê de Representantes e um órgão técnico Secretaria-Geral. Pode
ser membro da ALADI qualquer país latino-americano cuja solicitação de ingresso seja
aprovada pelo Conselho de Ministros, por votação afirmativa de dois terços dos países
membros e sem nenhum voto negativo.
40
militares na região, assim como também aspetos econômicos que favoreciam
novas formas de inserção internacional: crises da divida externa contraída
pelos regimes ditatoriais e o esgotamento do processo de industrialização por
substituições de importações.
Podemos sintetizar numa breve cronologia do processo de formação do
Mercosul. Em 1988, Argentina e Brasil assinaram o Tratado de Integração,
Cooperação e Desenvolvimento, no qual se fixou como meta o estabelecimento
de um mercado comum, ao qual outros países latino-americanos poderiam se
unir. Em 1990, foi assinado o tratado de integração econômica, conhecida
como Tratado de Buenos Aires, o qual foi complementado em 1991 pelo
Tratado de Assunção. O acordo de março de 1991 incluía Argentina, Brasil,
Paraguai e Uruguai e tinha como objetivo realizar um mercado comum entre os
signatários, formando então o Mercado Comum do Sul. Cabe ressaltar que,
neste período, com os novos governos na Argentina (Carlos Menem) e no
Brasil (Fernando Collor de Mello), as decisões políticas e econômicas
estiveram muito influenciadas - mas, com diferenças importantes entre eles -
pelas premissas do ―Consenso de Washington‖.
O modelo inicial de integração optou por um ensaio de ‗regionalismo
aberto‘ para aproveitar as vantagens comparativas de proximidade geográfica,
histórica e cultural. Com este modelo, em um breve período, foi alcançado um
―êxito relativo‖ nos resultados econômicos. Neste sentido, podemos ressaltar a
multiplicação do comércio intra-regional e a construção de bloco comercial, que
alcançou a forma de união aduaneira imperfeita (SERNA, 2004, p. 2 ).
Um acordo político importante foi o ―compromisso democrático‖ para
estabelecer garantias às transições democráticas, e desta forma reduzir os
perigos de recaídas em governos cívico/militares. Neste sentido, o Mercosul ao
estabelecer a vigência de instituições democráticas como condições para
participar do bloco, criou um mecanismo de apoio institucional nos momentos
de instabilidade política que protagonizaram em diversas circunstâncias
Paraguai e Argentina.
Em 17 de dezembro de 1994, se firmou o Protocolo de Ouro Preto, no qual
se estabeleceu a estrutura institucional necessária para o funcionamento da
zona de livre comércio intra-zona e a união aduaneira extra-zona e constituiu-
se o Mercosul num sujeito de direito internacional.
41
Com base neste protocolo, desde o 15 de dezembro de 1995 o Mercosul
tem uma estrutura institucional basicamente composta por:
i) Conselho do Mercado Comum (CMC): órgão supremo cuja função é a
condução política do Mercosul. O CMC está integrado pelos Ministros de
Relações Exteriores e de Economia dos Estados-partes.
ii) Grupo Mercado Comum (GMC): órgão decisório executivo que é o
responsável por fixar os programas de trabalho, e por negociar acordos com
terceiros em nome do Mercosul, por delegação expressa dos Ministérios de
Relações Exteriores e de Economia, alem dos bancos centrais dos Estados
partes. Também, manifestar-se sobre propostas ou recomendações por parte
dos demais órgãos do Mercosul.
iii) Comissão de Comércio do Mercosul (CCM): órgão decisório técnico
que é o responsável por apoiar o GMC no que diz respeito à política comercial
do bloco, assim como velar pela aplicação de instrumentos de política
comercial comum acordados pelos Estados-partes para o funcionamento da
união aduaneira; efetuar o surgimento dos temas e matérias relacionados com
as políticas comerciais comuns, com o comércio intra-Mercosul e com terceiros
países.
Em segundo lugar, com o Tratado de Ouro Preto criaram-se órgãos
consultivos, a saber:
a) Comissão Parlamentar Conjunta (CPC) órgão de representação
parlamentar, integrada por até 64 parlamentares, 16 de cada Estado-parte. A
CPC, além de seu caráter consultivo, tem um caráter deliberativo e de
formulação de declarações, disposições e recomendações, viando harmonizar
legislações, tal como o requeira o avanço do processo de integração.
Posteriormente, a CPC será substituída pelo Parlamento do Mercosul.
b) Foro Consultivo Econômico Social (FCES): órgão consultivo que
representa setores da sociedade civil. Posteriormente analisaremos este órgão
com mais profundidade.
Para dar apoio técnico a essa Estrutura Institucional, o Mercosul conta
com a Secretaria do Mercosul (SM), que tem caráter permanente e está
sediada em Montevidéu, Uruguai. O Mercosul conta também com instâncias
42
orgânicas não-decisórias, como A Comissão Sociolaboral (CSL), o Fórum de
Consulta e Concertação Política (FCCP), os Grupos de Alto Nível, os
Subgrupos de Trabalho (SGT) dependentes do GMC, os Comitês Técnicos
(CT) dependentes do CCM, o Observatório do Mercado de Trabalho (OMT)
dependente do SGT10 (Subgrupo de Trabalho de Assuntos Trabalhistas,
Emprego e Seguridade Social), e o Fórum da Mulher em âmbito do FCES.
2.1.1 Avanços institucionais sobre a dimensão social do Mercosul
O debate sobre o modelo institucional do Mercosul inclui duas fórmulas.
O modelo intergovernamental e o modelo supranacional. O Protocolo de Ouro
Preto definiu o quadro orgânico do Mercosul com estruturas
intergovernamentais, onde estão presentes os interesses de cada Estado,
cujas decisões estão submetidas à regra de unanimidade dependendo da
posterior ratificação pelos órgãos nacionais. Descartou-se a criação de órgãos
supranacionais, acima dos Estados que poderiam aplicar suas decisões
diretamente sem transposição para o direito interno dos Estados-partes. Este
debate está fortemente influenciado pela estrutura assimétrica do Mercosul. A
opção por uma fórmula supranacional é defendida pelos estados menores,
entretanto a opção pela fórmula intergovernamental é defendida pelos estados
maiores, particularmente Brasil (HIRTS, 1996, p. 232).
Desta forma, uma análise político do Mercosul deve partir de sua
caracterização como um processo intergovernamental. Numa primeira
instância, a participação dos países nesta iniciativa pode ser compreendida
como uma forma de estimular novas oportunidades de comercio e
investimentos e como uma forma de melhorar a competitividade internacional
de seus sócios. Mônica Hirts (1996: 217), destaca que a permanência de
heterogeneidades nacionais gera uma especificidade política ao Mercosul. Esta
especificidade está dada em função de três aspectos-chaves do processo de
integração regional: a atuação de seus diferentes atores (burocráticos, políticos
e sociais), seus temas de politização e sua base de sustentação ideológica.
43
Sobre o primeiro aspecto, a autora identifica dois tipos de atores no
Mercosul; os de primeiro nível e os de segundo nível - como critério
classificatório utiliza o grau de participação, determinado por condições
econômicas e políticas e pelo formato institucional do próprio processo
associativo. No primeiro nível se encontram a burocracia, os grupos
empresariais e as máximas diligências políticas. Entre estes atores destaca:
primeiro, ―os mercocratas‖, os funcionários governamentais nos ministérios de
relações exteriores e nas agências econômicas especializadas que conduzem
o processo de integração regional. Em segundo lugar, os empresários que
representam os interesses dos grupos econômicos das empresas
transnacionais que operam na região. Neste grupo destacam-se os setores
financeiros e industriais nacionais mais dinâmicos, particularmente de Brasil e
Argentina. Em terceiro lugar encontram-se os dirigentes políticos, distinguindo-
se a importância da vontade presidencial como um elemento central nas
negociações do Mercosul
O segundo nível de atores está constituído por partidos políticos;
pequenos e médios empresários; organizações sindicais e movimentos sociais.
Em todos os países do bloco os atores considerados do segundo nível
tendem a criar uma estrutura supranacional para o Mercosul. Esta solução é
percebida como um meio para ampliar o poder de pressão e influenciar os
diferentes segmentos sociais e econômicos afetados pelo processo de
integração.
Como apontávamos no capitulo I, a implementação de reformas
neoliberais e a liberação econômica geram mudanças nos sistemas de bem-
estar dos Estados-Nação, assim como também fortes impactos sociais.
Durante o período 1999/2001 produziu-se uma perda do dinamismo do
Mercosul.
A partir do processo de integração - pautado pelas negociações
econômicas e comerciais entre os países membros do bloco -, se gera uma
grande quantidade de reuniões de todos os tipos. Existem reuniões políticas,
entre as quais podemos destacar: encontros periódicos dos presidentes dos
paises; reuniões entre grupos intergovernamentais, onde se negociam temas
sobre seguridade social, políticas de promoção de emprego, projetos e políticas
culturais. A dinâmica destas reuniões que num primeiro momento podem ser
44
denominadas acordos de ―cúpulas‖, com uma limitadíssima participação dos
―atores secundários‖ -, num segundo momento geram uma enorme atividade
relacionada à integração provocando um novo dinamismo que favorece a
atuação dos ―atores de segundo nível‖, tradicionalmente alheios ou excluídos
das negociações. Atualmente, alguns indícios apontam a existência de uma
maior participação destes setores. As atividades dos movimentos sociais, em
nível regional, estão se convertendo em objeto de planificação, de análises
estratégicas por parte dos próprios atores.
A maior participação de atores secundários teve como marco as
mudanças políticas em nível regional, com a ascensão de governos de
esquerda a partir de 2002.
As conseqüências das políticas neoliberais da década de 1990,
acentuadas pelas profundas crises que muitos países da região sofrearam em
2001-2002, influenciaram nas mudanças políticas regionais do Cone Sul. As
vitórias eleitorais de Luiz Inácio Lula da Silva no Brasil (2002), Néstor Kirchner
na Argentina (2003) e Tabaré Vázquez no Uruguai (2004), marcaram uma
renovação política. Neste contexto produz-se um novo otimismo em relação à
vontade política de renovação do projeto de integração. Vários fatores
convergem para essa conjuntura. O fim da convertibilidade na Argentina
favoreceu as expectativas na expansão do comércio intra-regional e a
preservação do bloco econômico. Assim como a reafirmação da vontade
política de priorizar o espaço multilateral para negociar com outros países; o
retrocesso das negociações bilaterais unilaterais com os Estados Unidos e a
ALCA. A priorização de políticas de políticas de integração e desenvolvimento
em longo prazo nos âmbitos de cooperação energética, comunicação e infra-
estrutura; o esgotamento das reforma econômicas estruturais e a emergência
de novas questões sociais; a valorização do papel do Estado e as instituições
políticas (SERNA, 2004, p. 2).
A valorização do Mercosul esteve presente nas campanhas eleitorais.
Os discursos visavam aprofundar o processo de integração regional. Através
de encontros e declarações conjuntas os presidentes apontavam o
fortalecimento do Mercosul como um novo modelo de desenvolvimento para a
região e como meio de inserção internacional. O encontro oficial entre os
45
presidentes de Argentina e do Brasil, em 16 de outubro de 2003, apresentou
uma nova agenda para o Mercosul, onde foram apresentados como principais
desafios à consolidação da democracia política, o combate a pobreza e a
desigualdade, o desemprego, o analfabetismo, a fome. Em relação ao
processo de integração os presidentes declaram ―que o Mercosul não é um
bloco comercial, mas que constitui um espaço catalisador de valores‖ e que a
―integração sul-americana deve ser promovida no interesses de todos, tendo
por objetivo a conformação de um modelo de desenvolvimento no qual se
associe o crescimento, a justiça social e a dignidade de todos os cidadãos‖.
A decisão 26/03 CMC, Programa de Trabalho 2004-2006, levava as
definições políticas às normativas do Mercosul, com a agenda prioritária que o
processo regional deveria adotar para sua real consolidação e
aprofundamento. Em dezembro de 2004, em Ouro Preto, um novo encontro (
dez anos do que ditou a base institucional do Mercosul), apresentou uma visão
de um ―outro Mercosul‖. Para este novo Mercosul, algumas ações concretas
foram realizadas. Entre elas podemos destacar: primeiro, as que visavam
atenuar os efeitos negativos das assimetrias entre os países membros (como
por exemplo: em dezembro de 2004, na Cúpula de Presidentes de Ouro Preto
estabeleceu-se o Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul (FOCEM),
a fim de financiar programas de convergência estrutural, competitividade,
coesão social, e institucional); em segundo lugar, criou-se o Grupo de Alto
Nível (GAN) para a formulação de uma Estratégia Mercosul de Crescimento de
Emprego. Em dezembro de 2005, na Cúpula de Presidentes, por Decisão CMC
23/05, foi aprovado o Protocolo Constitutivo do Parlamento do Mercosul. Nessa
mesma ocasião, a Venezuela protocolou seu pedido de adesão ao bloco,
sendo-lhe outorgado o status de Estado-membro em processo de adesão, que
na prática significa que tinha voz, mas não voto.
14
Em relação à proteção dos
direitos humanos em 6 de julho de 2005 foi assinado o Protocolo de Assunção
sobre Direitos Humanos do Mercosul,
15
conhecido, também, como cláusula de
direitos humanos. Esse protocolo, como se depreende de seu art. 3º, estende o
alcance do Protocolo de Ushuaia aos casos de ―graves e sistemáticas
14
Informação disponível em:http://noticias.uol.com.br/ultnot/efe/2007/03/19/ult1808u88022.jhtm.
Acesso em: 22 de março de 2007.
15
Protocolo de Assunção sobre compromisso com a promoção e proteção dos Direitos
Humanos do Mercosul, aprovado pela Decisão do CMC nº 17/05.
46
violações dos direitos humanos e liberdades fundamentais em uma das Partes
em situações de crise institucional ou durante a vigência de estados de
exceção previstos nos ordenamentos constitucionais respectivos. Em
novembro de 2006, o Grupo de Alto Nível da Estratégia Mercosul para o
Crescimento do Emprego (Ganemple), reuniu-se em Brasília, com o objetivo de
estruturar o observatório do mercado de trabalho do Mercosul, o que
possibilitará a obtenção de estatísticas e indicadores econômicos confiáveis
dos cinco países, assim como traçar Diretrizes Regionais para o crescimento
de emprego. O objetivo imediato dessas diretrizes é a realização de projetos
experimentais para a geração de empregos, especialmente em áreas de
fronteira.
O programa de trabalho 2004-2006 propõe mudar a agenda temática da
integração. No documento do Conselho do Mercado Comum, em 26 de
dezembro 2003, se aprova o ―programa de trabalho 2004-2006, que tenta
afiançar, numa nova proposta de ações concretas, o objetivo de avançar a um
tipo de integração qualitativamente diferente da agenda dos anos 90, centrada
na dimensão social do processo‖. O programa de trabalho 2004-2006 recupera
temáticas não-comerciais do processo de integração, sendo que o seu
documento se divide em quatro partes: o Mercosul econômico-comercial;
Mercosul social; Mercosul institucional e uma nova agenda de integração. Na
primeira etapa se destacam as medidas tendentes a melhorar a zona de livre
comercio e a união aduaneira. Na segunda parte se propõe estimular a
participação da sociedade civil e a visibilidade cultural do processo de
integração, estabelecendo medidas que estimulem a livre circulação de
pessoas. Na terceira parte se propõe o estabelecimento do Parlamento do
Mercosul, a regulamentação do Protocolo de Olivos para a solução de
controversas no bloco, o fortalecimento do setor privado, a transformação da
Secretária do Mercosul em Secretária técnica e a subscrição de um
instrumento para a vigilância imediata da normativa do Mercosul que não
requeira aprovação parlamentaria. Por último, na nova agenda se destacam a
cooperação em ciência e tecnologia e a integração física e energética.
Como afirmamos anteriormente, o Mercosul é um processo inacabado,
aberto e que está em disputa. Não esta em disputa o formato econômico -
uma Zona de Livre Comércio a um Mercado Comum; ou o modelo institucional
47
intergovernamental ou supranacional -, mas sem o acordo de integração deve
limitar-se aos aspectos comerciais e econômicos, ou pelo contrário, sim deve
constituir-se em um pacto de integração produtiva, social, política, geopolítica e
cultural que inclua a toda a sociedade e não aos empresários. Nesta visão
de integração é onde se legitimam o acionar dos atores sociais.
2.2 Os Movimentos Sociais no Cenário Regional
Na década de 1980, várias das demandas dos Movimentos de Mulheres
e do Movimento de Direitos Humanos foram incorporadas na agenda social e
política das transições democráticas na América Latina. A expansão de
organizações internacionais (incluindo os foros mundiais das últimas décadas:
Mulheres, Direitos Humanos, Meio Ambiente) provocou uma transformação
social do cenário na região que influenciou o reconhecimento social e político
de certas violações de direitos humanos, como fenômenos de violência contra
mulheres. Este reconhecimento levou à incorporação destas temáticas na
agenda política dos países do Cone Sul.
Neste contexto, os processos de integração e globalização criam novos
desafios aos movimentos sociais. Como reformular sua agenda de negociação
para incluir a regionalização e a dimensão transnacional em seu marco de
ação? Como se transformam suas identidades e seus nacionalismos no novo
contexto regional? Que sentido dão os atores sociais à sociedade civil
regional?
As primeiras evidências apontam no sentido de que estão em curso
transformações significativas no marco da ação e nas estratégias dos
movimentos sociais.
2.2.1 Transformações no mundo do trabalho
48
As transformações na economia mundial - que apontávamos no capítulo
I -influenciaram fortemente, sobretudo nos países de capitalismo avançado, as
transformações no mundo do trabalho. As mesmas podem constatar-se nas
formas de inserção na estrutura produtiva, nas formas de representação
sindical e política. Para Ricardo Antunes (2000, p. 23) as transformações do
mundo do trabalho foram tão profundas que provocaram para a classe-que-
vive-do-trabalho a mais aguda crise deste século ―que atingiu não sua
materialidade, mas teve profundas repercussões na sua subjetividade e no
intimo inter-relacionamento destes níveis‖.
Para o autor não há uma tendência generalizante e uníssona no mundo
do trabalho, mas sim uma processual idade contraditória e multiforme. A classe
trabalhadora complexificou-se, fragmentou-se e ficou mais heterogênea. Pode
constatar-se, por um lado, um efetivo processo de intelectualização do trabalho
manual. Por outro lado, uma desqualificação e mesmo uma subproletarização
intensificada presentes no trabalho informal, precário, parcial e subcontratado,
etc. Paralelamente, ocorreu uma massiva incorporação do trabalho feminino no
mundo produtivo, além da expressiva expansão e ampliação das classe
trabalhadora através do assalariamento do setor de serviços (idem, p. 62).
Algumas das conseqüências destas crises se refletem na sindicalização
da classe trabalhadora. Na maioria dos países desenvolvidos, a taxa de
sindicalização, isto é, a relação entre o número de sindicalizados e a população
assalariada, tem decrescido.
Outro elemento decisivo da crise sindical é encontrado na distância
existente entre os trabalhadores ―estáveis‖, de um lado, e os trabalhadores
precarizados, de outro. Com o aumento desse abismo social no interior da
própria classe trabalhadora, reduz-se o poder sindical, historicamente
vinculados aos trabalhadores estáveis e, até agora, incapaz de articular os
trabalhadores precários da economia informal. Como conseqüência dessas
transformações, nas ações sindicais, ocorre uma tendência neocorporativa,
que procura preservar os interesses do operariado estável, vinculados aos
sindicatos, contra os segmentos que compreendem o trabalho precário,
terceirizado, parcial, etc. Assim como também as ações práticas como as
greves têm uma eficácia reduzida em decorrência da fragmentação e da
heterogenização dos trabalhadores. Essas características dificultam as
49
possibilidades do desenvolvimento e consolidação de uma consciência de
classe dos trabalhadores, fundada no pertencimento de classe, aumentando os
riscos de expansão de movimentos xenófobos, corporativistas, racistas, no
próprio interior do mundo do trabalho (idem, p. 72).
Pode afirmar-se que a precariedade das relações de trabalho se
encontra em todos os setores. No setor privado, mas também no setor público,
onde se multiplicam as posições temporárias, nas empresas, educação,
jornalismo, meios de comunicação. Pierre Bourdieu (1998, p. 120-121)
descreve alguns dos efeitos provocados pelas novas características do mundo
do trabalho. Referendo-se a precarização afirma que a mesma gera efeitos
bastante similares que se tornam mais visíveis no caso dos desempregados:
a destruturação da existência privada, de suas estruturas temporais e
degradação de toda a relação com o mundo e como conseqüência
com o tempo e o espaço. A precariedade afeta profundamente a
qualquer homem ou mulher expostos a seus efeitos; tornando o futuro
incerto, ela impede qualquer antecipação racional e, especialmente,
esse mínimo de crença no futuro que é preciso ter para se revoltar,
sobretudo coletivamente, contra o presente, mesmo o mais
intolerável.(...) os desempregados e os trabalhadores destituídos de
estabilidade não são passível de mobilização, pelo fato de ser
atingidos em sua capacidade de se projetar no futuro, condição
indispensável de todas as condutas ditas racionais
A estabilidade é necessária, para um projeto de transformação, no
sentido de que qualquer ambição de transformar o presente por referência a
um futuro projetado, necessita de um mínimo de domínio sobre o presente.
Segundo Bourdieu, ―o proletariado, ao contrário do subproletariado tem esse
mínimo de garantias presentes, de seguranças que é necessário para mudar o
presente em função do futuro esperado‖ (idem, p. 122).
Algumas das novas das relações de trabalho poderiam ser sintetizadas
desta forma: uma tendência à individualização das relações de trabalho,
deslocando do eixo das relações entre capital e trabalho de esfera nacional
para ramos de atividade econômica e deste para universos mais micro; uma
corrente no sentido de desregulamentar e flexibilizar ao limite o mercado de
trabalho, atingindo duramente as conquistas históricas do movimento sindical;
nas relações sindicais uma burocratização e institucionalização das entidades
sindicais, que se distanciam dos movimentos sociais autônomos, optando por
uma alternativa de atuação cada vez mais integrada à institucionalidade
(ANTUNES, 2000 p. 73).
50
2.2.2 O Movimento sindical e os processos de regionalização
No capitulo I analisamos algumas das falácias em torno da idéia de
globalização, sobretudo em relação aos argumentos que apresentam certos
aspectos da mesma como inexoráveis, isto é, a idéia de globalização como
mito, como ideologia neoliberal ―como mito que rouba as esperanças‖. Estes
aspectos servem como referenciais para analisar o fenômeno da precariedade
e da flexibilidade das atuais relações de trabalho, e desta forma, ter em conta
em que medida esses fenômenos são produtos de uma vontade política e não
de uma fatalidade econômica identificada com a globalização.
Também, no capítulo I, observamos como os Estados-Nação continuam
totalmente vigentes na manutenção da estrutura capitalista mundial. O Estado
que se enfraquece é o Estado que contém conquistas sociais das classes
dominadas. Desta forma, o movimento sindical tem interesse em defender esta
característica do Estado. Essa defesa não necessariamente surge inspirada
por um nacionalismo. A consolidação de instituições supranacionais e inter-
governamentais aparecem como um novo meio para esta defesa.
As instituições implantadas no Mercosul - pese as novas perspectivas
geradas pelos novos governos de esquerda, assim como o aumento do numero
de acordos estiveram distante de realizar políticas macroeconômicas
integradas no campo industrial, agroindustrial e tributário. Como conseqüência,
as empresas transacionais implantadas na região se aproveitam da liberação
dos fatores de mercado e utilizam essa vantagem em dois sentidos: no de
acirrar a guerra fiscal entre os países associados e; no de pressionar pela
redução cada vez maior de custos de trabalho, ou seja, intensificar a
desregulação trabalhista. Nos dois casos, os trabalhadores são os que mais
perdem (CASTRO; WACHENDORFER, 1998, p. 131). Para a autora, as
estratégias sindicais utilizadas no período desenvolvimentista/ protecionistas
não favoreceram a capacidade de resistência e acentuaram a diferença entre
‗excluídos‘ e ‗incluídos‘. As estratégias restritas a âmbito nacional se tornam
51
limitadas, sendo necessário, portanto, estabelecer novos parâmetros para a
ação sindical que leve em conta os espaços regionais.
Na América Latina, nas décadas de 1980 e 1990, a partir da
democratização e da semelhança de modelos econômicos adotados pelos
novos governos, os sindicatos dos países do Cone Sul viram-se confrontados
com problemas idênticos: redução do aparelho do Estado, privatização de
serviços estatais, flexibilização do mercado de trabalho. A consciência de
estarem diante de processos econômicos interdependentes acentuou a idéia
da necessidade de superação de uma estreita visão nacional, alem de provocar
condições favoráveis à cooperação em âmbito regional. Outro fator que
acelerou esse processo foi a existência de estruturas temáticas de negociação
no Mercosul, abertas à participação de empresários e sindicatos. A existência
de instituições, de uma agenda oficial e o tratamento de temas de direitos
laborais, criaram uma nova dinâmica nas relações sindicais, obrigando aos
sindicalistas a buscarem ações em consenso (CASTRO;
WACHENDORFER,1998, p. 133).
Para analisar a ação sindical nestas novas instituições é necessário ter
em conta alguns elementos que dificultam sua ação. A ação sindical no âmbito
do Mercosul se defronta com uma série de obstáculos, entre eles, destacamos
os apontados por Vigevani (1998, p. 291). O autor elenca: obstáculos de ordem
histórica, dada a preponderância do espaço de atuação sindical nacional; os de
ordem material, pois são necessários grandes recursos financeiros para
suportar uma ação transnacional; os de ordem política, que pressupõem que é
necessário lidar com distintos interesses sindicais consolidados nacionalmente;
os de ordem cultural, pois a atuação sindical está muitas vezes orientada para
uma lógica imediatista, assente em reivindicações salariais, o que, no fundo,
significa a necessidade de substituir uma visão de futuro próximo por
orientações de teor estratégico; e, por fim, obstáculos que se prendem com os
ritmos de integração regional, pois a criação de condições de igualização de
direitos entre os quatro países do Mercosul está dependente da progressão
deste a caminho de um verdadeiro mercado comum.
Em nossa análise, essas dificuldades vão permear a descrição do
acionar movimento sindical em sua inter-relação com estruturas institucionais
regionais. Esta descrição esta dividida em três partes: 1) uma breve descrição
52
das trajetórias das Centrais Sindicais; 2) análises da ação do movimento
sindical nas instituições do Mercosul; 3) análise do movimento sindical por
setores de atividade.
2.2.3 Trajetória das centrais sindicais do Mercosul
Desde seu surgimento - a partir da segunda metade do século XIX - as
ações das primeiras entidades de trabalhadores, em quase toda América
Latina, estiveram bastante limitadas ao âmbito do Estado-Nação. Os problemas
eram resolvidos pelos sindicatos em conflito ou oposição ao Estado, ao qual
lhe cabia o papel decisivo na organização das relações de trabalho, junto com
as representações patronais ou empresas isoladas. Fatores geográficos,
sociais e políticos fizeram com que a tendência ao isolamento em relação aos
países vizinhos se acentuasse. As características principais das centrais
sindicais nos quatro países integrantes do bloco podem ser brevemente
sintetizadas:
2.2.3.1 Sindicalismo na Argentina
O fenômeno que mais influenciou a formação do movimento sindical
argentino foi o peronismo. Na década de 1940, a tradição predominantemente
socialista dos sindicatos deu lugar à identidade peronista. Com a ascensão de
Juan Domingo Perón, a Argentina assistiu a uma rápida expansão sindical. No
projeto de Perón, a Nação aparecia como um verdadeiro sujeito histórico, em
que os opostos aparecem como antipatrióticos e, portanto, ligados ao
imperialismo (IOKOI, 1989, p. 48). Para que tal projeto se viabilizasse, Perón -
inicialmente como Ministro de Trabalho e, depois, como Presidente - fez do
sindicalismo sua base de sustentação de seu modelo corporativista de
sociedade. No entanto, o peronismo o pode ser visto simplesmente como
uma forma de cooptação e controle sobre o movimento operário, pois propiciou
53
também a formação de grandes movimentos de massa, que atuavam de forma
critica.
Para Baily (1986, p. 212), Perón foi o primeiro dirigente importante a
compreender o significado político potencial das aspirações dos trabalhadores
e, entre 1943 e 1946, utilizou as idéias e grupos do movimento operário como
base para obter poder político. Neste contexto, os sindicatos transformaram-se
em poderosas organizações. Posteriormente, sua posição econômica se viu
reforçada com a administração de obras sociais que lhes foram outorgadas
pelo governo militar de Ongania. Como conseqüências desse processo
criaram-se grandes máquinas burocráticas dirigidas por sindicalistas que
partilhavam do poder político. Em face da diminuição de ganhos sociais e para
consolidar-se no poder, a cúpula sindical foi se vinculando cada vez mais ao
Estado, principalmente nas gestões do peronismo, perdendo com isso parte de
seu poder de barganha.
Com a política neoliberal do presidente peronista Menem, os sindicatos
se viram, a partir de 1989, confrontados com o desmantelamento do Estado e
suas funções reduzidas. As empresas estatais, fontes históricas do poder
sindical foram privatizadas, terceirizadas. Desta forma, o poder de negociação
sindical foi fortemente reduzido. Posteriormente, alguns sindicatos no interior
da CGT, muitos oriundos da indústria, passaram a atuar de forma mais
contestatória e se afastaram do governo, ao mesmo tempo em que outros
consolidaram sua aliança com o menemismo. Essas diferenças e contradições
se tem intensificado, imobilizando a central nos últimos anos, período que
surgiu uma nova central sindical, a CTA (Central dos Trabalhadores
Argentinos), uma organização menor e de perfil oposicionista, enquanto se
criou no interior da CGT uma corrente oposicionista, o Movimento dos
Trabalhadores Argentinos (MTA) (CASTRO; WACHENDORFER,1998, p. 135).
2.2.3.2 Sindicalismo no Brasil
No Brasil, a partir de 1930, com a tomada do poder por grupos sociais
coordenados por Getulio Vargas, marcou profundamente as relações entre o
54
movimento operário e o Estado. Naquele período, o presidente Vargas instalou
um sistema sindical que se orientava pela cartilha coorporativa. Esse sistema
pareceu praticamente intocado, apesar das mudanças políticas e econômicas
que o Brasil atravessou em quase todo o século XX. No final da década de
1970, surgiu um novo movimento operário, que veio a fortalecer os sindicatos,
visando o fim da estrutura sindical orientada pelo Ministério do Trabalho. Em
1981, foi a realizada a Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras
(CONCLAT), em Praia Grande, estado de São Paulo. A partir dessa
conferência, o movimento dividiu-se em três linhas: Central Única dos
Trabalhadores (CUT), Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT) e
sindicatos independentes.
A concepção da CUT, representando ―o novo sindicalismo‖, conseguiu
se impor no meio sindical. Sob muitos aspectos, o movimento personificado
pela CUT, representava uma ruptura com os conceitos sindicais tradicionais
vigentes na América Latina. Mas, mesmo que a CUT tenha provocado um
rompimento ideológico com o passado coorporativo, até hoje não foi capaz de
superar as bases organizacionais e as estrutura desse sistema que continua
em vigor (CASTRO; WACHENDORFER, 1998, p. 135).
Atualmente, a CUT convive com mais de seis centrais sindicais das
quais, no entanto, duas delas, destacando-se a central de perfil neoliberal, a
Força sindical (FS) e a CGT.
16
2.2.3.3 Sindicalismo no Uruguai
O sindicalismo uruguaio tem como característica uma forte tradição
socialista, com importante atuação de militantes do Partido Comunista. Esta
tendência do movimento operário uruguaio fundou, em 1929, a Confederação
Geral dos Trabalhadores Uruguaios (CGTU). Os sindicatos uruguaios revelam
16
Em novembro de 2007, foi formada a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil
(CTB), uma dissidência da segunda maior força da CUT, a Corrente Sindical Classista. Esta
dissidência se somou à formão da Coordenação Nacional de Lutas (CONLUTAS) e da
Intersindical, outras duas dissensões da Central Única dos Trabalhadores, uma evidência da
fragmentação política da Central fundada em 1993.
55
uma elevada capacidade de mobilização e considerável capacidade de
resistência, comprovada durante o período de ditadura civil-militar (1973-1984).
Neste período, o movimento sindical uruguaio sofreu forte perseguição. Em
1973, a Convenção Nacional de Trabalhadores (CNT) foi posta na ilegalidade,
quando seus dirigentes e seus afiliados foram fortemente reprimidos e
perseguidos (VIGEVANI, 1998, p. 78).
Logo após o fim do Regime Militar, para cujo declínio os sindicatos
contribuíram de modo importante, foi criado o PIT-CNT, que é continuidade da
histórica CNT e do PIT (Plenário Intersindical de Trabalhadores), um dos
principais pólos de oposição à ditadura. Coerente com a tradição unitária e
autonomista, o PIT-CNT representava união entre o passado e suas lutas de
resistência, fator que influenciou decisivamente não na mudança do nome
da central, mas também na pluralização de sua condução política. Dois fatores
provocaram transformações significativas no sindicalismo uruguaio: por um
lado, o fim da União Soviética e do socialismo real, que abalou a
preponderância do Partido Comunista e provocou uma crise ideológica; de
outro lado, a participação de Uruguai no Mercosul. Pode afirmar-se que
nenhum outro pais membro teve efeitos tão diretos sobre os sindicatos como
no Uruguai, acentuando, ainda mais o processo de desindustrialização iniciada
pelos militares e completada pelos governos posteriores. Esses dois fatores,
além de provocar desorientação conceitual, proporcionaram uma redução do
numero de sindicalizados (CASTRO; WACHENDORFER, 1998, p. 135).
2.2.3.4 Sindicalismo no Paraguai
A partir da situação gerada pela guerra do Chaco, entre Paraguai e
Bolívia, o governo liderado pelo Partido Liberal entrou em crises, sendo
substituído por um governo militar, em 1936. A partir de então, o Paraguai
conviveu por longos períodos com regimes militares, que apoiados na
poderosa classe de latifundiários, dominaram o Paraguai por boa parte do
século XX. Mesmo assim, em 1941, foi criada a Central Paraguaia de
Trabalhadores (CTP). Em 1947, essa Central foi substituída pela Confederação
56
Paraguaia dos Trabalhadores (CTP). A ditadura do General Stoessner (1955),
permitiu que a CTP continuasse existindo, mas sob liderança de seus
partidários. Em meados da década de 1980, começou a formar-se uma
oposição sindical bastante restrita, o Movimento Intersindical de Trabalhadores
(MIT), que passou a ter mais importância com a queda de Strossner, dando
lugar à Central Única de Trabalhadores (CUT). Posteriormente, foi criada a
Central Nacional de Trabalhadores (CNT), de orientação Cristã e com menor
atuação no meio sindical (CASTRO; WACHENDORFER, 1998, 136).
2.2.4 Mercosul, movimento sindical - marco institucional
Em relação ao último ponto, destacado por Vigevani - ou seja, de
igualização de direitos, de criação de um verdadeiro ―mercado comum‖ - é
necessário analisar o inconcluso e dificultoso processo de reconhecimento da
existência de uma dimensão social da integração. Esta dimensão se concretiza
institucionalmente através dos órgãos e normas laborais do Mercosul. Desta
forma, para compreender o marco de ação do Movimento Sindical
analisaremos alguns órgãos e legislações laborais - tomando como foco de
análises a dinâmica que se estabeleceu entre o movimento sindical e estas
instituições.
A partir da assinatura do Tratado de Assunção, produziram-se
importantes modificações nos vínculos regionais entre os sindicatos dos quatro
países do bloco. Em particular, este novo acordo se transformou num impulso
que reavivou os vínculos que mantinham as centrais nacionais agrupadas na
Coordenadora de Centrais Sindicais do Cone Sul (CCSCS).
Em relação às centrais, a CCSCS é um organismo de coordenação e
articulação das centrais sindicais dos países do Cone Sul, criada com o apoio
da Organização Regional Interamericana de Trabalhadores (ORIT), em 1986.
Seus objetivos, quando foi fundada, eram defender a democracia e os direitos
humanos, lutar contra as ditaduras civis-militares que ainda subsistiam na
região (Chile e Paraguai) e articular uma ação conjunta contra a dívida externa
e seus efeitos sobre as economias dos países do Cone Sul. Com a
57
consolidação do processo de integração, a Cordenadora - formada pelas
centrais sindicais da Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Paraguai e Uruguai - foi
desenvolvendo um programa de trabalho com temas de interesse comum e a
organização de algumas mobilizações.
17
Este é um ganho importante, levando
em conta as diferenças político-ideológicas entre as centrais sindicais nos
quatro países e a total ausência de experiências anteriores (PORTELA DE
CASTRO; WACHENDORFER, 1998, p. 133).
Desde suas origens, a postura da CCSCS com respeito à integração foi
de intensa oposição, por considerá-la contrária aos interesses dos
trabalhadores e própria dos grandes grupos econômicos. No entanto, com o
surgimento do Mercosul, se modificou o rumo destas posições - mesmo que se
mantivessem as críticas, por considerar o Mercosul como um acordo permeado
por políticas neoliberais e projetado por interesses de grandes empresas
transnacionais -, os integrantes da CCSCS começaram a manifestar a intenção
de disputar o modelo de integração desde o interior da estrutura institucional do
Mercosul. Criou-se, assim, a necessidade de reforçar os vínculos entre as
centrais da região frente a este novo ator institucional e introduzir a dimensão
social e trabalhista na estrutura orgânica do Mercosul (VEIGA, 1999 apud
BADARÓ, 2007, p. 8)
Desde o Tratado de Assunção até o presente, é possível constatar um
aumento da dimensão social do Mercosul, onde a atuação do movimento
sindical foi decisiva. O primeiro passo deste processo ocorreu com o envio de
um documento pela CCSCS aos ministros de trabalho dos países do Mercosul,
onde se solicitava a participação de organizações laborais nos distintos grupos
consultivos criados no Tratado de Assunção.
17
A primeira Reunião Pleria da CCSCS teve lugar na cidade de o Paulo, em dezembro de
1994, conforme previsto na reuno de presidentes de Ouro Preto. Na mesma participaram mais
de 200 sindicalistas. A Coordenadora organizou diferentes mobilizações. Entre elas podemos
destacar: a comemoração do 1 de maio em Montevidéu, em 1995; a manifestação, em dezembro
de 1997, na cidade de Fortaleza, coincidindo com a reunião dos presidentes do Mercosul; o ato do
1 de Maio na fronteira de Rivera Santana do Livramento (ato que contou coma presença de mais
de 10 mil manifestantes; a mobilização contra o Área de Livre Comercio das Américas (ALCA) na
cidade uruguaia de Paysandú.
58
Estas iniciativas influenciaram na criação dos organismos sócio-laborais
(OSL). A criação dos OSL do Mercosul não foi uma conseqüência clara e
consciente dos governos, mais foi uma resposta pouco sistemática à demanda
dos atores sociais no processo de integração (ROBLES, 2002, p.4).
O Tratado de Assunção não contemplava a existência de organismos
sócio-laborais. Originariamente o GMC se organizou com dez sub-grupos de
trabalho (SGT): 1) Assuntos comerciais; 2) aduaneiros; 3) normas técnicas; 4)
política fiscal; 5) transporte terrestre; 6) transporte marítimo; 7) política
industrial e tecnológica; 8) política agrária; 9) política energética; 10)
coordenação de políticas macro.
Em maio de 1991, a primeira reunião de Ministros de Trabalho do
Mercosul (RMT) propôs a CMC a criação de sub-grupos de trabalhos para o
estudo das questões sócio-laborais. No entanto, a proposta não foi considerada
e o Mercosul, no primeiro ano, permaneceu sem âmbitos sócio-laborais.
Posteriormente, algumas centrais sindicais expressaram sua decisão de
participar, assistindo aos SGT formados. Com o apoio da OIT, as principais
centrais do Cone Sul lograram unificar sua estratégia de participação no
Mercosul.
Em 12 de dezembro de 1991 reunir-se em Foz de Iguaçu, a CCSCS
com o RMT, no que constituiu o primeiro encontro formal do Movimento
Sindical com a estrutura orgânica do Mercosul. Nesta reunião, a CCSCS
propôs a criação do Sub-grupo 11 para a incorporação das problemáticas
sociais, com a participação das organizações sindicais. Como conseqüência
deste encontro, a GMC elaborou a resolução 11/91 criando o SGT11. O
mesmo se constituiu como um organismo estabelecido sobre um mecanismo
de construção de consensos sociais.
Desde que começou a funcionar, em 1992, até o Protocolo de Ouro
Preto (1994), o SGT11 foi o único organismo cio-laboral do Mercosul. Neste
período, os diferentes atores, realizaram os primeiros contatos, articulando
diferenças e coincidências. Neste grupo participaram, além das centrais
sindicais, setores do empresariado, ministros de trabalho e funcionários da
área trabalhista. Durante os primeiros três anos de trabalho, o SGT11 realizou
uma considerável quantidade de propostas e documentos que transbordaram a
temática sócio-laboral. Priorizando a atuação no SGT 11, a CCSCS apresentou
59
aos governos um projeto de Carta dos Direitos, como uma forma de garantir os
direitos iguais para os trabalhadores dos quatro paises. Nela, considerava a
livre circulação de trabalhadores no mercado integrado, tomando como base
um conjunto de Convenções da OIT e os melhores aspectos de cada legislação
(CASTRO; WACHENDORFER, 1998, p. 136).
O documento foi rejeitado tanto por empresários como por dirigentes do
setor governamental, sendo acusado de maximalista e por não se ajustar à
realidade. Além disso, muitos empresários se opuseram por considerar que
propostas presentes no documento implicavam no aumento dos custos
laborais. As bases sindicais tampouco expressaram interesse nesta proposta,
principalmente por causa da pouca difusão realizada pelos dirigentes dentro de
cada central e agremiação nacional (KLEIN, 2000 apud BADARÓ, 2000, p. 10).
As proposta sindicais também incluía as questões de emprego,
qualificação profissional, saúde, segurança no trabalho. Para Castro e
Wachendorfer (1998, p. 136), um dos fatores para a compreensão da rapidez
com que se construiu uma proposta dessa dimensão, radica em que, naquele
momento, não se apresentavam situações concretas de concorrência no setor
privado (empresários e sindicatos) e não se tinha governabilidade sobre as
decisões macroeconômicas e políticas do processo. Desta forma, no plano da
retórica política é mais fácil estabelecer um discurso de unidade. Outro fator
pode ser o temor dos sindicatos de que os governos estabelecessem uma
legislação trabalhista tomando como base os parâmetros mais baixos.
Nesse contexto, o sindicalismo passava a adotar uma agenda nova, com
temas que não faziam parte da história sindical recente. Neste sentido, temas
como políticas produtivas (industrial e agro-industrial) e a política do comércio
exterior. A formulação da ação sindical partia da idéia de que cada vez mais
esse tema estaria submetido a condicionamentos externos ao processo de
integração. As propostas sindicais foram muito amplas. Foram por propostas
sindicais que se realizaram alguns debates com segmentos empresariais;
principalmente do Brasil, com uma proposta de negociação de uma Tarifa
Externa Comum - TEC. No caso de Uruguai e Argentina, houve interesse de
alguns setores empresariais pela proposta do movimento sindical de uma
Reconvenção Produtiva.
60
Mas nenhuma das propostas foi aprovada pelo GMC, pois, das 291
resoluções adotadas pelo GMC, neste período, nenhuma provém do SGT11.
Porém, através deste espaço se geraram debates que possibilitaram o
surgimento do Foro Consultivo Econômico e Social (FCES)
18
e a Comissão
Parlamentaria Conjunta.
Em 1994, com o Protocolo de Ouro Preto, se produz uma modificação
dos órgãos do Mercosul, surgindo um novo órgão decisório: a Comissão de
Comércio Exterior do Mercosul (CCM). Paralelamente, se suspendeu o
funcionamento dos SGT, e muitas das tarefas que cumpria o STG11 foram
transferidas para os 10 comitês técnicos em que se organizou o CCM. Para a
participação da sociedade civil é proposta a criação do FCES. Em 1995, o
SG11 é reorganizado, mas com algumas reformas, passando a denominar-se
SGT10.
Neste período, os processos nacionais de reestruturação, flexibilização e
desemprego entraram em aceleração, colocando o sindicalismo numa atuação
mais defensiva. Este fato e a paralisação dos Grupos de Trabalho fragilizaram
o perfil da atuação da CCSCS, levando as organizações sindicais a priorizarem
mais os temas nacionais. Também nesse período aumentou a
interdependência comercial e tornaram-se mais visível as estratégias
comerciais e produtivas regionais de empresas transnacionais (automobilística,
agroindústria), situação propícia para o surgimento de tensões geradas pela
concorrência e o emprego. Mesmo assim, a coordenação sindical nunca
chegou a romper-se e nem suspendeu o processo de regionalização da ação
sindical.
Em 1997, pela primeira vez, uma recomendação do SGT10 (n 2/97) foi
aceita pelo GMC, que por sua a vez a elevou ao CMC, a fim de aprovar o
Acordo Multilateral de Seguridade Social do Mercado Comum do Sul e seu
Regulamento Administrativo.
A plenitude de normas laborais requer a vigência e eficácia de direitos
dos trabalhadores. Mas para que isto se concretize, são necessários a
consolidação de normas regionais (inter ou supranacionais) e mecanismos de
controle de sua aplicação. A vinculação das normas internacionais de trabalho
é um dos maiores problemas, pois não existe uniformidade na adesão às
18
Posteriormente, vamos analisar de forma pormenorizada este organismo.
61
convenções da OIT. Neste sentido, um dos maiores obstáculos apontados
pelas centrais sindicais situam-se em fatores associados à aplicação de tais
normas, pois a ratificação de convenções nem sempre se traduz no seu
cumprimento (CUT, 2000, p. 1).
A comissão Ad Hoc sobre a dimensão social do Mercosul foi um avanço
neste sentido. A mesma se reuniu por primeira vez de 29 a 31 de outubro de
1997 (decisão 19/97 N 1/97), a fim de tratar da natureza jurídica do instrumento
que devia construir a base do processo da dimensão social, acordando que a
mesma devia ter um caráter aberto e dinâmico.
Na mesma reunião acordou-se a temática básica do Protocolo
Sociolaboral. O mesmo trataria: sobre: a) direitos individuais das partes da
relação laboral; b) direitos coletivos das partes da relação laboral; c) emprego;
d) formação profissional; e) certificação ocupacional; f) saúde e seguridade
social; g) inspeção no trabalho e h) imigrações laborais.
Em relação aos mecanismos de aplicação e consecução deste
Protocolo, determinou-se que incluiria os seguintes itens: a) órgão tripartite; b)
colocação institucional; c) funcionamento regional e nacional; d) decisões por
consenso; e) atribuições e competências e f) ausência de caráter sancionatório.
Ao longo de 1997 e de 1998, a Comissão ad hoc continuou trabalhando
na elaboração do instrumento sobre a base de propostas de cada órgão de
representação tripartite (suas comissões).
Em 10 de dezembro de 1998, na cidade de Rio de Janeiro, foi aprovada
a Declaração Sociolaboral do Mercosul. Na mesma, dado o seu conteúdo,
pode ser considerada como o reconhecimento conjunto dos Presidentes dos
países membros dos direitos que assistem aos trabalhadores no contexto da
integração regional.
A Declaração Sociolaboral do Mercosul tem como subtítulo ―A dimensão
social do Mercosul‖ e considera os seguintes temas, que se propõem como
direitos fundamentais a serem assumidos pelos países: 1) Direitos Individuais:
Não-discriminação, Promoção da Igualdade, Trabalhadores migrantes e
fronteiriços, Eliminação do trabalho escravo, Trabalho Infantil e de menores,
Direito dos empregadores; 2) Direitos Coletivos: Liberdade de Associação,
Liberdade Sindical, Negociação Coletiva, Direito de Greve, Promoção e
desenvolvimento de procedimentos preventivos e de autocomposição de
62
conflitos e Diálogo Social; 3) Outros Direitos: Fomento do emprego, proteção
dos desempregados.
Segundo seus próprios termos, a Declaração Sociolaboral consolida os
progressos alcançados no processo de integração e serve de sustentação
para os avanços futuros e constantes no campo social, através do cumprimento
dos acordos com a OIT. Assim, proclama uma série de princípios e direitos na
área trabalhista. Neste sentido, ‗os Estados partes estão comprometidos com a
declarações, pactos, protocolos e outros tratados que integram o patrimônio
jurídico da humanidade. Esta conceituação é muito importante por dois
motivos. Primeiro, se vincula o caráter progressivo e aberto da declaração, que
tende a estender-se a outros direitos e princípios, além dos expressamente
previstos em sua articulação. Por outro lado, se geram dúvidas sobre sua
eficácia. Neste sentido, a declaração pode ser analisada, numa primeira leitura,
como mera proclamação de propósitos políticos, não vinculantes, sem
nenhuma eficácia jurídica. No entanto, se tivermos em conta sua recepção dos
grandes pactos e declarações de Direitos Humanos que integram o patrimônio
jurídico da humanidade, com o qual os Estados parte estão comprometidos e
com os quais a declaração se compromete, a declaração acentua a maior
interdependência como apontávamos no capítulo I . A interpretação de dar
máxima eficácia jurídica à declaração se acentua pela redação de alguns
preceitos, os quais admitem uma aplicação direta e imediata por operadores
jurídicos nacionais. Na declaração existem dois tipos de cláusulas: as
programáticas e as de aplicação direta e imediata, como as que reconhecem
ou garantem o direito efetivo ou proscrevem uma atitude (URIARTE, 2007, p.
15).
Entre as cláusulas de aplicação direta e imediata estariam as do direito
efetivo como, por exemplo, o primeiro parágrafo do Art. (que estabelece que
‗todo trabalhador tem garantida a igualdade efetiva de direitos. tratamentos e
oportunidades‘), o primeiro parágrafo do art. 2° (segundo o qual ‗as pessoas
com incapacidades físicas ou mentais serão tratadas de forma digna e não
discriminatória‘) e o primeiro parágrafo do art. 8° (sobre o direito de
trabalhadores e empregadores a construir ou afiliar-se às organizações que
estimem pertinentes). Estas disposições contém preceitos completos
suscetíveis de aplicação direta, pese que muitas vezes estão limitadas - em
63
sua extensão -, pela expressão ‗de conformidade com as legislações nacionais
vigentes‘ ou ‗de conformidade com a legislação e prática nacional‘. Entretanto,
se esta remissão pode limitar o conteúdo do direito reconhecido, não
obstaculiza sua eficácia em relação a sua aplicação imediata (ibidem).
Em segundo lugar, existem cláusulas programáticas, maior parte delas
com assunção de compromissos governamentais específicos. Este tipo de
cláusula não seria de aplicação direta ou imediata, entretanto, na medida em
que suponham obrigações concretas, não seriam dos Estados, criando a
possibilidade de acionar por responsabilidade dos mesmos, no caso de
omissão. Isto, no caso de que se reconhecerem as teses de que esta
Declaração, assim como os tratados, Pactos e Declarações de Direitos
Humanos com a que ela se funde, formam parte do Direito internacional
imperativo ou jus cogens. Ao mesmo tempo em que não se interpretaria como
uma mera enunciação de propósitos juridicamente não vinculantes e de
repercussões só éticas ou políticas.
2.2.5 Propostas da CCSCS
Como apontamos acima, a mudança dos governos dos países do
Mercosul, a priori, criou um cenário com uma correlação de forças favoráveis
ao aprofundamento do bloco e provocou uma nova e positiva perspectiva para
a integração. Isto se reflete em documentos como os gerados no ―Consenso de
Buenos Aires‖, no Acta de Copacabana e no Programa de Trabalho 2004/2006,
aprovado no final de 2003. Neste contexto, se geraram muitas expectativas
sobre os avanços que poderiam ser concretizados na Cumbre de Ouro Preto II,
em dezembro de 2004 - perspectiva que posteriormente não se confirmou.
No manifesto da CCSCS de Montevidéu, em 25 de fevereiro de 2004, se
realizam comentários críticos sobre O Mercosul depois de Ouro Preto: as
prioridades do movimento sindical, considerando as resoluções tomadas em
Ouro Preto II. Por um lado, os sindicalistas ressaltam como avanços
importantes, acontecido no plano interno, o lançamento do Fundo de
Convergência Estrutural do Mercosul; a aprovação da continuidade de
64
construção do Parlamento do Mercosul; a criação de um grupo de Trabalho de
Alto Nível para a adoção de uma Estratégia de Geração de Emprego no
Mercosul. Na sua análise, este Grupo derivou da Conferência Regional de
Emprego. No plano externo, é positivado a ampliação do Bloco na América do
Sul, com a adesão de Venezuela, da Colômbia e do Equador, considerados
como Estados Associados, junto a Chile, a Peru e a Bolívia, que haviam
aderido anteriormente; a criação da Comunidade Sul-Americana de Nações.
No entanto, as criticas se dirigem a temas, cujo balanço, em sua opinião,
indica resultados modestos, principalmente nos aspetos institucionais do
Mercosul e na política de complementação produtiva. O documento afirma que
até agora o houve mudanças na política monetária e macroeconômica
nacionais não sendo possível concretizar um projeto de verdadeiro Mercado
Comum e não havendo ―possibilidade de concretizar a formação de um bloco
forte, e com coesão interna, capaz de promover um novo modelo de
desenvolvimento econômico, produtivo e social, mantendo-se esta contradição
entre as opções políticas internas e o projeto de consolidar o Mercosul como a
base estratégica de inserção internacional de nossos países‖ (idem , p. 2).
Esses aspetos são básicos para superar as simples regas de associação
comercial e para alcançar uma estrutura institucional mais profunda, de caráter
supranacional, como a definição de uma política industrial comum, que inclua,
também, as pequenas e médias empresas, as cooperativas e a agricultura
familiar.
Em relação à integração produtiva e os fundos estruturais, a
Coordenadora pretende seguir pressionando pela comissão de
Desenvolvimento Produtivo e Infra-estrutura. No capitulo especifico de
emprego existe a proposta de criar um Comitê Permanente de Emprego, no
âmbito do Grupo de Trabalho de Alto Nível de Emprego sobre Emprego (idem,
p. 4).
2.2.6 Setores sindicais por atividade
65
Sobre a atuação sindical em diferentes setores da produção, se por um
lado pode se afirmar que tem grande dinamismo e maior nível de autonomia,
19
por outro, nesses setores, se geraram tensões e conflitos, pois os impactos do
Mercosul sobre as atividades produtivas não são homogêneos e,
freqüentemente, deixam como saldo ganhadores e perdedores. Portanto, se
analisamos ação sindical por setores encontramos respostas diversas.
Análises dos setores de atividade evidenciam a disparidade de
interesses das Centrais Sindicais. Sobre esta questão, Mariano Pasquariello,
observa um ponto de entrave para a ação sindical em nível regional:
(...) Outro fator que prejudicou a atuação sindical no Mercosul foi a
disparidade entre os interesses das centrais, que tiveram dificuldade
para formular objetivos comuns, porque às vezes o benefício de uma
delas significava fortes perdas para as demais. Um fato interessante
é que as discussões técnicas acirraram estas disputas ao
evidenciarem as diferenças entre os países e ao expor as
desvantagens de cada uma em relação a determinados temas
(PASQUARIELLO MARIANO, 2001, p. 269; apud WANDERLEY,
2002).
Nas ações sindicais, dentro dos setores de atividade, podemos
encontrar apelos à idéia de pertencimento à classe ou à Nação, onde estas
identidades muitas vezes entram em conflito. A estas tensões podemos somar
a aparição de alguns elementos xenófobos dentro do próprio movimento
muitas vezes gerada pela constante tendência à precarização e flexibilização
das relações laborais, que apontávamos anteriormente.
Neste sentido, em nível regional, sugiram algumas problemáticas de
trabalho em relação aos estrangeiros com atitudes de discriminação. No caso
do Uruguai existem casos de trabalhadores ilegais na construção civil, no
departamento de Maldonado, cujas condições de trabalho estavam
19
Os setores de atividade são destacados por Falero (2004, p. 37) como o de maior dinamismo
e de maior nível de autonomia. A partir destas considerações, o autor examina as
potencialidades e limitações do surgimento de uma ―sociedade civil regional‖. Entre as
potencialidades, destaca os contratos formais e informais que constroem articulações regionais
antes desconhecidas, isto é, realização de análises conjuntas de problemas comuns. Estas
novas iterações criam um espaço próprio com possibilidades de maior comunicação e com a
capacidade de estabelecer um sindicalismo mais ―horizontal‖ que pode incorporar outros
setores sociais. como limitações a ausência de uma reflexão autocrítica nas tendências à
burocratização e a diferenciação funcional de uma minoria sindical que conhece a temática
regional, mas que apresenta um distanciamento em relação ao restante dos setores sindicais.
Percebe, também, o alinhamento entre sindicatos e governos nacionais para a captação de
investimentos estrangeiros, criando uma tensão entre o pertencimento à classe social e o
pertencimento à Nação.
66
precarizadas em relação aos trabalhadores legalizados. Os problemas maiores
foram constatados na Argentina, ou mais especificamente Buenos Aires, onde
foram vistas atitudes xenófobas e racistas por parte dos trabalhadores
argentinos em relação aos trabalhadores peruanos e bolivianos (FALERO,
2004, p. 96)
Nos setores de atividade, onde existe concorrência, os conflitos se
intensificam. Neste sentido, um exemplo em relação à Confederação de
Caminhoneiros do Mercosul (CCM) é bastante elucidativo. Esta confederação
reúne motoristas de transporte de carga do Mercosul. O setor de transporte é
uma categoria onde as relações de comunicação regionais são intensas,
tratando-se de um setor que, por suas atividades, deve atravessar fronteiras
nacionais, utilizar outra língua e interagir com pessoas de outros paises. No
entanto, é um setor que propõem reforçar os limites nacionais, recorrendo a
medidas protecionistas.
As atividades dos motoristas foram diretamente influenciadas pelo
dinamismo do Mercosul, pois com o incremento do comércio intra-regional, as
atividades ligadas ao transporte regional foram intensificadas. A Confederação
se criou em 1997, motivada principalmente pelo interesse dos motoristas
argentinos, interessados em lutar contra os efeitos da assimetria que existiam
nas realidades laborais, empresariais e sindicais do setor de transporte de cada
pais. No entanto, este contexto não resultou numa ação conjunta ou de defesa
de interesses transnacionais. Pelo contrário, os motoristas argentinos
permanentemente denunciaram a concorrência desleal dos motoristas
estrangeiros‖ gerando manifestações que visavam o protecionismo nacionalista
(BADARÓ, 2000, p. 31).
Pode se afirmar que a condenação de ações por setores é muito
heterogênea. Existe um processo dinâmico, pautado por avanços e
retrocessos. A potencializarão é maior quando se visualizam problemas
comuns e, conseqüentemente, as demandas podem ser unificadas.
Como exemplo de união de ações, Badaró, aponta as ações dos
trabalhadores judiciais, agrupados regionalmente na Coordenadoria de
Trabalhadores do Cone Sul (CTJCS), entidade que realiza encontros
periodicamente desde 1998, publicam numa revista regional e realizam uma
grande quantidade de atividades conjuntas e de solidariedade em situações de
67
conflitos sindicais nacionais. O ponto de confluência é de matiz ideológico,
mais de que interesses setoriais imediatos: a necessidade de que uma
entidade regional permita, a partir da solidariedade regional, intentar deter o
avanço neoliberal sobre o Estado.
Os vínculos regionais que se estabelecem entre estes trabalhadores -
particularmente entre os de Argentina e Uruguai - se fundam na existência de
uma série de ideais e valores sindicais compartilhados: independência sindical,
latino-americanismo, antiliberalismo, rejeição as reformas estruturais
implantadas no início da década de 1990 por seus respectivos governos, etc.
Nas práticas dos trabalhadores judiciais aparece a utilização do espaço
regional, devido a que estes vínculos permitem aos dirigentes acumular maior
capacidade de pressão no âmbito nacional, ao mesmo tempo em que
contribuem para legitimar os espaços de poder dentro das organizações
sindicais nacionais. Ao articular suas alianças sobre a base de uma
solidariedade de classe, centrada na construção simbólica da identidade de
―trabalhador judicial‖, a região emerge como um espaço de aprendizagem
mútua onde convergem valores e projetos (BADARÓ, 2000, p. 37).
2.3 O Foro Consultivo Econômico e Social do Mercosul
O Foro Consultivo Econômico e Social (FCES) faz parte dos órgãos não
decisórios do Mercosul.
20
A criação do FCES foi prevista no Protocolo de Ouro
Preto, em 1994.
21
A sua primeira reunião plenária realizou-se na cidade de
Buenos Aires, em 1996. O regramento deste órgão lhe confere amplas funções
para promover a participação da sociedade civil e sua integração no processo
de construção do MERCOSUL, destacando a dimensão social do processo. O
FCES está organizado de acordo com Seções Nacionais, uma por cada país.
Cada seção Nacional deve ser integrada por três entidades partes,
20
Existem diferenças marcadas entre o Conselho Mercado Comum, o Grupo Mercado Comum
e a Comissão de Comércio do Mercosul, por um lado, e a Comissão Parlamentar Conjunta e o
Foro Consultivo Econômico Social, por outro. Os três primeiros são decisórios. No entanto, os
segundos não são consultivos. (HIRST, 1996, p. 6).
21
O regulamento do Foro esta disponível em http://www2.uol.com.br/actasoft/actamercosul/
espanhol/ata01.htm. Acesso em julho de 2007.
68
representativas dos setores empresarial e sindical e dos setores diversos
(outros segmentos da sociedade civil, ONGs, cooperativas, consumidores,
profissionais, etc.).
22
As seções têm autonomia para organizar-se internamente
de forma independente, de acordo com a estrutura de organização social de
cada país. Cada uma das quatro seções nacionais possui um regulamento
interno próprio. As organizações participantes do Foro devem ser
representativas e nacionais.
Cada Seção Nacional tem direito a nove representantes que participem
na Plenária do Foro, seu órgão superior. É necessária a paridade entre os
números de representantes de empresários e trabalhadores na Plenária. Não é
obrigatória, no entanto, a indicação de todos os nove representantes, estando a
Plenária composta, desta forma, por um máximo de 36 integrantes.
O regulamento do Foro garante ao órgão o direito de realizar as
recomendações enviadas ao Grupo Mercado Comum não apenas por
demanda deste último, mas também por iniciativa própria do FCES. As
mesmas podem referir-se tanto a questões internas do MERCOSUL quanto a
relação destes com outros países, organismos internacionais e outros
processos de integração. As recomendações enviadas por iniciativa própria
devem apresentar uma posição de consenso entre as quatro Seções
Nacionais. De forma distinta, uma recomendação enviada por demanda do
Grupo Mercado Comum deve conter todas as posições existentes entre as
organizações representadas no Foro. A necessidade de consenso tem como
conseqüência uma limitação de assuntos que podem ser tratados nas
22
Na Argentina, a seção nacional é constituída por: Câmara Argentina de Comércio - CAC,
União Industrial Argentina - UIA, Sociedade Rural Argentina - SRA, Associação de Defesa do
Consumidor - Adelco, Confederação Intercooperativa Agropecuária - Coninagro, Confederação
Cooperativa da República Argentina - CGT-RA e Central de Trabalhadores da Argentina-CTA.
No Brasil, é composta por: Confederação Nacional da Agricultura-CNA, Confederação Nacional
do Comércio - CNC, Confederação Nacional da Indústria - CNI, Confederação Nacional do
Transporte - CNT, Federação Nacional de Empresas de Seguro Privado e de Capitalização -
Fenaseg, Central Autônoma de Trabalhadores - CAT, Confederação Geral dos Trabalhadores
CGT-, CUT, Força Sindical, Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor - Idec, Federação
de Órgãos para Assistência Social e Educacional - Fase, Instituto Equit.
No Paraguai é formada por: Federação Paraguaia de Indústria e Comércio - Feprinco, União
Industrial Paraguaia - UIP, Associação Rural Paraguaia - ARP, Confederação Paraguaia de
Cooperativas - Conpacoop, - CNT -, CUT, Confederação Paraguaia de Trabalhadores - CPT e
Organização de Usuários e Consumidores do Paraguai - Asucoop.
A seção nacional do Uruguai é constituída por: Agrupamento Universitário do Uruguai - Audu,
Associação Nacional de Organizações Não Governamentais - Anong, Conselho Superior
Empresarial - Cosupem, Confederação Uruguaia de Entidades Cooperativas - Cudecoop e o
PIT-CNT.
69
plenárias. No entanto, o Foro representa um espaço onde é possível
harmonizar propostas integrando cada vez mais setores. Álvaro Padrón,
representante sindical uruguaio, faz referência aos efeitos produzidos pela
necessidade de consensos:
En el Foro no podemos hacer nada sin consenso (...) en una de las
últimas recomendaciones del Foro en materia de empleo no es la
que los sindicalista queríamos, ni la propuesta de los empresarios y
tampoco la que querían los sectores diversos. Fue la que permitió el
consenso. Y no es una recomendación mala ni poco profunda (...) si
aparecemos como sectores de la sociedad civil, va ser mucho mas
difícil influir...‖ (PADRÓN, 2002)
Uns dos problemas mais destacados pelos entrevistados relacionam-se
à falta de um orçamento para as atividades do FCES. Esta instituição não
possui recursos próprios que financie a participação dos representantes das
organizações nas reuniões da Plenária. Os custos de participação nas reuniões
são de responsabilidade das próprias organizações sociais, ou seja, aquelas
organizações que não possuam recursos suficientes para arcar com estas
despesas têm maiores dificuldades para tomar parte nestas discussões. Desta
forma, se afeta diretamente a participação da sociedade no Foro. O movimento
sindical a falta de recursos para financiar o Foro como um ―déficit
democrático‖. Fernando Berasain, representante sindical de Uruguai, analisa
como a falta de recursos afeta a participação:
El Foro consultivo es el único órgano de carácter privado que existe,
que no están los gobiernos, es le único que representa a la sociedad
civil (...) no hay ningún aporte ninguna ayuda, nada, de estructura de
Mercosur. Y esto creemos que va en déficit democrático, porque queda
muy librado a la fuerza económica de cada una de las organizaciones
(...) Yo te puedo generar el espacio, pero si vos no tenes posibilidad de
venir. Estamos convencidos que eso es un tema de déficit
democrático, entonces estamos tratando de cambiar la reprendatividad
y asumimos, por lo menos el sector de los trabajadores asume de que
el Foro Consultivo debería tener otra representatividad y cambiar la
relación en la estructura. Por que? ...Porque si no se da esa posibilidad
de tener algún financiamiento, y bueno, va llegar un momento no muy
lejano que nosotros no podamos participar (BERASAIN, 2007)
Em relação à visão de sociedade civil, os representantes
sindicais, destacam este espaço como gerador de dinâmicas democráticas. A
sociedade civil amplia o controle e participação e a representação da
sociedade. Assim se referem, os entrevistados, sobre o papel da sociedade
civil: ―Nosotros (como sociedade civil) tenemos la necessidad de controlar las
70
acciones del Estado (...) Lo otro, que es compartido, es lograr espacios de
participación. Control y participación...‖ Nelson Fernández, representante do
PIT-CNT, Também destacada a idéia de representação. A sociedade civil deve
ter representação para suprir o déficit democrático (FERNANDES, 2002, p. 51).
Podemos destacar como potencialidades ao surgimento de uma
―sociedade civil regional‖, os contratos formais e informais que constroem
articulações regionais antes desconhecidas, incluindo a realização de análises
conjuntas de problemas comuns, para a criação de um espaço próprio com
possibilidades de maior comunicação. Este sentido de aproximação e de
comunicação é destacado por Antonio Jará, da Central dos Trabalhadores
(CGT) de Argentina:
Os primeiros resultados positivos do Mercosul para nós foi ter
golpeado barreiras que muitas vezes tinham a ver mais com
suposições do que com realidade. O desconhecimento ou o pouco
conhecimento da CUT do Brasil, da Força Sindical, estavam mais
baseados em desconfianças e preconceitos do que em realidades.
De fato, temos como base ideologias diferentes, políticas diferentes,
culturas diferentes, práticas diferentes. Agora, no fundo, a substância
dos interesses que defendemos é idêntica. E creio que tivemos no
princípio a sorte de deixar de lado as coisas que estavam debaixo do
manto do preconceito e haver trabalhado as que o estavam. E isto
nos permitiu diminuir cada vez mais o preconceito. Até identificarmos
claramente quais são as nossas diferenças, e que essas diferenças
nos enriquecem a todos (ERTHAL, 2005, p. 15).
Um dato evidente em todas as entrevistas é a percepção generalizada
em relação à limitação a instrumentalização das demandas que impõem o
caráter ―consultivo‖ do Foro, que o Foro pode ter iniciativas para propor ao
Grupo Mercado Comum, mas este não tem a obrigatoriedade de analisá-las
Existe a percepção entre os entrevistados de que o Foro, em sua
estrutura atual não traz os resultados esperados para os participantes, na
medida em que as maiorias das recomendações encaminhadas ao GMC não
foram atendidas.
As organizações sindicais adotam uma estratégia de negociação direta,
no caso de assuntos que consideram importantes, devido à percepção de falta
de eficácia do Foro. As demandas dos setores da sociedade envolvidos no
FCES são encaminhadas aos governos do Mercosul por meio de múltiplos
canais, que muitas vezes se sobrepõem (ERTHAL, 2005, p. 16).
71
O movimento sindical enfrenta novos desafios ante a descentralização, a
transnacionalização, a fragmentação geográfica e social do processo do
trabalho Os novos espaços de atuação como o Foro Consultivo Econômico e
Social são alternativas para construir formas de resistência e de promover
transformações sociais. O FCES potencializa os contratos formais e informais
que constroem articulações regionais antes desconhecidas realizando análises
conjuntas de problemas comuns. Desta forma, se geram espaços para a
articulação de interesses comuns, que incluem a atuação do movimento
sindical junto a outros movimentos sociais.
3 O MERCOSUL COMO ESPAÇO DE ATUAÇÃO DOS NOVOS
MOVIMENTOS SOCIAIS
A ampliação, assim como uma maior flexibilidade para a participação do
FCES tem sido levantada constantemente por vários atores, particularmente os
do setor ―diversos‖. O debate sobre esta ampliação está permeado por várias
problemáticas, que de forma ampla, foram discutidas nos capítulos anteriores,
isto é, visões sobre sociedade civil e a presença de movimentos sociais com
demandas ―culturais‖ - com formas de atuação que tentam diferenciar-se dos
movimentos sociais ―tradicionais‖.
Quando observávamos os elementos que contribuíram para a
contemporânea valorização da sociedade civil (no capitulo I), destacávamos o
surgimento dos ―novos movimentos sociais‖. Nesta seção, em primeiro lugar,
analisaremos mais profundamente algumas das características dos mesmos
para compreender sua atuação no âmbito regional. Em segundo lugar,
apresentaremos uma breve problematização da relação existente entre os
movimentos sociais e surgimento das ONGs no Cone Sul - destacando as
tensões geradas pelas necessidade de financiamentos e a defesa de valores,
existente nestas organizações -, pois essa problemática está presente no
debate que discute a inserção destas organizações nas instituições do
Mercosul. Finalmente - tomando como foco de análise os discursos de
diferentes atores sociais em relação às instituições do Mercosul -
apresentamos diversas problemáticas. Para a interpretação dos depoimentos,
utilizamos como ―chaves hermenêuticas‖, os discursos sobre sociedade civil
apresentados no capítulo I.
3.1 Sobre os “Novos” Movimentos Sociais
Tradicionalmente, na América Latina, a participação democrática estava
centrada no sistema político. O Estado estava no centro e os atores orientavam
73
suas estratégias nesse nível - atores corporativos tradicionais - burguesia,
movimento operário, militares.
Neste sentido, alguns elementos histórico-estruturais comuns na
inserção internacional da América Latina criaram instâncias de conflito social
onde o Estado foi um ator central. Por exemplo, no começo do século XX, a
partir da cada de 1930, a crise do modelo agro-exportador deu lugar a
profundos processos de transformação econômica e social nos principais
países da região: a urbanização e as imigrações internas, a industrialização, o
desenvolvimento de grupos e classes baseados em interesses urbanos e seu
crescente interesse no rumo da política. Esses processos de transformação da
estrutura social não foram suaves e graduais, mas produto, ao mesmo tempo
origem, de enfrentamentos e conflitos sociais e políticos de importância. Em
todos eles, no entanto, se manifesta uma característica especial: uma forte e
precoce presença do Estado como ator social. Desta forma, resulta difícil falar
na América Latina em um Estado que somente reflete os conflitos sociais;
antes estamos ante um Estado que através de sua gestão tem um papel
determinante na própria conformação de interesses econômicos e dos atores
sócio-políticos (CALDERÓN; JELIN, 1987, p. 6).
O Estado, através de formas políticas denominadas populistas, muitas
vezes ―cooptava‖ movimentos sociais, através de partidos políticos. No entanto,
para os autores, a partir da década de 1970, surgem novas formas de
articulação de interesses e de agrupamentos que dirigem suas demandas ao
Estado, mas que não se canalizam através de partidos políticos - nos paises de
regimes ditatoriais da época, os partidos políticos tinham uma atuação muito
limitada. Esses movimentos podiam aparecer como expressões de oposição
política e como canais democratizadores. Muitas vezes, tratava-se de ações
coletivas com objetivos e demandas específicas limitadas a reivindicações
pontuais. Como, por exemplo, muitas ações de movimentos urbanos. Com o
processo de transição à democracia, na década de 1980, muitos movimentos
foram se institucionalizando, reconhecidos pelos governos como ―parceiros
nas tarefas vinculadas à expressão da demandas cidadãs e a idéia de terceiro
setor.
Nesta cada, surge a atuação do que foram denominados ―novos
movimentos sociais‖, com a proposta da construção de uma nova cultura
74
política de base Scherer-Warren (1987, p. 35). Os aspectos culturais dão forma
à organização e práxis dos movimentos, quando esta nova cultura realiza uma
critica ao centralismo burocrático, ao autoritarismo, ao dogmatismo
revolucionário presente nos movimentos ―tradicionais‖, contrapondo a estes
movimentos novos projetos para conquistas de autonomia individuais e
coletivas e que permitam a diversidade. O movimento cultural proveniente do
anarquismo foi de grande influência para os novos movimentos sociais.
Princípios tais como a democracia de base, livre organização, autogestão,
direito à diversidade e respeito à individualidade, identidade local e regional e a
noção de liberdade coletiva (idem, p. 38).
No entanto, os novos movimentos sociais surgem na Europa. Para
compreender sua atuação nos países da periferia, é necessário ter em conta as
peculiaridades estruturais, na conjuntura do capitalismo mundial
contemporâneo, onde estão inseridos. Os movimentos sociais latino-
americanos apresentam situações conjunturais que estão no bojo das
organizações populares. Portanto, do ponto de vista dos projetos e dos tipos de
reivindicações, uma identidade parcial entre os novos movimentos sociais
dos países da periferia e dos países centrais. Essa identidade encontra-se,
sobretudo, nos movimentos ecológicos, pacifistas e feministas.
Entretanto, em nossa análise, a separação entre ―tradicional‖ e o ―novo‖
é uma construção que atende a fins heurísticos. Os movimentos sociais
concretos se expressam de forma variada, onde características dos
movimentos ―tradicionais‖ e novos estão em constante interação.
3.2 Relação Entre ONGs e Movimentos Sociais
Pode afirmar-se que as assim chamadas ONGs internacionais, isto é,
organizações que defendem causas além das fronteiras nacionais, têm uma
gênese dentro das organizações e movimentos humanitários que começam no
século XIX. O movimento contra a escravidão do final do século XVIII e a Cruz
Vermelha no século XIX foram seguidas no século XX por organizações
75
voltadas, principalmente, a mitigar os efeitos da guerra ou das crises
humanitária (SORJ, 2005, p. 32).
Mas, a idéia atual de Organização Não-Governamental foi cunhada no
âmbito da Organização das Nações Unidas para nomear entidades do tipo
referidas, Associação Cristã de Moços AMC, Conselho Mundial de Igrejas,
Cruz Vermelha, entre outras. A estrutura legal, atualmente em vigor, foi
estabelecida em 1968, através da resolução 1296 do Conselho Econômico e
Social da ONU. De acordo com esta resolução, qualquer organização que não
tenha sido estabelecida por um acordo entre governos pertence à categoria
não-governamental. A mesma resolução ressalta que para obter o status de
consultivo, uma ONG deve ter objetivos que tenham consonâncias com as
ambições econômicas e sociais da ONU. Portanto, nem todas as organizações
obtêm esse status.
A partir de 1960, essa denominação foi incorporada pelas organizações
civis européias envolvidas na cooperação internacional para o
desenvolvimento. As ONGs européias passaram a apoiar a formação de ONGs
nos países em desenvolvimento, introduzindo uma atuação via projetos sociais.
Nas últimas décadas do século XX, as ONGs se multiplicaram e se
tornaram, em muitos casos, atores políticos na luta para estabelecer agendas
globalizadas.
A transformação das ONGs em atores políticos é geralmente
apresentada na bibliografia em três períodos: uma primeira fase, de orientação
filantrópica, até a década de 1960, seguida por outra, centrada no
desenvolvimento, nas décadas de 1970 e 1980, a fase atual, de denúncia da
globalização abarcando principalmente questões de direitos humanos, meio
ambiente, o papel das agências financeiras internacionais, barreiras
comerciais, patentes e códigos de conduta multinacionais (SORJ, 2005, p. 33).
Também é possível realizar uma classificação de ONGs tendo como
critério o impacto de sua ação. Neste sentido, Carvalho (1995, p. 16), aponta
três tipo de ONGs a) as de âmbito local; b) as de atuação nacional-regional e
regional-nacional; c) as de âmbito transnacional. Para a autora uma
interação entre estes âmbitos. Existem grupos locais cujo reflexo alcança o
âmbito internacional; ou organizações internacionais que focam assuntos de
uma única localidade; bem como organizações locais que têm reflexo no
76
próprio âmbito onde se formaram, desde que sua ação demonstre um interesse
humanitário.
Existe uma relação estreita entre atuação dos movimentos sociais na
década de 1970 e o surgimento das denominadas ONGs no Cone Sul , pois as
mesmas, - com o apoio de financiamento de fundações internacionais - surgem
como apoiadoras dos movimentos sociais. Desta forma, as organizações não-
governamentais aparecem fortemente vinculadas aos movimentos sociais
procurando sua maior organização e participação nas suas demandas,
reivindicações e lutas. Porém, com o advento dos regimes democráticos pós-
ditaduras, com a reiterada paulatina de agências financiadoras internacionais,
com o retorno à vida cívica dos partidos proscritos, muitos desses movimentos
começam a entrar em crise (GOHN, 1998, p. 25).
Posteriormente, as ONG ganham autonomia. Estas são vistas como
menos politizadas, mais empresariais, voltadas para o autofinanciamento ou
para procura de parceria no sentido de obter fundos, que lhes exige maior
eficiência. Ocorre uma mudança de caráter das ONG e movimentos sociais dos
70-80 para os 90. Os movimentos e as ONG a eles articuladas, desenvolvem
até final dos 80, uma estratégia de enfrentamento, negação, demanda e
pressão contra o Estado, entretanto nos anos 90 eles passam a incorporar um
comportamento de parceria de articulação com o Estado.
As parcerias exigiram uma nova profissionalização. As ONGs passaram
a atuar em diversos projetos sociais vinculados, principalmente, a temáticas
como desenvolvimento social e comunitário, defesa de direitos, combate à
pobreza e geração de renda, entre outros. Nos anos de 1990 houve um forte
crescimento desse segmento e grande diversificação - com a entrada em cena
de novas ONGs que se identificam mais com a denominação de terceiro setor.
Atualmente sob o rótulo de não-governamental abrigam-se os mais diversos
tipos de organizações.
Em contraste com a estreita relação existente entre as ONGs e os
movimentos sociais e associações comunitárias das décadas anteriores, as
novas entidades procuram desvincular sua atuação de conotações políticas.
Essas mudanças que vêm ocorrendo no associativismo sem fins lucrativos têm
sido produzidas tanto pelo surgimento de novas organizações quanto pela
reorganização das mais antigas, bem como pelas mudanças nas políticas
77
sociais dos estados nacionais, decorrentes da implementação de um novo
modelo de desenvolvimento que provocou uma desconcentração de várias
atividades estatais das áreas sociais, transferindo atividades para o setor
privado sem fins lucrativos.
A questão financeira é um dos nódulos principais da complexa relação
das organizações representantes de movimentos com o Estado. As ONGs
latino-americanas, numa primeira etapa de luta contra os governos autoritários,
foram financiadas por fundações internacionais. Em décadas recentes, a
importância do financiamento europeu para as ONGs latino-americanas
diminuiu. Também aumento o apoio do setor empresarial que, estimulados por
legislações e discursos da empresa socialmente responsável, aumentou
significativamente seu envolvimento em projetos sociais, bem como também o
financiamento de projetos governamentais.
É crescente a tensão gerada no discurso que prega a autonomia das
ONGs - que legitimam sua atuação numa sociedade civil separada do Estado e
do mercado e a dependência estrutural das relações econômicas e políticas.
Neste sentido, a busca de autonomia diante dos governos (―não-
governamentais‖) e do mercado choca de frente com a crescente necessidade
de recursos. As organizações, para sustentar-se, tendem a atuar pela lógica do
mercado. Algumas entidades têm buscado racionalizar custos e aumentar
recursos adotando métodos gerenciais das empresas lucrativas, procurando
com isso gerar lucro para a organização. Segundo Gohn (1997, p.125), esse
aspecto compromete a distinção que deveria existir entre uma ONG e uma
empresa prestadora de serviços.
O aporte de recursos proveniente do setor público implica um certo risco
para a autonomia das ONGs, pois os projetos que concorrem ao financiamento
são avaliados em função de prioridades definidas pelos órgãos
governamentais. Isso permite introduzir restrições na avaliação, as quais fazem
com que sejam aprovados apenas os projetos que não contrariem ou estejam
comprometidos com interesses partidários ou governamentais. Jerez e Revilla
destacam três tipos de efeitos gerados pela dependência financeira estatal: i)
incerteza enquanto a concessão de financiamentos e da parte que caberá a
entidade; ii) estímulo à concorrência entre as ONGs que atuam na mesma área
acerca da partilha de recursos geralmente escassos; iii) possibilidade de ser
78
estimulada uma cultura clientelística entre as entidades JEREZ REVILLA,
1997, apud COSTA, 2004, P.84) .
As conseqüências da dependência financeira são problematizadas nos
depoimentos dos entrevistados do setor diversos do Foro. Daniel Bentancur -
Presidente das Cooperativas do Mercosul - assim se refere sobre a mesma:
lo que hay que tener cuidado cuando uno depende en su
financiamiento de proyecto o dinero público, o de proyecto de
cooperación internacional, que es lo que pasa con la mayor parte de
las ONGs -que depende de las políticas de Estado que las financien o
de proyecto de cooperación internacional. Esas cosas son
efímeras...y generan una dinámica de dependencia de los mismo...
siempre vas a tener una tensión muy fuerte entre lo que quisieras
decir y lo que tenes condiciones para decir, sin que la fuente de
recursos no te vaya a generar algún tipo de problemática. Es así, he
trabajado muchos años en cooperación internacional y se que es
así...
Para Lilian Celiberti - integrante da Articulação Feminista do Mercosul e
ex-representante da ANONG no Foro - não é possível generalizar a passagem
a um estágio de ―gerenciamento‖ das ONGs, pois a figura jurídica
compreendida pelo termo ONG abrange organizações muito diversas, desde
entidades que politizam diversos temas aorganizações que simplesmente
vendem um serviço. O depoimento de Celiberti analisa a dificuldades presente
nesta generalização:
Creo que el propio concepto de ONG es un concepto foráneo porque
es la denominación de naciones unidas a unas diversidad de
organizaciones que son diferentes. Es decir nosotros creamos una
organización en función de un eje temático, que eran los derechos de
las mujeres que estaban muy poco presentes y en ese sentido varias
organizaciones se crearon de la misma manera que las compañeras
acá bastante después empezaron trabajar el tema de la violencia
domestica. Me parece que una cosa son las organizaciones que
promueven determinados temas como las ecologistas que politizan
un problema, un problema social que no es tomado por otros, que es
distinto... Para mi no se pude hablar en general de ese pasaje al
gerenciamiento, eso también se da porque hay una transformación
del mercado de empleo... (CELIBERTI, 2007)
Atualmente as ONGs m uma crescente influência nos processos
transnacionais, contribuindo para a maior interdependência das relações
internacionais. . Em termos numéricos isto se expressa na ampla participação
de delegados de ONGs nas ―conferências sociais globais‖, nas quais
79
manifestam sua atuação através dos fóruns paralelos, como adidos das
delegações oficiais ou como observadores nos eventos oficiais.
A influencia política que exercem estes atores pode dar-se em
diferentes planos, estatal, transnacional e supranacional. O plano
supranacional é o menos utilizado de todos. Essa deficiência não ocorre devido
ao fato de que as ONGs não tenham estratégias para este plano, mas por ser o
sistema supranacional o menos consolidados das relações internacionais -
como vimos não se pode confundir a tendência a formação de blocos regionais
com o surgimento de instituições supranacionais. Alem de algumas instituições
como a Corte Interamericana de Direitos Humanos só se pode falar numa única
experiência supranacional: a União Européia, na qual as decisões de seus
órgãos são obrigatórias devido a uma delegação anterior de competência dos
Estados à Comissão ou Conselho que compõe a União Européia (VILLA, 1999,
p. 27).
Como exemplo de interdependência da ação das ONGs com o sistema
supranacional, Villa aponta a proposta do Instituto Sindical Europeu de
introduzir no Tratado de Maastricht estatutos sociais trabalhistas, com vigência
supranacional - que enfrentam de alguma maneira as conseqüências
politicamente negativas da globalização.
Pode afirmar-se que as ONGs contribuem para a criação de consensos
em diferentes instituições internacionais. Sendo conscientes deste papel, as
ONGs estabelecem diferentes estratégias. No plano das estratégias podemos
destacar vários momentos. Numa primeira fase, os atores sociais
transnacionais têm como âmbito de atuação a sociedade nacional, onde se
destacam num papel de consciência critica de um problema de natureza
societal. À medida que os atores sociais percebem que aquilo que motiva sua
atuação nacional ultrapassa as fronteiras nacionais, estabelecem contatos
pessoais com organizações similares de outros países. Este momento permite
a criação de identidades coletivas globais a partir de organizações nacionais,
as quais passam a agir como subunidades transnacionais identificadas como
porta-vozes críticos.
O estabelecimento dessas identidades permite definir uma estratégia
coordenada que fixa métodos de ação e campos de atuação política. Os
métodos aparecem sob duas formas: a sensibilização da opinião pública, para
80
que se exerça uma pressão sobre os responsáveis pela decisão e execução de
projetos, e formas de ação direta nos próprios locais onde se desenvolvem
projetos (ibid, p. 29)
.
3.3 Ampliação do FCES
É consensual entre os entrevistados reclamar a participação de outros
atores no FCES. Quando se fala na ampliação do Foro, surge o problema da
representatividade. Durante o século XX, a representação das causas públicas
e o debate do espaço público foram canalizados através dos sindicatos e dos
partidos políticos. A atuação das ONGs em instituições públicas insere no
debate o novo fenômeno de representação sem delegação, ou autodelegação
sem representação. Como vimos acima, o financiamento das ONGs tem como
fonte recursos governamentais ou de fundações internacionais, ou seja, a
maioria das ONGs não se sustenta com no apoio direto do grupo da
comunidade ou grupo que dizem representar.
Daniel Bentancur, secretário executivo da Reunião Especializadas de
Cooperativas do Mercosul, assim se refere a problemáticas referentes a
ampliação a novas organizações e a legitimidade de sua representatividade:
En nuestra forma de ver, tendría que haber mayor amplitud, y mayor
flexibilidad para integrar nuevos sectores. No es fácil: porque muchas
veces resulta difícil poder saber hasta donde es representativa una
organización, hasta donde tiene seriedad e continuidad lo que realiza,
muchas veces hay sectores que prefieren trabajar exclusivamente en
forma de red y no quiere actuar bajo la óptica de la representación
(BENTANCUR, 2007)
Nos depoimentos dos representantes do setor diverso é muito comum
interpretar o Foro pautado por uma lógica sindical, onde os interesses deste
setor são os hegemônicos. Segundo esta perspectiva, as problemáticas ficam
reduzidas aos aspectos econômicos, pouco abertos a outros temas e outros
atores sem ter em conta os aspetos culturais. Ou seja, esta perspectiva aponta
alguns elementos gerados nos debates trazidos pelos novos movimentos
81
sociais. A entrevista com Lilian Celiberti é esclarecedora, em relação a esta
percepção:
Yo pienso que los actores que mas promovieron el Foro, que es la
Coordinadora de Centrales Sindicales, que de alguna manera a ellos
les importa, formar parte, digamos, del Foro Consultivo y tener ese
espacio. Para las organizaciones, para otras organizaciones, que nos
movemos con otro tipo de actividad, el foro es un concepto, o sea, es
un lugar donde no podes ampliar mas de las recomendaciones....la
verdad es que la integración, yo entiendo la lógica sindical, pero no es
la mía. Entonces yo quiero promover otra agenda. La educación, la de
Derechos Humanos, la de derecho al trabajo, pero en el sentido mas
social del termino. Entonces, a mi la verdad no me sirve, perder tiempo
en ese espacio.
Também é comum interpretar a ―lógica sindical‖ como muito redutora,
institucionalizada e relacionada com o poder econômico e político. Maria Julia
Aguerre, representante da ANONG no Foro, assim define a atuação do
movimento sindical:
El dirigente sindical clásico esta como muy matrizado para dialogar,
ellos dialogan confrontan, negocian solo con el poder - político e
económico - no importa con quien. Hasta por su propio lugar... y la
forma como ellos tienen que hacer las cosas, ellos siempre están
relacionados con el poder, se enfrentan negocian solo con el poder,
para dialogar, para enfrentarse. Pero sempre com el poder
económico y político.
A visão de que estrutura institucional do FCES - cita como exemplo a
Secção Nacional Uruguai, mas pode trasladar-se as outras secções, que tem o
predomínio do setor empresarial e sindical: quatro representantes do setor
sindical, quatro representantes do setor empresarial e um do setor diverso -
não reflete a complexidade desta nova sociedade civil presente nos
representantes do setor diversos do Foro. No depoimento de Daniel Bentancur
estão presentes alguns dos conceitos nas interpretações sobre a nova
sociedade civil. Ou seja, a sociedade civil como uma terceira esfera
diferenciada do campo estatal, como das do campo econômico, assim como
apontávamos no capitulo I. Bentancur analisa a estrutura do Foro e a nova
complexidade da sociedade civil com as seguintes considerações:
Pero el hecho de que se pensara 4, 4 y 1 demuestra que de alguna
forma fue una concepción de que hubiera otro sector, pero que se
seguía haciendo un analices - que nosotros entendemos, es un
analices totalmente fuera de contexto histórico - que es de que los
82
empresarios y los sindicatos como representantes del trabajo e del
capital, representan a la sociedad civil. Eso tiene que ver con una
época que ya no existe, que es la era industrial. Eso en la era
industrial eso era relativamente correcto inclusive esta recogido en
todos los organismos internacionales, en primer lugar la OIT, que
funciona de esa forma - el sector gubernamental y después los dos
sectores: capital e trabajo.
O processo de participação através do Foro é muita vezes comparado,
com o similar Conselho Econômico e Social da União Européia, destacando a
limitações do Foro local. No entanto, outras perspectivas vêem como um erro
tentar copiar moldes sem ter em conta as particularidades das sociedades
Latino-americanas. Bentancur destaca os aspectos negativos de copiar
modelos, sem ter em conta as particularidades locais.
Las sociedades civiles en Europa están esclerotizadas con
organizaciones rígidas burocratizadas... no se generan cosas nuevas.
Aquí si. Acá hay una generación permanente lo cual implica desafíos
muy importantes. En realidad lo que se da es que se esta tratando de
aplicar moldes e aplicar moldes como matrices pré-hechas....y eso es
lo que esta pasando en nuestros países, las matrices que se están
aplicando implican lo que se puedan hacer em esas matrices pré
fabricas, que lo que esta adentro de esas matices, entonces esa
contradicción hay que tener la suficiente inteligencia para manejarla.
En nuestra forma de ver tendría que tener mayor amplitud e mayor
flexibilidad para integrar nuevos sectores.
No entanto, existem diferenças de percepção em relação às
potencialidades deste espaço. Representantes do movimento sindical dão
primazia ao FCES, destacando como um avanço, comparado ao cenário dos
últimos dez anos, e apostam a modificação do mesmo: hay que hacerlo un
órgano vital, un órgano de major base social (...)lo que no queremos es dejarlo
librado, a cordinación de fuerzas que hoy nos favorecem‖ (BERASAIN, 2007).
Alvaro Padrón destaca a ―necesidad de procesar un cambio para su
fortalecimiento‖ Mudança que é ―es indispensable para el Foro ser visible
públicamente‖ (FALERO, 2000, p. 130).
Para compreender a percepção dos sindicalistas é necessário ter em
conta que o movimento sindical é o setor mais mobilizado e organizado. De
modo geral, as posições sindicais são definidas anteriormente entre os
trabalhadores dos quatros países do bloco, e levadas então para as discussões
dentro do das seções nacionais, em busca de consenso (ERTHAL, 2005, p.
83
16). Esta articulação é feita por meio da CCSCS, que acompanha o processo
de integração desde antes do Tratado de Assunção.
Entretanto, representantes de ONGs duvidam da possibilidade de uma
reformulação de objetivos do FCES. Destacam outros espaços ―com uma
institucionalidade diferente‖ para promover ―outra agenda‖ que integre a
participação de outros atores e outros temas. Estes espaços gerariam uma
integração a partir das próprias organizações. Neste sentido destaca a
reuniões especializadas.
23
A participação desses atores sociais se intensificou
através das cúpulas sociais do Mercosul, atividade convocada em parceria com
o Fórum Consultivo Econômico e Social, a Comissão Parlamentar Conjunta e a
Comissão de Representantes Permanentes do Mercosul. Lilian Celiberti,
destaca os novos espaços para a participação como canais para reformular os
objetivos do Foro:
Desde 2005 esta funcionando una iniciativa, se llama Somos
Mercosur que empieza a convocar a actores diversos. Se empiezan a
promover algunas cosas desde otros lugares. Entonces eso obligaría
al propio Foro reformular sus propios objetivos. Es como una
institución que quedó estancada, jugo su papel fundamental, porque
abrió una cuña a los actores sociales (CELIBERTI, 2007).
Em relação à visão da sociedade civil, os representantes de ONGs, da
mesma forma que os representantes sindicais, destacam este espaço como
controlador, de um Estado que muita vezes é visto como autoritário : ―si no
existira este tipo de organizaciónes (ONGs) quien monitorea la acción del
Estado? yo soy una actora politica desde la sociedad, y promuebo desde acá ,
23
As Reuniões Especializadas do Mercosul foram constituídas pelo CMC, a partir de 1991,
para discutir temas não incluídos nos Subgrupos de Trabalho. São órgãos auxiliares do GMC e
funcionam como espaços institucionais de diálogo político, que devem refletir os acordos sobre
os temas de sua competência, em recomendações adotadas por consenso, com
representantes de todos os países membros do bloco e de países associados. As
recomendações são levadas para a apreciação do GMC. As Reuniões são organizadas e
financiadas, assim como no caso do FCES, por meio de Seções Nacionais. Além disso,
algumas delas possuem grupos de trabalho (GT). Durante a etapa preparatória das
recomendações, contam com a participação de representantes da sociedade civil envolvidos
no tema da respectiva Reunião, tanto nas Sessões quanto nos GTs. Atualmente, estão em
funcionamento doze Reuniões Especializadas, são elas: Reunião Especializada da Agricultura
Familiar - REAF, Autoridades cinematográficas e audiovisuais do Mercosul - RECAM,
Autoridades de aplicação em matéria de Drogas, Prevenção de seu uso indevido e
Recuperação de dependentes - RED, Ciência e Tecnologia RECyT, Cooperativas - REC,
Defensores Públicos Especializados em Mercosul - REDPO, Juventude REJ, Mulher - REM,
Ministérios Públicos do Mercosul - REMPM, Organismos Governamentais de Controle Interno -
REOGCI, Promoção Comercial Conjunta do Mercosul - REPCCM, e Turismo - RET.
84
desde mi espacio com outra gente, abierta a outra organizaciones‖
(CELIBERTI, 2007).
Ao comparar a composição do Foro Consultivo com o ano 1997, pode-se
observar em sua composição novos atores da sociedade, como por exemplo:
setor de cooperativas e ONGs. Desta forma, o processo de integração
econômica tem se expandido, o que provoca uma reação dos afetados,
aumentando a participação e a preocupação na tomada de decisões do
processo. No entanto, a participação da sociedade civil é muito limitada no seu
poder de influir efetivamente nas decisões políticas.
Como ponto em comum tanto, dos representantes sindicais, e de ONGs
destacam este espaço como gerador de dinâmicas democráticas. A sociedade
civil amplia o controle, a participação e a representação da sociedade. As
entrevistas deixam claro que os atores sociais não estão interessados em
estabelecer formas alternativas de poder político ou em concorrer por ele. Mas
interessar-se-iam por orientar sua ação política de tal forma a estabelecer
consensos, ou de controlar externamente o Estado, em torno em sua atuação
resultante de sua interação nos processos de integração regional. Desta forma,
a visão de sociedade civil dos atores sociais aproximar-se-ia à ―sociedade civil
social‖ estabelecida por Nogueira (2003: p.192).
3.4 Regionalização e Novas Identidades
Para compreender os diversos significados presentes nas ações dos
atores sociais que atuam nos âmbitos institucionais do Mercosul temos que ter
em conta a importância do conceito de identidade, pois, este conceito é central
na análise dos novos movimentos sociais.
24
É recorrente interpretar os atores coletivos contemporâneos como
sujeitos que buscam afirmar seus interesses nas sociedades para construir
novas identidades, criar espaços democráticos tanto dentro da sociedade civil
24
Para Boaventura dos Santos (1997, p. 136) a preocupação com a identidade não é nova,
esta idéia nasce com a modernidade. Para o autor o primeiro nome moderno da identidade é a
subjetividade.
85
como do sistema político, para ação social autônoma e para reinterpretar
normas e reconfortar as instituições. No entanto, em nossa interpretação, não
pretendemos basear-nos exclusivamente nas análises puramente orientadas
na identidade, isto é, estudos centrados na autocompreensão ideológica dos
atores.
25
Hoje, é recorrente nos movimentos sociais expressões de identidades
coletivas que desafiam a globalização hegemônica. Estas expressões
fundamentam-se em algum tipo de singularidade cultural. As mesmas
encerram acepções múltiplas, são altamente diversificadas e seguem os
contornos pertinentes a cada cultura, bem como aos fatores históricos da
formação da identidade. Incorporam movimentos de tendência ativa, por
exemplo, o feminismo e o ambientalismo. Mas incluem uma gama de
movimentos reativos que utilizam categorias de existência humana de
resistência em defesa de Deus, da Nação, da etnia, da família e da região
(CASTELLS, 2006, p. 22).
3.4.1 A construção da identidade
A idéia de identidade, apresentada por Castells (2006, p. 22) remete a
um ―nós‖ como fonte de significado. Os atores sociais constroem interpretações
com base num atributo cultural, ou ainda num conjunto de atributos culturais
inter-relacionados, os quais prevalecem sobre outras formas de significado.
Para um determinado indivíduo ou um ator coletivo pode haver identidades
múltiplas. No entanto, essa pluralidade é fonte de tensão e contradição tanto na
auto-representação quanto na ação social. A diferença dos papéis sociais
que organizam funções -, as identidades organizam significados. Podemos
definir significados como a identificação simbólica, por parte de um ator social,
da finalidade da ação praticada por este ator.
25
Coincidimos com o argumento de Touraine, isto é, que a orientação cultural dos movimentos
não pode ser separada do conflito social. O autor afirma a objetividade do campo cultural
comum compartilhado pelos oponentes. Assim como os vários potenciais institucionais do
campo cultural compartido, e não a identidade simplesmente definida de um grupo em
particular (COHEN; ARATO, 2001, p. 573).
86
Desde o ponto de vista sociológico todas as identidades são
construídas. A questão radica como, a partir de quê, por que, e para que isso
acontece. A construção da identidade vale-se da matéria prima fornecida pela
história, geografia, biologia, instituições produtivas e reprodutivas, pela
memória coletiva, pelos aparatos de poder e revelações do mundo religioso.
Porem todos esse materiais são processados pelos indivíduos, grupos sociais
e sociedades que reorganizam seus significados em função de tendências
sociais e projetos culturais enraizados em sua estrutura social, bem como em
sua visão de espaço e tempo (idem, p. 23).
Castells construí uma tipologia classificatória de identidades:
1) identidades legitimadoras: introduzidas pelas instituições dominantes
da sociedade com a finalidade de racionalizar sua dominação em
relação aos atores sociais, se aplica a diversos tipos de nacionalismos;
2) identidade de resistência: criada por atores que se encontram em
posições e condições desvalorizadas ou estigmatizadas pela lógica da
dominação;
3) identidade de projeto: quando os atores sociais, utilizando-se de
qualquer tipo de material cultural ao alcance,constroem uma nova
identidade capaz de redefinir sua posição na sociedade e, ao faze-o
buscam a transformação de toda a estrutura social.
Na América Latina, a década de 1970 e inicio da década de 1980 foi
caracterizada por um período histórico de aparição de novos movimentos
sociais, com novas identidades coletivas. As mesmas foram construídas em
torno de significados múltiplos: carências comuns, defesa comunitária ou
cultural.
3.4.2 Identidade nacional
A formação do Mercosul se define como um processo de integração de
paises ou nações. As nacionalidades e os nacionalismos, as instituições
nacionais têm um papel fundamental. No projeto de integração a identidade
nacional (identidade legitimadora, segundo a classificação de Castells) é
87
particularmente resignificada - a identidade nacional, de alguma forma permeia
os discursos e significados dos diversos atores sociais -, pois na regionalização
existe a perspectiva da formação de uma identidade supranacional que
substitui ou se superpõem a uma identidade nacional.
As identidades e solidariedades nacionais foram, e ainda permanecem
muito influenciadas, pelas relações internacionais. Historicamente os processos
de construção de auto-identidades nacionais foram recíprocos, o que reafirma
a idéia de que a identidade nacional pode ser construída com relação à
consciência das diferenças, reais ou imaginárias, estendida a distância e do
contexto de ―encontros com outras nações, inclusive envolvendo violência
internacional com outros. Nisso reside a discriminação que o princípio de
nacionalidade necessariamente opera entre cidadãos de diferentes países,
entre o nacional e estrangeiro, entre o legítimo e legalmente de ‖dentro‖ e o de
―fora‖ (SCHOLTE, 1996; apud, GÓMEZ, 2000, p. 48).
A idéia de construção de identidade nacional e sua relação com o
Estado é muito controversa. Em relação a esse debate apresentamos duas
posições. Por um lado, a tese expressa em Nações e nacionalismo desde
1780, de Eric Hobsbawm. Nessa obra, o autor apresenta a idéia de Nação e de
nacionalismo atrelada à consolidação do Estado moderno, isto é, a Nação
como um projeto de Estado, como uma construção, como uma comunidade
imaginada. Para o autor, a Nação é parte de um período particular e
historicamente recente. Ela é uma entidade social apenas quando relacionada
a certa forma de Estado territorial moderno, o Estado-Nação (2002, p. 19). O
nacionalismo - que toma elementos de culturas pré-existentes, parte das bases
para o topo; a partir de atributos lingüísticos, territoriais, étnicos, religiosos, e
político-históricos compartilhados é denominado de ―protonacionalismo‖,
porquanto somente a partir da formação de um Estado-Nação é que as nações
e o nacionalismo passam a existir, seja como expressão desse Estado-Nação,
seja como forma de contestação desse Estado em função de um futuro Estado.
Manuel Castells esta teoria como incongruente com a experiência
prática cotidiana particularmente em relação à emergência de movimentos
nacionalistas neste final de milênio, fato que atribui ao enfraquecimento do
Estado-Nação. Para o sociólogo espanhol, o nacionalismo, bem como as
nações, têm vida própria, independentemente da condição do Estado, embora
88
estejam inseridos em ideários culturais e projetos políticos. Portanto, primeiro,
o nacionalismo contemporâneo pode ou não estar voltado para construção de
um Estado-Nação soberano e, portanto, as nações são tanto do ponto de vista
histórico como analítico, entidades independentes do Estado. Segundo, as
nações, bem como os Estados-Nação, não estão historicamente limitados ao
Estado-Nação moderno tal como constituído na Europa nos duzentos anos
após a Revolução Francesa. A experiência política atual parece rejeitar a idéia
do nacionalismo exclusivamente limitado ao período de formação do Estado-
Nação. Terceiro, o nacionalismo não é necessariamente um fenômeno de
elites, não raro refletindo até mesmo uma reação contra elites mundiais.
Quarto, em virtude do fato de o nacionalismo contemporâneo ser mais reativo
que ativo, tende a ser mais cultural que político, e, portanto, mais dirigido à
defesa da cultura já institucionalizada do que à construção ou defesa do Estado
(CASTELLS, 2002, p. 45-47).
3.4.3 As identidades nacionais e os processos de regionalização
Para os atores presentes no processo de integração tanto os de
―primeiro nível‖, como os de ―segundo nível‖, lembrando a classificação de Hirts
- encontramos um apelo à identidade regional. Esta ressalta a irmandade
essencial entre os povos, o processo histórico de integração, o destino comum,
os valores em comum dos países membros. Assim como também recurso a
uma identidade cultural e histórica em comum com ―profundas raíces históricas
y condiciones geopolíticas que contribuyen a señalar esse rumbo estratégico a
nuestros países‖,
26
ou seja, muitos dos elementos utilizados para a ―construção
das nações‖. Bentancur observa um processo profundo de integração -
legitimado ―en la história de nuestros pueblos‖ - diferente do processo
institucional:
No confundir el proceso institucional con el proceso histórico de
integración. El proceso histórico es algo que tiene tanto tiempo como
26
Texto produzido pelo Programa Mercosul Social e Solidário.
89
la historia de nuestros pueblos, con encuentros y desencuentros, pero
en los cuales particularmente las sociedades, y los actores sociales
tenemos un fuerte compromiso con eso, como proceso profundo...con
un proceso que tenga que ver con lo político, con lo social, con lo
económico, con lo cultural, etc.
Nos discursos do encontro oficial de presidentes de Brasil e Argentina
que deu lugar ao denominado ―Consenso de Buenos Aires‖, em 16 de outubro
de 2003, em relação ao processo de integração, os presidentes apelavam a
―valores comuns‖ ―(...) convicción de que el Mercosur no es sólo un bloque
comercial sino que constituye um espacio catalizador de valores, tradiciones y
futuro compartido(...)‖
Nas mesas de diálogo de qualquer categoria, quando o contexto é o
Mercosul, os atores se definem em termos de nacionalidade. A nacionalidade
legitima a presença. Assim, é recorrente o fato de que quando ocorrem
encontros sindicais ou acadêmicos, a nacionalidade se converte num dado de
preocupação, em relação à representatividade de cada um dos países.
A partir destas constatações, Elizabeth Jelin formula a seguinte hipótese:
o efeito do Mercosul é paradoxal: num nível, pois pensar a integração regional
implica, pese que não significa uma dissolução de fronteiras, afirmar o
reconhecimento de um plano de unidade na diversidade. Em outro nível, a
nacionalidade e a identidade nacional não estão presentes, mas também
reforçam os diálogos e as negociações regionais. Ao mesmo tempo em que se
tenta produzir um novo nós coletivo de alcance regional, se reafirmam as
identificações parciais, nacionais, que reforçam as identificações entre um
eu/nós e os ―outros‖, nacionais de outros países.
3.4 4 Novas identidades
O processo de intensificação dos fluxos transnacionais das esferas
nacional e internacional (capital, comércio, tecnologia, informação e cultura)
estreita os vínculos dos movimentos sociais. Os discursos universalistas de
direitos humanos, o avanço consumista do capitalista global, os efeitos da
90
hibridização cultural e os problemas crescentes de insegurança ligam sentidos
e ações de diversos atores sociais. Desta forma, as experiências de
proximidade e de conexão social alteram-se, modificando as identidades
territoriais tradicionais baseadas na contigüidade, relativas homogeneidades e
limites claramente identificáveis como os formados a partir da idéia de Nação.
Isto não significa que antes da intensificação da globalização as nações
fossem entidades homogêneas, com capacidade efetiva de suprimir toda
identidade coletiva e sub ou supranacional.
27
Também, não significa que a
identidade nacional deixou de ser importante na atualidade, ou que ficou
absorvida por uma nova homogeneização de alcance global. Simplesmente o
que se afirma é que a identidade nacional é mais uma entre tantas identidades
que os povos hoje constroem. Isto quer dizer que a identificação com a Nação
pode ser mais forte ou mais fraca; mas ao mesmo tempo, significa também que
outras identidades, como por exemplo, de gênero, étnica, classe social,
preferência sexual, que não estão enraizadas no apego a um território, estão
constantemente ativadas (GÓMEZ, 2000, p. 65).
Desta forma, os processos de globalização resignificam as identidades
coletivas baseadas em concepções territoriais do ―nós‖ e dos ―outros‖, ao
mesmo tempo em que desencadeiam uma dinâmica de diferenciação em torno
e para alem do princípio de nacionalidade.
3.5 Redes de Movimentos Sociais e o Novo Campo de Atuação Regional
A pluralidade de identidades modifica o acionar das lutas dos
movimentos sociais, sendo que as mesmas incluem uma ampla gama de
dimensões. As redes de movimentos sociais - formadas em relação à
identificação em torno de valores têm a possibilidade de aproximar diferentes
tipos de organizações, possibilitando o dialogo de interesses e valores. Ainda
que este diálogo não se apresente livre de conflitos, o encontro e confronto das
reivindicações e lutas referentes a diversos aspectos de cidadania vêm
27
Muitos exemplos históricos assim o demonstram. Por exemplo, as expressões sóciopolíticos,
tanto localista quanto internacionalistas ou universalistas, de classe, religião.
91
permitindo aos movimentos sociais passarem da defesa de um sujeito
identitário único a defesa de um sujeito plural, onde convergem diferentes
valores de forma transversal.
Existem espaços privilegiados onde os movimentos ampliam suas
oportunidades políticas e reflexivas para as articulações em redes. Por
exemplo, os Fóruns transnacionais como o Fórum Social Mundial e a Cúpula
dos Povos da América. Em nível de Mercosul podemos destacar os
organismos a seguir.
3.5.1 O Programa Mercosul Social Solidário
O programa se constituiu sobre a base de um grupo de Organizações
Não-Governamentais para o Desenvolvimento (ONGD), formado desde 1996
na Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai, com o apoio do Comité
Catholique contre la faim et le développent (CCFD). Em 2002, com o apoio do
CCFD e da União Européia (EU) se constitui o Programa, sendo que este
focaliza suas ações expressamente no âmbito do Mercosul. Hoje, participam
deste programa cerca de 200 organizações. O programa ―aspira a um Mercosul
diferente, forjado a partir da participação ativa da cidadania, de sua incidência e
seu protagonismo‖... para superar a visão comercial que orientou sua evolução
inicial, que situe aos povos, em seus direitos e reivindicações no centro do
processo regional‖.
28
O programa no Mercosul um espaço para a
participação cidadã, promovendo projetos locais e setoriais de pequenas
organização com múltiplas temáticas. Maria Julia Aguerre define os objetivos
do Programa:
queremos hacer visibles las experiencias (das pequenas
organizações) darles su lugar, que ellos tengan voz, capacitarlos
para discutir políticamente, por cuestiones nacionales por el
Mercosur. En el programa, la mayoria de ellos, por primera vez han
salido de su barrio… han viajado al exterior.
28
Texto produzido pelo programa, no portal www.mercosursocialsolidario.org. janeiro 2008.
92
Para Aguerre, o Programa tem facilitado a emergência de novos atores
instituídos como redes em relação a temas setoriais como, por exemplo: o Foro
de Mulheres do Mercosul, o Programa PROLIDES, o Encontro de Fundações
do Mercosul, a Rede de Organizações Sociais e Comunitárias do Mercosul, a
Rede de Consumidores do Mercosul, a Coordenadora de Produtores
Familiares do Mercosul, a Coordenadora de Educadores de América, Região
Sul.
3.5.2 O Programa Somos Mercosul
A participação da sociedade civil tem sido incentivada a partir dos
governos, sobretudo desde a ―Nova Agenda de Trabalho‖ do Plano 2004-2006.
Neste sentido, destaca-se a iniciativa Somos Mercosul. Este projeto partiu da
presidência uruguaia no segundo semestre do 2005. O Presidente Tabaré
Vázquez apresentou - na Cumbre do Mercosul, em junho de 2005 SOMOS
MERCOSUL como uma proposta política integral sobre o processo regional,
que tem por objetivo gerar a participação da cidadania no processo de
integração regional, gerando novos espaços para que a sociedade civil e os
governos locais possam debater, formular demandas e participar dos
processos decisórios. O Presidente Vázquez destaca a importância da
participação da sociedade civil no projeto de integração, assim como a
construção de identidades e subjetividades supranacionais
El especial momento político que está viviendo el Mercosur amerita,
hoy más que nunca, que avancemos también en la integración
cultural y en la integración de los ciudadanos de la región. Esta
dimensión de la integración requiere de la construcción de
subjetividades e identidades supranacionales (...) atrás deberán
quedar intereses corporativos o rivalidades secundarias que hoy
están latentes en las sociedades de nuestros países (...) Es tiempo de
avanzar en la construcción del Mercosur ciudadano, ya que será ese
el espacio democrático donde trabajosamente seguiremos
construyendo nuestros acuerdos. Debemos asumir que todos
SOMOS MERCOSUR, y que de todos nosotros depende el éxito de
este formidable proyecto político.
93
3.5.3 pulas Social do Mercosul
A Cúpulas Social do Mercosul é uma iniciativa ligada ao Programa
SOMOS MERCOSUL. A mesma foi promovida na presidência pro tempore de
Brasil, com o objetivo de ampliar e fortalecer a participação cidadã no processo
de integração regional.
A primeira Cumbre Social ocorreu, em dezembro do 2006, em Brasília,
da qual participaram mais de 500 pessoas, foi realizada por mais de 30
organizações sociais, culturais, econômicas, políticas, sindicais e estudantis. O
encontro teve como objetivos reafirmar a Agenda Social surgida do I Encontro
por um Mercosul Produtivo e Solidario, realizado em julho de 2006, em
Córdoba, Argentina; propondo uma agenda meio-ambiental para o bloco;
buscando influir na agenda política regional, mediante a capacitação de uma
cidadania mercosulina.
Assim, através dessas articulações em rede de movimentos observa-se
o debate de temas transversais, relacionados a várias faces da exclusão social,
e a demanda de novos direitos. A transversalidade dos direitos tem uma
referência organizada na plataforma da DHESCA (direitos humanos,
econômicos, sociais, culturais e ambientais), a qual defende a indivisibilidade
dos direitos. Essa referência reflete o crescimento da presença de sujeitos e
redes.
Esta transversalidade na demanda por direitos implica o alargamento da
concepção de direitos humanos e a ampliação das mobilizações. As lutas dos
movimentos e suas temáticas se reforçam mutuamente - movimentos que
lutam contra o racismo, o sexismo, a xenofobia, a homofonia, o colonialismo, o
imperialismo, o trabalho forçado, demonstrando que, em todas essas formas,
estão presente diferentes formas de militância.
Para Ilse Scherer-Warren (2006, p. 120) a militância não perdeu fôlego,
mas existe uma mudança em sua forma de ação. A militância que se
autodefinia como revolucionária diminuiu. No entanto, há outro tipo de ativismo,
que se expressa nos valores de democracia e da solidariedade da cooperação
e que vem crescendo nos últimos anos. O ativismo de hoje tende a orientar-se
94
por um conjunto de ações que tem como objetos os mais excluídos, os mais
discriminados e os mais carentes, atuando em forma de rede.
Estas redes de movimentos sociais possibilitam a transposição das
seguintes fronteiras: i) territoriais; articulando as ações locais às regionais,
nacionais e transnacionais; ii) temporais, lutando pela indivisibilidade de direitos
humanos; iii) sociais, em seu sentido amplo, compreendendo o pluralismo de
concepções de mundo dentro de determinados limites éticos (SCHERER-
WARREN, 2006, p. 227).
Esta nova militância esta presente no espaço institucional do Mercosul.
A seguir destacamos dois movimento sociais onde o espaço Mercosul
intensificou suas ações.
3.5.4 Movimento de mulheres no Mercosul
Os feminismos Latino-americanos começaram a desenvolver-se com
mais intensidade desde fins da década de 1970, generalizando-se durante os
anos 80 em toda a região. Seu surgimento realizou-se de forma paralela a
expansão de um amplo e heterogêneo movimento de mulheres, que
expressavam as diferentes formas que as mulheres começavam a se articular.
Dentro dessa heterogeneidade, Virginia Vargas (2001, p. 151) identifica três
vertentes que expressam formas específicas nas quais as mulheres
construíram identidades, interesse e propostas: a vertente feminista, que iniciou
um processo de questionamento de sua situação como mulheres,
questionamento que se estende a luta por mudar as condições de exclusão e
subordinação; a vertente de mulheres urbanas populares, que iniciaram sua
atuação no espaço público, através da politização de seus papéis tradicionais
confrontando-os e ampliando seus conteúdos; a vertente de mulheres que
participam dos espaços mais ―tradicionais‖ de participação política, como os
partidos, os sindicatos, que começaram por sua vez um processo de
questionamento no interior destes espaços.
95
Estas vertentes se multiplicam em muitos outros espaços na cada de
1990. Cada um delas foi desenvolvendo suas próprias dinâmicas de inter-
relação e confrontação, perfilando interesses diversos, muitas vezes
contraditórios, mas com muitos pontos de interseção. A pluralidade de
processos se foi desenvolvendo com diversas estratégias, respondendo aos
contextos específicos em que se inseriam.
Também nesta cada os movimentos feministas de América Latina se
―globalizam‖ ou ―transnacionalizam‖. As análises acadêmicas atribuem esse
processo à crescente participação de setores expressivos dos movimentos
feministas nas esferas hegemônicas da política internacional, em particular as
conferências e cúpulas mundiais promovidas pelo sistema de Nações Unidas
decorrente desse período. A inclusão de muitas feministas nesses espaços
oficiais teve um impacto marcante nos feminismos Latino-americanos.
No entanto, desde 1980 as feministas latino-americanas vêm tramando
redes de militância e advocacy, tecendo laços político-pessoais e constituindo
identidades e solidariedades regionais através dos encontros feministas da
América-Latina e do Caribe. Esses eventos têm ocorrido cada dois ou três anos
desde 1981. Os encontros Latino-americanos realizados periodicamente em
vários dos paises da região são lugares de dialogo, negociação e conflito,
formando uma espécie de palco supranacional, onde as questões chaves para
as feministas latino-americanas são encenadas debatidas e reformuladas
(ALVARES, 2003. p. 533).
O desenvolvimento de acordos formais e de grupos de trabalho
vinculados ao Mercosul não esteve na agenda do Movimento de Mulheres de
forma direta até muito pouco tempo. As iniciativas de introduzir o Mercosul
como referência no Movimento de Mulheres começaram com as mulheres do
movimento sindical. As mulheres sindicalistas dos países do Bloco têm militado
a favor do reconhecimento dos direitos das mulheres trabalhadoras e
promovendo ações para prevenir práticas discriminatórias e de segregação de
gênero. As demandas de um espaço para as mulheres no Mercosul não foram
uma iniciativa do Movimento de Mulheres, sendo mais o resultado da ação de
um grupo elitista dos quatro países. Foram mulheres que ocupavam postos
governamentais e empresariais, mulheres de partidos políticos e
parlamentares, com acesso direto aos níveis mais altos de tomada de decisões
96
políticas que criaram o Fórum de Mulheres do Mercosul. Desde esse momento
começaram a organizar reuniões anuais e a pressionar às autoridades com o
objetivo de ter o reconhecimento institucional e formal de sua organização
dentro da estrutura do Mercosul (JELIN, 2002, p. 260).
A consolidadação do espaço institucional ocorreu em 1998, quando o
Grupo Mercado Comum resolveu a criação da Reunião Especializada da
Mulher
O Mercosul institucional, suas reuniões, estrutura e conflitos, bem como
as negociações, é um campo específico para atuação do Movimento de
Mulheres, e começou a funcionar como um novo ―marco‖ para as atividades -
diálogos, encontros e conflitos.
3.5.5. O Movimento Cooperativo do Mercosul
Outro movimento social importante na região é o Movimento
Cooperativo. Desde 1998 os Movimentos Cooperativos da região,
representados por suas confederações nacionais (CUDECOOP do Uruguai,
COOPACOOP Paraguai, CONINAGRO e COOPERAR da Argentina, OCB de
Brasil) se têm inserido progressivamente no processo de integração através de
suas participações no FCES. A partir da X Reunião Plenária do FCES, em julho
de 1999, e por acordo expresso dos Movimentos Cooperativos se exprimiram
em comum como Grupo Técnico de Enlace das Cooperativas do Mercosul.
Os Estados que fazem parte do Mercosul têm reconhecido e promovido,
mediante legislação nacional específica, as atividades das cooperativas.
Os organismos governamentais nacionais, com responsabilidade na
matéria, começaram a atuar na coordenação com o Grupo Técnico de Enlace,
buscando visualizar áreas de trabalho comuns relacionadas à integração dos
Sistemas Cooperativos no processo de integração regional. Neste sentido, se
realizaram três encontros de Organismos Governamentais Nacionais e
Confederações de Cooperativas do Mercosul: o primeiro se realizou na cidade
de Buenos Aires, em junho de 2000; o segundo em Rio de Janeiro, em
dezembro de 2000, no marco do encontro do cooperativismo mundial
97
RIOCOOP 2000 e; o terceiro foi realizado na cidade de Assunção, em março
de 2001.
Buscando institucionalizar este espaço dentro da estrutura formal do
Mercosul, através do FCES se manifestou a proposta ao GMC de criação da
Reunião Especializada de Cooperativas (RECM). Em outubro de 2001, o GMC
aprovou a criação deste organismo.
As ações do movimento cooperativo, no plano regional, se têm
intensificado nos últimos anos. Através de diversos acordos intercooperativos
se estão promovendo atividades de transferência tecnológicas e intercâmbios
de experiência de setores produtivos e de serviços
Por outro lado, a RECM e o Comitê de Coordenação de Associações
Cooperativas Européias (CCACE) em acordo com a Aliança Cooperativa
Internacional (ACI), tem influenciado sobre os governos de Europa e da
América Latina nas discussões que as Cumbres de Presidentes e de Governo
da União Européia, América Latina e o Caribe, no sentido de promover as
Cooperativas e a Economia Social.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A convivência cada vez mais problemática que o contexto de
transformações econômicas em curso englobadas no ambíguo fenômeno
denominado globalização - gera na esfera de poder do Estado-Nação, justificou
a primeira parte de nossa dissertação. Pois o surgimento do fenômeno de uma
sociedade civil transnacional, global ou regional tem como marco este cenário
amplo de transformações econômicas e políticas mundiais, sendo este o
espaço onde atuam os atores sociais do Mercosul. Portanto, no capitulo I,
visamos avaliar, nos aspetos mais gerais, de que forma o processo denominado
globalização afetou a estrutura interna e externa do Estado-Nação.
Vimos que as novas condições da produção e do comercio e das
finanças ―capitalismo desorganizado‖ o apresentadas pelos apologistas‖
da globalização como um processo inexorável, onde os mercados são
ingovernáveis e os Estados são impotentes, onde as relações econômicas são
totalmente incertas e imprevisíveis. Estes princípios foram rebatidos. Neste
sentido apresentamos a idéia de que, a globalização é um processo múltiplo,
sendo um tipo de globalização a dominante, isto é, a globalização neoliberal.
Os Estados continuam sendo peças essenciais para o funcionamento da
economia mundial. Também existem diferenças notáveis nas situações
econômicas nacionais e internacionais dos diversos paises. Sendo que nos
paises centrais as faculdades de decretar ou proibir monopólios, ou criar cotas
continuam intactas. São esses mesmos Estados os que têm um papel
fundamental na criação de condições para uma governabilidade internacional.
Em outras palavras, os governos não perderam completamente sua
capacidade de optar em matéria de política econômica e de definir suas
prioridades nos projetos de sociedade. Os mercados sozinhos não podem
suprir a interconexão e coordenação. Os poderes governantes (internacional,
nacional e regional) precisam ser articulados em um sistema relativamente bem
integrado (HIRST; THOMPSON, 1998, p. 284).
Concluímos que as tendências acima referidas, não enfraquecem o
Estado em geral, mas certas conquistas históricas de setores dominados o
―Estado ampliado‖, parafraseando Gramsci -, e certas práticas de autonomia
99
e de responsabilidade identificados tradicionalmente com a idéia de
autogoverno.
As transformações do Estado foram um dos elementos que contribuiu
para o fenômeno contemporâneo da valorização da sociedade civil
valorização a partir de diferentes discursos: acadêmicos e/ou doutrinas
políticas, muitas vezes antagônicas. Neste sentido, observamos como o uso
polissêmico, deste conceito clássico da ciência social, é produto da
contraditória convergência de diferentes tradições políticas. Esta confluência,
em torno da reivindicação de um principio, é possível devido a que os
paradigmas que sustentam as teorias da democracia social e política,
encontram-se hoje em meio a um intenso processo de reconstrução. .
Com o fenômeno da crescente influência dos ―atores sociais
secundários‖ na arena internacional e a revolução tecnológica nos meios de
comunicação, a idéia de sociedade civil global aparece como uma resposta
democratizante, como uma forma de conceituar o fenômeno da crescente
atuação de atores não estatais em âmbito internacional e global.
Ao intensificar-se a inter-relação entre as esferas nacional e mundial se
aprofundam as relações entre movimentos sociais locais e mundiais,
provocando identidades em âmbito internacional. As ligações estabelecidas
através de redes transnacionais proporcionam aos atores locais acessos,
influência e informações utilizáveis para pressionar, desde fora, os órgãos
governamentais e não-governamentais relevantes. Frente a globalização
neoliberal ―desde cima‖ caracterizada pelo domínio de empresas
transnacionais, governos e diferentes elites de cada pais, surge uma
―globalização desde abaixo‖ surgida da profundização de vínculos de redes de
movimentos sociais, formadas pelo conjunto dos sujeitos e formas de
organização, tais como ocorre com os movimentos ambientalista, feminista, de
Direitos Humanos. Nestas redes predominam identificações de sujeitos sociais
em torno de valores (SCHERER-WARREN, 2007, p. 151).
No processo de constituição de regiões integradas constituem-se
dinâmicas que estimulam a atuação de atores transnacionais criando novas
estruturas de oportunidades para a ação coletiva. A integração regional gera
novos espaços para a atuação da sociedade civil em espaços societais
transnacionais.
100
A criação do Mercosul, em 1991, como um processo intergovernamental
visava estimular novas oportunidades de comércio e investimentos, e desta
forma, melhorar a competitividade internacional de seus sócios. Esses acordos
excluíam, qualquer a participação dos atores sociais secundários. A partir do
Tratado de Ouro Preto, em 1994, se estabeleceram os primórdios de uma
estrutura institucional para a constituição de um ―Mercosul social‖. A criação de
mecanismos de participação, representação e mediação entre as sociedades e
seus grupos junto a uma institucionalidade regional, acentuam os contatos
regionais entre diversos atores da sociedade civil.
Nossa interpretação de acionar atores sociais do Mercosul, coincidem
com as observações realizadas por DE SIERRA (2001 p. 15), no sentido de
que a participação de atores da sociedade civil gera um novo espaço de
pertencimento tanto simbólico como material. Este fato pode ser visto como
meramente formal ou ―oportunista‖. Mas incluso nestes casos não deixa de ir
contribuindo à criação de um tecido que não preexistia, que de alguma forma
se incorpora à realidade emergente, e como tal devera ser tido em conta cada
vez mais tanto pelos que decidem, como pelos analistas do processo.
As atuais tendências de desregulamentação e flexibilização, do mundo
do trabalho, têm atingindo duramente as conquistas históricas do movimento
sindical. Na América Latina, nas décadas de 1980 e 1990, pelas semelhanças
dos modelos econômicos adotados pelos novos governos, os sindicatos do
Cone Sul enfrentaram problemas idênticos. Como conseqüência se intensificou
a cooperação em vel regional - isto ocorreu particularmente através da
CCSCS.
A postura inicial da CCSCS em relação ao Mercosul foi bastante critica
por considerá-lo contrário aos interesses dos trabalhadores. No entanto com o
desenvolvimento do processo de integração esta posição mudou. Pese a
considerar o processo como tingido de políticas neoliberais os integrantes da
Coordenadora começaram a manifestar a intenção de modificar o modelo da
integração desde o interior da estrutura institucional do Mercosul, e desta
forma, introduzir a dimensão social e laboral. Um primeiro passo nesta direção
foi a participação dos sindicatos no SG11. A partir deste subgrupo, o
101
movimento sindical elaborou uma de suas maiores propostas a Carta Social ou
Carta dos Direitos Fundamentais do Mercosul.
A atuação do movimento sindical também foi analisada por setores de
atividade. Neste sentido, nos diversos setores produtivos, se por um lado,
existe maior autonomia e dinamismo, por outro, se geram tensões, pois os
impactos do Mercosul sobre as atividades produtivas variam em cada pais,
deixando nos mesmos ganhadores e perdedores. Portanto, em cada caso se
geram respostas diversas. Desta forma, a condenação de ações por setores é
muito heterogênea. Existe um processo dinâmico, pautado por avanços e
retrocessos. A potencialização é maior quando se visualizam problemas
comuns e, conseqüentemente, as demandas podem ser unificadas.
Em relação às instituições do Mercosul, demos particular destaque ao
FCES. A partir desse organismo analisamos as perspectivas de diversos atores
que nele atuam. A partir das entrevistas constatamos a percepção generalizada
em relação à limitação à instrumentalização das demandas que impõe o
caráter ―consultivo‖ do Foro, que o Foro pode ter iniciativas para propor ao
Grupo Mercado Comum, mas este não tem a obrigatoriedade de analisá-las em
sua estrutura. Também é forte a critica a estrutura do organismo, para os
atores, a organização atual não traz os resultados esperados para os
participantes, na medida em que as maiorias das recomendações
encaminhadas ao GMC não foram atendidas.
Também destacamos algumas problemáticas em relação a ampliação do
Foro. As mesmas estão permeadas por diversas concepções de sociedade
civil, assim também pelo debate em torno aos ―novos‖ e ―tradicionais‖
movimentos sociais.
No capítulo III, o debate sobre a ampliação do FCES foi o marco para a
introdução à problemática sobre a participação de ONGs assim, como a
relação destas organizações com os novos movimentos sociais - nesse
organismo.
Na análise dos atores destacamos como instrumento analítico o conceito
de identidade. Pois, nas interpretações dos atores coletivos contemporâneos é
comum recorrer a este conceito para afirmar interesses, assim como também
gerar espaços democráticos. A maior participação nos espaços regionais
provoca um maior apelo à identidade regional que justificada em relação aos
102
valores gerados num processo histórico de integração, ou ―destino comum dos
países membros‖.
Também destacamos outros espaços de participação gerados através
do Mercosul, onde os movimentos ampliam suas oportunidades políticas e
reflexivas para as articulações em redes, tais como o Programa Mercosul
Solidário, e ―Somos Mercosul‖
Desta forma, a estrutura institucional do Mercosul pode ser um espaço
de oportunidade política para que os diversos setores sociais começem a
canalizar suas demandas. A dimensão regional se incorpora na ação coletiva
tanto na sua perspectiva estratégica como parte da reformulação das formas
de estabelecer identidades coletivas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVARES, S. Um outro mundo (também feminista...) é possível: construindo
espaços transnacionais e alternativas globais a partir dos movimentos. Estudos
feministas. N. 002. Rio de Janeiro, 2003.
ANTUNES, R. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e centralidade
do mundo do trabalho. Campinas: Cortez/UNICAMP, 2000.
ARATO, A. Ascensão, declínio e reconstrução do conceito de sociedade civil -
orientações para novas pesquisas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 27: 18-
27, 1995.
BADARÓ, M. Mercosur y movimiento sindical El caso del sector de camioneros y
judiciales. Disponível em: www.ides.org.ar. Acesso em 15 novembro de 2007.
BAILY, S. Movimiento obrero, nacionalismo e política en la Argentina. Buenos
Aires: Hyspamerica, 1986.
BANCO MUNDIAL. Consultations with Civil Society Organizations: general
guidelines for World Bank staff. Washington, DC: The World Bank, 2000. Disponível
em:http://web.worldbank.org/WBSITE/EXTERNAL/TOPICS/CSO/0,contentMDK:2009
8376~menuPK:277367~pagePK:220503~piPK:220476~theSitePK:2 28717,00.html.
Acesso em 15 de novembro do 2007.
BAUMAN, Z. Em busca da política. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.
__________ O amor liquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de
Janeiro: ed. Zahar, 2004
BECK, U. O que é globalização: equívocos do globalismo respostas à globalização.
São Paulo: ed. Paz e Terra, 1999.
BOBBIO, N. Gramsci y la concepción de la sociedad civil. México: Siglo XXI,
1987.
BORÓN, A. Estado, capitalismo e democracia em América Latina. o Paulo:
Ed. Paz e Terra, 1994.
BOURDIEU, P. Contrafogo: táticas para enfrentar a invasão neoliberal. Rio de
Janeiro: Zahar, 1998.
BRESSER PEREIRA, L. Reforma do Estado para a cidadania. A reforma gerencial
brasileira na perspectiva internacional. São Paulo: Editora 34, 1998
CALDERÓN, F; JELIN, E. Clases y movimientos sociales en América Latina:
perspectivas y realidades. Buenos Aires: Estudios CEDES, 1987.
CARVALHO, N. Autogestão o nascimento das ONGs. Brasília: editora Brasilense,
1995.
CASTELLS, M. O poder da identidade. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
CASTRO, M. S.; WACHENDORFER, A. O Sindicalismo do Mercosul: Trajetória e
Perspectivas na Ampliação Comercial Hemisférica. In. o Paulo em perspectiva.
São Paulo, Fundação Seade, V. 12, n. 1, jan-mar/1998.
CHESNAIS, F. A mundialização do capital. São Paulo: Ed Xama, 1996.
COHEN, J. Sociedade civil e globalização: repensando categorias. Revista
Brasileira de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, V 46, 2003.
COHEN, J.; ARATO, A. Sociedad civil y teoria política. México: Fondo de Cultura
Económica, 2001.
COSTA, B. Capital social e organizações do terceiro setor em Porto Alegre.
Dissertação de mestrado. UFRGS, 2004.
COUTINHO, N. Marxismo e política. A dualidade de poderes e outros ensaios São
Paulo: Ed. Cortez, 1994.
CUT. ―Sindicatos buscam unidade no Mercosul‖, Boletim Mercosul, 18, Florianópolis:
Secretaria Nacional de Formação da CUT Brasil/Escola Sul da CUT, 2000.
DE SIERRA, G. El Mercosur como proceso multidimensional y cómo estudiarlo
desde las ciencias sociales. Biblioteca Virtual da CLACSO, Buenos Aires, 2001.
Disponível em: http:www.clacso.org. Acesso em 15 de Janeiro de 2008.
ERTHAL, J. Democracia, sociedade civil e Mercosul: o caso do Foro Consultivo
Econômico e Social, 2005. Disponível em: http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar.
Acesso em 2 de julho de 2007.
EVANGELISTA, A. Perspectivas sobre a “sociedade civil global” no estudo das
relações internacionais. Dissertação de mestrado. Pontifica Universidade Católica,
São Paulo, 2006.
FALERO, A. El movimiento sindical uruguaio frente aos processos de globalização e
regionalização , perspectivas de construcción de uma sociedad civil regional.
Dissertação de mestrado, Universidad de la Republica, Montevidéu, 2000
FALERO, A. Sociedad civil e integración: perfiles, tendencias e desafios.
Dissertação de Mestrado. Universidad de la Republica, Montevidéu 2004.
FERNANDES, R. Privado porém público. O terceiro setor em América Latina. Rio
de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.
FERNANDES, E. Sociedad civil del Mercosur. In. Folheto do PIT-CNT. Montevidéu,
2002.
GOHN, M. Teorias Sobre Os Movimentos Sociais. São Paulo : LOYOLA, 1997
________ Os sem-terra, ONGs e Cidadania. São Paulo: Cortez, 1998.
GÓMEZ, J.M. Política e democracia em tempos de globalização. Rio de Janeiro:
Vozes, 2000.
GURZA LAVALLE, A. Crítica ao modelo da nova sociedade civil. Lua Nova. São
Paulo, CEDEC, n.47, p.121-137, 1999.
HABERMAS, J. A. Constelação pós-nacional. São Paulo: Ed. Littera Mundi, 2001.
HENGSTENBERG, P. Sociedad civil en América Latina: representación de
intereses y gobernabilidad. Caracas: Nueva Sociedad-ADLAF-FES, 1999.
HIRST, M. La dimensión política del Mercosur: actores, politización y ideologia. In.
Estudos Avançados, v. 10, n. 27, 1996.
HIRST, P; THOMPSON, G. Globalização em questão: a economia internacional
e as possibilidades de governabilidade Petrópolis: Ed. Vozes, 2001
HOBSBAWM, E. Nações e nacionalismos desde 1780. Rio de Janeiro: Ed. Paz e
terra 2002.
IANNI, O. A sociedade global. Rio de Janeiro. Ed. Civilização brasileira, 2005
IOKOI, Z. Lutas sociais em América Latina: Argentina, Brasil e Chile. Porto Alegre:
Mercado Aberto, 1989.
JELIN, J. Los movimientos sociales y los actores culturales en el escenario regional.
El caso del Mercosur. Gerónimo de Sierra (comp.), Los rostros del MERCOSUR: El
Difícil Camino de lo Comercial a lo Societal, Buenos Aires: CLACSO, 2001.
MONTAÑO, C. Terceiro setor e questão social. São Paulo: Ed. Cortez, 2003.
MORAIS, R. Neoliberalismo. Saõ Paulo. Ed. Senac, 2001.
NOGUEIRA, M. Um Estado para a sociedade civil. São Paulo: Ed. Cortez, 2005.
____________ Sociedade civil, entre o político-estatal e o universo gerencial. In.
Revista Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo, v. 18, n. 52, 2003.
Disponívelem:http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S01026909200
3000200010&lng=pt&nrm=iso. Acesso em 23 de Fevereiro de 2007.
PADRÓN, A. Sociedad civil del Mercosur. In. Folheto do PIT-CNT. Montevidéu,
2002.
ROBLES, A. Balance y perspectivas de los organismos sociolaborales del
MERCOSUR. In. EL FUTURO DEL MERCOSUR. Argentina, 2002. Disponível em <
www.fes.org.ar/PUBLICACIONES/serie_temas/ST_BalancePerpectivas_Robles.pdf > acesso julho
do 2007.
ROITTER. M. El tercer sector como representación topográfica de la sociedad civil.
In. FACES. Universidade Central de Venezuela, 2004, p. 17-32.
SANTOS, B. Pela mão de Alice. São Paulo: Ed. Cortez, 1997.
_______ A globalização e as ciências sociais. São Paulo: Ed. Cortez, 2005.
SCHERER-WARREN. O caráter dos novos movimentos sociais. In Scherer-Warren,
I. & Krischke, P. (eds) Uma revolução no cotidiano? Os novos movimentos sociais
na América Latina. São Paulo: Editora Brasiliense,1987.
________ Das mobilizações às redes de movimentos sociais. In: Revista
Sociedade e Estado, v.21, p.109 - 130, 2006.
_________Movimentos sociais na atualidade. In: Batriz T. Weber; Diorge
Konrad. (Org.). Visões do Mundo Contemporâneo: caminhos, mitos e muros. Santa
Maria: FACOS:UFSM, 2007, v. , p. 147-162.
SEINTENFUS, R. Relações internacionais. São Paulo. Editora, Manole, Ltda,
2004.
SERNA, M. De la sociedad civil a la integración social del MERCOSUR. In. VI
CORREDOR DE LAS IDEAS DEL CONO SUR. Montevideo, 2004 disponivel em
http://www.corredordelasideas acesso Março 2008
SORJ, B. Sociedade civil e relações NorteSul: ONGs e dependência. Rio de
Janeiro, 2005. Disponivel em < http://www.centroedelstein.org.br> Acesso novembro
de 2007.
URIARTE, O. La dimensión social del Mercosur. Disponível em:
www.oit.org/public/spanish/bureau/inst/papers/confrnce/research/resumen.pdf
Acesso em 15 de dezembro de 2007.
VARGAS, V. Los feminismos Latinoamericanos en su tránsito al nuevo milenio.
Revista Venezuelana de Economia y Ciencias Sociales, vol. 7 nº 3 pp. 151-
173,2001.
VIGEVANI, T. Mercosul: impactos para trabalhadores e sindicatos. São Paulo,
Ed. LTr, 1998.
VILLA, R. Formas de influência das ONGs na política internacional contemporânea.
Revista de Sociologia e Política, n. 12. Curitiba, 1999
WANDERLEY, LUIZ EDUARDO W. Mercosul e sociedade civil. In. São Paulo em
Perspectiva, v. 16, n. 1, ISSN0102-883 , 2002.
ENTREVISTAS
AGUERRE, M. Maria Julia Aguerre. Depoimento (Julho de 2007). Entrevistador:
Alejandro Lezcano. Montevidéu. 1 cassete sonoro. Entrevista concebida para
pesquisa de dissertação de mestrado.
BENTANCUR, D. Daniel Bentacur. Depoimento (dezembro de 2007). Entrevistador:
Alejandro Lezcano. Montevidéu. 1 cassete sonoro. Entrevista concebida para
pesquisa de dissertação de mestrado.
BERASAIN, F. Fernando Berasain. Depoimento (Julho de 2007). Entrevistador:
Alejandro Lezcano. Montevidéu. 1 cassete sonoro. Entrevista concebida para
pesquisa de dissertação de mestrado.
CELIBERTI, L. Lílian Celiberti. Depoimento (Julho de 2007). Entrevistador:
Alejandro Lezcano. Montevidéu. 1 cassete sonoro. Entrevista concebida para
pesquisa de dissertação de mestrado.