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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO MESTRADO
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM DIREITOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS
LINHA DE PESQUISA CONSTITUCIONALISMO CONTEMPORÂNEO
Marizélia Peglow da Rosa
A FUNÇÃO SOCIAL DA POSSE, NO DIREITO BRASILEIRO ATUAL,
ENQUANTO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS AO TRABALHO E À MORADIA
Santa Cruz do Sul, janeiro de 2008
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1
Marizélia Peglow da Rosa
A FUNÇÃO SOCIAL DA POSSE, NO DIREITO BRASILEIRO ATUAL, ENQUANTO
INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS AO
TRABALHO E À MORADIA
Esta Dissertação foi submetida ao Programa
de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito
Mestrado, área de concentração em
Demandas Sociais e Políticas Públicas, linha
de pesquisa em Constitucionalismo
Contemporâneo, da Universidade de Santa
Cruz do Sul UNISC, como requisito parcial
para obtenção do título de Mestre em Direito.
Orientador: Prof. Dr. Jorge Renato dos Reis
Santa Cruz do Sul, janeiro de 2008
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Marizélia Peglow da Rosa
A FUNÇÃO SOCIAL DA POSSE, NO DIREITO BRASILEIRO ATUAL, ENQUANTO
INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS AO
TRABALHO E À MORADIA
Esta Dissertação foi submetida ao Programa
de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito
Mestrado, área de concentração em
Demandas Sociais e Políticas blicas, linha
de pesquisa em Constitucionalismo
Contemporâneo, da Universidade de Santa
Cruz do Sul UNISC, como requisito parcial
para obtenção do título de Mestre em Direito.
Prof. Pós-doutor Jorge Renato dos Reis
Orientador
Prof. Convidado
Prof. Participante
3
AGRADECIMENTOS
O tempo passou, e hoje agradeço àqueles que estiveram ao meu lado em mais uma
jornada:
Ao meu esposo, Fernando, pelo amor incondicional de todas as horas, pelo sorriso,
pelo beijo na hora do adeus e por sabermos que, juntos vencemos mais um desafio
em nossas vidas.
Aos meus pais, Crespim e Deuzina, por terem me dado à vida e me ensinado que
devemos, sempre, correr atrás de nossos sonhos, mesmo que distantes, pois um dia
eles se tornam realidade.
À Maitê Damé Teixeira Lemos, pela amizade, apesar das diferenças.
Ao Sr. Paulo Heinrich, por tudo que me ensinou. Muito Obrigada!
Ao Sr. Julio Weschenfelder, por acreditar em minha capacidade e me motivar e cada
conversa.
À Rosana, Gisele e André, pela equipe que formamos no decorrer desses dois anos.
O trabalho passa, mas a amizade é para sempre.
Ao Prof. Pós-doutor Clóvis Gorczevski, pelas palavras amigas e pela luta incessante
para conseguir as obras de que precisava.
Ao Prof. Dr. Hugo Thamir Rodrigues, pelos ensinamentos e pela compreensão.
Ao Prof. Pós-doutor Jorge Renato dos Reis, pelo crescimento profissional e espiritual
e pela orientação.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CAPES, pela
concessão da bolsa de estudos.
4
“A posse não é instrumento individual, é social;
não é instituto de ordem jurídica e sim da ordem
da paz”. (Josef Kohler)
“A arte suprema do mestre consiste em
despertar o gozo da expressão criativa e do
conhecimento”. (Albert Einstein)
5
RESUMO
No contexto do tema da função social da posse através do trabalho e da
moradia, a pesquisa visa analisar qual o conteúdo e o alcance da função social da
posse, no direito brasileiro atual, referentemente a efetivação dos Direitos
Fundamentais Sociais ao trabalho e à moradia, considerando a significativa
modificação ocorrida no cenário jurídico brasileiro, face à posse trabalho e à posse
moradia, que ganham normatividade constitucional, inseridos como Direitos
Fundamentais Sociais. Assim, pretende-se trabalhar o instituto da função social da
posse como corolário da efetivação dos Direitos Fundamentais nas relações entre
particulares, onde a grande importância da pesquisa encontra-se no fato de, o atual
Código Civil não recepcionou o instituto da função social da posse de forma
expressa, razão pela qual a pesquisa utilizar-se-á dos princípios constitucionais, pois
estes servem como base legal para fundamentar a legislação civil como um todo e
em particular a função social da posse. O tema insere-se, por conseguinte, na linha
de pesquisa do Constitucionalismo Contemporâneo, que busca compreender os
fenômenos sociais – sob a ótica do direito constitucional – inseridos numa sociedade
altamente complexa, em razão da pluralidade de direitos que lhe é proposta. Neste
contexto, a função social da posse desempenha um papel de destaque, com a
posse trabalho e a posse moradia, razão pela qual a discussão acerca de seus
limites e de sua legitimidade torna-se fundamental, especialmente se o tema for
enfrentado a partir de uma perspectiva democrática, voltada para a realização ampla
e irrestrita dos direitos fundamentais constitucionais.
Palavras-chave: Função social da posse. Trabalho. Moradia. Direitos
fundamentais sociais.
6
RESUMEN
En el contexto del tema de la función social de la posse a través del trabajo y
de la vivienda la investigación tiene como objetivo hacer una analize del contenido y
del alcance de la función social de la posse, en la actual derecho brasileña,
referentemente a la efetivación de los derechos fundamentales sociales al trabajo y
a la vivienda, en vista de la modificación que ocurrio en encenario jurídico brasileño
vista a posse trabajo y a posse vivienda, que ganan normatividad constitucional
como derechos fundamentales sociales. Asi, se pretende trabajar el instituto de la
función social de la posse como corolário de efetivación de los Derechos
Fundamentales en las relaciones privadas. La importancia de esta investigación se
encontra en el facto de que lo actual Código Civil no há recepcionado el instituto de
la función social de la posse expresamente, por esta razón la investigación utilizará
de los principios constitucionales, una vez que estos son base legal para
fundamentar la legislación civil en general y particularmente la función social de la
posse. El tema se inserta, por lo tanto, en la línea de la investigación del
Constitucionalismo contemporáneo, que busca entender los fenómenos sociales -
bajo la óptica del derecho constitucional - insertados en una sociedad altamente
compleja, en razón de la pluralidad de derechos que es ofertada. En este contexto,
la función social de la posse desempeña un papel prominente, con la posse trabajo y
la posse vivienda, razón por la cual la discusión a cerca de los límites de su
legitimidad llega a ser básica, especialmente si el tema es tomado a pecho frente a
una perspectiva democrática, que se vuelve hacia la realización amplia y sin
restricción de los derechos fundamentales constitucionales.
Palabras clave: Función social de la propiedad. Trabajo. Vivienda. Derechos
fundamentales sociales.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 9
1 A VINCULAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES
INTERPRIVADAS.......................................................................................................13
1.1 A vinculação dos particulares aos Direitos Fundamentais...................................16
1.2 Denominações dos Direitos Fundamentais..........................................................22
1.2.1 Da teoria geracional (ou dimensão dos direitos)...............................................25
1.2.2 Teoria dualista...................................................................................................26
1.2.3 Teoria unitária....................................................................................................27
1.3 Funções dos Direitos Fundamentais....................................................................28
1.3.1 Teoria dos quatro status de Jellinek..................................................................29
1.3.2 Os direitos de defesa e os direitos a prestações...............................................30
1.4 Teorias dos Direitos Fundamentais......................................................................31
1.5 A interpretação dos Direitos Fundamentais.........................................................39
1.6 A diferenciação entre princípios e regras.............................................................41
1.7 A Colisão de princípios e a antinomia de regras..................................................45
1.7.1 A ponderação como solução da colisão entre princípios..................................48
2 OS DIREITOS SOCIAIS COMO DIREITOS FUNDAMENTAIS..............................55
2.1 Direitos Fundamentais Sociais.............................................................................56
2.2 Natureza dos Direitos Sociais..............................................................................60
2.3 Positivação dos Direitos Sociais como pressupostos de sua eficácia.................62
2.4 Formas de efetividade e de exigibilidade dos Direitos Fundamentais Sociais e as
Políticas Públicas limitadas pela “reserva do possível”..............................................65
2.5 A igualdade e a liberdade como fundamentos dos Direitos Sociais.....................75
2.6 A vinculação dos particulares aos Direitos Fundamentais Sociais......................79
2.7 Os Direitos Fundamentais Sociais e os Particulares............................................82
2.8 Trabalho e moradia como Direitos Fundamentais Sociais...................................84
2.9 O paradigma da função social da posse frente aos Direitos Fundamentais Sociais
trabalho e moradia......................................................................................................87
2.10 A incidência dos Direitos Fundamentais Sociais nas relações jurídico-
privadas......................................................................................................................89
8
3 A FUNÇÃO SOCIAL DA POSSE, NO DIREITO BRASILEIRO ATUAL, ENQUANTO
INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS AO
TRABALHO E À MORADIA........................................................................................93
3.1 A propriedade.......................................................................................................94
3.2 A função social da propriedade............................................................................98
3.3 A posse...............................................................................................................104
3.4 A função social da posse....................................................................................106
3.5 A posse trabalho ................................................................................................113
3.6 A posse moradia.................................................................................................117
3.7 A função social da posse, sua concretização e interpretação conforme os
Princípios Constitucionais........................................................................................122
3.8 O Princípio Constitucional da função social da posse........................................125
3.9 A função social da posse como concretização dos Direitos Fundamentais entre
particulares: trabalho e moradia...............................................................................128
CONCLUSÃO...........................................................................................................132
REFERÊNCIAS .......................................................................................................135
9
INTRODUÇÃO
O presente estudo busca verificar a função social da posse no Direito brasileiro,
como instrumento de efetivação dos Direitos Fundamentais ao trabalho e à moradia,
considerando a significativa modificação ocorrida no cenário jurídico brasileiro, face
à posse trabalho e à posse moradia, que ganham normatividade constitucional,
inseridos como Direitos Fundamentais Sociais.
A questão da função social da posse como conseqüência dos Direitos
Fundamentais nas relações entre particulares vem efetivar os Direitos Fundamentais
ao trabalho e à moradia no contexto do Estado Democrático de Direito.
Tem sido argumentada que a função social da posse é até mais importante que
a função social da propriedade, pois é através da posse trabalho e da posse moradia
que se dá efetividade aos princípios constitucionais do trabalho e da moradia,
respectivamente.
Ocorre que, no âmbito do direito civil, alguns institutos precisam ser mais
trabalhados e recepcionados pela legislação infra-constitucional, a fim de terem
efetividade. É o caso do trabalho e da moradia que vem sufragados no âmbito do
direito civil no instituto da posse, através de vários dispositivos positivados no
Código Civil. Daí o objetivo que se propõe no presente trabalho, pois se entende que
a função social da posse, no direito brasileiro atual, enquanto instrumento de
efetivação dos direitos fundamentais ao trabalho e à moradia contempla um espaço
imprescindível e inexorável da democracia, que precisa, porém, ser operacionalizado
e fundamentado de forma compatível.
Assim, pretende-se trabalhar o instituto da função social da posse como
corolário da efetivação dos Direitos Fundamentais nas relações entre particulares,
onde a grande importância da pesquisa encontra-se no fato de, além de ser
insuficiente a bibliografia existente, o atual Código Civil não recepcionou o instituto
da função social da posse de forma expressa, razão pela qual a pesquisa utilizar-se-
á dos princípios constitucionais, pois estes servem como base legal para
fundamentar a legislação civil como um todo e em particular a função social da
posse, ao mesmo tempo em que o Código Civil elenca a sua dogmática jurídica
10
materializadora, onde o seu fundamento revela uma expressão natural da
necessidade.
Os esforços orientar-se-ão no sentido de que, ao final da pesquisa consigamos
responder ao problema que se apresenta, ou seja: Qual o conteúdo e o alcance da
função social da posse no direito brasileiro atual, referentemente a efetivação dos
Direitos Fundamentais ao trabalho e à moradia?
Desta premissa interrogativa surgem as seguintes hipóteses: Os Direitos
Fundamentais e sua efetividade nas relações entre particulares estão em
conformidade com a Constitucionalização do Direito Privado e mais ainda com o
instituto da função social da posse. E, por sua vez, os princípios constitucionais
devem ser tomados como instância inicial e como base para o desenvolvimento do
tema proposto, ao lado da legislação civil vigente e também a legislação
infraconstitucional. A função social da posse é aceita no ordenamento jurídico, tendo
em vista os princípios constitucionais. A função social da posse é conseqüência da
vinculação dos Direitos Fundamentais nas relações interprivadas.
Objetiva-se, assim verificar a questão da função social da posse, no direito
brasileiro atual, enquanto instrumento de efetivação dos Direitos Fundamentais ao
trabalho e à moradia em face do contexto do Estado Democrático de Direito.
Considerando-se que o trabalho é de natureza bibliográfica, o método de
abordagem a ser adotado no seu desenvolvimento será o todo hipotético-
dedutivo
1
. que o método de procedimento será o monográfico, trabalhar-se-á
desta forma, e como técnica a pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, buscando na
doutrina nacional e estrangeira seus referenciais.
2
1
MEZZAROBA, Orides. MONTEIRO, Cláudia Servilha. Manual de metodologia da pesquisa no
direito. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 68.
2
ALVES, Rubem. Filosofia da ciência: introdução ao jogo e a suas regras. São Paulo: Edições
Loyola, 2000, p. 150-7, passim. Coloca o seguinte questionamento: “O que é um método?” e logo a
seguir responde: “[...] um procedimento racional, que nos leva das amostras, dos dados, dos fatos,
dos enunciados particulares (ou protocolares) aos enunciados universais. Caminharíamos seguindo o
caminho proposto pela indução.
11
A partir destes pressupostos, estabelecer-se-á a demarcação teórica de
categorias fundamentais à pesquisa, a saber: função social da posse como
conseqüência dos Direitos Fundamentais, para, então, desenvolver uma proposta
capaz de possibilitar os princípios constitucionais no contexto do Estado
Democrático de Direito.
Em termos de cnica da pesquisa, pretende-se utilizar documentação indireta,
com consulta em bibliografia de fontes primárias e secundárias, tais como:
publicações avulsas, jornais, revistas especializadas na área da pesquisa, livros,
periódicos de jurisprudência, etc.
3
Este manancial vai servir tanto para a
fundamentação do trabalho como para a diversificação de sua abordagem,
possibilitando a concretização dos objetivos propostos.
A pesquisa se desenvolvida em três capítulos: o primeiro de forma a
descrever a vinculação dos direitos fundamentais nas relações interprivadas; o
segundo irá abordar os direitos fundamentais sociais; e, o terceiro capítulo que
busca responder a questão central, ou seja, a função social da posse como
efetivação dos direitos fundamentais nas relações entre particulares, tendo ao final,
algumas notas conclusivas.
No primeiro capítulo se destaca os Direitos Fundamentais nas relações
privadas, pois estes têm um merecido papel de relevo da doutrina constitucional. De
antemão se pode dizer que os direitos fundamentais devem ser respeitados nas
relações privadas, pois “resultam de lutas e batalhas travadas no tempo, em prol da
afirmação da dignidade humana”
4
. No estágio atual do tráfico jurídico nacional,
erigido sobre os pilares da Carta de 1988, não se pode olvidar que os Direitos
Fundamentais possuem eficácia erga omnes. No acertamento dos conflitos
submetidos à apreciação judicial, se estes conflitos reclamam sua aplicação, estes
devem ser a sua fonte de disciplina mesmo frente a uma relação jurídica de Direito
Civil.
3
LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. A. Fundamentos de metodologia científica. São Paulo: Atlas, 1995,
p.183.
4
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004,
p. 18-19.
12
No segundo capítulo, por opção de corte epistemológico limitar-se-á o presente
estudo os Direitos Fundamentais Sociais trabalho e moradia -, que se encontram
basicamente previstos no artigo da Constituição Brasileira de 1988, tais direitos
também são encontrados no Título VIII, que trata da Ordem Social, o
desenvolvimento de conteúdo desses direitos.
5
Finalizando, o terceiro capítulo versará sobre a função social da posse, no
direito brasileiro atual, enquanto instrumento de efetivação dos direitos fundamentais
ao trabalho e à moradia. Que será trabalhado no intuito de responder o problema da
pesquisa, ou seja, qual o conteúdo e o alcance da função social da posse no direito
brasileiro atual, referentemente a efetivação dos Direitos Fundamentais ao trabalho e
à moradia?
5
“Art. . A República Federativa do Brasil, formad a pela união indissociável dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos: I a soberania; II a cidadania; III a dignidade da pessoa humana; IV os valores
sociais do trabalho e da livre iniciativa; v – o pluralismo político; Parágrafo único. Todo o poder emana
do povo, que exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta
Constituição.” Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre
iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social,
observados os seguintes princípios: I soberania nacional; II propriedade privada; III função
social da propriedade; IV – livre concorrência; V defesa do consumidor; VI – defesa do meio
ambiente; VII redução das desigualdades regionais e sociais; VIII busca do pleno emprego; IX
tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que
tenham sua sede e administração no País. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de
qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos
casos previstos em lei”.
13
1 A VINCULAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES
INTERPRIVADAS
Sucedendo o Absolutismo - campo fértil à agressão das liberdades individuais
em face do poder estatal exacerbado - e como substrato das revoluções liberais,
emerge o Estado Liberal sobre as bases do Constitucionalismo e dos Direitos
Humanos, o qual se propõe a defender os direitos individuais frente ao Estado,
sugerindo a não intervenção estatal nas relações privadas e limitando sua atuação
ao estabelecimento de regras mínimas de convivência entre as pessoas. Sua
finalidade era a de favorecer o desenvolvimento pleno dos indivíduos. Tudo fundado
nos ideais iluministas.
O Código de Napoleão, do início do c. XIX, auto-suficiente e sistemático,
representou a cisão entre direito público e direito privado, vindo ao encontro de um
dos valores mais caros ao Liberalismo a segurança jurídica. Isto conferiu aos
operadores do Direito, especificamente aos juízes, a comodidade de invocar ou
aplicar a lei de forma analítica e pontual, quase matemática, na regulação das
situações jurídicas individuais.
Instaurada esta nova ordem jurídica, no contexto europeu do século XIX, onde
a Lei ganha status superlativo; a Constituição vivencia uma crise de negação de seu
caráter normativo, uma vez que se atribui à garantia dos Direitos Fundamentais uma
estrita vinculação à reserva legal, resultando na concepção de inaplicabilidade dos
direitos constitucionais fundamentais às relações privadas.
Esta tradição jurídica, herdada do Estado liberal de Direito, muito cômoda aos
aplicadores do Direito, ainda hoje se constitui um entrave à aplicabilidade da força
normativa emanada da Lei Fundamental. O fato é que a realidade se incumbiu de
demonstrar que não é o Estado o único agente capaz de ameaçar os direitos
fundamentais. A partir dessa constatação, inicia-se o processo de retomada da
Constituição ao topo da hierarquia das fontes do Direito “A Constituição, em suma,
não é mais a Lei do Estado, mas o Estatuto Fundamental do Estado e da
sociedade”. Onde, a Constituição dirigente substitui as constituições liberais. “O
14
primado do público sobre o privado no Estado social expressa-se pelo aumento da
intervenção estatal e pela regulação coativa dos comportamentos individuais e dos
grupos intermediários.”
6
Mudanças ocorreram tanto no Estado, quanto na sociedade, de Estado liberal,
passou-se para o Estado social
7
, onde os valores de justiça social e distributiva
passam a dominar o cenário do culo XX. A sociedade passa a exigir o acesso aos
bens e serviços e, o Estado age para fazer prevalecer o interesse coletivo. Essas
mudanças do Estado e da Sociedade alteram a Constituição, ou seja, a
interpretação passa a ser feita com base na Constituição, pois os códigos civis
continuaram alicerçados no Estado liberal, protetor dos direitos patrimoniais e do
individualismo jurídico.
Atualmente, a opressão não está presente somente nas relações estatais,
mas também nas relações privadas, na sociedade civil, nas famílias, nas empresas e
em todas as relações de trabalho, razão pela qual ocorre a irradiação dos Direitos
Fundamentais nestas relações privadas. A gica inerente ao Estado Social exige a
vinculação dos particulares aos Direitos Fundamentais.
Todavia, também o Estado Social teve sua crise (globalização econômica,
envelhecimento populacional, democratização política e suas conseqüências) e foi
se enfraquecendo e como conseqüência ocorreu o que se denominou de Estado
Mínimo
8
9
. Estando sujeito ao mercado econômico e atua nele como garantidor
apenas de segurança aos indivíduos.
6
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004,
p. 40-41.
7
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do direito civil. In: FIUZA, C,; SÁ, M. F. F.; NAVES, B.
T. O. (coord.). Direito civil: atualidades. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 202. “O Estado social, no
plano do direito, é todo aquele que tem incluída na Constituição a regulação da ordem econômica e
social. Além da limitação ao poder político, limita-se o poder econômico e projeta-se para além dos
indivíduos a tutela dos direitos, incluindo o trabalho, a educação, a cultura, a saúde, a seguridade
social, o meio ambiente, todos com inegáveis reflexos nas dimensões materiais do direito civil.”
8
Entende-se por Estado Mínimo o Estado que dá as garantias mínimas de proteção contra a
violência, o roubo, a fraude e garantiria o cumprimento dos contratos; é aquele Estado que garante o
mínimo, porque somente desta forma não interfere na autonomia de cada cidadão.
9
Pode-se denominar de Estado Mínimo aquele em que “[...] a constituição limita-se a funções de
organização e de processo da decisão política (constituição do estado liberal) e abstém-se de intervir
da res publica (a sociedade civil). CANOTILHO. José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria
da constituição. Coimbra, Portugal: Almedina, s/d, p. 1289.
15
[...] nossa Constituição, que consagra um modelo de Estado de Bem-Estar
Social, fortemente intervencionista, foi pega no contrapé pela onda
neoliberal que varreu o mundo na fase final do século XX. Assim, a partir de
1995, o governo federal, com o apoio de bancada parlamentar amplamente
majoritária, iniciou um ciclo de reformas na ordem constitucional econômica
brasileira, buscando redefinir o papel do Estado, envolvendo a extinção de
certas restrições existentes ao capital estrangeiro (EC 6 e 7) e a
flexibilização de monopólios estatais sobre o gás canalizado, as
telecomunicações e o petróleo (EC n° 5, 8 e 9).
10
O Estado de Bem-Estar Social, que pode-se chamar de s-social ou
subsidiário. É um Estado retraído, que transfere a atuação para a iniciativa privada,
na maioria das vezes, “[...] se no Estado Social, o público avançara sobre o privado,
agora ocorre fenômeno inverso, com a privatização do público.”
11
Com toda esta
transformação do Estado, começaram a surgir as desigualdades econômicas e
sociais, e desta forma, a saída é a eficácia horizontal dos Direitos Fundamentais.
12
Paralelamente a estas mudanças sociais, o direito também foi se
transformando,
[...] vinculado à emergência do Estado Social, consistente na redefinição
dos papéis da Constituição: se, no Estado Liberal, ela se cingia a organizar
o Estado e a garantir direitos individuais, dentro do novo paradigma ela
passa também a consagrar direitos sociais e econômicos e a apontar
caminhos, metas e objetivos, a serem perseguidos pelos Poderes Públicos
no afã de transformar a sociedade.
13
Neste sentido, urge uma maior reflexão acerca do conteúdo e do contorno
normativo dos Direitos Fundamentais no ordenamento jurídico brasileiro. A
Constituição Federal, vigente quase duas décadas, reclama por mais efetividade
e pelo adensamento dos Direitos Fundamentais com o intuito de se consubstanciar a
democracia e a dignidade da pessoa humana, princípios expressos em seu artigo 1°,
sobretudo pela via do Poder Judiciário no acertamento e na solução dos conflitos. A
10
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004,
p. 49-50.
11
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004,
p. 52.
12
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004,
p. 31-67, passim.
13
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004,
p. 71.
16
ausência de debate quanto ao fundamento e aos limites dessa vinculação não deve
intimidar os operadores do Direito a ponto de se desprezar esta ferramenta de
combate às desigualdades sociais.
A constituição é uma lei dotada de características especiais. Tem um brilho
autônomo expresso através da forma, do procedimento de criação e da
posição hierárquica das suas normas. Estes elementos permitem distingui-la
de outros actos com valor legislativo presentes na ordem jurídica.
14
Mas, a eficácia direta dos Direitos Fundamentais nas relações privadas requer
uma atenção especial, pois é uma nova forma de solução de conflitos nas relações
privadas, através de princípios constitucionais e isso é denominado de s-moderno
em direito civil por alguns autores, a exemplo Sarmento
15
. Canotilho, por sua vez
levanta o seguinte questionamento:
A idéia de Drittwirkung ou de eficácia directa dos direitos fundamentais na
ordem jurídica privada continua, de certo modo, o projecto da modernidade:
modelar a sociedade civil privada segundo os valores da razão, justiça,
progresso, do Iluminismo. Este código de leitura pergunta-se não estará
irremediavelmente comprometido pelas concepções múltiplas e beis da
pós-modernidade?
16
A resposta a este questionamento de Canotilho será alcançada ao longo da
pesquisa, busca-se, neste momento, um maior aprofundamento referente aos ideais
Iluministas da liberdade, igualdade e fraternidade, além da construção de novos
caminhos para a emancipação social.
1.1 A vinculação dos particulares aos Direitos Fundamentais
Os Direitos Fundamentais incidem nas relações privadas, entretanto aqui, a
eficácia é atenuada, baseada na ponderação como técnica para mediar o alcance
em cada caso. Barcellos conceitua a ponderação, “De forma muito geral, a
ponderação pode ser descrita como uma técnica de decisão própria para casos
14
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra:
Almedina, s/d, p. 1112.
15
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004,
p. 63.
16
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Civilização do direito constitucional ou constitucionalização do
direito civil? A eficácia dos direitos fundamentais na ordem jurídico-civil no contexto do direito pós-
moderno. In: GRAU, E. R.; GUERRA FILHO, W. S. (org.). Direito constitucional: estudos em
homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 114.
17
difíceis (do inglês hard cases), em relação aos quais o raciocínio tradicional da
subsunção não é adequado
.
17
Segundo Ubillos
18
, nas relações privadas está em jogo o frágil equilíbrio entre
os direitos e liberdades e o princípio da autonomia negocial sobre o qual se constitui
o direito privado. Neste contexto a Constituição pode ser chamada de, “a parte geral
do ordenamento jurídico”, porque passa a ser o centro do ordenamento jurídico,
onde toda legislação deve a ela estar vinculada. Possuindo eficácia irradiante, ou
seja, a Constituição irradia os seus princípios para todo o sistema jurídico, para
todos os ramos do direito, inclusive para as relações entre os particulares que
devem estar vinculados aos Direitos Fundamentais garantidos constitucionalmente,
pois é desta forma que as relações jurídicas terão maior equilíbrio.
19
Hesse
20
ao escrever sobre a força normativa da Constituição, faz uma
importante referência à vontade da Constituição, como uma força ativa em orientar a
conduta da sociedade segundo ordens pré-estabelecidas constitucionais. Numa
forma de conduzir a consciência dos responsáveis pela ordem jurídica, não apenas
seguindo a vontade do poder, mas também segundo a vontade de Constituição.
Hesse faz o questionamento de sua tese a partir da existência da relação entre o
poder determinante das forças políticas e sociais e a força determinante advinda do
Direito Constitucional. Inovador, portanto, no sentido de perseguir a fundamentação
e o alcance dessa força/vontade constitucional, e diante de algumas respostas
buscadas pelo autor, encontra-se também a fundamentação da própria ciência do
Direito Constitucional enquanto uma ciência normativa do sistema jurídico.
No direito brasileiro, a eficácia dos direitos individuais nas relações privadas é
direta e imediata, isso é delineada pela Constituição Federal de 1988
(intervencionista e social) e pelo sistema de direitos fundamentais por ela abordados;
17
BARCELLOS, Ana Paula de. Alguns parâmetros normativos para a ponderação constitucional. In:
BARROSO, Luís Roberto (Org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos
fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 55.
18
UBILLOS, Juan Maria Bilbao. ¿En qué medida vinculan a los particulares los derechos
fundamentales? Revista da Ajuris Associação dos juízes do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, ano
XXXII, n. 98, p. 333-367, passim, jun. 2005.
19
UBILLOS, Juan Maria Bilbao. ¿En qué medida vinculan a los particulares los derechos
fundamentales? Revista da Ajuris Associação dos juízes do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, ano
XXXII, n. 98, p. 333-367, passim, jun. 2005.
20
HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto
Alegre: SAFE, 1991.
18
é voltada para a promoção da igualdade substantiva.
21
Mas segundo Steinmetz “A
vinculação dos particulares a direitos fundamentais não teve e ainda não tem a força
de uma “evidência constitucional”” Cabe ressaltar que a eficácia direta e imediata
não é de todo pacífica no direito brasileiro. Essa interpretação é feita tendo em vista
que, os direitos fundamentais são “direitos jurídico-constitucionais”, constituem
normas de valor que são válidas para todo ordenamento e, “em virtude da
consagração definitiva do princípio da constitucionalidade, na cultura e na prática
constitucionais do segundo após-guerra, a Constituição torna-se a fonte direta e
imediata dos direitos fundamentais.”
22
É a chamada força normativa da Constituição.
Silva aponta que, “[...] prescrever que os direitos fundamentais têm aplicação
imediata não significa que essa aplicação deverá ocorrer em todos os tipos de
relação ou que todos os tipos de relação jurídica sofrerão algum efeito das normas
de direitos fundamentais.”
23
Isto significa dizer que a Constituição é fonte direta e imediata dos direitos
fundamentais onde, os mesmos apresentam-se como limites de ação do Estado
constitucional contemporâneo. Desta forma, “
[...]
a vinculação dos particulares a
direitos fundamentais, além de ser uma imposição da constituição, é um instrumento
socialmente necessário para a preservação e promoção dos direitos fundamentais
ante as transformações,
[...]”
24
, principalmente nas sociedades capitalistas
contemporâneas.”
Os direitos fundamentais sob essa égide objetiva assumiram um papel mais
intenso no estudo comparado, especialmente na Alemanha, a partir da década de
50. Duas grandes teorias sobre o assunto foram desenvolvidas: a eficácia irradiante
dos direitos fundamentais e a teoria dos deveres de proteção. Essas teorias levaram
os demais países, interessados na valoração da constituição, a fundamentarem
novas decisões, baseadas em direitos e garantias fundamentais da pessoa humana,
21
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2004,
p. 279.
22
STEINMETZ, Wilson Antônio. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo:
Malheiros, 2003, p. 64 e 103.
23
SILVA, Virgilio Afonso da. A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas relações
entre particulares. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 58.
24
STEINMETZ, Wilson Antônio. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo:
Malheiros, 2003, p. 83.
19
devido a ampliação da multifuncionalização dos direitos fundamentais exigida pelas
transformações sociais ocorridas nos últimos dois séculos.
25
A compreensão da Constituição como ordem de valores, no plano da filosofia
constitucional impulsionou o estudo da dimensão objetiva. Tal plano de reflexão
levou rapidamente críticos a se pronunciarem no sentido da fragilidade desta
compreensão, uma vez que, para se concretizar a união dessas duas concepções
acima expostas (constituição e ordem de valores), faz-se necessário a informação
exaustiva e coordenada de quais valores está-se falando, quais são mais
importantes e, como se relacionam entre si. Portanto, questiona-se de que forma é
possível compreender a união da Constituição com os valores.
Ao deixar-se conduzir pela idéia da realização de valores materiais, dados
preliminarmente no direito constitucional, o tribunal constitucional
transforma-se numa instancia autoritária. No caso de uma colisão, todas as
razões podem assumir o caráter de argumentos de colocação de objetivos,
o que faz ruir a viga mestra introduzida no discurso jurídico pela
compreensão deontológica de normas e princípios do direto [...]. Na medida
em que um tribunal constitucional adota a teoria da ordem de valores e a
toma como base de sua prática decisão, cresce o perigo de juízos
irracionais, porque, neste caso, os argumentos funcionalistas prevalecem
sobre o normativos.
26
A teoria da eficácia irradiante, conseqüência da interpretação da dimensão
objetiva dos direitos fundamentais possibilita o condicionamento de todo o sistema,
tanto jurídico como legislativo, aos valores determinantes de tais direitos. A teoria da
eficácia concede à ordem jurídica uma interpretação mais humanitária e envolvente
das garantias constitucionais, a dignidade da pessoa, igualdade substantiva, justiça
social. Pode-se considerar essa teoria de reflexão da dimensão objetiva como
principio hermenêutico e também como mecanismo de controle da
constitucionalidade.
O ponto principal que se deve ter como entendimento é a questão de que a
eficácia irradiante não se restringe aos dois efeitos acima descritos, mas uma
atuação muito mais ampla e complexa. Uma interpretação que leva a uma
reconstrução do próprio modo de ver o direito, ou seja, fortalecidos pela eficácia
25
STEINMETZ, Wilson Antônio. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo:
Malheiros, 2003, p. 84.
26
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia entre facticidade e validade, 2 v. Tradução de Flavio
Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, p. 321-322.
20
irradiante, os direitos fundamentais tomam o lugar de eixo central no ordenamento,
norteador da legislação e jurisdição. Essa eficácia irradiante “manifesta-se sobretudo
em relação à interpretação e aplicação das cláusulas gerais e conceitos jurídicos
indeterminados, presentes na legislação infraconstitucional.”
27
Nesse sentido, a situação descrita leva a tratar do fenômeno atual da
filtragem constitucional
28
, a qual exige que as novas leis adotadas estejam imersas
numa construção de garantias constitucionais sob o prisma de proteção de valores
de uma vida digna ao homem. Como citado, no Brasil, o enfoque é dado ao
grande valor axiológico da Constituição de 1988 que, assim, possibilitou a
abrangência na interpretação de outros ramos do direito nesse mesmo contexto
constitucional. Portanto, o encontro do direito civil à ordem constitucional dá-se
nessa seara em que o ponto principal e intenso é o princípio da dignidade humana.
A Constituição não configura, portanto, apenas expressão de um ser, mas
também de um dever ser; ela significa mais do que o simples reflexo das
condições fáticas de sua vigência, particularmente as forças sociais e
políticas. Graças a pretensão da eficácia, a Constituição procura imprimir
ordem e conformação à realidade política e social. [...] A força
condicionante da realidade e a normatividade da Constituição podem ser
diferenciadas; elas não podem, todavia, ser definitivamente separadas ou
confundidas.
29
No Brasil, ainda restrições quanto ao uso reflexivo dos direitos
fundamentais expressos na constituição, como a posição extremamente formal do
STF
30
quando considera agressão aos direitos apenas em casos restritos, quando
diretos e específicos e principalmente, cuja confrontação seja nitidamente provada e
alegada em primeira instância. Essa atitude do Supremo que restringe o acesso aos
direitos fundamentais dos cidadãos, acaba acarretando o descumprimento de
27
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004,
p.158. Este mesmo autor na gina 156 enfatiza que: “No caso brasileiro, este processo assume um
relevo especial, em razão da riqueza axiológica da Constituição de 1988, que conferiu absoluta
centralidade e primazia aos direitos fundamentais e es fortemente impregnada por valores
solidarísticos, de marcada inspiração humanitária”.
28
Baseada sempre no princípio da dignidade da pessoa humana.
29
HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto
Alegre: SAFE, 1991, p.15.
30
“Ofensa a princípios constitucionais. Alegação a ser aferida a partir da interpretação de normas
infraconstitucionais. Impossibilidade. A alegação de vulneração a preceito constitucional, capaz de
viabilizar a instância extraordinária, de ser direta e frontal, e não aquela que demandaria
interpretação de disposições de normas ordinárias” (AgRg. 180710, Rel. Min. Maurício Corrêa,
Turma, unânime, DJ 2/8/96).
21
disposição constitucional pelo próprio órgão máximo de jurisdição, que o encarrega
de guardião e aplicação das garantias constitucionais.
Onde o dever do Estado é de não se abster da violação dos direitos
fundamentais, o mesmo tem a obrigação também de proteger de forma ativa tais
direitos e garantias, seja na esfera legislativa, administrativa ou judiciária, frente a
lesões e ameaças advindas de terceiros.
31
Neste sentido, a vinculação é completa e
incondicionada quando advinda dos poderes públicos e quando se trata dos
particulares, estes “são titulares de uma esfera de liberdade juridicamente protegida,
que deriva do reconhecimento da sua dignidade.”
32
Para regular a produção de efeitos dos direitos fundamentais nas relações
privadas é necessário um modelo mais flexível que os modelos propostos
normalmente pela doutrina e pela jurisprudência. Esse modelo pressupõe
que, sempre que possível, os efeitos dos direitos fundamentais se farão
sentir nas relações privadas por intermédio do material normativo do próprio
direito privado. Isso significa conferir primazia à mediação que o legislador
ordinário faz entre a ordem constitucional e a ordem privada. Em alguns
casos, seja por omissão, seja por insuficiência legislativa, os efeitos dos
direitos fundamentais somente podem ser direitos, havendo a necessidade,
portanto, de uma aplicação direta dos direitos fundamentais no vel
interprivados. Esse modelo pretende, portanto, romper com a dicotomia
entre efeitos diretos e indiretos, conciliando-os na mesma construção
teórica.
33
Assim, conforme Reis, “[...] apesar de toda a discussão a respeito da forma
como se deve dar essa vinculação dos direitos fundamentais nas relações privadas,
pode-se observar, no entanto, uma tendência de abandono ao longo do tempo, das
posições radicais de um ou outro lado, [...]”
34
. Não existindo no Brasil atualmente,
portanto, uma corrente única e excludente da inexistência de qualquer possibilidade
de vinculação dos particulares aos direitos fundamentais, como ao mesmo tempo, da
sujeição total dos particulares a esses direitos como se fosse poder público.
31
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004,
p.160.
32
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004,
p.175.
33
SILVA, Virgilio Afonso da. A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas relações
entre particulares. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 28.
34
REIS, Jorge Renato dos. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais nas relações
interprivadas: breves considerações. In: LEAL, R. G.; REIS, J. R. (orgs.) Direitos sociais e políticas
públicas: desafios contemporâneos. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2005, t. 5, p. 1510.
22
O que se busca é uma necessidade de aplicação direta e imediata dos
direitos fundamentais nas relações interprivadas. Com isso não se está afirmando
que, no caso concreto, é exatamente o que ocorre.
1.2 Denominações dos Direitos Fundamentais
Segundo Canotilho
35
os direitos fundamentais podem ter as classificações
doutrinárias e históricas, divididas da seguinte forma: Direitos do homem e Direitos
Fundamentais; direitos do homem e direitos do cidadão; direitos naturais e civis;
direitos civis e liberdades ou direitos políticos; direitos civis e direitos ou liberdades
individuais; direitos e liberdades públicas; direitos e garantias; Direitos Fundamentais
e direitos de personalidade; direitos, liberdades e garantias e direitos econômicos,
sociais e culturais; Direitos Fundamentais e garantias institucionais.
Sarlet, prefere traçar uma distinção de cunho didático entre as expressões
“direitos do homem” no sentido de direitos naturais ainda não positivados; “direitos
humanos” positivados na esfera do direito internacional; e “direitos fundamentais”-
direitos reconhecidos/outorgados e protegidos constitucionalmente pelo Estado (por
cada Estado).
36
Ressaltando ainda que direitos humanos e direitos fundamentais
não são termos excludentes e sim complementares e que, os direitos fundamentais
nascem com as Constituições e com elas se desenvolvem
A expressão “direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em
todos os tempos;” é a mais antiga das denominações usadas pela doutrina. Já os
“direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente
garantidos e limitados espacio-temporalmente.”
37
A expressão apareceu no contexto
da Revolução Francesa, mas sua difusão se deu através do constitucionalismo
alemão. Por seu caráter ideologicamente neutro, apresentando-se com um nome da
ciência jurídica, é hoje muito utilizado. Para estes, direitos seriam unicamente
35
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra:
Almedina, s/d, p. 385.
36
SARLET, Ingo Wolfgang Sarlet. A eficácia dos direitos fundamentais. 2. ed. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2001, p. 36 e ss.
37
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra:
Almedina, s/d, p. 387.
23
aqueles exigíveis de uma autoridade política, integrantes, portanto, da ordem jurídica
de um determinado Estado.
Esta confusão terminológica não é incomum. Basta uma simples análise na
Constituição Brasileira de 1988 para constatar-se que também o legislador
constituinte utilizou várias expressões para designar o mesmo conteúdo: “Direitos
Humanos” (art. , inc. II), “direitos e liberdades constitucionais” (art. , inc. LXXI),
“direitos e garantias fundamentais” (art. , § ) , “direitos e garantias individuais”
(art. 60, § 4°, inc. IV).
No que se refere aos direitos do homem e direitos do cidadão, “os primeiros
pertencem ao homem enquanto tal; os segundos pertencem ao homem enquanto
ser social, isto é, como indivíduo vivendo em sociedade.”
38
A denominação direitos
do homem e do cidadão tem sua origem na teoria contratualista do pacto social e se
entende como os direitos do indivíduo frente ao Estado. Expressão utilizada pela
Revolução Francesa e pela maioria das proclamações a partir de então.
A expressão, direitos naturais, possuiu um matiz claramente filosófica,
largamente utilizada nas teorias jusnaturalistas desde o período do renascimento,
mas sua divulgação se deu na época do racionalismo, quando, por direito natural, se
entendia um conjunto de direitos inatos ao homem e anteriores ao Estado. Segundo
Canotilho, “Os direitos naturais, como o nome indica, eram inerentes ao indivíduo e
anteriores a qualquer contrato social; os direitos civis [...] os direitos pertencentes ao
indivíduo como cidadão e proclamados nas constituições ou leis avulsas.” “os
direitos civis são reconhecidos pelo direito positivo a todos os homens que vivem em
sociedade; [...] os direitos políticos – só são atribuídos aos cidadãos activos.”
39
os direitos civis, “depois de esvaziados os direitos políticos, passam a ser
considerados pela publicística francesa como direitos individuais ou liberdades
individuais ou ainda liberdades fundamentais.”
40
A expressão direitos individuais é
38
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra:
Almedina, s/d, p. 337-388.
39
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra:
Almedina, s/d, p. 388.
40
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra:
Almedina, s/d, p. 389.
24
própria do liberalismo. Os direitos do homem são entendidos como um contraponto
ao Estado totalitário e absolutista, cujo poder deve ser limitado a partir do direito
individual do homem.
Finalizando, tem-se os direitos e liberdades públicas, onde a expressão
“liberdades públicas” foi criada pelo Estado Liberal de direito, que substitui a
expressão direitos naturais por liberdades fundamentais, que era o núcleo de seu
direito. A expressão aparece pela primeira vez na constituição francesa de 1793 e
continua em uso por estar na origem das teorias políticas atuais. O rótulo dos
direitos humanos no Conselho da Europa é: Convenção Européia de Salvaguarda
dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais. “[...] os direitos civis,
depois de separados dos direitos políticos, passaram a ser designados também por
liberdades individuais.” Como bem lembra Canotilho, essas definições são feitas
sempre tendo por base a relação estabelecida entre cidadão (este como titular de
direitos) e Estado. “[...] As liberdades estariam ligadas ao status negativus e através
delas visa-se defender a esfera dos cidadãos perante a intervenção do Estado.”
41
Canotilho, ao falar de status negativus está se referindo à teoria dos quatro
status de Georg Jellinek, difundida no século passado, mas extremamente atual
quando se aborda as perspectivas subjetivas e objetivas dos direitos fundamentais.
Servindo de referencial para a classificação dos direitos fundamentais. Esta teoria
será abordada logo a seguir quando procura-se separar as várias teorias utilizadas
para a classificação dos direitos fundamentais.
Outra classificação dos direitos fundamentais é a de Schäfer. Segundo o qual,
a classificação dos direitos fundamentais pode ser observada sob três distintos
41
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra:
Almedina, s/d, p. 389.
25
pontos de vista: relacionados com o desenvolvimento histórico
42
; com o conteúdo
preponderante
43
; e, com uma pretensão integrativa do direito
44
.
1.2.1 Da teoria geracional (ou dimensão dos direitos)
A teoria geracional decorre do próprio desenvolvimento histórico dos direitos
fundamentais. Segundo Jairo Schäfer, ela utiliza-se da evolução histórica como
elemento de individualização dos direitos fundamentais, tendo em vista o paulatino
desenvolvimento da juridicidade dos direitos fundamentais. Assim, poderiam ser três
gerações de direito, ou então, conforme Schäfer: a) direitos de Primeira Geração
direitos prestacionais: os direitos fundamentais de primeira geração, são os direitos
de liberdade, vida, etc., onde o Estado somente pode agir nos limites traçados pela
lei; b) direitos de Segunda Geração direitos negativos: a igualdade (igualdade
material) passa a ser o elemento qualificador e essencial da democracia. Os direitos
fundamentais de segunda geração o os direitos econômicos, sociais e culturais,
nos quais o Estado assume a função promocional para satisfazer o cidadão; c)
direitos de Terceira Geração caráter difuso: traz os direitos individuais, difusos e
coletivos. São os direitos emergentes e apresentam uma estrutura diferentes da
apresentada na primeira e segunda geração, englobam alguns direitos prestacionais
e um conjunto de novos direitos.
Os direitos fundamentais de terceira geração são os
direitos da solidariedade humana: paz, meio ambiente, patrimônio comum da
humanidade, fraternidade, etc.
45
42
É a chamada teoria geracional (ou dimensão dos direitos). A “classificação doutrinária dos direitos
fundamentais utiliza a evolução histórica enquanto elemento essencial à própria caracterização e
individualização dos direitos fundamentais, [...]” Onde os direitos fundamentais são classificados em
três gerações: de primeira geração; de segunda geração; e, de terceira geração. E, baseados em três
elementos, quais sejam: a) relação Estado x cidadão; b) concepção política do Estado; c) espécie de
direito considerado (individual, coletivo ou difuso). SCHÄFER, Jairo. Classificação dos direitos
fundamentais: do sistema geracional ao sistema unitário: uma proposta de compreensão. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 14-15.
43
É também denominada de “Teoria dualista”. Baseada em duas categorias jurídicas, de um lado, as
liberdades negativas através de uma postura omissiva do Estado; de outro, as liberdades positivas
– baseada na função promocional do Estado. SCHÄFER, Jairo, 2005, p. 41.
44
Também denominada de “Teoria Unitária”. É a adequação da teoria dos direitos fundamentais à
sociedade contemporânea, altamente complexa, tendo-se por objetivo a incorporação concreta
desses direitos aos patrimônios jurídicos dos destinatários, resultando as seguintes ponderações: a)
A incindibilidade dos direitos fundamentais e a inexistência de diferenças estruturais entre os variados
tipos de direitos [...]; b) O caráter incindível dos direitos fundamentais decorre da unidade de sentido
constitucional. C) Inexistência de diferenças estruturais entre os distintos tipos de direitos
fundamentais, [...]; d) Interligação sistêmica e dialética entre todas as espécies de direitos
fundamentais, [...]; e) Caráter principiológico de todos os direitos fundamentais, [...].” SCHÄFER,
Jairo, 2005, p. 70.
45
SCHÄFER, Jairo. Classificação dos direitos fundamentais: do sistema geracional ao sistema
unitário: uma proposta de compreensão. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 14-33, passim.
26
Em crítica feita ao sistema geracional, refere o autor que existem duas críticas;
a primeira é relativa à nomenclatura do termo geração, que leva à impressão de
superação dos direitos anteriores. Como se sabe, a validade dos direitos não foi
superada. Nesse contexto, o termo dimensão de direitos fundamentais seria mais
adequado, pois englobaria as categorias anteriores, em um movimento de
ampliação; a segunda crítica é quanto ao método de classificação dos direitos
fundamentais, que utiliza o “momento histórico como fator exclusivo de classificação
dos direitos fundamentais, [...]“. Tendo assim, a seguinte classificação: a) dimensão
negativa - correspondente à geração, carrega os direitos humanos de liberdade,
igualdade, etc., na intromissão estatal, que fizeram parte da revolução francesa; b)
dimensão prestacional - correspondente à 2ª geração, que encontrou no welfare
state a sua via de desenvolvimento, com a garantia de direitos e atuação positiva do
Estado; c) dimensão difusa - correspondente à geração, traz os direitos coletivos
difusos.
46
A crítica quanto à nomenclatura também é a preocupação de Guerra Filho,
quando relata, “Que ao invés de “gerações” é melhor se falar em dimensões de
direitos fundamentais”, neste contexto, não se justifica apenas pelo preciosismo de
que as gerações anteriores o desaparecem com o surgimento das mais novas.”
47
Para este autor a justificativa a esta preocupação é quando surgem novas gerações
e, para exemplificar ele adota o exemplo do direito de propriedade com função social
que está classificada como de segunda dimensão, mas, com o aparecimento da
terceira dimensão, a propriedade cumpre sua função ambiental.
1.2.2 Teoria dualista
Na teoria dualista, os direitos fundamentais são classificados de acordo com
seu conteúdo preponderante, ou seja, se a função do Estado é a omissão, tem-se as
liberdades negativas, se a função do Estado é promocial, tem-se as liberdades
positivas. É uma classificação de acordo com a função realizadora do Estado, de
46
SCHÄFER, Jairo. Classificação dos direitos fundamentais: do sistema geracional ao sistema
unitário: uma proposta de compreensão. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 39.
47
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. São Paulo:
Celso Bastos Editor – Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1999, p. 40.
27
não lesão e prestação: De um lado, temos os direitos negativos (I), com liberdade do
estado e no Estado (direitos de defesa), com o afastamento do Estado de
interferências nas relações desses direitos; e temos, de outro, direitos positivos (II),
representados pela liberdade mediante o Estado (direitos prestacionais em sentido
amplo), onde a atuação deste é pressuposto para a concretização do direito
fundamental.
48
“Os direitos políticos não podem ser agrupados conjuntamente dentre os
direitos negativos,” se estes direitos exigirem uma omissão do Estado, trata-se de
liberdade negativa; quando for exigida uma ação concreta do Estado, está-se diante
de um direito positivo, ou seja, os direitos são classificados de acordo com o núcleo
essencial. “Assim, dentre os chamados “direitos sociais”, [...] podem ser encontrados
tanto direitos negativos (liberdade de associação sindical, por exemplo) quanto
direitos positivos (direito à prestação em sentido estrito: saúde, por exemplo).”
49
1.2.3 Teoria unitária
A teoria unitária contou com a contribuição de Jorge Miranda
50
, foi este autor
que criou o regime doutrinário dos direitos sociais, e segundo ele, a indivisibilidade é
atributo de todos os direitos fundamentais, pela sua incindibilidade e inexistência de
diferenças estruturais. Ainda, esta unidade decorre da unidade de sentido
constitucional, existência de diferentes expectativas positivas e negativas (com maior
ou menor grau) em todos os direitos.
Schäfer resume a posição doutrinária de Jorge Miranda da seguinte forma:
A posição doutrinária de Jorge Miranda, quanto aos regimes dos direitos
fundamentais, pode assim ser sistematizada:
DIREITOS FUNDAMENTAIS
I) Regime jurídico geral dos Direitos Fundamentais: conjunto de
princípios e regras constitucionais aplicável a todos os direitos
fundamentais;
48
SCHÄFER, Jairo. Classificação dos direitos fundamentais: do sistema geracional ao sistema
unitário: uma proposta de compreensão. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 43.
49
SCHÄFER, Jairo. Classificação dos direitos fundamentais: do sistema geracional ao sistema
unitário: uma proposta de compreensão. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 44.
50
Doutrinador português que possui importantes obras, dentre as quais destacamos: Regime
específico dos direitos econômicos, sociais e culturais.
28
II) Regime jurídico específico dos direitos, liberdades e garantias:
conjunto de princípios e regras constitucionais aplicável somente aos
direitos, liberdades e garantias;
III) Regime jurídico específico dos direitos econômicos, sociais e
culturais: conjunto de princípios e regras constitucionais aplicável somente
aos direitos econômicos, sociais e culturais.(grifos do autor)
51
Por fim, ressalta a sua interligação sistêmica e o caráter principiológico de
todos os direitos, que leva à sua compreensão como mandados de otimização para
maior efetivação.
1.3 Funções dos Direitos Fundamentais
Devido ao fato dos direitos fundamentais desempenharem diferentes funções
na sociedade e no ordenamento jurídico, isso leva ao fato desses direitos terem
diversas funções e, por conseguinte, diversos desenvolvimentos doutrinários.
Adotar-se-á uma dimensão subjetiva (subjetivos individuais) e outra objetiva
(objetivos fundamentais da comunidade), onde o ponto de partida é a teoria dos
quatro status de Jellinek e posteriormente, os direitos de defesa e os direitos a
prestação.
52
Para os constitucionalistas alemães, as teorias propiciam o domínio da
hermenêutica constitucional e, por isso as classificações dos direitos fundamentais
são amplamente estudadas. Mas, é no caso concreto que se aplicam essas teorias,
baseado no caso ou no problema “sobre o qual recai a tarefa cognitiva” e conforme a
interpretação hermenêutica, quando pode ser usada mais de uma teoria ou não.
53
El constitucionalismo actual no sería lo que es sin los derechos fundamentales.”
54
1.3.1 Teoria dos quatro status de Jellinek
51
SCHÄFER, Jairo. Classificação dos direitos fundamentais: do sistema geracional ao sistema
unitário: uma proposta de compreensão. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 56.
52
BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Aspectos de teoria geral dos direitos fundamentais. In: MENDES,
G. F; COELHO, I. M.; BRANCO, P. G. G.; Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais.
Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 139.
53
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 10 ed. Revista, atualizada e ampliada. São
Paulo: Malheiros Editores, 2000, p. 560.
54
LUÑO, Antonio Enrique Pérez. Los derechos fundamentales. 8 ed. Madrid: Editorial Tecnos, 2005,
p. 19.
29
Jellinek ao se referir à “teoria dos quatro status”, quer dizer quatro status em
que indivíduo pode encontrar-se face ao Estado: status passivo; status negativo;
status positivo; status ativo. O passivo é quando o Estado tem condições de vincular
o indivíduo através de mandamentos e proibições. O negativo por sua vez, é o
espaço de liberdade que o homem desfruta, em relação aos poderes públicos é
uma não ação do Estado. No positivo ao contrário, o Estado deve agir em favor do
indivíduo. E, por fim, o ativo, que é quando o indivíduo, através do direito de voto
influi sobre a formação da vontade do Estado.
55
Segundo Branco,
A partir dessa teoria, que foi recebendo depurações ao longo do tempo,
podem-se decalcar as espécies de direitos fundamentais mais
freqüentemente assinaladas direitos de defesa (ou direitos de liberdade) e
direitos a prestações (ou direitos cívicos). A essas duas espécies alguns
acrescentam a dos direitos de participação.
56
Na sua teoria Jellinek denominou de status passivo (status subjectionis), aquele
em que o sujeito estaria subordinado aos poderes estatais, sendo assim, detentor de
deveres e não de direitos, onde, o Estado vincula o cidadão através de
mandamentos e proibições. De outro lado, o indivíduo é dotado de personalidade,
sendo reconhecido o status negativus, que consiste numa esfera individual de
liberdade imune ao jus imperii do Estado, que é poder juridicamente limitado. O
terceiro status é o status positivus ou civitatis, no qual ao indivíduo seria assegurada
a possibilidade de utilizar-se das instituições estatais e de exigir do Estado
determinadas ações positivas. Jellinek ainda complementa sua teoria com o
reconhecimento de um status activus ao cidadão, no qual este passa a ser
considerado titular de competências que lhe garantem a possibilidade de participar
ativamente da formação da vontade estatal, como, por exemplo, pelo direito de
voto.
57
55
BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Aspectos de teoria geral dos direitos fundamentais. In: MENDES,
G. F; COELHO, I. M.; BRANCO, P. G. G.; Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais.
Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 139-140.
56
BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Aspectos de teoria geral dos direitos fundamentais. In: MENDES,
G. F; COELHO, I. M.; BRANCO, P. G. G.; Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais.
Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 140.
57
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2001, p. 172.
30
1.3.2 Os direitos de defesa e os direitos a prestações
Os direitos de defesa limitam a ação do Estado na medida em que exigem uma
não-interferência deste nas relações de direitos fundamentais. O Estado somente
interfere quando precisa reparar danos sofridos por agressões eventualmente
consumadas. São direitos elencados, principalmente, no artigo da Constituição
Federal. Os direitos de defesa primam pela liberdade do indivíduo, proibindo o
Estado de intervir nas ações do indivíduo. Além de proteger o indivíduo, esses
direitos também protegem bens jurídicos contra a ação do Estado.
58
59
Segundo Sarlet, “a faceta objetiva dos direitos fundamentais, que ora é objeto
de sumária análise, significa, isto sim, que as normas que prevêem direitos
subjetivos é outorgada função autônoma, que transcende esta perspectiva subjetiva,
[...]”. Mas, para se ter claro esta perspectiva dos direitos fundamentais, deve-se
observar três aspectos, o primeiro deles é “de que tanto as normas de direitos
fundamentais que consagram direitos subjetivos individuais, quanto as que impõem
apenas obrigações de cunho objetivo aos poderes públicos podem ter a natureza ou
de princípios ou de regras [...]”. O segundo, “há que distinguir entre a significação da
perspectiva objetiva no seu aspecto axiológico ou como expressão de uma ordem de
valores fundamentais objetivos e a sua igualmente citada mais-valia jurídica, [...]”.
E o terceiro e último, “na presente apresentação da perspectiva objetiva dos direitos
fundamentais não nos estamos limitando a qualquer uma das facetas específicas
que a matéria suscita.”
60
Em se tratando de dimensão axiológica, Luño salienta que en su significación
axiológica objetiva los derechos fundamentales representan el resultado del acuerdo
58
BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Aspectos de teoria geral dos direitos fundamentais. In: MENDES,
G. F; COELHO, I. M.; BRANCO, P. G. G.; Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais.
Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 140-141.
59
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Tradução de Ernesto Garzón Valdés.
Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 2002, p. 189. “Los derechos del ciudadano frente al
Estado a acciones negativas del Estado (derechos de defensa) pueden dividirse en tres grupos. El
primero está constituido por derechos a que el Estado no impida u obstaculice determinadas acciones
del titular del derecho; el segundo, por derechos a que el Estado no afecte determinadas propiedades
o situaciones del titular del derecho; y el tercero, por derechos a que el Estado no elimine
determinadas posiciones jurídicas del titular del derecho.”
60
SARLET, Ingo Wolfgang Sarlet. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2001, p. 158-159.
31
básico de las diferentes fuerzas sociales, logrado a partir de relaciones de tensión y
de los consiguientes esfuerzos de cooperación encaminados al logro de metas
comunes.”
61
Os direitos fundamentais incorporam e expressam alguns valores
objetivos da comunidade e, por isso, mesmo os direitos de defesa tem seu olhar
voltado para a comunidade e não para a individualidade, é a dimensão axiológica
dos direitos fundamentais que expressa o direito da totalidade mesmo perante o
Estado.
62
1.4 Teorias dos Direitos Fundamentais
O aparecimento das teorias sobre a vinculação dos particulares aos direitos
fundamentais, ocorreu na Alemanha por meados do ano de 1950. As investigações
versavam sobre qual a forma da vinculação dos particulares aos direitos
fundamentais, de que forma isso se daria? Em Portugal, a Carta Constitucional de
1976 fez menção expressa à vinculação dos particulares aos direitos fundamentais.
Outros países também se ocuparam deste estudo como Itália e Espanha. Na
Constituição Brasileira de 1988, os direitos fundamentais são oponíveis contra o
Estado, inexistindo qualquer previsão de incidência dos particulares aos direitos
fundamentais. Apenas posteriormente é que os direitos fundamentais passam a
vincular os particulares nas relações interprivadas.
Assim, pode-se dizer que as teorias se dividem em cinco grupos: a) teoria
negativa da State Action, que rejeita a possibilidade de aplicação dos Direitos
Fundamentais nas relações privadas; b) teoria da eficácia indireta e mediata; c)
teoria da eficácia direta e imediata; d) teoria dos deveres de proteção do Estado; e)
teorias alternativas e mistas.
63
A teoria da negação nega a “[...] relevância da discussão em torno de uma
eficácia direta ou indireta dos Direitos Fundamentais nas relações entre particulares
61
LUÑO, Antonio Enrique Pérez. Los derechos fundamentales. 8 ed. Madrid: Editorial Tecnos, 2005,
p. 20-21.
62
SARLET, Ingo Wolfgang Sarlet. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2001, p. 160.
63
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2004,
p. 225-226.
32
[...]”
64
Essa teoria nasceu na Alemanha após o surgimento das teorias da vinculação
mediata e imediata dos particulares aos direitos fundamentais. Os argumentos
utilizados por esta teoria para combater os argumentos em prol da vinculação dos
particulares aos direitos fundamentais são os de que se aboliria com a autonomia
privada, aniquilaria a identidade do direito privado, que restaria absorvido pelo direito
constitucional e que entregaria um poder exagerado aos magistrados
65
. Ainda, na
doutrina, encontram-se outras alegações tais como a visão liberal do texto
constitucional alemão que prevê apenas a vinculação dos poderes blicos, bem
como a tradição histórica que sequer colocou em pauta a discussão dos particulares
aos direitos fundamentais.
Esta corrente praticamente desapareceu na Alemanha, após várias decisões
proferidas pelo Tribunal Constitucional Federal, a partir de 1950. No entanto,
prepondera na Suíça e nos Estados Unidos da América. Neste país o tema da não
vinculação dos particulares aos direitos fundamentais teve maior propagação. Por
certo, nos Estados Unidos da América prevalece a tese de que os direitos
fundamentais vinculam apenas o Estado, pois a constituição americana ao dispor
sobre os direitos fundamentais impõe limitações apenas ao ente estatal, exceção é a
13ª emenda que proibiu a escravidão. Todavia, a jurisprudência deste país vem
expandindo, em casos excepcionais, o campo de aplicação dos direitos
fundamentais da Constituição ao dilatar os conceitos de poder público.
Sarlet apresenta as linhas de argüição das cortes americanas no sentido de
alargar o conceito de poder público:
a)quando um particular ou entidade privada exerce função estatal típica; b)
quando existem pontos de contato e aspectos comuns suficientes para que
se possa imputar ao Estado a responsabilidade pela conduta oriunda do
particular.
66
64
SARLET, Ingo Wolfgang Sarlet. Direitos fundamentais e direito privado: algumas considerações em
torno da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais. In: FINGER, Julio César (org.). A
constituição concretizada: construindo pontes entre o público e o privado. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2000, p. 133.
65
REIS, Jorge Renato dos. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais nas relações
interprivadas: breves considerações. In: LEAL, R. G.; REIS, J. R. (orgs.) Direitos sociais e políticas
públicas: desafios contemporâneos. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2005, t. 5, p. 1501.
66
SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e direitos privados: algumas considerações em
torno da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.). A
Constituição Concretizada: construindo pontes com o público e o privado. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2000, p. 135.
33
Sob este ângulo, a postura utilizada pelas cortes norte-americanas é no
sentido de abrir a incidência dos direitos fundamentais, com base no acima citado,
quando um particular demandar contra outro particular aduzindo, para tanto,
violação de direito fundamental individual, preservando, outrossim, a tese esculpida
na constituição americana. É desta forma que as decisões proferidas pelos juizes
americanos fazem incidir os direitos fundamentais diante das relações privadas.
Neste sentido, a conclusão de Steinmetz, de que a vinculação dos particulares aos
direitos fundamentais com foco na constituição americana não é uma teoria
adequada para dita vinculação dos particulares:
Para ser mais preciso e exemplificando, a state action doctrine no marco
da CF não é uma teoria constitucionalmente adequada sobre a vinculação
dos particulares a direitos fundamentais, porque a CF é uma Constituição
que, além de normatizar as relações entre indivíduo e Estado, tem a
pretensão de modelar, em questões fundamentais, as relações sociais.
67
A segunda teoria é a teoria da eficácia horizontal indireta e mediata dos
Direitos Fundamentais na esfera privada, a qual teve origem na doutrina alemã, em
obra publicada em 1956, através de nter Dürig, sendo adotada pela
jurisprudência a partir do caso Lüth
68
. Situa-se num plano intermediário entre
aqueles que negam a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais e entre
aqueles que defendem a vinculação direta dos particulares a direitos fundamentais
69
.
Sob o ponto de vista da teoria em tela, “[...] os Direitos Fundamentais não ingressam
no cenário privado como direitos subjetivos, que possam ser invocados a partir da
67
STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros
Editores, 2004, p. 181.
68
Em 1950, Erich Lüth, diretor do Clube de Imprensa de Hamburgo, sustentou boicote blico contra
o filme “Unsterbliche Gelibte” (amada imortal), dirigido pelo cineasta Veit Harlan, que havia produzido
filme de cunho notoriamente anti-semita, durante a ditadura nazista. Harlan obteve decisão do
Tribunal de Justiça, no sentido de que Lüth se abstivesse de boicotar o filme, com base no parágrafo
826 do Código Civil (BGB). Contra esta decisão, Lüth ingressou com reclamação constitucional
perante a Corte Constitucional, argumentando que a decisão violou sua liberdade de expressão. O
Tribunal Constitucional acolheu o recurso, argumentando que os tribunais civis podem lesar o direito
fundamental de livre manifestação de opinião, aplicando regras de Direito Privado. Entendeu a Corte
que o Tribunal Estadual desconsiderou o significado do direito fundamental de Lüth (liberdade de
expressão e informação) também no âmbito das relações jurídico-privadas, quando ele se contrapõe
a interesses de outros particulares.
69
REIS, Jorge Renato dos. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais nas relações
interprivadas: breves considerações. In: LEAL, R. G.; REIS, J. R. (orgs.) Direitos sociais e políticas
públicas: desafios contemporâneos. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2005, t. 5, p. 1503.
34
Constituição.”
70
. Acrescentar-se-ia: mas, sim como ordem objetiva de valores,
centrada no principio da dignidade da pessoa humana, onde se precisa de pontes
entre o Direito Privado e a Constituição.
Steinmetz apresenta, resumidamente, o núcleo essencial da teoria mediata:
(i) as normas de direitos fundamentais produzem efeitos (eficácia) nas
relações entre os particulares por meio das normas e dos parâmetros
dogmáticos, interpretativos e aplicativos, próprios do direito privado (direito
civil, direito do trabalho, direito comercial), isto é, no caso concreto, a
interpretação-aplicação de norma de direitos fundamentais não se processa
ex constitutione, mas é operada e modulada mediatamente pelas (através
de) normas e pelos parâmetros dogmáticos hermeneuticos-aplicativos do
direito privado; (ii) a eficácia de direitos fundamentais nas relações entre
particulares está condicionada a mediação concretizadora do legislador de
direito privado, em primeiro plano, e do juiz e dos tribunais, em segundo
plano; (iii) ao legislador cabe o desenvolvimento “concretizante” dos direitos
fundamentais por meio da criação de regulações normativas específicas que
delimitem o conteúdo, as condições de exercício e o alcance desses direitos
nas relações entre particulares; (iv) ao juiz e aos tribunais, ante o caso
concreto e na ausência de desenvolvimento legislativo específico, compete
dar eficácia as normas de direitos fundamentais por meio da interpretação e
aplicação dos textos de normas imperativas de direito privado, sobretudo
daqueles textos que contem cláusulas gerais (e.g., ordem pública, bons
costumes, boa-fé, moral, abuso de direito, finalidade social de direito), isto é,
devem fazer uso das cláusulas gerias, interpretando-as e aplicando-as em
conformidade (preenchidas, informadas, influídas) com valores objetivos da
comunidade que servem de fundamento as normas de direitos fundamentais
ou com os valores que defluem dessas normas. [...]
71
Deste modo, esta teoria nega a possibilidade de aplicação direta dos direitos
fundamentais nas relações interprivadas sob os seguintes argumentos: acabaria
exterminando a autonomia da vontade e deformando o direito privado ao concebê-lo
como mera concretização do direito constitucional, atribuiria na outorga de poder
incomensurável ao judiciário através da indeterminação que assinalam as normas
constitucionais consagradoras deste direito.
Competiria, assim, ao legislador a tarefa de aplicar os direitos fundamentais
nas relações entre os particulares por meio de normas de direito privado, incumbindo
a ele o papel de mediador. Desta forma, os direitos fundamentais não são
diretamente oponíveis, como direitos subjetivos, nas relações entre particulares, mas
carecem de uma intermediação, ou seja, de uma transposição a ser efetuada
70
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004,
p. 238.
71
STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros
Editores, 2004, p. 136-138.
35
primeiramente pelo legislador, o que geraria maior segurança jurídica, e, na
ausência de normas legais privadas, que protegeriam os direitos fundamentais,
pelos órgãos judiciais ao interpretar as cláusulas gerais, os conceitos indeterminados
criados pelo legislador no campo do direito privado
72
. “Caberia, portanto, ao
legislador estabelecer uma proteção aos direitos fundamentais no direito privado,
sem que isso implicasse uma negação da autonomia da vontade
73
”. Para os adeptos
dessa teoria deve-se antes fazer a mediação dos Direitos Fundamentais sobre os
particulares. Essa mediação é feita pelo legislador, e posteriormente se estabelece
uma relação entre as relações privadas e os valores constitucionais.
Apesar dos argumentos acima apresentados a teoria da eficácia mediata
recebeu determinadas críticas. As quais são enumeradas por Sarmento:
[...] que a impregnação das normas do Direito Privado pelos valores
constitucionais pode causar a erosão do princípio da legalidade, ampliando
a indeterminação e a insegurança na aplicação das normas civis e
comerciais; não proporcionar uma tutela integral dos direitos fundamentais
no plano privado, que ficaria dependente dos incertos humores do legislador
ordinário. E ainda quem aponte para o caráter supérfluo desta
construção, pois ela acaba se reconduzindo inteiramente à noção mais do
que sedimentada de interpretação conforme à Constituição.
74
Depois tem-se a teoria da eficácia direta e imediata dos Direitos Fundamentais
nas relações privadas, segundo a qual, alguns direitos podem ser invocados
diretamente nas relações privadas, ou seja, aplica-se a Constituição diretamente e
com efeito erga omnes, sendo sua aplicabilidade observada no caso concreto. Essa
teoria teve seu início, também na Alemanha, em 1950, por Hans Nipperdey
75
. No
seu país de origem a mesma não é adotada, no entanto o Tribunal Federal do
Trabalho alemão seguiu esta corrente em algumas decisões
76
. Hoje é adotada na
72
SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e direitos privados: algumas considerações em
torno da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.). A
Constituição Concretizada: Construindo pontes com o público e o privado. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2000, p. 123/124.
73
REIS, Jorge Renato dos. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais nas relações
interprivadas: breves considerações. In: LEAL, R. G.; REIS, J. R. (orgs.) Direitos sociais e políticas
públicas: desafios contemporâneos. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2005, t. 5, p. 1503.
74
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004,
p. 244-245.
75
Esta teoria também aparece vinculada a Walter Leisner.
76
Cita-se uma decisão proferida pelo Tribunal Federal do Trabalho alemão: “o caso foi julgado em
1957, no qual reconheceu, com base em preceitos constitucionais, sem a invocação de nenhuma
norma ordinária da legislação trabalhista, a invalidade de cláusula contratual que previa a extinção do
contrato de trabalho de enfermeira de um hospital privado, caso estas viessem a contrair matrimônio”.
(SARMENTO, 2004, p. 246)
36
Espanha, Portugal e Itália e também aqui no Brasil por alguns doutrinadores,
embora os tribunais não tenham se aprofundado diretamente nesta discussão,
encontra-se decisões acerca da sua aplicabilidade.
77
. Depara-se, ainda, com
manifestações de aplicação também na Argentina através de decisões proferidas
pela Suprema Corte.
Mas, além da diferenciação antes referida, Sarlet diferencia a teoria da eficácia
direta da eficácia indireta, da seguinte forma, respectivamente:
Os direitos fundamentais não carecem de qualquer transformação para
serem aplicados no âmbito das relações jurídico-privadas, assumindo
diretamente o significado de vedações de ingerência no tráfico jurídico-
privado e a função de direitos de defesa oponíveis a outros particulares,
acarretando uma proibição de qualquer limitação aos direitos fundamentais
contratualmente avençada, ou mesmo gerando direito subjetivo à
indenização no caso de uma ofensa oriunda de particulares.
78
Os direitos fundamentais não o diretamente oponíveis, como direitos
subjetivos, nas relações entre particulares, mas que carecem de uma
intermediação, isto é, de uma transposição a ser efetuada precipuamente
pelo legislador e, na ausência de normas legais privadas, pelos órgãos
judiciais, por meio de uma interpretação conforme aos direitos fundamentais
e, eventualmente, por meio de uma integração jurisprudencial de eventuais
lacunas cuidando-se, na verdade, de uma espécie de recepção dos direitos
fundamentais pelo Direito Privado.
79
A teoria consiste na aplicação direta dos direitos fundamentais nas relações
privadas entre os particulares, independente de mediação do legislador. Steinmetz
ilustra as premissas básicas desta teoria:
(i) As normas de direitos fundamentais conferem ao particular (individuo,
cidadão) uma posição jurídica oponível não só ao Estado, mas também aos
demais particulares. Trata-se do status socialis de que falava Nipperdey,
uma posição jurídica que autoriza o particular a elevar uma pretensão de
respeito contra todos. (ii) Os direitos fundamentais são e atuam como
direitos subjetivos constitucionais independentemente de serem públicos ou
privados. (iii) Como direitos subjetivos constitucionais, a o ser que o
Poder Constituinte tenha disposto ao contrário, operam eficácia
77
Menciona-se alguns precedentes encontrados nos tribunais pátrios: Resp 27.039-3 (STJ);
Habeas Corpus nº 5.583 (STJ); AI nº 598.360.402 (TJRS). (FINGER, 2000, p. 101/102)
78
SARLET, Ingo Wolfgang Sarlet. Direitos fundamentais e direito privado: algumas considerações em
torno da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais. In: FINGER, Julio César (org.). A
constituição concretizada: construindo pontes entre o público e o privado. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2000, p. 122.
79
SARLET, Ingo Wolfgang Sarlet. Direitos fundamentais e direito privado: algumas considerações em
torno da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais. In: FINGER, Julio César (org.). A
constituição concretizada: construindo pontes entre o público e o privado. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2000, p. 124.
37
independentemente da existência de regulações legislativas específicas ou
do recurso interpretativo-aplicativo das cláusulas gerais do direito privado.
80
Não que se negar a aplicação do princípio da ponderação quando ocorrer
conflito entre os direitos fundamentais e a autonomia da vontade, por tal motivo não
se pode considerar esta corrente como sendo radical. A mencionada teoria recebeu
objeções, pelos defensores da teoria mediata, que Steinmetz assim resume:
Uma primeira objeção diz que a eficácia imediata não encontra amparo
positivo na Constituição, isto é, não a texto de norma constitucional que
fundamenta a eficácia imediata [...].
Uma segunda objeção diz que a teoria da eficácia imediata, no âmbito dos
direitos fundamentais equipara, erroneamente, a relação vertical particular-
Estado à relação horizontal particular-particular [...].
Uma terceira objeção invoca a identidade do direito privado [...]
81
Resta, ainda, a teoria dos deveres de proteção do Estado, a qual, também
surgiu na Alemanha como uma crítica às teorias de eficácia mediata e imediata da
vinculação dos particulares aos direitos fundamentais. Os principais autores, dentre
outros, que pregaram esta teoria foram Claus-Wilhelm Canaris, Klaus Stern etc.
Nesta teoria, a conciliação entre a autonomia privada e os Direitos Fundamentais é
dever do legislador e não do Judiciário, este teria relevância somente quando o
legislador não atender as necessidades e faria isso através do controle de
constitucionalidade do Direito Privado. O julgador exerce o controle difuso. A teoria
dos deveres de proteção oferece os mesmos requisitos das teorias da eficácia
imediata e mediata, em especial desta última.
Nesta teoria o Estado assume relevante importância visto que as normas de
direitos fundamentais conferem a ele um poder de proteção (atuação positiva) aos
particulares contra eventuais agressões aos seus direitos fundamentais, mesmo que
estas agressões tenham como atores outros particulares. Trata-se de uma proteção
absoluta do Estado frente às relações de cunho privado, de tal sorte que abrange
todos os bens fundamentais.
82
80
STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros
Editores, 2004, p. 168-169.
81
STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros
Editores, 2004, p. 171-172.
82
REIS, Jorge Renato dos. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais nas relações
interprivadas: breves considerações. In: LEAL, R. G.; REIS, J. R. (orgs.) Direitos sociais e políticas
públicas: desafios contemporâneos. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2005, t. 5, p. 15.
38
Os defensores desta teoria apontam determinadas vantagens para a sua
aplicabilidade, entre as quais o fato de fomentar um tratamento distinto dos direitos
fundamentais no Direito Privado, tendo como ponto de partida o reconhecimento de
uma competência normativa dos atores privados na qual deve haver a intervenção
do Estado frente às relações jurídico/privadas apenas em casos extraordinários e
devidamente justificados. Outra vantagem é que esta teoria encontra-se armada
sobre as bases do Direito Privado, sendo assim os direitos de proteção não podem
ser determinados de antemão e em abstrato, de forma genérica, necessitando de
concretização de acordo com o seu conteúdo e apenas nesta seara suscita direitos
subjetivos.
83
Todavia, a referida teoria apresenta críticas de distintas origens:
Por um lado, alguns civilistas alemães, preocupados diante de supostos
riscos à autonomia da sua disciplina, criticaram o fato de que ela conferiria
poderes em demasia ao juiz constitucional, permitindo que este, com base
em valorações pouco objetivas, implantasse confusão entre as categorias
tradicionais do Direito Privado, aumentando a insegurança jurídica. De outra
banda, e com muito maior procedência ao nosso sentir, afirma-se que a
teoria dos deveres de proteção encobre o fato de que, no contexto da
sociedade contemporânea, só por mero preconceito se pode excluir os
particulares, sobretudo os detentores de posição de poder social, da
qualidade de destinatários dos direitos fundamentais. Ademais, a referida
teoria, tal como a eficácia indireta acima comentada, torna a proteção dos
direitos fundamentais na esfera privada refém da vontade incerta do
legislador ordinário, negando a eles uma proteção adequada, compatível
com a sua fundamentalidade, máxime num contexto como o nosso que,
aliás, não difere em substância do que existe na Alemanha em que os
instrumentos de controle de inconstitucionalidade por omissão revelam-se
falhos, senão praticamente inócuos.
84
Em resumo, constata-se que esta teoria apresenta semelhanças com a teoria
da eficácia indireta, fundamentando-se na idéia de que, a combinação entre a
autonomia privada e os direitos fundamentais deve pertencer ao legislador e o ao
judiciário. Pode ocorrer a possibilidade de intervenção do Judiciário, por meio do
controle de constitucionalidade das normas de Direito Privado, quando o legislador
não resguardar adequadamente o direito fundamental e, quando, o mesmo agindo
de modo contrário, não conferir a devida importância à proteção da autonomia
83
SARLET, Ingo Wolfgang Sarlet. Direitos fundamentais e direito privado: algumas considerações em
torno da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais. In: FINGER, Julio César (org.). A
constituição concretizada: construindo pontes entre o público e o privado. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2000, p. 127.
84
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004,
p. 261-262.
39
privada dos particulares.
85
Salienta-se também, que a crítica a essa teoria é a de
que, o juiz constitucional detém muito poder e também torna a proteção dos Direitos
Fundamentais na esfera privada refém da vontade incerta do legislador ordinário.
Finalizando, tem-se ainda as teorias alternativas, como a de Schwabe
86
,
segundo a qual o Estado é sempre o responsável por lesões aos Direitos
Fundamentais, mesmo quando desenvolvidas no âmbito da esfera privada. Porque
quando o Estado disciplina as relações privadas, ele se torna responsável por
qualquer ato que viole os Direitos Fundamentais. Outra teoria que faz parte das
alternativas é a de Robert Alexy
87
, que tenta englobar três correntes teóricas: da
eficácia direta e imediata, da eficácia indireta e mediata e a doutrina dos deveres de
proteção do Estado. Para isso ele alega que nas relações entre particulares (nos
dois pólos), ambos são titulares de Direitos Fundamentais. Esse modelo de teoria
ele denomina de “um modelo de três níveis de efeitos”, a) deveres do Estado; b)
direitos frente ao Estado; c) relação entre sujeitos privados.
1.5 A interpretação dos Direitos Fundamentais
É da natureza polissêmica a multiplicidade de enfoques possíveis aos direitos
fundamentais que fizeram surgir duas correntes doutrinárias distintas: de um lado
existe a corrente minimalista dos direitos fundamentais, que se aproveita da
carência de silhueta definida dos direitos jusfundamentais para tornar pequeno o
seu rol; de outro lado existe a corrente maximalista dos direitos fundamentais,
que se vale justamente na fluidez conceitual para abrilhantar os direitos
fundamentais. Atualmente, a corrente majoritária é a maximalista, como faz prova
a clara receptividade constitucional aos novos direitos fundamentais, bem como o
crescente número de tratados internacionais versando da matéria e da validação
do primado da proibição de retrocesso.
88
85
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004,
p. 261.
86
SCHWABE, Jürgen. Die sorgennante Drittwirkung der Grundrechte. In: ESTRADA, Alexei Julio. La
eficácia de los derechos fundamentales entre particulares. Munich: Beck, 1971, p. 131.
87
Cf. ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Tradução de Ernesto Garzón Valdés.
Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 2002.
88
GONÇALVES, Rogério Magnus Varela. Os direitos fundamentais e sua validade no âmbito das
relações privadas. Disponível em http://geodesia.ufsc.br. Acesso em 03/11/06.
40
O Cristianismo deu uma nova densidade ao conceito de dignidade humana,
sobretudo durante a Idade Média, depois de S. Tomás e com a poderosa
influência escolástica. O homem é e todos os homens são filhos de Deus,
iguais em dignidade, sem distinção de raça, cor ou cultura. Por outro lado, o
homem não é uma qualquer criatura, participa do divino através da Razão, a
qual, iluminada e completada pela ( ...) lhe indica o caminho a seguir. A
distinção entre o Bem e o Mal era assim acessível ao homem, que podia
conhecer o Direito Natural, anterior e superior ao poder temporal a Lei
divina que governava o Universo... O Cristianismo, para além das idéias de
igual dignidade do género humano e do carácter indisponível dessa
dignidade, mesmo pelo próprio, trouxe as ideias de cada indivíduo como ser
único e do amor ao próximo, de modo que se pode dizer que marcou
decisivamente a origem dos direitos fundamentais, tais como se manifestam
na nossa cultura.
89
O que se verifica aqui, em verdade, é um reflexo da eterna busca humana
pelo “bem comum
90
, noção fluida, de difícil definição, a qual se sente, mas não se
define com precisão, e que tem o valor “justiça” como norte.
Em resumo, pode-se definir os direitos fundamentais como direitos humanos
positivados e inseridos na categoria de direitos subjetivos, ou melhor, “aqueles
direitos que o direito vigente qualifica como tais” e cujo fim almejado é “criar e
manter os pressupostos elementares de uma vida na liberdade e na dignidade
humana, conforme ensina Bonavides
91
, amparado na doutrina do constitucionalista
tedesco Konrad Hesse.
Constituem, assim, os direitos fundamentais, como manto protetor que são da
própria dignidade humana, o epicentro de toda a ordem jurídica, fundamento da
própria existência do Estado, enquanto ordem em contraposição ao caos de uma
sociedade desregrada
92
. Nesse diapasão, comumente tem a doutrina especializada
comentado a existência de uma dimensão dupla dos direitos fundamentais, isto é,
uma face subjetiva ou individual, e outra objetiva ou comunitária.
89
ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976.
2. ed. Coimbra: Almedina, 2001, p. 15.
90
Essa noção de “bem comum”, muitas vezes foi, na História, corrompida e usada como base de
discursos que implicaram o cometimento de inúmeras barbáries, como as crueldades de Robespierre
durante a Revolução Francesa, ou, mais recentemente, o horror do nazismo e do regime stalinista.
Os exemplos são muitos e sempre de se atentar à advertência do jusfilósofo Giorgio Del Vecchio,
qual seja, Sem dúvida, um certo espírito crítico, e principalmente auto-crítico, é sempre necessário
nesta matéria; mas não deve esquecer-se que o espírito revolucionário não poucas vezes também
tem abusado do nome sagrado da justiça para encobrir as mais impuras paixões e os mais
inconfessáveis interesses(in Lições de filosofia do direito. Coimbra: Arménio Amado, 1979, p. 587).
91
DEL VECCHIO, Giorgio. Lições de filosofia do direito. Coimbra: Arménio Amado, 1979, p. 560.
92
Registre-se a existência, segundo Bobbio de três correntes quanto ao fundamento dos direitos
fundamentais. Uma primeira que os considera como uma verdade em si mesma; uma segunda que
enxerga a base dos direitos fundamentais na própria dignidade humana; e, ainda, uma terceira para a
seriam os direitos fundamentais produtos de um consenso geral.
41
Conforme ensina Andrade, significa esta dupla dimensão que os
[...] preceitos relativos aos direitos fundamentais não podem ser pensados
apenas do ponto de vista dos indivíduos, enquanto posições jurídicas de
que estes são titulares perante o Estado, designadamente para dele se
defenderem, antes valem juridicamente também do ponto de vista da
comunidade, como valores ou fins que esta se propõe prosseguir, em
grande medida através da acção estadual. Por outro lado, no âmbito de
cada um dos direitos fundamentais, em volta deles ou nas relações entre
eles, os preceitos constitucionais determinam espaços normativos,
preenchidos por valores ou interesses humanos afirmados como bases
objectivas de ordenação da vida social.
93
Peixinho, por sua vez, aborda a teoria Democrática de interpretação dos
direitos fundamentais e a divide em: democrática tradicional e democrática
contemporânea. Na democrática tradicional, “os direitos fundamentais somente são
legitimados se estiverem relacionados com uma determinada função pública.” Desta
forma o direitos passam a ser deveres e tornam-se ilegítimos se forem exercidos
contra os princípios democráticos. Mas o contrário também poderia acontecer, ou
seja, quando o Estado intervier na esfera íntima do cidadão em nome do Estado
Democrático de Direito. a teoria democrática contemporânea, prima pela
concretização da ordem democrática da Lei Fundamental, onde os direitos
fundamentais ocupam “o centro da idéia de autodeterminação dos povos.” Neste
aspecto os postulados fundamentais garantem a ordem democrática. Significa a
autodeterminação dos povos através da vontade da maioria, da igualdade e da
liberdade, baseados em princípios constitucionais.
94
1.6 A diferenciação entre princípios e regras
Primeiramente devemos conceituar regras e princípios, segundo Canotilho,
“Regras insista-se neste ponto - são normas que, verificados determinados
pressupostos, exigem, proíbem ou permitem algo em termos definitivos, sem
qualquer exceção.” os princípios, por sua vez, “são normas que exigem a
realização de algo, da melhor forma possível, de acordo com as possibilidades
93
ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na constituição portuguesa de 1976. 2.
ed. Coimbra: Almedina, 2001, p. 111.
94
PEIXINHO, Manoel Messias. Teoria democrática dos direitos fundamentais. In: VIEIRA, José Ribas
(Org.). Temas de constitucionalismo e democracia. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 130-136,
passim.
42
fáticas e jurídicas. [...]”
95
Os princípios não possuem o condão de proibir, permitir ou
exigir algo em termos de “tudo ou nada”. Eles apenas impõem a otimização de um
direito ou de um bem jurídico, tendo em conta a “reserva do possível”.
A distinção entre regras e princípios é a distinção entre dois tipos de normas.
96
“Assim, diante de um conflito entre regras, torna-se necessário recorrer aos critérios
clássicos de resolução de antinomias, que importarão na eleição de uma delas para
reger o caso, em detrimento de outra.”
97
quando ocorre o conflito entre princípios,
estes devem ser observados no caso concreto.
Mas, essa distinção inicial entre princípios e regras não é tudo, Canotilho deixa
isso bem claro em sua obra, ou seja, ele aborda a complexidade desta distinção e
complementa dizendo que vários são os critérios, e passa a dividi-los em cinco,
quais sejam: a) grau de abstração; b) grau de determinabilidade na aplicação do
caso concreto; c) carácter fundamentalidade no sistema das fontes de direito; d)
promixidade da idéia de direito; e) natureza normogenética
98
.
Alexy
99
entende que os princípios consistem apenas em uma espécie de
normas jurídicas por meio dos quais são estabelecidos deveres de otimização
aplicáveis em vários graus, segundo as possibilidades normativas e ticas. No caso
de colisão, a solução é estabelecida em função da ponderação entre os princípios
colidentes. É só a aplicação dos princípios diante dos casos concretos que os
concretiza mediante regras de colisão. Enquanto que no conflito entre regras é
preciso verificar se a regra está dentro ou fora de determinada ordem jurídica, o
conflito entre princípios já se situa no interior desta mesma ordem.
95
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra:
Almedina, s/d, p. 1215.
96
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra:
Almedina, s/d, p. 1124.
97
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004,
p. 84.
98
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra:
Almedina, s/d, p. 1124.
99
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Tradução de Ernesto Garzón Valdés.
Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 2002, p. 81-83, passim.
43
Ávila, conclui que as regras e os princípios, ambos instituem o dever de adotar
comportamentos necessários à realização de um estado de coisas ou, inversamente,
instituem o dever de efetivação de um estado de coisas pela adoção de
comportamento necessários.
[...] regras são normas imediatamente descritivas, primariamente
retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja
aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na
finalidade que lhes suporte ou nos princípios que lhes são
axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição
normativa e a construção conceitual dos fatos.
Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente
prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade,
para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o
estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta
havida como necessária à sua promoção.
100
Fazer a distinção entre regras e princípios é muito importante para os Direitos
Fundamentais, pois é a base de toda fundamentação desses direitos, muito embora
esses conceitos sejam mal elaborados. Razão pela qual Alexy também se preocupa
em conceituá-los, porque segundo ele sem esses conceitos não se pode ter uma
teoria adequada aos limites, às colisões nem mesmo uma teoria de Direitos
Fundamentais. Conforme Alexy, o que falta é uma distinção precisa entre regras e
princípios e sua utilização sistemática.
101
Para ele, El punto decisivo para la
distinción entre reglas y principios es que los principios son normas que ordenan que
algo sea realizado en la mayor medida posible, dentro de las posibilidades jurídicas y
reales existentes.”
102
as regras son normas que sólo pueden ser cumplidas o no.
Si una regla es válida, entonces de hacerse exactamente lo que ella exige, ni más ni
menos. Por lo tanto, las reglas contienen determinaciones en el ámbito de lo fáctica
y jurídicamente posible.”
103
Deve-se ter claro que norma é igual à regra mais princípio, porque ambos
dizem o que deve ser, ambos podem ser formuladas com expressões de mandados:
permissão ou proibição. Ambos são razões para juízos concretos de dever ser,
100
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São
Paulo: Malheiros, 2005, p.129.
101
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Tradução de Ernesto Garzón Valdés.
Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 2002, p. 81-83, passim.
102
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Tradução de Ernesto Garzón Valdés.
Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 2002, p. 86.
103
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Tradução de Ernesto Garzón Valdés.
Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 2002, p. 87.
44
embora razões de tipos muito diferentes; se são semelhantes, “a distinção entre
regras e princípios é pois, uma distinção entre dois tipos de normas”
104
. Onde os
princípios são normas com um grau maior de generalidade e as normas com menor
grau de generalidade.
Alexy
105
desenvolve uma teoria sobre a diferenciação de regras e princípios
com três teses diferentes. A primeira delas diz que, todo intento de dividir as normas
em duas classes, a das regras e a dos princípios, é inútil devido a pluralidade
realmente existente. A segunda tese é de que as normas podem dividir-se de uma
maneira relevante na classe das regras e dos princípios, mas, assinala que esta
distinção é somente de grau. Partidários desta tese são, os numerosos autores que
pensam que o grau de generalidade é critério decisivo. A terceira tese diz que as
normas podem dividir-se em regras e princípios e que entre regras e princípios
existe não apenas uma diferença gradual, mas qualitativa. Segundo ele, esta é a
tese correta, pois existe um critério que permite distinguir com toda clareza entre
regras e princípios, e este critério explica a maioria dos critérios nela contidos como
típicos dos princípios.
Este mesmo autor, adota a teoria de diferenciação dos princípios como
mandatos de otimização no sentido de que “estão caracterizados pelo fato de que
podem ser cumpridos em diferente grau e na medida devida se seu cumprimento
não depende das possibilidades reais mas também das jurídicas” (tradução
livre)
106
. Em troca, as regras são normas que somente podem ser cumpridas ou não,
e, se podem ser cumpridas isso deve ocorrer exatamente na medida por ela exigida
e para tanto, as regras contêm determinações, ou seja, devem ser fática e
juridicamente possíveis, justificando a diferença ser qualitativa e não de grau, antes
104
“la distinción entre reglas y principios es pues una distinción entre dos tipos de normas”. ALEXY,
Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Tradução de Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro
de Estudios Constitucionales, 2002, p. 83.
105
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Tradução de Ernesto Garzón Valdés.
Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 2002, p. 85-86.
106
“están caracterizados por el hecho de que pueden ser cumplidos en diferente grado y que la
medida debida de su cumplimiento no sólo depende de las posibilidades reales sino también de las
jurídicas”. ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Tradução de Ernesto Garzón
Valdés. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 2002, p. 86.
45
referida. Os graus serão importantes quando analisaremos a eficácia dos
princípios.
107
A partir desta afirmação pode-se dizer que os princípios dependem dos fatos
concretos porque somente com eles pode-se analisar quais são realmente as
possibilidades de seu cumprimento e, de outro lado, quais são as normas que
impedem ou dificultam sua aplicação ao caso concreto.
1.7 A colisão de princípios e a antinomia de regras
O conflito entre regras
108
e a colisão de princípios
109
são chamados de
antinomias jurídicas, sendo que o primeiro deles se caracteriza como antinomia
jurídica própria e o segundo como antinomia jurídica imprópria. E, ainda, norma e
princípio possuem a estrutura de mandamento de otimização porque, uma norma é
um princípio.
110
Tanto las reglas como los principios son normas porque ambos
dicen lo que debe ser.”
111
A principal contribuição de Alexy à teoria forte sobre a distinção entre
princípios e regras foi o desenvolvimento do conceito de mandamento de
otimização. Segundo Alexy, princípios são normas que exigem que algo
seja realizado na maior medida possível diante das possibilidades fáticas e
jurídicas existentes.
112
Sarmento concorda com o posicionamento de Alexy acima exposto, mas
complementa:
Alexy esclarece que o conflito entre regras é resolvido de modo diverso do
que se estabelece entre os princípios. Entre regras, a colisão é solucionada
com a introdução de uma cláusula de exceção (a regra mais especial regula
o caso em detrimento da mais geral), ou mediante o reconhecimento da
invalidade de uma das regras em confronto. com os princípios, o conflito
não se no campo da validade, mas na dimensão do peso. Em casos de
107
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Tradução de Ernesto Garzón Valdés.
Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 2002, p. 87.
108
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4. ed.
São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 22. Normas não são textos nem o conjunto deles, mas os
sentidos construídos a partir da interpretação sistemática de textos normativos.”
109
Segundo ALEXY, princípios são normas que exigem que algo seja realizado na maior medida
possível diante das possibilidades fáticas e jurídicas existentes.”
110
SILVA, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas relações
entre particulares. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 36.
111
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Tradução de Ernesto Garzón Valdés.
Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 2002, p. 83.
112
SILVA, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas relações
entre particulares. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 32.
46
colisão, torna-se necessário realizar uma ponderação no caso concreto, na
qual cada princípio cederá espaço ao outro, através de restrições e
compressões recíprocas que devem respeitar o princípio da
proporcionalidade.
113
No caso das regras, a resolução se com a exclusão do sistema jurídico, da
regra conflitante, tendo em vista a incompatibilidade entre duas normas situadas no
mesmo plano de validade e pertencentes ao mesmo ordenamento. Assim, o
problema das regras conflitantes se resolve na dimensão da validade, na qual a
decisão de afastar a regra incompatível dá-se por critérios afixados em cada ordem
jurídica. Segundo Ávila, “[...] duas regras que prevêem conseqüências jurídicas
diversas para o mesmo suporte tico não podem pertencer ao mesmo sistema
jurídico. Uma delas é, pelo menos para esse sistema, inválida.”
114
Em relação à colisão de princípios não que se falar em exclusão da ordem
jurídica de uma das normas conflitantes. Como ensina Alexy:
[...] cuando dos principios entran en colisón tal como es el caso cuando
según un principio algo está prohibido y, según outro principio, es
permitido – uno de los principios tiene que ceder ante el outro. Pero, esto no
significa declarar inválido al principio desplazado ni que en el principio haya
que introducir una cláusula de excepción. Más bien lo que sucede es que,
bajo ciertas circunstancias uno de los principio precede al outro. Bajo otras
circunstancias, la cuestión de la precedencia puede ser solucionada de
manera inversa. Esto es lo que quiere decir cuando se afirma que en los
casos concretos los principios tienen diferente peso y que prima el principio
con mayor peso. Los concflitos de reglas se llevan a cabo en la dimensión
de la validez; la colisión de principios como lo pueden entrar en colisión
principios válidos tiene lugar más allá de la dimensión de la validez, en la
dimensión del peso.
115
Nas hipóteses de colisão de princípios, portanto, cabe ao aplicador do Direito
optar por um dos princípios, sem que o outro seja rechaçado do sistema, ou deixe de
ser aplicado a outros casos que comportem sua aceitação.
116
Por esta razão é que
Ávila afirma que os princípios “possuem uma dimensão de peso (dimension of
113
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lúmen Júris,
2004, p. 85.
114
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4. ed.
São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 33.
115
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Tradução de Ernesto Garzón Valdés.
Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 2002, p. 89.
116
SILVA, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas relações
entre particulares. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 34. O que se faz é “um sopesamento entre
os princípios colidentes para que se decida qual deles terá preferência.” Sopesamento são critérios
para se definir o peso da autonomia privada em cada uma das relações envolvendo restrições a
direitos fundamentais.
47
weight), demonstrável na hipótese de colisão entre os princípios, caso em que o
princípio com peso maior se sobrepõe ao outro, sem que este perca sua
validade.”
117
Espíndola também se posiciona neste sentido, quando diz que,
[...] as testilhas entre princípios não os excluem da ordem jurídica, apenas
os afastam diante de situações que comportem diferentes soluções,
segundo o peso e a importância dos princípios considerados à aplicação do
direito. Esse tipo de opção, pelo intérprete, não gera desobediência ao
princípio afastado.
118
Comprovada a existência real de uma colisão parte-se para a resolução
através da aplicação de outros princípios, em especial, do princípio da
proporcionalidade, através do método da ponderação.
Para Alexy, a colisão de direitos fundamentais deve ser qualificada como
colisão de princípios e a solução desta sempre se dará através da ponderação. Só a
ponderação pode verificar o conteúdo exato de cada direito em conflito, por isso sua
utilização diante de uma colisão de direitos fundamentais torna-se indispensável.
O procedimento para a solução de colisões de princípios é a ponderação.
Princípios e ponderação são dois lados do mesmo objeto. Um é do tipo
teórico-normativo, o outro, metodológico. Quem efetua ponderações no
direito pressupõe que as normas, entre as quais é ponderado, têm a
estrutura de princípios e quem classifica normas como princípios deve
chegar a ponderações. A discussão sobre a tória dos princípios é, com isso,
essencialmente, uma discussão sobre a ponderação.
119
A ponderação deve ser concreta entre os valores discutidos no caso concreto,
pois é na sociedade democrática que se observará a ponderação real. No Estado
Democrático de Direito, os direitos fundamentais, segundo Streck “estão ligados
indissociavelmente com os princípios constitucionais, sendo, destarte, o próprio
fundamento do processo hermenêutico-constitucional.”
120
1.7.1 A ponderação como solução da colisão entre princípios
117
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4. ed.
São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 28.
118
ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2002, p. 70.
119
ALEXY, Robert. Colisão de Direitos Fundamentais e realização de direitos fundamentais no Estado
de Direitos Democrático. In: Revista de Direito Administrativo, nº 217. Renovar, jul/set 1999, p. 75.
120
STRECK, Lênio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito. 2.ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 527.
48
O princípio da proporcionalidade teve sua origem ligada à idéia de limitação do
poder no século XVIII. Um século após, a idéia da proporcionalidade passou a
integrar, no direito administrativo, o princípio geral do direito de polícia prussiano,
manifestando-se na necessidade de limitação legal da arbitrariedade do poder,
depois estendendo-se para o direito público em geral. Todavia, só adquire teor
constitucional e reconhecimento como princípio no direito germânico em meados do
século XX.
121
Na França e na Alemanha, o princípio da proporcionalidade foi desenvolvido a
partir do direito administrativo, e nos Estados Unidos, por força da interpretação
evolutiva da cláusula do devido processo legal.
Atualmente, o princípio da proporcionalidade assume a função de contenção do
arbítrio e moderação do exercício do poder, em favor da proteção dos direitos do
cidadão. Com essa visão, ele tem sido utilizado no Direito Comparado, e, mais
recentemente, no Brasil, transformando-se numa eficaz “técnica de controle dos
limites aos direitos fundamentais.”
122
A proporcionalidade é conceito em plena e espetacular evolução. Apesar de
seu emprego ainda recente no controle jurisdicional de constitucionalidade,
acha-se ele, pelo dinamismo intrínseco com que opera, fadado por sem
dúvida a expandir-se, ou seja, a deixar cada vez mais o espaço tradicional,
porém estreito do Direito Administrativo, onde floresceu desde aquela
máxima clássica de Jellinek de que “não se abatem pardais disparando
canhões” até chegar ao Direito Constitucional, cuja doutrina e
jurisprudência já o consagraram.
123
Definir o que é um princípio não é tarefa fácil e definir o princípio da
proporcionalidade menos ainda,
Assim, assentou-se que princípio da proporcionalidade em sentido amplo e
proibição de excesso (Ubermassverbot) referem-se a uma mesma coisa e
que ambos os princípios compreendem os princípios parciais da adequação,
da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito.
124
121
STEINMETZ, Wilson Antônio. Colisão de direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 145-146, passim.
122
STEINMETZ, Wilson Antônio. Colisão de direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 147.
123
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 365-
366.
124
STEINMETZ, Wilson Antônio. Colisão de direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 148.
49
Desta forma, a doutrina alemã, desenvolveu o princípio da proporcionalidade,
decompondo-o em três subprincípios: princípio da adequação, princípio da
necessidade e o princípio da proporcionalidade em sentido estrito.
125
O princípio da adequação (também denominado princípio da idoneidade ou da
conformidade) prega que a medida administrativa ou legislativa emanada do Poder
Público deve ser apta para o atingimento dos fins que a inspiram. Em suma, esse
subprincípio trata da aferição da idoneidade do ato para consecução da finalidade
perseguida pelo Estado. Nas palavras de Steinmetz “O princípio ordena que se
verifique, no caso concreto, se a decisão normativa restritiva ( o meio) do direito
fundamental oportuniza o alcance da finalidade perseguida.”
126
O princípio da necessidade, também conhecido como princípio da exigibilidade,
(também denominado de princípio da indispensabilidade, da menor ingerência
possível, da intervenção mínima) impõe ao Poder Público a adoção da medida
menos gravosa possível para atingir determinado fim. Desta forma, se existirem
várias maneiras possíveis de se chegar a um resultado pretendido, o legislador ou
administrador tem que optar por aquele que afete com menos intensidade os direitos
e interesses da coletividade em geral. “Em outras palavras, a nica desse
subprincípio recai sobre a idéia de que se deve perseguir, na promoção dos
interesses coletivos, a menor ingerência possível na esfera dos direitos
fundamentais do cidadão.”
127
O princípio da proporcionalidade em sentido estrito (também chamado de
mandado de ponderação) refere-se à análise da relação custo-benefício da norma
avaliada. Isto significa que o ônus imposto pela norma deve ser inferior ao benefício
por ela oferecido. “O princípio exige que na relação meio-fim haja uma reciprocidade
razoável, racional.”
128
Na verdade, como diz Sarmento, esse subprincípio convida o
intérprete para realizar uma autêntica ponderação. Assim, de um lado da balança
devem ser postos os interesses protegidos com a medida e, do outro, os bens
125
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Tradução de Ernesto Garzón Valdés.
Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 2002, p. 111-112.
126
STEINMETZ, Wilson Antônio. Colisão de direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 149.
127
SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2000, p. 44.
128
STEINMETZ, Wilson Antônio. Colisão de direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 152.
50
jurídicos que sofrerão restrições ou serão sacrificados por ela.
129
Como leciona
Alexy, “La máxima de la proporcionalidad en sentido estricto, es decir, el mandato de
ponderación, se sigue de la relativización con respecto a las posibilidades
jurídicas”.
130
Em sentido amplo, o princípio da proporcionalidade mostra-se essencial para a
realização da ponderação de interesses constitucionais. que esta não representa
uma forma de decisionismo judicial disfarçado, constituindo-se num método pautado
no princípio da proporcionalidade, cujos critérios podem ser alcançados com certa
objetividade:
Com efeito, na ponderação, a restrição imposta a cada interesse em jogo,
num caso de conflito entre princípios constitucionais, se justificará na
medida em que (a) mostrar-se apta a garantir a sobrevivência do interesse
contraposto, (b) não houver solução menos gravosa, e (c) o benefício
logrado com a restrição a um interesse compensar o grau de sacrifício
imposto ao interesse antagônico.
131
Impossível evitar a colisão de princípios, isto porque estes são projetados a
partir de diferentes idéias fundamentais provindas da sociedade. Assim, a
ponderação de interesses consiste no método mais eficaz para a resolução desses
conflitos constitucionais.
Em matéria de ponderação, são basilares os conhecimentos trazidos pelo autor
alemão Alexy, através de sua teoria estrutural dos direitos fundamentais,
apresentada na década de 80. A teoria estrutural de Alexy é uma teoria dogmática
que investiga os conceitos no âmbito dos direitos fundamentais, a influência destes
direitos no sistema jurídico e a fundamentação dos direitos fundamentais. Ela é uma
teoria baseada na tridimensionalidade, segundo a qual a dogmática jurídica tem três
dimensões: a analítica, a normativa e a empírica.
132
129
SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2000.
130
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Tradução de Ernesto Garzón Valdés.
Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 2002, p. 112.
131
SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2000, p. 96.
132
STEINMETZ, Wilson Antônio. Colisão de direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 121.
51
A base da teoria estrutural é formada pela teoria das posições jurídicas básicas
e pela teoria dos princípios. Essa última é a que apresenta uma dogmática
adequada aos direitos fundamentais e apresenta a ponderação como solução de
conflitos entre direitos fundamentais.
133
É a grande vantagem da teoria dos princípios que ela pode evitar um tal
corre no vazio dos direitos fundamentais sem conduzir ao entorpecimento.
Segundo ela, a questão de que uma intervenção em direitos fundamentais
esteja justificada deve ser respondida por uma ponderação. O mandamento
da ponderação corresponde ao terceiro princípio parcial do princípio da
proporcionalidade do direito constitucional alemão. O primeiro é o princípio
da idoneidade do meio empregado para o alcance do resultado com ele
pretendido, o segundo, o da necessidade desse meio. Um meio não é
necessário se existe um meio mais ameno, menos interventor.
134
Para Alexy, o terceiro princípio parcial, o princípio da proporcionalidade em
sentido estrito ou da proporcionalidade é o meio para a solução das colisões de
direitos fundamentais. Esse princípio, segundo o autor, formula a lei de ponderação
que se justifica pela intensidade da intervenção de um direito fundamental. A lei da
ponderação proposta por Alexy, deve suceder em três fases. Na primeira delas deve
se determinar a intensidade da intervenção, na segunda fase mostra-se necessário
elencar as razões e sua importância que justificam a intervenção; e é somente na
terceira e última fase que ocorre a ponderação propriamente dita.
Deve-se salientar que a ponderação tem como preocupação principal a análise
do caso concreto em que eclodiu a colisão. Isto porque as variáveis fáticas
presentes no problema são fundamentais para a atribuição do peso específico a
cada princípio em confronto. É claro que ter as variáveis fáticas como essenciais
para a resolução da ponderação em nada afeta a importância do dado normativo,
que de igual forma se revela vital para as resoluções das colisões entre princípios
constitucionais.
A técnica da ponderação ainda se encontra orientada pelos valores
substantivos, que não são criados, mas apenas reconhecidos pela ordem
constitucional (dignidade humana, liberdade, igualdade etc.). Sendo assim,
133
STEINMETZ, Wilson Antônio. Colisão de direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 122.
134
ALEXY, Robert. Direitos fundamentais no estado constitucional democrático. In: Revista de Direito
Administrativo, nº 217. Renovar, jul/set 1999, p. 77.
52
reconhece-se nesta técnica uma estrutura tridimensional que compreende os três
elementos em que se decompõe o fenômeno jurídico, isto é, em fato, norma e
valor.
135
Como salientado anteriormente, a aplicação do princípio da
proporcionalidade através da técnica de ponderação se mostra válida quando
realmente houver uma colisão entre princípios constitucionais. Esta será uma tarefa
do intérprete que terá de analisar o caso concreto verificando se, efetivamente, os
princípios se confrontam na resolução do caso ou, ao contrário, se é possível
harmonizá-los.
Neste sentido, o balanceamento de bens situa-se a jusante da
interpretação. A actividade interpretativa começa por uma reconstrução e
qualificação dos interesses ou bens conflituantes procurando, em seguida,
atribuir um sentido aos textos normativos e aplicar. Por sua vez, a
ponderação visa elaborar critérios de ordenação para, em face dos dados
normativos factuais, obter a solução justa para o conflito de bens.
136
Busca-se aqui o princípio da unidade da Constituição como explica Sarmento:
Nesta tarefa, estará o exegeta dando cumprimento ao princípio da unidade
da Constituição, que lhe demanda o esforço de buscar a conciliação entre
normas constitucionais aparentemente conflitantes, evitando as antinomias
e colisões. Isto porque a Constituição não representa um aglomerado de
normas isoladas, mas um sistema orgânico, no qual cada parte tem de ser
compreendida à luz das demais.
137
Isto quer dizer que o intérprete deve buscar a demarcação do campo normativo
de cada princípio em colisão, verificando se a hipótese encontra-se no âmbito da
tutela de mais de um deles. E quando se tratar de direitos fundamentais, faz-se
necessário a demarcação dos limites imanentes de cada direito, quais sejam, os
limites que representam a fronteira externa destes direitos. Estes limites aparecem
expressamente na Constituição ou desta decorrem de forma implícita.
Com a constatação de que determinado caso é tutelado por dois princípios
constitucionais que protegem direitos divergentes, caberá ao intérprete indicar um
135
STEINMETZ, Wilson Antônio. Colisão de direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 140.
136
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 2. ed. Coimbra:
Almedina, 1998, p. 1110.
137
SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2000, p. 100.
53
peso específico para cada um desses princípios em relação à solução do caso
concreto. Esse peso dependerá da intensidade com que estiverem afetados os
interesses protegidos por cada um dos princípios em confronto.
Em suma, a ponderação fará com que, conforme Sarmento:
O nível de restrição de cada interesse será inversamente proporcional ao
peso específico que se emprestar, no caso, ao princípio do qual ele se
deduzir, e diretamente proporcional ao peso que se atribuir ao princípio
protetor do bem jurídico concorrente. O grau de compressão a ser imposto a
cada um dos princípios em jogo na questão dependerá da intensidade com
que o mesmo esteja envolvido no caso concreto. A solução do conflito terá
de ser casuística, pois estará condicionada pelo modo com que se
apresentarem os interesses em disputa e pelas alternativas pragmáticas
viáveis para o equacionamento do problema.
138
As restrições aos interesses em colisão devem ser feitas seguindo o princípio
da proporcionalidade em sua tripla divisão: adequação, necessidade e
proporcionalidade em sentido estrito. Assim, o intérprete terá que equilibrar os
interesses em disputa atento aos seguintes critérios: 1) a restrição feita a cada um
dos interesses deve ser idônea para garantir a sobrevivência do outro; 2) tal
restrição deve ser mínima para a proteção do interesse contraposto; e 3) o benefício
atingido com essa restrição deve compensar o grau de sacrifício imposto ao
interesse antagônico. Steinmetz aborda dois requisitos para a realização da
ponderação, quais sejam: a) a colisão de direitos fundamentais, quando para a
otimização de um implica a restrição de outro; b) inexistência de hierarquia e sim
observância do caso concreto.
139
Finalmente, deve se considerar sempre quando do uso da ponderação, a
promoção do princípio da dignidade da pessoa humana, que acolhe de forma única
todos os valores fundamentais tutelados por nossa Constituição. Sarlet, ao se referir
ao princípio da dignidade da pessoa humana destaca “o fato de ser,
simultaneamente, elemento que confere unidade de sentido e legitimidade a uma
determinada ordem constitucional,
[...]”
140
138
SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2000, p. 104.
139
STEINMETZ, Wilson Antônio. Colisão de direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 142.
140
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição
federal de 1988. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007, p. 79.
54
[...] os direitos fundamentais plasmados no texto básico (arts. a 17) têm
como fundamento material o princípio constitucional da dignidade da pessoa
humana. Esse representa um consenso “axiológico-normativo” da sociedade
brasileira acerca de certos valores básicos, isto é, os direitos fundamentais,
que devem orientar a conduta de todos, quer se trata de órgãos estatais ou
de cidadãos. Vale dizer: o princípio da dignidade da pessoa humana e os
direitos fundamentais que o densificam e o concretizam têm como
fundamento a vontade popular, fonte de justificação de todo nosso direito
positivo, de acordo com o artº 1, parágrafo único, de nosso Texto
Constitucional: todo o poder emana do povo, que exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”
141
É claro que, no princípio da proporcionalidade, os pesos propostos pela
ponderação não são mensuráveis. Afinal, não para dizer que um interesse tenha
peso dez e o outro cinco e nem propor um cálculo matemático. Na verdade, deve-se
entender que a ponderação não está confeccionada na lógica formal e sim na lógica
do razoável e do possível.
141
FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem
versus a liberdade de expressão e informação. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1996, p.
67.
55
2 OS DIREITOS SOCIAIS COMO DIREITOS FUNDAMENTAIS
Importante que se inicie conceituando os Direitos Fundamentais, pois
frequentemente as expressões direitos do homem e direitos fundamentais o
utilizadas como sinônimas. Assim, no entendimento de Canotilho “poderíamos
distingui-las da seguinte maneira: direitos do homem são direitos válidos para todos
os povos e em todos os tempos; direitos fundamentais são os direitos do homem,
jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espacio-temporalmente.”
Prosseguindo seu entendimento “Os direitos do homem arrancariam da própria
natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intemporal e universal; os direitos
fundamentais seriam os direitos objetivamente vigentes numa ordem jurídica
concreta.”
142
Canotilho considera os direitos fundamentais a “raiz antropológica” essencial
da legitimidade da Constituição e do poder político: “esta dimensão de
universalidade e de intersubjectividade reconduz-nos sempre a uma referência os
direitos do homem”.
143
São direitos constitucionalmente positivados, direta ou
indiretamente, consistentes em normas de fundamental importância ao convívio
social assim reconhecidas pelo constituinte, as quais aspiram à igualdade e à
universalidade.
Ouve-se, comumente que, os Direitos Fundamentais são universais e
absolutos; e, segundo Branco essa universalidade deve ser compreendida em
termos:
Não é impróprio afirmar que todas as pessoas são titulares de Direitos
Fundamentais e que a qualidade de ser humano constitui condição
suficiente para a titularidade de tantos desses direitos. Alguns Direitos
Fundamentais específicos, porém, não se ligam a toda e qualquer pessoa.
Na lista brasileira dos Direitos Fundamentais há direitos de todos os homens
como o direito à vida -, mas também posições que não interessam a
todos os indivíduos, referindo-se apenas a alguns aos trabalhadores, por
exemplo.
144
142
CANOTILHO. José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 2. ed. Coimbra:
Almedina, 1998, p. 359.
143
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Fundamentos da constituição. 6.ed., Coimbra, Livraria
Almedina, 1993, p. 198.
144
BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Aspectos de teoria geral dos Direitos Fundamentais. In:
MENDES, G. F.; COELHO, I. M.; BRANCO, P. G. G. Hermenêutica constitucional e Direitos
Fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 119.
56
2.1 Direitos Fundamentais Sociais
Segundo Krell, os direitos fundamentais sociais “não são direitos contra o
Estado, mas sim direitos através do Estado, exigindo do poder público certas
prestações materiais”
145
. Silva, afirma que estes,
[...] como dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações
positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas
em normas constitucionais, que possibilitem melhores condições de vida
aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações
sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de
igualdade. Valem como pressupostos do gozo dos direitos individuais na
medida em que criam condições materiais mais propícias ao aferimento de
igualdade real, o que, por sua vez, proporciona condição mais compatível
com o exercício efetivo da liberdade.
146
Nesse sentido, Sarlet destaca que esses direitos fundamentais sociais, que
haviam se estabelecidos nas Constituições Francesas de 1793 e 1848, na
Constituição Brasileira de 1824 e na Constituição Alemã de 1849, “caracterizam-se,
ainda hoje, por outorgarem ao indivíduo direitos a prestações sociais estatais, como
assistência social, saúde, educação, trabalho, etc., revelando uma transição das
liberdades formais abstratas para as liberdades materiais concretas, utilizando-se a
formulação preferida na doutrina francesa.”
147
Desta forma, percebe-se a dificuldade
de se inserir os Direitos Fundamentais Sociais a partir do paradigma da dignidade da
pessoa humana no âmbito dos Direitos Fundamentais. Perez Luño aborda os
argumentos de várias doutrinas que defendem a tese de que existe una antinomia
de principio entre las libertades tradicionales y los nuevos derechos económicos,
sociales y culturales
.
148
145
KRELL, Andreas J. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: os (des)caminhos
de um direito constitucional comparado. Sergio Antonio Fabris Editor: Porto Alegre, p. 19.
146
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 10 ed. São Paulo: Malheiros, p.
276-277.
147
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2. ed. rev. atual. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2001, p. 51.
148
LUÑO, Antonio Enrique Pérez. Los derechos fundamentales. Madrid: Editorial Tecnos, 1993, p.
203-212, passim. Segundo este autor, os argumentos para a não aceitação dos Direitos Sociais como
Direitos Fundamentais podem ser resumidos da seguinte forma: a) no plano da fundamentação, não
se pode considerar menos “natural” o direito à saúde, à cultura e ao trabalho que assegure existência
digna, do que os direitos à liberdade de opinião e de sufrágio; b) o exercício de direitos individuais,
em muitos casos, se faz dependente de ações judiciais, voltadas para a defesa de direitos coletivos
ou difusos; c) os Direitos Sociais, positivados na Constituição, o normas jurídicas imediatamente
aplicáveis.
57
Torres ensina que “os direitos sociais e econômicos compõem o que se
convencionou chamar de cidadania social e econômica, que é a nova dimensão da
cidadania aberta para o campo do trabalho e do mercado [...]”
149
, devendo ser
equacionados a partir da teoria da justiça. Aduz que a justiça social encontra sua
expressão constitucional no art. (“são direitos sociais a educação, a saúde, o
trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à
infância, a assistência aos desempregados”), sendo complementada pelo art.170 (“a
ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa,
tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça
social”).
150
Assinala que “o conteúdo oferecido pela idéia de justiça social cifra-se
sobretudo na necessidade de distribuição de rendas, com a conseqüente proteção
aos fracos, aos pobres e aos trabalhadores, sob a diretiva de princípios como os da
solidariedade e igualdade
.
151
Segundo Silva, “os direitos sociais são prestações positivas estatais” que estão
enunciadas em normas constitucionais e possibilitam melhores condições de vida
aos mais necessitados, são direitos que tendem a realizar a igualização de
realidades sociais desiguais, portanto norteados pelo princípio da igualdade.
152
Os direitos fundamentais sociais expressam uma ordem de valor objetivada na
e pela Constituição. Sob uma fundamentação filosófica dos direitos sociais e mais
ainda sob uma perspectiva dogmático-jurídica de abordagem, pode-se classificar os
direitos fundamentais sociais tanto em direitos prestacionais (positivos), quanto
defensivos (negativos).
153
149
TORRES, Ricardo Lobo. A Cidadania Multidimensional na Era dos Direitos. In: ______ (Org.).
Teoria dos Direitos Fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 269.
150
TORRES, Ricardo Lobo. A cidadania multidimensional na era dos direitos. In: Ricardo Lobo Torres
(Org.). Teoria dos Direitos Fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 270.
151
TORRES, Ricardo Lobo. A cidadania multidimensional na era dos direitos. In: Ricardo Lobo Torres
(Org.). Teoria dos Direitos Fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 272: “nos países
atrasados como o Brasil postergou-se a redistribuição de rendas em nome da necessidade do
desenvolvimento econômico, pois se apregoava ser preciso que primeiro o país crescesse para que
após se fizesse a redistribuição, no que ficou conhecido como a ‘teoria do bolo’ (deixar o bolo crescer
para dividi-lo depois); o bolo não cresceu e dele só comeram os mais próximos ou mais sabidos)”.
152
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 15. ed., p. 289-290.
153
SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais sociais, “mínimo existencial” e direito privado:
breves notas sobre alguns aspectos da possível eficácia dos direitos sociais nas relações entre
particulares. In: SARMENTO, D.; GALDINO, F. (Orgs.) Direitos fundamentais: estudos em
homenagem ao professor Ricardo Lobo Torres. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 554-555, passim.
58
En suma, los derechos económicos, sociales e culturales también pueden
ser caracterizados como un complejo de obligaciones positivas y negativas
por parte del Estado, aunque en este caso las obligaciones positivas
revistan una importancia simbólica mayor para identificarlos.
154
Torres sustenta que, por dependerem da concessão do legislador, não sendo
status negativos afastam-se da noção de direitos fundamentais, não gerando por si
direitos a prestações positivas do Estado. Seriam princípios de justiça, normas
programáticas, dependendo da disponibilidade orçamentária do Estado e
encontrando-se sob a “reserva do possível”.
155
Inaceitável se nos afigura referida
classificação, já que não há a priori a prevalência de direitos individuais sobre
direitos sociais, mas ponderação, em cada caso concreto, dos direitos que mereçam
prioridade sobre os demais. Os direitos sociais podem ser tão vitais quanto os
individuais, sendo irrelevante o fato de serem direitos positivos em contraposição
aos direitos individuais negativos. Neste sentido é o entendimento de Sarlet:
[...] todos os direitos sociais são fundamentais, tenham sido eles expressa
ou implicitamente positivados, estejam eles sediados no Título II da CF (dos
direitos e garantias fundamentais) ou dispersos pelo restante do texto
constitucional ou mesmo que estejam (também expressa e/ou
implicitamente) localizados nos tratados internacionais regularmente
firmados e incorporados pelo Brasil.
156
Bobbio sufraga o entendimento de serem os direitos sociais (de geração)
equiparados aos direitos fundamentais. Os direitos individuais tradicionais, para ele,
consistem em liberdades, exigindo obrigações negativas dos órgãos públicos, ao
passo que os direitos sociais consistem em poderes, somente podendo ser
realizados com um certo número de obrigações positivas.
157
158
154
ABRAMOVICH, V.; COURTIS, C. Los derechos sociales como derechos exigibles. 2. ed. Madrid:
Editorial Trota, 2004, p. 25.
155
TORRES, Ricardo Lobo. A cidadania multidimensional na era dos direitos. In: Ricardo Lobo Torres
(Org.). Teoria dos Direitos Fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 273.
156
SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais sociais, “mínimo existencial” e direito privado:
breves notas sobre alguns aspectos da possível eficácia dos direitos sociais nas relações entre
particulares. In: SARMENTO, D.; GALDINO, F. (Orgs.) Direitos fundamentais: estudos em
homenagem ao professor Ricardo Lobo Torres. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 560.
157
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. 9. ed.,. Ed. Campus, 1992, p.
21.
158
LUÑO, Antonio Enrique Pérez. Derechos humanos, estado de derecho y constitución. 9. ed.
Madrid: Editorial Tecnos, 2005, p. 197. Quando trata da índole jurídica dos direitos sociais, aborda o
seguinte: “Para Norberto Bobbio se trataria de derechos em “sentido débil” o en vías de convertirse en
derechos alguna vez.”
59
Para finalizar-se essas discussões doutrinárias, os direitos fundamentais
sociais tanto são de obrigações positivas quanto negativas, Abromovich e Courtis
discorrem da seguinte forma:
La distinción, sin embargo, es notoriamente endeble. Todos los derechos,
llámense civiles, políticos, económicos o culturales tienen un costo, y
prescriben tanto obligaciones negativas como positivas. Los derechos civiles
no se agotan en obligaciones de abstención por parte del Estado: exigen
conductas positivas, tales como la reglamentación -destinada a definir el
alcance y las restricciones de los derechos-, la actividad administrativa de
regulación, el ejercicio del poder de policía, la protección frente a las
interferencias ilícitas del propio Estado y de otros particulares, la eventual
imposición de condenas por parte del Poder Judicial en caso de
vulneración, la promoción del acceso al bien que constituye el objeto del
derecho. Baste repasar mentalmente la gran cantidad de recursos que
destina el Estado a la protección del derecho de propiedad: a ello se destina
gran parte de la actividad de la justicia civil y penal, gran parte de la tarea
policial, los registros de la propiedad inmueble, automotor y otros registros
especiales, los servicios de catastro, la fijación y control de zonificación y
uso del suelo, etcétera. Todas estas actividades implican, claro está, un
costo para el Estado, sin el cual el derecho no resultaría inteligible, y su
ejercicio carecería de garantía. Esta reconstrucción puede replicarse con
cualquier otro derecho -piénsese, en materia de derechos políticos, la gran
cantidad de conductas positivas que debe desarrollar el Estado para que el
derecho de votar puede ser ejercido por todos los ciudadanos-.Amén de
ello, muchos de los llamados derechos civiles se caracterizan justamente
por exigir la acción y no la abstención del Estado: piénsese, por ejemplo, en
el derecho a contar, en caso de acusación penal, con asistencia letrada
costeada por el Estado en caso de carecer de recursos suficientes, o en el
derecho a garantías judiciales adecuadas para proteger otros derechos.
159
Sem dúvida, são os direitos sociais que exigem a igualdade entre os povos,
tienen como principal función asegurar la participación en los recursos sociales a los
distintos miembros de la comunidad.” Esses direitos podem ser entendidos em
sentido objetivo como el conjunto de las normas a través de las cuales el Estado
lleva a cabo su función equilibradota y moderadora de las desigualdades
sociales.”
160
Fernández-Largo vai além, quando discorre sobre os direitos
fundamentais sociais, […] los derechos sociales son derechos humanos en el pleno
sentido jurídico. Son derechos fundados en la índole social del ser humano y son
exigencias que brotan de la condición de ser miembro activo y solidario de un grupo
social.”
161
159
ABRAMOVICH, V.; COURTIS, C.; Apuntes sobre la exigibilidad judicial de los derechos sociales.
Disponível em: http://www.juragentium.unifi.it/es/surveys/latina/courtis.htm. Acesso em: 19/07/2007
160
LUÑO, Antonio Enrique Pérez. Derechos humanos, estado de derecho y constitución. 9. ed.
Madrid: Editorial Tecnos, 2005, p. 86.
161
FÉRNANDEZ-LARGO, Antonio Osuna. Los derechos humanos: âmbitos y desarrollo. Madrid:
Editorial San Esteban, 2002, p. 197.
60
a concretização dos direitos fundamentais sociais, ou seja, a eficácia, a
prestação material, depende de recursos públicos disponíveis. Segundo Oliveira
Junior “a consolidação dos direitos sociais e sua conseqüente implementação
precisa estar vinculada a uma visão sociológica e política do jurídico, assim como a
uma visão jurídica da política.”
162
Onde a aplicação adequada dos direitos
fundamentais sociais é princípio-condição da justiça social “O ponto considerável
está em desenvolver simultaneamente a liberdade, a igualdade jurídica e a
igualdade socioeconômico.”
163
São direitos que emergem da Constituição e se impõem ao legislador, por isso
têm de ser concedidos a todos os cidadãos, é a chamada igualdade jurídica, atingida
com o tratamento igual para os iguais e desigual para os desiguais. E, aqui se
adentra em outro problema, o de não haver legislação (inconstitucionalidade por
omissão), é o problema das normas programáticas, que será visto em momento
oportuno.
2.2 Natureza dos Direitos Sociais
Durante a Declaração da Revolução Francesa começou-se a pensar que os
cidadãos deveriam participar da vida social com igualdade de condições. Mas, foi no
século XIX, ao se instaurar a II República Francesa e se elaborar uma nova
Constituição Constituição Francesa de 1848 conhecida como a Constituição da
Igualdade, que começaram a valorar os direitos sociais que, buscavam a igualdade
social, como exemplo pode-se citar a liberdade de cultos. Posteriormente passaram
a contemplar os direitos da classe trabalhadora.
164
Após as primeiras conquistas dos movimentos sindicais em vários países e da
Revolução Industrial, do século XIX, surgem os direitos de segunda geração. Mas,
esses direitos tomaram forma constitucional, apenas no século XX, com as
162
OLIVEIRA JR., José Alcebíades de. Teoria jurídica e novos direitos. Rio de Janeiro: Lúmen Júris,
2000, p. 75.
163
MIRANDA, Jorge. Contributo para uma teoria da inconstitucionalidade. Coimbra: Coimbra Editora,
1996, p. 74.
164
FÉRNANDEZ-LARGO, Antonio Osuna. Los derechos humanos: âmbitos y desarrollo. Madrid:
Editorial San Esteban, 2002, p. 182-183.
61
Constituições do México (1917), da Alemanha (1919), do Brasil (1934).
165
Foi com o
avanço tecnológico, que desencadeou a Revolução Industrial, bem como o
surgimento das primeiras manifestações sindicais, que se constatou que os direitos
fundamentais de primeira geração - “direitos de resistência ou oposição perante o
Estado”
166
- não eram suficientes para a realização de uma justiça social. Não
bastava a existência de direitos de defesa deferidos à população, ou seja, garantias
de não-intervenção do Poder Público na liberdade individual dos cidadãos. A
sociedade necessitava de uma atitude ativa do Estado para proporcionar um
ambiente de justiça social.
167
A los derechos que versan sobre la participación de toda la sociedad en los
bienes y servicios blicos se les designa con el nombre genérico de “derechos
sociales”.”
168
Os direitos fundamentais sociais são direitos vitais protegidos
constitucionalmente, a exemplo se pode citar: o trabalho, a moradia, a educação, a
alimentação, dentre outros e, estão ao lado dos tradicionais direitos de liberdade e
dos direitos políticos, sendo que o princípio norteador dos direitos sociais é o
princípio da igualdade.
Os direitos sociais o classificados em direitos econômicos, sociais e
culturais. Estão positivados na Carta Constitucional e formam um setor especial, ao
lado dos direitos civis e políticos. São entendidos como condicionantes para uma
sociedade digna e para que todos se sintam em igualdade e tenham as mesmas
oportunidades, seja na ordem econômica, social e cultural, na educação, na saúde,
na habitação, etc. São, portanto, condições para a realização de uma vida humana
digna e livre. São expressos (os direitos sociais) através da proposta de um Estado
Social Democrático de Direito que, tem como principal tarefa alcançar esses
objetivos sociais. Os direitos sociais estão a serviço de um ideal de justiça e
igualdade.
169
165
KRELL, Andreas J. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: os (des)caminhos
de um direito constitucional comparado. Sergio Antonio Fabris Editor: Porto Alegre, p. 19.
166
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 517.
167
BITTENCOURT, Marcus Vinicius Corrêa. Os direitos fundamentais sociais. Disponível em:
http://www.marcusbittencourt.com.br/html/artigos/direitos_sociais.asp. Acesso em 16/11/06.
168
FÉRNANDEZ-LARGO, Antonio Osuna. Los derechos humanos: âmbitos y desarrollo. Madrid:
Editorial San Esteban, 2002, p. 172.
169
FÉRNANDEZ-LARGO, Antonio Osuna. Los derechos humanos: âmbitos y desarrollo. Madrid:
Editorial San Esteban, 2002, p. 174.
62
2.3 Positivação dos Direitos Sociais como pressupostos de sua eficácia
Os Direitos Fundamentais Sociais encontram-se basicamente previstos no
artigo 6º da Constituição Brasileira de 1988, que são os direitos sociais à educação,
à saúde, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à segurança, à previdência social, à
proteção à maternidade e à infância, à assistência aos desamparados, além de ser
encontrado no Título VIII, que trata da Ordem Social, o desenvolvimento de
conteúdo desses direitos. Anteriormente à Constituição de 1988 esses direitos se
encontravam previstos na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, em
seu artigo XXV, item 1. Desta forma, “[...] o direito à moradia é um dos direitos
humanos e estes foram recepcionados pela Constituição Federal, por meio do
reconhecimento dos tratados internacionais.”
170
Os Direitos Fundamentais assumem
especial relevância no texto da Constituição da República Federativa do Brasil de
1988, que os destacou em tulo próprio (Título II), conferindo-lhes aplicação
imediata, ex vi do artigo 5º, § 1º. Conquanto o § do artigo 5º da CRFB/88 esteja
inserido no capítulo dos direitos e deveres individuais e coletivos, dnão se infere
sejam afastados os direitos sociais do ali estatuído, pois tanto uns quanto outros se
incluem no Título relativo aos Direitos e Garantias Fundamentais.
Os direitos sociais são fins de ação do Estado e não limites de ação do Estado,
pois são frutos de intervenção estatal no campo econômico e social, razão pela qual
adquirem um significado polêmico quando se trata de desigualdades sociais e
tensões sociais.
171
Mas, é a partir da conexão entre Constituição, lei e Direitos
Fundamentais, que se considera a positivação dos direitos fundamentais sociais
uma condição essencial para a existência dos direitos com eficácia social.
172
Canotilho, ao tratar dos modelos de positivação aborda que, “Sob o ponto de
vista jurídico-constitucional, apontam-se principalmente quatro possibilidades de
170
SOUZA, Sérgio Iglesias Nunes de. Direito à moradia e de habitação: análise comparativa e suas
implicações teóricas e práticas com os direitos da personalidade. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2004, p. 115.
171
LUÑO, Antonio Enrique Pérez. Derechos humanos, estado de derecho y constitución. Madrid:
Editorial Tecnos, 2005, p. 90.
172
ROIG, M. J. A ; AÑON, J. A. (Coord.) Lecciones de derechos sociales. 2. ed. Valencia: Tirant lo
blanch, 2004, p. 17.”Todos los textos constitucionales, expresión de un poder político democrático,
que interioriza las pretensiones morales justificadas como valores o principios políticos, recogen como
Derecho positivo a los derechos fundamentales, que se desarrollan, se aplican y se garantizan por
otras formas de producción normativa como la Ley y la Jurisprudencia.”
63
conformação jurídica dos direitos sociais, económicos e culturais.” Quais sejam: As
“normas sociais” como normas programáticas; como normas de organização; como
“garantias institucionais e; por último, como direitos subjectivos públicos.
173
Pérez Luño também classifica a positivação dos direitos sociais em quatro
sistemas. Mas, posteriormente aborda as críticas a esta classificação. Primeiro,
porque compromete o princípio da segurança jurídica. Segundo, porque situa o
problema da realização dos direitos sociais em um terreno puramente político e não
jurídico. Terceiro, porque a figura de direito blico subjetivo (ou de uma visão
socialista dos direitos fundamentais - como princípio) é difícil de concretizar pela via
constitucional, uma vez que sua delimitação fica a critério do legislador. Quarto,
porque sacrifica o valor ideal dos direitos sociais relativizando-os em normas sujeitas
a permanente evolução.
174
Segundo o posicionamento de Canotilho, se as normas sociais forem vistas
como normas programáticas, pode-se dizer que são princípios definidores dos fins
do Estado, com relevância política apenas e servindo para pressionar os órgãos
competentes. Mas, sob o ponto de vista jurídico, se os direitos sociais forem vistos
como normas programáticas, ter-se-á o “fundamento constitucional da regulação das
prestações sociais” e ainda, se as normas programáticas transportam princípios,
“são suscetíveis de ser trazidas à colação no momento de concretização.
175
A segunda possibilidade é a de considerar os direitos sociais como normas de
organização, neste sentido, “as normas constitucionais organizatórias atributivas de
competência imporiam ao legislador a realização de certos direitos sociais.” Abrindo-
se caminho para as regulamentações legais dos direitos sociais. O que na prática
não funciona porque a não regulamentação gera apenas efeitos políticos e não
jurídicos. A terceira possibilidade de positivação dos direitos sociais consiste em que
as normas sociais atuem como garantias institucionais. “A constitucionalização das
173
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Fundamentos da constituição. 6. ed., Coimbra: Livraria
Almedina, 1993, p. 464-465.
174
LUÑO, Antonio Enrique Pérez. Derechos humanos, estado de derecho y constitución. Madrid:
Editorial Tecnos, 2005, p. 91. Este autor faz esta abordagem com base em uma monografia do
austríaco Theodor Tomandl, Der Einbau sozialer Grundrechte in das positive Recht, Mohr, Tübinger,
1967, pp. 24 ss. y 44-46.
175
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Fundamentos da constituição. 6. ed., Coimbra: Livraria
Almedina, 1993, p. 464-465.
64
garantias institucionais traduzir-se-ia numa imposição dirigida ao legislador,
obrigando-o, por um lado, a respeitar a essência da instituição e, por outro lado, a
protege-la tendo em atenção os dados sociais, económicos e políticos[...]”. A quarta
e última possibilidade de positivação é de considerar os direitos sociais como direitos
subjetivos públicos, “donde derivariam direitos reflexos para os cidadãos.”
176
Sarlet, por sua vez, não adentrou no mérito da classificação de Canotilho e
Pérez Luño, mas destaca, na Constituição pátria, o considerável número de direitos
fundamentais consagrados e, ainda que, as respectivas normas repousem em
[...] disposições distintas entre si também no que diz respeito a forma de sua
positivação no texto constitucional. Além disso, não se deveria, em hipótese
alguma, desconsiderar a íntima conexão entre a técnica de positivação e a
eficácia jurídica da respectiva norma definidora de direito fundamental, do
que, em última análise, também depende a posição jurídica outorgada aos
particulares. Assim, por demais evidente que a carga eficacial será diversa
em se tratando de direito fundamental proclamado em norma de natureza
eminentemente programática, ou sob forma de positivação que permita,
desde logo, o reconhecimento de direito subjetivo ao particular titular do
direito fundamental, [...]
[...] esta vinculação direta entre a diversidade das técnicas de positivação
dos direitos fundamentais e as posições jurídicas igualmente distintas delas
decorrentes.
177
Devido à multifuncionalidade dos direitos fundamentais, estes são classificados
em dois grupos, ou seja, “os direitos de defesa (que incluem os direitos de liberdade,
igualdade, as garantias, bem como parte dos direitos sociais no caso, as
liberdades sociais e políticos) e os direitos as prestações (integrados pelos direitos
a prestações em sentido amplo, [...])”. Estes últimos normalmente positivados sob a
forma expressa de normas programáticas ou normas-objeto, o que exige uma
interferência do legislador para que venha a adquirir plena eficácia e aplicabilidade.
Neste sentido, a eficácia dos direitos fundamentais e sua positivação devem ser
enfrentados com análise da função direito de defesa ou prestacional -, pois ambos
constituem fatores ligados ao grau de eficácia e aplicabilidade desses direitos, “o
que significa que a forma de positivação, notadamente em virtude da distinção entre
176
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Fundamentos da constituição. 6. ed., Coimbra, Livraria
Almedina, 1993, p. 465-466.
177
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2005, p. 257-258.
65
texto e norma [...] possa servir de referencial único, nem mesmo preponderante, [...]
para o exame do problema da eficácia e efetividade.”
178
Esta multifuncionalidade dos direitos fundamentais e o problema de sua
classificação na Constituição conduz à doutrina dos quatro status de Georg Jellinek,
do final do século passado, mas que se mostra extremamente atual e, é usada como
referencial de classificação dos direitos fundamentais. Os direitos fundamentais
sociais entram no terceiro status, no status positivus ou civitalis, onde ao indivíduo é
assegurada juridicamente a possibilidade de se utilizar das instituições estatais e de
exigir do Estado ações positivas.
2.4 Formas de efetividade
179
e de exigibilidade dos Direitos Fundamentais
Sociais e as Políticas Públicas limitadas pela “reserva do possível”
Os direitos econômicos, sociais e culturais, assim como os direitos civis e
políticos implicam distintos níveis de obrigações: obrigação de respeitar, de proteger
e de satisfazer esses direitos.
180
o obrigações positivas e negativas do Estado. A
positivação e subjetivação é hoje uma realidade nas constituições modernas. É
através da afirmação constitucional dos direitos sociais que, esses direitos adquirem
sua primeira condição de eficácia jurídica. Mas não basta que os direitos
fundamentais sociais tenham sido reconhecidos e declarados, é necessário que
sejam garantidos.
181
O artigo quinto, parágrafo primeiro, da Constituição Federal estatui que as
normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
Isso abrange as normas que revelam os direitos sociais, nos termos dos artigos
sexto ao décimo primeiro. Aqui se tem um problema, porque a própria Constituição
faz depender de legislação ulterior a aplicabilidade de algumas normas definidoras
178
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2005, p. 258.
179
BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. 3. ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 1996, p. 82 e s. A efetividade significa o desempenho concreto da função social do
Direito, representa a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a
aproximação entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social.
180
ABRAMOVICH, V.; COURTIS, C. Los derechos sociales como derechos exigibles. 2 ed. Madrid:
Editorial Trota, 2004, p. 133.
181
SILVA, José Afonso da. Garantias econômicas, políticas e jurídicas da eficácia dos Direitos
Sociais. Disponível na Internet: <http://www.mundojuridico.adv.br>. Acesso em 27 de junho de 2007.
66
de direitos sociais e coletivos. Por regra, as normas que consubstanciam os direitos
fundamentais democráticos e individuais são de aplicabilidade imediata, enquanto as
que definem os direitos sociais tendem a sê-lo também na Constituição vigente, mas
algumas, especialmente as que mencionam uma lei integradora, são de eficácia
limitada e aplicabilidade indireta.
182
Desta forma, o disposto no parágrafo primeiro do artigo quinto, que declara
todas de aplicação imediata, significa em primeiro lugar que, elas são aplicáveis até
onde possam, até onde as instituições ofereçam condições para seu atendimento.
Em segundo lugar, significa que o poder judiciário, sendo invocado a propósito de
uma situação concreta nelas garantida, não pode deixar de aplicá-las, conferindo ao
interessado o direito reclamado, segundo as instituições existentes.
183
No Brasil, particularmente, os Direitos Fundamentais Sociais à educação e à
saúde não o apenas normas programáticas, pois estão regulamentados através
dos artigos 205 e 196 da Constituição Federal. Onde, o direito à educação é dever
do Estado e da família e o direito à saúde “é direito de todos e dever do Estado”,
nada impedindo que as políticas públicas sejam realizadas através da parceria com
a sociedade civil, gerenciadas pelo Estado.
184
Os remédios jurídicos, quando da não observância constitucional, são:
mandado de injunção
185
; inconstitucionalidade por omissão
186
; iniciativa popular
187
;
182
SILVA, José Afonso da. Garantias econômicas, políticas e jurídicas da eficácia dos Direitos
Sociais. Disponível na Internet: <http://www.mundojuridico.adv.br>. Acesso em 27 de junho de 2007.
183
SILVA, José Afonso da. Garantias econômicas, políticas e jurídicas da eficácia dos Direitos
Sociais. Disponível na Internet: <http://www.mundojuridico.adv.br>. Acesso em 27 de junho de 2007.
184
KRELL, Andreas J. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: os (des)caminhos
de um direito constitucional comparado. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002, p. 33-34,
passim.
185
Instrumento que, correlacionado com o § do artigo da Constituição, torna todas as normas
constitucionais potencialmente aplicáveis diretamente. Assim, é o enunciado de sua previsão
constitucional: "Conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora
torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à
nacionalidade, à soberania e à cidadania".
186
A inconstitucionalidade por omissão verifica-se nos casos em que não sejam praticados atos
legislativos ou executivos requeridos para tornar plenamente aplicáveis normas constitucionais que
postulam lei ou providência administrativa ulterior para que os direitos ou situações nelas previstos se
efetivem na prática.
187
Ela é prevista no artigo 61, § da Constituição Federal: "A iniciativa popular pode ser exercida
pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento
do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estado, com não menos de três décimos por
cento dos eleitores de cada um deles".
67
sindicalização e direito de greve
188
. Como se pode observar, legislação não é o
problema dos direitos sociais, mas sim a falha na prestação real dos serviços
públicos básicos,
A eficácia social reduzida dos Direitos Fundamentais Sociais o se deve à
falta de leis ordinárias; o problema maior é a não-prestação real dos
serviços sociais básicos pelo Poder Público. [...] O problema certamente
está na formulação, implementação e manutenção das respectivas políticas
públicas e na composição dos gastos nos orçamentos da União, dos
estados e dos municípios. (grifos do autor)
189
Quanto a definição que seja política pública, Vallès esclarece que política não
é uma atividade realizada de forma gratuita e estéril, ao acaso, mas uma atividade
que objetiva produzir resultados, uma vez que suas resoluções, quer por meio de
ações, quer de omissões, são genericamente vinculantes, ou, em outras palavras,
suas decisões ou não-decisões atingem, diretamente ou indiretamente, à totalidade
da comunidade política.
190
Nas palavras do autor:
[...] un conjunto interrelacionado de decisiones y no decisiones, que tienen
como foco un área determinada de conflicto o tensión social. Se trata de
decisiones adoptadas formalmente en el marco de las instituciones públicas
– lo cual les confiere la capacidad de obligar -, pero que han sido percibidas
de un proceso de elaboración en el cual han participado una pluralidad de
actores públicos y privados.
191
Da análise deste conceito, pode-se observar que as políticas públicas possuem
a qualidade de obrigar seus destinatários, quer seja positivamente, quer seja
negativamente. São imposições que se aplicam à comunidade, com base na
legitimidade política dos que as decidem. Deve-se observar também que nem
sempre a coerção paira diretamente sobre a coletividade, mas em determinados
188
Aqui estão presentes os dois instrumentos mais eficazes para a efetividade dos direitos sociais
dos trabalhadores. Previstos nos artigos e 9º - possibilidade de instituir sindicatos autônomos e
livres e o reconhecimento do direito de greve.
189
KRELL, Andreas J. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: os (des)caminhos
de um direito constitucional comparado. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002, p. 31-32.
190
VALLÈS, Josep M. Las políticas públicas. In: Ciencia política: una introducción. Barcelona: Ariel,
2002, p. 377.
191
VALLÈS, Josep M. Las políticas públicas. In: Ciencia política: una introducción. Barcelona: Ariel,
2002, p. 377: um conjunto inter-relacionado de decisões e não-decisões, que possuem como foco
uma área determinada de conflito ou tensão social. Trata-se de decisões adotadas formalmente pelas
instituições públicas – as quais conferem a capacidade de obrigar – razão pela qual tem sido
observado um processo de elaboração no qual tem participado uma pluralidade de atores públicos e
privados (tradução livre).
68
casos, manifesta-se indiretamente, razão pela qual as políticas públicas são
classificadas. Na concepção de Azevedo, em três tipos: redistributivas, distributivas
e regulatórias.
192
Vallès as classifica em quatro tipos: regulatórias, redistributivas,
distributivas e institucionais.
193
Mais importante que saber classificar as políticas públicas, é necessário saber
implementá-las. A implementação ocorre no campo operacional do direito e o
responsável por isso é o Poder Público, através do Poder Executivo que é o
responsável por executar as normas legislativas sobre direitos sociais. “Ele cria as
próprias políticas e os programas necessários para a realização dos ordenamentos
legais”.
194
Onde o Poder Público for omisso, ocorre o descumprimento da lei e
poderá ser atacado através do mandado de segurança.
195
As políticas públicas
atuam de forma complementar à legislação, cuja característica é a generalidade e
abstração, como meio de rematá-la e de concretizar seus princípios e regras,
perseguindo objetivos certos e determinados.
196
O Estado brasileiro possui algumas
políticas públicas
197
voltadas à realização de seus preceitos legislativos mas, estas
devem sempre serem destinadas à consecução do bem comum e da dignidade da
pessoa humana. “A essência de qualquer política pública é distinguir e diferenciar,
realizando a distribuição dos recursos disponíveis na sociedade.”
198
A promoção de políticas públicas é feita através de fundos estatais, são as
chamadas obrigações de dar e de fazer. Muito utilizadas em campos como o da
saúde, da educação, do acesso à moradia. Mas, as obrigações positivas não se
esgotam em obrigações que consistem unicamente em dispor de reservas
192
AZEVEDO, Sérgio de. Políticas Públicas: discutindo modelos e alguns problemas de
implementação. In: SANTOS JR., Orlando A. (Org.). Políticas blicas e gestão local. Rio de Janeiro:
Fase, 2003, p. 38.
193
VALLÈS, Josep M. Las políticas públicas. In: Ciencia política: una introducción. Barcelona: Ariel,
2002, p. 379.
194
KRELL, Andreas J. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: os (des)caminhos
de um direito constitucional comparado. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002, p. 99.
195
KRELL, Andreas J. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: os (des)caminhos
de um direito constitucional comparado. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002, p. 32.
196
BUCCI, Maria P. Dallari. Buscando um conceito de políticas públicas para a concretização dos
direitos humanos. Disponível em:
http://www.dhnet.org.br/direitos/textos/PoliticasPublicas/MariaDallari:htm. Acesso em: 18 de maio de
2006.
197
Cita-se como exemplos as políticas públicas: industrial, energética, ambiental, da saúde,
educacional e habitacional.
198
KRELL, Andreas J. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: os (des)caminhos
de um direito constitucional comparado. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002, p. 101.
69
pressupostas a afetos de oferecer uma prestação. As obrigações de serviços podem
caracterizar-se pelo estabelecimento de uma relação direta entre o Estado e o
benefício da prestação. O Estado pode assegurar o gozo de um direito através de
outros meios, no que pode tomar parte ativa, outros sujeitos obrigados. Como
exemplo cita-se: a) obrigações do Estado de Estabelecer algum tipo de regulação,
sem a qual o exercício de um direito não tem sentido; b) a obrigação exige que a
regulação estabelecida pelo Estado limite ou restrinja as faculdades das pessoas
privadas, ou lhes imponha obrigações de algum tipo; c) O Estado pode cumprir com
suas obrigações promovendo serviços à população, seja de forma mista ou
exclusiva. Como se pode ver, a complexidade de obrigações que pode abarcar os
direitos fundamentais sociais é variada, conseqüentemente, é falso dizer que as
possibilidade de exigência judicial desses direitos são escassas.
199
A efetivação das políticas públicas encontrou limites na “reserva do possível”,
na medida em que ao Estado cumpre a responsabilidade pela justiça social, dentro
de suas limitações e reservas orçamentárias. Os fatores que aportam a exigibilidade
dos direitos sociais é a “reserva do possível” e o “mínimo existencial”. Canotilho
defende a idéia de que, a efetivação dos direitos sociais, econômicos e culturais está
dentro de uma “reserva do possível” e aponta a sua dependência aos recursos
econômicos.
200
A questão da escassez de recursos como limite para o reconhecimento, pelo
Estado, do direito às prestações sempre desafiou os operadores do direito no que
diz respeito à eficácia e a efetividade dos direitos sociais. Diante disso, o Magistrado
faz o exame da necessidade ou não de interposição legislativa para o
reconhecimento de direitos subjetivos sociais e da definição das condições em que
isto seria possível. O tema também passa por uma análise do papel do Poder
Judiciário no que diz respeito às possibilidades do Magistrado tutelar tais
pretensões. Ou, estaria ele limitado ao controle do discurso em face da separação
dos poderes, que diante da “reserva do possível” negar-se-ia a competência dos
199
ABRAMOVICH, V.; COURTIS, C. Los derechos sociales como derechos exigibles. 2 ed. Madrid:
Editorial Trota, 2004, p. 32-36, passim.
200
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Portugal:
Almedina, s/d, p. 463 e s.
70
juízes (não legitimados pelo voto) a dispor sobre medidas de políticas sociais que
exigem gastos orçamentários.
201
Os direitos sociais estariam, portanto, "reféns" de opções de política econômica
do aparato estatal, eis que a “reserva do possível” traduz-se em uma chancela
orçamentária. Diante da inoperatividade do legislativo, a via judiciária apresenta-se
como forma de diálogo entre o cidadão e o Estado, com o objetivo de concretização
da democracia. Mas isso somente será possível quando houver o rompimento da
tese que paira sobre os países subdesenvolvidos de um direito constitucional de
baixa eficácia e com a falácia da "reserva do possível", esta última, segundo Krell,
fruto da “transferência de teorias jurídicas, que foram desenvolvidas em países
“centrais” do chamado Primeiro Mundo com base em realidades culturais, históricas
e, acima de tudo, sócio-econômicas completamente diferentes".
202
No Brasil, como em outros países periféricos, é justamente a questão
analisar quem possui a legitimidade par definir o que seja “o possível” na
área das prestações sociais básicas face à composição distorcida dos
orçamentos federativos. Os problemas de exclusão social no Brasil de hoje
se apresentam numa intensidade tão grave que não podem ser comparados
à situação social dos países-membros da união Européia.
203
De fato, os direitos sociais têm consideráveis efeitos financeiros, "quando são
muitos os que o fazem valer", "Mas isso não justifica inferir a não-existência
desses direitos. A força do princípio da competência privativa do legislador não é
ilimitada. Não é um princípio absoluto. Direitos individuais podem ter mais pesos
que as razões da política financeira".
204
Krell elabora uma resposta, para o argumento da “reserva do possível”, tendo
como base a Constituição Federal de 1988, ou seja,
[...] tratar todos! E se os recursos não são suficientes, deve-se retirá-los de
outras área (transporte, fomento econômico, serviço de dívida) onde sua
201
BIGOLIN, Giovani. A reserva do possível como limite à eficácia e efetividade dos direitos sociais.
Disponível em: http://www.revistadoutrina.trf4.gov.br/indices/geral0001.htm. Acesso em: 30 de
outubro de 2007.
202
KRELL, Andreas J. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: os (des)caminhos
de um direito constitucional comparado. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002, p. 51.
203
KRELL, Andreas J. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: os (des)caminhos
de um direito constitucional comparado. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002, p. 53.
204
ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Trad. Ernesto Garzon Valdés. Madrid:
Centro de Estúdios Politicos y Constitucionales, 2002, p. 495.
71
aplicação o está tão intimamente ligada aos direitos mais essenciais do
homem: sua vida, integridade física e saúde. Um relativismo nessa área
pode levar a “ponderações” perigosas e anti-humanistas do tipo “por que
gastar dinheiro com doentes incuráveis ou terminais?”
205
Em outro instante, também elucida Sarlet:
[...] em todas as situações em que o argumento da reserva de competência
do Legislativo (assim como o da separação dos poderes e demais objeções
aos direitos sociais na condição de direitos subjetivos a prestações)
esbarrar no valor maior da vida e da dignidade da pessoa humana, ou nas
hipóteses em que, da análise dos bens constitucionais colidentes
(fundamentais, ou o) resultar a prevalência do direito social prestacional,
poder-se-á sustentar, na esteira de Alexy e Canotilho, que, na esfera de um
padrão mínimo existencial, haverá como reconhecer um direito subjetivo
definitivo a prestações, admitindo-se, onde tal mínimo é ultrapassado, tão
somente um direito subjetivo prima facie, que nesta seara o
como resolver a problemática em termos de um tudo ou nada.
206
Neste sentido, Alexy aponta um modelo de direitos fundamentais sociais, onde
se leve em conta os argumentos favoráveis e também os desfavoráveis. Krell
considera paradigmática a citação de Alexy, abaixo - para o problema da
realização dos direitos sociais numa sociedade periférica como o Brasil:
El grado del ejercicio de los derechos fundamentales sociales aumenta en
tiempos de crisis económica. Pero, justamente entonces puede haber poco
de distribuir. Parece plausible la objeción según la cual la existencia de
derechos fundamentales sociales definitivos, por s mínimos que sean,
vuelve imposible en tiempos de crisis la necesaria flexibilidad y, por ello,
una crisis económica puede conducir a una crisis constitucional. Sin
embargo, cabe señalar aquí que no todo lo que existe como derecho social
está exigido por derechos sociales iusfundamentales mínimos; segundo, las
ponderaciones necesarias de acuerdo con el modelo aquí propuesto,
pueden, bajo circunstancias diferentes, conducir a diferentes derechos
definitivos y, tercero, justamente en tiempos de crisis, parece
indispensable una protección iusfundamental de las posiciones
sociales, por más mínima que ella sea. (Grifos nossos)
207
Bigolin aborda de forma clara que, “A melhor abordagem sobre a questão do
reconhecimento de direitos subjetivos a prestações sociais, encontrada na doutrina
nacional, foi a empreendida por Ingo Wolfgang Sarlet”, quando ele constata ser
205
KRELL, Andreas J. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: os (des)caminhos
de um direito constitucional comparado. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002, p. 53.
206
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2001, p. 324. Cf. tb., no mesmo sentido: Ingo Wolfgang Sarlet. Os Direitos Fundamentais
Sociais na Constituição de 1988. In: Ingo Wolfgang Sarlet (org.). O Direito Público em Tempos de
Crise: Estudos em Homenagem a Ruy Ruben Ruschel. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p.
164 e s.
207
ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Trad. Ernesto Garzon Valdés. Madrid:
Centro de Estúdios Politicos y Constitucionales, 2002, p. 496.
72
comum aos modelos de Christian Starck, R. Breuer e Robert Alexy a problemática
da reserva do possível e a objeção da reserva de competência parlamentar. Quando
na verdade a preocupação deve ser centrada na determinação do objeto e do
quantum da prestação, pois é ao legislador que cabe a decisão da aplicação do
recurso público. Onde, deve-se potencializar a eficácia dos Direitos Fundamentais à
luz da norma contida no artigo , § da Constitu ição Federal, para assegurar um
padrão mínimo de segurança material. Para Sarlet, a vida e o princípio da dignidade
da pessoa humana constituem fios condutores na tarefa de otimizar a eficácia dos
Direitos Fundamentais. Sustenta ainda uma dupla interpretação da dignidade, ou
seja, expressão da autonomia da pessoa humana, bem como da necessidade de
sua proteção por parte da comunidade e do Estado.
208
Enfim, pode-se definir os limites impostos pela reserva do possível, baseando-
se em Sarlet, e no limite real de escassez de recursos orçamentários, o valor
fundamental da dignidade da pessoa humana, “o qual representaria o verdadeiro
limite à restrição dos direitos fundamentais, coibindo eventuais abusos que
pudessem levar ao seu esvaziamento ou à sua supressão.”
209
Abramovich e Courtis ao discorrerem sobre os obstáculos para a eficácia dos
direitos econômicos, sociais e culturais abordam problemas de determinação da
conduta devida. O primeiro deles seria quanto ao conteúdo e vagueza jurídica
desses direitos. O segundo a falta de especificação do conteúdo de um direito. O
terceiro é a necessidade de considerar uma dupla ordem de condicionamentos
vinculada com a determinabilidade de conduta devida, quando se trata de direitos
econômicos, sociais e culturais.
210
Para exemplificar, os autores relatam a conduta devida do Estado quando
tratar de direitos sociais com o seguinte exemplo:
208
BIGOLIN, Giovani. A reserva do possível como limite à eficácia e efetividade dos direitos sociais.
Disponível em: http://www.revistadoutrina.trf4.gov.br/indices/geral0001.htm. Acesso em: 30 de
outubro de 2007.
209
BIGOLIN, Giovani. A reserva do possível como limite à eficácia e efetividade dos direitos sociais.
Disponível em: http://www.revistadoutrina.trf4.gov.br/indices/geral0001.htm. Acesso em: 30 de
outubro de 2007.
210
ABRAMOVICH, V.; COURTIS, C. Los derechos sociales como derechos exigibles. 2 ed. Madrid:
Editorial Trota, 2004, p. 121-125, passim.
73
[...] las posibilidades fácticas de cumplimiento del objetivo fijado en el
tratado delimitan con bastante precisión la conducta debida del Estado: si el
aumento de la mortalidad infantil por contagio de una enfermedad, o la
proliferación de una enfermedad endémica o epidémica sólo son
prevenibles a través de la administración de una vacuna, la conducta debida
queda determinada por la inexistencia de cursos de acción alternativos.
211
Estes autores concluem dizendo que os juízes não substituem os poderes
políticos na eleição concreta de políticas públicas desenhadas para a satisfação do
direito, mas sim examinam a idoneidade das medidas eleitas para lograr essa
satisfação. Eles analisam como um mecanismo de solução de conflito como o
processo judicial opera, onde uma parte ganha e outra perde, podendo resultar
idôneo para resolver uma situação que confrontem numerosos interesses individuais
e coletivos e; logo após relata que cuando mayor sea el margen de debate con
relación a estas cuestiones que pueden calificarse como “políticas” o “técnicas”,
menores serán las posibilidades de éxito de la acción intentada.”
212
Outro fator que contribui para o descaso com os direitos sociais é a ausência
de mecanismos processuais adequados para a tutela dos direitos econômicos,
sociais e culturais, onde a tradição individualista e patrimonialista ainda se faz
presente na sociedade, apesar da evolução constitucional e legislativa ocorrida nos
últimos anos, em países como o Brasil e a Argentina, por exemplo, principalmente
quando se trata do direito ao trabalho, saúde e educação. Apesar de se dispor de
inúmeras dificuldades de execução da sentença judicial quando o Estado for
condenado. Pode-se enumerar ainda, a ausência de tradição de exigência desses
direitos, que deve ser mudada através da acumulação de precedentes judiciais.
Abramovich e Courtis enumeram duas vias de exigibilidade dos direitos sociais. A via
de exigibilidade direta e a indireta. Na direta,
En los casos en los que la violación de la obligación estatal resulte clara, y
la conducta debida por el Estado para reparar da violación pueda señalarse
sin dificultad, las acciones judiciales deben estar dirigidas a obtener del
Estado da realización de la conducta debida para reparar la violación del
derecho, […]
213
211
ABRAMOVICH, V.; COURTIS, C. Los derechos sociales como derechos exigibles. 2 ed. Madrid:
Editorial Trota, 2004, p. 126.
212
ABRAMOVICH, V.; COURTIS, C. Los derechos sociales como derechos exigibles. 2 ed. Madrid:
Editorial Trota, 2004, p. 128.
213
ABRAMOVICH, V.; COURTIS, C. Los derechos sociales como derechos exigibles. 2 ed. Madrid:
Editorial Trota, 2004, p. 133.
74
a indireta, quando, devido a alguns obstáculos, resultar impossível a tutela
judicial direta de direitos sociais, estes devem ser protegidos indiretamente.
Aproveita-se as possibilidades judiciais e os mecanismos de tutela que brindam
outros direitos, de modo a permitir através da via indireta, o amparo do direito social
em questão.
214
É certo, pois, que a discussão em torno da efetividade dos direitos sociais
prestacionais não poderá escapar da análise dos elementos e condições financeiras
do Estado para que se atenda aos preceitos fundamentais da Constituição Federal.
Porém, a escassez de recursos orçamentários jamais poderá se tornar óbice à
garantia das condições mínimas de existência humana, sob pena de sacrifício do
princípio basilar do constitucionalismo moderno, qual seja, o princípio da dignidade
da pessoa humana
215
. A garantia do “mínimo existencial” acaba por constituir o
padrão mínimo da efetivação dos direitos sociais de prestação, pois, sem o mínimo
necessário à existência, cessa a possibilidade de sobrevivência do indivíduo e, com
ela, as condições de liberdade.
Torres ao falar sobre o “mínimo existencial”, Torres lembra que, embora o
STF tenha decidido que o Executivo não está obrigado a pagar precatório judicial se
não houver recursos disponíveis
216
, esse entendimento não deve se estender para
os casos em que se discute a garantia do "mínimo existencial", "que tem prevalência
sobre eventuais sobras de caixa".
217
214
ABRAMOVICH, V.; COURTIS, C. Los derechos sociales como derechos exigibles. 2 ed. Madrid:
Editorial Trota, 2004, p. 168.
215
A dignidade humana, atualmente definida como um princípio informador do Direito, desempenha
um papel de extrema importância na vida econômica e social dos indivíduos. Sabendo que a
finalidade do Direito e do Estado é de servir e resguardar o Homem, o princípio da dignidade da
pessoa humana se torna um meio de alcançar o bem-estar social e proteger o indivíduo da ação
nociva de seus semelhantes, de si mesmo e do próprio Estado. A dignidade da pessoa humana
constitui elemento basilar de qualquer instrumento jurídico democrático, fundindo-se com os próprios
conceitos de liberdade e igualdade que embasaram o surgimento dos direitos fundamentais. Sem a
garantia e a implementação da dignidade humana, não que se falar em liberdade e igualdade. Por
outro lado, também não existem liberdade e igualdade efetivas quando não se observa o mínimo
necessário para a garantia da dignidade humana. Nelson Rosenvald entende que a dignidade da
pessoa humana simultaneamente valor e princípio, pois constitui elemento decisivo para a atuação
de intérpretes e aplicadores da Constituição no Estado Democrático de Direito". ROSENVALD,
Nelson. Dignidade Humana e Boa-fé no Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 08.
216
Intervenção Federal 492/SP. Acórdão do Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes. Data do acórdão:
26/03/2003. Publicado no Diário da Justiça da União de 01/08/2003.
217
TORRES, Ricardo Lobo. O Mínimo Existencial, os Direitos Sociais e a Reserva do Possível. In:
NUNES, A. J. A.; COUTINHO, J. N. M. (orgs.). Diálogos Constitucionais: Brasil-Portugal. Rio de
Janeiro: Renovar, 2004, p. 465.
75
Sem o mínimo existencial, não que se falar em liberdade e/ou igualdade,
pois a dignidade humana é o alicerce e o ponto de partida para a efetivação de
qualquer direito fundamental. Nessa ponderação de valores, é essencial a invocação
do princípio da proporcionalidade para se resguardar o equilíbrio entre a reserva do
possível e o mínimo existencial, impedindo, assim, o retrocesso nas conquistas
sociais. A medida em que, ao Estado cumpre a responsabilidade pela justiça social,
dentro de suas limitações e reservas orçamentárias. Tais limitações, entretanto, não
podem inviabilizar ou anular a garantia das necessidades básicas para a
sobrevivência do indivíduo, dentro do conceito de mínimo existencial, sob pena de
afronta ao princípio da dignidade humana, pilar de toda a sistemática dos direitos
humanos e fundamentais.
Aceitar-se que os direitos sociais deixam de ser efetivados tão simplesmente
"porque" inexiste orçamento suficiente para sua implementação se estaria afirmando
categoricamente que o custo impede a realização do programa constitucional de
uma sociedade plural, fraternal, solidária, comprometida com a cidadania, a
promoção do desenvolvimento nacional e a erradicação das desigualdades regionais
e sociais.
2.5 A igualdade e a liberdade como fundamentos dos Direitos Sociais
Os fundamentos dos direitos sociais são: igualdade e liberdade. Onde, “[…]
hablar de igualdad es hablar de una ampliación progresiva y enriquecedora de las
oportunidades de vida de la gente.” A finalidade e fundamentalidade dos direitos
econômicos, sociais e culturais é a igualdade. Esses direitos sintetizam o valor da
pessoa humana, sua prioridade e objetivo na vida em sociedade. “Desde el punto de
vista normativo, las diferencias deben ser reconocidas, respetadas y garantizadas;
las desigualdades, por el contrario, deben ser reconocidas para ser eliminadas y
superadas.”
218
218
ROIG, M. J. A ; AÑON, J. A. (Coord.) Lecciones de derechos sociales. 2. ed. Valencia: Tirant lo
blanch, 2004, p. 115.
76
Mas, definir igualdade não é algo tão simples assim, pois existe a igualdade
formal, a igualdade material e a igualdade em direito.
219
Já, Sartori prefere ver a
igualdade como um ideal, “Como um ideal que expressa um protesto a igualdade é
atraente e cil de compreender; como um ideal que apresenta propostas, como um
ideal construtivo, acho que nada é tão complicado quanto a igualdade”.
220
Seguindo a definição de Roig e Añón, a igualdade formal está baseada no
modelo liberal de Estado de Direito.
La igualdad formal se identifica con la exigencia jurídico-política de la
igualdad ante la ley, que supone el reconocimiento de la identidad del
estatuto jurídico de todos los ciudadanos; esto es, la garantía de la
equiparación de trato en la legislación y aplicación del Derecho. […]
El titular de los derechos era el sujeto abstracto y racional, el homo iuridicus,
el hombre autónomo portador de los derechos naturales, que en su calidad
de ciudadano realiza con otros sujetos iguales un contrato social que
legitima la nueva forma de Estado. (Grifos do autor)
221
Segundo esses autores, a igualdade formal pode ser desdobrada em:
igualdade como generalização, igualdade processual e igualdade de tratamento
formal. Na igualdade como generalização, a lei é considerada como instrumento de
igualdade “[…] la ley es igual porque es general.” Na igualdade processual ou
igualdade de procedimento, a generalidade, abstração e imparcialidade exigem a
instauração de um mesmo procedimento para obter a igualdade jurídica em todos os
procedimentos. E, por fim, a igualdade de tratamento formal, implica a igualdade
como equiparação e como diferenciação. Se for por equiparação se manifesta no
princípio de o discriminação e pressupõe igual tratamento aos iguais, ou seja, é
através de um critério de equiparação e abstração das diferenças irrelevantes. A
diferenciação, por sua vez, supõe algo mais, implica a regulação distinta dos casos,
tomando em consideração traços relevantes, com a finalidade de conseguir a
igualdade perante a lei.
222
219
Esta classificação é de: ROIG, M. J. A ; AÑON, J. A. (Coord.) Lecciones de derechos sociales. 2.
ed. Valencia: Tirant lo blanch, 2004, p. 116.
220
SARTORI, Giovanni. A teoria da democracia revisada: as questões clássicas. v. 2. Trad. Dinali de
Abreu Azevedo. São Paulo: Ática, 1994, p. 108.
221
ROIG, M. J. A ; AÑON, J. A. (Coord.) Lecciones de derechos sociales. 2. ed. Valencia: Tirant lo
blanch, 2004, p. 117.
222
ROIG, M. J. A ; AÑON, J. A. (Coord.) Lecciones de derechos sociales. 2. ed. Valencia: Tirant lo
blanch, 2004, p. 117-118, passim.
77
a igualdade material é alcançada com a generalização dos direitos políticos,
Los derechos según esta dimención “son derechos a la compensación de las
desigualdade” y, por ello, a llegar a ser personas iguales a las demás en las
condiciones mínimas de vida y supervivencia.”
223
E, por fim, a igualdade na lei é o
gozo dos direitos fundamentais constitucionalmente garantidos.
Essa classificação acima abordada é importante frente aos direitos sociais, pois
estes são direitos prestacionais e, por esta razão expressam de forma concreta a
igualdade material. Outro motivo é a vinculação direta do Estado Social, que tem o
dever de dar, fazer ou até mesmo de abster-se frente aos indivíduos, para garantir
os direitos sociais, mesmo que através das referidas atitudes impostas ao Estado,
este introduza, inevitavelmente, desigualdades normativas.
Perez Luño, por sua vez, explica o desenvolvimento da liberdade direito
pessoal -, e sua especificação através de uma série de direitos concretos, baseado
na teoria dos status, de Jellinek. Segundo ele esta teoria reflete diversas posições
jurídicas dos particulares em relação ao Estado. Onde, aparece um status de
liberdade em que se reconhece um âmbito de autonomia, uma área onde o Estado
não interfere na atividade dos particulares e, por isso, o considera como direitos
pessoais, inerentes às pessoas e invioláveis. São valores da liberdade e da
dignidade da pessoa humana frente ao Estado Democrático de Direito.
224
[...] la libertad sin igualdad no conduce a la sociedad libre y pluralista, sino a
la oligarquía, es decir, a la libertad de algunos y a la no-libertad de muchos
(a este tipo de la sociedad cuya ley, a tenor de la consabida imagen
sarcástica de Anatole France, prohíbe a los ricos como a los pobres
mendigar, robar pan o dormir bajo los puentes); mientras que la igualdad sin
libertad no conduce a la democracia, sino al despotismo, o sea, a la igual
submisión de la mayoría a la opresión de quien detenta el poder (situación
que evoca la divisa del igualitarismo cínico de la Animal Farm de George
Orwell, a tenor de la cual “todos los animales son iguales, pero algunos
animales son más iguales que otros”)
225
226
223
ROIG, M. J. A ; AÑON, J. A. (Coord.) Lecciones de derechos sociales. 2. ed. Valencia: Tirant lo
blanch, 2004, p. 119.
224
LUÑO, Antonio Enrique Pérez. Derechos humanos, estado de derecho y constitución. Madrid:
Editorial Tecnos, 2005, p. 174-175.
225
LUÑO, Antonio Enrique Pérez. Los derechos fundamentales. Madrid: Editorial Tecnos, 1984, p.
215.
226
A liberdade sem igualdade não conduz a uma sociedade livre e pluralista, mas a uma oligarquia,
isto é, a liberdade de alguns e não-liberdade de muitos (a este tipo de sociedade, cuja lei, de acordo
com a conhecida imagem sarcástica de Anatole France, proíbe aos ricos como aos pobres de
mendigar, roubar pão ou dormir debaixo das pontes); entretanto, a igualdade sem liberdade não
conduz à democracia, mas ao despotismo, ou seja, à igual submissão da maioria a opressão de
78
Mas, o que realmente é liberdade? Segundo Rawls, um conceito pronto e
formulado sobre a liberdade não é algo tão simples assim. Na maior parte do tempo,
ele discute
[…] a liberdade em conexão com limitações legais e constitucionais. Nesses
casos, a liberdade é uma certa estrutura de instituições, um certo sistema
de normas públicas que definem direitos e deveres. Colocadas nesse
contexto, as pessoas têm liberdade para fazer alguma coisa quando estão
livres de certas restrições que levam a fazê-la ou a não fazê-la, e quando
sua ação ou ausência de ação está protegida contra a interferência de
outras pessoas.
227
Rawls aborda o conceito de justiça como fruto de dois princípios, ou seja, o da
liberdade e o da eqüidade. Ressalta que a primeira afirmação dos dois princípios é a
seguinte:
Primeiro: cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema
de liberdades básicas iguais que seja compatível com um sistema
semelhante de liberdades para as outras.
Segundo: as desigualdades sociais e econômicas devem ser ordenadas de
tal modo que sejam ao mesmo tempo (a) consideradas como vantajosas
para todos dentro dos limites do razoável, e (b) vinculadas a posições e
cargos acessíveis a todos.
228
Nessa perspectiva, as liberdades individuais sicas são frutos dos valores
jurídicos e políticos, típicos das democracias capitalistas, quais sejam: “a liberdade
política (o direito de votar e ocupar um cargo público) e a liberdade de expressão e
reunião; a liberdade de consciência e de pensamento; […]” Essas liberdades,
segundo Rawls, devem ser iguais. a eqüidade, na formalização em tela, é
princípio que suscita os paradigmas diferença e igualdade. Aplica-se à distribuição
de renda e riqueza, que não precisa ser igual, mas sim “vantajosa para todos e, ao
mesmo tempo, as posições de autoridade e responsabilidade devem ser acessíveis
a todos.”
229
quem detenha o poder (situação que evoca a divisa do igualitarismo cínico do Animal Farm de
George Orwell, de acordo com o qual todos os animais são iguais, porém alguns animais são mais
iguais do que outros”.
227
RAWlS, John. Uma teoria da justiça. Tradução Almiro Pisetta e Lenita Maria moli Esteves. São
Paulo: Martins Fontes. 2. ed. 2002, p. 219.
228
RAWlS, John. Uma teoria da justiça. Tradução Almiro Pisetta e Lenita Maria moli Esteves. São
Paulo: Martins Fontes. 2. ed. 2002, p. 64.
229
RAWlS, John. Uma teoria da justiça. Tradução Almiro Pisetta e Lenita Maria moli Esteves. São
Paulo: Martins Fontes. 2. ed. 2002, p. 65.
79
Rawls reconhece e explicita que a exclusão social cerceia a fruição da
liberdade. Entretanto, mesmo reconhecendo a tensão entre igualdade e liberdade,
descarta a defesa do welfare-state (Estado de bem-estar) e, em seu lugar, defende
um liberalismo que vise à conciliação entre igualdade de oportunidades, eqüidade e
liberdade, sem que esta última, contudo, reste prejudicada em prol do bem-estar.
Destaca a justiça enquanto valor máximo, sustentando que:
A justiça é a primeira virtude das instituições sociais, como a verdade o é
dos sistemas de pensamento. [...] Cada pessoa possui uma inviolabilidade
fundada na justiça que nem mesmo o bem-estar da sociedade como um
todo pode ignorar. Por essa razão, a justiça nega que a perda da liberdade
de alguns se justifique por um bem maior partilhado por outros. Não permite
que os sacrifícios impostos a uns poucos tenham menos valor que o total
maior das vantagens desfrutadas por muitos. Portanto numa sociedade
justa as liberdades da cidadania igual são consideradas invioláveis; os
direitos assegurados pela justiça não estão sujeitos à negociação política ou
ao cálculo de interesses sociais.
230
Tanto a liberdade, quanto a igualdade percorreram um largo caminho
histórico até sua consagração como direito humano e conseqüentemente de
institutos para sua proteção. Mas, esta trajetória está longe de ser concluída. Até
mesmo porque os problemas da liberdade se proliferam na sociedade hodierna. São
novas e velhas liberdades que se misturam e precisa-se encontrar novas fórmulas
de defesa dessas liberdades. Liberdade esta que vem com abusos e coloca em
questionamento seu caráter de direito humano.
231
2.6 A vinculação dos particulares aos Direitos Fundamentais Sociais
Os direitos fundamentais ocupam a posição preferencial no sistema
constitucional e defluem do princípio da supremacia da Constituição. Por estes
motivos, a vinculação dos particulares aos Direitos Fundamentais Sociais deve
obedecer aos parâmetros constitucionais e não segundo as benesses do direito
privado.
232
230
RAWlS, John. Uma teoria da justiça. Tradução Almiro Pisetta e Lenita Maria moli Esteves. São
Paulo: Martins Fontes. 2. ed., 2002, p. 3-4.
231
ROIG, M. J. A ; AÑON, J. A. (Coord.) Lecciones de derechos sociales. 2. ed. Valencia: Tirant lo
blanch, 2004, p. 135-136, passim.
232
STEINMETZ, Wilson Antônio. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo:
Malheiros, 2003, p. 296.
80
Segundo Sarlet, os direitos fundamentais sociais possuem eficácia horizontal
direta.
233
São direitos que englobam duas dimensões, uma defensiva e outra
prestacional. Onde, a defensiva é uma obrigação de caráter negativo, ou seja, é a
abstenção de condutas que possam causar ameaças ou lesões aos bens jurídicos
por ele tutelado. Por outro lado, a dimensão prestacional corresponde a deveres
comissivos atribuídos ao lo passivo da relação, como exemplo, pode-se citar o
direito à saúde, onde um cidadão necessitado precisa de medicação gratuita.
234
Mas, quando se fala da vinculação direta dos particulares à dimensão
prestacional dos direitos sociais, a resposta inicial é negativa. Isto ocorre porque não
parece lógico acreditar que um cidadão, um particular tenha o dever de custear a
educação de outro cidadão, ou de criar escolas, ou de pagar tratamentos médicos.
Mas devido à criação do Estado de Bem-Estar Social, este tem o dever de assegurar
condições mínimas a todos os cidadãos, através dos direitos sociais e econômicos.
Em contrapartida os cidadãos que têm mais posses pagam maior tributo ao Estado,
para que este possa prover o bem-estar dos mais pobres.
235
Desta forma, a posição de Steinmetz é correta quando critica o posicionamento
de Canotilho e Sarlet, de que “os direitos fundamentais sociais possuem eficácia
horizontal direta”,
Dada a forma como os direitos fundamentais sociais forma concebidos e
ordenados formalmente na CF Capítulo II (“Dos direitos sociais”) do Título
II (“Dos direitos e garantias fundamentais”) -, não é possível negar, de forma
generalizada, eficácia jurídica a esses direitos nas relações entre
particulares. O art. enumera os direitos fundame ntais sociais dos
trabalhadores urbanos e rurais. Uma análise estrutural simples das normas
que atribuem esses direitos revela, de imediato, que, na maioria desses
normas especialmente, naquelas de eficácia plena -, os particulares
figuram como sujeitos destinatários mediatos.
Igualmente incorreta é a tese generalizadora de Sarlet
236
segundo a qual
todos os direitos fundamentais, inclusive os denominados direitos a
prestações (os direitos fundamentais sociais), operam eficácia no âmbito
das relações entre particulares, sendo irrelevante, para a solução da
233
SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e direito privado: algumas considerações em torno
da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais. In: FINGER, Julio César (Org.). A
constituição concretizada: construindo pontes entre o público e o privado, p. 154.
234
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lúmen Júris,
2004, p.335.
235
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lúmen Júris,
2004, p.337.
236
SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e direito privado: algumas considerações em torno
da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais. In: FINGER, Julio César (Org.). A
constituição concretizada: construindo pontes entre o público e o privado, p. 154.
81
questão, a distinção entre direitos de defesa e direitos a prestações. Para o
constitucionalista brasileiro, não razões, em princípio, para afastar “(...)
uma vinculação direta dos particulares seja qual for a natureza do direito
fundamental em questão (...)” [sem grifo no original]
237
No âmbito deste trabalho as preocupações estarão voltadas a dois direitos
fundamentais sociais elencados no artigo da Cons tituição Federal trabalho e
moradia -, cujos titulares são, prima facie, todos os indivíduos ou a generalidade das
pessoas. Para esses direitos previstos no artigo 6°, os particulares não têm dever
jurídico-constitucional de planejar e executar políticas sociais e econômicas.
Segundo Sarmento, existem requisitos “
[...]
para o reconhecimento de uma
vinculação do particular a determinada obrigação positiva, decorrente de um direito
social, diz respeito à existência de alguma conexão entre a relação jurídica mantida
pelas partes e a natureza da obrigação jusfundamental em discussão.”
Posteriormente deve ser verificado o grau de eficácia do direito social em debate, a
relação entre cidadão e Estado e também entre cidadão e cidadão.
238
A distinção entre direitos sociais originários e derivados deve ser levada em
conta, ou seja, os direitos sociais originários são aqueles que permitem ao seu titular
a exigência de prestação material por parte do poder público baseado apenas na
Constituição; os direitos sociais derivados dependem de concretização legislativa
para geração de direitos subjetivos positivos muitas vezes positivados na
Constituição.
239
A garantia dos direitos sociais primariamente cabe ao Estado, embora a
vinculação das entidades privadas encontre apoio no princípio constitucional da
solidariedade que é dotado de força jurídica e influência a interpretação de todo o
sistema constitucional. Desta forma, não maiores dificuldades no reconhecimento
237
STEINMETZ, Wilson Antônio. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo:
Malheiros, 2003, p. 277-278.
238
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lúmen Júris,
2004, p.344-345. Em nota de rodapé o autor faz o seguinte resumo: “Parece-nos, enfim, que três
dimensões importantes devem ser devidamente sopesadas nesta ponderação: o impacto econômico
e orçamentário resultante da garantia do direito (ligado à questão da reserva do possível); a
relevância da prestação postulada, do ponto de vista da tutela da dignidade humana ( ligada ao
mínimo existencial); e a densidade normativa do preceito constitucional que assegurou o direito social
em discussão.”
239
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lúmen Júris,
2004, p.346.
82
da vinculação direita dos particulares à dimensão defensiva dos direitos sociais,
quando estes não adotam comportamentos lesivos aos bens jurídicos de terceiros,
tutelados pelos direitos sociais. Cabe, assim, ao Poder Público o ônus de arcar com
esses direitos e aos particulares com os tributos para financiar o Estado.
240
2.7 Os Direitos Fundamentais Sociais e os particulares
Os direitos sociais são direitos fundamentais, por esta razão exigem o
cumprimento por parte do Estado. São direitos onerosos e necessitam de
disponibilidade financeira significativa, por este motivo surgiu a construção
dogmática da reserva do possível
241
(Vorbehalt des Möglichen) e o mínimo
existencial (Existenzminimum). E, segundo Steinmetz “Como garantia de um mínimo
vital, não estão à livre disposição dos sujeitos obrigados.
[...]
Portanto, o poderá o
sujeito destinatário alegar impossibilidade total e definitiva de cumprimento.”
242
Devido ao fato de, os direitos fundamentais sociais buscarem a igualização de
situações sociais desiguais através de prestações positivas estatais, enunciadas em
normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais
fracos, esses direitos estão conectos ao direito de igualdade e por isso são
considerados como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem
preconceitos. Assim, os direitos fundamentais sociais são buscados através de
fatores como: a) prestações positivas do Estado através das garantias políticas da
eficácia desses direitos. Buscando a realização da justiça social; b) o apoio a
240
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lúmen Júris,
2004, p.376-377.
241
Canotilho a efetivação dos direitos sociais, econômicos e culturais dentro de uma “reserva do
possível” e aponta a sua dependência dos recursos econômicos. A elevação do nível da sua
realização estaria sempre condicionada pelo volume de recursos suscetível de ser mobilizado para
esse efeito. Nessa visão, a limitação dos recursos públicos passa a ser considerada verdadeiro limite
fático à efetivação dos direitos sociais prestacionais.
Essa teoria, segundo Andreas Krell, representa uma adaptação de um tópos da jurisprudência
constitucional alemã que entende que a construção de direitos subjetivos à prestação material de
serviços públicos pelo Estado essujeita à condição de disponibilidade dos respectivos recursos. Ao
mesmo tempo, a decisão sobre a disponibilidade dos mesmos estaria localizada no campo
discricionário das decisões governamentais e dos parlamentos, através da composição dos
orçamentos públicos.
Segundo o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, esses direitos a prestações positivas
(Teilhaberechte) “estão sujeitos à reserva do possível no sentido daquilo que o indivíduo, de maneira
racional, pode esperar da sociedade”. Essa teoria impossibilita exigências acima de um certo limite
básico social; a Corte recusou a tese de que o Estado seria obrigado a criar a quantidade suficiente
de vagas nas universidades públicas para atender a todos os candidatos.
242
STEINMETZ, Wilson Antônio. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo:
Malheiros, 2003, p. 282.
83
partidos e candidatos comprometidos com essa realização; c) “a participação
popular no processo político que leve os governantes a atender suas reivindicações,
tal como a vontade política que conduziu os Constituintes a inscrever esses direitos
de forma ampla e abrangente.”
243
Quanto as prestações positivas do Estado,
segundo Peces-Barba:
[...] son exigencias de comportamiento, derechos ante el Estado, que exigen
una actuación positiva del Estado. A través de esta última finalidad se crean
en la sociedad, por iniciativa de los individuos titulares de los derechos
subjetivos, condiciones de igualdad que superan desigualdades
económicas, sociales y culturales. Así los derechos fundamentales se
convierten en reestructuradores y redistribuidores de situaciones sociales.
244
245
Os particulares ocupam um papel de destaque quando se trata dos direitos
fundamentais sociais, pois um problema que se põe nessa questão, qual seja o
da eficácia dos direitos diante de terceiros. É que alguns direitos sociais, tais os
relativos aos trabalhadores, não constituem meras prestações estatais. Ou seja, "o
Estado não realiza diretamente as obrigações que derivam desses direitos, mas as
impõe a outros sujeitos, de modo especial aos empresários". Vale dizer que se trata
da aplicação dos direitos fundamentais não nas relações entre o Estado e os
cidadãos, mas também nas relações entre pessoas privadas. Objeta-se que os
direitos fundamentais são direitos públicos subjetivos destinados a regular relações
de subordinação entre o Estado e os cidadãos, mas não podem projetar-se
logicamente na esfera das relações privadas. É a idéia de que direitos fundamentais
são apenas os preceitos normativos surgidos para tutelar os cidadãos contra a
onipotência do Estado, e não tem razão de ser nas relações entre particulares.
246
Perez Luño, refuta essa doutrina da seguinte forma:
243
SILVA, José Afonso da. Garantias econômicas, políticas e jurídicas da eficácia dos Direitos
Sociais. Disponível em: <http://www.mundojuridico.adv.br>. Acesso em 22.06.2007.
244
PECES-BARBA, Gregorio. Derecho fundamentales. 4. ed. Madrid: Universidad de Madrid, 1983, p.
110.
245
“São exigências de comportamento, direitos ante o Estado, que exigem uma atuação positiva do
Estado. Através dessa última finalidade, criam-se na sociedade, por iniciativa dos indivíduos titulares
dos direitos subjetivos, condições de igualdade que superam desigualdades econômicas, sociais e
culturais. Assim os direitos fundamentais convertem-se em restruturadores e redistribuidores de
situações sociais.”
246
SILVA, José Afonso da. Garantias econômicas, políticas e jurídicas da eficácia dos Direitos
Sociais. Disponível na Internet: <http://www.mundojuridico.adv.br>. Acesso em 22.06.2007.
84
É fácil advertir o caráter ideológico deste raciocínio ligado a uma concepção
puramente formal da igualdade entre os diversos membros integrantes da
sociedade. Mas é um fato notório que na sociedade moderna neocapitalista
essa igualdade formal não supõe uma igualdade material, e que nela o
pleno desfrute dos direitos fundamentais se vê, em muitas ocasiões,
ameaçado pela existência no plano privado de centros de poder, não menos
importantes do que os que correspondem aos órgãos públicos. Daí que se
tenha tido que recorrer a uma série de medidas destinadas a superar os
obstáculos que de fato se opõem ao exercício dos direitos fundamentais por
parte da totalidade dos cidadãos no plano da igualdade. (Tradução livre)
247
Essa questão, hoje, tem um tratamento mais desenvolvido, especialmente na
Alemanha, Espanha e mesmo Portugal. A doutrina constitucional alemã batizou-a
com o nome Drittwirkung der Grundrechete ("eficácia externa dos direitos
fundamentais").
248
Busca-se, com essa doutrina, superar a tese de que os direitos
fundamentais "Só podem exercer-se unidirecionalmente, posto que são os poderes
públicos os únicos que estão obrigados a respeitá-los".
249
Propõe-se o
multidirecionalismo, com o reconhecimento, tardio, aliás, de que "os poderes
privados constituem hoje uma ameaça para o gozo efetivo dos direitos fundamentais
não menos inquietantes que a representada pelo poder público".
250
Além, como
observa Nunes Arantes, o "princípio da dignidade do homem, encarado na sua atual
dimensão, vem pois fundamentar a extensão da eficácia dos direitos fundamentais
às relações privadas".
251
2.8 Trabalho e moradia como Direitos Fundamentais Sociais
Olea
252
classifica os direitos trabalhistas como direitos humanos fundamentais,
exemplificando com os direitos reconhecidos pelos Tratados Internacionais, tais
como o “da dignidade inerente à pessoa humana”, ao trabalho livre e assim por
diante. Observa, contudo, sua pouca efetividade na prática. Desta forma os direitos
sociais do trabalhador são mecanismos concretos de realização de direitos, de
proteção do trabalhador contra os arbítrios do Estado.
247
LUÑO, Antonio Enrique Pérez. Derechos humanos, estado de derecho y constitución. Madrid:
Editorial Tecnos, 2005, p. 218-219.
248
Cf. ABRANTES, José João Nunes. A vinculação das entidades privadas aos direitos fundamentais.
Lisboa: Associação Acadêmica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1990, p.7.
249
Cf. UBILLOS, Juan María Bilbao. La eficácia de los derechos fundamentales frente a particulares.
Madrid: Boletí OficiaL del Estado, Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 1997, p. 235.
250
Cf. UBILLOS, Juan María Bilbao. La eficácia de los derechos fundamentales frente a particulares.
Madrid: Boletí Oficial del Estado, Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 1997, p.243.
251
Cf. UBILLOS, Juan María Bilbao. La eficácia de los derechos fundamentales frente a particulares.
Madrid: Boletí Oficial del Estado, Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 1997, p. 27.
252
OLEA, Manuel Alonso. Introdução ao direito do trabalho. São Paulo: Ltr, 1984, p. 234.
85
A Constituição Federal de 1988, artigo garante aos trabalhadores o direito
de organizarem-se livremente através de sindicatos, sem qualquer intervenção do
Poder Público, o que vem dar efetividade aos Direitos Sociais nas relações de
trabalho, buscando o seu âmbito de proteção e as possíveis limitações.
Por sua vez, o direito ao trabalho está intimamente ligado ao princípio
constitucional da dignidade da pessoa humana. E, segundo Ledur:
O reconhecimento do valor imprescritível e universal da dignidade da
pessoa humana, que coloca o homem no ápice da realidade do mundo, está
historicamente ligado à tradição bíblica, à cultura helenístico-romana, ao
Cristianismo e à própria filosofia, a partir da época moderna, na medida em
que afirmaram a essencial racionalidade, liberdade e igualdade de todos os
homens.
253
A propósito, o princípio da dignidade da pessoa humana está associado a
todos os direitos fundamentais, especialmente ao trabalho e à moradia, que são
direitos fundamentais que transcendem os limites individuais, são da sociedade
como um todo. E, aqui cabe ressaltar os deveres que o Estado Democrático de
Direito tem, quando se fala de trabalho e moradia, que são direitos sicos de todos
os cidadãos.
A cada década, o acesso ao trabalho e à moradia se torna mais distante dos
cidadãos. Fato este que decorre de problemas sociais, econômicos e políticos,
fazendo com que as normas de direitos sociais não sejam observadas pelos
responsáveis pela economia. O desemprego e a falta de trabalho que aflige o mundo
e o Brasil, ao que tudo indica, deve crescer e afetar as pessoas e os Estados por
algum tempo. Realidade que produz conseqüências tão danosas exige respostas
adequadas. Não corresponde à ciência do Direito dizer que nada tem a ver com isso.
O trabalho realizado conduz à conclusão de que os direitos fundamentais clássicos e
os de segunda geração os direitos sociais formam unidade ao redor do núcleo
dos direitos fundamentais, que vem a ser a dignidade da pessoa humana.
253
LEDUR, José Felipe. A realização do direito ao trabalho. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris
Editor, 1998, p. 79.
86
Por estes motivos é que a posse trabalho e a posse moradia se justificam
através do princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez que, o trabalho e a
moradia o Direitos Fundamentais Sociais, também justificados através da posse
que atenda a sua função social.
É do consenso comum da população brasileira de que esses direitos sociais,
garantidos pela Constituição Federal, não são efetivados pelos governantes. Mas,
apesar disso, exercem papéis importantes, um é o jurídico-normativo e outro o da
tentativa de conscientização do indivíduo em relação a seus direitos sociais,
podendo-se dizer que é uma conscientização política. Segundo Krell “O problema
certamente está na formulação, implementação e manutenção das respectivas
políticas públicas e na composição dos gastos nos orçamentos da União, dos
estados e dos municípios.”
254
Os direitos sociais justificam a função social da posse. Tanto o direito à
moradia, quanto o direito ao trabalho, que foram inseridos através da Emenda
Constitucional n. 26, de 14.02.2000 e incluído no Capítulo II, art. , como direitos
sociais, passando este artigo a ter a seguinte redação “São direitos sociais a
educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social,
a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma
desta Constituição”.
Para melhor elucidar esses direitos, veja-se as colocações de Roig e Añón:
Junto a los tradicionales derechos de libertad (vida, integridad física, libre
conciencia, garantías procesales, intimidad, asociación, libre expresión, etc.)
y políticos (sufragio, acceso a cargos públicos), los ordenamientos
contemporáneos han reconocido otros derechos vitales: a la subsistencia, a
la educación, a la alimentación, al trabajo, a la vivienda, a la información, y
similares, otorgándoles rango constitucional.
255
A Constituição Federal Brasileira não é diferente, elenca todos esses direitos
acima mencionados, mas a grande diferença é que o Brasil, assim como tantos
outros países da América Latina, não consegue suprir as necessidades básicas
254
KRELL, Andreas J. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: os (des)caminhos
de um direito constitucional comparado. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, p. 28.
255
ROIG, M. J. A ; AÑON, J. A. (Coord.) Lecciones de derechos sociales. 2. ed. Valencia: Tirant lo
blanch, 2004, p. 59.
87
(mínimas) de seus cidadãos. Surge neste momento algo novo e alheio à legislação,
ou seja, a função social da posse como forma de garantir o direito ao trabalho e à
moradia, segundo Osório,
A segurança da posse é um ponto central do direito à moradia e à terra pois
sem ela – independentemente se formal ou informal – o direito à moradia vai
estar em permanente ameaça, e o risco de despejo ou deslocamento
forçado será sempre iminente. A segurança da posse, por se tratar de
elemento central do direito humano à moradia, deve ser assegurado a
todos, com igualdade e sem discriminação, abrangendo todos os indivíduos
e famílias independentemente de idade, status econômico, grupo ou outra
afiliação e status.
256
257
Num primeiro momento parece utópico tratar dos direitos sociais ao trabalho e
à moradia num país como o Brasil, apesar de inúmeros avanços alcançados através
de movimentos sociais, como o dos “Sem Teto”. Mas muito ainda deve ser feito.
2.9 O paradigma da função social da posse frente aos Direitos Fundamentais
Sociais trabalho e moradia
A posse é originada do fato social em si, e por isso, já detém uma função social
imanente. Ela maximiza o direito de igualdade substancial e o princípio da dignidade
da pessoa humana, em função da realidade social e dentro de um sistema de
solidariedade. Por estes motivos deve passar a ser contemplada sob a feição social
que determina, sob a importância da sua utilidade social, o que se faz não com
fincas nos princípios constitucionais em vigor, de onde se extrai a sua concretização
e interpretação, mas como base em sua essência e nos caminhos metodológicos do
Direito Civil Constitucional e da interpretação sistemática do direito. A regra do
direito é sempre função do fato social.
Vale dizer, este gérmen da funcionalização social do instituto da posse é ditado
pela necessidade social, pela necessidade da terra para o trabalho, para a moradia,
enfim, necessidades básicas que pressupõem o valor da dignidade do ser humano,
o conceito de cidadania
258
, o direito de proteção à personalidade e à própria vida. “A
256
OSÓRIO, Letícia Marques. Direito à moradia adequada na América Latina. In: ALFONSIN, B,;
FERNANDES, E. (Org.). Direito à moradia e segurança da posse no estatuto da cidade: diretrizes,
instrumentos e processos de gestão. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2004, p. 35.
257
De acordo com o art. 2 (2) do PIDESC.
258
Cf. MARTÍN, Nuria Belloso. Os novos desafios da cidadania. Tradução: Clovis Gorczevski. Santa
Cruz do Sul: EDUNISC, 2005, p. 45-46. Cidadania é um conjunto de três elementos constitutivos: a)
88
utilização especulativa da propriedade, como hoje ocorre nos espaços urbanos e
rurais, obstando a realização de direitos fundamentais, como o direito de moradia e o
de trabalho, deve encontrar seu fim.“
259
Esta importância ocorre, não só pelo contato
do homem com a terra, mas pelo aproveitamento do solo pelo trabalho, de acordo
com as exigências pessoais e sociais, transformando a natureza em proveito de
todos.
O direito de posse, pela sua utilidade social, representa antes de tudo o direito
à igualdade, uma necessidade da natureza humana não só de liberdade, mas
também de cada indivíduo, de obter a terra pelo próprio trabalho, aproveitando os
recursos dela e ainda tirando-lhe os frutos para si e para a sociedade. As mudanças
ocorridas nas últimas décadas do século XX, em relação à propriedade
260
tiveram
menos a ver com a ética do que com a economia, onde o Estado deixa de defender
os interesses da coletividade recolhendo-se na inércia. “Em anos mais recentes, a
moradia e o uso adequado do solo passam a ser a questão a exigir maior reflexão
dos estudiosos.”
261
Como se pode observar é uma questão de cidadania integrada,
onde a sociedade busca a solução ao problema das
minorias sociais e culturais.
262
pertence a uma comunidade política determinada (normalmente o Estado), onde se está vinculado
geralmente a uma nacionalidade. Apresenta um elemento a mais: o direito que reconheça
publicamente a própria particularidade. (cidadania complexa); b) Oportunidade de contribuir na vida
política desta comunidade, através da participação; (cidadania política); c) Posse de certos direitos
assim como a obrigação de cumprir certos deveres em uma sociedade específica (cidadania social).
259
GONDINHO, André Osório. Função social da propriedade. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.).
Problemas de direito civil – constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 399.
260
Propriedade no sentido amplo da palavra, ou seja, sob todas as formas de possuí-la, inclusive a
posse.
261
GONDINHO, André Osório. Função social da propriedade. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.).
Problemas de direito civil – constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 402.
262
Cf. MARTÍN, Nuria Belloso. Os novos desafios da cidadania. Tradução: Clovis Gorczevski. Santa
Cruz do Sul: EDUNISC, 2005, p. 51-53, passim. “Trata-se de buscar uma solução ao problema das
minorias sociais ou culturais. Se faz necessário um conceito de cidadania que permita a integração
diferenciada de tais minorias, não apenas como indivíduos, mas também e de forma especial
como grupos específicos. Somente um conceito de cidadania diferenciada permitirá a tais minorias
sociais ou étnicas manter sua identidade, tanto individual como de grupo, com a plena vigência de
seus valores e traços culturais ou religiosos característicos, fazendo possível uma integração
diferenciada dos mesmos na organização estatal. Não se pode esquecer que uma política de
privilégios para as minorias sociais ou étnicas não somente viola a igualdade mas contribui, também,
para perpetuar sua marginalidade com o conseqüente prejuízo para todos.
Aderimos à teoria de integração-diferenciada da cidadania de Rosales e Rubio Carracedo, a qual
denominam cidadania complexa, já que permite construir uma identidade comum fundamental dentro
da legítima diferenciação étnico-cultural como indivíduos e como grupo com identidade irrenunciável.
A cidadania complexa é a que atende adequadamente um tríplice exigência: a) iguais direitos
fundamentais para todos os cidadãos, o que exige uma política universalista de integração de tais
minorias comuns irrenunciáveis; b) direitos diferentes de todos os grupos, maioria e minorias, que
compõem a estrutura do Estado, o que exige uma política de reconhecimento, tanto na esfera privada
89
Como leciona Gil “[...] a instituição de maior densidade social, enquanto
expressa de maneira primária a projeção do homem sobre o exterior, como
instituição apoiada no acontecer social que sua ordenação jurídica resulta de certo
modo incipiente”,
263
este é o conceito de posse que deve ser objeto de nosso
estudo, conferindo dignidade ao trabalhador rural, através do trabalho na terra e ao
urbano através da moradia, eliminando as habitações indignas e humilhantes.
264
A
terra é um dos elementos fundamentais da vida humana. Nela a vida se desenvolve
e se sustenta, justificando-se, assim, a função social da posse como um princípio
constitucional e, também, justificando a propriedade e a posse como um direito
humano fundamental.
265
2.10 A incidência dos Direitos Fundamentais Sociais nas relações jurídico-
privadas
De acordo com Santos, “Na sociedade moderna o caráter consensual de uma
dada condição social tende a ser medido pelo seu conteúdo democrático; o
consenso a seu respeito será tanto maior quanto maior for a sua consonância com
os princípios filosófico-políticos que regem a sociedade democrática.”
266
“Na base
dos direitos fundamentais estão presentes os valores da dignidade, liberdade e
igualdade. Registre-se, porém, que as interpretações desses valores sempre
estiveram e estão condicionadas por paradigmas jurídicos e políticos diferentes e
injunções históricas e sociais cambiantes.”
267
Os princípios são visíveis na medida em que vinculam os particulares aos
direitos fundamentais nas relações privadas, ou seja, é através de relações
como na pública; e c) condições mínimas de igualdade para a dialética ou diálogo livre e aberto dos
grupos sócio-culturais, o que exige uma política multicultural, que inclua disposições transitórias de
“discriminação inversa” (com o fim de igualar as condições de partida), de incentivo do intercâmbio
etno-cultural e a prevenção de toda desvirtuação homogenizadora.”
263
GIL, Antonio Hernandez. La posesión como institución jurídica y social. Madri: Espasa Calpe,
1987, p. 750.
264
TORRES, Marcos Alcino de Azevedo. A propriedade e a posse: um confronto em torno da função
social. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2007, p. 348.
265
GONDINHO, André Osório. Função social da propriedade. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.).
Problemas de direito civil – constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 400.
266
SANTOS, Boaventura de Souza. Pela Mão de Alice: O social e o político na pós-modernidade. 11.
ed. São Paulo : Cortez, 2006, p. 210.
267
STEINMETZ, Wilson Antônio. Direitos fundamentais e função social do (e no) direito. Texto
gentilmente cedido pelo autor.
90
aparentemente não relacionadas que se pode verificar exatamente o contrário, com
base no princípio da dignidade da pessoa humana, através do qual o particular é
condicionado aos direitos fundamentais.
Na concepção do paradigma liberal, ainda na origem do constitucionalismo
moderno, os direitos fundamentais foram concebidos como direitos do homem em
face do Estado e os direitos fundamentais sociais vinculam os particulares de forma
imediata
268
. A eficácia imediata dos direitos fundamentais é uma exigência do
princípio da dignidade da pessoa humana. “De forma concisa, a implicação é esta:
está ordenada também entre os particulares a aplicabilidade imediata de direitos
fundamentais.”
269
A aplicação dos direitos fundamentais, sob o primado da dignidade
da pessoa humana tornou-se um imperativo dessa releitura do sistema de normas
do direito privado e de sua renovação, com vistas a atender às novas demandas
surgidas diariamente na sociedade.
Na vinculação dos particulares a direitos fundamentais sociais, estes atuam
como limites ao poder do Estado. Inicialmente a teoria liberal pregava a defesa dos
direitos fundamentais exclusivamente como limites ao poder ao Estado,
posteriormente começa-se a pensar na relevância social e na vinculação dos
particulares a direitos sociais. E, finalmente delimita-se o fenômeno jurídico-
constitucional da eficácia de direitos fundamentais nas relações entre particulares
frente à irradiação dos direitos fundamentais e, estes como direitos à proteção.
270
Aos particulares é reservada a outorga da máxima eficácia e efetividade aos
direitos fundamentais sociais, em favor dos quais milita uma presunção de imediata
aplicabilidade e plenitude eficacial. No qual o princípio da dignidade humana é o fio
condutor ligado também a outro princípios como o princípio da proporcionalidade, da
harmonização de valores, dentre outros.
271
268
A Constituição Federal, no § do artigo , dete rmina que “as normas definidoras dos direitos e
garantias fundamentais têm aplicação imediata”. Neste sentido ver Ingo Wolfgang Sarlet. A eficácia
dos direitos fundamentais, p. 230 e ss. Segundo este autor, diz-se que se trata do princípio da
aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais.
269
STEINMETZ, Wilson Antônio. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo:
Malheiros, 2003, p. 273.
270
STEINMETZ, Wilson Antônio. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo:
Malheiros, 2003, p. 65.
271
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2001, p. 442.
91
Nas relações jurídico-privadas, a eficácia dos direitos fundamentais é
horizontal, pois o núcleo essencial de direitos sociais está ligado à dignidade
humana e, segundo Canotilho “O problema da eficácia imediata de direitos
fundamentais nas relações jurídicas privadas pode colocar-se também relativamente
a direitos sociais.” Mas, a doutrina aceita a eficácia horizontal dos direitos sociais,
econômicos e culturais sob as modalidades de efeito mediato ou de eficácia indireta.
Onde o efeito mediato impõe ao legislador a atração de normas sociais segundo os
direitos constitucionais sociais. A eficácia indireta, por sua vez, obriga o intérprete a
uma interpretação conforme as normas constitucionais sociais.
272
Na realidade, todos esses problemas relacionados até o presente momento ao
tratar-se dos direitos sociais ocorrem no campo prático e não no campo normativo.
Essa é a vantagem de se ter uma Constituição mais recente do que as Européias. A
Constituição brasileira de 1988 previu extensa proteção e com propriedade os
direitos fundamentais sociais.
A nova concepção de um Estado defensor dos direitos fundamentais,
penetrando nas relações entre entes particulares, somente pode ser
alcançada com a firme compreensão do Poder Judiciário e dos demais
praticantes do direito, de que o Estado está autorizado a defender,
ativamente, o particular, que tenha sido prejudicado por outro particular, e,
no caso deste ter violado normas fundamentais, está mais do que
autorizado, pois é seu dever eficácia positiva realizar ingerências na
autonomia privada sempre para tutela do direito fundamental.
273
O que se percebe que vem ocorrendo no Brasil é o fato de se estudar muito os
direitos fundamentais e um pouco menos os direitos fundamentais sociais, mas a
aplicação a casos concretos deixa a desejar. Os direitos fundamentais começam a
adentrar nas relações entre particulares através da sua irradiação e também
orientados pela constitucionalização do direito privado.
274
Com isso todos temos a
272
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Portugal:
Almedina, s/d, p. 473.
273
MOREIRA, Eduardo Ribeiro. Obtenção dos direitos fundamentais nas relações entre particulares.
Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2007, p. 225.
274
MOREIRA, Eduardo Ribeiro. Obtenção dos direitos fundamentais nas relações entre particulares.
Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2007, p. 226.
92
perder, pois os conforme Fernandéz-Largo, os direitos fundamentais sociais são
direitos “a satifacer las necesidades básicas de toda persona.”
275
Os direitos fundamentais sociais foram objeto de estudo deste capítulo. A função
social da posse enquanto instrumento de efetivação dos direitos fundamentais ao
trabalho e à moradia será objeto de estudo do próximo capítulo.
VER FÉRNANDEZ-LARGO P. 186 E SS.
275
FERNÁNDEZ-LARGO, Antonio Osuna. Los derechos humanos: ámbitos y desarrollo. Madrid:
Editorial San Esteban, 2002, p. 186.
93
3 A FUNÇÃO SOCIAL DA POSSE, NO DIREITO BRASILEIRO ATUAL,
ENQUANTO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
AO TRABALHO E À MORADIA
Quando se fala em função social, inevitável é a visão através da lente da
Sociologia, isso porque é na realidade social que se deve buscar os subsídios para a
fundamentação na seara do Direito.
276
Nas palavras de Albuquerque “a função social
é hoje uma das perspectivas da Dogmática Jurídica, tratando-se de verdadeiro
princípio diretivo do ordenamento jurídico e não só uma fórmula verbal dirigida
unicamente ao direito de propriedade, [...]”
277
Duguit é considerado o pai da idéia de que os direitos se justificam pela
missão social para a qual devem contribuir. Segundo este mesmo autor, a
propriedade não deve servir de especulação imobiliária, devendo o próprio
proprietário cultivá-la,
Ante todo, el propietario tiene el deber y el poder de emplear la riqueza que
posee en la satisfacción de sus necesidades individuales. Pero, bien
entendido, que no se trata más que de los actos que corresponden al
ejercicio de la libertad individual, tal como anteriormente la he definido, es
decir, al libre desenvolvimiento de la actividad individual. Los actos
realizados en vista de este fin serán protegidos. Aquellos que no tienen este
fin, y que, por otra no persiguen un fin de utilidad colectiva, serán contrarios
a la ley de la propiedad y podrán dar lugar a una represión o a una
reparación.
278
Como se pode observar, a expressão “função social” é cerceada de profunda
imprecisão, sobretudo de um conceito jurídico. Perlingieri por sua vez refere-se ao
conteúdo da função social da seguinte forma: “[...] o conteúdo da função social
assume um papel de tipo promocional, no sentido de que a disciplina das formas de
propriedade e as suas interpretações deveriam ser atuadas para garantir e para
promover os valores sobre os quais se funda o ordenamento.”
279
276
MORAES, José Diniz de. A função social da propriedade e a constituição federal de 1988. São
Paulo: Malheiros Editores Ltda, 1999, p. 14.
277
ALBUQUERQUE, Ana Rita Vieira. Da função social da posse e sua conseqüência frente à
situação proprietária. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002, p. 7.
278
DUGUIT, León. Las transformaciones generales del derecho privado desde el código de Napoleón.
Tradución de Carlos G. Posada, 2. ed. Madri: Libreria Espanola y extranjera, 1902, p. 186.
279
PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: Introdução ao direito civil constitucional. 3. ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 2002, p. 226.
94
Antes mesmo de se adentrar no conteúdo da função social, deve-se fazer a
definição do que seja posse e propriedade, e, para tal, se faz necessário as
definições segundo Pipes
280
:
Posse refere-se ao controle físico de bens, materiais ou incorpóreos, sem
que se um título formal a eles: é a propriedade de facto, não de jure. Ela
é habitualmente justificada pelo uso prolongado e/ou herança dos
progenitores de alguém, o que na lei inglesa é chamado de “prescrição”,
assegurada pela força física e apoio tácito da comunidade. [...]
Propriedade refere-se ao direito do proprietário ou proprietários,
formalmente reconhecido(s) por autoridade pública, tanto para explorar bens
excluindo quaisquer outras pessoas como para dispor dos mesmos para
venda e demais fins comerciais.(grifos do autor)
281
Esta definição é fundamental para o presente estudo, até mesmo porque, a
maioria dos autores não a faz. E também para posterior entendimento de nosso
tema. Sabe-se que estudar a posse e a propriedade é um tanto profundo, quiçá sua
funcionalização, por esta razão deve-se ter alguns conceitos, como estes, bastante
evidenciados ao longo desse estudo, até mesmo porque “é muito difícil manter a
distinção legal entre posse e propriedade.”
282
3.1 A propriedade
Platão e Aristóteles discutem a propriedade sob quatro enfoques principais,
quais sejam: em relação à política, à ética, à economia e à psicologia. Isso ocorreu
durante os últimos três mil anos. Foi no século IV a.C., que a discussão sobre a
propriedade alcançou um nível mais elevado e abstrato com as discussões sobre o
princípio do direito natural. Isso ocorreu depois da morte de Platão e Aristóteles.
Hodiernamente a propriedade é trazida sob o enfoque da moral em confronto com o
aspecto pragmático. Neste sentido, a propriedade deve ser estudada sob dois
aspectos, o primeiro deles como conceito e o segundo como instituição.
283
280
PIPES, Richard, polonês, educado nas universidades de Harvard e Cornell, foi professor na
Universidade de Harvard de 1950 até sua aposentadoria, em 1996. Trabalhou no Conselho Nacional
de Segurança, entre 1981 e 1982, durante o governo do presidente Ronald Reagan, como diretor do
Departamento de Assuntos Soviéticos e Leste Europeu.
281
PIPES, Richard. Propriedade e liberdade. Tradução de Luiz Guilherme B. Chaves e Carlos
Humberto Pimentel Duarte da Fonseca. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 19.
282
PIPES, Richard. Propriedade e liberdade. Tradução de Luiz Guilherme B. Chaves e Carlos
Humberto Pimentel Duarte da Fonseca. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 20.
283
PIPES, Richard. Propriedade e liberdade. Tradução de Luiz Guilherme B. Chaves e Carlos
Humberto Pimentel Duarte da Fonseca. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 24-28, passim.
95
Na Antigüidade Clássica, a propriedade tinha caráter individualista. No final da
Idade Média a Igreja passou a defender a propriedade como um princípio, surgindo,
assim, a propriedade privada. Isso ocorreu no início do século XIV, quando Filipe IV,
rei da França, “o Belo” necessitou de dinheiro para financiar sua guerra contra a
Inglaterra, criou um imposto ao clero, proibiu a exportação de metais preciosos,
incluindo os rendimentos do papa. Desta forma, os teólogos passaram a se referir à
propriedade como um direito inalienável, isso tudo para proteger os bens do clero
dos confiscos da coroa. Claro que a primeira propriedade a ser protegida era a da
Igreja e depois a propriedade em geral.
284
No final da Idade Média, com a expansão do comércio, a propriedade tomou
um novo significado, O que antes significava apenas terra, passou a significar
também capital (no sentido de bem pessoal), isso em algumas partes da Europa.
“Uma mudança de atitude seguiu-se então: enquanto nas discussões teórica do
milênio precedente a propriedade havia sido tratada como um mal necessário, agora
ela podia ser vista como um bem positivo.” Sentimento este que prevaleceu até
metade do século XVIII.
285
Segundo Pipes, foram dois fatores que contribuíram para a ascendência da
propriedade. O primeiro, foi a crescimento do individualismo, “A propriedade
individual, por sua vez, passou a ser considerada o prêmio por uma vida sensata.”
286
O segundo, é a Lei da Natureza, onde a propriedade privada é inviolável,
Eles reviveram a idéia, fértil em potencial revolucionário, de que a Lei da
Natureza antecipava as leis positivas, e de que todos os seres humanos
possuíam direitos inatos que os governos o poderiam violar porque os
estados haviam sido formados com o propósito expresso de protegê-los.
287
No século XVIII, passou-se a acreditar que a política era uma função da
propriedade (ao menos na Inglaterra, onde a terra era escassa) e, desta forma,
somente os proprietários podiam participar da política. A propriedade passa a ser um
284
PIPES, Richard. Propriedade e liberdade. Tradução de Luiz Guilherme B. Chaves e Carlos
Humberto Pimentel Duarte da Fonseca. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 36-39, passim.
285
PIPES, Richard. Propriedade e liberdade. Tradução de Luiz Guilherme B. Chaves e Carlos
Humberto Pimentel Duarte da Fonseca. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 47.
286
PIPES, Richard. Propriedade e liberdade. Tradução de Luiz Guilherme B. Chaves e Carlos
Humberto Pimentel Duarte da Fonseca. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 47.
287
PIPES, Richard. Propriedade e liberdade. Tradução de Luiz Guilherme B. Chaves e Carlos
Humberto Pimentel Duarte da Fonseca. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 48.
96
pré-requisito para privilégios. As mudanças vieram no final do século XVIII, com o
socialismo filosófico, um movimento intelectual puro que buscava a perfectibilidade
humana e via a propriedade como o fator que mais aumentava as desigualdades
sociais. Contrário a esta idéia, Bodin Grotius, Harrington e Locke, consideravam que
a propriedade era anterior à soberania, onde o estado natural era a representação
da liberdade e da igualdade. Já Hobbes e Filmer não pensam assim.
288
Pois a propriedade, para Locke, parece simbolizar os direitos em sua forma
concreta, ou talvez, melhor que isso, estabelecer o tema tangível dos
poderes e atitudes de um indivíduo. É porque podem ser simbolizados
enquanto propriedade, enquanto algo que o homem pode conceber como
distinguível de si próprio – embora faça também parte de si próprio -, que os
atributos de um homem, tais como sua liberdade, sua igualdade, seu poder
de executar a lei da natureza, podem tornar-se tema de seu consentimento,
tópico de qualquer negociação com seus semelhantes.
289
Hoje, sabe-se que a doutrina de Locke sobre a propriedade, apresentou-se
incompleta, mas foi utilizada para dar continuidade a uma sociedade política e unir
uma geração a outra. Serviu também para observar o modo como os homens
analisavam as origens sociais e políticas.
290
Para Locke, a teoria do trabalho
fundamenta a propriedade. A abolição dos direitos feudais era justificada através da
consagração dos direitos de propriedade. Em agosto de 1789, a Assembléia
Nacional adotou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, afirmando ser
a propriedade um dos “naturais e imprescritíveis direitos do homem”.
291
no século XIX, A propriedade adquiriu status de instituição inviolada,
protegida dos abusos do Estado por constituições e de usurpações pela lei civil.”
292
Isso até meados deste século, quando as fortunas capitalistas foram largamente
expandidas e conseqüentemente houve um aumento das desigualdades sociais. Na
288
PIPES, Richard. Propriedade e liberdade. Tradução de Luiz Guilherme B. Chaves e Carlos
Humberto Pimentel Duarte da Fonseca. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 57.
289
LOCKE, John. Dois tratados sobre o governo. Tradução de Julio Fischer. São Paulo: Martins
Fontes, 2001, p. 150.
290
LOCKE, John. Dois tratados sobre o governo. Tradução de Julio Fischer. São Paulo: Martins
Fontes, 2001, p. 155-6, passim.
291
Na definição romana de propriedade, baseada nos artigos 544 e 545 do Código Napoleônico.
“Propriedade é o direito de usufruir e dispor de objetos da mais absoluta forma, levando-se em conta
que ninguém não faça uso dela de alguma maneira proibida por lei ou regulamentações. Ninguém
pode ser forçado a desistir de sua propriedade a menos que seja para o bem público e por meio de
justa e prévia indenização.”
292
PIPES, Richard. Propriedade e liberdade. Tradução de Luiz Guilherme B. Chaves e Carlos
Humberto Pimentel Duarte da Fonseca. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 67.
97
segunda metade deste culo, começaram os ataques à instituição da propriedade,
fato este devido ao capitalismo e ao industrialismo
293
.
Assim, às vésperas do século XX, os liberais começaram a aceitar
restrições à propriedade privada. Eles o fizeram para submeter os direitos
de propriedade ao teste da justiça social e para investir o Estado da
autoridade moral para restringir o direito à posse absoluta em favor do bem
comum.
294
Como se viu, após a Revolução Francesa, a propriedade assumiu caráter
individualista e, no século XX, foi acentuado o caráter social. Esse caráter social
chega a extremos, como se pode observar na obra de Rawls, Uma teoria da justiça,
quando ele traça dois princípios da justiça:
Primeiro: cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema
de liberdades básicas iguais que seja compatível com um sistema
semelhante de liberdades para as outras.
Segundo: as desigualdades sociais e econômicas devem ser ordenadas de
tal modo que sejam ao mesmo tempo (a) consideradas como vantajosas
para todos dentro dos limites do razoável, e (b) vinculadas a posições e
cargos acessíveis a todos.
295
Com base nesses princípios este autor desenvolve sua teoria, que almeja um
ideal de igualdade e, segundo Pipes, “O ideal de Rawls, como em todas as utopias
sociais, é um perfeito igualitarismo: proventos e riquezas devem ser repartidos
igualitariamente, [...]”. Mais adiante este mesmo autor compila a novidade da obra de
Rawls, “A novidade relativa do livro está na sua insistência em aplicar o princípio da
igualdade o apenas a bens materiais, mas também à inteligência e às habilidades
inatas.”
296
Todos os argumentos impostos à propriedade, no século XX, estão
relacionados com as desigualdades da riqueza.
A nova tendência ganhou força após a Segunda Guerra Mundial contra o
pano de fundo de uma disputa aberta entre o comunismo e as economias
de mercado. A vitória dos Aliados contra as potências do Eixo criou uma
situação sem precedentes; pela primeira vez na história dois regimes
293
Neste período, um comunista chamado Babeuf e seus seguidores, chegaram a conclusão de que
a Revolução Francesa deveria ser abandonada e seguida uma revolução social, que implantaria a
liberdade com igualdade. Essa igualdade foi interpretada por Locke como igualdade de oportunidade
e sendo assim, era um aspecto de liberdade. Mas, para Babeuf significava igualdade de
remuneração.
294
PIPES, Richard. Propriedade e liberdade. Tradução de Luiz Guilherme B. Chaves e Carlos
Humberto Pimentel Duarte da Fonseca. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 82.
295
RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução de Almiro Pisetta e Lenita Maria Rímoli Esteves. 2.
ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 64.
296
PIPES, Richard. Propriedade e liberdade. Tradução de Luiz Guilherme B. Chaves e Carlos
Humberto Pimentel Duarte da Fonseca. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 85.
98
economicamente opostos um baseado num monopólio econômico do
Estado (ou, mais acuradamente, do partido comunista), o outro na iniciativa
privada lutavam frente a frente, e faziam isso numa atmosfera de forte
rivalidade política
. Esse confronto colocava os princípios da propriedade
pública e da propriedade privada, antes comparados teoricamente, em
confronto direto. E não pode haver dúvida como a que o século XX
esclareceu, de que o princípio da propriedade privada triunfou durante todo
o tempo. [...].
297
O culo XX passou e a propriedade foi acentuada de caráter social. No início
do século XXI continua-se vislumbrando a propriedade com o caráter social, ou seja,
a propriedade atende os anseios da sociedade se a ela estiverem presentes os
requisitos essenciais da função social, é desta maneira, que se passa à análise da
função social da propriedade. “Nos últimos anos, graças sobretudo ao
reconhecimento operado pela atual Constituição de que a propriedade deve atender
também aos interesses da sociedade, muito tem-se escrito e debatido acerca da
função social da propriedade.”
298
3.2 A função social da propriedade
O cumprimento da função social da propriedade está assegurado no artigo 182,
parágrafo , incisos I, II e III, da Constituição Federal. Mas este princípio nem
sempre esteve presente nas Constituições brasileiras que, estavam limitadas ao
direito de propriedade (Constituições de 1824 e 1891, em seus artigos 179 e 72,
respectivamente). Surgindo, de forma expressa, pela primeira vez na Constituição de
1934, no artigo 113, n° 17, que garantia o direito de propriedade à favor do interesse
social e coletivo. O uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social. A lei
poderá, com observância do disposto no art. 141, § 16, promover a justa distribuição
da propriedade com igual oportunidade para todos”, reconhecendo desta forma, o
princípio da função social da propriedade, ou seja, o exercício do direito de
propriedade estava condicionado a um fim social.
Os dois blocos não eram polarizados por completo. Os países comunistas toleravam um pouco de
setor privado na agricultura (na Polônia, chegava a ser maior do que o setor estatal) e a então
chamada “segunda economia”, um eufemismo para o mercado negro. As democracias industriais, por
seu lado, por meio de vários dispositivos, principalmente a taxação, mas também a legislação
antitruste e outros meios reguladores, evitavam disparidades extremas na distribuição de riqueza,
assim como o desenvolvimento desenfreado da iniciativa privada. Mesmo assim, os dois blocos
operavam baseados em princípios fundamentalmente diferentes.
297
PIPES, Richard. Propriedade e liberdade. Tradução de Luiz Guilherme B. Chaves e Carlos
Humberto Pimentel Duarte da Fonseca. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 87.
298
GONDINHO, André Osório. Função social da propriedade. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.).
Problemas de direito civil – constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 398.
99
Através da Emenda Constitucional 10/64, alterando o artigo 46 da Constituição
Federal de 1946, foi promulgada a Lei 4.504/64 Estatuto da Terra, que previu a
hipótese de desapropriação para fins de reforma agrária com base no interesse
social, para cumprimento da função social da propriedade rural.
Da mesma forma a Constituição de 1967, em seu artigo 153, § 22, reproduziu o
texto da Constituição de 1946, mas avançou no que se refere ao princípio da função
social.
299
Por sua vez, a Constituição Federal de 1988 elenca o princípio da função
social da propriedade de forma muito clara e em vários momentos. Como no Título
II, Capítulo I, “Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”, artigo , incisos XXII
“é garantido o direito de propriedade” e XXIII “a propriedade atenderá a sua função
social”. Posteriormente, no Título VII, Capítulo I, “Dos Princípios Gerais da Atividade
Econômica”, artigo 170 “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho
humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna,
conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I
soberania nacional; II propriedade privada; III função social da propriedade; (...)”.
nas palavras de Albuquerque:
Com a Constituição de 1988, a propriedade transmudou seu caráter
constitucional individualista em um instituto de natureza social que vai
além da simples limitação do direito de propriedade, não pretendendo o
legislador apenas conciliar o interesse proprietário com um programa social,
inserido, no caso brasileiro, no âmbito da “Política Urbanística” e da “Política
Agrária” (arts. 182 e 184, CF) mas representa uma alteração em seu
conteúdo, submetendo os interesses patrimoniais aos princípios
fundamentais do ordenamento (arts. 1° ao 5°, CF).
300
Todavia, existem outras situações expostas pela Constituição Federal de 1988
que demonstram o princípio da função social da propriedade. Como exemplo, pode-
se citar o artigo 156, parágrafo primeiro, o qual diz que, o imposto sobre a
propriedade predial e territorial urbana “poderá ser progressivo, nos termos da lei
municipal, de forma a assegurar o cumprimento da função social da propriedade”.
299
“Artigo 160. A ordem econômica e social tem por fim realizar o desenvolvimento nacional e a
justiça social, com base nos seguintes princípios: I – liberdade de iniciativa; II valorização do
trabalho como condição da dignidade humana; III função social da propriedade; IV harmonia e
solidariedade entre as categorias sociais de produção; V repressão ao abuso do poder econômico,
caracterizado pelo domínio dos mercados, a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos
lucros; e VI – expansão das oportunidades de emprego produtivo”.
300
ALBUQUERQUE, Ana Rita Vieira. Da função social da posse e sua conseqüência frente à
situação proprietária. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002, p. 51.
100
Outro exemplo está no Capítulo II, Título VII, “Da Ordem Econômica e Financeira”,
artigo 182, caput, “A política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder
Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar
o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de
seus habitantes”. Artigo 182, parágrafo segundo “A propriedade urbana cumpre sua
função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade
expressas no plano diretor”. No Capítulo III, “Da Política Agrícola e Fundiária e da
Reforma Agrária”, artigo 184, caput, “Compete à União desapropriar por interesse
social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua
função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com
cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a
partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei”. o
artigo 185, “São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária: I - a
pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu
proprietário não possua outra; II a propriedade produtiva. Parágrafo único. A lei
garantirá tratamento especial à propriedade produtiva e fixará normas para o
cumprimento dos requisitos relativos à função social”. Esses requisitos são definidos,
em partes, no artigo 186 , “A função social é cumprida quando a propriedade rural
atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em
lei, aos seguintes requisitos: I aproveitamento racional e adequado; II utilização
adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III
observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV exploração
que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores”.
Além da legislação acima elencada, existem outros artigos que, de uma forma
ou de outra abordam o princípio da função social da propriedade, como o parágrafo
quarto do artigo 182; artigo , XXIV, através da e xpressão interesse social; artigo
173, caput, através da expressão interesse coletivo. Apesar de toda previsão
constitucional, a função social da propriedade apresenta problemas, um referente a
terrenos urbanos, quando prevê no artigo 182 que “a propriedade urbana cumpre
sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da
cidade expressas no plano diretor”. Pergunta-se: e as cidades que não possuem
plano diretor? Outro referente a terras rurais, pois o artigo 186 da Constituição
Federal diz que “a função social é cumprida quando a propriedade rural atende,
simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos
101
seguintes requisitos: I aproveitamento racional e adequado; II [...]”. Esses
critérios são demasiado subjetivos.
301
Neste mesmo sentido,
[...] para que a propriedade rural cumpra sua função social: aproveitamento
racional e adequado; utilização adequada dos recursos naturais disponíveis
e preservação do meio ambiente; observância das disposições que regulam
as relações de trabalho; exploração que favoreça o bem-estar dos
proprietários e dos trabalhadores.
302
Sabe-se, portanto, que o direito de propriedade não é reconhecido em função
da sociedade, mas sim deve ser exercido em função desta. A propriedade imóvel,
seja ela urbana ou rural, deve ser utilizada de acordo com sua função social,
privilegiando “o direito de moradia e o direito à terra agrária, em detrimento do direito
de especulação, fruto do individualismo (egoísmo) jurídico.” Desta forma, a função
social da propriedade torna-se um direito humano fundamental, protegido
constitucionalmente.
303
o Código Civil contempla o princípio da função social da propriedade no
artigo 1.228 e o Estatuto da Cidade assegura a função social da propriedade através
dos institutos do parcelamento, da edificação ou da utilização compulsórios, IPTU
progressivo no tempo, desapropriação com pagamento em títulos, usucapião
especial de imóvel urbano,
Por tais perspectivas, urge conhecer a usucapião especial e constitucional
como instrumento de efetivação da função social da propriedade urbana
para fins precípuos de garantir o direito à cidade daqueles que perfizeram
as exigências demandas pela norma sob análise, sem pormenorizar
detalhamentos teleológicos do instituto que a própria regra não discrimina,
sob pena mesmo de se inviabilizar situações fáticas de moradias
consumadas no território nacional e que se enquadram perfeitamente nos
limites objetivos demarcados pela prescrição jurídica própria.
304
301
NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do. Posse e propriedade. 3. ed. Ver. Atual. Porto Alegre:
Livraria do Advogado Aditora, 2003, p. 116. Este mesmo autor, na mesma obra e página, relata ainda
que “O Código Civil de Bevilacqua não teve qualquer dispositivo concernente à função social; a
omissão foi por inteiro. Explica-se o silêncio. O Código foi editado quando em vigor a Constituição de
1891, também omissa a respeito da função social. Foi a Constituição de 1934 que introduziu a
garantia. Nesta época, o Código de 1916 estava editado. O Código Civil de 2002 não poderia
deixar de enfrentar a matéria relativa à função social da propriedade. Não se omitiu.”
302
GOMES, Orlando. Direitos reais. 19. ed. Atualizada por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro:
Forense, 2004, p. 131.
303
GONDINHO, André Osório. Função social da propriedade. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.).
Problemas de direito civil – constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 400.
304
LEAL, Rogério Gesta. Direito Urbanístico: condições e possibilidades da constituição do espaço
urbano. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 120.
102
Como se pode observar, a concepção de propriedade sofreu inúmeras
mudanças, quer seja a função finalista, quer seja a forma de utilização da
propriedade ou ainda, a superação do modelo individualista. Conforme esta doutrina,
“O homem nasce “livre”, isto é, desfruta o direito de desenvolver plenamente a sua
atividade física, intelectual e moral, e, nesse sentido, pertence-lhe o direito de
desfrutar o produto dessas atividades.” O direito natural é compreendido como ideal
e absoluto. Esta doutrina também foi a responsável pela concessão, pela primeira
vez, dos limites do poder do Estado pelo direito, apesar de não ser exata em seus
fundamentos. Ela subentende a igualdade dos homens, onde todos nascem com os
mesmos direitos. Encontrou a forma precisa e acabada na “Declaração dos Direitos”
de 1789.
305
Como se disse anteriormente, este modelo foi superado pela doutrina
socialista. Nesta doutrina, se “fundamenta o direito no caráter social e nas
obrigações sociais do indivíduo.”
306
“O homem vive em sociedade e somente assim
pode viver; a sociedade mantém-se apenas pela solidariedade que une seus
indivíduos.” Conseqüentemente a regra do direito é social, mas também é individual
porque se aplica a indivíduos que possuem consciências individuais consciência e
vontade -. O direito social não constitui uma regra ideal e absoluta, podendo
oscilar.
307
Cabe a cada cidadão desempenhar seu papel social. Esse papel existe
porque existem regras de direito a serem cumpridas, é o papel social de cada um,
realizado através da solidariedade social e da liberdade. Neste sentido Duguit é
categórico ao afirmar que,
O próprio direito de propriedade deve ser atribuído a certos indivíduos
que se encontrem numa característica situação econômica, como poder de
desempenhar livremente a missão social que lhes cabe em virtude da sua
situação especial. Concebendo o direito de propriedade como um direito
natural, baseado na idéia de que o homem, ao exercer o direito de
desenvolver plenamente uma atividade, desfruta também do direito de se
apropriar dessa atividade, chegamos conceitualmente ao comunismo;
porque todo homem que trabalha deveria ser proprietário – e o que
trabalha poderia sê-lo.
308
305
DUGUIT, Leon. Fundamentos do direito. Tradução Márcio Pugliesi. São Paulo: Ícone, 2006, p. 11.
306
DUGUIT, Leon. Fundamentos do direito. Tradução Márcio Pugliesi. São Paulo: Ícone, 2006, p. 20.
307
DUGUIT, Leon. Fundamentos do direito. Tradução Márcio Pugliesi. o Paulo: Ícone, 2006, p. 25-
27, passim.
308
DUGUIT, Leon. Fundamentos do direito. Tradução de Márcio Pugliesi. 2. ed. São Paulo: Ícone,
2006, p. 28-29.
103
Segundo Nascimento
309
, “A função social se opõe ao exercício egoístico do
direito de propriedade.” Mas isso não é tão simples assim, pode-se dizer que a
propriedade possui dupla função, uma pessoal e outra social. A pessoal quando se
refere à propriedade privada e a social quando se estende à propriedade a função
social. Tepedino e Schreiber
310
abordam que a propriedade afasta-se da antiga
concepção “de direito subjetivo absoluto, ou ainda, limitado apenas negativamente,
para converter-se em uma situação jurídica complexa, que enfeixa poderes, deveres,
ônus e obrigações [...]”.
311
Na concepção de Gonçalves,
A propriedade deixou de ser o direito subjetivo do indivíduo e tende a se
tornar à função social do detentor da riqueza mobiliária e imobiliária; a
propriedade implica para todo detentor de uma riqueza a obrigação de
empregá-la para o crescimento da riqueza social e para a interdependência
social. Só o proprietário pode executar certa tarefa social. Só ele pode
aumentar a riqueza geral utilizando a sua própria; a propriedade o é, de
modo algum, um direito intangível e sagrado, mas um direito em continua
mudança que se deve modelar sobre as necessidades sociais as quais
deve responder.
312
A concepção de propriedade “deve ser compreendida contingente, resultante
da evolução social”,
313
o direito do proprietário deve estar limitado a missão social.
Nas palavras de Duguit:
O próprio direito de propriedade deve ser atribuído a certos indivíduos
que se encontrem numa característica situação econômica, como poder de
desempenhar livremente a missão social que lhes cabe em virtude da sua
situação especial. Concebendo o direito de propriedade como um direito
natural, baseado na idéia de que o homem, ao exercer o direito de
desenvolver plenamente uma atividade, desfruta também do direito de se
apropriar dessa atividade, chegamos conceitualmente ao comunismo;
porque todo homem que trabalha deveria ser proprietário – e o que
trabalha poderia sê-lo.
314
309
NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do. Posse e propriedade. 3. ed. Ver. Atual. Porto Alegre:
Livraria do Advogado Editora, 2003, p. 116.
310
TEPEDINO, G; SCHREIBER, A.; Função social da propriedade e legalidade constitucional. Revista
Direito, Estado e Saciedade da PUC-RJ, v. 17, agosto/2000, p. 49. Neste sentido ver: TORRES,
Marcos Alcino de Azevedo. A propriedade e a posse: um confronto em torno da função social. Rio de
Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2007, p. 229 e s.
311
Neste sentido ver: TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 3 ed. Rio de Janeiro: Renovar,
2004, p. 303 e ss.
312
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 221.
313
DUGUIT, Leon. Fundamentos do direito. Tradução Márcio Pugliesi. São Paulo: Ícone, 2006, p. 29.
314
DUGUIT, Leon. Fundamentos do direito. Tradução Márcio Pugliesi. o Paulo: Ícone, 2006, p. 28-
29.
104
Eros Roberto Grau
315
e José Afonso da Silva sustentam que a propriedade é
função social. Segundo Silva, “a função social da propriedade não se confunde com
os sistemas de limitação da propriedade. Estes dizem respeito ao exercício do
direito; aquela, à estrutura do direito mesmo, à propriedade”.
316
Pietro Perlingieri
assevera que o direito de propriedade é uma situação jurídica complexa e sustenta
que a despatrimonialização generalizada do Direito Civil é dada pela pessoa
humana, onde os bens são meios para o desenvolvimento da personalidade.
317
No
mesmo sentido segue Gustavo Tepedino, quando cita por várias vezes a obra de
Perlingieri.
318
3.3 A posse
Antes de se adentrar no conteúdo da posse, faz-se necessário verificar seu
conceito. Nascimento, depois de expor as teorias de Savigny e Ihering, conclui que
“[...] posse é o que a lei diz que é posse, com base no fato social cimentado.”
319
“Posse, então, é ação, conduta dirigida à coisa, exercício.” “[...] a posse, é efeito não
necessário, mas possível.”
320
No direito brasileiro, o conceito de posse indiretamente é dado pelo artigo
1.196 do Código Civil, ao considerar possuidor toda pessoa que tem de fato o
exercício, pleno ou não, de alguns dos poderes inerentes à propriedade.
321
O
instituto avança
À medida que o século XX se dirige para uma conclusão, os benefícios da
posse privada tanto para a liberdade como para a prosperidade são
reconhecidos como jamais foram nos últimos duzentos anos. Exceto nuns
poucos oásis isolados de pobreza autoperpetuantes, como a Coréia do
Norte e Cuba, onde os comunistas estão agarrados ao poder, e exceto para
315
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica. o
Paulo: Revista dos Tribunais, 1990.
316
SILVA, José Afonso da. Direito constitucional positivo. 16 ed. São Paulo: Malheiros, p. 284.
317
PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: Introdução ao direito civil constitucional. 3. ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 2007, p. 220 e ss.
318
TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 3. ed. Revistada e atualizada. Rio de Janeiro:
Renovar, 2004, p. 303 e ss.
319
NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do. Posse e propriedade. 3. ed. Ver. Atual. Porto Alegre:
Livraria do Advogado Editora, 2003, p. 13.
320
NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do. Posse e propriedade. 3. ed. Ver. Atual. Porto Alegre:
Livraria do Advogado Editora, 2003, p. 14.
321
Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de
algum dos poderes inerentes à propriedade.
105
um número ainda considerável mas cada vez menor de acadêmicos, o ideal
da posse em comum está diminuindo em todos os lugares. Desde a década
de 1980, a “privatização” vem empolgando o mundo em um passo cada vez
mais acelerado. Assim, Aristóteles triunfou sobre Platão.
322
Diante da profunda transformação social herdada da Revolução Industrial e do
poder natural dos mais fortes sobre os mais fracos, a exemplos dos "sem terra" e
"sem teto", e desde que a posse da terra passou a ser entendida como reserva de
capital e não como fonte de riqueza pelo trabalho, passa-se a exigir dos operadores
jurídicos uma dogmática mais hermenêutica e menos analítica, voltada para as
conseqüências futuras de suas decisões, a longo prazo e não mais a curto prazo.
Vale ressaltar que a posse sempre esteve presente nos interesses da
sociedade, e segundo Albuquerque,
E é justamente por estar a posse tão arraigada à natureza humana, que na
passagem do estado natural para o estado civil, ela não se diluiu no direito
de propriedade elaborado nos moldes do estado burguês como um dos
pilares do liberalismo ascendente; ao contrário, foi digna de proteção,
servindo também como um dos sustentáculos da estado civil, sem o qual
decerto falharia a sua construção como emanação do direito de liberdade e
de igualdade, unidos pelo consenso da necessidade da paz social.
323
Inicialmente pode-se dizer que a posse vem atender o princípio da dignidade
da pessoa humana. Esta afirmação será trabalhada no decorrer da pesquisa, em
momento oportuno. E, os motivos pelos quais a posse é exercida estão
fundamentados na posse trabalho e na posse moradia, pois é nestas ramificações
da posse que vislumbramos melhor a função social da posse.
Deve-se salientar que a posse é um instituto jurídico que vem satisfazer uma
necessidade, seja ela individual ou coletiva; é a utilização de um bem segundo sua
destinação econômico-social. Essa necessidade é social e econômica, e por isso a
posse precisa de função social para cumprir os requisitos a ela atinentes.
322
PIPES, Richard. Propriedade e liberdade. Tradução de Luiz Guilherme B. Chaves e Carlos
Humberto Pimentel Duarte da Fonseca. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 88.
323
ALBUQUERQUE, Ana Rita Vieira. Da função social da posse e sua conseqüência frente à
situação proprietária. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002, p. 14.
106
3.4 A função social da posse
A função social da posse vem satisfazer uma necessidade social e econômica.
Razão pela qual não deve ser confundido com a função social da propriedade, assim
como sua utilização na doutrina e jurisprudência. Também enfatiza-se a ocorrência e
interpretação da função social da posse na legislação. A função social da posse não
constitui uma nova figura da dogmática do direito privado, mas tem a sua
importância ditada como forma de se reinterpretar o direito de posse, que deve
passar a ser contemplado sob a sua feição social, sob a importância da sua utilidade
social, o que se faz não com fulcro nos princípios constitucionais em vigor, de
onde se extrai a sua concretização e interpretação, mas com base na interpretação
sistemática do direito e no Direito Civil Constitucional.
Pode-se dizer que a função social da posse não é limitação ao direito de posse.
É sim, exteriorização do conteúdo imanente da posse, permitindo uma visão mais
ampla do instituto, de sua utilidade social e de sua autonomia diante de outros
institutos jurídicos como o do direito de propriedade. A posse possui como valores
sociais a vida, a saúde, a moradia, igualdade e justiça.
Cabe se fazer a distinção entre função social da propriedade e função social da
posse. A função social da posse é mais evidente; a posse é dinâmica em seu
próprio conceito; e, o fundamento da função social da posse revela uma expressão
natural da necessidade. A função social da propriedade é menos evidente; sua
finalidade é instituir um conceito dinâmico de propriedade em substituição do
conceito estático; e, o fundamento da função social da propriedade é eliminar da
propriedade o que há de eliminável.
107
E, pode-se elencar a dogmática jurídica materializadora da função social da
posse nos artigos 1.238, parágrafo único
324
, 1.239
325
, 1.240
326
, e, 1.242, parágrafo
único
327
do Código Civil.
Pode-se enumerar duas grandes importâncias da função social da posse: a)
Todo homem tem direito natural ao uso dos bens e à apropriação individual desses
bens através da posse, a fim de atender a necessidade individual como também
para proporcionar vantagens para o bem comum; e, b) Essa importância vem ditada,
não pelo contato do homem com a terra, mas pelo aproveitamento do solo pelo
trabalho de acordo com as exigências pessoais e sociais, transformando a natureza
em proveito de todos.
A função social da posse vem, deste modo, atender o princípio da dignidade da
pessoa humana e isso se perfectibiliza através da posse trabalho e da posse
moradia, esses são também os motivos pelos quais a posse é exercida
328
. Essa
idéia de posse trabalho, traz, mais uma vez, a função social da posse.
Desta forma, a função social da posse não é limitação ao direito de posse, mas
sim a exteriorização do conteúdo agregado da posse, o que permite uma visão mais
ampla do instituto, de sua utilidade social e de sua autonomia diante de outros
institutos jurídicos como o do direito de propriedade.
324
“Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um
imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título de boa-fé; podendo requerer ao juiz
que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de
Imóveis. Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor
houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter
produtivo.”
325
“Art. 1.239. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como sua, por
cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural não superior a cinqüenta
hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-
lhe-á a propriedade.”
326
“Art. 1.240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de a duzentos e cinqüenta metros
quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de
sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.”
327
“Art. 1.242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente,
com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos. Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo
previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro
constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem
estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico.”
328
Nesse sentido, é de se ressaltar que a formulação da posse trabalho e da posse moradia integram
a substância do novo direito civil projetado.
108
Como bem se sabe, a função social da posse não está expressamente
disposta no ordenamento jurídico brasileiro, apenas a posse que está prevista nos
artigos 1.197 ao 1.225 do digo Civil. a função social da posse está presente
nos princípios constitucionais, nos interesses da sociedade, e nas decisões dos
Tribunais como se pode ver:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DEMOLITÓRIA. CASA, EM FAVELA,
CONSTRUÍDA JUNTO À VIA FÉRREA. IRREGULARIDADE.
INEXISTÊNCIA DE PROJETO E ALVARÁ DE EDIFICAÇÃO. APELAÇÃO A
QUE SE NEGA PROVIMENTO.Necessidade de se analisar não apenas o
aspecto técnico-jurídico da questão, como, também, seu aspecto sócio-
econômico. Para ser possível a demolição, tem o Município que assegurar à
apelada outra habitação que garanta sua dignidade como pessoa humana.
APELAÇÃO PROVIDA, VOTO VENCIDO. (Apelação Cível n° 70008877755,
Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator. Vasco Della
Giustina, Julgado em 18/08/2004).
329
Entretanto, o Deputado Federal, Ricardo Fiúza é autor do Projeto 6.960/02
que tem por objetivo alterar a redação do artigo 1.196 do Código Civil
330
, passando a
ter a seguinte redação:
[...] considera-se possuidor todo aquele que tem poder fático de ingerência
sócio-econômica, absoluto ou relativo, direto ou indireto, sobre determinado
bem da vida, que se manifesta através do exercício ou possibilidade de
exercício inerente à propriedade ou outro direito real suscetível de posse.
Desta forma, a função social da posse passará a fazer parte da seara jurídica
de uma forma bastante lida. Sem dúvidas que a redação proposta no projeto é
muito melhor do que a atual do artigo 1.196. Afasta-se, desta forma, as duas teorias
que até o presente momento nortearam o instituto da posse, ou seja, a teoria
objetiva que, teve como principal defensor Ihering e a teoria subjetiva de Savigny.
Apesar da função social da posse ser trabalhada apenas com princípios
constitucionais positivados e implícitos à codificação emergente, isso não a torna
menos importante que a função social da propriedade, por exemplo, mas não se
329
BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. APELAÇÃO CÍVEL. CONSTITUCIONAL,
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DEMOLITÓRIA. CASA, EM FAVELA,
CONSTRUÍDA JUNTO À VIA FÉRREA. IRREGULARIDADE. INEXISTÊNCIA DE PROJETO E
ALVARÁ DE EDIFICAÇÃO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. Disponível em: www.tj.rs.gov.br.
Acesso em: 11 de novembro de 2005.
330
A atual redação do artigo 1.196, é a seguinte: Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato
o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.
109
deve confundir os institutos, pois eles o autônomos e independentes. A função
social da posse relaciona-se com o uso da propriedade, alterando, alguns aspectos
pertinentes a essa relação externa que é o seu exercício. E por uso da propriedade
é possível verificar o modo com que o exercidas as faculdades ou os poderes
inerentes ao direito de propriedade.
a função social da posse está em um plano distinto, pois a função social é
mais evidente na posse e muito menos na propriedade, que mesmo sem o uso pode
se manter como tal. O fundamento da função social da propriedade é eliminar da
propriedade privada o que há de eliminável, ou seja, tem limitações fixadas no
interesse público e tem a finalidade de instituir um conceito dinâmico à propriedade.
O fundamento da função social da posse, por sua vez, revela uma expressão natural
da necessidade.
A função social da posse como princípio constitucional positivado, além de
atender à unidade e completude do ordenamento jurídico, é exigência da
funcionalização das situações patrimoniais, especificamente para atender as
exigências de moradia, de aproveitamento do solo, bem como aos
programas de erradicação da pobreza, elevando o conceito da dignidade da
pessoa humana a um plano substancial e o meramente formal. É forma
ainda de melhor se efetivar os preceitos infraconstitucionais relativos ao
tema possessório, que a funcionalidade pelo uso e aproveitamento da
coisa juridiciza a posse como direito autônomo e independente da
propriedade, retirando-a daquele estado de simples defesa contra o
esbulho, para se impor perante todos.
331
a função social da propriedade está integrada ao conteúdo do direito de
propriedade, assumindo aspectos diversos da função social da posse, como se pode
verificar:
A função social (da propriedade) está integrada, pois ao conteúdo mínimo
do direito de propriedade, e dentro deste conteúdo está o poder do
proprietário de usar, gozar e dispor do bem, direitos que podem ser objetos
de limitações que atentem a interesses de ordem pública ou privada. [...] A
função social da propriedade assume dois relevantes aspectos, [...] o
primeiro, se referindo aos aspectos estático da propriedade, da sua
apropriação, estabelecendo limites para a extensão e aquisição da
propriedade por parte do proprietário. O segundo, legitimando a obrigação
de fazer ou de não fazer, incidindo diretamente sobre a atividade de
desfrutamento e de utilização do bem e condicionando a estrutura do direito
e o seu exercício.
332
331
ALBUQUERQUE, Ana Rita Vieira. Da função social da posse e sua conseqüência frente à
situação proprietária. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002, p. 40.
332
ALBUQUERQUE, Ana Rita Vieira. Da função social da posse e sua conseqüência frente à
situação proprietária. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002, p. 53-54
110
A função social da posse vem ao encontro do princípio da igualdade, eleva o
conceito da dignidade da pessoa humana, fortalece a idéia de Estado Democrático
de Direito e ameniza as necessidades vitais da sociedade, como a moradia e o
trabalho, além de outros valores sociais, como o valor à vida, à saúde, à igualdade, à
cidadania e à justiça. Vale dizer, que a função social do instituto da posse é
estabelecida pela necessidade social, pela necessidade da terra para o trabalho,
para a moradia, ou seja, para as necessidades básicas que pressupõem a dignidade
do ser humano.
Neste sentido, a função social da posse não significa uma limitação ao direito
de posse, mas a exteriorização do conteúdo imanente da posse. Isso nos permite
uma visão mais ampla do instituto, de sua utilidade social e de sua autonomia diante
de outros institutos jurídicos, como por exemplo, o direito de propriedade.
A posse é reconhecida em dois momentos, o primeiro deles é o momento da
violação e o segundo é quando ela cumpre sua função social, neste sentido,
complementa Albuquerque:
A função social da posse representa uma alteração do paradigma do
conceito da posse, maximizando-o, para visualizar, ao lado dos elementos
internos, que são a apreensão física da coisa e a vontade, um outro
elemento que compõe esta vontade, qual seja, a sua utilização econômica,
e um elemento externo – a consciência social, tal como proposta pela
doutrina de Saleilles.
333
a dogmática jurídica materializadora da função social da posse pode ser
abordada na legislação através dos seguintes artigos: 1.238, parágrafo único, 1.239,
1.240 e 1.241, parágrafo único. Onde, no artigo 1.238, parágrafo único, a
usucapião extraordinária, que conseqüentemente admite que o proprietário perca o
domínio em favor de um número considerável de pessoas, tendo em vista os limites
da função social deste imóvel.
333
ALBUQUERQUE, Ana Rita Vieira. Da função social da posse e sua conseqüência frente à
situação proprietária. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002, p. 208.
111
No artigo 1.239
334
, do Código Civil, a usucapião especial de imóvel rural,
que traz como um dos requisitos a fixação de residência na área e a produção, ou
seja, a função social da posse. No artigo 1.240
335
, do Código Civil, a usucapião
especial urbana, onde um dos requisitos é a moradia do requerente e sua família; e,
por fim o artigo 1.241, parágrafo único
336
, do digo Civil, aborda o justo título
decorrido da posse unida ao tempo.
Percebe-se nos parágrafos únicos dos artigos 1.238
337
e 1.242
338
, do digo
Civil, a redução dos prazos para a usucapião extraordinária e ordinária,
respectivamente, nos casos em que a posse seja exercida com finalidade de
trabalho e moradia. Na usucapião extraordinária o prazo é reduzido de 15 (quinze)
para 10 (dez) anos; e, na ordinária de 10 (dez) para 5 (cinco) anos. Entende-se que
nos dois casos pode-se dizer que a redução acontece diante da situação da posse
trabalho para os casos em que aquele que tem a posse, utiliza o imóvel com intuito
de moradia, ou realiza obras e investimentos de caráter produtivo, com relevante
caráter social e econômico pode usucapí-lo. Essas reduções estão de acordo com a
solidariedade social, com a proposta de erradicação da pobreza e, especificamente,
com a proteção do direito à moradia, prevista no artigo 6° da Constituição Federal.
Também não se pode deixar de ressaltar os parágrafos 4º e do artigo
1.228
339
, do Código Civil, onde o dispositivo do parágrafo quarto elenca a perda da
334
“Art. 1.239. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como sua, por
cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural não superior a cinqüenta
hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-
lhe-á a propriedade.”
335
“Art. 1.240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de a duzentos e cinqüenta metros
quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de
sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.”
336
“Art. 1.241. [...]. Parágrafo único. A declaração obtida na forma deste artigo constituirá título hábil
para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.”
337
“Art. 1.238. Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o
possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços
de caráter produtivo.”
338
“Art. 1.242. Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver
sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada
posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado
investimentos de interesse social e econômico.”
339
“Art. 1.228. [...]
§ O proprietário também pode ser privado da cois a se o imóvel reivindicado consistir em extensa
área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas,
e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo
juiz de interesse social e econômico relevante.
§ No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixar á a justa indenização devida ao proprietário; pago
o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores.”
112
propriedade, ou seja, o proprietário é privado da coisa esbulhada em troca de uma
indenização a título de desapropriação indireta em favor de um particular; e, o
parágrafo quinto aborda as questões referentes ao pagamento da indenização e o
registro da sentença. A desapropriação judicial é dada pela posse-trabalho que
demonstra, mais uma vez, a função social da posse.
E, para finalizar precisa-se definir qual é o objetivo da função social da posse
que, segundo Albuquerque:
A função social da posse tem por objetivo instrumentalizar a justiça com
nossos próprios valores e experiências históricas, rompendo o
condicionamento histórico herdado das sociedades européias e
harmonizando o instituto da posse com nossa sociedade complexa e
pluralista do século XXI, profundamente conflituosa e marcada por grandes
diferenças sociais.
340
Diante o exposto percebe-se que a função social da posse é um instrumento de
grande valia para a sociedade atual, em destaque para a sociedade brasileira, que
apresenta grandes índices de crescimento demográfico, concentrado índice de
pobreza na periferia e no campo, déficit de moradia, concentração de terras na mão
de poucos, entre outros tantos problemas. E, poderá ser através de institutos como o
da função social da posse que alcançaremos assegurar um Estado Democrático e
Social de Direito.
Daí a importância da função social da posse. Primeiro porque todo homem tem
direito natural ao uso dos bens e à apropriação individual desses bens através da
posse, a fim de atender a necessidade individual como também para proporcionar
vantagens para o bem comum. E, segundo porque essa importância vem ditada, não
pelo contato do homem com a terra, mas pelo aproveitamento do solo pelo
trabalho de acordo com as exigências pessoais e sociais, transformando a natureza
em proveito de todos.
Como se pode ver, a posse como instituto jurídico, possui legitimidade da lei,
mas também no fato social, uma vez que decorre na natureza do ser humano que
340
ALBUQUERQUE, Ana Rita Vieira. Da função social da posse e sua conseqüência frente à
situação proprietária. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002, p. 208.
113
antecede à lei. Isso determina a forma natural do homem utilizar a terra através da
ocupação originária.
Dizer que a função social da posse não está prevista no ordenamento jurídico
também é algo irrelevante, a posse dotada de função social pode estar em de
igualdade jurídica com o direito de propriedade e sua função. E havendo colisão
entre os princípios da função social da propriedade e da função social da posse, a
solução é dada através do caso concreto
.
3.5 A posse trabalho
Savigny e Ihering defendem a posse como poder sobre as coisas, mas Soares
é muito claro quando aborda o aspecto único da posse: o de serviço.
341
O Trabalho
um Direito Fundamental e os valores sociais do trabalho são considerados pela
Constituição Federal, logo em seu artigo
342
, no elenco que contempla,
sucessivamente, a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, seguido
pelo pluralismo político, como princípios fundamentais.
Desta forma, o legislador constituinte elevou o trabalho à condição de pilar do
Estado Democrático de Direito. Onde o trabalho é um direito universal e não é
possível, à maioria dos cidadãos, exercerem os direitos e garantias fundamentais de
uma Constituição, se aos mesmos não se permitir auferir os meios de sobrevivência
necessários à manutenção da própria vida, da integridade física e psíquica, das
liberdades, do direito à honra e dignidade. O trabalho é um direito humano
universal
343
, sendo impraticável conceber uma sociedade livre, justa e solidária,
341
SOARES, Fernando Luso. A posse: ensaio sobre a posse como fenômeno social e instituição
jurídica, prefácio à obra de Manuel Rodrigues. p. CI.
342
“Art. . A República Federativa do Brasil, formad a pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos:
I – a soberania;
II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
[...]”
343
O Direito do Trabalho tem tratamento de direito humano pois, salário é mais do que remuneração.
Salário, numa visão social, é alimento sem o qual não há vida. Daí, decorre a importância do emprego
e da diminuição da exclusão social por meio de políticas governamentais que permitam o exercício
deste direito constitucional: o de trabalhar.
114
assolada pelo desemprego e pelo desrespeito a tais direitos humanos. A evolução
do Direito do Trabalho na história do mundo é decorrente de sua sistematização
própria, deixando de ser um direito civil e partindo das relações autônomas para a
formação do alicerce social, constitucional.
344
"O homem nasce para trabalhar como
a ave para voar" (Job 5,7).
As discussões sobre o direito do trabalho são tardias, mas não cessam, e nem
poderiam, pois muito se tem a evoluir nesse ramo do direito. Prova disso é a
Declaração sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho que foi adotada
na Conferência Internacional do Trabalho da Organização Internacional do Trabalho
- OIT
345
em 18 de junho de 1998, 50 anos depois da Declaração Universal dos
Direitos Humanos
346
da ONU, e desenvolve os direitos humanos compreendidos na
área de competência da OIT.
As alterações na sociedade salarial e no mundo do trabalho podem ser assim
analisadas:
Observa-se, no universo do mundo do trabalho no capitalismo
contemporâneo, uma múltipla processualidade: de um lado, verificou-se
uma desproletarização do trabalho industrial fabril [...]. Em outras palavras,
houve uma diminuição da classe operária industrial tradicional. Mas,
paralelamente, efetivou-se uma expressiva expansão do trabalho
assalariado, a partir da enorme ampliação do assalariamento no setor de
serviços; verificou-se uma significativa heterogeneização do trabalho,
expressa também através da crescente incorporação do contingente
feminino no mundo operário; vivencia-se também uma subproletarização
intensificada, presente na expansão do trabalho parcial, temporário,
precário, subcontratado, “terceirizado” [...]
O mais brutal resultado dessas transformações é a expansão, sem
precedentes, na era moderna, do desemprego estrutural, que atinge o
mundo em escala global.
347
E, considerando o trabalho, um direito humano e fundamental, Bobbio assevera
que não basta se prever direitos humanos, é necessário efetivá-los:
344
KUHLMANN, Soraya Gulhote. O trabalho como direito fundamental. Disponível em:
http://www.catho.com.br/jcs/inputer_view.phtml?id=3239. Acesso em: 13/09/2007.
345
A OIT é a organização internacional com mandato constitucional e o órgão competente para
estabelecer Normas Internacionais do Trabalho e ocupar-se das mesmas, e que goza de apoio e
reconhecimento universais na promoção dos direitos fundamentais no trabalho como expressão de
seus princípios constitucionais.
346
Em relação aos Direitos Laborais (artigos XXIII e XXIV), tratou das três questões básicas de toda
proteção ao ser humano trabalhador: o salário justo, a limitação da jornada de trabalho e a
liberdade de associação sindical para defesa desses direitos.
347
ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do
mundo do trabalho. 4. ed. São Paulo: Cortez, 1997, p. 41.
115
[...] uma coisa é falar dos direitos humanos, direitos sempre novos e cada
vez mais extensos, e justificá-los com argumentos cada vez mais
convincentes; outra coisa é garantir-lhes uma proteção efetiva,
acrescentando à medida que as pretensões aumentam, a satisfação delas
torna-se cada vez mais difícil”.
348
Neste contexto, parece oportuna a referência à posição sustentada por Bobbio,
uma vez ser o trabalho condição de realização do homem e da sua dignidade, uma
condição plena de cidadania e uma questão essencial à liberdade da pessoa
humana. Motivos estes que levam a crer que o
Direito de apropriar-se de uma quantidade de terra necessária ao
desenvolvimento da atividade humana com seu trabalho já se conhece deste
(sic) Locke, que afirmava que a extensão de terra que um homem podia arar,
plantar, melhorar e cultivar e os produtos dela que era capaz de usar
constituíam sua propriedade. “Mediante seu trabalho, ele, por assim dizer,
delimita para si parte do bem comum”
349
350
Ou seja, a função social da posse através do trabalho não é nova. A posse
trabalho é visível no imóvel rural que tem por finalidade normal a produção de bens
alimentícios, a extração de riquezas naturais, o abastecimento de água natural, etc.
Já no imóvel urbano a destinação natural é a de moradia.
Não se pode aceitar que o acesso à terra, urbana ou rural, ocorra só para
aqueles que tenham condições de adquirir pela compra, uma vez que a
lógica do capital é injusta e não permite a democratização do acesso. Não
se pode ficar omisso a tais circunstâncias em tempo que o direito deve
valorizar o homem e não o patrimônio do homem.
351
A tradição constitucional brasileira, no campo dos direitos trabalhistas, remonta
a 1934, quando a Carta Política previu o primeiro núcleo de direitos sociais (artigos
120 -122). Passa-se pela Constituição do Estado Novo (1967), que restringiu esse
núcleo (artigo 137), pela Carta Democrática de 1946, que o ampliou notavelmente
(artigo 157), pela Constituição de 1967, emendada em 1969, com nova restrição de
348
BOBBIO, Norberto. Era dos direitos. São Paulo: Paz Terra e Política, 1986, p. 89.
349
LOCKE, John. Dois tratados sobre o governo. São Paulo: Martins Fontes. Tradução Julio Fischer,
1998, p. 412-413.
350
TORRES, Marcos Alcino de Azevedo. A propriedade e a posse: um confronto em torno da função
social. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007, p. 365-366.
351
TORRES, Marcos Alcino de Azevedo. A propriedade e a posse: um confronto em torno da função
social. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007, p. 379.
116
direitos laborais (artigo 165), até se chegar, finalmente, à Constituição de 1988, que
foi pródiga em ampliar os direitos trabalhistas (artigo 7º).
352
A Constituição de 1988 permite “ao operador maximizar sua atividade
hermenêutica visando encontrar solução para os conflitos que atenda aos princípios
e valores que consagrou, ignorando o paradigma liberal-individualista [...]” e
valorizando o sistema principiológico-valorativo.
353
É o Código Civil sendo aplicado à
partir da Constituição, da regra constitucional. O “Princípio da Interpretação
Conforme a Constituição para Miranda, consiste em um “procedimento ou regra
própria da fiscalização da constitucionalidade que se justifica em nome de um
princípio de economia do ordenamento ou de máximo aproveitamento dos atos
jurídicos”.
354
O trabalho, assim como a moradia, são considerados direitos fundamentais
sociais, pelo legislador. Para serem exercidos, independem dos direitos de
propriedade. Daí a defesa da posse funcionalizada através do trabalho e da
moradia, através do fato dela (posse) ser uma alternativa para as classes de baixa
renda que, não dispõem da propriedade. Na visão de Sarlet, a falta de propriedade
não privará ninguém de uma vida com dignidade, a falta de trabalho ou moradia
sim, pois ambos são direitos de subsistência.
355
Também, o direito ao trabalho pode ser mencionado como elemento tipificado
da integridade moral do indivíduo. Isso porque ele é pressuposto de uma vida com
dignidade, é um direito personalíssimo privado, assim como à moradia, abrangem os
direitos inerentes à pessoa humana, emanados da personalidade humana.
A importância da posse trabalho, para o indivíduo que não têm condições
financeiras de adquirir um imóvel, vem atender à necessidade humana e econômica
352
MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Os direitos fundamentais e os direitos sociais na
constituição de 1988 e sua defesa. Revista Jurídica Virtual, Brasília, vol. 1, n. 4, agosto 1999.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_04/direitos_fundamentais.htm. Acesso
em: 13/09/2007.
353
TORRES, Marcos Alcino de Azevedo. A propriedade e a posse: um confronto em torno da função
social. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007, p. 385.
354
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo II. Coimbra: Coimbra Editora, 1983, p.
232.
355
SARLET, Ingo Wolfgang. O direito fundamental à moradia na Constituição: algumas anotações a
respeito de seu contexto, conteúdo e possível eficácia. In: Arquivos de direitos humanos. Renovar,
2002, v.4, p. 157.
117
e proporcionar uma vida digna ao cidadão. É uma mudança de paradigma social,
onde é proporcionado um local de trabalho e subsistência para indivíduos que não
estão inseridos no mercado de trabalho e, que talvez nunca se inseririam, pois lhes
falta as qualificações necessárias ao mercado de trabalho.
Em um país como o Brasil, na visão de Albuquerque “[...] um país com milhares
de pobres sem esperança de terra, de moradia, amontoados nos centros urbanos,
sem perspectiva de existência digna.”
356
Sem trabalho e sem qualificação
profissional, a posse trabalho adquire um conteúdo social.
3.6 A posse moradia
A Emenda Constitucional 26, de 14 de fevereiro de 2000, alterou a redação
do artigo da Constituição Federal. Veja-se, inclusive, que o direito à moradia
encontrava previsão constitucional no artigo , inciso IV, da Constituição Federal,
como direito do trabalhador urbano e rural a um
Art. São direitos dos trabalhadores urbanos e ru rais, além de outros que
visem à melhoria de sua condição social:
...........
IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de
atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família com
moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte
e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder
aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;
Nos termos do artigo 23, inciso IX, da Constituição Federal, constitui, ainda,
competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
promover programas de construção de moradias e melhorias das condições
habitacionais.
Portanto, percebe-se que o direito à moradia é um direto essencial, já há muito
tempo fazendo parte do texto constitucional, agora robustecido com sua expressa
menção no elenco do artigo 6º; proporcionando, no mínimo, a facilitação da
exigência de sua concretização. O direito à moradia implica figura no rol de direitos
fundamentais à qualidade de vida humana. A constitucionalização do direito à
356
ALBUQUERQUE, Ana Rita Vieira. Da função social da posse e sua conseqüência frente à
situação proprietária. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002, p. 205.
118
moradia convalida a indisponibilidade da habitação ao estado de bem-estar do ser
humano, seguindo expressão consagrada pelo artigo 25 da Declaração Universal
dos Direitos Humanos, de 1948. A ONU realizou duas conferências mundiais sobre
assentamentos humanos - a Habitat 1 em Vancover, Canadá, 1976 e a Habitat 2, em
Istambul, Turquia, 1996, que recomendou a todos os países participantes, entre eles
o Brasil, o destaque normativo do direito à moradia em suas constituições.
357
Estimativas fornecidas pelo IBGE informam que o déficit habitacional brasileiro
atingiu 7,964 milhões de residências em 2006, segundo estudo realizado pela FGV
(Fundação Getulio Vargas), com base nos dados da Pnad (Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios) do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), e
divulgado nesta sexta-feira. O estudo aponta que o déficit relativo (número de casas
existentes dividido pelo de casas necessárias para suprir a demanda) atingiu 14,6%
--um recuo de 0,3 ponto percentual sobre 2005. Em termos absolutos, os Estados
com os maiores déficits são, São Paulo (1,517 milhão), Rio de Janeiro (752 mil) e
Minas Gerais (632 mil). Em termos relativos, os maiores déficits estão no Maranhão
(38,1%), Amazonas (33,7%) e Pará (33,5%). Os menores déficits relativos estão em
Santa Catarina (8,8%), Paraná (8,9%) e Espírito Santo (9,8%). O estudo ainda
mostra que, do total do déficit, 59% referem-se a domicílios considerados
"subnormais", sendo que São Paulo e Rio são os Estados que reúnem a maior parte
das habitações nessa categoria. O IBGE considera subnormal o "conjunto
constituído por um mínimo de 51 unidades habitacionais, ocupando ou tendo
ocupado, até período recente, terreno alheio, disposto, em geral, de forma
desordenada e densa e carentes, em sua maioria, de serviços públicos essenciais".
O número de domicílios desse tipo no país hoje é de 1,972 milhão.
358
A moradia é um direito humano e social, como tal fixar o local de moradia da
pessoa é o exercício desse direito. Conseqüentemente, a falta de moradia é uma
violação aos direitos humanos. Reconhecido em diversas declarações e tratados
internacionais de direitos humanos, dos quais o Estado Brasileiro é parte, em
especial na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 (artigo XXV, item
357
MIRANDA, Nilmário. Moradia e direitos sociais. Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=579. Acesso em 05/04/2007.
358
Fonte: IBGE. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u347991.shtml.
Acesso em: 22/11/2007.
119
1); no Pacto Internacional de Direitos Sociais, Econômicos e Culturais de 1966,
Artigo 11(1)
359
; na Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas
de Discriminação Racial de 1965, Artigo 5(e)(iii); na Declaração sobre Raça e
Preconceito Racial de 1978, Artigo 9(2); na Convenção sobre Eliminação de Todas
as Formas de Discriminação contra a Mulher de 1979, Artigo 14(2)(h); Convenção
sobre os Direitos da Criança de 1989, Artigo 27(3); na Declaração sobre
Assentamentos Humanos de Vancouver de 1976, Seção III(8) e capítulo II(A.3); na
Agenda 21 sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992, capítulo 7(6) e na
Agenda Habitat de 1996, e os Comentários Gerais n°s 4 e 7 do Comitê das Nações
Unidas de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, sendo que está sendo proposto
a elaboração de uma Convenção Internacional sobre o Direito à moradia.
360
O comentário Geral 4 define os elementos do direi to à moradia que devem
ser objeto de proteção e garantia: a) Segurança Jurídica da Posse: todas as
pessoas devem possuir um grau de segurança de posse que lhes garanta a
proteção legal contra despejos forçados, expropriação, deslocamentos, e outros
tipos de ameaça; b) Disponibilidade de Serviços e Infra-estrutura: acesso ao
fornecimento de água potável, fornecimento de energia, serviço de saneamento e
tratamento de resíduos, transporte, iluminação pública; c) Custo da Moradia
Acessível: adoção de medidas para garantir a proporcionalidade entre os gastos
com habitação e a renda das pessoas, criação de subsídios e financiamentos para
os grupos sociais de baixa renda, proteção dos inquilinos contra aumentos abusivos
de aluguel; d) Habitabilidade: a moradia deve ser habitável, tendo condições de
saúde física e de salubridade adequadas; e) Acessibilidade: constituir políticas
habitacionais contemplando os grupos vulneráveis, como os portadores de
deficiências, os grupos sociais empobrecidos, vítimas de desastres naturais ou de
violência urbana, conflitos armados; f) Localização: moradia adequada significa estar
localizada em lugares que permitam o acesso às opções de emprego, transporte
público eficiente, serviços de saúde, escolas, cultura e lazer; g) Adequação Cultural:
359
O Brasil ratificou também o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos em 1992.
360
Com base no relatório "Relatório Nacional direito à moradia no Brasil, Projeto Relatores Nacionais
em DhESC/Plataforma Brasileira dos DhESC/Voluntários das Nações Unidas UNDP. Nélson Saule
Jr., Relator Nacional Direito à Moradia. Letícia Marques Osorio, Assessora Nacional da Relatoria.
Disponível em:
http://www.unhabitat.org/downloads/docs/2649_61742_03.05.20.Analisis%20Brasil%202003.doc
Acesso em: 18 de dez. de 2006.
120
respeito à produção social do habitat, à diversidade cultural, aos padrões
habitacionais oriundos dos usos e costumes das comunidades e grupos sociais.
361
Da necessidade de cada indivíduo ter sua moradia, surge o domicílio, sede
jurídica da pessoa, necessária para seus atos pessoais e jurídicos. Razão pela qual,
defende-se a posse moradia, ou seja, o acesso à terra e à moradia conjuntamente.
Segundo Osório,
Não é possível dissociar a questão do direito à moradia ou da falta de
moradia adequada da sistêmica e endêmica falta de acesso à terra pelas
populações pobres da América Latina, resultado da concentração e
especulação imobiliárias nas mãos de poucos proprietários e da ausência
das reformas agrária e urbana na maioria dos países.
362
Este problema é histórico e político, pois a colonização da América Latina foi
voltada para a exploração das riquezas naturais e descaso com a questão agrária.
No século XVI, o úcar foi a mola propulsora do crescimento da Europa. Iniciando
com o ouro e a prata. Desta forma surgiu o latifúndio brasileiro, problema enfrentado
até os dias atuais. Mas, foi no século XX que o problema da urbanização tornou-se
gritante na América Latina, com um crescimento “desordenado e excludente”. Os
pobres foram obrigados a habitar as periferias “como solução para eliminar
epidemias, higienizar e abrir os espaços.” Como solução para o Estado também, que
“desobrigava-se quanto à colocação de infra-estrutura básica, contribuindo para a
consolidação de assentamentos informais, clandestinos e precários.”
363
Países Latino-americanos, como Brasil, Argentina, Colômbia, Cuba, República
Dominicana, Equador, Guatemala, Haiti, Honduras, México, Nicarágua, Paraguai,
Peru, Venezuela, Chile e El Salvador, reconhecem o direito à moradia em âmbito
constitucional, o que não soluciona o problema da moradia na América Latina,
361
OSÖRIO, Letícia Marques. Direito à moradia adequada na América Latina. In: ALFONSIN B.;
FERNANDES, E. (Orgs.) Direito à moradia e segurança da posse na Estatuto da Cidade: diretrizes,
instrumentos e processos de gestão. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 32-33.
362
OSÖRIO, Letícia Marques. Direito à moradia adequada na América Latina. In: ALFONSIN B.;
FERNANDES, E. (Orgs.) Direito à moradia e segurança da posse na Estatuto da Cidade: diretrizes,
instrumentos e processos de gestão. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 21.
363
OSÖRIO, Letícia Marques. Direito à moradia adequada na América Latina. In: ALFONSIN B.;
FERNANDES, E. (Orgs.) Direito à moradia e segurança da posse na Estatuto da Cidade: diretrizes,
instrumentos e processos de gestão. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 22.
121
Com freqüência, os requisitos mínimos para uma moradia adequada o
são contemplados pelas legislações nacionais: menciona-se o fim a ser
atingido (moradia adequada) sem a indicação dos meios para atingi-lo
(segurança de posse, disponibilidade de serviços e infra-estrutura,
possibilidade de manutenção, programas e políticas públicas, aporte de
recursos).
364
É através de políticas públicas, financiamentos habitacionais e também da
aplicação do princípio da função social da posse que será resolvido o problema da
moradia no Brasil e em diversos países, mas muito mais no Brasil, em razão de sua
vasta extensão territorial, comparada com a de muitos outros. Mas o que se vê não é
isso, pois desde a aprovação da Lei nº 4.380/64, que instituiu o sistema financeiro de
habitação e o Banco Nacional de Habitação, o no Brasil um Sistema Nacional
de Habitação. E, para piorar esta situação, em 1986, após a extinção do BNH, a
questão habitacional passou a ser tratada de forma dispersa. Cabe à Caixa
Econômica Federal o papel de agente operador do FGTS e ao Banco do Brasil a
regulamentação dos depósitos em poupança.
Atualmente o que está sendo feito são parcerias com as Prefeituras para
desenvolver programas de aquisição de lotes urbanizados, é um redirecionamento
da política habitacional. E, até mesmo a mobilização dos próprios moradores,
quando estes têm doação de terrenos pelas Prefeituras e através do sistema de
mutirões e conseguem construir suas habitações.
O problema agora é saber se, o poder público irá cumprir esta obrigação social
fornecendo condições sócio-econômicas aos cidadãos para que possam adquirir
moradia, ou se este novo direito constitucional não passará de mais uma expectativa
de direito de nossa população carente.
O direito à moradia foi inserido na redação do artigo 6° da Constituição
Federal Brasileira através da Emenda Constitucional 26/00. Mas o que se busca,
no presente estudo, é a garantia da segurança da posse através do direito à
moradia, por meio de normas constitucionais que se possa reconhecer o direito das
pessoas a permanecer no local que residem. Sabe-se que esta inserção é um
enorme avanço social, um passo pioneiro de nosso direito no contexto mundial, até
364
OSÖRIO, Letícia Marques. Direito à moradia adequada na América Latina. In: ALFONSIN B.;
FERNANDES, E. (Orgs.) Direito à moradia e segurança da posse na Estatuto da Cidade: diretrizes,
instrumentos e processos de gestão. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 34.
122
mesmo porque um dos primeiros países a reconhecer este direito
constitucionalmente. Não se pode olvidar a lição de Milton Santos:
E o direito de morar? Confundido em boa parte da literatura especializada
com o direito a ser proprietário de uma casa, é objeto de um discurso
ideológico cheio, às vezes, de boas intenções e mais freqüentemente
destinado a confundir os espíritos, afastando cada vez para mais longe uma
proposta correta que remedeie a questão.
365
Como se pode observar, inúmeras são as dificuldades enfrentadas pelo Estado
para dar acesso à moradia da população de baixa renda e da classe média. Desta
forma, a posse moradia vêm assegurar maior implementação desse direito
fundamental social. Está-se falando apenas de uma adequação da legislação à
realidade social.
3.7 A função social da posse, sua concretização e interpretação conforme os
Princípios Constitucionais
Defender a função social da posse como um princípio constitucional é algo um
tanto arriscado e que necessita um trabalho maior. Desta forma, far-se-á sua
interpretação através dos princípios constitucionais para posteriormente defendê-lo
como princípio constitucional, uma vez que, os princípios “estabelecem estados
ideais, objetivos a serem alcançados, sem explicitarem necessariamente as ações
que devem ser praticadas para que esse fim seja alcançado.”
366
E, o princípio norteador da função social da posse é o princípio da dignidade da
pessoa humana estabelecido como um fundamento da República, através de seu
artigo 1°, III. Sendo que a
[...] dignidade é multidimensional, estando associada a um grande conjunto
de condições ligadas à existência humana, a começar pela própria vida,
passando pela integridade física e psíquica, integridade moral, liberdade,
365
SANTOS, Milton. O espaço do cidadão. 4. ed. São Paulo: Nobel, 1998, p. 45.
366
BARCELLOS, Ana Paula de. Alguns parâmetros normativos para a ponderação constitucional. In:
BARROSO, Luís Roberto (Org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos
fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 72. Neste sentido ver também:
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo:
Malheiros, 2003, p. 56 e ss.
123
condições materiais de bem-estar, etc. Nesse sentido, a realização da
dignidade humana está vinculada à realização de outros direitos
fundamentais estes, sim, expressamente consagrados pela Constituição
de 1988.
367
A Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, em seu artigo
estabelece que “todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos
[...]”. Com isso a dignidade é um princípio derivado da relação entre as pessoas; “e o
direito à dignidade está associado à proteção daquelas condições indispensáveis
para a realização de uma existência que faça sentido para cada pessoa.”
368
No caso da posse, é através da posse trabalho e da posse moradia que se
cumpre a função social da posse e com isso se atinge a dignidade humana. Quando
o homem retira da terra o seu próprio sustento ou sua moradia com dignidade,
assume a posse um caráter peculiar, que não pode ser atribuído a nenhum outro
instituto. Mas,
No direito brasileiro, portanto, a posse não teve apenas uma feição negativa
de defesa da propriedade ou de defesa do possuidor contra o estado de
violência e de fraude.
Mais do que uma simples relação de fato ou uma exteriorização de um
direito, a posse cria uma relação jurídica entre a pessoa do possuidor e a
coisa possuída. A posse, em nossa dimensão territorial, é forma de
aproveitamento econômico do solo e forma de produção de riqueza para o
possuidor e para toda a sociedade. A posse é uma forma de ocupação
primária, corresponde ao fim último de liberdade e de dignidade da pessoa
humana, na medida em que possa estar ligada aos direitos de moradia,
possa implementar a erradicação da pobreza e torne efetiva a igualdade
entre todos, principalmente diante de um conceito amplo de cidadania.
369
Pelos motivos que a posse está inserida na legislação brasileira e, a
considerando um princípio constitucional, Albuquerque conclui dizendo que “não
pode deixar de ser considerada como um direito, direito próprio do possuidor e não
uma sanção contra o esbulho praticado, ou uma tutela de defesa à pessoa do
possuidor ou à sociedade sem qualquer grau de autonomia.”
370
367
VIEIRA, Oscar Vilhena. Direitos fundamentais: uma leitura da jurisprudência do STF. São Paulo:
Malheiros Editores, 2006, p. 63.
368
VIEIRA, Oscar Vilhena. Direitos fundamentais: uma leitura da jurisprudência do STF. São Paulo:
Malheiros Editores, 2006, p. 66.
369
ALBUQUERQUE, Ana Rita Vieira. Da função social da posse e sua conseqüência frente à
situação proprietária. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002, p. 194-195.
370
ALBUQUERQUE, Ana Rita Vieira. Da função social da posse e sua conseqüência frente à
situação proprietária. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002, p. 195.
124
Sem embargo, o que mais nos interessa neste momento é a penetração do
princípio da dignidade da pessoa humana na seara do Direito Privado. O
reconhecimento de que tal princípio situa-se no vértice axiológico da ordem
jurídica vai acarretar a consagração da primazia dos valores existenciais da
pessoa humana sobre os patrimoniais no Direito Privado. Como advertiu
Gustavo Tepedino, com o acolhimento do princípio da dignidade da pessoa
humana como fundamento da República pretendeu o constituinte “[...] definir
uma nova ordem pública, da qual não se podem excluir as relações jurídicas
privadas, que eleva ao ápice do ordenamento a tutela da pessoa humana,
funcionalizando a atividade econômica privada dos valores existenciais e
sociais ali definidos.”
371
Segundo Castro, o “ideário da dignidade humana” possui contingência histórica
e cultural, portanto sua dimensão não é absoluta, pois depende “do processo
civilizatório e à visão do homem e da sociedade, de seus direitos e deveres, em
cada tempo e lugar.” Mas, foi na segunda metade do século XX que, o
constitucionalismo contemporâneo percebeu que o ser humano possui dignidade
somente se possuir condições de existência digna, seja no plano material, moral ou
civil.
372
Mas, “Tal opção colocou a pessoa como centro das preocupações do
ordenamento jurídico, de modo que o sistema, que tem na Constituição sua
orientação e seu fundamento, se direciona para a sua proteção (...).”
373
Sarlet esclarece que:
Num primeiro momento, a qualificação da dignidade da pessoa humana
como princípio fundamental traduz a certeza de que o art. 1º, inc. III, de
nossa Lei Fundamental o contém apenas uma declaração de conteúdo
ético e moral (que ela, em última análise, não deixa de ter), mas que
constitui norma jurídico-positiva com status constitucional e, como tal,
dotada de eficácia, transformando-se de tal sorte, para além da dimensão
ética apontada, em valor fundamental da comunidade. Importa
considerar, neste contexto, que, na condição de principio fundamental, a
dignidade da pessoa humana constitui valor-guia não apenas dos direitos
fundamentais, mas de toda a ordem constitucional, razão pela qual se
justifica plenamente sua caracterização como princípio constitucional de
maior hierarquia axiológico-valorativa.
374
371
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lúmen Júris,
2004, p. 115.
372
CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. Dignidade da pessoa humana: o princípio dos princípios
constitucionais. In: SARMENTO, D.; GALDINO, F. (Orgs.) Direitos fundamentais: estudos em
homenagem ao professor Ricardo Lobo Torres. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 141.
373
TORRES, Marcos Alcino de Azevedo. A propriedade e a posse: um confronto em torno da função
social. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2007, p. 377.
374
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2005, p. 121-122.
125
O princípio da dignidade da pessoa humana se desdobra em duas dimensões,
diante de seu caráter orientador, pode-se afirmar que sendo uma negativa e outra
positiva, sobre as quais Rosenvald tece os seguintes comentários:
Aquela significa a imunidade do indivíduo a ofensas e humilhações,
mediante ataques à sua autonomia por parte do Estado e da sociedade. Já
a dimensão positiva importa em reconhecimento da autodeterminação de
cada homem, pela promoção de condições que viabilizem e removam toda
sorte de obstáculos que impeçam uma vida digna.
375
Perlingieri, por sua vez trabalha com o princípio da solidariedade e da
igualdade como instrumentos e resultados “da dignidade social do cidadão.” Onde a
igual dignidade social é o instrumento que “confere a cada um o direito ao ‘respeito’
inerente à qualidade de homem, assim como a pretensão de ser colocado em
condições idôneas a exercer as próprias aptidões pessoais, assumindo a posição a
estas correspondentes”.
376
Bastante prudente é a colocação de Perlingieri, em tempos que, a
solidariedade é elevada a princípio constitucional. Dada a importância de se
repensar na destinação dos bens. No caso brasileiro essa destinação possui
problemas iniciados no período da colonização e trazidos até os dias atuais.
377
3.8 O princípio constitucional da função social da posse
A função social da posse está ligada a um ideal social, nas palavras de
Rawls
378
“Um ideal social está, por sua vez, ligado a uma concepção de sociedade,
uma visão do modo como os objetivos e propósitos da cooperação social devem ser
entendidos.”
375
ROSENVALD, Nelson. Dignidade humana e boa-fé no código civil. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 9-
10.
376
PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional. 3. ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 2007, p. 37.
377
TORRES, Marcos Alcino de Azevedo. A propriedade e a posse: um confronto em torno da função
social. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2007, p. 364.
378
RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução de Almiro Pisetta e Lenita Maria Rímoli Esteves. 2.
ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 11.
126
Falar de posse sem falar de justiça parece um tanto vago. Neste sentido, o
conceito de justiça segundo Rawls
379
“Considero, por conseguinte que o conceito de
justiça se define pela atuação de seus princípios na atribuição de direitos e deveres
e na definição da divisão apropriada de vantagens sociais.” Como foi dito
anteriormente, para Rawls o conceito de justiça é fruto de dois princípios: liberdade e
eqüidade.
Mas, o problema que se pretende estudar é o da prevalência do princípio da
função social da posse como princípio constitucional. Onde,
[...] o princípio da função social da posse tem como conseqüência direta a
garantia de efetividade dos princípios estruturantes do Estado Democrático
de Direito, principalmente do princípio da dignidade da pessoa humana,
além de dar maior efetividade às normas infraconstitucionais acerca da
posse, [...]
380
Prova disso é o caso Prestes Maia, em que 468 famílias deram função social ao
imóvel: retiraram 200 caminhões de lixo e entulho do prédio, se organizaram na
manutenção da limpeza e segurança, afastaram o tráfico de drogas e criminalidade,
tornaram o ambiente familiar e repleto de atividades hoje uma biblioteca no
prédio, programas de reciclagem, de educação, intervenções e oficinas culturais -, e
o Prestes Maia pulsa no centro da cidade de São Paulo, que pertence e é construída
todos os dias pelos mesmos homens e mulheres que sobem e descem os 22
andares de escada do prédio logo cedo rumo ao trabalho, dividem banheiros
coletivos, se solidarizam com as necessidades dos vizinhos, organizam festas para
celebrar a união dos moradores e juntos lutam por dignidade e resistem à imposição
feroz do capital especulativo, do poder coercitivo e de uma opinião pública
manipulada que teima em pregar rótulos pejorativos nesses cidadãos. O proprietário
do prédio deve mais de cinco milhões de reais em IPTU, abandonou o imóvel à
especulação imobiliária por quase quinze anos.
381
Apesar de nos últimos anos ter-se obtido avanços “ao fortalecimento do direito
à moradia nas normas internacionais de direitos humanos e nas constituições
379
RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução de Almiro Pisetta e Lenita Maria Rímoli Esteves. 2.
ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 11.
380
ALBUQUERQUE, Ana Rita Vieira. Da função social da posse e sua conseqüência frente à
situação proprietária. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002, p. 202.
381
Disponível em: http://www.mtst.info/node/311. Acesso em 18/12/2006.
127
nacionais, este direito continua a ser brutalmente violado na América Latina,“
382
onde é dever dos Estados assegurar e proteger o direito à moradia e também o
direito ao trabalho, com formas eficazes de atender a justiça distributiva
383
.
A função social da posse, mais do que responder ao problema da justiça no
Direito e sua concretização ser um modo eficaz de se atender à justiça
distributiva, é essencial à compreensão de que os interesses e as forças
econômicas não podem superar o plano jurídico, sob pena de verdadeiro
caos social. Por isto, a necessidade de compreensão do fato social.
384
É através da necessidade de compreensão do fato social que se estuda os
direitos fundamentais, e estes foram mudando e assimilando novos conteúdos, em
decorrência de lutas de classe oprimidas, trazendo inclusive as gerações de direito
que, hoje, são vistas como uma teoria evolutiva, onde vai ocorrendo uma redefinição
e expansão do núcleo desses direitos. a norma constitucional é específica e
assume características diferentes porque resulta da Constituição, que é um pacto
político com textura aberta e indeterminada de suas normas. “A norma de direito
fundamental, no seu sentido material, consagra princípios e valores que estruturam e
legitimam um Estado.” E, para que ultrapasse os limites de uma simples moldura
formal, necessárias são as teorias dos direitos fundamentais. No caso dos direitos
fundamentais sociais, a teoria que mais se adapta a eles é a teoria social que busca
a dicotomia entre a liberdade jurídica e a liberdade real.
385
Cumpre, no entanto, assinalar que a norma constitucional compreende regras e
princípios. Neste sentido observa Alexy que
Tanto as regras como os princípios são normas, porque ambos dizem o que
deve ser. Ambos podem ser formulados com a ajuda das expressões
deontológicas básicas do mandado, a permissão e a proibição. Os
382
OSÖRIO, Letícia Marques. Direito à moradia adequada na América Latina. In: ALFONSIN B.;
FERNANDES, E. (Orgs.) Direito à moradia e segurança da posse na Estatuto da Cidade: diretrizes,
instrumentos e processos de gestão. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 39.
383
Rawls aborda o conceito de justiça como fruto de dois princípios - liberdade e eqüidade: Primeiro:
cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema de liberdades básicas iguais que
seja compatível com um sistema semelhante de liberdades para as outras. Segundo: as
desigualdades sociais e econômicas devem ser ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo
(a) consideradas como vantajosas para todos dentro dos limites do razoável, e (b) vinculadas a
posições e cargos acessíveis a todos. RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução de Almiro
Pisetta e Lenita Maria Rímoli Esteves. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 64.
384
ALBUQUERQUE, Ana Rita Vieira. Da função social da posse e sua conseqüência frente à
situação proprietária. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002, p. 203.
385
PEIXINHO, Manoel Messias. Teoria democrática dos direitos fundamentais. In: VIEIRA, José
Ribas (Org.). Temas de constitucionalismo e democracia. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 120-130,
passim.
128
princípios, do mesmo modo que as regras, são razões para juízos concretos
de ‘dever ser’, ainda quando sejam razões de um tipo muito diferente. A
distinção entre regras e princípios é, pois, uma distinção entre dois tipos de
normas. (Tradução livre)
386
E, por se defende a função social da posse como um princípio constitucional é
que se busca a justiça no caso concreto através deste princípio, “- os princípios o
instrumento com vocação a conferir suporte metodológico e racional à busca da
justiça do caso concreto, possibilitando-se, assim, a reintrodução do sentimento do
satisfatório, do razoável, do conveniente, [...]”.
387
Apesar de não constar expressamente da lei a função social do instituto da
posse, tal princípio, como vimos, é imanente à posse e está implicitamente
contido no ordenamento jurídico através de um interpretação sistemática
das normas, entre estas os princípios e regras, que funcionam como vetores
exegéticos indispensáveis decorrentes do espírito do sistema jurídico e
político, a informar diretamente o Direito Privado. (Grifos nossos)
A função social da posse tem por objetivo instrumentalizar a justiça com
nossos próprios valores e experiências históricas, rompendo o
condicionamento histórico herdado das sociedades européias e
harmonizando o instituto da posse com nossa sociedade complexa e
pluralista do século XXI, profundamente conflituosa e marcada por grandes
diferenças sociais.
388
A base normativa para a solução de conflitos entre posseiros e proprietários, ou
seja, entre possuidores, deve ser a função social da posse, “como princípio
constitucional positivado e com aplicação cogente às relações interprivadas, [...]”.
Mas, para que isso se concretize, o julgador deve adentrar no conteúdo da função
social da posse. Isso é facilitado porque entre princípios jurídicos não existe
hierarquia ou dimensão de peso, fazendo com que os princípios da função social da
posse e da propriedade fiquem em igual patamar. Outro fator importante de se
referir, conforme Albuquerque é que, através dos princípios de igualdade, dignidade
da pessoa humana e Estado Social e Democrático de Direito “deflui certamente a
base para inferir como princípio positivado no ordenamento jurídico a função social
da posse.”
389
386
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios
Constitucionales, 2002, p. 83.
387
CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. Dignidade da pessoa humana: o princípio dos princípios
constitucionais. In: SARMENTO, D.; GALDINO, F. (Orgs.) Direitos fundamentais: estudos em
homenagem ao professor Ricardo Lobo Torres. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 171.
388
ALBUQUERQUE, Ana Rita Vieira. Da função social da posse e sua conseqüência frente à
situação proprietária. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002, p. 207-208.
389
ALBUQUERQUE, Ana Rita Vieira. Da função social da posse e sua conseqüência frente à
situação proprietária. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002, p. 210-211.
129
3.9 A função social da posse como concretização dos Direitos Fundamentais
entre particulares: trabalho e moradia
Sabe-se que na base dos direitos fundamentais estão presentes valores como,
dignidade, liberdade e igualdade; e, que os direitos fundamentais são também
princípios jurídicos objetivos porque constituem um sistema de valores da
comunidade política.
390
A segurança da posse é um ponto central do direito à moradia e à terra pois
sem ela – independentemente se formal ou informal – o direito à moradia vai
estar em permanente ameaça, e o risco de despejo ou deslocamento
forçado será sempre iminente. A segurança da posse, por se tratar de
elemento central do direito humano à moradia, deve ser assegurada a
todos, com igualdade e sem discriminação, abrangendo todos os indivíduos
e famílias independentemente de idade, status econômico, grupo ou outra
afiliação e status.
391
392
Neste sentido à proteção do ser humano, com as mínimas exigências da vida
em sociedade é dada através da posse “um lugar para morar, um lugar para
plantar (posse-trabalho), um lugar para exercer atividades econômicas e sociais
relevantes.”
393
Mas, para que a posse moradia se concretize, ou seja, “Para garantir
a segurança da posse como forma de assegurar o direito à moradia é necessário
que os países legalmente reconheçam a diversidade das formas de uso e ocupação
do solo presentes nas áreas urbanas e rurais, por meio das normas nacionais de
direito à moradia.”
394
No artigo da Constituição Federal o legislador c onsiderou a moradia e o
trabalho como direitos fundamentais. “Ambos, para serem exercidos, no que diz
respeito ao uso do solo, independem do direito de propriedade.” É a posse
390
STEINMETZ, Wilson. Direitos fundamentais e função social do (e no) direito. Texto gentilmente
cedido pelo autor. Texto gentilmente cedido pelo autor.
391
OSÖRIO, Letícia Marques. Direito à moradia adequada na América Latina. In: ALFONSIN B.;
FERNANDES, E. (Orgs.) Direito à moradia e segurança da posse no Estatuto da Cidade: diretrizes,
instrumentos e processos de gestão. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 35.
392
De acordo com o art. 2 (2) do PIDESC.
393
TORRES, Marcos Alcino de Azevedo. A propriedade e a posse: um confronto em torno da função
social. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007, p. 376.
394
OSÖRIO, Letícia Marques. Direito à moradia adequada na América Latina. In: ALFONSIN B.;
FERNANDES, E. (Orgs.) Direito à moradia e segurança da posse na Estatuto da Cidade: diretrizes,
instrumentos e processos de gestão. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 36.
130
funcionalizada, posse essa que garante à subsistência digna através da moradia
adequada e do trabalho.
395
Santos tem uma visão bastante crítica em relação à difusão social da produção
e isolamento político do trabalho nas últimas duas décadas:
A difusão social da produção e o isolamento das classes trabalhadoras
nessas duas últimas décadas têm sido acompanhados no plano político-
cultural por uma constelação ideológica em que se misturam o renascimento
do mercado e da subjetividade como articuladores da prática social. A idéia
de mercado e as que gravitam na sua órbita (autonomia, liberdade, iniciativa
privada, concorrência, mérito, lucro) têm desempenhado um papel decisivo
na desarticulação da rigidez da relação salarial herdada do período anterior
ao desmantelamento relativo do Estado-Providência.
[...] o regresso do princípio do mercado nos últimos vinte anos representa a
revalidação social e política do ideário liberal e, consequentemente, a
revalorização da subjetividade em detrimento da cidadania.
396
Onde, num Estado Democrático, o respeito aos direitos fundamentais da
pessoa humana é inerente a esse Estado, dando conexão com o direito a uma
existência digna, onde o direito ao trabalho e à moradia, poderá assumir, em
diversas hipóteses, posição preferencial em relação a outros direitos, como por
exemplo, o direito de propriedade. “Assegurar a moradia e o trabalho na terra
através da posse é dar efetividade aos princípios fundamentais da República,
conferindo dignidade à pessoa, contribuindo para erradicação da pobreza, formando
uma sociedade mais justa e solidária.”
397
Segundo Duguit “A ‘solidariedade social’ é que constitui os liames que mantêm
os homens unidos.”
398
Mais do que isso, consagra dignidade humana. E, segundo
Barcellos, a dignidade humana “é hoje considerada, sob vários pontos de vista, o
pressuposto filosófico de qualquer regime jurídico civilizado e das sociedades
democráticas em geral”.
399
395
TORRES, Marcos Alcino de Azevedo. A propriedade e a posse: um confronto em torno da função
social. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007, p. 394.
396
SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 11.
ed. São Paulo: Cortez, 2006, p. 254-255.
397
TORRES, Marcos Alcino de Azevedo. A propriedade e a posse: um confronto em torno da função
social. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007, p. 376.
398
DUGUIT, Leon. Fundamentos do direito. Tradução Márcio Pugliesi. São Paulo: Ícone, 2006, p. 22.
399
BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais. Rio de Janeiro:
Renovar, 2002, p. 203.
131
Torres vai além, quando relata que além de todos estes fatores citados e
contrariando a lógica do capital
400
, a função social da posse se justifica pela
necessidade, “Necessidade de moradia, de abrigo, de sustento. Necessidade de ser
reconhecido e ser tratado como pessoa.”
401
Esta necessidade o julgador não pode
desconsiderar na hora do julgamento do caso concreto. A questão deve ser
analisada no plano social, moral, ético e jurídico, onde o direito à moradia e ao
trabalho poderá assumir preferência em relação ao direito de propriedade.
Como se pode observar, o tema é de difícil discussão:
Daí a necessidade de construção da tese de que a posse qualificada pela
função social merece uma proteção especial diversa daquela que o sistema
atualmente confere, primeiro porque se instala onde a propriedade não
cumpre função social; segundo porque atende a direitos fundamentais
sociais como a moradia e o trabalho.
402
Além disso, um Estado que se diz democrático deve respeito aos direitos
fundamentais da pessoa humana. E, deve mais do que isso, deve reconhecer a
posse qualificada pela função social, como um princípio constitucional.
400
A lógica do capital consiste na relação de exploração enquanto extração de mais-valia através da
propriedade não funcionalizada dos meios de produção e uso da força de trabalho apropriada no
mercado. Se consubstancia numa relação de exploração. Cf. TORRES, Marcos Alcino de Azevedo. A
propriedade e a posse: um confronto em torno da função social. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007, p.
379.
401
TORRES, Marcos Alcino de Azevedo. A propriedade e a posse: um confronto em torno da função
social. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007, p. 383-384.
402
TORRES, Marcos Alcino de Azevedo. A propriedade e a posse: um confronto em torno da função
social. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007, p. 403.
132
CONCLUSÃO
Considerando-se já terem sido formadas algumas conclusões ao longo do
texto, pode-se afirmar que a função social da posse é um instituto inovador, que
eleva o conceito da dignidade humana, função social à propriedade através da
moradia e do aproveitamento do solo, colaborando para a erradicação da pobreza.
Reconhecer a função social da posse como princípio constitucional positivado
em nosso ordenamento jurídico prescreverá justiça social. Significará a interpretação
do texto constitucional em conformidade com a realidade social. Tendo em vista, ser
no caso concreto que se aplicam os princípios constitucionais.
O século XXI tem sido um período de transformações importantes, destaca-se
entre essas, a interpretação jurídica dada ao intérprete pelos princípios
constitucionais. Este com liberdade e poder a ele conferido, com ampliação do
espaço de atuação que o levou ao desenvolvimento de técnicas e princípios
específicos de interpretação constitucional que ultrapassaram os elementos
clássicos da hermenêutica tradicional através da subsunção. Isso ocorre através dos
princípios constitucionais, que estabelecem fronteiras de um vasto campo de
atuação possível.
Neste estudo, defende-se a função social da posse como um instituto
concretador dos princípios constitucionais do trabalho e da moradia, realizadores da
dignidade da pessoa humana, princípio vértice de toda a pirâmide estrutural do
sistema normativo brasileiro. Prova disso é que o novo código civil preocupou-se
com a redução dos prazos da usucapião imobiliária, o que traz o reconhecimento de
uma posse qualificada pela função social. Criou-se também uma nova modalidade
de desapropriação judicial, fundada no interesse social e econômico da posse
contínua e ininterrupta, exercida por cinco anos e por considerável número de
pessoas.
De tudo o que ao longo do estudo se viu, conclui-se que a posse com função
social prevalece sobre a propriedade sem função social. A posse funcionalizada
deve receber proteção especial porque atende aos valores do sistema constitucional
133
brasileiro, aos princípios constitucionais, ao trabalho e à moradia como direitos
fundamentais do homem, além de contribuir para a igualdade social através de uma
vida com dignidade, com um teto para morar e com a terra para trabalhar.
Por estes motivos diz-se que o direito constitucional brasileiro vive um
momento de mudanças de paradigmas que lhe deram nova dimensão através do
compromisso com a efetividade de suas normas e também do desenvolvimento de
uma dogmática da interpretação constitucional.
No caso específico da função social da posse, que envolve direitos
fundamentais individuais de 1ª dimensão e, direitos fundamentais sociais de 2ª
dimensão, a hermenêutica utilizada é diversa da hermenêutica tradicional, porque
busca o resultado de maior maximização dos princípios e valores constitucionais. É
a reinterpretação do instituto da posse sob uma ótica constitucional. Através de um
sistema normativo composto de normas e regras.
E, nesta nova ótica, quando ocorrer à colisão de normas constitucionais deve-
se utilizar a técnica da ponderação de bens onde, o princípio da proporcionalidade
assume importância, porque terá sua vinculação ao direito constitucional lastreado
nos direitos fundamentais.
Em razão disso, o modelo de Robert Alexy foi adotado para o reconhecimento
de direitos subjetivos a prestações sociais, pois ele tentou harmonizar os
argumentos favoráveis e desfavoráveis dos direitos subjetivos a prestações sociais
através da ponderação entre princípios. Mas sabe-se que este modelo também não
é completo quando, por exemplo, não descreve os direitos sociais que cada cidadão
possui. Para ele os direitos sociais são um mínimo que o indivíduo pode ter em
áreas como: escola, trabalho, moradia e saúde. De forma que o padrão mínimo não
possa afetar outros princípios constitucionais.
Tendo em vista estas premissas, pode-se afirmar que a função social da posse
como concretização dos direitos fundamentais através do trabalho e da moradia é a
base de sustentação do instituto da posse como princípio constitucional, mais
precisamente os princípios constitucionais.
134
Vivencia-se a realidade de uma grave crise onde, o tempo futuro é por demais
incerto. Motivo que leva a uma reflexão maior e também a mudanças de
paradigmas. Através da eqüidade, que transformará o setor público não-
governamental na resposta mais democrática, eficiente e solidária às demandas do
século XXI, é que se ultrapassa as vicissitudes do mercado e do Estado
Democrático de Direito.
No âmbito do direito civil, o instituto da função social da posse precisa ser
recepcionado. Deixando de ser, apenas, sufragado através do trabalho e da
moradia. Neste contexto, o conteúdo e o alcance da função social da posse no
direito brasileiro atual, referentemente a efetivação dos direitos fundamentais sociais
ao trabalho e à moradia, ainda não atingiram efetividade. Vislumbra-se esta
efetividade através dos princípios constitucionais, mais especificamente no princípio
da dignidade da pessoa humana, que serve como base legal para fundamentar a
legislação civil como um todo e em particular o princípio da função social da posse,
aqui defendido como um princípio constitucional.
É através da mudança de paradigmas que se chegará a uma nova leitura da
posse e a uma efetivação do instituto através de decisões fundadas numa
argumentação jurídica condizente com a realidade. E, que não haja desculpas para
os operadores jurídicos se deixarem esmorecer, pois o País necessita urgentemente
de institutos como o da função social da posse para efetivar a democracia e a justiça
social.
135
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