70
diminuem, então só se pode falar de unidades continuamente mutáveis, não, porém, da
unidade.”
177
Estas organizações de quanta de poder estão em perpétuo movimento de
conflito onde a própria força subjugada permanece exercendo pressão e resistência de
maneira que a configuração muda com freqüência.
Se a vontade de potência aparece como “o desejo fundamental”
178
, ou como
conjunto de todos os desejos, na medida em que estes se especializam cada vez mais
179
, é
porque Nietzsche vê os desejos e paixões como formas de expressão da vontade de
potência. Daí a psicologia, ao estudar os desejos e paixões, ser definida “como morfologia e
teoria genética da vontade de potência”.
180
Já foi visto que Nietzsche parte dos desejos
para formular a hipótese interpretativa da vontade de potência, esta, por sua vez, desdobra-
se como caráter intrínseco de todo o texto da realidade. Se o filósofo assim procede é
porque “a vontade de potência é a forma primitiva do afeto, que todos os outros afetos são
apenas seu desenvolvimento”
181
. Isto significa que a dinâmica dos afetos possui a mesma
característica anteriormente descrita para caracterizar a vontade de potência, ou seja,
caracteriza-se pela atuação conflitante de forças em busca de supremacia e fortalecimento.
É a partir do corpo como jogo de impulsos, paixões, instintos, afetos e desejos, enfim,
como pathos que Nietzsche desdobra sua teoria da vontade de potência, pois vê em todo o
texto da realidade a mesma dinâmica de luta por crescimento.
182
“A vida não é um meio
para qualquer coisa: ela é expressão de forma de crescimento da potência.”
183
Jogo e luta de
forças, é assim que Nietzsche interpreta a vida como expressão da vontade de potência. “A
vida estaria por definir como uma forma durável de um processo de equilibração de forças
ou de diferentes combatentes se desenvolvendo cada um por sua vez de forma desigual.”
184
A luta é incessante e perpétua, contudo, mesmo quando uma força é vencida e submetida a
177
Muller-Lauter, “A doutrina da vontade de potência”, pág. 75.
178
Nietzsche, “Fragments Posthumes”, XII 1 [59]
179
Id., “Fragments Posthumes”, XII 1 [30]
180
Id., “Além do bem e do mal”, 23 (tradução modificada)
181
Id., “Fragments Posthumes”, XIV 14 [121]
182
Em uma boa nota, P. Wotling em seu livro “Nietzsche et le problème de la civilization” aponta para o fato
de que tanto Instinkt, Trieb e Affekt são termos usados para se referir à vontade de potência. Em cada caso, o
uso de um termo específico visa acentuar uma determinada característica desta última. ‘Instinto’ como algo
construído socialmente e herdado por gerações, ‘impulso’ como uma espécie de imperativo mais imediato e
‘afeto’ caracterizando a capacidade relacional de afetar e ser afetado no jogo do comando e da obediência, daí
o afeto de comando. Ver Wotling op. Cit. pág. 91, nota 2.
183
Nietzsche, “Fragments Posthumes”, XIII 9 [13]
184
Id., “Fragments Posthumes”, XI 36 [22]