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EWERTON TAVEIRA CANGUSSU
A RESILIÊNCIA NOS EMPREENDEDORES EGRESSOS DO
BANCO DO BRASIL: UM ESTUDO FENOMENOLÓGICO
Londrina
2008
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5
EWERTON TAVEIRA CANGUSSU
A RESILIÊNCIA NOS EMPREENDEDORES EGRESSOS DO
BANCO DO BRASIL
Dissertação apresentada ao curso de Mestrado
em Administração da Universidade Estadual de
Londrina, como requisito parcial à obtenção do
título de Mestre em Administração.
Professora Orientadora da pesquisa a Profa.
Dra. Maria Iolanda Sachuk.
Londrina
2008
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AGRADECIMENTOS
A Deus, que me concedeu todas as vitórias.
Ao Caio, meu filho, minha vida, criança única, generosa, que, com
singelos oito anos de idade, é a pessoa mais inteligente que já conheci.
A Renata, menina-mulher, cheia de encantos e alegrias, minha
motivação para seguir adiante.
A minha família, refúgio de força e incentivo.
A Maria Iolanda, um exemplo, mestra que sabe aliar, como ninguém,
sua força e sabedoria à gentileza e à solicitude.
Ao Francisco Navarro, muito mais do que um amigo, um irmão nesta
jornada.
A Laudicena Ribeiro, grande parceira e incentivadora.
A Andrea Barrios, pelo incentivo e pelas oportunidades profissionais.
A Eleonora Smits, pela disposição e generosidade.
CANGUSSU Ewerton Taveira. A resiliência nos empreendedores egressos do
Banco do Brasil. 2008. 113 fls. (Mestrado em Administração) Universidade
Estadual de Londrina, Londrina. 2008.
RESUMO
O presente estudo busca compreender o processo de resiliência por meio dos
relatos das experiências vividas dos empreendedores que trabalharam no Banco do
Brasil e que dele se desligaram pela adesão a um programa de demissão voluntária.
Resiliência diz respeito a uma capacidade do ser humano que é muito relevante no
seu embate contra as adversidades da vida. No campo do empreendedorismo, as
dificuldades e enfrentamentos com eventos impactantes se apresentam com
freqüência. A estratégia desenhada para a realização deste trabalho consistiu em
uma pesquisa descritiva, qualitativa e fenomenológica, para desvelar as experiências
vividas pelos sujeitos de pesquisa. A análise dos dados utilizou o Ciclo da análise
compreensiva interpretativa da pesquisa fenomenológica. Ao término da pesquisa,
verificou-se que os relatos das experiências vividas dos participantes revelaram
indícios claros de comportamento resiliente e a presença de processos indicativos
de resiliência.
Palavras-chaves: Resiliência; Empreendedorismo; Plano de demissão voluntária;
Fenomenologia.
CANGUSSU Ewerton Taveira. A resiliência nos empreendedores egressos do
Banco do Brasil. 2008. 113 fls. Dissertação (Mestrado em Administração)
Universidade Estadual de Londrina, Londrina. 2008.
ABSTRACT
This study seeks to understand the process of resilience by means of experience
accounts of entrepreneurs who used to work at the Brazilian Bank and took part in a
voluntary dismissal program. Resilience refers to a human ability that is very relevant
in the struggle against life adversities. In the field of entrepreneurship, difficulties and
confrontations with striking events often occur. The strategy designed for the
accomplishment of this study comprises a descriptive qualitative and
phenomenological research as to unveil such experiences. Data analysis was done
with the Cycle of the comprehensive explanatory analysis of phenomenological
research. Results show that the experience reports of the subjects clearly indicate
resilient behavior and the presence of processes indicative of resilience.
Keywords: Resilience; Entrepreneurship; Voluntary dismissal policy;
Phenomenology.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
BB
Banco do Brasil S.A.
PDV
Plano de Demissão Voluntária
PREVI Fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil
SEBRAE Serviço Brasileiro de Apoio ao Empreendedor
UEL Universidade Estadual de Londrina
SUMÁRIO
1 CONTEXTUALIZAÇÃO ......................................................................................... 8
1.1 PROBLEMA DE PESQUISA ........................................................................................ 16
1.2 OBJETIVO GERAL ................................................................................................... 16
1.3 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ....................................................................................... 16
1.4 JUSTIFICATIVA ...................................................................................................... 17
2 REVISÃO DA LITERATURA ................................................................................. 18
2.1 RESILIÊNCIA .......................................................................................................... 18
2.2 EMPREENDEDORISMO ............................................................................................ 30
3 PROCESSO DE CONDUÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS.............38
3.1 PERGUNTAS DE PESQUISA.......................................................................................39
3.2 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA ............................................................................. 40
3.3 DELIMITAÇÃO DA PESQUISA: POPULAÇÃO E PARTICIPANTES DE PESQUISA................50
3.4 ANÁLISE DOS DADOS...............................................................................................54
4 RESULTADOS DA PESQUISA.............................................................................57
4.1 Protocolos de Entrevistas .................................................................................. 57
4.1.1 Protocolo da entrevista com o participante de pesquisa número um .............. 57
4.1.2 Protocolo do discurso do participante de pesquisa número dois ..................... 61
4.1.3 Protocolo da entrevista com o participante de pesquisa número três ............. 67
4.1.4 Protocolo da entrevista do participante de pesquisa número quatro ............... 72
4.1.5 Protocolo da entrevista do participante de pesquisa número cinco ................. 76
4.2 Protocolos Codificados dos Participantes de Pesquisa ...................................... 83
4.3 Categorias Temáticas ........................................................................................ 84
4.4 Agrupamentos dos Relatos das Pessoas Entrevistadas em Temas por
Quadros Temáticos ........................................................................................... 86
4.5 Preenchimento de Quadros Temáticos com Análise Estrutural das
Descrições das Experiências Vividas pelos Participantes da Pesquisa ............ 97
5 CONCLUSÃO.......................................................................................................102
REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 106
ANEXO .................................................................................................................. 112
8
1 CONTEXTUALIZAÇÃO
Na atualidade, o ser humano se defronta com diferentes padrões de relações sociais
e políticas. Aconteceram mudanças drásticas nos modos de relações sociais, na
cultura da sociedade, na cadeia produtiva e nas formas de gestão, motivadas,
principalmente, pelo desenvolvimento tecnológico. Estas mudanças, explica Ferreira
(2003), decorrem da contextualização e interdisciplinaridade do conhecimento e de
grandes transformações econômicas, políticas e tecnológicas que alteram
profundamente a vida das pessoas e das organizações.
Com isso, novas vivências sociais e emocionais são experimentadas pelos
indivíduos de modo geral, bem como pelos trabalhadores, pois no campo do
trabalho, atualmente, predominam mercados instáveis, demandas por
personalização e encurtamento da vida útil dos produtos, exigência de flexibilidade
técnica, humana e organizacional, avanço da automação e competitividade.
Confirmando esta nova situação, Barlach (2005, p.49) revela que dados empíricos e
da literatura apontam para o fato de que o “trabalho na s-modernidade tem sido
marcado pelo significativo incremento das pressões pelo cumprimento de metas e
prazos, pelas rupturas e incertezas”.
Portanto, o trabalho é um campo da vida humana que tem se transformado de
maneira radical, apresentando um dinamismo acentuado e rupturas severas em
conseqüência das situações adversas nas economias e finanças globalizadas, de
intensas concorrências e da alta competitividade. Também as organizações, devido
às necessidades impostas pelo mercado, por vezes mudam suas estruturas e
adotam novas práticas administrativas e tecnológicas. Segundo Dejours (1992), as
mudanças alteram a organização do trabalho, a qual contém forças que levam os
indivíduos inclusive à doença, quando esta organização entra em conflito com o seu
funcionamento psíquico. Na perspectiva de Dejours (1992) existem dois tipos
distintos de sofrimento gerados pelo trabalho humano: o sofrimento patogênico e o
sofrimento criativo. O sofrimento patogênico ocorre quando se exauriram todos os
recursos defensivos e todas as margens de liberdade na transformação, gestão e
9
aperfeiçoamento da organização do trabalho. Então, o sofrimento residual solapa e
destrói o aparelho mental e o equilíbrio psíquico do trabalhador, levando-o à doença.
Segundo Dejours (1992), no sofrimento criativo, a adversidade e o conflito persistem,
mas, apesar disso, são ativados recursos que possibilitam o enfrentamento e o
crescimento do trabalhador, inclusive com promoção de benefícios à sua saúde
mental.
Rodrigues (1995) afirma que o trabalho, que é frequentemente percebido como algo
que sentido à vida, eleva status, define identidade pessoal e impulsiona o
crescimento do ser humano, também pode ser considerado um fardo pesado
quando se configura de forma fragmentada, burocratizada, em conflito com a vida
social ou familiar do trabalhador. Isto acontece porque o trabalho é um dos fatores
mais importantes da condição da existência humana, pois, por meio dele o homem
constrói e transforma a sociedade. Bastos, Pinho e Costa (1995) reforçam essa
importância afirmando que o trabalho é utilizado como definidor da estrutura de
tempo; divisor de atividades pessoais; legitimador social de diferentes fases da vida;
necessidade existencial para satisfazer necessidades humanas de alimentação,
moradia, educação, lazer, bem-estar social, prestígio; contribuidor para o
autoconceito e para a identidade pessoal. Desse modo, o trabalho tem um sentido
amplo na vida das pessoas e qualquer limitação que as impeça de exercer uma
atividade produtiva, provoca alterações na forma como o indivíduo atribui significado
e sentido à própria existência. Araújo (2005) confirma que a compreensão dos
sentidos do trabalho para os indivíduos inseridos nas organizações contemporâneas
e suas implicações na constituição do sujeito é um desafio importante.
Portanto, a ausência do trabalho, o desemprego, tem implicações sérias para o
trabalhador. Segundo Ayres (2005), o Relatório Anual Panorama Laboral, da
Organização Internacional do Trabalho, sobre desemprego, revela que existem
milhões de desempregados no mundo. O Panorama Laboral é um relatório para a
América Latina e o Caribe que tem a particularidade de analisar dados relacionados com o
comportamento do mercado de trabalho nas áreas urbanas dos países. Segundo o
Panorama Laboral, se em 2008 forem cumpridas as projeções de crescimento econômico
de 4,7%, a taxa de desemprego urbano chegaria a 7,9%, o que conduziria a região a níveis
10
que não se registravam desde os primeiros dez anos da década de 1990. A tendência à
queda da taxa de desemprego tem sido constante desde 2002, quando chegou a 11,4%.
A maioria dos desempregados encontra-se no Oriente Médio e na região norte da
África. Quanto à America Latina, o relatório, que investiga Argentina, Brasil, México,
Chile, Uruguai, Venezuela, Costa Rica, Colômbia e Peru.
Ayres (2005) ressalva ainda que, nos países onde houve melhora nos índices de
desemprego, esta mudança não significou ganhos qualitativos nos empregos.
Trabalho precário e informal; queda da renda e do valor real dos salários; aumento
da carga horária e redução da produtividade permanecem como entraves
importantes.
No mercado de trabalho brasileiro, as características estruturais, heterogêneas e
informais, com muitos trabalhadores atuando em condições precárias, descontínuas
e irregulares, são responsáveis por divergências elevadas entre as métricas de
diferentes institutos de pesquisa, como é o caso das porcentagens reveladas pelas
pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e pelo
Departamento Intersindical de Estudos Estatísticos e Sócio-Econômicos (DIEESE).
Para o IBGE (1981), desempregada é toda pessoa com 16 anos, ou mais, que
durante a semana em que se fez a pesquisa tomou medidas para procurar trabalho
ou que procurou estabelecer-se durante a semana precedente. O DIEESE (2001),
diferentemente, utiliza um prazo de trinta dias. Além dessas diferenças, Ayres (2005,
p.115), revela que os números expressados nas métricas das pesquisas não
conseguem ser reais porque “as constantes alterações na estrutura do mercado de
trabalho fazem com que os conceitos de desemprego e emprego não sejam
homogêneos e de fácil percepção...”
Existem, segundo Zylberstayn e Netto (1999), várias tentativas de explicação para o
desemprego. A job search tem como objetivo explicar o desemprego em locais onde
trabalhadores e firmas têm informações incompletas e dispendiosas dentro de um
mercado de trabalho competitivo. a substituição intertemporal tem como idéia
básica a de que tanto o lazer corrente quanto o futuro são substitutos, e em períodos
em que a taxa de salários e juros forem baixos os trabalhadores trocariam trabalho
11
por lazer voluntariamente. A sinalização é a tentativa de explicar o desemprego
quando um trabalhador qualificado se recusa a aceitar empregos desqualificados
com o receio de associar sua imagem profissional a ela. Para se evitar que os
trabalhadores dediquem-se pouco, as firmas adotam o pagamento de salários-
eficiência. Assim, gera-se desemprego involuntário, pois é desestimulada desta
maneira a contratação de mais trabalhadores. O modelo dos deslocamentos
setoriais afirma que o desemprego é devido à realocação da mão-de-obra entre os
setores econômicos, extinguindo muitos vínculos empregatícios. Zylberstayn e Netto
(1999) afirmam também que existe uma tentativa de explicação chamada de
histerese, a qual afirma que quanto mais a taxa de desemprego subir, mais elevada
ela tende a se tornar, devido ao alto grau de correlação entre o desemprego
passado e o corrente.
Kato e Ponchirolli (2002, p. 89) revelam que:
[...] o Brasil amarga efeitos de três fatores perversos: baixo
crescimento, educação insuficiente e legislação inflexível. Destes
fatores, a educação insuficiente desde a infância é responsável
direta ou indiretamente pela baixa qualificação da mão-de-obra no
Brasil e apresenta-se como um dos pontos mais críticos para o país.
Assim, é possível evidenciar que boa parte dos problemas como
desemprego no país é gerada pela baixa qualificação da mão-de-
obra existente, oriunda de uma educação precária e insuficiente.
Caldas (2000), afirma que os efeitos do desemprego são sentidos, de forma mais
severa, pelos desempregados. Surgem-lhes conseqüências emocionais,
psicológicas, físicas, familiares, econômicas e sociais que afetam profundamente as
pessoas na condição de desempregado. Entretanto, as organizações sentem
reflexos também, pois o desemprego piora o clima interno, diminui a motivação, os
objetivos são atingidos com maior dificuldade, confrontos com sindicatos, e a
própria imagem da empresa é afetada negativamente. O desemprego é, portanto,
uma situação em que acontecem fortes enfrentamentos sociais.
Para dar conta das limitações, enfrentamentos e dificuldades causadas pelas
transformações sociais, econômicas, tecnológicas e políticas que predominam na
sociedade atual, os indivíduos lançam mão de sua capacidade de reação positiva e
12
adaptação. Deste modo, Barlach (2005) aponta indicações de que não é, de fato, na
ausência da adversidade, mas na sua presença, que ocorre o processo da
resiliência, e é o enfrentamento da situação adversa que possibilita o crescimento do
indivíduo, promovendo benefícios a saúde mental.
Barlach (2005), por meio do estudo da resiliência, procurou descobrir:
[...] porque diante das mesmas condições entendidas como
adversas, alguns indivíduos se desenvolvem satisfatoriamente ou
crescem, sobrepujando-se, aparentemente, aos limites da condição
humana, enquanto outros sucumbem, desenvolvem patologias ou se
vitimizam (BARLACH, 2005, p. 2).
Desta forma, afirma Barlach (2005), o conceito de resiliência diz respeito a uma
capacidade ou competência do ser humano relacionada com a adaptação e
condução de seu destino. Com essa capacidade, indivíduos ou grupos utilizam
elementos criativos para resolver situações difíceis, estressantes e impactantes, pois
um traço comum das pessoas resilientes é a tolerância às mudanças. Elas
entendem que os imprevistos fazem parte da rotina e, por isso, não perdem o
controle diante da adversidade. Também os estudos de Grotberg (1995) revelam
que os indivíduos resilientes saem transformados do enfrentamento de uma situação
traumática. Segundo ele, existe uma interface entre resiliência e a criatividade, que é
utilizada para o enfrentamento da adversidade, porque a solução criativa encontrada
se transforma em conduta resiliente.
A dinâmica da sociedade moderna transformou a percepção dos brasileiros a
respeito de suas perspectivas de trabalho. Segundo Morales (2004), aconteceu uma
transição de um sonho de estabilidade financeira que estava associado a um
emprego em uma grande empresa estatal ou em uma multinacional, para a realidade
do achatamento dos salários, e da redução do número de funcionários. Neste
contexto de transformações envolvendo o mundo do trabalho, as organizações
precisaram fazer importantes adequações em seu quadro de pessoal. Isso
13
aconteceu nas mais diversas áreas, mas de uma maneira expressiva no setor
bancário, do qual uma das maiores instituições é o Banco do Brasil.
Com agências em todas as regiões, e milhares de funcionários, o Banco do Brasil
tem relevante papel no cenário econômico brasileiro. Mas, seguindo as tendências
do mundo dos negócios, o Banco do Brasil alterou sua estrutura organizacional
incluindo mudanças na sua política de pessoal, o que, se por um lado gerou novos
postos de trabalho, por outro, levou à extinção e redução de antigos postos de
trabalho. A estratégia utilizada para a redução do quadro funcional do Banco do
Brasil foi a aplicação de um programa de demissão voluntária, conhecido como PDV.
Ayres (2005, p.116) relata que dentre os motivos que levam as empresas a
utilizarem os PDV‟s estão a “necessidade de aumento de lucratividade; excesso de
pessoal; modernização de processos; ganhos de produtividade e diminuição da folha
de pagamento.” Entretanto, se para as empresas um PDV tem muitas utilidades,
para os que desejam ou precisam se desligar da empresa em que trabalham são
necessários um conjunto de incentivos financeiros e não-financeiros, ou seja,
benefícios sociais e pecuniários que os tornem atrativos (PAES LEME; MAZZILLI,
2001).
Os pacotes de incentivos são compostos, na maioria das vezes, por indenizações
proporcionais ao tempo de trabalho, direitos trabalhistas legalmente garantidos e
manutenção de convênios médicos. Porém, Ayres (2005), alerta que os incentivos
nem sempre surtem os efeitos esperados em relação ao número de adesões, e por
isso, em muitos PDV‟s as empresas exercem uma forma de coação sobre os
empregados para que possa atingir o número de desligamentos previstos, dando-
lhes conhecimento que, caso o número não seja atingido de forma voluntária, haverá
demissões.
As pressões administrativas do tipo conselhos, orientações e ameaças, e a
perspectiva de demissão após a privatização ou transferência para unidades do
14
interior do estado são os principais motivos para que um trabalhador faça sua
adesão ao PDV. Seguem-se, em ordem decrescente: insatisfação com a empresa;
desejo de abrir o seu próprio negócio; interesse de gerenciar um negócio
existente; falta de perspectiva na carreira; tempo de serviço para aposentadoria;
desejo de se libertar da condição de empregado (AYRES, 2005).
Cunha e Mazzili (2001) afirmam que as repercussões para a saúde física e mental
dos trabalhadores que aderiram aos PDV‟s são impactantes. Estes impactos
envolvem um conjunto de transtornos individuais, dificuldades adicionais para
reconquista de emprego e renda, deterioração da qualidade de vida e até mesmo
aumento de violência e exclusão social. Alem disso, os PDV‟s podem representar,
para os ex-empregados
[...] obstáculo à realização de projetos pessoais e profissionais,
redução do âmbito das suas ações profissionais e das relações
interpessoais e perda de identidade e status, sendo uma relevante
variável para a qualidade de vida desses indivíduos (AYRES, 2005,
p.112).
Ayres (2005) investigou se a adesão ao PDV foi voluntária, e obteve uma
porcentagem de 42,6% dos respondentes que aderiram porque sofreram
pressões administrativas ou temeram a perspectiva de demissão sem benefícios.
Isto reforça que a adesão a um PDV se constitui num evento de relevante impacto
para um indivíduo, confrontando-o com a sua capacidade ou não de ser resiliente. O
autor afirma que os efeitos da adesão a um PDV podem ser minimizados pela
adoção de fatores moderadores de corte de pessoal.
Os fatores moderadores de corte de pessoal podem conter o envolvimento dos
empregados e de seus representantes no processo decisório relativo ao
enxugamento, em todas as fases do processo; uma comunicação que tenha
adequadas clareza, quantidade e franqueza das informações; utilização de respeito
e justiça como critérios; oferecimento de recompensas justas e significativas;
patrocínio de serviços de recolocação no mercado; indenizações financeiras
15
superiores ao que a lei determina; extensão do pagamento de benefícios,
especialmente assistência em saúde (AYRES, 2005).
A partir da perspectiva do indivíduo, Caldas (2000) divide os efeitos moderadores,
em moderadores pessoais, que são os relativos ao indivíduo e dizem respeito à sua
personalidade, idade, sexo, etnia, condições familiares e importância atribuída ao
trabalho; em moderadores cognitivos que estão relacionados com a forma de
percepção de demissão seletiva ou não, de reversibilidade do desemprego, de
tratamento justo e digno no desligamento; em moderadores de superação, que
dizem respeito à expressão e resolução de sentimentos e emoções; em
moderadores profissionais, relacionados com uma possível experiência anterior de
perda de emprego, nível hierárquico, e empregabilidade; e moderadores sócio-
ambientais, que dizem respeito ao apoio social e familiar e ao valores atribuídos ao
trabalho e à sua perda.
Os moderadores são utilizados para minimizar os efeitos negativos dos PDV‟s. No
entanto, para muitos dos que aderiram, o PDV representou a oportunidade de se
lançar em um campo diferente de trabalho, emergindo assim o espírito
empreendedor em alguns daqueles, ora participantes deste estudo. Corroborando o
fato de que o PDV pode representar uma oportunidade de empreender, Ayres
(2005), obteve como resultados de sua pesquisa que 32,8% dos respondentes
aplicaram os valores, recebidos como incentivo pela adesão ao PDV, na criação de
um novo negócio próprio ou na expansão do que possuíam. Contudo, mesmo
numa forma diferente de relação com o trabalho, não mais como empregado, mas
como empreendedor, os ex-funcionários continuam sujeitos a eventos impactantes e
geradores de estresse que caracterizam a sociedade atual.
16
1.1 PROBLEMA DE PESQUISA
manifestações de resiliência nos funcionários do Banco do Brasil que aderiram
ao programa de demissão voluntária - PDV, em 1995 e reiniciaram a vida como
empreendedores?
1.2 OBJETIVO GERAL
Compreender o processo de resiliência por meio dos relatos das experiências
vividas por empreendedores que trabalhavam no Banco do Brasil e aderiram o
programa de demissão voluntária PDV, em 1995.
Os objetivos específicos são apontados a seguir.
1. 3 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
a) Relatar as trajetórias de vida dos empreendedores durante e após
a saída do Banco do Brasil;
b) Descrever o impacto do programa de demissão voluntária em
suas vidas;
c) Desvelar, nos relatos das experiências vividas pelos
empreendedores investigados, processos indicativos de
resiliência.
17
1.4 JUSTIFICATIVA
Considerando os desafios constantes enfrentados pela sociedade de modo geral,
devido às mudanças rápidas e profundas que exigem esforços para a adaptação dos
indivíduos no mundo dos negócios e do trabalho, em termos práticos, torna-se
relevante o estudo do processo de resiliência em empreendedores.
A busca da compreensão da resiliência por meio dos relatos das experiências
vividas por empreendedores que trabalhavam no Banco do Brasil e aderiram o
programa de demissão voluntária PDV, em 1995, justifica, em termos teóricos, a
presente investigação que pode representar uma contribuição aos estudos relativos
às organizações, no que diz respeito às relações de trabalho, dilemas e significados,
e formas de adaptação que permitam que as pessoas sejam capazes de transcender
o sofrimento surgido nas condições adversas de sua relação com o campo do
trabalho e seguir adiante com suas vidas.
18
2 REVISÃO DA LITERATURA
Neste capítulo serão apresentados alguns estudos que precederam esta dissertação
na busca da compreensão dos conceitos de resiliência e de empreendedorismo.
Inicialmente discorrer-se-á sobre a etimologia da palavra resiliência e sobre a sua
transição das ciências exatas para as ciências sociais. No desenvolvimento desta
revisão destacar-se-á o esforço de Barlach (2005) para construção de uma definição
consistente do conceito de resiliência.
A literatura pesquisada revela que a resiliência tem se revelado um constructo que
contribui para a promoção do ser humano e de sua capacidade de produzir, a partir
de situações de enfrentamento da adversidade, novas relações com o trabalho que
promovam o seu desenvolvimento pessoal e da coletividade à sua volta. Na parte
final desta revisão se tratará do tema empreendedorismo.
2.1 RESILIÊNCIA
O conceito de resiliência, segundo Silva e Mota (2005), tem origem na física e na
engenharia, associado à capacidade máxima de um material de suportar tensão sem
se deformar de maneira permanente. Moita Neto (2006) afirma que o conceito de
resiliência ultrapassou as fronteiras das ciências exatas e das engenharias. Para o
autor, a resiliência é definida como a capacidade de um material absorver energia
quando deformado elasticamente e liberá-la quando descarregado. Os materiais,
quando são submetidos a uma tensão, sofrem uma deformação. As características e
aplicações de um material podem ser vislumbrados por uma curva de tensão versus
deformação. Esta curva possui duas regiões: a região elástica e a região plástica. Na
região elástica, a tensão aplicada numa peça (metal, cerâmica, polímero, etc.)
produz uma deformação proporcional à força aplicada (lei de Hooke). Quando
cessada a tensão, a peça volta à situação original, sem qualquer deformação. Na
região plástica isto não ocorre e algum tipo de deformação fica permanentemente na
19
peça. Moita Neto (2006) afirma que o conceito de resiliência é traduzido
operacionalmente numa medida que pode ser usada para comparar os materiais de
acordo com esta propriedade o módulo de resiliência.
Pinheiro (2004) diz que para captar como esta propriedade foi transformada em
conceito por outras áreas do conhecimento, é necessário conhecer a etimologia da
palavra resiliência, que tem origem no verbo latino repeliu (ri+Célio) que significa
saltar para trás, voltar, ser impelido, recuar, retirar-se sobre si mesmo, encolher,
desdizer-se, encolher-se, romper. Pinheiro (2004) relata ainda que a palavra
resilient, de origem inglesa, remete à idéia de elasticidade e capacidade rápida de
recuperação.
Yunes e Szymanski (2001) revelam que a palavra risco tem conotação negativa, e a
resiliência, pelo contrário, tem conotação positiva. Para as autoras, “o risco e todas
as espécies de estressores sempre se fizeram presentes em qualquer tempo e
lugar” e, além disso, os fatores de risco relacionam-se com toda sorte de eventos
negativos de vida. Deste modo, a presença do risco aumenta a probabilidade de o
indivíduo apresentar problemas físicos, sociais ou emocionais. Por isso, as autoras
dizem que é necessário o conhecimento dos processos ou mecanismos de risco
para que se possa ter a dimensão da diversidade de respostas que podem ser
observadas, quando se trata, sobretudo, de riscos psicossociais ou riscos
socioculturais. Yunes e Szymanski (2001) inserem na sua descrição de risco a
afirmação de que ele faz parte de um binômio que inclui também a resiliência, numa
importante vinculação conceitual.
Rutter (1987) afirma que a resiliência não é um processo de proteção que elimina o
risco, mas serve para encorajar o indivíduo a, efetivamente, se engajar na situação
de risco. O mesmo autor, mais tarde, apontou como avanços nas pesquisas sobre
risco, a consideração dos diferentes mecanismos presentes na relação entre a
pessoa e a sua interação com o ambiente; dos mecanismos de proteção nas
situações de estresse; e das reações em cadeia que ocorrem ao longo do tempo
(RUTTER, 1996).
20
Quanto à vulnerabilidade, Yunes e Szymanski (2001) observam que é um termo
geralmente usado para referir-se à predisposição a desordens ou à susceptibilidade
ao estresse. Em relação à resiliência, a vulnerabilidade é utilizada para definir as
susceptibilidades psicológicas individuais que potencializam os efeitos estressores e
impedem uma reação adequada e satisfatória ao estresse. As autoras destacam que
o conceito de vulnerabilidade é diferente do conceito de risco, e que esta diferença
se revela tanto na ênfase como na origem do uso dos mesmos. Vulnerabilidade
envolve, além de predisposições genéticas (COWAN; COWAN; SCHULZ, 1996),
baixa-estima, depressão, traços de personalidade, práticas educativas familiares
ineficazes (PATTERSON; CAPPALDI, 1991).
No que se refere ao estresse, o termo tem sido utilizado pelas pessoas para referir-
se a um número grande de questões. Yunes e Szymanski (2001) revelam que, numa
visão subjetiva do fenômeno, a ocorrência do estresse depende da percepção que o
indivíduo tem do evento estressor e da interpretação e sentido a ele atribuído. Desse
modo, ressalvam que uma mesma situação de vida experenciada por uma pessoa
como perigo, pode ser percebida por outra como um desafio. Porém, assim como
acontece com o conceito de risco, o conceito de estresse se refere a experiências de
vida negativas, no que diz respeito à resiliência. Estresse pode ser tanto uma reação
rápida quanto um processo longo, que emerge vagarosamente no decorrer do
tempo, certas vezes sem que os indivíduos tenham sequer consciência do
acontecimento (PEARLIM, 1982).
Barlach (2005) revela que uma situação potencialmente ameaçadora ao bem-estar
de um indivíduo pode ser por ele avaliada de forma primária ou secundária. Na
forma primária qualifica o evento estressor em relação ao benefício, dano ou perda,
ameaça e desafio, e diz respeito ao risco potencial ao seu bem-estar. Na forma
secundária avalia: a expectativa de eficácia ou intenção de executar um
comportamento de resposta; a expectativa de resultados ou crença de que
determinado comportamento produzirá o resultado desejado; a expectativa de
estímulos, que diz respeito à ocorrência de eventos externos reforçadores; e a
expectativa de resposta ou crença sobre recompensas ou reações internas a
eventos.
21
Essas avaliações que o indivíduo realiza para lidar com as situações de estresse
caracterizam o coping, o qual é considerado por Yunes e Szymanski (2001) como a
contrapartida do estresse. Ou seja, se o estresse é um pólo negativo, no que diz
respeito à resiliência, o coping é o pólo positivo. Elas destacam que o conceito de
coping vem frequentemente acompanhado de palavras como: habilidade,
estratégias, comportamentos, estilos, respostas ou recursos. As autoras prosseguem
sua descrição de coping dizendo que o conceito, tanto quanto o conceito de
estresse, está intimamente relacionado ao construto da resiliência.
Também relacionados com a resiliência estão os fatores de proteção ou buffers.
Estes fatores são definidos por Rutter (1985) como influências que modificam,
melhoram ou alteram a resposta de uma pessoa a algum risco ambiental que
predispõem uma conseqüência não adaptativa. O autor coloca que o fator protetor
não precisa necessariamente estar associado com situações positivas ou benéficas,
e faz essa diferenciação sob três aspectos. O primeiro aspecto é que um fator
protetor não resulta necessariamente em um sucesso agradável. Muitas vezes a
maneira com a qual nos protegemos de um fator estressor não nos livra da
existência do mesmo. O segundo aspecto é que os fatores protetores estão
associados a uma interação. Assim, experiências positivas atuam de maneira direta
predispondo em resultado adaptativo. Os fatores protetores, por sua vez,
manifestam seus efeitos frente a algum estressor, modificando a resposta do sujeito
num sentido comparativamente mais adaptativo que o esperado. O terceiro e último
aspecto é que o fator protetor pode não ser entendido como uma experiência, mas
como qualidades do indivíduo como pessoa.
As diferenciações que Rutter (1985) faz não subestimam a presença do evento
estressor. Muitas vezes a situação adversa não é resolvida e sim a resposta frente à
situação é que difere do esperado. Para o autor, isso reforça a necessidade de
identificar fatores protetores sem deixar de considerar o evento estressante e a
procura de uma solução para o mesmo. Rutter (1987) assinala quatro mecanismos
que protegem as pessoas contra riscos psicológicos e adversidades: aqueles que
reduzem o impacto ao risco; os que reduzem a possibilidade de reação negativa em
cadeia; aqueles que promovem o estabelecimento e manutenção da auto-estima e
22
auto-eficácia através da presença de relações de apego seguras e incondicionais e
o cumprimento de tarefas com sucesso; e por fim aqueles que possibilitam a
abertura para novas oportunidades, no sentido de um “ponto de virada”.
Segundo Garmezy e Masten (1986) os fatores protetores atuam de diferentes
formas: na forma compensatória os fatores estressantes e atributos individuais se
combinam, e a neutralização do estresse acontece por meio de características
individuais ou fontes de apoio. Na forma desafiadora o estresse é tratado como
potencial estimulador de competência. Na forma da imunidade é apontada uma
relação condicional entre estressores e fatores protetores. Os autores destacam que
essas formas somente modulam o impacto do estresse, mas não descartam os
efeitos do estresse. Ainda conforme os autores, essas formas não são exclusivas,
dependem da capacidade adaptativa, da resiliência de cada indivíduo e do estado
do desenvolvimento.
Yunes e Szymanski (2001) alertam para o aspecto de que mecanismos protetores
são marcados pelo discurso da resiliência como digo ideológico, ou seja, a
conformação do indivíduo com as normas sociais vigentes, quando confrontado com
uma situação de estresse ou risco. E ressalvam que:
[...] Definir efetivamente o que é ou não proteção parece muito
complicado, pois as interações e combinações entre os efeitos do
que é considerado risco ou proteção necessitam de uma cuidadosa
analise contextualizada. [...] Focalizar a questão da resiliência numa
perspectiva individual dificulta o desenvolvimento de políticas e
intervenções que tenham condições transformadoras do sistema
social no sentido de diminuir as desigualdades sociais que
consistem em desigualdades de oportunidades de desenvolvimento
humano (YUNES; SZYMANSKI, 2001, p.41).
As forças psicológicas e biológicas descritas anteriormente como necessárias para
atravessar com sucesso as mudanças na vida, foram denominadas de resiliência por
Flach (1991). O indivíduo resiliente, para o autor, é aquele que tem habilidade para
reconhecer a dor, perceber seu sentido e tolerá-la até resolver os conflitos de forma
construtiva. Broffenbrenner (1993) e Moraes e Rabinovich (1998) utilizaram o
conceito de resiliência como referência a sobreviventes de campos de concentração
23
nazistas que reconstruíam as suas vidas enquanto outros não conseguiam
ultrapassar o trauma que tinham vivido. Esta qualidade estava associada à
esperança quanto ao futuro que essas pessoas possuíam enquanto submetidas ao
sofrimento.
Para Munist et al. (1998), o conceito de resiliência evoluiu, basicamente, em três
fases, sendo inicialmente associado ao conceito de vulnerabilidade; depois com a
capacidade de resistir à afronta, e por último, a denominação de resiliente foi
adotada para identificar pessoas com capacidade de construção positiva frente à
adversidade. Yunes e Szymanski (2001) destacam que o estudo do fenômeno
resiliência é recente, e embora venha sendo pesquisado cerca de trinta anos,
apenas nos últimos anos passou a ser discutido nos congressos internacionais. As
autoras afirmam também que a definição de resiliência não é clara, nem tampouco
precisa como o é na física, e consideram que os fatores e as variáveis que devem
ser levados em conta no estudo dos fenômenos humanos são mais complexos e
múltiplos:
[...] Para apenas usar uma metáfora, poder-se-ia dizer que a relação
tensão/pressão com deformação não-permanente do material
corresponderia à relação situação de risco/estresse/experiências
adversas com respostas finais de adaptação/ajustamento no
indivíduo, o que ainda nos parece bastante problemático, haja vista
as dificuldades em esclarecer o que é considerado risco e
adversidade, bem como adaptação e ajustamento [...] (YUNES;
SZYMANSKI, 2001, p.40).
Tavares (2001) é outro autor que aponta a resiliência sob três aspectos. No enfoque
físico, é a qualidade de resistência de um material ao choque, à tensão, à pressão, a
qual lhe permite voltar, sempre que é forçado ou violentado, à sua forma ou posição
inicial - por exemplo, uma barra de ferro, uma mola, elástico, etc. No enfoque
médico, é a capacidade de resistência do sujeito a uma doença, a uma infecção, a
uma intervenção, por si próprio ou com a ajuda de medicamentos. E no enfoque
psicológico, também é uma capacidade de as pessoas, individualmente ou em
grupo, resistirem a situações adversas sem perder o seu equilíbrio inicial, isto é, é a
capacidade de acomodar-se e equilibrar-se constantemente.
24
O desenvolvimento de capacidades de resiliência nos sujeitos passa, conforme
Tavares (2001), pela mobilização e ativação das suas capacidades de ser, estar, ter,
poder e querer, ou seja, pela sua capacidade de auto-regulação e auto-estima. De
forma parecida, Trombeta e Guzzo (2002) afirmam que o termo resiliência vem
sendo utilizado sempre com a idéia de designar a capacidade de resistir, ou como a
força necessária para a saúde mental durante a vida.
Yunes e Szymanski (2001), entretanto, ressalvam que a resiliência é um fenômeno
que procura explicar os processos de superação de adversidades, mas não se
confunde com invulnerabilidade porque não se trata de resistência absoluta às
adversidades. Esta afirmação corrobora o enunciado de Ralha-Simões (2001) de
que resiliência não se trata de uma espécie de escudo protetor que alguns
indivíduos teriam contra as adversidades, mas da possibilidade de flexibilidade
interna que lhes tornaria possível interagir com êxito, modificando-se de uma forma
adaptativa em face dos confrontos adversos com o meio exterior. Rutter (1993) e
Ralha-Simões (2001) afirmou que resiliência não seria uma forma de defesa rígida,
ou mesmo de contrapressão à situação, mas uma forma de manejo das
circunstâncias adversas, externas e internas, sempre presentes ao longo de todo o
desenvolvimento humano.
Percebe-se, por intermédio da revisão da literatura que os autores dividem-se na
explicação sobre a resiliência. Flach (1991), assim como Garmezy e Masten (1986)
apontam a resiliência como traço de personalidade ou temperamento. Rutter (1993),
por outro lado, afirma que as pesquisas demonstram que a resiliência não é apenas
um caráter individual, como entendido na invulnerabilidade, mas trata-se também de
bases ambientais. Entende também que o grau de resistência varia de acordo com
as circunstâncias. Flach (1991), Rutter (1993), Tavares (2001), Pereira (2001),
Yunes e Szymanski (2001), Ralha-Simões (2001), Trombeta e Guzzo (2002),
também trataram a resiliência como um atributo individual ou fruto da interação com
o ambiente.
25
Yunes e Szymanski (2001) revelam que os estudos sobre resiliência como um
atributo individual, com foco no indivíduo, dominaram as pesquisas pioneiras sobre o
assunto, estudando crianças ou adolescentes e focando traços e disposições
pessoais ou padrões de adaptação particulares. Desse modo, Yunes e Szymanski
(2001, p.21) afirmam que “características pessoais como sexo, temperamento e
background genético” estão presentes nos estudos de resiliência com perspectiva no
indivíduo, apesar de acentuarem em algum momento o aspecto relevante da
interação entre bases constitucionais e ambientais da questão da resiliência.
(YUNES E SZYMANSKI, 2001, p.21).
Estes dois aspectos das pesquisas sobre resiliência evidenciam-se no estudo da
vulnerabilidade, que é um conceito frequentemente associado ao da resiliência.
Conforme Cowan, Cowan e Schulz (1996) a vulnerabilidade, além de referir-se a
predisposições genéticas, diz respeito a condições como baixa auto-estima, traços
de personalidade e depressão. Além delas, Patterson e Cappaldi (1991) citam as
condições externas do ambiente, tais como práticas educativas familiares ineficazes.
Desta forma, pode-se observar como o conceito de resiliência apresenta algumas
imprecisões e controvérsias, como demonstrado por Yunes (2001) ao identificar em
seus estudos quais eram os discursos sobre a questão da resiliência. As primeiras
investigações referem-se ao estudo do indivíduo mediante métodos quantitativos. O
segundo grupo de investigações tem por base o estudo de processos e as
percepções a partir do estudo qualitativo de experiências de vida, na visão sistêmica,
ecológica e de desenvolvimento. o terceiro grupo de investigações, denominado
pela autora de “discurso crítico”, propõe um movimento questionador para repensar
e reconstruir a ótica do conceito de resiliência.
Consoante com este terceiro modelo, Barlach (2005) refere-se à resiliência como um
referencial que ainda está em formação, pois é utilizado ora como analogia na
descrição do fenômeno, ora como constructo. Quando usado como constructo, não
permite conclusões inequívocas porque é deduzido a partir de indicadores
imprecisos ou pouco confiáveis. A autora destaca que, a exemplo de outros
conceitos, como o do trabalho humano, da família, e de comunidade, o conceito de
26
resiliência é descrito na literatura, por meio de seus fatores componentes, tais como
tolerância às mudanças, adaptação, criatividade, liberdade interior. No entanto,
ressalva Barlach (2005), não se reduz a nenhum destes componentes.
Outro aspecto associado à resiliência é a transformação ou transcendência que
deve emergir do enfrentamento de situação traumática ou adversa. Nisso reside a
principal diferença entre a resiliência humana e a dos materiais, como revelam os
estudos de Barlach (2005). Ou seja, enquanto os materiais podem sofrer
deformação ou retornar ao estado inicial depois da deformação, os seres humanos
reconfiguram seu universo psicológico buscando, através do imaginário, da
subjetividade e da criatividade, uma nova forma de elaborar sua vivência.
Nesse sentido, Frankl (1991) afirma que algo que possibilita a alguns seres
humanos conservar sua dignidade mesmo diante do insuportável: a liberdade interior
que eles possuem. Esta liberdade interior é que lhes permite obter realizações
subjetivas mesmo quando o ambiente exterior se lhes apresenta hostil e estéril.
Barlach (2005) ressalta que é a intensidade em que o ambiente se torna hostil e
estéril que determina a diferença entre a resiliência e os outros processos
adaptativos, pois, conforme a autora, a resiliência é exigida quando surge a
necessidade de recriação de sua base estrutural de existência (do indivíduo).
Luttar, Ciccchetti e Becker (2000) entende a resiliência como um processo dinâmico
de adaptação positiva às adversidades significativas. Desse modo, resiliência
consiste, para os autores, em equilíbrio entre a tensão e a habilidade de lutar, além
do aprendizado obtido com os sofrimentos. Grotberg (1995) afirma que estes
obstáculos ou situações adversas, não são estáticos e, portanto, a conduta resiliente
também não pode ser.
As considerações anteriores demonstram que para compreender adequadamente a
resiliência deve-se partir da correta compreensão dos processos que nela emergem,
como o processo de adaptação. Barlach (2005) afirma que adaptação é o processo
através do qual o indivíduo administra suas relações consigo mesmo e com o
27
ambiente. No entanto, comenta que não é sinônimo de conformismo porque exige
um elemento transformador de si e do ambiente. A autora revela que a resiliência é
um processo que exige, além da adaptação, a ativação de recursos que o indivíduo
nem sequer tem consciência de possuir. E reside, para Barlach (2005, p. 97), a
dificuldade de abarcar, nos estudos da resiliência, a “complexidade de múltiplas
variáveis representadas pelo conjunto de recursos que é acionado”. Apesar desta
dificuldade, a autora faz uma re-proposição do conceito de resiliência:
[...] A resiliência é a reconfiguração interna (grifo da autora), pelo
sujeito, de sua própria percepção e de sua atitude diante da vivência
da condição da adversidade ou trauma, constituindo esta, a partir de
então, fator de crescimento ou desenvolvimento pessoal. A
resiliência é uma condição interna (não observável, a não ser em
seus efeitos) constatada numa demanda de adaptação do indivíduo
frente a uma situação excepcionalmente adversa, ou mesmo
traumática, caracterizada pelo alto potencial destrutivo ou
desintegrador das estruturas e recursos pessoais, da qual resulta o
fortalecimento dessas estruturas, o crescimento pessoal, a
confirmação de sua identidade, o desenvolvimento de novos
recursos pessoais, constituindo-se numa reação que transcende os
limites de um mero processo de adaptação (grifo da autora)
(BARLACH, 2005. p.100).
Assim como Assimakopoulus (2001), Barlach (2005) destaca como indispensável
para a re-configuração do conceito de resiliência, a contribuição sobre o momento
crucial ou ponto de inflexão, em que o indivíduo se torna senhor da situação a partir
de uma condição de vítima. Este indivíduo consegue realizar essa transição da
homeostase com a utilização de um processo de re-configuração subjetiva e auto-
reconstrução, para tornar-se condutor do próprio destino.
Balizada nos resultados de suas pesquisas sobre resiliência, Barlach (2005, p. 99)
afirma que:
[...] O conceito ora aparece como condição ou disposição psíquico
orgânica congênita ou pré-existente, ora como resultante do processo
traumático ao qual é exposto o indivíduo e ainda como processo
traumático ao qual é exposto um indivíduo e ainda como processo
vivido. No primeiro caso, a resiliência é tratada como condição ou
disposição pré-existente à vivência traumática, espécie de competência
humana da qual seriam dotados alguns indivíduos e outros não. [...] No
segundo, o tratamento dado ao termo estabelece, geralmente, que a
resiliência é “construída” no indivíduo ou grupo após a vivência da
situação traumática e, para os autores do terceiro grupo, é no processo
que a vivência adquire significado para o sujeito que a experimenta;
28
neste caso, o fator resiliência é constituído durante (grifo da autora) a
experiência.
As considerações da autora mostram que para alcançar a situação de serem sujeitos
ativos das suas próprias histórias, os indivíduos precisam desenvolver a sua
capacidade de ter um comportamento resiliente, o que as reflexões anteriores
demonstraram ser algo complexo e com diversas interfaces.
Corroborando esta afirmação, Carmello (2004) destaca que os indivíduos com
comportamento resiliente possuem uma combinação das seguintes características:
o autoconfiantes: acreditam em si e naquilo de que são
capazes de fazer;
Gostam e aceitam mudanças: encaram as situações de estresse
e adversidade como um desafio a ser superado;
Têm baixa ansiedade e alta extroversão: são abertos às novas
experiências e formas de se fazer as coisas;
Têm autoconceito e auto-estima positivos: conseguem administrar
seus sentimentos e suas emoções em ambientes imprevisíveis e
emergenciais;
o emocionalmente inteligentes: conhecem suas emoções,
sabem administrá-las, sabem automotivar-se, reconhecem
emoções em outras pessoas e sabem manejar relacionamentos;
o altamente criativos: procuram constantemente por inovações;
Dispõem de uma eficaz capacidade de resposta: mantém altos
níveis de clareza, concentração, calma e orientação frente a uma
situação adversa.
Coutu (2002) aponta características da pessoa ou organização resiliente, com
destaque para a habilidade de improvisar; valores arraigados e firme aceitação da
realidade. Esta característica, aceitação da realidade, relaciona-se com a
29
capacidade de atribuir significado a ela, transcendendo a condição de vítima para
aprender com suas lições e crises.
Dualib e Simonsen (2000) asseveram que é o encarar da realidade, confrontando a
adversidade e a dinâmica do problema, que faz com que o pensador chegue a uma
solução criativa para ele. E destacam que a atividade criadora é precedida pela
angústia. Desse modo, para que a criação ocorra, a pessoa criativa deve ser
inicialmente perturbada e frustrada por um problema ou uma situação que não pode
manobrar. Então há o confronto com alguma forma de adversidade. Para os autores,
tanto quanto para Coutu (2002), as soluções criativas resultam da liberação de
energia necessária para a eliminação daquela angústia.
Gallende (2004) afirma, no mesmo sentido dos autores citados acima, que a
adversidade produz resiliência quando provoca, no sujeito comum, condições
subjetivas criativas que enriquecem suas possibilidades de atuar sobre a própria
realidade. Também os estudos de Barlach (2005) investigam sobre como a
criatividade se constitui um componente do comportamento resiliente. Corroborando
o afirmado acima, Barlach (2005) assevera que resiliência pode ser entendida como
resposta criativa no confronto com a crise, com a:
[...] aplicação do pensamento lateral na geração de soluções
inovadoras diante de situações traumáticas ou adversas. [...] O
desenvolvimento da criatividade pode ser proposto como medida
preventiva, de forma a gerar um potencial sempre atualizado de
recursos para o enfrentamento. Ou poder-se-ia pensar na criação de
uma espécie de “estoque” de recursos criativos a ser gerenciado de
forma permanente? Essa proposição, em sintonia com
Assimakopoulus (2001), pode ser entendida como base para a
promoção da resiliência (BARLACH, 2005, p.102).
Grotberg (1995) revela que uma interface entre resiliência e a criatividade surge
quando esta é utilizada para o enfrentamento da adversidade, porque a solução
criativa encontrada se transforma em conduta resiliente. E o autor revela também
que os indivíduos resilientes saem transformados do enfrentamento de uma situação
traumática. A conduta resiliente que o indivíduo desenvolve pode contribuir para o
que as organizações das quais participa também se tornem resilientes.
30
As reflexões feitas sobre a resiliência são importantes para o fenômeno do
empreendedorismo, porquanto este envolva a capacidade do empreendedor de
superar as dificuldades, conviver com e aceitar riscos e aprender com os fracassos.
As atividades desenvolvidas por um indivíduo resiliente são baseadas em um ajuste
contínuo, visando manter um sincronismo com as mudanças no ambiente, a
avaliação e a seleção das alternativas, num processo que se torna possível por meio
da auto-reformulação exigida por situações impactantes, das quais esse indivíduo
extrai valiosas lições e segue adiante.
2.2 EMPREENDEDORISMO
Empreendedorismo é um termo derivado da palavra “empreendedor” e é utilizado,
segundo Morales (2004), para designar os estudos relativos ao empreendedor, seu
comportamento, os traços do seu perfil, suas origens, suas atividades e sua atuação.
Em quase todas as definições de empreendedorismo um consenso de que se
trata de uma “espécie de comportamento que inclui: tomar iniciativa; organizar e
reorganizar mecanismos sociais e econômicos, a fim de transformar recursos e
situações para proveito prático; aceitar o risco ou fracasso” (HISRICH, PETERS,
2004, p. 29).
Como uma área de estudo de negócios, Baron e Shane (2007) revelam que o
empreendedorismo possui raízes na economia, nas ciências comportamentais e na
sociologia, e busca entender de que forma as oportunidades para criar novos
produtos ou serviços surgem e o descobertas ou criadas por pessoas, as quais
usam meios variados para desenvolvê-las ou explorá-las. Deste modo, o
empreendedorismo, para os autores, é um processo desenvolvido ao longo do
tempo; com distintas fases que se relacionam intimamente; que envolvem a geração
da idéia de um novo produto ou serviço, ou o reconhecimento de uma oportunidade;
e também o aporte ou a captação de recursos necessários e suficientes para
viabilizar o novo empreendimento; a sua abertura; a administração e expansão do
negócio; e a colheita das recompensas.
31
De acordo com Baron e Shane (2007), o campo do empreendedorismo admite tanto
uma perspectiva micro, que enfoca o comportamento e o pensamento dos
indivíduos, quanto uma perspectiva macro, que enfoca principalmente os fatores
ambientais. Os autores também afirmam que a essência do empreendedorismo
reside no ponto de encontro entre oportunidades valiosas e indivíduos
empreendedores.
Existe uma área de grande abrangência no que se refere ao tema
empreendedorismo. Segundo Dolabela (1999), as atividades do empreendedorismo
compreendem a disseminação da cultura empreendedora nos sistemas formais de
ensino; a disseminação da cultura empreendedora e o apoio à ação empreendedora
entre desempregados, minorias e excluídos; enfrentamento de adversidades das
sociedades desfavorecidas através do empreendedorismo comunitário;
sensibilização da sociedade para a questão empreendedora e para a importância da
pequena empresa; a geração do auto-emprego; a criação de empresas; a
identificação, criação, busca e aproveitamento de oportunidades para empresas em
geral; o financiamento de organizações emergentes e das que estão em risco de
fechamento; o intra-empreendedorismo; o desenvolvimento local; as políticas
públicas relacionadas com o apoio e o suporte de empresas; e a criação de redes de
relações com todas as forças sociais e com universidades em especial. O autor, em
suas pesquisas, constatou também que o empreendedorismo é um fenômeno
cultural, ou seja, é fruto dos hábitos, práticas e valores das pessoas.
Dolabela (1999) afirma também que muitas definições para empreendedorismo,
propostas por autores de diferentes campos. A primeira corrente de autores a definir
empreendedorismo é a dos pioneiros do campo, os economistas. Estes associaram
os empreendedores à inovação. Dois economistas, Richard Cantillon e Jean Baptiste
Say o destaques deste enfoque. Cantillon (1680-1734) foi o primeiro a definir
funções para os empreendedores. Say (1983) associou os empreendedores à
inovação, além de -los como agentes de mudança. Também considerava o
desenvolvimento econômico como resultado da criação de novos empreendimentos.
32
Em suas obras preocupava-se com os impactos da criação e distribuição de
riquezas na sociedade. Para Say (1983), o empreendedor desempenhava o papel
de transferir recursos econômicos de um setor de produtividade mais elevada e de
maior rendimento, propiciando, desse modo, uma maior eficiência e eficácia à
economia. Este autor descreveu a função do entrepreneur de forma mais ampla ao
fazer a distinção entre empreendedores e capitalistas e entre os lucros de cada um.
Jean Baptiste Say é conhecido como o pai do empreendedorismo, entretanto, no
entendimento de Dolabela (1999), foi Schumpeter (1982) quem deu projeção ao
tema. Dolabela (1999) revela que estas duas abordagens: a econômica, e também a
psicológica, representam as maneiras como o estudo do empreendedorismo vem
evoluindo desde então.
Na abordagem econômica, Schumpeter (1982) entende por empreendedor alguém
que faz novas combinações de elementos, introduzindo novos processos ou
produtos, identificando mercados, criando novos tipos de organizações. Para o
autor, o empreendedor é o motor da economia. Ele descreveu a evolução dos
estágios tecnológicos e a permanente mutação industrial como uma força de
destruição criativa, que promove um permanente estado de inovação, mudança,
substituição de produtos e criação de novos hábitos de consumo. Assim, cada nova
tecnologia destrói, ou pelo menos interfere, diminuindo o valor de velhas tecnologias.
Um novo produto ocupa o espaço do velho produto e novas estruturas de produção
destroem antigas estruturas. O progresso, na visão de Shumpeter (1982) é
conseqüência deste processo destruidor e criativo, que acontece de forma
antagônica: por um lado promove as empresas inovadoras, que respondem às
novas solicitações do mercado e orienta os agentes econômicos para as novas
tecnologias e novas preferências dos clientes; por outro lado, fecha as empresas
sem versatilidade para acompanhar as mudanças e causa desemprego. Ao mesmo
tempo em que cria novas oportunidades de trabalho e possibilita a criação de novos
negócios, a destruição criativa promove o desemprego nas empresas com menor
capacidade de adaptação.
Schumpeter (1982) credita à destruição criativa o crescimento econômico de um
país. Este desenvolvimento econômico fundamenta-se, no entendimento do autor,
33
em três fatores principais: as inovações tecnológicas; o crédito bancário; e o
empresário inovador. Para o autor, o empresário inovador é capaz de empreender
um novo negócio, ainda que não seja o dono do capital. Esta capacidade está
relacionada às características do indivíduo, aos seus valores e modo de pensar e
agir.
Dessa maneira, a partir destas características, a definição de Schumpeter (1982)
para empreendedor é o indivíduo que é capaz de aproveitar as chances das
mudanças tecnológicas e introduzir processos inovadores nos mercados. Segundo o
autor, o empreendedor tem um espírito livre, aventureiro, capaz de gerar inovações
tecnológicas, capaz de criar novos mercados, superar a concorrência e ser bem-
sucedido nos negócios, assumindo os riscos do empreendimento. Suas verdadeiras
motivações estão no sonho, no desejo de conquistar, na alegria de criar, no
entusiasmo para provar que é superior aos outros. E assim o empreendedor se torna
o agente transformador da economia, o motor do crescimento.
A abordagem economista austríaca é apontada como “o melhor modo para definir
empreendedorismo” por Davidsson (2004, p.6), porque ela é sucinta e delineia, de
maneira satisfatória, o papel do empreendedorismo na sociedade. Primeiramente,
ela é baseada conjuntamente em comportamentos e resultados. A parte
comportamental é necessária para que não se perca de vista que as micro-decisões
e ações são necessárias para qualquer mudança a ser introduzida. A parte dos
resultados, para o autor, é entendida como um fenômeno social, à medida que
produz resultados para a sociedade. Se não produz resultados, não é
empreendedorismo, enfatiza o autor com a frase “Empreendedorismo faz a
diferença, ou então não é empreendedorismo” (DAVIDSSON, 2004, p. 6). A
abordagem econômica coloca o empreendedorismo diretamente num contexto de
mercado e deixa claro que os fornecedores é que praticam o empreendedorismo, e
não os consumidores, legisladores ou as forças naturais que também afetam
resultados no mercado.
34
Davidsson (2004) destaca também que os fornecedores dirigem o processo de
mercado por meio de um ou mais de um, dos seguintes modos:
a) eles suprem consumidores com novas alternativas de escolha,
potencialmente dando aos consumidores maior retorno para o seu
dinheiro;
b) eles estimulam os atores participantes a melhorar as ofertas do
mercado, o que por sua vez, incrementa a eficiência e a
efetividade daqueles atores;
c) se forem bem-sucedidos, eles atraem outros novos entrantes no
mercado, aumentando desta maneira as pressões de mercado em
direção ao aumento de eficiência e efetividade.
A outra abordagem do fenômeno empreendedorismo é a comportamentalista, que
se assenta na psicologia do sujeito e na sua interação social. McClelland (1972)
procurou estabelecer relações entre a necessidade de realização do empreendedor
e o desenvolvimento econômico. Ele revelou que quanto mais o sistema de valores
da sociedade valorizar e distinguir positivamente a atividade empreendedora, maior
será o número de pessoas que tenderão a se tornar empreendedoras.
À vista do exposto na abordagem comportamentalista, e também do que
Schumpeter (1982) enunciou a respeito do empreendedor, na abordagem
economista, é possível ver o empreendedor como um dos grandes agentes de
mudança do mercado e da sociedade. No entanto, o mundo e o mercado também
exigem do empreendedor que se defronte com mudanças alheias à sua vontade e à
sua intervenção.
A mudança tem um significado importante para o empreendedorismo, pois, segundo
Drucker (1996) o empreendedor entende a mudança como um evento normal e
sadio, diante do qual ele reage e explora como oportunidade. Nesses casos, a
mudança, em relação ao empreendedor, deixa de ter uma característica de
passividade, e passa a ter uma característica de atividade, exigindo-lhe uma terceira
35
característica: a reatividade. Desta maneira, a cada dia surgem novas oportunidades
e ameaças. Assim sendo, são necessárias constantes adaptações e revisões para
adaptar o planejamento do empreendedor às novas realidades.
Dolabela (1999) afirma que a revisão do tema empreendedorismo revela que no
perfil dos empreendedores estão presentes certas características, as quais variam
de acordo com as atividades que o empreendedor executa em uma determinada
época ou em função do estágio de crescimento da empresa. Sendo assim, as
características empreendedoras podem ser adquiridas e desenvolvidas. O autor
afirma que:
[...] o indivíduo portador das condições para empreender sabe
aprender o que for necessário para criar, desenvolver e realizar sua
visão. No empreendedorismo, o ser é mais importante do que o
saber: este será conseqüência das características pessoais que
determinam a metodologia de aprendizagem do candidato a
empreendedor (DOLABELA ,1999, p. 70).
Shane (2003) considera que o empreendedorismo é uma atividade que envolve a
descoberta, a avaliação e exploração de oportunidades para introduzir novos bens
ou serviços, modos de organização, mercados, processos, e matérias primas, por
meio da organização de esforços que anteriormente inexistiam. Para o autor, o
campo acadêmico do empreendedorismo envolve explicações de como, por que, e
quando as oportunidades para empreender existem; as fontes e as formas que
assumem; os seus processos de descoberta e avaliação; a aquisição de recursos
para explorar estas oportunidades; o ato em si de exploração das mesmas; o
porquê, quando e como alguns indivíduos, e o outros, descobrem, avaliam, e
obtêm os recursos necessários para a exploração, as estratégias e a organização
dos esforços para explorá-las.
Shane (2003) elenca cinco condições necessárias para que o processo
empreendedor aconteça. A primeira delas é a existência das oportunidades. Além
delas, como segunda condição, o autor reconhece a necessidade de que existam
diferenças entre as pessoas, pois sem estas diferenças, as oportunidades seriam
reconhecidas e exploradas por todos, eliminando assim a possibilidade de
diferenciação, que leva ao lucro. A terceira condição necessária é o reconhecimento
36
de que o risco é parte do processo, pois a exploração da oportunidade é, por
definição, incerta. A quarta condição necessária é a existência de uma organização,
não com o sentido estrito de uma nova empresa, mas com o sentido de uma nova
forma, que anteriormente não existia, de explorar a oportunidade. E ainda, como
quinta condição necessária, o processo empreendedor requer alguma forma de
inovação, não necessariamente com o potencial de destruição criativa de
Schumpeter (1982), mas como um novo modo de reorganizar recursos, tais como
uma localização surpreendente ou inusitada. Deste modo, a premissa central de
Shane (2003) é a de que o empreendedorismo pode ser explicado considerando a
relação entre os indivíduos empreendedores e as oportunidades valiosas.
Livesay (1982) revela que, como disciplina formal, o empreendedorismo surgiu no
final da década de 1920, através das pesquisas sobre a história dos negócios na
universidade de Harvard. Posteriormente, em 1947, a Harvard Business School criou
um curso sobre gerenciamento de pequenas empresas e, em 1953, Peter Drucker
montou um curso sobre empreendedorismo e inovação na universidade de Nova
York.
Dolabela (1999) também pontua como eventos marcantes na história do
empreendedorismo:
1956: criação do International Council for Small Business;
1973: realização do primeiro congresso internacional realizado
sobre o tema em Toronto;
1981: criação no Babson College de um dos mais importantes
congressos acadêmicos em empreendedorismo, o Frontiers of
Entrepreneurship Research.
No Brasil, Morales (2004) revela que o primeiro curso na área surgiu em 1981, na
Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas, sendo que em
1984 o ensino de empreendedorismo foi introduzido na Faculdade de Economia e
37
Administração da Universidade de o Paulo. Em 1992 a Universidade Federal de
Santa Catarina criou a ENE Escola de Novos Empreendedores.
Os temas dominantes nas pesquisas do campo do empreendedorismo, que Dolabela
(1999) cotejou das conferências anuais de Babson, a Frontiers of Entrepreneurial
Research, e do ICBS International Council for Small Business, são: características
comportamentais de empreendedores; características econômicas e demográficas
de pequenos negócios; empreendedorismo e pequenos negócios em países em
desenvolvimento; características gerais dos empreendedores; processo
empreendedor; oportunidades de negócios; capital de risco e financiamento de
pequenos negócios; gerenciamento de negócios, recuperação e aquisição;
empresas de alta tecnologia; estratégia e crescimento da empresa empreendedora;
alianças estratégicas; empreendedorismo em corporações ou
intraempreendedorismo; empresas familiares; auto-emprego; incubadoras, parques
tecnológicos e sistemas de apoio ao empreendedorismo; sistema de redes
empresariais e complementariedade entre empresas; fatores influenciadores na
criação e desenvolvimento de novos empreendimentos; políticas governamentais
para a área; mulheres, minorias, grupos étnicos e empreendedorismo; educação
empreendedora; estudos culturais comparativos; empreendedorismo e sociedade;
franquias.
A revisão da literatura realizada para esta dissertação revelou que o conjunto de
conceitos atuais sobre o comportamento empreendedor é resultante de um processo
de internalização dos hábitos de pensar e agir, acessível a todos os indivíduos, em
qualquer cultura. Baseado nas definições dos autores pesquisados é possível
concluir que o empreendedor é um indivíduo pró-ativo, motivado, que acredita e
gosta do que faz, está atento às oportunidades do mercado, introduz inovações no
mercado, é tolerante, é flexível e perseverante, cria contextos adequados à
realização de projetos, amplia constantemente seus relacionamentos e adota uma
postura de aprendizado permanente.
38
3 PROCESSO DE CONDUÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS
Para a confecção deste trabalho foi escolhido um método científico que embasou e
configurou as formas de procedimento para que os objetivos fossem atingidos, pois
um método científico, entendido de uma maneira geral e ampla, é o modo pelo qual
os estudiosos constroem seu conhecimento da ciência:
[...] o método significa uma investigação que segue um modo ou
maneira planejada e determinada para conhecer alguma coisa,
procedimento racional para o conhecimento seguindo um percurso
fixado. O método é o caminho que se deve percorrer para a
consecução de nosso objetivo (CHAUÍ, 1994, p.354).
O estudo dos métodos chama-se metodologia e significa o conhecimento dos
caminhos e dos instrumentos usados para se fazer ciência, e “é uma disciplina
instrumental a serviço da pesquisa” (DEMO, 2007, p.11). O autor amplia a definição
de metodologia ao afirmar que além de, e ao mesmo tempo em que, visa conhecer
caminhos do processo científico, a metodologia também age de uma forma que
problematiza criticamente a ciência ao indagar o seu sentido, no que se refere à
capacidade de conhecer, ou no que se refere à capacidade de intervir na realidade.
Reconhecendo o caráter problematizante da metodologia, Demo (2007, p.11) afirma
que “não teoria final, prova cabal, prática intocável, dado evidente. Isto é uma
característica, não uma fraqueza”. Assim, a metodologia de pesquisa é mais do que
um refinamento daquilo que o senso comum oferece para se investigar o mundo e
acaba sendo uma ciência em si, como aquelas que ela estuda, e, segundo
Magalhães (2005), parece que evolui com o tempo.
Realizadas as considerações acima, segue-se a caracterização desta pesquisa com
base no que preconiza a metodologia de pesquisa em ciências sociais.
39
3.1 PERGUNTAS DE PESQUISA
Na pesquisa qualitativa, Chizzoti (2003, p.81), afirma que o problema de pesquisa:
[...] não é uma definição apriorística, fruto de um distanciamento que
o pesquisador se impõe para extrair as leis constantes que o
explicam e cuja freqüência e regularidade pode-se comprovar pela
observação direta e pela verificação experimental [...] A identificação
do problema e sua delimitação pressupõem uma imersão do
pesquisador na vida e no contexto, no passado e nas circunstâncias
presentes que condicionam o problema. Pressupõem, também, uma
partilha prática nas experiências e percepções que os sujeitos
possuem destes problemas, para descobrir os fenômenos além de
suas aparências imediatas. A delimitação é feita, pois, em campo
onde a questão inicial é explicitada, revista e reorientada a partir do
contexto e das informações das pessoas ou grupos envolvidos na
pesquisa.
Trivinos (2006) afirma que quando o pesquisador segue a linha teórica
fenomenológica, a sua ênfase é atingir o máximo de clareza nas descrições dos
fenômenos sociais em estudo, e, portanto, deve utilizar perguntas de natureza
descritiva. As perguntas de pesquisa, que direcionam a coleta de dados com foco na
persecução do problema de pesquisa desta dissertação, são as seguintes:
a. Quais os eventos mais importantes ocorridos na vida dos
empreendedores oriundos do PDV do Banco do Brasil em 1995,
que afetaram suas vidas durante e após a saída do Banco do
Brasil?
b. Qual foi impacto do PDV na vida dos empreendedores
participantes desta pesquisa?
c. Quais os processos indicativos de resiliência na trajetória de vida
dos empreendedores oriundos do PDV do Banco do Brasil em
1995?
40
3.2 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA
Esta é uma pesquisa descritiva, pois procura fazer uma descrição detalhada da
forma como se apresentam fatos e fenômenos. Nessa forma de pesquisa, persegue-
se a realização de uma análise em profundidade da realidade pesquisada em
relação a aspectos sociais, econômicos, políticos, percepções de diferentes grupos,
comunidades, entre outros aspectos.
Triviños (2006) revela que as descrições dos fenômenos estão impregnadas dos
significados que o ambiente lhes confere. Conforme o autor, os resultados de uma
pesquisa descritiva são expressos por descrições ou retratos; narrativas ilustradas
com declarações das pessoas para dar fundamento concreto; documentos pessoais
e trechos de entrevistas. É deste modo que o foco essencial dos estudos descritivos,
no entendimento de Trivinos (2006), reside no desejo de conhecer as gentes, os
traços característicos, os valores e os problemas; e o resultado aparece como a
totalidade de uma especulação que tem como fundamento a percepção em
profundidade de um fenômeno no contexto em que se insere. No caso desta
pesquisa, o fenômeno em estudo é a resiliência em empreendedores egressos do
PDV do Banco do Brasil.
A natureza desta pesquisa busca a profundidade do fenômeno estudado em suas
nuances e contextualizações, com as impregnações e sentidos dados pelos
participantes da pesquisa, requer uma pesquisa do tipo qualitativa, que pode ser
caracterizada como:
[...] uma tentativa de se explicar em profundidade o significado e as
características dos resultados das informações obtidas através de
entrevistas ou questões abertas, sem a mensuração quantitativa de
características ou comportamentos (OLIVEIRA, 1999, p.59).
Na pesquisa qualitativa importa a tentativa de revelação da realidade a partir da
ótica do entrevistado, que é o verdadeiro protagonista da realidade. Para Richardson
(1989), a pesquisa qualitativa tem como característica importante a tentativa de uma
compreensão detalhada dos significados e características situacionais apresentadas
41
pelos entrevistados, ao invés da produção de medidas quantitativas de
características ou comportamentos.
Consoante com a afirmação de Richardson (1989), Demo (2007, p.145) revela que
“perante a realidade complexa e emergente, é preciso pesquisar também suas faces
qualitativas, e para tanto, são necessários também métodos qualitativos”. E justifica
que é a pesquisa qualitativa a forma de se fazer jus à esta complexidade da
realidade, comentada anteriormente, em que fenômenos tais como militância
política, cidadania, felicidade, ou compromisso ético, exigem, na sua captação, mais
que mensuração de dados, pois primam pela qualidade no contexto social.
Demo (2007) indica outras situações importantes que os métodos não-qualitativos
não conseguem responder e que justificam a pesquisa qualitativa:
a) os quadros teóricos que sustentam as hipóteses de trabalho são
extremamente discutíveis, porque se tratam de filigranas da alma
humana, extremamente profundas e sensíveis, cuja formalização
é particularmente árdua;
b) os métodos estão muito aquém da riqueza do fenômeno
permitindo análises restritas;
c) uma coisa é tratar o tema com rigor formal, outra é poder captá-lo
mais adequadamente; podemos fazer muitos dados, imprimir-lhes
formatos estatísticos severos, mas, até que ponto indicam o
fenômeno estudado, fica no ar.
Existem cinco características fundamentais que a pesquisa de natureza qualitativa
possui, segundo Bogdan e Birten (1982). Como primeira característica, os autores
citam que a pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como fonte direta de dados
e o pesquisador é o instrumento-chave para coletá-los. Desta forma os autores
reconhecem a importância do ambiente na configuração da personalidade,
problemas e situação de existência do sujeito. A segunda característica é ser
descritiva, pois procura fazer uma descrição detalhada da forma como se
42
apresentam fatos e fenômenos, perseguindo a realização de uma análise em
profundidade da realidade pesquisada. A terceira característica é que os
pesquisadores qualitativos estão preocupados com o processo e não simplesmente
com os resultados e o produto. A quarta é que os pesquisadores qualitativos
tendem a analisar seus dados indutivamente. É na percepção do fenômeno num
contexto que surgem os significados e a interpretação e chega-se ao nível de
abstração, ao conceito. A quinta é que o significado é a preocupação essencial na
abordagem qualitativa.
O ponto de partida da pesquisa qualitativa, para Chizzotti (2003, p.79), é a existência
de um “relacionamento dinâmico entre o sujeito e o mundo real, sujeito e objeto,
vivamente interdependentes, com vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a
subjetividade do sujeito”. Na visão de Chizzotti (2003) significados próprios da
pesquisa qualitativa para:
O conhecimento: que não se reduz a uma lista de dados
isolados, estanques, conectados a uma teoria explicativa;
Para o objeto: o objeto contém significados e relações criados
pelos sujeitos nas suas ações;
Sujeitos de pesquisa: os pesquisados ou sujeitos da pesquisa
qualitativa são reconhecidos como elaboradores de
conhecimento e produtores de práticas adequadas para interferir
nos problemas de pesquisa, através de conhecimento prático,
senso comum e das representações que elaboram para
construir suas concepções de vidas. Chizzotti (2003) afirma que
o resultado final da pesquisa é fruto de uma tarefa coletiva e não
individual, que emerge a partir de muitas micro-decisões;
O pesquisador: chamado de sujeito-observador, que se torna
parte integrante do processo do conhecimento e interpreta os
fenômenos, dando-lhes significância.
43
O papel do pesquisador na pesquisa qualitativa se reveste de características
próprias. Ele deve despojar-se de preconceitos e predisposições para assumir uma
atitude aberta a todas as manifestações que se lhe apresentarem, sem adiantar
explicações, partilhando da cultura, das práticas, das percepções e experiências dos
sujeitos pesquisados. Neste processo, o pesquisador busca, segundo Chizzotti
(2003), a significação social por eles atribuída ao mundo que os circunda e aos atos
que realizam.
O envolvimento do pesquisador, para Demo (2007), pode ser fator fundamental para
trabalhar a cientificidade do processo, desde que ele o deixe de seguir o
compromisso da objetivação. Para isso, o autor revela que a realidade deve ser
captada da maneira mais honesta possível, dando-lhe mais relevância do que às
nossas expectativas, ideologias e manias; e que o processo de pesquisa deve ser
conduzido de forma que possa ser refeito por quem duvide ou queira retestá-lo.
Também Triviños (2006) trata do papel do pesquisador, destacando que ele deve
ainda estar preparado para mudar suas expectativas frente ao estudo. É relevante
destacar que na pesquisa qualitativa não é seguida uma rotina rígida de etapas na
pesquisa. Triviños (2006) assevera que a coleta e a análise dos dados não são
estanques e que o relatório final vai se constituindo através do desenvolvimento de
todo o estudo, e não é exclusivamente o resultado de uma análise final dos dados.
Assim, Triviños (2006) revela mais um aspecto de relevo no papel do pesquisador
qualitativo, que é o fato dele ter ampla liberdade teórico-metodológica para realizar
seu estudo:
[...] Os limites de sua iniciativa particular estarão exclusivamente
fixados pelas condições da exigência de um trabalho científico. [...]
deve ter uma estrutura coerente, consistente, originalidade e nível
de objetivação capazes de merecer a aprovação dos cientistas num
processo intersubjetivo de apreciação (TRIVINOS, 2006, p. 133).
Esta liberdade não significa que o pesquisador qualitativo possa abandonar o rigor
na coleta e na crítica dos dados que responderão ao seu problema de pesquisa.
Richardson (1989) destaca que a relevância da pesquisa qualitativa está na sua
criticidade em relação aos dados coletados e não na sua condição de validade
44
estatística. Apesar disso, segundo o autor, a pesquisa qualitativa não pode gerar
dados padronizados, totalmente objetivos e dentro de um enfoque de neutralidade
característicos do universo positivista. No entanto, a riqueza da pesquisa qualitativa,
para Richardson (1989), reside na sua profundidade com relação ao conhecimento
dos fenômenos sociais, da sua crítica social, ou seja, da sua conduta imparcial no
entendimento da realidade em sua plenitude e não de forma superficial.
Nesta caracterização sobre a pesquisa qualitativa, citam-se Gaskell e Bauer (2002,
p. 68), que afirmam sobre sua finalidade:
[...] não é contar opiniões ou pessoas, mas ao contrário, explorar o
espectro de opiniões, as diferentes representações sobre o assunto
em questão. [...] em um meio social específico, o que estamos
interessados em descobrir é a variedade de pontos de vista sobre o
assunto em questão [...] o objetivo é maximizar a oportunidade de
compreender as diferentes posições tomadas pelos membros do
meio social.
Triviños (2006) é outro autor a entender que o processo da pesquisa qualitativa não
admite visões isoladas, parceladas, estanques. O seu desenvolvimento, para este
autor, se numa retro-alimentação e reformulação dinâmicas, de forma que a
coleta de dados, de um instante para o outro pode tornar-se análise dos dados, e
esta, em seguida, pode ser fonte para uma nova busca de informações.
Quanto à abordagem, essa pesquisa encontra-se consoante com a interpretativa,
pois Burrel e Morgan (1979) sugerem que considerações sobre a natureza da
ciência incluem uma dimensão de oposição entre o subjetivo e o objetivo; e que as
discussões sobre a natureza da sociedade incluem uma dimensão na qual há,
igualmente, oposição entre a regulação e a mudança radical. Analisando essas duas
dimensões, Burrel e Morgan (1979) definiram quatro paradigmas sociológicos para
analisar teorias sociais.
No paradigma humanista radical são investigadas as formas como as pessoas
podem atingir a mudança de seu status no que respeita às limitações sociais
alienantes. Para isso orienta-se segundo os modos de dominação, privação e
45
emancipação. Assim, pressupõe que o social é criado ou sustentado, e que é
passível de erro ou limitação. Como características este paradigma tem o
nominalismo, o antipositivismo, o voluntarismo e o ideografismo. Originado do
idealismo alemão, tem como expoentes: Kant, Hegel, Marx, Husserl, Adorno,
Marcuse e Habermas, entre outros (BURREL; MORGAN, 1979).
O paradigma estruturalista radical difere do anterior porquanto adote um ponto de
vista objetivo da mudança. Supõe que a sociedade tenha uma existência própria,
apesar de potencialmente dominada. Este paradigma tem como características o
realismo, o positivismo, o determinismo e a nomotética. Seus autores de destaque
são: Marx, em sua fase mais madura; Engels, Lênin, Althusser, Dahrendorf, entre
outros (BURREL; MORGAN, 1979).
A produção de um estado de relação ordenado e regulado a partir da orientação
sistêmica de uma sociedade que tem uma existência real e concreta é o fundamento
do paradigma funcionalista. Neste paradigma há distância e neutralidade do cientista
em relação ao cenário em que atua, com métodos e técnicas rigorosas, que
possibilitam a generalização dos conhecimentos empíricos. Este paradigma tem
como características o realismo, o positivismo, o determinismo e a nomotética; e
como autores principais: Comte, Spencer, Durkheim, Silverman, Merton, Skinner,
entre outros (BURREL; MORGAN, 1979).
No paradigma interpretativo acredita-se que a realidade social é produto da
experiência subjetiva e intersubjetiva, tornando-a sem existência concreta. Assim, a
ciência social neste paradigma se constitui de uma rede de jogos de linguagem,
baseada em arranjos de subjetividade de determinados conceitos e regras
elaboradas pelos participantes da realidade. As impressões e o ponto de vista do
observador são sublimados pela captação da percepção dos participantes da
pesquisa. Este paradigma tem como características o nominalismo, o
antipositivismo, o voluntarismo, o ideografismo; e como autores de destaque:
Dilthey, Husserl, Weber, Schutz, Heidegger, Merleau-Ponty, Sacks, Zimmerman,
entre outros (BURREL; MORGAN, 1979).
46
A utilização da fenomenologia nesta dissertação de mestrado a posiciona dentro do
paradigma interpretativo. A palavra “fenomenologia”, segundo Moreira (2002), ao
que tudo indica, foi usada pela primeira vez pelo matemático, astrônomo, físico e
filósofo suíço-alemão Lambert (1728-1777), na quarta parte da obra “Neues
orgamon”, com o título de “Fenomenologia ou aparência ilusória e suas variedades”.
Depois de Lambert, outros filósofos deram significados próprios para o termo. Entre
eles Kant, Hartmann e Hegel. Como movimento filosófico e com o sentido e as
ramificações que ostenta até o presente, a fenomenologia nasceu no início do
século XX com a obra Investigações Lógicas, de Edmund Husserl (1859-1938).
Entretanto, segundo Moreira (2002), o método fenomenológico desdobra-se em dois
grandes caminhos: o filosófico e o empírico. O ponto de partida de ambos é a
realidade e o objetivo é a sua compreensão. Moreira (2002, p. 60) afirma que:
[...] o todo de investigação crítico, rigoroso e sistemático da
Fenomenologia tem paulatinamente ganho reconhecimento como
uma abordagem à pesquisa qualitativa, aplicável ao estudo dos
fenômenos importantes em vários campos, incluindo marketing,
recursos humanos, desenvolvimento organizacional, pesquisa de
gerência, etc. Sempre que se queira dar destaque à experiência de
vida das pessoas, o método fenomenológico pode ser adequado [...]
Para Moreira (2002), o termo fenomenologia significa o estudo daquilo que aparece
à consciência, daquilo que é dado. Trata-se de explorar este dado, a própria coisa
que se percebe, em que se pensa, de que se fala. Algumas apresentações
introdutórias de textos sobre fenomenologia, que vão de movimento filosófico, escola
de filosofia e até como ciência são expostas pelo autor, tais como:
a. Um movimento filosófico do século XX cujo objetivo básico é a
investigação direta e a descrição dos fenômenos como
experimentados na consciência.
b. Uma escola de filosofia cujo propósito principal é estudar os
fenômenos, ou aparências, da experiência humana. Os
fenômenos estudados são aqueles vivenciados nos vários atos da
consciência.
c. É a descrição e o estudo das aparências.
47
d. É um método filosófico restrito à análise cuidadosa dos processos
intelectuais dos quais somos introspectivamente conscientes.
e. É uma ciência cujo propósito é descrever fenômenos particulares,
ou a aparência das coisas, como experiência vivida do mundo da
vida de todo dia, que é o foco central da investigação
fenomenológica.
Para Merleau Ponty (1999, p.11), a fenomenologia:
[...] é a ambição de uma filosofia que seja uma „ciência exata‟, mas é
também um relato do espaço, do tempo, do mundo „vividos‟. É a
tentativa de uma descrição direta da nossa experiência tal como ela
é, sem nenhuma deferência à sua gênese psicológica e às
explicações causais que o cientista, o historiador ou o sociólogo dela
possam fornecer [...].
Deste modo, a fenomenologia pode ser aplicada em setores diferentes do
conhecimento, pois “instaura a atitude dialogal e do acolhimento do outro em suas
opiniões, idéias e sentimentos” (CAPALBO,1996, p.38). Ou seja, ao colocar-se na
perspectiva do outro para compreender e ver como o fenômeno é visto, sentido ou
pensado, ela se opõe à orientação formal na pesquisa social e evita a quantificação.
Contudo, para Capalbo (1996), apesar de não ser ortodoxa e de se questionar e se
diversificar constantemente, ela procura conservar a unidade de sua atitude
metodológica.
Silva (2006) também afirma que a fenomenologia busca compreender os
significados da experiência vivida, e neste processo, a orientação do pesquisador é
para o fenômeno que está sendo investigado. Nos estudos organizacionais, a
fenomenologia como método de pesquisa pode ser utilizada para compreender o
mundo como vivido pelas pessoas, buscando a elucidação de aspectos referentes à
natureza de sua experiência vivida. Segundo o autor, a fenomenologia é um método
orientado para os significados da existência humana. Assim, prossegue destacando
que “a fenomenologia não está preocupada com aspectos factuais do estado das
coisas, mas com a natureza do fenômeno como significativamente experenciado”
(SILVA, 2006, p. 268).
48
Neste mesmo sentido, Chizzotti (2003) afirma que os fenômenos estão velados pela
imersão no cotidiano e na familiaridade com as coisas tangíveis, o que faz
necessário ir além das manifestações imediatas para poder captá-los e desvelar o
sentido oculto das impressões imediatas. Ou seja, para Chizzotti (2003), a essência
dos fenômenos é alcançada quando o pesquisador ultrapassa as aparências.
Silva (2006) considera que a experiência vivida é o ponto de partida e o de chegada
na trajetória da pesquisa fenomenológica. A experiência vivida, para Van Manen
(1990) envolve a consciência da vida imediata, inconsciente de si mesma, portanto,
pré-reflexiva; tem uma estrutura temporal e pode ser compreendida a partir da
reflexão sobre experiências passadas; a profundidade e riqueza completas da
experiência vivida, por serem passadas, não podem ser compreendidas totalmente;
ela possui um tipo de essência, reconhecida em retrospecto; o processo de reflexão
de significados desvela o todo significante, que é um conjunto de experiências
relacionadas contextualmente, as quais são chamadas de unidades de significado,
estrutura ou ligação estrutural; a experiência vivida parece ter uma estrutura
lingüística que revela a experiência e as interações humanas, descritas na forma de
texto.
Van Manen (1990, p.272) considera que o mundo vivido é formado pelos seguintes
elementos:
a) espaço vivido: é o espaço sentido, cuja investigação ajuda a
compreender a maneira como as pessoas experienciam as
relações em sua existência diária. A vivência do espaço, pelas
sensações que gera, leva as pessoas a atribuírem significados às
suas experiências;
b) corpo vivido: diz respeito ao fato de que o encontro com as
pessoas no mundo é feito, em primeiro lugar, através do seu
corpo. Isto reflete o fato fenomenológico que indica que nós
estamos completamente no mundo;
49
c) tempo vivido: refere-se ao tempo subjetivo, que é o oposto do
tempo objetivo = kairós x cronos. As dimensões temporais do
passado, presente e futuro constituem os horizontes de uma
paisagem temporal da pessoa;
d) o outro vivido: é a imagem do outro, criada com base na vivência
que nós mantemos com outras pessoas no espaço interpessoal.
Na experiência do outro, o ser humano procura o comunal, o
social, o propósito de vida.
A utilização da fenomenologia como método para compreender os significados das
experiências vividas oferece, segundo Silva (2006), uma fonte rica para a reflexão de
temas como o medo, o conflito, o poder, o tempo, as relações, o estresse, o
sofrimento, o trauma, entre outros. A trajetória em busca da compreensão da
vivência das pessoas exige que o pesquisador esteja orientado para captar a
estrutura de significados do que está sendo investigado.
Para que isso aconteça, Moreira (2002) revela que os investigadores da experiência
vivida de seres humanos devem ser sensíveis a uma tarefa de dupla hermenêutica,
ou seja, de interpretar entidades que, por sua vez, interpretam o mundo em que
vivem. E expande essas explicações afirmando que:
[...] Os objetos estudados pelas ciências sociais, ou seja, as
pessoas e suas atividades, não apenas são agentes interpretativos
de seus mundos, mas compartilham suas interpretações à medida
que interagem com outros e refletem sobre suas experiências no
curso de suas atividades cotidianas. Além disso, não apenas as
pessoas podem se dar conta das tentativas dos pesquisadores de
estudá-las, mas, como inter-agentes habilidosos, por sua vez,
podem agir sobre os pesquisadores. [...] (MOREIRA, 2002, p.51).
Moreira (2002) também destaca que a interpretação é o foco da pesquisa de
natureza qualitativa, cuja ênfase está na subjetividade e no entendimento, numa
clara orientação para o processo e não para o resultado. E como o pesquisador
trabalha com situações complexas, que não permitem a pré-definição ou a exatidão
dos rumos que a pesquisa tomará, a pesquisa qualitativa admite flexibilidade no seu
processo de condução. O contexto merece especial atenção porquanto o
50
comportamento das pessoas e a situação liguem-se intimamente na formação da
experiência. Consoante com esta afirmação é necessário o reconhecimento do
impacto do processo de pesquisa sobre a situação de pesquisa, tanto quanto o
impacto da situação de pesquisa sobre o processo de pesquisa. Os resultados desta
pesquisa serão interpretados de acordo com a abordagem fenomenológica.
3.3 DELIMITAÇÃO DA PESQUISA: POPULAÇÃO E PARTICIPANTES DE PESQUISA
A população de pesquisa é compreendida por empreendedores egressos do Banco
do Brasil em agências do estado do Paraná que aderiram ao PDV em 1995, sendo
que seis destes participaram desta pesquisa. Os participantes foram
empreendedores de negócios com tamanhos e ramos de atividades variadas.
Conforme Triviños (2006), a pesquisa qualitativa permite o uso de recursos
aleatórios para fixar a amostra, através da procura de uma espécie de
representatividade do grupo maior dos sujeitos que participarão no estudo. Para ele,
a decisão do tamanho da amostra, no entanto, costuma acontecer intencionalmente,
considerando uma série de condições tais como: sujeitos que sejam essenciais,
segundo o ponto de vista do investigador, para o esclarecimento do assunto em
foco; facilidade para se encontrar com as pessoas e tempo dos indivíduos para as
entrevistas.
Segundo Appolinário (2006), neste tipo de amostragem não-probabilística
intencional, que é a técnica de Snow Ball, o sujeito é selecionado de forma
intencional ou conforme a conveniência do pesquisador, e indica outro sujeito para
integrar a amostra. Desta forma, esta técnica de coleta de dados consiste em obter
novos participantes de pesquisa a partir dos contatos realizados com os sujeitos
previamente conhecidos, que fornecem indicações de pessoas que correspondem a
possíveis participantes que se enquadrem nas condições requeridas pela pesquisa.
Um dos participantes de pesquisa foi descartado, porque, após a sua saída do
Banco do Brasil, com a utilização do PDV, tornou-se, novamente, empregado, ao ser
51
aprovado em concurso da Caixa Econômica Federal, muito embora tivesse,
paralelamente, iniciado um novo negócio. Assim, foram aproveitadas, no total, cinco
entrevistas.
Apesar das indicações recebidas, foram necessárias várias tentativas de encontrar
novos participantes da pesquisa. Entretanto, na pesquisa fenomenológica a
relevância maior está no processo, e não apenas nos resultados e no produto,
conforme afirmam Bogdan e Birten (1982), e isto requer aprofundamento na
descrição da realidade pesquisada, o que justifica a escolha de um número reduzido
de participantes de pesquisa.
Para esta pesquisa, a coleta de dados primários, devido à sua natureza, utilizou,
como instrumento, a entrevista semi-estruturada, pois, segundo Bogdan e Birten
(1982), a investigação do que pensam os sujeitos sobre suas experiências, sobre
sua vida e seus projetos, é feita, pelos pesquisadores fenomenológicos,
preferencialmente, por meio da entrevista semi-estruturada ou da observação livre.
Os dados não são coisas isoladas, acontecimentos fixos, de incidência ou captação
num instante, conforme afirma Chizzotti (2003). O autor destaca ainda que os dados
são fenômenos que se manifestam numa complexidade de oposições, revelações e
ocultamentos, não se restringindo, portanto, às percepções sensíveis e aparentes.
Ou seja, os dados “se dão num contexto fluente de relações” (CHIZZOTTI, 2003,
p.84). Para Fini (1994, p.28), os dados o “as situações vividas pelos sujeitos que
são tematizadas por eles, conscientemente na descrição que fazem”.
Os dados nesta pesquisa foram coletados por meio de entrevistas semi-
estruturadas. As entrevistas, segundo Richardson (1989, p. 160), são:
[...] A melhor situação para participar na mente de outro ser humano
é a interação face a face, pois o caráter, inquestionável, de
proximidade entre as pessoas, que proporciona as melhores
possibilidades de penetrar na mente, vida e definição dos indivíduos.
Esse tipo de interação entre pessoas é um elemento fundamental na
52
pesquisa em Ciências Sociais, [...]. A entrevista é uma técnica
importante que permite o desenvolvimento de uma estreita relação
entre as pessoas. [...] O termo entrevista é construído a partir de
duas palavras, entre e vista. Vista refere-se ao ato de ver, ter
preocupação de algo. Entre indica a relação de lugar ou estado no
espaço que separa duas pessoas ou coisas. Portanto, o termo
entrevista refere-se ao ato de perceber realizado entre duas
pessoas.
Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (1999) corroboram o enunciado acima, afirmando
que a entrevista permite tratar de temas complexos, que não seriam bem
investigados através de questionários, porque tem natureza interativa e permite
explorar os assuntos com profundidade. Conforme as autoras, as entrevistas
qualitativas são muito pouco estruturadas, sem um fraseamento e uma ordem
rigidamente estabelecidos para as perguntas, de forma que se parecem muito com
uma conversa, pois o investigador se interessa em compreender os significados
atribuídos pelos sujeitos a eventos, situações, processos ou personagens que fazem
parte de sua vida.
Para Van Manen (1990, p. 66), as entrevistas servem para ser usadas como:
[...] meio para explorar e juntar material narrativo da vivência e ser
um recurso para desenvolver um entendimento mais rico e mais
profundo de um fenômeno humano; e ser usada como um veículo
para desenvolver uma relação conversacional com o entrevistado
sobre o significado de uma experiência.
Neste mesmo sentido, Richardson (1989) afirma que na entrevista o pesquisador
quer obter informações que o respondente pode dar, o que permite definir a
entrevista como uma conversa entre duas ou mais pessoas com um propósito
específico em mente. Deste modo, Moreira (2002) destaca que quando a entrevista
é semi-estruturada o entrevistador pergunta algumas questões em ordem pré-
determinada, mas permite uma liberdade relativamente grande do entrevistado
dentro de cada questão.
O objetivo principal da entrevista semi-estruturada, segundo Godoy (2006), é
compreender os significados que os entrevistados atribuem às questões e situações
relativas aos temas de interesse, recolhendo dados descritivos na linguagem dos
53
próprios sujeitos, o que revela como eles interpretam aspectos do mundo. Para
Godoy (2006), este tipo de entrevista é adequada ao desejo do pesquisador de
apreender as elaborações que o entrevistado usa para fundamentar as opiniões ou
crenças que formam a sua compreensão de mundo.
Para Triviños (2006), a entrevista semi-estruturada, ao mesmo tempo em que
valoriza a presença do investigador, oferece todas as perspectivas possíveis para
que o informante alcance a liberdade e a espontaneidade necessárias, o que
enriquece a investigação. Por causa dessa liberdade, a duração da entrevista é
flexível e depende das circunstâncias que rodeiam o informante e o teor do assunto.
A sugestão do autor é que a entrevista dure em torno de 30 minutos.
O pesquisador, na condução do processo investigativo, deve deixar de lado o seu
conhecimento prévio sobre o tema, de forma que o encontro com o fenômeno “seja
de forma mais livre, sem pressupostos ou preconceitos” (SILVA, 2006, p. 281). O
autor afirma que é recomendável que o pesquisador fique atento ao discurso do
entrevistado, com atenção total para os relatos, sem nunca deixar de ter em mente a
questão de pesquisa e a situação do diálogo no contexto da experiência. As
entrevistas devem ser gravadas e transcritas literalmente. A este processo se o
nome de protocolos, segundo Silva (2006). De posse destes protocolos é possível
realizar o processo de análise dos dados ou, no caso da pesquisa fenomenológica,
das experiências vividas, com o propósito de revelar os significados do fenômeno
investigado.
Godoy (2006) ressalva que, mesmo com as vantagens práticas da gravação direta, é
importante fazer anotações durante e depois da entrevista, a respeito de aspectos
relativos à forma de emissão de respostas pelos sujeitos e sobre o andamento da
entrevista. Com esta providência, aspectos que desapareceriam das gravações,
como gestos, posturas, expressões faciais e outros comportamentos ficam
preservados.
54
Nesta pesquisa, as entrevistas foram gravadas com a utilização de um
aparelho eletrônico MP6, marca UNIDEV. As expressões e manifestações dos
participantes de pesquisa foram registradas à caneta em bloco de anotações. O local
das entrevistas foi escolhido pelos participantes, e, em todos os casos, elas
aconteceram na residência ou no empreendimento dos mesmos. Uma entrevista
aconteceu no período noturno, e as demais cinco entrevistas aconteceram durante o
dia.
3.4 ANÁLISE DOS DADOS
O processo de análise dos dados desta pesquisa utilizou o Ciclo da análise
compreensiva interpretativa da pesquisa fenomenológica, que foi desenvolvido por
Silva (2006). Neste modelo, a coleta, a análise e a escrita do texto fazem parte de
um único processo. Esta forma de análise dos dados é um processo subdividido em
seis etapas integradas e que não são dissociadas, num processo cíclico.
Na primeira etapa realiza-se a leitura e releitura de cada um dos “protocolos de
entrevistas” realizadas para codificação dos discursos. Para Silva (2006), a leitura,
inicialmente leva o pesquisador a adquirir uma visão sistêmica da entrevista, e,
posteriormente, quando realizada, linha por linha, possibilita codificar os discursos
sem perder de vista a questão da pesquisa.
Na segunda etapa ocorre a transformação de um protocolo de entrevistas em um
protocolo codificado com os discursos das pessoas entrevistadas. Esta codificação
permite maior rigor na descoberta dos significados pelo pesquisador. Segundo Silva
(2006, p.283), “um discurso codificado pode representar várias palavras, frases,
sentenças e até parágrafos extraídos com o objetivo de ajudar na busca de unidades
de significado e na identificação de temas”.
55
A terceira etapa é a leitura e releitura de todos os protocolos codificados para
identificação de temas. Os temas são utilizados para encontrar significados da
experiência vivida dos pesquisados, e segundo Van Manen (1990), a formulação e o
entendimento dos temas é um processo sem regras limitadas, com liberdade de
visão dos significados. Para o autor, um tema pode ser: um meio para se chegar à
idéia; uma maneira de dar forma ou expressar a essência de um fenômeno; uma
descrição do conteúdo de uma idéia; ou uma redução de uma idéia.
Na quarta etapa do Ciclo se realizam os agrupamentos dos relatos das pessoas
entrevistadas em temas por quadros temáticos. E na quinta etapa ocorre o
preenchimento dos quadros temáticos. Estas duas etapas, para Silva (2006), são
fundamentais na delimitação da estrutura de significados de experiências vividas e
envolvem a definição de uma estrutura para que sejam realizadas.
O autor desenvolveu uma estrutura para preenchimento de quadros temáticos com
análise estrutural das descrições das experiências que é formada por cinco colunas:
- A primeira coluna da estrutura para preenchimento de quadros
temáticos apresenta os discursos tais como foram falados pelos
entrevistados, relacionados com a correspondente categoria
temática.
- As unidades da descrição ou do texto que fazem sentido para o
pesquisador a partir da interrogação formulada são colocadas na
segunda coluna.
- Na terceira coluna são indicadas as categorias abertas ou
invariantes. Bicudo (2000 apud SILVA, 2006) afirma que
categorias abertas são constructos com grandes convergências
de unidades de significados que ajudam a delimitar uma estrutura
para a construção dos textos fenomenológicos.
- A quarta coluna é chamada de rede de significados, e contém as
interligações entre as categorias e os discursos entre as
categorias. Na rede, segundo Bicudo (2000 apud SILVA, 2006),
56
não ordem nem hierarquia de valores, podendo ser
interpretada a partir de qualquer ponto, o qual nunca é isolado,
mas interligado na rede e representa parte da experiência.
- Na quinta e última coluna do quadro temático ficam as afirmações
do pesquisador sobre o discurso como foi relatado ou sobre sua
unidade de significado.
Silva (2006, p. 288) considera os quadros temáticos uma atividade de interpretação:
[...] uma vez que procura delimitar uma estrutura para compreender
o fenômeno e estabelece unidades de significado, a partir dos
relatos das experiências das pessoas que participaram do estudo.
Ao iniciar a análise fenomenológica de forma compreensiva
interpretativa, a convergência de significados entre os discursos em
torno de uma unidade maior ilustra a natureza intersubjetiva da
pesquisa.
O Ciclo da análise compreensiva interpretativa da pesquisa fenomenológica possui
ainda mais uma etapa que é a redação do texto fenomenológico. Esta etapa requer
um ato de escrita, a qual, na fenomenologia, deve ser capaz de transpor a simples
descrição e de ser carregada de interpretação, pois a escrita é um ato reflexivo e
hermenêutico. A escrita do texto fenomenológico envolve o agrupamento de vários
discursos com o objetivo de estabelecer uma estrutura para a elaboração do texto.
Desta maneira, as partes vão formando um todo significativo e representativo de um
tema.
Van Manen (1990) relata alguns cuidados que a escrita fenomenológica deve ter e
que dizem respeito a concentrar a atenção na descrição e interpretação da
experiência, evitando explicações causais, generalizações ou interpretações
abstratas, frases e terminologias rebuscadas e poéticas. O autor recomenda que se
descrevam eventos específicos, acontecimentos ou experiências particulares. Esse
processo de redação dos textos fenomenológicos envolve reflexão, escrita, reescrita,
idas e vindas aos protocolos das entrevistas e aos quadros temáticos. É desse
modo que cada texto fenomenológico representa uma produção que contém uma
perspectiva única de cada pesquisador. Assim, Silva (2006) afirma que a
57
interrogação sobre o fenômeno nunca se esgota, pois a cada sujeito que o pesquisa
corresponde uma maneira diferente de entender o fenômeno estudado.
Existe um requisito importante para que haja rigor na pesquisa fenomenológica, o
qual, segundo Silva (2006), é a leitura forte e orientada para que não se perca de
vista a questão de pesquisa. O autor destaca que a leitura forte está intimamente
relacionada com a interpretação. Quanto à interpretação, o autor afirma que ela “é
forte quando as experiências vividas se transformam em um texto que representa
um modo de viver e uma maneira efetiva de agir” (SILVA, 2006, p.291).
4 RESULTADOS DA PESQUISA
4.1 Protocolos de Entrevistas
4.1.1 Protocolo da entrevista com o participante de pesquisa número um
a) Por quanto tempo você trabalhou no Banco do Brasil?
Por 11 anos.
b) Que tipo de atividades desenvolveu durante o período em que fez parte do
quadro funcional do BB? Como você se sentia naquele ambiente?
Fiz de tudo. Fui menor auxiliar de serviços gerais; trabalhei na
plataforma, atendendo clientes. Também fui caixa, auxiliar de
gerência e gerente substituto.
“[...] E sempre me senti confortável naquele ambiente. Era normal.
Nada de extraordinário. Algumas épocas eu me sentia melhor,
outras pior. Normal. (expressão de desdém)
d) Quais foram as razões que o levaram a tomar a decisão de aderir ao PDV?
58
Foi o meu desejo pessoal de crescimento. Aproveitei um momento
de ruptura que trouxe oportunidade para que eu pudesse
empreender uma atividade profissional como autônomo, na minha
área de contabilidade.
e) Quais foram os sentimentos que emergiram quando você tomou esta
decisão?
Alívio em primeira mão. Depois, é claro, uma certa preocupação
com o futuro. Mas eu sempre tive autoconfiança. Sempre estive
certo de que seria capaz de ser criativo o suficiente para me virar
num empreendimento próprio.
f) Quais foram as conseqüências desta tomada de decisão em sua vida pessoal?
Tenho menos tempo para mim mesmo e para a minha família, mas
me sinto mais realizado e mais bem-sucedido. A importância do
PDV na minha vida é que foi um momento de ruptura na atividade
profissional, que de certa forma garantia uma remuneração média,
naquela época... Hoje, pela situação econômica do país, e,
passados vários anos, quem continua tem uma situação muito
estagnada, e a minha melhorou muito, inclusive pessoalmente.
g) O que mudou na sua vida a partir de então?
Vivo em condições financeiras e pessoais melhores. Sinto-me
realizado por proporcionar trabalho para muitas pessoas. E também
pelo reconhecimento que o sucesso” gera. Não sinto nenhuma falta
do tempo em que trabalhei como empregado. Hoje sou empregado
de mim mesmo. (nesta resposta o participante descreveu sua
nova condição como bastante satisfatória).
59
h) Quais foram os motivos que o levaram a se tornar proprietário do seu
próprio negócio?
Não sei se poderia dizer... bom... eu me decidi me tornar proprietário
após um momento de reflexão e de tomada de atitude mais efetiva,
além dos limites da atividade como bancário... Naquele momento...
lembrando melhor... passados mais de dez anos... o Banco de uma
hora para outra fez um plano e pôs os funcionários em cheque... e fez
com que funcionários que tinham 20, 23 anos de casa, eu tinha onze
anos de casa, decidissem se aderiam ou não. Isso, lógico, traz para
qualquer funcionário, uma situação desconfortável. Porém, eu não fiz
questão muito da pressão que o Banco estava fazendo. Eu estava
acabando de me formar... foi muito coincidente... Foi mais um motivo
assim de ou vai ou racha... Eu não senti, em momento algum, dúvida
se eu deveria sair... O banco preferiu por de uma forma compulsória e
apressada para os funcionários decidirem se saíam ou não, mas eu
tive tempo de pensar bem e percebi que o meu futuro era ser meu
próprio patrão. É... posso dizer que eu tive pouquíssima insegurança...
pouquíssima. Eu estava convicto da minha atitude. (tom de desafio).
i) O aprendizado adquirido ao longo do tempo em que fez parte do quadro
funcional do Banco do Brasil foi fundamental para empreender o seu
próprio negócio?
Fundamental, não. Não mesmo. Mas que ajudou, ajudou. Sabe por
quê? Porque ensina disciplina, respeito, a lidar com pessoas, e
também tem que saber conviver com mudanças. E quanta mudança
tinha naquele banco. (tom de crítica).
j) O que significou para você tornar-se proprietário do seu próprio negócio?
Significou uma série de coisas. Muitas coisas, ué! Por exemplo, eu
me sinto muito bem de ter dado certo, enquanto outros ex-colegas não
conseguiram sobreviver sem o banco. Eu obtenho do meu trabalho na
60
minha empresa muito mais coisas do que obteria se tivesse
permanecido no banco, se comparar com os colegas que ficaram.
Então significou estar satisfeito com a minha escolha. Eu tive uma
visão de que as coisas seriam desse modo e trabalhei e fiz de tudo
para que elas acontecessem conforme o planejado. “Camelei” um
pouco aqui, outro ali, mas até agora, e sei que continuará assim, deu
certo.
k) Quais as dificuldades mais freqüentes no ramos de atividade de seu
negócio?
Na minha trajetória como empreendedor, sim houve. É possível
lembrar de coisas ruins... mas eu prefiro focar nos fatos
positivos...houve centenas ou dezenas de fatos positivos que são mais
rotineiros. Eu sempre busco olhar o bom senso e a fundamentação
técnica e legal dos fatos... de vez em quando, na minha atividade, a
gente faz alguma atividade como auxiliar de juiz, e a pessoa, ela se
sente infeliz com o resultado da perícia, e ela entra com uma ação
contra você. No começo, eu achava isso um absurdo. Onde se viu
alguém entrar com uma ação contra mim! (muito indignado, com voz
alterada) Mas depois eu fiquei sabendo que isso acontece até contra
o juiz. O juiz julga uma ação e a pessoa entra com uma ação contra
ele porque achou que foi parcial. Então na primeira, na segunda ou na
terceira eu achei muito ruim. Eu nunca perdi nenhuma dessas ações...
pelo contrário... eu até ganhei algumas delas. Não é? Existem
outras situações marcantes, por exemplo: uma sócia teve que se
mudar de Londrina. Eu entendi profissionalmente que ela deveria ir
embora, porque, por mais que ela fosse boa profissional, não teria
como eu ficar segurando ela aqui, ela iria se sentir frustrada e isso
afetaria a situação de trabalho.”
.
l) De que forma você vem enfrentando estas dificuldades?
É... eu sempre busco tomar atitudes de forma fundamentada para que
as coisas sejam feitas da forma correta. (pensativo, fala devagar,
com o olhar distante) Desafios e dificuldades ocorrem, mas nada é
61
impossível de ser superado. Acho que a maioria das mudanças são
oportunidades para você conseguir algo. A mudança “pra” mim é
sinônimo de oportunidade. É! Exceto se for uma mudança claramente
negativa. Ah, eu busco uma forma de sair do que é negativo e
superar... ultrapassar aquela dificuldade... achar uma alternativa de o
assunto... não ficar com ela amarrada... mas sempre busco refletir,
pensar, dialogar... conversar com outras pessoas envolvidas. Eu estou
administrando uma empresa agora, por intervenção judicial. Hoje
mesmo eu tive uma dificuldade... liguei para um concorrente... dessa
empresa que eu estou administrando... que ele é conhecido meu...
ele me falou o que eu precisava! Por mais difícil que seja a
dificuldade, nenhuma é impossível de ser superada. E mudanças; tem
essas impositivas, de cima para baixo, como a do banco... como as do
governo... ou mesmo as do judiciário... acho que eu nunca fico
pensando: isso é difícil; isso é impossível... eu sempre por mais difícil
que pareçam as coisas, não é isso que fica na minha cabeça. Eu
busco pensar alternativas positivas para superar as dificuldades.
isso. ” (sorridente).
4.1.2 Protocolo do discurso do participante de pesquisa número dois
a) Por quanto tempo trabalhou no Banco do Brasil
Eu trabalhei no Banco do Brasil por 19 anos... de dedicação, de
muita “luita” mesmo.
b) Que tipos de atividades desenvolveu durante o período em que fez parte do
quadro funcional do BB? Como você se sentia naquele ambiente?
Ah! Fiz de tudo um pouco não é? Trabalhei na bateria, na retaguarda,
na preparação, fiz estágio do NDP, no CEDIP, cuidei do setor de
conferência. Você sabe como é... tem que mudar toda hora... mas eu
62
até que gostava. pra conhecer muita gente. Eu passei por outras
cidades também. Parecia cigano. Nunca tive dificuldade para me
relacionar com as pessoas e sempre respeitei os meus colegas, tanto
os meus superiores como os que eu chefiava. Mas no final, minha
paciência não dava conta de tanta pressão da direção geral do
Banco. Muita chateação (entristecido, com voz baixa). Mas isso é
coisa do passado. Não que o banco não fosse bom para a gente. Mas
da forma como que estava se encaminhando, eu ficaria estagnado e
não teria como crescer. Já foi (resignado). Meu negócio agora é
sukiaky. (seu semblante alegra-se e a voz fica mais firme)
c) Quais foram as razões que o levaram a tomar a decisão de aderir ao PDV?
Ah! Essas mesmas não é? Você sabe não é? Começaram a pegar
demais no pé... começou a me dar nos nervos... Comecei a não
dormir... Se não fizesse isso poderia ser transferido...se não fizesse
aquilo, poderia ser despedido. Quem agüenta isso? Não tinha mais
horário de saída... e tem a família, não é? Como deixar o povo em
casa sempre em segundo lugar? (Indignado, mas sem perder a
calma)
d) Quais foram os sentimentos que emergiram quando você tomou esta
decisão?
Na realidade... na realidade eu saí do Banco quando na época a
gente considerava que era a melhor coisa do mundo na vida da
gente...aquilo criou assim, uma ansiedade, uma expectativa muito
grande ... e nesse momento, a força que eu tive da família foi
fundamental...porque você fica naquela dúvida: será que sair do
banco é um bom negócio? “será que eu não vou passar por
dificuldades?” eu consultei minha família toda, meu pai,meu irmão,
eles foram fundamentais na minha vida. A única coisa que eles
disseram para mim foi: a única coisa que nós garantimos para você é
que de fome você não vai morrer não! Tome a decisão que você acha
que é correta. (sorridente, com expressão de contentamento) Isso
63
que acabou me dando muita força para poder sair no PDV. A decisão
foi muito boa, mas com a força da família.
e) Quais foram as conseqüências desta tomada de decisão em sua vida
pessoal?
Na verdade como a mudança foi radical, a primeira medida que eu
tomei assim depois que eu saí foi... eu tomei algumas medidas,
algumas precauções, quais sejam: eu diminuí as minhas despesas...
em vez de você morar numa casa de 220 metros você passa a morar
com o seu pai ou com sua sogra... você deixa de ter dois carros na
garagem para ter um só... você deixa de comprar algumas coisas que
você comprava que na época que você tinha um emprego seguro,
você deixa de fazer... o que a maioria das pessoas não fizeram no
PDV... O que aconteceu: com isso, as pessoas passaram a ter, quer
dizer, continuaram a ter os mesmos gastos como se fossem
funcionários do banco, sem perceber que daquele dinheiro que ele
ganhou no acerto, ele estaria todo dia gastando aquele dinheiro que
uma hora iria acabar.
f) O que mudou na sua vida a partir de então?
Para me precaver, eu cortei as coisas que eu achei que eram
supérfluas, coisas que dariam para segurar... então acho que isso daí
foi fundamental para que a gente equilibrasse as contas e pudesse
começar somente com o dinheirinho do PDV. Por vários momentos a
gente passa por algum descontrole, é, por que a gente não conhece,
é, no meu caso assim, como eu entrei no ramo de alimentação, você
passa por períodos assim, que realmente você acha que é o fim do
mundo, então, por muitas vezes vinha assim na cabeça da gente, é, é,
se caso não desse certo o que a gente estava fazendo, que a gente
iria para o Japão para a gente trabalhar... então, como a gente é
64
descendente de japonês, então a gente tinha uma saída. Hoje em dia
não é uma coisa boa, mas na época, era bom. Além disso, a gente
sempre colocava na cabeça assim... não se desesperar muito, ter
paciência. Por várias vezes quase que a gente entrou em desespero.
Mas tinha a alternativa do Japão e o apoio da família e a gente não
ficava tão desnorteado assim. Mas do contrário, vários amigos da
gente que “saiu” do banco, “teve” uma guinada na vida, e se
desesperou, então a gente sabe de colegas que tiveram muitos
problemas. Mas no nosso caso, apesar de termos passado por
algumas dificuldades, a gente conseguiu manter o equilíbrio. Muito
embora pudesse alterar muito a nossa vida, mas a gente tava com
algumas alternativas.
g) Quais foram os motivos que o levaram a se tornar proprietário do seu
próprio negócio?
Essas que eu já falei. Ficar livre das mudanças todo dia, não ter
chefe para ficar dizendo o que eu posso e o que eu não posso fazer, e
também, para crescer, não é? Ser empregado a vida inteira não dá...
eu tenho capacidade de ir além disso. Então, taí ! E deu no que deu!
(ajeita-se na cadeira, sorri e gesticula mostrando as instalações
de seu empreendimento)
h) O aprendizado adquirido ao longo do tempo em que fez parte do quadro
funcional do Banco do Brasil foi fundamental para empreender o seu
próprio negócio?
Ah foi. O Banco teve uma parte que fez o papel de pai e mãe. E
quase tudo eu aprendi dentro dessa casa, não é? Muita coisa boa e
muita coisa ruim também. Teve gente que parecia que tinha o rei na
barriga, não é? Mas a maior parte foi boa. Eu aprendi bastante coisa,
principalmente me relacionar bem com as pessoas, ter tolerância, ter
paciência, mas lógico que tinha um limite, não é? Mas a parte
administrativa do Banco eu uso nas minhas lanchonetes.
65
i) O que significou para você tornar-se proprietário do seu próprio negócio?
Eu tive casa lotérica e criava gado de engorda. Depois eu parti para a
área de alimentação. Eu tinha um imóvel com salas não alugadas.
Comecei com uma sorveteria, depois espetinhos, depois uma fábrica
de sorvetes. Agora parti para a linha de restaurante e petiscaria.
Descobrimos os meios e as formas de adequar qualidade e preço.
Com isso você ganha mais no giro e não tem necessidade de você
sofisticar ou ganhar muito no preço. Mais volume de forma com que o
pessoal venha sempre sem ter necessidade de ter de cobrar muito
caro. Bom, eu não me arrependi em nenhum momento de virar dono
de negócio. Nem quando o “bicho pegou pra valer”. Eu tenho
capacidade de me virar. Se eu não der conta sozinho, minha família
me socorre, me apóia. Então, não tem perigo não. Acho que significou
minha liberdade, minha realização, não é? Além disso, eu dou
emprego para muita gente da minha família. E isso não tem preço.
Meu negócio é bem familiar.
j) Quais as dificuldades mais freqüentes no ramos de atividade de seu
negócio?
Na minha vida empresarial, algum tempo atrás eu tive uma
dificuldade numa dessas parcerias que a gente faz para montar esses
comércios... e eu tive uma desonestidade por parte de um parceiro. A
gente quase entrou em desespero (nervoso, esfrega as mãos e
baixa os olhos) porque era o melhor comércio que a gente tinha.
Então a gente quase entrou em desespero. Hoje a gente pensa assim
que existem coisas que acontecem... existem males que vêm para o
bem. E nessa a gente acabou mudando, porque tivemos que mudar
em função desse evento desagradável que aconteceu. Na verdade
essa mudança nos trouxe benefícios muito grandes. Tanto é que os
amigos da gente, os colegas da gente, ao perceberem a gravidade do
problema, começaram a nos oferecer pontos para a gente abrir esse
comércio. Aquilo que a gente tinha antes e que a gente pensava que
era muito bom... acabou ficando meia-boca. (alegre) Hoje o
66
faturamento aumentou de quarenta a cinqüenta por cento em função
da mudança e jamais a gente imaginaria naquela época que aquela
mudança toda, que no momento era péssima para a gente, fosse
trazer tantos benefícios.
k) De que forma você vem enfrentando estas dificuldades?
“Com o apoio da família e com em Deus. E sempre aprendendo
com os problemas. É por isso que a gente sempre fala que tem que
tomar como lição algumas coisas. A gente pensa que está sendo
passado para trás, às vezes são obstáculos assim da vida para que
você cresça cada vez mais. A questão da credibilidade é assim: as
pessoas falam que porque você montou um comércio e tua casa está
sempre cheia. A gente vai perceber depois de muito tempo. Eu
tenho muitos clientes, amigos meus, que eu conheci 30 anos,
vinte anos atrás. Então a gente criou uma carteira de clientes, não do
produto em que você vende, mas da tua imagem, da tua honestidade.
As pessoas vão saber que você vai vender uma coisa correta, uma
coisa honesta. Então isto é muito mais valioso do que você saber fazer
um produto ou um serviço. Eu sempre falo assim para os meus filhos:
nós temos sempre que cultivar isto. Fazer o bem a vida inteira para
você ter esse capital. O teu capital mais valioso são as pessoas que
integram a tua vida. As pessoas saberem que você é honesto, é
correto, então você forma uma carteira de clientes pelo resto da vida.
Então eu acho que isso está fazendo diferença para a gente.”
4.1.3 Protocolo da entrevista com o participante de pesquisa número três
a) Por quanto tempo trabalhou no Banco do Brasil?
Eu trabalhei no Banco do Brasil por 13 anos... de 1982 a 1995. Mas
pareceu uma vida inteira.
67
b) Que tipos de atividades desenvolveu durante o período em que fez parte do
quadro funcional do BB? Como você se sentia naquele ambiente?
Comecei como menor auxiliar de serviços gerais. Era um tipo de
contínuo interno. Todos os outros funcionários eram meus chefes.
Depois eu fiz o concurso para o nível básico, que equivalia a
escriturário, assim... um “administrativinho”. Mas foi bem difícil porque
eu tive que esperar até fazer dezoito anos para assumir a nova
função. Eu tinha dezesseis... imagine a “neura”. (gesticula bastante)
Mas depois que eu assumi, trabalhei na plataforma. A plataforma era o
atendimento direto ao cliente. Ali aparecia cada tipo! Mas era o “front
side”. Aparecia gente interessante também. Tinha de tudo... pessoas
educadas...outras nem tanto... Mas depois fui para a retaguarda, que
era atrás dos caixas. Tudo o que era pago ou entrava pelo guichê
passava pela minha o. Era uma super correria, mas eu nem via o
tempo passar. Foi um tempo bom. Sem “que nem pra que” me
mandaram para ser operador de telex. (expressão carregada, franze
a testa) Isso era um inferno, “servicinho‟ repetitivo, chato, manual, e o
barulho? Insuportável. Nem dava para me concentrar. E então, a
avaliação funcional era ruim. Como eu poderia me concentrar com
aquela zona? Graças a Deus fui mandado depois para o SETOP, que
era o setor das operações de contratação rural. (expressão de alívio,
sorridente, relaxa na cadeira) E era uma festa: cheio de “mutum”,
que era como chamávamos os mutuários dos contratos agrícolas e
pecuários. Na seqüência, fui mandado para o centro de
processamento de serviços e comunicações. Vida de digitador no
começo. Quase desenvolvi uma LER. Mas eu era rápido… e logo
chamei a atenção pelo meu desempenho. Fui premiado com um
estágio na fitoteca digital. Ganhava mais e trabalhava sozinho numa
sala enorme, cheia de discos de dados. Também fui técnico em
microfilmagem, conferente na madrugada, compensador, e preparador
de documentos. Meu último cargo foi o de responsável pelos planos
de segurança. Daí veio o PDV. E eu dei um fim nesta vida de
empregado. [...] O jeito como eu me sentia sempre dependeu do
grupo, da equipe. No Banco do Brasil tinha muita gente “grávida”. É...
“grávida do rei na barriga”. Gente que se achava dono do Banco.
Muita prepotência e arrogância. Como as equipes mudavam muito,
68
tinha sempre gente sendo transferida, nem dava para se acostumar
direito... nem com os bons , nem com os ruins.
.
c) Quais foram as razões que o levaram a tomar a decisão de aderir ao PDV?
Bom... eu aproveitei o horário do centro de processamento, que era
noturno né?... para estudar. Fiz UEL, e então quando o PDV chegou
com aquela pressão toda... quem não aderir vai ser transferido para o
“interiorzão”... para o nordeste... ou então vai ser demitido... Eu nem
quis saber... aderi mesmo. Com a grana do incentivo, bem que deu
para construir uma casa e sair do aluguel. A vida mudou um bocado.
Eu já estava cheio de ver tantas pessoas incompetentes, só por ter um
“carguinho” de nada, ficar esnobando as outras. Eu vi cada coisa
neste Banco do Brasil. Você nem acreditaria! Eu quis mesmo foi
montar o meu próprio negócio. E o PDV veio bem a calhar. Para cada
um dos treze anos de serviço eu ganhei o equivalente a um salário da
época. Foi um bom pé de meia.
d) Quais foram os sentimentos que emergiram quando você tomou esta
decisão?
Hum... no começo um frio na barriga. Depois veio uma grande
euforia. Isso enquanto o dinheiro do Banco não tinha acabado. Ter
tempo para as coisas. Não precisar obedecer aqueles malas. Nossa!
Foi tudo de bom. Mas o problema começou quando o dinheiro acabou.
Me senti meio que sem pai nem mãe. Ainda não estava tendo retorno
no novo negócio e não tinha mais o salário, os empréstimos, as
licenças-prêmios, os décimos - terceiros. Ai, ai, ai. A ficha caiu doído.
Bom, daí amigo, tem que rebolar. Eu não sou quadrado. Não adianta
ficar choramingando pelo leite derramado. Tem que ir à luta. E isso
sempre foi comigo mesmo. Tanto que, “loguinho”, eu estava
confiante. E mais, comecei a ter lucro. A minha maior preocupação era
que eu tinha casado logo depois da saída do Banco. E aí? Como
sustentar a casa? Mas eu sempre tive esperança no futuro. Eu queria
moldar o meu futuro e não ser detonado por ele. Por isso, corri atrás.
Bom, você pode ver que deu certo. Se eu ainda estivesse no Banco
69
estaria “caindo pela tabela”, como tantos colegas que ficaram. Foi
difícil no começo... mas valeu muito à pena.”
e) Quais foram as conseqüências desta tomada de decisão em sua vida
pessoal?
“Eu tive que aprender a me virar sem a “muleta” do salário, não é?
Sem aquela segurança do dinheiro pingando todo mês”. É bacana
conseguir viver sem ter que me sentir preso a nada.
f) O que mudou na sua vida a partir de então?
No começo, parece que as pessoas te valorizam menos, porque você
não faz mais parte de uma organização importante. Às vezes eu me
confundia com o Banco. Até me chamavam de BB, de vez em quando.
Na minha família foi uma comoção. Minha mãe achou que eu estava
ficando louco. Ela não concebia que alguém que tivesse entrado no
BB quisesse sair. Ela achava que o BB ainda pagava bem, como no
tempo do avô dela. As coisas mudaram. Era mais um emprego.
Para subir no banco tinha que bajular. Eu saí e me senti livre daquilo
tudo. E pronto para encarar o mundo. Hoje a luta é diária. Todo dia
tem que ser competitivo, trabalhar com um bom preço, com qualidade.
Mas eu sou muito mais feliz. Poucas vezes tive saudade do meu
tempo de empregado. Passei por poucas e boas. Mas a cada
“perrengue” fui ficando mais forte e mais calejado... posso dizer até
que já me acostumei com o ritmo de sobe e desce da vida de
empresário. Bom... eu viajo quando eu quero. Se quero ir para casa
ficar com a família, eu vou... se quero esticar o feriado eu estico.
Enfim, o que mais mudou foi a minha liberdade, que eu tive de volta.
Ah... e sem medo de errar... hoje eu ganho bem mais do que os meus
colegas que ficaram no Banco
.
70
g) Quais foram os motivos que o levaram a se tornar proprietário do seu
próprio negócio?
“Esse lance de não ter de ficar nem “puxando o saco” de ninguém,
de ser livre e dono do meu próprio nariz. Além do que, eu sempre
acreditei que era capaz de ter o meu próprio negócio, sabe? Tinha
vontade de ser o patrão, e não o empregado. Se eu tivesse
continuado, quais seriam as minhas perspectivas? Um carrinho
popular... um apartamentinho “meia-boca”. Para ter mais teria de
bajular alguém. E isso estava fora de questão. Por isso resolvi montar
minha empresa. E olha que ela já tem vários anos de funcionamento.
h) O aprendizado adquirido ao longo do tempo em que fez parte do quadro
funcional do Banco do Brasil foi fundamental para empreender o seu
próprio negócio?
eu tenho que dar a mão à palmatória. Lá, naquela casa... aprendi
muito. Muito do certo e também muito do errado. Mas o principal que
aprendi foi que não para esquentar muito com a mudança. Não
ficava a mesma equipe nem por seis meses. Sempre alguém era
transferido, ou de setor ou de cidade. E o próprio serviço, as rotinas de
trabalho, etc... mudavam todos os dias. Então você fica versátil. E
aprende a conviver com pessoas de todos os tipos. Isso ajuda muito
no negócio próprio.”
i) O que significou para você tornar-se proprietário do seu próprio negócio?
Senti-me um escravo alforriado. Um ser humano de novo. (levanta-
se, abre os braços, sorri) Antes, eu era um robozinho que cumpria
as normas e executa tarefas que vinham todas padronizadas nos
manuais da direção geral.(imita um robô e ri muito) Impressionante
a dinâmica da empresa. Tem muito mais coisa para se fazer. Tem que
saber mexer com pessoal, com fornecedor, com vendedor, com
cliente. Tem que ser esperto. Mas é uma grande realização. Muito
71
bom mesmo ser o dono do próprio nariz. E saber que também estou
contribuindo para o desenvolvimento da minha comunidade. Porque
eu já sou importante na minha região. Eu não era ninguém, mas agora
tenho um grande conceito no bairro. Sou respeitado pelo que
construí. Tenho orgulho de dizer que a minha empresa é importante
para muita gente.
j) Quais as dificuldades mais freqüentes no ramos de atividade de seu
negócio?
Ah! tem dificuldade de todo tipo. Tem concorrente desleal. Tem
gente que pratica preço que não podia existir. Eu não sei como eles
não quebram. Mas o pior mesmo é a concorrência dos chineses. Eles
imitam com muita competência. O “pirata” está quase melhor que o
original. Nós temos que pagar imposto, mas o pirata não. E falando
em imposto, Virgem Santa! Como é que pode? (soca a mesa) Chega
final de mês o contador cansa de mandar conta para a gente pagar. É
muito imposto de renda, ICMS, RAIS, quem agüenta? E todo dia muda
alguma coisa. Bom, eu sabia que ia ter de matar um leão por dia.
Então não vou ficar só reclamando. (acalma-se e volta a sorrir) É até
bom. Dá uma realização grande saber que sobrevivi mais um dia
nesta selva que é o mercado.
k) De que forma você vem enfrentando estas dificuldades?
Eu sou um cara muito religioso e muito família. E sempre aprendi
dentro de casa que a vida não é fácil. Que precisa lutar muito. Na
minha família não tem rico de herança. Todos os que estão
remediados são batalhadores. Gente que não desanima na
dificuldade. Sofre o baque. Mas toca o barco. Sempre. E se precisar
um do outro, não tem briga que impeça um de ajudar o outro. E falo
financeiramente também. Agora, tudo o que a gente faz é pelos filhos,
pela esposa. Eu, graças a Deus sou um privilegiado. Eu sou um
abençoado. (balança a cabeça afirmativamente) Minha força vem da
minha família. É por eles que eu sempre dou um jeito nos problemas.
Desde pequeno eu era assim. Sempre achava um modo de passar
72
pelos problemas. Cada coisa que eu inventava para resolver as
coisas. pra rir e pra chorar. Mas eu tenho muita confiança em
mim mesmo. Mas não sou esnobe não. É que passei tanta coisa,
dentro e fora do banco, que eu sei que eu acabo encontrando um jeito
de passar pela dificuldade. Eu sinto o baque. Mas depois que passa o
primeiro impacto eu decido que vou resolver e parto pra briga. Tem
dado certo até hoje. E pode escrever aí, vai continuar dando se Deus
quiser.
4.1.4 Protocolo da entrevista do participante de pesquisa número quatro
a) Por quanto tempo trabalhou no Banco do Brasil?
Eu trabalhei no Banco do Brasil por 14 anos.
b) Que tipos de atividades desenvolveu durante o período em que fez parte do
quadro funcional do BB? Como você se sentia naquele ambiente?
Eu desenvolvi diversas atividades dentro do banco, porque no banco
a gente começa como escriturário. Eu comecei como escriturário,
depois eu fui trabalhar como fiscal do SETOP, o setor rural do banco...
depois eu pedi minha transferência para Londrina e vim parar no
centro de processamento de dados... eu voltei novamente para as
sessões estritamente... “escrituralísticas”, assim digamos. Depois aí eu
comecei a substituir os assistentes... e foi. Depois dessa época
eu pedi transferência para a agência Higienópolis, que é uma agência
vip, não é? E aí, tive, entre outras funções, a de caixa, depois fui
gerente de contas, que trabalha só com a elite da cidade. Cada
gerente tem uma carteira de cem clientes. É eu acho que é isso aí. Ah!
Eu cheguei a substituir também outras áreas de gerência de outro
escalão dentro da agência, mas foi por pouco tempo.
No banco, eu função da que eu professo, eu não me sentia muito
bem não, porque no banco você tem que cumprir as normas que vêm
73
lá da direção geral do banco e, para cumprir as normas, às vezes você
tem que faltar com a verdade. Nós tínhamos um relatório, o “deb708”,
aonde vinha ali os parâmetros que eram interessantes para o banco,
mas que não eram interessantes para os clientes, e a gente tinha que
vender para o cliente dizendo que era interessante para eles. Isso me
incomodava muito.
c) Quais foram as razões que o levaram a tomar a decisão de aderir ao PDV?
Uma coisa que foi importante é que, a despeito de eu ter um nculo
de trabalho de seis horas, eu trabalhava doze, quinze horas, eu
trabalhava fim-de-semana, porque a classe que eu atendia exigia isso.
Eles não se satisfaziam com o atendimento somente durante cinco
dias da semana... não... isso avançava para o sábado, para o
domingo, para o feriado. Além disso, tinha que ir a festas com eles,
pescarias... coisas assim que... para eles tudo bem, mas para mim
não servia.
d) Quais foram os sentimentos que emergiram quando você tomou esta
decisão?
Eu nunca me identifiquei muito com o banco. Eu gosto mais é de uma
coisa em que eu possa abstrair, decidir. Quando saí do banco senti
muita paz. Aquela coisa mecânica, repetitiva nunca fez muito meu
gênero. Então foi uma sensação boa sair do banco para realizar o meu
sonho.
e) Quais foram as conseqüências desta tomada de decisão em sua vida
pessoal?
No meu caso específico, a minha esposa sempre trabalhou também,
não é? Então as rendas se complementavam. Mas foi preciso fazer
um re-ordenamento severo. Eu passei no limite. Não necessidades,
74
mas andei no limite. Na verdade, quando você trabalha no banco,
você tem médico de graça... tratamento odontológico quase de
graça... salário que, se não chega a ser uma beleza, também não era
ruim; ticket disso, ticket daquilo. E saindo, as coisas mudam... a família
estava acostumada com um padrão. No mínimo, por algum tempo, o
padrão muda. E a correlação de forças em casa também. (sorrindo
ao referir-se à esposa).
f) O que mudou na sua vida a partir de então?
Eu passei por um processo de transformação. Passei a trabalhar para
mim mesmo. “Me dediquei” ao que era realmente o meu sonho. E
aprendi a viver sem o banco. Criei novas possibilidades sem ser
empregado.”
g) Quais foram os motivos que o levaram a se tornar proprietário do seu
próprio negócio?
Principalmente poder viver de acordo com os meus princípios. Viver
de acordo com o que manda a minha fé me reconforta e me anima. Eu
queria poder ser o meu próprio patrão para levar Deus para o meu
trabalho, sem a interferência de ninguém. Além disso, queria ter direito
de descansar no fim de semana.
h) O aprendizado adquirido ao longo do tempo em que fez parte do quadro
funcional do Banco do Brasil foi fundamental para empreender o seu
próprio negócio?
Ah foi! Eu não consigo ver o mundo sem o diferencial que o banco me
deu. Apesar de não ser economista, de não ser um financista, esse
conhecimento o banco deu. Eu fiz dezenove cursos dentro do banco.
Eu tenho um conhecimento que faz com que eu possa direcionar a
vida para cá e para lá, em função daquilo que eu aprendi.”
75
i) O que significou para você tornar-se proprietário do seu próprio negócio?
Significou a realização do meu desejo de ser o senhor do meu tempo.
Significou a possibilidade de me dedicar ao que estava realmente nos
meus planos. Eu queria realizar meus sonhos, a minha visão e para
isso eu precisava sair do banco e me dedicar.
j) Quais as dificuldades mais freqüentes no ramos de atividade de seu
negócio?
A concorrência desleal. Depois que eu abri o meu negócio, surgiram
onze... “onze” concorrentes (repete indignado, abandonando sua
postura calma e tranqüila). E praticando preços quase 70%
menores. fica complicado. Mas temos de enfrentar. No começo ia
tudo bem. Depois, um jingle pelo qual eu cobrava mil reais, tive que
passar a cobrar trezentos reais porque havia um concorrente cobrando
duzentos.
k) De que forma você vem enfrentando estas dificuldades?
A minha forma é não sofrer por antecedência. É você readequar.
Chegar em um momento e parar e dizer: eu estou percebendo este
quantum . Então eu tenho que enfrentar e viver este quantum. Se eu
tiver que me adaptar eu me adapto. Eu não tenho medo de enfrentar
coisas mais graves porque confio na ação de Deus e do Espírito
Santo. Foi assim que eu criei meus filhos e é assim que eu vivo. Então
a gente consegue sempre vencer. Mas eu sei de casos de pessoas
que até se suicidaram. Eu tenho um norte, onde no final do túnel, eu
vejo as palavras de Jesus: sem mim nada podeis fazer. Eu calco todo
o meu trajeto nas palavras dele. Dele vem a minha sustentação de
toda ordem. A metafísica para mim é forte. Ela é quase que tangível
para mim.
76
4.1.5 Protocolo da entrevista do participante de pesquisa número cinco
a) Por quanto tempo trabalhou no Banco do Brasil?
Por volta de dezoito anos.”
.
b) Que tipos de atividades desenvolveu durante o período em que fez parte do
quadro funcional do BB? Como você se sentia naquele ambiente?
Por volta de dois anos, dois anos e meio eu atuei em funções de
execução. Eu trabalhei em agência, depois no Centro de
Processamento, CESEC. Com mais ou menos dois anos e meio que
eu trabalhava no banco, eu fui nomeado assistente de supervisão, e
mais uns dois anos depois supervisor. No centro de processamento,
como supervisor, passei por todos os setores e... você gostaria que eu
discorresse sobre esses setores? Trabalhei inicialmente nos setores
que cuidavam da administração do edifício; no setor de malotes, que
na época se chamava Admec. (olhar cansado, voz compassada)
Enfim, nos setores assim de apoio, não é? Posteriormente passei para
os setores de produção, de atividades fins: conferência, serviço de
compensação de cheques, gravação, processamento, não é?
Convênios, impressoras, microinformática, enfim... foi mais ou menos
isso, mais ou menos...
Eu gostava do banco no início. Trabalhava na agência, não que eu
morresse de amores... mas eu me sentia confortável. Fui bem feliz.
c) Quais foram as razões que o levaram a tomar a decisão de aderir ao PDV?
Depois da agência, já no Cesec, eu acho que a gente tem que
reconhecer as limitações da gente. À medida que o cargo passou a
exigir algum tipo de relacionamento social, isso para mim começou a
pesar, a incomodar...ter que participar de eventos, representar o
banco ora em Curitiba, ora na Polícia Militar, por afora. Na
77
implantação da compensação eletrônica eu tinha que ficar dando
entrevista e isso não combina comigo. Eu não tenho perfil para isso.
Acho que eu sou... eu sou mesmo de retaguarda, sabe? Então eu não
me sentia confortável. Nos últimos anos agravou. Além das mudanças
constantes e de uma amplitude enorme, todos os dias, a gente nem
dava conta de se inteirar das mudanças. (expressão muito triste, de
sofrimento, tom de voz baixo) Associada a isso, nós tínhamos uma
administração que, a meu ver, era muito severa, muito exigente... a
gente acabava se sentindo sempre incompetente. Então era uma
pressão... eu não me sentia bem, tanto é que quando eu deixei o
banco, foi por absoluta falta de condições de continuar... não havia
mais jeito, eu estava nocauteado, me sentia um trapo, angustiado...me
foram feitas várias propostas interessantes... a principal que eu
considero foi a de ir para Brasília, para a Direção Geral...fazer pós-
graduação por conta do banco e permanecer nele, ou ir para uma
agência do exterior... eles não faziam a menor idéia do meu estado.
Eu já estava um trapo. Um verdadeiro trapo humano. Comecei a entrar
em licença-saúde, e isso nunca tinha me acontecido. Voltava,
trabalhava uma semana e não conseguia mais. Arrasado...arrasado
mesmo. Atualmente me perguntam se eu me arrependo de ter saído
do banco. A palavra não é essa. Eu não saí porque eu sonhava que
seria capaz de empreender alguma coisa mais interessante. Eu saí
por absoluta falta de condições de continuar mesmo. (descansa o
corpo, sustenta a cabeça com a mão e apóia o cotovelo sobre a
mesa) Deixei o cargo de supervisor. Passei a ser soldado raso. Muitos
colegas me disseram: não faça isso, não faça isso... Você acha que
nós também não temos dificuldades? Então saí no PDV.
d) Quais foram os sentimentos que emergiram quando você tomou esta
decisão?
Fiquei um ano e meio assim que meio sem rumo. O PDV... aquilo foi
para mim como a tábua de salvação. Eu estava desesperado. Eu
tive infarto mês passado. Então, foi uma tábua de salvação. (fecha os
olhos, silencia por um instante) Foi um alívio. Graças a Deus que
existiu o PDV. Então foi isso: primeiro alívio, a possibilidade de fazer
78
as coisas do meu jeito. Tudo o que eu for fazer vou fazer o melhor
possível. Se for um produto, vou fazer um produto que seja o melhor
possível.
e) Quais foram as conseqüências desta tomada de decisão em sua vida
pessoal?
As conseqüências foram a derrocada, total, completa, absoluta. Uma
completa tragédia. (balança repetidamente a cabeça) Depois disso a
minha vida acabou.”
.
f) O que mudou na sua vida a partir de então?
Por um bom tempo a gente viveu sem modificações, e esse é o
principal problema. Ao invés de baixar o padrão e gastar menos,
continuamos vivendo como se nada tivesse acontecido. E acaba. E
acaba e acaba. Você vende isso, você vende aquilo, e acaba, e
acaba. No começo foi assim normal. Depois foi uma coisa humilhante
de você alugar a sua própria casa. E mudar para um apartamentinho
para fazer algum dinheiro. E muda daqui e muda dali, muda para a
casa de sogra. E muda e muda e muda. E aluga e aluga e aluga. Por
fim, por último, vendi... eu tinha um apartamento na praia. Por fim,
vendemos a casa, que era financiada pela Previ, que eu já não pagava
muito tempo. Quitei e deu para comprar um apartamentinho. É o
que a gente tem não é? Mas aí, eu nunca imaginei que ia passar por
isso. Enquanto na torrefação não. Mas depois do supermercado, você
emite muitos cheques no supermercado, muitos cheques. E voltaram
horrores de cheques. Você fica mais sujo do que pau de galinheiro.
Você fala: eu sou honesto, eu sou correto. Mas como se você não
honra seus compromissos? Nego vem ali te fazer desaforo. Chega
segunda feira de manhã, tem ali aquela fila de credores. E eu não
conseguia mandar para dinheiro sequer para pagar o condomínio.
ficamos todo mundo à .(quase se desespera, mas de forma
contida, com a voz quase sumindo) Os meninos acostumados com
um padrão de vida. É... quantas vezes o mais novo mesmo voltou à pé
79
do Shopping Catuaí, porque não tinha mais carro para ir buscar.
Enfim, rapaz, o Rodolfo, este que está trabalhando aqui comigo,
ganhou bolsa para jogar tênis por uma faculdade americana, mas não
conseguimos o visto porque não pudemos comprovar renda, porque
não tinha um “gato para puxar pelo rabo”. No início tinha. Em dois mil
e três a minha esposa foi com o meu mais novo. Mas ali tinha um
patrimônio. Depois quando o outro conseguiu tudo nas provas de
inglês para poder ir, não deu. Aquela coisa humilhante, humilhante,
humilhante. (altera um pouco a voz, mas demonstra um sofrimento
muito grande no falar) Enfim, então você não quer ver mais ninguém.
Quando você encontra com alguém você tem que estar prestando
conta da sua vida porque é inevitável, né? Você quer sumir para não
ver ninguém. Então você passa a ter uma vida assim. a vida...
relacionamento marido e mulher... que não era essas coisas, virou
um lixo, um lixo. Aí, em 2003, eles foram para os Estados Unidos.
Ficaram um mês e não conseguiram trabalho. Então voltaram
embora correndo. , em novembro de 2004, ela foi para o Japão. Aí
eu estava em casa já. Tinha deixado o supermercado. Passei para o
meu irmão mais velho. Em seis meses ele baixou as portas e sumiu.
Aí chuva de ações para mim... trabalhistas, fiscal, e ameaçando. Bom,
mas isso tudo não é nada. (levanta as sobrancelhas, pára um
segundo, engole a saliva, balança a cabeça, enche os olhos de
lágrimas, e prossegue) O pior foi em janeiro de 2006, que o meu filho
se suicidou. Então de lá para cá, meu irmão, acabou...acabou...
acabou... (balança a cabeça, suspira, fecha os olhos) Ele tinha
dezoito. Mas ele estava fazendo faculdade de engenharia elétrica no
CEFET. Quando ele estava no segundo colegial ele fez o teste e
passou. Quando terminou o colegial foi lá e passou de novo. Eu fui, fui
e instalei ele. Eu achando que ele estava feliz e ele se enforcou.
Deixou um papel escrito em inglês, que eu achei num lixinho dele.
Então eu não sei se ele escreveu aquilo na época, naquele dia ou
quando. Depois eu descobri que ele meses antes pegou um livro de
enfermagem no CEFET para estudar. No livro ensinava como ter uma
parada cardíaca. Tinha uma anotação dele: KCL, cloreto de potássio,
parada cardíaca em dois minutos. Depois fez um desenho caprichado.
Parecia que ia publicar um livro sobre o assunto. Enfim, ele se
enforcou com o cinto. Era um garoto forte. Ele se enforcou numa
80
janela mais baixa que ele. Ele teve que se abaixar para morrer. (chora
contidamente) Eu não sei dizer para você se eu estou vivo, ou se... eu
preferia sinceramente não estar. (fala de olhos fechados,
pausadamente, com expressão de dor) Eu estou todo dia,
sinceramente, esperando um infarto, e eu sabia que eu ia ter... por
tudo o que a gente passa. Se eu tiver um infarto eu não vou procurar
socorro não, e eu tive mesmo. (faz cara de pouco caso) Mas enfim,
eu estava sozinho em casa, e percebi que era um infarto mesmo, na
última hora eu pedi socorro e fui para o Evangélico. O meu filho era
tímido, mido, mido, mas muito inteligente, inteligente,
inteligente...calado, calado, calado... Não tinha amigo, nada. Primeiro
lugar em boletim no Universitário. Mas não ligava. Eu tenho todas as
dores imagináveis do mundo. Eu queria ser extremamente amoroso.
Dar um abraço, dar um beijo... mas eu nunca fiz isso. (chora
novamente, mas não altera a voz) Então, eu vou te dizer duas
coisas: uma é minha. A outra é que um amigo me disse que saiu do
banco e descobriu que o banco o ensinou a ser honesto. Que ele
não sabia nada. A gente não sabe nada. Isso é uma verdade.
Aconteceu com a grande maioria que saiu do banco. É uma
ingenuidade achar que o mundo é inocente, é puro. Ele é podre.”
(com desprezo, contorce o rosto)
g) Quais foram os motivos que o levaram a se tornar proprietário do seu
próprio negócio?
Depois de muito tempo parado, eu comecei... você começa a se
preocupar. E vamos ler livro de pequenas empresas grandes
negócios, vamos fazer curso do SEBRAE. você se sente
incompetente. Nada. Nada que você ache rápido para fazer. vem o
desespero já. Aí... depois de um ano e meio, eu comecei a minha
vidinha de microempresário. Mas eu sabia. O próprio chefe me dizia.
Ele tinha uma loja no Shopping Com tour, e dizia: aqui no banco é
mais fácil, aqui é mais fácil. Então não era questão de ser ingênuo
não. Eu tinha consciência. Aí, depois de um tempo comprei uma
torrefação de café. na zona norte. E foi um desastre. Um desastre.
E depois comprei um... ainda com a torrefação, comprei um
81
supermercado em São José dos Pinhais. Minha família continuou aqui
e eu fui, né? Meu irmão entrou como sócio na torrefação de café, e
depois no mercado nós nos revezávamos. Mas lá, quando eu comprei
o mercado, eu não tinha mais capital de giro nenhum. Eu entrei
sabendo que seria muito difícil. Eu entrei esperando um milagre.
(sorri, resignado) Podia ser essa a porta que Deus está me abrindo
para eu sair do atoleiro. Mas não, não tem milagre. E então, deu no
que tinha que dar mesmo: um naufrágio completo. (balança a cabeça
devagar, com expressão contida de dor) Em torrefação foram seis
anos e com o supermercado três. Perdi tudo. Acabei com o meu
patrimônio e voltei para sem um centavo, sem renda, sem
dignidade... sabe? Sem manter mais conta em banco, sem manter
crédito em nada, enfim... o banco ligava pedindo para renovar o
cheque-ouro, precisa comprovar a renda. E eu dizia: não tem, não
tem. Você começa a pensar: quem sou eu? Quem sou eu? É horrível,
horrível, horrível. Então eu fiz aí um atacado de sentimentos. Mas fora
dessas questões profissionais, meu amigo, têm as questões pessoais,
né? Depois eu te conto.
h) O aprendizado adquirido ao longo do tempo em que fez parte do quadro
funcional do Banco do Brasil foi fundamental para empreender o seu
próprio negócio?
Em absolutamente nada. Nada. O que você aprendeu no banco
serve para o banco. Você vai fazer uma entrevista procurando
emprego, você ouve: eu não quero nem saber o que você fazia no
banco, pois não serve. Então, não serve, não serve. Eu me arrebentei
porque eu não conhecia o mercado. O mercado é muito diferente
daquilo que a gente aprende lá.
i) O que significou para você tornar-se proprietário do seu próprio negócio?
Aqui, neste negócio, já está fazendo um ano e meio que nós estamos
aqui, graças a esta cunhada que você viu, a coisa está indo bem. Uma
82
migalhinha aqui outra ali, estamos trabalhando à moda caipira.
sabe que está indo bem porque o estoquezinho está um pouco
melhor, porque entra um dinheirinho na conta. Mas não tenho controle
de coisa nenhuma e nem tenho vontade de ter. Então está indo bem
graças a Deus, pelo dinheiro sim, que é importante, mas
principalmente para ocupar o meu tempo. Estou ali fazendo um
“servicinho” de artesão ali. E é o que tem me ajudado. (durante a
descrição do seu negócio atual, sua expressão se alivia, esboça
um sorriso) A conseqüência de ter saído do banco, foi a derrocada.
Derrocada financeira, moral, afetiva e tudo mais.
j) Quais as dificuldades mais freqüentes no ramos de atividade de seu
negócio?
Agora, eu não tenho tido muitas dificuldades. As dificuldades mais
freqüentes são a modéstia do negócio, o meu desinteresse, pois eu só
estou sobrevivendo. Então, o negócio é tão modesto, e vai indo bem.
Mas eu te digo, para enfrentar dificuldades você precisa é de apoio.
k) De que forma você vem enfrentando estas dificuldades?
A outra coisa que eu ia dizer para você, me esqueci. Ah, agora eu me
lembrei o que eu ia dizer. A questão de você resistir à selva, ao
mercado, que tem todo tipo de predadores. Esta concepção é minha.
Mas eu tenho muito convicção. Tudo começa dentro da tua casa. Se
você sai de casa forte, você é forte para o mundo. Se você sai de casa
arrasado, você não consegue absolutamente nada. Eu cansei de ouvir
no Banco do Brasil, de sujeitos rigorosos, que eu era o melhor
funcionário do banco. No banco eu recebi elogio de tanto subordinado
como de superior. Mas eu nunca jamais me achei com algum valor.
Nunca, jamais. Quando pedi dispensa disseram que estavam
perdendo o Senna pela segunda vez. Enfim, gostavam, confiavam. Eu
nunca me achei nada. E eu sempre me achando um lixo, uma
porcaria, um incompetente. Então, porque eu saía de casa
nocauteado. Então, meu irmão, se você não tem essa coisa na sua
83
casa. Eu saía de casa humilhado, derrubado, reprovado. (faz
expressão de indignação, mas de forma serena descreve o
comportamento da esposa) E a esposa sorridente, feliz. Em casa era
aquela carrasca, que tirava os filhos da cama aos tapas. Pera lá...
pera lá, meu velho? Nunca via criatura fazer um afago. Mas, tá!
Então, a minha queda começou ali. O resto é conseqüência. Às vezes,
eu tenho vontade de largar tudo e sair correndo desse mundo. Não
faço, e acho que não vou fazer... tirar minha vida. Mas... a vida para
mim é um fardo! (aparenta estar muito cansado com a entrevista)
Um fardo nojento... A vida para mim é uma montanha de lixo, que eu
tento escalar e quando eu chego no topo eu escorrego. Eu saio na
sacada no domingo, da sacada, eu olho e é como se eu estivesse
caído em Bombaim, no Iraque. Então a minha capacidade de...
voltando à idéia inicial. Está certo. Ninguém é igual a ninguém.
Existem personalidades aguerridas, fortes, empreendedoras. Meu filho
é assim. O outro era um coitadinho. (muito triste)
4.2 Protocolos Codificados dos Participantes de Pesquisa
[...] Algumas épocas eu me sentia melhor, outras pior. Normal. [...]
Aproveitei um momento de ruptura que trouxe oportunidade para que
eu pudesse empreender uma atividade profissional como autônomo
[...] Alívio em primeira mão. Depois, é claro, uma certa preocupação
com o futuro. Mas eu sempre tive autoconfiança. Sempre estive certo
de que seria capaz de ser criativo o suficiente para me virar num
empreendimento próprio.
[...] mas eu tive tempo de pensar bem e percebi que o meu futuro era
ser meu próprio patrão. É... posso dizer que eu tive pouquíssima
insegurança... pouquíssima. Eu estava convicto da minha atitude. [...]
Porque ensina disciplina, respeito, a lidar com pessoas, e também tem
que saber conviver com mudanças. E quanta mudança tinha naquele
banco. [...] Eu sempre busco olhar o bom senso e a fundamentação
técnica e legal dos fatos [...] Desafios e dificuldades ocorrem, mas
nada é impossível de ser superado. Acho que a maioria das mudanças
são oportunidades para você conseguir algo. A mudança para mim é
sinônimo de oportunidade. É! Exceto se for uma mudança claramente
negativa. Ah, eu busco uma forma de sair do que é negativo e
superar... ultrapassar aquela dificuldade... achar uma alternativa de o
assunto... não ficar com ela amarrada... mas sempre busco refletir,
pensar, dialogar... é, conversar com outras pessoas envolvidas. [...]
acho que eu nunca fico pensando: isso é difícil; isso é impossível... eu
sempre por mais difícil que pareçam as coisas, não é isso que fica na
84
minha cabeça. Eu busco pensar alternativas positivas para superar as
dificuldades. Só isso.”
[...] Você sabe como é... tem que mudar toda hora... mas eu até que
gostava. para conhecer muita gente. Eu passei por outras cidades
também. Parecia cigano. [...] Eu tenho capacidade de me virar. Se eu
não der conta sozinho, minha família me socorre, me apóia.
[...] Eu sou um cara muito religioso e muito família. E sempre aprendi
dentro de casa que a vida não é fácil. Que precisa lutar muito. Na
minha família não tem rico de herança. Todos os que estão
remediados são batalhadores. Gente que não desanima na
dificuldade. Sofre o baque. Mas toca o barco”. Sempre. E se precisar
um do outro. Não tem briga que impeça um de ajudar o outro. E falo
financeiramente também. Agora, tudo o que a gente faz é pelos filhos,
pela esposa. Eu, graças a Deus, sou um privilegiado. Eu sou um
abençoado. Minha força vem da minha família. É por eles que eu
sempre dou um jeito nos problemas. Desde pequeno eu era assim.
Sempre achava um modo de passar pelos problemas. Cada coisa que
eu inventava para resolver as coisas. pra rir e pra chorar. Mas
eu tenho muita confiança em mim mesmo. Mas não sou esnobe não. É
que passei tanta coisa, dentro e fora do banco, que eu sei que eu
acabo encontrando um jeito de passar pela dificuldade. Eu sinto o
baque. Mas depois que passa o primeiro impacto eu decido que vou
resolver e parto pra briga. Tem dado certo até hoje. E pode escrever
aí, vai continuar dando se Deus quiser.
[...] A minha forma é o sofrer por antecedência. É você readequar.
Chegar em um momento e parar e dizer: “eu estou percebendo este
quantum” . Então eu tenho que enfrentar e viver este quantum”. Se
eu tiver que me adaptar eu me adapto. Eu não tenho medo de
enfrentar coisas mais graves porque confio na ação de Deus e do
Espírito Santo. [...] Fiquei um ano e meio assim que meio sem rumo.
O PDV... aquilo foi para mim como a bua de salvação. Eu estava
desesperado. Eu tive infarto mês passado. Então, foi uma tábua de
salvação. Foi um alívio. Graças a Deus que existiu o PDV.
4.3 Categorias Temáticas
A leitura recorrente dos protocolos codificados permitiu a
identificação dos seguintes temas, encontrados nos relatos das entrevistas:
1 - Capacidade de produzir, a partir de situações de enfrentamento
da adversidade, novas relações com o trabalho, que lhe sejam
satisfacientes e promovam o seu desenvolvimento pessoal e da
85
coletividade à sua volta (RUTTER, 1985) e capacidade de
construção positiva frente à adversidade (MUNIST et al., 1998).
2 - Avaliação da situação potencialmente ameaçadora ao bem estar
de forma primária ou secundária (BARLACH, 2005) = Copping
(YUNES; SZYMANSKI, 2001).
3 - Buffers ou influências que modificam, melhoram ou alteram a
resposta de uma pessoa a algum risco ambiental (RUTTER,
1985)
4 - Mobilização e ativação das suas capacidades de ser, estar, ter,
poder e querer, ou seja, pela sua capacidade de auto-regulação e
auto-estima (TAVARES, 2001).
5 - Necessidade de recriação de sua base estrutural de existência do
indivíduo e transformação ou transcendência que deve emergir do
enfrentamento de situação traumática ou adversa (BARLACH,
2005).
6 - Momento crucial ou ponto de inflexão, em que o indivíduo se torna
senhor da situação a partir de uma condição de vítima. Transição
da homeostase com a utilização de um processo de re-
configuração subjetiva e auto-reconstrução, para tornar-se
condutor do próprio destino (ASSIMAKOPOULOS, 2001;
BARLACH, 2005).
7 - Autoconfiança; gostar e aceitar mudanças; baixa ansiedade e alta
extroversão; autoconceito e auto-estima positivos; inteligência
emocional; criatividade; eficaz capacidade de resposta para
86
manter altos níveis de clareza, concentração, calma e orientação
frente a uma situação adversa (CARMELLO, 2004); processo
dinâmico de adaptação positiva às adversidades significativas.
Equilíbrio entre a tensão e a habilidade de lutar, além do
aprendizado obtido com os sofrimentos (LUTTAR; CICCHETTI;
BECKER, 2000); ajuste contínuo, visando manter um sincronismo
com as mudanças no ambiente, a avaliação e a seleção das
alternativas, num processo que se torna possível por meio da
auto-reformulação exigida por situações impactantes, das quais
esse indivíduo extrai valiosas lições e segue adiante (BARLACH,
2005).
4.4 AGRUPAMENTO DOS RELATOS DAS PESSOAS ENTREVISTADAS EM TEMAS POR QUADROS
TEMÁTICOS
Foram reproduzidos, depois dos quadros temáticos a que correspondem, trechos dos
discursos dos participantes de pesquisa. Estes relatos são identificados com as letra P (em
maiúsculo) seguidas do número correspondente ao participante de pesquisa, e letras d (em
minúsculo) seguidas do número correspondente a qual trecho do discurso daquele
participante correspondeu àquele quadro temático.
a) Capacidade de produzir, a partir de situações de enfrentamento da
adversidade, novas relações com o trabalho, que lhe sejam satisfacientes e
promovam o seu desenvolvimento pessoal e da coletividade à sua volta
(RUTTER, 1985) e Capacidade de construção positiva frente à adversidade
(MUNIST et al., 1998).
[...] Tenho menos tempo para mim mesmo e para a minha família,
mas me sinto mais realizado e mais bem-sucedido. A importância do
PDV na minha vida é que foi um momento de ruptura na atividade
profissional, que de certa forma garantia uma remuneração média,
naquela época... Hoje, pela situação econômica do país, passados
vários anos, quem continua tem uma situação muito estagnada, e a
minha melhorou muito, inclusive pessoalmente. [...] Vivo em condições
financeiras e pessoais melhores. Me sinto realizado por proporcionar
87
trabalho para muitas pessoas. E também pelo reconhecimento que o
“sucesso” gera. Não sinto nenhuma falta do tempo em que trabalhei
como empregado. Hoje sou empregado de mim mesmo. (Participante
número 1, trechos do discurso 1)
[...] Além disso eu dou emprego pra muita gente da minha família. E
isso não tem preço. Meu negócio é bem familiar. [...] Aquilo que a
gente tinha antes e a gente pensava que era muito bom... acabou
ficando “meia-boca”. Hoje o faturamento aumentou de quarenta a
cinqüenta por cento em função da mudança e jamais a gente
imaginaria naquela época que aquela mudança toda, que no momento
era péssima para a gente, fosse trazer tantos benefícios. (Participante
número 2, trechos do discurso 1)
[...] Mas eu sou muito mais feliz. Poucas vezes tive saudade do meu
tempo de empregado. Passei por poucas e boas. Mas a cada
perrengue fui ficando mais forte, mais calejado... e posso dizer até que
me acostumei com o ritmo de sobe e desce da vida de empresário.
Bom... eu viajo quando eu quero. Se quero ir para casa ficar com a
família, eu vou... se quero esticar o feriado eu estico. Enfim, o que
mais mudou foi a minha liberdade, que eu tive de volta. Ah... e sem
medo de errar... hoje eu ganho bem mais do que os meus colegas que
ficaram no Banco. [...] Impressionante a dinâmica da empresa. Tem
muito mais coisa para se fazer. Tem que saber mexer com pessoal,
com fornecedor, com vendedor, com cliente. Tem que ser esperto.
Mas é uma grande realização. Muito bom mesmo ser o dono do
próprio nariz. E saber que também estou contribuindo para o
desenvolvimento da minha comunidade. Porque eu sou importante
na minha região. Eu não era ninguém, mas agora tenho um grande
conceito no bairro. Sou respeitado pelo que construí. Tenho orgulho
de dizer que a minha empresa é importante para muita gente. [...]
uma realização grande saber que sobrevivi mais um dia nesta selva
que é o mercado. [...] É que passei tanta coisa, dentro e fora do
banco, que eu sei que eu acabo encontrando um jeito de passar pela
dificuldade. Eu sinto o baque. Mas depois que passa o primeiro
impacto eu decido que vou resolver e parto pra briga. (Participante
número 3, trechos do discurso 1)
[...] Significou a realização do meu desejo de ser o senhor do meu
tempo. Significou a possibilidade de me dedicar ao que estava
realmente nos meus planos. Eu queria realizar meus sonhos, a minha
visão e para isso eu precisava sair do banco e me
dedicar.(Participante número 4, trecho do discurso 1)
[...] Aqui, neste negócio, está fazendo um ano e meio que nós
estamos aqui, graças a esta cunhada que você viu, a coisa está indo
bem. Uma migalhinha aqui outra ali, estamos trabalhando à moda
caipira. sabe que está indo bem porque o estoquezinho está um
pouco melhor, porque entra um dinheirinho na conta. (Participante
número 5, trechos do discurso 1)
88
b) Avaliação da situação potencialmente ameaçadora ao bem estar de forma
primaria ou secundaria (BARLACH, 2005) = Copping (YUNES; SZYMANSKI,
2001).
Barlach (2005) revela que uma situação potencialmente ameaçadora ao bem-
estar de um indivíduo pode ser por ele avaliada de forma primária ou secundária.
Na forma primária qualifica o evento estressor em relação ao benefício, dano ou
perda, ameaça e desafio, e diz respeito ao risco potencial ao seu bem-estar. Na
forma secundária avalia: a expectativa de eficácia ou intenção de executar um
comportamento de resposta; a expectativa de resultados ou crença de que
determinado comportamento produzirá o resultado desejado; a expectativa de
estímulos, que diz respeito à ocorrência de eventos externos reforçadores; e a
expectativa de resposta ou crença sobre recompensas ou reações internas a
eventos.
- Forma primária:
[...] A importância do PDV na minha vida é que foi um momento de
ruptura na atividade profissional, que de certa forma garantia uma
remuneração média, naquela época [...] o Banco de uma hora para
outra fez um plano e pôs os funcionários em cheque... e fez com que
funcionários que tinham 20, 23 anos de casa, eu tinha onze anos de
casa, decidissem se aderiam ou não. Isso, lógico, traz para qualquer
funcionário, uma situação desconfortável. Porém, eu não fiz questão
muito da pressão que o Banco estava fazendo. (Participante de
pesquisa número 1, trechos de discurso 2)
[...] Na realidade... na realidade, eu saí do Banco quando na época a
gente considerava que era a melhor coisa do mundo na vida da
gente...aquilo criou assim, uma ansiedade, uma expectativa muito
grande [...] porque você fica naquela dúvida: será que sair do banco é
um bom negócio? Será que eu não vou passar por dificuldades?”
(Participante de pesquisa número 2, trechos de discurso 2 )
[...] Hum... no começo um frio na barriga. [...] Me senti meio que sem
pai nem mãe. [...] A ficha caiu doído. [...] A minha maior preocupação
era que eu tinha casado logo depois da saída do Banco. E aí? Como
sustentar a casa? [...] No começo, parece que as pessoas te valorizam
menos, porque você não faz mais parte de uma organização
importante. Às vezes eu me confundia com o Banco. Até me
chamavam de BB, de vez em quando. Na minha família foi uma
comoção. Minha mãe achou que eu estava ficando louco. Ela não
concebia que alguém que tivesse entrado no BB quisesse sair. Ela
achava que o BB ainda pagava bem, como no tempo do avô dela.
(Participante de pesquisa número 3, trechos de discurso 2)
89
[...] Houve os dois momentos, um da questão da incerteza de você
tomar coragem de ter uma atitude, em certo ponto drástica.”
(Participante de pesquisa número 4, trechos de discurso 2)
[...] Fiquei um ano e meio assim que meio sem rumo. (Participante de
pesquisa número 5, trecho de discurso 2)
- Forma secundária:
[...] Aproveitei um momento de ruptura que trouxe oportunidade para
que eu pudesse empreender uma atividade profissional como
autônomo, na minha área de contabilidade [...] Eu estava acabando de
me formar... foi muito coincidente... Foi mais um motivo assim de ou
vai ou racha... Eu não senti, em momento algum, dúvida se eu deveria
sair... O banco preferiu por de uma forma compulsória e apressada
para os funcionários decidirem se saíam ou não, mas eu tive tempo de
pensar bem e percebi que o meu futuro era ser meu próprio patrão.
É... posso dizer que eu tive pouquíssima insegurança... pouquíssima.
Eu estava convicto da minha atitude. (Participante de pesquisa
número 1, trecho de discurso 3)
[...] Mas no nosso caso, apesar de termos passado por algumas
dificuldades, a gente conseguiu manter o equilíbrio. Muito embora
pudesse alterar muito a nossa vida, mas a gente tava com algumas
alternativas. [...] Na verdade como a mudança foi radical, a primeira
medida que eu tomei assim depois que eu saí foi... eu tomei algumas
medidas, algumas precauções, quais sejam: eu diminuí as minhas
despesas... em vez de você morar numa casa de 220 m você passa a
morar com o seu pai ou com sua sogra... você deixa de ter dois carros
na garagem para ter um só... você deixa de comprar algumas coisas
que você comprava que na época que você tinha um emprego seguro,
você deixa de fazer... o que a maioria das pessoas não fizeram no
PDV... O que aconteceu: com isso, as pessoas passaram a ter, quer
dizer, continuaram a ter os mesmos gastos como se fossem
funcionários do banco, sem perceber que daquele dinheiro que ele
ganhou no acerto, ele estaria todo dia gastando aquele dinheiro que
uma hora iria acabar. (Participante de pesquisa número 2, trecho 3)
[...] Eu saí e me senti livre daquilo tudo. E pronto para encarar o
mundo. Hoje a luta é diária. Todo dia tem que ser competitivo,
trabalhar com um bom preço, com qualidade. (Participante de
pesquisa número 3, trecho 3)
[...] Na verdade, quando você trabalha no banco, você tem médico de
graça... tratamento odontológico quase de graça... salário que, se não
chega a ser uma beleza, também não era ruim; ticket disso, ticket
daquilo. E saindo, as coisas mudam... a família estava acostumada
com um padrão. No mínimo, por algum tempo, o padrão muda. E a
correlação de forças em casa também. (Participante de pesquisa
número 4, trecho de discurso 2)
90
[...] Depois de muito tempo parado, eu comecei... você começa
a se preocupar. E vamos ler livro de pequenas empresas grandes
negócios, vamos fazer curso do SEBRAE. (Participante de pesquisa
número 5, trecho de discurso 3)
c) Fatores de proteção ou buffers = influências que modificam, melhoram ou
alteram a resposta de uma pessoa a algum risco ambiental. (RUTTER, 1985)
[...] Eu estava acabando de me formar... foi muito coincidente... Foi
mais um motivo assim de ou vai ou racha... Eu não senti, em momento
algum, dúvida se eu deveria sair... (Participante de pesquisa número
1, trecho de discurso 4)
[...] e nesse momento, a força que eu tive da família foi fundamental...
porque você fica naquela dúvida: “será que sair do banco é um bom
negócio?” “será que eu não vou passar por dificuldades?” Aí eu
consultei minha família toda, meu pai,meu irmão, eles foram
fundamentais na minha vida. A única coisa que eles disseram para
mim foi: a única coisa que nós garantimos para você é que de fome
você não vai morrer não! Tome a decisão que você acha que é
correta. Isso que acabou me dando muita força para poder sair no
PDV. A decisão foi muito boa, mas com a força da família. [...] Se eu
não der conta sozinho, minha família me socorre, me apóia. Então,
não tem perigo não. Acho que significou minha liberdade, minha
realização, não é? Além disso, eu dou emprego pra muita da minha
família. E isso não tem preço. Meu negócio é bem familiar.
(Participante de pesquisa número 2, trecho de discurso 4)
[...] Eu sou um cara muito religioso e muito família. E sempre aprendi
dentro de casa que a vida não é fácil. Que precisa lutar muito. Na
minha família não tem rico de herança. Todos os que estão
remediados são batalhadores. Gente que não desanima na
dificuldade. Sofre o baque. Mas toca o barco. Sempre. E se precisar
um do outro. Não tem briga que impeça um de ajudar o outro. E falo
financeiramente também. Agora, tudo o que a gente faz é pelos filhos,
pela esposa. Eu, graças a Deus, sou um privilegiado. Eu sou um
abençoado. Minha força vem da minha família. É por eles que eu
sempre dou um jeito nos problemas. Desde pequeno eu era assim.
Sempre achava um modo de passar pelos problemas. Cada coisa que
eu inventava para resolver as coisa.”(Participante de pesquisa número
3, trecho de discurso 4)
[...] No banco, eu função da que eu professo, eu não me sentia
muito bem não, porque no banco você tem que cumprir as normas que
vêm lá da direção geral do banco e, para cumprir as normas, às vezes
você tem que faltar com a verdade. [...] Principalmente poder viver de
91
acordo com os meus princípios. Viver de acordo com o que manda a
minha fé me reconforta e me anima. Eu queria poder ser o meu
próprio patrão para levar Deus para o meu trabalho, sem a
interferência de ninguém. [..] Eu não tenho medo de enfrentar coisas
mais graves porque confio na ação de Deus e do Espírito Santo. Foi
assim que eu criei meus filhos e é assim que eu vivo. [...] Eu tenho um
norte, onde no final do túnel, eu vejo as palavras de Jesus: “sem mim
nada podeis fazer”. Eu calco todo o meu trajeto nas palavras dele.
Dele vem a minha sustentação de toda ordem. A metafísica para mim
é forte. Ela é quase que tangível para mim. (Participante de pesquisa
número 4, trecho de discurso 3)
[...] A questão de você resistir à selva, ao mercado, que tem todo tipo
de predadores. Esta concepção é minha. Mas eu tenho muito
convicção. Tudo começa dentro da tua casa. Se você sai de casa
forte, você é forte para o mundo. Se você sai de casa arrasado, você
não consegue absolutamente nada. Eu cansei de ouvir no Banco do
Brasil, de sujeitos rigorosos, que eu era o melhor funcionário do
banco. No banco eu recebi elogio de tanto subordinado como de
superior. Mas eu nunca, jamais, me achei com algum valor. Nunca,
jamais. Quando pedi dispensa disseram que estavam perdendo o
Senna pela segunda vez. Enfim, gostavam, confiavam. Eu nunca me
achei nada. E eu sempre me achando um lixo, uma porcaria, um
incompetente. Então, porque eu saía de casa nocauteado. Então,
meu irmão, se você não tem essa coisa na sua casa. Eu saía de casa
humilhado, derrubado, reprovado. E a esposa sorridente, feliz. Em
casa era aquela carrasca, que tirava os filhos da cama aos tapas.
“Pera lá... pera lá, meu velho?” Nunca via criatura fazer um afago.
Mas, “tá!” Então, a minha queda começou ali. O resto é conseqüência.
Às vezes, eu tenho vontade de largar tudo e sair correndo desse
mundo. Não faço, e acho que não vou fazer... tirar minha vida. Mas... a
vida para mim é um fardo! Um fardo nojento... A vida para mim é uma
montanha de lixo, que eu tento escalar e quando eu chego no topo
eu escorrego. Eu saio na sacada no domingo, da sacada, eu olho e é
como se eu estivesse caído em Bombaim, no Iraque. Então a
minha capacidade de... voltando à idéia inicial. “Tá” certo. Ninguém é
igual a ninguém. Existem personalidades aguerridas, fortes,
empreendedoras. Meu filho é assim. O outro era um coitadinho.”
(Participante de pesquisa número 5, trecho de discurso 4)
d) Mobilização e ativação das suas capacidades de ser, estar, ter, poder e
querer, ou seja, pela sua capacidade de auto-regulação e auto-estima.
(TAVARES, 2001);
[...] Mas eu sempre tive autoconfiança. Sempre estive certo de que
seria capaz de ser criativo o suficiente para me virar num
empreendimento próprio. [...] Não sei se poderia dizer... bom... eu me
decidi me tornar proprietário após um momento de reflexão e de
tomada de atitude mais efetiva, além dos limites da atividade como
bancário... [...] Vivo em condições financeiras e pessoais melhores. Me
92
sinto realizado por proporcionar trabalho para muitas pessoas. E
também pelo reconhecimento que o “sucesso” gera. Não sinto
nenhuma falta do tempo em que trabalhei como empregado. Hoje sou
empregado de mim mesmo. [...] É... eu sempre busco tomar atitudes
de forma fundamentada para que as coisas sejam feitas da forma
correta. Desafios e dificuldades ocorrem, mas nada é impossível de
ser superado. [...] Ah, eu busco uma forma de sair do que é negativo e
superar... ultrapassar aquela dificuldade... achar uma alternativa de o
assunto... não ficar com ela amarrada... mas sempre busco refletir,
pensar, dialogar... é, conversar com outras pessoas envolvidas. Eu
estou administrando uma empresa agora, por intervenção judicial.
Hoje mesmo eu tive uma dificuldade... liguei para um concorrente...
dessa empresa que eu estou administrando... que ele é conhecido
meu... ele me falou o que eu precisava! Por mais difícil que seja a
dificuldade, nenhuma é impossível de ser superada. [...] acho que eu
nunca fico pensando: isso é difícil; isso é impossível[...]”(Participante
de pesquisa número 1, trecho de discurso 5)
[...] a gente sempre colocava na cabeça assim... não se desesperar
muito, ter paciência. Por várias vezes quase que a gente entrou em
desespero. Mas tinha a alternativa do Japão e o apoio da família e a
gente não ficava tão desnorteado assim. [...] apesar de termos
passado por algumas dificuldades, a gente conseguiu manter o
equilíbrio. Muito embora pudesse alterar muito a nossa vida, mas a
gente tava com algumas alternativas. [...] eu tenho capacidade de ir
além disso. Então,t!” [...] Eu tenho capacidade de me virar. Se eu
não der conta sozinho, minha família me apóia [...] jamais a gente
imaginaria naquela época que aquela mudança toda, que no momento
era péssima para a gente, fosse trazer tantos benefícios. [...] E
sempre aprendendo com os problemas. É por isso que a gente
sempre fala que a gente tem que tomar como lição algumas coisas.”
(Participante de pesquisa número 2, trecho de discurso 5)
[...] Mas o problema começou quando o dinheiro acabou. Me senti
meio que sem pai nem mãe. Ainda não estava tendo retorno no novo
negócio e não tinha mais o salário, os empréstimos, as licenças-
prêmios, os décimos - terceiros. Ai, ai, ai. A ficha caiu doído. Bom, daí
amigo, tem que rebolar. Eu não sou quadrado. Não adianta ficar
choramingando pelo leite derramado. Tem que ir à luta. E isso sempre
foi comigo mesmo. Tanto que, “loguinho”, eu já estava confiante. [...]
Chega final de mês o contador cansa de mandar conta para a gente
pagar. É muito imposto de renda, ICMS, RAIS, quem agüenta? E todo
dia muda alguma coisa. Bom, eu sabia que ia ter de matar um leão por
dia. Então não vou ficar reclamando. É até bom. [...] pra rir e dá
pra chorar. Mas eu tenho muita confiança em mim mesmo. Mas não
sou esnobe não. É que passei tanta coisa, dentro e fora do banco,
que eu sei que eu acabo encontrando um jeito de passar pela
dificuldade. Eu sinto o baque. Mas depois que passa o primeiro
impacto eu decido que vou resolver e parto pra briga. Tem dado certo
até hoje. E pode escrever aí, vai continuar dando se Deus quiser.
(Participante de pesquisa número 3, trecho de discurso 5)
[...] Eu passei por um processo de transformação. Passei a trabalhar
para mim mesmo. “Me dediquei” ao que era realmente o meu sonho. E
aprendi a viver sem o banco. Criei novas possibilidades sem ser
93
empregado. [...] A minha forma é não sofrer por antecedência. É você
readequar. Chegar em um momento e parar e dizer: eu estou
percebendo este quantum. Então eu tenho que enfrentar e viver este
quantum. Se eu tiver que me adaptar eu me adapto. (Participante de
pesquisa número 4, trecho de discurso 4)
e) Necessidade de recriação de sua base estrutural de existência (do
indivíduo). Transformação ou transcendência que deve emergir do
enfrentamento de situação traumática ou adversa (BARLACH, 2005).
[...] A gente quase entrou em desespero porque era o melhor
comércio que a gente tinha, então a gente quase entrou em
desespero. Hoje a gente pensa assim que existem coisas
acontecem... existem males que vêm para o bem. E nessa a gente
acabou mudando, porque tivemos que mudar em função desse evento
desagradável que aconteceu. Na verdade essa mudança nos trouxe
benefícios muito grandes. (Participante de pesquisa número 2, trecho
do discurso 6)
f) Momento crucial ou ponto de inflexão, em que o indivíduo se torna senhor
da situação a partir de uma condição de vítima. Transição da homeostase
com a utilização de um processo de re-configuração subjetiva e auto-
reconstrução, para tornar-se condutor do próprio destino
(ASSIMAKOPULOS, 2001; BARLACH, 2005).
[...] Aproveitei um momento de ruptura que trouxe oportunidade para
que eu pudesse empreender uma atividade profissional como
autônomo, na minha área de contabilidade. (Participante de pesquisa
número 1, trecho do discurso 7)
[...] Mas no final, minha paciência já não dava conta de tanta pressão
da direção geral do Banco. Muita chateação. Mas isso é coisa do
passado. Não que o banco não fosse bom para a gente. Mas da forma
como que estava se encaminhando, eu ficaria estagnado e não teria
como crescer. [...] Começaram a pegar demais no pé... começou a me
dar nos nervos... Comecei a não dormir... Se não fizesse isso poderia
ser transferido... se não fizesse aquilo, poderia ser despedido. Quem
agüenta isso? Não tinha mais horário de saída... e tem a família, né?
Como deixar o povo em casa sempre em segundo lugar? [...] Tome a
decisão que você acha que é correta. Isso que acabou me dando
muita força para poder sair no PDV. A decisão foi muito boa, mas com
a força da família. (Participante de pesquisa número 2, trecho do
discurso 7)
94
[...] Bom... eu aproveitei o horário do centro de processamento, que
era noturno né? ... para estudar. Fiz UEL, e então quando o PDV
chegou com aquela pressão toda...quem não aderir vai ser transferido
para o “interiorzão”... para o nordeste... ou então vai ser demitido... Eu
nem quis saber... aderi mesmo. Com a grana do incentivo, bem que
deu para construir uma casa e sair do aluguel. A vida mudou um
bocado. Eu estava cheio de ver tantas pessoas incompetentes,
por ter um “carguinho” de nada, ficar esnobando as outras. Eu vi
cada coisa neste Banco do Brasil. Você nem acreditaria! Eu quis
mesmo foi montar o meu próprio negócio. E o PDV veio bem a calhar.
Para cada um dos treze anos de serviço eu ganhei o equivalente a um
salário da época. Foi um bom de meia (Participante de pesquisa
número 3, trechos do discurso 7)
[...] Eu nunca me identifiquei muito com o banco. Eu gosto mais é de
uma coisa em que eu possa abstrair, decidir. Quando saí do banco
senti muita paz. Aquela coisa mecânica, repetitiva nunca fez muito
meu gênero. (Participante de pesquisa número 4, trechos do discurso
5)
[...] Fiquei um ano e meio assim que meio sem rumo. O PDV...
aquilo foi para mim como a tábua de salvação. Eu estava
desesperado. Eu tive infarto mês passado. Então, foi uma tábua de
salvação. Foi um alívio. Graças a Deus que existiu o PDV. Então foi
isso: primeiro alívio, a possibilidade de fazer as coisas do meu jeito.
Tudo o que eu for fazer vou fazer o melhor possível. Se for um
produto, vou fazer um produto que seja o melhor possível.
(Participante de pesquisa número 5, trecho do discurso 7)
g) Processo dinâmico de adaptação positiva às adversidades significativas.
Equilíbrio entre a tensão e a habilidade de lutar, além do aprendizado obtido com
os sofrimentos (LUTTAR; CICCHETTI; BECKER, 2000); Autoconfiança; gostar e
aceitar mudanças; baixa ansiedade e alta extroversão; autoconceito e auto-
estima positivos; inteligência emocional; criatividade; eficaz capacidade de
resposta para manter altos níveis de clareza, concentração, calma e orientação
frente a uma situação adversa. (CARMELLO, 2004); Ajuste contínuo, visando
manter um sincronismo com as mudanças no ambiente, a avaliação e a seleção
das alternativas, num processo que se torna possível por meio da auto-
reformulação exigida por situações impactantes, das quais esse indivíduo extrai
valiosas lições e segue adiante (BARLACH, 2005).
[...] Na minha trajetória como empreendedor, sim, houve.. É possível
lembrar de coisas ruins... mas eu prefiro focar nos fatos positivos...
houve centenas ou dezenas de fatos positivos que são mais rotineiros.
Eu sempre busco olhar o bom senso e a fundamentação técnica e
95
legal dos fatos... de vez em quando, na minha atividade, a gente faz
alguma atividade como auxiliar de juiz, e a pessoa, ela se sente infeliz
com o resultado da perícia, e ela entra com uma ação contra você. No
começo, eu achava isso um absurdo. Onde se viu alguém entrar
com uma ação contra mim. Mas depois eu fiquei sabendo que isso
acontece até contra o juiz. O juiz julga uma ação e a pessoa entra com
uma ação contra ele porque achou que foi parcial. Então na primeira,
na segunda ou na terceira eu achei muito ruim. Eu nunca perdi
nenhuma dessas ações... pelo contrário... eu até ganhei algumas
delas. Não é? Existem outras situações marcantes, por exemplo: uma
sócia teve que se mudar de Londrina. Eu entendi profissionalmente
que ela deveria ir embora, porque, por mais que ela fosse boa
profissional, não teria como eu ficar segurando ela aqui, ela iria se
sentir frustrada e isso afetaria a situação de trabalho. [...] É... eu
sempre busco tomar atitudes de forma fundamentada para que as
coisas sejam feitas da forma correta. Desafios e dificuldades ocorrem,
mas nada é impossível de ser superado. Acho que a maioria das
mudanças são oportunidades para você conseguir algo. A mudança
“pra” mim é sinônimo de oportunidade. É! Exceto se for uma mudança
claramente negativa. Ah, eu busco uma forma de sair do que é
negativo e superar... ultrapassar aquela dificuldade... achar uma
alternativa de o assunto... não ficar com ela amarrada... mas sempre
busco refletir, pensar, dialogar... é, conversar com outras pessoas
envolvidas. Eu estou administrando uma empresa agora, por
intervenção judicial. Hoje mesmo eu tive uma dificuldade... liguei para
um concorrente... dessa empresa que eu estou administrando...
que ele é conhecido meu... ele me falou o que eu precisava! Por mais
difícil que seja a dificuldade, nenhuma é impossível de ser superada. E
mudanças; tem essas impositivas, de cima para baixo, como a do
banco... como as do governo... ou mesmo as do judiciário... acho que
eu nunca fico pensando: isso é difícil; isso é impossível... eu sempre
por mais difícil que pareçam as coisas, não é isso que fica na minha
cabeça. Eu busco pensar alternativas positivas para superar as
dificuldades. isso! (Participante de pesquisa número 1, trecho do
discurso 8)
[...] Na minha vida empresarial, algum tempo atrás eu tive uma
dificuldade numa dessas parcerias que a gente faz para montar esses
comércios... e eu tive uma desonestidade por parte de um parceiro. A
gente quase entrou em desespero porque era o melhor comércio que
a gente tinha, então a gente quase entrou em desespero. Hoje a gente
pensa assim que existe coisas acontecem... existem males que vêm
para o bem. E nessa a gente acabou mudando, porque tivemos que
mudar em função desse evento desagradável que aconteceu. Na
verdade essa mudança nos trouxe benefícios muito grandes. Tanto é
que os amigos da gente, os colegas da gente, ao perceberem a
gravidade do problema, começaram a nos oferecer pontos para a
gente abrir esse comércio. Aquilo que a gente tinha antes e que a
gente pensava que era muito bom... acabou ficando meia-boca. Hoje
o faturamento aumentou de quarenta a cinqüenta por cento em
função da mudança e jamais a gente imaginaria naquela época que
aquela mudança toda, que no momento era péssima para a gente,
fosse trazer tantos benefícios. [...] Com o apoio da família e com fé em
Deus. E sempre aprendendo com os problemas. É por isso que a
gente sempre fala que a gente tem que tomar como lição algumas
96
coisas que a gente pensa que está sendo passado trás, às vezes são
obstáculos assim da vida para que você cresça cada vez mais. [...] A
questão da credibilidade é assim: as pessoas falam que você montou
um comércio e tua casa está sempre cheia. A gente vai perceber
depois de muito tempo. Eu tenho muitos clientes, amigos meus, que
eu conheci 30 anos atrás, vinte anos atrás. Então a gente criou
uma carteira de clientes, não do produto em que você vende, mas da
tua imagem, da tua honestidade. As pessoas vão saber que você vai
vender uma coisa correta, uma coisa honesta. Então isto é muito mais
valiosa do que você saber fazer um produto ou um serviço. Eu sempre
falo assim para os meus filhos: nós temos sempre que cultivar isto.
Fazer o bem a vida inteira para você ter esse capital. O teu capital
mais valioso são as pessoas que integram a tua vida. As pessoas
saberem que você é honesto, é correto, então você forma uma carteira
de clientes pelo resto da vida. Então eu acho que isso está fazendo
diferença para a gente. (Participante de pesquisa número 2, trechos
do discurso 8)
[...] Mas eu sempre tive esperança no futuro. Eu queria moldar o meu
futuro e não ser detonado por ele. Por isso, corri atrás. Bom, você
pode ver que deu certo. Se eu ainda estivesse no Banco estaria
“caindo pela tabela”, como tantos colegas que ficaram. Foi difícil no
começo... mas valeu muito à pena. [...] Eu tive que aprender a me
virar sem a “muleta” do salário, não é? Sem aquela segurança do
dinheiro “pingando todo mês”. É bacana conseguir viver sem ter que
me sentir preso a nada. [...] eu tenho que dar a mão à palmatória.
Lá, naquela casa... aprendi muito. Muito do certo e também muito do
errado. Mas o principal que aprendi foi que não para esquentar
muito com a mudança. Não ficava a mesma equipe nem por seis
meses. Sempre alguém era transferido, ou de setor ou de cidade. E o
próprio serviço, as rotinas de trabalho, etc... mudavam todos os dias.
Então você fica versátil. E aprende a conviver com pessoas de todos
os tipos. Isso ajuda muito no negócio próprio. [...] Ah! tem
dificuldade de todo tipo. Tem concorrente desleal. Tem gente que
pratica preço que não podia existir. Eu não sei como eles não
quebram. Mas o pior mesmo é a concorrência dos chineses. Eles
imitam com muita competência. O pirata está quase melhor que o
original. Nós temos que pagar imposto, mas o pirata não. E falando
em imposto, virgem santa. Como é que pode? Chega final de mês o
contador cansa de mandar conta para a gente pagar. É muito imposto
de renda, ICMS, RAIS, quem agüenta? E todo dia muda alguma coisa.
Bom, eu sabia que ia ter de matar um leão por dia. Então não vou ficar
só reclamando. É até bom. Dá uma realização grande saber que
sobrevivi mais um dia nesta selva que é o mercado. [...] Eu sou um
cara muito religioso e muito família. E sempre aprendi dentro de casa
que a vida não é fácil. Que precisa lutar muito. Na minha família não
tem rico de herança. Todos os que estão remediados são
batalhadores. Gente que não desanima na dificuldade. Sofre o baque.
Mas toca o barco. Sempre. E se precisar um do outro. Não tem briga
que impeça um de ajudar o outro. E falo financeiramente também.
Agora, tudo o que a gente faz é pelos filhos, pela esposa. Eu, graças a
Deus um privilegiado. Eu sou um abençoado. Minha força vem da
minha família. É por eles que eu sempre dou um jeito nos problemas.
Desde pequeno eu era assim. Sempre achava um modo de passar
pelos problemas. Cada coisa que eu inventava para resolver as
97
coisas. pra rir e pra chorar. Mas eu tenho muita confiança em
mim mesmo. Mas não sou esnobe não. É que passei tanta coisa,
dentro e fora do banco, que eu sei que eu acabo encontrando um jeito
de passar pela dificuldade. Eu sinto o baque. Mas depois que passa o
primeiro impacto eu decido que vou resolver e parto pra briga. Tem
dado certo até hoje. E pode escrever aí, vai continuar dando se Deus
quiser. (Participante de pesquisa número 3, trechos do discurso 8)
[...] A minha forma é o sofrer por antecedência. É você readequar.
Chegar em um momento e parar e dizer: eu estou percebendo este
quantum”. Então eu tenho que enfrentar e viver este “quantum”. Se eu
tiver que me adaptar eu me adapto. (Participante de pesquisa número
4, trecho de discurso 5)
4.4.5 Preenchimento de Quadros Temáticos com Análise Estrutural das Descrições
das Experiências Vividas pelos Participantes Da Pesquisa
Discurso na
linguagem do
participante
Categoria
aberta
Rede de
significados
Asserções
articuladas do
discurso
[...] me sinto mais
realizado e mais
bem-sucedido [...]
minha melhorou
muito, inclusive
pessoalmente. [...]
Vivo em condições
financeiras e
pessoais melhores.
Me sinto realizado
por proporcionar
trabalho para
muitas pessoas. E
também pelo
reconhecimento
que o sucesso
gera. (P. 1)
Novas
relações de
trabalho
P2.d1; P3.d1;
P5.d1.
Este
participante da
pesquisa
apresentou
uma alta
capacidade de
construção
positiva frente à
adversidade e
foi capaz de
produzir
relações muito
satisfatórias
com o trabalho
após sua
adesão ao
PDV.
98
[...] aquilo criou
assim, uma
ansiedade, uma
expectativa muito
grande [...] porque
você fica naquela
dúvida: será que
sair do banco é um
bom negócio? Será
que eu não vou
passar por
dificuldades?”
(P2.d2)
Avaliação
primária ou
secundária da
adesão ao
PDV
P1.d2; P3.d2;
P5.d2.
O futuro do
participante é
avaliado em
relação ao
impacto das
conseqüências
da decisão de
se tornar
desempregado.
[...] a força que eu
tive da família foi
fundamental [...]
minha família toda,
meu pai, meu
irmão, eles foram
fundamentais na
minha vida.”
(P2.d4)
Buffrer’s ou
fatores de
proteção são
influências
que
modificam,
melhoram ou
alteram a
resposta de
uma pessoa a
algum risco
ambiental.
P1.d4; P3.d4;
P4.d3;P5.d5.
A maneira
utilizada pelo
participante de
pesquisa para
enfrentar
dificuldades e
tomar decisões
difíceis é
buscar o
conselho e o
apoio da
família.
[...] Mas eu
sempre tive
autoconfiança.
Sempre estive
certo de que seria
capaz de ser
criativo o suficiente
para me virar num
empreendimento
próprio. [...] É... eu
sempre busco
tomar atitudes de
forma
fundamentada para
que as coisas
sejam feitas da
forma correta.
Desafios e
dificuldades
ocorrem, mas nada
é impossível de ser
superado. [...] Ah,
eu busco uma
forma de sair do
que é negativo e
superar...
ultrapassar aquela
Mobilização e
ativação das
suas
capacidades
de ser, estar,
ter, poder e
querer, ou
seja, pela sua
capacidade
de auto-
regulação e
auto-estima;
Transformaçã
o ou
transcendênci
a que deve
emergir do
enfrentament
o de situação
traumática ou
adversa
P2.d5; P3.d5.
Características
próprias do
caráter do
participante são
decisivas para
o
enfrentamento
ou
transcendência
das
dificuldades.
99
dificuldade... achar
uma alternativa de
o assunto... não
ficar com ela
amarrada... mas
sempre busco
refletir, pensar,
dialogar... é!,
conversar com
outras pessoas
envolvidas.
(P1.d5)
[...] A gente quase
entrou em
desespero porque
era o melhor
comércio que a
gente tinha, então
a gente quase
entrou em
desespero. Hoje a
gente pensa assim
que existe coisas
acontecem...
existem males que
vêm para o bem. E
nessa a gente
acabou mudando,
porque tivemos que
mudar em função
desse evento
desagradável que
aconteceu. Na
verdade essa
mudança nos
trouxe benefícios
muito grandes.”
(P2.d6)
Necessidade
de recriação
de sua base
estrutural de
existência do
indivíduo.
A nova
condição do
participante,
não podendo
mais contar
com a
estabilidade do
seu salário,
obriga-o a re-
estruturar
profundamente
sua forma de
viver.
[...] Aproveitei um
momento de
ruptura que trouxe
oportunidade para
que eu pudesse
empreender uma
atividade
profissional como
autônomo, na
minha área de
contabilidade.
(P1.d 7)
Momento
crucial ou
ponto de
inflexão, em
que o
indivíduo se
torna senhor
da situação a
partir de uma
condição de
vítima.
Transição da
homeostase
com a
P2.d7; P3.d7;
P4.d5; P5.d7.
A condição de
vítima das
circunstâncias
é ultrapassada
quando o
participante
toma,
efetivamente,
atitudes para
mudar sua
situação.
100
utilização de
um processo
de re-
configuração
subjetiva e
auto-
reconstrução,
para tornar-se
condutor do
próprio
destino.
[...] Na minha
trajetória como
empreendedor, sim
“houveram”. É
possível lembrar de
coisas ruins... mas
eu prefiro focar nos
fatos positivos...
houve centenas ou
dezenas de fatos
positivos que são
mais rotineiros. Eu
sempre busco olhar
o bom senso e a
fundamentação
técnica e legal dos
fatos... [...] É eu
sempre busco
tomar atitudes de
forma
fundamentada para
que as coisas
sejam feitas da
forma correta.
Desafios e
dificuldades
ocorrem, mas nada
é impossível de ser
superado. Acho
que a maioria das
mudanças são
oportunidades para
você conseguir
algo. A mudança
“pra” mim é
sinônimo de
oportunidade. É!
Exceto se for uma
mudança
claramente
negativa. Ah, eu
busco uma forma
de sair do que é
Processo
dinâmico de
adaptação
positiva às
adversidades
significativas.
Equilíbrio
entre a
tensão e a
habilidade de
lutar, além do
aprendizado
obtido com os
sofrimentos.
Autoconfiança
; gostar e
aceitar
mudanças;
baixa
ansiedade e
alta
extroversão;
auto-conceito
e auto-estima
positivos;
inteligência
emocional;
criatividade;
eficaz
capacidade
de resposta
para manter
altos níveis
de clareza,
concentração,
calma e
orientação
frente a uma
situação
adversa;
Ajuste
contínuo,
visando
P2.d8; P3.d8;
P4.d5.
O dia-a-dia do
participante de
pesquisa é
marcado por
uma dinâmica
de eventos que
exigem
constante
adaptação e
reconfiguração.
101
negativo e
superar...
ultrapassar aquela
dificuldade... achar
uma alternativa de
o assunto... não
ficar com ela
amarrada... mas
sempre busco
refletir, pensar,
dialogar... é!,
conversar com
outras pessoas
envolvidas. [...] Por
mais difícil que seja
a dificuldade,
nenhuma é
impossível de ser
superada. E
mudanças; tem
essas impositivas,
de cima para baixo,
como a do banco...
como as do
governo... ou
mesmo as do
judiciário... acho
que eu nunca fico
pensando: isso é
difícil; isso é
impossível... eu
sempre por mais
difícil que pareçam
as coisas, não é
isso que fica na
minha cabeça. Eu
busco pensar
alternativas
positivas para
superar as
dificuldades [...]
(P1.d8)
manter um
sincronismo
com as
mudanças no
ambiente, a
avaliação e a
seleção das
alternativas,
num processo
que se torna
possível por
meio da auto-
reformulação
exigida por
situações
impactantes,
das quais
esse
indivíduo
extrai valiosas
lições e
segue
adiante.
Quadro 2 - Análise estrutural das descrições das experiências vividas pelos participantes da
pesquisa.
Fonte: Adaptado de Silva (2006)
102
6 CONCLUSÃO
O objetivo desta dissertação foi compreender o processo de resiliência por meio dos
relatos das experiências vividas por empreendedores que trabalhavam no Banco do
Brasil e aderiram o programa de demissão voluntária PDV, em 1995.
Especificamente, buscou-se relatar as trajetórias de vida dos empreendedores;
descrever o impacto do programa de demissão voluntária em suas vidas; e desvelar,
nos relatos das experiências vividas pelos empreendedores investigados, processos
indicativos de resiliência.
Quanto à trajetória de vida, para a maioria dos participantes da pesquisa, a vida que
desfrutam atualmente é melhor do que a que tinham quando funcionários do Banco
do Brasil. Todos estão administrando seus negócios e, na maioria, estão confiantes
em relação ao futuro e certos de terem tomado a decisão correta quando deixaram o
Banco do Brasil e aderiram ao PDV. As suas vidas o têm sido poupadas de
dificuldades, nem tampouco, de eventos estressantes. Entretanto, com menor ou
maior facilidade, estão conseguindo transpor as barreiras que se lhes apresentam.
Sentem-se mais realizados e mais bem-sucedidos, proporcionam trabalho para
muitas pessoas e são reconhecidos positivamente pela sociedade. Apenas um
participante de pesquisa considera, atualmente, que a sua trajetória de vida é
negativa e cheia de reveses. Isto, apesar de ter considerado a decisão de sair do
Banco do Brasil uma “tábua de salvação” no momento em que fez a adesão ao PDV.
Este participante relata uma série de desventuras profissionais que se seguiram à
sua transição de empregado para empreendedor, com sucessivas derrotas
comerciais nos empreendimentos que iniciou.
A investigação do impacto do PDV nas suas vidas foi reveladora de um momento
inicial muito difícil para os participantes de pesquisa. Os sentimentos iniciais
relatados são de medo, insegurança e nervosismo. Somente quando empreenderam
seus próprios negócios é que surgiram os primeiros sinais de conforto e esperança.
Mas foram necessárias muitas e profundas alterações nos modos de vida dos
participantes e seus familiares, em conseqüência da adesão ao PDV. Diminuição de
103
despesas, corte de supérfluos, mudança de moradia, venda de bens, entre outras,
foram providências que tiveram que ser tomadas como conseqüência da saída do
Banco do Brasil. Essa readequação inicial foi sendo alterada na medida em que os
novos negócios, criados pelos egressos, começaram a se desenvolver. Num
segundo momento, os bens e os serviços suprimidos inicialmente foram retomados e
até mesmo ampliados. A avaliação da maioria dos participantes da pesquisa é que o
processo de desligamento é muito difícil no começo, por uma quase onipresença da
instituição nas suas vidas. A conquista de uma nova relação satisfatória com o
trabalho deu-se com o ato de empreender o próprio negócio, para a maioria dos
participantes de pesquisa. Entretanto, novamente, um deles relata o impacto de
forma diferente, referindo-se a ele como “derrocada, total, completa, absoluta.
Nos relatos das experiências vividas dos participantes da pesquisa foram revelados
indícios claros de comportamento resiliente, consoante com a literatura pesquisada.
Para atingirem a condição atual, os participantes de pesquisa relataram muitos
enfrentamentos, mudanças, adversidades e eventos estressantes nas suas
trajetórias de vida e como empreendedores. As formas como disseram enfrentar
estas dificuldades permitiram reconhecer em seus relatos: capacidade de construção
positiva frente às adversidades; produção de relações satisfatórias com o trabalho
após o PDV; avaliações primárias e secundárias do impacto das conseqüências dos
eventos negativos nas suas vidas; a utilização de fatores de proteção ou buffer’s,
notadamente o apoio da família; capacidade de auto-regulação e auto-estima;
transformação ou transcendência que emergiu do enfrentamento de situação
traumática ou adversa; reestruturações profundas na forma de viver; ultrapassagem
da condição de vítima das circunstâncias; e constante adaptação e reconfiguração
diante da dinâmica de eventos negativos que caracterizam o seu dia-a-dia como
pessoas e como empreendedores.
Novamente, destaca-se o relato de um participante de pesquisa, em especial: o que
revela um desencantamento total com a vida após a sua saída do Banco do Brasil.
Porém, esta pessoa não considera que a sua “derrocada” tenha relação com
despreparo técnico ou profissional, porquanto tenha desenvolvido uma carreira
brilhante enquanto estava trabalhando como empregado. Mas considera sim que os
104
efeitos de uma situação familiar refletiram-se na sua vida profissional de uma
forma muito forte. O seu pesar e a sua incongruência com os eventos com os quais
teve que se defrontar são creditados à ausência de condições familiares
estruturantes, justamente um tipo de buffer ou fator de proteção. Fatores de proteção
são conceitos associados e componentes do comportamento resiliente, aparecendo
vinculados aos fatores de risco. Esta situação agravou-se muito depois do evento do
suicídio de seu filho mais novo. Dos participantes da pesquisa, este é o que mais
ascendera na carreira no Banco do Brasil, e também o que passara o segundo maior
tempo nos quadros funcionais da instituição: dezoito anos. De forma velada,
creditou a morte do filho à deterioração das condições de vida após a sua saída do
Banco do Brasil. Mostrou um sentimento de culpa muito forte, que lhe consome a
alegria e o entusiasmo. Foi um relato carregado de emoções, uma vez que o
pesquisador participara de sua trajetória de vida, sendo ele mesmo um egresso do
Banco do Brasil, pelo instrumento do PDV. A relação de amizade e confiança
estabelecida nos anos em que foram colegas de trabalho facilitou a comunicação e a
sinceridade da experiência da entrevista. Foi difícil encontrar um ex-colega de
trabalho, que, outrora, irradiava simpatia, alegria e contentamento, numa condição
tão lastimável. O fato de que o pesquisador tenha vivenciado experiências parecidas
com as dos participantes de pesquisa foram, ao mesmo tempo, facilitadoras e
dificultadoras desta investigação científica. As dificuldades decorrentes do fato estão
apontadas nas limitações da pesquisa.
A resiliência é um campo de estudos pouco explorado, o que ficou constatado pela
dificuldade em encontrar, na revisão da literatura desta dissertação, estudos que
correlacionem este conceito com as formas como as pessoas agem diante dos
enfrentamentos, mudanças e eventos estressantes nas organizações. A ampla rede
de conexões possíveis entre a resiliência e outros conceitos, como a criatividade e a
adaptação positiva, que procuram explicar as atitudes das pessoas na condução dos
seus negócios, dificultou a delimitação da pesquisa, pois a literatura disponível sobre
resiliência costuma descrever os seus componentes, sem, contudo, abranger toda a
complexidade do processo.
105
A investigação fenomenológica é perspectival, e por isso, o texto fenomenológico,
ora construído, representa a perspectiva do pesquisador, o seu “olhar” para o
fenômeno investigado. Não se aproxima de exaurir o assunto, nem tampouco
questiona a possibilidade de outro investigador elaborar um texto diferente, a partir
dos mesmos quadros temáticos elaborados nesta dissertação. E reside a
profundidade e a beleza de uma pesquisa fenomenológica: o caráter polissêmico do
processo interpretativo.
106
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ZYLBERSTAYN, Hélio; NETTO, Giácomo Balbinotto. As teorias de desemprego e
as políticaspúblicas de emprego. São Paulo: Makron Books, 1999.
112
ANEXO
ROTEIRO GUIA PARA A ENTREVISTA
ENTREVISTA COM EMPREENDEDOR QUE TRABALHOU NO BANCO DO BRASIL
E ADERIU AO PDV .
1 Passo: Dar ao sujeito de pesquisa conhecimento dos aspectos éticos que a
norteiam.
a) Esta é uma pesquisa para obtenção do título de Mestre, do Programa de
Pós-graduação em Administração UEM/UEL.
b) O assunto em questão são as experiências vividas dos ex-bancários que
aderiram ao PDV 1995 e tornaram-se empreendedores.
c) O conteúdo da entrevista se gravado, para posterior transcrição e
análise. Você concede a sua permissão para esta ação?
d) Você terá resguardada a sua condição de anonimato.
2 Passo: Dar ao sujeito de pesquisa conhecimento de que a entrevista é uma
conversa em que ele terá liberdade de expressão, devendo falar de suas opiniões e
sentimentos a respeito dos assuntos sugeridos no roteiro guia da entrevista.
3 Passo: Dar ao sujeito de pesquisa conhecimento de que o pesquisador realizará,
além da gravação, anotações escritas que irão nortear a transcrição dos dados, sem
que isso constitua uma avaliação do desempenho do sujeito de pesquisa.
4 Passo: Dar ao sujeito de pesquisa conhecimento de que o tempo de duração da
entrevista é flexível e que deve se ajustar às suas conveniências.
113
5 Passo: ENTREVISTA
5.1 PERGUNTAS ORIENTADORAS
Por quanto tempo trabalhou no Banco do Brasil?
Que tipos de atividades desenvolveu durante o período em que fez parte do quadro
funcional do BB? Como você se sentia naquele ambiente?
Quais foram as razões que o levaram a tomar a decisão de aderir ao PDV?
Quais foram os sentimentos que emergiram quando você tomou esta decisão?
Quais foram as conseqüências desta tomada de decisão em sua vida pessoal?
O que mudou na sua vida a partir de então?
Quais foram os motivos que o levaram a se tornar proprietário do seu próprio
negócio?
O aprendizado adquirido ao longo do tempo em que fez parte do quadro funcional do
Banco do Brasil foi fundamental para empreender o seu próprio negócio?
O que significou para você tornar-se proprietário do seu próprio negócio?
Quais as dificuldades mais freqüentes no ramos de atividade de seu negócio?
De que forma você vem enfrentando estas dificuldades?
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