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mesmo “A essência do objeto se altera, sem que suas determinações
contingentes sofram com isso qualquer alteração
135
”.
De mais a mais, é difícil se falar de transcendental, no contexto do
Tractatus, sem cair em armadilhas do psicologismo, como o próprio Cuter
parece cair ao longo de seu bom artigo. Como no trecho em que afirma
que: “ao falarmos, ao produzirmos sentido, nós visamos os objetos
simples por intermédio das relações afigurantes. Projetando os nomes no
mundo, nós devemos direcionar nossa vontade transcendental no sentido
dos objetos
136
.” Aqui como em outras passagens, Cuter parece pensar
sujeito transcendental sob a imagem de um sujeito empírico.
Em seus artigos, João Vergílio Cuter parece tomar uma nomeação
como escolha, decisão ou ação de um sujeito transcendental como
estratégia exegética de um projeto maior: dar serventia ao sujeito que
aparece nas passagens do bloco 5.6 do Tractatus
137
. E, então, deste modo,
equacionar os fundamentos lingüísticos e ontológicos do Tractatus com
seus aspectos éticos e místicos, propondo, assim, uma interpretação
135
Id. Ib. p.81. Uma essência pode se alterar? Intuitivamente, a essência de uma coisa não
é justamente o que não se altera?
136
Id. Ib. p. 84. Grifo meu.
137
Talvez a serventia do sujeito transcendental não esteja na premência de uma escolha
no âmbito elementar da figuração como pretende Cuter, basta pensarmos aqui que os
objetos tractatianos sejam todos diferentes quanto ao seu tipo lógico. A minha hipótese,
não explorada, para um papel positivo do conturbado sujeito tractatiano, está ainda na
teoria da figuração, em seu ponto elementar, mas não numa exigência de escolha. Está,
pois, na necessidade do remetimento de fatos em fatos para que um seja, enfim, modelo
do outro. O mundo se resolve em fatos, originariamente não parto de linguagem e
ontologia, parto de fatos do mundo. É necessário então em algum nível, suponho no nível
elementar, uma intencionalidade que divida o mundo em fatos lingüístico (simbólicos) e
fatos propriamente ditos, remetendo os primeiros ao segundo. Podemos pensar, como faz
José Marques em sua tese de doutoramento, que haja apenas uma coordenação
estritamente formal entre a esfera do lingüístico e da ontologia sobre o esteio do
isomorfismo, caso já parta de um mundo já cindido em linguagem e ontologia. É, pois,
uma necessidade teórica interessante isolar a figuração do mundo para estudá-la em
particular, mas é uma demanda artificial. Com efeito, a pergunta permanecerá: Como o
mundo se divide ou se redobra sobre si para representar-se, se são só fatos que o
compõem, em última instância? Conjectura: Sujeito metafísico. Posso partir de relações
afiguradoras já dadas. Então já teria linguagem e mundo, não precisaria de sujeito
metafísico. Preciso de sujeito transcendental quando só tenho mundo ou fatos.
Funcionará, então, como uma espécie de justificativa para as relações afiguradoras.