Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
MAURO FERREIRA DE SOUZA
A IGREJA E O ESTADO:
UMA ANÁLISE DA SEPARAÇÃO DA IGREJA CATÓLICA DO
ESTADO BRASILEIRO NA CONSTITUIÇÃO DE 1891
SÃO PAULO
2007
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
MAURO FERREIRA DE SOUZA
A IGREJA E O ESTADO:
UMA ANÁLISE DA SEPARAÇÃO DA IGREJA CATÓLICA DO
ESTADO BRASILEIRO NA CONSTITUIÇÃO DE 1891
Dissertação apresentada à Universidade
Presbiteriana Mackenzie no Programa de Pós-
Graduação em Ciências da Religião, como requisito
parcial para obtenção do título de mestre.
Orientador: Prof. Dr. João Batista Borges Pereira
SÃO PAULO
2007
ads:
MAURO FERREIRA DE SOUZA
A IGREJA E O ESTADO:
UMA ANÁLISE DA SEPARAÇÃO DA IGREJA CATÓLICA DO
ESTADO BRASILEIRO NA CONSTITUIÇÃO DE 1891
Dissertação apresentada à Universidade
Presbiteriana Mackenzie no Programa de Pós-
Graduação em Ciências da Religião, como requisito
parcial para obtenção do título de mestre.
Aprovado em ___/____/2007
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________________________
Prof. Dr. João Batista Borges Pereira- Orientador
Universidade Presbiteriana Mackenzie
_________________________________________________________________
Profª. Drª. Ana Lúcia Pastore
USP-Universidade de São Paulo
_________________________________________________________________
Prof. Dr. Antonio Máspoli de Araújo Gomes
Universidade Presbiteriana Mackenzie
RESUMO
O objetivo deste trabalho é demonstrar que a Constituição Federal de 1891 consagrou um
modelo de Estado laico, ou seja, desvinculado de quaisquer confissões religiosas. E que esse
modelo é imprescindível para a defesa dos direitos humanos fundamentais e de um Estado
Democrático de Direito, plural e respeitador da diversidade. A história constitucional do
Brasil demonstra que nem sempre foi assim, pois até a proclamação da República, em 1889, e
a nova Constituição de 1891, vivia-se num Estado Monárquico e Confessional, que adotava a
religião Católica como Oficial. Ora quando o Estado resolve adotar uma religião oficialmente,
ainda que seja a de um grupo majoritariamente dominante ou hegemônico, é inevitável o seu
comprometimento com crenças, princípios morais, ideologias de um determinado grupo em
detrimento de outros, tornando difícil a efetivação do respeito às minorias, aos direitos
humanos e a consolidação de um Estado democrático de Direito. Este trabalho pretende
fomentar ainda mais o modelo laicista de Estado ao estudar o campo religioso brasileiro a
partir do processo histórico, político e ideológico em que culminou na separação da Igreja
Católica Romana do Estado brasileiro na primeira Constituição Republicana de 1891. O
primeiro Capítulo é contextual do período em que ocorreu o fato. Contexto religioso, político,
ideológico e jurídico. No segundo capítulo, a relação Igreja- Estado como substrato relacional
(poder secular e poder religioso). No terceiro capítulo, discorre sobre o fundamento
intelectual-filosófico que culminou no divórcio da Igreja com o Estado, o qual não ocorreu de
maneira inesperada ou abrupta, mas passou por um processo histórico de grandes discussões
no Brasil. Por fim, pretende-se dar uma contribuição teórica nas amplas discussões das
relações Igreja-Estado.
Palavras-chave: Liberalismo. Positivismo. Laicismo. Igreja. Estado. Constituição. República.
ABSTRACT
The purpose of this essay is to show that the Federal Constitution of 1891 consecrated a
model of lay state, or else, unattached to any religious confessions. And that this model is
very important to defending the fundamental human rights and of a Democratic Law State,
plural and respecting diversity. The constitutional story of Brazil shows that it was not always
like this, because until the Proclamation of the Republic, in 1889, and the new Constitution of
1891, people used to live in a Monarchic and Confessional State, which adopted the Catholic
religion as official one. When the State wants to adopt a religion officially, even if it is of a
group in its majority dominant and hegemonic, is inevitable their compromise with beliefs,
moral principles, ideologies of a certain group comparing to others, making it difficult the
accomplishment of respect towards minorities, towards human rights and the consolidation of
a Law Democratic State. This essay intends to foment even more the secularist model of State
while studying the Brazilian religious field from a historical process, political and ideological
that led to the separation of the Catholic Church from the Brazilian State in the first
Republican Constitution of 1891. The first chapter is contextual of the period in which the
fact occurred, religious, political, ideological and juridical context and in the following
chapter, the Church State relation as a relational substrate (century power and religious
power). In the third chapter, the philosophical – intellectual fundament that led to the divorce
between the Church and the State, which did not occur in an unexpected or abrupt way, but
passed through a historical process of great discussions in Brazil. At last, it is intended to
contribute theoretically to broad discussions in the relations Church-State.
Keywords: Liberalism. Positivism. Laicism. State. Constitution. Republic.
À minha esposa Madalena e filhas Cristiane e
Dayane pelo constante incentivo e apoio, sem os
quais não realizaria este trabalho.
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. João Batista Borges Pereira, minha gratidão, por ter sido orientador
persistente e amigo que, com diretrizes seguras, constante acompanhamento e com sua
competência, me fez concluir esta empreitada.
Homenagem póstuma ao saudoso Prof. Dr. Antonio Gouvêa Mendonça, primeiro a
tomar conhecimento do projeto e que me incentivou como orientador nos últimos dias de sua
estada no nosso meio acadêmico.
Aos Professores Dr. Antonio Máspoli Araújo Gomes e Drª Ana Lúcia Pastori pelos
comentários e sugestões apontadas no decorrer do exame de qualificação. Contribuições e
incentivos indispensáveis para realização do trabalho.
Aos dedicados funcionários da EST e em especial aos da Pós-Graduação, os quais
tornaram amigos.
Ao MackPesquisa pelo apoio, o qual foi indispensável para a conclusão do trabalho.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................................9
2 SITUAÇÃO DO BRASIL NO PERÍODO............................................................................13
2.1 Aspectos Sócio-Políticos e Religiosos............................................................................13
2.2 A Dimensão das Idéias no Período .................................................................................27
2.2.1 A Maçonaria .............................................................................................................27
2.2.2 O Liberalismo ...........................................................................................................32
2.2.3 O Positivismo............................................................................................................56
2.3 Aspectos Jurídicos do Período ........................................................................................62
2.3.1 A Igreja .....................................................................................................................62
2.3.2 A Educação...............................................................................................................63
2.3.3 O Matrimônio ...........................................................................................................66
2.3.4 Os Cemitérios e os Óbitos.........................................................................................68
3 O DEBATE NA RELAÇÃO IGREJA-ESTADO.................................................................70
3.1 A Relação Poder Secular e Poder Religioso ...................................................................70
3.2 A Relação Igreja-Estado na Reforma..............................................................................89
3.2.1 Influência Posterior da Reforma...............................................................................95
3.3 Relações Poder Secular (Estado) e Poder Religioso (Igreja) no Brasil ........................106
4 BASES DA SEPARAÇÃO IGREJA-ESTADO .................................................................124
4.1 O Estado laicista ou o “Estado leigo” ...........................................................................124
4.1.1 A Proposição de Estado Laico por Ruy Barbosa....................................................128
4.2 O Estado liberal e positivista.........................................................................................135
4.3 O Processo e campanha de consolidação da separação Igreja-Estado..........................151
4.4 Bases jurídicas laicistas consolidadas na Constituição de 1891 ...................................163
5 PERSPECTIVAS ATUAIS.................................................................................................169
6 CONCLUSÃO.....................................................................................................................186
REFERÊNCIAS .....................................................................................................................188
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ............................................................................201
ANEXOS................................................................................................................................202
9
1 INTRODUÇÃO
A vida social pode ser vista especialmente quando se percebe melhor a questão crucial
que a envolve a da relação complexa e delicada entre o indivíduo, a religião e o Estado. Essa
questão preocupou os filósofos do passado e do presente e tantos incontáveis pensadores de
todos os tempos. Entretanto, não é nosso intuito debater aqui neste trabalho acerca das
relações do sujeito, mas enfatizar a sua importância para o norteamento do direito de escolha
e da liberdade de crença e de religião.
Entender a religião e o Estado brasileiro é preciso retomar uma pesquisa no qual
fatores históricos, filosóficos e políticos se cruzam. O objetivo, portanto é entender o processo
do laicismo e separação da Igreja Católica do Estado brasileiro na Constituição Republicana
de 1891. Por outro lado, precisa-se entender e discorrer sobre a perspectiva da laicidade por
que passou o Estado, e lançar propostas de como deve ser a relação entre o poder religioso
(Igreja) e o poder secular (Estado) na atualidade.
Para responder a essas perguntas, cabe uma investigação mais abrangente, pois os
fenômenos religiosos e políticos sempre estarão em voga na sociedade. Assim, nessa
perspectiva, esse trabalho tenta entender historicamente o fenômeno histórico-político e social
que transformou o campo religioso brasileiro e a própria sociedade. Por isso, pede uma
investigação mais ampla.
Ademais, vive-se, atualmente, discutindo nos meios intelectuais temas religiosos em
interface com outras ciências humanas e sociais. Haja vista a problemática mundial e atual da
interferência do poder religioso no poder secular, e da influência de pressupostos religiosos
em todas as esferas da sociedade.
Alguns fatores incentivaram a propor uma pesquisa como esta. O primeiro foi que o
assunto pesquisado não foi muito discutido e encontram-se poucos trabalhos relacionados a
10
esta temática, num mundo atual cada vez mais propenso ao fundamentalismo religioso. Aliás,
vê-se no mundo atual o poder secular servindo para consolidar Estados totalitários e
ditatoriais com vieses religiosos, ao mesmo tempo em que se vê os direitos fundamentais da
pessoa humana serem sufocados. Com esta perspectiva, pretende-se dar uma contribuição
teórica ao estudo da relação poder secular e poder religioso, separando e respeitando estas
duas esferas.
A primeira seção se reserva à apresentação da presente dissertação.
Em seguida, procurar-se-á embora que panoramicamente e rapidamente, apresentar o
contexto do Brasil no período sem entrar em detalhes. O contexto das religiões, das idéias e
panorama jurídico da época.
Na terceira seção se fará necessário descrever a relação Igreja-Estado, o que se
denominou de poder secular (Estado) e poder religioso (Igreja). Poder secular como poder de
Estado e poder religioso como poder da Igreja que sempre se cruzaram, ora contrários e ora
subservientes. Articulou-se um breve relato histórico filosófico nos principais teóricos de
filosofia política, para entender o substrato desta relação. Nesta seção, destacaou-se que o
grande projeto português no Brasil estava atrelado à concepção teocrática cristã que perpassou
toda Idade Média e que se denominou de "a cristandade", ou seja, equivalente civil da igreja
Romana capaz de abraçar os mais diversos organismos políticos e ideológicos. Dentro desta
perspectiva, notou-se entretanto, que o clero católico desempenhou funções laicas e seculares
na política, na instrução escolar, no comércio e nas comunicações, ao mesmo tempo em que,
em nome da “madre igreja”, implementava o projeto teocrático de Portugal no Brasil.
Ainda nesta seção, abordar-se-á a relação Igreja-Estado no Brasil objeto desse estudo.
Desde os primórdios de sua colonização O país vivia num sistema de regalismo e padroado,
ou equivalente político com a alcunha de teocracia, nos moldes dos países medievais, e a
Igreja Católica gozava das regalias como a religião do Estado. Ademais, a monarquia lusitana
11
transposta para o Brasil era vista como um reino sagrado. A religião fundia-se com o poder
político, garantindo sua legitimidade e, conseqüentemente, seu status hegemônico como
religião estatal.
Dando continuidade, a seguinte seção é destinada à consolidação do laicismo do
Estado, destacando a influência do positivismo e do liberalismo como aparelhos para
consolidar a separação Igreja-Estado.
O positivismo e o liberalismo propagaram uma filosofia política que vai marcar o
início do governo republicano. Merece destaque o papel fundamental da influência dos
liberais e positivistas brasileiros na consolidação da separação Igreja-Estado. Essa ruptura
expressa em seu bojo os pressupostos políticos e intelectual-filosóficos, os quais devem ser
pesquisados e examinados não apenas com interesse especulativo, mas como norte para se
fundamentar as razões plenas da separação Igreja-Estado. Nesta perspectiva, alguns autores
lançaram luzes sobre o assunto. Antonio Gouvêa de Mendonça (2002) salienta pontos que já
dão algumas pistas para consubstanciar esta pesquisa, quando diz: “[...] os liberais sabiam
perfeitamente que só uma ruptura de mentalidade da sociedade brasileira abriria caminho para
uma sociedade modernizada e progressista.” Aliás, essa era a força motriz do ideário liberal e
positivista para consolidar o Estado moderno separado da Igreja. E isso era o que
predominava em boa parte dos políticos, militares e intelectuais no limiar da implantação da
República no Brasil.
Boanerges Ribeiro (1973) destaca a contribuição dos liberais e positivistas na
mudança do sistema religioso brasileiro que culminou no divórcio da Igreja com o Estado.
Também salienta que este divórcio proporcionava uma nova visão de Estado.
Vieira (1980) defende a influência dos liberais, maçons e positivistas quanto ao debate
da separação da Igreja com o Estado e que tenha sido debatida na convenção do Partido
Liberal em São Paulo (1867) e no círculo positivista no Rio de Janeiro (1870).
12
A separação da Igreja Católica Apostólica Romana do Estado brasileiro na Primeira
Constituição Republicana em 1891 não aconteceu de forma abrupta ou sem pressupostos para
justificar e consolidar esta separação. Esse divórcio ocorreu e se consolidou na medida em
que houve mudanças históricas, intelectuais e políticas dentro de um contexto político e
ideológico propício para implantação do Estado laico e do seu fortalecimento.
O Estado brasileiro, sob a influência de idéias liberais e positivistas, se laicizava e a
Igreja perdia paulatinamente sua hegemonia. Assim, a história demonstra que novas
realidades foram construídas quando houve a confluência entre as condições objetivas e as
lutas dos que sonhavam com uma Igreja separada do Estado. Neste momento histórico, se
cruzam as condições e as necessidades de mudanças como nunca houve antes presenciado no
País, onde de fato o processo de instauração da República trouxe em seu bojo os marcos da
laicidade do Estado, da liberdade religiosa consolidando o idealismo do Estado Moderno.
O tema Igreja-Estado é contemporâneo, dada à problemática atual e mundial dos
conflitos e confluências Religião e Estado. Sendo assim, este trabalho leva a uma reflexão
para poder adensar a massa crítica nas relações entre o poder secular (Estado) e poder
religioso (Igreja).
13
2 SITUAÇÃO DO BRASIL NO PERÍODO
2.1 Aspectos Sócio-Políticos e Religiosos
A relação Igreja e Estado pede uma investigação mais ampla, especialmente no que
diz respeito ao que eram essas instituições em seus aspectos sociais, políticos e religiosos.
Quanto aos aspectos religiosos, o Brasil era uma pluralidade de crenças, embora a
Igreja Católica exercesse seu poder hegemônico.
No período que antecede a República ou a separação Igreja-Estado, já se tem um
campo religioso diverso e sincrético. Faziam-se presentes ao lado da católica, as
religiosidades indígenas, as africanas e os diversos tipos de protestantismo além de, judeus e
espiritualistas. Nessa perspectiva, Bourdieu (1983) definiu “campo” e determinou também as
suas propriedades conceituais, quando diz que o campo representa as posições cujas
propriedades dependem das posições nos espaços. Neste caso seguindo a teoria de Bourdieu,
o campo religioso brasileiro, portanto não era a Igreja Católica em si, mas a diversidade dos
espaços ocupados pelas mais diversas religiões ou manifestações religiosas.
Entretanto, para entender melhor a situação do período, precisa embora numa visão
panorâmica dissertar sobre os aspectos sócio-religiosos.
Desde a colonização, o catolicismo, tendo construído seus fundamentos, embora
frágeis, logo se fundiram com o encontro de outras culturas religiosas e étnicas: notadamente
a indígena e a africana. A primeira, com cerca de cinco milhões, compondo o vasto campo do
território nacional, sendo um mosaico cultural, lingüístico e especificamente religioso.
Conquanto, era natural que pela dominação forçada, muitos indígenas e africanos aderissem
ao catolicismo de colonização.
14
A força motriz do catolicismo português, em vários aspectos, não sobrepôs às duas
culturas, mas ao contrário, se apropriou delas e, com isso, construiu uma identidade nacional.
A opinião de Pereira (2000) é a de que os portugueses colonizaram e deram apenas a marca
religiosa fundamental ao país mas, num processo de acomodação das culturas subalternas.
Para esse autor, o modelo de cristandade brasileira não consolidou a universalidade católica,
mas absorveu, pela força de coesão, as diversidades étnicas. Para ele, o que houve foi um
processo de aculturação ou sincretismo.
A acomodação e a assimilação tornaram-se fenômenos aculturativos, surgindo, daí, no
Brasil colonial, uma cristandade de terceira categoria. A aculturação segundo ele, formou uma
síntese assimilativa e sincretista que, por sua vez, formou no Brasil um catolicismo nacional
desprovido da ideologia tridentina. Nessa perspectiva, interpreta o modelo pluriétnico
brasileiro como sincretista, assimilacionista e mescigenacionista. Assim, Pereira segue a linha
da acomodação das culturas que se fundiram para formar a identidade brasileira,
especialmente religiosa. Nesta perspectiva, diz:
A grande vocação histórica da sociedade brasileira é aceitar, sem maiores
resistências, as influências estrangeiras, evidenciadas no sincretismo cultural
do país. [...] Nesta linha de interpretação, a alegada receptividade histórica
da sociedade brasileira em relação ao “outro” é cientificamente captada
como uma tríplice e histórica vocação da sociedade nacional em anular o
“diferente” (PEREIRA, 2000, RevUSP-46, p.9).
Dada essa fusão cultural e religiosa, o catolicismo resultou em uma religião mais
popular do que tridentina
1
.
O catolicismo popular se mantém leal à Igreja Romana, lealdade facilitada
pela transigência de bispos e vigários com práticas atridentinas infiltradas e
pela tranqüila ignorância popular das conseqüências morais, litúrgicas e
devocionais do modelo tridentino. [...] Houve conflitos do catolicismo
tridentino com o regalismo; mas com a religião popular houve competição,
acomodação e, até, assimilação (RIBEIRO, 1973, p.64).
1
Tridentina: refere-se aos cânones do concílio de Trento, ou seja, ao catecismo da Igreja
15
Voltando a teoria de Pereira (2002), o catolicismo tomou uma identidade sincrética
como se verifica até os dias de hoje. Isso ocorreu não somente por razão da falta de padres,
mas por um processo de acomodação ou assimilação. Esse estudioso defende ainda que este
processo assimilacionista corroborasse com processo de mestiçagem. Nesta perspectiva,
defende que o processo de mestiçagem ajudou a engrossar o caldo sincretista brasileiro. Os
filhos dos negros com brancos, ficaram em um fogo cruzado, e se a mãe fosse negra os filhos
assimilavam mais os aspectos religiosos africanos, mas sem deixar de ir a uma paróquia
católica. A folclorização e a magia especialmente da cultura negra penetrou nos brancos e
amistiçados dos índios, formando uma imagem não somente interiorizada, mas estereotipada
nas manifestações públicas sejam civis ou religiosas.
Os brasileiros negros ou brancos, de camadas menos privilegiadas, vivem
esse universo de símbolos, ritos e mitos, como algo integrante de suas vidas,
de seu cotidiano, sem pretensões maiores, sem outras interrogações. Vivem-
no naturalmente. (PEREIRA, RevAntropologia-26, 1983, p.96).
Em suma, a identidade religiosa nacional logo estereotipou em um contexto social de
mestiçamento fundamentalmente inegável. Este processo de mestiçagem ou miscigenação
influiu diretamente na identidade religiosa.
A história do Brasil é uma história de mestiçagem, explicada pelos
cruzamentos de três raças, duas das quais classificadas por critérios de
inferioridade biológica e cultural (negros e índios). [...] Romero ressalta a
colaboração dos negros e índios na formação do país e destaca o peso da
cultura e do caráter lusitano, bem como seu “pendor” para o cruzamento-
“produtor dos mestiços de todos os graus que formam a grande maioria da
população brasileira”. Para o autor, a população mestiça, majoritária
(PEREIRA, 2002, RevUSP-53, p.130).
Nesta mesma perspectiva, Ortiz (2006), defende que o Brasil é o produto da
mestiçagem. Ele quando fala da “Cultura Brasileira e Identidade Nacional
2
, que, aliás, é o
tema de sua obra, parte da perspectiva de que o sincretismo se consolidou por existir uma
2
ORTIZ, Renato. Cultura Brasileira e Identidade Nacional. São Paulo: Editora Brasiliense, 8ª edição, 2006.
Nesta obra, o autor dedica um capítulo à mestiçagem quando defende que o Brasil é produto da mistura não
somente de raças, mas de religiões.
16
memória coletiva africana, ou um imaginário religioso que conservou a sua autonomia,
mesmo que o elemento sincrético provenha de uma fonte exterior a ela.
O catolicismo adaptou-se à cultura local? Não há dúvidas. Sem a intenção de reduzir o
conceito de cultura popular apenas às adaptações ou rejeições da religião dominante, não há
como não relacionar cultura brasileira e catolicismo sincrético. Este último assimilou, de
forma muito flexível, alguns traços dos que pretendia doutrinar. Fato é que o catolicismo
encontrava-se totalmente submerso nas características culturais dos brasileiros e não teve, ou
não quis ter muita força para alterar seus principais traços. Afirmar que o catolicismo estava
aliado à cultura é dizer, nas palavras de Bittencourt (2003, p. 41), que ele aceitou, sem
problemas, a “presença e influência da Matriz Religiosa Brasileira”, sendo que esta, prossegue
o autor, “nunca representou um problema a ser enfrentado; quando muito representou apenas
uma dificuldade a ser contornada sutilmente”.
O que Bittencourt (2003) chama de “Matriz Religiosa Brasileira” é exatamente esse
núcleo básico de religiosidade formado a partir do sincretismo de elementos encontrados nas
religiões específicas das etnias. Este núcleo é o resultado do encontro das diversas religiões
sob o fenômeno da mestiçagem. Ele influenciou não só a religiosidade do brasileiro, mas
também traços de sua cultura e personalidade nas várias áreas da sociedade e do cotidiano.
Portanto, para explicar quais elementos compõem a Matriz, Bittencourt recorre à idéia de
sincretismo. O caminho percorrido para a formação da Matriz é o da formação histórica da
nacionalidade:
Com os colonizadores chegam o catolicismo ibérico (reconhecidamente
singular) e a magia européia. Aqui se encontram com as religiões indígenas,
cuja presença irá impor-se por meio da mestiçagem. Posteriormente a
escravidão trouxe consigo as religiões africanas que, sob determinadas
circunstâncias, foram articuladas num vasto sincretismo. No século XIX,
dois novos elementos foram acrescentados: o espiritismo europeu e alguns
poucos fragmentos do Catolicismo romanizado (BITTENCOURT, 2003, p.
41).
17
Bittencourt tem seus pressupostos consubstanciados na perspectiva de Holanda (1978),
que ao analisar a cultura brasileira e sua formação, afirma com propriedade a influência da
religiosidade na formação desta cultura.
As contribuições de Holanda revelam o olhar do protestante sobre essa religiosidade.
Holanda (2002, p. 149) relatou dois trechos de “visitantes protestantes que aqui estiveram”,
Kidder e Thomas Ewbank, que comentaram sobre as formas cúlticas da religiosidade,
chamada por eles de nativa. Holanda assim escreveu (2002, p. 151):
Em verdade, muito pouco se poderia esperar de uma devoção que, como
esta, quer ser continuamente sazonada por condimentos fortes e que, para
ferir as almas, há de ferir primeiramente os olhos e os ouvidos. “Em meio do
ruído e da mixórdia, da jovialidade e da ostentação que caracterizam todas
essas celebrações gloriosas, pomposas e esplendorosas”, nota o pastor
Kidder, “quem deseje encontrar, já não digo estímulo, mas ao menos lugar
para um culto mais espiritual, precisará ser singularmente fervoroso”. Outro
visitante, de meados do século passado, manifesta profundas dúvidas sobre a
possibilidade de se implantarem algum dia, no Brasil, formas mais rigoristas
de culto. Consta-se que os próprios protestantes logo degeneram aqui,
exclama. E acrescenta: “É que o clima não favorece a severidade das seitas
nórdicas. O austero metodismo ou o puritanismo jamais florescerão nos
trópicos”.
A citação de Holanda revela traços marcantes da forma de expressão religiosa
brasileira, que, na data referida, já se encontrava oficialmente sincrética. A partir deste texto,
um forte contraste é notado entre as práticas protestantes e católicas: o caráter festivo das
celebrações cúlticas em oposição ao rigorismo do culto puritano contra a liberdade de
expressão.
Holanda destacou as características pontuadas sempre em relação ao tipo de
catolicismo aqui praticado. Ou seja, Holanda descreveu uma religião oficial, já moldada sobre
as especificidades nacionais, ou seja, um catolicismo sincrético. O autor analisou o resultado
dos entraves entre as religiosidades específicas das etnias e a dominação que a religião oficial
exerceu sobre tais formas. A importância dessa análise é a percepção concedida pelo autor de
18
uma religião oficial que mantém as características culturais do povo e que por esse motivo é
chamada de “nosso velho catolicismo”.
O “velho catolicismo” é enfocado por Holanda (1978), que examina uma das mais
brilhantes categorias culturais do brasileiro: a “cordialidade”. O homem cordial manifestava-
se também pela religiosidade. Trata-se, portanto, de um aspecto cultural de grande relevância
que permeou toda a relação do brasileiro com o sagrado e com a divindade. A cordialidade
produziu os aspectos intimistas e anti-ritualísticos que estão entrelaçados com a expressão
religiosa.
O português colonizador, mesmo com os aspectos da cordialidade, olhava com
desconfiança o “campo”, expressão bourdieuriana (1983), e nesta perspectiva não tardou de
consolidar seu poder hegemônico. Segundo Bourdieu (1983), as lutas dentro do campo
religioso são desiguais, pois os que detêm o poder e a autoridade- o capital consolidado, é que
molda o campo e lhe dá sentido. Por isso o português embora em bases frágeis construiu o
ideário religioso. Nesta perspectiva, Souza (1986) é da opinião de que o mesmo moldou aqui
uma religiosidade multifacetada, pelo poder dominante e como ideário religioso implementa
seu interesse. Pondera mais:
A América era muito mais filha da Europa do que jamais o foram a Ásia e a
África; mas era Europa, e ao mesmo tempo a não Europa; era antítese
geográfica, física e muito logo política da Europa- na metrópole-podiam
aqui- colônia- mais do que e nenhum lugar tender à polarização [...} mas do
que disse respeito à humanidade diversa, pintada de negro pelo escravo
africano e de amarelo pelo indígena, venceu a diferença: infernalizou-se o
mundo dos homens em proporções jamais sonhadas por toda a teratologia
européia – lugar imaginário das visões ocidentais de uma humanidade
inviável. (SOUZA, 1986, p.31,32).
Alguns espíritos mais atentos do clero, não tardaram, contudo, em adaptar a religião
aos anseios populares, que neste processo de acomodação preparou-se para fundir as culturas
religiosas em uma síntese harmoniosa. Daí tem um catolicismo sincrético, mas sempre
19
subserviente aos bispos e ao poder civil que neste caso era subserviente da Igreja. A religião
acomodaria à cultura e etnia desde que não ferisse os interesses da Corte.
Com elementos indígenas e africanos, a religiosidade do brasileiro tornou-se popular e
cada vez mais se distanciava dos cânones tridentinos.
A religião popular absorve celebrações piedosas de liturgia africana, ou
indígena; adota o tempo sagrado do ciclo de estações do hemisfério sul;
separa seu espaço sagrado; escolhe símbolos, valores, crenças e sanções ou
observa-os. [...] O puritanismo litúrgico, tanto de regalistas como de
tridentinos tenta expurgá-las. Acaba se acomodando ou assimilando-as. [...]
Por volta de 1840, em uma vila paulista, Kidder registra: “Disseram-nos que
também nesse lugar, muitos dentre os moços demonstravam pouquíssimo
respeito pela religião, devido à influência de obras profanas e outras causas
diversas. A desculpa de quase todas as faltas era sempre a mesma: eu não
sou católico. O povo em geral aceita os dogmas da igreja, mas raramente
cumpre seus mandamentos, salvo quando a isso obrigados, principalmente
pelos pais, ou em artigo de morte. [...] Muita gente tinha externado de
pautar sua vida como bem entendesse, fosse qual fosse a decisão da
autoridade eclesiástica” (RIBEIRO, 1973, p.61,62,70).
As festas religiosas celebradas nas paróquias ou nas ruas eram mais uma festa popular
do que uma cerimônia religiosa, ou missa. A religiosidade popular perpassou todo regime
colonial e têm-se resquícios até os dias de hoje.
Embora com essa pluralidade e sincretismo, a Igreja Católica assumiu uma atitude
firme no sentido de fazer valer sua fé, suas regras e seu domínio. Era uma Igreja que se via
dentro de uma "guerra santa" contra todos aqueles que não acreditavam nela. E numa guerra,
na maioria das vezes, as armas são as violências e as repressões. Essa Igreja guerreira via
como possíveis inimigos todos aqueles que não eram católicos, e os combatiam duramente.
Freire (1980) aponta as características da colonização do Brasil pelo viés da religião
por meio dos jesuítas. Sua opinião é a de que eles idealizaram e implementaram no País um
modelo de teocracia.
A nossa verdadeira formação social se processa de 1532 em diante, [...] O
oligarquismo ou nepotismo, que aqui madrugou, chocando-se ainda em
meados do século XVI com o clericalismo dos padres da Companhia. Em
oposição aos interesses da sociedade colonial, queriam os padres fundar no
20
Brasil uma santa república de "índios domesticados para Jesus" como os do
Paraguai; seráficos caboclos que só obedecessem aos ministros do Senhor e
só trabalhassem nas suas hortas e roçados. (FREIRE, 1980, p.60).
O clericalismo dos padres da Companhia foi colidindo com as oligarquias regionais,
consolidando uma colonização que na perspectiva de Freire foi "semi-eclesiástica" e
"semifeudal", o monopólio católico romano atrelado à instituição político-religiosa do
padroado. Essa interpretação de Freire faz coro com os pronunciamentos e reflexões do
intelectual da época do início da República, Romero (1851-1914), que, em seus artigos
publicados no Jornal "Diário de Notícias", é da opinião que: "... nossa nação foi formada sob
o regime teocrático, ajudado pelos jesuítas." Uma outra opinião semelhante a de Freire e de
Romero é a do sacerdote romanista Maria (1950, p. 33,34), que diz:
[...] as missões jesuíticas eram complicadas pelo plano que os discípulos de
Loiola
3
tinham que dominar o mundo não só com as armas espirituais, mas
também com os instrumentos mundanos. [...] queriam criar Estados ou
nações jesuíticas. [...] Nóbrega e Anchieta, e os fundadores das missões ou
reduções do Brasil, cooperaram com os capitães nas guerras contra os
indígenas.
O jesuitismo atrelado ao regime de padroado, segundo Gomes (2000, p. 37), assumia a
legitimação tanto dos atos como dos interesses da Coroa no Brasil. Nesta perspectiva diz:
O padroado sacramentava a união entre a Igreja e o Estado lusitano como
irmãos siameses; à medida que o rei se tornava, ao mesmo tempo, figura da
política e religiosa, a Coroa lusa incorporava os símbolos tanto da Igreja
como do Estado. A conseqüência mais direta dessa união foi o princípio da
íntima colaboração entre o poder político e eclesiástico.
Daí se vê que o poder religioso foi o mais importante instrumento de legitimação do
Estado. Esta é a tese defendida por Peter Berger (1985), estudioso da religião. Para ele, as
instituições políticas e governamentais teriam garantida sua legitimidade pelo fato de a
religião transformar o governo civil em um fenômeno sacramental
4
.
3
Inácio de Loiola, fundador da Companhia de Jesus, denominada e conhecida como "os Jesuítas".
4
Fenômeno sacramental foi a expressão usada por Berger para explicar a subordinação do poder civil ao poder
espiritual ou religioso.
21
Nessa perspectiva afirma:
[...] a estrutura política simplesmente estende à esfera humana o poder do
cosmo divino. [...] A autoridade política é concebida como agente dos
deuses, ou idealmente até como uma encarnação divina. [...] as instituições
políticas e sociais teriam garantida sua legitimidade pelo fato da religião
infundir-lhes um status ontológico de validade suprema. O governante fala
em nome dos deuses, ou é um deus e obedecer-lhe equivale a estar em
relação correta com o mundo dos deuses. (BERGER, 1985, p.42).
O que é fundamentalmente importante no pensamento de Berger, é que a religião
servirá para sustentar a legitimação do Estado e conseqüentemente da sociedade. O estilo de
vida e concomitantemente de poder, têm a mediação da religião. A vida sacralizada e o poder
sacralizado dotam o Estado e, por conseguinte a sociedade de uma legitimidade, pois esta
sacralidade está apoiada em convicções profundas de religiosidade. Os mitos, os dogmas, as
doutrinas, todos consubstanciados num espírito de coesão social fornece bases para os valores
morais e coercitivos, constituindo de forma muito exaustiva no modelo de sociedade pela
religiosidade.
Berger (1985) afirma que as instituições políticas e governamentais teriam garantida
sua legitimidade pelo fato da religião infundir-lhes um status ontológico de validade suprema,
"o poder humano e o governo se tornam fenômenos sacramentais". Era nesta perspectiva que
trabalhava o ideário católico tridentino, pois a união Igreja-Estado estava no projeto de poder
colonizador.
Antônio Rubbo Müller (1958) quando formulou sua teoria de sociedade, afirmou que a
organização humana baseia-se na existência de catorze sistemas sociais específicos dentre
eles, o "sistema religioso", o qual afeta profundamente todos os demais. No caso do Brasil
desde o descobrimento até a proclamação da República predominou o "sistema social
religioso". O pensamento de Müller está em consonância com a proposição do cientista
político Gramsci, quando defende que a Igreja como instituição serviu e ainda serve como
"aparelho ideológico de Estado". Dentro desta perspectiva, predominou no Brasil desde seu
22
descobrimento colonizador até o final do século XIX, um comando unificado de uma
ideologia dominante, em que a Igreja reproduzia a infra e superestrutura política, econômica e
ideológica, e o Estado era apenas e tão-somente uma máquina de sujeição e reprodução do
"sistema social religioso".
Para Laveleye (1875), a religião exerce sobre os homens uma ação tão profunda que
eles sempre se inclinaram a dar à organização do Estado formas tomadas da organização
religiosa. Nesta perspectiva, diz:
A ação que a religião exerce sobre os homens é tão profunda que eles
sempre se inclinaram a dar à organização do Estado formas tomadas da
organização religiosa. Por toda a parte onde o soberano passa por ser o
representante da divindade, a liberdade não se pode estabelecer, porque o
poder daquele que fala e obra em nome de Deus é necessariamente absoluto.
As ordens do céu não se discutem. Simples mortais não podem deixar de
inclinar-se e de obedecer. Não conheço exceção a esta regra. Nos antigos
impérios da Ásia, e nos de hoje, nos Estados maometanos, como nos países
católicos, onde os reis reinavam por direito divino, os povos foram
completamente escravizados. (LAVELEYE, 1875, p.25).
Mauus (1924), no seu "Ensaio sobre a Dádiva", reflete de modo evidente e
significativo os aspectos religiosos a partir de religiões e tribos primitivas, na concepção de
poder. Para ele, o poder de comando estava intrínseco à concepção transcendente, ou seja,
algo mítico legitimava o chefe da tribo. Nesta mesma perspectiva, Levi-Strauss (1949), faz
um estudo aprofundado da religião, e faz dela o viés para discorrer sobre os fundamentos da
sociedade, especialmente em sua obra: "Estruturas Elementares do Parentesco". Tanto
Mauus, Strauss e Laveleye, acenam para um estudo mais aprofundado da religião e seu
relacionamento com o poder de Estado (poder civil) na sua mais profunda substância de
poder.
Para Durkheim (1912), a religião ordena o caos como também desordena. Neste
último caso, cabe a organização religiosa coibir a desordem com seus meios coercitivos ou
como aparelho de força do Estado. Em sua obra: "As Formas Elementares de Vida Religiosa",
23
considerada a mais importante de suas obras, estuda notadamente a religião e seu
relacionamento social concomitantemente de poder religioso atrelado ao poder civil, em que
traz a baila a incorporação da religião, seu simbolismo, sua estrutura de poder.
Weber (1864-1920) entende que a relação do poder religioso com o poder civil, denota
uma colaboração intrínseca cujo objetivo é a domesticação das massas. O poder religioso
(Igreja) e o poder civil (Estado) se refletem. O temporal põe à disposição do espiritual os
meios de coação para conservar o seu poderio. Nessa relação Igreja-Estado, ambos são
subservientes.
Para Todorov (1991), a espada e a missão entrelaçaram-se no grande empreendimento
colonizador dos dois países ibéricos (Espanha e Portugal). Aliás, o sucesso da missão católica
dependeu da capacidade e do poder do Estado, ou seja, a missão dependeu da espada. Por
outro lado, o grande sucesso da colonização dependeu da missão religiosa. Na opinião da
maioria dos historiadores, as motivações especialmente de Colombo e Cabral eram mais
religiosas do que econômicas, haja vista que o lema empregado era "expansão do reino de
Deus". Ademais, Colombo em seu diário minuciosamente pesquisado por Todorov (1991) em
seu livro: “A Conquista da América: A Questão do Outro”, chega à conclusão que o mais
importante era a propagação e expansão da fé católica. Registra as palavras de Colombo num
Documento datado em 1502:
Esta empresa foi feita no intuito de empregar o que dela se obtivesse na
devolução da Terra Santa à Santa Igreja. Depois de ali ter estado e visto a
terra, escrevi ao Rei e à Rainha, meus senhores, dizendo-lhes que dentro de
sete anos disporia de cinqüenta mil homens a pé e cinco mil cavaleiros, para
a conquista da Terra Santa e, durante os cinco anos seguintes, mais
cinqüenta mil pedestres e outros cinco mil cavaleiros, o que totalizaria dez
mil cavaleiros e cem mil pedestres para a dita conquista (TODOROV, 1991,
p.11).
24
A situação sociopolítica e religiosa mudou de forma mais contundente a partir da
reforma pombalina com correntes de pensamentos no próprio clero oriundas do movimento
Jansenista e Galicanista, correntes de pensamento que serão abordadas em seguida.
Por outro lado, a chegada da família real ao Brasil em 1808 com um novo ideário,
embora com interesses políticos e econômicos tomados por empréstimo da Inglaterra, mudou
a situação não somente política, mas religiosa do País.
D. João VI príncipe regente do Brasil ao abrir os portos às nações amigas, abre as
portas para o protestantismo de imigração.
Com o Tratado do Comércio com a Inglaterra em 1810, garantiu aos ingleses o
privilégio da prática particular de culto protestante (art.XII), e, em particular proibiu a
implantação da Inquisição no Brasil (art. IX).
A partir destes fatos, o campo religioso brasileiro passa a ser mais pulverizado de
crenças, pois o país recebe milhares de protestantes.
Descrevendo sobre o status legal dos acatólicos no Brasil, diz Reily (2003, p.48):
O Tratado do Comércio (1810) traçou as linhas mestras que seriam inseridas
na primeira Constituição do Império do Brasil, garantindo a todos os
residentes o direito de praticar a sua religião em particular, uma vez que não
perturbassem a paz pública ou tentassem fazer prosélitos entre os brasileiros,
presumivelmente católicos romanos. Esta Constituição e as leis nela
baseadas definiram o status dos acatólicos e estabeleceram os limites das
suas atividades até a era republicana. O Brasil é definido como país católico,
sendo o imperador protetor da fé; as religiões acatólicas são apenas
toleradas.
Em 23 de maio de 1822, o Ministro José Bonifácio de Andrada e Silva, por ordem do
Príncipe Regente, reafirma o artigo XII do Tratado de 1810 que faculta o princípio de
liberdade de culto aos estrangeiros. Situação esta que não mudou em todo o primeiro Reinado
de D. Pedro I.
25
No segundo reinado no governo de Pedro II que, embora sendo católico, pertencia a
uma ala mais liberal da Igreja, e não concordava com o ultramontanismo desenvolvido nas
nações católicas. Diga se de passagem, o imperador recebeu influência de Bonifácio o seu
antigo tutor e conselheiro, e adquiriu um espírito mais liberal e progressista.
D. Pedro já é bem conhecido, para que se torne necessário insistir nos
aspectos de sua atitude religiosa. Crente respeitador da religião católica,
segundo afirmou, observa suas práticas, mas sem entusiasmo. Pertencente a
um catolicismo não ultramontano, sabia respeitar os deveres primordiais do
Estado. Levava bem longe sua atitude, a ponto de Joaquim Nabuco escrever:
(Apud- D. Pedro possuía um espírito profundamente imbuído do preconceito
anti-sacerdotal.. Não era, propriamente, anti-clerical, não vendo perigo por
parte do clero. Mas o que não lhe inspirava interesse era a vocação religiosa
deste. A seus olhos de homem de estudo, insaciável de conhecimentos, o
clero e o militar eram, evidentemente, se não duas inutilidades, pelo menos
duas necessidades que ele queria utilizar, a primeira para mestre de escola,
ou professor de Universidade; a segunda para transformar em matemático,
químico ou engenheiro) (LÉONARD, 2002, p. 53-54).
Com D. Pedro II, desenvolveu-se uma tendência liberal de muitas mentalidades
políticas e religiosas do seu tempo, sendo ele um arauto do progresso e do desenvolvimento.
Entendia ser necessário atrair imigrantes especialmente ingleses, alemães e americanos mais
liberais, para que pudessem ajudar no progresso da nação. Dom Pedro queria a imigração de
liberais e até mesmo protestantes, concedendo-lhes certos direitos. Isso se tornou muito claro
no pronunciamento do Imperador, na fala do trono em 1860, em que promete realizar as
transformações necessárias na legislação para benefício dos imigrantes.
Os protestantes eram apreciados pelo imperador, devido aos conhecimentos que
revelavam e pelos serviços práticos nas áreas da construção, iluminação e transportes. Estes
traziam idéias de progresso em muitos sentidos. A promoção destes imigrantes especialmente
protestantes causou descontentamento da cúpula católica e certa desconfiança para com o
imperador.
O imperador começou a fazer fortes laços de amizades com protestantes,
especialmente com o Reverendo Fletcher:
26
O Imperador fascinava Fletcher. Como o Professor David James salientou, o
missionário americano tinha uma capacidade excepcional de deslumbrar-se
com a alta classe e com a nobreza. Esse julgamento do Professor James não
é de todo demasiado severo. Fletcher demonstrou, em suas cartas, seu
encantamento pela alta classe em muitas ocasiões. [...] O primeiro encontro
de Fletcher com o Imperador foi em setembro de 1852, durante uma visita
deste ao navio americano City of Pittsburgh, uma visita que o comandante
do navio tinha solicitado e que o próprio Fletcher tinha arranjado. Como
ninguém na Legação americana falasse quer seja português ou francês, este,
educado na França e Suíça, tornou-se o anfitrião do acontecimento. [...] O
envolvimento de Fletcher com a diplomacia dos Estados Unidos, com a
política brasileira e com aventuras comerciais devia ser estudado dentro do
contexto do seu contexto de missões. (VIEIRA, 1980, p.64-65).
Outro relacionamento cordial e político do Imperador foi com o médico e missionário
Robert Kalley
5
, este acabou fundando a primeira Igreja Evangélica no Brasil, no Rio de
Janeiro em 11 de julho de 1858.
O imperador Dom Pedro II recebeu com simpatia os missionários
protestantes. Multiplicaram-se os casos de contatos amistosos com
missionários de diversas denominações. Contrariamente a essa simpatia,
cresceu com a "questão religiosa" a luta entre o imperador e a Igreja
Católica, que acabou por lhe valer a inimizade da hierarquia e a perda do
apoio da Igreja. (REILY, 2003, p.161).
O perfil mais aberto, desenvolvimentista e liberal de Dom Pedro II, influenciou a
política do Congresso Imperial contra a Igreja Católica embora não declarada, pois o
Imperador queria a reforma da religião e dos costumes clericais.
D. Pedro II buscava seriamente a reforma dos costumes clericais; e quando
Feijó propôs ao Legislativo Nacional a abolição do celibato, não o fez por
razões eleitorais mas porque buscava reformar a Igreja, e entedia que o
Parlamento era competente para fazê-la. Quando Nabuco de Araújo decretou
o que seria a extinção das Ordens Monásticas, fê-lo como católico zeloso
pela Igreja (1855). E nem D. Pedro, nem Feijó, nem Nabuco apostatou.
(RIBEIRO, 1991, p.5).
As atitudes do Imperador vieram surtir efeitos na consolidação da presença protestante
no país, bem como o enfraquecimento do pensamento tridentino e ultramontano da Igreja.
Aliás, é salutar a defesa de que o próprio Imperador tinha idéias progressistas e liberais que
5
Robert Kalley (1808-1883) e sua esposa Sarah foram missionários independentes que fugindo de grande
perseguição na Ilha da Madeira (Potugal), iniciaram o primeiro trabalho evangélico no Rio de Janeiro em 1855
sendo organizador da Igreja Evangélica Congregacional. Para uma pesquisa mais abrangente desse
27
não comungava dos ideais católicos conservadores. De certa medida, alguns historiadores são
da opinião que isso favoreceu de forma indireta a Implantação da República. Por outro lado, o
Imperador valendo dos direitos do padroado e na época bem distante do pensamento oficial da
Igreja, toma medidas consideradas drásticas para o clero.
2.2 A Dimensão das Idéias no Período
O contexto em que ocorre a implantação embora que formal do Estado laico, não pode
deixar de lado a dimensão ou a importância das idéias. Este ideário vinha primeiro da
maçonaria e especificamente o liberalismo e o positivismo.
2.2.1 A Maçonaria
A influência da Sociedade Maçônica
6
, nos grandes acontecimentos políticos e sociais
do Brasil é inegável. Ela era no período que antecede a República e a separação Igreja-Estado,
formada, na sua maioria, de liberais, como também de progressistas influenciados pela
política americana. Desta forma, a Europa ganhou peso de uma verdadeira agência
revolucionária não somente intelectual, mas política.
O fato mais conhecido foi a Questão Religiosa” como ficou historicamente
conhecida, foi uma crise entre a Igreja e o Estado no final do período Imperial. Para Basbaum
personagem, ver: VIEIRA, David Gueiros. O Protestantismo, a Maçonaria e a Questão Religiosa no Brasil;
CARDOSO, Douglas Nassif. Biografia de Kalley em sua Dissertação de Mestrado pela UMESP em 2000.
6
Para uma pesquisa mais abrangente sobre a Maçonaria no Brasil ver: ALBUQUERQUE, Araci Tenório. A
Maçonaria e a Inconfidência Mineira. Rio de Janeiro: Editora Espiritualista, 1958. CARRATO, José F.. Igreja,
Iluminismo e Escolas Coloniais Mineiras. São Paulo: Companhia Editora Nacional e Editora Universidade de
São Paulo, 1968. COSTA, João Cruz. Contribuição à História das Idéias no Brasil. Rio de Janeiro: Livraria e
Editora José Olímpio,1956. VIEIRA, David Gueiros. O Protestantismo, a Maçonaria e a Questão Religiosa no
Brasil. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1980. VILLAÇA, Antonio Carlos. História da Questão
Religiosa no Brasil. Rio de Janeiro: Francisco Alves Editora, 1974. A Maçonaria exite desde sedo no Brasil,
28
(1957, p. 311) "a chamada Questão Religiosa que surgiu de forma aguda nos últimos dias da
monarquia". O principal viés da chamada questão religiosa foi a maçonaria. A maçonaria
existe no Brasil já desde o início, remontando o século XVI, período colonial, mas a primeira
loja fora instalada no Brasil somente em 1801.
A primeira notícia escrita que se teve no estrangeiro sobre o estabelecimento
da maçonaria no Brasil, foi o manifesto de 1832, publicado no Masonic
World-Wide Regieter, redigido por José Bonifácio de Andrada e Silva. Neste
manifesto, Bonifácio afirmou que as lojas brasileiras tinham sido fundadas
em 1801 e 1802, respectivamente no Rio e na Bahia, e tinham-se filiado à
Grande Loja Francesa. (VIEIRA, 1980, p.41).
Ela influenciou muito nas lutas políticas e sociais, e reproduzia seus ideais libertários.
Para os maçons (liberais por natureza) em geral, as liberdades individuais e os direitos
humanos eram tão essenciais e importantes para que uma nação pudesse se consolidar como
democrática e progressista.
O programa da maçonaria brasileira conservadora, como se deduz deste
estudo, parece ter sido: a) conservar a nação unida a qualquer preço, usando
o Trono como seu ponto de apoio; b) controlar a Igreja, conservando-a
liberal, dominada pela Coroa, com um clero não educado e, sobretudo, não
ultramontano; c) lutar pelo progresso do Brasil por meio do desenvolvimento
da educação leiga, da expansão do conhecimento científico e técnico, não
estorvado pela teologia e da importação de imigrantes progressistas e
tecnicamente educados, dos Estados Germânicos, da Inglaterra e de outras
nações protestantes (VIEIRA, 1980, p. 46).
Os maçons, de certa forma, foram os arautos do progresso e da formação da
consciência modernizadora nacional naquele contexto. Em algumas lojas maçônicas do país
eram comuns a presença de sacerdotes e de altos funcionários do Império. Ela reproduziu no
Brasil seus ideais libertários. Não era contra a Igreja, mas a Igreja oficialmente era contra a
maçonaria.
Paradoxalmente, era do seio da Igreja, a maior inimiga da maçonaria, que
saiam os mais ardorosos maçons. [...] Durante quase meio século, pelo
menos de 1790 a 1889, a maçonaria fez proselitismo em todas as classes,
mas com especialidade na clerical. Por toda parte, onde quer que se tratasse
com judeus e holandeses desde o século XVII, passando pelo século XVIII nas revoluções liberais. Mas foi
oficializada somente em 1801 com a primeira loja instalada.
29
de sussurrar, pedir ou protestar contra o confisco e outras medidas de
arrochos, lá estava um padre ou um frade para reproduzir e ampliar as vozes
de queixa ou revolta. Era o clero a classe subversiva por excelência,
enquanto a Igreja, comprometida com a Corôa, defendia os privilégios,
colocando a fraternidade, a caridade e a justiça social acima da disciplina
eclesiástica. [...] Se a Igreja detestava a maçonaria, faziam-se eles, os padres,
pedreiros-livres, levando a Loja para dentro da Igreja. Se ela era pelo status
quo, eles eram pela mudança, pela remoção de tudo aquilo que impedia o
bem estar geral e a liberdade individual. [...] A maçonaria incrementava o
desejo de confraternização internacional na proclamação da fé num Ser
Supremo, reivindicava o direito de cada indivíduo expressar sua opinião,
particularmente com a liberdade da imprensa; exigia também a separação
entre a Igreja e o Estado, a generalização da instrução popular, a extinção
da pobreza e o fim do despotismo monárquico. Encontrou, em conseqüência
dessas posições, a simpatia em todos os setores que aspiravam às reformas
políticas. (FERREIRA, 1992, p.84).
A Questão Religiosa teve o seu início em 1872, com um incidente que parecia de
pouca importância ou relevância, mas que acabou tomando uma dimensão inesperada e
azedou as relações do imperador com a Igreja. O motivo foi a suspensão do Pe. Almeida
Martins pelo bispo do Rio de Janeiro devido à sua participação em uma solenidade maçônica.
Na época, o convívio entre católicos e maçons era uma coisa bastante comum no Brasil, e
mesmo o Imperador Dom Pedro II tinha no rol de seus principais amigos e conselheiros
políticos maçons que também eram católicos. O Imperador também pertencia aos quadros da
maçonaria.
Na efervescência do problema, o bispo de Olinda -Pernambuco, dom Vital Maria
Gonçalves de Oliveira, e o bispo do Pará dom Antônio de Macedo Costa, decidiram interditar
aos maçons os ofícios católicos, ou seja, os sacramentos, inclusive extensivo aos filhos e
esposas. Daí então, a Questão Religiosa tomou proporções drásticas.
Dom Pedro II baseado do regime de padroado determinou aos prelados que a
interdição fosse suspensa, mas eles mantiveram suas posições e acabaram sendo presos e
condenados a trabalhos forçados. O governo neste episódio usou dos direitos do padroado
para manter o controle do aparelho eclesiástico. Para o governo, os bispos envolvidos
30
infringiram o direito do padroado, no ato de interditar confrarias que tinham maçons como
membros, bem como recusar os sacramentos aos maçons católicos.
O conflito da Igreja com o Estado, chamado de “Questão Religiosa”, defende
Mendonça (1990, p.61): "parece ter facilitado a difusão do protestantismo, que foi recebido
por setores significativos das elites brasileiras como força modernizadora liberal."
A disputa entre a maçonaria e a Igreja havia começado bem antes da
deflagração da Questão Religiosa. As sucessivas condenações por parte da
igreja provocaram reações da maçonaria, que a atacava com violência e
insistência através de seus periódicos. Mas por que o conflito que marcou
indelevelmente essa luta foi desencadeado de maneira tão insólita?
Normalmente esse tipo de conflito decorre ao longo da história sem
desfechos dramáticos. No Brasil, com tantos padres maçons, jansenistas e
liberais, a tendência normal seria essa (MENDONÇA, 2002, p.71).
Ademais, Mendonça defende que a questão religiosa, levou a uma crise não somente
com o governo Imperial, mas com o próprio clero, haja vista que muitos deles pertenciam às
fileiras da maçonaria.
A Questão Religiosa marcou profunda mudança no campo religioso
brasileiro. As posições ficaram bem definidas: de um lado, um Estado ainda
mais galicano, liberal e anticlerical e, de outro, uma Igreja que
aparentemente abandona o confronto com o Estado, mas toma medidas de
auto fortalecimento interno. O Estado monárquico era pombalino, josefista e
regalista e seu Imperador era renanista e possivelmente até voltariano. [...]
A Questão Religiosa não somente levou ao extremo as tensões entre o
galicanismo e o ultramontanismo, mas, o que é ainda mais significativo,
mostrou aos liberais mais exaltados o grande abismo que havia entre suas
pretensões modernizantes para a sociedade brasileira e a posição antiliberal e
romanizante da Igreja Católica. .Já foi dito que esse distanciamento entre
Estado e Igreja, de um lado, e o espaço religioso não preenchido pela Igreja,
de outro, foi exatamente o espaço que veio, pelo menos ideologicamente, a
ser ocupado pelo protestantismo. (MENDONÇA, 2002, p.72).
A Questão culminou no enfraquecimento e desprestígio da Igreja nas classes
dominantes. A classe política quase toda maçônica agiu com desprezo para com os bispos,
não ocorrendo sequer um pequeno pronunciamento esclarecedor. Por outro lado, não houve
nenhuma atitude popular contra o ato do Governo Imperial.
Quanto aos processos que culminaram com a condenação dos bispos Dom
Vital e Dom Macedo Costa, são de notar que a grande maioria do prelado
31
brasileiro guardou então e depois "o mais tímido e indesculpável silêncio".
"A verdade insofismável, diz Basílio de Magalhães, é que a nação não se
movimentou em prol dos bispos mártires, e não houve a menor tentativa para
libertá-los do cárcere". Numa Assembléia Geral de 122 Deputados, somente
duas vozes se ergueram em defesa dos bispos, e não eram de padres. O
grosso da população também não se preocupou com a sorte dos bispos.
(BASBAUM, 1957, p.315).
Tal atitude dos deputados revelara naturalmente o perfil da Câmara, ou seja, quase
todos eram maçons liberais e progressistas. Ademais, os eminentes ministros e comandantes
militares pertenciam ao Grão mestrado da maçonaria.
Dom Macedo Costa pronunciava e escrevia contra a atitude do Governo imperial, e
que no entender de Vieira (1980), a atitude do bispo apressava a separação da Igreja e do
Estado.
O bispo retornou à questão num editorial intitulado "Religião do Estado".
Dessa vez disse que à vista do que o Governo tinha feito para proteger os
inimigos da Igreja, e que tinha deixado de fazer (proteger a Igreja) ia o bispo
agora lutar por um novo programa. "Nosso programa, pois, é a liberdade e a
independência da Igreja", asseverou. Naquela ocasião parecia estar Dom
Macedo Costa pedindo a separação da Igreja e do Estado. (VIEIRA, 1980,
p.310).
O pensamento político e filosófico do fim do império, especificamente a partir de
1850, favoreceu o divórcio da Igreja com o Estado e a implantação da República. Na opinião
de Leôncio Basbaum (1957), a própria visão política e intelectual do governo imperial
favorecera os ideais republicanos, bem como a implantação de um Estado laico. Daí, a
questão política avança mais no Império, quando o Partido liberal e Republicano se une em
torno da criação da República, a qual veio consolidar embora que formal e juridicamente a
separação da Igreja do Estado.
Ademais, a maçonaria influenciou a cultura brasileira e as instituições desde o
iluminismo europeu. Para Santana Silva (1998), A cultura brasileira no século XIX caminhou
por três fases autônomas: a ilustração herdada do período anterior, em que economistas e
filósofos ensinavam apressadamente idéias inglesas de progresso e idéias francesas de
32
liberdade; a efervescência romântica, multicores com todas as tonalidades da revolução, desde
o germanismo, das universidades, até a ênfase humanista de Vítor Hugo; e a época realista da
resposta crítica às dúvidas da elite descontente, ansiosa das mudanças profetizadas (sociais,
econômicas, espirituais), afinal cosmopolita, cética e estética.
Na opinião de Vieira (1980) deve-se observar que no Brasil como em outras partes, a
maçonaria foi um dos grandes veículos da divulgação do liberalismo. Por esta razão, ela foi a
causa ostensiva da luta entre os bispos e a coroa (1872-1875) e do fortalecimento de uma
ideologia laicista.
2.2.2 O Liberalismo
O Brasil, não conheceu o ideário liberal por acaso. A formação deste fez parte do
movimento que começou na Europa que recebeu o nome de “iluminismo”. As idéias liberal-
burguesas, surgidas com este movimento, tiveram como principais representantes alguns
pensadores ingleses e franceses como, o inglês John Locke, e os franceses, Voltaire,
Montesquieu e Rousseau. Essas idéias politicamente marcaram o final do século XVII e os
séculos XVIII e XIX na Europa e Estados Unidos, bem como no Brasil a partir do final do
século XVIII.
O ideário destes pensadores combatia o poderio da nobreza do rei absoluto e do clero,
e defendiam a liberdade, igualdade e fraternidade. Tal movimento serviu de base para a
independência dos Estados Unidos da América e para a Revolução Francesa.
O Brasil conheceu o ideário liberal e a nova concepção de Estado Moderno
praticamente cem anos antes da República, ou seja, no final do século XVIII. Os jovens filhos
de famílias ricas do Brasil foram estudar na Europa, na sua maioria em Coimbra, e entraram
em contato com novas idéias que pregavam maior liberdade, criticavam a Igreja católica, e,
33
principalmente, discutiam o colonialismo e a exploração do pacto colonial implantado no
Brasil. Essas idéias, com efeito, provocaram rebeliões, conflitos e aumentaram a oposição
tanto a Portugal como à Igreja.
7
Ademais, a hegemonia religiosa da Igreja Católica Romana no período Imperial, ao
mesmo tempo em que gozava de regalias como religião do Estado, viu dentro do próprio clero
idéias liberais progressistas que confrontava seu pensamento oficial da Igreja. Na área
política, com o pensamento liberal, surgiram Decretos Leis e Projetos de leis contrários à
7
Os Liberais na Inconfidência Mineira e na Conjuração Baiana: Durante o século XVIII, quando a atividade
econômica do Brasil colônia atingia seus níveis mais altos, a região das minas fervilhava de idéias de
libertação, especialmente em Vila Rica (atual Ouro Preto) capital da Província das Minas Gerais. Os filhos das
famílias mineiras mais prósperas podiam estudar na Europa, e, lá entravam em contato com as idéias liberal-
burguesas do Iluminismo. a mocidade brasileira se não contentava com a instrução que lhe oferecia a mãe-
pátria na sua única universidade. Tinha Coimbra perdida para ela esse pomposo nome de nova Atenas, apesar
da reforma por que passara e dos abalizados mestres que lhe deram. Portugal não resumia mais em si ou em
suas produções o universo. Após ele se haviam levantado nobre e valentemente as nações da Europa a lhe
tomar a vanguarda na senda da civilização, e assim atraíam as nossas vistas. A Inglaterra e a França, com
instituições livres e populares, conquistavam as simpatias de nossos jovens e os corações batiam de entusiasmo
ao respirar os ares dessas nações tão populosas, tão vastas, tão industriais. Distinguia-se na mocidade uma
inquietação surda, uma tendência para nova vida, uma ambição para existência mais ativa. Ela via com dor o
retardamento do progresso da pátria e, ao voltar para a colônia que lhe dera o berço, suspirava pela liberdade
que gozara, pelas delícias da civilização que fruíra nos países europeus. Um jovem inconfidente de destaque
foi Cláudio Manuel da Costa, que ao voltar da Europa se deixara dominar pelos desejos de democracia e
liberdade, expressadas nas suas poesias: "Não são estas, dizia ele, as venturosas praias da Arcádia, onde o som
das ondas aspirava a harmonia dos versos. Turva e feia a corrente destes ribeiros, primeiro que arrebate as
idéias de um poeta deixa ponderar a ambiciosa fadiga de minerar a terra, que lhe tem pervertido as cores. A
desconsolação de não poder subestabelecer aqui as delícias do Tejo, do Lima e do Mondego, me fez entorpecer
o engenho dentro do meu berço". Outro jovem vindo da Inglaterra, o dr. José Álvares Maciel. Conhecia-o da
sua capitania e além disso era cunhado do tenente-coronel do seu regimento Francisco de Paula Freire de
Andrade. Vinha o jovem Maciel de países livres, onde adquirira rara instrução e onde fora iniciado nos
mistérios da maçonaria. Trazia a cabeça cheia de idéias democráticas, que lhe inspiraram os admiráveis
progressos da nova república de Washington, Franklin e Jefferson, e a prática política e ideológica lá praticada.
Era o dr. José Álvares Maciel um jovem de vinte e sete anos de idade; tinha nascido em Vila Rica, donde seu
pai era capitão-mor; e educara-se na Europa. Depois de se ter formado em ciências naturais na universidade de
Coimbra, visitou a Inglaterra onde se demorou um ano e meio completando a sua instrução, visto que seu pai o
auxiliava com alguma quantia para a sua assistência; todavia parece que as idéias da emancipação política da
sua pátria o moveram mais do que os seus estudos a essas viagens, e que era ele um dos dois emissários
mandados à Europa para esse fim, e que enquanto José Joaquim da Maia conferenciava com Tomás Jefferson
ele sondava a disposição dos ingleses a nosso respeito. Presume-se até que comunicara essas idéias aos
estudantes seus compatriotas da universidade de Coimbra por intermédio do seu amigo o dr. José de Sá e
Bitencourt, que encontrou em Lisboa, de volta de sua viagem à Inglaterra. Falando o jovem Maciel de seus
estudos ao Alferes Joaquim José da Silva Xavier, conhecido como "Tiradentes", tratou dos conhecimentos que
havia adquirido à respeito da indústria manufatureira e sobretudo acerca da mineração. Patenteando o
progresso dos povos livres nos diversos ramos da indústria, do comércio e das artes liberais, acabou por
lastimar que seus compatriotas jazessem nas sombras da ignorância e ainda em mal, não soubessem se
aproveitar dos recursos que lhe oferecia o país muito mais favorecido pela natureza do que a Europa, e que
com algum trabalho podia ter tudo quanto tinha o velho continente. Falava o jovem doutor a um homem
apaixonado, descontente, doído com suas preterições, e o alferes Joaquim José sentiu que lhe tocavam nas
chagas abertas que influenciados pelas ideais da revolução inglesa e especialmente da revolução francesa,
criou em Minas um clima geral de revolta. .
34
Igreja. Nos anos finais do Império, por razão das questões religiosas e políticas, a Igreja foi a
grande perdedora no confronto com o Estado. Além disso, por conta da imigração protestante,
viu seu território ser progressivamente invadido por acatólicos que trazia uma nova ideologia.
Era a época do desabrochar do pensamento liberal, do início da luta contra as
instituições do antigo regime francês. No modelo da revolução francesa e da independência
dos Estados Unidos, os inconfidentes vislumbravam um Estado Republicano separado de
Portugal e conseqüentemente separado da Igreja. Isso seria plenamente consolidado, por razão
dos inconfidentes adotarem a cartilha da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão,
aprovada pela Assembléia Constituinte da França em 26 de agosto de 1789, principalmente
no que diz respeito à liberdade, igualdade e propriedade. Vejam quanto aos direitos do
cidadão e do homem, o que dizia a Carta Magna Francesa:
Art.1- Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos. As
distinções sociais não podem ser fundadas senão na utilidade comum.
Art.2- O fim de toda associação política é a conservação dos direitos
naturais e imprescritíveis do homem. Estes direitos são a liberdade, a
propriedade, a segurança e a resistência à opressão.
Art.3- O princípio de soberania reside essencialmente na nação. Nenhum
corpo, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que dela não emane
expressamente.
Art.4- A liberdade consiste em poder fazer tudo o que não prejudica outrem.
Art.6- A lei é a expressão da vontade geral; todos cidadãos têm o direito de
concorrer pessoalmente ou pelos seus representantes para a sua formação.
A Carta Constitucional Francesa consubstanciava: a liberdade, a igualdade e o sufrágio
eleitoral pelo voto do cidadão para escolher seus representantes. Isso fora absorvido pelos
inconfidentes, que embora sendo exilados e mortos pela corôa portuguesa, seus ideais
prevaleceram e continuaram vivos no Brasil.
A Conjuração Baiana tinha também como pressuposto intelectual com a mesma
dinâmica da Inconfidência Mineira, um Estado laico, livre, liberal e progressista. Ela começa
na Bahia como um movimento revolucionário semelhante ao das Minas. O movimento
35
revolucionário estava embebecido do viés liberal, embora se distinguiu da inconfidência
mineira por ser um movimento de conteúdo mais social.
Diversos clérigos apoiaram o movimento, sobretudo os frades carmelitas,
colaborando com a tradução de textos franceses. Caso o movimento fosse
vitorioso, planejavam os revolucionários acabar com a escravidão e com o
preconceito racial, e fundar uma república democrática com liberdade de
comércio, sobretudo com a França. (AZZI, 1991, p.17).
Com efeito, essa revolução na Bahia fora conseqüência dos ideais franceses,
absorvidos principalmente pelos soldados Lucas Dantas e Luiz Gonzaga, com o apoio de
clérigos intelectuais. Os revoltosos desejavam fundar uma República, abolir a escravidão,
bem como, coibir os abusos do clero.
A Revolução Baiana tinha como substrato a soberania do povo:
Os livros da Revolução Francesa eram lidos com avidez. Homens pobres
copiavam-nos em cadernos que corriam de mão em mão. Nessa época
fundava-se no arrabalde de Barra, a associação secreta "cavalheiros da luz",
que, como é provável segundo Rui Afonso, era a mentora do movimento e
da propaganda revolucionária, separatista e republicana. (BASBAUM, 1957,
p.226).
Mesmo com o apoio dos clérigos liberais, este movimento teceu fortes críticas ao clero
conservador e tridentino, no seu manifesto de 12 de agosto de 1798, com um conteúdo
antagônico ao clero:
Aviso ao Clero e ao Povo Bahiense:
O poderoso e magnífico povo bahiense republicano desta cidade,
considerando nos muitos e repetidos latrocínios feitos com os títulos de
impostura, tributos e direitos que são cobrados por ordem da rainha de
Lisboa e no que respeita a inutilidade da escravidão do mesmo a liberdade e
igualdade. [...] Outrossim manda o povo que seja punido com pena vil para
sempre todo aquele padre regular e não regular que no púlpito,
confessionário, exortação, conversação por qualquer forma, de modo e
maneira persuadir aos ignorantes, fanáticos e hipócritas, dizendo que é inútil
a liberdade popular; também será castigado todo aquele homem que se achar
na culpa não havendo isenção de qualidade para o castigo. [...] Cada um
deputado escreverá os atos da Igreja para notar qual seja o sacerdote
contrário à liberdade: o povo será livre do despotismo do rei tirano ficando
cada um sujeito às leis de novo Código e reforma do formulário, será
maldito da sociedade nacional todo aquele ou aquela que foi inconfidente à
liberdade coerente ao homem e mais agravante será a culpa, havendo dolo
eclesiástico: assim seja entendido aliás.
36
O Povo (BASBAUM, 1957, p.226-227).
O pensamento iluminista e liberal processou mais rapidamente no Brasil co o Marquês
de Pombal. Em 1750, após a morte do rei de Portugal D. João V, um dos atos iniciais do seu
sucessor D. José I foi nomear ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, Conde de Oleiras,
que se tornou depois o famoso e controvertido Marquês de Pombal
8
.
A influência deste no reino cresceu vertiginosamente, e tornou mais poderoso do que o
próprio rei, por ser ele um intelectual que conhecia o mundo e tinha grande capacidade
política para resolver os problemas de sua nação. O rei figurava apenas nos protocolos.
Pombal por ter sido criado sob influência protestante, tornou-se firme adversário
político da Igreja Católica, como também da ordem dos jesuítas. Mostrou desde logo que
assumiu o poder que lhe conferia como primeiro ministro, atacar o poder do clero, mantido
por cerca de dez séculos em Portugal. Desde logo, estabeleceu uma política refratária ao
poder temporal da Igreja, e aboliu gradualmente a distinção entre cristãos novos e cristãos
velhos. Aboliu a pena de morte inquisitorial, fazendo desaparecer os autos de fé públicos, e
dentro destas reformas, criou a Justiça Secular.
Pombal cuidou das fronteiras do Brasil, e zelou pela unidade da Colônia,
certamente com interesses econômico-financeiros, mas ao mesmo tempo,
abriu as portas da Colônia para novas idéias. A liberação dos judeus das
garras dos jesuítas estava nessa linha de preocupação. com sua habitual
acuidade o ministro percebeu que a perseguição a cristão-novos, e a suspeita
de heresia ou judaísmo contribuía para que vultosos capitais se afastassem
do reino, empobrecendo-o. (FERREIRA, 1992, p.55).
8
Para uma pesquisa mais exaustiva sobre Pombal e suas reformas, as melhores obras indicadas são: (SOARES,
Teixeira. O Marquês de Pombal. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1983; MONTENEGRO, João
Alfredo de S.. O contexto da reforma pombalina da Universidade Portuguesa, in: Revista Brasileira de
Filosofia, vol. XXVI, Fasc. 103, junho/agosto/setembro de 1997 e SÉRGIO, Antônio. Breve interpretação da
história de Portugal. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, 2ª edição, 1972); FALCON, Francisco José
Calazans. A Época Pombalina. São Paulo: Ática, 1982.
37
Com Pombal a política colonial portuguesa passou a obedecer aos objetivos
mercantilistas que já vigoravam na Europa na época moderna.
Pombal de fato, procurou incentivar o fortalecimento da burguesia em
Portugal, bem como modernizar o Estado lusitano, à semelhança do que já
ocorria em outros países europeus. A afirmação da burguesia no panorama
político, uma das principais decorrências da revolução francesa, constituía
por sua vez um questionamento para o próprio regime escravista, uma das
bases de sustentação do sistema colonial lusitano. Além disso, o
desenvolvimento industrial europeu criava a necessidade de segmentos mais
amplos da sociedade com capacidade para absorver os produtos fabricados.
Daí, também, a necessidade de ampliação da rede comercial, rompendo as
antigas barreiras dos monopólios estatais. (AZZI, 1991, p.12).
Pombal via nos jesuítas e de certa forma na própria Igreja Romana o impedimento
para consolidar o projeto mercantilista. Assim, por reação cada vez mais próxima do ideário
liberal e do humanismo renascente, Pombal tornava-se cada vez mais anticlerical. Anunciava
uma atitude antes de tudo de extremo antagonismo a Roma e às suas pretensões.
Em 03 de setembro de 1758 houve atentado contra o próprio D. José I. Isso
serviu de ocasião para lançar suspeita contra os adversários, nobres e
jesuítas. [...] A idéia fixa de Pombal era e aniquilar a Companhia de Jesus.
Pretendeu conseguir do papa uma bula que extinguisse pela raiz a referida
ordem. Clemente XIII não atendeu à sua solicitação, pelo que chamou Sua
Santidade de imbecil. [...] Um ano depois após o atentado ao rei, a em 1759,
expediu Pombal o decreto para exterminar, proscrever e mandar expulsar dos
seus Reinos e domínios os religiosos da Companhia de Jesus. (FERREIRA,
1992, p.54).
O ato do governo português em 23 de agosto de 1759 findava virtualmente o poder
pontifício ainda que de forma indireta, de intervir na administração da Igreja em Portugal.
Desta forma, o padroado português ganhou mais força, e estava preste a constituir uma Igreja
Nacional, por pouco não foi criada uma Igreja Católica Portuguesa. Marquês de Pombal além
de expulsar os jesuítas, confiscou os seus bens tanto em Portugal, quanto em suas colônias.
Foi ele quem teve a iniciativa e a coragem de extinguir a Inquisição em Portugal. Dois anos
depois termina a inquisição no Brasil. Riolando Azzi (1991) chama este momento do início da
crise da cristandade no Brasil.
38
Estabeleci como marco simbólico para o início da crise da cristandade o ano
de 1759, quando ocorreu a expulsão dos jesuítas, colaboradores destacados
na formação da sociedade colonial e principais articuladores da concepção
do Estado Católico no Brasil (AZZI, 1991, p.8).
Continuando o seu projeto de reformas, em 1762, Pombal fecha os noviciados de
Ordens Religiosas em Portugal e no Brasil, como último golpe ao catolicismo. Este fato
causou um impacto negativo ao clero romano e abriu espaço educacional às outras Ordens
Religiosas.
Pombal preocupou-se com a educação. Expulsos os jesuítas surgiu a reforma
educacional, sob a inspiração das idéias de Luiz Antônio Verney, da
Companhia do Oratório. Em sua obra Verdadeiro Método de Ensinar,
combatia os métodos jesuíticos. Foi instituído o Diretor de Estudos;
deveriam ser instaladas as aulas régias; e, para a manutenção da nova ordem
de coisas, cobrado o subsídio literário. [...] Este livro influenciou os homens
da Universidade exatamente no período em que a nossa Independência foi
sendo elaborada. Não só a reação ao reinado de D. José, mas sobretudo as
novas idéias que foram geradas por Verney é que ajudaram a construir o
Brasil. [...] A educação não deixou de ser católica, pois essa era a religião do
povo, os mestres na sua grande maioria são padres, tanto vigários como
capelães, todos eles mais liberais do que os jesuítas. A partir daí até idéias
enciclopedistas entram no Brasil, sobretudo depois do Vice-Reinado.
(FERREIRA, 1992, p.55-56).
Pombal não tinha interesse religioso, mas via na tradição religiosa do clero português,
especialmente nos jesuítas um atraso para a economia do reino. Nesta perspectiva, Pombal
empenhou-se na modernização de Portugal e, para esse projeto, acabou por expulsar os
jesuítas, não somente de Portugal como também de suas colônias.
Com a expulsão dos jesuítas do Brasil, suas escolas e seminários foram fechados,
desagregando e extinguindo um sistema de ensino que era a rigor, o único existente no Brasil.
As reformas pombalinas nos campos, da educação, da política, de certa maneira
enfraqueceram a hegemonia católica, por se tratar de reformas de cunho liberal e progressista.
Na área da educação, passava a ser ensinada a filosofia natural, a lógica e a ciência
implantadas na Universidade de Coimbra e transplantadas para o Brasil. Em certa medida, o
iluminismo europeu entra em Portugal e no Brasil sob os auspícios de Pombal.
39
Parecia imprescindível um discurso introdutório do tipo dos contidos na obra
dos empiristas ingleses, já que se achava ali a justificação teórica da nova
ciência. Mas Pombal tinha outros parâmetros: era preciso cortar as amarras
com a Inglaterra, tidas como responsável pelo atraso em Portugal. Supõe-se
que, por isso, tenham sido recusadas as obras de Locke e Hume como textos
para os novos cursos... Por outro lado, era destaque a posição da Itália no
movimento de criação da ciência moderna, e, à época de Pombal, inúmeros
professores italianos tenham sido trazidos para ensinar na Universidade
renovada. Genovesi gozava de prestígio por ter sido convidado para reger,
em Nápoles, a primeira cadeira de economia política criada na Europa;
prestígio multiplicado pelo fato de a economia se apresentar como ciência
capaz do opor, ao despreparo dos governos, um conjunto de leis rigorosas,
adequadas à promoção da riqueza nacional. (Celina Junqueira apud AZZI,
1991, p.60).
O ano de 1759, data da expulsão dos jesuítas do Brasil, pode ser assinalado como o
início simbólico da crise do clero brasileiro. A cristandade colonial acelerou o processo de
crise que chega a sua plenitude no século XIX o qual foi todo marcado por crises internas no
catolicismo brasileiro, bem como em suas relações com o poder civil. Ademais, a política
eclesiástica brasileira não refletia a hegemonia tridentina e jesuítica dos séculos passados.
No Brasil a decadência do clero refletia o declínio em que o mesmo ia desde
o século XVIII, na própria Europa. Num país como o nosso recentemente
liberto da sujeição colonial, o clero guardava ainda os antigos hábitos dos
tempos coloniais. [...] o Clero além de desregrado, era em geral ignorante.
Em pouco se diferenciava do povo. [...] O clero brasileiro, escrevia A. H. de
Souza Bandeira, em 1881, nunca primava pela ilustração. (COSTA, 1956,
p.117-120).
Mesmo a Igreja Católica sendo a religião do Império, estava decadente, não por conta
da Instituição em si, mas por causa do clero. A decadência do clero resultou necessariamente
no enfraquecimento interno da Igreja. Portanto, a primeira causa de desestabilização do
catolicismo brasileiro foi a debandada de boa parte do clero para a política, cuja ideologia
predominante era a liberal. Ademais, a vida moral do clero gerava a desconfiança da
população acelerando o processo de crise. Por outro lado, como segunda causa da crise que
abateu a religião oficial, foi a expulsão dos jesuítas, na tentativa de Pombal em modernizar o
reino e o clero, visando diminuir o poder da Igreja Católica junto à Coroa. Tanto a segunda,
como a primeira causa foi influenciada do pensamento liberal.
40
Mas a história da Igreja entre nós, não é a história do clero. Este teve muito
mais influência que a Igreja. Se esta tinha idéias definidas sobre a conduta
dos seus ministros em nosso país, é difícil sabê-lo. A o menos os seus
ministros as ignoravam. Apesar dessa relativa influência dos sacerdotes, por
vezes mais pessoal que por força do poder que representavam a
irreligiosidade católica do povo, principalmente nas cidades, era notória.
Atuavam como causas principais: a vida livre dos padres seculares que
ostensivamente tinham família e filhos; muitos eram maçons e poucos
crentes; a influência do positivismo e das idéias libertárias francesas; o
espírito escravista de muitos padres e congregações religiosas. Aliás, o
catolicismo dos brasileiros teve sempre um caráter particular, não diremos
nacionalistas, mas fortemente influenciado pelas religiões e superstições
africanas. [...] Pelo menos durante o império, em que a autoridade moral da
Igreja e a própria crença católica muito haviam diminuído (BASBAUM,
1957, p.175-176).
A história do Brasil relata de forma vasta a presença de párocos e religiosos em
eventos e revoluções de grande vulto nacional. O clero tendo acesso às novas idéias que
germinavam da Europa e dos Estados Unidos, alguns encabeçaram grandes revoluções, como:
a Inconfidência ou Conjuração Mineira em 1789 na pessoa do padre Rolim e cônego Luís
Vieira; na revolução pernambucana em 1817 na de padre João Ribeiro; na Confederação do
Equador em 1824 com o frei Caneca: na guerra dos farrapos; e por fim na Regência de Padre
Feijó. Haja vista, o principal mentor intelectual destas revoluções foi o clero brasileiro.
Ademais, a crise interna do clero remonta a inconfidência mineira onde padres mais liberais e
iluministas participavam do movimento.
O clero brasileiro, especialmente depois da entrada de idéias liberais, iluministas e
jansenistas, ficou um tanto dividido. "É sabido que a revolução de 1817, em Pernambuco
9
, era
uma revolução de padres, na qual 60 tomaram parte. Sob o império, penetraram na Câmara de
Deputados e eram ministros ou membros da oposição" (BASTIDE, 1989, p.5).
9
A Revolução Pernambucana de 1817 foi um movimento revolucionário que teve como causas as concepções
iluministas, a independência dos Estados Unidos, a Revolução Francesa, a ação da maçonaria (que abrigava
padres) e a antiga hostilidade entre brasileiros e portugueses manifestada no Recife, contra o governo de D.
João VI. O movimento revolucionário chegou até mesmo proclamar a República, com garantia dos direitos
individuais, liberdade de imprensa, liberdade de culto, enfim, principais postulados liberais. Externamente, os
revolucionários enviaram emissários aos Estados Unidos, à Grã-Bretanha e região platina para reconhecera
independência. Divididos internamente sobre a questão da escravidão e isolados do resto da colônia, os
revolucionários não conseguiram resistir por muito tempo, sendo derrotados em 19 de maio de 1817 pelas
tropas de D. João VI. Os principais líderes foram presos e executados sumariamente, e os demais
41
A revolta que mais marcou por ser liderada por um líder eclesiástico foi a de
Pernambuco, a qual ficou conhecida como Confederação do Equador em 1824. Ela abrangeu
a Paraíba, Ceará e Rio grande do Norte. A revolta criou até uma República ou simplesmente
chamada de Confederação do Equador. Essa revolução foi liderada pelo padre Joaquim do
Amor Divino Caneca, conhecido simplesmente como frei Caneca. Esse frade tinha uma visão
política e religiosa totalmente liberal e lutava contra a Constituição outorgada em 1824. Seus
principais argumentos foram: a Constituição era excessivamente centralizadora; o texto
Constitucional não era liberal; o texto era ilegítimo, pois havia sido criado não por um órgão
representativo da nação, e sim pela vontade do imperador. Ademais, o substrato do
pensamento de Caneca era o princípio do Direito Natural, a liberdade, a contradição aos
governos absolutistas. O movimento de Caneca foi derrotado em novembro de 1824.
A despeito das revoluções que tinha na sua estrutura clérigos, de paróquia ou não,
pode se dizer que a modernidade liberal influenciara este clero de maneira a formar
convicções profundas de idéias libertárias e iluministas.
Todo o racionalismo científico, político e religioso circulava entre clérigos e
leigos, principalmente nas Minas Gerais, onde a riqueza constantemente
canalizada para a metrópole caracterizava revoltante espoliação da colônia e
gerava idéias libertárias. [...] Nas estantes das [bibliotecas] estavam Locke,
Voltaire, Rousseau, Montesquieu, a obra galicana de Fleury, Discours sur l'
histoire eclesistique, assim como boa quantidade de livros de física,
astronomia, história natural etc. (MENDONÇA, 2002, p. 65-66).
No mesmo período, o clero brasileiro estava também influenciado pelo jansenismo
10
europeu, uma espécie de catolicismo mais liberal e contrário à subordinação das igrejas
nacionais a Roma.
permaneceram presos até 1821, entre eles Antônio Carlos de Andrada e frei Caneca, o último viria a ser o
principal líder em 1824 da Confederação do Equador.
10
O Jansenismo tem origem ao nome de Fleming Cornelius Otto Jansen (1585-1638), conhecido pelo nome
latino (Jansenius). Ele foi bispo em Ypres, e tentou reformar a Igreja na França. O movimento foi perseguido
por Luis XIV que por incitação dos jesuítas obteve do papa Clemente XI uma bula que condenou as
proposições jansenistas. Escreveu uma obra sobre a doutrina de Santo Agostinho intitulada (Augustinius),
publicada após sua morte. Tiveram seu centro de estudo o mosteiro de Port-Royal, e o líder e animador
espiritual foi Antônio Arnauld (+1694), após a morte de Jansen. Foram os jansenistas decididos notáveis
42
Os jansenistas do século XVII e XVIII mantiveram o projeto de uma maior
fidelidade às origens da fé católica, reagindo ao centralismo romano
resultante do Concílio de Trento, bem como às pretensões da Cúria
Pontifícia relativas ao controle absoluto da esfera religiosa nos diversos
países. Nessa mesma linha de salvaguarda das características nacionais da fé,
o episcopado francês liderado por Bossuet oficializava a declaração das
liberdades galicanas. A partir de meados do século XVIII, parte expressiva
do clero francês aderiu à ideologia liberal, veiculada pelos enciclopedistas;
posteriormente, durante o período napoleônico, numerosos membros do
clero juraram fidelidade ao Estado, afastando-se das diretrizes pontifícias.
Esses clérigos passaram a ser conhecidos como galicanos. (AZZI, 1994, p.6-
7).
O movimento foi contestador e reivindicava uma reforma nas estruturas do
catolicismo, tanto doutrinárias como na estrutura política eclesiástica.
O jansenismo entra no Brasil, imediatamente após a reforma pombalina, e consolida
tanto em Portugal como no Brasil o controle do Estado sobre a Igreja sob a perspectiva do
regime de padroado já existente no país. O pensamento liberal do jansenismo contrapunha
também ao ensino tradicional tomista e à política da Sé Romana instalada desde a escolástica
da idade média no Brasil. Esse reflexo do pensamento liberal de boa parte do clero estava
consubstanciado, no ideário jansenista, que a escola de Coimbra trouxera para o Brasil quando
da expulsão dos jesuítas. Diga-se de passagem, que esta nova escola de padres e prelados
educados em Coimbra, vieram para o Brasil, e merece destaque o padre Azevedo Coutinho,
jansenista convicto. O jansenismo foi um antagônico ao galicanismo
11
, e de certa medida
lutava por uma Igreja Nacional.
pensadores e literatos, como Pascal e Racine. A Igreja Jansenista tem sobrevivido até hoje numa pequena
comunidade de alguns milhares na Holanda. O jansenismo influenciou o clero brasileiro, mantendo-o afastado
do espírito ultramontano, reforçando a política antipontificial. (PEDRO, Aquilino de. Dicionário de termos
religiosos e afins. Aparecida: Editora Santuário, 1993, p.153-154). (uma consulta mais exaustiva sobre o
jansenismo, é encontrada na tese de Davi Gueiros Vieira, O Protestantismo, a Maçonaria e a Questão
Religiosa no Brasil; Émile Léonard, O Protestantismo Brasileiro; Paulo Florêncio da Silveira, História
eclesiástica no Brasil e Tarcísio Beal, As Raízes do Regalismo Brasileiro).
11
O termo vem de Gália, antigo nome da França no tempo do Império Romano, até a invasão dos francos.
Galicanismo é um termo usado ao que se refere á forma de relação que a Igreja e o Estado francês pretendiam
manter com o sumo pontífice e a Santa Sé. Para o galicanos, o poder temporal dos reis era independente do
papado. Os Galicanos reclamavam pela liberdade e um estatuto particular com uma autonomia, frente à
centralização de Roma, superior a das Igrejas das demais nações. Tal atitude se apoiava num sistema
ideológico cultivado por teólogos da Sorbone e por homens como Gerson, Bosset e outros. Teve força notável
entre o episcopado em determinado momento, e reis o invocaram em seu afã de subtrair-se a dependência do
clero do poder do papa. (Pedro, Aquilino de. Dicionário de termos religiosos e afins, p.127).
43
Jansen tentara reformar a Igreja Católica, sugerindo a mudança da sua
teologia [...] Jansen se opôs aos jesuítas. Suas idéias religiosas tinham sido
adquiridas na Universidade flamenga de Louvaina [...] A teologia de Jansen
deu entrada em Portugal durante o século XVII. [...] O jansenismo alcançou
o Brasil por intermédio de diversos padres e prelados educados em Coimbra.
O mais influente desses clérigos, Dom José Joaquim da Cunha de Azevedo
Coutinho (1742-1821), era parente de Pombal, bem como do principal
conselheiro do Primeiro-Ministro na reforma do currículo da Universidade
de Coimbra. [...] Dom Azevedo Coutinho estabeleceu o seminário de Olinda
(1800), cujo quadro de professores trouxe da sua velha Universidade em
Portugal. (VIEIRA, 1980, p. 29-30).
O jansenismo contrapunha à política ultramontana
12
, ao mesmo tempo defendia uma
teologia agostiniana mais aberta para a Igreja. Muitos religiosos jansenistas de uma linha mais
liberal queriam uma Igreja Católica mais independente de Roma.
Na área teológica, o jansenismo adotou o estudo da teologia agostiniana, bem como
das ciências humanas, especialmente no que diz respeito à filosofia. Admitiu a possibilidade
de outro catecismo distante da dogmática da Igreja que até então estava consubstanciado na
escolástica e na tradição pontifícia. Ademais, mesmo continuando católico, o Brasil passou a
ter um catolicismo menos tridentino fidelíssimo a Roma, e mais jansenista ligado às correntes
mais ilustradas da política e da filosofia.
O jansenismo penetrou não só no clero,como também na cultura brasileira, chegando
ao ponto de um missionário protestante de nome Daniel P. Kidder [...] pensar em utilizar o
catecismo de Montpellier, acentuadamente jansenista, bem como a prática espiritual
jansenista no metodismo.
12
O termo ultramontano significa o que está além dos montes, expressão que se referia a Roma que está além dos
alpes ou montes. Ultramontanismo ou ortodoxia Tridentina é a submissão integral e irrestrita a Roma (papado)
e às Constituições do Pontífice Romano. Era o ideal de manter as Igrejas de todos os países do mundo
subordinada ao papado romano. Tem como eixo principal do seu pensamento a igreja institucional,
estabelecida nos moldes tridentinos e fortalecida em sua posição antiliberal durante o século XIX. Na
perspectiva ultramontana prevalece o conceito da Igreja Universal, mas cuja unidade está centralizada na Sede
Romana.
44
Um clero sul-americano jansenista! [...] O catecismo de Montpellier
13
, seria
mais apropriado que qualquer outro livro. [...] Outro livro jansenista mais
divulgado que o primeiro foi a famosa Teologia de Lião. Se bem que posta
no Index, por decreto de 17 de setembro de 1792, constituía a base do ensino
teológico nos seminários de Olinda e do Rio, assim como nos de Portugal.
[...] A importância dessa influência revela-se, entretanto, em três pontos:
fomentação de uma piedade austera, culto das Sagradas Escrituras e
independência com relação a Roma. [...] Finalmente, o jansenismo difundido
que dominava ao clero brasileiro mantinha-o afastado do espírito de Contra -
Reforma para o espírito de Contra-Revolução, que acabava de modelar o
catolicismo europeu. [...] Sua influência reforçou, assim, o regalismo oficial
e a política anti-pontifical, atitude que foi regra sob os dois impérios,
herdeiros neste ponto, como muitos outros, da política de Pombal.
(LÉONARD, 2002, p. 42-44).
No movimento autonomista brasileiro, o clero liberal teve uma participação
fundamental. Aliás, o clero liberal brasileiro transitava entre seus pares maçônicos que tinha
como mestre José Bonifácio. Este clero, juntamente com militares e deputados liberais foi
quem elaboraram a representação enviada a Dom Pedro I, no evento que ficou conhecido
como "Dia do Fico".
A referida representação foi em primeiro lugar assinada pelo venerável bispo
D. Mateus, um liberal-constitucional, incondicional adepto da regência de D.
Pedro e propugnador do "dia do fico"; havia também a assinatura do
arcebispo da Sé Manuel Joaquim Gonçalves de Andrade, do Ouvidor da
Comarca José da Costa Carvalho, do secretário do Governo Azevedo
Coutinho. (OBERACKER JR., 1977, p.201-202).
A crise do clero por conta das idéias liberais agravou-se mais quando foi proibida a
criação de ordens religiosas e a entrada de ordens estrangeiras que não se subordinassem ao
Império e a abertura de seminários numa lei aprovada em 1855 e colocada em prática por
determinação inversível pelo Ministro Nabuco de Araújo. Esta lei renovava de certa forma, a
13
Esses Catecismos da Diocese de Montpellier, impressos por ordem do bispo Charles-Joaquim Colbert foram
ainda reeditados em 1892 "para por seu intermédio se ensinar a doutrina cristã aos meninos nas escolas do
Brasil e de Portugal", pela livraria Laemmert, no Rio, a mesma que editou as publicações dos missionários
protestantes, depois de sua vinda. Nota-se que a sugestão de Kidder havia sido aceita, e que a influência desse
catecismo jansenista se prolongou até depois do Império. (LÉONARD apud, Institutiones theologicae ad usum
scholarium, publicada em 1780, em Lião, em 6 volumes, pelo oratoriano Joseph Valia, a pedido e sob
patrocínio do arcebispo jansenista de Liaão, Antoine Malvin de Montazet. Ver também: Pe. Heliodoro Pires,
op.cit., H. Accioly, Os Primeiros Núncios do Brasil, p.85 e Uma Teologia Jansenista no Brasil, na Revista
Eclesiástica Brasileira, junho de 1948. Artur César Ferreira Reis, A Formação Espiritual da Amazônia.
Fernandes Ribeiro, cônego J.C., Sobre a influência do jansenismo na formação espiritual e intelectual da
Congregação dos padres do patrocínio, ou de Itú, ver: Os Padres do Patrocínio ou o Porto Real de Itú (Revista
do instituto Histórico, tomo XXXIII).
45
antiga proibição pombalina. Desta forma, a Igreja Católica Romana passava por sua pior fase
institucional no Brasil. Os conventos andavam vazios, pois não podiam receber noviços; os
padres em sua grande maioria estavam mais envolvidos no comércio do que com os
paroquianos, e, boa parte deles já desfilava pelas fileiras liberais da Igreja. Apesar de ser e
manter seu status de religião oficial dada na Constituição de 1824, a Igreja passa a sofrer
grandes perdas em suas fileiras. Uma perda de enorme relevância e que contrapunha o poder
papal foi o Regente Feijó. Ele recebera influência jansenista.
O jansenismo, sempre mais galicano do que ultramontano, esteve a ponto de
levar o Império a um cisma com Roma e retardou bastante o início do
processo de romanização da Igreja brasileira. A fase aguda dos ideais de um
"anglicanismo brasileiro" ocorreu na Regência do padre Diogo Antônio
Feijó, sem dúvida um jansenista. (MENDONÇA, 2002, p.67).
Padre Diogo Antônio Feijó, Deputado de São Paulo (1826), Ministro da Justiça
(1831), Senador do Rio (1833), e depois Regente do Brasil (1835-1837), não apenas se
manifestou liberal em medidas governamentais, mas chegou a combater o celibato clerical,
com uma proposta de lei. Foi sob sua influência e atitude que o governo no Brasil fez grandes
reformas nas ordens religiosas. Em sua Regência extinguiram-se diversas congregações
religiosas. Em 7 de setembro de 1830 eram suprimidas a Congregação Carmelita e a
Franciscana; em 9 de dezembro do mesmo ano, a ordem ou a congregação do Oratório e, em 8
de março de 1835, extinguia a ordem Carmelita de Sergipe.
Sacerdote e intelectual, [...] tentou legitimar, pela autoridade, o casamento
dos padres. Foi particularmente apoiado nesse projeto pelos seus
compratiotas paulistas: assim em 30 de junho de 1833, conseguiu que a
Assembléia Provincial solicitasse do bispo da diocese, que, aliás, participava
da idéia, a autorização do casamento dos padres. Dois anos mais tarde,
regente, pediu ao Marquês de Barbacena, então em Londres, que
providenciasse a vinda para o Brasil de duas corporações de Irmãos
Morávios, que se dedicassem a educar nossos indígenas. Os Morávios eram
os membros da ínfima comunidade protestante que se havia encarregado,
desde então, da primeira e já importante atividade missionária organizada do
protestantismo. [...] Sabemos que Feijó não parou aqui, e que no processo de
nomeação do seu amigo Pe. Moura a bispo do Rio levou-o a encarar a
possibilidade da reunião de um concílio nacional que separaria o Brasil de
Roma (LÉONARD, 2002, p.45,46).
46
Ademais, Feijó não somente procurava uma reforma na Estrutura da Igreja brasileira,
como também sua separação de Roma. Postulava uma Igreja mais liberal, e de certa medida a
separação das instâncias religiosas e civis.
Feijó, além de entender que é ao poder civil, e não ao eclesiástico que cabe
estabelecer impedimentos matrimoniais, ainda considera o clero grego e o
protestante melhores que o católico, porque seus ministros podem se casar.
Filiando-se à corrente do catolicismo de então, que fazia distinção no
casamento entre contrato civil (de jurisdição civil) e sacramento (de
jurisdição eclesiástica), admitia que se retirasse aos sacerdotes o imenso
poder contido no monopólio do casamento civilmente válido. Padres de São
Paulo apoiaram outra iniciativa da Câmara dos Deputados. (RIBEIRO, 1973,
p.128).
O regime de padroado ou regalismo imperial trouxe problemas e conflitos com a Sé
Romana. Haja vista que o padroado de certa forma consubstanciava a autoridade da Igreja no
Brasil sob os auspícios do Imperador. Isso posteriormente vai ficar bem claro na chamada
"Questão Religiosa". Na opinião de Ribeiro (1973), de certa medida o padroado imperial
enfraqueceu a gerência do Pontífice Romano, bem como o pensamento conservador da Igreja.
Da parte do vaticano, uma longa paciência; transigência, com aceitação de
derrotas episódicas, temperada por inflexível decisão de ocupar as posições
essenciais. Tomando conhecimento, pelos relatórios dos núncios de uma
situação perdida, o vaticano, ao que tudo indica, se pôs a preparar o futuro
com sagacidade e determinação. Algumas vezes, porém, o conflito explodia
em franca hostilidade. Na questão Moura foi o padrodo imperial
frontalmente sofreado pela Santa Sé. Na questão dos bispos enfrentou o
beneplácito e o recurso à Coroa, até às últimas conseqüências. Da atitude de
nossos próceres regalistas contra o Vaticano os exemplo são numerosos.
Desde o primeiro instante, simplesmente não nos ocorreu que relações com a
Igreja poderiam resultar de consulta e mútuo acordo. Era ao Estado, apenas,
que cabia definir suas relações com a Igreja. Fê-lo na Constituição, nos
Códigos, em Decretos, em Avisos. Desde as instruções dadas em 1824 a
Monsenhor Vidigal, encarregado de obter do Vaticno o reconhecimento de
nossa soberania, até à explosão de Ruy Barbosa na introdução a O Papa e o
Concílio, o regalismo de nossos dirigentes era acompanhado de total, ou
quase total desconfiança dos motivos e da honradez da Santa Sé. [...] Em
1862, Tavares Bastos
14
(liberal na oposição): "É necessário.... que o governo
encare a Igreja Católica com o olhar de desconfiança, e não lhe deixe subir o
primeiro degrau do favor para que ela, galgando em um pulo a escada, não
nos tome de improviso todas as avenidas da liberdade". (RIBEIRO, 1973, p.
44).
14
(Apud- BASTOS, Tavares, Cartas do Solitário, 1938, p.107).
47
O padroado ou regalismo que orientava as relações entre os dois poderes estava
sobrepondo o poder civil ao religioso, valendo-se dos direitos de padroado. Os limites da ação
da Igreja eram determinados pelo Império, controlando a instituição, nomeando seus
dirigentes, e aprovando ou rejeitando os documentos eclesiásticos antes de sua publicação no
território nacional.
Os ideais liberais no Brasil, segundo Costa (1956), ficou mais fortalecido com a
chegada da família real e dos primeiros imigrantes ingleses e alemães. Ademais, as Escolas
criadas por D. João VI, de Direito em Olinda e São Paulo e a Academia Militar do Rio de
Janeiro, começou nos seus primeiros anos com uma forte tendência liberal, pois os seus
instrutores e mestres eram quase todos desta ideologia. Com isso, a herança católica e
escolástica jesuítica foi perdendo sua hegemonia. Os intelectuais professores eram sensíveis
às correntes literárias da Europa, especialmente dos liberais que incluía no substrato de seu
pensamento o Estado livre e laico.
[...] às escolas de preparação profissional, instituídas por D. João VI,
acrescentou o Primeiro Império os dois cursos de ciências jurídicas e sociais,
que foram instalados em São Paulo, no Convento de São Francisco e em
Olinda, no mosteiro de São Bento. Essas duas escolas, nascidas à sombra de
dois conventos, vão substituir por mais de um século uma instituição que
virá a coordenar o saber, como é a Universidade. (Universidade laica)
15
Será
nesses estabelecimentos que irá ecoar - o debate filosófico e literário que se
travava em terras longínquas. (COSTA, 1956, p.79).
De certa forma, o ideário dos inconfidentes e dos conjurados baianos permaneceram
vivos no Brasil e se fortaleceu no período do Reino Unido a partir de 1808, por conta desta
abertura política e educacional promovida pelo regente D. João VI.
A independência em 7 de setembro de 1822 fez parte de um movimento liberal que já
havia iniciado desde a inconfidência, e no seu sentido mais geral, de crítica ao poder absoluto
dos reis europeus e de defesa dos ideais de liberdade e igualdade que abalaram
definitivamente o poder das Metrópoles sobre suas colônias na América. As idéias liberais
48
contribuíram para a formação de vários países independentes. Quase todos se tornaram
Repúblicas, apenas o Brasil adotou a Monarquia.
Logo se criou no Brasil os Partidos Liberais. O Partido Liberal Exaltado tendo como
principal expoente Gonçalves Ledo, e o Partido Liberal Moderado representado por José
Bonifácio de Andrada e Silva. Este tinha os ideais trazidos da França e Inglaterra, aqueles
ideais trazidos principalmente dos Estados Unidos. Embora sendo liberal, Bonifácio entendia
que não poderia fazer uma ruptura com a monarquia por meio do movimento autonomista. Se
assim o fizesse, seria declarada guerra com Portugal. Homem de espírito evoluído, defendia
uma Constituição liberal, a liberdade individual e religiosa, embora para ele a liberdade tinha
um caráter político-estatal.
José Bonifácio, de maneira alguma ofuscado pelas tão apregoadas idéias
novas, via. em todo caso, que a nova situação criara a necessidade de
friamente raciocinar sobre a reorganização das relações entre os dois reinos
irmãos. Ninguém entre os políticos na América portuguesa e especialmente
ninguém entre deputados às Cortes tinha uma idéia mais ou menos clara,
uma concepção sobre as futuras relações entre Portugal e o Brasil. Foram
todos às Cortes entusiasmados pelas idéias liberais-constitucionais, e
confiavam ingenuamente que os reinóis iam equiparar as províncias, sem
mais e sem menos, no campo político-administrativo, a Portugal,e não ceder
somente as liberdades individuais aos habitantes do Brasil. (OBERACKER
JR., 1977, p.142).
Nesta perspectiva, fundou o Partido Aristocrata ou Partido Liberal Moderado, que no
segundo reinado, passou a chamar simplesmente de Partido Liberal. Exerceu forte influência
na Primeira Constituição Imperial do Brasil (1824)
16
, embora a Igreja continuou unida ao
Estado
17
, bem como a manutenção da escravidão. Bonifácio aceitou a monarquia para garantir
a independência e unidade nacional.
15
( ) Grifo meu
16
O projeto de Constituição para o Império do Brasil, começou a ser elaborado a partir de 30 de agosto de 1823,
pela Comissão da Assembléia Constituinte.
17
Diz a Constituição Imperial: Art. 5º A Religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a Religião do
Império. E ainda, art. 95 Todos os que podem ser eleitores são hábeis para serem nomeados Deputados.
Excetuam-se: c) Os que não professarem a religião do Estado. (Constituição Política do Império do Brasil, de
25 de março de 1824). Ademais, o Código Criminal Imperial dizia: Art. 176 Celebrar em casa, ou edifício, que
tenha alguma forma exterior de templo, ou publicamente em qualquer lugar, o culto de outra religião, que não
49
A opinião de muitos biógrafos de Bonifácio, bem como dos estudiosos da história
política e social do Brasil, é que o idealismo bonifacino seria aplicado no Brasil de forma
utilitarista e progressista. A questão de Bonifácio não era tanto a garantia das liberdades
individuais, e sim o pragmatismo, como ensinava o pensador político Bentham. Nesta
perspectiva, podem-se entender as razões pelas quais o Brasil não rompeu imediatamente com
a monarquia e não se divorciou da Igreja na Constituição de 1824. Embora sendo liberal
declarado, não se deixava iludir pelos belos discursos dos liberais exaltados. Entendia que o
Brasil deveria passar do Estado Absoluto para um Estado Liberal-Constitucional, mas que
aquele não era o momento propício para sua implementação. Portanto as idéias de Bonifácio
em muito superava a dos liberais exaltados.
Queria escolas primárias em todas as cidades, vilas e freguesias; um ginásio
ou colégio em cada província e, pelo menos, uma Universidade (com sede
em São Paulo). Enfim, exigi nova distribuição de terra, respectivamente uma
profunda reforma agrária, dando-se preferência à pequena propriedade para
favorecer a colonização de europeus pobres, índios,mulatos e negros forros.
Consta, pois, que, apesar de não ser um liberal genuíno, José Bonifácio
defendia idéias avançadas de caráter humanitário e econômico. [...] Defendia
claramente um estado federativo, de acordo com a evolução histórica.
(OBERACKER JR., 1977, p.148-149).
Quanto a Igreja e sua influência na sociedade, pronunciou Bonifácio:
E na verdade, senhores, se a moralidade e a justiça social de qualquer povo
se fundam, parte nas suas instituições religiosas e políticas, e parte na
filosofia, para dizer assim, doméstica de cada família, que quadro pode
apresentar o Brasil, quando o consideramos debaixo destes dois pontos de
vistas? Qual é a religião que temos, apesar da beleza e santidade do
Evangelho, que dizemos seguir? A nossa religião é pela maior parte um
sistema de superstições e abusos anti-sociais; o nosso clero, em muita parte
ignorante e corrompida, é o primeiro que se serve de escravos e acumula
para enriquecer pelo comércio, e pela agricultura, para formar muitas vezes
das desgraçadas escravas um Harém turco. As famílias não têm educação,
nem a podem ter. [...] os nossos sabujos eclesiásticos, os nossos magistrados,
se é que se pode dar um tão honroso título a almas, pela maior parte, venais,
que só empunham a vara da justiça, para oprimir desgraçados, que não
podem satisfazer a sua cobiça. (SILVA, 1964, p.52).
seja a do Estado: Pena-serem dispersos pelo Juiz de Paz os que estiverem reunidos para o culto; da demolição
da forma exterior; e de multa de dois a doze mil réis, que pagará cada um. (Código Criminal do Império,
1830).
50
No Brasil, no início do período imperial, o poder central começara a dar os primeiros
passos para uma nova ideologia. Quando a Assembléia Imperial em 1827 afirmou a soberania
do Imperador D. Pedro I sobre a Igreja Católica Romana no Brasil, como também recusou a
Bula de Leão XII, o Estado oficialmente começa a romper com Roma em certo sentido. Desde
então, com ideais diferentes dos genitores portugueses, o Imperador travou uma "guerra fria"
com o papado. Haja vista, o imperador tinha como conselheiro o liberal moderado José
Bonifácio, que o iniciara nos mistérios da maçonaria e era seu grande mestre e tutor
intelectual. Por outro lado, via-se nos Deputados Imperiais e no próprio Imperador ares de
liberalismo e descontentamento com a política tridentina-romanista. Nesta perspectiva a
Assembléia dos Deputados aprova:
As comissões de constituição e de negócios eclesiásticos da Assembléia
Legislativa afirmam a soberania do Imperador sobre a Igreja Católica
Romana no Brasil (1827). As Comissões de Constituição e Eclesiástica,
reunidas, examinaram a Bula do Santo Padre Leão XII, que confere à Sua
Majestade, o Imperador, e a seus sucessores o grão-mestrado das três Ordens
Militares de Cristo, de Santiago e de Aviz. Concluíram desse exame que a
dita Bula não pode ser aprovada porque nela contêm disposições gerais que
ofendem a Constituição do Império. [...] Pode jamais sancionar-se o
princípio que a bula parece querer-se consagrar, de que é lícito levar-se
desolação, o ferro e o fogo à casa daqueles que não crêem no que nós
cremos? Não são essas máximas de sangue, e ignorância, e depravação deste
Império que estabeleceram a tolerância de crenças, e do Art.179, § 5º, que
proíbe que alguém seja perseguido por motivo de religião? Sem dúvida.
Logo, os princípios sobre que a bula assenta sua decisão nem existem, nem
podem tolerar-se, por anticonstitucional, e assenta sobre uma base falha, isto
é, causa que não existe. É, além disso, a bula ociosa e inútil, porque o
Imperador do Brasil tem, pela sua aclamação e pela Constituição, todos os
direitos que ela pretende confirmar-lhe. [...] Conclui-se, portanto que a bula
é ociosa. (RIBEIRO, 1973, p.155-8).
Em Portugal no mesmo período, sendo protegido pela Inglaterra, foi influenciado por
idéias liberais, que conseqüentemente gerou o grande Manifesto Liberal de 1820. Este
manifesto visava a criação de um Estado Constitucional-Liberal, a abolição de qualquer
despotismo, bem como criticava a Igreja pela opressão à liberdade de consciência e ao direito
de opção. Queriam uma ordem jurídica capaz de assegurar o direito à livre expressão do
pensamento, ao progresso da ciência e à livre propaganda.
51
O substrato do pensamento liberal transcrito no manifesto estava embebecido das
iluministas e renascentistas, as quais triunfaram em Portugal. Elas foram trazidas pelos
intelectuais franceses que foram na invasão napoleônica, e, de outro lado, os aliados ingleses,
mais liberais ainda que os franceses. Como poderoso foco, atuou em Portugal de forma plena
a franco-maçonaria, cujas lojas rapidamente se espalharam pelo país, pregando o
racionalismo, o liberalismo e o indiferentismo religioso. É dentro deste clima que triunfa a
revolução liberal de Portugal. Dentro dela, não há mais espaço para os tribunais inquisitoriais,
cuja extinção, é logo decretada pelas Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes da Nação
Portuguesa, em sessão de 31 de março de 1821, ou seja, pouco mais de um ano antes da
independência do Brasil.
Depois do Manifesto Liberal em Portugal em 1820, não pararam, até o final daquele
século, as manifestações. Houve manifestos contra a Carta Constitucional de 1826, que
embora concedesse liberdade pública em certo sentido, como também liberdade de culto, a
religião Católica Apostólica Romana, continuava a ser a religião estatal.
Em face do liberalismo imobilizado da Carta, a emigração das consciências
liberais para o campo das reivindicações republicanas era um acto lógico. A
negação da liberdade de cultos, concorrendo com as causas apontadas,
estimulou passionalmente esta emigração, sobretudo durante a segunda
metade do século. Em matéria religiosa, o regime de religião única e
privilegiada, sancionado pela Carta, era uma contradição viva com os
princípios liberais. (CARVALHO, 1989, p. 195).
Na Súmula Legislativa da futura Revolução Portuguesa, no capítulo que trata das
funções administrativas do Estado e seu caráter burocrático, diz:
A idéia de religião é antinômica à idéia de Estado. Do ponto de partida social
e jurídico da liberdade e responsabilidade do homem, podem a especulação
metafísica ou o sentimento chegar até à idéia de transcendência, mas esse
facto moral privado está fora da órbita civil e jurídica. A liberdade não é
pois, uma permissão céptica dos diferentes cultos: é sim o não
reconhecimento de qualquer deles como formando parte do corpo social.
Declarar, pois, que o Estado não tem religião, que não a tem o cidadão,
embora a tenha o homem. ficam abolidos todos os subsídios diretos e
indiretos ao culto; que as tentativas de ataque à ordem social por parte das
52
classes sacerdotais entrarão no foro comum da polícia; tal é o pensamento da
legislação revolucionária. (CARVALHO, 1989, p. 236).
Os liberais e republicanos portugueses a partir de 1870 aumentava cada vez mais as
reivindicações da liberdade de culto e, sobretudo a separação do Estado com a Igreja. A
perspectiva liberal no campo de matéria religiosa estimulou ainda mais o programa
republicano, até que em 22 de junho de 1873, lançou no Jornal "O Rebate" nº1 um manifesto:
I - Queremos a abolição da monarquia e a proclamação da República
Democrática e Federal Portuguesa. [...].
VII - Queremos a abstenção completa da lei em matéria de casamento,
considerando este como um simples contrato entre o homem e a mulher,
contrato livremente consentido, ficando à lei apenas a vigilância para obrigar
os contratantes ao cumprimento das condições a que se houverem sujeitado.
[...].
XIX - Queremos a separação completa da Igreja e do Estado, de modo que
cada cidadão pague e siga oculto que a sua consciência lhe aconselhar, sendo
completamente banido das escolas oficiais dos Estados o ensino de qualquer
religião.
Aprovado em segunda leitura pela Assembléia geral do centro Republicano
Federal de Lisboa. Domingo, 22 de junho1873.
O Secretário da sessão - Horácio Ferrari. (CARVALHO, 1989, p.243-246).
Os comícios e manifestações tanto públicas como nos jornais, bradavam palavras de
ordem pelo liberalismo, federalismo e republicanismo português. A partir de 1870, os ideais
liberais e republicanos, passaram dos gabinetes dos deputados para toda sociedade portuguesa
que queria mudanças imediatas, baseadas no idealismo do Estado Moderno.
O programa adotado pelo Centro Republicano Federal em Lisboa nos fins de 1878,
parte dos princípios programáticos pregados desde o final do século XVIII em Portugal, onde
nunca ficara de fora a questão da separação da Igreja com o Estado. Dentro dessa perspectiva,
essas idéias exerceram muita influência no Brasil, haja vista, os Deputados da época do Brasil
Colônia representavam o Brasil na Câmara Imperial de Portugal. Depois com a
independência, estes ideais foram transportados para aqui de forma mais exaustiva e
53
apaixonada. Ademais, de forma mais direta, nossos políticos beberam nas fontes liberais
portuguesas.
A partir da saída de D. Pedro I, houve um crescimento vertiginoso do ideário liberal
no Brasil, o que repercutiu nas revoluções de grande impacto até mesmo internacional.
Em 1835, iniciara-se no Rio Grande do Sul o movimento farroupilha. No
ano seguinte, era proclamada a República Riograndense. [...] Nesta
revolução houve também a participação de diversos clérigos, chegando
mesmo a ser declarada uma igreja independente, acompanhando o próprio
movimento político. Em 1839 foi também proclamada a República Juliana
em Santa Catarina, como extensão do movimento gaúcho. Na realidade os
revoltosos não queriam a separação, mas apenas a autonomia política e
administrativa, sob o regime federalista. [...] Em 1842 em Sorocaba (São
Paulo) e em Barbacena (Minas Gerais) ocorreram revoltas liberais. Em
Sorocaba os liberais aglutinaram seus simpatizantes contra o governo
quando a câmara foi dissolvida, conseguindo a adesão de diversas cidades
próximas. Em Minas, a rebelião começou um pouco depois, quando os
liberais depuseram o presidente da Câmara, que era conservador. As lutas
chegaram a atingir vários pontos da província, e contaram como apoio de
Teófilo Otoni. (AZZI, 1991, p.22).
No final das duas regências, o conflito entre os partidos Liberal e Conservador já
estava em pleno andamento, refletindo as contradições existentes entre setores das elites
dominantes. Depois da maioridade de D. Pedro II, os liberais pouco tempo se conservaram no
governo, e os conservadores asseguraram o poder para si. As aristocracias provinciais não
aceitavam de bom grado a situação e, em algumas províncias como em São Paulo e Minas,
ocorreram grandes revoltas liberais.
Em São Paulo, o governo imperial substituiu o presidente da província, brigadeiro
Rafael Tobias de Aguiar, por José da Costa Carvalho. Com este fato, Tobias de Aguiar
buscou apoio nas municipalidades do interior da província, onde a influência liberal era maior
do que na Capital.
54
Liderados por Tobias de Aguiar e pelo padre Diogo Antônio Feijó
18
, os rebeldes
paulistas marcham para Capital, mas o Barão de Caxias, à frente do exército pacificador,
conseguiu surpreendê-los e derrotá-los junto à ponte do Rio Pinheiros.
Em Minas, a revolta liberal entrou na luta um pouco antes dos paulistas. Em
Barbacena, José Feliciano Pinto Coelho da Cunha foi aclamado presidente da Província pelo
Batalhão da guarda Nacional. No dia 26 de junho de 1842, os liberais mineiros combateram
os legalistas em Queluz, mas, mais tarde, em 20 de agosto do mesmo ano, foi travado um
violento combate em Santa Luzia, e a tropa do governo imperial liderada por Caxias vence os
liberais, e os principais chefes são presos. Em seguida, em 1844, o imperador D. Pedro II
decreta anistia aos liberais e os liberta da prisão.
Em 7 de novembro de 1848, eclode em Pernambuco a revolução liberal que ganhou o
cognome de revolução praieira. A revolução praieira tal como outras revoltas liberais do
mesmo período, teve início a partir do choque entre liberais e conservadores. Entretanto,
nesse caso em particular, a revolta contou com alto grau de elaboração crítica, com
reivindicações de forte cunho popular. O núcleo ficou conhecido como grupo da praia, por
isso revolução praieira, a qual era uma facção fortemente liberal formada em torno do jornal
O Diário Novo, dirigido por Luís Inácio Ribeira Roma.
Em Pernambuco, maçons e liberais exaltados chegaram ao poder quatro anos antes da
revolução. E a partir de 1844, começou a se formar uma situação em decrescente agitação
pela causa liberal e indiretamente republicana.
Antônio Chichorro da Gama, homem ligado aos liberais chega à presidência da
Província, e dá início a uma política de hostilidade em relação aos portugueses que eram
18
O padre Feijó foi o mentor intelectual da revolução liberal de São Paulo, e encontrava-se debilitado na sua
saúde física. Em 14 de junho de 1842, ao escrever um manifesto, confessava: "Em verdade o vilipêndio que
tem feito o governo aos paulistas e as leis anticonstitucionais de nossa assembléia, me obrigaram a parecer
sedicioso. Eu estaria em campo com a minha espingarda, se não estivesse moribundo; mas faço o que
posso".(SOUZA, Otávio Tarquínio de. Diogo Antônio Feijó. Belo Horizonte: Itatiaia, 1988, p.298).
55
grandes proprietários de terras e comerciantes. Com isso, o poder central imperial, em 1847,
afasta Chichorro do governo, o que intensifica as agitações dos liberais, mas finalmente em
1848, os revoltosos liberais praieiros são derrotados pelas forças imperiais.
Os liberais começaram a ganhar mais poder de 1850 a 1860, com uma campanha cheia
de animosidade e eletrizante intitulada de: "campanha do lenço branco" de Teófilo Otoni, que
junto com Saldanha Marinho e Francisco Otaviano, foram sufragados nas urnas. Com isso, os
liberais sobem lentamente ao poder não somente na Câmara dos Deputados como também nos
Gabinetes. Esses fatos começaram a dar indícios da direção política, do que viria a ser o final
do Império no Brasil.
A grande ideologia liberal republicana voltou com mais força em 1870, e a questão
passou a ser debatida nacionalmente. São Paulo contava com um partido liberal forte. Minas,
Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Pernambuco, contavam não somente com liberais, mas
com líderes maçônicos e positivistas comteanos que na sua maioria abraçaram os ideais
liberais republicanos.
Quando o movimento liberal-republicano ganhou força, logo lança no Rio de Janeiro
em 03 de dezembro de 1870 "O Manifesto Republicano", texto escrito e revisado por Quitino
Bocaiúva:
[...] As armas da discussão, os instrumentos pacíficos da liberdade, a
revolução moral, os amplos meios do direito posto ao serviço de uma
convicção sincera bastam, no nosso entender, para a vitória da nossa causa,
que é a causa do progresso e da grandeza da nossa Pátria. [...] Neste país,
que se presume constitucional e onde só deveriam ter ação poderes
delegados, responsáveis, acontece, por defeito do sistema, que só há um
poder ativo, onímodo, onipotente, perpétuo, superior à lei e à opinião, e esse
é justamente o poder sagrado, inviolável, e irresponsável. O privilégio, em
todas as suas relações com a sociedade- tal é a síntese, a fórmula social e
política do nosso país- privilégio de posição, isto é, todas as distinções
arbitrárias e odiosas que criam no seio da sociedade civil e política a
monstruosa superioridade de um sobre todos ou de alguns sobre muitos. [...]
A liberdade de consciência nulificada por uma igreja privilegiada; a
liberdade econômica suprimida por uma legislação restritiva; a liberdade de
imprensa subordinada à jurisdição do governo; a liberdade de associação
dependente do beneplácito do poder; a liberdade de ensino suprimida pela
56
inspeção arbitrária do governo e pelo monopólio oficial[...] tais são
praticamente as condições reais do atual sistema do governo (SILVA, 1962,
p.223-233).
Numa crítica ao poder soberano do Imperador, bem como ao seu status de poder
divinamente instituído, diz o Manifesto:
Ora, admitir a igualdade do poder divino ao humano, é de difícil
compreensão. [...] Quando a teocracia asiática tinha um ungido do Senhor,
ou as hordas da média idade aclamavam um rei, carregando-o triunfalmente
depois de uma vitória, esse reconhecimento solene do direito da força era
lógico; quando pelo mesmo princípio a monarquia se unia às comuna, para
derrocar o feudalismo, o despotismo monárquico era lógico também. Mas
depois da emancipação dos povos e da consagração da força do direito, o
que é lógico é o desaparecimento de todo princípio caduco. [...] Para que um
governo seja representativo, todos os poderes devem ser delegados da
Nação, e não podendo haver um direito contra outro direito, segundo a
expressão de Bossuet, a monarquia temperada é uma ficção sem realidade. A
soberania nacional só pode existir, só pode ser reconhecida e praticada em
uma nação cujo parlamento, eleito pela participação de todos os cidadãos,
[...] desde que existe em qualquer constituição um elemento de coação ao
princípio da liberdade democrática, a soberania nacional está violada.[...] Em
tais condições pode o Brasil considerar-se um país isolado, não só da
América, mas do mundo. O nosso esforço dirige-se a suprimir este estado de
coisas, pondo-nos em contato fraternal com todos os povos e em
solidariedade democrática com o continente de que fazemos parte. (SILVA,
1962, p.245).
Assim, o liberalismo influenciou de forma categórica a política brasileira no limiar da
República e, conseqüentemente, na separação Igreja-Estado. Porém não estava sozinho, pois o
positivismo era o seu parceiro.
2.2.3 O Positivismo
A problemática mundial mais ampla da época era a difícil relação Igreja-Estado, e,
isso também repercutiu no Brasil no afastamento crescente entre a elite política e intelectual e
a Igreja.
Figuravam entre os brasileiros liberais e especialmente positivistas: Caetano Furquim
de Almeida, Nabuco de Araújo, Tavares Bastos, Ruy Barbosa, Benjamin Constant e Quintino
57
Bocayuva. Todos estes adeptos da filosofia de Augusto Conte. Eles consideravam a Igreja
Católica como um fenômeno ou religião ultrapassada e regressiva. De maneira particular, o
positivismo comtiano procurava criar uma espécie de "Religião da Humanidade"
fundamentada na ciência e na tecnologia. Isso confrontava necessariamente o ideário da Igreja
conservadora e paternalista.
As ideais liberais e positivistas incluíam o modelo de Estado laico. Nabuco de Araújo
e Ruy Babosa, respeitados juristas, propagava um Estado laico, desvinculado de quaisquer
cultos e religiões. Estes como muitos outros intelectuais liberais e positivistas, eram sensíveis
às correntes literárias da Europa, e às idéias filosóficas, incluindo a dos enciclopedistas e
constitucionalistas.
Intelectualmente, a nação brasileira recebera no final do século XVIII ideologias,
especialmente nas áreas da política e da filosofia, que posteriormente refletiria na formação
do aparelho ideológico de Estado. O positivismo francês predominou não somente nos
partidos como também nos debates filosóficos das escolas de direito de São Paulo e de
Olinda, e na Escola Militar do Rio de Janeiro, celeiros da maioria dos políticos da primeira
República.
Ademais, estourava de forma pungente em Portugal a sócia-filosofia positivista de
Comte. O positivismo português influenciou em muito o organismo político ali, pois
encontrou um terreno fértil antes cultivado pelo liberalismo republicano. Entretanto, o
positivismo português não avançou como aqui no Brasil. Em Portugal, o positivismo contiano
encarcerou seu pensamento desde 1872, quando condenou o revolucionarismo, pela simples
teoria da "ordem como condição para o progresso".
Os positivistas portugueses compreenderam a necessidade de evitar toda a
agitação partidária, que só servia para justificar os arbítrios da polícia, e
assim fizeram a crítica da tradição jacobina, e puderam julgar a incoerência
dos metafísicos revolucionários, e as divergências provenientes do clubismo.
A ordem em Portugal não é uma conseqüência do bem estar geral, mas da
58
apatia de um povo esgotado pelo exercício de um governo de expedientes,
por um sistema beneficiário de uma família privilegiada, que tem mantido a
estabilidade; para que essa ordem não se converta em automatismo dos
agentes estáticos de coesão nacional, é necessário vulgarizar idéias, ensinar a
formar a opinião, estabelecer relações com o movimento europeu, e só assim
é que por seu turno o progresso será o primeiro factor da ordem
(CARVALHO, 1989, p.241).
O principal representante do positivismo em Portugal entre 1865 a 1880 foi Teófilo
Braga. Ele vivia a dinâmica de transformar não somente a estrutura política e ideológica do
Estado Português, como também transformar a sociedade portuguesa numa sociedade
moderna, liberal e racionalista. Conhecido como "o patriota", Teófilo discorria em seu curso
de filosofia positiva, e o transformou em uma propaganda republicana de comoção
sentimental em doutrinação persuasiva. Suas reflexões provocaram a reinvenção da soberania
nacional portuguesa e a nova ideologia, embora já se encontrasse em Portugal muito atrasado
quanto aos outros países da Europa. O substrato do pensamento ideológico-político de Teófilo
e de seus discípulos foi fundamental para consolidar o novo Estado Português, positivista,
progressista e liberal. É salutar, portanto, dizer que o positivismo português influenciou
intelectuais no Brasil, bem como consubstanciou a filosofia política e social da
intelectualidade brasileira.
O positivismo teve significação histórica dentro do contexto brasileiro por participar e
favorecer a instalação da República, e por ter sempre lutado por um Estado laico pelo qual se
estabeleceu.
A proposição de teoria de Estado no corolário jurídico liberal-positivista, a partir do
final do século XIX, buscou uma metodologia Constitucional, fundamentando a
argumentação em construções mais do que conceituais. Os positivistas políticos e jurídicos
abriram a possibilidade de conhecimento mais profundo e mais concreto do Estado. Nesta
perspectiva positivista política, o Estado é um ser real, uma coletividade social, uma
comunidade criada pela ordem jurídica nacional, consubstanciada em princípios fundamentais
59
que conformam o ordenamento jurídico, a forma e a estrutura dele e do governo. Esta tese,
está basicamente fundada sobretudo na proposta iluminista do direito natural, o qual é o
substrato do próprio liberalismo no seu nascedouro.
Ademais, os positivistas liberais entendiam que o Estado deve ser entendido
historicamente, vinculado às relações político-ideológicas e de poder que o conforma, e não
por ideologias religiosas ou metafísicas.
A fundação do Apostolado positivista do Brasil, no Rio de Janeiro, em 1881, por
Miguel Lemos e Raimundo Teixeira Mendes, permitira a divulgação desse pensamento, com
influência, sobretudo entre os intelectuais da Capital Federal, onde no centro positivista
reunia médicos, engenheiros, advogados e militares, os últimos vieram a ser os arautos da
Proclamação da República.
Por outro lado, os positivistas viam no casamento da Igreja com o Estado um
impedimento para um Estado desenvolvimentista. A concepção do Estado como promotor do
desenvolvimento, coordenado por meio do planejamento, bem como no reformismo social,
característico do discurso liberal-positivista, foram plenamente incorporados no Brasil. Para
eles, a visão de Estado liberal neoclássica é a visão que tem como substrato o
desenvolvimento. O desenvolvimento ocorre gradual e espontaneamente, quando as
instituições permitem o máximo de iniciativa individual. Dentro desta perspectiva, via o clero
brasileiro como um atraso para o Estado, pois a ideologia predominante e dominante na Igreja
é de um Estado paternalista.
Para os positivistas, o Estado e a sociedade devem obedecer a uma legislação emanada
de uma academia científica, representada no parlamento, sendo este parlamento legítimo
representante do povo. Se o Estado tivesse compreendido seu caráter racional - em cujo caso a
existência da academia se tornaria inútil – mas, porque esta legislação, emanando da
60
academia, se imporia em nome de uma ciência que ela veneraria sem compreendê-la, tal
sociedade não seria uma sociedade de homens, mais de brutos.
Os positivistas se destacaram na luta pelo Estado laico e, de mãos dadas aos liberais,
exerceram um papel fundamental na separação Igreja-Estado. Porém, os positivistas,
postulavam um Estado laico sob o signo da ordem. Ademais, o caráter de um Estado laico,
arreligioso era considerado pelos positivistas como premissa do regime da modernidade e do
progresso.
Quintino Bocayuva, considerado como o patriarca da República, bebeu nas fontes da
filosofia liberal-positivista. Diferente dos ideais dos principais apóstolos do positivismo que
pregavam o regime republicano ditatorial, Quintino esposava as idéias liberais - democráticas.
Dele, registra-se:
Quintino foi um filósofo e um sociólogo consumado. Na época de suas
especulações filosóficas, em que a doutrina de Augusto Comte empolgava a
todos os pensadores, Quintino era simpático á filosofia positiva. [...]
Embora sem filiação filosófica definida, o fato é que Quintino era um
sociólogo inspirado diretamente no espetáculo da vida real do meio, mas em
quem as urgências da prática nunca adormeceram o filósofo e o moralista.
Em uma de suas incursões nos domínios da sociologia, em que dissertou em
uma conferência pública realizada em 17 de julho de 1870, sobre as
instituições e os povos, Quintino demonstrou ter uma visão sociológica
realista. [...] Nesta conferência realizada no Teatro São Luís, foi
desenvolvida o seguinte temário: [...] O casamento Civil e a Igreja livre no
Estado livre; Anúncio oportuno - tendência da mocidade do nosso tempo
para o celibato e o perigo dessa tendência. (SILVA, 1962, p.74-76).
Foi nesta conferência que incontestavelmente, teceu críticas ao modelo da sociedade
brasileira da época, evocando o idealismo das nações européias que já desenvolviam um
espírito liberal-desenvolvimentista calcados na filosofia política liberal e positivista. Ademais,
junto com Aristides Lobo e Benjamin Constant, conferenciavam com os militares e a
intelectualidade brasileira, da necessidade do Brasil consolidar, por meio da República este
ideário, na lei, ou seja, numa futura Constituição Republicana.
61
A Escola Militar do Rio de Janeiro permitiu uma grande abertura para os ideais
liberais-positivistas. Criadas por D. João VI, quando o Brasil passou a ser Reino Unido de
Portugal, a Escola Militar, que compreendia: Escola Real Militar e a Academia Real da
Marinha, eram destinadas a formar engenheiros civis e oficiais para as Forças Armadas.
O ideário liberal-positivista entrou na Escola Militar a partir do momento que assume
a cadeira de professor catedrático Benjamim Constant
19
. Ele traz as idéias de Augusto
Comte
20
, e difunde na Escola Militar, depois de uma conferência realizada no Instituto dos
Cegos, onde morava, em 1871. Benjamim Constant, além de oficial do Exército, era professor
na Escola Militar na qual gozava de certo prestígio. Desta forma, a Escola Militar se tornava
um celeiro de defensores do positivismo e do liberalismo político. Os alunos oficiais depois
de formados se aprofundam no estudo do positivismo e do liberalismo político, reunindo-se
em clubes, onde discutiam os rumos do país. Na Escola Militar, havia o propósito de
modificar a forma de recrutamento, tornando o serviço militar obrigatório, como também
aberto a negros e a mestiços.
A Escola Militar a partir deste período passa a predominar o liberalismo político e o
positivismo comtiano. O primeiro lutava pela liberdade e igualdade como meta suprema, o
segundo pela autoridade disciplinadora e o progresso científico. Nesta perspectiva, a Escola
Militar pela sua força de ação, se tornava o bloco de sustentação do ideário liberal-positivista,
que mais tarde sustentaria a implantação definitiva da República, bem como a separação da
Igreja com o Estado.
19
Benjamin Constant foi o principal representante político do contismo no Brasil. Ver: SILVA, Wilsom Santana.
Benjamin Constant: filósofo, republicano e educador. Dissertação de Mestrado em Ciências da Religião-
UMESP, 1998.
20
Augusto Comte (1798-1857), é o pai do positivismo. De 1830 a 1842 Comte ofereceu um curso de filosofia
positiva, fazendo um contraponto ao iluminismo simplista e ao liberalismo individualista. Entre outras coisas,
diz-se que inventou o termo "sociologia". Depois de estudar em Paris,começou a dar aulas de matemática e
filosofia. Era também ferrenho defensor do regime republicano, contrariando sua família que defendia a
monarquia. Em 1852, cinco anos antes da sua morte, elaborou o "Catecismo de religião positiva", que
idealizava uma espécie de (Religião da Humanidade), como ficou conhecida pelos neocomteanos.
62
O positivismo postulava o progresso ininterrupto baseado no domínio técnico e
científico. Afirmava que todos os homens foram criados iguais e que são dotados de certos
direitos inalienáveis, entre os quais o direito à vida, à liberdade e à busca da felicidade e do
progresso. E para proteção desses direitos, o Estado deveria ordenar as relações sociais, e sua
autoridade legítima repousa no consentimento dos governados e não da Igreja.
2.3 Aspectos Jurídicos do Período
2.3.1 A Igreja
Juridicamente a Igreja Católica Apostólica Romana era a religião do Estado. O projeto
de Constituição para o Império do Brasil, começou a ser elaborado a partir de 30 de agosto de
1823, pela Comissão da Assembléia Constituinte e foi aprovado com a seguinte redação:
Art. 5º A Religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a Religião
do Império. E ainda, art. 95 Todos os que podem ser eleitores são hábeis
para serem nomeados Deputados. Excetuam-se: c) Os que não professarem a
religião do Estado. (Constituição Política do Império do Brasil, de 25 de
março de 1824).
A Constituição do Império do Brasil manifestava, portanto a união não apenas formal,
mas uma unidade ontológica de concepção de poder característico das nações onde o regime
político predominante é teocrático. Para Costa (1999, 96) no preâmbulo da Constituição de
1824 “encontramos evidências de manifestações religiosas cristãs [...] o juramento do
Imperador na cerimônia em manter a religião do Estado traduz no casamento Igreja-Estado”.
O Código Criminal Imperial dizia:
Art. 176 Celebrar em casa, ou edifício, que tenha alguma forma exterior de
templo, ou publicamente em qualquer lugar, o culto de outra religião, que
não seja a do Estado: Pena-serem dispersos pelo Juiz de Paz os que
estiverem reunidos para o culto; da demolição da forma exterior; e de multa
63
de dois a doze mil réis, que pagará cada um. (Código Criminal do Império,
1830).
A Constituição preceituava ainda que o Imperador deverá manter fiel à religião do
Estado, bem como os seus sucessores. Assim Dizia:
Artigo 103- O Imperador antes de ser aclamado prestará nas mãos do
Presidente do Senado, reunidas as duas Câmaras, o seguinte Juramento: Juro
manter a Religião Católica Romana, a integridade, e indivisibilidade do
Império. [...] Artigo 106: O herdeiropresuntivo, em completando quatorze
anos de idade, prestará nas mãos do Presidente do Senado, reunidas as duas
Câmaras, o seguinte juramento: Juro manter a Religião Católica Apostólica
Romana [...].
Também faria o mesmo tipo de juramento as maiores autoridades do Império,
conforme o que preceituava os artigos 127 e 141.
Uma Lei posterior, de 15 de outubro de 1827, previa grave punição para quem violasse
ou não perseverasse na religião do Estado. Dizia:
Artigo 1º §2° Os ministros e secretários de Estado são responsáveis por
traição: maquinando a destruição da religião Católica Apostólica Romana.
[...]. §3º São aplicáveis aos delitos especificados neste artigo as penas
seguintes: Máxima - Morte natural; média - perda da confiança da nação e de
todas as honras.,
Assim se pode ver não somente a plenitude da Religião de Estado, mas a restrição da
liberdade religiosa, da reprimenda cruel e das regalias da Igreja que perduraram até a
República.
2.3.2 A Educação
A educação desde o descobrimento até a o segundo império ficava sob os auspícios da
Igreja, mesmo após sua expulsão dos jesuítas. Não havia escolas estatais, nem tampouco
particulares. Sobre isso, Antônio Máspoli Gomes (2000) fornece-nos em sua obra “Religião,
Educação e Progresso” dados importantes. Para ele, a Igreja Católica exerceu o monopólio
64
educacional por quase quatro séculos e não havia escolas públicas, pois o monopólio era dos
jesuítas.
O primeiro documento oficial para formação de escolas públicas que se tem notícia,
foi o Decreto de 1º de março de 1823, elaborado pelo Ministro João Vieira de Carvalho.
Cria uma escola de primeiras letras, pelo método mútuo para instrução das
corporações militares:
Convindo promover a instrução a uma classe tão distinta dos meus súditos,
qual a da corporação militar, e achando-se geralmente recebido o método de
ensino mútuo, pela felicidade e precisão com que desenvolve o espírito, e o
prepara para aquisição de novas e mais transcendentes idéias; hei por bem
mandar criar nesta corte uma escola de primeiras letras, na qual se ensinará
pelo método de ensino mútuo, sendo em benefício não somente dos militares
do exército, mas de todas as classes dos meus súditos que queiram
aproveitar-se de tão vantajoso estabelecimento. João Vieira de Carvalho, do
meu Conselho de Estado, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da
Guerra, o tenha assim entendido, e faça expedir as ordens necessárias.
Paço, 12 de março de 1823, 2º da Independência e do Império.
Com a rubrica de Sua Majestade e Imperador, João Vieira de Carvalho
(REILY, 2003, p.91-92).
Evidentemente, a escola criada no início do Império, não mencionou quem seria os
professores. Se fosse seguir a lógica do regime de padroado, bem como a hegemonia exercida
pela Igreja, a educação nessa escola seria do clero católico. Simplesmente a lei silenciou neste
desiderato. Dada a influência dos liberais do Império, é perfeitamente salutar dizer que esta
medida já começa com um distanciamento da religião oficial. Ademais, os professores não
precisavam fazer juramento à religião oficial e nem à Constituição do Império.
A Igreja, notando a brecha da lei, logo reagiu, articulando com força política para que
a educação voltasse aos seus auspícios. Conseqüentemente surgiu a lei de 15 de outubro de
1827.
Manda criar escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas e lugares mais
populosos do Império:
D. Pedro I, por graça de Deus e unânime aclamação dos povos, Imperador
Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil: Fazemos saber a todos os
65
nossos súditos que a Assembléia Geral decretou, e nós queremos a lei
seguinte:
Art.1º Em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos, haverá as escolas
de primeiras letras que forem necessárias.
[...] Art.4º As escolas serão de ensino mútuo nas capitais das províncias; e o
serão também nas cidades, vilas e lugares populosos delas, em que for
possível estabelecer-se.
[...] Art.6º Os professores ensinarão a ler, escrever, as quatro operações de
aritmética, prática de quebrados, decimais e proporções, as noções mais
gerais de geometria, a gramática da língua nacional, e os princípios de moral
cristã e da doutrina da religião católica e apostólica romana, proporcionados
à compreensão dos meninos; preferindo para as leituras a Constituição do
Império e a história do Brasil. (REILY, 2003, p.91).
Portanto, é necessário notar que no artigo 6º, está bem definido o que seria preferido
ensinar quanto à moral cristã: "leituras da Constituição do Império e a história do Brasil".
Ademais, a lei ainda calava sobre quem deveria ensinar, se o clero ou alguém do povo.
Em 19 de abril de 1879, foi aprovado o Decreto A-247, de autoria do liberal Carlos
Leôncio de Carvalho. De mentalidade modernizadora, Carvalho entendia que a educação não
poderia ter orientação e pressupostos religiosos, pois o Estado deveria ser laico. Postulava
portanto a reorganização do sistema escolar do império, abrindo a criação de colégios de
ensino secundário para ministrar formação em literatura, línguas antigas e modernas, sendo
estendida às meninas. Essa educação não poderia sofrer influência da Igreja Católica, pois os
liberais entendiam que o ensino no Brasil estava atrasado porque não entraram nas escolas a
dinâmica do iluminismo. Ademais, uma reforma educacional nesta perspectiva havia sido
fomentada e proposta por Couto Ferraz em 1849, na província do Rio de Janeiro, com o
auxílio de Euzébio de Queirós. Entretanto, essa reforma foi produzida de forma limitada no
Rio em 1854.
66
2.3.3 O Matrimônio
O Matrimônio existente era o celebrado por um padre. Nenhuma lei antes de 1861
autorizava a formação de uma família legítima a não ser pela chancela da Igreja. Isso causou
muitos embaraços e constrangimentos com os estrangeiros que vieram para o Brasil
principalmente os protestantes de imigração.
O governo Imperial desde início autorizava o casamento dos estrangeiros protestantes,
mas com muitas restrições.
Os casamentos de protestantes não são celebrados em igrejas, mas apenas
diante de funcionários civis, na presença de testemunhas escolhidas pelos
noivos. Todos subscrevem um contrato onde figura como condição essencial
e quase primeira, que os filhos que porventura venham nascer do casal sejam
educados na religião católica (RIBEIRO, 1973, p.100).
A discussão sobre o casamento de acatólicos no Brasil começa em 1854, quando os
Viscondes de Uruguai, Maranguape e Abrantes reconheciam a necessidade de secularizar o
casamento em parecer no conselho de Estado, nos casos de Catarina Scheid e Margarethe
Kerth
21
.
A proposição recebeu o apoio de Nabuco de Araújo e de Diogo de Vasconcelos. Este
último apresentou em 1858 o Projeto de Lei do casamento civil para acatólicos e para
casamentos mistos que precederia a ato religioso. Três anos depois de grandes discussões,
inclusive com a reação do episcopado, o projeto foi aprovado.
A oficialização dos Estatutos das comunidades protestantes favoreceu o casamento
religioso realizado por estas comunidades. Foi assim com a comunidade luterana do Rio de
Janeiro, que elaborou seus Estatutos e foram aprovados pelo governo Imperial em 15 de
novembro de 1874. o estatuto na parte que fala do serviço divino e dos atos religiosos diz:
67
Art.48- Os batizados e casamentos poderão ser celebrados na igreja ou em casas
particulares. (Reily, 2003, p.68). Logicamente que os casamentos dos acatólicos, e neste caso
dos protestantes luteranos, estavam não somente fundados no Estatuto da igreja, mas,
sobretudo no Decreto nº 3069, de 17 de abril de 1863.
O Decreto nº. 1.144, de 11 de setembro de 1861, regulamentado pelo de
nº3.069, de17de abril de 1863, permitia que os pastores protestantes,
devidamente registrados, realizassem casamentos com feito civil. Por causa
de arbitrariedades praticadas por alguns sacerdotes católicos contra
imigrantes alemães, a legação do Império alemão interveio junto ao governo
brasileiro, que finalmente resolveu proteger de tais abusos o casamento de
acatólicos (REILY, 2003, p.68).
O Decreto 3.069, ao mesmo tempo em que permitia que os pastores celebrassem
casamentos religiosos com efeito civil, exigia que as igrejas fossem regulamentadas e
tivessem autorização do governo para funcionar. Este Decreto levou os presbiterianos,
luteranos e congregacionais a regularizarem suas comunidades perante o poder público.
Com o Decreto, não apenas os protestantes estrangeiros se beneficiaram, mas os
protestantes brasileiros e outros.
Logo este Decreto sofreu a reação do episcopado brasileiro, alegando que
enfraquecerá a Igreja e o seu poder sobre o clero.
Em 1867 o Deputado Tavares Bastos, declaradamente liberal, apresentou um projeto
mais ainda contrário ao pensamento oficial da Igreja Romana, que deixava o casamento não
mais sob os auspícios da Igreja, mas do Estado. Não foi aprovado a princípio, mas ganhou
muitos adeptos na defesa do seu projeto, como Saldanha Marinho, Conselheiro Maciel e
Alencar Araripe que propôs inclusive que o casamento civil fosse obrigatório, e inválido seria
quaisquer casamentos fora da lei civil.
21
Refere-se aos casais luteranos e o questionamento se o casamento desses protestantes teriam validade sendo
realizados por oficiante luterano. A questão tomou uma proporção nacional, sendo amplamente discutida na
Assembléia dos Deputados e Senadores. Houve manifestos de toda comunidade luterana da época.
68
O casamento civil obrigatório para todos os brasileiros indiferente de sua religião
somente foi consolidado com o advento da República. Em 23 de janeiro de 1890, o Governo
Provisório aprova o Decreto sobre o casamento civil, proposto por Campos Sales, o qual foi
uma das medidas mais urgentes entre as adotadas pelo Governo provisório, praticamente dois
meses após a proclamação da República.
Quanto ao registro de nascimento, somente existia aqueles emitidos pela Igreja
Oficial. O "Batistério" documento do pároco reconhecido pelo governo. Por isso, os
acatólicos que não fossem batizados perante o padre, eram considerados clandestinos e
pagãos.
Somente o batismo possibilitava o registro legal do recém-nascido, e
somente se reconhecia o batismo católico romano. [...] Os protestantes de
início, limitaram-se a ignorar os cânones locais de comportamento: casavam-
se perante o seu pastor ou usavam expedientes diversos na ausência de
pastor. Batizavam seus filhos com o pastor, ou aguardavam anos, até que um
pastor os visitasse, para batizá-los. (RIBEIRO, 1973, p.108).
O Decreto 3069 de 17 de abril de1863 regulamentou também a questão do registro de
nascimento estabelecendo condições jurídicas para os filhos de acatólicos. Desta forma,
registrava-se o nascituro e depois o batizava perante o pastor da comunidade.
2.3.4 Os Cemitérios e os Óbitos
A questão dos sepultamentos no Brasil remonta à chegada dos protestantes,
conhecidos como "protestantes de imigração", por conta do Tratado de Comércio assinado
entre Brasil e Inglaterra em 1808.
A administração dos cemitérios era de responsabilidade da Igreja Católica, que
construía os cemitérios nos arredores das igrejas. E com isso, quem não professasse a religião
do Estado, não tinha o direito de ser sepultado nos cemitérios. Por conta destas restrições, os
69
protestantes, primeiro em Sorocaba, São Paulo e depois na Capital, criou seus próprios
cemitérios. O primeiro foi criado e autorizado por Dom João VI, em 1809, e foi construído na
gestão do engenheiro sueco Carl Gustav Hedberg, primeiro administrador da Real Fábrica de
Ferro Ipanema. O segundo, em 1855, a pedido de Henrich Henrichsen, que começou os
primeiro sepultamentos em meados de 1862.
Entretanto, a partir de 1850, a demanda de sepultamentos de acatólicos tornou muito
grande não somente em São Paulo, mas no Brasil. Ademais, o conflito da Igreja concernente
aos sepultamentos, não era somente com protestantes, mas judeus e até mesmo no caso do
Nordeste, com maçons.
70
3 O DEBATE NA RELAÇÃO IGREJA-ESTADO
3.1 A Relação Poder Secular e Poder Religioso
A discussão entre poder secular (Estado) e poder religioso (Igreja) é antiga. Começa
na antiguidade, passa pelos gregos, por toda Idade Média, Idade Moderna, e chega à
atualidade.
O poder religioso era tão presente que na Grécia antiga, que ateísmo era a acusação
comum feita àqueles que fizessem críticas à religião predominante. O caso mais conhecido na
história da humanidade foi o do filósofo Sócrates
22
, que rompeu com a concepção de Cidade
(Estado) baseado na vontade dos deuses. Por isso foi acusado de corromper a juventude.
Sob este prisma, compreende-se como a religião esteve tão fortemente ligada
ao poder do Estado nas antigas civilizações. Os templos e seus sacerdotes
eram respeitados e sustentados pelos reis. Havia uma união quase
inextricável. A religião dava legitimação ao poder do Estado, ao mesmo
tempo em que se beneficiava com sua proteção. Até mesmo Atenas (capital
Grega), uma sociedade considerada o berço da democracia onde se
desenvolveu a filosofia e outras ciências, a crença nos deuses da mitologia e
a relação entre a religião e o Estado era tão próxima, que uma infundada e
caluniosa acusação de ateísmo condenou à morte o filósofo Sócrates. Os
calendários, as atividades sociais, os esportes, eram relacionados à religião
sob a anuência do Estado. Em Roma, a tal ponto a religião relacionou-se
com o Estado que César confundiu-se com um deus. E quando surgiram os
primeiros sinais de decadência do Império, uma das razões alegadas foi o
abandono da antiga religião. Parece-nos que naqueles tempos, um Estado só
se mantinha firme na medida em que a religião o legitimava (VASQUES,
2005, p.5).
Platão (428-347 a.C.) na República propõe uma nova forma e concepção de governo.
Não mais um governo baseado nos mitos ou na religiosidade, mas no contrato das
assembléias. Platão escreveu sobre a política e o Estado e deixou para a posteridade,
especificamente para a tradição filosófica política. Sua obra fundamental em filosofia política,
22
Filósofo mestre de Platão, e este por sua vez mestre de Aristóteles. Juntos estes três representam aquilo que os
historiadores chamam de “Filosofia grega clássica”. Antes deles a filosofia grega é chamada de pré-socrática.
Especificamente com Sócrates nasce a filosofia voltada à racionalidade e à ciência.
71
"A República" trata-se da (cidade) e de sua natureza e funcionamento destacando a atividade
de governo. Mais especificamente sobre “a origem e natureza de uma cidade – Estado.
A obra “A República” critica o sistema de governo ateniense, baseada nos poetas
(contos e estórias mitológicas e esotéricas). Não se pode ensinar às crianças fábulas ou
fantasias, coisas fantasiosas. No fragmento 381, reforça a idéia de não acreditar nos poemas
Homéricos e de Hesíodo. Os mitos Homéricos e Hesíodos formavam a cosmovisão das
pessoas e principalmente das crianças. Isso fazia parte da cosmovisão política grega.
Acreditava-se que o governante era filho dos deuses. Sócrates e especialmente Platão propõe
um Estado Político baseado num novo tipo de governo. Discorre na “República” sobre um
Estado Político baseado num novo tipo de ética e em uma nova forma de governo. Vai romper
com a concepção do governo dos mais fortes (filhos dos desuses), que era baseado em contos
mitológicos. No livro II, Platão vai criticar o governo da cidade sob o regime dos deuses.
A perspectiva platônica é de que a Cidade deve ser bem governada a partir da luz da
razão. A Cidade deve ser racional. O mundo das idéias de Platão deve e precisa-se realizar na
realidade da cidade. Deve, segundo ele, haver uma racionalidade em termos significativos na
Cidade-Estado (República). Este governo seria razoável se estivesse desvencilhado dos mitos.
No capítulo I, o objetivo era levar Trasímaco (personagem do discurso), a sair da
tipologia e da opinião baseada nos contos dos deuses mitológicos para as idéias. Ainda aí, vai
falar da fundação da cidade (Estado) a partir da concepção humana. Mostra como deve ser a
cidade, ou seja, o governo.
Aristóteles (384-322 a.C.), discípulo de Platão, distanciou um pouco do seu mestre,
pois ocupou mais com a política e a ética. Preceptor de Alexandre, o grande, uma espécie de
conselheiro, pensou e formulou um Estado desvencilhado dos mitos e da religiosidade. Para
Aristóteles, a origem do Estado é natural e não convencional. Isto é, não como afirmavam os
sofistas e Platão. A grande crítica platônica postula um Estado a religioso, sem subserviência
72
do mito. “O Estado é uma criação do homem que é por natureza um ser político. Se alguém,
por natureza e não só acidentalmente, vive fora do Estado, é superior ou inferior ao homem”.
“O Estado surge pelo seguinte motivo: tornar possível não só a vida, mas também a vida feliz.
O escopo do Estado é facilitar a consecução da felicidade. Só o Estado torna possível a
completa realização de todas as capacidades humanas”. (ARISTÓTELES, in: Pensadores,
p.27-29).
Com os gregos, tem-se uma idéia de que mesmo antes do cristianismo estabelecer-se
no mundo, havia vozes contrárias do governo atrelado a concepções religiosas.
Desde essa época muitos séculos se passaram, antes que se voltasse à discussão teórica
sobre o estado arreligioso, o que os gregos escreveram tornou-se referência e o debate acerca
disso partiu do que os filósofos Sócrates, Platão, e Aristóteles escreveram.
Essas incursões pelo debate do Estado Laico, saltam mais dois mil anos. Ainda assim,
têm como ponto de partida os escritos da tradição clássica, especialmente a grega e a romana.
As discussões trazidas pelos autores clássicos dos séculos XVII e XVIII, Hobbes,
Locke, Montesquieu e Rousseau, também têm sua parcela de contribuição para o Estado laico
e moderno. Estes autores de certa medida voltam-se aos autores clássicos gregos e romanos,
para debater a relação Estado-Igreja e o papel destas duas instituições na sociedade.
A Igreja Católica sempre desempenhou um papel de grande relevância e influência no
continente europeu e, com maior intensidade, no período correspondente à Idade Média, por
haver estabelecido, nos séculos anteriores, o conceito do trabalho servil, já que a Igreja
desempenhava funções laicas e religiosas.
[...] nas ordens monásticas do Ocidente o trabalho manual e o intelectual
estavam unidos providencialmente a serviço de Deus. O pesado trabalho
agrícola adquiria a dignidade do culto divino, e era desempenhado por
monges letrados (ANDERSON, 1991, p.129).
73
Percebeu-se também uma intensificação dessas relações, que se refletiu na sociedade
laica.
Com isso, a Igreja se assemelhava ao Estado, tornando-se cada vez mais parecida com
um “governo cristão”. A esse respeito, o civilista Lucas de Penna (1990), ao citar Tomás de
Aquino, diz que: “Portanto, a Igreja é comparável a uma congregação política de homens e o
papa é como um rei em seu reino por conta da plenitude de seu poder”. Nesta mesma opinião,
Kantorowicz (1998) diz que: “os reis dependiam da aprovação e bênção do papa, pois, quando
o papa falava todo o mundo calava-se”.
A aliança entre a Igreja e o Estado remonta o IV século no apogeu do Império
Romano. A partir de 311 A.D, terminam as perseguições aos cristãos. Posteriormente, o
Imperador Constantino I em 313 d.C garantiu liberdade de culto aos cristãos. Mais tarde em
380 d.C, no reinado de Teodósio I, acontece definitivamente o casamento da Igreja com o
Estado, quando é promulgado o édito de que a religião cristã a partir de então seria a religião
oficial do Império Romano e que todos os seus súditos deveriam ser cristãos. O primeiro
historiador da igreja Eusébio de Cesaréia (270-339 d.C), registra a união do Poder secular
com o Poder Religioso. Com isso, a Igreja deixou de ser perseguida, foram construídas várias
catedrais e a religião cristã obrigatoriamente se tornou a religião oficial do Império Romano.
O Imperador César Galério Valério Maximiniano e o Imperador César
Flávio Valério Constantino Augusto Pio Félix, Invicto, Pontífice Máximo e
o Imperdor CÉSAR valério Liciniano Licínio Augusto Pio Félix, Invicto,
Pontífice Máximo, "entre outras medidas que tomamos para utilidade e
proveito do Estado, já anteriormente foi vontade nossa endereçar todas as
coisas conforme as leis e ordem pública dos romanos e prover para que
também os cristãos, [...] voltassem ao bom propósito. [...] Em conseqüência,
em troca dessa nossa indulgência, deverão rogar a seu deu por nossa
salvação, pela do estado e por sua própria, com o fim de que todos os meios,
o estado se mantenha são e possam eles viver tranqüilos em seus próprios
lares". [...] Assim varridos os ímpios, Constantino e Licínio guardaram para
si sós a parte correspondente do Império, segura e indiscutível. Estes, depois
de eliminar do mundo antes de mais nada a inimizade contra Deus,
conscientes dos bens que Deus lhes havia outorgado, demonstraram seu
amor à virtude, seu amor a Deus, sua piedade e gratidão para com a
74
Divindade por meio de sua legislação em favor dos cristãos. (EUSÉBIO de
CESARÉIA: 1999, p.294,295,316).
No apogeu do Império Romano, especificamente o período que compreende de 311 a
380, denota o surgimento e a consolidação de uma Igreja Estatal que se irradia por todo
Império. Dentro deste contexto, o cristianismo alcançou o status de religião oficial do Império
Romano, e o paganismo deveria ser vencido, e com o uso da força estatal deveria ceder
espaço para nova religião do Estado. Finalmente em 445, reconheceu-se a autoridade do bispo
de Roma como chefe supremo da Igreja, quando o imperador Valentiniano III o considerou
como chefe sobre os demais bispos e de todas as igrejas do mundo,sobre o pretexto de que:
"somente será perseverada a paz de todas as igrejas no mundo inteiro, quando todo mundo
reconhecer o seu chefe", ou seja, o bispo romano (BETTENSON, 1998, p.59).
Em 754 é elaborada e aprovada a doutrina do poder temporal da Igreja e do papado,
em um acordo com o rei Pepino conhecido como "o breve". Pepino, rei dos francos governou
de 714 a 758. Em 754 esse rei doou terras ao papa na hoje região central da Itália, que
perfazia de Roma a Ravena. Com isso, formara os primeiros Estados Papais mantidos sob o
poder da Igreja até 1870.
A Igreja, a partir destes fatos, passa a exercer um importante papel político na
sociedade medieval, e o seu escopo perpassava ou extrapolava os púlpitos e catedrais.
No Império Romano, acreditava-se que não havia uma separação entre o poder
temporal e o poder espiritual, pois para o imperador, a Igreja era um prolongamento do Estado
e vice-versa, conceito que ficou conhecido como cesaropapismo. No século VIII a Igreja do
Oriente (bizantina) foi atingida por um golpe, o iconoclasmo, ou seja, a luta para não mais
haver a adoração a imagens. O Império Bizantino proibiu a adoração de imagens, o que
acabou se tornando uma nova forma de heresia, já que se negava representar a humanidade de
Cristo. Essa luta abalou os fundamentos do Império, pois o povo via no iconoclasmo uma
75
manifestação de despotismo político, porém chegou ao fim em 842, quando foi restaurada a
veneração de imagens. Poder-se-ia concluir que a Igreja conseguira derrubar o cesaropapismo,
porém essa vitória da ortodoxia fortaleceu o inimigo, pois quase todo o clero secular se
colocou do lado dos imperadores contra os monges. O cesaropapismo foi então fortalecido.
O fortalecimento da relação entre a Igreja e o Estado e outros acontecimentos
políticos, como a coroação de Carlos Magno pelo Papa Leão III em 800, provocaram
explosões de raiva e desentendimento em Constantinopla. Esses fatores, acrescidos de
conflitos anteriores e da divergência e independência das partes ocidental e oriental da
cristandade, levaram ao grande cisma, que ocorreu oficialmente em 1054
23
. Assim, o cisma
rompeu o diálogo mantido durante séculos e o substituiu pela desconfiança e inimizade, o que
levou a perdas de ambos os lados.
Após a queda do Império Romano do Ocidente, e anos depois no começo do reinado
de Carlos Magno
24
(800 A.D.), a concepção Igreja-Estado tornou ainda mais forte.
Carlos Magno foi tido por seus contemporâneos como um novo Constantino
escolhido por Deus para implantar e defender a Cristandade. Não apenas o
imperador auxiliou a Reforma Católica no seu reino, como também impôs a
fé aos saxões com força das armas em seu projeto de expansão do reino
franco (AZZI, 1994, p.6).
É neste período que o conceito de cristandade tornou mais forte, pois Carlos Magno
(768-814), tornou-se autêntico "Patronus Ecclesiae"
25
e, ou chefe de Estado e Chefe Protetor
23
O cisma ou separação do cristianismo oriental e ocidental, refere-se a não aceitação dos bispos e patriarcas do
oriente, especialmente de Constantinopla e da Grécia em não aceitar a autoridade do papa romano nem as
relações deste com o poder político secular.
24
Carlos Magno (742-814), era filho do rei Pepino, e subiu ao trono no dia 25 de dezembro do ano 800 d.C, em
Roma. Foi coroado pelo papa Leão III. Seu primeiro ato foi confirmar as terras doadas pelo seu pai à Igreja, e
assim, a Igreja tornou-se proprietária de vastos territórios. Esta união do poder civil e religioso com o rei
Carlos Magno e Leão III tornou-se mais sólido.
25
Patronus Ecclsiae significa que o poder imperial seria o guardião da Igreja em seus territórios, e sob esta
proteção, a Igreja poderia ser defendida com armas.
76
perpétuo da Igreja. Título esse dado a Constantino no século IV. Com Magno o
cesaropapismo
26
foi então fortalecido e favoreceu ainda mais a relação entre Igreja e Estado.
Com efeito, com a coroação deste monarca em Roma,em 800, como
representante do Sacro Império Romano, o ideal teocrático da respublica
christiana afirmou-se não somente como concepção política, mas também
como concepção do sentido da cultura, a qual, aliás, nas condições
sociológicas da época, somente com o apoio da Igreja podia ser organizada,
quer como forma ordenadora da vida, quer como sistema de valores e de
saberes, quer ainda como organização e disciplina da actividade docente.
Considerando-se priceps populi christiani e restaurador da tradição imperial
romana, Carlos Magno pretendeu que a unidade política do seu vasto
império, constituído por populações de diverso grau de civilização, se
prolongasse na unificação da cultura mediante a unidade religiosa, pelo que
promoveu a actividade docente da Igreja, impôs a todos os mosteiros a
unidade de observância da regra beneditina e se considerou, como
expressivamente declara numa epístola ao papa leão III, obrigado a defender
a Igreja de Cristo, no exterior, com as armas, contra as incursões de pagãos e
as devastações de infiéis, e no interior, fortalecendo-a pelo conhecimento da
fé católica. O ceptro do monarca congregava, a um só tempo, os interesses
da Igreja e os do Estado (CARVALHO, 1989, p. 386-7).
Anos mais tarde, em 962 d.C., o rei germânico Otto I, foi coroado em Roma pelo papa
João XIII, que o declarou como o grande Imperador do Sacro Império Romano-Germânico.
Com isso, o mesmo ontos
27
consolidado com Carlos Magno, estendeu ainda mais pelo mundo,
e tornou ainda mais válida a tese de que o poder do Estado ou do rei era concedido por Deus
na pessoa do papa. Desta forma, a Igreja alcançou supremacia sobre o poder temporal ou
civil.
A partir do século XI, a idéia de cristandade foi retomada na Alemanha,
tanto pela dinastia dos Otões como dos Höhenstaufen, sob a designação de
Sagrado Império Romano Germânico. Foi o jovem Otão III quem mais se
empolgou com o sonho de uma sociedade cristã. Mas a morte prematura
impediu-lhe a concretização dessa idéia (AZZI, 1994, p.6).
26
O termo indica um sistema de relações entre Estado e Igreja em que o chefe do Estado, julgando caber-lhe a
competência de regular a doutrina, a disciplina e a organização da Societas fidelium, exerce poderes
tradicionalmente reservados à suprema autoridade religiosa, unificando na própria pessoa as funções de
imperador e de pontifex. Decorre neste sistema a subordinação da Igreja ao Estado.
27
Ontos: entende-se semanticamente esta palavra por "o ser" ou a identidade.
77
Ademais, foi nesta época que se reivindicou a concepção de poder
constantinopolitano
28
. A Igreja resgatou o Documento de Constantino, que consubstanciava a
unidade do poder civil e religioso na pessoa do Sumo-Pontífice Romano. Ao Supremo
Pontífice foi entregue o poder e as indumentárias próprias de um imperador.
Visto que nosso poder imperial é terreno, decretamos que ele deve venerar e
honrar a santíssima Igreja Romana e que a sagrada Sé do bem-aventurado
Pedro deve ser gloriosamente exaltada sobre todo o nosso império e trono
terreno. [...] entregamos nosso imperial palácio de Latrão, que é superior e
excede a todos os palácios do mundo inteiro; além disso, o diadema, que é a
coroa de nossa cabeça,a mitra e a estola, que usualmente envolve nosso
imperial colo, [...] Por isso percebemos que nosso império e o poder de
nosso governo devem ser transferido e removidos para regiões do oriente, e
que uma cidade com o nosso nome deve ser construída no melhor local na
província de bizâncio, sendo aí estabelecido o nosso império; pois não é
direito que um imperador terreno tenha autoridade no lugar onde foi
estabelecido pelo imperador celeste o governo dos sacerdotes e a cabeça da
religião cristã. [...]. (BETTENSON, 1998, 3ª ed., p. 171-173).
Henrique IV, imperador do Sacro Império Romano-Germânico, quando da morte de
seu pai assumiu o poder, não aceitou a intromissão do Pontífice Romano, e assim, lança um
manifesto em janeiro de 1076 contra o poder papal. Em seguida o papa Gregório VII, em
fevereiro de 1076, publica um decreto depondo Henrique:
[...] retiro do rei Henrique, filho do imperador Henrique, o governo de todo o
reino dos germanos e da Itália. Porque ele se levantou contra a tua Igreja
com orgulho e arrogância. Libero todos os cristãos do vínculo do juramento
que fizeram em favor dele. Proíbo a qualquer pessoa lhe sirva como rei, pois
é justo que quem tende a diminuir a honra da tua Igreja perca até mesmo a
honra que parece ter (BETTENSON, 1998, p.177).
Os papas eram os mandatários do poder secular, pois nomeava e retirava do poder
quem lhes aprouvesse.
Após a deposição de Henrique IV, assumi Henrique V, que logo se submete
ao poder papal, e estabelece uma política de subserviência com o poder
central da Igreja. Seus decretos, passa a receber a chancela do representante
imediato do papa em Colônia. No seu primeiro Edito, encontramos na
subscrição final: "Eu, Frederico, arcebispo de Colônia e supremo chanceler,
o ratifiquei" (BETTENSON, 1998, p.188).
28
Refere-se aos Decretos de Constantino, especificamente o Decreto que transfere a autoridade da Igreja a ele
próprio.
78
Segundo Perroy (1965), desde os inícios do século XII, a Igreja latina é uma
monarquia, muito mais firme do que todos os poderes temporais que se repartem então pelo
Ocidente e, por uma ousada transferência do mito imperial, é em favor do papa, agora
revestido da tiara e do manto de púrpura, que os intelectuais da Igreja romana projetam
renovar a dignidade suprema, diretora da comunidade cristã tanto no Temporal quanto no
Espiritual.
Para Perroy, havia uma confusão entre o religioso e o leigo. Os senhores feudais e seus
filhos eram cardeais da igreja. Nesta perspectiva diz:
[...] a função religiosa, os poderes e proveitos a ela inerentes [...] formam aos
olhos dos contemporâneos como que uma tenência, cujo senhor é o patrono
laico, que a entrega ao eclesiástico por um gesto simbólico de investidura e
que, como um feudo após a morte do vassalo, lhe é devolvida quando a
cadeira vaga (PERROY, 1965, p. 46).
As igrejas estavam em poder dos leigos, uma vez que pertenciam às famílias herdeiras
dos fundadores do santuário, e estas se achavam no direito de explorá-las como um outro
patrimônio qualquer. Além disso, os titulares de bispados e abadias eram nomeados pelos reis
e por alguns príncipes que se apoderaram dos privilégios eclesiásticos. Por isso, havia uma
mistura dessas instituições e dificuldade de defini-las separadamente. Segundo Ernest H.
Kantorowicz (1998) o feudo e os reis dependiam da sacralização e bênção do papa. Diz mais:
Infinitas inter-relações entre a Igreja e o Estado, ativas em todos os séculos
da Idade Média, produziram híbridos em ambos os campos. Empréstimos e
trocas mútuas de insígnias, símbolos políticos, prerrogativas e honrarias
sempre se realizaram entre os líderes espirituais e seculares da sociedade
cristã. (KANTOROWICZ, 1998, p. 125).
O poder religioso, papal, ou da Igreja na pessoa do papa chegou ao ápice quando em
outubro de 1198 na "Sicut universitatis conditor. Ep. I. 401, P.I. CCXIV. Mirbt, Nº 326".
Neste decreto papal, o poder pontifício sobrepõe o poder temporal dos reis e príncipes. A
partir daí o poder do Império Romano-Germânico fica sob governo papal. Diz o Decreto:
79
O criador do universo colocou duas grandes luminares no firmamento do
céu; o luminar maior para governar o dia e o menor para governar a noite.
Da mesma forma para o firmamento da Igreja Universal, da qual se fala
como sendo o céu, Ele apontou duas grandes dignidades: a maior para
exercer o governo sobre as almas(como se estas fossem os dias), a menor
para exercer governo sobre os corpos (como se estes fossem as noites). Essas
dignidades são: a autoridade pontifícia e o poder real. Além disso, a lua tira a
sua luz do sol e é, na realidade inferior ao sol, tanto em tamanho e qualidade,
como em posição e efeito. Da mesma forma, o poder real tira sua dignidade
da autoridade pontifícia, e quanto mais estreitamente se aproxima da esfera
dessa autoridade,tanto menor é a luz de que ela mesma está adornada, e
quanto mais dela se afasta, tanto mais aumenta seu próprio esplendor. [...]
Reconhecemos, tal como é de nosso dever, que o direito e a autoridade de
eleger um rei [...] que o direito e a autoridade de examinar a pessoa assim
eleita pertence a nós, que os ungimos, consagramos e coroamos.
(BETTENSON, 1998, p.188-189).
Durante todo período da Idade Média, mesmo aparecendo aqui ou ali proposições
quanto ao papel das esferas, secular e religiosa, houve sempre a subordinação do Poder
Temporal ao Poder Religioso.
Por outro lado, a semelhança entre as relações entre o rei e o Estado e o papa e a
Igreja. Muitos pensadores consideravam o rei a partir de dois corpos; o corpo físico,
individual (corpus verum) e o corpo coletivo (corpus fictum), que se dava pelo corpo do reino,
como o parlamento para os ingleses. É interessante notar que, apesar de ser um indivíduo
como outro qualquer, o rei possuía uma identidade que sobressaía ao seu corpo físico, tendo
muitas vezes que negar a sua vontade particular e optar pela vontade que melhor coaduna com
a do povo, e principalmente o sentimento religioso. Esta concepção remonta a idéia de rei da
Grécia antiga de rei “filho dos deuses”, ou seja, o rei embuído de uma autoridade espiritual.
Esta concepção posteriormente fora desenvolvida por Hobbes e absorvida por teólogos
da Igreja Católica.
A ideologia absolutista de que o rei agia em nome de Deus e da religião tornou a
relação Igreja-Estado mais intrínseca quando o cardeal e orador sacro Jacques Benigne
Boussuet (1627-1704), formulou a doutrina do absolutismo do direito divino segundo o qual o
rei era o representante de Deus responsável apenas perante Ele por seus atos de governo. Esta
80
proposição estava baseada em uma interpretação exegética equivocada da Carta de São Paulo
Apóstolo aos Romanos cap. 13. versículos. 1 a 7, como também na interpretação fora de
contexto do corolário agostiniano expresso na magna obra "A Cidade de Deus"
29
.
É salutar observar a tese de Ramos (1984)
30
, a qual é contrária a de Boussuet.
Comentando sobre a idéia de Estado na doutrina ético-política de Santo Agostinho,
especificamente partindo do referencial teórico "De Civitate Dei", é da opinião de que
Agostinho não defende um governo plenamente teocrático, mas um Estado justo,
relativamente autônomo como realidade temporal, pois a “Civitas Dei” de Agostinho é a
Igreja na temporalidade. Ainda nesta perspectiva, defende:
Em conclusão, não haverá um Estado totalmente autônomo, isto é, neutro ou
independente em relação ao fim da Cidade Celeste". Ele será, porém,
relativamente autônomo e suficiente como realidade temporal, que tem por
fim próprio a paz temporal, a qual ele pode e deve assegurar. Será esta o seu
"bem comum" imediato. [...] O Estado terreno de Agostinho, concreto e
singular,em qualquer tempo e lugar, com qualquer cultura que seja, em
regime confessional ou laical, é, antes de tudo,uma parte daquela "Societas...
mortalium" e devedor moralmente da "humani generis caritas", por força de
participação na "communis natura". [...] Ele aceitaria, ao invés, querer-me
parecer, um Estado liberal, aconfessional, pluralista, como mal menor. [...]
Ao cristão,por fim, revestido de autoridade ou simples cidadão de qualquer
tipo de Estado, ao mesmo tempo membro da Cidade de Deus peregrina e
desta concreta cidade terrestre, caberá, em particular, a obrigação de levar o
próximo ao amor de Deus, pela benevolência, pela doutrina, pela disciplina,
corrigindo os maus ou suportando-os, se não puder corrigi-los (RAMOS,
1984, p.325,353,354).
Portanto o Estado na mente de Agostinho não era teocrático em seu ontos, mas sempre
teocêntrico em seu ethos
31
. Esta perspectiva agostiniana estava firmada no pressuposto da
Soberania de Deus, no sentido de que Deus constitui as autoridades e exige delas a
29
A obra magna de Santo Agostinho (354-430) escrita entre 413-416, para tratar de uma reflexão política-
teológica-filosófica sobre as relações entre a Igreja e o Estado, que tem como pano de fundo a proposição de
um Estado terreno justo.
30
Francisco Manfredo Tomás Ramos, apresentou a tese de doutorado, "A Idéia de Estado na Doutrina Ético-
Política de Santo Agostinho", na Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma e foi aprovada com mais alta
distinção. (H. C. de Lima Vaz, S.J. in: prefácio da tese-livro, p.16).
31
Ethos: entende-se por ethos os valores constituídos de princípios ou regras que tem em seu substrato a prática
desses valores.
81
manutenção da ordem, da justiça e da paz social. Portanto, o absolutismo proposto por
Boussuet não encontra em Agostinho uma base teórica consistente.
Entretanto é importante salientar que as características laicas de Estado, sobretudo a
separação do poder secular e poder religioso perpassou um longo processo histórico, cujas
raízes se encontram na idade média.
Contra o poder papal dominante, alinharam-se sucessivamente diversos pensadores,
clérigos ou não que, a princípio, começaram a defender o poder temporal monárquico sem a
interferência de Roma. Dante Alighiere publicou a Monarquia; Marcílio de Pádua, Defensor
Pacis e William de Ockham, Brevilóquio sobre o Principado Tirânico, todas estas obras
denunciavam os abusos do poder pontifício, bem como o papel distinto de cada poder, ou
seja, o espiritual e o temporal. Entretanto, o passo mais importante na defesa da autonomia do
Estado com relação ao poder eclesiástico foi dado por Maquiavel com sua obra O Príncipe.
Segundo a maioria dos pensadores políticos, modernos e contemporâneos, o doutor
Anselmo, conhecido como "Anselmo de Cantuária", por ter sido bispo ali, foi o primeiro a
distinguir o papel da Igreja (poder espiritual) e o do Estado (poder temporal). Anselmo (1033-
1109), italiano de nascimento e que depois assumiu o arcebispado de Cantuária, é lembrado
não somente como um grande teólogo, como também um reformador dos costumes
eclesiásticos e políticos da Igreja. Ele parece ter sido o primeiro intelectual a falar dos papéis
distintos entre Igreja e Estado, ou na linguagem medieval, poder temporal e poder espiritual.
Anselmo escreveu muitas obras, e posicionou politicamente e intelectualmente,
quando da crise e das difíceis relações do poder temporal com a Igreja. Aliás, o principal
problema político da época em que Anselmo viveu foi o das disputas entre o poder temporal e
o poder espiritual, com todas as suas conseqüências, como a simonia (comércio dos cargos
eclesiásticos) e a imoralidade do clero indicado pelos senhores dos feudos. Os feudos leigos
desempenhavam papel fundamental na distribuição de cargos eclesiásticos e quase todas as
82
igrejas estavam em poder de pessoas que não faziam parte do clero oficial e nem tampouco
dos mosteiros ou ordens. A relação entre vassalo e senhor feudal tendia a se confundir com a
relação entre o “cura
32
da igreja e seu patrono, e com isso, cada vez mais se subordinava o
poder espiritual ao poder temporal. A Igreja estava refém do sistema de feudos, que
indicavam prelados familiares.
Contra esse estado de coisas, Anselmo insurgiu-se, e procurou reformar as instituições,
bem como a não submissão da Igreja ao Estado. Esse papel ele desempenhou de maneira
rigorosamente coerente com sua participação política ativa e com seus escritos. Nesta
perspectiva, defendeu que a Igreja não é e não pode ser subordinada ao Estado, e nem o
Estado, subordinado à Igreja. São as duas instâncias de poder oriundas de Deus e coexistem
para promover o bem e a virtude.
Como pensador da escolástica, sua participação política foi orientada pela idéia de que
o Estado está para a Igreja assim como a filosofia está para a teologia, ou seja, o Estado se
serve da Igreja para promover o bem comum, e a Igreja se serve do Estado para manter a
ordem e a justiça. Entendia que a Igreja deve-se intrometer no Estado, quando este usurpar o
seu papel, que é o de promover a paz e a justiça.
Tomás de Aquino (1225-1274), a quem a Igreja escolheu como o arauto de sua
teologia, haja vista ter sido canonizado e considerado doutor da Igreja pouco tempo depois de
sua morte pelo papa João XXII em 1323, tinha idéias políticas convergentes com o
pontificado, concernentes à relação Igreja-Estado. As idéias de Aquino revelam a procura de
equilíbrio entre as tendências conflitantes da época. Para ele o Estado (poder temporal) é
concebido como instituição natural, cuja finalidade consistiria em promover e assegurar o
bem comum. A Igreja (poder espiritual) seria a instituição dotada fundamentalmente de fins
32
Uma espécie de representante do poder da Roma Papal.
83
sobrenaturais que, pela sua dinâmica assumiria a educação dos possuidores do poder. Assim,
o Estado não precisaria ser subordinado à Igreja, como se ela fosse um outro Estado superior.
Estado e Igreja deveria conviver atuando em suas esferas próprias e sendo harmônicos entre
si. Para ele, existem papéis distintos entre o poder temporal (Estado) e o poder espiritual
(Igreja). A Igreja assegura seu fim sobrenatural, enquanto que o Estado constituído sobre as
leis naturais e positivas assegura o bem comum.
Mais tarde, Dante e Boccacio publicam obras críticas e satíricas contra a Igreja.
Bocaccio rompe com o pensamento moral ao publicar "Decamerão". Escrito em prosa, traz
cem histórias curtas contadas por três moças e sete rapazes que se refugiam no campo para
fugir da peste negra. Da mesma forma, Dante publica "A Divina Comédia", considerada a
primeira obra da literatura italiana, e que indiretamente critica a Igreja. Esse relato, de uma
viagem imaginária pelo inferno, purgatório e paraíso, é uma alegoria do percurso do homem
em busca de si mesmo. Tanto em Decamerão e na A divina Comédia, As histórias se chocam
com os valores da Igreja, e com espírito libertino, dar sinais da transição para o renascimento.
O renascimento surgido no ápice da Idade Média começou como movimento dialético
e, sobretudo, contra o poder temporal da Igreja. A Renascença
33
foi fecunda no campo teórico
33
O Renascimento foi um movimento artístico, científico e literário que floresceu na Europa entre o período
corresponde à Baixa Idade dia e início da Idade Moderna (do século XIV ao XVI). Os humanistas
valorizavam os temas em torno do homem e a busca de conhecimentos e inspiração nas obras da Antigüidade
clássica, onde Platão é seu grande ídolo. Na renascença, o pensamento medieval, dominado pela religião, cede
lugar a uma cultura voltada para os valores do indivíduo. Os pensadores do Renascimento consideravam que o
homem era a mais importante criatura de Deus, uma vez que por intermédio da razão, podia explicar muitas
coisas, e por inteligência e sabedoria, esclarecia e inventava muitas coisas. Daí a idéia que casava
renascentismo e humanismo de que o ideal educativo não era mais o perfeito cidadão, o santo, mas sim o
homem culto. Portanto, o Renascimento foi marcado pelo antropocentrismo, pelo naturalismo e pelo
racionalismo. No antropocentrismo, Erasmo (1469-1536); no racionalismo, Maquiavel (1469-1527).Aliás, a
fonte original de todo o humanismo renascentista foi o retorno a literatura clássica. A época era de
redescoberta e reinterpretação da produção cultural da Antigüidade clássica greco-romana. Os filósofos e
alguns teólogos desse período consideravam que o homem era a mais importante criatura de Deus, uma vez
que, por intermédio da razão, podia explicar muitas coisas e, por sua inteligência e perspicácia, esclarecia ou
inventaria outras coisas, daria uma interpretação diferente da interpretação tradicional da igreja, e poderia
esclarecer mais sobre todas as coisas. Para uma pesquisa mais exaustiva e abrangente do renascimento, ver:
DANIEL-ROPS. A Igreja da Renascença e da Reforma, vol.4. Tradução de Américo da Gama. São Paulo:
Editora Quadrante, 1996; DELUMEAU, Jean. A Civilização do Renascimento. Lisboa: Editorial Estampa,
1984; GARIN, Eugênio. "O filósofo e o mago", in: O Homem Renascentista. Lisboa: Editorial Presença, 1991;
SICHEL, Edith. O Renascimento, 3ª ed.. Rio de Janeiro: Zahar Editora, 1977.
84
do pensamento, e criou uma consciência especulativa e progressista estabelecendo as bases
para o mundo moderno. Dentro desta perspectiva, acha-se a característica específica do
pensamento clássico moderno "a expansão dos indivíduos e da sociedade independente da
Igreja".
A influência e a hegemonia do pensamento que havia vigorado em toda idade média
sob os auspícios da Igreja pelo papa, cede lugar ao pensamento moderno renascentista.
Alguns intelectuais tanto da Igreja como de fora dela tiveram a ousadia de romper com esse
estado de coisas.
A proposição de separação das esferas civis e religiosas na Idade Média merece
destaque especificamente nestes assuntos, Dante Alighieri (1265-1321). Ele nasceu em
Florença e por questões políticas é obrigado a se exilar, morrendo em Ravena. Em "Sobre a
língua do povo", escrita em latim para os eruditos da época, Dante defende o uso do italiano
nas obras poéticas. Escreveu sua obra mais importante no campo político ou filosófica
política, "A Monarquia", escrita em 1311, na qual discorre sobre a relação e papéis distintos
entre o Poder Temporal e o Poder Civil.
A Igreja não está habilitada a receber bens temporais. [...] Além disso, se a
Igreja tivesse o poder de instituir o príncipe dos romanos, ou teria recebido
esse poder de Deus, ou o teria de si mesma, de outro imperador, ou do
universal consenso dos mortais, ao menos, dos melhores: não há outra via
pela qual pudesse vir tal poder à Igreja. Mas nenhuma dessas origens lho
deu. Logo, não possui a Igreja tal poder. [...] O meu reino não é deste
mundo, disse Cristo, por isso a Igreja não tem a preocupação do reino
temporal. [...] De onde se conclui que o poder de autorizar o reino temporal é
contrário à natureza da Igreja. [...] Assim, torna-se evidente que a autoridade
temporal do monarca desce sobre ele, sem qualquer intermediário
(ALIGHIERE, 1985, p.299-233).
A Igreja para Dante seria a agência ou o poder que conduz os homens à beatitude
eterna por meio das verdades da Revelação; o imperador seria o que conduz os homens à
felicidade temporal, de acordo com a lei e com os ensinamentos da filosofia. Essas duas
autoridades são úteis cada uma no seu domínio próprio. Para ele, o imperador e o papa
85
receberiam a autoridade de Deus. Sendo assim, o chefe temporal nada deveria ao pontífice
romano, nem o pontífice romano ao imperador, a não ser respeito mútuo devido. Nesta
perspectiva, Dante propõe sua solução para o principal problema político que preocupou a
segunda fase da Idade Média: o das relações entre o poder temporal e o poder espiritual, entre
o império e o papado. Para ele, a Igreja teria sua própria esfera de ação e não lhe competia
exercer um poder que não lhe fora dado. O Estado e sua autoridade procedem imediatamente
de Deus que estabeleceu princípio de ordem e que usa os homens para esse fim. Portanto a
autoridade dos monarcas ou governantes não depende ou tem origem no papado.
William Guilherme de Ockham (1290-1349), da ordem franciscana, ministrou aulas
em Oxford, e para adquirir o título de doutorado, deu uma série de conferências sobre as
Sentenças de Pedro Lombardo (1095-1160). Nestas séries, revelara a sua posição contra os
abusos das autoridades papais e, portanto, manifesta sua posição contra o poder temporal dos
papas. Essa posição de Ockham, por outro lado, exprimia a oposição das tendências contra o
poder papal dos reis ingleses naquele contexto. Isso, portanto lhe custou o exílio e
confinamento no convento franciscano de Avinhão na França, por quase dois nos. Foi neste
período que se prepara intelectualmente para escrever suas obras, especialmente "O
Brevilóquio sobre o principado Tirânico" (1340-1341), tecendo duras críticas sobre o papado,
bem como estabelecendo até onde vai o poder do papa e da Igreja. Nesta perspectiva, Ockham
afirmava que "o papa, não tem autoridade e de modo algum ou poder para privar os homens
de seus bens e direitos".
Azzi (1991) é da opinião que Ockham influenciou os reformadores do século XVI,
bem como o racionalismo do século XVII. Falando sobre a obra de Ockham, diz:
A obra tinha como finalidade específica restringir o exercício do poder papal
no âmbito secular. Segundo esse pensador franciscano, tanto o poder papal
como o poder secular havia sido instituído em benefício do bem comum de
todos os fiéis, devendo, portanto, ser respeitados os limites impostos pelo
bem da comunidade. O autor enfatizava ainda que os papas não devessem
86
violar os direitos próprios dos príncipes e do povo em geral. O próprio título
era uma denúncia dos abusos atribuídos ao poder pontifício (AZZI, 1991,
p.136).
Por essa e outras afirmações e todas as suas implicações, lançava os fundamentos do
espírito laico.
Ockham propunha que o Estado e a Igreja, clero e laicado deveriam estar
harmonizados pela unidade cristã sem a intromissão de um poder em outro. De certa foram,
lançava os fundamentos do espírito laico. Para ele a vontade humana requer que os homens
possam escolher seus dirigentes de forma democrática. Todos os governantes, civis ou
eclesiásticos, incluindo o papa, deveriam ser eleitos. Quanto ao governo eclesiástico, ele
propunha uma democracia representativa.
Por sua filosofia nominalista e um tanto dialética, muitos estudiosos são da opinião de
que Ockham é um precedente do pensamento moderno. Este pensamento começa com a
prevalência dada aos interesses e ideais terrenos, ou à pesquisa empírica, sem excluir a fé que
é um outro departamento. Desta forma, rompe com o pensamento escolástico e firma a idéia
dos papéis distintos da Igreja e do Estado.
O século XIV começara a despontar não somente para os Estados nacionais, como
também para o sentimento de reforma da Igreja. Neste século destaca John Wycliffe (1328-
1384) na Inglaterra e João Husss (1373-1415) na Boêmia (hoje República Tcheca e
Eslováquia).
Eles deixaram bem definidas suas posições em relação a questão Igreja e Estado.
As idéias do pré-reformador inglês Wycliffe expressas em sua obra "Sobre o
Senhorio Civil"escrita em 1376 foram bem aceitas em seu país. A Inglaterra
desde o século XII vivi um clima de reação nacionalista contra a
interferência da Igreja Católica nos assuntos do Estado. Em sua eclesiologia,
Wycliffe ensinava que a Igreja deve ser regida pela lei de Cristo que é a lei
do amor e que se expressa através do serviço ao próximo. Por essa razão ela
tem que ser pobre; não pode controlar a economia nem a política. O rei
deveria interferir nos casos de enriquecimento abusivo do clero. O papa
torna-se um herege quando aceita o domínio do mundo, pois transgride a lei
87
de Cristo que é a lei da pobreza. O poder do papa é apenas espiritual e
quando quer tornar-se príncipe na realidade transforma-se em anticristo.
(VASQUES, 2005, p.20 Apud TILLICH, 1988, p.189-193).
João Huss adepto das idéias de Wycliffe propagou-as na Boêmia, com o mesmo
sentimento anti-pontificial, tornando claras essas idéias na sua obra "De Ecclesia", na qual
não só propõe uma reforma na Igreja, mas a separação do poder civil e poder religioso.
François Rabelais (1493-1553) viaja pelo interior da França como padre e entra em
contato com dialetos, lendas e costumes que influenciam sua obra. Em 1530, abandona o
hábito, ou seja, a vida de clérigo e estuda medicina. Sua obra: "A Epopéia de Pantagruel e seu
pai Gargantua", critica a Igreja e o poder pontificial. No trecho, o gigante de apetites
imensos, critica a estagnação medieval, atacando a igreja, a cavalaria e as convenções. A obra
de Rabelais foi considerada obscena e livro proibido pela Igreja.
Nicolau Maquiavel (1469-1527), na sua obra política "O Príncipe", escrita em 10 de
dezembro de 1513, em Florença, critica veementemente a intromissão da Igreja nas causas
dos príncipes e no governo das províncias. O Príncipe, contém ensinamentos de como
conquistar Estados e conservá-los sob domínio; em síntese, um manual para governantes”
Porém, a forma de domínio postulada por Maquiavel despertou antagonismos, já que incluía a
dessacralização do político e a independência do poder temporal frente ao poder eclesiástico.
Em essência, sua preocupação compunha-se pela ordem assumida pelo Estado, quer fosse
num sistema de principados, quer num sistema de repúblicas.
Alexandre VI, o qual, de todos os papas que já houve,mostrou como um
papa podia valorizar-se pelo dinheiro e pela força, servindo-se do Duque
Valentino como instrumento, e por ocasião da vinda dos franceses. [...] E
não obstante não ser seu intento tornar a Igreja poderosa. [...] Depois veio o
papa Júlio e achou a Igreja forte e possuidora de toda Romanha. [...]
Conservou também os dois partidos dos Orsini e Colona em condições
indênticas às que os encontrou; e ainda que entre eles existissem alguns
chefes capazes de provocar alterações, nada realizaram; duas coisas os
conservaram inativos: o poder da Igreja, que os humilhava, e o fato de não
possuírem partidários no Sacro Colégio, porque os Cardeais são causa dos
tumultos entre as facções. Entre estas não existirá paz se possuírem cardeais,
visto que estes, quer em Roma, quer fora da cidade, fomentam os partidos e
88
os barões vêem-se na obrigação de defendê-los. Assim, da ambição dos
prelados, viçam as discórdias e os tumultos entre os barões. Sua Santidade, o
papa Leão, achou assim o pontificado poderosíssimo. É de se esperar que, se
alguns fizeram o papado poderoso pelas armas (MAQUIAVEL, 1977,
p.67,68).
O fortalecimento do poder do príncipe era necessário segundo Maquiavel, para o
fortalecimento do Estado. O príncipe não dependia mais do poder papal para consolidar seu
governo. O substrato de "O Príncipe" é sem dúvida a emancipação do Estado da religião, ou
seja, o Estado com leis próprias para serem aplicadas de modo geral ao mundo em todas suas
relações. Embora Maquiavel postulasse um poder eclesiástico subordinado ao temporal,
descreve-o como mais estável em virtude de sua sustentação religiosa, embora não
subserviente. Maquiavel evita juízo de valor sobre estes principados, mas descreve-os como
felizes e seguros, todavia, são caracterizados como supra-racionais. Uma má interpretação do
postulado maquiavélico deu origem a uma época marcada pelo absolutismo régio, haja vista
que imediatamente a Maquiavel, o absolutismo régio fora formulado e defendido por Hobbes.
Com o surgimento do humanismo
34
, o ser humano tornou-se o eixo dessa nova
filosofia, a qual defendia a liberdade de pensamento e o desenvolvimento do homem em todo
seu potencial intelectual.
Erasmo, além de questionar a mitologia, em sua magna obra, "O Elogio da Loucura",
propaga uma busca para os Clássicos e critica ironicamente a Igreja Católica por deter o poder
intelectual e político. Em parte, Erasmo foi influenciado pelos reformadores e os
reformadores por ele.
34
O humanismo foi um movimento de valorização do homem, consolidado pelo teólogo e filósofo Erasmo de
Roterdã (1469-1536), que passou para a história por se opor ao domínio da Igreja sobre o pensamento, a
cultura e a ciência. Ele era um intelectual respeitado e prestigiado de seu tempo e sempre esteve ligado aos
círculos do poder na Europa. Sobre o humanismo e suas fases, ver: CASSIRER, Ernst. A Filosofia do
Iluminismo. São Paulo: Martins Fontes, 1998; TREVOR-ROPER. Religião, Reforma e Transformação Social.
Lisboa: Editorial Presença/Martins Fontes, 1981.
89
3.2 A Relação Igreja-Estado na Reforma
Martinho Lutero
35
o primeiro reformador, o qual não apenas rompeu com a dogmática
da doutrina católica, mas com a forma de pensar e de dirimir sobre diversos assuntos da
sociedade. Influenciada pelo movimento humanista de valorização do livre pensamento,
aprofundou a dinâmica dos conhecimentos teológicos, dentre eles, a fundamentação política
do Estado e o papel da Igreja, bem como seu relacionamento com o poder civil. As Noventa e
Cinco Teses, de 31 de outubro de 1517, abordaram uma ampla variação de práticas corruptas
da igreja, e a usurpação do poder papal, embora a ênfase central fosse a salvação pela graça de
Deus.
Lutero reagia de forma drástica às pretensões de interferência da Cúria Romana, não
somente na vida interna da Igreja da Alemanha, mas na vida religiosa do povo e do poder
temporal dos príncipes. Desta forma adquiriu apoio dos príncipes contrários à política
eclesiástica da Santa Sé e, com isso, a reforma assumiu um cunho nacionalista.
Falando sobre o poder espiritual (Igreja) e o poder civil (Estado), bem como do
relacionamento dos dois poderes Lutero expõe:
À autoridade espiritual, representante do regime espiritual de Deus, cabe o
poder da palavra de Deus. Sua incumbência é pregar esta palavra. [...] A
Autoridade secular, representante do regime secular de Deus, cabe o poder
político, simbolizado pela espada. Sua incumbência é possibilitar e garantir o
convívio das pessoas na sociedade bem como seu bem-estar terreno. Onde
tal poder é exercido, há Estado. [...] Cabe a autoridade espiritual lembrar os
governantes de suas incumbências. [...] Nenhum dos dois deve intrometer
indevidamente. As autoridades, espiritual e secular estão unidas no serviço
fiel que ambas devem à autoridade divina comum (LUTERO, 1996, p.118).
35
Martinho Lutero nasceu em 1483 em Eisleben, norte da Alemanha. Seus pais queriam que fosse advogado, mas
ele procurou formação num mosteiro em Erfurt. Aos 25 anos, foi para a Universidade de Wittenberg, onde se
formou em estudos bíblicos. Numa viagem a Roma, ficou escandalizado com os costumes do clero. Ao voltar,
iniciou carreira de professor e pregador, sob proteção do príncipe Frederico, o sábio. Em 1517, Lutero publicou
suas 95 teses teológicas. Quatro anos depois foi excomungado pelo papa LeãoX e reafirmou suas convicções
perante os governantes alemães, na dieta (reunião particular) de Worms, de onde saiu proscrito. Após um ano,
retornou a Wittenberg e continuou a reforma até sua morte em 1546.
90
A reforma foi um grande movimento dialético na tentativa de emancipação do
pensamento, que, com efeito, rompe com a hegemonia e propriedade exclusiva da Igreja na
pessoa do Papa. A Igreja na pessoa do papa era uma verdadeira potência econômica cuja
situação social constituía o sistema feudal. Contrapondo a essa ideologia, a Reforma enaltece
o homem, por ambas considerarem o homem um ser dinâmico capaz de interpretar o mundo.
No caso especificamente da Reforma a interpretação individual das Escrituras. Tem acima de
tudo, como ponto em comum, a autonomia do espírito humano, que na Reforma é
representado pela doutrina fundamental da experiência interior e do livre exame, como norma
suprema de vida religiosa e moral. Foi nesta perspectiva que Lutero rompeu com Roma. Ele
não aceitava mais ficar calado ante as pretensões de Roma, e sempre havia pregado contra
esse acrisolamento e alijamento do pensamento. Essa sua inquietação estava influenciada pelo
humanismo renascentista e pela formação agostiniana concernente ao estudo e
desenvolvimento exegético das Escrituras. Ele não aceitava o princípio dominante no
cristianismo de Roma "quando Roma fala todo o mundo cala".
A reforma como movimento dialético tem em comum a renascença a pretensão anti-
histórica de romper com a Igreja Católica e com o pensamento predominante do
escolastissismo tomístico. Lutero lutou contra as práticas ascéticas e monásticas, e, sobretudo
contra o poder temporal da Igreja. A Reforma foi fecunda no campo teórico do pensamento, e
criou uma consciência especulativa e progressista estabelecendo as bases para o mundo
moderno. Dentro desta perspectiva, acha-se a característica específica do pensamento clássico
moderno “a expansão dos indivíduos e da sociedade”. Neste sentido, Max Weber (1910)
denota certa emancipação do tradicionalismo e, por conseguinte a eliminação embora não
completa do controle da Igreja sobre a vida cotidiana. Neste sentido, o indivíduo passa a
existir numa expressão mais patente. Assim, tanto o indivíduo como o Estado ganham
autonomia.
91
João Calvino
36
(1509-1564), em questões éticas e políticas considerava aqueles que
exerciam a autoridade civil como aqueles que trabalhavam como operários de Deus, seguindo
a lógica luterana sobre a vocação. Embora sendo as autoridades civis operárias de Deus, elas
não têm o papel eclesiástico e nem as autoridades eclesiásticas tem a autoridade civil.
Portanto, a esfera política ou o poder civil e religioso não se confundem
37
. Desta forma
Calvino propõe a distinção entre a Igreja e o Estado, sendo também precursor dos limites
entre a ética da vida pública e a ética da vida privada.
Em seu tratado denominado “As Institutas da Religião Cristã dedicado ao Rei
Francisco I, apresenta uma perspectiva do que seria uma dominação política legítima. A partir
deste texto, se procura destacar que tipo de dominação é ali postulado. De que forma Calvino
entendia que o príncipe deveria reinar e dominar sobre o povo? Com que regras? Com que
motivação?
No pensamento de Calvino, se distinguem dois âmbitos: O espiritual e o temporal, ou
em outros termos: o espiritual e o político, ele também chama o âmbito político de civil.
Estritamente, o termo político relaciona-se com a arte de governar; assim, falar-se-á aqui do
domínio espiritual e do domínio político, todavia, levando-se em conta que o primeiro deles
também implica em política. Após tratar nas Institutas acerca da liberdade cristã, Calvino
termina o assunto fazendo a distinção destes poderes.
36
Calvino nasceu em Lyon na França, mas consolida a reforma na Suíça. Construindo sobre os alicerces lançados
por Lutero, Calvino não só sistematizou como também deu estrutura eclesiástica e política ao pensamento da
reforma. A partir de Calvino, o protestantismo causou um impacto internacional, não somente no aspecto
doutrinário, mas, sobretudo nos sistemas de governo e na vida das pessoas. Sobre calvinismo, política e
sociedade pode ser pesquisadas as obras: BIÉLER, André. O Pensamento Social e Econômico de Calvino.o
Paulo: Editora Cultura Cristã, 1990; do mesmo autor: A Força Oculta dos Protestantes. São Paulo: Editora
Cultura Cristã, 1999; GEORGE, Timothy. Teologia dos Reformadores. São Paulo: Vida Nova, 1994
BAINTON, Roland H.. Women of the Reformation: In France and England. Mnneapolis: Augsburg Publishing
House, 1973 e TREVOR-ROPER. Religião, Reforma e Transformação Social. Lisboa: Editorial
Presença/Martins Fontes, 1981.
37
Sobre a separação ou o papel distinto da Igreja e do Estado na perspectiva calvinista, encontramos várias obras
de estudiosos do calvinismo e também a comprovação do substrato do pensamento de João Calvino quanto a
ética e a política. Dentre os autores, citamos: SKINNER, Quentin. As Fundações do Pensamento Político
Moderno, 1996; BONHOEFFER, Dietrich. Resistência e Submissão, 1980; WEBER, Max. A Ética Protestante
e o Espírito do Capitalismo, 1994 e BIÉLER, André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino,1990.
92
Enquanto Calvino descreve o reino espiritual visando ao homem interior e à vida
eterna, agora, ao tratar do reino político, ou temporal, descreve-o como aquele que visa
estabelecer uma justiça civil e o aperfeiçoamento dos costumes exteriores (IV.XVI.1). Sendo
assim, entende que estes dois reinos são distintos. Embora estabeleça essa distinção, insiste na
responsabilidade do homem cristão sujeitar-se ao reino temporal, já que “é indiferente a
condição a que pertencemos entre os homens, ou qual a nação a cujas leis devemos
obediência, visto que o reino de Cristo não se localiza nestas coisas” (IV.XVI.2).
Contrariando os amantes de utopias de seus dias que se opunham ao governo civil,
Calvino lembra-lhes que o reino de Cristo não repudia o reino civil. Todavia, qual finalidade
desse reino temporal? O quê visa? Calvino responde em termos éticos
o objetivo do reino temporal é fazer que possamos adaptar-nos à companhia
dos homens durante o tempo que nos cabe viver entre eles, estabelecer os
nossos costumes em termos de uma justiça civil, viver em harmonia uns com
os outros, e promover a paz e a tranqüilidade comum (IV.XVI.3).
Desta forma ele reconhece a necessidade de leis políticas que contribuam para a
relação harmônica e pacífica entre os homens. A forma de dominação postulada aqui
considera a necessidade de controle sobre os homens. A razão apresentada é de natureza
teológica, já que o homem é considerado como tendo uma natureza corrompida pelo pecado, e
conseqüentemente inclinada para o mal. Faz-se, assim, necessário um “esforço enorme para, à
força, contê-los e impedi-los de praticar o mal” (IV.XVI).
A teoria do governo e do Estado, Calvino resumiu em seu comentário a clemência (De
Clementia) em 1532; ele segue Sêneca, Aristóteles e, sobretudo Cícero.
38
Nesta perspectiva,
Calvino segue os postulados de Cícero, dando ênfase à necessidade das leis e de seu
cumprimento por meio dos magistrados, tendo em vista que, sem a lei não há república. O
ideário cristão está diante de Calvino ao considerar que leis devem reger uma política cristã.
93
Então, deve haver leis pelas quais uma política cristã proceda “santamente diante de Deus, e
que podem conduzir-se com justiça para com os homens” (IV.XVI.17). Porém o Estado não
pode e não deve se confundir com a Igreja.
Sua concepção de Estado e tudo o que lhe diz respeito estaria na ordem ética da vida
pública e a Igreja nos limites da ética e da vida privada. Entendia e pregava que a moralidade
social é esfera de ação da Igreja. Esta concepção Calvinista fortaleceu a idéia de Estado laico
e das democracias modernas.
Ademais, Calvino levantou a questão dos limites tanto da autoridade civil e da
autoridade eclesiástica
39
que, desta forma, constituiu pressupostos fundamentais para a
consolidação tanto do Estado laico como da liberdade religiosa. André Biéler (1999), em sua
obra, "A Força oculta dos Protestantes", é da opinião de que a concepção calvinista sobre o
papel da Igreja em relação ao Estado é uma concepção moderna e bíblica, nesta perspectiva
resume:
Preservando-se rigorosamente de exercer qualquer tipo de poder político, a
Igreja, enquanto instituição, estava incumbida de exortar e criticar se
necessário, sobretudo mediante o ministério dos pregadores, a conduta dos
cidadãos tanto quanto a dos magistrados. Fazia-se necessário que o Estado,
instituição profana, laica, mas cuja vocação é divina, fosse mantido saudável
quer pela prece de intercessão proferida pelos fiéis a favor da autoridade,
quer mediante a Palavra de Deus anunciada ao povo e aos dirigentes. [...] O
princípio da submissão comum da cidade e da Igreja à soberania da Palavra
de Deus não confere às autoridades eclesiásticas qualquer poder de coação
para impô-la. Apenas sua livre prédica é a verdadeira salvaguarda da
sociedade e da democracia em particular (BIÉLER, 1999, p.67,68).
Para o teólogo e político calvinista Abraham Kuyper (1999)
40
, o Estado e a Igreja
devem ser mantidos separados e devem ser compreendidos distintamente. Para ele, são esferas
38
Calvino, João (a) As Institutas da Religião Cristã. São Paulo: Cultura Cristã, 2006. (b) As Institutas. Edição
clássica. 2 ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2006. Confira a nota “a” de As Institutas IV.XVI.1.
39
Para uma pesquisa mais abrangente sobre esta questão ver: LUTERO, Martinho. Fundamentação da Ética
Política e Governo. in:Obras Selecionadas, vol.-6. São Leopoldo: Editora Sinodal & Porto Alegre: Concórdia
Editora, 1996. LUTERO, Martinho & CALVINO, João. Sobre a Autoridade Secular. São Paulo: Martins
fontes, 2000.
40
Abraham Kuyper foi Primeiro Ministro holandês e principal líder do movimento neo-calvinista que surgiu na
Holanda. Kuyper visava despertar cristãos reformados para as dimensões político-culturais do patrimônio
94
soberanas, porém separados. O Estado tem o munus
41
de manter a paz e a ordem, promovendo
o bem-estar das pessoas. A Igreja, com o dever de proclamar o evangelho que é a sua
verdadeira identidade, seu universo e o da fé.
Kuyper fundamentado na visão calvinista a respeito da Igreja e sua relação com o
Estado, ampliaram-nas e adaptou-as, fazendo florescer nas nações reformadas a democracia e
o respeito às liberdades individuais.
Em conclusão, pode se dizer que a Reforma Protestante do século XVI tornou-se base
para as democracias modernas.
Estas idéias, que formam a base das liberdades modernas, encontram sempre
eloqüentes defensores no protestantismo. O ministro Jurieu as defendeu
contra Bossuet, em uma discussão bem conhecida, e Locke as expôs debaixo
de uma forma científica. Do protestantismo é Montesquieu, Voltaire e os
escritores políticos do século XVIII as tiraram, e delas é que saiu a
Revolução Francesa. Mas, muito tempo antes, elas tinham sido aplicadas,
com sucesso constante nos Estados protestantes, primeiro na Holanda,
depois na Inglaterra e, principalmente na América (LAVELEYE, 1875,
p.30).
Os pós-reformadores, procurando adotar aqueles direitos fundamentais sufragados na
Reforma, dinamizaram os governos tanto republicanos como imperiais, a implementarem um
novo modelo de Estado contratual e liberal, como foi o caso dos Estados Unidos da América
com o liberal George Washington, arauto da Independência americana e do pastor e filósofo
calvinista John Witherspoon
42
.
calvinista. Para ver mais sobre sua obra, ver: KUYPER, Abraham. Calvinismo. São Paulo: Cultura Cristã,
1999. LEITH, John H. A Tradição Reformada. São Paulo: Editora Pendão Real, 1997.
41
Uma espécie de instância divina e ao mesmo tempo humana. Divina no sentido da soberania de Deus de
constituir as autoridades, mesmo que elas não professem nenhum credo ou pratiquem nenhum tipo de
religiosidade. Sobre esta perspectiva, ver: HOBBES, Thomas. Leviatã ou "matéria, forma e poder de um
Estado Eclesiástico e Civil." in: Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1983. KANTOROWICZ, Ernst
Hartwig. Os Dois Corpos do Rei: um Estudo sobre Teologia Política Medieval. Tradução por Cid Knipel
Moreira. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 1998. LUTERO, Martinho. Fundamentação da Ética
Política e Governo. in:Obras Selecionadas, vol.-6. São Leopoldo: Editora Sinodal & Porto Alegre: Concórdia
Editora, 1996.
-LUTERO, Martinho & CALVINO, João. Sobre a Autoridade Secular. São Paulo: Martins fontes, 2000.
RAMOS, Francisco Manfredo Tomás. A Idéia de Estado na Doutrina Ético-Política de Santo Agostinho. São
Paulo: Edições Loyola, 1984.
42
John Witherspoon (1723-1794) tornou um defensor das liberdades individuais, e foi o único membro do clero a
assinar a Declaração de Independência dos Estados Unidos.
95
Contudo, é necessário concluir que tanto os neo-calvinistas como os luteranos,
mesmos em países que as igrejas reformadas tornaram nacionalizadas, entendiam que não era
necessário para a existência da Igreja estar ela unida ao Estado, diferentemente do catolicismo
que procurava consolidar cada vez mais esta união.
Ademais, Biéler é da opinião de que o calvinismo influenciou os filósofos políticos
posteriores à reforma, dentre eles o grande precursor do liberalismo político, Jonh Locke.
3.2.1 Influência Posterior da Reforma
John Locke (1632-1704), com suas idéias políticas, exerceu a mais profunda
influência sobre o pensamento ocidental. Suas teses fundamentaram as democracias liberais
modernas e contemporâneas, tanto quanto a consolidação do Estado Moderno. Suas obras
foram bases para o ideário iluminista, a revolução francesa, a declaração de independência
dos Estados Unidos e inspirou Montesquieu (1689-1755) a formular a teoria da separação dos
três poderes.
Quanto ao papel distinto da Igreja e do Estado, Locke escreveu e enviou com o título:
"Epistola de Tolerantia" em 1689, embora tenha sido precedida de numerosos escritos sobre
tolerância e liberdade religiosa enviadas às Universidades e aos reis Carlos I e Carlos II. Em
1672, sob a influência de Locke, Carlos II concede a tolerância religiosa. Em "Epístola de
Tolerantia", fundamenta teses sobre o poder religioso e o poder civil, fazendo a distinção dos
dois e, acima de tudo, a separação da Igreja com o Estado. Para consolidar suas teses, Locke,
em 1690, escreve e publica os "Dois Tratados sobre o Governo Civil".
John Locke foi um dos principais representantes da revolução ideológica liberal-
iluminista e teve como principal obra "O Segundo Tratado do Governo Civil". Nessa obra,
defende que os homens possuem a vida, a liberdade e a propriedade como direitos naturais, e
96
para preservar esses direitos, deixaram o “Estado de Natureza”, que é a vida mais primitiva da
humanidade e estabeleceram um Contrato entre si criando o governo e a sociedade civil.
Assim, os governos teriam por finalidade respeitar os direitos naturais e, caso não o fizessem,
caberia à sociedade civil o direito de rebelião contra o governo tirânico. Em síntese demolia-
se o sustentáculo do Estado absolutista, intocável e acima da sociedade civil, como
defenderam Maquiavel, Bossuet e, principalmente, Hobbes. Este afirmava o direito dos
governantes ao autoritarismo e a aplicação do direito divino, além de outras prerrogativas
fundamentadas em preconceitos.
A volta à crença na capacidade racional humana e na necessidade de superação dos
entraves tradicionais, incentivou-o a oposição à velha ordem. A nova metafísica inaugurada
por Locke era solidária da inteira liberdade do indivíduo em matéria filosófica e religiosa.
A teoria de Estado de Locke é a antítese do Leviatã. Nesta obra, Hobbes defendia a
monarquia absoluta, enfeixando nas mãos de um tirano todo o poder. Nestas condições, o
Estado absorve inteiramente o indivíduo e se tranforma no monstro horrível que devora e
absorve todos os direitos individuais. No Estado Leviatan, a vontade do príncipe é a norma
suprema de moral e justiça e sua autoridade não tem limites, ou seja, (quod principe placuit
habet legem vigorem: a vontade do príncipe é lei). Hobbes no leviatã entende a necessidade
de conceber como absoluto o poder do Estado, de maneira que a liberdade humana seja
sacrificada. Hobbes fora influenciado pela teoria epicurista da condição primitiva na natureza
humana, aliada ao princípio sensualista, como também ao materialismo de Bacon, para
consubstanciar sua teoria.
Com sua obra, Locke definiu as bases da democracia liberal que serviria de referência
para a elaboração da constituição dos EUA em 1787.
John Locke transferiu o racionalismo para a política, constituindo desta forma sua
análise conceptual de Estado e governo. A partir da crítica e da razão, formulou a concepção
97
do desenvolvimento do Estado pela capacidade e a construção democrática de um novo
Estado, idéias que confrontavam com as bases teóricas do Estado absolutista proposto e
defendido por Hobbes (1558-1679) no "Leviatã", e do modelo político-teocrático proposto
pelo papa Bonifácio VIII na Bula Unam Sanctam
43
em 1302. Hobbes parte do individualismo,
negando que o homem seja bom e sociável, e que precisa de um onipotente governante com
prerrogativas reais.
Locke vai contra o absolutismo propugnado por Hobbes, com sua teoria liberal. Ele
aproveitou muitas formulações destinadas a preservar a pessoa livre, mas interligando-se
substancialmente e vitalmente a liberdade e a lei, definindo a legitimidade do poder político.
Desta teoria lockeana, se deduz imediatamente que o príncipe é o mandatário do povo e que o
governante não governa em seu nome próprio. Assim, com suas teorias, foi iniciador do
movimento social que alargou a esfera de ação dos representantes do povo e diminuiu a
autoridade individual do soberano, e admite a origem da liberdade como direito natural. Daí
nasce em Locke a nova concepção de Estado liberal.
O Estado liberal parte do homem natural, que é um cidadão cívico e pelo raciocínio
cria um Estado como sendo a sociedade juridicamente organizada. O regime liberal não está
preocupado com a moral espiritual e sim com a organização da sociedade exclusivamente no
sentido jurídico-político.
O Estado no regime liberal, não pode consentir na união da Igreja com o Estado, e
nem no ensino religioso nas escolas. Pelo espírito liberal puro, qualquer cidadão pode exercer
seu direito de culto, sem o embargo do Estado. Neste sentido, o Estado é um ente agnóstico,
ou seja, não tem e não pode ter religião. Não pode legislar sobre religião ou matéria religiosa.
Prima pelo ensino leigo, pois o agnosticismo do Estado era decorrente não só do regime, mas
de sua essência filosófica. Nesta perspectiva, o liberalismo estatal deve manter a neutralidade
43
Unam Sanctam, refere-se à Bula promulgada por Bonifácio VIII, concernente ao poder temporal do papa.
98
das religiões, ao mesmo tempo em que não pode impedir ou transigir a difusão delas por
decreto ou por força pública. O ethos do Estado liberal, portanto em matéria de religião é a
imparcialidade. Desta forma, o liberalismo cuida da democracia na ordem moral e jurídica,
traduzindo-a na igualdade absoluta de direitos e deveres do cidadão.
Com suas idéias políticas, Locke exerceu a mais profunda influência sobre o
pensamento ocidental. Suas teses fundamentaram as democracias liberais modernas e
contemporâneas. Suas obras foram bases para o ideário iluminista, a revolução francesa, a
declaração de independência dos Estados Unidos e inspirou Montesquieu (1689-1755) a
formular a teoria da separação dos três poderes.
O filósofo inglês só não postulava uma religião desvinculada dos príncipes. A Igreja
não poderia ser tomada como um corpo político. Se assim for, não estará livre da jurisdição
dos príncipes. O grande lema que ficou conhecido de Locke foi: “Religião de Estado,
perturbação no Estado”
44
O anseio por liberdade e pelo rompimento com o antigo regime, fizera de Locke o
precursor do Estado Moderno. Para Locke, o Estado Moderno só deveria ser implantado com
a separação das esferas: religiosas e civis, ou seja, um Estado separado da Igreja.
Com esta temática como substrato de seus escritos políticos, especialmente nas
“Cartas de Tolerância”, Locke conclui que a matéria era de grande importância, haja vista as
guerras religiosas e a intolerância entre católicos e protestantes na Europa.
Desde a juventude, Locke seguira as numerosas e calorosas controvérsias
inglesas a respeito da tolerância, e os ensaios da sua autoria sobre o assunto,
datando de diferentes períodos da sua vida, e que se encontram entre os seus
papéis, fornecem-nos um testemunho eloqüente do interesse que dedicava a
este problema. A sua experiência nos Países Baixos, o profundo
conhecimento que obteve da tradição erasmiana e, sobretudo, as
conversações que manteve na casa de Veen com Philippe de Limborch,
professor de teologia no Seminário dos Remonstrantes, incitaram-no a tratar
44
LOCKE, John. Carta sobre a tolerância. Lisboa: Edições 70, 1965.
99
novamente deste tema. (Prefácio de Raymond Polin, 1962, p. 21,22. In:
Carta sobre Tolerância de Locke).
Segundo Emil Brunner (2000), em sua obra, "O grande equívoco sobre a Igreja",
repousa na idéia de que a Igreja, sendo detentora de poder civil, e agindo nessa perspectiva,
perde seu status de Igreja segundo as Escrituras. A Igreja neste sentido, historicamente perdeu
sua identidade consubstanciada pelas Escrituras, bem como descumpriu o preceito, por parte
dos líderes, isto é, dos bispos "de não se envolver nos negócios desta vida". Na opinião de
Brunner, a união da Igreja com o poder temporal trouxe embaraços tanto para o temporal
como para a própria Igreja. A Igreja e o Estado deveriam manter uma relação harmoniosa,
sem subserviência, pois a Igreja tem um poder supra temporal.
Os pensadores liberais voltaram-se contra os governos absolutistas e do poder
pontifical de Roma, o descontentamento era geral, todos achavam que essa situação não podia
continuar. Entretanto, um movimento iniciado por um grupo de intelectuais franceses, parecia
ter a resposta. Esse movimento criticava e questionava o regime absolutista. Eram os
iluministas, que achavam que a única maneira possível de a França se adiantar em relação à
Inglaterra era passar o poder político para as mãos da nova classe, isto é, a burguesia
(comerciantes, industriais, banqueiros). Era preciso destituir a nobreza que, representada pelo
Rei, que Roma (o papa) mantinha no poder.
A monarquia absoluta que, antes, tantos benefícios haviam trazidos para o
desenvolvimento do comércio e da burguesia francesa, agora era um empecilho. As leis
mercantilistas impediam que se vendessem mercadorias, livremente. Os grêmios de ofício
impediam que se desenvolvessem processos mais rápidos de fabricação de mercadorias.
Enfim, a monarquia absoluta era um obstáculo, impedindo a modernização da França. Esse
obstáculo precisava ser removido. E o foi pela revolução.
100
A Revolução Francesa
45
significou o fim da monarquia absoluta na França. O fim do
antigo regime significou, principalmente, a subida da burguesia ao poder político e também a
preparação para a consolidação do capitalismo. Mas a Revolução Francesa não ficou restrita à
França, suas idéias espalharam-se pela Europa, atravessaram o oceano e vieram para a
América latina, contribuindo para a elaboração de nossa independência política. Por esse seu
caráter ecumênico é que se convencionou ser a Revolução Francesa o marco da passagem
para a Idade Contemporânea. De igual maneira impulsionou a nova mentalidade,
principalmente com os jacobinistas,
46
a partir da qual o homem passava a rejeitar qualquer
tutela sobre sua vida, seja a imposta pela tradição absolutista ou aquela exercida pela Igreja.
O pensador político Alexis de Tocqueville (1989),
47
falando das mudanças políticas na
perspectiva liberal da Revolução Francesa, é da opinião de que "a Revolução Francesa não
teve apenas por objetivo mudar um governo antigo, mas abolir a forma antiga da sociedade".
Ela teve de ver-se a braços a um só tempo com todos os poderes estabelecidos, arruinar todas
as influências reconhecidas, apagar as tradições, renovar costumes e os usos e, de alguma
maneira, esvaziar o espírito humano de todas as idéias sobre as quais se tinham fundado até
então do respeito e da obediência à Igreja. Neste contexto, as instituições feudais e teocráticas
45
A Revolução Francesa significou o fim da monarquia absoluta na França. O fim do antigo regime significou,
principalmente, a subida da burguesia ao poder político e também a preparação para a consolidação do
capitalismo. .No dia 9 de julho de 1789, reúne-se uma Assembléia Nacional Constituinte, incumbida de
elaborar uma Constituição para a França. Isso significava que o Rei deixaria de ser o senhor absoluto do reino.
A burguesia francesa, por sua vez, apelou para o povo. No dia 14 de julho de 1789, toda a população parisiense
avança, num movimento nunca visto, para a Bastílha, a prisão política da época, onde o responsável pela prisão
foi preso e enforcado. O momento agora e dos camponeses, que percebem a fraqueza da nobreza e invadem os
castelos, executando famílias inteiras de nobres numa espécie de vingança, de uma raiva acumulada durante
séculos. Avançam sobre a propriedade feudal e exigem reformas. A burguesia, na Assembléia, temerosa de que
as exigências chegassem também às suas propriedades, propõe que se extinguem os direitos feudais como
única saída para conter o furor revolucionário dos camponeses. A 4 de agosto de 1789, extingue-se aquilo que
por muitos séculos significou a opressão sobre os camponeses. A burguesia, preocupada em estabelecer as
bases teóricas de sua revolução, fez aprovar, no dia 26 de agosto do mesmo ano, um documento que se tornou
mundialmente famoso: A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.
46
Jacobinistas: denomina-se os pertencentes de um partido francês na época da Revolução. Era defensor dos
interesses da burguesia e do povo, principalmente dos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. Os
jacobinistas embora manteve a fidelidade à fé católica, reagiu ao centralismo romano resultante do Concílio de
Trento, bem como às pretensões da Cúria Pontifícia relativas ao controle absoluto da esfera religiosa nos
diversos países.
47
Tocqueville: teórico político defensor da teoria lockeana do Estado liberal.
101
do antigo regime iam sendo superadas à medida que a burguesia, a partir do século XVIII,
consolidava cada vez mais seu poder econômico. A sociedade francesa exigia que o país se
modernizasse, mas o entrave do absolutismo apagava essa expectativa.
A revolução francesa sofreu influência anglo-saxônica de origem protestante, das
quais os huguenotes tiveram um papel fundamental.
Os grandes princípios da Revolução Francesa encontravam-se na Revolução Inglesa
(1688), como também na Declaração de independência dos Estados Unidos (1777). Ademais,
tanto na Revolução Inglesa quanto na Americana, estava presente o espírito da reforma
protestante, sobretudo o calvinismo que difunde seu fermento democrático. Existem opiniões
de que o calvinismo influenciou estas revoluções, e especificamente sobre a democratização,
que surtiu efeitos positivos a partir dos escritos de Calvino sobre o direito de resistência aos
tiranos e o respeito à liberdade. A burguesia francesa, liberal e voltairiana, levada por seu
temperamento a um positivismo embebecido da ideologia do liberalismo político, foi
singularmente estreita e brutal, tendo se tornado classe governante por seu triunfo de 1820.
Uma questão de fundo dentro da Revolução era se o Estado deve ou não
assumir uma religião oficial. Esses pressupostos não eram fáceis de serem resolvidos, pois a
França vinha de um modelo de cristandade de mais de quatro séculos. Para a burguesia
francesa, não se podia colocar cruamente sob o jugo do catolicismo romano ou do
protestantismo que já predominava boa parte da Europa. Havia entre ela e a Igreja de Roma
um abismo de sangue e de ódio. Por sinal, o burguês francês se cobria de ridículo se
retornasse à Igreja para tomar parte nas cerimônias religiosas dos sacramentos e de seu culto,
levado muito longe. A burguesia foi levada, então, para sancionar seu novo Estado, sem criar
uma nova religião nem tampouco adotar uma ou outra. Muitos o tentaram, é verdade, mas seu
heroísmo não obteve outro resultado além de um escândalo estéril. Enfim, o retorno a um
praticante e tridentino com respeito incondicional ao papado romano tornou impossível. No
102
que diz respeito a isto, ou seja, religião e Estado, o protestantismo é muito mais cômodo. E foi
a partir de então a religião burguesa por excelência. Ela concede do que se define como
liberdade apenas o necessário de que precisa o burguês e encontrar o meio de conciliar as
aspirações espirituais com o respeito que exigem os interesses terrestres. Assim, foi,
sobretudo nos países protestantes que o comércio e a indústria se desenvolveram.
Ademais, a Revolução Francesa embebecida da filosofia do século das luzes, opôs à
Igreja Romana, e tornou anticlerical, pois tinha como bases teóricas os grande pensadores
Voltaire(1694-1778), Montesquieu (1689-1755) e Rousseau (1712-1778), os quais insistiam
na necessidade de defender o indivíduo contra o arbítrio judiciário do absolutismo político e
religioso. François-Marie Arouet, conhecido como Voltaire, contemporâneo de Rousseau, foi
ferrenho e hostil à Igreja. Opôs-se plenamente à Igreja Católica, contra a qual dirigia seu lema
que ficou historicamente conhecido: "ecrasez l'infâme". Via na Igreja engano e corrupção.
Rousseau, também se opôs à Igreja, quando demonstra sua teoria de Estado,
que no seu substrato traz o corolário de que o "as leis do Estado não eram questão da Igreja."
A única base para uma sociedade é quando seus membros concordam a respeito de um pacto
social que combinará a liberdade com o governo justo que vise os interesses da maioria. A sua
obra magna "O Contrato Social" representou sem dúvida, um texto fundamental para criar a
imagem do estado como resultante da própria vontade popular. Nele encontram-se os
princípios de liberdade e igualdade política, os quais constituíram as coordenadas da
Revolução de um dos setores mais radicais na pessoa de Robespierre. Este era seguidor
fervoroso de Rousseau, e quando na segunda fase da Revolução, destrói por completo a
monarquia e instala a república.
103
A fase da Revolução Francesa mais dura com a Igreja Católica foi no governo de
Napoleão
48
. Nesta época, o papado sofreu a perda de seu território eclesiástico, tendo ficado o
Papa Pio VII preso de 1809 a 1814. Foi neste período, que a maioria dos clérigos franceses
aderiram à ideologia liberal, veiculada pelos enciclopedistas. Os clérigos juraram fidelidade
ao Estado, afastando-se das diretrizes pontifícias. Esses clérigos passaram a ser conhecidos
como galicanos.
Na Alemanha, os territórios eclesiásticos foram confiscados e divididos pelos estados
seculares. Assim, o Sacro Império Romano enfraquece ainda mais do que já estava, uma vez
que a Reforma já predominava em boa parte da Europa.
O Papa Leão XII (1823-1829), vendo esta derrocada e o quadro muito nebuloso da
hegemonia católica, começou a atuar com uma postura reacionária, fortalecendo as ordens
religiosas, principalmente os jesuítas, e criando partidos clericais.
Quando na segunda metade do século XIX repercutiu na Europa com também nas
Américas o ideário liberal, bem como a separação Igreja-Estado, logo o pontífice romano
reagiu. Leão XIII, via o liberalismo como um triste espetáculo da subversão geral das
verdades supremas e dos espíritos audaciosos. Para ele se os homens não se submetessem à
48
Napoleão Bonaparte se estabeleceu no governo francês de (1799-1814).Foi a partir do golpe do 18 Brumário, 9
de novembro de 1799, que Napoleão Bonaparte assumiu o governo francês. Sua chegada ao poder significou a
solução para os distúrbios de um governo anterior que oscilava entre a ameaça terrorista e a ameaça
monarquista. As reformas administrativas implementadas no período napoleônico foram um dos aspectos de
maior durabilidade do governo. Medidas que foram implantadas naquele momento permanecem até os dias de
hoje na administração francesa. O remanejamento administrativo centralizou o governo sob a égide de Paris.
No aspecto político tudo levava a crer que na verdade a sociedade francesa estaria diante de uma autocracia
mal disfarçada. O Código Civil fixado em 1804 foi responsável pela fixação dos tragos da moderna sociedade
francesa e também servil de exemplo para diversos Estados europeus que nele se inspiraram, adotando-lhe seus
princípios e reproduzindo-lhe as disposições. Entretanto, mesmo com todas as reformas napoleônicas, não se
pode negar que Napoleão Bonaparte destruiu o legado da Revolução jacobina, inspirada no sonho da
igualdade, liberdade e fraternidade. Pela sua tirania foi acusado por seus opositores de ter sido o principal
responsável pela “experiência abortada da França”.Como estadista Napoleão ratificou a redistribuição de terras
levada a efeito pela Revolução permitindo inclusive que o camponês médio continuasse a ser um lavrador
independente reformou o sistema tributário fundando o Banco Francês com o objetivo de exercer maior
controle nos negócios fiscais. As obras publicas, drenagem dos pântanos, construção de pontes e redes de
estradas e canais, foram realizadas sobretudo com objetivos militares bem como para conquistar o apoio da
burguesia. Quanto as boas obras de Napoleão merecem destaque a educação. A educação mereceu atenção
104
autoridade da Igreja, viriam muitos males. O liberalismo e o racionalismo para ele deveriam
ser combatidos. O pensamento e a liberdade para ele deveriam ser submetidos à vontade da
Igreja, pois essa tem o ontos divino, pois se a sociedade recusa a autoridade da Igreja, ela
acaba por entrar numa subversão geral. Esta luta da Igreja Católica contra a modernidade, ou
seja, contra o liberalismo e o racionalismo fora feitos por meio dos Documentos Pontifícios.
Dentre os muitos documentos dos papas Gregório XVI, Pio IX, Leão XIII, Pio X, Bento XV e
Pio XI, merecem atenção especial as encíclicas Mirari vos e Quanta Cura, esta última
acompanhada pelo Syllabus. O Syllabus refere-se ao resumo ou catálogo publicado em 8 de
dezembro de 1864, pelo papa Pio IX, que consubstanciava uma reação contra o liberalismo e
a separação Igreja-Estado.
Anos antes, em 15 de agosto de 1832, o papa Gregório XVI por meio da encíclica
Mirari vos, condenara o liberalismo tanto político como religioso.
Pio IX (1846-1878), no Syllabus reagiu contra o liberalismo e a sociedade moderna,
denunciando também a soberania da razão humana, a liberdade de consciência. No Syllabus
de número XV, condena a liberdade de consciência: "Anátema quem disser que cada
indivíduo é livre para abraçar e professar a religião que reputar por verdadeira segundo as
luzes de sua razão". Quanto à separação Igreja-Estado, no Syllabus de número LV diz:
"Anátema a quem disser que a Igreja deve ser separada do Estado e o Estado da Igreja".
Além de condenar a separação da Igreja com o Estado, condena também o progresso, o
liberalismo e a civilização moderna. Assim se lê no Syllabus número LXXX: "anátema a quem
disser que o pontífice romano pode e deve reconciliar-se e harmonizar-se com o progresso, o
liberalismo e a civilização".
especial por parte do imperador que instalou escolas publicas elementares em cada aldeia ou cidade francesa e
fundou um escola normal em Paris para preparação dos professores.
105
O objetivo de Pio IX era a libertação da Igreja Católica dos liames e do domínio dos
Estados para colocá-la diretamente sob a influência dos bispos, segundo a orientação ou
mentalidade ultramontana, cujos pressupostos eram centralizar, na Sé Romana, o controle
organizacional e doutrinário da instituição. Opondo-se às investidas galicanas das Igrejas
Nacionais e rejeitando o direito do padroado e o placet, bem como condenar e combater o
pensamento liberal ou moderno confirmou a supremacia do direito eclesiástico sobre o direito
civil. O papa indicou os bispos ultramontanos para diversos países, inclusive para o Brasil,
com as indicações de Antônio Joaquim de Melo, em São Paulo (1851), e Pedro de Lacerda, no
Rio de Janeiro (1861), os quais foram seus interlocutores.
Mesmo com a reação papal, a Igreja se enfraqueceu ainda mais no campo político,
quando das guerras contra a Áustria, contra a França e com o movimento de libertação
italiano. Na Itália, o novo Reino ocupou maior parte dos antigos territórios da Igreja. Estas e
outras tensões políticas enfraqueceram as alas ultramontanas nos países de certa
predominância católica e propiciaram o fortalecimento das forças antagônicas à Igreja e
movimentos anticlericais no final do século XIX.
A Revolução Francesa, tendo como conseqüência a queda da monarquia e a
implantação do regime republicano, tornou-se um marco para a afirmação do Estado laico no
Ocidente. Assim, a Igreja Católica entrou o século XIX com grande crise com a modernidade
liberal. Sua relação com o poder civil ficou truncada e dramática.
É particularmente dramática a relação da Igreja Católica com o mundo
moderno que se esboça no Iluminismo e cria corpo sob o impacto da ciência
e da tecnologia no século XIX. O drama se desenvolve em dois atos que,
num dado momento,no começo do século, se superpõem ou, pelo menos, se
desenrolam em cenários visíveis pra mesma platéia. Num deles o
racionalismo iluminista solapava o princípio de autoridade, atingindo de
modo direto o princípio de poder da igreja; no outro, o avanço da ciência e
da técnica criava embaraços dogmáticos e éticos difíceis de resolver através
dos procedimentos usuais e ainda rígidos da escolástica, a Companhia de
Jesus, tinha sido vítima direta do iluminismo. [...] O universo das idéias do
século XIX é o liberalismo.[...] A visão liberal do mundo moderno não
106
ameaçava somente o sistema doutrinário da Igreja, mas também sua
influência espiritual. (MENDONÇA, 1990, p. 62,63).
Philippe Nemo (1949), ao analisar a construção histórica de valores e instituições
formadores da civilização ocidental, em seu clássico, "O que é o Ocidente", defende que a
formação política, econômica e intelectual do ocidente atual, beberam nas fontes das
revoluções inglesa e francesa, pois elas pregavam "o Estado de direito, a democracia
representativa, a liberdade intelectual e religiosa, a racionalidade crítica, o avanço científico e
a livre iniciativa baseada na propriedade privada". Nesta perspectiva, em consonância com
Karl Popper (1902-1994), chega à conclusão de que o Estado moderno e pós-moderno estão
embuídos de valores racionais e científicos, os quais rompem com a metafísica simplista que
era de propriedade da religião ou da instituição chamada (Igreja).
3.3 Relações Poder Secular (Estado) e Poder Religioso (Igreja) no Brasil
As relações do poder civil e religioso no Brasil remontam o modelo de Estado
português anterior a colonização. Haja vista, o Brasil foi colonizado por Portugal e não pode
ser compreendido fora deste contexto.
A história da Igreja cristã em Portugal remonta a história da Península Hispânica antes
mesmo do Imperador Constantino. Este tempo remonta À era apostólica quando o propósito
da igreja nascente era de evangelizar toda a Europa.
49
A Igreja se estabeleceu e consolidou-se
como instituição na Península por volta do ano 254 d.C., e logo tornou-se religião de Estado.
A Igreja Ibérica logo se fortaleceu e foi sede de um Concílio Regional denominado
"Concílio de Elvira" em 300 d.C.
49
O Apóstolo Paulo traça o plano de viajar para Espanha, pois a península Ibérica (Portugal e Espanha) era alvo
da evangelização apostólica e da plantação de igrejas. (Rm 15.24).
107
Por volta do ano 300 reuniu-se em Eliberis na Bética (Elvira, hoje Granada
na Andalusia) o concílio que tomou o nome da cidade. As atas registram o
dia do início e o nome e qualidade dos presentes; foi a 15 de maio. Esquece-
se de assinalar o ano: foi entre 300 e 304, às vésperas da grande perseguição
de Diocleciano comandada na Península por Taciano. Essas atas com seus
81 cânones existentes são documentos, embora incompletos, do cristianismo
ibérico antes do Édito de Milão (313). (RIBEIRO, 1996, p.73).
A Igreja Ibérica se fortalece nos séculos posteriores, mesmo com a invasão dos
mouros e árabes, haja vista desde cedo fora protegida pelo Império Romano. Em 451 A.D. no
Concílio de Calcedônia, a Igreja Ibérica envia representantes, e estes voltam do Concílio com
o propósito de evangelização das tribos germânicas, em especial os suevos. Desde então, a
Igreja se consolida no século V, no patriarcado de Bracara Augusta, atual cidade de Braga.
Foi nesta Cidade que se criou o primeiro arcebispado.
Mais tarde com a consolidação do Estado português, a Igreja casa com o Estado, numa
espécie de simbiose quando o poder civil se confunde com o religioso. Especialmente em
Portugal, existia uma espécie de governo teocrático embora não declarado. Conseqüentemente
a esta prática, os grandes historiadores portugueses a chama de “casamento Igreja- Estado.
Neste período, chamado pelos historiadores de “pré-cristandade”, predominava a simbiose
"Igreja de Estado" ou Igreja-Estado. A Igreja não só era o Estado, mas a própria sociedade.
A igreja era a sociedade e vice-versa, de modo que pertencer à Igreja era um
fato tão natural como nascer, viver e morrer, cujos momentos eram marcados
pelos ritos da Igreja. Desse modo, pertencer à Igreja não significava nenhum
compromisso especial, nenhuma forma de ser fora dos parâmetros sociais.
(MENDONÇA, 2002, p.266).
A religião exercendo hegemonia ideológica legitimava a dominação, e a relação
templo-palácio era o modelo de cristandade que infundia um status ontológico de validade,
que, na opinião de Berger (1985), "o poder civil e religioso se tornam fenômenos
sacramentais".
108
A união poder civil e poder religioso em Portugal remonta a própria formação e
consolidação do Estado português no século XIII. Quando da chegada dos templários
50
que
foram perseguidos e expulsos da França, e, em Portugal encontra o apoio de D. Dinis (1279-
1325), muitos políticos do governo, inclusive o próprio D. Dinis aderiram à ordem que passou
a chamar de Ordem de Cristo.
D. Dinis vê que a principal causa da força do clero está no ultramontanismo,
palavra então desconhecida ainda para exprimir a influência e autoridades
soberanas dos papas sobre as Igrejas nacionais. [...] O rei, que assim
fomentava a educação e nacionalizava a Igreja. [...] É também no seu tempo
que um outro acto de grande alcance [...] nacionalizar as Ordens militares.
[...] Os monges militares tinham representado um papel importante no
movimento da reconstituição econômica dos territórios portugueses
(MARTINS, 1987, p. 93, 97).
Mais tarde, o rei Cardeal Infante D. Henrique consolidou a ordem, sendo então seu
grão-mestre. Assim, no território português a ordem ganhou mais poder e desempenhou um
importante papel nos descobrimentos. Isso aconteceu porque a Ordem tinha muitos bens e
conhecimentos dos mares, e, por conseguinte, transmitiu à chamada "Escola de Sagres" todo o
vasto conhecimento que já dispunham sobre navegação após anos singrando o mar
Mediterrâneo. Ademais, Vasco da Gama e Pedro Álvares Cabral foram alunos e integrantes
da Ordem de Cristo, antiga Ordem dos Templários. Na história da humanidade, o poder
religioso e o poder civil sempre se confundiram. Religião e nação eram hábitos e a formação
mental dos povos desde a antigüidade. A Roma pagã massacrou os cristãos, depois a Roma
cristã dizimou os pagãos. As igrejas cismáticas orientais exigiram submissão de toda gente
que lá vivia; o islamismo se impôs pela espada nas nações invadidas. A Igreja de Roma no
seu alto apogeu, implementa a pena capital religiosa pela inquisição.
50
Os templários foi uma Ordem Católica militar religiosa fundada durante as cruzadas em Jerusalém em 1118 e
que foi reconhecida pela Igreja no Concílio de Troyes. Atrelava o poder civil ao religioso, inclusive com o uso
de armas e guerra.
109
Na opinião de Gonzaga (1993), em sua obra "A Inquisição e seu Mundo", as leis
religiosas relativas à inquisição sobrepôs todo poder civil ou de Estado. O poder religioso e o
Direito Canônico estavam acima de quaisquer leis de Estado. Entretanto, os poderes civis e
religiosos estavam intrinsecamente ligados ou subservientes.
A inquisição nunca foi um tribunal meramente eclesiástico; sempre teve a
participação do poder régio, pois os assuntos religiosos eram, na antigüidade
e na Idade Média, assuntos de interesse do Estado. [...] Quanto mais tempo
passava, mais o poder régio se ingeria no tribunal da inquisição, servindo-se
da religião para fins políticos (GONZAGA, 1993, p.15).
A concepção de Estado seguia a risca o pressuposto tridentino que condenara a
liberdade religiosa, os hereges e a separação da Igreja com o Estado. A Igreja Católica, com
isso, pretendia que o poder temporal (civil) devia estar sujeito ao espiritual, como o corpo à
alma que não aceita regime de separação. Entendia o Papa e os vaticanistas que a separação
Igreja-Estado constituía engodo e, por isso, o Papa considerou aqueles que pensavam o
contrário do seu “syllabus” como anátema. Ademais, havia uma preocupação do reino de
Portugal e da Igreja Católica com a presença protestante aqui, bem como o liberalismo
progressista das nações protestantes.
Criticando o modelo de subserviência entre Estado e religião na sua obra: "Deus e o
Estado", Bakunin (1882), defende que o projeto explorador do mundo encontrou acolhida na
religião, pois o projeto de colonização necessitava de legitimação de algo que estava com o
povo, o que era sobreposto na mente era a religião seja ela de Estado ou não.
O Brasil como outros países açambarcados ideologicamente pelo "sacro império", o
"casamento" da Igreja-Estado foi uma expressão exterior daquela estrutura profunda que se
chamou de cristandade. A Igreja Católica de Portugal estendida para as suas colônias,
especialmente no Brasil pretendia que o poder temporal se subordinasse ao poder religioso, ou
seja, uma teocracia. Era uma pretensão não somente de Roma, mas do bispado português
manter o status da religião exercendo a soberania diretamente vinculada a Roma.
110
O Brasil como outros países açambarcados ideologicamente pelo "sacro império", o
"casamento" da Igreja com o Estado foi uma expressão exterior daquela estrutura profunda
que se chamou de "a cristandade", ou seja, equivalente civil da igreja Romana com o nome de
teocracia capaz de abraçar os mais diversos organismos políticos e ideológicos. Pode se notar,
entretanto, que o clero católico desempenhou funções laicas e seculares na política, na
instrução escolar, no comércio e nas comunicações.
Por outro lado, em Portugal a idéia de rei era de senhor absoluto que agia em nome de
Deus. Isso fora justificado mais ainda, quando o cardeal e orador sacro Jacques Benigne
Bossuet (1627-1704), formulou a doutrina do absolutismo do direito divino segundo o qual o
Rei era o representante de Deus responsável apenas perante Ele por seus atos de governo.
Era nesta perspectiva que trabalhava o ideário católico no Brasil desde o nascimento
da colônia, pois a união Igreja e o Estado estavam no projeto de poder e colonização destas
terras. Por outro lado, em Portugal a idéia de Rei era de senhor absoluto que agia em nome de
Deus.
Na corte de D. Manuel (1495-1521), as relações Igreja-Estado ficaram mais ainda
estreitas e a Igreja e o Estado se confundiam. D. Manuel em 1483 foi eleito grão-mestre da
Ordem de Cristo que se transmitiram aos seus sucessores. Mais tarde em 1551, o papa Júlio
III anexou e incorporou o grão-mestrado da Ordem de Cristo, bem como as de (São Tiago e
São Bento) à coroa de Portugal. Ademais, em 1514 D. Manuel cria a Embaixada papal em
Portugal, e o papa autoriza a criação do padroado.
Consegui-se o padroado pedido para a Ordem de Cristo, coisa fácil; obteve-
se a coleta das terças dos rendimentos eclesiásticos; e, além disso, a Cruzada,
que o núncio trouxe, e na execução da tirania dos oficiais dela. [...] As
questões religiosas, acordadas na Europa tinham em Portugal um caráter
particular. [...] obra em que D. Manuel trabalhou com afinco. (MARTINS,
1987, p. 236).
111
D. Manuel que se apoderou do poder civil e religioso, publica em 1516 as leis para o
Estado e para Igreja com o nome de Ordenações Manuelinas. Numa perspectiva
profundamente teocrática, publica:
Todo aquele que, por qualquer maneira disser que arrenega ou não crê ou
descrê de Nosso Senhor, ou de Nossa Senhora, ou de sua fé, se for Vassalo
ou de outra qualquer qualidade, que não seja peão, filho de peão, ou se for
escudeiro, ou cavaleiro, que fidalgo não for, seja degredado um ano para
Ceuta com um pregão em audiência, e pague dois mil reais para quem o
acusar; se for fidalgo seja degredado para um de nossos lugares d'além, e
pague três mil reais para quem o acusar; se for peão, filho de peão, levem-no
ao pelourinho e metem-lhe uma agulha dalbarda pela língua, e dêem-lhe
vinte açoites com baraço e pregão, e enquanto lhos derem tenha a dita agulha
na língua metida, e mais pague mil reais para quem o acusar.
(ORDENAÇÕES MANUELINAS, 1516, Livro V, Título XXXIII).
Foi no contexto do reinado teocrático de D. Manuel, que chega ao Brasil em 22 de
abril de 1500, o navegador Pedro Álvares Cabral, com um sentimento profundamente
político-religioso. Ao avistar terra, especificamente um monte no litoral da Bahia, deu-lhe
imediatamente o nome de Monte Pascoal, porque era o tempo da comemoração da páscoa.
Em seguida, celebra-se a missa pelo frei Henrique Soares de Coimbra. Cabral participa,
carregando em procissão o estandarte da Ordem de Cristo. Aliás, o início da viagem de Cabral
foi uma cena ou um serviço religioso.
A viagem de Pedro Álvares Cabral, que resultou na descoberta oficial do
Brasil, começou com um serviço religioso. Missa solene foi cantada na
capela inacabada do mosteiro de Belém, assistida pelo rei D. Manuel, os
grandes de sua Corte e por grande multidão de povo. O bispo Ortiz fez um
eloqüente panegírico do almirante. Abençoou o estandarte real da armada e o
chapéu que o papa Alexandre havia mandado para Cabral, em cuja cabeça o
próprio rei colocou. Então o rei e o almirante caminharam à frente da
procissão até o porto, conduzindo o resplandecente pavilhão real. Acima das
velas dos navios tremulava a cruz da Ordem de Cristo. Era 9 de março de
1500 (HAHN, 1989, p.54).
A ideologia Igreja-Estado em sua plenitude do século XVI, predominou nas conquistas
tanto de Portugal como da Espanha especificamente nas Américas. Todorov (1991), em seu
clássico "A Conquista da América", descreve um texto datado de 1514 de um jurista real
112
Palacios Rubios em que, no seu substrato, propugna não somente o reino civil como também
o reino religioso. O Requerimento diz:
Com a ajuda de Deus, invadir-vos-ei poderosamente e far-vos-ei a guerra de
todos os lados e de todos os modos que puder, e sujeitar-vos-ei ao jugo e à
obediência da Igreja e de Suas Altezas. Capturarei a vós, vossas mulheres e
filhos, e reduzir-vos-ei à escravidão. [...] disporei de vós segundo as ordens
de Suas Altezas (TODOROV, 1991, p.144).
Poder secular atrelado ao religioso era a dinâmica da civilização e colonização
portuguesa. A expansão do reino de Portugal seria a expansão do "reino de Deus". Essa é a
tese defendida por Jan De Bie em 1970, apresentada na Universidade de Lovaina. A tese trata-
se do pensamento do padre Antônio Vieira sobre a fé católica e o reino de Portugal.
O reino de Portugal foi fundado em 25 de julho de 1139, quando D. Afonso
venceu os mouros em Ourique. Deus tinha dito ao rei na véspera desta
vitória: "quero em ti e na tua posteridade estabelecer o meu império". [...]
Daí a vocação especial de cada português, no sentido de levar o nome de
Deus aos gentios, de espalhar o seu nome em terras longínquas. [...] A
história de Portugal é uma verdadeira história da salvação. [..] Portugal é o
"seminário" da fé a ser propagada pelo mundo inteiro. As caravelas
portuguesas são de Deus. Os portugueses são anjos de Deus enviados aos
gentios que o esperam. Soldados e missionários unidos na grandiosa tarefa.
(HOORNAERT, 1991, p.35).
Esta simbiose entre religião e Estado transpôs de Portugal para o Brasil,
consubstanciando a posição do Estado Português de modelo evidentemente teocrático, embora
não declarado. O Brasil herdou o modelo de cristandade de Portugal.
A organização da sociedade colonial luso-brasileira, a partir do século XVI,
teve como principal fundamentação teórica a concepção filosófico-teológica
do Estado Cristão, ou seja, da Cristandade. Segundo essa perspectiva, a
monarquia lusitana era vista como um reino sagrado fundado por Deus, no
qual os súditos, mediante a fidelidade à Coroa, expressavam ao mesmo
tempo sua fé em Cristo. Religião e nacionalidade eram consideradas então
como duas faces da mesma moeda. Foi em nome desse Estado Cristão que
os lusitanos impuseram a sujeição aos indígenas e o cativeiro aos negros, ao
mesmo tempo em que consolidava o domínio territorial mediante a expulsão
dos franceses e dos holandeses. Nessas diversas atuações e intervenções de
natureza política e econômica, estiveram sempre presentes as motivações
religiosas. [...] Um dos principais pilares da organização política da
sociedade colonial tinha sido o conceito sagrado de autoridade. [...] Este
poder divino, por sua vez, era legitimado pelo ritual da sagração dos reis.
Assim sendo, os príncipes assumiam um papel de pais e protetores dos
113
súditos, dos quais se exigia fidelidade e obediência. Pertencentes à nobreza,
eram considerados de uma linhagem especial (AZZI, 1991, p.5).
Ademais, o governo português criou em 1532 a Mesa da Consciência e Ordens,
funcionando como um departamento religioso do Estado com extensão às colônias, a qual era
responsável pelo padroado real. Depois de alguns anos de sua implantação, esta Instituição
passou a ser comandada pelos jesuítas que aqui estabeleceram.
Os jesuítas exerceram no Brasil o monopólio não somente religioso, bem como o
político-ideológico. Eles chegaram ao Brasil em grande quantidade em 1549 em companhia
do primeiro governador geral, Tomé de Souza.
Os jesuítas começaram a planejar seu domínio em Portugal desde a sua
entrada em 1540. Não descansaram em seus intentos até encontrar ocasião
para desenvolver o seu sinistro plano. Este começou a se tornar exeqüível no
final do século XVI, quando o poder passou às mãos de mulheres, de velhos
decrépitos, de jovens inexperientes ou de estrangeiros. A manutenção da
filosofia arábico-aristotélica era apresentada como uma das armas jesuíticas
para manter-se no poder, negando à cultura portuguesa o acesso á ciência
moderna. Daí a apologia de Vreney e da obra Verdadeiro método de ensinar
feita pela Dedução. (AZZI, 1991, p.56).
Gilberto Freire (1980), com toda propriedade, aponta as características da colonização
do Brasil por intermédio da religião feita pelos jesuítas. Sua opinião é a de que eles
idealizaram e implementaram no País um modelo de teocracia.
A nossa verdadeira formação social se processa de 1532 em diante, [...] O
oligarquismo ou nepotismo, que aqui madrugou, chocando-se ainda em
meados do século XVI com o clericalismo dos padres da Companhia. Em
oposição aos interesses da sociedade colonial, queriam os padres fundar no
Brasil uma santa república de "índios domesticados para Jesus" como os do
Paraguai; seráficos caboclos que só obedecessem aos ministros do Senhor e
só trabalhassem nas suas hortas e roçados (FREIRE, 1980, p.60).
Ademais, os jesuítas conquistaram autêntico monopólio do ensino em Portugal, e
subordinaram-se à Companhia. Além de uma Igreja monopolizada, tinha um sistema
pedagógico monopolizado.
Uma Igreja monopolizava o sistema religioso e, sob a liderança jesuítica. [...]
Os jesuítas controlavam o sistema pedagógico e submetiam a elite intelectual
114
portuguesa à forma bastante estreita da Ratio Studiorum: O controle
estendia-se até à obra dos Santos Padres, cuja consulta estava sujeita à
deliberação especial do Reitor. [...] No sistema religioso, a hegemonia
jesuítica era disputada pelo sistema político, a cujo regalismo a concessão do
padroado, com o grão-mestrado das Ordens Militares, e o beneplácito, havia
entregado boa parte da administração da Igreja (RIBEIRO, 1973, p. 24-25).
O clericalismo dos padres da Companhia foi colidindo com as oligarquias regionais,
consolidando uma colonização que, na perspectiva de Freire, foi "semi-eclesiástica" e
"semifeudal". Essa interpretação de Freire faz coro com os pronunciamentos e reflexões do
intelectual da época do início da República, Sílvio Romero (1851-1914), que em seus artigos
publicados no Jornal "Diário de Notícias" é da opinião que: "[...] nossa nação foi formada sob
o regime teocrático, ajudado pelos jesuítas." Uma outra opinião semelhante a de Freire e de
Romero é a do sacerdote romanista Júlio Maria, que diz:
[...] as missões jesuíticas eram complicadas pelo plano que os discípulos de
Loiola
51
tinham que dominar o mundo não só com as armas espirituais, mas
também com os instrumentos mundanos. [...] queriam criar Estados ou
nações jesuíticas. [...] Nóbrega e Anchieta, e os fundadores das missões ou
reduções do Brasil, cooperaram com os capitães nas guerras contra os
indígenas. (MARIA, 1950, p. 33-34)
Os jesuítas tendo à frente suas luminares como Nóbrega e Anchieta, não só
domesticavam os índios, mas promoveram a conversão forçada deles. Na opinião de Serafim
Leite (1950), os jesuítas maquinavam instalar no planalto Piratininga o quartel general da
companhia, ampliando desta forma os limites do fabuloso império jesuíta. Em carta enviada
pelo jesuíta, soldado e viajante Antônio Rodrigues a Coimbra diz:
De S. Vicente, do último de maio de 1553. Pax Christi. - Ainda que até
agora, com muitos perigos, andei navegando por este mar do sul, onde há
tantas tormentas, que poucos navios escapam, contudo confesso: Caríssimos
Irmãos, até agora ter navegado por outro mar mais perigoso, que é o deste
mundo e suas vaidades, onde tantos se perdem, do qual Nosso Senhor me
livrou por meio do Padre Manuel da Nóbrega, recebendo-me na Santa
Companhia de Jesus, trazendo-me já Nosso Senhor movido para entrar nela
vendo quanto tempo e com quantos perigos tinha sido soldado no mundo,
com tão pouco proveito, e que entrando nela entrava em melhor batalha, que
é das almas, e com tão grande prêmio, que é a remuneração eterna. [...] Eu
falei com o P. Manuel da Nóbrega que fosse ou mandasse lá um da nossa
51
Inácio de Loiola, fundador da Companhia de Jesus, denominada e conhecida como "os Jesuítas"
115
Companhia, porque ali perto há outros gentios que não comem carne
humana, gente mais piedosa e aparelhada para receber a nossa santa fé.
(FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL, Arquivo consultado em
dezembro de 2006).
Um relato documental falando do jesuitismo e um tanto antagônico aos relatos de
Gilberto Freire e Antônio Rodrigues, embora com a mesmo colorário da dinâmica jesuítica, é
"O Tratado da Terra do Brasil" escrito em (1562) por Pêro de Magalhães que, em Carta
enviada ao rei de Portugal (cardeal D. Henrique), falando das Capitanias, destacando o
trabalho dos jesuítas em quase todas elas, menciona-os com destaques positivos.
Ao mui alto e Sereníssimo Príncipe dom Henrique, Cardeal, Infante de
Portugal. Posto que os dias passados apresentei outro summário da terra do
Brasil a el-Rei nosso Senhor, foi por cumprir primeiro com esta obrigação de
Vassallo que todos devemos a nosso Rei. [...] A principal povoação se
chama Santos, onde está hum mosteiro de padres da Companhia de Jesus. A
outra mais avante ao longo do Rio huma legoa he Sam Vicente; também ha
nella outro mosteiro de padres da Companhia. Pela terra dentro dez légoas
edificaram os mesmos padres huma povoação entre os índios que se chama -
o Campo, na qual vivem muitos moradores, a maior parte delles são
mamalucos filhos de portuguezes e de índias da terra. Aqui e nas mais
Capitanias têm feito estes padres da Companhia grande fruito e fazem com
que a terra va em muito crescimento e trabalho, por fazer Christãos a muitos
índios e metem muitas pazes entre os homens; também fazem restituir as
liberdades de muitos índios que alguns moradores da terra têm mal
resgatados: assi que sempre acodem aos que se desviarão do serviço de Deos
e de S. A.. (<http://www.bibvirt.futuro.usp.br>, Tratado da Terra do Brasil,
1980, p.13).
Em 25 de fevereiro de 1551, o papa Júlio III emite a bula "Super specula militantis
ecclesiae", em resposta ao pedido do rei D. João III para a criação do primeiro bispado no
Brasil. Esta bula também consubstanciou a concessão de direito de padroado
52
aos reis de
Portugal e que também foi extensivo às suas colônias. A Bula diz:
[...] do mesmo modo reservamos e concedemos o direito de padroado e de
apresentação a nós e ao Pontífice Romano que então existir, a de uma pessoa
idônea para dita Igreja de São Salvador. [...] e declaramos que o direito de
padroado e de apresentação existe como todo o vigor, essência e eficácia em
virtude de verdadeira e total doação, e não poderá ele ser derrogado nem
mesmo pela Santa Sé, sem primeiro intervir o consentimento expresso de
João, Rei e Gão-Mestre. (AZZI, 1994, p.165).
52
O Padroado conseguiu controlar a Igreja no Brasil. Os custos da Igreja eram pagos pela fazenda real, que
controlava a Igreja, que de certa forma não estava diretamente subordinada ao papa e sim ao rei.
116
Os direitos de padroado eram extensivos. Tanto os monarcas como os cardeais ou
superiores de Ordens Eclesiásticas passaram a exercer ao mesmo tempo poder civil e poder
religioso. Por concessão da Santa Sé, o título de Grão-Mestre conferia aos reis de Portugal
também o regime espiritual.
A partir da criação do bispado com sede em Salvador, desenvolve-se a administração
eclesiástica do Brasil. Em 1707, promulga as "Constituições Primeiras do Arcebispado da
Bahia"
53
, o agente principal de execução da Lei civil será o clero secular. A partir das
Constituições do Arcebispado, perde a validade as Ordenações Filipinas, as quais eram de
iniciativa do Rei, e agora os bispos implantam uma lei católica, a qual vai reger a vida
cotidiana. Toda essa organização eclesiástica deste período sobrepôs o regime de padroado.
Neste caso o rei apenas ficou subserviente da religião. Na prática, principalmente nas
colônias, os bispos exerciam hegemonia. Quanto a outras religiões e judeus, diz as
Constituições do Arcebispado da Bahia:
Para que o crime de heresia e judaísmo se extingue, e seja maior a glória de
Deus nosso Senhor, e aumento de nossa Santa Fé Católica, e para que mais
facilmente possa ser punido pelo Tribunal do Santo Ofício o delinqüente,
conforme os Breves Apostólicos concedidos à instância dos nossos.
Sereníssimos Reis: a este sagrado Tribunal, ordenamos e mandamos a todos
os nossos súditos, que tendo notícia de alguma pessoa ser herege, apóstata de
nossa Santa Fé, ou judeu, ou seguir doutrina contrária àquela que ensina e
professa a Santa Madre Igreja Romana, a denunciem logo ao Tribunal do
Santo Ofício no termo de seus Editais, ainda sendo a culpa secreta, como for
interior. (Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, Livro V, Título
I, 886, ano de 1707).
Ademais, o regime do padroado atrelou as atividades religiosas ao poder real,
transformando a Igreja Católica em instrumento legal de administração e controle. A
transferência do padroado português para os monarcas brasileiros, procedentes da mesma
dinastia, permitira o controle de negócios da Igreja em todos os sentidos.
53
O Arcebispado da Bahia, primeiro do Brasil, foi criado pelo papa...
117
O clero açambarcou o poder secular como extensão do império católico. Nesta
perspectiva escreve Souza e Silva:
Ah! e como viviam os povos avexados por quantos impostos imaginavam o
clero, a magistratura e o fisco! O colono trabalhava como de parceria para
essas três harpias esfaimadas, que só se nutriam de ouro, e que cada vez se
mostravam mais insaciáveis; envelhecia antecipadamente nos rudes
trabalhos da mineração, enquanto que os padres e os seus empregados
eclesiásticos, enquanto os ministros e os que viviam da justiça pública,
enquanto os contratadores do fisco e seus apaziguados se deleitavam com as
suas propinas e viam seus dias se deslizar pacificamente como se estivessem
num éden dourado, verdadeiro paraíso das riquezas. Entendia o clero que a
primeira caridade cristã era tornar as igrejas em mais rendosos mercados
deste mundo, embora o fosse à custa de repetidas violências e vexações. Não
eram os preceitos da lei que professavam, nem o ensino das máximas do
Evangelho, tão necessárias à educações religiosa dos povos, que eles faziam
pagar a peso de ouro; — eram insuportáveis e forçadas contribuições
extorquidas pelos párocos aos seus fregueses debaixo de pretextos de
direitos paroquiais, benesses e pés de altar; eram as grandes e consideráveis
taxas por conta de espórtulas, emolumentos, prós e percalços exigidos pela
câmara e chancelaria episcopal e pelo juízo eclesiástico em beneficio da
mitra e dos juízes e oficiais de tais repartições. (FUNDAÇÃO
BIBLIOTECA NACIONAL, org. Joaquim Norberto de Souza e Silva, 1860,
p.20).
O padroado foi o meio do qual o rei, agindo como governador da Ordem de Cristo,
controla as nomeações dos cargos eclesiásticos e encarrega-se da subvenção financeira de
todas as atividades eclesiásticas, bem como as nomeações.
A religião fundia-se com o poder político, garantindo sua legitimidade, e
conseqüentemente seu status hegemônico como religião estatal.
A Sé Romana não só tomou sobre si os julgamentos e decretos sobre a vida social ou
cotidiana, como também reivindicou e conseguiu a subordinação do poder temporal ao poder
espiritual (papal).
Para bem compreender a concepção teocrática de governo, é sempre salutar lembrar
que em toda Idade Média e até o fim do século XIX, este modelo fora defendido pela Igreja
Romana, da mesma forma que é defendido ainda hoje, na maior parte do mundo, por nações
que naturalmente encorajam diversas formas de despotismo por meio da religião.
118
A Igreja Católica de Portugal estendida para as suas colônias, especialmente no Brasil
pretendia que o poder temporal se subordinasse ao poder religioso, ou seja, uma teocracia.
Era uma pretensão não somente de Roma, mas do bispado português manter o status da
religião exercendo a soberania diretamente vinculada a Roma.
O Brasil como outros países açambarcados ideologicamente pelo "sacro império", o
"casamento" da Igreja com o Estado foi uma expressão exterior daquela estrutura profunda
que se chamou de "a cristandade", ou seja, equivalente civil da Igreja Romana com o nome de
teocracia capaz de abraçar os mais diversos organismos políticos e ideológicos. Pode se notar,
entretanto, que o clero católico desempenhou funções laicas e seculares na política, na
instrução escolar, no comércio e nas comunicações.
Por outro lado, em Portugal a idéia de rei era de senhor absoluto que agia em nome de
Deus. Isso fora justificado mais ainda, quando o cardeal e orador sacro Jacques Benigne
Bossuet (1627-1704), formulou a doutrina do absolutismo do direito divino segundo o qual o
Rei era o representante de Deus responsável apenas perante Ele por seus atos de governo.
Era nesta perspectiva que trabalhava o ideário católico no Brasil desde o nascimento
da colônia, pois a união Igreja e o Estado estavam no projeto de poder e colonização destas
terras. Por outro lado, em Portugal a idéia de Rei era de senhor absoluto que agia em nome de
Deus. Seria aquilo que ficou conhecido como Teocracia. Nesta perspectiva, o "casamento" da
Igreja com o Estado foi uma expressão exterior daquela superestrutura profunda que se
chamou de cristandade, que aqui nominaliza-se como teocracia.
A Igreja durante toda a idade média, ou seja, desde o ápice do Império Romano,
assegurou seu poder temporal junto com o poder religioso ou espiritual, a tal ponto que o papa
foi considerado o chefe supremo da cristandade, ou seja, "Império Católico do Ocidente".
Nesta perspectiva só poderia pensar e escrever aquilo que a igreja autorizava, tudo o que
alguém escrevia deveria passar sob os crivos da igreja. O papado imbuído da "plenitudo
119
potestatis"
54
, desenvolveu-se ao longo da história, a supremacia sobre os reis e príncipes,
chegando ao seu apogeu no pontificado de Inocêncio III (1198-1216), quando defendeu que o
poder temporal (civil) deva estar sujeito ao espiritual (Igreja), como o corpo à alma que não
aceita regime de separação.
Para bem compreender a concepção teocrática de governo, sempre notar que em toda
Idade Média e até o fim do século XIX, este modelo fora defendido pela Igreja Romana, da
mesma foram que é defendido ainda hoje, na maior parte do mundo, por religiões que
naturalmente encorajam diversas formas de despotismo por meio da religião.
Pode se dizer que nesta visão medieval de autoridade, o poder civil só adquiria
legitimidade em virtude da delegação que ele recebia do poder religioso (Igreja). A única
autoridade suprema reconhecida era a que provinha de Deus por meio do poder religioso do
papa. Neste sentido, a Igreja pelo papa, achava-se autorizada a delegar o poder político. Essa
concepção teocrática defendia o substrato de autoridade político-religiosa de direito divino.
Tal doutrina ou concepção atribuía ao soberano Pontífice a origem do duplo poder político e
religioso. Isso fora definido plenamente pelo papa Gregório VII (1025-1085). Tal concepção
ou tese de "poder" foi constantemente reformulada pelos soberanos Pontífices no decurso dos
tempos até o século XX.
Para bem compreender a estrutura do regime teocrático é necessário entender a
conceituação e a semântica do que é teocracia.
A palavra Θεοκρατία (Teocracia) originou da junção de dois vocábulos gregos. O
primeiro Θεός ou Θεοστυγής que na tradução para o português é Deus ou divindade. Os
termos geralmente foram usados no mundo antigo para seres que têm poder ou conferem
benefícios que estão além da capacidade humana. Em traduções para o latim como para outras
54
enitudo Potestatis: significa que o papado tinha todo o poder tanto temporal como espiritual.
120
línguas, especificamente o termo Θεός com maiúscula refere-se a uma divindade específica
ou maior divindade. O segundo termo é κρατία que vem da raiz κράτος que se refere sempre a
poder, força, majestade ou ato poderoso. A palavra é usada no grego clássico como governo.
Portanto pode-se concluir que teocracia significa "governo de Deus". A teocracia
representava genericamente o governo de certas pessoas tidas como divinas ou que estavam a
serviço dos deuses. Estas pessoas se destacavam por seu valor místico ou mítico, nobreza de
berço por ser considerado filho de um deus ou um rei deus ou de atos de bravura quando se
ganhava uma guerra, segundo a mitologia pela ajuda dos deuses.
Os brâmanes da Índia e da China, os babilônicos, os sumérios, antigas civilizações,
constituíram seus governos com pressupostos teocráticos. Para essas antigas civilizações, os
governos eram constituídos por mandados dos deuses.
Bobbio (2004) designa teocracia não somente como um termo de valor semântico, mas
como uma acepção político-teocrática. Nesta perspectiva, diz:
Designa-se um ordenamento político pelo qual o poder é exercido em nome
de uma autoridade divina por homens que se declaram seus representantes na
terra, quando não uma sua encarnação. Bem característica do sistema
teocrático é a posição preeminente reconhecida à hierarquia sacerdotal, que
direta ou indiretamente controla toda a vida social em seus aspectos sacros e
profanos. A subordinação das atividades e dos interesses temporais aos
espirituais, justificada pela necessidade de assegurar antes de qualquer outra
coisa a salus animarum dos fieis, determina a subordinação do laicado ao
clero. [...] Pelo que tange à civilização ocidental, a tentativa mais séria de dar
vida a um modelo político-teocrático deu-se entre o final do século XI e o
início do século XIV, por obra do papado. (BOBBIO, 2004, p.1237).
No modelo teocrático, o Estado está a serviço da Igreja, assim como a Igreja está a
serviço do Estado. Entretanto, há uma superioridade da lei eclesiástica sobre a civil.
De fato, uma vez aceita a premissa de que o poder espiritual é superior a
todo poder terreno em dignidade e nobreza, segue-se a coseqüência de que
quando o poder terreno erra, será julgado pelo espiritual (Unam sanctam):
daqui o direito do pontífice depor os soberanos e de liberar seus súditos do
vínculo de obediência (é universalmente conhecido o episódio de Herique IV
deposto do trono por Gregório VII e obrigado a dirigir-se a Canossa para
obter o perdão do papa). Da mesma forma, a afirmação da superioridade da
lei eclesiástica sobre a civil é coerente com os princípios expostos acima,
121
sendo que a segunda é considerada sem valor todas as vezes em que entra
em choque com o direito canônico. Finalmente, o Estado é obrigado a
colocar suas forças a serviço da Igreja, tanto para combater seus inimigos
externos (é neste contexto que se inscrevem as cruzadas sugeridas pelos
pontífices contra os infiéis), como para assegurar no seu seio a ortodoxia,
reprimindo todo episódio de heresia e de dissenso religioso. (BOBBIO,
2004, p.1238).
Na perspectiva teocrática, o Estado subserviente da Igreja, e a Igreja do Estado, ambos
passam a ter um domínio radicalmente totalitário, pois se limita a destruir as capacidades
políticas e a liberdade do homem, isolando-o e privando de sua individualidade e liberdade de
pensar.
No Estado teocrático, o principal instrumento institucional é a da ditadura, capaz de
superintender as questões não somente de governo, mas da vida privada em todos os seus
aspectos. Nesta perspectiva, o Estado subserviente da Igreja, torna-se um Estado absoluto e
totalitário a serviço de uma ideologia profundamente religiosa. Em certo sentido, no modelo
de cristandade que perpetuou na Idade Média e especialmente no Brasil em sua colonização
por quase 400 anos, o substrato do poder foi essencialmente religioso ou teocrático. Esta
exagerada dinâmica da política e governo teocrático realizou-se sob o domínio de verdadeira
pretensão política religiosa.
A Igreja Católica de Portugal estendida para as suas colônias, especialmente no Brasil
pretendia que o poder temporal ou poder civil se subordinasse ao poder religioso, ou seja, uma
teocracia. Era uma pretensão no somente de Roma, mas do bispado português manter o status
da religião exercendo a soberania diretamente vinculado a Roma.
O Brasil como outros países açambarcados ideologicamente pelo "sacro império", o
"casamento" da Igreja com o Estado foi uma expressão exterior daquela estrutura profunda
que se chamou de "a cristandade", ou seja, equivalente civil da igreja Romana com o nome de
teocracia capaz de abraçar os mais diversos organismos políticos e ideológicos. Pode se notar
122
entretanto, que o clero católico desempenhou funções laicas e seculares na política, na
instrução escolar, no comércio e nas comunicações.
O culto e a instituição Católica eram mantidos pelos cofres públicos como uma prática
regalista do padroado.
No Império do Brasil a Igreja Católica tinha um custo maior para a receita Fazendária
brasileira do que o judiciário. Vejam a tabela de custos em 1877:
Arcebispos- 4800$ por ano cada um; bispos- 3600$; Monsenhor- 2000$;
Cônego- 1200$; Pároco 600$. Os arcebispos eram 12 e os cônegos
monsenhores e padres eram 2414, um número maior do que os funcionários
do Poder Judiciário. Com relação as despesas das Províncias, em algumas, a
folha eclesiástica chegava a 12% da receita*. Em São Paulo era 12,8% da
receita. (Exposição da Fazenda Pública, Rio de Janeiro, 1823, pp.40ss). Ver:
artigos de Fernando Uricoechea- A formação do Estado Brasileiro no Século
XIX; A burocracia Imperial: José Murilo de Carvalho- A Dialética da
Ambigüidade. IN: Dados, I.U.P.R.J. nº19, 1977 e nº21, 1979, Rio de Janeiro.
Segundo Carvalho (1993) o sistema de padroado tem raízes antigas na sociedade
feudal. Os eclesiásticos tinham dupla lealdade, à Igreja e ao Estado.
[...] A situação era fonte permanente de atritos potenciais e resultava, na
prática, em grandes ambigüidades ao exercerem os párocos tarefas de
natureza religiosa, administrativa e política. Outra característica do clero era
sua ampla distribuição pelo interior do país, que o punha em um contato
estreito com a vida da população, e que lhe dava um poder social superior ao
dos outros setores da burocracia (CARVALHO, 1993, p.11).
Juridicamente, a Constituição do Império do Brasil, manteve a união Igreja-Estado, e
dotou a nação numa espécie de governo teocrático.
Constituição do Império do Brasil de 25 de março de 1824
55
:
EM NOME DA SANTÍSSIMA TRINDADE.
Do Império do Brazil, seu território, Governo Dynastia e Religião.
Art. 5º A Religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a Religião
do Império. E ainda, art. 95 Todos os que podem ser eleitores são hábeis
para serem nomeados Deputados. Excetuam-se: c) Os que não professarem a
religião do Estado. (Constituição Política do Império do Brasil, de 25 de
março de 1824- Título 1º).
55
Texto na íntegra, escrito na grafia da época.
123
Código Criminal Imperial:
56
Art. 176 Celebrar em casa, ou edifício, que tenha alguma forma exterior de
templo, ou publicamente em qualquer lugar, o culto de outra religião, que
não seja a do Estado: Pena-serem dispersos pelo Juiz de Paz os que
estiverem reunidos para o culto; da demolição da forma exterior; e de multa
de dois a doze mil réis, que pagará cada um. (Código Criminal do Império,
1830).
A situação religiosa mudou drasticamente no Brasil, pois o aparelho eclesiástico, já
desgastado, encontrou dificuldades num clero mal formado e inapto para enfrentar as
mudanças políticas e sociais do mundo. Os fiéis, por ouro lado, viviam uma religiosidade
distante da formulada pela igreja nos seus Concílios. O casamento religioso começou a ser
rejeitado, e as forças maçônicas embebecidas da ideologia liberal começaram a se mover
contra a Igreja por razão da questão religiosa. A aliança do Estado brasileiro com a Igreja
Católica estava, portanto ameaçada.
56
Ibid; o Código imperial era a expressão da Carta Constitucional. A manutenção do aparelho de Estado
religioso dependia de Lei criminal para tipificar crime o desrespeito às leis religiosas do Estado.
124
4 BASES DA SEPARAÇÃO IGREJA-ESTADO
“Toda religião associada ao governo das coisas terrenas é uma religião
morta”. (Ruy Barbosa. in: “O papa e o concílio”, p.7).
4.1 O Estado laicista ou o “Estado leigo”
O conceito de laicidade, derivado do conceito de “leigo” adquire importância com o
surgimento do Estado Moderno e da sua autonomia a respeito da religião, especialmente da
Igreja. Neste sentido, o Estado leigo passa de um governo confessional ou defensor de
determinada religião para um Estado sem religião.
Laicismo vem do grego “laicos” e do latim “laicu”. O termo tem o sentido semântico
de “oposição às ordens sacras”.
O conceito moderno de laicismo abrange em si não apenas a distinção entre
Estado e Igreja, mas também a concepção da Igreja como sendo associação
voluntária. Estes dois elementos aparecem no pensamento dos puritanos
ingleses do século XVII, nos escritos de John Milton sobre a liberdade
religiosa e de John Locke sobre a tolerância. O princípio segundo o qual “o
Estado nada pode em matéria puramente espiritual, e a igreja nada pode em
matéria temporal” é afirmado por Locke na Epístola de tolerantia (1689): o
poder político não deve emitir juízos sobre religião, não tendo competência
para fornecer definições em matéria de fé; do seu lado a Igreja deve manter a
própria autoridade no campo espiritual que lhe é próprio. (BOBBIO, et al., p.
671).
Estado laico, ou seja, desvinculado de quaisquer confissões religiosas, é modelo
imprescindível para a defesa dos direitos humanos fundamentais e de um Estado Democrático
de Direito, plural e respeitador da diversidade.
A separação da esfera religiosa da secular foi a dinâmica do Estado livre, configurando
a laicidade do Estado e os dogmas da Igreja com relação somente a seus membros.
[...] vem designar o sistema de separação entre as duas instituições, sistema
que envolve, em sua extrema configuração e com interferências inevitáveis,
125
não só a indiferença do Estado pelas várias dogmáticas religiosas, como
também o seu desinteresse pelas manifestações sociais de qualquer das
confissões: nada de regulamentações especiais, nem favoráveis nem
limitativas, das organizações eclesiásticas. Historicamente, o separatismo
assim entendido se tem desenrolado dentro das linhas gerais do liberalismo e
da concepção liberal do Estado, cuja não-interferência em matéria religiosa
se baseia no reconhecimento essencial da peculiaridade individual de atingir
a esfera do divino. [...] Pressupôs sempre a inderrogável laicidade do Estado,
distinguindo-se das posições jurisdicionalistas tradicionais, já que estas,
conforme a distinção de F. Ruffini, considerava as instituições eclesiásticas
como entidade de direito público e, por conseqüência, plenamente sujeita ao
ordenamento estatal, ao passo que o separatismo se apresenta como um
“sistema de relações entre o Estado e as Igrejas, segundo o qual estas são
consideradas e tratadas como simples sociedades de direito privado”.
(BOBBIO, et al., 2004, p.1146-1147).
Quando o Estado resolve adotar uma religião oficialmente, ainda que seja a de um
grupo majoritariamente dominante ou hegemônico, é inevitável o seu comprometimento com
crenças, princípios morais, ideologias de um determinado grupo em detrimento de outros,
ainda que possam ser considerados minoritários. Nessa perspectiva, o Estado laico não pode
permitir a dinâmica desta relação.
O fundamento do laicismo está evidentemente na dinstição das duas esferas:a
espiritual e a secular, conforme chamaram os medievais Dante Aliguiere e Ockam. Autores
modernos chamaram-no de: teoria das duas espadas.
Encontramos já no cristianismo primitivo dos primeiros séculos a distinção
entre autoridade espiritual e poder temporal, isto em contraposição à
unificação pagã das duas funções sacerdotais na pessoa do magistrado civil.
A inviolabilidade recíproca das dus jurisdições, decorrente da assertivas
encontradas nos textos sagrados, é reconhecida, como válida, na Patrística e
praticamente manifestada, no findar do século V. [...] A dinstinção que se
fazia entre as duas autoridades era bem diferente da moderna concepção da
Igreja e Estado. O pensamento medieval considerava ambas aspectos
diversos de uma sociedade cristã universal, súdita, ao mesmo tempo, de duas
autoridades que dependiam diretamente de Deus. Todavia, nos debates
contra os papistas, transparece espontaneamente, mesmo neste período,
juntamente com a tese de que a soberania secular depende diretamente de
Deus, também a tese que iria se afirmar na Idade Moderna. De acordo com
esta segunda tese, compete à sociedade secular cuidar de seu próprio
Governo sem interferências por parte do clero, ao qual, na comunidade civil,
cabem unicamente tarefas de instrução e exortação. [...] O enfoque de
recíproca autonomia que Locke dá à relação entre religião e política
encontra-se em sucessivos escritos políticos, que buscaram a conciliação
entre liberalismo e doutrina cristã. (BOBBIO, et al., 2004, p. 671).
126
O laicismo tem alicerces teóricos nas obras dos filósofos políticos medievais,
modernos e contemporâneos e fora defendido com fundamentos racionalistas. No caso do
Brasil, destaca-se a filosofia política liberal e positivista no limiar da república.
Bobbio (2004) quando fala da concepção de laicismo no século XIX e XX, assevera:
O laicismo político do século XIX tem seu epicentro no conflito entre a
Igreja Católica e os movimentos liberais. Na Storia d’Europa nel secolo XIX
(1932), Benedetto Croce defendia o contraste entre a Igreja de Roma e a
religião da liberdade como o choque entre duas crenças religiosas opostas,
ressaltando que o movimento liberal não encontrou oposição, muito pelo
contrário, encontrou apio por parte das confissões protestantes, que se
haviam tornado racionalistas e iluministas num primeiro momento, para, em
seguida, tornarem-se idealistas e historicistas... tanto é assim que a Igreaj
romana acabou reunindo num único conjunto protestantismo, maçonaria e
liberalismo. [...] Na Itália, o desenvolvimento do laicismo encontra-se
intimamente ligado aos acontecimentos do risorgimento, visto ser o fim do
Governo temporal do papado condição necessária para a complementação da
unificação nacional: o laicismo do risorgimento foi, pois, ao mesmo tempo,
uma questão de consciência e uma questão de Estado. Contra a presença
concomitante, na nação católica, de duas autoridades com referência às quais
os cidadãos teriam que ser duplamente subditi legum e subditi canonum, o
laicismo do risorgimento sustentou a distinção entre os dois poderes no
Parlamento que estes poderes não poderiam reunir-se debaixo de uma única
autoridade sem gerar o mais nojento despotismo e, mediante a fórmula: livre
Igreja em livre Estado, afirmou a liberdade da Igreja no Estado e a liberdade
do Estado da Igreja. (BOBBIO, et al., 2004, p.672).
As Constituições Francesa, Alemã e Italiana, bem como a maioria dos Estados
modernos reivindicaram os princípios de laicidade, e inseriram nas mesmas estes princípios os
quais consolidaram um Estado leigo. Tal concepção inclui a liberdade religiosa e reconhece a
pluralidade das confissões, e todas com igual liberdade.
Ademais, ao contrário do laicismo, no regime teocrático como no regime césaro-
papista
57
, a autoridade vem de cima, ou seja, de Deus. Ela dita sua vontade, suas ordens e suas
leis, para que o povo receba e obedeça. Por outro lado, arquétipos da organização social e
religiosa necessariamente ficam profundamente inscritos na memória dos povos, ainda que
57
O termo indica um sistema de relações entre Estado e Igreja em que o chefe do Estado, julgando caber-lhe a
competência de regular a doutrina, a disciplina e a organização da Societas fidelium, exerce poderes
tradicionalmente reservados à suprema autoridade religiosa, unificando na própria pessoa as funções de
imperador e de pontifex. Decorre neste sistema a subordinação da Igreja ao Estado.
127
novos beneficiários do poder reneguem as suas origens. Nesta visão, o poder secular só
adquire legitimidade em virtude da delegação que ele recebe do poder religioso. A única
autoridade suprema é a que vem do alto. Ela delega poder aos homens e dar forma ao Estado.
Tal acepção fora amplamente discutida nos Estados modernos, sendo este tipo de governo
reprovado nas grandes democracias contemporâneas, e, implementado o laicismo.
Atualmente o conceito de laicismo desenvolveu e está mais diretamente ligado ao
conceito de secularização. Talvez agora com uma concepção mais abrangente a qual fora
postulada por Hans Kelsen em (I fondamenti della democrazia, ed. It. 1955), quando diz que:
A tendência para a tolerância própria do laicismo se afirma mais fortemente
quando a convicção religiosa não é suficiente forte para se sobrepor à
inclinação política, uma vez, porém, que a comunidade política abrange
também os crentes, o laicismo aceita a influência das igrejas na vida pública,
contanto que esta influência seja decorrente de seu autônomo peso social e
não de privilégios concedidos pelo Estado. (KELSEN, 1955, p.673).
A progressiva dessacralização da sociedade moderna descrita por Max Weber em
economia e sociedade (1961), propaga e abrange um conceito de laicismo e secularização na
mesma dinâmica e igualdade. Para ele há uma conexão entre os dois termos sem
sobreposição. Weber entende que o laicismo propõe uma sociedade propriamente leiga,
política leiga e cultura leiga.
Para os laicistas, a democracia não consegue estabelecer-se ou instalar-se onde as
premissas religiosas são profundamente promovidas pelo governante ou aceitas sem
questionamentos pelo povo.
Tanto as relações Igreja-Estado, bem como o laicismo do Estado, foram amplamente
discutidas no Parlamento brasileiro daquele período contextual da separação Igreja do Estado.
128
4.1.1 A Proposição de Estado Laico por Ruy Barbosa
A formação do Estado Laico, no Brasil, foi resultado de um longo processo histórico,
cujas raízes se encontram na formação da consciência republicana.
Nabuco de Araújo e Ruy Babosa, respeitados juristas, propagava um Estado laico,
desvinculado de quaisquer cultos e religiões, bem como o ensino publico mantido pelo Estado
de quaisquer religiões. Estes como muitos outros intelectuais liberais e positivistas, eram
sensíveis às correntes literárias da Europa, e às idéias filosóficas, incluindo a dos
enciclopedistas e constitucionalistas, proclamavam um Estado laico. Entretanto, a
Constituição Republicana Brasileira teve como modelo a Constituição Norte Americana.
Mendonça (1995, p.136), assevera que:
Alguns políticos e intelectuais liberais e positivistas como Tavares Bastos,
Ruy Barbosa, Abreu Lima e, quem sabe, até o imperador denotava-se um
nível de interesse que seguramente não foi o religioso. Ele se deu no plano
intelectual, jurisconstitucional, político e ideológico, em voga no momento.
O mais importante de todos eles foi Ruy Barbosa.
Rui na conferência de 21 de julho de 1876, em festa pública do Grande Oriente Unido
do Brasil, aos 27 anos, já advogado brilhante, demonstrou o seu anticlericalismo, combatendo
o papa e considerando a anistia concedida aos bispos envolvidos na Questão Religiosa como
arbitrária e inconstitucional. Para ele, naquele momento só restava seu engajamento da luta
pela separação da Igreja do Estado.
O “Syllabus papal era a seus olhos a carta de uma teocracia abominável. Em discurso
e conferências no Porto, afirmava: “Eu conheço a ponta desse estilete, que fere em nome do
evangelho. É sempre o mesmo aço. É o mesmo sistema jesuítico. É a mesma praxe de
devassar câmaras de moribundos para extorquir à fraqueza abjurações inconscientes ou
129
transfigurar em conversões imaginárias atos comuns de piedade cristã”. (JORGE: 1965,
p.55).
Os biógrafos de Rui Barbosa
58
são da opinião de que esta paixão pela liberdade e
direito à livre consciência herdou da moda inglesa e americana. Aliás, seu progenitor fora
liberal exaltado e adepto das idéias de John Locke e Adam Smith. Em São Paulo, fora
influenciado diretamente pelo amigo do seu pai, o liberal Saldanha Marinho que era grão-
mestre do Grande Oriente, chefe republicano e presidente da Província de São Paulo. Rui
nesta Cidade conferenciava na Loja América os ideais de liberdade e separação da Igreja do
Estado.
Ruy Barbosa como relator da Constituição Republicana, era também o principal
operador da nova teoria de Estado. Para ele, o novo quadro constitucional consubstanciaria os
direitos fundamentais insofismáveis e inalienáveis que constituem o ethos democrático do
direito para o Estado Moderno. Além disso, ressaltava a necessidade de apontar as exigências
para a construção de uma metodologia jurídica constitucional segregada da Igreja Romana ou
de pressupostos religiosos. Nesta perspectiva, chega à conclusão de que o Estado moderno, e
laico, está consubstanciado de valores racionais e científicos, os quais rompem com a
metafísica simplista que era de propriedade da religião ou da instituição chamada (Igreja). Ele
com essas idéias não expressavam uma ideologia atéia, até porque era um católico convicto.
O Estado laico, não pode consentir na união da Igreja com o Estado, e nem no ensino
religioso nas escolas. Pelo espírito laico puro, qualquer cidadão pode exercer seu direito de
culto, sem o embargo do Estado. Neste sentido, o Estado é um ente agnóstico, ou seja, não
tem e não pode ter religião. Não pode legislar sobre religião ou matéria religiosa. Prima pelo
ensino leigo, pois o agnosticismo do Estado era decorrente não só do regime, mas de sua
58
Para uma pesquisa sobre Rui Barbosa, ver: CARVALHO: Antônio Gontijo de. Ruy Estudante. São Paulo,
1949. JORGE, Salomão. Ruy Barbosa: um piolho na asa da águia. São Paulo: Editora Saraiva, 1965.
130
essência filosófica. Nesta perspectiva, o liberalismo do Estado laico deve manter a
neutralidade das religiões, ao mesmo tempo em que não pode impedir ou transigir a difusão
delas por decreto ou por força pública. O ethos do Estado laico, portanto em matéria de
religião é a imparcialidade. Dessa forma, o Estado laico cuida da democracia na ordem moral
e jurídica, traduzindo-a na igualdade absoluta de direitos e deveres do cidadão.
A Constituição Política do Estado Democrático dever-se-ia incorporar o princípio de
liberdade ao direito positivo como princípio juridicamente inalienável. A liberdade não só
como ethos de um Estado Laico divorciado da Igreja, mas liberdade como direito natural do
homem, a qual demonstra um processo de racionalidade democrática de Estado de Direito.
Nesta perspectiva, Ruy não tratava de uma postura meramente epistemológica de Estado
Laico.
Cumpria criar o novo regime. Rui, cuja ascendência ninguém disputava no
governo, e que exercia naturalmente, sem a procurar, pela maior capacidade
de trabalho, e pelo seu, extraordinário conjunto de aptidões, dá corpo às duas
idéias capitais do seu credo: a Federação e a Liberdade de Cultos: O decreto
da Federação é de 15 de novembro de 1889. O da Liberdade de Cultos de 7
de janeiro de 1890. (BARBOSA, 1929, p. 11).
Ao olhar as relações Igreja-Estado, a visão dele estava consubstanciada de propósito
ao discutir-se uma filosofia política e jurídica que indague se determinada concepção tem um
substrato justificatório pleno para estabelecer uma base normativa constitucional. Com efeito,
este olhar refletia o que posteriormente Jürgen Habermas (1929)
59
vai chamar de "nível
integrativo", onde as normas são elas próprias julgadas a partir de princípios. Nesta
perspectiva, a Constituição Republicana efetivaria o Estado Constitucional sob o referencial
de legitimidade, legalidade, igualdade de direitos e democracia. Por outro lado, o pano de
fundo do raciocínio jurídico-político da época era construir uma metódica constitucional
59
Habermas como filósofo contemporâneo com inserção nos vários campos do saber, defende que o poder
público recebe a delegação de manter o Estado Democrático de Direito com a legitimidade que lhe é atinente,
sem privilegiar grupos de interesses. Defende ainda que o poder de Estado não pode atuar sob a égide de
esferas metafísicas. (filosofia da linguagem).
131
consubstanciada no direito natural como pressuposto da justiça, onde a liberdade de crença e
consciência são expressões desse direito.
Seguindo essa metódica jurídica, Ruy e outros políticos juristas foram capazes de
validar uma conformação política, que, com efeito, acolheu um sistema de jurisdição
constitucional que contemplou a conexão: Estado livre, Estado democrático separado da
Igreja, com garantias das liberdades individuais e o livre exercício de quaisquer religiões ou
cultos.
Todo o projeto da Constituição de seu próprio punho, em dois dias. A pressa
era tal que o auxiliar de Rui. Rodolpho Tinoco, que foi incumbido de
caligrafar de seu punho, a nanquim, o texto constitucional que deveria ser
apresentado a assinatura de todo gabinete, teve de trabalhar
ininterruptamente durante 19 horas. “Ao acabar a tarefa, teve de ser
carregado, pois nem se podia erguer da cadeira com os músculos contraídos
eterizados por aquela posição forçada durante tão longo tempo”
(BARBOSA, 1929, p. 27).
Ruy, antes de revisar a Constituição Republicana, dava entrevistas nos jornais da
época, bem como usava do parlamento para defender abertamente a separação da Igreja com o
Estado. Para ele, o divórcio Igreja-Estado traria a libertação a todos os cidadãos. A liberdade
religiosa para ele seria necessariamente garantida na Constituição. Nesta perspectiva diz: "de
todas as liberdades sociais, nenhuma é tão congencial ao homem, e nobre, tão frutificativa, e
tão civilizadora, e tão pacífica, como a liberdade religiosa". (BARBOSA, 1929, p.262).
O laicismo do Estado foi a metódica adotada nas nações européias onde o Estado
Moderno já evidenciara uma nova dinâmica filosófica-constitucioanal. Foi nesta perspectiva,
que ao escrever sobre a questão religiosa, no prefácio ou introdução do livro de Ignaz Von
Dollinger, cognominado de "Janus" em "O Papa e o Concilio", diz:
A autonomia do Estado, no sei da civilização progressista e leiga do
ocidente, é, nas constituições políticas hodiernas, a idéia prima, a lei
fundamental. Acima dele não existe, não deve existir nenhum poder.
Existem sim, direitos eternos, inauferíveis, essenciais ao desenvolvimento
liberal do homem. [..] O catolicismo romano inverte, subverte essa noção
essencial do Estado, sua situação, suas funções, seus direitos. [..] No
132
entender dos liberais moderados, a Igreja e o Estado formam duas
sociedades completamente separadas, perfeitamente livres e independentes,
cada qual no circulo de seu domínio peculiar, o que exprimem com a
fórmula- a Igreja livre no Estado livre. [...] o fim do Estado não é de modo
nenhum submisso ao fim da Igreja; não tem o Estado que levar em conta a
religião dos súditos. Quando muito, poderá, em certos pontos, por amor da
paz, entrar com a Igreja em convenções livres, ajustando de igual a igual.
[...] por isso a sociedade espiritual, cumpre-lhe encerrar-se no círculo da
consciência interior, não podendo, enquanto ao exterior, lograr senão o seu
direito individual. Adotaram certos católicos esse liberalismo, e assumiram o
nome de católicos liberais. Dão de conselho à Igreja que renuncie a toda e
qualquer aliança com o Estado, e contente-se das suas forças naturais.
(BARBOSA, 1930, p. 133, 134, 158).
Neste livro traduzido para o português por Ruy, escreve um prefácio e introdução que
perfaz mais de 300 páginas (7-332). Esta parte do livro está consubstanciada as idéias
especificamente de Ruy quanto da incompetência do poder civil em querer legislar sobre
questões religiosas e da incompetência do poder religioso (Igreja) em querer intrometer-se em
questões do governo civil.
A incompetência do Estado soberano a civil quanto à organização interior da
sociedade religiosa é uma lei moral, eterna e indefectível; porque está na
própria natureza das coisas. Assumir o papel de reformador espiritual uma
autoridade instituída para zelar o equilíbrio do direito individual entre os
associados, manter a paz comum, e representante as demais entidades
análogas a integridade política do país;assumir aquele papel uma autoridade
criada para fins tão diversos, é exercer a sua missão, desnaturá-la, e,
portanto, induzi-la a decepções infalíveis. Um parlamento legislando sobre
teologia e cânones, ou uma igreja intrometendo-se na Constituição do
governo temporal, tem, nesse abuso mesmo, nessa infração da órbita natural,
um princípio de impotência invencível. (BARBOSA, 1930, p. 225).
O Estado Republicano pensado e defendido por Ruy, estava consubstanciado na
separação da Igreja do Estado, e isso como pressuposto do Estado Moderno já consolidado
nos países europeus e nos Estados Unidos da América. Este Estado seria baseado segundo
Ruy na legitimidade e na legalidade, via Constituição. Por outro lado, como aparelhos
ideológicos, o Estado seria liberal e progressista. Liberal por receber influência ingleza e
Americana, progressista por receber influência da filosofia comtiana. Nesta perspectiva diz:
É a república, a nosso ver, não é o bastão do marechal com um barrete frígio
no topo e um agitador de sentinela ao lado com a fraternidade escrita no
cano do fuzil; não é a convenção de um nome, servida alternativamente por
133
camarilhas condescendentes, ou revoltadas; não é nem o compadrio de
nossos amigos, nem a hostilidade aos nossos adversários. É a defesa da
autoridade e a sua fiscalização à luz dos princípios constitucionais. É o
direito de ter todas as opiniões e a obrigação de respeitar todas as
consciências. É o governo do povo pelo povo, subordinado às garantias da
liberdade, com que a constituição e o direito público universal limitam a
própria soberania popular. Eis a República, para cuja evolução queremos
cooperar, e de cuja consolidação nos poremos com todas as forças aos
perturbadores. Perturbar a república, porém, (fiquem definidos os termos)
não é censurar os que a aluem: é, pelo contrário, militar com os que a
defendem, pugnando com a lei contra os que a degradam. [...] Somos
legalistas acima de tudo e a despeito de tudo. O Governo, ou a oposição, não
têm para nós senão a cor da lei, que envolver o procedimento de um, ou as
pretensões da outra. Fora do terreno jurídico nossa inspiração procurará
beber sempre na ciência, nos exemplos liberais, no respeito às boas praxes
antigas, na simpatia pelas inovações benfazejas, conciliando, quanto
possível, o gênio da tradição inteligente com a prática do progresso
cauteloso. [..] Penetrar por todas essas relações da vida intelectual, no
coração de nossos compatriotas é o nosso sonho. Oxalá que um pouco de
realidade caia sobre ele, e o fecunde. (BARBOSA, Jornal do Brasil, 21 de
maio de 1893. Obras Seletas, vl. 7).
Ruy criticava o modelo simplista de práticas liberais e apregoava um espírito novo de
Estado com pressupostos jurídicos. No texto "O nosso rumo", diz:
Abrir, contra o convencionalismo da verdade oficial, mais uma válvula à
verdade sem compromissos, e estabelecer, fora do liberalismo partidário,
uma pequena escola de princípios liberais, — aí tende, em poucas palavras, o
modesto e difícil programa, que nos impomos. No meio da plêiade de
escritores consumados, que, cada manhã e cada tarde, se dirigem a esta
capital e ao país com tão vivo fulgor de talento, derramando luz sobre as
questões e os fatos, presunção fora não reconhecermos os embaraços da
nossa mediania, ou cobiçarmos os triunfos, que a vaidade doira das suas
estéreis satisfações. Mas entre os mais ilustres há de haver sempre um canto
para os mais humildes, quando o timbre destes consista em dedicar-se ao
bem e à justiça. A credulidade da ignorância em uma nação quase
analfabeta; as influências de um governo organizado em exploração dessa
credulidade; os hábitos de condescendência com a dissimulação, contraídos
pelo espírito público em meio século de autocracia disfarçada nessa
sobrecasca de formas constitucionais. (BARBOSA, Diário de Notícias.
Artigo-programa, de março de 1889, Obras Seletas, vl.6).
A proposição de Ruy, parte do pressuposto de um Estado Moderno, consubstanciado
na liberdade e no Estado Democrático de Direito. Contrapunha também às idéias radicais
134
positivistas mais exaltadas de consolidar a República, bem como a separação Igreja-Estado
por meios antidemocráticos
60
. Nesta perspectiva, se manifesta:
Ao escrevermos ontem, no artigo programa desta folha, o nosso apelo aos
conservadores brasileiros, isto é, aos republicanos constitucionais, porque
fora da república, atualmente, nada se descortina ao longe, de todos os lados,
senão a anarquia, ainda não conhecíamos a formação, com que nos acabam
de dotar, de um clube que responde no assento batismal pelo nome de
Jacobino, e cujo declarado objeto consiste em “sustentar a república por
todos os meios”. [...] e a instituição, de que se trata se dignasse adjetivar os
meios, contemplados no cálculo de seu civismo, com a qualificação de
legais, nada teríamos talvez que observar, conquanto para esses efeitos
pacíficos e normais não haja preparação menos consentânea do que as
tempestades de um clube no sentido francês, militante, revolucionário desta
palavra, o único em que os nossos políticos a conhecem. Mas, em tempos
que fizeram da lei uma exceção suspeita e perigosa, que não permitem
invocá-la seriamente, a não ser como recordação, epigrama, ou recurso para
o futuro, essa omissão não pode deixar de considerar-se intencional, ou de
representar, no espírito da cruzada que sob esses auspícios se anuncia a
ausência do sentimento, confortativo para nós outros, que a sua menção
exprimiria. Aliás, não se queira ver nestas reflexões propriamente censura
aos fundadores do novo baluarte. Sacrifícios não são obrigatórios.
(BARBOSA, Jornal do Brasil, 24 de maio de 1893. Obras Seletas, vl. 7).
Ruy Barbosa comenta a necessidade não somente de rompimento Igreja-Estado, bem
como a não validade de status ontológico de poder civil às nunciaturas
61
e aos bispados.
Perlustrando, há vinte anos, este tópico, num livro onde expunha em síntese
o conjunto das suas opiniões na questão religiosa e suas relações com a
liberdade, escreveu o diretor desta folha: “Outra conseqüência
palpavelmente lógica do regímen separatista (Igreja-Estado) seria a abolição
das nunciaturas, legações, embaixadas, de todas e quaisquer comunicações
oficiais, enfim, entre o Estado e a Cúria. Inaugurada a liberdade religiosa,
nas amplas proporções em que o espírito do direito nacional e o interesse
político a estão reclamando entre nós, a eliminação dessas anomalias
60
Para uma pesquisa mais abrangente do pensamento de Ruy Barbosa sobre a questão da liberdade de
consciência e do laicismo do Estado Brasileiro, ver: Ainda a verdade histórica acerca da instituição da
liberdade espiritual no Brasil bem como do conjuncto da organização republicana federal. in: A propósito das
afirmações do senhor Dr. Ruy Barbosa, a esse respeito, no discurso proferido no Senado Federal, a 20 de
novembro de 1912. Rio de Janeiro: doc. 322.1/124a, 1913, 100 pp. AZZI, Riolando. O Estado Leigo e o
Projeto Ultramontano. São Paulo: Paulus, 1994. BANDEIRA, Moniz. Presença dos Estados Unidos no Brasil.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1973. -BARBOSA, Ruy. O Papa e o Concílio, São Paulo: Saraiva,
1930. Carta da Inglaterra (Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro). Obras Seletas, vols. 6 e 7. Rio de Janeiro:
Biblioteca Nacional. BASBAUM, Leoncio. História Sincera da República. Rio de Janeiro: Livraria São José,
1957.
61
Nunciaturas, conhecidas também como Núncio Apostólico, é a representatividade do papado em quaisquer
país. O núncio Apostólico é o representante do papa num país, e goza as prerrogativas de representante do
Sumo pontífice (Chefe de Estado). Como diplomata, cumpre as funções correspondentes diante do governo da
nação, desempenhando ao mesmo tempo função pastoral em especial relação com o episcopado nacional. Nos
países onde o Vaticano não tem relações com os governos, às vezes o papa nomeia um representante, que
recebe o título de pró-núncio. (PEDRO, Aquilino. Dicionário de termos religiosos e afins, p.218).
135
anacrônicas seria um resultado suavemente natural da grande premissa.”
Mas, neste particular, o juízo da mocidade cedeu em nós à reflexão da idade
madura. Sem nos desviar dos nossos sentimentos liberais quanto às relações
entre a igreja e o estado. (BARBOSA, Imprensa, 14 de novembro de 1898.
Obras Seletas, vl.7).
Riolando Azzi (1994) defende que Ruy Barbosa era o grande líder das idéias
progressistas e propugnador do pensamento liberal. Nos dois primeiros anos da República, ele
foi o grande articulador de uma Constituição Republicana capaz de absorver o pensamento
inglês-americano, com um ranço de francesismo.
Durante os primeiros anos (da República), a burguesia industrial e as classes
médias, propugnadoras do pensamento liberal, tiveram certa força no
governo, tendo como seu grande líder Ruy Barbosa. [...] O pensamento
liberal, que havia inspirado no Brasil os movimentos de independência a
partir de fins do século XVIII e uma série de revoluções que se estenderam
pelas primeiras décadas do século XIX, voltou a ressurgir com força no país
a partir dos anos 70, (1870), sobretudo veiculado na idéia republicana.
(AZZI, 1994, p.9,15).
4.2 O Estado liberal e positivista
As bases ideológicas da separação Igreja-Estado foram: o positivismo comtiano e o
liberalismo inglês-americano.
No capítulo primeiro deste trabalho falou-se desses dois ideários quando do contexto
histórico em que ocorreu a separação Igreja-Estado, mas de maneira contextual históricas, em
que essas ideologias nasceram no Brasil e tiveram relações com grandes eventos e mudanças.
Agora se fala da relação direta destas com a República e a separação Estado-Igreja, como viés
ideológico.
O positivismo e o liberalismo são as duas faces de uma mesma moeda. Ambos
primavam pelo progresso intelectual e científico, adequando-os a um sistema de política
liberal-positiva capaz de ser incontestável como também não mais meramente conceitual. No
136
dizer de João Camilo Torres (1943), em sua obra sobre o "Positivismo no Brasil", "o
positivismo estava embebecido de ultra-liberalismo".Assim, os positivistas formulavam uma
nova concepção de Estado, a qual é a mesma reivindicada pelos liberais, ou seja, um Estado
forte desvencilhado de qualquer culto.
O pensamento político e filosófico do fim do império, especificamente a partir de
1850, favoreceu o divórcio da Igreja com o Estado e a implantação da República. Na opinião
de Leôncio Basbaum (1957), a própria visão política e intelectual do governo imperial
favorecera os ideais republicanos, bem como a implantação de um Estado laico. Daí, a
questão política avança mais no Império, quando o Partido liberal e Republicano se une em
torno da criação da República, a qual veio consolidar embora que formal e juridicamente a
separação da Igreja do Estado.
A formação do ideário para o novo Estado Republicano era o liberalismo inglês e
americano e o positivismo comtiano. A influência do pensamento liberal lockeano, e depois a
conformação positivista comtiana, o primeiro na Inglaterra, e o segundo na França,
influenciara os líderes liberais republicanos, os quais apregoaram um novo modelo de Estado,
não mais com a sanção da religião, mas no racionalismo e no liberalismo, produtos do
movimento renascentista-iluminista transplantados para esta terra. Tais perspectivas
modelavam a formação de um Estado laico. Nabuco de Araújo e Ruy Babosa, respeitados
juristas, propagavam um Estado laico, desvinculado de quaisquer cultos e religiões. Estes
como muitos outros intelectuais liberais e positivistas, eram sensíveis às correntes literárias da
Europa, e às idéias filosóficas, incluindo a dos enciclopedistas e constitucionalistas.
O Estado liberal parte do homem natural, que é um cidadão cívico e pelo raciocínio
cria um Estado como sendo a sociedade juridicamente organizada. O regime liberal não está
preocupado com a moral espiritual e sim com a organização da sociedade exclusivamente no
sentido jurídico-político. Por outro lado, o ideário liberal estava recheado de pressupostos
137
fundamentais do direito natural especialmente da teoria de John Locke. No século XVI, o
filósofo inglês John Locke e os defensores da causa republicana inglesa, em favor de uma
teoria de governo pelo consentimento davam-lhe por fundamento a filosofia do direito natural.
Na teoria de Locke os homens são iguais, não porque são livres. Mas são livres porque são
iguais em sua humanidade e ninguém está autorizado a destruir uns aos outros “em sua vida,
saúde, liberdade e posses”. Essa filosofia que inunda o século de luzes. Ela é a mesma que
animou os americanos e inspirou sua Declaração de Independência
O Estado no modelo liberal, não pode consentir na união da Igreja-Estado, pois na
dinâmica liberal pura, qualquer cidadão pode exercer seu direito de culto, sem o embargo
decreto ou ajuda do Estado. Neste sentido, o Estado é um ente agnóstico, ou seja, não tem e
não pode ter religião. Não pode legislar sobre religião ou matéria religiosa. Prima pela
separação das duas esferas, pois seu agnosticismo é decorrente não só do regime político, mas
de sua essência filosófica. Nesta perspectiva, o liberalismo estatal deve manter a neutralidade
das religiões, ao mesmo tempo em que não pode impedir ou transigir a difusão delas por
decreto ou por força pública. O ethos do Estado liberal, portanto em matéria de religião é a
imparcialidade. Dessa forma, no liberalismo o Estado cuida tão-somente da democracia na
ordem moral e jurídica, traduzindo-a na igualdade absoluta de direitos e deveres do cidadão.
A influência do liberalismo inglês e americano desenvolveu-se no Brasil em uma
tendência liberal de muitas mentalidades políticas e religiosas. Os ingleses e americanos como
arautos do progresso e do desenvolvimento, já a muito, ou seja, desde o Tratado do Comércio
em 1810 encontravam-se no País, e não eram católicos. Os políticos brasileiros entendiam que
era necessário atrair mais imigrantes especialmente ingleses, alemães e americanos mais
liberais, para que pudessem ajudar no progresso da nação. Eles eram liberais e até mesmo
protestantes. Sendo assim, deveria conceder-lhes certos direitos. Isso se tornou muito claro no
pronunciamento do Imperador, na fala do trono em 1860, em que promete realizar as
138
transformações necessárias na legislação para benefício dos imigrantes. Entretanto, desde
1808 que data a chegada da família real ao Brasil já havia esta disposição de implantação de
um Estado liberal. Neste período, tem-se o liberalismo da segunda fase, visto que a primeira
fora as revoluções como: a inconfidência mineira e a conjuração baiana, as quais foram
discutidas no primeiro capítulo.
Vieira (1980, p. 39) destaca que:
A segunda fase do liberalismo brasileiro (século XIX) foi influenciada pelo
pensamento liberal inglês, como seria natural, em face da tremenda
influência inglesa sobre Portugal e Brasil, influência essa tanto econômica
como militar e política. Esse período começou cerca de 1810, depois que a
corte portuguesa refugiou-se no Brasil e abriu os portos do país ao comercio
internacional. [...] Não somente as idéias liberais, as mercadorias inglesas,
como o sistema inglês do bipartidarismo e o parlamentarismo foram todos
importados para o Brasil e aceitos como a última criação da sabedoria
humana.
Quando o movimento liberal-republicano ganhou força, logo lança no Rio de Janeiro
em 03 de dezembro de 1870 "O Manifesto Republicano", texto escrito e revisado por Quintino
Bocaiúva:
[...] As armas da discussão, os instrumentos pacíficos da liberdade, a
revolução moral, os amplos meios do direito posto ao serviço de uma
convicção sincera bastam, no nosso entender, para a vitória da nossa causa,
que é a causa do progresso e da grandeza da nossa Pátria. [...] Neste país,
que se presume constitucional e onde só deveriam ter ação poderes
delegados, responsáveis, acontece, por defeito do sistema, que só há um
poder ativo, onímodo, onipotente, perpétuo, superior à lei e à opinião, e esse
é justamente o poder sagrado, inviolável, e irresponsável. O privilégio, em
todas as suas relações com a sociedade- tal é a síntese, a fórmula social e
política do nosso país- privilégio de posição, isto é, todas as distinções
arbitrárias e odiosas que criam no seio da sociedade civil e política a
monstruosa superioridade de um sobre todos ou de alguns sobre muitos. [...]
A liberdade de consciência nulificada por uma igreja privilegiada; a
liberdade econômica suprimida por uma legislação restritiva; a liberdade de
imprensa subordinada à jurisdição do governo; a liberdade de associação
dependente do beneplácito do poder; a liberdade de ensino suprimida pela
inspeção arbitrária do governo e pelo monopólio oficial [...] tais são
praticamente as condições reais do atual sistema do governo. (SILVA, 1962,
p.223-233).
139
Numa crítica ao poder soberano do Imperador, bem como ao seu status de poder
divinamente instituído, diz o Manifesto:
Ora, admitir a igualdade do poder divino ao humano, é de difícil
compreensão. [...] Quando a teocracia asiática tinha um ungido do Senhor,
ou as hordas da média idade aclamavam um rei, carregando-o triunfalmente
depois de uma vitória, esse reconhecimento solene do direito da força era
lógico; quando pelo mesmo princípio a monarquia se unia às comuna, para
derrocar o feudalismo, o despotismo monárquico era lógico também. Mas
depois da emancipação dos povos e da consagração da força do direito, o
que é lógico é o desaparecimento de todo princípio caduco. [...] Para que um
governo seja representativo, todos os poderes devem ser delegados da
Nação, e não podendo haver um direito contra outro direito, segundo a
expressão de Bossuet, a monarquia temperada é uma ficção sem realidade. A
soberania nacional só pode existir, só pode ser reconhecida e praticada em
uma nação cujo parlamento, eleito pela participação de todos os cidadãos,
[...] desde que existe em qualquer constituição um elemento de coação ao
princípio da liberdade democrática, a soberania nacional está violada.[...] Em
tais condições pode o Brasil considerar-se um país isolado, não só da
América, mas do mundo. O nosso esforço dirige-se a suprimir este estado de
coisas, pondo-nos em contato fraternal com todos os povos e em
solidariedade democrática com o continente de que fazemos parte (SILVA,
1962, p. 245-249).
A partir de 1868 havia três grupos liberais no Brasil: os históricos, os progressistas e
os radicais. Em 1870 com a criação do Partido Republicano, agregaram em suas fileiras os
três grupos, e dessa forma cresceu ainda mais a oposição à Igreja que estava internamente
enfraquecida, e, ainda mais por razão de bispos e padres liberais aderirem à campanha de
separação Igreja-Estado.
Os ideais liberais no Brasil, segundo o professor Cruz Costa (1956), na sua obra
"Contribuição à História das Idéias no Brasil" ficou mais fortalecido com a chegada da
família real e dos primeiros imigrantes ingleses e alemães. Ademais, as Escolas criadas por D.
João VI, de Direito em Olinda e São Paulo e a Academia Militar do Rio de Janeiro, começou
nos seus primeiros anos com uma forte tendência liberal, pois os seus instrutores e mestres
eram quase todos desta ideologia. Com isso, a herança católica e escolástica jesuítica foi
perdendo sua hegemonia. Os intelectuais professores eram sensíveis às correntes literárias da
140
Europa, especialmente dos liberais que incluía no substrato de seu pensamento o Estado livre
e laico.
[...] às escolas de preparação profissional, instituídas por D. João VI,
acrescentou o Primeiro Império os dois cursos de ciências jurídicas e sociais,
que foram instalados em São Paulo, no Convento de São Francisco e em
Olinda, no mosteiro de São Bento. Essas duas escolas, nascidas à sombra de
dois conventos, vão substituir por mais de um século uma instituição que
virá a coordenar o saber, como é a Universidade. (Universidade laica)
62
Será
nesses estabelecimentos que irá ecoar - o debate filosófico e literário que se
travava em terras longínquas (COSTA, 1956, p.79).
O liberalismo inglês e americano foi reconhecido no Brasil e denominado de “a nova
escola doutrinária anglo-saxônica”, título dado por Tavares Bastos
63
.
A nova escola liberal
64
recebera a influência direta de Adam Smith, Jeremy Bentham
John Stuart Mill e Herbert Spencer. O pensamento destes autores não se limitava apenas a
questões econômicas sociais, mas filosóficas. Aliás, a concepção destes autores era que o
liberalismo, como filosofia política, assegurava não somente a liberdade do comércio e da
indústria, mas as liberdades individuais, e o Estado sob esse regime deveriam assegurá-la.
Para esses liberais ingleses a melhor garantia de uma ordem religiosa liberal encontrar-
se-á quando o Estado não estiver enfeudado a uma igreja e sobre todas exerça seu domínio.
Para eles, a autoridade do Estado sobre os assuntos da religião é como em Locke, compatível
com o liberalismo que respeita os direitos do cidadão. Nesta perspectiva, o governo secular
deve dedicar-se unicamente aos assuntos deste mundo, não tem poder em matéria de religião,
62
( ) Grifo meu
63
Aureliano Cândido Tavares Bastos conhecido como “apóstolo do progresso” do Brasil tinha uma admiração
irrestrita pelos Estados Unidos da América e pelas coisas americanas. Tornou-se patrocinador das imigrações
inglesa e alemã, e defendia quaisquer que fossem as medidas que ajudassem as mesmas, tais como melhores
meios de transporte internacional, casamento civil e liberdade de culto. Tavares Bastos foi quem defendeu o
projeto americano da Amazônia para os negros americanos, ver: Luz, Nícia Vilele, A Amazônia para os Negros
Americanos. Rio de Janeiro: Saga, 1968. (para compreender de forma mais abrangente a obra deve ver o
prefácio da mesma, feita pelo professor Sergio Buarque de Holanda. Sobre Tavares Bastos pode ver ainda:
VIEIRA, David Gueiros. O Protestantismo, a Maçonaria e a Questão religiosa no Brasil, 1980. In;páginas, 95
a 112).
64
Esta “nova escola” refere-se aos herdeiros da velha escola liberal, especialmete de John Locke, especialmente
em suas obras: Question: whether the Civill Magistrate may lawfully impose determine the use of indefferent
things inreference to religious worship. (1660, Boddeian Lbrary); Na magistratus civilis possit res adiaphoras
in divini cultus ritus asciscere eosque populo imponere? Affirmatur. (1661, Boldleian Library).
141
e a igreja não tem outra função além da religiosa. Para os liberais, toda confusão entre a Igreja
e o Estado para impor uma fé é tão infame como a própria perseguição. Foi nesta perspectiva
liberal que ficou conhecida a expressão: “Religião de Estado, perturbação no Estado”.
Tavares Bastos expressava idéias semelhantes nas suas “Cartas do Solitário”, e tivera
o apoio dos liberais. Ele estava apaixonado especialmente com as idéias de John Stuart Mill,
quando desenvolveu o argumento: “a única razão que o Estado tem para restringir o
indivíduo, visa impedi-lo de infringir a liberdade de outro. Nesta perspectiva, Tavares
Bastos sustentava a opinião quanto à questão Igreja-Estado, de que deveria acabar com seis
privilégios, a saber:
(1) de ser a única religião sustentada pelo Estado; (2) de ser exigido que fosse a
religião de todos representantes da nação; (3) de ser parte do juramento político religioso
exigido de todos os funcionários; (4) de ser livre para banir o casamento civil do país; (5) de
ser a única Igreja com locais de adoração com forma exterior de templos; (6) de ser a única
igreja livre para efetuar culto público. Tais idéias foram absorvidas pelo Partido liberal e
depois pelo Clube da Reforma que deu origem ao Partido Republicano.
Assim, o liberalismo influenciou de forma categórica a política brasileira no limiar da
República e conseqüentemente na separação Igreja-Estado.
O positivismo francês predominou não somente nos partidos como também nos
debates filosóficos das escolas de direito de São Paulo e de Olinda, e na Escola Militar do Rio
de Janeiro, celeiros da maioria dos políticos da primeira República.
A fundação do Apostolado positivista do Brasil
65
, no Rio de Janeiro, em 1881, por
Raimundo Teixeira Mendes e Miguel Lemos, permitira a divulgação desse pensamento, com
65
APOSTOLADO POSITIVISTA DO BRASIL. Ainda a verdade histórica acerca da instituição da liberdade
espiritual no Brasil bem como do conjuncto da organização republicana federal. in: A propósito das afirmações
do senhor Dr. Ruy Barbosa, a esse respeito, no discurso proferido no Senado Federal, a 20 de novembro de
1912. Rio de Janeiro: doc. 322.1/124a, 1913, 100pp. GONÇALVES, C. Torres. A Separação das Igrejas do
142
influência, sobretudo entre os intelectuais da Capital Federal, onde no centro positivista reunia
médicos, engenheiros, advogados e militares, os últimos vieram a ser os arautos da
Proclamação da República.
Mendonça (1995) demonstra que a ideologia positivista calcada no progressismo, veio
a engendrar de forma significativa com os anseios liberais da intelectualidade brasileira. Por
outro lado, havia um desejo muito forte de intelectuais e políticos ao progressismo implantado
nos EUA, bem como o interesse de seu modelo político, econômico e cultural, identificando-
se com a nova concepção de Estado Moderno consubstanciado nos ideais republicanos e
liberais norte-americanos.
Mendonça (1995, p.136), assevera que:
Alguns políticos e intelectuais liberais e positivistas como Tavares Bastos,
Ruy Barbosa, Abreu Lima e, quem sabe, até o imperador, certo nível de
interesse em mudanças que seguramente não foi o religioso. Ele se deu no
plano intelectual, político e ideológico, em voga no momento.
A doutrina filosófica de Augusto Comte empolgava a todos os pensadores e políticos
brasileiros, especialmente políticos que participavam do clube positivista do Rio de Janeiro,
então Capital Federal. Quintino Bocayuva e Benjamin Constant
66
, politicamente foram os
propagandistas do positivismo. Entretanto, os dois não pregavam o regime republicano
ditatorial de Comte. Especialmente Quintino Bocayuva numa conferência realizada no Teatro
São Luis, tinha no seu temário “O casamento civil e a Igreja livre no Estado livre”. Na
Assembléia geral do Partido Republicano em 15 de agosto de 1881, contava também com esta
temática.
Tanto do ponto de vista religioso como filosófico, a base da República brasileira foi o
positivismo. O comtismo era profundamente diverso tanto do protestantismo como do
Estado: a propósito de perseguições à Igreja Católica na Argentina. Rio de Janeiro: F/IP-89, 1955, 23pp.
LEMOS, Miguel. Concurso para o Livre Sustento do Culto Católico. Rio de Janeiro: F/IP-206, 1892, 7pp.
143
catolicismo, porém com sua crença no progresso e na evolução intelectual e científica do
homem e da sociedade, apresentava aparentes afinidades com o protestantismo, e
imediatamente aprovaram-se leis como as do casamento civil e da separação Igreja-Estado.
O positivismo exerceu grande influência na formação do Estado Republicano, e
expandiu-se ainda mais com a publicação da obra “Cartas Sertanejas” de autoria de Miguel
Vieira Ferreira
67
. Esta obra expressava plenamente as idéias comtianas, e serviu como
referencial teórico de forte expressão para o país caminhar rumo ao Estado laico.
Abordou-se panoramicamente na seção 2, mas foi reservada a quarta seção para
discutir de forma abrangente, pois foi ele em conexão com o liberalismo político que
implantou a República e a separação Igreja-Estado. Ainda dentro do positivismo, acredita-se
que seu aspecto religioso “Religião da Humanidade” é de fundamental importância.
A Religião da Humanidade, que é a vertente religiosa da filosofia positivista é
considerada essencial, por ser uma força eminente na vida e no pensamento dos republicanos.
Esta vertente exigia não apenas o fim do Império, mas uma outra proposta bastante séria se
verificou quando reivindicaram o laicismo do Estado e a substituição de todos os credos por
sua religião do progresso.
A agenda positivista era bastante liberal e o laicismo do Estado era uma bandeira
levada a rigor das asseverações de Teixeira Mendes e Miguel Lemos. Benjamin Constant,
possuindo uma pedagogia e um pensamento político grandemente influenciado por essa
66
Para saber melhor sobre Bejamin Constant e sua relação com o positivismo, ver: Raimundo Teixeira Mendes,
Bejamin Constant: Esboço de uma apreciação da vida e da obra do Fundador da República Brasileira. 2ª ed..
Rio de Janeiro: Tipografia Leuzinper, 1913, pp.41-149 e 209-210.
67
Miguel Vieira Ferreira (1837-1895) foi um republicano e positivista convicto. Em 1875 aderiu à Igreja
Presbiteriana do Rio de Janeiro e depois na Igreja fundada por ele mesmo, igreja Evangélica Brasileira, onde
permaneceu até sua morte. Escreveu várias obras e opúsculos na linha defendendo a liberdade de consciência.
Dentre as suas obras merece destaque: “O Cristo no Júri”, escrita em 1890 e editada em 1891, a qual defendia
a liberdade de consciência, baseada no argumento do Brasil ser uma nação laica. (FERREIRA, Miguel Vieira.
O Cristo no Júri: Liberdade de Consciência. São Paulo: Oficinas Gráficas de Saraiva, Reimpresso, 1957.). Ver
ainda Miguel Lemos “A Propósito da Questão do Cristo no Juri”. Artigos episódicos publicados durante o ano
de 1892 e primeiro semestre de 1893. Rio de Janeiro: F/IP-243, 1894, 15pp.
144
filosofia, atira-se na política e constrói, juntamente com outros grandes líderes a República
Brasileira e a separação Igreja-Estado
68
.
O Estado na concepção positivista deveria adaptar-se às mudanças da sociedade, pois
ele é tão-somente a expressão dela. Não pode existir um Estado que não siga o dinamismo da
sociedade. No positivismo, o Estado é dinâmico ao mesmo tempo em que não é absoluto.
Finalmente, no estado positivo, o espírito humano reconhecendo a
impossibilidade de obter noções absolutas, renuncia a procurar a origem e
destino do universo, e a conhecer as causas íntimas dos fenômenos, para se
entregar unicamente a descobrir. Pelo uso do bem combinado do raciocínio e
da observação, as suas leis efetivas, isto é, as relações invariáveis de
sucessão e de semelhança. (Alguns conceitos de Augusto Comte, In
Impor/Ônda da Filosofia Positiva, Lisboa, Editorial Inquérito, s/ed., 1939, p.
20).
A Carta do Comitê Central Pró-Estado laico, proposta pelos positivistas a princípio,
centraliza a vontade e as idéias de livres-pensadores, que defendiam a difusão dos ideais de
restauração nacional tendo um caráter absolutamente laico. Junto com os positivistas aderiram
protestantes e maçons que formaram Comitês Regionais. Segundo Becker (1931) eles
entediam que a separação Igreja-Estado seria a única forma de implantar o laicismo e
consolidar o estado moderno. Tomaram parte representes de todas as crenças e ideologias:
médicos; advogados, engenheiros, farmacêuticos, lavradores, industriais e operários. O Centro
positivista na sua Nona Circular Anual, para uma organização ditatorial da República, e a
Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, de autoria de Júlio de Castilhos, Diz:
(1) Conservação da ditadura Republicana surgida a 15 de Novembro; [...] (4)
a nova constituição deveria combinar o princípio da ditadura republicana
com a mais completa liberdade espiritual. [...] b) separação da igreja do
Estado, supressão do ensino oficial, salvo a instrução primária, plena
liberdade de reunião e discussão, sob a única condição da assinatura dos
escritores, e liberdade completa profissional mediante a abolição de todos os
privilégios científicos, técnicos e industriais.
68
Para uma pesquisa mais abrangente sobre as idéias políticas e o substrato ideológico do positivismo, ver:
TOUCHARD, J.. Histoire des Idées Politiques. Paris: PUF, 1959.
145
O positivismo e o liberalismo são as duas faces de uma mesma moeda. Ambos
primavam pelo progresso intelectual e científico, adequando-os a um sistema de política
liberal-positiva capaz de ser incontestável como também não mais meramente conceitual. No
dizer de João Camilo Torres (1943), em sua obra sobre o "Positivismo no Brasil", "o
positivismo estava embebecido de ultra-liberalismo". Assim, os positivistas formulavam uma
nova concepção de Estado, a qual é a mesma reivindicada pelos liberais, ou seja, um Estado
forte. O lema e a prática positivista presentes na instalação da República Brasileira, foram
indispensáveis para consolidar o Estado separado da Igreja
69
.
A proposição de teoria de Estado no corolário jurídico liberal-positivista, a partir do
final do século XIX, buscou uma metodologia Constitucional, fundamentando a
argumentação em construções mais do que conceituais. Os positivistas políticos e jurídicos
abriram a possibilidade de conhecimento mais profundo e mais concreto do Estado. Nesta
perspectiva positivista-jurídica-política, o Estado é um ser real, uma coletividade social, uma
comunidade criada pela ordem jurídica nacional, consubstanciada em princípios fundamentais
que conformam o ordenamento jurídico, a forma e a estrutura dele e do governo. Essa tese
está basicamente fundada, sobretudo na proposta iluminista do direito natural, o qual é o
substrato do próprio liberalismo no seu nascedouro. Ademais, o caráter de um Estado laico,
arreligioso era considerado pelos positivistas como premissa do regime da modernidade, ou
seja, do progresso.
69
Após a proclamação da República, houve desdobramentos na questão da consolidação do Estado laico, pois o
dispositivo Constitucional não estava plenamente respeitado. Ver: LEMOS, Miguel. Concurso para o Livre
Sustento do Culto Católico. Rio de Janeiro: F/IP-206, 1892, 7pp; O Projeto do Casamento Civil, in: Carta a S.
Ex. o Sr. Ministro do Império. Rio de Janeiro: F/IP-235, 1887, 15pp; Casamento Civil. Rio de Janeiro: F/IP-
298, 1893, 8 pp; Representação à Câmara dos Deputados contra um Projeto de Lei Restritivo da Liberdade
Religiosa. Rio de Janeiro: F/IP-369, 1893, 12pp. MENDES, R. Teixeira. Ainda em Defesa da Separação entre
o Poder Espiritual e o Poder Temporal, Base da Verdadeira Política Republicana Moderna e Condição
Primeira da Regeneração Social. Rio de Janeiro: F/IP-15, 1911, 16pp. Ainda pela Separação entre o poder
Temporal e o poder Espiritual. Rio de Janeiro: F/IP-39, 1912, 7pp. Ainda em Defesa da Divisão entre o Poder
Temporal e a Autoridade Espiritual. Rio de Janeiro: F/IP-350, 1919, 43pp. A Dignidade do Poder Espiritual,
sua Independência em Relação ao Poder Temporal, Segundo as exigências da Regeneração Social. Rio de
Janeiro: F/IP-97, 1907, 7pp. Ainda pela Liberdade Espiritual: apreciação da conduta que deve ter o governo
146
Quintino Bocayuva, considerado como o patriarca da República, bebeu nas fontes da
filosofia liberal-positivista. Diferente dos ideais dos principais apóstolos do positivismo que
pregavam o regime republicano ditatorial, Quintino esposava as idéias liberais-democráticas.
Dele, registra-se:
Quintino foi um filósofo e um sociólogo consumado. Na época de suas
especulações filosóficas, em que a doutrina de Augusto Comte empolgava a
todos os pensadores, Quintino era simpático á filosofia positiva. [...]
Embora sem filiação filosófica definida, o fato é que Quintino era um
sociólogo inspirado diretamente no espetáculo da vida real do meio, mas em
quem as urgências da prática nunca adormeceram o filósofo e o moralista.
Em uma de suas incursões nos domínios da sociologia, em que dissertou, em
uma conferência pública realizada em 17 de julho de 1870, sobre as
instituições e os povos, Quintino demonstrou ter uma visão sociológica
realista. [...] Nesta conferência realizada no Teatro São Luís, foi
desenvolvida o seguinte temário: [...] O casamento Civil e a Igreja livre no
Estado livre; Anúncio oportuno -tendência da mocidade do nosso tempo para
o celibato e o perigo dessa tendência. (SILVA, 1962, p.74-76).
Foi nesta conferência que incontestavelmente, teceu críticas ao modelo da sociedade
brasileira da época, evocando o idealismo das nações européias que já desenvolviam um
espírito liberal-desenvolvimentista calcadas na filosofia política liberal e positivista. Ademais,
junto com Aristides Lobo e Benjamin Constant, conferenciavam com os militares e a
intelectualidade brasileira, da necessidade do Brasil consolidar por meio da República este
ideário, na lei, ou seja, numa futura Constituição Republicana.
A Escola Militar do Rio de Janeiro permitiu uma grande abertura para os ideais
liberais-positivistas. Criadas por D. João VI, quando o Brasil passou a ser Reino Unido de
Portugal, a Escola Militar, que compreendia: Escola Real Militar e a Academia Real da
Marinha eram destinadas a formar engenheiros civis e oficiais para as Forças Armadas.
em relação aos bens que se acham na posse do clero católico em geral, e especialmente das ordens
monásticas. Rio de Janeiro: F/IP-288, 1903, 15pp.
147
O ideário liberal-positivista entrou na Escola Militar a partir do momento que assume
a cadeira de professor catedrático Benjamim Constant
70
. Ele traz as idéias de Augusto
Comte
71
, e difunde na Escola Militar, depois de uma conferência realizada no Instituto dos
Cegos, onde morava, em 1871. Benjamim Constant, além de oficial do Exército, era professor
na Escola Militar na qual gozava de certo prestígio. Dessa forma, a Escola Militar se tornava
um celeiro de defensores do positivismo e do liberalismo político. Os alunos oficiais e os
oficiais depois de formados se aprofundam no estudo do positivismo e do liberalismo político,
reunindo-se em clubes, onde discutiam os rumos do país. Na Escola Militar, havia o propósito
de modificar a forma de recrutamento, tornando o serviço militar obrigatório, como também
aberto a negros e a mestiços.
70
Benjamin Constant foi o principal representante político do comtismo no Brasil. Ver: SILVA, Wilsom Santana.
Benjamin Constant: filósofo, republicano e educador. In: Dissertação de Mestrado em Ciências da Religião-
UMESP, 1998.
71
Augusto Comte (1789-1857), ou lsidore Auguste Marie Xavier Comte. Estudou no liceu de sua cidade natal e
na Escola Politécnica de Paris, onde foi admitido antes da idade legal, sendo mais~tarde expulso com alguns
companheiros de curso por suas idéias ultrademocráticas. É o pai do positivismo. De 1830 a 1842 Comte
ofereceu um curso de filosofia positiva, fazendo um contraponto ao iluminismo simplista e ao liberalismo
individualista. Entre outras coisas, diz-se que inventou o termo "sociologia". Depois de estudar em
Paris,começou a dar aulas de matemática e filosofia. Era também ferrenho defensor do regime republicano,
contrariando sua família que defendia a monarquia. Em 1852, cinco anos antes da sua morte, elaborou o
"Catecismo de religião positiva", que idealizava uma espécie de (Religião da Humanidade), como ficou
conhecida pelos neocomteanos. As obras capitais em que Comte desenvolve larga e metodicamente o seu
pensamento são: Curso de Filosofia Positiva, em seis volumes (1830-1842), Discurso preliminar sobre o
espírito positivo (1844) e Sistema de política positiva ou Tratado de sociologia instituindo a religião da
humanidade, em quatro volumes (1851-1854). Enquanto nas duas primeiras obras Comte estabelece a
coordenação científica de sua filosofia, com o objetivo de "descobrir e demonstrar as leis do progresso", no
Sistema ele desenvolve e tira as conseqüências das leis sociais estabelecidas no Curso e no Discurso, e erige o
sistema político-religioso para reformar a sociedade. O conjunto de suas concepções filosóficas é produto
direto de sua época. Augusto Comte procurou acabar com as eternas investigações sobre o incognoscível, e,
voltando-se para o mundo real, criou nele seu vasto campo de estudo e de observação para restabelecer e
realizar um programa universal, que regulamentasse e regenerasse a vida humana, tanto privada como pública.
Influenciado pelo progresso contínuo das ciências, Comte concebeu para a filosofia um novo papel, ao mesmo
tempo em que um novo objeto, a par de uma ampla crítica do conhecimento, diversa das concepções
dominantes até ele, quer fosse o ontologismo de Aristóteles, ou dos pensadores medievais, ou o racionalismo
dos modernos, de todos os sistemas, enfim, que davam como possível o conhecimento do absoluto pela razão
humana. Doutrinava, assim, que o que é possível conhecer são unicamente os fenômenos e as suas relações,
não a sua essência, as suas causas íntimas, quer eficiente quer final. Estas permanecem impenetráveis,
desconhecidas, pois é impossível alcançar-se noções absolutas. Toda a sua obra é, portanto, uma tentativa de
síntese geral dos conhecimentos de seu tempo, cujo programa fundamentara unificar as duas culturas - a
humanística e a científica num novo humanismo, fundado na ciência; uma ciência capaz de redescobrir e
reavaliar a exigência humana, conferindo-lhe um significado de valor universal. Humanidade, ciência, síntese e
fé constituem a essência do pensamento comtiano. Daí a força atrativa do positivismo que ainda perdura como
concepção filosófica, especialmente no que respeita à crítica do conhecimento.
148
A Escola Militar a partir deste período passa a predominar o liberalismo político e o
positivismo comteano. O primeiro lutava pela liberdade e igualdade como meta suprema, o
segundo pela autoridade disciplinadora e o progresso científico. Nesta perspectiva, a Escola
Militar pela sua força de ação, se tornava o bloco de sustentação do ideário liberal-positivista,
que mais tarde sustentaria a implantação definitiva da República, bem como a separação da
Igreja do Estado.
O positivismo postulava o progresso ininterrupto baseado no domínio técnico e
científico. Afirmava que todos os homens foram criados iguais e que são dotados de certos
direitos inalienáveis, entre os quais o direito à vida, à liberdade e à busca da felicidade e do
progresso. E para proteção desses direitos, o Estado deveria ordenar as relações sociais, e sua
autoridade legítima repousa no consentimento dos governados. Assim, os positivistas
formulavam uma nova concepção de Estado, a qual é a mesma reivindicada pelos liberais, ou
seja, um Estado forte. O lema e a prática positivista presentes na instalação da República
Brasileira, foram indispensáveis para consolidar o Estado separado da Igreja
72
.
Paim (1982) relata que o Governo Provisório é Influenciado plenamente pelo ideário
positivista. Assim diz:
Foi realmente a influência do Apostolado Positivista no Governo Provisório,
como é testemunhado pela própria direção do Apostolado e pela crítica
histórica. A presença da Igreja Positivista no Governo Provisório se deve ao
do :Ministro da Agricultura Demétrio Ribeiro (1855-1931). "Através desse
ministro o Apostolado logrou encaminhar e ver aprovadas diversas
proposições, algumas de menor alcance - o desenho da bandeira, a forma de
saudação nos documentos oficiais etc. E mais outras de grandes
conseqüências, como é o caso da separação da Igreja do Estado que, se bem
correspondesse a uma aspiração real da intelectualidade e de significativas
parcelas das correntes políticas, deve ser creditada à iniciativa positivista.
Tais eventos serviram para exagerar a influência do Apostolado no novo
regime. (PAIM, 1982, p. 7-8).
72
Para uma pesquisa sobre a influência positivista, ver: MENDONÇA, Geonisio C. de. Os Positivistas na
Fundação da República. Rio de Janeiro: F/IP-34, 1937, 4 pp.
149
Os apóstolos positivistas
73
tiveram um papel fundamental na nova Constituição.
Cruz Costa (1956) ao escrever “Contribuição à História das Idéias no Brasil”, ressalta
a influência do apostolado positivista na elaboração da nova Constituição Republicana. Para
ele, o positivismo aplicou as teses dogmáticas do comtismo não somente no aparelho
ideológico de Estado criando a República, mas na criação do Estado leigo, criando até mesmo
uma liga de intelectuais do período para discutir o assunto.
Falando sobre isso via Costa (1956) e Paim (1982), apud Silva (1998, p. 113):
A inspiração no dogma comtiano é o ponto, que ressalta nos seguintes
documentos do Apostolado Positivista produzidos em 1890 e 1891: Décima
Circular Anual redigida por Miguel Lemos, Bases de uma Constituição
ditatorial federativa para a República brasileira, representação enviada ao
Congresso Nacional propondo modificações no projeto de Constituição
apresentado pelo Governo e Undécima Circular Anual. [...] Segundo
frisaram Miguel Lemos e Teixeira Mendes, na elaboração das ''Bases de uma
constituição política federativa para a República Brasileira" eles inspiraram-
se na obra de Comte posterior a 1848. "Neste trabalho procuramos aproveitar
todas as idéias de Augusto Comte sobre a organização política adequada à
fase inicial da transição moderna, e que se acham principalmente
consignadas no 5° capítulo da Política Positivista, no Apelo aos
Conservadores, nos projetos constitucionais elaborados,. sob sua inspiração,
de 1848 a 1850, pela Sociedade Positivista de Paris, nas circulares anuais, e,
finalmente, nas cartas escritas aos seus discípulos até agora publicadas.
73
Apóstolos positivistas são assim denominados aqueles que difundiram as idéias de Comte no Brasil, fundando
aqui a Igreja Positivista. Igreja Positivista do Brasil. O amor por princípio e a ordem por base; o progresso por
fim. - Fundada em 19 de César de 93 -11 de maio de 1881 por Miguel Lemos, está localizada à Rua Benjamin
Constant, 74, Rio de Janeiro. Sua sede, também é conhecida como Templo da Humanidade, foi o primeiro
edifício construído, no mundo, para difundir a Religião da Humanidade. Apregoavam estes apóstolos: “O
catolicismo é o regresso social e está tão morta na alma nacional como a monarquia, e se já não desapareceu
como esta, é porque ainda não surgiu o sacerdócio científico que é digno de receber e promover a gloriosa
herança do progresso e da liberdade”. Na Circular Anual-logo após a proclamação da República-1891, diz: O
Poder Temporal é o Estado, que é a representação jurídica da sociedade; II - O Poder Espiritual é e~ido pelo
conjunto de todos os habitantes do país, pensando individualmente, isolados ou reunidos em associações,
igrejas, credos e cultos, religiosos ou filosóficos, garantidos pelo Poder Temporal, acima referido, O poder
temporal é neutro em matéria de fé ou de convicção filosófica, e tem o dever de respeitar e garantir o indivíduo
pensante, considerando-o igual aos conjuntos de indivíduos que pensam de modo diverso, sendo-lhe vedado
apreciar a questão de minorias ou maiorias, espirituais. Outra proposta do Apostolado era a tentativa de
implementar um federalismo exagerado, que na prática equivalia ao esfacelamento do Estado Brasileiro. Eis a
forma em que os diretores do apostolado propunham: “decomposição do território nacional, como era na
França que foi dividida em pequenas unidades públicas organizadas ditatorialmente e que permitissem o
trabalho de pregação da filosofia positivista”. Ver: IGREJA POSITIVISTA DO BRASIL. Ainda a verdade
histórica acerca da instituição da liberdade espiritual no Brasil bem como do conjuncto da organização
republicana federal. in: A propósito das afirmações do senhor Dr. Ruy Barbosa, a esse respeito, no discurso
proferido no Senado Federal, a 20 de novembro de 1912. Rio de Janeiro: doc. 322.1/124a, 1913, 100pp.
MENDES, R. Teixeira. Ainda em Defesa da Separação entre o Poder Espiritual e o Poder Temporal, Base da
Verdadeira Política Republicana Moderna e Condição Primeira da Regeneração Social. Rio de Janeiro: F/IP-
15, 1911, 16 p.
150
Esforçamo-nos por interpretar fielmente os ensinos do nosso Mestre,
introduzindo as modificações exigidas pela situação brasileira e pela forma
federativa que, à vista do modo por que se havia operado a transformação
republicana, se impunha fatalmente.
Para os positivistas, o Estado e a sociedade devem obedecer a uma legislação emanada
de uma academia científica, representada no parlamento, sendo este parlamento legítimo
representante do povo. Se o Estado tivesse compreendido seu caráter racional - em cujo caso a
existência da academia se tornaria inútil - mas porque esta legislação, emanando da academia,
se imporia em nome de uma ciência que ela veneraria sem compreendê-la, tal sociedade não
seria uma sociedade de homens, mais de brutos. Os positivistas se destacaram na luta pelo
Estado laico, e de mãos dadas aos liberais, exerceram um papel fundamental na separação
Igreja-Estado. Porém, os positivistas, postulavam um Estado laico sob o signo da ordem.
O positivismo postulava o progresso ininterrupto baseado no domínio técnico e
científico. Afirmava que todos os homens foram criados iguais e que são dotados de certos
direitos inalienáveis, entre os quais o direito à vida, à liberdade e à busca da felicidade e do
progresso. E para proteção desses direitos, o Estado deveria ordenar as relações sociais, e sua
autoridade legítima repousa no consentimento dos governados. Assim, os positivistas
formulavam uma nova concepção de Estado, a qual é a mesma reivindicada pelos liberais, ou
seja, um Estado forte. O lema e a prática positivista presentes na instalação da República
Brasileira, foram indispensáveis para consolidar o Estado separado da Igreja. Ademais, o
caráter de um Estado laico, areligioso era considerado pelos positivistas como premissa do
regime da modernidade, ou seja, do progresso
74
.
74
Ainda a verdade histórica acerca da instituição da liberdade espiritual no Brasil bem como do conjunto da
organização republicana federal. in: A propósito das afirmações do senhor Dr. Ruy Barbosa, a esse respeito, no
discurso proferido no Senado Federal, a 20 de novembro de 1912. Rio de Janeiro: doc. 322.1/124a, 1913,
100pp. GONÇALVES, C. Torres. A Separação das Igrejas do Estado Rio de Janeiro: F/IP-89, 1955, 23pp.
MENDES, R. Teixeira. Ainda em Defesa da Separação entre o Poder Espiritual e o Poder Temporal, Base da
Verdadeira Política Republicana Moderna e Condição Primeira da Regeneração Social. Rio de Janeiro: F/IP-
15, 1911, 16pp. LEMOS, Miguel. Concurso para o Livre Sustento do Culto Católico. Rio de Janeiro: F/IP-
151
Quintino Bocayuva, considerado como o patriarca da República, bebeu nas fontes da
filosofia liberal-positivista. Diferente dos ideais dos principais apóstolos do positivismo que
pregavam o regime republicano ditatorial, Quintino esposava as idéias liberais-democráticas.
Dele, registra-se:
Quintino foi um filósofo e um sociólogo consumado. Na época de suas
especulações filosóficas, em que a doutrina de Augusto Comte. empolgava a
todos os pensadores, Quintino era simpático á filosofia positiva. [...]
Embora sem filiação filosófica definida, o fato é que Quintino era um
sociólogo inspirado diretamente no espetáculo da vida real do meio, mas em
quem as urgências da prática nunca adormeceram o filósofo e o moralista.
Em uma de suas incursões nos domínios da sociologia, em que dissertou em
uma conferência pública realizada em 17 de julho de 1870, sobre as
instituições e os povos, Quintino demonstrou ter uma visão sociológica
realista. [...] Nesta conferência realizada no Teatro São Luís, foi
desenvolvida o seguinte temário: [...] O casamento Civil e a Igreja livre no
Estado livre; Anúncio oportuno - tendência da mocidade do nosso tempo
para o celibato e o perigo dessa tendência. (SILVA, 1962, p.74-76).
Foi nessa conferência que, incontestavelmente, teceu críticas ao modelo da sociedade
brasileira da época, evocando o idealismo das nações européias que já desenvolviam um
espírito liberal-desenvolvimentista calcadas na filosofia política liberal e positivista. Ademais,
junto com Aristides Lobo e Benjamin Constant, conferenciavam com os militares e a
intelectualidade brasileira, da necessidade do Brasil consolidar por meio da República este
ideário, na lei, ou seja, numa futura Constituição Republicana.
4.3 O Processo e campanha de consolidação da separação Igreja-Estado
A campanha da separação começou praticamente com a criação do "clube da reforma".
Este clube formou-se em 7 de abril de 1869 em casa do Tavares bastos. Seus membros
incluíam quase todos os líderes liberais da época.
As opiniões expressas no clube da reforma incluíam toda a gama desde os
mais radicais pedindo a separação da Igreja do Estado, até a posição
ultramontana de Zacarias. O partido de separação da Igreja do Estado fora
primeiro anunciado por alguns liberais de São Paulo em 1867. A sugestão
152
deles não se tornara a política oficial para o Partido paulista porque a
comissão de revisão de programa, mesmo concordando com a proposta,
sentia que seria mais prudente deixar sua adoção para uma data posterior.
[...] Dessas fontes pode-se deduzir que a sugestão da separação da Igreja do
Estado foi ouvida muitas vezes nessas reuniões. [...] Nabuco de Araújo
chegou a levar a disputa da separação da Igreja do Estado ao plenário do
Senado, onde, sob protesto do Visconde de Souza Franco, ridicularizou o
mote: "Uma Igreja livre num Estado livre". Como Tavares Bastos registrou,
Nabuco era um seguidor do jurisconsulto Eduardo Laboulaye 1811-1863
(VIEIRA, 1980, p.251-252).
O Partido Liberal tornou-se posteriormente como Partido Republicano e radicalizou a
luta da "Igreja livre num Estado livre", na pessoa do ministro João Alfredo Correia de
Oliveira. Ele continuava a luta anticlerical, e uma dos seus primeiros atos foram a interdição
de três jovens na Ordem de São Bento no Brasil. Quando duramente criticado pela atitude,
defendeu que a única alternativa para a Igreja Católica era reconhecer que sua liberdade
completa somente se realizaria pela separação da Igreja do Estado.
Após a questão religiosa, amplamente discutida neste trabalho, aumentou-se ainda
mais o movimento para separar a Igreja do Estado. Este movimento foi dirigido por Tavares
Bastos e Quitino Bocayuva. Em reunião pública realizada a 17 de janeiro de 1874, assistida
por vários cidadãos de diferentes confissões como: presbiterianos, espíritas e dentre outras,
fora decidido que estas confissões ajudariam o movimento a propagar o princípio da
separação Igreja-Estado. Foi formada uma comissão para organizar a publicidade sobre o
ponto em debate e submeter petições à Legislatura.
A petição à Assembléia Legislativa formulada pela comissão, solicitava que
a Assembléia decretasse os seguintes princípios: A plena liberdade e
igualdade de todos os cultos; A abolição da Igreja oficial e sua emancipação
do Estado, com a supressão dos privilégios outorgados aos sectários dessa
Igreja; o ensino da escola pública separada do ensino religioso, que os pais
incumbe no seio da família, e na Igreja aos ministros de cada seita particular;
A instituição do casamento civil obrigatório, sem prejuízo das cerimônias
religiosas conforme o rito de cada cônjuge; O registro civil dos nascimentos
e óbitos; A secularização dos cemitérios, e sua administração pela
municipalidade. (VIEIRA, 1980, p.284).
153
Para Tavares Bastos, progressista como era a separação da Igreja do Estado removeria
os obstáculos para a marcha da sua civilização, "o que o feitichismo católico tem até agora
detido", escreveu. Para ele os tempos tinham mudado e o Brasil não havia acompanhado o
progresso, especialmente o europeu e o americano.
Segundo Vieira (1980) a Questão dos bispos apimentou a campanha da separação
Igreja-Estado. O próprio bispo envolvido diretamente na questão, Macedo Costa em circular
na ocasião, estava indiretamente pedindo a separação da Igreja do Estado. Na visão do bispo
os direitos do padroado sufocavam a liberdade da igreja.
Registra Vieira:
O bispo retornou à questão num editorial intitulado "Religião do Estado".
Dessa vez disse que à vista do que o governo tinha feito para proteger os
inimigos da Igreja, e do que tinha deixado de fazer [proteger a Igreja] ia o
bispo agora lutar por um novo programa. "Nosso programa, pois, é a
liberdade e a independência da Igreja", asseverou o editorialista. Naquela
ocasião parecia estar Dom Macedo Costa pedindo a separação da Igreja do
Estado. (VIEIRA, 1980, p.310).
Na concepção dos liberais mais exaltados e maçons duramente discriminados pela
igreja chamavam a relação Igreja-Estado como "o consócio híbrido e repugnante" entre as
duas instituições. Nem à Igreja nem ao Estado seria permitido dominar o outro.
Vieira registra que:
A questão da separação da Igreja do Estado criara uma agitação no Império,
envolvendo indivíduos particulares assim como o Parlamento. No mês de
maio de 1973, por exemplo, o Visconde Vieira da Silva entrara em choque
violento com Cândido Mendes de Almeida sobre o tema. Naquele mesmo
mês, o ex-Ministro do Império, Liberato Barroso, lidera com a questão de
liberdade de culto num discurso intitulado "O Espírito do Cristianismo"
proferido a 12 de maio, em reunião pública da loja maçônica do Vale dos
Beneditinos. Também no mês de maio e no mesmo dia da referida reunião
pública maçônica, o ex padre Dr. Francisco José de Lemos defendera tese na
Ordem dos Advogados, que fora aceita e adotada por aquela organização. A
dita tese lhe fora proposta pela própria Ordem nos seguintes termos: "A
completa separação da Igreja do Estado pode ser decretada pela
legislatura, ordinária, ou como matéria constitucional está sujeita aos
trâmites dos artigos 174 a 178 da Constituição do Império? Em que termos
convém a separação? (VIEIRA, 1980, p.284).
154
O processo de consolidação da separação da Igreja Católica do Estado brasileiro
começa a ganhar corpo antes da proclamação da República. Ribeiro (1991) destaca que nas
duas décadas que precederam a República, a hierarquia católica se sentia enterreirada,
desacatada tanto pelo governo Imperial como por intelectuais, políticos e jornalistas. Foi a
partir de 1870 que movimentos antagônicos à Igreja Católica cresceram no Brasil, tanto nos
centros intelectuais, como na Câmara dos Deputados. Os liberais e positivistas passaram a
escrever manifestos contrários à união Igreja-Estado, os quais tornaram públicos. Os mais
destacados foram: os liberal-republicanos; positivistas republicanos e abolicionista-
republicanos. Aliás, foram estes movimentos que deram sustentação para consolidar a
República e a separação da Igreja do Estado.
Os liberais e republicanos logo trataram de conferenciar no Rio de Janeiro, São Paulo
e Rio Grande do Sul, ganhando força especialmente pela unidade de idéias com os
positivistas. Nesta dinâmica foi que lançou no Rio de Janeiro em 03 de dezembro de 1870 "O
Manifesto Republicano", texto escrito e revisado por Quintino Bocaiúva:
[...] As armas da discussão, os instrumentos pacíficos da liberdade, a
revolução moral, os amplos meios do direito posto ao serviço de uma
convicção sincera bastam, no nosso entender, para a vitória da nossa causa,
que é a causa do progresso e da grandeza da nossa Pátria. [...] Neste país,
que se presume constitucional e onde só deveriam ter ação poderes
delegados, responsáveis, acontece, por defeito do sistema, que só há um
poder ativo, onímodo, onipotente, perpétuo, superior à lei e à opinião, e esse
é justamente o poder sagrado, inviolável, e irresponsável. O privilégio, em
todas as suas relações com a sociedade- tal é a síntese, a fórmula social e
política do nosso país- privilégio de posição, isto é, todas as distinções
arbitrárias e odiosas que criam no seio da sociedade civil e política a
monstruosa superioridade de um sobre todos ou de alguns sobre muitos. [...]
A liberdade de consciência nulificada por uma igreja privilegiada; a
liberdade econômica suprimida por uma legislação restritiva; a liberdade de
imprensa subordinada à jurisdição do governo; a liberdade de associação
dependente do beneplácito do poder; a liberdade de ensino suprimida pela
inspeção arbitrária do governo e pelo monopólio oficial. [...] tais são
praticamente as condições reais do atual sistema do governo. (SILVA, 1962,
p.223-233).
Para alguns historiadores, os republicanos teriam chegado ao poder com um projeto
definido para o Brasil. No congresso do Partido em 1873 ficou definido que a Comissão
155
Permanente iria proceder à organização das bases para o futuro ordenamento constitucional,
em um regime republicano e federalista. No documento elaborado, trata-se de um esboço de
Constituição, compreendendo 53 artigos agrupados em 10 títulos. Previam eleições diretas,
liberdade religiosa e de ensino, liberdade de expressão, inviolabilidade de domicílio e acima
de tudo a separação da Igreja do Estado.
Quanto aos princípios e doutrinas referentes às liberdades públicas, o manifesto
republicano de 1880 diz:
-Plena liberdade de cultos e perfeita igualdade de todos eles ante a sociedade
temporal e política;
-Abolição do caráter oficial da atual igreja do Estado e sua emancipação do
poder civil pela supressão dos privilégios e encargos temporais até aqui
outorgados a seus representantes sectários;
-O ensino secular separado do ensino religioso, cabendo aquele às escolas e
este aos pais no seio da família e aos ministros de cada religião na respectiva
igreja;
-Instituição do casamento civil, sem prejuízo do voluntário preenchimento
das cerimônias religiosas, conforme o rito particular dos cônjuges;
-Instituição do registro civil de nascimentos e óbitos;
-Secularização dos cemitérios e suas administrações pelas municipalidades.
Após a exposição destes pontos no manifesto, afirmavam: “Tais idéias atualmente não
foram bandeira exclusiva de um partido e por isso mesmo a sua realização não deve ser
adiada”.
Em 1880 com a nova Câmara Imperial, a campanha de separação Igreja-Estado
cresceu no Parlamento. Houve debates calorosos entre Deputados ultramontanos (defensores
do padroado e da união Igreja-Estado) e liberais. Num destes debates, posiciona Ruy Barbosa:
Permita-se-me voltar ao assunto. Se houvéssemos de personificar em um
nome o antagonismo à liberdade, esse nome seria o de ultramontanismo. A
espécie de liberdade que lhe é cara estará para sempre definida naquelas
indeléveis palavras de Veuillot em 1862: “Quando estais no poder, exigimos
de vós a liberdade, porque é princípio vosso; quando o poder pertencer-nos,
recusar-vo-la-emos, porque este é o nosso princípio”. Monopolizada pelos
ultramontanos a liberdade é, pois, um direito; estendida a nós, uma
usurpação. Como admitir então a esse partido (ultramontano), que é a
concretização irredutível da intolerância sublimada ao seu ideal, essas
156
argüições de intolerância contra uma reforma que, em vez de levar, segundo
ele quer as guerras de, seita ao seio da paz misteriosa da morte, quebrando
pelo tumulo a harmonia moral dos vivos, separando pelo túmulo os que
viveram conosco consociados todos pela mutua devoção, .pela transfusão
mutua, dos sentimentos, pelos .serviços e; sacrifícios mútuos, a que a mesma
comunidade, a mesma igualdade; ,a mesma fraternidade que nos, associam
neste mundo, projetam sua sombra até á cidade silenciosa da morte, onde o
sentimento humano tem o direito de exigir respeito aos laços em que a
memória parece continuar a comunicar-nos os que nos amaram na terra, e
debaixo dela são ainda muitas vezes, a mais sensível parte de nossa alma?
(Discurso na Câmara dos Deputados em 27 de Julho de 1880). Anais do
Parlamento Brasileiro. Sessão de 1880. Tomo V. Prorrogação. Rio, 1880,
Anexos, p. 14-140).
As críticas à Constituição Imperial aumentavam cada vez mais, especialmente no
artigo 5º quando estabelece que no Império uma religião protegida e promovida pelo Estado.
No Parlamento, Deputados e Senadores já não mais prescreviam declarações de fé católica,
tornado o Regimento Interno obsoleto.
Uma nova mentalidade se formava exatamente como uma evolução daquilo
que ficou resolvido na Constituição de 1824. Na constituição anteriormente
citada, no seu art. 5 ela estabelece: "A religião católica, apostólica, romana
continua a ser a religião do Império. Os exercícios dos outros cultos serão
permitidos, cada qual segundo seu rito particular, porem nos templos, sem
nenhuma cerimônia exterior." Algumas críticas foram feitas a este artigo e
sua aplicação. Podemos citar a que foi feita por Charles Ribeyrolles: Até
onde se estende essa exclusão? A quem vai ela ferir? Aos estrangeiros, aos
libertos, aos domésticos? Não. Todas essas espécies estão já fora do direito e
da lei. A própria eleição primária das paróquias lhes está vedada. É o
cidadão brasileiro, o cidadão ativo, com todos os requisitos de idade, de
censo, de capacidade, que sofre, desta vez, a interdição religiosa. Tenha ele o
maior interesse na lei geral e o direito mais forte de soberania, como
proprietário, industrial ou capitalista. Seja ele um José Bonifácio, um Fox do
sul, um Mirabeau brasileiro; se não professa a lei romana, é logo excluído.
Proscrito da Constituição incompetente, pária político. Brasil Pitoresco, São
Paulo, Livraria Martins, 2 Edição, S/ d, p.78.
A proposta de separação Igreja-Estado tinha uma profundidade e relevância política
muito grande, pois era contrária à 55ª proposição do “Síllabus”, e isso era um rompimento
com o papa.
Em 16 de dezembro de 1889, 30 dias após a proclamação da República, Demétrio
Ribeiro, figura de grande expressão no Parlamento, então Ministro do Governo Provisório,
positivista e liberal como era, apresenta ao Governo a proposta de separação Igreja-Estado.
157
Neste processo articulador Demétrio Ribeiro, apresenta proposta não somente da
separação Igreja-Estado, como também a secularização dos cemitérios e casamento civil. A
proposta de Demétrio era bastante radical, dada à situação em que a Igreja com o regime de
padroado encontrava naquele momento. A proposta abrangia os templos e instituições, que de
certa medida confiscava-os. A proposta de Demétrio não foi aprovada.
A proclamação da República marcou o início de uma nova etapa na vida da Igreja
Católica no Brasil, bem como das relações do poder civil com o poder religioso. Em virtude
do Decreto de separação em 1890, e depois com a nova Constituição de 1891, sendo a
primeira da República, com cunho de Estado liberal e positivista, a Igreja Católica deixou de
ser a oficial religião do Estado. O Decreto ainda era tímido, pois propunha a continuidade dos
pagamentos aos “funcionários eclesiásticos”. Por outro lado, a proposta era bastante radical
quanto às associações religiosas, os cemitérios, casamentos e óbitos. A proposta não foi
aprovada na primeira discussão. Ruy Barbosa ponderou que deveria conferenciar mais sobre o
assunto.
Houve uma intensa articulação política em defesa da separação da Igreja com o
Estado.
Ademais, havia no seio da Igreja, clérigos liberais que queriam ver a Igreja separada
do Estado, e entendia que o regime de padroado era uma forma de manter a Igreja em regime
de subserviência e escravidão, haja vista as proporções que tomaram a Questão Religiosa.
Estes queriam um Estado cristão, mas desvencilhado do sistema de padroado. De certa
medida, o pensamento liberal havia inspirado no Brasil desde a época da colônia boa parte do
clero, e continuou vivo no limiar da República.
Vieira (1980, p.282), defende que a campanha para a separação da Igreja como Estado
aumentou vertiginosamente com a Questão Religiosa. "Toda essa movimentação grandemente
ajudava a causa pela qual se debatiam protestantes e maçons: a separação da igreja e do
158
Estado". Entretanto, o próprio Vieira relata que o divórcio do poder civil e poder religioso a
muito tempo atrás já estava no ideário dos intelectuais brasileiros, sobretudo daqueles
políticos liberais do período colonial e Imperial. Tanto as relações Igreja-Estado, bem como o
laicismo do Estado, foram amplamente discutidas no Parlamento brasileiro daquele período
O circulo positivista no Rio de Janeiro (1870), consubstanciado no ideario comtiano, o
então senador Antônio Luís Dantas de Barros Filho, liberal político e positivista convicto, em
25 de maio de 1869 apresentou o projeto de lei que concederia liberdade absoluta de culto a
qualquer pessoa sem levar em consideração a igreja ou crença da mesma. Esse projeto não foi
aprovado, mas despertou interesse dos Deputados e Senadores quanto à temática.
Ademais, a consolidação da separação do Estado com a Igreja ocorreu dentro de um
processo histórico favorável.
A questão da separação da Igreja e do Estado tinha sido debatida
intermitentemente desde os dias do estudo de Macedo Soares sobre a
liberdade de culto. Em 1867, alguém na convenção do Partido Liberal
paulista a propusera como parte do programa de reforma apresentado pelo
partido. Em 1869 o mesmo tema fora debatido violentamente no Clube
Reforma. Fora também submetida ao senado como projeto de lei, naquele
mesmo ano. O projeto foi proposto no Senado em 25 de maio de 1869 pelo
Senador Antônio Luís Dantas de Barros Leite. Este projeto concederia
liberdade de culto a qualquer pessoa que simplesmente professasse a moral
do cristianismo, sem que se levasse em consideração a igreja ou crença da
mesma. O projeto naturalmente deu em nada. (VIEIRA, 1980, p.183-284).
A campanha de separação Igreja-Estado fazia parte não somente do programa liberal
como também do positivismo e da maçonaria. Ademais, em 13 de janeiro de 1874, por
ocasião da prisão do bispo de Olinda, por razão da Questão Religiosa
75
, iniciou-se um
movimento político popular, no qual se uniram protestantes, maçons, advogados e
intelectuais, dirigidos por Tavares Bastos e Quintino Bocayúva para separar o Estado da
Igreja.
Foi lançado em reunião pública na Corte em 17 de janeiro de 1874, assistida
por cidadãos de todos os credos políticos e de diferentes confissões
75
A Questão Religiosa foi amplamente discorrida neste trabalho no: (2.5.1).
159
religiosas. Foi presidida pelo Coronel Luís Ferreira [...] Nessa reunião foi
decidido estabelecerem-se associações propagadoras do princípio de
separação entre a Igreja e o Estado. A tarefa dessas associações seria
submeter petições à Legislatura numa tentativa de alcançar a solução legal
para o conflito que todos consternam e perturba. Fora o consenso dessa
reunião de 17 de janeiro que a causa do conflito Igreja-Estado encontra-se no
que era chamado "o consórcio híbrido e repugnante" entre aquelas duas
instituições. Assim, a única solução possível para o problema seria a
completa separação. Nem a Igreja nem o Estado seria permitido dominar o
outro. [...] Foi formada a comissão para organizar a publicidade sobre o
ponto em debate e submeter petições à legislatura. Era composta do Dr.
Aureliano Cândido Tavares Bastos, Dr. Miguel Vieira Ferreira, Dr.
Francisco José Lemos, Dr. José do Canto Coutinho e Quintino Bocayúva.
Uma carta circular assinada por esses cinco membros da comissão foi
expedida em 6 de fevereiro de 1874. [...] A petição à Assembléia Legislativa
(o Congresso na época)
76
formulada pela comissão, solicitava que a
Assembléia decretasse os seguintes princípios: A plena liberdade e
igualdade de todos os cultos; A abolição da Igreja oficial e sua
emancipação do Estado, com a supressão dos privilégios especiais
outorgados aos sectários dessa igreja; O ensino da escola pública separada
do ensino religioso, que aos pais incumbe no seio da família, e na igreja aos
ministros de cada seita particular; A instituição do casamento civil
obrigatório, sem prejuízo das cerimônias religiosas conforme o rito de cada
cônjuge; O registro civil dos nascimentos e óbitos; A secularização dos
cemitérios, e sua administração pela municipalidade. (VIEIRA, 1980,
p.285).
Quintino Bocayúva, Tavares Bastos, Ruy Barbosa, Demétrio Ribeiro e Saldanha
Marinho, liberais - republicanos declarados, tiveram papel fundamental na luta para a
separação da Igreja com o Estado. Ademais, Saldanha Marinho declarou que o programa de
separação da Igreja com o Estado brasileiro era o programa da maçonaria, contra o espírito
tirânico e intolerante da Igreja Romana
77
.
Outro fator que contribuiu de forma indireta para o laicismo do Estado e a separação
foi a conhecida Questão Militar
78
. Os militares abraçaram as idéias liberais, especialmente as
76
( ) grifo do autor.
77
Vieira: Ver também - AEG-CSM, vol. 10, Códice 41-1-57, "Prancha do Grão Mestre do Grande Oriente, Dr.
Joaquim Saldanha Marinho"; Ganganelli (Joaquim Saldanha Marinho). A Igreja e o Estado. (Rio: tip. Imperial
e Constitucional de J. C. de Villeneuve & Co. 1873). Os volumes II, III e IV, publicados respectivamente em
1874, 1875 e 1876, foram impressos pela Tipografia Perseverança.
78
A Questão Militar começou quando o poder central repreendeu o Tenente-Coronel Antônio de Senna
Madureira por seu apoio as causas abolucionistas e republicanas. Senna Madureira era um militar positivista e
liberal que apregoava a não interferência das autoridades civis nas tropas. Por esta interferência e a
transferência do Coronel, os oficiais reuniram no teatro Recreio Dramático, em 2 de fevereiro de 1887, sob a
liderança do Marechal Deodoro da Fonseca, e decide-se ignorar a moção do imperador, pedindo a revogação
de punições disciplinares, o que não foi concretizado.. A questão militar, diz Othelo Rosa, no seu sentido
político, que é o seu verdadeiro aspecto histórico, quem a criou foi Júlio de Castilhos. Foi ele que transformou,
160
americanas e inglesas. Dentre estes liberais positivistas, figura Júlio de Castilhos que viria a
ser o Governador do Rio Grande do Sul.
A proposta volta à discussão não somente na Assembléia dos Deputados, mas também
nos círculos intelectuais da Capital Federal, principalmente na Escola Militar, em Lojas
Maçônicas e no Apostolado Positivista. E após 15 dias da apresentação do primeiro projeto,
Ruy Barbosa apresentou o seu projeto, menos radical daquele de Demétrio, o qual foi
aprovado por unanimidade. A proposta de Ruy não abrangia a questão dos cemitérios, dos
casamentos, nascimentos e óbitos, ficando estas questões para um projeto futuro. Seu
principal objetivo era que a nova Constituição tomasse um caráter leigo, mesmo sendo a
religião católica a maior do país. Ruy propagava e defendia a laicidade da República não
como sinônimo de ateísmo, mas como sinônimo de Estado Novo e Contratual.
A campanha da separação cresceu de forma poderosa no circulo positivista e jurista da
Capital Federal. Consubstanciado no ideário liberal-positivista, o então senador Antônio Luís
Dantas de Barros Filho, em 25 de maio de 1869, portanto antes da Constituição da República,
apresentou o projeto de lei que concederia liberdade absoluta de culto a qualquer pessoa sem
levar em consideração a igreja ou crença da mesma. O projeto não foi aprovado.
A campanha pró-Estado laico cresceu ainda mais quando formou a Liga Pró-Estado
Leigo e a Constituição de 1891. Logo em seguida a liga lança vários manifestos.
O Poder Temporal é o Estado, que é a representação jurídica da sociedade; II
- O Poder Espiritual é exercido pelo conjunto de todos os habitantes do país,
de mero incidente de classe, em uma questão de honra militar; e que em seguida a transmudou ainda em um
problema nacional, que não interessava apenas ao pundonor do Exército, mas à própria dignidade do povo
brasileiro. [...] Ao agasalhar nas colunas de "A Federação" de 16 de agosto de 1886 um artigo do Tenente-
Coronel Antônio de Senna Madureira, Júlio de Castilhos percebeu de relance a magnitude do tema e todas as
conseqüências que dele poderiam advir em benefício da causa republicana, para a qual, envolvendo,
conquistou definitivamente os dois líderes militares: o Visconde de Pelotas e o Marechal Deodoro. Defendendo
o seu ponto de vista sobre tão delicado assunto, Júlio de Castilhos com a habilidade que lhe era peculiar e a
clarividência que lhe era inata, manifestou o seu pensamento em 30 de setembro daquele ano. (SILVA: 1962,
pp.80-81). A questão Militar uniu os ideais republicanos em torno do ideário positivista e liberal, porque seus
principais líderes pertenciam a estas pléiades. Júlio de Castilhos era positivista e liberal radical e entusiasta das
idéias republicanas no Rio Grande do Sul.
161
pensando individualmente, isolados ou reunidos em associações, igrejas,
credos e cultos, religiosos ou filosóficos, garantidos pelo Poder Temporal,
acima referido. O poder temporal é neutro em matéria de fé ou de convicção
filosófica, e tem o dever de respeitar e garantir o indivíduo pensante,
considerando-o igual aos conjuntos de indivíduos que pensam de modo
diverso, sendo-lhe vedado apreciar a questão de minorias ou maiorias,
espirituais. Na organização da sociedade, para que exista harmonia e paz, o
estado deve estabelecer que o direito de um é igual ao direito de milhões. E
qualquer que fuja ao cumprimento desse princípio ou, negligentemente,
deixe que o postergue ou promova a sua desmoralização, esta concorrendo
para a ruína da República. Para que haja ordem e justiça deve haver a
separação absoluta entre o Poder Temporal e o Poder Espiritual, o que se
convencionou chamar "igreja ou igrejas livres no Estado Livre" e que no
futuro devemos generalizar para “credos livres no Estado Livre”, porquanto
só este é capaz de garantir a ordem social perfeita, a liberdade de consciência
ampla e irrestrita, facilitando a cultura, as pesquisas científicas, o
desenvolvimento das artes e das ciências, conducentes às altas conquistas do
espírito, em todos os ramos do saber humano. (A Coligação Nacional Pró -
Estado Leigo e a Constituição de 1891, op. Cit., p. 35).
Dois meses após a proclamação da República, é publicado o Decreto de separação
Igreja-Estado depois de quase quatro séculos da união Igreja-Estado..
Demétrio Ribeiro, adepto da filosofia positivista e do liberalismo político, ao assumir
o ministério do Governo Provisório, logo toma a iniciativa de elaborar o Projeto de Lei da
separação sob os auspícios de Ruy Barbosa, o que transformou no primeiro Decreto da
República.
Eis o Decreto na íntegra:
Decreto nº119-A de 7 de janeiro de 1890:
O Marechal Deodoro da Fonseca, Chefe do Governo Provisório da
República dos Estados Unidos do Brasil, constituído pelo exército e armada,
em nome da nação decreta:
Art.1º- É proibido à autoridade federal, assim como à dos Estados
federados, expedir leis, regulamentos ou atos administrativos, estabelecendo
alguma religião, ou vedando-a e criar diferenças entre os habitantes do país,
ou nos serviços sustentados à custa do orçamento, por motivo de crenças ou
opiniões filosóficas ou religiosas.
Art.2º- A todas as confissões religiosas pertence por igual a faculdade
de exercerem o seu culto, regerem-se segundo sua fé e não serem
contrariados nos atos particulares ou públicos, que interessem o exercício
deste decreto.
Art.3º- A liberdade aqui instituída abrange não só os indivíduos nos
atos individuais,senão também as igrejas, associações e institutos em que se
acham agremiados; cabendo a todos o pleno direito de se constituírem e
162
viverem coletivamente, segundo o seu credo e sua disciplina, sem
intervenção do poder público.
Art.4º- Fica extinto o padroado com todas as suas instituições,
recursos e prerrogativas.
Art.5º- A todas as igrejas e confissões religiosas se reconhece a
personalidade jurídica, para adquirirem bens e os administrarem, sob os
limites postos pelas leis concernentes à propriedade do mão-morta,
mantendo-se cada uma o domínio de seus haveres atuais, bem como dos seus
edifícios de culto.
Art.6º- O governo federal continua a prover à côngrua, sustentação
dos atuais serventuários do culto católico e subvencionará por um ano as
cadeiras dos seminários; ficando livre a cada Estado o arbítrio de manter os
futuros ministros desse ou de outro culto,sem contravenção do disposto nos
artigos antecedentes.
Art.7º- Revogam-se as disposições em contrário.
Rio de Janeiro 07 de janeiro de 1890.
O Decreto abrangia a liberdade de culto, extinção do sistema de padroado e no seu
substrato, a separação da Igreja com o Estado. Este Decreto durou até a promulgação da
Constituição Republicana de 1891. A formulação desse decreto se deve a Rui Barbosa. Rui
Barbosa, católico indiscutível, em discurso de 3 de novembro de 1891, reivindicando para si a
glória da autoria do decreto de 7 de Janeiro, que separara a igreja do Estado, disse:
Nesse meio tempo, o Governo Provisório, onde se contavam defensores mais
conhecidos e muito mais antigos do que o nobre deputado pelo Rio Grande
do Sul (Demétrio Ribeiro), homens que haviam dedicado livros. a essa
questão, que, por amor dela tinham suscitado os obstáculos mas poderosos à
sua carreira política nos ódios da influência acerca dos meios de resolvê-lo
em toda a sua integridade”.[...]Depois de dizer que o projeto de Demétrio
Ribeiro e as emendas por este apresentadas ao de Rui, haviam sido
rejeitadas, continua o autor do decreto de 7 de Janeiro: "Submeti então aos
meus colegas e ao chefe do Governo o que eu redigira. E esse foi aprovado
unanimemente, ipsis litteris, da primeira à última palavra, sem alteração de
uma vírgula, nem de um til, na mesma sessão em que o ofereci ao exame do
gabinete. O nobre deputado pelo Rio Grande do Sul tentou modificá-Io:
opôs-lhe várias emendas. Todas sem exceção, foram repelidas. De modo que
o decreto de 7 de janeiro ipsis virgulis, é o meu projeto. (A Coligação
Nacional Pró-Estado Leigo e a Constituição de 1891, p. 22).
O projeto de Ruy foi aprovado por unanimidade. O Estado e Igreja passaram a ser
instituições separadas. Deixou assim de existir uma religião oficial no Brasil. Importantes
funções, até então monopolizadas pela Igreja Católica, foram atribuídas ao Estado. Neste
sentido, o Decreto refletiu a convicção laica dos dirigentes republicanos. Segundo Silva
163
(1998) “as medidas refletiam a convicção laica dos dirigentes republicanos, a necessidade de
aplainar os conflitos entre Estado e a Igreja e o objetivo de facilitar a integração dos
imigrantes. Os imigrantes não eram em sua maioria católicos, e sim protestantes”.
O Decreto do Governo Provisório, de certa forma foi uma preparação do que viria ser
confirmado na Constituição no ano seguinte. Mesmo que o Decreto separou a Igreja do
Estado, não realizou plenamente essa ruptura, sustentando segundo conta por mais um ano, os
seminários católicos e os clérigos professores, bem como nada dizendo a respeito dos
patrimônios da Igreja que se confundiam com o patrimônio público. Com o Decreto Nº119-A
de 7 de janeiro de 1890, que determinava o fim do padroado bem como a subserviência do
Estado e Igreja, antecipava o que seria consolidado posteriormente na Carta Constitucional
da República (1891), desta forma, dava abertura para uma nova roupagem para consolidar o
Estado Moderno. No caso do Brasil, a Igreja Católica deixou em certo sentido e abarcar para
si todos os assuntos de interesse próprio, seja público ou privado.
4.4 Bases jurídicas laicistas consolidadas na Constituição de 1891
A eleição da Assembléia Constituinte em 15 de setembro de 1890, demonstrou como
seria o Congresso, pois os Deputados e Senadores, na sua grande maioria, eram adeptos do
positivismo comtiano e do liberalismo inglês e americano. Estes consideravam inadmissível o
Estado assumir e custear uma religião. Para eles a religião é um assunto de foro íntimo, cada
pessoa escolhe a que esteja de acordo com sua cosmovisão
A Constituição Republicana de 1891 tinha como espelho a Constituição Norte
Americana e foi revisada por Ruy Barbosa. Esta revogou da Constituição de 1824, extinguiu o
Poder Moderador que ficava nas mãos do imperador e, por fim, estabeleceu em definitivo o
fim da união Igreja-Estado como também promulgou a liberdade de culto e fundou
164
definitivamente a República Federativa dos Estados Unidos do Brasil. O texto constitucional
consagrou o direito dos brasileiros e estrangeiros residentes no país à liberdade, à segurança
individual e à propriedade. Extinguiu a pena de morte, aliás, raramente aplicada no Império.
É muito pertinente observar o que Paim (1988, p. 127) escreveu:
(As inovações da Constituição Republicana dizem respeito: 1) às decorrentes
da eliminação da nobreza; e 2) as que advieram da separação da Igreja do
Estado. Em matéria de privilégios da Igreja Católica, na Constituição
Imperial dizia-se que: ninguém pode ser perseguido por motivo de religião
uma vez que respeite a do estado e não ofenda a moral pública. Com o
abandono do princípio de que deveria haver uma religião oficial, altera-se a
legislação referente ao casamento civil, à administração dos cemitérios e ao
ensino. A Constituição mantém um resquício do passado ao deixar de
introduzir o divórcio. A nova elite, constituída pelos positivistas, era
radicalmente contrária à providência
Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 24 de
fevereiro de 1891:
Nós, os representantes do povo brasileiro, reunidos em Congresso
Constituinte, para organizar um regime livre e democrático, estabelecemos,
decretamos e promulgamos a seguinte:
Art 11 - É vedado aos Estados, como à União:
2 º ) estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício de cultos
religiosos;
Art 72 - A Constituição assegura aos brasileiros e a estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à
segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:
§ 1º - Ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma
coisa senão em virtude de lei.
§ 2º - Todos são iguais perante a lei.
§ 3º - Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer
pública e livremente o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo
bens, observadas as disposições do direito comum.
§ 4º - A República só reconhece o casamento civil, cuja celebração
será gratuita.
§ 5º - Os cemitérios terão caráter secular e serão administrados pela
autoridade municipal, ficando livre a todos os cultos religiosos a prática dos
respectivos ritos em relação aos seus crentes, desde que não ofendam a
moral pública e as leis.
§ 6º - Será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos.
165
§ 7º - Nenhum culto ou igreja gozará de subvenção oficial, nem terá
relações de dependência ou aliança com o Governo da União ou dos
Estados.
§ 8º - A todos é lícito associarem-se e reunirem-se livremente e sem
armas; não podendo intervir a polícia senão para manter a ordem pública.
Mandamos, portanto, a todas as autoridades a quem o conhecimento
e execução desta Constituição pertencer, que a executem e façam executar e
observar fiel e inteiramente corno nela se contém.
Publique-se e cumpra-se em todo o território da Nação.
Sala das Sessões do Congresso Nacional Constituinte, na Cidade do
Rio de Janeiro, em 24 de fevereiro de 1891, 3º da República.
Para Ruy Barbosa o Estado brasileiro tornou-se constitucionalmente secularizado, pois
a subserviência deixou de existir nas duas instituições. Nesta perspectiva diz que o laicismo
do Estado fundou e organizou a secularização do nosso direito constitucional.
Eis os termos em que se fundou e organizou a secularização do nosso direito
constitucional. Por eles todas as religiões e cultos, entre nós, são iguais
perante a lei. Segundo eles, de abraçar quaisquer religiões, e observar
quaisquer cultos, goza os indivíduos, entre nós, a mais plena liberdade. E,
para afiançar essa liberdade com relação a todas as religiões, a todos os
cultos, para garantir, entre todos os cultos, entre todas as religiões, essa
neutralidade, firmou-se a regra de que nenhum culto ou igreja gozará de
subvenção oficial, nenhum culto ou igreja terá relações de dependência com
o Governo, nenhum culto ou igreja terá com o Governo. Relações de aliança,
e o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos serão leigos, isto é, se
praticará sem o concurso de nenhum culto ou igreja. Esta regra, porém, está
bem nitidamente caracterizada, na sua expressão e extensão, pelos próprios
termos do enunciado, em que se declara. (BARBOSA, 1934, p.261).
Discutindo opiniões variadas de juristas da maior expressão, coloca-se em um
repertório jurisprudencial esclarecedor do novo regime e modelo de Estado. Figura desejosa
de um Estado Moderno, propõe que se o governo interferir ou relacionar subserviente com a
igreja e vice versa, criará embaraços para consolidação de um Estado laico e moderno.
Explicado o laicismo constitucional defende:
O seu propósito, literalmente explicito nesses termos, foi, acabar com “a
dependência”, em que outrora estavam os cultos para com o Estado, e, até
certo ponto, o Estado para com os cultos; foi dissolver “a aliança”, que
dantes existia, entre.e o Estado e a igreja, entre a igreja e o Governo; foi
extinguir a subvenção oficial, de que antigamente gozava o culto Católico a
igreja católica romana,vedando que, de futuro, outras igrejas ou cultos
percebam subvenções; foi proibir .que nos estabelecimentos públicos o
ensino se ministrasse com a colaboração de igrejas e cultos, ou embebido
166
nas influencias religiosas que deles emanam. Violadas estarão, pois, essas
determinações constitucionais, toda a vez que se pretenda locupletar com
uma subvenção qualquer igreja ou culto. Violadas se acharão essas
proibições constitucionais, todas as vezes que se estabeleçam relações de
aliança ou dependência entre culto ou igreja e o governo de um Paiz, de um
Estado, ou de uma municipalidade. Violadas serão essas proibições
constitucionais, toda a vez que no ensino fornecido por um estabelecimento
publico federal, estadual, ou municipal, se dê entrada a uma igreja, a um
culto, a uma religião. (BARBOSA, 1934, p. 262).
A laicidade e a secularidade da Constituição instauraram não um Estado laicista, mas
separou as duas esferas: espiritual e temporal. Nesta perspectiva diz:
Mas os autores da nossa Constituição, felizmente, não se inspiravam nesse
espírito de laicismo materialista, nesse fanatismo da irreligiosidade, na
intransigência desse ateísmo, em que pretende repassar o nosso direito
constitucional a filosofia sectária de certos hermeneutas. Não. Não foi em
ódio á igreja católica, ao cristianismo, ao sentimento religioso, a quaisquer
igrejas ou cultos, que a nossa Constituição traçou entre o temporal e o
espiritual estas extremas. A nossa lei constitucional não é anti-religiosa, nem
irreligiosa. A Constituição pelo contrário, reconhece o valor da religião, da
existência dos cultos, do desenvolvimento dos princípios religiosos. Tanto
assim que cerca de todas as garantias consagradas nos artigos 11 e 72 os
direitos da fé, a atividade da consciência religiosa, as organizações votadas
ao exercício dos cultos. Tanto assim, ainda que , longe de consolidar as leis
de mão morta, objeto de tanto apreço no conceito da política de má vontade
às religiões e às igrejas, aboliu essas leis, tantas vezes seculares nas
instituições pátrias, deixando liberdade ilimitada às igrejas e cultos de se
associarem, viverem e adquirirem bens, sem peias nem reservas, sob a égide
geral das disposições do direito comum. (BARBOSA, 1934, p.266-267).
Notadamente Ruy está explicando a abrangência do direito constitucional afirmado no
artigo 72 parágrafo § 3° “Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e
livremente o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens, observadas as
disposições do direito comum”. Rompe ou revoga a lei de 1882, no seu artigo 1º, § 2º, onde se
estatue que “continuam a depender de autorização do governo as associações e corporações
religiosas”. Aliás, no decreto de separação Igreja-Estado, os legisladores já haviam
consignado à mudança quando no art. 43 diz: "Ficam revogadas a lei n. 3.150, de 4 de
novembro de 1882 e bem assim quaisquer disposições contrárias ao presente decreto”.
167
As associações religiosas à vênia do Estado, com a Constituição de 1891 teria cessado
para elas essa condição dependente. Nessa perspectiva diz:
Dois sistemas realmente se conhecem, no assunto: o da autorização e o da
liberdade. Aquela poderá ser mais ou menos mitigada, esta mais ou menos.
A Constituição de 1891 abraçou o segundo, firmando a liberdade religiosa.
Que vem a ser o regime da autorização prévia? A função, conferida ao poder
publica, de autorizar as associações. Mas na função de autorizar se inclui a
de obstar. Permitir ou vedar a existência ás associações impetrantes: eis o
arbítrio, que, nessa atribuição, ao Estado se compete. Ora teriam as
associações o direito de se formarem livremente; como a Constituição lhes
faculta, se o Estado, mediante a autorização prévia, as pudesse coibir? Não.
Logo, a autorização prévia, a que as leis do Império submetiam as
associações religiosas, é incompatível com a plenitude da liberdade, que a
Constituição da Republica lhes assegura. Com essas associações, prescreve a
Constituição no seu texto, serão “observadas as disposições de direito
comum. Acabou, por conseguinte, para el1as, o direito de exceção, em que
as disposições do antigo regime as encadeavam. Entraram no grêmio do
direito comum as outras associações. E qual será, em matéria de associações,
o direito comum? O direito, a elas reconhecido em comum, de se
constituírem independentemente de autorização oficial! Mas, promulgando a
liberdade das associações religiosas, não diz a Constituição que esse direito
se estenda aos estrangeiros. Di-lo, porém e categoricamente, prescrevendo,
no intróito do art. 72: "A Constituição assegura a brasileiros e estrangeiros
residentes no pais a inviolabilidade dos seus direitos. (BARBOSA, 1934,
p.218-219).
Ruy Barbosa ao mesmo tempo em que defendia o laicismo do Estado brasileiro,
defendia também a não representação do País no Vaticano.
Separadas, como estão oficialmente as duas sociedades, cessou os motivos
razoáveis, para ternos uma representação perante o trono de S. Pedro. Mas
quem não vê que, justamente por isso, o menos arriscado a perder com a
supressão desse último laço é o Governo espiritual do Summo Pontífice, a
quem as instituições atuais abriram, no Brasil, uma esfera autônoma na
giraria, na administração, na propaganda? De que meios regulares dispõem,
hoje, o Governo, entre nós, para ferir a Igreja? Não nos vemos. Mas quem
poderia calcular os recursos acessíveis á Igreja, para mal fazer á República,
indispondo contra ela os crentes, sem transpor os limites da ação espiritual?
Numa nação católica, onde o catolicismo vive independente do Estado, o
Governo temporal não tem nada haver com o espiritual. Sendo assim, a
representação brasileira perante o Vaticano não tem papel necessário.
(BARBOSA, 1934, p.286-287).
O Estado, portanto não pode e não deve reconhecer como Estado uma instituição
religiosa ou um Estado religioso dentro de um Estado laico. Esta proposição de Ruy fora
amplamente discutida e finalmente colocada “no gelo”, ou seja, está até os dias de hoje
168
arquivada. Ademais, o grande desejo de Ruy era que o Brasil não reconhecesse o Vaticano
como Estado e sim como apenas uma instituição religiosa.
Inaugurada a liberdade religiosa, nas amplas proporções em que o espírito do
direito nacional e o interesse político a estão reclamando entre nós, à
eliminação dessas anomalias anacrônicas seriam um resultado suavemente
natural da grande premissa. Mas, neste particular, o juízo da mocidade cedeu
em nós à reflexão da idade madura. Sem nos desviar dos nossos sentimentos
liberais quanto às relações entre a igreja e o estado. (BARBOSA: Imprensa,
14 de novembro de 1898. Obras Seletas, vl.7).
169
5 PERSPECTIVAS ATUAIS
A separação Igreja-Estado foi um momento histórico, no qual cruzaram as condições e
as necessidades de mudanças como nunca houve antes presenciado no País, no qual de fato o
processo de instauração da República trouxe em seu bojo os marcos de um novo Estado, no
qual a liberdade religiosa e acima de tudo, a separação da Igreja do Estado se consolidou
embora que formalmente ou juridicamente.
Com a República, o Estado tornou-se laico desvencilhado das influências religiosas,
embora formal e jurídica. O Estado brasileiro adquiriu depois de quatro séculos de teocracia
definitivamente um caráter jurídico laico. A necessidade da ruptura se tornou, em
conseqüência precisa para restituir a dinamicidade ao que parecia um Estado e uma Igreja sem
vida.
A consolidação da separação da Igreja do Estado como foi analisada neste trabalho,
tornou claro que este fato não foi um fato abrupto e isolado na história do Brasil. A ruptura
ocorreu necessariamente dentro de um contexto histórico propício para sua implantação
consubstanciada por ideologias, principalmente o positivismo comtiano e o liberalismo como
se demonstrou.
Desde cedo, a nação açambarcou o ideário liberal e a concepção de um Estado laico. A
busca desta concepção constituía a principal preocupação dos políticos no final do período
colonial, e da maioria dos políticos de todo período imperial. Ademais, tanto os políticos
como a intelectualidade brasileira, bem como outras correntes de pensamento como foi o caso
da intelectualidade maçônica, absorveram a concepção do Estado laico que, com a República
adquiriu definitivamente esse caráter.
A influência do pensamento liberal inglês tendo como principal representante John
Locke e depois a conformação positivista comtiana influenciara os líderes liberais e
170
republicanos, os quais apregoaram um novo modelo de Estado, não mais com a sanção da
religião, mas no racionalismo e no liberalismo, produtos do movimento renascentista-
iluminista transplantados para esta terra.
O laicismo do Estado foi a metodologia adotada nas nações européias onde o Estado
Moderno já evidenciara uma nova dinâmica filosófica-constitucioanal. Foi nesta perspectiva,
que Ruy Barbosa ao escrever sobre o laicismo do Estado afirmou:
A autonomia do Estado, no seio da civilização progressista e leiga do
ocidente, é, nas constituições políticas hodiernas, a idéia prima, a lei
fundamental. Acima delle não existe, não deve existir nenhum poder. [...] a
Igreja e o Estado formam duas sociedades completamente separadas,
perfeitamente livres e independentes, cada qual no circulo de seu domínio
peculiar, o que exprimem com a fórmula- a Igreja livre no Estado livre.
(BARBOSA, 2 ed., 1930, p.133,134,158).
Mas o que se pretende com este trabalho?
Pretende-se que este trabalho possa fomentar a mais ampla liberdade, o direito às
minorias étnicas e religiosas, a reprovação à inclusão da religião, quaisquer que sejam elas
nos negócios e repartições do Estado, pois a consolidação da separação da Igreja do Estado na
Constituição de 189179, bem como as ratificações nas constituições posteriores80 e na nossa
atual, nos dá uma posição plena para defender esta perspectiva81.
79
Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 24 de fevereiro de 1891: Nós, os
representantes do povo brasileiro, reunidos em Congresso Constituinte, para organizar um regime livre e
democrático, estabelecemos, decretamos e promulgamos a seguinte: Art 11 - É vedado aos Estados, como à
União: 2 º ) estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício de cultos religiosos; Art 72 - A
Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos
concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: § 3º - Todos os
indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e livremente o seu culto, associando-se para esse fim
e adquirindo bens, observadas as disposições do direito comum. § 7º - Nenhum culto ou igreja gozará de
subvenção oficial, nem terá relações de dependência ou aliança com o Governo da União ou dos Estados.
80
Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937: Art 32 - É vedado à União, aos Estados e aos
Municípios: b) estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício de cultos religiosos; Art 122 - A
Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no País o direito à liberdade, à segurança
individual e à propriedade, nos termos seguintes: 1º) todos são iguais perante a lei; 4º) todos os indivíduos e
confissões religiosas podem exercer pública e livremente o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo
bens, observadas as disposições do direito comum, as exigências da ordem pública e dos bons costumes.
Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946: Art 31 - A União, aos Estados, ao Distrito Federal e
aos Municípios é vedado: II - estabelecer ou subvencionar cultos religiosos, ou embaraçar-lhes o exercício;
III - ter relação de aliança ou dependência com qualquer culto ou igreja, sem prejuízo da colaboração
recíproca em prol do interesse coletivo.
171
Por outro lado, este trabalho deixou claro que: Estado leigo não quer dizer Estado ateu.
Estado leigo deve, ao contrário do Estado ateu, reconhecer a existência de todos os credos,
deixando-lhes aberto a qualquer religião, assegurando a liberdade de culto.
Leigo ou laico não quer dizer contrário a todo e qualquer sentimento
religioso; traduz, ao revez, simpatia igual, tolerância completa em face de
todas as religiões, dentro, é claro, dos limites da ordem moral pública. [...]
Estado leigo é o que não tem religião official e não impõe, portanto,
qualquer que seja (LIMA, 1921, p. 130).
A concepção teórica de Estado leigo ou laico, dinâmica das nações mais
desenvolvidas, consubstancia a Declaração das Nações Unidas, em uma Cláusula Pétrea ao
tratar dos Direitos Individuais
82
, como também a Carta ou Declaração da Organização dos
Estados Americanos
83
. Na Declaração Universal dos Direitos Humanos, há um convite para
se pensar e conceber o direito do ser humano, em todos os aspectos de sua vida social,
econômica e religiosa. Ademais, em seu preâmbulo, a Declaração Universal dos Direitos
Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1967: Art 9º - A União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios é vedado: I - criar distinções entre brasileiros ou preferências em favor de uns contra outro II -
estabelecer cultos religiosos ou igrejas; subvencioná-los; embaraçar-lhes o exercício; ou manter com eles ou
seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada a colaboração de Interesse público,
notadamente nos setores educacional, assistencial e hospitalar; Art 150 - A Constituição assegura aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pais a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à
liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: § 1º - Todos são iguais perante a lei, sem
distinção, de sexo, raça, trabalho, credo religioso e convicções políticas. O preconceito de raça será punido
pela lei. § 5º - É plena a liberdade de consciência e fica assegurado aos crentes o exercício dos cultos
religiosos, que não contrariem a ordem pública e os bons costumes. § 6º - Por motivo de crença religiosa, ou
de convicção filosófica ou política, ninguém será privado de qualquer dos seus direitos, salvo se a invocar
para eximir-se de obrigação legal imposta a todos, caso em que a lei poderá determinar a perda dos direitos
incompatíveis com a escusa de consciência.
81
Constituição da República da República federativa do Brasil de 1988 – Atual: Artigo 5º Todos são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
VII - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos
religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e de suas liturgias; VII - ninguém será
privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar
para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
Artigo 19 É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com
eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, reservada, na forma da lei, a colaboração de
interesse público.
82
Artigo I. Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e
consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.
83
Artigo 45: a) Todos os seres humanos, sem distinção de raça, sexo, nacionalidade, crença ou condição social,
têm direito ao bem estar material e a seu desenvolvimento espiritual em condições de liberdade, dignidade,
igualdade de oportunidades e segurança econômica. (Bogotá, 1948).
172
Humanos é evidente quanto à finalidade de seus princípios: o advento de um mundo cujo
fulcro seja a liberdade.
O artigo 18 afirma:
Todo homem tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião.
Este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade
de manifestar essa religião ou crença pelo ensino, pela prática, pelo culto e
pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular.
(Declaração Universal de Direitos Humanos, 1945, p. 28).
Neste sentido, a Declaração reconhece o foro íntimo da consciência, e deve os Estados
eximir-se de sua jurisdição qualquer matéria religiosa, desde que não fira os princípios que ela
mesma assegura. Nesta perspectiva, se o direito natural da liberdade religiosa e da consciência
não for respeitado, vai gerar o preconceito e a discriminação, assim, a humanidade está fadada
a desaparecer. Por outro lado, o fanatismo religioso opera o “alienus” (separação do outro),
sendo predicado ideológico de uma religiosidade exclusivista e daí terá uma sociedade à beira
do abismo.
O filósofo contemporâneo Leo Strauss, alemão naturalizado norte-americano e autor
do livro “Natural Right and History, começa essa sua obra com a seguinte citação extraída
da Declaração de Independência americana:
Consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas. Que todos os
homens foram criados iguais; que foram dotados pelo Criador de certos
direitos inalienáveis; que entre estes, estão a vida, a liberdade e a busca da
felicidade.
Na perspectiva de Stauss a liberdade e a vida estão intimamente ligada ao Direito
Natural, e assegura o equilíbrio da sociedade. Nesta liberdade decorre ou está inclusa a
liberdade religiosa
84
, que por ser Direito Natural de livre expressão de crença constitui-se no
princípio de um Estado laico e Democrático de direito
85
.
84
A liberdade como direito inalienável inclui o direito de decidir o que a conciência individual arbitrar. Esta
vontade não pode se eximir a religiosa. “A liberdade e a igualdade dos homens não são um dado de fato, mas
173
Para esse autor, o fanatismo e o fundamentalismo étnico ou religioso constitui num
empecilho para consolidar o direito natural da liberdade
86
.
O fanatismo ou fundamentalismo religioso, embora coletivo, resulta num indivíduo
egoísta e alienado, voltado a si mesmo, acompanhado de uma identificação inconsciente com
o objeto do impulso. Nesta perspectiva, para alguns teóricos das ciências da religião e de
outras ciências, defendem que o “11 de setembro”
87
representa uma manifestação individual,
egoísta e é fruto de uma cosmovisão religiosa. Peter Berger e Thomas Luckmam (1985)
quando vão explicar a religiosidade contemporânea afirmam que a religião é uma
cosmovisão”, e que esta não manifesta somente uma estrutura de poder e dominação, mas
um ideal a perseguir, não são uma existência, mas um valor; não são um ser, mas um dever ser.” (Norberto
Bobbio, a Era dos Direitos, Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro, Campus, 1992, p. 29).
85
Strauss publicou, pela primeira vez, sua obra Natural Right and History, em 1953. No prefácio ele informa
que o livro reuniu seis conferências por ele proferidas na Universidade de Chicago, em outubro de 1949.
Portanto, a geração a que ele se refere se situa na primeira metade do século 20, quando estão em plena
ascensão as ciências sociais e as teorias historicista e relativista. É importante lembrar que o período é o que
sucede a segunda grande guerra e há no mundo um clima de ameaça de expansão do comunismo e do
totalitarismo.
86
STRAUSS, Leo. Droit Naturel et Histoire. Traduit de l’anglais par Monique Nathan et Éric de Dampierre.
France : Flammarion, 1986.
87
Os ataques do 11 de setembro não foram significativos somente para os Estados Unidos e seu povo, mas
também para a política global e o mundo como um todo, pois os estilhaços da derrocada espalharam-se por
todos os continentes. Afinal de contas, talvez não haja até hoje na sociedade global um fato de natureza tão
peculiar que, em um só tempo, tenha ganhado tamanha ênfase como os ataques às torres gêmeas, ícones
simbólicos do modelo capitalista ocidental. A despeito disso, vale acrescentar que os eventos de 11 de
setembro apresentaram a particularidade de terem suas imagens exibidas repetidas vezes em todo o planeta e
todos os detalhes puderam ser acompanhados em tempo real, ao vivo e em cores. Aliás, tão rápido quanto às
imagens do colapso daquelas estruturas, aparentemente sólidas e incólumes, foram as conseqüências daquele
dia para uma socied dia para uma sociedade globalizada como a nossa. Os impactos do 11 de setembro
demonstram ter afetado desde áreas de grande amplitude cuja visibilidade apresenta-se mais óbvia como a
economia, a segurança global ou até mesmo o preconceito e a (in)tolerância religiosa até fatos aparentemente
menores, pertinentes à individualidade, que dizem respeito aos fatos simbólicos, à subjetividade e ao
inconsciente de cada cidadão do universo, seja nos EUA, in loco ou alhures. Poder-se-ia até dizer que, desde
então, um marco contemporâneo eclodiu e, doravante, o mundo ficou demarcado entre uma linha imaginária de
tempo: antes e depois de 11 de setembro. Assim, em termos ainda mais específicos, procurar-se-á avaliar até
que ponto o 11 de setembro serviu de ênfase na retórica religiosa do discurso de Bush, agindo como: um meio
instrumentário ou, ao menos, um centro catalisador para legitimar a guerra no Iraque; um facilitador ao modus
operandi político do Governo Bush; e, eventualmente, mais uma ferramenta para alavancar sua reeleição. E,
Por fim, pretende-se também destacar fenômenos arraigados na cultura estadunidense que possam ter
contribuído e, mais do que isso, dado sustentação, à política do atual presidente dos EUA, George W. Bush.
Ver: Dissertação de Mestrado apresentada à PUC-SP de autoria de Kleber Maia Marinho, no Programa de Pós-
graduação em Ciências da Religião. Ver ainda: RODEGHERO, C. S. Religião e patriotismo: o anticomunismo
católico nos anos da Guerra Fria. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 22, n. 44, p. 463-487, 2002.
JONES, D. Civil and public religion. In: ENCYCLOPEDIA of the American Religious Experience: studies of
traditions and movements New York: Charles Scribners’ Sons, 1988. v. 3, p. 1388-408.
174
manifesta o indivíduo e seu desejo. Nesta perspectiva, o substrato religioso não é apenas e tão
somente a religiosidade e o poder, mas o espírito do indivíduo.
Tem-se notado e tem sido cada vez mais comum a organização dos grupos religiosos
no sentido de transpor e impor seu código de valores religiosos para toda a comunidade,
pressionando as instituições do Estado, das mais diversas formas, para assumirem valores
particulares em detrimento da coletividade
88
.
Ademais, vivem-se no mundo atual surtos de fundamentalismos ao que parece advém
do interesse cada vez maior de dominação e poder e usam a religião como recurso. Nesta
perspectiva, a religiosidade está sendo usada como mecanismo capaz de re-instaurar o
simbólico no coração do homem como pretexto, mas está na verdade em busca do poder e da
dominação. Nesse contexto, o poder religioso e secular se atrela como força motriz do
fundamentalismo.
O Parlamento muçulmano do Irã aprovou recentemente uma Lei que exige de judeus,
cristãos e outros integrantes de minorias religiosas o uso de símbolos distintivos em suas
roupas, de modo a serem mais facilmente identificados como não-muçulmanos. A medida tem
88
Nesta perspectiva, alguns teóricos da filosofia política, sociologia da religião e de outras ciências em interface
com a problemática da religião, defendem que há Estados em que se consolida uma espécie de nacionalismo
religioso. Sobre isso, Marinho, 2006, ressalta que: “O denominado nacionalismo religioso refere-se ao caráter
sagrado e transcendente da nação propriamente dita, considerada como um objeto de reverência. As
implicações desse conceito imbricam-se ao fervor patriótico, à glorificação dos heróis nacionais e à
sacralização dos propósitos nacionais, reais ou pretensos. Nela, o sacrifício e a devoção misturam-se ao
patriotismo, por exemplo, em tempos de guerra. A análise da religião civil sob esse enfoque ocupa-se da
santificação da nação e da fusão do fervor religioso com o patriotismo, cuja expressão é observada nos mais
diversos campos: feriados religiosos, peregrinações, paradas, festas e celebrações solenes, além da sacralização
da bandeira. Na política dedica-se a observar a figura do presidente como um padre de alto escalão; os
documentos oficiais, tais como a Declaração da Independência e a Constituição, são considerados escrituras
sagradas e fontes de uma doutrina teológica sagrada. O elo de ligação entre sociedade e política fecha-se em
uma unidade e em uma grande missão; já no plano individual, este elo dá-se na elevação emocional e na
formação de uma identidade que fecha uma coesão do indivíduo ao grupo, dando-lhe um sentimento de
pertença. É necessário distinguir que o nacionalismo religioso, diferente da religião universal transcendente, é
excludente e contrário às noções universalistas, visto que seu foco é fechado em sua própria nação. Não existe
espaço para maiores sacrifícios em benesse ao desenvolvimento de uma justiça universal”. MARINHO, K. M.
In The President We Trust: uma análise da concepção religiosa na esfera política dos EUA presente nos
discursos de George W. Bush. São Paulo: PUCSP, 2006.
175
por objetivo fazer com que os islamitas identifiquem-se com maior facilidade dos outros
grupos religiosos e evitem qualquer contato com eles para não se tornarem impuros. Esta
medida segrega e discrimina. Ofendem os direitos e sufocam as liberdades públicas e
individuais. É uma tremenda violação dos Direitos Humanos Fundamentais.
Desde o pós-guerra (1945), alguns Estados do mundo islâmico se tornaram Estados
teocráticos. É o caso da Arábia Saudita que se proclamou um Estado Islâmico governado pelo
Alcorão e depois o Irã que instalou o governo baseado na “sharia”- a lei islâmica propagnada
pelo líder espiritual o aiatolá Khomeini
89
.
Os fundamentalistas que defendem um Estado teocrático querem derrubar os governos
islâmicos moderados e instalar a lei islâmica radical.
Tem-se observado tanto no discurso político quanto no discurso religioso um crescente
fomento ao fundamentalista e ao fanatismo. Pode-se apontar como um dos motivos desse
momento fundamentalismo questões que envolvem não somente a economia de mercado,
como também a hegemonia do poder religioso.
Os fundamentalistas não vêem essa luta como uma batalha política convencional, e
sim como uma guerra cósmica entre as forças do bem e do mal. Temem a aniquilação e
procuram fortificar sua identidade sitiada por meio do resgate de certas doutrinas e práticas do
passado. O fundamentalismo ao que parece advém do desespero, do medo e da incerteza,
como mecanismo capaz de re-instaurar o simbólico no coração do homem que ousou perder-
se. Para evitar a contaminação, geralmente se afastam da sociedade e criam uma
contracultura; não são, porém sonhadores utopistas. Absorveram o racionalismo pragmático
da modernidade e, sob a orientação de seus líderes carismáticos, refinam o “fundamental” a
fim de elaborar uma ideologia que fornece aos fiéis um plano de ação. Acabam lutando e
89
O aiatolá é a maior autoridade religiosa do islamismo fundamentalista, especificamente no Irã. O liíder
religioso Khomeini pregava o “governo de Alá-Deus”, e implementou no Estado todos os princípios do Corão.
176
tentando ressacralizar um mundo cada vez mais céptico
90
. Nesta perspectiva, elaboram uma
ideologia que fornece aos fiéis um plano de ação. Foi assim com o fundamentalismo nazista e
fascista. Segundo Erwin W. Lutzer (2003) a cruz de Hitler foi usada como um viés religioso.
Ele disserta sobre “Como a cruz de Cristo foi usada por Hitler para promover a ideologia
nazista. Para ele o pano de fundo da ideologia nazista foi a religião
91
.
Nos Estados Unidos, uma coalizão cristã (católicos radicais e protestantes
fundamentalistas) levou George W. Bush à presidência da República. Ele assumiu uma
posição radical com ares religiosos declarando a “luta do bem contra o mal”, expressão que
ficou conhecida no mundo desde os primeiros dias de seu governo. Bush referiu-se “o mal”
aos islâmicos fundamentalistas. Em 2002 decrarou que países islâmicos fundamentalistas
estão no “eixo do mal”. Por outro lado, os islâmicos têm Bush e os que o apóiam como “o
mal”. Isso refletiu posteriormente no ataque às torres gêmeas que representava o poder
econômico e no pentágono que representa o poder militar-civil.
92
90
ARMSTRONG, Karen. Em nome de Deus: os fundamentalismos no Judaísmo, Cristianismo e Islamismo. São
Paulo: Cia das Letras, 2001, p.11.
91
LUTZER, W. Erwin. Como a cruz de Cristo foi usada por Hitler para promover a ideologia nazista. São
Paulo: Editora Vida, 2003.
92
Refere-se ao atentado terrorista ao Word T. Center em 11 de setembro de 2001, cuja autoria foi confirmada.
Os atentados terroristas ocorridos em 11 de setembro de 2001 em território norte-americano - quando dois
aviões se chocaram contra os prédios do World Trade Center em Nova York, um outro atingiu o Pentágono em
Washington, e, um quarto, não chegou ao destino planejado pelos terroristas, por força dos tripulantes e
passageiros que empreenderam uma reação à dominação da aeronave -, trouxeram novo e grande impacto ao
cenário internacional e, em particular, a seara do direito internacional dos direitos humanos. Atualmente,
segundo Cançado Trindade “Vivemos um momento sombrio, resultante do recrudescimento do unilateralismo,
sobretudo com a ação militar no caso Kosovo (sem a prévia autorização do Conselho de Segurança da ONU) e
com as conseqüências dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, que acarretam uma erosão das
garantias judiciais e dos princípios gerais do Direito. Há uma vasta jurisprudência internacional condenatória
de medidas de exceção que representa hoje um baluarte contra as tentações do cesarianismo e um verdadeiro
patrimônio jurídico de todos os povos. A nenhum Estado é dado considerar-se acima do Direito. Não se pode
combater o terrorismo com a repressão indiscriminada”. Verifica-se que o dilema entre os Estado de Polícia e o
Estado de Direito acercou-se da comunidade internacional em razão do clamor público por segurança frente ao
terrorismo, uma “guerra” mais injusta da feita que o inimigo é invisível. Como bem alerta Flávia Piovesan “o
Pós 11 de setembro aponta o desafio de que ações estatais sejam orientadas pelos princípios legados do
processo civilizatório, sem dilapidar o patrimônio histórico atinente a garantias e direitos. O esforço de
construção de um “Estado de Direito Internacional”, em uma arena mais democrática e participativa, há de
prevalecer em face da imediata busca do “Estado Polícia” no campo internacional, fundamentalmente guiado
pelo lema da força e segurança internacional”. De outro modo, a evolução do direito internacional dos direitos
humanos e a estruturação do sistema internacional de proteção aos direitos humanos trouxeram ganhos
inarredáveis: o papel dos organismos internacionais, como foros legítimos de debates multilaterais; a via do
consenso para a tomada das decisões que atingem a sociedade internacional; e, ainda, a inclusão em definitivo
177
Os críticos de literatura e a Associação Americana dos Livreiros (AAL) registram que
do ano 2000 para cá, houve um aumento vertiginoso de obras místicas fomentando a
religiosidade fundamentalista, bem como obras acadêmicas contrárias à religião. No contexto
atual, as últimas estão causando maior impacto. Pelo menos três obras estão causando maior
impacto.
A primeira é do zoólogo britânico Richard Dawkins, um dos maiores e mais conhecido
pesquisador do evolucionismo. Publicou em setembro de 2006 o livro “The god delusion”,
algo como “A ilusão de Deus”. Na mesma perspectiva, o neurocientista americano Sam Harris
publicou “Letter to a cristian nacion”, “uma carta a uma nação cristã”, uma espécie de desafio
à fé cristã, amparado em uma crítica racional da religião. O terceiro é Daniel Dennet com o
livro “Breaking the spell”, “Quebrando o encanto”. Nesta obra, ele oferece explicações
naturais para o surgimento da fé e questiona o papel das religiões. Todos os três assumem o
ateísmo e afirmam agnósticos. Defendem que a religiosidade faz mais mal do que bem para a
humanidade.
O perigo não está, entretanto em manifestar tais opiniões, pontos de vistas,
defenderem esta ou aquela tese, mas em alguém se apropriar de ideologias religiosas ou
crenças para adotar um modelo de Estado que venha sufocar as liberdades individuais, dentre
elas a religiosa. Muitos políticos astutos pagaram ideologias religiosas para implementar seus
projetos de poder, como foram: Constantino (310 A.D), Carlos Magno (870 AD), Hitler
(1940) e Stalin, dentre outros. Partindo de pressupostos religiosos consolidaram Estados
totalitários e ditatoriais e, como conseqüência, sufocaram as manifestações religiosas e étnicas
do indivíduo como sujeito de direito - relembrando Hannah Arendt, o indivíduo como titular de direito a ter
direitos. Todos, pautados em um Estado democrático de Direito em que os valores liberdade e igualdade
servem de fundamento, ou seja, a negação da regulação da sociedade pautada neste dever-ser, que consiste na
busca de uma sociedade de livres e iguais, significa a assunção de um papel não democrático pelo Estado.
(Carla Noura Teixeira-Universidade Mackenzie-2007, Os Direitos Humanos como Parâmetros Mínimos
Irredutíveis).
178
contrárias às suas convicções e cosmovisões. Tais discursos e práticas sufocam as liberdades e
dentre elas a religiosa e fomenta, em certa medida, o casamento do poder secular e religioso.
Diante destas perspectivas o que se pode concluir? Reafirmar o papel destas duas
instituições na sociedade, especificamente no Brasil e mostrar o verdadeiro lugar do Estado e
da Igreja.
Um Estado que se assenta no princípio democrático de direito e na defesa de direitos
fundamentais para todos, indistintamente, de forma universal, não pode patrocinar ou assumir
uma determinada religião.
É inegável que as religiões constituem forças sociais e políticas que se organizam no
sentido de formar seus adeptos e de conseguir novas adesões a partir de um determinado
programa de valores, que contém regras morais, ritos e liturgias. Porém um Estado
Democrático de Direito deve conceber a liberdade de religião, crença e consciência e protegê-
la como direito fundamental.
Por outro lado, é preciso questionar até que ponto os líderes políticos devem
intrometer-se nas questões religiosas e os líderes religiosos nos negócios do Estado.
Estado e Igreja são duas forças ou os dois poderes fazem parte da sociedade e atuam
como meio de defesa. A Igreja que combate os males morais e deve livrar os cidadãos das
influências deletérias da maldade e do desrespeito à pessoa humana, o Estado como ente que
garanta a estabilidade e o progresso coletivo.
O Estado visa tão-somente à proteção dos interesses da coletividade, e, quando esta
finalidade desaparece, perde o Estado a sua razão de ser. Neste sentido, quando a sociedade se
vê em perigos iminentes, que põe em risco sua estabilidade e progresso, faz-se mister a
intervenção do Estado. Ele tem a missão de governar ou dirigir a sociedade, promovendo a
paz e a felicidade. Aliás, essa concepção de Estado é bem antiga e remonta a idéia defendida
179
por Platão na “República”. Desta forma, a visão moderna da função do Estado é servir o povo
da melhor maneira e pelos métodos os mais judiciosos. Esta é a compreensão de Estado
democrático de direito.
Se o Estado estabelecer religião ou privilegiar uma em detrimento de outra, constitui
um desrespeito ao direito natural, porque sufocam o direito de liberdade ao mesmo tempo em
que violenta as consciências. Ademais, o respeito à consciência e ao foro íntimo continua
sendo o apanágio da Constituição Brasileira
93
.
Enfim, demonstrou-se a Constituição Federal de 1891 e todas as outras posteriores até
a atual ao constituir o Brasil como Estado laico, assegurou a liberdade de crença e consciência
para todas as pessoas, sem distinção, possibilitando proteção para as minorias, que, também
sendo parte do elemento humano que forma o Estado, não estão obrigadas a seguir padrões
específicos de uma determinada religião. Dessa forma as manifestações do Estado em todos
os níveis e Poderes devem observar o princípio do Estado laico. A Advocacia Pública, bem
como as outras instituições inclusive as Igrejas devem-se comportar segundo os parâmetros
do pluralismo e do respeito à liberdade de crença, de religião e de consciência.
O jurista Silva (2006, p. 119-120) resume a concepção do Estado pluralista respeitador
das diversidades da seguinte forma:
Pluralista, porque respeita a pluralidade de idéias, culturas e etnias e
pressupõe assim o diálogo entre opiniões e pensamentos divergentes e a
possibilidade de convivência de formas de organização e interesses
diferentes da sociedade; há de ser um processo de liberação da pessoa
humana das formas de opressão que não depende apenas do reconhecimento
formal de certos direitos individuais, políticos e sociais, mas especialmente
da vigência de condições econômicas suscetíveis de favorecer o seu pleno
exercício. (SILVA, 2006, p. 119-120).
Nesta perspectiva, um Estado pluralista não pode ser um Estado Confessional que
assume ou privilegia uma determinada religião. Se assim fosse, não seria mais um Estado
180
Democrático de Direito, um Estado pluralista, pois estaria desrespeitando as diversidades de
idéias, de crenças e valores morais. Assim, nas decisões tomadas, mediante leis, aqueles
parâmetros como a pluralidade, igualdade e legitimidade podem servir de ponto de partida
para se estabelecerem limites à imposição de regras morais e éticas de um Estado laico.
Segundo Lopez (1996), vive-se em sociedades muito diversificadas, do ponto de vista
religioso e ideológico, e o Estado se desconfessionalizou para atuar de forma laica, de modo
que as crenças e práticas religiosas tendem a se desvincular do institucional e, portanto, a
conseqüência primária da secularização é o pluralismo, que abarca todos os campos
(religioso, ideológico, político, ético, científico, cultural etc.) e que constitui mais que um
princípio, a nova realidade, do mundo moderno. Lopez destaca que viver em pluralismo
religioso e ideológico constitui uma experiência que requer uma constante prática da
tolerância e uma vigilância permanente para impedir que exclusivismos religiosos ou
ideológicos desemboquem em posições monistas ou fundamentalistas, que seriam
inconstitucionais. Decorre, daí, a existência de mecanismos jurídicos de obstrução de
monismos, inclusive a proibição de confessionalização do Estado.
Portanto a relação Estado-Religião deve-se assentar de um lado no reconhecimento de
um direito fundamental à liberdade de crença e consciência, liberdade de convicção filosófica
ou política, ou seja, "na liberdade de crença entra a liberdade de escolha da religião, a
liberdade de aderir a qualquer seita religiosa, o direito de mudar de religião, mas também
compreende a liberdade de não aderir à religião alguma, assim como a liberdade de
descrença, a liberdade de ser ateu e de exprimir o agnosticismo
94
. Mas não compreende a
93
Para uma pesquisa mais abrangente sobre direito natural e liberdade que inclui a religiosa, ver: Comparato,
Fábio Konder. Ética – Direito, moral e religião no mundo moderno. São Paulo, Companhia das Letras, 2006,
716 p. Novaes, Adauto (Org.): Ética. São Paulo, Editora Schwarcz, LTDA, 2005, 395 p.
94
Para uma concepção mais profunda e filosófica sobre a liberdade devemos remontar a Kant. Ver: CHAUÍ,
Marilena. Introdução à história da filosofia ed. rev. e ampl. – São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
Kant definiu a pessoa humana não só como ente dotado de razão e dignidade, mas como ser capaz de guiar-se
pelas próprias regras que cria, ou seja, pela autonomia de seu agir. Em outras palavras, o ser humano é livre. A
liberdade imerge do conceito de pessoa vivamente: e esta potencialidade humana para agir tanto para o bem
181
liberdade de embaraçar o livre exercício de qualquer religião, de qualquer crença, pois aqui
também a liberdade de alguém vai até onde não prejudique a liberdade dos outros". Portanto,
além de respeitar essas liberdades ensejadoras de direitos fundamentais, tanto a primeira
Constituição Republicana como as posteriores até a atual, quiseram que o próprio Estado se
abstivesse de patrocinar qualquer religião, ou seja, que fosse um Estado laico.
A respeito da relação Estado-Igreja, Silva (2006, p.190) observa a existência de três
sistemas: “a confusão, a união e a separação, cada qual com gradações. Na "confusão", o
Estado de confunde com determinada religião; é o Estado teocrático como os Estados
islâmicos. Na hipótese da "união" verificam-se relações de participação do Estado em uma
determinada igreja, no que concerne à sua organização e funcionamento, como a participação
na designação de ministros religiosos e sua remuneração. Foi o sistema do Brasil-Império. O
sistema da "separação e colaboração" foi é o adotado pela Constituição de 1988. O campo da
separação está melhor delineado já que o texto constitucional menciona que as unidades
federadas não podem estabelecer cultos religiosos, criando religiões ou seita, bem como
subvencionar, ou seja, concorrer com dinheiro ou com outros bens públicos, ou, ainda,
embaraçar o exercício dos cultos religiosos, dificultando, limitando ou restringindo a sua
prática. Nesse sentido é que se insere a imunidade dos templos de qualquer culto. Também no
tocante à separação, não se admitem as relações de dependência ou de aliança com qualquer
culto, igreja ou seus representantes, o que não impede, naturalmente, as relações diplomáticas
com Estados confessionais, nas quais ocorre uma relação de Direito Internacional público”.
quanto para o mal deverá ser guiada pelos princípios éticos que fundarem a consciência do indivíduo e mesmo
a consciência coletiva, como enaltece Durkheim em seus estudos sociológicos. A pessoa humana deve,
portanto, ser livre e igual em direitos, fundamentada pela razão e consciência ética, para que possa dirigir-se à
felicidade. Conseqüentemente, a razão ética, a consciência ética do indivíduo deve guiá-lo no seu agir. Não
basta ao homem especular ou inventar (artística ou tecnicamente) sua realidade, mas precisa compreendê-la
numa totalidade de atos que afetam diretamente os demais, positiva ou negativamente. Desta forma,
compreende-se o valor inexorável da Declaração Universal dos Direitos do Homem, datada de 1948 (e,
portanto, após as duas grandes hecatombes históricas do século XX), quando, em seus artigos I e VI os quais
tratam da liberdade.
182
Miranda (1993, p. 355) também estabelece um quadro esquemático das relações entre
Estado e confissões religiosas, tal como as revelam a história e o Direito Comparado.
Vislumbra o autor a possibilidade de identificação entre Estado e Religião - é o Estado
confessional, no qual pode haver domínio do poder religioso sobre o poder político (teocracia)
ou domínio do poder político sobre o poder religioso (cesaropapismo); não identificação
(Estado laico) - e nessa hipótese, com união entre o Estado e uma confissão religiosa (religião
de Estado) e com separação, sendo que a separação pode ser relativa (com tratamento
especial, privilegiado de uma religião) ou separação absoluta (com igualdade das confissões
religiosas); e, por fim, oposição do Estado à religião, oposição relativa, (Estado laicista) ou
oposição absoluta (Estado ateu, ou de confessionalidade negativa)
95
.
O Estado laico também se concretiza constitucionalmente na medida em que ficam
proibidas as unidades federadas estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los,
embaraçar-lhes o funcionamento; manter com eles ou seus representantes relações de
dependência ou aliança, ou seja: delineou-se um modelo de separação entre Estado e
confissões religiosas. Os direitos fundamentais, entre eles a vida, devem ser interpretados a
partir do que significa historicamente a conquista de um Estado laico.
Os ideais democráticos, a pluralidade de idéias, convicções morais, éticas, religiosas,
filosóficas devem ser igualmente valorizados pelo Direito, ou seja, as diferenças existentes
entre as pessoas devem ser igualmente protegidas, em virtude do igual valor associado à todas
as diferenças que fazem de cada pessoa um indivíduo diverso de todos os outros e de cada
indivíduo uma pessoa como todas as demais.
95
A confessionalidade negativa é a expressão usada pelo cientista político Norberto Bobbio, a qual significa que
o Estado deva negar quaisquer manifestação religiosa. O estado neta concepção é laico e ao mesmo tempo
totalitário.
183
Jorge Miranda ainda defende a plenitude da liberdade religiosa:
Sem plena liberdade religiosa, em todas as suas dimensões compatíveis, com
diversos tipos de relações das confissões religiosas com o Estado - não há
plena liberdade cultural, nem plena liberdade política. Assim como, em
contrapartida, aí onde falta a liberdade política, a normal expansão da
liberdade religiosa fica comprometida ou ameaçada (MIRANDA, 1993,
357).
Por outro lado o dispositivo constitucional que trata da liberdade de crença e de culto
está consubstanciado nos direitos fundamentais os quais limitam a ação do Estado. É como
chama Rebello Pinho (2007) de “vedação constitucional”. Esta vedação visa assegurar o
equilíbrio do Estado, impedindo a aprovação de normas que visam dividir ou criar embaraços
entre os brasileiros. Nesta perspectiva, a liberdade religiosa está inclusa no princípio de
vedação. Ademais, a liberdade religiosa é considerada no dispositivo constitucional como
Cláusula Pétrea amparada nos direitos individuais do ser humano.
O direito de crença na Constituição é um direito fundamental e está vinculado ao
direito à liberdade o que é um direito natural do ser humano.
Os direitos individuais, conforme dispõe o artigo 5º da Constituição atual tem
aplicabilidade imediata e é uma norma plena.
[...] possuem aplicabilidade imediata, o que significa dizer que são auto-
aplicaveis, ou seja, não dependem da edição de norma regulamentadora para
que possam ser exercidos. Somente quando a Constituição expressamente
exigir uma regulamentação e o direito individual não puder ser efetivado
sem a existência de uma legislação infraconstitucional, é que a norma pode
ser interpretada como não auto-executável (PINHO, 2007, p.76).
Os direitos fundamentais são indispensáveis à pessoa humana, reconhecidos e
garantidos por uma determinada ordem jurídica. De acordo com a sistemática adotada pela
constituição brasileira atual, a expressão, “direitos fundamentais”, é gênero de diversas
modalidades de direitos. Estes direitos da nossa Constituição Federal estão consubstanciados
naquilo que prescreve a Declaração Universal dos Direitos, no que diz respeito aos Direitos
Humanos Fundamentais. A Constituição dos Estados membros da O.N.U., devem conformar
184
os pressupostos da Declaração. Para Noura Teixeira (2007)
96
, a Declaração Universal dos
Direitos Humanos vem consolidar a tese da universalidade dos direitos humanos por apontar
o consenso não só de Estados ou comunidades nacionais, mas de homens livres e iguais, no
dizer de Norberto Bobbio:
Não sei se tem consciência de até que ponto a Declaração Universal
representa um fato novo na história, na medida em que, pela primeira vez,
um sistema de princípios fundamentais da conduta humana foi livre e
expressamente aceito, através de seus respectivos governo, pela maioria dos
homens que vive na Terra. Com essa declaração, um sistema de valores é
pela primeira vez na história – universal, não em princípio, mas de fato, na
medida em que o consenso sobre sua validade e sua capacidade para reger os
destinos da comunidade futura de todos os homens foi explicitamente
declarado. (Os valores de que foram portadoras as religiões e as Igrejas, até
mesmo a mais universal das religiões, a cristã, envolveram de fato, isto é,
historicamente, até hoje, apenas uma parte da humanidade) Somente depois
da Declaração Universal é que podemos ter a certeza histórica de que a
humanidade – toda a humanidade – partilha alguns valores comuns e
podemos, finalmente, crer na universalidade dos valores, no único sentido
em que tal crença é historicamente legítima, ou seja, no sentido em que
universal significa não algo dado objetivamente, mas algo subjetivamente
acolhido pelo universo homem.
O Brasil adota o histórico princípio republicano da laicidade como princípio da
separação entre Estado e Igreja, entre instituições governamentais e religiosas. Portanto,
proposições ou outros trabalhos parlamentares de caráter religioso ferem esse princípio
constitucional. Ademais, este princípio está consubstanciado na Cláusula Pétrea da liberdade e
dos direitos individuais. A Carta Magna Brasileira consagrou como Pétrea a cláusula do
artigo 5º que diz:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a
propriedade, nos termos seguintes: VI- é inviolável a liberdade de
consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos
religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas
liturgias; VIII- ninguém será privado de direitos por motivo de crença
religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para
eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir
prestação alternativa, fixada em lei.
96
Ver comunicação expositiva sobre Direitos Humanos Fundamentais e relações sociais de Carla Noura
Teixeira, na Universidade Presbiteriana Mackenzie, no III Congresso Internacional de Ética e Cidadania-2007.
A autora discorre sobre a perspectiva ao Direito à liberdade.
185
Assim, a Constituição atual ratificou o laicismo inaugural da Constituição de 1891,
laicismo este ratificado em todas as Constituições posteriores. Ademais, a atual seguiu a
mesma concepção laica das outras quando diz categoricamente no artigo 19:
É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes
o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de
dependência ou aliança, reservada, na forma da lei, a colaboração de
interesse público.
O princípio do Estado laico é, portanto, típico das nações que vivem sob a égide do
Estado Democrático de Direito e, só não é observado hoje nas teocracias, como as que
existem em algumas nações, sobretudo do mundo islâmico, e em nações ou sociedades tribais.
Ademais, é alto o preço que se paga nos regimes teocráticos pela mistura das razões de Estado
com as de crença e culto religioso.
186
6 CONCLUSÃO
Este trabalho demonstrou que desde a Constituição de 1891 e as seguintes até a nossa
atual consagrou e consagra um modelo de Estado laico, ou seja, desvinculado de quaisquer
confissões religiosas. Discorremos que esse modelo é imprescindível para a defesa dos
direitos humanos fundamentais e de um Estado Democrático de Direito, plural e respeitador
da diversidade.
Por outro lado, a Constituição de 1891, as posteriores e a atual ao reconhecer como
direito fundamental a liberdade de consciência e de crença configurou um modelo de Estado
de natureza laica. Nessa perspectiva, a pluralidade de idéias, de crenças e de diferenças devem
ser igualmente respeitadas e protegidas, para assim fazer valer o ontos do Estado laico e
democrático de Direito.
Este trabalho também esclareceu e definiu mais do que conceitualmente os papéis
dessas instituições e dos seus escopos jurídicos modernos. Nessa perspectiva como se
discorreu, a Igreja é uma instituição privada e de direito privado produtora de virtudes
privadas, e o Estado, é uma pessoa de Direito Público produtor da estabilidade da sociedade e
da paz.
Este trabalho trouxe, à lume, as conseqüências de um Estado unido a uma instituição
religiosa, e o perigo que isso representa para consolidar os direitos fundamentais e o exercício
da democracia. Ademais, um Estado separado da Igreja representou para a nação brasileira
uma aproximação do que é o Estado Democrático de Direito. Nessa perspectiva, a verdadeira
função do Estado é, pois perscrutar o coração do povo e descobrir suas necessidades, seus
anseios e dirigi-lo no caminho da paz e do progresso. Aliás, essa é uma concepção antiga
defendida por Platão no seu livro “A República”.
187
A Igreja por outro lado tem a elevada missão de cuidar das almas e, lhe é confiada a
defesa da sociedade, sua paz e sua estabilidade.
Igreja e Estado, portanto, devem ser separados e ter absoluta independência de ações.
Não se pode confundir. Houve, como ainda há, grandes catástrofes quando o poder religioso
(Igreja) exerce hegemonia sobre o Estado, por outro lado, também, quando o Estado exerce
sobre a Igreja. Tais nações onde se deram e ocorrem essas práticas colheram e ainda colhem
resultados funestos e guerras intermináveis.
A experiência advinda de séculos com os pensadores que defenderam um Estado laico,
autoriza a defender que a Igreja unida ao Estado forma uma verdadeira aberração e fatal
desarmonia.
A Igreja e o Estado separados, concepção laica e moderna constrói uma nação
respeitadora dos direitos e cumpridora dos deveres. Uni-los organicamente ou pleitear a
superioridade e ascendência de uma dessas instituições, é promover o fracasso de ambas.
A Igreja separada do Estado, a liberdade de cultos e de consciência é a voz dos direitos
humanos fundamentais. Promover a união ou privilegiar uma confissão em detrimento de
outra, é sufocar a liberdade de escolha e de consciência.
Portanto, o ideal de Cristo deve prevalecer: “dai a César o que é de César e a Deus o
que é de Deus”, ou seja, que haja uma Igreja livre em um Estado livre.
188
REFERÊNCIAS
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Editora Mestre Jou, 1970.
ALARCON, Mariano Lopez. Valores religiosos y constitución em uma sociedad
secularizada, In: Secularizacion y laicidad em la experiência democrática moderna. San
Sebastian: Librería Carmelo, 1996.
ALENCASTRO, Luiz Felipe de. et al. Império: a corte e a modernidade nacional. (História
da Vida Privada,v.2). São Paulo: Companhia das Letras, 197l.
ALIGHIERI, Dante. Monarquia. in: Pensadores. São Paulo: Abril Cultural,1983.
ALMEIDA, Tito Franco de. A Igreja e o Estado: Um estudo político e religioso. Rio de
Janeiro: Typografia Perseverança, 1874.
AZZI, Riolando. O Estado Leigo e o Projeto Ultramontano. São Paulo: Paulus, 1994.
______. A Cristandade Colonial: Um projeto autoritário. São Paulo: Edições Paulinas, 1987.
______. Um Altar Unido ao Trono: um projeto conservador. São Paulo: Edições Paulinas,
1992.
______. A Crise da Cristandade e o Projeto Liberal. São Paulo: Edições Paulinas, 1991.
______. A Neocristandade: Um projeto restaurador. São Paulo: Paulus, 1994.
BAHIA. Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia (1707).
BANDEIRA, Moniz. Presença dos Estados Unidos no Brasil (dois séculos de história). Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 1973.
BARBOSA, Ruy. O Papa e o Concílio, Introdução. São Paulo: 2 ed. Saraiva & Cia, 1930.
189
_____________. Obras Seletas, vols. 6 e 7. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional - 1893.
BASBAUM, Leoncio. História Sincera da República. Rio de Janeiro: Livraria São José,
1957.
BASTIDE, Roger. As Religiões no Brasil: Uma Contribuição a uma Sociologia das
Interpretações de Civilizações. São Paulo: Pioneira, 1989.
BASTOS, A. C. Tavares. Carta do Solitário. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938.
BECKER, D. J.. O Laicismo e o Estado Moderno. Porto Alegre: Centro da Boa Imprensa,
1931.
BEOZZO, José Oscar. História da Igreja no Brasil - Segunda Época. Petrópolis: Editora
Vozes, 1985.
BERGER, Peter L. O Dossel Sagrado- Elementos Para uma Teoria Sociológica da Religião.
São Paulo: Paulinas, 1985.
_______________; LUCKMAN, Thomas. A Construção Social da Realidade. 22. ed.
Petrópolis. Vozes. 2002.
BETTENSON, Henry. Documentos da Igreja Cristã. Tradução de: Helmuth Alfred Simon,
São Paulo: ASTE & Simpósio, 1998.
Biblioteca Eletrônica (CD-ROM) Digital Magazine: Scientia est potentia. EPP- CNPJ
O4.434.560/0001-05. Textos em PDV-2006.
BIÉLER, André. A Força Oculta dos Protestantes. São Paulo: Cultura Cristã, 1999.
BOBBIO, Norberto, et al.. Dicionário de Política. Brasília: Editora Unb e Imprensa Oficial de
São Paulo, 2004.
_______________. Liberalismo e Democracia. Brasília: Editora UnB, 2005.
190
BORNHEIM, Gerd A. O conceito de tradição. In: Tradição – Contradição; Rio de Janeiro;
Jorge Zahar Editor; 1987.
BOURDIEU, Pierre. A Economia das Trocas Simbólicas. São Paulo:Perspectiva, 1984.
BRASIL. Anais da Câmara dos Deputados (1826-1891).
BRASIL. Anais do Senado Imperial e Republicano (1826-1891).
BRASIL. Código Comercial (1850)
BRASIL. Código Criminal do Império (1830)
BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (1891).
BRASIL. Constituição Política do Império do Brasil (1824).
BRASIL. Decreto 3069 de 17 de abril de 1863. Regulamentou o Registro de Nascimento.
BRASIL. Documentos, Cartas e Opúsculos da Biblioteca Nacional
BRUNNER, Emil. O Equívoco sobre a Igreja. São Paulo: Editora Novo Século, 2000.
CALDEIRA, Jorge (org.). Diogo Antônio Feijó. São Paulo: Coleção Formadores do Brasil-
34, 1999.
CALMON, Pedro. História Social do Brasil, vol.1, 2 e 3. Coleção- Temas Brasileiros. São
Paulo: Martins Fontes, 1995.
CAMPANHOLE, Adriano. Constituições do Brasil. São Paulo:Editora Atlas, 1989.
CARONE, Edgard. A República Velha: Instituições e classes sociais. 4ª edição. Rio de
Janeiro: Editora Difel, 1978.
191
CARVALHO, Joaquim. História das Instituições e Pensamento Político, in: Obra Completa.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989.
CARVALHO, José Murilo. A Formação das Almas: o imaginário da República do Brasil.
São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
CESARÉIA, Eusébio de. História Eclesiástica. Tradução: Wolfgane Fischer, São Paulo:
Novo Século Editora, 1999.
COMPARATO, Fábio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. São
Paulo: Companhia das Letras,2006.
CONTE, Auguste. Filosofia, Espírito, Discurso e Catecismo Positivista. in: Pensadores. São
Paulo: Abril Cultural, 1983.
COSTA, Emília Viotti da. Da Monarquia à República: momentos decisivos, 7ª ed. São
Paulo: UNESP, 1999.
COSTA, Hermisten Maia Pereira da. A Liberdade Religiosa na Constituição de 1824.
(Mestrado em Ciências da Religião)- Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do
Campo, 1999.
COSTA, João Cruz. Contribuição à História das Idéias no Brasil. Rio de Janeiro: Livraria e
Editora José Olímpio,1956.
DONATO, Hernani. O Contidiano Brasileiro no Século XVII. São Paulo: Melhoramentos,
1997.
FERREIRA, Antonio G., Dicionário de Latim/Português. Porto - Portugal: Editora 1 Porto,
1988.
FERREIRA, Julio Andrade. Religião no Brasil. Campinas: Editora Luz Para o Caminho,
1992.
FERREIRA, Miguel Vieira. O Cristo no Júri: Liberdade de Consciência. São Paulo: Oficinas
Gráficas de Saraiva, Reimpresso, 1957.
192
FREIRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala: Formação da família brasileira sob o regime
patriarcal. 20ª ed.. São Paulo: Círculo do Livro, 1980.
_______________. Ordem e Progresso. Rio de Janeiro: José Olímpio Editora, 1959.
FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Editora Nacional, 1972.
GEORGES, Gusdorf. Revoluções da França e da América: a violência e a sabedoria. Rio de
Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1993.
GOMES, Antônio Máspoli de Araújo. Religião, Educação e Progresso. São Paulo:Editora
Mackenzie, 2000.
GONÇALVES, C. Torres. A Separação das Igrejas do Estado Rio de Janeiro: F/IP-89, 1955,
23pp.
GUEIROS, Nehemias. O Estado e a Igreja: esboço de uma teoria do Estado Leigo. Recife:
Ed. Grupo Agitacionista da Faculdade de Direito de Recife, 1931.
GUERRA, Flávio. A Questão Religiosa do Segundo Império Brasileiro. Rio de Janeiro:
Irmãos Pongetti Editores, 1952.
HOBBES, Thomas. Leviatã ou "matéria, forma e poder de um Estado Eclesiástico e Civil."
in: Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: Livraria José Olimpio,
1978.
__________________________. História Geral da Civilização: o Brasil monárquico e o
declínio e queda do império. Rio de Janeiro: Ed. Bertrand Brasil, 1980.
HOORNAERT, Eduardo. Formação do Catolicismo Brasileiro- 1550-1800. Petrópolis:
Editora Vozes, 1991.
IGREJA POSITIVISTA DO BRASIL. Ainda a verdade histórica acerca da instituição da
liberdade espiritual no Brasil bem como do conjuncto da organização republicana federal.
193
in: A propósito das afirmações do senhor Dr. Ruy Barbosa, a esse respeito, no discurso
proferido no Senado Federal, a 20 de novembro de 1912. Rio de Janeiro: doc. 322.1/124a,
1913, 100pp.
KANTOROWICZ, Ernst Hartwig. Os Dois Corpos do Rei: um Estudo sobre Teologia
Política Medieval. Tradução por Cid Knipel Moreira. São Paulo: Editora Companhia das
Letras, 1998.
KIDER, Daniel Parish & FLETCHER, James C.. O Brasil e os Brasileiros. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1941.
KRISCHKE, P.J.. A Igreja e as Crises Políticas no Brasil. Petrópolis: Editora Vozes, 1979.
LEITH, H.J., A Tradição Reformada. São Paulo: Editora Pendão Real, 1996.
LEMOS, Miguel. Concurso para o Livre Sustento do Culto Católico. Rio de Janeiro: F/IP-
206, 1892, 7p.
_____________. O Projeto do Casamento Civil, in: Carta a S. Ex. o Sr. Ministro do Império.
Rio de Janeiro: F/IP-235, 1887, 15p.
_____________. Casamento Civil. Rio de Janeiro: F/IP-298, 1893, 8p.
_____________. A Propósito da Questão do Cristo no Juri. Artigos episódicos publicados
durante o ano de 1892 e primeiro semestre de 1893. Rio de Janeiro: F/IP-243, 1894, 15p.
_____________. Representação à Câmara dos Deputados contra um Projeto de Lei
Restritivo da Liberdade Religiosa. Rio de Janeiro: F/IP-369, 1893, 12p.
_____________. A Secularização dos Cemitérios e o Privilégio Funerário. Rio de Janeiro:
F/IP-4, 1893, 22p.
_____________. A Atitude dos Positivistas para com os Católicos e demais Contemporâneos.
Rio de Janeiro: F/IP-77, 1913, 18p.
194
_____________. A Última Crise: o golpe de Estado de 3 de novembro e a revolução de 23 do
mesmo mês. Rio de Janeiro: F/IP-28, 1891, 24p.
LENHARO, Alcir. Sacralização da Política. Campinas: Papirus, 1989.
LÉONARD, Émile G.. O Protestantismo Brasileiro: Um Estudo de Eclesiologia e História
Social. São Paulo: ASTE, 2002.
LINS, Ivan Monteiro de Barros. História do Positivismo no Brasil. São Paulo: Companhia
Editora Nacional, 1967.
LOCKE, John. Dois Tratados sobre o Governo Civil. São Paulo: Martins Fontes.
___________. Carta sobre a Tolerância. Lisboa: Edições 70, 1987. ___________. Ensaio
Acerca do Entendimento Humano. in: Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1988.
LUTERO, Martinho & CALVINO, João. Sobre a Autoridade Secular. São Paulo: Martins
Fontes, 2000.
LUTERO, Martinho. Fundamentação da Ética Política e Governo. in:Obras Selecionadas,
vol.-6. São Leopoldo: Editora Sinodal & Porto Alegre: Concórdia Editora, 1996.
MAGALHÃES, Celso. O Brasil e seus Regimes Constitucionais. Rio de Janeiro: Coelho
Branco Editor, 1947.
MAGALHÃES, Pero de. Tratado Sobre o Brasil 1980. Disponível em:
<http://www.bibvirt.futuro.usp.br>. Acesso em 10 de dezembro de 2007.
MAINWARING, S.. Igreja Católica e Política no Brasil. São Paulo: Editora Brasiliense,
1989.
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. 8ª edição, tradução de : Torrieri Guimarães. São Paulo:
Hemus Editora, 1977.
MARIA, Júlio. A Igreja e a República. Brasília: Editora Universidade de Brasília,1981.
195
____________. O Catolicismo no Brasil: memórias históricas. Rio de Janeiro: Editora Agir,
1950.
MAURO, Fredric. O Brasil no Tempo de Dom Pedro II (1831-1889). São Paulo: Companhia
das Letras, 2001.
MENCK, José Teodoro Mascarenhas. A Liberdade Religiosa e o Parlamento Imperial
Brasileiro (1823-1889). Brasília: Editora Ser, 1996.
MENDES, R. Teixeira. Ainda em Defesa da Separação entre o Poder Espiritual e o Poder
Temporal, Base da Verdadeira Política Republicana Moderna e Condição Primeira da
Regeneração Social. Rio de Janeiro: F/IP-15, 1911, 16p.
__________________. Ainda pela Separação entre o poder Temporal e o poder Espiritual.
Rio de Janeiro: F/IP-39, 1912, 7p.
__________________. Ainda em Defesa da Divisão entre o Poder Temporal e a Autoridade
Espiritual. Rio de Janeiro: F/IP-350, 1919, 43p.
__________________. A Veracidade do Esboço Biográfico de Benjamin Constant. Rio de
Janeiro: F/IP-150, 1910, 16p.
__________________. A Dignidade do Poder Espiritual, sua Independência em Relação ao
Poder Temporal, Segundo as exigências da Regeneração Social. Rio de Janeiro: F/IP-97,
1907, 7p.
__________________. Comemoração Cívica de Benjamin Constant e a Liberdade Religiosa,
in: Artigos publicados no Jornal do Comercio, seguidos da Representação enviada ao
Congresso Nacional. Rio de Janeiro: F/IP-322, 1892, 95p.
__________________. Ensino Positivista no Brasil. Rio de Janeiro: F/IP-79, 1936, 22p.
__________________. Ainda pela Liberdade Espiritual: apreciação da conduta que deve ter
o governo em relação aos bens que se acham na posse do clero católico em geral, e
especialmente das ordens monásticas. Rio de Janeiro: F/IP-288, 1903, 15p.
196
MENDONÇA, Antonio Gouvêa. O Celeste Porvir: A inserção do Protestantismo no Brasil.
São Paulo: ASTE, 1995.
__________________________. Introdução ao Protestantismo no Brasil. São Paulo: Edições
Loyola, 2ª ed. 2002.
MENDONÇA, Geonisio C. de. Os Positivistas na Fundação da República. Rio de Janeiro:
F/IP-34, 1937, 4pp.
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo IV, 2ª ed., Coimbra: Coimbra
Editora, 1993.
MONTENEGRO, João Alfredo. Evolução do Catolicismo no Brasil. Petrópolis: Editora
Vozes, 1972.
NABUCO, Joaquim. Minha Formação. Rio de Janeiro: Clássicos Jacksom, 1900.
NICHOLS, Roy Franklim. Religião e Democracia Norte-Americana. São Paulo: Ibrasa, 1963.
OBERACKER JR., Carlos H.. O Movimento Autonomista no Brasil. Lisboa: Edições
Cosmos, 1977.
ORTIZ, Renato. Cultura Brasileira e Identidade Nacional. São Paulo: Editora Brasiliense,
2006.
PAIM, Antônio. História das Idéias Filosóficas no Brasil. São Paulo: Editorial Grijalbo,
1967.
____________. Curso de Introdução ao Pensamento Político Brasileiro, unid. XI e XII.
Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1982.
PAIVA, José Maria de. Colonização e Catequese. São Paulo: Editora Cortez, 1982.
PEREIRA, João Batista Borges. Fenômenos da Aculturação Religiosa, in: Revista de
Antropologia-USP/26. São Paulo: EdiUSP, 1983.
197
_________________________. Princípios da Colonização Européia, in: Revista USP/53.
São Paulo: EdiUSP, 2002.
_________________________. Os Imigrantes na Construção Histórica da Pluralidade
Étnica Brasileira, in: Revista USP/46. São Paulo: EdiUSP, 2000.
PEREIRA, Nilo. Conflitos entre a Igreja e o Estado no Brasil. Recife: Universidade Federal
de Pernambuco, 1970.
____________. Dom Vital e a Questão Religiosa no Brasil. Recife: Imprensa Universitária,
1966.
PERROY, Édouard e outros. .In: CROUZET, Maurice (org). História Geral das Civilizações.
Tomo 3, volume 2. Tradução por J. Guinsburg e Vítor Ramos. São Paulo: Difusão Européia
do Livro, 1965.
PINHEIRO, Jorge. Teologia e Política. São Paulo: Fonte Editorial, 2006.
PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais. São
Paulo: Editora Saraiva, 2007.
PORTUGAL. Ordenações Filipinas (1603).
PORTUGAL. Ordenações Manuelinas (1516).
PRADO Jr, Caio. História Econômica do Brasil, 46ª reimpressão. São Paulo: Editora
Brasiliense, 2004.
RAMOS, Francisco Manfredo Tomás. A Idéia de Estado na Doutrina Ético-Política de Santo
Agostinho. São Paulo: Edições Loyola, 1984.
RAWLS, John. O Liberalismo Político. São Paulo: Editora Ática, 1993.
REILY, Duncan Alexander. História Documental do Protestantismo no Brasil. 3 ed. São
Paulo: ASTE, 2003.
198
RIBEIRO, Boanerges. Protestantismo no Brasil Monárquico. São Paulo: Editora Pioneira,
1973.
_________________. Protestantismo e Cultura Brasileira. São Paulo: CEP, 1981.
_________________. Igreja Evangélica e República Brasileira. São Paulo: O Semeador,
1991.
_________________. A Igreja na Península Hispânica antes de Constantino. in: Fides
Reformata, São Paulo, v.1, Nº2, 1996, pp.71-78.
RIBEIRO, Domingos. Origens do Evangelismo brasileiro. Rio de Janeiro: Apollo, 1934.
RODRIGUES, José Carlos. Religiões Acatólicas-Separata do Livro do centenário em 1900.
Rio de Janeiro: Typografia do Jornal do Comércio, 1904.
ROMANO, Egídio. Sobre o Poder Eclesiástico. Petrópolis: Editora Vozes, 1989.
ROMANO, Roberto. Brasil: Igreja Contra Estado. São Paulo: Editora Kairós, 1979.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social, in: Pensadores. São Paulo: Abril Cultural,
1983.
SCAMPINI, José. A Liberdade Religiosa nas Constituições Brasileiras: Estudos Filosóficos-
Jurídicos Comparado. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1980.
SILVA, Cyro. Quintino Bocayuva: O Patriarca da República. São Paulo: Editora Edaglit,
1962.
SILVA, Jose Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27ª ed. São Paulo:
Malheiros Editores, 2006.
SILVA, José Bonifácio de Andrada e. Escritos Políticos. in: Cadernos de História. Org. Brasil
Bandecchi. São Paulo: Editora Obelisco, 1964.
199
SILVA, Wilson Santana. Benjamin Constant: Filósofo, Republicano e Educador. (Mestrado
em Ciências da Religião)- Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo,
1998.
SKINNER, Quentin. As Fundações do Pensamento Político Moderno. Tradução por Renato
Janine Ribeiro e Laura Teixeira Motta. São Paulo: Cia. das Letras, 2000.
SOUZA, José Antônio de. O Reino e Sacerdote: o pensamento político na alta idade média.
Porto Alegre: Editora PUC-RS, 1995.
SOUZA, Laura de Melo e. O Diabo e a Terra de Santa Cruz. São Paulo: Companhia das
Letras, 1986.
STRAUS, Leo. Droit Natural et Historie. France: Flammarion. 1986.
TARSIER, Pedro. História das Perseguições Religiosas no Brasil, vol.2. São Paulo: Cultura
Moderna, 1936.
TODOROV, Tzvetan. A Conquista da América. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
TORRES, João C. de Oliveira. Histórias das Idéias Religiosas no Brasil (a Igreja e a
Sociedade Brasileira). São Paulo: Grijalbo, 1968.
TOUCHARD, J.. Histoire des Idées Politiques. Paris: PUF, 1959.
VASQUES, Valter da Silva. A Igreja Católica e o Poder do Estado: Uma análise das
relações entre a Igreja Católica e o Estado no Brasil do século XIX. (Mestrado em Ciências
da Religião)- Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2005.
VIEIRA, David Gueiros. O Protestantismo, a Maçonaria e a Questão Religiosa no Brasil.
Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1980.
VILLAÇA, Antonio Carlos. História da Questão Religiosa no Brasil. Rio de Janeiro:
Francisco Alves Editora, 1974.
200
______________________. O Pensamento Católico no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar Editora,
1975.
WALZER, Michael. Da Tolerância. Tradução: Almiro Pisetta. São Paulo: Martins Fontes,
1999.
201
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
a.C antes de Cristo
A.D Ano Domini ou Ano do Senhor
A.T Antigo Testamento
Cap. Capítulo
CF Constituição Federal
C.R.F.B. Constituição da República Federativa do Brasil
D.C Domini Cristo ou ano de Cristo
d.C depois de Cristo
Doc. ou doc. Documentos
E.C Era Cristã
et al. e outros
F/IP Folheto da Igreja Positivista
In em
org. organização
PUC Pontífice Universidade Católica
UnB Universidade de Brasília
202
ANEXOS
1. Declarações, Constituições e Decretos
Constituição do Império do Brasil
Código Criminal Imperial
Decreto de Fundação da República
Decreto nº 119-A
Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891
Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937
Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946
Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1967
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
Declaração ou Carta da O.E.A de 1948
Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948
2. O Manifesto Republicano
1. Declarações, Constituições e Decretos
Constituição do Império do Brasil:
Diz a Constituição Imperial: Art. 5º A Religião Católica Apostólica Romana
continuará a ser a Religião do Império. E ainda, art. 95 Todos os que podem ser eleitores são
hábeis para serem nomeados Deputados. Excetuam-se: c) Os que não professarem a religião
do Estado. (Constituição Política do Império do Brasil, de 25 de março de 1824).
203
Código Criminal Imperial:
Art. 176 Celebrar em casa, ou edifício, que tenha alguma forma exterior de templo, ou
publicamente em qualquer lugar, o culto de outra religião, que não seja a do Estado: Pena-
serem dispersos pelo Juiz de Paz os que estiverem reunidos para o culto; da demolição da
forma exterior; e de multa de dois a doze mil réis, que pagará cada um. (Código Criminal do
Império, 1830).
Decreto da Fundação da República
DECRETO Nº 1 - de 15 de Novembro de 1889.
O Governo Provisório dos Estados Unidos do Brasil decreta:
At. 1º Fica proclamada provisoriamente e decretada como fôrma de governo da nação
brasileira-A República Federativa.
Art. 2 As províncias do Brasil, reunidas pelo laço da federação, ficam constituído os
Estados Unidos do Brasil.
Decreto nº119-A de 7 de janeiro de 1890:
O Marechal Deodoro da Fonseca, Chefe do Governo Provisório da República dos
Estados Unidos do Brasil, constituído pelo exército e armada, em nome da nação decreta:
Art.1º- É proibido à autoridade federal, assim como à dos Estados federados, expedir leis,
regulamentos ou atos administrativos, estabelecendo alguma religião, ou vedando-a e criar
diferenças entre os habitantes do país, ou nos serviços sustentados à custa do orçamento, por
motivo de crenças ou opiniões filosóficas ou religiosas.
Art.2º- A todas as confissões religiosas pertence por igual a faculdade de exercerem o seu
culto, regerem-se segundo sua fé e não serem contrariados nos atos particulares ou públicos,
que interessem o exercício deste decreto.
204
Art.3º- A liberdade aqui instituída abrange não só os indivíduos nos atos individuais,senão
também as igrejas, associações e institutos em que se acham agremiados; cabendo a todos o
pleno direito de se constituírem e viverem coletivamente, segundo o seu credo e sua
disciplina, sem intervenção do poder público.
Art.4º- Fica extinto o padroado com todas as suas instituições, recursos e prerrogativas.
Art.5º- A todas as igrejas e confissões religiosas se reconhece a personalidade jurídica, para
adquirirem bens e os administrarem, sob os limites postos pelas leis concernentes à
propriedade do mão-morta, mantendo-se cada uma o domínio de seus haveres atuais, bem
como dos seus edifícios de culto.
Art.6º- O governo federal continua a prover à côngrua, sustentação dos atuais serventuários
do culto católico e subvencionará por um ano as cadeiras dos seminários; ficando livre a
cada Estado o arbítrio de manter os futuros ministros desse ou de outro culto,sem
contravenção do disposto nos artigos antecedentes.
Art.7º- Revogam-se as disposições em contrário.
Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 24 de fevereiro de 1891:
Nós, os representantes do povo brasileiro, reunidos em Congresso Constituinte, para
organizar um regime livre e democrático, estabelecemos, decretamos e promulgamos a
seguinte:
Art 11 - É vedado aos Estados, como à União:
2 º ) estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício de cultos religiosos;
Art 72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à
propriedade, nos termos seguintes:
§ 1º - Ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em
205
virtude de lei.
§ 2º - Todos são iguais perante a lei.
§ 3º - Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e livremente
o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens, observadas as disposições do
direito comum.
§ 4º - A República só reconhece o casamento civil, cuja celebração será gratuita.
§ 5º - Os cemitérios terão caráter secular e serão administrados pela autoridade
municipal, ficando livre a todos os cultos religiosos a prática dos respectivos ritos em
relação aos seus crentes, desde que não ofendam a moral pública e as leis.
§ 6º - Será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos.
§ 7º - Nenhum culto ou igreja gozará de subvenção oficial, nem terá relações de
dependência ou aliança com o Governo da União ou dos Estados.
§ 8º - A todos é lícito associarem-se e reunirem-se livremente e sem armas; não
podendo intervir a polícia senão para manter a ordem pública.
Mandamos, portanto, a todas as autoridades a quem o conhecimento e execução desta
Constituição pertencer, que a executem e façam executar e observar fiel e inteiramente corno
nela se contém.
Publique-se e cumpra-se em todo o território da Nação.
Sala das Sessões do Congresso Nacional Constituinte, na Cidade do Rio de Janeiro, em 24 de
fevereiro de 1891, 3º da República.
Liberais e positivistas que assinaram a Primeira Constituição Republicana:
Prudente José de Morais Barros, Presidente do Congresso, Senador por São Paulo;
Epitácio da Silva Pessoa, Deputado pelo Estado da Paraíba; Rui Barbosa, Senador pelo
Estado da Bahia; Cassiano Cândido Tavares Bastos, Theoplillo Fernandes dos Santos e
Joaquim Pontes de Miranda, Deputados pelo Estado de Alagoas; Eduardo Wandenkolk,
206
Senador pela Capital Federal e Joaquim Saldanha Marinho, João Baptista de Sampaio Ferraz,
Lopes Trovão, Alfredo Ernesto Jacques Ourique, Aristides da Silveira Lobo, F. P. Mavrink,
Deputados pela Capital Federal; Manoel Ferraz de Campos Salles, Senador pelo Estado de
São Paulo e Francisco Glicerio, Manoel de Moraes Barros, Joaquim Lopes Chaves, Domingos
Corréa de Moraes, Dr. João Thomaz Carvalhal, Joaquim de Souza Mursa, Rodolpho N. Rocha
Miranda, Deputados pelo Estado de São Paulo; Julio de Castilho, Antonio Augusto Borges de
Medeiros, Alcides de Mendonça Lima, J. F. e Assis Brasil, Thomaz Thompson Flores,
Joaquim Francisco, Deputados do Rio Grande do Sul.
Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937
Art 32 - É vedado à União, aos Estados e aos Municípios:
b) estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício de cultos religiosos;
DOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS
Art 122 - A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no País
o direito à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:
1º) todos são iguais perante a lei;
4º) todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e livremente o seu
culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens, observadas as disposições
207
do direito comum, as exigências da ordem pública e dos bons costumes;
Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946
Art 31 - A União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios é vedado:
II - estabelecer ou subvencionar cultos religiosos, ou embaraçar-lhes o exercício;
III - ter relação de aliança ou dependência com qualquer culto ou igreja, sem prejuízo da
colaboração recíproca em prol do interesse coletivo;
CAPíTULO II
Dos Direitos e das Garantias individuais
Art 141 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança individual e à
propriedade, nos termos seguintes:
§ 1º Todos são iguais perante a lei.
§ 7º - É inviolável a liberdade de consciência e de crença e assegurado o livre
exercício dos cultos religiosos, salvo o dos que contrariem a ordem pública ou os bons
costumes. As associações religiosas adquirirão personalidade jurídica na forma da lei
civil.
§ 8º - Por motivo de convicção religiosa, filosófica ou política, ninguém será privado de
nenhum dos seus direitos, salvo se a invocar para se eximir de obrigação, encargo ou serviço
impostos pela lei aos brasileiros em geral, ou recusar os que ela estabelecer em substituição
daqueles deveres, a fim de atender escusa de consciência.
Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1967
Art 9º - A União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios é vedado:
208
I - criar distinções entre brasileiros ou preferências em favor de uns contra outros
Estados ou Municípios;
II - estabelecer cultos religiosos ou igrejas; subvencioná-los; embaraçar-lhes o
exercício; ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança,
ressalvada a colaboração de Interesse público, notadamente nos setores educacional,
assistencial e hospitalar;
Art 150 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pais a
inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade,
nos termos seguintes:
§ - Todos são iguais perante a lei, sem distinção, de sexo, raça, trabalho, credo
religioso e convicções políticas. O preconceito de raça será punido pela lei.
- É plena a liberdade de consciência e fica assegurado aos crentes o exercício dos
cultos religiosos, que não contrariem a ordem pública e os bons costumes.
§ 6º - Por motivo de crença religiosa, ou de convicção filosófica ou política, ninguém
será privado de qualquer dos seus direitos, salvo se a invocar para eximir-se de obrigação
legal imposta a todos, caso em que a lei poderá determinar a perda dos direitos
incompatíveis com a escusa de consciência.
Constituição da República federativa do Brasil de 1988 - Atual
Artigo 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
VII - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício
209
dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e de suas
liturgias;
VII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção
filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e
recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
Artigo 19 É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o
funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência
ou aliança, reservada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;
Declaração ou Carta da OEA
Artigo 45: a) Todos os seres humanos, sem distinção de raça, sexo, nacionalidade,
crença ou condição social, têm direito ao bem estar material e a seu desenvolvimento
espiritual em condições de liberdade, dignidade, igualdade de oportunidades e segurança
econômica. (Bogotá, 1948).
Declaração Universal dos Direitos Humanos
Artigo I. Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São
dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de
fraternidade.
Artigo VI. Todo ser humano tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido
como pessoa perante a lei.
210
2. O Manifesto Republicano
Parte relativa ao Estado laico, democrático, livre, republicano e progressista:
Aos Nossos Concidadãos:
[...] As armas da discussão, os instrumentos pacíficos da liberdade, a revolução
moral, os amplos meios do direito posto ao serviço de uma convicção sincera bastam,
no nosso entender, para a vitória da nossa causa, que é a causa do progresso e da
grandeza da nossa Pátria. [...] Neste país, que se presume constitucional e onde só
deveriam ter ação poderes delegados, responsáveis, acontece, por defeito do sistema,
que só há um poder ativo, onímodo, onipotente, perpétuo, superior à lei e à opinião, e
esse é justamente o poder sagrado, inviolável, e irresponsável. O privilégio, em todas
as suas relações com a sociedade- tal é a síntese, a fórmula social e política do nosso
país- privilégio de posição, isto é, todas as distinções arbitrárias e odiosas que criam
no seio da sociedade civil e política a monstruosa superioridade de um sobre todos ou
de alguns sobre muitos. [...] A liberdade de consciência nulificada por uma igreja
privilegiada; a liberdade econômica suprimida por uma legislação restritiva; a
liberdade de imprensa subordinada à jurisdição do governo; a liberdade de
associação dependente do beneplácito do poder; a liberdade de ensino suprimida pela
inspeção arbitrária do governo e pelo monopólio oficial [...] tais são praticamente as
condições reais do atual sistema do governo. [...] Ora, admitir a igualdade do poder
divino ao humano, é de difícil compreensão. [...] Quando a teocracia asiática tinha
um ungido do Senhor, ou as hordas da média idade aclamavam um rei, carregando-o
triunfalmente depois de uma vitória, esse reconhecimento solene do direito da força
era lógico; quando pelo mesmo princípio a monarquia se unia às comuna, para
211
derrocar o feudalismo, o despotismo monárquico era lógico também. Mas depois da
emancipação dos povos e da consagração da força do direito, o que é lógico é o
desaparecimento de todo princípio caduco. [...] Para que um governo seja
representativo, todos os poderes devem ser delegados da Nação, e não podendo haver
um direito contra outro direito, segundo a expressão de Bossuet, a monarquia
temperada é uma ficção sem realidade. A soberania nacional só pode existir, só pode
ser reconhecida e praticada em uma nação cujo parlamento, eleito pela participação
de todos os cidadãos, [...] desde que existe em qualquer constituição um elemento de
coação ao princípio da liberdade democrática, a soberania nacional está violada.[...]
Em tais condições pode o Brasil considerar-se um país isolado, não só da América,
mas do mundo. O nosso esforço dirige-se a suprimir este estado de coisas, pondo-nos
em contato fraternal com todos os povos e em solidariedade democrática com o
continente de que fazemos parte.
Rio de Janeiro, 1870.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo