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Marcos Antonio da Silva Filho
A Lógica Como Metafísica Reabilitada
Sobre a Isomorfia entre Mundo e Linguagem no
Tractatus de Wittgenstein
Dissertação de Mestrado
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Filosofia da PUC-Rio como requisito
parcial para a obtenção do título de Mestre em
Filosofia.
Orientador: Dr. Luiz Carlos Pereira
Rio de Janeiro, agosto de 2008
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2
Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total
ou parcial do trabalho apresentado sem a autorização da
universidade, do autor e do orientador.
Marcos Antonio da Silva Filho
É, atualmente, doutorando em Filosofia na PUC-Rio,
bolsista CAPES. A área de concentração de sua pesquisa é
a Filosofia da Linguagem e da Lógica. Foi bolsista CNPq
desde o terceiro período de sua graduação em Filosofia no
IFCS/UFRJ, na modalidade PIBIC, e no primeiro ano de
mestrado na PUC-RIO. Foi bolsista de desempenho
acadêmico CAPES, no segundo ano de mestrado, de julho
de 2007 a fevereiro de 2008.
Ficha Catalográfica
CDD: 100
Silva Filho, Marcos Antonio da
A lógica como metafísica reabilitada: sobre a
isomorfia entre mundo e linguagem no Tractatus de
Wittgenstein / Marcos Antonio da Silva Filho ;
orientador: Luiz Carlos Pereira. – 2008.
97 f. ; 30 cm
Dissertação (Mestrado em Filosofia)–Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2008.
Inclui bibliografia
1. Filosofia – Teses. 2. Wittgenstein. 3. Tractatus.
4. Isomorfismo. 5. Lógica. 6. Teoria dos Conjuntos I.
Pereira, Luiz Carlos. II. Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro. Departamento de
Filosofia. III. Título.
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3
Dedico esta dissertação à memória de meu irmão William. Misterioso,
impenetrável, tragado pelo mar das coisas. Ele nunca soube nadar direito.
4
Agradecimentos
Ao CNPq e CAPES, pelo fomento imprescindível, cada qual a seu
tempo, para a elaboração de minha pesquisa.
Ao professor Luiz Carlos, por ser minha fonte pessoal de
inspiração e excelência. Brinco com meus amigos, se Luiz Carlos botasse
uma capa, tiraria uma foto e a pregaria no armário. Tal é minha admiração
por esta espécie de herói particular.
Ao professor Luiz Henrique, pela seminalidade extraordinária de
seus textos.
Aos professores Edgar Marques e Danilo Marcondes, por
gentilmente terem composto este dream team filosófico, que foi minha
banca de defesa, da qual muito me orgulho.
À minha irmã Mariana, minha mecenas do alemão.
À minha Kel, pelo amor e pela paciência.
À vida, por ser tão generosa comigo.
5
A Lógica Como Metafísica Reabilitada
Sobre a Isomorfia entre Mundo e Linguagem no Tractatus de
Wittgenstein
RESUMO
A dissertação investiga, a partir do Tractatus de Wittgenstein, a
articulação interna do mundo e da linguagem _ a isomorfia _ e elucida
aquilo que, sendo idêntico aos dois, a saber, a forma lógica, permite a
função de representação exercida pela linguagem. Para tanto, estabeleço,
com o auxílio da Teoria de Conjuntos, que a isomorfia tractatiana respeita
um mecanismo formal de mapeamento dos estados de coisas pelas
proposições elementares numa função biunívoca preservadora de relações
entre os nomes e os objetos nomeados. Portanto, demonstro a legitimidade
do uso do conceito matemático de isomorfismo na interpretação
tradicional do Tractatus. A partir disto, defendo a pertinência de se tomar
a lógica, tal qual concebida no Tractatus, como uma espécie de metafísica
reabilitada em oposição à metafísica tradicional, tomada, por Wittgenstein,
como ilegítima.
Palavras-chaves: Wittgenstein, Tractatus, Isomorfismo, Lógica, Teoria
dos Conjuntos.
Logic as Regenerated Metaphysics
On the Isomorphism between World and Language in the
Wittgenstein’s Tractatus
ABSTRACT
This dissertation investigates the internal articulation between
world and language _ the isomorphy _ hold by Wittgenstein in his
Tractatus. To do so, I determine using the Set Theory that the tractatian
isomorphy functions mapping state of affairs in terms of atomic
propositions through a peculiar relation between objects and names. As a
result, I demonstrate that it is legitimate to use the mathemathical concept
of isomorphism to interpret Tractatus. According to this, I also defend that
logic, as it is assumed by Wittgenstein, can be held as a regenerated
methaphysics in contrast to the ilegitimacy of the traditional one.
Key words: Wittgenstein, Tractatus, Isomorphism, Logic, Set Theory.
6
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 8
1. CRÍTICA À METAFÍSICA 18
1.1. Lógica e projeto tractatiano 18
1.2. Metafísica como falha referencial 22
1.3. Determinação do sentido 30
1.4. Proposições e nomes 36
2. ISOMORFISMO 45
2.1. Teoria Geral da Figuração 47
2.2. Isomorfismo na literatura secundária 51
2.3. Mapeamento 55
2.3.1. Função 58
2.3.2. Isomorfia tractatiana como uma função biunívoca 62
2.4. Revisitando a nomeação tractatiana 65
3. ESTATUTO DA LÓGICA 72
3.1. A All-embracing Representation of the World Through
Language
1
82
3.2. A Lógica como metafísica reabilitada 86
CONCLUSÃO 91
BIBLIOGRAFIA 96
1
Título inspirado em anotações do dia 12.10.14 dos Notebooks 1914-16 de Wittgenstein.
7
“O desejo de saber tudo era, em resumo, a esperança de descobrir que não
havia nada.”
Machado de Assis, em Quincas Borba
8
INTRODUÇÃO
O Tractatus Logico-philosophicus
2
de Wittgenstein é um dos mais
importantes e influentes textos filosóficos do século XX. Pensa-se
inclusive, com freqüência, que delimita o horizonte de temas a serem
estudados pela Filosofia Analítica
3
. Desempenha papel de grande
relevância na Filosofia Contemporânea, sobretudo, como uma fonte de
inspiração para as escolas britânicas e austríacas de inclinação analítica. É
um marco da chamada virada lingüística, que colocou a linguagem natural
e formal, o que engloba naturalmente a Lógica Simbólica, no cerne das
discussões filosóficas. A partir dela, desloca-se o tema da filosofia,
submetendo novo campo a um novo tipo de apreciação organizada: da
investigação sistemática da estrutura essencial da realidade ou mesmo da
interação das faculdades subjetivas no ato do conhecimento e do tipo de
acesso que temos ao mundo que marca o acento do desenvolvimento da
filosofia moderna, se passa a investigar as condições para um discurso ter
sentido ou mesmo no que faz as sentenças de nossa linguagem terem
conteúdo significativo e serem, então, passíveis de verdade ou falsidade.
2
Por convenção, tome os números decimais, nesta dissertação, quando utilizados nas
notas de rodapé, se referindo exclusivamente às seções do Tractatus, conforme a própria
organização feita por Wittgenstein. Se usados para outro fim, este será devidamente
explicitado.
3
“O agregado de tópicos que constitui a área de estudos lógico-filosóficos já é visível,
pelo menos em parte, no Tractatus logico-philosophicus de Ludwig Wittgenstein, obra
publicada em 1921. É uma boa maneira de ter uma idéia sinóptica do território disciplinar
abrangido por esta enciclopédia, ou pelo menos de uma porção substancial dela, é extrair
do Tractatus uma lista dos tópicos mais importantes aí discutidos; a lista incluirá
certamente tópicos dos seguintes gêneros, muitos dos quais se podem encontrar ao longo
desta enciclopédia: fatos e estados de coisas, objetos, representação, crenças e estados
mentais, pensamentos, a proposição, nomes próprios, valores de verdade, bivalência,
quantificação, funções de verdade, verdade lógica, identidade, tautologia, o raciocínio
matemático, a natureza da inferência, o ceticismo e o solipsismo, a indução, as constantes
lógicas, a negação, a forma lógica, as leis da ciência, o número”. In. Prefácio da
Enciclopédia de termos lógico-filosóficos. p. vii. Ainda sobre este tema, é importante
destacar que investigações filosóficas a respeito da natureza da linguagem aparecem em
períodos bem mais antigos, como se evidencia, por exemplo, no diálogo Crátilo de
Platão.
9
Pensa-se, portanto, em termos de limites semânticos e não mais
apenas cognitivos. Pode-se, portanto, grosso modo, afirmar que o
Tractatus é um dos marcos filosóficos da premência da investigação
sistemática da linguagem como propedêutica necessária para o
entendimento _ ou dissolução _ de questões ontológicas ou
epistemológicas.
Esta primeira obra de Wittgenstein pode ser tomada como o
produto de uma Viena profícua culturalmente em discussões a respeito de
filosofia, ciências naturais e psicologia
4
e do desenvolvimento das
inovações técnicas da Lógica Simbólica ou Matemática a partir do projeto
logicista de Frege e Russell
5
. A lógica do Tractatus é a nova lógica
desenvolvida por estes no fim do século XIX. Disciplina remodelada que
revolucionou a teoria da inferência dedutiva pela introdução de novos
métodos e instrumentos que a transformaram numa área moderna de
intensa e proveitosa investigação científica, a dissociando, finalmente, da
gramática, da retórica e da psicologia.
Wittgenstein observa nestas evoluções técnicas ferramentas ainda
rudimentares, e, portanto provisórias, mas de extrema relevância para
tomar em prospecção a superfície da linguagem com a finalidade de se
chegar a seu núcleo prenunciado e venturoso. Sua tarefa seria em parte
sofisticar estas ferramentas redesenhando-as para melhor cumprir o seu
papel: fazer perspícua a lógica da linguagem de maneira que a formulação
dos problemas filosóficos, todos mal-entendidos, ficasse clara e fosse
evitada, da mesma forma que se evitam, ao longo da vida, erros
gramaticais em nossa língua natural. Deveríamos consciente e
4
Um livro esclarecedor a respeito da formação cultural de Wittgenstein, em um nível
histórico-filosófico, é o interessante A Viena de Wittgenstein, de Janik e Toulmin. Esta
obra tem por objetivo pensar a filosofia tractatiana à luz das influências e peculiaridades
do meio cultural vienense do final do século XIX. Referência completa no fim da
dissertação.
5
Únicos autores nominalmente citados no prefácio do Tractatus, que afirma, de maneira
peculiar na história da filosofia, que não indica fontes, porque lhe é indiferente que
alguém mais já tenha pensado, antes dele, o que pensou.
10
disciplinadamente evitar o filosofar tradicional. Assim, uma nova filosofia
demandaria um novo filósofo. A tarefa do filósofo, revisitada por
Wittgenstein, seria a de ser um perito hábil na escavação lógica da
linguagem comum atrás da armação profunda que a sustenta.
O Tractatus é uma das obras mais seminais na História da
Filosofia em torno do rico tema da relação entre mundo, pensamento e
lógica, ou melhor, da articulação especial e necessária entre eles. A
relação íntima já está evidenciada no título que designa um tratado de
filosofia _ suis generis, certamente _ desenvolvido sob a ótica da, então,
nascente lógica matemática. Esta é tomada como a pedra de toque para se
determinar a essência da linguagem, e, por conseguinte _ como a
dissertação pretende mostrar _ a essência do mundo que possibilitem o
discurso assertivo legítimo.
Wittgenstein supõe, e o objetivo central da dissertação é sustentar
esta suposição, que por meio de uma visão perspícua da lógica e de uma
notação simbólica adequada teríamos subsídios suficientes para ver
perspicuamente também o funcionamento da linguagem e do mundo.
Como ficará claro pela introdução e desenvolvimento na geografia
conceitual tractatiana da noção de mapeamento, o funcionamento do
mundo nos é dado indiretamente pelo funcionamento da linguagem
quando evidenciado pela lógica e sua aplicação.
***
O laconismo do Tractatus esconde
6
, numa primeira leitura, um
escopo vasto de temas, que cobrem boa parte, senão, como pretendido por
Wittgenstein em seu prefácio, toda a filosofia. O estilo fragmentário e
aforístico sugere apenas uma pequena parte escrita de uma grande
6
“There is a space of meaning around Wittgenstein’s statements; they contain much
more than one might suppose at first sight”. STENIUS. Wittgenstein’s Tractatus. p. 3.
11
elaboração filosófica. A falta de referências no texto não nos exime de
fazer correlações com as tradições filosóficas anteriores, aliás tal
diacronismo exegético é por vezes tomado como indispensável para
compreensão de sua obra
7
. Sua prioridade de clareza é entremeada por
proposições de difícil compreensão e não poucas vezes oraculares. Seu
objetivo não prima pela simplicidade: ter os problemas da filosofia
definitivamente resolvidos e mostrar como vale pouco resolvê-los.
O caminho que me levou a primeira obra de Wittgenstein foi
justamente o de especulações e perplexidades acerca da relação _ para
mim, íntima e obrigatória _ entre Lógica e Realidade. Freqüentemente, em
Filosofia, nota-se que um quadro conceitual complexo se desenvolve de
uma questão aparentemente simples, mas de conseqüências surpreendentes
que se revela debitária de pressupostos generosos. Este me parece ser, em
boa medida, também o espírito do Tractatus: em suas pressuposições, a
pergunta simples acerca de como nossas proposições podem representar
aparece como extensão de um projeto importante para a História da
Filosofia como o crítico-transcendental _ quais são os limites do sentido
proposicional? O que pode e o que não pode ser dito significativamente? _
além de pressupor um conhecimento suficiente das obras de Frege e
Russell. A conseqüência retumbante desta questão aparentemente simples
acerca dos limites semânticos do dizer é a resolução irretocável e
definitiva de todos os problemas filosóficos.
Assim se encontrava meu espírito por ocasião do projeto para
dissertação. Uma pergunta simples me levou à complexidade e à beleza
austera do Tractatus de Wittgenstein: Por que não existem, em um sentido
7
“Não é difícil ao candidato a intérprete se dar conta de que o entendimento não só da
relevância das idéias expostas no livro, mas também de seu conteúdo preciso, é
impossível sem a reconstrução do cenário polêmico sobre o qual é urdida a trama de sua
modelagem e articulação”. DOS SANTOS. Essência da Proposiçao e Essência do
Mundo. p. 12. E ainda, “The thought that underlies this book is that philosophical
understanding is essentially historical.” BAKER. Wittgenstein, Frege and the Vienna
Circle. p. xv.
12
estrito, eventos contraditórios no mundo? Que relação especial pode haver
entre linguagem e mundo que impossibilite contradições nestes dois
domínios?
Um desenvolvimento natural à pergunta acerca do por que da
inexistência de eventos contraditórios se direciona para uma extensão mais
filosoficamente sofisticada referente ao caráter aparentemente universal e
atemporal do alcance do objeto da observação. A constatação da
existência de eventos contraditórios é impossível independentemente do
momento e do lugar de onde se observa, ou mais precisamente,
independente do tempo e do espaço nos quais a observação ocorre e, mais
detidamente, independente também de quem observa ou da própria
observação. Em nenhum lugar do mundo e em nenhum momento na
história natural aconteceu, acontece ou acontecerá uma combinação
atualizada de eventos contraditórios, do tipo “chove e não chove”. Por que
não há, nunca houve, e nunca haverá no mundo eventos contraditórios?
Por que numa manhã frugal não acontece _ e não pode acontecer _ de se
abrir a janela do quarto e se constatar que “chove e não chove
simultaneamente”?
É claro que, neste caso, não constato por uma dificuldade ou por
deficiência de faculdades cognitivas. Outras pessoas nunca observarão ou
observaram também tal complexo insólito de fatos. Necessariamente.
“Chove e não chove” é de uma impossibilidade objetiva e, portanto, por
assim dizer, intersubjetiva, “compartilhada por muitos”, como diria Frege.
Não é só uma impossibilidade meramente factual, mas é antes uma
impossibilidade do pensamento, conseguimos tampouco imaginar o que
seria a concatenação de dois eventos contraditórios. Rigorosamente, não
se imagina nada quando se tenta imaginar algo do tipo “chove e não
chove”. Vemos que estamos, por assim dizer, brincando com a construção
de palavras que juntas, articuladas com um ‘não’, em última análise, não
figuram coisa alguma.
13
Concluímos que tal impossibilidade independe do sujeito que
pensa e da conformação de suas faculdades, ou seja, é objetiva e
necessária, além de ter um escopo temporal e espacial irrestrito, ou seja, é
universal. Reiterando a questão: Qual, então, seria o fundamento da
necessidade e universalidade da impossibilidade da existência de eventos
simultâneos contraditórios no mundo?
Como ponto de partida provisório, podemos assumir que “chove e
não chove” é uma instanciação do princípio lógico da não-contradição.
Aqui encontramos a chave da universalidade e necessidade de tal
impossibilidade que procurávamos: eventos contraditórios são
inimagináveis e inatualizáveis porque correspondem a uma
impossibilidade lógica. Bem, desta forma, não resolvemos nossa questão,
apenas adiamos nossa dúvida. Nossa curiosidade volta-se, então, para a
lógica. A disciplina sistematizada pelos lógicos. Nossas questões
multiplicam-se. Por que a lógica que, em princípio, daria as regras ou leis
do pensamento se aplica irrestritamente sobre o mundo? Por que leis do
meu pensamento também valem para o mundo? Qual é a relação entre a
lógica e o mundo que respalda sua aplicação exaustiva no mundo? Por que
não posso imaginar algo ou encontrar uma combinação de eventos no
mundo que falsifiquem uma tautologia ou validem uma contradição? Uma
impossibilidade de eventos lingüísticos ou psicológicos pode se remeter
diretamente a uma impossibilidade de atualização de eventos no mundo?
Posso pensar o inverso? Uma impossibilidade no mundo pode determinar
uma impossibilidade lingüística ou psicológica? Por que “resultados” da
investigação da linguagem e do pensamento podem corresponder aos
“resultados” da investigação do mundo e vice-versa?
8
8
“A presença de uma relação interna entre situações possíveis exprime-se na linguagem
por uma relação interna entre as proposições que as representam.” 4.125 “De uma
proposição elementar, nenhuma outra se pode deduzir. Da existência de uma situação
qualquer não se pode, de maneira nenhuma inferir a existência de uma situação
completamente deferente dela”. 5.134-5. “Especificar a essência da proposição significa
especificar a essência de toda descrição e, portanto, a essência do mundo”. 5.4711 “Que
14
Parece mesmo que encontramos a medida ou paradigma de todas
as legalidades, a saber, a legalidade irrestrita dos assim chamados
princípios clássicos da lógica. Não é proibido pensar, representar ou
encontrar eventos contraditórios, mas tal fato é impossível, é um absurdo.
A legalidade lógica é, por assim dizer, intransgridível. É impossível
transgredir a lógica porque ela funciona, em princípio, como a própria
condição das coisas do pensamento ou do mundo serem coisas. Uma
linguagem, pensamentos ou um mundo ilógico poderiam, portanto,
existir? Podemos imaginar um mundo onde, por exemplo, a lei da
gravitação não se dê, e objetos largados no ar não caiam, mas flutuem.
Podemos imaginar neste mesmo mundo uma impossibilidade tecnológica
sendo superada em algum tempo, por exemplo, viagens por tele-
transporte. Ora, uma impossibilidade lógica não pode ser superada, mesmo
com a aplicação contínua e diligente de todos os gênios científicos. Não
conseguimos imaginar, mesmo se fôssemos mais inteligentes ou
tivéssemos faculdades ocultas, um mundo onde, por exemplo, o princípio
da identidade não valha.
A lógica e os seus princípios parecem revelar que há uma ligação
íntima e essencial entre o mundo e a linguagem, ou mesmo, entre a
realidade e o pensamento, porque algo que em princípio seria uma
impossibilidade lingüística ou do pensamento se revela também uma
impossibilidade do mundo. É como que para que uma linguagem e um
mundo sejam possíveis tenham de prestar contas, primeiramente, a um
deus peculiar: a lógica.
as proposições da lógica sejam tautologias, isso mostra as propriedades formais – lógicas
– da linguagem, do mundo”. 6.12. Aqui se vê claramente como Wittgenstein poderia nos
ajudar. Acredito que a resposta para as questões aqui esboçadas nesta espécie de brain
storm introdutório passa pela suposição que justifica estes trechos do Tractatus,
sobretudo o 5.4711, que será estudado mais detidamente. Justificando, assim, a
“passagem” do mundo para a linguagem e, reversibilidade deste caminho, ou seja, da
linguagem para o mundo.
15
“O pensamento contém a possibilidade da situação que ele pensa. O que
é pensável é também possível. Não podemos pensar nada de ilógico,
porque, do contrário, deveríamos pensar ilogicamente. Já foi dito que
Deus poderia criar tudo, salvo o que contrariasse as leis lógicas. – É que
não seríamos capazes de dizer como pareceria um mundo ‘ilógico’.
Representar na linguagem algo que ‘contradiga as leis lógicas’ é tão
pouco possível quanto representar na geometria, por meio de suas
coordenadas, uma figura que contradiga as leis do espaço; ou dar as
coordenadas de um ponto que não exista
9
.”
Talvez, o que a disciplina lógica faça seja exibir sistematicamente
as leis que regem esta ligação, este espaço de possibilidades lógicas
compartilhado entre pensamento e realidade, através de uma notação
simbólica. Sob tal visão, a lógica seria um sistema simbólico que, em
princípio, representam leis _ lógicas _ as quais regeriam exaustivamente a
linguagem e o mundo. Como conseqüência, podemos imaginar que para
que os princípios da lógica sejam exaustivamente aplicáveis ao mundo, a
linguagem tenha que ter acesso exaustivo ao mundo, e assim revelá-lo
essencialmente organizado e lógico. Um mundo, por assim dizer,
contraditório é tão impossível quanto uma linguagem contraditória.
Estabelecendo-se assim uma harmonia essencial estritamente lógica entre
o mundo e a linguagem. Podemos, portanto, reinventando à luz da
inspiração tractatiana o lema berkeleyano, afirmar: ser é poder ser dito. As
possibilidades do mundo não são autônomas à lógica de nossa linguagem.
O mundo só pode ser sobre o arcabouço lógico. A lógica parece, então, se
conformar como algo que define o horizonte modal da linguagem e do
mundo.
***
A presente dissertação é o fruto do trabalho de dois anos de um
aluno a procura de resposta, mas atônito pela proliferação de questões.
Tomei como guia nesta “selva metafísica” Wittgenstein com o seu
9
3.03-3.0321.
16
Tractatus, para minha sorte (ou azar). Nesta dissertação tento mostrar até
onde meu guia me levou. Se o caminho apontado foi proveitoso,
enganador, ou até mesmo errado são possibilidades abertas ainda e deixo
ao leitor determinar. Como todo caminho em um lugar novo (e inóspito)
para um lugar novo (e não menos inóspito), não sabia muito aonde
chegaria, e se chegaria a algum lugar. De antemão, peço desculpas ao
leitor se a chegada deste (des)caminho pareça muitas vezes confusa,
circular ou mesmo pouco clara, o que seria certamente uma tremenda
deselegância minha. Tais dificuldades se devem menos a complexidade do
terreno acidentado que a minha inépcia como bom viajante.
***
A dissertação tratará, principalmente, da investigação da
articulação interna do mundo e da linguagem _ a isomorfia _ e de
determinar aquilo que, sendo comum aos dois, a saber, a forma lógica,
permite a função de representação exercida pela linguagem. A partir disso,
tentarei, subseqüentemente, defender a pertinência de se tomar a lógica, tal
qual concebida no Tractatus, como uma espécie de metafísica reabilitada
em oposição à metafísica tradicional, tomada, por Wittgenstein, como
ilegítima.
Para tanto, este trabalho é composto por três partes principais, a
saber: parte (1), identificar o projeto tractatiano e mostrar que a crítica a
metafísica tradicional operada por Wittgenstein se respalda em sua teoria
pictórica, sobretudo na tese do isomorfismo que apregoa a identidade
formal entre o nome e o objeto nomeado numa proposição elementar. A
questão aqui é demonstrar que a essência da crítica se respalda na falta
desta relação binária de denotação em proposições filosóficas. Razão pela
qual são tomadas como ilegítimas: quando analisadas mostram que algum
sinal falha em denotação e, portanto, não respeitam a condição última para
17
figuração, a saber, a isomorfia. A pretensão da filosofia fere a bipolaridade
essencial da proposição ao formular teses que tenham sentido e sejam
necessárias.
Na parte (2), pretendo tratar mais especificamente da Teoria do
Simbolismo, mostrando porque a isomorfia entre mundo e linguagem
desempenha papel fundamental naquela e que esta pode ser tomada
legitimamente como a possibilidade de um mecanismo formal de
mapeamento exaustivo do mundo pela linguagem por meio de uma função
biunívoca preservadora de relações. Isomorfia é um conceito matemático
introduzido na geografia conceitual tractatiana pelos comentadores
anglófonos de Wittgenstein. O que faço aqui, grosso modo, é mostrar a
legitimidade técnica do uso do conceito isomorfia na exegese do
Tractatus. A parte (3) desta dissertação se pretende exegética de um lado,
quando trata do estatuto da lógica no Tractatus, e especulativa por outro,
quando mostra que a lógica tal qual concebida por Wittgenstein pode ser
tomada como uma metafísica tácita e, portanto, se presta à alcunha de
metafísica reabilitada.
18
1
CRÍTICA À METAFÍSICA
1.1
Lógica e projeto tractatiano
“Ich habe die Welt zu beurteilen, die Dinge zu messen.”
Ludwig Wittgenstein, em Notebooks 14-16
O estatuto peculiar da lógica no sistema do Tractatus e, sobretudo,
nos cadernos de sua preparação, os Notebooks 14-16, corroboram a
intuição de uma relação especial entre mundo e linguagem. Com efeito, há
uma série de observações nestas obras que concernem à natureza
fundamental da lógica, e na base disso, a conexão da lógica com uma
essência formal comum do mundo e da linguagem. A compreensão da
natureza da lógica torna-se simples conseqüência da compreensão
adequada do funcionamento afigurador da linguagem e é por esta razão
que, no Tractatus, as discussões sobre temas lógicos cedem naturalmente
lugar a um exame das proposições da linguagem significativa. Ou mais
detidamente, sobre as condições que toda a linguagem tem de obedecer
para poder ser chamada de linguagem. Tais condições são enumeradas
sistematicamente pela teoria tractatiana do simbolismo. “Que as
proposições da lógica sejam tautologias, isso mostra as propriedades
formais - lógicas – da linguagem, do mundo
10
”. Ou na versão dos
Notebooks desta passagem: “Logical so-called propositions show the
logical properties of language and therefore of the Universe, but say
nothing
11
.”
De mais a mais, Wittgenstein sugere o caminho da investigação
deste apelo metafísico da lógica, por exemplo, quando afirma que seu
10
6.12.
11
Id. Notebooks 14-16. p.108e.
19
trabalho “has extend from the foundations of logic to the nature of
nature
12
”. Ou em Notes dictated to GE Moore in Norway em 1914: “thus a
language which can express everything mirrors certain properties of the
world by these properties which it must have, and logical so called
propositions show in a systematic way these properties
13
.”
A determinação da relação profunda entre mundo e linguagem é
sugerida também como uma espécie de projeto geral apresentado nos
Notebooks nas observações do dia 22.1.15, onde afirma que: “My whole
task consists in explaining the nature of the proposition. That is to say, in
giving the nature of all facts, whose picture the proposition is. In giving
the nature of all being.”
Esta espécie de programa anunciado nos Notebooks é levada a
cabo no Tractatus para resolver definitivamente as questões filosóficas.
Dissolvemos as questões metafísicas quando notamos que sua pretensão
excede qualitativamente o limite do sentido, quando assumimos que a
essência da linguagem revela _ mas não diz _ a essência do mundo. Este
projeto da extensão legítima dos resultados lingüísticos para um âmbito
ontológico é anunciado explicitamente no texto do Tractatus quando
afirma em 5.4711 que: “Especificar a essência da proposição significa
especificar a essência de toda a descrição e, portanto, a essência de do
mundo”. Tal passagem é particularmente importante para a interpretação
do Tractatus desta dissertação, porque dá a medida da sua possibilidade
real de contribuição, pois cumprirá seu objeto somente se o conteúdo desta
passagem for devidamente esclarecido.
Temos nesta passagem do Tractatus três implicações: primeira, da
essência da proposição tenho a essência da descrição; segunda, da essência
da descrição tenho a essência do mundo; e terceira, e mais importante, por
12
Id. Ib. p. 79e.
13
Id. Ib. p.108e. Grifo meu. No Tractatus, Wittgenstein assume que a lógica não é uma
teoria, mas uma imagem especular do mundo, afirmando que é trascendental. Cf. 6.13.
20
transitividade, tenho que da essência da proposição, ou de toda figuração,
tenho a essência do mundo.
A primeira implicação, da essência da proposição seguir-se a
essência de toda descrição, parece ser trivialmente legítima, se
assumirmos que toda representação já tem embutida em si um caráter
proposicional, o que parece sugerir o Tractatus. Se uma proposição é uma
representação e se toda representação é uma proposição, ou seja, uma
figuração lógica da realidade, então, se temos a essência da proposição
temos a essência de toda representação.
Ora, por que a essência da proposição na medida em que nos
revela a natureza última de toda e qualquer figuração da realidade nos
revela a essência da própria realidade figurada, como nos afirmam as
implicações seguintes? Ora, a princípio, a natureza da linguagem tomada
fundamentalmente como descritiva não precisaria me revelar a natureza do
mundo. Qual é o pressuposto ou tese implícita que sustenta a terceira
implicação desta passagem? O que há de comum entre linguagem e
mundo que permite Wittgenstein afirmar que dado a essência de uma
tenho a essência de outra? Aqui se evidencia a necessidade de um
conceito-ponte para viabilizar a transitividade desta terceira implicação na
importante passagem 5.4711.
A representação proposicional, segundo Wittgenstein, é possível,
fundamentalmente, porque tanto o mundo quanto a linguagem
compartilham uma mesma “forma lógica”, isto é, compartilham um
conjunto de possibilidades de estruturação de seus elementos últimos
14
.
Encontro aqui reformulada, no contexto da teoria tractatiana do
simbolismo, a questão acerca da qual tratávamos no início da introdução: a
legalidade irrestrita da lógica revela uma espécie de comunhão entre a
realidade e o pensamento.
14
2.161-2.18.
21
Wittgenstein pensa a lógica no Tractatus como composta por casos
limites de figuratividade, tautologias, proposições bem formadas, mas que
nada representam por aceitarem todos os fatos do mundo, sem restrições,
como condição de verdade, ou seja, por serem irrestritamente verdadeiras.
É justamente porque nada dizem que as proposições da lógica não podem,
por princípio, serem desmentidas por nenhum fato. A figuratividade
tractatiana tem como base a tese que ficou conhecida pela tradição
anglófona de seus intérpretes como isomorfismo. Esta mostra que, em
última instância, a condição suficiente para a proposicionalidade é uma
identidade formal ou sintática entre os objetos do mundo e os nomes da
linguagem que os nomeiam, no nível nuclear da figuração. Assim,
Wittgenstein afirma que figuramos fatos porque os componentes do
mundo e da linguagem compartilham de uma mesma rede sintática de
possibilidades de articulação, de um mesmo espaço lógico.
O ponto de crítica de Wittgenstein à Filosofia é o de que o discurso
metafísico falha em denotação quando analisado, ou seja, pelo menos
algum objeto deixa de ser designado por algum nome na análise de uma
proposição filosófica
15
. Para que haja figuração, nomes da linguagem e
objetos do mundo devem obedecer, como se estabelecerá neste trabalho,
uma função 1-1 que preserve, por assim dizer, o horizonte modal
combinatório de cada elemento de um domínio no outro. As proposições
da filosofia são ilegítimas porque não cumprem esta condição de
biunivocidade do isomorfismo. Ferindo, assim, a bipolaridade apregoada
como o norte da teoria pictórica.
A Filosofia é constituída por conceitos formais que não tem valor
cognitivo ou conteúdo semântico. É justamente a radicalização de uma
concepção específica de linguagem que permite Wittgenstein dar o seu
diagnóstico negativo à filosofia enquanto discurso que falha em
denotação. Como Frege, Wittgenstein assume que a linguagem se institui
15
Cf. 6.53.
22
como um meio universal e, por conseguinte, sua esfera semântica, onde,
por exemplo, há a atribuição de significados, interpretações, valores de
verdade e relação com elementos extralingüísticos, é inefável. Como
afirma Hintikka:
“Não podemos observar a nossa linguagem como se estivéssemos fora
dela e descrevê-la como fazemos com outros objetos passíveis de
especificações, alusões, descrições, discussões ou sobre os quais se
podem formular teorias. O motivo deste impedimento consiste em que só
é possível usar a linguagem para falar sobre algo quando podemos nos
apoiar numa interpretação definida e estabelecida numa rede estável de
significados reinantes entre a linguagem e o mundo. Consequentemente,
não pode haver nem propósito nem sentido em dizer na linguagem o que
essas relações são, pois qualquer tentativa de fazê-lo implica de antemão
em sua existência. Assim, o ponto principal dessa visão da linguagem
como o meio universal assenta-se na tese da inefabilidade da semântica,
pois é precisamente a semântica que lida com as relações da linguagem e
a realidade
16
”.
1.2
Metafísica como falha referencial
“O filósofo não é um artista da razão, mas um legislador.”
Immanuel Kant, em Lógica
Wittgenstein afirma no prefácio de sua primeira obra que esta
versa sobre os problemas filosóficos em geral e assume que se a essência
da nossa linguagem fosse adequadamente entendida estes problemas não
chegariam a ser levantados. Em última análise, não seriam levantados
porque não existiriam. Sob o espírito tractatiano, só respondemos às
perguntas que fazem sentido, dentre as quais não se incluem as dúvidas
céticas ou as perguntas filosóficas. Como bem o diz Russell na sua
16
HINTIKKA. Investigação sobre Wittgenstein. p. 20. Ou ainda na página 31: “Um
filósofo defensor da linguagem como o meio universal acredita, de modo característico,
numa série fixa universal de relações de sentido entre a linguagem e o mundo. Esse
sistema não pode variar nem ser discutido na linguagem”. É esta relação formal fixa que
desempenha o papel de condição suficiente para expressividade.
23
introdução ao Tractatus, Wittgenstein vê a filosofia essencialmente como
má gratica
17
. Nessa medida, a metafísica clássica tem suas pretensões
solapadas em bloco por Wittgenstein como conseqüência de uma crítica da
linguagem. Supõe-se que a linguagem tem uma essência, uma lógica, que
é mau entendida, o que por seu turno, explica a formulação ilegítima de
discursos, como as confusões e os contra-sensos dos quais a filosofia está
repleta
18
.
A filosofia tradicional, a qual assumo aqui a título de definição
geral como a formulação sistemática de teses positivas sobre essências, é
para Wittgenstein, por assim dizer, um grande mau entendido lingüístico
que será resolvido _ ou de maneira mais tractatiana, dissolvido
19
_ pela
adequada compreensão do funcionamento das proposições legítimas
elucidado pelas passagens do Tractatus
20
.
O livro pretende, assim, traçar os limites do discurso assertivo
através das condições de possibilidades de uma representação
(Darstellung) ou figuração (Bild) em geral e, mais especificamente, da
proposição. O Tractatus visa através de uma investigação lógica da
linguagem traçar os limites para o discurso assertivo. Grosso modo, tem
por objetivo determinar o que se pode dizer com sentido e o que não pode
se dizer com sentido. Este limite de expressividade é traçado por dentro da
própria linguagem e o que ultrapassa qualitativamente este limite está, por
princípio, além de toda e qualquer possibilidade discursiva e, portanto,
inviabilizado. O que faz da tentativa de sua expressão uma atividade
17
“Toda proposição filosófica é má gramática, e o que de melhor podemos esperar de
uma discussão filosófica é levar as pessoas a perceberem que a discussão é um
equívoco”. RUSSELL. Introdução ao Tractatus. p. 116.
18
Cf. 3.323 e 3.324.
19
“Uma certa questão é resolvida não através de um resposta mas pelo desaparecimento
da questão. A questão se revela como ilegítima porque o tipo de resposta que poderia
satisfazê-la viola as regras que governam a enunciação de proposições significativas”.
MARQUES, José Oscar. Espaço e tempo no Tractatus. p.6.
20
“Philosophy produces no doctrines, constructs no theories, attains no knowledge. It is
an activity of logical clarification. It eliminates misunderstandings, resolves unclarities,
and dissolves philosophical problems that arise out of ordinary empirical propositions”.
HACKER. Insight and Illusion. p. 24.
24
confusa, desencaminhadora, inócua, e muitas vezes perniciosa, por
produzir contra-sensos.
O valor da obra, segundo o seu prefácio, consiste na clareza de seu
pensamento no que tange a resolução definitiva e intocável, “no
essencial”, dos problemas da filosofia e em mostrar, num segundo plano,
que resolver estes problemas não têm importância. Wittgenstein assume
que soluciona os problemas da filosofia não pela resposta a cada um em
específico, mas por mostrar que a própria pretensão de resposta neste
domínio é desencaminhadora, em última instância, porque a pergunta não
faz sentido. “Pois só pode existir dúvida onde exista uma pergunta; uma
pergunta, só onde exista uma resposta; e esta só onde algo possa ser
dito
21
.”
A pretensão da resolução dos problemas em bloco é evidenciada
pelo uso do “no essencial”, no último parágrafo do seu prefácio, como que
restringindo e, então, especificando o alcance e o tipo de solução proposta.
Não se trata de se solucionar localizadamente as questões filosóficas,
como por exemplo, as questões em estética ou ética, de teoria do
conhecimento ou de metafísica, mas em dissolvê-las conjuntamente pela
estratégia geral de se mostrar que toda e qualquer formulação de discurso
filosófico guarda a característica de ultrapassar os limites da
discursividade e, portanto, é Unsinn. Como afirma Hacker: “the Tractatus
was an attempt to lay bare the underlying logical structure of any possible
language, and showing that philosophical questions are strictly
nonsensical
22
”.
No discurso metafísico, próprio da filosofia tradicional, pretende-
se dizer, ou seja, construir um discurso sistemático com pretensões de
verdade, onde só, em princípio, se poderia mostrar, ou seja, exibir pela
análise completa das proposições empíricas. Articula, portanto,
21
6.51.
22
HACKER. Insight and Illusion. p. 2
25
características mutuamente excludentes. A metafísica se constrói em
proposições ilegítimas porque pretendem dizer algo com sentido e
necessário. A teoria pictórica tractatiana, a qual elenca as condições
necessárias para a proposicionalidade, inviabiliza esta pretensão, porque
mostra, em ultima instância, que significatividade e necessidade são
conceitos contraditórios num contexto figurativo. Sobretudo, porque
proposições são tomadas como Bilder
23
, cujo sentido se dá pela
contingência do que está sendo afirmado. Para Wittgenstein, não há
figurações a priori verdadeiras, portanto se veta, por princípio, a existência
de proposições verdadeiras a priori. Portanto, temos que a
proposicionalidade se confunde com a contingencialidade. Como
conseqüência da bipolaridade proposicional, todos os fatos assumidos
pelas proposições para torná-las verdadeiras, em princípio, poderiam não
acontecer. Ou seja, assim como as proposições têm de poder ser
verdadeiras ou poder ser falsas, estados de coisas representáveis no mundo
têm de poder ser atuais ou poder não se atualizar, ou seja, devem ser
contingentes. Como observa Baker, a bipolaridade frustrou o projeto de
construção de qualquer proposição que estabeleça a natureza essencial de
qualquer coisa
24
.
A radicalidade de sua visão está em boa parte em tomar a
linguagem como essencialmente figurativa e, portanto, obedecendo aos
mecanismos necessários de qualquer tipo de representação prescritos pela
teoria do simbolismo. Além disso, em certa medida, também em tomar a
linguagem sempre em um sentido absoluto, não em suas vicissitudes e
contingencialidades, mas como um corpo único e fixo de símbolos simples
23
Apesar da tradução do alemão Bild para a portuguesa figuração ser a mais conveniente,
a palavra em português guarda implícito um sentido de sofisticação e especificidade que
a alemã não tem. Chamam-se Bilder imagens, figuras, ilustrações, estampas, quadros,
pinturas, telas, fotos, retratos, entre outros. Nota-se que o escopo semântico da palavra
alemã usada por Wittgenstein é muito mais amplo e corriqueiro que a nossa figuração.
Em português, chamar uma imagem de figuração soaria artificial e, dependendo da
circunstância, pernóstico.
24
BAKER. Wittgenstein, Frege and the Vienna Circle. p. 83.
26
sintática e semanticamente determinados por estarem por objetos simples
e eternos. Se o que institui uma linguagem como tal não são as
propriedades arbitrárias dos sinais, mas a estrutura lógica que institui os
sinais como símbolos, e se essa estrutura é a única estrutura do mundo,
então há uma única linguagem, logicamente discernível sob diferentes
roupagens exteriores, materiais ou mentais. Como afirma Wittgenstein:
“O homem possui a capacidade de construir linguagens com as quais se
pode exprimir todo sentido, sem fazer idéia de como e do que cada
palavra significa – como também falamos sem saber como se produzem
os sons particulares. A linguagem corrente é parte do organismo humano,
e não menos complicada que ele. É humanamente impossível extrair
dela, de modo imediato, a lógica da linguagem. A linguagem é um traje
que disfarça o pensamento. E, na verdade, de um modo tal que não se
pode inferir, da forma exterior do traje, a forma do pensamento trajado;
isso porque a forma exterior do traje foi constituída segundo fins
inteiramente diferentes de tornar reconhecível a forma do corpo. Os
acordos tácitos que permitem o entendimento da linguagem corrente são
enormemente complicados
25
.”
Neste sentido, toda e qualquer formulação lingüística de qualquer
espécie se for significativa, só o é, porque espelha, em última análise, esta
linguagem única. Segundo Wittgenstein, toda a linguagem quando
analisada tem uma mesma forma.
A linguagem, em princípio, nesta concepção, é constituída
fundamentalmente por uma espécie de vocabulário de palavras _ ou nomes
_ conjugado a regras de formação e produção de sentenças compostas
vero-funcionalmente por sentenças mais simples. Isto permitiria, em
última instância, o jogo lingüístico de transmissão e compreensão de
sentidos por sentenças.
Nota-se que a teoria do simbolismo que respalda a visão tractatiana
de proposição está contida num projeto filosófico que engloba uma
25
4.002.
27
extensão do programa crítico kantiano
26
. Saímos do domínio do
conhecimento legítimo para entrarmos no domínio mais geral da
significatividade. Ao invés de investigarmos os limites da razão, ao
determinar pela própria razão o que pode ser conhecido legitimamente _ a
saber, os eventos da experiência possível _ e o que não pode ser conhecido
_ a saber, o que ultrapassa este domínio_ temos no Tractatus, em linhas
gerais, uma investigação, pela linguagem, dos limites do próprio
pensamento, o qual possui uma estrutura proposicional, segundo
Wittgenstein, e, portanto, obedece as condições objetivas de
significatividade.
Para Kant, tudo aquilo cuja natureza for tal que não possa
satisfazer as precondições de conhecimento estará fora da esfera do que
pode ser experimentado e, portanto, conhecido. Para Wittgenstein, tudo
aquilo cuja natureza for tal que não satisfaça as precondições de sentido
estará fora da esfera do que pode ser dito com sentido e, portanto,
pensado. O Tractatus trata de uma tentativa de determinação dos limites
daquilo que pode ser pensado através da delimitação do que pode ser dito
por meio da linguagem, o domínio dos fatos possíveis. O próprio
desenvolvimento do programa crítico por Kant já carrega em si, de
maneira original, um privilégio às questões da linguagem, o que justifica,
em parte, a apropriação wittgensteiniana. Como afirmam Janik e Toulmin:
“A ênfase de Kant sobre o papel das ‘formas de julgamento’ na
atribuição de uma ‘estrutura’ ao conhecimento contestou implicitamente
o papel subsidiário até então conferido à linguagem e à gramática. De
acordo com a explicação de Kant, as formas lógicas ou lingüísticas de
julgamento também eram as formas de qualquer ‘experiência’ genuína. O
26
“Wittgenstein was in essential respects a Kantian philosopher, his anti-Kantianism
meant only that he _ like others Kantians _ transformed the system of Kant and thus
created a Kantianism of a peculiar kind”. STENIUS. Wittgenstein’s Tractatus. p. 214. E
ainda: “Sua filosofia era uma crítica da linguagem, muito parecida _ em alcance e
propósito _ com a crítica do pensamento realizada por Kant. Assim como Kant,
Wittgenstein admitia que os filósofos freqüentemente e não deliberadamente ultrapassam
os limites, caindo num tipo de disparate especioso que, parecendo expressar pensamentos
genuínos, em verdade não o faz.”. PEARS. Idéias de Wittgenstein. p. 14.
28
conhecimento envolve não apenas a interpretação conceptual de
impressões (ou inputs) sensoriais informes e pré-conceptuais. As nossas
próprias experiências sensoriais apresentam-se-nos com uma estrutura
epistêmica; essa estrutura só pode ser caracterizada em termos das
formas de julgamento, e essas formas só podem expressar-se em termos
das formas regulares de gramática lógica. Assim, em vez de iniciarmos
nossa análise filosófica do conhecimento com as impressões sensoriais
não processadas _ como fizeram os empiristas _, devemos agora tratar os
dados básicos da experiência como incluindo ‘representações’ sensoriais
estruturadas, ou Vorstellungen. As formas comuns de linguagem e
pensamento foram inseridas desde muito cedo em nossa experiência
sensorial, ou representações; e os limites ou fronteiras da ‘razão’ seriam,
pois, implicitamente os limites ou fronteiras da representação e da
linguagem
27
.”
O domínio da investigação transcendental das condições de
possibilidade é deslocado do âmbito epistemológico para um plano
lingüístico, mas o próprio programa crítico da investigação dos limites de
legitimidade de um domínio dado é mantido.
Traçado o limite de toda expressividade, o resultado é que o
discurso filosófico está de maneira permanente para além deste limite. A
filosofia é então inviabilizada enquanto teoria, ou seja, enquanto uma
elaboração sistemática de doutrinas positivas. Entretanto, “o que o
Tractatus nos recomenda não pode ser um estado de inconsciência
filosófica, mas uma disciplina pela qual, embora cônscios de que há
dimensões da experiência humana que transcendem os limites da
factualidade, refreamo-nos de tratar discursivamente essas dimensões, de
tentar expressá-las em proposições da linguagem; ou seja, de fazer
filosofia
28
”. Restando ao filósofo disciplinadamente se negar a formulação
positiva de filosofia e se restringir a atividade de esclarecimento lógico
das proposições legítimas. O sentido ético do Tractatus revelado ao fim
deste, em sua última passagem, denuncia certa imoralidade no filosofar
tradicional. O papel do filósofo seria, então, negativo, por assim dizer,
seria o de alertar outras pessoas enfeitiçadas pelos mal entendidos da
27
JANIK & TOULMIN. A Viena de Wittgenstein. p. 134.
28
MARQUES, José Oscar. Forma e Representação no Tractatus de Wittgenstein. p. 208.
29
linguagem na filosofia para a aleivosidade da falta de sentido das teses
metafísicas, a maneira de um professor que censura um aluno que
negligencia as lições de gramática e comete erros de sintaxe ou prosódia.
As teses metafísicas são contra-sensuais porque têm por objetivo
dizer coisas com sentido e necessárias e executa esta pretensão
canhestramente pela formulação de pseudo-proposições que falham em
referência. São compostas por proposições que quando analisadas
apresentam sinais que nada denotam na realidade. Como afirma Hacker,
“nonsensical pseudo-propositions violate the rules of logical syntax
29
”.
Assim como a negação proposicional
30
, a falha referencial
funciona como uma estratégia para a verificação de sentido de uma
proposição analisada. Assim afirma, Wittgenstein na passagem 6.53, que
este seria própria e rigorosamente o único método correto em filosofia:
mostrar ao pretenso metafísico que seu discurso não faz sentido,
mostrando-lhe que em seu discurso deixou de conferir significado a alguns
sinais de suas proposições. O método que teria como objetivo apontar o
erro, de ordem lógica como pretende o prefácio do Tractatus, cometido
por alguém que pretendesse dizer algo metafísico, é um erro de falta de
significado de pelo menos um de seus sinais, que compromete o
isomorfismo entre a proposição e o fato que a tornaria verdadeira e, por
conseqüência, inviabiliza o seu sentido. A filosofia legítima possível é
vista como uma atividade de dissolução da metafísica, a qual por muito
tempo foi vista como a disciplina definitória da própria filosofia. Logo,
paradoxalmente, a filosofia é, segundo Wittgenstein, uma atividade de
dissolução da filosofia.
29
HACKER. Insight and Illusion. p. 18.
30
Segundo a bipolaridade essencial do discurso significativo, a negação de uma
proposição significativa, seja ela falsa ou verdadeira, tem de ser significativa também. Se
tiver sentido pode ser negado. Pela contrapositiva, se não pode ser negado não tem
sentido.
30
A falha referencial compromete uma das notas características
necessárias da isomorfia, a relação 1-1 entre a linguagem e o mundo
31
. A
filosofia tradicional é composta por conceitos formais ou sinais não-
denotativos que não tem valor cognitivo ou conteúdo semântico. Assim, a
tarefa legítima da filosofia, segundo Wittgenstein, é a análise completa da
linguagem que evidencia a estrutura lógica do mundo, não pela
investigação direta da essência deste como pretendia a tradição clássica,
mas pela análise das proposições empíricas. A análise de nossas
proposições bipolares que representam fatos contingentes é o caminho que
revela a essência do mundo e da linguagem. A contingencialidade é o
caminho que revela a necessidade. Pelo que Wittgenstein chama de
aplicação da lógica, a forma essencial do mundo espelhada pela linguagem
se revela. A aplicação da lógica é o caminho que devassa este anteparo de
contingencialidade, esta proteção frugal do eterno, revelando-o. O eterno
se mostra pela égide do contingente.
1.3
Determinação do sentido proposicional
“Eu tenho por timbre contar as coisas como as coisas são.”
Machado de Assis, em Escritos Avulsos
Por que um conjunto de rabiscos ou marcas numa folha em
branco pode “dizer algo”, ou seja, ter um conteúdo proposicional? Por que
sons emitidos por uma pessoa podem expressar algo objetivo que pode ser
compreendido por muitos? O que estes sinais podem ter em comum para
que possam descrever coisas e não sejam meramente rabiscos e ruídos,
mas símbolos? O que nos autoriza pensá-los como parte de um sistema
simbólico abstrato e não apenas como mais uma marca no mundo físico?
31
O isomorfismo será estudado mais detidamente na segunda parte da dissertação, onde a
análise da relação 1-1 no núcleo da figuração sob a luz da Teoria dos Conjuntos tem seu
lugar de direito.
31
A resposta está justamente na instauração de uma relação simbólica ou de
representação entre eles e coisas diferentes deles. Atribuir sentido a sons
pronunciados ou a riscos sobre o papel é atribuir a eles uma função de
remetimento a alguma coisa que não lhes é idêntica. Assim, rabiscos e
ruídos devem estar por outras coisas para poderem ser tomados como
símbolos, devem ser entendidos como substituindo, estando “no lugar por”
estas coisas que simbolizam
32
. Como afirma Edgar Marques, “parece claro
que sinais gráficos e sons expressam ou constituem uma proposição
unicamente na medida em que, por meio deles, podemos tomar
consciência de algo deles distinto
33
.” Cabe perguntar, então, do que uma
teoria do simbolismo trataria. Grosso modo, responder-se-ia que de
condições para que algo seja tomado como se remetendo _ abstratamente
_ a outra coisa. Trataria da coordenação de algo a outro, de maneira que
aquele esteja para este, por exemplo, sempre que vemos o primeiro nos
remetemos abstratamente ao segundo. A uma teoria do simbolismo cabe
descrever como e por que esse processo de remetimento abstrato se dá.
Símbolos proposicionais são complexos abstratos dentro de um
grande sistema simbólico. Alguns sinais são símbolos proposicionais
quando tem um sentido que pode vir a ser entendido “por muitos”, quando
carregam, por assim dizer, uma mensagem, que de maneira intersubjetiva,
afirma algo sobre o mundo. No entanto, caso tomemos a representação
como uma cópia do representado, teremos a dificuldade de identificar
erroneamente os predicados ‘ter um sentido’ e ‘ser verdadeira’, i.e.,
restringindo sentido às proposições verdadeiras, afastando as falsas de um
32
O inglês guarda uma boa expressão que, caso tomado ao pé da letra, dá a medida do
que se toma intuitivamente por representação ou significação: to stand for. Dizemos x
stands for y, quando queremos dizer que x representa ou significa y, porque o substitui,
está por ele. Wittgenstein utiliza-se na passagem 2.131 do verbo alemão vertreten que
guarda a saudável ambigüidade de representar e substituir também em um sentido
político. Seu uso pode denotar uma relação política de representação, como por exemplo:
Um político quando eleito representa, substitui, está pelos seus eleitores nos desígnios do
poder executivo.
33
MARQUES, Edgar. Wittgenstein e o Tractatus. p.18.
32
contexto significativo. O sentido de uma proposição deve ser independente
do seu valor de verdade, ou seja, devemos poder entendê-la antes de
sabermos se são verdadeiras ou falsas. Assim, as proposições representam
não porque são cópias de fatos do mundo, mas porque funcionam, caso
entendidas, como modelos projetivos complexos de situações possíveis.
Para que uma proposição tenha sentido e a significatividade do falso seja
assegurada, ela deve, segundo o Tractatus, demarcar um fato possível que
a faça verdadeira.
Entretanto, na linguagem cotidiana não há nenhuma estrutura que
possa ser tomada como elementar e nenhum signo lingüístico simples, os
quais usamos para nos referir aos objetos. Nada na superfície da
linguagem pode passar pelas proposições elementares ou pelos nomes do
Tractatus
34
. Todos os nomes que usamos têm alguma dimensão ainda
descritiva e toda sentença envolve o sentido de outras. Em razão disso, não
há exemplo possível retirável de nosso cotidiano lingüístico. A ausência
de exemplos não se constitui em um problema para Wittgenstein, porque
ele postula a existência de tais símbolos _ mesmo que não entremos em
contato direto com eles _ para que nossa linguagem cotidiana, assim como
qualquer linguagem funcione. Não precisamos tê-los conscientes em nosso
dia a dia de falantes competentes da linguagem corrente para enunciarmos
e entendermos sentenças, assim como não precisamos, para podermos
falar, saber os mecanismos utilizados pelo organismo para imitirmos
sons
35
. Uma proposição elementar ou um nome tractatianos são postulados
teóricos para que o pleno funcionamento figurativo da linguagem seja
garantido.
A proposição, segundo o Tractatus, restringe a realidade, pela sua
bipolaridade essencial, a duas vias exaustivas e excludentes: a um sim ou
34
Cf. 4.23.
35
Cf. 4.002.
33
não
36
. Logo, não pode haver um sentido vago ou indeterminado. Pensar
algo é pensar algo com sentido determinado, dizer algo é dizer algo com
sentido determinado. Um sentido indeterminado, segundo Wittgenstein,
não é de forma alguma um sentido, porque toda proposição é composta
por proposições elementares cujos elementos devem substituir nelas os
objetos que compõem o estado de coisas representado. Estes elementos
lingüísticos simples devem estar coordenados de maneira que uma
articulação possa representar uma articulação possível de coisas
figuradas
37
.
Este é o porquê de sermos capazes de entender novos sentidos de
proposições que nunca antes tenhamos entrado em contato
38
. Se
soubermos a referência de seus nomes constituintes; a maneira que eles
podem vir a se articular; e que esta articulação deve respeitar uma mesma
possibilidade de articulação dos elementos nomeados, temos que:
entendemos novos sentidos ao pensar uma nova atualização de
articulações possíveis de nomes de referência fixa.
Para tanto, como assumido, deve haver, ao menos, uma espécie de
comunhão formal ou comunidade sintática entre os elementos da figuração
e as coisas afiguradas. Como afirma Edgar Marques:
“Para que uma figuração possa efetivamente projetar um modelo de
como objetos do mundo estarão ligados caso seja verdadeira, é
necessário que ela tenha em comum com a realidade a forma, isto é, é
necessário que o conjunto dos modos possíveis de conexão entre os
elementos da figuração corresponda ao conjunto dos modos possíveis de
ligação dos objetos da realidade
39
.”
Segue-se que nomes que compõem a proposição e a própria
proposição devem ter que simbolizar de maneira diferente. Nomes estão
36
Cf. 4.023.
37
Cf. 4.02 – 4.027.
38
“The essential characteristic of language is its capability of expressing facts, and this
involves the capability of expressing new facts, or indeed any facts.” WAISSMANN.
The Principles of Linguistic Philosophy. p. 305. Grifos meus.
39
MARQUES, Edgar. Wittgenstein e o Tractatus. p. 22.
34
por objetos, os substituem. Ao passo que proposições não estão por fatos,
mas projetam um fato possível cuja atualização a torna verdadeira. Fatos
não são nomeados, mas descritos por proposições, e objetos não são
descritos, mas denotados por nomes. Portanto, podemos concluir que
proposições possuem sentido e, por conseguinte, valores de verdade,
enquanto nomes não
40
.
A idéia do Tractatus é a de que as proposições ou são elementares
ou podem ser analisadas até chegarmos às proposições elementares das
quais elas são compostas. As condições de verdade das proposições
complexas seriam funções das condições de verdade das proposições
elementares
41
. Estas descrevem porque seus nomes denotam e estes nomes
não podem ficar sem referência em função de não poderem apontar para
algo que não exista ou algo que não está lá. Aqui, temos um critério para
legitimidade proposicional. Por exemplo, as proposições da Filosofia,
como vimos, são ilegítimas porque, em ultima instância, quando
devidamente analisadas falham em denotação e ferem a biunivocidade da
isomorfia, condição última de sentido.
As proposições tractatianas são como retratos lógicos
42
dos fatos
que representam, são situações montadas para teste, e esta encenação
garante-lhes sentido. “Pode-se dizer sem rodeios: esta proposição
representa tal e tal situação – ao invés de: esta proposição tem tal e tal
sentido
43
”. O sentido de complexos da linguagem deve, segundo
Wittgenstein, se reduzir ao significado dos termos simples que o
constituem. Ou seja, sentenças complexas devem poder, em tese, serem
analisadas em termos de sentenças mais simples, até que se chegue a
40
Na próxima seção da dissertação discutiremos esta questão de maneira mais detalhada.
41
Cf. 5.
42
WITTGENSTEIN. Notebooks 14-16. Anotação do dia 21.9.14.
43
4.031. Ou ainda no Notebooks, em anotações do dia 29.9.14: “In the proposition a
world is as they were put together experimentally.” Ou mesmo, em anotações do dia
27.3.15: “The proposition is a measure of the world.”
35
proposições elementares, que não podem ser mais decompostas, porque
compostas pelo encadeamento dos nomes que a compõem
44
.
Assim, o conteúdo semântico da proposição complexa é
determinado, vero-funcionalmente, por suas partes constituintes. As
proposições elementares são estas partes constituintes, que por sua vez são
constituídas somente de nomes. De mais a mais, estes nomes são
atribuídos ou designados a objetos simples indescritíveis, porque
indecomponíveis
45
, que, por sua vez, estão concatenados em estados de
coisas, estes em fatos, e fatos compõem o mundo
46
. A razão da
indivisibilidade dos objetos simples tractatianos os quais compõem os
estados de coisas não é física, mas semântica. O significado dos nomes é
simples no sentido de que as proposições compostas por eles não precisam
mais ser desmembradas, seja em outras proposições, definições, ou seja,
em outros significados. Se os sinais simples designassem algo que pudesse
ser ainda desmembrado, então as proposições elementares não poderiam
se constituir como o ponto final da análise e teriam seu sentido
indeterminado
47
. Como afirma Wittgenstein, “o postulado da possibilidade
dos sinais simples é o postulado do caráter determinado do sentido”. Em
suma, o Tractatus demanda objetos simples para assegurar que o produto
proposicional da análise, ou seja, as proposições elementares não fiquem
sem um sentido determinado. Assim, para que as proposições elementares
tenham valor de verdade. “Tudo que se exige para que o sentido
44
2.0201. “Todo enunciado sobre complexos pode-se decompor em um enunciado sobre
as partes constituintes desses complexos e nas proposições que os descrevem
completamente”.
45
2.021. “Os objetos constituem a substância do mundo. Por isso não podem ser
compostos”.
46
Uma discussão mais detalhada a respeito da relação entre nomes e proposições, bem
como a relação entre estados de coisas e fatos se encontra na seção seguinte desta
dissertação.
47
Anotação do dia 18.6.15 dos Notebooks. Cf. 2.0211 e 3.23.
36
proposicional esteja determinado é que o sentido das partes constituintes
da proposição esteja determinado
48
.”
1.4
Proposições e nomes
“(...) Chama-se metamorfose, toda a gente sabe de que se trata, disse
condescendente o aprendiz de filósofo. Aí está uma palavra que soa bem, cheia
de promessas e certezas, dizem metamorfose e seguem adiante, parece que não
vês que as palavras são rótulos que se pegam as coisas, não são as coisas, nunca
saberás como são as coisas, nem sequer que nomes são na realidade os seus,
porque os nomes que lhes deste, não são mais do que isso, os nomes que lhes
destes: qual de nós dois é o filósofo?”
José Saramago, em As Intermitências da Morte
Desde os Notebooks de 1914-16, os escritos anteriores ao
Tractatus, Wittgenstein já via a necessidade da distinção precisa entre
nomes e proposições para o adequado esclarecimento do seu papel numa
teoria a respeito da expressibilidade do discurso assertivo
49
. Nomes e
proposições são símbolos, ou seja, membros de um sistema lingüístico de
remetimento a elementos extra-linguísticos, mas devem ser símbolos que
possuem funções distintas. Wittgenstein, no Tractatus, lança mão de uma
imagem para que entendamos melhor a distinção entre estes dois
símbolos: nomes são como pontos e proposições são como flechas
50
. Uma
proposição elementar é dotada de um sentido determinado porque é
composta por sinais simples que designam coisas num estado de coisas.
Um sinal tem conteúdo proposicional se for um complexo que
pode ser analisado em termos de complexos elementares, cujas partes são
projetadas ou apontam, segundo a imagem da flecha, para o seu sentido,
48
CUTER. A Teoria da Figuração e a Teoria dos Tipos. p. 30.
49
Cf. Anotações do dia 3.10.14.
50
Cf. 3.144.
37
i.e., para o complexo de coisas que a tornará verdadeira. Porque, “na
proposição, uma situação é como que montada para teste.
51
”.
Proposições têm sentido, descrevem um fato, e, portanto, exibem
suas condições de verdade quando as entendemos. Quando a entendemos
podemos identificar o fato que a torna verdadeira. Ao passo que os nomes
numa proposição totalmente analisada correspondem aos objetos de um
estado de coisas. Logo, há, num contexto figurativo, uma relação binária
no simbolizar de um nome, diferentemente da proposição, entre o domínio
lingüístico e domínio ontológico: nomear é nomear algo. Deste modo, em
princípio, a pergunta “o que o nome simboliza?” faz sentido. Como
observa Dos Santos: quando aplicado a um domínio de nomes, o verbo
nomear é um verbo transitivo direto. Nome é um símbolo que está por
algo
52
.
A representação da proposição é instituída por meio de nomes, sem
ela mesma funcionar como um nome. A proposição é um símbolo
constituído por símbolos articulados
53
que têm função distinta dela.
Proposições descrevem, não nomeiam. O símbolo proposicional não pode
funcionar a maneira de um nomear, ou seja, a maneira de uma relação
binária de simbolização entre a linguagem e o mundo. Proposições não
podem estar por fatos do mundo, sob pena de se inviabilizar a plena
significatividade do discurso falso. Aprendemos coisas através de uma
proposição falsa
54
. Proposições falsas têm conteúdo significativo. Por isso,
o sentido da proposição não pode ser a denotação de um complexo, mas a
exibição da situação que a satisfaça para torná-la verdadeira.
Proposições têm sentido porque podem ser verdadeiras ou falsas
quando comparadas ao mundo, tem condições de verdade, o que um nome
não tem. Num nível elementar, não faz sentido se falar em um nome falso
51
4.0311.
52
DOS SANTOS. Essência da Proposição e Essência do Mundo. p. 21.
53
Cf. 3.141
54
Cf. 4.023.
38
do mesmo modo que se pode falar de uma proposição falsa. Um nome que
não simboliza nada não é sequer um nome, uma proposição legítima que
não simboliza nada é apenas falsa. Platão, segundo trabalhos de Dos
Santos
55
, identifica, assim, em seus a razão do paradoxo do falso, cuja
autoria é atribuída a Parmênides, a saber: a confusão dos modos distintos
de simbolização de proposições e seus constituintes. Parmênides postulava
que todo o discurso com sentido deveria ser verdadeiro, colapsando,
assim, a noção de “ter sentido” com a de “ser verdadeiro”.
Fundamentalmente, em função de tomar um caso de simbolismo
específico, como o de uma relação binária na nomeação, como exemplar
para toda e qualquer simbolização. O paradoxo do falso surge a partir de
uma generalização indevida, segundo Dos Santos. Aparentemente, se
aceitarmos as teses de Parmênides, as condições de significatividade de
um discurso qualquer bastam para excluir, por princípio, a possibilidade
de sua falsidade.
“Para o nome Sócrates, por exemplo, significar é simbolizar algo, manter
com uma outra coisa uma certa relação. Para um enunciado, significar é
articular, de uma entre duas maneiras, a afirmativa e a negativa, nomes
de duas coisas e, dessa maneira, apresentar como real uma entre duas
relações mutuamente exclusivas entre as coisas nomeadas. (...) Portanto,
que o enunciado mantenha com alguma coisa uma relação de
simbolização é o que o define como verdadeiro, mas absolutamente não é
o que o define como significativo
56
”.
Fazer uma asserção, explica Dos Santos, utilizando-se de uma
imgem platônica, é correlato ao lançar uma flecha. O fato da flecha
eventualmente errar o alvo não invalida o atirar a flecha. Quando se lança
uma flecha, esta por princípio, pode acertar ou não o alvo, sem terceira
alternativa. Quando enunciamos algo, assumimos um dos dois pólos
possíveis do sentido. Pólos exaustivos e excludentes mirados pelos
55
Harmonia essencial e Essência da Proposição e Essência do Mundo. Referências
completas no fim da dissertação.
56
DOS SANTOS. Harmonia essencial. p. 442.
39
enunciados. Se a proposição não for verdadeira, ou a flecha lançada não
atingir seu alvo, ela não deixará de ser uma proposição, ainda que seja
falsa. Apenas será uma flecha lançada que não atingiu o seu alvo.
Nem todos os símbolos são constituídos por relações binárias,
como a de nomeação. O sentido de uma proposição deve anteceder sua
verdade, para que o discurso falso tenha, por assim dizer, plena cidadania
ontológica. Como vimos, postular que proposições podem ser analisadas
vero-funcionalmente em termos de proposições elementares compostas
por sinais simples ou primitivos_ i.e. nomes _ é postular que todo sentido
proposicional é determinado. Por ser constituída por nomes que
simbolizam diferentemente dela, a proposição, como afirma Dos Santos,
“é um símbolo que não precisa simbolizar nada para instituir-se como
símbolo, uma representação que não precisa representar nada para
instituir-se como representação
57
”.
A relação binária de simbolização encontrada na nomeação, não se
aplica ao caso do símbolo-proposição. Neste, segundo Dos Santos, o verbo
simbolizar não é transitivo direto, mas intransitivo.
“Se insistirmos em chamar a proposição de símbolo, devemos abandonar
a idéia, que o argumento de Parmênides pretende impingir como um
truísmo, de que todo símbolo é símbolo de alguma coisa, de que tudo que
significa, significa alguma coisa. Se insistirmos em dizer que a
proposição simboliza e representa, devemos entender os verbos
“simbolizar” e “representar”, nesse contexto, numa acepção
intransitiva
58
”.
Assim, para proposições, a pergunta acerca do que elas simbolizam
não deve fazer sentido, porque se inflacionaria desnecessariamente a
parcimônia ontológica do Tractatus pela alusão de fatos negativos ou
meramente possíveis como complexos designados por proposições falsas.
Por conseguinte, proposições verdadeiras estariam por fatos positivos e
57
Id. Essência da Proposição e Essência do Mundo. p. 20-1.
58
Id. Ib. p. 21.
40
proposições falsas estariam por fatos negativos ou somente possíveis e não
atualizados, caso se faça a exigência da transitividade irrestrita do verbo
simbolizar que Parmênides via como uma espécie de truísmo. A exigência
de que os símbolos simbolizem como um nome simboliza o que nomeia
não pode ser adotada como chave exegética para o Tractatus. Em
consequência, cairíamos na embaraçosa conclusão de que fatos negativos
compõem o mundo
59
e são fatos que não são o caso, fatos que não
existem, fatos que não são fatos. O que, em princípio, apareceu no
Tractatus como uma introdução de terminologia apenas, seria parte _
controversa _ integrante da totalidade da realidade. Fatos negativos
comporiam a totalidade positiva do mundo.
Uma leitura perspícua da passagem 4.022 do Tractatus à luz desta
discussão a respeito da maneira distinta de simbolizar entre nomes e
proposições parece resolver esta necessidade de deflacionamento
ontológico. Mostra-se, assim, a desnecessidade da exegese do texto de
Wittgenstein em que se faça menção a fatos negativos ou a fatos possíveis
como referentes ontológicos de proposições falsas. Segundo José Oscar
Marques:
“A proposição mostra seu sentido, e a proposição mostra como as coisas
estão se ela for verdadeira, isto é, suas condições de verdade. Ao mostrar
isso, a proposição não está mostrando um ‘algo’ (uma situação ou um
modo de estar das coisas, seja real ou meramente possível). O que ela
mostra tem um caráter mais abstrato: ela mostra a resposta à questão
“qual situação a torna verdadeira?” ou, o que dá no mesmo, “o que diz
esta proposição?”. Sabemos o sentido da proposição quando sabemos a
resposta a estas questões, e podemos sabê-lo diretamente a partir da
proposição mesma, pois ela nos exibe essa resposta em sua estrutura. No
59
Em flagrante contradição com a noção positiva de mundo assumida nas primeiras
passagens do Tractatus. Cf. 1-1.11. Aqui há evidentemente uma dificuldade adicional,
segundo o professor Dos Santos, dizer que o mundo são fatos e que o mundo são todos os
fatos é diferente. Esta diferença está numa espécie de cláusula adicional de fechamento
na segunda composição. Aqui entraria então o “papel desempenhado” pelos fatos
negativos já evidenciado na proposição seguinte 1.12. “Tudo que não é o caso”. Há uma
tensão, que não pretendo esclarecer neste trabalho, entre limitar um complexo sem fazer
parte dele. Assim, fatos negativos limitam o mundo, ou o que é o caso, sem fazer parte
dele.
41
caso particular da proposição elementar, o que ela mostra (isto é, o seu
sentido) não é uma conexão possível de objetos, mas sim qual conexão
de objetos a torna verdadeira (obviamente, uma conexão atual, pois uma
conexão apenas possível não pode tornar verdadeira uma proposição). E
isso ela mostra independentemente de ser verdadeira ou falsa, ou seja, de
haver ou não uma conexão que lhe corresponda. Que não haja uma
conexão que não a corresponda não a priva de sentido, mas simplesmente
a torna falsa, já que seu sentido não é, nem consiste em uma conexão,
mas em ser capaz de exibir a resposta à pergunta sobre suas condições de
verdade
60
.”
A longa citação se justifica porque este trecho é o que identifiquei
como cerne do argumento de José Oscar Marques pelo qual estabelece sua
réplica e crítica à leitura da passagem 4.022 do Tractatus feita por Edgar
Marques. José Oscar Marques escreve seu artigo “A ontologia do
Tractatus e o Problema dos Sachverhalte Não-Subsistentes”
61
como
resposta ao que chama de leitura equivocada da passagem 4.022 do
Tractatus. Tal interpretação resulta na demanda da interpretação dos
Sachverhalte como estados de coisas possíveis, ao passo que os Tatsache
seriam estados de coisas atuais, para se dar conta da plena
significatividade do discurso falso. Neste ponto, toma Edgar Marques
como representante dos intérpretes que assumem esta distinção entre os
Sachverhalte e os Tatsache no Tractatus. O que vai de encontro da tese da
distinção por complexidade entre Tatsache e Sachverhalte preconizada
pelo próprio Wittgenstein em esclarecimentos posteriores a Russell
62
.
Edgar Marques realmente se assume como representante e
defensor da interpretação de uma distinção modal entre estes dois
conceitos. Seu texto tem como objetivo “refletir acerca das posições
defendidas por Stenius (...) tentando, portanto, mostrar que a distinção
Tatsache-Sachverhalt não pode ser compreendida em termos de uma
60
MARQUES, José Oscar. A ontologia do Tractatus e o Problema dos Sachverhalte
Não-Subsistentes. p. 61-2.
61
Referência completa no fim da dissertação.
62
Cf. MARQUES, Edgar. Sobre a distinção entre Tatsache e Sachverhalte no Tractatus
Logico-philosophicus de Ludwig Wittgenstein. p. 54.
42
relação de complexidade, sob pena de inviabilização do projeto do
Tractatus; somente sendo possível que se compreenda como articulada a
partir de uma diferença entre o possível e o atual
63
”.
Quando tomamos a parte ontológica do Tractatus como resultado
das demandas lingüísticas para a formulação do discurso assertivo
legítimo, vemos que podemos resolver eventuais problemas exegéticos
nesta parte por meio de um esclarecimento ou visão perspícua da teoria
assumida como premissa para as formulações ontológicas da obra. Ou em
outras palavras, de maneira mais direta, porque justificamos a ontologia do
Tractatus pela sua teoria pictórica, podemos usar esta última para
esclarecer a primeira. As questões da ontologia devem ser decididas com
base na Teoria Geral da Figuração que a respalda. Esta é a razão pela qual
os dois artigos, apesar de serem a respeito da ontologia tractatiana, se
concentrem em sua teoria pictórica, a qual toma proposições como retratos
lógicos de fatos. Assim, é por meio da passagem 4.022 do Tractatus, a
qual trata do importante tema do sentido das proposições elementares, que
José Oscar Marques pretende esclarecer o porquê do que acredita ser o
erro de leitura da distinção entre os conceitos Tatsache-Sachverhalt da
ontologia tractatiana baseado na modalidade e não na complexidade.
A demanda da interpretação de uma diferença modal entre fatos e
estados de coisas surge a partir da identificação do sentido da proposição à
situação por ela representada. É somente sob essa hipótese que
Sachverhalte não subsistentes, meramente possíveis, podem aparecer
como correlatos indispensáveis para dotar de sentido proposições
elementares falsas. Como se evidencia na seguinte passagem do artigo de
Edgar Marques: “O sentido da proposição elementar é, portanto, a
conexão de objetos por ela descrita
64
”. Esta forma de se pensar a
63
Id. Ib. p. 55.
64
Id. Ib. p. 58.
43
proposição a torna um símbolo a maneira de um nome, interpretação que
está vedada por Wittgenstein desde os Notebooks
65
.
Segundo 4.022, proposições mostram seu sentido e não o dizem.
Proposições não funcionam como nomes, são compostas por nomes que
não podem falhar em denotação para que seu sentido seja determinado.
Seu sentido são as condições que devem ser satisfeitas pela conformação
dos objetos nomeados no mundo para que seja verdadeira. É como que ao
entendermos uma proposição aprendemos qual fato do mundo, em
princípio, devemos procurar e achar para torná-la verdadeira.
“A inexistência do complexo não afeta o sentido da proposição, pois a
referência ao complexo, enquanto entidade singular, pode ser eliminada
por meio da análise, sendo substituída pelas referências aos componentes
que estão combinados no complexo. Evidentemente, que uma proposição
tenha um sentido determinado passa a depender, agora, do sucesso das
referências a esses últimos componentes. Em conseqüência, a análise
deve prosseguir até que toda a descrição tenha sido finalmente eliminada
da representação, chegando-se a proposições compostas apenas de signos
simples não passíveis de análise (nomes), que designam entidades
intrinsecamente simples (objetos). Nesse estágio, tendo-se banido da
relação de referência toda a complexidade, baniu-se também toda
contingência, e não há mais a possibilidade algum dos elementos da
proposição estar designando uma entidade inexistente na situação
66
”.
Jamais falamos do inexistente, pois todas as proposições
significativas são funções de verdade de proposições elementares e estas
não contêm nenhuma referência a coisas que não existem. As proposições
apontam, a maneira de uma flecha, para a conformação de estados de
coisas que a torna verdadeira através da denotação de seus nomes. É o
tocar dos nomes no mundo, a relação afiguradora dos nomes, ou a maneira
que os nomes simbolizam que assegura a simbolização peculiar das
proposições. Assim, assegura-se a descritibilidade total do mundo por
meio das proposições verdadeiras: a maneira que os nomes numa
65
Como se evidencia nos trabalhos já citados de Dos Santos.
66
MARQUES, José Oscar. Forma e Representação no Tractatus de Wittgenstein. p.140.
44
proposição elementar estão articulados mostra a maneira que as coisas por
eles nomeadas devem estar para que a proposição seja verdadeira. Se
assim não estiverem articulados, a proposição nada descreve, mas não
perde o seu sentido, apenas sendo falsa. Afinal, proposições segundo a
teoria pictórica são como retratos lógicos da realidade, nomes são como
alfinetes que marcam os objetos e seu rank lógico nos estados de coisas
retratados pelas proposições
67
.
As proposições elementares constituem-se de uma estrutura
completamente articulada de sinais simples. A natureza dessa articulação,
sua forma lógica, só poderá ser identificada com base no significado
desses sinais, isto é, com base nas relações projetivas que correlacionam
os nomes com os objetos que definem as suas possibilidades sintáticas de
articulação. Esta identidade sintática entre nomes e objetos simples se
respalda numa noção de isomorfismo, a qual será estudada a seguir.
67
Cf. Anotação do dia 31.5.15 dos Notebooks.
45
2
ISOMORFISMO
A isomorfia desempenha papel fundamental na representação do
mundo. Com efeito, é a condição última para que sinais, marcas, sons ou
mesmo nosso pensamento sejam tomados como símbolos, ou seja, sejam
tomados como integrantes de uma relação representacional com outras
coisas distintas deles e, assim, exibam um conteúdo proposicional. A
isomorfia também é a razão pela qual conseguimos entender e expressar
sentidos novos através de proposições.
“O conjunto das possibilidades combinatórias dos nomes exibe a mesma
estrutura que o conjunto das possibilidades combinatórias das coisas
nomeadas: um nome qualquer pode combinar-se com certos outros se e
somente se seu significado pode combinar-se com os significados desses
outros. Pode-se, pois, dizer que as possibilidades combinatórias que uma
proposição realiza são estruturalmente as mesmas que o fato que ela
representa realiza, caso exista – e nisto consiste a identidade formal entre
a proposição e o fato. (...) A proposição afigura na medida em que a
forma essencial da linguagem seja a forma essencial do mundo
68
.”
Para que Wittgenstein possa como sugerido no prefácio do
Tractatus determinar a esfera do que pode ser dito ou representado, a
saber, todos os fatos do mundo ou a totalidade das ciências naturais
69
, e o
que não pode ser dito ou representado, por estar fora dos limites do
mundo, tem de se valer de uma noção de mapeamento completo como
base da isomorfia. Um mapeamento completo do mundo pela linguagem,
tem como conseqüência a exclusão da possibilidade de sinonímias e
ambigüidades na afiguração, assim como fazer com que qualquer
resultado da investigação acerca da linguagem valha consequentemente
para o mundo também. Porque, como afirmam Nagel e Neuman, “o
68
DOS SANTOS. A Essência da Proposição e a Essência do Mundo. p. 73-4. Grifo meu.
69
Cf. 4.11.
46
aspecto básico do mapeamento é que se pode provar que uma estrutura
abstrata de relações incorporadas em um domínio de ‘objetos’ também
vale entre ‘objetos’ (em geral de um espécie diferente do primeiro
conjunto) de outro domínio
70
.”
Podemos precisar, como veremos mais adiante, a relação
afiguradora entre nomes e objetos pela adoção do expediente matemático
do mapeamento de fatos por proposições e, assim, teremos de graça o que
se assume como projeto geral do Tractatus, na passagem 5.4711
71
. Em
linhas gerais, se aceitarmos que linguagem pode ter acesso exaustivo ao
mundo, o mapeando, num contexto figurativo, por uma função biunívoca,
temos, então, que ao determinar a essência da linguagem, determina-se,
automaticamente, a essência do mundo.
“Ao estabelecer a correspondência um a um entre os elementos da
linguagem e da realidade, e ao identificar a multiplicidade lógica das
combinações nos dois domínios, o Tractatus garante de antemão que as
relações exprimíveis no simbolismo coincidem exatamente com as
relações existentes no mundo
72
”.
A isomorfia é a condição suficiente da significatividade de nossas
proposições porque funciona, em seu paroxismo, como a garantia de que o
pensamento esgote o mundo e que o limite de um seja o limite do outro
73
.
O mundo, nesta concepção, é composto de todos os fatos descritos pelas
proposições verdadeiras, ou seja, é o que as proposições verdadeiras
descrevem.
70
NAGEL & NEUMAN. A Prova de Gödel. p. 61.
71
Temos também no Notebooks, em anotações do dia 22.1.15: “My whole task consists
in explaining the nature of the proposition, that is to say, in giving the nature of all facts,
whose picture the proposition is. In giving the nature of all being.”
72
MARQUES, José Oscar. Forma e Representação no Tractatus de Wittgenstein. p. 7.
73
“O pensamento não encontra no mundo a estrutura do espaço lógico, mas nele
reconhece essa estrutura como sendo a sua própria, a que o institui o mundo com o
mundo do pensamento. Um mundo inacessível ao pensamento é, pois, uma contradição
em termos”. DOS SANTOS. Essência da Proposição e Essência do Mundo. p. 103.
47
Com efeito, o mundo, a maneira do Tractatus, é visto como um
recorte contingente dentro de um espaço imutável de possibilidades de
concatenações entre os objetos. Este espaço lógico de possibilidade de
combinações compartilhado entre o mundo de objetos simples e entre seus
respectivos nomes na linguagem dá a medida da pertinência da expressão
identidade sintática ou formal. Esta identidade revela este
compartilhamento estrutural que, por assim dizer, sustenta os nomes e os
objetos, núcleos respectivos da linguagem e do mundo.
“O espaço lógico define a estrutura essencial do mundo e a estrutura
essencial do pensamento e da linguagem, na medida em que define a
totalidade do que pode existir e a totalidade do que se pode pensar e
representar proposicionalmente. Esse espaço revela-se como o
fundamento absoluto e total do mundo e do pensamento e, por isso, não
pode estar no mundo, como um fato do mundo entre outros, nem pode
submeter-se ao trabalho representativo do pensamento e da linguagem
74
.”
Assim, podemos afirmar, com Wittgenstein, que é esta identidade
sintática ou formal entre estes dois domínios a condição última de
significatividade de nossas sentenças, assim como, de todo e qualquer
sistema simbólico. A doutrina do isomorfismo, com suas teses
conseqüentes, é parte essencial da Teoria Pictórica, instância de uma
Teoria Geral da Figuração
75
.
2.1
Teoria geral da figuração
Tradicionalmente, se toma o bloco de passagens que se inicia em
2.1, como o bloco onde as condições de representação são precisadas, ou
74
Id. Harmonia Essencial. p. 450.
75
Tomo a teoria pictórica como uma instância da teoria do simbolismo, porque aquela é
uma aplicação a um caso específico de símbolo, a saber, às proposições, dos resultados
gerais da teoria do simbolismo. Como a proposição é, em última análise, uma figuração,
“um retrato lógico de fatos”, uma teoria sobre as condições gerais para a figuração deixa
o caso proposicional dentro de seu escopo.
48
seja, onde se dá o lugar próprio da teoria da figuração ou do simbolismo
que respalda a concepção ontológica que inaugura o livro. De maneira que
sem o apelo às teorias tractatianas da figuração e da proposição, a
ontologia presente no livro não se deixaria compreender nem justificar.
Como afirma Edgar Marques:
“(...) A parte ontológica do Tractatus não é uma descrição efetiva do
mundo, mas sim um levantamento das condições que este mundo deve
satisfazer para que a linguagem seja possível. Desta forma, a delimitação
da linguagem dá-se através de uma investigação transcendental das
condições que a linguagem deve satisfazer para poder expressar algo,
incluindo-se nestas condições determinadas condições semânticas, as
quais acabam por colocar certas necessidades da linguagem que o mundo
deve cumprir para que esta possa se dar. Assim ao invés de constituir-se
numa autêntica investigação do mundo, a parte ontológica do Tractatus
vem a ser um exposição da maneira como o mundo deve estar
estruturado para que a linguagem possa descrevê-lo. Esta teoria do
mundo é, portanto, caudatária de uma teoria da linguagem, da qual ela
constitui-se tão somente numa contrapartida ontológica.”
Em sua primeira passagem a Teoria Geral da Figuração nos afirma
que toda vez que figuramos algo figuramos fatos
76
. Representamos fatos
somente através de outros fatos. Somente um complexo pode representar
legitimamente outro. A representação deve se conformar à complexidade
do representado, o domínio do que representa e o domínio do que é
representado devem ser coextensivos
77
, devem ter a mesma cardinalidade,
ou seja, por princípio, deve haver tantos elementos na figuração quanto
76
Podemos ler a passagem 2.1 do Tractatus (i) como resultado de uma constatação
empírica e, portanto, contingente de como a figuração do mundo por proposições
funciona ou (ii) como uma exigência necessária de toda a figuratividade. Então teríamos,
respectivamente, parafraseando o texto tractatiano: “constato que figuramos fatos, mas a
figuração poderia se dar de outra maneira” ou “Para tudo que for uma figuração tem de
ser uma figuração de fatos, ou seja, se não figurarmos fatos, não figuramos
absolutamente.” Esta última interpretação se coaduna melhor ao espírito das passagens
posteriores onde condições necessárias para a figuratividade são elencadas. Assim, a
figuração de complexos, como condição necessária e não como uma constatação,
inauguraria este bloco de passagens sobre a natureza da figuração.
77
Cf. 4.04.
49
no fato que desejamos afigurar. Um complexo possível na figuração
representa um complexo possível no mundo
78
.
Os objetos da figuração substituem os objetos do fato afigurado e
não o contrário, se determinando uma relação de assimetria e
direcionamento na figuração. Rigorosamente, pelos elementos da
representação estarem numa relação biunívoca com os objetos do
representado, posso inverter, em princípio, as posições dos termos desta
relação representativa. Ou seja, numa relação representativa o que instaura
a assimetria é a necessidade de que os elementos substituam na
representação os objetos do representado. Uma vez fixada uma direção na
relação pictórica, um fato que representa não pode ser ele mesmo
representado pelo outro fato. Ou seja, dado dois fatos p e q, se há uma
função representativa de p em q, então a recíproca não pode ser verdadeira
segundo a teoria tractatiana do simbolismo. Logo, a assimetria só é
haurida plenamente com a noção de substituição, i.e., vertreten, to stand
for
79
. A substituição completa o papel da correspondência na teoria do
simbolismo.
A figuração se instaura quando seus elementos se articulam de uma
maneira determinada. Esta é a sua estrutura. Uma lista ou uma coleção de
objetos não pode afigurar outros, se ela não os apresentar de uma maneira
articulada. A articulação dos elementos da figuração representa uma
articulação possível das coisas do complexo figurado. Esta é a sua forma.
Wittgenstein estabelece uma definição modal de forma lógica em termos
da possibilidade da estrutura da representação e do representado. A
articulação dos elementos da figuração deve poder ser a mesma
articulação dos objetos designados. O afigurado e a figuração devem
compartilhar a mesma forma, devem poder ter a mesma forma de
78
Cf. 2.1-2.225.
79
Cf. 2.131.
50
afiguração ou forma lógica
80
. Por exemplo, uma figuração espacial pode
afigurar todo e qualquer fato espacial.
Cada elemento da figuração é coordenado a uma e somente uma
coisa do fato afigurado. Esta é a maneira que a figuração toca a realidade,
através desta relação afiguradora. A figuração representa o fato
externamente, por isso pode representá-lo correta ou falsamente,
concordando ou não com ele. Temos que compará-la com a realidade para
que identifiquemos uma figuração como verdadeira ou falsa.
A teoria pictórica que trata das condições de significatividade da
proposição como um retrato lógico da realidade é uma instanciação da
Teoria da Figuração. Então, de maneira geral, os resultados da Teoria da
Figuração valem para a Teoria Pictórica, por conseguinte, toma-se uma
proposição como uma figuração linguística, ou seja, como um fato
lingüístico que afigura um outro fato, este, extralingüístico. A
possibilidade de comum arranjo na coordenação de elementos com o
mundo permite que um fato seja a figuração de outro fato e,
conseqüentemente, permite que a linguagem afigure o mundo. “Só fatos
podem exprimir um sentido, uma classe de nomes não pode
81
.” “Situações
podem ser descritas, não nomeadas
82
.” Um nome por ser simples só pode
representar designando algo também simples, uma situação ou fato por ser
80
A isomorfia estrita entre a representação e o representado sugerida na passagem 2.15
com a presença do assim, so no original, se justifica pela necessidade da postulação de
uma identidade formal entre o domínio do que representa e do que é representado
evidenciada pela devida tradução ou interpretação dos sinais da estrutura que representa.
Há, de fato, uma exigência de uma isomorfia estrita, mas formal. Numa analogia com a
química, geralmente utilizamos símbolos que representam elementos naturais cuja
conjugação resulta em compostos. “Frases” químicas como NaCl mapeiam o complexo
sal na realidade por meio da referencia ou função dos nomes Na e Cl aos elementos
químicos que compõem o sal. Assim seguindo esta analogia quando digo que o resultado
do experimento foi NaCl quero dizer que foi sal. Ou pelo 2.15, quero dizer que os
elementos da figuração estejam uns para os outros assim, NaCl, significa que o composto
assim esteja na realidade, ou seja, seja um sal. Basta ler NaCl que vou pensar
imediatamente em sal. Assim as coisas estão no fim do experimento: NaCl. A
“passagem” de um âmbito para outro, do símbolo para o simbolizado, funciona bem,
Wittgenstein diria, porque NaCl é modelo de um sal.
81
3.142.
82
3.144.
51
complexo não pode ser designado por nome, no sentido atribuído por
Wittgenstein, mas por um complexo lingüístico que o descreva pela
designação de suas partes constituintes. “A possibilidade da proposição
repousa sobre o principio da substituição de objetos por sinais
83
”.
Em última instância, a significatividade ou coordenação dos
elementos lingüísticos às coisas se respalda nessa mesma possibilidade ou
comunidade de forma de articulação dos elementos da linguagem e das
coisas do mundo.
“The picture theory of meaning gave a complex and non-trivial logico-
methaphysical explanation of the pictoriality of thought and language in
terms of isomorphism between elementary proposition and atomic state
affairs. (…)For it is in terms of isomorphism that the possibility of
proposition being false but meaningful is explained. There seems to be,
as Wittgenstein latter phrased, an essential harmony between language
and reality. Thus, the doctrine of isomorphism is an essential part of the
picture theory
84
.”
2.2
Isomorfismo na literatura secundária
Os termos isomorfismo e isomorfia
85
não aparecem em
nenhum momento na primeira obra de Wittgenstein ou mesmo em seus
textos preparatórios ou posteriores. Entretanto, são termos largamente
utilizado pela tradição anglofônica de comentadores e intérpretes, _ por
exemplo, Hacker, como vimos acima. Foram, então, absorvido
unanimemente como jargão wittgensteiniano. Isomorfismo é um conceito
emprestado da matemática como assim o é o de projeção, usada pelo
próprio Wittgenstein, para estabelecer a forma com que as proposições
elementares “tocam” a realidade. Este tipo de “intromissão” matemática
83
4.0312.
84
HACKER. Insight and Illusion. p. 107. Grifo meu.
85
A guisa de convenção, chamo de isomorfismo a tese filosófica que exige a isomorfia
entre nome e objeto como condição para a significatividade de proposições.
52
em filosofia é saudável para se precisar com rigor o que muitas vezes se
confunde e se perde com as flores de retórica típicas da linguagem
filosófica
86
. Esta demanda de precisão e rigor na interpretação com a
conseqüente utilização de um expediente matemático fica evidente no
Wittgenstein’s Tractatus de Stenius quando afirma que:
“Wittgenstein’s use of the notion of ‘representation’ (Abbildung) and
related concepts is not free from a certain amount of ambiguity, and I do
not think it is possible to grasp exactly what idea he connects with them.
I shall therefore adopt the following method of analysis. First I shall
define an exact concept of ‘representation’ called ‘isomorphic
representation’. Then I shall interpret Wittgenstein’s statements about
pictures with reference to this sort of depicting. In this way we obtain a
model that satisfies many of Wittgenstein’s statements on the subject.
This model can be used as a system of reference for the analysis of
Wittgenstein’s application of the concept of a picture in his theory of
language
87
”.
Edgar Marques afirma que “não apenas a relação afiguradora, a
coordenação entre os elementos da figuração e as coisas, mostra-se
imprescindível para a constituição de uma figuração, mas também a
subsistência de uma comunhão formal entre a figuração e a realidade
88
” e
Black sugere que a “homomorphy (similarity of form) rather than
isomorphy (identity of form) is the best that can be expected in the general
86
Um propósito e expediente análogos foram utilizados por Frege para tomar a estrutura
predicativa clássica dos juízos como representantes de funções e argumentos a maneira
da matemática para que o alcance da lógica também englobasse relações de aridade
diversas e quantificação. Assim ganhou a lógica autonomia, avanços e estatuto próprio,
se desvencilhando de vez do campo da retórica ou da psicologia. “On the foundation of a
generalized concept of a function, Frege erected the logical system of Begriffsschrifft. He
did not discern a mere analogy between the theory of function and a rigorous deductive
reasoning. Rather, he held that an extension of the mathematical conception of a function
yields a completely general theory of functions which has a direct application to the
logical analysis of inference. He enlarged the domain of mathematical calculation to
include the whole of syllogistic and of Boole’s logical algebra. And he vindicated his
procedure by solving hitherto insoluble problems (…) If math innovations can be
justified by exhibiting fruitful applications, thefore Frege’s logical system seems strong.”
BAKER. Wittgenstein, Frege and the Vienna Circle. p. 23
87
STENIUS. Wittgenstein’s Tractatus. p. 91.
88
MARQUES, Edgar. Wittgenstein e o Tractatus. p. 22. Grifo meu.
53
case
89
”. Entretanto, Wittgenstein observa em sua Teoria da Figuração que
não é apenas a existência de uma comunhão
90
ou de uma similiaridade de
forma, mas a existência de uma identidade que é necessária para a
figuração em geral. Como se vê em 2.161, onde afirma que “na figuração
e no afigurado deve haver algo de idêntico, a fim de que um possa ser, de
modo geral, uma figuração do outro.” O que esclarece a seguir em 2.18:
“O que toda figuração, qualquer que seja sua forma, deve ter em comum
com a realidade para poder de algum modo – correta ou falsamente –
afigura-la é a forma lógica, isto é, a forma da realidade.
Caso assumamos que a idéia principal do Tractatus é a sua teoria
do simbolismo _ e, por conseqüência, sua instanciação proposicional, a
teoria pictórica _ que gera quando aplicada em diversos domínios as
contundentes conclusões tractatinas, teremos que tomar então que o cerne
ou pressuposto primeiro desta teoria, a tese do isomorfismo, é, por
transitividade, a responsável pelas conseqüências da obra. Ou seja, o
isomorfismo funciona como uma espécie de “superpremissa” dos
argumentos responsáveis pela resolução ou dissolução de problemas
filosóficos com base no limite do discurso assertivo _ e a conseqüente
reformulação do estatuto das ciências naturais, psicologia, lógica,
matemática e da própria filosofia _ porque é o núcleo da teoria do
simbolismo.
O cerne do Tractatus está no papel desempenhado pelo
isomorfismo, pensado a maneira dos matemáticos, instaurado para precisar
a possibilidade da relação projetiva da linguagem no mundo em termos de
uma identidade formal ou sintática entre os constituintes destes dois
domínios, num contexto figurativo. Como Baker afirma:
89
BLACK. Companion to Wittgenstein’s Tractatus. p.104. Grifo meu.
90
Diferencio aqui comunhão de identidade, porque penso que comunhão só dá conta de
uma identidade qualitativa, i.e., coisas numericamente diferentes, mas com pelo menos
uma propriedade em comum, enquanto acredito que a isomorfia tractatiana exija uma
identidade numérica.
54
“The fundamental thought of the Tractatus is that the essential nature of
symbolism must exactly match the essential nature of what is
symbolized. Internal properties of symbols represent internal properties
of what is symbolized, and likewise internal relations among symbols
represent internal relations among what is symbolized. It is from this
philosophical standpoint that there seems to be an identity (of form)
between linguistic, expression, the thoughts expressed and the states of
affairs described
91
.”
José Oscar Marques supõe em sua tese de doutoramento que “as
relações projetivas entre a linguagem e a realidade não envolvem nenhuma
associação empírica, factual, a posteriori entre signo e significado, mas
estão dadas de antemão, em virtude do isomorfismo, no sentido
matemático, que vige entre os dois domínios
92
.”
Já Dos Santos, de maneira mais geral, fala em termos de uma
harmonia essencial, pela qual reconstrói o Tractatus a luz do que chama
de tradição lógica
93
e da identidade formal essencial ao mundo e ao
pensamento. Afirma Dos Santos que “só podemos conceber um mundo
cuja forma essencial seja não apenas permeável, mas estritamente idêntica
à forma essencial do pensamento _ pois ou nós o concebemos assim ou
simplesmente não concebemos nada”
94
. Mostrando, desta forma, que esta
identidade funciona assegurando um acesso irrestrito do pensamento ao
mundo, e por conseqüência, assegurando a legitimidade da tese acerca da
bipolaridade essencial da proposicionalidade.
“A tese define, como condição essencial do sentido de uma
representação proposicional do mundo, que ela consista no privilégio
conferido a um dos pólos de uma alternativa exaustiva e exclusiva em
detrimento do outro
95
”.
91
BAKER. Wittgenstein, Frege and the Vienna Circle. p. 96.
92
MARQUES, José Oscar. Forma e Representação no Tractatus de Wittgenstein. p.163.
93
DOS SANTOS. Essência da proposição e Essência do Mundo. p.13.
94
Id. Harmonia essencial. p. 449
95
Id. Ib. p. 448.
55
O que se segue na dissertação é a tentativa de se operar o conceito
de isomorfia na relação afiguradora de maneira mais técnica. Pretendo,
pois, demonstrar que o conceito matemático de isomorfismo presta-se
adequadamente para dar conta da relação afiguradora entre nomes e
objetos, num contexto figurativo.
2.3
Mapeamento
Num contexto figurativo, a isomorfia tractatiana respeita uma
função biunívoca preservadora de relações
96
. Os nomes da proposição
mapeiam as coisas que compõem os fatos do mundo. Para uma análise
unívoca e completa das proposições, se demanda que os nomes estejam
para um e somente um objeto, e que os objetos tenham um e somente um
nome. De maneira que uma eventual relação dos nomes espelha uma
relação dos objetos nomeados. Entendemos uma proposição porque vemos
nela a estrutura do fato projetada por ela cuja atualização a torna
verdadeira. Uma vez fixado este mapeamento, podemos investigar o
mundo pela linguagem, ou a linguagem pelo mundo, marcando assim,
como parece pretender Dos Santos em seus trabalhos, a legitimidade da
interpretação da via de mão dupla ou da harmonia essencial entre o mundo
e a linguagem. Como se evidencia nas sentenças tractatianas: “Deve ser
possível distinguir na proposição tanto quanto seja possível distinguir na
96
Tal afirmação à primeira vista parece redundante, porque o que é uma relação
isomórfica senão uma função biunívoca preservadora de relações? Bem, a razão de ser da
aparente trivialidade da afirmação se encontra na estratégia argumentativa. Pretendo levar
a sério a sugestão exegética dos comentadores anglófonos de introdução na interpretação
tractatiana do conceito isomorfia, que, em princípio, poderia ser tomada num sentido
fraco de forma comum. O que me proponho é analisar a legitimidade de não se tomar
isomorfia tractatiana como uma mera comunidade de forma, mas num sentido forte,
como um conceito técnico. Então quando digo “isomorfia tractatiana respeita uma função
biunívoca preservadora de relações” digo que a isomorfia tractatiana que poderia ser
apenas uma saída verbal para uma comunidade de formas, não o é. Ela guarda uma
conotação mais técnica como pretendo investigar.
56
situação que ela representa. Ambas devem possuir a mesma multiplicidade
lógica
97
.” “A proposição pode representar toda a realidade
98
”, ou seja, a
linguagem pode mapeá-la, exauri-la, percorrê-la inteiramente. Assim
temos a chave para entendermos através da isomorfia a estratégia
anunciada na passagem 5.4711, onde Wittgenstein afirma que “especificar
a essência da proposição significa especificar a essência de toda descrição
e, portanto, a essência do mundo”. A essência da linguagem revela a
essência do mundo porque aquela mapeia este. De acordo com Waissman,
“é evidente que este tipo de teoria se dirige para o que está sob a
linguagem e encontra na estrutura lógica da realidade a chave da
possibilidade de descrição do mundo
99
”.
O que repousa na raiz da doutrina da isomorfia é a idéia de que há
uma correspondência natural entre a realidade e a linguagem e isto é
suficiente para a descritibilidade do mundo pela linguagem. A intuição
wittgensteiniana de modelo ou ensaio montado na linguagem no contexto
pictórico que espelha fatos do mundo sugere um expediente matemático
mais preciso chamado de mapeamento.
“A idéia de mapeamento é bem conhecida e desempenha um papel
fundamental em muitos ramos da matemática. É utilizada, naturalmente,
na construção de mapas comuns onde formas situadas sobre a superfície
de uma esfera são projetadas sobre um plano, de modo que as relações
entre as figuras planas espelham as relações entre as figuras situadas
sobre a superfície esférica. É usada em geometria com coordenadas, que
traduz geometria em álgebra, de forma que relações geométricas são
mapeadas por outras, algébricas. Hilbert empregou a álgebra para
estabelecer a consistência de seus axiomas da geometria. O mapeamento
também desempenha um papel na física matemática onde, por exemplo,
relações entre propriedades de correntes elétricas são representadas na
linguagem da hidrodinâmica. Também ocorre mapeamento quando se
constrói um protótipo antes de lidar com uma máquina em tamanho
normal, quando uma pequena superfície alada é observada em suas
propriedades aerodinâmicas num túnel de vento, ou quando um
97
4.040.
98
4.12.
99
WAISMANN. The Principles of Linguistic Philosophy. p. 310.
57
equipamento de laboratório composto de circuitos elétricos é aplicado ao
estudo das relações entre grandes massas em movimento. (...) A
exploração da noção de mapeamento é a chave do argumento no famoso
artigo de Gödel sobre a incompletude de sistemas formais como o do
Principia Mathematica
100
.”
O importante aqui é assegurar que através do mapeamento
podemos garantir que os resultados da investigação de um domínio
valham sobre um segundo, caso aquele mapeie este. Assim, propriedades
de um domínio são preservadas em outro, o que é sugerido em 5.4711.
Num contexto figurativo, tomamos um conjunto de “objetos” articulados
de determinada maneira, os elementos da figuração, correspondendo a um
conjunto de coisas possivelmente articuladas da mesma maneira. Usando
do conceito de mapeamento, notamos, então, que a relação dos nomes
respeita a relação dos objetos na figuração, porque estes compõem estados
de coisas que são mapeados por proposições compostas de nomes. O
domínio das coisas do mundo é mapeado pelo domínio dos elementos da
linguagem, de maneira que as relações possíveis das coisas que compõem
um fato são preservadas no ato da figuração pelos nomes que compõem as
proposições. Assim podemos “ver” fatos do mundo através de fatos da
linguagem, porque proposições são modelos ou ensaios dos fatos
empíricos. Ao entendermos a linguagem entendemos o mundo, porque os
nomes podem exaurir numa função de 1-1 os objetos dos fatos figurados,
preservando no nível lingüístico as relações extra-linguísticas. O ganho
exegético da legitimação da transitividade da passagem 5.4711 justifica a
introdução do conceito de mapeamento na geografia conceitual do
Tractatus.
Nesta medida, temos a razão pela qual ao especificar a essência da
proposição especificamos a essência do mundo. O projeto de Wittgenstein
se respalda numa isomorfia entre o mundo e a linguagem, que coordena os
elementos dos dois de maneira unívoca num mapeamento que preserva as
100
NAGEL & NEWMAN. A prova de Gödel. p. 60-1.
58
relações do domínio do mundo no domínio da linguagem. De acordo está
Hintikka: “A idéia fundamental da tese de Wittgenstein (no Tractatus) é
justamente o que os matemáticos entendem por uma representação
isomórfica ou mapeamento isomórfico
101
”.
2.3.1
Função
A coordenação, num contexto proposicional, entre os elementos da
figuração, nomes em proposições elementares, e as coisas dos fatos
atômicos, caso tomadas imageticamente, são como antenas dos elementos
da figuração projetadas sobre a realidade, antenas com as quais a figuração
toca a realidade, e, então, ganha sentido
102
. “Utilizamos o sinal sensível e
perceptível (sinal escrito ou sonoro, etc.) da proposição como projeção da
situação possível. O método de projeção é pensar o sentido da
proposição
103
”.
Este tocar, esta projeção de sentido das proposições elementares no
espaço lógico se assemelha muito a uma função total num sentido
estrito
104
, tal como é estudada na Teoria Axiomática dos Conjuntos, base
da Matemática e da Lógica Poliádica
105
. Segundo Enderton, “calculus
books often describe a function as a rule that assigns to each object in a
certain set (its domain) a unique object in a possibly different set (its
range)
106
”.
101
HINTIKAA. Investigação sobre Wittgenstein. p. 132.
102
2.1514 e 2.1515.
103
3.11.
104
“Para que uma relação entre dois conjuntos A e B seja uma função, deve haver no
conjunto B exatamente um elemento para cada elemento em A.” MORTARI. Introdução
à Lógica. p. 54.
105
ENDERTON. Elements of set Theory. p. 43.
106
Id. Ib. p. 42. Ou mais precisamente, “A function is a relation F such that for each x in
dom F there is only one y such that xFy.”
59
A grande vantagem do método axiomático, como utilizado na
Teoria de Conjuntos, é que deixa explícitas as suposições iniciais da teoria
investigada. Historicamente, a Teoria dos Conjuntos se originou na forma
não axiomática, mas os paradoxos da chamada teoria ingênua de
conjuntos, como o paradoxo de Russell, forçou o desenvolvimento de uma
teoria axiomática, mostrando que certas asserções, aparentemente
plausíveis, eram inconsistentes e, portanto, insustentáveis. Então, foi
imperioso explicitar as hipóteses assumidas, as quais, assim, poderiam ser
facilmente examinadas em busca de outras possíveis inconsistências. As
sentenças que aparecem na base da visão informal dos conjuntos, sendo
verdadeiras, devem ser demonstradas como conseqüência lógica de
axiomas antes de serem aceitas como teoremas
107
.
A nomeação tractatiana, no contexto proposicional, seguindo a
analogia sugerida com a Teoria Axiomática de Conjuntos, seria, então,
uma função especial entre um conjunto de nomes, seu domínio, associados
de maneira unívoca a um conjunto de objetos, seu contradomínio ou
imagem
108
.
No Tractatus, como uma conseqüência da postulação da análise
completa e única das proposições em termos de nomes
109
, cada objeto só
pode, em princípio, ter um nome, evitando-se assim, sinonímias
110
. E cada
107
Id. Ib. p. 12.
108
De acordo com Hintikka: “Estamos considerando especificamente um valor que
atribui a cada nome de um objeto particular, e.g., a cada a e b, um membro do domínio D.
Podemos chamá-los v(a) e v(b). Do mesmo modo, v(R) é uma classe de pares ordenados
de membros de D, se R é um símbolo de relação binária. Então, aRb é definido como
verdadeiro, se e somente se o par [v(a), v(b)] é um membro de v(R). A função de valor
está, obviamente estreitamente ligada às relações de designação do Tractatus”.
HINTIKKA. Investigação sobre Wittgenstein. p. 133
109
Cf. 3.23-25.
110
Em uma das apresentações que fiz desta parte da dissertação, esta no I Seminário dos
Alunos do Programa de Pós-graduação de Lógica e Metafísica da UFRJ, o aluno Markos
Klemz me fez ver uma objeção possível para o itinerário de prova que propunha. A
assunção da tese da análise completa das proposições não rechaça necessariamente a
possibilidade de sinonímia. Acertou o alvo, mas com a flecha errada, diria. Seu
argumento era baseado nas passagens 2.02232 e 2.02331 e invalidaria o que seria a
pertinência do princípio leibniziano da indiscernibilidade no Tractatus. Não é por aqui,
60
nome só pode estar associado a um objeto, evitando-se assim,
ambigüidades
111
. De mais a mais, o Tractatus tem a exigência de que
nenhum elemento do fato representado, ou seja, os objetos simples que o
compõe fiquem sem um nome. Poderíamos chamar esta propriedade da
linguagem de exauribilidade, porque os nomes têm de poder mapeiar todo
o domínio de objetos articulados num estado de coisas representado sem
deixar nenhum de fora, por assim dizer, esgotando-o, ou exaurindo-o
112
.
Esta característica da nomeação revela, caso levada às últimas
conseqüências, a tese que aparece explicitamente nos Notebooks e é
pressuposta no Tractatus: a “all-embracing representation of the world
through language
113
”.
A relação peculiar entre o domínio da linguagem e o do mundo
com exaustão, sem sinonímias e ambigüidades está à maneira de um tipo
muito especial de relação entre conjuntos apresentada na Teoria
por via tão metafísica que a minha tentativa de prova faria água no caso da não-
sinonímia. Pensando intuitivamente e lembrando-nos das nossas aulas de Lógica I, temos
na memória que quando nos foi apresentada a semântica de cálculo de primeira ordem,
para que as funções de interpretações funcionem, o que deve ser evitado são as
ambigüidades denotativas, signos que podem denotar mais de um objeto, não os
sinônimos. Grosso modo, posso calcular e analisar proposições com sinônimos. Então,
não é só pela assunção da tese da análise completa e unívoca das proposições ou por
grandes elucubrações metafísicas (como gostaria meu colega Markos) que temos como
conseqüência o afastamento da sinonímia da notação tractatiana. Encontro tal razão, de
maneira mais direta, na conjugação de teses de sua filosofia da lógica, como: uma
notação perspícua faz a teoria dos tipos supérflua (3.323-3.25 e 3.334) e a eliminação da
igualdade de seu sistema (5.53-5.533). O que se exige, então, é o que quero defender:
cada nome de meu simbolismo deve ter apenas um objeto e para cada objeto apenas um
nome associado. Entretanto, segundo a interpretação do professor dos Santos, a demanda
da não-sinonímia não precisaria ser provada, visto que seria dada por definição. Dos
Santos é da opinião que há um movimento conceitual de sublimação do sinal em símbolo
no bloco das proposições 3 do Tractatus. O símbolo (type) é representado ou instanciado
em sinais convencionais (tokens). Portanto, tokens admitem sinônimos, ao passo que
types, no fim da analise, não.
111
3.323-25.
112
“A proposição pode representar toda a realidade. (...)” 4.12. “Deve ser possível
distinguir na proposição tanto quanto seja possível distinguir na situação que ela
representa. Ambas devem possuir a mesma multiplicidade lógica (matemática). (...)”4.04.
“O homem pode exprimir todo o sentido(...)” 4.002. “A proposição alcança todo o espaço
lógico. Por meio dela é dado todo o espaço lógico.” 3.42. “A proposição descreve toda a
realidade” 4.023. E ainda Cf. 4.26.
113
Idem. Notebooks 14-16. p. 11e.
61
Axiomática de Conjuntos: a função biunívoca
114
. Dizemos que um
conjunto mapeia um outro através de uma função biunívoca, ou numa
relação 1-1, quando os elementos do primeiro estão injetados
115
e
sobrejetados
116
sobre o segundo. De acordo com Enderton, “A function F
is one-to-one iff for each y є ran F there is only one x such that xFy
117
.”
Assim, seguindo a própria definição tractatiana de nome,
poderíamos legitimamente tomar o domínio lingüístico do Tractatus, as
proposições elementares como um conjunto cujos elementos são os
nomes. Ao passo que poderíamos também tomar o seu domínio
ontológico, os estados de coisas correlatos, como um conjunto cujos
elementos são os objetos simples tractatianos. Nesta medida, os nomes são
os argumentos de uma função, que podemos chamar de nomeação, cujos
valores são os objetos. Esta função nomeação faz do conjunto dos nomes
um domínio e do conjunto dos objetos seu contradomínio ou conjunto-
imagem, cumprindo o papel da relação afiguradora apregoada pela teoria
do simbolismo tractatiana.
No Tractatus, então, como vimos, se tomarmos a nomeação como
uma função, esta tem de ser biunívoca porque precisa evitar a
ambigüidade, a sinonímia e a exaustão do conjunto de objetos pelo
conjunto de nomes, condições exigidas pela teoria tractatiana do sentido.
“The coordination of simple names in accord with logical syntax
produces a representation, a model or picture, of the co-ordination of
objects in a (possible) state of affairs. The fact that the constituent names
are thus co-ordinated represents the corresponding co-ordination of the
objects they name in state of affairs, given the appropriate method of
projection between names and objects.
118
114
MORTARI. Opus cit. p. 54.
115
“Se cada elemento do domínio de F tem uma imagem diferente, dizemos que a função
é injetora, isto é, se xy, então f(x)f(y).” Idem. Ibidem. p. 54.
116
“Caso o conjunto imagem de um função F seja igual ao seu contradomínio, dizemos
que esta função é sobrejetora. Ou seja, não há um elemento do contradomínio que não
seja imagem de algum elemento do domínio”. Id. Ib. p.54 .
117
ENDERTON. Elements of Set Theory. p. 43.
118
HACKER. Insight and Illusion. p.34
62
As características exigidas e estabelecidas por Wittgenstein como
condições de significatividade são plenamente garantidas se tomarmos a
projeção de sentido e a sua subseqüente nomeação de objetos como uma
função biunívoca. Porque esta tem as propriedades de ser, primeiramente,
uma função, segundo, injetora, e, terceiro, sobrejetora, assim, garante-se,
respectivamente, a não-ambigüidade, a não-sinonímia e a exaustão dos
objetos dos estados de coisas pelos nomes das proposições elementares,
exigidas pelo sistema tractatiano. E em uma versão mais forte defendida
por José Oscar Marques, temos não apenas a exaustão de um fato por uma
proposição, num contexto proposicional, mas de todo o mundo pela
linguagem: “Ao estabelecer a correspondência um a um entre os
elementos da linguagem e da realidade, e ao identificar a multiplicidade
lógica das combinações nos dois domínios, o Tractatus garante de
antemão que as relações exprimíveis no simbolismo coincidem
exatamente com as relações existentes no mundo
119
”.
2.3.2
A Isomorfia Tractatiana como uma Função Biunívoca
Podemos lançar mão de uma prova simples desta tese a respeito da
legitimidade de se tomar o processo de nomeação, tal qual apresentado no
Tractatus, num sentido mais técnico, como uma função biunívoca com um
expediente muito usado em Lógica e Matemática: a prova ou o argumento
de redução ao absurdo clássico. Onde supomos a negação da tese, teorema
ou proposição que desejamos provar, demonstrando que esta suposição
nos leva, a partir de um número determinado de passos de inferência, a
uma contradição. Então, segundo este tipo de prova, pode-se afirmar que a
tese em questão é verdadeira, porque sua negação é falsa, ou gera uma
119
MARQUES, José Oscar. Forma e Representação no Tractatus de Wittgenstein. p. 7.
63
contradição ou inconsistência. Este expediente de prova leva em conta um
princípio clássico chamado de princípio da bivalência que afirma que toda
proposição ou é verdadeira ou é falsa, sem terceira possibilidade. Provar a
falsidade da negação de algo, segundo este princípio, implica em provar
indiretamente a verdade da afirmação deste mesmo algo.
Portanto, por instância, como nosso objetivo aqui é demonstrar a
pertinência e a verdade de se afirmar que o processo de nomeação
tractatiano obedece a um padrão, ou tem o mesmo mecanismo, de uma
função biunívoca, podemos fazê-lo supondo seu contrário e, então,
demonstrar que esta hipótese nos leva a uma contradição no contexto
tractatiano. Neste caso, como estamos circunscritos em um universo
tractatiano, mostraríamos que supor que a nomeação não é ou não
funciona como uma função biunívoca gera uma inconsistência na
interpretação do Tractatus, mas precisamente na Teoria Pictórica.
Definamos então nosso universo de discurso. Estamos falando de
um conjunto de nomes atribuídos a objetos simples que por sua vez são
elementos de outro conjunto. Delimitar nosso domínio de estudo é
importante para evitar surpresas de elementos novos e irrelevantes em
nossa investigação. Assim, para levar a cabo o objetivo de caracterizar o
processo de nomeação tractatiano, só precisaremos dos elementos
envolvidos neste processo de figuração em seu nível nuclear: nomes e
objetos.
Suponhamos então que a nomeação tractatiana não tem um padrão
de função biunívoca (sobrejetora e injetora), ou mesmo de uma função:
1. Se não é uma função, então existem pelo menos dois
elementos no conjunto dos objetos tractatianos que estejam associados a
um só nome, ou seja, existe pelo menos uma ambigüidade na nomeação,
um nome que está associado a mais de um objeto.
2. Se não é uma função sobrejetora, então existe pelo menos
um objeto no contradomínio que não é imagem de nenhum nome, ou seja,
64
existe pelo menos um objeto que não tem um nome. A função de
nomeação não mapeia todo o conjunto de objetos do estado de coisas
representado. Deixa por assim se dizer pelo menos um de fora. Portanto,
podemos afirmar que o processo de nomeação não é exaustivo.
3. Se não é uma função injetora, então existe pelo menos um
elemento no contradomínio que tem dois nomes associados a ele, ou seja,
um mesmo objeto simples pode ter pelo menos dois nomes. Assim, a
sinonímia é permitida neste sistema, isto é, há nomes distintos que se
referem, estão associados, ou nomeiam um mesmo objeto.
Ora, sabemos que na caracterização do processo de nomeação no
Tractatus, alicerce de sua teoria pictórica, Wittgenstein supõe, e nós
também nesta prova por assumir o universo tractatiano, que a linguagem,
neste nível atômico, não comporta sinônimos
120
, ambigüidades, porque
cada nome só pode estar associado a apenas um objeto e vice-versa, para
que a análise seja única. De mais a mais, Wittgenstein supõe, e nós
também, que os nomes, em princípio, podem nomear todos os objetos do
espaço lógico sem exceção. Como afirma explicitamente nas passagens
4.12, “A proposição pode representar toda a realidade (...)”; na 4.26, “A
especificação de todas as proposições elementares verdadeiras descreve o
mundo completamente. O mundo é completamente descrito através da
especificação de todas as proposições elementares, mais a especificação de
quais delas são verdadeiras e quais são falsas”; na 4.023, “A realidade
deve, por meio da proposição, ficar restrita a um sim ou não. Para isso,
deve ser completamente descrita por ela. (...)”.
Portanto, supor que a nomeação tractatiana ou não seja uma função
ou não seja uma função biunívoca, isto é, sobrejetora e injetora, faz com
que, por assim dizer, a nomeação tractatiana não seja tractatiana. Por
120
No caso da demanda por não-sinonímia, fazemos uso, como hipóteses adicionais, das
teses tractatianas acerca do caráter perspícuo exigido por uma notação que excluiria a
necessidade de um símbolo de igualdade e de uma teoria de tipos que prevenisse a
linguagem de contra-sensos.
65
conseguinte, não se assegura a significatividade da linguagem tal como
Wittgenstein a concebia.
Se não for legítimo, tomar a isomorfia tractatiana, a relação de
identidade formal entre proposições elementares e fatos atômicos, como
uma função biunívoca preservadora de formas entre nomes e objetos num
contexto proposicional a própria Teoria Pictórica wittgensteiniana não
funciona. Supor que o processo de nomeação não seja biunívoco é supor
que nomes não estejam numa relação de 1-1 com os objetos simples, é
supor, em decorrência disso, que a nomeação permita sinônimos,
ambigüidades ou simplesmente não possam nomear todos os objetos, e
isto é falso no contexto tractatiano.
Logo, por absurdo, a legitimidade de se tomar a isomorfia
tractatiana respeitando o mecanismo de uma função biunívoca de
mapeamento tal qual estudada na Teoria dos Conjuntos está assegurada.
2.4
Revisitando a nomeação tractatiana
Estabelecida a isomorfia tractatiana respeitando uma função
biunívoca preservadora de relações, cabe-nos, agora, completar seu
estatuto nos perguntando qual é a natureza desta função de nomeação
presente no núcleo da identidade sintática entre mundo e linguagem.
Perguntar-se a respeito do estatuto da nomeação no interior da teoria
pictórica tractatiana é perguntar-se sobre a natureza da projeção de uma
proposição no espaço lógico.
121
121
Esta parte da dissertação tem importância apenas lateral para seus objetivos principais.
Mostrar a legitimidade técnica do termo isomorfismo no corpo conceitual tractatiano e
evidenciar, a partir disso, o papel metafísico da lógica figuram como estes objetivos mais
importantes. Revisito a questão da nomeação tractatiana para dar maior completude ao
trabalho. Embora qualquer problema mais pontual aqui não afete diretamente os
argumentos centrais.
66
“Entender, ou pensar, o sentido da proposição é projetá-la na realidade, e
a projeção de qualquer sentido só pode ser realizada no interior de um
mapeamento integral de todo o sistema da linguagem sobre o espaço
lógico como um todo. É só essa articulação global que possibilita
identificar os referentes dos elementos pictóricos, os nomes, e alcançar
uma representação perspícua do sentido
122
”.
Sabemos que os objetos simples tractatianos são o substrato fixo
do mundo e, portanto, são eternos. Mas qual será a natureza da nomeação
destes objetos peculiares que dá sentido a todas as nossas proposições?
Será que os nomes são eternos como os objetos que nomeiam? Será que
são frutos de algum tipo de decisão de um indivíduo no processo de
apreensão de sentido através da linguagem? Ou será mesmo que os nomes
tais quais concebidos no Tractatus são operados, por assim dizer, por um
sujeito transcendental, exterior ao mundo, mas condição de possibilidade
do sentido de proposições?
Esta última interpretação é defendida por Cuter em dois artigos,
“Subjetividade Empírica e Transcendental no Tractatus de Wittgenstein” e
“Por que o Tractatus necessita de um sujeito transcendental?”
123
. Cuter
afirma que os aspectos sintáticos do nome não dão conta de uma
semântica. Segundo ele, enquanto as regras sintáticas, tomadas em seu
conjunto, refletem a ordem necessária da substância do mundo, as regras
semânticas ou de significado, tomadas em seu conjunto, refletem uma
eleição que, do ponto de vista da lógica, é indiferente. Portanto, “a sintaxe
seria incapaz de dar origem a uma semântica. A sintaxe limita-se a
incorporar em suas regras a exigência do isomorfismo. Ela não decide o
que será nome de quê. Cabe à semântica tomar uma decisão
124
”.
Consequentemente, a projeção da linguagem dependeria, em última
instância, de uma escolha, de uma ação, de uma decisão. Escolha, porque
122
MARQUES, José Oscar. Forma e Representação no Tractatus de Wittgenstein. p.
188.
123
Referência completa no fim da dissertação.
124
CUTER. Subjetividade Empírica e Transcendental no Tractatus de Wittgenstein. p.79
67
o simbolismo exige que cada objeto tractatiano tenha de ter um nome
apenas, mas qual nome deve nomear um objeto específico fica, em
princípio, segundo esta visão, indecidido. “Dois objetos pertencentes à
mesma categoria serão nomeados por dois nomes pertencentes à mesma
categoria. A ordem categorial não pode decidir, porém, qual desses nomes
deve nomear qual daqueles objetos
125
.”
Seguindo seu argumento, Cuter descarta acertadamente a
possibilidade desta escolha ser feita por um sujeito empírico, por exemplo,
por um indíviduo ao apreender o sentido de uma sentença. Porque esta
decisão não pode ser tomada no interior do mundo, isto conseqüentemente
implicaria em que a nomeação fosse um fato contingente. A nomeação de
algo, no contexto tractatiano, não é uma possibilidade dentre outras que
está sendo afirmada. Seria impossível especificar em que situação uma
sentença do tipo de “‘a’ nomeia a” seja falsa, porque para que tenha
sentido, ela primeiro tem de ser verdadeira, o que é suficiente para que a
caracterizemos como uma pseudo-proposição, um contra-senso. Como já
visto, a verdade não pode anteceder o sentido, senão não entenderíamos e
não poderíamos tirar legitimamente conclusões de proposições falsas.
Cuter afasta, conseqüentemente, a possibilidade da escolha de
nomeação ser feita por um sujeito empírico. Mas seguindo seu raciocínio,
poderíamos ainda nos perguntar por quem ou pelo quê esta escolha seria
feita então. “A relação entre nome e objeto é, pois, uma relação
interna
126
”. Nesta medida, a nomeação de um objeto envolveria, segundo
Cuter, “o estabelecimento de uma relação interna”. E é essa a função
lógica, em sua interpretação, do sujeito transcendental: em tese, a função
de estabelecer esta relação interna. Desta forma, Cuter dá conta da relação
binária de nomeação, i.e., da relação afiguradora preconizada pela teoria
tractatiana do simbolismo, e também da imposição teórica de ser
125
Id. Ib. p.79.
126
Id. Ib. p.81
68
estabelecida fora do contexto da bipolaridade, ou seja, fora dos fatos
contingentes do mundo.
“A linguagem do Tractatus não se constitui sem a intervenção de um
sujeito transcendental. Esse sujeito não é tomado de empréstimo a
Schopenhauer, nem é um suplemento metafísico, em última instância,
descartável. A postulação de um sujeito posto no limite do mundo não é
a mera contraparte de uma iluminação imotivada. A mística presente
aqui diz respeito apenas ao contato não linguístico com aquilo que a
análise lógica demonstrou ser necessário. Ela é logicamente motivada e
está ancorada nas condições de possibilidade do sentido
127
.”
O controverso sujeito tractatiano
128
, apresentado nas difíceis
sentenças do bloco 5.6, é transcendental porque é necessário ao processo
de nomeação e, ao mesmo tempo, está fora deste âmbito. A interpretação
de Cuter resolve suficientemente um problema, a saber, o do
“estabelecimento da nomeação”. Entretanto, por si mesmo a colocação
deste problema é problemática. Talvez porque já tenha sido posto de
maneira controversa, como veremos.
Por que uma relação interna, como a de nomeação, deve ser, a
rigor, estabelecida? A noção de relação interna já não exclui por si mesmo
a necessidade de ser estabelecida por algo externo a ela? Ora, se é interna,
a relação de nomeação não precisa ser estabelecida nem por um sujeito
empírico, nem por um transcendental
129
. O mesmo motivo que afasta a
127
Id. Ib. p. 82.
128
“O sentido filosoficamente interessante de sujeito está ligado às passagens
reconhecidamente mais obscuras e enigmáticas do Tractatus.” PEREIRA, Luis Carlos.
Algumas considerações sobre o conceito de sujeito no Tractatus de Witgenstein. p. 143.
129
A nomeação tractatiana é perigosamente _ e a meu ver, de maneira errada _ associada
a algum tipo de subjetividade. Este tipo de interpretação gera com freqüência mau-
entendidos. O perigo de tomá-la como transcendental é inadvertidamente usar de imagens
que se remetam, em alguma instancia, a uma subjetividade empírica. O que é
terminantemente inviável, no contexto tractatiano. Fazer com que a nomeação dependa
de uma instituição humana ou convenção é fazê-la contingente, e assim, tornar
contingente, o que o Tractatus supõe necessário: que um objeto tenha o nome que tem, e
este reflita as relações sintáticas, numa proposição, as quais aquele possui num estado de
coisas. A identidade sintática entre nomes e objetos seria então casual. Um exemplo de
uma visão desencaminhadora de nomeação encontra-se na tese de doutoramento de Sílvia
Faustino, na página 143: “Isso nos leva a questão de saber qual é a natureza das relações
69
necessidade de um sujeito empírico na nomeação afasta também a
necessidade de um sujeito transcendental também. Como vimos, a
nomeação tractatiana pode ser definida de maneira inteiramente formal,
sem precisarmos fazer menção a nenhum tipo de subjetividade. Segundo
Wittgenstein: “A name designating an object there by stands in a relation
to it which is wholly determined by the logical kind of the object and
which signalizes that logical kind.
130
” E Conforme a conclusão da tese de
José Oscar Marques: “O significado de um signo está determinado
exclusivamente pelas regras sintáticas que governam seu emprego na
linguagem
131
.”.
Se partirmos da noção de que a nomeação por ser uma relação
interna
132
já garante que todo nome já é nome de um algo por sua própria
natureza de nome, então não será necessário se pensar em termos de
“estabelecimento”, “escolha” ou “decisão”. Então o problema de Cuter
sequer precisaria ser posto. Evitando-se esta noção paradoxal de
“estabelecimento de uma relação interna” uma série de outros paradoxos
apresentados em sua interpretação também seriam automaticamente
“dissolvidos”, tais quais como: “A intencionalidade cria necessidade
133
”,
“Ao tornar-se nome, o objeto deve ganhar uma propriedade interna
134
”, ou
entre nomes e objetos. Seriam elas produzidas por nossas convenções? Creio não haver
nenhum problema em responder que sim, desde que essas convenções permitam
reconhecer a natureza intrínseca dos objetos nomeados. Assim, mesmo que a instituição
das “antenas” seja produto da atividade humana, preserva-se o preceito de que o mundo
tem a estrutura que tem, independentemente de nossas instituições ou convenções. Se a
relação interna entre nome e objeto é fruto de uma instituição humana, a estrutura do
mundo não é”. Seria, portanto, acidental e não essencial, como defendido ao longo desta
dissertação e nos trabalhos de Dos Santos, a harmonia entre mundo e linguagem.
130
WITTGENSTEIN. Notebooks 14-16. Anotação do dia 22.6.15. Grifo meu.
131
MARQUES, José Oscar. Forma e Representação no Tractatus de Wittgenstein. p.
201. Grifo meu.
132
Cf. 4.014. No alemão, die abbildende interne Beziehung.
133
CUTER. Subjetividade Empírica e Transcendental no Tractatus de Wittgenstein p. 85.
Faz sentido perguntar se a necessidade pode ser criada, pelo menos no contexto do
Tractatus?
134
Id. Ib. p. 81. Um objeto pode ganhar uma propriedade interna? O conceito de objeto
tractatiano já não carrega em si o conceito de uma coleção de propriedades internas, e que
estas sejam todas as suas propriedades, sem surpresas?
70
mesmo “A essência do objeto se altera, sem que suas determinações
contingentes sofram com isso qualquer alteração
135
”.
De mais a mais, é difícil se falar de transcendental, no contexto do
Tractatus, sem cair em armadilhas do psicologismo, como o próprio Cuter
parece cair ao longo de seu bom artigo. Como no trecho em que afirma
que: “ao falarmos, ao produzirmos sentido, nós visamos os objetos
simples por intermédio das relações afigurantes. Projetando os nomes no
mundo, nós devemos direcionar nossa vontade transcendental no sentido
dos objetos
136
.” Aqui como em outras passagens, Cuter parece pensar
sujeito transcendental sob a imagem de um sujeito empírico.
Em seus artigos, João Vergílio Cuter parece tomar uma nomeação
como escolha, decisão ou ação de um sujeito transcendental como
estratégia exegética de um projeto maior: dar serventia ao sujeito que
aparece nas passagens do bloco 5.6 do Tractatus
137
. E, então, deste modo,
equacionar os fundamentos lingüísticos e ontológicos do Tractatus com
seus aspectos éticos e místicos, propondo, assim, uma interpretação
135
Id. Ib. p.81. Uma essência pode se alterar? Intuitivamente, a essência de uma coisa não
é justamente o que não se altera?
136
Id. Ib. p. 84. Grifo meu.
137
Talvez a serventia do sujeito transcendental não esteja na premência de uma escolha
no âmbito elementar da figuração como pretende Cuter, basta pensarmos aqui que os
objetos tractatianos sejam todos diferentes quanto ao seu tipo lógico. A minha hipótese,
não explorada, para um papel positivo do conturbado sujeito tractatiano, está ainda na
teoria da figuração, em seu ponto elementar, mas não numa exigência de escolha. Está,
pois, na necessidade do remetimento de fatos em fatos para que um seja, enfim, modelo
do outro. O mundo se resolve em fatos, originariamente não parto de linguagem e
ontologia, parto de fatos do mundo. É necessário então em algum nível, suponho no nível
elementar, uma intencionalidade que divida o mundo em fatos lingüístico (simbólicos) e
fatos propriamente ditos, remetendo os primeiros ao segundo. Podemos pensar, como faz
José Marques em sua tese de doutoramento, que haja apenas uma coordenação
estritamente formal entre a esfera do lingüístico e da ontologia sobre o esteio do
isomorfismo, caso já parta de um mundo já cindido em linguagem e ontologia. É, pois,
uma necessidade teórica interessante isolar a figuração do mundo para estudá-la em
particular, mas é uma demanda artificial. Com efeito, a pergunta permanecerá: Como o
mundo se divide ou se redobra sobre si para representar-se, se são só fatos que o
compõem, em última instância? Conjectura: Sujeito metafísico. Posso partir de relações
afiguradoras já dadas. Então já teria linguagem e mundo, não precisaria de sujeito
metafísico. Preciso de sujeito transcendental quando só tenho mundo ou fatos.
Funcionará, então, como uma espécie de justificativa para as relações afiguradoras.
71
totalizante da obra de Wittgenstein. Mas como bem observa João Oscar
Marques na introdução de sua tese de doutoramento:
“O desafio de encontrar a chave correta de interpretação pode certamente
atuar como uma motivação para os que se aproximam do Tractatus e
elegem-no como tema de sua investigação. Infelizmente, o quanto esse
projeto tem de fascinante e estimulador, também tem de ilusório e
frustrante. Não é de surpreender que uma interpretação coerente e
integral do Tractatus jamais tenha sido produzida, a chave não está
apenas perdida: é mesmo duvidoso que tenha alguma vez existido
138
.”
138
MARQUES, José Oscar. Forma e representação no Tractatus. p. 4.
72
3
ESTATUTO DA LÓGICA
No começo da segunda década do século XX, Wittgenstein
trabalhou com Russell numa tentativa de desenvolvimento dos Principia
Mathematica sobre fundamentos lógicos mais rigorosos. O Principia é um
marco do programa logicista que pretendia reduzir a matemática à lógica.
No desenvolvimento das idéias de Wittgenstein, apresentado nos seus
Notebooks, podemos notar seu claro descontentamento com a exposição
lógica de Russell nos Principia e com a visão de Frege a respeito do
estatuto da lógica simbólica nascente. O Tractatus corresponderia então a
uma reação radical às concepções fregeanas e russellianas da lógica,
cristalizando a crítica que vinha desenvolvendo aos seus predecessores.
Wittgenstein no Tractatus tenta pensar o estatuto da lógica a partir
do seu papel diferenciado entre as ciências, sobretudo as naturais, e assim
contrastar as proposições da lógica com as proposições que são
marcadamente factuais ou empíricas. Pensava Wittgenstein que as
proposições lógicas eram bem formadas, diferentemente das proposições
da filosofia. No entanto, o autor do Tractatus não as concebia se referindo
a um grupo especial de objetos, como pensava Frege, ou representando
generalidades apenas, como pensava Russell. Proposições empíricas
podem ser verdadeiras, as proposições lógicas não podem deixar de ser
verdadeiras. Aquelas adquirem verdade quando comparadas ao mundo,
estas são verdadeiras independentes de qualquer coisa no mundo, ou
mesmo independente de “qualquer mundo possível”, expressão
consagrada por Leibniz.
A filosofia da lógica de Wittgenstein tem uma natureza metafísica
advinda de sua teoria do simbolismo. Sua concepção de lógica é parte
integral de uma teoria geral sobre a sintaxe lógica de sistemas lingüísticos.
A melhor maneira de se entender a lógica tractatiana é contrastá-la à
73
concepção lógica de Frege e Russell e da escola do convencionalismo
vienense.
Frege e Russell constroem sua filosofia da lógica sobre a assunção
de ser uma ciência descritiva axiomatizada sobre a intuição de um reino de
objetos lógicos abstratos independentes da mente humana. Não há
distinção de natureza entre as proposições da lógica e proposições de
outras ciências empíricas, estas diferem somente pelo grau de generalidade
e aplicação. A essência da explicação científica está em fazer um grande
contingente de objetos dados serem tomados como uma totalidade
inteligível ao mostrar como são gerados e inter-relacionados por algumas
leis básicas. A lógica tem, segundo esta visão, a aparência de uma ciência
que investiga funções especiais como a negação, a implicação material e a
generalização. Enquanto ciências empíricas têm seu campo restrito quanto
à aplicação de suas descrições, generalidade de teorias e a natureza dos
objetos e fatos estudados, a lógica tem generalidades e aplicações
irrestritas, o que dá a medida de sua neutralidade temática. Segundo Frege
e Russell, as leis da lógica, uma vez fixadas, se aplicam sobre qualquer
campo.
“Frege e Russell só lograram obter uma unificação do tratamento e
exposição das proposições da lógica mediante a apresentação axiomática
de seus sistemas, ou seja, pela delimitação de um conjunto reduzido de
verdades lógicas iniciais e de regra de inferência que permitem a
derivação de todas as demais verdades lógicas. Dessa maneira, a
determinação de que uma proposição enuncia uma verdade lógica
procede pela exibição de sua prova, ou seja, deduzindo-a dos axiomas do
sistema segundo regras lógicas de inferência. Embora se trate de um
método puramente formal para o estabelecimento da verdade uma
proposição, que não envolve qualquer consideração acerca da realidade
empírica, isso ainda está longe do requisito wittgensteiniano de que a
verdade de uma proposição da lógica deve expressar-se de maneira
imediatamente visível na simples estrutura da proposição
139
.”
139
Id. Ib. p. 29.
74
Por contraste, o ponto negativo da interpretação dos
convencionalistas vienenses da lógica tractatiana é fechar os olhos às
raízes metafísicas do projeto tractatiano, evidenciado pela premência
teórica da existência de um espaço lógico compartilhado pelo mundo e
pela linguagem em sua teoria do simbolismo. Assim, o Tractatus pode ser
tomado erradamente como tendo feito uma contribuição decisiva, mas
limitada à lógica. Como observa Baker,
“Wittgenstein’s purpose, on the conventionalist interpretation, was to
free the philosophy of logic from Frege’s (and Russell’s) Platonism, or to
replace a theory grounding the propositions of logic as a consequence of
arbitrary stipulations of meaning. In doing this the positivists turned their
backs on the metaphysical components of the Tractatus’ theory of
symbolism (on its alleged mysticism)
140
”.
Ou seja, tomar a interpretação convencionalista como base para a
compreensão do Tractatus é tomá-lo despido de sua raiz metafísica.
Assim, torna sua concepção de lógica vulnerável a um veto formal pelo
teorema de Church, ou seja, deixa-a exposta a refutação pela prova da
indecibilidade da lógica poliádica. A concepção wittgensteinina de que
proposições lógicas deveriam ser reconhecidas pelo símbolo somente
encontraria respaldo na lógica proposicional por ser toda decidível
141
.
Temos pelo menos um algoritmo, a saber, as tabelas de verdade, para dar
conta das possibilidades de verdade no cálculo proposicional, mas que é
inócuo para o cálculo de predicados poliádicos
142
.
A filosofia da lógica tractatiana se ergue sobre teses de sua teoria
geral do simbolismo: Proposições são fatos que podem ser analisadas
completa e univocamente em termos de proposições atômicas bipolares e
140
BAKER. Wittgenstein, Frege e o Círculo de Viena. p.71-2
141
6.113.
142
“While logicians credit Wittgenstein a major technical innovation in using truth-tables
to exhibit some logical proposition as tautologies, they typically claim that the
demonstrable impossibility of a decision procedure for logical truth in the predicate
calculus vitiates Wittgenstein’s basic claim that whether a proposition is a proposition of
logic can be calculated from the symbol alone.” Id. Ib. p. 3.
75
mutuamente independentes. As constantes lógicas não denotam, portanto,
não interferem na multiplicidade lógica da proposição
143
, seus conectivos
são pensados em termos de operadores lógicos cujo uso pode ser reiterado
sobre uma mesma base de proposições e não como nomes funcionais,
como via Frege. Os quantificadores lógicos são pensados em termos de
operações sobre uma base de proposições atômicas e não como predicados
de segunda ordem. O quantificador universal é tomado como um produto
lógico e o existencial como uma soma lógica de proposições atômicas de
mesma forma lógica.
Assim, a filosofia tractatiana da lógica demanda que uma notação
perspícua faça da exigência de uma teoria dos tipos lógicos, a qual proíbe
determinadas concatenações de símbolos, supérflua e incoerente.
Incoerente porque viola as leis que prega e supérflua porque nenhum
símbolo significativo, segundo Wittgenstein, pode ser usado ilogicamente.
Uma linguagem ilógica é impossível, porque toda proposição é bem
formada. Toda a linguagem está em ordem. Logo, sua teoria do
simbolismo abole a necessidade de uma teoria dos tipos que previna o mau
uso da notação lógica. Como afirma Wittgenstein em 5.5563,
“de fato, todas as proposições de nossa linguagem corrente estão
logicamente, assim como estão, em perfeita ordem. O que há de mais
simples, que nos cumpre aqui especificar, não é uma símile da verdade,
mas a própria verdade plena. (Nossos problemas não são abstratos, mas
talvez os mais concretos)”.
Para atender estas exigências filosóficas com base em sua teoria do
simbolismo, Wittgenstein toma as proposições da lógica como casos
extremos da significatividade proposicional. As proposições da lógica
devem se diferenciar das proposições das ciências de maneira essencial
respeitando suas características de aprioricidade e de neutralidade
143
4.0312.
76
tópica
144
. A lógica é constituída por tautologias
145
. São casos degenerados
de figuratividade porque mostram certas concatenações de proposições
significativas que se cancelam mutuamente, fazendo com que o sentido de
suas proposições-base se anulem. Tautologias são proposições
moleculares bem formadas, mas que nada figuram, porque são
incondicionalmente verdadeiras. Nenhum fato do mundo pode refutar ou
confirmar uma tautologia, isso dá a medida de sua neutralidade tópica.
Como afirma Quintsrl em sua dissertação:
“O que é importante compreender aqui, portanto, é que as proposições da
lógica não são figurações da realidade, exatamente, porque ligam certos
sinais através de alguma operação que anula o papel representativo que
poderia possuir cada um dos sinais isoladamente
146
”.
No limite da significatividade, no caso das tautologias, a operação
lógica desarticula as relações significativas das proposições envolvidas
fazendo com que seu sentido se dissolva. As tautologias correspondem a
casos limites do funcionamento significativo das proposições legítimas,
casos em que as relações figurativas com a realidade são dissolvidas por
uma determinada articulação das proposições legítimas com os operadores
lógicos
147
. Por exemplo, ao se articular p significativo com não-p também
significativo através de um ou, o valor significativo ou as relações
representativas de p com a realidade são canceladas ou dissolvidas.
“Tautologies say nothing; they are not pictures of situations: they are
themselves logically completely neutral. (The logical product of a
tautology and a proposition says neither more nor less than the latter by
itself.)
148
”.
144
6.112.
145
6.1.
146
QUINTSLR. O Conceito de Lógica nas “Notes on Logic” e no “Tractatus Logico-
philosophicus” de Wittgenstein. p. 38.
147
4.466.
148
Anotação do dia 3.10.14 dos Notebooks. Cf. 4.462 e 4.465 no Tractatus.
77
Como não apresentam nenhum conteúdo significativo se diferem
essencialmente das proposições empíricas das ciências. As proposições da
lógica têm estatuto único dentre todas as proposições e seu caráter
analítico é garantido por sua verdade ser reconhecida no símbolo somente,
sem a necessidade de a remetermos ao mundo para sabê-las verdadeiras.
Reconhecemos que uma proposição é uma proposição da lógica
traduzindo-a para a notação da tabela de verdade, que faz perspícua a
natureza bipolar das proposições e corrobora a necessidade de uma análise
de proposições moleculares em termos de proposições atômicas. Podemos,
portanto, por princípio, calcular se uma proposição é contingente ou
empírica, ou necessariamente verdadeira ou falsa e chegarmos a conclusão
de que faz parte a classe das tautologias, pela adoção de um método
mecânico de decisão.
A notação de tabelas de verdade nos mostra que os operadores
lógicos podem sumir em uma notação perspícua. A finalidade última da
sua teoria dos conectivos vero-funcionais é demonstrar que eles são, no
sentido exato da palavra, dispensáveis e que não há nada no mundo que
lhes corresponda. “Minha idéia básica é que as “constantes lógicas” não
substituem; que a lógica dos fatos não se deixa substituir
149
”. Anscombe
150
toma como exemplo desta tese a reversibilidade das disjunções e
conjunções por conta da completude vero-funcional da lógica clássica,
onde a proposição p ^ ~q pode ser reescrita por ~(~p v q), o que mostra
que a proposição ora pode ser tratada como uma conjunção ora como uma
disjunção, sem que nada seja alterado na sua relação projetiva com o
mundo. Podemos simbolizar o mesmo fato com proposições a partir de
uma “rearrumação” destas com operadores lógicos distintos. A ocorrência
de um operador lógico não caracteriza o sentido da proposição. p e ~p
149
4.0312.
150
ANSCOMBE. An introduction to Wittgenstein’s Tractatus. p. 118.
78
apontam para o mesmo estado de coisas
151
. “A operação pode desaparecer
(por exemplo, a negação em ~~p; ~~p=p)
152
”. Isso se dá porque os
operadores lógicos, diferente dos nomes de objetos, não substituem nada,
ou seja, denotam nada. A análise das proposições da lógica nos mostra que
são compostas por proposições elementares articuladas de uma maneira
peculiar.
Analisamos uma proposição em termos das constituintes que
esgotam seu sentido atribuindo-as uniformemente valores de verdades. Se
todas as combinações de seus constituintes mostrarem que são sempre
verdadeiras, a proposição decomposta é tautológica, caso mostrem que são
sempre falsas é contraditória e se tiverem dois valores distintos são
contingentes.
“Wittgenstein’s innovation was to use truth-tables as symbols for
molecular propositions, as an alternative notation for logical operations.
In his view, the important point about the T and F notation is that it can
be substituted for Russell’s truth function notation. Truth tables are
propositional signs which make perspicuous the essential bipolarity of
proposition and which manifest the essential difference between logical
operations and functions
153
”.
A idéia central da notação por tabelas de verdade também motivou
o seu tratamento de quantificadores analisados em termos de produtos
(conjunções) ou somas (disjunções) lógicas de proposições atômicas de
mesma forma lógica. A razão deste raciocínio é geral e esquemática.
Baseia-se na idéia de que existe uma totalidade bem definida de
proposições elementares de todas as formas e que a totalidade destas
proposições independentes também é a totalidade das suas condições de
verdade.
151
“It is one and the same fact, which if it makes ‘p’ true also makes ‘~p’ false. This
means that propositions, pace Frege, are radically unlike names.” HACKER. Insight and
Illusion. p. 57
152
5.254.
153
BAKER.Opus cit. p.87.
79
“The thesis of the Tractatus that the propositions of logic are tautologies
must be understood against the background of Wittgenstein’s truth-
tabular notation and his conception of how to extend it to represent
quantifiers. Many of his more detailed observations about logic make
sense only within this framework
154
.”
A bipolaridade das proposições significativas assegura que não se
pode entender uma proposição sem se entender sua negação e a tese da
independência lógica das proposições elementares afirma que qualquer
asserção seqüencial de um par de proposições é uma asserção da
conjunção destas proposições. Podemos pensar a relação dos nomes das
proposições elementares com os objetos denotados como um mapeamento
de objetos em estados de coisas possíveis. Logo o valor de uma função
material deve pertencer a uma categoria metafísica diferente de cada um
dos seus argumentos. “The difference between facts and objects must be
mirrored in a logical difference between mappings of objects on to objects
and mapping of objects on to facts
155
”. É a distinção lingüística entre
proposições e nomes correlata a distinção ontológica entre fatos e coisas
que sustenta a crítica wittgensteiniana a Frege e a Russell, justificando,
assim, a distinção entre operações e funções materiais que se encontra no
esteio da lógica tractatiana. Proposições para a teoria do simbolismo de
Wittgenstein têm de ser fatos e não argumentos de funções materiais.
Estes devem ser objetos, não fatos ou proposições
156
.
Vemos também o quanto é desencaminhador tratarmos de leis
gerais do pensamento quando pensamos na lógica tractatiana. p v ~p seria
154
Id. Ib. p. 93.
155
Id. Ib. p. 108
156
Outra crítica relevante operada por Wittgenstein à filosofia da lógica de Frege e à sua
notação proposta em Begriffsschrift é que este não tornou clara a relação interna existente
entre verdade e falsidade quando as fazem objetos lógicos e valores de funções
proposicionais. Para Wittgenstein parece apenas um acidente o fato de o Verdadeiro e o
Falso serem coordenados e que possam exaurir o campo possível de referências de
pensamentos. No Tractatus, Wittgenstein garante a conexão essencial entre verdade e
falsidade pela articulação necessária entre entender uma proposição e entender sua
negação, ao identificar no coração de sua teoria do simbolismo a bipolaridade essencial
das proposições.
80
tão lei do terceiro excluído como “chove ou não chove”, porque as duas
são representadas da mesma forma na notação de tabela de verdade. Assim
como p e ~~p revelam-se, nesta notação, como uma mesma proposição.
Além disso, Frege e Russell tomaram outras generalizações além das
tautologias como proposições da lógica, as quais não são decidíveis pela
notação das tabelas de verdade, quais sejam, a Teoria dos Conjuntos
utilizada na semântica fregueana do cálculo de primeira ordem e os
axiomas da reducibilidade e do infinito nos Principia.
A possibilidade de axiomatização das proposições da lógica é
afastada pelo Tractatus, porque todas as proposições da lógica dizem o
mesmo, ou seja, nada.
“Se todas as proposições lógicas são tautologias e dizem rigorosamente o
mesmo, não há como estabelecer uma hierarquia entre elas. Nenhuma
proposição lógica, no sistema do Tractatus, é mais fundamental ou mais
‘auto-evidente’ que qualquer outra proposição lógica, e como em todas
elas seu valor de verdade está desde o início manifesto, torna-se ociosa a
construção de um sistema dedutivo para obter verdades lógicas a partir
de um conjunto inicial de axiomas por meio de regras dadas de
inferência
157
”.
Não temos então como fundamentar algumas como bases e outras
como derivadas. Entender uma proposição da lógica é entender sua
demonstração. Segundo Wittgenstein, a demonstração na lógica é apenas
um expediente mecânico para facilitar o reconhecimento da tautologia,
quando esta é complicada demais
158
. O número de leis básicas da lógica é
arbitrário, assim como sua evidencia intuitiva atestada por Frege
159
. De
mais a mais, fazer da lógica uma ciência de objetos lógicos é fazê-la
dependente da existência deste reino de objetos lógicos.
“The corollary of this revised conception of the role of proofs in logic is
a criticism of the philosophical significance attached to the
157
Marques, José. Forma e Representação no Tractatus de Wittgenstein. p. 35.
158
6.1262.
159
6.1271.
81
axiomatization of logic by Frege. It was held that axioms are primitive
propositions whose unconditional truth must be ascertained by
apprehending the primitive logical concepts out of which they are built
up. They were self-evident truths certified by our ‘logical faculty’. The
truth of all other propositions of logic is guaranteed by their following as
theorems from the axioms and possession of a derivation from the
axioms is the sole warrant for claiming knowledge of the truths of logic.
The Tractatus attacked this whole conception. The truth of a proposition
of logic can be ascertained by calculating the logical properties of this
symbol alone. That isolates the delineation of the propositions of logic
from the deliverances of intuition
160
.”
Ao contrário do que Frege assumia, a forma lógica, para
Wittgenstein, de complexos é garantida, em última análise, pelos nomes
simples que designam os objetos preservando seu horizonte modal de
combinações. “Na medida em que a lógica tractatiana é o estudo das
formas lógicas, ela é basicamente um estudo das formas dos objetos
simples e não das formas das proposições complexas, como concebia
Frege
161
.” Portanto, a lógica do Tractatus é a lógica dos simples, ela é
determinada pela totalidade dos simples. O que é preciso para construção
de proposições complexas não são os operadores lógicos, mas a forma
lógica dos objetos simples. Wittgenstein considera o funcionamento da
linguagem como um processo de redução das formas lógicas das
proposições moleculares às elementares; como uma extensão da teoria do
simbolismo às proposições complexas e como uma eliminação das
constantes lógicas.
Em princípio, toda proposição significativa pode ser construída
vero-funcionalmente a partir das proposições elementares se lançando mão
de único operador lógico, N. Todos os operadores lógicos tradicionais
podem ser substituídos pela negação simultânea das proposições
elementares. Segundo a passagem 6 do Tractatus, uma função de verdade
arbitrária das proposições elementares pode ser representada como o
160
BAKER. Opus cit. p. 105.
161
HINTIKKA. Opus cit. p.140.
82
produto da aplicação sucessiva desta função de verdade que constitui a
negação simultânea de classes de proposições. Dado que este operador de
negação conjunta não denota nada na realidade, toda a lógica necessária
para o Tractatus já tem de estar dada ou pode ser construída, por assim
dizer, pela simplicidade dos nomes e nas suas formas de concatenação que
respeitam as formas de articulação dos objetos por eles nomeados. Como
afirma Hintikka,
“uma proposição elementar não consiste de uma quantidade de nomes
particulares amarrados por uma ligação lógica ou cópula, consiste de
vários nomes de objetos pertencentes a tipos lógicos diferentes, mas
equivalentes. Uma vez que seus tipos são mutuamente complementares,
eles podem ‘se ligar como os elos de uma corrente’
162
”.
3.1
A All-embracing Representation of the World Through
Language
163
“Uma idéia justa não pode ser estéril.”
Leon Tolstoi, em Ana Karenina
Se a linguagem pode figurar a realidade, então a realidade tem a
propriedade de ser pensada, portanto, deve haver alguma simetria entre
mundo e linguagem. Dada a essência da linguagem tenho a essência do
que pode ser descrito, tenho a essência do mundo. A acessibilidade do
mundo ao pensamento é uma propriedade interna do mundo. Assim como
a capacidade do pensamento em acessá-lo é uma propriedade interna do
pensamento. A questão da harmonia entre o pensamento e realidade é o
162
Id. Ib. p.130.
163
“The trivial fact that a completely analyzed proposition contains just as many names
as there are things contained in its reference; this fact is an example of the all-embracing
representation of the world through language.” WITTGENSTEIN. Anotação do dia
12.10.14 dos Notebooks.
83
resultado do aprofundamento filosófico do que parecem ser truísmos. Dos
Santos coloca assim a questão da harmonia essencial entre o mundo e a
linguagem:
“O que garante a harmonia formal entre o pensamento e o mundo? O que
garante que o pensamento seja, em princípio, capaz de nos proporcionar
um discurso verdadeiro sobre o mundo, um discurso que nos revele o que
as coisas são, em si e por si mesmas? O que nos autoriza excluir a
hipótese da inadequação entre a estrutura essencial do pensamento e do
discurso, que cabe à lógica investigar, e a estrutura essencial da
realidade, num grau suficiente para inviabilizar a revelação de qualquer
elemento da realidade por meio de um discurso racional?
164
A pertinência da questão é evidenciada pela recorrência que é
posta pela tradição filosófica. Dos Santos em seu excelente artigo A
harmonia essencial apresenta ricamente, entre outras coisas, um histórico
do problema da identidade formal entre mundo e linguagem ou
pensamento, alicerce de muitos sistemas seminais em filosofia. Seu artigo
apresenta o problema, sobretudo em Parmênides, Platão, Aristóteles, e
enfim em Wittgenstein. Respeitando-se as vicissitudes conceituais dos
sistemas destes filósofos, uma suposição lhes parece ser comum e nortear
suas investigações: uma reflexão lógica sobre a forma do pensamento
pode fundar conclusões ontológicas acerca da forma essencial do ser, ou
seja, as condições de inteligibilidade do ser são imediatamente condições
ontológicas do ser. Corroborando indiretamente a interpretação defendida
nesta dissertação da atribuição da noção de mapeamento ao Tractatus. É
legítimo afirmar que resultados de um domínio valem em outro, caso este
seja mapeado por aquele. “Conheço” a forma do mundo porque “conheço”
a forma da estrutura que o mapeia: a linguagem. O mundo é “cognoscível”
então, porque o pensamento ou a linguagem pode exauri-lo.
Dos Santos afirma que
164
DOS SANTOS. Harmonia Essencial. p. 438.
84
“ao instalar-se no elemento do discurso racional, comprometo-me
inevitavelmente com a tese da inteligibilidade essencial do ser. Portanto,
ao filósofo não está aberta a possibilidade de recusá-la. A recusa da tese
é, sem dúvida, uma alternativa prática, mas não uma alternativa
filosófica. Posso recusar a tese, mas, ao fazê-lo, abro mão do discurso
racional, abro mão do exercício da razão, abro mão da filosofia
165
”.
É interessante pensarmos que esta articulação especial entre mundo
e pensamento dita a possibilidade da própria filosofia. Fundamentalmente,
a filosofia só se torna possível se pudermos pensar as coisas do mundo.
Este não pode ser estritamente opaco ao pensamento, “um mundo
inacessível ao pensamento seria impossível”, tanto quanto o pensamento
sem o mundo. Se exige, então, que estas duas instâncias devam estar
necessariamente imbricadas.
Com efeito, o Tractatus é uma obra representativa desta tradição
por supor a identidade formal, uma simetria essencial entre a realidade ou
ser e a linguagem ou pensamento. Esta harmonia essencial se erige como
pressuposto principal do sistema tractatiano. Sem ela, não haveria a
possibilidade da representação proposicional.
Como já visto, a teoria pictórica, em última análise, só funciona
caso supusermos que o nome e o objeto nomeado tenham necessariamente
a mesma forma lógica, que obedeçam à mesma legalidade sintática. O que,
por seu turno, é garantido pela suposição da existência do espaço lógico,
limite do pensar e da linguagem e também limite ontológico dos fatos do
mundo. Portanto, esteio comum à linguagem e à realidade, ao pensar e ao
ser.
Ora, se apenas posso conceber o mundo como uma circunscrição
do espaço lógico, não posso conceber, nem sequer como hipótese, que
houvesse fatos no mundo que fossem inacessíveis à representação
proposicional, que fossem realizações de possibilidades exteriores ao
espaço lógico. Segundo Dos Santos, “só podemos conceber um mundo
165
Ib. Id. p. 446.
85
cuja forma essencial seja não apenas permeável, mas estritamente idêntica
à forma essencial do pensamento, pois ou nós o concebemos assim ou
simplesmente não concebemos nada
166
”.
Portanto, podemos afirmar que a isomorfia na relação afiguradora
no contexto proposicional, ou a harmonia essencial entre o mundo e a
linguagem, é o pressuposto que garante a “funcionabilidade” da teoria
pictórica, e, portanto, é a responsável indireta pelo diagnóstico negativo
dada à filosofia no Tractatus. Disto derivamos um problema substancioso:
Wittgenstein acabaria com o edifício metafísico, em última análise, com
um expediente que se remeteria tacitamente à metafísica.
Ora, esta interpretação não nos revelaria certo paradoxo estrutural
no Tractatus? Wittgenstein solapa a metafísica fazendo uso de um forte
pressuposto metafísico. De toda forma, ao fim de sua obra, o autor admite
mesmo a própria natureza contra-sensual do seu sistema, composto de
proposições de “má gramática”. O que, por princípio, não poderia ser dito
compõe as proposições tractatianas. Grosso modo, Wittgenstein nos diz,
no Tractatus, a essência última do mundo e da linguagem. Estes devem ter
estas essências como condição para que nossas representações sejam
significativas.
Este paradoxo daria razão à descrença total de sua obra caso não
assumamos uma distinção apresentada por Wittgenstein em 4.022 do
Tractatus, entre dizer e mostrar, marco da teoria pictórica que, em
princípio, justifica suficientemente a adoção de dois conceitos distintos de
metafísica. “A proposição mostra o seu sentido. A proposição mostra
como estão as coisas se for verdadeira. E diz que estão assim”. Em se
aproveitando desta distinção, haveria, pois, uma metafísica que se
pretende dita, um corpo doutrinário de teses, uma metafísica ruim, por
assim dizer, condenável por Wittgenstein porque composta por
proposições necessárias e com sentido, ao passo que há uma outra, uma
166
Id. Ib. p.449.
86
metafísica de natureza tácita, silente, mostrada, revelada pelo
funcionamento da nossa linguagem, pela aplicação da lógica, i.e., pela
análise de proposições empíricas. O Tractatus, então, apontaria e se
sustentaria para esta metafísica mais saudável ao se sustentar tacitametne
em seus princípios.
Assim, a adoção desses dois conceitos de metafísica parece
resolver o paradoxo estrutural: Wittgenstein solapa a metafísica “ruim”
fazendo uso de um pressuposto metafísico revelado pela investigação do
funcionamento da nossa linguagem corrente. Portanto, “não se trata de
condenar a filosofia tradicional por querer dizer o que quer dizer, mas por
querer dizer o que não pode ser dito e, no entanto, deve ser conhecido
167
”.
O Tractatus é uma tentativa de nos fazer “conhecer” o que proposições
sem sentido apenas mostram.
3.2
A Lógica como metafísica reabilitada
Segundo Wittgenstein, as proposições filosóficas combinam sinais
que não chegam a se constituírem como combinação simbólica. Ou seja,
no corpo das teses de filosofia, quando completamente analisadas,
veremos que um sinal não exerce função, não está por uma coisa, ou que
seu sentido supõe a sua verdade, portanto estas são exemplos de pseudo-
proposições, contra-sensos, absurdos _ Unsinn. Ao passo que a lógica
concebida no Tractatus é composta por tautologias, que por seu turno, são
proposições bem construídas a partir de proposições significativas, mas
que não têm sentido, porque não delimitam nenhuma região específica no
espaço lógico. Na verdade, “delimitam” todo o espaço lógico. Nenhuma
atualização de fato pode falsificar uma tautologia. Elas não têm condições
de verdade, porque são incondicionalmente verdadeiras.
167
Id. Essência da Proposição e Essência do Mundo. p.102
87
Segundo Wittgenstein,
“que as proposições da lógica sejam tautologias, isso mostra as
propriedades formais – lógicas – da linguagem, do mundo. Que suas
partes constituintes, assim enlaçadas, resultem numa tautologia, isso
caracteriza a lógica de suas partes constituintes. Para que proposições,
enlaçadas de determinada maneira, resultem numa tautologia, elas devem
ter determinadas propriedades estruturais. Que assim ligadas resultem
numa tautologia, portanto, mostra que possuem essas propriedades
estruturais
168
.”
Assim, as proposições da lógica mostram as relações internas entre
proposições com sentido. E conjugando-se esta tese ao lema apresentado
em 5.4711, temos que a lógica exibe as relações formais entre proposições
e, portanto, exibe as relações formais entre fatos no mundo. A razão disto,
segundo Wittgenstein, é que “the language in which they are expressed
can say everything that can be said
169
”. Novamente, a peculiaridade da
lógica espelhar a estrutura do mundo, está apoiada na suposição da
isomorfia, mais especificamente em sua formulação mais radical, na
possibilidade de exaustão do mundo pela linguagem. “Como pode a
lógica, que abrange tudo e espelha o mundo, valer-se de sinuosidades e
manipulações tão especiais? Só porque tudo isso se entrelaça numa rede
infinitamente fina, no grande espelho
170
.” Esta tal qual concebida no
Tractatus pode mapear toda a realidade, nomeando todos, sem exceção, os
seus objetos constituintes. Logo, uma linguagem que pode dizer tudo
espelha certas propriedades do mundo, evidenciadas e organizadas
sistematicamente pela lógica.
“As proposições lógicas descrevem a armação do mundo, ou melhor,
representam-na. Não tratam de nada. Pressupõem que nomes tenham
significado e proposições elementares tenham sentido: e essa é sua
ligação com o mundo. É claro que algo sobre o mundo deve ser
168
6.12. Grifo meu.
169
WITTGENSTEIN. Notebooks 14-16.. Notes to GE Moore. p. 109.
170
5.511. Grifo meu. O uso da expressão der grosse Spiegel, ao meu ver, é um dos
marcos da legitimidade do uso da tese da harmonia essencial entre linguagem e mundo na
interpretação tractatiana.
88
denunciado por serem tautologias certas ligações de símbolos – que têm
essencialmente um caráter determinado. É isso que é decisivo. Dissemos
que muito nos símbolos que usamos seria arbitrário, muito não seria. Na
lógica, só o que não é arbitrário exprime: isso quer dizer, porém, que na
lógica nós não exprimimos, com a ajuda dos sinais, o que queremos, mas
o que enuncia na lógica é a própria natureza dos sinais necessários por
natureza: se conhecemos a sintaxe lógica de uma notação qualquer, já
estão dadas então todas as proposições da lógica
171
.”
Como afirma Hacker, “the new logic seemed, by means of its
function-theoretic structure, to have penetrated for the first time to the true
underlying logical forms of proposition
172
”. Wittgenstein observou que as
investigações da lógica revelam verdades metafísicas e que as formas
lógicas das nossas sentenças mostram a estrutura essencial da realidade.
“A capacidade de apreender o sentido das proposições, ou seja, a
habilidade básica de compreensão das sentenças da linguagem, é
assumida por Wittgenstein como o fundamento necessário e suficiente do
qual toda a lógica decorre, e a elucidação do mecanismo pelo qual as
proposições ordinárias da linguagem veiculam sua significação toma o
lugar das regras sintáticas de formação de proposições e das regras
dedutivas de inferência características dos sistemas de Frege e
Russell
173
.”
Podemos afirmar que a lógica assim como o isomorfismo suposto
são duas instâncias do que chamamos de metafísica tácita do Tractatus.
Uma metafísica que mostra a essência do mundo e da linguagem, não mais
a partir de um corpo de teses, mas pela análise completa de sentenças
significativas. A aplicação da lógica mostra que o vínculo entre a
linguagem e a ontologia pode ser exibido. A lógica é distinta da aplicação
da lógica. A lógica antecipa a forma geral da proposição ou como se dá a
171
6.124. Aliás, nota-se aqui um uso inadequado de “descrever” na caracterização da
atividade lógica. A lógica, por ser composta de tautologias que nada dizem, não deveria
poder descrever (bescreiben) algo, sendo conseqüente com a 4.022, deveria apenas poder
mostrá-lo (zeigen).
172
HACKER. Insight and Illusion. p.10.
173
MARQUES, José Oscar. Forma e Representação no Tractatus de Wittgenstein. p.35
89
sua geração, mas é somente com a sua aplicação que a essência do mundo
é revelada: a ordem categorial fixa do mundo.
Fundamentalmente, a metafísica tácita tractatiana mostra ao invés
de dizer a essência do mundo
174
. A lógica que permeia e sustenta a análise
de nossos enunciados nos revela silentemente à estrutura do mundo.
Revelação pretendida por toda a tradição filosófica, mas executada de
maneira errada. A lógica é metafísica tácita porque sua aplicação, ou seja,
a análise de proposições empíricas, nos leva a essência revelada, ao
contrário da metafísica tradicional repleta de contra-sensos e confusões
lingüísticas.
Lógica, então, pode ser tomada como a metafísica legítima, na
medida em que revela a estrutura do mundo, como é a tarefa tradicional da
metafísica, fazendo-o de maneira legítima, porque não é um corpo de teses
que se pretendem necessárias e com sentido. A lógica representa, então, a
reabilitação do propósito metafísico, assim como da própria metafísica,
mas de uma maneira que não infringe as regras sintáticas de nossa
linguagem. As tautologias revelam essências respeitando os limites da
linguagem. Como bem observa Edgar Marques:
“A compreensão das proposições lógicas como tautologias implica que
elas não tratam de objetos de nenhum tipo, consistindo seu laço com o
mundo simplesmente em que elas mostram as propriedades que a
linguagem _ e, consequentemente a realidade _ deve possuir para que
tautologias se produzam. Como as proposições lógicas consistem em
diferentes tautologias, o campo total da lógica cobriria o conjunto das
propriedades estruturais da linguagem e da realidade”.
Nesta medida a lógica pode ser tomada como metafísica
reabilitada, temos um disciplina em que a essência da linguagem e da
realidade, não são ditas como pretendia a inviável filosofia tradicional,
174
Faço uso aqui novamente, em diferente contexto, da distinção tractatiana entre sagen e
zeigen que aparece na passagem 4.022 do Tractatus.
90
mas mostradas indiretamente pelo reconhecimento da conformação
peculiar de símbolos proposicionais.
“Após desqualificar o projeto metafísico no plano da razão teórica, o
iluminista Kant recupera-o no plano de uma outra razão, a razão prática.
Após desqualificar a metafísica no plano da razão, o romântico
Wittgenstein recupera-o no plano do sentimento e da revelação. No
entanto, razão e sentimento não se apresentam, no Tractatus, como pólos
de uma alternativa exclusiva. O que se mostra no sentimento místico é a
face ética do que se mostra na lógica da linguagem. Schopenhauer
definira a experiência estética como a contemplação da forma inteligível
da contingência. Wittgenstein adota a definição e estende-a: a
experiência ética do valor é a contemplação da forma inteligível comum
ao pensamento e ao mundo – a intuição do mundo sub specie aeterni;
ética e estética são uma coisa só. Lógica, arte e religião são as figuras
da metafísica regenerada. O Wittgenstein do Tractatus inclui-se, assim,
na antiga linhagem de Plotino, Spinoza e Schopenhauer: a do misticismo
racional
175
.”
175
DOS SANTOS. Essência da Proposição e Essência do Mundo. p. 111. Grifo meu.
91
CONCLUSÃO
A nomeação tractatiana, cerne de sua teoria pictórica, funciona a
maneira de um mapeamento dos objetos do estado de coisas representados
pelos nomes da proposição correlata numa função biunívoca preservadora
de relações, como procurei mostrar neste trabalho. Em seu paroxismo, esta
tese pode ser estendida da exaustão dos objetos dos estados de coisas
representados pelos nomes das proposições elementares para a exaustão
do mundo pela linguagem. Além disso, esta função não precisa ser
estabelecida por um sujeito empírico ou transcendental, podendo ser
definida ao se fazer uso somente de aspectos formais. Isto não significa
que o sujeito transcendental não tenha utilidade dentro do Tractatus, mas
que não precisa desempenhar este papel em específico. O sujeito empírico
sem dúvida é o ponto de convergência da projeção que fazem do sinal um
símbolo. Entretanto, não precisamos pensá-lo como condição suficiente ou
necessária da projeção. Realisticamente, podemos conceber a projeção,
portanto, a nomeação como existindo sempre, independentes de um
sujeito, com os objetos eternos preconizados pelo Tractatus. Ou seja, a
função biunívoca entre os elementos do mundo e da linguagem,
característica do isomorfismo, pode ser tomada, sem prejuízo conceitual,
independentemente do sujeito, seja ele empírico ou transcendental.
A nomeação como uma relação interna e, portanto, necessária
entre os nomes e os objetos não precisa ser estabelecida. Faz tanto sentido
se falar em estabelecimento de nomeação quanto de construção do espaço
lógico. Assim, podemos afirmar que um nome tractatiano é por sua
própria natureza nome de algo, mais especificamente, nome de um objeto,
assim como, um objeto, por sua natureza, é nomeado por um nome em
específico. Esta nomeação, deste modo, é inteiramente determinada pela
sintaxe, como mesmo propôs Wittgenstein. “A name designating an object
there by stands in a relation to it which is wholly determined by the
92
logical kind of the object and which signalizes that logical kind
176
”. Logo,
na esfera semântica da nomeação, é desnecessária alguma espécie de
decisão, sendo inteiramente respaldada pela sintaxe comum entre
linguagem e realidade e pela relação interna entre nome e objeto nomeado.
Chamar esta nomeação de processo me parece inadequado, porque
a relação entre nome e objeto está inscrita na natureza do próprio nome;
assim como a possibilidade de um objeto ser nomeado está inscrita na
natureza do próprio objeto. Nesta interpretação, a nomeação não pode ser
algo que é executado de maneira progressiva até ser completo, é algo que
já deva estar inteiramente dado para que nossas representações tenham
sentido, assim como o espaço lógico não pode ser constituído ao longo do
processo de apreensão do sentido proposicional. Este pressupõe aquele.
Se o mundo pode ser pensado, se deixa ser permeado pelo
pensamento, então uma investigação do pensamento, da linguagem e suas
leis últimas podem, em princípio, revelar algo sobre a estrutura profunda
da realidade, como proposto por Dos Santos em seus trabalhos. Este é o
pressuposto máximo do Tractatus, a harmonia essencial, representado pela
isomorfia entre nomes e objetos, cerne da significatividade de nossas
proposições.
Resolvemos, assim, por princípio, a questão da legitimidade de se
tomar a relação entre o mundo e a linguagem como uma via de mão dupla
no Tractatus. Resultados na esfera lingüística têm sua contrapartida
imediata na esfera ontológica e vice-versa, assegurados por esta
pressuposição de harmonia essencial. Esta via de mão dupla respalda uma
espécie de otimismo lingüístico tractatiano: por princípio, todos os fatos
do mundo podem ser ditos, porque a linguagem pode exaurir a realidade
sem deixar, por assim dizer, pontos cegos, fatos indescritíveis no mundo.
De acordo com a visão de José Oscar Marques sobre o que a teoria
pictórica tractatiana demanda:
176
WITTGENSTEIN. Notebooks 14-16. Anotação do dia 22.6.15. Grifo meu.
93
“Cada uma das proposições que compõem o sistema da linguagem deve
ter a seu cargo a representação de uma situação bem determinada, e,
reciprocamente, a cada uma das situações possíveis, seja qual for o seu
nível de complexidade, deve corresponder, na linguagem, uma
proposição
177
”.
Refraseando a famosa tese do bispo Berkeley, podemos dizer que o
lema subjacente ao Tractatus seria: ser é poder ser dito.
Portanto, Wittgenstein assume uma espécie de princípio irrestrito
de inteligibilidade do ser como base de sua Teoria Geral da Figuração, a
maneira da tradição chamada por Dos Santos de tradição lógica.
“A reflexão sobre as condições mais essenciais (lógicas) a que se supõe
estar submetida toda e qualquer representação enunciativa da realidade,
na medida em que identifique, entre essas condições, algumas
concernentes aos objetos passíveis de tal representação, se revelará capaz
de fundar não apenas teses relativas à linguagem e ao pensamento, mas
também teses relativas à estrutura essencial do que, na própria realidade,
pode ser pensado, uma tal reflexão poderá revelar traços essenciais da
estrutura do mundo
178
”.
Como defendido neste trabalho, este é o sentido encontrado no que
tomamos como a passagem que formula o projeto ou lema do Tractatus,
contida na passagem 5.4711: uma reflexão lógica sobre o alcance
representativo da linguagem revela aspectos essenciais do mundo.
“Uma vez que a linguagem abarca o conjunto das situações que podem
vir a ocorrer no mundo, então seus limites coincidem com os limites do
mundo. Isso significa que somente pode ocorrer no mundo aquilo que for
representável por meio de uma proposição significativa
179
.”
177
MARQUES, José Oscar. Forma e Representação no Tractatus de Wittgenstein. p.116.
178
DOS SANTOS. Essência da Proposição e Essência do Mundo. p. 15.
179
MARQUES, Edgar. Wittgenstein e o Tractatus. p. 45.
94
Segundo Wittgenstein, na passagem 5.5561, “a realidade empírica
é limitada pela totalidade dos objetos. O limite volta a evidenciar-se na
totalidade das proposições elementares. (...).”.
A essência do discurso enunciativo determina o que uma
proposição pode dizer. Embora os fatos estejam para a essência do mundo
como as descrições estejam para a essência da linguagem, fatos e
descrições servem de caminho comum para uma mesma essência
garantida pela identidade formal ou sintática entre mundo e linguagem.
Num exame perspícuo, o que é dito revela o que não pode ser dito. Um
fato revela uma possibilidade dentre um universo absoluto de
possibilidades. Uma proposição significativa, através de sua análise,
revela o horizonte modal necessário do mundo espelhado pela linguagem.
A análise e o conseqüente entendimento do sentido das nossas
proposições garantidos pela lógica, pela essência da nossa linguagem,
pressupõem um arcabouço metafísico bem determinado e absoluto,
“visível”, mas inefável. Um universo do essencial, do necessário, do
absoluto, do incondicionado, da totalidade, um universo que se torna
visível pela análise de proposições triviais de nosso cotidiano.
O sentido ético tractatiano se revela assim: a trivialidade nos
mostra essencialidades. O que nos parece, à primeira vista, banal e de
menor importância é chave para a revelação da esfera absoluta do mundo.
Entender, por exemplo, “o livro está sobre a mesa”, nos revela um espaço
lógico absoluto que se remete a objetos logicamente simples e eternos.
Que, por exemplo, reconhecer como p v ~p como uma tautologia revela
que assim o mundo também está organizado logicamente.
O Tractatus nos recomenda uma disciplina pela qual, embora
conscientes de que há dimensões da experiência humana que ultrapassam
os limites da contigencialidade dos fatos, nos abstemos de tratar
discursivamente essas dimensões, de tentar expressá-las em proposições
da linguagem, ou seja, de fazer filosofia, e a espreitá-las, assim, em
95
silêncio. O sentido ético tractatiano é o de que nos calemos caso o que
formos dizer ultrapasse a esfera da significatividade. Dizer essências ou
fazer filosofia tradicional seria tão antiético como roubar ou mentir.
Mostramos tudo que queremos dizer, mas não podemos sem contra-
sensos, ao analisar uma descrição ordinária cotidiana ou ao reconhecermos
uma proposição como tautológica pelo auxílio das tabelas de verdade.
Assim, mostramos que “the world has a fixed structure
180
”.
O Tractatus de Wittgenstein tem com objetivo retórico, apesar de
seus paradoxos e contra-sensos, induzir o leitor a superação de todas as
teses com a instauração de uma visão correta de mundo. O silêncio
proposto no fim da obra indica o papel da metafísica reabilitada, tácita,
silente em forma da análise das proposições significativas, ao contrário
das canhestras teses da metafísica tradicional erguidas no solo movediço
do que não pode ser dito com sentido. Finalmente, vejo o Tractatus como
um elogio a frugalidade e simplicidade como virtudes maiores possíveis
de uma contemporaneidade deflacionista cansada dos folclóricos sistemas
modernos totalizadores, o que se remete parte ao propósito e outra parte à
beleza dos antigos koans e poemas zen. Aqui se reflete bem, o que
poderíamos chamar de espírito wittgensteiniano. Talvez a marca mais
inequívoca de uma continuidade ao longo de tantas rupturas em sua
filosofia. Embora mude muito, ficam o diagnóstico negativo à filosofia
tradicional e o elogio à atividade que pretende elucidar sempre o mesmo, e
se duvidar antes de fundar novos contra-sensos.
180
WITTGENSTEIN. Notebooks 14-16. Anotação do dia 17.6.15.
96
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