Em vista de seus rituais satisfatórios a que se opunham suas capacidades
limitadas, nenhum mero aumento numérico haveria, com toda
probabilidade, de bastar para transformar uma aldeia numa cidade. Essa
modificação requeria um desafio exterior que violentamente arrancasse a
comunidade das preocupações centrais com a reprodução e nutrição: uma
finalidade que fosse além de mera sobrevivência (grifo nosso).
Na evolução emergente, a introdução de um novo fator não faz apenas
aumentar a massa existente, mas produz uma transformação geral, uma
nova configuração, que altera suas propriedades, com a possibilidade de
vida orgânica [...]. Assim também ocorre com o salto a partir da cultura de
aldeia. Os antigos componentes da aldeia foram transportados ao novo
plano e incorporados na nova unidade urbana; contudo, graças à ação de
novos fatores, foram eles recompostos num padrão mais complexo e
instável que o da aldeia – e, apesar disso, de uma forma que promoveu
ulteriores transformações e desenvolvimentos. A composição humana da
nova unidade tornou-se igualmente mais complexa; além do caçador, do
camponês e do pastor, outros tipos primitivos introduziram-se na cidade e
emprestaram sua contribuição à sua existência: o mineiro, o lenhador, o
pescador, [...] desenvolvem-se outros grupos ocupacionais, o soldado, o
banqueiro, o mercador, o sacerdote.
Esta nova mistura urbana resultou numa enorme expansão das
capacidades humanas em todas as direções. A cidade efetuou uma
mobilização de potencial humano, um domínio sobre os transportes entre
lugares distantes, uma intensificação da comunicação por longas distâncias
no espaço e no tempo, uma explosão de inventividade, a par de um
desenvolvimento em grande escala da engenharia civil, e, o que não é
menos importante, promoveu uma nova e tremenda elevação da
produtividade agrícola.
8
Dentre os demais aspectos citados, Leal referendando as palavras de Adolf A.
Berle Júnior, destaca que o aspecto religioso surge, de forma marcante, já nas
primeiras aldeias. Assim, muito antes do surgimento das cidades, a ocupação das
cavernas pelo homem pré-histórico tinha não apenas a função de aglomeração
humana com o propósito de acasalamento ou proteção, mas sobretudo como forma
periódica e permanente de reunião social, estabelecendo-se como verdadeiros
locais sagrados, atraindo pessoas de diversas localidades, que partilhavam as
mesmas práticas mágicas ou crenças religiosas.
9
Este ponto de encontro cerimonial, segundo Lewis Munford, constitui-se no
primeiro germe da cidade, ou seja, antes de ser uma residência periódica ou
permanente, a urbe se caracteriza como um ponto de encontro para o qual, em
intervalos determinados e regulares, os indivíduos, sejam em família ou grupos de
8
MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectives. Trad. de Neil
R. Da Silva., 4. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 37-38.
9
LEAL, Rogério Gesta. Direito Urbanístico: condições e possibilidades da constituição do espaço
urbano. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 05.