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MARIO CELSO RAMIRO DE ANDRADE
O GABINÊ FLUIDIFICADO E A
FOTOGRAFIA DOS ESPÍRITOS
NO BRASIL
A REPRESENTAÇÃO DO INVISÍVEL NO TERRITÓRIO
DA ARTE EM DIÁLOGO COM A FIGURAÇÃO DE
FANTASMAS, APARIÇÕES LUMINOSAS E FENÔMENOS
PARANORMAIS.
Tese apresentada ao Departamento de Artes Plásticas
da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de
São Paulo, como exigência parcial para obtenção do
Título de Doutor em Artes, sob orientação de Donato Ferrari
SÃO PAULO 2008
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Esta tese foi defendia em de de 2008
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para
Mathilde
Manoel
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ac
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Jo
E
v
angelista
AGRADECIMENTOS
A realização desta tese contou com a generosa colaboração
de muitos dos meus amigos e amigas, minha família, colegas de tra-
balho, professores e instituições sem os quais eu não teria consegui-
do r
eunir tudo o que agora aqui se apresenta. O período de pesquisa
que antecedeu o meu vínculo com o programa de pós-graduação,
durante o qual teve início o levantamento do material para esta tese,
contou com a atenção de vários amigos e amigas que, espontanea-
mente, acionaram o seu olhar para a descoberta de referências fan-
tasmáticas, algumas das quais
incorporadas
a esse trabalho. Ao
longo da pesquisa foram várias as contribuições de Katia Prates,
Simone Homem de Mello, Lucia Koch, Elaine Tedesco, Rochelle Costi,
Francisco Rocha, Tadeu Chiarelli, Hudinilson Jr., Fernando Limberger,
Geraldo Dias, Erin Aldana, entre tantos outros; como também às con-
tribuições de muitos interlocotures descobertos na rede internet, que
me forneceram diversas referências presentes nesse trabalho. Meus
agradecimentos especiais à Rosa Maria Gonçalves pela descoberta de
várias preciosidades gráficas, como também pelo paciente trabalho
de pesquisa e rastreamento de sites ligados ao tema. ‘
Ao professor Donato Ferrari devo à sua generosidade em
ac
eitar acompanhar este projeto de trabalho e às suas sugestões
sobre uma estrutura possível para essa tese. À professora Annateresa
Fabris que, juntamente como o professor Ferrari, integrou o corpo
docente do Depto. de Artes Plásticas à época minha da graduação,
agr
adeço pela sua clar
e
z
a e rigor de s
empr
e, que em muito con-
tribuiram para a nossa formação. A ela e ao professor Ronaldo Entler,
membros da banca de qualificação, meus agradecimentos pela leitu-
ra atenta e pelas sugestões que, espero, estejam de alguma forma
refletidas nesse trabalho.
Aos meus pais Celso e Thereza, meus primeiros professores e
à minha irmã Érik
a Maria, agr
adeço t
oda a f
orça dada na fase de final-
ização dos textos, como também agradeço ao Chico Togni e Marcos
K
aiser Mori, pelo companheirismo e dedicação nas etapas de diagra-
mação e reprodução do material iconográfico aqui reproduzido, sem
os quais eu não teria conseguido finalizar esse trabalho.
F
or
am t
ambém div
er
sas as instituições que contribuiram de
f
orma dir
eta para esse trabalho. Ao DAAD e a Kunstakademie
Düsseldorf devo o suporte para uma importante etapa dessa pesquisa
que foi a prática laboratorial colorida, continuada por mais três anos
na Kunsthochschule für Medien Köln, a quem devo todo o apoio e
suporte na realização do meu trabalho de mestrado, que agora se
desdobra nessa pesquisa. À Capes e ao CNPq pelo apoio dado à toda
pesquisa no campo das artes visuais no Brasil, como também
agradeço às muitas bibliotecas virtuais, que disponibilizaram pre-
ciosidades de época que, raramente consegui encontrar nos muitos
sebos pelo Brasil.
MR
RESUMO:
Esta tese foi desenvolvida a partir de duas frentes de trabalho
distintas, porém complementares: a primeira procura rastrear o
surgimento e identificar a produção da chamada
Fotografia dos
Espíritos
no Br
asil, um acervo de imagens com características
próprias, encontradas a partir do início do séc. XX no país, que
registram as supostas manifestações
espirituais
e paranormais
ocorridas em várias localidades brasileiras, ao longo de quase um
século. São imagens que pretendem demonstrar a ocorrência de
determinados fenômenos, sob determinadas condições, em deter-
minados ambientes e, invariavelmente, na presença de testemunhas
oculares e suas câmeras fotográficas. Numa outra frente, este
trabalho propõe uma leitura da produção artística do autor, em
diálogo com vários pressupostos da
fotografia dos espíritos
; dando
continuidade ao trabalho que foi tema da dissertação de mestrado
em poéticas visuais, defendida na Escola Superior de Arte e Mídia de
Colônia (Kunsthochschule für Medien Köln), na Alemanha, em 1997.
Ao associar essas duas frentes de trabalho, torna-se possível
identificar várias zonas de intersecção entre a prática fotográfica
espiritual” e a produção artística aqui enfocada, revelando que obje-
t
os do conhecimento aparentemente distintos mostram-se intima-
mente implicados, quando analisados sob a perspectiva da arte.
Palavras-chave: fotografia dos espíritos, fotografia paranormal, fotografia de
materializações, fotografia espírita, fotografia do invisível, aparições fantasmáticas,
ectoplasmia, fotografia, arte e fotografia.
ABSTRACT
This dissertation was developed starting from two distinct, yet com-
plementary, themes of work. The first intends to track the appearance
and identify the production of the so-called Spirit Photography in
Br
azil, a collection of images with unique characteristics, which one
finds in the country starting in the early twentieth century. They
record evidence of the supposed paranormal and spiritual manifesta-
tions occurring in various locations in Brazil for a period of almost
one century and are images that attempt to demonstrate the occur-
rence of specific phenomena under specific conditions, in specific
environments and, inevitably, in the presence of eyewitnesses and
their cameras. In the other theme, this work proposes a reading of the
artistic production of the author in dialogue with the various presup-
positions of spirit photography; providing continuity to the work that
was the subject of the master's thesis in Visual Poetics, defended at
the Academy for Art and Media of Cologne in 1997. By associating
these two themes of research, it becomes possible to identify various
zones of intersection between the practice of “spiritual” photography
and the artist addressed here, revealing that objects from apparently
distinct fields of knowledge show themselves to be intimately impli-
c
ated when analyzed from an artistic perspective.
SUMÁRIO
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
PARTE 1
CAPÍTULO I
Um canal entre o aqui e o além
1.1 O advento do Espiritualismo Moderno e do Espiritismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
1.2 O Livro dos Médiuns e os pressupostos da Fotografia dos Espíritos . . . . . . . . . . . .
1.3 A câmera médium . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
CAPÍTULO II
Espíritos nos sais de prata
2.1 O surgimento da Fotografia dos Espíritos: o auto-retrato de Willian Mumler . . . . .
2.2 As fotografias de Edouard Buguet e o “Processo dos Espíritas” . . . . . . . . . . . . . . . . .
2.3 O emprego científico da fotografia na “nova ciência” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
2.4 A imagem e a legenda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Texto e imagem na fotografia dos espíritos no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
CAPÍTULO III
A Fotografia dos Espíritos no Brasil
3.1 Atualidade da pesquisa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
3.2 Fontes fotográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Ocultamento e desaparecimento dos originais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Imagens em livros e
sites
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
3.3 Fotografias e fotógrafos de espíritos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
As fotografias de Militão de Azevedo: as últimas décadas do séc. XIX . . . . . . . . .
3
.4 O maestro Ettore Bosio: um músico fotografa o além . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
A descoberta de dois “artistas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
3.5 As fotografias do médium Carlos Mirabelli: mago, médium e
multimídia . . . . . . . .
3.6 As manifestações do “Padre Zabeu” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Uma tese de doutorado em medicina publicada nos anos 40 . . . . . . . . . . . . . . . . .
3
.7 As materializações do médium Peixotinho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
3.8 A Fotografia dos Espíritos em Revistas Ilustradas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
A reportagem da revista Fatos & Fotos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
A série de r
epor
tagens fotográficas da revista O Cruzeiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Um
e
spírit
o
é c
ap
a de r
evista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
O envolvimento da imagem de Chico Xavier no episódio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
3.9 Operações Espirituais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
3.10 Transcomunicação Instrumental (TCI) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
3.11 A fotografia dos fenômenos parapsicológicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Dois críticos jesuítas da fotografia dos espíritos: os padres Heredia e Palmés . . . .
O acervo fotográfico dos fenômenos provocados por Thomas Green Morton . . . .
12
19
24
28
32
35
37
38
42
49
50
53
54
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77
81
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9
4
97
99
105
3.12 As aparições nos dias de hoje: Fotografias Milagrosas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .114
CAPÍTULO IV
O campo visual da fotografia transcedental
4.1 Aspectos dessa linguagem fotográfica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .119
PARTE 2
O Gabinete Fluidificado
Introdução
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .133
1. Arte xerox: passes de mágica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .135
2. Arte Telecomunicativa: tempo sem objeto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 138
3. Altamira: caverna e satélite . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .140
4. O conteúdo de uma coisa improvável . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
5. Escultura de levitação magnética . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .143
6. Esculturas de aura quente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145
7. Lasergramas e
Schlieren
fotografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .146
8. Sonâmbulos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .148
9. Desbabelizador: mais uma rede sem cabo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
10. Cinemático: um robô transfere o invisível de lugar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .149
11. Pescaria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 150
12. Palácios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153
Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 155
INTRODUÇÃO
Este trabalho pretende analisar o surgimento e a produção de
uma modalidade fotográfica, identificada aqui como a
Fotografia dos
Espíritos
no Brasil, representada por um acervo de imagens que
documentam as supostas manifestações
espirituais
e
paranormais
em várias localidades brasileiras, ao longo de quase um século.
Semelhante a outros estudos, enfocando o surgimento da mesma
classe de fotografias na Europa e nos Estados Unidos, essa pesquisa
início a um levantamento de imagens ainda dispersas e pouco
analisadas pela história da nossa cultura visual. São imagens que
pretendem demonstrar a ocorrência de determinados fenômenos,
sob determinadas condições, em determinados ambientes e, invaria-
velmente, na presença de testemunhas oculares e suas câmeras
fotográficas.
O nosso campo de investigação foi delimitado a um grupo
específico de fotografias, circunscrito às chamadas “fotografias de
materializações”, de “ectoplasmias”, “fotografias de fantasmas”,
registros de “poltergeist” e de operações espirituais”, “fotografias
do pensamento”, “fotografias da aura” e os fatos relacionados à
paranormalidade (“ação sobre a matéria”, “levitação de corpos no
espaço”), “fotografias de manifestações da Virgem”, aparições de
imagens em locais inusitados”, “pinturas e esculturas que vertem
sangue ou lágrimas”. Por conta deste recorte, foram desconsideradas
as demais imagens identificadas com outros grupos de forte apelo
temático, como as “fotografias de ovnis”, “duendes”, “fadas” ou
“monstros marinhos” que, à exceção das fotografias de discos
voadores, são praticamente inexistentes no Brasil.
Aaqui o estudo dessa iconografia revelou a existência de
um gênero predominante ao longo do século XX, que é o da produção
de fotografias de materializações espirituais”. Esse gênero,
tradicionalmente ligado à prática do Espiritismo no país, documenta
a c
orporificação de “espíritos” de pessoas falecidas, (embora possam
oc
orrer também a materialização de “duplos” de pessoas vivas),
produzidas a partir de uma substância conhecida como
ectoplasma,
que seria expelida pelo corpo dos
médiuns,
personagens
sensitivos
que at
uam c
omo mediador
e
s dos fenômenos. Essa substância é o
material do qual as “entidades espirituais” se utilizam para adquirir
uma forma tangível e sensível no mundo, manipulando-a e dando-lhe
forma como um ceramista ao barro. Essa substância ectoplasmática
teria a capacidade de adquirir a forma de partes do corpo ou do corpo
completo de um “espírito”, sendo ainda susceptível aos efeitos da luz
– o que f
az c
om que a maioria das “
sessões de materialização
ocorram no escuro e por isso, as
fotografias dos espíritos
diferem
daquelas c
onhecidas mer
amen
t
e c
omo “f
o
t
ogr
afias de fantasmas”,
registros de aparições “normalmente” tomadas em espaços
13
exteriores como parques, cemitérios, igrejas ou casas assombradas,
feitas à luz do dia ou sob a luz artificial.
Porém, no início deste novo século, surge uma outra
modalidade fotográfica de aparões, agora ligada à prática
devocional cristã e, mais especificamente, ao contexto devocional
mariano. Ao contrário das fotografias espíritas do culo XX,
divulgadas por meio de livros e revistas ligadas a essa fé religiosa, as
fotografias de aparições marianas e seus correlatos (aparições
luminosas em locais de devoção, registros de pessoas estigmatizadas,
fotografias de pinturas e esculturas que vertem sangue ou lágrimas),
são normalmente veiculadas por
sites
cristãos que, segundo nossa
tese, reatualizam a prática fotográfica de captação de sinais, luzes ou
cenas “milagrosase espirituais.
Como é do conhecimento de muitos, a invenção da fotografia,
desde os seus primórdios, foi acompanhada de uma série de
descobertas científicas feitas a partir da técnica fotográfica básica,
como a descoberta dos Raios X, da microfotografia ou da fotografia
astronômica, que foram paulatinamente desvendando aspectos da
naturaza visual, antes praticamente desconhecidos na cultura
humana. Como o enfoque da história da técnica constitui
normalmente o eixo de muitas pesquisas sobre a fotografia, optamos
por uma análise menos extensa desse aspecto, uma vez que a história
dos processos já foi bastante explorada. Exceções, naturalmente,
foram feitas às técnicas que se propunham a alguma modalidade de
captação de energias astrais, manifestações fantasmáticas e traços
espirituais.
Aparentemente, em contraposição ao senso comum das
escolhas acadêmicas no campo da pesquisa artística, esse estudo
pretende trazer à luz um conjunto significativo de registros visuais
surgidos no ambiente religioso e parapsicológico brasileiro. Mas tal
como um fenômeno cultural característico do ocidente, essa
produção fotográfica o se restringe apenas aos círculos
espiritualistas, cristãos ou parapsicológicos e, muito menos, a um
fenômeno típico do século XIX e início do século XX. Mesmo nos dias
de hoje a produção dessas imagens e as referências ao seu universo
transcendental continuam sendo exploradas pela indústria
cinematográfica, pela televisão, pelo mercado editorial e pelas
práticas curatoriais e museológicas, uma vez que nos últimos anos o
volume de exposões, teses, artigos e resenhas em revistas
e
specializ
adas têm aumen
tado nos Estados Unidos e na Europa.
Com isso, o que se percebe é que os países do hemisfério norte vêm
investindo de forma organizada e sistemática na valorização de seus
acervos fotográficos, dando notoriedade aos seus fotógrafos,
divulgando o trabalho de pesquisadores, artistas e historiadores, por
meio de gr
ande
s exposições nacionais e internacionais,
invariavelmente acompanhadas de extenso material documental.
No Brasil a maioria dos trabalhos que se aproxima desse tema,
14
ou que ao menos o tangencia, provém do campo da sociologia e da
antropologia, especialmente da área dos estudos da religião. À falta
de pesquisas no campo da arte e da cultura e a inexistência de um
acervo público ou privado dessas fotografias, despertaram minha
atenção para a urgência de um primeiro trabalho sobre o tema.
Inspirando-me em autores e curadores recentes como
Krauss (1992),
Fischer (1995) e Chéroux (1998) procurei descrever como a relação
entre fotografia, cncia e o espiritualismo influenciaram a
constrão de um imaginário transcendental mediado por
aparelhos produtores de imagens técnicas (fotografia, filme, vídeo),
como também por meio de outros aparelhos de captação
eletromagnética das ondas existentes no
éter
como o rádio, telefone
e os atuais computadores.
Representantes de um novo domínio desse imaginário, essas
fotografias são porta-vozes do chamado Espiritualismo Moderno que
surge no Ocidente ao final da primeira metade do século XIX e que
encontrou no Brasil, no contexto do Espiritismo, um terreno
particularmente fértil para o seu desenvolvimento, como também um
contexto crítico implacável, especialmente manifestado pela Igreja
Católica e pela imprensa brasileira nos anos 60. Tais imagens irão se
contrapor ao monopólio mantido pela Igreja sobre as representações
do mundo espiritual durante séculos e o fazem apoiadas em suas
bases científicas, rejeitando a noção de “milagre”. Dessa forma o
Espiritismo irá construir suas imagens de referência no campo
religioso a partir de modelos de origem cristã, tal como analisa
Sandra Stoll (2003) em seu estudo sobre o Espiritismo no Brasil e que
relaciona a figura e a vida de Chico Xavier aos modelos de santidade
oriundos do catolicismo.
A realização deste segmento do projeto, que enfoca o
levantamento dessas imagens e a crião de um conjunto
iconográfico representativo, se deu pela consulta de fontes diversas,
especialmente de livros escritos sobre os personagens responsáveis
pela produção dessas imagens que, raramente, chegaram a fornecer
dados muito precisos sobre as condições em que essas fotografias
foram obtidas. Como o material fotográfico original é de difícil acesso
e não raro, impossível de ser localizado, assim como as referências
sobre fotógrafos, locais de produção e datas de produção desses
registros, a solução encontrada ao longo deste trabalho foi a de
c
en
tr
ar a coleta do material fotográfico
publicado
em livr
o
s e r
evistas
no Brasil desde o início do século XX. Por isso a bibliografia
consultada foi, em grande parte, restrita às publicões
acompanhadas por imagens, descartando-se aquelas que
simplesmente discutiam a exisncia dessas fotografias sem
r
epr
oduzir qualquer uma delas. Naturalmente que exceções foram
feitas às obras dos autores que são referência para a compreensão
desse universo, como a do
codificador
do Espiritismo Allan Kardec, a
15
do escritor Arthur Conan Doyle, ou a do famoso cientista do final do
século XIX, Willian
Crookes; além de outros escritores, teóricos e
estudiosos do assunto. Dessa forma, o trabalho se encaminhou para
uma análise das imagens inseridas nos meios de comunicação de
massa, como o livro impresso, as revistas periódicas e a internet,
constituindo um acervo significativo de reproduções veiculadas pelo
mercado editorial e pela rede telemática existentes no Brasil.
Os motivos para essa oão, tamm encontraram
sustentação no trabalho de Sandra Stoll ao analisar a história do
consumo literário no contexto do Espiritismo e do Espiritualismo
Moderno, para os quais a produção literária foi um importante
acessório na veiculação das idéias, práticas e valores difundidos por
essas correntes (2003: 27-32). Stoll oferece diversos indicadores,
tamm discutidos por outros autores, de como a literatura
filosófico-religiosa vinha conquistando um espaço significativo no
mercado editorial europeu já ao final do século XIX, resultado de uma
mudança ocorrida a partir da segunda metade do século XVIII, que
marca o surgimento de uma nova sensibilidade literária, de um novo
público-leitor, simultaneamente ao declínio da literatura blica
naquele período (2003: 30). No Brasil os números relativos às
publicações da literatura espírita e mediúnica
1
nos dão uma certa
idéia do volume de obras e da extensão do mercado editorial desse
segmento, como também de sua conseqüente divulgação entre os
leitores. Portanto, nos parece plausível afirmar que a divulgação do
universo fotográfico aqui estudado, por meio de edições de livros e
revistas de grande tiragem, vai tornar essas fotografias em um
fenômeno de comunicação de massa.
E se essa produção fotográfica parecia restrita apenas a um
determinado período em que essas “experimentações espíritas
foram divulgadas, como instrumento de afirmação dessa prática
c
on
f
essional (cujas imagens são encontradas em publicações até o
final dos anos 90 do último século), nos primeiros anos deste novo
milênio, iremos identificar uma nova proliferação de imagens que
doc
umen
t
am as supo
s
tas aparições espirituaisagora no contexto
do catolicismo. São fotografias feitas, em sua grande maioria, por
devotos e peregrinos anônimos em visita aos locais em que se
atribuem aparições da Virgem Maria, normalmente descritas por
videntes sensitivos
um equivalente aos “médiuns” espíritas. Essas
f
o
t
ogr
afias acabam revelando, muitas vezes, aparições luminosas,
r
e
f
lexos imprevistos e indícios de uma manifestação divina”
c
aptados pela câmera, e normalmente desapercebidas pela visão
direta no tempo e no espaço em que foram registradas. Se na prática
da materializão ocorrida nos rculos espíritas, via-se uma
pr
e
s
ença de uma
entidade espiritual” no tempo e no espaço do
mundo do
s viv
o
s, no novo misticismo fotográfico Calico, o
“milagr
e” se pela aparição luminosa fugaz ou pelo surgimento de
traços da divindade” em superfícies inusitadas como vidros de
16
1. “O termo literatura espírita é
aqui empregado para designar
as obras de Allan Kardec e dos
intelectuais do Espiritismo. Por
sua vez, literatura mediúncia
designa a produção psicogra-
fada dos médiuns, cujas obras
o consideradas como de
autoria ‘dos espíritos’” (Stoll,
2003: 67).
janelas, paredes de concreto e até mesmo num sanduíche de queijo.
Esse universo fotográfico encontrou na internet o local por
excelência de sua divulgação e de afirmação entre os crentes. O
“Kodak catolicismo”, definido por Jessy
Pagliaroli
2
, da Universidade
do Colégio de St. Michael, na Universidade de Toronto, tem-se
expandido de forma vertiginosa e não deixa de ser notável a
crescente adesão de crentes pela “postagem de imagens nestes
sites
, identificadas ao longo dessa pesquisa. O Brasil, como um país
cuja tradição cultural é caracterizada por Cândido
Camargo como
“impregnada de um estilo sacral de compreender a realidade” (
Apud
.
Stoll, 2003: 54), se lança com todo vigor nessa nova fase de registros
de aparições divinasreveladas pela fotografia, enriquecendo ainda
mais este, que é um campo em expansão para nossas pesquisas. E
neste contexto o podemos deixar de considerar que,
sintomaticamente, depois de décadas, hoje a Igreja Católica se
foada a conviver com a mesma classe de imagens, agora
produzidas por seus fiéis, que antes foram motivo de escárnio contra
certas práticas ocorridas no seio do Espiritismo no Brasil.
Ainda no exame de qualificação desta tese eu havia proposto
um estudo que iria procurar relacionar este universo imagético com
a produção de artistas brasileiros cujos trabalhos de fotografia
estariam, de forma direta ou indireta, em diálogo com esse universo
iconográfico. Nesse intento, eu me baseava em modelos já propostos
por curadores alemães, americanos e franceses e apresentados em
exposições realizadas nos últimos dez anos em seus países, que
buscavam por meio da arte, uma forma de atualizar” a discussão
sobre a representação do invisível, a presença de traços da e da
crença no transcendental, além de uma paródia sobre tudo isso,
segundo uma ótica contemporânea. Da mesma forma essa proposta
inicial e
s
t
ava baseada num diálogo entre a foto-arte contemporânea
e a fotografia leiga produzida nos círculos espiritualistas de então.
Minha primeira tese era de que essa fotografia, produzida com
obje
tiv
o
s “r
e
veladores” da presença de “esritos” no mundo
concreto, traria o germe de uma estrutura visual que mais tarde iria
se manifestar abertamente na fotografia produzida pelos artistas a
partir da segunda metade do século passado. Em muitas obras
fotográficas daquele período, como nos dias de hoje, o mal
f
o
t
ogr
afado”, o “erro”, as imagens fora de foco, os contornos
impr
ecis
o
s, o registro de situações aparentemente improváveis, ou
simuladas
, apresentam uma grande semelhança com os difíceis
registros de fantasmas e aparições que circulavam pelo país num
circuito editorial de alcance nacional.
F
ui, no en
t
an
to, advertido por todos os membros da banca de
qualif
ic
ação que t
al projeto, dada a sua extensão e espessura, iria
cindir ine
vitavelmente, esse trabalho em dois. E embora essas
relações entre a fotografia dos espíritos e uma fotografia que irá se
17
2. Jessy Pagliaroli.
Kodak
Catholicism: Miraculous Pho-
tography and its Significance
at a Post-Conciliar Marian Ap-
parition Site in Canada”. Cana-
dian Catholic Historical Asso-
ciation: Historical Studies, n. 70,
2004: 71-93.
desenvolver no domínio das artes visuais ainda se afigure como um
projeto plenamente realizável, resolvi abandoná-lo por falta de tempo
e fôlego para esse empreendimento, nos limites impostos para a
finalização da tese.
Porém, mesmo correndo o risco de redigir um trabalho que
tivesse a sua unidade aparentemente dividida pela aproximação de
dois temas distintos, a minha opção foi a de, então, apresentar uma
análise da poética visual, identificada na minha produção artística,
considerada a partir do final dos anos 70 até os dias hoje, como uma
base de referência para o trabalho de pesquisa desenvolvido nessa
tese. Portanto, na segunda parte do trabalho irei tratar de algumas
aproximações possíveis entre o universo visual encontrado nas
fotografias espíritas, paranormais e marianas e uma produção
artística que tem em vista “tornar visível o normalmente invisível”,
assim como revelar formas de comunicação que podem ser associada
às práticas da telepatia e do “contato com os espíritos”. Para operar
com essas aproximações, reuni vários trabalhos que podem ser
entendidos como os fundamentos do meu interesse pela pesquisa
desse fenômeno fotográfico no Brasil e como uma faceta do trabalho
do “artista pesquisador”. Em linhas gerais, essa produção artística é
focada na representação do invisível e do imponderável, tema que foi
objeto de minha dissertação de mestrado em poéticas visuais,
apresentada na Escola Superior de Arte e Mídia de Conia
(Kunsthochschule für Medien Köln), na Alemanha, em 1997. Aquele
trabalho resultou na produção de uma série de fotografias,
instalações ambientais e na edição de um livro, de tiragem reduzida,
que reúne imagens, textos e os registros do processo de investigação
técnica e criativa, realizados na escola alemã. Além disso, faço ainda
uma revisão de algumas obras produzidas nas décadas de 80 e 90,
cujo foco girava em torno da chamada arte e tecnologia”, baseada
em pr
e
ssupostos que visavam a descoberta de novas possibilidades
expressivas a partir do uso dos novos meios de comunicação. Esse
projeto tinha em vista a produção de uma forma de arte que não mais
dependia do espaço físico para sua apresentação e propunha sua
tr
ansmis
são simultâne
a p
ar
a dif
er
entes espaços, cobertos pela rede
telecomunicativa. Estas obras evocavam as idéias da simultaneidade
e da telepresença”, da mesma forma que procuravam aprofundar o
discurso de uma “desmaterialização da obra de arte”, não mais
circunscrita aos limites da matéria, mas transformada em pura
informação, em energia circulante e irradiante.
Além das obr
as t
elecomunicativas, discuto também como a
minha primeira intenção de fotografar uma série de esculturas de
irradiação de calor, ao final dos anos 80 e início dos anos 90, me
le
v
ar
am a pe
squisar as tecnologias viáveis para a captação daquela
aur
a quen
teem torno dos objetos que, para além de sua própria
mat
erialidade, se expandiam no espaço por meio de ondas de calor
invisíveis aos nossos olhos, mas sensíveis aos sentidos da pele. Nesse
18
mesmo período, a criação de uma escultura de levitação magnética,
previa também não só a discussão de um tema clássico no campo da
escultura, o da “libertação da escultura da base”, mas também
insinuava equiparar a prática artística à prática dos médiuns e gurus,
capazes” de colocar seus corpos num estado de imponderabilidade,
vencendo a força da gravidade e se libertando das amarras do peso.
Essas duas séries me deram sustentação para continuar as
pesquisas em torno das dimensões normalmente inapreensíveis aos
sentidos, até o ano de 1988, quando recebi o professor Vilém
Flusser
para uma visita em meu ateliê em São Paulo, acompanhado do
professor Gottfried Jäger, titular de uma importante escola alemã no
campo da fotografia experimental. Esse fato possibilitou minha ida
para a Alemanha em 1991 quando me iniciei na prática da fotográfica
a cores, aperfeiçoando meus conhecimentos técnicos e conceituais
dessa linguagem. Uma vez na Alemanha, realizei em conjunto com o
artista japonês Morio
Nishimura, um trabalho que eu considero ser o
mais emblemático desse período, que foi a criação de uma rede
comunicativa entre duas localidades ao norte e ao sul da Europa
conectando, sem o uso de tecnologias conhecidas, a pequena
localidade de Lieksa, na Finlândia e a ilha de Amorgós, na Grécia. A
partir desse trabalho e com a minha posterior admissão (em 1994) ao
curso de mestrado na escola de Colônia, pude então inaugurar todo
um novo conjunto de obras que continuam em desenvolvimento até
o presente e cujos ecos ressoam nessa pesquisa de uma fotografia
voltada para os aspectos menos tangíveis e prováveis da realidade.
Essa segunda parte da tese foi intitulada O Gabinete
Fluidificado, termo emprestado do francês Louis
Darget (1847-1923),
considerado um dos maiores colecionadores de fotografias fluídicas e
espíritas de seu tempo. Ao me aprofundar nessa pesquisa, certos
temas identificados na minha produção artística foram se revelando
em diálogo c
om muit
as das categorias encontradas no universo da
fotografia dos espíritos, que serão apresentadas cronológicamente,
enfocando trabalhos em xerox, esculturas, arte telecomunicativa,
instalações ambientais, arte sonora e vídeo. Ainda neste diálogo com
Dar
ge
t
, c
onsider
o que t
odo o le
vantamento do material iconográfico
adquirido ao longo dos quatro anos de pesquisa, se constitui hoje
numa coleção de imagens até agora não reunidas nos estudos da
fotografia e da religião no Brasil. Com isso espero que essa pesquisa
possa ser um estímulo ao aprofundamento dos estudos desses
“mistérios” fantasmáticos aprisionados pelos sais de prata de ontem
e pela or
dem numéric
a do
s pix
els de hoje
.
19
PARTE 1
CAPITULO I
UM CANAL ENTRE O AQUI E O ALÉM
1.1 O ADVENTO DO ESPIRITUALISMO MODERNO
E DO ESPIRITISMO
Todo o fenômeno que iremos analisar a partir daqui, teve iní-
cio num contexto de época de meados do século XIX nos Estados
Unidos e na Europa, período que marca o surgimento do chamado
Espiritualismo Moderno, um movimento baseado na crença do conta-
t
o com os espíritos dos mortos, que nasce e se propaga rapidamente
dos EUA para a Europa e demais continentes. Na França, o
Espiritualismo irá influenciar decisivamente o pedagogo francês
Léon-Hyppolyte Denizard Rivail que em 1857, sob o pseudônimo de
Allan Kardec, publica o seu O
Livro dos Espíritos
, marcando o nasci-
mento do Espiritismo “caracterizado como uma ciência, uma filosofia
e uma doutrina”.
A história que antecede os fenômenos tratados neste trabal-
ho é descrita pelos historiadores do Espiritismo como a fase de
incubação do Espiritualismo Moderno e do futuro Espiritismo na
Europa”
3
, que remonta ao final do séc. XVII, com a obra de Emanuel
Swedenborg (1688 - 1772) e mais tarde com a obra de Franz Anton
Mesmer (1734 - 1815). Swendenborg, que, em estado de transe, inau-
gura a comunicação com os espíritos”, chegou a descrever a estru-
tura do mundo espiritual, onde os “desencarnados” continuariam a
viver tal como na Terra. Mesmer irá publicar em 1779 o seu
Mémoir
sur la decouverte du magnetisme animal
”, em que é narrada a
descoberta do
magnetismo animal
, um fluído universal orgânico, uma
f
orça magnétic
a que flui por todo o espaço e que também se encon-
tr
a no c
orpo humano
4
.
Além dos vários antecedentes históricos, invariavelmente
citados pela literatura espírita, considera-se que o Espiritualismo
Moderno tem início em março de 1848, com os primeiros contatos
en
tr
e um
espírito e as jovens filhas da família
F
o
x
, f
az
endeir
os
metodistas da localidade de Hydesville, no Estado de Nova Iorque, nos
Estados Unidos. Esses contatos se davam por intermédio das jovens
Kate e Margaret Fox, na forma de batidas no interior da residência
(conhecidos por
raps
”) que, aos poucos, foram se estruturando
c
omo uma c
omunic
ação
telegráfica”, onde a cada batida corres-
pondia uma r
e
sposta, dada em números, na forma de “sim” ou “não”.
As manifestações daqueles misteriosos sons convenceram a família
Fox e os seus vizinhos que aquelas pancadas, vindas das paredes e
dos móveis, deveriam ser produzidas por alguma forma inteligente
4. Krauss, Rolf H. “Jenseits von
Lich
t und S
chat
t
en
”. Marbur
g:
Jonas Verlag, 1992:21. Ver tam-
bém a interessante narrativa de
Stefan Zweig sobre a história
do “mesmerismo”, no livro
A
c
ura pelo e
spírit
o
”, t
omo IV das
Obras Completas, [1930] 1956:
19-102.
20
3. Wantuil, Zêus.
As mesas
girantes e o Espiritismo”, Rio
de Janeiro: Federação Espírita
Brasileira, [1958] 1978: 7.
incorpórea presente na casa. Tornára-se evidente para todos
,
,
que ali,
havia sido aberto um canal telecomunicativo entre este mundo e o
mundo do além, cujas antenaseram aquelas duas meninas. Com o
passar do tempo
,
,
as comunicações foram se aperfeiçoando: “dizendo
em voz alta o alfabeto, convidava-se o espírito a indicar por
raps
, o
(no) momento em que fossem pronunciadas, as letras que, reunidas,
deviam compor as palavras que [o espírito] queria dizer. Estava
descoberta a ‘telegrafia espiritual’” (Wantuil, [1957] s/d: 6).
Como iremos notar em várias mensagens ditadas pelos
espíritos”, como também pelas “aparições” da Virgem Maria, uma
constante solicitação dos médiuns, ou dos videntes (da Virgem), que
divulguem as mensagens recebidas e façam demonstrações públicas
dessas comunicações. As irmãs Fox foram, dessa forma, intimadas
pelos “espíritos” a realizar uma reunião blica na cidade de
Rochester, onde em 1849 o
Corinthian Hall
recebeu na primeira noite,
cerca de 400 pessoas para ouvir aqueles ruídos misteriosos. Foi
escolhida uma comissão formada por céticos, encarregada de vistori-
ar o lugar e as meninas, tendo em vista impedir qualquer insinuação
de fraude. Esse grupo deveria relatar suas impressões na noite
seguinte, quando seria realizada uma segunda demonstração. Essa
comissão se julgou incapaz de apontar qualquer indício de truque, e
por isso mesmo, foi criada uma segunda comissão que, por sua vez,
na falta de evidências contra as adolescentes, redigiu o seguinte
relatório: os sons tinham sido ouvidos e uma investigação completa
tinha mostrado que nem foram produzidos por máquina, nem pela
ventriloquia, embora não tivéssemos podido determinar qual o
agente que os teria produzido(Doyle, [1926] 1978: 88). Em pouco
tempo a febre do contato com os “espíritos” se espalhou e esse fenô-
meno marca o nascimento de uma nova religião no sistema de
crenças da sociedade norte-americana, baseada no pressuposto da
imortalidade da alma e da comunicação entre vivos e mortos. Em
1855 cerca de um milhão de pessoas, de uma população de 28 mil-
hões, estavam convencidas desta nova realidade de comunicação
com os espíritos
5
.
Tanto o chamado Moderno Espiritualismo como o Espiritismo
kardecista, podem ser entendidos como movimentos filosófico-reli-
giosos, no interior dos quais a ciência e a tecnologia da época eram
vistas como meios portadores das revelações espirituais que confir-
mam a r
e
alidade das mens
agens transmitidas pelos espíritos”. Sobre
isso
Wantuil e Thiesen (1980, V.III: 19) escreveram que
“é interessante observar que o aparecimento do Espiritismo no
plane
ta se deu após a grande revolução dos transportes e das
c
omunic
açõe
s na primeir
a me
tade do século XIX. O trem, o telé-
gr
af
o elétric
o
, o c
abo submarino
, o aperf
eiço
amento contínuo
das máquinas impressoras, todos esses progressos vieram con-
21
5. Okkultismus und Avant-
garde: Von Munch bis Mon-
drian, 1900 - 1915”. (catálogo)
Frankfurt: Schirn Kunsthalle,
199
5: 6
5.
Irmãs Fox, Hydesville, 1848.
correr para a circulação mais rápida e econômica das idéias,
propiciando um intermbio cultural de maior envergadura”.
Os meios de comunicação que encurtavam distâncias, unindo
continentes e extensões territoriais numa velocidade e num tempo
jamais vividos, irão servir de metáfora e, mais que isso, de modelos
para o desenvolvimento de uma nova mentalidade aberta ao desven-
damento da tênue e sensível vida espiritual mediada por uma nova
ciência. O Espiritismo havia sido definido por Allan Kardec como
um movimento aberto às conquistas científicase, portanto, aberto
ao uso da cnica para a
revelão
dos seus pressupostos
doutrinários. Nesse âmbito, a fotografia, o primeiro meio de produção
inteiramente automático da imagem - uma síntese de teorias e práti-
cas científicas tornadas visíveis numa imagem será o instrumento
que irá ampliar a capacidade do olho humano em “ver melhor”,
desvendando aquilo que nossos sentidos naturais nem sempre con-
seguem alcançar. O
olho que não alucina
, teria a capacidade de regis-
trar na superfície do filme - protegido pelo interior obscuro da
câmera - os movimentos invisíveis para o olho humano, da presença
de parentes ou amigos falecidos, ao nosso lado, no mundo. A
fotografia espírita traz a prova da realidade objetiva da aparição: Os
aparelhos fotográficos não estão sujeitos a alucinações” – esta será a
frase mais repetida em todas as argumentações em defesa dessas
fotografias, nas inúmeras vezes em que elas foram contestadas.
Assim a capacidade da câmera fotográfica em registrar a pre-
sença dos espíritos a tornava um meio “assombrado” (“
haunted
media
”) como a define o historiador norte-americano Jeffrey
Sconce
6
. Em seu estudo, Sconce propõe uma interessante história
cultural da “telepresença”, que se inicia, com a coincidência do surgi-
mento do telégrafo e do Moderno Espiritualismo, na mesma década
em me
ados do século XIX. O telégrafo era um meio “mágicoque per-
mitia o contato entre pessoas separadas por grandes distâncias de
f
orma ins
t
an
tâne
a, quase “onipresente”, estando aqui e lá” simul-
taneamente, ocupando uma dimensão material e outra que pres-
cindia do meu corpo.
Isso teria servido, naquele momento, como uma metáfora
para o contato com os espíritos dos mortos por meio de uma
t
elegr
af
ia espiritual”, assim como ao final do século a descoberta
do
s
Raios X
por R
oen
t
gen
, na Alemanha, irá s
ervir de inspir
ação p
ara
um outro olhar em busca do mundo invisível, agora possível por meio
de uma técnica fotográfica com o poder de penetrar a matéria.
Kardec havia escrito anos antes que:
“O micr
o
s
pio no
s r
e
velou o mundo dos infinitamente
pequenos do qual não suspeitávamos; o Espiritismo, auxiliado
pelo
s médiuns viden
tes, revelou-nos o mundo dos Espíritos que
t
ambém é uma das f
orças ativ
as da nat
ureza. Com a ajuda dos
22
6. Jeffrey Sconce. Hanted
Media: Electronic presence
from telegraphy to television”.
Durham; London: Duke Univer-
sity Press, [2000] 2005.
Iluminação e ascensão celeste
médiuns videntes, pudemos estudar o mundo invisível, iniciar-
mo-nos em seus hábitos, como um povo de cegos poderia estu-
dar o mundo visível com o auxílio de alguns homens [e mul-
heres] que gozassem da vista”. (Kardec: 102).
Em decorrência desse aperfeiçoamento técnico da percepção
humana, os primeiros contatos com a dimensão espiritual”, ocorri-
dos por meio de
raps
”, na casa de madeira da família Fox, rapida-
mente foram identificados como uma “telegrafia espiritual”. Segundo
Sconce, livros espiritualistas famosos na época como
A telegrafia
celestial
e jornais como
”O mensageiro espiritual”,
freqüentemente
evocavam o conhecimento popular que se tinha do telégrafo eletro-
magnético de Morse para explicar o funcionamento do contato espi-
ritual. Além do que
,
,
a mais importante fantasia associada ao telé-
grafo era a noção de que a mente e o corpo podem se separar e que
o telégrafo poderia promover temporariamente esta separação,
tendo em vista o deslocamento da consciência à distância (Sonce
[2000] 2005: 8-9 e 240).
Mais tarde com o desenvolvimento da telegrafia sem fio e o
surgimento do rádio, a idéia da existência de um canal “etéreo” (pelo
éter
) irá reforçar ainda mais o imaginário popular sobre as possibili-
dades de uma “rádio mental” ou da telepatia. Em decorrência disso,
serão muitos os radioamadores que irão começar um rastreamento
do espaço etérico em busca de vozes distantes deste mundo ou do
além. Essa foi, certamente, a tônica da experiência das gerações do
final do século XIX e início do século XX, ao ouvir um aparelho de
rádio e captar as vozes irradiadas de países distantes. Técnicas de
captação radiofônica, como aquelas conseguidas por meio do “rádio
Galena” ou “rádio de Cristal”, um conjunto formado por bobinas,
antenas, fones de ouvido e componentes tão sensíveis que não
necessitam de uma fonte de energia elétrica para funcionar, tiveram
seu papel na construção de um imaginário que associa a tecnologia
das t
elec
omunicações à nova sensibilidade anunciada pelos médiuns.
Na segunda metade do século XIX o novo espiritualismo veio
acompanhado de uma série de transformações sociais que deixaram
marcas profundas na sociedade da época, com reflexos até os dias de
hoje
. Além do sur
gimen
to de uma nova classe de tecnologias, Ann
Braude afirma que o espiritualismo (como é conhecido nos países de
língua inglesa), se mostrava irresistível para milhares de norte-amer-
icanos, por representar uma rebelião contra a idéia da morte e uma
revolta contra a autoridade e a opressão instituídas pelos papéis
r
e
servados a homens e mulheres sob a tutela repressiva da Igreja. Já
em 1880, o movimento pelo voto feminino assinalava que “a única
seita religiosa no mundo [...] que reconhece a igualdade da mulher é
o e
spirit
ualismo [...]. Ele
s s
empr
e as
sumir
am que a mulher é um meio
23
[médium] de comunicação entre o céu e a terra”
7
. Enquanto outros
grupos religiosos viam as diferenças de gênero, raça e classe como
determinações divinas, os espiritualistas se diferenciavam, não ape-
nas por reconhecer a igualdade dos gêneros, como também
encabeçavam as mais radicais propostas de mudanças e reformas
sociais do seu tempo (Braude, pgs: 2-3).
Essas reformas incluíam o movimento pela abolição da escra-
vatura, o apoio aos pobres das zonas rurais e trabalhadores urbanos,
a crítica ao casamento, como a instituição de formas pouco ortodoxas
de diagnose e tratamento de saúde. “Os espiritualistas [...] denunci-
am a autoridade das igrejas sobre os crentes, dos governantes sobre
os cidadãos, dos médicos sobre os pacientes, dos senhores sobre os
escravos e, sobretudo, do homem sobre a mulher (Braude [1989]
2001: 56).
Neste pano de fundo o Espiritualismo Moderno se desen-
volveu como um importante movimento político-social-religioso que
irá dar um novo sentido à existência de personagens, antes consider-
ados doentios ou possuídos por forças maléficas, como os dotados da
capacidade de “clarividência”, da capacidade de se comunicar com
os “espíritos”, de realizar viagens “ao mundo dos mortos”, ou sim-
plesmente entrar em transe e demonstrar habilidades e conhecimen-
tos estranhos à sua condição social ou cultural. Por isso os histori-
adores norte-americanos são unânimes em afirmar a importância
desse novo papel exercido pela mulher
8
um
canal
privilegiado de
contato entre o mundo visível e o invisível, expresso na forma da “fala
mediúnica", da “escrita automática”, ou ainda nas sessões de “dança
das cadeirase até mesmo, de levitação de mesas e outros objetos.
O fenômeno conhecido como as mesas girantes foi um
grande sucesso de salão da segunda metade do século XIX e se
difundiu tanto na América do Norte quanto na Europa, entre 1848 e
1870, tendo se tornado motivo de investigação de vários cientistas e
estudiosos
, em busca das causas do movimento desses objetos sem a
ação visível de qualquer agente físico. A técnica mais comum de evo-
cação deste fenômeno consistia em colocar os participantes sentados
em círculo ao redor de uma mesa, com as mãos colocadas sobre ela.
Segundo os relatos de época, ao cabo de alguns minutos o móvel
começava a tremer lentamente para logo depois girar com velocidade
(Wantuil, 1978: 34). Foi esse fenômeno que levou Allan Kardec a for-
mular sua teoria dos espíritos. O “decodificador” da doutrina
pe
s
quis
ou essas manifestações ao longo de dois anos, tomando parte
nas sessões promovidas por diversos médiuns, nas quais ele ques-
tionava os “espíritos” sobre temas ligados ao destino da alma
humana e cujos resultados foram depois sistematizados e organiza-
dos na forma de perguntas e respostas, que deram origem à sua
primeir
a obr
a
O livro dos Espíritos
, public
ado em 18
57
9
.
7. History of Woman Suffrage,
4 vols. Rochester, NY: Fowler &
Well, 1881-1902, 3: 530.
Apud
Braude, Ann. “Radical Spirits:
Spiritualism and women’s
rights in nineteenth-century
America
”. Bloomington: Indiana
University Press, [1989] 2001: 2.
24
8. “Significativamente, desde o
início do movimento, os Espiri-
tualistas associaram o poder
mediúnico às mulheres e espe-
cialmente às adolescentes”
(Sonce [2000] 2005: 26).
9. Ao analisar as relações entre
a obra de Kardec e outros au-
tores europeus que também
tornaram-se best-sellers na
époc
a, pela publicação de temas
r
elacionado
s ao mis
ticismo,
espiritualismo e ciências ocul-
tas, Sandra Stoll afirma que
tanto na obra de Kardec, quanto
em alguns livr
o
s de Helena
Blavatsky, autora d’A doutrina
secreta, de 1888, a exposição
dos temas doutrinários segue
[...] o modelo religioso [...] [ao
adot
ar
] o e
squema de pergun-
tas e respostas, como estratégia
textual, reproduzindo um mode-
lo c
onsignado nos livros de
catecismo [...]” (2003: 35 e 38).
1.2 “O LIVRO DOS MÉDIUNS” E OS PRESSUPOSTOS DA
FOTOGRAFIA DOS ESPÍRITOS
Se
O livro dos Espíritos
(1857) é a obra fundamental da
filosofia e da ciência de Allan Kardec, o seu
O livro dos médiuns
, pub-
licado em 1861
10
, é um guia que contém ensinamentos sobre “a teoria
de todos os gêneros de manifestações [e] os meios de comunicação
com o mundo invisível”, além de indicações para o desenvolvimento
da mediunidade e sobre a prática do Espiritismo. Esse livro, publica-
do no mesmo ano
11
em que o fotógrafo norte-americano William
Mumler inicia a sua produção de retratos com a presença de extras
espirituaisnas chapas, apresenta uma classificação de fenômenos
que representam todo um elenco de
temas
recorrentes na fotografia
espírita, parapsicológica e, curiosamente, na mais recente fotografia
de aparições cristãs.
O livro dos médiuns
trata, portanto, de um conjunto de mani-
festações que encontraremos visualmente representados nas
fotografias que serão produzidas tanto nos Estados Unidos, como na
Inglaterra, na França e no mundo todo, daquele século em diante. O
livro descreve várias fenomenologias, entre eles as
manifestações
físicas
das “mesas girantes”, a movimentação e levantamento de
objetos, a produção de ruídos e a alteração da massa dos corpos. As
chamadas “manifestações físicas espontâneas”, incluem objetos que
são atirados, fenômenos de transporte, ruídos e perturbações (
“pol-
tergeists”
). Outras constatações dizem respeito à formação espon-
tânea de objetos tangíveis e sobre a modificação das propriedades da
matéria
12
.
O capítulo do livro dedicado às “manifestações visuais”, que
mais interessam aos objetivos desse trabalho, trata da materialização
dos espíritos, das condições de sua ocorrência, de sua aparência, sua
pene
trabilidade (a forma como “nenhuma matéria lhe causa obstácu-
lo”), além dos efeitos óticos denominados “espíritos glóbulos”, meras
manchas pr
esentes ao “humor aquoso dos olhosque se interpõe à
visão e que, para muitos, se assemelham à “espíritos de movimentos
mecânicos” (Kardec, [1861] 1966: 93-106). Ainda no campo das mani-
f
e
s
t
ações visuais
O livro dos médiuns
de
s
cr
e
ve os casos de “bi-cor-
por
eidade
” e
transfiguração”, onde no primeiro uma pessoa “encar-
nada” pode ter a sua projeção semi-material (ou “perispírito”) torna-
da momentâneamente tangível e visível ao seu lado, ou à distância.
Na transfiguração” ocorre uma mudança de aspecto de um corpo
vivo, a ponto de tornar-se irreconhevel. (Kardec: 115-117). A
de
s
crição dessas fenomenologias, aponta para uma grande seme-
lhança com as características iconográficas de muitas das primeiras
f
o
t
ogr
af
ias pr
oduzidas pelo “médium f
o
tógr
afo pioneiro, Willian
Mumler:
25
10. A data de “janeiro de 1861”
figura na obra de referência de
diversos autores brasileiros e
franceses, como em inúmeros
sites espíritas. No entanto a
Revue Spirite
na sua edição de
janeiro de 1861 publica um
anúncio de rias obras de
Kardec, entre elas O livro dos
Médiuns “em sua 3a edição”. O
próprio Kardec já havia citado o
livro num artigo publicado na
Revue, em fevereiro de 1860,
sobre os “Espíritos Glóbulos
(Paris: Revue Espirite, n.2, 1860,
pg. 39-40). Isso seria prova
suficiente do engano cometido
quanto à data correta da pri-
meira edição. No entanto, por
falta de acesso a outros docu-
mentos que possam comprovar
esse suposto erro, foi mantida a
data internacionalmente divul-
gada até hoje.
11. Idem.
12. um tema que será melhor
abordado, ao enfocarmos os
registros fotográficos do médi-
um brasileiro Thomas Green
Morton.
As aparições propriamente ditas [...] apresentam-se geral-
mente sob uma forma vaporosa e diáfana, algumas vezes vagas
e indecisas; é com freqüência, à primeira vista, um clarão
esbranquiçado, cujos contornos se desenham pouco a pouco.
Outras vezes as formas são nitidamente acentuadas e distin-
guimos os menores traços do rosto, a ponto de podermos fazer
uma descrição muito precisa. Os modos, o aspecto, são seme-
lhantes aos que o Espírito apresentava quando encarnado [...]”
(Kardec: 101)
Em sua tipologia, Kardec descreve em detalhes, a constituição
das aparições, com seus membros inferiores menos desenhados,
enquanto que a cabeça, o tronco, os braços e as mãos, são sempre
nitidamente formados”. É uma descrição que pode ser apontada
como um “modelo” que será seguido pelos primeiros fotógrafos de
espíritos da época como Mumler, nos Estados Unidos (1861), Frederick
Hudson, no Reino Unido (inaugurando o movimento na Europa em
1872), Édouard Buguet, na França (1873) e até mesmo o maestro
Ettore Bosio, no Brasil (1921). É como se o codificador da doutrina
espírita” pudesse também ser apontado como um “teórico da
Fotografia dos Espíritos” num momento em que ela surgia nos EUA e
se propagava para o mundo
13
.
Em sua tipologia, Kardec vai ainda tratar de vários aspectos
intrigantes notados nessas imagens, como p.ex., o fato de os “espíri-
tosapresentarem-se
vestidos
. Sobre essas vestes, ele escreveu que
quanto às [suas] roupas, elas se compõem mais comumente de uma
roupagem
,
,
terminando em longas pregas flutuantes; é de resto, como
uma cabeleira ondulante e graciosa ...”. Por outro lado, “os Espíritos
vulgares, os que conhecemos, têm geralmente as roupas que usavam
em sua última encarnação [...] assim um guerreiro poderá aparecer
com sua armadura; um sábio, com livros; um assassino com um pun-
hal, e
t
c” (K
ardec: 101-102)
14
. No “Labor
atório do mundo in
visív
el”,
Kardec afirma que as roupagens parecem ser um costume geral no
mundo dos Espíritos” e sua dúvida recai sobre a fonte dessa matéria
utiliz
ada p
ar
a c
obrir aquele
s corpos transcendentais. Ele chega
mesmo a especular se a matéria inerte não teria o seu equivalente
etéreo no mundo invisível (tal como a matéria humana que se reduz
ao espírito depois da morte), uma vez que os “espíritos” manifestam
a sua capacidade de produzir matéria tangível e sólida, embora ape-
nas momen
tâne
amen
t
e. (págs: 118-119). E conclui que o Espírito age
s
obr
e a matéria; ele tir
a da matéria cósmica universal os elementos
nec
essários para formar à sua vontade, objetos, tendo a aparência
dos diversos corpos que existem sobre a terra”.
Nessa sua concluo Kardec não volta a tocar na queso singu-
lar da r
oup
a e do t
ecido pr
esente sobre os corpos espirituais, mas pela
sua dedução ao
s
e
spíritosé dada uma capacidade de manipulação
plás
tica da matéria de fazer inveja aos artistas plásticos
encarnados
.
Na tentativa de esclarecer este, bem como outros temas do
26
13. Apesar de não concordar
com a suposta data de 1861
para a primeira edição d’O livro
dos médiuns, ela coincide com
a data que inaugura a produção
fotográfica de Mumler, o que
o deixa de ser simtico,
muito embora atribua-se o
lançamento d’O livro em janeiro
daquele ano, enquanto os histo-
riadores apontam o início da
produção de Mumler em out-
ubro de 1861. Como o nome de
Kardec raramente aparece nos
estudos da fotografia espíritual
nos EUA, não se pode concluir
que o fotógrafo americano teria
tido acesso ao
Livro dos médi-
uns.
14
. Embor
a Allan K
ar
dec tenha
e
s
crito relativamente pouco
sobre a fotografia – são raras as
citações desse meio em seus
escritos - é, mais uma vez,
curioso notar que essa des-
crição s
obre a mat
erializ
ação
dos espíritos”, com os objetos
que remeteriam às suas ativi-
dade
s em vida, são muito
semelhantes aos retratos de
estúdio produzidos naquele
período. É o que Annateresa
Fabris identifica como a “cri-
ação de uma série de e
stereóti-
pos s
ociais que s
e s
obrepõem
ao indivíduo, destacando o per-
sonagem em detrimento da
pe
ssoa” (Fabris, 2004: 29).
Acima, cartão de visita do estúdio de
Mumler com espírito” visível.
universo dos “espíritos”, será comum encontrar nas análises dos
muitos intelectuais do Espiritismo, uma recorrência à iconografia
cristã, que procura um paralelo que explique o significado das “novas
imagens”, surgidas no âmbito daquela ciência-religião emergente. Se
procurarmos na história do cristianismo, referência sobre a existên-
cia de aparições espirituais vestidas com tecidos, nos deparamos,
p.ex, com o episódio que é, segundo Ewa
Kuryluk, “um dos mais sub-
limes do Novo Testamento”; o encontro entre o Cristo ressuscitado e
Maria Madalena. Eles estão num jardim e Cristo
carrega uma enxada
,
vestido como um jardineiro
. Ela não o reconhece de imediato, mas
quando o faz, Maria Madalena corre para abraçá-lo, mas é impedida
pelo
noli me tangere
(João 20:17. grifo meu)
15
.
Outras passagens bíblicas, freqüentemente citadas pela liter-
atura espírita, apontam para as muitas “provas de um diálogo com os
espíritospresentes na Bíblia, como também se referem à presença
dessas aparições espirituais em trajes “celestiais”. A primeira delas
trata do encontro de Abraão com três espíritos”, ou anjos”, que se
apresentam como três homens e lhe anunciam o nascimento de seu
filho Isaac (Gênese 18:1-3); uma outra, trata da luta de Jacó com um
anjo” (Gênese 32: 23-33); enquanto noutra passagem, Jesus dialoga
com Moisés e Elias no alto de um monte, lugar por excelência das
manifestações divinas, naquela que ficou conhecida como a
“Transfiguração do Tabor”. Na companhia de Pedro, Tiago e seu
irmão João, Jesus transfigurou-se diante deles. Seu rosto brilhava
como o sol e sua roupa tornou-se branca como a luz. Então lhes
apareceram Moisés e Elias, conversando com ele...(Matheus 17:1-3).
Tais exemplos seriam, para os defensores do Espiritismo, uma “com-
provação da presença dos “espíritos” na dimensão concreta e
tangível do mundo; uma prova de que vivemos o “reino de Deus na
Terra”. Kardec e os espíritas recusam a denominação de
milagre
para
tais eventos, argumentando que
em seu significado primitivo e por sua etimologia a palavra
milagre significa
coisa extraordinária
, coisa
admirável
de ver;
mas esta palavra, como tantas outras, desviou-se do sentido
originário e hoje se diz (segundo a Academia) ‘um ato de potên-
cia divina contra as leis comuns da natureza’ [...]. Nosso fim é
unicamente demonstrar que os fenômenos espíritas, por mais
extraordinários que sejam, não derrogam de forma alguma
estas leis, não têm nenhum caráter miraculoso, enfim que não
são mar
a
vilhosos nem sobrenaturais. O milagre não se explica;
os fenômenos espíritas, ao contrário, explicam-se da mais
racional maneira [...]” (Kardec: 20).
É preciso, no entanto, destacar que para Allan Kardec, certos
f
at
os descritos na Bíblia, como também narrados pela literatura reli-
giosa só poderiam ser explicados em termos de milagres.
27
15. Ewa Kuryluk. Santa
Verônica e o Sudário: his-
tória, simbolismo, lendas e
estrutura da imagem ‘ver-
dadeira
’”. São Paulo: Ibrasa,
1994: 275.
Fra Angélico. “Noli me tan-
gere
Que um homem realmente morto [...] seja chamado à vida por
uma intervenção divina, isto é um verdadeiro milagre, porque é
contrário às leis da natureza. Mas se este homem tem apenas
as aparências da morte, se ele tem ainda em si
,,
um resto de
vitalidade latente e que a ciência, ou uma ação magnética
chegue a reanimá-lo, para as pessoas esclarecidas é um fenô-
meno natural [...]. Que Josué
,,
parando o movimento do sol, ou
antes
,,
da Terra, isto sim
,,
é um verdadeiro milagre, porque não
conhecemos nenhum magnetizador dotado de uma tão grande
força para operar um tal prodígio” (Kardec: 20-21].
E como até aquele momento não circulavam ainda os regis-
tros fotográficos dos fenômenos de materialização, Kardec nem
mesmo chega a citá-los nos capítulos sobre as “Manifestações
visuais” e, tampouco, nas advertências relativas ao “Charlatanismo e
prestidigitação, médiuns interesseiros e fraudes espíritas (Kardec:
310-319). Mesmo assim, ele enumera todas as características daquilo
que, mais tarde, viria a ser considerado o terreno mais pantanoso e
propício às fraudes, o da Fotografia. Essencialmente ao tratar das
“Fraudes espíritas”, Kardec afirma que de todos os fenômenos espíri-
tas, os que se prestam mais à fraude, são os fenômenos sicos, [...]
primeiro porque se
dirigindo aos olhos
mais que à inteligência, são
aqueles que a prestidigitação pode mais facilmente imitar [...]”.
Segundo, porque, aguçando mais do que os outros a curiosidade, são
mais próprios para atrair a multidão e, por conseguinte, mais produ-
tivos” (Kardec: 315. grifo meu).
Kardec faleceu em 1869, portanto, alguns anos antes da
chegada da Fotografia dos Espíritos à Europa (1872) e à França (1873).
No entanto Clément Chéroux, cita que em 1863, ao chegar a Paris os
ecos da “prática comercial de Mumler”, Allan Kardec escreveu um
artigo na
Revue spirite
, em que ele se mostra interessado, porém
c
aut
eloso com a descoberta norte-americana
16
. “Uma de
s
coberta
dessas, se for real, teria seguramente conseqüências imensas [...]
mas ela nos obriga a manter uma bem-vinda reserva [...]. Se o fato for
verdadeiro ele pode vulgarizar-se e até precisamos manter a
c
aut
ela quan
t
o às his
tórias mar
a
vilhosas que os próprios inimigos do
Espiritismo tendem a espalhar, fazendo-as parecer ridículas [...]”.
Mais à frente veremos que também Charles
Richet, o pai da
Metapsíquica, o cientista que pesquisou e batizou a substância ecto-
plasmática, também era reservado e crítico quanto a ação dos “inimi-
gos do espiritismo” no interior do próprio movimento.
28
16. Allan Kardec, “Photographie
de
s e
sprits”,
R
e
vue spirite
, n.
3, março 1863, p. 93-95. O arti-
go não vem com assinatura,
mas segundo Chéroux, normal-
mente os artigos escritos pela
redação da
Revue
não eram
as
sinados
, embor
a tudo leve a
crer que eles eram redigidos
pelo r
edat
or chef
e
, K
ardec
,
substituído depois de sua mor-
te por Pierre Gaëtan Leymarie.
(“
L
e Tr
oisième oeil, La pho
-
tographie el l’occulte
”. Paris:
Maison européenne de la pho-
t
ogr
aphie, 2004: 53-54). A
c
oleção c
ompleta do ano de
1863 da Revue foi obtida por
intermédio da Biblioteca Espí-
rita Virtual de Obras Raras,
onde é possível obter o arquivo
c
omple
t
o da edição digit
aliz
a-
da.
1.3 A CÂMERA FOTOGRÁFICA COMO MÉDIUM
A fotografia era, desde o seu surgimento, um “dispositivo
maravilhoso para todos os que viam em seu automatismo uma
forma fiel de captação das imagens do mundo sobre uma superfície
de metal polido. Oficialmente registrada em 1839 como uma invenção
de
Daguerre, a fotografia representa o advento do primeiro meio de
produção
automática
da imagem, que assume gradativamente o
papel de instrumento de medição, registro e arquivamento. Com este
novo meio tem início a formação do que foi chamado do
universo
do fotografável
, composto por retratos, fotos de objetos, de
arquitetura e fotografias de paisagens. E mesmo que muitos
historiadores da fotografia sejam unânimes em afirmar que o uso da
f
otografia como protocolo científico era ainda restrito pouco depois
de sua invenção, na França ela será empregada na prática da
astronomia, da microscopia, da medicina e da fisiologia. Mesmo com
esse déficit de aplicação efetiva, a fotografia beneficiou pelo seu uso
a instituição de uma linguagem visual fundamentada numa aura de
cientificidade (Chéroux: 47-48). Mas vale ressaltar que o historiador
francês Michel
Frizot afirma que toda fotografia pode ser vista como
uma imagem cienfica”, uma vez que ela é produzida por
intrumentos
cujos parâmetros são inteiramente controláveis e cujos
resultados representam uma medida do fenômeno luminoso
17
(grifo meu).
Ao ser empregada no registro dos supostos fenômenos
paranormais,
a fotografia se tornou, no contexto dos nossos estudos,
uma das muitas “provas objetivas” da existência da vida após a
morte, ao revelar um campo de fenômenos invisíveis e muitas vezes
impenetveis aos sentidos humanos. Assim a Fotografia dos
Espírit
os pode ser entendida não apenas como uma modalidade
fotográfica que procurava comprovar por meios técnicos a existência
de manifestações espirituais, mas também como uma das formas que
irão ilustrar a primazia do olhar como fonte de conhecimento dos
f
enômeno
s do mundo
. P
ar
alelamen
te ao surgimento das várias
cnicas fotográficas que irão revelar aspectos “invisíveis” da
natureza, como a microfotografia, a fotografia astronômica, a
chronofotografia, ou os raios-X, a Fotografia dos Espíritos irá se
ocupar em revelar toda uma classe de fenômenos normalmente
desqualificados pela pouca nitidez de seus registros, por sua
impr
ecisão diáf
ana e pela sua t
emátic
a extravagante.
Ainda segundo Frizot, no século XIX as funções de registro e
de medida s
eo as principais no emprego da fotografia,
incondicionalmente aceitas ainda nos dias de hoje dada sua suposta
objetividade”. Muito rapidamente os cientistas perceberam que a
f
o
t
ogr
af
ia seria um meio muito adequado para registrar e arquivar
in
f
ormações sem grandes esforços, premitindo um aumento
vertiginoso das coleções de dados sobre a natureza e a cultura
29
17. Michel Frizot, Das absolute
auge. Die Formen des Unsicht-
bare
”, in Frizot (org.) Neue
Gueschichte der Fotografie.
Köln: Könemann, [1994] 1998:
273). A palavra “instrumento
não seria adequada a desig-
nação dessa nova tecnologia,
uma vez que Vilém Flusser
definiu que a fotografia inaugu-
ra o surgimento de uma nova
modalidade técnica, a dos “apa-
relhos”, que se incorporam à
família das ferramentas ou
instrumentos” (prolongamen-
tos e potencializadores do
c
orpo humano
) e das “máqui
-
nas” (amplificadores do traba-
lho de
sempenhado pelas ferra-
men
t
as). Dos aparelhos conhe-
cemos pouco do seu funciona-
mento; deles vemos apenas a
entrada de dados (
input
o
aper
tar do botão) e a saída da
in
f
ormação (
output
– a imagem,
o som, o texto) e, por isso
mesmo Flusser irá designa-los
por “caixas pretas”. Vim
Flusser, Filo
sofia da Caixa
Preta”, São Paulo: Hucitec,
19
8
5.
humana; trazendo o distante para perto, reduzindo o imensamente
grande para as dimensões de uma chapa fotográfica e revelando o
microscópicamente invisível e seus mistérios ao nosso olhar. A
fotografia nos revela assim toda uma nova classe de fenômenos que
o olho humano “desaparelhado” mal consegue apreender. Walter
Benjamin, em sua “Pequena história da fotografia” se refere a essa
possibilidade de, por meio da câmera fotográfica, revelar os aspectos
da natureza imperceptíveis ao olhar, tal como a psicanálise poderia
revelar aspectos ocultos do inconsciente.
A natureza que fala à câmera não é a mesma que fala ao olhar;
é outra, especialmente porque substitui a um espaço trabalha-
do conscientemente pelo homem um espaço que ele percorre
inconscientemente. Percebemos, em geral, o movimento de um
homem que caminha, ainda que em grandes traços, mas nada
percebemos de sua atitude na exata fração de segundo em que
ele um passo. [...] a fotografia revela esse
inconsciente
ótico
, como a psicanálise revela o inconsciente pulsional.
(Walter Benjamin. “Pequena história da fotografia”, in Magia e
técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cul-
tura. São Paulo: Brasiliense, 1994: 94. Grifo meu).
Talbot, um dos inventores mais importantes na história da
fotografia, vai ser um dos pioneiros a produzir microfotografias,
registradas em 1840 no Royal Institute de Londres
18
, oferecendo
uma forma inédita e
permanente
de observação dos fenômenos até
então apenas observados ao vivo no microscópio ou baseados em
desenhos. Desde a invenção do daguerreótipo, os astrônomos
também já haviam se interessados pela fotografia. A partir de 1858 o
americano
Rutherford irá utilizar um telescópio equatorial (sistema
que evita o "borramento" do motivo, por causa do movimento da
Terra), para obter o primeiro registro em detalhes da superfície da
lua, revolucionando os estudos dos corpos celestes
19
.
Com as emulsões de maior sensibilidade tornou-se possível o
registro das coisas e pessoas em movimento, superando as limitações
de até então, responsáveis por imagens sempre tmulas e
indefinidas. A novas emulsões fotográficas vão possibilitar o trabalho
de dois pesquisadores fundamentais para a análise dos movimentos
imperceptíveis ao olho humano e que contribuiram com a nossa
his
tória, ao divulgar
e e
studos fotográficos onde os corpos humanos e
os objetos adquiriam uma outra configuração, diferente daquela que
observamos por meio de uma fotografia convencional: o fisiólogo
francês Etienne Jules
Marey e o inglês, naturalizado norte-
americano, Eadweard
Muybridge. O processo de Marey, consistia
b
asic
amente em representar as diversas etapas do movimento numa
única chapa fotográfica, que ele denominava de
Chronofotografia
.
18. Michel Frizot (org). Das
Absolute Auge – Die Formen
des Unsichtbaren
. In Neue
Geschichte de Fotografie”, Köln:
Könemann, [1994] 1998: 273-
284.
30
19. Frizot, Idem.
Essa técnica de representação do movimento tornou-se uma
importante fonte de referências para os artistas do início doculo 20,
que viam nela uma solução possível para os problemas da repre-
sentação da simultaneidade e do deslocamento quadridimensional na
superfície do plano. o método sequencial de Muybridge vai se
concentrar no registro separado de cada uma das diferentes fases do
movimento, pela instalação de cerca de 24 câmeras, colocadas à
frente do modelo em movimento. A partir dessa sua técnica,
Muybridge chegou mesmo a experimentar diversas formas de
reconstituição do movimento, captado pelo conjunto de suas
câmeras, montando suas imagens num disco giratório, que ele
chamou de
zoopraxiscópio
, que se aproximava muito da invenção
definitiva do processo cinematográfico.
Resumidamente, portanto, será a partir de Muybridge e não
de Marey que se define o caminho para a reconstituão do
movimento e do cinema; a partir de uma forma de captação da
imagem que fragmenta a continuidade do movimento no espaço. Por
isso podemos notar, como define o alemão Peter
Weibel, que a partir
dos diferentes métodos de Marey e Muybridge, vão se desenvolver as
duas grandes vertentes que irão marcar o século 20: a "estética do
espaço" de Marey (com suas influências na pintura, fotografia, e
escultura) e a "estética do tempo" (“cinematográfica”) de Muybridge
(que irá resultar no cinema, no video, e na animação e vídeo
computação). uma das mais importantes e conhecidas aplicações
do princípio de Marey no campo da arte, será realizada pelo artista
Marcel Duchamp na pintura do seu " descendo a escada"
(1911/1912). Mas será a partir do sequenciamento temporal de
Muybridge que irá se desenvolver a montagem cinematográfica,
originalmente surgida na fotografia na forma da fotomontagem, que
permite o agrupamento de diferentes segmentos do espaço-tempo
numa única imagem
2
0
.
Descobertos pelo alemão Wilhelm Conrad ntgen, em 1895, os
Raios X
vêm confirmar a possibilidade da fotografia, no campo da ciência,
de romper as barreiras do registro feito apenas com a luz visível. ntgen
estava trabalhando numa experncia com um tubo de raios catódicos,
numa sala completamente escura quando acidentalmente, ele coloca a
suao entre os raios emitidos pelo aparelho e um quadro pintado com
tinta fosforescente. Foi por acaso e certamente com espanto que ele
notou, na superfície do quadro, a projeção da sombra dos ossos de sua
mão
, que o le
v
ou a intuir que haveria algum tipo de raio, paralelo ao raio
luminoso, emitido pelo tubo, que teria a capacidade de atravessar a
matérialida, o qual ele denominou de Raios X. O queo deixa de ser
impressionante nessa história é que, já em 1896, ou seja, um ano depois
da descoberta de Roentgen, a Kodak e a Ilford estavam produzindo
emulsõe
s p
ara equipamentos de raio X e favorecendo, com isso, um
grande desenvolvimento da medicina, além de tornar mundialmente
conhecida a possibilidade do “registro do invivel
21
.
31
20. Peter Weibel.
Raum
(B
e
wegung) und Z
eit (Mas
-
chine)
”, in Die Beschleunigung
der Bilder in der Chronokratie.
Bern: Um 9, 1987: 32-43.
21. Frizot, Idem: pág. 281
Tanto as Chronofotografias de Marey, os registros do
movimento animal de Muybridge, quanto os raios penetrantes de
Röntgen, não representavam simplesmente um meio amplificador
dos sentidos naturais, “um meio que nos permite ver melhor”, mas
representavam também um meio com as qualidades de um
médium
.
Com o surgimento dos espíritos nos retratos fotográficos, as
câmeras começaram a popularizar aquilo que antes, apenas os
médiuns videntes eram capaz de vislumbrar. A câmera parecia dotada
de uma visão capaz de revelar movimentos espirituais imperceptíveis
e sutís. Na atmosfera da fase ciêntifica dos contatos com o além, a
fotografia irá assumir, ao lado dos médiuns, a qualificação de
media
privilegiada para o contato com o outro mundo. Será por meio da
câmera fotográfica e de sua capacidade de apreender aspectos
imperceptíveis da natureza, que será possível a “um povo de cegos”
poder vislumbrar o mundo normalmente invisível.
32
CAPÍTULO II
ESPÍRITOS NOS SAIS DE PRATA
2.1 O SURGIMENTO DA FOTOGRAFIA DOS ESPÍRITOS
O AUTO RETRATO DE WILLIAM MUMLER
No ano de 1860, Z.J. Piérart, editor da “Revue spiritualiste”
2
2
publicada em Paris, descreveu um evento ocorrido dois anos antes na
cidade de Dijon, na casa de um cidadão chamado Baded. Oito meses
depois de sua morte, surgiu misteriosamente no vidro de uma das
janelas de sua casa a imagem daquele que, enquanto vivia,
costumava daquele local, observar o movimento cotidiano da rua.
Esse fato misterioso causou tal comoção entre a vizinhança e aos
transeuntes que a família Baded logo providenciou a retirada do vidro
daquela janela. Para enfatizar o tema Piérart descrevia ainda no
mesmo artigo outro caso ocorrido com um nobre polonês, que
morava com sua família nas imediações de Paris. Logo após a morte
de sua esposa o conde decide deixar sua residência, mas antes da
mudança contrata um fotógrafo para registrar não apenas a casa,
mas a si próprio e seus três filhos, acompanhados de uma imagem da
falecida. Todos se colocaram à frente da casa e um retrato foi feito.
Ao ser revelado o negativo mostrava por trás de uma das janelas, que
se encontrava parcialmente aberta, uma figura transparente que
parecia emergir da escuridão. Apesar de sua aparência diáfana todos
puderam reconhecer a imagem da falecida, que teria aproveitado
aquela oportunidade para, mais uma vez, ser retratada entre os
seus(Krauss, 1992, pg. 99). “Se o espírito de Badet, o morador de
Dijon”, escrevia Piérart, tem a capacidade de se retratar
fotograficamente no vidro de uma janela contrariamente a qualquer
lei fotográfica - não existe nenhum motivo para que esse feito não
possa ter se reproduzido [também] na casa do nobre polonês”
(Krauss, 1992:100)
Esses fatos foram registrados cerca de um ano antes do
e
vento que é considerado pelos historiadores, o surgimento da
Fotografia dos Espíritos: o auto-retrato de William H. Mumler,
realizado em 5 de outubro de 1861
23
na cidade de Boston, nos EUA.
Mumler, que era fotógrafo amador, estava sozinho no ateliê
f
o
t
ográfico de uma certa Sra. Stewart e até essa data ele tinha
apenas oc
asionalmente “realizado experiências com os instrumentos
e a química” fotográfica. Ele tira um retrato de si mesmo e ao revelar
a chapa descobre a presença de uma segunda figura, um duploao
seu lado. Primeiramente Mumler considera que o resultado teria sido
causado por algum tipo de mancha na placa de vidro, tal como ele
me
smo descreve. Seguindo o conselho de amigos, a quem ele teria
apresentado aquela imagem, Mumler resolve fazer novas tentativas
que r
e
sult
am no me
smo tipo de ap
arição
. Depois de um gr
ande
22. Revue spiritualiste, 1860, p.
242. (A Revue spiritualiste -
Journal mensuel principale-
ment consacré à l'étude des
faculs de lme et à la
démonstration de son immor-
talité -, foi publicado em Paris
entre 1858 e 1870. Ela não deve
ser confundida com a
Revue
Spirite, fundada e dirigida por
A. Kardec, de 1858 até a sua
morte, em 1869)
33
23. É curioso como no catálogo
de uma das mais recentes e
importantes exposições sobre a
fotografia espiritual do hemis-
fério norte, a data de surgi-
mento das primeiras aparições
nos clichês de Mumler, em
Boston, sejam desencontradas.
O texto de Crista Cloutier,
aponta o ano de 1861, enquanto
que no mesmo livro, o texto de
Andreas Fischer, enfocando o
surgimento dessa fotografia na
Europa, fale em 1860. (
Le Troi-
sième Oeil / The Perfect Medi-
um). 1860 é a mesma data do
livro de Rolf Krauss (1992) um
historiador alemão com um
impor
t
ante estudo sobre essa
modalidade f
otográfica. Curio-
samente ainda o nome de
W
illian Mumler não c
onst
a no
grande compêndio da “Nova
história da fotografia” elabo-
rado por Michel F
riz
ot (1998) e
tampouco no seu ensaio “O
olho absoluto: as formas do
invisível”, onde o francês Hip-
polyt Baraduc é apontado por
ele c
omo o
grande s
acerdote
da nova religião da força
vital’”. O famoso livro de Arthur
C
onan Doyle,
His
tória do Espi-
ritismo
, de 19
2
6, tamm
refere-se ao ano de 1861 para as
primeiras fotografias do ame-
ricano.
sucesso em Boston, ele abre um estúdio em Nova Iorque e passa a
fotografar diversas personalidades da época, ao lado de seus “entes
queridos falecidos”. Os negócios iam bem até que em 1869 foi
aberto um processo contra o fotógrafo, que chegou a ser preso sob
acusação de fraude, mas sendo absolvido mais tarde por falta de
provas
2
4
.
Antes de converter-se integralmente à prática da fotografia,
Mumler trabalhava como gravador; um artista conhecedor dos
processos de composição da imagem e da chamada estampa de
reprodução”, aquela que toma de empréstimo motivos de estampas
originais para a composição de um “novoassunto. Na história da
arte foram muitos os artistas que colecionaram estampas, por
encontrar naquelas cópias referências da produção de outros artistas
e de modelos formais nelas existentes
25
Depois de sua primeira surpresa ao obter um espírito” ao seu
lado num auto-retrato e da reprodução dessa experiência outras
vezes, Mumler abandonou a prática da gravura e, como fotógrafo,
passou a anunciar a possibilidade de se obter uma fotografia com um
espírito por dez dólares a peça, numa época em que um retrato
fotográfico nos Estados Unidos custava apenas alguns centavos.
“O procedimento não era substancialmente diferente de uma
seção fotográfica normal. A pessoa desejosa de uma fotografia
com um amigo ou parente falecido deveria apenas posar, como
se fosse tirar apenas uma foto de si mesma. Oespírito”, “extra”
como era chamado, não era visível no estúdio, mas tão somente
no negativo e na posterior ampliação” (Meinwald, 1990: parte 6)
Ao lado de Mumler surgiram vários fotógrafos que passaram
a s
e dedic
ar à “fotografia espiritual”, anunciando a produção de
retratos e cartões de visita que se tornaram um sucesso (de vendas)
na época. Na Europa e nos Estados Unidos esses retratos com
espíritos se popularizaram rapidamente, ao circular no formado da
carte de visite,
um c
ar
tão enc
orp
ado de apr
o
ximadamen
te 6 x 9
centímetros, criado em 1853 por Eugene
Disdéri. O motivo da grande
procura por essas fotografias, especialmente no contexto histórico
norte-americano, teria sido o da Guerra Cívil Americana (a “Guerra de
Secessão”, 1861-1865), que provocou grandes comoções nacionais
devido à enorme quantidade de vidas ceifadas pelo conflito. Essa é a
c
onclusão de L
ouis
K
aplan
2
6
, ao analis
ar o
s de
s
as
tres provocados
pela guerra civil que teria levado um grande número de pessoas
abraçar uma doutrina que pregava a continuidade da vida após a
morte e o contato entre vivos e mortos. A
fotografia dos espíritos
seria um meio para ajudar essas pessoas superar a dor de trágicas
per
das ao s
eu r
edor
”.
As relações entre fotografia e os temas ligados à
24. Arthur Conan Doyle.
História do Espiritismo”. São
Paulo: Ed. Pensamento, 1978:
pg. 364. Os historiadores da
fotografia espiritual norte-ame-
ricanos e europeus, via de re-
gra, entram em detalhes minu-
ciosos dos processos que mui-
tos desses primeiros fotógrafos
tiveram que enfrentar na jus-
tiça, devido à sua prática no
campo da fotografia. O mesmo
irá ocorrer mais tarde na Fran-
ça e em vários países onde
e
sses fotógrafos se estabelece-
ram ao final do século XIX. Da
mesma forma isso irá ocorrer
também no Brasil no século
XX. Embora não tenhamos na
história da Fotografia dos Espí-
ritos no Brasil um “caso” levado
à júri, com suas repercussões
na imprensa, tivemos um ver-
dadeiro julgamento público “de
alguns representantes do Espi-
ritismo” conduzido por uma sé-
rie de reportagens de uma das
mais importantes revistas do
país. Isso será discutido no pró-
ximo capítulo.
34
25. Claudio Mubarac, no curso
A história da estampa no
Ocidente”, Depto. de Artes
Plás
tic
as
, E
CA-USP, 14/04/2005.
26. Louis Kaplan. “
Where the
paranoid meets the paranor-
mal: speculations on spirit
phot
ogr
aphy
”, in Ar
t Journal,
Vol. 6
2, n.
3
, outono de 2003,
pg: 19-27.
representação da morte foram muito bem identificadas por Dan
Meinwald
2
7
, que compreende as fotografias dos espíritos como o mais
exótico tipo de
memento mori
, “uma imagem que tradicionalmente
servia ao europeu do final da Idade Média para ‘se lembrar da
morte’”. Normalmente um
memento mori
era representado por meio
de figuras de esqueletos, ou de um corpo humano em estágio
avançado de decomposição, mostrando o quanto a morte é uma parte
inseparável da vida. Uma variante dessa tradição, a partir da
invenção do daguerreotipo, foi a prática da fotografia mortuária, ou
da chamada fotografia pós-morte, que representou uma importante
atividade profissional para muitos fotógrafos do século XIX e do
século XX. Em muitas dessas fotografias, o trabalho do fotógrafo
consistia em dar, principalmente, ao defunto, a aparência de alguém
mergulhado num sono profundo, especialmente nos retratos de
crianças falecidas. Ao fotografar a morte como um aspecto da vida,
aproximando-se com a câmera a esses personagens vistos com seus
olhos fechados, em poses de profunda paz e compenetração, esses
fotógrafos contribuíam para que uma última lembrança dos entes
queridos pudesse ser mantida entre amigos e familiares, tal como
essas pessoas ainda eram vistas em vida. Apenas mais tarde a
fotografia mortuária irá estabelecer uma certa distância de seus
modelos, enfatizando no enquadramento os arranjos florais e os
familiares ao redor do defunto (Meinwald, 1990: parte 2).
As últimas imagens de um corpo antes do seu funeral, foi um
gênero popular de fotografia feita para lembrar a morte. “As imagens
de funerais de crianças falecidas numa época de grande mortalidade
infantil era um dos gêneros mais populares da daguerreotipia”
(Kaplan, 2000: 19). Sobre a fotografia dos espíritos, o autor afirma
ainda que ela “demonstra a sua função familiar de [um tipo de]
fotografia que permitem superar a perda das pessoas amadas e
manter uma esperança de ainda ter algum contato com elas” (Kaplan,
2003: 22).
No Brasil Mauro Guilherme
Koury procura compreender
através da análise dos "santinhos", distribuídos por ocasião do desa-
parecimento de um ente querido, como o retrato mortuário, os senti-
mentos que envolvem a questão da morte e o uso da fotografia ao
longo desse processo doloroso da perda se entrelaçam ao longo
dessa prática. Com a oferta desses serviços fotográficos, as famílias
podiam dispor de um retrato da pessoa querida num esquife ou deita-
da, c
omo s
e dormis
se serenamente, ou ainda arrumada de forma
cuidadosa para fazer parecer que estava viva quando a fotografia
fora tomada
2
8
.
Com base nisso podemos considerar que, ao contrário do que
foi afirmado por Rosalind
Krauss
29
, esse gênero fotográfico foi, ao
lado do r
e
trato mortuário, uma das expressões com as quais o século
XIX manifestou a sua relação com a morte.
27. Dan Meinwald. Memento
Mori: Death in Nineteenth Cen-
tury Photography
”, CMP Bul-
letin 9, n. 4 (1990). Também dis-
ponível em: http://vv.arts.
ucla.edu/terminals/meinwald/m
einwald.html
35
28. Koury, Mauro Guilherme.
R
etr
at
o
s da Mor
te – a f
o
to-
grafia mortuária na cidade de
J. Pessoa
”, in Conceito, v.4,
págs
. 136 -
143
, julho
/dez. 2001.
2
9. A fotografia dos espíritos
era com toda evidência uma
idéia das mais despr
opo
sit
adas
e foi pouco praticada.(Krauss,
1990: 29).
2.2 AS FOTOGRAFIAS DE EDOUARD BUGUET E O
“PROCESSO DOS ESPÍRITAS”
Como a história da fotografia dos espíritos no Brasil está
intimamente ligada à prática devocional esrita kardecista, é
inevitável estudarmos o desenvolvimento dessa linguagem
fotográfica à luz dos fatos que cercam a história do Espiritismo no
Brasil e na França.
Enquanto nos Estados Unidos as primeiras fotografias
mediúnicas feitas por William Mumler eram predominantemente
retratos de estúdio, onde as tênues aparições figuravam por meio de
delicados contornos ao lado dos retratados, na Europa, Frederick
Hudson i produzir suas fotografias numa variante mais
cenográfica
, cujas cenas podiam conter a imagem do próprio
médium, de um espírito materializado e de uma mesa em levitação,
simultaneamente vistos num mesmo
cliché
. Hudson também irá
produzir seus retratos lançando mão de uma estrutura composicional
semelhante a de Mumler, ao deixar, à direita ou à esquerda do
retratado, um espaço livre para o surgimento da imagem
trans-
cendental
3
0
. Também na Grã-Bretanha John Beattie, irá produzir uma
série de registros de “sessões”, nos quais sobre a imagem dos
presentes, sentados em torno de uma mesa, pairam formas luminosas
indefinidas. Tais estruturas compositivas são praticamente
inexistentes na história dessa fotografia no Brasil.
Por volta de 1870 começaram a circular em Paris as
fotografias espiritualistas
importadas dos Estados Unidos e da
Inglaterra, retratos de pessoas encarnadas, junto às quais
apareciam, mais nítidos ou menos nítidos, seres desencarnados.
(Leymarie, pág. 32). Desde o seu surgimento a fotografia dos espíritos
esteve ligada a um sistema de circulação e distribuição de informação
característico de uma sociedade de massas, despertando a
curiosidade das pessoas para um tema novo e misterioso.
As fotos despertaram um tal interesse no público leitor da
“Revue Spiriteque, a essa altura sob a gerência de Pierre-Gaëtan
L
e
ymarie
, que as
sume a dir
eção da r
e
vis
t
a após a mor
te de Allan
Kardec, passou a importá-las para atender às inúmeras solicitações
dos seus assinantes. Os originais, obtidos pelo fotógrafo americano
Mumler eram vendidos ao preço de 1 franco e 25 cêntimos cada.
Como Leymarie as considerava muito caras, teve a idéia de fazê-las
reproduzir na França mesmo e, para isso, procurou um fotógrafo
chamado
S
ain
t
-E
dme
, que as c
opia
v
a, s
em nenhuma intenção de
ocultar suas origens; ao contrário, imprimindo no verso a expressão
reproduction de photographies américaines
”. As cópias passaram a
ser vendidas a 75 cêntimos e esse arranjo durou até novembro de
1873 (Leymarie, pág. 32). Esse procedimento já reflete uma prática de
r
epr
odução f
o
t
ográf
ica, baseada no princípio da “cópia da cópia”:
30. Sir Arthur Conan Doyle
chegou a comentar que “De
Mumler, em 1861 a William
Hope, em nossos dias [1926],
apareceram de vinte a trinta
médiuns reconhecidos para a
prática da fotografia espírita
que, ao todo, produziram
centenas de resultados supra-
normais [...] É interessante
notar pormenores nessa pri-
meira fotografia espírita [de
Mumler] que se repetiram
muitas vezes nas que foram
obtidas posteriormente por
outros operadores.” (Doyle,
[1926] 1978: 362-363)
36
John Béattie, fotografias espíri-
tas, 1872-1873.
Édouard Buguet. Leymarie e Sr.
C. com o “espírito” de Edouard
Poiret, 1874.
uma ampliação feita a partir do negativo original era refotografada e
a partir de um novo negativo eram tiradas as cópias que seriam
encartadas na
Revue
que, nessa época já tinha uma tiragem de cerca
de 1500 exemplares. “[...] Como eram remetidos gratuitamente 60
exemplares [de cada cópia fotográfica] a cada acionista da Sociedade
[Espírita], metade das fotografias adquiridas [...] pela livraria era
doada” (Leymarie, pág. 52), argumenta o editor Leymarie, para tentar
provar que a circulação das fotografias dos espíritos, promovida pela
Revue
não era motivo de lucro.
As primeiras imagens mediúnicas produzidas na França datam
de 1873, realizadas no estúdio de Édouard
Buguet, médium-fotógrafo
que durante as sessões com seus clientes, tomava primeiramente
alguns passes, entrava num leve transe e aplicava, então, “passes
magnéticos” com a imposão de suas mãos sobre a mera
fotogfica, antes de comar à
operá-la
. Buguet também se
preocupava em acionar uma caixa de música em seu estúdio durante
a evocação dos “fantasmasque seriam vistos apenas na superfície
das fotografias; pondo em prática um conceito de ambientação
necessária à obtenção das fotografias transcendentais.
Na história da fotografia espírita, Buguet será o protagonista
de um “ruidoso
affaire
envolvendo o movimento espírita francês,
representado por Pierre-Gaëtan Leymarie e o médium norte-
americano Alfred-Henri Firman, que ficou conhecido como o
“Processo dos Espíritas”. Leymarie foi acusado e condenado pela
justiça francesa ao pagamento de multa e pena de prisão por um ano,
devido à sua associação com o fotógrafo, acusado de produzir
retratos fraudulentos de espíritos. Para se salvar de uma condenação
maior Buguet confessou que todas as suas fotografias foram
manipuladas, apesar de muitos dos seus antigos clientes continuarem
afirmando que os
extras
presentes nos retratos tirados por ele eram,
sem sombra de dúvida, as materializações de seus familiares
falecidos (Doyle, 1978, pág. 367).
São vários os registros de que, após essa sua retratação,
Buguet teria declarado em Bruxelas que fora forçado àquela
confissão no julgamento em Paris e que ele havia realizado, de forma
legítima, fotografias mediúnicas sem o uso de qualquer truque. “Sim
sou médium e graças à minha faculdade, dois terços das fotografias
contendo aparições de espíritos são verdadeiros: o outro terço foi
obtido por meios artificiais, depois que adoeci” (Leymarie, 1977: 121).
Em r
e
spo
sta a isso a viúva de Leymarie afirma em seu livro que
“Buguet dedicou-se à comercialização de sua mediunidade. Com isso,
não apenas estirou-a até limites intoleráveis para seu organismo
como acabou sucumbindo aos atrativos da fraude(Idem, pg. 56)
31
.
37
3
1. S
obr
e e
s
t
e pr
ocesso veja
também Clément Chéroux.
La
dialectique de
s spectres La
pho
t
ographie spirite entre
récreéation et conviction
”. in
Le Troisme Oeil, la photo-
graphie et l’occulte, 2004: 51. O
assun
to foi motivo para a publ-
icação de vários livros, entre
eles o conhecido
O processo
dos espíritas (“Procès des
Spirit
es”) escrito pela Sra.
L
eymarie
, em 1875 e também
comentado por Zêus Wantuil, e
F
r
ancisc
o T
hie
sen:
Allan
Kardec: Pesquisa biobibliográ-
fica e ensaios de interpre-
t
ão. Rio de Janeir
o: E
d.
Federação Espírita Brasileira,
1980, V. III: 213-218.
Um médium aplica um passe no
f
otógrafo à frente do cliente
in
teressado num retrato.
Retrato da viúva de Kardec, com o
“espírito” de seu marido
2.3 O EMPREGO CIÊNTÍFICO DA FOTOGRAFIA
NA “NOVA CIÊNCIA”
Como aparelho fruto da ciência e ferramenta de trabalho
científico, a câmera fotográfica foi vista, desde o seu surgimento,
como o meio
por excelência
para refletir fielmente a imagem da
realidade, como na superfície de um
espelho eterno
. Não sendo
induzidos à alucinações visuais a lente e o filme, colocado no interior
da
câmera obscura
, estariam aptos a captar as manifestações
espirituais e traduzi-las
objetivamente
como é feito com a luz visível.
Para demonstrar o controle científico empregado nas sessões de
experimentaçãoera comum o registro dos próprios equipamentos
utilizados na “documentação das ocorrências mediúnicas”, uma
prática derivada do chamado “período científico do Espiritismo”,
inaugurada pelos experimentos de um dos mais célebres cientistas
europeus, o inglês William
Crookes (1832-1919). Notabilizado por suas
investigões no campo da Espectroscopia, da Astronomia e
Meteorologia, Crookes descobriu o elemento tálio e o “quarto estado
da matéria”, a energia radiante conhecida como “plasma”. Entre 1869
e 1873 o cientista empreendeu uma série de experiências como dois
famosos médiuns no período: Daniel Douglas
Home e Florence Cook,
uma “linha de pesquisa” que não deixou de ser considerada com
escárnio pela comunidade científica da época. Home é descrito pela
literatura espírita e metapsíquica como um poderoso médium, capaz
de muitas proezas, como a de levitar ou deslocar pesados objetos no
espaço sem qualquer tipo de contato físico, embora o se
encontrem registros fotográficos de nenhuma dessas façanhas. No
entanto as descrições de Crookes dos fenômenos produzidos pelo
médium e observados com espírito científico são muito seme-
lhan
tes à tipologia descrita por Kardec:
“Sob as mais rigorosas condições de exame, vi um corpo sólido,
luminoso por si mesmo, pouco mais ou menos do volume e da
forma de um ovo, flutuar, sem ruído, pelo meio do aposento [...].
Vi pontos luminosos saltarem de um e outro lado e repousarem
sobre a cabeça de diferentes pessoas [...]. Vi centelhas arremes-
sarem-se da mesa ao teto e em seguida recaírem sobre a mesa
com ruído muito distinguível. William Crookes. “Fatos Espíri-
tas”. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, [?] 1957: 38-
39.
Ao tratar das “formas e figuras de fantasmas”, Crookes
descreve que “esses fenômenos são os mais raros [... e] as condições
nec
e
s
sárias à sua ap
arição são tão delic
adas [...] que tiv
e
r
arís
simas ocasiões de os ver em condições satisfatórias”. Segundo
o cientista “ficou provado que esses fenômenos são governados por
uma inteligência” (Crookes, pág. 45). Ao final do ano de 1873 até maio
38
Fotografia de Willian Crookes do
“espírito” de Katie King.
de 1874, Crookes promoveu uma série de “sessões privadas” em seu
laboratório com a médium Florence Cook, por meio da qual se
manifestava o “espíritode Katie King. Ele chega a descrever o uso de
cinco aparelhos completos de fotografia [...] e de duas câmeras
estereoscópicas binoculares, que deviam todas ser dirigidas sobre
Katie ao mesmo tempo, cada vez que ela ficasse em posição de se lhe
obter o retrato [...]” (Crookes, pág. 75).
Contrariando a sua afirmação de raridade desses fenômenos,
Crookes descreve uma série de materializações de Katie King ao
longo de toda uma semana, onde ele teria obtido 44 negativos “uns
medíocres, alguns nem bons nem maus e outros excelentes”, embora
em todas as publicações consultadas sejam reproduzidas apenas
umas poucas imagens do espíritovestido com véus brancos e com
a cabeça coberta, sendo que em algumas delas vemos o cientista ao
lado da “materialização”. na sua época as críticas a essas
experiências, procuravam ressaltar a grande semelhança entre a
médium e o espírito”, que foi refutada por Crookes ao afirmar uma
série de diferenças entre as duas mulheres, como suas alturas, pesos,
cor de cabelo e até mesmo a orelha furada da médium que não se via
na figura do além.
De qualquer maneira a conclusão sobre estes acontecimentos
é que este seria um exemplo de “um caso típico de fraude. Florence
Cook deveria trocar sua vestimenta para o de Katie King, embora
todos acreditassem que ela se mantivesse na cabine de
experimentação. Quando vistas simultaneamente [médium e
espírito”] isso poderia ser obtido por meio da entrada de um
comparsa na cabine [...]”. Muitos acreditam
32
que Crookes teria sido
simplesmente iludido (por uma garota na época com 18 anos) e
alguns chegam mesmo a especular que o famoso cientista poderia ter
tomado parte na farsa, depois de perceber que havia sido
enganado e publicado vários relatos sobre suas experiências; não
podendo, pois, recuar.
2.4 IMAGEM E LEGENDA
“Não se tornará a legenda a parte mais essencial da fotografia?”
W
alt
er B
enjamin, “P
equena his
tória da f
o
t
ografia”, 1931
Com esta frase Walter Benjamin chega ao fim de seu texto que
pode ser considerado a matriz daquela que viria a ser a sua mais
famosa reflexão sobre a fotografia, A obra de arte na era de sua
r
epr
odutibilidade técnic
a” (19
35-1936), onde ele identifica que a
aura
,
aquele c
arát
er únic
o e insubstituível das coisas, composto por
elementos espaciais e temporais, próprios de cada situação (“a
sombra do galho de uma árvore projetada sobre nós numa tarde de
32. Andreas Fischer. Ladapta-
tion réciproque de l’optique et
des phénomènes
”. in Le troi-
sième oeil. La photographie et
l’occulte. Paris, Éd. Gallimard,
2004: 173)
39
Fotografia de Willian Crookes com
o “espírito” de Katie King.
Fotografia do pensamento de
Louis Darget.
verão”), havia sido superada, ou ainda, atrofiada pela
reprodução da
realidade
, compactada agora nas superfícies de pequenas imagens
transporveis e colecionáveis. “Fazer as coisas ‘ficarem mais
próximas’ é uma preocupação tão apaixonada das massas modernas
como sua tendência a superar o caráter único de todos os fatos
através da sua reprodutividade. Cada dia fica mais irresistível a
necessidade de possuir o objeto, de tão perto quanto possível, na
imagem, ou antes, na sua cópia, na sua reprodução” (Benjamin,
[1935/36] 1994: 170). Seguindo o mesmo raciocínio, Susan
Sontag
revela que no prefácio à segunda edição do
The Essence of
Christianity
(1843), Ludwig Fuerbach havia observado que nossa era
se caracterizava por preferir “a imagem à coisa, a cópia ao original, a
representação à realidade, a aparência ao ser’ – ao mesmo tempo em
que tem consciência de estar fazendo apenas isso (
Apud
, Sontag
[1973] 1983:147)
33
. “Substitutas cobiçadas da experiência autêntica”,
algumas imagens irão necessitar, pom, de guias para a
compreensão do seu contexto. É o que Benjamin identifica nas
fotografais que Eugène Atget (1857-1927) fez da cidade de Paris,
deserta de homens”, por volta de 1900. Segundo ele, fotografias
como aquelas “orientam a recepção num sentido predeterminado. A
contemplão livre o lhes é adequada. Elas inquietam o
observador, que pressente que deve seguir um caminho definido para
se aproximar delas. Ao mesmo tempo, as revistas ilustradas começam
a mostrar-lhes indicadores de caminho verdadeiros ou falso, pouco
importa. Nas revistas, as legendas explicativas se tornam pela
primeira vez obrigatórias” (Benjamin, [1935/36] 1994: 174-175).
O mesmo pode-se dizer em relação ao vasto universo da
fotografia dos espíritos, cuja relação de interdependência entre texto
e imagem é própria do gênero. A falta de definição da imagem de
muit
o
s espíritos representados, o aspecto muitas vezes
flou
dessas fotografias e a temática genéricamente extravagante, com
personagens muitas vezes distantes da normalidade”, impõem uma
legenda obrigatória na apresentação dessa temática, mesmo para os
c
onhec
edor
e
s do c
on
t
exto onde elas foram realizadas. Essas
legendas, com sua lógica própria, funcionariam como tradutores, em
muito semelhantes às atuais interpretações especializadas de
diagnósticos médicos por imagens, como tomografias, ressonâncias
magnéticas, ultrasonografia e até mesmo as velhas chapas de raios-
X, nas quais um observador sem repertório técnico não consegue
e
xtr
air qualquer
signif
ic
ado” além da própria imagem. Roland
Barthes chega a mencionar o caráter “parasita” destes textos,
destinada a “insuflar” significados numa imagem. “... ontem, a
imagem ilustrava o texto (tornava-o mais claro); hoje, o texto torna a
imagem mais pesada, impõe-lhe uma cultura, uma moral, uma
imaginação
34
.
33. Uma versão digitalizada
dessa obra de Feuerbach (NY:
Calvin Blanchard, 1855) pode ser
obtida pelo books.google.com
40
34. Roland Barthes. “O óbvio e
o ob
tuso: ensaios críticos II
I”.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
[1961] 1990: 14-23.
O autor parte do princípio que a imagem fotográfica não é o
real mas o seu
analogon
perfeito e que é esta perfeição analógica
que, para o senso comum, define a fotografia” (pág. 12). Ele descreve
que as artes imitativas comportam sempre duas mensagens: uma
denotada
que é o próprio
analogon
e uma
conotada
, constituída seja
por uma simbologia universal, seja por uma retórica de época [que é
histórica e cultural], em suma, por uma reserva de estereótipos
(esquemas, cores, grafismos, gestos, expressões, agrupamentos de
elementos)” (pág. 13). “Graças ao seu código de conotação, a leitura
da fotografia é, pois, sempre histórica; depende sempre do ‘saber’ do
leitor, tal como se fosse uma verdadeira língua, inteligível apenas para
aqueles que aprenderam seus signos” (pág. 22).
Embora Barthes afirme que “a fotografia seria a única [das
estruturas de informação] a ser exclusivamente constituída por uma
mensagem ‘denotada’, que se esgota totalmente em seu ser”, no
contexto da fotografia dos esritos as manchas luminosas
percebidas em sua superfície, ou a relação entre seus elementos não
são meramente denotativas. Frente a essas fotografias
descrever
é
exatamente significar uma coisa diferente daquilo que é mostrado”.
No entanto Barthes considera uma hipótese de trabalho na qual a
fotografia jornalística, anteriormente comentada por W. Benjamin, é
também conotada. “[...] uma fotografia jornalística é um objeto
trabalhado, escolhido, composto, construído, tratado segundo
normas profissionais, estéticas ou ideológicas, que são outros tantos
fatores de conotação; por outro lado, essa mesma fotografia não é
apenas percebida e recebida, é lida, vinculada, mais ou menos
conscientemente, pelo blico que a consome, a uma reserva
tradicional de signos [...]” (pág. 14). É assim que o autor identifica o
“paradoxo fotográfico”, que consiste “na coexistência de duas
mensagens: uma sem código (o análogo fotográfico) e a outra
codificada (o que seria a ‘arte’, o tratamento, ou a retórica da
fotografia)”.
Para a compreensão do sentido das fotografias estudadas
aqui é importante também recorrer à descrição que Barthes nos
apresenta dos procedimentos de
conotação
, uma “imposição de um
sentido segundo à mensagem fotográfica própriamente dita”. Ele
divide os
ts primeiros procedimentos
onde a conotação é
produzida por uma modificação do próprio real (
trucagem
,
pose
,
objetos
), dos três outros (
fotogenia
,
esteticismo
,
sintaxe
).
Individualmen
t
e c
ada um desses elementos técnicos podem ser assim
descritos:
- A
trucagem é uma intervenção no próprio poder de
denotação da fotografia, utilizando a força de credibi-
lidade iner
en
te à ela, sendo significante para determina-
das sociedades num dado contexto histórico (pág. 16).
- A
pose, que não é um procedimento exclusivamente
41
fotográfico – “sua ‘gramática’ pode ser encontrada na
pintura, no teatro, nas associações de idéias, nas
metáforas usuais etc.- é significante na medida em que
nela repousam atitudes estereotipadas que podem ser
lidas [p.ex: mãos postas, atitude de adoração =
espiritualidade].
- Sobre os
objetos, Barthes se refere à
pose dos objetos
que atuam como “indutores comuns de associações de
idéias” [p.ex: biblioteca = intelectual; caveira e ampulheta
= morte e transitoriedade], constituindo elementos de
significação.
- No contexto da nossa tese o que Barthes identifica como
fotogenia pode ser compreendida como uma
anti-
fotogenia
, na medida em que as técnicas de iluminação,
impressão e tiragem”, que nas outras fotografias
contribuem para uma melhora da imagem, aqui
contribuem para o seu “ocultamento”. No universo da
fotografia dos espíritos o registro impreciso, a falta de
iluminação e a baixa qualidade das reproduções estão
invariavelmente associados à dificuldade inerente de se
fotografar os espíritos”, ou à comoçãodos fotógrafos à
frente de tais “fenomenologias”, da mesma forma que
também podem servir a uma estratégia de “ocultamento
de possíveis fraudes e montagens de cena.
- O
estetismo pode ser entendido no contexto dessa tese
como um procedimento que se liga à estética da foto-arte
(como no “pictorialismo” do início do séc. XX) e também à
“performance” corporal dos figurantes dessas fotografias.
- Quanto à
sintaxe, Bartes acentua o valor que várias
fotografias podem adquirir em seqüência, despertando
um grau de significação que decorre do encadeamento
entre as imagens. Essse procedimento serve para
acentuar ainda mais o sentido de registro obtido da
realidade, onde os fatos são isolados quadro a quadro de
sua dinâmica connua. Alguns dos filmes que
documentam, por exemplo, os videntes cristãos no
“momento de diálogo com a Virgem Maria”, foram
resumidos por nós numa seqüência de “frames que
ajudam a visualiz
ação simultâne
a (
no espaço) de um
registro temporal. Dessa forma o “grau de significação
(do contexto) de que fala Barthes fica explícito nessas
montagens.
O aut
or apon
ta também para a existência de uma conotação
cognitiva, “cujos significantes seriam escolhidos e localizados em
certas partes do
analogon
”. A leitura desses elementos depende do
42
nosso conhecimento, do nosso repertório sobre a diversidade do
mundo e das particularidades das culturas (pág. 23). À essa forma
conotativa se alia também a conotação
ideológica, “... uma conotação
forte, [que] exige um significante muito elaborado, freqëntemente de
ordem sintática: encontro de personalidades, desenvolvimento de
atitudes, constelação de objetos”. É o conhecimento de um dado
repertório que nos ajudará, p.ex., à decifrar a imagem de um sujeito
preso à uma cadeira, de pés e mãos atadas, que mostra sobre o seu
busto um tipo de baba branca e espessa que sai de sua boca e
narinas.
TEXTO E IMAGEM NA FOTOGRAFIA DOS ESPÍRITOS NO BRASIL
Um exemplo desse vínculo entre a imagem e a legenda pode
s
er percebida naquela que é a primeira fotografia “espírita” publicada
Brasil no livro de Nogueira de
Faria
35
. Nela se o retrato de um
jovem rapaz de terno escuro intitulada A sua photographia quando
vivo”. Essa legenda indica que a partir daquele ponto o leitor será
confrontado com uma série de reproduções fotográficas em que o
personagem retratado aparece então, depois de sua morte”. A partir
dessa imagem o que veremos é uma seqüência de legendas que
traduzem uma série de fotografias que, do contrário, não poderiam
ser identificadas com qualquer referente do universo do
fotografável” conhecido.
A primeira fotografia comentada de um “espírito”, no livro de
Nogueira de Faria, é o do “magnífico retrato de João um transe
excelente”. Ao descrever uma imagem pouco usual e irreconhecível
para qualquer pessoa, o maestro Bosio, autor das fotografias que
ilustram o livro de Faria, descreve a semelhança da face do “espírito
com o r
etrato de João, ainda vivo: “É notável a clareza e nitidez da
fotografia, a ‘pose solene, o manto duplo, estendendo o braço
esquerdo que mal se vê, segurando uma parte da sua vestimenta
espiritual. Na parte superior da cabeça observa-se um arco fluídico e
atrás uns panos também fluídicos, envolvendo-a” (Faria, 1921: 17). Não
deixa de estranhar a tangibilidade excessiva desse “espírito”, que em
nada se parece com as representações diáfanas do nosso repertório
imaginário ac
erca de fantasmas e espíritos.
Ao descrever uma outra fotografia de um espírito”, numa
narrativa que inaugura a divulgação em massa da fotografia dos
e
spírit
o
s no Br
asil, o mae
s
tr
o Bosio fala de uma “experiência”
ocorrida na manhã de 19 de janeiro de 1921, em que ele registra um
espectro quase que desmaterializado, uma nuvem, em muito
semelhante a uma mancha na superfície fotográfica, mas que no seu
discurso é apontada como um “fantasma diáfano, de estatura muito
maior que a médium. V
eja-s
e c
omo que derr
amando-s
e do c
orpo do
médium, a onda f
luídic
a f
ormador
a do fantasma” (Gravura 39, pág.
171). Essa mancha vaporosa, praticamente invisível e em nada
3
5. (gravura 3, pag. 17).
Nogueir
a de Faria.
O tr
abalho
dos Mortos o livro do João”.
Bralia: Federação Esrita
Brasileira, 1921.
Acima, médium imobilizado no
gabinete de experimentações.
Acima, a primeira fotografia do
“esrito” de João, feita pelo
maestro Bosio em 1921.
No alto, dois médicos iniciam o
ato de manietar o sensitivo Wal-
ter Santos Rezende com cadea-
dos e correias, 1964.
43
semelhante a qualquer objeto do universo fotografável, encontra, ao
menos, alguma correspondência em nosso imaginário fantasmagó-
rico, como algo intangível e fracamente perceptível pelos nosso olhos,
como pela câmera. Uma outra
gravura
reproduzida no livro de Faria
vem legendada como sendo um resultado de uma chapa “obtida às 3
horas da tarde do dia 25 de março de 1921 [... onde se vê]
distintamente o corpo do fantasma, todo transparente. [...] Além de
seu vulto sombras luminosas em diversos pontos da chapa”
(Gravura 44, pág. 171).
Num trecho de suas descrições o maestro Bosio irá nominar
uma série de três fotografias como “Photographias exquisitasque,
segundo ele, “prestam-se admiravelmente à maledicência e à crítica
parcial, ávida de ensejos para o ataque injusto. Na primeira fotografia
aparece, fora da grade onde está a médium, uma perfeita cabeça de
boneca sobreposta a roupagens brancas [...] De onde veio essa
cabeça de boneca? Um transporte? Não é inteiramente inadmissível
a idéia. [...] Vê-se também nessa fotografia, como que saindo das
mãos ou da boca da médium uma faixa branca que, atravessando a
grade maior para a outra menor, onde se achavam os baldes, cai
sobre eles” (Faria, 1921: 167). Mais “esquisita” ainda é uma outra
fotografia onde é descrita a visão de “um fantasma de pés e mãos de
adulto como que segurando uma criança, cuja cabeça encantadora e
de uma beleza celestial, surge à altura em que deveria estar a
[cabeça] daquele. Mas [se] essa fotografias apresentam essas
anomalias, essas singularidades, devemos ocultá-las? Não! São tão
verdadeiras quanto as demais. Ao contrário devemos mostrá-las ao
público, submetê-las à apareciação de todos, dizendo-lhes os nosso
próprios embaraços, as nossas próprias perplexidades (Faria, 1921:
168). Bosio irá ainda se referir a uma terceira fotografia onde o
espírito” oculta seu rosto, caracterizando um fantasma acéfalo.
Nas fenomenologias provocadas pelo médium Carlos
Mirabelli, as legendas assumem um papel fundamental para a leitura
de um grupo de imagens cuja reprodução por meio de clichês
tipográficos mal impressos, são fundamentais para a compreensão
do contexto em que aquelas estranhas representações ocorriam e o
que elas poderiam significar. A famosa imagem do médium levitando
no interior de uma sala de paredes decoradas, vem acompanhada de
uma legenda que afirma estar o médium em transe profundo,
inc
ons
cien
te, [tendo levitado] em pleno dia, elevando-se de tal forma
que sua cabeça quase atingiu o teto. Observe-se na foto, a sombra em
simetria perfeita, estando o médium entre a lâmpada, o forro e a
parede(Palhano Jr., 1994: 116). Apesar de vermos a fisionomia do
médium com os olhos abertos e, aparentemente, consciente, somos
in
f
ormados que naquele estado de imponderabilidade, o médium
poderia estar mergulhado em transe profundo”. Ao descrever os
eventos “fantásticose bizarros ocorridos na Academia Brasileira de
44
Fotografia de um grupo de “espí-
ritos” obtida em fevereiro de 1921.
Além dos fantasmas perfeita-
mente visíveis, o leitor atento,
com auxílio de uma lente dist-
ingüira, no alto, vários semblan-
tes também perfeitamente visí-
veis”.
L
e
vitação de Carlos Mirabelli em
São P
aulo
, por volta dos anos 20.
Metapsíquica, criada por Mirabelli, vemos uma imagem de n. 36,
intitulada “irradiação de uma tia de Mirabelli”. A sua legenda informa
que a fotografia foi tirada pelo Dr. Alencar de Macedo (o que ao
menos já nos informa da autoria da imagem) e que ela
“documenta as irradiações atribuídas a uma tia de Mirabelli,
recentemente falecida. Trata-se de uma materialização em
virtude da mediunidade de Mirabelli, a ponto de ser percebida
pelos presentes e sensibilizar a chapa fotográfica. A caveira
existente constitui uma surpresa, mesmo para Mirabelli, visto
que, dias antes, ela havia se esfacelado completamente e,
assim, foi reconstituída pelas forças espirituais presentes, o que
se tornou um fato admirável” (Palhano Jr., 1994: 129).
Num livro de 1946, intitulado “Trabalhos post-mortem do
Padre Zabeu”, Urbano
Pereira, procura acentuar a fenomenologia
inacreditável que ocorrem na presença de certos médiuns, ao
apresentar duas fotografias onde vemos, contra um fundo escuro, um
médium de roupas brancas, algemado e amarrado à cadeira, numa
estranha pose performática e cujas legendas informam que “a
sombra escura sobre o peito e o rosto do médium,
dando a impressão
de um pano preto
, não se achava antes e depois da sessão. A
pequena vitrola sobre os joelhos do médium achava-se, antes da
sessão, fechada e colocada a um canto da sala” (Pereira, 1946:
fotografias 18 e 19. grifos meus).
No entanto iremos encontrar num livro de Rafael Ranieri
36
um
paradigma da fotografia dos espíritos no Brasil, tão conhecido e tão
reeditado quanto o “Trabalho dos Mortos” de Nogueira de Faria.
“Materializações Luminosas” é um livro que se encontrava em sua
8. edição (cerca de 45 mil exemplares) no ano de 2003,
representando “um discurso totalmente delirante”, tal como o definiu
Phillipe
Dubois37 ao escrever sobre o Dr. Hyppolyte Baraduc, um dos
grandes especialistas em doenças nervosas, atuante na famosa
Es
cola da Salpêtrière ao lado de Charcot, notável pelos seus estudos
s
obre a histeria e seus métodos terapêuticos e que, a partir de uma
certa fase de sua vida, inicia um trabalho de fotografia do invisível e
da aura da alma humana.
S
egundo Dubois
, B
ar
aduc vai perseguir sistematicamente o
registro fotográfico da “luz da alma”, procurando depois descrever e
tipologizar as auras provocadas e fotografadas [...] de acordo com
sua forma, sua textura, sua densidade, sua distribuição etc” (Dubois,
1993: 237). Em pouco tempo o Dr. Baraduc chega a elaborar uma
“teoria dos espectros”, “inventando e denominando mil conceitos
dif
er
en
tes: ‘força curva’, força vital’, ‘impressões conscientes’,
‘nimbos’, ‘invisíveis fluídicos’, ‘éter’, ‘vibrações’, ‘emanações da alma’
e
t
c”. (Dubois
, 199
3: 2
3
8).
Da mesma forma iremos encontrar no livro de Ranieri uma
36. Rafael Ranieri. “Materiali-
zações Luminosas depoimen-
to de um delegado de polícia”.
São Paulo: Lake, 2003.
45
37. Philippe Dubois. “O ato
fotográfico, Campinas: Papirus,
1993.
Irradiação de uma tia de Mirabelli.
Foto de Alencar de Macedo, que
documenta as irradiações atribuí-
das a uma tia do médium, recen-
temente falecida. A caveira
existente constituiu uma surpre-
sa, mesmo para Mirabelli, visto
que, dias antes, ela havia se esfa-
celado completamente. s/d.
Duas fotografias que documen-
tam o momento da morte da mu-
lher de Baraduc, onde se a
emanação da alma abandonando
o corpo.
série de interpretações, “um espaço de invenção total” para as piores
imagens reproduzidas em toda a bibliografia adquirida ao longo
dessa pesquisa. Nessa obra tudo aquilo que poderia se aproximar da
mais simples metodologia, representada pelas indicações de local,
data, ou dos personagens retratados nas dezenas de fotografias
reproduzidas em suas págianas é simplesmente ignorado. No lugar
disso, extensas legendas dão conta de interpretar todo um conjunto
de corpos presentes nessas imagens, nas situações e poses as mais
improváveis e descontextualizadas; “onde o corpo fotografado ao
mesmo tempo se entrega a fundo e se perde nos abismos: é a própria
definição de ‘fantasmizaçãodos corpos fotografados. Corpo de luz,
corpo de trevas”. (Dubois, 1993: 241).
Esta legenda apresenta, em sua lógica interna, a mesma tese
que procuramos definir ao longo desse trabalho: a de que a fotografia
de representação dos espíritos ou de fenômenos luminosos é uma
“fotografia sem igual” na produção fotográfica brasileira; uma forma
original no
universo das imagens técnicas
. Outros exemplos dessas
legendas s
erão vistas ainda no Capítulo IV.
46
Do livro “Materializações Lumino-
sas”, de Rafael Ranieri [?] 2003.
Outra reprodução do mesmo
livr
o, cujo contexto é semelhante
a esse, vem com a seguinte legen-
da “reunião de materialização em
outubro de 1964, em São Paulo”,
pág. 252.
47
Do livro “Materializações Lumino-
sas”, de Rafael Ranieri [?] 2003,
pág. 266.
CAPITULO III
A FOTOGRAFIA DOS ESPÍRITOS NO BRASIL
Em janeiro de 2004 um jornal da cidade de São Paulo
publicou uma matéria sobre uma suposta
aparição
do médium Chico
Xavier (1910-2002), numa fotografia feita no local onde ele fora
sepultado
3
8
. Ao comentar essa imagem, que muitos identificaram
como sendo a do mais famoso espírita brasileiro, um professor da
USP de São Carlos afirmou que haveriam “99% de probabilidades de
a mancha [na imagem] ter sido provocada pelas condições do
ambiente [...]. É provável também que seja algum reflexo associado à
imagem de pessoas que estavam [nas proximidades] do túmulo e à
luz do ambiente”.
O tratamento dessa reportagem e de outras que veremos a
seguir chamam a ateão para um duplo enfoque desses
“fenômenospor parte da mídia. De um lado temos uma freqüente
abordagem de fatos que são “notícia”, mesmo que “improváveise
fruto de alucinação temporária” (estátuas que choram, lugares
assombrados); por outro lado persiste ainda uma tendência a
deslocar para o espaço da mídia uma leitura
técnica
da imagem,
amparada por um discurso científico, que parece ter em vista colocar
por terra qualquer insinuação de “prática mednica” ou de
“espiritismo”, tal como no passado, o primeiro dio Penal
Republicano (1890), já nos advertia
3
9
.
Da nossa parte o material de trabalho escolhido para essa tese
é exatamente aquele condenado e rejeitado; imagens suspeitas de
ocorrências “transcendentais”, surgidas primeiramente no contexto
do Espiritismo e mais tarde levadas para os domínios da para-
psicologia
40
. Recentemente esse gênero fotográfico passa por uma
reabilitação pelas práticas devocionais ligadas ao culto de Maria,
reabilitação que vem, ironicamente, tingida com as mesmas tintas
que marcaram o advento dessas fotografias nas práticas espíritas e
que se tornaram um dos alvos preferidos das campanhas
empreendidas pela Igreja Católica contra os avanços da nova religião
ao longo do séc
ulo XX
.
Como foi assinalado na introdução dessa tese, o universo
visual investigado pela nossa pesquisa engloba as fotografias que
revelam alguma forma de
materialização
,
aparição luminosa
ou
eventos de natureza
psi
ocorridos no Brasil. No campo de
in
v
e
s
tigação relacionado ao
Espiritismo f
or
am incluídas as
f
o
tografias cuja origem é atribuída à presença de “entidades
incorpóreas”, tais como as “fotografias de fantasmas”, “fotografias
de materializações”, de “luzes fantasmáticas” (glóbulos de luzes com
movimento “inteligente”) e dos fenômenos mediúnicos como as
“f
o
t
ografias de ectoplasma”, registros de “poltergeist” e “cirurgias
38. Drio de S. Paulo, 10.01.2004.
49
39. Para maiores informações
sobre o contexto da criminaliza-
ção do Espiritismo pelo Códio
Penal e as proibições e restri-
ções às práticas das religiões
mednicas, veja Emerson
Giumbelli,
O 'baixo espiri-
tismo' e a história dos cultos
mediúnicos
in Horizontes An-
tropológicos. vol. 9, n. 19 Porto
Alegre, julho de 2003.
40. A partir da segunda metade
do século XX ocorreu uma “[...]
c
ondenão do sub
s
tan
tivo
'Parapsicologia' ao desvio se-
mântico, estando para sempre
c
ompr
ometido o seu significa-
do, especialmente nos meios
ac
adêmic
os
. P
or is
so, a comu-
nidade internacional de pesqui-
sadores(as) tem discutido
t
empo
s a utiliz
ão de um
outro nome para essa disciplina
ou ramo de pesquisa, que não
esteja comprometido com esta
ou aquela po
stura religiosa. Daí
surgiram os nomes 'Pesquisa
Psi' e 'Psicologia Anomalística'
[...]”. (Fátima Regina Machado.
Parapsicologia no Brasil:
Entr
e a cruz e a me
sa branca
”.
Boletim Virtual de Pesquisa Psi,
Vol 2, 2005)
espirituais” (normalmente atribuídas à uma “entidade
desencarnada, incorporada pelo médium). No terreno da
parapsicologia (“pesquisa psi”), encontramos “fotografias do pensa-
mento”, “fotografias da aura”, registro de “levitações de corpos no
espo” e de ações sobre a matéria (como os “aportes”,
materialização de objetos vindos de outras regiões do espaço; ou a
“transmutaçãode materiais, como aquelas em que uma tampa de
alumínio de um copo d’água é transformada pelo médium num
“sólido medalhão”). No campo da “nova espiritualidade
católica,
iremos encontrar incontáveis fotografias “miraculosas”, fotografias
de “manifestações da Virgem”, de manifestações luminosas; registros
de “pinturas e esculturas que vertem sangue ou lágrimas” e aquelas
atribdas a um milagre eucarístico” (como os registros da
transformação de uma hóstia em carne e sangue). As aparições
Marianas”, parecem estar ocorrendo num momento de grande
intensidade, pois elas vêm sendo noticiadas com relativa freqüência
tanto no Brasil quanto em outras partes do mundo
4
1
.
Com toda essa produção, trazida a público ao longo de quase
um século, a pesquisa sobre a fotografia impressa dos espíritos no
Brasil representa um primeiro esforço em localizar, identificar e
organizar um acervo dessas imagens tornadas públicas no país.
Curiosamente o sincretismo religioso, que é um dos traços
característicos de nossa cultura, parece não ter sido um pano de
fundo suficientemente forte para inflamar a curiosidade pela
pesquisa dessa forma fotográfica que, mesmo nos dias hoje, continua
a causar estranhamento e incômodo pela sua temática estravagante,
relacionada ao tema que, por excelência, procuramos afastar do
horizonte da nossa consciência: o tema da morte. Ao perceber esse
grande vazio existente nos estudos sobre a fotografia no Brasil, como
também nos estudos sócio-antropológicos, fomos convencidos de
que e
s
t
e é ainda um território inexplorado no campo da cultura visual
e fotográfica.
Embora um dos objetivos desse trabalho tenha sido o de
r
e
aliz
ar um mape
amen
to abrangente dessas imagens publicadas no
país, ele deve ser considerado apenas como um primeiro passo nessa
direção, que o campo de pesquisa no Brasil é relativamente
extenso. Essa extensão se deve principalmente ao fato de que a
propagação da doutrina espírita entre nós se deu não pela
implan
t
ação do
s c
entros espíritas nas grandes cidades e no interior
do p
aís
, muit
os dos quais com acervos e publicações próprias; como
pelo tr
abalho das muitas editoras que tornaram a literatura espírita
um fenômeno de vendas de livros no país. Em seu estudo sobre o
Espiritismo, Sandra Stoll apresenta uma série de dados que são
fundamen
t
ais p
ar
a a compreensão da forma pela qual a Fotografia
do
s Espírit
o
s foi disseminada: por meio da literatura. Com dados
r
elativos ao volume de publicações dos autores do chamado
Espiritualismo Moderno na Europa, torna-se evidente como a
41. Em 1981, uma camponesa de
14 anos, Ivanka Ivakovic, da
pequena cidade de Medjugorge,
na Herzegovina, atravessou um
facho de luz que afirmava ema-
nar da Virgem Maria. Horas
depois outras três garotas afir-
mavam ter passado pela mes-
ma experiência. Sobre esse
tema no Brasil veja Steil, Mariz
e Reesink, 2003.
50
“produção literária se tornou um importante suporte à difusão do
movimento”. Na análise sobre a consolidação do movimento no
Brasil, Stoll afirma que a carreira de Chico Xavier es “intrinsica-
mente associada ao processo de consolidação de um novo nicho no
mercado editorial brasileiro: o do livro espírita”. A estratégia de
manter um fluxo contínuo de publicações havia sido inaugurado
por Allan Kardec, ao considerar a escrita a mais eficaz dentre as
formas de transmissão de valores morais”, pela qual Chico Xavier irá
se caracterizar como o “maior escritor mediúnico do século”,
escrevendo centenas de livros ditados “pelos espíritos(Stoll, 2003:
125-187).
Realizar uma pesquisa relativa às publicações espíritas e
parapsicológicas, com uma abrangência nacional é um projeto de
envergadura que deve ser aprofundado, pois como foi dito, países
como os Estados Unidos, Alemanha e França têm investido na
consolidação dessa história visual, enquanto nós ainda damos nossos
primeiros passos no resgate desse acervo pulverizado e em vias de
desaparecimento.
A extensão do material reproduzido nesse trabalho abranje,
de certa forma, quase todas as regiões do país, representadas por
fografias produzidas nos Estados do Pará, Minas Gerais, São Paulo e
Rio de Janeiro. Não se trata, evidentemente, de um mapeamento de
alcance nacional, como sugerido pelo título dessa tese, mas que inicia
um trabalho que poderá ser aprofundado por muitos outros.
Concentradamente o que foi realizado ao longo de quatro
anos foi a montagem e documentação de um acervo de imagens
fotográficas impressas, constituído por reproduções fotográficas
publicadas em livros, revistas, catálogos e
sites
que, em sua grande
maioria é resultado da impressão a partir de clichês (tipográficos) e
fotolitos (para impressões em off-set) de péssima qualidade. Portanto
ao contrário de um acervo de fotografias originais, o que temos aqui
é o objeto destituído de aura, uma cópia da cópia da cópia de um
original fotográfico, via de regra, desaparecido e cujo autor é, na
maioria das vezes, desconhecido.
3.1 ATUALIDADE DA PESQUISA
C
omo um f
enômeno cultural característico do ocidente, o
intresse por essa produção fotográfica não se restringe apenas aos
círculos espiritualistas ou parapsicológicos, incluindo ainda os grupos
aut
odenominado
s
cétic
os”, sempre empenhados em desqualificar
qualquer acontecimento ou fato “transcedental” como demonstração
de ignorância ou exercío de “má fé”. Ainda nos dias de hoje a
produção dessas imagens e todo o universo a elas relacionado
continua sendo amplamente explorado pela industria cultural, pelo
mer
c
ado edit
orial e t
ambém pelas práticas curatoriais no universo
51
das artes, uma vez que nos últimos anos o volume de exposições
42
,
artigos em revistas de cultura e a produção de filmes e seriados para
a TV têm aumentado significativamente.
No mercado editorial brasileiro são muitas as publicações de
periódicos, espíritas ou não, que mesmo no início deste novo século,
continuam a reproduzir e a publicar artigos sobre essas fotografias,
entre eles:
Revista Cristã de Espiritismo
, edição especial: Aparições
de Espíritos”. São Paulo: Edit. Vivência, ano 2, n. 06, março/abril
2003. Como também o exemplar do ano 5, n. 28, 2005.
Universo
Espírita
: ciência, filosofia e religião. São Paulo: Ed. Universo Espírita,
ano 3, n. 27, 2006.
Espiritismo e Ciência
. São Paulo: Mythos Editora,
ano 3, n. 33, s/d.
“Muito além do jardim”, Isto É, São Paulo, n. 1599,
24/5/2000.
Os jornais diários também vêm mantendo uma regularidade
na publicação de reportagens sobre aparições misteriosas,
curiosidades “inexplicáveis” e outros temas relacionados à crença na
existência dos espíritos:
“Questão de fé”, Folha de São Paulo, São
Paulo: 25/11/2004.
“Suposta aparição de Chico Xavier em foto gera
polêmica”. Diário de S. Paulo, São Paulo: 10/01/2004, pág. A1, A7.
“Deputado do PT incorpora espírito na Câmara”. Agora, São Paulo:
29/10/2004, pág. A15.
“Deputado diz ter recebido espírito”. Folha de
São Paulo, São Paulo: 29/10/2004.
“Na Índia, alunos dizem que
escola é mal-assombrada e ganham folga”. Folha de São Paulo, São
Paulo: 28/09/2004.
“Imagem da Virgem “chora’ no Vietnã”. Folha
de São Paulo, São Paulo: 01/11/2005, pág. A13.
“Estudo ataca
datação do Sudário”. Estado de São Paulo, São Paulo: 28/01/2005.
“Nem o sobrenatural desafia caretice dos seriados”. Crítica de Bia
Abramo, Folha de São Paulo, 4/12/2005, pág. E9.
“Os fantasmas se
divertem atualmente, as três novelas exibidas pela TV Globo têm
espíritos rondando seus afetos e inimigos”, Diário de São Paulo,
“Viver”, 24/10/2006, pág.1.
Em artigo recente, um jornalista nos chama a atenção para a
profusão de “entidades espirituais” em circulação nas telenovelas
brasileiras; isso sem contar todo o conjunto de seriados norte-
americanos para a TV, repletos de “detetives psíquicos” que povoam
os canais por assinatura:
“Os fantasmas são freqüentes nos folhetins. Quem não se
recorda de Alexandre, personagem de A Viagem’ ? [... escrita
por
] Ivani Ribeiro, a novela foi ao ar pela primeira vez em 1975
na TV Tupi e ganhou
remake
global em 1994. [...] Na novela, os
três protagonistas -
Diná
(Eva Wilma/Christiane Torloni),
Otávio
(Altair Lima/Antônio Fagundes) e
Alexandre
- atuavam em dois
planos: o da vida e o da morte. Outros fantasmas famosos [nas
telenovelas] foram
Jorge Tadeu
, personagem de Fábio Jr. em
‘Pedra sobre Pedra’, de Aguinaldo Silva (1992);
Acácio
(Chico
Diaz), o pai do peão
Tião
, em ‘América’, de Glória Perez (2005);
42. Veja no item 3 de nossa bi-
bliografia a relação das exposi-
ções realizadas nos Estados
Unidos e na Europa nos últimos
onze anos.
52
Luna
(Liliana Castro), em Alma Gêmea’, de Walcyr Carrasco
(2005), que reencarnava na índia
Serena
(Priscila Fantim). No
remake de ‘O Profeta’, de Ivani Ribeiro, [...], a atriz Carolina
Kasting tem seus dias de fantasma (Etienne Jacintho.
Observatório da imprensa, 28/janeiro/2006).
Durante a realização dessa pesquisa foi possível acompanhar
o lançamento de vários fimes no circuíto comercial de cinema
43
,
tematizando a relação do mundo dos vivos com o
mundo dos
espíritos
. Quase sempre envolvendo jovens aventureiros em
situões mistériosas, essas histórias vem embaladas numa
linguagem cinematográfica que não se limita à velha estética do séc.
XIX. Via de regra a relação com os espíritos é vista pelo cinema como
um embate de foas entre mortais (em perigo) e as almas
atormentadas que vagueiam pelo éter. Esses esritos são
normalmente evocados por conjurações verbais (escritores que se
aventuram a narrar eventos de natureza espiritual), meios
fotográficos (aparições em fotografias amadoras) ou pelos meios de
comunicação (aparelhos de televisão, telefones, secrerias
eletrônicas, rádios). O resultado é sempre o de uma descoberta dessa
dimensão que se apresenta como paralela ao mundo dos vivos e em
plena interação com ele. Uma dimensão “vigilanteque acompanha
nossos passos e é, quase sempre, invisível e intangível.
Em sua análise sobre as “mídias assombradas”, que identifica
uma grande profusão de espíritose “fantasmas” nas narrativas que
procuram explicar a natureza dos meios eletrônicos, Jeffrey Sconce
afirma que, aparentemente, a noção popular mais corrente parece
considerar que os espíritos não falam por meio da TV, mas parecem
“viver dentro dela”, uma vez que “a mágica da televisão deriva em
grande parte da sua habilidade em produzir um mundo autônomo.
Assistir televisão é como sintonizar
o real
, aquilo que es'ao vivo'
acontecendo no mundo” (Sonce [2000] 2005: 18-20). É neste sentido
que t
alvez se possa explicar, em parte, o sucesso dos atuais
programas de “
reality TV
” como o “Big Brother”, que se assemelha a
uma janela aber
t
a p
ar
a uma realidade paralela onde podemos
c
on
t
emplar o movimento de “espectros sociais” que vivem numa
espécie de um “mundo à deriva”, cuja “recompensa divina” (da
“Deusa platinada”) é a de um polpudo cachê e alguma celebridade
temporária.
3.2 FONTES UTILIZADAS
Em função da inexistência de outras pesquisas no Brasil que
tenham estudado esse universo fotográfico específico, esse trabalho
lançou mão de r
e
f
erências bibliográficas inusuais e, aparentemente,
pouco difundidas em nosso meio acadêmico. o acervo de
43. Uma pequena apostila,
editada em 1994, que trata das
f
ormas de implantação de uma
videoteca em centros espíritas,
lista cerca de 80 filmes “com
temas de fundo espírita” dispo-
níveis nas locadoras (Osvaldo
Filho.
Videoteca nas socieda-
des espíritas
. São Paulo: Ed.
USE, 1994). O livro de Tom
Ruffes, que analisa apenas “os
filmes que enfocam a continui-
dade da existência de uma
personalidade após a morte”,
apresenta uma extensa filmo-
grafia com centenas de títulos
de filmes mudos, filmes em
língua inglesa e em língua es-
trangeira produzidos ao longo
de mais de um culo (Tom
Ruffles.
Ghost Images: cinema
of the afterlife. Jefferson, N.
Carolina; London: McFarland &
Company, 2004).
53
fotografias que corpo a essa pesquisa se resume a imagens
fotográficas reproduzidas em livros e revistas e não aos originais
fotográficos. O que pode parecer uma contradição no estudo da
fotografia, feito sem o contato direto com os originais, encontra aqui
uma razão muito especial: o acesso aos negativos ou ampliações
originais da chamada Fotografia dos Espíritos no Brasil é
extremamente rara e difícil de ser encontrada. Podemos supor que a
campanha liderada cerca de quarenta anos por alguns meios de
comunicação no país e corroborada pela Igreja Católica, contra o
Espiritismo, resultou num forte retraimento dos autores dessas
fotografias e das práticas experimentais da chamada
materialização
dos espíritos
44
.
Foi especialmente na década de 60 que as fotografias de
aparições foram utilizadas pelos opositores do Espiritismo como
uma forma de atacar uma doutrina baseada no pressuposto do
contato além túmulo. Nas análises feitas por famosos peritos
criminalistas da época foram empregados sofisticados recursos de
avaliação da imagem, o que, segundo a minha maneira de ver,
representaria uma certa popularização da leitura da imagem
técnica” (definida por Vilém Flusser) veiculada pelos meios de
comunicação de massa no país. Como exemplo desse embate vale
uma consulta à edição de 8 de fevereiro de 1964 da revista “O
Cruzeiro”, que divulgava uma ampla reportagem fotográfica
intitulada “Falsa a materialização de Uberaba”. Nela um conjunto de
fotografias de supostas “materializações de espíritos”, ocorridas no
interior de Minas Gerais eram
desmontadas
minuciosamente por um
laudo técnico ilustrado. “Não truque fotográfico que resista aos
recursos modernos de um perito experiente”, apontava uma
chamada interna da reportagem
45
.
Estes conjunto de fatos contribuiu, certamente, para o início
de um processo de ocultamento dos originais fotográficos, fazendo
com que uma mesma imagem fosse reproduzida seguidas vezes, a
partir de suas publicações anteriores
46
.
Esse “princípio” de impressão de uma imagem fotográfica,
realizado a partir de uma cópia da cópia da cópia, poderia até ser
entendido como uma técnica
achiropita
”, onde uma imagem
consegue, na sua multiplicação, transferir para a cópia as mesmas
virtudes e qualidade do seu protótipo (divino). É isso que se afirma da
imagem da S
an
t
a Face do Cristo, gravada com suor e sangue no lenço
de V
erônica
47
. Es
sa imagem original, “decalcada” em um lenço (o
equiv
alente ao negativo fotográfico), parece ter se perdido ao longo
desses 2000 anos, mas as cópias obtidas a partir de um contato com
o original, se espalharam pelo mundo. Conta-se que
“Na segunda metade do século VI um retrato de Cristo caiu dos
44. “Durante a ditadura de
Gelio Vargas (1930-1945),
novo interesse se reacendeu
sobre a Pesquisa Psíquica (de-
nominão inglesa), Meta-
psíquica (denominação france-
sa), ou como então a já cha-
mada Parapsicologia, denomi-
nação difundida devido ao fato
de o casal Rhine ter estabe-
lecido o Laboratório de Parapsi-
cologia na Duke University no
final da década de 1920. Esse
novo interesse deveu-se ao fato
de a Igreja Católica fazer, na-
quele momento, uma pesada
campanha contra o Espiritismo
por meio de publicações e de
discursos nos quais utilizava
conhecimentos oriundos da
pesquisa parapsicológica para
desmascarar o que chamava de
“mentiras espíritas”. Nessa
época, a palavra “Espiritismo
ainda era entendida pelo Esta-
do como termo que designava
todas as religiões mediúnicas,
sendo enquadrado como crime
de contravenção, com possível
pena de prisão para quem o
praticasse em qualquer uma de
suas formas. Isto resultou no
fechamento de vários centros
kardecistas e terreiros de Um-
banda e Candomblé”. (Fátima
Machado, 2005).
54
45. “Perícia Técnica confirma
reportagem de O Cruzeiro’:
Falsa a materialização de
Uberaba
, O Cruzeiro, 08.02.1964.
Veja também as edições de 18
de janeir
o e 01 de fevereiro de
1964. Todas a série de repor-
t
agens da re
vis
t
a sera comen-
tada no ítem 3.8 dessa tese.
46. Os dois e
xemplares adqui-
rido
s do livr
o de Nogueir
a de
Faria, “
O trabalho dos Mortos”,
em suas edições de 1921 e 1990,
são um bom exemplo da quali-
dade variáv
el que essas repro-
duções fotográficas sofreram
ao longo do tempo. As repro-
duções dos anos 20 são supe-
riores às dos anos 90, o que nos
le
v
a a crer que e
staria ocorren-
do uma perda deliberada da
qualidade de reprodução gráfi-
céus para confirmar a existência de Deus a uma mulher pagã,
Hypatia, que alegava não acreditar naquilo que não via. Uma
outra nativa de uma pequena cidade da Capadócia, encontrou
no lago de seu parque uma tela pintada na qual imediatamente
reconheceu uma reprodução de Cristo. Retirou o quadro da
água, percebeu que estava seco e enrolou-o em sua manta. Um
segundo milagre ocorreu então: a imagem ficou impressa em
seu vestido, produzindo uma réplica fiel do retrato do Senhor”.
(Kuryluk, 1993: 53)
Um personagem que consideramos importante na história
desse gênero fotográfico no Brasil, por ser o autor de várias imagens
reproduzidas nos livros de Tubino (1997) e em várias reportagens da
série da revista O Cruzeiro (1964), Nedyr Mendes da Rocha não se
mostrou muito disposto a comentar, nos dias de hoje, as imagens que
produziu de materializações na cidade de Campinas, no interior de
São Paulo e em Uberaba, no interior de Minas Gerais nos anos 60. Um
dos poucos fotógrafos da época que ainda conseguimos localizar nos
dias de hoje, não respondeu aos nossos contatos e, foi a partir daí que
a nossa opção se voltou para o material impresso encontrado, em sua
grande maioria, nos sebos de livros espalhados pelo Brasil.
O OCULTAMENTO OU DESAPARECIMENTO DOS ORIGINAIS.
A procura por imagens fotográficas originais, na forma de
negativos, positivos (slides) ou cópias fotográfias feitas a partir da
matriz “original” não foi coroada por grandes descobertas ao longo
dessa pesquisa. O reduzido número de informações sobre fotógrafos,
os locais de produção das imagens e a época dos registros, revelam
que a fotografia dos fenômenos paranormais ou espirituais no Brasil
não tem sua identidade inteiramente conhecida. A apreciação do
mat
erial fotográfico original poderia, sem sombra de dúvida, revelar
uma infinidade de aspectos da “realidade interior daquelas imagens
que
, com as técnicas de recuperação digital dos dias de hoje,
poderiam ainda revelar muitas outras qualidades, captadas pelas
câmeras do início do século XX. Mas o ocultamento ou o
de
s
ap
ar
ecimento dos originais é uma prática que não é, de forma
alguma, e
x
clusiva da fotografia espírita.
Qual teria sido, por exemplo, o paradeiro do lenço utilizado
por Verônica para enxugar o suor de Jesus ensanguentado? Onde
estaria a pintura feita por São Lucas (padroeiro dos artistas) da
Virgem com o menino? E os cerca de quarenta negativos tirados por
Cr
ook
es, da materialização do “espírito de Katie King? Essas
preciosidades, algumas até sagradas, não parecem estar depositadas
em nenhum lugar público, aberto para a consulta de fiéis e
estudiosos. Da mesma forma que os tesouros do catolicismo foram
ocultados, guardados pelas autoridades da igreja, os tesouros do
ca, tornando essas imagens
cada vez menos legíveis.
55
47. Sobre este tema veja a obra
de Ewa Kuryluk,
Santa Verô-
nica e o Sudário história,
simbolismo, lendas e estrutura
da imagem ‘verdadeira’”. São
Paulo: Ibrasa, 1994. Um artigo
que também introduz o tema é
o de Stella Teixeira de Barros.
A imagem aquiropita ao longo
dos culos
”, in Prodão,
Teoria e Crítica. São Paulo: PPG
em Artes Visuais, FASM, vol. 1,
n. 1, 2006.
Espiritismo também permanecem ocultos, desaparecidos. Os dois
museus do Espiritismo que temos no Brasil, e que pudemos visitar em
Curitiba e São Paulo, têm pouco material fográfico disponível e
poucas imagens originais. Algo de igual natureza aconteceu também
com a Nasa que, vejam só, em agosto de 2006 declarou não mais
saber onde se encontram os filmes originais da descida do homem na
lua. O que existe e o que circula pelo mundo são apenas cópias das
imagens transmitidas e difundidas na época.
IMAGENS EM LIVROS E SITES
Ao iniciar essa pesquisa a nossa opção foi a de limitar as
c
onsultas bibliográficas apenas aos livros e revistas com reproduções
fotográficas dos fenômenos
espirituais
, descartando as publicações
s
em fotografias ou apenas com ilustrações. A literatura que trata do
contato com o espíritos é normalmente marcada por infindáveis
relatos de testemunhas que teriam presenciado esses fenômenos,
mas que no âmbito deste trabalho não são importantes. Normal-
mente esses relatos foram baseados em observações rigorosas”,
baseadas em “testemunhos insuspeitos de mentalidades incontesta-
velmente capazes”. Foi possível notar, ao longo deste estudo, como
são raras as obras que procuram analisar essas imagens, desvin-
culando-as do seu contexto antropológico específico. As referências
iniciais que utilizamos no começo dos nossos estudos foram as de
autores francêses, alemães e norte-americanos
48
.
Dos títulos consultados no início dessa pesquisa, na Federação
Espírita do Estado de São Paulo, apenas um livro sobre Allan Kardec
trazia algumas reproduções de fotografias das últimas décadas do
séc. XIX. O restante da bibliografia disponível naquela biblioteca se
apoia exclusivamente na descrição de fatos que teriam sido
presenciados e registrados fotograficamente por muitas “persona-
lidade
s ilus
tr
e
s” em sua época, mas que não foram reproduzidas
nessas publicações. Curiosamente na Antologia do Perispírito”, de
José Jorge (Rio de Janeiro, 1986), o verbete
Fotografia
aparece em
diversas referências nos estudos da doutrina espírita, mas não
encontramos nenhuma imagem que possa atender às necessidades
de no
s
s
a pe
s
quis
a. Os textos em muitos desses livros apresentam
quas
e que in
v
ariavelmente uma dicção típica do início do século
passado, procurando estabelecer uma ordem classificatória próxima
à da científica, para aqueles fenômenos recém surgidos no mundo da
cultura. O chamado
corpo astral
, era o “objetocentral dessa nova
ciência. Com essa nova classe de fotografias surgia também uma
no
v
a t
erminologia p
ara tentar descrever fenômenos visuais
pr
oduzidos por um aparelho identificado pela sua virtude de “retratar
a realidade tal como ela se apresenta”. As imagens que encontra-
56
48. As referências à história da
fotografia “paranormal” foram
fundamentadas no livro de Rolf
Krauss, Jenseits von Licht
und Schatten(“Além da luz e
sombra”) que traça um quadro
evolutivo das diferentes pes-
quisas realizadas na Europa ao
longo do século XIX e nas
primeiras décadas do século
XX, em torno da captação das
energias cósmicas, luzes as-
trais, registros de espíritos e
irradiões luminosas. Sobre
esse mesmo tema o catálogo da
exposição
Im Reich der Phan-
tome Fotografie des Unsich-
tbaren (“No reino dos fantas-
mas – fotografia do invisível),
realizada na cidade de n-
chengladbach, na Alemanha,
também oferece um interes-
sante levantamento das diver-
sas classes de femenos
captados e descritos por cien-
tistas e parapsicólogos desde o
século XIX, além de oferecer
ainda uma interessante amos-
tra de trabalhos de artistas
contemporâneos em diálogo
com a tradão esotérica e
espiritualista. Mais recente-
mente a exposição
Le tro-
isième oeil. La photographie et
l’occulte”. (“O terceiro olho. A
f
otografia do oculto”), realizada
em Paris em 2004, também
resume a história desse movi-
mento na Europa e nos EUA.
V
ale ainda ressaltar um único
título, publicado em português,
a tr
at
ar des
s
as f
otografias num
âmbito cultural mais amplo, de
autoria de Philippe Dubois,
O
at
o fo
togfico
”. T
amm o
livro de Rosalind Krauss,
O
f
ot
ográf
ic
o
tr
az uma pequena
contribuição ao analisar, em
lar
gas pinceladas, a relação de
Nadar c
om a fo
t
ogr
afia dos
espíritos.
remos nos livros, revistas e
sites
que reproduzem o material
fotográfico das “materializações”, das fenomenologias
psi
ou das
aparições “milagrosas”, podem ser dividas em dois grandes grupos:
aquelas de caráter
científico
, como os da
metapquica
e da
parapsicologia e aquelas encontradas em publicações de caráter
religioso-doutrinário, como as espíritas e católicas.
Dessa forma entendemos que a divulgação dessas imagens
serviu, tal como na própria história do cristianismo, como um meio de
afirmação doutrinária. Os fenômenos de comunicação com os
mortos, registrados fotograficamente, por meio dos
médiuns de
efeitos físicos
, seriam uma ntese da doutrina que advoga a
sobrevivência do espírito após a morte e da comunicação possível
entre mortos e vivos, apreendida num instante pela câmera
fotográfica.
3.3 FOTOGRAFIAS E FOTÓGRAFOS DE ESPÍRITOS
Não como tratar da história da fotografia dos espíritos no
Brasil sem enfocar a figura de alguns personagens que são chaves
para a compreensão desse fenômeno que se disseminou no século XX
por meio da literatura espírita no país. A consulta aos livros que
narram os feitos desses personagens nos empresta uma
nomenclatura e até mesmo uma dicção que são próprias daquele
universo onde ocorreram os tais “fenômenosfotografados. Optamos
por nos deixar envolver pela trama que atribui significados aos
elementos presentes na imagem (Dubois, pág. 238) para podermos
acompanhar as narrativas “estonteantes que as cercam. Muito
semelhante ao universo da arte, onde coisas
fantásticas
ocorrem
b
aseadas em princípios com uma gica interna, o universo
fenomenológico
dos personagens dessa história é algo envolto num
clima de mistério, poderes paranormais e presenças sobre-humanas
que representam não mais
milagres
, mas temas
maravilhosos
de
uma no
v
a ciência”.
Militão de
Azevedo, o fotógrafo que tem, até agora, o primeiro
registro de uma sessão de retratos de estúdio com um “fantasma”,
era também ator. O maestro italiano Etore Bosio, radicado em Belém
do Pará, era músico e compositor. Carlos Mirabelli tinha fama de
mágico, além de poderoso médium. Peixotinho era conhecido como
um médium, atr
a
vés de quem s
e mat
erializavam “espíritos” orientais
que produziam retratos de outros espíritos. Por isso uma breve
leit
ura da obra” desses personagens é reveladora do
substrato
que
deu origem à fotografia dos espíritos no Brasil.
57
AS FOTOGRAFIAS DE MILITÃO DE AZEVEDO
(AINDA NO SÉCULO XIX)
Num dos álbuns de fotografias pertencentes à “Coleção
Militão Augusto de Azevedoda Seção de Documentação do Museu
Paulista da USP, o “Museu do Ipiranga”, encontram-se três retratos
50
feitos pelo fotógrafo carioca, radicado em São Paulo, Militão de
Azevedo (1837-1905). Essas imagens são, no universo das fotografias
reunidas nesse trabalho, os primeiros registros encontrados no Brasil
que retratam o tema da aparição de um espírito” numa chapa
fotográfica. As três imagens são emblemáticas e, ao mesmo tempo,
reveladoras de sua natureza, uma vez que o modelo fotografado é
retratado num estúdio ao lado de um grupo de objetos de valor
simbólico, como um vaso de motivo egípcio, duas pistolas cruzadas
sobre um livro, uma ampulheta, um livro deixado no chão. Todos
elementos encontrados na produção de retratos, característico da
época
51
.
Sentado numa cadeira entalhada o modelo posa de frente
para a câmera, enquanto que detrás de sua figura surge uma
aparição coberta por um véu branco e sem rosto. Em cada uma das
fotografias o “espíritoaparece numa pose diferente, tanto quanto o
retratado, que ora vemos com uma bengala, ora sem ela. Numa
dessas fotografias o espíritosegura uma guirlanda de flores sobre
a cabeça do modelo, o que pode ser interpretado como uma forma de
glorificação do personagem ou ainda uma paródia ao retrato da
viúva de Allan Kardec
52
, tirado no estúdio parisiense do fotógrafo
Buguet
5
3
, que Militão deveria conhecer.
Numa segunda fotografia a
aparição
surge apenas como um
vulto esbranquiçado, uma mancha luminosa amorfa, enquanto o
modelo balança sua perna direita, deixando com isso o rastro de um
duplode seu na imagem. A terceira fotografia é, sem dúvida, a
que melhor se resolve neste universo temático. O modelo e o
e
spírit
oassumem uma pose serena para o retrato e os contornos
dessa aparição fantasmática é vaporoso, quase insubstancial, muito
mais próximo da imagem que t
emo
s de um
fantasma
e da de
s
crição
desses fenômenos, feita por Kardec.
Nessas fotografias, Militão revela todos os recursos
tr
adicionalmen
t
e empregados na produção dos retratos: o fundo é
uma “p
aisagem de estúdio”, uma pintura sobre lona com traços
realistas; os requisitos da cena referem-se simbolicamente à
passagem do tempo, à eternidade e à morte; das mesma forma que
os três variantes de um mesmo assunto representam estudos sobre
o tema”. Interessante ainda é ressaltar que Militão de Azevedo, à
époc
a trabalhava também como ator, o que, segundo Marcelo
L
eite
,
teria influenciado de maneira decisiva o seu trabalho de fotógrafo
54
.
Além do
s únic
o
s e
x
emplar
e
s c
om fantasmas da coleção de
Militão de Azevedo, desses três retratos apenas dois foram
58
50. As fotografias estão no
álbum, datadas entre 1879-1885
e registradas sob os números
16544-1734, 16544-1725, 16544-
1724 (vol 6, o último e mais
volumoso de todos os álbuns da
coleção. Ele é uma espécie de
“álbum de sobras”, onde pode-
mos encontrar retratos tam-
m presentes em outros
volumes) Estes ts retratos
foram identificadas por Militão
como sendo o do poeta Martins
Guimarães, sobre quem não
encontramos qualquer outra
referência.
51. Sobre estes requisitos de
cena, Annateresa Fabris escre-
veu que na fotografia de
estúdio “[...] o homem não era
completo se estivesse disso-
ciado do âmbito de sua vida
cotidiana, o que motiva o apa-
recimento de um fundo anima-
do por imagens naturais exteri-
ores ou por representações de
interiores. Estes elementos não
são mais importantes que a
presença do sujeito: o entorno
integra-se com os demais atri-
butos que caracterizam a
personalidade do modelo, sem
chegar a ter uma existência in-
dependente”. (
Apud
Annate-
resa Fabris. Identidades virtu-
ais. Uma leitura do retrato fo-
tográfico”. Belo Horizonte: Edi-
tora UFMG, 2004: 26).
52. Um depoimento da Senhora
Kardec, publicado originalmen-
t
e na “R
e
vue Spirite” atesta
que “na terça-feira, 12 de maio
de 1874, fui à casa do Sr. Buguet
em companhia da Sra. Bosc e
do Sr. Leymarie e a ninguém
revelei quem eu desejava
e
v
ocar [o espírito para uma
aparição na foto]. O Sr. Buguet,
a de
speito de e
s
t
ar doen
te [...]
compareceu à sala de tomadas
fotogficas [...] Obtive, na
me
sma chapa, duas pr
o
v
as,
sobre as quais, atrás de mim,
meu bem-amado companheiro
de trabalho, Allan Kardec, era
vis
t
o nas seguin
tes posições: na
primeira prova ele sustenta
uma coroa sobre minha cabeça
[...]”.
Revue Spirite, junho de
1874, pg. [...]. [grifos meus]. A
p
ala
vr
a em latim p
ar
a “guir-
landa” é “corona” e seu uso
reproduzidos
55
.
Essas fotografias de Militão de Azevedo são, portanto, como
um
coringa
nesse grande jogo de imagens que constitui a fotografia
dos espíritos no Brasil. Elas retratam a própria construção da imagem
fotográfica, da cena, da representação, de uma
idéia
da natureza das
coisas por meio de elementos visuais. Militão não ilustra essas suas
fotografias qualquer preceito ou crença. Existindo fora da esfera
doutrinária ou devocional, essas fotografias
olham
para todas as
demais imagens congêneres produzidas depois delas, que virão
acompanhadas por textos e contextos místicos e religiosos. Depois de
Militão de Azevedo a fotografia dos espíritos no Brasil irá servir como
um veículo de afirmação da doutrina espírita no país, para a
divulgação dos
fenômenos paranormais
e, nos dias de hoje, como
meio de “recuperação do senso do sagrado na prática devocional
Mariana entre os católicos.
Além de oferecer todos os elementos para “decifrar suas
fotografias, Militão de Azevedo também nos oferece a sua própria
identidade: nós conhecemos alguma coisa de sua vida, seu papel
social e o legado do seu trabalho. os muitos fotógrafos que tiveram
suas imagens reproduzidas e analisadas nesta tese, vivem no
anonimato décadas, sem que possamos saber até mesmo seus
nomes. Na ausência de muitos desses fotógrafos, iremos recorrer
então à figura de alguns médiuns, cujos feitos documentados
fotograficamente, podemos reunir e compreendê-los no seu conjunto.
3.4 O MAESTRO ETTORE BOSIO: UM MÚSICO FOTOGRAFA
O ALÉM (década de 20)
Aquele que pode ser considerado o primeiro fotógrafo com
uma obra pontual, relacionada à representão do invisível e à “vida
pós-morte no Brasil é o maestro Ettore Bosio (? 1936), músico
italiano que se fixou em Belém no Pará, foi criador de “óperas
melodr
amátic
as, trabalhos sinfônicos e peças diversas. Como crítico
musical [ele] deixou renome na cidade mais culta do Brasil: S. Paulo”;
além de ter produzido uma rie de registros fotográficos de
aparições, publicados pela primeira vez num livro de 1921
56
. Sobre a sua
prática fotográfica o maestro é identificado como um fotógrafo
amador, que depois de reiterados pedidos, pode finalmente assistir “na
c
asa do Sr. Euripedes Prado, o fenômeno espírita chamado de
materialização, sendo dium a sua própria esposa(Faria, 1921: 7).
Dado às e
xigências de um ambien
t
e em plena ob
s
c
uridade
, ou apenas
iluminado por uma fraca lâmpada vermelha
57
para a manifestão dos
fenômenos, o maestro Bosio logo pensou na possibilidade de obter
umas fotografias espíritas à luz do magnésio. Seus primeiros clichês
que ilustram todo o livro de Faria constituem o primeiro conjunto de
fotografias “de espíritos”, legendadas e publicadas no Brasil.
60
53. sobre o fotógrafo Buguet e
o “Processo dos Espíritas”, veja
capítulo II, 2.2.
54. Marcelo Eduardo Leite.
Pesquisando a Coleção Mili-
tão Augusto de Azevedo do
Museu Paulista: um Inventário
da Sociedade Paulistana (1865
-1885)”. Nesse seu trabalho,
sobre os retratos de Militão de
Azevedo, Leite não chega a
comentar esses “retratos com
fantasmas”, mas oferece uma
interessante leitura do acervo
do fotógrafo.
[http://www.naya.org.ar/congres
o2002/ponencias/marcelo_leite.
htm]
55. “
Nosso Século: A era da fo-
tografia”. Vol. 2. São Paulo:
Abril Cultural, 1980: 60. A
imagem reproduzida neste
fascículo é legendada como
sendo um Auto-retrato com
espírito”. Outra fotografia foi
publicada por Paulo Goulart e
Ricardo Mendes. Noticrio
geral da photographia paulis-
tana: 1839-1900”. São Paulo:
Centro Cultural o Paulo;
Imprensa Oficial do Estado de
São Paulo, 2007: 41. Como o
foco desse trabalho são as
fotografias dos espíritos divul-
gadas na esfera blica por
meio de livros, revistas, cole-
ções e sites, é importante lem-
brar que não descartamos a
po
s
siblidade da e
xistência de
muitos outros exemplares
fotográficos com espíritosna
e
s
fera privada ou em coleções
particulares pelo Brasil.
simbólico está associado, p.ex.,
à distinção de um vencedor de
uma competição esportiva ou à
consagração das oferendas
num rito pagão.
56. Nogueir
a de Faria.
O tr
aba-
lho do
s mort
o
s (Livro de João)
.
Rio de Janeiro: Livraria da Fede-
ração Espírita Brasileira, 1921.
Esse livro foi escrito com base
nas inf
ormações e fotografias
presentes no manuscrito do
mae
s
tr
o Et
t
or
e Bosio, que pude-
mos localizar na União Espírita
Paraense em Belém do Pará, em
no
vembr
o de 2
006. Ainda s
obre
este “livro de artistaveja nota
nota 62.
Resumidamente o que ocorria na residência da família Prado
era
mediado
pela Sra. Anna Prado, esposa de um “estimável
cavalheiro e conceituado comerciante” de Belém. Anna Prado passou
a manifestar certas fenomenologias observadas
no recesso do seu
lar
que de início, eram “franqueadas a um pequeno círculo de amigos.
Mais tarde, esses amigos naturalmente entusiasmados pela novidade,
começaram a pleitear o ingresso de outros”. As sessões passaram a
contar com um elenco de personalidades da sociedade paraense
tornando-se também assunto para diversas matérias jornalísticas
publicadas na capital do Estado, algumas das quais ilustradas pelos
clichês
do maestro Bosio. Em seu livro, Nogueira de Faria nos dá uma
primeira idéia da extensão desse assunto na imprensa da época, ao
listar as reportagens publicadas pelo
Jornal da Tarde
de 09, 17 e 24
de dezembro de 1919; pela
Folha do Norte
de 26 de junho de 1920;
pelo
Jornal da Tarde
de 04 de maio de 1920; pela
Folha do Norte
e
pelo
Estado do Pará
de 20 de maio de 1920 (estas com reproduções
fotográficas).
A primeira imagem de um “fantasma”, reproduzida no livro de
Faria, é o “Magnífico retrato de João”, o suposto espírito que em
vida era tio da médiume que se manifestou numa ocasião em que
Anna Prado foi encontrada agitadíssima e chorando compulsiva-
mente”. Bosio relata que nessa oportunidade, teve que reagir rápido:
cortei o cordão que prendia a tampa do chassis [da câmera], abri-a
e me coloquei no meu lugar. As filhas acompanharam-na até a sala,
sentando-a na cadeira indicada por João. O sinal não se fez esperar;
dei a exposição necessária [do “flash” de magnésio], obtendo um
resultado esplêndido como se pode verificar pela fotografia [...]”.
(Faria: 1921: 17). O motivo de comoção da médium “foi ter visto o
próprio filho Eratosthenes no quarto de dormir, achando-se este
atualmente no Rio de Janeiro. Bosio ainda declara:
Ao lado direito coloco o seu retrato quando incarnado e junto,
à esquerda, o mesmo em espírito. É notável a clareza e nitidez
da fotografia [...]. Apenas [noto] uma pequena diferença entre
os dois retratos: é que o espiritual tem os bigodes um pouco
mais visíveis” (pág. 17).
Am desse “espírito” é curioso notar a profuo de
personagens espirituais que se manifestavam por meio da médium.
Bosio descreve que numa noite surgiu inesperadamente no “gabinete
mediúnic
o
, uma moça. Quem s
eria? Deu o nome de Anita, dizendo ter
sido f
lorista em sua última encarnação. Dedicou-se especialmente
ao
s trabalhos de parafina
58
, c
onfeccionando flores de admirável
perfeição”. (Faria, 1921: 18)
Inaugurando nesse contexto, a relação texto-imagem que irá
c
ar
act
eriz
ar esse gênero de fotografias ao longo de todo século XX, o
mae
stro Bosio descreve a fotografia do espírito de Anita” como
57. O texto de Faria faz uma
pouco usual referência a uma
“meia luz de uma lâmpada ver-
de”, à pág. 39, sendo que em to-
da a literaturaa iluminação é
quase sempre a de uma luz ver-
melha.
61
58. Era comum nas “sessões de
materialização” a colocação de
dois baldes no ambiente de
experimentação, um contendo
p
ar
af
ina derr
etida e fervente e
o outro com água. Dessa forma
o “espírito poderia mergulhar
suas “mãos fluídicas na para-
f
ina derretida e depois mer-
gulhá-la na água. Fazendo isso
sucessivas vezes, se obtinha
uma “luva de parafina”, cuja
“prova” de autenticidade era o
f
at
o de o
s pulsos se encontra-
rem inteiros e não rompidos,
caso essa operação fosse
realizada pela moldagem de
mãos humanas. Alguns espíri-
t
os
c
omo o de Anit
a, costu-
mam também manifestar suas
habilidades na modelagem de
verdadeiras esculturas de para-
fina, como a flor citada pelo
maestro Bosio.
Fotografia de João quando vivo.
resultado do movimento do espíritoque chegou
“muito próximo da máquina, de tal maneira que a parte inferior
da figura ficou fora do quadro, aparecendo por conseguinte de
tamanho maior do que o habitual das figuras fotografadas e
bastante ‘flou’, usando a terminologia fotográfica. Ajoelhada e
vestida de branco, em atitude de quem reza, deixa ver na
cabeça uma espécie de corona ou diadema que seja, pouco
nítido. O resto é bem visível, tendo da boca para o peito um
fluído branco como que escondendo uma parte da fisionomia
[...] Ao lado da imagem vê-se uma planta fluídica, envolvida em
diversos fluídos esbranquiçados”. (Faria, 1921: 19).
Após esse aparecimento de Anita, outro “espírito” vestido
como um marujo também se manifestou na residência da Sra. Prado.
O maestro descreve que no dia 15 de fevereiro de 1920 ele recebeu
um “novo chamado urgente pelo telefone para um novo trabalho
fotográfico”. Na casa dos Prado documenta-se a aparição
59
de “um
menino vestido de colegial, de calças, blusa e boné brancos, com o
braço esquerdo sobre o peito e com a mão na direção do queixo e
outro estendido ao longo do corpo”. (Faria, 1921: 19).
Numa das fotografias publicadas pelo jornal
Estado do Pará
,
em 20 de maio de 1920, vemos a “médium em transe e um fantasma
de homem, que nos informam ser a reprodução fiel do falecido
progenitor do Sr. Eurípedes Prado.” (Faria, 1921: 63). No clima de
disputa acirrada entre o clero católico e o movimento espírita no país,
era de se esperar que a publicação dessas experiências fossem
despertar alguma reação por parte da Igreja. Segundo Faria, um mês
depois da publicação das primeiras fotografias pela imprensa, a
reação veio pela palavra do padre católico F. Dubois, em artigo
public
ado na
Folha do Norte
em 2
0 de junho de 19
2
0, onde ele
introduz uma leitura crítica da imagem fotográfica, a partir das
possibilidades de manipulação do negativo, tendo em vista a prática
da
fraude
:
Vejo no quadro umas palavras que decerto foram
acrescentadas: ‘clichê fulano’, ‘chichê beltrano’. Tais letras
vinham escritas ou buriladas na chapa a lápis ou a buril, depois
do banho que revelou e fixou o negativo. Pois bem: assim como
é fácil juntar nomes numa chapa, da mesma [forma] é muito
possível, antes de ser colocada no chassis’, raspar, à claridade
da lâmpada vermelha, a camada impressionável, em forma de
fantasma. Reparem bem [...] como o vulto se esconde
c
aut
elo
s
amen
te atrás da médium que lhe vela a metade do
c
orpo
, c
omo s
e r
e
almen
t
e a s
enhora fora fotografada numa
lâmina que tr
azia a forma do pretenso defunto”. (Faria, 1921;
71-
74).
62
59. O curioso de todos esses
registros é o fato, não explicado
pelos autores, da materializa-
ção desses fantasmas se darem
em plena luz do dia, uma vez
que nas sessões abertas aos
visitantes o ambiente deveria
ser, invariavelmente, de escu-
ridão plena ou forte penumbra.
“F
ot
ogr
af
ia de um habitante do
além”, 19
21.
Detalhe da “fotografia do espírito
de Anita”
Aqui o padre Dubois sugere que, tal como foi descrito por
Teresa
Bandeira de Mello em seu livro sobre o movimento
pictorialista no Brasil, se a fotografia é reconhecida como um retrato
fiel do mundo, prepará-la, retocá-la e fragmentá-la, reconstituindo-a
numa ordem artificial e subjetiva, significa manipular o próprio real”
(Mello, 1998: 26). Portanto, nesta lógica, a manipulação do real
implicaria numa manipulação da “verdade”. Este artigo do padre
Dubois, como tantos outros publicados desde o surgimento das
Fotografias dos Espíritos nos Estados Unidos, sempre foram
acompanhados por réplicas, nas quais os promotores das
experiências ou os representantes da doutrina espírita saiam em
defesa dos acusados, invariavelmente por meio de textos que irão se
apoiar nos “reconhecidos valores morais” dos personagens
envolvidos, como no controle rigorosodas experimentações. Tanto
ao final do séc. XIX como ao longo do séc. XX, iremos encontrar
sempre a mesma tônica, sempre a mesma ênfase no elenco de
personalidades participantes das sessões – médicos, magistrados,
advogados, desembargadores, políticos e profissionais liberais, que
normalmente ainda firmavam seu testemunho em atas redigidas
após os encontros. Nelas eram registradas as formas de controle do
ambiente, da mobília, das roupas dos médiuns, como também os
métodos de sua imobilização no “gabinete mediúnico”: amarrados à
cadeiras, encarcerados em jaulas de ferro ou de madeira, algemados
e atados por fios que partem de seu corpo em direção aos
circunstantes.
Apesar de todo esse controle e de toda a seriedade como esse
tema é tratado do ponto de vista científico”, não deixa de chamar a
atenção que as materializações vindas do além, cuja manifestação
material no mundo dos vivos tanto exigia dos médiuns
60
, fossem
motivadas por “trabalhos” ou comunicações sem qualquer espécie de
revelação “das altas esferas”, muitas vezes “destituídas de valor
intelectual”, como observa o narrador dessas manifestações em
Belém do Pará. Os espíritosparecem ter uma especial predileção
por atividades como moldar mãos de parafina e produzir relevos em
gesso; gostam de música, sempre exigindo a presença de um piano,
uma gaita ou de um toca-disco nas sessões; se entretém-se com o
levantamento de mesas e a movimentação de objetos pelo espaço, da
mesma forma que empregam o seu tempo à frente dos vivos, para
manif
e
s
tar o que se convencionou chamar, neste campo do
conhecimento, de “ideoplastias”, ou a capacidade de moldar os
materiais do mundo em formas inusitadas, conforme destaca
Nogueira de Faria: “[...] o espírito, que se pelo nome de João,
[produziu] uma série interessantíssima de fenômenos, entre os quais,
em r
e
sumo, destacaremos [...] a retirada de um lenço do bolso do Sr.
Dr. Amazonas de Figueiredo e sua imediata restituição num trançado
de forma semelhante a uma pêra; os lenços do Sr. Manoel Barbosa
63
60. Em alguns casos chega-se a
afirmar que para a materiali-
zação do corpo do espírito” a
parte correspondente do corpo
do médium seria “desmate-
rializada”, fora as nauseas e o
ap
ar
en
t
e desgaste psíquico in-
fligido aos fornecedores da ma-
téria ectoplasmática.
“Um rosto angelical de boneca”
Rodrigues foram transformados em pequenas e interessantes
estatuetas, de difícil formato [...]. (Faria, 1921: 28).
No contexto desse trabalho não poderíamos deixar de notar
que todas estas atividades fenomenológicas tenham um evidente
parentesco com as atividades artísticas e que os “espíritos”
manifestem uma tendência a realizar o que, hoje em dia, chama-
ríamos, na nomenclatura da arte contemporânea, de
intervenções
em contextos específicos
. Tendo o cuidado de evitar a prática do
anacronismo”, creio que o conhecimento que temos da arte e de
suas rias manifestações ao longo da história, nos permite
identificar e até mesmo compreender certas manifestações ocorridas
em outros sistemas, fora da arte, como expressão de idéias, gestos e
representações no mundo sensível que são os mesmos que motivam
e orientam o fenômeno artístico. Em outras palavras o fenômeno da
arte pode ser empregado para a leitura de certas manifestações que
pouco se enquadram nas molduras de outras ciências.
A descoberta de dois “artistas”
Se num primeiro momento as fotografias de Ettore Bosio
apresentam um excesso de materialidade”, seja nas imagens dos
espíritos” de “João”, “Anita”, do “Marujo”, ou seja ainda no estranho
“Habitante do Além”, uma série posterior, identificada como o “início
da fotografia espírita em pleno dia” e produzida entre janeiro e março
de 1921, evoluem para uma representação mais dfana e,
conseqüentemente abstrata, do tema espiritual. Bosio primeiramente
consegue o registro de um grande elenco de agentes “espirituais” em
suas fotografias, cuja densidade visual varia do
tátil-visível
(Faria,
1921: gravura 4), para o
vaporoso-imaginário
(Faria, 1921: gravura 39).
O espaço onde toda a série de fotografias é realizada é um só: a
residência da família Prado. Nesta casa, os corredores, os cantos das
paredes, a sala do piano, são lugares onde o maestro e sua câmera
c
onseguiram capturar as aparições mais ativas da cidade de Belém
no início dos anos vinte. E muito mais que isso: Bosio é o primeiro
f
o
tógr
af
o no Br
asil a de
s
c
obrir um “espírito fotógrafo”. Esse feito
singular, retratado na gravura 28 do livro de Faria é uma imagem
única nesse gênero de fotografias. Nela vemos uma figura feminina
de c
abelo
s longos, atravessando de perfil, uma saleta de assoalho
listrado. A grande novidade dessa imagem é que ela teria sido
obturada” pelo espírito de João” com a câmera do maestro deixada
em posição durante a noite. Segundo ele
A máquina, àquela hor
a mesmo, foi focada para o centro da
pequena s
ala do primeir
o andar ao lado de outr
o apo
s
en
to, [...]
no qual a senhora Prado e o seu esposo dormiam. Abri o chassis
e tapei cuidadosamente a objetiva, perguntando ao Joãose
64
O maestro Etore Bosio, pioneiro
da fotografia espírita no Brasil.
“Uma das formosas cataléas fei-
tas por Anita”. Gravura 16 do livro
de Faria, 1921. Abaixo, outra flor
de parafina, reproduzida de uma
f
otografia original de Etore Bosio.
ele podia tirá-la, a tempo preciso para fazer a exposição e
recolocá-la. Respondeu-nos afirmativamente. [Fechei] a porta
que dava para o corredor, retirando-me em seguida. De manhã
cedo, às seis horas e meia, fui saber do resultado. A máquina
estava ali, com a objetiva tapada da mesma forma como a tinha
deixado. Teria João” aberto a máquina e impressionado a
chapa? Como sabê-lo? Perguntamos-lhe então, pela tiptologia e
ele nos respondeu o seguinte:
Quero saber vossa opinião sobre
o meu primeiro trabalho fotográfico!” (em negrito no original).
Mais do que se podia esperar, João” manifesta numa
linguagem telegráfica, sem meias palavras, o seu propósito em
produzir um trabalho fotográfico autoral. Não é fácil encontrar um
caso semelhante na história desse gênero fotográfico, especialmente
no Brasil. Certamente por isso o maestro se mostrava ansioso em
revelar a chapa obtida e a leva correndo para o atelier fotográfico
Girard.
“Não poderei descrever a minha emoção ao descobrir, ainda no
banho revelador, que a chapa fora impressionada!
É a mais bela
fotografia que obtivemos
! Eis o histórico breve e sincero da
primeira e única fotografia que conseguimos neste gênero”.
(Faria, 1921: 166) (grifos meus).
Bosio estava, aparentemente, bem informado sobre o que
ocorria na cena internacional dessa forma fotográfica. No capítulo
intitulado “Fotografias esquisitas”, ele reproduz, além de seus
próprios “clichês”, duas outras imagens atribuídas à “madame
Lacombe
6
1
. Na primeira vemos um vulto com o rosto coberto, cujos
motivos para esse ocultamento são desconhecidos. O maestro afirma
que em inúmeras fotografias publicadas em obras congêneres temos
observado casos idênticos”. Ele especula que o ambiente pode não
favorecer a total recomposição dos traços fisionômicos [dos espíritos]
em s
eus de
t
alhe
s
”, por isso eles preferem apresentar-se vendados
(Faria, 1921: 168). Essa justificativa em torno desses “retratos
acéfalos” de espíritos será corrente ao longo do século XX,
e
specialmen
t
e em c
as
o
s de public
ações famosas, como a da revista O
Cruzeiro, que também veremos mais à frente.
Essa particularidade de um “espírito” sem identidade,
sem
rosto
, cujos motivos seriam os de sua consciência “ter um corpo
dotado de alguns defeitos, desencadeia uma profunda crise”, nessas
manif
e
s
t
açõe
s do
outr
o mundo”. Tal como Vitangelo Moscarda,
per
s
onagem de uma obr
a de Pir
andello
, analisado por Annatersa
Fabris em seu livro sobre o retrato fotográfico, esses espíritos
parecem confrontados com suas imagens imperfeitas e, portanto,
tomados por um estranhamento de si mesmos, conscientes de que
mesmo o seu “corpo fluídico”, plasmado a partir de uma
matéria sutil
,
apr
e
s
en
t
ava imperfeições que deveriam ser ocultadas (Fabris, 2004:
65
61. A gravura acima, do livro de
Faria é amesma fotografia loca-
liz
ada no c
atálogo da mo
str
a
Im Reich der Phantome
Fotografie des Unsichtbaren”,
199
7:96, que a identifica como
fazendo parte de um grupo com
outras três, de autor anônimo,
dos anos 1914. Aparições de
f
antasmas”, ca. 120 X 90 mm
c
ada.
F
otografia rara em que um “espí-
rit
o
é o autor da foto. Na assi-
nat
ura lê-se “Clichê do Espírito
João’, identificação semelhante
às placas do maestro Bosio.
153-157). Por outro lado “se a cabeça simboliza o esrito
manifestado, em contraposição ao corpo, que é uma manifestação da
matéria” (
Apud
, Fabris, 2004: 159), os retratos de “espíritos acéfalos”
reafirmam a sua condição física no mundo, manifestada por um corpo
“materializado” tangível.
Além de músico, professor e fotógrafo amador, podemos
ainda considerar o maestro Bosio como o primeiro autor de um livro
artesanal (um “livro de artista”), ilustrado com fotografias originais
que documentavam as muitas experiências” realizadas em Belém do
Pará, cujo original reproduzimos em parte neste trabalho. Esse livro
do maestro é a fonte primária que inspirou o trabalho de Nogueira de
Faria e, mesmo na sua condição artesanal de objeto único, pode ser
considerado a primeira de todas as obras sobre a fotografias dos
espíritos produzida no país
62
.
Uma aproximação que também somos tentados à fazer, ao
analisar parte da produção fotográfica do maestro Ettore Bosio, é
relacioná-la ao que poderíamos chamar de um
pictorialismo espírita
no Brasil. Essa aproximação se torna possível pela tomada de posição
que os fotógrafos pictorialistas assumiram em relação às críticas
contra a sua prática da fotografia artística no século XX, que não
poderia ser arte em função da exatidão” fotográfica. Os pictorialistas
irão então lançar mão, entre outras coisas, do
flou
para suavizar os
detalhes, um efeito de ligeira perda de nitidez da imagem obtido
tanto no momento da tomada, quanto na copiagem da prova. (Mello,
1998: 32). “O verdadeiro espírito do pictorialismo é a supremacia dos
resultados para além dos métodos observados” (Mello: 1998: 35).
Este mesmo objetivo pode ser identificado nas fotos do maestro
Bosio, que além do
flou
mostram também, em algumas vezes, sua
superfície tratada pelo retoque fotográfico, evidente na imagem.
3.5 AS FOTOGRAFIAS DO MÉDIUM CARLOS MIRABELLI:
MAGO, MÉDIUM E MULTIMEDIA (década de 20 e 30)
A fotografia mais conhecida de um “fenômeno mediúnico
oc
orrido no Br
asil na primeir
a me
tade do século XX é a da famosa
“le
vit
ação
do médium Carlos Mirabelli (1889-1951), na sede de um
instituto de estudo psíquico em São Paulo. Mundialmente reproduzida
na literatura específica, nessa imagem vemos Mirabelli vestindo uma
calça escura, gravata e um guarda-pó branco, com os braços abertos
em posição de êxtase, flutuando próximo ao teto do instituto
p
aulis
tano. O médium, que freqüentou a escola primária, tem em
seu curriculum produções estonteantes no campo da “telepatia,
le
vit
ação
, e
s
crit
a dir
e
t
a (casos raros descritos na literatura específica
de escrita a lápis sem o contato de mãos visíveis), deslocamento de
objetos (sem ão direta de qualquer agente vivel),
raps
,
67
62. Numa viagem à Belém do
Pará, em novembro de 2006,
pude encontrar o livro-álbum
do maestro Bosio no velho
casao da Uno Espírita
Paraense, sede de uma entida-
de que comemorou naquele
ano, cem anos de fundação no
Brasil. Com a colaboração do Sr.
Jonas Barbosa, ex-diretor da
entidade, pude consultar aque-
le livro onde estão descritas as
experiências realizadas na casa
da família Prado. Em folhas
datilografadas, com tipos pre-
tos e vermelhos, o livro traz
uma série de fotografias origi-
nais coladas em suas páginas,
além de uma fotografia colada
à capa dura. No entanto ao
s
olicit
ar uma cópia de
s
se livro
no início de 2008, fui informa-
do pela atual presidente da
União Espírit
a que o livr
o havia
“desaparecido”. Segundo a Sra.
Najda S
an
to
s f
or
am feitas
“todas as buscas para a sua
loc
alização, sem sucesso”. Essa
pequena tr
agédia r
epr
esenta o
desaparecimento do mais vali-
osos documento da história da
Fotografia dos Espíritos no
Br
asil. Um cas
o grave de desca-
so para com a preservação de
um p
atrimônio his
tóric
o, que
merecerida um posicionamento
dos espíritas brasileiros quanto
ao p
ar
adeiro de
s
se que tam-
bém é um patrimônio da his-
tória do Espiritismo no Brasil.
A médium Ana Prado, por meio de
quem os espíritos” se materiali-
zavam em Belém do Pará.
materializações diversas (de espíritose objetos) etc”. Além disso,
conta-se que Mirabelli se notabilizou também por uma fase
artística”, sem qualquer conhecimento ou estudo de linguagens
expressivas. “Espíritos afeitos às artes da pintura [o] influenciaram
quase que diariamente. Produziram as mais lindas pinturas a óleo, a
crayon
e, também, aquarelas. Em dois meses [“os espíritos”]
haviam produzido uns 46 quadros. São retratos, grupos, paisagens,
ramos de flores, pássaros [...]” (Palhano Jr., 1994: 65). Além da
prática da pintura, por meio dessas incorporões” Mirabelli
também tocava diversos instrumentos, cantava em três diferentes
vozes e provocava os movimentos de objetos ao seu redor, quebrando
garrafas, imagens e transportando objetos de dentro da sala para o
quintal (revista, 1987: 166). Dono de uma personalidade “multimídia”
o médium transformava muitas das sessões de efeitos sicos
[
séances
] em
performances
bizarras:
“Um dos mais estranhos fenômenos ocorreu quando ossos
humanos choveram sobre os assistentes, terminando com a
queda de uma vasta cabeleira. O esqueleto foi reconhecido
como pertencente a uma senhora, cujos restos mortais
aguardavam sepultamento. Hoje eles estão enterrados no
ossário do cemitério da Quarta Parada, na Penha, em São
Paulo”. (“Personalidades PSI. Carmine Mirabelli”. In O mundo
do paranormal. São Paulo, Editora Três, 1987: 166. Também em
Palhano Jr., 1994: 163).
Mirabelli nasceu em Botucatu, o Paulo. Filho de pai
protestante e mãe católica, foi o rebento mais célebre de um total de
vinte e oito filhos (Palhano Jr., 1994: 28). É considerado o “médium
polimórficomais conhecido da história dos fenômenos mediúnicos
no Brasil, por meio de quem uma variedade de fenômenos tomava
forma à frente da assistência. “Mirabelli, segundo a observação de
alguns, não [entrava] em transe cataléptico ou letárgico, mas
pr
ofundo, isto é, com perda da consciência. Os fenômenos de ordem
físic
a, obtidos com sua energia, realizavam-se, geralmente, à plena
luz, e mesmo de dia, dentro e fora de recinto fechado(Palhano Jr.,
1994: 41). Esse é um aspecto muito particular das fotografias que
doc
umen
t
am o
s fenômenos produzidos por Mirabelli - a mesma
particularidade encontrada nas fotografias do maestro Bosio: ambos
dispensam a escuridão e o ambiente fechado dos gabinetes
(
cabinets
) para a produção e o registro daquelas
fenomenologias
.
Para eles as “manifestações” se davam a qualquer hora. Conta-se que
na juventude Mirabelli trabalhou como funcionário de uma firma de
c
alçado
s
, mas “em virtude da violência dos fenômenos que ocorriam
ao seu redor, foi obrigado a pedir sua demissão”. (O mundo do
p
ar
anormal. 19
8
7
: 166).
Além da famosa fotografia da levitação do médium em São
68
“Entidade materializada diante do
dium”, em fotografias sem
data. “Foi também captada a sua
sombra, mostrando que, de fato,
havia um corpo sólido e opaco ali
(Evocação dos Espíritos, Mistérios
do De
s
c
onhecido
, págs. 118-119)
Paulo, o livro de Palhano Jr. reproduz diversas fotografias de
materializações de espíritos”, além de duas outras imagens pouco
convencionais, do ponto de vista do enquadramento do tema, como a
da “materialização do espírito do escultor Petrucelli” (Palhano Jr.,
foto 34, pág. 123) e de um raro “espíritode um negro, cuja aparição
parece assustar o próprio médium (Palhano Jr., foto 21, pág. 75).
63
Em
sua grande maioria, as reproduções são de imagens fora de foco; com
manchas químicas de revelação e tomadas tremidas; sendo que em
todas elas as legendas funcionam como verdadeiras traduçõesdo
contexto fantástico, no qual o médium parece ter vivido.
Em 1919, pela iniciativa de “vários cavalheiros de destaque
social e nas ciências” foi fundada a
Academia de Estudos Psíquicos
Cesar Lombroso
, em São Paulo, onde o médium era submetido à
investigações, sobre os “fenômenos devidamente controlados e as
ocorrências lançadas em atas” (Palhano Jr., 1994: 50). Dez anos
depois, a Academia arregimentava em seus quadros acadêmicos,
engenheiros, advogados, jornalistas, médicos, dentistas, industriais,
jornalistas, militares e profissionais liberais. Por meio das atas de
reuniões é possível identificar a freqüência dos diversos
representantes sociais naqueles trabalhos de “experimentação”
conduzidos pelo médium. Em 1929 os trabalhos na academia paulista
“sofreram uma paralisação considerável” por motivo de saúde de
Mirabelli. Em data o registrada (o livro o apresenta uma
organização cronológica evidente), o médium abre uma nova
academia na cidade litorânea de Santos, onde os mais estranhos e
macabros fenômenos de materialização foram descritos (Palhano Jr.,
1994: 80-83). Mais tarde, em 1934 Mirabelli estará atuante na nova
sede da
Academia Brasileira de Metapsíquica
, na rua Voluntários da
Pátria, 270, no Rio de Janeiro, onde várias das imagens reproduzidas
nesta tese foram realizadas. Em seu livro Palhano Jr. faz um breve
comentário sobre as “fotografias transcendentais dos feitos de
Mirabelli, em sua maioria creditadas a um certo Thadeu de
Medeiros,
“um ilustre funcionário da Saúde Pública”:
“Na que
s
tão das f
otografias transcendentais, duas possi-
bilidades se apresentaram para os investigadores: na primeira,
os Espíritos estavam realmente materializados, todos os viam e
o
s c
ontroladores podiam fotografá-los à vontade, fosse de dia
ou à noite; na segunda, apenas o médium, pela vidência,
conseguia ver as entidades. Nesses casos, ele dava a direção
para o
pesquisador-fotógrafo
e a chapa era sensibilizada,
embor
a ninguém, no
t
e-se bem, ninguém, a não ser o médium,
visse os Espíritos(Palhano Jr., 1994: 207. Grifo meu)
Muitas vezes considerado o Houdini
64
brasileiro, a Mirabelli
t
ambém s
e atribui o c
onhecimen
t
o de c
er
t
o
s truques de mágica,
como o de se livrar das correntes que o imobilizariam; no entanto isso
71
63. As fotografias extraídas do
livro de Palhano Jr. nos ofere-
cem um conjunto de imagens
que pode ser considerado o
mais complexo dessa coleção.
As fotografias dos fenômenos
do médium Mirabelli foram, até
agora, reunidas apenas neste
livro, com imagens de grande
interesse, porém sem maiores
referências às datas dos origi-
nais ou das cópias usadas na
edição do livro. Isso revela o
quanto ainda temos de pesqui-
sa de base por fazer para uma
historiografia consistente desse
fenômeno no Brasil.
64. Harry Houdini (1874-1926) é
considerado um dos maiores
mágicos do início do séc. XX.
Após o falecimento de sua mãe,
ele procura contato com ela por
meio das sessões espíritas, mas
acaba descobrindo uma série
de farsas, em tudo inferiores
aos seus truques mais banais.
Ele e
scr
e
v
e um livr
o em 1924
intitulado Houdini: a magician
among the spirits
”, onde de-
nuncia muit
as das pticas
embusteiras das séances, entre
elas os truques usados na
produção das “fotografias espí-
rit
as
(Amsterdan: Fredonia Books,
[1924] 2002: 117-137). No capítulo
sobre a “Spirit photography”,
Houdini reconta a história
iniciada com Mumler, descreve
o
s fat
o
s en
volvendo o francês
Buguet e enumera uma série de
e
v
ent
o
s a o ano de 19
23
,
quando ele oferecia 5000 dóla-
res para quem apresentasse
uma simple
s e
vidência de uma
fotografia espírita “original”.
é apenas citado superficialmente pelos autores que escreveram
sobre ele e em nenhum momento encontramos descrições desses
truques - com exceção de uma análise recente, publicada por um
site
,
da famosa fotografia da levitação do médium em São Paulo, que
procura evidenciar sinais de retoque sob seus pés, como também na
sombra projetada ao fundo.
3.6 AS MANIFESTAÇÕES DO “PADRE ZABEU”
(década de 40)
Em 1945 um professor de física da cidade do interior paulista
de Taubaté teria presenciado uma série de “fenômenosocorridos na
cidade vizinha de Pindamonhangaba e narrado suas experiências,
algumas registradas fotograficamente, num livro escrito “a pedido de
um fantasma”
65
. Parte dos fenômenos tratados neste livro são de
operações espirituais” (“intervenções cirúrgicas”, muitas vezes
realizadas sem o uso de instrumentos de corte e sutura) que, segundo
o autor, “seriam casos únicos nos anais da metapsíquica”. Embora
esses
trabalhos
tenham ocorrido num ambiente espírita-kardecista, o
autor não chega a enfatizar as obras de Kardec e tampouco a própria
figura do codificador” do Espiritismo.
Da mesma forma o livro não indica a autoria das fotografias e
muito menos retrata a figura do médium em detalhes; porém elenca
dezenas de “pessoas de integridade moral reconhecida”, que são as
testemunhas responsáveis
dos fenômenos. Como havia sido ao
final do século XIX na Europa e nos Estados Unidos, como em torno
do maestro Bosio e de Carlos Mirabelli, serão os representantes da
classe dominante que irão figurar nos registros desses encontros, que
chegaram até os nossos dias na forma de livros ilustrados. A lista de
Pereira inclue a mesma classe de comerciantes, industriais, fun-
cionários públicos, médicos, juízes, advogados e profissionais liberais
que s
e r
euniam p
ar
a as
sis
tir às mar
avilhas provocadas por um per-
sonagem, quase sempre humilde, uma dona de casa, um trabalhador
ou desempregado, muitas vezes iletrado, que era o catalizador dos
efeitos de materialização
66
.
Os eventos descritos por Pereira ocorreram entre 1945 e 1946
e in
v
aria
v
elmen
te são descritos a partir das várias “precauções
tomadas nas sessões [...] como as adotadas em certos meios
científicos internacionais [visando] excluir a hipótese de truques ou
fraude consciente(pág. 32). Esses trabalhos experimentais seguiam
uma série de regras que remontam o início dessa prática nas sessões
e
spirit
ualis
t
as do séc
ulo XIX e que serão mantidas ao longo de todo
o séc
ulo XX
. Elas pr
e
screvem normas de controle para o espaço e a
cabine de experimentação
, segundo as quais:
72
65. Urbano Pereira. Trabalhos
post-mortem do Padre Zabeu”.
São Paulo: Ed. Urupês, 1946.
Ambiente de experimentação e
cirurgia mediúnica.
66. Os nomes mais recorrentes
na literatura são os dos médi-
uns Otília Diogo, de Minas
Gerais, “a médium por intermé-
dio de quem as formas se mate-
rializam” (O Cruzeiro, 01.02.-
1964); o “médium de efeitos
físic
o
s
” Fr
ancisco Antunes Bello
(Pereira, 1946; 141); Antonio
Feitosa, de São Paulo (Rizzi-
ni,1997); Francisco Peixoto Lins,
o “o maior médium de material-
izões” (Palhano Jr., 97 e
Ranieri, 2003); Adélia Prado
(Faria, 1921); Ana Bernardino
Ferreira, de Pedro Leopoldo -
“humilde e bo
a médium de
efeitos sicos (Ranierei,
2003).
“(a) A sala é previamente examinada; as portas fechadas à
chave recobertas com cortinas espessas; as janelas fechadas a
ferrolhos e inteiramente recobertas com um pano escuro
pregado a um quadro de madeira. Não haveria possibilidade
normal de entrada ou saída de seres vivos ou de objetos sem
que as pessoas presentes o percebessem.
(b) O médium é manietado com forte e justa algema de metal,
fechada a cadeado, ficando a chave em poder dos
experimentadores. [o médium deverá] sentar-se numa poltrona
colocada contra a parede do fundo da sala ou numa cabine
armada com cortinas escuras. [...] Não é possível ao médium
sair do seu lugar ou levantar-se por qualquer meio normal
imaginável.
(c) Os assistentes sentam-se em cadeiras dispostas em semi-
círculo em frente ao médium. Geralmente um forte cordão sem
emendas é passado através de uma casa do paletó dos
assistentes e respectivas cadeiras, ficando as duas pontas
seguras por um dos experimentadores. Qualquer movimento
mais pronunciado de um é assim percebido por todos. (d) Entre
os assistentes e o médium, fora do alcance de todos, colocam-
se vitrolas, discos, cornetas, acústica, quadros luminescentes e
outros objetos. (e) Apagam-se as luzes, faz-se silêncio. [...]
Forma-se ambiente mental de expectativa [...] a vitrola é posta
em movimento [...] em completa escuridão ouve-se o disco girar
e a agulha é colocada precisamente no começo da gravação
[...]. (f) [...] O médium em geral se encontra em estado de
letargia ou transe e desperta com os passes. Os cadeados são
examinados e abertos. Lavra-se uma ata registrando as
ocorrências e as impressões dos assistentes(Pereira, 1946: 32-
34).
Todas essas etapas serão freqüentemente repetidas pelos
promotores desse tipo de sessão, procurando caracterizar com uma
atmosfera de controle científico” a realização de experimentos
que se propunham representar uma ciência emergente. O médium
pr
otagonista das imagens deste livro foi Francisco Antunes
B
ello
6
7
e
as primeir
as manifestações ocorridas por seu intermédio seguem
como que um cardápio de efeitos: pancadas e estalos nos móveis;
telegrafia espiritual; objetos colocados em levitação; vitrola acionada;
asper
são
tr
ans
cendental” de perfume no ambiente; quedas de
pedras e tijolos no interior da sala; presença de glóbulos e nuvens de
débil luminescência vagando pelo ambiente; fotografias feitas sob
orientação dos “espíritos” que, quando materializados, realizam
ainda moldagens de flores, mãos e pés em parafina, ligam e desligam
interruptores de luz, deixando entrever por breves segundos seus
c
on
t
ornos sob uma luz fraca e vermelha.
No entanto os
trabalhos
do grupo de Pindamonhangaba
tinham em vis
t
a, primeir
amen
t
e
, a prátic
a da c
ur
a, mais
especificamente das operações “realizadas sem deixar marcas
73
67. Bello será protagonista de
uma única fotografia encon-
tr
ada até agor
a nessa pesquisa
da chamada “fotografia do
pensamento”. Nela normalmen-
te o médium fotógrafo dispensa
o uso da câmera, ou a utiliza
como mer
o magazine p
ar
a
filme, como fazia o médium Ted
Serios, o mais conhecido repre-
sentante dessa forma fotográfi-
ca. Sobre ele há um estudo
clássico de Eisenbud, 1971.
No alto, o “cordão de ectoplasma”
aciona uma vitrola, enquanto o
médium se encontra inconsciente.
Acima, mentalização do “marajá
de Kapurtala”, em foto de José R.
de Carvalho, que registra
o pensa-
mento
do médium B
ello [não se
trata de uma “materialização”]
(Ranieri, 1967: 160).
externas, mas com efeitos positivos de cura, segundo informam os
pacientes (Pereira, 1946: 95). A confirmação da extração de um
apêndice é mostrada por meio de uma primeira radiografia onde se
a “imagem apendicular” e numa segunda radiografia, posterior à
intervenção do espírito médico”, em que o apêndice havia sumido.
Caso raro em nossa iconografia, temos nesse livro a reprodução do
ambiente de cirurgia, visto com um paciente deitado na cama, uma
pequena mesa com uma bacia de água, uma garrafa de álcool e o
médium amarrado a uma cadeira. O acontecimento todo desenrolava-
se no escuro, mas o sucesso dessas cirurgias inabituaisficavam sob
os holofotes dos “principais órgãos de imprensa
68
do país e alguns do
estrangeiro [que] noticiaram o fato com grande destaque” (pg. 85).
Pereira trata diretamente do uso da fotografia ao descrever
que, normalmente, eram feitos dois registros, um antes da sessão,
com as luzes acessas e outra no escuro, com o uso do
flash
. Era neste
segundo registro que apareceriam os “cordões de ectoplasma”
ligados ao médium, como “num deles [em que] o médium se
apresenta enrolado num lençol e com a máscara de um rosto
estranho. Padre Zabeu informa tratar-se do Dr. Francisco Costa,
médico falecido, cuja identidade não foi estabelecida” (pg. 90). Ele
ainda descreve outras manifestações registradas com o mesmo
médium com o fito expresso de se obter fotografias evidenciais”.
“Duas máquinas fotográficas eram armadas em tripé junto a
uma das paredes da sala e focalizadas sobre o médium. Este se
sentava algemado de mãos e pés, com as algemas dos pés
presas à cadeira por uma barra de ferro. O fundo era formado
por uma cortina de pano preto. A sessão iniciava-se como de
costume, ficando com as objetivas das máquinas fotográficas
abertas, depois de apagadas as luzes. Ao sinal dado por um
médium ‘vidente’, que se sentava entre os demais assistentes
junto às paredes laterais da sala, a lâmpada de ignição [
flash
]
era deflagrada e a chapa impressionada pela luz intensa e
ins
t
an
tânea. Os chassis eram carregados e revelados por dois
dos experimentadores(Pereira, 1946: 120-121).
A série f
o
t
ográf
ica deste pequeno livro é uma das mais
p
ar
tic
ulares da coleção, por representar perspectivas abertas ao
ambiente de experimentação (sala, móveis, quadros na parede, o
médium), além do próprio gabinete do médium, colocado no centro
da imagem contra um fundo escuro, que ressaltando sua figura com
roupas claras e estranhas
ectoplasmias
escuras “dando a impressão
de um p
ano pr
e
to(fig. 18).
Uma tese de doutorado em medicina publicada nos anos 40
O clima de “pesquisa espiritualista” descrito por Pereira, cuja
conclusão se encerra com considerações acerca da ciência ocidental
74
68. Numa passagem do livro de
Pereira ficamos sabendo que o
poeta Menotti Del Picchia havia
enviado ts repórteres do
jornal A Noite”, de São Paulo,
para cobrir uma dessas sessões
em janeiro de 1945 (pg. 59).
A
qui os
c
or
dõe
s ectoplasmáti-
c
o
s
acionam uma vitr
ola ao lado
médium. Os e
spírit
o
s gos
t
am de
músic
a.
Cordões de ectoplasma liberados
pelo médium, terminando na
forma de uma mão que faz um
disco de vinil levitar no espaço.
(Pereira: 1946: foto 25)
e das religiões do mundo, irá encontrar eco numa tese de doutorado
defendida no campo da clínica psiquiátrica, na Faculdade de Medicina
do Paraná. Publicado em 1940 o trabalho de Osmani
Emboaba faz
uma apreciação crítica dos estudos realizados pelos grandes sábios
espíritas e espiritualistas e elenca todas as manifestações no campo
da mediunidade, reproduzindo, curiosamente, poemas e sonetos no
corpo de sua tese para comparar o trabalho do subconsciente,
descrito pela psicanálise “resultantes de forças desconhecidas,
latentes no ser humano” e o trabalho feito por obra dos espíritos”.
Emboaba procura também discutir fatos de difícil comprovação como
o da materialização de um espírito citando fatos observados nas
sessões do médium Mirabelli (Emboaba, 1940: 110).
Neste seu livro encontramos também uma fotografia atribuída
a um fantasma, tal como no álbum do maestro Ettore Bosio. Numa
seqüência de três imagens são mostrados aparelhos providos de
células fotoelétricas”, cujos raios infravermelhos quando inter-
ceptados pela mais leve vibração, produziriam um disparo automático
da câmera fotográfica. Numa segunda imagem se um registro
gráfico de “galvanômetros automáticos dos movimentos de um
ectoplasma invisível”, enquanto a terceira imagem revela a “notável
fotografia tomada
sem intervenção humana, pela interrupção de
uma barragem de raios infravermelhos que determinaram, pelas
células fotoelétricas a explosão do magnésio [
flash
]”; imagens
reproduzidas pelo jornal O Diário de São Paulo de 20/01/1938. O livro
traz ainda um resumo de toda as argüições da banca que terminou
por reprovar a tese do jovem candidato a doutor, mais tarde
notabilizado por seu trabalho como literato e historiador.
3.7 AS MATERIALIZAÇÕES DO MÉDIUM PEIXOTINHO
(década de 50)
Foram poucos os intelectuais do mundo ocidental que, mais
r
ec
en
t
emen
t
e
, dedicaram alguma atenção à existência dessa classe
de documentos visuais de conteúdo espiritual ou paranormal. Philipe
Dubois é um dos estudiosos da fotografia e que vai abordá-la a partir
de várias perspectivas, entre elas uma que ele chama de
histórica
,
vista a partir da “fotografia científica e
delirante
do final do séc. XIX”
(grifo meu). Historicamente Dubois começa por analisar a questão do
r
e
alismo na f
o
t
ografia a partir do primeiro discurso (primário) sobre
ela, que a considera
um aparelho produtor de verossimilhança
, uma
imitação do real
. A foto entendida primeiramente como espelho do
mundo”, passaria a ser compreendida, então, como uma
interpretação do real
, um código. Finalmente chegaríamos a uma
c
ompr
eensão da f
o
t
ografia que é inseparável do referente que a
pr
oduz, “mas livr
e da ob
s
essão do ilusionismo mimético [...] A foto é
em primeiro lugar índice
. Só
depois
ela
pode
tornar-se parecida
(ícone) e adquirir sentido (símbolo)
69
.
75
69. Dubois. 1993: 53.
“Notável fotografia tomada sem
intervenção humana, pela inter-
rupção duma barragem de raios
infra vermelhos que determina-
ram, pelas células foto-elétricas, a
explosão do magnésio. O ecto-
plasma que interrompoeu a bar-
ragem permaneceu invisível. No
primeiro plano os aparelhos foto-
elétricos e, no segundo, o médium
e os experimentadores. O Diário
de S. Paulo, 20/1/1938”.
(Emboaba: 1940: 72)
“Fotografia da materialização do
espírito de Luiz de Almeida, em
13/12/1954, em Pedro Leopolodo,
MG” (Palhano Jr., 1997: 168)
Ao considerar a imagem fotográfica como um
índice
que
pode
se assemelhar a algo existente na realidade e dessa forma, adquirir
um “sentido que lhe é exterior [...] essencialmente determinado por
sua relação efetiva com o seu objeto e com sua situação de
enunciação(Dubois, 1993: 52), podemos arriscar uma hipótese de
que parte dessas imagens de aparência extravagante - “montagens”
grosseiras aos nossos olhos domesticados pela técnica dos dias de
hoje - seriam
representações
de eventos observados
ao vivo
no
contexto em que foram produzidas. A partir desse ponto de vista,
poderíamos considerar que as “montagens de cena”, evidentes em
muitas das fotografias dos espíritos, seriam uma tentativa de
reconstituição de um evento ocorrido em condições de iluminação
insuficientes para o seu registro. Ao consultar a documentação
fotográfica dos ambientes culturais onde esses fenômenos
ocorreram, identificamos as imagens de um Brasil humilde, formado
por pessoas simples, certamente sem a habilidade e os meios
técnicos adequados para fotografar esses eventos que, conforme se
descreve, são de rápida e tênue manifestação. Movidos por uma
vontade de registrar a observação direta dessas fenomenologias,
algumas cenas teriam sido “remontadas amadoristicamentepara a
foto, cujos resultados foram, muitas vezes, constrangedores aos
olhos dos próprios espíritas.
Algo semelhante pode ser encontrado na tradição católica, no
que se refere às imagens achiropitas, “retratos verdadeiros” do Deus
encarnado homem e que sustentam, muitas vezes, uma constran-
gedora semelhança com a pintura. Entre as muitas imagens
verdadeirasde Cristo veneradas pela Igreja Católica, existe o caso
emblemático do chamado “Lenço do Santuário do Santo Rosto”, na
cidade de Manoppello, na Itália
7
0
, onde esse sudário se encontra
desde o início do século XVI. Historiadores “certificaram a sua
autenticidade”, especialmente ao sobrepor a sua imagem à do
conhecido Sudário de Turin, o “Santo Sudário” – outra peça em tecido
regularmente investigada, até mesmo por
técnicos da Nasa
. Mesmo
com o seu aspecto exterior característico de uma pintura sobre
tecido, a imagem de Manoppello foi visitada pela primeira vez por um
Papa Católico em 2006, o que praticamente equivale a um certificado
de autenticidade emitido pela autoridade máxima da Igreja.
A hipótese acima é aventada para termos de comparação com
dois fatos ocorridos na história do Espiritismo no Brasil que
r
elacionam dir
e
tamente a figura do médium Chico Xavier, autoridade
máxima desse movimento no país, com a produção de fotografias de
espíritos” colocadas sob suspeita de “fraude”.
Francisco
Peixoto Lins, conhecido por Peixotinho (1905-1966),
o mais f
amoso médium de materializações do Brasil” teve sua obra
mediúnica apresentada pela primeira vez por Rafael Ranieri, que
descreveu uma série completa de eventos ocorridos nos anos 40 e 50
76
70. Referências a esse sudário
podem ser encontradas em:
http://www.corazones.org/
santos/veronica.htm
“O e
spírito de Camerino, materi-
alizado na residência de de Chico
Xavier, em Pedro Leopoldo [... vê-
se] a mecha de cabelos brancos e
o
s traços faciais perfeitamente
visíveis no Espírito”. Abaixo, cópia
da “declaração do próprio de
Francisco Cândido Xavier, assina-
da pelos demais presentes à
reunião”, atestando a veracidade
dos fenômenos observados “na
noite de ... de abril de 1953
(Anuário Espírita, 1964: 148-149).
em Minas Gerais e no Rio de Janeiro na presença do médium
71
. Depois
do falecimento de Peixotinho, em 1966, Walace
Neves, professor da
Faculdade de Belas Artes da Universidade Federal do Espírito Santo,
iniciou as pesquisas sobre a vida desse médium, posteriormente
publicadas em conjunto com Palhano Jr., o mesmo autor do livro
sobre Carlos Mirabelli.
O médium, que também ficou conhecido por sua capacidade
de induzir fenômenos de
aporte
- quando objetos provenientes de
outros lugares são materializados ou atirados aos espaços das
sessões – protagonizou uma série de registros fotográficos nos quais
ele aparece expelindo a suposta substância ectoplasmática que se
organiza na forma de um “espíritoao seu lado. Essas imagens teriam
sido produzidas nos anos de 1953 e 1954 em Pedro Leopoldo, em
Minas Gerais, cidade em que morava Chico Xavier, e vêm atestadas,
uma a uma, com a assinatura dos assistentes, entre eles a do próprio
Chico. Ranieri afirma que Peixotinho teria, históricamente, criado as
condições para a realização da “primeira fotografia de um espírito
materializado em Pedro Leopoldo”, em 1952, mas que não chegou a
ser reproduzida no livro, por falta de autorização da família do
espírito manifestado (Ranieri [?] 2003: 202). Porém num livro
posterior
72
, de 1967, Ranieri descreve a sessão de materialização em
1952, fotografada por Henrique Ferraz Filho, na qual o fotógrafo teria
sido orientado pelo “espírito de Scheilla” (outro “espíritopresente) a
posicionar a sua máquina e acionar a luz de magnésio em plena
escuridão. “No lugar indicado pela Scheilla
tudo estava vazio
,
não
existia nada, nem espírito e nem médium
. Ferraz acreditou que a
experiência havia falhado, mas ao revelar o filme o fotógrafo
descobre a figura do espíritode Gugu. Em sua justificativa para a
publicação desta imagem quinze anos depois, Ranieri afirma que a
fotografia é a chapa de um espírito e como os
direitos humanos
cessam com a morte do corpo [...] iremos publicá-la”. Ele chama a
atenção para “o fato notável da invisibilidade e volatização do corpo
do Peixotinho no momento da fotografia e o aparecimento completo
na foto ao ser revelada” e reproduz a imagem do “espírito”, ao lado
de uma cópia do verso da fotografia que traz a assinatura de Chico
Xavier e outros assistentes atestando o evento
7
2
.
Outras fotografias tiradas por Ferraz Filho, registram em 1953
os “espíritos” de “Camerino e Ana” e em 1954 os “espíritos de
“Luiz Pinheiro” e de uma amiga espiritual de Francisco Cândido
X
a
vier
na casa do próprio Chico. Estas fotografias são uma das
poucas da nossa coleção que vêm acompanhadas por uma descrição
técnica dos equipamentos usados pelo fotógrafo
7
3
.
Nessa série de imagens vemos Peixotinho vestido com um
pijama de listras, deitado numa cama “patente e expelindo, pela
boc
a, nariz e ouvido
s a tal substância esbranquiçada, “que aos
poucos se organiza na forma de um corpo”. O detalhe de improviso
da cena se reflete especialmente na colocação de cobertores presos
77
71. Ranieri, 2003: 17-71.
72. Rafael Ranieri. “
Forças Li-
bertadoras
”. Rio de Janeiro:
Ed. Eco, 1967: 104-109
73. As fotografias foram reali-
zadas com máquina Rolleiflex,
diafragma 8, velocidade 1/100,
flash silvania super-flex/press
25
/
3
.800” (Ranieri [?] 2003:
208).
“Fotografia histórica do Espírito
de Gugu”, a primeira foto de ma-
terialização em Pedro Leopoldo,
MG, 1952 (Ranieri, 1967: 108)
“Foto n. 32 - Espírito materializa-
do de Ana”, 19
53 (Ranieri, 2003:
211)
à parede, certamente com o intuito de barrar a entrada de luz pelas
janelas, uma vez que o ectoplasma é “sensível à luz”; como também
pela dureza” do recorte dos rostos das entidades espirituais”,
emoldurados em volumes de véus brancos. Como os biógrafos de
Peixotinho e de Chico Xavier são unânimes em afirmar a “pureza de
espírito e a retidão do caráter” desses personagens, somos levados a
especular que nestes episódios, a analogia entre a figura do Papa
Católico à frente do Sudário de Manoppello possa ser feita com as
declarações de Chico Xavier quanto à “autenticidade daquelas
imagens. O livro de Ranieri é, até agora, a única publicação a trazer
um conjunto de reproduções fotográficas nas quais foram
reproduzidas no verso de cada página (de cada imagem) a
autenticação de próprio punho de Chico Xavier com os seguintes
dizeres:
Declaro que esta fotografia foi batida em reunião de
materialização em nossa residência, em Pedro Leopoldo, pelo
Sr. Henrique Lomba Ferraz [aqui o nome difere do de Henrique
Ferraz Filho, citado anteriormente], servindo de médium o Sr.
Francisco Peixoto Lins, achando-me presente, assim como
diversos companheiros, que testemunharam o fenômeno e
acompanharam a reunião em todas as suas fases. Pedro
Leopolodo, 13-12-54 Francisco Cândido Xavier” (Ranieri [?]
2003: 198).
Na biografia de Palhano Jr. e Walace Neves sobre Peixotinho,
um dossiê que veio a público para “preencher uma lacuna na história
do Espiritismo no Brasil”, essas imagens foram reproduzidas em
pequeno formato e, curiosamente, sem as autenticações de Chico
Xavier e dos demais assistentes, tal como havia sido feito no livro
de Ranieri. Em 1964 o Anuário Espírita
74
reproduziu uma das imagens
da série de 19
5
3
, juntamente com uma cópia de autenticação do
fenômeno, num artigo sobre o “Caso Camerino: autêntico fenômeno
de materialização”. É curioso notar que o artigo chame a atenção ao
f
at
o de que o
e
spírit
oquando se materializou, “se apresentou com
o semblante perfeitamente idêntico ao da fotografia que hoje
estampamos (foto anexa), uma de suas últimas quando encarnado
[...]”, que reproduz com uma incômoda semelhança a imagem do
retrato 3X4 na face do “espírito”*. Sobre essas imagens, não
enc
on
tr
amo
s nenhum registro de pomicas relativas `a sua
public
ação
, t
al como irá ocorrer com outras imagens trazidas a
públic
o dez anos mais tarde, pela revista O Cruzeiro e que serão o
estopim de uma grande polêmica envolvendo alguns líderes do
movimento Espírita no país, tal como veremos a seguir.
S
e as três primeir
as pr
oduções da história da fotografia dos
e
spíritos no Brasil, os retratos de Militão de Azevedo, as fotografias
do maestro Ettore Bosio e os registros do médium polimórfico
78
74. Anuário Espírita, Araras,
SP: Instituto de Difusão Espí-
rita, 1964, ano I, n.1, pg. 147-149.
Es
t
e me
smo v
olume traz ainda
uma matéria sobre as fotogra-
fias que, mais tarde, darão
início à polêmic
a jornalís
tic
a
conduzida pelo O Cruzeiro.
veja a imagem na pág. 11
Outra declaração de Chico Xavier,
de 1953, reproduzida em Ranieri,
2003: 212
(
multimídia
) Carlos Mirabelli os ligavam de alguma maneira ao
universo da arte, o resgate da história de Peixotinho também tem
suas relações com esse universo. O médium não exerceu nenhuma
atividade artística, era capitão reformado do exército, mas por seu
intermédio “espíritos”, como o de “Tongo”, durante sua “materializa-
ção”, realizaram trabalhos de “produção de retratos, a crayon e em
pintura (pictografia) [... deixando] implícito o seu gênio de artista
autêntico(Palhano Jr., 1997: 143-144]. Isso ocorreu no ano de 1948
no Rio de Janeiro e, mais uma vez, temos aqui o curioso registro de
uma atividade expressiva realizada por um “espírito”.
3.8 A FOTOGRAFIA DOS ESPÍRITOS EM REVISTAS
ILUSTRADAS (década de 60)
Na história recente das religiões no Brasil a década de 60 é
marcada por uma tensa relação entre a Igreja Católica e os centros
espíritas kardecistas que se multiplicavam pelo país, tal como nos
dias de hoje se observa a propagação do movimento evangélico. É
nessa mesma época que as fotografias dos espíritos no Brasil serão
utilizadas como estopim para uma grande polêmica que terá seu
palco num dos mais importantes veículos de comunicação de massa
do país, que foi a revista O Cruzeiro. Com uma tiragem de 425.000
exemplares semanais, O Cruzeiro deu início a uma série de
reportagens que tinha por objetivo desmascarar a chamada “farsa da
materialização”, atribuída a uma equipe de médicos e dirigentes
espíritas que declarava ter realizado e documentado diversas
experimentaçõescom uma
médium
do interior mineiro, conhecida
por suas habilidades de efeitos físicos”, ou seja, a capacidade de
servir de intermediária para a manifestação física das entidades
espirituais”.
As séries de reportagens publicadas nos meses de janeiro e
f
evereiro de 1964, às quais tivemos acesso, dão uma idéia das
dimensões dessa polêmica que se manteve em pauta ao longo de
vários números da revista, acompanhada por um grande volume de
r
epr
oduçõe
s f
otográficas utilizadas como provas” contra as
supo
s
t
as farsas denunciadas pelos repórteres. Além dessas edições
da revista e mais uma série de programas televisivos sobre a
polêmica criada, o escritor Jorge
Rizzini publicou ainda um livro no
qual ele transcreve todos os debates travados na TV entre os
repórteres, ele e outros representantes espíritas. Em seu livro Rizzini
chega a af
irmar que a c
ampanha promovida pela revista teve a
duração de três meses, ocupando onze números consecutivos da
public
ão
7
5
, num t
o
t
al de s
e
t
en
t
a ginas
, ilustradas por 87
fotografias (Rizzini, [1964] 1997: 27).
No entanto a origem dessa polêmica teve início numa outra
79
75. Essa informação não con-
f
er
e com o no
sso levantamento.
Nos meses de janeiro e feve-
reiro, as edões de 25 de
janeiro e 29 de fevereiro de
19
64 não f
az
em referência al-
guma ao assunto. Nossa pes-
quisa conseguiu localizar e
adquirir as edições de 18 de
janeiro, 01, 08, 15 e 22 de feve-
r
eiro de 19
64
. T
odas e
ssas
reportagens totalizam 80 foto-
grafias publicadas ao longo de
cinc
o semanas.
Desenho produzido por escrita
direta pelo espírito Tongo, da
jovem Deyse Jenneé. O nome
está [assinado] em japonês na
p
arte de baixo(Palhano Jr., 1997:
141)
revista ilustrada. Uma reportagem de Salomão Schvartzman, com
fotos de Geraldo
Mori, foi publicada em agosto de 1963 pela revista
Fatos & Fotos com o título “Encontro com o outro mundo”, onde o
repórter comprova a materialização de um espírito nos 120 minutos
em que ele e o fotógrafo passaram no interior de uma casa na cidade
de Andradas, no interior de Minas Gerais.
A reportagem da revista Fatos & Fotos
Reproduzindo um total de cinco fotografias, sendo duas de
página dupla, a primeira grande reportagem sobre fenômenos de
materialização, veiculada por uma revista de alcance nacional,
descreve um evento normalmente conhecido apenas no contexto do
Espiritismo. Numa pequena sala, com um certo número de cadeiras
para a assistência, se encontram duas “cabines de experimentação”,
onde os
médiuns
são imobilizados em cadeiras por meio de correias
fechadas por cadeados e separados do público por duas cortinas. A
função dessas cabines é a de impedir qualquer entrada de luz no seu
interior, uma vez que a substância ectolplasmática, necessária à
materialização do espírito é sensível à luz branca. O repórter
analisa o ambiente em que a médium foi instalada e constata a
inexistência de qualquer abertura, porta ou alçapão para o interior
daquele lugar. As luzes são apagadas e o ambiente mergulha na
escuridão. “Cânticos, preces e invocações começaram a ser ouvidos.
Todos rezavam em voz alta. Da médium, comecei a ouvir sons
guturais, típicos de ânsia de vômito. Alguns dos assistentes tinham
também espasmos. Senti que vomitaria e a custos consegui me
dominar”. Neste ambiente de experimentação o repórter sabe que “a
materialização é conseguida pelo ectoplasma que escorre da boca e
do nariz da médium – daí as ânsias de vômito. Com [esse material] da
médium, o espírito molda seu corpo e aparece”. Apesar de se declarar
imbuído inicialmente do desejo de descobrir uma possível fraude,
Saloo Schvartzman parece, ao final de sua reportagem,
c
onvencido de que o vulto branco que se apresentou como o espírito
da Irmã Josefa e de cujo rosto e laringe se irradiava uma luz
f
o
s
f
or
e
s
c
ente, era mesmo de uma representante do outro mundo. “Eu
não podia acreditar no que via. Mas via. Não podia deixar passar
aquela chance de entrevistar um espírito”.
[...]
- A senhora nasceu onde?
- Na Alemanha.
- E onde morreu?
- Em Campinas.
- Qual o número do seu túmulo?
- Número dez.
80
Páginas de abertura da reporta-
gem da revista Fatos & Fotos,
19
63.
Ao final da sessão, depois que o espírito se recolhe e a
cortina é aberta, o que se vê é a médium presa à sua cadeira.
“Nenhum buraco no chão, nenhum sinal de vestimenta branca,
nenhum teto falso, nada, nada. Otília ainda se debate. Estrebucha. É
acalmada. Um líquido branco o plasma escorre de sua boca”. A
reportagem se encerra com uma dúvida expressa pelo repórter sobre
a veracidade daquilo que ele acabara de presenciar. Seria aquilo tudo
verdade? Infelizmente não foi possível localizar qualquer referência
sobre às possíveis repercussões dessa reportagem na mídia da época.
Mas certamente ela pode ser considerada como a publicação que
despertou a campanha investigativa assumida pelos repórteres da
revista O Cruzeiro, que irá publicar com exclusividade a primeira
grande reportagem fotográfica sobre os fenômenos de materialização,
na qual o texto é um coadjuvante do discurso visual.
A série de reportagens fotográficas da revista O Cruzeiro
A primeira reportagem que O Cruzeiro publicou sobre os
fenômenos de materialização de espíritos em Uberaba, considerada
na época a “Meca do movimento espírita brasileiro”, foi em janeiro de
1964
76
. Cinco meses separavam esta reportagem da anterior,
publicada pela Fatos & Fotos, mas desta vez o conteúdo fotográfico da
revista é mais extenso e mostra em detalhes aquilo que na primeira
reportagem havia sido apenas descrito. O padrão gráfico de abertura
da matéria nas duas publicações é muito semelhante, não pelo
destaque da imagem da “freira materializada” ao lado do título, mas
na reprodão das imagens em que vemos a médium sendo
manietada
pelos condutores da experimentação.
Esta primeira reportagem publica foi baseada em depoimen-
tos e fotografias [...] de responsabilidade de uma equipe de
[dezenove] médicos de São Paulo e do Triângulo Mineiro, que assistiu
e pesquisou durante ts meses numerosas experncias, sob
controle, na cidade de Uberaba”. Com essa advertência aos leitores,
a revista passa a apresentar uma série de imagens legendadas com
informações que “explicam” o estranho contexto em que se
desenrolam aquelas cenas. Ao reproduzir a fotografia onde a médium
é amarr
ada por dois homens a uma c
adeir
a, o t
exto informa que “[...]
todas as cautelas são rigorosamente obedecidas pelos pesquisadores,
para evitar que os sensitivos se locomovam dentro da jaula, onde são
colocados, à porta trancada[...]”. Essas observações são caracte-
rísticas desse tipo de experiências realizadas desde a segunda
me
t
ade do séc. XIX
, quando s
eus promotores procuravam pautar
suas pe
s
quis
as por pressupostos de um “controle científico
rigoroso
77
. Esse padrão de controle pode ser identificado ao longo de
todas as legendas que acompanham essa primeira reportagem.
Num conjunto de fotografias dramáticas, vemos a médium
81
76. Femenos de materia-
lização”. O Cruzeiro, 18/01/
1964, Ano xxxvi, n. 15, págs. 68-
80.
77. Segundo Jorge Rizzini, a
s
e
ssão r
epr
oduzida pela r
evista
havia sido realizada num con-
sultório onde foram instaladas
no
ve máquinas fotográficas, de
forma que “os espíritos que
porventura se materializassem
seriam fotografados em nove
ângulos diferentes para exame
e confronto. No teto, o flash
ele
trônic
o[...]” (Riz
zini, [19
64]
1997:14).
“Espírit
o” de Irmã Joseja materi-
alizado. O Cruzeiro, 16/01/1964
A dium Olia Diogo s
endo
“manie
tada” e presa a uma cadei-
ra pela equipe de experimentado-
res em Uberaba, MG, 1964.
Otília Diogo dentro de uma jaula, amarrada pelos pés e pelas mãos,
expelindo pela boca e pelo ouvido a matéria ecoplasmática, uma
espécie de nuvem branca, que dentro em pouco vai se transformar
em espírito materializado”. Em transe, ela é observada por vários
assistentes do lado de fora, entre os quais um personagem que
empunha uma câmera fotográfica apontada para a cena. Numa outra
fotografia a jaula é vista agora fechada por uma cortina preta e por
detrás dela surge a materialização de Irmã Josefa, de mãos postas,
deixando o interior da jaula onde está manietada a médium Otília
Diogo. A poucos passos, um dos médicos pesquisadores se posta,
para colher o flagrante fotográfico que irá comprovar o que seus
olhos acabam de ver”.
Em outra imagem vemos um outro médium liberando uma
extensa fita branca pelos cantos de sua boca (o que se supõe, seja o
ectoplasma), enquanto que o “fantasma materializado surge por
trás dele, numa chapa ligeiramente desfocada e trêmula. Outra foto
mostra a “freira materializada” ajoelhada, segurando um maço de
flores entre as mãos. A legenda que transcreve a afirmação do
médium Waldo
Vieira afirma que o espírito da freira se materializava
com um buquê de flores [...] mas o que invariavelmente aconteceu é
que sempre trazia um diadema luminoso e uma estranha
luminosidade à altura do tórax. Envolvida pelo véu, uma espécie de
filó, não se diferencia de qualquer ser vivo, sendo no entanto uma
presença suave que esparge perfume de flores [pelo ambiente]”. É
nesse tom descritivo que as legendas de cada fotografia, muitas de
página inteira, dão aos leitores da revista uma idéia do significado
daquele estranho contexto.
Nesse conjunto fotográfico, uma imagem que pode ser
considerada paradigmática desse momento particular do Espiritismo
no Brasil é a foto cuja legenda afirma tratar-se do “flagrante [que]
mostra a materialização da Irmã Josefa, ao fundo, recebendo, das
mãos do Dr. Waldo Vieira e do médium Francisco Cândido Xavier, um
livro”. À esquerda Waldo Vieira aparece com sua câmera apontada
para o “espírito”, enquanto que à direita, Chico Xavier estende os
braços para entregar um livro à freira. À esquerda, o responsável
pelas experimentações, cujos “fenômenos deixam o centro espírita
para ser um objeto de estudo da medicina”, é representado pelo o
aparelho fotográfico em mãos. À direita o representante da pela
palavra, o homem de
locuções interiores
, um “personagem, cujos
tr
aço
s de per
sonalidade e/ou conduta remetem à exemplaridade
cristã” (Stoll, 2003: 135) oferece a palavra ao espírito. Ao centro da
imagem, como se estivesse saindo de uma vulva (tal como já se notou
na famosa fotografia que abre o livro
A Câmera Clara
de Barthes),
vemos o espírito que vence os obstáculos do mundo material e
atr
a
vessa as grades de ferro da jaula.
82
A médium aparece no interior de
uma jaula, presa à uma cadeira e
ao lado de um toca-discos. Nota-
se a matéria ectoplasmática ini-
ciando sua formação.
A materialização da Irmã Josefa,
de mãos postas, deixa o interior
da jaula onde está manietada a
médium e começa a atravessar
os varões de ferro”.
A primeir
a reportagem exibia, na
sua aber
tura, a equipe de médi-
c
os responsável pelas experiên-
cias ciên
tíficas de materialização.
“Nas câmaras das experiências científicas tomam-se cautelas para evitar fraudes”
(O Cruzeiro)
uma primeira fotografia, descrita acima, que mostra a
médium no momento em que o ectoplasma” dá início a sua profusão
para fora de seu corpo, fato que pode ocorrer não apenas pelos
orifícios da boca, ouvido e narinas, mas por todos os orifícios do
corpo mediúnico
7
8
. Vista de dentro de uma jaula, a legenda indica que
o ato de manietar a médium “tem como objetivo evitar qualquer
possibilidade de fraudes ou mistificações” e que ela “imóvel, de
cabelos caídos sobre o rosto [...] permanece em transe”.
A numerosa equipe de médicos têm por função comprovar
minuciosamente todas as ocorrências”, envolvendo cada um dos
dezenove integrantes no trabalho de condução das experiências.
Escalou-se o dirigente, os inventariantes do material das
experimentações, os cinegrafistas, os clínicos e psiquiatras que
submeteram os sensitivos (médiuns) aos exames clínicos, antes e
depois das reunes (inclusive com eletroencefalogramas), os
responsáveis pelas gravações, os encarregados da pesagem de todos
os presentes, os executores de rubricas, revistas, lacrações e
vedamentos, os relatores dos trabalhos, etc”. Os médicos ainda
asseguravam que “o intuito é científico; nenhuma intenção religiosa
anima a equipe de pesquisadores”, que depois de meses, “atendendo
a insistentes pedidos de colegas interessados é que resolveu deixar
aparecer os resultados obtidos após pesquisas exaustivas e a
comprovação unânime da autenticidade dos fenômenos”.
Ainda transcrevendo o texto de autoria da equipe médica, a
revista, tal como esta tese, lançava mão das aspas para maioria das
informações presentes em sua reportagem. Além da descrição da
materialização dos espíritos que se apresentaram com véus e
desvelados, sob luz vermelha e ‘flashes’, ou no escuro com luz
própria”, são ainda descritos outros fenômenos que, por sua
quantidade, sugerem um volume de acontecimentos raramente
iden
tif
icados na história desses fenômenos. Na literatura específica,
até mesmo nas descrições dessas fenomenologias feitas por Allan
Kardec, raramente surgem tantas manifestações “espirituais ou
“paranormais” como as que foram descritas pelo O Cruzeiro. Os
médicos declaravam que haviam sido registradas a “levitação de
alguns obje
t
o
s colocados propositadamente pelos pesquisadores,
‘raps’, pancadas, palmas, etc; além da ligação direta pelos espíritos da
radiola, do ligamento direto da luz elétrica e da dialogação dos
espíritos com os médicos através da voz direta”. Teriam ainda
ocorrido o “transporte de objetos, aspersão de perfumes diversos em
f
orma de chuv
a, ocorrências de luminosidades, sensação táctil e
toques nos espíritos materializados”. Entre os “espíritos que se
apresentaram foram destacados os do “Dr. Alberto Veloso, que se
v
e
s
t
e à moda orien
t
al, A
dry, um índio sul-americano, Japi, indiazinha
84
78. Na historiografia desses
fenômenos, existem registros
fotográficos envoltos num cli-
ma de sexualidade pouco co-
mum para os padrões morais
do séc. XIX, nos quais a matéria
ectoplastica emerge dos
orifícios pudentos de algumas
médiuns, como ainda chega a
aderir aos mamilos dos seios da
famosa médium francesa Eva
C., pesquisada pelo cientista
aleo Albert von Schrenk-
Notzing. Eles haviam se conhe-
cido em Paris por meio da
escultora Juliette Bisson e a
partir de 1912 Schrenk-Notzing
realiza com Eva uma série de
sessões de materialização em
Munique. Em muitos desses
“trabalhos”, a médium era inici-
almente despida para então ser
vestida com um tecido, fechado
com costuras feitas sobre seu
corpo. Num ambiente fraca-
mente iluminado por uma luz
vermelha, a médium entrava
em transe e do seu corpo era
expelida uma substância visco-
sa à qual o cientista denominou
“teleplasma”. (Andreas Fischer.
Vorbemerkung zum Bildteil
‘okkulte’ Fotografie. ins Im
Reich der Phantome Foto-
grafie des Unsichtbaren. Mön-
chengladbach, Krems, Winter-
hur: Cantz Verlag, 1997: 94,95.
“En
tr
e as grade
s da jaula de ferro,
a fr
eira, s
egur
ando o livro”.
Det
alhe da imagem public
ada à
pág. 7
4
.
de sete anos que materializou uma gaita, tocando-a para os presentes
e Irmã Josefa”, a grande estrela espiritual, “falecida há 17 anos e que
se materializou em várias reuniões [...] [tendo se deixado] fotografar
com os presentes e ser tocada por eles”.
A reportagem traz ainda depoimentos dos médicos
participantes das experiências e se encerra com uma “nota do
repórter” na qual ele afirma que “não houve neste texto, do princípio
ao fim, alguma frase que denunciasse a opinião do repórter”, ao
mesmo tempo em que credita todas as fotografias a Nedyr Mendes
da Rocha
79
e equipe médica.
Ao que tudo indica essa reportagem pode ter sido
interpretada pelos dirigentes das experimentações em Uberaba como
uma divulgação vitoriosa e de grande alcance dos fenômenos
anteriormente divulgados pela revista Fatos & Fotos que, mais uma
vez, deixavam o círculo restrito das publicações espíritas, para
ganhar a mídia nacional. Ao que parece também esses dirigentes não
devem ter previsto o revés que a revista desencadearia em suas
edições posteriores. Rizzini deixa transparecer essa impressão ao
iniciar o seu livro, que é uma crítica ao comportamento de O Cruzeiro,
com “o impressionante relato de Fatos & Fotos sobre as
materializações de Otília Diogo”, onde reproduz integralmente o
texto de Salomão Schvartzmann e atribui a ele a descoberta da
“notável médium de materialização na pequena cidade de Andradas,
em Minas Gerais” (Rizzini, [1964] 1997: 9), antes de sair em defesa da
equipe de médicos e partir para o ataque dos jornalistas que foram
para Uberaba.
Um espírito” é capa de revista
A segunda reportagem publicada pela revista O Cruzeiro veio
a público duas semanas depois, em 1. de fevereiro de 1964
80
reproduzindo cinco depoimentos da sua equipe de repórteres e
fotógrafos, enviados à Uberaba, onde constataram, diretamente, a
falsidade dos fenômenos”. Convidados a assistir a uma sessão
especial de materialização, os repórteres “constataram a fraude
primária nessas experncias”, onde a equipe de médicos e
experimentadores pretendia demonstrar a validade de suas
investigações para a imprensa.
Ilustrada por um conjunto de dezoito fotografias em preto e
br
anc
o e mais outr
a colorida (reproduzida na capa), essa reportagem
início à polêmica que irá se estender ao longo de vários números
da revista, e também ocupar os espaços de jornais e canais de TV
8
1
.
A despeito do seu ceticismo quanto ao que presenciaram em
Uber
ab
a, os depoimentos dos repórteres de O Cruzeiro trazem várias
informações relativas ao trabalho experimental de “materialização
dos espíritos”, desenvolvidos por aquele grupo. Pelo texto de José
85
79. Nedyr Mendes da Rocha é
um dos poucos fotógrafos, na
história da Fotografia dos Espí-
ritos no Brasil, que tem seu
nome creditado como autor de
algumas fotografias reprodu-
zidas nesse trabalho. São suas
as imagens que também cons-
tam no livro de Tubino (1997) e
que excepcionalmente vêm a-
companhadas de informações
técnicas quanto ao tipo de fil-
me, câmera, lentes e flashes
utilizados.
80. “A farsa da materialização”.
O Cruzeiro, 01.02.1964, ano
xxx
vi, n. 17, pgs. 70-81.
81. O livro de Rizzini narra toda
a polêmic
a tra
vada à frente das
câmeras da TV Tupi e TV Conti-
nental do Rio de Janeiro, TV
Itacolomy de Belo Horizonte e
TV Excelsior, canal 9, de São
Paulo. Ao enfrentar diretamen-
te a r
e
vis
ta O Cruzeiro, perten-
cente ao conglomerado dos
Diários Associados, Rizzini se
iden
tifica com a figura do
“David enfrentando o gigante
Golias” e ne
s
t
e seu livro ele
revela o grande volume de foto-
grafias exibidas durante os
pr
ogramas nas emissoras de
TV. O paradeiro desse material
fotográfico não foi localizado
por essa etapa da pesquisa.
Quanto à matéria publicada em
jornal, ela f
oi, segundo Riz
zini,
de aut
oria do Diário de São
Paulo, 03/01/1964, pg. 6.
Na edição de 1 de fevreiro de 1964
o “espíritode irmã Josefa é de-
nunciado na capa de O Cruzeiro.
Franco ficamos sabendo que estas experiências foram realizadas no
consultório de Waldo
Vieira, médico e médium psicógrafo, onde
desde setembro de 1963 vinham sendo realizadas as sessões de
“materializações de entidades espíritas”. No depoimento do repórter
Mário de Moraes, Waldo Vieira revela os planos de construção de um
edifício para fazer experimentações de natureza psíquica”, com um
projeto de Oscar
Niemeyer, “fornecido gratuitamente pelo famoso
arquiteto”, que estaria “interessado em materializações”. Vieira
também anuncia o projeto de edição de um livro, com 150 fotografias
dos “fenômenos” estudados mas que, infelizmente, não chegou a ser
publicado. Mário de Moraes deixa transparecer a sua afeição pela
figura de Chico Xavier: este é realmente um homem bom, que
acredita nas experiências realizadas na sua casa
82
. O povo de Uberaba
parece adorá-lo em virtude do auxílio que presta à população pobre
da cidade”. O repórter Jorge
Audi, bem como os demais colegas da
revista, descreve o seu desapontamento para com as muitas
restrições impostas por Waldo Vieira, o coordenador das
experiências. Inicialmente os repórteres foram impedidos de tocar a
materialização, por conta do risco de “matar a médium”. Em seguida
não foi permitido o uso de um equipamento fotográfico infraver-
melho, uma vez que “a penetração do raio dissolveria o ectoplasma”.
Também não foi permitido o uso de filmadoras, “porque a ‘matéria’
[ectoplasmática] o resistiria à luz contínua”, necessária às
filmagens. Apesar das restrições, esse repórter carregou sua câmera
com um filme colorido, contrariando “jornalísticamente” a deter-
minação de se usar apenas filmes em preto-e-branco. Segundo ele “a
sensibilidade dessa película responde à temperatura das cores, o que
lhe maior sentido de penetração e uma ligeira sensação de
terceira dimensão. Os efeitos foram excelentes e revelaram detalhes
que não surgiram nas fotos preto-e-branco. Mostraram a fisionomia
da médium por detrás do véu”.
Contra esta suspeita, de que a médium se travestia de espírito,
Rizzini afirma em seu livro que essa semelhança se dá pelo fato de o
“próprio corpo do fantasma se formar à expensas do corpo real da
médium, o que seria também confirmado, considerando que, nas
primeiras materializações, os fantasmas têm muitas vezes certa
semelhança com o rosto e os membros [do médium] e com toda a sua
pessoa” (Rizzini [1964] 1997: 79). Suspeitas dessa mesma ordem
haviam sido levantadas no caso mais conhecido de semelhanças
en
tr
e uma médium e o e
spírito materializado, que foi a da jovem
Florence Coock e o espírito de Kate King”, no trabalho de inves-
tigação do cientista inglês Willian Croockes (1832-1919)
8
3
.
Esta reportagem de O Cruzeiro mostra as várias etapas de
preparação da médium no ambiente onde ela deveria permanecer
amarr
ada, além de vário
s detalhes de outro “espíritomaterializado,
o “Dr. Alberto Veloso”, que em vida teria clinicado no Largo do
Machado, no Rio de Janeiro. É na figura desse médico que os
86
82. O jornalista rio de
Moraes, aparentemente equivo-
cado, dá a entender que o local
das experiências seria a casa de
Chico Xavier.
8
3. Cr
oockes se notabilizou
pela descoberta do elemento
químico Tálio e foi premiado
pela Academia de Ciências da
França pelo conjunto de seus
tr
ab
alho
s
. Sobre suas expe-
riências com materializações,
v
eja Crook
e
s ([18
74]19
5
7) e
Doyle ([1926] 1978, cap. XI).
Imagens no cat. “Le troisième
oeil. La pho
t
ogr
aphie e
t
l’occulte”, 2004.
A segunda reportagem da série
inicia a ofensiva contra o “em-
buste registrado em Uberaba”
O Dr
. Albert
o V
eloso apresenta-se
s
em as mãos “por falta de ecto-
plasma suficien
te”, mas deixa
transp
arecer os seios por baixo
de sua túnica.
repórteres vão insistir em desmascarar a farsa, por eles alegada, de
que a materialização do “Dr. Veloso apresentava nitidamente o
contorno de um par de seios por baixo da roupa, da mesma forma que
os mesmos joanetes existentes nos pés da médium Otília Diogo. Outro
fator que levantou graves suspeitas sobre essa figura, era o fato de o
“Dr. Velosonão falar, ao contrário da Irmã Josefa, que falava com
sotaque alemão. Ele se comunicava com a assistência batendo com os
pés no chão, recuperando dessa forma a comunicação por meio de
“raps que deram início a esse sistema de crenças no séc. XIX. A
suspeita levantada pelos repórteres é a de que a entidade masculina
não falava para não denunciar a voz feminina da médium, oculta
pelos trajes “à moda oriental”.
*
Se nesta segunda reportagem da série, o material fotográfico
se prestava a uma leitura que buscava na constituição própria da
imagem as “provas”, tanto das analogias visuais entre a médium e o
espírito”, como os indícios de uma manipulação descuidada da
cena”, a
terceira reportagem
84
publicada pelo O Cruzeiro vai
publicar uma leitura técnica da imagem feita por um perito
criminalista do Rio de Janeiro.
A perícia técnica confirma reportagem de ‘O Cruzeiro’: Falsa
a materializão de Uberaba”. A chamada dessa reportagem,
publicada em 8 de fevereiro de 1964, irá levar para uma revista
semanal a leitura técnica da imagem fotográfica, onde os menores
detalhes visíveis, foram estudados em minúcias e assinaldos por
gráficos que apontam para a interpretação dada pelo perito criminal.
A primeira reportagem que ‘O Cruzeiro publicou sobre os
chamados fenômenos ectoplasmáticos, de materialização dos
espíritos, continha o depoimento e fotografias de médicos do
interior de São Paulo e Minas, em experiências realizadas em
Uber
ab
a, Minas Ger
ais
. A s
eguir enviamos àquela cidade uma
equipe de repórteres e fotógrafos experimentados que
constataram, diretamente, a falsidade dos fenômenos. Foi a
s
egunda r
epor
tagem. Agora voltamos ao assunto que desde o
começo do culo desperta a curiosidade mundial. Nesta
terceira reportagem sobre materialização de espíritos,
public
amo
s a análise cnica, completa do grande perito
br
asileir
o C
arlos de Mello
Eboli, que c
on
f
irma totalmente, e de
forma inequívoca, à luz da Cncia, a farsa da materialização [...]”.
“Não truque fotográfico que resista aos recursos modernos de um perito
experiente: Eboli desmascara a fraude de Uberaba” (O Cruzeiro)
A matéria é fartamente ilustrada por várias fotografias
assinaladas pela perícia, apontando dezenas de detalhes que
87
84. “Falsa a Materialização de
Uberaba”. O Cruzeiro, 08.02.-
1964, ano xxxvi, n. 18, pgs. 80-
89.
A t
erc
eira reportagem da série
reúne div
er
sos laudos periciais
elabor
ado
s pelo perit
o criminal
C
arlo
s Eboli.
Chico Xavier, o espírito” de Irmã
Josefa e a apresentadora Vanda
Marlene.
escapam ao observador desavisado. Detalhes de dobras e
acabamentos de tecidos, de superfícies metálicas que refletem a luz,
de sombras que indicam a presença de volumes disfarçados, a
direção das fontes luminosas, tudo isso descrito por legendas ao lado
de cada fotografia, que “decifravam as pistas visuais ocultas para
um olhar sem treino para isso. Ainda nos dias de hoje a leitura dessas
páginas se numa intensa dinâmica entre texto e imagem, que
conduz o leitor a um processo de
decifragem
dos elementos visuais.
Esse expediente pode ser interpretado como uma certa
popularização da “leitura da imagem técnica” (Flusser) veiculada por
um dos mais populares meios de comunicação de massa do país na
época
85
.
As várias chamadas do texto chamam a atenção do leitor para
o fato de como “foto por foto os truques grosseiros foram sendo
revelados ao olho perito”, assinalados nas imagens junto ao parecer
técnico
86
, transcrito sem qualquer adequação do vocabulário aos
leitores da revista.
O discurso fotográfico da reportagem é diagramado de uma
forma inusitada para os padrões da revista na época: as imagens se
repetem. Uma mesma fotografia é exibida duas vezes na mesma
página, variando apenas as observações do perito, indicadas por
círculos e flexas que apontam para certos detalhes contidos nas
imagens. O material analisado é o mesmo publicado na primeira
reportagem da série, ou seja, o material fornecido pelo grupo de
Uberaba para a divulgação de suas experiências. Em seu parecer
Carlos Eboli destaca que as fotografias foram “selecionadas entre
quatrocentas outras operadas pela equipe de experimentadores”, o
que nos uma idéia da confiança no que aqueles senhores tinham
nessas imagens, a ponto de enviar todo esse material fotográfico
para a revista
8
7
.
Se as primeiras fotografias de “extras”, surgidas nos retratos
de Mumler mostravam apenas contornos de figuras com linhas claras
e de pouca definição, com formas leves e vaporosas, pouco mais de
cem anos depois os “esritos” aparecem agora com uma
materialidade e uma densidade inconcebível para o modelo que a
nossa cultura tem das “manifestação dos espíritos”. Essencialmente
para os não espíritas e não crentes na possibilidade de plasmação de
um corpo a partir do ectoplasma
fato
até mesmo admitido por
parapsicólogos jesuítas a idéia de um espírito materializado é das
mais inc
onc
ev
eis. Ao não conceber essa possibilidade,
especialmente um cristão levará em conta que apenas Jesus foi
capaz de retornar da morte para, novamente, ter uma presença física
no mundo dos vivos - mesmo que alguns, como Maria Madalena, não
pudessem tocá-lo (
noli mi tangere
). Esta foi a grande demonstração
da divindade do Deus enc
arnado: v
encer a morte e ascender de volta
aos céus, deixando na pintura medieval a marca de seus pés
estampados na terra.
90
85. Vim
Flusser havia
sugerido, em várias de suas
palestras realizadas ao longo
dos anos 80 em São Paulo, que
certas culturas em desenvolvi-
mento, como a brasileira, pode-
riam prescindir do doloroso
caminho percorrido pela histó-
ria européia na formação de
uma cultura alfabetizada e
letrada. Segundo ele, o Brasil
poderia se lançar na vanguarda
dos países onde a alfabetização
pelos meios técnicos corres-
ponderia ao novo ambiente
tecnológico que, nos anos 80,
se anunciava de forma inequí-
voca. Para isso as novas mídias
seriam “os livros abertos” onde
todos poderiam se alfabetizar
na linguagem das novas ima-
gens técnicas. (“Novas Cores
da natureza à informática”. 2.
Ciclo de debates grupo Basf:
Casa da Cor. Centro do Profes-
sorado Paulista, 1988. Gravação
realizada por nós).
86. Boris Kossoy designa isso
de s-produção da ficção
documental”, onde “a reutili-
zação de uma mesma fotogra-
fia [pode] servir de prova numa
situão diferente e, por
vezes, até antagônica – daquela
para a qual foi produzida ori-
ginalmente através [da inser-
ção] de uma nova legenda ou
título”. Para o historiador da
fotografia, essa seria ainda uma
variante do que ele denomina
de f
icção doc
umen
t
al, que
controla ao máximo o ato da
recepção numa direção deter-
minada (Kossoy, [1999] 2000:
5
5).
87. Uma pesquisa mais investi-
gativ
a dev
e
, sem dúvida alguma
conseguir rastrear o paradeiro
at
ual de parte dessas fotografias.
Flusser certa vez escreveu que “… a nossa distinção entre
espírito” e “alma”, e o conceito do “Espírito Santo”, tão inconcebível
fora do Ocidente e tão inquietante dentro dele, prova a nossa
incapacidade de sintetizar a nossa herança grega com a nossa
herança judia, sintetizar ‘pneuma’ e ‘ruach’”. “Ruachem hebraico é
anagrama de “Rauch”, “fumaça” em alemão, e deve se esconder
um dos fundamentos de nossa concepção acerca do espírito, que
seria algo semelhante ao ar, à fumaça, ao vapor, à névoa. Nesse
mesmo texto, Flusser ainda dizia que “os únicos verdadeiros
materialistas do Ocidente são os espíritas, os quais concebem um
espírito materializado. Talvez por não participarem da tradição grega,
nos pareçam levemente bárbaros
88
.
*
O envolvimento da imagem de Chico Xavier no episódio
Esta terceira reportagem da série pode ser considerada o
ponto alto dessa polêmica que envolveu diretamente a figura de
Chico Xavier, o santo espírita” brasileiro, numa trama que parecia
justificar o motivo da vinda de padres jesuítas para o Brasil nos anos
60, com o objetivo de acabar com as mentiras espíritas
89
.
A análise técnica das fotografias estampadas na terceira
reportagem irá envolver diretamente a imagem de Chico Xavier num
episódio constrangedor para a figura do famoso médium que, na
memória de muitos, havia sido “ridicularizadodez anos atrás
pela mesma revista, numa famosa reportagem feita pela dupla David
Nasser e Jean Manzon, que retratou o médium sentado na banheira
em “pose” mediúnica. No entanto, apesar da figura de Chico Xavier
nas fotografias das “experncias de Uberaba, o tratamento
dispensado à sua pessoa pela revista, parece mantê-lo relativamente
isolado do ataque mais pesado dos repórteres. Como vimos ele fora
descrito por um dos repórteres como um “homem bom” e, muma
outra passagem, o depoimento de José Franco diz que ao chegar em
Uberaba, Francisco Cândido Xavier teria cumprimentado
efusivamente a todos, mas com humildade, dizendo “que a nossa
reportagem é das mais sérias que se fizeram no Brasil sobre o
Espiritismo”. a figura do médico Waldo Vieira é associada à de uma
pessoa astuta, “homem de 35 anos de idade, alto, simpático, bem
f
alan
t
e, um autêntico relações-públicas”. Em suas impressões José
Franco ainda afirma que “o Dr. Waldo é bastante perspicaz e tem
raciocínio vivo, dando respostas rápidas a todas as perguntas. Fala
com os olhos fixados nos meus”. Todos os depoimentos dos
repórteres enviados à Uberaba induzem à suspeita de que foi Waldo
V
ieir
a o articulador da
performance
; o homem do
s meio
s, aquele de
camisa listrada, a pessoa que mais aparece em todas as fotos mais
do que o próprio Chico Xavier. Portanto é de se esperar que a
91
88. Vilém Flusser. “Da influên-
cia da religião dos gregos sobre
o pensamento moderno”. In
Rev. Brasileira de Filosofia, São
Paulo: n. 42, vol. XI, abril-maio-
junho, 1961.
89. Esse tema é discutido por
Machado (2005), nota 44.
“O véu se apresenta com a mar-
gem livre, desfiada, em contraste
com o pano do peito, dobrado e
costurado, na altura dos ombros”.
Uma das fotografias enviadas
pelos experimentadores de Ube-
raba à revista O Cruzeiro, mostra
Chico Xavier ao lado do médium
Antônio Alves Feitosa, fornecedor
de ectoplasma, com o “espírito
materializado atrás de si. Foto de
Nedyr Mendes da Rocha feita com
o auxílio de
flash
. (Tubino, 1997:
34. Fotografia cedida gentilmente
pelo autor).
publicação dessas imagens, escolhidas entre “outras 400”, pelos
editores da revista tivesse por objetivo apontar o mentor daquele
evento.
Ao ser trazida a público a polêmica sobre as materializações
em Uberaba pode ser entendida, na história recente do Espiritísmo no
Brasil, como uma variante do “Processo dos Espíritas” do séc. XIX - o
julgamento público que um dirigente do Espiritismo francês teve que
enfrentar por conta de suas relações com o fotógrafo Buguet,
supostamente capaz de “registrar o além” (ou como normalmente se
afirma na historiografia do Espiritismo: ”por suas relações com um
médium fotógrafo que por ganância e mau uso de seus dotes
mediúnicos, foi corrompido pelo dinheiro e pela notoriedade fácil”).
O que nos parece evidente é que essa forma de tratamento
dispensada a Chico Xavier já estava, de certa maneira, prefigurada na
polêmica reportagem, publicada pelo O Cruzeiro, em 1944
90
, com
texto de David Nasser e fotografia Jean Manzon
(esse era o “bordão
da revista para a dupla).
Nessa reportagem o médium é retratado de forma que muitos
julgaram ofensiva à sua imagem: ela trata de um homem sem
sossego, funcionário público da pacata cidade de Pedro Leopoldo
assediado por legiões de pessoas em busca de consolo que vêm de
Belo Horizonte, do Rio de Janeiro, de São Paulo, de todos os Estados.
Num tom coloquial, o texto fala dos tormentos desse santo”:
“era uma vez um moço innuo e feliz, vivendo numa
cidadezinha ingênua e feliz, perto de Belo Horizonte. O moço se
chamava Francisco Cândido Xavier e não desmentia o nome. A
cidadezinha, Pedro Leopoldo [...] Fixaremos, precisamente, a
violenta mudança de vida de Chico Xavier e da cidade de Pedro
Leopoldo. o nos interessa, embora pareça estranho, o
médium Chic
o X
a
vier
, mas a sua vida. Os seus trabalhos
psicografados - ou não psicografados - já foram assunto de
milhar
e
s de his
tórias
, divulgadas desde 1935. Se são reais ou
f
orjadas
, que decidam o
s cien
tis
tas
. S
e ele é inocente ou
culpado dirão os juízes. Se ele é casto, instruído, bondoso,
c
almo
, diremos nós. Porque não somos detetives do além”.
(“Chic
o X
a
vier
, de
tetive do além”, O Cruzeiro, 12 .08.1944).
S
em r
e
velar para qual órgão de imprensa os dois trabalhavam,
Nasser e Manzon acompanharam Chico Xavier pela cidadezinha que
agora era a Jerusalém do credo de Kardec”.
Sim, porque antes de Chico, Pedro Leopoldo nem existia nos
mapas de Minas Gerais. [Os habitantes da cidade] Gostam dêle,
de s
eus modo
s
, de sua cara asiática, onde um dos olhos
empalideceu sùbitamente, como um farol apagado em pleno
caminho da luz. A cidade tem uns treze mil habitantes, contadas
92
90. “Em 1944. A viúva e os três
filhos do escritor Humberto de
Campos moveram um ação
contra Chico Xavier. Como
titulares dos direitos autorais,
queriam explicações sobre as
cinco obras ‘ditadas por
Humberto Campos a Chico
Xavier sem que eles rece-
bessem nada por isso. Se a
Justiça negasse a autenticidade
da obra, Chico estaria sujeito a
pagar indenização por perdas e
danos e poderia ser preso por
falsidade ideológica. Se reco-
nhec
es
s
e as obr
as como de
Humberto de Campos, estaria
atestando a existência de vida
após a mor
te. A dupla de
jornalista foi até Pedro Leopoldo
en
tr
evis
t
ar Chico Xavier. Perce-
bendo que não seriam aten-
didos, Nasser e Manzon se
dis
s
eram estrangeiros. Se os
espíritos existissem, avisariam
Chico da farsa (“David Nasser -
um repórter maior que a
no
cia”. Acessado no site
http://www.tribunaribeirao.com
. b r/
m e m o r i o l ? m a t
e r i a =
XoFeecKvzxQEnCd).
Fotografias de Chico Xavier feitas
por Jean Manzon e pubilicadas
pelo O Cruzeiro, em 1944.
as aldeias próximas, mas, espíritas, uns quatro ou cinco. Todos
apreciam Chico, gregos e troianos. Gostam, mas preferem não
rezar o seu catecismo. Ele não se importa. Não procura
convencer ninguém à força de seu estranho e discutido poder.
Esses dois jornalistas, figuras notórias pela busca da
verdade” e polemicistas de um dos mais importantes veículos de
comunicação do Brasil nos anos sessenta
9
1
, parecem ter captado algo
na figura do médium não previsto na sua pauta jornalística. Ao partir
de Pedro Leopoldo e no encerramento de seu artigo, Nasser ainda
escreve:
Até a volta, sereno Chico. De todas as pavorosas complicações,
você é o menos culpado. Parece uma caixa de fósforo num mar
bravio”.
Mas como os mistérios não explicados por nenhuma perícia e
nenhuma ciência insistem em mater sua incômoda presença, os dois
repórteres ainda foram supreendidos ao voltar para o Rio de Janeiro,
depois de terem supostamente enganado Chico Xavier e mantido
suas verdadeiras identidades protegidas. Afinal eles haviam apostado
que se os espíritos existissem, avisariam ao Chico da farsa” mas,
Ao final do encontro, Chico autografou alguns livros e os
presenteou. A matéria tomou 10 páginas da edição de 12 de
agosto de 1944. Chico ficou apavorado. Aquilo poderia
prejudicá-lo ainda mais. Trinta anos depois, David Nasser
definiria Chico Xavier como o maior remorso da sua vida.
Contou que enquanto escrevia a matéria Jean Manzon ligou
para ele:
- David, você trouxe aquele livro que o homem nos
ofereceu?
- Claro que sim.
- Pois bem, abra-o na primeira página e leia a dedicatória.
O jornalista correu para o livro e leu: Ao irmão David Nasser,
oferece Emmanuel”.
Eles fizeram um pacto de silêncio sobre o episódio e a matéria
foi publicada sem mencionar a dedicatória
92
.
(“David Nasser - um repórter maior que a notícia”.
Acessado no site h
ttp://www.tribunaribeirao.com.br/memoriol?
materia=XoFeecKvzxQEnCd)
*
A quar
t
a
r
epor
t
agem publicada no mês de fevereiro de 1964
93
,
e
s
tampava cinco fotografias coloridas que, novamente, mostravam o
“Dr. Alberto Velosoe a “Irmã Josefa” em várias poses, sendo uma
delas ao lado de Chico Xavier e da artista da TV-Itacolomi”, Vanda
93
91. Os Diários Associados eram
uma potência na década de 50.
Em 1956, período de expansão,
tinham trinta e um jornais,
cinco revistas, vinte e uma
emissoras de rádio, três esta-
ções de televisão, uma agência
telegráfica, duas agências de
representação e duas empresas
industriais. O Cruzeiro, para
empregar a imagem mais usada
pelos entrevistados, era uma
espécie de TV Globo da época.
(Maklouf, Luís. Cobras Criadas:
David Nasser e O Cruzeiro. São
Paulo: Senac, 1999:20).
93. A ciência esmaga a fraude
de Uberaba. O Cruzeiro, 15.02.1964,
ano xxxvi, n. 19
, pgs
. 8-13.
92. Numa entrevista dada ao
programa Globo Repórter, da
TV Globo, s/data, David Nasser
declarou sobre esse episódio “é
por c
oisas as
sim que eu t
enho
muito medo de me envolver em
assuntos de Espiritismo”.
A quarta reportagem da série
afirma que “Irmão Josefa esco-
lheu alguns dos presentes para
serem fotografados ao seu lado.
A quarta reportagem da série
afirma que “Irmão Josefa esco-
lheu alguns dos presentes para
serem fotografados ao seu lado.
Marlene. A legenda desta fotografia identifica o espíritoda freira
que, “quando materializada, escolheu alguns dos presentes para
serem fotografados junto dela. Na foto ao lado ela aprece entre dois
assistentes inebriados. O filme colorido tirou a máscara da médium e
demonstrou, inequivocamente, que o ‘espírito’ e a médium eram uma
pessoa: a médium”. O nome de Chico Xavier não é citado na
legenda mas, nem por isso, ele foi poupado de ter sua imagem
reproduzida ao lado do “espírito”.
Essa reportagem já reflete o início do “esfriamento” da pauta
jornalística, publicando desta vez um texto mais intelectualizado
sobre o tema. A mesma equipe de jornalistas opta por reproduzir
certas passagens do famoso livro de Charles
Richet, “Tratado de
Metapsíquica” para, mais uma vez, tentar provar que as experiências
realizadas em Uberaba contrariavam até mesmo os princípios
científicos da pesquisa psíquica. Cautelosamente o “editorial” da
reportagem afirma que “em todo esse episódio, jamais a nossa
posição foi a de negar a existência, seja de fenômenos espíritas, seja
de fenômenos metapsíquicos”, procurando não generalizar o seu
ataque ao Espiritismo e circunscrevendo mais o episódio às
“mistificaçõesfotografadas. Baseado no texto de Richet, o primeiro
item contestado será o do tamanho da assistência. No
Tratado
, o
cientista afirma que a assistência não deverá ser numerosa” (em
Uberaba havia cerca de 25 pessoas), da mesma forma que “todos os
móveis, sem exceção, devem ser escrupulosamente pesquisados,
verificados, examinados [...] se um prestidigitador mostra em cena
sua mesa, seu jogo de cartas, sua cadeira, sua vareta, poderá fazer
tudo o que desejar [...]” (no consultório do Dr. Waldo Vieira, todos os
requisitos da sessão eram do seu próprio espaço). Quanto à validade
do registro fotográfico, o próprio Richet afirmava que “as fotografias
[...] não têm valor em si. Tudo depende das condições da experiência.
Existem [aquelas] tão habilmente falsificadas que inutilmente me
mostrariam admiráveis fotos de fantasmas. [...] Se as condições
experimentais são más, as fotografias, mesmo esplêndidas, são
inoperantes [...] Mas se as condões são irrepreensíveis, as
fotografias, ainda que medíocres, têm valor decisivo”.
A revista ainda cita uma passagem em que Richet condena a
prática da fraude:
P
ouc
o tempo depois que as irs Fox inauguraram o
Espiritismo [leia-s
e e
spirit
ualismo
] [...] por t
oda a p
arte,
especialmente na América [... os] fotógrafos espíritas
realizaram bons negócios: ia-se a tal ou qual fotógrafo, que
pr
ep
ar
ava uma foto e se apresentava ao cliente uma imagem de
traços vagamente delineados, que o freguês crédulo acabava
sempre por reconhecer [como um ente querido falecido]”.
94
A quarta reportagem reproduz
duas páginas à cores afirmando
que “o filme colorido tirou a más-
cara da médium” e demonstrou
que ela e o “espíiritoeram uma
só pessoa: a médium.
“Só havia uma possibilidade de
acender a única lâmpada exis-
tente na sala: acionar o interrup-
tor que o Dr. Waldo segurava sem-
pre”. (15/02/64: pág: 11)
“O filme colorido tirou a máscara
da médium e demonstrou que
ela e o “espíirito eram uma
pessoa: a médium”.
Numa espécie de mensagem oculta” os redatores do texto
fazem, pelas palavras de Richet, uma condenação a esses
procedimentos, que o cientista julgava “prejudiciais ao progresso do
Espiritismo”. “De fato comenta o fisiologista francês os espíritas
leais reconhecem que esses piratas são os piores inimigos do
Espiritismo, e que o nosso interesse, de todos nós, que cremos na
ectoplasmia e na telequinesia, é por fora de causa esses miseráveis”.
*
Na
quinta e última reportagem do mês de fevereiro
94
, a
reportagem agora se volta para a figura da “médium de efeitos
físicos” que, segundo se dizia, era filha da Irmã Josefa a suposta
freira de origem alemã que, de uma relação carnal com um padre,
teria dado a luz à Otília Diogo. A revista identifica nessa história
arquitetada como parte essencial da mistificação [uma] tentativa de
neutralizar a ação da Igreja Católica, única
força organizada
no
interior do País capaz de dar-lhe combate(grifo meu). Partindo em
busca da genealogia da médium, a reportagem de O Cruzeiro se
desloca mais uma vez para o interior de Minas Gerais, em busca das
provas de “uma trama infame que envolvia uma santa”. Os repórteres
irão identificar a verdadeira mãe de Otília Diogo, ainda viva e suas
irmãs. Em defesa da freira que também teve sua biografia devastada,
a reportagem havia identificado na cidade de Campinas, no interior
de São Paulo, o túmulo da Irmã italiana que teria dedicado sua vida
aos doentes na Santa Casa de Campinas, onde cuidava dos
tuberculosos lá internados. [Ela] Foi sempre uma religiosa exemplar e
piedosa. Sua virginidade é indiscutível”.
Desta vez, a reportagem também dá a palavra a um
comerciante da cidade de Ouro Fino, espírita e amigo de Chico Xavier
que declara não entender como “o meu grande amigo Francisco
Cândido Xavier deixou-se fotografar nestes movimentos em
Uberaba”.
Pautados por um
jornalismo investigativo
, os repórteres vão
ao encalço da história de vida de Otília Diogo, cuja carreira como
“médium parece ter afrontado até mesmo a boa de seus
admiradores, tanto que o próprio Jorge Rizzini vai afirmar ao final do
seu livro que, depois do escândalo da materialização de Uberaba,
[Otília] viveu ainda vinte e quatro anos. A derrocada da médium
c
omeçou em 19
6
5, quando passou a fazer sessões de efeitos físicos
na residência de famílias ricas, recebendo em troca presentes. Os
Espíritos bons afastaram-se, então, e Otília passou a fraudar. Foi,
finalmente, desmascarada em setembro de 1970”. (Rizzini [1964],
1997: 237).
Não é comum encontrarmos no estudo da história dessas
imagens uma sucessão de coberturas jornalísticas e reportagens que
95
94. A dium’ Otília sem
máscara. O Cruzeiro, 22/02/1964,
ano xxxvi, n. 20, págs. 100-106.
A Irmã Josefa na época em que
vivia em Campinas.
“O f
ilme colorido tem muito maior
pene
tração do que o comum. E a
prova disto é que as fotos em
cores [...] apresentam nítida a fi-
sionomia de Otília. (15/02/64: 12)
tenham alcançado tamanha projeção como no caso da “Farsa da
Materialização de Uberaba”. Na maioria dos casos uma cobertura
jornalística consegue uma divulgação apenas local e, quando muito, é
veiculada pelos grandes veículos de imprensa. No caso brasileiro não
nada semelhante na história da Fotografia dos Espíritos. Talvez
apenas o caso mais recente da apariçãoda imagem da “santa da
janela” de uma casa em Ferraz de Vasconcelos, no interior paulista,
tenha recebido alguma atenção por parte da mídia; mas nada
comparável à cobertura empreendida por um poderoso veículo de
comunicação como foi O Cruzeiro na sua época. Se a primeira
reportagem publicada pela revista Fatos & Fotos conseguiu tirar o
tema da “materialização dos espíritos do circuito das publicações
espíritas e projetá-lo em escala nacional, a primeira reportagem de O
Cruzeiro i parecer uma reafirmação daquele sucesso e um
reconhecimento ainda maior da “importância das experiências”, dada
a circulação da revista no país. As reportagens que se sucederam
pareciam, porém, comprovar as suspeitas alimentadas especialmente
pela Igreja Católica de que a opinião pública estaria sendo exposta às
mentiras esritas”. A alise cnica das fotografias dos
“fenômenos de materialização”, feita por um perito criminalista,
levou para o espaço de um periódico popular a leitura sofisticada da
imagem cnica. Baseando seus argumentos do
Tratado de
Metapquica
de Charles Richet, a revista irá colocar os
experimentadores de Uberaba em contradão com a ppria
pesquisa mediúnica científica, sendo que o volume de material
publicado acerca deste episódio é algo único na história da Fotografia
dos Espíritos no Brasil e no mundo.
3.9 OPERAÇÕES ESPIRITUAIS
Ao lado das fotografias que documentam “espíritos”
materializados, manifestações de ectoplasma, levitações, atividades
de
poltergeist
, ou aportesde objetos em determinados ambientes,
existem também as fotografias que registram os chamados
tr
atamentosou operações espirituais”; “passesou intervenções
cirúrgicas realizados pelos médiuns em pessoas em busca de cura
para seus males. Nessas sessões, o médium recebe dezenas e até
me
smo c
en
t
enas de cr
en
t
e
s num ambiente normalmente simples,
uma casa ou um galpão, onde ele atua sob o “comando de uma
“entidade espiritual” que assume seu corpo e o utiliza como
aparelhopara sua manifestação tangível no mundo. Essa entidade,
normalmente é a de um ilustre médico ou cientista, notadamente um
exímio cirurgiãoque opera o corpo dos pacientes em questão de
s
egundo
s
, r
e
tir
ando todo tipo de “tecidos e tumores” do corpo, além
de penetrar cortes profundos com os dedos e costurá-los sem
96
Uma leitura técnica da imagem
técnica para as massas.
Lourival de Freitas, opera guiado
por um “espirito” chamado Nero.
anestesia e “sem dor”. Os registros fotográficos dessas sessões
conseguem produzir uma grande comoção no observador, ao ver
essas “performances” sobre o corpo do outro. As imagens históricas
do médium “Zé Arigó”, enfiando uma faca de ponta redonda nos
olhos de um homem que parece não sentir dor é algo recorrente em
nossa memória visual quando nos lembramos desse gênero de
fotografia no Brasil. JoPedro de Freitas, o “Arigó” (1921-1971), foi
o tema de um texto escrito por José Franco, repórter de O Cruzeiro
(também presente na cobertura da “Farsa da materialiação de
Uberaba), que iniciava com uma transcrição do Código Penal citado
na denúncia contra Arigó pela prática de curandeirismo:
“O curandeirismo é punido para se resguardar a incolumidade
pública. O indivíduo que, sem ser médico, faz a determinação de
uma doença ou enfermidade pelos sintomas; que, sem ser
médico, faz operações; que, dizendo-se um aparelhode um
espírito, em transe, receita ou opera, ou fornece garrafadas”,
“raízes de mato”; que usa “passes”, atitudes, posturas, palavras,
rezas, encomendações, benzeções, esconjuros, ou qualquer
outro meio para facilitar partos, curar a tosse rebelde,
mordeduras de cobra, câncer, debelar a febre, tuberculose,
hemorragia, espinhela caída, catarata, surdez etc. - êsse
cidadão representa um tremendo perigo para a saúde de um
indeterminado número de pessoas, cuja tutela incumbe,
inquestionàvelmente, ao Estado. Dito isto, o escrivão Osório,
da Comarca de Congonhas do Campo, prosseguiu a leitura da
sentença do Juiz Márcio Aristeu Monteiro de Barros,
informando ao réu, Arigó’, a pena de dezesseis meses de
prisão que lhe foi imposta pelo crime de curandeirismo, figura
delituosa que é prevista no art. 284 do Código Penal Brasileiro.
(O Cruzeiro - 12 de dezembro de 1964)
Arigó já er
a c
onhecido in
ternacionalmente quando foi
indultado pelo Presidente Juscelino Kubitschek, ao ter sido
condenado pela primeira vez pelo mesmo “delito”, no ano de 1956.
Em 19
64 aquela no
v
a c
ondenação o ha
via levado para a prisão, fato
que ficou registrado por uma famosa fotografia do médium brasileiro
atrás das grades, interpretada por muitos como a imagem de um
mártir do Espiritualismo. O “espíritocorporificado por Arigó era o do
“Dr. Fritz”, um suposto médico alemão, falecido durante a Primeira
Guerr
a Mundial, que dur
an
t
e sua “manifestaçãose dirige a todos,
f
alando c
om um f
orte sotaque. Curiosamente depois da morte de
Arigó, o “Dr
. Fritz” passou a se manifestar em outros médiuns, como
Edson Queiroz
95
(1950-1991), além de outros de menor expressão,
mas que tamm contam com um esperançoso grupo de
s
eguidor
e
s
”; o que provavelmente constituiria um caso único em que
um
e
spírit
ose manifesta em diferentes médiuns
96
.
O que vemos nessas fotografias, além das cenas fortes em
97
95. Nazareno Tourinho. Edson
Queiro
z, o novo Arigó dos Es-
píritos
. São Paulo: Ed. Correio
Fraterno, 1983.
96. Gilberto Schoereder. Ope-
r
ando Com o Espírit
o
http://www.espirito.org.br/port
a l / p u b l i c a c o e s / e s p -
ciencia/
005
/
operando-com-o-
espirito.html
Arigó preso.
Arigó operando.
que os dedos do médium penetram no interior dos olhos, da boca ou
das incisões nos corpos dos pacientes e também a manifestação de
um espírito incorporado”, portanto invisível na sua forma espectral,
mas materialmente manifestado no corpo do médium. Aqui não
ocorre o fenômeno de transfiguração (alteração dos atributos físicos)
do médium, mas os seus gestos, a sua fala e as suas capacidades são
alteradas pela incorporação” (muitos o têm qualquer
conhecimento de medicina). É nesse sentido que entendemos que
aqui também ocorre uma manifestação visível de uma “entidade
incorpórea”, vista por meio do aparelho” (corpo físico) do médium e
registrado pelo aparelho fotográfico.
As publicações brasileiras que deram notoriedade a essas
imagens não foram somente aquelas ligadas às editoras espíritas,
mas também as publicações da grande imprensa, que continuam
dando destaque a essas manifestações pelo Brasil. Um caso
particular de registro dessas incorporações foi encontrado no livro
97
sobre João-de-Deus” (João Teixeira de Faria), um médium curador
do interior de Goiás, famoso por ter realizado, entre centenas de
outras operações, a extração de um tumor malígno” da atriz e
cantora norte-americana Shirley MacLaine em 1991. Nas fotografias
coloridas que ilustram o livro sobre sua vida e seus feitos, vemos
quatro imagens onde o médium aparece cercado por um “campo
energético”, também chamado de campo bioplasmático formado
por manchas brancas que cobrem seu corpo, ocultando sua figura e
deixando visível apenas os coadjuvantes da cena. João-de-Deus
também foi protagonista de um evento raro nessas fenomenologias,
que foi o de uma auto-operação”, realizada depois de sofrer um
derrame e ser “ordenado pelas entidades” a fazer a auto-cirurgia,
visando a sua própria cura.
João incorporou as suas amadas entidades, sentado num
b
anquinho em frente da multidão. Escolheu um bisturi na
b
andeja de ins
t
grumen
to
s
, abriru a c
amisa e deu um golpe no
tórax, abaixo do coração. A incisão longa, que tinha apenas três
c
en
tímetros de comprimento (sic), sangrou pouquíssimo. Sem o
mínimo sinal de en
f
ado
, in
tr
oduziu dois dedo
s na ferida. [...]
Quando a entidade deixou seu corpo, Jõao e seus
colaboradores sentriram-se felizes ao verificar que se
enc
on
tr
avam a frente de um homem novo, sem o menor sinal
de defeito físico”. (Pellegrino-Estrich, 1997: 42).
C
omo é c
orr
en
t
e na história desses médiuns, João-de-Deus
teve uma infância pobre, até um dia ter ouvido, às margens de um
riacho, na estrada para Campo Grande, uma voz chama-lo pelo nome.
“Para sua grande supresa [...] viu uma linda senhora loura. João’,
repetiu ela docemente, ‘vem falar comigo[...] João juntou-se a ela e
c
on
v
er
s
ar
am por algumas hor
as. Nessa noite, de volta a Campo
Gr
ande
, deu-s
e conta de que a visão que tivera era de Santa Rita de
98
97. Robert Pellegrino-Estrich.
João de Deus: o curador e se-
us milagres
”. Rio de Janeiro:
Record: Nova Era, 1997.
João operando sem instrumen-
tos cirúrgicos. O campo energéti-
c
o que se pr
oduz ao seu redor du-
r
ant
e as cirurgias foi captado pelo
filme f
otográfico” (Pellegrino-
Estrich, 1997: 79).
O Dr. Fritz, por meio de Edson
Queiroz, durante uma operação
nos olhos de uma senhora.
(T
orinho
, 19
83: 185)
Registro de operação espiritual
de L
uiz da Rocha Lima, 1973
(Lima, 19
82: 623).
Cássia (Pellegrino-Estrich, 1997: 47-48). A partir daí suas
capacidades mediúnicas se desenvolveram a ponto de hoje ele
“incorporartrinta e três entidades “que durante a vida física foram
pessoas notáveis. [...] espíritos de médicos, cirurgiões, psicólogos e
teólogos falecidos” (pág: 56).
Já ao contrário dos médiuns que promovem intervenções
invasivas no corpo dos pacientes
9
8
, o trabalho do médium Antonio
Geraldo de Pádua, que “incorpora” o “médico desencarnado Dr.
Clayton
99
, atuante em Sorocaba (SP), se utliza de “instrumentos
ectoplásmicos” (invisíveis), mas que, “segundo as explicações do
dico espiritual, tanto estes como os aparelhos usados nos
tratamentos são mais avançados do que a aparelhagem empregada
pela medicina terrena”.
“Quem observa o médium tem a impressão de que, para ele,
esses intrumentos são perfeitamente palpáveis e visíveis, pois
suas mãos se movimentam da mesma forma que fariam se
estivessem segurando uma faca, um bisturi ou uma tesoura de
verdade. [...] As movimentações também obedecem às funções
dos instrumentos invisíveis”. (pág.: 34)
Uma das p
acien
t
e
s do Dr. Clayton, uma artista plástica
en
tr
e
vistada pela revista, declarou que em 1985 ela havia constatado
por uma biopsia a existência de um nódulo no seio que, segundo seu
médico, “não seria possível extrair por estar situado na glândula
mamária”. Ao procurar o “Templo Espírita da Benção”, um alpendre
montado no meio da mata de um sítio em Sorocaba, onde atua o
médic
o e
spirit
ual, ela foi operada e o nódulo, supostamente
inac
essível [à medicina tradicional] desapareceu” (pág.: 36).
S
chroeder considera que esses personagens corresponde-
riam, nos dias de hoje, aos xamãs e feiticeiros e que seus métodos de
trabalho ainda se constituem num mistério para muitos que procuram
e
xplic
ar c
omo aquelas incisõe
s são feitas com facas de cozinha,
t
esouras ou ainda com as próprias mãos, sem qualquer tipo de
99
98. O que levou a centenas de
ações judiciais movidas por as-
sociações médicas dos Estados
onde os “médiuns curadores”
estão baseados.
99.
O fenômeno Dr. Clayton.
Planeta, n. 190, julho de 1988:
34 – 39.
Ao lado, “Cicera Maria podia fazer
cirurgias profundas”. (“O mundo
paranormal”, 1987: 112)
“Tratamento de anemia profunda
através do braço do paciente”
(Planeta, 1988: 36)
“Dr. Frederick Von Stein”- foto-
grafia transcedental” da entidade
médica atuante no Rio de Janeiro
(Rocha Lima, 1983: 174).
assepsia. “Os corpos são abertos com um mínimo de sangramento,
tumores são extirpados e problemas que a medicina julgava
insolúveis acabam sanados em questão de minutos” (Op. cit.). Apesar
de ser um terreno muito propício ao surgimento de impostores, a
atuação dos médiuns curadores no Brasil continua sendo motivo de
investigação não só do Espiritismo e da Parapsicologia, como da
imprensa, que continua reportando a atuação de um grande número
desses médiuns no país
100
.
3.10 TRANSCOMUNICAÇÃO INSTRUMENTAL (TCI)
Se a figura do médium sempre ocupou um lugar de destaque
em toda a fenomenologia ligada às materializações espirituais,
ectoplasmias, transfiguração,
aports
, levitação, ação sobre a matéria
e curas espirituais, isso irá mudar ao final dos anos 50 quando
Friedrich
Jürgenson (1903-1987), artista sueco e produtor de filmes,
torna público seus primeiros relatos sobre a captação de vozes de
pessoas falecidas por meio de fitas magnéticas (nome dado às fitas
dos gravadores de rolo, depois substituídas pelo
tape deck
, conhecido
também como
fita cassete
)
101
. Nesse tipo de experimento, o operador
não necessita das dotações de um médium. Utilizando equipamentos
de gravação convencional, Jürgenson procurou simplesmente captar
o registro da atmosfera ambiente (ou a “psicosfera” de Mirabelli),
deixando seu microfone ligado ao gravador e aberto” ao registro do
fluxo eletromagnético. Convencido de que as “entidades incorpóreas
poderiam modular essas freqüências e deixar um sinal gravado nas
fitas, isso poderia mais uma vez, “comprovar” a continuidade da
existência após a morte. Isso também estaria inteiramente de acordo
com a afirmação de Allan Kardec de que o Espiritismo é um
movimento aberto às novas conquistas científicas.
Em 1967 Jürgenson publicou o seu “Comunicação radiofônica
com os mortos” (“
Sprechfunk mit Verstorbenen
”), onde ele descreve
o seu “método do microfone”, em que coloca uma fita virgem no
tape
deck
, deixando o microfone ligado para uma gravação de cinco a dez
minutos. Depois deve-se ouvir atentamente todo o trecho, em busca
de modulações, ruídos e sinais supostamente inteligentes. No
t
odo do rádio” posteriormente desenvolvido, busca-se
primeiramente uma faixa de “ruído branco”, um espaço não ocupado
entre duas estações no aparelho de rádio, sem vozes ou música de
fundo
. À fr
en
t
e do alt
o-f
alan
te do aparelho se coloca um gravador
com fita virgem ligado durante breves períodos de tempo. A
preferência para a recepção com ajuda do rádio deve-se ao fato de
que, com ele, colocamos à disposição do Além uma multiplicidade de
energia
102
, de ondas e de freqüências, com as quais podemos
c
ons
eguir r
e
sult
ado
s qualit
ativa e quantitativamente melhores”
(
S
chäf
f
er [19
89]: 39-41).
100
100. Algumas reportagens
publicadas nos últimos dez
anos refletem o quanto esse
tema continua em pauta na
imprensa: “Intervenção do
mundo dos mortos: O Lar Frei
Luiz, no Rio de Janeiro, curou
pessoas como Milton Nascimen-
to e Elba Ramalho”. Isto É,
3 0 / 0 4 / 2 0 0 8 . C i r u r g i a s
espirituais”, Correio Brasilien-
se, 14/02/2002. “Bisturi esper-
to: médicos examinam Dr. Fritz
e descobrem o engenheiro
Rubens, cada vez mais rico”,
Veja, 03/12/1997, pág. 90.
101. Hildegard Schäfer.
Ponte
entre o aqui e o além Teoria
e prátic
a da transcomuni-
cação”. São Paulo: Ed. Pensa-
mento, [1989] s/d: 21-23. Ver
t
ambém K
arl W
. Goldst
ein.
T r a n s c o m u n i c a ç ã o
Instrumental”. São Paulo: Ed.
Jornalís
tica FE, 1992: 7.
102. As profundidades sublimi-
nares do rádio estão carrega-
das daquele
s ecos ressoantes
das trombetas tribais e dos
t
ambore
s an
tigo
s. Is
to é ine-
rente à própria natureza deste
meio, com seu poder de trans-
f
ormar a psique e a sociedade
numa única câmara de eco”.
Mar
shall Mcluhan.
Os meio de
comunicação como extensões
do homem. São P
aulo: Cultrix
[19
64] 19
7
9: 3
34-345.
Aparelhagem de uma central de
escuta em Bad Krotzingen”, com
a qual o Dr. Raudive registrou
seus milhares de contatos de pro-
veniência desconhecida.
Como uma “mídia assombrada” (Sconce) os aparelhos eletro-
eletrônicos tornam-se, a partir da segunda metade do século XX, os
novos canais de contato entre os vivos e os mortos. Além do rádio,
muitas outras experiências psicofônicas” foram realizadas
utilizando-se também o telefone, o aparelho de TV, computadores,
secretárias eletrônicas, vídeo e, nos dias de hoje, os aparelhos
celulares. Em todos esses casos não existe a necessidade de um
“médium fornecedor de ectoplasma” para o contato espiritual. Essa
nova forma de contato entre o mundo de e o de lá, evolui
paralelamente ao desenvolvimento da própria tecnologia de
telecomunicações, tanto que em 1985, Klaus
Schreiber, um senhor
aposentado da cidade de Aachen, na Alemanha, declara ter
conseguido o registro em vídeo do contato com seus parentes
falecidos, com quem ele se comunicava pelo método da fita
magnética. Posicionando uma câmera de vídeo à frente de uma tela
de TV que sintoniza um “canal vazio”, Schreiber afirma ter
identificado “no meio das nuvens [...] sua filha Karin, morta aos
dezoito anos” (Schäffer [1989]: 206). O curioso para os não iniciados
nessa matéria é que os pesquisadores da transcomunicação afirmam
que as “entidades no além” também encontraram “do lado de lá”
meios tecnológicos para o desenvolvimento de uma ponte entre a
dimensão deles” e a nossa.
“Em épocas anteriores, muitos experimentadores, entre eles
também eu, tínhamos recebido avisos, via fita e
tape deck
, de
que os interlocutores do Além um dia iriam mostrar-se na TV,
mas estes avisos eram mal interpretados e até ignorados por
serem considerados inacreditáveis. Lembro-me muito bem da
minha reação de incredulidade, quando um deles me disse,
“estou trabalhando na televisão”, ou respondeu à minha
pergunta, “o que você está fazendo no Além?”, com “estou
lidando com a televisão”. [...] A simples idéia de que “no outro
lado alguém estaria trabalhando num contato por meio de
TV
/
vídeo
, e que um dia os ‘mortos’ pudessem mostrar-se na TV,
parecia tão monstruosa que foi simplesmente considerada uma
utopia” (Schäffer [1989]: 205-206).
O que não deixa de ser curioso nessas vídeo-comunicações
tr
ans
c
enden
tais é que a imagem que surge nas telas de TV são tão
estáticas
quan
t
o às f
otografias dos espíritos. A tela do monitor
praticamente é utlizada como superfície de exibição de uma
fotografia e, invariavelmente, os rostos e bustos que surgem nas
transcomunicações via TV ou computador são organizados tal como
nas fotografias, com a figura deslocada ligeiramente para um dos
lado
s do quadr
o
, dando espaço para uma “montagem” onde são
ins
erido
s elementos de uma paisagem que, segundo se acredita,
corresponde ao lugar espiritual em que aqueles “espíritos” viveriam.
101
“Imagem de Anne Guigne
transmitida via computador em 10
de novembro de 1983” (Rinaldi,
1996: 157)
Aparição por meio de aparelhos
técnicos, ocorrida em Toluca, no
México, s/d. (Rinaldi, 1999: 161)
Ap
arição ocorrida em
S
antos
, on
-
de “chega sempre um rostoe na-
da mais , s/d. (Rinaldi, 1999: 161)
No Brasil essas pesquisas teriam se iniciado com o Roberto
Landell de Moura (1861-1928), que segundo a fantástica história desse
padre inventor, teria realizado entre 1890 e 1894, várias transmissões
de telegrafia e telefonia sem fio, “do alto da Av. Paulista para o alto
de Santana, numa distância aproximada de 8 quilômetros em linha
reta”; enquanto a transmissão sem fio de Guillermo Marconi foi
conseguida primeiramente em 1895 e patenteada só em 1896
103
.
O padre Landell, treria sido ainda observado falando com uma
“pequena caixinha”, que mantinha no bolso da batina e sobre a qual
não existem registros ou anotações. Isso foi relatado pelo seu
coroinha, “que chegou a ouvir vozes da caixinha e a ver, inúmeras
vezes, o Padre falando com elas
104
. A caixinha deveria ter uns vinte
centímetros de largura por 10 de altura e ele quase sempre a
mantinha no bolso. Andando na rua, às vezes parava e começava a se
comunicar com a caixinha; por isso, diziam que ele era louco. Nas
missas, o padre Landell levava a caixinha para o altar e a colocava
próximo ao cálice. A um sinal vindo de dentro dela, o padre parava a
missa e começava a falar em italiano com aquele objeto estranho, que
respondia bem baixo. [...] Quando terminava o diálogo, padre Landell
perguntava: ‘Aonde é que paramos?’ E recomeçava a missa!”.
Em 1909, Augusto de Oliveira
Cambraia, português radicado
no Rio de Janeir
o
, in
v
en
tor do tecido que leva seu nome, solicitou
jun
t
o ao Arquivo Nacional do Rio de Janeiro o registro para a patente
do s
eu “Telégrapho Vocativo Cambraia”, um “inusitado sistema de
comunicação à distância” descrito como um aparelho que destina-se
à transmiso de correspondência universal, sendo feito com
e
spírit
o
s iluminado
s. Serve para obter da falange de espíritos a
c
orr
espondência para o engrandecimento moral e espiritual do
planeta Terra”. Não existem, porém, registros sobre a construção e
funcionamento do invento. Por volta de 1930, Cornélio
Pires (1884-
1958) orientado pelos espíritos” iniciou a construção de seu
dispositivo de comunicação espírita” e, na mesma época, Próspero
Lap
age
s
se
, chegou a public
ar na
Revista Internacional do Espiritismo
(19
33) um esquema de um aparelho eletrônico que, segundo ele, teria
a c
apacidade de contato com os espíritos e ainda, “teria a vantagem
de substituir o médium, pois ele nunca se cansaria [de fazê-lo]”
105
.
102
Ao lado, “Transfoto de Paracelsus,
alquimista que viveu na Terra no
séc. XV. Quando encarnado era
médic
o, hoje, na espiritualidade,
prossegue em atividades de cura,
passando orientação via apare-
lhagem eletrônica. Ao fundo a
cidade do Além onde ele mora”.
in Sonia Rinaldi. Transcomuni-
cação instrumental contatos
com o além por vias técnicas”.
São Paulo: FE Ed. Jorn. Ltda,
1996: 159.)
103. B. Hamilton Almeida. O
outro lado das telecomunica-
ções: a saga do Padre Landel
l”.
Porto Alegre: Sulina/ARI, 1983.
104. B. Hamilton Almeida. Pa-
dre Landell”, in Esses Gaúchos
(col.). Apud, Rinaldi, 1999.
105. Rinaldi, 1996: 11-12.
“São muitas as imagens de ani-
mais que nos chegam [...] Rece-
bemos muitos bichinhos como o
poodle acima ou o filhote de
cachorro... E, às vezes, animais
alienígienas também. Transima-
gens de Sônia Rinaldi, São P
aulo
(Rinaldi, 1999: 6
5).
Onde houvesse corrente elétrica, o aparelho mediúnico elétrico”,
proporcionaria as comunicações com nossos queridos falecidos,
desafiando qualquer exame”. Ao que se sabe a genial invenção,
avaliada em
quatro mil contos de réis
, nunca chegou a ser
construída
106
.
Mais recentemente os estudos e pesquisas dessa forma de
comunicação espiritual foram conduzidos no Brasil pelo trabalho de
Hernani Guimarães
Andrade (1913-2003) e Sonia Rinaldi. Andrade,
publicou diversos artigos sobre a TCI, entre os anos de 1976 e 1992,
na
Folha Esrita
, com o pseunimo de Karl W. Goldstein.
Representante do Espiritismo Científico, ele foi o grande promotor de
pesquisas de contato com os espíritos, tendo criado para este fim o
Instituto Brasileiro de Pesquisas Psicobiofísicas em São Paulo,
responsável pela publicação de vários estudos e trabalhos de campo,
como os de
poltergeist
(veja dados na biografia). Depois dele esse
trabalho no campo da transcomunicação vem sendo conduzido por
Sonia Rinaldi, que mantém um programa de publicações sempre
atualizado, sendo hoje em dia a mais conhecida representante dessa
linha de pesquisas no país. Em três dos seus livros encontramos um
conjunto muito representativo de transfotos obtidas pela
transcomunicação feita hoje no Brasil. Num livro de 1996, Rinaldi
descreve o histórico da transcomunicação, reproduzindo esquemas e
fotografias de diversas épocas, traçando diversos paralelos entre o
desenvolvimento das tecnologias de comunicação e a pesquisa
transinstrumental. Apresenta diversos exemplos de transfotos
recebidas com qualidade de cópias de fax ou de impressoras
matriciais e termina seu livro com rias descrições de casos
ocorridos em diferentes cidades brasileiras (Rinaldi, 1996).
Em 1999 um novo livro traça a história da transcomunicação,
enfocando novos estudos de caso, traz entrevistas e uma série de
imagens de “aparições” em aparelhos de TV, entre elas algumas
registradas na cidade de Amparo, no interior de São Paulo e na
cidade de Vila Velha, no Espírito Santo. Além das imagens, o livro traz
também análises espectrais de “vozes do Além”. No ano 2000,
Rinaldi lança outro livro, dessa vez com a reprodução de apenas cinco
transimagens obtidas numa TV. Note que elas não são
tridimensionais” diz a autora, procurando expor as razões que
levariam as transimagens em deo se parecerem tanto com
r
epr
oduçõe
s fotográficas. (Rinaldi, 2000: 169-171).
3.7 A FOTOGRAFIA DOS FENÔMENOS PARAPSICOLÓGICOS
A parapsicologia procura se definir como [...]o campo
cienfico que estuda as interações sensoriais e motoras que
103
106. Hernani Guimarães Andra-
de. A transcomunicação atra-
vés dos tempos
”. São Paulo:
Ed. Jornalística Fé, 1997: 218.
“Transimagem da Espanha” (Ri-
naldi, 1999: 182)
Detalhe de uma transimagem
recebida por um dos pioneiros da
TCI, George Meek, de sua esposa
falecida idosa, mas que aqui
aparece rejuvenescida. “Thomas
Edison deixou a Terra aos 84
anos, ortanto com bastante idade.
Em sua transfoto ele aparece
como um jovem de aproximada-
mente 30 anos” (Rinaldi, 1996:
106)
aparentemente não são mediadas por nenhum mecanismo ou agente
físico conhecido(Rush, 1987, p. 4.
Apud
, Machado, 2005). Longe de
existir um consenso entre os muitos estudiosos desse ramo da
ciência, o padre Quevedo é um jesuita
107
espanhol que adquiriu
notoriedade no Brasil, especialmente por meio de suas
apresentações televisivas, onde ele se propunha à desmascarar as
“farsas de Curandeirismo, Espiritismo e tudo aquilo que possa
levantar suspeitas de fraude e fé. Autor de dezenas de livros
sobre o assunto, Quevedo mantém ainda um site com casos
comentados, um dicionário de parapsicologia, vídeos e muitas
imagens para explicar o que ele denomina de “poluição religiosa”
(http://www.clap.org.br/). Interessante é constatar que como
pesquisador desses fenômenos à primeira vista inexplicáveis,
apresentam porém a possibilidade de serem resultado de faculdades
humanas”, Quevedo confirma a existência das mesmas
manifestações estudadas pelo Espiritismo, como as
ectoplasmias
,
definidas por Richet
108
e que “segundo o parecer de todos os
especialistas é energia transformada e não, propriamente, um
composto químico, [...] geralmente invisível. E quando se faz visível e
fotografável
, apresenta uma estrutura mais ou menos nebulosa,
transparente” (Quevedo, 1989: 58-59, grifo meu).
Para a parapsicologia representada por Quevedo esses
fenômenos seriam resultado de uma possível libertação de forças
humanas inconscientes, à margem da normalidade (daí seu sentido
paranormal
e não
supranormal
que poderia sugerir algo acima da
normalidade”, relacionados ao sobrenatural, que escaparia do foco
da parapsicologia). Consideradas como
faculdades
normais do
gênero humano, sua manifestação seria, porém, restrita às pessoas
especiais (chamadas por Quevedo de “dotadose não “médiuns”) e
às cir
c
uns
tâncias extraordinárias (1989: 20). Tais fenômenos seriam
espontâneos e irreproduzíveis voluntariamente. Disso, certamente,
provém a desconfiança quanto ao excesso de fenômenos, que
e
specialmen
t
e ao f
inal do séc. XIX s
e confundiam com todo tipo de
e
spe
táculo
multimídia
da époc
a
109
.
En
tr
e os chamados “fenômenos de efeitos físicos
110
, s
e
inscrevem as manifestações da chamada
fotogênese
, que englobam
o
s r
egis
tr
o
s irr
adian
tes da aura, dos globos de luz, a fotografia do
pensamento, a fotografia
fluidal
. No Brasil podemos encontrar
algumas fotografias de fenômenos luminescentes e irradiantes em
publicações que procuram conjugar à parapsicologia, formas
terapêuticas “alternativas” que associam diagnose a partir de
f
o
t
ogr
af
ias kirlian e o us
o de “
cones de proteção” sobre a cabeça
111
.
A
telecinesia
integra outro conjunto de acontecimentos
f
otografáveis, relacionados ao movimento de mesas e cadeiras,
104
107. Na década de 1960, o então
seminarista espanhol Oscar
González Quevedo, [...] foi en-
viado ao Brasil com a tarefa de
‘livrar’ o país da superstição
espírita. (Machado, 2005). Vale
também notar que duas obras
anteriormente publicadas no
Brasil, que enfocam e atacam
diretamente as “fenomeno-
logias” espíritas, foram também
escritas por dois padres jesuí-
tas (Heredia, [1930] 1949) e
(Palmés, [1931] 1957).
108. Charles Richet (1850-
1935), fisiologista francês, prê-
mio Nobel de medicina em 1913
e autor do Tratado de Meta-
psíquica(Paris: Librairie Félix
Alcan, 1923), obra na qual ele
descreve as suas experiências
com uma substância produzida
pelo corpo da médium Eusápia
Paladino, que ele chamou de
ectoplasma.
109. Como os truques feitos
pelo gr
ande mágico Houdini; as
“Lanternas Mágicas”; as “Fan-
tasmagorias” e os
Pepper's
Ghost
”, truque de p
alco que s
e
utilizava de uma supercie
transparente, colocada em ân-
gulo em relação à platéia, para
nela r
e
fletir as imagens de
“fantasmas” interpretadas por
atores - normalmente ocultos e
fora de cena. Dessa forma os
atores à frente da platéia po-
diam caminhar por en
tr
e e
sses
reflexos, que apareciam e desa-
p
ar
eciam, pr
oduzindo ef
eit
o
s
inesperados.
F
ot
o Kirlian dos dedos.
levitação desses objetos e instrumentos musicais que são tocados
sem a ão direta de um agente humano. Queda de pedras,
combustões espontâneas, poltronas e colchões rasgados, integram
um universo de acontecimentos normalmente identificados como
sendo os de
poltergeist
(do alemão,
espírito barulhento
”). Em São
Paulo, Hernani Guimarães Andrade publicou em 1982 uma pesquisa
sobre um caso de Poltergeist em Suzano, interior de São Paulo. Em
sua segunda monografia, de 1984, ele descreve um caso de
poltergeist pesquisado na cidade de Guarulhos (Andrade, 1984).
Representante do Espiritismo científico, Hernani Andrade fundou o
Instituto Brasileiro de Pesquisas Psicobiofísicas, de onde irá editar
várias de seus estudos no formato de apostilas que descrevem, com
uma irônica e semelhante metodologia, os mesmos fenômenos
questionados por Quevedo. Embora os
agentes atuantes
, na
concepção de Hernani Andrade não sejam os mesmos de Quevedo,
eles concordam de que sempre nessas
fenomenologias
“um
epicentro
humano capaz de fornecer a energia ou substância
necessária aos agentes [perturbadores]” (Andrade, 1984 73).
Do ponto de vista da parapsicologia o ectoplasma seria uma
condensação de uma “energia psicofísica exteriorizada”.
A exteriorização desta substância, a sua formação externa,
mais ou menos modelada ou modelável, recebe o nome de
ectoplasmia’ ou [...] ectoplasma, que deriva do grego
ectós
=
fora
e
plasma
=
coisa formada
ou
modelada
. O termo foi criado
por Charles Richet: ‘Inicialmente uma massa confusa, mais ou
menos informe [...] São estas formações difusas que eu chamo
ectoplasma, porque parecem sair do corpo [...] Às vezes, vêem-
se este ecoplasma organizando-se pouco a pouco [...]” (Richet,
apud Quevedo, 1989: 56-57)
Dois críticos jesuítas da fotografia dos espíritos:
os padres Heredia e Palmés
“Quando no ano de 1923, o famoso novelista inglês criador de
Sherlock Holmes, Sir Artur Conan Doyle, convertido em
apóstolo, veio aos Estados Unidos para pregar o Espiritismo
112
,
os dois argumentos mais poderosos de que usou em favor da
intercomunicação dos vivos como os mortos foram a Fotografia
Espírit
a e as materializações e desmaterializações do
ectoplasma, absolutamente (?) demonstradas, estas últimas,
com os experimentos científicos de Geley e de Richet.
C
onsistiam estes na produção de mãos feitas de parafina, pela
in
t
ervenção do médium Kluski no Instituto Metapsíquico de
Riche
t
, em P
aris
, em 19
21
113
. O ar
gumen
t
o de que us
a
v
a Doyle era
o mesmo formulado por Richet no seu livro “Tratado de
Metapsiquica”, g. 627, com a única diferença de que,
enquan
t
o Riche
t dizia somente que os experimentos levados a
105
110. Suscintamente, segundo
Quevedo, na parapsicologia se
distinguem quatro escolas prin-
cipais, a Escola Materialista,
voltada para o estudo dos fenô-
menos físicos, como os da visão
sensitiva de cegos e pessoas
privadas da visão; da ação so-
bre objetos distantes; emissão
ou irradiação de luzes a partir
do corpo humano; ectoplasmia
e fantasmogênese, entre ou-
tros. A
Escola Espiritualista, é
dedicada aos estudos da
“percepção extra-sensorial”,
envolvendo comunicações tele-
páticas e precognição. A Escola
Eclética estuda os fenômenos
de cura - que nos anos 60
tornaram-se conhecidos pelo
médium brasileiro “Zé Arigó” -
além de feitiços e curandei-
rismo. A Escola Trica se
dedica à compilação, revisão,
análise e classificação das ex-
periências e observações. (Que-
vedo, 1989). Vale ressaltar, no
entanto, que as opiniões sobre
o padre Quevedo estão longe
de constituir uma unanimidade.
rios estudiosos ligados à
comunidade PSI, como Alfonso
Martinez-Taboas, têm se mani-
festado com regularidade, a-
pontando as muitas distorções
conceituais do famoso parapsi-
cólogo
(http://www.pesquisapsi.com/).
111. Miguel Luca.
Equibrio
to
tal através da parapsicolo-
gia (1981). O livro relaciona
conceitos de equilíbrio enerti-
co e medições de aura. Newton
Milhomens, escreveu sobre os
campos energéticos em torno
dos corpos, identificados pela
f
o
togr
af
ia kirlian. (1988). Mário
Machado, em seu livro sobre o
médium Thomas Green Morton
t
ambém descreve uma série de
luz
e
s brilhantes que perseguem
o médium no espaço (1984).
112. Leia-se
Spiritualism
.
113
. A me
sma data do
s
e
xperi-
mentos” do maestro Ettore
B
osio, em Belém do Pará.
efeito com Kluski eram uma prova
inconcussa
da existência dos
femeos de materialização e desmaterialização do
ectoplasma do médium, Sir Artur ia muito mais além, tomando
essses fenômenos como prova segura da existência dos
Espíritos, cois a que não chegara Richet”. (Carlos Maria de
Heredia. As fraudes espíritas e os fenômenos metapsíquicos.
Rio de Janeiro e São Paulo: Vozes, [1930] 1949: 190)
Carlos Heredia foi um padre intelectual, estudioso do
Moderno Espiritualismo e do Espiritismo, além de um apaixonado
opositor da expansão das novas religiões pelo ocidente, que havia
tornado o Brasil “no maior país espírita do Planeta” no início do
último século. Seu livro As fraudes espíritas” é um estudo dos
fenômenos ligados à crença num mundo sobrenatural, povoado de
espectros, bruxos, malefícios e farsantes. Leitor de toda a bibliografia
espírita e metapsíquica surgida nas últimas décadas do séc. XIX e nas
primeiras do séc. XX, o jesuíta Heredia não deixa pedra sobre pedra
de toda a fenomenologia surgida desde os eventos ocorridos na casa
da família Fox, em Hydesville. Debatedor de teorias científicas e
crítico “bem preparado”, Heredia transcreve todos os argumentos
dos escritores e cientistas espíritas em defesa do ectoplasma, da
materialização e do contato além-túmulo. Em seguida ele derruba
cada uma dessas “hipóteses” com base no seu conhecimento de
truques de mágica, prestidigitação e retórica. Seu livro foi escrito
num estilo “familiar e alegre, que a alguns talvez pareça impróprio
para um livro sério”, deixando claro que naquela obra ele “não trata
do Espiritismo do ponto de vista religioso, mas unicamente sob o
ponto de vista científico e do senso comum”. Embora a edição
brasileira o traga nenhuma reprodução fotográfica, de seus
argumentos (presentes no original), pudemos localizar algumas
imagens
114
desse infatigável antecessor do padre Quevedo, em plena
demons
tr
ação de suas habilidades mágicas.
Os livros de Carlos M. de Heredia e seu colega de Ordem
religiosa, Fernando M.
Palmés são, historicamente, as críticas mais
conhecidas a essas fotografias, publicadas no Brasil contra o
mo
vimen
t
o de as
c
ensão do Espiritismo no p
aís
. Escritos
originalmen
t
e em e
spanhol e publicados no Brasil pela editora Vozes
115
os dois livros abordam de forma direta o tema das fotografias dos
espíritos, procurando revelar as trucagens na produção daquelas
imagens. Heredia acusa Sir Artur Conan Doyle (1859-1930) de
enfrentar a decadência mental”, depois de publicar um livro sobre
F
adas e Duende
s f
o
t
ografados, em 1922 (“
The Coming of the Fairies
”)
e um outr
o s
obre a Fotografia Espírita, em 1923 (“
The Case for Spirit
Photography
”)
116
. Como estudioso da metapsíquica (parapsicologia),
Heredia não nega a possibilidade da fotografia do invisível e até
mesmo defende os argumentos de experiências realizadas com a
106
114. http://www.clap.org.br/
115
. Ambas com tradução de
Luis L
eal Ferreira.
116. Curiosamente essas duas
obras não figuram no “Esboço
biográfico” de Doyle, elaborado
por Júlio Abreu Filho, presente
na edição brasileir
a da His
tó-
ria do Espiritismo de Connan
Doyle (1978)
O padre Heredia demonstrando
as possibilidades de retirada de
filó de um pente de cabelo ou do
molde oco de um dedo (Palmés:
1957: 146).
fotografia da aura, que o corpo humano assim como produz um
cheiro especial perfeitamente discernível por alguns animais, como o
cão, também produz uma luz especial, a Aura”, que circunda todo o
corpo, e que não é visível diretamente. Pode, contudo, tornar-se
visível”, afirma ele ao corroborar as experiências do inglês Walter J.
Kilner neste campo (Heredia, 1949: 210).
o livro de Palmés foi lançado no Brasil em 1957, ano da
comemoração do centenário da publicação de
O Livro dos Espíritos
,
de Allan Kardec, que marca a fudação da doutrina Espírita. O
lançamento do livro era uma resposta à conclamação “de
esclarecimento dos católicos sobre o Espiritismo”, proferida em
agosto de 1953, durante a Conferência Nacional de Bispos do Brasil,
que afirmava que de todos os diversos desvios doutrinários que
atualmente ameaçam a cristã no Brasil, o mais perigoso, no
momento, é o Espiritismo”
117
.
Jesuíta como Heredia, Palmés é um estudioso “positivo-
filosófico do Espiritismo”, embora se dedique a expor “os perigos
físicos e morais a que se expõem os que se dão às práticas do
Espiritismo e da Metapsíquica, como acerca das proibições da
superstição espírita feitas pela Igreja Católica” (Palmés, [1931] 1957:
9). Palmés é também dono de uma metodologia de estudo e
investigação dos fenômenos que pretende desmascarar
118
e o seu
trabalho se inicia com uma categorização das fotografias espíritas
proposta por Morselli
119
.
Sua abordagem se fará a partir de dois pontos de vista: a) do
objeto representado, ou pretensamente representado nas fotografias;
b) do processo técnico por meio do qual se obtém as fotografias. A
primeira categoria pode ser sub-divida em oito distinções:
1.1) Fotografias dos efeitos materiais do mediunismo: que
registram as alterações físicas ocorridas na
sala das experiências
após a sessão.
1.2) Fotografias de fenômenos mecânicos em atuação:
fotografias que representam [e não registram] levitações de mesas
ou de outros objetos, no instante em que ocorrem. São imagens que
representam aquilo que se poderia observar de forma direta [sem o
auxílio do aparelho] e, portanto, se equivalem à observação direta.
1.3) Fotografias de eflúvios ou emanações mais ou menos
visív
eis: emanaçõe
s supo
stamente provenientes do médium ou dos
circunstantes, ora dos arredores do médium ou do gabinete escuro.
São imagens com o objetivo de retirar qualquer dúvida quanto a
possíveis ilusões.
1.4) Fotografias de radiações de natureza desconhecida:
imper
c
eptíveis aos nossos sentidos normais, projetadas pelo médium
em “transe” ou por objetos sob sua influência ou ainda pelas próprias
pessoas que se acham presentes, formando a cadeia.
107
117. F.M. Palmés. Metapsíquica
e Espiritismo”. Petrópolis: Ed.
Vozes, [1931] 1957: 6.
118. Da primeira parte do livro,
Secção 1., capítulo VII ao capí-
tulo XVI da Seção 2., os temas
enfocados por Palmés inves-
tigam as fotografias de ecto-
plasmia e materialização, reuni-
das entre as páginas 66 e 157.
119. Enrico Morselli, Especialista
em doenças nervosas e men-
tais, professor da Universidade
de Gênova, escreveu a obra
intitulada
Psicologia e Espiri-
tismo”, na qual r
elat
a o
s f
atos
por ele observados com a
“no
tável médium” Eusápia Pa-
ladino. An
tes de se converter
ao Espiritismo, Enrico Morselli
f
or
a tic
o e materialis
t
a
obstinado. Publicou, ainda,
Hi-
pótese Espírita e Teoria Cien-
tíf
ica
”. (F
on
te: ABC do Espiri-
tismo de Victor Ribas Carneiro).
Heredia demonstrando um dos
muitos truques de simulação de
“materializações” (Palmés, 1957:
144)
1.5) Fotografias de materializações parciais ou integrais: essas
materializações, seriam obra dos médiuns capazes de organizar o
teleplasma” [substância a partir do qual o “espírito desencarnado
encontra suporte para sua manifestação material].
1.6) Fotografias de fantasmas invisíveis: manifestações que se
apresentam mais ou menos próximos do médium e
no campo de sua
ação mediúnica
; os quais, mesmo ficando invisíveis para o olho
humano, teriam o poder de impressionar as chapas, nas quais
apareceriam mais ou menos claramente
, depois de serem reveladas.
Palmés afirma que “esta é a categoria das chamadas fotografias
espíritas” que, na sua opinião, teriam um valor extraordinário se
fosse possível confirmar a realidade delas tal como a admitem os
espíritas” (pág. 67). Segundo ele, para os espíritas as fotografias
seriam “uma prova do Espiritismo evocatório”, onde os espectros,
invisíveis ao olho humano, apareceriam após o banho de revelação do
negativo, evocados do “rito fotográfico”.
1.7) Fotografias de aparições espontâneas: Imagens captadas
na ausência da figura do médium. “Morselli diz que, na atualidade,
esta classe de fotografias não passa de um
desideratum
, e que são
raras e de natureza [...]”.
1.8) Fotografias de aparições provocadas voluntariamente por
telepatia entre vivos: Palmés descreve uma conexão entre duas
pessoas, onde a primeira bate uma foto na qual aparece uma segunda
pessoa, que fisicamente se encontra “distante, fora do alcance da
objetiva”. A sua imagem seria transmitida “à chapa fotográfica não
pela luz, mas por algum processo telepático de natureza ainda
desconhecida”. Em sua análise, Palmés identifica em muitas dessas
categorias a tentativa de descrever a existência de algum fluído
distinto dos atualmente admitidos, chame-se ele
fluído vital
,
fluido
magnético
,
fluido ódico
,
fluido astral
[...] agentes de ordem física
ainda desconhecidos e que chegariam a impressionar a chapa
fotográfica”. Segundo ele, se as fotografias metapsíquicas forem
autênticas, ao contrário de se constituirem num argumento a favor
do Espiritismo, elas se constituiriam numa prova em contrário,
demonstrando que a imagem do suposto esrito fotografado
poderiam ter sido transmitida telepaticamente, não por um espírito
desencarnado, mas por algum indivíduo vivo e ausente(pág. 68). A
mesma hipótese pudemos notar nos argumentos enunciados
anteriormente pelo padre Quevedo.
As excluir as categorias fotográficas que não se
enquadrariam no seu interesse de estudo, Palmés enfoca então os
registros de fenômenos mecânicos em atuação, as de
materializações que se mostram também à simples vista”, como as de
f
an
tasmas invisíveis à observação direta, mas que se manifestam nas
fotografias.
Do ponto de vista da segunda categorização proposta por
108
Fenômenos de combustão espon-
tânea ocorrido em Osasco e anal-
isado pelo grupo de Hernani G.
Andrade, s/d.
“O material atingido pleo fogo foi
analisado pelos pesquisadores do
IBPP” (Instituto Brasileiro de Pes-
quisas Psicobiofísicas), SP.
“O p
ap
agaio da família de dona
Maria t
e
ve as penas do rabo
queimadas
(
O mundo paranor-
mal, 19
8
7: 206-209).
Morselli, ao enfocar as fotografias pelo seu aspecto técnico, ele vai
considerar as fotografias de objetos
visíveis
“capazes de
impressionar não só a chapa fotográfica, como também a nossa
retina”, e as fotografias de objetos
invisíveis
, “que apesar de
incapazes de impressionar a nossa retina, deixariam seus vestígios
nas chapas fotográficas”.
As primeiras referem-se às fotografias de movimentos de
mesas, levitações e fenômenos de materialização. As segundas
representam espectros, fantasmas ou figuras quaisquer, obtidas
espontaneamente ou por intervenção de algum médium. Palmés
considera as primeiras, fotografias metapsíquicas, enquanto que as
segundas, fotografias espíritas, tamm chamadas de
“transcendentais”. Nas primeiras, os objetos fotografados estavam
presentes no momento da exposição, não constituindo uma ausência
do objeto no momento da fotografia. Nas segundas, as imagens
aparecem na revelação da fotografia, o que ele supõem ser resultado
de uma fraude realizada por meio de um filme previamente
impressionado (pág. 70)
Ao comentar sobre as fotografais espíritas, Palmés cita o
famoso caso do retrato da viúva de Allan Kardec, feita pelo fotógrafo
belga Buguet, na qual se vê a figura da Sra. Kardec e um suposto fan-
tasma que segura uma coroa sobre sua cabeça. A descrição dessa
imagem é essencialmente a mesma que podemos encontrar num dos
3 retratos produzidos por Militão Azevedo ao final do séc. XIX em São
Paulo. Podemos supor que, de um lado, Militão estaria parodiando
essa referência fotográfica (de 1874) ou então lançando mão de uma
forma simbólica típica de sua época e sua cultura, ao produzir as
primeiras fotografias com fantasmas no Brasil, por volta de 1879-
1885
12
0
.
Como um “cientista crítico da igreja, Palmés afirmava que
as fotografias espíritas nada têm que ver com a Ciência. Tal como
Heredia havia afirmado, a fotografia é uma das fontes mais
abundantes de demonstrações, e ao mesmo tempo um dos melhores
exemplos do êxito obtido pelos maiores embusteiros”. Como seu
colega Palmés apresenta um receituário de preparação de chapas
fotográficas (“encubadeiras de espíritos”), truques de dupla
exposição, manipulações no quarto escuro, para então centrar o seu
ataque sobre o problema da existência da ectoplasmia”. O debate
travado neste livro e ao longo de toda a história das fotografias dos
e
spírit
o
s, visa o reconhecimento científico do suposto acontecimento
supranatural
, ou como diz Palmés,
preternatural
.
Am dessas duas publicações não foram encontradas
quaisquer outras críticas sistemáticas e metodológicas à fotografia
dos espíritos no Brasil, à excessão da grande série de reportagens da
r
e
vista O Cruzeiro, em 1964.
109
120. ver nota 50.
O acervo fotográfico dos fenômenos provocados por
Thomas Green Morton
Dentre as várias categorias fotográficas enfocadas neste
trabalho, vale destacar a singularidade do conjunto fotográfico
relativo ao médium brasileiro Thomas Green Morton. Conhecido dos
meios de comunicação como o “guru das estrelas”, Thomas tem
vários livros publicados a seu respeito, escritos em sua maioria por
fans e admiradores incondicionais de suas “fenomenologias”.
Acusado de ser tão somente um mágico, a ele ainda se atribui
macular a seriedade da pesquisa metapsíquica
121
.
As biografias de Thomas Green Morton e as narrativas dos
seus feitos fantásticos, são diversificadas entre si, variando de uma
tentativa de compreende-lo no campo da parapsicologia (Machado,
1984), como um “milagreiro” capaz de ressucitar insetos e pequenos
animais (Lucas, 1989), ou ainda como um emissário extra-terreno
capaz de caminhar sobre as águas (Rodriguez, 1995). Como vimos
em outros casos, médiuns como TGM são “iniciados” em sua
atividade mediúnica depois de vivenciar algum tipo de manifestação
supranatural, que vai de encontro ao médium ainda jovem e o
encaminha para um destino incontornável. No caso de TGM, seus
poderes são decorrentes de um raio misterioso que atingiu a vara de
pesca que ele segurava às margens de um lago (o “Lago da
Faisqueira”), quando ainda era menino. Como em outras histórias de
muitos desses médiuns, surgiu para o jovem Thomas uma voz que
ressoava pelo espaço, trazendo uma mensagem de poderes
mentaispara ele. Como nas aparições Marianas” essas vozes são
normalmente captadas por jovens e crianças que ouvem uma
mensagem que se inicia pela chamada de seu nome.
O médium, que ficou conhecido como o
Uri Gueller brasileiro
,
por sua habilidade de entortar talheres e transmutar tampinhas de
aminio em metal sólido, também parodiou quase todas as
modalidade
s mediúnic
as do
s chamado
s
efeitos físicos
, r
e
aliz
ando
cirurgias espirituais
, evocando
epifanias
, provocando chuva de
perfumes, sangramento em imagens religiosas, aparecimento de
luzes espectrais
122
em torno de si e
aports
.
Ele ainda pode duplicar objetos, transformar “uísque em água
de r
o
s
as
”, reconstituir objetos queimados, realizar cirurgias, e
hipno
tiz
ar animais à fr
ente de uma audiência sempre atônita com
suas “f
enomenologias”. Personagem polêmico, motivo de muitas
reportagens, em revistas e programas de televisão, os livros sobre o
“médiumsão ilustrados por dezenas de fotografias feitas por amigos
e admir
ador
e
s
, sendo um dos casos mais bem documentados da
paranormalidade
br
asileir
a.
Em 19
79 Thomaz escrevia a fogo em notas de um cruzeiro,
rasgava cédulas para depois reconstituí-las mágicamente, da mesma
110
121. Há uma declarada oposição
de alguns grupos de pesquisa
psíquica no Brasil em relação a
personagens como Thomas G.
Morton, que divulgam seus
feitos supostamente paranor-
mais como produto da mesma
“ciência”. Essa tensão fica ex-
plícita na resposta dada por um
professor da PUC de São Paulo
a um comunicado recente sobre
a internação clínica de Thomas
Green Morton. Ele afirma, na
correspondência com os mem-
br
os de sua comunidade de
pesquisa Psi, que “já discutimos
aqui todo tipo de mau uso do
t
ermo "par
apsicologia" e eu,
que nem s
ou f
a
vorável a esse
termo, sempre corro em sua
defesa. Temos que nos unir
contra esse tipo de uso. Caso
contrário, ele se torna oficial”.
Um outro pe
s
quis
ador do
mesmo grupo havia dito ser
“[...] lamentáv
el designar um
pseudo-paranormal de parapsi-
logo”, deixando claro as
dif
er
enças no int
erior de
ssa
complexa comunidade ligada à
paranoramlidade.
122. veja a descrão do
“mét
odo” f
o
t
ográfic
o empr
ega
-
do na captura dessas luzes em
Machado (1984: 28).
Uma simples folha de papel alumí-
nio se transmuta numa sólida pul-
seira.
forma que as utilizava como pequenos sudários ensanguentados para
uma estranha técnica desenvolvida por ele, de colher “amostras” de
sangue dos assistentes que seguravam aquelas notas em suas mãos.
Ao transmutar uma nota de um cruzeiro numa outra de um dolar,
Thomas parece ainda sugerir uma estranha
confusão
de
valores
que
poderia ser vista como crítica”, pelo contexto de época em que
foram realizadas. Naquele tempo TGM demonstrava uma especial
habilidade em criar objetos híbridos, sem muito lugar no mundo. Uma
das cédulas de papel moeda que surgiram em uma de suas sessões,
vinha estampada com um estranho texto “
The japanese goverment –
Ten Pesos
o que para nós é, sem dúvida alguma, uma de suas mais
interessantes criações. De natureza inteiramente híbrida, essa cédula
parece insinuar uma exótica globalização de culturas e economias,
numa época em que ainda vivíamos sob a ditadura militar no Brasil
123
e sob o clima de Guerra Fria entre os dois grandes blocos mundiais.
O
médium
também apresenta no seu
curriculum
de poderes, a
capacidade de produzir imagens
achiropita
, tal como descrito na
seqüência em que “Thomas pediu [a um] general para cortar um
pedaço de guardanapo, que se encontrava na mesa, do tamanho de
uma cédula de cinco cruzieros e o colocasse em sua mão fechada.
Depois de virar a sua mão sobre a dele, surge, no guardanapo preso
à mão do general, a imagem de uma cédula de cinco cruzeiros,
impressa sobre um dos lados do guardanapo - o outro permaneceu
branco. Esses efeitos são chamados de “psicocinesia sobre papéis”,
tal como em Machado (1984: 80). Numa outra demonstração de
psicocinesia, numa fotografia sem data, Thomas aparece
conduzindo” um carro numa estrada de terra, enquanto ele caminha
do lado de fora do veículo, com suas mãos empostadas sobre ele,
dando a impressão de mantê-lo sob seu comando magenético
12
4
.
Essa, como outras imagens demonstram, no seu conjunto, um
incrível amadorismona sua produção e um sincero simplismo de
seus protagonistas. Tudo é improvisado com o que se têm à mão e
não se vê nenhum ar solene nos registros de “fatos surpreendentes”.
Numa das fotografias vemos que, enquanto o médium triunfante-
mente faz um pássaro congelado sair de sua rigidez e voltar saltitante
à vida, um assistente dorme ao fundo, encostado numa parede. Sobre
a mesa de ladrilhos onde esse “milagre teria ocorrido, vemos
cigarros, colheres torcidas, anéis de ouro e palitos de fósforo (Lucas,
19
8
9). Es
sa apresentação prozaica do seu entorno e a falta de
cerimônia em suas apresentações se reflete nas muitas fotografias
onde Thomas aparece sentado à mesa, sem camisa, cercado por seu
admiradores e garrafas de cerveja. Numa das legendas que
acompanham essas fotos somos ainda informados que “Thomas
go
s
ta de trabalhar muito à vontade; bebe, consome grande
quantidade de sal, limão e queijo provolone” (Machado, 1984: 26), o
que reflete a sua disposição em não fazer da apresentação desses
112
123. o podemos deixar de
relacionar essas operações
f
eitas por TGM no contexto
s
ocio-cultural da época, no qual
o artista plástico Cildo Meireles
carimbava notas de papel
moeda em circulação com a
famosa pergunta sobre “Quem
matou [Wladmir] Herzog?”.
Thomas Morton irá, da mesma
forma, profanar o papel moeda
seguidas vezes, cortando e
queimando cédulas para, em
seguida, reconstitui-la por
imposição de suas mãos e seu
grito de Rá! (Machado, 1984:
86, 87, 101 - 103
124. Num depoimento a cantora
Elba Ramalho descreve um
fenômeno semelhante: Uma
vez peguei uma carona com o
Thomas. Estava no carro com
uma amiga, o filho dele e uma
sobrinha. Estava com medo
pois er
a uma serra, caía uma
tempestade e ele havia bebido
(sic). Raios caíam em cima do
carro. De repente, ele colocou
as mãos na nuca e o carro
começou a andar s
o
zinho. Tho-
maz ria enquanto as marchas
er
am mudadas s
em ele mex
er
no mbio. O carro andou
sozinho meia hora em uma
es
tr
ada cheia de curvas.(Isto é
Gente, edição 151, 24/06/2002)
Acima, uma das notas ensan-
entadas do seu “exame de
sangue”.
fenômenos um espetáculo, mas algo semelhante a uma sessão entre
amigos.
Distante de qualquer discurso que o filie ao Espiritismo ou à
Parapsicologia, Thomas Green Morton é o personagem central de
dezenas de suas próprias histórias, narradas por seus biógrafos e
admiradores num tom que nos leva a crer estarmos vivendo na
mesma época de um grande mago sediado em Pouso Alegre. Os
registros fotográficos de suas proezas não representam nenhuma
presença incorpórea ou espiritual, captada pela fotografia, mas a
documentação de uma “força paranormal”, capaz da produção de
efeitos físicos e que atua de forma inteligente sobre a matéria.
3.12 AS APRIÇÕES NOS DIAS DE HOJE: FOTOGRAFIAS
MILAGROSAS
Numa quarta-feira, 11 de setembro de 2002, um jornal da
cidade de São Paulo parecia encerrar com um pequeno artigo uma
série de reportagens sobre uma aparição, supostamente inexplicável,
na janela de uma residência na cidade de Ferraz de Vasconcelos
125
.
Interpretada por muitos como sendo um “milagre a “Santa da
Janela”, como ficou conhecida, havia passado recentemente por uma
avaliação técnico-científica, solicitada pela Cúria Diocesana de Mogi
das Cruzes. Os técnicos examinaram a estranha mancha surgida no
vidro e, sem retirá-lo do local, constataram que a imagem misteriosa-
mente delineada se tratava de “um processo de corrosão do vidro
devido à exposição inadequada a fatores ambientais”. O artigo
informava ainda que os laudos elaborados por professores de uma
universidade federal apontavam que “o defeito visual ou mancha
existente no vidro não pode ser visto de todos os ângulos da casa [e]
nem à dis
tância. A mancha f
oi provocada pela chuva, umidade e
variação de temperatura, [resultando] no ataque químico ao vidro”.
Apesar dessa conclusão de muita credibilidade, desde que foi
anunciada public
amen
t
e
, a existência dessa imagem deu origem a
uma onda de r
omarias em direção à cidade, onde os peregrinos
p
assaram a se concentrar em frente à casa em que surgiu a
aparição”, para orações em grupo
126
.
Semelhante à aparição de Ferraz de Vasconcelos, existem
dezenas de outras imagens da Virgem Maria se materializando no
mundo, impregnando-se nas superfícies mais inusitadas.
Fotografadas por peregrinos
e
devotos e, logo em seguida, postadas
na in
t
erne
t
, a pr
odução da f
o
tografia milagrosa cresce vertigino-
s
amen
t
e no
s dias de hoje. São imagens de aparições” em outras
janelas, em paredes de concreto, em troncos de árvores, na fachada
de vidr
o de um banco, numa torrada, num gotejamento de chocolate
114
125. Jornal da Tarde, São Paulo:
11.09.2002. caderno A, pág. 12
126. Diário de S. Paulo: 10.01.
2004, pág. A7. Esse fato é mui-
t
o s
emelhant
e ao oc
orrido em
1858 na cidade de Dijon, tal
como descrito no capítulo II, 2.1
A “Santa da Janela” de Ferraz de
V
asconcelos, SP, passando por
uma perícia técnica.
Talheres torcidos por obra de
Thomas Green Morton.
do vela derretidos, ou ainda na delicada superfície de uma pétala de
rosa. Essas imagens, surgidas sempre de forma espontânea e
imprevisível, são os exemplos mais atuais das imagens
achiropita
,
com um forte apelo devocional e cuja origem é cercada de mistério e
graça divina
12
7
.
Embora relativamente restrita ao universo dos devotos da
Virgem Maria ou do movimento Pentecostal no Brasil, a “fotografia
miraculosa” é uma prática que tem uma importante função simbólica
nos estudos da crença no país. O termo “fotografia miraculosa” eu
tomo emprestado do ensaio escrito por Jessy Pagliaroli, da
Universidade de Toronto
128
. Nesse estudo o autor emprega o termo
para tratar de uma classe de fenômenos paranormais registrados
fotograficamente no contexto do catolicismo, não só do Canadá, mas
de todos os países de tradição católica. Ao enfocar essa prática
característica de um catolicismo popular, Pagliaroli arrisca afirmar
que isso é, em parte, uma resposta à gradual supressão dos objetos
sacramentais da igreja oficial, tais como rosários, escapulários e
medalhas religiosas, aceitos como objetos de “mediação” entre o
crente e a divindade.
A falta desses meios estaria contribuindo, segundo
Pagliaroli
129
, para descaracterizar a experiência sobrenatural imediata
no catolicismo. Por isso as práticas populares de veneração de
lugares sagrados (Lourdes, Fátima, Aparecida do Norte) e o exercício
da fé, manifestado por peregrinações, rezas, oferendas e encontros
com o maravilhoso”, parecem restituir a possibilidade de uma
experiência direta com o divino. Ao reconquistar o acesso ao sagrado,
sem as intermediações da igreja, grupos religiosos, como os
pentecostais, estariam afirmando a imanência do divino por meio de
sinais e milagres, que representariam uma expressão tangível da
divindade. Dessa forma esses fenômenos podem ser fotografados,
filmados e disseminados pelo mundo como provas do milagre, muitos
assumidos pela Igreja” a partir dos modelos estabelecidos pelos
eventos em Lourdes e Fátima, como um padrão a ser universalizado
(Steil et alli, 2003: 10).
foi dito que o imaginário católico dos séc. XIX e XX foi
marcado pelas aparições da Virgem Maria, da mesma forma que
aparições públicas nas quais um grande número de pessoas se
r
eúnem p
ar
a ob
servar um vidente em êxtase, parece ser, no contexto
do Cristianismo, algo particular dos últimos dois séculos
13
0
.
Isso vem ocorrendo também devido a grande repercussão que
as aparições têm junto à imprensa, especialmente em sua difusão
pela in
t
erne
t
. Num ens
aio s
obr
e as aparições da Virgem Maria no
Br
asil, C
arlo
s
S
t
eil
chama a at
enção de que no mundo t
odo a V
ir
gem
Maria vem se manifestando freqüentemente, para crianças, mulheres
e gen
te sofrida, sendo que suas mensagens trazem advertências e
115
127. Aqui temos um interessante
campo de pesquisa para os
artistas, uma vez que a sede
por imagens milagrosas ou
transcedentais é algo latente e
puls
ante na grande massa de
crentes e curiosos. Além de sua
“devoção” às imagens, os cren-
tes agora se ocupam em trocá-
las pela internet, criando todo
tipo de acervo de aparições ao
redor do mundo.
128. Pagliaroli, 2004.
129. Vale notar que em seu
texto, Pagliaroli afirma que
apesar da crescente importân-
cia que a fotografia miraculosa
vem assumindo entre os católi-
cos, esse tópico não tem mere-
cido a devida atenção por parte
dos estudiosos da religião. Isso
também se aplica aos estudos
realizados no Brasil. Durante
nossa pesquisa não consegui-
mos localizar nenhum número
expressivo de trabalhos sobre
esse fenômeno fotográfico no
c
ontexto do catolicismo brasi-
leiro, apesar do grande número
de r
elat
o
s de aparições maria-
nas no país. O mesmo afirma
Steil e seus colegas, de que
estamos assistindo a uma
prolif
er
ão significativa de
aparições marianas no Brasil e
mesmo assim o tema fica res-
trito apenas aos estudos acadê-
micos e publicações especia-
liz
adas
. (S
t
eil et alli, 2004: 8).
130. Sandra Zimdars-Swartz,
1991:5.
Apud
Celia Mariz.
Ap
ariçõe
s da Virgem e o fim
do milênio
”. in Ciências Sociais
e Religião. Porto Alegre, ano 4.
n. 4, p. 35-53, out. 2002.
importantes alertas sobre as punições divinas que ameaçam a
humanidade ao final dos tempos que se anuncia (Steil, 2003: 27). A
busca pelos locais de manifestação divina e de proximidade com os
videntes, que foram agraciados pelo contato direto com as forças do
Céu, refletiriam também um desejo de [re]encontro com o sagrado
nas dimensões tangíveis do mundo. Com a maior acessibilidade aos
bens de consumo, as câmeras fotográficas tornaram-se, portanto,
ítens obrigatórios nas romarias e peregrinações para os santuários
das aparições. Mesmo com a venda de santinhos e cartões postais,
cada viajante, crente ou devoto quer levar seu testemunho de
presença num lugar de fé, reafirmando pela produção da (sua
própria) imagem a sua presença “real” no mundo.
Isso, no entanto, não é tão “contemporâneo” assim. A
fotografia havia sido incorporada à prática devocional católica, ao
ser empregada como ex-voto, no registro de doenças para a qual se
esperava alcançar, por meio de uma promessa ou pela na oração,
uma Graça divina. Se o milagre se realiza, uma nova fotografia é feita
e colocada ao lado da primeira, para sua exibição num santuário. A
fotografia como ex-voto é uma modalidade discutida por José de
Souza
Martins, ao tratar da fotografia dos atos de no Brasil
(Martins, 2002: 223-249). Para ele essa prática é indicativa de uma
mudança no imaginário religioso, que enche as
salas das promessas
e
as salas dos milagres
dos lugares de peregrinação com milhares de
fotografias que testemunham o encontro do humano com a divindade
ou da ação divina no corpo e no entorno dos homens. Nesse universo
da fé, a substituição das esculturas de madeira, ex-votos tradicionais,
que fazem alusão à parte afetada do corpo, pelo uso da fotografia,
representa um aperfeiçoamento da função cumprida pelos ex-votos
no imaginário religioso”, onde a pintura e a escultura, “por mais
imaginativa que seja, [parece] meio insuficiente para testemunhar o
milagre”.
Se a maior parte da Fotografia dos Espíritos dos século XX foi
produzida em preto e branco, as fotografias milagrosas são, nos dias
atuais, quase que inteiramente a cores. Até mesmos os raríssimos
filmes S8 dos anos 60, que documentam as “materializações de
hóstias luminosas na boca das meninas videntes da cidade de
Baragandal, na Espanha, são coloridos (veja ilustração). Embora
seja um detalhe significativo, a cor não altera substancialmente o
aspecto formal da fotografia milagrosa. Em tudo semelhante às fotos
e
spirit
ualis
ta e espírita, a fotografia das manifestações marianas
apresentam a mesma gramática que encontramos na Fotografia dos
Espíritos do século anterior. Elementos visuais identificados pela
indefinição dos contornos, pelo ofuscamento luminoso da aparição,
pelas
epifânias
de objetos materializados (imagens da Virgem
fundida em choc
olat
e), pela transformação das propriedades da
matéria (rosas passam à verter mel), ou ainda pelas manifestações
luminosas que, na maioria das vezes são percebidas apenas pela
116
“No santuário de Nossa Senhora
em São José dos Pinhais, PR, são
deixadas centesnas de fotos pelas
graças alcançadas”.
“Imagem da Virgem Maria que
chorou mais de 203 vezes, lágri-
mas de sangue, desde 1999, em
São José dos Pinhais, PR. [...] A
Virgem revelou aos seus dois
videntes que, em no ano 2000,
São Miguel depositaria a hóstia
da eucaristia em suas mãos, na
presença dos fiéis, o que ocorreu
na presença de 17 pessoas e um
padre”.
No alto, irmão Eduardo conver-
sando com Nossa Senhora e São
Miguel. Abaixo, foto tirada duran-
te uma aparição ao irmão Eduar-
do, em São José dos Pinhais,
2007”.
câmera fotográfica. Aqui a terminologia de Sconce para designar a
“mídia assombrada” parece um tanto inadequado, devido à natureza
“milagrosa” dos fenômenos no contexto cristão. Mas é inegável que
o aparelho fotográfico é um
médium
, ou um aparelho “dotado”.
Infelizmente a tecnologia digital tirou de cena alguns elementos
alquímicosda técnica fotográfica anterior, baseada no emprego da
prata. Isso porque as relações simbólicas tradiconais entre esse
metal, a Lua e a representação da Virgem, permitem estabelecer
relações entre a natureza do suporte e a natureza da imagem agora
descartadas com a fotografia digital.
Diferentemente dos espíritas, que buscavam em ambientes
de experimentação um contato com os espíritos dos mortos, os
peregrinos (cristãos) dos locais da aparição da Virgem Maria - ou de
outros “milagres” - acreditam poder obter, por meio de suas câmeras
fotográficas, um registro da presença do divino nas dimensões do
mundo, sem a necessidade de intermediação de qualquer “médium
ou dotado”, uma vez que a Graça de Deus é acessível a “quem tem
fé” e uma câmera. Se nas experiências científicasrealiazadas nas
sessões espíritas tudo girava em torno da cabine (
cabinet
) onde o
médium era imobilizado e o “espíritomanipulava o ectoplasma, nas
aparições marianas os evnetos ocorrem durante o dia e em lugares
distantes dos centros urbanos, em casas ou lugares esquecidos, como
também na periferia das grandes cidades (Steil, 2003: 26). Em
decorrência dessa prática podemos afirmar que a fotografia
miraculosa mariana
reatualiza
o tema da fotografia dos espíritos com
nova ênfase. Se antes tínhamos a produção de imagens de médiuns
expelindo ectoplasma pelos orifícios do corpo, agora a imagem que
vemos é a de pessoas estigmatizadas, das quais jorram sangue pelos
orifícios abertos nas palmas de suas mãos, pés e em todo o corpo. No
lugar da nuvem esbranquiçada de ectoplasma expelido pela boca,
vemos agora hóstias transformadas em carne e sangue; estátuas da
Virgem que choram lágrimas de mel, de água salgada e sangue.
Na atual fotografia milagrosa também o acaso e a força
evocativa de sinais, encontrados nas manchas e fusões visuais
ocorridas na superfície fotográfica, são muito semelhantes à busca
por espíritos nas vaporizações diáfanas de muitas fotografias do
além”. Numa imagem “miraculosa” que circula pelos sites de
aparição, vemos o papa João Paulo II à frente de uma superfície que
lembr
a uma pin
t
ura da Virgem Maria. No momento em que a imagem
foi captada vemos o Papa sendo abraçado por alguém e aqueles
braços se fundem ao conjunto, cujo resultado é o “milagre da
imagem: o papa acolhido nos braços da Virgem. Isso é designado de
“pareidolia”, um tipo de ilusão que envolve estímulos vagos e
ob
s
curos associados ao reconhecimento de formas e padrões, tais
como no teste de Rorschach, onde muitas vezes conseguimos
distingüir rostos ou figuras, como aqueles vistos nas nuvens.
117
Na cidade de Clearwater, Florida,
USA, a imagem da Virgem surgiu
na grande fachada de vidro de um
banco da cidade, o que deu
origem a peregrinações e missas,
até que ela foi danificada por vân-
dalos em 2004.
A fotografia que mostra o papa
sendo “abraçadopela pintura da
Virgem, s/d.
A estigmatizada Julia Kim ao
receber a hóstia em sua boca,
esta se transforma em carne e
sangue.
Um outro componente reflete também uma certa proximidade
da fotografia espírita com a fotografia milagrosa: a pessoa do
médium
e a do
vidente
. Personagem central na fenomenologia das
materializações esritas, o dium é o
canal
que faz a
intermediação entre o plano espiritual e o mundo concreto; o meio
pelo qual as “inteligências” do plano espiritual podem se manifestar.
Esse “médium de efeitos físicos” é quase sempre, como vimos, uma
pessoa humilde, um trabalhador, um desempregado, na maioria das
vezes, iletrado. Da mesma forma os
videntes
de Nossa Senhora
também são pessoas de pouca instrução, “sem conhecimento formal
da religião”, podendo “ser um indío, como na aparição da Virgem de
Guadalupe, no México, ou pescadores, como no relato de Aparecida
do Norte, em que a imagem é milagrosamente retirada das águas do
rio Paraíba” (Steil, 2003: 26).
Ao lado das fotografias milagrosas, que documentam o
encontro desses videntes com a pureza celestial, mesmo que no caso
dos estigmatizados, esse encontro venho acompanhado de dor e
sofrimento, outros personagens igualmente “dotados do universo
cristão, mergulham no lado mais obscuro da natureza humana para
promover sessões de exorcismo do capeta. Os “pastores exorcitas”,
em sua maioria, ligados às igrejas evangélicas, têm recebido um
atenção toda especial da mídia, especialmente televisiva. Um caso
recente, diz respeito ao pastor Marcos Pereira da Silva, cujos vídeos
impressionantes podem ser vistos no canal Youtube. Esse pastor
promove não o resgate de vítimas do tráfico nas favelas e morros
do Rio de Janeiro, como também realiza trabalhos de “desintoxicação
demoníaca” nos presídios. Em várias reportagens podemos ver esse
homem “magnetizar” os pobres diabos aglomerados nas prisões e
fazer com que eles caiam de sua próprias pernas sob a influência da
“força de Jesus”. Com a imposição de suas mãos o pastor Marcos
consegue manter o “capeta” sob seu domínio, expulsando-o dos
corpos que se contorcem e se arremessam no chão.
118
Uma coluna de chocolate forma-
da pelo go
tejamento do produto
numa fábrica em Fountain Valley,
na California, USA, tornou-se
motivo de encontros para orações
entre os funcionários.
Pastor Marcos em ação nos presí-
dios do Rio de Janeiro. No chão,
um prisioneiro se debate como se
fosse eletrocutado.
Na cidade de Platina, SP, uma vela
que queima
va, de repente se apa-
gou e f
ormou e
ss
a imagem (fonte:
Por
t
al Sinais dos Tempos)
CAPÍTULO IV
GRAMÁTICA VISUAL
4.1 CARACTERÍSTICAS DESSA LINGUAGEM
FOTOGRÁFICA
César Lombroso, médico, criminalista e cientista italiano, um
dos pesquisadores espíritas europeus mais citados do século XIX,
descreveu em seu livro “Hipnotismo e mediunidadetodas as suas
experiências realizadas com uma das mais famosas médiuns da
época, a italiana Eusápia Paladino, que se tornou conhecida especial-
mente pelos fenômenos de levitação e deslocamento de mesas e
objetos no espaço. No capítulo em que discute as chamadas
“fotografias transcedentais”, Lombroso afirma que as fotografias
espíritas podem ser classificadas em seis categorias:
1. retratos de entidades espíritas invisíveis nas condições
normais; 2. flores, escritos, coroas, luzes, imagens estra-
nhas ao pensamento do médium e ao do fotógrafo;
3.
sêres que parecem reproduções de estátuas, pinturas ou
desenhos (sic). Essas imagens, por vezes atribuídas
erroneamente à truques grosseiros não são mais que a
reprodução de imagens mentais do médium, ou sinais vol-
untários provenientes das inteligências estranhas ao
operador;
4. imagens de formas materializadas, visíveis a
todos os assistentes; 5. reprodução do corpo astral ou
duplo de pessoas vivas;
6. provas [cópias fotográficas]
onde a revelação nada fez aparecer, mas onde o médium
e o
s clarividen
tes distinguem uma imagem que é con-
stante e absolutamente independente da personalidade
do observador. (César Lombroso. “Hipnotismo e
Espiritismo”. São Paulo: Lake, [1909] 1976: 193).
Embora categorizada por um cientista, essa classe de
fotografias valoriza todo um espectro de imagens tidas como impre-
cisas, ruins ou imprestáveis pela maioria das pessoas: imagens fora de
foco e tremidas, imagens sem definição suficiente para representar
objetos e pessoas claramente definidas, mostrando apenas silhuetas
ab
s
tr
at
as
, muit
as vezes formadas por manchas, bores, sobreposições
de corpos e coisas, como se um ou outro fossem transparentes. Para
nós, ao contrário, essas imagens representam uma estranha e fasci-
nante forma de conceber a dimensão espiritual no mundo, tal como na
Europa o Catolicismo concebeu o céu, a figura de Deus pai, o espírito
s
an
t
o
”, o in
ferno, os anjos e toda sua vasta iconografia.
Além das c
at
egorias de L
ombroso, encontramos também
119
diversas recomendações para os experimentadores em busca de um
registro fotográfico de um espírito, entre elas as que Gabriel Delane
enumera em seu livro e que devemos observar quando um fenômeno
surge na chapa fotográfica:
1. se uma pessoa conhecedora da fotografia tomar suas
próprias chapas de vidro, examinar a câmara empregada
e todos os seus acessórios, vigiar todo o processo para
obter a prova e encontrar no negativo uma forma bem
definidada junto à figura da pessoa que tomou posição [o
modelo fotografado]: há aí uma prova da existência de um
objeto, suscetível de refletir-se ou de emitir raios actíni-
cos, apesar de invisível às pessoas presentes.
2. se evidenciar semelhança incontestável com uma pes-
soa falecida, total¬mente desconhecido do fotógrafo.
3. se aparecerem na prova negativa, imagens em relações
definidas com a figura daquele que vem retratar-se e
escolhe a sua própria posão, sua atitude, seus
acessórios, têm-se uma prova de que formas invisíveis
se acham realmente no campo da objetiva.
4. se apareceu uma forma vestida de branco atrás do
corpo opaco de quem se retrata, sem se estender sobre
ele: uma prova de que a figura de branco se achava
ao mesmo tempo […]”. (Gabriel Delanne. O fenômeno
espírita. Rio de Janeiro: FEB, [1938] 1984).
Neste último capítulo iremos analisar algumas particulari-
dades das imagens que compõem o universo da fotografia dos espíri-
tos, da fotografia parapsicológia e da fotografia miraculosa, identifi-
cando seus pontos de contato e suas “realidades interiores”.
120
121
f
oto 3:
A
qui vemos uma das famosas imagens da suposta material-
ização do espíritode Kate King com a
médium
Florence Cook
direita) e um certo James Gully ao fundo. Fotografia obtida com luz
elétric
a. W
illiam Cr
ook
e
s, provavelmente 1874. [Rolf Krauss. 1992,
pg.
119]. A c
ena é dominada por um ambien
te escuro e os vários per-
sonagens sentados atestam a atmosfera dessas experimentações”
coletivas de materializações. A figura central, o “Espírito de Katie”,
parece levitar envolta num leve manto.
foto 1: O gravador William H. Mumler, de Boston, EUA, é considerado
o primeiro fotógrafo à obter uma fotografia dos espíritos, em 1861.
Nessa fotografia os retratados são Moses A. Dow com sua falecida
noiva Mabel Warren, em janeiro de 1871.
[Rolf Krauss. Jenseits von Licht
und Schatten”. Marburg: Jonas Verlag, 1992. pg.102]. Talvez o protótipo de
todas as fotografias que virão depois dela, essa imagem apresenta
um personagem que ocupa frontalmente a cena, em pose própria
para o retrato, iluminado de forma homogênea e colocado contra um
fundo claro ou acinzentado.
TIPOLOGIA DE ALGUNS CLÁSSICOS, 1861 - 1902
foto 2: Nas primeiras fotografias feitas por Mummler as aparições são
diáfanas, foras de foco e incompletas”. Sua definição visual é pouco
mais densa que a própria atmosfera circundante e seus contornos
imprecisos e delicados. Esses fantasmas surgem invariavelmente
sobre um campo livre ao lado das figuras retratadas e, muitas vezes,
se projetam sobre seus corpos. Suas faces são em tudo semelhantes a
retratos fotográficos “feitos em vida”, mas sem a densidade aparente
da carne, dos traços e dos gestos de qualquer pessoa fotografada.
Essas formações luminosas, esses fantasmas, parecem corresponder
à uma certa concepção popular sobre a densidade dos espíritos, que
lhes atribui um contorno identificável, mas quase que “insubstancial”,
impalpável.
122
foto 4: Aqui se apresenta uma estrutura que se repete com frequên-
cia nessas fotografias, que posiciona o retratado num dos cantos da
foto, dando assim espaço para as aparições luminiscentes, de con-
tornos imprecisos. A imagem é povoada por uma multidão de “fan-
tasmasque criam um plano entre o retratado e o observador, num
espaço sem perspectiva, iluminado lateralmente. Os Espíritos pare-
cem gostar do perfume de cravo.
Retrato dos estúdios de um fotógrafo identificado como Boursnell,
cujo ano provável é 1902, nos EUA.
foto 5: O casal retratado assume uma pose dinâmica na composição,
em diálogo com o vazio à sua frente. O “interessado” pode até julgar
“perceber os eflúvios ao seu redor”, mas ele nada no estúdio
fotográfico. A imagem translúcida, envolta num manto, emergindo
como se de uma nuvem, será vista na revelação e ampliação do
negativo. O olho mágico é o da câmera e a sua sensibilidade, a da
prata.
Retrato de estúdio. Provavelmente 1902, EUA.
foto 6: “Enquanto na Europa se multiplicavam, com fins de estudo ou
recreação, as experiências com as mesas girantes, discutindo-se
sobre a sua legitimidade ou singularidade do fenômeno, a corte do
Rio de Janeiro parece ter sido o lugar onde primeiro aportaram as
notícias vindas do Velho Mundo. O
Jornal do Commercio
, do Rio de
Janeiro foi o primeiro órgão da imprensa a estampar notícias sobre a
‘loucura das mesas’, em 14.06.1853”. (Wantuil, [1958] 1978, pg. 124)
“F
ot
o do Cel. De Rochas fazendo experiência de levitação de objetos
c
om a médium E
usápia P
aladino.(Zimmermann, 2002. pg. 295)
123
f
o
t
o 10, 11: “Foto de M. Bromson Murray e de Mme.
Bonner (Espírito). O retrato de Mme Bonner, quan-
do encarnada, à esquerda, mostra claramente a
s
emelhança com sua forma perispíritica captada
na foto à direita”. Aqui o estilo é muito semelhante
ao de Mummler, com a figura espectral em contato
com o fotografado.
Publicada por Aksakof in Animisme et Espiritisme”.
Citado por Zimmermann, 2002. pg. 151
foto 9: Estas imagens deram margem ao processo judicial no qual dois
personagens ligados ao Espiritismo francês e mais o “médium fotógrafo
Edouard Buguet, foram condenados pelo Ministério Público francês. Na
fotografia vemos o gerente da “Revue Spirite”, P.-G. Leymarie à esquerda e
o coronel Carré “envolto por um véu fluídico” à direita. O espírito seria o de
Édouard Poiret desencarnado 12 anos antes”. “Que Buguet era médium e
fotografias mediúnicas verdadeiras foram obtidas por ele, não há dúvida (...).
Mas o médium, desconhecedor dos princípios da Doutrina Espírita e, ainda
por cima, ganancioso, serviu-se várias vezes da fraude, quando nada con-
seguia com sua mediunidade, como ele próprio confessa”. (Wantuil e
Thiesen, 1980, V. III: 214).
foto 7, 8: Nessa primeira fase surgem também tex-
tos sobreescritos nas fotografias, “mensagens do
além túmulo”, redigidas com a caligrafia própria do
falecido, fundindo texto e imagem na superfície da
foto. O mais famoso desses exemplares é o retrato
da viúva de Alan Kardec, publicado na “Revue
Spiritede 1875 direita), em que se o fantas-
ma de Kardec ao lado de um cartão também
“materializado”. Esta é uma das fotos que foram o
estopim do célebre “Processo dos Espíritas”.
À esquerda, fotóografo desconhecido, USA.
À direita, foto de Buguet, 1874.
CLÁSSICOS
124
foto 12: “Hyppolite Baraduc, destacado estu-
dioso da força vital e da fotografia das for-
mas-pensamento, construtor do revolucio-
nário
Biômetro de Baraduc
, para o registro
das emanações energéticas do corpo huma-
no”.
Zimmermann, 2002. pg. 173
foto 13, 14: À esquerda, fotografia do corpo da
mulher de Baraduc, 15 minutos depois de sua
morte. À direita, imagem de sua esposa, uma
hora mais tarde.
foto 15, 16: Aqui podemos comparar duas
qualidades distintas da “materialidade”
dessas aparições. À esquerda, “Fotografia de
Kingsley Doyle, jovem médica desencarnada,
vítima da gripe e
sp
anhola. A
o lado s
eu pai,
Ar
thur Conan Doyle”. [Zimmermann, 2002, p.
14
5]. À direita, “Fenômeno de materialização
com Eva C.”, Munique, 1913. [Im Reich der
Phantome, 1997, pg. 94]. Nesta imagem pre-
dominam o
s elemen
t
o
s em t
om escuro -
fundo
, c
or
tinado, cadeira e roupa da médium -
de onde emerge a “materialização de uma
mulher, semelhante a uma pintura.
125
foto 17: Esta é uma das primeiras e mais etéreas fotografias “de
espíritosproduzidas no Brasil. De autoria de Ettore Bosi, a imagem
apresenta uma “manifestação espiritual” que parece mais próxima
do imaginário popular que concebe os fantasmas como manifes-
tações imateriais, etéreas e fugazes.
Faria, Nogueira de. “O trabalho dos Mortos - o livro do João”.
Brasília: Federação Espírita Brasileira, 1921. gravura 39.
foto 18, 19: Estas fotografias, intituladas
“Espirito de Jo” e Entidade Indu no
Jardim”, representam graus distintos da “den-
sidade visual” desses espíritos. A imagem à
esquerda, de Ettore Bosio, parece gravitar
entre a linguagem da pintura e a da fotografia.
Na imagem à direita a aparição”, é descrita
como entidade espiritual que se apresentava
de turbante, obtida no jardim da vivenda de
Tucuruvi, à luz do dia.
Palhano Júnior, L. “Mirabelli: um médium
extraordinário”. 1994: 110.
ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DESTAS FOTOGRAFIAS A
PARTIR DE EXEMPLOS BRASILEIROS
foto 20, 21: Nestas imagens se apresentam
outros dois tipos de materialização ectoplas-
tica. A figura à esquerda tem massa cor-
rea definida, com toda a aparência tanvel
de um ser humano. Na outra, à direita, a mate-
rialização aparece “num estágio inter-
mediário”, onde o ectoplasma ainda o se
or
ganiz
ou c
omple
t
amen
t
e
”.
R
anieri, 2003, pgs 257, 261
126
foto 26: “Fotografias Esquisitas” é o título de um interessante capítu-
lo do livro que tras algumas das primeiras
Fotografias do Espíritos
feitas no Brasil, onde aparecem imagens que, “mesmo para os famil-
iariz
ado
s c
om o
s fenômenos que vimos relatando, se apresentam
r
e
vestidos de aspectos tais que nos intrigam, deixando-nos inteira-
mente perplexos e desnorteados”. Nesta fotografia vemos uma médi-
um psicógrafa, ao lado de uma testemunha apática e um vulto com o
rosto coberto. “Não sabemos a que atribuir ao fato de os Espíritos
oc
ult
ar
em a f
isionomia…”(Faria, 1990, pg. 211).
A
qui e
stá uma imagem notável pelo jogo dramático que ela encerra
com ênfase na postura de seus personagens. Embora não venha leg-
endada, é certo que por ser de autoria de Ettore Bosio, a data de sua
realização seja ao redor dos anos de 1920, em Belém do Pará.
foto 24, 25: Aqui as “materializações” surgem
também ao fundo, por trás dos personagens
que são retratados em sua proximidade com
“um espírito”. As “materializações relacio-
nam-se tanto com pessoas como com objetos
e aparelhos elétricos.
foto 22, 23: As duas fotografias apresentam
uma pose característica das aparições em rela-
ção ao blico, segundo o modelo de Mummler.
Os fantasmas emergem por trás dos persona-
gens que, muitas vezes, se encontram na total
escuridão.
“Retrato com fantasma”, de Militão de Azevedo,
acervo do Museu Paulista.
127
foto 27, 28: Nessas imagens destaca-se a figu-
ra do
homem da câmera
. Portador de uma
fonte de registro “que não sofre alucinações”
(o que pode ocorrer com muitas pessoas que
afirmam ter presenciado algum desses fenô-
menos), a máquina fotográfica aparece, nas
mãos desses personagens laterais, como
veículo de uma “verdade observável”.
foto 29, 30: Entre todos os sujeitos_atores
que figuram nessas fotografias [notem, sem-
pre tomadas em espaços “preparados para os
experimentos”] percebemos, quase sempre, a
figura do público como testemunha do evento,
postado num canto do enquadramento. Ele é o
observador que se defronta com a material-
ização ou que a percebe à sua frente ou às
suas costas. Esse observador ocupa, via de
regra, o canto inferior esquerdo ou direito do
quadr
o, voltado para a direção da forma mate-
rializada.
foto 31, 32: A materialização é vista na maior-
ia dos casos, envolta num manto que, como se
explica, é também uma formação de ectoplas-
ma “fornecido pelo médiume modelado pelo
espírito”. O dium pode ver visto em situ-
ações de extremo desconforto físico e normal-
mente esamarrado. De seu corpo podem ser
vis
t
as
e
s
cr
e
s
sências que saem pelos orifícios
visíveis do corpo na forma de fitas e tecidos. É
o chamado ectoplasma”, substância definida
pelo f
isiologista francês Charles Richet (1922).
A CÂMERA, O ESPECTADOR E O ESCTOPLASMA
128
f
o
t
o 3
6:
São r
ar
as as f
o
t
ografias coloridas desses fenômenos no
Br
asil, por v
olt
a dos anos 60. Esta foi uma das mais conhecidas
imagens no país, na época de sua publicação pela revista
O Cruzeiro
,
de 1964. A foto foi matéria de capa da segunda reportagem publica-
da pela revista sobre os chamados “fenômenos de materialização
em Uberaba, no interior de Minas Gerais. A legenda da foto dizia: “O
f
ilme a côr
e
s era proibido pelos mistificadores de Uberaba. Mário de
Mor
aes foi quem o usou, burlando a vigilância. Resultado: sua pene-
tração desvenda a médium Otília ‘posandode Irmã Josefa [o supos-
to “espírito”] (compare as fotos, as feições). E muito mais sobre a
farsa da ‘materializaçãoque por certo causará a repulsa dos espíri-
t
as hone
s
tos.
O Cruz
eir
o
, ano XXX
VI, n. 17
foto 33: Este filme [mostra uma] quantidade
de material plástico saindo do ouvido direito do
dium, indo a o braço esquerdo. Vê-se tam-
m uma nova formão proveniente do filé
fldico expelido pelo ouvido esquerdo, enquan-
to que da boca a massa fldica escorre abun-
dantemente - o que um Espírito chamou de
galopante branca’ e que serviria para a for-
mação do sistema pulmonar da entidade que se
apresentaria logo a seguir...
Ranieri, 2003: 66
foto 34, 35: Nessas imagens vemos uma for-
mação inusitada de materializões” na
forma de medalhões que emolduram o retrato
de um suposto espírito. Como o ectoplasma é
uma substância expelida “pelos orifícios do
corpo do médium”, vemos à esquerda o di-
um Pedrinho Machado expelindo a substân-
cia” pela boca (que “materializa” a figura de
Monteiro Lobato) e à direita a médium Ana B.
Ferreira, expelindo o “cordão ectoplasmático
pela orelha, formando o medalhão de A. Silva.
Ranieri, 2003: 271
129
foto 37, 38: Aqui podemos ver duas represen-
tações em que a médium esta trancada numa
“jaula de experimentação”. Na fotografia à
esquerda vemos à frente da jaula um toca dis-
cos sobre uma mesa [“os espíritos gostam de
ouvir música”] e a médium amarrada, com
ectoplasma” brotando de seu ouvido. Na
fotografia da direita a médium es numa
jaula e à sua frente se materializa uma “forma
ectoplasmática de pequena proporção”, en-
quanto que, ao lado, numa outra jaula, a “fita
de ectoplasma” se dirige para dois baldes
colocados no seu interior.
foto 39, 40: Com o objetivo de garantir a
autenticidade dos fenômenos observados”,
além das jaulas que isolavam os médiuns no
interior das câmaras de experimentação”,
foram desenvolvidos também uma série de
instrumentos com o objetivo de imobilizar o
agente responvel pelos fenômenos.
Amarrados em camisas de força ou com
algemas e cintos de couro, lacrados pelos
observadores, os médiuns viam-se privados
de seus movimentos e, mesmo assim, apare-
ciam durante as sessões com seus “cordões
ectoplasmáticos” aos borbotões.
foto 41: Esta imagen é indicativa do que podemos chamar de uma
“síntese multimídia” na prática da
Fotografia dos Espíritos
. Na foto
v
emo
s uma vitr
ola c
olocada à frente do personagem, acionada por
“mão
s materializadas a partir das “substâncias expelidas pelo
médium imobilizado numa cadeira. Atras dele, ao alto, pode-se ver
ainda um cone normalmente utilizado para as manifestações de “voz
direta dos espíritos” e um violão colocado sobre a mesa. Além de ter
seus olhos vendados, o médium parece liberar uma grande quanti-
dade de “f
luído ect
oplasmáticopela boca e pelas orelhas.
Ranieri, 2003, pg 251
OS FENÔMENOS SOB CONTROLE E A LEGENDA DA FOTO
130
foto 42: Havia pouco tempo que Kennedy des-
encarnara e eis que certa vez ele apareceu
entre nós, sorrindo como habitualmente o fazia
na Terra. Duvidaram... Tanto que mandaram
fazer uma cabine na qual me trancaram com
corrente e cadeado e me introduziram de
pijama, lacrando-se a porta. Eu me submetia a
isso sem a mínima revolta por duvidarem da
minha hombridade. Os femenos eram tão pa-
tentes, o viveis e materiais que os confundi-
am. Muitos ainda o tinham conhecimentos
mais profundos da fenomenologia”.
Ranieri, 2003, pg 267
foto 43: Sobre a técnica utilizada para o registro fotográfico:
“Realizou-se uma série de sessões com o fito expresso de se obterem
fotografias evidenciais. Duas máquinas fotográficas eram armadas
em tripé junto a uma das paredes da sala e focalizada sobre o médi-
um. Este se sentava algemado de mãos e pés, com as algemas dos
pés presas à cadeira por uma barra de ferro. O fundo era formado por
uma cortina de pano preto. A sessão iniciava-se como de costume,
ficando as objetivas das máquinas fotográficas aberta, depois de
apagadas as luzes. Ao sinal dado por um médium ‘vidente’, que se
sentava entere os demais assistentes junto às paredes laterais da
sala, a lâmpada de ignição era deflagrada e a chapa impressionada
pela luz intensa e instantânea. Os chassis eram carregados e revela-
dos por dois experimentadores.
Pereira, Urbano. “Trabalhos post-mortem
do Padre Zabeu”, 1946: 120-121.
foto 44: “Fotografia da médium Otília Diogo reabsorvendo ectoplas-
ma depois de um trabalho de materialização. O material com aspec-
to de tecido de algodão (sic) ao redor do pescoço e nas narinas é
parte do ectoplasma visível e tangível que recobria o espírito materi-
aliz
ado. A gaita de boca vista na foto foi usada pelo espírito material-
izado que tocou algumas músicas para os assistentes. As algemas
eram usadas para deixar evidente a ausência de fraude. Esta foto foi
tir
ada por Nedyr Mende
s da R
ocha c
om uma máquina f
o
tográfica
R
oleif
lex e filme Kodacolor 100 ASA no ano de 1961. Devido ao fato de
os trabalhos de materialização serem feitos usualmente no escuro,
para a obtenção desta foto foi usado
flash
(texto integral da legen-
da da foto).
Tubino, Matthieu. "Um 'fluido vital' chamado ectoplasma".
Niterói, RJ: Publicações Lachâtre, 1997: 79.
131
foto 45: Este é um famoso retrato do médium brasileiro, em foto que
se o “fenômeno de levitação do corpo do próprio médium
Mirabelli, observado no interior da sede do Instituto Psíquico
Brasileiro (São Paulo)”.
Carlos Mirabelli, nascido em Botucatu, foi um dos mais famosos médi-
uns brasileiros do início do séc. XX. A fotografia ao lado foi divul-
gada internacionalmente e teria sido, segundo seus biógrafos realiza-
da em abril de 1933. A legenda da foto afirma que “O médium, em
transe profundo, inconsciente, levitou em pleno dia, elevando-se de
tal forma que sua cabeça quase atingiu o teto. Observe-se na foto a
sombra em simetria perfeita, estando o médium entre a lâmpada, o
forro e a parede”.
Palhano Júnior, L. “Mirabelli: um médium extraordinário”, 1994.
foto 46, 47: À esquerda “Materialização de
Paschoal Mirabelli, avô do médium. Ele era
arquiteto, viveu e faleceu na Itália. A foto foi
tomada 'post-mortem', no Brasil”. A direita o
espectro de uma mulher de origem inglesa,
falecida em Londres [e conhecida como]
Zabelle.
Visto à luz do dia o “ado médium” parece
ter pouco em comum com os outros Espíritos.
Normalmente considera-se que a luz tenha
ação desintegradora sobre a “matéria sutil
que constitue as materializações”. Daí que
muitos foram fotografadas apenas com uso do
flash
.
foto 48: “A fotografia que acompanha este capítulo foi tirada pelo Dr.
Alencar de Macedo e documenta as irradiações atribuídas a uma tia
de Mirabelli, recentemente falecida. Trata-se de uma materialização
em vir
t
ude da mediunidade de Mir
abelli, a pon
to de ser percebida
pelo
s pr
esentes e sensibilizar a chapa fotográfica”
A legenda, neste caso, é a única fonte de referência à autoria dessa
foto. um volume muito grande de material fotográfico que vem
s
endo r
eimpr
e
sso seguidamente sem créditos e cujas fontes vão
s
endo per
didas ao longo do tempo. São poucas as imagens, até
agora, identificadas e datadas nesta pesquisa.
O MÉDIUM MIRABELLI
132
foto 49, 50: Iconografia pouco comum neste
universo fotogfico: aqui uma foto é
tema
de
outra. A legenda da imagem à esquerda diz:
“Esse retrato havia desaparecido, rios
meses, de sua moldura, sem deixar vestígios.
Por rias vezes [agora, na presença do médi-
um] ele reapareceria na moldura, para depois
desaparecer”. a legenda da foto à direita diz
que Mirabelli, percebendo que o retrato se re-
compunha sobre uma caveira que havia sobre a
mesa, indicou [ao fotógrafo] a posão certa
para que fosse fotografada. Apenas ele via o
quadro na psicosfera da sala.
foto 51, 52: Este conjunto dramático em torno
da “materialização de uma entidade diante do
médium apresenta uma particularidade ao
representar um sentimento de espanto frente
ao “fantasma”. A legenda afirma que a materi-
alização “mostrava bigodes e o cabelo bem
eriçado, formando-se entre o médium e a
parede do recinto; foi também captada a sua
sombra, mostrando que, de fato, havia um
corpo bem sólido e opaco ali”
Palhano Jr, 1994, pg. 75
foto 53: “Entidades masculinas que apareceram num instantâneo
fotográfico, durante uma das sessões realizadas por Mirabelli”. Esta
imagem é exemplar do que poderíamos classificar como resultado de
uma “imaginação técnic
a”, ou conforme Vilém Flusser, uma “nova
imaginação”. As características dessa imagem revelam a sua prováv-
el origem químic
o-lumino
sa e demonstram o quanto o erro
fotográfico pode ser
significante
nesse contexto específico.
Palhano Jr, 1994, pg. 205
PARTE II
O GABINETE FLUIDIFICADO
A REPRESENTAÇÃO DO INVISÍVEL NO TERRITÓRIO DA ARTE
EM DIÁLOGO COM O UNIVERSO DA FOTOGRAFIA DOS ES-
PÍRITOS.
Introdução
Numa carta de 25 de março de 1913, o escultor alemão A.
Rönnebeck, escrevia ao pintor W. Kandinsky para narrar o seu
encontro com Louis
Darget em Paris, um homem que mantinha um
espaço de trabalho chamado de “cabinet fluidifié” onde ele mantinha
uma coleção com cerca de 5000
fotografias do fluído vital, do
pensamento
, e
fotografias espíritas
, colocadas em pequenos
envelopes presos às paredes, que iam do chão até o teto. Rönnebeck
descreve as muitas imagens vistas naquela “instalação ambiental”,
além das experiências que ele teria feito no quarto escuro de Darget,
obtendo chapas com registros de uma moeda e da ponta dos dedos
claramente marcados por manchas vermelhas, amarelas e verdes
(Fischer 1998: 82). Kandinsky tinha um evidente interesse pelo
assunto e Darget era uma valiosa fonte de referência para a chamada
fotografia fluidal
. Diferentemente da
fotografia esrita
, cujas
impreses se atribam aos “espíritos” (fontes exógenas), a
fotografia anímica
seria resultado de uma influência das próprias
forças do médium (fontes endógenas), de sua vontade, de seu
pensamento sobre a chapa fotográfica (Veit Loers, 1995: 261-262).
Conta-se que
o comandante
Darget, como era conhecido, havia sido
um médium dotado, que depois de perder a mediunidade passou a
pe
s
quis
ar a f
o
tografia em busca de traços
fluídicos
em sua superfície
.
Criador da “fotografia do pensamento” Darget já teria conseguido em
1871 os primeiros registros de
irradiações fluídicas
de suas mãos
numa chapa fotográfica e, em 1882, ele teria também conseguido
impressionar uma chapa apenas com as irradiões do
pens
amen
t
o
. Dur
ante uma sessão de retrato
1
ele t
eria s
e c
onc
en
trado
tão in
t
ens
amente, que na superfície da chapa fotográfica surgiram
manchas brancas e esféricas à frente de sua testa. Darget repetiu a
experiência, projetando, dessa vez, a imagem de um objeto concreto,
uma garrafa de
brandy
, durante um longo período sobre a chapa
fotográfica. Ao ser revelada, a foto apresentava
realmente
uma
imagem muit
o próxima a de uma garr
af
a. Darget repetiu essa
e
xperiência muitas vezes, “com sucesso”, até uma vez que um dia, no
lugar da garrafa, surgiu a figura de mulher com um “penteado muito
estranho”. Esse “Fluidograma” teria sido feito em 1896 e ele era a
133
1. veja a semelhança com a
his
tória de Mumler
.
Louis Darget, o colecionador de
fotografias experimentais-espiri-
tuais e fotógrafo do pensamento.
Ilus
tr
ão de F. Girod, Pour
pho
tographier les rayouns hu-
mains
”, de 1912, que descreve o
sis
tema de fixação da placa
f
otográfica à frente da cabeça.
prova da existência dos
raios V
, os raios Vitais, preconizados por
Darget
2
(Fischer, 1995: 516-518).
Como colecionador de imagens desses fenômenos Darget
tinha ainda por hábito adicionar um texto junto às suas fotografias,
no qual ele descrevia e “traduzia” toda uma fenomenologia
estranha
e desconhecida à maioria dos observadores dessas imagens. Algo
semelhante faz o artista ao reunir seus registros de trabalhos e de
sua pesquisa, sobre os quais ele procura discorrer em seu texto.
Um dos objetivos desta segunda parte da tese é poder
apresentar um conjunto de obras que pretendem demonstrar como o
trabalho de pesquisa (histórica ou teórica) em arte pode ser
compreendido também como uma das muitas facetas da produção
artística, uma vez que essa pesquisa se encontra intimamente
relacionada às práticas de ateliê, cujas conexões são reveladoras dos
mecanismos do processo criador. No território da arte esse processo
de investigação se dá, muitas vezes, pela apropriação de técnicas,
princípios e temas encontrados em outras áreas do conhecimento
que servem aos artistas como ponto de partida para uma nova
investigação estética e criativa. A partir daqui iremos analisar um
conjunto específico de obras realizadas a partir de 1979, ap algumas
de suas idéias chave, na esperança de poder iluminar suas relações
com os capítulos anteriores. O conjunto engloba trabalhos realizados
com diversos meios técnicos, como fotocópias, esculturas de
irradiação de calor, esculturas de levitão magnética, obras
telecomunicativas, instalações ambientais sonoras e um trabalho
fotográfico que busca a visualização dos fenômenos ocorridos na
atmosfera ao redor dos corpos quentes. Nessa produção visual e
sonora, encontraremos rios pontos de contato com temas e
referências que provém do universo da Fotografia dos Espíritos, tais
como: a produção de ectoplasma, o desaparecimento dos corpos no
espaço, a levitação de objetos, o registro fotográfico de uma “aura”
quente em torno dos corpos e objetos, a conexão telepática” entre
pessoas situadas em diferentes regiões do espaço, o sonambulismo
(uma zona intermediária da consciência, que fascinava os
surrealistas), além das interferências eletromagnéticas induzidas por
ondas de rádio que podem tomar de assalto nossos inocentes
aparelhos eletrodomésticos.
2. Nos círculos ocultistas a
descoberta dos raios X, por
Röntgen, em 1895, foi a com-
provação da hipótese fluidal
(Andreas Fischer, 1995: 518).
134
Ac” flutuante, chapa galvaniza-
da, 1989.
Asc
ensão
”, lasergrama, 1997.
1 ARTE XEROX
A NOVA GRÁFICA ELETRÔNICA COMO SUPORTE PARA
TEMAS ARCAICOS
A década de 70 marca o início de uma fase de experimentação
com os novos
media
na arte brasileira, especialmente aqueles ligados
à reprodução da imagem. A arte xerox
3
, foi um importante meio de
trabalho nesta fase de trabalho artístico, pois com ele vários artistas
daquele período partiam do pressuposto da criação de uma obra
"sem original”, "reproduzível ao infinito”, que cada cópia poderia
ser utilizada como matriz para a produção de outras cópias e assim
indefinidamente. Além desse aspecto multiplicador ("socializante”,
uma v
ez que se dizia que a "obra de arte, nesse caso, atingiria preços
acessíveis ao pequeno consumidor”
4
), a arte xerox se caracterizava
não por uma gama de recursos gráficos próprios, como também
possibilitava a criação de estruturas seqüênciais que podiam se
organizar no espaço e no tempo, criando narrativas. Isso graças à
rapidez e ao baixo custo de produção, que favorecia a criação de um
grande volume de imagens, organizadas na forma de painéis e livros
de artista. No processo de trabalho que desenvolvi na época com
outros dois artistas, Rafael França e Hudinilson Jr., as imagens foram
produzidas diretamente sobre a copiadora, de forma que, ao
contrário do seu programa convencional de reprodão de
documentos bidimensionais, essas máquinas eram utilizadas como
câmeras” fotográficas, ou copiadoras de corpos e objetos colocados
sobre elas.
Nessa fase eu realizei diversas seqüências intituladas “
Passes
de Mágica
(1979/1980), que tratavam, p.ex., do surgimento e do
desaparecimento de objetos e partes do corpo como nos velhos
truques de mágica (fig. I). Numa dessas seqüências, um personagem
retira de sua boca uma fita esbranquiçada semelhante a um
“ectoplasma que vai cobrindo a superfície da imagem até
praticamente ocultar a figura do “médium por detrás dela. Nessa
mesma série, em outro trabalho, vemos a mão de um “mágico” fazer
com que um cigarro de papel, flutue no espaço e seja atraído até ela,
p
ar
a em s
eguida, desaparecer misteriosamente. Outra seqüências
tratava de uma certa ambigüidade entre o plano (o suporte de papel)
e o espaço tridimensional, o qual é registrado de forma deficiente por
um equipamento projetado para a reprodução de superfícies planas
5
.
Num dos vários livros de artista que produzi no ano de 1979, surgiam
sit
uaçõe
s nas quais
, por e
xemplo, uma mão se aproximava de uma
f
aixa branca representada no canto direito da imagem,
ap
arentemente sem qualquer fisicalidade, mas que subitamente se
revela como um objeto no espaço e não apenas como uma faixa
plana. Semelhantes à sucessão de quadros de um filme, a disposição
de
s
s
as imagens nas páginas de um livr
o ac
entua ainda mais o
3. Hudinilson Jr. foi um dos pio-
neiros na realização de cursos
de xerografia, além de ser o
responsável pela implantação
do “Centro Xerogfico da
Pinacoteca do Estado de São
Paulo” e pela curadoria da Arte
Xerox Brasil, na Pinacoteca do
Estado de São Paulo, maio de
19
84, que reuniu cerca de 80
artistas, representando grande
parte da prodão de arte
xerox da época.
135
4. Cerqueira Lemos, Fernando,
“Gerox, Folha de São Paulo,
Caderno de Artes Visuais,
(23/12/1979), onde 17 artistas,
entre eles Rafael França,
Regina Silveira, Alex Fleming,
Julio Plaza, dão a sua opinião
sobre a arte xerox.
5. Nessa mesma época Rafael
França criava suas seqüências
de figuras geométricas que se
transformavam no tempo e no
espaço em volumes ou jogo de
planos. Em seus trabalhos
ressurgem as regras compositi-
vas utilizadas pelos artistas dos
séculos 14 e 15 na construção
espacial de seus trabalhos
(Third Comenntary, apresenta-
do na mostra Áreas e Comentá-
rio
s, juntamente com Hudinil-
son Jr., Mario Ramiro, Florian
Rais
s e Cid Galvão
, P
aço das
Artes, 1982 (catálogo). Ver tam-
m Folha de o Paulo,
abril/19
82). Hudinilson Jr. por
outro lado estava inteiramente
voltado para a encenação do
corpo e a sua reprodução medi-
atizada. Uma de suas imagens
que se tornou muito conhecida
nes
s
a époc
a mo
strava o artista
e seu corpo nu em coito com a
máquina que e
xpelia jactos de
pias de
ssa relão tecno-
erótica. (Ver também As
novas imagens da xerox,” in Iris
Foto, n.325 (São Paulo, 1980)
Pág.10.
Ectoplasmia, montagem, 1979
Passe de mágica, montagem, 1979
Lascaux cópia, 1979
Lascaux cópia, 1979
deslocamento temporal da ação, refletindo naquele momento uma
certa preocupação com a questão do tempo na obra, aprofundada
mais tarde nas experiências com telecomunicações. E foi num
trabalho xerográfico, apresentado pela primeira vez em 1984
6
que
surgiu a idéia de uma conexão com o passado imemorial, inspirado
nas imagens que tem a sua origem na pré-história da humanidade.
Intitulado “
Lascaux copy” (numa referência à famosa gruta francesa
com desenhos e pinturas rupestres), a imagem foi produzida o
toner
(pigmento utilizado nas fotocopiadoras) aplicado diretamente sobre a
parede, produzindo assim um "xerox mural onde no lugar dos
pigmentos silvestre, [foi empregado] o toner”
7
. Pouco tempo depois,
em 1991, realizei Os últimos registros de Lascaux
uma série
xerográfica na qual as imagens se sobrepõem umas às outras, sem
uma orientação espacial definida. Esse tipo de sobreposição que
também é visto nas imagens das cavernas, sugere uma "compressão
temporal”, que representaria o trabalho de gerações sucessivas se
sobrepondo umas às outras, onde novas imagens eram desenhadas
sobre imagens existentes. No início dos anos 80, o uso das
copiadoras eletrônicas apontava para uma inclinação pessoal em
direção ao uso das novas tecnologias para criação de novas formas
artísticas.
2 ARTE TELECOMUNICATIVA
TEMPO SEM OBJETO
O movimento associado à arte telecomunicativa no Brasil no
icio dos anos 80, pode ser visto como coincidindo com a
implantação do sistema videotexto em cidades como São Paulo e Rio
de Janeiro, onde num curto espaço de tempo foram organizadas
div
ersas exposições em torno desse sistema
8
. Es
tas atividades de
certa forma colaboraram para a criação de alguns núcleos de
pe
squisa em arte e tecnologia em São Paulo, até então inexistentes
no país
9
. Depois da minha primeira experiência com o videotexto,
apresentada no Museu da Imagem e do Som de São Paulo, em 1982
10
,
onde apr
e
s
en
tei uma pequena série de "jogos” inspirados em
videogame
s
11
, t
e
v
e início uma fase de pesquisas com os sistemas
(eletrônicos) de telecomunicação que se estendeu até 1988. Um dos
trabalhos da época, que considero um dos mais importantes na minha
produção, foi o intitulado
Clones - uma rede simultânea de rádio,
televisão e videotexto
12
. Essa foi uma das primeiras tentativas, no
c
on
texto das experiências com telecomunicações e artes no Brasil, de
formação de uma “rede intermídia”, onde três diferentes sistemas
t
elec
omunic
ativ
o
s s
e in
t
egr
avam na criação de uma obra única e
híbrida.
"Clones", palavra que em grego significa “múltiplo”, se
138
10. Art pelo Telefone - Video-
texto, curadoria de Julio Plaza,
com Carmela Gross, Julio Plaza,
Leon Ferrari, Lenora de Barros,
Mario Ramiro, Omar Khouri,
P
aulo Leminsk
y, Régis Bonvi-
cino e Roberto Sandoval. Museu
da Imagem e do Som, dezembro
de 19
82.
6. Arte Xerox Brasil”, idem
nota 14.
7. Kac, Eduardo. "FAAP mostra
os usos da tecnologia em arte,"
Folha de São Paulo (São Paulo,
13/11/1985), pg. 40.
8. Art pelo Telefone : Videotex-
to, Museu da Imagem e do Som,
São Paulo, 1982. “Núcleo I” da
XVII Bienal Internacional de
São Paulo”, 1983. Clones - uma
rede simultânea de rádio, tele-
visão e videotexto, Museu da
Imagem e do Som, 1983. Arte e
Tecnologia, Museu de Arte
Contemporânea da USP, São
Paulo, 1984. Brasil high-tech,
Centro Empresarial do Rio de
Janeiro, 1986.
9. “Núcleo de Arte e Tecno-
logia (NAT) em o Paulo
(1983-1985), criado por Mario
Ramiro, o arquiteto José Garcia
e o Prof. Fredrich Litto, com o
apoio do CNPq (Conselho
Nacional de Pesquisa, Brasília)
e ABAA (Associação Brasileira
de Apoio Acadêmico). “Instituto
de Pesquisa em Arte e Tecno-
logia (com Carlos Fadon,
Milton Sogabe, Paulo Laurentiz,
Wilson Sukorski, entre outros).
11. Um desses “jogos”, mostrava
a imagem de um a
vião perse-
guido por uma mir
a, que f
inal-
mente o encontrava e o des-
truía, numa clara referência aos
deo games da época. A
imagem final de
sse trabalho
era a de uma nuvem de fumaça
que se dispersava no ar; algo
semelhante ocorria num outro
trabalho, apresentado na mes-
ma oc
asião
, que mostrava a
imagem de um cigarro num
cinzeiro, queimando lenta-
mente. Nessa série de imagens
a passagem do tempo era não
en
f
atiz
ada pelo de
spr
endi
-
baseava na recepção simultânea e sincrônica de um objeto repre-
sentado em ts diferentes meios, caracterizando três
representações distintas de um mesmo referente. Para a
apresentação desse trabalho foi criada uma instalação com terminais
de videotexto, aparelhos de televisão, rádio e alto falantes, numa sala
circular do Museu da Imagem e do Som. Em nove terminais de
videotexto, ligados a nove diferentes linhas telefônicas, o objeto
representado havia sido reduzido a um elemento gráfico plano (uma
barra horizontal vermelha), deslocando-se na superfície da tela. Em
dois outros monitores convencionais de TV a mesma barra horizon-
tal, recebida pela transmissão ao vivo de uma emissora de televisão,
se deslocava na profundidade da tela do vídeo, afastando-se de sua
superfície, ao mesmo tempo que perdia seus contornos geométricos
rígidos. a traduçãosonora desse objeto (uma barra horizontal)
nos colocava um problema: como sonorizar uma imagem geométrica
e transmiti-la pelo rádio? Para isso foi necessário recorrer à um
princípio instituído pelo artista Marcel . Num dos seus trabalhos
intitulado "3 Stoppages Etalon" (1913/1914), Duchamp declara que
"uma linha horizontal de um metro de comprimento, deixada cair a
um metro de altura, deforma-se ao seu gosto, criando uma nova
imagem da unidade do comprimento
13
. Seguindo este princípio
deixamos cair ao solo uma barra de ferro de um metro de
comprimento, com um centímetro de diâmetro, a um metro de altura.
O ruído do choque dessa barra contra o chão foi gravado e
manipulado por um velho sintetizador analógico. Assim foi represen-
tada a sonoridade da imagem visível nos terminais de videotexto e
nos aparelhos de tv. A peça,
com duração de 4 minutos,
enfocava o tema do
surgimento de uma forma,
seus desdobramentos ao
longo do tempo e do espaço
e a sua transformação em
pura energia. Em certos
momentos a sincronicidade
entre as imagens da tv, do
videotexto e o som,
acentuava ainda mais a idéia
de simultaneidade, de um
ac
on
t
ecimento onde várias
coisas, que formavam uma
, se interpenetravam no
tempo e tomavam forma à
nossa frente
mento da fumaça na atmosfera
("...uma ampulheta que escorre
para cima", segundo G. Bache-
lard), mas também pelo acúmu-
lo de cinzas (o corpo em fase de
desmaterialização).
139
12. “Clones, uma rede de rádio,
televisão e videotexto”, de
Mario Ramiro, juntamente com
o arquiteto José Garcia, foi um
evento transmitido no dia 26 de
novembro de 1983 pela radio e
televisão Cultura de São Paulo,
como parte de uma instalação
montada no Museu da Imagem
e do Som de São Paulo. A insta-
lação era composta por nove
monitores de tv, conectados a
nove diferentes linhas do siste-
ma videotexto, distribuído pela
empresa telenica estatal
Telesp, além de 2 monitores de
TV para recepção do programa
transmitido pela Fabrica do
Som da TV Cultura, canal 2 e
um aparelho de rádio para a
recepção do programa sonoro,
produzido pelo músico Conrado
Silva e transmitido pela rádio
Cultura FM. Esse trabalho
oferecia, teoricamente, a pos-
sibilidade para o telespectador,
que em casa tivesse um apa-
relho de tv e um terminal video-
texto, montar a sua ppria
instalação, podendo ainda ligar
o rádio em sincronia com a
rede. Algo improvável, porém
possível. Um texto que procura-
va conceituar esse trabalho,
intitulado “O labirinto da repro-
dução”, foi também publicado
pela Folha de o Paulo,
F
olhe
tim, n. 3
6
1, (
São Paulo,
18/12/83) Págs. 6-7. Ver tam-
bém artigo de Marcelo Leite,
"
Arte por computador, entre
duas ger
ões
,
" Iris-foto, n.
378, (São Paulo, 1985: 69-71.
13. “3 Standard Stops = canned
chance (1914). A idéia da fabri-
c
ação: um fio de um me
tr
o de
comprimento, deixado cair a
um metro de altura, deforma-se
ao s
eu gosto, criando uma nova
unidade do metro”. in
Marcel
Duchamp”, Edited by Pontus
Hulten (London: Thames and
Hudson, 1993: 32-33.
“Clone
s”, imagem da transmis-
são pela TV C
ultura, 1983.
3. ALTAMIRA: CAVERNA E SATÉLITE
Um outro trabalho
multimídia
que considero importante em
meio à minha produção telecomunicativa, foi apresentado por
ocasião do evento intitulado “Sky Art Conference”, em 1986. A rede
bidirecional criada entre artistas de São Paulo e do
Center for
Advanced Visual Studies - MIT
, nos EUA, empregava a tecnologia do
Slow Scan TV
, um sistema que pode ser considerado um antepassado
mais próximo da
Internet
, capaz de transmitir e receber imagens de
vídeo, pela linha telefônica. O local escolhido por mim para a
montagem desse trabalho foi o dos esqueletos de concreto do Museu
de Arte Contemponea da USP, na época uma construção
abandonada em plena universidade. Intitulado Altamira”
15
esse
tr
abalho fazia uma referência ao nome de uma das mais famosas
cavernas encontradas na Espanha, também conhecida por suas
pinturas rupestres; além do que a palavra "Altamira”, poderia
significar também, numa livre tradução, "um ponto de observação
muito alto”, reportando-se à existência de um satélite em órbita da
Terra, responsável por aquela conexão inédita no âmbito das artes no
Brasil. Esse trabalho era formado por uma grande tela de projeção
atrás da qual a bailarina Lali Krotoszynski realizava uma performance
iluminada por flashes, e cujos movimentos lembravam os de uma
dança ritual primitiva à beira do fogo. A coreografia era marcada por
uma percussão ritmada, produzida por uma chapa de latão
amplificada em sincronia com uma música eletrônica emitida do inte-
rior de um grande objeto de aço semelhante ao Sputnik, instalado por
mim naquele espaço. Por meio desses elementos essa instalação
performática procurava uma síntese conceitual e espacial entre as
imagens das sombras projetadas e transmitidas pelo
Slow Scan TV
e
a pr
esença simbólica do primeiro satélite colocado em órbita, que
marca o advento de uma nova perspectiva, de um novo olhar para a
história da humanidade. Esta foi uma experiência que, para mim,
representava uma conexão com formas imemoriais, mediadas pela
alt
a t
ecnologia” da époc
a.
4. O CONTEÚDO DE UMA COISA IMPROVÁVEL
Um trabalho ainda menos convencional por mim em conjunto
com o artista japonês Morio Nishimura, na criação de uma
conexão
entre a Finlândia e a Grécia, no verão de 1992, na qual nenhum tipo
de equipamento eletrônico foi utilizado. Intitulado “Entre o norte e o
sul
16
e
s
sa foi uma experiência verdadeiramente radical nos domínios
da telearte, além de introduzir o conceito de uma "estética sem cabo
em plena er
a de as
c
ensão das r
ede
s a c
abo no Ociden
t
e
. A idéia desse
trabalho partiu do conhecimento de que em toda a Ásia existem cerca
de 500 “torresbudistas, chamadas
Stupas
onde tradicionalmente
15. Altamira”, Instalação per-
formance de Mario Ramiro, com
Lali Krotosinski (dança) e mú-
sica de Jack Jackson e Miguel
Barella, percussão: Theo Wer-
neck.
140
16. “Entre o Norte e o Sul”, uma
c
one
xão entre espírito e maté-
ria, trabalho publicado no catá-
logo “Loma Kitsi”, © classe do
Prof. nther Uecker, Kunst-
akademie Düs
seldorf, Alema-
nha, 1993. Pgs. 38-49. Textos
em japonês
, por
t
uguês e ale-
mão. Trabalho citado no texto
de Ellen Drünnert
Die Welt als
V
orstellung: Brasilien als Para-
digma neuen Denkens
," in Via
R
egia, n. 7 (Thüringen,
199
3).
Altamira”, sombras e viagem pe-
lo éter.
Mapa mostrando a conexão entre
o norte e o sul da Europa.
são guardadas relíquias budistas, como um recipiente de ouro e rubis
contendo pequenas porções das cinzas que, se acredita, tenham sido
do Buda. Este raro composto seria o responsável pela formação de
uma rede que, se crê, uniria todas essas torres pela Ásia. Partindo
desse mesmo princípio eu e Nishimura planejamos construir um
aparelho "transmissor e receptor feito com elementos muito
particulares, uma "antena” tão fantástica quanto aquela dos templos
budistas.
Cada um de nós havia planejado uma viagem de verão para os
extremos Norte e Sul da Europa, onde iríamos construir uma
instalação que teria uma função semelhante daquelas torres budistas
e nas quais seriam instaladas as nossas "antenas” de comunicação.
Morio Nishimura dirigiu-se para Lieksa, na Finlândia, uma região de
paisagem totalmente intercortada por lagos em meio a uma densa
floresta. Na mesma época eu segui para a ilha grega de Amorgós,
uma entre as tantas ilhas dominadas por rochas e pedras ao sul do
mar Egeo. Nessa perfeita oposição entre "negativoe "positivoda
paisagem (pequenos lagos cercado por florestas ao norte e pequenas
porções de terra cercadas por água ao sul), a água surgia como o
elemento mais forte de ligação entre os diferentes contextos. Na
época eu e Nishimura dividíamos um apartamento às margens do rio
Reno, em Düsseldorf, e por isso decidimos construir nossas duas
"antenas” contendo as águas do rio no seu interior, que deixava em
suspensão um "filamento feito com fios de nossos cabelos unidos
por uma folha de ouro. Este seria o "transmissor-receptor", pelo qual
nós iríamos tentar realizar uma troca de imagens num dia e numa
hora determinado. A imagem escolhida por cada qual de nós não era,
naturalmente, do conhecimento do outro e a maneira que
escolhemos para registrar as informações eventualmente recebidas
seria por meio do desenho automático”, imagens registradas pelo
desenho que no momento estabelecido nos viessem à mente.
Em Lieksa, Nishimura construiu uma instalação-objeto
utilizando basicamente a madeira encontrada na região, instalada
parte sobre a terra e parte sobre a água. No centro dessa construção
ele fixou uma flor de lotus por ele esculpida na qual ficava embutida
a sua "antena”. Esta flor foi a imagem que ele escolheu para a sua
transmissão, da qual eu “percebi” alguns de seus contornos. Na ilha
de Armogós, eu me dirigi a uma montanha de pedra e instalei a
minha "antena" sobre uma grande rocha utilizada como superfície,
p
ar
a o de
senho de uma espada flamejante que eu pretendia
"transmitir” para a Finlândia
17
.
Algumas semanas depois, novamente de volta a Düsseldorf,
pudemos comparar os desenhos das imagens, que cada qual de nós
havia “recebido mentalmentee, de um total de oito desenhos que
f
iz, dois s
e assemelhavam à forma de um cálice, semelhante à flor de
lotus que Nishimura havia me transmitido. De um total de apenas três
desenhos feitos por Nishimura, dois deles representavam uma cruz
18. citado por Zielinski, Sieg-
fried. Von Nachrichtenkörp-
ern und Körpernachrichten.
Ein eiliger beut
e
zug durch
zwei Jahrtausende Medien-
geschichte”, in Vom Versch-
winden der Ferne - Telekom-
munik
ation und Kunst, (Köln;
DuMon
t
,
1990) Pg. 251.
141
17. Curiosamente cada qual de
nós escolheu para esse evento
uma imagem que integra o
repertório simbólico das duas
gr
ande
s r
eligiõe
s desse pla-
neta: a espada flamejante,
presente no mito da queda do
p
ar
aís
o cristão e a meditativa
flor de lotus do budismo.
19. McCrone, John (da New
Scientist).
Cientistas ainda
procuram evidências para a
t
elep
atia
”, F
olha de São P
aulo,
(São Paulo,13/6/1993) pág. 6-14.
A
cima, a ins
t
alação na Grécia e
ab
aix
o o
s de
s
enho
s de Nishimur
a
r
elacionado
s à e
sp
ada f
lamejan
t
e
A
cima, a ins
t
alação na Finlândia e
ab
aix
o o
s de
s
enho
s de R
amir
o
r
elacionado
s à f
lor de lo
t
us
.
horizontal e um circulo de fogo, semelhante à espada flamejante que
eu havia lhe
transmitido
. Certamente, aqui entramos no terreno
suspeito das improbabilidades e nos aproximamos por demais ao
campo dos fenômenos que continuam despertando o ceticismo de
sempre. Mas sabíamos que nessa “prática” não estávamos sozinhos.
Encontramos rias referências de pticas telecomunicativas
semelhantes, comentadas pelo napolitano Giambattista della Porta,
na Europa do século XV
18
, como também de experiências de caráter
científico desenvolvidas naquela época nos EUA
19
. Para mim esse
trabalho sintetiza diferentes experiências no campo da arte
telecomunicativa e, principalmente, na procura de formas de contato
com estruturas atemporais, baseadas na sensibilidade e alheias a
qualquer tecnologia ou modismos de época.
5 ESCULTURAS DE LEVITAÇÃO MAGNÉTICA
Paralelamente aos trabalhos telecomunicativos, eu realizei,
entre 1986 e 1991, duas séries de esculturas que partiam de dois
pressupostos básicos. O primeiro era o de ”libertar a escultura da
base” por meio de um sistema de levitação eletromagnética e o
segundo pressuposto, era o de prolongar o volume do objeto no
espaço para dimensões normalmente invisíveis. A idéia de colocação
de um objeto num estado de total imponderabilidade, ou seja, "livre
da ação da gravidade é algo inquietante, que nos confronta com
enormes limitações, até hoje existentes para isso. O homem sempre
encontrou grandes obstáculos para poder vivenciar integralmente a
tridimensionalidade. Flusser comenta num de seus livros que o velho
sonho de
"voar como pássaro" alimentado por nossos antepassados
equivalia a “ver o mundo de cima e transpor obstáculos
invencíveis” (. . .). Há, no entanto, outra carga do sonho “voar
como pássaroque os nossos antepassados sentiam sem tê-la
salientado claramente. A de ultrapassar a bidimensionalidade.
O fato de sermos prisioneiros da bidimensionalidade não é
comumente reconhecido. Temos a ilusão de que os nossos
movimentos ocorrem nas ts dimensões do espaço. Na
realidade, entretando, a nossa condição terrena nos condena ao
plano superfície da Terra). Apenas as nossas mãos nos
oferecem abertura para a terceira dimensão (. . .). Voar como
pássaro é poder utilizar o corpo todo como se fosse mão, poder
movimentar-se inteiramente dentro do espaço". (Flusser, 1989:)
No livro "The first man on the moon", de H. G. Wells, o
personagem Dr. Cavor descobre uma substância a que chamou de
"C
avorita", com a capacidade de bloquear a influência da gravidade.
Com ela, ele construiu um foguete que o levou à Lua. Essa substância,
143
acima “Gr
a
vidade Zer
o
”, ab
aixo,
de
t
alhe da le
vit
ação
.
Templo budista com “antena”
contendo as cinzas do Buda.
sugere-se, teria massa negativa, de tal maneira que cairia para cima
em vez de para baixo (
apud
Clarke, [1962] 1970: 71). Esta ficção foi
confirmada” décadas depois pelos relatos de um laboratório de
pesquisas de uma universidade inglesa que, ao final de 1970, havia
recebido de Cabo Canaveral algumas amostras lunares. Um destes
pedaços repousava sobre uma mesa à espera de ser examinado. Por
inadvertência, um dos pesquisadores deslocou essa pedra lunar, de
cor esverdeada, aproximando-a de uma proveta de mercúrio.
Imediatamente ele constatou a subida do nível do metal líquido.
Quando a pedra era afastada, a coluna baixava, o que evidenciava a
sua influência sobre a gravidade. Esse efeito
lunático
de alguma
maneira ilustra um ensinamento proveniente da física de que um
corpo é pesado quando se acha na vizinhança de um outro corpo
que o atrai. Esse fenômeno da atração seria ocultado pela nossa
linguagem, "que coloca numa pedra a causa do peso que reside fora
dela". Enfim, a palavra peso indica uma relação entre dois corpos e
não a natureza de um deles. Como escreveu Arthur Clarke, "sabemos
tão pouco a respeito da gravitação que nem sequer estamos seguros
que ela se propaga pelo espaço numa velocidade definida - como
ondas de rádio ou de luz - ou se está "sempre aí" [. . .] A gravidade
parece completamente diferente das outras forças, que podem ser
geradas de muitas maneiras e são livremente conversíveis. Na
verdade, a maior parte da tecnologia moderna é baseada nestas
conversões, a do calor em eletricidade, a da eletricidade em luz, e
assim por diante. No entanto, não podemos gerar de modo algum a
gravidade
20
. A busca pelo controle da gravidade ainda hoje é
encarada com ceticismo em certos meios científicos. Sonhos como os
de um gravitador parecem ocorrer mais constantemente no cinema,
nas histórias em quadrinhos e na literatura de ficção científica do que
na realidade movida a motores de explosão, em que ainda vivemos.
No estado de levitação o fascinante não é apenas a condição
de permanência de um corpo pairando no ar, mas principalmente a
revelação da ausência de qualquer forma de sustentação da matéria
no espaço; algo que é inerente aos estudos da escultura, relacionados
ao clássico problema do pedestal
21
. Foi primeiramente num trabalho
de 1986, intitulado “
Gravidade Zero
22
, que tais questões começaram
a tomar forma no contexto da minha produção. Tecnicamente esse
trabalho se resume a uma estrutura de madeira, latão e vidro, na qual
um ele
tr
oímã r
egulado por um fotosensor permite manter pequenos
objetos metálicos flutuando no espaço. Um mecanismo fotoelétrico
serve como sensor de posição, controlando a intensidade de um
campo magnético, utilizado para contrabalancear a ação da
gravidade sobre o objeto suspenso. Um feixe de luz passa pela parte
superior do obje
t
o, atingindo um sensor fotoelétrico, que aciona um
amplificador, ligado ao eletroímã. Se o objeto começa a cair, o
fotosensor receberá mais luz e com o auxílio do amplificador,
144
22. trabalho apresentado pela
primeira vez na mostra A virada
do séc
ulo XX
, Pinacoteca do
Estado de São Paulo, 1986. Ver
Ramiro, Mario. "Gravidade Ze-
ro, uma nova dimensão para o
Objeto,
" in A virada do século
XX
, (São P
aulo: Ed. Perspectiva
e Secr. do Estado da Cultura,
1987: 107-111. Cerva, Leão. "
A
escultura liberta da base",
F
olha de São Paulo, Ilustrada,
30/11/86.
20. Arthur Clarke. Perfil do
Futuro”. Petrópolis, RJ: Vozes
[1962] 1970: 64.
21. uma das primeiras e mais
importantes análises desse
problema, publicada já nas
primeir
as déc
adas do séc. foi
e
scrita em 1929 por Moholy-
Nagy em seu livro da Bauhaus
v
on mat
erial zu architektur
(Mainz: Florian Kupferberg
Verlag, 1968).
“Gravidade Zero”, detalhe do
movimento de levitação.
aumentará a foa magtica sobre o objeto, levantando-o
novamente para o ponto de equilíbrio. Se ele subir demais, ocorre o
contrário: a quantidade de luz que atinge o sensor diminui,
diminuindo também a corrente da bobina. Como resultado o objeto
desce novamente ao ponto de equilíbrio. Longe dos
condicionamentos da gravidade tais objetos poderiam assumir as
mais estranhas e imaginativas configurações, aproximando-se do
velho sonho das vanguardas históricas de “libertar a escultura da
base”.
6. ESCULTURAS DE AURA QUENTE
Campo de Força é o nome de outra série de esculturas
elétric
as que se caracterizam por uma fonte de irradiação de calor
instalada em sua estrutura material. A idéia de um campo de força,
tal como certamente se originou na ficção cientifica, é algo que nos
remete à idéia de um corpo cercado por uma barreira de energia
(normalmente invisível) que o protege do contato com elementos
estranhos. Algo que encerra também a idéia de perigo e de proibição.
Como todo volume tridimensional, estas esculturas são definidas
espacialmente por sua altura, largura e profundidade, da mesma
forma que sua plasticidade "é definida esteticamente pelos materiais
empregados na sua construção e pelo tratamento a que se
submeteram
2
3
. No entanto elas apresentam algo mais que o nosso
olhar não pode perceber em sua quase soberania. As ondas de calor,
irradiadas pelas resistências elétricas, “modelamo espaço ao redor
do objeto por meio de turbulências produzidas na atmosfera. Esta
"modelagemdo espaço pelo calor define um outro volume ao redor
do objeto, cuja presença para nós é normalmente invisível. Ao
c
ontrário de outras esculturas, tradicionalmente definidas por um
volume visual, nesse trabalho a percepção do volume expandido
imaterialmente se pelas vias do tato, pelas sensações criadas na
superfície da pele através da variação térmica no espaço. Isso
permit
e ao ob
s
erv
ador s
en
tir a "espessura” do campo irradiado ao
redor do objeto (fig. 13). Nesse trabalho as diferentes estruturas feitas
em aço, cobre e cerâmica eram consideradas "suportes" para as
irradiações de calor, ou "bases” materiais visíveis para "esculturas
imateriais invisíveis". Essas esculturas ansiavam por um
prolongamento na superfície da fotografia, uma vez que a imagem
s
eria o meio mais imediat
o p
ar
a revelar a existência desses "volumes
imateriais". Isso coincidia com o enunciado "do mais avançado dos
e
stágios da evolução da escultura”, descrito por Moholy Nagy, o dos
"volumes virtuais", determinados pela luz e pela velocidade de
registro de suas qualidades
2
4
.
145
2
4. Moholy-Nagy, ob. cit.
23. Moholy-Nagy, ob. cit.
“Campo de Força”,o e resistên-
cia elétrica, 1993.
“Campo de Força”, cobre, mica e
resistência elétrica, 1993.
7. LASERGRAMAS E SCHLIERENFOTOGRAFIA
Quando me mudei para a Alemanha, no final de 1991
25
, pude
dar início ao trabalho sistemático de registro fotográfico das
irradiações de calor produzidas pelas esculturas térmicas. A medida
que as pesquisa em Düsseldorf e, mais tarde, em Colônia se desen-
volviam o foco do trabalho deixou de se concentrar apenas na
questão da “escultura imaterial” irradiada no espaço para se voltar
ao registro da própria atmosfera transparente. A atmosfera pode ser
vista como um volume gigantesco que preenche todos os espaços
que conhecemos sobre a Terra e toda fotografia realizada com uma
câmera convencional traz, por assim dizer, um registro da
transparência desse volume que inalamos, absorvendo constan-
t
emente parte de sua massa gasosa. Pela técnica da
Schlieren
-
fotografia
(que poderia ser traduzida como a ótica dos meios
inomogêneos), torna-se possível o registro dos fenômenos ocorridos
na atmosfera em torno dos corpos aquecidos. A nossa presença no
espo, enquanto espécie de sangue quente, produz essas
turbulências no ar que se definem pela
Schlierenfotografia
por meio
de linhas sinuosas que se desprendem do corpo. Baseada no princípio
óptico desenvolvido pelo físico alemão August Toepler
2
6
, a
Schlieren-
fotografia
permite o registro dos desvios que a luz sobre ao passar
por uma área de ar quente, por diferentes gazes ou ainda ao atra-
vessar materiais transparentes. Nesse trabalho, desenvolvido nos
laboratórios de laser e fotografia da Escola Superior de Arte e Media
de Colônia (Kunsthochschule für Medien Köln), eu utilizei um laser de
argônio como fonte luminosa na geração de uma série de imagens,
criando o que chamei de "Lasergramas" - fotogramas produzidos
pela incidência da luz laser sobre o papel fotográfico colorido. Como
f
oi utilizado papel fotográfico colorido para ampliação de negativos,
as cores resultantes da ação do laser sobre esse papel eram, as
complementares à cor original da luz. Dessa forma com o laser na
faixa da luz verde o que se obtinha era uma escala de tons magentas
e a
v
ermelhado
s; da me
sma f
orma quando a luz inciden
te sobre o
papel fotográfico era azul o resultado era imagens com variações
entre o amarelo, o laranja e o vermelho. Isso resultou numa série de
trabalhos com cores muito intensas que deram origem à uma
primeira série de Lasergramas intitulada
Light turbulences”.
Esse trabalho marca também o surgimento de uma temática
que s
e dis
t
ancia
va enormemente da idéia original do “Campo de
Força”. Ao contrário de revelar apenas a presença de manifestações
in
visíveis no espaço, o que surgiu nesta série de laserfotografias
foram imagens de corpos em movimento de ascensão e queda em
meio às chamas, inspiradas num dos
Cantos
de Willian Blake. Nas
“Ligh
t t
urbulenc
e
s
27
a imagem f
o
t
ográf
ic
a não era apenas um
r
egis
tro de algo inapreensível ao olhar. Ela havia se tornado um meio
para a construção de uma narrativa simbólica sobre os pontos altos e
27. “Licht ablenkung /Light tur-
bulences”, Galeria Hame-Diehl
e Schönnenbeck, Düsseldorf,
1995 (mostra individual). Holo-
gramas e Las
erfotografias, cu-
radoria de Dieter Jung, Galeria
C
aniz
ar
es (
S
alv
ador: Goe
the-
Institut, 1995). “Panorama da
Arte Brasileira”, curadoria de
Iv
o Me
s
quita, Museu de Arte
Moderna de São Paulo, 1995 e
Museu de Arte Moderna do Rio
de Janeir
o, 1996. Spektakel,
(Münst
er
: Kunsthausgalerie,
1997). “Correntes Alternadas”,
Instituto Cultural Brasileiro em
Berlin, 1997
146
26. Toepler, August. "
Beobach-
tungen nach einer neuen
optischen Methode (Bonn:
Cohen, 1894). Ver também in
Ostwalds Klassiker des exacten
Wissenschaften, N. 157 (Leipzig,
1906). O aprofundamento do
método foi realizado posterior-
men
te por Schardin, Hubert.
"
Die Grundlagen einer exakten
Anwendung und quantitativen
A
usw
ertung der Toeplerschen
Schlieren methode
(Berlin,
1934).
25. iagem favorecida pelo pro-
grama de bolsas de estudos do
DAAD (Serviço Alemão de
Intercâmbio Acadêmico) -
CAPES, para desenvolvimento
do projeto “Campo de Força”
junto à Kunstakademie Düssel-
dorf, sob a orientação da Prof.
Nan Hoover. Essa bolsa me foi
concedida graças ao apoio dos
Profs. Vilém Flusser († 1991),
Walter Zanini e Gottfried Jäger.
Schlierenfotografia, 1995
baixos da existência humana. O calor havia deixado de ser
simplesmente representado como uma propagação de ondas no
espaço para readquirir a simbologia do fogo. E como tal ele se
manifesta numa natureza dualística: ora ele é tratado como o fogo da
purificação, o fogo da vida; ora como o fogo da punição, das chamas
que destroem. Numa segunda série de trabalhos iniciada em 1996, eu
passei a investigar as possibilidades da
Schlierenfotografia
produzida
com uma fonte de luz branca convencional. Se antes pelos
Lasergramas era possível apenas o registro das sombras dos objetos,
agora é possível revelar toda uma realidade material, colorida e
volumétrica nas imagens.
147
A
cima, det
alhe do Schlierenfilme
e abaix
o
, “le champ du force”,
S
chlier
en
fotografia, 2007
A
cima, dois Las
er
gramas. “Ascen-
são magen
t
a” e “Queda Amare-
la”, 2
006
Las
ergr
ama em negativo p/b,
mos
tr
ando as irradiações de calor
a p
ar
tir de c
orpo aquecido.
8. SONÂMBULOS
Durante anos eu viajei de trem pelo trecho entre as cidades de
Düsseldorf, onde eu morava, e Colônia, onde realizei o curso de
mestrado ao longo de três anos. Separadas por uma distância de
cerca de 30 Km, o percurso diário entre as duas cidades era feito
normalmente nas primeiras horas da manhã e tarde da noite. Como
em qualquer lugar do mundo os passageiros, nesses horários, estão
inteiramente entregues à força do sono e era muitas vezes possível,
especialmente à noite, encontrar fileiras inteiras de passageiros
cochilando. Ainda numa fase pré-digital, utilizei uma câmera
carregada com filmes para registrar, de forma a mais dissimulada
possível, aquelas pessoas ao meu lado, ou à minha frente, que se
entregavam a essa curiosa prática de dormir e se locomover ao
me
smo tempo
28
. Algo que podemo
s identificar como um
sonambulismo sobre rodas e sobre trilhos; um estágio de vigília, tão
estimado pelos surrealistas na sua busca de um acesso mais direto às
fontes do inconsciente. Um grupo de fotografias desses
Sombulos foi montado na forma de um
livro de artista
,
acompanhadas apenas pelo título e pelas informações sobre os
trechos de viagem, sem qualquer outro tipo de texto que pudesse
explicá-las”. Este trabalho foi realizado no ano de 1999 e finalmente
editado como livro de artista no ano de 2003, em São Paulo.
9. DESBABELIZADOR: OUTRA REDE SEM CABO
Esse trabalho enfoca a construção de uma série de pequenas
esculturas feitas com material plástico reciclável, coletado junto às
usinas de reciclagem e também junto aos amigos. A construção de
pequenas torres de plástico é feita pelas combinações possíveis
entre formas e cores da matéria prima empregada (tampas plásticas
de produtos de consumo), no encontro de estruturas inusitadas,
associadas a modelos arquitetônicos. Cada pequena torre tem o seu
peso alterado pela inserção de uma peça de chumbo no seu interior,
além de uma combinação muito especial de materiais: um pedaço de
fio de cabelo de uma pessoa amiga e um fio de pêlo do meio peito.
Semelhante ao “transmissor-receptor” do trabalho realizado com
Nishimura (baseado nas
Stupas
budistas), essa combinação de
materiais inseridos nas torres, teria a capacidade de “unificar” todas
as dif
erentes pessoas espalhadas pelo mundo (que colaboraram com
seus cabelos para esse trabalho), para além das barreiras da língua e
das fronteiras geográficas. Daí o título da obra, inspirado em grande
parte na passagem bíblica que narra o “Pentecostes”, quando os
apóstolos teriam recebido uma língua de fogo sobre suas cabeças e
p
as
saram a compreender e a falar uma variedade de línguas e
dialetos daquele tempo. Assim o
Desbabelizador seria um
148
29. ”Incerteza criativa“ é um
dos gestos característicos da
atividade criativa, ao procurar
relacionar duas ou mais coisas
en
tr
e si. S
eja considerada espa-
cialmen
t
e ou line
armen
te (co-
mo no trabalho com textos), o
ge
s
t
o que pr
oc
ur
a po
sicionar
um elemento exatamente em
relação a outro, primeiramente
analisa a per
tinência de uma
combinação, para depois retirá-
lo dali, colo-lo em outra
po
sição, recolocá-lo de volta na
posição inicial e assim por
diante. Assim, a partir dessa
sucessão de operações aparen-
temente incertas e indecisas, a
precisão é encontrada.
aparelho com a capacidade simbólica de retroceder ao tempo
mítico anterior à construção da Torre de Babel. Este trabalho foi
apresentado primeiramente no ano de 2001 em Porto Alegre e mais
tarde acompanhou a obra apresentada no Panorama da Arte
Brasileira no MAM de São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia.
10. CINE-ROBOTICISMO: UM ROBÔ
MANIPULA O INVISÍVEL
Uma nova experiência escultórica vai ocorrer no contexto de
minha produção com o trabalho intitulado
Cine-Roboticismo“, uma
instalação que relaciona um robô industrial com as pequenas
esculturas em forma de torre, dispostas ao seu redor sobre dois
móveis de madeira Apresentado pela primeira vez na galeria Obra
Aberta, em Porto Alegre (2001) e depois no “Panorama da Arte
Brasileira“, 2001/2002. O robô faz uma alusão à "pura presença do
movimento" num ambiente dominado por esculturas "só
aparentemente estáticas". Tal como aconteceria num xadrez
tridimensional, o autômato constantemente desloca um grupo de
esculturas de suas posições para outras, criando uma coreografia
altamente rítmica, executada por
movimentos precisos
mas por
vezes também aparentemente
indecisos
. De forma semelhante ao
que o artista realiza, os movimentos do robô parecem gravitar, muitas
vezes, entre decisões e indecisões, ao trocar uma escultura de lugar
com outra , ou ainda quando parece manipular certos objetos
inexistentes - como se estivesse ordenando magicamente as coisas
ao seu redor. Os gestos coreografados com traços de
incerteza
criativa
29
, faz com que o robô pareça inseguro ao se aproximar de
uma escultura, retirá-la de sua posição e transferi-la pelo espaço até
uma outra posição.
O “Cine-R
oboticismo“ é, segundo a minha maneira de ver,
uma homenagem à simples contemplação do movimento - uma
homenagem ao
s primeiros tempos do cinema sem história.
Progamada de forma que seus movimentos percam a mera
repetitibilidade que caracteriza sua função original, os movimentos
do r
obô c
ons
eguem de
spertar no público o interesse pela simples
c
on
t
emplação de seus gestos e seus rítmos. Se o som e o movimento
são o que mais fortemente caracterizam a nova arte do início desse
século - fortemente representada pelo vídeo e pela arte digital - de
forma alguma nos garante conquistar a atenção dos olhares do
público. No entanto as exibições públicas desse trabalho demonstram
o quan
t
o o “Balé mecânico“ (Léger), executado por um autômato
ainda parece exercer um fascínio aos olhos de quem o observa. O
mo
vimen
t
o adquir
e aqui um no
v
o v
alor
, um v
alor de
realidade física
animada
, extremamente diferenciado da realidade virtual do mundo
pixelgrafado
digital.
149
R
obô ordena t
orr
e
s ao seu redor.
MAM, São P
aulo, 2
001. Ab
aix
o,
pon
t
o de vis
t
a da câmer
a instala-
da nas garr
as do autômat
o
.
Montagem de uma torre com a
colocação dos fios de cabelo, pe-
los do corpo e chumbo.
“Torre”, plástico, chumbo e cabe-
los, 2000.
11. PESCARIA: UMA GRAVURA QUE SE TRANSFORMOU
EM MICROFONE
Esse projeto recupera grande parte de minha experiência no
campo da arte telecomunicativa, agora aplicada à produção de uma
gravura-objeto. Em novembro de 2002 foi finalizada uma primeira
versão da obra intitulada 'Pescaria' - uma gravura feita sobre uma
placa de circuito impresso (fenolite recoberto de cobre) e cuja
gravação foi realizada pelo método tradicional da água-forte. Na
superfície de cobre desta placa foi gravado um circuito e sobre ele
montados um conjunto de componentes eletrônicos que, alimentados
por uma pequena bateria, a transformaram num microfone sem fio.
Dessa forma, era possível, por meio dessa gravura, produzir
interferências na recepção de um rádio comum sintonizado na
freqüência FM. Esse trabalho, desenvolvido para o "Clube da Gravura"
do Museu de Arte Moderna de São Paulo, teve uma tiragem de 60
exemplares, e a
Pescariado título, se refere à busca que o operador
da “gravura-microfone” deve empreender a encontrar uma
freqüência que ele poderá invadir com seu pequeno transmissor. É o
que se conhece normalmente como transmissor pirata”. Em 2005
produzi uma nova série deste trabalho, dessa vez para uma mostra no
Itaú Cultural, em que seis diferentes transmissores foram instalados
num espaço, acompanhados de seis aparelhos de rádio. Ao público
era oferecida a possibilidade de provocar uma polifonia com essa
obra, se no caso, de em algum momento seis diferentes visitantes se
colocassem a emitir sons pelas “gravuras”.
12. PALÁCIOS: UMA RELEITURA DA OBRA DE
MESTRE MOLINA
Em outubro de 2007 o SESC da Av. Paulista organizou uma
mostra intitulada “Molina Remix” para a qual foram convidados sete
ar
tis
t
as
30
p
ar
a r
e
alizar uma releitura da obra de Mestre Molina, um
artista de origem popular, do interior de São Paulo, que se notabilizou
pelo trabalho de construção de
bancadas
que representam diferentes
ambientes de trabalho, como uma marcenaria, uma serralheria, uma
fábrica de farinha etc. Engenhosamente animadas por meio de
mo
t
or
e
s e c
orreias de transmissão, a obra de Molina se constitui num
r
ar
o exemplo de arte cinética popular” na história das artes plásticas
do Brasil. Entre todas essas bancadas, uma delas me chamou a
atenção de imediato, pelo seu título e pela sua temática. Intitulada
Palácio dos Fantasmas
(1984), nessa bancada vemos uma construção
de três andares, tendo uma espécie de garagem ou porão na parte de
b
aix
o e uma c
ons
trução menor no telhado, sobre a qual voam, em
cír
culos, duas bruxas com suas vassouras. Em cada andar deste
edifício existem três janelas das quais surgem, aos pares, fantasmas,
150
“O P
alácio do
s Fantasmas”,
Me
str
e Molina, 1984
30. Arnaldo Pandolfo, grupo
Caixa de Imagens, Eduardo
Srur
, Jum Nak
ao, Lali Krotos-
zynski, Mario Ramiro e Renzo
Ass
ano
.
“Pescaria”, chapa de fenolite,
componentes eletrônicos, e bate-
ria. 2003.
esqueletos, demônios, caveiras e máscaras de aspecto assombroso,
que se lançam em direção ao espectador. Na garagem ou porão deste
edifício de n. 1570, seis personagens jazem mortos ao lado de dois
caixões - um fechado e outro que se abre, mostrando uma figura que
tenta se levantar de dentro dele.
Sobre esta
Geringonça
(termo que o Mestre Molina
empregava para designar suas bancadas cinéticas) foi escrito que
“um complexo jogo de roletes, roldanas e enormes carretéis instala-
dos na parte traseira de uma espécie de armário, provoca movi-
mentos nos componentes, fazendo cabeças aparecerem e desa-
parecerem nas janelas do prédio; um defunto tenta sair do caixão,
outro tenta levantar-se do chão. Aqui o mecanismo de montagem e
impulsão é tão interessante quanto a própria Mesa”
31
.
O Palácio: quatro releituras em uma instalação
A releitura do “Palácio dos Fantasmasfoi feita pela escolha
de quatro elementos, extraídos da obra original e submetidos a uma
reinterpretação da minha parte. Com eles eu pude recriar aquilo que
chamei de “
Palácio”:
As nove janelas dos três andares da construção original
foram traduzidas por nove lupas de diferentes diâmetros e diferentes
pontos focais, agrupadas num canto da sala, produzindo pequenas
projeções luminosas numa parede mantida sob penumbra. Essas
“janelas” luminosas se tornavam “animadas” quando algum visitante
se movimentava no extremo oposto da sala, projetando suas sombras
invertidas nas imagens sobre a parede.
As Duas bruxas que voam sobre o “Palácio dos Fantasmasse
transformam em duas garrafas de vidro, cada uma com uma pequena
cabaça que lhes servia de tampa, prendendo longos fios de cabelo
que levitavam ao seu redor, devido às turbulências atmosféricas
produzidas por um aquecedor de ar.
Os sons das engrenagens dessa
Geringonça
representam, no
c
on
t
e
xt
o dessa obra, os sons de outras esferas”, assim como as “25
almas” representam as imagens de assombrações vindas do além”.
Portanto fui buscar uma sonoridade que, ao contrário dos sons
mecânicos da bancada do Mestre Molina, tem sua origem numa
aparelhagem” que não necessita de nenhuma fonte de energia para
pr
oduzí-la. O rádio Galena, ao funcionar s
em a nec
e
s
sidade de
b
at
erias ou c
orrente elétrica, não deixa de parecer, mesmo nos dias
de hoje, um
mistério movido por forças invisíveis
; uma conjunção de
materiais que, tal como nos sortilégios mágicos, proporciona vida e
movimento àquilo que é inerte e sem vontade própria. O rádio Galena
foi montado diretamente sobre uma mesa, ligado a uma antena que
s
e ins
t
alava no espaço expositivo e a um fone de ouvido pelo qual os
visit
an
tes podiam ouvir uma tênue estação de rádio das redondezas.
O fantasma que procura sair do caixão no Palácio, nessa
151
31. Arte Popular nas Geringon-
ças de Mestre Molina (catá-
logo). São Paulo: SESC, 2003:
148 – 159.
Acima, projeto da instalação. Ao
centro, detalhe de algumas das
“Nove Janelas”, tripés e lentes.
Abaixo, as duas “Bruxas”, vidro,
cabelo, madeira e pedra.
releitura ressurge como um “falso holograma”; uma projeção feita de
dentro de dois espelhos côncavos que, por uma construção ótica
precisa, consegue formar uma imagem virtual no ar, à frente do
observador. A ilusão de uma imagem projetada para fora dos
espelhos é suficientemente forte para nos convencer de que estamos
à frente de uma forma tangível no espaço. Os espelhos, artefatos de
demonstração ótica em física, foram pintados exatamente como o
caixão do Palácio original, sendo que aqui o defunto conseguiu a
projeção para o mundo dos vivos, o que na obra do Mestre Molina era
apenas uma ameaça.
152
Acima, o rádio Galena, fixado à
mesaque “reproduz” os sons das
engrenagens. Abaixo o jogo de
espelhos parabólicos do “caixão
Acima e abaixo, vistas da insta-
lação no 4. andar do SESC
Paulista.
CONCLUSÃO
Este estudo, em sua primeira parte, apresenta um conjunto de
reproduções fotográficas que, reunidas, representam a chamada
Fotografia dos Espíritos no Brasil. Essas imagens se prestam, histori-
camente, a três objetivos principais: - provar a continuidade da vida
consciente e individualizada, após a morte; - provar, por outro lado,
que grande parte dos fenômenos atribuídos aos espíritos” seriam
produto da capacidade humana, observadas em indivíduos dotados;
dar testemunho de prova e das muitas manifestações da Virgem,
de Jesus e de alguns milagres ocorridos entre nós. A produção da
Fotografia dos Espíritos se inicia no contexto histórico do Moderno
Espirit
ualismo nos Estados Unidos e chega ao Brasil como uma práti-
ca ligada ao Espiritismo kardecista.
As imagens apresentadas nessa tese foram obtidas em livros,
revistas e catálogos, totalizando, no acervo agora formado, centenas
de imagens produzidas e publicadas no país ao longo de quase um
século - das quais temos aqui apenas uma pequena amostragem. Se
essas fotografias surgem e se desenvolvem num primeiro momento,
no contexto da religião espírita e da parapsicologia no Brasil, hoje
essa prática fotográfica reaparece no contexto das aparições mari-
anas; algo que, segundo nosso entendimento, reatualiza a prática da
fotografia dos espíritos. Se no passado essa fotografia se utilizou da
estrutura editorial e do grande mercado de livros espíritas no Brasil,
colaborando na criação de um “imaginário espírita”, hoje a fotografia
milagrosa se utiliza da rede mundial de computadores para revitalizar
certas práticas de vivência do sagrado, que pareciam “perdidasnos
ritos Católicos oficiais.
A anális
e da produção de alguns personagens chaves da
história desse gênero fotográfico no Brasil, revela a existência de um
conjunto de obras particulares, sendo que muitas não encontram
sequer correspondência na literatura do gênero, como a foto de auto-
ria de um
e
spírit
o
”, que s
e enc
ontra na coleção do maestro Etore
Bosio.
Do ponto de vista de sua circulação social, até a primeira
metade do século XX essas imagens eram vistas quase que exclusiva-
mente nas publicações voltadas para o público espírita mas, nos anos
sessenta, a mídia brasileira irá dar um certo destaque para o seu con-
t
eúdo
, ins
erindo-
as, em grande formato, nas revistas de maior circu-
lação no país. Como resultado disso, uma polêmica foi sustentada
dur
ante meses no ano de 1964, colocando frente a frente os represen-
tantes espíritas e os jornalistas dos Diários Associados, que levaram
para os canais de televisão da época, uma discussão sobre a natureza
daquelas f
o
t
ogr
af
ias. Por isso podemos arriscar dizer que, já na déca-
da de 60
, e
ssas fotografias circulavam na sua “versão eletrônica”
para as massas no Brasil.
153
Em sua segunda parte, a tese procura relacionar uma pro-
dução autoral multimídia com certos elementos analisados no estudo
da fotografia dos espíritos. Em obras nascidas no contexto de exper-
imentação com as novas mídias, surgem temas diretamente e indire-
tamente relacionados ao universo analisado na primeira parte da
tese.
A série de obras telecomunicativas, que se utilizava criativa-
mente dos meios de telecomunicação emergentes na década de 80,
preconizava a desmaterialização da obra de arte, a sua redução a um
deslocamento de impulsos eletromagnéticos, sem corpo, sem objeto,
numa escala não mais espacial, mas temporal. A superação do uso da
tecnologia na realização de obras telecomunicativas, veio a partir de
um trabalho conjunto com o artista japonês Morio Nishimura, no iní-
cio dos anos 90, “fundamentado” nos princípios da telepatia.
A tecnologia, no conjunto dessa produção , vem sendo utiliza-
da para revelar aspectos invisíveis da natureza e isso pode ser identi-
ficado como o tema mais recorrente no conjunto da obra. Foi a partir
desse programa de trabalho que um princípio óptico, desenvolvido na
Alemanha, ao final do século XIX, foi adaptado ao uso da luz laser,
para revelar a existência de uma aura quente ao redor dos corpos
aquecidos. O trabalho fotográfico foi uma tônica da produção dos
anos 90, onde o conhecimento da técnica de processamento fotográ-
fico colorido, permitiu a realização de uma extensa pesquisa no
campo da fotografia, que entendo como a principal motivação para o
presente estudo.
O paralelismo entre essas duas frentes de ação, o da pesquisa
histórica e iconográfica e o da produção artística, reflete não só uma
condição pessoal e particularizada de trabalho, mas uma tendência
observada nas últimas gerações, de artistas pesquisadores, envolvi-
dos não só no trabalho de ateliê e estúdio, mas também na pesquisa,
especialmente quando vinculados às universidades. Nesse paralelis-
mo, o trabalho de campo, realizado para a pesquisa histórica e icono-
gráfica, acabou por fornecer preciosos elementos que se integram à
produção criativa e crítica do artista. Quem ganha com isso são os
nossos alunos.
154
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“Deputado diz ter recebido espírito”. Folha de São Paulo, São Paulo: 29/10/2004.
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A ‘médiumOtília sem scara”. O Cruzeiro, 22/02/1964, ano xxxvi, n. 20, págs. 100-106.
Universo Espírita
: ciência, filosofia e religião. São Paulo: Ed. Universo Espírita, ano 3, n. 27, 2006.
“Muito além do jardim”, IstoÉ, São Paulo, n. 1599, 24/5/2000.
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