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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
ROBERTO SILVA FONSÊCA
RELIGIÃO E INTERIORIDADE:
O BEM E O MAL NA VIDA DE MARTINHO LUTERO
COM O ENFOQUE PSICANALÍTICO DE ERIK H. ERIKSON
SÃO PAULO
2007
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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
ROBERTO SILVA FONSÊCA
RELIGIÃO E INTERIORIDADE:
O BEM E O MAL NA VIDA DE MARTINHO LUTERO
COM O ENFOQUE PSICANALÍTICO DE ERIK H. ERIKSON
Dissertação de mestrado apresentada
ao Programa de Pós-Graduação
Stricto-Sensu em Ciências da Religião,
da Universidade Presbiteriana
Mackenzie, como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em
Ciências da Religião.
Orientador: Dr. Ronaldo de Paula
Cavalcante
SÃO PAULO
2007
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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
ROBERTO SILVA FONSÊCA
RELIGIÃO E INTERIORIDADE:
O BEM E O MAL NA VIDA DE MARTINHO LUTERO
COM O ENFOQUE PSICANALÍTICO DE ERIK H. ERIKSON
Dissertação de mestrado apresentada
ao Programa de Pós-Graduação
Stricto-Sensu em Ciências da Religião,
da Universidade Presbiteriana
Mackenzie, como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em
Ciências da Religião.
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________________
Prof. Dr. Ronaldo de Paula Cavalcante
Universidade Presbiteriana Mackenzie
______________________________________________________
Prof. Dr. Antonio Máspoli de Araújo Gomes
Universidade Presbiteriana Mackenzie
______________________________________________________
Prof. Dr. Lauri Emílio Wirth
Universidade Metodista de São Paulo
Dedico este trabalho a todos aqueles que se interessam por História
da Igreja, Psicanálise e que se colocam nas mãos de Deus para fazer a sua
obra; a todos aqueles envolvidos com saúde mental; a todos aqueles que
acreditam em uma igreja como verdadeira comunidade terapêutica, produtora
não de insanidades, mas de uma ótima saúde mental.
AGRADECIMENTOS
A Deus, que me deu disposição, motivação, para concluir mais este
projeto de minha vida. Somente por intermédio Dele, posso mover e existir, e a
Ele seja dada toda glória;
Ao professor Dr. Ronaldo de Paula Cavalcante, que durante todo
este período me acompanhou, demonstrando ser muito mais que um professor,
orientador, mas um amigo, uma pessoa de carne e osso como eu;
Agradeço à minha fiel e dedicada esposa Alexandra, meus filhos
Mateus e Lucas, que me suportaram em todos os momentos de estresse,
decorrente do tão grande compromisso que envolveu este mestrado;
Agradeço aos meus pais Geraldo e Maria, que me ajudaram a dar os
primeiros passos na minha formação acadêmica;
Ao meu amigo e companheiro de caminhada ministerial, Luiz Manoel
Gregolim Junior, que me ajudou tanto dividindo comigo a carga ministerial da
Igreja, neste período tão apertado de tempo;
Agradeço a todos aqueles que me ajudaram na revisão deste
trabalho: Marta, Letícia, Gilberto Loibel e Mirian;
À Igreja Presbiteriana de São Carlos, instituição que tenho o prazer
de servir, e pelo apoio demonstrado neste período acadêmico.
“Se não sou reprovado pelo depoimento das Sagradas
Escrituras ou por motivos plausíveis – pois eu não posso acreditar
nem no Papa e no Concílio, já que está confirmado que se têm
enganado e sido contraditórios repetidamente – considerar-me-ei
vencido pelas Escrituras, as quais me têm dado suporte, porque a
minha consciência está aprisionada à Palavra de Deus. Portanto,
não quero nem posso retratar-me de nada, pois laborar contra a
própria consciência não é nem seguro nem digno. Que Deus me
ajude. Amém!”
Martinho Lutero
RESUMO
O objetivo deste trabalho é analisar a vida de Martinho Lutero do
ponto de vista psicanalítico, através do estudo do livro de Erik Erikson, Young
Man Luther, A Study in Psychoanalysis and History. É uma pesquisa
bibliográfica muito difícil, devido a quantidade de material produzido até aqui
sobre a vida de Lutero. Uma psicobiografia que aspire desenvolver um estudo
profundo e compreensível de uma pessoa cuja magnitude de referências é tão
vasta, não é uma tarefa fácil.
O primeiro capítulo tem como meta fazer uma Aproximação
Histórico-Científica dos Dois Protagonistas. Primeiramente será apresentada
uma exposição detalhada da vida pessoal de Martinho Lutero, começando
pelos seus pais, chegando na individualidade dele, e seu relacionamento com
sua esposa e filhos. Depois disto, haverá também uma parte dedicada à vida e
pensamento de Erik Erikson, que é o referencial teórico deste trabalho.
O segundo capítulo consiste em um Diálogo Crítico Com A Teoria
De Erikson Sobre Lutero, elaborando uma análise crítica do livro de Erikson
Young Man Luther. Esta apreciação será feita com base em pensamentos
próprios do autor desta dissertação, no que o próprio Lutero disse, e no que
outros biógrafos falaram e escreveram exaustivamente a respeito de sua vida.
Finalmente, uma apreciação crítica, e conclusões pessoais a
respeito dos protagonistas.
Palavras-chave: 1) Martinho Lutero; 2) Erik Erikson; 3) Psicanálise;
4) Self; 5) O Consciente; 6) O Inconsciente; 7) Pai; 8) Mãe; 9) Moratória;
10) Desenvolvimento Psico-Social; 11) Identidade; 12) Identidade Negativa.
ABSTRACT
The aim of his paper is to analyze Martin Luther’s life, from the
psychoanalytic view-point, by studying Erik Erikson’s book “Young Man Luther”,
A Study in Psychoanalysis and History.” It is a very challenging bibliographic
research, due to the amount of material produced up to now on Luther’s life. A
psycho-biography that aspires developing a profound and comprehensive study
of a person whose magnitude of references is so vast is not an easy task.
The first chapter’s goal is to set up historical-scientific approach of
the two protagonists. An exposition of Martin Luther’s personal life is detailed
firstly, beginning with his parents, reaching his individuality and his relationships
with his wife and children. After that, a section will also be dedicated to Erik
Erikson’s life and thoughts, since he is taken as the point of theoretical
reference to this piece of work.
The second chapter consists in A Critical Dialogue With Erikson’s
Theory About Luther, elaborating a critical analysis of Erikson’s book, Young
Man Luther. This appreciation will be made on basis of the author of this
paper’s own thoughts, of ideas expressed by Luther himself, and of what other
biographers have exhaustively spoken and written about his life.
Finally, a critical appreciation and particular conclusions about the
main characters will be expressed.
Key-words: 1) Martin Luther; 2) Erik Erikson; 3) Psychoanalysis;
4) Self; 5) The Conscious; 6) The Unconscious; 7) Father; 8) Mother;
9) Moratorium; 10) Psycho-social Development; 10) Identity; 11) Negative
Identity.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
10
I CAPÍTULO:
APROXIMAÇÃO HISTÓRICO-CIENTÍFICA AOS PROTAGONISTAS
16
II CAPÍTULO:
DIÁLOGO CRÍTICO COM A TEORIA DE ERIKSON SOBRE LUTERO
51
CONCLUSÃO
128
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 134
INTRODUÇÃO
É um princípio geralmente reconhecido de estudo histórico que, nós
só podemos entender e avaliar algum trabalho no contexto da vida inteira da
pessoa. Isto é especialmente verdade em se tratando de uma vida como a de
Martinho Lutero. Suas visões teológicas, sempre eram de significação
existencial de sua própria vida pessoal. Ou seja, sua teologia foi feita a partir de
respostas que ele recebeu aos problemas existenciais. A sua vasta produção
literária não foi fruto de um planejamento pré-concebido, mas, foi desenvolvida
como respostas diante das múltiplas controvérsias em que ele esteve
envolvido.
Sabe-se mais sobre a personalidade de Lutero, e detalhes sobre sua
vida diária do que qualquer outra pessoa do século XVI, ou de qualquer outro
século. Sobre o embasamento de grandes números de trabalhos publicados e
os manuscritos de suas conferências, como também as cópias de seus
sermões, suas cartas, podemos localizar sua biografia em termos de diário e
eventos de hora em hora. Diante da grande quantidade de material sobre
Lutero, fica extraordinariamente difícil escrever uma biografia. Bernhard Lohse
disse:
Biografias úteis do jovem Lutero (até o tempo da controvérsia
em cima de indulgências em 1517-1518 e até mesmo pela
Guerra dos Camponeses e finais dos 1520s) estão disponíveis.
Porém, foi há muito tempo desde que qualquer um tentou
escrever uma biografia inclusiva do Luther mais velho. O
trabalho de Heinrich Bornkamm (1979) restos de um fragmento
inacabado. Por muito tempo, os estudiosos da vida de Lutero
reconheceram a necessidade de uma biografia extensa de que
confiantemente descreve os detalhes da sua vida e presente
uma avaliação equilibrada do seu trabalho no contexto da
primeira metade do século XVI. A produção de tal biografia,
porém, ainda permanece como uma das grandes tarefas da
pesquisa não realizada de Lutero.
1
Qualquer que esteja tentando escrever uma biografia de Lutero tem
que fazer com muito cuidado a exposição dos detalhes de sua vida no seu
contexto histórico-político-cultural. Tem que começar determinando qual o
significado de vários fatores históricos como: decadência da Igreja no fim da
1
LOHSE, Bernhard. Martin Luther, An Introduction to His Life and Work. Page 19.
11
Idade Média, os novos movimentos da Renascença e Humanismo, a
convivência intranqüila dos territórios e império, a reordenação econômica do
império, e as mudanças sociais, que atingiram o seu clímax com a Guerra dos
Camponeses. É necessário que o biógrafo também responda se os problemas
religiosos que Lutero lutou podem ser considerados como uma expressão
contemporânea, perguntados por pessoas de todos os períodos.
Lutero é como um instrumento musical onde dele pode ser tirado os
acordes mais delicados e mais graves. Só um ouvido treinado poderá
aproveitar todos os acordes, todas as modulações de som que se pode extrair
de sua vida. E só quem tem discernimento da causa que estava em jogo para
Lutero, não o colocará em um pedestal, nem uma auréola de santo em sua
cabeça, e que de vez em quando ele se lançava com uma aspereza e falta de
equilíbrio que não seriam suficientemente compreendidas como manifestação
de seu temperamento, de sua personalidade, ou mesmo até uma manifestação
do contexto em que ele estava inserido. É fundamental ponderar sobre o peso
de suas lutas internas e externas, e o excesso de responsabilidade histórica
que ele chamou para si (EBELING, 1988).
Achar debilidades em Lutero previne da ameaça de não poder mais
distinguir entre pessoa e causa diante do fato de sua íntima conexão. Lessing
(1753, apud, EBELING, 1988)
2
formulou isto uma vez:
Tenho tanta veneração por Lutero que, pensando bem, gostei
de ter descoberto alguns pequenos defeitos nele, porque na
realidade eu estava correndo o perigo de endeusá-lo. Os traços
de humanidade que encontro nele me são tão preciosos quanto
suas maiores perfeições. Até me são mais instrutivos do que
todas aquelas juntas e mostrá-los (...) será um mérito meu.
Os fatos básicos sobre sua família, seu nascimento em Eisleben no
dia 10 de novembro de 1483, seus primeiros anos em Mansfelf onde seu pai
trabalhou nas minas de cobre, e como prosperou através de trabalho duro, é
conhecido muito bem por todos. Se chegar a conclusão que seus pais lhe
deram uma educação rígida, como esta influenciou no desenvolvimento
pessoal dele, principalmente, seu desenvolvimento psicológico? Será que a
2
EBELING, citando G. E. LESSING, Briefe na den Herrn P. betr. Fall Lemnius, 1753.
12
visão que ele tinha de seu pai, interferiu no seu relacionamento com Deus,
mais tarde?
Quanto ao seu desenvolvimento pessoal, a pergunta foi levantada
por representantes de várias disciplinas. Até onde o treinamento paterno que
ele recebeu em casa – e ele lembrou-se de surras severas – interferiu no seu
desenvolvimento? Os métodos de se criar filhos naquela época não eram
exclusivos à família de Lutero. Todas as crianças passavam por esta rigidez,
comparados com métodos modernos. As experiências de Lutero não eram
incomuns. Totalmente, aparte deste fato, Lutero falava de seus pais sempre
com um afeto profundo. Ele lamentou profundamente não poder estar presente,
nos sepultamentos de seus pais, por não estar presente na mesma cidade em
que eles morreram.
A experiência religiosa também naqueles tempos, não era incomum.
Seus pais, eram pessoas piedosas, mas também possuíam as superstições
difundidas naquela época: o medo de bruxas, de demônios. A morte era muito
próxima do ser humano através de guerras, conflitos, pragas e pestes.
As experiências de Lutero em Magdeburg e Eisenach foram muito
importantes para o seu desenvolvimento. Em Magdeburg ele teve contato com
os Irmãos da Vida Comum, representantes típicos da Devotio Moderna e
promotores de uma reforma cristã em sentido tradicional, uma associação
mista de sacerdotes e laicos que viviam em comunidade. Assim, durante sua
adolescência, Lutero familiarizou com o tipo mais profundo de espiritualidade
secular do final da Idade Média.
Lutero completou sua instrução básica em Eisenach de 1498 a 1501.
Nesta cidade ele se hospedou em duas casas diferentes: na de Enrique
Schalbe e na de Conrado Cotta, cuja esposa tinha parentesco com os Schalbe.
O encontro com estas famílias foi um imenso presente para Martinho nos anos
mais críticos de sua adolescência, em que a vida afetiva começava a
desabrochar, as paixões incendeiam e os perigos aparecem. Ele foi recebido
como um filho naquelas famílias cristãs. Ali ele encontrou uma mulher que lhe
protegeu e que foi uma verdadeira mãe para ele: Ursula Cotta. (GARCIA-
VILLOSLADA, 1976).
A música era cultivada nestas famílias, e Ursula lhe mostrou sua
aptidão para a música. Lutero fez muitos amigos em Eisenach, e alguns
13
permaneceram seus amigos para o resto de sua vida. No dia solene de sua
primeira missa ele teve uma recordação de gratidão para os patronos e
diretores do colégio Schalbe. Também dirigiu palavras cordiais e amigas a
Juan Braun, um dos vigários da igreja de Santa Maria, a quem chamou de pai
caríssimo, senhor e irmão, e a seu mestre Wiegand Guldennapf. Com estes
dois manteve alguns anos de correspondência. Ele teve muitas experiências
positivas tanto em Magdeburg quanto em Eisenach.
Entre 1501 e 1505, em Erfurt Lutero terminou os seus estudos
básicos nas artes liberais. Fazendo parte desta instrução ele terminou os seus
estudos básicos
3
. Os estudos posteriores de Lutero em teologia começaram a
partir de 1507, primeiramente ele expôs no princípio a versão modificada da
Teologia Occamista de Biel. Embora Lutero tenha lido muito pouco de Tomás
de Aquino, ele começou a ler Santo Agostinho e muitos dos místicos cedo nos
seus estudos.
Lutero pretendeu cumprir os desejos de seu pai, e estudar Direito,
depois de receber o grau de mestre de artes em 1505. Porém este plano
mudou radicalmente com a experiência do dia 2 de julho de 1505, quando
diante de uma grande tempestade, ele fez a promessa se fosse salvo daquele
momento, iria se tornar um monge. No dia 17 de julho de 1505, ele entrou para
dentro do claustro Negro dos Ermitões Agostinianos em Erfurt.
No dia 27 de fevereiro de 1507, Lutero foi ordenado ao sacerdócio
em Erfurt. Depois desta ordenação ele foi designado para estudar teologia.
Através do estudo da teologia ele teve a possibilidade de estudar as perguntas
que lhe causaram uma preocupação existencial, principalmente a respeito da
angústia de sua alma. A partir do ano de 1508, ele começou a dar conferências
na Ética de Nicômaco de Aristóteles, apesar de ter confessado que gostaria de
dar um curso sobre os Salmos. Mas aceitou este convite por causa de sua
amizade com Staupitz.
Lutero fez a descoberta da Reforma sobre a retidão de Deus e a
justificação pela fé. Muitos estudiosos dizem que esta descoberta aconteceu
em 1514, na sua vivência da torre. Esta vivência lhe proporcionou um
crescimento em relação ao seu escopo teológico, culminando nas noventa e
3
Ele dominou gramática, retórica e lógica Aristotélica, e também ficou completamente familiar
com as éticas e metafísicas de Aristóteles.
14
cinco teses afixadas em Wittenberg. O princípio bíblico da Reforma e sua
crítica das inúmeras tradições, com base na Bíblia, assumiram um papel
tremendamente influente por causa dos muitos abusos existentes na vida da
Igreja. As controvérsias entre Lutero e Roma aconteceram principalmente entre
1517 a 1521. O ano de 1521 marcou um momento decisivo na vida de Lutero.
Por motivo de segurança pessoal ele foi enviado ao castelo em Wartburg.
A Reforma esparramou depressa e muitos territórios buscaram o
conselho de Lutero como eles começariam a introduzir reformas em suas
igrejas. Lutero também estendeu sua influência pela publicação de um número
grande de livros e folhetos como também através de sua vasta
correspondência.
Depois de 1523, a Reforma foi ameaçada pela sombra da
aproximação Guerra dos Camponeses. Também foi neste período que Erasmo
atacou Lutero. A resposta de Lutero para este ataque resultou na divisão entre
Lutero e os elementos principais do movimento Humanista.
Lutero se casou no dia 13 de junho de 1525, com a ex-freira Catarina
von Bora. Helmar Junghans escreveu sobre ela:
O relacionamento do casal não se esgota no âmbito privado.
Catarina participa de maneira intensa da Reforma. Ela insiste
para que Lutero responda ao desafio de Erasmo de Roterdã, o
que Lutero faz de forma categórica com a obra De servo
arbítrio. Ela lê a Escritura Sagrada e o catecismo. Participa de
discussões teológicas no grupo de comensais de Lutero. Lutero
a informa, em 1529, sobre negociações ocorridas no diálogo
religioso de Marburgo. Disso podemos concluir que os
cônjuges costumavam conversar sobre questões teológicas.
Uma carta sobre a ocupação de uma paróquia faz presumir
que Lutero também consultasse Catarina quanto a algumas
questões pessoais. Pelo visto, ele considerava sua esposa
uma interlocutora compreensiva também em questões relativas
à Reforma.
4
Os últimos anos de Lutero foram obscurecidos uma vez mais por
numerosas disputas e controvérsias dentro do Protestantismo. Lutero estava
muito preocupado com a grande influência que os príncipes estavam
exercendo nas Igrejas Protestantes. Ele estava muito debilitado por muitas
enfermidades que o acometeu. A tensão física e emocional debaixo da qual
4
JUNGHANS, Helmar. Temas da Teologia de Lutero. Página 175.
15
ele viveu, particularmente ao redor do ano de 1521, resultou em insônia que ele
nunca pode superar. Logo antes de sua morte ele empreendeu uma viagem em
Eisleben para resolver negócios. Enquanto ele estava em Eisleben a morte o
encontrou, no dia 18 de fevereiro de 1546. O corpo dele foi enterrado na Igreja
do Castelo de Wittenberg.
Esta pesquisa será bibliográfica, tendo como fundamento teórico,
diversos autores que historiografaram a vida de Lutero. Como este trabalho
tem por objetivo fazer um levantamento da vida psicológica de Lutero,
estudando o bem e o mal, o referencial teórico para isto será Erik Erikson.
16
I CAPÍTULO:
APROXIMAÇÃO HISTÓRICO-CIENTÍFICA AOS
PROTAGONISTAS
I.I.: Martinho Lutero
I.I.1. Introdução:
Franz Lau tem uma colocação que é interessante mencionar na
introdução deste capítulo:
A personalidade de Lutero, sua atuação e seu pensamento não
apresentam problemas de difícil solução. A imagem de um
homem sobre o qual estamos excelentemente informados será
por certo inequívoca e sem problemas! Na realidade, porém,
não existe unanimidade sobre como devemos avaliar Lutero,
nem mesmo como devemos compreendê-lo. Os pareceres
sobre Lutero divergem muito entre si. Uns o encaram como o
destruidor da unidade da igreja, o subjetivista incorrigível, o
brigão grosseiro. Outros o consideram como o singular
renovador da igreja... A questão se Lutero foi de natureza
revolucionária ou reacionária é seriamente discutida, surgindo
respostas radicalmente opostas.
5
Como não existe unanimidade quanto à avaliação da personalidade
de Martinho Lutero, já que seus biógrafos divergem entre si, este trabalho
levantará alguns questionamentos e tentará respondê-los.
A vida e a obra aparecem muito mais unidas em Lutero que em
qualquer outra pessoa. Qualquer aspecto da teologia de Lutero nos remete a
sua biografia e qualquer aspecto de sua existência fica refletido em sensíveis
tomadas de posições teológicas.
Segundo o que fala Evangelista Vilanova a respeito da religiosidade
de seus pais:
A religiosidade que imperava na casa paterna deve ter sido a
habitual daquela época. João Luther mantinha relações muito
corretas com os párocos de Mansfeld. Ao que parece, tinha
certa animosidade contra freis e monjas, o que era moeda
corrente naquele tempo, inclusive entre pessoas muito
5
LAU, Franz. Lutero, páginas 4,5.
17
piedosas. O trabalho nas minas, com os grandes perigos que
acarretava, era campo fértil para toda classe de práticas
supersticiosas. O medo de bruxas e de endemoninhados
formava também parte do universo religioso de então. Neste
sentido Martinho Lutero foi filho de seu momento: não duvidou
da existência do diabo, que a miúdo tomava formas muito
curiosas, porém sempre creu também na superioridade do
poder de Deus.
6
I.I.2. Modo de falar:
A ótica católica poderia chegar a esta conclusão: Lutero destruiu a
unidade da Igreja. Olhando sua obra, seus escritos, seus sermões, suas
respostas às autoridades eclesiásticas romanas, poderia ser chamado de
brigão grosseiro. Através de algumas de suas respostas, nota-se que Lutero
não poupava os seus inimigos do seu vocabulário, segundo a visão de Heiko
Oberman, um tanto fecal.
Em relação a satanás, disse: “Se não tens bastante, demônio, te
cago e te mijo; esfrego-te a boca com isto,come até fartar-te.”
7
Fazendo uma análise do Salmo 118, disse:
Nossos algozes sanguinários e assassinos, porém, silenciam a
Palavra de Deus, estabelecem seus próprios artigos de fé
conforme seu bel-prazer, e quem não quiser acreditar neles vai
para a fogueira. Esta é a fina nova cristandade da qual nem
Deus nem a Escritura sabem alguma coisa. Mas, esqueçamos
esses porcalhões.
8
Falando sobre o papa, ele disse: “O papa foi defecado sobre a Igreja
por todos os diabos do inferno.”
9
Se Lutero foi revolucionário é a proposta deste trabalho. Ele pode ser
chamado de indivíduo progressista, pois, através de sua visão da igreja, propôs
mudanças e mudanças radicais. Não era sua intenção, no momento da fixação
das 95 teses nas portas da catedral de Witemberg, promover o cisma e, sim,
reformar sua igreja vigente. Ele não se enquadra no adjetivo reacionário, pois o
termo diz respeito a uma pessoa contrária à liberdade, um tirano, um déspota.
Ao contrário, com o seu pensamento, ele propôs a liberdade. As tomadas de
6
VILANOVA, Evangelista. Historia de La Teología Cristiana, Volume II, página 222.
7
OBERMAN, Heiko A. LUTERO, Un hombre entre Dios y el Diablo. Página 130
8
LUTERO, Martinho. Obras selecionadas, Volume V. página 32
9
LUTERO, Martinho. WA 54, página 237.
18
posição quanto a Lutero dependem da confessionalidade ou linha de
pensamento.
Segundo Atkinson (1987):
Para compreender Lutero são necessárias duas coisas. A
primeira é captar toda a confusão de pensamento e de
movimento social, político, cultural e intelectual em que esteve
imerso, o qual orientou a sua obra. A segunda é compreender
o que ele se propunha.
10
Lutero estava capacitado a viver em comunidade pela ênfase que ele
dava à individualidade. Segundo o que fala Gottfried Fitzer: “Somente quem é
alguma coisa pode arriscar alguma coisa. Estar em comunidade requer sempre
o sacrifício da parte mais preciosa de quem se entrega, para ser mesmo eficaz
e valioso.”
11
Para ser alguma coisa foi necessário Lutero lutar contra os traumas
psíquicos que ocasionaram uma fixação em alguma fase do seu
desenvolvimento psicossexual, conforme preceitua Freud em sua teoria sobre
o desenvolvimento humano. Talvez pela forma como ele falava, pela sua
agressividade muitas vezes demonstrada nos seus diálogos, poderia dizer que
ele tinha uma fixação na fase oral de seu desenvolvimento. Sua energia
libidinal estava concentrada em sua boca.
I.I.3. Tentações:
Conforme Franz Lau (1966) coloca no seu livro, as tentações de
Lutero são uma fonte importante de compreensão de sua personalidade
integral, do seu querer e de seu pensar. Isso também mostram dois
pesquisadores citados neste trabalho: Roland H. Baiton e Erik Erikson.
Segundo Franz Lau:
Lutero é um homem de seu século que no seu momento
histórico-concreto desequilibrou o mundo e criou algo novo.
Sua obra histórica somente tem sentido no contexto dos
acontecimentos, e uma exposição sobre Lutero deve começar
com o mundo de Lutero, se ela não quiser ser uma abstração
a - histórica e, em última análise, sem valor algum.
12
10
ATKINSON, James. Lutero y el nacimiento del protestantismo. Páginas 15 a 23.
11
FITZER, Gottfried. O que Lutero Realmente disse. Página 212.
12
LAU, Franz. Lutero, página 7.
19
Para esta análise, é fundamental observar o contexto familiar em que
ele esteve inserido. Conforme o relato de Heiko Oberman:
A casa paterna de Lutero exige uma especial atenção, pois foi
o fundamento de seu desenvolvimento na meninice e
juventude. Lutero nasceu no centro do condado de Mansfeld,
em Eisleben, uma pequena cidade de não mais de 4.000
habitantes, a uns 110 quilômetros ao sudoeste de Wittemberg
e 95 ao nordeste de Erfurt. Lutero se considerou sempre um
homem de Mansfeld; além disso, em seu último serviço como
mediador nas disputas entre os senhores territoriais,
permaneceu vinculado a seu condado.
13
Apesar da severidade dos seus pais, Lutero sempre os teve em
maior estima porque ele sabia que quiseram apenas o seu bem. Melancton
disse da mãe de Lutero que era uma mulher que todas as outras deveriam ter
como exemplo, como um modelo de virtudes.
Seu pai morreu em 29 de maio de 1530 e Lutero muito se entristeceu
com sua morte. Estava, na ocasião, ausente de Wittemberg, no castelo de
Coburgo, e sua esposa Catarina de Bora lhe enviou, para consolá-lo, o retrato
de sua pequena filha Madalena. A mãe de Lutero não pôde suportar a morte do
marido e, um ano depois, ela veio a falecer. Também, na hora de sua morte,
Lutero se encontrava longe dela. Trabalhos importantes o impediram de fazer
esta viagem. Quando recebeu a notícia de sua enfermidade e compreendeu
que ela estava em fase terminal, escreveu-lhe estas palavras que revelam
muito claramente seus sentimentos:
Minha querida mãe: Eu recebi a carta de meu irmão Jacó sobre
vossa enfermidade, na verdade, sinto muito não poder estar
convosco pessoalmente como são meus desejos. Deus, Pai de
todo consolo, vos dê por sua santa palavra e Seu Espírito uma
fé firme, prazerosa e agradecida, para que possais vencer esta
necessidade, como todas, com benção, e sentir e experimentar
que é muito verdade o que ele mesmo disse: “Com confiança,
porque eu venci o mundo”. Eu recomendo vosso corpo e alma
a sua misericórdia. Amém. Pedem por vós todos vossos netos
e minha Catarina. Uns choram. Outros quando estão comendo
dizem: “a vovó está muito enferma”. Deus seja convosco e
conosco. Amém. O sábado depois da ascensão, 1531. Vosso
querido filho, Doutor Martinho Lutero.
14
13
OBERMAN, Heiko A. LUTERO, Un hombre entre Dios y el Diablo. Página 102
14
FLIENDNER, Federico. Martin Lutero. Páginas 10,11.
20
I.I.4. Mãe de Lutero:
O que se pode dizer da mãe de Lutero? Será que existia uma relação
simbiótica entre mãe e filho? Quando o cordão umbilical foi cortado? Quando a
mãe permitiu a entrada do pai nesta relação, se o pai teve um papel
preponderante na formação de sua personalidade?
Não há muitas informações a respeito de sua mãe. Melancton a
qualifica de uma “honesta matrona”. Devia ser uma mulher sofrida, pois ela
mesma costumava até recolher a lenha para o fogo da cozinha. O pintor Lucas
Cranach a retratou quando já era anciã, com os frios lábios cerrados. Pelo
retrato, nota-se que Martinho Lutero herdou muitos traços de sua mãe. Sabe-se
que era uma mulher muito supersticiosa, que se deixava levar por uma bruxa
ou feiticeira, a qual deveria ser tratada com muita reverência, a fim de que não
fizesse mal aos seus filhos. Margarida também era uma mulher que se deixava
levar pela irritação. O filho ser castigado duramente, a ponto de sangrar,
demonstra sua frieza em tratar com seus filhos. Se Martinho Lutero comentou a
respeito deste castigo, por ter ele roubado uma noz
15
, é porque isto ficou
gravado em sua memória e, naquele momento, com os seus comensais, ele
lembrou. Apesar de falar com ternura de seus pais, este episódio deve ter
trazido marcas profundas a sua personalidade.
Segundo o que escreve Garcia-Villoslada, um moderno psicanalista
chamado Erik H. Erikson, em seu livro intitulado “The Young Luther”, observa o
desprovido conceito que o reformador teve sempre da mulher e sua falta de
idealidade – principalmente quando ele tratava do matrimônio – e pergunta
“Será por que este homem não teve uma mãe?”
16
O que fica claro, depois de se ver a influência paterna na vida de
Lutero, é que a mãe, do ponto de vista freudiano, permitiu que o pai entrasse
nesta relação simbiótica, entre mãe e filho, conforme mostra Heiko Oberman:
Margarete Luder aparece completamente relegada a segundo
plano, atrás de seu imponente marido, que manteve seu filho
submetido a sua vara de tal maneira que a Reforma poderia se
explicar como um ato de legítima defesa, como protesto contra
os pais desumanos, bem se chamem Hans, Papa ou Deus.
Parece totalmente impensável que também a mãe pudesse
haver exercido alguma influência sobre o jovem. Este seria o
15
LUTERO, Martinho. Conversas à Mesa 3566,III páginas 415 e 416
16
GARCIA-VILLOSLADA, Ricardo. Martin Lutero, Volume I. Pág. 45, 46.
21
motivo porque a figura de Margarete Luder aparece tão
empalidecida e pouco marcada: uma mulher sensível, carente
de instrução e supersticiosa.
17
Em uma campanha difamatória de seu nome e de sua mãe,
promovida em 1533 por Johannes Cochläus, Lutero responde:
Quando o diabo não pode arremeter contra a doutrina, ataca a
pessoa, mente, difama, blasfema e enlouquece de fúria contra
ela. Assim fez comigo o Belzebu dos papistas; ao não poder se
opor ao meu evangelho, escreveu que eu estava possuído pelo
demônio e que era um endemoninhado e minha amada mãe
uma puta e uma empregada de casa de banhos. E de pronto,
se não tivesse escrito isto, meu evangelho estaria perdido e os
papistas haviam ganho.
18
I.I.5. O pai de Lutero:
Hans Luther era um pujante camponês de estatura baixa, pele
curtida pelo vento e pelo sol, e de tez morena. Com seu caráter perseverante
era um homem extremamente trabalhador. Ajudava seus pais nas tarefas
agrícolas. Quando ele se casou, em 1481, deixou a casa paterna e, com sua
jovem esposa Margarida, também conhecida por Ana, foi morar longe de sua
aldeia nativa, em Mansfeld.
Quando Martinho Lutero nasceu, ele não conheceu o seu pai
cultivando os campos mas, sim, cuidando de minas. Garcia-Villoslada diz:
Não será temerário buscar em suas raízes aldeãs a origem e a
explicação de certa rudeza brutal que encontraremos mais de
uma vez em Lutero; rudeza que pode se acentuar com o trato
dos mineiros. Sabemos que um de seus tios, Hans Luder, “o
Menor”, amigo de freqüentar tabernas e armar contendas,
cometeu atos violentos e delituosos, que constam nas atas
judiciais de Mansfeld pelos anos de 1498 a 1513.
19
Hans Luther, faltando pouco tempo para contrair matrimônio com
Margarida, decidiu ir para a cidade de Eisleben, a uns 130 Quilômetros de
Mansfeld, uma cidade cuja principal fonte de riqueza era a exploração das
minas de cobre. Assim, o lavrador deixou a sua antiga profissão da noite para o
dia, para tornar-se um mineiro.
17
OBERMAN, Heiko A. LUTERO, Un hombre entre Dios y el Diablo. Página 107
18
LUTERO, Martinho. WA 53. 511, 28-34; 1543.
19
GARCIA-VILLOSLADA, Ricardo. Martin Lutero, Volume I. Pág. 40.
22
Em 1502 apareceu como acionista em uma das quatro sociedades
exploradoras das jazidas de cobre.
Conforme fala Garcia-Villoslada:
Não é de crer que os mineiros de Mansfeld fossem de maior
urbanidade e cortesia que os briguentos de Annaberg, no
ducado de Saxônia; nem muito diferente dos mineiros dos
Alpes, “gente feroz, tumultuosa, indômita”, segundo dizia o
arcebispo de Salsburgo; por isso, bem podemos pensar que o
bem falar e os finos modos não seriam os traços característicos
do pai de Martinho.
20
I.I.6. Nascimento e infância:
Martinho Lutero veio ao mundo às 23 horas do dia 10 de novembro.
Há certa dificuldade em afirmar com exatidão o ano de seu nascimento: se foi
em 1483 ou 1484. Pode-se levar em conta o testemunho de seu irmão Jacó
Lutero, unido a ele desde a infância com profundo afeto, que assegurou a
Melancton que o ano foi o de 1483.
Martin Dreher traz em um de seus livros uma narração de Martinho
Lutero, na qual ele fala a respeito de si mesmo:
Sou filho de um colono; meu bisavô, meu avô, o pai foram
verdadeiros colonos. Como [Melancton] disse, eu deveria ter-
me tornado um regedor, um alcaide e o que mais existe numa
aldeia, ter vindo a ser um servidor superior sobre os demais.
Posteriormente meu pai mudou-se para Mansfeld, tornando-se,
ali, um mineiro. Eu venho de lá. Que eu viesse a me tornar
bacharel e mestre, que depusesse o barrete marrom e o
deixasse para os outros, tornando-me monge, provocando com
isso a grande desonra, o que aborreceu meu pai amargamente,
e que, mesmo assim, me pegasse com o papa e ele comigo,
que eu tomasse por esposa a uma monja fugida – quem leu
isso nas estrelas? Quem me teria profetizado isso?
21
Ele recebeu o sacramento do batismo das mãos do pároco
Bartolomeu Rennebecher. A sua permanência em Eisleben foi muito curta, não
mais que alguns meses. Mas, se em Eisleben ele abriu os seus olhos para a
luz, foi nesta mesma cidade que, 62 anos mais tarde, ele fechou para sempre
os seus olhos, por um problema cardíaco. De Eisleben, seus pais mudaram
20
GARCIA-VILLOSLADA, Ricardo. Martin Lutero, Volume I. Pág. 45.
21
DREHER, Martin Norberto. Reflexões em torno de Lutero, volume III. Página 9. (WA, TR, 5,
6250).
23
para Mansfeld. Apesar de pais camponeses, Hans Luther trabalhava como
mineiro.
Não resta dúvida de que nestes dias se tratava com muita dureza
uma criança na escola. Roland Herbert Bainton escreveu (1955):
“As escolas não eram suaves, mas brutais. Seu objetivo era
incutir um conhecimento falado da língua latina. Os meninos
não lamentavam isto, pois o latim era útil: era a linguagem da
igreja, da lei, da diplomacia, das relações internacionais, dos
eruditos, das viagens. Os ensinamentos se levavam a cabo
mediante exercícios pontuados com a vara. Um aluno,
chamado lupus, o lobo, era designado para espiar os outros e
informar cada vez que se falava alemão. O aluno mais
atrasado recebia uma máscara de burro, devendo usá-la até
que outro fosse pego na mesma falta. Deste modo se podia
receber 15 açoites em um só dia.”
22
A formação escolar de Lutero no ensino médio e fundamental foi
realizada em três etapas: Mansfeld (de 1488 a 1497); Magdeburgo (da
primavera de 1497 à primavera de 1498); e, Eisenach (de 1498 a 1501).
Bem criança Lutero foi levado à escola em Mansfeld, onde lhe
ensinaram o Catecismo, o Decálogo, o Credo, a Oração Dominical, cânticos e
orações, a gramática latina de Donato, do século IV, que foi mestre de São
Jerônimo. Falaram-lhe de um Deus tão severo que, quando ele ouvia o nome
de Jesus, tremia de medo.
Percebe-se, nesse momento de sua vida, que o conceito que ele
possuía de Deus era uma projeção do que ele fazia de seu pai. Um pai severo
com quem ele teve dificuldades muitas vezes de se relacionar, à luz do
conhecimento que recebeu de um Deus severo. Ele via, na figura divina, a
figura paterna.
Segundo Sigmund Freud:
A psicanálise dos seres humanos de per si, contudo, ensina-
nos com insistência muito especial que o deus de cada um
deles é formado à semelhança do pai, que a relação pessoal
com Deus depende da relação com o pai em carne e osso e
oscila e se modifica de acordo com essa relação e que, no
fundo, Deus nada mais é que um pai glorificado.
23
22
BAINTON, Roland Herbert. Lutero, pág. 22.
23
FREUD, Sigmund. O Retorno do totemismo na infância Volume XIII, IV Capítulo, páginas
175-176
24
De Mansfeld ele foi para Magdeburgo, em 1497, com 14 anos, para
freqüentar a escola dos Irmãos da Vida Comum, os Nollbrüder, como eram
chamados, aumentando os conhecimentos e sendo um bom observador.
24
Sua permanência em Magdeburgo foi de apenas um ano. Os meios
de sobrevivência eram-lhe extremamente escassos e seu pai lutava com muita
dificuldade para lhe prover recursos. Os estudantes pobres costumavam cantar
pelas ruas para obter meios de subsistência.
Foi por ocasião da Páscoa florida, quando Martinho Lutero, com 15
anos, colocou em seus ombros uma trouxa de roupa e de provisões para vários
dias, e segurando um bastão com a mão direita, dispôs-se a caminhar 100
quilômetros de Mansfeld até Eisenach. Ia para a região de seus pais e avós.
Nesta cidade Martinho Lutero cursou três anos completos de estudos
humanísticos. Em Eisenach ele freqüentou a “escola do trívio”, isto é, uma
escola que ensinava as três disciplinas fundamentais da gramática, da retórica
e da dialética.
Garcia-Villoslada (1976), em sua obra sobre a vida de Martinho
Lutero, cita um artigo do professor Heinrich Bornkamm intitulado “Problemas da
Biografia de Lutero”, no qual ele diz que podemos nos entreter com a Teologia
Luterana, perdendo de vista o homem Lutero. A pesquisa que é feita em
relação a sua obra teológica é incomparavelmente maior que a investigação
feita em relação a sua vida e personalidade. Mas pode ser feito um
questionamento: fazendo um levantamento do seu pensamento teológico, não
podemos construir sua personalidade, como ele era, agia? Será que não há
informações suficientes para traçar o seu perfil psicológico?
Lutero parece ter sido diferente de outros jovens de sua época. Era
extraordinariamente sensível, sujeito a períodos de recorrentes exaltação de
espírito e depressão, e antigamente chamada “Psicose Maníaco-Depressiva” e
hoje se chama “Distúrbio Bipolar”. Uma hora o indivíduo está em grande euforia
para, logo a seguir, mergulhar em uma terrível e negra depressão. Olhando
para as experiências espirituais pelas quais Lutero passou, pode-se ver
24
Os irmãos da Vida Comum constituíam uma comunidade que teve como seu fundador,
Gerhard de Groot, nascido em Deventer, Holanda, em 1340. Dedicavam-se principalmente ao
ensino e ao serviço da coletividade. Abnegado ao extremo, Groot foi arrebatado numa
epidemia quando assistia aos enfermos da peste. Em vez de abrirem escolas, os Irmãos
preferiram servir como mestres em escolas já existentes, visando proporcionar uma educação
cristã.
25
claramente esta oscilação de personalidade que o acompanhou durante toda a
sua vida. Este estado foi muito agudo nos seis meses anteriores a sua entrada
no convento.
I.I.7. Erfurt: formação universitária, vocação, convento,
tentações e conversão:
Após a “escola do trívio”, como seu pai abrigava planos ambiciosos
em relação ao filho, enviou-o para a Universidade de Erfurt, em 1501. Seu
desejo era que Lutero se tornasse um grande jurista. Ele tinha dezoito anos
quando se inscreveu na Universidade de Erfurt e lá permaneceu até 1505. A
partir deste momento, seu pai deixou de tutelá-lo e passou a tratá-lo de vós.
Hans Luther enviou seu filho a Erfurt para que fizesse um curso de
Direito, mas ele começou se inscrevendo na Faculdade de Filosofia. Estes
estudos eram dominados pela dialética, pela qual Lutero conservou sempre
uma predileção.
Todos os estudantes universitários, a menos que tivessem uma
permissão especial, tinham de viver em comunidade, alojados em colégios ou
internatos, levando uma vida quase conventual, sob a direção de um mestre, a
quem deviam prestar juramento de obediência e submissão. A vida nestes
internatos era tão austera quanto a vida dentro de um convento. O dia inteiro
estava bem ocupado com lições, repetições, disputas acadêmicas, etc.
Nenhum estudante podia ir para a sala de aula sem sua toga ou túnica. A vida
religiosa dentro desta escola era intensa. Todos tinham a obrigação de assistir
à missa todos os dias e confessar pelo menos quatro vezes por ano.
O ano acadêmico se dividia em dois semestres, separados por
alguns dias de folga. O semestre seguinte começava com uma missa maior, na
qual pregava um bacharel em Teologia ou um doutor. O plano de estudos de
Erfurt era semelhante ao de outras universidades daquele tempo.
No final de três semestres podiam os estudantes de filosofia alcançar
o título de bacharel, mediante um sério exame perante cinco professores.
Lutero foi admitido às provas no final de setembro de 1502.
26
Garcia-Villoslada escreveu:
O exame versaria, naturalmente, sobre as disciplinas cursadas,
até então, que eram as seguintes: em gramática, o Priscianus
minor e a segunda parte do Doctrinale, de Alejandro de
Villedieu; em lógica, as Summulae, de Pedro Hispano; a Logica
vetus (Isagoge, de Porfírio; Categorías y Periermeneias, de
Aristóteles) e a Logica nova (Tópicos, Elencos sofísticos,
analíticos, priores e posteriores); em psicologia, o tratado
aristotélico De anima; em cosmografia, a Sphaera, de Juan de
Sacrobosco (de Hollywood); e em retórica, o Laborinthus, de
Eberardo o Alemão, poema didático sobre as misérias dos
professores de humanidades. Superada a prova, felizmente,
ainda que não com excessivo brilhantismo, pois dos 57
bacharelandos, 30 obtiveram o posto, conseguindo Martinho o
título de bacharel em artes.
25
Depois de alguns meses, em 1503, aconteceu um dos inúmeros
dramas de sua vida. Caminhava a pé, com um companheiro, na estrada que
vai de Erfurt a Mansfeld, estava indo visitar os pais, quando se cortou
acidentalmente com sua espada, sangrando abundantemente. O seu amigo foi
buscar socorro. Neste exato momento Lutero declarou que correu risco de
morte. Invocou a Virgem Maria. Voltando a Erfurt, o curativo do cirurgião se
abriu, voltando ele a invocar a Virgem Maria. No período que passou em
convalescença aprendeu a tocar alaúde.
Em janeiro de 1505 foi proclamado mestre em filosofia. Desta vez,
entre 17 colegas, ele ficou em segundo lugar. Melancton escreveu que, na
Universidade, seu gênio causava admiração a todos. A partir deste momento
seu pai, Hans Luther, não o chamou mais por tu. Deu-lhe de presente um livro
de direito chamado Corpus juris, muito caro.
Assim, para corresponder aos desejos paternos ele ia começar os
estudos em direito sem muito interesse. Juntamente com este estudo, ele se
lançou apaixonadamente ao estudo das Escrituras Sagradas, pois encontrara
uma Bíblia na Biblioteca de Erfurt. A primeira história que ele leu foi a de Ana,
mãe de Samuel.
Funck-Brentano escreve:
Nesta época, disse ainda seu amigo Mathesius, Martinho
Lutero “sofria por força da alma inquieta; a educação severa
25
GARCIA-VILLOSLADA, Ricardo. Martin Lutero, Volume I. Pág. 68.
27
que recebera, a devoção rigorosa aprendida de sua mãe,
tinham-lhe deixado na alma uma profunda tristeza;
preocupava-se antes de tudo com a salvação e temia a justiça
de Deus, que figurava inexorável. Só uma vida santa podia
conceder-lhe a paz. Entretanto, sua vida tinha sido pura; mas
tinha um sentimento opressivo do pecado e um temor mortal
dos juízos de Deus: adoecia, então, de angústia”.
26
Em julho de 1505, quando Lutero voltava para Erfurt, de Mansfeld,
onde fora visitar sua família, o céu estava escuro e, de repente através de um
estrondoso trovão foi jogado ao chão, com tanta violência que chegou a torcer
o pé. Neste momento ele pediu socorro a Santa Ana. Se ela o socorresse, ele
se tornaria um monge. Ele sobreviveu a este evento e cumpriu a promessa,
sendo admitido no convento agostiniano de Erfurt em setembro de 1505.
Depois do exame de professor Lutero teve o primeiro contato vital
com a Bíblia. “Quando era um jovem professor em Erfurt, onde sempre me
encontrava acometido por provas de tristeza, dediquei-me muito intensamente
à leitura da Bíblia”.
27
O reformador falou ao longo de sua vida, com respeito e admiração,
de seu mestre no noviciado, Johann Greffenstein, como sendo um homem
sábio e piedoso. Uma das maiores preocupações de Lutero, como noviço e
depois como frei, era o fato de querer confessar-se repetidamente, por causa
das grandes angústias provocadas pelo pecado, chegando a se questionar se
Deus havia perdoado realmente as suas faltas. O seu confessor Staupitz lhe
disse, em uma carta, que os seus pecados eram “pecados de marionetes” ou
“pecados bonecos”. Apesar das boas intenções de Staupitz, Vilanova diz que
ele não compreendeu o drama interno de Lutero que, então, viu-se submetido a
um progressivo processo de dúvida e desesperança.
Por mais que alguns representantes da controvérsia católica tenham
dito o contrário, a vida de Lutero no convento de Erfurt foi digna e de acordo
com as normas estabelecidas ali. Um antigo frei, companheiro do reformador,
confirmou isto três anos depois de sua morte, em 1549. Depois de sua
ordenação, as dúvidas de Lutero sobre sua salvação eterna continuaram. A
imagem que ele fazia de Deus era a de um juiz implacável que, no juízo final,
exigiria do homem algumas boas obras que eram irrealizáveis. Mas, neste
26
FUNCK-BRENTANO, Franz. LUTERO. Página 24.
27
Lutero, Martinho. WA, 40, II, 282-283; T 3 3593, 3767.
28
mesmo período, Staupitz foi-lhe comunicando a pessoa de Cristo, não como
um juiz severo, mas um servo sofredor solidário com o sofrimento humano.
A dúvida acerca da certeza da própria salvação eterna, ou da
eficácia da graça de Deus, levou os monásticos ao desespero. Lutero
conheceu muitos que chegaram à loucura por causa do desespero provocado
pelo convencimento de terem sido abandonados das mãos de Deus, de não
estarem predestinados à vida eterna. No ano de 1518, em um dos testemunhos
autobiográficos, ele declarou acerca da narrativa de São Paulo, em 2 Coríntios
12.3:
“Se de um homem que tem dito de si mesmo haver sofrido
freqüentemente tais provas, certamente por só breves
instantes, porém foram tão grandes e tão infernais que
nenhuma língua é capaz de expressá-las, nem alguma pena
pode descrevê-las, nem nada, se não tem ele experimentado,
pode acreditar. Se estas provas tivessem durado somente meia
hora, ou a décima parte de uma hora, se houvesse fundido por
completo, todos seus ossos se haveriam convertido em cinzas.
Aqui Deus se manifestou terrivelmente colérico. Não tem
nenhuma saída, nenhum consolo, nem dentro nem fora, tudo,
tudo te acusa [...] Neste momento a alma não pode crer na
possibilidade de ser salva”.
28
No ano de 1508, seu amigo Staupitz, decano da faculdade de
Teologia de Wittemberg, chamou Lutero para lecionar a respeito da ética de
Aristóteles. Ele não ficou muito satisfeito, porque o seu interesse estava
centralizado no estudo da Bíblia, mas, por amizade, aceitou o convite.
Os anos de 1509 e 1510 constituíram uma das piores etapas para
ele. No ano de 1510 ele foi a Roma, acompanhado de outro frei, de quem é
desconhecido o nome e o mosteiro. Roma foi, para Lutero, uma experiência
traumatizante, pois havia acolhido a idéia de que voltaria para casa mais
fortalecido espiritualmente. A viagem à Roma foi uma viagem de serviço, como
tantas outras que haveria de empreender.
Em Roma procurou dizer missa diária e, em uma ocasião no altar de
São Sebastião, celebrou várias no espaço de uma hora. Segundo o que diz
Oberman:
28
LUTERO, Martinho.WA 1, 443
29
A experiência romana foi para ele um verdadeiro dilema:
estava convencido de poder encontrar no centro da cristandade
a salvação plena e, por tal motivo, se falava decidido a
aproveitar as especiais oportunidades que se lhe ofereciam ali
por toda parte. Roma era, e será para ele, a cidade dos
mártires, onde os apóstolos Pedro e Paulo e os primeiros
cristãos da comunidade romana deram testemunho da fé com
seu sangue. Porém ao mesmo tempo lhe impressionou o
descobrimento de atividades sacrílegas nesta cidade santa,
‘onde Deus constrói uma igreja, o demônio levanta uma capela
lateral. Se existe um inferno, Roma estaria construída em cima
dele’. (WAT, 4 núm. 5010; 612, 11; 1540; WAT 6. num 6777;
183, 3s.) Este refrão ouvido em Roma, ele o utilizará mais tarde
como arma para desmascarar a aliança entre o Papa e o
diabo.
29
Depois de um ano e meio do seu regresso de Roma, o mestre em
filosofia e monge se transformou em doutor em teologia e catedrático de
Wittemberg. No ponto de vista crítico de seus contemporâneos, Lutero aparecia
nas filas dos monges néscios que disputavam aos gritos, por qualquer
insensatez, se apresentavam como defensores da ortodoxia e da piedade e
caiam como sacerdotes de aldeias em qualquer armadilha para peregrinos. A
princípio os conflitos desatados por Lutero foram vistos pelos eruditos do país
como disputas de frades.
Houve um momento na vida de Lutero, no convento, que lhe foi
cedido pelo príncipe eleitor Frederico o Sábio, onde teve lugar a chamada
“experiência da torre” (Turmerlebnis). A tradição luterana apresenta este
instante como o momento de ruptura entre o Lutero católico e o Lutero
protestante. Através desta experiência Lutero havia sido iluminado, de súbito,
sobre a certeza da salvação de sua alma, somente por meio da fé. E este foi
um momento catártico para ele.
Através deste insight de sua alma, ele elaborou o princípio básico e
embrionário de todo luteranismo: o homem pode ser justificado, santificado,
somente pela fé em Cristo, pela confiança no Redentor. As boas obras são
inúteis, porque Cristo cumpriu a lei para o homem.
Nada melhor que o próprio Lutero para descrever o processo e a
solução de sua angustiosa crise. Ele prefaciou o primeiro volume de suas
Obras Completas, com esta Experiência da Torre:
29
OBERMAN, Heiko A. LUTERO, Un hombre entre Dios y el Diablo. Página 178.
30
Um maravilhoso anelo se havia apoderado de mim, de
conhecer a mente de São Paulo em sua epístola aos
Romanos, a qual resistia até então não à frieza de meu sangue
ao redor do coração, senão unicamente àquela expressão do
capítulo primeiro: A justiça de Deus se revela nele. Pois eu
odiava a expressão justiça de Deus, que o uso e o costume de
todos os doutores me haviam ensinado a traduzir
filosoficamente por ‘justiça formal ou ativa’, segundo a
chamam, pela qual Deus é justo e castiga os pecadores e
injustos. Porém eu que, ainda vivendo como monge
irrepreensível, sentia-me diante de Deus, pecador de
consciência desassossegada, não podendo confiar em aplacá-
la com minhas obras satisfatórias, não amava, antes odiava ao
Deus justo e castigador dos pecadores. [...] Assim, com a
consciência terrivelmente conturbada, enfurecia-me e pulsava
importunamente aquele lugar de São Paulo, com sede
ardentíssima de saber o que o apóstolo queria dizer. Até que,
pela misericórdia de Deus, depois de esperar dias e noites
meditando a conexão destas palavras, eu comecei a entender
por justiça de Deus aquela virtude da qual vive o justo por dom
de Deus, ou seja, a da fé...; a justiça de Deus passiva, pela
qual Deus misericordioso nos justifica pela fé, segundo está
escrito: O justo vive da fé. Então me senti absolutamente
renascido, como se me abrissem as portas e entrasse eu
mesmo no paraíso. Desde aquele momento eu comecei a
exaltar a doce expressão de justiça de Deus com tão grande
amor quanto era antes o ódio com que a aborrecia, de tal
maneira que essa passagem de São Paulo foi verdadeiramente
para mim a porta do paraíso. Li logo o livro de Santo Agostinho
De spiritu et littera, tratado sobre a Trindade, onde
inesperadamente encontrei que também ele interpreta a justiça
de Deus de modo semelhante: aquela com que Deus nos
reveste quando nos justifica. (WA 54, 185-186).
30
Esta foi a grande iluminação que Martinho Lutero creu receber do
Espírito Santo, o que muitos chamam de descobrimento do evangelho e, mais
freqüentemente, de Turmerlebnis, porque ele se encontrava em uma torre do
mosteiro quando se lhe aclararam as idéias, quando ele teve esta experiência
que a psicologia chama de catarse.
Segundo Hans Küng
31
, Lutero continuou ligado à teologia de Santo
Agostinho cujas obras Confissões, Tratado sobre a Trindade e Cidade de
Deus, ele já havia estudado.
Lutero soube muito bem distinguir a fé da superstição, apesar de
toda educação transmitida pela sua mãe, educação esta povoada de duendes,
30
GARCIA-VILLOSLADA, Ricardo. Martin Lutero, Volume I. Pág. 312.
31
KÜNG, Hans. Os Grandes Pensadores do Cristianismo, pág. 129.
31
demônios e elfos. Conheceu o medo do inferno de sua época, encontrou nas
Escrituras o perigo de satanás e foi tentado pelo diabo.
Segundo a descrição de Heiko Oberman:
Fazer do demônio algo inócuo significa desfigurar a fé: “Não é
possível combater ao demônio senão mediante a fé em Cristo,
dizendo: sou batizado, sou um cristão.” (WA TR 6830, 217) O
seguinte testemunho de sua própria experiência com o
demônio como espírito revoltoso é de ressonâncias medievais:
“Não é raro ouvir que o diabo agita as casas e passeia por
elas. Em nosso convento de Wittemberg o ouço claramente.
Quando começava a ler o saltério e depois de haver cantado
as rezas noturnas, uma vez sentado no refeitório, estudando e
escrevendo para a minha classe, chegou o demônio e
perturbou 3 vezes no inferno [espaço situado depois do forno],
como se alguém tirasse dali um cântaro, arrastando-o. Ao final,
como não estava quieto, recolhi, precipitadamente, meus livros
e fui para a cama; porém aquela ocasião me traz pesar por não
lhe haver oferecido resistência apesar de haver visto o que o
demônio queria fazer. Ainda lhe ouvi em outra ocasião no
convento em cima de minha cela”. (WA TR 6832, 219,30-40)
32
I.I.8. O casamento:
Lutero demorou em tomar a decisão de contrair núpcias, não porque
ele tivesse dificuldades em encontrar uma mulher, mas, mesmo depois de
haver abandonado a Igreja e queimado publicamente todas as leis canônicas, o
espírito monacal ainda estava muito forte dentro dele.
Lutero, desde 1520, já aconselhava aos sacerdotes a vida
matrimonial, dizendo que o celibato era coisa diabólica e impossível de cumprir.
Nos anos seguintes Lutero não se cansava de pregar, escrever cartas para
recomendar o casamento e os benefícios dele na vida do homem. E ele
recomendava o casamento à cúria, aos frades e às monjas.
Lutero chegava a ser muito aberto nestas questões conjugais. Ele
dizia que se, no casamento, um dos cônjuges fosse enganado e não estivesse
sendo plenamente satisfeito na sua sexualidade, sentindo-se lesado por não ter
sido comunicado, o cônjuge traído nesta falta omissão de informações poderia
satisfazer suas necessidades com outra pessoa:
Se uma mulher potente casasse com um homem impotente,
não podendo casar com outro publicamente e também não
querendo manchar a honra, visto que o papa exige muitas
32
OBERMAN, Heiko A. LUTERO, Un hombre entre Dios y el Diablo. Páginas 127-128.
32
testemunhas nesses casos e faz muito alarde em torno disso,
ela deveria dizer a seu marido: Caro esposo, não podes me
corresponder e roubaste o corpo jovem; além disso, puseste
em risco minha honra e a salvação da alma. Perante Deus não
existe matrimônio entre nós. Permite-me que mantenha uma
relação secreta com teu irmão ou parente mais próximo, para
que se preserve teu nome e teus bens não passem às mãos de
estranhos. Permite que eu te engane conscientemente, assim
como tu me enganaste sem minha ciência.
33
Ele cria que a sexualidade é algo fundamental dentro do
relacionamento conjugal e precisa ser satisfatória para ambas as partes.
Analisando um texto de Paulo, na Bíblia Sagrada, em 1Coríntios 7, ele diz que
“nenhuma das partes tem poder sobre seu corpo, mas um tem que servir ao
outro, como é próprio do amor”.
34
Diante da insistência de seus amigos, principalmente de Spalatin, ele
contraiu núpcias com uma ex-monja de nome Catarina, no dia 13 de junho de
1525. Garcia-Villoslada (1976), citando Enrique Böhmer, fala dos motivos que
levaram Lutero a contrair núpcias:
“Lutero não se casou, como o homem normal, propter opus,
por amor; nem propter opes, para melhorar suas condições
econômicas; nem tampouco propter opem, ou seja, por
procurar a ajuda de uma mulher que cuidasse dele nos últimos
dias; senão, em primeiro lugar, propter patrem, porque o
desejava seu pai; em segundo lugar, propter conscientiam et
religionem, porque sua consciência o impelia a confirmar com a
obra o que ensinava com a palavra; e, em terceiro lugar,
propter diabolum et papam, para aborrecer o diabo e o papa”.
35
Catarina de Bora nasceu na Saxônia, em 29 de janeiro de 1499.
Entrou no mosteiro cisterciense de Nimbschen e fez sua profissão religiosa em
8 de outubro de 1515. O escrito de Lutero: Dos votos monásticos chegou até
este mosteiro trazendo muitas dúvidas e inquietações, fazendo que um grupo
de monjas manifestasse o desejo de escapar do convento.
No dia 05 de abril, o domingo de Páscoa de 1523, durante a noite,
doze monjas saíram clandestinamente do convento. Três delas foram
recolhidas por parentes, e as outras nove se dirigiram com Leonardo Koppe a
33
LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas, Ética: Fundamentos-Oração-Sexualidade-
Educação-Economia, volume 5, páginas 163 e 164.
34
Idem, página 193.
35
GARCIA-VILLOSLADA, Ricardo. Martin Lutero, Volume II. Pág. 226.
33
Wittemberg. Lutero abrigou algumas, no próprio mosteiro negro, onde ele vivia
quase solitário, gerando escândalo em algumas pessoas, e para outras ele
buscou hospedagem em casa de amigos. Entre as nove, encontrava-se
Madalena de Staupitz, irmã do famoso vigário geral dos agostinianos, e
Catarina de Bora.
36
O casamento fez muito bem para ele, pois encontrou uma
companheira muito dedicada. Se assim não fosse, teria ele sobrevivido a todas
as enfermidades que o acometiam? Amiúde, ele sofria de gota, insônia,
resfriados, hemorróidas, constipação, cálculos renais, vertigem e zumbidos nos
ouvidos como se tocassem todos os sinos de Halle, Leipzig, Erfurt e
Wittemberg juntos. Catarina era mestra em ervas, emplastros e massagens.
Pode-se pensar que a cerveja que ele sorvia com tanto prazer para dissolver
seus cálculos.
O casamento de Lutero com Catarina, segundo Martin Dreher, não
foi aquilo que se poderia designar de um relacionamento por amor. Mas este
sentimento foi surgindo com o passar do tempo.
37
Em 1531, Lutero afirmou:
Não trocaria minha Kate pela França e por Veneza de brinde.
Primeiro, porque foi Deus quem ma deu e me deu a ela;
depois, porque experimento muitas vezes que outras mulheres
têm mais defeitos que minha Kate (mesmo que também tenha
alguns, opõem-se-lhes virtudes muito maiores); terceiro,
porque ela preserva a fé do matrimônio, que é fidelidade e
honra. Assim, inversamente, também a mulher deveria pensar
a respeito do marido. (WA TR 1,49.)
Mas Lutero e Catarina, como todos os casais, tinham também seus
momentos de desavença e discussões, como foi registrado por um de seus
comensais:
“Se posso agüentar a ira do diabo, do pecado e da consciência,
também agüento uma ira da Catarina von Bora. Com
reclamações ninguém há de conseguir alguma coisa junto a
mim.”
Foi o que disse quando, certa vez, havia brigado com sua
mulher por causa de uma coisa de nada.
38
36
Idem, Volume II. Páginas 227, 228.
37
DREHER, Martin Norberto. Reflexões em torno de Lutero, volume III, página 21.
38
LUTERO, Martinho. WA TR 1,255.
34
Referia-se jocosamente a sua mulher como a “minha costela”, e ela o
chamava com freqüência de “meu senhor”. Às vezes ele usava o diminutivo
Katie e o mudava em alemão por Kette, que significa “cadeia”.
Através desta colocação e de tantas outras Lutero demonstrou ser
um tanto chistoso.
Charles Brenner afirma:
Uma vez que o chiste é primordialmente um fenômeno verbal,
percebe-se amiúde, na análise dos chistes, as maneiras em
que as palavras podem ser empregadas no pensamento de
processo primário... Podemos afirmar que uma atividade como
a do chiste representa para ambos, autor e auditório, a
reformulação parcial e temporária do processo primário como a
forma predominante de pensamento, ou, em outras palavras,
uma regressão parcial e temporária do ego. No caso do chiste,
é o próprio ego que inicia a regressão, ou pelo menos o
encoraja... Podemos dizer que o autor de uma piada, por meio
de uma regressão parcial, exprime uma idéia de acordo com o
processo primário.
39
I.I.9. Filhos:
Ele teve seis filhos: Hans, 7 de junho de 1526; Elizabeth, 10 de
dezembro de 1527; Madalena, 17 de dezembro de 1529; Martin, 09 de
novembro de 1531; Paulo, 28 de janeiro de 1533; e Margarida, 17 de dezembro
de 1534. Hans se tornou um advogado que conseguiu um posto no governo.
Martin estudava Teologia, mas era demasiadamente frágil para entrar no
ministério e morreu aos 39 anos de idade. Paulo se formou médico e chegou a
ser médico de Joaquim II de Branderburgo. Margarida se casou com um nobre.
Elizabeth morreu quando tinha 1 ano de idade. Madalena, que era muito
formosa, morreu aos 14 anos de idade.
Segundo citação de Gottfried Fitzer, ele escreveu a Justus Jonas,
seu colaborador e amigo de muitos anos, no dia 23 de setembro de 1542, três
dias após a morte da filha:
Creio que já terás ouvido falar da ressurreição de minha
querida filha Madalena no eterno Reino de Cristo. Ainda que eu
e minha mulher nada mais devêssemos fazer senão agradecer
e estar alegres por causa de um pensamento tão feliz para a
salvação, e através do qual ela escapou ao poder da carne, do
mundo, dos turcos e do diabo, tão intensa é a força do amor
39
BRENNER, Charles. Noções básicas de Psicanálise, páginas 154 e 155.
35
paterno que não podemos evitar as lágrimas do fundo do
coração e um grande sofrimento. Dentro de nossos corações,
gravou-se indelevelmente cada traço, cada palavra, cada gesto
dessa filhinha cheia de vivacidade e moribunda, obediente e
respeitadora, e nem a morte de Cristo, a que nenhuma outra
morte deve ser comparada, pode expulsar como devia todo luto
e tristeza. Agradece tu a Deus em nosso lugar... queira Deus
que eu e nós todos possamos alcançar morte idêntica, sim, e
idêntica vida; é só, o que peço a Deus, o Pai de toda
consolação e de toda misericórdia. Nele permanecei vós
todos.
40
Nestas palavras dirigidas ao amigo, verifica-se que Martinho Lutero
estava em processo de elaboração do luto pelo passamento de sua filha, e ele
expressa a dificuldade enfrentada no momento para fazer este luto. Mas ele
não nega o sofrimento. Ele o encara de frente, de uma maneira saudável, o
que lhe propicia a capacidade para superar o momento doloroso.
Segundo Sigmund Freud: “O luto ocorre sob a influência do teste de
realidade, pois a segunda função exige categoricamente da pessoa desolada
que ela própria deva separar-se do objeto, visto que ele não mais existe.”
41
Falando da educação recebida de seus pais e na escola, Lutero
mencionou a profunda severidade. Uma peraltice, uma brincadeira infantil, uma
falta na lição escolar eram punidas como se fossem atos de maldade.
Funck-Brentano fala, analisando as Conversas à Mesa, qual a
impressão que ficou gravada na mente de Lutero a respeito desta educação:
Contudo o futuro reformador não falará nunca de seus pais
senão com sentimentos de afeição e reconhecimento. “Eles
sempre quiseram meu bem, suas intenções a meu respeito
foram sempre boas; vinham do fundo de seus corações.
42
Por mais que ele conscientemente reconhecesse as boas intenções
de seus pais em corrigi-lo, no seu inconsciente ficaram registrados traumas
desta educação. Ele mesmo disse, mais tarde, que não se deve aplicar todo
este rigor na criação dos filhos. E o que se pode observar são suas referências
muito carinhosas aos filhos, em especial esta a acima citada.
Lutero mostrou ser um pai exemplar. Ao lado do cuidado espiritual,
há três quadros que mostram que ele era um pai muito presente, com
40
LUTERO, Martinho, WA, Cartas, Volume XI, página 452.
41
FREUD, Sigmund. Das Obras Completas, Volume XX. Página 197.
42
FUNK-BRENTANO. Martin Lutero. Página 18.
36
momentos muito felizes vividos em família. Um deles mostra o reformador
rodeado de seus amigos e de seus filhos, entoando canções ao som da
música, que ele conhecia muito bem. Outro reproduz uma cena pitoresca de
verão: Lutero, no seu pomar, estendendo os braços aos seus filhos; Catarina,
ao lado, segurando o menorzinho, e todos têm nas mãos cachos de uvas. É
uma reprodução dos Tischereden, Propos de Table, Table-Talk ou Conversas à
Mesa.
O terceiro quadro retrata uma cena de inverno que se passa no
Natal. Lutero e Catarina na sala, com os meninos em torno da árvore de Natal.
No chão, brinquedos espalhados. Numa mesa a tia Madalena mostra aos
pequeninos, concentrados, as figuras de um livro.
Vicente Themudo Lessa descreve no seu livro que:
Lutero não só brincava com os filhinhos, na expansão
característica de seu gênio, como escrevia-lhes cartas quando
em viagem, modelos de graça e simplicidade, como aquela
carta de Coburgo a seu primogênito Hans que vem reproduzida
em vários autores. Trata-o às vezes de doutor. Interessantes
são também as cartas a Catarina, nas quais se lhe dirige em
termos carinhosos e honoríficos ao mesmo tempo.
43
Ainda falando sobre a educação dos filhos, Roland Herbert Bainton
relata a respeito de um registro das Conversas à Mesa n° 6102:
Em uma oportunidade Lutero se recusou a perdoar a seu filho
durante três dias, ainda que o menino rogasse o seu perdão e
Kate e outros intercedessem. O problema residia em que o
menino, ao desobedecer ao pai, havia ofendido a majestade de
Deus.
44
Esta atitude de Lutero confirma o que a Psicanálise diz, que o filho é
uma projeção de seus pais. Não é possível deixar de lado a herança recebida.
Ainda que Lutero quisesse em alguns momentos mostrar ser um pai diferente
do seu, em outros momentos aflorava o seu pai Hans Luther internalizado.
43
LESSA, Vicente Themudo. Lutero. Páginas 222,223.
44
BAINTON, Roland Herbert. Lutero. Página 336.
37
I.I.10. Vícios:
Lutero foi acusado por um dominicano, chamado Denifle, de ter sido
um ébrio, um beberrão. Sabe-se que Lutero não era abstinente, apreciava bons
vinhos e gostava também de tomar cerveja. Ele disse certa vez:
“Simplesmente, eu ensinava, pregava, escrevia a Palavra de
Deus; não fazia outra coisa. E logo, quando dormia ou bebia
cerveja em Wittemberg, com meu Felipe ou meu Armsdorf, a
Palavra debilitava o Pontificado, tão acusadoramente, que
nunca nenhum príncipe ou imperador lhe infligiu tanto dano. Eu
não fazia nada. A Palavra fez tudo”.
45
Se Lutero tivesse se entregado à bebida, teria sido impraticável ele
desenvolver sua força criadora. Lutero escrevia e escreveu muito, em uma
velocidade desenfreada. Escreveu quase uma centena de grandes volumes,
contendo cada um várias obras importantes. Ele escrevia em média 1 livro a
cada 15 dias. Toda a sua obra aconteceu a partir dos 40 anos de idade.
Outro defeito que seus biógrafos mencionam se refere a sua maneira
de falar, de se expressar, conforme escreve Themudo Lessa (1960):
“Habituado a controvérsias e discussões em toda a sua vida,
nem sempre se sabia moderar nas expressões, quer
escrevendo, quer falando. Do mesmo modo, nas suas cartas e
na conversação habitual, saturada de humorismo. Ofendia os
adversários e escandalizava os amigos. Por vezes tornava-se
até inconveniente e, à luz moderna principalmente, parece fora
de compostura em tais ocasiões. Suas expressões rudes não
causam boa impressão”.
46
Explicam-se estas ofensas verbais e escritas, pois era freqüente, na
sociedade em que vivia Lutero, o uso de termos grosseiros, no ataque aos
adversários. Do ponto de vista da psicanálise, o filho reproduz muito do
comportamento dos pais. Se Lutero foi criado por um pai rude, que utilizava um
vocabulário rude e grosseiro, provavelmente isto o influenciou na formação de
sua personalidade. Já foram citadas algumas de suas frases.
45
RUPP, Gordon Luther’s Progress to the Diet of Worms, pág. 99.
46
LESSA, Vicente Themudo. Lutero. Pág. 219.
38
II. Erik Homburger Erikson
I.II.1. Vida
Erik Erikson nasceu na Alemanha, na cidade de Frankfurt, no ano de
1902. Ele foi criado por sua mãe, judia de descendência dinamarquesa, e seu
padrasto, um médico pediatra judeu. Seu pai, um biólogo dinamarquês,
abandonou a sua mãe antes de ele nascer. Ele não foi aceito como sendo
plenamente judeu pela sua aparência: alto, loiro e de olhos azuis, traços
herdados de seus pais dinamarqueses. Esses antecedentes contribuíram para
seu próprio interesse pela identidade, conforme ele salientou mais tarde.
Na sua juventude estudou arte e andou por toda a Europa tentando
se tornar um artista. Aceitando a sugestão de um amigo, ensinou artes a filhos
de pacientes de Sigmund Freud. Através de sua futura esposa, Joan Serson,
que estava estudando psicanálise, foi introduzido a este estudo. Ele estudou
psicanálise no Instituto Psicanalítico de Viena, formando-se em 1933. Erikson
fez análise com Anna Freud, filha de Freud. Em 1933, por causa do anti-
semitismo, Erikson e sua esposa saíram da Alemanha e foram para a
Dinamarca, passando ali algum tempo, para depois emigrarem aos Estados
Unidos. Nesse período, para marcar a mudança de identidade, adotou o
sobrenome de Erikson.
Embora sem possuir um título universitário, Erikson tornou-se
analista de crianças e deu aulas em Harvard. Tornou-se membro da Clínica
Psicológica de Harvard e criou o Teste de produção dramática. Além de seus
estudos clínicos e no campo do desenvolvimento, sua ligação com
antropólogos permitiu-lhe observar duas culturas indígenas americanas: os
Sioux, em Dakota do Sul, e os Yurok, uma tribo de pescadores da Califórnia.
Com a infiltração de comunistas nas universidades, os professores
universitários foram chamados a assinar um termo de lealdade, além do
juramento de praxe, pelo qual prometiam respeitar as constituições nacional e
estadual. Erikson e muitos outros professores se recusaram a assinar e foram
demitidos, porém esta demissão foi anulada judicialmente.
Cloninger escreve em seu livro:
39
Embora se considerasse um freudiano, Erikson propôs várias
inovações teóricas que enfatizavam o ego e os fatores sociais
e afirmou, sobretudo, que o desenvolvimento do ego prossegue
durante toda a vida. Aos 80 anos, ele e a mulher ainda
continuavam ativos, entrevistando um grupo de idosos
californianos para aprender mais sobre essa última fase da
vida. Erikson morreu numa clínica para idosos de
Massachusetts em 12 de maio de 1994, aos 91 anos.
47
Embora Erikson não tivesse formação médica nem qualquer diploma
universitário, somente um certificado de educação montessoriana, sua
contribuição para a psicologia foi fornecer um modelo da personalidade que
abrange toda a vida. Os princípios fundamentais do sistema Montessori são: a
atividade, a individualidade e a liberdade. Enfatizando os aspectos biológicos,
considerava o que a vida é desenvolvimento, e a função da educação é
favorecer esse desenvolvimento. Os estímulos externos formariam o espírito
da criança, precisando, portanto, ser determinados. Assim, na sala de aula, a
criança era livre para agir sobre os objetos sujeitos a sua ação, mas estes já
estavam preestabelecidos, como os conjuntos de jogos e outros materiais que
desenvolveu.
Erikson exerceu influência com a sua teoria nos campos da psico-
história e da psicobiografia. Para se fazer esta psicobiografia, é necessário um
autoconhecimento por intermédio de um tratamento psicanalítico. Em 1958 ele
escreveu Young Man Luther.
Ajudou a psico-história a superar o estágio de simples
documentação do impacto de pessoas importantes na história
para reconhecer as influências recíprocas entre as forças
psicológicas e históricas. Propunha que os conflitos das
pessoas estudadas pela psicobiografia não eram apenas
conflitos individuais, mas representavam os conflitos da
sociedade em que elas viviam. Dessa forma o estudo de
indivíduos pode colaborar para a compreensão da história.
Pelo fato de sua teoria abranger a vida desde o nascimento até
a morte, os conceitos de Erikson podem lançar luz sobre a
biografia ao longo da vida. Essa abordagem foi considerada
particularmente valiosa para o estudo do envelhecimento. Na
adolescência e no começo da vida adulta o desenvolvimento
pode, pelo menos algumas vezes, ser saudável e normal
apesar dos sofrimentos ocasionados pela guerra, de acordo
com a análise de cartas de uma jovem ao seu professor.
48
47
CLONINGER, Susan C. Teorias da Personalidade, pág. 146.
48
CLONINGER, Susan C. Teorias da Personalidade, pág. 146, 149.
40
Além dessa obra, ele escreveu breves análises de George Bernard
Shaw (1968), Hitler e Gorki (1963) e Gandhi (1969). Esta última lhe rendeu o
Prêmio Pulitzer e o National Book Award.
Para que se possa ter uma compreensão maior e melhor da sua obra
sobre a vida de Martinho Lutero, é necessário ter uma noção das formulações
teóricas de Erikson.
I.II.2. Desenvolvimento Psicossocial.
Cada ser humano tem o seu desenvolvimento dentro de uma
determinada sociedade, por intermédio da educação recebida e suas
instituições sociais, em criança, e esta sociedade exerce uma intensa influência
sobre a maneira como este ser humano resolverá os seus conflitos.
Um dos avanços da teoria freudiana, que foi da maior importância no
século XX para o estudo da personalidade humana, foi o foco no ego. Freud
dizia que o ego aparece muitas vezes para satisfazer aos desejos do id. Anna
Freud, dando continuidade aos estudos do pai, atribuiu ao ego uma maior
autonomia, com um poder maior de decisão e atuação. Ela expandiu os
mecanismos de defesa de sete para dez, atribuindo a eles um caráter menos
patológico do que seu pai o fizera. Com sua teoria, Anna Freud transformou os
estágios psicossexuais em estágios de busca de domínio do ego, dando base
para os estudos de Erik Erikson. Esta fase na Psicanálise ficou conhecida
como época da “Psicologia do Ego”, onde se diminuía a ênfase no
inconsciente. (Hall et al., 2000).
Conforme Cloninger apresenta no seu livro (2003), a teoria de
Erikson tem decorrências em muitas questões teóricas fundamentais:
Diferenças individuais: as pessoas são diferentes quanto às forças
do seu ego. As personalidades apresentadas por homens e mulheres são
diferentes por causa das diferenças biológicas.
Adaptação e ajustamento: se alguém quer ter uma boa saúde
mental, um ego forte é a chave. Isto significa que a pessoa conseguiu uma boa
resolução das oito fases do desenvolvimento do ego, com predominância das
forças positivas em relação às forças negativas (confiança sobre
desconfiança).
41
Processos cognitivos: Como Freud, ele também fala que o
inconsciente é uma força importante na personalidade. A experiência é
influenciada por modalidades biológicas que se expressam por meio de
símbolos e jogos.
Sociedade: a sociedade dá a forma com que o indivíduo se
desenvolve. Daí o termo “desenvolvimento psicossocial”. As instituições
culturais dão sustentação às forças do ego (a religião dá sustentação à
confiança e à esperança).
Influências biológicas: o biológico determina a personalidade.
Desenvolvimento da criança: as crianças se desenvolvem no
decorrer de quatro fases psicossociais, e cada uma delas contem uma crise
que é muito importante para desenvolver uma força específica do ego.
Desenvolvimento do adulto: Os adolescentes e os adultos também
vão se desenvolver ao longo de quatro fases psicossociais. Passando por uma
crise que ajudará a desenvolver a força específica do ego.
I.II.2.1. O Ciclo Vital: Epigênese da Identidade.
Segundo o que Erikson fala, “o princípio epigênico afirma que tudo o
que cresce tem um plano básico e é a partir desse plano básico que se erguem
as partes ou peças componentes, tendo cada uma delas o seu tempo de
ascensão especial, até que todas tenham sido levantadas para formar então
um todo em funcionamento”.
49
I.II.2.2. Oito idades do homem
Erikson, olhando para as fases psicossexuais de Sigmund Fred,
reinterpretou-as enfatizando os aspectos sociais de cada uma. Ele estendeu o
conceito de fase ao resto da vida, elaborando uma abordagem do
desenvolvimento que vai da infância à velhice. As quatro primeiras fases
correspondem às fases oral, anal, fálica e latência, de Freud. A fase genital de
Freud abarca as quatro últimas fases de Erikson.
Cada fase envolve uma crise que se centra numa determinada
questão. Uma crise pode ser considerada como uma reviravolta no
49
ERIKSON, Erik H. Identidade, Juventude e Crise. Página 91.
42
desenvolvimento. De cada crise emerge uma força do ego, que corresponde
àquela fase. Essa força vai fazer parte da coleção das aptidões do ego do
indivíduo pelo resto da vida. Cada força se desenvolve em relação a um pólo
antagônico ou negativo. Em um desenvolvimento saudável, a força é maior que
a fraqueza. Essas forças se desenvolvem através dos relacionamentos com
pessoas significativas, começando pela mãe, e vai-se ampliando no decorrer
da vida.
Segundo Cloninger:
Embora cada aptidão do ego tenha o seu período de crise, de
maior crescimento num momento específico da vida, os
desenvolvimentos anteriores preparam o caminho para a força
seguinte, e os desenvolvimentos posteriores podem, até certo
ponto, modificar uma resolução anterior. Por exemplo, tornar-
se avô propicia a muitas pessoas idosas uma segunda
oportunidade de desenvolver a força do ego (generatividade)
que tem seu foco de desenvolvimento básico no estágio
anterior. Na teoria de Erikson, cada uma dessas fases deve ser
considerada não apenas do ponto de vista do indivíduo, mas
também numa perspectiva social. A identidade de um
adolescente desenvolve-se em relação aos ideais e valores da
geração anterior. Em cada fase as pessoas significativas, como
membros da sociedade, estão intimamente envolvidas. O
desenvolvimento do bebê implica não apenas as suas
necessidades, mas também a necessidade complementar da
mãe de dar provisão. Há quem considere que a teoria de
Erikson fornece um fundamento lógico para programas que
estimulem os contatos intergeracionais
.
50
Primeira Fase: Confiança X Desconfiança
A primeira demonstração de confiança social da criança está
relacionada com três necessidades básicas: a prontidão com que ela é
alimentada, a profundidade do seu sono e a relaxação de seus intestinos. As
circunstâncias de aconchego e as pessoas a elas associadas são tão familiares
como o mal-estar intestinal. A sua primeira realização social está em sua
espontânea disposição em deixar a mãe, sem ansiedade ou raiva, por ela se
ter convertido em uma realidade, uma certeza interior. O estado geral de
confiança alude não só a que um sujeito aprendeu a confiar na uniformidade e
continuidade dos provedores externos, ou seja, ele pode ter certeza de que
suas necessidades sempre serão satisfeitas, mas também o mais importante,
50
CLONINGER, Susan C. Teorias da Personalidade, páginas 151, 153.
43
que pode confiar em si mesmo e na capacidade de seus órgãos, para enfrentar
seus desejos urgentes, e que é capaz de se considerar digno de confiança,
para que os provedores não precisem ficar em guarda, com medo de levar uma
mordida, pois esta fase corresponde à fase freudiana, cuja zona erógena é a
boca.
Segundo Erik Erikson fala:
A psicanálise supõe que o processo de diferenciação na
primeira fase da vida infantil entre o interno e o externo é a
origem da projeção e da introjeção, que permanecem como
dois de nossos mais profundos e perigosos mecanismos de
defesa. Na introjeção, sentimos e atuamos como se uma
bondade exterior se tivesse transformado em uma certeza
interior. Na projeção, experimentamos um dano interno como
externo: atribuímos às pessoas significativas um mal que na
realidade existe em nós. Na idade adulta, esses mecanismos
se restabelecem mais ou menos naturalmente nas crises
agudas de amor, de confiança e de fé, e podem caracterizar
atitudes irracionais para com os adversários e os inimigos no
conjunto dos indivíduos “maduros”.
51
A instituição de padrões duráveis para a solução de conflitos consiste
na primeira tarefa do ego, e a mãe tem um papel fundamental neste momento.
As progenitoras criam em seus filhos um sentimento de confiança através do
tipo de tratamento que deve contar com um cuidado sensível das necessidades
da criança e um sentimento de fidedignidade pessoal. Isso cria na criança o
alicerce para um sentimento de identidade que mais tarde lhe propiciará ser ela
mesma, ser aceitável, e de se converter no que os demais confiam que
chegará a ser.
Os pais, mais precisamente a mãe, propiciam o desenvolvimento da
desconfiança básica nesta fase, a partir do momento em que o bebê não
encontra respostas para as suas necessidades no mundo. É inevitável alguma
desconfiança, já que a forma como os pais oferecem o provento não é tão
perfeita como o cordão umbilical. Torna-se até necessária uma dose de
desconfiança básica para a futura adaptação do bebê, pois nem sempre é
confiável o mundo que o indivíduo encontrará quando crescer, e é
indispensável a capacidade de desconfiar para um ajustamento realista.
51
ERIKSON, Erik H. Infância e Sociedade. Páginas 228 e 229.
44
Erikson vai dizer que cada etapa e crise têm uma relação com um
dos elementos básicos da sociedade. O elemento básico da sociedade com o
qual esta fase se relaciona é a religião como instituição. Ele diz:
Todas as religiões têm em comum uma periódica rendição
infantil ao provedor ou provedores que dispensam felicidade
terrena assim como saúde espiritual; alguma demonstração da
pequenez do homem através de uma atitude submissa e
gestos humildes; a confissão na prece e no cântico, de más
ações, maus pensamentos e más intenções; uma fervorosa
súplica de unificação interna, mercê da orientação divina; e,
finalmente, a compreensão de que a confiança individual deve
se tornar uma fé comum, a desconfiança individual, um pecado
publicamente formulado, enquanto a regeneração do indivíduo
deve ser parte da prática ritual de muitos e uma manifestação
de fidelidade à comunidade.
52
Este aspecto da vida comunitária e psicossocial da religião e sua
relação paradoxal com a espiritualidade será tratado de uma maneira mais
abrangente no segundo capítulo deste trabalho, quando será analisado o livro
Young Man Luther” do Erikson.
2ª Fase: Autonomia X vergonha, dúvida
Durante o segundo estágio de vida, que no esquema freudiano, é
chamado de fase anal, porque a zona erógena se localiza no ânus, a criança
vai descobrir que há obrigações, direitos e obstáculos que são estabelecidos
para ela. A busca empreendida pela criança de experiências novas e mais
orientada para atividade produz para ela uma dupla exigência: a necessidade
de autocontrole e a necessidade de aceitação de controle que será exercido
por outros no seu meio ambiente. Esse período inclui o treinamento para o
asseio, o controle dos esfíncteres. Os adultos relacionados com a criança
usarão a aptidão humana, comum e imperiosa à vergonha para dominar a
obstinação infantil. Também incentivarão a criança a desenvolver o seu senso
de autonomia, e ir se tornando mais independente. Este é o estágio que
promove a liberdade de auto-expressão e a afeição. A criança fica orgulhosa e
entusiasmada por conseguir o auto-controle, porém quando acontece a perda
deste autocontrole, isto causa na criança um sentimento de vergonha e dúvida.
52
ERIKSON, Erik H. Infância e Sociedade. Página 230.
45
Segundo o que Calvin Hall coloca sobre esta fase:
O valor da vontade aparece durante este segundo estágio de
vida. As duas origens a partir das quais esse valor se
desenvolve são a obstinação disciplinada e o exemplo de
vontade superior apresentado pelos outros. A criança aprende
consigo mesma e com os outros o que é esperado e o que é
esperável. A vontade é a responsável pela aceitação gradual,
por parte da criança, da lei e da necessidade. Os elementos da
vontade aumentam gradualmente através das experiências que
envolvem a percepção, a atenção, a manipulação, a
verbalização, a locomoção. A vontade é a força crescente para
fazer escolhas livres, decidir, exercitar o autodomínio e
adaptar-se.
53
Se a vulnerabilidade da criança não apresentar um fulcro, produzir-
se-á um senso de vergonha e de dúvida. Esta etapa passa a ser decisiva para
a proporção de amor e ódio, cooperação e voluntariedade, liberdade de auto-
expressão e seu cerceamento.
Erikson chama a ritualização deste estágio de criteriosa, pois a
criança principia a julgar-se e aos outros e a diferenciar entre o certo e o
errado. A criança aprende a distinguir entre o “nosso jeito” e o dos outros
julgados como diferentes.
Terceira Fase: Iniciativa X Culpa
O terceiro estágio psicossocial de vida corresponde à fase fálica do
desenvolvimento psicossexual de Freud, de 3 a 5 anos. Existe em toda criança,
em cada etapa que ela passa, um desenvolvimento pujante que constitui uma
nova esperança e uma nova responsabilidade para todos. Esse é o significado
e a qualidade inerente da iniciativa. A iniciativa soma, à autonomia da fase
anterior, a capacidade de explorar, de delinear e de atacar uma tarefa pelo
gosto de estar atuando e de estar em movimento.
Conforme descreve Erikson:
O perigo dessa etapa é um sentimento de culpa relacionado
com os objetivos visados e os atos iniciados no próprio gozo
exuberante do novo poder locomotor e mental: atos de
manipulação e coação agressivas que logo ultrapassam a
capacidade executiva do organismo e da mente e, portanto,
obrigam a uma contenção enérgica da iniciativa planejada.
53
HALL, Calvin Springer. Teorias da Personalidade. Página 69.
46
Esta é, então, a etapa do “complexo de castração”, o temor
intensificado de perceber os genitais, agora fortemente
erotizados, danificados como castigo pelas fantasias
associadas com sua excitação.
54
Nesta fase a criança pode desenvolver gradativamente um senso de
responsabilidade moral, quando pode adquirir certa compreensão das
instituições, funções e papéis que permitem sua participação responsável. A
atividade infantil deste período é brincar, e a intenção resulta do jogo, da
exploração, das tentativas e erros e da experimentação com o brinquedo. E
num mundo do faz-de-conta assume o papel de pais e de outros adultos. Neste
processo de imitação ela percebe até certo ponto como é ser um adulto. Este
brinquedo imaginativo é de vital importância para o desenvolvimento da
criança.
Quarta Fase: Produtividade X Inferioridade
A fase freudiana correspondente é a fálica, que vai dos 5-6 anos aos
11-12 anos. O cenário interior parece estar preparado para a entrada na vida
que deve começar na escola. A criança deve esquecer as expectativas e
anseios do passado, ao mesmo tempo que se disciplina e se subordina para
aprender as matérias escolares. Antes que a criança, que já é
psicologicamente um genitor embrionário, possa se transformar em um genitor
biológico, deve ser um trabalhador e um provedor potencial. Nesta fase a
criança recebe instrução sistemática.
O perigo para a criança nesta fase está no sentimento de
inadequação e inferioridade, quando é incapaz de dominar a tarefa que
empreende ou que lhe é atribuída pelos professores ou pelos pais.
Conforme o que escreve Hall, nesta fase a criança:
Necessita agora de instruções específicas sobre os métodos
fundamentais para acostumar-se com um modo técnico de
vida. Está pronta e desejosa de aprender sobre o uso de
ferramentas, máquinas e métodos preparatórios para o
trabalho adulto. Tão logo tenha desenvolvido a inteligência e a
capacidade suficientes para trabalhar, é importante dedicar-se
a seu trabalho para evitar sentimentos de inferioridade e a
regressão do ego. Trabalho, neste sentido, inclui muitas e
variadas formas, tais como freqüentar a escola, fazer serviços
54
ERIKSON, Erik H. Infância e Sociedade. Página 235, 236.
47
domésticos leves em casa, assumir responsabilidades, estudar
música, aprender habilidades manuais, bem como participar de
jogos e esportes que exijam destreza. O importante é que a
criança deve aplicar sua inteligência e energia abundantes em
algum empreendimento e direção.
55
Quinta Fase: Identidade X Confusão de Identidade
Este é o período que corresponde à fase genital do desenvolvimento
segundo Freud. Com uma boa relação com as habilidades e as ferramentas e
com o advento da puberdade, a infância propriamente dita chega ao seu fim.
Os jovens em rápido desenvolvimento, ante a revolução da adolescência e com
tarefas adultas, todavia inalcançáveis, se preocupam agora antes de tudo com
sua identidade psicossocial e por fazer com que seus rudimentares talentos e
habilidades anteriormente desenvolvidas com os protótipos ocupacionais do
momento.
A integração de uma identidade é mais que a soma das
identificações da criança. É a confiança intensificada em que a identidade
interna e a continuidade alcançada através dos anos passados de
desenvolvimento correm paralelas à identidade e à continuidade do significado
deles para com os demais, como se manifesta na tangível promessa de certas
carreiras e estilos de vida.
Conforme fala Erikson:
Bem conhecida é a impulsividade não só regressiva e, não
obstante, poderosa do adolescente, que alterna com uma
contenção compulsiva. Não obstante, em tudo isto pode
detectar-se uma busca ideológica de uma coerência interna e
um perdurável conjunto de valores. A força particular buscada
na fidelidade; quer dizer, a oportunidade de cumprir certas
potencialidades pessoais (incluindo a vitalidade erótica ou sua
sublimação) em um marco que permita ao jovem ser fiel a si
mesmo e ser fiel a outros que lhe são significativos. “Enamorar-
se” também pode ser um intento de chegar a uma
autodefinição, vendo-se refletido a si mesmo, novamente, em
outro idealizado assim como erotizado.
56
Este é um tempo na vida do adolescente no qual ele deseja uma
definição: saber o que é no presente e no que quer se tornar no futuro. O
agente elaborador da formação da identidade é o ego, em seus aspectos
55
HALL, Calvin Springer. Teorias da Personalidade. Página 71.
56
ERIKSON, Erik H. Un modo de ver las cosas. Página 541.
48
conscientes e inconscientes. É uma das funções egóicas escolher e associar
talentos, capacidades e aptidões com pessoas de igual mentalidade e
ajustadas ao meio social. O adolescente procura seus pares para
relacionamentos. Possui também a capacidade de manter suas defesas
contras as ameaças e a ansiedade, à medida que aprende a decidir quais os
impulsos, as necessidades e os papéis mais apropriados. Todas estas
características, que são escolhidas, agrupadas e agregadas pelo ego, formam
a identidade psicossocial.
A crise de identidade ocorre quando não se consegue alcançar uma
identidade coesa. Este estado pode provocar sentimentos de retraimento, de
vazio, de ansiedade e de hesitação. O adolescente sente que tem de tomar
decisões, mas é incapaz de fazê-lo. Sente que a sociedade o instiga a tomar
decisões e por isto, se sente mais resistente ainda em relação a elas,
mostrando-se inibido e constrangido.
Dentro desta confusão de identidade, o adolescente pode sentir que
está regredindo, ao invés de avançar. De fato, um recuo recorrente à
puerilidade pode ser uma alternativa agradável diante do complicado
envolvimento que se espera dele em uma sociedade adulta.
E conforme ainda relata Cloninger:
As famílias podem facilitar a resolução da identidade ao
permitir uma combinação apropriada de autonomia e
vinculação. A sociedade pode ajudar na resolução dessa fase
fornecendo uma moratória, um período em que o adolescente
tem a liberdade de explorar vários caminhos possíveis para os
papéis adultos sem as obrigações que virão com a entrada na
idade adulta. Em termos simples, a oportunidade de estudar
vários campos de conhecimento e até mesmo de mudar de
área de interesse principal na faculdade, antes de assumir
responsabilidades profissionais, constitui uma moratória.
Erikson sublinhava a importância da exploração, temendo que
a assunção demasiado precoce de uma identidade poderia
levar a uma opção medíocre. Além disso, não haveria a
oportunidade de desenvolver a força do ego dessa fase: a
fidelidade, que ele definia como a “capacidade de manter
lealdades livremente empenhadas a despeito das contradições
inevitáveis dos sistemas de valores”.
57
57
CLONINGER, Susan C. Teorias da Personalidade, páginas 155, 156.
49
Sexta Fase: Intimidade X Isolamento
Esta é a primeira das três fases adultas: a crise entre a intimidade e
o isolamento. A identidade firmada permite o autoabandono exigido por aflições
íntimas, por enlevadas uniões sexuais ou por encontros inspiradores. O jovem
adulto está habilitado para a intimidade e a solidariedade, quer dizer, pode
assumir compromisso em afiliações e sociedades ainda quando estas
demandem consideráveis sacrifícios e compromissos. A força ética aparece
como uma nova distinção da convicção ideológica e um sentido da obrigação
moral.
Chega-se nesta etapa, pela primeira vez, à maturidade genital.
Quando perguntaram a Freud quais eram as normas para declarar madura
uma pessoa, esperava-se que ele desse uma resposta complexa e longa a
esta pergunta, mas ele respondeu: “O amor e o trabalho”.
Só ao chegar a esta etapa, as diferenças biológicas entre os
sexos dão por resultado uma completa polarização dentro de
um estilo de vida conjunto. As forças antes estabelecidas têm
ajudado aos sexos a convergir em capacidades e valores que
fomentam a comunicação e a cooperação, enquanto a
divergência é, agora, a essência mesma da vida amorosa e da
procriação. Por isto os sexos ficam semelhantes na
consciência, linguagem e ética, para ser então, maduramente
distintos.
58
O perigo desta etapa é o isolamento, a evitação, a recusa de buscar
contatos que possam conduzir a uma intimidade. Um sentido provisório de
isolamento é também uma condição necessária para fazer escolhas, mas este
isolamento não pode persistir por muito tempo, senão ocorrerão sérios
problemas de personalidade.
Sétima Fase: Produtividade X Estagnação
Este termo abrande o desenvolvimento evolucionário que fez do
homem o animal que ensina que institui, assim como o que aprende. A
independência e a maturidade são recíprocas. Essa comunicação de valores
sociais é um imperativo para o desenvolvimento tanto no seu aspecto
psicossexual quanto no psicossocial. Quando a produtividade é fraca ou não
58
ERIKSON, Erik H. Un modo de ver las cosas. Página 542, 543.
50
pode ser expressa, a personalidade regride e adquire um senso de
estagnação, de inabilidade de estar totalmente envolvida na tarefa de cuidar
dos outros de forma provedora.
Oitava Fase: Integridade X desesperança
A força nos que vão envelhecendo e às vezes nos idosos adota a
forma de uma sabedoria em suas muitas conotações: ingênuos maduros,
conhecimento acrescentado, uma concepção geral e um juízo maduro. A
sabedoria mantém e transmite a integridade da experiência apesar da
decadência das funções físicas e mentais.
51
CAPÍTULO II
DIÁLOGO CRÍTICO COM A TEORIA DE ERIKSON SOBRE
LUTERO
II.1. Circunstância e acontecimento
A literatura sobre Lutero oferece poucos dados seguros sobre a
sua infância e juventude. O seu papel histórico e, sobretudo, a
sua personalidade, permanecem em ambigüidade. Lutero foi
tão excomungado quanto santificado. Pequenas informações
de estudiosos sérios e honestos, os quais gastaram boa parte
de suas vidas, senão toda a vida, na reconstrução dos dados
escassos disponíveis somente para criar todas as vezes que
procuravam definir Lutero dentro de uma fórmula, um super-
homem ou um robô sobre-humano, um homem que nunca
pôde respirar ou mover-se e muito menos falar como Lutero.
Posso esperar fazer melhor escrevendo este livro?
Kierkegaard, o único que poderia julgar Lutero com a
objetividade de um homem religioso por natureza, fez uma vez
uma observação na qual é apontado o problema que eu senti
de poder abordar com os meios a minha disposição. No seu
diário, ele escreve: “Lutero... é um paciente de extraordinário
interesse para o cristianismo (en for Christenheden yderst vigtig
Patient).
59
60
Por mais que Martinho Lutero falasse a respeito dos seus arroubos,
dos seus exageros, tudo aquilo que ele falava se deve ao lugar de onde ele
veio, Eisleben, onde os mineiros eram conhecidos pelos exageros cometidos.
Como foi criado neste lugar, seria muito difícil ele não reproduzir os costumes
de seu povo, ainda mais sendo seu pai um mineiro. Mas, apesar de tudo isto,
não se pode desconsiderar as suas Conversas de Mesa, compilações de tudo
aquilo que ele falava aos seus comensais. Nestas confabulações com
estudantes e amigos, ele falou muito a respeito de sua família, sua infância,
sua vida nas escolas e sua vida no mosteiro Agostiniano. A excomunhão de
Lutero começou a partir do momento em que ele rompeu com Roma. Pode-se
59
“Soren Kierkegaard efterladte Papirer”, aos cuidados de P.A. Heiberg, Copenhagen 1926,
IX, 75. Cf. Eduard Geismar, Wie urteilte Kierkegaard ueber Luther? In Luther-Jahrbuch, X,
1928, p. 18.
60
ERIKSON, Erik H. Il Giovane Lutero. Página, 23.
52
ver uma gana para desmoralizá-lo que começou com Cochlaeus e indo até
Denifle, assim como também há muitos pesquisadores sérios, sem paixão, que
procuraram mostrar a sua vida, com detalhes, tomando o cuidado de não a
desmerecer, como: Heiko Oberman, Lucien Febvre, Gerhard Ebeling, Bernhard
Lohse, Martin Brecht e um grande historiador brasileiro, Martin Dreher, entre
tantos outros.
Ao citar esta afirmação fora do contexto, não quero dizer que
Kierkegaard tinha a intenção de chamar Lutero de paciente no
sentido de caso clínico; ao contrário, ele vê em Lutero uma
postura religiosa (paciência) exemplificada em um arquétipo
influente. Ao entender que esta observação seja uma imitação
para este livro, nós não nos restringimos totalmente a nossa
perspectiva a uma dimensão clínica; ao contrário, estendemos
esta prospectiva a fim de incluir um estilo de vida informando a
paciência acordada (combinada) como sofrimento auto-
imposto, como uma necessidade profunda de cuidado e,
segundo Kierkegaard, como paixão pela expressão e pela
descrição do próprio sofrimento. Kierkegaard pretendia que
Lutero estimulasse muitos outros com este aspecto subjetivo,
“paciente” da vida e que, mais tarde, não resultasse na
obtenção de uma “visão influente de doutor (Laegen’s
Overskuelse)”.
61
Mas, segundo De Paula
62
, deve-se também saber que a leitura, por
Kierkegaard, da obra de Lutero não era extensa ou profunda. A maioria de
suas referências são indiretas ou baseadas em coletâneas. Percebe-se na vida
de Lutero, e o próprio Erikson vai deixar isto claro, que ele teve um grande
arquétipo, que chega a substituir a figura paterna: o seu superior e confessor,
Staupitz.
Parece que Lutero ao menos foi, em um dado momento, um
jovem potencialmente, em meio a este perigo, aprisionado por
uma síndrome dos conflitos, cuja representação nós
aprendemos a conhecer e a analisar. Para eles, Lutero
encontrou uma solução espiritual, não sem a oportuna ajuda de
um superior dos agostinianos, que era dotado
terapeuticamente. Tal solução espiritual constituiu o
preenchimento de um vácuo político e psicológico que a
história havia criado em uma extensa parte do cristianismo
ocidental. Esta coincidência é a que, unindo-se à explicação de
talentos pessoais altamente específicos, determina a
“grandeza” histórica. Seguiremos Lutero através da crise de
61
ERIKSON, Erik H. Il Giovane Lutero. Páginas, 23 e 24.
62
DE PAULA, Márcio Gimenes. A Crítica De Kierkegaard À Cristandade: O Indivíduo E A
Comunidade. Página 124.
53
sua juventude e o desabrochar de seus talentos, até a primeira
manifestação de sua originalidade como pensador, até que
tudo surja em suas primeiras lições sobre salmos (1513), de
uma nova teologia, a qual com radical valor inovador não
parece ter sido percebida de início por ele nem por seus
ouvintes.
63
Erikson fala justamente de Johannes Staupitz, que era o seu
incansável confessor. Certa vez Lutero foi alertado por ele que parasse de
confessar, até que tivesse algo realmente relevante a relatar. Mais tarde Lutero
atribuiu muitos de seus discernimentos teológicos a ele. Portanto, Staupitz não
foi uma pessoa que simplesmente passou por sua vida, mas que o influenciou
na sua vida futura. Ele inclusive o orientou para que estudasse os místicos em
cujos escritos encontrou consolo.
A diferença entre o jovem e o velho Lutero é assim nítida, e o
segundo, o eficiente orador, constitui para a maior parte dos
leitores uma imagem exclusiva de Lutero, que chamarei de
“Martinho” quando me referir aos primeiros anos usados
continuamente na literatura, aqueles anos entre os vinte e os
trinta. Chamarei de Lutero quando me referir ao chefe dos
luteranos, atraído pela sua própria história, olhando para traz,
para o próprio passado, nos termos de uma autobiografia
mitológica.
64
Olhando muitos de seus biógrafos, pode-se ver nítida esta diferença
entre o Martinho e o Lutero, segundo a distinção muito bem feita por Erikson.
Realmente existe esta discrepância, principalmente quando se analisa a obra
Conversas de Mesa, compilação de frases que saíram da boca de Lutero, mas
não de sua pena. Estas conversas foram escritas pelos seus admiradores. A
primeira edição de Tischreden foi publicada por Johann Aurifaber.
Erikson coloca em sua obra: “Mas, nos últimos anos, nós, clínicos,
aprendemos que não se pode isolar da história uma história individual,
suspeitando que os historiógrafos, quando procuram separar a lógica do
acontecimento histórico das histórias das vidas que concorrem em tal
acontecimento, deixam em suspenso muitos problemas históricos vitais.”
65
Ou
seja, o personagem histórico tem de ser analisado no seu contexto. A sua
formação depende da sociedade em que ele se encontra inserido. O recorte
63
ERIKSON, Erik H. Il Giovane Lutero. Páginas, 25.
64
ibidem.
65
idem, 25 e 26.
54
pode até ser feito do indivíduo a ser estudado, mas tem de levar em
consideração o seu contexto próximo e remoto.
Clínicos e historiadores têm muito para compreender indo de
um lado para outro entre estes dois tipos de história registrada.
Lutero força uma espécie de atenção a estes estudiosos. Com
o avanço da idade, ele foi pródigo de revelações que podem
impelir um médico a pensar encontrar-se diante de um cliente.
Entretanto, se ele se deixar levar por esta sensação, o médico
rapidamente perceberá que o seu imaginário cliente o havia
enganado: Lutero é de fato um daqueles biografados, um
pouco histrião (cômico, irônico, brincalhão), que pode se valer
alegremente até dos seus sofrimentos neuróticos, dando aos
particulares da memória dele o brilho da ambição, qual o
público cria sua identidade oficial.
66
Por isto a relevância da obra de Erikson, pois se descortina, diante
dos olhos de historiadores e clínicos, uma das personalidades mais ricas para
ser avaliada, admirada e compreendida. Não é desmerecê-lo quando Erikson
se refere aos seus sofrimentos como “neuróticos”, pois, segundo o pensamento
de Freud, o homem é neurótico no sentido de terem acontecido paradas, no
seu desenvolvimento psíquico, que provocam os traumas, as neuroses.
Olhando para a história de vida de Martinho Lutero, nota-se que estes traumas
ocorreram, na sua vida familiar e escolar. “Pretendo levar a sério o título acima
que dei a este livro. Este estudo histórico psicanalítico pretende reavaliar um
momento histórico (neste caso a juventude de um grande reformador) servindo-
se da psicanálise como um instrumento historiográfico.”
67
Os jovens que sofrem de graves distúrbios não são aptos ao
divã: eles querem encarar e quer que você os encare, não
como uma cópia dos seus pais ou com a máscara de um
ajudante profissional, mas como o tipo de indivíduo que um
jovem pode esperar ou perder a esperança de ser.
Encontrando-se de frente a um jovem deste gênero, um
psicanalista pode aprender pela primeira vez o que significa
enfrentar (encarar) o rosto ao invés de um problema; e imagino
que o Doutor Staupitz, diretor espiritual de Martinho Lutero,
compreenderia o que quero dizer.
68
O problema da analisabilidade é abstruso porque depende de muitos
atributos e peculiaridades diferentes do paciente, tanto saudáveis quanto
66
ERIKSON, Erik H. Il Giovane Lutero. Páginas 26.
67
ibidem.
68
idem. Páginas 27.
55
patológicas. Freud bem cedo percebeu que os critérios individuais, por mais
importantes e definidos que sejam, não permitem de forma alguma, uma
presciência perfeita da analisabilidade de um paciente. A totalidade da
personalidade do analisando deve ser levada em consideração, e isto não é
possível após um número estabelecido de entrevistas. Freud dizia que os
pacientes psicóticos por serem narcísicos, não poderiam ser tratados por não
estarem aptos a desenvolver uma neurose transferencial. A terapia
psicanalítica seria indicada para a histeria de angústia, histeria de conversão,
neurose obsessiva e compulsiva, depressões psiconeuróticas e muitas das
neuroses de caráter e das assim chamadas doenças psicossomáticas.
A psicanálise exige que o paciente tenha a capacidade de
desempenhar, de maneira mais ou menos firme e repetida, as funções do ego
que estão em contradição entre si. Por exemplo, para chegar à associação livre
o paciente deve ser capaz de regredir em seu raciocínio, deixar as coisas
surgirem passivamente, abandonar o controle de seus pensamentos e
emoções e renunciar, parcialmente, ao seu teste de realidade.
Percebe-se que Doutor Staupitz, o superior de Martinho no mosteiro
dos Agostinianos, fazia tanto o papel de confessor, quanto de psicanalista,
mesmo sem o saber. Ele foi de grande utilidade na vida do jovem grande
homem, permitindo-lhe colocar para fora, muitas vezes de maneira um tanto
sistemática, como será visto neste trabalho, as suas dificuldades, os seus
conteúdos, e por que não dizer, as suas neuroses em relação às tentações e
pecados.
Um, entre todos os hábitos de raciocínio que o analista
historicamente e autoconscientemente consegue descobrir no
seu próprio trabalho, cobre este livro de significativa
importância. Na sua determinação de abandonar as elevações
teleológicas (doutrina das finalidades), a psicanálise é levada
ao extremo oposto de desenvolver uma espécie de
“origenologia” (estudo das origens), palavra incompreensível de
que não aconselho como correto seu uso geral, com a qual
pretendo me referir àquele hábito de raciocínio que reduz cada
condição humana em uma analogia com uma condição anterior
e em particular com o seu mais remoto, elementar e infantil
antecedente que vem como tese a sua “origem”.
69
69
ERIKSON, Erik H. Il Giovane Lutero. Páginas 28.
56
O que aconteceu na vida do Martinho para que ele se tornasse o
Lutero? Erikson, no decorrer de sua obra, descreve estes fatos primeiros, e
dá, uma explicação psicológica e psicanalítica a respeito dos acontecimentos
mais importantes na vida de Lutero, tais como: a crise no coro, a primeira
missa e a vivência da torre. “A psicanálise tem querido subordinar os estados
sucessivos da vida àqueles da infância. Dedicando-nos exclusivamente ao
estudo de tudo que na vida humana é repetição, regressão e perseverança,
teremos aprendido mais coisas sobre a infância quando adultos, como nunca.”
70
Não podemos deixar inteiramente a história nas mãos de
observadores não-clínicos e de históricos profissionais que,
com freqüência, identificam-se orgulhosamente naqueles
disfarces, naquelas racionalizações e idealizações do processo
histórico do qual deveriam pelo contrário distinguir-se pelos
seus afazeres. Somente no momento em que estiver traçada e
compreendida, a correlação da força histórica com as funções
e as fases básicas da psique, será possível dar início a uma
crítica psicanalítica da sociedade como tal, sem recair no
misticismo ou moralismo filosófico.
71
Um período histórico só pode ser compreendido, se estudado
profundamente. Para isto ele deve ser analisado não apenas dos pontos de
vista histórico, sociológico, econômico, teológico, mas também analisado pela
ótica do psicológico. Esta correlação é importante para se perceber a
abrangência dos fatos. Um personagem histórico, que também foi analisado e
biografado por vários profissionais clínicos, foi Adolf Hitler. Segundo Cloninger
(2003, página 72)
72
“pode-se identificar muitos sintomas na vida de Hitler. Em
várias ocasiões ele teria sofrido de cegueira histérica, insônia e perversões
sexuais”. Outro personagem histórico, e este também biografado por Erikson
foi Mahatma Gandhi. Segundo Cloninger (2003, página 173)
73
“o conceito de
identidade é o conceito básico por meio do qual Erikson, tentou compreender
Gandhi. Erikson interpretou o período de estudos de Gandhi na Inglaterra como
uma moratória psicossocial, uma fase na qual ele pôde explorar sua
identidade”.
70
Ibidem.
71
Idem. Página 30.
72
CLONINGER, Susan.
73
Idem
57
Não confrontarei a dicotomia da psicanálise e da religião com
intenção de combatê-la. Interpretarei, em termos psicológicos,
qualquer fenômeno, a experiência clínica e o pensamento
psicanalítico que aprendi a reconhecer como dependente da
estrutura psíquica demonstrada pelo homem. Esta é a minha
ocupação como clínico e como docente.
74
Nota-se, pela pesquisa que Erikson realizou para escrever esta
extensa biografia sobre Martinho Lutero, que ele até poderia entrar nesta
discussão sobre psicanálise e religião, como tantos outros já empreenderam.
Hans Küng (2005) escreve:
Três pontos são para mim importantes especialmente em face
de uma atitude hoje levada ao exagero, que desentende e
rejeita a psicanálise como um sistema rígido e dogmático: (1) A
crítica de Freud era legítima: certamente, por causa do abuso
de poder e do efeito do superego, do moralismo e dogmatismo
das igrejas ao longo dos séculos; sobretudo a crítica à
tradicional imagem autoritária de Deus; (2) Freud estava certo
quando, em vista de todas as possíveis insinceridades e maus
hábitos, exigia honestidade no trato com a religião; (3) Não é
mais possível um retorno a um estágio pré-Freud, desde que
se descobriu a influência dos fatores psicológicos profundos e
sobretudo da relação pais-filho sobre a religião e, mais
precisamente, sobre a imagem de Deus e a distinção entre o
bem e o mal. A religião tem sempre de passar pela análise
psicológica.
75
Como Erikson não quis entrar neste embate para não desviar o seu
foco, fez uma interpretação psicológica da vida de Lutero se atendo aos fatos
ainda que religiosos e teológicos. Isto pode ser visto em todos os capítulos de
sua obra.
II.2. A crise no coro: verdade, mito ou exagero de sua parte.
Este episódio citado por Erikson não é mencionado por boa parte de
seus biógrafos, embora pudesse poderia ser colocado aqui que a vida de
Martinho e Lutero, fazendo a separação que é feita nesta obra, o jovem e o
velho, foi marcada por inúmeras crises. Poderia se levantar a questão de que
sua entrada no monastério foi a culminação de uma crise que tinha estado em
desenvolvimento durante um longo tempo. Em 1505, ou até mesmo mais cedo,
74
ERIKSON, Erik H. Il Giovane Lutero. Pagine 30 e 31.
75
KÜNG, Hans. Freud e a Questão da Religião, Páginas 108-110.
58
a sua vida atingiu um ponto crítico. Lutero vai falar sobre o Anfechtungen, uma
ansiedade severa da alma.
Esta análise de Erikson coloca ênfase em um único evento na
formação do caráter. Ele escolheu o denominado “ataque no coro” como
evento principal.
Segundo Wrightsman, “Erikson reconhece a fraqueza desta
evidência; em um lugar ela chama de um ‘evento alegado’. Mas ele também diz
que o fato de Lutero nunca o ter mencionado pode ser um resultado da sua
amnésia para o evento.”
76
Se este ataque realmente ocorreu como sugere
Erikson, ele foi bloqueado pela mente de Lutero, faz sentido analisar a
argumentação que ele coloca. Conforme diz também Lohse, “Erikson
interpretou esta declaração simplesmente com base em seu erro gramatical”.
77
Três contemporâneos de Lutero (dos quais nenhum tardou a
ser seu seguidor) referiam que certa vez, quando tinha entre
vinte e vinte e cinco anos, ele caiu por terra no coro do
mosteiro de Erfurt, “arrebatado” como um possuído, e mugiu
como um touro: “Ich bin’s nit! Ich bin’s nit!”
(1)
ou “Non sum! Non
sum!”
(2).
A expressão alemã pode ser melhor traduzida por:
“não sou eu aquele” e a latina por: “Eu não sou!” Nós
trataremos este episódio, antes de mais nada, em relatório
(exposição de fatos) ao posto que ele ocupa na história da vida
de Lutero e depois em relatório de avaliação que foi dada na
biografia de Lutero.
78
Aos 20 anos, Lutero supostamente caiu ao chão do coro, em um
estado delirante. Supostamente, porque Lutero nunca mencionou isto. As
únicas referências a este episódio apareceram depois de sua morte e foram
declarações feitas por inimigos que poderiam ter sido tentados a desestabilizar
a credibilidade de Lutero. Outro autor, já citado acima, coloca este episódio
entre os 22 e os 25 anos de idade.
Antes de tornar-se monge, passou anos de estudo
intensamente severo somente com sacrifício pesado de seus
ambiciosos pais que queriam fazê-lo estudar Direito, profissão
que naquele tempo estava se tornando a chave de acesso à
administração e a política; anos dos mais intensos conflitos
interiores e de escrúpulos religiosos freqüentemente mórbidos
que mais tarde determinaram o abandono do mosteiro e a
76
WRIGHTSMAN, Lawrence S. Adult Personality Development-Theories e Concepts. Page 78.
77
LOHSE, Bernhard. Martin Luther: An Introduction to His Life and Work. Page 27
78
ERIKSON, Erik H. Il Giovane Lutero. Página 34.
59
posse da direção de uma ampla revolta contra o papado
medieval.
79
Olhando para a vida estudantil de Martinho Lutero, observa-se a
severidade com que ele realizou seus estudos e, pelo preparo, pelas escolas
por onde ele passou, realmente o seu pai – principalmente, já que sua mãe era
uma figura pálida, que ficava apagada diante da grandiosidade do Hans Luder–
objetivava um futuro bastante promissor para o jovem Martinho.
“A crise no coro se situa em um período no qual a sua condição
monástica, depois de um início “divino”, tornou-se para ele um problema e
quando o seu futuro estava ainda em uma obscuridade embrionária.”
80
Um professor alemão de teologia, Otto Scheel, um dos mais
diligentes editores das fontes mais antigas sobre a vida de
Lutero, nega a veracidade da história que foi aumentada na
primeira biografia hostil a Lutero escrita por Johannes Cochläus
em 1549 .
81
Spitz (1973), citado por Wrightsman, recontou isso, porém, dizendo
que esta história foi descrita pelo arquiinimigo de Lutero e dedicado difamador,
Johannes Cochlaeus, no seu comentário sobre a vida de Lutero e em trabalhos
publicados três anos após a morte de Lutero, ou mais de quatro décadas
depois do evento. Além disso, disse para provar, que Lutero teve
relacionamento secreto com um demônio. Todo livro de Cochlaeus é tão cheio
de falsidades que o Cardeal Alexandre advertiu contra a publicação, temendo
que a reação faria isto contra-produtivo. Este mesmo difamador, como já foi
colocado neste trabalho, falou da origem de Lutero, como sendo filho do
demônio.
É habitualmente difícil procurar abrir uma estrada através da
literatura alemã sobre Lutero que se refere a vários estudos
psíquicos como Seelenleiden (doença da alma) e
Geisteskrankheit (doença do espírito), termos que deixam
sempre indeterminado se estão angustiados a alma ou a
psique, o espírito ou a mente. A coisa se torna complicada,
sobretudo quando são os médicos a afirmar que o sofrimento
da alma do Reformador era em grande parte determinado
biologicamente. Mas o professor (chamaremos assim Scheel
79
ERIKSON, Erik H. Il Giovane Lutero. Página 34.
80
Ibidem.
81
Ibidem.
60
cada vez que tivermos de citá-lo como o representante de uma
escola particular acadêmico – teológica na biografia de Lutero),
o professor insiste em sustentar, em uma circunstância e
bastante comedida biografia, que as estranhas perturbações de
Lutero vinham diretamente do céu: “Katastrophen von Gottes
gnaden” (Catástrofes das clemências de Deus).
82
Scheel é um professor protestante de teologia, e Erikson sempre vai
se referir a ele, como o professor. Depois de Cochlaeus, o outro grande e
famoso detrator do caráter de Lutero, Heinrich Denifle, dominicano, disse que a
crise no coro teve apenas uma causa interior, que seria uma abissal
perversidade no caráter. Segundo ele, Lutero era muito doente da mente. Será
que se pode dar crédito às palavras daquele que dizia que toda a carreira de
Lutero pode ter sido inspirada pelo diabo?
Segundo Erikson, “um estudioso extremamente apurado de Lutero, o
psiquiatra dinamarquês Paul J. Reiter, afirma que o ataque (surto) no coro é
uma manifestação psicopatológica grave”.
83
Nós desfrutaremos ao máximo a autorização que de tal forma
nos dá o “psiquiatra”, como chamaremos Reiter ao citá-lo ele
como representante de uma escola médico-biológica, na
biografia de Lutero. Esta classe de biógrafos atribuiu os
excessos pessoais e biológicos de Lutero a uma doença que,
“situada” no cérebro, no sistema nervoso ou no caráter, faz de
Lutero um homem biologicamente inferior ou desajustado. Com
referência ao episódio do coro, Reiter comete um curioso erro.
Lutero, ele diz, não pode estar consciente porque gritou com “a
maior intencionalidade”... “Sou eu aquele! (Ich bin’s!)” (9),
querendo dizer o possuído do evangelho. Esta exclamação
positiva excluiria uma boa parte do significado do que
intencionamos atribuir ao episódio do coro; todavia, nas
trezentas primeiras páginas do livro, Reiter também menciona
a história ao modo tradicional fazendo Martinho dizer: “Não sou
eu”! (10).
84
A averiguação mais densa e abarcante das enfermidades de Lutero e
também a sua personalidade, psicoses atribuídas a ele é do psiquiatra
dinamarquês Paul Reiter. Ele afirmou que, cedo Lutero padeceu de uma
neurose de ansiedade relacionada à sua fixação pelo pai. Esta crise
psicológica de sua juventude robusteceu a tendência fundamental para a
82
ERIKSON, Erik H. Il Giovane Lutero. Página 35.
83
Idem .Página 37.
84
Ibidem.
61
depressão. Lutero sempre viu a figura paterna como um espectro opressivo e
ameaçador. Nem o seu ingresso no monastério, nem a sua ordenação como
padre, nem o seu avanço no processo revolucionário da Reforma mudou esta
constituição psicológica nem esta figura paterna onipresente.
A contribuição de Reiter continua útil enquanto ele expõe as
abundantes enfermidades agudas de Lutero. A despeito de a personalidade de
Lutero poder de alguma maneira estar dentro da normalidade ou não, Reiter
será declarado como um sujeito que não apreendeu questões teológicas.
Assim Reiter afirmou que não podemos admitir a presença dos poderes divinos
ou demoníacos ou elementos místicos para explicar acontecimentos na vida de
Lutero em um alicerce completamente natural. Tal asseveração é injusta
diante da natureza dos acontecimentos religiosos e teológicos. Enfim, os
procedimentos de Reiter a miúdo não conhecem os critérios da sabedoria
histórico-crítica, de forma que as suas conclusões de longa abrangência não
têm nenhuma base encaixada nas fontes. (LOHSE, 1980)
85
E o psicanalista o que disse? “Lutero, afirma Smith (1913 apud
ERIKSON, 1958), é um exemplo perfeitamente típico da
seqüência neurótica, quase histérica, de um complexo sexual
infantil; até o ponto que Sigmund Freud e a sua escola tinham
dificilmente podido achar um exemplo mais apto dele para
ilustrar a parte mais marcante de sua teoria”.
86
Preserved Smith foi o primeiro a publicar uma interpretação
psicanalítica de Martinho Lutero, cujo título foi “A Vida e Cartas de Martinho
Lutero”. Ele era filho de um famoso pastor presbiteriano e obteve o seu Ph. D.
na Columbia University (1907).
Para com os mesmos fatos (aqui e lá modificados, como eu
indiquei, em detalhe precisamente pertinente à interpretação
psicológica), o professor, o padre, o psiquiatra e outros até
agora mencionados, cada um elabora seu particular Lutero;
esta pode ser bem a razão por que todos eles concordam em
um ponto, isto é, que aquela psicologia dinâmica deve ser
mantida longe dos dados da vida de Lutero.
87
85
LOHSE, Bernhard. Martin Luther- An Introduction to His Life and Work. Page 26.
86
ERIKSON, Erik H. Il Giovane Lutero. Página 38.
87
ERIKSON, Erik H. Il Giovane Lutero. Página 39.
62
Cada profissional, ao estudar a vida de Lutero, se concentrará
naquilo que lhe chama a atenção como objeto particular de seu estudo e ligado
com a sua ocupação. Este estudo se reveste de um redobrado cuidado, porque
a vida em análise nunca deitou em um divã. Portanto, colocar os dados da vida
de Lutero dentro de qualquer teoria ou escola psicológica deve ser feito com
parcimônia.
O livro de Scheel é um herdeiro do mundo pós-guerra e de
duas tendências da historiografia luterana, iniciada por dois
homens e nunca ultrapassado por outros: a tendência
universal-histórica do grande von Ranke, o "historiador
sacerdotal" cujo trabalho era achar nas forças contraditórias da
história "o hieróglifo santo de Deus"; o outro, uma tendência
teológico-filosófica (às vezes fundindo, separando nitidamente
às vezes filosofia e religião) começada pelo Harnack. Mais
tarde voltaremos a este último ponto de vista quando tratarmos
do aparecimento da teologia de Lutero.
88
Diante de toda a propaganda contrária a Lutero levantada por
Denifle, toda a Alemanha ardente se levanta ao trabalho de defendê-lo com
uma espécie de furor contido. E quem com uma inexorável paciência
empreendeu esta tarefa foi Otto Scheel, em 1917. Apesar da guerra, a
Alemanha luterana estava celebrando o quarto centenário dos acontecimentos
de 1517, e os primeiros volumes de sua obra Martin Luther (Vom Katholizismus
zur Reformation) deram testemunho facundo em favor da formosa e grande
obra de revisão que se levava a cabo.
Denifle é só o representante mais extremo de uma escola
católica da biografia Luterana cujos representantes tentam
duramente se divorciar do método dele enquanto compartilham
a suposição básica dele de uma falha moral gigantesca na
personalidade de Lutero. O jesuíta Grisar está mais sereno e
mais operante em sua aproximação. Ele também designa a
Lutero uma tendência para "auto ilusão egomaníaca" e
sugestiona uma conexão entre o egocentrismo dele e a sua
história médica; assim Grisar se põe a meio caminho entre as
aproximações do padre e do psiquiatra.
89
Os biógrafos católicos romanos, de Cochlaeus no século XVI a
Hartmann Grisar no século XX, descreveram um Lutero deformado, criação do
88
Ibidem. Página 40.
89
ERIKSON, Erik H. Il Giovane Lutero. Página 41.
63
diabo empenhado na destruição da verdadeira igreja, ou aquele que tinha
interpretado completamente mal a igreja medieval e sua teologia.
Muitos daqueles que pensaram interpretar a vida e obra de Lutero
procuraram defeitos, aqui e acolá. Eles acharam uma porção, satisfazendo
suas imaginações, suas noções preconcebidas, fortalecendo algo que eles
quiseram confirmar o tempo todo, de qualquer maneira. E assim, sem perda de
tempo para ler demoradamente, ou sem se ater ao contexto, eles falaram de
modo geral, "Lutero, diz fulano de tal...", e então tropeçaram no que eles
ajudaram à concluir a distância, a favor deles. Dois artistas destacados eram os
historiadores católicos romanos, Grisar e Denifle. Porém, em recentes anos,
estudiosos do romanismo, por exemplo Joseph Lortz, seguiram uma linha
consideravelmente mais flexível e geralmente mais justa de avaliação (KLUG,
1974).
90
O psiquiatra dinamarquês, em troca, oferece-nos dois volumes
impressionantes como completa uma conta do "ambiente de
Lutero, caráter, e psicose" como eu vi de outro lado. O estudo
dele varia do macrocosmo das vezes de Luther ao microcosmo
da casa dele e cidade natal, e inclui uma discussão completa
da sua maquiagem biológica e dos seus sintomas físicos e
emocionais vitalícios. Mas ao psiquiatra falta uma teoria
inclusiva bastante para a gama escolhida. Psicanálise que ele
rejeita como muito dogmática, enquanto pedindo emprestado
de Preserved Smith que fragmentos que ele pode usar sem se
comprometer para a teoria que insinuou. Ele declara a
aproximação dele francamente: é isso de um psiquiatra que foi
consultado em um caso severo de psicose de manifesto
(diagnose: maníaco-depressiva, para o Kraepelin) e que
procede registrar a condição apresentando (a psicose aguda
de Luther cruzou uma quarentena) e reconstruir a história
passada, inclusive os anos vinte. Ele mostra muita perspicácia
aqui e lá; mas no papel de psiquiatra na cabeceira da cama,
ele adere severamente à visão central afirmando que uma
certa característica ou ato de Lutero é "absolutamente típico
para um estado de melancolia severa" e será achado em todo
livro de ensino psiquiátrico." O Lutero mais velho se aproximou
indubitavelmente do ensino do livro que declara, embora eu
duvide muito que as reuniões pessoais dele com o diabo já
eram verdadeiras alucinações, ou que o drama dele pode ser
tratado como revelações que interessam o sofrimento mental
dele no mesmo nível como comunicações de um paciente.
91
90
KLUG,
91
ERIKSON, Erik H. Il Giovane Lutero. Página 42 e 43.
64
Dr. Paul J. Reiter, médico, diretor do Instituto de Psicopatologia de
Herstedvester na Dinamarca, é aquele que mais largamente tem estudado, à
luz da psiquiatria moderna, a personalidade de Lutero, seu caráter, suas
enfermidades físicas e da alma. Sua obra foi publicada em Copenhague entre
os anos 1937 e 1941. Ele diz que Lutero tinha alternâncias de exaltação
maníaca com fases de profunda depressão. De 1505 a 1513 Lutero passou por
uma etapa de atonia nervosa que, de certa maneira, aprofundou-se até 1519.
Em 1527, Lutero padecia de muitas enfermidades: angústias do coração,
alucinações, síncopes, ataques de cálculo renal, transtornos dispépticos; a
partir de 1530, anginas, rinites, otites dolorosas, reumatismo, artrite. (Garcia-
Villoslada, 1976)
Preserved Smith, seguiu os métodos psicanalíticos de Freud. Ele
escreveu uma biografia de Martinho Lutero intitulada Luthers early development
in the light of psychoanalysis, (Desenvolvimento precoce de Lutero à luz da
psicanálise), onde sustentou que a evolução religiosa de Lutero foi uma
conseqüência da neurose. Ele disse: “Lutero é o modelo do resultado
neurótico, quase histérico de um complexo sexual infantil tão típico, que
Sigmund Freud e sua escola dificilmente houveram podido encontrar um
exemplo melhor para ilustrar a parte melhor fundada de sua teoria” (1913 apud
Garcia-Villoslada 1976).
92
Smith suspeitava que a fonte perpétua das tentações no mosteiro
Agostiniano não era outra que a masturbação; por isto as tristezas, as aflições,
os pavores e a animosidade ao celibato. Como não conseguiu provas de
caráter documental, ele deduziu isto freudianamente com observações
psicanalíticas.
Além disso, quando isto veio para o jovem Lutero e o psiquiatra
fez uma afirmação que suas tentationes tristitiae - essa tristeza
que é uma tradicional tentação do homo religiosus – são uma
"característica clássica nos quadros da maioria dos estados de
depressão, especialmente a endógena”, nós devemos ser
decididamente mais duvidosos. Já que durante o ensino
psiquiátrico do Lutero não o compara com outros exemplos de
sincera preocupação religiosa e genuíno prodígio
correspondendo, mas com alguma norma de Ausgeglichenheit
- um equilíbrio interno, um simples prazer pela vida, e são ditas
uma decência ordinária e direção decidida de esforço como
92
GARCIA-VILLOSLADA, Ricardo. Martin Lutero. Volume I. pagina, 266.
65
pessoas normais para exibir. Embora o psiquiatra faça
repetidas concessões para o gênio de Lutero, ele exige não
obstante dele um estado de repouso interno que, até onde eu
sei, os homens de intensidade criativa e de um compromisso
histórico crescente não podem esperar que se possa manter.
93
Ele procura mostrar que, nos últimos anos da vida de Lutero, o seu
equilíbrio psíquico não estava completo e o seu estado interno estava apenas
harmonioso. Falando deste padrão de normalidade, Reiter diz que Lutero não
pôde aceitar os planos traçados pelo pai e prosseguir no estudo da lei. Como
ele mesmo escreve, a tristeza tinha sido a sua companheira familiar desde a
juventude.
94
Se o desígnio da teologia fosse consolar o angustiado de coração,
para erguer uma consciência para fora do desespero, o anseio pela tristeza era
a qualificação imprescindível para um teólogo sincero. Aqui Lutero aquiesce
com os seus biógrafos que, na medida do possível, Deus foi capacitando-o,
mesmo sofrendo as agressões do diabo. Ele ensinou que os teólogos têm a
capacidade de extrair do sofrimento humano o treinamento e a prática.
Conseqüentemente um teólogo sincero deve ser antes de tudo aquele que
duvida (HAILE, 1981).
Erikson diz: “Eu não sei se o tipo de equilíbrio de mente, corpo e
alma que estes homens assumem é normal; mas se existir, eu esperaria que
um indivíduo normal fosse sensível, apaixonado e ambicioso como Lutero
jovem.”
95
Não somente Lutero, mas tantos outros na mesma condição que ele
usam alguns subterfúgios para escapar a compromissos prematuros, a
compromissos que no momento não estão preparados para assumir. Tanto
Reiter quanto Denifle negam a mão de Deus na vida de Lutero. E negando esta
ação desconsideram a existência de um homo religiosus.
Eu concluirei esta análise com uma das mais notáveis e mais
bem informadas tentativas de apresentar versões
preconceituosas do caso de Lutero, com uma citação e uma
imagem de Lutero mais recomendada. Esta imagem vem da
sociologia, um campo certamente essencial para qualquer
avaliação do tipo o qual nossos autores aspiram. Eu não pude
e não vou abrir mão de The Social Basis of the German
93
ERIKSON, Erik H. Il Giovane Lutero. Páginas 43.
94
LUTERO, Martinho. WA 8, 574, 23.
95
ERIKSON, Erik H. Il Giovane Lutero. Páginas 43 e 44.
66
Reformation, embora seu autor, Roy Pascal, cientista social e
materialista histórico, tenha anunciado que a mesma
monotonia que nós encontramos nos outros biógrafos ele pode
administrar sem mim e meu campo. "O princípio que está por
baixo das [contradições de Lutero]", ele declara, "não é lógico,
não é psicológico. A consistência entre todas estas
contradições é a consistência de interesse de classes."
96
Esta afirmação talvez seja a mais marxista das manifestações na
literatura econômico-política da personalidade de Lutero e qual foi a sua
influência no ulterior desenvolvimento do protestantismo e capitalismo. Os
autores mais abrangentes que apresentaram esta questão foram Ernst
Troeltsch, Max Weber e R. H. Tawney. Troeltsch com seu livro The Social
Teaching of the Christian Churches, faz a distinção entre igreja e seita. O
Weber com a grande obra A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo,
avança a tese de que a ética e as idéias puritanas influenciaram o
desenvolvimento do capitalismo. Tawney, escreveu um livro também
importantíssimo, A Religião e o Surgimento do Capitalismo.
Um dos grandes detratores de Lutero, Jacob Burckhardt, que
ensinou Nietzsche a ver em Lutero um ruidoso camponês
alemão que ao fim armou ciladas à marcha de Renascimento
do homem, anotou: “Quem somos nós, de qualquer jeito, que
podemos perguntar de Lutero... que [ele] deveria ter cumprido
nossos planejamentos?... Este Lutero palpável, nenhum outro,
existiu; ele deveria ser levado para o que ele tinha" . (Man
nehme ihn wie er gewesen ist)
97
Nietzsche no seu livro O Anticristo, diz que Lutero foi um grande
impedimento à já pouco estável inteireza alemã [...]. No caso de Lutero , “fé”
nunca foi mais que uma aparência, um motivo, uma cortina por detrás da qual
os impulsos faziam seu jogo , uma engenhosa cegueira à dominação de certos
instintos... [...]. A barreira doentia de sua visão faz do ser humano convicto um
fanático – Savonarola, Lutero, Rousseau, Robespierre, SaintSimon cujo tipo
se encontra em oposição ao espírito forte, livre. Mas os imponentes estilos
dessas mentes doentias, desses epiléticos das idéias, fazem sentir influência
sobre as grandes massas – os fanáticos são pitorescos, e a humanidade
prefere observar poses a ouvir razões... [...] Um monge alemão, chamado
96
ERIKSON, Erik H. Il Giovane Lutero. Páginas 44.
97
Ibidem. Páginas 45.
67
Lutero, chegou a Roma. Esse monge, com todos os impulsos vingativos de um
padre frustrado no corpo, ergueu uma insurreição contra a Renascença em
Roma... Em vez de entender, com profundo reconhecimento, o milagre que
havia ocorrido a conquista do cristianismo em sua sede –, usou o espetáculo
apenas para alimentar seu próprio ódio. O homem religioso pensa apenas em
si mesmo. – Lutero viu apenas a corrupção do papado, enquanto exatamente o
oposto estava se tornando visível: a velha corrupção, o peccatum originale, o
cristianismo já não ocupava mais o trono papal! Em seu lugar havia vida! Havia
o triunfo da vida! Havia um grande sim a tudo que é grande, belo e audaz!... E
Lutero restabeleceu a Igreja: a atacou... A Renascença – um evento sem
sentido, uma grande futilidade! – Ah, esses alemães, quanto já nos custaram!
Tornar todas as coisas vãs – sempre foi esse o trabalho dos alemães
(NIETZSCHE,).
98
As limitações de meu conhecimento e do espaço a minha
disposição para esta investigação impede qualquer tentativa
para apresentar um Lutero novo ou remodelar um velho. Eu
posso trazer só um pouco de considerações psicológicas mais
novas para afetar o material existente que pertence a um
período da vida de Lutero. Como eu indiquei no Capítulo I, o
jovem monge se me interessa particularmente como um
homem jovem pelo processo de se tornar um grande.
99
Erik Erikson foi atraído pela crise no coro, pelo ataque no coro,
episódio este que Lutero não mencionou em nenhum momento em toda a sua
vasta obra, nem nas Conversas de Mesa. Ele suspeita que as palavras “Ich
bin’s nit! Ich bin’s nit!” revelam o ajuste para fazer parte de uma crise de
identidade mais severa. Uma crise que o obrigou a protestar que ele não
estava possesso.
Julgando de uma seqüência indiscutível de estados mentais
extremos que atacaram Lutero ao longo de sua vida,
conduzindo ao lamento, transpiração e perda dos sentidos, a
crise no coro poderia bem ter acontecido; e poderia ter
acontecido na forma específica informada, debaixo das
condições específicas dos anos de monastério de Martinho. Se
algo disto é lenda, que assim seja; a fabricação de lenda é
comumente muito usada para reescrever a história escolar,
como isto é parte dos fatos originais usada no trabalho de
98
NIETZSCHE, Friedrich. Anticristo. Páginas 20,71,108, 128 e 129.
99
ERIKSON, Erik H. Il Giovane Lutero. Páginas 45.
68
estudantes. Nós somos desta forma obrigados a aceitar uma
meio-lenda como meio-história, com a condição de que um
episódio informado não contradiga outros fatos bem
estabelecidos; persista durante a posse, um toque de verdade;
e renda um significado consistente com teoria psicológica.
100
O próprio Lutero nunca mencionou este episódio, embora nos seus
anos instáveis posteriores ele fosse extraordinariamente livre com referências
para sofrimentos físicos e mentais.
101
O que ele mencionou foi ter sido atacado
por uma crise de terror com a idade de trinta e cinco anos: ele começou a
transpirar, teve medo de desfalecer quando ele marchou com o seu superior,
Dr. Staupitz, em uma procissão de Corpus Christi.
Assumindo então que algo como este episódio aconteceu,
poderia ser considerado como um de uma série de explosões
patológicas aparentemente insensatas; como um sintoma
significante em uma ficha clínica psiquiátrica; ou como uma de
uma série de experiências religiosas relevantes. Isto
certamente tem como até Scheel, sugere algumas marcas de
um "ataque religioso", como São Paulo, Santo Agostinho e
muitos menores aspirantes para santidade tiveram. Porém, o
inventário de uma revelação total sempre inclui uma iluminação
opressiva e uma perspicácia súbita. A crise no coro apresenta
só o sintomático, o mais patológico e defensivo, aspectos de
uma revelação total: perda parcial de consciência, perda de
coordenação motora e exclamações automáticas que o aflito
não sabe expressar.
102
Se este episódio aconteceu como uma possessão demoníaca, como
afirmam os detratores de Lutero, ele teria mencionado. Se não o fez, é porque
ele não existiu realmente, ou não ocorreu da forma citada por eles. Ocorreu na
forma de uma catarse, de uma descarga psicológica, como pôde ser observada
na vida de São Paulo, Santo Agostinho, João Calvino. Erikson, sugere que ele
passou por um processo de amnésia, mas, segundo Sigmund Freud, pode ter
sido também um mecanismo de defesa do ego, para protegê-lo de lembranças
dolorosas.
Em uma experiência verdadeiramente religiosa tais
exclamações automáticas soariam como se elas fossem
ditadas por inspiração divina; elas estariam positivamente
claras e luminosas, e seriam intensamente lembradas. No
100
ERIKSON, Erik H. Il Giovane Lutero. Páginas 46.
101
Idem.
102
Ibidem. Páginas 46 e 47.
69
ataque de Lutero, suas palavras expressavam claramente uma
decisiva necessidade interna para negar uma acusação. Em
um direto ataque religioso, a consciência positiva de fé reinaria
e determinaria as palavras aqui pronunciadas; negação e
rebelião dominante: "Eu não sou o que meu pai disse que eu
era e o que minha consciência, em maus momentos, tende
para confirmar que eu sou."
103
Nesta afirmação documentada por Scheel, está presente sua grande
luta interior e a repressão de uma raiva latente, de uma fúria reprimida, pois,
debaixo de condições monásticas de silêncio e meditação, ergueria aquela voz
que retumbaria ao redor do mundo, aquilo que com muita firmeza pôde dizer,
quando foi obrigado a se retratar: Se não sou reprovado pelo depoimento das
Sagradas Escrituras ou por motivos plausíveis – pois eu não posso acreditar
nem no Papa e no Concílio, já que está confirmado que se têm enganado e
sido contraditórios repetidamente – considerar-me-ei vencido pelas Escrituras,
as quais me têm dado suporte, porque a minha consciência está aprisionada à
Palavra de Deus. Portanto, não quero nem posso retratar-me de nada, pois
laborar contra a própria consciência não é nem seguro nem digno. Que Deus
me ajude. Amém (OBERMAN, 1982).
104
Nós também podemos ver a posição dele como estando nas
encruzilhadas da doença mental e criatividade religiosa e
poderíamos especular talvez que Lutero recebeu, em três (ou
mais) distintas e fragmentárias experiências, esses elementos
de uma revelação total que disseram outros homens ele ter
adquirido em um evento explosivo. Deixe-me listar novamente
os elementos: ataque físico repentino; um grau de
inconsciência; uma automática expressão verbal; um comando
para mudar completamente a direção do esforço e aspiração;
uma revelação espiritual; um brilho de esclarecimento decisivo
e penetrante como um renascimento. O temporal tinha lhe
proporcionado uma mudança de direção da vida, uma
mudança para o anônimo, o silencioso e o obediente. Em
crises como a do coro, ele experimentou o estágio de uma
epiléptica perda do ego, a raiva de negação da identidade que
seria descartada. E depois na experiência na torre, que nós
discutiremos no Capítulo V, ele percebeu a luz de uma fórmula
espiritual nova.
105
103
ERIKSON, Erik H. Il Giovane Lutero. Páginas 47.
104
OBERMAN, Heiko A.
105
ERIKSON, Erik H. Il Giovane Lutero. Páginas 47 e 48.
70
Na experiência de conversão, Lutero experimentou todas estas fases
claramente distintas. Existe a experiência de desgraça que o homem vive
concretamente; não a pequena desventura da vida diária, mas a experiência de
desgraça inerente a seu existir como homem. As experiências religiosas
decisivas de Lutero se realizaram com relação à penitência, sob o peso de um
conceito falso de arrependimento, para o qual se esforçou em achar um
substituto. Este foi o ponto de partida desde o qual se desenvolveram suas
idéias religiosas fundamentais.
O estado de mente geral de Martinho no período
imediatamente precedente ao em que se tornou monge, um
estado de mente que estava passando novamente na época de
sua crise no coro, foi caracterizado por ele e por outros como
uma condição de tristitia, excessiva tristeza.
106
Durante toda a sua vida, ele mencionou estes momentos de profunda
tristeza. Parece que ele era melancólico de temperamento e, nos seus estados
depressivos, manifestou este quadro clínico de melancolia. Mas o que fica bem
claro é que ele sabia distinguir o que vinha de Deus como coroamento de um
conflito e o que vinha da derrota. Tristeza, foi então, o sintoma principal de sua
mocidade.
A Mocidade pode ser o período mais exuberante, mais
descuidado, mais seguro, e mais inconscientemente produtivo
da vida ou, pelo menos se nós olhamos principalmente ao
"uma vez nascido." Este é uma expressão que William James
adotou do Cardeal Newman; ele a usa para descrever todas
essas pessoas que, quase sem trabalho, ajustaram-se e são
providas da ideologia do seu tempo, não achando nenhuma
discrepância entre sua formulação do passado e do futuro e as
tarefas diárias criadas pela tecnologia dominante.
107
James distingue este “uma vez nascido” das almas doentes, dos
egos divididos que anseiam por um segundo nascimento, um crescimento a
partir da crise que os converta no centro comum de energia pessoal. Ele cita
Starbuck quando diz que a conversão é um fenômeno essencialmente normal
da adolescência.
106
Ibidem. Página 48.
107
ERIKSON, Erik H. Il Giovane Lutero. Página 49.
71
A necessidade para devoção, então, é um aspecto da crise de
identidade que nós, como psicólogos, fazemos responsável
para todas estas tendências e suscetibilidades. A necessidade
para repúdio é outro aspecto. Na adolescência, ao redor
aproximadamente dos vinte anos, as pessoas jovens, quando
não há nenhum compromisso ideológico explícito ou até
mesmo interesse, devoção a líderes individuais, nem sequer
para times, para atividades estrênuas e para técnicas difíceis;
ao mesmo tempo eles mostram uma prontidão acentuada e
intolerante para negar as pessoas (incluindo, às vezes, eles
próprios). Este repúdio é freqüentemente esnobe, conformista,
perverso, ou simplesmente irrefletido.
108
Estes aspectos que são construtivos e destrutivos em um jovem
foram e são aplicados para arranjar e rearranjar a tradição em muitas áreas. O
jovem vive a sua vida entre o passado e o futuro, entre a vida individual e a
sociedade. Erikson diz que as ideologias têm como objetivo encaminhar a
seriedade forte da juventude e o ascetismo franco, como também sua procura
por agitação e sua aversão ansiosa, para aquela fronteira de reunião social
onde a luta entre o conservador e o radical está muito viva. Nesta procura pela
combinação de liberdade e disciplina, de aventura e tradição, os jovens podem
explorar (e ser explorados) as devoções as mais variadas. Erikson diz que não
necessariamente todos os adolescentes e jovens que ingressam em uma
carreira religiosa, em um mosteiro, ou qualquer outra pessoa que recorre a
outras formas de moratória, têm noção do que está acontecendo com eles, que
estão marcando o tempo antes de alcançarem sua própria alternativa.
À época de Lutero o monastério era, pelo menos para alguns,
uma possível moratória psicossocial, um possível modo de
adiar a decisão sobre o que a pessoa é e está a ponto de se
tornar. Pode parecer estranho que um compromisso assim
definido e, na realidade, tão eterno, como é expresso no voto
monástico poderia ser considerado uma moratória, um
expediente para derrotar o tempo. Ainda na época de Lutero,
ser um ex-monge não era impossível; nem era
necessariamente um estigma deixar uma ordem monástica,
necessariamente não se amarravam a uma marca ou pacto -
como por exemplo, Erasmus, para oferecer-se na sua velhice
ao cardinalato; ou que a pessoa poderia fazer-se a si mesmo
um cardeal como soube fazer o ex-monge Rabelais.
109
108
Ibidem. Página 50, 51.
109
ERIKSON, Erik H. Il Giovane Lutero. Página 51,52.
72
Esta moratória é um ritmo de espera nas obrigações do adulto. É um
período de pausa necessária a muitos jovens, de procura de alternativas e de
experimentação dos papéis, que vai permitir um trabalho de elaboração interna.
Antecipa-se o futuro, exploram-se alternativas, experimenta-se, dá-se tempo…
As moratórias são caracterizadas pelas necessidades pessoais, mas também
por exigências socioculturais e institucionais. Cada sociedade e cada cultura
institucionalizam uma certa moratória para a maioria dos seus jovens.
A liberação eventual da voz de Lutero o fez criativo. O único
assunto no qual o professor, o padre, o psiquiatra e o
sociólogo, concordam é o imenso presente de Lutero para o
idioma: a receptividade dele para a palavra escrita; a memória
dele para a frase significante, e a gama de expressões verbais
(lírica, bíblica, satírica, e vulgar) que, em inglês, só é
comparada a Shakespeare.
110
Quanto à vasta obra deixada por Lutero, podem ser destacados três
aspectos: primeiro, as qualidades de difusão do material são diferençadas, pois
existem manuscritos originais, comentários estenográficos de alunos; segundo,
apesar do valor de Martinho Lutero para a língua teutônica, deve ser lembrado
que grande parte de sua obra foi escrita em latim; terceiro, é necessário
considerar sempre a qual época pertence uma determinada manifestação, não
apenas para perceber alterações em seu entendimento, mas para
compreendê-la em sua procedência e finalidades palpáveis, sua causa e
pretensão, suas ocorrências e destinatários, sua exigência e seu acerto
comprometedor e libertador (EBELING, 1986).
Nós nos concentraremos então neste processo: como o jovem
Martinho, ao término de uma infância sombria e severa, foi
precipitado em uma crise de identidade severa para a qual ele
buscou a cura no silêncio do mosteiro; como, estando calado,
ele foi "possuído"; como sendo possesso, ele gradualmente
aprendeu a falar um idioma novo, o idioma dele; podendo falar,
ele não só discutiu dentro do mosteiro, como fora e tirou
grande parte de seu país da Igreja romana, mas também
formulou para ele e para todo gênero humano um tipo novo de
consciência ética e psicológica; e como, ao fim, esta
consciência também foi arruinada por um retorno dos demônios
ou quem eles possam ter sido.
111
110
Ibidem. Página 56.
111
ERIKSON, Erik H. Il Giovane Lutero. Página 56.
73
Erikson continuou afirmando a “possessão” de Lutero, mas, mesmo
assim, não lhe tirou o mérito da grandiosidade de seu trabalho reformador, que
conseguiu influenciar tantas pessoas
II.3.: Obediência ao pai, ao Papa, a Deus ou a quem?
112
A esta altura, a rebelião de Lutero centrou no problema da
relação entre a dívida de obediência do homem a Deus, ao
Papa, e a César – ou da multidão de Césares que emerge
então. No começo de sua carreira outra preocupação dele era
a dicotomia preparatória: a obediência devida ao pai natural,
cujas visões sempre estavam brutalmente claras, e a
obediência devida ao Pai no céu, de quem o jovem Lutero tinha
recebido uma chamada dramática, mas equívoca.
113
A partir do momento em que fez a escolha para entrar no mosteiro,
ele deixou para trás os desejos do pai, de vê-lo formado em direito e ter um
casamento promissor. Esta dicotomia em relação à obediência seguiu Lutero
ao longo de suas lutas teológicas, desafiando o Papa e o imperador, tornando-
se o porta-voz da Palavra de Deus. Quando ele tinha achado uma nova
agência para desobedecer, isto é, o Papa, ele teve de falar do pai
publicamente, a quem ele tinha finalmente obedecido; mas não se pode
negligenciar o desejo, ambivalente a todo custo, de ser correto.
Talvez só um homem de tal estatura poderia ser
suficientemente sensível aos conflitos pessoais que
contribuíram às decisões teológicas dele, e teria bastante
honestidade para falar disto. Sendo um teólogo rebelde, não
um psicólogo de poltrona, Lutero descreveu seus conflitos em
condições surpreendentes, às vezes com atrevimento e,
freqüentemente com palavras incríveis.
114
Lutero disse nas Conversas de Mesa que ele era livre de avareza,
sua idade e fraqueza corporal protegiam-no de desejos sensuais e ele não se
afligia com ódio ou inveja por qualquer pessoa. Mas ele dizia que tinha outros
pecados maiores. [...] Por muito tempo ele foi desviado no mosteiro e ele não
sabia o que era. Ele não soube o que é estar seguro até que leu Romanos
112
A partir deste capítulo a tradução foi feita da edição impressa em inglês. Por isto a
discrepância da numeração de páginas.
113
Ibidem, página 49.
114
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, página 50.
74
1.17. Este texto o ajudou a ver toda a retidão de que Paulo estava falando. No
texto ele relacionou o abstrato (retidão) com o concreto (íntegro) e ficou seguro
de sua causa. Ele aprendeu a fazer a distinção entre a retidão da lei e a
retidão do evangelho (LUTERO, 1532).
115
Mas está na hora de virar os fatos. Há só alguns fatos sobre a
infância de Lutero: o pai dele era um mineiro que tinha deixado
o campo; seus pais eram rígidos, supersticiosos e bateram
nele; a escola era monótona e cruel. Martinho derivou da
aspereza combinada da casa e da escola, e o que ele
considerou a preocupação exclusiva da Igreja com o último
julgamento, um estado de culpa e tristeza que o "empurrou à
vida monástica."
116
No primeiro capítulo deste trabalho já foi falado exaustivamente a
respeito da rigidez do lar paterno, o quanto seus pais, principalmente sua mãe,
eram supersticiosos.
Durante a grande Guerra dos Camponeses, ele usou a sua
máquina de propaganda eficiente dele para sugestionar a
exterminação cruel de todos os camponeses rebeldes - esses
mesmos camponeses que, no princípio, tinham olhado para ele
como um de seus líderes naturais. Ao fim da vida dele ele se
auto-acusou de ter o sangue destes camponeses em sua
própria cabeça – a sobrancelha que nunca tinha sabido o suor
de um camponês. O ponto principal é que o ex-camponês de
segunda geração, o Lutero, era altamente ambivalente sobre a
ascendência dele.
117
Possivelmente este fosse um de seus exageros mencionados nas
Conversas de Mesa. Em maio de 1525, Lutero dirigiu-se intensamente contra
os campesinos insurgidos. Sua Exortação à paz foi muito avaliada. Nela
admoestava tanto a tirania de príncipes e fazendeiros como a inadmissível
amalgamação de Evangelho e violência apresentada pelos camponeses. Sob a
impressão causada pelas experiências de uma viagem de dez dias através da
Turíngia sublevada, Lutero acrescentou um apêndice a sua Exortação:
[Também contra o bando de salteadores e assassinos formados por outros
camponeses]. Nele estabeleceu-se a frase que haveria de lhe valer a alcunha
de ‘servo dos príncipes’: “Correm hoje tempos tão surpreendentes que um
115
LUTHER, Martin. Table Talk. Pages 26, 27, 442 e 443.
116
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, página 50.
117
Ibidem, página 52.
75
príncipe pode ganhar o céu derramando sangue melhor que outros orando”.
(WA 18. 361, 4-6) A língua de Lutero tremia quase de cólera e indignação: “Por
isso, senhores queridos, resgatai-nos, salvai-nos, ajudai-nos. Compadecei-vos
da pobre gente, apunhalada, ferida com espada, estrangulada. Se trabalhardes
assim, vencereis a morte, vos irá bem e sereis ditosos... nunca vereis chegar a
morte...” (WA, 18. 361, 24-26). (OBERMAN, 1992)
118
Na educação de Martinho, então, a imagem de um camponês
pode ter se tornado o que nós chamamos um fragmento de
identidade negativo, i.e., uma identidade que uma família
deseja abandonar – e a mera sugestão da qual tenta suprimir
suas crianças – embora possa sentimentalizar isto em
momentos. De fato, a literatura em Lutero abunda da mesma
ambivalência. Às vezes faz referência a sua origem de
camponês para sublinhar a força dele; outras vezes para
explicar a sua vulgaridade e teimosia, por exemplo Nietzsche o
chama um Bergmannssohn, o filho de um mineiro (literalmente,
o filho de um homem da montanha) quando ele lhe quer fazer
honra.
119
Erikson chama de identidade negativa a totalidade de todas aquelas
identificações e os fragmentos de identidade que o indivíduo tem de conter em
si mesmo por serem indesejáveis ou irreconciliáveis, ou pela qual sujeitos
atípicos e minorias distinguidas são forçadas a se sentir diferentes (ERIKSON,
1968).
120
O pai de Lutero poderia ser chamado de camponês somente no
primeiro período de sua vida de casado, pois logo ele se tornou um pequeno
capitalista, investidor. Quando ele morreu deixou uma casa na cidade e 1250
Goldgulden (florins em ouro). Para amealharem tal quantia, o jovem Hans e
sua esposa tiveram de trabalhar duramente. Tal quantia foi apontado por
Martinho Lutero sentado às refeições, ditando o seu famoso Tischreden diante
dos seus estudantes, amigos e pensionistas. Ali, naquele momento, ele
exaltava, de uma maneira apaixonada, sua infância dominada pela pobreza e
denunciava a brutalidade de seus professores e a corrupção do monastério.
Toda história autobiográfica dos primeiros anos de uma pessoa passa por um
filtro, por uma seleção especial, que pode ser muito mais inconsciente do que
consciente, na qual alguns fatos são reprimidos.
118
OBERMAN, Heiko A. . Página 348,349.
119
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, página 52, 53.
120
ERIKSON, Erik H. Identidade, Juventude e Crise. Página 25.
76
Na vida de um homem como Lutero (e em medida menor em
todas as vidas), outra tela existe: o começo de uma identidade
oficial, o momento quando vida se torna biografia. Em muitas
formas, a vida começou novamente para Lutero quando o
mundo agarrou avidamente as noventa e cinco teses dele, e o
forçou no papel de rebelde, reformador e ditador espiritual.
Tudo antes disso ficou memorável enquanto o ajudou a
racionalizar as suas desobediências. Talvez esta motivação
esteja atrás da maioria das tentativas de historiar o passado.
121
Lutero poderia ser chamado de rebelde, porque ele se rebelou contra
o mosteiro, seus líderes, sua igreja original. Do mesmo modo, como
reformador, pois ele propôs reformar a igreja a qual ele pertencia. Mas chamá-
lo de ditador espiritual, como faz Erikson, é um adjetivo que não lhe cabe. Ele
sempre esteve aberto ao diálogo. Nas Conversas à Mesa ele sempre falava,
mas também escutava seus comensais. Lutero não impôs sua Teologia aos
outros. Ele simplesmente a expôs. E uma exposição muito coerente.
O pai de Lutero tornou-se um cidadão modelo, mas em casa
ele parece ter-se entregado a uma fatal duplicidade de
comportamento. Ele demonstra um grande ataque de fúria em
sua tentativa em abrandar a expressão de fúria dos seus filhos.
Aqui, eu penso, está a origem da dúvida de Martinho: se seu
pai, quando o castigava, era realmente empurrado pelo amor e
justiça em lugar de por arbitrariedade e malícia. Esta dúvida
era depois projetada no Pai celestial com tal violência que os
professores monásticos de Martinho não puderam ajudar
notando isto. "Deus não o odeia, você que o odeia”, um deles
disse; e estava claro que Martinho, enquanto procurava a
própria justificação tão desesperadamente, também estava
buscando uma fórmula de justiça eterna que justificaria Deus
como um juiz.
122
A devoção que prevalecia na casa paterna deve ter sido a que era
habitual naquela época. Hans Luder mantinha relações muito próximas com os
clérigos de Mansfield. O trabalho nas minas, com os grandes perigos que
acarretava, era um campo fértil para toda classe de práticas supersticiosas. O
medo das bruxas e dos demônios forma também parte do universo religioso.
Hans, que não havia ido à escola e que não sabia ler e escrever, preocupou-se
intensamente com a vida acadêmica de seu filho.
121
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, página 54.
122
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, página 58.
77
Kierkegaard disse uma vez que Lutero sempre falou e agiu
como se um raio estivesse a ponto de lhe golpear no próximo
instante. Ele estava se referindo ao temporal misterioso
considerado como a causa da revelação da decisão de Lutero
para se tornar um monge. Ainda uma expectativa excessiva de
catástrofe, um desejo muito ansioso para estar pronto para o
julgamento faziam parte do mundo de Martinho muito antes
daquele temporal, e pode ter feito daquela tempestade o que
ela se tornou.
123
Kierkegaard, segundo informação de Garcia-Villoslada, pensava que
o grande destino histórico de Lutero fosse o martírio e não a vida burguesa que
levou desde 1525. Ele dizia que o Reformador tinha de ter sido mártir. Pelas
xilogravuras, e outras expressões artísticas desta época, pode-se perceber a
presença desta ansiedade pelo julgamento divino. A morte era algo muito
próximo de todos, devido às guerras, conflitos, pestes, etc.
“A convicção em demônios permitiu uma projeção persistente dos
próprios pensamentos inconscientes da pessoa e impulsos do inconsciente de
avareza e malícia, como também pensamentos os quais o vizinho suspeitou
que a pessoa tivesse.”
124
Lutero, como todas as crianças de sua época, foi profundamente
bombardeado com a idéia da presença universal de espíritos demoníacos de
forma concreta. Em todo pensamento mágico, o desconhecido e o inconsciente
se deparam em um limite comum: anseios homicidas, adúlteros ou
mesquinhos, ou humores repentinos de melancolia ou euforia, são todos
infligidos à pessoa. Também fantasias sexuais, como um sonho muito claro,
podem ser consideradas como extraterritorial.
Santa Ana, a mãe da mãe de Deus, era como Abgott de Hans,
como também de Martinho – um termo estranho, mas que
significa "ídolo," e indica a tendência persistente em
comunidades católicas para focalizar a idolatria de um santo e
de uma imagem concreta em uma igreja concreta, e deixa o
resto da religião aos cuidados de profissionais.
125
Como todo homem teve suas crendices em anjos, doenças,
infortúnios e teve seu santo protetor. Os mineiros tinham a proteção de Santa
123
Ibidem, página 59.
124
Ibidem, página 60.
125
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, página 61.
78
Ana contra enfermidades e desastres repentinos. Ela será citada na hora da
decisão revelatória de Martinho.
De acordo com a caracterologia estabelecida pela psicanálise,
a desconfiança, a escrupulosidade obsessiva, o sadismo moral
e uma preocupação com pensamentos sujos e substâncias
infecciosas vão junto. Lutero teve tudo isto. Uma das primeiras
observações informadas (dos seus dias de estudante) de
Martinho era uma declaração obsessiva clássica: "Por mais
que você se limpe, mais fica sujo."
126
Esta declaração Erikson extraiu do livro de Julius Koestlin, Martin
Luther, página 48. Como, não é de uma fonte direta, não se pode confirmar a
sua veracidade. Mas, em se tratando de obsessividade, pensamentos
obsessivos, por exemplo, na sua prática de confissão, ele a todo momento
procurava o seu superior e mentor, Dr. Staupitz, para confessar pequenas
coisas, a ponto de lhe dizer que só viesse para a prática de confissão se
tivesse algum pecado relevante para ser confessado. Esta é uma característica
de um obsessivo, uma repetição em seu comportamento. A obsessão é o
pensamento negativo que se repete. Ao sentir esta agressividade interna,
passa a se sentir culpado deste sentimento e de forma inconsciente volta a
agressividade contra si mesmo de forma real ou imaginária. Aparecem os
pensamentos negativos que são chamados de obsessões e a sensação de que
algo de ruim vai acontecer. Martinho Lutero voltava repetidamente à presença
de Staupitz para confessar, porque ele não tinha certeza suficiente de ter sido
perdoado.
Alguns biógrafos declaram sem hesitação que o pai de Lutero
inculcou nele aquele medo profundo de autoridade e essas
rajadas penetrantes de teimosia e rebeldia que supostamente o
fizeram ser um menino doentio e ansioso, "triste", quando era
jovem, escrupuloso com uma falta no monastério, e
transtornado com dúvidas e depressões em vida posterior, o
que o fez procurar a pergunta da justiça de Deus ao ponto de
instigar uma revolução religiosa finalmente.
127
Se teve medo das autoridades, foi somente em sua vida de criança,
nos seus primeiros anos escolares, nos quais ele era repreendido,
126
Idem.
127
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, página 63.
79
simplesmente por não usar o latim como idioma; e também por causa das
repreensões recebidas no lar paterno, por sua mãe e seu pai.
Duas declarações de Lutero, freqüentemente citadas, foram
reproduzidas por Roland Bainton: Meu pai uma vez me chicoteou de forma que
eu fugi e senti repulsa voltada para ele que teve de se esforçar para me ganhar
novamente. Minha mãe me açoitou por roubar uma noz até a carne sangrar.
Tal disciplina rígida conduziu-me a um mosteiro ainda que ele significasse algo
bom. (1960, apud ERIKSON, 1958)
Mas nos seus anos posteriores, na sua vivência na torre, o que será
falado mais adiante neste trabalho, naquele momento crucial da Reforma, não
se nota este medo, principalmente quando ele comparece perante o Imperador
e o Papa.
“Em minha profissão a pessoa aprende a escutar exatamente o que
as pessoas estão dizendo; e as expressões vocais de Luther, até mesmo
quando são informadas de segunda mão, surpreendem freqüentemente por
seu valor ingenuamente clarificado.”
128
Bainton baseou suas declarações nas
Tischreden nº 1559, na qual, Lutero fala aos seus comensais que uma criança
não deveria ser golpeada com tanta severidade e diz que ele não gostaria de
açoitar o seu pequeno Hans para ele não se tornar um tímido e vir a odiá-lo
mais tarde. Martinho até mesmo quando estava com medo de seu pai, não o
odiou, pelo menos declaradamente, mas sentiu apenas tristeza.
Eu disse que Lutero não pôde odiar seu pai abertamente. Esta
declaração presume que ele o odiou secretamente. Nós temos
alguma prova disto? Somente a evidência que mente em ação
adiada, e adiada até logo que a explosão final atinja pessoas
estranhas. Em sua vida posterior Lutero exibiu uma habilidade
extraordinária para odiar depressa e de forma persistente,
justificavelmente e de modo injustificável, com dignidade
pungente e com vulgaridade absoluta. Esta habilidade para
odiar, como também uma inabilidade para perdoar esses que
nos seus anos tidos como fracos, para sua mente, impediram-
no, de compartilhar com outros grandes homens.
129
No ano de 1530, em tempos de muita decepção com a comunidade
de Wittenberg, quando ele recusou temporariamente seus serviços de
pregação, reunidos os sacerdotes na Dieta de Augsburg, ele disse: “Não que
128
Ibidem, página 64.
129
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, página 65.
80
eu apresentasse tanta aspiração de proferir uma mensagem. No que me diz
respeito, não queria receber melhor notícia do que minha exoneração do
ministério da pregação. Estou tão exausto por causa da grande ingratidão do
povo e, muito mais ainda, por causa do intolerável fardo com que o diabo e o
mundo me oprime” (1530, apud EBELING, 1988).
130
Eu tenho mencionado duas tendências na relação entre Hans e
Martinho: 1) a ambição econômica dominante do pai dele que
foi ameaçada por algo que (talvez até um crime) feito no
passado e de um sentimento próximo para o assassinato que
ele carregou interiormente; e 2) a concentração da ambição do
pai no filho mais velho, a quem ele tratou com períodos
alternados de violenta crueldade, e de acostumar o filho para si
mesmo em uma maneira que provavelmente pode ter sido
bem pouco sentimental – uma combinação mortal.
131
Esta ambição foi ameaçada a partir do momento em que ele tomou a
decisão de ingressar no mosteiro Agostiniano, e interrompeu bruscamente o
futuro promissor sonhado pelo pai, que era ele se tornar um grande jurista.
Esta entrada no mosteiro sela também as pretensões de ele arrumar um bom
casamento, quem sabe uma maneira de também ascender na sociedade.
Crueldade física, na educação paterna, foi revelada uma vez por Lutero. Pode-
se até conjecturar se esta crueldade também não era verbal. Sabe-se que pais,
quando contrariados nos seus desejos não realizados em relação aos filhos,
podem dizer palavras pesadas.
"Da infância então eu soube ter de ficar pálido e ser invadido
de terror quando ouvia o nome de Cristo; porque eu só fui
ensinado a percebê-lo como um juiz rígido e colérico." O
psiquiatra e o padre – cada um com o seu motivo da própria
aproximação dele – consideram esta declaração o sinal de um
indivíduo excessivamente talentoso, mas instável; e eles
sustentam a opinião deles fazendo referências para dúzias de
teólogos do tempo, nenhum que não enfatize o papel de Cristo
exclusivamente no papel do vingador. E é óbvio que a
declaração de Lutero é muito pessoal, influenciou sua
educação e suas decisões posteriores para enfrentar aquele
aspecto da atmosfera disciplinar e religiosa de seu tempo que
quase o esmagou, e à qual ele se sentia escravizado, não,
claro, pelos profissionais da religião, mas as pessoas comuns
de quem Deus tinha feito tantos assim.
132
130
EBELING, Gerhard. O Pensamento de Lutero. Página 34.
131
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, página 66.
132
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, página 71.
81
A imagem de Cristo lhe produzia espanto e terror, porque não via
Jesus como um Salvador, como um pai, um amigo, e sim um juiz e carrasco.
Ele diz que apenas a menção do nome de Cristo o fazia tremer dos pés a
cabeça. Ele disse certa vez: “Eu muitas vezes me assustei do nome de Jesus;
quando contemplava Jesus na cruz, parecia que me fulminava um raio e,
quando se pronunciava seu nome, preferiria ouvir o do demônio”.
133
O talento
era algo que se nota em sua vida. Um homem que foi capaz de escrever um
livro a cada quinze dias; um homem que foi muito importante para o seu país
por causa de seus trabalhos relacionados com a língua alemã; um homem
talentoso nos seus debates e embates com seus inimigos. Mas, é nítida a sua
instabilidade, as suas respostas carregadas de linguagem fecal, suas tristezas,
etc. Lutero forneceu dados novos para a identificação do homem ocidental, e
designou para ele novos papéis; mas ele colaborou para indicar só uma
identidade feminina nova, a mulher do clérigo – e isto exclusivamente talvez
porque a esposa dele, Katharine de Bora, criou isto com a mesma resolução do
eu inconsciente que a fez se casar com Martinho Lutero.
Tudo isto vem mostrar como a pessoa esquadrinha os milhares
de páginas da literatura de Lutero; a pessoa vem perguntar,
inúmeras vezes: o homem não teve uma mãe? Evidentemente,
não uma mãe muito comentada.
134
Todos os biógrafos de Martinho Lutero afirmam que de sua mãe
pouco se sabe. Não era uma pessoa que se interpunha entre pai e filho. Lutero
mencionou que alguns dos filhos dela choraram sozinhos para a morte, mas
isto pode ter sido um dos exageros dele em suas conversas após o jantar. De
qualquer modo, o que ele estava falando é que estas crianças tinham estado
encantadas por uma mulher vizinha, ou seja, a bruxa, que tanto amedrontou a
infância de Lutero.
O pai parece ter estado reservado e suspeito para o mundo; a
mãe, diziam, estava mais interessada nos aspectos
imaginativos de superstição. Pode ser bem, então, que da mãe
Lutero recebeu naturalmente uma atitude mais aprazível e mais
sensual, e um tipo de misticismo integrado mais simplesmente,
como o que depois achou descrito por certos místicos. Foi
especulado que a mãe sofreu debaixo da personalidade do pai
133
LUTERO, Martinho. WA. 47,590.
134
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, página 72.
82
e, gradualmente, foi amargada; e também há uma sugestão de
que um certo isolamento triste que caracterizou o Lutero jovem
também seria achado na mãe dele que é dito que cantava a ele
uma cantiga: "De mim e de você ninguém se preocupa. Isso é
nossa falta comum."
135
O clima familiar estava condicionado pela presença dominadora do
pai e o contínuo temor do castigo. Assim resultou o ninho ideal para a
incubação da mais completa forma de Complexo de Édipo, é uma peculiar
constelação de desejos amorosos e hostis que a criança vivencia em relação
aos seus pais no pico da fase fálica. Em sua forma positiva, o rival é o genitor
do mesmo sexo e a criança deseja uma união com o genitor do sexo oposto.
Em sua forma negativa, o rival é o genitor do sexo oposto, enquanto o genitor
do mesmo sexo é o objeto de amor. Em sua forma completa, num nível
inconsciente, ambas as idéias coexistem devido à ambivalência da criança e
sua necessidade de proteção. A violência autoritária e despótica do pai tornou
impossíveis as naturais inclinações afetuosas do filho para a mãe.
As reações de Martinho sob a pressão do pai dele constituem o
começo da preocupação de Lutero com os problemas da
consciência individual, uma preocupação que foi longe além
das exigências da religião que foi praticada e acordada para
aquele tempo.
136
Martinho assumiu em si mesmo a composição ideológica das
consciências dos seus pais: ele incorporou a severidade suspeita do pai, o
temor materno da bruxaria e a ansiedade mútua deles com as calamidades a
serem evitadas e com as metas altas a serem alcançadas. Depois ele se
insurgiu: primeiro contra o seu pai, ao se juntar ao monastério; logo contra a
Igreja, ao fundar a sua própria igreja – neste ponto, ele sucumbiu a muitos dos
valores originais do seu pai. Está evidente sua rebeldia, a partir do momento
em que ele ingressou no mosteiro, deixando para trás a carreira promissora em
Direito e tomando esta decisão sem consultar o seu pai e ficando um bom
tempo sem encontrá-lo. A rebeldia contra a sua igreja é questionável, pois
Lutero pensou, segundo ele, debaixo de uma orientação divina, a respeito de
sua própria consciência, tentando resolver as questões relacionadas com a
135
Idem.
136
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, página 73e 74.
83
culpa, com a justificação de sua própria alma, mas ele pensou também em
reformar sua igreja. Será que esse sentimento de Lutero de estar sendo
oprimido pela imagem de um Deus vingador, era compartilhada por outros? A
sua atitude era representativa de toda uma cristandade de sua época? O que
se pode perceber, através de documentos literários e artísticos da época, é a
desintegração da identidade medieval, para o surgimento de uma identidade
burguesa e o aparecimento, também com a Renascença, de uma liberdade
individual, liberdade de expressão.
Nessa época cultivou-se a idéia da morte com tanta
regularidade e com tanta insistência quanto no século XV. Se
nós lemos uma crônica, um poema, um sermão, até mesmo um
documento jurídico, a mesma impressão de imensa tristeza é
produzida por todos eles. Às vezes pareceria como se este
período tivesse estado particularmente infeliz, como se tivesse
abandonado só a memória de violência, de cobiça e ódio
mortal, como se não tivesse conhecido nenhum outro prazer,
mas somente intemperança, de orgulho e de crueldade.
137
Nenhuma outra época colocou tanta tensão como a Idade Média,
disseminando pensamentos de morte. Mesmo a religião, em tempos anteriores,
insistiu constantemente com pensamentos de morte. Desde o século XIII, a
pregação popular das ordens de mendicância trazia esta advertência eterna
para lembrar o tempo todo da esmagadora sensação de morte. E a partir do
século XV, foram acrescentadas às palavras, à mensagem pregada, as
xilogravuras – tão presentes em todas as literaturas desta época – tudo isto
com o objetivo de inculcar nas mentes este pensamento de morte. Quando se
faz uma avaliação de períodos históricos, sempre tem de se ter em mente a
presença de ilhas de ordem auto-suficientes – fazendas, castelos, casas,
universidades, claustros – onde as pessoas que buscam sensatez para suas
vidas consigam viver suas vidas com vigor e decência.
O declínio espiritual do papado e a fragmentação do império
produziu uma redução na perspectiva oficial que estava
orientada a uma salvação eventual e, além disso, produziu um
aumento na rudez e crueldade dos meios empregados para
defender o poder de persuasão que ainda restava na igreja.
Esta é provavelmente a situação que influenciou a infância e
juventude de Martinho.
138
137
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, página 74.
138
Ibidem, página 76.
84
Naquela época, os grandes teólogos baseavam-se no Escolasticismo,
onde a imagem global do homem é de um pecador, com a alma incapaz de
encontrar qualquer identidade verdadeira em seu corpo perecível. Essa
imagem global implica em somente um desejo: diante de um momento incerto,
um fim poderia vir com alguma garantia individual (negada a milhões de outros)
de encontrar compaixão diante da Ira Divina.
Em uma das cartas mais antigas de Lutero, encontra-se sua
manifestação sobre seu relacionamento com a filosofia e a teologia. Esta carta
foi escrita em 1509, durante seus estudos de teologia. Ele disse nessa carta
que, pela graça de Deus ia bem, só que o estudo estava muito exigente,
principalmente o da filosofia, que ele preferiria trocar pela teologia. Nessa fala,
percebe-se que ele fez a sua opção pela teologia contra a filosofia. Lutero, em
contenda com a filosofia dominante de seu período, demonstrou um especial
interesse exatamente aí: abrir para a teologia a genuína compreensão das
Escrituras que foi obstruída pela terminologia e pelo “approach” do pensamento
aristotélico (EBELING, 1986).
139
Foi entre as classes sociais em ascensão, os aristocratas, os
comerciantes e os proprietários, que se desenvolveu uma reação que depois
se tornou o Renascimento. A ideologia desta época está refletida nas telas dos
pintores que representaram seres angelicais abrasadores representando a
morte, principalmente na Itália. Essas duas eras, Renascença e Idade Média,
refletem o conflito interno intrínseco ao homem.
Nós estamos muito distantes de nós mesmos. É importante
compreender que quando o jovem Martinho deixou a casa de
seus pais, ele estava altamente influenciado (de forma
depressiva) por um superego presunçoso, que dava a ele um
senso de identidade que se baseava na premiação superior, à
medida em que ele era mais Martinho do que Lutero, mais filho
do que pai (adulto), mais seguidor do que líder.
140
Conforme o próprio pensamento eriksoniano, ele estava vivendo esta
moratória, este tempo preparatório para se tornar Lutero, o adulto, o homem
pujante que iria revolucionar a Teologia, a sociedade e o mundo. Mas neste
momento de afastamento da casa paterna, ele estava tão somente preparado
139
EBELING, Gerhard. O Pensamento de Lutero. Página 69.
140
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, páginas 76 e 77.
85
para seguir seus professores, seus líderes espirituais. O seu pai Hans o
espancou, o que era próprio dele, um mineiro bronco, sem instrução, o que era
característico do seu passado, enquanto desejava preparar o filho para um
futuro melhor que o próprio presente que ele estava vivendo. Todo este
contexto influenciou e direcionou Martinho para que ele pudesse se tornar o
Lutero.
Os problemas teológicos que ele tinha, enquanto um jovem
adulto, certamente refletiam a peculiaridade de um problema
da relação doméstica com seu próprio pai; mas isso foi real em
uma larga extensão devido a dois problemas, o doméstico e o
universal, os quais foram parte de uma crise ideológica: uma
crise sobre a teoria e a prática, o poder e a responsabilidade da
autoridade moral própria dos pais: na terra e no céu; em casa,
no comércio e na política; nos castelos, nas capitais e em
Roma.
141
Em se tratando de uma transferência, até pode ter acontecido que
os problemas com o pai refletiram em sua religiosidade. Isto fica claro, na visão
que ele possuía a priori de Deus. Um Deus austero, vingativo, sempre pronto a
julgar e condenar o pecador. As dificuldades com o pai, ele transferiu todas
para Deus. Mas isto não explica tudo o que ocorreu com ele dentro do
mosteiro. Na sua individualidade, com sua capacidade reflexiva, tendo uma
mente brilhante, ele próprio fazendo o exame minucioso das Escrituras, pôde
chegar às suas descobertas. Os biógrafos de Martinho Lutero de formação
médica, como Paul Reiter, vão muito longe quando disseram que o seu sistema
nervoso estava questionável no período escolar. É certo que o clima disciplinar
que ele recebeu em casa, na escola, na comunidade e na igreja agiu em sua
mente como algo mais decididamente opressivo do que inspirador. Ele mesmo
dizia que não iria disciplinar o seu pequeno Hans como ele foi repreendido.
A educação é em si mesma repressiva e violenta, como cita Millot,
fazendo referência ao Futuro de uma Ilusão e o Mal-estar na Civilização de
Freud, visando adaptar a criança ao que é aceito socialmente. Ela precisa
aprender desde cedo a dominar seus instintos e a não ter liberdade total. A
educação deve procurar um ponto ótimo de ser a mais benéfica e traumatize
somente o necessário para a criança se defender. O complexo de Édipo é que
141
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, página 77.
86
realiza a estrutura psíquica, segundo a autora, “é a existência da proibição do
incesto o que funda a tese freudiana da natureza essencialmente repressiva da
civilização, bem como a da educação” (1987, pp.121 e 122).
142
Ele culpou essa atmosfera dele por sua qualidade de ser
monge especial, a intensidade dele de escrupulosidade
“monástica," sua preocupação obsessiva com a pergunta de
como alguém na terra pode fazer o bastante para agradar as
várias agências de julgamento – o professor, o pai, os
superiores e, principalmente, a consciência de cada um. Mas
lembre-se, ele se expressou nesta questão depois que ele
quebrou o seu voto e o abandonou com desgosto.
143
Esta preocupação obsessiva por querer agradar aos professores,
seus pais, seus superiores e principalmente sua consciência, é algo que o
levou quase à loucura. A respeito de suas regras monacais, ele falou: o que eu
lhe disse com expressões paulinas, aprendi no mosteiro por experiência própria
e de outros. Conheci muitos que, com uma ânsia e ótima intenção, faziam todo
o possível para tranqüilizarem sua consciência: vergastavam-se, abstinham-se
de comida e água, oravam, afligiam-se, esgotavam com vários exercícios os
seus corpos, até arruiná-los e, sem dúvida, quanto mais se afligiam, tanto mais
atemorizados viviam; e, sobretudo quando chegava a ocasião da morte,
estavam tão covardes, eles que viviam de maneira piedosa. [...] Sendo monge,
procurava com suma diligência viver conforme a regra. (1531, apud, GARCIA-
VILLOSLADA, 1976).
144
II.4. Tudo ou nada: força que move os homens a serem e a
fazerem algo.
Martinho, nesse ponto, não era ainda um profissional religioso.
Ele era um normal, um jovem homem, instruído. Apesar de seu
status cultural, na ordem inicial dos acontecimentos, ele estava
teoricamente para cometer uma auto-infração; porque ao entrar
no refúgio entre o lado de fora e o de dentro das paredes do
mosteiro, renunciava à distinção educacional que havia
adquirido lá fora. E, se viesse a ser admitido, para ficar do lado
de dentro, ele não podia ter certeza de que poderia continuar
sua carreira como um intelectual.
145
142
MILLOT, Catherine. Freud antipedagogo. Páginas 121 e 122.
143
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, páginas 78 e 79.
144
GARCIA-VILLOSLADA, Ricardo. Martín Lutero. Volume I. Pagina 250.
145
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, página 98.
87
Pode-se imaginar que os Agostinianos de Erfurt, que pertenciam à
rigorosíssima congregação das ordens subordinadas da Saxônia, eram um
tanto mais determinados a tornar isto claro do que muitas outras ordens que se
tinham tornado depositárias de um número excedente dos filhos da nobreza
alemã, ou abrigo para escolásticos. Mas quando eles viram Martinho, foram
obrigados a reconhecer nele a sinceridade de uma vocação. E assim, dentro do
mosteiro, no período do anonimato logo a sua frente, ele encontrou uma
manifesta alegria pelo menos por um tempo.
É provável que, em todo o período histórico, de uma certa
forma – e não por recursos os menos dotados - pessoas
jovens não sobrevivem à sua moratória; eles procuram a morte
ou o esquecimento, ou morrem em espírito. Martinho deve ter
visto tal morte de mente e espírito em alguns irmãos, e veio a
se sentir perto disso mais de uma vez.
146
Algumas pessoas hoje em dia buscam ajuda psiquiátrica, ajuda
psicológica – jovens indivíduos, com altivez e em desesperança, de mentes
enfermas, detentores de bens, de boas idéias e de expectativas arrebentadas.
Repetidamente, com certeza, os profissionais na área de saúde mental podem
apenas observar que essa soberba de não ter buscado uma adaptação é um
disfarce, por não terem sido capazes de fazer isso através de um caminho de
volta, um retrocesso (mas nem sempre, de modo algum). Às vezes uma altivez
intensa que dura por muito tempo pode ser localizada, (um orgulho) que torne
muito difícil decidir se a inaptidão para se ajustar a um dado ambiente
disponível, com os meios requeridos por esse ambiente, não tenha significado
também uma má vontade para anteceder a uma nutrição de necessidades
latentes, profundamente sentidas como essenciais ao desenvolvimento
verdadeiro de uma identidade. A dificuldade terapêutica, em tais casos, vai
além das questões sobre a que ambiente um jovem devia ter-se ajustado, e por
que não pôde fazê-lo; e tem mais a ver com o delineamento daqueles meios de
adequação que o paciente pode empregar, sem perder uma conexão interior.
Uma vez que tenha ciência de sua cura e seu objetivo, ele pode ficar bem o
bastante para fazer o ambiente se adaptar a ele.
146
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, página 99.
88
Essa morte de espírito não foi o caso de Martinho. O tempo foi
importante para ele se manter tranqüilo, por meio do ardil de ignorar a
alternância de dia e noite, de períodos de intensa atividade e períodos ociosos;
períodos em que ele se entregava ao trabalho e falava com outras pessoas, ou
se entregava ao mais perfeito isolamento, silêncio e meditação.
Há também, sem dúvida, uma autoconsciência distorcida, a um
tempo caracterizada por vergonha de quem uma pessoa sabe
que já é, e a outro tempo pela dúvida quanto ao que ela deve
passar a ser. Uma pessoa com essa autoconsciência
geralmente não pode trabalhar, não por não ser dotada e
versada, mas porque seus padrões evitam qualquer
aproximação com quem não a faça ficar em evidência;
enquanto que, ao mesmo tempo, tais padrões não lhe
permitem competir, desafiar outras pessoas. Ele assim é
privado de aprendizagens e discipulados que definem dúvidas,
sancionam competição e, por assim dizer, promovem um status
de moratória. Por estas razões, Martinho não pôde continuar
seus estudos, embora sua capacidade posterior para o trabalho
fosse fenomenal, na maior parte do tempo.
147
Erikson diz que uma pessoa nestas condições deve se preservar de
intimidade, pois qualquer aproximação física desperta, ao mesmo tempo, tanto
o impulso que possa levar à união com a outra pessoa, ainda que do mesmo
sexo, como à perda de autonomia, à privação da individualidade. Não foi o
caso de Martinho. No mosteiro ele tinha contatos com Dr. Staupitz, e nem por
isto colocou em risco a sua sexualidade. Quando houver um índice verbal
completo das obras de Lutero, poderá ser feito um cômputo de todas as
referências e expressões sexuais e de suas menções a suas experiências
juvenis. Não se pode pensar em um Lutero assexuado. Como todo homem
normal, ele provavelmente passou – na sua vida infantil, como um adolescente
e jovem, com todos os seus hormônios em dia e na flor da pele – por todas as
tentações, todos os prazeres que a carne pode oferecer ao homem.
“Nada sabemos sobre relações de Martinho com moças, antes de ele
entrar para o mosteiro; mas surgiram palpites sobre escrúpulos auto-eróticos
que voltaram mais intensificados mais tarde.”
148
A respeito da concupiscência
da carne ele disse: “Na minha vida monástica eu me julgava reprovado quando
147
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, página 101.
148
Ibidem, página 102.
89
sentia em mim os desejos da carne, um mau movimento, uma discórdia com
qualquer companheiro do mosteiro, e minha carne chegava a esta conclusão:
você está em pecado. Ensejava muitos alívios, confessava-me diariamente,
mas isto era de pouco proveito, porque sempre retrocedia a concupiscência da
carne; por isso não podia-me tranqüilizar mas me afligia perpetuamente com
estes pensamentos: tenho feito este e aquele pecado. Em vão te fizeste um
religioso e sacerdote; todas tuas boas obras são inúteis (GARCIA-
VILLOSLADA, 1976).
Falando sobre os escrúpulos auto-eróticos, Paul Reiter diz que o
mais provável é que a poderosa força da libido chegou a criar uma válvula de
escape espontânea através da masturbação. Não existem provas certas a
respeito, mas quando Martinho estava dando lições sobre a Epístola de Paulo
aos Romanos, ele falava detalhadamente e por extenso dos diversos modos de
polução, espontânea e não espontânea, o que faz criar uma suspeita de que
ele estava falando de experiências próprias. (1943, apud GARCIA-
VILLOSLADA).
149
Denominaremos partes de uma “identidade negativa” todas as
auto-imagens, mesmo aquelas de natureza altamente
idealística, diametralmente opostas aos valores dominantes da
educação de um indivíduo – o que significa uma identidade na
qual ele tenha sido avisado a não se transformar (o que ele
pode fazer, só que com um coração dividido); não obstante, ele
se encontra compelido a se transformar, reivindicando sua
convicção. Obviamente tal rebeldia pode acarretar uma alta
proeza que, quando juntada a uma tendência coletiva para
rebeldia (como aconteceu com Martinho), pode rejuvenescer,
enquanto rejeita.
150
A perda de um sentimento de identidade expressa-se através da
hostilidade em relação aos papéis que são oferecidos como apropriados e
desejáveis, pelos pais e sociedade, para o jovem seguir. Qualquer aspecto
deste papel requerido, ou todo ele seja masculinidade, feminilidade,
nacionalidade, filiação a algum partido político, a alguma classe social, poderá
se converter no fundamental foco de falta de apreço do jovem. De um modo
geral os conflitos de um jovem encontram expressão não na anulação de
identidade pessoal, mas assumindo uma identidade que Erikson chama de
149
GARCIA-VILLOSLADA, Ricardo. Martín Lutero. Pág. 268.
150
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, página 102.
90
negativa, que é perversamente baseada em todas aquelas identificações e
papéis que nos momentos cruciais do desenvolvimento, foram apresentados
como perigosos ou indesejáveis. Ou seja, o jovem acaba assumindo o papel
que os pais, a sociedade, a igreja apresentaram-lhe como indesejável.
Séculos mais tarde, apareceu na Alemanha um outro jovem
que radicalmente superou Martinho em se oferecer por menos
na escolha de um temporário “Nada”. Um jovem que ressurgiu
igualmente de sua moratória como um líder da nação alemã,
igualando-se a Lutero, pouco em construtividade, e superando-
o totalmente em destrutividade no sistema político. Este
homem, é claro, foi Adolf Hitler.
151
Da infância de Adolf Hitler pouco se sabe, além do que ele ofereceu
ao mundo como parte de sua autobiografia. Que tipo de homem ele era? O
jovem Adolf, que tinha um amigo de sua juventude chamado August Kubizek,
era um bom esconderijo de seu pai que era arrogante, indolente, com
inclinação ao alcoolismo, prostituição e brutalidade. Esse pai estava
determinado a fazer de seu filho um serviçal civil, que tivesse a oportunidade
de ascender ao alto em sua estreita hierarquia. Mas Adolf não teria nada disso,
como ele repete insistentemente no seu “Mein Kampf”. Seu amigo diz que ele
nunca faltou com respeito ao seu pai, mas seguia seu próprio caminho.
Kubizek conta que, quando eram adolescentes, e perambulavam pelas ruas da
cidade de Linz, eles eram tomados pelo humor e começavam a mudar tudo o
que viam. Naquele faz de conta, iam mudando casas, castelos, conjuntos de
residências. E o velho teatro desta cidade era completamente inadequado.
Alguns amigos amantes da arte em Linz haviam fundado uma sociedade para
promoverem a construção de um teatro moderno. Adolf se juntou a esta
sociedade. Durante meses trabalhou nos seus planos e desenhos, e esperava
que suas sugestões fossem aceitas. Ficou tremendamente irado quando suas
sugestões foram todas rejeitadas. E a sociedade resolveu reformar o prédio
antigo e não fazer uma nova construção.
Sobre o seu aparecimento, anos mais tarde, como um ex-
combatente do Exército alemão, e por fim um ditador, ele disse: o que o
homem de 15 anos planejou, o de 50 executou, como se tivessem passado
apenas poucas semanas, em vez de décadas, entre o projeto e a efetivação do
151
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, página 105.
91
mesmo. Os planos que aquele adolescente tinha para sua cidade natal, foram
executados e inaugurados em 1938 (KUBIZEK, 1954 apud ERIKSON, 1958).
152
É descabida a comparação feita por Erikson, colocando Hitler lado a
lado com Lutero. A construtividade de Hitler é ínfima em relação à
construtividade de Martinho Lutero. Ainda que a construtividade dele tenha sido
usada para recuperar sua cidade natal, Linz, o que mais poderia ser dito que
ele erigiu? Ele não conseguiu superar seus momentos de destrutividade, que o
levaram a morte. Martinho Lutero construiu após a sua moratória, e construiu
muito. Uma grande obra foi escrita por ele. Pode-se dizer que a língua alemã é
uma antes e outra depois dele, que ele foi comparado ao Shakespeare em sua
obra literária. Lutero, pode até ter tido um período de destrutividade, mas
conseguiu superar muito bem.
Todavia, se examinar cuidadosamente o período todo de
nacionalismo e invenção que Lutero ajudou a anunciar e o que
Hitler ajudou a trazer para sua crise global, pode-se muito bem
querer reconsiderar a relação entre o desejo de dominar
totalmente de qualquer forma, e o desejo de destruir.
153
Hitler era um guia totalitário, pois ele concentrava o poder em suas
mãos. Utilizando-se de espetáculos de massa – comícios e desfiles – e
principalmente à noite, para impressionar com a iluminação, parecendo rituais
iniciáticos, e também abusando do uso dos meios de comunicação (jornais,
rádio e cinema), ele mobilizou a população por meio do apelo à ordem e ao
revanchismo. Em 1933 ele chegou ao poder por via eleitoral, e foi nomeado
primeiro-ministro, com o apoio de nacionalistas, católicos e setores
independentes. Com a morte do presidente em 1934 ele se torna chefe de
governo, chefe de estado, encarnando o papel de führer, o guia do povo
alemão, criando o 3º Reich (Terceiro Império). Com poderes excepcionais que
lhe foram concedidos, Hitler suprimiu todos os partidos políticos, excetuando o
nazista; dissipou os sindicatos; extinguiu o direito de greve; fechou os jornais
de oposição e censura à imprensa; e, apoiando-se em organizações
paramilitares como AS (guarda do exército), SS (guarda especial) e Gestapo
(polícia política), implanta o terror perseguindo os judeus (que foram eleitos
152
ERIKSON, Erik. Young Man Luther. Page. 107
153
Ibidem, página 108.
92
bode expiatório para todas as crises alemãs), sindicatos e políticos comunistas,
socialistas e outros partidos. As memórias do amigo do Hitler indicam que ele
tinha um medo de que pudesse ser um nada. Ele tinha de desafiar essa
possibilidade tornando-se um tudo. Tudo ou nada é a força que o moveu.
Martinho Lutero tornou-se aos 30 anos também, líder de uma rebelião contra a
Igreja Católica. Sua luta entre a destruição e construção seria travada no
campo teológico. Erikson diz que Lutero pode ter preparado o seu país para a
aceitação de um líder como Hitler no futuro, por causa de algumas traições em
sua pessoa. Pensando neste mesmo enfoque que ele dá em sua obra sobre a
construtividade e destrutividade, comparar estes dois personagens históricos e
culpar Lutero pelo nascimento de um líder tão instável emocionalmente, em
nenhum momento aberto para dialogar, mas para exterminar, é uma injustiça
que se faz a este jovem homem.
O mosteiro, em sua concepção original, é um treinamento
sistemático para a completa aceitação do Nada terrestre, na
participação daquele Tudo. O objetivo da vida monástica é
reduzir, para um absoluto mínimo, o desejo e a vontade de
dominar e destruir. “Eu era santo”, Lutero disse, “Eu não matei
ninguém senão a mim mesmo”. Para esta finalidade, o
mosteiro oferece métodos de se fazer um rebaixamento
meditativo para dentro das colunas dorsais internas da
existência mental, de que o aspirante emerge com o ouro da fé
ou com jóias de sabedoria.
154
Ou seja, o mosteiro funcionava como uma lavagem cerebral, pois o
recém-ingresso tinha de negar todos os seus pressupostos, todo o
conhecimento recebido do lado de fora, e começar vida nova, com toda
orientação recebida dos seus novos líderes. O objetivo desta educação é
quebrar o desejo de dominar e destruir. Isto funcionou no princípio nos
primeiros meses de vida monástica. Líderes ideológicos só podem dominar
seus medos excessivos, reformulando o pensamento de seus contemporâneos.
Pessoas que já nascem para ser líderes, como Martinho Lutero parecem temer
conscientemente só o que de alguma forma todos temem no cerne de sua vida
íntima.
154
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, página 108.
93
A procura de Martinho, como mostra seu completo tratamento
da tempestade, era também mais jovem e mais triste: “aquele
que vê Deus tão zangado não O vê direito, mas olha por uma
cortina, como se uma nuvem escura tivesse sido puxada contra
Sua face”.
155
Ele estava procurando neste presente momento, encontrar na
religião, aquilo que não pôde encontrar no seu pai, a procura por
reconhecimento. Tem uma teoria de Reinoldo Weijenborg, na qual ele diz que a
tormenta, a tempestade do dia 02 de julho de 1505, foi uma montagem teatral
preparada de antemão pelo jovem Martinho. O fato de invocar somente Santa
Ana foi, segundo Weijenborg, um grave delito, pois era o mesmo que
menosprezar a Deus e a Virgem. Mas, compreendendo a fé católica, de
sempre colocar outros, intermediários para se aproximar de Deus, o fato dele
ter invocado a Santa Ana, protetora de sua família, dos mineiros, era algo
perfeitamente natural, pelo fato, da fé católica sempre achar que não pode se
achegar diretamente a Deus, ou quem sabe até a mãe de Deus. Este encontro
face a face é um aspecto de sua religião que devemos entender para conseguir
penetrar na intensa melancolia de sua juventude solitária.
Nesse primeiro relacionamento, o homem aprende algo que a
maioria dos indivíduos que sobrevivem e permanecem sãos
pode ter como garantia a maior parte do tempo. Só os
psicanalistas, pastores/padres e filósofos natos sabem como
penosamente esse algo pode faltar. Tenho chamado de
“confiança básica” esse antigo tesouro; ela é a primeira
característica psicológica, e o fundamento de todas as outras.
Confiança básica em mutualidade é aquele “otimismo” original
que presume que “alguém está aí”, sem o qual não podemos
viver.
156
A primeira expressão de confiança social da criança pequena é a
facilidade de sua nutrição, a profundidade de seu sono e a relaxação dos
intestinos. A primeira realização social da criança, então é a sua voluntária
disposição em deixar a mãe de lado sem sentir muita raiva ou ansiedade, por
ela se ter convertido em uma realidade exterior. Este é o momento quando a
criança começa a fazer uma distinção de quem é a mãe e quem é ela. A
155
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, página 115.
156
Ibidem, página 118.
94
psicanálise chama este processo de diferenciação entre o interno e o externo,
de projeção e introjeção.
Uma tarefa básica de todas as religiões é reafirmar aquele
primeiro relacionamento, pois temos em nós bem
profundamente, uma lembrança descrente, ao longo da vida,
daquela ansiedade verdadeiramente metafísica; “meta”- “atrás”,
“além” – aqui significa “antes”, “caminho de volta”, “no
começo”.
157
O fundador do cristianismo, Jesus Cristo, disse certa vez para um
mestre da lei dos judeus, chamado Nicodemos
158
que se ele quisesse ver o
reino de Deus, deveria nascer de novo. Mas, Ele estava falando de um
nascimento espiritual.
“Eu não conhecia mais o Cristo-criança” (non novi puellam),
disse Lutero mais tarde, ao caracterizar a tristeza de sua
juventude; ele tinha perdido sua infância. Em um momento de
terror, apelou, não para a Madona, mas para a santa padroeira
de seu pai, Santa Ana. Mas ele sempre objetou sobre a
meditação da Madona no então popular esquema de religião.
Ele queria o reconhecimento de Deus. Um longo caminho se
estendeu à frente dele, antes dele poder experimentar, através
de Cristo, mais que através de Maria, a relevância do tema de
mãe e criança em adição à do pai e filho. Então ele pôde dizer
que Cristo estava definido por 2 imagens: uma de um infante
deitado em uma manjedoura”, pendurado nas tetas de uma
virgem” (hangetan einer Jungfrau Zitzen”); e uma, de um
homem sentado à mão direita de seu Pai.
159
Pode-se pensar que Lutero tenha tido dificuldades de entrar com a
realidade do Cristo menino, por estar utilizando um mecanismo de defesa em
relação a sua infância sofrida, cheia de percalços, severidades por parte dos
pais, escola, e depois o rigor do mosteiro. Se ele não estivesse buscando este
reconhecimento de Deus, ele não teria crises, ele não entraria no processo de
depressão, a vida dele seria muito fácil. Mas justamente por se preocupar com
sua própria vida, com a questão da pecaminosidade, não se sentir realmente
perdoado, ele empreende esta busca nas Escrituras, em suas leituras na
epístola de Paulo aos Romanos. Duas imagens ele possuía de Cristo: do
157
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, página 119.
158
Evangelho Segundo São João, capítulo 3.1-15.
159
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, página 119.
95
infante, completamente dependente da mãe, naquele momento, e no outro, ao
lado do Pai, Aquele que já cumpriu Sua missão.
II.5. Primeira Missa e Beco sem Saída: encontro com o pai.
Martinho Lutero tornou-se um monge Agostiniano, uma ordem
mendicante, um simples monge. Essa imagem de simples faz aumentar a
magnitude da subida miraculosa desta autoridade teológica. Mas os Eremitas
Agostinianos estavam longe de ser realmente uma ordem mendicante. E
também do ponto de vista monástico não eram ascetas. Era uma florescente
coligação de mosteiros relativamente ricos. A administração era centralizada
em Roma. Em Erfurt eles ocupavam um campus de 7.500 m
2
, possuíam ricos
campos, vinhedos e imóveis. Eles, os monges altamente instruídos, e Martinho
Lutero, iria se tornar um deles tinham a sua disposição uma classe inferior de
freis, os quais eram mantidos analfabetos e não ordenados.
Lutero, em um impulso súbito, transpôs o umbral do convento de
Erfurt. A vida monástica não lhe bastava para lhe dar paz. As práticas, as
abstenções de comida e água, os cânticos na capela, as rezas prescritas e as
meditações: remédios bons para outros, que não tinham sede tamanha do
absoluto. Mas para uma alma ávida, tumultuada, impaciente de sujeições,
ávida pelo amor divino, todas estas práticas não foram suficientes para lhe
satisfazer, e deixá-lo plenamente realizado, e submisso aos seus superiores
(FEBVRE, 2004).
160
A história do monasticismo expõe um número de variáveis que
podem ajudar a descrever a ordem de Martinho, a qual ele
pertencia, os agostinianos. Originalmente é claro os monges
eram eremitas procurando deliberadamente um estado radical
de prontidão para viver uma vida solitária o que precisa ser
atravessado, mais cedo ou mais tarde sozinho. Mais cedo ou
mais tarde eles se organizavam em grupos de solidão
paralela.
161
Qual a razão que moveu Martinho a escolher, entre as diversas
ordens monásticas, justamente a de Santo Agostinho? Ele conhecia os
agostinianos da Observância. Nenhum convento atraía tanto a atenção dos
160
FEBVRE, Lucien. Martin Lutero: un destino. Pagina 47.
161
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, página 126.
96
moradores de Erfurt, nenhum gozava de tanto renome como o chamado
vulgarmente “mosteiro negro”, o de Santo Agostinho. A pregação e a ciência
sagrada respondiam perfeitamente as aspirações daquele jovem amante dos
livros, que estava resolvendo o problema de sua vida, cumprindo a promessa
feita a Santa Ana, e buscava com muita sinceridade na vida monástica o
cumprimento dos conselhos evangélicos. O monasticismo começou a partir de
total isolamento.
Como disse Bayer em seu livro:
É inquestionável que a vida e a teologia do monge agostiniano
o Martinho Lutero estiveram marcadas pela mais rigorosa
ascese até sua guinada reformatória. Tudo o que é secular e
natural era considerado por ele sob a exigência da
dessecularização: como espaço, tempo e meio para abster-se
de si mesmo e mortificar-se para o pecado como impulso para
buscar em tudo a si mesmo e sua vantagem. Para a exigência
radical, assim como ela se concentra nos votos monásticos do
celibato, da pobreza e da obediência, tudo o que é secular e
natural serve meramente como material e meio necessário
para curvar-se em penitência diária negativamente sobre si
mesmo, para deixar-se reconduzir à sua própria nulidade.
162
Esta reclusão sacrifica a presença aperfeiçoadora dos outros,
impede a comparação e o compartilhamento com os outros, e assim o
indivíduo pode mergulhar em uma forma de vida, que pode levar a loucura. E
esta vida eremítica pode ser tão absorvente, que não permite uma pausa nesta
meditação introspectiva. Eles observavam certo número de horas de
contemplação, e não faziam quase nada de trabalho manual. Este trabalho era
executado pelos seus ajudantes monásticos que faziam de tudo. Eles eram
muito aplicados em seus cânticos, seus estudos, e tinham uma relação muito
próxima com as Universidades.
Outro aspecto da monasticidade se refere às técnicas
escolhidas para aperfeiçoar a alma, e isto pode variar desde
métodos de extrema auto abnegação que reduz o corpo a sua
própria sombra para os extremos da autonegação do serviço
aos doentes e pessoas carentes. Os agostinianos eram
relativamente moderados em prescrever abnegações, (apesar
de que Martinho logo insistia em fazer as suas próprias
exigências, as suas próprias prescrições). Mas eles eram
altamente disciplinados nas observâncias destas regras e
162
BAYER, Oswald. A teologia de Martin Lutero. Página 101.
97
muito bem treinados para o cuidado espiritual e para o
progresso educacional dos outros.
163
Neste tempo, ele se entregou ao silêncio, meditação, orações
litúrgicas no coro, práticas ascéticas e devotas, mortificação do corpo e
humildade no trabalho doméstico, e uma contínua abnegação e obediência à
própria vontade, adaptação a vida monástica e progressivo conhecimento dos
costumes e constituições da Congregação agostiniana. Além de tudo, ele
deveria confessar freqüentemente com pureza, sinceridade, discrição e
humildade, e viver em castidade e pobreza. Como foi colocado aqui no primeiro
capítulo, Martinho encontrou os Irmãos da Vida Comum e os ouviu censurar os
elementos racionais na fé. No convento dos agostinianos ele estudou e
também discutiu e estudou o misticismo, mas ele aderiu ao Escolasticismo, até
o momento de suas descobertas que o levou a conversão e ao rompimento
com isto.
Em resumo, os eremitas agostinianos enquanto pertencentes a
uma congregação monástica, comprometida a observâncias
estritas e geralmente respeitada como tais tentavam combinar
o melhor e o mais razoável da tradição monástica. E é óbvio de
uma vez que mesmo que Martinho tenha desobedecido seu pai
tornando-se monge ele agiu no espírito deste seu pai
escolhendo a melhor escola dentro de seu horizonte.
164
Martinho não escolheu um convento qualquer, mas sim um de uma
classe média alta. Todo mundo pertencia ao universo católico; e tornar-se
monge constituía-se simplesmente achar uma condição adequada dentro da
categoria imperial católica, que incluía em suas obrigações, diplomacia,
comando, amparo social em países, condados, cidades e vilas, ministração
espiritual; e o desenvolvimento de uma vida ascética e salvação pessoal.
Mesmo que ele tenha desobedecido ao seu pai, deixando para trás
uma carreira promissora em Direito; deixou para trás quem sabe um
casamento com uma moça de posses; ele soube escolher no momento, uma
carreira religiosa, que pudesse lhe dar proeminência. Portanto, consciente, ou
inconscientemente, os desejos paternos, estavam internalizados em sua
pessoa.
163
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, página 127.
164
Ibidem, página 128.
98
O fato que Lutero tomou sobre si a latente melancolia de sua
idade e os problemas espirituais de sua teologia marca ele
como membro de uma minoria ideológica, talvez mesmo um
tanto neurótica. Entre os agostinianos de seu tempo, ele foi um
estranho, notável, e às vezes questionável monge.
165
Um inadaptado social sempre será visto como o mais neurótico. Não
que existam apenas alguns neuróticos. Todos o são: uns mais, outros menos;
tem aqueles que são corajosos, e assumem mais as suas neuroses diante dos
outros. Martinho não foi dissimulado; ele pagou o preço por viver a vida
intensamente. Por isto, as coisas são tão visíveis na vida dele, e também o
interesse dos historiadores de escreverem sua biografia.
Do ponto de vista sociológico não é inteiramente claro o que a
escolha de Martinho, de um treinamento monástico básico,
devia ter provocado tal escândalo ao seu pai, ou uma decisão
tão dramática por parte do filho. Somente se nos lembramos
que seu pai desejava que ele fosse politicamente ambicioso,
em um novo sentido secular em vez de espiritualmente bom,
podíamos entender que Martinho estava escolhendo uma
identidade negativa quando ele decidiu tornar-se monge; e ele
logo se satisfazia em mais contrariedade tentando ser um
monge melhor que outros monges.
166
Pensando do ponto de vista eriksoniano, ele estava entrando em
uma identidade negativa, pois estava fazendo o oposto idealizado pelo seu pai.
Se seu pai tinha pretensões que ele perpetuasse seu nome, ele estava
sepultando esta pretensão, entrando no mosteiro, já que ele estava assumindo
uma vida celibatária, apesar da existência de mulheres que possuíam o título
“Senhora Vigário”.
A princípio ele foi instalado na casa dos visitantes dentro dos muros
da propriedade, não dentro da clausura. Aqui ele recebeu do pai a permissão
para sua entrada no mosteiro. Após, ele recebeu a aprovação da comissão de
admissão, e foi aceito para ficar por um ano que seria um tempo de prova para
a sua admissão definitiva. “A recepção iniciou-se com uma confissão geral ao
prior pessoalmente, e um corte de cabelo, mas sem tonsura.”
167
E o prior lhe
dizendo todos os rigores pelos quais ele iria passar, e se ele estava disposto
mesmo assim a ingressar na ordem. Esta entrada a vida monástica, significava
165
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, página 128.
166
Ibidem, página 129.
167
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, página 129.
99
uma doutrinação a qual não significava apenas a apreensão de novos
conteúdos e pensamentos, mas um processo de recondicionamento completo,
ou seja, uma lavagem cerebral.
Para um jovem homem da sinceridade apaixonada de Martinho
em perigo, como possivelmente ele estava de uma regressão
maligna (e Lutero admitiu mais tarde, que esta possibilidade
existia) ou ao menos de tentações transtornantes, a imersão
num ambiente bem organizado o qual assumia de minuto em
minuto decisões a respeito do que é bom para a causa comum
e como algo e o que é mal, podia ter sido sentido pelo Lutero
uma repetição em grande estilo da primeira orientação
maternal. E de fato, Lutero disse mais tarde, “No primeiro ano
no mosteiro o diabo é bem quietinho”.
168
A cela que lhe foi dada possuía pouco mais do que três metros
quadrados. A porta nunca poderia ser fechada, e com uma grande abertura
nela, para inspeção sem hora marcada, com uma janela demasiadamente alta,
que impedia a visão do que acontecia do lado de fora. Tem uma mesa, uma
cadeira, uma lâmpada, um catre com palha e um cobertor de lã. Não pode ser
aquecido o recinto, e não existe nenhuma ornamentação, nem o morador da
cela poderia dar o seu toque pessoal ao lugar, para não chamar a atenção dos
sentidos. O jejum não era apenas privação de alimentos, mas privação também
de sentidos.
Este ambiente abre amplitude individual às vozes contraditórias
em seu interior, e, portanto faz com que ele agarre por assim
dizer mais avidamente qualquer caminho em direção a uma
nova identidade que é oferecida. Não somente o que é posto
para dentro, mas também o que vai sair precisa ser regulado.
O futuro orador precisa em primeiro lugar aprender o
silêncio.
169
Dentro de sua alcova nem uma palavra poderia escapar, nem
mesmo uma oração audível. Somente o mestre dos noviços é que poderia
adentrar o recinto, e se comunicar com ele por meio de sinais. Conversas
particulares somente com licenças e assistidas pelo superior, para não se
tornar um mecanismo de fuga para o pecado da jactância ou zombaria,
bajulação ou fofoca. Em certo sentido, toda esta disciplina monástica
168
Ibidem, página 130.
169
Ibidem, página 131.
100
proporcionou a ele momentos ricos de meditação, e em se tratando de uma
mente brilhante e privilegiada como a de Martinho, ele não perdeu esta
oportunidade para se tornar o grande Lutero.
Durante o primeiro ano, a tarefa de ajustar-se ao novo ciclo, de
estar acordado ou descansando, superpunha-se a usual
alternância de dia e noite, e a obrigação que absorvia as regras
detalhadas e sua observância com suas justificativas
tradicionais, ocupavam-no bastante tempo e atenção para criar
uma moratória, durante a qual meditações individuais e
escrúpulos eram esquecidos.
170
Era uma vida tão intensa de atividades, que não sobrava muito
tempo livre para pensar. Para esse sistema de doutrinação, que pode ser
chamado também de lavagem cerebral, para não minar este processo, deveria
ser assim: não ter tempo livre, para não pensar, não ter esclarecimentos a
respeito de dúvidas.
Mas faz sentido que um homem jovem como Martinho durante
a primeira fase de sua experiência, julgasse que todo este
arranjo da prisão que ele mesmo escolheu achasse nisto um
silêncio salutar; um sistema bem vindo de nomear e comunicar
preocupações maldosas ou maléficas e uma disciplina
devocional para sua voz cantante (a sua esfera “livre de
conflito” de expressão), tudo isto permitia a ele de postergar
como uma moratória deve decisões fortemente explosivas.
171
Experimentar a quietude do claustro; levar em uma cela uma vida
toda de rezas e meditações, regulada pela campainha, guiada em seus
detalhes pelos seus superiores prudentes e veneráveis: em um meio tão puro,
tão santo, tão claro, a podridão do pecado não podia exalar. Martinho Lutero
deveria sentir prazer nos momentos dos cânticos, pois a sua vida demonstra
que ele se dedicou à música. E não era um qualquer nesta área, mas conhecia
com profundidade.
O propósito desta doutrinação objetiva separar o indivíduo do mundo,
o tempo suficiente para que seus valores se desconectem de seus desígnios e
pretensões. O processo deve criar nele novas convicções suficientemente
profundas para substituir muito daquilo que ele apreendeu na infância, e
170
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, página 132.
171
Ibidem, página 133.
101
praticou na juventude. Este adestramento, esta catequização tem que suceder
por meio de um tratamento de choque, porque a finalidade dele é trocar ou
recolocar em um tempo breve, tudo aquilo que foi assimilado na educação
anterior, que cresceu com ele ao longo de muitos anos.ao mesmo tempo que
esta doutrinação tem que ser contundente em suas privações, deve ser
também estimulante.
É razoável pensar que o final da adolescência é o melhor
período de qualquer grupo de idades, são os melhores sujeitos
para a doutrinação; porque na adolescência um realinhamento
ideológico está necessariamente sendo processado e um
número de possibilidades ideológicas estão esperando para
serem ordenadas hierarquicamente seja pelas oportunidades,
seja por lideranças, seja por amizades.
172
Em nenhuma outra idade, em nenhum outro período o indivíduo se
sente tão exposto as manifestações anárquicas e seus impulsos; em nenhum
outro momento ele precisa tanto de pensamentos sistematizados e palavras
valorizadas para dar um aspecto de ordem ao seu mundo interior. O
adolescente é susceptível a esse rigor ascético, se estiver na companhia de
amigos. Porém se ele estivesse sozinho enfrentando a si mesmo, seu corpo,
suas contemplações ele não se disporia a este tipo de vida. Um homem
desprovido de oportunidades de nortear-se a si mesmo no mundo pode tornar-
se um escravo de seus próprios pensamentos, desvarios, de convicções que
deseja manter a qualquer custo.
“Durante o treinamento básico o melhor se mostra em muitos
instrutores e o pior em outros.”
173
Todos aqueles que se prestam a este papel
de instrutor neste processo de doutrinação demonstram essa ambivalência de
valores. Alguns instrutores neste processo tem a oportunidade de demonstrar o
seu melhor, e outros intensificam, colocam para fora toda a sua perversidade,
toda a sua podridão.
Um ano após a sua recepção, Lutero foi admitido para a
“profissão”. Novamente ele foi conduzido diante do prior, diante
do altar. “Agora você tem que escolher um ou outro: deixar-nos
ou renunciar o mundo... mas Eu tenho que adicionar a isto,
uma vez que você comprometeu-se a si mesmo, você não é
172
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, página 134.
173
Ibidem, página 136.
102
livre, por qualquer razão que seja de jogar fora o jugo da
obediência. Pois você o aceitou voluntariamente enquanto você
ainda estava livre de descartar.”
174
Após a sua profissão é dito a ele que foi designado para ser um
clérigo. Isto era algo previsível em se tratando de um Monge Agostiniano
daquele tamanho, do mesmo modo, como mais tarde ele foi selecionado para
ser um professor. Em nenhum dos casos ele podia escolher o seu caminho, e
nem poderia esboçar alguma reação. Isto foi o primeiro passo para além do
seu voto original. Nesta época ele estava livre de tentações tanto quanto
possível, e a sua vida era minuciosamente organizada.
No sentido psiquiátrico faz sentido que sob tais condições um
jovem homem como Lutero com os problemas latentes, mas
com um desejo honesto de evitar rebelião contra o ambiente
que cuidava de tantas de suas necessidades, esse jovem
reprimia sua natureza rebelde pelo desenvolvimento gradual de
seus estados obsessivos compulsivos caracterizados por alta
ambivalência.
175
A preparação para o sacerdócio incluía o estudo das obras sobre os
conceitos principais do Catolicismo. Lutero, segundo parece, estudou pouco
em Erfurt os grandes sistemas escolásticos do século XIII. Parece haver
permanecido estranho ao tomismo. O que levou, aparte de alguns místicos, e
principalmente de Tauler, o que lia era sobre o Comentário sobre as Sentenças
do nominalista Gabriel Biel, aquele que introduziu o occamismo na Alemanha,
era chamado “o rei dos teólogos”. Na sua velhice, Lutero se orgulhava de saber
de memória páginas inteiras deste doutor.
O que encontrava Lutero nos escritos de Biel, para lê-los com
tamanho ardor de encontrar neles uma saída para suas dificuldades? Biel
almejava em primeiro lugar, posto que as implicações do pecado original se
fazem sentir sobre todas as regiões ignóbeis, sobre as potências inferiores da
alma do homem, a razão e a vontade seguem sendo, mais ou menos iguais,
tão somente com as forças de sua natureza, observar a lei e cumprir as obras
prescritas, se não “segundo a intenção do legislador”, pelo menos segundo “a
174
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, página 136.
175
Ibidem, página 137.
103
substância do feito”. E depois que, com somente essas mesmas forças, o
homem pode amar a Deus acima de todas as coisas (FEBVRE, 2004).
176
Uma obra de Biel que agitou intensamente com Lutero foi o Canon
da Missa. Esta obra foi preocupante para ele porque se tornou claro até que
ponto ele tinha que adotar a suprema importância do sacerdote que transmite
aos outros a autêntica presença de Cristo, e a real essência de Seu sacrifício
de sangue.
A tendência de Martinho para pensamentos obsessivos
baseado no fato que o valor supremo do sacerdote depende do
seu status interior com o qual ele se aproxima da cerimônia e
sua atenção dos procedimentos em si. [...] Porém, para
Martinho, todas as regras gradativamente se tornavam um
tormento.
177
Biel deixou claro que somente a suspeita de um pecado mortal não
confessado poderia impedir o sacerdote, em qualquer dia de se aproximar da
Missa; somente uma recusa consciente de suas atividades devia afastá-lo de
conduzir a missa. Mas, uma vez iniciada a celebração nem mesmo um
pensamento repentino poderia interferir em sua conclusão dos trabalhos. Um
sacerdote protegido como ele era de muitos dos males do mundo, pelo fato de
estar enclausurado, e equipado com caminhos de acesso da graça pela
confissão, é suposto que ele podia dominar as regras, e não o contrário. “A
primeira Missa de um sacerdote era uma graduação de importância única. Por
isso, a celebração era planejada e sua família, de acordo com o hábito era
convidada a participar.”
178
Os biógrafos não dizem se a mãe de Lutero foi
convidada para comparecer neste evento; é perfeitamente possível que
somente os parentes masculinos eram esperados. Martinho convidou o pai, o
qual respondeu positivamente, a este convite, dede que o monastério
adaptasse o seu calendário ao dele. Ele chegou no dia combinado e ainda
levou uma contribuição de vinte moedas de ouro como contribuição para a
cozinha do mosteiro.
Lutero tinha convidado entre outros, seu amigo espiritual Johannes
Braun, o professor Wigand Güldenapf, seu tio avô Konrad Hutter de Eisenach.
176
FEBVRE, Lucien. Martin Lutero: Un Destino. Página 48,49.
177
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, páginas 137 e 138.
178
Ibidem, página 138.
104
Até mesmo sua mãe e irmãs teriam sido permitidas entrar neste ambiente
masculino. Porém não é conhecido se elas estavam entre as vinte pessoas
que Hans Luder trouxe com ele. Se elas tivessem participado deste evento,
Lutero com certeza haveria de dizer mais tarde.
“Existe certo número de versões a respeito dos dois eventos
decisivos desse dia: O ataque de ansiedade de Martinho durante a Missa, e o
ataque de cólera em voz alta do Hans durante o banquete que se seguiu.”
179
Lutero contribuiu para a importância destes eventos,contando coisas que só
aconteceram em conversas, ou foi fruto de sua imaginação. É claro que o seu
crescimento no meio dos mineiros, favoreceu essa tendência aos exageros.
“Então, em primeiro lugar, a Missa. [...] Neste momento, quando ele
tinha que mediar entre o pai e o Pai, ele ainda se sentia forçado entre as duas
obediências.”
180
Lutero pode não ter querido este momento na sua vida, por
temor. Ele tinha diante dele a Eucaristia e atrás, a presença do pai. A primeira
missa era um acontecimento célebre realizada com muita alegria, e presentes
para o novo padre, que Lutero recusou rigorosamente segundo o relato de
Brecht. Na sua frente estava a graça incerta da Eucaristia; e atrás dele, a ira
potencial do pai.
Pode-se aprender algo sobre os sentimentos do jovem padre
olhando para a carta que ele enviou para Braun, convidando-o para este
momento. Ele diz que é miserável, um pecador desmerecedor que veio do pó,
chamado a bondade abundante do glorioso Deus que é santo, em todos os
seus trabalhos para esta alta tarefa, e ele reconhece a responsabilidade de
cumprir com gratidão no coração o ofício que foi dado a ele. Estes protestos
humildes da sua indignidade vão além do que era habitual. Lutero tinha medo
da tarefa nova. Ele provavelmente tinha uma alta concepção do ofício do
sacerdócio, e não tinha certeza se poderia cumpri-lo fielmente (BRECHT,
1993).
181
A longa história da Eucaristia serviu para confundir seu
significado mais do que esclarecer. Ela iniciou em tempos de
Paulo como uma refeição altamente devocional para
comemorar aquela Páscoa que se mostrou a última Ceia. Com
179
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, páginas 138 e 139.
180
Idem.
181
BRECHT, Martin. Martin Luther. Page, 72
105
uma ceia ritual, ela é extremamente uma versão extremamente
sublimada de uma longa série de sacrifícios de sangue e rituais
culminando no devorar de carne, primeiro humano depois
animal, com o propósito de um reabastecimento mágico e
espiritual.
182
Os relatórios variam sobre a identificação particular onde Lutero
encontrou o grande medo, mas que isto era em toda parte é claro. Ele se viu de
repente na posição de ter que falar com Deus sem um mediador. Ele quis
correr para longe do altar, quando ele se sente diante da majestade de Deus
sem Cristo como Seu mediador. Na Eucaristia original a comunidade dava
graças, comiam do mesmo pão e bebiam vinho do mesmo cálice, assim
relembrando como Cristo pediu a eles, que o fizessem lembrando-se de Sua
morte sacrificial.
Bastante simbólico é o fato que o nome desta comunhão primitiva
mudou de Eucaristia, que significa dar graças, para Missa, que significa a
demissão do inútil.
É verdade que Paulo achou que mais pessoas estavam
doentes ou adormecidas, do que capazes de alguma disciplina
introspectiva; e assim, a gente pode argumentar muito bem que
de um ponto de vista de psicologia da massa, a primeira
Cristandade exigia demais de muitos. É óbvio também que
nosso neo-paulino Martinho Lutero, exigia demais de seus
contemporâneos e de si mesmo; que finalmente, a Igreja
Luterana estatal foi o melhor que se podia alcançar nas
circunstâncias históricas e pessoais.
183
Os maiores avanços em consciência humana são feitos por aqueles
que pedem demais, e assim acenam a situação na qual seus seguidores super
exigidos acabam ou como envolvidos ou autoritários. As questões envolvendo
a Eucaristia, a missa, foram motivos de grandes debates posteriores entre os
reformadores sobre a transubstanciação e a consubstanciação. Todas estas
idéias parecem ter estado longe da consciência e dos pensamentos de
Martinho Lutero neste dia da primeira Missa. Mas suas obras posteriores e
seus atos testemunham que de alguma forma rudimentar essas idéias já
estavam embrionárias em sua mente.
182
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, página 140.
183
Ibidem, página 143.
106
Já foi colocado aqui que este momento da primeira missa
representou para ele uma ameaça, uma opressão o fato de enfrentar
diretamente a Deus sem um mediador. Mas um outro encontro ameaçador foi a
presença do pai terrestre. Ele ainda não tinha encontrado com seu pai desde
aquela visita impulsiva em sua casa; ele ainda não tinha enfrentado o seu pai
face a face. Será que ele previa que seu pai ainda não estava refeito de sua
desobediência, em relação às suas pretensões?
“Não se pode negar que o Martinho pediu isto – ele não podia deixar
seu pai avançar mais do que o pai o deixou avançar. Martinho sabia que ele
não ganhou o gantzen Willen, sua vontade inteira.”
184
Durante a reunião que
tiveram após a cerimônia, ele relatou em suas Conversas à Mesa, que
começou a conversar com seu pai no que ele perguntou por que seu pai
resistiu tão duramente e ficou tão bravo quando ele resolveu se tornar um
monge? Seu pai respondeu em frente de todos os doutores, magistrados e
convidados, questionando se eles não conheciam as Escrituras, que
mandavam os filhos honrar pai e mãe? E como os outros na mesa começaram
a debater com ele, Hans disse aquilo que pode ser considerado uma maldição:
“Deus queira que não tenha sido uma aparição demoníaca”, se referindo à
tempestade na estrada de Erfurt que ele chama de estrada de Damasco do
Martinho.
Martinho foi julgado de volta nesta sua primeira missa, e no conflito
com seu pai, durante o banquete preparado para os convidados, às suas lutas
pueris, a respeito de sua submissão em relação ao seu pai, e também sua
identificação com ele. Esta regressão e esta personalização de seus conflitos
custaram-lhe a crença na maneira da vida monástica, e a crença a seus
superiores, que durante este primeiro ano, tinham sido um apoio. Ele estava
sozinho também no mosteiro, e logo seu comportamento seria crescentemente
incompreendido.
Mais tarde quando Lutero se tornou seu melhor e seu pior
advogado, ele escreveu alguns tratados magníficos nos quais,
respirava um novo espírito, um novo matrimônio. Com
184
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, página 144.
107
polêmicas ele empurrava para o lado, os antigos fatos e teorias
mais do que resolve-las.
185
Em que tarefa acadêmica se ocupou Martinho após a sua
ordenação? Cria-se até pouco tempo que toda a sua ocupação havia sido do
estudo da teologia, iniciado talvez em 1506. Porém pelo menos durante os
anos de 1507 e 1508 a sua principal tarefa foi os ensinamentos de filosofia. É
certo que, ele dedicou-se à leitura das obras de Santo Agostinho e dos
escolásticos; e aos estudos das Escrituras.
“Parece inteiramente provável que a vida de Martin às vezes
aproximava-se daquilo que hoje em dia poderíamos chamar de um estado
psicótico borderline em um jovem com adolescência prolongada com conflitos
infantis re-despertados.”
186
O que vem a ser uma personalidade borderline,
uma personalidade fronteiriça? Os pacientes borderline situam-se no limite
entre a neurose e psicose, e caracterizam-se por afeto, humor, comportamento,
relações objetais e auto-imagem extraordinariamente instáveis. Eles quase
sempre parecem em estado de crise. As oscilações de humor são comuns.
Eles podem mostrar-se briguentos num momento, em outro deprimidos, e em
outro não sentir coisa alguma. Os borderlines não suportam a solidão, e
preferem uma busca desenfreada por companhia. Repetidamente queixam-se
de sentimentos crônicos de vazio, tédio, de falta de um senso de identidade
consistente e,quando pressionados, do quanto sentem-se deprimidos a maior
parte do tempo, a despeito da aparente exuberância de seus afetos. Eles têm
habilidades extraordinárias para o raciocínio. (KAPLAN, 1990).
187
Foram criadas representações de ambos os lados a respeito da
personalidade de Martinho Lutero. Poder-se-ia dizer que ele tinha alguns traços
de um borderline. Mas profissionais da área de saúde mental, dizem da
dificuldade de se diagnosticar os pacientes borderline. Portanto, quando
Erikson coloca que ele às vezes aproximava-se deste estado psicótico, ele
pode estar equivocado. Olhando para as características desta personalidade,
identificamos algumas em Martinho. Ele parecia sempre estar em crise, sim,
185
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, página 146.
186
Ibidem, página 148.
187
KAPLAN, Haroldo I. Compêndio de Psiquiatria. Página 462.
108
mas em relação ao estado de sua alma, antes da vivência da torre. Foi
necessário ele ser briguento em alguns momentos. O período de vida dele,
exigia esta característica, pois ele foi chamado para fazer uma reforma, e tinha
que defender suas idéias, em um tempo, que ele estava com uma ameaça real
de morte. Se o borderline não suporta solidão, o mosteiro foi lugar errado para
ele buscar refúgio. Ele não possuía esta característica, pelo menos quando
jovem. Ele passou no mosteiro por muitos momentos de solidão em sua cela,
somente na companhia de seus livros em meditação.
Ele foi etapa por etapa sendo elevado nas posições de
responsabilidade no sacerdócio, comando e cátedra. Quando ele se tornou o
reformador, ele já não era um simples monge, mas um prior, um vigário distrital
que administrava onze mosteiros, e professor de teologia. Isto fala a favor da
sua saúde mental e intelectual que ele pode preencher todos os requisitos
necessários para ascender em sua carreira monástica. Pelo menos por mais de
uma década, as preocupações fanáticas consigo mesmo ficaram em segundo
plano.
Ao mesmo tempo, um sistema teológico de auto-afirmação
crescente foi fundado em cima de fragmentos de mudanças de
ânimo e pensamentos intuitivos, que mais tarde achavam o seu
clímax, assim como sua unificação conceitual na famosa,
“vivência da torre”. [...] No mosteiro todos os três fatores – seu
senso de identidade, seu potencial para intimidade, e a
descoberta de suas forças generativas – eram obstinadamente
engajadas na luta de vida ou morte para este sentido da total
justificação, os quais, ambos, o pai e o Pai lhe negaram, e sem
a qual o homo religiosus não tinha identidade nenhuma.
188
Apesar dos tradutores terem traduzido o termo Turmerlebnis
189
como
“Experiência da Torre”, conversando com o Dr. Gilberto Francisco Loibel,
catedrático em matemática da USP, e de origem alemã, ele disse que esta
palavra seria mais bem traduzida por “Vivência da Torre”. Vivência é um termo
que, expressa melhor o que realmente aconteceu naquela torre.
188
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, página 149.
189
A “Turmerlebnis” de Lutero é chamada assim porque aconteceu na torre da Abóbada Preta
do claustro em Wittemberg (depois a casa de Lutero) em uma data indeterminada entre 1508 e
1518. Este relatório de uma conversação a mesa também indica a descoberta da explicação de
Lutero do que aconteceu em um quarto aquecido (hypocaustum) que uma variante (Nº 3232 a)
chama “o lugar secreto dos monges” e outras variantes (Nº 3232 b, cf. também Nº 1681 em
WA, TR 2) parece chamá-lo de latrina (cloaca). Aqui o significado do cl. Foi assunto de debate,
alguns discutem que significa “cela” ou “escritório ou cabido” em lugar de cloaca.
109
Pesch, na narração autobiográfica a respeito, a de 1545 conhecida
como o grande autotestemunho sobre o Turmerlebnis, a respeito do sentido
teológico de Romanos 1.17 sobre a justiça de Deus no comentário do De spiritu
et littera, de Santo Agostinho, nada precisa sobre a genesis de tal achado
hermenêutico no reformador. Lutero afirma ter encontrado ali, nos escritos de
Santo Agostinho, a justiça imputativa de Cristo, que haverá de constituir o miolo
doutrinal de sua teologia da justificação pela fé (1961 apud MONTES, 1987).
190
Nas Tischreden Lutero pronunciou estas palavras a respeito da
Turmerlebnis que foram transcritas entre os dias 9 de junho a 21 de julho de:
As palavras ‘íntegro’ e ‘retidão de Deus’ golpeou minha
consciência como um raio. Quando eu as ouvi estava
excessivamente apavorado. Se Deus é íntegro [eu pensei], ele
tem que castigar. Mas quando pela graça de Deus eu ponderei
em cima destas palavras, na torre e quarto aquecido deste
edifício. ‘O justo viverá por fé’ [Romanos 1.17] e ‘a retidão de
Deus’ [Romanos 3.21], eu logo cheguei a conclusão que se nós
como íntegros, deveríamos viver da fé e se a retidão de Deus
deveria contribuir para a salvação de todos os que crêem,
então a salvação não será nosso mérito mas a clemência de
Deus. Meu espírito se alegrou assim. Pois está que pela
retidão de Deus estamos justificados e salvos por Cristo. Estas
palavras [que antes me terrificava] agora se tornaram mais
agradáveis a mim. O Espírito Santo desvendou a Bíblia para
mim nesta torre.
191
Para Erikson, seria difícil fazer uma descrição de Martinho dos anos
médios do monastério como sendo um grande jovem homem, apesar dos
biógrafos protestantes descrevê-lo. Seria mais fácil falar dele como um jovem
doente que mais tarde, superou seus problemas e pôde se tornar um grande
homem. Martinho foi um grande jovem com suas doenças. Até que ponto a
humanidade suporta seus grandes homens com doenças e algumas coisas
mais?
“Nenhum curso de treinamento inventado especificamente para
intensificar tensão neurótica num jovem como Martinho poderia ser mais efetivo
do que o treinamento monástico do seu tempo.”
192
Mais tarde Lutero citou que
ele viu outros se tornarem insanos e que ele sentia que isto poderia acontecer
190
MONTES, Adolfo Gonzalez. Reforma Luterana y tradição católica. Pagina 172.
191
TAPPERT, Theodore G. LUTHER’S WORKS, Volume 54, Table Talk. 3232 c, Pages 193,
194.
192
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, página 150.
110
com ele também. Qualquer doutrinação que poderia ser chamada também de
lavagem cerebral abrange perigos que destroem alguns e levam outros a
transcendência suprema.
Como método radical de cura somente pode se dizer que a
psicanálise, somente ajuda aqueles que são suficientemente
bons para tolerar o método e suficientemente inteligentes para
ganhar com ele a sina e abaixo dos sintomas de cura. Como
uma experiência intelectual, porém, ele é como semelhante a
outros métodos ascéticos em levantar especificamente e dando
acesso a certos recantos da mente que de outra maneira estão
totalmente removidos do nosso domínio consciente.
193
Quem é analisável? O Simpósio de Copenhague mostrou uma
tendência geral a estreitar as indicações do tratamento psicanalítico, que tomou
forma mais definida neste conceito de analisabilidade, que foi introduzido por
Elizabet R. Zetzel, uma das representantes mais aprovadas na psicologia do
ego. Ela fez uma longa investigação sobre a transferência e a aliança de
terapêutica. O seu ponto de partida é que as relações de objeto se
estabelecem antes da situação edípica e são de natureza diádica, pois na
etapa pré-edípica do desenvolvimento a criança estabelece uma relação de
objeto bi-pessoal com a mãe e com o pai, que são independentes entre si.
Para Zetzel, a neurose de transferência reproduz o Complexo de Édipo,
enquanto que a aliança terapêutica é pré-genital e diádica. O estabelecimento
de uma firme relação de natureza diádica com a mãe e o pai
independentemente cria as condições para estruturar e, no melhor dos casos,
resolver a situação edípica, sobre a base da confiança básica de Erikson, já
que equivale a possibilidade de assinalar a realidade externa da interna. Essa
aptidão de discernimento é acompanhada de uma tolerância aceitável frente à
angústia e à repressão do complexo de Édipo, abrindo-se assim a possibilidade
de abdicar dele e superá-lo. As pessoas que não puderem cumprir essa
caminhada decisiva do desenvolvimento serão consideradas inaptas para
passar pelo processo de análise.
Tomemos, por exemplo, o problema da tristeza de Martinho. Certo
tipo e grau de tristitia são quase que uma exigência para o monge; alguns
indivíduos eram mais inclinados a tristitia, outros medos, e por esta boa razão
193
Ibidem, página 153.
111
era necessário uma atitude disciplinada e compartilhada.
194
Esta disciplina
significa que ele não deve deixar de estar atento aos fatos que o leva a tristeza,
e deve fazer uma reflexão a respeito do que o deixa melancólico. Ele, portanto
tinha que desenvolver uma auto observação metódica através da meditação e
confissão. Ele deveria cultivar uma suspeita sistemática dos motivos que
pudesse levá-lo a pecar, sem ser demasiadamente escrupuloso ou masoquista,
buscando uma auto-condenação.
Alguns jovens extraordinários, que se enjaularam em algum
canto ordinário da vida como Martinho o fez no mosteiro, e que
se envolveram em barricadas compensações compulsivas
massivas, somente podem escapar de sua prisão fortificada
tornando-se aparentemente muito pequenos e muito
escorregadios.
195
Um devotamento severo pode desenvolver junto com uma neurose
mista composta de fragmentos de neuroses, que pode chegar a fronteira da
psicose. E assim Martinho começou a incomodar os seus preceptores. Ele
tornou-se susceptível aquela união de irritabilidade e hipersensibilidade da
consciência que conduz a difusão de identidade. A confissão era um exemplo
disto. Ele era tão meticuloso na tentativa de ser verdadeiro que ele tinha
capacidade de detalhar cada intenção, cada ato. Ele relatava tentações em
seqüência histórica, iniciando na sua infância; e após ter confessado por horas
a fio, ele pedia uma nova audiência para corrigir afirmações anteriores.
Este comportamento fez com que seu preceptor o ameaçasse de
puni-lo por obstrução a confissão, pois ele estava sendo extremamente
compulsivo e pelo menos inconscientemente rebelde. Métodos de suporte
existiam para ajudar o monge que estava confessando. Por exemplo,
confessando transgressões na ordem dos cinco sentidos, em primeiro lugar. E
depois na ordem dos sete pecados mortais. E depois pelos dez mandamentos.
Uma pessoa sincera depois de passar por esta lista tão vasta de possíveis
transgressões teria muito pouco que dizer, e poderia se sentir aliviado. Mas
Martinho ao contrário continuava com sua alma em tormento.
Uma vez o seu superior Staupitz zombou dele em uma carta dizendo
que Cristo não estava interessado em tais ninharias, e que ele deveria tratar de
194
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, página 153.
195
Ibidem, página 155.
112
ter algum adultério suculento, ou um assassinato para confessar, talvez o
assassinato de seus pais.
II.6. O Significado de Significar: o sentido que Lutero deu à sua
vida.
No mês de novembro de 1510, ele partiu a pé para Roma
acompanhado de outro frei, de quem se desconhece o nome e o convento.
Segundo Brecht, o motivo oficial da viagem parece que foi o fortalecimento dos
conventos dos ermitãos agostinianos que desejavam uma reforma séria. O
convento de Erfurt era um dos pioneiros do movimento. Tanto Staupitz, em
qualidade de vigário geral dos conventos reformados da província da Saxônia,
como Lutero, eram partidários do mesmo. O que Lutero fora designado para
levar a cabo desta missão mostra que, apesar de sua juventude – 27 anos –
era considerado como uma das personalidades mais relevantes do seu
convento. Sem dúvida, para ele pessoalmente, a viagem foi sobretudo uma
peregrinação a cidade eterna (1993).
196
Ele e o seu companheiro completaram os deveres de extensão
universitária dentro de um curto tempo e tirou proveito da viagem para fazer
uma confissão geral no natural centro da Cristandade. Primeiro ele contemplou
a cidade, como todos os viajantes e peregrinos faziam; e chegou no mosteiro
da ordem de seu anfitrião.
Por um lado, no entanto, Martinho diferia da maioria dos
viajantes. Embora aceitasse a maioria da viagem com
pensamento sóbrio, ele chegou certo das visões de rotina com
o fervor do mais desesperado dos peregrinos. Sua tentativa de
se devotar, em seu tempo livre, a algumas práticas altamente
apreciadas em Roma, parece indicar um último esforço de sua
parte para acalmar seu desassossego interior com fervor
cerimonial, pelo resultado dos trabalhos.
197
Com relação ao resplendor renascentista, Roma ainda não refletia
muito dele. Algumas alamedas que haviam sido delineadas estavam
parcialmente começadas; e alguns palácios haviam sido concebidos para
acomodar a Renascença que estava de mudança para Roma. Nesta mesma
196
BRECHT, Martin. Martin Luther: His Road To Reformation. Pages 104,105.
197
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, página 172.
113
época Michelangelo estava trabalhando no teto da Capela Sistina e Rafael
estava ornamentando as paredes das câmaras do Papa.
“Em sua ansiedade provinciana para absorver as possibilidades
espirituais de Roma, Martinho visitou as sete igrejas, jejuando o dia todo, a fim
de estar pronto para a comunhão na Igreja de São Pedro, a última e mais
importante.”
198
Ele viu com espanto que os corpos de São Pedro e São Paulo
haviam sido divididos e pesados para impedir a injustiça para com as igrejas
que estavam hospedando as outras metades. Alguns santos após suas mortes
e partidas de suas almas, haviam sido cozidos para preparar seus ossos para
serem oferecidos em leilões rentáveis. Com estas e outras relíquias, as várias
igrejas mantinham uma feira permanente, onde se poderia contemplar até uma
pegada de Jesus, ou uma das moedas de prata de Judas Iscariotes.
É fácil dizer que as relíquias eram somente para as pessoas e
que os intelectuais da igreja trabalharam duro para reconciliar
fé e razão. Lutero foi e sempre será uma dessas pessoas; e
como homens extremamente inteligentes de qualquer idade
que não desafiam a propaganda de seus governos ou os
anúncios do sistema econômico, Martinho acostumara-se ao
pior tipo de mercantilismo.
199
Pode até ser que neste momento, no ano de 1510, ele não tenha
desafiado o sistema, o status quo, mas como o próprio Erikson coloca, sendo
ele extremamente inteligente, e já estudando as Escrituras, é impossível que
ele observasse tudo isto, e não deixasse de fazer questionamentos, apesar
dele ter percorrido todas as Igrejas de Roma.
Lutero ignorou a Renascença e nunca fez alusão a propriedade
estética das estátuas, pinturas, pintores ou escritores. Se ele não atentou para
a renascença, isto não denota que ele não era um homem da renascença.
Erasmo também foi em Roma um ano antes dele, e havia conseguido acesso
as câmaras papais, e nunca mencionou Michelangelo ou Rafael.
O Bem Absoluto de Platão, o mundo das idéias puras era por
pensar as pessoas como as mais fortes e antagonistas idéias
de um deus pessoal; seu pólo era o do Mal Absoluto, o mundo
de aparências especiais e envolvimentos mundanos. O
198
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, página 173.
199
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, página 174.
114
cristianismo se defendia, à medida que ele as absorvia, contra
o Platonismo e o Aristotelismo, assim, questões de relativa
maior identidade e de iniciativa diferencial dos dois mundos
tornou-se dominante.
200
A revolução da apreensão do pensamento aristotélico de ciência e
realidade, que ocorreu na compreensão de Lutero da fé e da teologia,
comporta uma apreciação radical à compreensão aristotélica de Deus. Decisivo
para Aristóteles é o argumento de Platão de que o fato de alguém se tornar
diferente, pior, menor do que presentemente é representaria uma diminuição
do ser. A atividade particular de Deus, no entanto, consistiria em admirar a si
mesmo e refletir a si mesmo. Sobre isto Lutero falou: “O proto-ser vê [apenas] a
si mesmo. Se pudesse olhar para fora de si mesmo, veria a miséria do mundo.
Nesse ponto, ele [Aristóteles] nega Deus tacitamente.”
201
O Deus aristotélico
admira apenas a si mesmo em sua perfeição e objetividade; ele não se
comparte nem se oferece. Ele não ama e por isso tampouco sofre. Ele não se
submete ao tempo e a mudança. Ele não é histórico.
“A vida religiosa intelectual para qual Lutero havia sido exposto na
Faculdade e no Monastério foi estimulada por três ismos não é grande antítese
do realismo e nominalismo e misticismo religioso.”
202
A filosofia aprendida nos cursos universitários era fundamentalmente
a de Aristóteles. Desde o princípio do século XIV o aristotelismo era ensinado
segundo as diversas interpretações ou tendências escolásticas. Três eram as
mais autorizadas e comuns: a via dos tomistas, a via dos escotistas e a via dos
nominalistas. Na Universidade de Erfurt triunfava a terceira via que recebeu o
apelido de moderna, e seguia como pensador a Guilherme de Ockam. O
nominalismo occamista modelou o pensamento juvenil de Lutero. A discussão
de Lutero com Jodokus Trutfetter
203
em 1518, documentada em cartas, mostra
que é necessário cautela na utilização do nominalismo de Erfurt para explicar
tudo. Apesar de testemunhar ao seu professor ter aprendido primeiro dele que
só aos livros canônicos se deve fé, Lutero se distancia rigorosamente dele, o
200
Ibidem, páginas 182 e 183.
201
LUTERO, Martinho. WA TR 1,57, 44s. (n. 135; 1531).
202
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, página 187.
203
Professor de Lutero em Erfurt.
115
princeps dialecticorum,
204
para o qual ele próprio aparenta não ser uma pessoa
versada em lógica. Lutero diria a ele que talvez não fosse mesmo
205
, mas que
ele contra entre aqueles que se submeteram a Aristóteles e que por isso não
podem entender um só capítulo da Bíblia.
No debate de Lutero com a filosofia predominante de sua época, seu
interesse particular está em abrir para a teologia a genuína compreensão das
Escrituras Sagradas, atravancada pela nomenclatura e pelo ponto de vista
aristotélico.
Quando se lê o jovem Lutero, se espera que na página seguinte
apareça confirmada sua adesão clara a mística. Lutero se entusiasmou com
Johannes Tauler e sua Theologia Deutsch,
206
. Lutero não leu Tauler e sua
Teologia Alemã como testemunho da mística, mas como exemplo contundente
de uma teologia vívida e viva. Tauler foi para ele a orientação na procura da
vida no mondo pela fé. A pessoa decisiva foi Johannes von Staupitz. Ele
precedeu ao jovem homem e frei no caminho para a fé. Lutero é mais
investigador; Staupitz mais pastor e pregador; ambos se uniram na tarefa da
docência e o anúncio da palavra. E quais as diferenças existentes entre eles?
Lutero é filho de artesãos e burgueses; Staupitz procede de família nobre, não
só foi o superior de Lutero, como também era quinze anos mais velho que ele
(OBERMAN, 1982).
207
Neste dogma o realismo tomou a forma na qual, Lutero
finalmente lutou contra as indulgências de dinheiro e loucura as
quais eram supostas a afetar a condição de uma alma
instantaneamente no purgatório – de maneira que uma moeda
poderia ser imediatamente ouvida à medida que caia na caixa
do coletor.
208
Desde o século VI, as punições eclesiásticas podiam ser pagas com
esmolas e legados cedidos por razões de caridade. Na época das Cruzadas, a
Indulgência era concedida a todos que tomassem a cruz e partissem para a
Terra Santa. Mas foram os papas contemporâneos de Lutero, Júlio II e Leão X,
que mais recorreram às Indulgencias a fim de obter dinheiro, e por meio deste
204
Príncipe, o primeiro dos dialéticos.
205
LUTERO, Martinho. WA 1,170, nº74, 38-40 (9.5.1518).
206
Publicada por este em versão incompleta no ano de 1516 e em versão completa em 1518.
207
OBERMAN, Heiko A. Lutero, un hombre entre Dios y el Diablo. Paginas 218, 219.
208
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, página 188.
116
subterfúgio recolheram somas fabulosas na Alemanha. Qual era o princípio das
indulgências: a igreja alegava possuir um tesouro de méritos proveniente das
boas obras de Cristo e dos santos, e o papa, como chefe da igreja e
representante do Filho de Deus, podia dispor destas riquezas. A
responsabilidade era confiada ao vendedor das indulgencias, o qual exigia do
penitente o arrependimento e a mortificação interior. O dinheiro, a princípio
apenas livrava o penitente dos castigos infligidos pelo confessor. Aos poucos,
no entanto, o arrependimento foi esquecido. O vendedor de indulgencias,
passou a insistir cada vez mais na necessidade da contribuição com dinheiro.
Prometia-se perdão absoluto dos pecados aos que trouxessem ofertas, com a
condição de se haverem confessado e experimentado arrependimento.
Concluindo as 95 teses referentes à questão das indulgências
expressa, em relação a esse tema, o que mais escandalizou Lutero na teologia
escolástica em geral:
Fora, pois com todos esses profetas que dizem ao povo de
Cristo: “Paz, paz!” sem que haja paz! [...] Que prosperem todos
os profetas que dizem ao povo de Cristo: “Cruz! Cruz!” sem
que haja cruz! [...] devem-se exortar os cristãos a que se
esforcem por seguir a Cristo, seu cabeça, através de penas, da
morte e do inferno; [...] e, assim, a que confiem que entrarão no
céu antes através de muitas tribulações do que pela segurança
da falsa paz.
209
Vilanova
210
vai dizer que Lutero é um homem de seu tempo. O
homem pertence a sua tradição de um modo muito mais decisivo do que se
pode pensar nos momentos de ruptura e que também o homem é filho de seu
tempo de um modo muito mais agudo do que ele está disposto a crer, quando
se considera baluartes de uma determinada ordem estabelecida. O
pensamento de Lutero não pode ser entendido nem à margem de umas
continuidades, nem a margem das mudanças. Que o homem é fruto de seu
tempo é inegável. Por mais que ele se isole, ele não pode se distanciar de
tudo. Ele sempre vai espelhar a sociedade em que ele está inserido. Mas
aqueles que se tornam grandes como foi o caso de Lutero, e tantos outros,
209
LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas, Volume 1. Página 29.
210
Monge beneditino de Montserrat e professor na Faculdade de Teologia de Barcelona
(Espanha).
117
invadem os séculos com o seu pensamento provocando ainda mudanças, e
fazendo a humanidade refletir.
O occamismo foi rapidamente ideologizado em uma época quando o
império da fé estava começando a ruir em entidades por demais concretas, por
demais humanas. Um Deus que as pessoas se aproximavam como um pai
distante, uma igreja que se tornara um estado, e um papa que era um príncipe
guerreiro. Padres que haviam perdido seu próprio respeito e falharam em
inspirá-lo nas outras pessoas, e assim tornaram-se mais desprezíveis.
Gerson,
211
o famoso occamista francês, que foi um dos autores
favoritos de Lutero e cujos escritos pastorais que eram leitura
obrigatória para os padres estudantes, até mesmo sugeriu que
poder-se-ia esperar de Deus não ser tão irracional em Suas
decisões no dia do julgamento.
212
Em suas cartas de mesa ele diria o seguinte a respeito de Gerson:
somente Gerson escreveu sobre as tentações espirituais; todos os demais
sentiram as corporais. Jerônimo, Agostinho, Ambrósio, Bernardo, Escoto,
Tomás, Ockam, nenhum deles sentiu; somente Gerson escreveu sobre a
pusilanimidade do espírito. Guilherme Parisiense escreveu algo sobre esta
tentação. Só Gerson é apto para tranqüilizar as consciências; e chegou a dizer:
‘nem todos os pecados são mortais; fazer algo contra um preceito do papa, não
vestir o escapulário, não rezar nas horas, isso não é coisa tão grave’. Assim
atenuando, a lei, livrou a muitos do desespero. Foi Gerson um homem
excelente e não era monge, mas não aspirou a consolar as consciências por
meio de Cristo e de suas promessas. Contentou-se em abrandar a lei dizendo
que nem tudo tem que ser pecado grave (1532, apud GARCIA-
VILLOSLADA).
213
O Cristianismo latino na época de Martinho tendia a prometer a
liberdade do corpo ao preço do poder absoluto de uma
consciência externa negativa: negativa no que era baseada no
sentido do pecado, externa no que era definida e redefinida por
uma agência punitiva o qual por si só estava consciente da
racionalidade da moralidade e das conseqüências da
211
João Gerson (1363-1429), professor na Sorbonne em Paris, escreveu vários trabalhos sobre
a autoridade papal durante o grande cisma no papado.
212
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, página 190.
213
GARCIA-VILLOSLADA, Ricardo. Martín Lutero, Volume I. página 210, citando as Conversas
á Mesa de Lutero, nº 1331, II pág. 64-65.
118
desobediência. A Renascença deu ao homem férias de sua
consciência negativa, assim liberando o ego para reunir forças
para múltiplas atividades.
214
Não se pode negar que a Renascença foi por excelência a revolução
do ego. Foi uma restauração em larga escala das funções executivas do ego,
pois por intermédio do uso dos sentidos, o homem pode vislumbrar tudo ao seu
redor, a nível de artes. A restauração da vaidade do ego sobre a rigidez do
superego, também estabelecia uma Utopia ideológica.
Nietzsche se orgulhava de ser o porta-voz tardio da Renascença.
Erroneamente ele interpretou mal a viagem que Lutero empreendeu por Roma,
e acreditou que suas 95 teses, foi uma manifestação de revolta contra o
movimento Renascentista.
Nietzsche sentiu que Lutero forçara a Igreja a defensiva ao
invés, ele havia feito com que ela desenvolvesse o dogma
reformado, uma mediocridade com valor de sobrevivência.
Erasmo, também quatrocentos e cinqüenta anos antes de
Nietzsche culpara Lutero pela ruína do sonho humanista. É
verdade que Lutero era completamente cego ao esplendor
visual e a delicadeza sensual da Renascença, da mesma
maneira que ele suspeitava furiosamente da intelectualidade de
Erasmo”Du bist nicht froman”, ele escreveu para ele.
215
Lutero ocupou o palco da história como um homem da Renascença,
pois se deve pensar que a Renascença não apenas exaltava pintores,
inventores, escultores, mas ele como escritor, chegou a ser comparado com
Shakespeare em sua grandeza. A Renascença criou um amplo caminho para o
indivíduo nas artes e ciências. Ela liberou o visualizador, o falante, o acadêmico
e o construtor, sem instituir um jeito genuinamente pujante e novo de vida ou
de moralidade aplicável. O grande progresso na pintura, na verbalização e
construção. Psicologicamente falando, o homem Renascentista continha em si
as mesmas incongruências que atormentam a todos os mortais.
A pregação de Martinho e sua carreira começaram em Wittenberg.
Primeiro ele pregou para seus companheiros monges. Depois esta pregação foi
estendida para além dos muros do mosteiro. Ele se tornou pastor da Igreja de
Santa Maria. Como professor, ele ministrava palestra tanto para os monges
214
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, página 193.
215
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, página 193.
119
que se matriculavam nos cursos avançados, como para os estudantes da
universidade. “Lutero o pregador era um homem diferente do monge Martinho.
Sua postura era máscula e ereta, sua fala vagarosa e distinta. Este Lutero do
inicio não era de modo algum um atarracado, obeso de face arredondada que
tornara-se em seus últimos anos.”
216
Havia uma amplitude de conflito a
respeito de sua face que bem poderia impressionar um médico com relação a
uma personalidade obsessiva, de um homem muito dotado, astuto e grosseiro
que possivelmente poderia ser alvo de estados de medo ou raiva.
Como pregador e palestrante, Lutero combinava o domínio das
citações de um mundo de literatura com uma sinceridade
teológica onipresente. Seu próprio estilo desenvolvido
vagarosamente a partir da preocupação humanista com fontes,
o amor escolástico das definições, e o legado medieval da
(para nós atroz) alegoria. Ele quase nunca se tornava irreal. Na
realidade, ele foi logo conhecido por uma falta de gentileza e
uma franqueza coloquial o qual era excessiva para seus
colegas humanistas, que gostavam de chocar os outros de
modo mais sofisticado: mas Lutero, Deus me livre!
217
A obra de Lutero visava a palavra. Estar ocupado apenas com a
palavra pode parecer uma atividade cômoda, mas no caso de Lutero esse
trabalho se acumulou em proporções inimagináveis. Já no ano de 1516 um ano
antes da irrupção da grande e turbulenta luta, ele escreveu a um confrade
amigo dizendo que estava totalmente sobrecarregado: seria extremamente
necessário que eu tivesse dois secretários ou escreventes. O dia todo não faço
outra coisa senão escrever cartas. Sou pregador do convento e pregado à
mesa; todos os dias sou chamado para pregar na igreja matriz. Sou
coordenador de curso, vigário da Ordem, isto é responsável por 11 mosteiros.
Dou aulas sobre Paulo e estou reunindo material para uma preleção sobre
Salmos. Acresce-se a isso as cartas que tenho que escrever que, ocupam a
maior parte do meu tempo. É raro ter tempo suficiente para as horas canônicas
e celebrações, para não falar das lutas e aflições pessoais com a
concupiscência, o mundo e o diabo (1516, apud EBELING, 1988).
218
216
Ibidem, página 196.
217
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, página 197.
218
EBELING, Gerhard. O Pensamento de Lutero. Pág. 34, citando Lutero WA 1,72, nº 28, 4-
13.
120
Em 1517, transformou-o em um personagem nacional. Nesta
época, ele tinha a seu comando a recém criada maquinaria de
comunicação. Dentro de dez anos, trinta tipografias que
publicavam seus sermões, em doze cidades tão logo quanto
ele ou os devotados jornalistas ao seu redor podiam pegar os
manuscritos e transcrevê-los. Ele tornou-se um pregador
popular, especialmente para os estudantes, e um pregador de
gala para os príncipes e os nobres.
219
A ruptura de Lutero foi provocada externamente pelo sacramento da
penitência. Na Igreja Romana tem dois sacramentos principais: a Ceia do
Senhor, e o sacramento da penitência, de caráter subjetivo, relacionado com o
indivíduo. Esse sacramento poderia ser chamado sacramento da subjetividade
em contraste com a missa, que era preeminentemente objetiva. A vida religiosa
na Idade Média movimenta-se sobre esses dois pólos. Abusos que eram
praticados em relação a esses sacramentos, principalmente o da penitência,
levou Lutero a repensar este sacramento. E chegou à conclusões
completamente contrárias às da Igreja Romana. Suas críticas levaram-no não
apenas aos abusos, mas à sua origem no âmbito doutrinário. E por isso Lutero
afixou suas noventa e cinco teses na porta da Igreja de Wittenberg. A primeira
delas tornou-se uma fórmula clássica do cristianismo reformado: “Nosso
Senhor e Mestre, Jesus Cristo, ao dizer ‘arrependei-vos’, desejou que a vida
inteira dos fiéis fosse penitência”.
Por trás destas noventa e cinco teses estavam dez anos de sua vida,
dez anos de seus esforços heróicos para encontrar a paz. Por trás de suas
afirmações de 1517, Lutero se punha por inteiro, de corpo e alma. Se colocava
a um homem, e a um homem ao qual nada no mundo o faria retroceder, porque
em seu coração um Deus que lhe dava forças.
O evento final parece estar associado na mente de Lutero com
o período anterior de profunda depressão, no qual ele
novamente previra uma morte precoce. O episódio relatado foi
testemunhado com preconceito devido ao seu lugar de
ocorrência. Lutero se refere à Secretus locus monachorum,
hypocaustum, ou cloaca; isto é, o lugar secreto dos monges, a
câmara de suor, ou banheiro.
220
219
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, página 198.
220
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, página 204.
121
Na manhã de sábado de 6 de julho de 1527, Lutero sofreu um ataque
de depressão profunda, seguido de transtornos circulatórios tão graves que se
sentiu próximo da morte. Seu confessor Johannes Bugenhagen, pároco da
cidade, e seu íntimo amigo Justus Jonas recolheram por escrito os
antecedentes destes dias e registraram as últimas palavras de Lutero. Que
aconteceu de concreto neste dia? Lutero não explicou com muita exatidão o
que aconteceu a ele. Ele queria confessar e pedir a absolvição. Expressa o seu
desejo de receber no dia seguinte a Ceia Sacramental, e faz sua confissão:
minha vida vista pelo lado de fora, parece ser um mar de rosas. Porém Deus
conhece minha vida. Muitas vezes tenho tentado servir ao mundo com
respeitabilidade e seriedade. Porém Deus não me tem concedido. É certo que
o mundo não me pode acusar de crimes públicos. Rogarei a Deus que me
conceda não causar moléstias a ninguém com meus pecados (1966, apud
OBERMAN, 1982).
221
Toda a questão geográfica, quanto à localização da revelação
recebida, das crises de Lutero, só merecem uma menção especial, porque ela
identifica a relevância do momento, para a vida psíquica de Lutero. A
localidade mencionada, se realmente foi na cloaca, na latrina da torre, serve
para atender a uma necessidade física, particular que esconde sua relevância
emocional somente à medida que parece funcionar a contento. Uma das
enfermidades que Lutero sofreu durante toda a sua vida foi constipação.
Analisando-o do ponto de vista psicológico, apesar de retentivo, isto
em parece não ter interferido em sua capacidade criativa, na sua capacidade
para sua produção literária. Por outro lado, esta capacidade retentiva,
principalmente nos últimos tempos, fez com ele se tornasse briguento, uma
linguagem fecal, como se ele quisesse lembrar a todo momento de suas
dificuldades intestinais, enfim um ‘enfezado’.
Lutero deixou o céu da ciência e restringiu-se ao que ele poderia
saber de seu próprio sofrimento e fé. Aquele que procurara dissipar a nuvem
221
OBERMAN, Heiko A. Lutero, un hombre entre Dios y el Diablo. Págn. 379, citando Dr.
Johannes Bugenhagens Briefwechsel, Ed. O. Vogt. Stettin, 1888-99, Gotha 1910 [reimpressão
Hildesheim, 1966], 69, 19-70, 4. Esta oração, na versão dada por Jonas, pode ser lida em S.
Schulz, Die Gebete Luthers. Edition, Bibliographie und Wirkungsgeschichte, Gütersloh, 1976,
num. 47 e 279.
122
de raiva que obscurecia o rosto do pai e do Pai, agora diz que a vida de Cristo
é a face de Deus.
As características dos avanços teológicos de Lutero podem ser
comparadas a maturação psicológica que cada homem deve
passar: a internalização da relação pai-filho; a cristalização
concomitante da consciência; o estabelecimento seguro de
uma identidade como trabalhador e homem; e a concomitância
da reafirmação da confiança básica.
222
Deus, ao invés de espreitar na periferia do espaço e tempo, ao invés
de ser visto como aquele juiz implacável, agora é visto por ele como aquele
que se move dentro do homem. Deus torna-se para ele um Deus mais pessoal,
ao invés de ser encarado como uma ameaça. Jesus não é mais aquele que lhe
provocava arrepio, mas ele elabora uma teologia da cruz. Ele disse: “No Cristo
crucificado é que estão a verdadeira teologia e o verdadeiro conhecimento de
Deus.”
223
O teólogo da cruz diz ele, fala do Deus crucificado e oculto.
“As redefinições do trabalho de Lutero têm sido provavelmente mal
compreendidas que qualquer outra de suas formulações, exceto, naturalmente,
aquelas pertinentes ao sexo. Nessas duas áreas sensíveis, a teoria tem se
separado completamente da prática.”
224
Ao tentar decidir o que um grande homem significara em suas
manifestações originais, é sempre bom se deparar contra o que ele estava
pregando na época, ou quais afirmações ele refutava, ou quais exageros ele
tentava corrigir. Tem uma parte em seu trabalho que ele falou sobre o
matrimônio, relacionamento conjugal, que parece ser mantida guarda a sete
chaves.
Ele disse que se uma mulher com todo o seu vigor sexual se casasse
com um homem impotente sexualmente falando, não podendo contrair núpcias
com outro publicamente e também não querendo manchar a honra deste
marido impotente com um comportamento execrável, ela deveria dizer ao seu
marido, que ele roubou o seu corpo jovem, e por isto colocou a vida dela em
risco, além de sua honra e salvação da alma. Aos olhos de Deus não existe
222
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, página 213.
223
LUTERO,Martinho. Obras Selecionadas, Volume 1, página 50.
224
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, página 218.
123
matrimonio. Que ele conceda permissão a ela para manter relação secreta com
o irmão do marido ou qualquer parente mais próximo, para que se preserve o
nome do marido, e seus bens não passem para as mãos de estranhos. Ela
pedia licença para enganá-lo conscientemente, porque ela foi enganada
inconscientemente (LUTERO, 1522).
225
Lutero sentiu que o Cristianismo de sua época havia esquecido
de São Paulo e o Cristianismo de Cristo e haviam se voltado
para noções “judias, turcas e pelagianas, particularmente ao
colocar bastante ênfase na realização de rituais prescritos.
226
Em 1529, a pluma de Lutero se moveu contra a invasão turca e
exortou seus compatriotas a defesa do Império. A morte de Zapolya
227
em
1540 nem toda nação húngara reconheceu os direitos de Fernando da Áustria.
Em agosto de 1541 atravessou o Danúbio com poderoso exército, derrotando
as tropas imperiais, mandadas pelo conde Cristóbal de Roggendorf, e se
apresenta em Buda, cuja igreja de Santa Maria foi transformada em mesquita.
A Hungria assim passou a ser, uma província do Império turco. Toda a
Alemanha tomba contemplando já nos ares o relampejar das cimitarras. No dia
8 de setembro, João Federico da Saxônia, bem informado pelas notícias que
recebe da Polônia e da Hungria, dirige uma carta alarmante para Martinho
Lutero, comunicando-lhe a debandada do exército de D. Fernando, e o perigo
iminente de toda Alemanha ser invadida, e para evitar isto seria necessário que
Lutero mandasse todos os pregadores organizarem preces públicas nas
igrejas. Imediatamente, o teólogo de Wittenberg se colocou nesta tarefa, e no
final de duas semanas ele escreveu o opúsculo: Exortação a oração contra os
turcos.
228
Lutero disse algumas vezes que os judeus tinham muito em comum
com os turcos. Os judeus foram atacados por ele entre os anos de 1538 e 1543
em quatro escritos. Longe de seguirem as explicações bíblicas luteranas,
seguiam tenazmente as orientações de seus rabinos e blasfemavam de Cristo.
225
LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas, Volume 5. Páginas 163 e 164.
226
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, página 219.
227
Aclamado rei da Hungria em 1526.
228
Aos párocos da Saxônia lhes mandou uma carta comunicando-lhes a vontade do príncipe e
ordenando-lhes tocar os sinos ao meio dia, conclamando todos os fiéis a orarem contra os
turcos, e ensinar ao povo depois do sermão o modo de fazer orações; também deviam orar em
casa, particularmente as crianças. (WA 53, 558-60).
124
Quando supôs em 1532 que na Morávia os judeus recrutavam prosélitos entre
os cristãos, impondo-lhes a circuncisão e o sábado, seu ódio contra eles se
inflamou para nunca mais se extinguir. Em 1536, os apelidava de velhacos, ou
desavergonhados, impenitentes, avarentos, difamadores da Virgem,
merecedores de serem perseguidos e expulsos do país.
Novamente neste encadeamento psíquico, Lutero, de acordo com
sua nova conformação espaço-temporal, ressaltava o espírito no qual uma
coisa está acabada desde o princípio, para seu próprio benefício. Ninguém é
justo porque trabalha, dizia ele; os trabalhos são justos se o homem é justo.
229
Existe uma verdade psicológica na afirmação de Lutero. Pessoas com ego bem
ajustados realizam um bom trabalho se puderem manter o significado do
trabalho, o que deve ser feito. O homem nunca vive inteiramente na sua época,
mesmo não podendo viver fora dela; às vezes sua identidade se relaciona bem
com a ideologia de seu tempo, e às vezes tem que lutar pela sua vida.
A teologia de Lutero contém os problemas pessoais não
resolvidos os quais são mais acessíveis a psicanálise do que a
própria teologia. Estes problemas não resolvidos tornam-se
óbvios mais tarde, quando a repentina mudança de rumo na
sua vida coloca em perigo a identidade que ele havia
conquistado com suas palestras e como pregador, e ainda
mais óbvia quando a crise de meia-idade traz para a tona
novamente aquela capacidade interior de auto-repúdio, e
aquela intolerância assassina de desobediência a qual nas
palestras dos Salmos havia sido relativamente equilibrada –
dentro da identidade de Lutero como palestrante.
230
As primeiras palestras ministradas por Lutero mostram que ele
encontrou a cura para suas lutas obcecadas que, ele travou para poder
expressar princípios básicos que, ele cria, nos meios religiosos e
introspectivos. Somente um homem corretamente simples poderia se iludir em
acreditar que a Igreja Romana o deixaria vivo para ele pregar. E esta ilusão
não havia terminado quando ele pregou as noventa e cinco teses nas portas da
catedral de Wittenberg. Este não foi um gesto desafiador em si, mas uma rotina
acadêmica. Lutero cresceu euforicamente dentro desta identidade de
Reformador.
229
Quia Justus, opera justa.
230
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, página 221.
125
2.7. Fé e ira, no final da existência.
As notas reveladoras e comentários que Lutero anotou durante o
início de seus trinta anos, quando ele era apenas um palestrante, um pregador
foram de certa maneira enterradas em pilhas de manuscritos. Foram
reconhecidas pelo que eram somente por volta dos meados do século XX, por
acadêmicos determinados que pesquisavam em bibliotecas reais da Alemanha
e do Vaticano. Um paralelo interessante também foi uma descoberta tardia de
uma antiga livraria na Alemanha nazista, de cartas de Freud para Fliess
231
que
contem a evidência de seu envolvimento intelectual, tanto quanto pessoal na
origem de seu pensamento.
“Há um número de visões históricas conflitantes a respeito da
importância de Lutero para o grande movimento chamado Reforma.”
232
Estas
visões bastante modificadas por falta de uma neutralidade axiológica
confirmam sua direção ou sugerem que a sua foi somente um episódio
perspicazmente cronometrado na ordem de Wycliffe ou de Huss. Ele é
reverenciado como uma voz de inspiração verdadeira, ou modificado em uma
ferramenta de conspiração.
A questão da indulgência coloca para operar uma bomba relógio que
estava palpitando no coração de Lutero.
233
A Igreja Romana, havia ao longo
dos séculos, desenvolvido um sistema de finanças altamente espiritual, tornado
palpável no imaginário popular a possibilidade de se acumular um crédito no
céu. Alguns santos tinham arrebanhado um crédito de salvação maior do que
era necessário, além das necessidades pessoais; a igreja tinha sido incumbida
da sua distribuição entre aqueles que mereciam. O Jubileu de 1500
providenciou uma desculpa para uma campanha mundial para ampliar o
número de indulgencias. O dinheiro arrecadado acabou por ajudar a concluir as
obras da Catedral de São Pedro. Segundo o relato de Erikson, Lutero se
231
Wilhelm Fliess nasceu em 1858, e morreu no ano de 1928. Quando ambos se encontraram,
no ano de 1887, por intermédio do médico e também grande amigo de Freud, Josef Breuer,
ficou claro que uma ligação de amizade unia-os. O pai da psicanálise supunha em Fliess um
saber e conhecimento, e assim também pensava Wilhelm sobre Freud. Desse ano até 1904, os
dois trocaram correspondências que ficaram famosas pelo caráter histórico para a área
psíquica. Nelas, Sigmund conseguiu fazer uma auto-análise, começando a interpretar seus
sonhos e narrando confissões que remetiam à sua infância. A partir disso, formula o Complexo
de Édipo e logo em seguida, em 1900, lança sua obra-prima: “A Interpretação dos Sonhos”.
232
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, página 224.
233
Ibidem, página 226.
126
insurgiu contra este sistema apenas quando esta campanha se fez presente
em sua cidade natal.
O seu arcebispo, Albretch von Brandenburg, usou a coleta do jubileu
para pagar dívidas pessoais com o consentimento do Papa. Quando Lutero
soube das promessas sem fim feitas por Tetzel, um dominicano, ele ficou muito
irado. Tetzel muitas vezes havia dispensado a confissão por inteiro, e estava
distribuindo cartas seladas de créditos para pecados a serem considerados no
futuro. O que era pior, ele estava sugerindo que a aquisição de indulgencias
pudessem ir para confessores de sua própria escolha. Lutero percebeu a
incompatibilidade das indulgências com seus próprios ensinamentos,
pregações, hábitos e imagens do monastério, enfim a organização que ele
representava. A capacidade explosiva de Lutero entrou em ação e ele
respondeu imediatamente publicando as noventa e cinco teses.
Cada uma de suas palavras levava os seus compatriotas aos
feitos; cada um de seus feitos o fazia reafirmar: “pela Palavra o
mundo foi conquistado, pela Palavra a Igreja foi salva, pela
Palavra será novamente colocada em ordem, e o Anticristo...
irá cair sem violência.”
234
A ocasião de sua oratória mais decisiva é o momento mais famoso
de sua vida, foi o momento que ele compareceu ante a Dieta de Worms. Lutero
foi avisado por seus amigos para não comparecer, pois eles temiam pelo
resultado desta reunião em relação à vida de Lutero. Em Worms Lutero
encarou exclusão e a morte. Não importa o que acontecesse depois e algumas
coisas terríveis e sem importância ocorreram, a ênfase de Lutero na
consciência individual preparou caminho para uma série de conceitos de
igualdade e liberdade. O novo Imperador, com somente 21 anos de idade,
reafirmou a identidade dele dizendo: “Eu sou descendente de uma linhagem de
imperadores Cristãos... um único frei que vai contra toda a Cristandade de mais
de mil anos deve estar errado... não terei mais nada a ver com ele.” (1930,
apud ERIKSON, 1958).
235
Ele impôs uma proibição a Lutero, mas o Eleitor
arquitetou um plano dele ser seqüestrado e encaminhado a um esconderijo
234
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, página 230.
235
Ibidem, Página 231, citando Roland Herbert Bainton em sua obra, Here I Stand, New York,
Abingdon-Cokesbury Press, 1930, Página 186.
127
secreto em Wartburg, somente a uma milha da cidade de Eisenach, e dos
Cottas, família que o tinha em tão alta estima e que, estaria disposta a ajudá-lo.
De 1517 a 1521, como se pode observar no anexo 1, Tábua
cronológica, são tantos os detalhes, no transcurso dramático de sua vida, que
será apontado aqui apenas algumas particularidades que ilustram a
dramaticidade deste momento para a vida de Lutero. Como por exemplo, o
interrogatório pelo Cardeal Caetano
236
em Augsburg em 1518, o debate com
João Eck
237
em Leipzig, em 1519, a queima da bula de excomunhão em 1520,
a apresentação diante da Dieta de Worms em 1521.
Em tudo isto, não se desdobrava apenas pura e simplesmente um
processo uma vez desencadeado. O desenrolar das coisas dependia da
palavra daquele que tudo irrompeu, que mesmo seu o querer, havia desafiado
o mundo de então. Tivesse ele se voltado atrás em Augsburg, tivesse sido mais
cauteloso em Leipzig, não tivesse ele feito uma fogueira da bula papal, se ele
tivesse seguido as recomendações de seus amigos, a história tomaria um outro
rumo. Para Lutero, no entanto estava claro: se ele tivesse renegado a palavra
proferida e escrita, como Doutor da Palavra, das Sagradas Escrituras que, ele
tinha responsabilidade de interpretar fielmente, ele teria renunciado muito mais
do a Reforma. Como ele colocou, ele teria negado Deus, a Palavra, a sua
própria consciência e sua saúde mental.
Como colocou Nietzsche muito bem a respeito de Lutero: A obra
máxima da prosa teutônica é, com toda certeza, a obra prima do grande
pregador alemão: a Bíblia até então tem sido o melhor livro alemão. Cotejada
com a Bíblia de Lutero, quase todo o resto é literatura, isto é, uma coisa que
não cresce na Alemanha e não tem amadurecido nos corações germânicos
como o tem feito a Bíblia (1921, apud, ERIKSON).
238
236
Representante do Papa, célebre teólogo Tomista, propôs conseguir do Papa a licença para
que Lutero fosse julgado pelas Universidades alemãs, em troca da cessação de toda polêmica.
237
João Eck, denunciou Lutero em Roma, e muito contribuiu para que o mesmo fosse
condenado e excluído do Igreja Romana.
238
ERIKSON, Erik H. Young Man Luther, página 233, citando Friedrich Niestzche, Zur
Genealogia Der Moral, Werke (Stuttgart, Alfred Kroner, 1921, Página 216
CONCLUSÃO
Chegando ao final deste trabalho, pode-se concluir que a Alemanha
não foi mais a mesma, após o Reformador Martinho Lutero ter surgido na
história da Cristandade. O século XVI vislumbrou uma grande Reforma, nunca
antes vista na história da humanidade. Uma Reforma que invadiu os séculos
vindouros; uma reforma responsável por colocar a Igreja Cristã no seu prumo,
na sua rota, à luz das Escrituras. Uma Reforma que foi o ponto de partida de
outros movimentos, em todo o mundo de então, principalmente na Alemanha,
Suíça, França, Inglaterra, Holanda, etc.
Ao crepúsculo do dia 27 de julho de 1537, Martinho Lutero e o
mestre Melancton, jantavam juntos, e pensando no porvir, gemiam
desconsolados: “Sobrevirá grande confusão de seitas – anunciava Martinho -;
ninguém aceitará a doutrina do outro, nem quererá ser governado por
autoridade alguma. Cada qual quererá ser seu próprio mestre, como acontece
agora com Osiander e Agrícola, de onde surgiram gravíssimos escândalos e
dissipações. Por isso, o melhor seria que, reunidos os príncipes em concílio,
tomassem medidas preventivas; só que os papistas que temem a luz, se
negariam a eles”. Respondeu o mestre Felipe com tristeza: “Jamais o Papa
será induzido a aprovar um Concílio geral... Oxalá nossos príncipes e Estados
fizeram um concílio para estabelecer alguma concórdia na doutrina e nos ritos,
a fim que ninguém particular corra fora temerariamente, com escândalo de
muitos, como já se começa fazer. Muito triste é, certamente a fase de nossa
Igreja” (1537, apud, GARCIA-VILLOSLADA, 1976).
1
Outro fato importante para o estudo de Lutero são as descrições que
foram feitas dele. Lucas Cranach
2
, que o conhecia muito bem e o tinha em
grande estima, retratou o reformador cinco vezes, pelo menos: três pinturas a
óleo e duas gravadas em cobre. Esta impressionante galeria, caracterizada
pela penetração e as idéias de um mesmo artista, coloca diante dos olhos
1
GARCIA-VILLOSLADA, Ricardo. Martín Lutero, Volume II, En lucha contra Roma. Página
555, citando as Tischereden 3900, III 694.
2
Nasceu em 1472 e morreu em 1553.
129
figuras completamente distintas. O rosto contemplativo do monge circunspecto
só tem em comum a frente ampla e os olhos luminosos e penetrantes como ele
enérgico Lutero retratado como um barbudo representante da baixa nobreza.
Entre o monge e o cavalheiro tem mundos de distância, e somente um ano,
1520-1521 separa ambos os retratos. É também os olhos o traço mais
marcante do rosto do ano de 1532, fixado para a posteridade pelo ateliê de
Cranach. E Também o último quadro, realizado por Lucas Cranach em
princípios de 1546, tem sua vida nos olhos. O retrato de Lutero morto e sua
máscara mostram o morto em toda sua dignidade e a morte em toda a sua
inanidade. Testemunhos oculares informam como aqueles olhos penetrantes
deslumbravam a quem tinha a sua frente. É impressionante a maneira como
ele retratou Lutero. O fato de Martinho Lutero ter tido olhos tão expressivos, e
sempre se preocupar de olhar as pessoas nos olhos, demonstra uma força de
personalidade muito grande, e como o próprio Cranach o retratou com os olhos
vívidos, mostra também o homem inteligente que ele foi.
A descrição mais antiga do aspecto externo de Lutero vem do
momento da disputa de Leipzig de 1519, que atraiu a muitos ouvintes que não
queria perder o debate teológico entre Karlstadt, Lutero e Johannes Eck. Esta
descrição foi feita aproximando-se dele o suficiente para ver-lhe o rosto, e foi
feita pelo humanista de Leipzig Petrus Mosellanus
3
. Ele descreve Lutero como
um homem de estatura mediana, magro pelas preocupações e estudos, até ao
ponto de que poderiam contar seus ossos através da pele. Sem dúvida, seu
aspecto é saudável está em plena forma de suas forças físicas.
Martinho Lutero padeceu não somente de tentações, dos conflitos e
as preocupações, mas também as enfermidades graves deixaram suas
impressões em Lutero. Até o ano de 1520, apenas temos notícia de algumas
enfermidades, a margem do acidente que quase lhe custou a vida, quando seu
punhal lhe penetrou a artéria. A caminho de Worms, ele foi atacado por uma
grave febre, porém ao que parece até Wartburg, ele não sentiu maiores
problemas de enfermidades. Ao longo dos anos se tem mantido
obstinadamente a lenda de que Lutero experimentou sua decisão reformista
como o final de uma dolorosa constipação. Esta história se remonta de uma
3
Por quem Lutero sentiu uma forte admiração e a quem a universidade de Wittenberg havia
encomendado um ano antes sua cátedra de grego, antes de encarregá-la a Melancton.
130
afirmação do próprio Lutero: realizei o meu descobrimento na cloaca. A
realidade é que Lutero alojado em Wartburg, tempos depois de sua
condenação como herege, padeceu de hemorróidas, e também de fístula anal.
As primeiras dificuldades se manifestaram em Worms. A dor o atormentava
como nunca o havia feito anteriormente. Neste momento ele se queixava em
alemão: “Mein arss ist bös worden” (Tenho o ânus doente).
4
Lutero deve ter sido um homem de constituição forte; caso contrário
não poderia ter superado seus estados de tensão, excesso de trabalho e
permanentes tribulações. Porém seria um erro imaginá-lo como um homem
pleno de vigor. Sua energia vital brota de outra fonte. Sua vida foi uma luta
constante contra o diabo, que ele mostra muito bem através de seus escritos, e
na composição do hino “Castelo Forte”. Por isto estava dos pés a cabeça
preparado contra a enfermidade e aberto a saúde do espírito, pois ele
descobriu que o justo vive pela fé e a vida não começa no céu, mas aqui. A
admoestação medieval acerca da morte: “Em meio da vida estamos cercados
pela morte”, havia sido transformada por Lutero em um grito da vida pela fé:
“Em meio da morte estamos cercados pela vida” (1982, OBERMAN).
5
O que se pode admirar na vida de Lutero era a sua sinceridade.
Muitas vezes este jeito de ser era mal interpretado como sendo grosseria. Ele
não tinha medo de dizer o que estava em sua mente, e não tinha receio de
falar de suas fraquezas. Isto, que o torna um homem de grande valor. E como
ele foi grande; em todos os aspectos: nas esferas da lingüística, teologia,
psicológico, liberdade,
A partir do momento que Lutero traduziu as Sagradas Escrituras
para sua língua materna, ele revolucionou a língua de seu país. Ele percebeu
rapidamente a incapacidade da Igreja conhecer a Deus sem conhecer a
Palavra e assim lançou em 1534 a primeira edição da Bíblia por ele traduzida,
e em linguagem comum. Isto foi reconhecido até pelo filósofo Nietzsche,
grande ateu confesso. Escreveu Klopstock: “Ninguém que sabe o que é uma
4
Lutero, Martinho. WA 2. 334, 6; 12 de maio de 1521.
5
OBERMAN, Heiko A. Lutero un hombre entre Dios y el diablo. Página 392.
131
língua compareça sem reverência diante de Lutero. Em nenhum povo um
homem só formou tanto a sua língua” (1774, apud EBELING, 1988).
6
Os monumentos erguidos para reverenciar Lutero sempre o
mostram com uma Bíblia na mão. Lutero afirmava que a Bíblia era a Palavra de
Deus, e sabia muito bem o que dizia. Mas quando queria realmente expressar
o que pensava, dizia que na Bíblia se encontrava a palavra de Deus, a
mensagem de Cristo, a expiação, o perdão dos pecados e a dádiva da
salvação. Deixava bem claro que a Bíblia continha a palavra de Deus no
sentido que transmitia a mensagem do Evangelho. Mas entendia que esta
mensagem existia antes da Bíblia, na pregação dos apóstolos. Lutero
conseguia interpretar o texto da Bíblia, em seus sermões, escritos e palestras,
sem apelar à interpretações especiais de tipo pneumático, espiritual ou
alegórico além da interpretação filosófica.
Para Lutero pecado é falta de fé. Falta de fé é o verdadeiro pecado.
Ele considerava a vida corrompida em sua totalidade, incluindo sua natureza e
substância. Ele falava em depravação total. Quer dizer, não há parte alguma do
ser humano isenta dessa alteração existencial. Fé para Lutero era receber a
Deus, quando Deus se dá a nós. Ele fazia uma distinção deste tipo de fé da fé
histórica (fides historica), que reconhece os fatos históricos. Fé é a aceitação
do dom de Deus. Em relação a Cristo ele falava: “No Cristo crucificado é que
está a verdadeira teologia e o verdadeiro conhecimento de Deus”. Ou seja, o
homem só pode ter o conhecimento perfeito de Deus, olhando para a cruz de
Cristo.
No campo da psicologia, como foi colocado amplamente no capítulo
II deste trabalho, é muito difícil psicologizar a respeito da vida de um líder tão
emblemático, tão grandioso, tão respeitado por uns e odiado por outros, como
foi Martinho Lutero. Mas pelo volume de sua obra, pelos seus relacionamentos
com seus pais, seus preceptores no mosteiro, amigos, conversas à mesa com
seus estudantes e amigos, além de suas cartas, e a maneira quase que
obsessiva que ele datava tudo isto, seus biógrafos não tiveram tanto trabalho
em fazer uma descrição de sua pessoa. A grande dificuldade, como foi
colocado na introdução, é a quantidade de material. Quando vai se escrever a
6
EBELING, Gerhard. O pensamento de Lutero. Página 21, citando F. G. Klopstock, Die
Deutsche Gelehrtenrepublik, 1ª parte, 1774, página 170.
132
respeito de Martinho Lutero, é necessário que se faça uma classificação do
material, para saber onde chegar, qual o destino, e não ficar perdido no meio
de tantas páginas, tantos pensamentos divergentes. Pois ele tanto foi amado
quanto odiado.
Através do estudo de Erikson, pode-se constatar que muitas vezes
ele não foi tão exato em sua interpretação, justamente por não ir na fonte para
examinar; ter confiado em interpretações de terceiros, tornou ele inexato em
alguns pontos na vida de Martinho, como por exemplo, na crise do coro, que
ele faz uma interpretação como se realmente ele tivesse caído
endemoninhado. Mas, ele também coloca que o fato dele não ter mencionado
este episódio, pode ter sido provocado por uma amnésia. Até poderia falar que
neste momento ele pode ter usado um mecanismo de defesa do ego, a
repressão, no sentido dele ter reprimido este conteúdo tão traumático. Mas
talvez seja melhor pensar que, naquele momento ele tenha tido apenas uma
opressão, um momento estressante que ele estava passado em sua vida.
Outro momento também na obra eriksoniana, analisando a vida de
Martinho, quando ele o compara ao ditador, Adolf Hitler em suas fases de
construtividade e destrutividade. Esta comparação não faz jus a pessoa de
Lutero, em toda a sua magnitude. Se Lutero falou com muita ira em relação aos
judeus, ele estava indignado pelo fato deles terem rejeitado ao Messias, a
Jesus Cristo. Quando Hitler se levantou contra os judeus e o judaísmo, ele quis
exterminá-los diante do pressuposto da superioridade da raça ariana, e
executou seus planos muito bem elaborados, com requintes de crueldade e
tendo a sua disposição todo um grupo que pensava nos mínimos detalhes
como melhor praticar o genocídio. Lutero, sim teve sua fase de destrutividade,
quando se levanta contra uma Igreja Romana decadente do ponto de vista
moral e teológico. A luz da Palavra que orientava sua vida, ele elaborou muito
bem todo o seu corpo doutrinário, através de toda sua vasta obra.
É certo que, pode-se chegar a esta conclusão que a Reforma
Luterana foi incompleta, em se tratando de questões sociais. Em 1525 ele
escreveu seu panfleto Contra as Hordas de Camponeses Assassinos e
Ladrões, sugerindo tanto que massacres públicos e secretos em palavras que
poderiam adornar os portões do quartel da policia e dos atuais campos de
133
concentração, ou prisões como Guantánamo. Ele prometeu recompensas no
céu para aqueles que arriscassem suas vidas em subjugar a insurreição.
Enfim, a vida de Martinho Lutero continuará sendo estudada, e
apreciada por profissionais de todas as áreas como foi constatado por Erikson
no seu livro: historiadores, psiquiatras, psicanalistas, teólogos, pedagogos, e
todos quantos se aproximarem de sua vida e obra com muita vontade de se
debruçar sobre todos os volumes de sua obra, todas as biografias que já foram
produzidas até o presente momento.
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