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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO - MESTRADO
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM
DIREITOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS
Rosane Teresinha Carvalho Porto
A JUSTIÇA RESTAURATIVA E AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE ATENDIMENTO A
CRIANÇA E AO ADOLESCENTE NO BRASIL: UMA ANÁLISE A PARTIR DA
EXPERIÊNCIA DA VARA DO JUIZADO REGIONAL DA INFÂNCIA E DA
JUVENTUDE DE PORTO ALEGRE
Santa Cruz do Sul, fevereiro de 2008
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2
Rosane Teresinha Carvalho Porto
A JUSTIÇA RESTAURATIVA E AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE ATENDIMENTO A
CRIANÇA E AO ADOLESCENTE NO BRASIL: UMA ANÁLISE A PARTIR DA
EXPERIÊNCIA DA VARA DO JUIZADO REGIONAL DA INFÂNCIA E DA
JUVENTUDE DE PORTO ALEGRE
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Direito Mestrado, Área de Concentração em Direitos
Sociais e Políticas Públicas, Universidade de Santa Cruz
do Sul UNISC, como requisito parcial para obtenção do
título de Mestre em Direito.
Orientadora: Profª. Pós-Drª. Marli Marlene Moraes da
Costa
Santa Cruz do Sul, fevereiro de 2008
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3
Rosane Teresinha Carvalho Porto
A JUSTIÇA RESTAURATIVA E AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE ATENDIMENTO A
CRIANÇA E AO ADOLESCENTE NO BRASIL: UMA ANÁLISE A PARTIR DA
EXPERIÊNCIA DA VARA DO JUIZADO REGIONAL DA INFÂNCIA E DA
JUVENTUDE DE PORTO ALEGRE
Esta Dissertação foi submetida ao Programa de Pós-
Graduação em Direito Mestrado, Área de Concentração
em Direitos Sociais e Políticas Públicas, Universidade de
Santa Cruz do Sul UNISC, como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em Direito.
Prof.ª Pós - Dr.ª Marli Marlene Moraes da Costa
Professora Orientadora
Prof.ª Pós - Dr.ª Mônia Clarissa Hennig Leal
Prof. Doutor André Viana Custódio
4
Dedico este estudo à minha família, àqueles que
acreditam na solidariedade enquanto justiça e
possibilidade de mobilização social em prol dos direitos
das crianças e dos adolescentes.
5
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus pais, Luiz Carlos Porto e Teresa Porto, e aos meus irmãos,
Edson, Carlos e Carla , pelos laços de amor e de sangue que nos unem.
Agradeço ao meu marido, José Francisco Lima Nunes, pelo apoio e amor
incondicional nessa caminhada acadêmica.
Agradeço, especialmente, à Professora orientadora Pós-Dra. Marli Marlene Moraes
da Costa, pelos ensinamentos de docência e pesquisas, além da incondicional
dedicação e estímulo para a realização deste trabalho acadêmico.
Agradeço as integrantes do Grupo de pesquisa Direito, Cidadania e Políticas
Públicas pelo carinho em compartilhar conhecimentos e experiências na área do
Direito da Criança e do Adolescente.
Agradeço aos colegas e amigos de profissão, em especial a Marle Medianei
Hermes.
Agradeço aos profissionais da Vara do Juizado da Infância e da Juventude de
Porto Alegre, em especial ao Dr. Leoberto Brancher, coordenador do “Projeto Justiça
para o Século 21”, a Drª Beatriz Aguinsky e as assistentes sociais: Lenice, Viviane,
Tânia e Cláudia, pela confiabilidade e possibilidade de desenvolver essa pesquisa.
Agradeço aos colegas e amigos, Janriê Rodrigues Reck e Jeferson Capellari, pelo
apoio, paciência e auxílio para a realização desse trabalho.
Agradeço aos professores do Programa de Pós-Graduação em Direito –Mestrado
da Universidade de Santa Cruz do Sul.
Agradeço a CAPES Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior pelo incentivo desta pesquisa, por meio da concessão da bolsa de
estudos.
6
RESUMO
Esta pesquisa propõe um estudo sociojurídico e transdisciplinar sobre o
recepcionamento da Justiça Restaurativa ao Direito da Criança e do Adolescente
enquanto proposta de políticas blicas socioeducativas a partir da Teoria da Ação
Comunicativa de Jürgen Habermas e de uma reflexão sobre o poder do discurso
com Michel Foucault. Trata-se de uma investigação sobre a Justiça Restaurativa
como forma alternativa de solução de conflitos que possa prevenir e mitigar os
problemas decorrentes da violência estrutural e institucional, das quais o vítimas
os adolescentes autores de ato infracional. Para tanto, parte das premissas e
considerações essenciais sobre a Justiça Restaurativa, abordando sobre os
conceitos e origem histórica. Além disso, apresenta a Comunicação Não-Violenta e
a mediação como seus procedimentos nos processos restaurativos e inter-relaciona
a teoria da ação comunicativa. Ademais, contextualiza sobre o locus das práticas
restaurativas nas políticas públicas de atendimento da criança e do adolescente no
Brasil, tendo como ponto de partida a retomada histórica da institucionalização dos
infantes, além da reflexão sobre os fatores potencializadores do ato infracional. E
por fim, aborda a experiência da Vara do Juizado Regional da Infância e da
Juventude de Porto Alegre com a Justiça Restaurativa sob o viés da reconstrução da
solidariedade a partir do espaço local.
Palavras-chave: Criança e adolescente, violência, políticas públicas, Justiça
Restaurativa
7
RESUMEN
Esa investigación propone un estudio sociojuridico y transdisciplinar acerca de la
recepción de la Justicia Restaurativa al derecho de los niños, mientras una
proposición de políticas socioeducativas desde la Teoria de la Acción Comunicativa
de rgen Habermas y una reflexión acerca del poder del discurso con Michel
Foulcault. Es una investigación acerca de la Justicia Restaurativa como forma
alternativa de solución de conflictos que puedan prevenir y amortiguar los problemas
que transcuren de la violencia estructural y institucional, de las quales son victimas
los niños autores del acto infracional. Para tal, empeza por las premisas y
consideraciones esenciales acerca de la Justicia Restaurativa, tomando sus
conceptos y origen histórico. Además, presenta la Comunicación no-violenta y la
mediación como sus precedimientos en los procesos restaurativos y interrelaciona a
la Teoria de la Ación Comunicativa. Asi que contextualiza acerca del locus das
practicas restaurativas de las politicas publicas del atendimiento de los niños en
Brasil, y también de la reflexión acerca de los fatores potencializadores del acto
infracional. Finalmente, contempla la experiência de la Vara del Juzgado Regional
de la Infancia y e de la Juventud de Porto Alegre con la Justicia Restaurativa bajo el
perspectiva de la reconstrucción de la solidariedad desde el espacio local.
Palabras-clave: niños, violencia, políticas públicas, Justicia Restaurativa.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..................................................................................................
09
1.JUSTIÇA RESTAURATIVA: PREMISSAS E CONSIDERAÇÕES
ESSENCIAIS....................................................................................................
14
1.1 Considerações gerais sobre a Justiça Restaurativa a partir de uma
abordagem conceitual e histórica.....................................................................
16
1.2 A Comunicação Não-Violenta como procedimento da Justiça
Restaurativa.....................................................................................................
39
1.3 A Teoria da Ação Comunicativa em debate.............................................. 47
2. O LOCUS DA JUSTIÇA RESTAURATIVA NAS POLÍTICAS PÚBLICAS
DE ATENDIMENTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NO
BRASIL.............................................................................................................
60
2.1 A retomada histórica do direito da Criança e do Adolescente no
Brasil.................................................................................................................
62
2.2 Adolescente: sujeito em construção........................................................... 69
2.3 Fatores potencializadores do ato infracional.............................................. 76
2.3.1 Violência estrutural.................................................................................. 80
2.3.2 A delinqüência juvenil.............................................................................. 85
2.4 O caráter instrumental do discurso dominante........................................... 88
2.5 A gestão local de rede de atendimento e as políticas públicas
socioeducativas................................................................................................
97
3. A RECONSTRUÇÃO DA SOLIDARIEDADE DOS ATORES SOCIAIS A
PARTIR DO ESPAÇO LOCAL........................................................................
109
3.1 A experiência da Justiça Restaurativa em Porto Alegre............................ 110
3.2 A Central de Práticas Restaurativas como espaço dialógico..................... 113
3.3 O resgate da comunidade como desafio da Justiça Restaurativa..............
132
CONCLUSÃO................................................................................................... 155
REFERÊNCIAS................................................................................................ 163
ANEXOS........................................................................................................... 174
ANEXO A - Projeto-de-lei n. 7006, de 2006..................................................... 175
ANEXO B - Resolução 2002/12....................................................................... 180
ANEXO C -Guia de procedimento restaurativo................................................ 183
9
INTRODUÇÃO
Ao abordar a Justiça Restaurativa na área do Direito da Criança e do
Adolescente, deve-se refletir sobre o adolescente e o papel social dos demais atores
sociais na reconstrução e gestão da rede do Sistema de Garantias e Atendimento
aos infantes. Frise-se que todos os interlocutores envolvidos e ligados pelo conflito
também são atores e responsáveis pela reconstrução da solidariedade social e,
conseqüentemente da diminuição dos danos ocasionados pela violência estrutural.
Por conta disso, esta pesquisa na área do Direito da Criança e do Adolescente
tem como tema a Justiça Restaurativa como política pública de inclusão social para
adolescentes a partir da Teoria Ação Comunicativa: um estudo sobre sua
experiência aplicada pela Vara do Juizado da Infância e da Juventude de Porto
Alegre nos anos de 2005 e 2006.
A Vara do Juizado da Infância e da Juventude de Porto Alegre é
responsável pela execução das medidas socioeducativas privativas da liberdade,
aplicadas aos adolescentes residentes na região metropolitana, e também das
medidas socioeducativas de meio aberto aplicadas a adolescentes que praticam
atos infracionais médios e leves residentes em Porto Alegre. Leoberto Narciso
Brancher é também responsável pela implementação e coordenação do “Projeto
Justiça para o Século 21”, que visa à aplicabilidade do modelo da Justiça
Restaurativa no atendimento dos adolescentes.
Observe-se que a região metropolitana de Porto Alegre, ou grande Porto
Alegre, é constituída de 31 municípios no Estado do Rio Grande do Sul e, segundo
estimativas do IBGE de 2006, compreende 9.889,6 km² e tem 4.101.042 habitantes.
O interesse pelo tema surgiu após várias discussões e leituras que sinalizaram
a participação no grupo de estudos de Práticas Restaurativas da AJURIS
(Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul), a partir de junho de 2005. Ademais,
o interesse pelo objeto de pesquisa também está vinculado ao grupo de estudos
Direito, Cidadania e Políticas Públicas, ligado a linha de pesquisa Políticas Públicas
de Inclusão Social do Mestrado em Direito da UNISC (Universidade de Santa Cruz
10
do Sul) e registrado junto ao CNPQ, coordenado pela s-Drª Marli Marlene Moraes
da Costa, orientadora deste estudo.
A delimitação do tema reflete o compromisso e a co-responsabilidade social
com as crianças e adolescentes que, na maioria das vezes, têm a sua condição de
cidadania exacerbada e denegada. Conhecer o adolescente enquanto sujeito em
construção é um dos desafios para avançar no tema que trata da Justiça
Restaurativa como um dos procedimentos de resolução de conflitos. Além disso,
note-se que há relação com a linha de pesquisa Políticas Públicas de Inclusão
Social, assim como o estudo é pertinente ao direito, por ter o mesmo a função social
de integração e cooperação mútua na resolução de conflitos.
Com esta preocupação estabeleceu-se como problema de investigação: As
práticas da Justiça Restaurativa no Sistema de Justiça e de Atendimento à Infância
e da Juventude, aplicadas pela Vara do Juizado da Infância e da Juventude de
Porto Alegre, podem ser empregadas como estratégia de enfrentamento e
prevenção à violência envolvendo adolescentes? E como questionamentos
secundários: A Justiça Restaurativa é um espaço dialógico emancipatório ou emerge
em seu centro o poder punitivo mascarado? E a Justiça Restaurativa é uma política
pública de inclusão social a adolescentes autores de ato infracional garantidora da
cidadania plena?
As hipóteses que orientam este trabalho: A noção de ação comunicativa de
Habermas é útil para entender a funcionalidade da Justiça Restaurativa,
vislumbrando perceber a distinção das ações sociais predominantes nas políticas
públicas voltadas ao atendimento dos adolescentes; a Justiça Restaurativa ao valer-
se da comunicação não-violenta e da ação comunicativa provoca a emancipação
dos sujeitos envolvidos nas práticas restaurativas; as práticas restaurativas rompem
com os paradigmas do tratamento anterior, sem violar, contudo, o ordenamento
jurídico, pois é plenamente compatível com este; a sociedade brasileira enfrenta um
grande desafio, qual seja, criar um sistema de real eficácia e integração, que, ao
acolher as práticas restaurativas, seja capaz de garantir às crianças e aos
11
adolescentes o pleno exercício da cidadania, por meio de políticas públicas que
enfatizem a união entre família, comunidade, Estado e sociedade civil.
A Justiça Restaurativa também pode ser considerada uma política pública de
inclusão social garantidora de cidadania na execução das medidas socioeducativas,
por estar em consonância com as diretrizes de políticas públicas versadas pela
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e pelo Estatuto da Criança e
do Adolescente.
Como objetivo geral da pesquisa, analisou-se as práticas da Justiça
Restaurativa no Sistema de Justiça e de Atendimento à Infância e da Juventude
desenvolvida no período de 2005 a o final de 2006 aplicadas pela Vara do
Juizado da Infância e da Juventude de Porto Alegre como estratégia de
enfrentamento e prevenção à violência estrutural e institucional envolvendo
adolescentes.
Pelas características do objeto, a investigação privilegia a transdiciplinariedade
que se refere àquilo que está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das
diferentes disciplinas e além de qualquer disciplina.
1
O que se busca com tal
premissa é a compreensão contextual da Justiça Restaurativa e de inter-relação
entre os campos de conhecimento do direito relacionado à história, à sociologia e à
política. O todo de abordagem foi o hipotético-dedutivo. O método de
procedimento foi o monográfico. Embora esta pesquisa tenha natureza aplicada,
uma vez que foram feitas visitas e levantou-se dados através de aplicação de
questionário, os mesmos foram fornecidos pela própria 3ª Vara, o que restringiu este
estudo a um trabalho bibliográfico documental.
A teoria de base do presente trabalho foi a de Habermas, com a teoria da Ação
Comunicativa e Michel Foucault, que propõe em suas obras uma reflexão sobre o
discurso como estratégia do poder dominante, focalizando as instituições, em
1
NICOLESCU, Basarab. O Manifesto da Transdisciplinariedade. Tradução de Lucia Pereira de
Souza. São Paulo: Triom, 2001,p.50-51.
12
especial instituições prisionais e judiciárias, que refutam e despersonalizam o
sujeito. Além desses dois autores, procurou-se estabelecer uma relação de
dialogicidade com outros autores contemporâneos, que trabalham com a área da
infância e da juventude.
A dissertação está estruturada em três capítulos, inter-relacionados e
interdependentes, que visam a indicar um novo patamar de percepção teórica da
Justiça Restaurativa sob o viés da Teoria da Proteção Integral.
O primeiro capítulo, denominado “Justiça Restaurativa: Premissas e
Considerações Essenciais”, aborda as considerações gerais sobre a Justiça
Restaurativa a partir de uma abordagem conceitual e histórica, dispõe, como um de
seus principais procedimentos, de uma técnica da comunicação não-violenta e traz
esclarecimentos centrais sobre a teoria da ação comunicativa de Habermas de
maneira a encontrar a sua inter-relação com as práticas restaurativas. A construção
conceitual e histórica da Justiça Restaurativa foi realizada com base no
levantamento histórico de diversos autores estrangeiros, alguns com textos
traduzidos no Brasil.
O segundo capítulo, denominado “O Locus da Justiça Restaurativa nas
Políticas Públicas de Atendimento da Criança e do Adolescente no Brasil”, apresenta
a realidade da criança, do adolescente e seus reflexos na institucionalização, a partir
de uma retomada histórica, que perpassa a Doutrina do Menor, Doutrina da Situação
Irregular e Doutrina da Proteção Integral. Sob essa premissa procura-se abordar o
adolescente enquanto sujeito em construção, além das várias realidades sociais,
que interferem e fazem de cada adolescente um sujeito uno e peculiar. Na
construção e compreensão da adolescência e o agir comunicativo do adolescente
está o ato infracional como um sintoma e um avanço aos limites sociais.
Nesse sentido, indicam-se como critério de sugestão alguns fatores
potencializadores do ato infracional como: a pobreza, a exclusão, as desigualdades
sociais, a violência estrutural e a delinqüência juvenil propriamente dita. Em meio a
tudo isso, a maior reflexão passa pelo desvelamento do discurso assistencialista
que, mesmo diante da Proteção Integral, tanto na Constituição Federal quanto no
13
Estatuto, vige nas práticas de atendimento a adolescentes. Resta, assim, dialogar
com a legislação dominante pautada nas legislações internacionais e nos direitos
humanos e reconstruir a gestão local e a rede de atendimento aos adolescentes,
localizando no seu tecido a Justiça Restaurativa como política pública
socioeducativa.
O terceiro capítulo, denominado “A Reconstrução da Solidariedade dos Atores
Sociais a partir do Espaço Local”, apresenta a experiência da Justiça Restaurativa
em Porto Alegre, realizada na Vara do Juizado Regional da Infância e da
Juventude, elucida a Central de Práticas Restaurativas como espaço dialógico,
como base em levantamento de dados estatísticos sobre as práticas que estão
sendo desenvolvidas, de maneira a dar-se maior visibilidade a tal modelo. A partir da
discussão dos dados, fornecidos pela Vara do Juizado Regional da Infância e
Juventude, busca-se o resgate da comunidade para concretude das práticas
restaurativas, além da reconstrução do conceito de solidariedade enquanto vínculo
ou sinônimo de justiça e comprometimento dos atores sociais no espaço público
democrático.
Na Conclusão são apresentados tópicos fundamentais alcançados com a
investigação realizada, propondo alternativas ao espaço local, a partir da
reconstrução do princípio da solidariedade enquanto vínculo de justiça para o
resgate da comunidade e a gestão local em rede das políticas públicas de
atendimento a adolescentes autores de ato infracional, como a Justiça Restaurativa.
14
1 JUSTIÇA RESTAURATIVA: PREMISSAS E CONSIDERAÇÕES ESSENCIAIS
Se afasto do meu jardim os obstáculos que impedem o sol e a água de
fertilizar a terra, logo surgirão plantas de cuja existência eu sequer
suspeitava. Da mesma forma, o desaparecimento do sistema penal punitivo
estatal abrirá, num convívio mais sadio e mais dinâmico, os caminhos de
uma nova justiça
2
.
À medida que nossos desejos são os mesmos que os dos outros, gerando
rivalidade e disputa pelo domínio de um território, nasce o conflito, que provém da
incapacidade do sujeito de perceber que há “lugar para dois”
3
.
O direito existe também para mediar esses conflitos; logo, quando o Judiciário
se propõe a aplicar outras alternativas de resolução de conflitos, como a Justiça
Restaurativa é possível notar a inter-relação com a teoria da Ação comunicativa de
Habermas, mais especificadamente o que ela quer ensinar. Porém, aplicar uma
outra modalidade na área do Direito da Criança e do Adolescente representa
enfrentar discursos decadentes como os puramente assistencialistas e romper com
paradigmas antigos como o do Menor e o da Situação Irregular, abrindo espaço para
o paradigma restaurativo enquanto afirmação da teoria da Proteção Integral.
A Justiça Restaurativa pode ser considerada como um paradigma se o falar e o
agir transformarem a cultura. Significa dizer que é possível pensar em novos
paradigmas se essas mudanças se derem na linguagem e no comportamento, em
atitudes e valores. Ocorre que o projeto de Habermas torna-se relevante no contexto
no qual se encontram inseridas as práticas restaurativas voltadas aos adolescentes
2
HULSMAN, L. C.; BERNAT de J. Penas Perdidas. O sistema penal em questão. Tradução de Maria
Lúcia Karan. Paris: Editions du Centurion, 1993.
3
MULLER, Jean - Marie. Não-violência na educação. Tradução de Tônia Van Acker. São Paulo:
Palas Athenas, 2006, p.22-23: “O aparecimento de um outro ao meu lado é perigoso, ou ao menos
pode vir a ser. Não tenho idéia se será ou não e, justamente por isso, sinto que a situação encerra
perigo. Os outros desejam necessariamente me fazer mal, mas nunca se sabe. Por isso os outros, os
estranhos, encerram o meu futuro; eles me provocam um estado de insegurança. Os outros me
preocupam, me assustam. Mesmo que não pretendam me fazer mal, eles me inquietam. Já de saída
sinto-me oprimido pela proximidade do outro. Ele pode não me ameaçar, talvez queira apenas pedir
ajuda. Mesmo assim, isto também significa problema. Meu medo dos outros é duas vezes maior
quando não se parecem comigo, quando não falam a mesma linguagem, não têm a mesma cor de
pele, não acreditam no mesmo Deus. Estes são os que mais me perturbam. Por que não ficam na
casa deles, onde é o seu lugar? É perturbador quando os outros entram no meu território. Estão
invadindo minha área de tranqüilidade, arrancando minha paz de espírito. Os outros, por sua própria
existência, estão forçando entrada num espaço que conquistei para mim, como se ameaçassem
minha própria existência. Não tenho escolha senão ceder lugar, talvez até ceder o meu lugar”.
15
por representar uma teoria crítica da sociedade e que, principalmente, propõe a
ruptura de antigos princípios baseados no conhecimento de objetos em prol do
paradigma do entendimento que se entre os sujeitos capazes de falar e agir.
Além disso, ele “descobre que o interesse em emancipação esinserido na própria
estrutura da linguagem, em especial nos atos de fala voltados ao entendimento e ao
consenso”
4
.
Logo, relacionar a Justiça Restaurativa com os preceitos da Ação Comunicativa
implica o pressuposto de que o espaço público ocupado pelos atores sociais é
constituído de uma rede comunicacional
5
, pois cada um desses sujeitos tentará
externar os atos de fala, o que está no ímpeto dos seus “mundos”: o subjetivo, o
social e o objetivo
6
. Cada participante tem seu momento de verbalização ou
externalização dos seus sentimentos e principalmente oportunidade de relatar sua
versão sobre os fatos presentes. Essa passagem implica, portanto, uma
reapropriação ou empoderamento do conflito pelos principais envolvidos. Em
síntese, a relação centra-se no agir comunicativo dos atores sociais.
Dentro de tal contexto, a teoria da Ação Comunicativa abre possibilidades de se
construir novas percepções e compreender a sociedade, que tem características
distintas, inclusive desiguais com relação ao ser humano. Evidencia-se aqui, num
primeiro momento, a importância dos atos comunicativos entre os homens no sub-
estabelecimento das relações interpessoais e sociais, que também envolvem o
direito como elo de conexão e interação na sociedade. Em outros termos, a ação
comunicativa diz respeito aos atos comunicativos, que podem ser expressos tanto
pela linguagem falada, escrita como a corporal. Tudo leva a crer que as relações
entre os homens são movidas por ações que têm por finalidade precípua a
4
SIEBENEICHLER, Flávio Beno. Jürgen Habermas: razão comunicativa e emancipação. Rio de
Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989, p. 87.
5
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre factcidade e validade. Tradução: Flávio Beno
Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, v.2, p. 90.
6
GUIMARÃES, Marcelo Rezende. Educação para a paz: sentidos e dilemas. Caxias do Sul, RS:
EDUCS, 2005, p. 261: “As competências comunicativas podem se vincular ao mundo objetivo
(pretensão de verdade), ao mundo social (pretensão de justiça), ao mundo subjetivo (pretensão de
veracidade). Enquanto as pretensões de veracidade são estabelecidas apenas numa seqüência
comportamental, as pretensões de verdade e justiça são estabelecidas através do discurso, teórico e
prático respectivamente. Dessa forma, o jogo argumentativo adquire força e vigor, onde a linguagem
ganha capacidade de gerar o entendimento”.
16
comunicação, ou seja, o entendimento mútuo. Desse modo entende-se também que
“a linguagem é o meio da ação comunicativa”
7
.
Por conseguinte, os dois tipos de ações sociais desenvolvidos por Habermas
são: a ação não-social instrumental e a ação social comunicativa. A primeira diz
respeito ao agir estratégico do sujeito e a segunda refere-se ao agir comunicativo
direcionado ao interesse mútuo
8
.
No entanto, pelo que se pode observar, quando o tema envolve os
adolescentes e o modelo de sistema de Justiça, percebem-se as distorções sociais
oriundas da falta de entendimento na comunicação entre os atores sociais, que
integram e constituem a sociedade compartilhada. Do mesmo modo, percebe-se que
as distorções nos atos comunicativos entre esses sujeitos prejudicam o processo
emancipatório individual e também social
9
. Assim, tornam-se imprescindíveis as
considerações gerais sobre a Justiça Restaurativa a partir de uma abordagem
conceitual e histórica, perpassando sobre sua origem e existência em vários países,
incluindo o Brasil, e após seus valores fundamentais, princípios e procedimentos,
adotando como referencial teórico autores como Jürgen Habermas e Michel
Foucault.
1.1 Considerações gerais sobre a Justiça Restaurativa a partir de uma
abordagem conceitual e histórica
Abordar um sistema de justiça que atenda satisfatoriamente com seus serviços
os interesses da sociedade é tarefa desafiadora, quando se verifica a dicotomia
existente entre o modelo retributivo e o restaurativo. Observe que esse está sendo
incorporado em algumas práticas jurídicas brasileiras, com a finalidade de melhorar
7
SIEBENEICHLER, Flávio Beno. Jürgen Habermas: razão comunicativa e emancipação. Rio de
Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989 p. 79.
8
HABERMAS, Jürgen. Teoria de la Acción Comunicativa, I: racionalidad de la acción y racionalización
social. Madrid: Taurus, 1987.
9
GUIMARÃES, Marcelo Rezende. Educação para a paz: sentidos e dilemas. Caxias do Sul: EDUCS,
2005, p.303.
17
o atendimento e construir um espaço propício que possibilite o diálogo pacífico entre
as partes envolvidas no conflito
10
.
A Justiça Restaurativa tem origem nos modelos de organização social das
comunidades pré-estatais, européias e nas coletividades nativas, que privilegiavam
as práticas de regulamentação social voltadas aos interesses coletivos sobre os
interesses individuais
11
. Dito de outra maneira, a Justiça Restaurativa é
implementada nas sociedades ocidentais, baseando-se nas tradições indígenas do
Canadá, dos Estados Unidos e da Nova Zelândia, além disso, destaca-se que a
Irlanda é um país pioneiro no emprego dos procedimentos restaurativos,
especificadamente no que versa a resolução de conflitos juvenis. De igual maneira
está sendo implementada em outros países como os Estados Unidos, Canadá,
Alemanha, Peru, Austrália, Kuwait, Omán, Chile, Argentina, África do Sul, Costa
Rica, Colômbia, Nova Zelândia Brasil
12
e outros
13
.
A implementação das práticas restaurativas na Nova Zelândia deu-se pela
reivindicação da população maori, pois seus membros eram discriminados em
relação aos brancos de origem européia. O índice de adolescentes nativos em
regime de internamento era maior que os de origem européia. Entre tantos
problemas que envolviam essa comunidade, o Sistema de Justiça da Infância e da
Juventude editou em 1989, o Children, Young Persons and Their Families Act, com
o objetivo de melhor se compatibilizar com as tradições do povo maori
14
.
10
HABERMAS, Jürgen. Consciência moral e agir comunicativo. Tradução de Guido A. de Almeida.
Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989.
11
JACCOUD, Mylène. Princípios, tendências e procedimentos que cercam a Justiça Restaurativa In:
SLAKMON , C., De VITTO, R., PINTO, R. (Org.), Justiça Restaurativa, Brasília-DF: Ministério da
Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento- PUND, 2005, p. 163.
12
Projeto-de-lei nº 7006/2006, que propõe facultativamente o uso de procedimentos de Justiça
Restaurativa no sistema de justiça criminal, em casos de crimes e contravenções penais. (vide
ANEXO A).
13
LONDOÑO, Maria Catalina Echeverri; URBANO, Deidi Yolima Maca. Justicia Restaurativa,
contextos marginales y Representaciones Sociales: algunas ideas sobre la implementación y la
aplicación de este tipo de justicia. Disponível em:
<http://www.justiciarestaurativa.org/news/Articulo%JUSTICIA%20RESTAURATIVA%20Colombia.pdf>
Acesso em: 29 nov.2007.
14
SICA, Leonardo. Justiça Restaurativa e Mediação Penal. O novo modelo de Justiça Criminal e de
Gestão do Crime. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2007, p.83.
18
A proposta reconhecia a família como co-responsável para tomada de decisões
sobre os seus jovens, que se envolviam em ato infracional. Além disso, os objetivos
priorizavam estimular a utilização de outras alternativas ao procedimento criminal,
que não comprometessem os vínculos familiares e comunitários do infante, aplicar
em última instância as medidas privativas de liberdade e observar os interesses da
vítima
15
.
Conforme o Children, Young Persons and Their Families Act, a autoridade
policial pode escolher quatro alternativas de encaminhamento quando apreende um
jovem a quem é atribuído o ato infracional. Primeiramente, pode se valer
simplesmente da advertência, seja oral ou escrita. Na segunda alternativa,
denominado “encaminhamento alternativo”, após o recebimento do relatório de
investigação sobre o ato infracional, um policial do Youth Aid (Departamento de
Auxílio à Juventude) reúne-se com o jovem e sua família para a elaboração de um
plano de trabalho
16
.
Nesse plano poderá ser inserido um pedido de desculpas, a reparação do
dano, doações a instituições de caridade, prestações de serviços à comunidade,
inclusão escolar ou treinamento profissional, entre outras, de acordo com o caso
concreto. A terceira alternativa diz respeito a realização de uma Family group
conferences- (FGC), que é organizada por um Youth Justice Coordinator, funcionário
do Departamento de Bem-Estar Social do Child, Youth and Family Services (CYFS),
que atua como facilitador
17
.
Participam do encontro, o adolescente, a vítima e seus familiares além de seus
apoiadores, e um representante da polícia. E a quarta alternativa é o
encaminhamento do caso ao Tribunal de Jovens, que tem como atribuição decidir
pelo julgamento do caso ou a realização Family group conferences. Caso necessário
poderão ser nomeados um advogado e assistentes sociais para participarem do
encontro do adolescente, a família e a vítima mais os seus apoiadores. Do mesmo
modo, quando os acordos não são cumpridos pelo adolescente, o caso é
15
SICA, op. cit. , p.83.
16
SICA, loc. cit.
17
SICA, loc. cit.
19
encaminhado para a Corte Juvenil e os crimes contra a vida são julgados pelo
Tribunal de Jovens. Baseadas nas experiências juvenis, também foram adotadas
práticas restaurativas para o sistema de justiça adulto
18
.
Nas sociedades contemporâneas ocidentais, o ressurgimento da Justiça
Restaurativa e dos processos que a ela estão ligados como a mediação
19
sofreu
influência dos movimentos de contestação das instituições repressivas, da
vitimologia e o papel da comunidade. No que trata ao primeiro movimento, o mesmo
surgiu nas universidades americanas, destacando a escola de Chicago e a
criminologia radical
20
. O segundo movimento caracterizou a descoberta da vítima, na
abordagem pela criminologia, sobre os fatores que contribuíam para o sujeito tornar-
se vítima. Entretanto, a sensibilização dos críticos teóricos do modelo retributivo
voltou-se para as necessidades e, principalmente, para a ausência da vítima no
processo penal
21
. Por isso, no início do século XX, a participação da vítima em cada
um dos passos do processo judicial tornou-se fundamental para a recuperação e a
responsabilização do infrator
22
.
18
SICA, loc. cit.
19
MULLER, Jean-Marie. (2006): Não-Violência na Educação. Tradução de Tônia Van Acker. São
Paulo: Palas Athena, p.56: “A mediação é a intervenção de um terceiro que se coloca entre os
protagonistas de um conflito, entre dois adversários (do latim adversus : alguém que se virou contra,
que está em oposição), que podem ser dois indivíduos, duas comunidades ou duas nações que se
enfrentam e se opõem uma à outra. O objetivo da mediação é trazer os protagonistas da adversidade
à conversação (do latim conversari: voltar-se em direção a, convergir); ou seja, levá-los a se voltarem
um para o outro a fim de dialogar, entender-se mutuamente e, se possível, encontrar um acordo
capaz de abrir caminho para a reconciliação”.
20
JACCOUD, Mylène. Princípios, tendências e procedimentos que cercam a Justiça Restaurativa In:
SLAKMON, C., De VITTO, R., PINTO, R. (Org.), Justiça Restaurativa, Brasília-DF: Ministério da
Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento- PUND, 2005, p. 166: Este
movimento inicia uma crítica profunda das instituições repressivas, destacando principalmente seu
papel no processo de definição do criminoso. Ele retoma, entre outras, a idéia durkheimiana, segundo
a qual o conflito não é uma divergência da ordem social, mas uma característica normal e universal
das sociedades. Nos Estados Unidos, alguns movimentos confessionais (sobretudo os Quakers e o
Mennonites) se unem à corrente da esquerda radical americana para contestar o papel e os efeitos
das instituições repressivas. O movimento crítico americano encontra eco na Europa onde os
trabalhos de Michel Foucault (Surveiller et punir: naissance de la prison, 1975), Françoise Castel,
Robert Castel e Anne Lovell (La société psychiatrique avancée: le modèle américain,1979), Nils
Christie (Limits to Pain, 1981) e Louk Hulsman (Peines perdues: le système pénal en question, 1982)
nutrem a reflexão e o desenvolvimento de um movimento que recomenda o recurso para uma justiça
diferente, humanista e não punitiva”.
21
Id., ib., p. 163.
22
Tradução livre. In: FUNES, Jaume i Artiaga (Org.). Mediación y justicia juvenil. Centre d’ Estudis i
Formació Especialitzada de la Generalitat de Catalunya.Fundació Jaume Callís, Diagonal, 415, 1r.
08008. Barcelona, Espanha: Fotocomposición fotoletra, S.A. Impresión: T.G. Hostench, S.A, 1995, p.
28.
20
No entanto, destaca Jaccoud:
O movimento vitimista inspirou a formalização dos princípios da justiça
restaurativa, mas não endossou seus princípios nem participou diretamente
de seu advento. É necessário, então, manter prudência na análise das
relações que o movimento vitimista mantém com a justiça restaurativa
23
.
O terceiro movimento ressalta a comunidade como o lugar que deve ser
valorizado, pois nela que os conflitos o menos numerosos e podem ser mais bem
administrados, assim como era nas sociedades tradicionais
24
.
Diferentes sistemas e formas de mediação como técnicas próximas das
restaurativas expandiram-se pela Europa nos anos 70 e 80, mas foi, em especial, no
âmbito do Direito Juvenil que se encontraram as condições mais favoráveis e
propícias para a aplicação dos planos de conciliação infrator e vítima, devido ao
caráter especial das normas aplicáveis à população juvenil. Ademais, o
desenvolvimento desses programas deu-se tanto pela possibilidade de ser
recepcionado pela legislação especial, que tem um caráter amplo, como pelo caráter
inovador característico dos profissionais vinculados ao campo da justiça juvenil
25
.
Na Itália, destacando o trabalho realizado no Tribunal de Milão e Turim a
mediação tem ocupado seu espaço na Justiça de Menores. Note-se que todos os
países que implementaram a mediação iniciaram por esta área, pelo maior
reconhecimento e vigor
26
.
As diversas noções e cnicas de natureza inter-relacional pela proximidade
comum com a Justiça Restaurativa também se desenvolveram na Alemanha, no
início da década de 80, quando do surgimento e incorporação de métodos de
conciliação entre vítima e ofensor na resolução de conflitos penais, na justiça
criminal de adultos e na Justiça da Infância e da Juventude
27
.
23
JACCOUD, op.cit., p. 163.
24
JACCOUD, op.cit., p.163.
25
FUNES, op.cit., p. 29.
26
SICA, op.cit., p.84.
27
SICA, op. cit., p.87.
21
Por outro lado, na França a origem das experiências atualmente identificadas
como restaurativas não teve por base uma fase de aprofundamento teórico, optando
pelo caminho pragmático. Desde a década de 80, a mediação era utilizada para
resolução de conflitos, porém, mais tarde, as técnicas de mediação foram reunidas e
denominadas de “justiça de proximidade”, com a finalidade de romper com o
distanciamento do sistema de justiça dos locais considerados problemáticos. Dos
programas desenvolvidos nesse país, destacam-se as Casas de Justiça e do Direito
( Maisons de Justice et du Droit), surgidas da iniciativa da Procuradoria de Pontoise,
na região de Paris, em 1990, e regulamentadas pela lei 98-1163 de 1998. Eram
instaladas em bairros carentes, onde em um espaço físico diversos serviços de
acesso à justiça eram oferecidos à comunidade, aliás, empregavam a mediação
penal para pequenos delitos, principalmente contra o patrimônio
28
.
De acordo com a experiência da Nova Zelândia, a Austrália escolheu a Justiça
da Infância e da Juventude como instância privilegiada para a implementação de
mecanismos restaurativos de justiça. programas de justiça restaurativa, no
âmbito juvenil, dispersos em todas as regiões do país, a citar a região de Novas
Gales do Sul, que se vale das conferências restaurativas
29
.
28
SICA, op.cit., p.93-94
.
Na região de Novas Gales do Sul, inspirados no chamado modelo Wagga
Wagga de justiça, membros da polícia local implementaram, em 1991, Community Youth
Conferences, criando um programa gerido conjuntamente pela polícia, pelo Department of Juvenile
Justice, pela New South Wales Childrens´s Court e pelos Community Justice Centres. Como produto
dessa experiência, foi promulgado, com validade para todo o Estado de Nova Gales do Sul, o Young
Offenders Act, de 1997, pelo qual regulamentaram as sanções aplicáveis a jovens infratores,
dispondo-as em uma hierarquia de opções que passou a incluir conferências restaurativas. Podem
participar das conferências, além do jovem, a família, o advogado, policiais, a vítima e seus
apoiadores. Se optar por não participar, a vítima pode enviar representantes e, uma vez presente,
tem poder de veto sobre solução deliberada. Eventualmente, podem participar também membros
mais velhos de comunidades indígenas, oficiais de probation e assistentes sociais. O
encaminhamento dos casos é feito pela polícia e, mais raramente, pela corte, quando o magistrado
inclui entre as disposições constantes da sentença a realização de uma conferência. É preciso, para
que haja encaminhamento, que se cuide de (sic) do jovem entre 10 e 17 anos que tenha cometido
infração sujeita ao procedimento sumário, entre as quais estão o roubo, o furto, o dano e as
chamadas condutas desordeiras. São excluídas de plano ofensas sexuais, ofensas que tenham
resultado em morte e algumas ofensas relacionadas a drogas. Uma vez indicado pela polícia, o caso
é encaminhado ao Departament of Juvenile Justice (DJ J), no qual ele é recebido por um
administrador de conferências, que nomeia um facilitador (chamado de conference convenor). Se
houver conflito sobre a conveniência ou o de realização da conferência entre o DJJ e o órgão que
houver encaminhado o caso, a decisão cabe ao Director of Public Prosecutions (DPP)”.
29
STRANG, Heather. Restorative Justice Programs in Austrália. Research School of Social Sciences,
Australian National University, 2001. Disponível em:
<http://www.aic.gov.au/crc/reports/strang/report.pdf.> Acesso em: 21 dez.2007.
22
Nesse contexto, várias normativas internacionais como a Recomendação
número 87 do Conselho da Europa sobre as reações sociais ante a delinqüência
juvenil, as Regras mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça de
menores (regras de Beijing), inclusive a Convenção sobre os direitos das crianças
estabelece procedimentos judiciais e apropriados para o tratamento das crianças e
dos adolescentes, chamando a comunidade para a participação na atenção aos
seus adolescentes, propondo medidas e procedimentos de reconciliação entre os
adolescentes autores de ato infracional e suas timas, como a desjudicialização ou
mediação, e sempre respeitando os direitos humanos e as garantias legais
30
.
Nos últimos anos na América Latina, as práticas alternativas de resolução de
conflitos têm sido implementadas e regulamentadas nos respectivos ordenamentos
jurídicos. Isso pode ser, devido ao descrédito que as pessoas têm com relação ao
Poder Judiciário para o enfrentamento e solução eficaz de conflitos. Traz à baila as
legislações específicas da Argentina sobre mediação (Lei 24.573) e conciliação (Lei
24.635), como leis sobre arbitragem
31
, conforme a matéria abordada. Além disso,
desde 1998 está sendo desenvolvido um projeto-piloto de Justiça Restaurativa
denominado Proyecto RAC, uma parceria entre a Faculdade de Direito de Buenos
Aires e o Ministério Nacional de Justiça
32
.
No Brasil estão sendo desenvolvidos três projetos sobre a Justiça Restaurativa,
em Brasília (DF), outro em São Cateano (SP) e em Porto Alegre (RS), no Rio
Grande do Sul. Inclusive, o projeto da 3ª Vara do Juizado da Infância e Juventude de
Porto Alegre é referência mundial, citado no livro publicado pelas Nações Unidas de
Viena, no ano de 2006, assim:
30
Tradução livre. FUNES, op.cit., p. 34-37.
31
Ver também no Brasil. ARSÊNIO, Julieta. A mediação como facilitador dos processos judiciais.
Ciência & vida Psique Edição especial. Ano I 5. Psicologia Jurídica, 2007, p.39: A Lei 9307/96,
que instituiu a Arbitragem no Brasil, em momento algum se refere à mediação e uma única vez a
conciliação. Desde que essa lei foi sancionada, criaram-se tribunais, centros, câmaras, instituições de
mediação e arbitragem. Segundo o Conselho Nacional de Mediação e Arbitragem - CONIMA -
registro de aproximadamente cem cadastros junto à entidade, atuando em diferentes estados nas
mais diversificadas áreas. Em contraposição, o Poder Judiciário togado, em sua maioria, ainda
encontra-se resistente a Lei de Arbitragem, ocorrendo conciliações em Algumas Varas Especiais. [...]”
32
SICA, op.cit., p.99.
23
This system is experimenting with conferencing for young offenders.
TheChildren and Adolescent Act of 1990 allows the presiding youth court
judge to suspend the legal proceedings for first-time offenders involved in
less serious crimes and for the use of sanctions such as community service
and reparation. The Porto Alegre youth justice system is piloting the use of
câmaras restaurativas for these offenders
33
.
Poder-se-iam citar outras experiências de países como Chile, Guatemala,
Nicarágua, Uruguai, Peru e a Colômbia; no entanto, cabe ressaltar, novamente, que
em cada país, está se disseminando aos poucos políticas de resolução de conflitos,
como conciliação, mediação, arbitragem e práticas restaurativas
34
. Pode-se
considerar uma inter-relação entre as mesmas, principalmente no aspecto de se
propor alternativas não punitivas e sim consensuais, que dissociem o castigo da
Justiça.
A terminologia Justiça Restaurativa é atribuída a Albert Eglash que, em 1977,
escreveu um artigo intitulado Beyond Restitution: Creative Restitution. No referido
trabalho, denotou três respostas ao crime, que são: a retributiva baseada na
punição; a distributiva voltada para a reeducação; e a restaurativa, tendo como
fundamento a reparação
35
.
Essa expressão, a saber, a Justiça Restaurativa, foi impulsionada pelo
Congresso Internacional de Criminologia de Budapeste de 1993, e conquistou novos
33
Tradução livre: “Este projeto está sendo apresentado em uma conferência para jovens infratores. O
Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 permite que o juiz da Vara da Infância e Juventude
suspenda os processos legais para a primeira vez em que o delinqüente se envolva em crimes de
menor gravidade, fazendo o uso de sanções como serviços comunitários e reabilitação. O sistema de
justiça da Vara da Infância e Juventude de Porto Alegre realiza testes piloto com o uso de câmaras
restaurativas para estes delinqüentes”. In: AERTSEN,I; HAZEM, A; CARRANZA,E. et. al Handbook
on Restorative Justice Programmes. Criminal Justice Handbook Series. United Nations Publication
Sales N. E. 06.V15 , New York,2006, p.27.
34
Ver a distinção em: VEZZULA, Juan Carlos. A mediação de conflitos com Adolescentes Autores de
Ato infracional. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço
Social, do Centro sócio-Econômico da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2004.
137p. p.63. [...] temos apontado as características diferenciais da mediação de conflitos a respeito do
processo judicial (formal, adversarial e impositivo), da negociação cooperativa (diálogo com objetivo
resolutivo, autocompositivo), da conciliação (procedimento rápido que inclui um terceiro que orienta e
até pressiona na obtenção de um acordo que, ainda que não satisfaça totalmente, consegue encerrar
o assunto) e da arbitragem (procedimento privado e misto: negocial e impositivo, que parte da
escolha livre de um terceiro para decidir sobre uma questão de sua competência).
35
GALLI, Marcelo. Um novo modo de olhar o Direito. Revista Visão Jurídica, São Paulo, n.4,p.14-16,
jan.2007.
24
adeptos mediante as Conferências internacionais de Vitimologia de Adelaide
(Austrália), em 1994, Amsterdã em 1997, e Montreal em 2000
36
.
Nas palavras de Martín:
El grupo de expertos de la Comisión de Prevención del Delito y Justicia
Penal de las Naciones Unidas lleva desde 2002 trabajando para intentar
definir unas bases generales de la justicia restaurativa. Por Justicia
restaurativa entienden todo proceso en que la víctima, el delincuente y,
cuando proceda, cualquier otra persona o miembro de la comunidad
afectados por el delito, participen conjuntamente y de forma activa en la
resolución de cuestiones derivadas del delito, con la ayuda de un mediador
o facilitador
37
.
A Comissão de Prevenção do Delito e Justiça Penal das Nações Unidas ao
definir de maneira geral a Justiça Restaurativa reconhece a sua importância para a
resolução dos conflitos
38
, (em anexo) a Resolução 2002/12 que aborda a
definição da Justiça Restaurativa. Portanto, define-se a Justiça Restaurativa como:
[…] un nuevo movimiento en el campo de la victimología y criminología.
Reconociendo que el crimen causa daños a las personas y comunidades,
se insiste en que la justicia repara esos daños y que a las partes se les
permita participar en ese proceso. Los programas de justicia restaurativa,
por consiguiente, habilitan a la víctima, al infractor y a los miembros
afectados de la comunidad para que estén directamente involucrados en dar
una respuesta al crimen. Ellos llegan a ser el centro del proceso de justicia
penal, con profesionales del Gobierno y del Derecho que sirven como
facilitadores de un sistema que apunta a la responsabilidad del infractor, la
36
Tradução livre. MARTÍN, Nuria Belloso. (Org.). Mediación Penal de Menores. In:____. Estúdios
sobre mediación: la ley de mediación familiar de Castilla y León. Espanha: Junta de Castilla y León,
2006, p. 302.
37
MARTÍN, Nuria Belloso. (Org.). Mediación Penal de Menores. In:____. Estúdios sobre mediación: la
ley de mediación familiar de Castilla y León. Espanha: Junta de Castilla y León, 2006, p. 301.
38
MADRIGAL, Arias. Reflexiones Teóricas y Prácticas sobre la reparación del daño y la justicia
restaurativa. Disponível em:” <http://www.justiciarestaurativa.org/aroundla/costaricareflexiones/view>
Acesso em: 12 dez. 2007. En foros internacionales nuestro país ha promovido una posición de
compromiso con la reparación del daño, muy cercana a la Justicia restaurativa, así, merecen
destacarse las discusiones en el seno de la II Cumbre Iberoamericana de Presidentes de Cortes y
Tribunales Supremos de Justicia, celebrada en Caracas en 1999, en la que el Magistrado Orlando
Aguirre Gómez efectúa una referencia a la justicia, que potencia el diálogo y que produzca
resultados más satisfactorios para la víctima, para el infractor mismo y para la sociedad”. Igualmente
relevantes son las aportaciones del representante costarricense en las Naciones Unidas, así, en la
Reunión de la Comisión de Prevención del Delito y Justicia Penal, de celebrada en Viena, en el 2002,
sugirió se utilizara la expresión “Justicia restaurativa”, en lugar de Justicia restitutiva, para la
traducción del término inglés restorative justice”. Sin embargo, el aporte más significativo de esta
representación, fue la propuesta de incluir en el texto final, el principio de no discriminación y de
aplicación imparcial. Con el fin de evitar las distinciones por motivos de raza, color, sexo, idioma,
religión, opiniones políticas o toda otra distinción basada en el origen nacional o social, el patrimonio,
la cuna o cualquier otra condición, con el objetivo de lograr la paridad entre las partes”.
25
reparación a la víctima, y la total participación de esta, el infractor y la
comunidad
39
.
A partir da Convenção das Nações Unidas, pode-se mensurar alguns
benefícios sobre os procedimentos restaurativos:
-Permite la optimización de la cohesión social. Permite que la comunidad
cambie su mirada frente al ofensor y de esta manera lo conciba como parte
integrante de ella. - Permite una participación activa de la víctima, el ofensor
y la comunidad, en la que éstos pueden expresar sus emociones e ideas
frente al daño causado.- Facilita un proceso de identificación entre la víctima
y el ofensor.- Permite que el ofensor repare el daño, en lugar de recibir un
castigo. - Permite que tanto la víctima como el ofensor sean vistos como
personas y no exclusivamente como alguien que recibe un daño y alguien
que lo comete.- Permite que tanto la víctima, el ofensor y la comunidad
recobren el control que fue perdido por la comisión del delito.- Facilita el
proceso de construcción de comunidades más pacíficas.- Permite la
resignificación de la situación para cada una de las partes.- Logra que exista
una menor reincidencia en los actos delictivos
40
.
Diversas são as construções apresentadas ao conceito de Justiça Restaurativa;
porém, pode-se afirmar inicialmente que a proposta é inacabada, pois para Sica é
“mais que uma teoria em formação, é um conjunto de práticas em busca de uma
teoria”
41
.
Para os autores Mccold e Wachtel, a proposta de teoria de Justiça Restaurativa
é composta de três estruturas conceituais distintas e que se relacionam: a janela de
Disciplina Social, o papel das partes interessadas e a tipologia das práticas
restaurativas
42
.
39
CENTRO PARA LA JUSTICIA Y LA RECONCILIACIÓN - CONFRATERNIDAD CARCELARIA
INTERNACIONAL¿Que es la Justicia Restaurativa? MAYO 2005 Disponível em:
<http://www.pficjr.org/spanish/quees/>.Acesso em 06 out. 2007.
40
LONDOÑO, Maria Catalina Echeverri; URBANO, Deidi Yolima Maca. Justicia Restaurativa,
contextos marginales y Representaciones Sociales: algunas ideas sobre la implementación y la
aplicación de este tipo de justicia. Disponível em:
<http://www.justiciarestaurativa.org/news/Articulo%JUSTICIA%20RESTAURATIVA%20Colombia.pdf>
Acesso em: 29 nov.2007.
41
SICA, op.cit. , p.10.
42
MCCOLD, Paul; WACHTEL, Ted. Em busca de um paradigma: uma teoria de Justiça Restaurativa.
Trabalho apresentado no XIII Congresso Mundial de Criminologia, 10-15 Agosto de 2003, Rio de
Janeiro. Disponível em: <http://www.realjustice.org/library/paradim_port.html-21k>. Acesso em: 12
dez. 2007.
26
A ‘janela de Disciplina Social’ que combina um “nível alto ou baixo de controle
com um nível baixo de apoio”
43
define quatro abordagens de regulação do
comportamento: punitiva, permissiva, negligente e restaurativa. Com relação a
abordagem punitiva também denominada de retributiva, as pessoas são rotuladas e
estigmatizadas. Na permissiva ou reabilitadora proteção aos indivíduos das
conseqüências e das ações erradas. Decorre o baixo controle e o baixo apoio, que
caracteriza ações negligentes, indiferentes e passivas. E na perspectiva restaurativa
prevalece o alto controle e o alto apoio social, que possibilita ao transgressor, à
vítima e à comunidade a elaboração de um acordo mútuo para melhor viabilizar a
reparação do dano.
Importante destacar na segunda estrutura denominada ‘o papel das partes
interessadas’, que a mesma relaciona o dano causado pela transgressão às
necessidades peculiares de cada parte envolvida e às respostas necessárias para o
devido atendimento dessas. Conseqüente a isso, faz uma distinção dos interesses
das partes interessadas principais e das partes interessadas secundárias. Nas
principais, envolve as vítimas e os transgressores que mais diretamente foram
afetados pelo dano. Considera-se também os familiares ou os que têm relação
direta, por estarem ligadas emocionalmente com a vítima ou o transgressor.
Observe-se que essas partes constituem as comunidades de assistência a vítimas e
ofensores. A comunidade tem um papel de destaque para se alcançar a reparação
máxima entre os seus envolvidos
44
.
De sorte, as partes interessadas secundárias ou indiretas incluem “os vizinhos
e aqueles que pertencem a organizações religiosas, educacionais, sociais ou
empresas cujas áreas de responsabilidade se inserem os lugares ou as pessoas
afetadas pela transgressão”. Ademais, a sociedade representada pelo Poder Público
é considerada parte secundária e as necessidades que deverão ser atendidas são
de interesse coletivo, e não específicas. Portanto, a resposta máxima é apoiar e
43
MCCOLD; WACHTEL, In: <http://www.realjustice.org/library/paradim_port.html-21k>.Acesso em: 12
dez. 2007.
44
MCCOLD ; WACHTEL, In: <http://www.realjustice.org/library/paradim_port.html-21k>.Acesso em: 12
dez. 2007.
27
facilitar os processos restaurativos, de maneira imparcial, cabendo as partes
principais estipular o que deve ser feito
45
.
Resta, assim, a última estrutura, a intitulada ‘tipologia das práticas
restaurativas’. Reafirma-se que o processo restaurativo envolve as partes
interessadas principais para decidir sobre a reparação do dano. Nesse espaço de
interlocuções, reconhecem-se, as timas, os transgressores e as suas
comunidades, cujas necessidades são: “obter a reparação, assumir a
responsabilidade e conseguir a reconciliação”
46
.
É importante salientar, que o envolvimento desses três atores sociais é que
determina o grau de restauratividade. Em outras palavras, se somente a vítima e o
ofensor participarem de um círculo restaurativo, o processo é considerado “na maior
parte restaurativo”. Se por exemplo, “no caso de compensação financeira do
governo às vítimas”, o processo é “parcialmente restaurativo”. Ademais, se todos os
atores sociais participarem ativamente do processo restaurativo, ele é “totalmente
restaurativo”. Portanto, conforme o envolvimento e o compartilhamento de
experiências no círculo ou em conferências restaurativas, maior o grau de
empoderamento e restauratividade
47
.
Entre os conceitos mais relevantes de Justiça Restaurativa no mundo está o do
advogado norte-americano Howard Zher, considerado um dos fundadores e
principais teóricos sobre Justiça Restaurativa, tendo como destaque a obra
Changing Lenses (Trocando as lentes). Desenvolveu uma concepção detalhada das
concepções fundamentais da Justiça Restaurativa, merecendo ênfase os seguintes
pontos: o crime é fundamentalmente uma violação de pessoas e relações
interpessoais; as violações criam obrigações e responsabilidades; e a Justiça
Restaurativa busca corrigir injustiças
48
.
45
MCCOLD; WACHTEL, In: <http://www.realjustice.org/library/paradim_port.html-21k>.Acesso em: 12
dez. 2007.
46
MCCOLD; WACHTEL, In: <http://www.realjustice.org/library/paradim_port.html-21k>.Acesso em: 12
dez. 2007.
47
MCCOLD; WACHTEL, In: <http://www.realjustice.org/library/paradim_port.html-21k>.Acesso em: 12
dez. 2007.
48
ZEHR, Haward; MIKA, Harry. Conceitos fundamentais da justiça restaurativa. Michigan: Michigan
University, [s.d.] Mimeo.
28
Segundo Londoño e Urbano afirmam que:
La justicia restaurativa es un tipo de justicia que procura, por medio de un
proceso de encuentro y diálogo en el que participan activa y
voluntariamente víctima, ofensor y comunidad, la reparación del daño a la
víctima, la restauración del lazo social y junto con ello la rehabilitación del
ofensor
49
.
Em outros termos, toda e qualquer ação realizada pelos protagonistas
envolvidos com o conflito, que tenham por finalidade a justiça por meio da reparação
do dano causado pelo ato criminoso, pode ser compreendida como prática
restaurativa. Desse modo, quanto mais se buscar a solução dos conflitos pelas
práticas restaurativas mais se aproxima da elaboração e construção da teoria e do
conceito da Justiça Restaurativa
50
.
Em outros termos:
La justicia restaurativa es diferente de la justicia penal contemporánea en
muchas maneras. Primero, ve los actos criminales en forma más amplia
en vez de defender el crimen como simple transgresión de las leyes,
reconoce que los infractores dañan a las víctimas, comunidades y aun a
ellos mismos. Segundo, involucra más partes en repuesta al crimen en
vez de dar papeles clave solamente al gobierno y al infractor, incluye
también víctimas y comunidades. Finalmente, mide en forma diferente el
éxito en vez de medir cuanto castigo fue infringido, mide cuánto daño es
reparado o prevenido
51
.
Para Lade Walgrave, “a Justiça Restaurativa caracteriza-se pela tentativa de
fazer justiça por meio da reparação do dano”
52
. Nas palavras de Madrigal:
La Justicia restaurativa propone en el marco del debate de la reparación del
daño un programa que cuenta con una vis atractivamuy apreciable debido
49
LONDOÑO, Maria Catalina Echeverri; URBANO, Deidi Yolima Maca. Justicia Restaurativa,
contextos marginales y Representaciones Sociales: algunas ideas sobre la implementación y la
aplicación de este tipo de justicia. Disponível em:
<http://www.justiciarestaurativa.org/news/Articulo%JUSTICIA%20RESTAURATIVA%20Colombia.pdf>
Acesso em: 29 nov.2007.
50
SICA, op.cit., p.10.
51
CENTRO PARA LA JUSTICIA Y LA RECONCILIACIÓN - CONFRATERNIDAD CARCELARIA
INTERNACIONAL¿Que es la Justicia Restaurativa? MAYO 2005 Disponível
em:<http://www.pficjr.org/spanish/quees/> .Acesso em 06 out. 2007.
52
WALGRAVE, Lade. Imposição da restauração no lugar da dor: reflexões sobre a reação judicial ao
crime. In: SLAKMON, C.; MACHADO, M.; BOTTINI, P. (Org.). Novas direções na governança da
justiça e da segurança. Brasília-DF: Ministério da Justiça 2006, p.443.
29
al influjo de ideas centradas en el realismo, es decir, en la búsqueda de una
justicia más humana, más comunicativa y pro activa
53
.
Nesse cenário, a Justiça Restaurativa baseia-se num procedimento de
consenso, em que a vítima e o infrator e, quando apropriado, outras pessoas ou
membros da comunidade afetados pelo crime, como sujeitos centrais, participam
coletiva e ativamente na construção de soluções aos traumas causados pelo crime
54
.
No mesmo sentido, Ademais Jaccoud define como sendo uma aproximação
que privilegia toda a forma de ação, individual ou coletiva, visando a corrigir as
conseqüências vivenciadas por ocasião de uma infração, a resolução de um conflito
ou a reconciliação das partes ligadas a um conflito
55
.
Com relação à natureza conceitual do significado e alcance de comunidade
(accountability) e o alcance de potencialização do papel da tima, em que pese em
um primeiro momento, para os programas de Justiça Restaurativa mais antigos,
entende-se por comunidade a de relação (community of concern) da vítima e do
autor, como também o lugar em que se deu o crime
56
.
Nesse aspecto, o valor e a retomada do papel social da comunidade tem por
premissa maior preencher a lacuna deixada pelo Estado
57
. Além disso, como
esclarece Sica, a comunidade pode ser destinatária das políticas de reparação e
fortalecimento do sentimento de segurança coletiva, como também pode ser ator
social sobre ações reparadoras concretas das conseqüências do ato criminoso
58
.
Para Marshall, Boyack e Bowen,
53
MADRIGAL, Arias. Reflexiones Teóricas y Prácticas sobre la reparación del daño y la justicia
restaurativa. Disponível em: <http://www.justiciarestaurativa.org/aroundla/costaricareflexiones/view> .
Acesso em: 12 dez. 2007.
54
PINTO, Renato Sócrates, et. al., Justiça Restaurativa é possível no Brasil ? In:SLAKMON, C., De
VITTO, R., PINTO, R. (Org.), Justiça Restaurativa, Brasília-DF: Ministério da Justiça e Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento- PUND, 2005, p. 20-21.
55
JACCOUD, Myène. Princípios, tendências e procedimentos que cercam a Justiça Restaurativa
In:SLAKMON, C., De VITTO, R., PINTO, R. (Org.), Justiça Restaurativa, Brasília-DF: Ministério da
Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento- PUND, 2005, p. 169.
56
SICA, op.cit., p.14.
57
JACCOUD, op. cit., p. 170.
58
SICA, op.cit., p.13.
30
[...] A justiça restaurativa é uma abordagem colaborativa e pacificadora para
a resolução de conflitos e pode ser empregada em uma variedade de
situações ( familiar, profissional, escolar, no sistema judicial, etc.) Ela pode
também usar diferentes formatos para alcançar suas metas, incluindo
diálogos entre a vítima e o infrator, “conferências” de grupo de comunidades
e familiares, círculos de sentenças, painéis comunitários, e assim por
diante
59
.
Ademais, considera-se a Justiça Restaurativa como o procedimento adotado
entre os interlocutores ou partes envolvidas e unidas pelo conflito ocasionado em
decorrência da infração, que ao exporem seus sentimentos, emoções e
principalmente suas necessidades sicas humanas se predispõem a legitimarem
um acordo e validarem entre si.
A esse respeito, Brancher:
Se a lei é pai e limite, a justiça deveria ser mãe, acolhimento e escuta. Os
olhos vendados da deusa lembram a importância do ouvir, antes de pensar,
pesar, julgar. Antes: que os ouvidos sintam antes que os olhos concluam.
Ouvir antes: antes que os pré-conceitos julguem. Uma justiça isenta,
acolhedora e dialógica - equivalente a uma justiça que não parta dos
pressupostos da imputação, investigação, culpa e castigo haveria de ser
capaz de escutar a cada um e dar voz e vazão a suas dores, dramas e
tragédias. Andar sete dias e sete noites nas sandálias do pecador. Nem
tanto: sete minutos para ouvir cada pessoa na inteireza da sua humanidade,
respeitado o limite das próprias circunstâncias, talvez bastassem. Meninos
de rua, policiais, taxistas, vítimas de assaltos, viúvas do latrocínio,
adolescentes infratores ou suas mães: que qualquer um enfim pudesse
comparecer a uma sala de audiências ou a qualquer outro espaço mais
adequado, mas não menos simbólico, dedicado à escuta do conflito - para
expressar a turbilhão de sentimentos e emoções subjacentes às causas e
aos efeitos da infração. Livres para o ter de proteger-se das terríveis
ameaças da deusa enfurecida e livres para transparecer aquilo que, pelas
vias tormentosas da violência, fizeram ouvir sob a forma de uma
impronunciada demanda: a demanda pela satisfação de suas necessidades
- as quais, por se reduzirem em regra à satisfação de valores, quando não
de direitos, no mais das vezes ecoarão um grito universal, quase sempre
trazendo um fundo humano legítimo por mais que inadmissível seja sua
estratégia de reivindicação
60
.
59
MARSHALL, C; Boyack, J; BOWEN, H. Como a Justiça Restaurativa assegura a boa prática Uma
abordagem baseada em valores In: SLAKMON, C., De VITTO, R., PINTO, R. (Org.), Justiça
Restaurativa, Brasília-DF: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento- PUND, 2005, p. 270.
60
BRANCHER, Leoberto. Justiça, responsabilidade e coesão social. Reflexões sobre a
implementação na Justiça da Infância e da Juventude em Porto Alegre. . In: SLAKMON, C.;
MACHADO, M.; BOTTINI, P. (Org.). Novas direções na governança da justiça e da segurança.
Brasília-DF: Ministério da Justiça 2006, p.671.
31
Melo define a Justiça Restaurativa, partindo do pressuposto que este modelo
apresenta soluções alternativas ou complementares ao sistema tradicional de
justiça, especialmente ao retributivo. Portanto:
sua ênfase volta-se, de um lado, à procura por amparo às vítimas e ao
atendimento suas necessidades, dando-lhe um papel ativo na condução das
negociações em torno do conflito. De outro lado, busca não apenas a
responsabilização do causador do dano, valendo-se de recursos outros à
punição e à sua estigmatização, mas também, pelo encontro que se
entre um envolvido e outro no conflito, dar ocasião para o confronto de
todas as questões que, a ver de cada qual, o determinaram e para o
encaminhamento de possibilidades de sua superação ou transfiguração
61
.
Além da responsabilização do causador do dano, esse modelo disponibiliza um
espaço de discussões entre os interlocutores envolvidos e ligados pelo ato
infracional, que neutraliza estigmas e rotulações. Logo, o que se espera é uma
mínima possibilidade de restauração nas relações.
Do mesmo modo, De Vitto afirma que a aplicação prática desse modelo é o que
mais se aproxima do que se deve esperar da intervenção do Estado em reação ao
fenômeno delitivo: uma tentativa de conciliar as justas expectativas da vítima, do
infrator e da sociedade
62
.
Por outro lado, Morris diz que, por definição, não se sabe ao certo o que se
pode precisar ou esperar que a Justiça Restaurativa “restaure” efetivamente, embora
afirme que a restauração significa, para as vítimas, a recomposição da segurança,
da dignidade, do auto-respeito e do senso de controle
63
.
Mesmo que não se tenha a exatidão do que seja restaurar, uma interessante
pesquisa sinaliza e otimiza a implementação da Justiça Restaurativa:
61
MELO, Eduardo Rezende. Justiça Restaurativa e seus desafios histórico-culturais. Um ensaio crítico
sobre os fundamentos ético-filosóficos da justiça restaurativa e, contraposição à justiça retributiva.
In:SLAKMON, C., De VITTO, R., PINTO, R.(Org.), Justiça Restaurativa, Brasília-DF: Ministério da
Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento- PUND, 2005, p. 53-77.
62
DE VITTO, Renato Campos Pinto. Justiça Criminal, Justiça Restaurativa e Direitos
Humanos:SLAKMON, C., De VITTO, R., PINTO, R.(Org.), Justiça Restaurativa, Brasília-DF: Ministério
da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento- PUND, 2005, p. 41-50.
63
MORRIS, Alisson. Criticando os críticos Uma breve resposta aos críticos da Justiça Restaurativa
In:SLAKMON, C., De VITTO, R., PINTO, R. (Org.), Justiça Restaurativa, Brasília-DF: Ministério da
Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento- PUND, 2005, p. 449-450.
32
Dados mais recentes (Maxwell et al. 2001), sobre 300 jovens que
participaram dessas reuniões restaurativas em 1998 na Nova Zelândia,
mostram, após uma análise preliminar, que mais da metade deles disseram
que se sentiam envolvidos no processo decisório; mais de dois terços, que
tiveram oportunidade de dizer o que queriam; mais de 80%, que entendiam
a decisão; e mais de dois terços disseram que concordavam com a decisão.
Da mesma forma, pesquisas recentes na Austrália mostram que os jovens
infratores vêem as reuniões restaurativas como justas e estão satisfeitos
com seus processos e resultados (Palk et al. 1998; Cant e Downie 1998;
Strang et al. 1999; Trimboli, 2000; Daly 2001). No entanto, eu também
entendo que restaurar” significa a compensação dos males causados tanto
pela vítima como aqueles por ela sofridos. Isto significa que nossas atitudes
devem não somente ter como objeto as conseqüências do crime, mas
também os fatores que a ela estão subjacentes. Nenhum processo, não
importa o quão inclusivo, e nenhum resultado, não importa o quão
reparador, poderão magicamente desfazer os anos de marginalização e
exclusão social experimentados por tantos infratores (ver também Polk
2001), muito menos poderão suprir a necessidade que têm as vítimas de
ajuda e aconselhamento terapêutico no longo prazo.
[...]
64
.
Logo, o autor não tem precisão do que se entenda por restaurar danos
ocasionados pelo ato infracional, pois é notório no atual cenário de desigualdades
sociais, que certos atos violentos ocasionam feridas traumáticas, podendo ser
irrestauráveis
65
. Contudo, o espaço dialógico e intersubjetivo criado pela Justiça
Restaurativa é a possibilidade de os sujeitos externarem suas emoções e razões a
respeito do fato e, diante disso, aprenderem a conviver com o trauma, de tal forma
que possam seguir adiante suas vidas.
De acordo com a rede de procedimentos restaurativos da Nova Zelândia, a
visão e a prática da Justiça Restaurativa são formadas por vários valores
fundamentais que a distinguem de outras abordagens e estratégias de justiça para
se resolver os conflitos. Os valores das práticas restaurativas são aqueles
considerados essenciais aos relacionamentos saudáveis, eqüitativos e justos, que
são: participação, respeito, honestidade, humildade, interconexão, responsabilidade,
empoderamento e esperança
66
. Seguem, na seqüência, breves apontamentos sobre
cada um deles.
64
MORRIS, op.cit., p. 449-450.
65
MORRIS, op. cit, p. 449-450.
66
MARSHALL, C; Boyack, J; BOWEN, H. MARSHALL, C; Boyack, J; BOWEN, H. Como a Justiça
Restaurativa assegura a boa prática Uma abordagem baseada em valores In: SLAKMON, C., De
VITTO, R., PINTO, R. (Org.), Justiça Restaurativa, Brasília-DF: Ministério da Justiça e Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento- PUND, 2005
.
33
A participação diz respeito aos mais afetados pela transgressão (vítimas,
ofensores e suas comunidades de interesses). Os atores sociais devem erguer seus
atos de fala e serem responsáveis pela coordenação das respectivas ações,
cabendo somente a eles a tomada de decisões, o que contribuirá para o acordo.
Quanto ao respeito, este deve ser mútuo e gerador de confiança e boa-fé entre os
atores sociais envolvidos no processo restaurativo. Por sua vez, nos atos de fala faz-
se necessária a honestidade, pois a verdade esclarece melhor os fatos e a culpa
dentro dos parâmetros legais.
Note-se, também, a relevância de os participantes do processo restaurativo
(que poderá se dar nos círculos restaurativos, nos encontros, nas conferências.)
terem humildade, pois esta é uma condição humana que capacita a todos
descobrirem o que em comum. Além disso, a empatia e os cuidados mútuos são
manifestações de humildade.
Com isso, reforça-se ainda mais a interconexão entre os atores sociais, bem
como a Justiça Restaurativa reconhece que todos, independente de serem vítimas
ou infratores estão interligados e fazem parte de uma sociedade compartilhada.
Portanto, os crimes ocorridos no meio social também são de responsabilidade da
sociedade, pois a mesma pode contribuir na restauração da vítima e na inclusão do
ofensor. Não raro, constata-se que a própria sociedade, pela estrutura que a
constitui, exerce um papel infelizmente excludente; conseqüentemente, as
desigualdades sociais, os estereótipos e a forma de normatização das suas
instituições contribuem para o desenvolvimento de seres humanos evasivos e sem
sentimento de pertencimento, o que pode levar à violência e, principalmente, ao
cometimento de crimes.
Ao abordar a responsabilidade, o ofensor, se desejar participar das práticas
restaurativas, precisa admitir a autoria do ato infracional cometido. Por isso, quando
um adolescente a quem é atribuído o ato infracional aceita participar de um círculo
restaurativo, o mesmo precisa ter assumido a autoria do ato. Aliás, esta é uma das
condições exigidas pela Vara do Juizado Regional da Infância e Juventude de
Porto Alegre, que seelucidada mais adiante. No círculo, o autor do ato infracional
34
pode demonstrar a aceitação dessa obrigação, buscando a reparação do dano
causado. Sob essa ótica, o caminho torna-se viabilizador para a reconciliação.
Como bem explica Brancher:
No que interessa à gestão do processo político em que se insere a garantia
de direitos através da prestação jurisdicional: no campo dos interesses
individuais, responsabilidade é o atributo indispensável ao exercício do valor
máximo representado pela liberdade: não se pode exercer liberdade sem
limite, sem respeito: responsabilidade perante o outro. No campo dos
interesses coletivos, responsabilidade é o atributo indispensável ao
exercício do valor máximo representado pela democracia. Não se pode
exercer democracia sem que cada cidadão tenha presente as
conseqüências de suas escolhas e o peso da sua participação:
responsabilidade perante todos. Somente relações pautadas pela
responsabilidade perante o outro e pela responsabilidade para com todos
pode instalar um ambiente de confiança. A confiança, pressuposto da
coesão, é a contrapartida (perante o outro) e o dividendo (para todos) da
responsabilidade. A responsabilidade é o tributo da confiança. E assim
como sem responsabilidade não confiança, sem confiança não
restauração, nem justiça, e sem justiça não há coesão social. Em cada
fissura da sociedade que esquecida dessa fórmula se desagrega, o gérmen
oportunista da violência instala a dor e a destruição. Sendo as instituições
da justiça investidas da função de garantidoras, em última instância, dos
princípios regentes do Estado representados pela liberdade e pela
democracia, a proposta de promover responsabilização não se justifica
apenas como foco central da administração da justiça, mas passa a
constituir-se numa contribuição à efetividade do próprio Estado Democrático
de Direito. Uma justiça que promova autonomia e responsabilidade promove
coesão, garante direitos e estabiliza relações sociais, fundamentando a
constituição de um “Estado de Responsabilidade Social”
67
.
Sobre a reparação, Pedro Scuro Neto dispõe seus quatro elementos: as
desculpas, a mudança de comportamento, a restituição e a generosidade. Dentro
desse enfoque, destaca-se que a reparação deve ser decidida pelo próprio infrator e
pela própria vítima, e não por terceiros, como o juiz ou a sociedade
68
.
Não importa o tipo de crime com o qual a pessoa se depare; o fato é que este
rouba a autonomia do sujeito, pois no exercício desse ato de violência um indivíduo
exerce o controle sobre o outro sem o seu consentimento. Porém, quando esses
67
BRANCHER, Leoberto. Justiça, responsabilidade e coesão social. Reflexões sobre a
implementação na Justiça da Infância e da Juventude em Porto Alegre. . In: SLAKMON, C.;
MACHADO, M.; BOTTINI, P. (Org.). Novas direções na governança da justiça e da segurança.
Brasília-DF: Ministério da Justiça 2006, p.673.
68
SCURO, Pedro Neto. Fazer justiça restaurativa padrões e práticas. Disponível em:
<http://jij.tj.rs.gov.br/jij_site/jij_site.home>. Acesso em: 30 out. 2006.
35
indivíduos, na condição de vítima e ofensor, participam do processo restaurativo são
devolvidos à vítima os seus poderes. A vítima retoma seu papel ativo para
determinar quais são as suas necessidades humanas e como devem ser
satisfeitas
69
. Por conta disso, também dá poder aos ofensores de responsabilizarem-
se por seus atos e fazerem o possível para remediarem o dano causado, buscando
a reabilitação e a integração. Em outras palavras, o que ocorre nesse
compartilhamento de mundos distintos, mas aproximados pela dor da violência, é
uma espécie de empoderamento
70
.
Sica define o empowerment como: a recuperação do poder de diálogo e entre
as partes, suprimido pelo processo penal, assim como o poder de evitar o processo
e definir outras formas de regulação social distintas daquela única oferecida pelas
agências judiciais tradicionais”
71
.
Ademais, a esperança deve nortear sempre as relações dos atores sociais,
sobremaneira no restabelecimento das vítimas, principalmente no aspecto
emocional e na mudança do ofensor de não delinqüir novamente. As abordagens
restaurativas visarão às necessidades presentes e futuras; por isso, a esperança é
prioridade para aqueles que acreditam na possibilidade de construir uma sociedade
melhor.
A Justiça Restaurativa recepciona inúmeras práticas, dentre elas, como
mencionado anteriormente, está a mediação, mas por ser um modelo em construção
e em transformação, não é possível delimitá-la a um tipo específico de procedimento
ou considerar que seja sinônimo de mediação
72
. Entende-se que a mediação:
[…] es un proceso que provee una oportunidad a la víctima interesada de
reunirse con el infractor en un escenario seguro y estructurado,
enfrentándose en una discusión del delito con la asistencia de un mediador
entrenado. Los objetivos de la mediación de víctima y infractor incluyen:
permitir a la víctima reunirse con el infractor sobre la base de propia
voluntad, animando al infractor a comprender sobre el impacto del crimen y
69
MARSHALL, op.cit., p. 273.
70
SICA, op. cit., p.19.
71
SICA, loc.cit.
72
SICA, op.cit., p.72.
36
tomar responsabilidad del daño resultante, y proporcionando a la víctima y
al infractor la oportunidad de desarrollar un plan para tratar el daño
73
.
A mediação e as práticas restaurativas se inter-relacionam, mas mesmo as
fronteiras demarcadas entre as áreas, existe a distinção. Na Justiça Restaurativa, os
atores sociais (autor, vítima e comunidade) ao se reunirem em um espaço para
dialogarem não deverão levar seus papéis sociais para dentro do rculo, ou seja, a
identificação dos integrantes é de apenas de ordem didática, pois, na realidade, o
poder de autoridade, a disputa por um bem e a presença de um mediador não
existe. Significa dizer que não um único responsável pelo conflito, todos são co-
responsáveis e a presença dos coordenadores no processo é preliminar, pois o
empoderamento no local deve-se dar exclusivamente pelos interlocutores envolvidos
no fato, em especial, pela comunidade. Em linhas gerais, a mediação pode ser
considerada um dos processos restaurativos.
Decorre que o programa de Justiça Restaurativa será aquele que utiliza
processos restaurativos e busca resultados restaurativos. Para compreender esse
conceito, e notar a tênue distinção com a mediação, convém realizar algumas
distinções terminológicas, entre processo e resultados restaurativos
74
.
El “proceso restaurativo” es todo proceso en que la víctima, el delincuente y
cuando proceda, cualesquiera otras personas o miembros de la comunidad
afectados por un delito, participan conjuntamente de forma activa en la
resolución de cuestiones derivadas del delito, por lo general con la ayuda de
un facilitador. Entre los procesos restaurativos se puede incluir la mediación,
la conciliación, la celebración de conversaciones y las reuniones para
decidir sentencias. El “resultado restaurativo” será un acuerdo logrado como
consecuencia de un proceso restaurativo. Entre los resultados restaurativos
se pueden incluir respuestas y programas como la reparación, la restitución
y el servivio a la comunidad, encaminados a atender las necesidades y
responsabilidades individuales y colectivas de las partes y a lograr la
reintegración de la víctima y del delincuente. Las “partes” serán la víctima, el
delincuente y cualesquiera otras personas o miembros de la comunidad
afectados por un delito que participen en un proceso restaurativo. El
“facilitador” será una persona cuya función es promover, de manera justa e
imparcial, la participación de las partes en un proceso restaurativo
75
.
73
CENTRO PARA LA JUSTICIA Y LA RECONCILIACIÓN - CONFRATERNIDAD CARCELARIA
INTERNACIONAL, op.cit.
74
Tradução livre. MARTÍN, Nuria Belloso. (Org.). Mediación Penal de Menores. In:____. Estúdios
sobre mediación: la ley de mediación familiar de Castilla y León. Espanha: Junta de Castilla y León,
2006, p. 309.
75
MARTÍN, op.cit., p. 309.
37
Uma das questões que permeia o tema é quando se podem utilizar os
programas de Justiça Restaurativa. Para Martín, poderá ser utilizado em qualquer
etapa do sistema de justiça penal da Espanha
76
, por exemplo, desde que respeitada
a legislação nacional. Os processos restaurativos poderão ser utilizados sempre que
existirem provas suficientes de autoria do delito contra o ofensor e o livre
consentimento da vítima em qualquer momento do processo. Os acordos deverão
ser construídos de forma voluntária, os envolvidos (ofensor e vítima) participam
voluntariamente. Quando os processos restaurativos não são um recurso apropriado
e possível, o caso deverá ser remetido para a justiça penal, que decidirá como atuar
sobre o mesmo
77
. Ressalte-se que:
Para que los programas de justicia restaurativa puedan funcionar, los
Estados deben considerar la posibilidad de establecer directrices y normas,
com base legislativa cuando sea precisa, que rijan su utilización. Esas
directrices y normas versarán, entre otras cosas, sobre: a) Las condiciones
para la remisión de casos a los programas de justicia restaurativa; b) La
gestión de los casos después de un proceso restaurativo; c) Las
calificaciones, la capacitación y la evaluación de los facilitadores; d) La
administración de los programas de justicia restaurativa; e) Las normas de
competencia y las reglas de conducta que regirán el funcionamiento de los
programas de justicia restaurativa. Asimismo, en los programas de justicia
restaurativa, y en particular en los procesos restaurativos, deben aplicarse
salvaguardas básicas en materia de procedimiento que garanticen la
equidad con el delincuente y la víctima: a) A reserva de lo dispuesto en la
legislación nacional, la víctima y el delincuente deben tener derecho a
consultar a un asesor letrado en relación ao proceso restaurativo, y en caso
necesario a servicios de traducción e interpretación. Los menores además
tendrán derecho a la asistencia de los padres e del tutor; b) Antes de dar su
acuerdo para participar en procesos restaurativos, las partes deben ser
plenamente informadas de sus derechos, de la natureza del proceso y de
las posibles consecuencias de su decisión; c) No se debe coaccionar a la
víctima ni al delincuente para que participen en procesos restaurativos o
acepten resultados restaurativos, ni se les debe inducir a hacerlo por tales
medios.
78
Embora as práticas restaurativas sejam incipientes e o seu emprego em
alguns lugares do mundo não apresente resultados quantitativos de grande monta,
que demonstrem a sua efetividade como mudança de atitude com relação às
práticas atuais do sistema de justiça, a sua implementação é necessária e requer
uma jornada de trabalho gradativa. Alguns insucessos ocorreram e poderão ocorrer,
76
Em 13 de Janeiro de 2001 entrou em vigor na Espanha a Lei orgânica 5/2000, que regula a
responsabilidade penal do menor de idade.
77
MARTÍN, Nuria Belloso. Justicia y mediación penal: la responsabilidad de las políticas públicas. In:
COSTA, Marli M.M. Direito, cidadania e políticas públicas. Porto Alegre: Imprensa livre, 2006, p. 158.
78
MARTÍN, Nuria Belloso. Justicia y mediación penal: la responsabilidad de las políticas públicas. In:
COSTA, Marli M.M. Direito, cidadania e políticas públicas. Porto Alegre: Imprensa livre, 2006, p. 158.
38
mas existem mais aspectos positivos que reafirmam a sua instauração que o
contrário. Vale mencionar que a justiça restaurativa não é um mero instrumento de
desafogamento de trabalho dos tribunais, pois entre os seus objetivos está a
qualidade na prestação dos serviços institucionais. É importante salientar que como
se tratam de experiências recentes, torna-se difícil obter conclusões seguras em
relação à diminuição da reincidência e do número de crimes praticados. No entanto,
há pesquisas que indicam bons resultados
79
.
Na Nova Zelândia, pesquisa sobre os resultados do Rotorua Second
Chance Community -Managed Restorative Justice Program e do Wanganui
Community-Ma aged Restorative Justice Program indicaram, no mesmo
sentido, duas conclusões importantes, uma objetiva: os programas
restaurativos o aumentaram as taxas de reincidência; e outra subjetiva:
os níveis de satisfação dos participantes com o resultado dos programas é
muito alto, aumentando a percepção de justiça naquelas comunidades
( no programa Rotorua, 83% das vítimas ficaram satisfeitas com o acordo e
95% satisfeitas com a oportunidade do encontro e 90% dos ofensores
cumpriram o acordo satisfatoriamente; no programa Wanganui, 90% das
vítimas ficaram satisfeitas com sua participação no encontro restaurativo)
80
.
Em relação ao impacto da Justiça Restaurativa na reincidência criminal, o
estudo elaborado na Austrália, denominado RISE (Recidivism patterns in the
Canberra Reintegrative) apresenta dados interessantes:
Jovens envolvidos apenas em crimes violentos, e cujos casos foram
encaminhados ao projeto RISE, reincidiram 38% menos que o grupo de
controle que praticou os mesmos crimes e foi submetido à justiça penal. O
dado mais interessante da pesquisa foi que essa alta queda de reincidência
ocorreu especificadamente nos crimes violentos, não sendo auferida, por
exemplo crimes de trânsito e outros
81
.
Todavia a observação sobre a importância das práticas restaurativas não
devem estar centrada na reincidência. No capítulo 3 deste trabalho serão
apresentados alguns dados de caráter ilustrativo da experiência da 3ª Vara do
Juizado Regional da Infância e Juventude de Porto Alegre.
De acordo com pesquisadores da Inglaterra não qualquer evidência de que
a Justiça Restaurativa aumente a reincidência. Nessa dimensão também se inserem
os resultados positivos proporcionados pelas práticas restaurativas aos
79
SICA, op. cit., p.141.
80
SICA, loc.cit.
81
SICA, loc. cit.
39
interlocutores envolvidos no ato infracional, pois se sentem escutados e co-
responsáveis pela solução do conflito
82
.
1.2 A Comunicação Não-Violenta como procedimento da Justiça Restaurativa
À medida que o homem começa a relacionar-se com o outro e deseja o poder
como um instrumento de domínio nessa relação, ele também começa a
conscientizar-se da violência e também descobre que para contrapô-la deve recusar
a reconhecer a sua legitimidade. Quando consegue isso, funda-se, então, o conceito
da não-violência
83
.
Para Muller:
A ação não-violenta é exatamente aquilo que esdizendo: ação que é não
violenta, e não inércia. Essa técnica consiste o apenas em palavras, mas
em protesto, não-cooperação e intervenção ativos. É mais do que claro que
se trata de uma ação a nível de grupo ou de massa. Certas formas de ão
não-violenta podem ser consideradas como tentativas de convencer
mediante ação; outras, tendo participação suficientes, podem conter
elementos de coerção
84
.
De outro modo, o que também se quer dizer, que quando o homem sofre a
violência e a ocasiona no outro descobre o requisito da não-violência no seu eu, pois
a sua conclusão sobre a não-violência decorre depois de esbarrar na realidade
violenta a sua volta. Assim sendo, pode-se concordar com Muller quando ele
enfatiza: “A não-violência não é conclusão de um raciocínio, não é uma dedução,
mas, sim, uma opção da razão”
85
. Com efeito, a Comunicação Não-Violenta é um
processo de linguagem que vem ao encontro do despertar do homem sobre suas
necessidades humanas no mundo compartilhado, que pode ser acolhido pela matriz
habermasiana, como dito anteriormente, isto é, pautada no agir comunicativo.
Ao tratar das necessidades humanas sicas também é necessário
compreender os conflitos. A esse respeito, Galtung explica:
82
SICA, loc.cit.
83
MULLER, Jean-Marie. O princípio de não-violência. Lisboa: Instituto Piaget, 1995, p.53.
84
Id., ib., p.12-13.
85
MULLER, Jean- Marie. O princípio de não-violência. Lisboa: Instituto Piaget, 1995 MULLER, Jean-
Marie. O princípio de não-violência. Lisboa: Instituto Piaget, 1995, p.58.
40
Conflitos não são de nível superior ou inferior. Todos os conflitos são iguais
ao nascer e têm o mesmo direito de ser processados, com transcendência
(“o ato de ultrapassar”) e transformação, para que as partes possam viver
com eles. O fato de estadistas e políticos desfrutarem de uma classificação
social mais elevada, não significa que conflitos geopolíticos estejam em um
“plano mais elevado”. Todos os conflitos são iguais: são profundamente
sérios para todos os envolvidos. Conflitos não são um jogo, que se ganha
ou se perde, mas sim, freqüentemente, combates para sobreviver pelo
bem-estar, pela liberdade, por identidade; pelas necessidades humanas
básicas
86
.
Os conflitos são inerentes a natureza humana; no entanto, de se refletir
sobre sua existência e aprender a lidar com eles. Observe-se que os conflitos são
disputas pelas necessidades humanas básicas. Dentro dessa perspectiva, o
conceito de necessidades humanas constitui um campo de batalhas entre os
especialistas que debatem sobre esse ponto.
Para Pisón:
Las necesidades no son uma subclase de los deseos, sino que informan
sobre estados reales en los que viven los seres humanos, sobre
situaciones, peores o mejores, en las que los hombres tienen que realizar
sus planes de vida, tienen que tomar importantes decisiones, si es que
pueden realmente
87
.
Muito embora existam divergências e ponderações diferentes sobre a valoração
e tipo de necessidade básica, as mesmas também são consideradas universais, pois
estão presentes em todos os seres humanos independente do tempo e do lugar
onde os seres humanos vivam. Todos os homens têm as mesmas necessidades
humanas básicas, pois necessitam de certos bens, como alimento, saúde, moradia
para garantirem o seu mínimo existencial. Vale lembrar que, independente dos seres
humanos terem cultura, tradições e estarem inseridos em sociedades complexas,
apresentam algo em comum: são espécies humanas
88
.
86
GALTUNG, Johan. Transcender e transformar: uma introdução ao trabalho de conflitos. Tradução
Antonio Carlos da Silva Rosa. São Paulo: Palas Athena, 2006, p.05.
87
Tradução livre. PISÓN, José Martinez de. Políticas de bienestar: un estúdio sobre los derechos
sociales. Tradução de Manuel Calvo García. Madrid: Tecnos, 1998, p. 163.
88
PISÓN, Id., ib., p.177.
41
Conforme Galtung:
Algumas metas têm prioridade sobre outras porque constituem condições
absolutamente necessárias para a continuação da vida dos organismos
individuais. Se elas não forem satisfeitas, a vida e a dignidade humana não
mais serão possíveis. Sobrevivência bem-estar liberdade identidade
são necessidades básicas. São mais profundas que valores. Estão acima
dos valores. Os valores podem ser escolhidos por nós e a escolha de
valores faz parte de nossa liberdade. Os valores tornam-se parte das
nossas identidades; possuir exatamente esses valores é, em si mesmo,
valorizado. Porém, as necessidades básicas são diferentes. Você o
escolhe suas necessidades básicas; as necessidades básicas escolhem
você. É a satisfação delas que torna você possível. Se você descarta suas
próprias necessidades sicas, ou de outros, está se condenando, ou a
outros, a uma vida não digna dos seres humanos. Está praticando a
violência. A negociação é possível quando se trata de objetivos e valores,
mas não quando se trata de necessidades básicas. Necessidades básicas
têm de ser respeitadas. Elas não são negociáveis
89
.
Ademais, o elemento polêmico, que parece chocar o critério da universalidade,
é o reconhecimento do caráter histórico das necessidades. Significa dizer que as
necessidades surgem em um momento determinado e em uma época delimitada,
conforme o espaço em que se situa a sociedade
90
. Por conseguinte, o problema
maior que enfrentam os defensores das necessidades humanas básicas, como
critério relevante moral é o de fundamentar seu caráter normativo, de tal forma que
obrigue o Estado a cumpri-las. Alguns críticos entendem que as necessidades não
têm força normativa, que a provisão do bem-estar social é uma maneira própria da
caridade, da benevolência, da generosidade e humanidade. para outros é uma
obrigação dos poderes públicos que devem promover a melhora da sociedade e de
seus cidadãos
91
.
Como assevera Galtung:
Outros “interesses” como poder e tamanho não são, necessariamente,
meios de satisfazer necessidades básicas. O que podemos requerer deles,
entretanto, é que não insultem as necessidades básicas, pois se o fizerem,
então as coisas começam a tornar-se sérias. Insultar necessidades básicas,
isto é violência
92
.
89
GALTUNG, op.cit., p.11.
90
Tradução livre. PISÓN, op.cit., p. 177.
91
Tradução livre. PISÓN, op.cit., p. 178-179.
92
GALTUNG, op.cit., p.11-12.
42
Nesse aspecto, considera-se que o Poder Público tem obrigação com seus
cidadãos, no atendimento às necessidades humanas básicas, que lhes assegurem
um mínimo existencial, pois estas fazem parte do núcleo central dos direitos
fundamentais. Assim, reconhece-se que o seu atendimento possibilitará que as
pessoas se entendam pela linguagem de maneira não-violenta.
Entende-se por Comunicação Não-violenta (CNV) como um processo de
linguagem que capacita o sujeito a ouvir e a conectar-se com os sentimentos e as
necessidades ante os próprios julgamentos e também com relação ao outro. Nada
mais que falar e ouvir com compaixão, utilizando da linguagem não-violenta para se
comunicar com o outro. Nas palavras de Rosenberg: “uma forma de comunicação
que nos leva a nos entregarmos de coração”
93
. Em outros termos, auxilia na
conexão do sujeito com os outros e consigo mesmo, possibilitando o florescimento
natural da compaixão. Por conseguinte, guia os participantes do diálogo no processo
de reformulação sobre a forma utilizada para a expressão e a escuta, mediante a
concentração em quatro componentes: observação, sentimento, necessidade e
pedido
94
.
Logo, o processo da Comunicação Não-Violenta, ao se valer da observação,
deixa claro que o participante do ato da fala coordena seu plano de ação, de forma a
verificar se o que o outro está dizendo ou fazendo é enriquecedor ou não para sua
vida. Por conta disso, o sujeito tem de ser capaz de articular essa observação sem
fazer nenhum julgamento ou avaliação, ou seja, dizer apenas o que agrada ou não
em relação ao que o outro ator do diálogo está fazendo. Em ato contínuo, o segundo
componente do processo é o sentimento, que diz respeito ao sentimento do
participante ao observar a referida ação, podendo estar magoado, assustado,
alegre, irritado, etc. Após a identificação do sentimento é possível reconhecer o
terceiro componente, que sinaliza a qual das suas necessidades estão ligados os
sentimentos apontados. E por último, o pedido que deve ser bem específico
95
.
93
ROSENBERG, Marshall B. Comunicação não violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos
pessoais e profissionais. Tradução de Mário Vilela. São Paulo: Agora, 2006, p.21.
94
Id., ib., p.25.
95
ROSENBERG, op.cit., p.25.
43
Em geral, as pessoas não expressam claramente seus sentimentos quando se
comunicam, na maioria das vezes, pelo simples fato de não terem uma educação
emocional e os sentimentos não serem considerados importantes no sistema
imposto pela sociedade, isto é, deixados de lado em detrimento do uso da razão e
da gica. Aprende-se mais palavras de rotulação, etiquetamento, estigmatização e
maneiras corretas de pensar definidas pelos que detêm poder de autoridade. Em
outros termos, as instituições do Estado, por sua vez, que fazem parte da sociedade,
exercem um poder disciplinador, como diria Michel Foucault
96
, preparando os
indivíduos para a relação poder-dever. Conseqüentemente, não interessa e, por isso
os sujeitos não conseguem expressar claramente seus sentimentos. Devido a isso,
fica-se sempre imaginando o que os outros pensam ou acham que é certo dizer ou
fazer; por sua vez, há um esquecimento de se olhar para dentro do “eu”
97
.
Sabe-se que o poder exerce uma atração sobre os seres humanos; por isso, é
denotado como uma das mais legítimas emoções, suas motivações são os
resultados, pois sempre se age para ser mais
98
. A terminologia poder deriva do latim
potere, “ser capaz” energia). Portanto, sem poder não ação ou movimento.
Logo, ele pode ser utilizado como um instrumento negativo para a satisfação do ego
ou a serviço da vida, como energia de compartilhamento e não de imposição. Assim,
também pode-se entender por poder: “a capacidade e habilidade de mudar nossas
vidas.” “É a habilidade de definir as necessidades humanas e resolvê-las”. “Poder é
energia”
99
.
96
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 29. ed.
Petrópoles: Vozes, 2004.
97
ROSENBERG, op.cit., p.70-71. “Sobre como achamos que os outros estão se comportando do que
realmente estamos sentindo: A. Sinto-me insignificante para as pessoas com quem trabalho”. A
palavra insignificante descreve como acho que os outros estão me avaliando, e não um sentimento
real, que, nessa situação, poderia ser “Sinto-me triste” ou “Sinto-me desestimulado.” B. “Sinto-me
incompreendido.” Aqui, a palavra incompreendido indica minha avaliação do nível de compreensão
de outra pessoa, em vez de um sentimento real. Nessa situação, posso estar me sentindo ansioso,
ou aborrecido, ou estar sentindo alguma outra emoção. C. “Sinto-me ignorado”. Mais uma vez, isso é
mais uma interpretação das ações dos outros do que uma descrição clara de como estou me
sentindo. Sem dúvida, terá havido momentos em que pensamos estar sendo ignorados e nosso
sentimento terá sido de alívio, porque queríamos ser deixados sozinhos. Da mesma forma, terá
havido outros momentos em que nos sentimos magoados por estar sendo ignorados, porque
queríamos participar”.
98
CLARET, Martin. O poder da não-violência: o estado de não-violência é o mais poderoso
instrumento de transformação humana. São Paulo: Martin Claret,1996, p.06.
99
CLARET, Id.,ib., p.06.
44
Sobre as necessidades humanas básicas, as mesmas são compartilhadas por
todos os sujeitos, independente da condição e da posição social. Para a CNV, as
pessoas geralmente confundem estratégias com necessidades
100
. Um exemplo bem
simples e claro é quando afirmam “ter necessidade do dinheiro”. O dinheiro não é
uma necessidade, é uma estratégia de que se vale o ser humano, e que precisa
para satisfazer uma necessidade, podendo ser a autonomia, a auto-afirmação, o
amor, o calor humano, a comunhão espiritual (beleza, harmonia, ordem, paz), as
necessidades físicas (abrigo, água, alimento, expressão sexual),entre outras
101
.
Além do dinheiro, tem-se que o poder também não é uma necessidade básica do ser
humano, embora ele seja empregado como instrumento negativo para alimentar o
ego, ele pode ser utilizado como estratégia representando um ato a serviço da vida,
não como mecanismo de manipulação e, sim, como compartilhamento sem
imposição. De certo, o poder (latim potere, « ser capaz » ) pode ser compreendido
como a habilidade de definir as necessidades humanas e resolvê-las, isto é, como
energia vital
102
.
No exemplo trazido por Marshall, é possível visualizar os quatro componentes
do processo da CNV. Trata-se de umae dialogando com o seu filho adolescente.
“Roberto, quando eu vejo duas bolas de meias sujas debaixo da mesinha e mais três
perto da TV, fico irritada, porque preciso de mais ordem no espaço usado em
comum”. De imediato, a mãe continuaria o diálogo, utilizando do quarto componente,
ou seja, fazendo um pedido específico ao filho, desta forma: “Você poderia colocar
suas meias no seu quarto ou na lavadora?”
103
.
100
MASLOW, Abraham H. Introdução à Psicologia do ser. Tradução de Álvaro Cabral. [s.d] Eldorado,
p. 27-28. As necessidades básicas (de vida, de segurança, de filiação e de afeição, de respeito e de
dignidade pessoal, e de individuação ou autonomia), as emoções humanas básicas e as capacidades
humanas básicas ao que parece, neutras, pré-morais ou positivamente “boas”. A destrutividade, o
sadismo, a crueldade, a premeditação malévola etc. parecem não ser intrínsecos, mas, antes,
constituiriam reações violentas contra a frustração das nossas necessidades, emoções e
capacidades intrínsecas. A cólera, em si mesma, não é má, nem o medo, a indolência ou até a
ignorância. É claro, podem levar (e levam) a um comportamento maligno, mas não forçosamente.
Esse resultado não é intrinsecamente necessário. A natureza humana está muito longe de ser tão má
quanto se pensava. De fato, pode-se dizer que as possibilidades da natureza humana têm sido,
habitualmente, depreciadas”.
101
ROSENBERG, op.cit., p,86-87.
102
MULLER, Jean-Marie. O princípio de não-violência. Lisboa: Instituto Piaget, 1995, p.06.
103
MULLER, Jean-Marie. O princípio de não-violência. Lisboa: Instituto Piaget, 1995, p.25.
45
De outro modo, com esses quatro componentes do processo da CNV, os
sujeitos do diálogo, à medida que tiverem suas atenções voltadas para o processo,
estabelecerão um fluxo de comunicação que venha resultar na compaixão. Por sua
vez, a utilização da expressão “Não-Violenta” é a mesma atribuição dada por
Gandhi, referindo-se à compaixão que o ser humano expressa naturalmente quando
abdica da violência
104
. Embora algumas pessoas possam não se considerar
violentas, não são raras as ocasiões em que as palavras induzem à mágoa e à dor
de si próprio ou do outro.
Nesse contexto é que a não-violência torna-se, então, o fundamento e o
objetivo da filosofia
105
. Ademais:
A origem do termo não-violência é o termo sânscrito abimsa empregue nos
textos da literatura búdica e hinduísta e de que é a tradução literal. É
formado pelo prefixo negativo a e por bimsa é, assim, a ausência de
qualquer desejo de violência, isto é, o respeito, em pensamento, palavra e
acção, da vida de qualquer ser vivo. Se nos cingíssemos à etimologia, uma
tradução possível de a-bimsa seria i-nocência. As etimologias destas duas
palavras são com efeito análogas: i-nocente vem do latim in-nocens e o
verbo nocere (fazer mal, prejudicar) provém de nex, necis, que significa
morte violenta, homicídio. Assim, a inocência é a virtude daquele que o é
culpado de nenhuma violência homicida para com o outrem. Contudo, nos
nossos dias, a palavra inocência evoca antes a pureza suspeita daquele
que não comete o mal, mais por ignorância e por incapacidade do que por
virtude. A não-violência não poderia ser confundida com essa inocência,
mas esta distorção do sentido da palavra é significativa: como se o facto de
não cometer o mal revelasse uma espécie de impotência... A não-violência
reabilita a inocência como a virtude do homem forte e como a sabedoria do
homem justo
106
.
Nessa perspectiva é que as ações sociais do Estado, da sociedade e dos
atores sociais que se preocupam com o interesse público devem voltar-se, propondo
um redirecionamento das energias como sinônimo de poder compartilhado para a
consolidação do princípio da não-violência. A aplicabilidade desse princípio pelos
atores sociais nas demandas sociais ligadas à área da infância e juventude é um ato
comunicativo, pois revidar as práticas violentas com um modelo de justiça não
retributivo, que representa a Justiça Restaurativa é agir pela não-violência
107
. Quanto
a esse aspecto esse princípio também resume-se no procedimento da Comunicação
104
MULLER, Id., ib., p.21.
105
MULLER, Id., ib., p.54.
106
MULLER, Id., Ib., p.57.
107
MULLER, Jean-Marie. O princípio de não-violência. Lisboa: Instituto Piaget, 1995, p.12-13.
46
Não-Violenta (CNV) adotada pelos atores sociais, que ao se disporem a estabelecer
um diálogo para o melhor enfrentamento da violência ou daquilo que ela possa
gerar, procurarão observar as necessidades básicas e humanas do outro
108
.
Da mesma maneira que a compaixão significa colocar-se no lugar do outro,
sentimento que retoma o grau de pertencimento do sujeito com relação ao grupo e
principalmente ao outro, em especial nos momentos de dor e desgraça, leva a
abordar o mais puro sentimento que está presente nas relações sociais: o amor
109
.
Portanto, a Comunicação Não-Violenta também facilita nas interações sociais
e possibilita a conservação do amor nas relações sociais. Além disso, ao se
pretender a socialização de pessoas, por exemplo, adolescentes, é preciso praticar
a compaixão conforme o processo da CNV e acima de tudo, o amor. Sem o amor,
não ocorre a socialização
110
.
De outro modo, ao aplicar os quatro componentes da CNV, resta prestar
atenção no que os outros estão observando, sentindo, precisando e pedindo; aliás,
essa parte da comunicação denomina-se “receber com empatia”. Como bem
demonstra Marshall: “a empatia é a compreensão respeitosa do que os outros estão
vivendo.” Para tanto, ela perpassa os sentidos, para que se consiga efetivamente
escutar com o coração, de forma a agir com compaixão e amor
111
.
108
ROSENBERG, op.cit., p.86-87.
109
MATURANA, R., Humberto. A ontologia da realidade. Belo Horizonte: UFMG, 1997, p.184. [...] “o
amor é a condição dinâmica espontânea de aceitação, por um sistema vivo, de sua coexistência com
outro (ou outros) sistema(s) vivo(s), e que tal amor é um fenômeno biológico que não requer
justificação: o amor é um encaixe dinâmico recíproco espontâneo, um acontecimento que acontece
ou não acontece. Como um encaixe dinâmico recíproco espontâneo, o amor ocorre ou não ocorre. Se
o amor ocorre, socialização; se não ocorre, não socialização. Além disso, eu também estou
dizendo que como tal, o amor é a expressão de uma congruência estrutural espontânea que constitui
um começo que pode ser expandido ou restringido, ou pode mesmo desaparecer na deriva estrutural
co-ontogênica que começa a acontecer quando ele acontece. E, uma vez que eu digo que os
fenômenos sociais são fenômenos que se dão na deriva estrutural espontânea co-ontogênica, eu
também estou dizendo que o amor é o fundamento do fenômeno social e não uma conseqüência
dele, e que os fenômenos sociais, em um domínio qualquer de interações, duram somente enquanto
o amor persistir nesse domínio”.
110
MATURANA, Id., ib., p.184.
111
MULLER, Jean-Marie. O princípio de não-violência. Lisboa: Instituto Piaget, 1995, p.133.
47
Para Galtung:
As emoções são as forças motoras e a intelectualidade é o instrumento.
Esta aparente contradição é transcendida, em trabalho de conflito, por um
arraigamento apaixonado a valores como a empatia, para conhecer
realmente as partes, a criatividade, para poder ser de alguma ajuda real, e a
não-violência, que promove - nunca insulta - as necessidades básicas
112
.
O sujeito que se interessa em trabalhar com adolescentes no processo
restaurativo precisa desenvolver sua empatia, bem como a capacidade de externar o
amor; caso contrário, sem sentir tais sentimentos, não terá condições de estar inteiro
com o outro. Ademais, quando o adolescente, que aceita participar de um círculo
restaurativo, ficando frente a frente com a sua vítima e a comunidade que convive,
ele (não esquecendo também a vítima) necessita ser ouvido e escutado
113
.
Aliás, a escuta é o ponto de partida de todo processo restaurativo, pois requer
ouvir de modo ativo e sem a disponibilidade de julgar. Por isso, tanto juízes,
coordenadores dos círculos restaurativos ou qualquer pessoa que esteja na
condição de ouvinte e tenha a pretensão de se comunicar de maneira não-violenta,
valendo-se do poder da empatia, precisa observar alguns aspectos: ouvir com
atenção e receptividade, antes de expressar seu posicionamento mesmo que
contrário; explicar que tipo de conversa pretende ter, com o objetivo de ajudar o
interlocutor a cooperar, bem como evitar desentendimentos; procurar apresentar os
fatos, expressando-se com clareza, falando devagar, passando ao outro todas as
informações acerca do que está sentindo e pensando; traduzir e explicar as críticas
e reclamações (e a dos outros) em termos de reivindicação; elaborar perguntas
abertas e criativas; expressar consideração, gratidão e encorajamento
114
.
1.3 A teoria da Ação Comunicativa em debate
A Justiça Restaurativa pauta-se na promoção de um espaço propício para o
diálogo entre os atores sociais dispostos a cooperarem e entenderem-se
112
GALTUNG, op.cit., p.209.
113
MULLER, op.cit., 1995, p.159.
114
SCURO NETO, Pedro. Justiça Restaurativa: desafios políticos e o papel dos juízes. Revista da
AJURIS/Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, Porto Alegre: V.33, n.103 p.231-251, set.2006.
48
mutuamente sobre o conflito. Nesse aspecto a Teoria de Ação Comunicativa de
Habermas demonstra relação com os seus princípios e valores, por assentar-se
também no diálogo e por sua vez, a disposição dos sujeitos em desenvolverem
propostas de entendimento pela comunicação. Como também se pode assinalar
aqui, que o direito também existe para resolução de conflitos, meio pelo qual se
valem os interlocutores na construção de um acordo.
A condição primordial do diálogo é a abertura:
Se não existe esta mútua abertura, tampouco existe este verdadeiro vínculo
humano. Pertencer-se uns aos outros. Quando dois se compreendem, isto
não quer dizer que um compreenda o outro, isto é, que o olhe de cima para
baixo. E igualmente, escutar o outro o significa simplesmente realizar às
cegas o que o outro quer. A que é assim se chama submisso. A abertura
para o outro implica, pois o reconhecimento de que devo estar disposto a
deixar valer em mim algo contra mim, ainda que não haja nenhum outro que
o vá fazer valer contra mim
115
.
Reconhece-se ainda que o direito seja um paradigma procedimentalista, pois
as práticas restaurativas representam uma alternativa de resolução de conflitos que
se valem do procedimento do discurso inter-relacionados com o princípio da
democracia e da solidariedade sob a perspectiva de Habermas. Em síntese os
atores sociais, ou as partes interessadas no conflito reúnem-se e abordam de
maneira argumentativa sobre as necessidades e conseqüências ocasionadas pelo
dano. Cada sujeito tem seu momento de fala e exposição de seus sentimentos e
argumentos sobre o fato
116
.
Ocorre que, com a guinada lingüística, o discurso é o eixo central, de maneira
que seus participantes ao argumentarem, por exemplo, sobre alternativas de
reparação do dano como: trabalhos voluntários em uma creche do município,
precisam seguir regras no discurso, de tal forma que valide e legitime as pretensões
de verdade na própria linguagem, por meio do plano de trabalho acordado. Segundo
Ludwig, devem ser observadas as seguintes regras: todos os participantes do
discurso em princípio são iguais e não devem ser excluídos de qualquer argumento.
115
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método. Tradução de Flávio Paulo Meurer. Petrópolis: Vozes,
1997, p.532.
116
HABERMAS, op.cit., 2003,p. 55.
49
Além disso, a obrigação de argumentar é sem violência, pois pode eliminar o
falante
117
.
Logo, o discurso nada mais representa que o direito ao consenso. A procura
pelo consenso o afasta a existência de conflitos; pelo contrário, os conflitos são
importantes para a instauração do consenso.
Nesse contexto o Estado democrático de direito deve ser compreendido como
uma associação de cidadãos livres e iguais, e que o sentimento de pertença a um
Estado esteja ligada ao princípio da voluntariedade
118
. Do mesmo modo, não de
se falar em Estado democrático de direito, sem relacioná-lo ou identificá-lo como um
espaço público constituído por cidadãos que tem condições de exercer tal pleito por
estarem vivendo em uma democracia. Não basta para um determinado Estado o
sentimento de pertença entre os atores sociais, os mesmos precisam ter condições
de exercerem sua cidadania caracterizada pela busca incessante de
reconhecimento de direitos e também de responsabilidades em um espaço
democrático. Além disso, também na rede comunicacional que esses atores sociais
formam, precisam do direito para mediar suas relações interpessoais e de interesse
coletivo.
Entende-se que, na esfera pública os atores sociais se predispõem a agirem
orientados para o entendimento, de forma que os conflitos emanados e discutidos
pelos atos de fala sejam superados pelos argumentos reconhecidos e validados. Por
vezes, a institucionalização do sujeito amarrado a burocracia, ao poder, e ao
dinheiro, tem por objetivo dissolver, fragmentar e esfacelar a esfera pública
119
.
Por conta disso, Habermas conceitua dois princípios básicos para a obtenção
de acordos: o princípio D (de discurso) e o princípio U (de universal). Pelo princípio
117
LUDWIG, C. L et al. Discurso e direito: o consenso e o dissenso. In: ____. Direito e discurso
discursos do direito. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2006. p.50-51.
118
HABERMAS, op.cit., 2003, p. 285.
119
HABERMAS, Id.,ib.,p. 92. A esfera pública pode ser descrita como uma rede adequada para a
comunicação de conteúdos, tomadas de posição e opiniões; nela os fluxos comunicacionais são
filtrados e sintetizados, a ponto de se condensarem em opiniões blicas enfeixadas em temas
específicos. [...] A esfera pública constitui principalmente uma estrutura comunicacional do agir
orientado pelo entendimento, a qual tem a ver com o espaço social gerado no agir comunicativo, não
com as funções nem com os conteúdos da comunicação cotidiana.
50
D: “São válidas as normas de ação às quais todos os possíveis atingidos poderiam
dar o seu assentimento, na qualidade de participantes de discursos racionais”
120
.
Com a prática argumentativa instaura-se uma concorrência pelos melhores
argumentos em que a orientação se dê por um acordo mútuo
121
.
Para o princípio U, que uma norma é validade quando as conseqüências
presumíveis e os efeitos secundários para os interesses específicos e para as
orientações valorativas de cada um, decorrentes do cumprimento geral dessa
mesma norma, podem ser aceitas sem coação por todos os atingidos em
conjunto
122
.
O diálogo representa, nas práticas restaurativas, a principal ferramenta na
solução do conflito pelos interlocutores, os quais deverão restar conscientizados de
seus direitos da co-responsabilidade que os une, para que se consiga maior eficácia
do acordo.
Portanto, dirimir conflitos pressupõe a obtenção de um ambiente de
comunicação pacífica e a igualdade de condições de diálogo entre os atores sociais.
O êxito da tarefa do coordenador das práticas restaurativas está condicionado à sua
aptidão de auxiliar imparcialmente o diálogo entre os envolvidos de forma a diminuir
a hostilidade
123
e conduzi-los ao encontro das suas próprias soluções de conflito.
Embora não haja uma forma predeterminada de procedimento para a Justiça
Restaurativa, a Comunicação Não-Violenta e a mediação têm sido empregadas no
Brasil como método no processo restaurativo. O que se mostra conveniente que,
desde o início dos círculos restaurativos o facilitador utilize uma linguagem simples e
direta, esclarecendo aos interessados principais e secundários que nesse espaço de
120
HABERMAS, op.cit., 1997, p.142.
121
HABERMAS, op.cit., 2002, p. 58.
122
HABERMAS, op.cit., 2002, p. 56.
123
MULLER, Jean - Marie. Não-violência na educação. Tradução de Tônia Van Acker. São Paulo:
Palas Athenas, 2006, p. 28. “Os seres humanos não devem se deixar levar para um relacionamento
de “hostilidade” com aqueles que encontram, em que todos sejam inimigos de todos; devem antes
buscar estabelecer um relacionamento de “hospitalidade”, onde cada um é anfitrião do outro. É
significativo que as palavras hostilidade e hospitalidade derivem da mesma raiz etimológica: as
palavras hostes e hospes referem-se ambas ao estrangeiro ou forasteiro, que pode ser excluído
como inimigo ou acolhido como hóspede”.
51
agir comunicativo deverá ser realizado um trabalho cooperativo, no qual o respeito
mútuo e a escuta são fundamentais quanto ao que cada um pretende externar sobre
o conflito.
Nesse contexto, a Teoria da Ação Comunicativa de Habermas, constitui um
instrumento adequado para a Justiça Restaurativa, pois propõe um novo mecanismo
para a aquisição da verdade, no qual os atores sociais sejam protagonistas de um
processo comunicativo baseado na melhor argumentação racional e que tem por
objetivo obter o entendimento por meio da cooperação, com a exclusão de métodos
coercitivos e manipulatórios.
Na Teoria da Ação Comunicativa, distinguem-se a ação instrumental e a ação
comunicativa. A ação instrumental como modalidade cnica é orientada ao êxito de
fins, independente dos meios empregados. Na ação comunicativa, prevalecem a
comunicação e a interação voltadas para a promoção do entendimento entre os
membros da comunidade
124
.
Evidencia-se aqui que Habermas ao desenvolver essa teoria propôs ampliar o
conceito de razão, enfatizando a importância da linguagem na relação intersubjetiva.
Nesse aspecto, pode-se afirmar que, para o autor, a razão é comunicativa, devendo
ser observado o melhor argumento
125
. Quanto à racionalidade, em síntese, refere-se
à “disposição por parte do sujeito falante e atuante de adquirir e utilizar um saber
falível”
126
.
Nesse ínterim, também se distingue o agir e o falar, como ações. Quando um
adolescente, exercendo certas atividades corporais no seu cotidiano, como correr,
fazer entregas e explicita falar quando se vale de atos de fala, como ordens,
124
HABERMAS, op. cit., 1987, p. 27.
125
IAROZINSKI, Maristela Heidemann. Contribuições da teoria da ação comunicativa de Jürgen
Habermas para a educação tecnológica. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Tecnologia, do Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná, Curitiba, PR,
2000. p. 10. Disponível em: <www.ppgte.cefetpr.br/dissertacoes/2000/maristela.pdf. >Acesso em: 17
maio 2006, p.19.
126
HABERMAS, Jürgen. O discurso filosófico da modernidade. Lisboa: Dom Quixote, 1990, p.291.
52
confissões, constatações. Em ambos os casos caracterizam-se em sentido amplo:
ações
127
.
Relevante, ainda, a distinção do agir estratégico e do agir comunicativo. No
primeiro existe uma atuação sobre o outro que pode ensejar continuação desejada
de uma interação; no outro, ocorre a motivação racional pelo outro para uma
adesão, por causa do efeito ilocucionário de comprometimento que a oferta de fala
suscita.
Sobre a estrutura de perspectivas do agir orientado para o entendimento
mútuo, algumas distinções devem ser observadas: tem-se a orientação para o
entendimento mútuo e a orientação para o sucesso. Ambos dizem respeito às
conseqüências do agir dos atores envolvidos, que possuem planos de ação. Na
orientação para o sucesso, os atores para alcançarem seus objetivos procuram
influenciar externamente, por meio de armas, bens, ameaças sobre a definição da
situação ou sobre as decisões ou os motivos de seus adversários, ou seja, a
coordenação de ação e relação desses sujeitos é estratégica ou egocêntrica.
Quanto ao grau de cooperação e estabilidade, dependerá das faixas de interesses
dos participantes
128
.
Os atores da fala, isto é, os participantes do círculo restaurativo, denominação
dada ao espaço simbolicamente construído para as práticas restaurativas, ao
refletirem sobre uma norma ou ao expressarem sentimento, fazem uso de um
“mundo da vida” que lhes está implícito e que funciona como um pano-de-fundo,
127
HABERMAS, Jürgen. Pensamento Pós-metafísico. Estudos filosóficos. Rio de janeiro: Tempo
Brasileiro, 1990, p. 65. [...] Ações em sentido estrito, ou seja, atividades não-lingüísticas do tipo citado
como exemplo, são descritas por mim como atividades orientadas para um fim, (Zwecktätigkeiten)
através das quais um ator (Aktor) intervém no mundo, a fim de realizar fins propostos, empregando
meios adequados. Eu descrevo os proferimentos lingüísticos como atos através dos quais um falante
gostaria de chegar a um entendimento com um outro falante sobre algo no mundo. Eu posso levar a
cabo essas descrições assumindo a perspectiva do agente, portanto, da primeira pessoa. Contrastam
com esta perspectiva as descrições feitas na perspectiva de uma terceira pessoa, que observa o
modo como um ator atinge um objetivo através de uma atividade orientada para um fim, ou como ele,
através de um ato de fala, chega a um entendimento com alguém sobre algo. Descrições na
perspectiva da segunda pessoa são sempre possíveis quando se trata de ações de fala (“Você me
ordena, (ele ordena) que eu deixe cair a arma”); no caso de atividades orientadas para um fim, essas
mesmas descrições somente são possíveis quando introduzidas em contextos cooperativos (“Você
me entrega (ele entrega) a arma”).
128
HABERMAS, Jürgen. Consciência moral e agir comunicativo. Tradução de Guido A. de Almeida.
Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989.p, 163-164.
53
pois fornece sustentabilidade para que se chegue ao entendimento na ação
comunicativa
129
. Cada participante retira desse lugar suas interpretações que
possibilitarão uma ação no mundo, bem como interações sociais, em cuja relação de
indivíduos e sociedade
130
ocorre um compartilhamento que está em constante
transformação.
A esse respeito, Siebeneichler explica que:
O conceito “razão comunicativa” ou “racionalidade comunicativa” pode, pois,
ser tomado como sinônimo de agir comunicativo, porque ela constitui o
entendimento racional a ser estabelecido entre os participantes de um
processo de comunicação que se dá sempre através da linguagem, os
quais podem estar voltados, de modo geral, para a compreensão de fatos
do mundo objetivo, de normas e de instituições sociais ou da própria noção
de subjetividade
131
.
Desse modo, pode-se entender que as palavras razão e racionalidade podem
ser consideradas como sinônimos de agir comunicativo, pois os participantes de um
determinado processo de comunicação exporão pela linguagem seus argumentos
sobre os fatos de maneira racional. Dito de outro modo, pode-se dizer que os seres
humanos são racionais, mas com os seus atos ou a maneira de agirem, afastando-
os do interesse mútuo e não se desprendendo de interesses que alimentam
exclusivamente os seus “egos” estarão sendo irracionais
132
.
Nesse contexto, pode-se perceber ainda que a razão comunicativa faz parte do
mundo da vida, o qual é constituído por símbolos que originam-se das interações e
vivências entre os sujeitos e que são transmitidos de uma geração a outra pela
comunicação. Quanto a esse aspecto note-se a possibilidade de autoconhecimento
129
IAROZINSKI, 2006, In: <www.ppgte.cefetpr.br/dissertacoes/2000/maristela.pdf. >Acesso em 17
maio 2006, p.27.
130
SOUZA, Jessé. Patologias da Modernidade: um diálogo entre Habermas e Weber. São Paulo:
Annblume, 1997, p. 43. O conceito de sociedade como um todo, como uma combinação de
reprodução material (sistema) e reprodução simbólica (mundo da vida), também é interpretado por
Habermas como uma conquista em relação a outros reducionismos que tomam parte pelo todo, como
no exemplo de Parsons -reducionismo sistêmico - ou Mead - reducio-nismo pelo aspecto de mundo
vivido. Essa concepção dual implica também a adoção das perspectivas internas do sujeito-ator
(mundo vivido) e externa não-participante e observacional (sistema), cada uma delas preservando
sua legitimidade regional.
131
SIEBENEICHLER, Flávio Beno. Jürgen Habermas: razão comunicativa e emancipação. Rio de
Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989,p.66.
132
IAROZINSKI, 2006, In: <www.ppgte.cefetpr.br/dissertacoes/2000/maristela.pdf. >Acesso em 17
maio 2006, p.20.
54
e emancipação pela liberdade que se poderá alcançar na rede de socialização
comunicativa entre os indivíduos
133
.
O mundo vivido, além de criticável e instável, é um elo de conexão para
conceitos fundamentais como a cultura, a sociedade
134
a reprodução material, a
reprodução cultural a integração social e a socialização que tem relação com os
seus componentes estruturais. Denota-se que a cultura é o acervo de saber, em que
os participantes na comunicação se abastecem de entendimento sobre algo no
mundo
135
.
Quanto ao conceito de sociedade, Habermas define como sendo as
ordenações legítimas, das quais os participantes pelo processo da interação
regulam e se identificam como pertencentes a grupos sociais, ligados pelo elo da
solidariedade.
136
Dentro desses grupos sociais estão localizados os sujeitos, estes
são constituídos de personalidade. Por sua vez, a personalidade é entendida como
as competências de linguagem e ação do sujeito, para tomar parte no processo de
entendimento e para afirmar sua própria identidade
137
.
Logo,
El campo semántico de los contenidos simbólicos, el espacio social y el
tiempo histórico constituyem las dimensiones que las acciones
comunicativas comprendem. El entretejimento de interacciones de que
resulta la red de práctica comunicativa cotidiana constiuye el medio a
través del que se reproducen la cultura, la sociedad y la persona. Tales
procesos de reproducción sólo se refieren a las estructuras simbólicas del
mundo de la vida. De ellos hemos de distinguir el mantenimiento del
sustrato material del mundo de la vida. La reproducción material se cumple
133
IAROZINSKI, 2006, In: <www.ppgte.cefetpr.br/dissertacoes/2000/maristela.pdf. >Acesso em: 17
maio 2006, p.25.
134
HABERMAS, Jürgen. Comentários à ética do discurso. Tradução de Gilda Lopes Encarnação.
Lisboa: Instituto Piaget, 1991, p. 170. Em sociedades complexas, as pretensões a uma participação
justa nos casos recursos da sociedade, isto é, os direitos positivos ao bem-estar alimentação e à
habitação, à saúde, educão e oportunidades de trabalho) podem ser efectivamente satisfeitas
através da mediação de organizações. Assim sendo, os direitos e os deveres individuais
transformam-se em direitos e deveres institucionais: quem tem obrigações é a sociedade organizada
como um todo – é perante ela que são defendidas os direitos positivos.
135
HABERMAS, Jürgen. Teoria de la Acción Comunicativa, II: crítica de la razón funcionalista. Madrid:
Taurus, 1999. p. 196. Llamo cultura al acervo de saber, en que los participantes en la comunicación
se abastecen de intederse sobre algo en el mundo.
136
HABERMAS, op.cit., 1999, p. 196.
137
HABERMAS, op.cit., 1999, p. 196.
55
através del medio de la actividad teleológica con que los individuos
socializados intervienen en el mundo para realizar sus fines.
138
Percebe-se que a sociedade é complexa por ser um espaço constituído de
vários grupos sociais que são formados por pessoas que apresentam distintas
personalidades e que, por sua vez, identificam-se num determinado grupo,
caracterizando o nível de pertencimento e interação social entre os demais. Do
mesmo modo, dispõe de cultura como uma das estruturas que os aproxima. Mas o
que reza dentro dessa sociedade não se encerra por aí, pois no cenário complexo
ainda de se falar da reprodução material (intervenção dos indivíduos socializados
no mundo para realizar seus objetivos) e a reprodução cultural
139
, que, pelo próprio
nome, refere-se a cultura predominante no meio que reproduzida para as demais
gerações ou pessoas que se integram nesse grupo ou na comunidade. No que
tange a socialização, refere-se em síntese, a capacidades interativas dos sujeitos
em responderem de maneira independente suas ações
140
.
A ação comunicativa ainda sobrevive no mundo da vida, embora esteja sendo
invadido constantemente pela ação instrumental que por sua vez, substituiu a
linguagem do sistema político pelo poder e a linguagem do sistema econômico pelo
dinheiro, transformando-o em um mundo sistêmico
141
.
138
HABERMAS, op.cit., 1999, p. 196-197.
139
HABERMAS, op.cit., 1999. p. 200. La integración social del mundo de la vida se encarga de que
las situaciones nuevas que se presenten en la dimensión del espacio social queden conectadas con
los estados del mundo ya existentes: cuida de que las acciones queden coordinadas a través de
relaciones interpesonales legítimamente reguladas y da continuidad a la identidad de los grupos en
un grado que baste a la práctica comunicativa cotidiana. La coordinación de las acciones y la
estabilización de las identidades de grupo tienen aqui su medida en la solidariedad de los miembros,
lo cual se patentiza en las perturbaciones de la integración social, que se traducen en anomía y en los
correspondientes conflictos. En estos casos los actores ya no pueden cubrir la necessidad de
coordinación que las situaciones nuevas plantean, recurriendo a las ordenaciones legítimas
existentes. Las pertencias a grupos legítimamente reguladas ya no bastan, y el recurso “solidariedad
social” se hace escaso.
140
HABERMAS, op.cit., 1999, p. 201. La socialización de los miembros de un mundo de la vida se
encarga, finalmente, de que las nuevas situaciones que se producen en la dimensión del tiempo
histórico queden conectadas con los estados del mundo ya existentes: assegura a las generaciones
siguientes la adquisición de capacidades generalizadas de acción y se cuida de sintonizar las vidas
individuales con las formas de vida colectivas. Las capacidades interactivas y los estilos personales
de vida tienen su medida en la capacidad de las personas para responder autónomamente de sus
acciones. Es lo que se patentiza en las perturbaciones del proceso de socialización, que se
manifiestan en psicopatologias y en los correspondientes fenómenos de alienación.
141
FEITOZA, Cynara Guimarães Pimentel. Mediação e ação comunicativa de Habermas: A
construção cooperativa da paz social. In: SALES, Lília Maia de Moraes (org.). Estudos sobre a
56
Dito de maneira diversa considera-se a Justiça Restaurativa propícia à prática
da ação comunicativa, pois a sua essência consiste em garantir aos atores sociais, a
possibilidade do uso da linguagem na construção do momento da escuta.
Ainda dentro desse cenário, pode-se reconhecer que a colonização do mundo
da vida também decorre da incapacidade de o sujeito enxergar o outro, apenas
visualiza quando o mesmo tem utilidade ou pelo que consome. Além disso, as
pessoas agem violentamente e alimentam rancores quando aderem a uma
identidade. Nesse sentido, entende Habermas:
Tendo como ponto de referência uma comunidade comunicativa alargada
de forma ideal, a teoria moral abandona também todos os conceitos pré-
sociais de pessoa. A individuação é apenas o reverso da socialização.
por meio de relações de reconhecimento recíproco é que uma pessoa pode
constituir e reproduzir sua identidade. Ao âmago mais interior da pessoa
está internamente ligado à periferia mais externa de uma rede
extremamente ramificada de relações comunicativas. A pessoa se torna
idêntica a si própria em proporção à sua exposição comunicativa. As
interações sociais que formam o Eu também o ameaçam-através das
dependências em que ele se implica e das contingências a que ele se
expõe. A moral actua como fonte de equilíbrio para esta susceptibilidade
inerente ao próprio processo de socialização
142
.
Em termos gerais, “a sociedade é mundo da vida e mundo do sistema, ao
mesmo tempo”
143
denotando diversas representações que constituem suas
estruturas. Assim, pode-se localizar nesse espaço de interação e de dualidade as
ações que movimentam e dão um sentido de perspectiva social aos sujeitos que
ocupam o cenário comunicacional, e que, portanto, entender-se-ão sobre algo,
quando desprenderem-se de atitudes irracionais e interagirem de maneira
intersubjetiva.
De outro modo, a conjuntura dessas ações é observada dentro da sociedade e
das pessoas, que, com mundos diferenciados - o subjetivo, o social e o objetivo
compartilham experiências, vivências, tem como pano-de-fundo a própria sociedade.
Por vezes, os conflitos demasiados, como a banalização da violência, implicarão
uma retomada urgente da significação da racionalização social, da integração e da
efetivação do direito na atualidade: a cidadania em debate. Fortaleza: Universidade de Fortaleza,
2005.
142
HABERMAS, Jürgen. Comentários à ética do discurso. Instituto Piaget, Lisboa, 1991, p. 96.
143
SIEBENEICHLER, op.cit., 1989,p.40.
57
solidariedade
144
, pois sem isso os atores sociais não terão condições de se
entenderem. Por sua vez, entendimento é pressuposto de ação comunicativa.
Além disso, o individualismo desencadeado pelo capitalismo, assim como a
violência, o poder, o dinheiro, a exclusão do outro na sociedade, o descaso com as
políticas blicas socioeducativas, representam as imagens distorcidas criadas
dentro da sociedade, que, conseqüentemente, explicitam a instrumentalidade
dessas ações
145
.
Para que o espaço comunicativo seja construído, não significa que as políticas
de atendimento e os princípios elencados no Estatuto da Criança e do Adolescente
devam ser abandonados e em seu lugar adotado o modelo da Justiça Restaurativa,
que é contemplado por outros países, como a Nova Zelândia. Ao contrário, o que se
pretende é lançar o de mais uma ferramenta que combinada à legislação
brasileira contribua para que se efetivem políticas públicas preventivas e executivas
na área da infância e da juventude. A adoção das práticas restaurativas, que podem
ser recepcionadas pelo Estatuto, como por exemplo o artigos 88 e 126 do
mencionado diploma legal, representa uma (re)significação e reconhecimento dos
atores sociais enquanto sujeitos de direitos plenos. Por isso,
O espaço público da palavra e da ação é fundamental porque existem
assuntos que requerem um escolha que não pode encontrar seu
fundamento no campo da certeza, pelo que, apenas através do debate
público, é que se pode lidar com tais temas de interesse coletivo que não
são e não podem ser suscetíveis de serem regidos pelos rigores do
conhecimento e que não se subordinam, por isso mesmo, ao depotismo do
caminho de mão única de uma só verdade. Desta forma, toda ação, palavra
e liberdade não se configuram em coisas outorgadas, mas requerem para
144
HABERMAS, op.cit., 2003, p.308-309. Do ponto de vista de uma teoria da sociedade, o direito
preenche as funções de integração social; com efeito, associado ao sistema político configurado
através das constituições, o direito assume a garantia pelas perdas que se instalam na área da
integração social. Ele funciona como uma espécie de correia de transmissão que transporta, de forma
abstrata, porém, impositiva, as estruturas de reconhecimento recíproco existentes entre conhecidos e
em contextos concretos do agir comunicativo, para o nível das interações anônimas entre estranhos,
mediadas pelo sistema. Ao passo que a solidariedade que é a terceira fonte da integração social,
ao lado do poder administrativo e do dinheiro surge indiretamente do direito, pois ele garante,
através da estabilização de expectativas de comportamento, relações simétricas de reconhecimento
recíproco entre os titulares dos direitos subjetivos. Tais semelhanças estruturais entre direito e agir
comunicativo que se tornam reflexivas, desempenham papel constitutivo na produção e no emprego
de normas de direito.
145
HABERMAS, Jürgen. Teoria de la Acción Comunicativa: Racionalidade de la Acción y
racionalización Social. Tradução de Manuel Jiménez Redondo. Madrid: Taurus, 1988 a v.I, p.436.
58
surgirem a construção e a manutenção do espaço público, vale dizer, a
garantia de condições de possibilidade
146
.
Nesse quadro, o que se busca com as práticas restaurativas pela justiça é que
as partes envolvidas no processo tenham a possibilidade de ser escutadas e
principalmente que consigam escutar, bem como reconhecer as necessidades
básicas e humanas do outro. Do mesmo modo, que ao criar e possibilitar um espaço
para se exercer atos comunicativos e se buscar acordos mútuos
147
, espera-se que
os atos violentos ou instrumentais sejam deixados de lado, dando lugar ao
entendimento e a compreensão mútua. Por conta disso, se quer abandonar antigos
paradigmas baseados em uma educação repressora ou de uma justiça punitiva, que
têm por premissa adestrar e domesticar crianças e adolescentes
148
, não lhes
possibilitando a condição de sujeitos de direitos, que também se pelo
reconhecimento da sua efetiva cidadania. Logo, a emancipação dos atores sociais
no espaço construído pela Justiça Restaurativa somente efetivar-se-à se aliada a
essa política dialógica intersubjetiva, somarem-se outras políticas públicas de apoio
à vítima e ao adolescente.
Nesse contexto é preciso conhecer as suas circunferências, o seu ator
principal: o adolescente. Para isso, no próximo capítulo será tratada a retomada
histórica do Direito da Criança e do Adolescente e, depois o sentido da
adolescência. Além disso, abordar-se-ão os fatores potencializadores do ato
infracional, incluindo a violência estrutural, a violência intrafamiliar, a pobreza, a
exclusão e as desigualdades sociais. Por conta disso, a contextualização terá por
mote refletir sobre o discurso assistencialista, punitivo e decadente para o sujeito
nas instituições, que precisa ser desvelado, além de identificá-lo como ação não-
social instrumental de Habermas e poder de dominação sob o viés de Foucault. E,
por fim, definir as políticas públicas, em especial a política de atendimento, de
146
RAMIDOFF, Mário Luiz. Lições de Direito da Criança e do Adolescente. Ato infracional e medidas
socioeducativas. Curitiba: Juruá, 2006, p.62.
147
LUDWIG, C. L et al. Discurso e direito: o consenso e o dissenso. In: ____. Direito e discurso
discursos do direito. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2006. p.50-51. Segundo Ludwig, deve ser
observada as seguintes regras: todos os participantes do discurso em princípio são iguais e não
devem ser excluídos de qualquer argumento. Além disso, a obrigação de argumentar é sem violência,
pois pode eliminar o falante
148
MELO, op. cit., 2006, p.646.
59
maneira a verificar nos dispositivos legais do estatuto o locus para a Justiça
Restaurativa, bem como afirmar que a mesma é uma política pública socioeducativa.
60
2 O LOCUS DA JUSTIÇA RESTAURATIVA NAS POLÍTICAS DE ATENDIMENTO
DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NO BRASIL
Como ponto de partida, retoma-se as transformações ocorridas sobre os
direitos da criança e do adolescente no Brasil, dando especial atenção à
adolescência. Note-se que “a sociabilidade é a marca da adolescência, pois os
jovens vivem em grupos, tribos e gangues; exercitam princípios e constroem valores,
mas também acirram disputas e buscam se impor por meio de ações transgressivas,
violentas ou delituosas”
149
.
No atual cenário percebe-se a dificuldade de se “adolescer”, pois a sociedade
está em um ritmo desenfreado e de consumo que torna os adolescentes vulneráveis
ao contexto sociocultural e sujeitos descartáveis
150
, como se fossem lixos humanos
quando não consomem. Desse modo, pode-se também considerar que a violência é
uma das formas utilizadas para se auto-afirmar e sair da invisibilidade social
produzida pela globalização com imposições acirradas de padrões sociais, que
contaminam as relações sociais, tornando a maneira de ver o outro como um
estranho, o que por sua vez, rompe com os valores e princípios de cooperação,
solidariedade e entendimento mútuo.
Nesse capítulo de dissertação objetiva-se tratar da abordagem convencional do
ato infracional sob a égide da ação não-social instrumental de Habermas e do poder
do discurso do saber, conceito construído por Foucault. Além desses autores, serão
utilizados outros que também contribuirão para verificar se mesmo com a teoria da
Proteção Integral ainda permanecem práticas sociais institucionais dos paradigmas
anteriores (do Menor e da Situação Irregular), que são dissimuladas pelo caráter
instrumental do discurso dominante. Nesse contexto, saliente-se que distinção
entre o sentido de discurso para Habermas e para Foucault. Para o primeiro, o
discurso está relacionado ao agir comunicativo dos atores sociais, baseado no
149
PINTO, Graziela Costa. O olhar adolescente. Espelhos da sociedade. Viver Mente e Cérebro. São
Paulo. n. 4, p3, nov.2007.
150
CANHONI, Vera. O olhar adolescente. Uma questão de imagem. Viver Mente e Cérebro. o
Paulo, n. 4, p.39-47, nov. 2007, p.46.
61
princípio da democracia e da solidariedade. E, para o segundo, o discurso tem
relação com a linguagem estratégica do poder, como mecanismo de dominação.
Nesse cenário de reflexões e de construções teóricas, parte-se de um
referencial teórico que contribui para situar, de imediato, as doutrinas anteriores ao
direito da criança e do adolescente. Em que pese está-se aqui tratando da doutrina
do Menor e da doutrina da Situação Irregular. Ambos os períodos recepcionados por
tais doutrinas deixaram evidenciada a negação de cidadania aos infantes, quando a
preocupação última central era crimininalizar atos de conduta, reduzir o sujeito à
figura de estigma, rotulação e etiquetamento dada pela institucionalização. No
avanço constitucional e estatutário alcançado pela influência das legislações
internacionais, a teoria da Proteção Integral, em substituição as demais, representa
uma forma de garantir a cidadania e efetuar o princípio da não-institucionalização.
Importa lembrar que, na Doutrina Penal do Menor e na Doutrina da Situação
Irregular, adotada pelo revogado Código de Menores (Lei n. 6.697 de 10 de outubro
de 1979), o direito de verificar a prática de um ato de delinqüência ou partia-se do
pressuposto que a declaração de situação irregular ou patologia social, somente
poderia derivar de um desvio de conduta do infante ou da própria sociedade
151
.
Logo, a estigmação, a exclusão e a desigualdade social, especialmente com as
crianças e os adolescentes pobres, nesses períodos, acentuam de maneira
exemplar a presença da razão instrumental, que se caracteriza nesse contexto pela
negação de reconhecimento do sujeito de direitos, bem como pela sua relevância
abarcada no objeto, ou seja, vendo-o como objeto ímpar do sistema penal
retributivo.
Por conta disso, é que, no capítulo anterior, houve a preocupação de discorrer
a Justiça Restaurativa, pois, ao que tudo indica, essa proposta de mudança de
atitude comportamental e de olhar por parte das instituições, que trabalham com
adolescentes autores de ato infracional, ao apresentar políticas de atendimento que
diminuam os danos também ocasionados pela violência institucional, deverá
151
SARAIVA, João Batista Costa. Adolescente e Ato Infracional: garantias processuais e medidas
socioeducativas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p. 14.
62
repercutir nas suas práticas o princípio do melhor interesse sob o viés da teoria da
Proteção Integral.
Nesse aspecto, para entender a proposta restaurativa aplicada na Vara do
Juizado Regional da Infância e Juventude de Porto Alegre, experiência que se
abordada no próximo capítulo, sob o viés da Proteção Integral, de início, o
conhecimento baseado na transdiciplinariedade volta-se para a retomada histórica
do direito da criança e do adolescente no Brasil.
2.1 Retomada histórica do direito da criança e do adolescente no Brasil
As transformações históricas que marcaram o direito da criança e do
adolescente no Brasil são cotejadas pela doutrina do direito do Menor, doutrina da
Situação Irregular e a teoria da Proteção Integral. O que ficou evidenciado, nas
delimitações construídas historicamente, é que aos infantes era negada a condição
de sujeito de direitos, por sua vez, o reconhecimento da cidadania. Do mesmo
modo, percebe-se a forte presença de ações não-sociais instrumentais como
estratégia de controle social e/ou enfrentamento a delinqüência juvenil. Além disso,
o discurso dominante, que se iniciou no colonialismo, perpassando o imperialismo, é
pautado no aniquilamento, banimento e exclusão daqueles considerados
“problemáticos para a sociedade da época”. Em outras palavras, a negação de
direitos, deu-se no Brasil de maneira discriminatória, seletiva e excludente como, por
exemplo, o tratamento dado aos indígenas, depois o período da escravidão dos
negros até o confinamento arbitrário de meninos e meninas ruas até 1988
152
.
No Brasil, após a independência política, quando JoBonifácio apresentou um
projeto em prol do menor escravo, na Constituinte de 1823, notou-se sobremaneira o
remoto início de uma preocupação da sociedade com as suas crianças. Porém, a
152
VOLPI, Mário. O compromisso de todos com a proteção integral da criança e do adolescente. In:
ZILOTTO, M,C GUARÁ; SPOSATTI, et. al,Caderno Prefeito Criança. Políticas Públicas Municipais de
Proteção Integral a Crianças e Adolescentes. Fundação ABRINQ UNICEF, p.21-36, 1999, p.21.
63
preocupação assentava-se na manutenção da mão-de-obra e não com os direitos da
criança escrava
153
.
Portanto,
Com a decretação, em 1871, da Lei do Ventre Livre, fruto de campanha
abolicionista, os senhores de escravos delineavam dois caminhos: ou
recebiam do Estado uma indenização, deixando no abandono as crianças
libertas cujos pais permaneciam no cativeiro, ou as sustentariam e, em
seguida, cobrariam tal generosidade através de trabalhos forçados aque
completassem 21 anos
154
.
Quando da promulgação da Lei do Ventre Livre, em 1871, surgiu uma mudança
de concepção de criança, pois os seus destinos tornaram-se preocupação do
Estado
155
. De qualquer sorte, os ingênuos (filhos de escravas) e as crianças
indígenas também povoaram os internatos, mesmo que de forma tímida
156
.
Nesse cenário de desigualdades sociais, note-se que o processo de
institucionalização de crianças apresentou características de natureza caritativa,
assistencialista e filantrópica. Embora no país tenham existido mobilizações, que se
preocupavam com a criança órfã, o que mais se destacou foram as políticas
repressivas com a finalidade de afastar as crianças e os adolescentes em situação
de risco, diga-se de passagem, que pudessem comprometer a segurança social.
Conforme Costa:
A criança que aparece no discurso é aquela “moralmente abandonada” pela
família, ou seja, aquela oriunda de uma família julgada como indigna e
inadequada para educar os seus. O dever de cuidar da infância fisicamente
abandonada era do Estado. Sob o argumento de se proteger a infância do
abandono moral, a família passa a ser taxada de “infratora”, perdendo para
o Estado a paternidade dos filhos. A responsabilidade de zelar pelos filhos
passa a ter conotação de dever patriótico, vez que o Código estabeleceu
153
VERONESE, Josiane Rose Petry. Temas de direito da criança e do adolescente. São Paulo: LTr,
1997, p.10.
154
VERONESE, op.cit., 1997, p. 10.
155
BALCÃO, Irene. A produção de infâncias desiguais: uma viagem na gênese dos conceitos ‘criança’
e ‘menor’. In: MARQUES, A. E. A.; BARBOSA. S. C.; NASCIMENTO. M. L. de (Org.). Rio de Janeiro:
Oficina do Autor, 2002, p. 64-65.
156
RIZZINI, I; RIZZINI I . A institucionalização de crianças no Brasil. Percurso histórico e desafios do
presente. Rio de Janeiro: PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2004. p.22.
64
processos de internação dessas crianças e de destituição do pátrio poder
de forma gratuita, devendo correr em segredo de justiça
157
.
Portanto, a Doutrina do Menor teve um viés altamente repressivo, pois a
intervenção estatal restringia-se a coibir a criminalidade infanto-juvenil. Logo, com o
Código Criminal de 1830 passa a haver diferenciação das penas em função da faixa
etária que se dividia da seguinte forma,
a primeira estabelecia que menores de 14 anos não tinham
responsabilidade penal. Porém, caso fosse estabelecido que estes agissem
com discernimento, o Juiz poderia determinar que fossem recolhidos a
Casas de Correção até completarem 17 anos. A segunda se referia a
maiores de 14 anos e menores de 17 anos. Estando nessa faixa, o menor
julgado poderia cumprir penas como cúmplice. A terceira impunha o limite
mínimo de 21 anos para que pudessem ser impostas penas drásticas como
as galés.(...) é somente vinte anos mais tarde que as primeiras discussões
para elaborar Regulamentos para Casas de Correção surgem. no final
do século XIX estas entraram em funcionamento. Até que estes
estabelecimentos tivessem sido criados, os menores condenados cumpriam
suas penas em prisões comuns. Foi a partir da segunda metade do século
XIX que a legislação começou a refletir a preocupação com a educação das
crianças
158
.
Por conseguinte, as crianças e os adolescentes eram considerados objetos do
sistema, pois, na Doutrina do Menor, somente interessava a prática de um ato de
delinqüência. Em 1927, com a promulgação do Código de Menores, o termo “menor”
foi incorporado ao vocabulário pelos juristas, que referindo-se à criança procedente
de famílias pobres
159
.
157
VERONESE, Josiane Petry; COSTA, Marli M.M. da. Violência doméstica: quando a vítima é a
criança ou o adolescente – uma leitura interdisciplinar. Florianópolis: OAB/SC, 2006, p. 45-46.
158
BALCÃO, op.cit., p. 62-63.
159
RIZZINI; RIZZINI, op.cit., p.29-30. A movimentação em torno da elaboração de leis para proteção e
assistência à infância também é intensa, culminando na criação, no Rio de Janeiro, do primeiro
Código de Menores em 1927, idealizado por Mello Mattos - primeiro juiz de menores do país e de
mais longa permanência, de 1924 até o ano de seu falecimento, em 1934. [...] O modelo dos tribunais
para menores, criado em 1899 na cidade de Boston ( Estados Unidos) e depois aplicado em países
europeus, conheceu ampla disseminação pela América Latina. [...] O Juízo de Menores, na pessoa
de Mello Mattos, estruturou um modelo de atuação que se manteria ao longo da história da
assistência blica no país até meados da década de 1980, funcionado como um órgão centralizador
do atendimento oficial ao menor no Distrito Federal, fosse ele recolhido nas ruas ou levado pela
família. O Juízo tinha diversas funções relativas à vigilância, regulamentação e intervenção direta
sobre esta parcela da população, mas é a internação de menores abandonados e delinqüentes que
atraiu a atenção da imprensa carioca, abrindo espaço para várias matérias em sua defesa, o que,
sem dúvida, contribuiu para a disseminação e aceitação do modelo. [...] Fundamentadas pelas idéias
de recuperação do chamado menor delinqüente, tais instituições passam a integrar as políticas de
segurança e assistência dos Estados nacionais.
65
De acordo com Silva:
[...] ao conceito de menor, é composta por crianças de famílias pobres, que
perambulavam livres pela cidade, que o abandonadas e às vezes
resvalam para a delinqüência, sendo vinculadas a instituições como cadeia,
orfanato, asilo etc. Uma outra, associada ao conceito de criança, está ligada
a instituições como família e escola e não precisa de atenção especial.
160
Observe-se após um período de natureza assistencial, que se deu com a
aprovação do Código de Menores, definindo juridicamente o termo menor, sinônimo
de criança pobre. Além disso, ocorreram as desativações das casas dos expostos e
a criação do Juizado de Menores
161
. Conseqüentemente, diminuiu o abandono
anônimo e a mortalidade dos expostos; porém, a tutela sobre o exposto vai até os 18
anos de idade.
Como ainda explica Costa:
O mesmo Código, tentando erradicar o sistema da Roda e da Casa dos
Expostos, garantiu o segredo de justiça, reservando à entidades de
acolhimento de menores e aos cartórios de registro de pessoas naturais o
sigilo em relação aos pais que quisessem abandonar os seus filhos,
garantindo, também, o sigilo do estado civil e das condições em que a mãe
gerou a criança. O Código de 1927 conferiu ao Juiz plenos poderes para
solucionar o problema da criança que se enquadrasse nas situações ora
definidas. Dentre elas, poderia o juiz devolvê-la aos pais, colocá-la sob a
guarda de outra família, determinar sua internação até os 18 anos de idade
ou determinar qualquer outra medida que considerasse conveniente. O
Código procurou ainda regulamentar o trabalho de crianças e adolescentes,
bem como definir, de forma taxativa, o “menor perigoso” como oriundo da
pobreza. Observa-se que a infância pobre, outrora caracterizada como
abandonado delinqüente passa a ser criminalizada
162
.
Para a doutrina da Situação Irregular adotada pelo revogado Código de
Menores de 1979, o pressuposto era a declaração de situação irregular “ou patologia
social”
163
. Nesse caminho, a Situação Irregular originou-se a partir da cultura da
compaixão-repressão, com fortes raízes nos Estados Unidos e na Europa no final do
século XIX e início do século XX
164
.
160
SILVA, Roberto da. Os filhos do governo. São Paulo:Àtica,1997, p. 69.
161
Id., ib., p. 35.
162
VERONESE; COSTA, op. cit., p. 46.
163
VOLPI, Mário. O compromisso de todos com a proteção integral da criança e do adolescente. In:
ZILOTTO, M,C GUARÁ; SPOSATTI, et. al,Caderno Prefeito Criança. Políticas Públicas Municipais de
Proteção Integral a Crianças e Adolescentes. Fundação ABRINQ UNICEF, p.21-36, 1999, p.21.
164
SARAIVA, op.cit. p. 41.
66
No esforço de se tentar diagnosticar as causas da delinqüência, do abandono
de crianças e justificar a necessidade de intervenção estatal, as famílias e os
menores foram inseridos nas práticas discursivas das instituições. O discurso de
institucionalização materializou-se nas legislações elaboradas na época, como o
Código Penal de 1942, que elevava a idade de responsabilidade penal para 18 anos,
e na criação de instituições como a do Serviço de Assistência a Menores (SAM) e
depois a criação da FUNABEM (Fundação Nacional ao Bem-Estar do Menor)
165
.
O Código de Menores, aprovado em 1979, Ano Internacional da Criança,
incorporou os princípios essenciais da fracassada Política Nacional do Bem-
Estar do Menor, de 1964. na sua aprovação, representou o último
suspiro dos princípios ideológicos da doutrina da segurança nacional,
induzindo aos mais variados questionamentos em torno de um modelo que
se demonstrou absolutamente ineficaz
166
.
Por influência da ditadura, essas instituições empregavam a hierarquia e a
disciplina militar para controlar os infantes. Portanto, a disciplina era utilizada como
técnica de controle social. Ademais, os “menores” eram encaminhados para prestar
serviço militar e trabalharem em órgãos públicos
167
. A institucionalização e o controle
da administração assistencial-repressiva, pelos Juízes de Menores, afastava-os do
real papel na prestação jurisdicional, o que ocasionou perplexidade
168
.
Na cada de 1980, inúmeras foram as mobilizações sociais, debates,
reflexões e apresentação de propostas para o atendimento aos meninos e meninas
de rua, além da organização do Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de
Rua, o Movimento Criança Constituinte, as Pastorais da Igreja Católica,
organizações comunitárias, sindicais e assistenciais que contribuíram para a
construção do Direito da Criança e do Adolescente
169
. Nesse aspecto pontua
Custódio:
[...]o movimento em defesa dos direitos da criança e do adolescente foi
constituído na década de oitenta com perspectivas comuns, consolidadas a
partir dos seguintes elementos: a crítica à doutrina do direito do menor e do
menor em situação irregular; a critica ao modelo institucional fechado de
atendimento; a centralização autoritária do controle das políticas públicas; a
165
RIZZINI; RIZZINI. Op. cit., p. 32-33.
166
CUSTÓDIO, André Viana. A exploração do trabalho infantil doméstico no Brasil contemporâneo:
Limites e perspectivas. Tese de Doutorado Universidade Federal de Santa Catarina, 2006. 284. p.80.
167
SILVA, op.cit., p. 35.
168
CUSTÓDIO, op.cit., p.80.
169
CUSTÓDIO, op.cit., p.81.
67
judicialização de práticas políticas administrativas; a crise da reprodução da
desigualdade produzida pela dicotomia menor x criança; o espanto da
opinião pública, diante da maior visibilidade das condições de pobreza e
desigualdade da população e a oportunidade de construção de uma nova
base jurídica
170
.
De acordo com a Resolução n. L44, a Convenção Internacional dos Direitos da
Criança, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em novembro de
1989, resultou aos países signatários o primeiro instrumento jurídico de garantia aos
“direitos da criança”. Emana daí a teoria da Proteção Integral, em substituição a
Doutrina da Situação Irregular, devendo os demais instrumentos jurídicos
observarem tal normativa sob a égide dos direitos humanos
171
.
Sobre a Convenção, Veronese afirma:
Diversamente da Declaração Universal dos Direitos da Criança, que sugere
princípios de natureza moral, ainda que sem nenhuma obrigação,
representando basicamente sugestões de que os Estados poderiam utilizar
ou não, a Convenção tem natureza coercitiva e exige de cada Estado-Parte
que a subscreve e ratifica um determinado posicionamento. Como um
conjunto de deveres e obrigações ao que a ela formalmente aderiram, a
Convenção tem força de lei internacional e, assim, cada Estado não poderá
violar seus preceitos, como também deverá tomar as medidas positivas
para promovê-las. Há que se colocar, ainda, que tal documento possui
mecanismos de controle que possibilitam a verificação no que tange ao
cumprimento de suas disposições e obrigações, sobre cada Estado que a
subscreve e a ratifica
172
.
Como se observa, o Brasil país signatário do tratado, que o ratificou em 21 de
novembro de 1990, tem obrigação com as políticas públicas direcionadas às
crianças e aos adolescentes. Significa dizer que a teoria da Proteção Integral
inserida na Constituição da República Federativa de 1988, no seu artigo 227 e
também consolidada no Estatuto da Criança e do Adolescente, deve ser respeitada
e aplicada em sua plenitude
173
.
170
CUSTÓDIO, op.cit., p.81.
171
SALIBA, Maurício Gonçalves. O olho do poder: análise crítica da proposta educativa do Estatuto
da Criança e do Adolescente. São Paulo: UNESP, 2006, p.15.
172
VERONESE, Josiane Rose Petry. Humanismmo e infância: a superação do paradigma da
negação do sujeito. In: MEZZAROBA, Orides. (Org.). Humanismo latino e estado no Brasil.
Florianópolis: Fundação Boiteux; [Treviso]: Fondazione Cassamarca, 2003, p.434.
173
CUSTÓDIO, op.cit.,p.127. A teoria da Proteção Integral teve seus primeiros indícios na Declaração
de Genebra, de 26 de setembro de 1924, quando a Assembléia da Sociedade das Nações adotou
uma Resolução com base na proposta do Conselho da União Internacional de Proteção à Infância, a
Save the Children International Union, organização não-governamental, reconhecendo pela primeira
vez em um documento internacional, os direitos da criança. Neste momento, a Declaração de
Genebra reconhece a proteção à criança, independentemente de qualquer discriminação de raça,
68
Nesse sentido, Chaves questiona:
[...]o que significa “proteção integral”? Quer dizer amparo completo, não
da criança e do adolescente, sob o ponto de vista material e espiritual, como
também a sua salvaguarda desde o momento da concepção, zelando pela
assistência à saúde e bem-estar da gestante e da família, natural ou
substituta da qual irá fazer parte. Mas também outro sentido do ponto de
vista estritamente legal: é que toda a matéria passará a ficar subordinada
aos dispositivos do seu Estatuto, como de resto se deduz do último dos
seus artigos, o de n. 267
174
.
Portanto, a teoria da Proteção Integral representa a base de sustentabilidade
do Direito da Criança e do Adolescente, pois, acima de tudo, reconhece aos infantes
o status de sujeitos de direitos, o que implica a universalização do conceito de
direitos de cidadania na operacionalização de políticas blicas, que tenham por
mote romper com os discursos maléficos do assistencialismo e da
institucionalização
175
.
Em outros termos:
Proteção integral não porque tem como prioridade o interesse de
crianças e adolescentes, fornecendo todos os meios, as oportunidades e
facilidades para o seu desenvolvimento pleno, mas também pelo motivo de
o Estatuto se aplicar a todos os menores de dezoito anos em qualquer
situação
176
.
Embora o Direito da Criança e do Adolescente seja reconhecido como uma
legislação especial e não pertencente a seara penal, por ocasião da própria
Constituição brasileira, em seu artigo 228, ter considerado os adolescentes
inimputáveis penalmente e com um estatuto próprio, o discurso penalista dissemina
a sua linguagem rotuladora, com estereótipos e excludente sobre àqueles que
nacionalidade ou crença. Afirma o dever de auxílio à criança com respeito à integridade da família e o
oferecimento de condições de desenvolvimento de maneira normal, envolvendo as condições
materiais, morais e espirituais. Além disso, recomenda que a criança deve ser alimentada, tratada,
auxiliada e reeducada, refletindo a força do ideário higienista e positivista da época nos campos da
educação e saúde, refletidos pelos conceitos de tratamento e normalidade. Embora apresente
universalidade, na época previa tratamento diferenciado ao órfão e ao abandonado recomendando
seu recolhimento, motivo para não se atribuir o caráter de instrumento fundador da Doutrina da
Proteção Integral. No entanto, indícios da prioridade à criança aparecem na declaração no
momento em que afirma a garantia da primazia em receber socorros em tempos de infortúnio.
174
CHAVES, Antonio. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 2.ed. São Paulo:
LTR,1997, p. 51.
175
CUSTÓDIO, op.cit., p.131.
176
VERONESE; COSTA, op.cit; p. 55.
69
deseja controlar e aniquilar, no caso, os adolescentes pobres. Por outro lado, o
sistema retributivo age instrumentalmente sobre os indivíduos, independente de
idade, condição e classe social.
Muito poder-se-ia abordar sobre o Direito da Criança e do Adolescente, por ser
um direito em construção e inacabado; no entanto, a proposta de reflexão volta-se
para a institucionalização e para as políticas públicas de atendimento (tratar-se-á
disso mais adiante), com o objetivo de desvelar os discursos punitivos favoráveis a
institucionalização do adolescente. Além disso, verificar a possibilidade da Justiça
Restaurativa ser recepcionada pelo Estatuto.
Embora atualmente se esteja diante de uma legislação estatutária moderna e
cidadã, por distinguir e respeitar o período da infância e da adolescência,
literalmente para se encetar políticas públicas na área da infância e da juventude,
como a Justiça Restaurativa (que será tratada mais especificadamente no último
capítulo), faz-se necessário conhecer mais sobre os adolescentes.
Ademais os estudos sobre a adolescência têm a peculiaridade de recepcionar
uma perspectiva interdisciplinar na tentativa de explicitar sobre esse período
evolutivo dos seres humanos, suas características e condutas transgressoras que
contribuem na compreensão dos adolescentes enquanto agentes de renovação
lingüística e cultural
177
. Ressalta-se que não se pode tendenciar, pois a abordagem
da realidade dos adolescentes exige a inter-conexão de todos os fatores que
intervêm na fase de maturação de cada sujeito.
2.2 Adolescente: sujeito em construção
A adolescência representa o momento do desenvolvimento social e biológico
do ser humano. No entanto, o social é o que mais descreve esse período, por estar
também vinculado a cultura de cada civilização, que tem na sua situação peculiar os
177
PINTO, Graziela Costa. O olhar adolescente. Os incríveis anos de transição para a idade adulta.
Viver Mente e Cérebro. São Paulo, n. 1, p.03.- 05, ago. 2007.
70
rituais distintos, que delimitam bem essa passagem na vida de cada sujeito
178
, o que
repercute no recebimento de uma identidade social, como símbolo de
reconhecimento pelos outros membros da sociedade.
A palavra “adolescência”, decompondo-a etmologicamente, origina-se do latim
ad (para a frente) + dolescere ( crescer, com dores), refere-se ao período de
maturação , crise ou separação vivida pelo sujeito em um determinado período da
vida. Com relação a essa transformação, pode-se dizer que essa fase da vida
abrange três níveis de maturação e desenvolvimento do ser humano em formação:
tem-se a puberdade dos 12 aos 14 anos; a adolescência propriamente dita, que se
estende dos 15 aos 17 anos, apresentando como principal característica as
mudanças psicológicas; e, por fim, a adolescência tardia dos 18 aos 21 anos que,
em especial, se caracteriza, pela busca de identidade individual, grupal e social
179
.
Ademais:
De forma semelhante, alguns acontecimentos sociais e culturais parecem
ter propiciado a emergência da adolescência como um período distinto do
desenvolvimento humano e como campo de estudo como (sic) com
legitimidade própria. Apesar das componentes psicológicas e fisiológicas
fundamentais terem existido sempre em cada pessoa jovem,
indiferentemente dos períodos históricos, a cultura a sociedade adulta
nem sempre reconheceu as características específicas da adolescência
180
.
Em um estudo divulgado pelo Fundo das Nações Unidas, a entrada na
adolescência representa mais que um período cronológico, pois significa profundas
mudanças de uma fase da vida de grandes expectativas e diversas oportunidades,
por isso, o reconhecimento e definição dados pelo UNICEF, em 2002, da
adolescência como “uma janela de oportunidades”. Destaca, ainda, a importância do
Estatuto da Criança e do Adolescente como instrumento de garantias e
178
VEZZULA, Juan Carlos. A mediação de conflitos com adolescentes autores de ato infracional.
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, do Centro
sócio-Econômico da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2004. 137. p.19.
179
ZIMERMAN, D. E; OSORIO, L. C. Como trabalhamos com grupos. Porto Alegre: Artes Médicas,
1997, p, 61.
180
SPRINTHALL, Norman A.; COLLINS, W. Andrews. Psicologia do adolescente. uma abordagem
desenvolvimentista. Tradução de Cristina Maria Coimbra Vieira. 3ed. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 2003, p. 05.
71
possibilidades de se concretizar políticas públicas, que atentam para a condição
peculiar desses infantes em formação
181
.
Dentro desse cenário:
No Brasil, essa janela está aberta para 21.249.557 adolescentes que
representam 12,5% da população brasileira. São garotos e garotas com
idade entre 12 e 18 incompletos que vivem um momento especial do seu
desenvolvimento. Um tempo de crises e conflitos próprios, mas também de
um imenso conjunto de possibilidades de mudanças e de questionamentos
fundamentais para o desenvolvimento de toda a sociedade
182
.
A elaboração do relatório como incitação para a concretude de políticas
públicas aos adolescentes não é uma tarefa fácil, pois a própria adolescência por ser
uma fase tão peculiar na vida do ser humano apresenta desafios, exige
disponibilidades e competências específicas delimitadas pela Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988 e o próprio Estatuto
183
.
Nesse sentido, um dos grandes desafios é o enfrentamento do que se define
por adolescência, pois, como bem coloca Calligaris, a adolescência também é
idealizada e dentro de uma determinada sociedade sua construção se dá pela
cultura, tornando-a ainda um enigma. Complementa ainda como sendo uma
manifestação de mudanças hormonais, um processo natural
184
.
Nesse caminho, a adolescência pode ser compreendida como a época de
experimentações e crítica do desenvolvimento do sujeito por pautar-se pela
vulnerabilidade emocional e exposição a situações de risco
185
. Ademais, o conceito
de adolescência sofre influências dos avanços científicos, as transformações de
ordem psicológicas, educacionais e socioculturais, que se deram a partir do século
XIX, pois, até então, não era reconhecida como período do desenvolvimento e nem
como categoria social.
181
SUDBRACK, M.; Fátima O.; ALCÂNTARA, P. O relatório Situação da Adolescência Brasileira.
Fundo das Nações Unidas para a Infância UNICEF - Brasil. Brasília - DF [s.d] Disponível em: <
www.unicef.org/brazil/sab/sab_1.pdf> Acesso em: 09 ago. 2007, p.5-6.
182
Id., ib., p.5-6.
183
Id., ib., p.5-6.
184
CALLIGARIS, Contardo. A adolescência. São Paulo: Publifolha, 2000, p.18.
185
PINTO, op.cit., p.03.
72
Para a Organização Mundial da Saúde (OMS) o período da adolescência está
situado entre 10 e 19 anos. Já o Estatuto da Criança e do Adolescente reconhece a
partir dos 12 aos 18 anos
186
.
Embora o Estatuto considere adolescente toda pessoa com idade entre 12 e 18
anos incompletos, pelas distintas realidades sociais que se apresentam no Brasil,
também não de descartar que existam várias adolescências
187
. Tal assertiva é
oriunda da perda de rituais pelo sujeito e a complexidade da sociedade que exige
um amadurecimento mais individualizado e problemático
188
.
Como explica ainda Ranña:
Nas sociedades modernas, o adolescer passou então a ser um processo
vivenciado de forma individual, de acordo com os ideais de liberdade e
singularidade reinantes. Assim, todas as dificuldades que envolvem a
passagem da infância para a vida adulta terão de ser vividas pelo jovem
solitariamente. Com as transformações físicas e psicológicas, o adolescente
e quem compartilha de sua vida vêem-se mobilizados a criar formas de se
estabelecer na vida adulta. Sem rituais, cada um vai viver esse processo de
forma única
189
.
Por outro lado, a adolescência jamais foi um período cil de se
compreender
190
, de romper limites e de viver desregrado. Apesar de ser uma noção
construída socialmente, não pode ser definida exclusivamente por critérios
biológicos (como o adotado pela legislação brasileira ao considerar inimputáveis os
menores de dezoito anos) psicológicos, jurídicos ou sociológicos. Os seus limites
mínimos e máximos variam em cada conjuntura histórica. Por que a importância dos
limites? Como medi-los? Quando a legislação especial, o Estatuto considera que o
adolescente transcendeu tais limites?
186
CAVALCANTI, Laura Battaglia. O olhar adolescente. Retratos da adolescência. Viver Mente e
Cérebro. São Paulo, n. 1. p.06, Agosto 2007.
187
SUDBRACK, M.; Fátima O.; ALCÂNTARA, P. O relatório Situação da Adolescência Brasileira.
Fundo das Nações Unidas para a Infância UNICEF - Brasil. Brasília - DF [s.d] Disponível em: <
www.unicef.org/brazil/sab/sab_1.pdf> Acesso em: 09 ago. 2007.
188
RANÑA, Wagner. A travessia da adolescência. Viver Mente e Cérebro. São Paulo, Ano XIV n. 155,
p.42, dez. 2005.
189
RANÑA, op.cit., p. 44.
190
GUERREIRO, Gianbruno. À procura de um eu. Viver Mente e Cérebro. São Paulo Ano XIV, n.
155. p. 50, dez. 2005.
73
Preliminarmente, é possível concluir que os limites têm ligação com a
responsabilidade do adolescente em exercitar seus direitos, como, por exemplo,
liberdade de ir e vir, sem desrespeitar a liberdade do outro indivíduo, ou seja, ser um
cidadão responsável. Porém, quando, aquele ultrapassa seu limite de espaço e se
apropria do outro, ele está transgredindo e isso fica mais evidente quando furta,
rouba e mata. Então, o mesmo estará cometendo, segundo o Estatuto, um ato
infracional
191
.
Como se observa:
“Os homens não têm asas. Mas nós as construiremos, e então poderemos
voar.” A princípio, Ícaro achou ousado o plano do pai, genial arquiteto. Mas
depois, ao seu lado, começou a procurar um meio de construir as asas que
os salvariam. O primeiro passo foi colecionar penas de aves e juntá-las
segundo os tamanhos. Em seguida, amarraram-nas com fios de linho, e sob
elas colocaram cera, para que ficassem coladas umas nas outras.
Finalmente, a obra está pronta. Dois enormes pares de asas brancas
esperam Dédalo, o pai, e Ícaro, o filho, para levá-los, em longa viagem,
pelos céus da Grécia. Com uma tira de couro, o arquiteto amarra o belo
engenho ao corpo. Ícaro segue o exemplo. E ambos saltam para o infinito.
Os primeiros momentos de vôo são penosos. Os corpos não encontram o
equilíbrio exato, e tremem com o vento. Preocupado, o pai recomenda
carinhosamente ao filho que voe sempre numa altitude média: nem baixo
demais - parao mergulhar as asas no mar - , nem alto demais - para não
queimar as frágeis penas no calor do sol. dalo vai na frente, mostrando o
caminho ao filho. O vento favorável ajuda-os na difícil empresa. Mas Ícaro,
deslumbrado com a beleza do firmamento e com a música dos pássaros,
deixa-se chegar próximo demais do sol. Os raios ardentes amolecem a cera
que ligava umas penas às outras. As asas começam a se desfazer. E o
corpo de Ícaro mergulha no mar. Quando Dédalo olha para trás, não
encontra o filho. Na superfície mansa das águas, duas asas brancas flutuam
perdidas, como perdido o sonho de viver em liberdade
192
.
Para conseguir responder às questões concernentes ao limites, observe-se a
reflexão apresentada por Losacco
193
. Ao analisar a medida socioeducativa, ela
utiliza-se do mito de Ícaro. Segundo a simbologia, Dédalo significa o pai, o educador,
ou melhor, o detentor do saber, advindo do poder e dos conhecimentos durante a
191
De acordo com o artigo 103 do ECA, considera-se ato infracional, toda a conduta, do adolescente,
tipificada como crime ou contravenção penal. Tanto a criança como o adolescente poderão cometê-
lo. Ver BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente-Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Brasília,
DF: Senado Federal, 1990.
192
SIMÕES, Maria Isabel; ALVARENGA, José Roberto. Mitologia. Abril Cultural, 1976, p.497.
193
LOSACCO, Silvia. Medidas Socioeducativas e Justiça Restaurativa Reflexões para ões
primeiras aproximações Tese de Doutorado em Serviço Social, PUCSP: 2004, p. 03.
74
vida. Mesmo com a vasta bagagem de conhecimentos e do afeto paternal, sozinho,
não conseguiu evitar a morte de seu único filho, que se chamava Ícaro
194
.
O jovem Ícaro representa a juventude demarcada pela impulsividade, pela
inexperiência, pela necessidade de auto-afirmação e o prazer que se sobrepõe às
regras, permitindo-se colocar a própria vida em risco. Ressalte-se, ainda, que as
asas para o seu deslocamento é o símbolo da libertação; porém, elas não são
apenas colocadas há um preço no decorrer do processo de socialização.
No entanto, o comportamento de Ícaro, símbolo da hybris significa uma
violência, descomedimento, uma ultrapassagem do métron, ou seja, da medida, pois
apesar de toda a informação paterna de dalo, para que guardasse um meio-
termo, “voa entre ambos”, na busca do centro entre as ondas do mar e os raios do
sol o jovem insensato ultrapassou o métron, “voando alto demais”
195
.
A medida é o eixo principal contido nas regras, nas normas e nas leis
196
; assim,
todo o adolescente que não tenha atingido a maioridade penal 18 anos-, e que vier a
cometer um ato infracional será responsabilizado conforme o Estatuto. Nas palavras
de Rosa, o ato infracional pode ser o sintoma de que algo anda mal e propicia uma
intervenção capaz de promover a atribuição de sentido”
197
.
Para Kozen:
A medida socioeducativa não tem, assim, segundo o entendimento
assentado na Convenção, propriedade tutelar ou protetora. A doutrina
jurídica segundo à Convenção, que explicita e se resume em uma fórmula
geral, em um dizer em duas palavras (proteção integral) , não consiste, ao
contrário do que apregoava o idealismo menorista, em negar a possibilidade
da responsabilização do autor de infração à lei penal, mas no instituir, como
pacto entre as Nações, a obrigatoriedade da regulamentação da
possibilidade de poder resistir à pretensão acusatória de que poderia
resultar a aplicação de uma medida ou de resistir à injustiça da medida
aplicada
198
.
194
LOSACCO, op. cit., p.03.
195
Id., ib., p.04.
196
Id, ib. , p. 05.
197
ROSA, Alexandre Morais da. Introdução crítica ao ato infracional: princípios e garantias
constitucionais. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2007, p.3.
198
KONZEN, Afonso Armando. Justiça restaurativa e ato infracional: desvelando sentidos itinerário da
alteridade. Porto Alegre: Livraria do Advogado: 2007, p.26-27.
75
Portanto, o que deve ser preocupante é como se construirá o sentido
socioeducativo se atrelado ao seu cumprimento está o caráter negativo do estigma e
da ausência de políticas públicas preventivas, que envolvam a família, a comunidade
e o Estado.
A analogia utilizada é uma maneira de ilustrar que o Ícaro está presente em
cada adolescente, que pela sua natureza questionadora e rebelde, ao transgredir,
estará rompendo com antigos paradigmas da sociedade, questionando seus valores,
a moral e a estrutura. E alguns também utilizarão da violência para se fazer notar
pelo sistema excludente. A lei impõe limites, substituindo o papel do pai Dédalo;
porém, será na verdade uma madrasta, pois desconsidera o diferente, isola e não se
sente responsável para socializar, cabendo este papel a família, a sociedade e
também ao Estado.
Em síntese, os limites têm sua importância para estabelecer o respeito pelo
espaço e liberdade do outro, de maneira que se consiga conviver harmoniosamente
em sociedade e talvez medi-los seja complicado, contudo, cabe a lei estabelecê-lo.
Nos dizeres de Rosa: “o importante é que o adolescente envolvido em atos
infracionais deve ser considerado como sujeito em desenvolvimento e com
autonomia, munido de garantias infracionais e processuais. Caso contrário, perdura
a concepção tutelar”
199
.
Como afirma Vezzula:
A todo momento, o adolescente é discriminado, contrariando o Art. do
Estatuto da Criança e do Adolescente, pois desde o primeiro momento na
delegacia ele é batizado com o concludente e acusatório nome de
adolescente infrator, ainda que a lei não utilize nunca este nome, somente
“ato infracional praticado ou ato infracional atribuído” e até “adolescente a
quem se atribui autoria de ato infracional”. Não consciência de que é o
sistema judicial que lhe atribui o ato infracional. Eles são adolescentes,
somente essa é sua identidade, a de infrator lhe é dada erroneamente
200
.
199
ROSA, op.cit., p. 7.
200
VEZZULA, op.cit. p.56.
76
Nesse sentido é possível contextualizar o problema do ato infracional para
rumar ao desvelamento do discurso dominante que cerca essa questão, bem como
buscar na construção da definição de políticas públicas socioeducativas baseadas e
justificadas na restauração, nesse caso, via jurisdição, moral e social dos
adolescentes, justamente no momento que se formam seus valores. Logo, a Justiça
Restaurativa é uma proposta de reconstrução do homem, enquanto é tempo.
2.3 Fatores potencializadores do ato infracional
O cometimento de ato infracional pelo adolescente muda completamente o
cenário, ou seja, da responsabilização pelo ato cometido, associam a sua pessoa à
infração, desconsiderando a sua alteridade e levando-o a condição de
assujeitamento, alienação e coisificação. Nesse sentido vale lembrar, que todo o
adolescente que não tenha atingido a maioridade penal, ou seja, os 18 anos como
prevê o Estatuto e que vier a cometer um ato infracional será responsabilizado pelo
Juizado da Infância e da Juventude, podendo ter que cumprir alguma das medidas
socioeducativas previstas no artigo 112 concomitantemente com as medidas
protetivas do 101 do referido diploma legal.
O que está disposto no Estatuto é que quando da apreensão do adolescente
pela prática de ato infracional, o procedimento deverá ser instaurado imediatamente,
sempre acompanhado de seus responsáveis e constituído de advogado pelo direito
ao contraditório e a ampla defesa. No entanto, sabe-se que na prática não funciona
como deveria, pois são vários os entraves, entre eles: nem todas as cidades
brasileiras dispõem de delegacias especializadas (DECA) ou sistemas integrados de
atendimento para crianças e adolescentes, a exemplo de Porto Alegre
201
.
Nesse aspecto, mesmo que a institucionalização deva ser a última medida a
ser aplicada exclusivamente nos casos extremos, a maneira como o sistema de
atendimento funciona, na atualidade, tem no seu núcleo assentado na
funcionalidade instrumental e herdada da doutrina do Menor e da Situação Irregular.
Significa dizer, que a legislação estatutária tem uma linguagem inovadora e de amor
201
CRAIDY, Carmem Maria; GONÇALVES, Liana Lemos. Medidas sócio-educativas: da repressão à
educação. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2005, p. 37.
77
quando reconhece os seus infantes como sujeitos de direitos. No entanto, as
práticas institucionais permanecem com os vícios passados de punição, estigmação,
rotulação e controle.
Para Rosa:
Por detrás de toda a democracia de fachada, esconde-se, na maioria das
vezes, uma postura que pode ser designada de Complexo de Big Brother,
ou seja, o adolescente precisa sofrer até aceitar a amar o Grande Irmão que
lhe oprimi. Orwell, em sua obra de ficção, relata as agruras do sujeito que é
aniquilado pelo Grande Irmão, que tudo vigia, controla, indica, condiciona
(uma liberdade Assistida mal compreendida pode assumir esta postura)
202
.
Em outros termos, a imposição de medidas mal compreendidas pelo
adolescente, como, por exemplo, a liberdade assistida, pode ocasionar o seu
aniquilamento, pois as instituições que fazem as vezes do Estado representam, no
discurso mascarado, o “Grande Irmão”, aquele que precisa ser amado e tem por
mote ser o que “tudo pode e tudo controla”. Dito isso, pode-se afirmar que, ainda
hoje, as instituições são “instituições de seqüestro”, porque retiram dos indivíduos a
sua condição cidadã
203
.
Por sua vez, o estigma de “infrator” aniquila o adolescente, de tal maneira que a
aplicação da medida socioeducativa sem objetivos efetivamente educativos não
possibilita o recomeçar, isto é, ir ao encontro da sua autonomia com
responsabilidade.
Assim, perdido seu objetivo, as medidas socioeducativas transformam-se
em trabalhos de serviço à comunidade, que podem cumprir com o objetivo
de castigo reparador da culpa, ou centro de terapia ocupacional, mas sem
produzir no adolescente uma verdadeira tomada de consciência de sua
situação, de sua identidade. Esta desconsideração faz com que o
adolescente passe a viver as medidas socioeducativas como sanções que
nada lhe acrescentam. Esta situação se agrava, e muito, nos casos de
internação
204
.
202
ROSA, op.cit., p.228.
203
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. Tradução de Laura Fraga de Almeida Sampaio. 3. ed.
São Paulo: Loyola, 1996.
204
VEZZULA, op.cit., p.59-60.
78
Nesse cenário de desigualdades sociais, a pobreza, a exclusão social, a
violência estrutural, a violência intrafamiliar tornam-se fatores potencializadores do
ato infracional, que contribuem para o desencadeamento da violência infanto-juvenil.
Pode-se definir que a pobreza é resultado de um padrão de organização social,
fruto da produção e da acumulação de capital de caráter estruturalmente
dependente e excludente, uma vez que a concentração da riqueza e da renda está
com as classes dominantes. O crescimento da pobreza é um fenômeno mundial,
que vem se agravando com a globalização, justamente por favorecer apenas os
detentores do grande capital. Cerca de 20% da população mundial - 1,2 bilhões de
pessoas - vive com menos de um dólar por dia. A questão que deve ser observada é
se a humanidade pode usar a tecnologia de informação e de comunicação para
tentar reduzir a pobreza, gerando um crescimento mais equilibrado
205
.
A respeito da exclusão social, Sposati, afirma que o conceito se confronta
diretamente com a concepção de universalidade e com os direitos sociais e da
cidadania. Dito de outra maneira, “a exclusão é a negação da cidadania
206
. Além
disso, a exclusão, muito além do status da pobreza, assim o é devido a rotulagem ou
a própria “teoria do etiquetamento”
207
, que é considerada “uma forma de
discriminação negativa que obedece a regras estritas de construção”
208
.
Nessa seara, alguns autores, como Dupas, consideram a exclusão social
como fator multidimensional, isto é, vista por vários ângulos e gerada por inúmeros
fatores, porque inclui não a falta de acesso a bens e serviços, mas também à
segurança, à justiça, à cidadania, relacionando tudo isso às desigualdades
econômicas, políticas, culturais e étnicas. Comenta, também, o referido autor, que
ela pode ser gerada dentro do mercado de trabalho, por meio de empregos com
remuneração insuficiente, sem proteção dos direitos trabalhistas, que não é capaz
205
CARDOSO, Hélio Apoliano. Globalização dos direitos humanos e dos cidadãos. Júris Síntese IOB.
São Paulo, Thomson. n. 31 - SET/OUT de 2001. CD-ROM.
206
SPOSATI, Aldaíza. Exclusão social abaixo da linha do Equador. Disponível em:
<http://www.dpi.inpe.br/geopro/exclusao/exclusao.pdf> Acesso em: 23 set. 2007, p.03.
207
Assim denominada em outra oportunidade. Ver COSTA, Marli M. M. Políticas Públicas de
Prevenção da Delinqüência Juvenil. In:___. Direito, Cidadania e Políticas Públicas. Porto Alegre:
Imprensa Livre, 2006, p. 9-20.
208
BELFIORE, M. et al. Desigualdade e a Questão Social. São Paulo: EDPUC, 2004. p.42.
79
de garantir um padrão de vida mínimo, como o acesso aos direitos humanos e
fundamentais
209
.
Zaluar acrescenta que, para se utilizar o conceito de exclusão, deve-se
enfrentar e diferenciar o problema teórico e o problema prático-político, pois os
mesmos foram confundidos inúmeras vezes, o que acabou por vulgarizar o termo.
Segundo a autora, o termo exclusão vem da Antropologia Social, e dos estudos
simbólicos desenvolvidos pelos franceses, que acabaram formando uma cadeia de
significantes, como: inclusão/exclusão; sim/não dos computadores ou da inteligência
artificial
210
.
Por conseguinte, a exclusão social, segundo Castel, pode ser vista como a fase
extrema do processo de “marginalização” do ser humano, em que ocorre a ruptura
do sujeito pelo mercado de trabalho
211
.
Dessa forma, existem evidências que tanto a pobreza como a exclusão são
condições extremas em que vive a maioria da população. É certo que muitos pobres
nunca tiveram oportunidades e assistência necessária para sair de suas condições.
Agrega-se a isso o fato de serem vítimas de discriminação e preconceito, o que
agrava ainda mais a sua situação. É bem verdade que devido as suas privações
eles acabam desenvolvendo atitudes e comportamentos que dificultam o
aproveitamento de recursos oportunidades, quando a eles oferecidos
212
.
Conforme Veronese:
A exclusão da infância e da adolescência do processo social é uma das
formas mais perversas de marginalização, pois exclui-se, a priori, aquele
que não teve sequer oportunidade e condições de escolher seu próprio
caminho, de identificar-se com um determinado projeto de vida;
209
DUPAS, Gilberto. A lógica da economia global e a exclusão social.
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010340141998000300019&lng=en&nrm=iso
>. Acesso em: 17 set. de 2006.
210
ZALUAR, Alba. Exclusão e Políticas Públicas: dilemas teóricos e políticas alternativas. Disponível
em <http://www.scielo.php? script=sci_arttext&pid=S0102-69091997000300003&lng=en&nrm=iso>.
ISSN 0102-6909.> Acesso em: 18 set. de 2006.
211
BELFIORE, et al., op.cit. p.42.
212
SCHWARTZMAN, Simon. Pobreza, exclusão social e modernidade: uma introdução ao mundo
contemporâneo. São Paulo: Augurium, 2004. p. 106.
80
encontrando-se então forçado a buscar o seu espaço pelas ruas das
cidades.
213
Nesse sentido, a pobreza, a exclusão social e as desigualdades sociais são
exemplos de imoralidade na sociedade. Sem dúvida alguma, urge a idéia de
inclusão do outro como dever moral às pessoas. Assim sendo, pelo princípio da
universalização, todos precisam ser incluídos na sociedade, por isso, a
universalização não é uma máxima acabada e que deva recepcionar os “iguais”;
também é preciso respeitar e acolher os diferentes.
214
Do mesmo modo, se entende
que com a universalidade prevalece a vontade geral, de maneira que supere o
contexto particular e as diferenças possam ser resolvidas pela interação e o
acordo
215
.
2.3.1 Violência estrutural
Define-se a violência como sendo o “processo de aniquilamento", ou do desejo
de eliminar o outro
216
. Muller diz:
Ao mesmo tempo, devemos entender essa violência como provocativa, ou
apelo (a etimologia da palavra “provocação” é a forma latina do verbo
provocare, formado por pro, “antes”, e vocare “chamar”). A violência tem
suas raízes na dor e sua função é a de um pedido de socorro. A violência é
aquilo que não consegue falar, mas consegue ao menos dar um grito. É
preciso ouvi-lo em vez de condená-lo. Se ouvíssemos de fato dificilmente
teríamos tempo para condenações. O necessário, portanto, é estarmos
prontos a responder a esse apelo, pois em última instância a violência é a
expressão do desejo de comunicar-se, da necessidade de diálogo. Os que
lançam mão da violência estão rejeitando uma sociedade que os rejeitou, e
é tarefa da sociedade ouvir seu apelo. Esforçar-se para compreender não
213
VERONESE, Josiane Rose Petry. Temas de direito da criança e do adolescente. São Paulo: LTr,
1997,p.179.
214
HELFER, Inácio. Inclusão do outro, dever moral e direito segundo Habermas. In:LEAL, R.G. (Org.)
Direitos Sociais e políticas públicas: desafios contemporâneos. T. 6. Santa Cruz do Sul: EDUNISC,
2006 p.1630.
215
HABERMAS, op. cit., 2002, p.7-8. O mesmo respeito para todos e cada um não se estende
aqueles que são congêneres, mas à pessoa do outro ou dos outros em sua alteridade. A
responsabilização solidária pelo outro como um dos nossos se refere ao “nós flexível numa
comunidade que resiste a tudo o que é substancial e que amplia constantemente suas fronteiras
porosas. Essa comunidade moral se constitui exclusivamente pela idéia negativa da abolição da
discriminação e do sofrimento, assim como da inclusão dos marginalizados-e de cada marginalizado
em particular-, em uma relação de deferência mútua. Essa comunidade projetada de modo
construtivo não é um coletivo que obriga seus membros uniformizados à afirmação da índole própria
de cada um. Inclusão o significa aqui confinamento dentro do próprio e fechamento diante do
alheio. Antes, a “inclusão do outro” significa que as fronteiras da comunidade estão abertas a todos-
também e justamente àqueles que são estranhos um ao outro - e querem continuar sendo estranhos.
216
MULLER, Jean-Marie. O princípio de não-violência. Lisboa: Instituto Piaget, 1995, p.30.
81
significa que “vale tudo”. Ao contrário, entender a violência é também proibi-
la. Essa violência é sinal de que aqueles que se entregaram a ela não foram
capazes de encontrar limites; estão simultaneamente pedindo para que lhes
sejam impostos limites
217
.
A violência como forma de imposição de vontade sobre o outro, também
manifesta de maneira simbólica e representativa a tentativa do adolescente de se
comunicar, de ser entendido, de ter suas necessidades humanas atendidas e de
principalmente se fazer reconhecido nem que impositivamente, pelo outro. Ocorre
que esse ato instrumental também pode ser compreendido como uma distorção de
comunicação no mundo da vida
218
. Significa dizer, a violência deixa claro que os
homens não estão se comunicando na sociedade. Nesse contexto, pode-se ainda
acrescentar:
Num país de direitos não incorporados, um ato de infração configura-se
como recusa recíproca de integração; a condição marginal que a sociedade
impõe à juventude da periferia se faz acompanhar de recusa desses jovens
aos comportamentos socialmente aceitos
219
.
Dito de outra maneira, entende-se que a violência é uma linguagem com
caráter impositivo sobre o outro, na busca de um reconhecimento simbólico no
espaço social. Portanto, a delinqüência significa a zona vazia, atalho e necessidade
de pertencimento, de tal maneira que se possa ser notado, bem como usufruir das
prerrogativas da cidadania
220
.
Segundo Costa:
A palavra violência vem do termo latino vis, que significa força. Assim,
violência é abuso da força, usar de violência é agir sobre alguém ou fazê-lo
agir contra a vontade, empregando a força ou a intimidação. É forçar,
obrigar. É também brutalidade: força brutal para submeter alguém. É sevícia
e mau-trato, quando se trata de violência psíquica e moral. É cólera, fúria,
irascibilidade, quando se trata de uma disposição natural à expressão brutal
dos sentimentos. É furor, quando significa o caráter daquilo que produz
efeitos brutais. Tem como seus contrários a calma, a doçura, a medida, a
temperança e a paz
221
.
217
MULLER, op.cit., 1995, p.68.
218
HABERMAS, op.cit., 1988, p.461.
219
FEFFERMANN, Marisa. Vidas Arriscadas: o cotidiano dos jovens trabalhadores do tráfico. Vozes:
Petrópolis, 2006, p. 189.
220
FEFFERMANN, op.cit., p. 189.
221
VERONESE ; COSTA. Op.cit., p. 101.
82
Além de a violência ser identificada como a imposição de uma vontade sobre o
outro também é decorrente da reprodução cultural do próprio homem
222
. Em suas
mais diversas facetas, está a de despersonalização do sujeito, tornando-o excluído e
invisível.
Com efeito, observa-se que, os fatores potencializadores do ato infracional,
como referidos anteriormente, também são desencadeados pela violência
estrutural. Por conta disso, entende-se por violência estrutural, expressão criada
pelo norueguês Galtung nos anos 60, como a violência que é ocasionada pelas
estruturas políticas, econômicas ou sociais que criam situações de opressão, de
exploração ou de alienação
223
.
De acordo com Boulding, a violência estrutural também decorre das instituições
como a família, a escola e os sistemas econômicos, culturais e políticos que
contribuem para a sujeição, sofrimento e denegação do cidadão, que, pelo papel
social que desempenham pelas práticas de socialização nem se percebem enquanto
sujeitos de direitos
224
.
Ao abordar a violência que ocorre dentro da instituição família contra a criança
e o adolescente, mais especificadamente a violência doméstica ou intrafamiliar,
pode-se considerá-la como uma das espécies da violência estrutural. Esse
desiderato social demonstra a fragilidade da família e sua omissão na formação,
crescimento físico, moral e psíquico do infante. Relacionada a ela também está todo
o tipo de violência: a física, a sexual e a psicológica
225
.
Portanto, todos os seus membros inclusive as crianças e os adolescentes,
necessitam de um convívio saudável, como é tratado na Carta Política, no seu artigo
226. Reforça-se ainda mais, o direito a convivência familiar saudável, pois é o
primeiro grupo social a estabelecer limites e responsabilidades.
222
BORDIEU, Pierre; PASSERON, Jean Claude. A reprodução. Rio de Janeiro: Francisco Alves,
1975, p.16.
223
MULLER, op.cit., 1995, p.30
224
BOULDING, E. Las mujeres Y la violência. In La Violência Y Sus Causas, p. 268. UNESCO.
Paris. 1991.
225
VERONESE; COSTA, op.cit., p. 102.
83
Não se pode ignorar que dentro do próprio convívio familiar também ocorram
abusos e os mais diversos problemas, sendo o bom convívio entre seus membros
apenas no imaginário.
Nas palavras de Leite,
A vida da família, contraposta pelo imaginário à vida mundana, vem
significando ao longo dos tempos uma vida íntima, no interior de uma casa
simbolizada como “um templo sagrado” e de felicidade doméstica. A vida
mundana, a perdição, teria como símbolo as ruas, os cabarés, os bares, os
largos, as esquinas e as praças públicas. Estes locais, que representam o
lado público da vida, estão em oposição direta ao lado particular, privado,
ao sentido do lar e, em conseqüência, ao bem familiar. Dentro do seu papel
ideal, a família imaginária seria a primeira instância de refúgio das ameaças
e perigos advindos do lado público, externo ao lar. Mas, por outro lado, a
família real e concreta, juntamente com a proteção, muitas vezes tem
representado uma instância de opressão, de dominação e de controle de
seus membros
226
.
Desse modo, o que se percebe na atual conjuntura é que se está diante de
uma grande maioria de jovens sem referenciais positivos, vítimas da violência intra-
familiar, que tem relação com a própria violência estrutural, pois o processo de
socialização tem uma relação íntima com o controle social. Esse serve para
recolocar o comportamento humano num nível aceitável de convivência social, vindo
da família até chegar ao Estado.
Os múltiplos fatores conflitantes da vida familiar se relacionam diretamente com
o comportamento desviante da criança e do adolescente.
Nas palavras de Costa:
Devemos lembrar que a violência não é um fenômeno isolado, uniforme,
que se abate sobre a sociedade como algo que lhe é exterior e pode ser
explicado através de relações do tipo causa/efeito como, por exemplo,
“pobreza gera violência” ou o aumento do aparato repressivo acabará com
a violência”. Assim sendo, estamos lidando apenas com os efeitos da
violência e não com suas causas. A violência é multifacetada, encontrando-
se diluída na sociedade sob as mais diversas formas que se interligam,
interagem, (re) alimentam-se e se fortalecem. Ao postularmos a
individualização máxima e a responsabilização absoluta do criminoso,
estamos subsumindo todas as suas vinculações com a realidade
226
LEITE, Ligia Costa. A razão dos invencíveis: meninos de rua - o rompimento da ordem (1554-
1994). Rio de Janeiro: Editora UFRJ/ IPUB, 1998, p.87.
84
sociogenérica em que está inserido e, conseqüentemente, estamos
ignorando a existência de outra manifestação de violência, imposta por
instituições clássicas da sociedade e que expressa, sobretudo, os
esquemas de dominação de classes e do Estado: a violência estrutural
227
.
Nesse contexto, Dagnino entende que a violência estrutural pressupõe o
reconhecimento prévio de sua complexidade, polissemia e controvérsia. Para tanto,
os papéis sociais exercidos e distribuídos de forma desigual na sociedade servem
para reproduzir a cultura da dominação
228
.
Portanto, a violência estrutural precisa ser compreendida no âmbito do contexto
social e cultural para que se possa reconhecer que a pobreza, a exclusão e as
desigualdades sociais, inerentes da estrutura do Estado, que, pela omissão, isso é,
uma ação não-social dissemina a reprodução cultural, proporcionando a algumas
classes sociais o acesso aos direitos sociais e fundamentais. Ademais, pode-se
dizer que a violência estrutural não é natural, e sim histórica, pois é produzida
socialmente e tem suas raízes nas relações de poder, definindo seus destinatários,
afetando a capacidade de defesa dos cidadãos, bem como fomentando
preconceitos, medicância, tráfico, delinqüência e outros crimes
229
.
Ademais, a violência estrutural é responsável pela seletividade dos indivíduos
que desfrutarão do bem-estar social e os que serão lançados às margens sociais.
Desse modo, agravam-se os problemas sociais e, conseqüentemente, a
criminalidade infanto-juvenil aos poucos, vai potencializando-se pelos atos violentos,
buscando reconhecimento e superação da negação de cidadania.
Do mesmo modo, pode-se ainda dizer que esse tipo de violência deixa clara, a
ausência de políticas públicas por parte do Estado para o enfrentamento das
demandas sociais. Aliás, não se quer dizer com isso que incumbe apenas a
227
COSTA, Marli M.M. Políticas públicas e violência estrutural. In: LEAL, G.; REIS J. R (Org.) Direitos
sociais e políticas públicas: desafios contemporâneos. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2005, t.5 p.
1261-1262.
228
DAGNINO, Evelina. Os movimentos sociais e a emergência de uma nova cidadania. São Paulo:
Brasiliense, 2001.
229
COSTA, Marli M.M. Políticas públicas e violência estrutural. In: LEAL, G.; REIS J. R (Org.) Direitos
sociais e políticas públicas: desafios contemporâneos. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2005, t.5 p.
1261-1262.
85
Administração Pública mobilizar e enfrentar os problemas de ordem social, político e
outros; ao contrário, o engajamento é de todos os sujeitos que, conectados e
preocupados com o coletivo, poderão encontrar soluções para as mais diversas
demandas, que também contribuem para a instauração da violência e da
criminalidade.
2.3.2 A delinqüência juvenil
Entre as várias construções conceituais sobre o termo delinqüência juvenil está
a de Winicott. A partir do julgamento de cinco meninos, com idades entre oito e 12
anos, na Inglaterra, a expressão delinqüência juvenil foi empregada pela primeira
vez e, aos dias atuais, seu emprego é de maneira indiscriminada, de acordo com
as influências da opinião da mídia ou de quem queira mobilizar negativamente a
sociedade. Ademais a utilização dessa terminologia tem ocasionado diversas
críticas pela variação de sentidos, que podem significar comportamentos anti-
sociais
230
praticados por adolescentes, caráter exclusivamente jurídico ou, ainda,
comportamentos irregulares, anormais, indesejáveis, como aqueles que dizem
respeito a jovens que necessitam de proteção
231
.
Dentro de tal conjuntura, a expressão delinqüente é mais relacionada às
causas de natureza jurídicas, isto é, quando um adolescente pratica ato infracional.
Ademais, conforme Jacques Rassial o estudo da origem de delinquere , significa
“aquele que está fora de seu lugar”
232
.
De acordo com Muller:
A delinqüência provoca um colapso do tecido social, mas freqüentemente
ela é uma conseqüência de tal colapso. No momento em que um
indivíduo, em especial o jovem, deixa de encontrar um lugar onde lançar
230
PAULA, Paulo Afonso Garrido de. In: CURY, Munir (Org.). Estatuto da Criança e do Adolescente
Comentado - Comentários Jurídicos e Sociais. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p.540-541.
Registre-se, que o Estatuto, ao definir o ato infracional, adotou “conteúdo certo e determinado,
abandonando expressões como ato anti-social, desvio de conduta, etc., de significado jurídico
impreciso (...) afastando-se qualquer subjetivismo do intérprete quando da análise da ação ou
omissão”.
231
SOARES, Orlando. Curso de Criminologia. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.95-96
232
RASSIAL, Jean Jacques. O psicanalista e o adolescente. Rio de Janeiro: Companhia de Freud,
1999.
86
raízes na sociedade, quando não acha meios de estruturar sua
personalidade ou dar sentido à sua existência, acontece um colapso entre a
sociedade e aquele indivíduo. Se a carreira escolar for também
malsucedidada (sic) mal sucedida, grande risco de que o desemprego
some-se aos outros problemas, dando-se assim uma eficaz negação da
cidadania. O indivíduo se preso nas engrenagens e passa por uma crise
de identidade. Uma conseqüência específica da privação da cidadania é o
comportamento anti-social
233
.
Para Trindade não é possível partir de um conceito unitário, universal, válido e
aceito que aborde satisfatoriamente a delinqüência juvenil, pois são várias as
acepções que sea esse “fenômeno de âmbito planetário”. Segundo o autor, está-
se diante de um conceito protéico. A esse respeito assevera que muitos autores
reconhecem a limitação de tal conceito e que não pode ser restringido aos
comportamentos tipificados nas leis penais do país, por isso, a concepção mais
ampla que avança à medida que a dinâmica social exige. Em linhas gerais a
delinqüência juvenil não é um conceito psicopatológico, mas jurídico
234
.
Alguns autores, destacando Costa, consideram que os delinqüentes juvenis são
fracassados escolares
235
. Quanto a isso, Guimarães esclarece que o fracasso
escolar poderá ser compreendido como causa da delinqüência, se o ambiente
escolar foi o que impulsionou tal ato, ou ainda se ambos, delinqüência e fracasso
são manifestações de um comportamento desviante anterior
236
.
Nesse contexto, Costa explica a relação da escola e da delinqüência com
algumas teorias. Para a autora, a teoria da tensão e frustração de Cloward, refere-se
ao papel da escola como uma instituição de classe média, em que suas crianças e
adolescentes possuem menos oportunidades de competição. Essas crianças e
adolescentes teriam disposição para delinqüir, devido à ausência de auto-estima;
a teoria do etiquetado de Bernfeld, diz respeito a rótulo negativo dado ao infante.
Cabe ressaltar também a teoria do desenvolvimento social, que reconhece a
233
MULLER, Jean - Marie. Não-violência na educação. Tradução de Tônia Van Acker. São Paulo:
Palas Athenas, 2006, p.66.
234
TRINDADE, Jorge. Delinqüência Juvenil. Uma abordagem transdisciplinar. 2 ed. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 1996, p.67.
235
COSTA, Antônio Carlos Gomes da. Infância, Juventude e política social no Brasil. Brasil criança
urgente. A Lei 8.069/90. Coleção Pedagogia Social. São Paulo: Columbus Cultural, 1990, v3.
236
GUIMARÃES, Aurea Maria. Vigilância, punição e depredação escolar. Papirus, Campinas: 2003.
87
importância da escola como instituição socializadora da criança e do adolescente
237
.
Por conta disso, para que se possa assegurar o desenvolvimento saudável do ser
humano em formação, vale também observar a teoria de Hawkins, que trata da
relevância de se desenvolver técnicas de intervenções específicas pelas políticas
públicas, juntamente a instituição (família, escola e a comunidade) que está
afetada.
238
para Trindade, “a conduta delinqüencial é produto de um controle social
ineficiente, de socialização frustada por pais desinteressados, fracasso escolar, falta
de perspectivas profissionais e um sistema legal duvidoso”
239
.
Para Calligaris, a delinqüência tem relação com a adolescência, muito embora
poucos sejam os adolescentes que se tornam delinqüentes, pois pelo fato de o
adolescente não “ser reconhecido dentro do pacto social tentará ser reconhecido
fora ou contra ele”, mesmo que como um pacto alternativo do grupo
240
.
Em contrapartida, o resultado é que a dimensão do outro desaparece e a
perspectiva de uma vida em comunidade e de propósitos humanos se deteriora no
conjunto da vida social
241
.
Além de tal observação, as ações não-violentas
242
também precisam estar
norteadas por ações de não-cooperação. Essa análise se assenta da seguinte
maneira:
237
COSTA, Marli M. M. Políticas Públicas de Prevenção da Delinqüência Juvenil. In:___. Direito,
Cidadania e Políticas Públicas. Porto Alegre: Imprensa Livre, 2006, p. 10.
238
COSTA, Marli M. M. Políticas Públicas de Prevenção da Delinqüência Juvenil. In:___. Direito,
Cidadania e Políticas Públicas. Porto Alegre: Imprensa Livre, 2006, p. 10.
239
TRINDADE, op. cit., p.103.
240
CALLIGARIS, op.cit., p.41.
241
FEFFERMANN, op.cit., p. 167.
242
CLARET, op.cit., p. 20. Os antropólogos revelaram grande diversidade cultural entre as sociedades
humanas, o que inclui atitudes e comportamentos totalmente contrários em relação à violência e à
não-violência. Não fosse por essa diversidade seria difícil evitar a conclusão de que a natureza
humana é mais violenta do que não-violenta. Muitas pessoas aceitam essa conclusão. Essa visão
influencia não somente aquilo que é feito, mas também a forma como interpretamos aquilo que
acontece. A conclusão de que os seres humanos são basicamente violentos e, contudo, uma
distorção da realidade, porque se supõe que a civilização ocidental esteja inclinada à violência. De
fato, quando em nossa sociedade as pessoas se confrontam com situações de violência traz
obviamente grandes desvantagens e onde a evidência significativa mostra que existem alternativas
não-violentas, um grande de número de pessoas ainda dirá que crê ser necessária a violência
88
numa sociedade, aquilo que faz a força das injustiças da desordem
estabelecida é a cumplicidade, isto é, a cooperação voluntária ou passiva
da maioria dos cidadãos com as ideologias, instituições, estruturas,
sistemas, regimes e leis criam e mantêm essas injustiças. A resistência não-
violenta visa romper essa cumplicidade por meio da organização de acções
coletivas de não-cooperação
243
.
Em outros termos, é preciso não-cooperar com a violência e com isso agir de
forma não-violenta. Além disso, os atos comunicativos se concretizam quando o
esclarecimento dos homens se dá pela instauração da paz e da resolução de
conflitos. Logo, “a estratégia da acção não-violenta quer suplementar mecanismos
de regulação de conflitos susceptíveis de os neutralizar e de os fazer evoluir para
uma solução pacífica”
244
.
Ao se mencionar a necessidade de resolução de conflitos e de enfrentamento
da delinqüência juvenil com ações sociais referidas por Habermas, localiza-se no
seu centro a figura de um adolescente que pelos atos agressivos ou violentos quer
ser reconhecido e construir uma identidade no cenário social
245
.
Então para que se possa concretizar o princípio da não-violência com relação a
delinqüência juvenil, deve-se buscar a sua inserção com a prevenção desse
fenômeno, seja na escola, na família e principalmente na comunidade. Em outras
palavras a construção sugerida por Costa para tal interface preventiva mostra ser
uma possibilidade coerente e interessante de ser observada
246
.
2.4 O caráter instrumental do discurso dominante
A trajetória do adolescente, que esbarra na legislação quando do cometimento
do ato infracional, apresenta um discurso em voga es um tanto distante do
paradigma emancipatório
247
.
recorrendo à convicção própria mais do que à evidência. Esse preconceito quanto à tendência à
violência também pode contribuir ao não-reconhecimento da viabilidade da ação não-violenta.
243
MULLER, Jean- Marie. O princípio de não-violência. Lisboa: Instituto Piaget, 1995, p.91
244
MULLER, op. Cit.,1995, p.87.
245
FEFFERMANN, op.cit. p.184.
246
COSTA Marli M.M Direito, cidadania e políticas públicas.In: Marli M.M. da Costa (org.) Políticas
Públicas de prevenção da delinqüência juvenil Porto Alegre: Imprensa Livre, 2006. p.10.
247
RAMIDOFF, op.cit., p. 67.
89
Entretanto, de se ter cautela, ao se tentar justificar a produção social de atos
infracionais ou violentos, frutos da delinqüência pela estrutura psíquica, pela
hereditariedade ou genética e pela família em condição de vulnerabilidade social,
pois pode se estar querendo ocultar as reais origens decorrentes de fatores
históricos, sociais e políticos. Portanto, desse modo, está se legitimando a
desigualdade social e a violência
248
. Do mesmo modo, para refletir sobre o discurso
de reprodução social, que paira sobre os atos violentos e infracionais, eis a seguinte
reflexão:
[...] até que ponto se pode responsabilizar um ser humano por sua
constituição genética, seu desenvolvimento cerebral, sua infância
traumática ou seu ambiente social com poucas oportunidades? Não
teríamos de pensar assim também em relação à tendência à violência
resultante de tais fatores?[...] a responsabilidade sobre os próprios atos
pode ser totalmente imputada a uma pessoa? Faz sentido conjecturar que
um criminoso poderia ter optado contra a violência se de fato quisesse ou
se tivesse tido oportunidades diferentes? A suposição de que ele seria
capaz de tal escolha, apesar de todos os condicionamentos psicobiológicos
e sociais, causa grande polêmica entre psicanalistas, psicólogos, médicos,
criminalistas e filósofos
249
.
Embora os atos violentos não sejam tolerados coletivamente, e para proteger a
coletividade seja necessária a prevenção e adoção da responsabilização com
medidas como a de privação de liberdade
250
, há de se considerar que ainda muito se
tem a investigar sobre os fatores potencializadores e de risco que influenciam os
atos violentos, e aqui nesse caso, o ato infracional. Contudo, o que importa de
imediato para compreender a complexidade que cerca essa seara que além do
direito, é associar-se as áreas afins para se propor um caminho de trajetória não-
delitiva. Ademais mesmo que o adolescente incorra em erro, esse deve ter
assegurada a sua condição de pessoa em desenvolvimento, logo também sujeito de
direitos.
A expressão “sujeito de direitos” significa ou realmente quer dizer o quê? Que
estratégia ou objetivo quis alcançar o legislador com o seu discurso jurídico? Veja
bem, não se quer duvidar e nem deixar de reconhecer as crianças e adolescentes
248
FEFFERMANN, op.cit., p. 185.
249
STRÜBER; LÜCK; ROTH, op.cit., p.45.
250
STRÜBER; LÜCK; Gerhard. Op.cit., p.45
90
como tais. Pelo contrário, se quer refletir sobre a linguagem, bem como sobre até
que ponto eles são efetivamente considerados sujeitos, e não coisas.
Para Foucault, as instituições são instituições de seqüestro, pois retiram os
indivíduos da família e do seu local de convívio e os internam durante um
determinado tempo, para moldar suas condutas, utilizando da disciplina para
docilizar seus corpos, de maneira que possam retornar a sociedade e se tornarem
produtivos. A disciplina é um instrumento de dominação e controle destinado a
suprimir e controlar os comportamentos antagônicos
251
. O adolescente em conflito
com a lei, ao cometer um ato infracional gravíssimo, como por exemplo, homicídio,
recebe uma medida socioeducativa de privação de liberdade, então é encaminhado
à FASE (Fundação de Atendimento Socioeducativo), que nada mais é que uma
instituição do Estado.
Rosa explica que:
Os programas de Execução de medidas socioeducativas deveriam ter
propostas de atuações claras, registradas, no sentido garantista e, se
houver demanda, da autonomia. Mas acabam funcionando conforme a
compreensão dos dirigentes ou dos profissionais envolvidos na sua
execução, na mais ampla discricionariedade, intolerável
democraticamente
252
.
Por sua vez, o adolescente em situações problemáticas, é rotulado,
estigmatizado, etiquetado e despersonalizado, sendo visto como uma coisa
descartável, que, ao cair dentro de uma instituição para o cumprimento de uma
medida socioeducativa, ele não recebe um tratamento que vincule responsabilização
com valorização e autonomia do sujeito.
Para Foucault:
A prisão, essa região mais sombria do aparelho de justiça, é o local onde o
poder de punir, que não ousa mais se exercer com o rosto descoberto,
organiza silenciosamente um campo de objetividade em que o castigo
poderá funcionar em plena luz como terapêutica e a sentença se inscrever
entre os discursos do saber. Compreende-se que a justiça tenha adotado
251
FOUCAULT, op.cit., 1996
.
252
ROSA, op.cit., p. 229-230.
91
tão facilmente uma prisão que não fora entretanto filha de seus
pensamentos. Ela lhe era agradecida por isso.
253
Segundo Brancher, dentro da instituição o adolescente percorre o trajeto da
ressignificação, que apresentam as seguintes fases: a negação, a rebeldia, a
reinstalação, a depressão e a conexão
254
. Na negação, o adolescente tão-logo
recolhido a instituição, tende a minimizar ou negar a realidade, desconsiderando o
ato infracional como praticado e também pelo fato de estar internado. Na rebeldia
ele tenta fugir da instituição é agressivo com os outros e contra si próprio. Na
reinstalação há a busca pela associação em grupos, com o propósito de resgatarem
as regras da rua no ambiente interno. A depressão se dá quando o adolescente
percebe que está internado na instituição devido a uma sentença condenatória e a
conexão é o momento de introspecção, em que ele admite a realidade do fato e
suas conseqüências sem evasivas ou negações
255
.
Caso a instituição sendo a última alternativa para tentar socializar ou integrar o
indivíduo ao meio, seja utilizada, esta deverá adotar um plano pedagógico que
passe por essas fases. Caso contrário, continuará contribuindo para a coisificação
do sujeito. Complementa Foucault:
A penalidade de detenção fabricaria - daí sem dúvida sua longevidade -
uma ilegalidade fechada, separada e útil. O circuito da delinqüência não
seria o subproduto de uma prisão que, ao punir, não conseguisse corrigir;
seria o efeito direto de uma penalidade que, para gerir as práticas ilegais,
investiria algumas delas num mecanismo de "punição-reprodução" de que o
encarceramento seria uma das peças principais. Mas por que e como teria
sido a prisão chamada a funcionar na fabricação de uma delinqüência que
seria de seu dever combater
256
?
O Estado utiliza-se do discurso como estratégia de dominação e controle social,
quando diz que vai “ressocializar” o adolescente dentro de uma instituição de
privação de liberdade, sendo que não existem efetivas políticas públicas que
253
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 29. ed.
Petrópoles: Vozes, 2004, p.214.
254
BRANCHER, Leoberto. Justiça, responsabilidade e coesão social. Reflexões sobre a
implementação na Justiça da Infância e da Juventude em Porto Alegre. In: SLAKMON, C.;
MACHADO, M.; BOTTINI, P. (Org.). Novas direções na governança da justiça e da segurança.
Brasília-DF: Ministério da Justiça 2006, p.688.
255
BRANCHER, op.cit.,2006, p.688
256
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 29. ed.
Petrópoles: Vozes, 2004, p.231
.
92
venham a justificar o seu discurso
257
. Salienta-se que o Estado ou as suas
instituições violentam o infante quando não possibilitam políticas blicas de
prevenção e de execução que estejam voltadas aos fatores desencadeadores, como
pobreza, exclusão social e que principalmente os vejam como sujeitos de direitos e
não como coisas.
Nas palavras de Saliba:
[...]o olho vigilante dos poderes constituídos sobre aqueles que, em conflito
com a lei, possam representar qualquer tipo de ameaça social. Esse olhar
furtivo passa a ser analisado como estratégia de controle disfarçada em
educação ou reeducação do menor em conflito com a lei
258
.
Como se nota, as instituições responsáveis pelos programas de execução de
medidas socioeducativas também são “instituições de seqüestro”, pois adotam como
estratégia de controle disfarçada a educação ou a reeducação do adolescente.
A institucionalização do adolescente tem força negativa e carga violenta de
estigma, pois em um ambiente que cerceia a liberdade desse indivíduo sem uma
proposta pedagógica e planejamento de inserção após o término do cumprimento da
medida não consegue assegurar a sua conscientização sobre o ato cometido. Nesse
espaço de esvaziamento e de dissolução do sujeito por estigmas, rotulações ou
etiquetamentos, a convivência com outros indivíduos projeta na sua estrutura em
formação mais valores que não condizem com a realidade social. Significa dizer que
esse processo vivenciado em um sistema prisional, que, para os menores de idade,
denomina-se FASE, traz repercussões negativas, distanciando-se do viés
pedagógico previsto pelo Estatuto.
257
FOUCAULT, op. cit., 1996, p.49. O discurso nada mais é do que a reverberação de uma verdade
nascendo diante de seus próprios olhos;Quer seja, portanto, em uma filosofia do sujeito fundante,
quer em uma filosofia da experiência originária ou em uma filosofia de mediação universal, o discurso
nada mais é do que um jogo, de escritura, no primeiro caso, de leitura no segundo, de troca, no
terceiro, e essa troca, essa leitura e essa escritura jamais põem em jogo senão os signos. O discurso
se anula, assim, em sua realidade, inscrevendo-se na ordem do significante.
258
SALIBA, op.cit., p.11.
93
Como esclarece os autores:
“[...] Em inúmeros casos, a experiência do processo e do encarceramento
produz nos condenados um estigma que pode se tornar profundo.
estudos científicos, sérios e reiterados, mostrando que as definições legais
e a rejeição social por elas produzida podem determinar a percepção do eu
como realmente “desviante” e, assim, levar algumas pessoas a viver
conforme esta imagem, marginalmente”
259
.
Em média, cada adolescente internado custa para o estado R$ 4 mil mensais,
podendo chegar a R$ 7 mil. Note-se que o gasto para manter o infante na medida
socioeducativa de privação de liberdade é oneroso para os estados. Além disso, o
investimento é ineficiente, pois a média de reincidência em atos infracionais é
de 40% . Ademais, outros problemas indicados nas 190 instituições do Brasil
demonstram o quanto está distante, ainda, da proposta de o Estatuto integrar o
adolescente que cumpriu a medida. Entre os principais problemas constatou-se que:
71% dos locais não têm espaço adequado para a prática de esportes ou de convívio;
falta de higiene, escassez de água e luz natural, infiltrações, falta de dormitórios,
existindo casos de adolescentes que dormem no chão molhado e sujo, existência de
alas de isolamento como método de “castigo necessário”, precariedade na prestação
de serviços com educação. No nível fundamental, 99% das unidades oferecem aos
internos, já no ensino médio, apenas 37% fora oferecido
260
.
Nesse contexto, é perfeitamente visível o descaso com os infantes e a
inoperância do Estado, da família e da comunidade com a realidade desses jovens
que estão em cumprimento de uma medida. Além disso, a fragilidade da
cidadania nos dois extremos, seja do adolescente que não a tem reconhecida,
podendo ser denominada: cidadania denegada; seja das demais pessoas na
sociedade que não participam democraticamente nas decisões que sejam de
interesse coletivo, isto é, não discutem as políticas públicas, que priorizem as suas
crianças e adolescentes.
259
HULSAMAN; BERNAT. op.cit., p.69.
260
RIO GRANDE DO SUL. Assembléia Legislativa. Comissão de Cidadania e Direitos Humanos.
Relatório Azul garantias e violações dos direitos humanos; 2002/2003. Porto Alegre: Corag, 2003,
p.39-40.
94
Para tanto, mesmo que se possa acreditar na proposta de democracia
participativa, apresentada por Habermas, que conclama a necessidade de os atores
sociais debaterem sobre suas prioridades sociais na esfera pública, de modo que a
cidadania não se restrinja a um mero ato de votar, faz-se necessário, antes de
coadunar essa visão emacipatória, baseada na razão comunicativa, trazer também à
tona, o pensamento de Michel Foucault sobre o poder que se produz com os
discursos, muito embora, tais construções sejam distintas da concepção dada por
Habermas sobre os mesmos.
Portanto, para Foucault, nos enunciados dos discursos, sejam falados ou
escritos, estão no seu interior o poder, que se modifica de forma global. Além disso,
o poder não se exclusivamente pela repressão, pois se assim o fosse tornaria tal
noção inadequada, pois a repressão não conta do que existe de produtor no
poder.
A esse respeito Foucault explica:
O que faz com que o poder se mantenha e que seja aceito é simplesmente
que ele não pesa como uma força que diz não, mas que de fato ele
permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso.
Deve−se considerá−lo como uma rede produtiva que atravessa todo o corpo
social muito mais do que uma instância negativa que tem por função
reprimir
261
.
Assim sendo, pode-se considerar que o discurso da modernidade se assenta
em algumas invenções, como os conceitos de sujeito, infância e adolescência na
tentativa de estabelecer liames e mecanismos de controle sobre o corpo social.
Ademais, oportuna os seguintes questionamentos postos:
[...] o poder está implicado no movimento e constituição dos sujeitos e das
subjetividades que permanecem ou que se transformam. Mas o que é o
poder? Quais são os seus modos de legitimação? Que homens ele produz?
Como as instituições e os códigos sociais conseguem manter e reproduzir a
obediência? Como possibilitar a produção da autonomia e da
emancipação
262
?
Ademais, a luta de Foucault assenta-se nos jogos de poder e jogos de relação
com o eu, ou seja, a subjetivação, que representam lutas de possível modificação no
261
FOUCAULT, Michel. A Microfísica do poder. Tradução de Roberto Machado. Rio de Janeiro:
Graal, 2001, p. 08.
262
BAQUERO, Rute; KEIL, Ivete. É possível a emancipação social? Poder e empoderamento em
Michel Foucault e Paulo Freire. In: BAQUERO, Marcello. (Org.). Capital social, desenvolvimento
sustentável e democracia na América Latina. Porto Alegre: UFRGS, 2007, p. 195-221.
95
espaço. Porém, a inversão do poder que produz “assujeitados” docilizados de
corpos dóceis e controlados, e que se mantêm porque permitem ser domesticados.
Logo, o indivíduo precisa compreender que o poder o constitui de maneira periférica;
que não há nenhuma possibilidade de exercício de poder sem que constituam
discursos de verdade universalizada, e, principalmente que ele permita -se
obedecer, deixando-se dominar
263
.
Embora Habermas afirme que existam dissimulações e distorções na
linguagem que o poder utiliza nas relações entre as pessoas e a sociedade, ele
considera que o poder é limitado. Nesse sentido não concorda completamente com
a visão de Foucault, pois, se assim o fosse, então tudo estaria acabado. Portanto,
por considerar a modernidade um projeto inacabado acredita que exista em meio a
tanta coisa negativa uma razão que possibilite aos homens discernimento e
entendimento para a construção de uma sociedade melhor
264
. Logo:
[...] ele procura apoiar seu pensamento esclarecedor numa teoria da
racionalidade que abandona o purismo da razão pura, amparando-se numa
razão comunicativa, situada historicamente, na praxis social, que é o lugar
onde a razão poder ser mediada concretamente como seu “outro”. O
esclarecimento passa a ser visto como um processo de argumentação, que
tende reiteradamente à tarefa de mediação entre razão e não-razão, entre
razão e a esfera do poder, da dominação
265
.
Enquanto os discursos sobre as políticas públicas de atendimento voltam-se na
prática para o cunho menorista e assistencialista, denegando a cidadania das
crianças e dos adolescentes, ficará evidente que o poder empregado é
eminentemente para o controle social. Portanto, as práticas assistencialistas e
excludentes, que disseminam os infantes, precisam ser desveladas e, de vez
,banidas, pois se tornam mais perversas e danosas quando estão encobertas por
falácias discursivas que buscam se valer da linguagem teórica da doutrina da
Proteção Integral. Do mesmo modo, pode-se dizer que essa estratégia de discurso
dissimulado caracteriza a ação não-social e instrumental, quando os mecanismos e
políticas são direcionados para o interesse de uma minoria, e não da coletividade.
263
BAQUERO; KEIL, op.cit., p. 208-209.
264
SIEBENEICHLER, op. cit., p. 21-22.
265
SIEBENEICHLER, op.cit.,, p. 22.
96
Como ilustração dessa assertiva, as palavras de Ramidoff:
[...] Observa-se que os próprios índices de “criminalidade violenta”
decorrente da conduta dos jovens sequer alcançam patamares superiores a
10% (dez por cento) da violência urbana ou mesmo da criminalidade
considerada convencional. Os atos infracionais ao que se tem
denominado de ação conflitante com a lei, precisamente, para não
estigmatizar o adolescente praticados com violência contra a pessoa não
alcançam o índice de 1% (um por cento), sendo certo que o índice
percentual dos atos infracionais assemelhados ao tipo penal visto no art.
121, do Código Penal homicídio é de 0,16% daqueles referidos 1% (um
por cento). Isto é, inexiste, pois, “criminalidade juvenil”,e, muito menos,
“criminalidade juvenil violenta”, que justifiquem a adoção de medidas legais
recrudescedoras da repressão e punição nos moldes do Direito Penal para
jovens autores de ações conflitantes com a lei, as quais, na verdade, em
sua grande maioria, circunscrevem-se a subtrações de reduzidos valores e
bens, quando não, a atitudes dimensão comportamental o próprias à fase
de desenvolvimento da personalidade. Até porque, não é através da
repressão-punição exercida pelo Direito Penal que se resolverá o problema
da violência social
266
.
No sistema de justiça encontra-se um discurso que precisa ser desvelado, para
que a ação não-social instrumental existente em alguns procedimentos não
prevaleça e dê lugar a uma nova possibilidade de percepção de se resolver conflitos,
sem diminuir o indivíduo a res, como se a sua condição de sujeito de direitos e
cidadão, se extinguisse com o ato infracional.
2.5 A Gestão local de rede de atendimento e as Políticas públicas
socioeducativas
Ao se falar em política de atendimento, além da compreensão de que todas as
ações governamentais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
bem como as não-governamentais, tenham por premissa proteger e assegurar
direitos das crianças e adolescentes, elas devem ser construídas em rede
267
.
Compreender uma política de atendimento também envolve definir e
estabelecer uma inter-relação com as políticas públicas em geral. Nesse aspecto,
define-se políticas públicas como a associação de respostas dadas pelo sistema
266
RAMIDOFF, op.cit., p. 190-191.
267
MARTINS, Daniele Comin. Estatuto da Criança e do Adolescente & Política de atendimento.
Curitiba: Juruá, 2003, p. 51.
97
político às necessidades públicas e sociais, que são apresentadas pelos diversos
atores políticos e sociais na esfera pública
268
. No que versa a implementação de
determinada política pública, três dimensões merecem ser observadas. A primeira
delas perpassa a necessidade e valor dado pelos atores envolvidos; a segunda
centra-se no poder do processo de decisão política, sua forma de distribuição como
fator também determinante no processo de decisão. E, por último, o grau de
pressão, a cobrança e a fiscalização, que estão sujeitos àqueles que deverão tomar
a decisão pública.
Nessa dimensão a política, é a policy: a política analisada no seu aspecto
material. Peculiarmente diz respeito aos resultados das decisões políticas sobre as
políticas blicas estabelecidas
269
. Além disso, a policy também tem dimensão
institucional, por referir-se ao sistema político e o politics, tem estrutura institucional
e processual, porque define e analisa a política. Nesse aspecto se torna conflituoso,
pois não é nada tranqüilo e cil com tantas demandas sociais estabelecer quais
merecem prioridade, bem como partir de quais pressupostos para a sua
elaboração
270
.
Por conseguinte, “implementação” é a realização das propostas das políticas
públicas pelos mais influentes atores sociais definidas e tidas como prioritárias, pois
é necessário estabelecer prioridade diante de recursos públicos cada vez mal
utilizados
271
. Do mesmo modo, a formação das propostas se pela participação
dos cidadãos, que possuem diversos interesses e lutam pelo seu reconhecimento e
inclusão na agenda pública
272
.
Para as autoras, as políticas públicas são respostas criadas pelo Estado às
demandas sociais, que emergem da sociedade e do seu interior, além de
268
FREY, Klaus. Políticas Públicas: um debate conceitual e reflexões referentes á prática da análise
de políticas públicas no Brasil. Disponível em: <http: www.ipea.gov.br/pub/ppp >. Acesso em: 10 ago.
2007.
269
Id.,ib.
270
Id.,ib.
271
Id., Ib.
272
CARVALHO, Alysson (Org.). Políticas Públicas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003.
98
expressarem o compromisso público de atuação em uma área específica a longo
prazo
273
.
Seguindo a mesma linha, Dallari explica que:
As políticas públicas funcionam como instrumentos de aglutinação de
interesses em torno de objetivos comuns, que passam a estruturar uma
coletividade de interesses. Segundo uma definição estipulativa: toda política
pública é um instrumento de planejamento, racionalização e participação
popular. Os elementos das políticas públicas são o fim da ão
governamental, as metas nas quais se desdobra esse fim, os meios
alocados para realização das metas e, finalmente, os processos de sua
realização
274
.
Note-se que os estudos sobre políticas públicas o bastante recentes,
existindo apenas abordagens contextualizadas e geralmente limitadas a um
determinado período, assim como carecem de embasamento teórico para se chegar
a um ponto específico e os resultados estudados e adquiridos
275
. Outro aspecto,
que é perceptível no Brasil, é a falta de planejamento das políticas blicas,
acompanhado de pesquisas rias que apontem como se deve investir os recursos
públicos. Geralmente, se fazem tais avaliações nos finais dos programas, apenas
observando as metas e os resultados atingidos. Logo, as dimensões e fases de uma
política pública precisam estar bem-organizadas ou planejadas, de tal maneira que
não deixem de incluir a responsabilidade pela aplicabilidade do recurso público
gerenciado pela Administração Pública
276
.
273
CUNHA, Edite da Penha; CUNHA, Eleonora Schettini. Políticas blicas sociais. In: CARVALHO,
Alysson (Org.). Políticas Públicas. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2003, p.12.
274
BUCCI, Maria Paula Dallari. Buscando um conceito de políticas públicas para a concretização dos
direitos humanos. In: BUCCI, Maria Paula Dallari et al. Direitos humanos e políticas públicas. São
Paulo: Polis, 2001.(Cadernos Polis, 2). Disponível em: <www.polis.org.br >Acesso em: 23 set.2007.
Assevera que se pode ‘[...] partir de uma definição provisória de políticas públicas como programas
de ão governamental voltados à concretização de direitos. Considerando-se hoje a abrangência
dos direitos fundamentais, que em sucessivos pactos internacionais, depois ratificados e internados
nas ordens jurídicas nacionais, vêm sendo ampliados, a ponto de abranger hoje o direito síntese do
desenvolvimento, deixo de separar dicotomicamente as políticas públicas das políticas públicas
sociais. Para essa definição, mesmo as políticas públicas relacionadas apenas medianamente com a
concretização de direitos, tais como a política industrial, a política energética etc., também carregam
um componente finalístico, que é assegurar a plenitude do gozo da esfera de liberdade a todos e a
cada um dos integrantes do povo. Portanto, toda política pública pode ser considerada, nesse
sentido, ao mesmo tempo política social”.
275
FREY, Klaus. Políticas Públicas: um debate conceitual e reflexões referentes á prática da análise
de políticas blicas no Brasil. Disponível em: <http: www.ipea.gov.br/pub/ppp >. Acesso em: 10
ago. 2007
.
276
FREY, Klaus. Políticas Públicas: um debate conceitual e reflexões referentes á prática da análise
de políticas blicas no Brasil. Disponível em: <http: www.ipea.gov.br/pub/ppp >. Acesso em: 10
ago. 2007.
99
O somatório decorrente do princípio da Proteção Integral, relacionado a
implementação de políticas públicas, assegura a efetivação de direitos aos
adolescentes enquanto sujeitos e agentes de direitos. Significa dizer que o
reconhecimento da peculiar condição de desenvolvimento dos infantes, bem como
de que são destinatários dos direitos humanos e fundamentais, derivam e
condicionam a elaboração das políticas públicas
277
.
Em prol do interesse social na efetivação dos direitos dos infantes é que a
Constituição da República Federativa de 1988 impôs ao Estado, à sociedade e à
família o dever de proteção e garantia de tais direitos, por isso o seu chamamento a
participar na tutela jurisdicional como nas das políticas públicas, expressa no
parágrafo 7º do artigo 227 ao artigo 204 do mencionado diploma legal
278
. Saliente-se
aqui a relação imediata com o artigo da Carta Política, pelo fato de se exercer a
cidadania participativa no enfrentamento das demandas sociais para que se consiga
assegurar aos infantes o princípio da dignidade da pessoa humana
279
.
Nas palabras de Guilló:
Y la participación esta ligada al concepto de ciudadanía, de aportación, de
corresponsabilidade. Ahora bien, no es fácil dejar de ver a los jóvenes como
parte del problema y pasar a verles como parte de la solución. Todavía hoy,
nos fijamos más en la gracioso o curioso de las opiniones de ninõs y
adolescentes, en lugar de tomar realmente en serio lo que dicen. Hay que
construir un consenso social en torno a un nuevo concepto de ciudadanía
que no excluya a los menores de edad. El concepto actual de ciudadanía -
derivado de la revolución francesa: un hombre, un voto - debe transformarse
para considerar que ser un ciudadano significa ser un miembro activo de su
comunidad, participando activamente, en la medida de sus posibilidades, en
la vida pública y trabajando por el bienestar comun. Ese nuevo concepto de
ciudadanía permitirá asegurar que los niños y las niñas sean tenidas em
cuenta, que puedan participar en su comunidad y tomar parte en los
asuntos que sean importantes para ellos. Los niños, adolescentes y
277
MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os Direitos
Humanos. Barueri : Manole, 2003, p. 139.
278
MACHADO, op.cit., 2003, p. 140.
279
Ver também. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. , 22. ed .São Paulo:
Saraiva., 2001.p.166. [...] embora a dignidade tenha um conteúdo moral, parece que a preocupação
do legislador constituinte foi mais de ordem material, ou seja, a de proporcionar às pessoas
condições para uma vida digna, principalmente no que tange ao fator econômico. Por outro lado, o
termo “dignidade da pessoa” visa a condenar práticas como tortura, sob todas as suas modalidades,
o racismo e outras humilhações tão comuns no dia-a-dia de nosso país. Este foi, sem dúvida, um
acerto do constituinte, pois coloca a pessoa humana como fim último de nossa sociedade e não como
simples meio para alcançar certos objetivos, como por exemplo, o econômico.
100
jóvenes, aunque no voten, son ciudadanos con derechos y obligaciones, y
como tales deben ser respetados
280
.
A sistematização das políticas públicas às crianças e os adolescentes passou
por mudanças conceituais correlatas, que descreveram e ainda descrevem o
sistema e a gestão de rede dos serviços de atendimento aos infantes. Com as
mudanças de paradigma é possível observar tais rupturas de natureza conceitual.
Na Doutrina da Situação Irregular, o caráter era filantrópico, o fundamento
Assistencialista, a centralidade local pautava-se no Judiciário, a competência
executória cabia a União e Estados, o aspecto decisório era Centralizador, o aspecto
institucional de ordem Estatal e a organização eram piramidais hierarquicamente
281
.
Em relação a teoria da Proteção Integral, o caráter é de política pública, o
fundamento deixa de se pautar no Assistencialista indo para o Direito Subjetivo, a
gestão local passa a ser do Município, o aspecto decisório é o Participativo; quanto
ao institucional, deixa de ser apenas Estatal em co-gestão a sociedade civil. E por
fim, a organização é em rede
282
.
O Estatuto da Criança e do Adolescente traz no seu bojo a preocupação e a
exigência de um atendimento inicial célere ao adolescente autor de ato infracional.
Conforme o artigo 88, inciso V, referido diploma legal, esse atendimento deve se dar
pela integração operacional de órgãos do Judiciário, Ministério Público, Defensoria,
Segurança Pública e Assistência Social, de preferência em um mesmo local
283
.
Com a Doutrina da Proteção Integral a gestão é local e em rede, o que visa a
participação popular nas políticas públicas pelos membros da comunidade. Pode-se
ainda considerar que tal posicionamento também encontra respaldo no princípio da
subsidiariedade.
280
GUILLÓ, Juan. La Convención sobre los Derechos del Niño. Derechos y Necesidades de la
Infancia. In:PÉRES, Cristina Escobar; MAJADAS, Gaspar Sánchas yPEZ, Teodoro Andrés (EDS.)
Trabajo Social, família y mediación . Necesidades sociales en la infancia y derechos del niño. V
Congreso Estatal de Estudantes de Trabajo Social. :Ediciones Universidad de Salamanca, oct. 2006,
p.110.
281
BRANCHER, Leoberto Narciso. Visão sistêmica da implementação e da gestão da rede de
atendimento projetada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em
<http://jij.tj.rs.gov.br/jij_site/jij_site.home>. Acessado em: 20jan2006.
282
BRANCHER, op.cit.
283
CRAIDY,op.cit., p. 37.
101
Nas palavras de Custódio:
O princípio da participação popular visa estabelecer formas de participação
ativa e crítica na formulação das políticas públicas garantindo instrumentos
de fiscalização e controle, bem como, amparar as exigências da sociedade
quanto à efetivação das políticas com qualidade e em quantidade
adequadas, bem como, garantir espaços para denúncia nos casos de não
oferecimento dos serviços ou oferecimento irregular. O princípio da
participação popular tem suas origens no próprio processo de formulação
do Direito da Criança e do Adolescente
284
.
No entanto, mesmo que o princípio da subsidiariedade não esteja explícito na
Carta política há quem considere o seu recepcionamento implicitamente no rol de
competências mencionados no artigo 30 do mesmo diploma legal, reconhecendo a
importância do município enquanto espaço local, assim ampliando suas
potencialidades de gestão de interesse público para aquela comunidade próxima
285
.
Desse modo, poderá o município se articular adequadamente com a participação
popular direcionada ao melhor interesse da criança e do adolescente, para a
inserção de políticas públicas.
Como explica Baracho:
A subsidiariedade concretiza-se no Município, desde que o indivíduo o é
um ser abstrato, mas concreto, onde aparece como cidadão, usuário,
vizinho, contribuinte, consorciado e participante direto na condução e
fiscalização das atividades do corpo político, administrativo e prestacional.
Considerando o Município como uma forma da democracia local, convém
destacar que uma das aplicações práticas e prioritárias do princípio de
subsidiariedade tem como finalidade afiançar e fortalecer o regime
municipal.
286
A noção de subsidiariedade serve como critério definidor das competências no
interior do próprio Estado e também serve para a ampliação das relações dos atores
284
CUSTÓDIO, op.cit., p.145.
285
HERMANY, Ricardo, et al., O princípio da subsidiariedade e o direito social de Gurvitch: a
ampliação das competências municipais e a interface com a sociedade In: LEAL, G.; REIS J. R (Org.),
Direitos sociais e políticas públicas: desafios contemporâneos. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2005.
p. 1406-1407.
286
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. O princípio de subsidiariedade. Conceito e evolução. Rio de
Janeiro: Forense, 1996, p.51.
102
sociais no espaço local, pois os mesmos também são responsáveis pelas decisões
públicas
287
.
Como assevera Hermany:
Deve-se aproveitar a esfera local como estratégia capaz de manter canais
permanentes e simplificados de discussão sobre políticas públicas,
definindo-as e, principalmente, possibilitando o controle de sua execução. É
o espaço local que permite uma discussão mais pormenorizada, com
critérios factíveis para que o cidadão realmente seja inserido no processo
de democratização da gestão financeira. Mas, para tanto, é preciso
implementar algumas modificações no atual processo de realização de
audiências públicas, inserindo regulamentos específicos capazes de
aproximar de forma permanente e efetiva a sociedade do espaço público.
Trata-se de uma redução de distância entre Estado e sociedade, sem que
isto signifique uma cooptação dos atores sociais às políticas
governamentais, razão pela qual se justifica ainda mais a construção de
espaços de autonomização e manifestação espontânea da cidadania, que
passa a adquirir um viés governante
288
.
Por isso, a implementação de políticas públicas de atendimento baseia-se na
observância ao princípio da descentralização político-administrativa, pois as mesmas
políticas devem ser controladas pela comunidade local.
Nos dizeres de Custódio:
O Estatuto da Criança e do Adolescente determina que: “Art. 86 - a política
de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á através de
um conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais, da
União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios”. Especificamente,
em relação às políticas de assistência social, a própria Constituição Federal
é clara e determina no art. 204: “I - descentralização político administrativa
cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a
coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual
e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social”. A
descentralização deve estar acompanhada de canais democráticos de
participação popular, capazes de reivindicar a continuidade e permanência
das ações neste campo
289
.
A organização do sistema de políticas públicas parte de três eixos. O primeiro
diz respeito às políticas básicas, que são mencionadas no artigo 227 da Carta
Política e reproduzidas pelo artigo 4 º do Estatuto. Nesse eixo, estão consolidados
287
BARACHO, op.cit., p.5.
288
HERMANY, Ricardo. (Re) discutindo o espaço local. uma abordagem a partir do direito social de
Gurvitch. Santa Cruz do Sul: EDUNISC: IPR, 2007, p. 308.
289
CUSTÓDIO, op.cit., p.144.
103
os Direitos Fundamentais à infância
290
. O segundo eixo é o das políticas públicas de
proteção especial preconizadas pelos artigos 101 c/c 129 § único e 34 do mesmo
diploma legal. E o terceiro, refere-se políticas socioeducativas conforme artigos 112
c/c 129 do referido Estatuto
291
.
Nesse cenário, quando ocorre uma omissão estatal nos primeiros eixos de
políticas públicas, que são concomitantemente de proteção e prevenção, ainda resta
a tentativa de se fazer algo no terceiro eixo: o das políticas públicas socioeducativas
que são ações sociais direcionadas aos adolescentes autores de ato infracional que,
ao serem responsabilizados com alguma medida socioeducativa, deve o Poder
Público encontrar mecanismos que após o seu cumprimento, possibilite a sua
inclusão na sociedade. Para que isso se concretize, vale a seguinte frase: “O lugar
da criança e do adolescente não é na escola, nem na família. O lugar da criança e
do adolescente é no orçamento público da União, dos estados e dos municípios”
292
.
Para Costa:
A maior vantagem da municipalização das ações do Estado seria a
adequação das políticas de atendimento preconizadas pelo Estatuto da
Criança e do Adolescente à realidade local. As relações entre o Estado e o
cidadão, quando mantidas no âmbito municipal, são mais transparentes e
permeáveis, ensejando uma mútua cooperação para a solução dos
problemas.Para a implementar novas regras de proteção integral à criança,
ao adolescente e à família, os setores conscientes e atuantes da sociedade
em geral e das comunidades em particular precisam construir, junto ao
poder público, regras e práticas objetivas que sirvam para orientar as
mudanças necessárias. E quando os direitos fundamentais da família, da
criança ou do adolescente estiverem ameaçados, devem movimentar o
Estado para garanti-los
293
.
No entanto, o discurso precisa ser desvelado e as políticas blicas de
atendimento, destacando as políticas públicas socioeducativas, precisam ser
efetivamente implementadas. Para que isso ocorra, o Sistema de Garantias de
290
PEREIRA, Tânia da Silva. O “melhor interesse da criança”. In:__ PEREIRA, Tânia da Silva. O
melhor interesse da criança: um debate interdisciplinar. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p.14.
291
BRANCHER, Leoberto Narciso. Visão sistêmica da implementação e da gestão da rede de
atendimento projetada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em
<http://jij.tj.rs.gov.br/jij_site/jij_site.home>. Acesso em: 20jan2006.
292
BORGIANNI, Elizabete ( Org.). Anais da V Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do
Adolescente: Brasília: COMANDA, 2003, p.23.
293
VERONESE; COSTA, op.cit. p. 186.
104
Direitos tem de funcionar na sua plenitude. Tal enfrentamento envolve o
engajamento de todos os atores sociais e a comunicação em rede.
Portanto, a redefinição de atribuições governamentais e não-governamentais
previstas no Estatuto criou uma articulação em rede dos atores sociais para lidar
com a infância e a adolescência, seja na seara do município, do estado ou da União
denominada Sistema de Garantia de direitos
294
.
Em outros termos, o Sistema de Garantias diz respeito a educação, a saúde
pública, a Justiça, a Segurança Pública e a Assistência Social. Portanto, a co-gestão
dos atores sociais para que se assegure o que está previsto no sistema deve-se dar
no espaço local, ou seja, no Município. Como afirma Martins:
A municipalização do atendimento foi a principal alteração desse processo e
vinculou-se à idéia de se buscar soluções dentro da própria comunidade
com a participação de pessoas que participam da mesma realidade no
cotidiano. Regeu-se, pois, sob os princípios da participação do cidadão e da
exigibilidade pelas vias administrativas ou jurisdicionais de que as políticas
públicas cumpram com o seu dever
295
.
Sob esse viés o Governo Federal elaborou em 2006 a política pública
socioeducativa denominada de Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo
(SINASE) com o objetivo de inseri-lo como núcleo do Sistema de Garantias voltado
aos infantes. Logo:
Constitui-se de uma política pública destinada à inclusão do adolescente em
conflito com a lei que correlaciona e demanda iniciativas dos diferentes
campos das políticas blicas e sociais. Essa política tem interfaces com
diferentes sistemas e políticas e exige a atuação diferenciada que coadune
com a responsabilização (com a necessária limitação de direitos
determinada por lei e aplicada por sentença) e satisfação de direitos
296
.
A idéia principal é que se abandonem parcialmente investimentos públicos em
construções de instituições para medida de internamento e se incentive os Estados
e os municípios com programas de medidas em meio aberto, pois além de reduzir
294
GIRADE, Halim Antonio; DIDONET,Vital (Coord.). O município e a criança de até 6 anos. Direitos
cumpridos, respeitados e protegidos. Brasília, DF: UNICEF, 2005, p.12.
295
MARTINS, op.cit., p. 55.
296
BRASIL. Presidência da República. Secretaria dos Direitos Humanos. Conselho Nacional dos
Direitos da Criança e do Adolescente. Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo - SINASE/
Secretaria Especial dos Direitos Humanos - Brasília-DF: CONANDA, 2006, p.23.
105
custos são maiores as possibilidades de retorno para a sociedade, no sentido de o
adolescente estar próximo de sua família e conseguir inserção na comunidade
297
.
Com isso, a ideologia da institucionalização foi sabiamente abandonada e a
intenção do estatuto passou a ser a manutenção do menor na família,
buscando oferecer mecanismo de proteção ao indivíduo e do ambiente
fundamental de seu desenvolvimento
298
.
Embora estejam surgindo algumas mudanças significativas, pelo menos
teoricamente, ainda de se ter reservas quanto as propostas institucionais que se
propõem a enfrentar as situações problemáticas que envolvem adolescentes. Nos
tempos atuais, os discursos o restaurativos, de percepção do outro, de escuta; no
entanto, na prática social ainda se presenciam as idéias retributivas, de isolamento
do problema, de banimento, de aniquilamento e, conseqüentemente, castigo.
Nos dizeres dos autores:
Chamar um fato de “crime” significa excluir de antemão todas estas outras
linhas; significa se limitar ao estilo punitivo e ao estilo punitivo da linha
sócio-estatal, ou seja, um estilo punitivo dominado pelo pensamento
jurídico, exercido como uma distância enorme da realidade por uma rígida
estrutura burocrática. Chamar um fato de “crime” significa se fechar de
antemão nesta opção infecunda. Para mim, não existem nem crimes nem
delitos, mas apenas situações problemáticas. E sem a participação das
pessoas diretamente envolvidas nestas situações, é impossível resolvê-las
de uma forma humana
299
.
Sob essa ótica é que foi trazida à tona o outro modelo de justiça, a Justiça
Restaurativa, que tem sido defendida e aplicada aqui no Brasil na execução de
medidas socioeducativas. A proposta ressalta a relevância do princípio da Proteção
Integral, como também quer banir das práticas institucionais a retributividade e
diminuir os danos ocasionados também pela violência institucional e estrutural em
relação aos atores envolvidos: adolescente, vítima e a comunidade. Porém, há de se
atentar pela prática de linguagem não-punitiva, ao contrário, tal modelo será uma
falácia.
297
BRASIL. Op.cit., 2006, p.23.
298
MARTINS, op.cit., p. 53.
299
HULSAMAN,; BERNAT, op.cit., p. 99-100.
106
A gestão local de rede prevê espaço para o compartilhamento de experiências
e políticas, como a política de Justiça Restaurativa aplicadas pela Vara do
Juizado Regional da Infância e Juventude de Porto Alegre, responsável pela
execução das medidas socioeducativas. O Estatuto também reconhece esse tipo de
política como política pública de inclusão social, mesmo correndo o risco de ser uma
política compensatória. Significa dizer que se esse tipo de política for aplicado
isoladamente, sem conexão com as outras políticas que integram o Sistema de
Garantia de Direitos, será apenas uma política compensatória, com resultados
parciais
300
.
Para Veronese:
Inconteste o fato de que as políticas sociais compensatórias recaem sobre
os efeitos, ou seja, sobre certos ‘desajustes’ sociais como falta de moradia,
de emprego, de alimentação, de vestuário e outros, de sorte que as ações
por ela realizadas desencadeiam produtos que acabam se diluindo no
omento em que são acionados socialmente. Isso não significa que tais
programas sociais sejam totalmente ineficazes e desnecessários. Diante da
esmagadora realidade sócio-econômica em que vive a maioria da
sociedade brasileira, as ações sociais são necessárias, mas é preciso
admitir que tais políticas setoriais são limitadas, pois não conseguem atingir
os elementos mais complexos da estrutura social que reproduzem e
possibilitam o fluxo da marginalização
301
.
As políticas sociais compensatórias e as políticas como medidas de contenção
e controle, além dos elevados custos são limitadas ao atendimento de situações
emergenciais e os seus esforços acabam sendo concentrados nos resultados de
desigualdades
302
.
O locus da Justiça Restaurativa está no instituto da remissão e nas políticas
públicas socioeducativas que ensejam o desencadeamento da rede no espaço local,
pois também podem considerar as práticas restaurativas como uma reafirmação da
teoria da Proteção Integral e do princípio do melhor interesse para a criança. Além
disso, os princípios restaurativos servem para flexibilizar e humanizar as instituições
que trabalham com as crianças e os adolescentes.
300
CUSTÓDIO, op.cit., p.142.
301
VERONESE, Josiane Rose Petry. Temas de direito da criança e do adolescente. São Paulo: LTr,
1997, p.185.
302
CUSTÓDIO, op.cit., p.142.
107
O Estatuto contém dispositivos que possibilitam juridicamente a recepção pelo
ordenamento jurídico, ainda que parcial
303
, do modelo da Justiça Restaurativa,
cabendo destacar o instituto da remissão e a criação de centros de atendimento
inicial integrado ao adolescente, previsto no seu artigo 88, inc. V, com a remissão
que em regra aplica-se a jovens primários que praticam atos infracionais
considerados leves. A tramitação do processo pode ser judicialmente dispensada
havendo acordo em que as partes, - adolescentes, vítima e familiares-, dispensem a
culpabilização formal mesmo que o infrator receba uma advertência formal,
reparação de dano ou uma das medidas socioeducativas em meio aberto, podendo
uma destas ser combinadas ainda, com medidas protetivas.
O ciclo do modelo se completa com a possibilidade dos pais e/ ou responsáveis
pelo adolescente assumirem formalmente compromissos de se submeterem a
qualquer uma das medidas do artigo 129 do Estatuto. E tal acordo pode ocorrer
antes ou durante o processo, com o Ministério Público de um lado e as partes
envolvidas em outro, devendo ser levada a homologação ou não judicial, que
então valerá como sentença, formando título executivo para cumprimento na
execução das medidas.
Quanto às medidas socioeducativas, essas podem recepcionar as práticas
restaurativas, pois além de se propor um espaço de diálogo e escuta para os atores
sociais, tendo por premissa o distanciamento do discurso punitivo, tal procedimento
auxilia o magistrado em uma maior leitura da realidade ou do caso concreto que
envolve o adolescente, para fins, por exemplo, de progressão de medida. Pela
particularidade das medidas serem indeterminadas no tempo, o sistema carece de
interpretação não-punitiva; logo, as concepções de Justiça Restaurativa vêm
proporcionando relevantes “subsídios na depuração das convicções a respeito dos
objetivos e abordagens a serem priorizadas durante o atendimento socioeducativo”,
que anteriormente era obscuro e distanciavam-se do caráter sociopedagógico
304
.
303
DAMÁSIO DE JESUS. Justiça Restaurativa no Brasil . Consulex, Distrito Federal, n. 208 setembro
2005. p. 40-41.
304
BRANCHER, op.cit., 2006, p.688.
108
No entanto, vale lembrar que a postura do Juiz da Vara da Infância e da
Juventude com a inserção da doutrina da Proteção Integral, deve se ater a defender
os interesses e direitos das crianças e dos adolescentes. Além disso, pode participar
de práticas que o aproximem mais da realidade do infante, porém, a sua função
social deve ser bem distinta da “figura do bom pai”.
A Justiça da Infância e da Juventude, pode ser propulsora de política de justiça
e instrumento de expansão da cidadania
305
como as práticas restaurativas, desde
que sob a égide da Proteção Integral, e o espaço público seja devidamente ocupado
pelos demais atores sociais, pelo fato de serem co-responsáveis pelas crianças e os
adolescentes.
No próximo capítulo será abordada a experiência da Vara do Juizado
Regional da Infância e Juventude de Porto Alegre com a prática da Justiça
Restaurativa.
305
VERONESE, op.cit., 2003, p.442.
109
3 A RECONSTRUÇÃO DA SOLIDARIEDADE DOS ATORES SOCIAIS A PARTIR
DO ESPAÇO LOCAL
Autor y víctima se han encontrado. Todos somos al mismo tiempo
delincuentes y víctimas, pues el mundo es unidad. En este único munodo
existen diferentes espacios de encuentro. No podríamos preguntarnos a la
manera de Heidegger, ¿Cómo se puede disponer adecuadamente un
espacio, para que brote de él, un lugar de encuentro?”
( Antonio Beristain)
306
Para o enfrentamento de situações problemáticas ou a delinqüência juvenil no
município (diga-se aqui, espaço local) deve-se primar por políticas públicas que
envolvam a família, a comunidade e o Estado. Embora os fatores desencadeadores
da violência infanto-juvenil também sejam provenientes do cenário global é no local
que os esforços devem ser centralizados para a inserção e a proteção das crianças
e dos adolescentes no atual contexto de desigualdades e exclusões sociais.
No entanto, o espaço local não representa ser um espaço sem hostilidade e
isolado das conseqüências oriundas da globalização, por isso toda a experiência
que proponha desenvolver um trabalho sério e de mobilização social precisa estar
ciente da complexidade e da necessidade de reconstruir a solidariedade, como
também resgatar o sentido de comunidade.
Partindo dessa premissa propõe-se inicialmente a fazer uma abordagem que se
consolidou com observações e análises de dados coletados sobre as práticas
restaurativas na Vara do Juizado Regional da Infância e da Juventude de Porto
Alegre. Num primeiro momento relata-se o projeto “Justiça para o Século 21”,
ilustrando com dados coletados pelo Núcleo de Pesquisa da PUC (Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul) responsável pelo acompanhamento e
avaliação do programa. E por fim, analisa-se os dados utilizando-se dos conceitos
de ação não-social instrumental e ação comunicativa de Habermas. Além disso,
utiliza-se de outros conceitos como capital social e capital humano, assim como
306
Disponível em: <http://www.justiciarestaurativa.org/aroundla/chile/valparaiso> Acesso em: 29 nov.
2007.
110
comunidade para deixar claro se por si a Justiça Restaurativa configura-se como
política pública de inclusão social.
3.1 A experiência da Justiça Restaurativa em Porto Alegre
A 3ª Vara do Juizado Regional da Infância e da Juventude de Porto Alegre
elaborou em parceria com algumas instituições ligadas a rede de proteção e
atendimento da criança e do adolescente o projeto-piloto denominado “Justiça para
o Século 21”, que consiste na implementação do modelo da Justiça Restaurativa,
tendo como premissa maior romper com as práticas punitivas herdadas da Doutrina
da Situação Irregular e enraizadas na cultura patriarcal e assistencialista. Assim, se
propõe a mudança comportamental e de atitudes, de tal maneira que o agir
comunicativamente dos atores sociais, baseando-se na linguagem não-violenta,
ocasione transformações institucionais e estruturais para um melhor atendimento de
adolescentes.
A expressão “práticas restaurativas” é empregada para referir-se em geral às
diversas estratégias judiciais ou não que possibilitem aos envolvidos outra
abordagem como resposta à infração para a resolução do conflito. Saliente-se que o
procedimento adotado é o modelo dos círculos, baseado na experiência
neozelandesa na área da Infância e da Juventude.
O apoio ao trabalho é dado pela Associação de Juízes do Rio Grande do Sul
(AJURIS) e na Escola Superior da Magistratura é oportunizado um espaço dialógico
de discussões a respeito das práticas restaurativas para complementar as propostas
elencadas no Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei 8.069/90, sob a égide da
Doutrina da Proteção Integral ou também denominada paradigma emancipatório
307
.
Note-se que todo o paradigma propõe-se ao rompimento de antigos dogmas
e de visões reacionárias, que têm exclusivamente como objetivo legitimar a punição.
Mas com a Doutrina da Proteção Integral e o paradigma restaurativo, o que se
deseja é construir uma nova percepção sobre o adolescente, de tal forma que o
olhar seja focalizado para a responsabilidade e as necessidades dos atores sociais.
307
BRANCHER, op.cit., 2006, p. 671.
111
Desse modo, faz-se também necessária a ruptura dos discursos do poder que
encobrem a realidade social
308
.
Com relação a isso,
O Estado democrático, agente responsável pela promoção dos direitos
humanos nas democracias modernas, tem papel importante a ser exercido
na sociedade brasileira em especial, possuidora de um elevado grau de
desigualdade social e de crescimento da violência. Essa realidade tende a
se agravar com os efeitos da globalidade. No entanto, diante desse quadro,
as instituições do Estado se eximem de sua responsabilidade na promoção
dos direitos humanos e buscam a ordem social por meios que são legais,
mas nem sempre legítimos
309
.
Embora existam discursos do poder que se voltem apenas aos interesses de
uma minoria e as instituições estatais em nome do “bom funcionamento” valem-se
do poder para legitimar a violência, a exclusão social e a estigmatização dos
transgressores sociais, não dá para generalizar e deixar de perceber as ações
sociais ousadas como as restaurativas, por parte dessas mesmas instituições que se
permitem por meio de alguns agentes transformadores, como juízes e operadores
da área da infância e juventude, rever alguns procedimentos com relação ao
adolescente autor de ato infracional, a vítima e a comunidade
310
.
Portanto, nesse cenário de reflexões, as diferentes atividades e os eixos de
aplicação do projeto são apoiados pelo Ministério da Justiça e pelo PNUD
(Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas), via outro projeto denominado:
“Promovendo Práticas Restaurativas no Sistema de Justiça Brasileiro”, e também
pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para Educação, a ciência e a
cultura) e pela Rede Globo, por meio do Programa “Criança Esperança”. Contam
ainda com o apoio operacional da Promotoria de Justiça e da Defensoria pública em
atuação na 3ª Vara, a FASE (Fundação de Atendimento Socioeducativo), que
executa as medidas socioeducativas privativas da liberdade; a FASC ( Fundação de
Assistência Social e Cidadania), órgão da assistência social municipal responsável
pela execução das medidas socioeducativas de meio aberto; a Secretaria Estadual
308
FEFFERMANN, op.cit., p.126.
309
FEFFERMANN, op.cit., p.127.
310
FEFFERMANN, op.cit., p.127.
112
de Educação; a Secretaria Municipal de Educação; e a Secretaria Municipal de
Direitos Humanos e Segurança Urbana, através da Guarda Municipal
311
.
Como se pode observar, vários são os órgãos envolvidos com a experiência
das práticas restaurativas em Porto Alegre, que têm seu eixo principal na Vara do
Juizado da Infância e Juventude responsável pela atribuição de execução de
medidas socioeducativas. Nessa dimensão, outras dez instituições ligadas à área da
infância e juventude também estão engajadas no projeto principal. Isso se consolida
com um protocolo formal entre as instituições, devendo oferecer recursos humanos
e, principalmente, o comprometimento para implementação das práticas da Justiça
Restaurativa na resolução de situações de violência que envolvem crianças e
adolescentes.
Dentro do contexto, o acolhimento da Justiça Restaurativa baseia-se em buscar
alternativas que contribuam à redução do dano de violência cultural, institucional,
presentes nas formas usuais de responsabilização dos adolescentes. Partindo desse
pressuposto são planejadas ações concretas que sirvam para humanizar os serviços
prestados pelo Sistema de Justiça, em conformidade com o Estatuto, como também
toda a resposta institucional não seja motivadora de outro ato de violência, ao
contrário, que contribua com seu papel social na redução da violência. Por isso, as
práticas restaurativas devem ser utilizadas como procedimento de ressignificação
das medidas socioeducativas
312
.
Em decorrência disso, torna-se imperativo, para a aplicação e o cumprimento
de qualquer uma das medidas dispostas no artigo 112 do Estatuto, que seja
estabelecida uma proposta socioeducativa que favoreça, através de estratégias
pedagógicas transdisciplinares, o desenvolvimento pessoal pelos valores humanos e
a constituição da dignidade da pessoa humana pelo respeito e pela solidariedade
afetiva pelo outro
313
.
311
BRANCHER, op.cit., p. 677.
312
BRANCHER, L.; AGUINSKY, B. Projeto Justiça para o Século 21. Disponível em: <
http://www.justica21.org.br/j21/webcontrol/upl/bib_241.doc> Acesso: 03 junho de 2007.
313
RAMIDOFF, op.cit., p.82.
113
3.1.1 A Central de Práticas Restaurativas como espaço dialógico
No início de 2006, deu-se a criação da “Central de Práticas Restaurativas”
(CPR), com o propósito de desenvolver as práticas restaurativas em processos
judiciais que são oriundas do sistema de atendimento do ato infracional, junto ao
CIACA Centro Integrado de Atendimento da Criança e do Adolescente, onde se
encontra o Projeto Justiça Instantânea-JIN, em Porto Alegre, representando a
atuação integrada entre o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Delegacia
Especializada da Criança e do Adolescente - DECA
314
. A esse respeito:
A maior parte dos encaminhamentos tem ocorrido nos processos de
conhecimento, provindos da audiência inicial de apresentação (equivalente
ao interrogatório do processo criminal). Nesse momento o juiz pode
suspender a audiência e encaminhar o caso ao círculo restaurativo, cujo
acordo poderá subsidiar a aplicação da medida em prosseguimento, ou
desde logo ajustar genericamente a medida, encaminhando ao círculo para,
sob a competência do juízo do processo de execução, serem melhor
especificados os compromissos a serem abrangidos no cumprimento da
medida. Também na audiência de instrução poderá tornar-se oportuno o
encaminhamento, especialmente porque este será o momento do contato
do juiz com a vítima. Especialmente nos fatos de maior impacto psicológico,
como por exemplo em roubos, esse momento, que em regra sucede
algumas semanas após a ocorrência, pode se afigurar emocionalmente
mais propício para abordagem da vítima preferencialmente depois da sua
oitiva pelo juiz, até então, nesses casos, mantendo-se os moldes do
processo convencional. Também nos processos de execução de medidas
sócio-educativas são originados casos para atendimento em círculos
restaurativos, em regra nos casos de adolescentes privados da liberdade e
em razão da identificação de peculiaridades que o tornam propício para o
procedimento, o que se verifica nas audiências de revisão (semestrais) da
medida. Além destes, alguns outros casos, ainda poucos é verdade,
também já têm sido encaminhados para os círculos diretamente pela
promotoria, mediante exclusão do processo (procedimento diversório)
315
.
Pelo fato de a adolescência ser a fase das transformações psicossociais e do
abandono da identidade infantil na busca pela emancipação enquanto sujeito
pertencente a uma comunidade, o diálogo como método de contato e compreensão
de tais mutações, desde as que passam pela transgressão é primordial e
significativo para a retomada de posições e a devida construção de conexões. Dito
de maneira diversa, na visão de Velluza, “o diálogo permite romper com o mundo
das ilusões e construir a estrutura simbólica necessária”
316
.
314
BRANCHER, op.cit., 2006, p. 677.
315
BRANCHER, op.cit., 2006, p.678.
316
VEZZULA, op.cit., p.35-36
114
Dentro desse contexto, o procedimento restaurativo decorre de três etapas
distintas: pré-círculo (preparação); círculo (realização do encontro) e pós-círculo
(acompanhamento). Saliente-se que os atores sociais (vítima, ofensor e
comunidade) são relevantes para a realização dessas fases. Além disso, os
coordenadores (geralmente assistentes sociais) serão responsáveis pelo
desenvolvimento do procedimento. Portanto, no pré-círculo os coordenadores se
apropriam do caso, inteirando-se de todas as informações necessárias para se ter
clareza dos fatos
317
.
O procedimento restaurativo contempla todas essas etapas de maneira
vinculada e interdependente, pois a divisão em etapas é apenas de natureza
didática e operacional. Nenhuma das etapas deve ser extinta, pois tem relevância na
prática propriamente dita.
Note-se que o pré-círculo é uma fase preliminar que tem por finalidade
aproximar e preparar as partes envolvidas para o dia do círculo, procurando fixar o
encontro dos atores nos fatos e evitando uma discussão desgastante sobre o
conflito. Ademais, é apresentado aos envolvidos o resumo dos fatos e como se da
o círculo, em data e local definidos pelos coordenadores que são técnicos da justiça.
Aliás, todo o trabalho desenvolvido por eles é devidamente documentado. (Ver
ANEXO guia de procedimentos restaurativos)
318
.
Diga-se de passagem que:
Além do ofensor e da vítima, e das pessoas espontaneamente indicadas por
eles para participarem do círculo, o Coordenador pode estimulá-los a fazer
outras indicações ou indicar ele próprio outras pessoas cuja presença
considere importante. Os convidados podem ser listados como apoiadores
(pessoas do relacionamento afetivo dos envolvidos, como parentes, amigos,
empregadores, etc) ou como referências comunitárias (líderes comunitários
ou religiosos, policiais, testemunhas, professores e outros profissionais
relacionados às pessoas e/ou ao caso). Inicia pelo ofensor, o que evita a
frustração da vítima que já tenha consentido, caso depois o ofensor se
recuse. No que se refere ao ofensor e à vítima, o convite é feito mediante
contato pessoal (reuniões pré-círculo), para o qual se recomenda a
mobilização e presença dos apoiadores. São prestados esclarecimentos
sobre o projeto, sobre a JR, funcionamento do círculo, participantes,
317
BRANCHER, op.cit.,2006, p. 686.
318
BRANCHER, op.cit.a 2006, p. 686.
115
expectativas, efeitos. Confere-se o resumo dos fatos, marca-se a data,
horário e local para o círculo
319
.
Em síntese, o pré-círculo é a fase preparatória, em que a equipe responsável
pela prática restaurativa do Juizado realiza os contatos e os convites e fornece
orientações sobre o que será desenvolvido na próxima fase, o dia do círculo.
Pranis define o círculo como:
Un proceso que reúne a personas que desean resolver un conflicto,
reconstruir vínculos, sanar, brindar apoyo, tomar decisiones o realizar otras
acciones en las cuales la comunicación honesta, el desarrollo de los
vínculos y el fortalecimiento comunitario son parte esencial de los resultados
esperados
320
.
O círculo é caracterizado pela reunião, em um determinado lugar, o
coordenador, a vítima, adolescente e familiares ou amigos das partes principais que
exercerão concomitantemente o papel de comunidade. Nesse encontro, em que as
partes ficam sentadas em círculo, o principal objetivo está na proposição de acordos.
E mesmo que a vítima não compareça, admitem-se outras formas de manifestação
de sentimentos (gravação em fita, vídeo, carta etc.) Em última instância, o acordo é
consignado em termo. Essa etapa é delimitada por quatro momentos distintos. No
primeiro momento, o foco é a vítima que fala sobre os seus sentimentos e as
necessidades atuais dos fatos. Em ato contínuo, o ofensor diz o que ouviu a vítima
falar. Depois ela confirma se foi ou não compreendida pelo ofensor. Logo após, pode
se manifestar a respeito as pessoas da comunidade de apoio da vítima
321
.
No segundo momento, o foco é o ofensor que também manifestará seus
sentimentos e suas necessidades atuais decorrentes dos fatos. Em seguida, o
coordenador pergunta à tima o que ela ouviu o ofensor relatar. Depois o ofensor
confirma se foi ou não compreendido pela vítima. E, por fim, podem também
319
BRANCHER, L.; AGUINSKY, B. Projeto Justiça para o Século 21. Disponível em: <
http://www.justica21.org.br/j21/webcontrol/upl/bib_241.doc>
Acesso: 03 junho de 2007.
320
PRANIS, Kay. Justiça Restaurativa. Manual para facilitadores de círculos. San José, Costa Rica:
CONAMAJ, [s.d.], p.7.
321
BRANCHER, op.cit. 2006, p. 686.
116
externar os seus atos de fala a respeito dos fatos as pessoas da comunidade de
apoio ao ofensor
322
.
Por conseguinte, o terceiro momento é direcionado aos fatos. Nessa ocasião, o
ofensor fala sobre as necessidades que estava procurando atender no momento em
que praticou os fatos (o ato infracional). A vítima diz o que ouviu o ofensor externar
verbalmente e o mesmo confirma se foi compreendido. Em seguida, podem falar a
respeito as pessoas das comunidades de apoio. E o quarto momento diz respeito ao
acordo.
Nas palavras de Brancher e Aguinsky:
Essa etapa é introduzida fazendo um resumo das anteriores, mediante a
recapitulação das necessidades não atendidas manifestadas pelos
participantes. A seguir, o coordenador encorajará os participantes a fazerem
propostas para um provável acordo que lide com as necessidades antes
registradas, para assegurar a reparação ou compensação das
conseqüências da infração, e para que o fato não se repita: o ofensor fala
se existe alguma coisa que ele poderia dizer ou fazer para a vítima. A vítima
fala se aceita. A vítima fala se existe alguma coisa que poderia dizer ou
fazer para o ofensor. O ofensor fala se aceita. As comunidades de apoio
falam se alguma forma de contribuir e apoiar no que foi proposto pelo
ofensor e vítima
323
.
Os resultados do círculo (notícia sobre sua realização, relatório de conteúdo e
documentação do acordo) devem ser comunicados pelo coordenador à pessoa
responsável (juiz, diretor, técnico, etc.) pelo encaminhamento do caso ao
procedimento restaurativo. Por fim, no pós-círculo, o coordenador deverá manter
contato com as partes envolvidas a fim de observar se as tarefas estipuladas
durante o acordo foram ou não cumpridas. Ademais, nos casos judiciais, quando o
acordo contemplou a aplicação de medida socioeducativa, o acompanhamento
posterior será realizado pelo cnico da medida. Portanto, a função do coordenador
é verificar se o atendimento está sendo efetivado e acionar o Sistema de Justiça,
quando constatar qualquer alteração. Salienta-se que todos os procedimentos e
322
BRANCHER, L.; AGUINSKY, B. Projeto Justiça para o Século 21. Disponível em: <
http://www.justica21.org.br/j21/webcontrol/upl/bib_241.doc> Acesso: 03 junho de 2007.
323
BRANCHER, L.; AGUINSKY, B. Projeto Justiça para o Século 21. Disponível em: <
http://www.justica21.org.br/j21/webcontrol/upl/bib_241.doc> Acesso: 03 junho de 2007.
117
acompanhamentos realizados pelo coordenador deverão ser informados, via
relatório complementar, e que se o acordo deixar de ser cumprido, uma nova
avaliação sobre o caso sefeita pelos responsáveis pelo encaminhamento. Entre
as soluções possíveis, podem-se decidir pela realização de novo círculo
Restaurativo, pela realização de um círculo familiar e pelos encaminhamentos
convencionais
324
.
Como assevera Pranis:
Las diferentes funciones de los círculos les dan su nombre, círculos de
diálogo, círculos de sanación, círculos de planificación, círculos de
sentencia, círculos de celebración, siendo círculos de paz” el de uso más
genérico, así como el que se utiliza para denominar los círculos para la
solución de conflictos. Los “Círculos” presentam una alternativa a los
procesos comúnmente utilizados para resolver conflictos y relacionarse, los
cuales muchas veces se fundan en la jerarquía y aplican enfoques
bidimensionales, como el de ganarperder, víctima-salvador, inclusión -
exclusión, blanco-negro. Aunque que los círculos tienem su origen en las
tradiciones nativas y aborígenes de Nueva Zelandia y Norte América,
principalmente, son comunes y han sido utilizados por gran parte de las
comunidades indígenas del mundo. Los círculos congregan a las personas
de manera tal que se genera confianza, respeto, intimidad, buena voluntad,
sentido de pertenencia, generosidad, solidarieda y reciprocidad entre ellas.
Es un proceso que no trata de cambiar a los otros, siendo más bien una
invitación para cambiar una misma y su relación con la comunidad;
entendiendo por comunidad, la familia, el grupo de trabajo, la junta escolar,
la iglesia, o la asociación de vecinos. Los círculos tienen mecanismos para
crear un espacio “sagrado” que derriba las barreras entre las personas,
abriéndoles nuevas posibilidades de relacionarse, de colaborar y de
comprenderse mutuamente
325
.
Segundo Damásio, o consenso é o pressuposto fundamental da Justiça
Restaurativa que adota o círculo restaurativo como procedimento nas suas práticas,
pois pressupõe um acordo livre e consciente entre as partes envolvidas no conflito.
Ao revés, caberão as partes recorrer aos procedimentos tradicionais da justiça.
326
Como bem esclarece Pranis:
O problema, com relação ao crime diz respeito à geração de oportunidades
para entender e praticar a democracia na comunidade de uma nova
maneira. Já está claro que a criação de comunidades segurar exige o
324
BRANCHER, L.; AGUINSKY, B. Projeto Justiça para o Século 21. Disponível em: <
http://www.justica21.org.br/j21/webcontrol/upl/bib_241.doc> Acesso: 03 junho de 2007.
325
PRANIS, op.cit., p.8.
326
DAMÁSIO DE JESUS. Justiça Restaurativa no Brasil. Disponível:
<http://www.mundojuridico.adv.br.> Acesso em: 04 dez. de 2007.
118
envolvimento ativo dos cidadãos. Exige uma retomada do envolvimento de
todos os cidadãos no processo de determinar normas compartilhadas,
considerá-las como sendo da responsabilidade de todos e determinar a
melhor forma de resolver violações, de um modo que não aumente o risco à
comunidade. Diversos processos originados nas culturas indígenas e
adotados pelo movimento da justiça restaurativa usam decisões
consensuais e permitem que todos participem nas decisões. Duas
características levam o nosso conceito de democracia a uma nova fronteira:
1) a inclusão de todas as partes com interesse no resultado; 2) decisões
consensuais. Os processos consensuais empoderam a todos. A conquista
do consenso exige que um grupo atenção aos interesses daqueles que
normalmente não detêm o poder. As decisões precisam representar todos
os envolvidos; caso contrário, não haverá consenso. Os processos
consensuais têm potencial para resultados mais fundamentalmente
democráticos, uma vez que todos os interesses devem ser levados em
consideração.
327
O consenso visado no círculo restaurativo é um exercício de cidadania ativa e
de comprometimento social com os conflitos, pois permite a possibilidade de
empoderamento e tomada de decisões.
Portanto, em pequenos espaços como esses construídos pela Justiça, através
de ações políticas, mesmo que experimentais, a conexão do diálogo intersubjetivo é
uma esperança:
Cada participante do círculo é incentivado a recorrer à sua experiência de
vida para auxiliar no entendimento do problema e gerar possíveis soluções.
Cada história de vida tem relevância para a descoberta de uma solução que
facilite a recuperação de todos aqueles afetados pelo crime. Discussões
circulares sobre crimes individuais muitas vezes transformam-se em
problemas mais amplos da comunidade. O círculo oferece um fórum, que
opera sobre os princípios centrais da democracia - inclusão, igualdade e
respeito
328
.
Destaca-se, ainda, que o círculo restaurativo no âmbito dos processos judiciais
é determinado pela via judicial, normalmente em audiência, com concordância das
partes (defesa e MP), sendo a situação encaminhada para a equipe avaliar a
possibilidade de instauração dos procedimentos restaurativos, iniciando com pré-
círculo e com concordância das partes, realizando o círculo, e acompanhando o
acordo no pós-círculo. Participam do círculo, além do coordenador, representante da
equipe, um co-coordenador, também representante da equipe, o ofensor, a vítima e
327
PRANIS, Kay. Justiça restaurativa: revitalizando a democracia e ensinando a empatia. Justiça,
responsabilidade e coesão social. Reflexões sobre a implementação na Justiça da Infância e da
Juventude em Porto Alegre. In: SLAKMON, C.; MACHADO, M.; BOTTINI, P. (Org.). Novas direções
na governança da justiça e da segurança. Brasília-DF: Ministério da Justiça 2006, p.584-585.
328
PRANIS, op.cit.,2006, p. 585.
119
os apoiadores que eles indicaram e gostariam de contar no momento do círculo.
Eventualmente, também participam representantes da rede de atendimento,
dependendo da particularidade da situação
329
.
A Central de Práticas Restaurativas representa a consolidação de um espaço
dialógico de aplicação de Justiça Restaurativa em processos judiciais junto ao
CIACA Centro Integrado de Atendimento da Criança e do Adolescente
330
. Além
disso:
É um espaço destinado à aplicação prática, testagem e avaliação das
práticas restaurativas, bem como à capacitação em serviço dos atuais e
novos Coordenadores de Círculos Restaurativos. Os casos envolvendo
infratores e timas e respectivos apoios são triados e encaminhados para
realização de Círculo Restaurativo como etapa inicial do processo de
execução da medida sócio-educativa, imediatamente após a sua aplicação,
ou seja, em regra imediatamente ou poucos dias após a ocorrência da
infração. Também são encaminhados para a Central de Práticas processos
suspensos, sem medida ainda aplicada, para que, através das práticas
restaurativas, sejam sugeridas formas pertinentes de responsabilização que
serão apreciadas judicialmente
331
.
Ressalta-se ainda que, antes de iniciar o processo judicial, a Promotoria de
Justiça pode fazer o encaminhamento direto de casos à Central de Práticas
Restaurativas. Iniciado o processo, o encaminhamento pode ocorrer em qualquer
fase do processo de conhecimento (JIN, e Varas) ou do processo de execução
(3ª Vara)
332
.
Os responsáveis pela realização dos círculos restaurativos adotam algumas
providências para melhor organização do trabalho em equipe. Inicialmente registram
a origem do processo, o ato cometido pelo adolescente, as medidas socioeducativas
que ele está cumprindo, a data da primeira audiência, a data que efetivamente o
329
BRANCHER, L.; AGUINSKY, B. Projeto Justiça para o Século 21. Disponível em: <
http://www.justica21.org.br/j21/webcontrol/upl/bib_241.doc> Acesso: 03 junho de 2007.
330
BRANCHER, Leoberto. Justiça, responsabilidade e coesão social. Reflexões sobre a
implementação na Justiça da Infância e da Juventude em Porto Alegre. In: SLAKMON, C.;
MACHADO, M.; BOTTINI, P. (Org.). Novas direções na governança da justiça e da segurança.
Brasília-DF: Ministério da Justiça 2006.
331
BRANCHER; AGUINSKY. In: < http://www.justica21.org.br/j21/webcontrol/upl/bib_241.doc>
Acesso: 03 junho de 2007.
332
BRANCHER, Leoberto. Justiça, responsabilidade e coesão social. Reflexões sobre a
implementação na Justiça da Infância e da Juventude em Porto Alegre. In: SLAKMON, C.;
MACHADO, M.; BOTTINI, P. (Org.). Novas direções na governança da justiça e da segurança.
Brasília-DF: Ministério da Justiça 2006.
120
caso foi distribuído para o coordenador, o prazo estipulado pelo juiz para a entrega
do relatório do círculo e a situação em que se encontra o caso como: não iniciado
(distribuído mas não acionado), pré-círculo contatos (trabalho iniciado sem
entrevistas), pré-círculo entrevista ( na fase de visita aos envolvidos) pré-círculo
completo (quando toda a fase foi concluída, informando quem não aceitou e os
motivos da não continuidade), círculo familiar sem a presença da tima e círculo
restaurativo com a presença da vítima, informando a data. E o pós-círculo também
lançando a data da realização
333
.
A seguir serão apresentados e analisados os dados fornecidos pela Vara do
Juizado da Infância e Juventude de Porto Alegre.
No ano de 2005, 100 casos sofreram avaliação para verificar as condições de
serem incluídos no processo restaurativo. Dessa avaliação resultaram apenas oito
círculos restaurativos e todos resultaram acordos total ou parcialmente cumpridos.
Aliás, apenas um caso com acordo não cumprido. Diversos foram os motivos que
dificultaram a realização de círculos nos demais casos, entre eles: localização das
partes, à não - aceitação das partes em participar, condições desfavoráveis de
saúde dos convidados, negativa de autoria do adolescente, sofrimento psíquico do
adolescente, e o temor da vítima em participar
334
.
Na figura 1 estão ilustrados os atos infracionais praticados por adolescentes
no ano de 2005 totalizando os 97 casos impulsionados para CPR foram distribuídos
da seguinte maneira: furto (22), roubo (33), latrocínio na forma tentada (01),
atentado violento ao pudor (03), estupro (01), porte ilegal de arma (05), ameaça (06),
lesões corporais (11), dano (08), perturbação ao trabalho (01), corrupção de
menores (01), condução de veículo sem habilitação (2) e não informado (3)
335
. Note-
se que o maior índice de ato infracional cometido está no roubo, no furto e lesões
corporais, ou seja, crimes contra o patrimônio e a pessoa.
333
BRANCHER, Leoberto. Justiça, responsabilidade e coesão social. Reflexões sobre a
implementação na Justiça da Infância e da Juventude em Porto Alegre. In: SLAKMON, C.;
MACHADO, M.; BOTTINI, P. (Org.). Novas direções na governança da justiça e da segurança.
Brasília-DF: Ministério da Justiça 2006.
334
BRANCHER, L.; AGUINSKY, B. Projeto Justiça para o Século 21. Disponível em: <
http://www.justica21.org.br/j21/webcontrol/upl/bib_241.doc> Acesso: 03 junho de 2007
335
BRANCHER, L.; AGUINSKY, B. Projeto Justiça para o Século 21. Disponível em: <
http://www.justica21.org.br/j21/webcontrol/upl/bib_241.doc> Acesso: 03 junho de 2007.
121
Furto
Roubo
Lesões C.
Dano
Porte ilegal de
Arma
Ameaça
Corrupção de m.
condução de
veículos sem hab.
Figura 1. Atos infracionais cometidos por adolescentes em 2005
Fonte: 3ª Vara do Juizado Regional da Infância e da Juventude de Porto Alegre
Na figura 2 estão ilustrados os oito círculos restaurativos que foram realizados
no início do projeto “Justiça para o culo 21”. Saliente-se que três círculos
envolviam ato infracional de roubo, dois de dano, dois de furto e um de lesões
corporais. Resultaram nesses círculos os seguintes acordos: ressarcimento em
dinheiro da metade do prejuízo da vítima, compromisso do adolescente em realizar
tratamento psiquiátrico e em conversar ao invés de agredir, compromisso do
adolescente em não cometer novos atos infracionais e manter convivência pacífica
com a vítima, pedido de desculpas a vítima e seus pais; compromisso com sua mãe
em não repetir o ato, compromisso de obedecer aos pais, não mais roubar e
compromisso em pedir desculpas à vítima não presente ao círculo
336
.
Quanto a informações sobre o pós-círculo, que diz respeito ao
acompanhamento dos acordos pelos técnicos responsáveis pelas práticas
restaurativas, cinco casos foram cumpridos, um não foi cumprido, um foi cumprido
parcialmente e um sem registro
337
.
336
BRANCHER, L.; AGUINSKY, B. Projeto Justiça para o Século 21. Disponível em: <
http://www.justica21.org.br/j21/webcontrol/upl/bib_241.doc> Acesso: 03 junho de 2007.
337
BRANCHER, L.; AGUINSKY, B. Projeto Justiça para o Século 21. Disponível em: <
http://www.justica21.org.br/j21/webcontrol/upl/bib_241.doc> Acesso: 03 junho de 2007.
122
Roubo
Dano
Furto
Lesões
corporais
Figura 2. Círculos restaurativos em 2005.
Fonte: 3ª Vara do Juizado Regional da Infância e da Juventude de Porto Alegre
Como se pode notar, no ano de 2005 não repercutiram como o desejado
práticas restaurativas, pois de vários casos que se encontravam em condições de
aplicabilidade e inserção aos círculos, apenas oito casos vingaram, o que demonstra
a dificuldade de se resolver conflitos pela não-violência e principalmente de se
distanciar do atual modelo de justiça considerado retributivo, por ter nas suas
práticas essencialmente a punição como cunho dissimulado de caráter pedagógico.
Baseado nos levantamentos desse período, a Vara do Juizado da Infância e
Juventude procurou se articular e estabelecer melhor suas metas de trabalho e
abordagem com os círculos restaurativos, que centralizaram um espaço e pessoal
qualificado para o atendimento dos casos que eram recepcionados pela Justiça
Restaurativa, assim se originou a Central de Práticas Restaurativas, como antes
mencionado.
Conforme a figura 3 abaixo, no ano de 2006 a central de práticas
restaurativas obteve um total de 133 casos distribuídos. Nesses casos, 26 círculos
(19,5%) foram realizados, destes: 20 com a participação da vítima e seis de
natureza familiar, sem a participação da vítima. Saliente-se apenas sete pós-círculos
foram realizados. Quanto aos casos em andamento, que no decorrente período
123
eram 22 passaram para o ano de 2007 (16,5%), casos encerrados no pré-círculo
foram 73 (54,9%) e casos não iniciados e não realizados 12 (9,0%).
Círculos
restaurativos
19,5%
Casos em
andamento
16,5%
Casos
encerrados no
pré-círculo
54,9%
Casos o
iniciados e não
realizados
9,0%
Figura 3. Total de casos distribuídos para a CPR em 2006
Fonte: 3ª Vara do Juizado Regional da Infância e da Juventude de Porto Alegre
De acordo com a Figura 4, um dos pontos que merece ser destacado são os
casos encerrados no pré-círculo, que apresentam os seguintes motivos: não
admissão de autoria do fato oito (11,0%), ofensor e vítima não aceitaram dois
(2,7%), vítima impossibilitada em participar um (1,4%), ofensor impossibilitado em
participar um (1,4%) ofensor aceitou, mas não compareceu um (1,4%), vítima
aceitou mas não compareceu um (1,4%), não localização do ofensor quatro (5,5%),
não localização da vítima três (4,1%), avaliação técnica cinco (6,8%), técnicos o
conseguiram realizar o círculo oito (11,0%) e por decisão judicial dois (2,7%).
Desses, salienta-se dois pela maior proporcionalidade, 21(28,8%) porque o ofensor
não aceitou participar e 16 (21,9%) demonstrando que a vítima não aceitou
participar.
124
1,4
1,4
1,4
1,4
2,7
2,7
4,1
5,5
6,8
11,0
11,0
21,9
28,8
0,0 5,0 10,0 15,0 20,0 25,0 30,0 35,0
Vítima impossibilitada em participar
Ofensor impossibilitado em participar
Ofensor aceitou, mas não compareceu
Vítima aceitou, mas não compareceu
Ofensor e vítima não aceitaram
Decisão judicial
o localização da vítima
o localização do ofensor
Sugestão técnica
o admite a autoria do fato
Técnicos não conseguiram realizar o círculo
Vítima não aceita participar
Ofensor não aceita participar
Motivos - 2006
%
Figura 4. Motivos de encerramento de casos no pré-círculo 2006
Fonte: 3ª Vara do Juizado Regional da Infância e da Juventude de Porto Alegre
Foram definidos critérios para a escolha das demandas na aplicação do
âmbito judicial. No ano de 2005, os critérios definidos foram: admissão da autoria do
cometimento do ato infracional pelo adolescente; ter vítima identificada; não ser caso
de homicídio, latrocínio, estupro e de conflitos familiares. no ano de 2006 os
critérios de escolha das demandas foram: Levar em conta os princípios: admissão
da autoria do cometimento do ato infracional pelo adolescente; voluntariedade na
participação; círculo com foco no fato (último ato infracional); ter vítima identificada;
não ser caso de conflitos familiares e violência sexual intrafamiliar
338
.
Quanto ao sexo dos adolescentes que participaram dos círculos restaurativos
a maioria é de meninos, ou seja, dos 20 círculos apenas duas são meninas.
Por tudo isso, os objetivos do Projeto da Justiça para o Século 21 também
assentam-se na necessidade de ampliar a satisfação dos usuários pelos serviços
jurisdicionais; de humanizar substancial e pedagogicamente as medidas
338
BRANCHER, L.; AGUINSKY, B. Projeto Justiça para o Século 21. Disponível em: <
http://www.justica21.org.br/j21/webcontrol/upl/bib_241.doc> Acesso: 03 junho de 2007.
125
socioeducativas; de democratizar a justiça por meio dos princípios da inclusão, da
co-responsabilidade e da participação dos atores sociais envolvidos no processo; de
envolver a comunidade nos processos de superação de conflitos e violências; de
prevenir violências, desjudicializar o atendimento e prevenir a reincidência .
339
Portanto, mais da metade dos casos no período de 2006, como ilustrados
pelas figuras anteriormente, indicam problemas que precisam ser combatidos para
que as práticas restaurativas sirvam como programa de política blica
socioeducativa para o enfrentamento e a diminuição de cometimento de atos
infracionais pelos adolescentes.
De qualquer sorte, no ano de 2006 houve um pequeno avanço com relação
ao número de círculos realizados no período de 2005, que foram apenas oito.
Contudo, não há de se esquecer que a Justiça Restaurativa representa um projeto
em pequena proporção que está em fase de avaliação para a efetiva
implementação. Tal mudança não é simples, pois também significa romper com
paradigmas enraizados na sociedade como a cultura da violência, ao invés da
cultura da não-violência que contribui e reconhece nas práticas restaurativas uma
proposta de resolução de conflitos.
Embora, a amostragem de dados de 2007 ainda esteja em aberto, o tendo
sido finalizado ou tabulado, inclusive os pós-círculos que dela resultaram até o
período trazido para essa pesquisa, tornou-se fundamental também indicar no
trabalho alguns dados sobre os círculos restaurativos realizados.
No ano de 2007
340
, de acordo com a Figura 5 a Central de Práticas
Restaurativas teve 64 casos encaminhados; desses 19 círculos restaurativos
(29,7%) foram realizados e 15 (23, 4%) estavam em andamento. Quanto ao total de
casos encerrados no pré-círculo chegou-se a 30 (46,9%).
339
BRANCHER, L.; AGUINSKY, B. Projeto Justiça para o Século 21. Disponível em: <
http://www.justica21.org.br/j21/webcontrol/upl/bib_241.doc> Acesso: 03 junho de 2007.
340
Dados de 01 de janeiro a 02 de agosto.
126
rculos
restaurativos
29,7%
Casos em
andamento
23,4%
Casos
encerrados no
pré-círculo
46,9%
Figura 5. Casos distribuídos para CPR em 2007
Fonte: 3ª Vara do Juizado Regional da Infância e da Juventude de Porto Alegre
Note-se que, ainda no ano de 2007, o número de casos encerrados na fase do
pré-círculo é significativa e maior quando comparada a fase do rculo propriamente
dita. Destaca-se ainda que, desses 30 casos, 12 (40,0%) se deu pelo fato de a
vítima não ter aceito, quatro (13,3%) porque o adolescente não assumiu a autoria do
fato, quatro (13,3%) porque o adolescente e vítimao aceitaram, três(10,0%)
vítima aceitou mas depois desistiu, dois (6,7%) não localizada a vítima, um (3,3%)
vítima com problemas de saúde, um (3,3%) não localizado o adolescente, um (3,3%)
avaliação cnica, um (3,3%) adolescente e mãe não aceitaram e um (3,3%)
adolescente com problemas de saúde. Outra informação complementar sobre os
casos encaminhados à CPR consta na Figura 6 abaixo. Foram encaminhados casos
com nove medidas Meio Aberto, 13 medidas Meio Fechado, seis Advertência e 34
suspenso na JIN (Justiça Instantânea) e duas remissões sem Medida.
Medidas de Meio
Aberto
Medidas de Meio
Fechado
Advertência
Suspenso na JIN
Remissão sem Medida
Figura 6. Casos com encaminhamento de medidas no ano de 2007
Fonte: 3ª Vara do Juizado Regional da Infância e da Juventude de Porto Alegre
127
Estão elencados, na Figura 7. Mais uma vez se verifica que dos motivos que
ocasionaram o encerramento dos casos no pré-círculo a maioria se pela não-
aceitação da vítima em participar do círculo (40,0%) e pelo o adolescente não
assumir a autoria do fato (13,3%). Interessante que no ano de 2006 o maior índice
de encerramento do pré-círculo se dava pelo fato de o adolescente (ofensor) não
querer participar do círculo, representando (28,8%) e em segunda posição devido a
vítima não querer participar (21,9%).
40,0
13,3 13,3
10,0
6,7
3,3 3,3 3,3 3,3 3,3
0,0
5,0
10,0
15,0
20,0
25,0
30,0
35,0
40,0
45,0
Vítima não aceitou
Adolescente não assumiu a
autoria do fato
Adolescente e vítima não
aceitaram
Vítima aceitou, mas desistiu
Não localizada a vítima
Vítima com problemas de
saúde
Não localizado o adolescente
Avaliação técnica
Adolescente e mãe não
aceitaram
Adolescente com problemas de
saúde
Motivos - 2007
%
Figura 7. Motivos de encerramento de casos no pré-círculo em 2007
Fonte: 3ª Vara do Juizado Regional da Infância e da Juventude de Porto Alegre
Mesmo que os dados de 2007 não estejam finalizados é possível fazer uma
mera comparação e verificar-se-á que houve uma inversão de posição, no que diz
respeito a não-aceitação da tima em participar do círculo. Esse motivo representa
no contexto demonstrado pela figura abaixo (40,0%) e o mais interessante é que a
não-aceitação por parte do adolescente se reduz significativamente (3,3%),
indicando uma maior participação e interesse do adolescente em relação a proposta
restaurativa.
Além da inserção dos dados anteriores na referida pesquisa, também se teve a
preocupação de realizar uma amostragem com os casos de 2005 e 2006 para
verificar a ocorrência ou não da reincidência de atos infracionais cometidos por
adolescentes que participaram ou tinham condições de participar das práticas
restaurativas. Essa é uma das primeiras amostras realizadas pelos especialistas e
128
responsáveis pela avaliação da Justiça Restaurativa como experimento e alternativa
de resolução de conflitos.
De acordo com a Figura 8, a análise deu-se em 173 casos, apenas 41(23,8%)
reincidiram e 131 (76,2%) não reincidiram. Salienta-se que a pesquisa era realizada
nos processos, buscando o nome do adolescente e após inserido no sistema on-line
(sistema JIJ) para verificar se o mesmo estava respondendo a outro procedimento
na Justiça. O sistema utilizado pela CPR possibilita verificar a situação dos
adolescentes até completarem os 18 anos; depois não como monitorar o
fenômeno da reincidência, pois esses atingiram a maioridade penal.
Sim
23,8%
o
76,2%
Figura 8. Casos de reincidência em 2005-2006 I
Fonte: 3ª Vara do Juizado Regional da Infância e da Juventude de Porto Alegre
Para um estudo mais detalhado buscou-se, sobre os 133 dados fornecidos pela
Vara do Juizado Regional da Infância e da Juventude, verificar as seguintes
questões: Quantos casos no pré-círculo? Quantos casos no círculo? Quantos não
foram iniciados? Quantos que na fase do pré-círculo reincidiram? E por último um
comparativo de reincidência no pré-círculo com o círculo. A Figura 9 demonstra que
no pré-círculo a maior quantidade de casos, totalizando 105 casos o que
corresponde a 61,0%. No círculo ocorreram 35 casos, o equivalente a 20,3 % e os
casos não-iniciados somaram-se 32 correspondente a 18,6%.
129
Pré-círculo
61,0%
rculo
20,3%
o iniciado
18,6%
Figura 9 Casos de reincidência em 2005-2006 II
Fonte: 3ª Vara do Juizado Regional da Infância e da Juventude de Porto Alegre
Em um outro momento, passou-se a verificar principalmente o número de
reincidências no pré-círculo e no círculo restaurativo. Note-se que os casos que não
foram iniciados apresentam uma percentagem maior de não-reincidência; no
entanto, esses dados aqui não devem ser considerados.
No pré-círculo, 27 casos (25,7%) reincidiram; no rculo apenas oito casos
(22,9%) e não iniciados seis casos (18,8%) que fecham os 41 casos e equivalem
aos 23,8 % de casos de reincidência.
No que diz respeito aos casos que não reincidiram, no pré-círculo o número
correspondente é de 78 (74,3%), no círculo totalizou 27 (77,1%) e não iniciados 26
(81,3%), totalizando os 131 casos que correspondem a 76,2 %. A reincidência no
pré-círculo foi 2,8 pontos percentuais maior do que no círculo, apresentando uma
proporção de reincidência 12,23% maior
341
.
Note-se que nas fases das práticas restaurativas ainda não uma mudança
significativa de diminuição da reincidência. Contudo, comparando o pré-círculo com
o círculo, embora pequenos os indicadores, é possível considerar que a passagem
341
Dados analisados pelo NUPES (Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociais) da UNISC.
130
do jovem pelo círculo torna-se um contributo interessante para o enfrentamento e
redução do cometimento de ato infracional.
A diferença proporcional não apresenta diferença substancial, mas sinaliza e
deixa evidente a importância de engajamento dos atores sociais e do trajeto da
escuta pelo procedimento da comunicação Não-Violenta indicando a possibilidade
de se atingir resultados positivos em maior amplitude.
25,7
22,9
74,3
77,1
0,0
10,0
20,0
30,0
40,0
50,0
60,0
70,0
80,0
90,0
P-círculo Círculo
Reincidente Não reincidente
Figura 10. Comparativo de reincidência na fase do pré-círculo e com o círculo
Fonte: 3ª Vara do Juizado Regional da Infância e da Juventude de Porto Alegre
A reincidência é considerada como “reprodução social da criminalização”, pois
quanto maior a reação repressiva, maior a sua probabilidade. A institucionalização e
a rotulação que dela decorre são conseqüências que elevam a produção de atos
infracionais reiterados
342
.
Os dados demonstram alguns entraves que dificultam a efetiva concretização
do modelo da Justiça Restaurativa. Tais problemas se assentam na seara
342
SANTOS, Juarez Cirino dos. O adolescente infrator e os direitos humanos. In: ANDRADE, Vera
Regina Pereira de. Verso e reverso do controle penal: (des) aprisionamento a sociedade da cultura
punitiva. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002, p. 119.
131
institucional no sentido, de profissionais que atendam à demanda de procedimentos
restaurativos que envolvam os adolescentes autores de ato infracional. A Central de
Práticas Restaurativas é constituída de quatro profissionais que atendem os casos
que são recepcionados pelo modelo restaurativo. O número pequeno de técnicos
nas abordagens restaurativas pode interferir significativamente na prestação de
serviços de qualidade.
Outra observação interessante apontada por Sica dá-se pelo fato de as
“medidas restaurativas serem propostas após a sentença, pela vara de execução de
medidas sócio-educativas, cumulando-se a estas e, ainda correndo numa distância
temporal do fato o que prejudica sensivelmente o diálogo”
343
. Para esse autor, a
cumulação das medidas pode representar uma revitimização e uma sobreposição da
justiça restaurativa sobre a justiça formal, entendendo que o processo restaurativo
da mediação seria o mais adequado para superar tal incompatibilidade.
As práticas restaurativas não representam uma revitimização pela sistemática
adotada pela Vara de Execução em Porto Alegre, pois as medidas restaurativas
não são impostas às partes. Entretanto, é aceitável que a distância temporal do fato
pode prejudicar o diálogo. Isso denota a necessidade de mais técnicos para
exercerem o papel de facilitadores nos os processos restaurativos.
De acordo com Rosa:
A necessidade de que a intervenção seja imediata proporciona a
significação, sempre existente, das implicações de um processo infracional
e da eventual medida socioeducativa. Por isso que longos períodos entre o
ato e a resposta, de regra, implicam que a intervenção se em outro
adolescente, já modificado pelo tempo. Apesar de o tempo da ‘outra cena’
não ser temporizável, o ato já foi encadeado simbolicamente e a
intervenção é puro ato de poder desprovido de qualquer pretensão rumo à
autonomia. Enfim, não sentido em intervir noutro adolescente, que as
modificações são dinâmicas. Logo, salvo casos extremos, o melhor é a
extinção do processo ou eventualmente da medida aplicada porque a
autonomia possível já foi alcançada por outros caminhos ou, por outra parte,
deixa de existir relação entre o ato e a medida socioeducativa, sendo, no
fundo, um ato violento e intempestivo
344
.
343
SICA, op.cit., p. 226.
344
ROSA, op.cit., p. 234.
132
Além disso, a necessidade de recurso público que abarque tais propostas,
pois até então, o emprego de recursos é restringido e depende de apoio da
sociedade civil e organizações interessadas a dar continuidade ao trabalho.
3.3 O resgate da comunidade como desafio da Justiça Restaurativa
Para Bazemore, a Justiça Restaurativa tem se desenvolvido como uma
abordagem promissora no atendimento a adolescentes e os demais interlocutores
do conflito, pois o foco está na reparação do dano e na reconstrução dos
relacionamentos. Embora os resultados práticos com algumas experiências no
mundo sejam positivas, faz-se necessário reconhecer o seu potencial enquanto
instrumento de construção comunitária
345
.
Portanto, para o autor três princípios para a prática precisam ser observados: o
primeiro, diz respeito à reparação do dano que se pauta na colaboração do ofensor,
da vítima e da comunidade. Todos têm sua parcela de co-responsabilidade sobre o
fato que desencadeou o ato infracional. O segundo princípio versa sobre o
envolvimento das partes interessadas. Isso significa maior comprometimento,
exercício de participação e valorização das necessidades dos envolvidos no
processo. E o último princípio, aborda a transformação na comunidade, papéis do
governo e relacionamentos. Nesse se identifica a limitação do Estado na resolução
de conflitos, reconhecendo a necessidade de se fortalecer relações com a
comunidade, devido a mesma ter um papel essencial no processo de resposta à
criminalidade
346
.
Os dados estatísticos que ilustram a pesquisa deixam clara, a necessidade de
fortalecimento das relações entre o Estado como fomentador e responsável pela
implementação e concretude das políticas públicas. Por isso, corrobora Kliksberg
347
quando diz que o Estado é inteligente ao fomentar e solidificar no espaço local
345
BAZEMORE, Gordon. Os jovens, os problemas e o crime: justiça restaurativa como teoria
normativa de controle social informal e apoio social In: In: SLAKMON, C.; MACHADO, M.; BOTTINI,
P. (Org.). Novas direções na governança da justiça e da segurança. Brasília-DF: Ministério da Justiça
2006.
346
BAZEMORE, op.cit., p.605-606.
347
KLIKSBERG, Bernardo. O desafio da exclusão social: para uma gestão social eficiente. São Paulo:
Fundap,1997,p.54.
133
políticas públicas conjuntamente com a família, a escola e a comunidade. Porém,
essa relação de conexão, de cooperação, não é simplória; ao contrário, os papéis
socioinstitucionais precisam ser desvelados e recepcionados também por políticas
públicas. Os conflitos aumentarão se nenhuma tentativa for feita que parta da
instituição estatal como a do Judiciário, que tenta mobilizar os demais atores sociais
para enfrentarem a violência infanto-juvenil e tornarem-se co-responsáveis no
processo de inserção restaurativa do adolescente.
A cultura é o principal desafio mais os fenômenos da pobreza, exclusão e as
desigualdades sociais. Note-se que a cultura profunda trazida nas assertivas de
Galtung é algo de maior complexidade e emblema a ser desvelado por toda e
qualquer proposta de que se valha para resolver conflitos.
Assim sendo:
Os dois gigantes na compreensão de seres humanos, Freud e Jung, tinham
uma divisão de trabalho. Freud viu atitudes profundas por baixo de atitudes
do indivíduo. Jung viu atitudes profundas por baixo de atitudes coletivas.
Ambos viram ambas. Jung em seu trabalho com a “sombra” - as atitudes
que não admitimos ter - e Freud em seu trabalho com monoteísmo. o
bons exemplos. Chamemos essas atitudes profundas de subconsciente
individual e subconsciente coletivo. O “coletivo” não implica nada de
misterioso, apenas se refere a atitudes profundas que membros de uma
certa categoria parecem partilhar. A suposição é de que impressões
similares os tenham moldado mais ou menos da mesma maneira, expostos
às mesmas impressões: não nenhuma suposição acerca de uma “alma
coletiva” ou algo que o valha. Usemos a expressão cultura profunda sobre o
subconsciente coletivo, que a cultura muito freqüentemente não reconhece.
Isso, no entanto, torna-se muito abstrato. Nosso encargo é mostrar que a
cultura profunda desempenha um papel e é importante na formação de
atitudes e comportamentos durante um conflito. Em outras palavras, a
cultura de conflito tem de ser incluída no trabalho de conflito
348
.
Em linhas gerais, significa dizer que o reconhecimento de que existe a cultura
profunda para ser desvelada e enfrentada representa um avanço quando da
inserção do modelo da Justiça Restaurativa na sociedade. Faz-se necessário que
se concebam outras políticas públicas sociais básicas para a revitalização e a
consolidação das práticas restaurativas. Por isso, a construção da emancipação dos
atores sociais, tanto o ofensor, como a vítima e a comunidade necessita políticas
que venham ao encontro da possibilidade de se explorar o capital social e o humano
348
GALTUNG, Johan. Transcender e transformar: uma introdução ao trabalho de conflitos: tradução
de Antonio Carlos da Silva Rosa. São Paulo: Palas Athena, 2006, p.192.
134
que poderão servir de conexão para o estabelecimento da comunicação e
emancipação desses atores sociais, proposta por Habermas.
Por conta disso, como contribuição a essa abordagem habermasiana, interessa
a retomada do conceito de comunidade e capital social. Por saber que a
comunidade também é co-responsável pela pacificação dos conflitos, de imediato se
traz à baila a visão de alguns autores que consideram seu conceito vago e evasivo
nas ciências sociais. Logo, também a definirem é um atual desafio.
Nesse contexto:
Tornou-se uma palavra-chave usada para descrever unidades sociais que
variam de aldeias, conjuntos habitacionais e vizinhanças até grupos étnicos,
nações e organizações internacionais. No mínimo, comunidade geralmente
indica um grupo de pessoas dentro de uma área geográfica limitada que
interagem dentro de instituições comuns e que possuem um senso comum
de interdependência e integração
349
.
Para Bauman, a abordagem com relação a comunidade não deve ser feita
como um lugar de compreensão mútua ou na qual não existam conflitos sociais, pois
uma ilusão de que nela as discussões o amigáveis e amenas, que os
interesses são voltados à coletividade em prol da harmonia, embora a palavra
comunidade evoque tudo aquilo de que se sente falta e de que se precise para viver
seguro, confiante no mundo contemporâneo
350
.
Nesse sentido, Sica traz à discussão as dificuldades de se resgatar o
significado de comunidade, principalmente nos grandes centros urbanos, onde são
rara as relações pessoais e o convívio nos espaços sociais. Contudo, enfatiza que a
proposta da Justiça Restaurativa é a de resgatar as relações comunitárias
351
.
349
BOTTOMORE, Tom. Dicionário do Pensamento Marxista. Rio de Janeiro: Zahar, 2006, p. 115.
350
BAUMAN, Zigmunt. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2003, p.09 : [...] “comunidade” é o tipo de mundo que não está lamentavelmente, a nosso
alcance mas no qual gostaríamos de viver e esperamos vir a possuir. Raymond Williams, atento
analista de nossa condição comum, observou de modo cáustico que o que é notável sobre a
comunidade é que “ela sempre foi”. Podemos acrescentar: que ela sempre esteve no futuro.
“Comunidade” é nos dias de hoje outro nome de paraíso perdido mas a que esperamos
ansiosamente retornar, e assim buscamos febrilmente os caminhos que podem levar-nos até lá.
351
SICA, Leonardo. Justiça Restaurativa e Mediação Penal. O novo modelo de Justiça Criminal e de
Gestão do Crime. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007, p.15.
135
Porém:
o que se observa é que o preenchimento do conteúdo do termo
“comunidade” deve ser obtido de acordo com as peculiariades (sic)
peculiaridades operativas de cada progama (sic) programa. Por exemplo,
em certos lugares a comunidade é compreendida no sentido de community
of concern , ou seja, aquelas pessoas mais diretamente relacionadas com o
ofensor e com a vítima (familiares, amigos, vizinhos) e que, de alguma
forma, podem dimensionar os efeitos ou foram afetados pelo crime e
colaborar para uma solução consensual. Em outros lugares, a comunidade
pode ser concebida por meio da participação de entidades da sociedade
civil organizada que trabalham em determinadas situações, ou seja, a regra
básica é “respostas diferentes, para contextos diferentes”
352
.
Verifica-se, desse modo, que, para que se obtenha êxito nos programas de
Justiça Restaurativa, faz-se necessária a participação da comunidade, de maneira
cooperativa e responsável. Além disso, para que se tenham sujeitos responsáveis,
solidários, cooperativos e que se sintam pertencendo àquela respectiva comunidade,
torna-se relevante o reconhecimento do capital social e o seu fortalecimento com
políticas públicas sociais.
No entanto, essa assertiva o é simples, pois resgatar o sentido de
comunidade parece uma busca incessante de um lugar que seja aconchegante e
que acolha os seus membros, independente das divergências de pensamento. O
espaço é para ser compartilhado, mesmo que o consenso se de maneira
diversa
353
.
Pensar a atuação da rede de atendimento, da Justiça em parceria com a
comunidade implica, antes de tudo, delinear o que se considera como comunidade.
A constituição de uma comunidade, vale lembrar, define-se aqui como um espaço
constituído de pessoas interligadas, dispõe de uma rica fonte de conexão a ser
explorada, ou seja: o capital social
354
. Significa mencionar como coabitam as
relações pessoais a que estão sujeitas ou influenciadas pelos paradoxos
fortalecimento e fragilidade. Logo, mesmo que com interferências das desigualdades
sociais, dos fenômenos como a pobreza, a exclusão e a violência, pode-se
352
Ibidem, p.15.
353
BAUMAN, Zigmunt. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2003,09.
354
Ver mais. PUTNAM, Robert. Comunidade e Democracia A experiência da Itália Moderna. Rio de
Janeiro: Fundação Getúlio Vargas,1993.
136
reconhecer que o capital social é um instrumento de grande valia para a instauração
da comunicação e entendimento entre os homens, para dirimir conflitos sociais e
prezar a cooperação de seus membros no enfrentamento de tais questões.
Como pontua Franco:
As conexões em rede, constituídas a partir de valores compartilhados e
objetivos comuns e que se referem à maneira como as pessoas convivem
às emoções e às razões pelas quais permanecem juntas, à forma como se
relacionam e ao modo como regulam seus conflitos e se conduzem
coletivamente. Estas relações são geradoras de capital social: quanto mais
freqüentes e quanto mais fortes forem essas relações (“fracas”), mais capital
social será produzido e reproduzido e mais capacidade terá uma sociedade
de cooperar, formar redes, regular seus conflitos democraticamente e,
enfim, constituir comunidade
355
.
Quanto a capital social, duas posições consagradas sobre sua definição na
literatura internacional. A primeira delas considera o capital social como recurso de
que os indivíduos dispõem para acessarem fundos socialmente valorizados em
virtude de relações sociais estabelecidas com outras pessoas. Pode-se considerar o
recurso como informações, apoios, conhecimentos que constituem o capital para
viabilizar que os indivíduos, grupos ou comunidades acessem outros meios de
capital como: ascensão social e profissional, riqueza e trabalho. Dito de outra
maneira, capital é um mecanismo de interligação para possibilitar ao sujeito o
acesso a outros meios de capital que melhorem a sua condição humana. A
justificativa “social” é pelo acesso que se dá dentro de uma rede de relações
356
.
A outra posição considera o capital social como sendo as inúmeras formas de
interação social dos membros de uma comunidade, que podem ser as formais e
informais, mais os fatores psicossociais relacionados, como os sentimentos de
confiança e a reciprocidade
357
. Desse modo, o associativismo e a vida cívica são
355
FRANCO, Augusto de. Pobreza e desenvolvimento local. Brasília: Ed A e D, 2002, p.66.
356
SCHMIDT, João Pedro. Exclusão, inclusão e capital social: o capital social nas ões de inclusão.
In LEAL; Rogério Gesta; REIS, Jorge Renato dos (orgs.). Direitos Sociais & Políticas Públicas:
desafios contemporâneos. Santa Cruz do Sul: Edunisc, t.6 2006, p. 1760.
357
Ibidem, p. 1760.
137
destacados como fatores que favorecem o desenvolvimento econômico, a eficácia
institucional e a resolução de problemas sociais
358
.
Para Coleman, o capital social diz respeito a capacidade de relacionamento do
indivíduo, sua rede de contatos sociais que se baseia nas expectativas de
reciprocidade e comportamentos confiáveis, que no conjunto melhoram a eficiência
individual. Nesse contexto, valendo-se do plano coletivo, o capital social auxiliaria na
manutenção da coesão social, pela obediência às normas, como na negociação em
situações de conflitos, prevalecendo a cooperação sobre a competição, assim
resultando em uma sociedade democrática por basear-se na associação
espontânea
359
.
Do mesmo modo, Putnam entende que o capital social se reflete no grau de
confiança existente entre os diversos atores sociais, seu grau de associativismo e o
acatamento às normas de comportamento cívico, tais como o pagamento de
impostos e os cuidados com que são tratados os espaços públicos e os “bens
comuns”
360
.
Ademais distingue-se o capital humano do capital social. O primeiro é produto
de ações individuais em busca de aprendizado e aperfeiçoamento; o segundo se
fundamenta nas relações entre os atores sociais que estabelecem obrigações e
expectativas mútuas, estimulam a confiabilidade nas relações sociais e agilizam o
fluxo de informações, internas e externas, propiciando o funcionamento de normas e
sanções consentidas, ressaltando os interesses públicos coletivos
361
.
Logo, o capital social diz respeito a recursos cujo uso abre caminho para o
estabelecimento de novas relações entre os habitantes de uma determinada região
e daí sua relação com o conceito de comunidade
362
.
Para Putnam e Coleman, o
358
GROOTAERT, C. et al. Questionário integrado para medir capital social (QI-MCS), s/d. Disponível
em:<htt p://poverty.worldbank.org/files>. Acesso em: 20 out. 2004.
359
COLEMAN, James S. Foundations of Social Theory Londres: The Belknap Press of Harvard
University Press, 1990.
360
PUTNAM, Robert. Comunidade e Democracia A experiência da Itália Moderna. Rio de Janeiro:
Fundação Getúlio Vargas,1993.
361
ABRAMOVAY, Ricardo. O capital social dos territórios: repensando o desenvolvimento rural.
Economia Aplicada – volume 4, n° 2, abril/junho 200 0.
362
PUTNAM, Robert. Op.cit., p.178-179.
138
capital social é esse conjunto de recursos (boa parte dos quais simbólicos) de cuja
apropriação depende em grande parte o destino de uma certa comunidade
363
.
Para Schmidt, a riqueza está associada ao capital social no sentido de
integração a redes sociais e a variadas formas de recursos, que possibilitam a
algumas pessoas a atingirem o ápice de ordem econômica. Por outro lado, os
pobres também têm uma rede, porém com menos recursos, e obviamente por
estarem integrados a outras pessoas de mesma situação econômica não
conseguem evitar a pobreza
364
. Apesar das duas distinções entre pobres e ricos,
foi levantado pela literatura da educação popular e da Teologia da Libertação que há
um elevado nível de solidariedade e cooperação entre os pobres, maior inclusive
que entre os ricos
365
.
O capital negativo pode se dar pela desigualdade social, pelas diversas formas
de discriminação social e, portanto, a cooperação e a reciprocidade num espaço
constituído por esse tipo de capital liga indivíduos aceitos na mesma posição
hierárquica. Como bem esclarece Schmidt, de que de algum modo existe um “capital
social excludente” e um capital social includente
366
.
Assim, Schmidt conclui dizendo que quanto maior for a confiança, a
cooperação, o sistema de informações e de associativismo horizontal, maior sea
capacidade das instituições de apresentar políticas eficazes. Pois nas regiões em
que o capital social é fortalecido “os cidadãos participam mais, cobram mais das
autoridades e se comunicam melhor com os governantes”, nas regiões onde o
capital social é pouco desenvolvido, “tende a prevalecer o clientelismo e o
mandonismo das elites”. O Brasil não aparece como um país, no qual o capital social
seja desenvolvido, pois a presença de seus cidadãos como atores relevantes ainda
não possuem muita expressividade
367
. Somente com o fortalecimento do capital
social e da construção de uma cultura política democrática, que, apesar de ser uma
tarefa política de grande envergadura, é imprescindível para atingir qualidade e a
363
ABRAMOVAY, Ricardo. O capital social dos territórios: repensando o desenvolvimento rural.
Economia Aplicada – volume 4, n° 2, abril/junho 200 0.
364
SCHMIDT, op.cit., 2006, p. 1761-1786.
365
SCHMIDT, p. 1761-1786.
366
SCHMIDT , p. 1761-1786.
367
SCHMIDT, Ibidem, p. 2023.
139
efetividade o almejadas, em relação aos novos modelos de políticas públicas em
construção
368
.
É possível constatar-se que tal ideário exige uma disposição positiva a partir do
capital social do Estado e de cada comunidade. O capital social inclui características
de cooperação, reciprocidade, construção de redes, associativismo, participação,
empoderamento e uma verdadeira sinergia em Estado e sociedade para a
efetivação de toda e qualquer proposta de desenvolvimento social. Logo, o capital
social pode servir de uma condicionante de vantagens ou desvantagens de se
pertencer a uma determinada comunidade
369
.
Embora os discursos mais eloqüentes se primem pela comunidade, a
identificando como o espaço local e propício para o desenvolvimento de políticas
públicas de inclusão social, não se pode desconsiderar, que independente de se
sentir algo muito bom e próximo quando referenciada, ela pode ser uma construção
imaginária, e não real. A menos que, em seu bojo, existam diversidades,
hostilidades e que, para coabitá-la, o individualismo precisa ser encarado de frente e
que alcançá-la significa também perder a liberdade. Em linhas gerais, segurança e
liberdade não coabitam o mesmo espaço
370
.
Embora se esteja distante do que efetivamente a comunidade represente na
realidade. Reafirma-se que a noção de comunidade como redes de cidadãos
interligadas que possuam recursos, que podem ser coletivamente mobilizados na
promoção da integração e cooperação social
371
.
Entende-se que a diminuição dos danos ocasionados pela violência estrutural
dá-se a partir da comunidade, diga-se aqui, de uma comunidade real. E isso
368
SCHMIDT, Ibidem, p. 2024.
369
ALBAGLI, S; MACIEL, M. Capital social e desenvolvimento local. In: Pequena Empresa:
cooperação e desenvolvimento local. MARTINS, H; CASSIOLATO, J; MACIEL, M. (Org.). Rio de
Janeiro: Relume Dumará - UFRJ, Instituto de Economia, 2003, p.424.
370
BAUMAN, Zigmunt. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual.Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2003, p.10.
371
BAZEMORE, Gordon. Os jovens, os problemas e o crime: justiça restaurativa como teoria
normativa de controle informal e apoio social. In: SLAKMON, C.; MACHADO, M.; BOTTINI, P. (Org.).
Novas direções na governança da justiça e da segurança. Brasília-DF: Ministério da Justiça 2006,
p.586-587
.
140
procede, em virtude do impulso e a valorização da função social que ela representa
na inserção do seu adolescente, que comete uma ação delituosa.
Portanto:
A energia gerada nas comunidades pela preocupação acerca do crime pode
ser canalizada para processos que aumentam a participação democrática
na criação de comunidades fortes, que assumam a responsabilidade pelo
bem-estar de todos os membros, incluindo vítimas e ofensores. Os
processos consensuais têm potencial para revigorar as democracias
ocidentais, com a participação popular genuína nas decisões coletivas que
moldam as vidas dos cidadãos. O próprio conceito de justiça exige a
inclusão, voz igual e decisões que representam todos os interesses. Os
processos consensuais cumprem esses objetivos de forma mais completa
que a votação pela vontade da maioria. Nessa nova foram de responder ao
crime estão as sementes para um modo de praticar todas as novas funções
democráticas
372
.
Como bem esclarece Costa, referindo-se as idéias de Bursik, as comunidades
sofrem significativas interferências dos fatores sociais e dos ambientais, o que
acarreta uma maior ou menor distinção na proporção da natureza de crimes que a
constituem e como se distribuem em seu espaço sociodemográfico
373
. Desse modo,
para planejar estratégias de enfrentamento e as políticas públicas que
principalmente envolvam a sua participação no processo inclusivo de seus
adolescentes, é fundamental um mapeamento dos tipos de atos infracionais, assim
como os crimes, para tentar compreender e sinalizar em direção a concretude de
políticas públicas e as necessidades humanas que essas pessoas almejam
374
.
372
PRANIS, op.cit. 2006, p.609.
373
COSTA, Marli M. M. Políticas Públicas de Prevenção da Delinqüência Juvenil. In: ___. Direito,
Cidadania e Políticas Públicas. Porto Alegre: Imprensa Livre, 2006, P.18.
374
Prioridades do UNICEF para seu Programa de Cooperação com o Brasil para o período de 2007 a
2011. Disponível em: < http://www.unicef.org.br/> Acesso em: 04 nov.2007. As crianças são
especialmente afetadas pela violência. Embora os sistemas de notificação e informação sobre
violência contra a criança sejam fracos, os dados existentes sugerem que 96% dos casos de
violência física e 64% dos casos de abuso sexual contra crianças de até 6 anos sejam cometidos por
familiares. No caso dos adolescentes, a violência tem lugar fora de casa. Nas duas últimas décadas,
o número de homicídios de adolescentes (15 a 19 anos) aumentou quatro vezes. Tais homicídios
afetam desproporcionalmente os meninos negros das famílias pobres das áreas urbanas. 956
municípios, onde casos de exploração sexual reportada. O País tem ainda o desafio de superar o
uso excessivo de medidas de abrigo e de privação de liberdade para adolescentes em conflito com a
lei. Em ambos os casos, cerca de dois terços dos internos são negros. Cerca de 30 mil adolescentes
recebem medidas de privação de liberdade a cada ano, apesar de apenas 30% terem sido
condenados por crimes violentos, para os quais a penalidade é amparada na lei.
141
Embora fatores sociais e ambientais interfiram na formação de cada
comunidade, para que se possa explorar a participação na resolução de conflitos
que digam respeito aos seus membros, outras políticas públicas precisam ser
implementadas para que possam dar sustentabilidade e voz ativa no processo
restaurativo. Dito de outra forma, o que se verifica é que o Estado não pode somente
se preocupar com as políticas públicas socioeducativas, pois essas representam, na
sua grande maioria, um estágio avançado do problema, quando a prevenção deveria
ter se dado desde a infância, primando-se por educação, saúde, moradia, apoio com
programas sociais a famílias em situação de vulnerabilidade social,
375
emprego,
entre outros
376
.
Mesmo que todas as pessoas estejam envolvidas pela globalização e em
virtude da interdependência que ela gera, não possibilitando autonomia e liberdade
na gestão de suas vidas, existem tarefas com as quais cada pessoa não pode lidar
de forma individual, mesmo que o próprio sistema tenha imposto distanciamento em
relação aos outros. Assim, para que os membros de uma comunidade consigam
controlar os desafios da vida impostos por tais tarefas, a citar mais
especificadamente: a violência infanto-juvenil e a exclusão social, precisam agir
coletivamente
377
.
A esse respeito, Bauman afirma que:
Aqui, na realização de tais tarefas, é que a comunidade mais faz falta; mas
também aqui reside a chance de que a comunidade venha a se realizar. Se
vier a existir uma comunidade no mundo dos indivíduos, poderá ser (e
precisa sê-lo) uma comunidade tecida em conjunto a partir do
375
Prioridades do UNICEF para seu Programa de Cooperação com o Brasil para o período de 2007 a
2011. Disponível em: < http://www.unicef.org.br/> Acesso em: 04 nov.2007.O Brasil possui uma
população de 180 milhões de pessoas, dos quais 62 milhões têm menos de 18 anos de idade, o que
equivale a quase um terço de toda a população de crianças e adolescentes da América Latina e do
Caribe. As crianças são especialmente vulneráveis às violações de direitos, à pobreza e à iniqüidade
no País. Por exemplo, o índice de pobreza da população brasileira é de 27,6%, quando entre as
crianças chega a 44%. As crianças negras, por exemplo, têm 78% mais chance de viver na pobreza
do que as brancas; e as crianças das áreas rurais estão duas vezes mais expostas à pobreza do que
as das regiões urbanas. Na região do Semi-árido, onde vivem 13 milhões de crianças, 75% das
crianças e dos adolescentes são classificados como pobres. Essas iniqüidades são o maior obstáculo
para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) por parte do País
.
376
COSTA, Marli M. M. Políticas blicas de Prevenção da Delinqüência Juvenil. In: ___. Direito,
Cidadania e Políticas Públicas. Porto Alegre: Imprensa Livre, 2006, p.19.
377
BAUMAN, Zigmunt. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual.Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2003,134.
142
compartilhamento e do cuidado mútuo; uma comunidade de interesse e
responsabilidade em relação aos direitos iguais de sermos humanos e igual
capacidade de agirmos em defesa desses direitos.
378
Observe-se que a comunidade pode ser o encontro do paraíso perdido, se seus
membros forem educados e sentirem a necessidade de compartilhar e realizar
tarefas coletivamente. Logo, mesmo diante de uma sociedade de normalização e
também de consumo, as pessoas ainda podem encontrar no espaço local a
alternativa para conectarem-se e socializarem-se.
Não se quer dizer, que, na execução das medidas socioeducativas, o haja
solução para dirimir e evitar a reiteração do adolescente na criminalidade; porém, se
programas e propostas de políticas públicas como a Justiça Restaurativa poderão se
resumir a estratégias paliativas pela ausência de completude e conexão com as
demais políticas públicas sociais.
Percebe-se no conjunto de dados fornecidos pela Vara do Juizado da
Infância e da Juventude que as práticas restaurativas dispõem também de ações
não-sociais instrumentais, pois embora se queira afastar das práticas retributivas,
dando oportunidade de escuta aos atores sociais envolvidos pelo ato infracional, a
cultura da doutrina da situação irregular permanece arraigada nas estruturas
institucionais de atendimento às crianças e aos adolescentes. Além disso, mesmo
que o Estatuto represente uma ruptura das antigas práticas de estigmatização e
negação da cidadania da criança e do adolescente, a prática institucional tem
demonstrado o contrário, pois tem forte no seu ímpeto um caráter cultural de
estigma e exclusão aos marginalizados, por sua vez descartáveis e invisíveis
sociais.
Significa dizer, em linhas gerais, que a tecnicidade e o afastamento do
reconhecimento do outro, como também a negação de inserção no espaço local,
ocasionam distorções na comunicação entre os atores sociais, o que fica claro
quando os casos de reincidência não acusam mudanças significativas quando
comparadas com os adolescentes que participaram apenas do pré-círculo com o
378
BAUMAN, op.cit., p.134
143
círculo. Além disso, pela burocracia e falha nos mecanismos de controle e
acompanhamento dos adolescentes que ingressam no sistema de justiça, quando
do cometimento de ato infracional, a citar a ausência de pesquisas mais precisas
nessa seara ou ainda em andamento, comprometem em partes a observação das
práticas restaurativas.
Com relação a isso, ainda vale lembrar que a amostragem levantada nos dados
da Vara do Juizado da Infância e da Juventude serve como mote para
complementar e fundamentar alguns aspectos que deverão servir de desafios para
que a Justiça Restaurativa atinja seu objetivo maior, que é o de diminuir a violência
institucional. Primeiramente, reafirmar que a teoria da Proteção Integral garanta a
condição e o reconhecimento dos infantes como sujeitos e cidadãos de direitos.
Segundo a necessidade de o Estado implementar outras políticas públicas que
enfrentam a pobreza, a exclusão social e as desigualdades sociais, que tem relação
com um grande desafio enraigado na sociedade: a cultura. E também o locus da
Justiça Restaurativa na comunidade. Significa questionar: de qual comunidade está-
se falando?
Hodiernamente, percebem-se as dificuldades do atual sistema de Justiça da
área da Infância e da Juventude em dirimir os conflitos que, peculiarmente,
envolvem adolescentes. Tais demandas estão atreladas a vários motivos, em
especial a pobreza, a exclusão e a desigualdade social. Comprende-se, ainda, que a
Justiça não consegue promover sozinha a efetivação dos direitos de crianças e
adolescentes, pois essa instituição representa apenas uma parte da rede de
atendimento que deve ter agregada a si outros segmentos como o município
responsável pela implementação de programas de medidas socioeducativas em
meio aberto, assim como a concretude de políticas setoriais de saúde, educação,
assistência social.
379
379
MELO, Eduardo Rezende. Justiça e educação: parceria para cidadania. In: SLAKMON, C.;
MACHADO, M.; BOTTINI, P. (Org.). Novas direções na governança da justiça e da segurança.
Brasília-DF: Ministério da Justiça 2006, p.658
.
144
Como se verifica:
A justiça restaurativa exige uma resposta conjunta ao comportamento
causador de danos entre a comunidade e o governo. A comunidade é
responsável por: apoiar aqueles que foram prejudicados; comunicar o
impacto do comportamento sobre a comunidade, oferecer oportunidades
para que os causadores do dano reparem perante a vítima e a comunidade,
estabelecer e comunicar expectativas de comportamento para cada
membro da comunidade, de uma forma respeitosa, abordar causas
subjacentes do comportamento indesejado. Essas responsabilidades
comunitárias formam a base para o desenvolvimento de empatia por todos
os membros da comunidade. Apoiar aqueles que foram prejudicados exige
dividir a dor - um elemento crucial da empatia e, portanto, reforcem seu
significado. [...] Cada membro da comunidade é responsável por executar
essas funções comunitárias. Cada um deles tem seu papel no
comportamento geral de nossos jovens. Cada membro da comunidade tem
oportunidades para praticar pequenasões que possam reverter o ciclo do
medo dos jovens e o isolamento e afastamento resultantes experimentados
por eles. Os jovens respondem ao mundo da maneira como o vêem - não
foram eles que deram início a esse estado de coisas. Nossos filhos e
crianças são espelhos - reflexos de nós
380
.
Portanto, embora a Justiça Restaurativa possa ser tida como uma política
pública de inclusão social por escutar e conclamar que os atores envolvidos se
manifestem significativamente em um determinado espaço, por si não atende o
que se deve contemplar em uma política blica efetiva, devido a necessidade de
complementariedade de outras políticas públicas que atendam e envolvam as
famílias em situação de vulnerabilidade social dos infantes; políticas públicas que
explorem a cooperação e a confiança de uma comunidade (ou espaço local) para
resolver seus próprios conflitos.
De qualquer sorte, pode-se dizer que a Justiça Restaurativa é uma utopia,
como a educação, a comunidade e a justiça enquanto solidariedade e acesso para
todos. Mas o que é a utopia?
Para Santos:
A utopia é a exploração de novas possibilidades e vontades humanas, por
via da oposição da imaginação à necessidade do que existe, só porque
existe, em nome de algo radicalmente melhor que a humanidade tem direito
de desejar e por que merece a pena lutar
381
.
380
PRANIS, op.cit., p. 592.
381
SANTOS, Boaventura de Souza. Pela Mão de Alice: O social e o político na pós-modernidade. 6
ed. São Paulo: Cortez, 1999, p. 323.
145
Portanto, a utopia é uma categoria básica para a mobilização social e busca de
alternativas, como um modelo de justiça não punitivo, humanizador, baseado no
princípio da não-violência, que possibilite o resgate das contradições entre os
espaços locais frente ao global
382
. Assim:
As ações nos espaços locais reconstroem comunidades de sentido,
atribuindo um papel pedagógico aos movimentos sociais na medida em que
os reconhece como agentes de ação coletiva, instrumentos de pressão, de
interação e de construção de um novo conjunto de valores, agora,
preocupados com a afirmação e efetivação dos direitos humanos
383
.
Embora a Justiça Restaurativa signifique uma ruptura em relação às práticas
punitivas arraigadas no atual sistema, vale frizar à relevância de se avaliar
constantemente os seus resultados, mas com o cuidado e seriedade de se empregar
vários todos com inúmeros enfoques. Ao aplicar métodos de avaliação, o olhar
retributivo precisa ser substituído pela posição restaurativa. Isso significa um
abandono dos papéis sociais de poder de autoridade exercidos na sociedade. Uma
sugestão interessante dada por Zehr, para avaliar as práticas restaurativas “é
perguntar a todas as partes e atores envolvidos o que eles acreditam estar fazendo
e o por quê”. Nesse ponto, é possível concluir que todos o veêm as coisas da
mesma maneira
384
.
Além dessa peculiaridade, é importante prestar contas as vítimas e aos demais
atores sociais, inserindo-o em auditorias de fiscalização e audiências públicas. O
debate deve ser estimulado entre os vários segmentos da sociedade, que, por se
tratar de interesse público, precisam participar do processo dialógico e de escuta
para que as “práticas com princípios” sirvam como mote de transformação e
pacificação social na consolidação da cidadania
385
.
382
CUSTÓDIO, op.cit., p.79.
383
CUSTÓDIO, op.cit., p.79.
384
ZEHR, Howard. Avaliação e princípios da justiça restaurativa. In: SLAKMON, C.; MACHADO, M.;
BOTTINI, P. (Org.). Novas direções na governança da justiça e da segurança. Brasília-DF: Ministério
da Justiça 2006, p. 414
.
385
ZEHR, op.cit., p. 415.
146
Para Zehr:
A justiça restaurativa alega ser sensível às necessidades dos vários
indivíduos e atores, incluindo as vítimas, os infratores e as comunidades.
Em uma situação ideal, a justiça restaurativa cria uma arena onde as
pessoas podem estabelecer, com limites, o que a justiça significa em seu
caso específico. A justiça restaurativa é pós-moderna em sua percepção de
que as nossas verdades acerca do que é justiça dependem do nosso
contexto e que o conceito de justiça deve ser formado a partir da
comunidade. Gostaria de concluir, portanto, com o que se tornou o meu
mantra: que a justiça restaurativa é acima de tudo uma forma de alcançar o
respeito por todos e que a humildade é imprescindível para atingir esse tipo
de respeito. Na minha concepção de humildade, esincluído não colher
louros indevidos e, mais importante, eu também incluo a consciência dos
limites do que sabemos: um reconhecimento de que o que eu “sei” é apenas
uma visão parcial da realidade, e o que eu sei” é inevitavelmente
influenciado pela minha formação e identidade, e o que o que eu “sei” pode
não ser verdadeiro para outras pessoas. O que é fundamental para a justiça
restaurativa é o compromisso de escutar outras vozes, inclusive as
dissonantes. Apenas tivermos como base o respeito e a humildade,
poderemos evitar que a abordagem restaurativa da justiça, que nos parece
tão libertadora, torne-se um fardo ou até mesmo uma arma que pode ser
usada contra as pessoas, como aconteceu em algumas reformas
passadas.
386
.
Vale mencionar que a Justiça Restaurativa também significa a tentativa de
explorar e ocupar esse espaço vazio deixado na comunidade; no entanto, reafirma-
se novamente a necessidade de outros mecanismos e políticas que venham ao
encontro dessa proposta que não é inovadora no cenário global, mas na seara local.
Representa uma inovação, não no sentido de criação, mas de transformação e
aplicação da teoria da Proteção Integral. Nesse aspecto, como mencionado antes, a
comunicação do Sistema de Direitos e Garantias da criança e do adolescente está
com distorções o que prejudica o processo emancipatório dos atores sociais. Mas
como a modernidade e as suas legislações instituídas é uma promessa inacabada é
possível acreditar em propostas transformativas como a Justiça Restaurativa, desde
que não incorram em reproduzir sofisticadamente nas suas práticas as práticas
punitivas e seja efetivamente o que significa para Levinas: a justiça é um direito à
palavra”
387
.
386
ZEHR,op.cit., p. 416.
387
LEVINAS, Emmanuel. Totalidade e Infinito. Lisboa: Edições 70, 1980, p. 278. A substituição dos
homens uns pelos outros, desrespeito original, torna possível a exploração. Na história - história dos
Estados - o ser humano aparece como o conjunto de suas obras - vivo, ele é sua própria herança. A
justiça consiste em tornar novamente possível a expressão em que, na não-reciprocidade, a pessoa
se apresenta única. A justiça é um direito à palavra.
147
Como bem explica Muller:
Em termos etimológicos, a palavra “infante” significa aquele que “não fala”
(do latim infans, infantis, um composto do prefixo negativo in e do
particípio presente do verbo fari, “falar”). Educar uma criança pequena
significa ensiná-la a falar, não tanto ensinando a língua-mãe, mas
ensinando-a falar com os outros. A fala é o fundamento e a estrutura da
socialização, e está caracterizada pela renúncia à violência
388
.
Partindo desse pressuposto, a Justiça Restaurativa tem como desafio a
transformação cultural, mas trabalhar nesse limite, além de ser um desafio e uma
utopia na concepção de Santos, representa uma outra possibilidade. Ocorre que a
atual justiça também apresenta falhas e principalmente a ausência do mecanismo da
escuta para aqueles que estão envolvidos diretamente com o conflito. Além disso, a
transformação cultural deve passar pela educação, pois educar a falar é comunicar
atitudes e valores. Portanto, os seres humanos precisam aprender que a fala é a
estrutura da socialização e renúncia à violência.
Para Maturana:
Pensamos que a tarefa da educação escolar, como um espaço artificial de
convivência, é permitir e facilitar o crescimento das crianças como seres
humanos que respeitem a si próprios e os outros com consciência social e
ecológica, de modo que possam atuar com responsabilidade e liberdade na
comunidade a que pertencem. A responsabilidade e a liberdade só são
possíveis desde o respeito por si mesmo, que permite escolher a partir de si
não movido por pressões externas
389
.
De acordo com Maturana,“toda atividade humana ocorre em conversações,
quer dizer, num entrelaçamento da linguagem (coordenações de coordenações
comportamentais consensuais) como o emocionar”
390
.
Para Costa, a prevenção da delinqüência juvenil e da não-violência não é da
família enquanto primeiro elemento socializador do ser humano, mas também da
escola, que tem um papel fundamental na formação do indivíduo por ser o segundo
elemento socializador na vida do mesmo. A família e a escola são elementos de
388
MULLER, Jean - Marie. Não-violência na educação. Tradução de Tônia Van Acker. São Paulo:
Palas Athenas, 2006, 20.
389
MATURANA, Humberto. Formação humana e capacitação. Tradução de Jaime A. Clasen.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2000, p.13.
390
MATURANA, op.cit., p.15.
148
valores éticos morais e sociais que conduzem o infante ao exercício de uma
cidadania plena
391
.
Segundo Muller:
O verbo educar significa etimologicamente “trazer para fora” (e-ducare, de
ducere, “liderar”). Na antiga Grécia, o pedagogo era um escravo que levava
a criança de casa para a escola comunitária (a palavra grega paidagôgos
vem de pais, paidos, “criança”, e agein, “liderar”). Esse passo educacional,
essa jornada pedagógica que leva a criança para fora da família a fim de
chegar a escola, é uma boa expressão para o propósito da educação:
transmitir ao aluno valores morais que conduzem à boa cidadania. A escola
é um espaço intermediário, um lugar de transição entre o círculo familiar e o
amplo mundo fora. Depois que a família fez o melhor que pôde para
garantir a segurança emocional da criança, é um dos deveres da escola
oferecer-lhe a oportunidade de descobrir a sociedade e a convivência com
eles. A escola é, portanto, um lugar especial para a socialização cívica e
política. A escola não é o mundo, mas a educação deve preparar a criança
para viver no mundo; e num primeiro momento deve proteger a criança do
mundo. A educação deve ter como principal ambição o preparo das
crianças para se tornarem filósofas e cidadãs.
392
Com isso, pode-se afirmar que a educação tem um papel relevante e também
deve educar para a não-violência. Para que tal proposta seja possível, não se deve
esquecer que a violência “é a expressão de algo que não conseguiu ser dito” e que a
resposta deve ser “uma tentativa de restabelecer a comunicação”. Por conta disso, é
importante que as instituições educacionais estabeleçam redes com a comunidade e
que busquem as organizações de bairro, especialmente aqueles sujeitos que
tenham um papel social de mediação ou liderança
393
.
A educação também é uma ação comunicativa para a difusão da paz, portanto,
reforça-se ainda mais, a sua função social em preparar a comunidade pela
linguagem contra a cultura da violência
394
.
Logo, as políticas públicas preventivas e socioeducativas como a Justiça
Restaurativa devem ser trabalhadas no espaço local para cotejarem resultados
391
COSTA, Marli M. M. Políticas Públicas de Prevenção da Delinqüência Juvenil. In:___. Direito,
Cidadania e Políticas Públicas. Porto Alegre: Imprensa Livre, 2006, p.14.
392
MULLER, Jean - Marie. Não-violência na educação. Tradução de Tônia Van Acker. São Paulo:
Palas Athenas, 2006,74.
393
MULLER, op.cit.,2006, p.68-69.
394
GUIMARÃES, Marcelo Rezende. Educação para a paz: sentidos e dilemas. Caxias do Sul, RS:
Educs, 2005. 364p.
149
satisfatórios para a diminuição do cometimento de atos infracionais pelos
adolescentes.
Veronese e Costa complementam:
O Estado precisa cumprir plenamente suas responsabilidades como poder
público, intervindo como agente interessado na defesa, na garantia e na
ampliação de direitos. A implementação dessa política implica a
participação da sociedade e a fixação de previsões orçamentárias
concretas. Como se sabe, os Conselhos de Direitos, os Conselhos
Tutelares e os Conselhos de Assistência são atores centrais da política de
assistência, cabendo-lhes elaborar estratégias e programas de ação, com o
apoio material dos respectivos governos estaduais e municipais e, no nível
federal. Os Conselhos devem saber combinar suas ações com as do
Judiciário e do Executivo. Os governadores e prefeitos precisam ser
mobilizados para apoiar os Conselhos e garantir o financiamento necessário
aos programas .
395
A tentativa dos operadores sociais e jurídicos em meio a sociedade civil
396
e
organismos governamentais e o-governamentais estarem discutindo sobre
alternativas de resoluções de conflitos dentro do direito da criança e do adolescente,
clarifica e reafirma o reconhecimento da justiça enquanto solidariedade, pois nas
palavras de Habermas:
Se interpretarmos a justiça como aquilo que é igualmente bom para todos, o
“bem” contido na moral constitui uma ponte entre a justiça e a solidariedade.
Pois também a justiça entendida universalisticamente exige que uma
pessoa responda pela outra e que, aliás, cada um também responda pelo
estranho, que formou a sua identidade em circunstâncias de vida totalmente
diferentes e entende-se a si mesmo à luz de tradições que não são as
próprias. O bem na justiça lembra que a consciência moral depende de
determinada autocompreensão das pessoas morais, que se sabem
395
VERONESE; COSTA, op.cit., p. 175-176.
396
HABERMAS, op.cit., 1997, p.99: [...] o atual significado da expressão “sociedade civil” não coincide
com o da “sociedade burguesa”, da tradição liberal, que Hegel chegara a tematizar como “sistema
das necessidades”, isto é, como sistema de trabalho social e do comércio de mercadorias numa
economia de mercado. Hoje em dia, o termo “sociedade civil” não inclui mais a economia constituída
através do direito privado e dirigida através do trabalho, do capital e dos mercados de bens, como
ainda acontecia na época de Marx e do marxismo. O seu núcleo institucional é formado por
associações e organizações livres, não estatais e não econômicas, as quais ancoram as estruturas
de comunicação da esfera pública nos componentes sociais do mundo da vida. A sociedade civil
compõe-se de movimentos, organizações e associações, os quais captam os ecos dos problemas
sociais que ressoam nas esferas privadas, condensam-nos e os transmitem, a seguir, para a esfera
pública política. O núcleo da sociedade civil forma uma espécie de associação que institucionaliza os
discursos capazes de solucionar problemas, transformando-os em que questões de interesse geral
no quadro de esferas públicas. Esses “designsdiscursivos refletem, em suas formas de organização,
abertas e igualitárias, certas características que compõe o tipo de comunicação em torno da qual se
cristalizam, conferindo continuidade e duração.
150
pertencentes à comunidade moral. A essa comunidade pertencem todos os
que foram socializados numa forma de vida comunicativa qualquer.
Indivíduos socializados, pelos fato de somente poderem estabilizar sua
identidade em condições de reconhecimento mútuo, são especialmente
vulneráveis em sua identidade e, por isso, dependentes de uma proteção
especifica. Eles têm de poder apelar para uma instância além da própria
comunidade...“.[...]“A partir desta perspectiva, justiça significa
simultaneamente solidariedade
397
.
Para Habermas, a articulação da ética no discurso com o mundo da vida
sugere a solidariedade vivida, que enceta uma “ética na qual a participação
igualitária na tomada de decisões não se referisse apenas ao uso da palavra, mas
também à participação efetiva dos indivíduos e dos grupos”. Ademais, o sentido de
responsabilidade também sugere uma “uma articulação entre palavra e ação, não
podendo haver incompatibilidade entre essas duas dimensões do espaço público”
398
.
Nas palavras de Santos:
Eis porque, com o desenvolvimento da forças produtivas e a extensão da
divisão do trabalho, o espaço é manipulado para aprofundar as diferenças
de classes. Esta mesma evolução acarreta um movimento aparentemente
paradoxal: o espaço que une e separa os homens
399
.
É fundamental a inserção do princípio da solidariedade no espaço público, a
partir de uma redefinição do papel da sociedade e das demais instituições como: a
família, a escola, o Judiciário, do Estado e a própria sociedade civil, tendo por
objetivo maior, consolidar a gestão do social como processo de reconstrução
solidária, de mecanismos de integração e cooperação social
400
.
No entanto, a “globalização” como um dos mais graves e conseqüentes
problemas sociais, tem conduzido os sujeitos a agirem instrumentalmente, isto é,
seus atos de fala como condição humana, voltam-se a estratégia do sucesso
individual, e o direito acaba sendo empregado como mecanismo de controle do
Estado e do mercado, o que literalmente torna-se uma condicionante para a
397
Habermas, op.cit., 2002, p.41-42.
398
FARIAS, José Fernando de Castro. Espaço Público e reconstrução da solidariedade. Disponível
em: < http://rolim.com.br/2006/index.php?option=com_content&task=view&id=494&Itemid=12>
Acesso em: 20 dez.2007.
399
SANTOS, Milton. Pensando o espaço do homem. São Paulo: Hucitec, 1992, p.21.
400
VERONESE; COSTA, op.cit., p. 186.
151
supressão da solidariedade enquanto justiça, cooperação e igualdade de
oportunidades aos sujeitos de direitos.
401
A esse respeito Ladislau se refere “ao reordenamento dos espaços, na medida
em que conceitos como ‘globalização’ trazem uma visão simplificada de abertura e
unificação dos espaços da reprodução social”
402
. Esse fenômeno ao fragilizar o
Estado diante do mercado demanda que os espaços das metrópoles, das cidades,
de maneira que reconstitua e fortaleça os espaços comunitários, que em
transformação darão outro sentido ao indivíduo, atualmente fragmentado e
atomizado pela economia. O seu fortalecimento enquanto cidadão no espaço público
é primordial para o enfrentamento dos conflitos sociais.
Para Farias:
Na medida em que a construção do espaço público implica a existência de
uma referência de solidariedade entre os atores sociais, tendo a considerar
o espaço público, essencialmente, como um espaço de solidariedade. Por
outro lado, devemos também procurar pensar o espaço da solidariedade
como um espaço de diversidade. O espaço da solidariedade deve garantir a
unidade incorporando a diversidade. Unidade e diversidade devem coexistir
na lógica da solidariedade
403
.
A descoberta da solidariedade (que tem suas raízes nas revoluções de 1789 e
de 1848 na França), se deu no final do século XIX, na Europa, passando a designar
“uma nova maneira de pensar a relação indivíduo-sociedade, indivíduo-Estado,
enfim, a sociedade como um todo”. No entanto, a solidariedade não deve ser
confundida com o assistencialismo e filantropia, pois é pode ser compreendida
como: “uma nova maneira de pensar a sociedade e uma política concreta, não
somente de um sistema de proteção social”, também como "um fio condutor
indispensável à construção e à conceitualização das políticas sociais". Embora seja
401
FARIAS, José Fernando de Castro. Espaço Público e reconstrução da solidariedade. Disponível
em: < http://rolim.com.br/2006/index.php?option=com_content&task=view&id=494&Itemid=12>
Acesso em: 20 dez.2007.
402
DOWBOR. Ladislau. Da globalização ao poder local: a nova hierarquia os espaços. Disponível em:
< http://dowbor.org/5espaco.asp>. Acesso em: 15 jun. 2007.
403
FARIAS, José Fernando de Castro. Espaço Público e reconstrução da solidariedade. Disponível
em: < http://rolim.com.br/2006/index.php?option=com_content&task=view&id=494&Itemid=12>
Acesso em: 20 dez.2007.
152
uma terminologia de diversas interpretações dentro da sociedade, constitui fator
determinante na para a consolidação do espaço público
404
.
Apesar de o espaço blico ser uno e diverso, demonstrando que existe
complexidade, pois assim como os indivíduos não são iguais, a comunidades
também são diferentes umas das outras, torna-se necessário a adoção de um
pensamento complexo que contribua para a reconstrução da solidariedade no
espaço público, assim como no resgate de comunidades que precisam ser
respeitadas pelas suas peculiaridades.
Como diz Morin:
[...] A reconstrução da solidariedade pressupõe articular o sistema com o
“mundo da vida”, incorporando os aspectos espontâneos das relações
interpessoais, dos laços de afetividade que constituem o "estar-junto
antropológico", vistos como elementos importantes das formas de
solidariedade. As relações de amor e de amizade, por exemplo, têm a
capacidade de combinar o Id e o Eu, permitindo combinar o desejo e a
empatia, sem identificar um ao outro. Na relação amorosa ou amigável, o
sujeito se afirma porque reconhece o outro como sujeito
405
.
Nesse sentido, a reconstrução da solidariedade deve ser explorada e articulada
entre os atores sociais, para que, como princípio constitucional juntamente com o
principio da cidadania não continue a desempenhar uma mera função simbólica.
Associada a essa idéia está também a de reconstrução do sujeito enquanto ator
social, pois entende-se por ato social o sujeito liberto que concebe a si mesmo a
possibilidade de agir comunicativamente e, com isso, transformando o seu entorno
social. “Portanto, uma das condições da democracia é a reconstrução do sujeito
como ator social
406
.
404
FARIAS, José Fernando de Castro. Espaço Público e reconstrução da solidariedade. Disponível
em: < http://rolim.com.br/2006/index.php?option=com_content&task=view&id=494&Itemid=12>
Acesso em: 20 dez.2007.
405
MORIN, Edgar. Meus Demônios. Tradução de Lemeide Duarte e Clarisse Meireles. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil. 1997, p.63
406
FARIAS, José Fernando de Castro. Espaço Público e reconstrução da solidariedade. Disponível
em: < http://rolim.com.br/2006/index.php?option=com_content&task=view&id=494&Itemid=12>
Acesso em: 20 dez.2007.
153
Como explica Ladislau:
Esta rearticulação passa por uma redefinição da cidadania, e em particular
por uma redefinição das instituições para que os espaços participativos
coincidam com as instâncias de decisões significativas. As hierarquizações
tradicionais dos espaços são insuficientes, ou inadequadas, precisamos
de muito mais democracia, de uma visão mais horizontal e inter-conectada
da estrutura social
407
.
O que se põe a lume, é que a redefinição da cidadania, com um viés
democrático na estrutura do espaço público, é o reconhecimento dado ao sujeito de
exercer o seu direito de cidadania, assim como poder afirmar que a cidadania são os
direitos humanos que precisam se materializar nas práticas institucionais e serem
compartilhados adequadamente
408
. Por isso, há a necessidade de se refletir sobre a
reconstrução do sujeito, que identifica nesse mesmo espaço diverso a solidariedade,
como a local do agir comum.
A propósito, Farias, elucidando tal concepção, diz que:
A reconstrução da solidariedade pressupõe um mundo comum onde a
formação da identidade o admite o esmagamento do outro. Ela é feita no
reconhecimento da alteridade e da diferença, na convivência com o outro,
com o diferente. O mundo comum não pode ser construído sem que seja
levada em conta a idéia da alteridade
409
.
Além disso, pode-se considerar que a rede de políticas públicas sociais
constituídas por atores como a família, a escola, a comunidade, o poder público e a
sociedade civil, ao também admitirem e aplicarem a justiça como sinônimo de
solidariedade, no sentido de estabelecerem parcerias reconhecendo a co-
responsabilidade com suas crianças e adolescentes, partindo de uma cooperação e
aceitabilidade de enfrentamento de desafios arraigados na cultura profunda, estarão
avançando no entendimento mútuo e no discurso pautado pelo consenso que deve
preponderar no espaço local.
407
DOWBOR. Ladislau. Da globalização ao poder local: a nova hierarquia os espaços. Disponível em:
< http://dowbor.org/5espaco.asp>. Acesso em: 15 jun. 2007.
408
CORRÊA, Darcísio. A construção da cidadania: reflexões histórico-políticas. Ijuí: Unijuí, 2000, p.
217.
409
FARIAS, José Fernando de Castro. Espaço Público e reconstrução da solidariedade. Disponível
em: < http://rolim.com.br/2006/index.php?option=com_content&task=view&id=494&Itemid=12>
Acesso em: 20 dez.2007.
154
Nessa lógica, para Farias:
A reflexão sobre o espaço público e a reconstrução da solidariedade põem
em evidência que, numa sociedade democrática, não diversidade sem
historicidade compartilhada, ou seja, a diversidade não exclui a idéia de um
espaço comum, pois é a construção do espaço comum que garante a
existência da diversidade, e, inversamente, é a existência da diversidade
que garante o espaço comum. Nesse sentido, a solidariedade pressupõe a
existência de atores sociais capazes de dar um novo rumo ao processo
histórico, de iniciar algo de novo, de realizar o improvável e o imprevisível. A
sociedade é um processo complexo, aberto, inacabado, que está em
permanente desconstrução e reconstrução
410
.
Dito de outra maneira, a inserção do princípio da solidariedade na sociedade
também como (re)definição dos papéis socioinstitucionais dos demais atores sociais,
inclusive do Estado, é fundamental para o desenvolvimento social e a concretude de
políticas públicas de inclusão social
411
.
410
FARIAS, José Fernando de Castro. Espaço Público e reconstrução da solidariedade. Disponível
em: < http://rolim.com.br/2006/index.php?option=com_content&task=view&id=494&Itemid=12>
Acesso em: 20 dez.2007.
411
VERONESE; COSTA, op.cit., p. 186.
155
CONCLUSÃO
A elaboração do presente trabalho torna possível concluir que é visível a
preocupação de diversos países do mundo entre eles o Brasil, com novas
alternativas de resolução de conflitos, que adotem o princípio da não-violência.
A Justiça Restaurativa surgiu de movimentos sociais que se preocupavam em
encontrar outras alternativas diferentes do atual sistema, que se sabe inoperante e
fracassado, pois não possibilita a escuta e a efetiva reparação do dano entre as
partes envolvidas no conflito. O que se objetiva com esse modelo, pelo menos em
tese, é oportunizar um espaço de escuta entre os atores sociais (adolescente, vítima
e a comunidade), de tal maneira que além de contribuírem na elaboração do acordo,
exerçam os seus papéis socioinstitucionais juntamente com o Estado para diminuir
as situações problemáticas e melhorar a prestação de serviço nas instituições, com
objeto de evitar a violência institucional e a violência estrutural propriamente dita.
Ao utilizar a Teoria da Ação Comunicativa de Jürgen Habermas, manifesta-se a
preocupação de encontrar o seu fio condutor na Justiça Restaurativa, o que foi
perfeitamente visível, ao observar que ambas enfatizam a importância do agir
comunicativo dos atores sociais, ou seja, a necessidade de um espaço público para
o exercício do diálogo, como processo social de cooperação, integração e
solidariedade social. Nesse contexto, a ação não-social instrumental e a ação
comunicativa são estratégias fundantes da sua teoria para tentar observar se nas
práticas restaurativas, efetivamente, se concretiza o diálogo.
Embora seja difícil de medir e controlar a intersubjetividade de cada sujeito,
pois cada um representa um mundo objetivo e subjetivo a compartilhar pelas regras
do discurso, vale lembrar que, mesmo que o sujeito externe um ato dizendo ser
verdade e no seu ímpeto esteja mentindo, importa para as regras do discurso é que
o que ele externar seconsiderado verdadeiro, se reconhecido e aceito por todos.
Desse modo, mesmo que o adolescente dissimule estar falando a verdade, o
importará para o círculo restaurativo, o seu sentimento de arrependimento ou
veracidade e, sim, a capacidade de se responsabilizar pelo seu ato, de tal forma que
as alternativas apresentadas por ele para a elaboração conjunta de um acordo
156
sejam legítimas e aceitas pelos demais atores sociais. Se assim o for, pode-se
afirmar que o atual modelo de justiça não está ocupando novos espaços para
continuar propagando e aplicando suas práticas punitivas.
Entre as funções do direito está a sua capacidade de solucionar conflitos pela
cooperação, integração e sociabilização entre os atores sociais. Sabe-se que os
atores sociais são os sujeitos livres na condição de cidadãos, que agem
comunicativamente, e por meio das articulações e mobilizações sociais transformam
o seu entorno social. Além disso, considera-se o próprio direito um paradigma
procedimentalista, quando, por exemplo, não se detém estritamente ao conteúdo da
norma, mas ao procedimento que se adotará para a solução de um conflito como as
práticas restaurativas. Observe-se mais uma vez, a sua inter-relação necessária com
a Teoria da Ação Comunicativa.
De sorte a Justiça Restaurativa como espaço de diálogos é desenvolvida no
Brasil em três localidades: São Cateano do Sul, em São Paulo, Brasília no Distrito
Federal e em Porto Alegre no Rio Grande do Sul, na 3ª Vara do Juizado Regional da
Infância e da Juventude. Salienta-se que em Porto Alegre, com a experiência, via
“Projeto Justiça para o Século 21” os facilitadores, que realizam os círculos
restaurativos ou as práticas restaurativas, adotam dois procedimentos para a sua
execução. O primeiro é a técnica da Comunicação Não-Violenta (CNV) do psicólogo
Marshall Rosenberg e a segunda é a cnica da mediação. Denota-se que a CNV
trabalha com uma linguagem limpa, sem subterfúgios e que principalmente reafirma
a importância de se conduzir o diálogo entre os interlocutores, explorando as suas
necessidades humanas e básicas. Resta assim, a mediação pode ser considerada
como sendo processo restaurativo, porém, a abordagem emprega outras técnicas ou
terminologias diferenciadas para que se resolva o conflito. Geralmente, se tem
procurado utilizá-la com a CNV nos conflitos de natureza familiar que podem estar
em torno do ato infracional do adolescente.
Depois de contextualizar a Justiça Restaurativa, seus valores e procedimentos
e a sua relação com a Teoria da Ação Comunicativa, no segundo capítulo trabalhou-
se na construção e reconstrução da parte histórica do Direito da Criança e do
Adolescente a conexão e o desvelamento do discurso assistencialista, filantrópico e
157
punitivo que se dissimula pela violência estrutural e as suas mais variadas facetas
como a violência institucional e violência intrafamiliar, como um discurso necessário
e protetivo. Isso significa, que mesmo diante de uma Constituição intitulada “cidadã”
e de um Estatuto para Crianças e Adolescentes cotejado pela teoria da Proteção
Integral, as práticas punitivas permanecem latentes e servindo de estratégia de
controle social e aniquilamento, daqueles que além de serem considerados
“estranhos” (oriundos da pobreza) têm sua cidadania denegada.
Ainda nesse contexto, percebe-se a força do discurso de caráter estrutural
dominante na sociedade, que tende a reduzir o adolescente ao ato infracional que
foi-lhe atribuído. O ato infracional ou as ‘situações problemáticas’ defendidas por
alguns autores significam que o adolescente está tentando encontrar a própria
sintonia, nem que de maneira impositiva ou violenta. Significa dizer quer se fazer
notar por aqueles que os tornaram “invisíveis”, precisa sobreviver. No entanto, não
se quer encontrar aqui justificativas para os seus atos, mas compreensão para que
se possam desenvolver políticas públicas ou de atendimento que tenham nas suas
diretrizes “o agir comunicativamente”, valendo-se da linguagem do amor, do
interesse mútuo e da solidariedade enquanto justiça.
Ademais, mesmo com o Estatuto sob o viés da Doutrina da Proteção Integral,
as ações da família, da sociedade e do próprio Estado são ações não-sociais e
instrumentais, pela peculiaridade de focalizarem suas atenções, para a repressão,
punição e isolamento, não cumprindo efetivamente com o que está disposto no
artigo 227 da Constituição de 88. Nesse contexto, entende-se que a abordagem ao
ato infracional é convencional, ou seja, o nível de moralidade e de perspectiva social
desses entes é comprometida, o que distancia da razão comunicativa e compromete
as políticas públicas de atendimento, em especial, as políticas públicas
socioeducativas. Vale lembrar que as instituições são “instituições de seqüestro”
quando se preocupam apenas em elaborar estratégias de controle do
comportamento humano, nem que, para isso, utilizem disfarçadamente da
educação.
Nas instituições responsáveis pela execução das medidas socioeducativas, as
suas práticas estão distantes do que está disposto no Estatuto com a teoria da
158
Proteção Integral. O que opera naquilo que denominam “ações pedagógicas” são
estratégias de controle e dominação do adolescente, que se encontra em uma
situação problemática.
No entanto, a preocupação de alguns segmentos da sociedade e do Poder
Público, a citar, o Judiciário com sua política de justiça pode indicar possibilidades
de transformações sociais, a longa data. Demonstra-se isso pelas discussões em
espaços públicos sobre o sistema de justiça, adotado pela sociedade e a
possibilidade de transformá-lo em outros modelos, como o da Justiça Restaurativa.
Pode-se afirmar que as práticas de tal modelo podem ser acolhidas pelo
ordenamento jurídico brasileiro, ou seja, o próprio Estatuto, a exemplificar, os artigos
88 e 126, entretanto, o desafio maior está em consolidar o agir e o falar em
mudanças de atitudes, o que representa transformar a cultura arraigada. Dessa
maneira, o discurso se valida e o modelo não se torna evasivo.
Outro aspecto relevante é a definição de políticas públicas, em que pese não é
o maior problema; a dificuldade está na concretização de toda e qualquer política
pública. Nesse sentido, a Justiça Restaurativa é uma política pública de inclusão
social, mais especificadamente, política pública socioeducativa, porém, se for
apenas proveniente de políticas de justiça e estar desarticulada da rede, restringir-
se-à a uma mera política pública compensatória, sem força de contribuir na
autonomia e cidadania dos sujeitos ligados pelo conflito.
E, por fim, no terceiro capítulo, foram apresentados alguns dados coletados no
relatório elaborado pelos responsáveis pelo projeto das práticas restaurativas, além
da amostragem de dados como número de círculos restaurativos realizados pela
Vara do Juizado da Infância e da Juventude de Porto Alegre. Portanto, a premissa
maior nesse capítulo da dissertação foi ilustrar e demonstrar, mesmo que
parcialmente, como está sendo realizada a Justiça Restaurativa no Brasil, em
especial em Porto Alegre, de maneira a trazer à tona a reflexão sobre a inserção dos
princípios da subsidiariedade (tratado no capítulo), da solidariedade e da
cidadania no espaço local.
159
O que se constatou dos dados de 2005, que foram aproveitados na pesquisa
como fonte secundária, de tal maneira a fazer uma releitura, que os atos infracionais
praticados pelos adolescentes são de natureza patrimonial, como ilustrado
anteriormente na Figura 1, o que demonstra a carência material desses jovens,
oriundos na sua maioria de população pobre.
No mesmo período, em que se deu início o modelo de Justiça Restaurativa em
Porto Alegre, apenas oito círculos foram realizados e desses cinco acordos foram
cumpridos. Embora tenham sido poucos os casos, em virtude de tais práticas
representarem uma novidade para a rede de atendimento a adolescentes e aos
próprios envolvidos pelo conflito, ela serviu de mote para os coordenadores da
experiência se reorganizarem e trabalharem melhor quanto as suas formas de
articulações e inserção dessa nova prática. Dentro dessa seara, considerou-se
importante a organização de um espaço que fosse utilizado para as práticas
restaurativas, denominado: Central de Práticas Restaurativas.
Com a Central de Práticas Restaurativas, no ano de 2006 26 círculos foram
realizados, destacando-se que 20 se deram com a participação da tima. O que se
notou que os casos encerrados no pré-círculo eram maiores que no círculo. Isso
significa, observando-se os motivos discriminados anteriormente, entre eles, que:
não admitiu-se a autoria do fato, o ofensor e a vítima não aceitaram, os técnicos não
conseguiram realizar o círculo, que muito a fazer para que as práticas
restaurativas tornem-se o cotidiano daqueles que buscam resolver os seus conflitos.
Até agosto de 2007, dos 64 casos encaminhados a Central de Práticas
Restaurativas realizou-se 19 círculos restaurativos e no pré-círculo 30 foram
encerrados, o que demonstra que os desafios o grandes para que os números de
círculos aumente gradativamente. Uma curiosidade que merece destaque, que dos
motivos de encerramento no pré-círculo se notou uma redução significativa de não-
aceitação do adolescente em participar nas práticas, indicando uma probabilidade
de maior interesse do adolescente em relação a proposta restaurativa, o que merece
ser investigado com maiores detalhes, antes de qualquer conclusão.
160
Além desses dados houve a preocupação em verificar os índices de
reincidência, por amostragem nos casos de 2005 e 2006. Foram comparados dois
grupos da mesma natureza, ou seja, na fase do pré-círculo e na fase do círculo
restaurativo. Constatou-se que a reincidência no pré-círculo foi 2,8 % maior do que
no círculo, apresentando uma proporção de reincidência 12,23% maior. Nesse
contexto, mesmo que pequena a variante de porcentagem entre uma fase ou outra,
isto é, no pré-círculo 74,3% e no círculo 77.1% dos 131 casos, pode-se notar a
importância significativa do espaço de escuta como um contributo para o
enfrentamento e reiteração de atos infracionais pelos adolescentes.
No entanto, a reincidência não se resume ao reingresso do adolescente no
sistema de atendimento e, por sua vez, as práticas restaurativas como política
pública de inclusão social isoladas da rede não atingem seus propósitos baseados
na Comunicação Não-Violenta. Portanto, também sobre a reincidência o estudo dos
avaliadores e responsáveis pela experiência deve ser pormenorizada, sendo
necessário o acompanhamento do adolescente desde o ingresso no sistema de
atendimento até a sua inclusão em algum programa de apoio social.
Embora seja cedo para tirar algumas conclusões sobre o modelo de Justiça
Restaurativa, outros pontos merecem ser destacados para que as suas práticas
sejam efetivamente recepcionadas pela comunidade brasileira: aumento de
profissionais qualificados para atuarem como facilitadores dos rculos restaurativos,
dotação orçamentária específica para a realização de tais práticas e maior
mobilização social para que tanto as instituições quanto a sociedade civil rompam
com a cultura da punição e encarem de vez as suas crianças e os seus
adolescentes como prioridade absoluta.
Considerando o exposto retoma-se os seguintes questionamentos: As práticas
da Justiça Restaurativa no Sistema de Justiça e de Atendimento à Infância e da
Juventude aplicadas pela Vara do Juizado da Infância e da Juventude de Porto
Alegre podem ser empregados como estratégia de enfrentamento e prevenção à
violência envolvendo adolescentes? E como questionamentos secundários: A
Justiça Restaurativa é um espaço dialógico emancipatório ou emerge no seu centro
o poder punitivo mascarado? E a Justiça Restaurativa é uma política pública de
161
inclusão social a adolescentes autores de ato infracional garantidora da cidadania
plena?
Ademais, sobre as práticas restaurativas representarem um espaço dialógico
emancipatório ou repressivo, com os dados coletados e por ser uma experiência
nova na área da infância e juventude, não se tem subsídios suficientes para garantir
sua capacidade de autonomia ou emancipação ao sujeito de direitos. No entanto,
pode-se reafirmar que se tal proposta estiver inter-relacionada com a rede e as
demais políticas públicas significará um avanço nesse sentido.
Portanto, para que se possa consolidar uma política pública de inclusão social,
destacando as políticas públicas socioeducativas, que venha a somar com o modelo
restaurativo, a discussão não pode permanecer somente com o Estado, eis que a
comunidade precisa cooperar na resolução e enfrentamento das suas demandas
sociais. Para que isso ocorra, enfatiza-se aqui a necessidade e importância do
reconhecimento e garantia dos direitos dos sujeitos enquanto cidadãos e o
fortalecimento do capital social como ícone do sentimento de pertencimento dessa
comunidade.
Dito de maneira diferente é possível reafirmar que o modelo restaurativo como
processo dialógico envolve os atores sociais, a saber, a vítima, o ofensor e a
comunidade. É também uma possibilidade de se resgatar as relações comunitárias e
conseqüentemente a tomada de posição da comunidade com relação a co-
responsabilização no conflito, por isso, a sua importância no espaço público de
maneira cooperativa.
Analisando-se as experiências de justiça restaurativa, em especial - na Vara
do Juizado Regional da Infância e da Juventude Porto Alegre no Estado do RS,
entende-se que esta pode oferecer um locus concreto para democratizar a justiça e
construir cidadania. Também se considera que as práticas restaurativas poderão
assegurar a continuidade democrática, se o espaço oferecido para fala e a escuta
for aberto e amplo para a consolidação e exercício da cidadania plena, não dispondo
de mecanismos dissimulados de punição como estratégias de controle social.
162
Resta dizer que o grande desafio dos atores sociais está na criação de um
sistema de real eficácia e integração, que ao acolher as práticas restaurativas, seja
capaz de garantir às crianças e aos adolescentes o pleno exercício da cidadania, por
meio de políticas públicas que enfatizem a inter-relação da família, da comunidade,
do Estado e da sociedade civil. Significa dizer que, como alternativa para o
fortalecimento da rede de atendimento aos infantes, se faz necessário, resgatar a
comunidade e reconstruir a solidariedade no espaço público. Assim, estar-se-ão
utilizando implicitamente os procedimentos restaurativos, pois os mesmos adotam a
linguagem da não-violência para a solução de conflitos. Observe-se que as
necessidades básicas somente são alcançadas pela comunicação, pela capacidade
de entendimento e cooperação mútua.
163
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174
ANEXOS
175
ANEXO A
CÂMARA DOS DEPUTADOS
PROJETO DE LEI
Nº7006 , DE 2006
(Da Comissão de Legislação Participativa)
SUG nº 099/2005
Propõe alterações no Decreto-Lei nº2848, de 7 de
dezembro de 1940, do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de
outubro de 1941, e da Lei 9.099, de 26 de setembro de
1995, para facultar o uso de procedimentos de Justiça
Restaurativa no sistema de justiça criminal, em casos de
crimes e contravenções penais.
Art. 1° - Esta lei regula o uso facultativo e compl ementar de procedimentos de justiça
restaurativa no sistema de justiça criminal, em casos de crimes e contravenções
Penais.
Art. - Considera-se procedimento de justiça rest aurativa o conjunto de práticas e
atos conduzidos por facilitadores, compreendendo encontros entre a vítima e o autor
do fato delituoso e, quando apropriado, outras pessoas ou membros da comunidade
afetados, que participarão coletiva e ativamente na resolução dos problemas
causados pelo crime ou pela contravenção, num ambiente estruturado denominado
núcleo de justiça restaurativa.
Art. - O acordo restaurativo estabelecerá as obr igações assumidas pelas partes,
objetivando suprir as necessidades individuais e coletivas das pessoas envolvidas e
afetadas pelo crime ou pela contravenção.
Art. - Quando presentes os requisitos do procedi mento restaurativo, o juiz, com a
anuência do Ministério Público, poderá enviar peças de informação, termos
circunstanciados, inquéritos policiais ou autos de ação penal ao núcleo de justiça
restaurativa.
176
Art. - O núcleo de justiça restaurativa funciona em local apropriado e com
estrutura adequada, contando com recursos materiais e humanos para
funcionamento eficiente.
Art. 6° - O núcleo de justiça restaurativa será com posto por uma coordenação
administrativa, uma coordenação técnica interdisciplinar e uma equipe de
facilitadores, que deverão atuar de forma cooperativa e integrada.
§ 1º. À coordenação administrativa compete o gerenciamento do cleo, apoiando
as atividades da coordenação técnica interdisciplinar.
§ 2º. - À coordenação técnica interdisciplinar, que será integrada por profissionais da
área de psicologia e serviço social, compete promover a seleção, a capacitação e a
avaliação dos facilitadores, bem como a supervisão dos procedimentos
restaurativos.
§ 3º – Aos facilitadores, preferencialmente profissionais das áreas de psicologia e
serviço social, especialmente capacitados para essa função, cumpre preparar e
conduzir o procedimento restaurativo.
Art. 7º – Os atos do procedimento restaurativo compreendem:
a)consultas às partes sobre se querem, voluntariamente, participar do procedimento;
b)entrevistas preparatórias com as partes, separadamente;
c)encontros restaurativos objetivando a resolução dos conflitos que cercam o
delito.
Art. 8º – O procedimento restaurativo abrange técnicas de mediação pautadas
nos princípios restaurativos.
Art. Nos procedimentos restaurativos deverão ser observados os princípios da
voluntariedade, da dignidade humana, da imparcialidade, da razoabilidade, da
proporcionalidade, da cooperação, da informalidade, da confidencialidade, da
interdisciplinariedade, da responsabilidade, do mútuo respeito e da boa-fé.
Parágrafo Ùnico - O princípio da confidencialidade visa proteger a intimidade e a
vida privada das partes.
Art. 10 Os programas e os procedimentos restaurativos deverão constituir-se com
o apoio de rede social de assistência para encaminhamento das partes, sempre que
for necessário, para viabilizar a reintegração social de todos os envolvidos.
Art. 11 - É acrescentado ao artigo 107, do Decreto-Lei nº 2848, de 7 de dezembro
de 1940, o inciso X, com a seguinte redação:
X – pelo cumprimento efetivo de acordo restaurativo.
Art. 12 – É acrescentado ao artigo 117, do Decreto-Lei nº 2848, de 7 de dezembro
de 1940, o inciso VII, com a seguinte redação:
VII – pela homologação do acordo restaurativo até o seu efetivo
cumprimento.
Art. 13 - É acrescentado ao artigo 10, do Decreto-lei n. 3.689, de 3 de outubro de
1941, o parágrafo quarto, com a seguinte redação:
177
§ - A autoridade policial poderá sugerir, no relatório do inquérito, o
encaminhamento das partes ao procedimento restaurativo.
Art. 14 - São acrescentados ao artigo 24, do Decreto-lei n. 3.689, de 3 de outubro
de 1941, os parágrafos terceiro e quarto, com a seguinte redação:
§ - Poderá o juiz, com a anuência do Ministério blico, encaminhar os autos de
inquérito policial a núcleos de justiça restaurativa, quando vitima e infrator
manifestarem, voluntariamente, a intenção de se submeterem ao procedimento
restaurativo.
§ 4º – Poderá o Ministério Público deixar de propor ação penal enquanto estiver em
curso procedimento restaurativo.
Art. 15 - Fica introduzido o artigo 93 A no Decreto-lei n. 3.689, de 3 de outubro de
1941, com a seguinte redação:
Art. 93 A - O curso da ação penal poderá ser também suspenso quando
recomendável o uso de práticas restaurativas.
Art. 16 - Fica introduzido o Capítulo VIII, com os artigos 556, 557, 558, 559, 560, 561
e 562, no Decreto-lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941, com a seguinte redação:
CAPÍTULO VIII
DOPROCESSO
RESTAURATIVO
Art. 556 - Nos casos em que a personalidade e os antecedentes do agente, bem
como as circunstâncias e conseqüências do crime ou da contravenção penal,
recomendarem o uso de práticas restaurativas, poderá o juiz, com a anuência do
Ministério Público, encaminhar os autos a núcleos de justiça restaurativa, para
propiciar às partes a faculdade de optarem, voluntariamente, pelo procedimento
restaurativo.
Art. 557 Os núcleos de justiça restaurativa serão integrados por facilitadores,
incumbindo-Ihes avaliar os casos, informar as partes de forma clara e precisa sobre
o procedimento e utilizar as técnicas de mediação que forem necessárias para a
resolução do conflito.
Art. 558 - O procedimento restaurativo consiste no encontro entre a vítima e o autor
do fato e, quando apropriado, outras pessoas ou membros da comunidade afetados,
que participarão coletiva e ativamente na resolução dos problemas causados pelo
crime ou contravenção, com auxílio de facilitadores.
Art. 559 - Havendo acordo e deliberação sobre um plano restaurativo, incumbe aos
facilitadores, juntamente com os participantes, reduzi-lo a termo, fazendo dele
constar as responsabilidades assumidas e os
178
programas restaurativos, tais como reparação, restituição e prestação de serviços
comunitários, objetivando suprir as necessidades individuais e coletivas das partes,
especialmente a reintegração da vítima e do autor do fato.
Art. 560 Enquanto não for homologado pelo juiz o acordo restaurativo, as partes
poderão desistir do processo restaurativo. Em caso de desistência ou
descumprimento do acordo, o juiz julgará insubsistente o procedimento restaurativo
e o acordo dele resultante, retornando o processo ao seu curso original, na forma da
lei processual.
Art. 561 - O facilitador poderá determinar a imediata suspensão do procedimento
restaurativo quando verificada a impossibilidade de prosseguimento.
Art. 562 -O acordo estaurativo deverá necessariamente servir de base para a
decisão judicial final.
Parágrafo Único Poderá o Juiz deixar de homologar acordo restaurativo firmado
sem a observância dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade ou que
deixe de atender às necessidades individuais ou coletivas dos envolvidos.
Art. 17 - Fica alterado o artigo 62 , da Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995,
que passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 62 - O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade,
informalidade, economia processual e celeridade, buscando-se, sempre que
possível, a conciliação, a transação e o uso de práticas restaurativas.
Art. 18 – É acrescentado o parágrafo segundo ao artigo 69, da Lei 9.099, de
26 de setembro de 1995, com a seguinte redação:
§ A autoridade policial poderá sugerir, no termo circunstanciado, o
encaminhamento dos autos para procedimento restaurativo.
Art. 19 – É acrescentado o parágrafo sétimo ao artigo 76, da Lei 9.099, de 26
de setembro de 1995, com o seguinte teor:
§ Em qualquer fase do procedimento de que trata esta Lei o Ministério Público
poderá oficiar pelo encaminhamento das partes ao núcleo de justiça restaurativa.
Art. 20 – Esta lei entrará em vigor um ano após a sua publicação.
Sala das Sessões, em de de 2006.
Deputado
GERALDO THADEU
Presidente
179
ANEXO B
PRINCÍPIOS BÁSICOS PARA UTILIZAÇÃO DE PROGRAMAS DE JUSTIÇA
RESTAURATIVA EM MATÉRIA CRIMINAL
37ª Sessão Plenária
24 de Julho de 2002
Resolução 2002/12
O Conselho Econômico e Social,
Reportando-se
à sua Resolução 1999/26, de 28 de julho de 1999, intitulada
“Desenvolvimento e Implementação de Medidas de Mediação e Justiça Restaurativa na
Justiça Criminal”, na qual o Conselho requisitou à Comissão de Prevenção do Crime e
de Justiça Criminal que considere a desejável formulação de padrões das Nações
Unidas no campo da mediação e da justiça restaurativa,
Reportando-se
, também, à
sua resolução 2000/14, de 27 de julho de 2000, intitulada “Princípios Básicos para
utilização de Programas Restaurativos em Matérias Criminais”no qual se requisitou ao
Secretário-Geral que buscasse pronunciamentos dos Estados-Membros e organizações
intergovernamentais e não-governamentais competentes, assim como de institutos da
rede das Nações Unidas de Prevenção do Crime e de Programa de Justiça Criminal,
sobre a desejabilidade e os meios para se estabelecer princípios comuns na utilização
de programas de justiça restaurativa em matéria criminal, incluindo-se a oportunidade de
se desenvolver um novo instrumento com essa finalidade,
Levando em conta
a existência de compromissos internacionais a respeito das vítimas,
particularmente a Declaração sobre Princípios Básicos de Justiça para Vítimas de
Crimes e Abuso de Poder,
Considerando
as notas das discussões sobre justiça restaurativa durante o Décimo
Congresso sobre Prevenção do Crime e do Tratamento de Ofensores, na agenda
intitulada “Ofensores e Vítimas – Responsabilidade e Justiça no Processo Judicial,
Tomando nota
da Resolução da Resolução da Assembléia-Geral n. 56/261, de 31 de
janeiro de 2002, intitulada “Planejamento das Ações para a Implementação da
Declaração de Viena sobre Crime e Justiça Respondendo aos Desafios do Século
Vinte e um”, particularmente as ações referentes à justiça restaurativa, de modo a se
cumprir os compromissos assumidos no parágrafo 28, da Declaração de Viena,
Anotando
, com louvor, o trabalho do Grupo de Especialistas em Justiça Restaurativa no
encontro ocorrido em Ottawa, de 29 de outubro a de novembro de 2001,
Registrando
o relatório do Secretário-Geral sobre justiça restaurativa e o relatório do
Grupo de Especialistas em Justiça Restaurativa, 1. Toma nota dos princípios básicos
para a utilização de programas de justiça restaurativas em matéria criminal anexados à
presente resolução;
2. Encoraja os Estados Membros a inspirar-se nos princípios básicos para programas de
justiça restaurativa em matéria criminal no desenvolvimento e implementação de
programas de justiça restaurativa na área criminal; 3. Solicita ao Secretário-Geral que
assegure a mais ampla disseminação dos princípios básicos para programas de justiça
restaurativa em matéria criminal entre os Estados Membros, a rede de institutos das
Nações Unidas para a prevenção do crime e programas de justiça criminal e outras
organizações internacionais regionais e organizações não-governamentais;
4. Concita os Estados Membros que tenham adotado práticas de justiça restaurativa que
difundam informações e sobre tais práticas e as disponibilizem aos outros Estados que o
requeiram;
180
5. Concita também os Estados Membros que se apóiem mutuamente no
desenvolvimento e implementação de pesquisa, capacitação e outros programas, assim
como em atividades para estimular a discussão e o intercâmbio de experiências
6. Concita, ainda, os Estados Membros a se disporem a prover, em caráter voluntário,
assistência técnica aos países em desenvolvimento e com economias em transição, se
o solicitarem, para os apoiarem no desenvolvimento de programas de justiça
restaurativa.
Anexo
Princípios Básicos para a utilização de Programas de Justiça Restaurativa em Matéria
Criminal
PREÂMBULO
Considerando
que tem havido um significativo aumento de iniciativas com justiça
restaurativa em todo o mundo.
Reconhecendo
que tais iniciativas geralmente se inspiram em formas tradicionais e
indígenas de justiça que vêem, fundamentalmente, o crime como danoso às pessoas,
Enfatizando
que a justiça restaurativa evolui como uma resposta ao crime que respeita
a dignidade e a igualdade das pessoas, constrói o entendimento e promove harmonia
social mediante a restauração das vítimas, ofensores e comunidades,
Focando
o fato de que essa abordagem permite que as pessoas afetadas pelo crime
possam compartilhar abertamente seus sentimentos e experiências, bem assim seus
desejos sobre como atender suas necessidades,
Percebendo
que essa abordagem
propicia uma oportunidade para as vítimas obterem reparação, se sentirem mais
seguras e poderem superar o problema, permite os ofensores compreenderem as
causas e conseqüências de seu comportamento e assumir responsabilidade de forma
efetiva, bem assim possibilita à comunidade a compreensão das causas subjacentes do
crime, para se promover o bem estar comunitário e a prevenção da criminalidade,
Observando
que a justiça restaurativa enseja uma variedade de medidas flexíveis e
que se adaptam aos sistemas de justiça criminal e que complementam esses sistemas,
tendo em vista os contextos jurídicos, sociais e culturais respectivos,
Reconhecendo
que a utilização da justiça restaurativa não prejudica o direito público
subjetivo dos Estados de processar presumíveis ofensores
I – Terminologia
1.
Programa de Justiça Restaurativa
significa qualquer programa que use processos
restaurativos e objetive atingir resultados restaurativos
2.
Processo restaurativo
significa qualquer processo no qual a vítima e o ofensor, e,
quando apropriado, quaisquer outros indivíduos ou membros da comunidade afetados
por um crime, participam ativamente na resolução das questões oriundas do crime,
geralmente com a ajuda de um facilitador. Os processos restaurativos podem incluir a
mediação, a conciliação, a reunião familiar ou comunitária (conferencing) e círculos
decisórios (sentencing circles).
3.
Resultado restaurativo
significa um acordo construído no processo restaurativo.
Resultados restaurativos incluem respostas e programas tais como reparação,
restituição e serviço comunitário, objetivando atender as necessidades individuais e
coletivas e responsabilidades das partes, bem assim promover a reintegração da vítima
e do ofensor.
4. Partes
significa a vítima, o ofensor e quaisquer outros indivíduos ou membros da
comunidade afetados por um crime que podem estar envolvidos em um processo
restaurativo.
181
5.
Facilitador
significa uma pessoa cujo papel é facilitar, de maneira justa e imparcial, a
participação das pessoas afetadas e envolvidas num processo restaurativo.
II. Utilização de Programas de Justiça Restaurativa
6. Os programas de justiça restaurativa podem ser usados em qualquer estágio do
sistema de justiça criminal, de acordo com a legislação nacional
7. Processos restaurativos devem ser utilizados somente quando houver prova
suficiente de autoria para denunciar o ofensor e com o consentimento livre e voluntário
da vítima e do ofensor. A vítima e o ofensor devem poder revogar esse consentimento a
qualquer momento, durante o processo. Os acordos poderão ser pactuados
voluntariamente e devem conter somente obrigações razoáveis e proporcionais.
8. A vítima e o ofensor devem normalmente concordar sobre os fatos essenciais do caso
sendo isso um dos fundamentos do processo restaurativo. A participação do ofensor
não deverá ser usada como prova de admissão de culpa em processo judicial ulterior.
9. As disparidades que impliquem em desequilíbrios, assim como as diferenças culturais
entre as partes, devem ser levadas em consideração ao se derivar e conduzir um caso
no processo restaurativo.
10. A segurança das partes deverá ser considerada ao se derivar qualquer caso ao
processo restaurativo e durante sua condução.
11. Quando não for indicado ou possível o processo restaurativo, o caso deve ser
encaminhado às autoridades do sistema de justiça criminal para a prestação
jurisdicional sem delonga. Em tais casos, deverão ainda assim as autoridades estimular
o ofensor a responsabilizar-se frente à vítima e à comunidade e apoiar a reintegração da
vítima e do ofensor à comunidade.
III - Operação dos Programas Restaurativos
12. Os Estados membros devem estudar o estabelecimento de diretrizes e padrões,
na legislação, quando necessário, que regulem a adoção de programas de justiça
restaurativa. Tais diretrizes e padrões devem observar os princípios básicos
estabelecidos no presente instrumento e devem incluir, entre outros:
a) As condições para encaminhamento de casos para os programas de justiça
restaurativos;
b) O procedimento posterior ao processo restaurativo;
c) A qualificação, o treinamento e a avaliação dos facilitadores;
d) O gerenciamento dos programas de justiça restaurativa;
e) Padrões de competência e códigos de conduta regulamentando a operação dos
programas de justiça restaurativa.
13. As garantias processuais fundamentais que assegurem tratamento justo ao ofensor
e à vítima devem ser aplicadas aos programas de justiça restaurativa e particularmente
aos processos restaurativos;
a) Em conformidade com o Direito nacional, a vítima e o ofensor devem ter o direito à
assistência jurídica sobre o processo restaurativo e, quando necessário, tradução e/ou
interpretação. Menores deverão, além disso, ter a assistência dos pais ou responsáveis
legais.
b) Antes de concordarem em participar do processo restaurativo, as partes deverão ser
plenamente informadas sobre seus direitos, a natureza do processo e as possíveis
conseqüências de sua decisão;
c) Nem a vítima nem o ofensor deverão ser coagidos ou induzidos por meios ilícitos a
participar do processo restaurativo ou a aceitar os resultados do processo.
14. As discussões no procedimento restaurativo não conduzidas publicamente devem
ser confidenciais, e não devem ser divulgadas, exceto se consentirem as partes ou se
determinado pela legislação nacional.
15. Os resultados dos acordos oriundos de programas de justiça restaurativa deverão,
quando apropriado, ser judicialmente supervisionados ou incorporados às decisões ou
182
julgamentos, de modo a que tenham o mesmo
status
de qualquer decisão ou
julgamento judicial, precluindo ulterior ação penal em relação aos mesmos fatos.
16. Quando não houver acordo entre as partes, o caso deverá retornar ao procedimento
convencional da justiça criminal e ser decidido sem delonga. O insucesso do processo
restaurativo não poderá, por si, usado no processo criminal subseqüente.
17. A não implementação do acordo feito no processo restaurativo deve ensejar o
retorno do caso ao programa restaurativo, ou, se assim dispuser a lei nacional, ao
sistema formal de justiça criminal para que se decida, sem demora, a respeito. A não
implementação de um acordo extrajudicial não deverá ser usado como justificativa para
uma pena mais severa no processo criminal subseqüente.
18. Os facilitadores devem atuar de forma imparcial, com o devido respeito à dignidade
das partes. Nessa função, os facilitadores devem assegurar o respeito mútuo entre as
partes e capacita-las a encontrar a solução cabível entre elas.
19. Os facilitadores devem ter uma boa compreensão das culturas regionais e das
comunidades e, sempre que possível, serem capacitados antes de assumir a função.
IV. Desenvolvimento Contínuo de Programas de Justiça Restaurativa
20. Os Estados Membros devem buscar a formulação de estratégias e políticas
nacionais objetivando o desenvolvimento da justiça restaurativa e a promoção de uma
cultura favorável ao uso da justiça restaurativa pelas autoridades de segurança e das
autoridades judiciais e sociais, bem assim em nível das comunidades locais.
21. Deve haver consulta regular entre as autoridades do sistema de justiça criminal e
administradores dos programas de justiça restaurativa para se desenvolver um
entendimento comum e para ampliar a efetividade dos procedimentos e resultados
restaurativos, de modo a aumentar a utilização dos programas restaurativos, bem assim
para explorar os caminhos para a incorporação das práticas restaurativas na atuação da
justiça criminal.
22. Os Estados Membros, em adequada cooperação com a sociedade civil, deve
promover a pesquisa e a monitoração dos programas restaurativos para avaliar o
alcance que eles tem em termos de resultados restaurativos, de como eles servem
como um complemento ou uma alternativa ao processo criminal convencional, e se
proporcionam resultados positivos para todas as partes. Os procedimentos restaurativos
podem ser modificados na sua forma concreta periodicamente. Os Estados Membros
devem porisso estimular avaliações e modificações de tais programas. Os resultados
das pesquisas e avaliações devem orientar o aperfeiçoamento do gerenciamento e
desenvolvimento dos programas.
V. Cláusula de Ressalva
23. Nada que conste desses princípios básicos deverá afetar quaisquer direitos de um
ofensor ou uma vítima que tenham sido estabelecidos no Direito Nacional e
Internacional.
Tradução Livre por Renato Sócrates Gomes Pinto
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