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MARALICE MASCHIO
EXPERIÊNCIAS DOS TRABALHADORES DAS LOJAS
PERNAMBUCANAS NO CONTEXTO DA REESTRUTURÃO
PRODUTIVA (1970-2000)
Trabalho apresentado à Banca Examinadora
na Universidade Estadual do Oeste do Paraná
Campus de Marechal Cândido Rondon,
como exigência para obtenção do tulo de
Mestre em História, sob a orientação do
Professor Dr. Antônio de Pádua Bosi.
Universidade Estadual do Oeste do Paraná Marechal Cândido Rondon
Mestrado em História
2008
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Banca Examinadora
SUBSTITUIR PELA CÓPIA DA ATA DE APROVAÇÃO
Prof. Dr. Antônio de Pádua Bosi (orientador).
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Aos meus pais por, apesar dos constantes conflitos, sempre acreditarem em mim e
depositarem um amor incondicional.
À minha irmã, pela amizade, afeto, força e confiança sempre demonstrados.
À minha tia, Tere, os primos Gean e Graci, pelo apoio e amor inigualáveis.
À Marlene, pela amizade inabalável em todos os momentos.
Agradecimentos
Ao Prof. Antônio de Pádua Bosi pela amizade, incentivo e contribuições.
Aos profesores do programa de Mestrado em geral. De modo especial agradeço aos
professores e amigos Rinaldo Jo Varussa e Sarah Y. Tibes Ribeiro. Também agradeço ao
professor Robson Laverdi, pelas contribuições no primeiro ano do programa e a professora
Geni Rosa Duarte por ter concedido os textos da disciplina.
A todos os mestrandos do programa. Em especial aos amigos Ellen, Judite, Odirlei, Adriana,
Adriane, Marcelo e Barraca, pelos momentos compartilhados, pelas discussões travadas, pelo
apoio concedido.
Quero agradecer também à CAPES, que me concedeu bolsa de estudos durante o curso de
mestrado.
Ao pessoal do Memorial Pernambucanas pela hospitalidade na recepção e pela concessão de
materiais para a pesquisa.
Aos funcionários e ex-funcionários das Pernambucanas que concederam as entrevistas.
Agradeço em especial a Franciele Capoia, Ana Paula Hilgert e Douglas Marcel Junges, pela
amizade e contribuição direta neste trabalho.
À Cíntia, Maria Emília, Marquinhos, Sonia, Paulinha, Danusa, Fernando e Gabriel pela
amizade, discussões e ajuda mútua.
À tia Tere pela correção gramatical do trabalho.
À Cidinha e família Varussa pela amizade e apoio de sempre.
Aos paroquianos, amigos de moradia, de vida, de festa. Agradeço em especial a Enegelly, que
apesar das desavenças sabe que nutro um carinho enorme, assim como nutre por mim. A
Marlene, amiga de todas as horas, por quem tenho um estimado respeito, admiração e orgulho
por ser minha amiga.
Aos amigos Bento e Vânia, pelas discussões, respeito, companhia, ajuda e amizade.
Aos amigos de sempre, dos quais não esqueço e nunca me esquecem: Camila, Dani, Aline,
Luciano, Lisi e Cleston.
Aos meus pais e a minha irmã, pelo incentivo em ingressar e concluir o mestrado.
A Deus, por guiar meus passos no caminho.
“Sem trabalho eu o sou nada
Não tenho dignidade
Não sinto o meu valor
Não tenho identidade
Mas o que eu tenho
É só um emprego
E um salário miserável
Eu tenho o meu ofício
Que me cansa de verdade
Tem gente que não tem nada
E outros que tem mais do que precisam
Tem gente que não quer saber de trabalhar
E quando chega o fim do dia
Eu só penso em descansar
E voltar pra casa pros teus braços
Quem sabe esquecer um pouco
De todo o meu cansaço
Nossa vida não é boa
E nem podemos reclamar
Sei que existe injustiça
Eu sei o que acontece
Tenho medo da polícia
Eu sei o que acontece
Se você não segue as ordens
Se você não obedece
E não suporta o sofrimento
Está destinado a miria
Mas isso eu não aceito
Eu sei o que acontece
Mas isso eu não aceito
Eu sei o que acontece
E quando chega o fim do dia
Eu só penso em descansar
E voltar pra casa pros teus braços
Quem sabe esquecer um pouco
Do pouco que não temos
Quem sabe esquecer um pouco
De tudo que o sabemos”
(Renato Russo)
Resumo
Esta dissertação propõe refletir sobre o processo de reestruturação produtiva nas
Pernambucanas como história dos próprios trabalhadores. Fontes como boletins, informativos,
obras de memorialistas, produzidas pela empresa ou a mando dela, permitiram indicar as
estratégias da empresa para tentar promover o chamado consentimento na esfera da produção.
Porém, dialogando com as narrativas orais dos funcionários e ex-funcionários das
Pernambucanas que viveram e vivem o processo, são perceptíveis os modos como estes
significam e configuram as mudanças ocorridas nos seus modos de viver e trabalhar, ditando
dinâmicas neste espaço. Procurei analisar a loja num espaço de jogo produtivo no qual o
trabalhador disputa com o patrão sentidos sobre o seu trabalho, ao mesmo tempo em que
consente a exploração utilizando-se de artificios ou brechas existentes, para tirar proveito de
situações, utilizá-las em benefício próprio.
Palavras-Chave: Reestruturação produtiva; Trabalhadores; Experiência; Consentimento;
Pernambucanas
Abstract
Experiences of workers Pernambucanas shops in the context of restructuring of
productive (1970-2000)
This dissertation proposes reflect on the process of restructuring in Pernambucanas as
productive history of the workers themselves. The need has been to show that a process can
be seen, in the Pernambucanas case, just as evaluation and experience of the entrepreneur, but
as a field of disputes between those involved, which includes customers and specially the
workers. Sources such as newsletters, magazines, works of memorialist, produced by the
company or on the orders it, allowed indicate the strategies of the company to try to promote
the so-called consent in the sphere of production. But talking with the oral narratives of
officials and former officials of the Pernambucanas who lived and live the process, it is
perceived as the ways they mean and shape changes in their ways of living and working,
dictating dynamic in this space. I tried to analyze the store in an area of productive game in
which the worker dispute with the boss felt about their work at the same time that the
exploitation consent on their work, using artifice or gaps left by the system itself, to take
advantage of situations, uses them to their own benefit.
Key works: Restructuring productive; Workers; Experience; Consent; Pernambucanas
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..................................................................................................................10
CAPÍTULO 1 - O FAZER-SE DO CAPITAL NAS CASAS PERNAMBUCANAS:
ESTRATÉGIAS DE SOBREVIVÊNCIA NO MERCADO E FORMAS DE
EXPLORAÇÃO SOBRE O TRABALHO ..................................................................26
1.1 DISPUTANDO O SENTIDO DA HISTÓRIA: “A EMPRESA QUE DEU CERTO”!....27
1.2 O PROCESSO DE “REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA” NO OLHAR DAS CASAS
PERNAMBUCANAS: A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO E DO “NOVO”
TRABALHADOR .........................................................................................................42
1.2.1 “CONQUISTANDO” OS FUNCIONÁRIOS: TENTATIVAS DE CONSTRUÇÃO DO
CONSENTIMENTO SOBRE A EXPLORAÇÃO DO TRABALHADOR .....................56
1.2.2 TENTATIVAS DE AMPLIAÇÃO DO CONSENTIMENTO:.....................................73
CAPÍTULO 2 - A VIDA PELO TRABALHO: OS SOBREVIVENTES DAS
MUDANÇAS DO MUNDO DO TRABALHO............................................................93
2.1 O RECRUTAMENTO DA FORÇA DE TRABALHO: DISPUTAS E SENTIDOS
SOBRE O TRABALHO.................................................................................................94
2.2 TRAJETÓRIAS OCUPACIONAIS: “TRABALHADORES É O QUE SOIS” .............106
2.3 CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DOS TRABALHADORES SOBRE O TRABALHO E
SUAS TRANSFORMAÇÕES......................................................................................129
CAPÍTULO 3 - “A FUNÇÃO DA VIDA, ÀS VEZES, É O EMPREGO”: O PROCESSO
DE REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E AS MUDANÇAS NAS RELAÇÕES DE
TRABALHO NAS CASAS PERNAMBUCANAS, VISTOS COMO EXPERIÊNCIA
E HISTÓRIA DOS PRÓPRIOS TRABALHADORES............................................143
3.1SABER UM POUQUINHO DE CADA COISA NÃO SIGNIFICA SABER MUITA
COISA”: O PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO DA MULTIFUNÇÃO........................146
3.2NA JULA COM OS LEÕES”: O PROCESSO DE TERCEIRIZAÇÃO VISTO
ATRAVÉS DA PRÁTICA DO TRABALHO TEMPORÁRIO ....................................161
3.3VENDER CHAPINHA NÃO É VENDER CARRO”: A PRODUTIVIDADE EM
DISPUTA ....................................................................................................................175
3.3.1 CORRENDO ATRÁS DA PRODUTIVIDADE........................................................181
3.3.2 “SONHANDO COM AS COTAS”: “ONDE ISTO VAI PARAR?”...........................185
CAPÍTULO 4 - “NUNCA ME CONVENCI DISSO”: ADAPTÕES, ACEITAÇÕES E
RESISTÊNCIAS DOS TRABALHADORES COMO FACES DE UMA MESMA
LUTA..........................................................................................................................194
CONCLUSÃO..................................................................................................................217
FONTES...........................................................................................................................223
INTRODUÇÃO
O objetivo deste trabalho é refletir sobre concepções e experiências dos funcionários
das lojas Pernambucanas de Marechal Cândido Rondon com relação à organização do seu
trabalho. A intenção é a de compreender como os trabalhadores interpretam, vivenciam,
disputam sentidos e produzem dinâmicas no processo de reestruturação produtiva vivido pelas
Pernambucanas.
O recorte temporal desta pesquisa é justificado pelo período de transformação do
trabalho nas Casas Pernambucanas e, particularmente, a formação desta loja na cidade de
Marechal Cândido Rondon, o que corresponde às décadas de 1970 a 2000. No entanto, em
alguns momentos foi preciso retroceder em função da trajetória da empresa, procedimento que
indica não apenas a discussão dos marcos propostos pela literatura que conceituou as
mudanças no mundo do trabalho como ‘reestruturação produtiva’, bem como as próprias
reestruturações produtivas promovidas pela ppria empresa ao longo de sua trajetória. As
trajetórias dos trabalhadores, por vezes, também antecedem tal periodização, uma vez que
apontam as próprias dimensões de suas vidas e da família, estruturadas antes das experiências
vivenciadas nas Pernambucanas.
Uma análise dinâmica, como a proposta aqui, partirá da discussão sobre como os
trabalhadores experimentam e percebem as transformações do seu trabalho e do mundo do
trabalho, de modo a problematizar a versão histórica pretendida pelas próprias
Pernambucanas, buscando entender a sua constituição e a atuação dos sujeitos, que atribuem
valores ao seu trabalho e à empresa, bem como disputam sentidos e posições sobre o seu
trabalho, suas vidas e a empresa.
A motivação para a pesquisa norteou-se, a princípio, pela minha ppria experiência
como trabalhadora temporária nas Pernambucanas de Marechal Cândido Rondon por um
período de três meses, de outubro de 2005 a janeiro de 2006. Devido a esta experiência, senti
motivação de pesquisar as transformações ocorridas no setor de serviço, mais diretamente nas
lojas de departamento, entendendo como uma empresa específica cria estratégias para
concorrer, viver e disputar transformações e sentidos no mercado, assim como os funcionários
percebem e experimentam tais transformações.
Essa intenção, porém, foi permeada de um conflito. Digo isto porque quando ingressei
no Programa de Mestrado em História pela Unioeste o projeto era outro: tratava de
11
problematizar as disputas entre famílias pioneiras, instituições e ‘pessoas consideradas
comuns na cidade de Clevelândia/PR, por uma memória e história da cidade que os
contemplasse e os condecorasse, em alguns casos, com louvores pelo seu pioneirismo. A todo
o momento eu percebia que não me identificava com o tema e pesquisa. Todavia, a partir de
uma conversa com o orientador surgiu à possibilidade de trabalhar com as Pernambucanas.
A troca de projetos foi extremamente positiva porque além de ter valorizado uma
experiência de trabalho que eu vivi, motivou-me pelo próprio interesse e curiosidade de
entender mais sobre o universo de trabalho de sujeitos, que se mostravam extremamente
dedicado às suas atividades, mas não apenas devido às exigências da empresa, mas sim pelo
interesse de aumentar ou “fazer o seu próprio salário”. Tais discursos me chamavam muito a
atenção e careciam de uma análise mais aprofundada. Assim, iniciei a pesquisa sobre a
organização do trabalho nas Casas Pernambucanas.
Nesse sentido, é preciso também apontar a valorização que reflexivamente a minha
experiência teve, os vínculos, motivações, metodologicamente qual foi o ganho do trabalho,
no ponto de vista como historiadora. Digo isto porque para quem sempre trabalhou em
funções distantes das comerciais, foi no mínimo curioso ter tido a oportunidade de entender
um universo que foi também o meu por determinado tempo, motivando com isto a produção
da pesquisa e, por vezes, facilitando o entendimento da organização da mesma ao mesmo
tempo em que em dados momentos dificultou a necessidade de o ser subjetiva nas análises.
Contudo, a importância central foi a de me identificar como trabalhadora no processo,
construindo um trabalho que dialoga constantemente com a experiência de outros
trabalhadores de carne e osso, que disputam e constroem sentidos na empresa, no mercado de
trabalho, no mundo do trabalho.
Apesar de prazerosa, a troca de tema e objeto trouxe dificuldades: a necessidade de
estruturar um novo projeto e produzir uma nova pesquisa tendo as aulas iniciado e a
pesquisa anterior estar bastante encaminhada. A mudança, nesse sentido, fez com que eu
estivesse, por vezes, atrasada na coleta de fontes com relação aos demais alunos do programa.
Entretanto, embora uma série de questões ainda careça maior aprofundamento, devido ao
pouco tempo para amadurecê-las mais, as propostas centrais do projeto foram cumpridas, bem
como um número considerável de materiais foi levantado.
Apesar de a adaptação ter sido difícil, logo de início tive contato com uma publicação
produzida pela empresa em edição comemorativa aos 96 anos, concedida por uma
funcioria, ao qual se somou uma relevante documentação produzida pela empresa, artigos
da Internet que abordava lojas de departamento no Brasil e bibliografia especializada que
12
tratava do processo de reestruturação produtiva do capital, de transformações no mundo do
trabalho e de modelos de produção.
A publicação produzida pela empresa permitiu a identificação de algumas estratégias
utilizadas para tentar produzir o chamado consentimento na esfera produtiva, buscando,
inclusive, convencer clientes e funcionários acerca do seu perfil e destaque na sociedade.
Permitiu também o levantamento de alguns dados acerca do processo de fundação,
consolidação e trajetória da empresa no país. No geral, o material suscitou a compreensão das
diferentes formas como as Pernambucanas buscam sua projeção em nível nacional e a
relevância que dão para sua própria história na medida em que constroem uma memória
positiva do seu passado.
Buscando interpretar não apenas dimensões vividas pela empresa, mas sim pelos
próprios trabalhadores, produzi um questionário com 74 questões agrupadas em quatro blocos
de questões (as perguntas variaram desde o nome do funcionário, jornada de trabalho, renda,
tempo de serviço, até a concepção que têm sobre a empresa e o seu trabalho), que foi aplicado
em todos os funcionários da empresa (alguns inclusive, atualmente, são ex-funcionários).
Os dados discutidos dos questionários foram tabulados, propiciando a verificação de
elementos que ajudam na compreensão da realidade de vida e trabalho dos funcionários. A
aplicação dos questionários ocorreu no pprio local de trabalho, onde tive a oportunidade de
observar o funcionamento de um dia de trabalho dos mesmos e as dificuldades de tempo
encontradas, até mesmo, para que respondessem às perguntas. Entrei na loja às oito e meia da
manhã, horário de abertura ao atendimento e saí às seis e meia, horário do fechamento do
atendimento. No entanto, fui muito bem recepcionada pelos funcionários e pelo próprio
gerente, tendo em vista que o quadro de funcionários era o mesmo do período em que
trabalhei na loja.
Juntamente com a aplicação dos questionários, levantei algumas reportagens de
revistas produzidas sobre a loja, discursos proferidos por diretores da empresa e um
organograma com a divisão dos setores e dos cargos ocupados na loja de Rondon. Tais
procedimentos permitiram perceber a projeção da empresa e uma noção acerca de sua
repercussão na sociedade, além do mapeamento do espaço interno da loja, os setores
produtivos, bem como alguns indícios da polivalência dos funcionários.
Em fevereiro de 2007 visitei o Memorial Pernambucanas, em São Paulo, e coletei
publicações e documentos familiares, livro de registro empresarial, manual de integração à
empresa, boletins, jornais, revistas, catálogos, informativos, publicações comemorativas,
fotografias, propagandas, jingles, gritos de guerra, etc. O material analisado permitiu perceber
13
a trajetória da empresa ao longo das décadas, as estratégias para driblar a concorrência, a
maneira como são divididas e organizadas as lojas, as diferentes reestruturações produtivas
que pautou ao longo de sua trajetória, os elementos que lhe permitiram tentar convencer
clientes e funcionários acerca de seu perfil e papel, bem com os mecanismos para tentar
produzir o consentimento na esfera da produção.
Produzi também, ao longo da pesquisa, quatorze entrevistas. Doze com funcionários
da empresa e duas com ex-funcionárias. Todos foram selecionados respeitando alguns
critérios como idade, grau de escolaridade, tempo de serviço, jornada de trabalho, grau de
flexibilidade e multifuncionalidade, grau de destaque, entre outros.
Após a transcrição e análise das entrevistas, construí um perfil dos trabalhadores das
Pernambucanas, com ênfase para a concepção que possuem do seu trabalho e da empresa, a
maneira como se relacionam com a gerência, com os clientes e com os demais funcionários,
sua trajetória ocupacional, sua resistência às imposições da empresa e a definição de sua
identidade.
Com relação às entrevistas não encontrei dificuldades de contato ou de concessão das
mesmas por parte dos trabalhadores (apenas um ex-funciorio havia marcado uma entrevista
e depois se recusou a conce-la); os mesmos até justificaram que por me conhecer ficou mais
fácil conceder a entrevista, sentindo-se mais seguros com relação ao que falar ou responder
para mim.
A produção das entrevistas ocorreu entre 25 de agosto de 2006 e 6 de agosto de 2007.
Os locais de realização das entrevistas foram: a casa dos entrevistados, a loja e a minha casa.
Por preferência dos entrevistados, 7 deles concederam a entrevista na minha casa, 3
concederam na loja e 4 em suas pprias casas. Em duas das entrevistas que realizei na loja,
fui chamada pelos funcionários porque o gerente não estava e porque eles estavam sem
tempo depois do horário de trabalho. Porém, houve um conflito por conta disso, porque
alguns dos funcionários que haviam concedido as entrevistas, seja na minha casa ou nas
suas casas fora do horário de expediente, ligaram para o gerente e informaram que alguns
funciorios estavam me concedendo entrevistas na loja, em horário de serviço. As duas
entrevistadas receberam advertência do gerente devido ao episódio, sendo alertadas inclusive
sobre o fato de prestarem informações sobre a loja a um terceiro.
No geral, a produção das entrevistas respeitou um roteiro. Porém, o roteiro não era
seguido à risca, pois existiram várias intervenções da minha parte durante a construção das
narrativas, sem contar na fala dos entrevistados que, por vezes, fugia do roteiro padrão e
respeitava as seleções feitas por eles, acerca do que julgavam importantes a ser dito.
14
O maior problema que encontrei referente à produção das fontes foi de acesso aos
materiais arquivados na filial de Marechal Cândido Rondon. Isto porque o gerente que
permitiu que eu aplicasse os questionários na loja foi transferido e o novo gerente não liberou
o acesso aos contratos de trabalho dos funcionários e nem à documentação concernente à
fundação e trajetória da empresa na cidade. Tal fator dificultou inclusive que eu tornasse a
conversar no horário de trabalho com os funcionários que não haviam concedido entrevistas
até o momento.
Paralelo ao exame da documentação, desenvolvi diálogos com abordagens e posições
diversas (e adversas) como Karl Marx, Edward Thompson, Ricardo Antunes, André Gorz,
Cornelius Castoriadis, Ruy Braga, Helena Hirata, Stephen Wood, Marilis Lemos de Almeida,
Ângela Maria Medeiros M. Santos, Cláudia Soares Costa, Luiz Carlos Perez Gimenez, entre
outros, que me permitiram compreender, repensar, problematizar as diferentes transformações
ocorridas no mundo do trabalho, como os trabalhadores experimentaram tais transformações
imprimindo, eles mesmos, pressões sobre tal processo. Em que pesem todas as contribuões e
visões distintas sobre um processo que parece ser o mesmo, comecei a recusar a noção de
“reestruturação produtiva” como sendo uma mudança operada pelo capital, destituída de
sujeitos concretos que fazem a história, como os trabalhadores das Pernambucanas. Neste
sentido, comecei a pensar as mudanças sentidas no setor de serviços, mais especificamente o
comércio varejista, a partir das percepções dos trabalhadores. Assim, as periodizações
propostas por rios estudos foram contratadas pela vivência dos trabalhadores entrevistados
e pelas mudanças concretizadas na loja de Marechal Cândido Rondon. Nesse enquadramento,
eventos muito debatidos e valorizados pela literatura, tais como a estrutura e organização das
empresas, a introdução de novas tecnologias como a informatização, a automação, a
terceirização, a diminuição dos postos de trabalho, o perfil flexível e polivalente do
trabalhador “reestruturado”, foram submetidos ao critério dos pprios trabalhadores
pesquisados e à realidade das relações de trabalho existentes.
Nos últimos trinta anos, especialmente, o mundo do trabalho tem passado por uma
rie de transformações na sua estrutura organizacional. Nesse sentido, uma vasta literatura
foi e é produzida com o objetivo de explicar tais transformações. O principal conceito que
procura explicar tal processo é o de “reestruturação produtivaque, no caso deste trabalho,
não será tratado como um conceito fechado em si mesmo, nem tampouco como chave
explicativa de um processo de mudanças. Termos bastante comuns, oriundos desse processo,
tais como kanban, just in time, ccq, toyotismo, polivalência, multifuncionalidade,
flexibilização, robotização, adquiriram força e são apresentados como marcos que
15
inauguraram as novas condições e relações de produção, principalmente das últimas três
décadas.
Não partir de um conceito fechado não significa deixar de problematizá-lo. O conceito
de reestruturação produtiva não será inutilizado neste trabalho, pelo contrário, será discutido a
partir de experiências concretas e não de uma maneira que trate generalizadamente a realidade
dos trabalhadores. Afinal, como admite Raymond Williams:
Quando percebemos de súbito que os conceitos mais básicos os conceitos,
como se diz, dos quais partimos o são conceitos, mas problemas, e não
problemas analíticos, mas movimentos históricos ainda não definidos, não
sentido em se dar ouvidos aos seus apelos ou seus entrechoques ressonantes.
Resta-nos apenas, se o pudermos recuperar a substância de que suas formas
foram separadas
1
.
Tendo em vista isso, não partindo de um conceito fechado em si mesmo, o trabalho
procura interpretar as Casas Pernambucanas, entendendo que a mesma vivencia e integra o
processo de reestruturação produtiva do capital, por isso o é possível partir apenas do
conceito de reestruturação produtiva ou de outros que a integram para explicar tal realidade.
Isto porque existe tamanho distanciamento entre vários dos conceitos criados para dar conta
das mudanças no processo produtivo, nos mundos do trabalho e as percepções e
interpretações produzidas pelos trabalhadores que vivenciam tais transformações. Assim,
existe a necessidade de discutir as transformações existentes nas relações de trabalho a partir
das próprias experncias dos trabalhadores.
De acordo com Antônio de Pádua Bosi, os primeiros usos do termo “reestruturação
produtiva” ocorreram ao longo da década de 1980, nos setores de administração de empresas
e engenharias de produção, servindo para traduzir um conjunto de medidas gerenciais e de
inovação tecnológica que foram apresentadas como receitas para maximizar os lucros das
empresas e aumentar a eficiência na produção e na venda de mercadorias. Bosi admite:
Nessa versão positiva, ‘reestruturação produtiva’ representou tanto uma
crítica às formas pelas quais o trabalho industrial até então estava
organizado, quanto uma possibilidade de emancipar os trabalhadores da
rotina e monotonia do trabalho, envolvendo-os no planejamento da
produção. Nesta visão, a sobrevivência de empresas e de trabalhadores
tornou-se dependente da conversão destes à ‘reestruturação produtiva’. No
caso dos trabalhadores, um grande mero de estudos passou a destacar que
essa ‘nova’ realidade exigia, dentre outras coisas, uma consciência de
adaptar-se constantemente à ‘novos’ saberes, habilidades e ritmos de
trabalho exigidos pelo também novo’ mercado de trabalho. Outros
1
WILLIAMS, Raymond. Marxismo e Literatura. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979.
16
conceitos como ‘flexível’, polivalente e ‘multifuncional’, foram
adicionados ao sentido inicial de ‘reestruturação’, de maneira a desenhar o
tipo de trabalhador dos novos tempos’. Um sem número de inserções desta
visão em jornais, revistas e televisão, encarregou-se de disseminar esta iia,
esforçando-se por naturalizá-la e apresentá-la como inexorável
2
.
O autor está apontando como a literatura que tratou do tema apresentou as
transformações nos mundos do trabalho como “novas” realidades exigidas aos trabalhadores à
necessidade dos trabalhadores de adaptarem-se a “novos” saberes, “novas” habilidades para
incorporar-se e/ou permanecer no mercado de trabalho. Daí surgiu outras dimensões para
justificar a retração de postos de trabalho no Brasil, por exemplo. Uma espécie de
inevitabilidade da “reestruturaçãotransferindo a maioria dos significados das organizações
do trabalho e dos trabalhadores aos sindicatos e aos próprios trabalhadores, legitimou a
diminuição dos empregos formais, por exemplo, assimilando o problema à qualificação
inadequada dos trabalhadores diante das “novas necessidades e exigências produtivas do
capital.
De acordo com Antônio Bosi, a partir da década de 1990 os estudos que conferiram
um tom mais positivo à ‘reestruturação produtiva’ perderam força. Ele comenta:
Concentraram-se em desenvolver soluções visando a adaptação do trabalho e
dos trabalhadores a tal processo. As pesquisas que atribuíram um sentido
negativo para ‘reestruturação produtivadividiram-se em duas perspectivas:
a de crítica à reestruturação interpretando-a como “crise do capital”, que é a
concepção de Ricardo Antunes em Adeus ao Trabalho e a de crítica à
reestruturação apontando as inconsistências, limites e efeitos negativos do
processo, que é a concepção de Helena Hirata em Sobre o modelo japonês
3
.
A crítica de Bosi com relação às formulações de tais estudos é que não consideraram
relevante a participação dos trabalhadores ou, quando consideraram os colocaram apenas
como vítimas da reestruturação, sofrendo mais do que resistindo a ela ou, ainda colocavam-
nos como funcionais ou não à ppria reestruturação, considera apenas os efeitos das
mudanças no mundo do trabalho sobre os trabalhadores, sem saber ao certo como os
trabalhadores vivenciavam tais experiências. Pensando o processo de reestruturação produtiva
não como um produto do capital e sim como um produto das relações sociais, das lutas de
classes, Antônio Bosi acredita que o problema em abordagens como as mencionadas
anteriormente, é que a luta de classes tende a ser assumida como um elemento estico
2
BOSI, Antônio. Relatório de Pesquisa. “A organização capitalista do trabalho ‘informal’”. CNPq. Novembro de
2007. p. 3
3
Idem, Ibidem, p.04.
17
relativamente à “reestruturação produtiva”, já que sua ppria temporalidade é dada como
encerrada – ou esgotada - juntamente com as mudanças no mundo do trabalho
4
.
No caso das Pernambucanas, por exemplo, não é possível dizer que o mercado
determina todas as relações e exige integração da mesma, ao mesmo tempo em que ela não
constrói suas estratégias e determina suas ações, sozinha. A empresa vive no mercado e
disputa com outras empresas, bem como funcionários, clientes, fornecedores, um espaço, um
sentido nesse mercado. Ao longo de sua trajetória, por exemplo, ela pautou uma série de
reestruturações produtivas, não sendo possível delimitar um marco, como sugeriu Ricardo
Antunes, para dizer que a reestruturação produtiva é quem determinou, a partir da década de
1970, as transformações nas empresas. Como admite Edmundo Dias, a própria história do
capitalismo é a história da reestruturação produtiva
5
. Desde o início o capitalismo se
transforma a partir dos sujeitos que estabelecem relações sociais e vivem o sistema.
O cenário de modificações, das formas de se trabalhar e das formas de trabalho, é
novo apenas no sentido das estratégias utilizadas, pois a essência do novo mundo do trabalho
nada mais é do que a continuidade de um processo de revolução dos meios de prodão. Cabe
pensar quais são e como são as estratégias do trabalhador perante este novo cenário
trabalhista, pois o trabalhador também faz parte, vivencia e dita dinâmicas nessas mudanças.
Neste sentido, Edmundo Dias pontua que o processo de reestruturação produtiva deve ser
analisado não como uma imposição efetivada e sim como uma tentativa que pode ou não
impor sua hegemonia, entendendo que esse processo se dá a partir das relações de força
vividas pelas classes, do embate entre as classes, do antagonismo de classes. Dias argumenta:
O capitalismo, desde o início, teve que, seguida e permanentemente,
revolucionar-se sem cessar e expropriar os trabalhadores, tanto em relação
aos instrumentos de produção quanto ao conhecimento e a identidade;
expropriá-los da sua própria existência enquanto classe
6
.
Seguindo a linha pensamento de Dias, pode-se falar que com essa nova forma de
trabalhar, surgida a partir da tentativa de revolucionar os meios de produção por parte do
capital, parece haver uma perda de identidade dos trabalhadores antigos, que antes se
identificavam com uma profissão e agora podem ter várias ao mesmo tempo; para os
jovens uma perda de expectativa para com o futuro, inclusive devido à rotatividade dos
4
Idem, Ibidem p. 5
5
DIAS, Edmundo F.(1998). Reestruturação Produtiva”: a forma atual da luta de classes. In: Outubro. N.1,
maio de 1998.
6
Idem, Ibidem. p. 46.
18
empregos pelos quais passam num curto período de tempo; realidade diferente da vivenciada
por seus pais, por exemplo.
Nessa direção, é preciso reconhecer que não existem relações de dominação plenas,
existe um jogo onde as regras são disputas em meio a constantes pressões dos trabalhadores.
Os sujeitos não são, portanto, vítimas da intensidade ideológica do capital, mas sujeitos que
interferem no próprio “jogo”, ditando dinâmicas, desenvolvendo sentidos, aprendizados e
valores sobre seu próprio trabalho, o capital e seus agentes.
Entender os trabalhadores não como vítimas do capital e sim como sujeitos que
interferem no “jogo” do espaço produtivo significa analisar e interpretar a realidade o a
partir da lógica histórica construída exclusivamente pelo capital, mas como sugeriu Marx,
pelas lutas de classe, que nada mais são do que os movimentos do capital. Os dominantes, no
espaço produtivo, se orientam pela busca do consentimento dos trabalhadores relativamente à
venda de sua força de trabalho, por isso em abordagens como essa, as diverncias em torno
dos modos e dos ritmos do trabalho são lutas de classes tanto quanto as tentativas dos
dominantes de reformar o processo produtivo.
É necessário compreender, a partir disso, como sugere Antônio Bosi, que
As experiências nos espaços do trabalho, identificadas como reestruturação
produtiva’, só adquirem sentido relativamente à luta de classes se forem
observadas a partir das interpretões dos trabalhadores que as vivenciam.
Qualificadas como just in time, kanban, ccq, por exemplo, expressam apenas
a perspectiva dominante, tentada pelos gestores do trabalho, distante,
portanto, do enredo desenhado pelos sentimentos, recusas e aceitações dos
trabalhadores. As diversas tentativas de organização e desorganização do
trabalho precisam ser encaradas como pressões exercidas pelo capital (e seus
agentes) sobre os trabalhadores e não como relações de força (e de
dominação) previamente estruturadas e com seus efeitos garantidos. Do
mesmo modo, importantes dinâmicas como a ‘externalização, terceirização e
sub-contratação de muitas funções produtivas, o medo do desemprego, o
crescimento das formas de contratação temporárias de ocupações precárias, a
exigência de um perfil ‘profissional’ flexível e polivalente, seriam melhor
compreendidas como experiências vivenciadas e interpretadas pelos
trabalhadores
7
.
O processo de reestruturação produtiva não pode ser negado, até porque uma série de
elementos produzidos com o processo são utilizadas pelas empresas, a exemplo da
multifunção, da flexibilização, entre outros. O problema está em admitir que os processos de
trabalho vividos pelos trabalhadores nesses locais de trabalho são produtos exclusivos e
determinantes da reestruturação produtiva. O conceito não conta de explicar a realidade
7
BOSI, Antônio. Relatório de Pesquisa. “A organização capitalista do trabalho ‘informal’”. Op Cit. p. 7, 8
19
vivida pelos trabalhadores, nem tampouco explicita as interpretações dos mesmos sobre o seu
trabalho. As empresas têm suas pprias experiências, assim como os trabalhadores ditam as
suas próprias dinâmicas e interferem no jogo do capital, não havendo, portanto, um manual de
como “moldar um funcionário” ou como “progredir uma grande empresa” de acordo com a
reestruturação produtiva. Existem elementos locais e regionais, de onde estão instaladas as
empresas, que devem ser levados em conta, bem como valores, intenções, sentidos e
interpretações dos trabalhadores, dos clientes, entre outros sujeitos, que ajudam a determinar o
processo de constituição de um local de trabalho e as relações que estabelece.
É preciso reconhecer que ao longo de sua história o capitalismo vem tentando moldar
o trabalhador. Contudo, momentos em que as próprias estratégias do capital para
transformar o trabalho são fruto da luta, da pressão dos próprios trabalhadores. A esse
respeito, Cornelius Castoriadis discutiu que a “organização científica do trabalho tentou
transformar o homem em uma máquina e tal como uma máquina o homem não deveria ter
traços pessoais. Castoriadis percebeu que tal prática se implantou porque os operários se
recusaram a serem tratados como máquinas, o operário colocou “a sua maneira de ser no
trabalho”. Por isso, o autor admite que o taylorismo tentou implantar um esquema de
organização da produção nas fábricas com “um único bom método”, estabelecendo as metas,
determinando cada operação. Porém, com o que o capitalismo não conta quando elabora suas
práticas é com a resistência dos trabalhadores, com a luta de classes, com as formas como o
trabalhador perceberá as mudanças e, por vezes, as promoverá.
O capitalista elabora suas estratégias sem contar com o fato de que na produção
ocorrem imprevistos: uma máquina pode quebrar, um funcionário pode se acidentar, os
funciorios podem não conseguir atingir as cotas, etc.; o que promove atrasos na produção.
Mas, mais que isso, segundo Castoriadis, o que não permite que haja uma racionalização da
organização do trabalho é a própria realidade de trabalho vivida pelos operários nas fábricas.
O autor conclui:
A crítica teórica do taylorismo, em particular tal como foi realizada pelos
soclogos industriais modernos, consiste essencialmente em mostrar que
essa visão é absurda que o homem não é uma máquina, que Taylor era um
mecanicista, etc. Mas trata-se apenas de uma meia verdade. A verdade
inteira é que a realidade da produção moderna, na qual vivem centenas de
milhões de indivíduos nas empresas do mundo inteiro, essa realidade é
precisamente esse próprio “absurdo”
8
.
8
Castoriadis, Cornelius. (1958) Sobre o conteúdo do socialismo, III: a luta dos operários contra a
organização do capitalista” In: A experiência do movimento operário. São Paulo: Brasiliense, 1985.
20
Pelo olhar de Castoriadis toda crítica com relação à produção dos trabalhadores deve
partir do cotidiano vivido pelos mesmos nas fábricas. Isto uma vez que o taylorismo tem
possibilidades, em teoria, de ser um bom método, mas na realidade, cada operário tende a
colocar seu jeito, seu modo de ser no trabalho. Assim, o capitalismo tem que lidar com a
subjetividade do trabalhador.
O problema na análise de Castoriadis é que atribui excessiva autonomia para o
trabalhador no sentido de que sempre ele promove as mudanças. É como se o sujeito sozinho
conseguisse brecar as ações do capital. Não é possível generalizar os processos porque a
constituição da própria história se dá por um embate de classes, pela luta constante dos
trabalhadores que se dá sob diferentes formas: adaptação, aceitação, resistência, entre outros.
Por conta disso é que este trabalha se posiciona nos termos de um protagonismo na
história, exercido por sujeitos trabalhadores sob condições determinadas às quais não
controlam necessariamente. Como admite Annio de Pádua Bosi:
A presença da História nesse debate acerca das mudanças no mundo do
trabalho, (...) tem aberto espaço para reflexões sobre as disputas que os
trabalhadores realizam pelo tempo do trabalho e pelo tempo da casa; pela
rotina dos ofícios e das profissões; pelos modos de viver na cidade e no
campo; pelas relações sociais que reclamam a presença dos serviços
públicos; pela redefinição da classe a partir da existência de novas
ocupações, ou da reformulação de antigas. E, finalmente, continuar a
construção desta presea, sobretudo, implica indagar se os trabalhadores
ainda constroem narrativas de vida escoradas em suas experiências laborais,
a despeito das teorias sobre o fim do trabalho e sobre a infalibilidade da
‘reestruturação produtiva
9
.
Entender que a constituição do processo é fruto da luta de classes significa buscar a
compreensão da constituição da identidade dos próprios trabalhadores, que se refere aos
processos pelos quais se reconhecem, especialmente em relação ao trabalho, nas relações
sociais que estabelecem. Assim, é preciso admitir que as identidades laborais construídas em
meio às mudanças no mundo do trabalho não são permanentes ou estáveis, mas sim dinâmicas
devido às sínteses, sempre provisórias, realizadas pelos trabalhadores sobre suas experiências.
Por isso, torna-se importante a tentativa de atingir o caráter coletivo da experiência dos
trabalhadores; daí vem às referências das experiências individuais a partir de situações
comuns vivenciadas pelo conjunto dos trabalhadores, a exemplo da percepção acerca do
aumento e da intensificação do trabalho, bem como a questão do medo do desemprego
9
BOSI, Antônio. Relatório de Pesquisa. “A organização capitalista do trabalho ‘informal’Op Cit. p. 25
21
presente em muitas narrativas dos trabalhadores, que é percebida tanto como um sentimento
individual quanto coletivo.
O sentido de tal questão pode ser verificado na concepção de Thompson sobre o
conceito de classe, elaborada já no prefácio do livro A Formação da Classe Operária Inglesa.
Ele admite:
A classe acontece quando alguns homens, como resultado de experiências
comuns (herdadas ou partilhadas), sentem e articulam as identidades de seus
interesses entre si, e contra outros homens cujos interesses diferem (e
geralmente se opõem) aos seus. A experiência de classe é determinada, em
grande medida, pelas relações de produção em que os homens nasceram ou
entraram involuntariamente. A consciência de classe é a forma como essas
experiências são tratadas em termos culturais: encarnadas em tradições,
sistemas de valores, idéias e formas institucionais. Se a experiência aparece
como determinada, o mesmo não ocorre com a consciência de classe.
Podemos ver uma gica de reões de grupos profissionais semelhantes que
vivem experiências parecidas, mas não podemos predicar nenhuma lei. A
consciência de classe aparece da mesma forma em tempos e lugares
diferentes, mas nunca exatamente da mesma forma”
10
.
Essa necessidade de perceber que a classe se identifica a partir de experiências
comuns, mas produz sua consciência de forma distinta, atribuindo valores, significados,
interpretações diferentes sobre as situações vivenciadas, a partir das relações que estabelece,
permite a compreensão, como admite Harry Braverman, de que nesses últimos trinta anos o
trabalho tem se tornado cada vez mais “degradado”. Porém, as repercussões deste processo
entre os trabalhadores não devem ser pensadas de modo derivado, pois como aponta
Burawoy, consentir uma condição de trabalho precária não representa necessariamente aderir
a ela
11
. O autor descreve a situação acontecida em duas fábricas, destacando a percepção
sobre os modos como os trabalhadores tendem a se impor nas relações de trabalho. Michael
Burawoy comenta:
A similaridade dos sistemas de remuneração e do processo de trabalho nas
duas fábricas originava estratégias operárias semelhantes. Tanto na Allied
quanto na Jay`s o pagmento pro produção constituía uma espécie de jogo,
chamado de making-out, nas duas fábricas. Nesse jogo, os operadores
estipulavam para si mesmos determinadas metas percentuais de produção.
As atividades no “chão da brica” eram dominadas pelas preocupações com
a manuteão dessas metas e a própria “cultura de brica” assentava-se nas
vitórias e fracassos nesse jogo. As atividades salariais e a distribuição das
tarefas “ferradas” (sujeitas a cotas difíceis ou “apertadas” de alcançar) e das
tarefas “moles (com cotas fáceis ou “frouxas”) eram temas de constantes e
10
THOMPSON, E. P. A Formação da Classe Operária Inglesa. Volume 1. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
p. 10
11
Apud BOSI p. 24
22
animadas discussões (...) As regras do jogo de makin-out” pareciam-se nas
duas bricas: os operios empenhavam-se em certas formas de conteão
da produção”. Ou seja, havia um teto máximo, conjuntamente regulado, de
quantidade de trabalhador a ser fornecido. Porcentagens mais altas induziam
ao corte das taxas salariais para todos. Os operários da Jay`s apelidavam de
bancar(“banking) e os da Allied de “fazer parada”( building a kitty”)(*) a
prática de conter a produção realizada acima daqueles tetos.
12
.
No caso verificado por Burawoy, os operários tentaram controlar o ritmo da produção
com relação ao seu salário. Os próprios operários estabeleceram, apesar das metas serem
estipuladas pelas fábricas, as suas pprias metas, os modos como cumpririam as metas. O
patrão dava “as cartas do jogo” e os operários jogam às suas maneiras. De acordo com a
quantidade que desejavam receber os trabalhadores estipulavam suas metas, controlando, eles
mesmos, se o ritmo seria mais ou menos acelerado, procurando trabalhar o suficiente para
garantir o que desejavam receber, sem exceder a produção.
Não esquecendo que o trabalhador também consente a exploração sobre o seu trabalho
no jogo produtivo, conforme suas necessidades. Às vezes, por medo do desemprego, pelos
benefícios e o salário recebido, entre outras questões, o trabalhador aprende a jogar com o
patrão, sujeitando-se a determinadas condições, situações e ditames. Burawoy admite que
nesse jogo produtivo existam vezes em que o trabalhador se sujeita a trabalhar muito.
Segundo ele, isso ocorre devido ao que denomina como “despotismo de mercado”. Em suas
palavras:
Como é que a força de trabalho, a capacidade de trabalhar, se traduz em
trabalho adequado, aplicação de esforços capaz de proporcionar tanto os
salários quanto os lucros? Marx responde: pela coerção. Em sua análise, a
extração do esforço de trabalho se através de um regime
despótico de
política
de produção. Embora Marx jamais tenha construído o conceito
dessa idéia, ele de fato, descreve um tipo particular de regime fabril, que eu
chamo de despotismo de mercado. Nesse regime, a regulação despótica do
processo de trabalho é estabelecida pela coação ecomica do mercado. A
dependência dos trabalhadores em relação aos ganhos em dinheiro está
inscrita na sua subordinação ao Licurgo fabril. (...) Na verdade, o despotismo
de mercado é uma forma relativamente rara de regime fabril cuja existência
depende de três condições historicamente específicas. Primeiro, os
trabalhadores não tem outro meio de subsistência além da venda de sua força
de trabalho em troca de salário. Segundo, o processo de trabalho é submetido
á fragmentação e mecanização, de modo que a qualificação e o
conhecimento especializado deixam de ser uma base de poder. Dessa
maneira, a separação sistemática entre trabalho mental e manual e a redução
dos operários a apêndices das máquinas despojam-nos da capacidade de
resistir à coerção arbitrária. Terceiro, impelidos pela concorrência, os
capitalistas transformam seguidamente a produção através da extensão da
12
Burawoy, Michael. (1985). “A transformação dos regimes fabris no capitalismo avançado”. In: RBGS.
Ano 5, n.13, junho de 1990. p 35
23
jornada de trabalho, as sua intensificação e da introdução de novo
maquinário. A anarquia do mercado conduz ao despotismo na fábrica
13
.
Na visão do autor o trabalhador acaba por trabalhar o necessário para seu salário e para
dar o excedente ao capitalista. Ou seja, os trabalhadores “produzem a base de existência de si
mesmo e do capital”, uma força de trabalho externa a si, mas para outra pessoa. Segundo
Burawoy, isso acontece pela coerção em relação ao trabalhador, o despotismo de mercado,
que o faz acreditar que esna dependência do salário, necessitando trabalhar para receber,
proporcionando ao patrão a possibilidade de exigir o prolongamento da jornada de trabalho, a
intensificação nos ritmos de trabalho, etc. Porém, o autor admite que esse regime só funciona
se o trabalhador estiver nessa dependência econômica.
O cenário de construção do chamado consentimento também é descrito por Burawoy.
Ele comenta que durante o Estado de bem estar social o consentimento foi criado utilizando-
se de direitos trabalhistas como o aumento de salário. O autor mostra as mudanças ocorridas
desde os anos de 1960, dizendo que, em alguma medida, os trabalhadores são guiados não
pelos benefícios, mas pelo despotismo fabril, ou seja, por elementos como o medo de ganhar a
conta e ficar desempregado. A partir disso, defende a tese que, atualmente, tenta-se governar
através de um regime hegemônico despótico. Entretanto, admite que o modo como que essa
forma de governar vai funcionar depende do embate de forças entre o capital e o detentor da
força de trabalho. A relação constituída entre ambos pode ser entendida como um jogo em
que cada um reage, exige e se impõe à medida do possível.
Tal processo, ao longo da história, originou constantes transformações. O embate de
classes constantemente propiciou a alteração nos processos produtivos, ou seja,
reestruturações, desejando constantes re-configurações no perfil e no próprio trabalhador. Em
relação a esta questão, Antonio Gramsci
14
apresenta uma tese em sua obra Americanismo e
Fordismo, que sugere explicações sobre os porquês da necessidade de re-configurar o
trabalhador. De acordo com ele, as tentativas de mudanças no trabalho para além de
objetivarem o aumento da produção, tiveram por finalidade alterar o trabalhador. Ou seja, as
mudanças na dinâmica do mercado de trabalho caminham para o aumento da mais-valia, que
é a finalidade do capital. Todavia, essas mudanças não estão focadas no capital constante e
sim no capital varvel, ou melhor, no próprio trabalhador. Gramsci admitiu:
13
Idem, Ibidem. P. 30.
14
GRAMSCI, Antonio (1981-1937). Obras Escolhidas. Tra: Manuel Cruz. São Paulo: Martins Fontes, 1978.
24
A adaptação aos novos métodos de produção e trabalho não pode dar-se
apenas através da coerção social (...) a coerção deve por isso ser sabiamente
combinada com a persuasão e com o consenso, e isso pode obter-se, nas
formas próprias da sociedade dada, através de uma maior retribuição que
permita um determinado teor pelo novo tipo de fadiga
15
.
A fala de Gramsci indica como deve ser feita a constante tentativa de re-configurar o
trabalhador, utilizando ferramentas como o consenso. Contudo, para isso, uma vez que o
trabalhador é um sujeito pensante e atuante, ele tem que ganhar ou achar que está ganhando
algo em troca, senão o consentimento não acontece.
Assim, a partir do levantamento, leitura e análise dos materiais produzidos para a
pesquisa, do posicionamento no campo teórico, das discussões com o orientador, das
disciplinas do programa, mais especificamente as do grupo de pesquisa e das sugestões da
banca de qualificação, buscando trabalhar com a temática em questão, a dissertação foi
organizada em quatro capítulos.
O primeiro capítulo: O fazer-se do capital nas Casas Pernambucanas: estratégias de
sobrevivência no mercado e formas de exploração sobre o trabalho, apresenta um título
provocativo ao leitor. Pois, através do diálogo com materiais produzidos pelas
Pernambucanas, o capítulo é desenhado no sentido de tratar das constantes reestruturações
produtivas pautadas pelas pprias Pernambucanas ao conjunto dos que a ela se ligam
(clientes, funcionários, fornecedores e concorrentes). Nesse sentido, não é o capital quem dita
as regras às Pernambucanas, mas a empresa vive esse mercado, disputando sentidos e
posições. O capítulo mostra também que a empresa procura produzir o chamado
“consentimento” entre os funcionários a partir das relações que estabelece e das formas como
organiza e concebe o trabalho.
Dialogando com as narrativas dos entrevistados, os dados extraídos por intermédio dos
questionários aplicados, de gráficos do IBGE, MTE, entre outros, o segundo capítulo: A vida
pelo trabalho: os sobreviventes das mudanças do mundo do trabalho, também apresenta um
título provocativo. Afinal, o capítulo problematiza as trajetórias ocupacionais dos
trabalhadores de modo a entender como vivenciaram e percebem as transformações ocorridas
no mundo do trabalho, a situação do trabalho no Oeste do Paraná e na cidade de Marechal
ndido Rondon e, o que é mais relevante, as relações de trabalho que produzem. Isso não os
coloca como sobreviventes do mundo do trabalho, mas sim como sujeitos que disputam
15
Idem, Ibidem. p. 333
25
mlhores situações de trabalho, sentidos e valores sobre o mesmo e a empresa, indiciando
sobre até que ponto a empresa promove o chamado consentimento na esfera da produção.
O terceiro: “A função da vida, às vezes, é o emprego”: o processo de reestruturação
produtiva e as mudanças nas relações de trabalho nas Casas Pernambucanas, vistos como
experiência e história dos próprios trabalhadores, discute com as narrativas dos
trabalhadores, atentando para mudanças presentes no mundo do trabalho, tais como a
flexibilização/multifunção, terceirização e multifuncionalidade, vivenciadas e interpretadas
pelos funcionários das Pernambucanas num campo de disputas por sentidos, no qual são
produzidas dinâmicas de trabalho que ora expressam os graus de exploração sofridos pelos
trabalhadores e ora os sentidos que imprimem sobre seu próprio trabalho, a consciência e
dinâmicas que produzem, bem como as relações que vivenciam.
O quarto capítulo: “Nunca me convenci disso”: adaptações, aceitações e resistências
dos trabalhadores como faces de uma mesma luta, procura dialogar com as narrativas dos
trabalhadores, abordando as maneiras como eles percebem e vivenciam as transformações no
espaço produtivo, imprimindo comportamentos, ações que podem indicar adaptação,
aceitação ou resistência a determinadas imposições e situações. Contudo, todas elas, são
apresentadas como faces de uma mesma luta dos trabalhadores no “chão da loja”. Isto porque,
inclusive, há momentos em que os trabalhadores consentem a exploração sobre o seu trabalho
de modo a tirar proveito das situações em favor de si mesmo, numa espécie de jogo produtivo.
CAPÍTULO 1
O FAZER-SE DO CAPITAL
NAS CASAS PERNAMBUCANAS:
ESTRATÉGIAS DE SOBREVIVÊNCIA
NO MERCADO E FORMAS DE EXPLORAÇÃO
SOBRE O TRABALHO
27
1.1 DISPUTANDO O SENTIDO DA HISTÓRIA:
“A EMPRESA QUE DEU CERTO”!
As Casas Pernambucanas esa 98 anos no ramo varejista e é possível considerá-las
uma das maiores e mais reconhecidas lojas de departamento do mercado. Para a diretoria da
empresa, a história das Pernambucanas inicia com o desembarque do sueco Herman Theodor
Lundgren no Brasil. Em 1855 ele chegou ao Rio de Janeiro, mas não se fixou à metrópole.
Esteve na Bahia e depois de algum tempo instalou-se em Recife.
De acordo com a biografia, Um sueco emigra para o Nordeste, escrita por Raul de
Góes em 1949, poucos meses após o seu desembarque no Recife Lundgren montou um
escritório de corretor de navios, tendo sido essa a sua primeira iniciativa
16
.
Abandonou, em
finais de mil oitocentos e cinqüenta, o escritório para estudar os recursos naturais do Nordeste
Brasileiro, impulsionando, segundo a história oficial contada pela família Lundgren, a
industrialização nacional nos moldes da industrialização européia dos meados do século XIX.
Assim, como aponta o suplemento: Pernambucanas e você de setembro de 1985, em edição
comemorativa, Lundgren
Em 1861 fundou a primeira fábrica de pólvora, de iniciativa particular no
Brasil, a ‘Pólvora Elephante’. Em 1870, aos 35 anos de idade naturalizou-se
brasileiro, valorizando cada vez mais o potencial de riquezas de sua nova
pátria. Iniciou o comércio de exportação da cera de carnaúba, de peles e de
couros, seguindo-se a do sal, sem, contudo tornar-se um aventureiro, pois
suas transações comerciais eram antecipadamente examinadas e testadas,
inclusive na Europa, para então transformarem-se em negócios seguros e
lucrativos. Herman Theodor Lundgren era exigente na qualidade dos
produtos e no trabalho de seus auxiliares. E, em 1904, casado e pai de 5
filhos: Herman, Frederico, Albert, Arthur e uma filha, Ana Louise (Anita)
resolveu ampliar suas atividades industriais explorando o setor têxtil,
montando a 3 léguas de Recife, a Companhia Paulista de Tecidos, no
pequeno engenho que pertencera a Manoel Alves de Moraes Navarro,
natural da capitania de São Paulo, de onde provém o nome escolhido
17
.
Após comprar todas as ações da “Paulista” (Cia. De Tecidos Paulista), como era
conhecida a tecelagem, ingressando no mundo da indústria de tecelagem, Herman Lundgren
em 1904 era proprietário da maior fábrica de tecidos da região, atribuindo fuões a seus
filhos na fábrica. Isso, tendo em vista que além da família Lundgren ser pioneira no ramo
industrial nordestino, a exploração sobre o trabalho é parte constitutiva do seu império. Estes
foram estrategistas da forma de recrutamento de trabalhadores no nordeste oriental,
16
GÓES, Raul de. Um sueco emigra para o Nordeste. 2ª ed. Rio de Janeiro: ed. José Olympio, 1964. p. 32;33.
17
Suplemento Pernambucanas e Você. Edição comemorativa Set/1985.
28
favorecendo e reforçando a estrutura familiar, que é um valor nordestino, na constituição de
força de trabalho mobilizada para a CTP (Companhia de Tecidos Paulista).
Um estudo interessante que trata dessa questão é o de Rosilene Alvim ao discutir as
histórias de famílias operário-camponesas no nordeste e sua relação com a Companhia de
Tecidos Paulista dos Lundgren. Alvim trata da memória operária da indústria dos coronéis,
mostrando a história com a simplicidade e a clareza de quem viveu o período: tecelãs,
estampadores, fiandeiras, enfim, todos que fizeram funcionar a fábrica têxtil. Os trabalhadores
apontados por elas migraram de áreas rurais, junto com a família, trocando a agropecuária
pelo emprego na fábrica, vendo na vila operária, que lhes destinavam para moradia, a
expansão e transformação da cidade. Assim, ela favorece não apenas o estudo de um caso
específico de transformação de camponeses em grupo operário, mas também de queses
gerais da vida brasileira, a começar pelo êxodo rural. Alvim assim expressa o recrutamento
realizado pela Paulista:
O recrutamento de famílias faz parte de uma política de mobilização da força
de trabalho que implica em buscar no grupo familiar o fornecimento da mão-
de-obra necessária à indústria, articulando família e trabalho numa relação
de dominação particular. Para as famílias que acorrem a Paulista seja a partir
do aliciamento realizado diretamente pela companhia seja de forma
espontânea, a oferta de uma casa para morar, em troca do trabalho da maior
parte de seus componentes, se apresenta como uma garantia de
sobrevivência e é um fator decisivo na opção, sobretudo entre os grupos de
pequenos produtores rurais, pressionados por uma situação de crise. A
construção de uma família operária que então se consolida em Paulista em
função do modelo do aliciamento familiar, se caracteriza pela imobilização
da força de trabalho através do monopólio da moradia pela indústria.
Controlando não o acesso ao trabalho mas também à casa, a fábrica
controla tamm o uso do espaço social de seus trabalhadores,
territorializado em domínios de sua propriedade. Esta brica com vila
operária, ao deter o controle não das condições de trabalho de seus
operários como também o controle direto de suas condições de reprodução,
procura inculcar em seus trabalhadores uma ideologia do trabalho, uma
moral do trabalho como um modo de vida que é reforçado e legitimado
através da família. (...) Na realidade, a forma de dominação da brica com
vila operária é como que co-construída, co-participada, interiorizada e
reinterpretada pelas ‘disposições culturais’, pelo habitus das famílias que
vêm para Paulista. (...) O que estou querendo marcar é que não é do
desconhecimento destas categorias de trabalhadores a existência de relações
sociais em que a forma de dominação implique na imobilização da força de
trabalho através da moradia
18
.
18
ALVIM, Rosilene. A Sedução da Cidade: os operários-camponeses e a fábrica dos Lundgren. Rio de
Janeiro: Graphia, 1997. p. 13
29
A autora indica que o valor familiar, que era um valor nordestino recorrente na época,
é valorizado pelos Lundgren não apenas na administração de seus negócios, mas também na
tentativa de recrutar trabalhadores para a Paulista, tentando manter o trabalhador e sua família
aliciados devido ao monolio da moradia pela indústria. Contudo, é importante o argumento
de Alvim de que os trabalhadores, mesmo diante da tentativa de dominação da instria por
intermédio da moradia, apresentavam consciência da existência de relações sociais em que as
formas de dominação implicassem na tentativa de imobilização da força de trabalho; o que
também não significa que isso os tenha mantido imobilizados.
Nesse sentido, é visível que a exploração sobre o trabalho é uma marca registrada do
Império dos Lundgren e ajuda a entender a construção e consolidação de sua história. O
pioneirismo nos negócios, no recrutamento de mão de obra e na organização do trabalho nas
empresas são exemplos de tal tentativa. Os valores familiares alicerçados na Paulista seguem
como uma moral arraigada até hoje nas Pernambucanas. A seqüência nos negócios, como
mencionei, auxilia na compreeno.
Por isso, Raul de Góes aponta Herman Theodor Lundgren como o patrocinador direto
do Império Pernambucanas, pois deixou a seus sucessores o legado de dar continuidade ao
mesmo através de valores familiares voltados para o trabalho
19
.
Desse modo, percebe-se a
tentativa de determinar à prática de sucessão de familiares nos negócios como o grande
segredo do sucesso, bem como a consolidação da empresa alicerçada numa idéia de “família”
e “casa”, que, ao longo de sua trajetória, procura consolidar uma memória positiva acerca de
sua história e da presença de suas ações na vida e história da nação brasileira e seu “povo”.
Porém, além da sucessão familiar, é preciso registrar a trajetória das lojas e o seu
andamento ao longo dos anos. Segundo a Enciclopédia Nosso Século, os primeiros anos das
Pernambucanas e o contexto histórico brasileiro eram os seguintes:
Em 1920 havia apenas 15.761 operários em Pernambuco. Num esforço para
superar os limites do mercado local, o grupo industrial e comercial mais
poderoso do Estado, os irmãos Lundgren, estendeu-se para outras regiões.
Surge assim a rede das Casas Pernambucanas que, em 1920, possuía cerca
de duzentas lojas
20
.
Essa contextualização, periodização e crescimento das indústrias no país, de que trata
a enciclopédia, são abordadas pela publicação comemorativa aos 96 anos da empresa,
organizada pelas Pernambucanas, de modo a situar as lojas nesse quadro, objetivando,
19
GÓES, Raul de. Op.Cit. p. 96.
20
Enciclopédia Nosso Século. São Paulo: Ed. Abril, 1997.
30
inclusive, durante todo o texto, justificar a empresa como a propulsora de maior êxito no
ramo, ou seja, a “Pioneira” nos departamentos varejistas. O seguinte trecho exemplifica:
Aproveitando-se do desequilíbrio financeiro do comércio e da indústria
durante a Primeira Guerra Mundial, no Brasil o desenvolvimento de ts
setores que, (...) cresceram de forma considerável, também favorecidos pelo
aumento da capacidade produtiva no período anterior: o dos tecidos de
algodão, o do açúcar refinado e o das carnes congeladas. No setor de tecidos,
o grande desenvolvimento está ligado à Casas Pernambucanas e o setor de
indústria têxtil bem representado pela Cia. Paulista dos Lundgren. (...)
Podemos afirmar, sem medo de erro, que o binômio café-ferrovia deveria ser
ampliado para uma figura de três partes: café-ferrovia-Pernambucanas.
Rápida e agilmente, o grupo Lundgren seguiu a esteira destas novas
comunidades, inaugurando estabelecimentos comerciais, alguns tão
pequenos que o passavam de barracões adaptados. (...) A presença da
Casas Pernambucanas era tão marcante que, muitas vezes, os prefeitos
solicitavam aos diretores do Grupo que instalassem uma loja em seu
município, não como um conforto para os habitantes, mas, sim e
principalmente, como símbolo de prestígio e modernidade da própria cidade.
Símbolo de prestígio, também, era trabalhar na Casas Pernambucanas. O
orgulho que invadia as famílias quando algum membro ali iniciava carreira
era só comparável a um posto na Câmara Municipal, no Banco do Brasil ou
nos Correios
21
.
Além de colocar a loja como pioneira, a publicação consti uma simbologia com
relação ao trabalho na empresa. como exemplo de prestígio e status o trabalho na loja,
bem como a instalação de uma loja nas cidades, levando em conta a rápida expansão da
empresa e sua atuação no mercado. É como se a loja representasse um benefício não somente
econômico, mas social e também cultural para as cidades, tornando-se quase que um bem
patrimonial, uma tradição a ser seguida, um exemplo de comprometimento político com as
cidades e com a nação, integrando-se aos projetos políticos dominantes locais.
Desse modo, as Pernambucanas aparecem como uma empresa que simboliza a
expansão da construção dos Lundgren, bem como da disputa por um sentido e posição no
mercado, argumentando ser uma empresa que vem dando certo no decorrer de quase um
culo. O jornal Casas Pernambucanas, em edição comemorativa dos 70 anos da empresa,
assim anunciou o desenvolvimento da empresa:
As primeiras Casas Pernambucanas significavam a expansão do mundo que
os Lundgren construíram nas terras do antigo Engenho Paulista. A
organização comercial cresceu e apareceu por toda parte, apoiada pela
brica que, em pouco tempo, teve sua produção totalmente absorvida pelas
lojas. A marca ‘olho grande’ como passou a ser conhecida na época, chegou
a ser conhecida até no estrangeiro, por causa das lojas abertas nas cidades
21
TRAJANO, Ugo Souza (org.). Op.Cit.
31
fronteiriças, onde o povo de língua espanhola vinha comprar os tecidos ‘com
la marca del ojo’. Cidade que se prezasse tinha que ter uma filial das Casas
Pernambucanas. Nos anos trinta, quando as cidades nasciam de um dia para
o outro no Norte do Paraná, um pioneiro descrevia assim o progresso de uma
cidade: ‘Tem Igreja, mercado, cinema e uma filial das Casas
Pernambucanas’
22
.
O que se percebe através do jornal é a tentativa da empresa de anunciar não apenas
que ela é um exemplo de negócio que deu certo, como também o exemplo de um
empreendimento que traçou sua ppria história, que construiu sua trajetória no tempo e no
espaço. Nesse sentido, é preciso destacar as Casas Pernambucanas como constituinte de um
corpo administrativo que, ao longo de sua história, pautou transformações, “reestruturações
produtivas”, para o conjunto dos que a ela se ligam (clientes, funcionários, fornecedores, etc.):
foi fábrica que virou loja de fábrica; foi loja que passou de loja local para regional e nacional;
foi fábrica-loja na transição do rural para o urbano; foi um armarinho que se tornou magazine;
foi uma empresa familiar que viveu a partilha; foi um magazine que se tornou empresa
financeira.
Em cima disso está alicerçada a idéia de tradição, presente e marcante até hoje nos
princípios e estratégias das Pernambucanas. A direção seguida pelos familiares expressa as
tentativas de criar uma memória positiva para a empresa. No geral, ela disputa um sentido
histórico no tempo e no espaço. Isto seja com relação a outras empresas do ramo, seja diante
do processo de desenvolvimento do país, seja diante das pressões de clientes e funcionários.
Parece existir uma necessidade de firmar e manter uma determinada imagem da loja no
tempo, uma espécie de tradição, indicando que a sua importância é tão marcante, expressiva
quanto os principais eventos do país e do mundo. Inclusive porque há 98 anos a loja está
presente e atuante no país, devendo ser constantemente lembrada e reavivada na mente e na
vida das pessoas.
A difusão de valores como o da “empresa que deu certo”, vendido pelas
Pernambucanas, demonstra tentativas de convencimento ideológico para promover
identificação com todos os cidadãos em rede nacional. Uma série de materiais produzidos
pela loja representa o trabalho de preservar uma determinada memória, bem como a
necessidade em acompanhar o crescimento e a história do país, de modo a situar a empresa
“em todos os momentos da vida das pessoas”. Um anúncio no jornal Pasquim de setembro de
1978, em nota comemorativa de 70 anos da loja, auxilia na questão:
22
Jornal Casas Pernambucanas. Edição comemorativa de 70 anos. p. 4.
32
Setembro de 1908. Inauguração da primeira loja das Casas
Pernambucanas.
Como dizia Dom Rossé Cavaca: ‘Bons tempos aqueles:
como a gente ganhava pouco.’ Quando foi inaugurada a primeira loja das
CASAS PERNAMBUCANAS, um quilo de carne de vaca, naquele 25 de
setembro de 1908, custava 530 réis, uma casa na rua Brigadeiro Galvão, em
São Paulo, estava sendo anunciada por 32 contos para venda e por 340 mil
réis para alugar. Noesplêndido e rápidopaquete Rhaetta uma viagem a
Portugal custava 78 mil is com ‘direito a vinho de mesa e condução
gratuita para bordo’. O aeronauta Wright dava 58 voltas em torno de
Washington, tendo permanecido no ar 57 minutos e 31 segundos,
recorde mundial. Bebia-se vinho do porto Carnaval, ‘que é divinal e dá
fortuna’. Para cólicas do fígado, tomava-se xarope Folet, (‘as pessoas que
sofrem do fígado’, dizia o anúncio, ‘têm a tez amarella como um limão
maduro: fácil é, pois, saber de onde provém a dor’). Comprava-se um piano
Cotran Steinweg-Nahfe por 4 contos de réis. No teatro Moulin Rouge, em
São Paulo, a empresa Paschoal Segretto apresentava Lea Gramon, cantora
discuse
e no The Edison Cinema a atração era ‘A Sanfona Mágica’. No Rio
o grande acontecimento era a Exposição Nacional e no local anunciava-se a
estréia de uma nova peça de Arthur Azevedo, Vida e Morte’. A ‘Gazeta de
Notícias’ publicava o resultado do jogo-do-bicho (nesse dia deu galo, 615).
O prêmio da Loteria era de 200 contos de réis. No Marrocos as tropas
francesas comandadas pelo general Aline destroçavam o exército do sultão
Abd-El-Aziz. Para a torcida brasileira o ambiente era de consternão: na
véspera nosso
scratch
foi derrotado pela Argentina por 3 a 2, no estádio do
Fluminense, nas Laranjeiras, jogo assistido pelo Barão do Rio Branco na
tribuna de honra. E o divino Cartola iria nascer um s depois. Pois é,
Nestes 70 anos muita coisa mudou, ninguém se lembra mais do
xarope Folet, do sultão Abd-El-Aziz, de Lea Gramon e do The Edison
Cinema. Que fim levou o navio Rhaetta? Muita coisa mudou, o quilo de
carne está a 90 cruzeiros. Mas as CASAS PERNAMBUCANAS, com cerca
de oitocentas filiais continuam servindo qualidade e economia ao povo
brasileiro
23
.
O jornal indica a reivindicação da loja por uma memória positiva do passado,
apresentando-se no presente como, ao mesmo tempo, sobrevivente e integrante ao país, ao
mercado e à vida das pessoas. Ao mencionar todos os eventos, situações e invenções
importantes do país que se perderam, ela justifica a sua sobrevivência no tempo e no espaço
por ter acompanhado todos esses eventos, situações e invenções. Ao mesmo tempo, ela está
integrada porque sofreu mudanças, ampliações no mercado e na sua ppria maneira de se
organizar, mas não se desenvolveu sozinha, esteve o tempo todo vivendo o mercado e suas
transformações, lutando e fazendo parte de tais transformações, bem como dos modos de
viver e consumir das pessoas.
Nesse intuito, a empresa ao longo de sua trajetória promove uma série de elaborações
diante das transformações sofridas, as quais podem ser vistas em momentos, argumentos e
práticas utilizadas para conseguir a aceitação, o consentimento e a projeção doblico
23
O Pasquim, setembro de 1978.
33
desejado, chamado de “cliente” ou “alvo”. As propagandas são um exemplo disso, ao
indicarem algumas transformações vivenciadas pela loja, bem como as maneiras como se
dirigem ao público, os argumentos e discursos que utilizam e a representação que cria de si
mesma e da clientela.
De início, antes mesmo de existir cinema e televisão, as Pernambucanas faziam sua
rústica propaganda em pedras, paus, postes e porteiras. Desde 1908 é a marca “olho” que es
presente em lugares que variam desde entradas de fazendas até postes da cidade. A marca
olho indicava os tecidos de qualidade e a necessidade dos clientes conferirem a olho qual era
o melhor lugar para se comprar tecidos. A marca olho era essa:
Ilustração 1
24
Na década de 1940 a empresa lançava os chamados “reclames” indicando as ofertas e
divulgando os slogans. Os reclames traziam as liquidações e ofertas que, segundo eles,
valorizavam os principais momentos vivenciados pelo país. Um anúncio da década de 1990
apresenta um elogio à empresa dizendo que as liquidações e propagandas são importantes e,
por isso, realizadas pela loja desde que anúncio era chamado de reclame.
24
TRAJANO, Ugo Souza (org.). Op.Cit.
34
Ilustração 2
25
25
Propagandas década de 1970. Arquivo Memorial Pernambucanas. Pesquisa produzida em 14 e 15 de fevereiro
de 2007.
35
Aparentemente, as propagandas também chamavam o cliente da vez”, ou seja, o
cliente cuja estratificação ou categoria social estava em ‘foco’ devido às transformações
vivenciadas no momento. Entretanto, todos os clientes eram convidados a comprar. Inclusive
um dos slogans que mais marcou estas décadas foi: “Casas Pernambucanas: onde todos
compram!”. Duas propagandas da década de 1970 exemplificam:
Ilustração 3
26
Ilustração 4
27
26
Propagandas década de 1970. Arquivo Memorial Pernambucanas. Pesquisa produzida em 14 e 15 de fevereiro
de 2006.
27
Propagandas década de 1970. Arquivo Memorial Pernambucanas. Pesquisa produzida em 14 e 15 de fevereiro
de 2006.
36
No entanto, é válido mencionar que as Pernambucanas realizam uma série de
mudanças nas suas estratégias de marketing. Disputando um espaço e buscando consolidar
uma imagem no mercado, até a década de 1960 as propagandas se dirigiam aos clientes com a
intenção de incentivá-los na compra de tecidos para toda a família, com preços acessíveis no
mercado e boas condições de pagamento. A tentativa foi, ao longo das décadas, a de firmar
uma tradição de que a empresa era a mais ‘barateira’ no ramo e de que os produtos eram de
melhor qualidade. Muitos reclames marcaram as décadas de 1920, 1930, 1940, 1950 e 1960.
Eis alguns: “Tecidos que o desbotam”, “Tecidos para toda a família onde todos
compram”, Fazendas afamadas em toda América do Sul”, “Os melhores tecidos pelos
melhores preços fabricação própria, cores firmes, garantidas”, Preços realmente
camaradas”, Tecidos indestrutíveis”, “Tecidos para todos os fins o governo é provisório,
mas os preços não”, “Preços fixos da brica ao consumidor”, “As Casas Pernambucanas
fundaram-se para todos os fins ao alcance das mais modestas bolsas”.
28
Ao longo destas décadas a empresa criou estratégias para conquistar o cliente, para
trazê-lo para a loja e, a partir disso, definir um perfil para a empresa, uma característica
peculiar no mercado. Por isso investe na idéia de que as Pernambucanas são o lugar onde
todos compram, onde os preços são possíveis a todos os compradores, independentemente de
sua condição social, até porque há diferentes condições de pagamento, garantidas pela
empresa de acordo com as possibilidades de cada cliente. Era o chamado cadastro ou ficha,
que possibilitava o aumento considerável dos lucros da empresa, porque ela parcelava
conforme as condições de pagamento do cliente, mas acrescentava valores às parcelas.
A tentativa da loja, até esse momento, foi, portanto, a de construir um perfil: a de uma
loja popular, com preços acessíveis. Para isso, alicerça-se no argumento de que os tecidos que
vende são de boa qualidade e bom preço, acessível para todas as estratificações sociais. A
empresa possuía fábrica própria e esta década de propagandas é marcada pela consolidação do
momento em que as Pernambucanas se transformam em loja de fábrica. Nesse sentido, a
empresa não estava procurando integrar-se ao mercado, mas sim disputar um espaço nesse
mercado, indicando e promovendo mudanças que lhe trouxessem benefícios próprios.
consolidada a idéia de tradição da loja como uma loja popular, as Pernambucanas
passam, nas décadas de 1960 e 1970, a constantemente reafirmar, reforçar sua imagem.
Assim, continua investindo na venda de tecidos, construindo propagandas que indicavam a
disputa da empresa pelo cliente: buscava fazer com que o cliente permanecesse como cliente
28
Boletins produzidos até a década de 1960. Arquivo Memorial Pernambucanas. Pesquisa produzida em 14 e 15
de fevereiro de 2006.
37
na loja, argumentando que isso fazia parte de uma tradição da loja de manter o cliente e
satisfazê-lo, por isso possuía um lugar aclamado no mercado. As propagandas anunciavam:
“O tempo das experiências passou. Aplique bem o seu dinheiro comprando tecidos para
toda família nas tradicionais e barateiras Casas Pernambucanas”, ou ainda, “Acerte sempre
comprando nas conhecidas e afamadas Casas Pernambucanas”.
29
É importante perceber nestes slogans a tentativa da empresa de tentar convencer o
cliente a não experimentar comprar em outras lojas, a não conhecer outras lojas e produtos.
Objetivando garantir os seus lucros, bem como a imagem constante reafirmada da empresa, as
propagandas se tornam uma estratégia da empresa para concorrer no mercado, para disputar
um espaço com outras empresas, para indicar a sua posição no mercado.
Contudo, a década de 1960 marcou a transformação da empresa através das
propagandas de TV. A partir desta década o slogan “Onde todos compram” permanece, mas
traz consigo um slogan complementar: “Seu crédito aberto num piscar de olhos”. Esta década
procurou valorizar o aumento da clientela e a rapidez e facilidade na abertura do crediário. As
propagandas e jingles mais importantes da loja foram desta década. Quem não se lembra da
propaganda de inverno, constantemente regravada pela loja ao longo dos anos: “Não adianta
bater que eu não deixo você entrar, nas Casas Pernambucanas é que eu vou aquecer o meu
lar”. Ou ainda, “Dezembro vem o natal, os presentes mais bonitos, as lembranças mais
singelas e aos seus entes queridos todos vão comprar... na Pernambucanas, em todos os lares,
que a paz seja total e mais os nossos votos de um feliz natal!”
30
.
Os constantes investimentos da loja em propagandas, inclusive a empresa foi uma das
primeiras a produzir uma propaganda de TV, seguida da criação de jingles, marcam o embate
vivido por empresas, clientes e funcionários. As constantes transformações em se tratando de
propaganda, indicam que não apenas a empresa queria afirmar uma imagem tradicional para
concorrer no mercado, mas também conquistar clientes e funcionários, usando, para isso, de
valores, sentidos e argumentos que fizessem parte da vida dos mesmos. No caso dos clientes,
oferecer produtos investindo nos preços pode tornar-se algo atraente, pois o consumidor
precisa comprar no mercado conforme suas próprias necessidades. são imbricados valores
como a honestidade, exemplificada pela idéia de que o cliente é honesto e que se comprar de
acordo com as suas condições, terá como efetuar o pagamento das compras corretamente. Não
esquecendo que até esse período o forte das Pernambucanas eram as compras à vista. A
29
Boletins década de 1960 e 1970. Arquivo Memorial Pernambucanas. Pesquisa produzida em 14 e 15 de
fevereiro de 2006.
30
Propagandas televisivas década de 1960. Arquivo Memorial Pernambucanas. Pesquisa produzida em 14 e 15
de fevereiro de 2006.
38
empresa apresentava um preço mais acessível no mercado objetivando o lucro garantido, por
isso baixava os preços no pagamento à vista. E, como a maioria dos clientes até então eram
famílias inteiras, em sua maioria agricultores, a prática corriqueira era a de guardar dinheiro e
comprar as chamadas “fazendas” para vestir a família. Essas fazendas eram geralmente
compradas com o lucro das colheitas ou dos períodos em que os trabalhadores eram, em sua
maioria, bóias-fria e trabalhavam por empreitada.
O cliente, mesmo que indiretamente, mostra-se como um sujeito que exige uma
posição e um direito no mercado como consumidor. Com o tempo, a exigência não apenas por
fazendas, mas por roupas feitas, suscita transformações na empresa. A década de 1970 marca
uma transformação importante da empresa ao valorizar as roupas feitas, juntamente com os
tecidos, além da possibilidade de se comprar móveis e eletrodomésticos na filial. Nessa
década foi introduzido o “Crediário Tentação”, por intermédio do qual era possível comprar
“tudo em suaves prestações no crediário”. O anúncio que apresenta a integração dos móveis e
eletrodomésticos no cenário da loja ajuda na compreensão:
A partir deste momento, você pode comprar móveis e eletrodomésticos em
nossa filial. Como vo é freguês do crediário, você pode aproveitar e
pagar em suaves prestações. Escolha o que desejar e conte com a assistência
técnica, a qualidade e o preço que as Casas Pernambucanas podem
oferecer. Nossa filosofia sempre foi vender os melhores artigos pelos preços
mais baixos, para vender muito. E se isso deu certo com tecidos, certo
também com máquinas e eletrodomésticos. Venha nos visitar e faça bons
negócios. Com pouco dinheiro você compra muita coisa
31
.
O período indica outra transformação nas Pernambucanas, que diz respeito à
reestruturação em se tratando de um armarinho que se tornou magazine (de tecido a diversos
produtos). Como forma de aumentar os lucros, ampliar o público freqüentador e, com isso,
garantir o perfil tradicional constantemente reafirmado, investe nas propagandas que
apresentam o “Crediário Tentação”. Se até então a maioria das compras se dava à vista, nesse
momento a empresa amplia a oferta de produtos e, com isso, os preços dos produtos também
se tornam variáveis, o que exige formas de pagamento necessárias às condições de pagamento
dos clientes. O crediário surge, assim, como uma forma “rápida” e com pouca burocracia para
o cliente comprar parcelado em prestações que “coubessem no seu bolso”.
O credrio surge como uma tentativa da empresa de se diferenciar da concorrência.
Disputando dimensões diferentes com clientes, empresas e, inclusive, funcionários, ela
31
Boletins década de 1970. Arquivo Memorial Pernambucanas. Pesquisa produzida em 14 e 15 de fevereiro de
2006.
39
investe em transformações, oriundas, muitas vezes, de pressões sofridas. Por exemplo, com o
objetivo de testar a implantação de novos produtos na loja, é lançado, em finais da cada de
1970, o “catálogo Pernambucanas”, que apresentava toda a linha de produtos, os preços, as
condições de pagamentos e como e onde comprar. Segundo os dirigentes, o catálogo serviu
como um termômetro indicador da preferência do público
32
”.
Como se vê, as propagandas foram a principal estratégia da empresa ao longo das
décadas, como forma de construir e firmar posições, conquistar benefícios próprios e driblar a
concorrência. Objetivando convencer o cliente a não arriscar comprando em outra loja,
devendo seguir a tradição e acompanhar a maioria comprando nas Casas Pernambucanas. Os
principais discursos e argumentos foram esses: “1) Pode errar... 2) é difícil... 3) é impossível...
acompanhe a maioria comprando artigos de qualidade aos preços mais baixos da cidade”;
“Preços realmente sem competidores”; “Os preços são sempre os mais baratos e a qualidade
de suas mercadorias é indiscutivelmente a melhor”; “Crediário tentação aproveite que não é
pecado”; “Cuidado! Muito cuidado! Desconfie sempre das imitações porque quem imita quer
enganar!”; “Casas Pernambucanas sempre imitadas – nunca igualadas”; “Não se iluda com a
conversa de que um ou outro artigo é vendido mais barato foram porque a diferença com juros
dobrados lhe será cobrada numa outra mercadoria”; “Não troque o certo pelo duvidoso
prefira as tradicionais Casas Pernambucanas”; “Não é comprar... comprar nas barateiras
Casas Pernambucanas é comprar tecido da mais alta qualidade. É comprar por preços
realmente camaradas. É comprar numa casa tradicionalmente honesta”; “De geração a
geração, todos preferem as tradicionais Casas Pernambucanas”.
33
Contudo, entre as décadas de 1980 e 1990 as Pernambucanas parecem não apresentar
notáveis diferenciações em suas estratégias. Nos anos 80 a empresa reivindica o esporte em
suas propagandas, fotografias, anúncios, além de estar, através do esporte, colocando em
prática o anúncio que fez na década de 1970 da modificação no relacionamento entre cliente e
empresa, em que o cliente passa a ser visto como consumidor e a empresa como fornecedora.
Nesse sentido, a exigência de que as empresas e instituições participem da vida da
comunidade teve nas Pernambucanas, com respaldo, a investida no esporte a partir do
patrocínio de equipes, jogos e campeonatos, bem como da implantação de grêmios recreativos
nas sedes da empresa.
Tal alteração no sistema da empresa atinge clientes e funcionários, estando à empresa
procurando consolidar a imagem de que participa da vida da comunidade, incentivando o
32
TRAJANO, Ugo Souza (org.). Op.Cit
.
33
Idem, ibidem.
40
esporte, patrocinando esportistas, implantando condições de lazer e recreação para os
trabalhadores. No geral, procurando “conquistar” clientes e funcionários.
A idéia de que as Pernambucanas são o lugar onde todos compram, onde a família
inteira compra, de que a loja deve ser a sua casa, marca as duas décadas. No final da década
de 1980, é implantado o cartão de crédito Pernambucanas com o objetivo de facilitar o
crediário e sua rapidez. A investida na idéia da tradicional economia e de que mesmo com as
transformações econômicas no mundo e no Brasil, a Pernambucanas continua vendendo mais
barato, marca os períodos. Várias são as propagandas, discursos e slogans: “Siga o caminho
da economia”, “Fique de olho os preços mais em conta do Brasil”, “Onde todos dizem não à
inflação”, “Onde a família inteira compra”, “Quase toda cidade do Brasil tem, pelo menos,
uma praça, a prefeitura, a igreja e uma filial das Casas Pernambucanas. Por isso, as Casas
Pernambucanas estão tão presentes na economia do país, recolhendo 823.663.999, 95
cruzados de ICM, dando 33.000 empregos diretos e 340.000 empregos indiretos. Esta
produção está nas 757 filiais das Casas Pernambucanas espalhadas pelas cidades de todo país.
E se essas cidades têm, pelo menos, uma filial das Casas Pernambucanas, todas as filiais das
Casas Pernambucanas têm, pelo menos, um gerente. E são eles os responsáveis mais diretos
por essa participação das Casas Pernambucanas na economia do país. Onde tem uma filial das
Casas Pernambucanas você tem uma cidade crescendo. Casas Pernambucanas você conhece
de algum lugar”.
34
O grande slogan foi “Pernambucanas é a sua casa”, seguido de “Sua
vida faz a nossa vida” e “Comprar barato está na moda”.
35
As Pernambucanas passam por mais uma reestruturação na cada de 1990: a de um
magazine que se tornou também empresa financeira. A grande mudança entre as décadas
ocorre na segunda metade de 1990 com a chegada do Plano Real, com os índices de menor
inflação e o crescimento do micro-crédito. As Pernambucanas se associam ao sistema de
micro-crédito em finais da década de 1990, tendo em vista a necessidade de fazer parte, de
ajudar a consolidar, de vivenciar as transformações econômicas do país. O sistema de venda
de produtos financeiros, especialmente o crédito pessoal ou empréstimo financeiro,
disponibilizado pela empresa hoje, visto como um dos principais mecanismos de
cumprimento das metas, pode também ser visto como uma facilidade para a classe
trabalhadora que, sem burocracia, tem a oportunidade de quitar as suas dívidas ou pelo menos
parte dela. Este pelo menos é o elemento de justificativa utilizado pela empresa para oferecer
34
Boletins e propagandas televisivas década de 1980. Arquivo Memorial Pernambucanas. Pesquisa produzida
em 14 e 15 de fevereiro de 2006.
35
Boletins e propagandas televisivas década de 1990. Arquivo Memorial Pernambucanas. Pesquisa produzida
em 14 e 15 de fevereiro de 2006.
41
o empréstimo aos clientes. Com isso, a empresa concorre com o sistema banrio e tenta
convencer o funcionário a fazer o empréstimo, pois receberá um percentual sobre a realização
do mesmo.
Na década de 2000, a empresa amplia as iniciativas da década anterior, investindo na
“reciprocidade”, cujo slogan mais marcante é: “Pernambucanas Da nossa casa para a sua
casa” e o já conhecido “Sua vida faz a nossa vida”. O convencimento ideológico continua
presente nesta década, insistindo na concepção de que através de seus produtos e seu quadro
de funciorios, as Pernambucanas fazem parte de todos os momentos vividos pela família,
assim como os clientes transformam a loja e ajudam a fazer dela o que ela é. Um trecho do
discurso do vice-presidente das Pernambucanas na publicação de edição comemorativa
exemplifica:
A vocês, clientes e funcionários, pertence este legado que é hoje a
‘Pernambucanas’, fruto de aspirações, muito trabalho e a certeza de estar
participando da construção de uma sociedade mais justa e humana. Com o
nosso trabalho tocamos cada um de nossos clientes e seus lares: participamos
de suas vidas, dos momentos mais simples e não menos importantes e, ainda,
das horas de grandes alegrias
36
.
O discurso apresenta algumas das principais intenções da empresa ao longo desta
década ainda em andamento e transformação. A noção de estar fazendo parte da vida das
pessoas e fazê-las acreditar nisso representa uma estratégia da empresa que, ao longo de sua
história, seduz compradores. O discurso da comendadeira Helena Lundgren, nome atual da
Universidade Corporativa da empresa, em edição comemorativa dos 70 anos das
Pernambucanas, reflete a noção de “servir as classes menos favorecidas”, ao mesmo tempo
em que apela para a valorização da tradição familiar da empresa. Porém, ela apresenta um
novo apelo: “o trabalhador das Pernambucanas”:
Em 1907 morre o gigante da iniciativa particular no Nordeste mas teve a
continuidade stuma. Seus filhos souberam continuar os esforços do pai.
Outras fábricas se sucederam à da Paulista. E, como resultado de todas essas
realizações para incremento da Indústria do pano no Brasil, estão,
espalhadas por todo o território nacional, cerca de 800 lojas de tecidos, as
Casas Pernambucanas, comemorando seus 70 anos de existência no
cumprimento de seu papel social, o de servir as classes menos favorecidas.
(...) Entretanto, é importante lembrar nesse momento que, nem do espírito
empreendedor de um imigrante sueco e da continuidade de sua obra por seus
descendentes, decorre o sucesso dessa grande empresa comercial. Parcela de
primordial importância vem representando, através dos tempos, a
contribuição valorosa dos milhares de funcionários integrantes da ‘grande
36
TRAJANO, Ugo Souza (org.). Op.Cit.
42
família’ das Casas Pernambucanas. Sem que eles acreditassem naquilo que
fazem, sem a confiança que têm depositado nos seus dirigentes e na solidez
da empresa, jamais teríamos atingido tal desenvolvimento. A eles e a seus
familiares, os nossos agradecimentos, na esperança de que continuem se
dedicando com afinco como o fizeram até agora, para que possamos
continuar trabalhando, contribuindo para um Brasil cada vez mais
próspero
37
.
O discurso indica que a empresa investe em propagandas e tentativas de
convencimento do cliente a partir, especialmente, da idéia de “servir as classes menos
favorecidas”. Contudo, é preciso perceber e identificar que ela produz uma rie de reformas,
transformações e convencimentos situados também e principalmente, na esfera do “trabalho”,
da “prodão”. Não é apenas a estratégia de manter a coesão entre o público e a empresa,
existe a tentativa de mudança nos perfis do trabalhador ao longo das décadas, cuja
necessidade é a de produzir “um novo trabalhador”, mais envolvido, mais produtivo, que
atenda às demandas da empresa e da clientela. A tentativa do consenso, portanto, não está
presente apenas no âmbito do cliente e da empresa, mas e principalmente, na dimensão da
produção, na relação com o trabalhador.
1.2 O PROCESSO DE “REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA”
NO OLHAR DAS CASAS PERNAMBUCANAS:
A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO E DO “NOVOTRABALHADOR
décadas o setor de produção vem sofrendo uma série de transformações, seguidas
de degradações nas relações de trabalho, com desdobramentos na ppria vida dos
trabalhadores. As décadas de 1980 e 1990, especialmente a década de 1990, são marcadas por
transformações ocorridas no capitalismo recente do Brasil, com a implantação de uma série de
programas neoliberais, desencadeando uma onda de desregulamentações nas mais distintas
esferas do mundo do trabalho.
Recuando um pouco, é possível perceber que o capitalismo brasileiro das décadas de
1950 a 1970 teve seu padrão de acumulação basicamente industrial, cujo padrão de
acumulação estruturava-se, especialmente, a partir de um processo de superexploração da
força de trabalho, dado pela articulação entre baixos salários, jornadas de trabalho
prolongadas e de forte intensidade nos ritmos de trabalho, chegando o Brasil a alinhar-se entre
as oito grandes potências industriais.
37
Jornal Casas Pernambucanas. Edição comemorativa de 70 anos. p. 1.
43
As transformações sentidas, vividas e disputadas pelos trabalhadores são visíveis nos
processos de reestruturação produtiva em todos os setores da produção. O setor industrial,
embora vivido diferentemente por cada trabalhador é sinônimo das transformações
produtivas, assim como outros setores, como o setor de serviços. O sociólogo Ruy Braga, por
exemplo, ao estudar o trabalho do teleoperador admite que o trabalho no setor de servos tem
atravessado um desenvolvimento acelerado, acompanhando tendências como a da
terceirização, da mundialização financeira, etc. Com o setor de serviços transformado, as
últimas décadas têm exigido trabalhadores para o setor, cujo perfil também deve ser alterado.
Para Ruy Braga, a transformação do setor de serviços eleva o setor de produção à escala
industrial. Para ele, a emergência das Centrais de Tele-Atividades, coroa os desdobramentos
da rotinização taylorista da relação de serviço. Ele admite:
Somente na cada de 1990 (...) assistimos (...) à desestruturação da empresa
fordista em benefício de um modelo de organização das relações de
produção centrado na generalização do processo de terceirização, na
compressão dos níveis hierquicos, no desenvolvimento de estratégias
gerenciais objetivando a mobilização permanente da força de trabalho, na
cooperação constrangida dos assalariados, na administração por metas, assim
como na fragmentação da relação salarial. Trata-se, como bem definiu
Thomas Coutrot, de uma ‘nova utopia capitalista’: a empresa neoliberal
38
.
Braga está discutindo como as empresas de teleoperações criam uma série de
estratégias lucrativas que exploram e penalizam muito mais os trabalhadores, ao mesmo
tempo em que atribuem a ele a responsabilidade pelo sucesso ou fracasso da empresa. Tais
transformações são determinantes de um processo que se intensificou ao longo das décadas,
introduzindo programas que indicam claramente as transformações nos níveis de produção de
vários setores.
Na década de 1990, por exemplo, especificamente a partir de 1994, no governo de
Fernando Henrique Cardoso, com o Plano de Estabilização Econômica, o setor comercial
acompanhou uma intensificação no processo produtivo:
Os programas de qualidade total, just-in-time e kanban, bem como a
introdução de ganhos salariais vinculados a lucratividade e a produtividade
das empresas, sob uma programação que se adequava fortemente aos
desafios neoliberais, encontraram uma contextualidade propícia para o
38
BRAGA, Ruy. O trabalho do teleoperador: Infotaylorização e degradação da relação de serviço.
Artigo publicado conjuntamente com a Revista Electrônica Internacional de Economia Política de las
Tecnologias de la Información y Comunicación: Extraido do site www.eptic.com.br”. Consultado em
15/04/2006.
44
desmancho vigoroso de reestruturação produtiva, da liofilização
organizacional e do enxugamento empresarial
39
.
As alterações promovidas no setor indicam e corroboram a afirmação de Braga de que
nos últimos anos vem crescendo o número de pessoas ocupadas no ramo, que está
promovendo mudanças no processo de trabalho. Porém, é necessário, como admite a
professora do departamento de sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
Marilis Lemos de Almeida, saber como é o emprego gerado por este ramo; quem ocupa
estes postos de trabalho
40
”.
Para além da importância numérica, estatística, do setor de serviços na economia, é
preciso, como admite Mario Sergio Salerno, perceber a emergência de novos olhares a
respeito da atividade produtiva de um modo geral. Apesar de a reestruturação produtiva ser
um fenômeno contemporâneo que muitas vezes tem sido analisado como o declínio da
sociedade, ela está longe de simbolizar a perda da centralidade do trabalho como fator de
coesão e integração social
41
.
O setor de serviços abriga uma variedade de atividades desde as com alto grau de
formalização como à financeira até a prestação de servos pessoais, que possuem
características muito particulares, por isso não pode ser tratado como um único segmento.
Este trabalho, por exemplo, volta-se para o exame do ramo comercial de varejo, organizado
numa loja de departamento.
O setor varejista, segundo Angela Maria Medeiros M. Santos e Cláudia Soares Costa,
é observado a partir da reestruturação de empresas de vários segmentos, tendo por objetivo
ajustar e adequar as companhias ao cenário de competição mais acirrada, decorrente das
transformações da economia brasileira operadas no início da década de 1990. Para Santos e
Costa, a disputa pelo consumidor tem levado a mudanças de estratégias, ampliando a
atuação de diferentes tipos de lojas e modificando o perfil varejista.o há, no entanto, um
formato ideal de varejo, sendo a melhor alternativa aquela de buscar a maior eficiência do
negócio escolhido
42
”.
39
ANTUNES, Ricardo. Os caminhos da liofilizão organizacional: as formas diferenciadas da
reestruturação produtiva no Brasil”. In: Projeto Integrado de Pesquisa Para onde vai o mundo do trabalho?
Campinas, 2002-2003.
40
ALMEIDA, Marilis Lemos de. Comércio: Perfil, reestruturação e tendências. Artigo extraído do site:
http://www.scielo.com.br . Consultado em 03/03/2007.
41
Ver Mais: SALERNO, Mario Sergio. “A seu serviço: interrogações sobre o conceito, os modelos de produção
e o trabalho em atividades de serviços”. In: Relação de serviço: Produção e Avaliação. São Paulo: Ed. SENAC,
2001.
42
SANTOS, Angela Maria Medeiros M.; COSTA, Cláudia Soares. Características gerais do varejo no Brasil.
Artigo extraído da página: http://www.bndes.gov.br/conhecimento/bnset/varejo.pdf. Consultado em 03/03/2007.
45
O varejo integra funções clássicas de operação comercial como a procura e seleção de
produtos, aquisição, distribuição, comercialização e entrega. É tradicional absorvedor de mão-
de-obra, historicamente menos qualificada que a empregada no setor industrial,
caracterizando-se pela alta rotatividade do emprego. No entanto, atualmente, o novo padrão
de concorrência exige o emprego de tecnologias poupadoras de mão-de-obra e a melhor
qualificação dos empregados. No setor varejista as principais formas de comércio seguem a
seguinte divisão: Vendas de produtos não-alimentícios (lojas de departamentos Ex: Mesbla
(já fechada), Mappin (já fechada) e Grazziotin; lojas de departamento de descontos
Americanas, Brasileiras e Wall Mart; lojas de eletrodomésticos e eletrônicos Casas Bahia,
Ponto Frio, Tele-Rio e Arapuã; lojas de vestuários: calçados, roupas, cama, mesa e banho
Renner, C&A, Pernambucanas e Riachuelo) e Varejo de alimentos auto-serviço e
tradicionais (supermercados, hipermercados e lojas de conveniência).
Ângela Santos e Cláudia Soares admitem que atualmente os analistas de mercado e
economistas acreditam que tanto em nível mundial quanto nacional, apesar da reestruturação
produtiva em todas as esferas do planeta, a intensa concorrência tem levado a redefinições de
cada tipo de loja ou serviço oferecido, cada um ampliando suas atividades tradicionais na
direção de funções características. Elas dizem: não, portanto, um formato ideal de varejo,
sendo mais importante à busca pela eficiência no negócio escolhido e a definição de opções
estratégicas consistentes
43
”.
Para Santos e Soares o varejo brasileiro, antes da década de 1990, caracterizava-se por
fatores como: concorrência segundo região ou regionalização da concorrência lojas
especializadas operando em nível local, cadeias de médio porte atuando em nível regional e
poucas cadeias de lojas a nível nacional; concentração regional: as maiores empresas e seus
fornecedores estão nas regiões Sudeste e Sul, à exceção dos fornecedores de eletrônicos;
relacionamento na cadeia de fornecimento restrito ao âmbito comercial – negociações de
preço e formas de pagamento; precário fluxo de mercadorias entre fornecedor e varejista;
disparidades entre o padrão de geso das empresas, em função do grau de profissionalização
predominando a gestão familiar; setor intensivo em mão-de-obra apresentando elevado turn-
over; disparidade de qualidade entre pades de controle interno, principalmente em estoques
de compras; informalidade nas operações; freqüente indefinição de foco do negócio; elevado
endividamento de algumas empresas.
43
Idem, Ibidem.
46
Embora algumas destas características ainda predominem para determinados conjuntos
de empresas, o processo de reestruturação pós-década de 1990 trouxe modificações para o
setor no que concerne à gestão, estratégias e relacionamento com fornecedores e clientes.
Mudanças como à liberação das importações e o aumento da concorrência interna e externa
impactaram o setor. O plano de estabilização econômica também tem impulsionado o setor na
busca por maior eficiência e maiores espaços de mercado, verificando-se a disputa pelo
atendimento aos consumidores das classes C, D, E, cuja demanda reprimida é grande, tanto
por alimentos e gêneros de primeira necessidade quanto por bens de consumo duráveis.
Tal cenário é verificável em diferentes lojas, sob diferentes condições, não passando as
empresas apenas a se adaptar e a integrar este mercado, pois é parte constituinte, integrante
dele, ditando dinâmicas e ajudando a promover modificações, transformações no mercado e
na vida das pessoas. Isso sem contar no fato de que muitas das transformações ocorridas nas
empresas e no mercado como um todo é resultado da pressão dos trabalhadores com relação
às formas de viver e trabalhar. Nesse cenário, muitas empresas passaram a apresentar
desequilíbrios financeiros, tais como a Casa Centro (utilidades domésticas), a Casas
Pernambucanas (tecidos) e a Mesbla (loja de departamentos).
De modo geral, é possível observar também que, em momentos distintos e com
problemas específicos, as empresas representativas do setor vêm se reestruturando a partir de
características comuns: troca de controle nas principais redes de varejo; fechamento de lojas
menos rentáveis ou não-lucrativas e reformas de lojas existentes; redução do número de
funciorios e de níveis hierárquicos; adequação do perfil de endividamento/renegociação de
dívidas; profissionalização das administrações, de tradicional característica familiar; abertura
ao mercado de capitais; busca por maior capitalização; elevação do grau de utilização de
automação comercial e de recursos de informática; alterações no mix de venda maior
participação de produtos importados na oferta e aumento das vendas da linha de bens
duráveis; aperfeiçoamento do conhecimento do cliente final; mudança de enfoque lucro
operacional x lucro financeiro; retomada dos instrumentos de planejamento e aperfeiçoamento
de instrumentos de aferição de custos e controles
44
.
No geral, muitas o as razões que desencadearam os processos de reestruturação nas
empresas e várias o as conseqüências desse processo para a vida e o trabalho dos
funciorios. Entretanto, cada caso apresenta singularidades quanto à definição da forma e do
momento de promover tais mudanças, assim como as percepções sobre elas. Por isso, é
44
Ver mais: SANTOS, Angela Maria Medeiros M.; COSTA, Cláudia Soares. Características gerais do varejo
no Brasil. Artigo extraído da página: http://www.bndes.gov.br/conhecimento/bnset/varejo.pdf
47
preciso entender, uma vez que este estudo se volta para as casas Pernambucanas, como a
empresa e seus funcionários percebem e vivenciam o processo de reestruturação produtiva,
que tipo de estratégias criam, como procuram se projetar, como se desenvolveram ao longo
das décadas.
Nesse sentido, é importante salientar que as Pernambucanas não apenas se adequaram
e sobreviveram diante das transformações ocorridas, do processo de reestruturação produtiva.
A empresa se transforma ao longo de sua trajetória, ela constrói dinâmicas de trabalho a partir
de determinados valores que se cruzam com os valores dos trabalhadores ou se fazem
presentes num mesmo cenário. As transformações que são mais visíveis no espaço, no chão
da produção, da organização do trabalho são importantes para indicar que a empresa não age e
cria estratégias iguais às indicadas ou exigidas pelo processo de reestruturação produtiva, ou
ainda, por uma determinada vertente da Sociologia do Trabalho que entende as empresas
como apêndices do capital, que são transformadas pelo processo no sentido de se adequar,
sobreviver e integrar um determinado mercado. As Pernambucanas fazem parte desse
mercado, ajudam a transformá-lo e são integradas a ele. Para isso, entretanto, cria estratégias
próprias no intuito de promover o consentimento de seus funcionários na esfera da produção,
a identificação dos trabalhadores com os ideais da empresa e seus valores, objetivando a
produção e o lucro.
É importante reconhecer, contudo, que tal processo não se de forma amena. As
relações sociais se constroem numa correlação de forças onde os trabalhadores também ditam
dinâmicas. Não é pura e simplesmente uma necessidade da empresa ditar dinâmicas aos
trabalhadores para que possam se adequar ao mercado, eles precisam se sentir dentro desse
processo e estão nesse processo, agindo por vezes na aceitação e por vezes na resistência
diante das ões da empresa. A própria empresa não disputa sentidos apenas com os
trabalhadores, mas também com normas e pades exigidos pelo mercado para que ela
concorra em termos produtivos. Por exemplo, elementos característicos da reestruturação
produtiva como a flexibilização, a informatização, estão presentes nas experiências comuns da
empresa e dos trabalhadores, mas se processam de diferentes formas, com diferentes
intensidades, ritmos e períodos. Por isso, a empresa e os trabalhadores são, pois, parte
integrante de um sistema mais complexo, criando dinâmicas, disputando espaços e sentidos,
experimentando e vivenciando os processos a partir de suas próprias referências e das relações
sociais que estabelecem.
Levando em conta tais elementos é possível justificar que o conceito de reestruturação
produtiva o dá conta de explicar a realidade concreta vivida pela empresa e os
48
trabalhadores. No caso das Casas Pernambucanas, entende-se que a mesma vivencia e integra
o processo de reestruturação produtiva do capital, mas existe tamanho distanciamento entre
vários dos conceitos criados para dar conta das mudanças no processo produtivo, nos mundos
do trabalho e as percepções e interpretações produzidas pelos trabalhadores que vivenciam
tais transformações. Assim, existe a necessidade de discutir as transformações existentes nas
relações de trabalho a partir das próprias experiências dos trabalhadores.
Os primeiros usos do termo “reestruturação produtiva” ocorreram ao longo da década
de 1980, nos setores de administração de empresas e engenharias de produção, servindo para
traduzir um conjunto de medidas gerenciais e de inovação tecnológica que foram apresentadas
como receitas para maximizar os lucros das empresas e aumentar a eficiência na produção e
na venda de mercadorias. Antônio de Pádua Bosi admite:
Nessa versão positiva, ‘reestruturação produtiva’ representou tanto uma
crítica às formas pelas quais o trabalho industrial até então estava
organizado, quanto uma possibilidade de emancipar os trabalhadores da
rotina e monotonia do trabalho, envolvendo-os no planejamento da
produção. Nesta visão, a sobrevivência de empresas e de trabalhadores da
rotina e monotonia do trabalho, envolvendo-os no planejamento da
produção. Nesta visão, a sobrevivência de empresas e de trabalhadores
tornou-se dependente da conversão destes à ‘reestruturação produtiva’. No
caso dos trabalhadores, um grande mero de estudos passou a destacar que
essa ‘nova’ realidade exigia, dentre outras coisas, uma consciência de
adaptar-se constantemente à ‘novos’ saberes, habilidades e ritmos de
trabalho exigidos pelo também novo’ mercado de trabalho. Outros
conceitos como ‘flexível’, ‘polivalente’ e ‘multifuncional’, foram
adicionados ao sentido inicial de ‘reestruturação’, de maneira a desenhar o
tipo de trabalhador dos novos tempos’. Um sem número de inserções desta
visão em jornais, revistas e televisão, encarregou-se de disseminar esta iia,
esforçando-se por naturalizá-la e apresentá-la como inexorável
45
.
O autor está apontando como a literatura que tratou do tema apresentou as
transformações nos mundos do trabalho como “novas” realidades exigidas aos trabalhadores,
à necessidade dos trabalhadores de adaptarem-se a “novos” saberes, “novas” habilidades para
incorporar-se e/ou permanecer no mercado de trabalho. Daí surgiu outras dimenes para
justificar a retração de postos de trabalho no Brasil, por exemplo. Uma espécie de
inevitabilidade da “reestruturaçãotransferindo a maioria dos significados das organizações
do trabalho e dos trabalhadores aos sindicatos e aos próprios trabalhadores. Legitimou a
diminuição dos empregos formais, por exemplo, assimilando o problema à qualificação
inadequada dos trabalhadores diante das “novas necessidades e exigências produtivas do
45
BOSI, Antônio. Relatório de Pesquisa. A organização capitalista do trabalho ‘informal’”. CNPq. Novembro
de 2007. p. 3.
49
capital.
Os estudos que conferiram um tom mais positivo à reestruturação produtiva
perderam força na década de 1990, mas concentraram-se em desenvolver soluções visando à
adaptação do trabalho e dos trabalhadores a tal processo. As pesquisas que atribuíram um
sentido negativo para ‘reestruturação produtiva’ dividiram-se em duas perspectivas: a de
crítica à reestruturação interpretando-a como “crise do capital”, que é a concepção de Ricardo
Antunes em Adeus ao Trabalho e a de crítica à reestruturação apontando as inconsistências,
limites e efeitos negativos do processo, que é a concepção de Helena Hirata em Sobre o
modelo japonês.
No geral, o problema em tais abordagens é que não consideram relevante a
participação dos trabalhadores no processo ou, quando aparecem, são definidos por
funcionalidade ou não à ppria reestruturação ou, ainda, são apresentados como alvo, como
vítimas da reestruturação, sofrendo mais do que resistindo ao processo. No geral, são
considerados apenas os efeitos das mudanças no mundo do trabalho sobre os trabalhadores,
mas o os modos como os trabalhadores vivenciaram tais experiências. E, o problema nisso
tudo, é que a luta de classes, em análises como essas, tende a ser assumida como um elemento
estático à “reestruturação produtiva”, pois sua temporalidade é dada como esgotada
juntamente com as mudanças no mundo do trabalho.
Ao valorizar análises como esta, torna-se necesrio entender as Casas Pernambucanas
e seus trabalhadores a partir das experiências concretas ao longo de um processo, de uma
trajetória marcada por constantes transformações, constituída num espaço de luta de classes.
Os trabalhadores o apenas disputam sentidos na empresa, assim como, juntamente com a
gerência, administradores e clientes, vivenciam o processo de reestruturação produtiva e
ditam dinâmicas nesse processo, ao contrário de simplesmente sofrerem as conseqüências de
mudanças e efeitos que lhes são penosos.
Exemplo disso são as constantes reestruturações produtivas produzidas e vivenciadas
pelas Pernambucanas ao longo de sua trajetória. Isso indica que a reestruturação produtiva
não é um conceito que dá conta de explicar a realidade concreta de vida e trabalho, nem
tampouco pode ser datada como determinante, como sugere Ricardo Antunes, a partir da
década de 1970. As Pernambucanas desde que era fábrica de pólvora promoviam
constantes transformações, constantes reestruturações produtivas, que não são determinadas,
como admite determinada vertente da sociologia do trabalho, pelo mercado, mas sim
estabelecem uma série de relações com esse mercado, o vivenciam, ditam dinâmicas e travam
embates.
50
Ao longo de sua trajetória, a loja procurou se colocar viva na imagem das pessoas,
demonstrando sua disputa no mercado e sua experiência com relação às transformações
vivenciadas. Nesse sentido, ela desenvolve duas premissas: a primeira é a de promover
identificação com a sua clientela, convencendo-a de que a empresa é o melhor lugar de se
comprar. A segunda é a de convencer ideologicamente os seus funcionários acerca do seu
próprio perfil e papel, bem como do da empresa, tentando produzir o consentimento na esfera
produtiva. O organizador da publicação produzida em comemoração aos 96 anos das
Pernambucanas, em 2004, exemplifica tais considerações ao mencionar o seguinte:
Nada na vida é feito de maneira individual e solitária. (...) Por isso, gostaria
de enfatizar que não somente funcionários, clientes, fornecedores e
colaboradores ganham com a Casas Pernambucanas. Pensando de uma
forma global, acreditamos que, também nosso país, e todos que convivem
direta ou indiretamente com a empresa sentem-se orgulhosos da existência
de uma rede de lojas do comércio varejista,
genuinamente brasileira
,
fundada quase cem anos num pequeno povoado de Pernambuco, que se
estendeu por todo território nacional e que permanece nos dias atuais na
lideraa do mercado varejista, hoje presidida pela bisneta de seu
idealizador, Dra. Anita Louise Regina Harley
46
.
A fala de Trajano expressa à tentativa de convencimento dos clientes e funcionários
através da valorização dos mesmos com relação à trajeria e consolidação da empresa.
Expressa também a disputa da empresa por uma trajetória familiar como sendo a sua marca.
Nesse sentido, ao valorizar os funcionários e os clientes ao longo de sua história, a empresa
procura construir a sua afirmação espaço-temporal, devendo ser um exemplo a ser seguido.
Porém, ela se alicerça na idéia de que sem os seus clientes e funcionários ela nada seria.
Trajano comenta:
A Pernambucanas comemora uma relação duradoura de amizade e
participação com seus clientes. Uma existência de trabalho e dedicação.
Uma convivência ímpar com seus colaboradores. É o fim da dicotomia
passado/presente, substituída por transformação/progresso. (...) Ao
relembrarmos a memória da Casas Pernambucanas, estamos procurando
oferecer um registro histórico e iconográfico competente, o apenas para
nos fazer transitar imaginariamente por espaços que já não mais existem,
como também nos possibilitar uma reflexão sobre os rumos da cidade e
nossos hábitos culturais. A Casas Pernambucanas proporcionou aos seus
clientes a incorporão das novidades vindas dos grandes centros
comerciais. Chegavam com elas o novo perfil do que estava sendo esperado
na vida social das capitais e o que se pretendia na vida cotidiana. A história
da empresa não se constrói apenas com papéis, fotografias e balancetes. Ela
é muito mais profunda. Seus agentes históricos são os próprios funciorios
46
TRAJANO, Ugo Souza (org.). Op.Cit.
51
que, estimulados, constroem o cotidiano visando valores permanentes de
comportamento
47
.
O discurso da empresa indica sua disputa por um sentido histórico no tempo e no
espaço, isto seja com relação a outras empresas do ramo, seja inclusive diante do processo de
desenvolvimento do país. Elementos como os de convencimento ideológico de seus clientes e
funciorios ajudam na percepção de que a empresa, ao longo de sua tentativa por manter
uma determinada “tradição”, também investe em transformações produtivas que tornem o seu
funciorio “estimuladoe “mais produtivo”, construindo comportamentos e padrões a serem
seguidos, consentidos no pprio espaço de trabalho, na esfera de sua organização.
Levando tal elemento em conta, é preciso entender um pouco da trajetória da empresa,
as transformações ocorridas, seu desenvolvimento a partir da divisão das lojas e de sua
organização interna. A trajetória da empresa indica que ela sempre contou com um número
expressivo de lojas. Em 1920 já contava com mais de 200 lojas e por décadas foi sinônimo de
varejo no Brasil. Na década de 1970 o grupo atingiu seu ápice, chegando a operar com mais
de 1000 lojas espalhadas pelo país, faturando 1 bilhão de dólares por ano.
Porém, de acordo com a Revista Exame de agosto de 2006, em 1975 ocorreu uma
grande cisão na família dos Lundgren (daí a importância de analisar e problematizar a
trajetória familiar da empresa, o apenas no sentido que ela atribui a si) e a empresa foi
dividida em regiões: São Paulo, Rio de Janeiro e Nordeste. Com administrações
independentes, as empresas do Nordeste e do Rio de Janeiro faliram alguns anos depois. O
processo se refere à outra reestruturação vivida pela empresa, a de uma empresa familiar que
viveu a partilha; o que indica que a reestruturação produtiva de que fala Antunes não surge
apenas num determinado e determina todas as ações do mercado. As Pernambucanas na
década de 1970, por uma questão familiar, é reestruturada, proporcionando alterações na
forma de se relacionar com o mercado.
A revista Exame indica que a parte paulista dos negócios, comandada pela mãe de
Anita Harley, atual diretora da empresa, foi a única sobrevivente à derrocada, ao processo da
partilha. Segundo analistas de mercado, as Pernambucanas durante muito tempo acabaram
perdendo mercado por resistir às modernizações como a alteração nos modos de atender, dos
artigos a serem vendidos, da organização do trabalho de modo mais lucrativo, a
informatização, seguindo sustentada na venda de tecidos, o negócio que deu origem à
empresa. Mas,
47
TRAJANO, Ugo Souza (org.). Op.Cit.
52
Em 2002, depois de longas disputas entre herdeiros, a Pernambucanas
chegou a seu momento mais crítico: a rede foi reduzida a 238 lojas, com
faturamento de 675 milhões de dólares e prejuízo de 12,5 milhões. Um
drástico programa de reestruturação foi adotado e, em três anos, a receita
voltou para o patamar do bilhão de dólares. No lugar do prejuízo, registrou
lucro de 19 milhões de dólares uma margem pequena, mas que representou
um importante sinal de recuperação
48
.
O quadro indica o “ambiente neoliberalda década de 1990, sendo justificado como a
empresa que ainda deu certo porque, para a superintendência da empresa, a companhia
cresceu nos últimos anos ao redirecionar o foco para outros setores de utilidades, tais como:
eletnicos, confecções, artigos de cama, mesa e banho e utilidades domésticas. Modificou o
seu quadro e perfil de funcionários, introduzindo computadores nas lojas, dividindo-as em
setores de produção, reduzindo os postos de trabalho, treinando os funciorios para a
multifunção e introduzindo metas de produção. Além disso, passou a investir na instalação de
grandes lojas em pequenos centros e na necessidade de não estocar artigos, limitando o
número de peças a ser vendido.
A partir daí, as Pernambucanas solidificaram a sua rede de lojas numa estrutura
padrão, existindo diferenciações no que condiz à classificação por porte de venda e ao
tamanho da cidade. Elas podem ser: P Pequeno Porte; M – Médio Porte; G – Grande Porte,
divididas por setores e funções. Uma loja P conta com um número de funcionários que varia
aproximadamente entre 10 e 20 funcionários, cuja cidade comporta um número de até ou em
torno de 50.000 habitantes. Uma loja M conta com um número de funcionários geralmente
superior a 20, cuja cidade possui em média 100.000 habitantes. Uma loja G pode contar com
um número de funcionários que, por vezes, ultrapassa 100, instalada em grandes centros com
número de habitantes superior a 200.000.
O processo de transformações produtivas, bem como de divisão das lojas e
organização do trabalho, indicam a trajetória da empresa e algumas das principais mudanças
ocorridas. Nesse sentido, é preciso compreender o processo de reestruturação vivido pela
empresa a partir de mecanismos implantados por ela, de estratégias gerenciais, das formas
como procura se projetar e convencer seus clientes e funcionários, entre outros. Até porque,
diversas áreas do conhecimento como a História e a Sociologia do Trabalho, em sintonia com
as transformações que ocorrem na esfera produtiva, vem se ocupando em analisar como os
trabalhadores e as trabalhadoras têm vivenciado, experimentado, transformando-se e
48
CARVALHO, Denise. “A discreta dama do varejo. In: Revista Exame. São Paulo: Ed. Abril, ago/2006.
53
transformando o processo de reestruturação produtiva nas diferentes configurações que
assume no Brasil.
Ao longo de sua trajeria, as Pernambucanas procuram desenhar um modelo de
organização das filiais de modo padrão. Isso ocorre desde a década de 1930. Tudo era
registrado e determinado às filiais a partir da central. O arquivo F. Aristóteles indica a
organização das lojas como divididas em: Prédios e Pontos, Reformas, Pintura do Prédio,
Montagem de uma loja, Portas de Vidro, Iluminação, Marcação das lojas com tabuletas e
letreiros, Toldo, Mobiliário, Objetos de exposição, Mercadorias, Empregados, Propagandas,
Expediente e Escrita e vendas.
As organizações padrões estavam baseadas em escolhas das cidades e dos pontos mais
atraentes, dos preços e orçamentos para compra de produtos e mobílias,
distribuão/exposição dos produtos e utilização dos espaços na loja, contratação de
funciorios, formas de abordar o cliente, etc. Um exemplo diz respeito às necessidades de
instalação numa cidade de acordo com a clientela:
Acontece que em algumas praças o ponto bem favorável para a população
urbana, também é um ponto onde se pega a freguezia rural, mas nem sempre
se isto, pois em outras as entradas da roça e o bito dos roceiros deixam
os mesmos trafegar por outros caminhos que não os levam à rua mais
conveniente para a freguezia urbana. O exemplo supra é applicavel para
cidades com 70% de freguezia urbana e apenas 30% ou menos de clientella
rural. Nas praças cujas lojas vivem a 50% de freguezia urbana e 50% de
freguezia rural, caso o ponto e a rua mais convenientes não sejam de tanta
serventia para a freguezia urbana como para pegar os roceiros, deve-se
escolher um ponto que mais favoreça a attração da clientella rural do que a
urbana, sem entretanto ser completamente fora de mão para a mesma.
Chegamos a esta conclusão pelas seguintes razões: -A população urbana
numa cidade de tamanho conhece naturalmente muito bem o perímetro
urbano todo, as distancias para chegar em qualquer ponto não são muito
grandes, e, alem disso, numa cidade regular qualquer habitantes, nos seus
affazeres, ou em passeios, ou em procura de conhecidos passa mais do que
uma vez por semana pelas ruas principaes. Por causa disso uma firma
estabelecida numa dessas ruas, mesmo sem ser a mais commercial não fica
esquecida pela população urbana e se a mesma pode offerecer verdadeiras
vantagens ninguém faz questão de andar mais uns 100 metros. Alem disso
em qualquer filial a propaganda no próprio logar é sempre mais intensa do
que na roça pois na cidade pode ser feita a qualquer momento emquanto para
a visita ao município é preciso esperar as oportunidades proprias. A
freguezia urbana alem das demais facilidades supracitadas é mais fácil de
captivar por propaganda, (boletins e chapas nos cinemas) e já a própria
existência do prédio da loja na cidade em ponto conhecido e devidamente
marcado, auxilia, bem como, por disporem as cidades de uma porcentagem
maior de pessoas que sabem ler e escrever do que se encontra nas aldeias.
Com relação aos habitantes do município sempre o contrario do supradito é
o caso. Os roceiros não conhecem todas as ruas tão bem, não sabem os
nomes das mesmas, sabem menos ler propagandas por escripto e é difficil
54
fazer chegar a mesma até elles por causa das suas moradas afastadas. Feiras
em certos dias determinados da semana, onde se podia pegar uma boa parte
dos roceiros não na maioria das cidades; os roceiros chegam uma ou duas
vezes por mez à cidade, demorando-se pouco. Estas são as razões porque
com metade da freguezia urbana e metade da rural precisamos corresponder
em primeiro logar às conveniências dos nossos amigos da roça. Em praças
onde o commercio vive mais dos negócios com os habitantes do município
do que com os do próprio local é lógico que se precise procurar um ponto no
qual se possa pegar o maior numero possivel de lavradores isto é numa rua
ou largo que receba as principaes entradas da cidade. Estas praças, que já
vivem com 70 e mais por cento da roça, também têm largos, ruas e prédios
relativamente poucos, de formas que a pequena freguezia urbana é cil de
amarrar e qualquer ponto numa das poucas ruas principaes serve para Ella.
Exemplos para filiaes situadas numa cidade industrial com porcentagem bem
grande de freguezia urbana são Sorocaba e Campinas. Araraquara e Assis
são exemplos para metade e metade. Promissão e Araçatuba para supremacia
de freguezia rural. Fóra do supradito não devem faltar: - a apresentação
externa do prédio, bôa frente com vãos largos e um salão espaçoso, lado da
sombra e prédio de esquina, de preferência, bôa visinhança. Com respeito à
visinhança é bom collocar-se perto de outros varejistas fortes, especialmente
de ramos onde se pode comprar o que não podemos offerecer e que
negociam com artigos de muita procura, como ferragens, seccos e molhados,
armarinhos, miudeza calçados, chapeus, etc
49
.
Esta proposta de organização da empresa concerne a mais uma reestruturação da
empresa, a de uma fábrica que virou loja na transição do rural para o urbano. A proposta está
indicando certa preocupação da empresa com o rural, com a composição da população e as
formas como pretende se relacionar com ela, analisando seu comportamento. A proposta,
nesse sentido, diz respeito não a uma tentativa de padronizar a empresa, mas de promover
uma análise de buscar interagir com a realidade, com a composição da cidade e do campo.
A organização da empresa propunha a análise do tamanho da cidade, da freguesia
focada, do ponto a ser instalada, entre outros, existindo a procura de um funcionário que fosse
bem visto na cidade, morador tempos, conhecedor do futuro público da loja, com perfil
apresentável, limpo, etc. Tal processo é também chamado de recrutamento. As
Pernambucanas recrutavam funcionários entre 1908 e 1970. Entretanto, ao longo das décadas,
o perfil exigido ao trabalhador foi sendo alterado e/ou aperfeiçoado de acordo com as
situações experimentadas pela empresa e pelos próprios trabalhadores.
Na década de 1970, por exemplo, a Casas Pernambucanas contavam com cerca de 800
lojas de tecidos, divididas em regiões brasileiras, sendo que três empresas comerciais, com
sedes no Rio de Janeiro, São Paulo e Fortaleza, controlavam as demais lojas. Até esta década,
a Pernambucanas possuía 4 indústrias fabricantes de tecidos com a marca Ôlho para atender a
49
Arquivo de registro F. Aristóteles. São Paulo: Memorial Pernambucanas , 1930. p. 5;6
55
sua demanda. Mas, a partir da metade da década de 1970, a empresa passa a comprar tecidos
de rias indústrias para suprir a demanda dos clientes. As fábricas são vendidas e a empresa
estava se tornando um magazine (de tecido a diversos produtos).
Nesta mesma década, outras mudanças também aconteceram. Desde o início o intuito
da loja foi o de promover a venda de tecidos populares, mesmo que os artigos mais finos
possibilitassem maiores lucros. Isto porque seu objetivo era implantar um estilo de comércio
popular, de loja popular e, assim, as lojas populares foram se espalhando até os pontos mais
distantes do país, com o dever de ‘conquistar os fregueses’, contando com mudanças também
na estrutura interna e no perfil dos funcionários. O Jornal Casas Pernambucanas de edição
comemorativa aos 70 anos anunciava:
Mudanças também nos escritórios. A introdução dos computadores para um
controle eficiente. A maneira tradicional de fazer comércio, porém,
permanece firme por trás das fachadas amarelas das lojas. Um sistema bem
popular e, ao mesmo tempo, muito exigente no trato com os fregueses.
Gerente ou balconista tem que ser muito hábil para perceber quando devem
deixar o tratamento de senhor ou senhora e falar compadre ou comadre.
Tudo depende do freguês, da região, da cidade ou mesmo do bairro. No
estágio que os candidatos a gerente de loja fazem nas matrizes, aprendem
principalmente as regras para a conquista dos fregueses. Mas estas regras
variam de região para região
50
.
O pprio jornal está indicando que apesar de existir a idéia de padronizar na empresa,
ela ppria lançava exceções, que dependiam do cliente, do funcionário, da cidade, etc. Por
outro lado, o argumento do jornal também se refere à necessidade de se conquistar a clientela
a partir de determinados critérios, como a linguagem a ser usada, o local de origem da pessoa,
etc., devendo o gerente e balconista (cargos ocupados na empresa, na época) saber atender
cada cliente de acordo com condições e exigências que permitissem a conquista dos
fregueses. Eles apreendiam a como focar no cliente, não esquecendo que tais critérios e
formas de atendimento variavam de região para região, de trabalhador para trabalhador, de
cliente para cliente.
Todo esse cenário também despontou para outras conseqüências do embate, do
enfrentamento vivido pelas indústrias e empresas ao longo do processo de transformações
produtivas. A modernizão vista a partir da mecanização foi alvo de disputa nas
Pernambucanas. Os Lundgren eram proprietários de rias indústrias, que disputaram com o
mercado o direito de atuar de acordo com as suas pprias intenções. Todavia, várias
50
Jornal Casas Pernambucanas. Edição comemorativa 70 anos. São Paulo, 1978.
56
alterações ocorreram nos modos de viver e trabalhar dos operários. O jornal comemorativo de
70 anos da empresa, assim descreveu a situação da época:
O espírito progressista dos Lundgren entrava em contradição com o status
que eles próprios haviam atingido. Chegaram novos teares para a fábrica,
ultramodernos. Até então, cada operário cuidava de um tear, os novos
dispensavam, cada um, 15 operários: um homem bastava para cuidar das
16 máquinas. Comaram as dispensas. E o descontentamento. Em 1963,
ano de muita agitação em Pernambuco, estourou uma greve em Paulista. A
brica parou, a Casa Grande também. Os 16 empregados da Casa não
estavam em greve, mas quase nada podia fazer. Faltava até água. Iam buscar
água na fonte que abastecia a cidade. Havia um piquete de operários
guardando a fonte. ‘Água para a Casa Grande? Daqui ninguém leva uma
gota! Quando o Comendador soube, ficou muito triste. Agoa foi tão
grande que ele deixou a casa de Paulista e nunca mais botou os pés naquela
terra. Foi para o Recife, onde morreu em 1967, com 85 anos de idade
51
.
O discurso produzido pelo jornal aponta para o enfrentamento entre os trabalhadores e
a empresa. Com a inserção de novas máquinas vários reflexos foram sentidos pelos operários,
transformando e dando outro sentido ao lugar, à fábrica, à vida e ao trabalho daquelas
pessoas. O jornal indica a luta entre a tentativa dos Lundgren de progredir modernizando a
fábrica, o que gerou demissões em massa e, conseqüentemente, a revolta dos trabalhadores
que se mobilizaram contra as ações da empresa, que trouxeram conseqüências diretas para
suas vidas e trabalho, assim como eles, a partir de sua mobilização, alteraram, transformaram
os sentidos e o próprio espaço da Paulista.
As Pernambucanas, com isso, desenvolve estratégias produtivas no sentido de
conquistar os seus funcionários acerca do trabalho que executam e da própria imagem
projetada pela empresa. Ao longo de sua trajetória, tenta produzir um novo trabalhador,
investindo na idéia de valores e resultados. O processo vivido pelas Pernambucanas, portanto,
é composto por constantes transformações marcadas pela disputa por sentidos nesse processo,
por dinâmicas de vida e trabalho, por relações sociais estabelecidas, etc.
1.2.1 “CONQUISTANDO” OS FUNCIONÁRIOS:
TENTATIVAS DE CONSTRUÇÃO DO CONSENTIMENTO
SOBRE A EXPLORAÇÃO DO TRABALHADOR
As lojas Pernambucanas servem como um importante exemplo de como que o
processo de reestruturação produtiva é um processo anterior aos anos de 1980 e 1990, período
51
Idem, Ibidem.
57
considerado por diversos autores como os alavanques de tal processo. A empresa indica que
desde o seu surgimento, através de sua trajetória, encontrou a necessidade de expandir
permanentemente os negócios e aumentar as taxa de lucros. Portanto, o processo de
reestruturação não é algo recente, foi e é vivenciado pelas Pernambucanas, indicando que a
loja não se adapta e sobrevive no mercado, mas é parte integrante e constituinte dele.
Assim, é verificável que a trajetória da empresa aponta para as transformações
ocorridas ao longo de sua história. Em 1972, por exemplo, foi colocado em prática um
programa de ampliação das lojas, com a introdução de um sistema de crediário, pois até 1971
a firma vendia à vista ou “fiado”, para os agricultores que pagavam conforme o resultado
da safra. Um dos exemplos dessa transformação foi a abertura em 9 de abril de 1976, da
primeira loja de Departamentos na Muricy, em Curitiba. A loja caracterizou-se pela área
comercial de maior influência na cidade, ocupando 5 pisos de venda em 4 mil metros
quadrados, interligados por escadas rolantes, elevadores, ambientes acarpetados e ar
condicionado, am de uma equipe de 464 funcionários. De acordo com o jornal
comemorativo de 70 anos, as principais características da loja foram o atendimento e o
excelente quadro de funcionários:
Uma das características principais dessa loja é o bom atendimento. A
administração uma importância especial aos Recursos Humanos. Nela
não existe alta rotatividade de funcionários, pois todos sabem que podem
fazer carreira. Os funcionários que são recrutados vêm com larga
experiência nos setores em que vão trabalhar e, além disso, são submetidos a
um intenso treinamento
52
.
O jornal atribui a questão da rotatividade ao trabalhador, admitindo que a maioria
desejava permanecer na empresa para seguir carreira, como possibilidade de crescimento
profissional. Indica também que desde a década de 1970 a empresa se preocupava com o
perfil do funcionário, uma vez que admite ser o cliente seu foco principal. A intenção nesta
década foi a de contratar um funcionário experiente nos setores, mas que deveria ser treinado
de modo a estar “aptopara ocupar todos os setores, tendo condições de seguir carreira na
loja.
Não apenas o perfil do funcionário vem sendo, durante anos, uma das maiores
preocupações da empresa, como décadas a tradição da loja foi mantida por um conceito
formado de 3 elementos, que tiveram forte sustentação na década de 1970. Os elementos são:
52
Jornal Casas Pernambucanas. Edição comemorativa 70 anos. São Paulo, 1978.
58
1º) Introdução de cores firmes, com uma garantia de qualidade daí a
criação da marca ‘Ôlho’. 2º) Preços baratos e fixos. Qualquer cidadão
pagando sempre o mesmo preço. Até uma criança poderia comprar. Uma
guerra declarada ao sistema de vender dos varejistas, que faziam os preços
na hora, ‘conforme a cara do freguês’ e, 3º) um atendimento cortês e
eficiente de todos os vendedores. Isso concorreu para uma total
confiabilidade por parte dos bancos e fornecedores, fruto de anos de
administração correta e ausência de aventuradas manipulações
53
.
O fragmento aponta para as formas como as Pernambucanas estava lidando com o
contexto, com os “sinais dos tempos”. Vários são os elementos explicitados: o primeiro deles
indica o combate contra o comércio varejista que, no olhar da empresa, estabelecia o preço do
produto conforme “a cara do freguês”. As Pernambucanas, em disputa com relação a isso,
estipula preços fixos, com garantia de qualidade, buscando estabelecer uma relão com todas
as classes, admitindo que qualquer indivíduo, independente da condão social, pode comprar
na loja.
O combate também aparece com relação ao atravessador, explícito no argumento de
que os bancos e fornecedores confiaram na empresa porque ela administrou corretamente, não
promovendo “aventuradas manipulações”, ou seja, não buscando seguir a risca as chamadas
determinões do mercado, mas agindo estrategicamente de acordo com as suas condições e,
principalmente, interesses.
Tais estratégias, utilizadas principalmente para barrar a concorrência e convencer os
clientes acerca do seu perfil, alicerçaram as Pernambucanas e, por isso, foram difundidos e
representados através de slogans famosos que ajudavam os clientes e funcionários na
identificação. Os slogans foram criados nos anos 40 em São Paulo, por Antonio Calhelha
nior, gerente da maior filial da época. Eis alguns dos principais: “As Casas Pernambucanas
não liquidam porque vendem barato o ano todo”; “Da fábrica diretamente ao consumidor” e
“Casas Pernambucanas, onde todos compram”.
É importante perceber neste universo que as Pernambucanas estabelecem uma série de
relações: cliente, fornecedor, bancos, funcionários, concorrentes, etc. O slogan “As Casas
Pernambucanas o liquidam porque vendem barato o ano todo” indica a crítica da empresa
ao comércio varejista, posicionando-se no sentido de que mantém os preços baixos o ano
todo, lançando o produto e seu preço nas mãos do cliente diretamente da fábrica,
possibilitando que todas as classes tenham acesso ao produto e à empresa, que possam
comprar. Tais argumentos são utilizados para tentar projetar a empresa como o melhor lugar
do varejo para se comprar.
53
Idem, Ibidem.
59
Na década de 1990, as Pernambucanas investem no funcionário a partir da idéia de
“cooperação”. Cada funcionário é também um cidadão que acompanha a situação política e
econômica do país. E, assim como cada cidadão tem força para se unir e lutar por aquilo que
acredita, buscando um futuro melhor, cada funcionário deve ajudar a empresa em seu
crescimento a partir de um traço comum, de cooperação. O apelo da empresa é assim
anunciado no Informativo nº. 2 de janeiro de 1993:
Como mentalizar o exemplo que a era Collor e PC não se sobrepujou ao
adágio popular de que o crime não compensa? As instituições, as empresas,
as famílias dependem fundamentalmente da alimentação dessa crença e não
existe outro alimentador dessa energia que o nasça dentro do próprio
indivíduo. Em nós mesmos reside o segredo da superação das dificuldades,
em nós mesmos reside a determinação de um objetivo e a persistência de, se
não atingido, outra vez colo-lo em foco e persegui-lo. Cada família, cada
empresa precisa ter o seu objetivo claro e forte. Quando começamos a lutar
por ele percebemos queo estamos sozinhos e mais indivíduos também
lutam pelo mesmo e muitas vezes sem ter isto em plena consciência. Estas
coincidências e a identificão de objetivos comuns vão aglutinando forças e
tornando claro qual o caminho a se seguir, e a força, a determinação nasce
desta emolução. Todos aqueles que, como indivíduos, fazem do trabalho que
executam em Arthur Lundgren Tecidos S. A. um meio de realização de seus
ideais tem a obrigação de encontrar e adequar traço comum de seus objetivos
com o eco dos demais, criando condição e força para transformar esta
empresa emuladora de nossa sociedade. Aos mais jovens que começam
agora ou começaram pouco sua vida profissional, ajudem-nos a renovar
com seu destemor e energia os ecos de nossos objetivos
54
.
Os informativos Nossa Casa são um material produzido pela empresa desde finais da
década de 1970 e indicam a relação estabelecida entre a empresa e os trabalhadores. O
material é de circulação interna, somente os funcionários os recebem. No caso do informativo
citado acima, por exemplo, é possível fazer a leitura de que a empresa trava alguns embates
com os trabalhadores apelando para que os mesmos tracem objetivos comuns. A idéia de
trabalho em equipe num intuito comum evitaria disputas entre os próprios funcionários,
atrelando seus objetivos aos objetivos comuns da empresa. O trecho exemplifica: Aos mais
jovens que começam agora ou começaram pouco sua vida profissional, ajudem-nos a
renovar com seu destemor e energia os ecos de nossos objetivos”.
Por trás de objetivos como este, na década de 1990, as Pernambucanas investem em
treinamentos de pessoal e na possibilidade de tornar o trabalho em determinados setores da
empresa como “autônomo” ou, ainda, tentam convencer o funcionário de que seu trabalho é
portador de certa autonomia com relação aos demais cargos ocupados em outras empresas. Os
54
Informativo Nossa Casa nº 2. o Paulo, janeiro de 1993.
60
próprios treinamentos procuram disseminar a idéia de que o funcionário bem treinado é apto
para tomar decisões e ajudar no comando da empresa. O Informativo 6 de agosto de 1993
auxilia na compreensão ao citar o exemplo de uma filial de Campinas e seu desenvolvimento
no olhar de dois chefes de departamento:
Claudio Arnaldo Santos, 22, nove anos de Pernambucanas, chefe do
Departamento Feminino e Tecidos relata que aqui o gerente autonomia e
nós temos como tomar decisões na hora certa. Eu vou até o concorrente e
vejo os preços a nível de porta e meio de loja, quando necessários nós
equilibramos os preços. Faço reuniões semanais com os vendedores
cobrando resultados. Todos os chefes de departamento fazem um relatório
diário relatando possíveis problemas com clientes, as resoluções adotadas,
opiniões e propostas. E o gerente realiza reuniões quinzenais com os chefes e
vendedores. Nessas reuniões são levantadas informações para tomada de
decisões. Eu considero essa autonomia muito boa, pois sem ela os
funcionários trabalhariam com insegurança. E se você não passa segurança
para seus vendedores e nem para seus clientes, você não consegue vender.
Gilmar de Jesus Betoni, 30 anos, 16 anos de empresa, é o responsável pelo
departamento de eletro. Aqui trabalhamos muito com troca de ideais,
fazemos reuniões apara premiar os vendedores. A autonomia é importante.
Acho a que ela deveria ser ampliada no sentido de aumentar o canal de
comunicação entre o comprador da matriz e os chefes de departamento, isso
contribuiria para que nossos compradores tivessem ainda mais condições
para atingir o interesse do consumidor. Acho também que a maior autonomia
do chefe acaba qualificando-o como profissional, pois o que ele aprende no
dia a dia o torna capaz até de gerenciar uma filial. Essa experiência pode
encurtar a trajetória de carreira. Esse modelo de administrão ajuda a
empresa a formar novos gerentes
55
.
A declaração dos dois chefes de departamento aponta para a idéia de que eles se
convenceram de uma determinada autonomia, que permite que resolvam determinadas
situações que aparecem no exercício do trabalho, que encontrem soluções em equipe. A
autonomia que julgam ter, porém, é uma autonomia que pode favorecer a empresa no sentido
de que ela lança os resultados a serem perseguidos e os gerentes, juntamente com os
funciorios, o os responsáveis pela aquisição de formas, que conduzam aos resultados
propostos. A autonomia apontada pelos dois gerentes, que certamente não expressa o conjunto
dos trabalhadores e suas concepções, nem tampouco todas as lojas (que se trata da loja de
Campinas, mas que não por isso deixa de ser expressiva ou servir como exemplo), está no
sentido de que não é preciso “perguntar pro chefe” tudo o que fazer.
Outra questão interessante que apareceu na fala dos dirigentes foi a de que a própria
empresa abre brechas com relação à padronização. Por exemplo, a questão da uniformização
dos preços não aparece na fala dos integrantes, eles admitem que têm autonomia para “ir até o
55
Informativo Nossa Casa nº 6. o Paulo, agosto de 1993. p. 3
61
concorrente e ver os preços em nível de porta e meio de loja, quando necessário os preços são
equilibrados”. Essa relação indica que existem determinações, mas também existem disputas e
maneiras de driblar estas determinões. Para além de a ppria loja promover a abertura de
lacunas que driblem a chamada padronização, os próprios funcionários encontram soluções
que lhes permitem vender e, talvez, produzir, de acordo com seus próprios interesses e não
apenas os da empresa.
Outro elemento presente apareceu nos 85 anos das Pernambucanas, com a investida na
tentativa de convencimento do funcionário de que ele tem a possibilidade de fazer carreira na
empresa. A empresa procura mostrar ao funcionário, que a maioria deles, tanto da matriz
quanto das filiais, iniciaram sua trajetória profissional dentro da empresa, uma vez que sua
filosofia valoriza o desenvolvimento dos mesmos. A premissa das Pernambucanas é a
seguinte: Quanto melhor for o desempenho e a qualificação profissional de seu pessoal,
maior será a produtividade da empresa. E havendo expansão dos negócios, maior serão as
oportunidades de carreira. O desenvolvimento dos funciorios es integrado ao
desenvolvimento da companhia
56
. Para que o funcionário chegue ao cargo de gerência de
filial, por exemplo, existem alguns passos:
Com a nova política de planejamento de carreira, hoje o funciorio passa
por diversas etapas formadoras para chegar à posição de gerente de filial. Em
cada etapa o funcionário desenvolve um conjunto de habilidades que darão
suporte, futuramente, a função gerencial. O funciorio que cumpre os
objetivos traçados e que atende aos padrões de qualificação profissional
exigidos pelas estratégias da carreira é promovido à posição seguinte. A
carreira é de propriedade do funciorio, cabendo-lhe grande parcela na
melhoria da qualificação profissional. A empresa tem o papel de facilitadora
neste processo
57
.
Para o desenvolvimento do plano de carreira o funcionário deve passar por uma série
de treinamentos, que dirão o quão apto ele está para a mudança de cargo. No geral, a partir da
implantação dos treinamentos, as Pernambucanas procura garantir a sua produtividade,
investindo na idéia de que o funcionário deve ser produtivo, capacitado, flexível, de acordo
com as necessidades da empresa, pois isso permiti a ele seguir carreira na mesma,
possibilitando uma melhoria nos rendimentos e, com isso, a abertura de vagas. Não
esquecendo que o plano de carreira deve ser desenvolvido não apenas por funcionários
competentes, mas por funcionários que desejem permanecer na empresa. Isto porque a
56
Informativo Nossa Casa nº 7. o Paulo, setembro de 1993. p. 2
57
Idem, Ibidem. p. 2
62
empresa justifica que existe a probabilidade de um funcionário carregador de mercadorias no
depósito, por exemplo, ocupar um cargo de gerência.
É interessante perceber também que os treinamentos fazem parte das transformações
vividas pelos envolvidos no mercado. No geral, as formas de atendimento ao cliente
mudaram, os equipamentos mudaram, o visual da loja mudou, o perfil dos funcionários
mudou. O Informativo nº. 7 de setembro de 1993 assim apresenta a empresa e sua relação
com o mercado:
A filosofia da Pernambucanas é, e sempre foi, vender muito mais em
quantidade com menor lucro do que vender pouco com muito lucro. As lojas
populares foram se espalhando, chegando aos pontos mais distantes do país.
Ao longo de 85 anos de existência, nossas lojas acompanharam a evolução
do nosso povo. A empresa se destacou em toda sua trajetória porque buscou
sempre estar a frente da concorrência nos aspectos fundamentais para o
conforto do cliente. (...) Esta evolução o parou até os dias de hoje. Nestes
dias a preocupação continua a mesma. (...) A entrada no mercado de
concorrentes fortes do exterior, com técnicas modernas de apresentação do
produto, foi o grande estímulo para a nossa virada. Hoje as lojas são amplas,
grande parte com ar condicionado, o sistema de iluminação evolui para
ressaltar os pontos fortes dos produtos expostos. Voltamos a trabalhar com
vitrinas, com exposições. As lojas ganharam display’s, manequins, lâmpadas
especiais e pessoas especiais para operar tudo isto. Assim é que se vive e
sobrevive no varejo, evoluindo sempre. O mercado é vivo e muda
constantemente, incessantemente. E quem está no varejo tem que mudar
também. O que foi bom ontem não o é hoje. Perceber isto é o segredo da
Pernambucanas
58
.
O informativo indica os constantes embates de quem vivencia o mercado. As
Pernambucanas argumentam dimensões como “buscar por estar à frente da concorrência”,
“estratégia de voltar a trabalhar com vitrines, com exposições”, isso ocorre porque “o
mercado é vivo”. O material aponta para as transformações imprimidas por quem vive esse
mercado; pelas necessidades e interesses de quem é transformado e ajuda a transformar; de
quem não sobrevive, mas sim modifica e é modificado, consolidando a idéia de que embate;
de disputa por interesses, de campo de forças.
Na década de 1990, as Pernambucanas apostam no argumento da sua diferenciação
com relação a outras empresas. Procuram mostrar a seus funcionários que os benefícios que
ela destina estão entre os melhores das empresas do ramo. A loja pretende indicar que os
benefícios a tornam um lugar melhor para trabalhar do que outros lugares. O Informativo .
14, de janeiro de 1995, apresenta os benefícios oferecidos pela loja do seguinte modo:
58
Idem, Ibidem. p. 6
63
Durante este ano a Pernambucanas despendeu com os três principais
benefícios (assistência dica, vale-refeição e vale-transporte) a quantia de
3,8 milhões de reais com os seus funcionários na capital e grande São
Paulo, já descontada a participação financeira deles. Este valor significa um
benefício de, pelo menos, 200 reais para cada um. Entre os benefícios
oferecidos existem alguns que são concedidos por lei e outros que a empresa
subsidia, oferecendo-os de forma espontânea, como a assistência dica, o
vale-refeição, o refeitório na matriz, entre outros. (...) Tanto no caso da
assistência médica como do vale-refeição, se não fossem concedidos pela
empresa, o funcionário teria que se responsabilizar por eles. Imagine o que
isso significaria para o seu salário... Entre os benefícios legais estão o
ambulatório e o vale-transporte. Mesmo com relação a eles, a
Pernambucanas procura oferecer vantagens, como um posto dentário ou
adiantar a entrega do vale-transporte no começo do mês e descontar no
pagamento, enquanto um grande número de empresas reembolsam no
salário os valores que excedem 6% do salário. Os benefícios abrangem
também os serviços de conveniência, que são um pacote de facilidades que
proporcionam ao funcionário maior prazo e/ou custo menor. (...) Na área
lazer e diversão, a empresa realiza promoções de peças de teatro e outras,
além de permitir ao funcionário, por exemplo, adquirir o passaporte do
playcenter com 25% de desconto e até 30 dias para pagar. Hoje o elenco de
benefícios oferecidos pela Pernambucanas é um dos mais abrangentes entre
as empresas do comércio e são representativos da preocupação que a
empresa tem em garantir uma melhor qualidade de vida para seus
funcionários
59
.
Tal justificativa acerca dos benefícios, indicada pela empresa, está envolta,
especialmente, no sentido da produção e da relação que mantém e procura manter com os
trabalhadores. A empresa diz que os benefícios servem para garantir uma melhor qualidade de
vida para seus funcionários e, muitos trabalhadores, realmente vêem o vale-transporte, o vale-
alimentação, o plano de saúde, como elementos importantes para permanecer na empresa em
detrimento a outros lugares nos quais não contariam tais auxílios. Assim, é visível que no jogo
produtivo não apenas a empresa joga de acordo com as suas necessidades, como o trabalhador
também se sujeita a determinados ditames em favor de si mesmo.
Contudo, é inegável que a década de 1990 realmente foi sinônima de mudanças para as
Pernambucanas. Os pprios espaços das lojas foram alterados por conta da implantação de
novos equipamentos e recursos, fator que implicou mudanças também na organização do
trabalho. A empresa inovou, a partir das transformações tecnológicas, a área de informática e
o sistema de telefonia. Um informativo de 1996 aponta as principais mudanças:
A matriz está mudando radicalmente a distribuição e a disposição de seus
móveis, bem como a forma de ocupação dos espaços. O objetivo principal é
atender as novas exigências da área de informática e obter um
aproveitamento racional dos espaços. Com a reformulação, a matriz te
59
Informativo Nossa Casa nº 14. São Paulo, janeiro de 1995. p.1
64
instalações modernas, ocupando um espaço menor e proporcionando uma
ambientação mais agradável. (...) A execão do projeto de lay-out começou
em novembro de 95, quando foi montada uma estratégia: colocar setores em
áreas improvisadas. O serviço odontológico está desativado temporariamente
e o ambulatório médico funciona agora no piso intermediário, vizinho ao
berçário. Ao término da reforma, quatro departamentos de compras irão para
o primeiro andar. O Compras Eletro ficará no segundo andar. Assim 80% do
prédio anexo ficará disponível. (...) O sistema atual de telefonia da matriz
também será inovado. O sistema analógico de 7 dígitos terá lugar ao sistema
digital, com um número a mais. O maior benefício será a discagem direta ao
ramal, ou seja, quem quiser ligar para a Pernambucanas não precisará mais
falar com a telefonista e solicitar o ramal. Todo mundo terá um telefone
direto, cujo final do número será o ramal específico de determinada pessoa
60
.
Esta série de transformações terá significado distinto entre os trabalhadores, bem como
reflexos e alterações em suas vidas e trabalho. As alterações promoveram a diminuição de
postos de trabalho, a inserção de novas máquinas, que exigem qualificação do trabalhador, a
informatização, serviços como o atendimento odontológico foi desativado e o ambulatório
médico perde espaço no prédio. Tudo isso indica algumas perdas ao trabalhador, ao mesmo
tempo em que ajuda a promover novas dinâmicas de luta e formas de se viver e trabalhar.
No geral, as transformações apontadas pelo informativo apontam para a ampliação de
espaços, suscitada pelas transformações tecnológicas, de modo a otimizar espaços num
mesmo espaço. Isso diminui os gastos e aumenta o número de departamentos. Por outro lado,
no caso do serviço de telefonia, ao ampliar o sistema um posto de trabalho diminui: o da
telefonista, que terá o seu trabalho substituído por telefones interligados por ramais
específicos.
Porém, não o as transformações na infra-estrutura que mais chamam a atenção no
processo de reestruturação vivido pelas Pernambucanas. A década de 1990, de modo especial,
marca as transformações no perfil desejado para o funcionário, na qualificação que se deseja
do mesmo. Para quem buscou um emprego na empresa neste período encontrou as seguintes
propostas:
Atualmente, consultores, conferencistas professores de administração e
autores renomados estão difundindo o conceito de empregabilidade (que
vem do inglês employability). Um termo difícil, mas de cil assimilação que
pode ser entendido como o conjunto das qualidades de um profissional que o
tornam capacitado a obter emprego, a luz da nova era da sociedade pós-
industrial. O momento é de transição: organizações com gerência obsoleta e
despreparada o terão mais espaço. Profissionais de carreira acostumados
com segurança no trabalho, direito adquirido, promoção vertical automática,
alta remuneração, aumentos salariais periódicos, que se satisfazem em
60
Informativo Nossa Casa nº 21. São Paulo, março/abril de 1996. p. 4
65
executar apenas as funções definidas pelo cargo, entre outras coisas, serão
coisas do passado. Se você está interessado em tornar-se um profissional
apto a participar do futuro das organizações, preste atenção nas dicas: 1.
Capacidade de estabelecer e cultivar uma ampla rede de relações no
ambiente de trabalho e fora dele. 2. Flexibilidade. 3. Capacidade para
adaptar-se e operar em ambientes caracterizados por ambigüidades e
mudanças rápidas. 4. Comunicação: a arte de convencer as pessoas por
inspiração, exemplo e espírito de liderança. 5. Objetivos pessoais definidos.
6. Relações pessoais construtivas: habilidade para tratar com as pessoas em
todos os níveis. 7. Competência profissional e polivalência: capaz de realizar
tarefas que exigem destreza. 8. Cultura: formão acadêmica sólida e
conhecimentos multidisciplinares
61
.
O informativo demonstra que a empresa positiva uma série de perdas dos
trabalhadores para quem procura trabalho naquele momento. Atribui ao trabalhador “a
capacidade” de ingresso no mercado, admitindo que a preferência é por pessoas com objetivos
pessoais definidos, o que significa dizer que se a pessoa tiver interesse próprio de seguir
carreira na empresa, visando contribuir para si e a família, por exemplo, se esse for o seu
objetivo, ela ajudará a empresa a produzir. No entanto, o trabalhador que assim o fizer não
estará executando o cumprimento de uma norma da empresa, mas sim vivendo o espaço
produtivo onde, de acordo com as suas próprias necessidades, ele por ora driblaos ditames
da empresa, por ora produzirá resultados que permitam satisfação para a empresa e para ele
também, a exemplo da composição salarial.
O informativo indica elementos do processo de reestruturação produtiva que aparecem
no momento como uma exigência para a contratação e permanência dos funcionários. Até o
momento o profissional deveria ser um bom vendedor para que pudesse lucrar com as
comissões e permitir o crescimento da empresa, conhecer bem a cidade e seu perfil no que
concerne aos clientes, etc. Profissionais polivalentes, flexíveis, criativos, comunicativos, em
suma, produtivos, em diferentes tarefas e operações, tornam-se a nova exigência do mercado.
A seguridade proporcionada por um emprego é, a partir deste momento, praticamente
abandonada pela empresa. O funcionário deve ter o seu perfil transformado, qualificando-se
para que consiga seguir carreira na empresa; esta será a sua seguridade. No geral, é transferida
para o funcionário a possibilidade de entrar ou de permanecer no grupo: depende dele ser um
“funcionário ideal”, apto.
Transformando-se constantemente, exemplo claro da vivência das Pernambucanas no
mercado, os dirigentes da empresa lançam em 1996 um Programa estruturado para
desenvolver todos os gerentes, chamado Manager 2000. Este programa teve por objetivo
61
Idem, Ibidem. p. 4
66
preparar o gerente para que cada filial consiga atingir o êxito no final do século XX e início
do XXI, diante das reestruturações que vem sofrendo. Para a empresa, o século XXI chegaria
antes do imaginado porque as transformações do final do século estavam ocorrendo numa
velocidade acelerada e as Pernambucanas, como parte integrante do contexto, estava atenta às
inovações:
O que as empresas devem fazer para garantir espaço neste novo cerio tão
competitivo? Essencialmente precisam desenvolver uma cultura estratégica
voltada para o fortalecimento de sua presença nos mercados. O processo de
transformação de empresas passa pelo conhecimento de mercados em nível
nacional, setorial e mundial, que ajudam na análise do momento atual da
empresa estabelecendo metas futuras. É nesta etapa também que são
verificadas as capacitações e deficiências frente aos concorrentes. A partir
daí, sabe-se qual o esforço necessário para chegar aos objetivos traçados
62
.
A empresa, através do projeto, lançou argumentos para conquistar posições e não para
cumprir as exigências do mercado. Projetos como este expressam a intenção de concorrer no
mercado, conquistando espaços e posições, desenvolvimento, a partir disso, recursos e
amplião da oferta de produtos. Por conta disso, as Pernambucanas acreditam ter superado as
dificuldades econômicas do país, mantendo a sua tradição de atendimento e preço.
Nos anos 90 amplia a oferta de produtos atuando nos segmentos de tecidos,
confecções, artigos de cama, mesa e banho, tapetes e cortinas, eletroeletrônicos e utilidades
domésticas, contando com 8.800 funcionários efetivos ou cerca de 9400 com a inclusão do
pessoal temporário e das coligadas. Em 1996, a empresa possuía 248 lojas, com sede em São
Paulo, a loja de departamento Muricy, em Curitiba, e 6 escritórios regionais, distribuídos
pelos estados de São Paulo, Paraná, oeste de Santa Catarina, Mato Grosso do Sul e Triângulo
e Sul de Minas Gerais
63
. Um dos exemplos, especialmente da ampliação e oferta de produtos,
está na inauguração em 1995 do telemarketing das Pernambucanas. O trecho a seguir indica:
Hoje cerca de 6 mil pessoas compraram pelo sistema. São cerca de 700
ligações/dia que partem de todo país, principalmente do norte e nordeste.
Para se ter uma idéia, em média são feitos 100 pedidos/dia. Ferramenta
bastante utilizada na área de vendas, o telemarketing busca o cliente não
comum as lojas, ou seja, aqueles que preferem comprar por telefone a ter que
deslocar-se aa loja para adquirir o produto. O gerente de marketing direto,
Dirceu Ramos, explica que é um público exigente, que busca mercadorias de
primeira linha, com qualidade e segurança, o maior diferencial da
Pernambucanas em relação ao que existe nas vendas diretas oferecidas pelo
mercado atualmente. O telemarketing funciona da seguinte forma: a
Pernambucanas anuncia em jornais e revistas, bem como em tablóides
62
Informativo Nossa Casa nº 22. São Paulo, maio/junho de 1996. p. 2
63
Informativo Nossa Casa nº 25. São Paulo, novembro/dezembro de 1996.
67
encartados semanalmente em jornais. Através do telefone as pessoas ligam e
o telemarketing efetua a venda. O produto é entregue no local determinado,
sete dias após a aprovação de crédito. O preço é o mesmo cobrado pela loja,
o único custo adicional é a despesa do correio. Nos horários em que as
chamadas telefônicas são menores, os teleoperadores ligam para as pessoas
oferecendo produtos, sobretudo para aqueles que recebem mala direta da
empresa. Aproveitamos a oportunidade para verificar se a pessoa recebeu o
folheto, se gostou do produto, etc. (...) O telemarketing trabalha das 8 as 20h,
sempre de domingo a domingo, inclusive feriados. São dois turnos de
revezamento entre os 20 teleoperadores
64
.
Os argumentos expostos no informativo, juntamente com o pprio informativo como
um todo, procuram estabelecer e apontar para a dinamização das relações estabelecidas entre
empresa e funcionários, empresa e clientes, empresa e fornecedores, empresa e concorrentes,
etc. e tudo isso é parte integrante do mercado, vive e constitui o mercado. Nesse sentido, a
construção do informativo pode simbolizar o embate da empresa com os trabalhadores, que
propiciam mudanças nas estratégias utilizadas e no próprio espaço produtivo.
O informativo também aponta para uma transformação, uma reestruturação que atingiu
setores de produção como o de telemarketing. As Pernambucanas implantaram um sistema de
telemarketing pprio sob a justificativa da necessidade dos clientes que não gostam de sair de
casa para fazer compras. Tal implantação da loja aumentou o fluxo das vendas, atendendo a
um determinado gênero de blico, gerou postos de trabalho, mas também simbolizou setores
da produção extremamente flexibilizados, superexplorados, que trabalham sob uma jornada
de trabalho exaustiva com ritmos intensos e repetitivos.
Contudo, tendo em vista a ampliação das vendas e aumentar cada vez mais a clientela,
as Pernambucanas não apenas investe nas propagandas e no telemarketing, como também
implanta um projeto chamado “fidelização dos clientes” através da qualidade do atendimento,
lançado na semana de 7 a 12 de abril de 1997 em 24 filiais, escolhidas para participarem do
projeto-piloto. A metodologia do programa foi baseada em reuniões breves, informais e
orientada para a ação, quando todos os envolvidos seriam estimulados a buscarem novas
formas de oferecer qualidade no atendimento. O objetivo era o de superar as expectativas do
cliente através do atendimento do funcionário. De acordo com a superintendência da loja, a
empresa que tem o cliente como centro das atenções, irá se sobressair em relação às outras e
garantir seu poder de competitividade. O Informativo que expressa o programa de fidelização
dos clientes indica a importância do funcionário no processo:
64
Informativo Nossa Casa nº 22. Op.Cit. p. 6
68
É de fundamental importância que todo colaborador, independentemente de
sua posição ocupacional ou hierárquica na organização, esteja consciente e
comprometido com essa premissa. Ainda é comum ser mal atendido numa
loja, magazine, supermercado ou outro negócio do varejo. Mas quem de s
retorna, caso não seja estritamente inevitável, a esse estabelecimento
comercial que não tem compromisso com o consumidor, que não o valoriza
suficientemente para mantê-lo fiel, que não procura satisfazer suas
necessidades e até superar suas expectativas. A empresa que deseja ser
competitiva e almeja permanecer no mercado por muito tempo, deve ter
como foco o encantamento do cliente em todos os processos, que culminarão
em um atendimento personalizado. E o devemos estender essa
responsabilidade apenas aos colaboradores da linha de frente, que tem o
contato direto com o cliente. Numa organização como a nossa, cada um de
nós, seja em que área da matriz, do armazém ou da loja atuarmos, devemos
estar intimamente conscientes de que, qualquer ação tomada sem que se
analise meticulosamente suas conseqüências, poderá gerar impactos
negativos e reflexos imediatos nos pontos de venda. O Programa de
Fidelização dos Clientes, que está sendo implantado na empresa, busca dotar
todos os colaboradores dessa consciência e fazê-los enxergar a necessidade
da busca da superação das expectativas, em matéria de qualidade
65
.
A tentativa das Pernambucanas de convencer os seus funcionários de que eles são os
principais responsáveis pelo sucesso da empresa representa uma pirâmide, cuja base é
formada por clientes e funcionários. Estes últimos devem atender bem aos seus clientes,
principalmente por intermédio de habilidades pprias aperfeiçoadas pelos treinamentos
oferecidos pela loja, convencendo-os de que a loja é o melhor lugar para se comprar.
Conseqüentemente, a empresa elabora estratégias que procuram convencer o apenas os
funciorios acerca do seu papel, mas também o cliente que “encantadoconhece e aprova a
tradição da loja.
É importante perceber que a estratégia utilizada pela empresa é a de falar com o
funciorio colocando-se no lugar deste, ao mesmo tempo em que se coloca no lugar do
cliente e faz com que o funcionário também se coloque no lugar do cliente. Desse modo, não
apenas o intuito das Pernambucanas é o de convencer os funcionários acerca do seu papel,
mas disputar um sentido com os trabalhadores, que tem por intuito a construção e
consolidação de uma prática de atendimento, de uma prática de atuação na empresa.
No geral, trata-se da construção de um tipo de valorização do trabalho, de um tipo de
positividade, que tem como principal finalidade o convencimento do funcionário acerca da
política de vendas da loja. É a tentativa do consenso, do consentimento. O funcionário deve
estar convencido dos benefícios e das premissas da empresa, pois assim sentir-se-á estimulado
no seu trabalho. A idéia é convencer o funcionário de que o salário pago pela empresa é
65
Informativo Nossa Casa ano VI. São Paulo, junho/julho de 1997. p.2
69
positivo, bem como trabalhar na mesma. Por outro lado, é preciso ter em vista que a empresa
investe em sustentáculos materiais deste discurso, como as vantagens econômicas. Ao
convencer o funcionário de que se ele cumprir as metas, por exemplo, ele pode triplicar o seu
sario, ela pode diminuir os gastos com a contratação de novos funcionários; aumentar o
fluxo das vendas; ampliar as taxas de lucro; pagar ao funciorio um montante que, pelo
menos à primeira vista, satisfasuas necessidades, embora seja bem menor do que realmente
deveria ser pago, tendo em vista o que lucrou.
Um exemplo desse contexto está na valorização do funcionário promovida pelas
Pernambucanas. Em edição comemorativa aos 90 anos da empresa, no dia 25 de setembro de
1998, o presidente e a vice indicam que os funcionários são os principais responsáveis pelo
sucesso das Pernambucanas, pois souberam pôr em prática valores, princípios e tradição por
intermédio de elementos como o trabalho, a dedicação, a lealdade, a determinação e o
profundo respeito aos clientes. 80 mil pessoas entre funcionários, dependentes e
fornecedores completavam o quadro em 1998 e, de acordo com a superintendência, ajudaram
a construir nove décadas em que
A Pernambucanas mostrou que uma empresa antiga não é uma empresa
velha, pois, quando se mantém os mesmos ideais e se constrói novas idéias a
cada dia, não há nada no mundo que envelheça. Como sempre fez, hoje a
Pernambucanas não se acomoda na sua posição invejável no mercado
varejista. Quer sempre fazer mais. Investe em treinamento, em tecnologia,
em infra-estrutura. Quer atender melhor seus clientes, ter parcerias mais
fortes com seus fornecedores e acima de tudo quer retribuir o esforço de seus
profissionais, oferecendo-lhes oportunidades de crescimento pessoal e
profissional. Tudo isso porque a Pernambucanas sabe que não existe
sozinha. Ela é a soma de muitas pessoas que dedicam e dedicaram partes
preciosas de suas vidas para o engrandecimento dessa Empresa. Ela é a soma
da sua dedicão, da fidelidade de nossos clientes, da prestação de serviço de
nossos fornecedores. (...) Hoje a nossa família é composta de mais de 80 mil
pessoas entre funcionários, familiares e fornecedores. Uma família gigante,
maior que a população de muitas cidades do Brasil. Uma família unida,
solidária e que quer se ver a cada dia melhor e maior
66
.
A empresa, a partir da fala da superintendência, está justificando a posição da
empresa, disputando um espaço. Por isso, admite que “quando se mantém os mesmos ideais e
se constrói novas idéias não há nada que envelha”, reafirmando que por ser uma loja
tradicional, que estempos no mercado, não significa que não se transforme, que não se
modifique, que não inove. Entretanto, deixa claro que mantém alguns ideais como o de
família, o de preço baixo, o de tradição, no geral. Mas inova na construção de novas idéias
66
Informativo Nossa Casa edição comemorativa 90 anos. São Paulo, setembro de 1998. p. 5
70
constantemente, ou seja, procura melhorar sua qualidade no atendimento, transformar os
espaços, entre outras coisas. Nesse sentido é que se torna, em sua própria fala, “a soma de sua
dedicação”, uma “família composta entre funcionários, familiares e fornecedores”.
Entretanto, a tentativa de convencimento ideológico de seus clientes e funcionários
estende-se para esferas compostas de algumas regras e normas a serem seguidas pelos
funciorios. A noção de padronização, por exemplo, presente desde minimamente a década
de 1930, foi aperfeiçoada em normas como o uso do uniforme. Em 1999 a empresa lança um
apelo para que os funcionários entendam a importância do uniforme e, por isso, façam uso
dele. Um informativo de 99 traz o seguinte apelo:
A primeira impressão é a que fica. Obviamente, isto não é uma regra, mas
em alguns casos reflete exatamente o que acontece no nosso dia-a-dia.
Imagine se você entra numa loja para fazer suas compras e percebe que os
funcionários estão mal vestidos, com roupas sujas e amassadas. Sua
impressão sobre aquelas pessoas e sobre a empresa em que trabalham não
seria nada boa. também questões como gosto pessoal (uma calça rasgada
pode ser um luxo para alguns e um lixo para outros) e a expectativa das
pessoas em relação ao ambiente e também como nos vestimos. Por isso, a
Pernambucanas instituiu o uso do uniforme para todos os funcionários das
lojas. Para nossos clientes, a vantagem é imediata: eles identificam à
primeira vista quem trabalha em nossas lojas e não perdem tempo quando
precisam de ajuda. Para os funcionários, o uniforme também traz vantagens,
afinal, suas melhores roupas não precisam ser usadas para o trabalho.
Tamm não existe a preocupação de ficar repetindo uma mesma roupa
várias vezes que aflige principalmente as mulheres. Composto por camisa de
manga curta azul (ou manga longa para o inverno) e um suéter unissex, o uso
do uniforme deve obedecer aos critérios da empresa e ser combinado com
saias ou calças cuja escolha é livre (recomenda-se, porém, o uso de cores
sóbrias e que combinem com o uniforme). Os sapatos devem ser de cor preta
ou marrom escuro. O uniforme é tão importante para a Pernambucanas que
resolvemos criar um concurso que vai homenagear, em cada filial, o
funcionário que melhor cuida de sua aparência e de suas roupas de
trabalho
67
.
O Informativo indica que a empresa procura apresentar uma série de elementos que
devem convencer o funcionário a usar o uniforme. Com isso, a empresa tenta padronizar o
trabalhador e evita que ele possa exprimir-se, por exemplo, por intermédio de roupas que
goste de usar, definindo um estilo que não é o dele, mas o desejado pela loja. Visando não
somente convencer os funcionários, mas conven-los de modo a evitar rejeições ou
resistências quanto ao uso do uniforme, as Pernambucanas criam um concurso para
homenagear o funcionário que usar e conservar melhor o uniforme.
67
Informativo Nossa Casa ano VII, nº 41. São Paulo,julho/agosto de 1999. p. 3
71
Por outro lado, ao mesmo tempo em que as Pernambucanas procuram convencer o
funciorio para seguir suas normas, como a do uso do uniforme, ela pretende conven-lo
também de que tudo o que ela impõe ou apresenta ao trabalhador é uma forma de demonstrar
a preocupação que tem para com ele. Em finais da década de 1990, as Pernambucanas se vale
de estratégias e organizações empresariais que mostram uma volta do homem para o seu lado
mais humano, mais pensante, com capacidade transformadora da realidade. Esta estratégia
esconde sua verdadeira premissa: a de produzir um profissional mais produtivo, que desse
retorno para a empresa. Um Informativo de 99 admitiu:
As empresas percebem que o homem é forte e essencial, pois se diferencia
das máquinas. E esta sempre foi a política da Pernambucanas: o avanço
tecnológico aliado ao desenvolvimento do ser humano na sua plenitude,
através de treinamentos que valorizam a capacidade de pensar e transformar
o mundo!
68
O informativo demonstra a intenção das Pernambucanas, que o são novidade, de
atrelar a máquina ao homem; utilizar a rapidez e a praticidade propiciadas pelo
desenvolvimento tecnológico, conjuntamente com a criatividade, a habilidade e a capacidade
do trabalhador de pensar, agir e se projetar. Com isso, a empresa promove uma série de
treinamentos, procurando disseminar o espírito de liderança, de equipe, de produtividade entre
os funcionários. A tentativa escondida é a de dizer ao trabalhador que ele estará
desempenhando, contribuindo com a empresa não porque esta deseja, mas porque ele é apto e
capaz de alterar as suas condições e a da empresa, de transformar e de se transformado.
A partir do ano de 2000, as Pernambucanas começaram a promover uma ampliação no
processo de reestruturação iniciado na década de 1990. Até finais de 90 existia o sistema de
comissão. Cada funcionário venderia os produtos e receberia uma determinada comissão pelo
produto vendido, tendo cada um a sua meta individual. A partir de 2000, mais
especificamente das mudanças produzidas ao longo desta década, o sistema é alterado e cada
gerente de filial teria uma meta diária, semanal e mensal para cumprir em cada setor de
produção; sendo o setor de eletro o único a ter cota individual e cota do setor. A idéia é fazer
com que o funcionário produza, venda mais com a necessidade de cumprir a sua cota para que
receba um percentual sobre o seu salário. Se a cota é cumprida cada funcionário recebe 20% a
mais no seu salário. Se a cota não é cumprida cada um recebe apenas o salário fixo. Com isso,
a empresa transfere a sua responsabilidade para o trabalhador, que deve produzir cada vez
mais para garantir inclusive o seu salário e o da equipe.
68
Informativo Nossa Casa ano VII, nº 43. São Paulo, julho/agosto de 1999. p. 2
72
Ao implantar o sistema de cotas, é possível analisar a empresa como uma espécie de
fábrica. As Pernambucanas, por serem divididas em setores, com metas a serem cumpridas,
com jornadas e ritmos de trabalho intensos e, por vezes, repetitivos, permite a comparação.
Sem contar na idéia de que ao tentar convencer o trabalhador de que ele é o responsável pelo
sucesso ou fracasso da empresa no sentido das vendas ou, ainda, de que ele ao cumprir as
cotas tem a possibilidade de fazer o seu salário, ele consente a exploração sobre seu trabalho,
buscando tirar proveito dessa situação para si, ganhando mais e trabalhando com o sistema de
cotas de modo a determinar, ele mesmo, os dias em que intensifica o seu trabalho para
cumprir as cotas e com ela aumentar o seu salário.
É importante mencionar que muitos são os projetos e implantações da empresa a partir
de 2000. A passagem das Pernambucanas de um magazine para uma empresa financeira é um
importante momento de reestruturação. O sistema de venda de produtos financeiros aparece
como um novo setor que faz parte das estratégias da empresa para cumprir a cota, devendo a
loja vender um determinado número de seguros: seguro residencial, seguro proteção
financeira, seguro compra protegida, garantia, seguro pessoal, saque fácil, entre outros. Com
este sistema a empresa passa a concorrer não apenas com outras empresas, mas com os
próprios bancos. Devido à facilidade em conseguir um empréstimo pessoal, por exemplo, sem
burocracia, a empresa lucra com o cliente, uma vez que o pprio juro estipulado é
extremamente alto, e o cliente pode, por vezes, sentir-se satisfeito porque conseguiu um
empréstimo sem transtorno e na hora, diferentemente de alguns bancos. No processo o
funciorio também lucra, pois a cada seguro vendido ele recebe um percentual no seu
sario, o que indica que o funcionário o realiza a venda de seguros porque a empresa
determina, mas porque ele quer tirar proveito para si do seu pprio trabalho e esforço.
Esse processo expressa um recurso de organização do trabalho utilizado pela empresa
no culo XXI: o trabalho multifuncional. Diante de um sistema de cumprimento de cotas, de
venda de seguros, de rapidez no trabalho, a empresa investe num trabalhador qualificado que
saiba operar todas as máquinas e setores da loja, podendo substituir qualquer funcionário e
executar qualquer função em e por tempo indeterminado. Este tipo de trabalho pretende
convencer o funcionário de que ele é apto e ágil para realizar todas as funções, ao mesmo
tempo em que é capaz de trabalhar num quadro de funcionários reduzido, podendo, por isso,
receber um percentual maior no seu salário, levando em conta o cumprimento das cotas.
Muitas o as expressões da organização do trabalho nas Pernambucanas e das
constantes transformações ocorridas. O trabalho multifuncional, a divisão por departamentos,
o estabelecimento de cotas, etc, exemplificam. As transformações concernentes à divisão do
73
trabalho, a ampliação nos departamentos, é expressiva em várias esferas do trabalho na
empresa. O Departamento de Vendas, por exemplo, é o primeiro a sofrer alterações. Segundo
a empresa, a reestruturação visa promover agilidade de processos e dinamização dos
negócios. Um Informativo de 2000 anunciou a transformação do departamento de vendas do
seguinte modo:
Em março deste ano, o departamento de vendas passou por uma grande
reformulação administrativa. (...) As mudanças mais significativas que
ocorreram no departamento foram: a criação da gerência operacional,
centralizada no departamento de vendas, sediado na matriz, e a conseqüente
extinção das gerências regionais, localizadas em regiões estratégicas. Além
disso, a criação de 20 áreas de atuação onde as lojas estão agrupadas e a
eliminação das 35 microrregiões. A supervisão das lojas está a cargo dos
gerentes operacionais, que terão áreas de atuação especificadas em toda a
rede. Periodicamente, eles trocarão de área de atuação para que conheçam
todas as regiões de abrangência da empresa. As reuniões mensais com os
gerentes de apoio, anteriormente realizadas nas gerências regionais,
passaram a ser de uma única vez no centro de treinamento. (...) O objetivo
do departamento de vendas com a reestruturação é obter ganhos com
otimização, agilidade e padronização dos processos, além de uma melhor
integração com as demais áreas da empresa. Durante esse período,
observamos que, apesar da nova estrutura ainda estar em sedimentação,
nossas metas estão sendo atingidas, ressalta. As melhorias nos processos
internos que a nova reestruturação começa a promover também serão
revertidas para os clientes, que serão atendidos mais prontamente e poderão
se sentir mais satisfeitos
69
.
A criação da gerência operacional pretendia aumentar o número de vendas de modo a
não centralizar o controle e as estratégias de venda regionalmente, passando a ser os gerentes
operacionais os atuantes específicos em toda a rede. Todos os gerentes operacionais,
alternados em regiões, conheceriam a rego e diminuiriam o número de núcleos regionais e,
conseqüentemente, de funcionários nestes locais. Se antes existia, por exemplo, 10
funciorios em cada núcleo regional, agora contar-se-á com apenas um gerente operacional
que controlará as regiões e elaborará as estratégias de venda de acordo com o porte e a
necessidade de cada região.
1.2.2 TENTATIVAS DE AMPLIAÇÃO DO CONSENTIMENTO:
A LOJA, OS TRABALHADORES E OS CLIENTES
A partir de 2000 as Pernambucanas apresentam características difundidas como sendo
pertencentes ao novo século. Exemplo disso é a divulgação das Pernambucanas em
69
Informativo Nossa Casa ano VIII, nº 47. o Paulo, julho/agosto de 2000. p. 3
74
campanhas sociais, caracterizando a difusão, identificação e reconhecimento da empresa. O
diretor da empresa dizia que a ONU designara o ano de 2001 como o ano internacional do
voluntariado, apelando aos países membros para que 2001 beneficiasse os povos do mundo na
aspiração por uma qualidade de vida melhor para todos, baseado no comprometimento
voluntário de indivíduos e grupos que disporiam de seu tempo e compartilhariam seus
recursos e aptidões no interesse daqueles menos privilegiados. Acerca disso e dos projetos de
cunho social desempenhados pela empresa um Informativo de 2001 admitia:
Essa é uma grande oportunidade a ser aproveitada para consolidar o
voluntariado como componente essencial de uma sociedade cada vez mais
participativa e responsável. Nesse contexto, a pernambucanas e seus
colaboradores podem se sentir orgulhosos. anos, a empresa vem
desenvolvendo atividades de cunho social. A mais recente que podemos
ressaltar é a campanha brinquedo amigo pernambucanas, realizada em
dezembro e que arrecadou grande quantidade de brinquedos, beneficiando
muitas entidades. Vale destacar também todo o trabalho social desenvolvido
voluntariamente pelas filiais. Diversos passeios ciclísticos, apresentações
musicais e desfiles com a finalidade de arrecadar alimentos. Campanhas de
agasalhos, prestação de serviços de saúde com a instalação de postos de
vacinação nas lojas e centenas de outros eventos em prol da sociedade
70
.
Campanhas de conscientização como esta, encampadas pelas Pernambucanas
objetivavam comprometer o funcionário a arrecadar mantimentos e a promover condições de
melhoria e/ou auxílio para a sociedade mais carente, necessitada. Com isso, a empresa
procura demonstrar a sua preocupação, até como forma de indicar que é uma empresa
preocupada com a sociedade, isto, inclusive, como uma possibilidade de chamar a atenção de
clientes que passem a admirar a empresa tendo em vista suas iniciativas.
As campanhas solidárias desenvolvidas, no geral, por muitas empresas brasileiras, não
o a única característica deste novo século. As Pernambucanas, em 2001, desenvolve
também o projeto “Educação para o trabalho: um compromisso social”, em convênio com o
Senac-SP. O projeto é destinado à capacitação de jovens de baixa renda para o trabalho. O
projeto foi entendido do seguinte modo pela empresa:
Ao abraçarem este programa, as lojas oferecem espaço e atuam como um
centro de vivência, no qual os jovens conhecem, na prática, o que aprendem
em sala de aula. Devido ao sucesso da atuação das lojas neste programa, o
Senac-SP concedeu à Pernambucanas o certificado e o selo oficial de
empresa que educa jovens para o trabalho. Assim, com o direito de
utilização do selo nesses pontos de vendas, a Pernambucanas compartilha
seu compromisso de responsabilidade social com clientes, colaboradores,
70
Informativo Nossa Casa ano IX, nº 51. São Paulo, março/abril de 2001. p. 2
75
fornecedores e firma o seu interesse pela educação como ponto de partida
para um Brasil melhor
71
.
Com o desenvolvimento de projetos sociais, as Pernambucanas procura indicar que
estão servindo ao país, ajudando as classes menos favorecidas e dando oportunidade de uma
vida melhor para quem não tem. A tentativa da empresa está justificada na idéia de que a
Pernambucanas têm um compromisso com a cidadania das pessoas e que têm um dever de
ajudar o governo e as instituições nesta empreitada.
O processo de comprometimento social desenvolvido a partir de projetos nas
Pernambucanas acompanha outra mudança estratégica na loja, de atender a todas as classes
sociais. O blico alvo da empresa foi e é o representado pelo que denominam por Classes C
e D, ou as de menor poder aquisitivo na sociedade. Porém, a partir do ano 2000 inicia uma
preocupação, especialmente por conta do projeto de fidelização dos clientes, de atender a
todos os blicos. A loja hoje continua admitindo ser o blico alvo as classes C e D, mas na
prática os funcionários admitem que é preciso focar nas vendas a todos os públicos, até
porque a empresa conta com uma variedade de produtos que, mesmo que as condições de
pagamentos também sejam bastante variáveis, um trabalhador de classe baixa não teria
condições concretas de adquirir, é o caso de uma TV de plasma, por exemplo. Nesse sentido,
a superintendência argumenta sobre uma trajetória de transformações vividas pela empresa
em termos, por exemplo, de atendimento ao blico, vistas como “anseios do novo século”:
Com a imensa rede de lojas espalhadas pelo Brasil, em 1972, foi
introduzido na Pernambucanas o sistema de crediário, bem como o de venda
de confecções, que significou uma mudança estratégica mercantil. Assim, as
Casas Pernambucanas tornaram-se as maiores clientes de todas as bricas
têxteis do país e o só da família Lundgren. Mas a Pernambucanas não se
acomodou na sua posição invejável no mercado varejista, oferecendo
confecções atualizadas e atraentes. Em 1974, é iniciada a venda de
eletroeletrônicos, a princípio em três lojas no Paraná (Apucarana,
Bandeirantes e Nova Esperança). Simultaneamente, é inaugurado um
armazém em Ibiporã para abastecer as lojas, bem como atender aos pedidos
de vendas efetuadas através de catálogos nas demais lojas do Paraná. Hoje,
com 238 unidades oferecendo produtos voltados ao lar da família brasileira e
uma administração amplamente moderna, a Pernambucanas tem estrutura
para atender a todas as classes sociais. E isso graças a capacidade de
adaptação e visão futura de seus dirigentes. Mas, é claro que sem o
engajamento de seus milhares de funcionários esse sucesso jamais poderia
ter sido alcançado. Assim, como recompensa a essa verdadeira saga de
dedicão da família Lundgren e ao esforço de todos os seus colaboradores,
está a Pernambucanas que, em 25 de setembro, comemorou 93 anos,
71
Informativo Nossa Casa ano IX, nº 53. São Paulo, julho/agosto de 2001. p. 2
76
prestando relevantes serviços ao público e acompanhando o ritmo de
desenvolvimento do nosso país
72
.
Como se , a empresa procura propagandear que está constantemente melhorando o
atendimento e integrando-se a campanhas sociais, transformando-se no mercado, seguindo as
exincias para concorrer com outras empresas. Muitos são os exemplos, que até foram
mencionados, de como a loja fez e faz parte das mudanças, constitui as mudanças do mundo
globalizado. Uma das estratégias das Pernambucanas que objetivou atender a tais
transformações, ao mesmo tempo em que mantém integrados clientes, funcionários e
fornecedores, dando margem para conhecer o concorrente, seus produtos e preços, foi a
newsletter eletrônica das Pernambucanas, que nasceu em meados do século XXI com o
propósito de atualizar os colaboradores sobre as melhores práticas do mercado. O seguinte
trecho exemplifica:
Com esta poderosa ferramenta é possível conhecer artigos de especialistas a
respeito dos rumos e tendências do meio empresarial, frente às novidades do
mercado, além de ser um meio de promover a reflexão sobre aspectos da
globalização e das novas relações de trabalho. De publicação mensal, a
newsletter eletrônica também tem o objetivo de fomentar o debate sobre
questões como empregabilidade, voluntariado, ética, entre tantos outros
assuntos. O Informativo é montado depois de uma vasta pesquisa, nos
principais meios de comunicação virtuais e impressos, sobre artigos e
reportagens que possam agregar valor às ões dos colaboradores. A
newsletter eletrônica é composta por oito editoriais, cada qual abrangendo
um campo da moderna administração. A editoria gestão, por exemplo, traz a
cada edição as mais recentes tendências no mercado empresarial. A partir
dela o colaborador da Pernambucanas poderá conhecer as melhores práticas
na arte de gerenciar pessoas, negócios e conceitos. a editora liderança tem
se mostrado um ótimo espaço para a apresentação de idéias voltadas ao
desenvolvimento de líderes e de equipes. Mais ligada a atuação da
Pernambucanas, temos a editoria varejo, em que especialistas de marketing e
comércio abordam temas ligados a atendimento, marketing, comunicação e
comportamento do consumidor. Pensando na evolução dos colaboradores, a
newsletter eletrônica também apresenta um espaço totalmente dedicado a
isto: trata-se da editoria autodesenvolvimento e carreira, em que o
colaborador pode encontrar preciosas dicas sobre como tratar de sua
empregabilidade e desenvolvimento profissional. Como ninguém é de ferro,
os editores da newsletter eletrônica criaram a editoria estilo de viver, em que
são mostrados artigos que tratam de questões relacionadas à saúde, qualidade
de vida e bem-estar. Com uma abrangência mais social, ainda a editoria
ação e cidadania, em que são mostrados casos de empresas que atuam no
mercado, sem perder a perspectiva do desenvolvimento comunitário e social.
Os temas ética, voluntariado e cidadania são sempre abordados nesse espaço.
A editoria essa nossa língua é uma das maiores práticas da newsletter
eletrônica. Nela o colaborador vai encontrar orientações sobre português,
dicas de gramáticas e sugestões de uso do idioma. Enfim, um espaço para
72
Informativo Nossa Casa Ed. Comemorativa 93 anos semeando sucesso. o Paulo, setembro de 2001.
77
atualizar o nosso velho e bom português. Para dar um tom de motivação, a
editoria para refletir sempre traz histórias inspiradoras, com o propósito de
discutir valores e comportamentos que possam afetar o dia-a-dia do
colaborador na empresa, em sua vida e no seu convívio familiar
73
.
O processo de melhoramento eletnico faz parte de uma escolha da empresa, que vive
no mercado, para concorrer com outras empresas, manter uma determinada posição, disputar
certo espaço. A implantação de sites eletrônicos, lojas virtuais, entre outras, são colocadas
como uma necessidade para que consiga, até mesmo, concorrer com as demais empresas. Não
esquecendo que as Pernambucanas apresentam as transformações como conquistas da
empresa ou benefícios atribuídos aos clientes e funcionários.
O objetivo das Pernambucanas parece ser o de desenhar para os clientes e funcionários
um perfil a ser seguido. Tal característica marca uma das principais estratégias de quem vive
no mercado e disputa sentidos o tempo todo. Algumas das características, entretanto, fazem
parte de um trabalho mais amplo que teve início na década de 1990, mas não dá para esquecer
que ao longo de sua trajeria a empresa vem pautando reestruturações produtivas,
reformulando-se, muito antes dos marcos estabelecidos pela sociologia do trabalho para
determinada a ação e o conceito de reestruturação produtiva.
A principal transformação da empresa foi colocada em prática no início do século,
sendo desenvolvida pela superintendência, tendo como base dois fortes pilares: a “missão” e o
“jeito Pernambucanas de ser”. Em 2003, durante a convenção pernambucanas, foram
discutidos os dois pilares, que, em sua formatação final ficaram da seguinte forma:
Missão: Superar as expectativas das famílias brasileiras das classes mais
populosas, oferecendo variedade de produtos e serviços, orientados para a
moda, com o melhor preço e qualidade percebidos, através da operação de
varejo focada em artigos de vestuário e lar-têxtil complementados com
eletroeletrônicos, agindo com integridade, valorizando as pessoas e gerando
resultados compatíveis com o jeito pernambucanas de ser. Jeito
Pernambucanas de ser: - Integridade, baseada em princípios éticos, morais e
legais; Respeito, em todos os níveis, aos colaboradores, clientes e
fornecedores; Trabalho em Equipe, com abertura para sugestões, ideais e
conceitos; Valorização, envolvimento e comprometimento dos
colaboradores; Gerenciamento de portas abertas, com transparência e
comunicação; Agilidade na resposta, com retorno a todas as demandas, sem
exceção; Simplicidade, criatividade e eficácia nos processos e ações;
Austeridade nos gastos e no trato dos bens da empresa; Busca permanente
por melhoria dos resultados, com reconhecimento pelo desempenho;
Respeito a individualidade
74
.
73
Informativo Nossa Casa ano X, nº 57. São Paulo, março/abril de 2002. p. 2
74
Informativo Nossa Casa ano XI, nº 62. São Paulo, janeiro/fevereiro de 2003.
78
A empresa alicerça-se numa idéia de valores. Utilizando-se de valores que os
funciorios devem possuir para terem o perfil pernambucanas, é possível, segundo a loja,
obter resultados. Valores dos trabalhadores como integridade, honestidade, respeito,
comprometimento, transparência, simplicidade, austeridade, etc., ajudariam a empresa a
produzir o chamado consentimento sobre o trabalhador, a exploração sobre o seu trabalho no
espaço da produção. Ou seja, se o trabalhador possuir valores ele produzirá os resultados
esperados pela empresa ou se aproximará deles. Do mesmo modo, os valores dos
trabalhadores lhe permitem a possibilidade de crescer na empresa, alicerçados em éticas como
as do “trabalho bem feito, do trabalho honesto, do trabalho como enobrecedor, do trabalho
como garantidor das necessidades e interesses, etc.”.
A partir da implantação da Missão e do Jeito Pernambucanas de Ser, as
Pernambucanas procuram em todas as suas práticas e intenções manter a essência dos valores
dos trabalhadores, atrelados aos valores da empresa, como o de família, como sendo a melhor
forma de alcançar o sucesso e vencer a concorrência. No discurso de Marcelo Silva,
superintendente das Pernambucanas, a presente década é marcada por uma “Pernambucanas
de cara nova”, mas que não abandona seus valores e o de seus funcionários, dando
continuidade a uma tradição. Ele comenta:
A Pernambucanas laou em abril a campanha ‘A nossa casa está de cara
nova’. Com linguagem que incorpora e unifica a comunicação da empresa, a
campanha reforça o conceito de loja completa, onde o cliente pode encontrar
tudo em um lugar. Esse direcionamento foi escolhido com base em
pesquisas realizadas com o público-alvo: as clientes declararam que amam a
família e que a casa é o lugar mais importante da vida de uma pessoa. A
campanha mostra, portanto, que a Pernambucanas quer oferecer o melhor
para a casa de todas as pessoas. Ou, em outras palavras, a Pernambucanas
entende o que ‘casa’ significa para seus clientes e por isso tem tudo que o
brasileiro precisa em sua casa. Mas a variedade de produtos para casa, os
melhores preços e a quantidade de ofertas é apenas uma parte do conjunto de
ações que exploram a importância da Pernambucanas como referência para o
lar. A mudança mais importante está na conduta dos colaboradores, pois, se
todos se sentirem em casa, poderão receber sempre bem aqueles que
chegarem nas lojas. No fundo, a campanha tem tudo a ver com o Jeito
Pernambucanas de Ser
75
.
Com isso, tenta-se transferir o fracasso e o sucesso do desempenho da loja para os
funciorios. Não basta apenas investir em propagandas, slogans para convencer os clientes, é
preciso “cativar” e convencer o funcionário de que ele é a peça básica, necessária e principal
75
Informativo Nossa Casa ano XI, nº 63. São Paulo, março/abril de 2003. p. 2
79
na loja. Para isso, as Pernambucanas lançam um Plano de Ação para 2004 que resultará na
fundação da Universidade Corporativa Helena Lundgren, cuja missão é a de
Desenvolvimento dos nossos colaboradores a fim de prepará-los cada vez
mais nas competências que são requeridas nos tempos atuais, a fim de que
possamos ser cada vez mais competitivos num mercado cada vez mais
agressivo e difícil, como o que vivenciamos nos dias de hoje e mais ainda no
futuro próximo. (...) Na Universidade, será instalado o Memorial
Pernambucanas, que agregará neste local, a história da nossa Empresa em
seus 96 anos de existência, que comemoraremos em setembro deste ano. A
nossa estimativa é de que o projeto de reforma do atual Centro e a instalação
da Universidade seja concluído até o final deste ano, de forma que possamos
iniciar 2005 com toda uma programação de eventos que visará o
desenvolvimento humano e profissional da Nossa Gente: vocês! Nós temos
toda a convicção em afirmar que a Universidade Corporativa Helena
Lundgren será um novo marco na vida da nossa Empresa, por tratar-se de
uma ão voltada para o desenvolvimento dos nossos colaboradores,
consolidando e perenizando a história, os valores e a cultura da
Pernambucanas, de acordo com O Jeito Pernambucanas de Ser
76
.
A construção da Universidade consolidou, no olhar da empresa, a mais rápida
transformação sentida pela loja. O projeto de definitiva instalão da Universidade em 2004 e
de sua efetiva instalação em janeiro de 2005, marca, segundo a superintendência, os
momentos em que a empresa indica o aumento nos seus números de venda em larga escala,
justificando que a implantação dos valores Pernambucanas é o que incentiva e preocupa o
colaborador para exerci-los no dia-a-dia, impulsionando as vendas.
Além da Universidade, ocorre outra transformação na empresa em 2004. Para os
dirigentes, a mudança tem o significado de um novo conceito em se tratando de atendimento
ao cliente. Em abril de 2004, é inaugurada a Central de Relacionamento Pernambucanas, com
início das operações em 19 lojas, cujo objetivo é se tornar a melhor do comércio varejista do
país. O intuito é o de ser reconhecida pela excelência nos serviços que presta e pelos
resultados que traz à empresa. A empresa justifica que a implantação da Central gerou novos
empregos e expectativas de carreira, ao mesmo tempo em que cativa o cliente porque ele se
senti importante na medida em que a empresa demonstra preocupação com ele e com a
forma que vem sendo atendido. A superintendência admite o seguinte acerca da Central:
O principal é o fator humano, cultivado a partir do bom relacionamento. Isso
assegura a fidelidade dos consumidores e supera as expectativas dos nossos
gerentes e clientes quanto à prestação de serviços. (...) Para realizar a missão,
projetada com eficiência, foram contratados jovens cheios de energia, de
perfil pró-ativo, comprometidos, que pretendem crescer e sabem trabalhar
76
Idem, Ibidem. p. 2
80
em equipe. (...) Segundo o gerente, ‘a empresa instalou a Central de
Relacionamento na hora certa, depois de constatar que o trabalho de
cobrança, que vinha sendo feito pelas lojas, dentro do processo de
multifunção, deveria ser focado num atendimento profissional com toque
pessoal e não robotizado, como na maioria dos Call Centers’. (...) A
Pernambucanas valoriza a amizade que tem com o cliente, sempre visa o ser
humano. Essa é a razão da Central acontecer agora, depois de longo estudo
para sermos diferentes, mas continuarmos com O Jeito Pernambucanas de
Ser
77
.
O discurso expressa o investimento das Pernambucanas no teleatendimento sem
abandonar o contato com o cliente, justificando que desejam estabelecer uma relação de
amizade com o mesmo. Isto se deve, talvez, as experiências nas pequenas e médias lojas, onde
o cliente não se acostumou ainda a técnicas tidas como modernas, como o teleatendimento, e
este cliente é importante para a empresa que para lucrar com ele precisa cativá-lo, mantê-lo.
Por isso ela não segue à risca mudanças produtivas exigidas pelo mercado, mas respeita e está
integrada a transformações dinamizadas pela própria sociedade.
A Central de Atendimento e a Universidade Corporativa marcam um momento em que
as Pernambucanas estrategicamente procura atrelar, visando o lucro, o desenvolvimento da
empresa ao desenvolvimento potencial dos funcionários. A Universidade atua com
treinamentos, cursos, palestras e workshops, fazendo parceria com instituições de ensino e
educação à distância. O objetivo e sentido pedagógico da Universidade é o de constituir-se
enquanto um formador de funcionários aptos para a empresa, flexíveis e produtivos,
cumpridores das metas propostas e merecedores dos benefícios oferecidos.
A educação corporativa apresentada pela empresa difunde pelo menos 4 objetivos
fundamentais, resumidos em sete princípios para alcançar o sucesso. Os 4 objetivos são os
seguintes: Difundir a idéia de que o Capital Intelectual será o diferencial das empresas;
Despertar nos talentos individuais a vocação para o aprendizado; Incentivar e estruturar
atividades de autodesenvolvimento, para que as pessoas se responsabilizem pela sua
educação; Motivar e reter os melhores talentos da empresa, contribuindo para o aumento da
realização pessoal.
O desenvolvimento destes 4 objetivos é uma espécie de suporte estratégico da empresa
para permanecer competitiva no mercado. E, de acordo com o corpo administrativo, a
concretização disso tudo es na perseguição dos sete princípios de sucesso da educação
corporativa:
77
Idem, Ibidem. p. 6
81
1) Competitividade: buscar elevar a competitividade da empresa no mercado
por meio da instalação, desenvolvimento e consolidação das competências
críticas; 2) Perpetuidade: a educação não é apenas um processo de
desenvolvimento e realização do potencial de cada colaborador, mas um
processo de transmissão da herança cultural; 3) Conectividade: ampliar a
rede de relacionamentos da empresa (público interno e externo) para gerar,
compartilhar e transferir os conhecimentos organizacionais considerados
críticos para o negócio; 4) Disponibilidade: a tecnologia tem forte papel para
propiciar o aprendizado ‘a qualquer hora e em qualquer lugar’; 5) Cidadania:
estimular o exercício da cidadania individual e corporativa e da construção
social do conhecimento organizacional. As pessoas devem ser capazes de
refletir criticamente sobre a realidade organizacional, de construí-la e
modificá-la continuamente, e de atuarem com postura ética e socialmente
responsável; 6) Parceria: visa o sistema permanente de educação. Para isso,
precisa de parceiros internos (líderes da empresa) para se responsabilizarem
pela educão e aprendizagem de suas equipes e externos universidades,
instituições de nível superior ou clientes e fornecedores; 7) Sustentabilidade:
ser o centro gerador de resultados para a empresa, buscando agregar valor ao
negócio
78
.
Os princípios básicos estipulados pelas Pernambucanas pretendem “encantar o cliente”
no sentido de demonstrar a ele que é notado pela loja, que através das reformas no ambiente
ele se sentirá mais à vontade e verá maior diversidade, percebendo que suas necessidades são
percebidas. Conseqüentemente é preciso tentar fazer com que os funcionários também se
vejam e sintam acolhidos pelas lojas para que possam notar e bem atender os clientes. Por
isso, a empresa investe em discursos como o de Roosevelt Begido de que “a Pernambucanas
não é uma empresa, e sim uma causa e que a causa é acreditar em gente”! A partir de tais
estratégias a empresa fundamenta projetos alicerçados em quatro pilares principais: a
multifunção, o foco no cliente, a melhoria contínua e o trabalho em equipe.
Elementos como o da multifunção, por exemplo, indicam que as transformações do
capital, visualizadas principalmente na concorrência entre as empresas, fazem com que elas
invistam numa série de estratégias para continuar lucrando no mercado. Neste sentido, o
trabalhador multifuncional simboliza a exploração do trabalhador de forma mais intensa e
sofisticada, combinando trabalho e ciência produtiva.
Estabelece-se, (...) um complexo processo interativo entre trabalho e ciência
produtiva, que não leva à extinção do trabalho, mas a um processo de
retroalimentação que gera a necessidade de encontrar uma força de trabalho
ainda mais complexa, multifuncional, que deve ser explorada de maneira
mais intensa e sofisticada, ao menos nos ramos produtivos dotados de maior
incremento tecnológico
79
.
78
Informativo Nossa Casa ano XI, nº 69. São Paulo, maio/junho de 2004. p. 4;5
79
ANTUNES, Ricardo. O caracol e sua concha: ensaios sobre a nova morfologia do trabalho. São Paulo:
Boitempo, 2005. p. 35
82
A combinação entre trabalho e ciência produtiva de que fala Ricardo Antunes, que
acaba por gerar o trabalhador multifuncional, auxilia no entendimento do processo executado
pelas Pernambucanas de atribuir o sucesso ou fracasso da loja aos trabalhadores, pois ao se
tornarem “multifuncionais”, é sinal de que estão aptos para realizar qualquer atividade na
empresa, são, portanto, capacitados para os cargos. Através da combinação da inteligência e
da agilidade do trabalhador, é possível justificar, qualificar e até tipificar o trabalhador no
olhar da empresa.
Com tais premissas, as Pernambucanas buscam produzir um consentimento dos
trabalhadores em relação à loja, que envolve os clientes, transformados em parte do trabalho
do funcionário Pernambucanas. Trata-se de convencer o funcionário de que ele está
negociando com a empresa e de que esta negociação é um “ganha-ganha”, ou seja, a tarefa do
funciorio é criaro máximo possível de valor para si e para a empresa. Desse modo, por
vezes, o funcionário pode ser convencido de que está dando lucro para a empresa, mas de que
também está lucrando com ela, tendo a possibilidade de fazer o seu salário por intermédio da
produtividade.
No que diz respeito a estas dimensões estipuladas pela empresa, a Universidade
Corporativa tem papel fundamental. Através dela o funcionário desenvolve o seu Plano de
Carreira, simbolizado pelo chamado DNA (Desenvolvimento de nossas atitudes). O plano
visa preparar os funcionários para novas habilidades, aprimorar as qualidades visíveis e
desenvolver os pontos fracos de cada um. De acordo com Roosevelt Herrera, gerente de
Recursos Humanos em 2004, ele simboliza não apenas um novo modelo de atendimento,
mas uma mudança de postura dos colaboradores com relação às suas funções, à sinergia em
equipe, à melhoria nos processos e ao foco no cliente. O DNA valorizará as competências de
nossos colaboradores e possibilitará a excelência no atendimento ao cliente
80
.
O DNA é um dos recursos elaborados pela empresa no ano de comemoração de seus
96 anos. Porém, outros projetos foram implantados como o: Oportunidade, que faz parte de
um projeto mais amplo da empresa denominado Novos Horizontes, visando inserir pessoas
portadoras de deficiência no mercado de trabalho. Segundo o gerente de Recursos Humanos,
o objetivo é o de incluir uma parcela da sociedade que precisa da oportunidade de trabalho
para mostrar suas habilidades e competências. O projeto foi lançado pela empresa com os
seguintes objetivos:
80
Informativo Nossa Casa ano XI, nº 70. São Paulo, julho/agosto de 2004. p. 3
83
Desmistificar o conceito de deficiência; Informar as conquistas alcançadas
pelas pessoas com deficiência, como por exemplo o direito ao trabalho (Lei
7853/89); Fortalecer uma cultura inclusive na empresa, para que se trabalhe
com as expectativas de mudanças de paradigmas sociais. Esclarecer e
sensibilizar a empresa antes das contratações, o que visa facilitar o processo
de sociabilidade entre as partes, a fim de motivar o público interno a receber
seus novos colaboradores
81
.
O projeto de inclusão proposto pela empresa serve não apenas para corroborar uma
iniciativa do governo de “incluodos deficientes sicos na sociedade e no mercado de
trabalho, mas para diminuir os gastos despendidos com impostos. Assim, as Pernambucanas
colabora com o programa e, envolvida na idéia de inclusão, que por si é complicada,
acabando, por vezes, a aumentar a excluo sofrida pelos deficientes (dificuldades em se
comunicar com os clientes e funcionários, por exemplo, o que não quer dizer que eles devam
ficar fora do mercado de trabalho), porque as condições necessárias para que tal projeto se
consolide não foram concretamente viabilizadas. Sem contar que a empresa ao contratar tais
funciorios pode adquirir uma mão de obra mais barata em função dos cargos que irão
ocupar e, ainda, lucrará com a diminuição dos gastos governamentais obrigatórios.
Outro projeto também desenvolvido pela empresa em 2004 foi o de vida e carreira
destinado aos colaboradores em fase de pré-aposentadoria. Para a empresa, o projeto serve
para preparar e orientar os funcionários para o futuro, dando uma demonstração clara e
evidente do respeito, carinho e reconhecimento para com os colegas que dedicaram toda a sua
vida profissional em prol da empresa. A empresa apresenta o projeto assim:
Por meio dele, o profissional é orientado para lidar com as questões
profissionais, financeiras, físicas e de convívio que chegam com a terceira
idade. (...) Esperamos mostrar que existem caminhos produtivos para essa
nova etapa da vida. Estimularemos o futuro aposentado para o
desenvolvimento de uma nova carreira ou um novo negócio, dependendo de
sua opção
82
.
Tal projeto faz parte de uma idéia mais ampla da empresa, que visa, em determinados
casos, re-inserir o idoso na plataforma da empresa ou no mercado de trabalho por intermédio
de vinculações e projetos sociais. Ao re-inserir o idoso na empresa, por exemplo, a primeira
lucrará com uma mão de obra mais barata ou até com trabalhos de cunho voluntário pelo
simples fato de produzir reconhecimento ao funcionário e ao seu trabalho. Embora o projeto
admita a intenção de auxiliar o futuro aposentado, ele tende a acarretar uma série de novos
81
Idem, Ibidem. p. 6
82
Idem, Ibidem. p. 3
84
problemas. Além disso, contará com um funcionário treinado, o que diminui os custos da
loja.
Os projetos mencionados, assim como os valores e os pilares produzidos pela empresa
o oriundos do planejamento de Marcelo Silva, diretor superintendente, que quando assumiu
o cargo em outubro de 2002 nas Pernambucanas, teve um desafio: o de implementar uma
gestão focada nas pessoas. Em poucos anos as premissas organizadas por Silva passaram a
fazer parte não apenas dos discursos estratégicos, mas se implementam de diferentes formas
em todas as filiais, fazendo parte da rotina da empresa. Para Marcelo Silva, “a valorização de
pessoal começa com um jeito simples e, ao mesmo tempo, intenso – o jeito pernambucanas de
ser. Por meio dele, os colaboradores puderam, em 2004, praticar o respeito, a integridade, a
transparência, a criatividade e os outros valores que fazem da nossa gente uma equipe
única
83
.
As articulações e estratégias promovidas por Silva, juntamente com a diretoria das
Pernambucanas, ajudam a reconhecer a participação das Pernambucanas na construção do
próprio mercado, um mercado cada vez mais competitivo, que deve driblar a concorrência,
aumentar o fluxo das vendas e manter sua tradição. Assim, tendo em vista que os parâmetros
de competitividade são estabelecidos pelas pprias Pernambucanas, sendo ela quem cria e
forma o pprio mercado, pois este não está descolado das relações sociais estabelecidas e
vivenciadas, a empresa admite que o principal pilar para o sucesso buscado, sem dúvida, é o
funciorio; por isso da necessidade de convencê-lo de modo a produzir o consenso com
relação à empresa no espaço da produção, do seu trabalho. E, portanto, como forma de
incentivar o funcionário a adotar o perfil do comprometimento’ com as causas da empresa,
que também lhes são transferidas na esfera individual, como foi dito, a empresa investe na
trajetória de carreira e na possibilidade que o funcionário deve ter de produzir o seu próprio
sario através do cumprimento das metas, do “ganha-ganha”.
Não apenas a trajeria de carreira é levada em conta como um elemento de estímulo
para a produção do funcionário, como também uma série de premiações é destinada para as
filiais e regionais mais produtivas, ou seja, aquelas que conseguem cumprir ou superar as
cotas. As metas são estipuladas drias, semanal e mensalmente, cabendo à empresa premiar
os melhores resultados em vendas, apostando na idéia de que a superação das metas é o
grande desafio de cada um e da equipe. Os prêmios variam entre carros, motos, câmeras
83
Informativo Nossa Casa ano XI, nº 72. São Paulo, dezembro de 2004/janeiro de 2005. p. 2
85
digitais, etc., sendo o prêmio geralmente dividido entre cada um da equipe; isto fica a cargo
do gerente cuja filial foi premiada.
Essa idéia das premiações tem sido uma constante desde, pelo menos, 2002. A partir
da necessidade de cumprir as metas e construir o consenso entre os funcionários, as
Pernambucanas tenta convencer o funcionário de que as premiações simbolizam uma troca
onde ele presta serviço e ajuda a empresa a crescer e ela lhe retribui com os prêmios ou
contribui com elementos que possam melhorar a sua vida e a de sua família, justificando,
inclusive, que outras empresas do ramo o demonstram tal preocupação com seus
funciorios.
De acordo com os diretores e a superintendência da empresa, esse quadro estratégico e
de contribuição dos funcionários e clientes é que fizeram das Pernambucanas a melhor
empresa do comércio varejista de 2004 pela revista Balanço Anual Gazeta Mercantil, tendo
concorrido com mais de 10 mil empresas de 25 setores da economia, indicando a grande
virada econômica das Pernambucanas que registrava índices negativos e em menos de três
anos passou a pagar todas as suas dívidas e, ainda, duplicar os lucros. Para Marcelo Silva,
diretor superintendente, as Pernambucanas tem sobrevivido no mercado quase um século
porque conta com pilares sustentáveis e com colaboradores comprometidos. Ele admite:
O nosso aniversário, a cada ano que passa, torna-se mais emblemático e nos
remete aos 100 anos de existência que comemoraremos em 2008. É uma
contagem regressiva e que nos emociona cada vez mais. Afinal, nunca é
demais repetir e sempre repetir: poucas empresas, raríssimas até, no Brasil e
no mundo, conseguem chegar aos 100 anos. Porque não é fácil fazer durar
uma empresa. Somente através de valores firmes e sólidos, através da
prática, é que algumas empresas tornam-se centenárias. (...) Eu costumo
dizer, em rias ocasiões, que a atual geração de colaboradores da
Pernambucanas tem uma enorme responsabilidade: muito mais do que fazê-
la chegar aos 100 anos de existência, é deixá-la preparada, moderna,
atualizada para os próximos 100 anos. Este é um grande desafio. Mas, todos
nós, temos a confiança de que cumpriremos esta responsabilidade. E fiquem
certos, a Pernambucanas tem algo imensurável para conseguir este feito: A
NOSSA GENTE, os 12 mil corações, o melhor da Pernambucanas!
84
Esse talvez tenha sido o momento de maior importância para as Pernambucanas em
nível de reestruturação produtiva. A presente década tem sido marcada por constantes
transformações e por um plano de desenvolvimento colocado em prática, especialmente a
partir de 2002, com o intuito de fazer a empresa sair da crise em que se encontrava e
acompanhar o mercado. O alvo para essa transformação foi o funcionário e as tentativas de
84
Informativo Nossa Casa ano XI, nº 77, Edição comemorativa de 97 anos. São Paulo, outubro de 2005. p. 4
86
agradecê-lo, todo e qualquer momento conquistado pela empresa reflete essa dimensão, uma
vez que a empresa procura mostrar que a sua figura é importante, pois necessita de um
trabalhador extremamente produtivo, que cumpra as metas, fidelize clientes.
Uma série de argumentos são utilizados para explicar a alavancada das Pernambucanas
e sua sustentação no mercado. Segundo Mailson da Nóbrega, economista, ex-ministro e agora
do conselho da empresa, a Pernambucanas é, na visão dos grandes economistas, um
verdadeiro exemplo do novo Brasil, por ser uma empresa que evolui e cresce constantemente,
renova e inova com competência para enfrentar os concorrentes, tem foco no consumidor e
uma ‘capacidade extraordiria de preparar os quadros de Recursos Humanos, além de
estar atualizada com as melhores técnicas de vendas e marketing’”
85
.
Tais elementos servem para que a empresa justifique as suas bases. Em edição
comemorativa da Universidade Corporativa, em 2005, a empresa alicerça firmemente suas
bases, aperfeiçoando os objetivos e propostas com relação aos critérios e a transmissão de
conhecimentos aos funcionários. O intuito a partir dpassa o de ser não apenas o de instruir
os funcionários, mas o de “formar” profissionais, empreendedores. Anita Harley, diretora das
Pernambucanas, definiu a Universidade e seus benefícios assim:
Criamos a Universidade Corporativa Comendadeira Helena Lundgren com o
intuito de assegurar essa implicação do haver com o ser, do fazer com o
saber, para conservação e transmissão de conhecimentos em nossas vidas,
pois, no desenvolvimento prático, nos trabalhos de nossas empresas, já
conseguimos formar bons profissionais, bons empreendedores nos ramos de
comércio, indústria, serviços, e até do funcionalismo público
86
.
A Universidade, com cunho pedagógico no sentido de formar profissionais aptos para
acompanhar as transformações promovidas pelo mercado, inicialmente apresentou propostas
voltadas para o público interno das Pernambucanas, buscando promover o aprendizado e focá-
lo nos fatores críticos de sucesso, além de contribuir para instalar, assimilar e difundir as
práticas de negócio. Atualmente, composta por cinco grandes escolas: Escola Nossa Marca e
Imagem Institucional, Escola Nosso Cliente Externo, Escola Nossa Cadeia de Suprimentos,
Escola Nossa Gente e Escola Nossa Gestão Empresarial, tem um intuito educador e
transformador dos funciorios no que se refere à capacidade e formação para se tornar líder e
atuar no mercado, ou seja, o investimento nos colaboradores sob o viés produtivo. Para
Marcelo Silva, superintendente,
85
Informativo Nossa Casa ano XI, nº 78. São Paulo, novembro/dezembro de 2005. p. 10
86
Informativo Nossa Casa Edição comemorativa Universidade Corporativa. o Paulo, 2005. p. 3
87
A Universidade Corporativa tem tudo a ver com O Jeito Pernambucanas de
Ser, ou seja, a valorização dos nossos colaboradores, que são o patrimônio
mais valioso desta Empresa. Investir em nosso pessoal é apostar no futuro e
garantir a perpetuidade da Companhia. Uma empresa é feita de bens
materiais, prédios, equipamentos. Isso é o que geralmente se prega. Mas uma
empresa é feita principalmente pelo seu espírito. O espírito Pernambucanas
vem sendo construído ao longo de décadas. Ele se traduz em O Jeito
Pernambucanas de Ser, uma característica que move nossas ações. São esses
os valores que serão transmitidos dentro da nossa Universidade Corporativa:
o espírito Pernambucanas, O Jeito Pernambucanas de Ser
87
.
O que a empresa acredita é que os projetos vinculados à Universidade denotam a
realização de um sonho das Pernambucanas e, ao mesmo tempo, a antecipação do futuro, uma
vez que olhar para o futuro significa criar estratégias que permitam à Empresa se diferenciar,
concorrer e sobressair no mercado. Por isso, o desejo no que concerne à Universidade é o de
ampliá-la de modo a permitir a formação de grandes líderes varejistas, homens que pensem,
decidam e entendam o que está acontecendo no mercado. O planejamento da empresa é para
que em pouco tempo amplie a sua área de atuação para tornar-se definitivamente uma
universidade formadora, estabelecendo vínculos com outras instituições de ensino (como é
o caso de departamentos da USP que participam dos projetos) e também da área de comércio.
A Universidade, no olhar da empresa, desempenha seu principal papel em 2006, ano
de comemoração dos 98 anos, juntamente com a participação dos funcionários que têm
garantido as metas e superado muitas das expectativas propostas. Neste ano, a empresa
investiu na Campanha de incentivo “Conquistadores Pernambucanas”, por meio da qual os
funciorios deveriam bater ou superar as cotas para garantirem nus individuais e
premiações para as filiais. Na Campanha, todos os colaboradores deveriam se envolver numa
história épica com ambientação medieval. As lojas foram divididas em Clãs, cada uma com
seu brasão. A Campanha foi dividida em dois trimestres e um quadrimestre. Cada um deles
tinha por objetivo um grande tesouro a ser conquistado, devendo passar pelas seguintes Eras:
Era do Leão (março a maio): A conquista dos Elmos Mágicos; Era da Águia (junho a agosto):
em busca do Cálice Dourado; Era do Dragão (setembro a dezembro): A flor de Fogo; Era da
Serpente: Espada de Diamantes.
A Campanha Conquistadores Pernambucanas fez parte da proposta de aumentar o
fluxo de vendas, driblar a concorrência, cumprir as metas e, acima de tudo, convencer o
funciorio a vencer sob a justificativa de receber premiações. Porém, é preciso ter em mente
que o projeto esvinculado a um Programa mais amplo intitulado O Jeito Pernambucanas de
87
Idem, Ibidem. p. 17
88
Atender, lançado em agosto de 2005, cuja proposta de fundo era a de focar o cliente através
de duas missões:
A missão Ativação, com o objetivo de promover o aumento de 10% da
ativação de clientes que possuem o Cartão Pernambucanas, mas que ainda
não compraram ou faz um tempo que não movimentam a conta pelo nosso
cartão; e a missão Conversão, que busca melhorar o aproveitamento do fluxo
(clientes que entram em nossas lojas), ou seja, tornar cada vez maior a
porcentagem de consumidores que compram em relação aqueles que nos
visitam. (...) Para aumentarmos a taxa de conversão foi lançada uma das
âncoras do programa Foco no Clientes: a capacitação de todos os
colaboradores da loja para aplicarem os novos padrões de atendimento O
Jeito Pernambucanas de Atender. (...) O programa Foco no Cliente, que tem
o objetivo de aumentar a taxa de Conversão traz 10 Padrões de Atendimento:
1. VMP Você é o melhor produto. 2. Sempre perceber o cliente. 3. Sempre
realizar a leitura de sinais. 4. Abordagem: Vestuário! 5. Abordagem: Lar! 6.
Abordagem: Eletro! 7. Realizar Venda Complementar/Adicional. 8. Encante
o Cliente! Atendimento no Caixa. 9. Padrão de tempo na operão de Caixa!
10. Encerrar o atendimento dizendo: ‘OBRIGADO, VOLTE SEMPRE!’
88
Como se vê, são constantes as tentativas das Pernambucanas que não somente visem
aumentar as vendas e convencer o funcionário de que ele pode lucrar muito com as vendas,
mas também tentativas de padronizar. Neste caso a padronização se refere ao atendimento na
loja: como abordá-lo; o que dizer; o que oferecer e como oferecer. Certamente que tal
tentativa se expressa de diferentes formas, o que não impede de afirmar que as estratégias de
padronização são evidentes.
O ano de 2006, na opinião dos diretores da empresa, foi um ano de conquistas das
metas e dos objetivos estabelecidos, especialmente a partir do atendimento aos clientes,
dentro do espírito que norteia o Programa Foco no Cliente. Os 12 mil colaboradores
superaram as expectativas e, segundo Marcelo Silva, isso ocorreu devido à consciência acerca
do seu trabalho, desenvolvida nos funcionários através dos treinamentos, da possibilidade
de fazer o seu próprio salário e, principalmente, da oportunidade de receber premiações se a
meta for cumprida.
Nesse sentido, é interessante mencionar que outros programas e eventos marcaram o
ano de 2006, como é o caso do Programa Jovens Talentos. Este programa possuiu duas frentes
de formação: trainees e estagiários. Quando a empresa abriu as inscrições do processo de
trainees do Escritório Central, por exemplo, recebeu 3760 inscrições de candidatos externos e
120 inscrições internas. Internamente, o projeto representa seguir carreira na empresa e, para
o público externo, a possibilidade de se preparar para cargos empresariais do ramo ou nas
88
Informativo Nossa Casa ano XI, nº 80. São Paulo, março/abril de 2006. p. 14
89
próprias Pernambucanas. No geral, foram abertas 34 vagas, distribuídas para as áreas de
Campos, Logística, Produtos Financeiros e Tecnologia. O Programa foi resumido do seguinte
modo:
Este programa tem o objetivo de formar jovens profissionais recém-
formados no ensino superior (máximo dois anos) ou em fase de conclusão,
que apresentam alto potencial para ocuparem posições-chave na Empresa.
(...) O Programa tem duração de 18 meses e conta com diversas etapas,
sendo elas: integrão, estágios introdutórios e treinamentos gericos e
específicos. Ao final, cada treinee desenvolveum Projeto Aplicativo, que
se apresentado a uma Banca Examinadora sendo aprovado, poderá
ocupar posições técnicas ou de coordenação relevantes
89
.
O ano de 2006 também foi marcado pela implantação de novos programas, ligados ao
Projeto Novos Horizontes. São exemplos o Comércio Eletrônico ou as Lojas Virtuais e o
Programa do Voluntariado, mencionado, implantado em 37 lojas, que servirá como piloto
para ser implantado em todas as unidades administrativas e das lojas. O Comércio Eletrônico
representa a necessidade das Pernambucanas de acompanhar o mercado através da prática de
negócios pela internet, na qual a forma de venda é direta e o consumidor adquire produtos
sem sair de casa. Além de que o comércio eletrônico contribui com as vendas das lojas e
com o atingimento de suas metas, uma vez que as vendas do comércio eletrônico irão somar
às vendas das lojas para efeito de remuneração variável
90
.
Em 2006 as Pernambucanas lançam também um sistema de cartão Mastercard
Pernambucanas. Além do cartão normal da loja, se o cliente desejar ele pode adquirir um
Cartão Mastercard Pernambucanas e comprar em qualquer estabelecimento credenciado. O
limite para compras em outras lojas pode atingir até 100% da renda de cada um. Os cartões
foram lançados no início de outubro e no final de novembro havia mais de 7 mil cartões
emitidos. O seguinte trecho exemplifica:
Para nossos clientes significa contar com até 70 dias sem juros para compras
no ramo mole na Pernambucanas e a menor taxa de refinanciamento do
mercado (9,60%). Nas compras dos demais setores da loja, o cliente
continua com limite de compras por parcela e vencimento da primeira
prestação para 30 ou 45 dias
91
.
A implantação do cartão de crédito Pernambucanas além de ajudar a empresa a
concorrer com outros setores da economia, que o o do varejo, ajuda a consolidar uma
89
Informativo Nossa Casa ano XIV, nº 81. São Paulo, maio/junho de 2006. p. 10
90
Informativo Nossa Casa ano XIV, nº 82. São Paulo, julho/agosto de 2006. p. 3
91
Informativo Nossa Casa ano XIV, nº 84. São Paulo, novembro/dezembro de 2006. p. 15
90
etapa que, para a empresa, marca uma transformação no sentido de “pensar no futuro”, não
deixando de valorizar o seu passado. Um exemplo disso é que no ano de 2006, ao completar
98 anos, é elaborado um novo slogan, que marca esta trajetória e passagem da loja:
“Pernambucanas, renovada para crescer!” Para Peter Furukawa, diretor de operações das
Pernambucanas, os 98 anos da empresa indicam a sua preparação e cuidado com o seu maior
patrimônio que são os 12 mil corações, ou seja, os 12 mil funciorios, além de ter
padronizado seu visual, o layout e o atendimento das lojas. Segundo ele:
Os 98 anos representam um motivo de comemoração, pois estamos próximos
do centerio da Pernambucanas com quase todas as Lojas reformadas e
muito entusiasmo da equipe. Já enfrentamos muitos desafios no ramo do
varejo, nosso objetivo é nos fortalecermos cada dia mais para continuar
construindo o sucesso da Pernambucanas. (...) Hoje, nossa Empresa está
moderna, renovada, pronta para expandir e o slogan veio para representar
esse momento único, que foi comemorado em todas as unidades da nossa
Empresa. Todos os colaboradores receberam sementes de girassol e um vaso
para plantarem. O cuidado diário para seu crescimento e a satisfação com
seu desenvolvimento representam uma experiência única, que deve ser
compartilhada: como o trabalho na Pernambucanas
92
.
Muitas são as transformações, segundo os dirigentes, que marcam a atual situação das
Pernambucanas no comércio varejista brasileiro. O balanço do ano aponta para um processo
de modernização que foi iniciado e que merece continuidade, firmado em bases lidas.
Marcelo Silva considera os projetos de 2006, sejam novos ou contínuos, como exemplos de
talvez os de maior sucesso nas Pernambucanas. Ele faz um balanço do ano no Informativo de
novembro/dezembro de 2006 da seguinte forma:
O ano de 2006 foi um marco para a Pernambucanas, pois finalizamos uma
etapa, iniciada cerca de quatro anos, de fundamentar e consolidar as
diversas áreas, como Recursos Humanos, Tecnologia, Logística, Marketing
(...) Podemos considerar 2006 como um ano de transição, quando
concluímos a fase de atualização e iniciamos o projeto-piloto de expansão.
(...) Investimentos fortemente no desenvolvimento do nosso pessoal,
disseminamos os valores e as melhores práticas para dar sustentação ao
nosso crescimento, de acordo com O Jeito Pernambucanas de Ser, afinal,
uma empresa permanece se continuar crescendo. Mas para isso é preciso
ter bases sólidas. (...) Nós iniciamos um projeto-piloto em 2003. Tivemos a
experiência de reformar lojas dos mais variados tamanhos e aprendemos
muito com isso. (...) Primeiro, procuramos atender os nossos colaboradores
e, a partir de maio daquele ano, começamos as reformas de todas as lojas.
(...) Evoluímos substancialmente e estamos no melhor padrão de logística do
varejo brasileiro. (...) As lojas virtuais estão localizadas em pontos
estratégicos e contarão com uma estrutura física pequena, mas com uma
vasta possibilidade de acesso virtual. (...) A partir de julho deste ano,
92
Informativo Nossa Casa Edição Especial 98 anos. São Paulo, 2006. p. 5
91
implementamos o projeto de corcio eletrônico. A empresa tem hoje um
site que está dentro dos melhores padrões do mercado. (...) Produtos e
Serviços Financeiros é uma importante fonte de receita da nossa Empresa.
(...) Hoje estamos com uma grande variedade de produtos e serviços
financeiros ofertados aos nossos clientes. (...) Além das melhorias físicas,
com instalações modernas, confortáveis, dando um atendimento diferenciado
ao nosso pessoal, a Universidade representa o estado de espírito da
Pernambucanas. Ele é retratado no Memorial, que resgata a história da
Empresa. A Universidade traz um excelente astral para todos os nossos
colaboradores. Eles saem de com alto grau de motivação e auto-estima,
pois sentem o quanto investimos na qualificação dos nossos recursos
humanos. (...) Existe uma demanda legal para a inclusão de deficientes nas
empresas. No entanto, a Pernambucanas entende que deve considerar a
inclusão do deficiente físico como um dever de cidadania. (...) Eles sentem,
realmente, que a Pernambucanas passou a ser uma oportunidade
extraordinária para suas vidas profissionais. Por outro lado, nos ensinaram a
tratar da diversidade de uma maneira mais coerente e respeitosa. (...) O
Programa de Voluntariado está, aos poucos, contagiando os corações do
nosso pessoal. (...) Fazemos campanhas importantes como a Campanha do
Agasalho. (...) O grande diferencial da Pernambucanas é o relacionamento
único de interação que temos com os nossos clientes. Isso acontece
porque nossos colaboradores sentem-se felizes por trabalhar numa Empresa
que é como a extensão da sua casa. Desta forma, os clientes acabam se
sentindo parte integrante desta casa. ‘Da nossa casa pra sua casa’, como diz
nosso slogan. (...) Estamos preparando o planejamento para a comemoração
dos 100 anos. O legado da atual gerão é deixar a Empresa preparada para
enfrentar os próximos 100 anos. (...) Nosso trabalho é tão bem-sucedido que,
sem nenhum alarde da nossa parte, fomos considerados a segunda marca
mais lembrada em moda do ramo de vestuário. Isso é uma demonstração de
que estamos no caminho certo, mostrando aos nossos clientes uma Empresa
moderna e atualizada. (...) Minha mensagem é de agradecimento e
reconhecimento a todos os mais de 12 mil colaboradores, pelo trabalho
fantástico que eles desenvolveram ao longo de mais um ano de atividades.
Acreditamos no futuro dessa Empresa, porque temos uma equipe
maravilhosa. Quando dizemos que o ‘melhor da Pernambucanas é a nossa
gente’, nós apenas estamos constatando um fato. O melhor da
Pernambucanas é essa Gente de Valor, que compartilha e pratica os valores
contidos em O Jeito Pernambucanas de Ser
93
.
As avaliações da empresa, como se percebe, são as de melhoria constante. As
estratégias de convencer os clientes e funcionários acerca de seu papel e perfil e do da
empresa se desenham como as principais formas de manter-se no mercado. As tentativas de
tornar o funciorio mais produtivo, flexível, de acordo com os interesses da empresa, bem
como as alterações na organização do trabalho denotam que o campo da produção é o mais
marcante em termos de reestruturações produtivas vivenciadas pelas Pernambucanas. Por isso
da valorização constante dos clientes e funcionários.
93
Informativo Nossa Casa ano XIV, nº 84. Op.Cit. p. 2;3
92
Todavia, é preciso perceber que a empresa como um todo, apresenta pilares pades
para todas as empresas, o que não significa que todas experimentem ou sigam as instruções
oriundas da loja da mesma forma. Cada filial, assim como cada funcionário percebe e
vivencia as transformações ao longo do tempo e no seu dia-a-dia de trabalho de modo
distinto. Isso demonstra a necessidade de problematizar não apenas o olhar da empresa e as
reestruturações ocorridas, como também a de entender os contextos regionais e locais vividos
pelas filiais. A partir disso, delimita-se a possibilidade de estudar uma filial especificamente,
neste caso, a de Marechal ndido Rondon/PR, problematizando as transformações vividas e
a organização do trabalho ao longo de sua trajetória, além da percepção dos funcionários, que
o os maiores transformadores e transformados nesse processo, juntamente com as relações
de trabalho estabelecidas.
CAPÍTULO 2
A VIDA PELO TRABALHO:
OS SOBREVIVENTES DAS MUDANÇAS
DO MUNDO DO TRABALHO
94
2.1 O RECRUTAMENTO DA FORÇA DE TRABALHO:
DISPUTAS E SENTIDOS SOBRE O TRABALHO
Ao longo de sua trajetória as Pernambucanas contaram com um número expressivo de
lojas. Em 1920 já existia mais de 200 lojas e por décadas foi sinônimo de varejo no Brasil. Na
década de 1970 o grupo atingiu o ápice operando com mais de 1000 lojas no país. Atualmente
a empresa conta com 248 lojas espalhadas pelo país, estando em constante crescimento no
mercado, especialmente nos últimos anos porque redirecionou seu foco para outros setores de
utilidade como eletrônicos, confecções, artigos de cama, mesa e banho e utilidades
domésticas. Além de modificar o seu quadro e perfil de funcionários, introduzindo
computadores nas lojas, dividindo-as em setores de produção, reduzindo os postos de
trabalho, treinando os funcionários para a multifunção e introduzindo metas de produção.
Além disso, passou a investir na instalação de grandes lojas em pequenos centros.
As Casas Pernambucanas funcionam com uma distribuição baseada na padronização.
Uma filial, para ser instalada, precisa seguir pades gerais da empresa, bem como respeitar
uma série de critérios para que se implante no local. O Manual de Integração elaborado pela
empresa contém os objetivos com a instalação das filiais e apresenta uma visão geral das
Pernambucanas, seu porte, atuação, princípios e valores, apresentando os direitos e os
benefícios que ela disponibiliza, além dos compromissos que ela espera de cada integrante. A
apresentação e saudação da empresa para com a nova filial são apontadas do seguinte modo
no manual:
Você passou a integrar uma das maiores, mais lidas e tradicionais
empresas do varejo: a Pernambucanas, uma organização identificada com as
raízes, a cultura e a história do nosso país. Uma empresa que soube
transformar desafios em oportunidades, desbravar e abrir novos horizontes,
levar progresso e participar do crescimento nos mais distantes pontos onde
atua. Uma empresa com o perfil, a alma e a força do Brasil, que desde 1908
vem vencendo com muito trabalho e determinação. Esperamos que você, a
partir de agora, também participe da construção dessa história, compondo
um time especial. Vamos trabalhar lado-a-lado, buscando o mesmo objetivo:
o sucesso da empresa e de todos os seus colaboradores. Bem-vindo.
Pernambucanas é a sua casa
94
.
A organização padrão da empresa de que fala o manual de integração é baseada em
valores como a honestidade, o compromisso, a competência, entre outros, e numa divisão das
lojas em cadeias. Atualmente, a área de atuação das Pernambucanas abrange os Estados de
94
Manual de Integração Pernambucanas. Arquivo Memorial Pernambucanas. Pesquisa produzida em 14 e 15 de
fevereiro de 2007.
95
São Paulo, Paraná, Minas Gerais, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso. Para
supervisionar, orientar e apoiar as filiais, a empresa conta com Gerências Regionais
localizadas nas cidades de São Paulo, Campinas, Ribeirão Preto, Campo Grande, Londrina e
Curitiba. Cada regional possui determinado número de lojas, que por sua vez são divididas em
microrregiões. Cada microrregião tem uma filial de apoio, cuja função básica é:
Dar suporte para divulgação e preparação de materiais promocionais às
filiais da micro; promover a análise dos resultados globais da micro.
Desenvolver, em conjunto com as demais filiais, os planos de atuação, os
promocionais e estratégias de vendas e divulgação para que os objetivos de
vendas da micro sejam atingidos; promover a transferência de mercadorias
entre filiais da micro, de acordo com políticas definidas
95
.
A loja de Marechal Cândido Rondon, estudada neste trabalho, pertence à regional de
Londrina, na microrregião de Cascavel. Além disso, é uma filial que serve como exemplo da
estratégia da empresa de instalar grandes lojas em pequenos centros. As instalações das lojas
Pernambucanas são, portanto, padrão, existindo diferenciações no que condiz à classificação
por porte de venda e ao tamanho da cidade. A filial de Marechal Cândido Rondon é uma loja
P Pequeno Porte, com um quadro de 17 funcionários, instalada 40 anos na cidade, que
conta com um número de aproximadamente 45 mil habitantes
96
.
A filial de Marechal Cândido Rondon praticamente acompanha o ritmo e o
desenvolvimento da cidade desde a sua emancipação. A Revista Exame de agosto de 2006
realizou uma matéria que auxilia no entendimento do significado que as Pernambucanas
adquirem com a sua instalação em cidades como a de Marechal Cândido Rondon. A matéria
fala sobre as Casas Pernambucanas e o que está por detrás de sua asceno no mercado e o
constante sucesso das vendas e admite o seguinte:
A virtude da Pernambucanas é operar com grandes lojas em cidades
pequenas. (...) Além disso, a rede tem lojas de rua, diferentemente das
concorrentes, baseadas nos shopping Center. É com essa fórmula que a
misteriosa Anita pretende conduzir a empresa e rechaçar a investida dos
concorrentes
97
.
Tal estratégia apontada pela revista parece ter e estar funcionando em Rondon. A loja
é bem vista pela grande maioria dos moradores, especialmente pela simplicidade no
95
Idem, Ibidem.
96
A explicação referente ao padrão da loja: P, M e G está no primeiro capítulo.
97
CARVALHO, Denise. “A discreta dama do varejo. In: Revista Exame. São Paulo: Ed. Abril, ago/2006.
96
atendimento, pelos preços dos produtos, pelas condições de pagamento, indicando que ela
representa uma forte ameaça para os demais comerciantes da cidade.
As Pernambucanas, como se vê, operam com uma estrutura organizacional padrão.
Entretanto, é preciso investigar como diferentes filiais e os diversos funcionários percebem e
experimentam tal organização. Esta é a dimensão que procuro perceber nas Pernambucanas de
Rondon, identificando o universo de trabalho dos funcionários, as condições sob as quais
executam as suas tarefas, as diferentes formas, como resistem e implementam ou se
acomodam diante das padronizações, imposições, exigências da empresa.
A loja de Marechal ndido Rondon conta com um quadro de 17 funcionários mais o
gerente, divididos em cinco setores: Administrativo, Vendas, Produtos Financeiros, Visual
Merchandising e Recursos Humanos. O setor administrativo é subdividido em: Gerência e
Sub-gerência, Tesouraria, Crediário, Caixas e Depósito. O setor de Vendas é dividido em
Ramo-Mole e Eletro. O Ramo-Mole subdivide-se em Masculino, Feminino, Infanto-juvenil e
Cama, Mesa e Banho. O eletro subdivide-se em Som e Imagem, Porteis, Refrigeração e
Utilidades Domésticas. O setor de Produtos Financeiros é dividido em Seguros, Garantias e
Empréstimos Pessoais. O Setor de Visual Merchandising subdivide-se em VM Moda e VM
Lar. O Setor de Recursos Humanos subdivide-se em RH centralizado na matriz (inclusive os
pagamentos de salário são feitos pelo RH em São Paulo), com pequenas atribuões nas filiais
como o ponto eletrônico; arquivo de atestados, fichas, alterações na carteira de trabalho,
horas-extras, impressão de relatório da Folha de pagamento.
No setor administrativo trabalham 5 funciorios, divididos nas seguintes fuões:
gerência, tesouraria, crediário, caixas e depósito, responsáveis por fazer as remessas
bancárias, as vendas no crediário e no caixa, o controle de entrada e saída de mercadorias.
Foram contratados sob um regime de trabalho, sendo que 4 funciorios trabalham 8 horas e 1
trabalha 6 horas, perfazendo um piso salarial de aproximadamente R$ 600,00 exceto a
gerência, que recebe em torno de R$ 5000,00
98
.
O Setor de Vendas conta com 12 funcionários, divididos nas seguintes funções: eletro,
ramo mole, cameba (cama, mesa e banho) e vestuário, responsáveis pelas vendas, reposição e
arrumação da loja. A jornada de trabalho é composta de 10 funciorios que trabalham 8
horas e 2 que trabalham 6 horas, com R$ 688000,00 de metas mensais a serem cumpridas,
adquirindo um salário médio de R$ 550,00 (base), exceto o setor de eletro.
98
O piso foi calculado a partir do último reajuste salarial até o momento em que os questionários foram
aplicados, cujo salário mínimo em vigor era R$ 350,00. Recentemente, alguns funcionários sofreram alteração
salarial, por isso, tal média, atualmente, não contempla o salário atual pago a todos os funcionários.
97
O Ramo-Mole possui 8 trabalhadores, divididos nas seguintes funções: Vestuário e
Lar, responsáveis pelas vendas e arrumação da loja. A jornada média de trabalho é de 8 horas,
tendo R$ 328000,00 de metas mensais a serem cumpridas, constituindo um salário de mais ou
menos R$ 650,00.
No Eletro trabalham 4 funcionários, divididos nas seguintes funções: limpeza e
organização, cartazeamento e assistência (tal divisão foi promovida pelos próprios
funciorios do setor por conta de que a divisão por departamento da empresa gerava
conflitos porque sobrecarregava uns em detrimento a outros), responsáveis pelas vendas e
arrumação do setor. A jornada de trabalho é de 8 horas, tendo em média, R$ 90000,00 em
cotas individuais mensais a serem cumpridas e R$ 360000,00 em cotas do setor, perfazendo
um salário médio de R$ 1.000,00.
O Setor de Produtos Financeiros tem 1 trabalhador, responsável por acompanhar e
cobrar os resultados da loja. A jornada de trabalho é de 8 horas, recebendo um salário de R$
900,00. As cotas mensais deste setor não foram informadas pela empresa.
O Setor de Visual Merchandising conta com 2 funcionários, divididos nas seguintes
funções: VM Lar e VM Vestuário, responsáveis por arrumações e promoções da loja. A
jornada de trabalho é de 8 horas, perfazendo um total salarial médio de R$ 850,00. As cotas
deste setor equivalem às das vendas no vestuário e no lar, uma vez que as funcionárias que
estão registradas como visual merchandising, desempenham a função de vendedora.
Do Setor de Recursos Humanos faz parte 1 funcionário, responsável por arquivar
atestados, fazer fichas, apontar as alterações a serem feitas nas carteiras de trabalho, controle
das horas-extras, impressão de relatório da Folha de Pagamento, controle do ponto eletrônico,
etc. Foi contratado para trabalhar 8 horas, conseguindo um salário médio de R$ 900,00.
No total são 17 funcionários, mais a gerência, que compõem o quadro organizacional
da filial de Rondon. Contudo, é possível identificar 20 cargos na empresa, conforme os
setores apontados acima, existindo 7 funcionários, que desempenham mais de uma função.
Como exemplo visível dessa divio apontada, o organograma
99
abaixo apresenta os modos
como são distribuídos os setores das Pernambucanas, o número de trabalhadores em cada
setor e a que ramos de divisões mais amplas pertencem:
No universo de trabalho dos funcionários das Pernambucanas de Marechal ndido
Rondon, é preciso identificar qual o perfil do funcionário que ali trabalha, como foi
contratado e como se constitui o chão da produção nas Pernambucanas. Com relação à origem
99
O organograma com as divisões de trabalho na loja foi elaborado por mim, a partir de conversas com o antigo
gerente e alguns funciorios.
98
dos funcionários da empresa, por exemplo: 12 dos 17 funcionários nasceram na cidade de
Rondon e ali permaneceram. Outros 3 nasceram em cidades vizinhas, na região oeste, e
apenas 2 são oriundos de outros estados. Tais números indicam que 70% dos funcionários
nasceram ou moram há muito tempo na cidade. A tabela 1 aponta:
Tabela 1 Local de origem
LOCAL DE ORIGEM NÚMERO DE
FUNCIONÁRIOS
TOTAL EM
PORCENTAGEM
Marechal Cândido Rondon-
PR
12 70%
Oeste do Paraná 3 18%
Rio Grande do Sul 1 6%
Mato Grosso 1 6%
TOTAL 17 100%
Fonte: Trabalho de Campo realizado em julho e agosto de 2006.
O recrutamento realizado pela empresa prioriza os funcionários da mesma cidade onde
esinstalada a loja e é justificado pelo fato de que eles conhecem boa parte da população,
uma vez que não é um grande centro, facilitando a circulação, o aumento de clientes na loja e,
conseqüentemente, a venda de produtos.
Outro elemento que ajuda na compreensão do desempenho da loja na cidade são as
contratações por gênero, pois, segundo informações dos funcionários e do gerente da loja, o
blico visitante e comprador é constituído basicamente por mulheres, simbolizando
aproximadamente 90% da clientela. Tal fator possibilita a alusão de que a contratação de 70%
de mulheres no quadro de funcionários favorece no atendimento da clientela e no número de
vendas.
Outra explicação para as contratações de gênero são as próprias funções a serem
desempenhadas pela loja. As contratações de homens na empresa são efetuadas para a
realização dos cargos de venda de eletro, assessoria, depósito e serviços gerais (algumas delas
o funções consideradas “pesadas” para serem executadas por mulheres, como, por exemplo,
o depósito).
Dos 17 funcionários, 12 possuem idade variada entre 20 e 30 anos e 5 entre 40 e 50
anos. Os 12 trabalhadores com idade entre 20 e 30 anos estão distribuídos nos seguintes
setores: caixa, eletro, crediário e ramo-mole masculino e feminino. Os 5 com idade entre 30 e
99
40 anos estão divididos nos seguintes setores: cama, mesa e banho, caixa e ramo-mole
infanto-juvenil.
Todavia, no geral, os 12 funcionários estão em setores que lidam especialmente com o
blico-jovem, o que requer certa inserção e noção de estilo e moda. Exige também certa
agilidade, pois são setores que, uma vez que vendem bastante, necessitam de reposição rápida.
Sem contar que atualmente no mercado são os que mais procuram este tipo de emprego,
inclusive por terem concluído o nível médio e/ou estarem cursando nível superior. Os outros 5
estão em setores que atendem a um blico mais adulto e/ou idoso, porque facilitam a venda,
o conhecimento sobre os produtos e, por vezes, a responsabilidade sobre os setores e cargos.
As Pernambucanas de Rondon, no momento de contratar seus funcionários, parece
condicionar a idade à disponibilidade dos sujeitos. Isso ocorre por vários motivos: quanto
mais jovem for o funcionário maior “energia”, “agilidade”, “rapidez” terá para realizar as suas
funções e contribuir para com o funcionamento da loja no momento em que talvez outros
setores possam estar precisando da sua ajuda. Por outro lado, tendo em vista a constante
abertura de lojas na rede das Casas Pernambucanas, a circulação de trabalhadores entre
diferentes lojas parece lançar uma dicotomia: os trabalhadores mais velhos tornam-se
estáveis, estabilizados na empresa, principalmente com relação ao plano de carreira, pois
levam em conta suas famílias, suas casas, as relações que estabelecem de longa data com a
cidade. Os trabalhadores mais jovens aparentemente são mais flexíveis, sujeitando-se a
trabalhar em outras cidades, em outros cargos, desenvolvendo carreira na empresa.
Nas Pernambucanas a maior necessidade de contratações parece ser a de funcionários
jovens, independentemente dos critérios e motivos pelos quais são contratados. O seguinte
depoimento, do funcionário Lauro Dutra Moura, que está há dois anos na empresa, auxilia na
compreensão:
É que assim ó... a primeiro passo o que estaria importando mesmo seria a
idade, quanto mais novo melhor, porque a Pernambucanas ela precisa, isso
em todas as reuniões que a gente vai, todo mundo que vai volta comentando
exatamente isso, eles precisam de pessoal novo, eles precisam de jovem,
porque está abrindo cada vez mais lojas, precisa de gente, disponibilidade, se
for uma pessoa um pouco mais velha, simplesmente não tem como largar
tudo e saí e é exatamente essa a maior questão (...) os novos gerentes pensam
mais na empresa, alguém pra seguir carreira
100
.
A narrativa de Lauro revela os verdadeiros predicados que a idade tem para a empresa
(capital). O peso que recebe a idade nas contratações para trabalho nas Pernambucanas é
100
Entrevista concedida por Lauro Marciano Dutra Moura em 10 de janeiro de 2007.
100
atribuído não apenas pela disponibilidade que o funcionário deve ter em sua jornada de
trabalho diária, como também pela disponibilidade de se deslocar talvez para outros lugares.
Ou seja, é preciso que o funcionário seja jovem e tenha energia de sobra para executar com
rapidez e precisão suas tarefas rotineiras e as que surgirem improvisadamente. Ele deve ser
ágil, criativo e disponível para todos os momentos em que a empresa precisar de seu trabalho.
Sem considerar que um funcionário com família constituída, com raízes firmadas na cidade,
pode não se sujeitar a seguir carreira na empresa, tendo em vista que ela é quem direciona o
lugar e a vaga para onde o funcionário deverá ir.
Entretanto, não é possível explicar a composição dessa força de trabalho apenas a
partir desse fator. A partir da aplicação dos questionários nos funcionários da empresa, foi
possível perceber que 58% dos funcionários foram recrutados por indicação de algum outro
funciorio. É válido analisar que a rede de contatos pessoais ainda é um meio bastante
recorrente para encontrar emprego, mas na filial de Rondon ela acontece porque o gerente
deseja contratar uma mão-de-obra que se assemelhe com o estilo do funcionário para o qual
ele está solicitando que lhe apresente um candidato para ocupar a vaga. Ou seja, a empresa
deseja um funcionário que desempenhe suas funções levando em conta valores como a
honestidade, a integridade, entre outros, com os quais a empresa possa contar e, com isso,
conseguir resultados.
A contratação dos demais contratados é marcada por 23% contratados mediante a
análise dos curculos e 17% trabalharam como funciorios temporários e, posteriormente,
foram contratados. Analisando os dados percebe-se a possibilidade de que as contratações e as
divisões do trabalho por setores não foram feitas exclusivamente por idade. Também,
independentemente de terem sido contratados por indicação, currículo analisado ou trabalho
como temporário, os trabalhadores, de alguma forma, tiveram experiência com vendas ou
realizaram ocupações semelhantes, o que deve ser e é também avaliado pelo gerente.
Outra entrevista, de Franciele Cristina Capoia, funcionária que es a dois anos
trabalhando na rede das Casas Pernambucanas, trabalhou na filial de Rondon e atualmente
executa um cargo de chefia numa filial em Curitiba, esclarece:
No caso de contratação sempre se procura uma pessoa que tenha alguma
experiência. Se não tem experiência que no mínimo ele tenha um segundo
grau, tenha um contato com informática porque a gente todo
momento lidando com o sistema e é complicado. Querendo ou não uma
pessoa que não tem noção nenhuma é... prá se ter noção o nosso próprio
ponto é um ponto eletrônico. Então você tem que ter o mínimo de noção.
Aí... então... assim... quando vai se contratar é feito uma seleção onde
você vai procurar sempre os melhores. Então... pessoas que tenham
101
trabalhado em algum lugar, que tenham boas referências, que se destaquem
em alguma área (...) que tenham um conhecimento maior (...). É levado
em conta então assim a idade, se ela mora ou não na cidade é... se ela tem
filhos, né? Não que a questão de ter filhos pese, mas a questão é: ela tem
com quem deixar os filhos? A disponibilidade, porque a gente trabalha
assim: a gente tem horário, mas não tem. E talvez precise ficar até mais
tarde, precisa trabalhar no sábado à tarde, precisa trabalhar num domingo,
tem que ter essa disponibilidade. Então, assim... a pessoa tem que ciente
quando vai procurar um emprego que tem que ter essa disponibilidade, se
não nem é contratado. Ah... e tem que saber conversar. A entrevista é o
principal. Às vezes o currículo não é nem tão interessante, mas se você
chama uma pessoa pra conversar e é uma pessoa que... é muito
comunicativa. Então talvez pro cargo do momento não é, mas você acaba
contratando porque sabe que vai podê ajudá
101
.
O depoimento de Capoia é bastante significativo na medida em que aponta para uma
rie de dinâmicas exigidas para o trabalhador no mercado de trabalho, o perfil que deve ter
não somente no momento de executar o seu trabalho, mas também na hora da contratação.
Torna-se uma exigência não apenas a idade, se a mulher tem filhos e com quem deixá-los para
trabalhar e a experiência de uma pessoa, mas os seus conhecimentos: informática,
escolaridade, etc. Tais elementos são colocados como uma necessidade para o trabalhador,
sem contar nos momentos em que a falta de tais elementos é colocada como justificativa para
determinadas situações como a do desemprego no país.
Nesse sentido, outra identificação possível na contratação e divisão do trabalho na loja
é o grau de escolaridade dos funcionários. Dos 17 trabalhadores 2 possuem ensino
fundamental completo. 11 possuem ensino médio completo. 1 possui ensino superior
completo e 3 superior incompleto. O grau de escolaridade auxilia em outra questão, que é a do
trabalhador ter uma noção mínima de computação. Isto porque para além dos trabalhadores
terem aulas de informática na escola, um bom grau de escolaridade pode sugerir certa
facilidade, assim como consciência de que, por exemplo, para trabalhar numa loja como as
Pernambucanas precisará lidar com o computador em qualquer setor de venda ou
atendimento, devendo possuir um vocabulário e linguagem minimamente apropriada para
atender os clientes. Para seguir carreira na empresa é preciso o apenas ser eficiente, mas,
está sendo uma norma da empresa, o grau de escolaridade, por fim, atualmente a exigência do
próprio mercado é a de que o candidato possua no mínimo ensino médio completo e noção
básica de computação. A tabela 2 exemplifica a questão do grau de escolaridade:
101
Entrevista concedida por Franciele Cristina Capoia em 25 de agosto de 2006.
102
Tabela 2 Grau de escolaridade
ESCOLARIDADE NÚMERO DE
FUNCIONÁRIOS
TOTAL
Ensino Fundamental Completo 2 11%
Ensino Médio Completo 11 65%
Ensino Superior Completo 1 6%
Ensino Superior Incompleto 3 18%
TOTAL 17 100%
Fonte: Trabalho de campo realizado em julho e agosto de 2006.
O grau de escolaridade aparece realmente como algo necessário ao trabalhador das
Pernambucanas. Atualmente a empresa impõe como uma necessidade que o trabalhador
possua ensino médio completo. Contudo, diferentemente, de outros lugares, a empresa não
oferece incentivos quanto à possibilidade dos funcionários ingressarem num curso superior. O
incentivo da empresa se dá no sentido de estimular o trabalhador a seguir carreira, de
desenvolver as habilidades promovidas pela universidade corporativa de modo a tornar o
funciorio apto de acordo com o olhar da empresa. A funcionária Mônica Santos, que está
3 anos na empresa, assim expressa o seu entendimento acerca da exincia de escolaridade
proposta:
O que a loja projeta como o espelho é um funcionário que não questione
muito as regras, que execute e que cada vez mais esteja disposto a aceitar as
novas regras, funcionário padrão, sempre feliz, sempre atendendo, contente
com seu salário, contente com sua função. (...) Por isso que eles não buscam
muito as pessoas que estão estudando, no momento o tem ninguém
estudando na loja, eu fui a última a estudar. Eles não procuram pessoas que
estão se especializando, eles querem aquela pessoa com uma renda baixa,
acostumada a uma vida simples, renda baixa, que ela vai aceitar e ficar feliz
com o que ela vai ganhar. Eles não querem uma pessoa com formação, com
terceiro grau pro trabalho simples da loja, uma pessoa que questione a
ordem!
102
.
A entrevista de Mônica indica que embora exista a necessidade da empresa, colocada
sob forma de critério para contratação, de que o trabalhador possua até o ensino médio
completo, pois possuirá bom vocabulário, boa forma de se postar para o cliente, etc., a
empresa não valoriza, no olhar desta trabalhadora, o fato do funcionário estar cursando nível
superior. Porém, é preciso pensar também que apesar dela admitir que um universitário esteja
fora dos padrões da empresa porque tem um pensamento mais crítico e pensa a sociedade e
102
Entrevista concedida por Mônica Santos, em 16 de janeiro de 2007.
103
suas transformações de modo a questionar as ordens, o perfil de alguém que possui estudo
superior “provavelmente” não é o de alguém que deseje permanecer na loja. Fazer um curso
de nível superior, geralmente significa construir uma profissão e seguir carreira na área
estudada.
Interessante perceber que a fala de nica parece diferenciar-se da justificativa da
empresa de que valoriza o grau de escolaridade no momento de contratar um funcionário. Os
próprios dados apresentados na tabela anterior indicam que o grau de escolaridade é algo
bastante presente entre os trabalhadores, sendo possível, inclusive, quantificar a formação dos
trabalhadores. Nesse sentido, talvez a entrevista de Mônica expresse um embate vivido entre
alguns funcionários e a empresa pelo direito de permanecer trabalhando mesmo que não esteja
completamente moldado ou direcionado às diretrizes da empresa. No caso dela, o trabalhador
aparece lutando pelo direito de permanecer no emprego até conseguir atuar no campo onde
deseja. Pelo fato de questionar algumas coisas, justificadas por ela como possíveis de serem
vistas devido à instrução que possui, ela admite que a empresa não incentiva o prolongamento
do grau de escolaridade entre os funcionários, porque têm medo de que eles questionem a
ordem ou se tornem qualificados o bastante para saírem da loja. Isto para além dela justificar
o trabalho na empresa como algo provisório em sua vida, pois está em busca de atuação na
área que estudou, mas trabalha na empresa 3 anos, o que indica certa permanência no
emprego, e não apenas uma situação provisória.
É importante perceber, por outro lado, que muitos são os trabalhadores que ingressam
nas Pernambucanas tendo nível superior concluído ou incompleto. Esse é não apenas o caso
de nica, mas o de muitos funcionários temporários contratados, inclusive pelo grau de
escolaridade que possuem, tendo em vista a justificativa de que possuem um vocabulário mais
adequado para atender os clientes, lidam melhor com a informatização da empresa, entre
outros elementos.
A narrativa de nica, nessa direção, parece significar uma tentativa de valorizar a si
mesma, de diferenciar-se dos outros ou, até mesmo, de registrar sua visão como diferente a da
loja. Sua fala sugere certa superioridade que julga ter com relação ao trabalho que executa,
expressada especialmente por possuir ensino superior e, com isso, não ser apta para trabalhar
na empresa, estando acima do trabalhador procurado, ideal.
Nessa direção, é preciso ter em mente que as divisões e ocupações dentro da empresa
também dão conta de exemplificar e, por vezes, justificar os salários pagos aos funcionários.
Hoje nenhum funcionário é contratado para trabalhar nas Pernambucanas como vendedor ou
auxiliar administrativo. Todos são contratados como assessores. As assessorias são divididas
104
em: Sênior, Pleno e Junior. Todos os assessores iniciantes são contratados como juniores. O
assessor sênior é o grau máximo atingido por um funcionário dentro da loja e é conquistado
por pontos alcançados e testes efetuados pela empresa. O assessor pleno é a gerência e os
diretores, que têm poder de gerenciar e organizar o trabalho dos demais funcionários. A loja
de Rondon conta com dois assessores seniores (a funcionária mais antiga da empresa e uma
funcioria que era Visual Merchandising da loja e recebeu recentemente uma promoção.
Lembrando que a maioria dos funcionários possui tempo de trabalho variado entre 1 e 4
anos); os demais são divididos em 12 plenos e 3 juniores (funcionários contratados para
trabalhar 6 horas por dia).
O piso salarial dos assessores sênior é o mais elevado, mas a maioria dos funcionários
recebe salários que variam entre R$ 300,00 e R$ 800,00 (O salário aqui foi entendido como a
somatória de salário-base mais comissões de produtividade e pagamento de horas-extras). A
tabela 3 exemplifica:
Tabela 3 – Composição salarial
COMPOSIÇÃO
SALARIAL
NÚMERO DE
FUNCIONÁRIOS
TOTAL
De R$ 300,00 a R$ 500,00 6 35%
De R$ 600,00 a R$ 800,00 7 42%
De R$ 900,00 a R$ 1000,00
1 6%
De R$ 1001,00 a R$
1600,00
3 17%
TOTAL 17 100%
Fonte: Trabalho de campo realizado em julho e agosto de 2006.
No geral, a tabela aponta para o sario dos funcionários, sendo que os mesmos
responderam que estão contentes com o seu salário, pois atende apenas às suas necessidades
básicas. Sem contar que, de alguma maneira, o salário pago aos funcionários faz com que
tenham medo de realizar reivindicações de cunho coletivo e, conseqüentemente, serem
demitidos, porque não encontrarão nenhum outro emprego onde ganhem o que estão
ganhando na loja
103
. Muitos justificam ainda que a empresa incentiva-os, o que não acontece
103
Uma das entrevistadas, em conversa informal, chegou a comentar que na década de 1990 os funcionários de
uma das filiais das Pernambucanas em São Paulo, sendo que ela era funcioria da filial de Rondon na época,
promoveram uma greve que contou com mais de 100 trabalhadores. A superintendência da empresa, depois de
uma semana, demitiu todos os participantes. Depois desse episódio, não houve mais greves e organizações
significativas de cunho coletivo.
105
em outros trabalhos. Nas Pernambucanas eles têm a oportunidade de, inclusive, “fazer o seu
sario”. É o caso de Lauro Dutra Moura:
Assim, eu não posso dizer por todo mundo. Só que eu acabo cumprindo o
que eles me pedem. Pediu pra mim rezar um pai nosso eu rezo. (...) É que
falta muita coisa pra loja. Tem uma certa panelinha ali que fala, fala e diz: ó,
quando tive reunião, você vai e fala assim: não, eu tenho uma coisa pra
dizê! A gente vai falá tudo junto. chega na hora ninguém fala e um fica
olhando pra cara do outro e depois: você não ficou de falar? (...) E isso
ocorre por medo de perder o emprego, exatamente pelo salário que ganha.
Tem gente que ganha muito bem sendo que não faz nada. Se saí dali pra
ganhar a mesma coisa que ganha, não sai, não tem como. (...) Inclusive antes
eu não me considerava responsável pela loja, sucesso ou fracasso, agora sim.
Antes eu fazia porque tinha que fazê, mas do mesmo jeito se eu fizesse ou
não fizesse e se a loja conseguisse ou não conseguisse, não era cobrado
especificamente de mim. (...) Mas agora se eu consegui alcançar a minha
cota e alguém não conseguir, que tem que vender a mais pra compensar a
cota que eleo pegô, aí complica!
104
A fala do entrevistado indica certa subordinação de alguns funciorios aos ditames da
empresa, devido, principalmente, ao medo de perder o seu emprego e não conseguir outro que
“ganhe o mesmo que recebe na empresa”, inclusive porque muitos “ganha muito bem sendo
que não faz nada”. Ele está indicando não apenas sobre as condições de emprego e salário nas
Pernambucanas, na cidade e região, como também que muitos funcionários das
Pernambucanas o se sujeitam a todas as exigências e ditames da empresa. Em sua opinião,
ele, ao contrário dos que “ganha muito bem sendo que não faz nada” se sujeita aos ditames da
empresa porque acredita que não irá ganhar o mesmo salário em outra empresa ou ramo de
serviço na cidade.
Tal elemento abordado no estudo de José Sérgio Leite Lopes sobre os trabalhadores no
setor de produção de açúcar, durante a década de 1970, numa de suas principais reflexões,
discutiu criticamente o “fetichismo do sario e suas revelações”. Este conceito parte do
princípio de que o trabalhador não se percebe na relação de exploração e que, portanto, não
percebe que o salário “esconde” tal relação. De maneira diferente, o autor salienta que os
trabalhadores pesquisados por ele apresentavam conscncia do mecanismo salarial, mas que
o “aceitavamporque não tinham força social para mudar tal realidade. Na concepção de
Lopes, existia um conflito entre profissionistas e artistas dentro da brica, que fazia com que
os profissionistas obscurecessem a realidade de sua extensa e cansativa jornada de trabalho,
percebendo o salário recebido pelo número de horas trabalhadas como justificável. Ele
problematiza:
104
Entrevista concedida por Lauro Dutra Moura em 10 de janeiro de 2007.
106
Apesar do sofrimento causado pela enorme jornada e pelas condições de
trabalho, o profissionista justifica sua permanência na moagem através da
vinculão do seu salário ao tempo de trabalho despendido. Banhado pelo
peso cotidiano dessas condições de trabalho, ao ins de dissociar o aspecto
favorável do salário do aspecto desfavorável da jornada de trabalho e
perceber, assim, o caráter contraditório e o círculo vicioso de seu cálculo
econômico como poderia pensar um observador externo -, o profissionista,
ao contrário percebe suas condições de trabalho como constitutivas de sua
própria categoria e, assim, de certa forma justificadas. Quanto maior a
jornada de trabalho, maior o salário tal é o aparente truísmo que sustenta o
cálculo econômico do profissionista no seu trabalho
105
.
É possível que o “fetichismode que fala Lopes seja visualizado no funcionamento
interno das Pernambucanas, especialmente na divisão das funções. Entretanto, ele é
experimentado de maneira diferente entre os funcionários, de acordo com suas experiências,
atividades, cargos e percepções de trabalho. Para Lopes, os funcionários apresentavam
consciência do mecanismo salarial, mas o aceitavam porque não tinham força social para
mudar a realidade. Esta perspectiva de problematizar a percepção que o trabalhador tem de
seu salário a partir da relação de forças à qual se articula empregado e empregador pode ser
tomada como referência para pensar e analisar a situação dos trabalhadores das
Pernambucanas.
Nessa direção, vale destacar que não apenas as concepções atribuídas pelos
trabalhadores ao seu salário são importantes, bem como a sua trajetória de vida e trabalho, que
possibilita visualizar os modos como herdam e constroem valores que os orientam face às
relações de trabalho e a própria empresa. É possível também entender como os funcionários
se identificam ou não com as suas funções, os significados que atribuem ao trabalho, às
impressões que criam sobre a empresa e as intenções que apresentam com relação a ela e às
atividades que desempenham.
2.2 TRAJETÓRIAS OCUPACIONAIS:
“TRABALHADORES É O QUE SOIS”
Para entender o trabalho dos funcionários das Pernambucanas e a concepção que
constroem sobre o mesmo, uma possibilidade é discutir a trajetória de trabalho dos
funciorios no sentido de entender como e porque foram parar em tal atividade, em tal loja
de departamento. Isso, de modo a perceber as atividades executadas como pertencentes a um
105
LOPES, José Sérgio Leite. O Vapor do Diabo
:
o trabalho dos operários do açúcar. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1976. p. 100.
107
universo mais amplo, de profundas transformações, especialmente econômicas, mas com
conseqüências diretas para a vida dos trabalhadores, que não o realidade isolada do
município de Rondon, nem tampouco novidade do capital.
Apesar de saber que não apenas o sistema capitalista provoca alterações na vida dos
trabalhadores e no mundo do trabalho, como os próprios trabalhadores desenvolvem ritmos e
dinâmicas e, por vezes, condicionam muitas das alterações ocorridas no mercado, é inegável
que as alterações nas formas de produção do sistema capitalista provocaram e provocam
profundas mudanças no mundo do trabalho e, em alguma medida, atingiram e atingem os
trabalhadores de Rondon. No caso dos trabalhadores das Casas Pernambucanas, a percepção
dos entrevistados é de que tal ocupação é apresentada como o melhor lugar onde
trabalharam, com o melhor salário oferecido pelo comércio da cidade. Não esquecendo que se
trata da maioria e não de todos os funcionários da rede.
Tendo em vista isso, cabe problematizar as ocupações anteriores às das
Pernambucanas, compreendendo a inserção dos trabalhadores no mercado de trabalho, as
referências que criam, como experimentaram e experimentam as transformações produtivas,
quais os significados que atribuem ao trabalho e as dimenes que dão as suas experiências e
expectativas em se tratando de trabalho. Tais objetivos têm por intenção problematizar como
os processos de organização do trabalho se consolidam na empresa num campo de forças e
disputas por sentidos, no qual os trabalhadores, com diferentes percepções, compartilham
experiências sociais de vida e de trabalho. As ocupações dos funcionários e o olhar que
apresentam sobre a sua vida, o seu trabalho e a empresa, permitem a construção de um embate
de classes percebido, por vezes, sob forma de resistência, num chão histórico que explicita o
“trabalho” como prática, mas também como sentido (valores, percepções, ética, moral).
De início, faz-se necessário discutir as ocupações por setores na cidade para, em
seguida, entender como os trabalhadores se envolveram na loja e com a função que
desempenham, indiciando sobre as diferentes atividades desempenhadas pelos trabalhadores
anteriormente as Pernambucanas, inclusive como forma de qualificar o trabalhador
Pernambucanas, a classe a qual pertence, o que entende por trabalho e quais suas impressões
sobre as funções que realiza, a organização do trabalho na empresa, enfim, que significado o
trabalho adquire para ele e quais os sentidos e valores que atribui ao trabalho.
Segundo informações do sistema de emprego e renda do governo do estado do Paraná,
em 2005 havia 2.967 empregos formais no Comércio varejista de Marechal Cândido Rondon.
A RAIS aponta que entre 1996 e 2004 o número de ocupados no comércio varejista
108
aumentou. Se levarmos em conta o dado referente a 2005, é possível perceber que o número
de ocupados em atividades do comércio continuou a crescer. A tabela 4 exemplifica:
Tabela 4 - Total de ocupados, segundo a RAIS, Marechal Cândido Rondon/PR
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
Comércio Varejista 1102
1375
1271
1379
1549
1851
1899
2071
2319
Comércio Atacadista 466
435
469
439
394
478
472
536
558
Total 1568
1810
1740
1818
1943
2329
2371
2607
2877
Fonte: MTE/PDET/RAIS
Analisando o crescimento constante de ocupados no ramo comercial da cidade, é
possível identificar também quem o esses ocupados. Nas informações para o sistema
blico de emprego e renda o número de mulheres trabalhando nos ramos do comércio em
Marechal Cândido Rondon é inferior ao dos homens. Em 2005 o número de ocupados no
comércio varejista era de quase três mil e destes 1242 eram do sexo feminino e 1725 do sexo
masculino, com idade variada entre 16 e 24 anos. A tabela 5 indica:
Tabela 5 - Número de empregos formais em 31 de dezembro de 2005
Fonte: CAGED/MTE
A tabela é importante na medida em que aponta não somente a quantidade de
ocupados na cidade, como também que tipo de ocupações a cidade e região ofertam e em
quais dessas ocupações se encontra o maior número de trabalhadores. O ramo comercial está
em terceiro lugar entre os que possuem o maior número de trabalhadores ocupados na cidade.
Indicadores Masculino
Feminino
Total
Total das Atividades 6.091
4.839
10.930
Extrativa Mineral 8
1
9
Indústria de Transformação 2.037
1.324
3.361
Serviços Industriais de Utilidade Pública 53
16
69
Construção Civil 217
8
225
Comércio 1.725
1.242
2.967
Serviços 1.587
1.629
3.216
Administração Pública 241
562
803
Agropecuária 223
57
280
Idade de 16 a 24 anos 1.710
1.283
2.993
109
Outro elemento importante no concerne aos ocupados no setor comercial de Marechal
ndido Rondon é a remuneração oferecida por este setor. Em 2005, a remuneração do
comércio para as mulheres era menor do que a dos homens. Entre mulheres e homens com
idade variada entre 16 e 24 anos, o salário dos homens é maior em aproximadamente R$
200,00. A tabela 6 indica:
Tabela 6 - Remuneração média de empregos formais em 31 de dezembro de 2005
Indicadores Masculino
Feminino
Total
Total das Atividades 818,83 638,77 739,11
Extrativa Mineral 898,28
658,06
871,59
Indústria de Transformação 741,22
542,99
663,13
Serviços Industriais de Utilidade
Pública
1.216,75
1.161,48
1.203,94
Construção Civil 445,25
666,60
453,12
Comércio 754,70
501,96
648,90
Serviços 985,31
751,49
866,87
Administração Pública 1.388,76
848,86
1.010,90
Agropecuária 489,14
400,62
471,12
Idade de 16 a 24 anos 516,70 472,43 497,72
Fonte: CAGED/MTE
A média salarial é um elemento importante para entender a realidade dos trabalhadores
ocupados em diferentes ramos da cidade, bem como no comércio rondoniense. Contudo, é
preciso também entender as relações salariais deste setor em relação aos demais existentes, no
sentido de entender um pouco as condições de vida e trabalho desta parcela da classe
trabalhadora. A tabela 7 auxilia na compreeno:
Tabela 7 - Salário médio de admissão
Ocupações com menores saldos
CBO 765405 Trabalhador do acab
amento de artefatos de tecidos
e couros
461,25
CBO 784105 Embalador, a mão 367,05
CBO 841505 Trabalhador de tratamento do leite e fabricação de
laticínios e afins
458,25
CBO 521110 Vendedor de comércio varejista 396,87
CBO 841810 Operador de máquinas de fabricação de doces,
salgados e massas alimentícias.
395,00
110
Fonte: CAGED/MTE
A tabela aponta para o salário do vendedor de comércio varejista como um dos mais
baixos das atividades com maiores ocupações no município. O salário médio de um vendedor,
incluindo o sexo feminino e masculino, é de aproximadamente R$396,87, o mesmo ou muito
semelhante a um operador de máquinas numa fábrica de produção. Nesse sentido, apesar das
tabelas indicarem o padrão salarial do município por setores de atividades, o comércio
aparece como oferecedor dos salários mais baixos, indicando possíveis transformações na
economia ativa do município e também em termos de produção por atividades. Digo isto
porque o setor de comércio contava com um dos maiores números de ocupados da cidade e,
ao mesmo tempo, paga um dos salários mais baixos com relação às demais ocupações.
Todavia, isto não significa que maior disponibilidade de trabalhadores para tais
ocupações. Refiro-me à criação de condições comuns para a formação da reserva de força de
trabalho, que Marx denominou como superpopulação relativa de trabalhadores
106
,
indispensável para a acumulação capitalista ao assumir sua funcionalidade ao capital na
medida em que mantém uma camada da população desempregada, pressionando outros
trabalhadores a ofertarem mão de obra por um valor abaixo de sua reprodução, além de
manter este contingente disponível nos momentos necessários.
A superpopulação relativa de trabalhadores é mantida ora ocupada e ora desocupada,
assumindo funcionalidade para o capital quando ele organiza tal força de trabalho para ter
como extrair dela o máximo de vantagens. Por isso, de acordo com Marx, os trabalhadores em
reserva não são resultantes de momentos de crises estruturais, mas parte integrante do
processo de acumulação capitalista
107
.
Tal discussão permite traçar um paralelo também com relação às condições dos
trabalhadores do comércio rondoniense e dos trabalhadores das Pernambucanas em Rondon.
Em se tratando do sario, por exemplo, é possível admitir que o salário real pago pelas
Pernambucanas é quase o dobro da média do comércio, indicada pela tabela do MTE.
106
Esta “superpopulação relativa de trabalhadores” foi tipificada por Marx durante o século XIX em três
categorias: “líquida, latente e estagnada”. A primeira seria composta por trabalhadores desempregados que ainda
possuíam potencial para serem ingressos novamente ao mercado de trabalho, porém vulneráveis a acordos que
favoreciam o capital ao pressionar os trabalhadores empregados. a latente, seria a população que teve suas
ocupações destituídas pelo capital com as mudanças das formas de produção e passaram a migrar à procura de
condições de sobrevivência. A estagnada referia-se aos trabalhadores destituídos de qualificão e dispostos a
ingressarem em qualquer ocupação que lhes resultasse em uma renda mínima para suprir suas necessidades de
sobrevivência, estando dispostos a aceitarem ocupações com piores condições de renda e trabalho que as
regulamentadas.
107
Ver mais: MARX, Karl. O Capital, livro 1, volume 2. São Paulo: Abril Cultural, 1988. p. 198.
111
Enquanto a tabela admite que o salário pago pelo comércio varejista a um vendedor é em
média de R$ 396,87, as Casas Pernambucanas paga aos vendedores de eletro, por exemplo, o
sario base que se situa mais ou menos no percentual do salário pago pelo comércio, porém
eles recebem mais produtividade, perfazendo um total de aproximadamente R$ 1000,00 a R$
1200,00. Os demais vendedores da loja recebem um salário base que também se encontra na
faixa apresentada na tabela do MTE, mas somado à produtividade recebem em torno de R$
600,00 a R$ 700,00.
Buscando qualificar estes dados, que apontam considerações mais gerais sobre as
transformações na vida da maioria da população que compõe os trabalhadores ocupados em
Rondon, procuro, através dos olhares produzidos pelos trabalhadores, problematizar de modo
mais específico como as mudanças produtivas repercutiram na vida dos funciorios das
Pernambucanas. Cabe, portanto, discutir como os trabalhadores percebem e vivenciam tais
processos.
Os trabalhadores envolvidos com o trabalho varejista em grandes lojas despontaram
durante as cadas de 1960 e 1970 na região oeste, como uma força de trabalho bastante
relevante. Em Marechal Cândido Rondon, estes trabalhadores passaram a ser visíveis a partir
da década de 1980, onde ocorre um aumento significativo da presença de trabalhadores
ocupados neste ramo. Não esquecendo que tal atividade não é recente inclusive na cidade,
mas ela se intensifica nesse período devido à instalação de novas lojas.
Assim, é necessário entender as mudanças do trabalho no sentido das atividades,
percebendo a intensificação das atividades neste setor, percebendo as atividades dos
trabalhadores das Pernambucanas anteriormente à loja. Logo, é possível admitir que os
trabalhadores das Pernambucanas ao serem entrevistados apresentassem algumas semelhanças
ao narrarem suas trajetórias ocupacionais antes de ingressarem na empresa. Dentre os
entrevistados, a grande maioria executou tarefas consideradas hierarquicamente abaixo da que
executam na empresa, isto seja em relação ao salário, de reconhecimento do local de trabalho,
de possibilidades de crescimento; atividades desprovidas de seguridade, de legislação
trabalhista, amparo legal, precárias, etc. Isto faz com que a grande maioria veja na sua atual
função a melhor exercida até então e, também, uma oportunidade de crescimento profissional
sem a exigência de melhor qualificação escolar, apenas de desempenho profissional. As
entrevistas ajudam na compreensão de que o valor que os trabalhadores atribuem ao seu
trabalho faz com que as Pernambucanas implantem determinadas concepções morais sobre o
trabalho, que expressam valores enraizados na vida dos trabalhadores, tais como o trabalho
honesto, produtivo e que garanta melhorias em suas condições de vida.
112
A empresa procura estimular o funcionário a partir do que chama de pilares, divididos
em valores e resultados. Justificando a possibilidade de ascensão por intermédio do plano de
carreira, a empresa diz que se o funcionário levar a sério os seus valores for íntegro, ele
produzirá resultados, que permitirão melhorias nas suas condições de vida e trabalho. A
empresa, nesse sentido, elabora discursos como os de que o trabalhador deve produzir de
acordo com as normas estabelecidas porque isto significa ser honesto e respeitoso; o
trabalhador deve cumprir com as exigências de sua função e do setor porque isto simboliza ser
responsável; o trabalhador deve responder por todas as suas ações, inclusive pelo não
cumprimento de algumas porque isto significa ser íntegro e transparente.
Nesse sentido, a trajetória ocupacional de Lauro Dutra Moura, 21 anos, é
representativa. Ele é natural de Marechal ndido Rondon, mas seus pais vieram do Rio
Grande do Sul em busca de melhores condições de emprego. Seus pais têm experiência
operária e ele desde os 12 anos aprendeu ofícios que proporcionassem melhorias ou auxílios
nas condições de vida da família. Estudou até o ensino médio, sem ingressar na universidade,
investindo no trabalho das Pernambucanas como a sua maior possibilidade de crescimento e
oportunidade profissional. Está na empresa há 2 anos e recentemente foi promovido de
auxiliar de serviços gerais para vendedor de eletro. Assim ele descreve sua trajetória
ocupacional:
Eu nasci aqui mesmo em Rondon. Meus pais vieram do Rio Grande do Sul
pra Rondon em busca de uma perspectiva melhor pra vida, né? Porque
quando a gente tava meu pai tinha perdido o emprego e quando ele
arranjou uma vaga na antiga Ceval aqui, dresolveram vir pra cá. (...) A
minha infância foi normal como outra qualquer, mas foi difícil porque a
minha família era bem mais humilde. Bom... a vida não é fácil pra ninguém,
por isso que eu o gosto de comentar nada. (...) Meu pai começou a
trabalhar na Ceval, depois a minha mãe foi trabalhar na Ceval, antes era
Suift Warn, não era Ceval ainda o nome, era um frigorífico também, os dois
trabalhavam lá. Depois ela ganhou a conta, quando eu nasci, e desde então
ela nunca trabalhou, não teve mais um lugar fixo pra trabalhar. (...) Meu pai
saiu da Ceval, começou na Sudecop e até hoje. se aposentou, mas
ainda não deram a conta pra ele. (...) Somos em sete pessoas, mas quem
trabalha fora e ajuda é eu e meu pai, s dois sustentamos a casa. (...)
Bom, eu fui servente de pedreiro com 12 anos. Antes disso eu ajudava,
trabalhava na... carpia, lavrava, na roça, ? E sempre tava fazendo um ou
outro biquinho. Às vezes cortava uma grama pra um vizinho, pra um
conhecido, um parente, um amigo, um rapaz, sempre tava dando alguma
ajuda. Depois eu fui pra pizzaria, daí eu ficava na pizzaria e trabalhava ainda
como servente de pedreiro. Daí eu trabalhava durante o dia, eu ia e almoçava
porque naquele tempo eu trabalhava na Jovialle, eu ia trabalhava na Jovialle
e ganhava o almoço e voltava pro meu serviço de servente de pedreiro,
isso no tempo que a gente tava construindo lá aquele loteamento Juçara e a
noite eu tinha que ir pra trabalhar na pizzaria. (...) Depois eu fui pra livraria
113
ainda, na Livraria Paraná 2 e eu ia pra pizzaria. Daí eu fui pra
Pernambucanas e continuei ainda na Pernambucanas e na pizzaria mais
quase um ano, daí eu parei
108
.
A trajetória de Lauro é emblemática para representar as dificuldades encontradas pelo
trabalhador que desde cedo é obrigado a trabalhar sob condições precárias e numa jornada de
trabalho exaustiva para contribuir no sustento da família, além da realização de uma
diversidade de atividades em pouco tempo, o que não acontecia em décadas anteriores, sendo
que alguns trabalhadores permaneciam por anos na mesma função e empresa. Auxilia também
na condição de inúmeras famílias que durante as décadas de 1960 e 1970 foram praticamente
obrigadas a sair de seus locais de origem indo para outras regiões em busca de melhores
empregos ou mesmo de um emprego, como é o caso do pai de Lauro. Outra situação é a das
habilidades da família de Lauro e dele próprio no trabalho do campo, que aos poucos perdeu
espaço para as atividades urbanas.
A entrevista aponta também para as transformações no mundo do trabalho se
comparada às atividades desempenhadas pela família e as desempenhadas por ele. O pai não
realizou diversas atividades ao longo de sua vida, ao contrário dele. Ao mesmo tempo em que
a mãe após ser demitida do frigorífico o arranjou mais um emprego fixo, o que indica as
exincias do mercado no que concerne ao perfil do trabalhador. Talvez por não se encaixar
mais em determinados padrões (idade, grau de escolaridade, disponibilidade, capacitação de
informática, etc.) exigidos pelo mercado sua mãe permanece na expectativa de um emprego e
da melhoria das condições de vida da família podendo, por conta disso, sujeitar-se a empregos
desregulamentados, temporários, precarizados por causa da necessidade.
A narrativa de Lauro também indica a pouca remuneração que recebia nos seus
empregos, o que fazia com que ele executasse uma série de bicos como o trabalho de garçom
num restaurante e numa pizzaria, embora não tenha se identificado como garçom. Sua fala dá
indícios de que o seu próprio ingresso nas Pernambucanas aponta para a necessidade dos
bicos, pois ele durante um tempo continuou trabalhando na empresa e na pizzaria, mas parou
devido ao ritmo intensificado do trabalho e da extensa jornada de trabalho nas
Pernambucanas. Contudo, motivado pela possibilidade de crescimento dentro da empresa,
pelo nível salarial e por uma espécie de status que determina ser “melhor” trabalhar no
comércio do que ser servente de pedreiro ou garçom, Lauro prefere apenas o trabalho nas
Pernambucanas, abandonando os demais bicos que realizava.
108
Entrevista concedida por Lauro Marciano Dutra Moura em 10 de janeiro de 2007.
114
Quando Lauro se sujeita a trabalhar em vários locais ao mesmo tempo, prolongando a
sua jornada de trabalho, diminuindo as suas horas de lazer e descanso, parece estar fazendo
porque é o que ele precisa para sobreviver e auxiliar no sustento da família. Tal elemento,
porém, não é regra em todos os demais produzidos. Há casos em que o trabalhador pode, por
vezes, fazer isso no sentido de aumentar a sua renda para adquirir produtos que o capital o faz
ter necessidade de possuir, como comprar um celular, uma roupa da moda, etc. No entanto,
em ambos os casos, existe uma relação de força onde o trabalhador se sujeita a trabalhar mais,
o que o significa que ele trabalhe o tempo todo, que cumpra efetivamente trabalhando
duramente toda a sua jornada. O trabalhador pode estar, por vezes, driblando esse tempo ou
disputando o tempo do trabalho, por exemplo, para benefício próprio em detrimento ao
pretendido pelo patrão. Por exemplo, o funcionário pode driblar o seu tempo de trabalho
descansando no banheiro, no depósito, ao invés de estar intensificando constantemente o
ritmo do seu trabalho para cumprir as cotas desejadas pela loja.
Para Lauro a entrada nas Pernambucanas pode representar várias melhorias se traçar
um comparativo com seus empregos anteriores. Pode significar um tipo de emprego mais
qualificado, ao mesmo tempo pode ser um emprego menos braçal ou, ainda, um trabalho mais
limpo, mais higiênico do que os executados anteriormente. O mesmo acontece com vários dos
funciorios entrevistados. É o que argumenta Inês Sauer, com 26 anos, nascida em Marechal
ndido Rondon, que trabalha na empresa há 3 anos. Em sua fala Inês comenta sobre as
dificuldades que enfrentou desde os 13 anos trabalhando como babá e como doméstica para
ajudar no sustento da família. Entrar no comércio para ela é algo muito significativo tendo em
vista suas ocupações anteriores. Ela expressa:
Sempre morei com a minha família. Depois dos quinze anos eu saí pra
trabalhá, ? Saí de casa assim pra trabalhá. Meu pai e minha mãe sempre
moraram no interior. (...) Eles sempre trabalharam na... no interior assim,
como que eu dizê? ... na agricultura. Mais não era exatamente agricultura.
É... meu pai foi durante dez a doze anos açoguero. Ele morô no interior,
tinha sítio, chácara, cuidava dos bicho também, que não especificamente
com lavoura, ? (...) E eles chegaram em Rondon em torno de 1970. (...)
Até... o meu pai até por volta dos ano oitenta ele... ele era comerciante.
Depois que ele foi pro interior. (...) E eu comecei a trabalhar, na verdade,
com 13 anos e eu comecei como doméstica, babá, né? Primeiro como babá,
depois como doméstica. No comércio mesmo foi em 2000 que eu comecei,
né? Eu comecei a trabalhar na Jaraguá Brindes como auxiliar de serviços
gerais, né? A gente fazia serigrafia e depois em 2001, janeiro de 2001, eu
comecei mesmo no comércio a trabalhar numa livraria, trabalhei durante um
ano e pouco. Depois de um ano e pouco eu lecionei (Risos). E... daí de 2001
eu lecionei, isso, daí eu saí, eu fui embora pra Guaíra, fui morá pra Guaíra,
fiquei oito meses parada, que era uma cidade que eu não conseguia
emprego, e daí eu entrei na Pernambucanas. (...) na Pernambucanas de
115
Guaíra, isso. Em 3 de novembro de 2003 eu entrei na Pernambucanas de lá.
(...) E fiquei um ano e dois meses lá. (...) Depois consegui a transferência pra
cá e quase dois anos aqui. (...) Eu fiquei dois meses como
temporária, depois eu efetivei
109
.
A narrativa indica as constantes trocas de trabalhos em curtos períodos até o momento
de entrada nas Pernambucanas, local do comércio onde Inês está a mais tempo trabalhando.
Assim como Lauro, ela também passou um tempo de sua vida no interior, com os pais lidando
com o campo. Porém, sua família indica a trajetória ao inverso da de Lauro, pois enquanto
este e a família saíam do campo para tentar trabalho na cidade, a família de Inês fez o
contrário. O próprio cenário da região oeste parece ter se dado pelo caminho inverso, porque
quando ocorreram alterações na estrutura do trabalho entre 1970 e 2000 na rego oeste do
Paraná, sofridas tanto pela intervenção do capital estrangeiro quanto pelo auxílio de uma
política nacional que incentivou através de financiamentos e a criação de diversas facilidades
a implantação de uma forma de produção, as oportunidades de trabalho no campo reduziram
em detrimento as ocupações urbanas, que aumentaram.
Outro elemento importante na narrativa de Inês é quando ela indica as condições de
trabalho e as ocupações ofertadas na rego. Ela aponta que desde seus treze anos realiza
atividades como babá e empregada doméstica e que quando mudou para Guaíra em busca de
trabalho que garantisse a sua sobrevivência, teve muita dificuldade em encontrar, ficando oito
meses desempregada, aguardando a oportunidade de um emprego.
A entrevistada Marlei Cristina Biccigo, de 31 anos, natural do Rio Grande do Sul, está
na empresa 3 anos e apresenta uma trajetória sugestiva ao indicar uma diferença com
relação às demais entrevistas. Enquanto a grande maioria dos entrevistados apontou que
executou uma série de funções diferentes em lugares diferentes, inclusive num curto período
de tempo, o que indica as transformações ocorridas no mundo do trabalho, Marlei começou a
trabalhar com 15 anos, hoje está com 31 e trabalhou apenas em dois lugares, sendo o atual nas
Pernambucanas. Ela narra:
Eu nasci em Três Passos, Rio Grande do Sul e vim pra cá com três anos. (...)
Daí eu morei em Pato, acinco anos atrás quando eu vim mopra cá. A
minha família também. (...) No Rio Grande eles eram agricultores. Eles eram
solteiros quando vieram e vieram com os meus avós, né? E minha mãe
quando morava em Pato ela sempre foi assim... cozinheira, né? E os meus
avós eram agricultores. (...) Minha mãe foi também empregada doméstica e
agora ela é cozinheira, de uns tempos pra cá. Agora ela trabalha aqui na
Churrascaria Dois Irmãos. (...) Comecei a trabalhar com quinze anos,
morava em Pato e eu trabalhei onze anos na Loja Silva e assim... antes desse
109
Entrevista concedida por Inês Ames Sauer em 9 de janeiro de 2007.
116
nenhum, tirando o outro só o de agora na Pernambucanas, só esses dois
empregos. Onze anos lá, da gente veio pra cá, a Laura tinha um aninho d
eu fiquei cuidando dela, né? Por dois anos fiquei em casa. Aí um dia eu
pensei: eu tenho que trabalhar também! Estressada já. Daí passei entregando
os currículos. Deixei o currículo com o Luciano numa sexta-feira, daí na
segunda-feira ele me chamou. Aí eu falei: ó, a minha experiência é em
vendas! Ele: ó, eu tenho uma vaga de auxiliar administrativo. Eu falei: eu
nunca fiz isso! Daí ele: você quer tentar? Eu falei: tudo se aprende, né? Daí
fui, d comecei, fiquei dois meses passei pro eletro. Isso foi em 2004,
agosto de 2004, faz três anos que eu na empresa. (...) E com a Loja Silva
eu vejo assim: eu gostei muito de trabalhar e tive muita experiência, né?
que assim em termos de você recebê certinho, de horas-extra. Ih,
quantas horas eu trabalhei, por exemplo, até mais tarde e nunca recebi hora-
extra. Quando a gente trabalha no final de semana na Pernambucanas a gente
recebe almoço pago, é uma hora, né? de almo, lá eu nunca tive isso.
Nessas coisas bem melhor, ? Nessas partes assim. que também na
Loja Silva era menos pressão, ? Você tinha que vender o teu produto e
pronto, né? Aqui a gente tem que vender o produto, oferecer garantias,
seguros,? Outras coisas a mais
110
.
A narrativa de Marlei toca em aspectos importantes como o fato de que a mãe, ao
longo de sua trajetória, desempenhou três funções distintas e migrou do Rio Grande do Sul
em busca de melhores condições de vida e ela ingressou no mercado de trabalho com 15 anos
e só trabalhou em dois empregos até hoje e, por isso, traça um comparativo no que se refere às
diferenças e semelhanças nos dois lugares onde trabalhou. As Pernambucanas aparecem como
uma empresa que cumpre melhor a legislação trabalhista, a exemplo do pagamento das horas-
extras e do cumprimento da data para o recebimento do salário. Por outro lado, ela identifica
que no emprego anterior não sofria tanta pressão para além da venda de produtos,
identificando o trabalho dobrado nas Pernambucanas, juntamente com a pressão sofrida com
relação à exigência de vender mercadorias, mas também seguros, garantias, dentre outros
produtos.
Outra funcionária, Franciele Cristina Capoia, que trabalha nas Casas Pernambucanas
há 2 anos, foi funcionária da filial de Marechal Cândido Rondon e atualmente desempenha
um cargo de chefia numa filial de Curitiba. Ela tem 23 anos, é natural de Toledo e apresenta
uma trajeria ocupacional importante, uma forma de pensar as suas origens, o sentido que o
trabalho adquire para a sua vida e a de sua família, bem como o próprio sentido que o trabalho
nas Pernambucanas tem com relação aos demais empregos tidos. Ela comenta:
Até os quatro anos eu morava em Bragantina, até os quatro anos. Daí de lá
fui pra Vila Nova, que pertence a Toledo. De fiquei até meus dezessete
anos quando eu vim trabalhar em Rondon. Trabalhei na... em duas empresas
110
Entrevista concedida por Marlei Cristina Biccigo em 16 de maio de 2007.
117
aqui em Rondon, uma de contabilidade, a Dalgran e d fui pra
Pernambucanas. Entre meio a isso, né? Entrei na faculdade, tô cursando
história (Risos). (...) A minha mãe trabalha como doméstica e o meu pai
trabalha na Coamo como classificador de grãos. O meu irmão trabalha no
Banco Sicredi. (...) Todos da casa trabalham e cada um ajuda. O meu pai
assume as despesas maiores como mercado, farmácia, água e luz e... a minha
mãe geralmente ela ajuda mais nessa parte de roupa, compra roupa pros
filhos e eu e o meu irmão ajudava assim com o telefone, água e luz, alguma
despesa extra que tinha, que o meu pai não conseguia cobrir, daí a gente
pagava. Basicamente é isso. (...) Na contabilidade eu trabalhava como
secretária, mas eu trabalhava como se eu fosse uma auxiliar administrativa,
eu ajudava na contabilidade, mexia nos sistemas que tinha, fazia assim
serviços de arquivamento, coisas bem fáceis, cobranças pra contabilidade, ia
entregar documentos nas empresas, assim um serviço bem light, mas que me
deu uma boa experiência. Daí quando eu saí desse emprego eu consegui
arrumar outro na Dalgran. eu comecei como telefonista e de fui
promovida pro departamento de RH. Daí no RH eu fiquei mais ou menos
uns seis meses trabalhando, cobrando, lidando com as folhas de pagamento
é... hora-extra que a gente pagava é... os lculos, recisão, admissão, enfim,
todo o processo de RH. Daí a empresa acabou falindo, né? Fechando e o
Cleiton, que era marido da Rose, no caso, que era minha amiga, me ofereceu
uma vaga na Pernambucanas pro crediário, pra auxiliar administrativa do
crediário que tava faltando lá. Eu aceitei, que tava precisando de emprego
é... fui fazer uma entrevista com o gerente, o Luciano e praticamente de
imediato fui contratada. E... a função de início, né? Foi bem crediário,
atendê cliente e cartão, abri cadastro, nada muito mais que isso. E com o
tempo eu fui ampliando, ? Buscando mais conhecimento e comecei a
mexer com tesouraria, com RH, daí algumas pessoas saíram da empresa e
não foram contratadas outras pessoas no lugar, para substituí-las e eu acabei
acumulando muitas funções, de tesouraria, RH e crediário, eu acabei ficando
responsável pelo administrativo e isso então até mais ou menos ums
quando eu fui promovida. Ah! Antes disso em janeiro eu fui fazer uma
avaliação em São Paulo pra ver o potencial pra poder desenvolver carreira na
empresa. Passei e a avaliação deu resultado a curto prazo. Eu tive três meses
pra fazer a avaliação e sair da loja pra um novo cargo. Essa proposta então
me veio agora um mês atrás onde eu fui transferida pra Curitiba numa
nova loja que vai abrir e eu vou ter um cargo de chefia, né? Que é
coordenadora administrativa
111
.
A narrativa de Franciele elucida as dimensões vividas pela família. Todos os membros
da família trabalham e dividem as despesas a serem pagas na casa. O trabalho, nesse sentido,
apresenta-se como uma necessidade e quase como a única possibilidade de crescimento ou
melhoria nas condições de vida. Franciele comenta que fez um curso superior enquanto
trabalhava, mas sua escolha foi a de permanecer no atual trabalho, o qual vê como melhor do
que as demais funções executadas e também como a melhor possibilidade de crescimento e
realização profissional, bem como de melhoria nas condições de vida.
111
Entrevista concedida por Franciele Cristina Capoia em 25 de agosto de 2006.
118
Outro elemento importante é que, apesar da entrevistada não indicar a idade de
ingresso no mercado de trabalho, ela aponta que até o momento trabalhou em apenas duas
empresas, diferentemente da grande maioria dos entrevistados. A rotatividade de empregos
não se expressa, portanto, de maneira explícita na entrevista de Capoia, mas denota a
importância e o principal sentido que o trabalho adquire na vida da classe trabalhadora.
A entrevistada expressa também as transformações existentes com relação ao trabalho
não apenas no que diz respeito às suas atividades anteriores às Pernambucanas, mas na
própria empresa. Ela indica que quando foi contratada, em 2004, ela desempenhava
basicamente uma única função, mas que ao longo do tempo ela aprendeu a realizar
praticamente todas as funções da loja. Entretanto, é verificável que ela admite isso no sentido
em que individualmente buscou o que chama de “ampliar os conhecimentos”, aprendendo a
desempenhar rias funções na empresa, tornando-se mais apta para o trabalho. Ela não indica
tais transformações como algo imposto pela empresa, o que denota que conjuntamente
trabalhadores e a empresa foram se transformando, participando dos processos de mutação
nos mundos do trabalho, disputando os sentidos desse trabalho.
A entrevistada Lúcia Bernadete Kaiser apresenta uma narrativa em que declara a
necessidade de trabalhar desde a infância. Num longo período de tempo ela trabalhou em
quatro lugares diferentes, sendo que nas Pernambucanas, atual local de trabalho, está há 19
anos. Ela tem 38 anos, é natural de Toledo e apresenta uma trajetória de trabalho desde a
infância. Seja pela necessidade financeira, seja pela necessidade de servir como mão de obra
para ajudar a família nas atividades agrícolas, desde os seis anos ela desempenha atividades.
Ela conta:
Eu saí de Toledo, de Ouro Preto, com três anos, aí nós fomos morar no
interior de Entre Rios, em Volta Gaúcha. De eu saí com dezessete anos e
vim pro município de Rondon, eu e minha irmã, sozinhas. (...) Eu desde os
seis anos eu trabalho, como morava no sítio ajudava em casa e tirava leite
(Risos) e ajudava na roça e... (...) a gente trabalhava meio período e meio
período a gente estudava no primário, né? E voltava e ia pra roça, né? Eu
levantava é... dia de semana e final de semana também levantava quatro e
meia, cinco horas da manhã. Depois nós em Entre Rios do Oeste nós
trabalhava o dia inteiro na roça e a noite a gente estudava, chegava em casa
meia noite, uma hora, cinco hora a gente levantava todo mundo e voltava
trabalhar. E assim foi até quando eu fiz, eu tinha dezessete anos quando eu
vim pra Rondon pra trabalhar na casa de uma professora (...) Eu fiquei com
ela oito meses, daí de lá eu saí e fui trabalhar também de tata na outra
mulher, eu... (...) ali... a minha irmã já morava em Palotina. No final de
semana eu ia pra Palotina e naquela época ainda não tinha asfalto de Rondon
a Palotina, choveu e não deu pra voltar porque o ônibus como era terra
batida não... estrada de chão, não tinha como voltar. na segunda-feira
eu e ela pegamos e fomos bater perna na cidade toda, procurando serviço
119
porque eu tava desempregada, né? (...) Aí nós chegamos na frente da
Pernambucanas, que até aquela época eu nunca tinha pisado nem na de
Marechal Cândido Rondon e nem em lugar nenhum na Pernambucanas, (...)
isso foi em oitenta e oito, em fevereiro, fevereiro de oitenta e oito. Só que a
minha mãe já vinha na Pernambucanas, (...) ela era cliente. Minha e
sempre foi cliente da Pernambucanas. (...) eu entrei na loja, tava o gerente
e o sub-gerente, naquela época tinha o sub-gerente, hoje o tem mais, né?
eu perguntei se tinha vaga. Ele falou: não tem. Daí eu falei: mas eu vou
deixar meu nome, tô precisando de serviço. Daí ele: deixe teu nome ali,
deixe teu nome lá com a secretária. Deixei o nome e o telefone do meu
cunhado. Isso foi na segunda. Na terça eu voltei pra Rondon e na quinta-feira
meu cunhado me ligou dizendo que eu tinha que ir na Pernambucanas até a
outra quinta, que eu ia ser contratada. Isso era dia vinte e oito de fevereiro e
no dia três de março eu comecei a trabalhar na Pernambucanas. Naquela
época eu tinha vinte anos
112
.
A narrativa de Lúcia remete para a necessidade de trabalho mesmo durante a infância,
indicando o quanto foi penosa também a sua adolescência. Ela faz menção aos ritmos e a
jornada de trabalho ao longo de sua vida, apontando para as dificuldades em acordar cedo e
dormir tarde, tendo de encontrar tempo e energia para estudar e trabalhar desde muito cedo.
Ao longo de sua trajetória também desempenhou poucas atividades, a exemplo das
Pernambucanas onde está a 19 anos trabalhando. A narrativa de Lúcia parece também se
remeter a certa melhoria em se tratando de trabalho se comparado o trabalho nas
Pernambucanas com os empregos anteriores, uma vez que ela menciona todas as dificuldades
encontradas nos trabalhos que executou, como na infância com os pais, depois na
adolescência como babá e como empregada doméstica, conduzindo a sua narrativa até o
momento onde consegue um emprego nas Pernambucanas, permanecendo até hoje.
Douglas Marcelo Junges, 23 anos, outro entrevistado, nascido em Marechal Cândido
Rondon, funcionário da empresa há 2 anos, apresenta uma trajetória em que teve que trabalhar
cedo para ajudar no sustento da família. Cresceu sem pai, com um padrasto cujo
relacionamento não era agradável e a mãe em casa cuidando dos filhos. Ele desenvolve sua
fala de modo a justificar a sua tendência para o ramo varejista a partir da experiência que teve
com outros empregos, pontuando, inclusive, os tipos de atividades disponíveis na cidade. Ele
conta:
Minha mãe teve peodos que ela trabalhô fora, ela sempre gostô de a
independência financeira dela, ? Porque a mãe dela também era mãe
solteira, criou oito filhos assim, né? Então é... mas teve períodos também,
por exemplo quando meu irmão nasceu, que ela preferiu ficá em casa um
pouco. Depois ela foi trabalhá de novo, ficô em casa. E agora tem alguns
problemas de saúde. Então está em casa. (...) eu trabalhei bastante, viu?
112
Entrevista concedida por Lúcia Bernadete Kaiser em 6 de agosto de 2007.
120
Eu tive uma experiência muito gostosa. Quando eu tinha onze anos eu fui
vendê picolé. Tinha um amigo meu no colégio que ele vendia picolé, então
ele ganhava cento e cinqüenta reais, eu achava aquilo nossa, uma fortuna né?
Eu saí dessa prisão e meu dinheiro, né? Prá tudo era o dinheiro é
meu, né? Então... Então eu fui vendê picolé, né? Fui venpicolé, depois de
duas horas eu no sol, comecei a chorá. Voltei, eu tinha vendido cinco reais,
dava até uma comissão, né? uma porcentagem, quarenta por cento. Devolvi
o carrinho, o cara falou: o que aconteceu?”. Eu não quero, não quero, ó teu
dinheiro, eu não quero, pega isso daí! e fui embora. Daí depois com treze
anos eu fui entre jornal, ? Entreguei jornal é... eu comecei a trabalhá
cedo. Por isso eu adquiri bastante estria na perna (Risos). Pedalava vinte
quilômetros por dia, todo dia, né? No sol, na chuva, né? Era obrigado a...
depositá os cinqüenta reais que ganhava prá pagá a luz, né? E... depois eu
tive vários empregos, eu trabalhei em metalúrgica, eu fui lavador de carro,
essa mesma empresa, que eu lavei carros.... eu depois saí e fui chamado p
vendas, porque o ... Júlio que é o proprietário ele gostô de mim. E enfim, eu
fui chamado prá ser vendedor. Eu trabalhei como vendedor da Yamaha, eu
vendi farinha, vendi gelo, eu já... fiz praticamente de tudo. Fui cobrador de
Floricultura, é... nossa enfim. fui... trabalhei em câmeras de bola, acordá
as cinco da manhã. Olha, fiz muito coisa, né? Então... fui vendedor de
móveis. Então eu caí pro ramo de varejo, né? de vendas, porque era minha
tendência, né? Porque por mais que queria escapá, porque era muita pressão,
muita cobrança, né? Diz: não, pega um serviço mais sossegado! mais eu não
conseguia faaquele serviço habitual que é todo dia, isso, isso e isso. Então
eu queria sempre novidade. E por eu tê facilidade com relacionamento e...
113
Douglas justifica a sua presença como trabalhador no comércio devido ao que chama
de “tendência” para as vendas. Ele acredita que em tal serviço, cujo relacionamento é direto
com o cliente, o é executado uma tarefa mecânica, rotineira como entregar jornal, vender
picolé, lavar carros, fazer cobrança, costurar bolas. Para ele, vender não é algo habitual, “todo
dia isso e isso”, é sempre novidade. Vender também é saber conversar, é ter facilidade de
relacionamento. Vender também significa não precisar enfrentar maiores desgastes físicos
como andar de bicicleta e lavar carros no sol o dia todo, etc. Enfim, a comparação de Douglas
com relação a seus empregos es no sentido da não execução de tarefas rotineiras, com
sario baixo e desgastes físicos propiciados pela tarefa.
A fala de Douglas aponta também para um valor cujo sentido é o de “liberdade”, de
“independência”. Para ele, trabalhar significa construir a própria vida, ter independência
financeira. Nesse sentido, ele justifica o fato da mãe trabalhar porque gostava de ter
independência financeira, atribuindo a ela uma espécie de escolha ao dizer que ela trabalhou
pelo tempo que quis e parou quando estava cansada. Com relação a ele, trabalhar adquire um
sentido semelhante ao da mãe, especialmente ao dizer: “eu vô saí dessa prisão e o meu
dinheiro!
113
Entrevista concedida por Douglas Marcel Junges em 9 de janeiro de 2007.
121
A funcionária Paula de Andrade, 27 anos, natural de Marechal Cândido Rondon, que
trabalha nas Pernambucanas 6 anos, apresenta uma trajetória ocupacional semelhante à de
Douglas, significando o trabalho como um sinônimo de “sustento”, de “autonomia
financeira”. Começou a trabalhar com pouca idade para adquirir o próprio sustento e, quando
necessário, auxiliar a família. Ela apresenta a sua trajetória do seguinte modo:
Meus avós vieram pra é... ajudaram a desmatar a cidade. Então se
colocaram aqui e vivem até hoje. Nasci e cresci aqui nessa casa, nesse pátio,
27 anos. Pra você vê como é uma vida interessante! (Risos). Eu comecei a
trabalhar na Pernambucanas 6 anos atrás... e trabalho até hoje. Conflitos,
às vezes difereas, mas trabalho lá. (...) Minha mãe ela trabalha aqui, ela
tem uma pensão e meu pai tá... no mundo, no Paraguai, mas eu não sei do
que trabalha, o que faz e como vive. Aparece a cada três, quatro anos pra
dizê que vivo, pra dizê que tudo bem. Mas se ele doente ou alguma
coisa assim a gente não fica sabendo não, muito longe. (...) Sempre trabalhei.
Comecei a trabalhar com 14 anos de babá. Depois eu fui pro comércio e com
15 anos eu já trabalhava no comércio e trabalho até hoje. Saí de um e fiquei
nesses 12 anos 4 meses parada, que é o tempo que eu o trabalhei, que o
resto eu trabalhei sempre, sempre me sustentei. (...) Independente desde que
eu me conheço por gente, desde meus 15 anos. (...) Bom... eu comecei como
babá. Depois de baeu fui pra uma malharia, trabalhava como atendente,
né? E lá eu cortava tecido, né? Cortava tecido... e de lá eu fui pra
Pernambucanas, comecei como vendedora, trabalhei como vendedora. Daí
eu trabalhei dois anos como vendedora e fui promovida pra ser auxiliar de
visual merchandising, auxiliar de visual merchandising era agregar valor ao
produto. Então a minha função era arrumar equipamento, fazer vitrine,
despilhagem. Colocar em evidência o produto pra deixar ele 3, 4, 5 vezes
mais bonito do que ele realmente é
114
.
A narrativa é construída e identificada no sentido do trabalho como atividade
remunerada, ou seja, ela admite o primeiro emprego a partir do primeiro salário ou
remuneração. A fala expressa também o sentido que o trabalho adquiriu para Paula ao longo
de sua vida. Trabalha desde os 14 anos e a referência que faz ao trabalho para além da
independência financeira é a de alguém que se identifica com o comércio e que está no ramo
há mais de dez anos. A função que executa nas Pernambucanas é valorizada não no sentido da
venda, mas da arrumação do produto. O emprego de cortar tecidos, lidar com roupas,
construir peças, pode ter, inclusive, lhe rendido o gosto por arrumar a imagem da loja, criar o
visual, função com a qual, portanto, se identifica.
A entrevista aponta também para a constituição familiar da entrevistada e sua
influência na cidade. Sua família é vista como pioneira, chegando aqui no início da
colonização. Nesse sentido, é perceptível que os valores atribuídos ao trabalho, na concepção
114
Entrevista concedida por Paula de Andrade, em 4 de janeiro de 2007.
122
de Paula, somam-se em muito aos valores difundidos pela família no sentido de trabalhar,
buscar melhores condições para se sustentar individualmente sem depender em muito da
família, o que é expresso quando ela diz “sou independente desde que me conheço por gente”.
O depoimento de outra funcionária, Elisângela Gomes, 31 anos, nascida em Marechal
ndido Rondon, está há 4 anos na loja, aponta uma trajetória de trabalho que não diverge das
demais no sentido da idade de ingresso no mercado de trabalho e do número de empregos
obtidos até a entrada nas Pernambucanas. Elisângela assim apresenta sua trajetória:
O meu pai, primeiro, quando ele che pra cá ele trabalhô numa mecânica,
né? Depois ele abriu uma lanchonete e ele até hoje na lanchonete. (...) Isso
faz trinta anos e antes de vim pra ele era agricultor. (...) A minha mãe
ajudava ele. No começo não, daí quando ele comprô a lanchonete ela
começô a ajudá daí e tá até hoje. (...) Eu não trabalhei com eles, mas quando
eu era pequena eu ajudava sim eles. (...) Fui sempre vendedora, desde os 14
anos vendedora. Trabalhei em confecções, presentes, ótica, né? Mas sempre
de vendedora. (...) Trabalhei na Nadir Presentes, eu trabalhei mais como
auxiliar, né? Trabalhei três anos seguido de auxiliar. Daí na Postal Malhas
eu fiquei dois anos, também de vendedora. Foi assim puxado, mas foi um
lugar muito agradável de trabalhá, né? Mas em seguida eu entrei na
Pernambucanas. Três empregos
115
.
É possível identificar a partir da narrativa de Elingela com relação à trajetória de seu
pai, algumas transformações econômicas do país e da região, como a migração. A trajetória
do pai, agricultor, que passa a atuar em lanchonete na cidade serve como exemplo das
mudanças na região, especialmente a partir da década de 1970, quando a cidade passa a
agregar um número significativo de pessoas que saem do campo a procura de trabalho e
moradia na cidade.
A fala de Elisângela no que concerne ao desempenho de atividades ao longo de sua
trajetória, comparativamente a vários outros entrevistados, torna-se emblemática. Não apenas
no país, mas na região oeste do Paraná, as últimas décadas parecem serem marcadas pela
constante rotatividade de empregos, por um efeito mais intenso do que o vivido por
Elisângela. A experncia de que trabalha desde os 14 anos e em 17 anos passou por três
empregos do mesmo ramo é diferente da de muitos trabalhadores não apenas das
Pernambucanas, que têm atuado em diversas atividades num período de tempo menor devido
às transformações e exigências profissionais e de pessoal para o mercado de trabalho.
Elisângela também incios de que não precisou trabalhar para ajudar no sustento
da família, pois os pais possuíam um negócio e ela só precisava ajudar às vezes. O trabalho a
115
Entrevista concedida por Elisângela Gomes, em 8 de janeiro de 2007.
123
partir dos 14 anos foi executado, portanto, no sentido dela adquirir um salário para comprar os
produtos que tivesse necessidade individual e não para complementar a renda da família.
Após o casamento e o nascimento dos filhos é que o trabalho passa a ter outro sentido: o de
ajudar na composição da renda familiar.
A entrevistada Mônica Santos, 21 anos, natural de Marechal Cândido Rondon, três
anos trabalhando na empresa, apresenta uma trajetória um pouco diferente dos outros
entrevistados no sentido de que teve uma trajetória bastante voltada para a valorização dos
estudos. Ela é a única funcionária com nível superior na empresa e apesar de ter trabalhado
desde os 16 anos nunca precisou ajudar a família nas despesas mensais, tendo o seu salário
para comprar produtos que considere necessários para uso pessoal. Ela descreve assim a sua
trajetória:
Bom... a minha infância foi normal e a minha educação também, só que
bastante tradicional. Eu sempre morei com os meus pais, ainda moro e...
tenho uma irmã mais velha que eu e ela foi minha principal amiga. É...
minha e é dona de casa e o meu pai é representante comercial. A minha
mãe trabalhou até o casamento, depois que ela casou ela abandonou tudo pra
ficar assim é... cuidando dos filhos e depois passou um tempo e ela não
trabalhou mais. Meu pai entrou no ramo de representação comercial e virou
gerente de uma empresa de bebidas aqui em Marechal também e hoje ele é
representante comercial de uma empresa aqui de dentro da cidade. (...) Eu
comecei a trabalhar com 16 anos numa empresa de monitoramento de
alarmes como secretária. Trabalhei por 1 ano. Depois eu trabalhei no
jornal Gazeta do Paraná durante 1 ano também pelo CIEE (Centro de
Integração Empresa-Escola) e há dois anos e oito meses aqui na
Pernambucanas. (...) Bom, com relação ao salário que eu recebo assim ele
sempre foi pros meus gastos, né? Nunca precisei ajudar em casa. A única
coisa é que eu compro algumas coisas pro meu quarto e uma moto, mas eu
não ajudo em casa assim... nas despesas mensais não
116
.
A entrevistada chama a atenção para um elemento diferente dos demais: por não
precisar ajudar nas despesas de casa, ela utiliza o seu salário e trabalha desde cedo para
comprar para si o que seus pais eventualmente não conseguiriam propiciar. Sua trajeria é
voltada para a dedicação aos estudos, embora ela apresente uma trajetória de trabalho
importante, inclusive por ser uma das funcionárias mais jovens da empresa. Não esquecendo a
importância de sua trajetória também no sentido da rotatividade dos empregos: em 5 anos ela
trabalhou em três empregos, o que corrobora as considerações anteriores a respeito das
transformações no mundo do trabalho.
116
Entrevista concedida por Mônica Santos, em 16 de janeiro de 2007.
124
A entrevistada Franciele Alexandra Uhry, de 22 anos, natural de Marechal Cândido
Rondon, uma das mais recentes contratadas na filial de Rondon, está a 10 meses na empresa e
apresenta uma trajetória de trabalho que elucida questões levantadas como a rotatividade
dos empregos, a necessidade de trabalhar para ajudar a família e a idade jovem para o
ingresso no mercado de trabalho. Franciele conta:
Aos 10 anos eu perdi o meu pai. A minha e me criou uns três, quatro anos
mais ou menos sozinha. Depois tive o meu padrasto. Meu padrasto faz
mais de dez anos que eu tenho ele, é como se fosse meu pai, ? (...) Minha
mãe nasceu aqui em Iguiporã mesmo, aqui no interior, né? Meu padrasto é
de Laranjeiras e meu pai mesmo é do Rio Grande do Sul, nasceu lá. Meu
padrasto é de Laranjeiras do Sul. (...) Eu acho que ele veio pra quando ele
tinha cinco anos de idade. (...) Minha mãe sempre morou aqui, nunca saiu
daqui. (...) Meu padrasto trabalha quinze anos num posto de gasolina,
quinze anos que ele faz isso. (...) Minha mãe é doméstica e acho que também
desde novinha. (...) Eu comecei a trabalhar quando eu tinha 14 anos.
Comecei no cartório Nardello, era mirim, né? Fazia serviço de rua.
trabalhei no dr. Edson Adash aqui embaixo, ajudava na clínica. (...)
Trabalhei um tempo na Fábrica do corpo, fiquei dois anos, foi a minha
primeira carteira assinada lá, fiquei dois anos lá. Daí fui trabalhar na Vídeo
Binhos Locadora, que a Bia precisava de ajuda lá. (...) eu trabalhei como
consultora aqui na loja, que era pela Tim, né? Aqui na frente e eu vendia
celular aí. Daí resolveram cortar gastos na empresa, cortaram promotoras e
daí eu conversei com o Luciano aqui, que era gerente, eu conhecia aqui na
frente. Daí o Luciano falou: manda o currículo que eu te conheço. ele me
contratou e eu na Pernambucanas seis meses. (...) E quem me indicou
foi o Rodrigo e a Marlei, que me conhecia lá da frente
117
.
Os trabalhos executados pela família de Franciele e as dificuldades enfrentadas pela
mãe, que perdeu o marido cedo e teve que trabalhar em triplo para sustentar a filha, expressa
um pouco da sua realidade. O fato de o padrasto trabalhar num posto de gasolina há 15 anos e
a mãe ser empregada doméstica a vida toda também exemplificam. A família se encontra nas
mesmas ocupações aproximadamente duas décadas. a filha, que trabalha oito anos,
executou em torno de cinco atividades distintas.
Outro elemento que chama a atenção na entrevista é quando Franciele comenta que
realizou duas atividades diferentes e somente no terceiro emprego é que teve sua carteira
registrada. O fato de ingressar no mercado de trabalho jovem fez com que ela não tivesse
determinados direitos trabalhistas garantidos, como a carteira de trabalho registrada. Isto
indica também as precárias condições com as quais os trabalhadores têm que conviver quando
recebem a pressão para obter o sustento de suas famílias ou contribuir para com eles desde
cedo.
117
Entrevista concedida por Franciele Alexandra Uhry em 17 de janeiro de 2007.
125
A funcionária Andréia Amaro, assim como Franciele, é uma das mais recentes
contratadas na filial de Rondon. Ela tem 25 anos, nascida em Marechal Cândido Rondon, foi,
por vários anos, trabalhadora temporária das Pernambucanas e está trabalhando na empresa
8 meses. Ela conta:
Morei três anos em Curitiba, fui pro Mato Grosso também, Santa Catarina.
(...) Eu rodei bastante pra trabalhar (Risos). Mas eu me casei, daí fui morar
em Santa Catarina, Mafra, depois fui pra Bituruna, cidade onde ele nasceu,
fiquei um tempo, dme separei e voltei pra Rondon. Daí no ano passado eu
fui pro Mato Grosso, fiquei cinco meses lá, foi uma aventura! (Risos). Mas
eu só fui em busca de melhores situações de emprego quando eu fui pra
Curitiba, que daí eu fui sozinha trabalhar de babá lá. As outras vezes eu fui
me aventurá! (Risos). (...) Bom, eu nasci aqui, né? Meu avô foi pionero
dessa cidade, faleceu hoje, vai fazê 16 anos que ele faleceu. E... minha
mãe nasceu em Rio Branco, Rio Branco do Sul, eu acho que é! Perto de
Curitiba, pra lá, e eu fui criada pela minha avó. Minha avó me criou até os
sete anos e... daí depois eu quis í mo com a minha mãe e a minha e um
poco morava aqui, um poco morava no Mato Grosso, né? Ela ficô muito
tempo fora, tanto que quando ela voltô eu tinha feito o primeiro ano de
aula já. Mas eu fiz a burrada de quemorá com ela, né? (Risos). (...) Só que
eu quase o morei com ela porque não dava certo por causa duma irmã que
eu tenho que nós... a gente o se dá bem, sabe? Daí eu morava um pouco
com a minha tia, um poco com meu irmão, voltei a morá com a de novo
depois de grande, quando eu tinha uns 14, 15 ano e assim foi indo... e agora
eu moro sozinha. (...) A minha mãe trabalhava de zeladora depois que ela
veio pra . Trabalhô 4 anos na polícia militar, seis anos na civil de zeladora,
trabalhô na prefeitura (...) e a minha em casa, minha e meu
em casa. A minha tinha um problema muito sério, né? Era alcoólatra,
minha avó vivia bêbada, não sei como conseguiu se curá! (Risos) (...) Ela
bebia todo dia, não sei como ela conseguiu me criar, me cuidá, fazê as coisa,
gente! Aporque nessa fase até os 7 anos você forma a personalidade duma
criança, ? Nossa, mas eu amo muito a minha vó. O amor que eu deveria
sentir pela minha mãe é o que eu sinto pela minha vó! E pelo meu vô que já
faleceu, né? (...) O meu avô trabalhô na Codecar, acho que se aposentô lá.
Ele era aposentado. Minha avó também era aposentada, ela fez 81 anos
sábado. Então... e a minha e assim eu não tenho muita ligação pra fa
assim da minha mãe. (...) Não sei de onde meus avós vieram, mas quando
eles chegaram tava formando a cidade aqui, faz uns quarenta e pocos anos
já! Não era município ainda aqui quando eles chegô, ajudaram a construí a
praça Willy Bart. (...) Ah! Eu já trabalhei de babá em Curitiba, trabalhei
numa panificadora lá. Aqui eu trabalhei numa relojoaria, trabalhei em
Bituruna tamm numa relojoaria e numa fábrica que fazia calça social, né?
(...) Fiz curso de costureira, sei costurar, mas eu não gosto! (Risos). (...)
Trabalhei na prefeitura de zeladora, aqui em Marechal. Não gostei, pedi a
conta e saí! Aí no Mato Grosso a temporada que eu fiquei eu trabalhei
numa, numa distribuidora de bebidas. E trabalhei dois finais de ano na
Pernambucanas, né? E agora efetiva. Eu tava como vendedora, agora
caixa
118
.
118
Entrevista concedida por Andréia Amaro em 15 de janeiro de 2007.
126
Andréia aponta para os lugares onde se mudou ao longo de sua vida. Ela afirma que
apenas quando foi para Curitiba estava à procura de melhores condições de vida ou, ainda, de
melhores empregos. Porém, ao analisar a entrevista percebe-se que trabalhou em todos os
lugares onde morou, o que aponta a sua necessidade pelo trabalho, inclusive como forma de
sustentar sua filha. O trabalho, portanto, esteve e está presente em sua vida como uma
possibilidade de melhoria das condições ou mesmo de manutenção própria da vida.
Ao mesmo tempo, a entrevista de Andréia também converge com as demais no sentido
da rotatividade das atividades exercidas. Num curto período de tempo e também levando em
conta que ela trabalha desde os 14 anos, margem média dos entrevistados, ela realizou
aproximadamente 6 atividades distintas, uma inclusive com curso profissionalizante (costura),
que ela diz não se identificar.
Outra impressão deixada pela entrevista de Andréia é a de que a trajeria de sua
família imprime determinadas necessidades. Ou seja, ela comenta que a mãe a deixou sob os
cuidados dos avós e foi buscar melhores condições de trabalho. Com isso, manteve-se ausente
da infância da filha. Fator reclamado por ela. Nessa direção, a atribuão do sentido que ela dá
ao trabalho talvez não seja a da necessidade, mas sim a da possibilidade de experimentar uma
situação de cuidado com si mesma, que ela denomina como aventura”. Sair da cidade, casar
jovem, desempenhar várias funções, não significou uma necessidade, mas sim a vivência de
uma aventura. O que não significa que ela encare o trabalho ou o ato de trabalhar como uma
aventura, mas parece obscurecer suas próprias condições de vida em busca de atenção e
cuidados com a ppria vida e não como uma necessidade para se viver.
Jane Letin, outra entrevistada, tem 37 anos, trabalha há dois anos e onze meses na
empresa, apresenta uma narrativa um pouco voltada para a concepção do trabalho não como
necessidade, isto no início de sua trajetória ocupacional, mas como “a hora de começar a
trabalhar”. Sua narrativa também é emblemática porque indica os sentidos que o trabalho foi
adquirindo para a sua vida, os significados que construiu sobre as funções executadas. Ela
narra:
Morei dez anos fora. S daqui em busca de condições melhores ou de
liberdade mesmo. Ssozinha e eu tinha 25 anos. Meu pai é gaúcho, minha
mãe catarinense. Assim... o meu pai na minha infância era motorista de
caminhão e depois ele passou a ser músico. depois de um certo tempo
passou a ser músico mesmo e... minha mãe era merendeira na escola, né?
Hoje é aposentada, trabalhô sempre na mesma função. Na adolescência eu
comecei a trabalhar porque a minha mãe disse pra mim que tava na hora de
eu começá a trabal (Risos). Eu comecei tinha 16 anos e no começo eu não
tinha... eu ajuda em casa. Na verdade eu nunca fui de ajudá muito em casa.
(...) Aí eu saí de casa aos 22 anos pra morá na mesma cidade, mas sozinha, tê
127
minha liberdade. Aí eu tive que me virá sozinha, batalhá pra desde aluguel a
tudo e... mas a minha mãe quando precisava me ajudava. Mais ela me ajudô
mais até hoje do que eu ajudo ela. (...) E quando eu comecei aos dezesseis
anos foi na Copagril. Comecei como pacotera. (...) Daí dali eu fui pro caixa,
na época com dezessete eu já era caixa, nem sabia! (Risos). Aí eu trabalhei
dois anos e meio mais ou menos. Daí eu saí, fui trabalhá na Equagril, fui
trabalhá como cardeccista, hoje nem tem mais isso, não existe mais, que
era controle de estoque, na verdade, controlava parafuso, tudo que entrava e
saía. Depois eu passei a trabalhá no caixa, fiquei como caixa e trabalhei com
emissão de notas, controle de mercadoria, mais nessa parte mesmo, né? Daí
dali eu saí pra í embora, decidi que a minha vida ia mudá (Risos). Aí fui pra
Jaraguá do Sul onde eu trabalhei oito, quase nove anos com... comecei como
caixa de um mercado, daí do caixa eu fui pro depósito, ? Onde eu fazia o
recebimento das mercadorias, nota fiscal, essas coisas. E de eu fui pra
central, pra central de distribuição, né? Receda rede, né? Aí eu tamm
fiquei uns três anos. Ao todo deu quase nove anos. Daí onde eu casei, tive
minha filha e daí meu marido teve uma oportunidade pra í trabalhá em
Palhoça. A gente foi pra Palhoça, saímo de lá pra í pra e eu fazia a
mesma coisa. Entrei lá pra recebê, recebimento e envio de notas fiscais,
controlava ICMS, toda a parte de estoque. Então... vim de lá, eu tive que saí
de porque eu me separei, ? Aí eu vim pra e aqui eu fiquei um tempo
desempregada e depois eu comecei na Pernambucanas (...) onde eu já
comecei no caixa, até hoje, é uma coisa que eu gosto, né? E não pretendo
ir pra outro lugar porque eu gosto. Teria como ser vendedora, teria como ser
VM, mas o faz minha cabeça! (...) E agora em outubro vai fazê três anos
que eu na loja
119
.
Ao contrário da grande maioria das outras narrativas, Jane deixa explícita a
necessidade de sair de Marechal Cândido Rondon em busca de melhores condições de vida e
o que ela chama de “liberdade”, ou seja, construir a vida sozinha, longe da família. A
trajetória da família é importante, pois indica o pai como alguém que desenvolveu apenas
duas atividades distintas ao longo de sua vida e a mãe, que desempenhou sempre a mesma
ocupação. Já ela trabalhou em vários lugares, porém, ao longo de sua experiência construiu
um valor ao trabalho que inicialmente não foi o da necessidade de auxiliar nas despesas da
casa, da família, mas após o nascimento da filha e do momento em que ela saiu de casa o
quadro mudou, o que fez também com que ela desenvolvesse o do gosto pela função de caixa.
Ela não se imagina trabalhando em outra atividade, construiu uma identidade como caixa. Ao
contrário de outros trabalhadores da empresa, ela não pretende desenvolver outra função ou
crescer dentro da empresa, pretende apenas continuar na função que gosta de desempenhar.
Como se percebe, no geral, as narrativas expressam mudanças nos mundos do trabalho
que refletem nas condições de vida e trabalho da classe trabalhadora, que encontra
dificuldades de sobrevivência e melhoria nas condições de vida. As inúmeras atividades
desenvolvidas pelos trabalhadores em pouco tempo expressam a exincia do mercado por
119
Entrevista concedida por Jane Letin em 31 de julho de 2007.
128
trabalhadores cada vez mais qualificados, produtivos, flexíveis. Indica também que as
especializações têm dado lugar às multifunções, à necessidade de adequar os trabalhadores às
estratégias dos locais de trabalho e ao próprio mercado. Em suma, a mudança principal é que
a “rotatividade” tornou-se uma característica permanente.
Os jovens trabalhadores das Pernambucanas, com experiências de trabalho
remunerado a partir das últimas duas décadas, apresentaram trajetórias ocupacionais marcadas
por dinâmicas como a rotatividade dos empregos. O número de atividades realizadas entre os
14 e 26 anos dificulta a consolidação de uma identidade profissional particular, específica
sobre o trabalho, assim como a consolidação de uma expectativa profissional de longo prazo.
Dos 14 entrevistados, apenas dois apresentaram uma identidade profissional específica sobre
o trabalho, apesar de se referir muito mais a função específica do que profissão; é o caso de
um vendedor de eletro e de uma operadora de caixa nas Pernambucanas.
Outro aspecto importante em praticamente todas as entrevistas é que a cidade de
origem desses trabalhadores é Marechal ndido Rondon e que eles sempre buscaram
condições de trabalho na mesma cidade, ao contrário de suas famílias, que geralmente saíram
de suas cidades, regiões e estados em busca de melhores condições de vida e trabalho. A
contratação dos funcionários nascidos na cidade, nesse sentido, torna-se sugestiva porque
ajuda a empresa nas vendas. Porém, eles são jovens para conhecer muita gente da cidade.
As trajetórias, em suma, também são importantes porque ajudam a perceber as
dinâmicas de trabalho construídas na cidade e região, além de indicar para a construção de
determinadas relações de trabalho que permitem entender as compreensões atribuídas pelos
trabalhadores ao seu trabalho e vida. Tais elementos chamam a atenção para as dinâmicas de
trabalho produzidas num espaço de luta onde: trabalhadores patrões e o próprio capital tentam
impor dinâmicas e transformam às relações de trabalho constantemente. Os processos de
trabalho vividos pelos trabalhadores não são estáticos e as percepções, sentidos e valores que
atribuem ao mesmo permitem analisar até onde vão os graus e nuances da tentativa de
consentimento, utilizada pelas Pernambucanas, com relação à organização do trabalho dos
seus funcionários. Por isso, é preciso entender os valores e sentidos atribuídos pelos
trabalhadores aos seus trabalhos e as expectativas que possuem sobre os mesmos, de modo a
perceber a que ponto as lutas cotidianas se processam num campo de aceitação, de
acomodação ou de resistência.
129
2.3 CONCEPÇÕES E PTICAS DOS TRABALHADORES SOBRE O
TRABALHO E SUAS TRANSFORMAÇÕES
Os trabalhadores das Casas Pernambucanas, a partir de suas experiências de trabalho,
legitimam ou questionam a organização do seu trabalho, o funcionamento da empresa, as
exincias e imagens construídas pela loja. Nesse sentido, é possível admitir que para a
grande maioria dos funcionários é melhor trabalhar nas Pernambucanas do que em outros
lugares. Isto não somente por conta de que a maioria desempenhou ao longo de sua vida
trabalhos considerados mais precários, insalubres, instáveis e de nível inferior ao atual. Vários
elementos aparecem para justificar essa positividade, tais como: o salário, a possibilidade de
crescimento na empresa, a valorização do esforço do funcionário, o ambiente de trabalho, a
identificação com a função, a autonomia do trabalho, etc.
Uma entrevista emblemática é a de Douglas Marcel Junges, que trabalha dois anos
e meio na loja, e atribui positividade no trabalho das Pernambucanas devido ao salário pago,
que considera mais elevado do que em outros locais, especialmente do comércio na cidade, o
que faz com que alguns funcionários não reivindiquem melhores condições ou contestem
determinadas imposições da empresa. Porém, segundo ele, embora os salários sejam altos se
comparados a outros estabelecimentos, eles não justificam o tempo de trabalho despendido na
loja e a ppria quantidade e ritmos de trabalho que exercem. Ele admite:
Nós moramos numa cidade que é subsidiada a Toledo, a Cascavel, enfim,
que não temos as mesmas oportunidades de crescimento nem estrutura pra
isso, né? Então os empregos que eu tive, eu me limitava a chegá numa
colocação que jamais eu teria ou tenho na empresa hoje, né? Questão de
salário, o salário eu nunca tive um dia de atraso. (...) O meu salário eu
considero um salário bom, pelo grau de instrução que eu tenho, de
escolaridade. Eu tenho o segundo grau completo, eu comecei uma faculdade
que o era o curso que eu terminei é... alguns cursos, enfim, mas pelo grau
social é um salário muito bom. Por quê? Porque hoje eu tiro uma média
salarial em torno de mil, mil e duzentos reais, às vezes até mais, ou
setecentos, oitocentos. Então, em que lugar que eu ganhá isso aqui na
cidade? Que é uma cidade que não oferece essas oportunidades? Eu saindo
dali com certeza eu atena vendas, ? Mais com o grau de escolaridade
é... instrução que eu tenho, eu trabalhá em que? Eu trabalhá em
frigorífico, eu vô trabalhá em fábrica que eu vô ganhá quatrocentos reais,
entende? Prá mofá lá, ? E é nesse aspecto que eu acho que a
Pernambucanas ela é positiva (...) que o que eu acho errado, muito errado
é a questão da cota mesmo. A cota é a maneira mais eficaz pse explorar
um funcionário. (Risos) É sério, a gente olha, por exemplo, né? O nosso
salário, ele é dividido assim: Você ganha esses trezentos reais fixo, dia
quinze e prá vo ganhá esses outros trezentos reais que o teu salário vai
fec em seissentos, você tem que feccem por cento da tua cota. Então,
tua cota às vezes é trinta mil, é cinqüenta mil, é setenta mil. Às vezes tua
cota pesa sempre e serve prá que? Prá votrabalhá o dobro, veno dobro
130
e gansempre a mesma coisa. nesse aspecto eu acho errado. Ah, mais
tem pra comissão. Talvez. Se esse funcionário é capaz de produzi trinta mil,
mas é capaz de produzi quatro vezes isso ele tem que tê um mérito a mais
por isso. Tá loco! Porque as pessoas mesmo, os clientes, as pessoas vêem
esse esforço. Então, né? Nesse aspecto eu acredito que ela poderia melhorá,
né? O salário. Com toda certeza, existe essas premiações, você sabe disso,
garantias, seguro. Mais, ptudo isso votem que ralá e sofrê. Chega a ser
pouco pelo tanto que você investe. Você pensa: não, sábado a tarde nóis não
vamo trabalhá, meu deus! Vamo fa cadastro! Podia ficá em casa coçando o
saco com o ventilador ligado na tua frente, podia descansando, entende?
Podia investindo num curso de crochê, seja o que for. Mas claro, claro...
ou tendo uma outra renda! Por exemplo, que nem eu dava aula de sax, podia
tá, mas vo não pode. Você ali, oh, com a empresa. (...) eu acho que
então, diante disso, o meu salário podia se maior, porque vamos fazer uma
comparação simples: eu peguei um amigo meu de exemplo, ele vende carros
pra Chevrolet, ? Esses dias eu perguntei pra ele, eu perguntei: quanto você
vendeu esse mês? O teu salário deu quanto? Ah, dois mil e não sei quanto e
tal, né? É mil e quinhentos, casa, comissão, ia ... fechá... dois mil e pouco,
quase trêis mil, ? Mas... quanto você vendeu? Como assim, quanto você
vendeu? o, quanto você vendeu em montante, em valor? Somando esses
carros, uns cem mil reais, né? uns cento e pouco? uns noventa,
cem mil reais, né? Eu falei: cara, parabéns meu amigo! Parabéns! Ele não
tem essa pressão, essa cobrança. que eu falei pra ele: eu vendo, não vendo
carro de trinta e cinco mil, dez mil, eu vendo pranchinha, né? Eu vendo,
enfim, batedeira. E a cobrança que eu tenho, né? Então, eu fiquei
analisando... o salário que ele ganha, né? Contra o meu salário. E o esforço
que ele tem, né? É... bem menor. Então, eu, com certeza acredito que eu
deveria ganhá mais. O meu salário pra eu pa as minhas contas e os
compromissos que eu assumi, enfim, , porque eu faço pra ele dá, que
poderia maior, né? Poderia bem maior... vosabe que o esforço é...
sabe, eu acredito que assim (...) que poderia ser, pelo esforço que a gente
tem, olha, uns dois mil reais, poderia ser. Aqui prá... prá nossa cidade, prás
condições de preço, taria de bom tamanho pelo esforço que a gente faz. Taria
de bom tamanho!
120
A análise de Junges é interessante porque apresenta a concepção e interpretação que
ele faz sobre as relações de trabalho em Rondon. Ele acredita que trabalhar nas
Pernambucanas é melhor do que trabalhar numa fábrica da cidade, afirma que não quer
trabalhar num lugar em que irá “mofar dentro”. O salário pago também é positivado por
ele, ao mesmo tempo em que é apresentado como “menor do que o merecidopelo esforço
despendido. Então, o depoente admite que o salário não é baixo se comparado ao padrão
comercial rondoniense, mas não é justo se comparado ao “trabalho” que executam.
O entrevistado indica também a disputa pelo tempo dentro e fora da loja; disputa esta
visível entre os pprios funcionários e também entre os funcionários e a empresa.
Objetivando “fazer ou dobrar o seu salário”, muitos funcionários intensificam os seus ritmos
de trabalho para conseguir cumprir as cotas e com isso ampliar o seu salário, isso é o que
120
Entrevista concedida por Douglas Marcel Junges em 9 de janeiro de 2007.
131
permite apontar os salários pagos pelas Pernambucanas como mais elevados que os demais do
comércio da cidade. Contudo, é importante perceber que Douglas não percebe seu salário nas
Pernambucanas como muito elevado tendo em vista a quantidade que trabalha na empresa,
mas com relação aos demais empregos que desempenhou, assim como outros empregos nos
quais acha que estaria apto a trabalhar na cidade, o salário das Pernambucanas é melhor.
Nesse sentido, ele percebe a positividade, mas também a negatividade no trabalho e no salário
da empresa.
Importante ter em mente também que esta questão é sinônima de atrito entre os
próprios funcionários porque disputam o tempo de trabalho no sentido de vender mais para
aumentar o salário, significando que se algum funcionário não cumprir a cota interferino
sario de todos. Tal premissa gera uma espécie de cobrança e disciplina entre os próprios
funciorios, que embora percebam que estão intensificando os seus ritmos para aumentar os
lucros da empresa, estão convencidos de que intensificando seus ritmos podem aumentar o
seu pprio salário, “fazer o seu próprio salário”. A responsabilidade, portanto, pelo sucesso
individual e coletivo dos funcionários, bem como da empresa, é transferida para cada
trabalhador.
Para Junges, outra questão também é a da jornada de trabalho que o impediu de
concluir o curso de graduação e “dar aulas de sax”, que era a sua atividade complementar.
Com isso, ele acredita estar dando lucro somente para a empresa, pois aumentou o seu tempo
e ritmo de trabalho na loja, perdendo momentos de lazer, de estudo para “tentar” aumentar o
seu salário, que por vezes, pode permanecer o mesmo, caso a cota não seja cumprida. A
entrevista denuncia o exagero no cumprimento das metas, ao mesmo tempo em que é a
principal estratégia da empresa para manter os funcionários desmobilizados porque deve
conven-los de que o seu salário compensa o esforço feito. Com isso, o salário é visto como
positivo, mas as metas exigem uma extensa e cansativa jornada que não justifica esse mesmo
sario, que, todavia, é maior do que outros lugares do comércio. A indicação de Douglas
serve, inclusive, para demonstrar a preocupação da empresa em produzir o consentimento
acerca do funcionário perfil para a empresa, ou seja, em última instância, o mais produtivo.
Acerca disso Junges comenta:
É uma empresa que ela abre vagas, ela oportunidades mesmo, ela investe
mesmo no pessoal, é... ela gasta mil reais de passagem prá você í a São
Paulo tê um curso sobre algum determinado assunto, alguma determinada
área loja, prá você mais especializado a executá isso, ? E... eu acho
a loja assim, realmente muito proveitosa, muito positiva. (...) Nesse aspecto a
Pernambucanas ela é positiva. Porque ela investe em você, prá te treiná, pra
132
te profissionalizá, pra você sê um especialista naquela área, né? O lado
negativo que a gente vê, e você mesmo trabalhô lá sabe disso, é que a
cobrança, a pressão que a gente tem, absorve, é enorme, sabe? O terrorismo
psicológico, vamo dizê assim (Risos) é muito grande. Porque você fica
naquela angústia, sempre tem que desenvolvendo o melhor, o melhor.
Cem por cento é o mínimo e o u é o limite, né? Então vofica naquela
assim, tem que produzi, produzi, fechá a cota porque se não você não ganha
teu salário a mais, o que também é teu rito. Porque poxa, se você olhá prá
uma loja que nem a nossa, por exemplo, esse mês a minha cota é cento
e vinti oito mil reais, a minha individual. Então você imagina o que que é
isso em ven uma pranchinha de vinti nove reais e vendê uma TV de
plasma! mais que é difícil você encontrá cliente de poder aquisitivo que
queira um produto desse! Aí às vezes a pessoa fala: louco, mais é só
vendê cento e vinte oito geladeiras. Mas onde que você vende cento e
vinte oito geladeiras aqui em Rondon? Com a quantidade de habitantes que
tem aqui, que a geladeira dura uns vinte anos, né? (Risos). Então não é assim
cil, né? Então eu acho que essa cobrança, às vezes até em horário... é final
de semana, sabe? Você perde muito. E não, se a gente não fizé, a gente tem
que fazê. Eu digo pros meus clientes e até pra alguns amigos, eu brinco, né?
Daqui alguns anos nós vamos ter dormitórios em cima, né? E vamo descê
que nem os bomberôs (vummm) e o cliente sai com o produto (risos),
porque cada veiz mais, você sabe que o trabalho ele mostra que cada veiz
mais necessidade que você tem que fazê isso prá você adquiri teu
sustento, sabe? o gente, se a gente não abri domingo de mano vai
fec a cota!” As pessoa que podiam vim compra domingo de manhã não vai
vim comprá, entende? Mas você tem que ficá naquilo. Claro que você
mostra teu desempenho, tua vontade, porque você precisa do emprego, né?
Precisa do dinheiro também pra quitá um resto de dívidas. É... e também,
né? Usufruir, fazer os seus planos, seus desejos, mas, é... em alguns quesitos
assim, ela decepciona
121
.
Douglas aponta uma crítica à necessidade de intensificar o trabalho por conta das
cotas, reclamando que o salário poderia ser maior devido à dificuldade que se tem para
cumprir as metas, que são muito altas e para amenizar a cobrança com relação à
produtividade, que é bastante grande. Ao mesmo tempo, é interessante perceber que Douglas
reclama das condições da empresa, mas ele trabalha de acordo com as normas: cumpre seu
horário, prolonga a sua jornada, fecha as cotas, etc. E o faz devido à necessidade de “adquirir
o sustento”, “precisa do emprego e do dinheiro”. Na verdade, para Douglas, existe o
questionamento no que concerne às exincias da empresa, mas ele permanece no emprego
devido ao medo de não encontrar outra ocupação na cidade onde ganhe o mesmo salário e
tenha possibilidade de crescimento profissional.
Franciele Capoia percebe, assim como Douglas, positividade no trabalho das
Pernambucanas a partir do salário. Ela compara o salário pago pela empresa com o salário
recebido em empregos anteriores e com o pprio salário pago pelo comércio da cidade.
121
Entrevista concedida por Douglas Marcel Junges em 9 de janeiro de 2007.
133
Porém, ela entende a produtividade também como positiva porque, na verdade, a empresa
paga um salário base, que é semelhante para todos os funcionários. A alteração es na
chamada produtividade: os trabalhadores cumprem as metas, através da venda de produtos e
produtos financeiros; do prolongamento da jornada de trabalho; da intensificação nos ritmos
do trabalho; etc. e recebem por isso através de premiões e bonificações. Capoia comenta:
Eu acho que é um dos maiores salários que tem. Se você for, no caso,
comércio, é óbvio, é... eu acredito que seja. Porque assim... hoje a gente tem
um base, todos os comerciários têm um base praticamente igual. Existem
algumas exceções que eram comissionados, onde a renda era um pouco
maior. Mas todo mundo tem o mesmo base. Tem o princípio do mesmo base.
Geralmente o que acontece na loja é que tem as comissões que eles podem
aumentar ou o, ? O que acontece na Pernambucanas é que sempre tem
uma produtividade. Vo faz o seu salário. Se você quiser triplicar o seu
salário você consegue. Voo fica parado, estagnado naquele seu base ou
no cem por cento do seu base, se você quiser triplicar votriplica, vai do
seu esforço! De vender seguro, de fazer a loja vender e fechar as cotas, fazer
captação. Cadastro. Porque tudo o que a gente faz, que a gente vende na loja
a gente recebe por isso. A loja podia muito bem chegar e falar: olha, vocês
vão ter que fazer tantos cadastros e não vai receber nada. Muito pelo
contrário, ela paga e paga bem por isso. Tem os seguros que a gente vende
na loja também, que a loja também paga pros funcionários, obriga. Nós
temos que vender? Temos, mas somos pagos pra isso, né? Então isso no final
do mês se você se dedicar um bolo enorme. vi funcionário no final do
mês, do ano, você mesma acompanhou isso (Risos), funcionário tirando o
salário dele só em seguros, em duplicando, triplicando o salário. É...
depende de cada um e a gente tem que cumprir a meta. Às vezes a gente
divide as cotas, mas não quer dizer que as pessoas têm que vender dois e por
isso tem que ficar só nesses dois. Você pode vender cem, pode vender
duzentos, não tem limite. Quanto mais você vender mais você vai ganhar e
melhor pra empresa. Então assim... e bonificação, premiação, é... pouco
tempo a loja de Marechal ganhou em torno de vinte mil reais por vendas,
porque vendeu bem, atingiu as metas, porque a equipe trabalhou bem e unida
pra poder ganhar isso. Então a gente ganhou dois prêmios: um que deu mil e
cem pra cada funcionário e tem um outro que a gente ganhou umas motos e
bicicletas que deve dar uns quinhentos reais pra cada um. Então você pensa:
é um décimo quarto! Mil e cem reais que você o esperava de premiação
e... do que que veio essa premiação? É um incentivo a mais pra vovender.
A empresa não precisa dar isso, ela pode muito bem te cobrar isso, mas o,
ela tá te incentivando. Isso é o legal da Pernambucanas, ela sempre te
premiando em alguma coisa. Ela sempre te envolvendo em, em alguma
coisa, algum assunto, alguma campanha, o que acaba fazendo com que os
funcionários trabalhem mais e acabem ganhando melhor
122
.
Franciele atribui ao funcionário a responsabilidade por fazer o seu salário. Ela admite
que o salário pago pela empresa é maior do que em outros lugares, mas o é por causa das
premiações, das bonificações que, segundo ela, o o obrigações da empresa ou mérito do
122
Entrevista concedida por Franciele Cristina Capoia em 25 de agosto de 2006.
134
funciorio: “a empresa poderia simplesmente exigir que o funcionário fizesse”. Na verdade,
o que é direito do funcionário por ter trabalhado, acaba por ser visto como um benefício
concedido pela empresa.
Capoia, indiretamente, elege dois valores como sendo os que atraem e convencem o
funciorio da positividade do trabalho nas Pernambucanas: o salário e a valorizão do
esforço dos funcionários. Tais valores, certamente são levados em conta a partir da
experiência de vida e trabalho dela. Em outros lugares ela não recebia percentual sobre o seu
sario e o próprio salário dos pais não é elevado, tendo em vista suas ocupações. Nesse
sentido, trabalhar para ela significa viabilizar melhorias nas condições de vida e sentir-se
valorizada pelo que faz para que se sinta motivada para realizar o seu trabalho, elementos que
ela não encontrou em outros empregos.
O elemento da valorização do esforço do funcionário, das formas de valorização do
trabalhador aparece explícito também em outros depoimentos como sinônimo da positividade
de se trabalhar nas Pernambucanas. A entrevista de Inês Sauer, por exemplo, é expressivo ao
apontar que trabalhar na empresa é penoso, inclusive se comparado a outras empresas, mas
que a valorização atribuída ao funcionário é tão positiva que compensa todo o esforço
despendido. Ela admite:
Assim... os trabalhos, os serviços m em qualq outro lugar. É muito
puxado, é um serviço bem puxado. Só que você é valorizado. Nos lugares
que eu trabalhei, não que as pessoas não me valorizassem, ? Mais é... eles
até tinham valor por mim, que eles não sabia retribuir esse valor, né? A
única coisa é que é valorizado, tem muito retorno desse trabalho que você
faz, tudo que você trabalhô, que você fez, tudo que você faz vo tem um
retorno. (...) É no sentido financeiro. É no sentido gerente-funciorio, né?
Eles valorizam muito, eles sabem reconhe toda vez que vo precisa de
um gerente, por mais que ele às vezes esteja, né? Cheio... ele sabe
retorná...
123
Inês está desenvolvendo seu Plano de Carreira atualmente e isso, certamente, contribui
para o teor que deu ao seu depoimento. O pprio valor que atribui ao trabalho, ou seja, o de
único elemento capaz de transformar as condições de vida auxilia no entendimento que
apresenta da suposta valorização do funcionário. Valorizar o funcionário através de
premiações, bonificações, treinamentos, incentivos e atenção nos momentos difíceis da vida e
trabalho dos funcionários têm o caráter produtivo, de tornar o trabalhador mais produtivo,
mais moldado à empresa. Nessa direção, Inês ao se sentir motivada e reconhecida pela
empresa, consegue desempenhar as suas funções de modo a compará-la com outros lugares
123
Entrevista concedida por Inês Sauer em 9 de janeiro de 2007.
135
onde trabalhou, percebendo que nas Pernambucanas ela pode até trabalhar mais, mas ela é
recompensada de várias formas por isso, o que faz com que veja a loja como positiva em se
tratando de trabalho e formas de trabalhar.
Outro exemplo da positividade em se trabalhar nas Pernambucanas está no
depoimento de Lauro Dutra Moura. Para ele, o positivo está na possibilidade de crescimento
que o funcionário tem dentro da empresa. O Plano de Carreira é uma das estratégias utilizadas
pelas Pernambucanas, como foi apontado no primeiro capítulo, para produzir o consentimento
dos funcionários no que concerne ao tipo de funcionário exigido pela loja; ao mesmo tempo
em que é visto por alguns funciorios como uma forma de ascensão na empresa, de aumento
do salário, entre outros. O depoimento de Lauro explicita a questão:
A Pernambucanas é bem mais positiva que outros lugares principalmente o
profissional, ? Você não tem como compará. voentra lá, mas você
ainda tem perspectiva pra crescê e nos outros lugar não tinha. O ximo que
eu ia consegui era empilhar tijolho de um jeito diferente ou então entre
duas pizzas ao mesmo tempo e não tem jeito, no restante não tem como
compará
124
.
Lauro admite a positividade do trabalho nas Pernambucanas em termos comparativos,
não necessariamente que o trabalho é positivo no sentido de representar o “melhorou o
“perfeito”. Para ele, é mais positivo do que em outros lugares porque a empresa dá
oportunidade de crescimento, horizonte de futuro profissional inexistente em outros ramos
desempenhados por ele. Ele está questionando o fato de que em outros lugares o trabalhador
aprende como otimizar o trabalho, mas não encontra futuro, garantias de melhoria nas
condições de vida com tal otimização.
Porém, a entrevista de Lauro foi produzida no momento em que ele foi promovido de
cargo. Sua narrativa explicita os pontos positivos, nesse sentido, mas aponta também o
significado que a empresa vinha tendo para ele desde que ingressou na mesma. Ele comenta
que estava pensando na possibilidade de sair da empresa porque o salário era pouco com
relação às intensificações e ritmos de trabalho sob uma longa jornada diária, e que alterou
essa imagem devido à promoção que obteve. Tal afirmação de Lauro indica que a empresa
investe constantemente em estratégias para produzir um trabalhador mais produtivo, ao
mesmo tempo em que necessita ela também cumprir com tais promessas estratégicas para que
continue perseguindo e atingindo seus objetivos. A fala de Lauro exemplifica:
124
Entrevista concedida por Lauro Marciano Dutra Moura em 10 de janeiro de 2007.
136
uns meses atrás a minha intenção era de sair da loja, não tinha mais como
suportá, agora pensando em seguir carreira sim, o meu objetivo? É... virar
gerente antes que o Luciano deixe de ser gerente, né? E comece a mandar em
mim de novo. Daí não ! (Risos) (...) Então antes o salário também não
dava muita diferença, mas agora a diferença é grande. Quando eu entrei, eu
entrei pra trabalhá primeiro no depósito. Depois eu fui pra auxiliar
operacional, que era praticamente um burro de carga. Depois eu fui pro
crediário, fiquei um tempo no caixa e do caixa eu fui pro eletro
125
.
A fala de Lauro indica que apesar das Pernambucanas se valerem de uma série de
estratégias com o intuito de produzir um “novo” trabalhador, os funcionários reagem quando
tais estratégias, envolvidas em promessas, não são devidamente cumpridas. Para Lauro, é o
fato de hierarquicamente ter melhorado a sua condição na empresa, que faz com que ele a veja
como positiva. Ele não nega que a empresa tem problemas e que eles influenciaram muito na
sua intenção de sair. Nesse sentido, a empresa investe num funcionário que considera
produtivo, como é o caso de Lauro, e a partir de uma promoção e, posteriormente, de uma
promessa de plano de carreira, o trabalhador visualiza novamente a imagem de um local
positivo para se trabalhar, especialmente se comparado aos demais já trabalhados.
A entrevista de Elisângela Gomes aponta elementos importantes para pensar a relação
dos funcionários com a loja no sentido de que a maioria deles vê o trabalho na empresa como
positivo porque o compara com os empregos anteriores e com os ofertados na cidade. Isso,
entretanto, não significa que os trabalhadores não percebam os problemas oriundos da
implantação das estratégias da empresa, as falhas nas tentativas de produzir o consentimento
com relação ao trabalho e os padrões exigidos. Ou ainda, não significa que os trabalhadores
não possam criar dinâmicas próprias que conduzam a empresa a alterações nas suas
estratégias ou de implementação das mesmas. Elisângela problematiza esta questão ao
pontuar seu trabalho como positivo ao mesmo tempo em que acha que o salário deveria ser
maior tendo em vista a responsabilidade das funções:
Se eu for falar de emprego fácil, nenhum deles é fácil, nenhum é. que eu
acho que a Pernambucanas ela valoriza um pouco mais teu serviço, né?
Assim, eles valorizam mais o teu lado humano, pessoal, né? Eu acho que é
um pouco mais isso. Tem muita cobrança, mas acho que tão no direito, eu
acho que tão, ? Eu acho que dos lugares que eu trabalhei foi o melhor. O
respeito, né? Porque uma coisa que nunca faltô lá foi respeito! (...) E o
salário também se for analias outras lojas da cidade é melhor, que eu
acho que pela responsabilidade que você temdentro poderia sê melhor!
126
125
Entrevista concedida por Lauro Marciano Dutra Moura em 10 de janeiro de 2007.
126
Entrevista concedida por Elisângela Gomes, em 8 de janeiro de 2007.
137
A entrevistada está apontando para uma estratégia da empresa de valorizar o lado
humano do funcionário, de demonstrar sua preocupação com ele visando garantir a
produtividade do mesmo e da empresa. A empresa procura fazer com que o trabalhador se
sinta importante para a loja, que percebe os seus problemas, procurando respeitá-lo. Porém,
essa preocupação traz consigo exigências ou “cobranças”, como determina a entrevistada.
Para ela, a empresa valoriza tanto o funcionário que esno direito dele fazer cobranças. O
problema, segundo ela, está no fato de que a empresa exige do funcionário e atribui uma série
de responsabilidades a ele e, nesse sentido, acaba retribuindo pouco com relação ao que ele
faz. Por isso Elisângela afirma que o emprego na loja é melhor do que em outras lojas da
cidade, mas poderia ser mais valorizado, especialmente em termos de salário, levando em
conta o desempenho dos funcionários.
Para Paula de Andrade, o trabalho executado por ela, assim como a ppria
organização da empresa apresenta uma série de problemas. Todavia, acredita que o fato da
loja ser considerada a maior loja varejista da cidade auxilia na possibilidade de ter certa
autonomia dentro da loja. A autonomia, inclusive, foi um elemento presente em todas as
entrevistas e também nos questionários. Os 17 funcionários consideraram suas atividades
como portadoras de autonomia, mas uma autonomia limitada aos ditames da empresa. Por
exemplo, é possível efetuar uma venda ou uma troca sem consultar o gerente, que essa
venda deve estar dentro da margem atribda pela loja. Em outras lojas, entretanto, não é
possível dar um desconto, por exemplo, sem consultar o chefe, que determina o valor do
desconto a ser dado.
Paula acredita que essa autonomia, proveniente da relação dos funcionários com a
empresa e do tamanho da mesma em comparação às demais do comércio da cidade, decorre
também do conhecimento que os funcionários adquirem trabalhando na loja, através dos
cursos, dos treinamentos, que formam eles não para o trabalho na empresa, mas para o
próprio mercado de trabalho. Ela admite:
É melhor trabalhar na Pernambucanas porque quando eu trabalhava no
emprego anterior eu ganhava um salário e meio (Risos). Hoje não, hoje eu
ganho dois salários mínimos. Melhor pelo fato de você ter mais liberdade na
empresa, você pode... vo o tem o seu chefe ali do seu lado. Você tem
liberdade pra você tomá decisão, atitudes dentro da loja. Você atende um
cliente, no caso eu faço troca. Se eu e você somos as únicas que fazemos
troca ali na loja, então a gente analisa e diz. Então tem uma certa autoridade.
(...) Nos outros empregos não era assim, porque era loja pequena, eu passava
tudo, então não tinha, eu o tomava decisão nenhuma ali... eu digo assim
que a Pernambucanas é uma faculdade aonde você aprende muita coisa. Eu
com certeza eu não saberia a metade do que eu sei se eu o trabalhasse lá,
138
porque, porque a gente tem curso, tem palestra, tem espaço à informação e
você vai crescendo, você vai pegando o jeito, né? E vai indo
127
.
A entrevista de Paula, portanto, expressa a autonomia do trabalho no sentido de tomar
decisões dentro da loja e não ter o tempo todo “o chefe do seu lado”. A supervisão do trabalho
é algo apontado indiretamente por ela nessa fala, pois o gerente o fiscaliza o trabalho dos
funciorios o tempo todo, eles mesmos fiscalizam o seu trabalho e o do colega, como já foi
apontado em outros momentos, considerando-se os responsáveis diretos pelo sucesso ou
fracasso da empresa ou, ainda, pela composição de sua renda. Contudo, a autonomia na
direção expressa por Paula é também limitada porque ela pode vender ou fazer uma troca sem
consultar o gerente, desde que siga as normas da empresa no que concerne às margens dos
descontos e os critérios para que a troca seja realizada, por exemplo.
Outra entrevista que vai de encontro com a dimensão de que a empresa é encarada
positivamente, se comparada aos empregos anteriores em se tratando de salário, das condições
ofertadas pela cidade e também o fato das Pernambucanas serem uma empresa varejista de
nível nacional é o de Mônica Santos, nome fictício. Ela comenta:
De uns anos pra a Pernambucanas fala muito em padronizar. Padronizar
atendimento, padronizar operações, visual, uniforme, calçado, maquiagem,
formas de falar, de atender e... as tarefas são bem divididas assim é... nós
temos o que s chamamos de multifunção onde cada funcionário deve se
tornar especialista no seu setor, no meu caso crediário, mas eu devo saber
operar caixa, devo saber atender quando precisar. Então eu acho bem
dividido as tarefas na loja. (...) Só que o trabalhador multifuncional com
certeza é mais um ganho pra empresa, né? Porque você não vai precisar tá
contratando duas ou três pessoas, porque no momento livre dele ele vai tá
desempenhando o papel de uma segunda pessoa. (...) E... quando eu comecei
a trabalhar aqui eu desempenhava apenas o papel de crediário. Depois caixa,
hoje eles querem preparar a gente pra vendas. Então cada vez mais é exigido
e... muitas vezes o salário não corresponde a tanta exigência. (...) Só que
também a Pernambucanas é uma empresa de nível nacional, ? Nós temos
242 lojas, então pra comparar com uma empresa que é da cidade então é
difícil, porque é uma empresa que tem muita possibilidade de crescer, então
tem muita cobrança na questão de seguros, de cotas, de vendas, tanto que o
salário é baseado nesse desempenho, mas se for comparar a Pernambucanas
com as outras no âmbito de crescimento, de salário, talvez ela seja um pouco
melhor. (...) Mas acho que em termos de salário é melhor do que as outras,
né?
128
nica encontra dificuldade em comparar as Pernambucanas com outra loja do
comércio rondoniense porque entende a rede no seu conjunto, as lojas em seu padrão. Por ser
127
Entrevista concedida por Paula de Andrade, em 4 de janeiro de 2007.
128
Entrevista concedida por Mônica Santos, nome fictício, em 16 de janeiro de 2007.
139
uma empresa grande, diz ela, a possibilidade de crescimento profissional dos funcionários é
bastante grande, por isso eles são muito cobrados com relação ao cumprimento das metas, a
realização das vendas. Porém, a positividade da empresa, segundo ela, está numa pequena
diferença entre o salário, que é um pouco maior do que em outras lojas do ramo e nas
oportunidades de crescimento. No entanto, é importante perceber como isso não aparece de
uma forma ressaltada em sua fala, ela indica que num comparativo “talvez a empresa seja um
pouco melhor”.
Andréia Amaro, uma das mais recentes contratadas, o trabalho nas Pernambucanas
como um dos melhores lugares onde trabalhou porque se identifica com a função que
executa e com o ambiente da loja. O significado do trabalho pra ela adquire um sentido de
fazer o que gosta e também por necessidade de sobrevivência. Por isso, trabalhar na empresa
para ela é algo estimulante porque está suprindo tais sentidos. Ela comenta:
Eu acho que é um dos melhores lugar que eu já trabalhei até hoje, isso eu
falei pro Luciano, né? Eu falei que eu gostava muito de trabalhá ali porque
quando você desempenha, você desenvolve um trabalho no lugar onde você
gosta, com uma função que vogosta rende, é dez, sabe? Tanto pra você
quanto pra empresa. Você satisfeito por ali trabalhando e a empresa por
ter um funcionário que mostra que gostando, que tá buscando pela
empresa e pela gente mesmo, porque o que nós tamo fazendo é por s
mesmo! Porque se você for eu acho que votem que fazê bem feito as tuas
horas que voali dentro. Eu assim procuro fazer o ximo que eu posso.
Até porque trabalhar eu acho que significa assim... eu me sinto muito bem
trabalhando. Eu acho que se eu não trabalhasse eu não sei, eu não ia, eu acho
que pra mim ia faltá alguma coisa. Eu não consigo ficá em casa sem
trabalhá! E sem contar que eu preciso trabalhar também, ? Que é eu e mais
eu! (Risos) E tenho uma filha que é eu que sustento
129
.
A entrevista realizada com Andréia foi produzida num período em que ela completava
quatro meses de trabalho na empresa. Em sua trajetória merece destaque o fato de que buscou
trabalho nesta loja durante dois anos antes de conseguir a vaga. Ela trabalhou duas vezes
como temporária e buscou uma vaga na empresa por ter se identificado com o ambiente e as
condições de trabalho, sentindo-se valorizada no espaço e se identificando com a função
executada.
Andréia aponta também a responsabilidade que o funcionário deve ter de trabalhar o
máximo possível durante as suas oito horas, pois está sendo bem valorizado e pago por isso. E
a justificativa dela para trabalhar muito na empresa é a de que “se sente bem trabalhando”, o
129
Entrevista concedida por Andréia Amaro em 15 de janeiro de 2007.
140
ato de trabalhar possui um sentido enobrecedor, significativo, de falta quando não é
executado.
Num outro sentido, uma narrativa que destoa um pouco das demais ou pelo menos
contrasta a idéia de que as Pernambucanas é mais positiva, especialmente em se tratando de
sario é a de Franciele Uhry, contratada recentemente. Ela como positivo o trabalho na
empresa com relação a determinados lugares, mas não com relação a outros. Ela comenta que
a empresa paga pelos serviços prestados e é positiva na questão de proporcionar um plano de
saúde, que em outros empregos ela não tinha. Contudo, no emprego anterior dela, por
exemplo, o salário era o dobro do atual e também não precisava trabalhar aos sábados,
domingos e feriados, assim como não tinha ritmos de trabalho tão intensificados ao longo da
jornada diária de oito horas. Ela compara:
A questão é assim... eu sempre me dei bem nos trabalhos que eu fiz, sempre
aprendi com facilidade, não tive dificuldade, que aqui na Pernambucanas
o bom é a Unimed que é um plano de saúde e é uma coisa que todo mundo
precisa, ? Precisa bastante. A convivência também aqui com o pessoal é
bem legal, tem os atritos, né? Mas... eu acho que é mais... tem o negócio da
premiação também, que tudo que vofaz você recebe e nos outros lugares
não recebia, era fixo, era aquilo e mais nada, né? E aqui quanto mais você
vende, mais você ganha. Essa que é a diferença entre os outros trabalhos. (...)
Agora quanto ao salário o que eu ganhava na Tim era o dobro daqui. Por isso
que eu fiquei bem chateada quando eu sda Tim. Eu vou te falar a verdade:
eu ganhava mais de mil reais na Tim como consultora, a Tim paga muito
bem. E a Pernambucanas é uns oitocentos reais no máximo. Tem o final de
ano que daí vo tira muito bem, mas... agora a Tim ela paga muito bem,
muito melhor. (...) Agora na questão de trabalhar mesmo eu trabalho mais
aqui, bem mais aqui. É sábado a tarde, eu não sabia o que era isso! (Risos).
Às vezes nos domingos, não tem descanso, vo mora dentro disso aqui!
(Risos). que a Tim também era assim: eu ficava ali de às vezes o dia
inteiro, eu ganhava um salário bom que eu tinha que ficá o dia inteiro
parada. Aqui não eu o dia inteiro no crediário, sabe? Vendo gente e
conversando, o dia passa rápido! (...) Agora também são oito horas
trabalhando o tempo inteiro, com certeza!
130
A entrevista de Franciele é relevante na medida em que ela constrói a sua narrativa
tentando positivar a empresa com relação a outros lugares a partir de determinados pontos,
tais como: a relação com os funcionários, o plano de saúde, as premiações, etc. Contudo, ela é
emblemática no sentido de apontar para o processo de intensificação do trabalho vivido pela
empresa a partir da década de 2000 com relação ao prolongamento da jornada de trabalho, os
sarios baseados em produtividade, as intensificações nos ritmos de trabalho, etc. ao mesmo
130
Entrevista concedida por Franciele Alexandra Uhry em 17 de janeiro de 2007.
141
tempo em que a empresa procura criar um espaço de sociabilidade entre os trabalhadores que
faça com que se sintam à vontade e “o dia passe rápido!”.
Nesse sentido, é importante perceber também que embora a empresa crie estratégias
para que o trabalhador se torne cada vez mais produtivo, exigindo dele esforços intensos ao
longo de suas oito horas ou mais de trabalho, o trabalhador também não procura passar às oito
horas trabalhando intensamente, driblando, se possível, os minutos de trabalho que consegue.
A entrevista de Franciele indica indiretamente isso, principalmente quando ela aponta que no
crediário ela conversa e um fluxo grande de pessoas, o que faz com que o tempo passe
mais rápido, diferente da função anterior que executava.
O conjunto das entrevistas, no geral, indícios acerca dos sentidos e valores
atribuídos pelo trabalhador ao seu trabalho e, nesse sentido, também expressam os rumos que
pretendem dar às suas vidas pessoais e profissionais. As identificações ou discordâncias com
relação às concepções e práticas da empresa justificam e ajudam a perceber os caminhos
trilhados pelos trabalhadores. A dimensão mais clara desta questão aparece na pretensão dos
trabalhadores de seguirem carreira na empresa, mudar de cargo, permanecer como estão ou
sair dela. No momento da aplicação dos questionários três funcionários responderam que
tinham a intenção de sair da empresa (um porque não estava contente com o emprego, o outro
porque queria seguir carreira na área em que estava estudando e o outro porque não estava
contente com o seu salário devido à quantidade de atividades que realizava na loja). Desses
três que tinham a intenção de sair, apenas um saiu. O outro foi promovido e não apresenta
mais intenção de sair da empresa; e o outro continua com a intenção de seguir carreira na área
em que estudou, vendo o seu emprego como provisório.
Tais elementos, assim como as entrevistas no seu conjunto mais amplo, apontam para
uma série de estratégias criadas pela empresa, assim como para a projeção que a mesma
procura fazer de si e da organização do trabalho. As entrevistas também indicam percepções e
dinâmicas construídas pelos trabalhadores acerca da empresa, bem como estratégias e
imagens positivadas da empresa que são internalizadas, consentidas, contrastadas pelos
funciorios, enfim, como estes percebem e experimentam as dimenes do seu trabalho,
criando impressões e atribuindo valores e significados ao mesmo.
Os trabalhadores, sujeitos no processo de vivência dos seus trabalhos, apresentam
concepções que ajudam a entender o universo de trabalho nas Pernambucanas, assim como a
própria empresa, não apenas de modo positivado, mas também de modo negativo. A
intensificação nos ritmos de trabalho, o salário baixo com relação ao excesso de trabalho, ao
prolongamento da jornada de trabalho, etc., são exemplos dessa negatividade. Isso ajuda a
142
expressar que a tentativa da empresa de difundir e tentar consentir “o jeito Pernambucanas de
ser” depende de seus funcionários que, por vezes, consentem, por vezes reagem, por vezes,
adaptam-se ao trabalho. Contudo, todas essas formas experimentadas e interpretadas pelos
trabalhadores são faces de uma mesma luta, que permite compreender, nos seus próprios
olhares, a organização do trabalho na empresa, o chão onde trabalham e as conseqüências
diretas do processo em suas vidas e de suas famílias.
CAPÍTULO 3
“A FUNÇÃO DA VIDA, ÀS VEZES, É O EMPREGO”:
O PROCESSO DE REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA
E AS MUDANÇAS NAS RELAÇÕES DE TRABALHO
NAS CASAS PERNAMBUCANAS, VISTOS
COMO EXPERIÊNCIA E HISTÓRIA
DOS PRÓPRIOS TRABALHADORES
144
O presente capítulo tem por intenção atentar para a implantação de tecnologias ou do
processo de organização do trabalho por parte da empresa, analisando os graus de exploração
sofridos pelos funcionários, a consciência que produzem a respeito do processo que
vivenciam e o sentido que atribuem às mudanças processadas no seu espaço de trabalho.
Serão analisados elementos presentes nas mudanças no mundo do trabalho tais como as
práticas já encontradas: flexibilização/multifunção, terceirização e produtividade. Tais
elementos serão analisados a partir de três eixos principais, que ajudam a entender também o
universo de trabalho nas Pernambucanas, bem como as tensões e disputas existentes. São eles:
jornada de trabalho/tempo; salário/renda; identidade pelo trabalho. Estas três categorias
ajudam a construir o cotidiano dos trabalhadores das Pernambucanas, assim como a percepção
das disputas, aceitações, graus de autonomia e resistências na empresa.
As Casas Pernambucanas, como foi discutido no primeiro capítulo, tem um corpo
administrativo que, ao longo de sua história, parece constantemente pautar “reestruturações
produtivas” para o conjunto dos que a ela se ligam. Assim, aquilo que se propagandeou com o
termo “reestruturação produtiva”, especialmente na década de 1990, um neologismo diria,
nada mais é do que uma prática comum do processo vivido nas Pernambucanas, por patrões e
empregados, desde sua fundação. No geral, foi a fábrica que virou também loja de fábrica,
como apontou José Sérgio Leite Lopes na Cidade dos Chaminés
131
. Depois foi a loja que
passou de local para regional e nacional. Na seqüência foi a fábrica que virou loja na transição
do rural para o urbano. Foi também um armarinho que se tornou magazine (de tecido a
diversos produtos). Na década de 1970 foi uma empresa familiar que viveu a partilha. Por
fim, foi um magazine que se tornou também uma operadora financeira.
Nesse sentido, é preciso ter em vista que o processo de “reestruturações produtivas
vivido pela empresa não pode ser visto apenas como avaliação e experiência do empresariado,
mas sim um campo de disputas entre os envolvidos, o que abarca clientes/fregueses e,
principalmente, os trabalhadores. Afinal, é verificável que principalmente nas últimas três
décadas, várias empresas, dentre elas as Pernambucanas, introduziram novas tecnologias
como a informatização, que gerou uma diminuição de postos de trabalho, por um lado e, por
outro, a constituição de um discurso hegemônico sobre o perfil do trabalhador, onde se projeta
a imagem de um trabalhador “qualificado”, “flexível”, “que saiba realizar várias funções,
operar várias máquinas”, “que tenha disposição no seu horário para servir à empresa” e, se
possível, bom grau de escolaridade ou, inclusive, curso superior.
131
LOPES, Jorgio Leite. A tecelagem dos conflitos de classe na cidade das Chaminés. São Paulo: Marco
Zero e Editora Universidade de Brasília, 1988. p. 16
145
Tendo em vista tais construções, analisando a introdução de novas tecnologias no local
de trabalho, bem como o processo de constantes transformações vivido pelas Casas
Pernambucanas, torna-se necessário discutir como os trabalhadores vivenciaram as mudanças,
quais impactos tiveram nos seus modos de vida e trabalho, suas relações com outros
funciorios, seus hábitos, valores, significados imprimidos sobre o trabalho, enfim, como,
diante das transformações o trabalhador passou a perceber-se. É preciso saber se o trabalhador
elabora percepções contrárias a argumentos como o de que diante do processo de
modernização o trabalhador é “culpado” pelo seu desemprego ou se, por exemplo, essa
interpretação é, em parte, apropriada por ele, principalmente na preocupação que pode
demonstrar com a sua ppria formação profissional ou a formação profissional dos filhos. É
preciso indicar as percepções dos trabalhadores diante das transformações, da diminuição de
postos de trabalho, do arrocho salarial e, sobretudo, das incertezas geradas pela modernização,
que podem ter alterado as suas vidas.
Digo isto porque não entendo as transformações ocorridas no mundo do trabalho nem
nas Pernambucanas como amenas ou como uma determinação absoluta sobre o trabalhador,
mas sim como uma disputa, como um embate que constitui um processo, pois como admite
Thompson:
O passado humano não é um agregado de histórias separadas, mas uma soma
unitária do comportamento humano, cada aspecto do qual se relaciona com
outros de determinadas maneiras, tal como os atores individuais se
relacionavam de certas maneiras (pelo mercado, pelas relações de poder e
subordinação, etc.). Na medida em que essas ações e relações deram origem
a modificações, que se tornam objeto de investigação racional, podemos
definir essa soma como um processo histórico, isto é práticas ordenadas e
estruturadas de maneiras racionais
132
.
O processo é, portanto, um período de transformações, produzidas por relações
sociais, caracterizadas por sentidos em disputa, podendo ser a luta de classes verificada dentro
da ppria classe. Até porque o trabalhador é protagonista de ações sociais no processo
histórico, vive as transformações e se relaciona na constituição destas mudanças num campo
de forças no qual a disputa do trabalhador para constituir estas mudanças dá-se de vários
modos: às vezes na aceitação, às vezes na resistência.
Entendendo, portanto, que os trabalhadores experimentam de diferentes formas o
processo de transformações, interpretando e compreendendo os diferentes mecanismos
utilizados sob diferentes maneiras, assim como disputam um sentido sobre o seu trabalho e
132
THOMPSON, E. P. A miséria da teoria ou um planetário de erros. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. p. 50-51.
146
ditam dinâmicas no espaço de produção, é possível atentar para várias transformações
experimentadas no espaço das Pernambucanas: a “multifunção”, a “terceirização” e a
“produtividade”. O processo de implantação desses sistemas não foi nem uniforme e nem
retilíneo, como indicaram estudos vinculados à Sociologia do Trabalho, a exemplo de Ricardo
Antunes em sua obra Adeus ao Trabalho
133
. Também não foi ameno, como tentarei discutir.
Tal processo foi marcado por diferentes periodizações nas filiais das Pernambucanas e é
percebido de diferentes ângulos pelos funcionários.
3.1 SABER UM POUQUINHO DE CADA COISA NÃO SIGNIFICA SABER
MUITA COISA”: O PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO DA MULTIFUNÇÃO.
Desde 1996 tentando a implantação do sistema de multifunção nas filiais das
Pernambucanas, apenas a partir de 2003 é que a loja de Rondon parece dar indícios de uma
multifunção. Segundo alguns funcionários e ex-funcionários, a loja ofereceu até esse
momento a oportunidade dos trabalhadores aprenderem a realizar rias funções de modo
opcional, em nível de aprendizado e desejo profissional. Porém, a partir de 2005 o sistema de
multifunção foi colocado como uma norma da empresa, cujos funcionários deveriam saber
operar vários setores para além das suas funções, de suas especialidades.
Uma ex-funcionária, Neide Vander Meler, 36 anos, que trabalhou 2 anos e meio na
loja, apresenta, em sua narrativa, uma série de aspectos, de elementos introduzidos pela
empresa e que deveriam ser, aos poucos, incorporados pelos funcionários. Quando ela
ingressou na loja o sistema de multifunção estava iniciando e ainda era uma experiência,
justificada pela idéia do tavam te oferecendo a oportunidade de você querer aprender,
mas não era obrigado ainda”. Ela narra:
Agora diferente, né? Agora todos fazem tudo, então muda também.
Quando uma tem que sair lá vai outra, né? E cobre. E isso eu acho que é uma
coisa boa, né? Além de você aprendendo outra função, né? porque você
tendo, tendo, sabendo várias funções é muito mais fácil e depois, se um dia
você quiser um outro emprego, né? (...) Quando eu entrei tava entrando
nesse ritmo da multifunção, que não era divulgado assim, se você
quisesse atender outra coisa votinha oportunidade, poucas vezes, mas te
davam oportunidade. Mas como a empresa tinha essa idéia, então tavam
te oferecendo a oportunidade de você querer aprender, o era obrigado
ainda, mas se você quisesse você já podia tá melhorando. Eu sempre gostei,
acho que é interessante você saber várias coisas dentro da mesma empresa,
né? A oportunidade de você aprendendo mais, ? é claro, você tendo,
fazendo multifunção eles não vão precisar contratar uma pessoa se algm
133
ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho
:
Ensaios sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do
trabalho. 2ª Ed.o Paulo: Cortez; Campinas, SP: Ed. Da Universidade de Campinas, 1995.
147
faltar. Isso a gente sabe, né? tanto é que quando eu entrei nós éramos em 26
funcionários é... s em 2003, daí foi desencadeando e saindo vários. Hoje tá
em 17 já, viu só! Pra uma empresa de mesmo porte! a multifunção justifica
um pouco essa saída das pessoas, vai saindo e não vai repondo. Essas
pessoas fazem falta. Nesse sentido a gente sabe, né? que é explorado, mas
como você ali, trabalhando, você se obriga. Se vonão ficar, alguém
vai querer ficar, alguém vai assumir teu lugar. (...) Mas eu nunca pensei
nisso, ficar desempregada porque eu dava o melhor de mim, é por isso que
eu pensei bastante antes de eu sair, porque eu gostava, que eu por mim eu
ficava, só que eu não tinha mais tempo pra casa, pros meus filhos, meus
filhos tão crescendo, eu o tinha mais esses tempo, apareceu essa
oportunidade tenho mais é que abraçar, né? e também a contratação hoje da
Pernambucanas prioriza o funciorio muito novo pra entrar porque o jovem
quer mais mostrar trabalho e permanecer e ele vai trabalhar. Uma pessoa já
mais de idade vai ser mais devagar, a gente sabe que isso é verdade, eu já
tenho os meus 36 e já não sou mais uma jovenzinha. E isso que agora eles
tão pedindo faculdade, né? Quando eu saí eles tavam comentando que teria
incentivo a partir desse ano. Agora eu o sei se tem mais ou não, se é por
enquanto só em cidade grande. Esse tipo de incentivo é pra pessoa tá
crescendo dentro da empresa. Também assim como eles tem um gerente com
formação, eles querem um profissional mais qualificado. De alguma maneira
isso é uma exigência da empresa, essa coisa da qualificação, tanto é que
quando eu entrei eu não tinha terminado o segundo grau, eu terminei nos
primeiros meses que eu tava lá é que eu terminei. Mas eles pedem
134
.
A narrativa de Neide é importante porque aponta uma série de transformações
vivenciadas pelos trabalhadores na empresa ao longo de vários anos. Ela, inclusive, traça um
comparativo com o presente, admitindo que quando trabalhava na empresa o funcionamento
não era o mesmo do atual. O primeiro argumento da entrevistada é o de que a multifunção foi
utilizada por ela como uma espécie de recurso que poderia ser usado em outros empregos,
uma vez que saberia desempenhar várias funções, teria um conhecimento mais ampliado.
Neide diz que, na condição de trabalhadora, vivenciou o jogo da produção de modo a
demonstrar que possuía conscncia de que o mecanismo da multifuão servia para justificar
o reduzido quadro de funcionários, objetivando convencer o funcionário de que ele estaria
adquirindo um conhecimento maior, estaria mais apto para o trabalho. Assim, consente a
exploração, se sujeita a trabalhar nestes ditames tendo em vista uma série de transformações a
que estava submetida, sentindo-se, aparentemente, ameaçada por elas. Ao contrário do que
ocorria até a década de 1990, por exemplo, onde os trabalhadores, mesmo com pouca
formação tinham possibilidades de ascender numa empresa, a entrevistada apresenta vários
argumentos de que na empresa estava sendo exigido uma mão de obra mais jovem, mais ágil,
com formação profissional e escolar mais elevada, “mais qualificada”, nos seus termos. Neide
parece, em sua fala, demonstrar que estava sentindo as pressões de trabalhar num local cujas
134
Entrevista concedida por Neide Vander Meler em 15 de maio de 2007.
148
exincias estavam sendo constantemente reformuladas, num mercado que procura ditar um
ritmo, ditar as regras porque conta com um exército de reserva expressivo, indicando que,
como admite ela:Se você não ficar, alguém vai querer ficar, alguém vai assumir teu lugar”.
Por outro lado, ela justifica que o ritmo de trabalho era cumprido por ela, por isso não
tinha medo de ficar desempregada. Isto porque vivenciou uma série de pressões, que
favoreceram para a sua saída da empresa. Nesse sentido, ao contrário de outros trabalhadores,
sentindo o peso das pressões sofridas, o gostar do trabalho e o dar o melhor de si contrastava
com o fato de ter de dividir a atenção entre o trabalho, a casa, o marido e os filhos. Diante da
pressão da família, ela admite ter optado por outro emprego, priorizando o convívio familiar
em detrimento à intensificação dos ritmos de trabalho e as constantes transformações vividas
na empresa.
A funcionária Marlei Cristina Biccigo, que trabalha 3 anos na empresa, apresenta
uma percepção sobre a multifunção que em determinados momentos converge com as
impressões de Neide. Exemplo disso é o seu argumento de que a multifunção é uma estratégia
da empresa para não contratar funciorio. Ao mesmo tempo, tal sistema, para ela, é uma
estratégia recente da empresa, o que diverge da narrativa de Neide e de outros funcionários.
Ela diz:
Assim... trocou em outubro do ano passado (2006), ? No eletro não
mudou. Na verdade a gente continua fazendo a mesma coisa. Mudou mais
nos outros setores da loja, ? Eu acho que é bom porque todo mundo
aprende a fazer várias coisas. As meninas da frente vão para o caixa, que
tem aquela coisa (...) de repente se focasse uma coisa , se eu atender eu
ia me especializar ali e eu ia ter mais controle. Se eu fosse do caixa ia ter
mais agilidade, ia ser mais pida, ? Eu sabia que chegaria a fazer o meu
trabalho, ? Assim eu tenho que às vezes eu to no caixa, mas eu, mas eu to
falando com um da minha seção que tenho que atender, aí outro colega me
cobra porque eu não repus lá, mas hoje eu fiquei o dia inteiro no caixa. Então
tem isso, vo o é bom porque você aprende de tudo um pouco, mas é
ruim porque na verdade você meio dispersa porque você não tem foco em
nada assim certo. Então voo sabe o que tem que repor, o que você não
tem, você não tava na seção naqueles dias, vo estava no caixa ou tava
fazendo outra coisa. no eletro o mudou, né? A gente continua do
mesmo jeito, né? Não tem como, ali vo tem que ser, ali não tem como
mudar porque a pessoa que vem tem que saber do produto, porque o cliente
não sabe escolher sozinho, vo tem que falar das funções e coisa. (...) Mas
também com certeza a multifunção é uma estratégia da empresa, tanto
quanto uma loja precisa tanto de caixa, as filas no sábado chegam lá na
porta, né? Durante a semana também, que é o que mais as pessoas da cidade
reclamam, ? Tem reclamação todos os dias do caixa, aí não contratam
mais no caixa, pegam alguém da frente, colocam no caixa. Lógico que é
149
pra isso, a empresa o lado dela também, né? Que é... contratar mais e que
vai ter que pagar mais, então outra pessoa faz o que a outra faria, né?
135
Apesar de Marlei periodizar a multifunção, equivocando-se na afirmação ou sugerindo
o que talvez tenha sido a intensificação do processo, o sistema como positivo no sentido do
aprendizado de várias atividades. Porém, estabelece uma crítica ao mesmo argumentando que
dificulta a agilidade no desempenho da função específica; ela chega a usar o termo “controle
da função”, “não tendo um foco certo” De repente se focasse uma coisa só, se eu
atender eu ia me especializar ali e eu ia ter mais controle. (...) Ia ter mais agilidade, ia ser
mais rápida, né? Eu sabia que chegaria a fazer o meu trabalho, né?”.
No geral ela parece concordar mais com o sistema antigo da loja, que era o do
especialista em cada função em detrimento do sistema multifuncional. Segundo ela, o
primeiro sistema não gera conflitos entre os funcionários porque cada um é responsável pelas
suas funções e consegue responder por elas, “fazer o serviço melhor”, de modo mais positivo.
Por exemplo, Marlei acha positiva a multifunção no sentido de poder auxiliar os setores que
estão precisando, que estão “apurados” devido à falta de funcionário, mas acha ruim ser
cobrada pelos colegas do seu setor porque não cumpriu a sua função ao ajudar os colegas de
outros setores.
É interessante também a narrativa de Marlei porque permite a percepção de que não
o todos os setores que aderiram ou entraram no sistema da multifunção. O eletro, por
exemplo, não realiza várias atividades, no argumento de Marlei, porque diferentemente do
ramo mole o eletro precisa despender uma atenção maior ao cliente. De acordo com ela, “não
tem como, ali você tem que ser, ali não tem como mudar porque a pessoa que vem tem que
saber do produto, porque o cliente não sabe escolher sozinho, votem que falar das funções
e coisa”. Assim, a multifunção é dificultada nesse setor, não porque os funcionários estão
sempre ocupados com clientes, mas também porque nesse setor o funcionário não pode saber
um pouco de cada coisa, mas sim, entender bem dos produtos ofertados, pois ele precisa saber
tudo, para explicar ao cliente.
Outra percepção importante da entrevistada é a de que clientes e funcionários
percebem que a multifunção é uma estratégia da empresa para não contratar funcionários,
para que eles trabalhem num quadro reduzido, tendo que exercer várias funções ao mesmo
tempo. Ela chega a denunciar que clientes e funcionários apresentam uma série de
reclamações à empresa. No primeiro caso devido à falta de atenção, de funciorios para
135
Entrevista concedida por Marlei Cristina Biccigo em 16 de maio de 2007.
150
atender os clientes. No segundo, devido à intensificação dos ritmos de trabalho, da
necessidade de cobrir outros setores, o funcionário não consegue executar a sua função de
maneira ágil e responsável, ele inclusive não sabe muito sobre a função, ele sabe um pouco de
cada função da loja.
A funcionária Jane Letin, que trabalha 3 anos na empresa, apresenta uma concepção
diferente de quase todos os funcionários ao admitir que a multifuão praticamente não existe
mais. Ela acredita que a multifunção não funciona (isso é praticamente unânime entre os
entrevistados), mas, por isso, praticamente nem existe mais, não é praticada nas
Pernambucanas; o que diverge da grande maioria dos entrevistados. Jane diz:
Não funciona muito, né? Porque parece que nem é mais multifunção. Na
verdade assim, a gente, todo mundo sabe que tem que ajudar um setor do
outro quando precisa, né? Mas... que nem no caixa de fixa tem eu, ? As
outras tem movimento elas tem que saí, tem que ajuda, tem que ajudá em
outros setores, né? E... os outros setores... a... vendas e quando precisa elas
têm que í pro caixa. Na verdade, então, fixa num lugar só... o crediário. E
eu... e eu no caixa. No mais todo mundo tem que... tem que fazê... não por
causa da multifunção, mas por falta de funcionário mesmo. (...) Aqui todo
mês, todo dia a multifuão justifica a falta de funcionário porque tem dias
que elas tão em duas na frente pra cuidá aqui na loja toda, como
vendedoras pra cuidá de todos os setores e... outros dias elas tão em três,
quatro
136
.
Talvez pelo fato de ser a única funcionária do caixa, que especificamente não sai do
setor, assim como os funcionários do crediário, ela acredita que a multifunção está em desuso
e que pelo fato do quadro de trabalhadores ser reduzido, todos sabem que quando
movimento na loja, é preciso que alguns funcionários ajudem outros setores que não somente
os seus.
Nesse sentido, a fala de Jane parece um tanto contraditória. Primeiramente por dizer
que não existe multifunção na loja, ao mesmo tempo em que afirma que os funciorios têm
que realizar outras funções quando movimento, fluxo de clientes. Conseqüentemente, ela
parece não perceber que a falta de funcionários é conseqüência da multifunção ou esta última
é uma espécie de justificativa para a primeira, criada pela empresa.
De fato a multifunção existe, mas é aplicada de modo mais intenso em determinados
setores. A idéia é a de que ela es sendo transformada e, nessa transformação, todos os
funciorios são especialistas, uma vez que sabem executar várias funções, processo
136
Entrevista concedida por Jane Letin em 31 de julho de 2007.
151
originado devido à realização da multifunção, eles devem auxiliar outros setores nos
momentos em que for preciso.
A alteração no sistema de multifunção é recente, sendo atualmente praticado apenas
em alguns setores. O caixa, o eletro e o crediário dependem, em determinados momentos, de
outros funcionários para auxiliá-los. Os três setores especificados são os que têm um contato
maior com o blico, são setores que requerem uma atenção maior despendida pelos
funciorios aos clientes. No caso do caixa, nos primeiros dias do mês, na quinzena e nos
últimos dias do mês, aumenta o fluxo de clientes devido aos pagamentos das compras no
cartão. Assim, uma vez que o caixa conta com apenas duas funcionárias na rotina normal de
trabalho para operar os pdv’s, com o aumento de clientes é preciso aumentar o número de
funciorios para atendê-los. Sem contar que diante do aumento no fluxo de clientes, a
possibilidade de aumentar os furos no caixa, sendo por isso também justificada a necessidade
de aumentar o número de funcionários no caixa, evitando danos à empresa e ao próprio
funciorio que, em caso de não batimento do caixa, tem o valor faltante descontado no seu
sario.
Em se tratando do crediário, principalmente nos períodos em que é preciso fechar a
cota de abertura de cadastros, chamada de captação, praticamente todos os funcionários da
loja são chamados a contribuir com o fechamento da cota. Tendo em vista tal necessidade, os
trabalhadores saem às ruas, no comércio, nas fábricas, convidando pessoas para se tornarem
clientes da empresa ou, ainda, procuram oferecer cartões para os visitantes da loja, para os
filhos de clientes antigos, que são dependentes dos pais, para os maridos ou esposas que são
dependentes e podem ter a possibilidade de ficar com dois cartões, etc.
Mas, não apenas nesses momentos o crediário carece de ajuda. Quando o caixa conta
com uma fila muito grande de clientes, especialmente nos períodos considerados de “pico”,
dias dos pagamentos, o caixa passa a atender apenas os clientes que estão comprando e o
crediário atende aos pagamentos das compras no cartão, dependendo de outros funcionários
para atender ao público no crediário, enquanto o funcionário do crediário estiver operando o
caixa.
No que diz respeito ao setor de eletro, este é um dos setores que mais depende do
auxílio de outros funcionários. Por ter a cota mais elevada da loja, o setor oferece uma série
de promoções, especialmente os chamados “saldões”, onde a loja recebe um número
considerável de clientes comprando mercadorias, que necessitam de atendentes para informar,
apresentar as características, as garantias e as condições de compra e venda de produtos. Tal
exercício requer certo tempo, pois o funcionário precisa dar atenção exclusiva a cada cliente
152
atendido, informar-lhe sobre a mercadoria desejada. Com isso, há momentos em que todos os
atendentes do setor estão ocupados, carecendo a ajuda de outros funciorios para auxiliar no
atendimento. Não esquecendo que é preciso de alguém com bom entendimento acerca dos
produtos ofertados pelo setor, bem como traquejo e retórica para apresentar e convencer o
cliente a levar o produto.
Portanto, é possível dizer que a transformação sofrida recentemente nas
Pernambucanas, com relação à multifunção, diz respeito à retomada do chamado especialista
de setor e a diminuição nos graus de exercício da multifunção. Todos os funcionários
precisam saber executar todas as funções da loja, mas nem todos os setores precisam de
trabalhadores multifuncionais. Ou seja, apenas em momentos em que fluxo de clientes ou
necessidade de cumprimento das cotas, que depende da intensificação dos ritmos de trabalho,
outros funcionários são chamados a contribuir com os setores que estão precisando de apoio.
O processo não é marcado, em si, por uma transformação no espaço da produção.
Contudo, é possível verificar duas questões: a primeira delas se refere a uma espécie de
estratégia da empresa em querer manter o trabalhador multifuncional, mesmo que ele não
passe a ser utilizado diariamente em todos os setores. Durante o período em que a multifunção
foi praticada houve um aprendizado de vários funciorios relativamente a diversas funções, e
a intenção da loja é continuar com tal prática. Portanto, é possível admitir que a empresa
executasse um tipo de teste onde os funcionários deveriam aprender a desempenhar todas as
funções na empresa para operarem, apenas quando preciso, outras atividades e setores.
A segunda diz respeito às práticas, quase silenciosas dos trabalhadores, de indicar a
partir de sua vivência de trabalho, o mau funcionamento da multifunção, argumentando,
principalmente, que os trabalhadores precisam desempenhar duas ou mais funções e, devido
ao tempo despendido em cada uma delas, à intensificação nos ritmos do trabalho, não é
possível executar um trabalho bem feito nem no setor específico onde trabalham, nem
tampouco no setor onde estiverem auxiliando. Por isso, reivindicam o retorno do chamado
especialista de setor.
A multifunção é modificada, então, no sentido de um ajuste. A empresa disputa com o
funciorio a permanência do sistema enquanto o funcionário deseja o retorno do sistema
anterior, que parecia funcionar melhor. Desejando manter o quadro reduzido de funcionários
e, ao mesmo tempo, atender a demanda da loja, a loja investe na multifunção “quando
necessária”. O funcionário, que deseja “fazer bem feito” a sua tarefa, reivindica o retorno de
sua especialidade como o elemento central de trabalho, e não mais o saber parcelado e
superficial das tarefas.
153
A funcionária Franciele Uhry, que trabalha há 10 meses na loja, conduz a sua narrativa
no intuito de demonstrar o seu interesse em permanecer nas Pernambucanas, crescer na
empresa, tendo em vista que no momento da produção da entrevista fazia poucos meses que
ela havia ingressado na loja. Sua fala, nesse sentido, evidencia uma espécie de necessidade de
quem está entrando num novo trabalho e depende dele, por isso, procura conhecer todas as
exincias da empresa e, embora não concorde, busca cumprir; o exercício da multifunção é
exemplo delas. Ela conta:
Eu acho bom e ruim ao mesmo tempo porque é assim... quando voestá no
crediário votem um monte de coisa pra fazer, vai no... atender o caixa
de lá. é complicado, você tem que atender caixa, tem que ter um monte de
coisa no crediário pra fazer é complicado esse negócio de multifunção! No
vestuário você fica ali cuidando, é difícil, vo tem muita coisa pra fazer no
crediário, não é legal! Mas quem quer crescer na empresa tem que saber um
pouquinho de tudo, né? Você tem que mostrar trabalho também, é uma
regra, né? Tanto é que quando eu entrei aqui o Luciano: Fran, votem que
fazer um pouco de cada coisa! Eu me assustei um pouco, mas assim: beleza,
né? Um pouco de cada vez, mas tudo bem, tem que fazer, né? Normas da
empresa!
137
Franciele apresenta o argumento de que a multifunção sobrecarrega o funcionário, não
permitindo que as funções sejam executadas com exatidão, com perfeição, o que prejudica
não somente os funcionários que estão realizando a função, mas os próprios funcionários dos
setores que estão precisando de ajuda devido à sobrecarga de serviço. Nesse sentido, admite
que apesar de a multifunção não seja um mecanismo que na prática funcione, é preciso
realizá-la por ser uma exigência da empresa e, também, porque quem deseja seguir carreira
precisa se sujeitar aos ditames.
A entrevistada indica também que antes de ingressar na loja ela sabia da
necessidade dos contratados desempenharem a multifunção. Admite que seja uma norma da
empresa a ser cumprida para quem quer crescer dentro, ao mesmo tempo em que comenta
ter se assustado quando ficou sabendo que teria de saber “fazer um pouco de cada coisa”. Sua
fala é clara no sentido de que procura cumprir a norma da empresa e auxiliar outros setores
quando necessário. Contudo, isso não significa que ela esteja mergulhada no discurso
ideológico da empresa, pois percebe diversos problemas no exercício da multifunção e,
inclusive, deixa claro que procura realizar as tarefas porque para além de precisar do
emprego, pretende seguir carreira na loja. Ou seja, ela não experimenta a multifunção apenas
porque é uma exigência das Pernambucanas, mas porque ela pretende utilizar o mecanismo
137
Entrevista concedida por Franciele Alexandra Uhry em 17 de janeiro de 2007.
154
para um benefício ou oportunidade própria, que é a de desenvolver o plano de carreira na
empresa; isto inclusive porque ela está nos meses iniciais de trabalho, conhecendo a loja,
experimentando diferentes relações de trabalho.
Douglas Marcel Junges, funcionário das Pernambucanas há 2 anos, apresenta uma fala
que exemplifica as tentativas ideológicas da empresa de convencer o funcionário de
determinados mecanismos, como a multifunção, mas que os funcionários percebem as
estratégias da loja e lidam com as situações de acordo com a sua necessidade ou intenções
com relação ao trabalho e a empresa. Douglas narra:
Eu acredito assim que a loja ela deveria uma estrutura, um aparato pra
justamente essas pessoas que são os vendedores, que é o que produz na loja,
que é o que vende, que salário. Elas tê um suporte só pra venderem,
praticamente vender. Porque essa multifunção te deixa louco, sabe? Você
muitas vezes o tem um sorriso nos lábios pra vofaum bom dia pra um
cliente, porque você cheio de pepino, vocom um telefone buzinando
na tua orelha, o gerente te cobrando, vocom um caminhão de entrega,
você tá com uma fila de gente pra atendê, sabe? É uma loucura. Então, isso
sobrecarrega. Eu acredito assim: se tivesse mais funcionários pra exercê
algumas funções, né? Com certeza, além de vo produzí mais, eu
desempenharia a minha função melhor. Em relação às outras funções da loja,
é... uma parte eu dependo delas e uma parte elas dependem de mim também.
Porque se eu não fizer o meu trabalho como vendedor, daí a pessoa não vai
comprar. que, porém, se eu fizer um bom trabalho como vendedor, e a
mulher que opera o crediário, se for estúpida e grossa, tipo assim, acabou ali.
Ou eu posso colocar a compra a vista, o cliente não vai retornar, o caixa a
mesma coisa, ? (...) Então essa multifunção é um assédio imoral, (...)
você tem que”, e o cara fica louco, meu Deus do u! É... tipo assim, você
tem que não, eles querem mostrá prá você como se fosse... um filósofo, né?
Ele te convida a í a merda, de uma forma tão convincente que você vai.
Desejoso, ? E você tem que fazê aquilo, né? prá cumprí. E... eu acho que
essa multifunção ela sobrecarrega, e às vezes ela acaba desestimulando a
vontade da pessoa exercê aquela fuão. Por mais atrativos que a empresa
ofereça, aí tem o plano de saúde, ai meu Deus a empresa tá dando uma
ferramenta! Você veja, anos atrás a empresa fazia assim, com fichário, agora
tem um computador. Se não fizesse isso não tava nem no mercado mais!
Então isso não existe, sabe? Eles colocam assim como benefício, mas na
verdade isso é uma baita duma ilusão, você tem que fazê muitas coisas,
acaba você gerando, vo se especializa em uma área, nossa muito bem,
você é um doutor, você é um mestre. Agora vofaz de tudo um pouco,
você não sabe muita coisa não, você sabe um poquinho de cada, entende?
Então, “ah, mas eu vendedor, mas eu tenho conhecimento de caxa.!” É,
você sabe faisso? “Não eu tenho um conhecimentozinho de caixa”. Mais
eu arrisco o crediário, eu sei telefoná, consulta, vê aonde que o cara trabalhô,
entende? (Risos). Então não é assim, você acaba dexando a pessoa triste,
você acaba dexando a pessoa sem vontade, sem ânimo, ? Então essa falta
de pessoa, que justamente, né? Às vezes o cara fala: porra, não tem ningm
pra me atendê, né? Um dia eu até comentei com um cliente: olha, eu te
garanto que os que estão aqui eles tão fazendo o melhor que eles conseguem,
agora se você qué pedi mais alguém vai e peça pro gerente, entende? É... a
empresa que faz isso, com certeza visa o lucro, entende? É... vo vai
155
trabalhá... vo pode sê a uma figura, uma personalidade na empresa
importante, vopode realmente influenciar pessoas e levá pra frente e tal,
que elas produzam, que elas em lucro prá empresa, que é o que importa,
né? Ela pode se preocucom o material humano dela, né? Em sabendo
se vo psicologicamente bem, se a tua saúde tá bem, enfim, plano
odontológico. que na verdade, ela qué sabê se você deu lucro pra ela, isso
é o que importa pra ela. Ela que ti convencê, ela q você bem, mas que
você lucro pra ela. Pra você está bem, vo tem que lucro pra ela, se
não, não adianta
138
.
Douglas em sua narrativa apresenta uma crítica ao trabalho multifuncional, exigido
pela empresa, argumentando ser um tipo de trabalho que contraria o próprio sistema da
empresa porque o objetivo dela é justificar o enxugamento do quadro de funcionários ao
mesmo tempo em que ela exige que o “foco no cliente” seja o elemento principal a ser levado
em conta pelo trabalhador; o que indica que para Douglas a multifuncionalidade
simplesmente não funciona. Digo isso, usando a fala do entrevistado como referência, porque
apesar das estratégias de reorganização do trabalho serem percebidas como pressões, elas não
operam sem questionamento e nem permanecem invioláveis no “chão da loja”.
Outro elemento levantado pelo entrevistado é o de uma ética positiva do trabalho, a
necessidade de fazer bem feito, expressa na fala: “Eu desempenharia a minha função melhor”;
o que é comprometido pela sobrecarga causada pela multifuão. O fato de ajudar os colegas,
de cooperar, discurso defendido pelas Pernambucanas e outras tantas empresas, aparece
criticado na fala de Douglas por desorganizar o trabalho bem feito e colocar em risco as
vendas.
Nessa direção, Douglas reclama como sendo mais positivo o trabalho dividido em
funções específicas, argumentando que cara feia, estupidez e grosseria, produtos de muito
cansaço, não ajudam a vender mercadorias. Desse modo, como admite Antônio Bosi, na
prática, o trabalho flexível executado na órbita de uma pretendida qualidade total que é
receitada pelas cúpulas gestoras do processo de trabalho (e admitido como realidade
inescapável por muitos estudos) gera mais problemas e conflitos do que é capaz de
resolver
139
.
Importante também a fala de Douglas de que clientes e funcionários reclamam da falta
de funcionários para o atendimento, o que determina uma crítica à chamada multifunção.
Elemento esse que é complementado pela crítica do entrevistado ao que a empresa denomina
de benefício ao trabalhador: plano de saúde, informatização, plano odontológico, etc. Douglas
138
Entrevista concedida por Douglas Marcel Junges em 9 de janeiro de 2007.
139
BOSI, Antônio. Relatório de Pesquisa. “A organização capitalista do trabalho ‘informal’”. CNPq. Novembro
de 2007. p. 23.
156
chama isso de “ilusão” porque para além de ser o funcionário quem gera lucro para a empresa,
por estar o funcionário amparado numa legislação trabalhista que determina direitos
conquistados pelos trabalhadores, a empresa não está fazendo nada mais do que concorrer no
mercado. Como diz ele: Se o fizesse isso não tava nem no mercado mais!” Sem contar no
fato de que a empresa diz estar se preocupando com o psicológico e a saúde do funcionário,
mas, na visão de Douglas, está preocupada com o material humano, ou seja, os funcionários,
porque são eles quem produz quem dá lucro para a loja.
Inês Ames Sauer, outra funcionária da empresa, que trabalha há 3 anos, apresenta uma
concepção de multifunção como positiva porque é um aprendizado, além de um mecanismo
que permite a cooperação entre os funcionários. Ela narra:
Se eu precisá é... ir pro caixa, que eu to no caixa, né? E se eu precisá ir vendê
eu vendê. Se a pessoa do caixa precisa ir pra sessão ela vem pra sessão.
Ela vai... o tem essa diferea. Eu do caixa, eu faço caixa. Eu de
vendas, eu faço vendas. Eu do crediário, eu faço crediário. Aqui na loja...
Não tem nada disso não. Se tivé é uma ou outra pessoa que se isola. Mais é...
no geral o funcionamento é... todos fazem tudo, ? Multifunção. Só eles,
uma vez mudô que era multifunção: todo mundo ia fazê tudo. Agora a
impresa tá resgatando um poco o pessoal mais das vendas fica mais na
venda, pessoal do caixa mais especialista de caixa. Duma certa forma eu
acho que o andamento da loja vai melhorá sim, ? Se você fazendo teu
serviço, se eu to sendo caixa e você tá fazendo o melhor, é mais atento, não
tem a preocupação de me dividindo em outras coisas, né? Então eu fazê
aquela função, aquela função o... mais correto possível. (...)É... eu acho
assim... precisa ter os especialistas em cada setor, que esses especialistas
eles também têm que sabê fazê outras funções, porque... porque assim... eu
Inês eu não to os doze meses dentro da loja, vai ter uma época que eu tá
de férias. Então como eu sô visual, eu preciso de alguém pra sabê fao
visual, pra ela me cobrindo nas minhas férias. E eu te que sabê fazê
caixa porque uma hora não vai tê, que saiu alguém do caixa, e eu vô tê que ir
pro caixa, né? Porque nosso quadro de funcionários ele é... baixo, sabe?
Precisava de muito mais pessoas. que a gente sabe que o tem a
possibilidade de contratação porque a gente às vezes extrapola o banco de
horas, porque às vezes a cota, né? É tudo calculado assim, ? Tem que
uma vendedora, tê uma venda média por funcionários. Tem que tê. É... o
banco de horas. Não pode grande, né? Então, isso tudo a gente vai
perdendo funcionários. Então, a gente tem que sabê fazê de tudo um pouco
pra encobrindo a falta daquele funcionário, né? Quando ele de férias,
quando ele de atestado, quando ele tá de folga, né? (...) Então, a
multifunção eu vejo por mim, não é desculpa pra não ter contratação
140
.
A narrativa de Inês deixa claro que ela desempenha a multifunção na loja, assim como
todos os outros funcionários. Segundo ela, porque é uma norma da empresa e todos têm que
fazer. Contudo, ela dá indícios de que tem funcionários que driblam essa norma da empresa.
140
Entrevista concedida por Inês Ames Sauer em 9 de janeiro de 2007.
157
Tal elemento é exemplificado na fala “se tiver uma ou outra pessoa que se isola”. Ou seja, ela
atribui ao funcionário à escolha de realizar a multifunção e uma prática de resistência vem no
sentido de que nem todos o fazem, se isolando, fugindo da realização de outras funções.
A fala da entrevistada indica que apesar dela realizar a multifunção, ela explicita que o
sistema parece não estar dando certo, por isso está sendo reformulado. Concordando com
vários outros entrevistados, ela diz que a empresa está voltando a investir mais no chamado
“especialista”, desde que todos saibam fazer outras funções. Cada funcionário deve ser
especialista na sua função, mas, saber operar todas as outras para, no momento em que
precisem, eles possam cooperar com a equipe.
Inês concorda com esta transformação pela qual está passando a empresa porque ao
não precisar ficar o tempo todo se dividindo entre várias funções, o seu trabalho ficará mais
bem feito ou, como ela mesma diz: “o mais correto possível”. No geral, a fala de Inês parece,
portanto, indicar que a multifunção prejudica a realização do que considera como uma ética
positiva do trabalho, ou seja, a vontade do trabalhador de fazer o trabalho bem feito, que é
ameaçada pela multifunção onde o trabalho realiza as tarefas em parcelas, sabendo apenas um
pouco de cada coisa, perdendo a sua especialidade.
Importante também é o argumento da entrevistada de que a multifunção não é
desculpa para a não contratação de funcionários. Ela diz que todos devem saber fazer várias
funções para cobrir um funcionário ou outro quando estiverem de férias, por exemplo, e não
serão contratados outros no lugar. E, mais curioso ainda, é que ao contrário de outros tantos
funciorios que admitem ser a empresa a culpada da falta de contratação, Inês diz que a
empresa não libera funcionários porque a média do número de funcionários é calculada por
intermédio das cotas e o problema, segundo ela, es no fato de que, às vezes, alguns
funciorios extrapolam o limite permitido para o banco de horas. Isso faz com que a empresa
argumente que se o banco de horas está sendo ultrapassado é porque os funcionários estão
querendo aumentar o seu salário e, por isso, estão dando conta do atendimento ao cliente e de
suas demais obrigações dentro do mesmo quadro de funcionários, não existindo necessidade
de liberar mais contratação.
Na verdade, o que acontece é exatamente o inverso. O banco de horas é extrapolado
porque faltam funcionários na loja. Sem contar que se um funcionário tem que realizar a
função de três, por exemplo, ele consegue aumentar o seu salário porque está aumentando o
tempo de trabalho dentro da loja. Mas o faz porque faltam funcionários que garantam a
produtividade exigida na empresa num período de oito horas.
158
A entrevistada nica Santos, que trabalha 3 anos na loja, apresenta a idéia de
trabalhador multifuncional como o principal elemento do que considera como “novo padrão”
exigido pela loja, especialmente a partir de 2005, estabelecendo uma crítica ao que ela julga
como contradição da empresa: a multifunção. Ela comenta:
Eu fui contratada para trabalhar no crediário e continuo no mesmo setor.
fui promovida, né? Pra coordenadora administrativa, mas continuo no
mesmo setor. (...) Só que de uns anos pra cá a Pernambucanas fala muito em
padronizar. (...) Voé... nós temos o que nós chamamos de multifunção:
cada funcionário deve desempenhar, ser especialista no seu setor, no meu
caso crediário. Mas eu tenho que saber operar caixa, saber atender. (...)
Então... quando eu comecei a trabalhar aqui eu desempenhava apenas o
papel de crediário. Depois com o tempo eles começaram a querer preparar a
gente pra venda. Então cada vez mais é exigido. (...) E a multifunção foi um
surgimento desse novo padrão, esse padrão da pessoa aprender a operar
caixa quando ela é apenas vendedora. Aprendeu, volta pra sua especialidade.
Quando necessitar ela volta pro caixa. Mas quando não ela continua sendo
especialista na sua área. Mas mais quando precisar. Com certeza depende
muito do funciorio. Uma porque essa multifunção, a empresa acredita que
ela o precisa contratar mais funciorios porque ela tem funciorios
capacitados pra desempenhar duas ou até mais funções, com certeza. Mas
isso sobrecarrega o funcionário, ele perde seu foco no atendimento é... muda
o ponto pra arrumação, pra operação de caixa e deixa o cliente muito mais
solto, sendo que a empresa bate muito forte em cima do atendimento ao
cliente, foca muito que os funcionários atendam aos clientes, mas não
viabiliza funcionários suficientes. E isso mudou em novembro de 2005 e eu
entrei em agosto de 2004. Algumas vezes alguns setores precisavam de
ajuda, que auxiliava, não executava a fuão sozinho, a gente ia como um
quebra-galho. Depois que a empresa se preocupou em criar um funcionário
capaz de operar sozinho várias funções: vendas, atendimento ao cliente,
crediário, atendimento ao cliente no caixa e, inclusive quando eu entrei, nós
éramos em 23 funcionários, hoje somos 17, devido a essa multifuão
141
.
A narrativa de nica Santos indica que o processo de implantação da multifunção
passou por diversos momentos, apontando, inclusive, o período de intensificação do sistema.
O argumento de Mônica é diferente do de outros funcionários da loja, inclusive a periodização
da multifunção é datada diferentemente por cada trabalhador, assim como é percebida e
experimentada de diversas maneiras pelos mesmos.
Na visão da entrevistada é entre 2004 e 2005 que ocorre a implantação do sistema
multifuncional, sendo 2005 o ano da intensificação do processo. Diferentemente de outros
funciorios que acreditam que existe atualmente a multifuão ou que não existe mais ou
ainda que a multifunção seja realizada apenas por alguns setores ou por alguns poucos
trabalhadores, nica diz que o processo de multifunção tem diferentes momentos, sendo o
141
Entrevista concedida por Mônica Santos, em 16 de janeiro de 2007.
159
primeiro o de tentativa da implantação do sistema, cujos funcionários deveriam agir como
“quebra-galhos” na loja, atuando em outros setores apenas como auxiliares. No momento em
que se intensifica o processo, que ela denomina como surgimento do “novo padrãoexigido
pela empresa, é que o funcionário não é mais um auxiliar, mas sim um trabalhador capacitado
a “sozinho” desempenhar várias funções, ou melhor, todas as funções e setores da loja.
Inicialmente, portanto, o funcionário era um especialista no seu setor, aprendendo a
desenvolver algumas funções na empresa para quando fosse necessário cooperar com a
equipe. Atualmente o funcionário não deixa de ser especialista no seu setor, mas ele deve
saber realizar todas as funções da loja para que ele consiga auxiliar, quando preciso, com
capacidade igual a do especialista do setor onde está contribuindo.
Outro argumento importante de Mônica é o de que a empresa acaba se tornando
contraditória ao enfatizar a multifunção, sendo que admite ser o seu objetivo principal o de
“focar o cliente”. Segundo ela o funcionário se sobrecarrega ao realizar a multifunção
“deixando o cliente muito solto”, o que gera conflitos entre os próprios funcionários e,
também, com os clientes. Tal argumento convergente com o de muitos dos funcionários da
loja, assim como a reclamação e crítica à empresa acerca da falta de funciorios, oriunda da
redução no quadro de trabalhadores devido à multifunção, o que sobrecarrega os funcionários
em detrimento a tentativa da empresa de exigir que o funciorio realize uma rie de funções
para o ampliar o quadro de trabalhadores, tendo em vista que os mesmos estão aptos,
capacitados a realizar todas as funções da empresa, realizando, um único funcionário, por
vezes, o serviço de outros três.
Outra funcionária, Elisângela Gomes, que trabalha há 4 anos nas Pernambucanas,
apresenta, assim como nica, a multifunção como um processo de contradição dentro da
empresa. Porém, a contradição apresentada por ela é diferente da de nica, denunciando os
conflitos existentes entre os setores da loja, ocasionados pela multifunção. Ela comenta:
Eu acho que o ramo mole, né? Tem o eletro e o ramo mole, né? ele é um
pouco desvalorizado o ramo mole. O eletro quando precisa de ajuda a gente
vai pra, mas dificilmente eles vêm ajudar nós, nessa parte acho que tá
meio desorganizado. Isso é porque a loja difunde um pouco aquela coisa de
multifunção e acaba sendo um pouco contraditório essa coisa do eletro com
a... Porque, eu penso assim, faz uma coisa que vonão vai ganhando por
aquilo, ? Que nem sábado, eu e a Juliane estamos pro eletro que nós
não ganhamos no eletro, nós ganhamos do vestuário e do cama, mesa e
banho, com certeza perdeu é... venda na cama, mesa, banho e vestuário
e o eletro ganhô, que... na hora de recebê. Então acho que é assim, não
sei, acho que essa multifunção ficô muito complicada, não sei se nós não se
adequamos a isso ainda, né? já vai fazer dois anos agora em novembro, vai
fazer um ano e pouco que nesse ritmo de função. Antes dera, tipo assim
160
era, você tinha a tua cota individual e tinha suas metas individuais, ali tinha
cadastro, tudo, tudo era individual, comissão, pra você trabalhá pra você
mesmo. E agora a cota é por setor, por departamentos
142
.
Na fala de Elisângela a multifuão aparece como contraditória porque a empresa
determina que todos os setores e funcionários devesse realizar a multifunção. Contudo, o
ramo mole realiza a multifunção, ajudando inclusive o eletro, que não sai do seu setor. Isso,
segundo ela, traz conseqüências até para o salário dos funciorios, sendo que ela estabelece
uma reclamação à empresa concluindo que antes da implantação da multifunção existia
produtividade, mas ela era distribuída individualmente, assim como o cálculo e a composição
do salário – nas palavras dela: “você trabalhava pra você mesmo”.
Atualmente a cota é distribuída por departamentos, por setores e, para Elisângela, a
multifunção complicou esse sistema e prejudicou alguns funciorios, especialmente do ramo
mole, porque estes ajudam a fechar a cota de outros setores como o eletro e o recebem nada
por isso. Pelo contrário, perdem de vender no seu setor e ter a possibilidade de aumentar o seu
sario.
Importante perceber também que a entrevistada critica o sistema de multifunção no
sentido em que acredita que ele a afeta, bem como o seu setor. Do mesmo modo, não
determina unicamente à empresa a insuficiência, a inoperância da multifunção, admitindo que
o problema possa estar nos funcionários que em dois anos não se adequaram ao ritmo
estabelecido, desejado pela loja.
Esta fala de Elisângela indica que as estratégias, discursos e ditames da empresa não
o manuais invioláveis e inquestionáveis a serem seguidos pelos trabalhadores. A empresa
tenta reorganizar o trabalho, mas para isso depende dos trabalhadores, que imprimem sentidos
e ditam dinâmicas no chão da produção, mostrando que se um sistema é constantemente
alterado, transformado, é porque os trabalhadores pressionam, convivem num embate, numa
luta.
No geral, as falas dos trabalhadores, alicerçadas em suas experiências, indicam que o
sistema de multifunção parece o funcionar. Vários o os indicativos de que o sistema
proporciona uma série de problemas, que o possibilitam a exatidão de sua proposta. O
trabalhador se nega a intensificar o seu trabalho não apenas devido ao exercício da
multifunção, mas porque se nega a ter seu trabalho intensificado nestas condições. Isso sem
contar na negatividade expressa pelos funcionários no sentido de que além dos trabalhadores,
às vezes, serem pressionados a realizar a multifunção auxiliando outros setores quando for
142
Entrevista concedida por Elisângela Gomes, em 8 de janeiro de 2007.
161
preciso, ela se torna negativa mesmo quando aumenta proporcionalmente os rendimentos
porque o salário parece não justificar a sobrecarga de trabalho. É possível considerar também
o fato de que a multifunção limita o saber do trabalhador, porque ao aprender um pouco de
cada coisa ele acaba não aprendendo por completo nenhuma função, nem a de sua
especialidade.
As constantes queixas dos trabalhadores, assim como a revisão que fazem do sistema,
sugerem que talvez o seu mau funcionamento se deva às práticas dos trabalhadores que
resistiram a ele, buscando restaurar a “antiga” ordem (ou rotina) do trabalho. Apesar da
resistência rotineira, quase silenciosa dos trabalhadores, é inevel a pressão e o ambiente de
luta disputado com a empresa em relação à multifunção. Nesse sentido, a partir das pressões
dos trabalhadores diante do mau andamento do sistema, da negação de terem seu trabalho
intensificado nestas condições, a empresa volta a investir no chamado “especialista”.
3.2NA JULA COM OS LEÕES”:
O PROCESSO DE TERCEIRIZAÇÃO VISTO ATRAVÉS DA PRÁTICA
DO TRABALHO TEMPORÁRIO
A introdução de novas tecnologias e modos de gerenciamento nas Pernambucanas
engendrou outros viveres e novas disputas na vida e no trabalho dos funciorios. O sentido
da “modernização” e da reestruturação da produção pretende cunhar um significado para a
empresa de progresso, de desenvolvimento e de integração privilegiada nos mercados
nacional e internacional, enfim de inserção na ‘sociedade globalizada’. Porém, da análise de
narrativas que os trabalhadores constroem sobre seus enredos, emergem outras relações e
vivências deste período, que disputam os significados e o sentido destas mudanças.
A terceirização
143
, praticada pelas Pernambucanas por intermédio de subcontratações,
do trabalhador de tipo temporário, é outro exemplo do processo de mudanças ocorrido na
143
Mario Sergio Salerno problematiza o conceito de terceirização do seguinte modo: Uma empresa (...), em seu
processo de terceirização, desfaz-se de seu setor de manutenção, passando a contratar uma firma especializada
para realizar a atividade. A firma contratada presta serviços de manutenção; é uma empresa classificada no
setor de serviços da economia. Nas estatísticas, o que ocorre? Aumento do emprego nos serviços, diminuição do
emprego (...). E no mundo real, o que ocorre? Talvez somente a mudança da relação empregatícia do pessoal da
manutenção, se a empresa especializada contratar os ex-funcionários (...). Ou talvez uma degradação das
condições de trabalho se a empresa terceirizada (prestadora do serviço) pagar salários menores, se seus
funcionários tiverem menores direitos fatos que se têm tornado cada vez mais comuns em muitos processos de
terceirização, principalmente naqueles em que os sindicatos não tiveram força suficiente para fazer valer os
direitos e interesses dos trabalhadores. Essa dinâmica não é explicada pela classificação setorial indústria x
serviços”. SALERMO, Mario Sergio (org.). “A seu serviço: interrogações sobre o conceito, os modelos de
produção e o trabalho em atividades de serviços”. In: Relação de serviço: Produção e Avaliação. São Paulo: Ed.
SENAC São Paulo, 2001. p. 12-13
162
empresa, interpretado e vivenciado de diferentes formas pelos funcionários, construído, assim
como a multifunção, num espaço dinâmico de embate, de luta de classes, de antagonismo.
As contratações dos trabalhadores temporários na empresa existem desde o início da
década de 1990 e têm por objetivo contribuir com os setores por um período de
aproximadamente três meses, no final do ano, juntamente com o quadro de funcionários
efetivos. Na loja de Marechal Cândido Rondon elas começam a ocorrer em torno de 1998,
momento em que a contratação dos temporários na rede das Casas Pernambucanas é efetuada
não mais pela empresa, mas por uma entidade terceirizada, chamada “People Domus
Assessoria em Recursos Humanos LTDA”
144
, de São Paulo, responsável pelo pagamento,
aprovação e legislação do processo de trabalho dos subcontratados.
Muitos dos trabalhadores efetivos das Pernambucanas trabalharam como
temporários e, quando da abertura de uma vaga efetiva, foram chamados a ingressar. Contudo,
a experiência de trabalhar como temporário, assim como a experiência de trabalhar junto com
um temporário, é percebido distintamente entre os funcionários, representando inclusive, em
determinados momentos, conflitos nos modos de trabalhar, bem como a representação de uma
ameaça de perda de emprego para alguns funcionários, especialmente os mais antigos.
A funcionária Mônica Santos, nome fictício, vê como positiva a contratação dos
temporários porque o quadro de efetivos na empresa é bastante reduzido e, no final do ano,
tendo em vista que as vendas dobram, seria impossível desempenhar todas as atividades
exigidas sem ampliar o quadro de funcionários. Ela argumenta:
A contratação dos temporários é feita normalmente em novembro. E...
importante porque é o período em que as vendas praticamente dobram e... na
verdade nem é a Pernambucanas que contrata, é uma empresa terceirizada, a
Pernambucanas não trabalha com funcionários temporários, ela terceiriza.
Em relação aos funcionários efetivos da loja é um pouco crítico porque é
pouco tempo pra eles aprenderem e eles já são praticamente jogados na jaula
junto com os leões
145
.
Importante perceber que a fala de nica indica o interesse das Pernambucanas por
não ampliar o quadro efetivo de funcionários e, por isso, terceiriza mão-de-obra no período em
que o fluxo de clientes, bem como as vendas na loja, aumenta. Interessante também é a
percepção da entrevistada quanto à precarização de tal mão-de-obra, representada pela fala de
que os temporários “são praticamente jogados na jaula junto com os leões”.
144
Informação pronunciada pela funcionária transferida da filial de Rondon, Franciele Cristina Capoia, no
momento da produção de sua entrevista, dia 25 de agosto de 2006.
145
Entrevista concedida por Mônica Santos, em 16 de janeiro de 2007.
163
No geral, a entrevistada aponta para a precarização do trabalho dos efetivos, bem
como dos temporários. Porém, é importante perceber o indicativo dela de que já é difícil
trabalhar numa função efetiva na empresa, sendo que você é treinado para aquilo, tem certo
tempo para apreender o ofício; ao contrário do temporário que não é treinado, não conta com
tempo adequado para apreender a função e é praticamente obrigado a desempenhar não
somente a função para que foi contratado, mas outras funções, que a loja trabalha num
sistema de multifunção.
Outro entrevistado, Douglas Marcel Junges, apresenta argumentos semelhantes aos de
nica, percebendo a importância da contratação dos funcionários temporários no sentido da
ajuda que dão aos efetivos no período em que trabalham nas Pernambucanas. Ele, inclusive,
chega a justificar a importância dos temporários no que concerne à sua ppria função como
vendedor. Douglas comenta:
Eu acho que é importante sim. Se não tivesse os funcionário temporário final
do ano eu já tinha levado um soco! Porque é muito cliente. Só que... é um
tempo muito curto que eles ficam, né? Não são treinados. Então, eles têm
que exercê funções de organização, não funções especificas que
desenvolvem num treinamento, né? Um conhecimento a tá exercendo, né?
Mas eles são importantes. Agora a contratação deles eu acredito que a
empresa pegue pessoas que possam, num curto prazo, apreender ou
possam, na oportunidade, dependendo do esforço dela e do que que ela
apresentô prá empresa, né? Ela pode contratada, como já houve na nossa
loja
146
.
Douglas indica claramente que se não houvesse os temporários no final de ano os
efetivos não dariam conta de realizar todas as funções das quais são encarregados,
comprometendo o andamento das vendas e o funcionamento da loja. Por outro lado, ele
reconhece não apenas o quanto a sua mão de obra e a dos demais efetivos é sobrecarregada
pela intensificação dos ritmos de trabalho na loja, como também as dificuldades pelas quais
passam os temporários, que, sem treinamento prévio, são obrigados a desempenhar uma série
de funções, num curto período de tempo, numa espécie de teste elaborado pela empresa, acaso
existam futuras vagas para efetivos.
A fala de Douglas sugere, até mesmo, o tipo de profissional objetivado pelas
Pernambucanas quando da contratação dos temporários. Além de ser jovem e ter
disponibilidade para cumprir longas jornadas de trabalho e ritmos intensos, é preciso que o
funciorio seja o apenas jovem e com disponibilidade para cumprir longas jornadas de
trabalho e ritmos intensos de trabalho, mas ágil no exercício de várias funções, com
146
Entrevista concedida por Douglas Marcel Junges em 9 de janeiro de 2007.
164
“facilidade” para apreender rápido, interessado em contribuir para o cumprimento da
produtividade estipulada pela empresa.
De maneira diferente de Douglas e Mônica, a funcionária transferida para outra filial,
Franciele Cristina Capoia, que trabalha 2 anos na empresa, argumenta que a contratação
dos temporários é uma espécie de benecio oferecido pela empresa acaso exista possibilidade
de contratação futura para efetivos. O serviço é, para ela, uma espécie de oportunidade para
que o funcionário mostre seu desempenho, se encaixe no perfil exigido pela empresa,
dependendo dele tornar-se apto para ingressar na empresa acaso exista vaga. Franciele admite:
nesse período. E então é mais complicado. É uma empresa terceirizada
que faz, uma empresa de São Paulo, a gente faz a seleção e é contratado por
eles. Então a pessoa que é contratada por um mês, dois meses ela é
contratada pela empresa, no caso, pela People Domus. A seleção é a mesma
pra contratar funcionário pra Pernambucanas. a diferea é que sendo
contratado pra um serviço terceirizado. (...) É mais pro período que a loja
precisa do temporário. Mas é claro, houve casos de pessoas que ficaram na
loja. Teve pessoas que se destacaram tanto que assim que abriu uma vaga foi
chamado essas pessoas. Porque assim... vofica ali um mês, dois meses e a
pessoa apreende tudo, tudo não, ela apreende muita coisa sobre a loja, ela
tem uma experiência de Pernambucanas. E se ela se destacou, se ela atendeu
bem, se ela trabalhou no crediário e... caixa, geralmente é difícil, é mais
complicado. Mas se ela se destacou assim que abre vaga se a pessoa ainda
tem disponibilidade de trabalhar com a gente a preferência é pra ela, que a
gente tem esse conhecimento, teve convivência nestes dois, três meses,
sabe como é que é, até a questão de índole da pessoa, como que ela vai se
comportar diante de certas situações, com os clientes e tal. Então geralmente
os temporários são beneficiados quanto à contratação
147
.
A fala de Franciele admite, portanto, o período de trabalho dos temporários como uma
espécie de teste para os funcionários temporários, no sentido de identificar se estes têm
condições de trabalhar na equipe, de incorporar o “espíritoda empresa. Importante, nesse
sentido, o fato dela concluir que os critérios utilizados para contratar um temporário são os
mesmos do que para os efetivos, com a diferença de que são funcionários terceirizados, mas
que, por trabalharem na empresa, devem buscar se inserir, conhecer a dinâmica de trabalho e
da empresa, bem como se destacar a partir da experiência que tiveram de Pernambucanas para
que, acaso exista vaga, sejam, de acordo com ela, “beneficiados quanto à contratação”.
Como se vê, Franciele o chega nem a comentar que os temporários contribuem com
o trabalho dos efetivos, que são necessários e, ao mesmo tempo, funcionam como uma
espécie de cobertura ao quadro reduzido de funcionários. É como se Franciele atribuísse ao
temporário a responsabilidade para garantir a sua entrada como efetivo na empresa acaso
147
Entrevista concedida por Franciele Cristina Capoia em 25 de agosto de 2006.
165
exista uma vaga. Se ele se encaixar no perfil exigido, destacando-se, sobressaindo-se sobre os
demais temporários e, até mesmo, sobre efetivos da loja, ele garante a sua entrada. Ou seja, o
trabalho do temporário é visto por ela como uma oportunidade dada pelas Pernambucanas aos
que desejarem entrar, assim como é responsabilidade do funcionário lutar para ingressar na
empresa.
O funcionário Lauro Dutra Moura, que trabalha há 2 anos na empresa, concorda com o
argumento de Franciele de que os temporários são uma espécie de teste elaborado pela
empresa em caso de futuras contratações, sendo os que se adaptam ao sistema exigido
efetivados posteriormente e, os que o agradam, descartados. Porém, ele atribui ao gerente e
à maneira como este trata os temporários, a responsabilidade pela contratação e pela forma
com que deve ser encarado o trabalho pelo trabalhador. Ele diz:
Quanto aos temporários, isso depende do gerente. A maior lição que eu
tenho é do Luciano. No dia em que ele fez o teste pros temporários, em
momento algum ele tratou os temporários da forma como que o último que
contratô tratô, que ele simplesmente virô pra eles e falô: me faça um texto
e depois eu ligo pra vocês. Fizeram o texto e pra um que ele ligô ele falô
assim: você foi o menos pior! Então ele vai falar o quê? Vai dizer o quê? O
cara simplesmente entrô pensando que não tinha nenhum funcionário
perfeito. Mas eu acho que num ponto de vista eu concordo com ele, não tem
mesmo. Mas o que ninguém seja da forma com que ele pensou, né? Eu
acho que temporário é mais um teste, porque vão contratar o temporário
provavelmente pra ele ser efetivado posteriormente. Alguns casos não
conseguem exatamente por causa que eles dão uma determinada
demonstração no serviço deles de temporário, se por um acaso não agrada,
eles são descartados. Em alguns momentos vo prefere que o temporário
seja efetivado, porque geralmente ele mostra mais serviço, mais empenho,
mais depois quando ele é efetivado sempre cai o rendimento dele, o é a
mesma coisa, não tem aquela mesma inteão, aquela mesma vontade de
fazê as coisas
148
.
Tanto Lauro quanto Franciele parecem ter razão ao dizer que a empresa “prepara” seu
próprio exército de reserva a partir dos temporários. O trabalho temporário funciona para a
empresa como a possibilidade de escolher, diante de uma gama de trabalhadores que precisam
de emprego, um ou mais trabalhadores que se encaixem no perfil da loja, que concordem em
“consentir” a exploração sobre seu próprio trabalho. Ao longo do trabalho como temporários
eles são treinados e também descartados conforme o “teste” exigido pela empresa,
conforme o desempenho diante das condições estabelecidas para o trabalho. Este é um tipo de
pressão construído pela empresa e que provoca, conforme muitos entrevistados, grandes
tenes e receios em meio aos funcionários da ativa.
148
Entrevista concedida por Lauro Marciano Dutra Moura em 10 de janeiro de 2007.
166
Outra questão importante levantada por Lauro e que diz respeito ao trabalho
temporário é a de que a possibilidade de existir uma vaga efetiva para os funcionários faz com
que estes se esforcem talvez muito mais do que é inclusive solicitado pela empresa,
objetivando, provavelmente pela necessidade de um emprego, “demonstrar serviço” enquanto
trabalham como temporários para tentar garantir uma vaga como efetivo. No entanto, segundo
ele, a necessidade do emprego, que faz com que o temporário se esforce para ser efetivado,
parece não permanecer em determinados casos, pois alguns depois de efetivos caem o
rendimento, o se empenham mais como quando desejavam fazer parte do quadro oficial.
Isso sugere uma série de coisas: que a luta por emprego no mundo atual é constante, o que faz
com que muitos se sujeitem a uma exploração intensificada com o intuito de conseguir
ingressar no mercado de trabalho; que com o tempo os trabalhadores passam a perceber o
jogo da produção e, por vivenciarem este jogo, disputam espaços, reivindicam posições, lutam
por melhores condições, disputam o tempo na produção, resistem a determinadas normas e
imposições, entre outros elementos.
Importante perceber com relação ao “demonstrar serviço”, que nada mais é que o
sobre-esforço do funcionário no espaço de trabalho, mencionado por Lauro e Franciele, é que
o aumento do trabalho pode resultar um aumento de salário, mas resulta também em maior
produtividade para a empresa. Ou seja, quanto mais se corre atrás de cumprir a produtividade,
esforçando-se e gerando um sobre-esforço, a empresa não apenas aumenta seus lucros, como
aumenta cada vez mais a produtividade, os números em termos de cotas, intensificando ainda
mais o trabalho dos funcionários.
Outra funcionária, Andréia Amaro, uma das últimas funcionárias efetivadas nas
Pernambucanas, que trabalhou por dois anos como temporária e está como efetiva nas
Pernambucanas há 8 meses, complementa a fala de Lauro no sentido de que a necessidade por
um emprego faz com que o trabalhador se sujeite a uma série de coisas, “mostre serviço” ou,
até mesmo, passe a ficar esperando uma vaga na empresa. Para além de precisar do emprego,
o trabalhador pode desempenhar tudo o que lhe foi solicitado enquanto era temporário.
Andréia conta:
Eu acho que é uma oportunidade pras pessoas tá conhecendo um pouco
mais, né? Que nem eu trabalhei como temporária, pra mim foi uma
experiência muito boa, sabe? Eu me senti muito bem com os funciorios
ali. Eu não tinha aquele medo de chegar, de falar, de me expressar com
ninguém, até mesmo com o gerente, com o Luciano. Eu achava muito
bacana, acho muito legal a... como que é a relação entre os funcionários ali
dentro. Eu particularmente fui muito bem tratada quando eu trabalhei como
temporária, não tenho do que reclamá, né? Agora das outras pessoas... cada
167
um é cada um, acho que vai delas, né? Delas mostrarem, conquistarem,
conquistar seu espaço. (...) Acho também que o temporário é uma
possibilidade para gerar uma futura contratação, eu acho, experiência
própria, né? Esperei, tive paciência, esperei dois anos, né? Mas agora
efetiva!
149
Andréia apresenta o trabalho temporário como uma oportunidade de conhecer a
empresa para, acaso exista contratações posteriores, assim como é obrigação do temporário
conquistar o seu espaço, se relacionar bem com a gerência e com os demais funcionários para
que, a partir disso, exista a chance de ser efetivado. Isso é o que justificar, a partir da
experiência dela e, segundo ela, o fato de ter esperado dois anos para ser efetivada nas
Pernambucanas, estando procurando emprego nesse período, permanecendo em alguns por
pouco tempo e entrando como temporária várias vezes no intuito de conseguir ingressar
efetivamente na loja.
Levando em conta as diferentes concepções atribuídas pelos funciorios à prática do
trabalho temporário, da terceirização na empresa, representado aqui por intermédio da
contratação dos temporários, é possível perceber os vários embates traçados na loja com
relação à utilização de tal mecanismo, bem como as conseqüências dele para os trabalhadores
e as mudanças existentes no mesmo e no chão da loja.
Exemplo disso está nos argumentos construídos por Marlei Biccigo, que explicitam
principalmente a última alteração ocorrida com relação ao sistema de contratação temporária
na loja, que trouxe conseqüências para todos os funciorios. Marlei narra:
Eu acho que os temporários é... o sei se é bem esse critério que é usado.
Sei queé mais... que nem no final do ano o rapaz teve no lugar do
Luciano ele disse assim: Ele tem que... o temporário que é alguém que tá
trabalhando, ele sabe que ele vai ser temporário, que então, assim, já evita
de pegar pessoas que tem filhos, porque a pessoa pode imaginar que ela pode
ficar na empresa. Realmente, de repente se um dia precisar e se você se
destacou pode, que é assim, né? Só por algum tempo. Então ele e outros,
até o sei se ele comentou de pegar gente que qué dinheiro pra sair pra
balada, pra comprar uma roupa nova, pra gastar, não uma pessoa que
realmente precisasse de um emprego, ? Isso, a relação deles com a loja,
realmente eles se habituaram bem, né? Um se deu bem com todo mundo,
acho que não teve ninguém assim... até inclusive a Andréia que foi
temporária na loja hoje efetivou, né? Assim não tem como contratar todos,
várias pessoas que passaram por lá, de repente seriam bem capaz, assim... a
gente viu que não tem como contratar todos, ? Mas a relação, assim é
legal mesmo no final do ano, a gente contratou o Paulo que agora que o
Lauro que tava doente nesse final de semana, dia das mães, o Alexandre de
rias e chamou ele. Ele veio lá dois dias ajudar, né?
150
149
Entrevista concedida por Andréia Amaro em 15 de janeiro de 2007.
150
Entrevista concedida por Marlei Cristina Biccigo em 16 de maio de 2007.
168
Marlei está se referindo a uma mudança nos critérios de contratação dos temporários,
que não parece se aplicar a toda a rede das Casas Pernambucanas, mas sim na filial de
Rondon devido à troca de gerente. Possivelmente outras filiais sigam os mesmos critérios,
mas não por padronização ou exigência comum da empresa. No geral, a entrevistada está
descrevendo como ocorreu o último processo de contratação dos temporários de modo a
estabelecer um comparativo com a antiga gerência, expressa pelos anos anteriores.
Marlei um indicativo com relação a um tipo de exceção concernente ao trabalho
temporário, realizada recentemente pela empresa. Ela está se referindo ao fato de que as
Pernambucanas admitem a prática do trabalho temporário apenas no final de ano, por um
período que varia de um a três meses, mas abriu uma exceção na contratação de temporários
como uma espécie de “quebra-galhos” fora do período costumeiro de contratações. Como
exemplo Marlei comenta sobre um funcionário que trabalhou como temporário no final de
ano e, devido ao seu desempenho, foi chamado novamente pela empresa para trabalhar em
dias fora do rotineiro para as contratações de tipo temporárias. Além disso, ela comenta de um
critério alterado pelo último gerente que é o de contratar pessoas jovens, que não
necessariamente tenham família, filhos, dependendo de um emprego para sobreviver, porque
elas se esforçarão bastante durante o servo temporário na esperança de conseguir uma vaga
como efetivo posteriormente. O gerente atual parece admitir que não é impossível haver
contratações posteriores, mas que se a pessoa não necessitar muito do emprego ela não gerará
atritos para empresa, pois está consciente de que exerceapenas um trabalho temporário,
não fazendo parte do quadro de funcionários Pernambucanas.
Os elementos levantados por Marlei são importantes porque permitem traçar um
paralelo com outras falas, como a de Franciele Uhry, contratada recentemente na loja, e que
indica as conseqüências do último processo de contratação e desenvolvimento dos
temporários. Segundo ela, o processo parece ter gerado conflitos na loja e resistências
inclusive da parte de alguns temporários quanto ao funcionamento da empresa e da ppria
exincia aos temporários. Franciele conta:
Eu não sei porque o ano que eu entrei agora, que passei, os temporários
foram péssimos. Meu Deus, antes nunca, nunca, nunca teve um quadro tão
ruim. O pessoal faltava, trouxeram até atestado falsificado aqui pra dizer que
tava doente, sabe? Que o pai falsificou no hospital. Nossa, foi horrível! Sabe,
quando mais a gente precisava, na época de natal, aquela correria na loja, a
gente tem que se virar entre nós mesmos. No último dia, que era pra todos
virem, no dia 30, não veio nenhum temporário, o menino do eletro que
veio, que eles são contratados pelas Pernambucanas mesmo, os outros são
pela People Domus. Então, não veio nenhum temporário no último dia de
trabalho, não veio ninguém. Tanto é que uma me ligou de manhã:
169
passando mal! De meio dia veio aí fazer compras. Foi péssimo mesmo, acho
que tão pra ajudar e não pra prejudicar a gente, né? Esse final de ano o
temporário foi bem feio mesmo. Mas eu acho importante, eu acho que é pra
ser contratado é que precisa mesmo no final de ano, né? que não é pra
atrapalhar em vez de ajudar!
151
A experiência de alterar os critérios de contratação, realizada pelo novo gerente,
descrita por Marlei, parece ter reflexos, que são mencionados por Franciele em sua fala. Não é
possível afirmar que o fato das pessoas contratadas serem jovens e não dependerem
exclusivamente do trabalho como temporário para sobreviver fez com que não trabalhassem
intensamente do mesmo modo como os temporários dos anos anteriores trabalharam.
Contudo, o fato é que foi unânime o comentário de que a última contratação de temporários
foi frustrante para a equipe porque os trabalhadores que foram contratados no intuito de
favorecer o quadro, diminuindo ou procurando equilibrar os intensos ritmos de trabalho entre
os funcionários, descumpriram com rias das exigências da empresa, a exemplo do ritmo
acelerado de trabalho, expresso principalmente pelo período de novembro a janeiro.
Outro argumento importante é o de que os temporários são contratados para ajudar os
funciorios e não para atrapalhar. Ou seja, as contratações servem para auxiliar no
atendimento aos clientes e no cumprimento das cotas, que o extremamente elevadas
principalmente no mês de dezembro. Todavia, o fato de alguns temporários não trabalharem
todos os dias nas prolongadas jornadas exigidas pela empresa, nos intensos ritmos de trabalho,
não são vistos pela grande maioria dos efetivos como um ato de percepção dos trabalhadores
temporários acerca de que é um exagero a flexibilização e a intensificação exigida nas
Pernambucanas e que os mesmos talvez não estivessem acostumados a ritmos tão intensos.
Por outro lado, não é possível admitir com certeza que este seja o motivo que tenha
levado os temporários, exceto um, a não trabalhar por diversos dias, inclusive no dia 30 de
dezembro, data de muito fluxo de clientes na loja. O que não significa que, tal suposição não
possa ser feita, afinal o argumento dos efetivos é de que apenas um temporário cumpriu com
todas as exigências da empresa no período, os demais boicotaram, utilizando até de “atestados
falsificados”, como admite Franciele, para justificar a ausência no trabalho.
Outra funcionária, Lúcia Bernadete Kaiser, que está há 19 anos nas Pernambucanas,
apresenta vários do que julga serem critérios adotados pela empresa para contratar os
temporários, assim como pontos positivos e negativos com relação ao trabalho dos mesmos, a
relação que mantém com os demais da loja, entre outros. Lúcia comenta:
151
Entrevista concedida por Franciele Alexandra Uhry em 17 de janeiro de 2007.
170
A maioria no geral tem um bom entrosamento com os funcionários. Alguns
depois são contratados pela empresa e outros o. Eles pegam pessoas
jovens que não tem vínculo em outro lugar (...) E... gostam muito de pegar
estudante mesmo. Eles vão entrando porque ali essas pessoas podem
crescer um pouquinho sem risco, ? Porque eles na loja tão junto, então
nisso vai se tem potencial pra chamar junto (...) e tem... tem bastante
gente trabalhando como efetivo, que foi temporário. (...) Tem atritos com
os temporários, no geral, com os efetivos porque têm alguns que se sentem
ameaçados pelos temporários, mas o deveria, não tem nem porque se
sentir ameaçados porque o temporário ele é temporário e ele não sabe o que
faz e ele não sabe o que fazer e ele não vai saber e ele nem sabendo. O
tempo é muito curto pra ele ter experiência, pra tirar você do lugar, se
for... ele for mais esperto que você. Mas... ele não... o temporário não
deveria tratar ele mal, deveria tratar ele bem porque tá somando pro teu
salário, porque ele vai vim pro provador, ele vai vim pro depósito, pra abrir
caixa, ele vai vim pro crediário, né? Então, ele tá somando, tem que ser
pensado que ele vem pra somar e não pra subtrair e ele vai ajudar as cotas
com o serviço que ele fazendo. (...) E também tem aquelas pessoas que
você contrata, que voacha que é uma excelente pessoa, mas dois ou ts
dias você vê que o vai, como já aconteceu e já foi despedida, não se
encaixou. E também queria que a empresa pensasse assim que os
temporários não podem entrar por amizade, eles têm que ser mais no
profissional. Eu não posso chegar no amigo do fulano porque d esse
amigo, enfim... acho que você fez o que vo fez por mim, eu pensei que
nem... se eu indiquei ele pra você: olha onde você pôs ele pra trabalhar!
Então ali, então eu acho que não deve ser pela amizade, devia ser
profissional: ‘vamo trabalhar, vamo contratá o pessoal, ta?é comissionado
pra não perder a amizade, sim! Mas pelo temporário. Agora se você... aí...
agora acha que alguém que você conheça isso também, é só manter a
educação, né?
152
cia inicia a sua fala mencionando o que considera como uma preferência das
Pernambucanas no momento de contratar os trabalhadores temporários: jovens,
preferencialmente estudantes. Segundo ela isso ocorre por um sentido que, por sinal,
considero dúbio. Ela diz: “Eles vão entrando porque essas pessoas podem crescer um
pouquinho sem risco, né?”. Tal frase pode se referir aos jovens que podem crescer na empresa
sem riscos no sentido de que acaso não consigam uma vaga, eles têm outra opção por conta
dos estudos. Por outro lado, pode se referir aos jovens que, por serem estudantes, não
apresentam grandes riscos aos efetivos, tendo em vista que devem almejar seguir a carreira
para a qual estão estudando, ao invés de verem o emprego nas Pernambucanas como algo
permanente em suas vidas. Nesse sentido, o trabalho do temporário pode ser visto também
como um teste, pois a equipe dos efetivos está composta e trabalha junto. Porém, se o
temporário se encaixar no perfil, “trabalhar direito”, ele pode se juntar ao grupo.
152
Entrevista concedida por Lúcia Bernadete Kaiser em 6 de agosto de 2007.
171
Outra colocação da entrevistada é a de que existe atrito entre os temporários e os
efetivos na loja porque os últimos se sentem ameaçados pelos primeiros, achando que se
houver muito destaque da parte dos temporários, pode haver demissão de efetivos, já que não
há oportunidade concreta da abertura de novas vagas. O argumento de Lúcia, contudo, é o de
que não deveria existir esse medo porque não existem vagas garantidas para novas
contratações, porque os temporários são apenas temporários, porque é pouco tempo o período
que ficam para adquirirem uma boa experiência, assim como precisam dos efetivos para
apreender, são novos e não sabem fazer sozinhos.
No entanto, é importante perceber o argumento de Lúcia de que os temporários podem
tomar o lugar dos efetivos ou representar uma ameaça a eles no caso de demonstrarem maior
esperteza e agilidade da parte dos temporários quando estiverem apreendendo. Isso indica
certo medo de cia ou mesmo de consciência no sentido de que é possível um temporário
entrar no lugar de um efetivo. Por outro lado, seu argumento é complementado pela idéia de
que casos em que alguns funcionários são contratados como efetivos porque mostraram
serviço como temporários, mas depois, com o tempo, foram demitidos porque não se
encaixaram mais no que foi solicitado pela empresa.
A entrevistada comenta também que o temporário, apesar de todos os atritos
existentes, deve ser bem tratado pelo efetivo, ser bem ensinado, porque ele está ajudando os
funciorios a garantirem ou aumentarem o seu salário diante das cotas. Afinal, enquanto
realizam funções menos rentáveis como cuidar do provador, fazer reposição de mercadorias e
arrumar o depósito, sobra mais tempo para que o efetivo “venda”, que é o que “garante” o
recebimento ou aumento do salário.
Por fim, cia lança uma crítica à contratação de temporários “por amizade”, nos seus
termos ou, pelo que popularmente é conhecido por indicação. Segundo ela, esse tipo de
contratação gera atrito até entre os próprios efetivos porque quando um for ensinar ou chamar
a atenção do outro, quem indicou pode se ofender. Por outro lado, o processo pode indicar
também uma espécie de medo de perder o emprego porque os que foram contratados por
indicação “têm as costas quentes”, pois o gerente certamente pediu para alguém de sua
extrema confiança a indicação do funcionário temporário.
A funcionária Inês Ames Sauer comenta sobre os temporários a partir de sua própria
experiência como trabalhadora temporária na empresa. Sua fala aponta para mudanças
ocorridas com relação à contratação de temporários quando ela trabalhou e atualmente. No
início da década eram contratados em torno de 10 funcionários para o período de final de ano
e existiam previamente vagas a serem preenchidas por temporários que se destacassem.
172
Atualmente o contratados no máximo 5 temporários em lojas de pequeno porte como a de
Rondon, não existindo vaga prévia como efetivo a ser preenchida. Inês narra:
Eu trabalhei como temporária. Éramos em 10. Sabíamos que havia uma vaga
pra quem fosse se destacá. Eu... então eu corri atrás, eu lutei o que tinha pra
aprendê, eu tentei aprendê e consegui! Das dez pessoas eu fui escolhida. (...)
E o temporário é muito esperado, é muito importante, nossa! Assim... eles
ajudam. Assim... a venda deles pra loja é muito importante pra gente e você
vai se aliviando um poco, ? Não que passá tudo pra eles, não é isso,
mas é... a venda aumenta. Então você vai mais assim... tempo pra ajeitá
outras coisas que você precisa tá fazendo durante o final de ano, né?
Arrumação, reposição, só pena que esse ano o foi muito legal. Mas no
geral... (...) ah, eu pela minha forma de vê, né? Nunca tive problema com os
temporário. Eu nunca me, me amedrontei, vamo dizê assim... eu nunca me
apavorei porque é... nunca me vi ameaçada, né? Que alguém fosse tirá o meu
lugar. Pelo contrário, eu sempre tento muita força, pra que no final do
ano, porque numa hora dessa a gente precisa dá um de... uma contratação, a
gente sabe aonde que a gente vai í. Então a gente vai uma pessoa, vai tê
uma experiência, né? A gente já vê o perfil da pessoa, se encaixa ou não!
153
A entrevistada vê a importância dos temporários no sentido de que sem eles os
efetivos não dariam conta de todas as funções que precisam desempenhar no período de fim
de ano. Ela diz que eles “aliviam” o serviço dos efetivos, ou seja, eles ajudam a diminuir a
intensificação nos ritmos de trabalho, sendo as tarefas divididas, pois enquanto uns arrumam a
loja e fazem reposição de mercadorias, por exemplo, os outros podem atender os clientes,
porque fazer tudo ao mesmo tempo não daria tendo em vista o reduzido quadro de
funciorios na empresa.
Importante também é o indício na fala de Inês de que a contratação dos temporários
simboliza uma espécie de ameaça para alguns funcionários e seus respectivos empregos.
Alguns efetivos parecem ter medo de que os temporários possam se destacar muito e, que
não existem vagas abertas para contratação, eles podem se “dar” melhor que um efetivo e,
com isso, este último pode perder o emprego.
Inês, entretanto, argumenta que nunca se sentiu amedrontada, ameaçada pelos
temporários, ela os como uma ajuda à equipe, como pessoas que estão auxiliando os
funciorios num período em que é preciso ampliar o quadro temporariamente, não devendo
os efetivos se sentir ameaçados porque os temporários estão ali apenas por um curto período.
E, acaso se destaquem eles devem ser incentivados e não acuados, porque certamente quando
entrarem farão o serviço “bem feito”, o tendo o efetivo que realizar trabalho duplo por
causa de funcionário que não cumpre o que lhe é solicitado, prejudicando a equipe em termos
153
Entrevista concedida por Inês Ames Sauer em 9 de janeiro de 2007.
173
de que os ritmos do trabalho aumentarão, bem como o salário pode ser alterado devido à
produtividade, que corre o risco de não ser cumprida.
Diferentemente de boa parte dos efetivos, Paula de Andrade, nome fictício, que
trabalha 6 anos na filial de Rondon, não com bons olhos a contratação dos temporários,
nem tampouco a relação que estabelecem com a equipe. Para ela, os temporários são
contratados para realizarem funções pequenas, tarefas menos difíceis na loja, mas acabam
vendo como status o trabalho nas Pernambucanas, não aceitando o tipo de trabalho que lhe é
proposto, atrapalhando os demais efetivos. Paula argumenta:
A contratação dos temporários é assim... sempre em dezembro, ? Porque
só acontecesse no natal e o relacionamento dos funcionários não é muito
legal porque eles o trabalhar na Pernambucanas, eles acham isso tudo o
must, o fashion, né? Agora eu podendo porque eu estou trabalhando nas
Pernambucanas, o status de trabalhar lá. Então pra eles é tudo, pra nós não
porque o cara foi chamado pra fareposição, pra trabalhar no provador e o
cara não quer fazer isso, o cara quer vendê e quer ficar bonitinho andando de
um lado pro outro lá na frente. Então tem muito atrito porque eles não
admitem que uma sênior chegue e fale: ó, você precisa fazer isso ou você
pode fazer aquilo pra mim? Porque eles acham que quem vai coordenar é o
gerente. Na verdade não é legal por essa questão, eles querem só... eles
querem tá tranqüilo e na verdade o é isso, tem que correr atrás, tem que
fazer reposição, tem que trabalhar bastante
154
.
Como se vê, Paula não descreve a relação dos temporários com os efetivos de modo
ameno como a maioria dos outros funcionários. Para ela a relação é bastante conflituosa
porque os temporários o se sujeitam a fazer o que os efetivos tiveram que fazer no início
dos seus trabalhos: sujeitar-se aos ditames da empresa, trabalhar duro, realizar uma série de
tarefas e não apenas uma, bem como ouvir as sugestões não apenas do gerente, mas dos
funciorios que já conhecem o funcionamento da loja e estão há mais tempo ali.
A entrevistada parece hierarquizar os temporários e efetivos em sua fala. Os
temporários o são vistos como trabalhadores que estão exercendo, num curto período de
tempo, um trabalho dentro da equipe. É como se todos desejassem fazer parte da equipe
efetiva, ameaçando os demais, que o se sujeitando a realizar pequenas tarefas ou tarefas
hierarquicamente vistas como inferior na loja, como reposição, provador, depósito, etc.; que,
por sinal, são realizadas juntamente com as funções específicas dos efetivos quando os
temporários não estão na loja.
No geral, é perceptível que a prática do trabalho temporário é experimentada e
percebida pelos funcionários de diferentes maneiras, constituindo uma série de conflitos e
contradições no ambiente de trabalho. Por exemplo, a maioria dos funcionários a
154
Entrevista concedida por Paula de Andrade em 4 de janeiro de 2007.
174
contratação dos temporários de modo positivo porque, com isso, diminui a sobrecarga de
trabalho porque os temporários ajudam a cumprir a produtividade. Isto porque os temporários
não têm produtividade estipulada como os efetivos. Eles ajudam a cumprir as cotas dos
setores, da loja e dos produtos financeiros, recebendo percentual salarial somente sobre a
venda dos produtos financeiros, que é paga conforme a venda individual dos seguros e a da
loja, que é o que garante o salário base dos funcionários. No entanto, momentos em que,
tendo em vista a situação e exigências do mercado, uma espécie de instabilidade, em se
tratando de oportunidades de emprego e do próprio emprego, os efetivos vêem os seus
empregos ameaçados pelos temporários. Até porque é visível que nas Pernambucanas o
processo de terceirização aparece como uma forma de o gastar com a ampliação no quadro
de funcionários. Por isso, mesmo que existam situações e argumentos de que os temporários
dependem dos efetivos porque, como não são treinados, dependem dos efetivos para ensiná-
los, podem existir casos em que o temporário desempenhe e apreenda mais rápido e de
maneira mais ágil uma tarefa que o efetivo desempenhou ou desempenha, representando,
portanto, uma ameaça ao emprego do efetivo.
Nesse sentido, também é possível sugerir que o trabalho temporário realmente seja
uma forma da empresa “preparar” o seu exército de reserva. Ao realizar a prática do trabalho
temporário ela deixa o trabalhador efetivo amedrontado no sentido de que apesar dele ser
quem irá ensinar o temporário, com o ensinamento ele perderá tempo e isso prejudica as
vendas, além da possibilidade do temporário produzir mais do que o efetivo. Por outro lado, o
trabalhador temporário que, provavelmente estava desempregado até o momento, dedica-se
bastante no período de trabalho, objetivando uma futura vaga na empresa. Ficando as
Pernambucanas com um exército de reserva que lhe permite selecionar e descartar futuros
funciorios.
3.3VENDER CHAPINHA NÃO É VENDER CARRO”:
A PRODUTIVIDADE EM DISPUTA
A década de 1990, no Brasil, foi marcada por constantes transformações no mundo do
trabalho. Houve uma série de mudanças em torno da abertura do mercado interno aos
produtos importados, que acarretaram mudanças na vida dos trabalhadores devido à questão
da qualificação profissional e da necessidade de inserção das empresas na globalização.
Iniciou-se, portanto, um processo de reestruturação produtiva com mudanças no processo de
gerenciamento das empresas e no de produção de mercadorias. São introduzidos os CCQs
175
Círculos de controle de qualidade; substituição, nas fábricas, das linhas de montagem por
células de trabalho; produção controlada por demanda ou just in time’ eliminação dos
estoques; robotização; informatização; controle setorial e programação de atividades como
festas, esporte e grupos de teatro, abertos inclusive à família do trabalhador e aos clientes.
Nessa direção, é válido mencionar que nestas décadas, as empresas despontam de
modo peculiar, pois ocorre a produção de um número maior de mercadorias com um número
menor de trabalhadores, o que gerou um processo de demissão em massa, intensificado na
década de 1990. Num primeiro momento, a justificativa para as demissões era a redução dos
custos com a produção em função da concorrência no mercado nacional e internacional. Num
segundo momento, a justificativa passa a ser a falta de qualificação do trabalhador para o
mercado. Esse cenário indica como, a partir dessa década, começa a haver o que é possível
chamar de luta de classe dentro da ppria classe, disputas internas. Por exemplo, antes da
década de 1990, existia a possibilidade dos trabalhadores, mesmo com pouca formação,
ascenderem dentro de uma empresa. Com o tempo isso se torna cada vez mais difícil, gerando
até mesmo uma série de valores, que contribuem com a reprodução do capital em larga escala,
como a concorrência e o individualismo.
Contudo, o trabalhador não vivencia passivamente as mudanças no mundo do
trabalho, ele atribui significados aos processos e disputa uma melhor situação. Muito se
discute que o medo do desemprego, especialmente nos anos 90, tenha levado o trabalhador a
uma postura de aceitação frente ao capital. Porém, nesse processo de disputa, o trabalhador
que vivencia estas transformações, percebe e participa do “jogo” produtivo, bem como cria
estratégias, sendo a aceitação, a adaptação e a resistência, componentes da mesma luta.
As Casas Pernambucanas integram e vivenciam este processo de mudanças no mundo
produtivo e do trabalho, ditando dinâmicas e atribuindo sentidos, do mesmo modo que seus
funciorios. Várias são as transformações ocorridas, marcadas por uma série de embates que,
por vezes, alteraram as estratégias e mecanismos produtivos, assim como trazem
conseqüências diretas para a vida dos trabalhadores, que vivenciam, percebem e atribuem
significados distintos aos processos.
Nos anos 90 ocorreram grandes mudanças produtivas nas Pernambucanas. No caso da
filial de Marechal Cândido Rondon, o maior e principal deles, na concepção dos funcionários,
é o sistema de implantação de cotas, a chamada produtividade, que ocorreu entre os anos de
1997, 1998. Até esse período os funcionários trabalhavam comissionados, sendo a
composição da renda oriunda do salário fixo, registrado em carteira ou contrato de trabalho
somado às comissões sobre as vendas individuais. Com a implantação da produtividade ou do
176
sistema de cotas, os funcionários passam a ter o que a empresa denomina como “base”, que
para ser atingido pelos funcionários é preciso que a cota da loja seja cumprida em 90%. Caso
a cota da loja não seja atingida os funcionários recebem o salário base do mesmo modo,
porém o percentual faltante para atingir os 90% é distribuído entre os setores no(s) próximo(s)
mês(es). E, se a cota for atingida acima dos 90%, o funcionário passa a receber um percentual
sobre o seu salário, variante de setor para setor; isso para além da venda dos produtos
financeiros (seguros e garantias), que garantem um valor fixo para cada venda realizada pelo
funciorio, variável entre R$ 0,25 e R$ 1,50 por seguro ou garantia vendido.
A implantação do sistema de cotas o ocorreu de forma tranqüila e nem imediata.
Durante anos o sistema foi sendo testado, aperfeiçoado e, por vezes, alterado devido às
pressões dos trabalhadores, bem como às inoperâncias do próprio sistema. Por exemplo, o
sistema de cotas que, quando implantado, extraiu as comissões individuais e determinou as
cotas por setores, com o tempo voltou a operar com as cotas individuais. Atualmente o setor
de eletro trabalha com as cotas individuais, as cotas do setor, a venda de garantias, a cota da
loja e a venda dos produtos financeiros. O ramo mole trabalha com as cotas setoriais, cotas da
loja e venda dos produtos financeiros. O crediário vende produtos financeiros e recebe um
percentual sobre a cota da loja e a venda do ramo mole. O caixa recebe pela venda dos
produtos financeiros, a cota da loja e o fechamento do plano 0+8
155
, que é também atribuído
em percentuais aos demais setores.
O sistema de produção das cotas, elaboradas pela empresa, indica um sistema de tipo
Taylorista. A elaboração das cotas não é definida pelos funcionários, sendo o planejamento do
trabalho separado da execução do trabalho. Nesse sentido, se for percebida a base de
organização do trabalho como de tipo taylorista, a disputa acerca do controle sobre o trabalho
e o trabalhador continua, constituindo o espaço produtivo como um campo de disputa, de luta
de classes; o que contraria o argumento de autores como Ricardo Antunes, que divulgam a
base da reestruturação produtiva como sendo o toyotismo, a flexibilização, o envolvimento do
trabalhador com a definição de suas metas, etc. Ou seja, ao pensar a base a partir de um
elemento que condiciona a experiência do trabalhador às determinações do capital, extrai-se o
elemento constituinte do processo histórico, que é a luta de classes.
155
Uma forma de pagamento, intitulado pela empresa como plano 0+8, oferecido pelos atendentes do caixa aos
compradores. Tentando convencer os clientes de que pode comprar com parcelas menores e, ao mesmo tempo,
garantir a empresa o recebimento das mesmas, pois 8 é o limite máximo de parcelas para compras no ramo mole,
exceto em eventuais promoções. O juro incidente no valor das parcelas garante à empresa o lucro ximo sobre
a venda do produto.
177
Nas Pernambucanas, as cotas são estipuladas em todos os setores, variando em cotas
diárias, semanais, quinzenais e mensais, exceto os produtos financeiros, que possuem cota
mensal, ficando a critério dos funcionários a divisão das mesmas. No início de cada turno de
trabalho todos os funciorios são reunidos e informados sobre as metas de trabalho para
aquele dia: as cotas diárias. Aos sábados são feitas reuniões, com café da manhã, nas quais
o computadas as vendas da semana e informadas às cotas para a próxima semana. A cada
quinzena é feito um balanço de todas as vendas realizadas até então, dando aos funcionários
uma idéia do valor do salário a ser recebido, visto que, os mesmos recebem em duas etapas:
no início do mês o salário base e no dia 20 o referente à produtividade.
No final de cada ano é feita uma média em percentuais do quanto foi vendido
individualmente, por setor e na loja. As cotas, a partir disso, são aumentadas em cinco por
cento em todas as áreas, sendo feita uma pesquisa chamada “clima”, onde são avaliadas as
condições e o porte da cidade, de outras lojas da cidade, da renda da população, dos graus de
dificuldade dos funcionários em vender, entre outros elementos. Contudo, apesar de existir
essa pesquisa, constituída pela elaboração e aplicação de alguns questionários, os funcionários
dizem que as cotas nunca diminuem anualmente, elas aumentam ano após ano sempre numa
média de cinco por cento, distribuídas entre os setores.
No geral, esse sistema de cotas deve ser visto como um processo de disputa entre a
empresa e seus funcionários. Num ritmo de constantes transformações, especialmente nas
últimas décadas, constituídos num chão tenso, em disputa por sentidos, a experiência dos
trabalhadores torna-se algo fundamental. Nesse sentido, as mudanças no espaço de trabalho,
bem como nos modos de trabalhar são avaliados a partir dos repertórios criados pelos próprios
funciorios. cia Kaiser, a funcionária mais antiga das Pernambucanas, que trabalha 19
anos na empresa, constrói em sua narrativa as principais mudanças ocorridas nas
Pernambucanas e na filial de Rondon, exemplificadas pela sua experiência como uma
trabalhadora que vivenciou e disputou sentidos e espaços na dinâmica produtiva, no chão da
loja. Ela narra:
A primeira mudança eu acho que foi em 91, mas teve duas grandes
mudanças. Em 98 daí foi a grande mudança. A primeira foi quando s
paramos de fazer notas fiscais e a segunda foi a produtividade onde eles
tiraram completamente a comissão. Aí em 2004 eles fizeram o DNA, que era
pra melhorá o antigo, porque eles pensavam assim: se eles pegassem os
funcionários como assessores na função, que orientassem os clientes seria
melhor. Só que eles pecaram! Os funcionários não faziam, o fizeram essa
parte, os assessores o fizeram a parte dos assessoristas porque os
assessoristas é aquele que leva o cliente e assessora ele. Não, mas eles
ficaram na parte da admissão. Eu o sei se os funcionários se
178
desmotivaram porque o salário era em cima da produtividade e você teria
que começá a trabalhá em equipe e como equipe era a cota da loja e a cota
individual, né? Que era a de cada seção mais a cota da loja, o salário seria
cheio. Porque se um determinado setor... como se o vestuário não
atingisse a cota, o peso é menor, né? Fica menor. (...) E foi exatamente na
época da mudança, do comissionado pra produtividade teve muita... a
maioria foi demitido porque você não podia optá, eles falaram que podia,
mas uma moça deixaram optá e ela optô por demissão. Mas dtodos eles
foram demitidos e contrataram dessa parte menos, porque daí os salários
eram... porque funciona assim: eu não posso ganhá menos, é uma dia
pra cada funcionário, você tem uma média e o pode baixá e a tua média
ela é calculada de doze em doze meses. (...) Isso começou a ficá assim em
97, 98, que aconteceu a grande mudança. Nessa época todos os funciorios
de Rondon ganharam a conta, todos mesmo e implantaram essa
produtividade e eles falaram assim pra nós em 98, mas foi até 2000 d
que o pessoal foi ganhando a conta porque foi implantando, ? E
conversaram conosco assim: esse salário vocês não vão gan menos que
isso, só que você tem que produzi pra chegá aqui, que tem uma garantia
mínima e... como teve um pessoal que tinha um salário muito alto ele ficô
muito alto, a diferença ficava muito alta e como você não se pagava, você
não produzia e todo s você tinha que batê a cota sempre acima de 50%
pra voconsegui chegá perto dessa média que vocolocava, então ficava
muito mais baixo do que você ganhava antes, bem mais baixo, tinha
defasado muito. (...) Na época, em 98 nós tínhamos 5 no cama, mesa e
banho, s tínhamos 6 no vestuário, nós éramos em muitos funcionários e
depois de 98 que começô enxu. Até aí nós tinha 2 que trabalhava no
depósito (...) tinha mais gente no crediário, mais gente no caixa e tinha mais
gente pra atendê, que era comissionado então a gente atendia de forma
diferente, o cliente era atendido mesmo. Se ele ia compuma jaqueta saía
com as meia! Você mostrava tudo na loja porque você ganhava por
comissão, queria vendê e brigava pra loja abrí as 8 da man e se tinha
pessoas depois das 6 horas você ficava atendendo, o importava o horário,
o que não acontece hoje. Se o teu horário é 5 horas, deu 17 horas a loja
cheia: não quero saber, eu tenho meu horário! (...) Só que a estruturão da
empresa com a comissão... financeiramente falando hoje ela melhor
estruturada do que com a comissão, em termos lucrativos (...) Mas pra nós
não!
156
A fala de Lúcia aponta para duas grandes mudanças ocorridas nas Pernambucanas, que
ela inclusive vivenciou e se colocou como praticamente a única sobrevivente de tais
mudanças na loja de Rondon, onde todos os outros funcionários ou foram demitidos ou
pediram demissão. Ela diz que a primeira mudança ocorrida foi em 1991, cujos funcionários
deixaram de fazer notas fiscais. Lúcia está se referindo à saída do RACIMEC, máquina
parecida com o computador de hoje, só que o procedimento era de que todo mundo o operava
fazendo notas fiscais, que deu entrada ao sistema para automação comercial de Ponto de
Venda (PDV), do inglês “point of purchase”. No caso das Pernambucanas é uma espécie de
computador-caixa, com especialistas de setor para operá-lo e emitir notas fiscais. O processo
156
Entrevista concedida por Lúcia Bernadete Kaiser em 6 de agosto de 2007.
179
de que faz menção a entrevistada é o de aperfeiçoamento da informatização na empresa, bem
como a especificação dos chamados “especialistas” de setor.
A segunda mudança mencionada pela entrevistada é considerada como “a grande
mudança”, que se refere à implantação da produtividade. Tal mudança é complementada,
segundo Lúcia, em 2004, através da criação do DNA (Desenvolvimento de nossas atitudes),
cuja intenção da empresa era de transformar os funcionários em assessores, ou seja, em
trabalhadores que dessem suporte, orientação, que focassem o cliente. Na opinião da
entrevistada o sistema não funcionou porque os funcionários não desempenharam ao pé da
letra a função de assessores do cliente. Segundo ela não o fizeram porque foram desmotivados
com os seus salários, que começaram a ser constituídos apenas em cima da produtividade,
tendo os funciorios que trabalhar em equipe com as cotas divididas individualmente, de
cada departamento e da loja, compondo o salário base, que diminuiu consideravelmente em
comparação ao do sistema antigo, onde os recebiam por comissão.
cia descreve a mudança da comissão para a produtividade como um processo difícil
para o trabalho, marcado por demissões em massa entre os anos de 1997 e 2000. Após as
demissões a empresa contratou um número bem menor de trabalhadores, que deveriam
trabalhar sob regime de cotas, existindo um salário base, representado por um percentual de
cotas a serem atingidas, que garantiriam a composição do salário. Esse processo foi tenso e a
grande maioria dos funcionários que não foram demitidos pediu demissão levando em conta a
intensificação dos ritmos de trabalho, a redução do quadro de trabalhadores e a defasagem
salarial. Lúcia comenta, inclusive, que com o sistema de produtividade, para que o
funciorio conseguisse se aproximar do salário que ganhava no sistema antigo precisava
bater as cotas em 50% a mais do exigido.
A entrevistada como negativa a grande mudança, comparando sua atual situação
com as de quando entrou na loja até o momento da implantação da produtividade. Ela diz que
com a comissão o funcionário tinha vontade de atender o cliente porque via o retorno disso no
seu salário, o que o acontece hoje, cujo trabalhador se recusa, na visão dela, a permanecer
na loja depois do seu horário de trabalho. Ela, portanto, admite o quanto a reestruturação, em
se tratando da produtividade, foi e é um processo árduo vivenciado pelo trabalhador, em
detrimento da empresa, que passa a lucrar mais.
Não apenas na fala de Lúcia, mas no processo de implantação e intensificação das
cotas, da chamada produtividade nas Pernambucanas, é possível perceber algo que pode
parecer uma obviedade, mas que, se comparado à indústria, permite a conclusão de que a
junção da comissão com a produção, no sistema de cotas, representa uma perversão ao
180
trabalhador. Ou seja, o significado de cumprir metas no comércio não é exatamente o mesmo
de cumprir metas na indústria. Na indústria, se tem demanda, acelera-se o ritmo. No
comércio, que a questão é a demanda, o trabalhador precisa, para além de intensificar o ritmo
e prolongar a jornada de trabalho, inclusive, “correr atrás do freguês”.
Essa questão de precisar buscar clientes fora da loja é mencionada pela funcionária
transferida de filial, Franciele Capoia. Ela parece reproduzir o discurso ideológico da
empresa, admitindo a importância de cumprir as cotas no intuito do trabalhador “fazer o seu
próprio salário”. Por isso, nesse sentido, “correr atrás do freguês” torna-se apenas um
elemento a mais que, no momento de receber o salário, torna-se gratificante para o
trabalhador. Ela comenta:
E no geral a loja é assim ramo de vendas, né? Que é o que a gente almeja,
então o dia que a gente não tá, que tem... além das vendas a gente tem
seguros pra vender, garantias, a gente tem muitas cotas pra bater, então...
quando o tem muita venda a gente sai pra rua, com muita garra e
determinação, tem que correr fora, porque dentro da loja a gente não
consegue fazer salário, ? A gente tem que buscar, tem que lutar e isso é
gratificante, porque no final do mês você recebe os frutos do teu trabalho
157
.
A fala de Franciele elucida alguns dos caminhos percorridos pelos trabalhadores em
busca do cumprimento das cotas exigidas. Para além das vendas na loja, a empresa elabora
um número intenso de cotas com relação à venda de seguros, garantias e, especialmente,
abertura de cadastros. Aproximadamente 120 novos cadastros de clientes são propostos
mensalmente, o que indica a necessidade dos trabalhadores de “saírem às ruas”, visitarem
diferentes estabelecimentos (comerciais, industriais, etc.) na cidade e região, com o objetivo
de se aproximar ou fechar a cota dos cadastros. Alguns funcionários, por vezes, chegam a usar
as suas motos, em horário de serviço, deslocando-se até as cidades vizinhas em busca de
novos clientes para fechar as cotas. A empresa paga apenas o combustível utilizado pelos
trabalhadores e, ainda, mediante a apresentação de nota fiscal. Não esquecendo que esta é
uma estratégia utilizada pela filial de Marechal Cândido Rondon, não sendo possível afirmar
com certeza se outras filiais desempenhem os mesmos recursos para tentar cumprir as cotas.
Outro recurso utilizado foi a liberação de um tipo de cadastro especial para
universitários, objetivando atingir a cota estipulada. A filial de Rondon, por exemplo, durante
anos solicitou à central das Pernambucanas a possibilidade de abrir cadastro para os
universitários. A empresa relutava argumentando que a grande maioria dos estudantes não
possui vínculo empregatício ou renda fixa. A partir de 2007 surgiu o cadastro universitário
157
Entrevista concedida por Franciele Cristina Capoia em 25 de agosto de 2006.
181
onde o estudante pode abrir um cadastro, mas, se não possuir renda fixa, os pais devem ser
consultados e autorizar a abertura do cadastro. Tal mecanismo é interessante porque os filhos
poderiam entrar como dependentes dos pais, mas com a abertura de um novo cadastro, a
captação exigida diminui, aumentando a possibilidade de fechar a cota.
3.3.1 CORRENDO ATRÁS DA PRODUTIVIDADE
Atualmente, também existem outros esforços e estratégias, despendidos pelos
trabalhadores, em busca do fechamento das cotas. Verificar no sistema cadastral os clientes
inativos, por exemplo, tem sido uma das mais novas atividades dos funcionários.
Desenvolvendo o telemarketing dentro da própria empresa, principalmente nos sábados e
domingos, alguns funcionários, familiares, amigos ou mesmo antigos trabalhadores
temporários, são encarregados de contatar os clientes, anunciando as promoções, convidando
para que visitem e comprem na loja. Também são enviados cartões-convite na residência dos
clientes.
No intuito de manter a fidelidade dos clientes, desde 2007 a empresa criou o chamado
“aniversariante do mês” onde, em determinada data de cada mês, os clientes aniversariantes,
que não estão inadimplentes com a empresa, são convidados a visitar a loja em comemoração
aos aniversários. As filiais custeiam salgadinhos, docinhos, bolo e refrigerantes, com a
participação de clientes e suas respectivas famílias, a gerência e os funcionários.
Essa busca constante pelo fechamento das cotas, que procura intensificar os ritmos de
trabalho, prolongar as jornadas, extrair ao máximo inclusive o tempo de descanso e/ou lazer
do trabalhador torna-se, como foi dito, uma perversão ao trabalhador. Sinônimo de atritos,
contradições, exploração em larga escala, etc., o sistema de cotas é percebido e vivenciado de
diferentes maneiras pelos funcionários. Lauro Dutra Moura, funcionário da filial de Marechal
ndido Rondon, por exemplo, vê no sistema de cotas uma “matemática absurda”, à parte,
fora da realidade da cidade. Ele argumenta:
Com relação às cotas, pro nível de Rondon é algo que não tem como pensar,
imaginar sequer. Por exemplo, a cota desse s foi enorme, foi gigantesca.
Eu acho que a minha cota deveria ser a cota da Colombo e da Dudony
juntas, a minha individual. Eu falo isso porque a cota da Dudony foi
60.000,00, da loja. A minha foi mais de 100.000,00, a minha foi 156.000,00.
(...) Tem certas coisas que não tem como imaginar. São números enormes,
gigantescos e a loja cada vez tem que vender a mais, tem que vender 5% a
mais que o ano passado. Se no ano passado fechou a cota, nesse ano tem que
vender 5% a mais do que foi a cota no ano passado. (...) E a cobrança
sempre! Eu lembro que quando a gente tava mal no produto financeiro, na
garantia e nas vendas, veio o Humberto, que é o gerente regional das lojas,
182
veio na loja dar um puxão de orelha em cada um de nós do eletro, ou seja...
não tem como falar nada! Se não tá bom o cara vem pra , não pode ser
nem o nosso gerente, não tá bom!
158
Lauro indica o quanto as cotas são altas por parte da cidade. Seu principal argumento
tem caráter comparativo e leva em conta a sua experiência individual como vendedor na seção
de eletro, cuja cota individual mensal equivale à cota das lojas concorrentes Colombo e
Dudonny juntas. Não esquecendo também do reporte que Lauro faz quanto ao cumprimento
das cotas, que permite o aumento em 5% sobre as mesmas, para o ano seguinte, aumentando
ainda mais o trabalho a ser desempenhado pelos funcionários, que ganharão monetariamente
praticamente a mesma coisa.
Outra entrevistada, Marlei Biccigo, única mulher que trabalha no setor de eletro,
argumenta sobre a questão das cotas em torno exatamente do que considera como “injusto” no
sistema, que é o aumento constante nos percentuais das cotas e a necessidade de atingir 100%
das mesmas para garantir o seu salário base. Ela diz:
Das cotas eu acho que é assim... às vezes é injusto porque eu ganho tipo
assim... 100 por cento do salário base se atingir 100 por cento da minha cota,
né? Nesse mês a minha é noventa mil, por exemplo. Vou tirar e vou bater,
né? E vou chegar. No s que vem é cento e vinte mil, tem que vender trinta
mil a mais pra ganhar a mesma coisa, que quando chegar no cento e vinte
mil vou ganhar o meu base. Que hoje vale, claro, o nosso base é 318,00, tem
que ter 90.000 pra chegar a 318,00, ? Então no s que vem a minha cota
é cento e vinte mil. Então no mês que vem a minha cota é cento e vinte mil,
então tenho que vender trinta mil a mais pra poder ganhar os mesmos
318,00. É assim... então é isso que eu acho que às vezes não é justo, porque
um mês a cota vence e no outro mês colocam... que nem dezembro a cota
vem altíssima, mas você trabalha muito mais pra ganhar praticamente a
mesma coisa. Então é isso que eu acho que às vezes não... o que mais em
dezembro são horas extras que a gente ganha um pouquinho mais, né? Mas,
na verdade, a gente trabalha muito mais, né? Entre nós eu vejo assim... desde
que a cota é por setor a gente se... lá na frente todo mundo atento que vai
ganhar se o seu setor vai fechar. Eu então, por exemplo, faço o máximo pra
fechar a minha cota pra eu ter salário se não eu sei que eu o vou ter salário
não vou conseguir pagar as minhas contas, né? E assim... e todo mundo na
loja, né? Faz o máximo pra tentar fechar, ? Os outros setores também. (...)
E a cobrança pela cota é todo dia se fala: falta tantos mil pra fechar cotas,
vamos fechar a cota, né? Eu acho que é bem cobrado! Só que é assim...
menos que os seguros, menos cobranças a cota em si, porque eu acho que é
uma venda que o acontece, dificilmente a gente perde a cota. É gico que
tem que focar, a gente o vai deixar de fazer nada, sempre faz anúncio e
quando o setor tá bem. Se o eletro vendendo bem, vai anunciar eletro,
vai por setor. Se é a cama, mesa e banho vai colocar, né? Então é assim...
não é que você faz mais, é que a venda não acontece, ? Só que o seguro é
assim, ninguém vem na loja “Eu quero fazer um seguro”. Você tem que... o
158
Entrevista concedida por Lauro Marciano Dutra Moura em 10 de janeiro de 2007.
183
seguro é mais cobrado. A cota por si a gente sabe se o fechar, se a
gente não fechar a gente não tem salário. Então a gente faz o máximo pra
fechar!
159
É importante perceber as dificuldades apresentadas por Marlei no que se refere às
tentativas de cumprimento das cotas estipuladas pela empresa. A entrevistada percebe as
estratégias das Pernambucanas de lucrar em cima dos funcionários aumentando o volume das
cotas toda a vez que as mesmas são fechadas, o que intensifica os ritmos de trabalho dos
funciorios, prolonga as suas jornadas de trabalho e em termos salariais paga-os
praticamente a mesma coisa. Afinal, o percentual das cotas aumentadas equivale à garantia do
sario base. Apenas os percentuais extra-cotas é que são revertidos em renda complementar.
A entrevistada dá indícios de que alguns funcionários e a própria empresa podem
argumentar que as cotas possibilitam o aumento no salário. Segundo ela, o que pode ser mais
rentável são as horas extras e não as cotas, mas mesmo assim ela diz que não é satisfatório
porque o trabalho é intensificado e a jornada se torna muito extensa. Contudo, Marlei admite
que os funcionários o o máximo de si para cumprir as cotas, mas argumenta que o fazem
porque precisam garantir o salário base, que não vem caso a cota não seja cumprida.
Importante também é o elemento levantado por ela da cobrança muito grande, por
parte da empresa, em cima dos funciorios, no que concerne às cotas. Porém, ela diz que o
fechamento dos seguros é mais cobrado do que o das cotas porque é mais difícil de acontecer.
Na cota normal de venda é possível fechar o exigido porque para além do funcionário se
esforçar muito para garantir ao menos o seu salário base, o cliente é quem procura a loja para
comprar. que no caso dos seguros praticamente não demanda, não é o cliente quem
procura, é preciso que o funcionário o convença a fazer o seguro e, como os ritmos são
intensos, o próprio tempo dos trabalhadores para oferecer um seguro fica comprometido.
Outra funcionária, Elisângela Gomes, nome fictício, apresenta o mesmo argumento de
Marlei no que diz respeito ao cumprimento das cotas de venda da loja, devido à necessidade
do funcionário de garantir o seu salário base. No entanto, complementa a questão admitindo
que as cotas sejam divididas entre cotas dos setores e cotas da loja. Esta última, quando
cumprida em 90%, é o que garante o salário base dos funciorios, por isso ela é mais fácil de
ser batida em detrimento da primeira. Ou seja, os funcionários se esforçam mais para cumprir
a cota da loja porque querem garantir pelo menos o seu salário base. Ela diz:
159
Entrevista concedida por Marlei Cristina Biccigo em 16 de maio de 2007.
184
A cota é alta, que tipo assim, se for olhar de cidades vizinhas, eu acho que
a gente não sabe qual que é a cota deles. Nós ficamos sabendo do
departamento aqui, eu não sei qual é a cota dos de Toledo, eu não sei... A
gente sabe que eles tão com 110%, que eles tão com 120%, isso a gente
sabe, em reais assim a gente não sabe (...) é por departamento de loja, o lar
tem um, o vestuário tem um e o eletro tem outro também e tem os produtos
financeiros também que não tem cota, né? (...) É... tipo assim, em novembro
nós atingimos... Dezembro não atingimos, né? Não atingimos a cota, mas a
empresa teve o crescimento, né? O departamento teve o crescimento e
ficamos bem longinho, atrás da cota, e ainda teve o crescimento, né? (...)
Geralmente, eles também, eles é... eles abaixam a dia e nós fechamos com
86%, provavelmente eles vão deixar 100% nós, eles baixam a régua, ?
Então isso é uma parte boa também que a empresa faz. (...) Dificilmente
você perde, é muito difícil, né? Você tem aquele seu salário base, né? Você
nunca vai tirar menos que aquele lá, não, vonão tira menos que aquilo,
né? Então isso é uma segurança que eles te dão também, ? Então não
pra reclamar, só que nem eu te falei, pela sua responsabilidade lá dentro
poderia ganhar um pouquinho mais (...). Mas como a cota é por
departamento (...), é diária, dos produtos financeiros que é mensal, né?
Daí tanto faz se você faz hoje, se você faz amanha, é indiferente, atingindo
ela...
160
Elisângela comenta não apenas sobre o elevado número das cotas, como também a
concorrência existente com relação às demais cidades do núcleo, que competem no ranking
das premiações estipuladas pelas Pernambucanas quando do cumprimento das cotas. Apesar
dos funcionários o saberem em valores o quanto estão vendendo a mais ou a menos do que
as outras filiais, eles sabem da classificação dria de cada uma, juntamente com o valor total
vendido por cada uma das concorrentes.
Outro elemento importante levantado pela entrevistada, mencionado por outros
entrevistados, mas o explicado do mesmo modo que ela, é o de que além de ser muito
difícil de os funcionários não fecharem a cota da loja, que garante o seu salário, quando a cota
se aproxima de ser batida em 90%, mas não fecha, a empresa paga do mesmo modo o salário
base aos funcionários, garantindo pelo menos o salário mínimo estipulado no contrato de
trabalho do funcionário. Tal processo é denominado por Elisângela como “baixar a régua”.
É importante perceber, contudo, que este processo parece colocar o funcionário numa
espécie de dívida para com a empresa porque, ao mesmo tempo em que o funcionário recebe
o seu salário base mesmo quando a cota da loja não é cumprida, o percentual que faltou para
ser cumprido é acrescentado às cotas do próximo ou dos próximos meses, devendo ser
cumprida.
160
Entrevista concedida por Elisângela Gomes, em 8 de janeiro de 2007.
185
3.3.2 “SONHANDO COM AS COTAS”: “ONDE ISTO VAI PARAR?”
Márcia Cristina Backes, 29 anos, ex-funcionária da filial de Rondon, que trabalhou 6
anos na empresa, vai de encontro com as percepções de Marlei e Elisângela, aprofundando o
elemento da pressão psicológica sofrida diariamente pelos funcionários por conta da
necessidade de cumprir as cotas para garantir o salário. Ela demonstra sua indignação, nesse
sentido, ao aumento constante das cotas, que exigem cada vez mais do funcionário, lançando
a pergunta: “Onde isso vai parar?”. Márcia admite:
Porque o que acaba estressando, eu acho, entre aspas na Pernambucanas, é
essa cobrança, essa coisa de mês a mês, de dia a dia, de vendê tanto por dia,
tanto por mês, tanto por... Sábado por exemplo, que é o dia mais, ? Você
trabalhar até as quatro horas da tarde e não ter vendido, vamos dizê, isso
esgota e estressa qualquer um. (...) Eu me pergunto onde isso vai parar?
Isso me pergunto desde que eu tava lá, assim... um dia ninguém mais vai
querer fazê cartão pernambucanas, né? Ah, sempre tem pessoas! Mas e você
acha essas pessoas? Você tem que achar elas todo mês e não tem e cada dia a
cota aumenta mais, é um absurdo!
161
A entrevistada ao recordar o seu período de trabalho na empresa, percebe as
estratégias da empresa e se indigna com o fato de que cada vez é maior a cobrança e o
aumento das cotas e que isso continua ocorrendo ainda hoje na loja. Ela apresenta o que
considera os principais problemas do sistema de cotas e as conseqüências dele para a vida do
trabalhador, que sofre pressão psicológica, tem o ritmo do seu trabalho alterado, a sua jornada
prolongada, é privado do convívio familiar e das horas de lazer por causa do trabalho, tem
dificuldade de descanso inclusive para recompor as forças para voltar ao trabalho, etc.
Além disso, Márcia vê como um absurdo o fato do funcionário ter que correr atrás do
cliente para vender seguros, abrir cadastros, desgastando-se para tentar cumprir uma cota que
nem sempre é cumprida porque o fluxo de clientes freqüentadores é praticamente o mesmo,
dificultando o oferecimento ou, até mesmo, o convencimento, principalmente, para aderir a
um seguro. Sem contar no fato de que essas dificuldades são cada vez maiores devido às cotas
que, ao serem cumpridas, aumentam.
A funcionária Inês Ames Sauer explica o sistema de cotas, exemplificando inúmeras
disputas entre os setores e funcionários por conta do cumprimento das contas que, segundo
ela, ocorre porque as mesmas interferem no salário de toda a equipe. Ela conta:
E por causa das cotas acontece muitas disputas. Quando a cota é muito
grande, ? Por exemplo, o mês de dezembro, né? Dezembro é... desespero,
161
Entrevista concedida por Márcia Cristina Backes em 31 de julho de 2007.
186
né? Aí o pessoal do lar queria fazê vitrini porque... a cota era grande e
precisava vendê. Daí não porque o pessoal do vestuário diz que a venda era
maior... o pessoal do eletro o porque precisa da vitrini porque a cota é
grande. É disputa até por espaços, ? Mas assim... a gente tenta dividí o
máximo possível: um tanto você, um tanto vo e um tanto você, né? (...) E é
dividido no crediário, né? tem o pessoal do eletro que recebe pelo eletro.
Vestuário que recebe pelo vestuário e o pessoal do lar, né? Cama, mesa e
banho, que recebe pela cama, mesa e banho. Essas três. E o crediário recebe
pelos pagamentos, né? Pela cota de pagamento. O eletro pela cota de eletro e
o lar pelo lar. E o caixa é o base, o base e a venda de seguro, de produtos,
né? que os produtos do caixa não vai pra todos da loja. Mas o caixa que
recebe se feca cota do... do zero mais oito todos recebem. Mas tem outros
serviços que eles podem fazendo, que eles recebem. Cota de seguro eles
têm, a premiação. E a cota ela é sempre calculada com relação ao ano
anterior, né? Então se vo vendê bem num ano, o outro ano vai vim um
poco mais alto porque você vendeu a cota daquele, né?(...) É uma média.
Eles fazem uma média, ? Conforme as vendas da cidade. Às vezes assim...
parece meio pesado. A gente fica meio horrorizado às vezes assim. Só que
você que você fazendo isso, vo vê que vo vendeu aquela média
naquele ano anterior. Então, vocolhendo o que você plantô antes, né?
Então se você tem uma cota boa hoje, você fez uma cota boa antes, né?
Então você vai ficá meio assim, parecendo é... injusto às vezes uma cota alta,
né? que se você for analisá, for fazê a pesquisa, voque é... você
fazendo o que você fez, ? (...). Eles têm uma... eles fazem um estudo,
né? Quantidade de população da cidade, eles pegam é... tantos de
município que o tem pernambucanas ao redor, daí eles fazem uma
pesquisa em cima... dos cadastro que você tem, né? (...) Tem a cota do
cadastro. Eles fazem uma média também em cima de tantos cadastro que
você tem. Mais o que às vezes acontece? Às vezes você tem um número x de
cadastros, né? De pessoas cadastradas. Só que nem todas as... essas pessoas
cadastradas hoje elas estão ativas na loja, ? Então, o que que a gente
tentando fazê agora? A gente tentando ativá essas pessoas que tão paradas,
né? (...) Não é abri. Quando você abre o cadastro vo vai que ciente
que a tua cota vai aumentando um poquinho e que você tá fazendo esse
cadastro, ? Então tudo, a cota é baseada em cima disso daí, né? (...) E a
cota tamm interfere no salário. É assim... eu vô, vô... daí meu exemplo,
né? Como eu sô VM lar, eu recesete vírgula cinco por cento em cima
da cota do lar se eu fec. Acima de noventa por cento, né? E... os outros
doze vírgula cinco por cento eu recebê se eu não per. Os doze vírgula
cinco por cento é cota do lar e os sete círgula cinco sobre a cota da loja. Isso
trinta por cento. E os outros setenta por cento é... meu salário fixo, ? Eu
tenho um salário fixo mais produtividade, isso que compõe a renda total. E
quando a loja ultrapassa a cota, se vo fechá é... vamo supor que a loja
feccom cento e dez, a cota é dez por cento a mais. É... dez por cento a
mais da loja. Como eu recebi doze vírgula cinco, eu recevinte e dois
vírgula cinco, porque somou com os dez por cento que passô a mais. A cota
da loja acontece mais seguido, mas assim, por departamento é mais difícil
162
.
Inês justifica que as disputas acontecem porque é mais difícil cumprir as cotas dos
setores do que a cota da loja, até porque esta é a que garante o salário base dos funcionários,
como já foi dito anteriormente. De acordo com ela, ocorrem até disputas por espaços na loja,
162
Entrevista concedida por Inês Ames Sauer em 9 de janeiro de 2007.
187
exemplificadas pela arrumação das vitrines: se um setor precisa fechar a cota ele briga para
ficar em maior evidência com o cliente, criando atritos com os demais setores que também
desejar ficar em evidência porque querem cumprir a cota.
Outra questão levantada pela entrevistada diz respeito ao cumprimento das cotas dos
seguros, que também geram conflitos. Isso ocorre porque alguns funcionários vendem mais
seguros do que os outros e, como as cotas não são elaboradas com um número exato a ser
vendido por cada funciorio, uns acabam vendendo mais do que outros e contribuindo, por
conta disso, para a composição da sua renda e também daquela dos que não venderam ou
venderam menos que os demais.
Importante também é perceber que, ao contrário da grande maioria dos entrevistados,
Inês percebe os constantes aumentos das cotas, que já foram cumpridas, como algo positivo.
Para ela, aparentemente concordando com parte do discurso ideológico da empresa, se foi
possível fechar a cota naquele mês ou naquele ano, o fato de aumentar as cotas no mês
seguinte ou no ano seguinte indica que o funcionário tem capacidade para vender e está
apenas “colhendo os frutos do que plantou antes.
Uma das mais recentes funcionárias contratadas na filial de Rondon, Franciele Uhry,
percebe o sistema de cotas, assim como Inês, como algo conflituoso. Porém, o argumento é
diferenciado. Os setores competem entre si para cumprir as cotas, mas existem funcionários
que analisam apenas o lado individual e, quando cumprem as suas cotas, o auxiliam os
demais setores no cumprimento das deles. Ela narra:
Que nem aqui no crediário tem coisa que só com a gente, né? Não! Nós
vamos bater essa cota! A gente até o dia 15 sempre fecha. Cada caixa tem
cota pro compra protegida, tem por conta da rede, e sempre está nas costas
deles. Então a gente tentando ajudá, a gente fazendo cada um compra
protegida pra tamm tá ajudando, pra tenfechá. que eu acho que cada
um tem uma meta, cada um tem que cumprí ela e não tá saindo assim
ultimamente. Isso interfere no salário de todos, de todo mundo. E isso às
vezes cria um pouquinho de atrito, porque as pessoas que são responsáveis
pelos recursos financeiros, vosabe quem é, vai cobrando e tem pessoas
que não gostam, né? Então fiz o meu e sossegada! Não é bem assim!
Todo mundo tem que ajudá e não é um, não é se preocupar com o meu,
né? (...) E eu acho que com relação às cotas a gente não entendeu direito o
gráfico, é bem complicado! A Ana recebe sobre esse recebimento, conforme
a loja recebe. Eu recebo conforme vem do ramo mole, vestuário, cama, mesa
e banho. Eles vendem e é o meu salário! Tem que vender mais de 90% pra
fechar o salário. Só que você sabe o porquê, né? É o base. Mas seguro que
você vende, né? Cadastro e tal ganha. Senão é o salário da carteira
mesmo. que a cota sempre fechou, sempre aconteceu, por mais que seja
188
difícil os 90% sempre fecha. Fechou mais que isso é melhor porque o salário
vai aumentando. Mas abaixo disso nunca ganho, sempre mais
163
.
A fala de Franciele é interessante porque denuncia a experiência dos funcionários
acerca de uma estratégia da empresa de não precisar de fiscais no espaço produtivo, pois ao
utilizar as cotas como justificativa salarial os próprios funcionários passam a fiscalizar uns aos
outros. Nesse sentido, é verifivel que além da cobrança da loja com relação ao cumprimento
das cotas, também a cobrança entre os próprios funcionários, o que gera uma série de
conflitos. Portanto, o sistema de cotas acaba por gerar valores como a competição e o
individualismo, expressas na narrativa de Franciele.
A ex-funcionária das Pernambucanas, Neide Vander Meler, constrói a sua narrativa no
sentido de comparar o passado e o presente, as mudanças de expectativa e os sentidos que o
trabalho e a empresa foram adquirindo para ela ao longo do tempo. Isso é possível de ser
percebido, especialmente a partir dos argumentos que ela utiliza para explicar a sua
experiência durante o regime de cotas. Ela relata:
Empresa grande vai estar sempre exigindo mais e mais e mais (...) Eles te
cobram e você tem que atendê tantas... tantas é... É bem puxado se você for
pensar o seu lado psicológico, né? Você sai acabada no final do dia.
Principalmente os dias que você não consegue atingi aquela meta, nossa,
você sai acabada, mas... É... No começo do s o era tão cobrado, mas
quando tava chegando no finalzinho, que vo o tinha atingido as metas,
no geral, não tinha sido atingida, a cobrança era grande. (...) Claro que se
você não tivesse as metas de vendê, vendê, vendê, com certeza também
não... Não... Como é que eu vou te dizer? Não teria todos esses incentivos e
tudo mais, ? que quanto mais vovende, cada ano aumenta. A cota
sempre vai aumentá. (...) Agora o salário diminuí não, ele não aumenta mais,
porque você tem o salário base e mais as...As... Cotas, a produtividade, não é
que ele vai diminuí, né? Ele vai continua aquilo, não vai ter o aumento
maior. (...) Sem contar que quando eu entrei o salário era maior R$ 450,00, o
base. Baixô e implantô as cotas. Então esta é a diferença de se trabalhar nas
Pernambucanas, é a produtividade, porque eles te obrigam trabalhar, vendê,
vendê, vendê pra você poder ganhar mais. (...) E na Pernambucanas eles
querem te convencer de que você está produzindo pra você, mas eu não me
convencia disso! Você sabe que eles vão te exigi cada vez mais, pra você
ganha bem, você tem que vender. Até tem esse incentivo de ganhar carro,
ganhar tudo isso é... Quem é que não vai querer ganhar um dinheirinho a
mais no final do mês? é... Todo mundo! quem tivesse essa oportunidade ia
querer agarrar com unhas e dentes, você vai trabalhar, voesquece família,
você esquece tudo! É quando você sai de que você cai à ficha e diz:
valeu a pena tudo isso?”. E quando eu tava na empresa eu percebia isso
presente... Tava presente, mas, você não... Não pensa muito se não você diz:
não, não vou mais ficar aqui”. Se não você vai ter que procurar outro
emprego e tudo mais... Quando você sai que cai a ficha realmente. Quando
você sai a gente nota que a gente era realmente escravo, escravo porque você
163
Entrevista concedida por Franciele Alexandra Uhry em 17 de janeiro de 2007.
189
vivia pra empresa, vivia sonhando com as cotas, sonhavaeu tenho que
atingir essas cotas”. Nossa, é outra qualidade de vida! Você trabalha, claro,
enquanto voestá lá, você o máximo de si, mas saindo de vonota o
quanto a gente é escravo
164
.
O primeiro argumento levantado por Neide é o de que a empresa, por ser grande, exige
cada vez mais do funcionário. O “grande” denota o constante crescimento das
Pernambucanas, assim como o crescimento que o funcionário pode ter, exemplificado pelos
chamados planos de carreira. No discurso da empresa, o funcionário tem condições de seguir
carreira, crescer dentro da loja, mas será exigido muito dele pra isso.
Outra questão colocada pela entrevistada é a das cotas como um mecanismo que
interfere, mexe com o lado psicológico dos funciorios. Interessante, nesse sentido, é
perceber a estratégia da empresa de atribuir ao funcionário a responsabilidade pelo sucesso ou
pelo fracasso da loja, que é vista principalmente com relação ao cumprimento das cotas. Na
fala de Neide isso aparece bem claro quando ela admite que o funcionário responsabiliza-se
tanto pela cota e sente-se pressionado o tempo todo procurando cumpri-la, que quando o
fechamento não acontece, ele se sente frustrado e, por vezes, até culpado por não ter atingido
o exigido.
A entrevista apresenta também uma importante análise, concernente ao constante
aumento das cotas e a diferenciação existente entre trabalhar nas Pernambucanas e em outros
lugares. Para ela, a grande diferença está na produtividade, pois a empresa tenta convencer os
funciorios a trabalhar cada vez mais, justificando que eles estão produzindo para eles
mesmos, fazendo o seu pprio salário. Na verdade, nem todos os funcionários compactuam
com isso, Neide apesar de ex-funcionária, admite que nunca se convenceu de tal discurso
porque, para ela, o funcionário trabalha muito para cumprir a cota, quando cumpre, elas
aumentam, aí ele precisa trabalhar o dobro do que já trabalhava para garantir o mesmo salário.
Afinal a empresa diz que o salário nunca irá diminuir, mas Neide rebate dizendo que também
não aumenta.
Contudo, é válido perceber o argumento de Neide de que por mais que não se
convencesse do discurso da loja, diante da possibilidade de aumentar o salário através do que
chamam de premiação, os funcionários se sujeitavam ao trabalho dobrado, deixando de lado
inclusive a ppria família, intensificando os ritmos de trabalho, prolongando a jornada de
trabalho.
164
Entrevista concedida por Neide Vander Meler em 15 de maio de 2007.
190
A narrativa da entrevistada também é importante por ser construída de modo a
intercalar o passado e o presente. Sua fala explicita, por conta disso, uma espécie de decepção
com relação ao trabalho nas Pernambucanas, quando percebe o quanto era explorada e se
sentia pressionada lá - “Valeu a pena tudo isso?”, “como a gente era escravo”. A qualidade de
vida hoje, na opinião de Neide é incomparável, porque não sonha mais com as cotas, tem mais
tempo para a família, para descansar, apesar de ganhar em termos salariais um pouco menos.
No entanto, é importante perceber uma série de queses que pareciam impedir Neide,
na época, de procurar outro emprego. Ela se preocupava com as dificuldades que encontraria
para buscar outro emprego: a idade avançada, o que dificulta a conquista de novos
empregos no mercado de trabalho, o grau de escolaridade, que impossibilita nas atuais
condições a conquista de um emprego que proporcione melhores condições de trabalho e de
renda, entre outros.
A única funcionária especialista em caixa na loja, Jane Letin, constrói uma narrativa
que contesta o sistema de produtividade, bem como o que a empresa denomina de “benefício,
premiação ao trabalhador”. Ela argumenta:
Acho que o salário é bom, se bem que o que a gente corre e faz... A gente
merecia mais. (...) Com certeza, porque são metas que eles colocam assim...
Como benefício assim, e que vo, se voanalisar eles não tão te dando
nada, eles tão tirando o teu suor, você tá fazendo, fazendo e fazendo. Então
na verdade não é um prêmio, como esses prêmios que a gente ganhava (...)
Você batalhou por aquilo, é um direito teu. (...)
Eu acho assim... que a cota
poderia ser um pouco menor, tem meses que eles colocam a cota em cima
que é difícil de busca. (...) E nós tamo assim, lutando, lutando, lutando, sabe?
Indo atrás, hoje foi um dos dias piores pra mim, eu tenho que chegar no que
eles querem que é o 0+8, que eu tenho que batê porque depende dele pras
pessoas ganharem ? O salário das pessoas, né? uma parte dele vem desses
0+8. Então a responsabilidade que a gente tem é grande, porque do meu
sacrifício depende o salário dos outros, então eu acho assim... a cota é muito
alta, principalmente os produtos financeiros, que eles colocam assim cada
vez mais e eles sabem que a oportunidade é menor, porque a cidade é menor
e são aqueles clientes que a gente tem, ? Mas... E se você ofereceu pra
todos né? (...) é que nem cartão, é difícil na cidade, não tem onde mais í, e
ainda tem o compra protegida, e tudo e cada vez sobe mais, e acaba a oferta,
né? então eu acho que nesse lado eles podiam, e é tipo assim... ou você
alcança 100% ou você não alcança nada. Então 99 pra eles o é bom, tem
que fechar cota, tem que fecha cota, é... e que nem essa premiação que eles
colocam, eles colocam como premiação mais se vo quiser ganhar a
premiação tem que fazer 30% a mais da cota, então, na verdade, você vai
trabalhar em dobro né? (...) Que nem eu ganho pra fazer uma compra
protegida 0,26 centavos, e o que eu tenho que fazer tipo, durante o mês é
190, que é a minha cota no caso, ? É a cota do caixa. (...) E isso, essa
cobrança da cota, é todo dia, você não a hora de terminá e susse a
cabeça pra podê chena reunião, e hoje eu não tenho que escutá! Porque
não é cobrança, é pressão! E isso atrapalha muito a função, que nem esses
191
dias eu tinha que fazê um plano odontológico, eu larguei de fazer outro,
porque daí no fim do dia vem a cobrança: porque que você não fez o outro?
Porque eu tive que oferecer um, ora! Né? Como é que eu vô... então você
assim, você qué uma compra protegida? Não, não quero! Você qué um
residencial? Não! Você qué um odontológico?
Né? Satura o cliente!
165
Ao contrário de outros funcionários que parecem se sujeitar a boa parte dos ditames da
empresa porque vêem o salário como positivo, Jane argumenta que o salário na empresa não é
ruim talvez para o porte da cidade, para o atendimento das condições básicas de vida, mas
pelo tanto que o funcionário trabalha dentro da loja deveria ser melhor. Isso sem contar na
justificativa da empresa de que o funcionário deve correr atrás da produtividade porque está
produzindo para ele mesmo, expressa também pelas chamadas “premiações, bonificações”, é
contestada por Jane que diz que os funcionários não recebem nada além do que lhe é seu por
direito, que a empresa o está lhes dando nada, eles batalharam por aquilo, trabalharam
muito. Não esquecendo que para receber o que a empresa considera como premiação, o
funciorio precisa vender 30% a mais da cota pretendida, se não, não recebe o “benecio”.
Importante também é a colocação de Jane sobre o elevado índice das cotas em
contrapartida ao baixo recebimento em percentuais dos funcionários. Ela dá exemplo da cota
de 190: “compra protegida”, que custa ao cliente R$ 5,90 por mês, que ela tem que vender,
recebendo apenas R$ 0,26 por seguro. Ela argumenta que principalmente os produtos
financeiros e a captação têm uma cota muito elevada tendo em vista o tamanho da cidade e o
fluxo dos clientes, que são sempre os mesmos e, às vezes, ficam saturados com a quantidade
de propostas que recebem para aderir a um seguro. A captação, que é a abertura de cadastros,
é difícil na opinião de Jane porque não há mais lugares na cidade onde os funcionários
possam visitar para abrir cadastros, a cidade é pequena e eles correram onde foi possível
para conseguir novos clientes. Portanto, a cota é perversa, no argumento de Jane, porque sobe
cada vez mais, mas a oferta acaba.
Tal cenário é completado pelo fato de que a cota pressiona o funcionário, que se
dividido entre a falta de oferta e a necessidade de cumprir a cota. Isso para além de gerar
conflitos psicológicos e atritos entre os funcionários prejudica, na opinião da entrevistada, o
cumprimento das funções específicas a que foram contratados os funcionários, porque estes
precisam, na grande maioria das vezes, optar entre realizar uma venda, fechar um plano ou
vender um seguro, sendo cobrados por não ter realizado todas as possibilidades. Isso frustra e
indigna o funcionário, na vio de Jane.
165
Entrevista concedida por Jane Letin em 31 de julho de 2007.
192
Outro elemento levantado por Jane é a responsabilidade que alguns funcionários
assumem de cumprir determinadas cotas que osuas ou do setor onde trabalham, mas que
ajudam a compor o salário de todos da loja. É do sacrifício, às vezes, de um funcionário, que
depende a composição do salário do outro, o que gera pressões, atritos, responsabilidade
dobrada e, por vezes, faz com que o funcionário trabalhe dobrado até sem reclamar, contestar,
por medo da pressão, por medo do desemprego, por necessidade de sobrevivência, pelo
sario, entre outras questões.
A funcionária que está a mais tempo na empresa, Lúcia Kaiser, o sistema de cotas
como injusto porque a cidade não cresce na mesma proporção da empresa, nem tampouco na
mesma proporção em que as cotas são aumentadas, o que dificulta o trabalho dos funcionários
e aumenta as exigências da empresa. Ela diz:
Eu creio que essa cota ela é um pouco injusta, porque a empresa está
crescendo, só que, se for analisar o crescimento da cidade, a cidade não
cresce na mesma proporção, então a cota ela dificulta. (...) Mas também eu
vejo assim, no varejo, na loja, tem pessoas que não conseguem cumpri esse
compromisso da produtividade, elas acham que é pressão. Pra mim a pressão
é a maneira de eu crescer. Eu cresço. Tudo bem, às vezes você... Essa é a
minha opinião, né? (...) Você sabe que no seu trabalho todas as pessoas
fazem pressão, a cada lugar que você trabalha, agora essa de fechar metas
nós analisamos assim, que nem digamos o s passado nós não fechamos a
meta, mas eu estou de consciência tranqüila, eu fiz meu melhor, eu fiz, (...)
nós fizemos o nosso possível, porque tem o limite também, né?
166
cia consti uma narrativa interessante no sentido de, ao mesmo tempo em que
analisa o sistema de cotas como injusto, considera a chamada produtividade como um
“compromisso” a ser cumprido pelos funcionários e, exatamente por isso, gera a pressão. Essa
pressão, para ela, é algo positivo, que a estimula a crescer, vender, mostrar trabalho”; ao
contrário de outros que não conseguem produzir, trabalhar sob pressão.
Por outro lado, é válida a menção de que muitas e muitas vezes as cotas não são
cumpridas, o que frustra o funcionário e aumenta a pressão e cobrança da empresa. Todavia,
no olhar dela, a cota pode não ser cumprida, mas ela fica de “consciência tranqüila” porque dá
o melhor de si, corre atrás do fechamento das cotas, procura vender cada vez mais. Os
argumentos de Lúcia indicam não apenas uma idéia de “trabalho bem feitocomo uma ética
positiva do trabalho diante de um elemento negativo que é o cumprimento da cota, mas a
própria necessidade de produzir ao máximo tendo em vista as pressões sofridas para que ao
166
Entrevista concedida por Lúcia Bernadete Kaiser em 6 de agosto de 2007.
193
menos possa ficar com a “consciência tranqüila” apesar de, por vezes, não ser possível
cumprir as cotas.
CAPÍTULO 4
“NUNCA ME CONVENCI DISSO”:
ADAPTAÇÕES, ACEITAÇÕES E RESISTÊNCIAS DOS
TRABALHADORES
COMO FACES DE UMA MESMA LUTA.
195
As últimas três décadas, de modo especial, foram marcadas por muitas transformações
no mundo do trabalho, vivenciadas e interpretadas pelos trabalhadores de diferentes maneiras.
Como venho discutindo a aqui, vários são os exemplos de tais transformações no espaço de
trabalho das Pernambucanas: implantação da chamada produtividade, processo de
terceirização, polivalência, intensificação nos ritmos de trabalho, mudanças no perfil do
trabalhador, entre outros.
No caso das Pernambucanas, acredito que a principal reestruturação produtiva
vivenciada é a da implantação da produtividade, que desencadeia e/ou faz a junção entre
outras formas produtivas como a polivalência, a terceirização, a informatização, etc. Porém, é
sabido que as principais faces da chamada reestruturação produtiva são o prolongamento da
jornada e a intensificação do trabalho para os que permanecem empregados, já que o processo
é marcado por constantes demissões em massa, justificadas pela necessidade de redução de
custos e falta de qualificação do trabalhador. E, esses dois elementos, correspondem a um
processo histórico anterior à década de 1990, período de implantação da produtividade.
Apesar disso, é preciso perceber e problematizar as conseqüências das mudanças para
a vida dos trabalhadores, bem como os sentidos atribdos por eles, as dinâmicas tentadas e
experimentadas, os embates constituídos. O período contou com mudanças no salário, nas
formas de trabalho, nos registros em carteira, nos contratos de trabalho, no status da profissão,
entre outras. Em tais dinâmicas, novos modos de trabalho (incluindo ritmos e formas de
trabalhar) coexistiram e ainda coexistem com antigas práticas de trabalhadores. Por isso, nesta
dissertação, importa a análise de como os funcionários sentiram, interpretaram e disputaram
estas mudanças, que são explicitadas através de suas narrativas sobre esse tempo de profundas
transformações no trabalho e na vida.
Com a informatização, o grau de escolaridade, a multifunção, a produtividade, etc.,
torna-se cada vez mais difícil para o trabalhador manter ou arrumar um emprego. Nesse
sentido, diversos são os motivos que justificam, para o trabalhador, o fato de ter que trabalhar
tanto. Diante de uma situação onde inovações tecnológicas e exclusão de mão de obra,
sentidos diferentes surgem entre os trabalhadores: para alguns o sentimento é de verdadeira
“revoluçãoe chances de ascensão aos trabalhadores. Para outros, o sentimento é o de medo
do desemprego. Outros ainda vêem a possibilidade de ampliar o salário, melhorando as
condições de vida. Outros acreditam que “benefícios”, como plano de saúde e premiações, são
difíceis de ser conseguidos no mercado de trabalho. Por fim, o valor atribuído ao trabalho, por
alguns, uma espécie de ética positiva, os mantém em determinados empregos.
196
Todavia, o trabalhador não está passivo neste processo, ao contrário, ele qualifica-se e
participa dos cursos ofertados pela empresa como estratégia para melhorar sua posição de
trabalho ou garantir um novo emprego em caso de perda do antigo. Preocupa-se com a
educação dos filhos para que eles não passem pelas mesmas dificuldades que enfrenta. Não
esquecendo que o que causa perplexidade é que mesmo os trabalhadores “qualificados”, com
grau elevado de escolaridade, assim como os filhos destes têm muita dificuldade em
conseguir um bom emprego. Evidencia-se, neste ponto, que o conceito de reestruturação
produtiva não é monolítico, pois há fissuras, brechas engendradas por outros viveres.
Para o trabalhador o processo que lhe é apresentado como reestruturação da produção,
é vivido como um período de transformações de práticas no trabalho em relação ao ritmo de
produção, à preocupação com a qualificação, o medo do desemprego, às mudanças na forma
de organizar-se na empresa, relação com a chefia e outras dimensões de seu dia-a-dia no chão
da loja. O entendimento da realidade é engendrado mediante uma noção determinada de
desenvolvimento, progresso, enfim, de movimentar-se, de agir, de ir para frente, pois não só o
trabalhador “não pode ficar parado”, como a empresa também, sob pena de submergir na
concorrência com as outras empresas.
Nesse sentido, verifica-se que principalmente na segunda metade da década de 1990 as
Pernambucanas passam por várias mudanças, que ajudam a explicar os diferentes sentidos
construídos pelos trabalhadores com relação ao trabalho e a empresa. Os sujeitos são
diferentes, assim como as funções. Com isso, as formas de luta ou a falta delas são visíveis
através de suas narrativas. A questão da diminuição ou intensificação das horas extras, por
exemplo, aparece como uma conseqüência do regime de cotas e é vivenciada e percebida de
forma ambígua pelos trabalhadores, sendo, por vezes, alvo de disputa entre os mesmos ou
entre eles e a empresa.
Para alguns as horas extras possibilitam o aumento de salário. Para outros os priva do
convívio familiar. Para outros, ainda, é preciso denunciar a empresa porque não pagam as
horas corretamente. Franciele Uhry, uma das mais recentes contratadas na empresa, comenta
sobre um embate vivido recentemente entre os funcionários e a empresa quanto às horas
extras.
Aqui na Pernambucanas eu trabalho bem mais. No sábado a tarde era uma
coisa que eu o sabia o que era isso, às vezes domingo, feriado. Na Tim era
um salário fixo, era um salário bom, mas eu ficava o dia inteiro parada. Aqui
não, aqui eu o dia inteiro no crediário, sabe? Aqui você não pára um
minuto. É bom porque o dia passa mesmo, né? São oito horas trabalhando.
(...) Eu trabalho oito horas por dia em média assim, eu nunca cuidei. Mas
197
sempre umas vinte horas no mês. Das horas eu gero em média vinte horas
extras no mês, né? (...) Só que agora tamo batalhando pra ganhar as horas,
pra receber as horas de dezembro ainda. A gente tem muitas horas pendentes
ainda que o pessoal não querendo pagar. Isso é a maior dificuldade! poxa,
a gente trabalha em dezembro até dez horas da noite, onze horas da noite. É
puxado! Então acho que é necessário pagar. Até a gente entrando num
consenso todo mundo. Tem algumas pessoas que querem isso em folgas, eu
prefiro receber porque tô precisando de dinheiro. Eu prefiro mesmo porque
se a loja promete que vai pagar, eu acho que ela tem que pagar, né?
167
Franciele compara o trabalho nas Pernambucanas com o último emprego que tinha,
admitindo que o atual é bem mais puxado, exigindo ritmos mais intensos e uma jornada mais
prolongada. Ela chega a comentar que não sabia o que era trabalhar em finais de semana ou
feriados, nem tampouco ficar praticamente o tempo todo trabalhando dentro da loja, como
admite: “são oito horas trabalhando!”.
Segundo ela, essas oito horas trabalhando desdobram-se em outras horas extras,
especialmente no mês de dezembro onde as vendas aumentam. Em 2006, por exemplo, o final
de ano foi conturbado no que concerne às cotas porque a empresa combinou com os
funciorios que pagaria as horas extras realizadas. Porém, o cumpriu, querendo pagar as
mesmas através do banco de horas, distribuindo horas de folga, dias de descanso aos
funciorios.
A tentativa da empresa gerou conflito entre os funcionários porque alguns, tendo em
vista o enorme cansaço devido ao excesso de trabalho e o prolongamento da jornada,
preferem as folgas (e não o pagamento) em troca das horas trabalhadas a mais. Sem contar o
elemento apontado por Franciele de que muitos funciorios estão reivindicando o direito de
receber as horas extras não apenas por causa do dinheiro, mas porque a empresa prometeu que
as horas seriam pagas.
Outro elemento presente na fala de Franciele, já citado, é a extensa jornada de trabalho
nas Pernambucanas, que também é ambígua entre os trabalhadores. A sujeição ao trabalho aos
bados e inclusive alguns domingos e feriados aparece, para alguns, como possibilidade de
ascensão, de conquista de cargos na empresa. Entretanto, isso nem sempre acontece, passando
os funciorios a não prolongar tanto a sua jornada, mas procurar alternativas através do
cumprimento da produtividade, que é vista desde uma possibilidade de crescimento na
empresa, passando pela oportunidade de ampliar o salário, até um grau perverso de
exploração sobre o funcionário.
167
Entrevista concedida por Franciele Alexandra Uhry em 17 de janeiro de 2007.
198
A funcionária mais antiga da loja, Lúcia Kaiser, por exemplo, vê a questão da sujeição
ao trabalho nos finais de semana e feriados, bem como o prolongamento diário da jornada
como algo positivo porque garante e aumenta o seu salário. Ou seja, ela procura fazer a
questão do prolongamento da jornada de trabalho como algo a favor de si mesma,
exemplificada pela questão salarial. Contudo, sua fala não deixa de explicitar uma série de
conflitos oriundos da intensificação dos ritmos de trabalho e do prolongamento da jornada,
além de algumas estratégias criadas pelos funcionários para driblar esse ritmo, gerando outros
conflitos. Lúcia narra:
Nós trabalhamos mais, a gente trabalha mais, mas eu, eu assim, eu converso
bastante com o pessoal que trabalha no setor de varejo, mas a loja é pequena.
Mas elas estão descontentes, mesmo elas, elas acham um horror voter que
trabalhar no sábado à tarde. Eu creio assim: Se eu recebendo então eu vou
trabalhar, eu tô sendo premiada, então eu tenho mais, eu tô fazendo o meu.
Eu ganhando eu trabalhando, o importa o meu horário, porque s
temos turno agora, né? Vários horários de entrada, o pessoal entra as 7:30,
outros entram quinze para as oito, eu entro nove e meia. Então, eu sou a
ultima a sair, eu saio as sete da noite. Então a loja vai ficar aberta mais
tempo para o público, isso é bom pro cliente, mas pra nós dentro não é tão
bom, pelo fato da gente trabalhar muito sozinha, ? (...) Nós já
conquistamos funcionários, conquistamos dois, de janeiro pra , nós já
conquistamos dois funcionários (...) nós conquistamos dois esse ano, nesses
seis meses, pra nós isso foi excelente, né? É excelente pra nós que em dois
anos nós conquistamos dois funcionários, né? (...) Agora... Não é qualquer
funcionário que vai ficar das sete da manas dez da noite, tem hora pra ficá
na loja... votem que se alimentar e não pra em oito horas você um
minuto e meio (...) Mas também tem gente com o papel de tartaruga, né? Eu
até cito, vo conhece o carrapato, né? Bom... o ritmo é acelerado em
promocionais, tem que ver tudo que acontecendo com o funcionários, né?
Se tiver no depósito, se não tiver não vende, né? Então você tem que
fazer uma forma de ir lá pegar eles porque tem alguns que se esquivam, que
enrola, que vive fazendo lá, mas não sai do lugar, toda a empresa tem, mas
também tem pessoas que percebem que o colega não está fazendo, né?
Poque eu não sou obrigada a trabalhar no seu lugar pra vogano salário
em cima de mim, né? Por isso eu digo: carrapato você dá você também, né?
E vosabe o que é a sacudida? Você vai se ela tá fazendo, vovai e
tem que fazer.
168
Lúcia compara o trabalho nas Pernambucanas com o trabalho em outras lojas do
varejo e admite que ali se trabalha mais do que nos outros lugares. Ela comenta até mesmo
que as funcionárias de outras empresas acham um absurdo eles se sujeitarem a trabalhar nos
bados à tarde, domingos e feriados, sendo contrariadas por Lúcia que admite não ter
problemas com isso porque está recebendo para trabalhar, está sendo “premiada” pela
empresa, ganhando mais no seu salário.
168
Entrevista concedida por Lúcia Bernadete Kaiser em 6 de agosto de 2007.
199
Outro argumento utilizado por Lúcia para justificar o trabalho aos sábados, domingos
e feriados é o de que a loja trabalha com um sistema de turnos, ficando a loja aberta ao
blico por mais tempo. Contudo, a fala de Lúcia parece contraditória porque ao mesmo
tempo em que ela se sujeita a trabalhar vários dias devido aos turnos, admite que estes últimos
acabam isolando muito os funcionários; estes passam a trabalhar sozinhos na venda e também
na realização de outras funções.
A entrevistada aponta também o fato de que nem todos os funcionários se sujeitam a
prolongar sua jornada de trabalho por conta do que chama de “limite físico”. Acredito que não
apenas este seja um elemento que faz com que o trabalhador resista ao prolongamento, mas
também o tempo que poderia estar com a família, descansando e acaba ficando trabalhando.
Isso sem contar nas tentativas de alguns funcionários de driblar o tempo da produção na
empresa, vistas por Lúcia como os “tartarugas” ou “carrapatos”.
Os tartarugas são aqueles que optam por descansar no depósito, no banheiro, tomar um
cafezinho, deixando de lado vários serviços pendentes na loja, assim como algumas vendas,
sobrecarregando outros funcionários. O fato da sobrecarga é visto por Lúcia como a estratégia
do “carrapato”, que necessita da “sacudida”, que nada mais é que a fiscalização de um
funciorio sobre o outro, constatando que o funcionário realmente não está desempenhando
as suas funções, está driblando o tempo de trabalho, cabendo ao outro a realização das
mesmas e ainda contribuindo para com o salário dos “relapsos”.
Outro elemento apontado é o de organização dos funcionários no sentido de
reivindicações de melhorias ao trabalho. Ela se remete à troca de gerente, que foi vista como
uma oportunidade aos funcionários para reivindicarem a ampliação no quadro de
trabalhadores, luta de anos na empresa. Lúcia diz que a união deu certo porque eles
conquistaram dois funcionários.
O elemento apontado por Lúcia como negativo, que se refere a algumas estratégias
utilizadas por alguns funciorios para driblar o tempo da produção, é visto de diferentes
maneiras entre os trabalhadores, assim como é vivenciado de diferentes formas. Penso que os
trabalhadores elaboram uma série de estratégias no intuito de construir um ambiente de
trabalho agradável. Eles disputam o tempo da produção, exemplificado especialmente pelas
cotas, descansando através de rias idas ao banheiro, paradas na cozinha para beber um
cafezinho ou tomar água, idas ao depósito justificadas pela necessidade de organizar as
mercadorias, etc. Estas tentativas criam ora laços de solidariedade e ora atritos, como é o caso
de Lúcia.
200
A tentativa do trabalhador de descansar alguns minutos pode ser vista também como
uma questão de saúde para o trabalhador, que precisa recuperar forças para voltar ao trabalho,
bem como a criação de um espaço para conversar sobre o funcionamento da loja, organizar
supostas reivindicações a serem discutidas nas reuniões, por exemplo. Nesse sentido, a
disputa pelo tempo de descanso e as paradinhas para beber café e água apontam para algumas
conclusões. A primeira e mais óbvia delas é a de que o ritmo do trabalho está sendo alterado
constantemente na empresa, tornando-se mais intenso. Assim, a noção de tempo imbrica-se
com a questão da produtividade, onde todos os minutos do trabalhador passam a ser
requisitados, passando os trabalhadores inclusive a se auto-controlarem e controlarem os
demais devido à produtividade que influencia o rendimento dos salários.
A fala de Jane, especialista no caixa, aponta para algumas das estratégias criadas pelos
funciorios para driblar as cotas e o ritmo de trabalho, admitindo até determinadas
conseqüências de tais ações. Isso ao mesmo tempo em que admite o cenário de trabalho das
Pernambucanas como diverso, percebido e experimentado de formas diferentes entre os
funciorios, que jogam o jogo da produção. Ela argumenta:
Lógico que quando não tem movimento daí vodá uma escapadinha, vai no
banheiro daí demora um pouquinho mais, mas é... Mais difícil, porque a
fila sempre ali, voo vai deixar a fila ali, pra depois você voltar e ela
em dobro, você vai ter que trabalhar em dobro, então... Vai ter que
trabalhar em dobro e vai ter que levar mais esporro, porque o cliente que ta
no final da fila, vem te xingando até chegar no seu caixa, né? vendedora
não, né? pra dizer assim “ai vou buscar alguma coisa no estoque”, e já
pode passar aqui e tomar um cafezinho, né? E a gente não, nós temos que
levar a garrafa de água para o caixa pra o sair pra não tomar água, e...
Banheiro? Tem dias que você está ali... Esse dias eu tava me segurando, eu
fui fechar o caixa daí eu disse desculpa, eu tenho que ir no banheiro. (...) E
as regras a maioria a gente acata porque... né? Por necessidade, mas assim,
quanto a reivindicar algo é mais individual mesmo, dificilmente alguém
senta, a loja senta pra conversar sobre algo, o gerente quando ele tem alguma
coisa que ele queira mudar ele conversa com a gente, mas assim, de
funcionários é mais complicado. É difícil, no máximo duas pessoas, daí o
resto qué, mas...
169
A fala de Jane indica que os funcionários não seguem à risca tudo o que é solicitado
pela empresa, pois inclusive por uma questão de cansaço os trabalhadores disputam com a
empresa o tempo da produção. Apesar de que, segundo ela, alguns funcionários, como os
vendedores, que não necessariamente estão presos a um setor específico como o pessoal do
caixa e do crediário, conseguem “escapar” mais vezes e por um tempo maior do que os
169
Entrevista concedida por Jane Letin em 31 de julho de 2007.
201
demais. Jane diz que ela tenta driblar o tempo, mas que ao fazer isso ela acaba tendo que
trabalhar dobrado, porque as filas no credrio aumentam e ela ouve reclamação das outras
caixas e também dos clientes, que demoram em serem atendidos. Isso, segundo ela, ocorre
porque os funcionários encontram dificuldades para lutar coletivamente, reivindicar melhorias
não apenas na esfera individual, deixando tal elemento explícito na seguinte fala: “não tem
como se posicioná e lutá”. Ela argumenta:
Como a gente não tem uma estrutura correta, não tem como se posicioná e
lutá. Por exemplo, no caixa você o tem uma cadeira, nós temos uma
cadeira pra três, quatro pdvs, né? Então tem que ficar brigando, né? Pra dar
uma descansada, se não é no lixeiro ali, com certeza isso vai prejudicar,
porque não tem como manter uma postura, né? Mas assim, (...) é norma da
empresa, ? tanto que os nossos caixas, eles não são feitos pra você sentar,
eles não têm aquela parte que você põem as cadeiras. Então mesmo quando
você senta, vo fica numa posição incorreta, afastada. (...) As pessoas
olham, elas o acreditam, elas falam “meu, vocês estão sentados no lixeiro,
vocês não tem cadeira? É um tanto negativo pro caixa, pra empresa, e até já
perguntaram se eu tive hemorróidas, por causa do buraco do lixeiro. (...)
que quanto às cotas a gente tenta fazer algo pra não que trabalhá tanto,
né? Eu por causa da pressão prefiro fatudo, fechá tudo até o dia 20 porque
daí eu fico mais tranqüila, descanso, e também daí até dia 30 não tem que
ouvi, né? (...) Agora... o que me segura mesmo na empresa e faz com que eu
não reclame mais é o plano de saúde, porque eu tenho a nenê, né? E mesmo
que eu não ganhe um salário tão bom como no outro emprego, aqui tem a
unimed que segura muito porque eu teria que gastar igual, né?
170
Jane diz que apesar de existir resistência diante de algumas situações, a maioria das
regras é seguida pelos funcionários, especialmente por ela, porque precisam do emprego para
sobreviver, sustentar as famílias. Sem contar em fatos como o da irregularidade do caixa em
não disponibilizar cadeiras para os atendentes, que cansam muito mais do que se estivessem
sentados, do mesmo modo em que tentam driblar o cansaço proporcionado pela falta das
cadeiras sentando no lixeiro. Isso se torna um problema para a saúde do funciorio porque o
atendente fica com uma postura incorreta, acarretando em várias dores musculares ou
problemas de coluna. Sobre isso ela admite que eles reclamam e os próprios clientes
reclamam pelos atendentes por causa da falta de cadeiras, mas é uma norma da empresa que
eles não conseguiram mudar.
Por outro lado, fica clara a justificativa da entrevistada de que segue determinadas
regras da empresa e permanece no trabalho por conta do plano de saúde, porque vê o mesmo
como uma ajuda a sua família, principalmente pelo fato de que ela tem uma criança pequena.
170
Entrevista concedida por Jane Letin em 31 de julho de 2007.
202
Nesse caso, fica explícito não apenas o argumento de que muitos funcionários colocam-se
como submissos a alguns ditames da empresa, mas que tentam utilizar determinados
mecanismos em benefício pprio. Não questionar algumas ordens não significa que
questionamentos ou resistências em determinadas esferas não existam, o que ocorre é que o
trabalhador em determinados momentos joga com o patrão consentimento determinados tipos
de exploração, buscando reverter isso em benefício próprio ou da família.
Nesse sentido, serve como exemplo e complemento na narrativa de Jane a tentativa
elaborada por ela, que também deve ser a de outros funciorios, de diminuir os ritmos de
trabalho através da intensificação dos mesmos nos primeiros vinte dias do mês, buscando
fechar a cota para, nos outros dez dias, descansar um pouco e sofrer menos pressão, menos
cobrança no que se refere à produtividade, porque isso desgasta e prejudica o atendimento ao
cliente. O funcionário fica irritado e não desempenha o serviço da maneira como deveria ou
gostaria porque além do cansaço que sente, precisa conviver com a pressão constante das
cotas.
Um último elemento levantado e talvez um dos mais expressivos refere-se à sujeição
de Jane ao jogo produtivo, à sujeição ao excesso de trabalho, porque para além de precisar do
emprego ela vê o plano de saúde como uma segurança para ela e a filha. Admite que o salário
não é o principal benefício que possui, pois no seu emprego anterior ganhava mais, mas não
tinha plano de saúde, precisando pagar pelo mesmo. Na empresa ela paga, mas é um valor
baixo R$ 20,00 por mês, garantindo atendimento médico, exames e internamento para ela e a
filha, tornando-se praticamente o mesmo que ganhava no emprego anterior, visto por ela
como melhor que o atual.
Essa questão das cotas, da produtividade é algo bastante complexo entre os
funciorios e também alvo de inúmeras disputas. Os funcionários procuram lidar com a
produtividade aproveitando margens de manobra que lhes permitam usar a produtividade
(convertida em salário), em favor de si mesmos. Apesar de a empresa estipular que a
produtividade deve ser combinada durante todo o mês de trabalho (full time), os trabalhadores
“se guardam” para realizá-la em poucos dias. Alguns preferem intensificar os ritmos nos
primeiros vinte dias. Outros preferem deixar para os dez dias finais. Contudo, é verificável o
embate entre os ditames da empresa e os funcionários com relação à produtividade, tirando os
funciorios, proveito a seu próprio favor. Por exemplo, para cumprir as cotas da loja, que
garante o salário dos funcionários, estes preferem intensificar o ritmo nos primeiros dias do
mês. As cotas de produtos financeiros, uma vez que garantem um acréscimo muito pequeno
em se tratando de salário, é deixada para ser cumprida nos últimos dias do mês. As cotas por
203
setores, que possibilitam um aumento percentual nos salários, mas também a possibilidade de
ser aumentada constantemente caso seja cumprida, é tocada pelos funcionários de maneira
rotineira, mas sem correr muito atrás do cliente (exceto no setor de eletro, que garante metade
da cota da loja, interferindo no salário de todos os funcionários. Daí a necessidade de fazer
uma série de saldões, por exemplo), vendendo conforme a demanda.
Márcia Backes, ex-funcionária, apresenta uma narrativa que vai de encontro com a
questão apontada acima e, também, diversa da construída por Jane para driblar o sistema de
cotas e diminuir a cobrança, a pressão que sofre. Márcia admite que a grande maioria dos
funciorios prefere intensificar os ritmos para cumprir as cotas nos primeiros vinte dias do
mês. Ela diz que, às vezes, ela intensifica os ritmos do seu trabalho para cumprir a cota nos
dez dias finais do mês, tentando ter um ritmo mais leve de trabalho nos primeiros vinte dias.
Ela narra:
O que a gente mais se folgava, depois do dia 20, final de mês que daí é
começo de mês, é isso que desgasta, entende? Mas às vezes eu levava mais
tranqüilo até o dia 20 e intensificava o ritmo nos dez dias finais, porque a
pressão era muita, né? É esse, principalmente assim... que nem no dia 20,
mas daí era dia 30, dia 31 e começava tudo de novo. (...) Eu trabalhava
sempre seis horas ? Então assim, eu ganhava razoavelmente bem, aqui em
Marechal, então eu acho, eu nunca questionei meu salário assim, muito
pouco, às vezes que eu questionava, quando eu acho que a exploração era
assim incisiva, mas, assim não, eu ganhava... Como é que eu vou te dizer,
em seis horas, uma dia de 500 reais, mas em dia mais, né? Então pra
seis horas, acho que em Marechal é muito difícil. (...) Então assim, eu era
muito de briga (...) Eu ganhei uma advertência, você soube? Ganhei esse ano
porque eu quis ir trabalhar às cinco horas da manhã. (Risos) eu tipo assim,
eu olhei, fala que eu me impus, né? Certa forma eu me impus, poxa eu tava
me oferecendo pra ir trabalhar às cinco horas da manhã, e que o Marcos
também iria, né? (...) como eu morava longe eu pensei: ah, pra mim facilita.
Ah, eu o posso facilitar pra ninguém aqui dentro”. eu e ele acabamos
discutindo, na frente de cliente e tal, né? E ele me deu uma advertência
então. Eu ganhei uma advertência por me oferecer pra trabalhar às cinco
horas da manhã. (...) voo tem um horário pra ir embora né? Tem dias
que tem pessoas que saem de oito horas da noite, dia normal de
semana.(...) É, nove, ? Final de semana sábado, você trabalha quase todo o
sábado até quatro horas. Fecha a loja mais fica lá, cinco, cinco e meia, o
pessoal do crediário chega seis, seis horas da noite, né? Então assim, eu acho
que é disponibilidade e dedicação. E dpra reivindicá algo, solucio um
problema é muito individual. (...) que depois foi criado a GPP. Eu não
sei se existe ainda. Então, é... eu fui das primeiras, imagina (...) mas assim,
foi bom, foi bom cria esse grupo mas era muito individual ainda. Daí você
chega fora e você ter um resultado, um retorno é bem complicado, né?
Mas assim muitas melhorias que a gente pediu pra loja teve, né? Mais o que
a gente falava era sobre o espaço, ? Como trabalha é... Os produtos, a
mercadoria, o depósito foi criado atrás, eu não sei se você chegou a ver
agora. Então tudo foi, foi a GPP, então assim houve melhorias, depois que
foi criado a GPP, antes não tinha, você falava e não vinha, né? E pra contrata
204
funcionário a GPP reivindicava muito, que até isso sair pra fora e ter um
pum, hum! Demora ou não vem!
171
A fala de Márcia indica que a questão salarial era um mecanismo importante no
sentido de evitar que ela questionasse muito a empresa. Comenta que para um município
como Marechal, o salário que recebia era bom, por isso tentava fazer o que lhe fosse pedido,
evitando questionamentos.
Um ponto forte na fala de Márcia é a questão das advertências, que indicam a
existência de embates na empresa. Os funcionários, seja por questões individuais, como a do
caso de Márcia, ou coletivas, como a atuação do GPP, não aceitam nem compactuam
passivamente com todas as iniciativas da loja. Márcia comenta que em determinada situação
de trabalho, ofereceu-se para começar um turno antes, o que facilitaria para ela. Porém, a
resposta que ouviu foi de que não poderiam facilitar para ninguém, acabou discutindo com o
gerente e sendo advertida.
Deixa claro que o grande problema das reivindicações na empresa é que “muita
disponibilidade e dedicação coletiva e tentativa de soluções individuais”. Cada um tenta
resolver a seu modo, mesmo sabendo que o salário de todos depende do desempenho de cada
um. Márcia usa como exemplo o GPP (Grupo de Prevenção contra Perdas), que era para ser
coletivo, mas no início era muito individual. Apesar disso, admite que o grupo conseguiu
melhorias e reivindicava muito a contratação de funcionários.
Lauro Marciano Dutra Moura fala, assim como Márcia, da questão do individualismo
dos funcionários no sentido das reivindicações. Ele acredita que o sistema de cotas além de
gerar atritos entre os funcionários, prejudica a união dos funcionários, que acabam apenas
concorrendo, isolando-se em pequenos grupos, impedindo o caráter coletivo das
reivindicações. Ele argumenta:
E o maior problema é que o tem união entre os funciorios quando tem
que resolver um problema, reivindicar algo, o acontece porque existe
panela dentro da loja. Quando você pensa que alguém está do seu lado...
Acaba sempre um jogando nas costas do outro. (...) O tempo que eu fico lá
dentro (...) ultimamente eu fazendo em torno de umas dez horas pra mais,
umas dez, onze horas eu fico dentro da loja, porque nessa semana teve
dias em que eu fiz quinze minutos de almoço, entrei na loja, pedi um lanche,
continuava dentro, fechava as portas, puxava o material pra dentro e ainda
ficava por mais um tempo pra terminar de organizar as coisas, tinha que
ficá gravando pedido, ficava até tarde. (...) E as cotas também prejudicam
que os funcionários se unam. Assim, eu não posso dizer por todo mundo. Só
que eu acabo cumprindo o que eles me pedem. Pediu pra mim rezar um pai
171
Entrevista concedida por Márcia Cristina Backes em 31 de julho de 2007.
205
nosso eu rezo. (...) É que falta muita coisa pra loja. Tem uma certa panelinha
ali que fala, fala e diz: ó, quando tivé reunião, você vai e fala assim: o,
eu tenho uma coisa pra dizê! A gente vai fatudo junto. chega na hora
ninguém fala e um fica olhando pra cara do outro e depois: vonão ficou de
falar? (...) E isso ocorre por medo de perder o emprego, exatamente pelo
salário que ganha
172
.
Lauro deixa claro em sua fala que falta de uno entre os funcionários, para poder
reivindicar melhorias, porque existem muitas “panelinhas”, o que dificulta o entrosamento e a
busca por melhorias. Comenta também que as cotas prejudicam que os funcionários se unam
no sentido de reivindicar algo, mas faz com que cada um o melhor de si, trabalhando além
do horário para completar as cotas.
O medo do desemprego é uma causa da não reivindicação dos funcionários, o medo de
perder o salário que ganham, sujeita o trabalhador a uma série de imposições. Lauro acredita
nisso e deixa claro ao falar “se me pedem prezar um pai nosso, eu rezo”. Sujeita-se a ficar
tanto tempo na empresa, trabalha tanto que a como sua casa, chegando a admitir que em
alguns momentos acha que o trabalho é a sua vida, porque passa mais tempo na empresa do
que em qualquer outro lugar. Porém, desabafa dizendo que já foi obrigado a burlar a
legislação trabalhista batendo o ponto de saída, permanecendo na loja e não recebendo hora
extra e ainda nunca ganha elogios, só cobranças. Ele comenta:
O significado da Pernambucanas pra mim: É a minha casa, em alguns
momentos chego até a pensar que é a minha vida porque fico mais dentro
do que qualquer outro lugar. (...) Ou seja, eu praticamente fico dentro da
loja. Bato o ponto de saída e ainda fico mais um tempo. Tem dias que eu
saio de lá com a cabeça explodindo, pensando que eu nunca mais quero
entrar na loja, daí deito pra dormir ou às vezes o telefone toca ligando da
loja: esqueceu de fazer tal coisa! Sabe? Nunca é pra dizer: parabéns, a gente
conseguiu fazer isso!
173
A narrativa de Lauro denuncia que o chão da loja é um espaço de tensão, conflito. Os
discursos de harmonia difundidos constantemente pela empresa não são experimentados ou
construídos da mesma forma por todos os funcionários. Lauro, por exemplo, demonstra seu
descontentamento no sentido de que trabalha em ritmos muito intensos, com uma jornada de
trabalho exaustiva, com o intuito de aumentar o seu salário e fazer o seu trabalho “bem feito”.
Porém, diz que isso na maioria das vezes não é reconhecido pela empresa, a idéia de família,
de 12 mil corações, nem sempre é aplicada. Ele chega a mencionar que quando recebe uma
ligação da empresa, nos seus horários de descanso, o é pra dizer parabéns pelas conquistas,
172
Entrevista concedida por Lauro Marciano Dutra Moura em 10 de janeiro de 2007.
173
Entrevista concedida por Lauro Marciano Dutra Moura em 10 de janeiro de 2007.
206
pelo desempenho do trabalho, mas para apontar um deslize, exigir mais trabalho, etc, o que,
por vezes, desestimula o trabalho.
nica Santos concorda com Lauro em determinados aspectos, como por exemplo, na
questão da falta de união dos funcionários. Ela fala que quando é para cumprir as cotas a
turma é unida, para fazer os seguros todos se juntam e fazem, mas, quando é para reivindicar,
buscar melhorias e benefícios à união não ocorre. Mônica admite:
Na questão de busca de melhorias e benefícios a turma não é unida porque
muitas vezes... até teve um caso no natal, por exemplo, estava previsto um
acordo com o sindicato de que a empresa pagaria lanche e o gerente que era
novo disse que não pagaria. Eu fui atrás do sindicato, liguei pra lojas me
falaram que seria pago e d eu questionei o gerente, o gostei porque
ninguém apoiou, mas daí na hora de receber o lanche todo mundo gostou de
não ter pago o lanche. Então... é unido assim relativamente: quanto à cotas, à
seguros todo mundo se junta, tem que fazer, o pessoal faz. Agora quando é
pra reivindicar algum benefício o pessoal fica com medo do que o gerente
vai pensar. (...) E aqui o dia é bastante puxado porque não é trabalho braçal,
com esforço físico, mas é um esforço mental bastante maçante, nós temos
muito cliente, cobrança na área de humanas, de produtos financeiros, tem
que fechar as cotas dos seguros, então é bastante conturbado o dia (...) e a
função que você tem que desempenhar nesse tempo ela é bastante exaustiva
(...) aconteceu que o nosso gerente ele... quando o Luciano saiu vieram os
substitutos e tinha outra forma de trabalho. Foi no período em que eu tava de
rias, mas eu fiquei sabendo. Colocaram que alguns funcionários não
deveriam estar batendo o ponto, nem trabalhando com o ponto batido. Mas
assim... fizeram, concordaram, não questionaram, foram praticamente
obrigados eo reclamaram. (...) Na minha opinião não questionam, não
reagem e quando alguém reage ou questiona o porquê que de aqui é uma
regra que vem de cima e o tem como questionar, não tem como recusar
é como exemplo desse radinho que veio e sendo usado, um walk-toc
que a gente usa. Cada setor tem um e é pra gente se comunicar. Quando foi
apresentado isso em reunião eu questionei: por quê? Se tem ts telefones no
crediário, sempre no crediário, tem o alto-falante, vai ter mais uma coisa
atrapalhando no meu ouvido, falando? E... mas outros funcionários não
gostaram também, mas por medo não questionaram, aceitaram, que
também agora não tão usando.
174
A fala de nica indica que os motivos da falta de união entre os funcionários são
variados, têm medo do gerente, dizem que precisam pensar. A união é muito relativa,
parecendo ocorrer dependendo da necessidade individual. O medo da gerência, de ficar
sem emprego, é algo que assola e faz com que muitos trabalhadores se sujeitem a muitos dos
ditames da empresa.
Outro ponto da fala da entrevistada é sobre a jornada de trabalho, que, de acordo com
ela, é constituída de um “dia bastante puxado, porque não é trabalho braçal, com esforço
174
Entrevista concedida por Mônica Santos, em 16 de janeiro de 2007.
207
físico, mas é um esforço mental bastante maçante”. Os clientes o muitos e é preciso fechar
as cotas, a cobrança na área de humanas, de produtos financeiros, as funções que se tem que
desempenhar são muitas e os funcionários não podem deixar de cumpri-las, pois interfere no
desempenho e, conseqüentemente, no salário de todos. No geral, Mônica está falando que o
sistema de cotas mantém a união dos funcionários apenas para o cumprimento das mesmas,
mas na hora de reivindicar melhorias os afasta porque ajuda na geração de atritos,
individualismos, “panelinhas”.
Uma questão importante também, relatada pela entrevistada, é que cada gerente tem
sua forma de trabalho e, tendo em vista isso, ocorreu durante algum tempo que um gerente
pediu para os funcionários trabalharem sem bater o ponto. Todos acharam isso desrespeitoso e
absurdo, mas muitos deles acataram, segundo Mônica, sem questionar, mesmo sabendo que
estavam burlando leis trabalhistas, indo contra eles mesmos. Ao mesmo tempo, Mônica
admite que ocorrem fatos onde o trabalhador não questiona, mas depois, no dia-a-dia, acaba
não cumprindo as ordens. É o caso do uso dos walk-tocs, mencionado por ela.
Contrariando os argumentos da maioria dos entrevistados, Franciele Capoia fala da
existência de um espaço dentro da loja para que todos reivindiquem, e que os funcionários
não fazem por medo. Mas, comenta ela, que quando um tem coragem e fala, outros também
falam, questionam bastante. Quando as decies que “vem de cima” não agradam a todos, os
funciorios se unem, mesmo não conseguindo mudar as decisões da empresa, uns ajudam
aos outros. Franciele argumenta:
Eles têm essa liberdade e geralmente fazem. Eles falam. Geralmente fica
todo mundo quieto, porque todo mundo tem medo. Mas a partir do momento
que um fala, o que demora um pouco mais é isso, a primeira pessoa a falar,
mas depois que um fala todo mundo começa. Olha, eu o achei legal, não
concordo. Algumas decisões que a empresa tomou... Então essas decisões
que vem de cima, têm algumas que a gente não consegue mudar. Por
exemplo, esse é o quadro e não pode mais contratar. Então não adianta
mudar isso aí. Então o que que acontece? A gente se une e discute. Se um
saiu a gente tenta arrumar de alguma maneira o quadro de modo que a gente
consiga cobrir aquela perda daquela pessoa que saiu, que não vai ser reposto
o cargo. Então assim... o adianta ficar chorando, o negócio é levantar a
cabeça e trabalhar!
175
A fala de Franciele parece admitir a união dos funcionários num sentido de
contribuição para com a empresa. Ela diz que não adianta reivindicar mais funcionários
porque a empresa determinou um número de funcionários, devendo todos trabalhar dentro
175
Entrevista concedida por Franciele Cristina Capoia em 25 de agosto de 2006.
208
desse quadro. Nesse sentido, de acordo com ela, quando alguém sai, os demais funcionários
tentam compor de alguma maneira o quadro, de modo que consigam cobrir a perda da pessoa
que saiu, pois o quadro não vai ser reposto, é necesrio que se façam adaptações, para que as
cotas possam ser cumpridas, e, mantidos os salários.
Terminando sua fala deixa claro que “... não adianta ficar chorando, o negócio é
levantar a cabeça e trabalhar”, o que subentende a postura de que há abertura para reivindicar,
como ela mesma admite, mas não adianta porque não haverá retorno, ela é pessimista com
relação ao potencial de luta dos funcionários. Ela assume, assim, uma postura de que a
empresa manda e o funcionário obedece, sem reclamar, sugerir, nem questionar, sugerindo
inclusive o inverso do que admitiu no início: que os funcionários demoravam, mas
reclamavam e que quando um falava, os outros também questionavam.
Uma das funcionárias que está mais tempo na empresa, Paula de Andrade,
argumenta que a principal estratégia das Pernambucanas é a produtividade, representada pela
necessidade do aumento constante no volume de vendas, e que eles investem muito em cima
disso, sendo que muitos funcionários acatam isso como uma possibilidade de crescer na
empresa. Ela acredita que o crescimento depende de uma intenção individual que não tem a
ver com o cumprimento das cotas, com a necessidade de vender cada dia mais, porque esta é
uma intenção da empresa. Paula argumenta:
Na verdade essa produtividade não tem muito a ver com o crescimento, né?
Porque... as cotas são assim bem altas e você, se você ficar fazendo pelas
cotas você vai fazer o quê? Reposição e atendimento e reposição e
atendimento, você não vai crescer dentro da empresa, porque vonão vai
saber tirar relatório, não vai saber fazer mapa um, você não vai saber o que
você precisa saber pra poder crescer... porque você tem que passar resultados
e vo tem que entrar fazendo como você vai fazer isso se focado em
outra coisa que é atender cliente e produtividade? A produtividade é isso, é
vendas, o tem outra coisa, é vender, vender, vender, vender e se você
vendê, vendê, você não vai atrás dos seus interesses, você só vai atrás dos
interesses da empresa, que é as vendas. E se vo for entrar nesse lance de
vendê, vendê, vendê, de alguma maneira você também o vai ter destaque
com relação à empresa e promover competições dentro da loja. Não, você
vai vender! Você vai ter, de repente, uma rixinha entre os funcionários
porque você é a que mais vende, aconteceu isso comigo, né? Daí todo
mundo pega birra de você e você vai ficar ali o resto da sua vida vendendo,
porque você é bom em fazê isso!
176
A fala de Paula mostra que se o funcionário ficar preocupado em vender, cumprir
metas que aumentam cada vez mais, buscando atingir a produtividade, estará apenas atrás dos
176
Entrevista concedida por Paula de Andrade em 4 de janeiro de 2007.
209
interesses da empresa, que são as vendas, criando inclusive rixas entre os funcionários, pois
aqueles que não conseguem vender mais sentem certa “inveja daqueles que vendem. Os
elementos da competição e do individualismo, proporcionados pelo sistema de cotas,
aparecem, como se vê, bastante claros na fala da entrevistada.
Outro ponto forte em sua fala deixa claro que se você ficar “bom em vender”, torna-se
especialista em vendas e isso não garante o crescimento, o desenvolvimento do plano de
carreira, porque para isso o funcionário necessita apreender cada dia mais, “andar para
frente”, tornando-se um bom funcionário e não um bom vendedor. Tal indicativo serve para
perceber que nem toda a ideologia difundida na empresa como a de que quanto mais o
funciorio vender mais destaque ele terá e, com isso, as probabilidades de desenvolver
carreira também aumentam, não é incorporada por todos os trabalhadores é, pelo contrário,
experimentada e percebida de diferentes maneiras.
Na concepção de Paula, por exemplo, o importante não são as vendas porque para a
empresa um vendedor que cumpre todas as metas, que vende bem, não é um bom funcionário
para ser transferido de filial, para seguir carreira. Um gerente que percebe quando um
funciorio se torna bom em vendas, manterá o mesmo nas vendas daquela mesma filial
porque ele está rendendo lucros para aquele lugar, para aquela equipe, etc. Tal argumento de
Paula contraria os argumentos de boa parte dos trabalhadores das Pernambucanas com relação
ao plano de carreira, indicando que as relações existentes não são amenas, que os discursos da
empresa não são vivenciados da mesma forma por todos os trabalhadores, nem tampouco que
as práticas dos trabalhadores e da loja são construídas num campo sem disputas.
O funcionário Douglas Junges atribui sentidos diferentes ao seu trabalho, à empresa e
aos ritmos de trabalho. Para Douglas, sujeitar-se, às vezes, a trabalhar muito faz parte da
necessidade de trabalhar para garantir o sustento, mas também de uma espécie de ética
positiva do trabalho, dizendo que trabalhar é bom, e, também, necessário. Ele fala:
Você sabe que o trabalho ele mostra cada vez mais a necessidade que você
tem que fazê isso prá você adquirir teu sustento, sabe? (...) E na loja o tempo
que eu trabalho lá dentro é todo tempo! todo tempo! (...) existem coisas aqui
dentro que são importantes e existem coisas que são importantíssimas.
Então, você tem que o tempo inteiro, justamente por não ter funciorio, por
você que desempenmuita coisa, tem que sabê (...) porque vocobrado
se é... Então, você tem que fazê. Então todo tempo. Nossa, eu chego de
manha, começo com a organização, já prá reunião, saio, vô abri a
loja. E assim, tem gente prá atendê, eu já vô ali, fazendo alguma coisa,
vendo uma assistência. Então é todo tempo. Não existe um segundo que eu
possa falá assim: Ah, a loja está perfeita! Eu não tenho o que fazê, vamo
esperá vim os clientes. (...) Mas com certeza nos outros empregos tinha
momentos que eu podia é... me dedicá a outras coisas do meu interesse, né?
210
(...) Que nem eu tava falando do tempo... Se eu tivesse mais tempo, eu me
dedicaria mais a outras coisas, até à minha família. Por exemplo, ? é... eu
brinco com os meus amigos e até brinquei com a minha mulher e tal porque
falam: quando é que vocês tão pensando em tê um filho? Eu falo: olha, do
jeito que a gente tentando, a última foi o ano passado (Risos). o,
verdade, porque às vezes você tão exausto fisicamente, psicologicamente,
os dois se olham assim: Vamo dormi! ou então: vamo fazê um evento, vamô
pro Show do Cezar Menotti e Fabiano e tal? Vamô lá? Não, ? Porque no
outro dia a gente tem que trabalhá, a gente tem que tá bem. Então a função
às vezes da vida é o emprego, ? Você acaba vivendo como se nunca fosse
morrê, morrendo como se nunca tivesse existido, né? (...) Agora também...
Ó, eu sou cristão, eu sou cristão realmente, eu amo a Deus por isso, mas se
você pegar a bíblia a fundo a pessoa o pode nem cagá (Risos). Deus que
me perdoe, mas é verdade! (...) Então a gente dribla muita coisa e a mesma
coisa é na loja. Na loja é: ah porque vonão pode isso, porque você não
pode aquilo. Às vezes é muita frescurage, não precisava, né? É igual a
bíblia! A questão do uniforme, por exemplo, eu brigo muito, eu brigo muito.
Uma loja tão bonita usá uns uniforme tão feio que desvaloriza os
funcionários.
177
Douglas reclama da necessidade de se trabalhar o tempo inteiro na loja, não havendo
minutos para driblar porque se o o funcionário se sobrecarrega, porque devido à
multifunção precisa desempenhar várias atividades. Essa é a diferença, na opinião dele, das
Pernambucanas para os outros empregos, pois nos anteriores sobrava mais tempo para realizar
atividades de interesse pessoal, inclusive mais tempo para ficar com a família. Douglas chega
a ironizar que o tempo é tão curto para a família que ele e a mulher estão sempre cansados,
não conseguem planejar um filho, nem curtir momentos de lazer porque precisam estar
dispostos para no dia seguinte voltar ao trabalho.
O ritmo do trabalho, na opinião do entrevistado é tão intenso e a necessidade de
trabalhar também é vital, o que faz com que, às vezes, a função da vida pareça ser o emprego.
Isso indica que o trabalho ainda é um elemento central na vida dos trabalhadores, não
significando que eles sigam à risca tudo o que lhes é determinado ou todas as regras do
capital. Acerca dessa questão Douglas dá o exemplo comparativo entre as Pernambucanas e a
bíblia, cujas regras são determinadas, mas não possibilidade de ninguém seguir tudo a
rigor, sem ao menos questionar.
Outra funcioria do setor de eletro, Marlei Biccigo, assim como Douglas, reclama
bastante do excesso da jornada de trabalho e do ritmo do trabalho, refletidos na exaustão,
desgaste físico e emocional. Ela precisa, inclusive, conciliar o tempo de trabalho na loja com
o tempo de trabalho em casa, sobrando apenas o sábado à noite e o domingo para ficar com a
família e recompor as forças para retomar as atividades da semana. Marlei comenta:
177
Entrevista concedida por Douglas Marcel Junges em 9 de janeiro de 2007.
211
Tem dia que a gente chega em casa, assim votá: ai meu Deus! nem
bem você chega em casa você não vai descansar porque votem outras
coisas pra fazer, né? Daí então é bem puxado. No bado assim, né? No
sábado assim vo chega em casa quatro, quase cinco. Sai as quatro e chega
as cinco porque até arrumar... você tem o finalzinho de sábado. Domingo
você tem que descansar porque na segunda você tem que ali de novo, né?
Que é bem puxado! (...) Mas eu gosto do que eu faço, gosto de trabalhar na
loja, mas só que o que me segura bastante e também outras pessoas é o
plano de saúde. Não pra tentar do SUS e pagar um convênio também é
muito caro. ali a gente paga R$ 20,00 por mês a Unimed e tem direito à
consulta, exame, tudo, né? Então é muito positivo o convênio, ajuda
bastante.
178
Um elemento importante expresso na fala de Marlei diz respeito à dupla jornada de
trabalho que as mulheres exercem no mundo do trabalho. Ao sair de casa, especialmente nos
finais de semana, ela precisa chegar em casa, dar atenção para a família e, ainda, cumprir com
os afazeres domésticos. Com isso, o tempo se torna muito curto, principalmente em se
tratando do descanso e da necessidade de recompor as forças na noite de sábado e no
domingo, para voltar ao trabalho na segunda.
A narrativa de Marlei indica também que apesar de reclamar dos ritmos do trabalho e
da jornada, ela gosta do que faz e se sujeita, assim como outros funcionários, à exploração
sobre o trabalho, principalmente por causa do plano de saúde. Para ela, o plano é de vital
importância e, além de trazer benefícios a toda família, o custo não é elevado e o atendimento
é garantido. Assim como a fala de outros entrevistados, a fala de Marlei aponta que o jogo
vivido entre patrões e empregados indica a sujeição do trabalhador aos ditames do capital de
modo limitado, porque os primeiros procuram tirar proveito de boa parte das situações que lhe
o impostas pelo segundo.
Uma ex-funcionária, Neide Vander Meler, também reclama do excesso da jornada de
trabalho. Em sua entrevista deixa claro que esse excesso provocou a falta de tempo com a
família, principal motivo que a levou a sair da empresa. Ela comenta:
O período dentro da loja, de trabalho era bem puxado. Você não pára, você é
uma máquina, você trabalha... A partir do momento que voentra ali você
sabe que está entrando pra isso, então você tem que aceitar, né? Mas é assim,
você pensa: eu vou trabalhar”, você faz porque gosta e eu acho que quanto
mais você trabalha o tempo passa mais rápido. (...) Mas nem lanchá não dava
tempo. Poucas vezes eu posso dizer: “não eu tive 15 minutos”. (...) E nunca
ninguém comentou nada, simplesmente não fazia nada, a gente era... Tinha
que ficá de olho fechado, ia reclamá pro gerente, voacha que o gerente ia
questioná? Ele ia ganhar a conta. Então não adianta. E... Claro, entre os
mais chegado a gente sabia, a gente conversava e tal sobre: “ah, eu podia tá
178
Entrevista concedida por Marlei Cristina Biccigo em 16 de maio de 2007.
212
fazendo isso agora em casa, podia aproveitando isso”, não precisava ser
assim, mas era. E o pessoal não se questionava, eu acho que não era por
medo de ficar sem emprego, mas porque o pessoal tava tão acostumado, né?
Naquele ritmo que ninguém nem se questionava o porquê, né? Assim de dizê
vamo... vamo fazê alguma coisa pra mudar”, as mudanças eles que
mandavam pra nós e nós simplesmente seguia. (...) Até eu trabalhava tanto
que, às vezes, “Mãe hoje você não vai ficá em casa de novo?”, meu marido
chegava sábado de manhã, que às vezes tinha que chega 07h00min,
07h30min nas lojas, ele podia dormi, descane eu tinha que ir, e ele tinha
que me le, saí cedo em dia de chuva, ele ficou bravo, por isso que ele me
incentivou a sair
179
.
Neide deixa claro em sua fala sua indignação. Para ela, o funcionário é contratado para
trabalhar o tempo inteiro, transforma-se em uma “máquina”, nem lanchar, às vezes, dá tempo.
Não adianta reclamar para o gerente porque ele também é subordinado e pode ser demitido.
Comentam entre si, reclamam que o ritmo poderia ser menos intenso, sobrando tempo para
fazer outras coisas em casa, mas ao mesmo tempo, o questionam, porque estão
acostumados àquele ritmo, não por medo de ficar sem emprego. Sua fala, portanto, contradiz
a da grande maioria dos funcionários, que admite ser o medo do desemprego o principal
motivo da tentativa de cumprimento das normas propostas pela empresa.
O problema da intensificação, do prolongamento da jornada e das horas extras, é visto
de forma diferente por cada trabalhador, tornando-se, para Neide, um aspecto negativo pelo
fato de ter interferido em sua vida familiar. Incentivada pelo marido e pelos filhos, saiu da
empresa. Eles reclamavam dela trabalhar demais, não descansar, de não ter tempo para a
família. O trabalho a absorvia de tal modo, que não tinha tempo para vida particular.
Nessa direção, percebe-se que as narrativas dos trabalhadores das Pernambucanas
indicam o quanto o jogo produtivo é experimentado, interpretado e jogado de formas
diferentes entre capital e trabalhadores. A empresa visa, claramente, o consentimento do
trabalhador, pois a dominação deve dar-se no espaço de produção, nas relações de trabalho.
Os trabalhadores devem não reproduzir o discurso da empresa, como também praticá-lo.
Contudo, no jogo capitalista, a tentativa é a de dominar o trabalhador, fazendo-o consentir
com sua dominação, com a aparência de que ele não é explorado, mas sim que faz parte do
processo produtivo. Tenta-se, com isso, retirar da imagem do trabalhador sua identidade
enquanto classe trabalhadora fazendo de todos, parcelas colaboradoras do capital. Os
trabalhadores devem deixar de ser trabalhadores, passando a ser colaboradores, cios do
capital.
179
Entrevista concedida por Neide Vander Meler em 15 de maio de 2007.
213
A diferença crucial nisso tudo está no fato de que se o trabalhador não desejar o capital
o processo de consentimento, de exploração sobre o trabalho não acontece. Como admite
Edmundo Dias: os trabalhadores em troca de garantia de empregos, melhores salários e
condições mais adequadas de vida, acabaram por “aceitar” os lucros do capital
180
. Desse
modo, é preciso perceber que o capital constantemente revoluciona seus meios de produção e
isso não ocorre apenas por uma necessidade de explorar o trabalhador de acordo com as suas
próprias necessidades, mas sim de transformar o processo produtivo tendo em vista as
disputas, a dinâmica de trabalho e as relações com os próprios trabalhadores.
Por conseguinte, a necessidade do capitalismo parece de ser a de produzir um “novo
trabalhador” toda a vez que um modelo parece estar em derrocada ou quando uma estratégia
produtiva deixa de ser lucrativa. Assim, a partir do momento em que os trabalhadores passam
a reivindicar liberdade, autonomia, participação, o capitalismo torna-os participantes do
processo de capital, “trabalhador associado ao capital”, porque entende que o trabalhador
passa a fazer parte da hegemonia de capital quando ele perde sua identidade de classe.
Logo, verifica-se que o trabalhador passa a consentir uma situação de exploração
devido às pressões sofridas no trabalho e fora dele, como o medo de desocupação, a perda de
garantias como plano de saúde, a possibilidade de desenvolver carreira na empresa, o salário
recebido, etc. Contudo, os trabalhadores são uma classe, a classe trabalhadora, e trabalham
por aquilo que acham que o salário deles é recompensado, pelo que é justo. A partir do
momento em que o esforço, a força de trabalho está excedendo o valor recebido pelo trabalho,
eles questionam, tentam reverter as exigências em benefício próprio: seja tentando trabalhar
menos, seja diminuindo o ritmo do trabalho. O trabalhador tenta trabalhar o tanto que lhe é
necessário para alcançar o sustento desejado ou necessário. Isso faz parte do jogo da
produção: o empregador almeja a força de trabalho de modo a conseguir extrair cada vez mais
o excesso dessa força e o empregado tenta trabalhar o suficiente para receber o seu salário e
satisfazer suas necessidades.
Por isso, o fato de os trabalhadores elaborarem algumas práticas para diminuírem o
ritmo do seu trabalho pode ser visto também como uma forma de resistência ao regime
imposto, entendendo que o trabalhador pode resistir às formas de exploração do capital não
apenas com manifestações poticas ou coletivas. Afinal, adaptações, aceitações e resistências
dos trabalhadores são faces de uma mesma luta, pois eles solidificam e constituem a classe
trabalhadora a partir do seu olhar e experiência coletiva. Pois, os trabalhadores demonstram
180
Dias, Edmundo.F. (1998), Reestruturação Produtiva: a forma atual da luta de classes. In: Outubro.n.1,
maio de 1998dias p 47
214
ter consciência da exploração sobre seu trabalho e tem se colocado em disputas no chão da
loja, apesar de não serem visíveis as movimentações politicamente organizadas.
Todavia, como classe, eles são um grupo que compartilha uma experiência comum: a
de trabalho, podendo se organizar a partir de interesses comuns como o de aumentar o seu
sario, diminuir o ritmo e a jornada de trabalho no cumprimento das cotas, estabelecer laços
de solidariedade no trabalho em equipe, etc. Por isso, há a necessidade de entender a classe no
sentido do que é comum entre o grupo, mas também suas próprias diferenciações, os modos
como tal grupo se integra, sua re-configuração ideológica, política e não apenas econômica.
Diante desse quadro de possibilidades para se pensar uma classe, é possível concordar
com Thompson ao concluir que a classe é o conjunto das relações humanas no seu pprio
fazer-se. Ela constitui o conjunto dos trabalhadores que se reconhecem identitariamente a
partir de elementos contínuos ou não, numa relação histórica. Ele conclui:
Fazer-se, porque é um estudo sobre um processo ativo, que se deve tanto à
ação humana como aos condicionamentos. A classe operária o surgiu tal
como o sol numa hora determinada. Ela estava presente ao seu próprio fazer-
se. Classe, e não classes, porque (...) ‘classes trabalhadoras’ é um termo
descritivo, tão esclarecedor quanto evasivo. Reúne vagamente um
amontoado de fenômenos descontínuos. Ali estavam alfaiates e acolá
tecelãos, e juntos constituem as classes trabalhadoras. Por classe, entendo
um fenômeno histórico, que unifica uma série de acontecimentos díspares e
aparentemente desconectados, tanto na matéria-prima da experiência como
na consciência. Ressalto que é um fenômeno histórico. Não vejo a classe
como uma ‘estrutura’, nem mesmo como uma categoria’, mas como algo
que ocorre efetivamente (e cuja ocorrência pode ser demonstrada) nas
relações humanas. Ademais, a noção de classe traz consigo a noção de
relação histórica. Como qualquer outra relação, é algo fluido que escapa a
análise ao tentarmos imobilizá-la num dado momento e dissecar sua
estrutura. A mais fina rede sociológica o consegue nos oferecer um
exemplar puro de classe, como tampouco um do amor ou da submissão. A
relação precisa estar sempre encarnada em pessoas e contextos reais
181
.
A menção de Thompson faz reconhecimento da classe enquanto classe. Não é possível
entender uma determinada relação de trabalho sem a classe trabalhadora, sua consciência,
ações, seu fazer-se, suas ações e relações históricas de carne e osso, processadas num universo
de luta, de tensão. Assim, o conjunto da classe trabalhadora a partir de seus anseios, desejos,
sofrimentos, opressões, explorações, constituem a classe trabalhadora e seus viveres.
Por conta disso, é possível construir o argumento de que as transformações ocorridas
no mundo do trabalho e nas Casas Pernambucanas são percebidas e experimentadas pelos
181
THOMPSON, E. P. A Formação da Classe Operária Inglesa. Volume 1. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
p. 9,10.
215
trabalhadores de diferentes formas. Por isso, compreender o processo de reestruturação
produtiva vivido nas últimas décadas significa ter em mente que um conceito fechado não dá
conta de explicar um processo. Afinal, existem fissuras, brechas engendradas por outros
viveres, por outras experiências, que ajudam na composição, análise e compreensão de um
processo histórico. O trabalho ainda é o elemento central na vida das pessoas e, exatamente
por isso, é marcado por um chão que se constitui num embate de classes, num campo de
forças onde as relações sociais são marcadas por sentidos, valores e estratégias impressos
entre seres antagônicos, que jogam num mesmo jogo produtivo, disputando interesses,
sentidos e sentimentos, por vezes, distintos.
Tal análise refere-se ao modo como penso e tentei construir o estudo que trata das
Casas Pernambucanas. O entendimento do trabalho como o elemento central na vida das
pessoas e a valorização do espaço da produção como um chão de luta de classes, localiza-se
numa esfera em que estudar os trabalhadores no espaço do trabalho simboliza uma retomada
de um fazer historiográfico muito desprezado (ou ao menos pouco praticado) devido ao
crescimento de uma vertente da história que rejeitou o lugar do trabalho, da extração da mais-
valia, da luta de classes em torno do tempo da produção, e elegeu os espaços do não-trabalho
como preferenciais para a investigação hisrica. Daí a importância de problematizar, a partir
das falas dos próprios trabalhadores, os modos como percebem e disputam os sentidos sobre o
seu trabalho no chão da produção, valorizando a centralidade do trabalho na vida das pessoas,
com repercussões de outras dimenes do trabalho para as suas vidas e de suas famílias.
Ao analisar a experiência dos trabalhadores no jogo produtivo, é perceptível a tentativa
das Pernambucanas de produzir o chamado consentimento dos funcionários na esfera da
produção e a sujeição (não passiva) dos trabalhadores a alguns ditames da empresa. Digo, não
passivamente, porque os trabalhadores ao viverem, juntamente com a empresa, o jogo
produtivo, sujeitam-se a alguns ditames não apenas porque a empresa deseja, mas sim porque
desenvolvem ações coletivas oriundas da percepção de que vivenciam uma mesma situação,
constituindo-se numa classe. Por exemplo, o trabalhador das Casas Pernambucanas é
constantemente tentado a se convencer de que é preciso seguir as regras da empresa para
permanecer no emprego ou seguir carreira, ascender no trabalho. Nesse sentido, a empresa
procura usar de estratégias para que o trabalhador consinta a exploração do seu trabalho. A
idéia de constante qualificação, de aperfeiçoamento é clássica e é uma exigência atual do
próprio mercado, porém, os trabalhadores não praticam certas ações como participar de vários
cursos, qualificar-se apenas porque a empresa quer, mas como estratégia para melhorar suas
condições de trabalho ou garantir um emprego em caso de desemprego.
216
Contudo, tal processo denota claramente uma pergunta que precisa ser problematizada:
por que apesar de tudo isso os trabalhadores das Casas Pernambucanas se sujeitam a trabalhar
tanto? Os principais elementos que aparecem como resposta a essa pergunta são os do medo
do desemprego, a questão salarial, o plano de saúde e o plano de carreira.
Os funcionários apresentam consciência da exploração do seu trabalho, da
intensificação dos ritmos de trabalho, do aumento constante da produtividade, etc. Contudo,
sujeitam-se a alguns ditames pelos motivos citados, mas também disputam o tempo da
produção, driblam o ritmo do trabalho, ou seja, experimentam relações de trabalho
constituídas num ambiente de luta. Por exemplo, através do que a empresa lança como
benefício ao trabalhador: plano de saúde, aumento do salário quando a cota é cumprida,
possibilidade de ascensão pelo plano de carreira, etc., ocorrem as disputas e também a
sujeição ao trabalho intensificado.
Em linhas gerais, os trabalhadores, como se vê, são uma classe e, por isso, não
elaboram suas práticas solitariamente, como na lógica do individualismo. Desenvolvem ações
coletivas diante de experiências de trabalho que lhes são comuns. Apesar de a empresa
procurar, por exemplo, difundir valores como a competitividade e o individualismo,
objetivando dificultar a organização de lutas e a afirmação de laços de amizade e
solidariedade, os trabalhadores são conscientes e, coletivamente, também elaboram suas
próprias estratégias. Mesmo que algumas ações sejam alvo de disputa dentro da ppria
classe, elas acontecem, a exemplo das idas a cozinha, ao banheiro e ao depósito, das tentativas
de driblar a produtividade, convertendo-a em favor de si mesmos. Apareceram nas falas como
formas utilizadas para unir a categoria, organizar as lutas, conversar sobre o trabalho,
recompor as forças ou, mesmo, brecar a intensificação dos ritmos de trabalho.
CONCLUSÃO
Esta dissertação mostrou como as Casas Pernambucanas vivenciam e integram o
processo de reestruturação produtiva do capital, pautando, inclusive, ao longo de sua
trajetória, uma série de reestruturações produtivas. Indicou também como existe tamanho
distanciamento entre vários dos conceitos criados para dar conta das mudanças no processo
produtivo, nos mundos do trabalho e as percepções e interpretações produzidas pelos
trabalhadores que vivenciaram/experimentaram e vivem/experimentam tais transformações.
Discutir a experiência dos trabalhadores das Pernambucanas como parte constitutiva
da experiência dos trabalhadores do setor de serviços, bem como do processo de
reestruturação produtiva, significou enfrentar também questões relativas ao seu processo de
“diferenciação” no interior da classe. Por isso, ao longo do trabalho, especialmente nos
capítulos 3 e 4, mostrou-se a tensão, a disputa, os embates, até mesmo dentro da classe,
resultantes da proposta de apreender a experiência desses trabalhadores como parte da
vivência da classe. Logo, tornou-se perceptível que práticas dos trabalhadores no “chão da
loja”, tais como adaptações, aceitações e resistências, apresentavam-se como faces de uma
mesma luta, como parte constituinte da experiência e consciência dos trabalhadores que
experimentam, vivem o processo.
Outro elemento importante diz respeito à tentativa de demonstrar como a empresa
procura produzir o chamado consentimento na esfera da produção. Através de uma série de
tentativas de convencimento ideológico sobre os trabalhadores, verificados através da criação
de propagandas, da difusão de valores, da criação de “benefícios” aos trabalhadores, da
possibilidade de desenvolvimento do plano de carreira, entre outros, as Pernambucanas
objetivaram fazer com que o funcionário consentisse a exploração sobre o seu trabalho.
Conseqüentemente, discutiu-se até que ponto o funcionário consente a exploração sobre o seu
trabalho, construída a partir da trajeria ocupacional dos trabalhadores e dos sentidos e
valores que atribuem à empresa e seu trabalho, entendendo as positividades, mas também
negatividades, expressas pelos trabalhadores quanto a estes dois elementos. Logo, surgiu o
indicativo de que a partir de uma série de dinâmicas e embates de classe vividos pelos
trabalhadores e empresas, apontados a partir de uma série de transformações vividas no
mundo do trabalho e no chão da loja, os trabalhadores consentem a exploração sobre o seu
trabalho de modo limitado. Apesar de a empresa promover uma série de estratégias na
tentativa de que o trabalhador consinta a exploração, os trabalhadores vivem uma espécie de
218
jogo produtivo onde se permitem ser explorados de modo a extrair para si benefícios, ou seja,
tirar proveito de situações e práticas em função de si mesmos. É o caso das tentativas de
driblar o tempo da produção, exemplificada especialmente a partir da experiência da
produtividade, de determinar eles mesmos os dias em que intensificam seu trabalho para
fechar as cotas ou, ainda, as idas ao banheiro, ao depósito e a cozinha, que aparecem como
formas de repor as forças, brecar a produção ou simplesmente descansar da intensificação dos
ritmos sobre o seu trabalho.
Duas correntes antagônicas dentro da literatura de tradição marxista sobre o trabalho e
suas transformações, assim como sobre a formação das classes sociais e as formas como
vivenciam e percebem as transformações no mundo do trabalho e no seu pprio trabalho,
permitiram a construção de uma proposta que valorizou ao longo da dissertação o processo de
reestruturação produtiva. Reestruturação esta, vista não como algo dado, pré-estabelecido,
mas como algo vivido num campo de forças, cujas experiências dos trabalhadores
determinaram o entendimento de que o conceito fechado de reestruturação produtiva não dá
conta de explicar a realidade.
Por um lado, uma vertente da sociologia do trabalho tratou de explicar a reestruturação
produtiva inserindo o trabalhador como um mero apêndice do capital, ou seja, como alguém
que é obrigado a cumprir passivamente com as determinações da produção, bem como se
transformar de acordo com as exincias. Por outro lado, uma vertente da história que se
debruça erroneamente sobre as concepções thompsianas, atribui autonomia completa ao
trabalhador, apontando para resistências contínuas no espaço produtivo, admitindo que o
trabalhador sozinho transforma seu espaço de trabalho e consti uma série de lutas que
ultrapassam a esfera produtiva.
Tendo em vista estes dois los, o presente trabalho procurou valorizar o processo de
reestruturação produtiva como história dos pprios trabalhadores, entendendo os
antagonismos de classe, até mesmo dentro da própria classe. Nesse sentido, ao longo do
trabalho procurou-se não deixar de lado a literatura que trata do processo de reestruturação
produtiva, mas posicionando-o no sentido de entender que os trabalhadores não apenas têm
reflexos do processo em suas vidas e trabalho, pois eles também ditam dinâmicas e ajudam a
promover transformações na esfera produtiva. A disputa por sentidos, valores, interesses,
indica e constitui a luta de classes, cujo elemento é fundamental para tratar de um processo.
Todavia, é preciso admitir que a dissertação embora tivesse como objetivo central
estudar o processo de reestruturação produtiva a partir da experiência dos próprios
trabalhadores das Pernambucanas, o apenas eles vivem o processo, como também clientes,
219
fornecedores e a própria empresa como um todo. Nesse sentido, materiais produzidos pela
empresa, tais como informativos, boletins, propagandas, etc., permitiram a compreensão de
que, ao longo de sua trajetória, ela pontua uma série de reestruturações produtivas ao conjunto
dos que a ela se ligam.
Tal elemento ajudou a concluir que realmente o processo de reestruturação produtiva
não era algo dado, nem tampouco um conceito que por si poderia dar conta da realidade
dos trabalhadores, assim como admitiu uma parte da sociologia do trabalho, a exemplo de
autores como Ricardo Antunes. Com isso, procurou-se desenvolver o próprio olhar das
Pernambucanas sobre o processo de reestruturação produtiva que vivenciou e vivencia, bem
como a análise das diferentes estratégias criadas pela empresa para produzir o consentimento
na esfera da produção. Foi possível também discutir a sua trajetória no tempo e no espaço,
problematizando sobre os modos como procura organizar o trabalho de seus funcionários e,
com ele, lucrar.
O problema nisso concerne à tentativa de construção de tal análise que, em
determinados momentos, dificultou uma problematização mais aprofundada sobre como as
Pernambucanas vivencia, no processo de reestruturação produtiva, um embate com seus
funciorios, clientes e fornecedores. momentos em que, objetivando não apresentar o
mercado como uma entidade, um ser que paira sobre os homens determinando todas as
relações, mas sim o entendimento de que as relações sociais são o que determinam o mercado,
pois os sujeitos vivem e ditam dinâmicas nesse processo por intermédio da luta de classes, as
Pernambucanas aparecem como um sujeito que por si mesmo constrói suas próprias relações,
dinamiza seus espaços e organiza a produção.
Outra questão surgida foi a necessidade de perceber até que ponto as Pernambucanas
conseguem produzir a identificação de seus funcionários, visando a construção e ampliação
do consentimento na esfera produtiva. Para isso, foi necessário dialogar, através das narrativas
orais dos entrevistados, com as trajetórias ocupacionais dos funcionários, que permitiram o
entendimento das transformações ocorridas com relação ao trabalho no oeste do Paraná e na
cidade de Marechal Cândido Rondon, bem como os motivos que os levaram a trabalhar nas
pernambucanas, os comparativos que traçam com o seu trabalho e os empregos exercidos
anteriormente, destacando para as positividades, mas também negatividades em se tratando do
trabalho na empresa. Isso ajudou a denunciar alguns dos motivos de embates e diverncias
entre a empresa e os trabalhadores, assim como entre os próprios trabalhadores, denunciando
as nuances sobre até que ponto a empresa consegue produzir o consentimento.
220
As trajetórias ocupacionais indicaram que o trabalho ainda se constitui como o
elemento central na vida desses sujeitos, produzindo éticas e morais sobre o seu pprio
trabalho, atribuindo sentidos e valores aos mesmos. Fatores estes que são, por vezes,
utilizados pela empresa, como no caso da produtividade, como elementos para produzir
resultados e gerar lucros. O argumento para isso, contudo, é gerado no sentido de que o
trabalhador é o responsável pelo seu sucesso e o sucesso da empresa. Ser honesto,
responsável, íntegro simboliza valores que enobrecem o homem e permitem a geração de
resultados, que permitem o desenvolvimento do plano de carreira e a ascensão de cargos.
Uma questão que careceu aprofundamento ao longo dessa discussão, refere-se à
constituição das trajetórias ocupacionais dos trabalhadores, que apontou para a constante
rotatividade dos empregos num curto período de tempo, acabando por não indicar a formação
ou identificação por parte dos trabalhadores entre trabalho e profissão. Embora, as
experiências discutidas indicarem que o trabalho é a referência central na vida dessas pessoas,
não identificação com um tipo de trabalho específico, ou seja, com uma profissão ou um
saber particular. Nessa direção, os porquês de tal questão colocam-se como propostas de
investigação futura.
Tais considerações, somadas ao indicativo das transformações ocorridas no Oeste do
Paraná e em Marechal Cândido Rondon, permitiram a identificação de muitas transformações
ocorridas no mundo do trabalho como um todo, neste caso no setor de serviços, exemplificado
pelo comércio varejista, especificamente pelas Casas Pernambucanas. É o caso da
flexibilização/multifunção, terceirização e produtividade, percebidas e experimentadas de
diferentes maneiras por funciorios e ex-funcionários da empresa, constituindo embates e,
por vezes, novas alterações na configuração e formas de organizar o trabalho.
Com relação à multifunção os trabalhadores admitiram, alicerçados em suas
experiências, que o sistema não funciona. O trabalhador se nega a intensificar o seu trabalho
não apenas devido ao exercício da multifunção, mas porque se nega a ter seu trabalho
intensificado nestas condições. Isso sem contar na negatividade expressa por eles de que a
multifunção se torna negativa mesmo quando aumenta proporcionalmente os rendimentos
porque o salário parece não justificar a sobrecarga de trabalho e o próprio trabalho acaba não
saindo “bem feito”. Isto porque a multifunção limita o saber do trabalhador: ao aprender um
pouco de cada coisa ele acaba não aprendendo por completo nem a sua função específica.
As constantes queixas dos trabalhadores, assim como a revisão que fazem do sistema,
sugerem que talvez o seu mau funcionamento se deva às práticas dos trabalhadores que
resistiram a ele, buscando restaurar a “antiga” ordem (ou rotina) do trabalho. Apesar da
221
resistência rotineira, quase silenciosa dos trabalhadores, é inegável a pressão e o ambiente de
luta disputado com a empresa em relação à multifunção. Nesse sentido, a partir das pressões
dos trabalhadores diante do mau andamento do sistema, da negação de terem seu trabalho
intensificado nestas condições, a empresa volta a investir no chamado “especialista”.
No que diz respeito à terceirização, exemplificada neste trabalho pela prática do
trabalho temporário, a grande maioria dos funcionários admitiu a contratação dos temporários
de modo positivo porque, com isso, diminui a sobrecarga de trabalho, porque os temporários
ajudam a cumprir a produtividade. Isto porque os temporários não têm produtividade
estipulada como os efetivos. Eles ajudam a cumprir as cotas dos setores, da loja e dos
produtos financeiros, recebendo percentual salarial somente sobre a venda dos produtos
financeiros, que é paga conforme a venda individual dos seguros e a da loja, que é o que
garante o salário base dos funcionários.
No entanto, momentos em que, tendo em vista a situação e exincias do mercado,
uma espécie de instabilidade, em se tratando de oportunidades de emprego e do próprio
emprego, os efetivos vêem os seus empregos ameaçados pelos temporários. Até porque é
visível que nas Pernambucanas o processo de terceirização aparece como uma forma de não
gastar com a ampliação no quadro de funcionários. Por isso, mesmo que existam situações e
argumentos de que os temporios dependem dos efetivos porque, como não são treinados,
dependem dos efetivos para ensiná-los, podem existir casos em que o temporário desempenhe
e apreenda mais rápido e de maneira mais ágil uma tarefa que o efetivo desempenhou ou
desempenha, representando, portanto, uma ameaça ao emprego do efetivo.
Também foi possível sugerir com a questão dos temporários, que ele simboliza uma
forma da empresa “preparar” o seu exército de reserva. Ao realizar a prática do trabalho
temporário ela deixa o trabalhador efetivo amedrontado no sentido de que apesar dele ser
quem irá ensinar o temporário; com o ensinamento ele perderá tempo e isso prejudica as
vendas, além da possibilidade do temporário produzir mais do que o efetivo. Por outro lado, o
trabalhador temporário que, provavelmente, estava desempregado até o momento, dedica-se
bastante no período de trabalho, objetivando uma futura vaga na empresa, ficando as
Pernambucanas com um exército de reserva que lhe permite selecionar e descartar futuros
funciorios.
A última discussão surge como um desmembramento da anterior. Concerne
principalmente à questão da produtividade, que aparece como um dos elementos mais
conflituosos na empresa, cuja consciência e organização dos funcionários é produzida através
da disputa por espaços, posições e situações. A resposta que procurei elucidar ao longo de
222
toda a discussão foi a de porque os trabalhadores se sujeitam a trabalhar tanto. Levando em
conta a idéia de jogo produtivo, várias questões aparecem como o medo do desemprego, o
sario, o plano de saúde, o plano de carreira, etc.
Todavia, o trabalhador não está passivo neste processo, ao contrário, ele qualifica-se e
participa dos cursos ofertados pela empresa como estratégia para melhorar sua posição de
trabalho ou garantir um novo emprego em caso de perda do antigo. Preocupa-se com a
educação dos filhos para que eles não passem pelas mesmas dificuldades que enfrenta. Não
esquecendo que o que causa perplexidade é que mesmo os trabalhadores “qualificados”, com
grau elevado de escolaridade, assim como os filhos destes têm muita dificuldade em
conseguir um bom emprego, evidenciando-se, neste ponto, que o conceito de reestruturação
produtiva não é monolítico, pois há fissuras, brechas engendradas por outros viveres.
A grande questão que possibilitou dizer isso foi o fato de que os trabalhadores são uma
classe e, por isso, não elaboram suas práticas solitariamente, como na lógica do
individualismo. Desenvolvem ações coletivas diante de experiências de trabalho que lhes são
comuns. Apesar de a empresa procurar, por exemplo, difundir valores como a competitividade
e o individualismo, objetivando dificultar a organização de lutas e a afirmação de laços de
amizade e solidariedade, tentando consentir a exploração sobre o trabalhado dos funcionários,
estes o conscientes e, coletivamente, também elaboram suas pprias estratégias. Mesmo
que algumas ações sejam alvo de disputa dentro da própria classe, elas acontecem, a exemplo
das idas a cozinha, ao banheiro e ao depósito, das tentativas de driblar a produtividade,
convertendo-a em favor de si mesmos.
Embora exista a necessidade de aprofundar esta questão de como os trabalhadores
fazem o jogo produtivo disputando sentidos, ditando dinâmicas e revertendo situações em
favor de si mesmos. O trabalho como um todo procurou valorizar os diferentes olhares
produzidos, experimentados e vividos por empresa e funcionários no processo de
reestruturação produtiva. Conseqüentemente, entender as interpretações dos trabalhadores
sobre as relações sociais que estabelecem; as dinâmicas e estratégias que criam; as disputas
atuais e por um projeto de futuro que lhes traga novas esperanças; coloca-se como uma das
principais tarefas para os historiadores do mundo do trabalho, as quais pretendo dar
continuidade.
FONTES
Fontes primárias
Entrevistas
Andréia Amaro, entrevista produzida em 15 de janeiro de 2007. Nascida em
Marechal Cândido Rondon. Está 8 meses na empresa, trabalhou como babá, em
panificadora, relojoaria, fábrica, zeladora, distribuidora de bebidas. Trabalhou como
temporária nas pernambucanas e atualmente é efetiva e trabalha como caixa.
Douglas Marcel Junges, entrevista produzida em 09 de janeiro de 2007. Nasceu em
Rondon. Está 2 anos na empresa, trabalhou como entregador de jornal, foi metalúrgico,
lavador de carro, vendedor, cobrador de floricultura e, por último, vendedor de eletro nas
Pernambucanas.
Elisângela Gomes, nome fictício, entrevista produzida em 08 de janeiro de 2007.
Nascida em Marechal Cândido Rondon. Está 4 anos na empresa, trabalhou como ajudante
dos pais numa lanchonete, em malharia, loja de presentes, relojoarias e como vendedora no
ramo mole, nas Pernambucanas.
Franciele Alexandra Uhry, entrevista produzida em 17 de janeiro de 2007. Nasceu
em Rondon. Está 10 meses na empresa, trabalhou num cartório, como trabalhadora mirim,
ajudante em clínica médica, atendente de locadora, consultora tim, crediarista nas
Pernambucanas.
Franciele Cristina Capoia, entrevista produzida em 25 de agosto de 2006. Nasceu em
Bragantina. Está 2 anos na empresa, trabalhou como secretária numa empresa de
contabilidade, como telefonista, atendente de RH (Recursos Humanos). Entrou nas
Pernambucanas como crediarista e em 2006 foi promovida à coordenadora administrativa e
transferida para uma filial de Curitiba.
Inês Ames Sauer, entrevista produzida em 9 de janeiro de 2007. Natural de Marechal
ndido Rondon. Está 3 anos na empresa, trabalhou como doméstica, babá, auxiliar de
serviços gerais, atendente de livraria, professora, trabalhadora temporária nas Pernambucanas
e atualmente VM (Responsável pela arrumação dos produtos na loja).
Jane Letin, entrevista produzida em 31 de julho de 2007. Nasceu em Rondon. Está
3 anos na empresa, trabalhou como empacotadora de mercado, caixa de mercado, cardeccista
- controle de estoque numa empresa, caixa nas Pernambucanas.
224
Lauro Marciano Dutra Moura, entrevista produzida em 10 de janeiro de 2007.
Nasceu em Marechal Cândido Rondon. Está há 2 anos na empresa, trabalhou cortando grama,
carpindo, foi servente de pedreiro, garçom de restaurante e pizzaria, atendente de livraria,
trabalhador temporário nas Pernambucanas e atualmente vendedor de eletro na loja.
Lúcia Bernadete Kaiser, entrevista produzida em 06 de agosto de 2007. Nasceu em
Volta Redonda, interior de Entre Rios. Está 19 anos na empresa, trabalhou como
agricultora, doméstica e vendedora das Pernambucanas.
rcia Cristina Backes,
entrevista produzida em 31 de julho de 2007. Natural de
Toledo. Trabalhou durante 6 anos na empresa. Trabalhou como ajudante dos pais no sítio,
como doméstica, numa fábrica, como secretária num consultório médico, como vendedora nas
Pernambucanas e atualmente como secretária num escritório.
Marlei Cristina Biccigo, entrevista produzida em 16 de maio de 2007. Nasceu em
Três Passos/RS. Está há 3 anos na empresa, trabalhou como vendedora numa loja de comércio
em Pato Bragado e depois como crediarista e vendedora de eletro nas Pernambucanas, onde
permanece até hoje.
nica Santos, nome fictício, entrevista produzida em 16 de janeiro de 2007. Natural
de Rondon. Está 3 anos na empresa, trabalhou como secretária numa empresa de
monitoramento de alarmes, estagiária no jornal gazeta do Paraná e como crediarista e
responsável pelo RH nas Pernambucanas.
Neide Vander Meler, entrevista produzida em 15 de maio de 2007. Natural de
Marechal Cândido Rondon. Trabalhou 2 anos e meio na empresa. Ajudava os pais na fazenda,
depois trabalhou num escririo de advocacia, creche, supermercado, caixa nas
Pernambucanas e atualmente trabalha como auxiliar administrativa numa escola do
município.
Paula de Andrade, nome fictício, entrevista produzida em 04 de janeiro de 2007.
Nasceu em Marechal Cândido Rondon. Está há 6 anos na empresa, trabalhou como babá,
numa malharia e como vendedora e VM nas Pernambucanas.
225
Materiais produzidos pela empresa
Arquivo F. Aristóteles. São Paulo: Memorial Pernambucanas, 1930. Boletins década de 1960
e 1970. Arquivo Memorial Pernambucanas. Pesquisa produzida em 14 e 15 de fevereiro de
2006.
Boletins década de 1970. Arquivo Memorial Pernambucanas. Pesquisa produzida em 14 e 15
de fevereiro de 2006.
Boletins e propagandas televisivas década de 1980. Arquivo Memorial Pernambucanas.
Pesquisa produzida em 14 e 15 de fevereiro de 2006.
Boletins produzidos até a década de 1960. Arquivo Memorial Pernambucanas. Pesquisa
produzida em 14 e 15 de fevereiro de 2006.
Informativo Nossa Casa ano IV, nº 51. São Paulo, março/abril de 2001.
Informativo Nossa Casa ano IX, nº 53. São Paulo, julho/agosto de 2001.
Informativo Nossa Casa ano VII, nº 41. São Paulo, julho/agosto de 1999.
Informativo Nossa Casa ano VII, nº 43. São Paulo, julho/agosto de 1999.
Informativo Nossa Casa ano VIII, nº 47. São Paulo, julho/agosto de 2000.
Informativo Nossa Casa ano X, nº 57. São Paulo, março/abril de 2002.
Informativo Nossa Casa ano XI, nº 62. São Paulo, janeiro/fevereiro de 2003.
Informativo Nossa Casa ano XI, nº 63. São Paulo, março/abril de 2003.
Informativo Nossa Casa ano XI, nº 69. São Paulo, maio/junho de 2004.
Informativo Nossa Casa ano XI, nº 70. São Paulo, julho/agosto de 2004.
Informativo Nossa Casa ano XI, nº 77, Edição comemorativa de 97 anos. São Paulo, outubro
de 2005.
Informativo Nossa Casa ano XI, nº 78. São Paulo, novembro/dezembro de 2005.
Informativo Nossa Casa ano XI, nº 80. São Paulo, março/abril de 2006.
Informativo Nossa Casa ano XIV, nº 81. São Paulo, maio/junho de 2006.
Informativo Nossa Casa ano XIV, nº 82. São Paulo, julho/agosto de 2006.
Informativo Nossa Casa ano XIV, nº 84. São Paulo, novembro/dezembro de 2006.
Informativo Nossa Casa, Edição comemorativa 93 anos semeando sucesso. São Paulo,
setembro de 2001.
Informativo Nossa Casa, Edição comemorativa 90 anos. São Paulo, setembro de 1998.
Informativo Nossa Casa, Edição comemorativa Universidade Corporativa. São Paulo, 2005.
Informativo Nossa Casa, Edição Especial 98 anos. São Paulo, 2006.
Informativo Nossa Casa, nº 14. São Paulo, janeiro de 1995.
Informativo Nossa Casa, nº 2. São Paulo, janeiro de 1993.
Informativo Nossa Casa, nº 21. São Paulo, março/abril de 1996.
Informativo Nossa Casa, nº 22. São Paulo, maio/junho de 1996.
Informativo Nossa Casa, nº 25. São Paulo, novembro/dezembro de 1996.
Informativo Nossa Casa, nº 6. São Paulo, agosto de 1993.
Informativo Nossa Casa, nº 7. São Paulo, setembro de 1993.
Jornal Casas Pernambucanas. Edição comemorativa 70 anos. São Paulo, 1978.
Jornal Casas Pernambucanas. Edição comemorativa de 70 anos.
Manual de Integração Pernambucanas. Arquivo Memorial Pernambucanas. Pesquisa
produzida em 14 e 15 de fevereiro de 2007.
O Pasquim, setembro de 1978.
Organograma com as divisões de trabalho na loja.
Propagandas década de 1970. Arquivo Memorial Pernambucanas. Pesquisa produzida em 14
e 15 de fevereiro de 2006.
Propagandas década de 1970. Arquivo Memorial Pernambucanas. Pesquisa produzida em 14
e 15 de fevereiro de 2006.
Questionários produzidos com os 17 funciorios.
226
Suplemento Pernambucanas e Vo. Edição comemorativa Set/1985.
Tabela 1 Local de origem.
Tabela 2 Grau de escolaridade.
Tabela 3 Composição salarial.
Tabela 4 Total de ocupados, segundo a RAIS, Marechal Cândido Rondon/PR.
Tabela 5 Número de empregos formais em 31 de dezembro de 2005.
Tabela 6 Remuneração média de empregos formais em 31 de dezembro de 2005.
Tabela 7 Salário médio de admiso.
227
Fontes secundárias
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