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UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO - MESTRADO
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM DIREITOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS
Evandro Luís Becker
AS OPERAÇÕES URBANAS CONSORCIADAS COMO INSTRUMENTOS DE
PARTICIPAÇÃO POPULAR NA GESTÃO DEMOCRÁTICA DA CIDADE E PARA
IMPLEMENTAÇÃO DE PROJETOS E PROGRAMAS DE PLANEJAMENTO,
DESENVOLVIMENTO E REGULARIZAÇÃO DO ESPAÇO URBANO NO BRASIL
Santa Cruz do Sul, março de 2008
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Evandro Luís Becker
AS OPERAÇÕES URBANAS CONSORCIADAS COMO INSTRUMENTOS DE
PARTICIPAÇÃO POPULAR NA GESTÃO DEMOCRÁTICA DA CIDADE E PARA
IMPLEMENTAÇÃO DE PROJETOS E PROGRAMAS DE PLANEJAMENTO,
DESENVOLVIMENTO E REGULARIZAÇÃO DO ESPAÇO URBANO NO BRASIL
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Direito — Mestrado,
área de concentração em Direitos Sociais
e Políticas Públicas, linha de pesquisa em
Políticas Públicas de Inclusão Social, da
Universidade de Santa Cruz do Sul
UNISC, para obtenção do título de Mestre
em Direito.
Orientador: Prof. Dr. Rogério Gesta Leal
Santa Cruz do Sul, março de 2008
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Evandro Luís Becker
AS OPERAÇÕES URBANAS CONSORCIADAS COMO INSTRUMENTOS DE
PARTICIPAÇÃO POPULAR NA GESTÃO DEMOCRÁTICA DA CIDADE E PARA
IMPLEMENTAÇÃO DE PROJETOS E PROGRAMAS DE PLANEJAMENTO,
DESENVOLVIMENTO E REGULARIZAÇÃO DO ESPAÇO URBANO NO BRASIL
Esta Dissertação foi submetida ao Programa de Pós-Graduação em Direito
Mestrado, na Área de Concentração em Direitos Sociais e Políticas Públicas, linha
de pesquisa em Políticas Públicas de Inclusão Social, da Universidade de Santa
Cruz do Sul UNISC, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em
Direito.
Prof. Dr. Rogério Gesta Leal
Professor Orientador
Prof. Dr. Leonel Ohlweiler
Professor da Universidade Luterana do Brasil - ULBRA
Prof. Dr. João Telmo Vieira
Professor da Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC
"A cidade. Os modernos quase que completamente esqueceram o verdadeiro
sentido desta palavra: a maior parte confunde as construções materiais de
uma cidade com a própria cidade e o habitante da cidade com um cidadão.
Eles não sabem que as casas constituem a parte material, mas que a
verdadeira cidade é formada por cidadãos."
Jean-Jacques Rousseau - O Contrato Social
AGRADECIMENTOS
Mais uma etapa, dentre muitas realizações ainda futuras, acaba de ser
concluída. Diante disso, devo expressar minha gratidão àqueles que me apoiaram,
sobretudo nos momentos difíceis, fazendo-me continuar quando tinha vontade de
desistir, ater-me no caminho certo quando disperso e, acima de tudo, a uma força
superiora, pela oportunidade de viver, guiando meus passos, iluminando meus
caminhos, hoje e sempre.
Obrigado, Pai Celestial, pela sabedoria que me delegaste para fazer a minha
escolha, dando a força suprema para a superação de todos os obstáculos na busca
dos meus objetivos.
Ao meu amor Elisângela, por ter acreditado neste meu sonho, quando nem
mesmo eu acreditava, pelo apoio incondicional em todos os momentos, pelo
companheirismo, pelo carinho, pelo afeto, pelo amor.
Agradeço aos meus familiares, como sinônimo de amor, dedicação e doação
constante... nenhuma palavra seria suficiente para descrever o quanto representam
em minha vida... ao meu pai pelo exemplo de homem correto e honesto, à minha
mãe, pela dedicação, carinho e doação e à minha irmã pela presença.
Ao professor e orientador Dr. Rogério Gesta Leal, pela confiança depositada,
dosando de forma equilibrada, liberdade para a elaboração deste trabalho e
direcionamento seguro e consistente.
Aos colegas e amigos conquistados nessa trajetória junto ao Programa de Pós-
Graduação Stricto Sensu - Mestrado em Direito, em especial às colegas Fabiana
Scaravonatti, Luciana Saldanha e Daiana Brandt, ao colega e promotor Neidemar
José Fachinetto e ao colega e defensor público Juliano Heinen, cujos laços de
companheirismo e amizade só o tempo há de reafirmar.
Ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu - Mestrado em Direito da
Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, pela oportunidade de fazer parte de um
curso de excelente qualidade.
Às funcionárias da Secretaria de s-Graduação em Direito da Universidade
de Santa Cruz do Sul – UNISC, pela dedicação e atenção dispensadas.
A todos meus sinceros agradecimentos!
RESUMO
A presente dissertação tem por objetivo a elaboração de uma avaliação
exemplificativa do instituto das Operações Urbanas Consorciadas, consubstanciado
nos artigos 32 a 34 do Estatuto da Cidade, com o intuito de verificar a sua
viabilidade como instrumento de participação popular na gestão democrática da
cidade, para implementação de projetos e programas de planejamento,
desenvolvimento e regularização do espaço urbano no Brasil, objetivando alcançar,
ainda, nos espaços urbanos existentes, as transformações urbanísticas necessárias
em termos de infra-estrutura, melhorias sociais e a valorização ambiental.
Atualmente, impulsionado pelo intenso processo de urbanização, grande parte da
população está estabelecida nas cidades, transformando o mundo basicamente em
urbano. A vida nas cidades surge como grande desafio, sendo, a crescente
concentração populacional e ocupação desordenada do espaço urbano, as
principais características do atual cenário urbanístico brasileiro. A ineficiente gestão
urbana e a implementação de políticas urbanas inadequadas, acabam por exaurir o
modelo estatal de gestão do espaço urbano. A Constituição Federal, através de
capítulo próprio sobre Política Urbana, reflete uma conquista em defesa dos direitos
quanto à cidade, e o Estatuto da Cidade, como meio de execução da política urbana,
cria importantes instrumentos para executar a ordenação urbanística condizente com
a realidade existente. A presente pesquisa pretende apurar elementos que auxiliem
na formação de uma concepção de que as Operações Urbanas Consorciadas,
podem, se efetivamente aplicadas, implementar projetos e programas de
planejamento, desenvolvimento e regularização do espaço urbano no brasil. Neste
sentido, a escolha das Políticas Públicas de Inclusão Social, como linha de pesquisa
na prsente dissertação, busca delimitar as condições e possibilidades da gestão dos
interesses públicos a partir da construção de políticas de inclusão social e
participação política da cidadania, sobretudo a partir da ação conjunta do Poder
Público, da iniciativa privada e da sociedade, baseada no espírito da Constituição-
cidadã de 1988, como forma de extrair do Estatuto da Cidade a máxima efetividade
que se espera de suas disposições, fazendo jus às expectativas de efetivação da
participação popular na gestão e resolução das demandas sócio-urbanas existentes
nas cidades brasileiras.
Palavras-chaves: Operações Urbanas Consorciadas participação popular
gestão urbana – regularização do espaço urbano
ABSTRACT
The present work has as objective the elaboration of an evaluation of the
institute of the Joined Urban Operations, based on the articles 32 to 34 of the Statute
of the City. With the intention to verify its viability as an instrument of popular
participation in the democratic management of the city, for the implementation of
projects and programs of planning, development and regularization of the urban area
in Brazil, objectifying to reach, still, in the existing urban areas, the necessary urban
transformations in infrastructure terms, social improvements and the environment
valuation. Currently, stimulated by the intense process of urbanization, great part of
the population is established in the cities, transforming the world basically into an
urban place. Consequently, life in the cities appears as a great challenge, being, the
increasing population concentration and disordered occupation of the urban area, the
main characteristics of the current Brazilian urban scene. The inefficient urban
management and the implementation of inadequately urban policies, make the
exhaustion of the State’s model of urban area management. The Federal
Constitution, through a proper chapter on Urban Policies, reflects an accomplishment
on the defense of the rights related to the city, and the Statute of the City, as a way of
execution of the urban policies, creates important instruments to execute the urban
ordinance with the existing reality. The present research intends, hence, to find out
elements that can help the formation of a conception that the Joined Urban
Operations, can, if effectively applied, implement projects and programs of planning,
development and regularization of the urban area in Brazil. In this way, the choice of
the Public Politics of Social Inclusion, as line of research in the present study,
searchs to delimit the conditions and possibilities of the management of the public
interests from the construction of politics of social inclusion and participation politics
of the citizenship, over all from the joint action of the Public Power, the private
initiative and the society, based on the spirit of the 1988 Constitution (called as the
one of the citizen), will be able to extract from the Statute of the City the maximum
effectiveness of what is expected of its disposals, acting according to the
expectations to accomplish the popular participation in the management and
resolution of the social and urban existing requirements in the cities of Brazil.
Key-words: Joined Urban Operations popular participation urban
management; regularization of the urban area
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 10
1 ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO URBANO: DA ORIGEM DOS PRIMEIROS
NÚCLEOS SOCIAIS ATÉ A CONCEPÇÃO ATUAL DAS CIDADES........................ 15
1.1 A origem dos primeiros núcleos sociais.............................................................. 17
1.2 A formação e o desenvolvimento histórico das cidades...................................... 24
1.3 A concepção atual das cidades........................................................................... 43
2 PRINCIPAIS MARCOS E ASPECTOS QUE CARACTERIZARAM A FORMAÇÃO E
DESENVOLVIMENTO DO ESPAÇO URBANO NO BRASIL.................................... 55
2.1 Marcos normativo-constitucionais da formação do espaço urbano no Brasil..... 55
2.2 Marcos políticos, econômicos e sociais da formação do espaço urbano no
Brasil.......................................................................................................................... 64
2.3 Marco regulatório para a execução da política urbana: Lei Federal
10.257/2001 – Estatuto da Cidade............................................................................ 75
2.4 Aspectos do desenvolvimento urbano no território brasileiro.............................. 86
3 UMA AVALIAÇÃO EXEMPLIFICATIVA DAS OPERAÇÕES URBANAS
CONSORCIADAS COMO INSTRUMENTOS DE PARTICIPAÇÃO POPULAR NA
GESTÃO E REGULARIZAÇÃO DO ESPAÇO URBANO NO BRASIL................... 104
3.1 Gestão urbana no Brasil: do exaurimento do modelo estatal à importância da
participação popular................................................................................................ 105
3.2 Uma avaliação exemplificativa das Operações Urbanas Consorciadas como
instrumentos de participação popular na gestão e regularização do espaço urbano
no Brasil................................................................................................................... 121
3.2.1 Principais aspectos do surgimento das Operações Urbanas Consorciadas.. 123
3.2.2 Características, conceito e natureza jurídica das Operações Urbanas
Consorciadas........................................................................................................... 128
3.2.3 Operações Urbanas Consorciadas implementadas no Brasil........................ 142
CONCLUSÃO.......................................................................................................... 157
REFERÊNCIAS....................................................................................................... 164
ANEXOS.................................................................................................................. 178
Anexo A – Constituição da República Federativa do Brasil – artigos 182 e 183.... 179
Anexo B – Estatuto da Cidade – Lei n° 10.257 de 10 de julho de 2001................. 180
INTRODUÇÃO
É, a partir da necessidade de comunicação, organização, troca e interação
entre os homens, que o surgimento dos primeiros núcleos sociais e,
conseqüentemente, das primeiras cidades. Originalmente, na pré-história, os
homens eram essencialmente nômades, movimentando-se, constantemente, de uma
região para outra, utilizando-se das cavernas como abrigo, e da coleta de alimentos
para a sobrevivência.
Posteriormente, várias destas civilizações, através do domínio da técnica da
agricultura, passaram a se estabelecer em determinadas regiões, constituindo os
primeiros traços de colonização permanente, sendo que algumas destas aldeias
prosperassem de tal forma que acabaram formando uma nova espécie de colônia.
Verifica-se, pois, que, com o decorrer dos tempos, o homem antigo procura,
deliberadamente, romper com os isolamentos e estruturas existentes dentro destas
comunidades, até então demasiadamente estabilizada, com seu costumes e rotinas
fixas, fazendo com que esta evolução acabasse sendo o próprio cerne do
desenvolvimento das cidades.
A gradativa transformação da pré-histórica aldeia em cidade não teve como
primeira ou única característica a mudança de tamanho e dimensões, e, por
conseqüência, da necessidade de mais suprimentos, apesar de ambos serem
fatores constitutivos dentro desta evolução; pelo contrário, o que se verifica, na
realidade, é uma mudança de direção, atitude e finalidade, manifestada num novo
tipo de organização, principalmente com a concentração de diversas funções, até
então dispersas e desorganizadas, em uma área limitada.
Atualmente, apesar do fenômeno da urbanização ter se constituído num
inquestionável meio para o planejamento e desenvolvimento das cidades, acabou,
também, criando inúmeras demandas urbanas, sejam de ordem social ou infra-
estrutural, visto que inúmeras destas cidades, diante do crescente adensamento
populacional, possuem seu território ocupado de forma irregular, ou seja, em
desacordo com a legislação urbanística existente.
Paralelamente, as políticas públicas elaboradas pelos entes estatais, ao longo
das últimas cadas, não refletiram a realidade urbana existente, ocasionando
conseqüências desastrosas para o desenvolvimento urbano, bem como foram
insuficientes para solucionar ou diminuir as demandas sócio-urbanas, ocasionando o
exaurimento do modelo estatal de gestão do espaço urbano.
Diante disso, uma das justificativas para a realização do presente estudo está
em identificar a existência, na legislação brasileira, de instrumentos urbanos capazes
de modificar a realidade em que estas cidades estão inseridas. Neste sentido, a
criação da Lei 10.257, de 10 de julho de 2001, d enominada de Estatuto da
Cidade, dispôs sobre as diretrizes gerais, bem como sobre os instrumentos que
devem ser observados quando da implementação, pelos governos municipais, das
políticas urbanas estabelecidas no texto constitucional. Frente às opções
disponibilizadas, o interesse em elaborar uma avaliação exemplificativa do instituto
das Operações Urbanas Consorciadas, consubstanciado nos artigos 32 a 34 do
referido texto legal, tem razão no intuito de verificar a sua viabilidade como
instrumento para implementação de projetos e programas de planejamento,
desenvolvimento e regularização do espaço urbano no Brasil, objetivando alcançar,
nos espaços urbanos existentes, a consecução das transformações urbanísticas
necessárias em termos de infra-estrutura, melhorias sociais e a valorização
ambiental.
No mesmo sentido, diante da falência do modelo estatal de gestão do espaço
urbano e da incorporação, como direito, da participação popular nas decisões de
interesse público, insurge também como justificativa desta pesquisa, a verificação da
importância dos princípios tendentes a regular a participação direta da sociedade na
produção e gestão das políticas públicas, estabelecendo um compromisso do poder
público com suas ações, através da gestão democrática da cidade.
A escolha das Políticas Públicas de Inclusão Social, como linha de pesquisa,
justifica-se pelo direcionamento da presente dissertação, voltando-se para o estudo
dos aspectos instituidores e característicos das Operações Urbanas Consorciadas,
sobretudo como modelo, exemplificativo, de instrumentos de participação popular na
gestão democrática da cidade e para implementação de projetos e programas de
planejamento, desenvolvimento e regularização do espaço urbano no Brasil,
configurando-se num conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder
Público municipal, com a participação não dos diversos setores da sociedade,
mas também dos investidores privados, que, juntos, buscarão a consecução dos
objetivos e diretrizes urbanísticos necessários à inclusão social dos habitantes das
áreas objetos das Operações Urbanas Consorciadas.
O método de abordagem empregado na investigação, análise, organização e
desenvolvimento da presente pesquisa, será o dedutivo, ou seja, partindo-se do
geral para o particular, busca-se, a partir de uma revisão bibliográfica, as fontes
necessárias para embasar os objetivos deste trabalho. Quanto ao método de
procedimento, será utilizado o monográfico, investigando-se o objeto em estudo,
tanto nos seus aspectos fundamentais, quanto nos demais elementos e ângulos
instituidores, definindo-o para os fins a que se destina.
A técnica de pesquisa utilizada para o desenvolvimento do conteúdo será a
exploratória, utilizando-se, para tanto, em termos de fontes de investigação, de
documentação indireta de referência à pesquisa, como documentos bibliográficos e
doutrinários, publicações pertinentes à matéria, boletins, jornais, revistas, livros,
alguns identificados na bibliografia referencial anexa. Cumpre destacar que, na
elaboração de uma pesquisa científica, nem sempre é possível definir claramente
uma matriz teórica específica que lhe dê sustentação, motivo pelo qual a utilização
de marcos teórico-referenciais, a partir de pensadores do direito como Araújo,
Bonavides, Castells, Coulanges, Leal, Lefébvre, Meirelles, Mukai, Silva e Sjoberg,
urbanistas como Maricato, Munford e Rolnik, e geógrafos como Goitia e Santos, que,
com suas reflexões sobre o espaço urbano, é que melhor refletem a possibilidade de
desenvolvimento dos conteúdos objetos deste estudo.
A partir destas concepções introdutórias, um breve resgate histórico da origem
dos primeiros núcleos sociais, compreendendo a evolução entre as primitivas aldeias
até a formação das primeiras cidades, destacando as características dos territórios
ocupados, o modo de vida, as atividades e técnicas empregadas no seu
desenvolvimento, como forma de dar substrato para, ao final, definir-se a atual
concepção de cidade, representam o alvo do primeiro capítulo desta dissertação.
Neste segundo capítulo, como forma de delimitar o alcance espacial deste
estudo, procura-se analisar os principais marcos que caracterizaram a formação e o
desenvolvimento do espaço urbano no Brasil, bem como a importância do Estatuto
da Cidade como marco regulatório para a consecução das diretrizes estabelecidas
no capítulo constitucional referente à Política Urbana e, ao final, serão destacados
os principais aspectos que caracterizaram o desenvolvimento urbanístico no território
brasileiro a partir do século XX.
Os capítulos iniciais se destinaram a estabelecer as principais bases do
presente estudo, sobretudo através do resgate histórico dos principais aspectos do
desenvolvimento urbano. Diante disso, o caos urbanístico formado nas cidades
brasileiras, principalmente no decorrer do culo passado, caracterizado pela
crescente concentração populacional e pela ocupação desordenada do espaço
urbano, tornou a tarefa de planejar as cidades não somente um desafio, cuja
finalidade é de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e
garantir a infra-estrutura e os serviços básicos para o bem-estar de seus habitantes,
mas também uma questão de responsabilidade conjunta do Poder Público, da
sociedade e da iniciativa privada no ato da gestão das cidades.
Neste sentido, o terceiro capítulo, aborda, primeiramente, uma breve análise
conceitual da gestão urbana e alguns de seus reflexos no Brasil, sobretudo nas
últimas décadas, bem como os aspectos que levaram ao exaurimento do modelo
estatal de gestão e planejamento do espaço urbano até então existente, o qual,
conforme se verifica, motivou uma discussão a respeito da gestão urbana e de sua
democratização, baseada na afirmação da importância da participação popular. Ao
final, pretende-se demonstrar, através de uma avaliação exemplificativa das
Operações Urbanas Consorciadas, sua importância como instrumento de
participação popular na gestão democrática da cidade e para implementação de
projetos e programas de planejamento, desenvolvimento e regularização do espaço
urbano no Brasil.
1 ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO URBANO: DA ORIGEM DOS
PRIMEIROS NÚCLEOS SOCIAIS ATÉ A CONCEPÇÃO ATUAL DAS CIDADES
É fato incontestável que, para garantir a sua sobrevivência, a maioria dos
animais precisa ter algumas necessidades básicas atendidas, como alimentação,
abrigo e defesa. Lewis Munford destaca que, entre certas espécies, como os
castores, a ocupação e colonização de uma determinada área acarretam a
realização de diversas atividades, como o corte de árvores, a edificação de represas
e a construção de moradias, que transformam cada grupo familiar numa associação
que cooperam em tarefas comuns, melhorando o seu habitat. Embora este exemplo
não retrate os atributos de uma cidade, está muito próxima da organização que
existia nas aldeias primitivas.
1
Com o homem não poderia ser diferente, fazendo com que, desde os
primórdios da sua história, ele fosse levado a perceber que esses fatores poderiam
ser obtidos, mais facilmente, através da vida em comunidade. Então, devido a
incansável busca de melhores condições de sobrevivência, o ser humano deixou de
ser nômade e fixou-se em comunidade, passando a desenvolver novas cnicas,
como a agricultura e a criação de animais domésticos.
Desta forma, a constante evolução do homem, adaptando-se às mudanças e
desafios que se apresentavam no cotidiano, acaba por desenvolver um ambiente
que, juntamente com a necessidade de obter os meios para a sua sobrevivência,
comunicação, organização, troca e interação, origem à formação dos primeiros
1
MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectives. Trad. de Neil
R. Da Silva., 4. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 12.
núcleos sociais, ou seja, as cidades. É, portanto, esta predisposição à socialização,
que fez surgir a concepção do que, atualmente, conhecemos como cidade.
Observe-se, primeiramente, que a cidade se caracteriza por ser um objeto
conceitual, abstrato e, embora construído sobre uma base material formada por
edificações, arruamentos, monumentos, verifica-se que, a cada momento histórico, o
seu conceito requer que esta base material apresente uma dada dimensão e que
existam certas relações sociais no interior deste espaço construído, configurando o
que Henry Lefébvre chama de “espaço produzido”.
2
A organização destes grupos sociais apresenta, portanto, inúmeros momentos
em sua evolução, fazendo com que a formação dos primeiros núcleos sociais e, por
conseqüência, dos espaços urbanos e, posteriormente, das cidades, passe pelo
desenvolvimento, em conjunto, de aspectos econômicos, políticos, religiosos e
culturais, cada qual possuindo, conforme a doutrina, sua importância em um
determinado momento histórico.
Neste sentido, Lewis Munford concebe a cidade como um organismo vivo, ou
seja, como um todo, afirmando que, ao se analisar o planejamento urbanístico, não
como se afastar dos fatores históricos que colaboraram com a produção do
espaço urbano, devendo-se considerar, desta forma, todos os aspectos que
influenciaram no processo de formação das cidades até chegar-se ao ponto em que
se encontram atualmente.
3
A partir destas concepções introdutórias, importante realizar, neste primeiro
capítulo, um breve resgate histórico da origem dos primeiros núcleos sociais,
compreendendo a evolução entre as primitivas aldeias até o formação das primeiras
cidades, destacando as características dos territórios ocupados, o modo de vida, as
atividades e técnicas empregadas no seu desenvolvimento, como forma de dar
substrato para, ao final, definir-se a atual concepção de cidade.
2
GEIGER, Pedro P. A urbanização brasileira nos novos contextos contemporâneos. In: O novo Brasil
urbano: impasses, dilemas, perspectivas. Maria Flora Gonçalves (org.). Porto Alegre: Mercado
Aberto, 1995, p. 23.
3
MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectives. Trad. de Neil
R. Da Silva., 4. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 35.
1.1 A origem dos primeiros núcleos sociais
A provável origem do homem moderno, segundo estudos realizados por
Forattini, está ligada a duas hipóteses opostas: a primeira, denominada de teoria da
origem múltipla, é a mais aceita por grande número de pesquisadores, e pressupõe
que diversos núcleos populacionais, ancestrais do Homo erectus, de diferentes
partes do mundo, evoluíram de maneira independente, chegando até o Homo
sapiens; a segunda, a teoria única, considera que houve uma origem única na
África, seguida de amplos movimentos migratórios, do qual resultou a substituição
das formas arcaicas (neandertal), até a sua evolução à forma moderna.
4
Atualmente, através da descoberta de novas cnicas científicas, sobretudo
com a análise da base genética DNA, pesquisadores, antropólogos e arqueólogos
têm conseguido, não nos locais de escavação, constituídos, na sua maioria por
sítios arqueológicos, mas ainda nos laboratórios e centros de computação, recuperar
os traços da história da humanidade, desde as mais remotas eras, com significativa
precisão. Diante disso, pesquisas indicam que o aparecimento do homem ocorreu há
alguns milhões de anos e durante um longo período viveu coletando seu alimento e
procurando abrigo no ambiente natural. Para a arqueologia, a história da civilização
humana começa na pré-história e continua até o presente século. O estudo da Pré-
história é muito difícil, pois depende da análise de documentos não escritos, como
restos de armas, utensílios de uso diário, pinturas, desenhos, entre outros.
Segundo Arruda, os estudiosos costumam distinguir a evolução do homem
durante a Pré-história em três grandes etapas: a antiga Idade da Pedra ou
Paleolítico Inferior (compreendida entre 500.000 a.C e 30.000 a.C.) e o Paleolítico
Superior (entre 30.000 a.C e 18.000 a.C.); a nova Idade da Pedra ou Neolítico (entre
18.000 a.C. e 5.000 a.C.) e a Idade dos Metais (entre 5.000 a.C. e 4.000 a.C.).
Ressalta-se que, convencionalmente, a divisão entre História e Pré-história tem
como marco a invenção da escrita, ocorrida por volta do ano 4.000 a.C.
5
4
FORATTINI, Oswaldo Paulo. Ecologia, epidemiologia e sociedade. 1. ed., São Paulo: EDUSP, 1992,
p. 87-88.
5
ARRUDA, José Jobson de Andrade. História antiga e medieval. 13. ed., São Paulo: Editora Ática,
1990, p. 41.
Quando se iniciaram os primeiros estudos no sentido de buscar as origens da
formação das cidades, fatalmente esta concentração acaba centralizando-se,
apenas, na procura de remanescentes físicos, como objetos, instrumentos, armas e
edificações, deixando de lado todo um legado, como a invenção da linguagem,
técnicas e rituais, os quais poucos vestígios materiais se tem notícia, apesar da
grande importância que possuem para a identificação da formação e do modo de
vida dos núcleos sociais que as compunham.
Munford destaca que, para se chegar mais perto da origem das cidades,
necessário se faz complementar o trabalho realizado pelos arqueólogos que, através
de escavações, nas mais profundas camadas do solo, buscaram identificar vestígios
de uma planta baixa que, a princípio, pudesse indicar a existência de uma ordem
urbana. Para tanto, afirma que:
Se quisermos identificar a cidade, devemos seguir a trilha para trás, partindo
das mais completas estruturas e funções urbanas conhecidas, para os seus
componentes originários, por mais remotos que se apresentarem no tempo,
no espaço e na cultura, em relação aos primeiros tells que foram abertos.
Antes da cidade, houve a pequena povoação, o santuário e a aldeia; antes
da aldeia, o acampamento, o esconderijo, a caverna, o montão de pedras; e
antes de tudo isso, houve certa predisposição para a vida social que o
homem compartilha, evidentemente, com diversas outras espécies animais.
6
Neste sentido, é possível destacar alguns aspectos que caracterizaram o
processo de constituição dos primeiros grupos sociais organizados, cada qual
apresentando sua importância nos diversos momentos de sua evolução, como o
econômico, o político, o religioso e o cultural.
Apesar da doutrina dividir-se quanto ao destaque deste ou daquele aspecto,
Leal afirma que, ao se analisar o surgimento dos primeiros grupos sociais, acaba-se,
de forma unânime, dando relevo ao aspecto da concentração populacional como
conseqüência natural no processo de formação do espaço urbano.
7
Porém,
contrariamente, Munford destaca que é necessária uma transformação urbana, não
o aumento da massa existente:
6
MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectives. Trad. de Neil
R. Da Silva., 4. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 11.
7
LEAL, Rogério Gesta. Direito Urbanístico: condições e possibilidades da constituição do espaço
urbano. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 04.
Em vista de seus rituais satisfatórios a que se opunham suas capacidades
limitadas, nenhum mero aumento numérico haveria, com toda
probabilidade, de bastar para transformar uma aldeia numa cidade. Essa
modificação requeria um desafio exterior que violentamente arrancasse a
comunidade das preocupações centrais com a reprodução e nutrição: uma
finalidade que fosse além de mera sobrevivência (grifo nosso).
Na evolução emergente, a introdução de um novo fator não faz apenas
aumentar a massa existente, mas produz uma transformação geral, uma
nova configuração, que altera suas propriedades, com a possibilidade de
vida orgânica [...]. Assim também ocorre com o salto a partir da cultura de
aldeia. Os antigos componentes da aldeia foram transportados ao novo
plano e incorporados na nova unidade urbana; contudo, graças à ão de
novos fatores, foram eles recompostos num padrão mais complexo e
instável que o da aldeia e, apesar disso, de uma forma que promoveu
ulteriores transformações e desenvolvimentos. A composição humana da
nova unidade tornou-se igualmente mais complexa; além do caçador, do
camponês e do pastor, outros tipos primitivos introduziram-se na cidade e
emprestaram sua contribuição à sua existência: o mineiro, o lenhador, o
pescador, [...] desenvolvem-se outros grupos ocupacionais, o soldado, o
banqueiro, o mercador, o sacerdote.
Esta nova mistura urbana resultou numa enorme expansão das
capacidades humanas em todas as direções. A cidade efetuou uma
mobilização de potencial humano, um domínio sobre os transportes entre
lugares distantes, uma intensificação da comunicação por longas distâncias
no espaço e no tempo, uma explosão de inventividade, a par de um
desenvolvimento em grande escala da engenharia civil, e, o que não é
menos importante, promoveu uma nova e tremenda elevação da
produtividade agrícola.
8
Dentre os demais aspectos citados, Leal referendando as palavras de Adolf A.
Berle Júnior, destaca que o aspecto religioso surge, de forma marcante, já nas
primeiras aldeias. Assim, muito antes do surgimento das cidades, a ocupação das
cavernas pelo homem pré-histórico tinha não apenas a função de aglomeração
humana com o propósito de acasalamento ou proteção, mas sobretudo como forma
periódica e permanente de reunião social, estabelecendo-se como verdadeiros
locais sagrados, atraindo pessoas de diversas localidades, que partilhavam as
mesmas práticas mágicas ou crenças religiosas.
9
Este ponto de encontro cerimonial, segundo Lewis Munford, constitui-se no
primeiro germe da cidade, ou seja, antes de ser uma residência periódica ou
permanente, a urbe se caracteriza como um ponto de encontro para o qual, em
intervalos determinados e regulares, os indivíduos, sejam em família ou grupos de
8
MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectives. Trad. de Neil
R. Da Silva., 4. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 37-38.
9
LEAL, Rogério Gesta. Direito Urbanístico: condições e possibilidades da constituição do espaço
urbano. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 05.
um clã, peregrinavam, como forma de cultuar um símbolo sagrado ou reverenciar
seus antepassados.
Assim, tão logo estes indivíduos se desprendem das suas necessidades
animais imediatas, começam a atuar de forma concreta no quadro de sua existência,
deixando marcas tanto nas estruturas naturais que ocupam, como cavernas,
árvores, vales e fontes, quanto nos artefatos e instrumentos elaborados, deixando
claro que algumas das funções e finalidades da cidade existiam naquelas
estruturas simples de concentração populacional, como forma de proporcionar apoio
e sustentação.
10
Durante a pré-história, no período Paleolítico, possivelmente mais de 15 mil
anos atrás, os homens eram essencialmente nômades, movimentando-se,
constantemente, de uma região para outra, em busca de água e alimentos, sendo
que a caça e a coleta de alimentos sustentavam somente um pequeno número,
necessitando, para assegurar a sua existência, de um amplo raio de ação e de
grande liberdade de movimento.
Desta forma, verifica-se que os primeiros assentamentos humanos utilizavam
as cavernas como abrigo, porém, com o seu crescimento e gradual aquisição de
conhecimento dos recursos que a natureza oferecia, acabaram construindo abrigos
artificiais, permitindo que a localização destes núcleos ocorresse junto de regiões
propícias para a agricultura, cercados por terras férteis e próximos a cursos d'água.
É, pois, uma característica da evolução humana, a troca da mobilidade pela
segurança, retornando a um ponto favorável que ofereça abrigo e boa alimentação.
Os aglomerados humanos foram o tipo de organização social que mais se
aproximaram das primeiras cidades, entretanto, somente a partir de algumas
condições pode-se compreendê-los separadamente das áreas de produção, e isto
aconteceu quando a acumulação permitiu a garantia de subsistência às categorias
sociais administrativas e às voltadas à segurança.
10
MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectives. Trad. de Neil
R. Da Silva., 4. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 16.
No fim do período Paleolítico existiu uma fase de transição para o período
Neolítico, chamada Mesolítico. Nesse período aumentou a precisão dos trabalhos
em osso, preparando a verdadeira revolução que ocorreria na época neolítica.
Segundo Mcevedy, a
[...] transição do modo de vida do Mesolítico para o Neolítico é um momento
de viragem no desenvolvimento social e econômico do homem, comparável,
em importância, às revoluções industrial e científica dos séculos XIX e XX.
O contraste entre um acampamento mesolítico e uma aldeia de
camponeses do Neolítico é tão frisante que justifica perfeitamente o termo
revolução neolítica.
11
Assim, entre 13 a 10 mil anos atrás, várias civilizações começaram a dominar a
técnica da agricultura, passando a se estabelecer em uma determinada região.
Neste período, denominado de Neolítico, os arqueólogos começam a encontrar
traços definitivos de colonização permanente, que se estendiam da Índia até o Mar
Báltico, inicialmente, com uma cultura baseada no emprego de crustáceos, peixes e
plantio de tuberculosas, após, conforme indícios, estas primeiras aldeias passaram a
possuir finalidades agrícolas, inclusive com a criação dos primeiros animais
domésticos, como porcos, galinhas, patos, gansos e animais de estimação, como o
cão. Esse processo de colonização, domesticação de animais e armazenamento do
suprimento alimentar, fez com que, sistematicamente, algumas destas aldeias
neolíticas prosperassem de tal forma que acabaram formando uma nova espécie de
colônia, através da associação permanente de famílias e vizinhos, com seus
canteiros, campos, animais, silos e celeiros, e, com o passar do tempo, estas
atividades foram sendo aperfeiçoadas, aumentando, assim, a capacidade de tração
e a mobilidade coletiva.
12
Ao retroceder, historicamente, às primeiras aldeias primitivas, localizadas na
Mesopotâmia e no vale do Rio Nilo, entre 9.000 e 4.000 a.C., as mesmas eram
constituídas de um aglomerado de cabanas de barro cozido ou de construções de
caniço e lama, sendo que ao seu redor estendiam-se modestos e delimitados
canteiros e plantações, visto não haverem desenvolvido a cnica do arado. A dieta
11
MCEVEDY, Colin. Atlas da história antiga. Trad. Antonio G. Mattoso. 1 ed., São Paulo: Editora
Verbo, 1990, p 17.
12
MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectives. Trad. de Neil
R. Da Silva., 4. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 17-19.
era complementada por aves e peixes existentes em alagadiços ou rios próximos.
Munford, citando John A. Wilson, destaca que, até na aldeia mais primitiva, havia
“um pote afundado no piso para recolher a água da chuva que entrava pelo teto”,
bem como “a aldeia tinha um celeiro comum, constituído de cestos tecidos enfiados
na terra”, fato comprovado em restos rudes encontrados por arqueólogos em
pântanos poloneses, no fundo de lagos suíços, na lama do delta do Rio Nilo no
Egito, ou em fragmentos culturais dos sumérios, egípcios e gregos.
13
Com o passar dos tempos, verifica-se que o homem antigo, deliberadamente,
procura romper com os isolamentos e estruturas desta comunidade até então
demasiadamente estabilizada, com seu costumes e rotinas fixas, não imaginando
que esta evolução seria o próprio cerne do desenvolvimento das cidades. Isso se
deve, principalmente, pelo próprio crescimento destas comunidades, que dependiam
sempre se mais alimentos, matérias-primas, habilidades e homens de outras
comunidades.
Por esta razão, para Munford, quando tudo isso aconteceu, a arcaica cultura de
aldeia acaba cedendo lugar à “civilização” urbana, em que a combinação de
criatividade e controle, de expressão e repressão, de tensão e libertação,
manifestou-se nas primeiras cidades, as quais podiam ser descritas como:
[...] uma estrutura especialmente equipada para armazenar e transmitir os
bens da civilização e suficientemente condensada para admitir a quantidade
máxima de facilidades num mínimo de espaço, mas também capaz de um
alargamento estrutural que lhe permite encontrar um lugar que sirva de
abrigo às necessidades mutáveis e às formas mais complexas de uma
sociedade crescente e de sua herança social acumulada. A invenção de
formas tais como o registro escrito, a biblioteca, o arquivo, a escola e as
universidades, constitui um dos feitos mais antigos e mais característicos da
cidade.
14
Verifica-se, pois, que a transformação da aldeia em cidade não teve como
primeira ou única característica a mudança de tamanho e dimensões, apesar de
ambos serem fatores constitutivos dentro desta evolução; pelo contrário, houve, na
13
MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectives. Trad. de Neil
R. Da Silva., 4. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 24-25.
14
Ibidem, p. 38-39.
realidade, uma mudança de direção, atitude e finalidade, manifestada num novo tipo
de organização. Assim, de acordo com Goitia, citando Spengler:
[...] o que distingue a cidade da aldeia não é a extensão, nem o tamanho,
mas a presença de uma alma da cidade, (...) a coleção de casas aldeã,
cada uma com a sua própria história, converte-se num todo conjugado. E
este conjunto vive, respira, cresce, adquire um rosto peculiar, uma forma e
uma história internas.
15
Para Leal, importante lembrar que, historicamente, no período Neolítico, a
aldeia, em sua forma exterior, já detinha muitas das características das futuras
pequenas cidades, apresentando diversas estruturas como a casa, o oratório, o
poço, a via pública e o agora, espécie de mercado não especializado. Ainda, a partir
do avanço de determinadas técnicas foi possível a utilização e o deslocamento de
grandes blocos, bem como o desvio de rios, propiciando o primeiro alargamento
geral das dimensões da cidade.
16
Este processo evolutivo, que conduziu a ascensão para a cidade, não fez com
que antigos elementos criados pelas primeiras civilizações primitivas, quando se
estabeleceram em aldeias, como a agricultura e a criação de animais domésticos,
fossem apagados, como ocorreu na Suméria, onde estas atividades continuaram a
ser praticas em grande escala por aqueles que viviam dentro destas novas
cidades.
17
A partir do desenvolvimento da técnica de fundição dos metais, inaugurou-se a
Idade dos Metais (5000 - 4000 a.C.), fazendo com que o homem abandone
progressivamente os instrumentos de pedra; inicialmente, predominavam a produção
de cobre, do estanho e do bronze (3000 a.C. no Egito e Mesopotâmia). O ferro
apareceu mais tarde (1500 a.C.), na Ásia Menor, ganhando preferência na
fabricação das armas. O que houve, na realidade, com a ascensão das cidades, foi
15
GOITIA, Fernando Chueca. Breve história del urbanismo. Madri: Alianza, 1998, p. 28.
16
LEAL, Rogério Gesta. A função social da propriedade e da cidade no Brasil: aspectos jurídicos e
políticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado; Santa Cruz do Sul, RS: Edunisc, 1998, p. 57.
17
LEAL, Rogério Gesta. Direito Urbanístico: condições e possibilidades da constituição do espaço
urbano. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 09.
o início da concentração de diversas funções, até então dispersas e desorganizadas,
em uma área limitada.
18
Destacadas as principais características e aspectos da origem dos primeiros
núcleos sociais, sobretudo a forma de ocupação territorial, o modo de vida e
desenvolvimento das primeiras técnicas de subsistência, o presente estudo
prossegue delineando os marcos históricos que deram origem à formação e
desenvolvimento das primeiras cidades.
1.2 A formação e o desenvolvimento histórico das cidades
Historicamente, Ana Fani Alessandri Carlos sustenta que “foi em torno de 5.000
a.C. que surgem, junto ao rio Eufrates e em outros pontos da Ásia Menor, as
primeiras povoações às quais pode-se dar o nome de cidades”, destacando-se,
entre as mais antigas, Kisch, Ur e Uruk, que formavam a antiga Babilônia, que “era
tida como uma cidade-Estado, metrópole com grande área de influência que
englobava outras áreas, era, por volta de IV a.C., o maior centro ligando o Oriente
e Ocidente”.
19
Destaque-se, ainda, que as mais antigas civilizações surgiram, entre
4.000 a.C. e 2.000 a.C., às margens de grandes rios, como a Mesopotâmia junto aos
rios Tigre e Eufrates, a Palestina no rio Jordão, o Egito no vale do rio Nilo, a China
no Amarelo, o Paquistão e a Índia, nos rios Indo e Ganges.
Em seu texto “Origem e Evolução das Cidades”, Sjoberg relata que são três os
estágios que caracterizam as cidades, desde a sua origem a a época do
desenvolvimento da urbanização, todos relacionados com padrões tecnológicos,
econômicos, sociais e políticos de organização humana. O primeiro, chamado de
pré-urbano, está relacionado com a sociedade gentílica, em que pequenos grupos
homogêneos e auto-suficientes, constituídos por clãs ou gentes, de base
eminentemente familiar, dedicavam-se, principiológicamente, à busca e coleta de
alimentação para sua subsistência. Com a inevitável evolução, estes grupos tornam-
se mais complexos, surgindo as frátrias e as tribos, situando-se em espaços físicos
18
MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectives. Trad. de Neil
R. Da Silva., 4. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 39.
19
CARLOS, Ana Fani Alessandri. A cidade. 8. ed., São Paulo: Contexto, 2005, p. 61-62.
permanentes, gerando excedente de produção de alimentos, com seu conseqüente
condicionamento, sobretudo pelo desenvolvimento de técnicas agrícolas, bem como
a criação de animais domésticos, além do início da divisão e especialização das
tarefas. No segundo estágio, com o aparecimento da cidade, chamado de
sociedade pré-industrial, tem-se o desenvolvimento da metalurgia e a utilização do
arado e da roda, capazes de multiplicar a produção e facilitar as tarefas. Há,
também, o surgimento a palavra escrita. Nesse contexto, desenvolvem-se as
primeiras cidades como Eridu, Erech, Lagash, Dish, Ur e Uruk (na Suméria);
Mohenjo-Daro e Harappa no vale do Indo (Paquistão); Khontaton no Egito; Babilônia
na Mesopotâmia; e, depois, Roma, Atenas e Tebas, modelo de cidades antigas, com
status de cidades-estado. Nas Américas, temos Tical na Guatemala (civilização
Maia); Teotihuacán no México (civilização Asteca) e, ainda, outras cidades no Peru
(civilização Inca). O terceiro estágio, da cidade industrial moderna, possui uma
organização humana complexa, caracterizada, sobretudo, pela educação de massa,
um sistema de divisão de classes e de grande avanço tecnológico, com a utilização
de novas fontes de energia como forma de desenvolvimento.
20
FIGURA 1 – Evolução Urbana na Antigüidade
Fonte: SJOBERG, Gideon. Origem e Evolução das Cidades. In: Cidades, A Urbanização da
Humanidade. 2. ed., Rio de Janeiro: Zahar, 1972.
20
SJOBERG, Gideon. Origem e Evolução das Cidades. In: Cidades, A Urbanização da Humanidade.
2. ed., Rio de Janeiro: Zahar, 1972, p. 56 e ss.
A dificuldade de estabelecer marcos concretos sobre as origens da cidade está
no fato de que, muitos dos acontecimentos tiveram lugar antes dos primeiros
registros históricos, numa época em que a cidade era antiga, sendo que suas
civilizações também haviam se desenvolvido de maneira organizada e
sedimentada. O que se verifica, ainda hoje, é que muitas destas cidades e
civilizações não foram completamente decifradas, visto que continuam existindo
como lugares de morada, imunes à ação exploradora dos arqueólogos. Diante disso,
Munford lança sua inquietude ao dizer:
Por isso, as lacunas existentes nas provas são atordoantes: cinco mil anos
de história urbana e talvez outro tanto de história proto-urbana se acham
espalhados por algumas dezenas de sítios apenas parcialmente explorados.
Os grandes marcos urbanos, Ur, Nipur, Uruk, Tebas, Heliópolis, Assur,
Nínive, Babilônia, cobrem um período de três mil anos, cuja enorme
vacuidade não podemos esperar preencher com um punhado de
monumentos e umas poucas centenas de páginas de documentos
escritos.
21
Para Munford, apesar dos parcos vestígios materiais, o Egito e a Mesopotâmia
constituem as duas grandes civilizações que deram forma às primeiras cidade. Um
dos poucos traços em comum, entre o Egito e a Mesopotâmia, eram as
precondições comuns de existência geográfica que, a partir de 7.000 a.C.,
transformaram pastagens de gramas em estepes e desertos, fazendo, dos vales
pantanosos dos grandes rios, áreas propícias para a agricultura. Assim, inicialmente,
na Mesopotâmia, com o intuito de evitar os extremos das condições climáticas
decorrentes do calor tropical, seus habitantes, provavelmente em pequenas aldeias,
começaram a construir redes de irrigação, canais e locais de moradia junto de
represas, como forma de abrigo e proteção. O domínio das águas, impedindo a
escassez de água no início das culturas e os efeitos das enchentes no tempo da
colheita, juntamente com o desempenho mútuo das aldeias, planejamento e
aplicação das técnicas, levaram os arqueólogos sustentarem que a Mesopotâmia,
diante do excedente potencial de alimentos e a vitalidade do seu povo, tenha
tomado a dianteira na rede de cidades que se desenvolveram ao longo destes vales,
perto do golfo Pérsico.
22
21
MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectives. Trad. de Neil
R. Da Silva., 4. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 67.
22
Ibidem, p. 70-71.
Da mesma forma, na região do Egito, o clima passou de úmido e equatorial
para seco, fazendo com que, diante do processo de desertificação da região, tribos
nômades indo-européias se instalassem na região do vale do Rio Nilo, construindo
as primeiras cidades-estados, como Tebas, Mênfis e Tânis. O Egito apresenta uma
série de contrastes em comparação com a Mesopotâmia, tanto no aspecto de sua
vida cotidiana, como cultural, exemplo clássico, é a pouca importância dada à
imortalidade pelos sumérios e babilônicos, que foram os principais povos da
Mesopotâmia, enquanto que os egípcios utilizavam todos os materiais e recursos
para manter seus mortos vivos em forma corpórea, para manter os confortos da
existência terrena. Assim, é no vale do rio Nilo que se verifica o enorme salto
ocorrido entre a cultura tribal de aldeia, para uma cultura urbana centralizada em
torno do templo e do palácio.
23
Entretanto, existem outros arqueólogos que defendem a teoria de que o
aparecimento das primeiras cidades ocorreu, não nos grandes vales aluviais, como
se julgava até a pouco, mas nas zonas montanhosas que delimitavam uma área
fértil, nas vertentes das montanhas do Irã, do Iraque, de Israel, da Jordânia e da
Síria.
A civilização egípcia foi umas das primeiras grandes civilizações da
humanidade, mantendo suas formas políticas, artísticas, literárias e religiosas,
principalmente devido à sua localização geográfica, apesar das influências culturais
e contatos estrangeiros. O Império Antigo, com a capital em Mênfis, iniciou-se com a
unificação dos reinos do Alto e Baixo Egito, empreendida pelo faraó Menés,
estendendo-se até 2.130 a.C., e se caracterizou por grandes obras de irrigação e de
agricultura, cultivando o trigo e a cevada, domesticando alguns animais, além da
construção das grandes pirâmides pelo Império Antigo, no tempo da IV Dinastia.
24
Em seus estudos, Munford ressalta que, por volta do ano de 2.500 a.C, era
possível identificar, através dos vestígios arqueológicos encontrados, que:
23
MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectives. Trad. de Neil
R. Da Silva., 4. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 71-72.
24
WIKIPÉDIA. História Antiga. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/História_Antiga>. Acesso
em: 17 jun 2007.
[...] todas as características essenciais da cidade tinham tomado forma e
haviam encontrado para si um lugar na cidadela, senão na comunidade
urbana total. O recinto murado, a rua, o quarteirão de casas, o mercado, o
recinto do templo com seus pátios interiores, o recinto administrativo, o
recinto das oficinas tudo isso existia pelo menos em forma rudimentar; e a
própria cidade, como símbolo estético, completo e poderoso, a ampliar e
enriquecer, a potencialidade humana, achava-se visível.
25
Nestas estruturas urbanas existentes, era evidente o contraste entre a cidade
antiga e a aldeia, pois as aldeias eram identificadas por suas vielas, estreitas e
tortuosas, pelas construções deficitárias, que não dispunham de recursos sanitários
eficientes, convivendo constantemente num meio insalubre, de mau cheiro, infestado
por pragas e doenças. Contrariamente, a cidade antiga caracterizava-se pela sua
riqueza, com infra-estrutura invejável, ruas centrais largas, de fácil circulação. O que
se verifica é que os melhoramentos em infra-estrutura foram demasiadamente lentos
nos períodos que se seguiram ao nascimento das cidades.
A cidade, para Benevolo, constitui-se em local de estabelecimento aparelhado,
diferenciado e ao mesmo tempo privilegiado, sede da autoridade, tendo origem nas
primitivas aldeias, mas não é apenas uma aldeia que cresceu, ela se forma quando
os serviços não são executados pelas pessoas que cultivam a terra, mas por
outras que não têm esta obrigação, e que são mantidas pelas primeiras com o
excedente do produto total. Nasce, assim, o contraste entre dois grupos sociais,
dominantes e subalternos: os serviços podem se desenvolver através da
especialização, e a produção agrícola pode crescer utilizando estes serviços. A
sociedade se torna capaz de evoluir e de projetar a sua evolução. A cidade, centro
maior desta evolução, não é maior do que a aldeia, mas se transforma com uma
velocidade muito maior.
26
Estas cidades antigas, da mesma forma que os primeiros cleos sociais pré-
históricos, possuíam um caráter sagrado, sob domínio absoluto da religião,
revelando a crença de que o homem havia sido criado senão para outro propósito
que servir aos seus deuses, razão última da existência da cidade. Esta concepção
25
MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectives. Trad. de Neil
R. Da Silva., 4. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 104.
26
BENEVOLO, Leonardo. História da Cidade. Trad. Sílvia Mazza. 3. ed., São Paulo, Editora
Perspectiva, 1997-2001, p. 243.
se estendeu até o Cristianismo, quando, segundo Coulanges, começou a imperar
um desenvolvimento harmônico entre a sociedade e religião, sobretudo porque:
[...] de início a família vive isolada, e o homem só conhece os deuses
domésticos theo patro, dii gentilis. Acima da família forma-se a fratria com o
seu deus, teós pharaios, Juno curialis. A seguir temos a tribo, e o deus da
tribo, théos phylios. Chega-se enfim à cidade e concebe-se um deus cuja
proteção abrange a cidade inteira theós polieus, penates publici. Hierarquia
de crenças, hierarquia de associações. A idéia religiosa foi, entre os antigos,
o sopro inspirador e organizador da sociedade.
27
O autor Marcelo Lopes de Souza, ao tratar sobre o surgimento das primeiras
cidades, resume com precisão este processo, asseverando que elas surgem:
[...] como resultado de transformações sociais gerais econômicas,
tecnológicas, políticas e culturais -, quando, para além de povoados de
agricultores (ou aldeias), que eram pouco mais que acampamentos
permanentes de produtores diretos que se tornaram sedentários, surgem
assentamentos permanentes maiores e muito mais complexos, que vão
abrigar uma ampla gama de não-produtores: governantes (monarcas,
aristocratas), funcionários (como escribas), sacerdotes e guerreiros. A
cidade irá, também, abrigar artesãos especializados, como carpinteiros,
ferreiros, ceramistas, joalheiros, tecelões e construtores navais, os quais
contribuirão com suas manufaturas para o florescimento do comércio entre
os povos.
28
Diante disso, Mumford destaca um fato importante que teve origem,
provavelmente, com a fundação das cidades, a noção de divisão do trabalho,
através da fixação das atividades como formas de ocupação da vida. Assim, o
trabalho especializado passa a ser ocupação para o ano inteiro, ganhando, o
trabalhador especializado, tamanha importância, sendo fato “tão universal que se
tornou uma segunda natureza do homem urbano”. A aceitação da divisão do
trabalho, apesar de todas as limitações, reside no fato de que, nesta época, a
existência da liberdade e da autonomia era constante, diferentemente do regime
anterior, baseado na coesão familiar e unicidade tribal.
29
27
COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. Trad. de Jean Melville. São Paulo: Martin Claret, 2002, p.
143.
28
SOUZA, Marcelo Lopes de. ABC do desenvolvimento urbano. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003,
p. 46.
29
MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectives. Trad. de Neil
R. Da Silva., 4. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 112-119.
Portanto, o que caracterizou os primeiros aglomerados sociais, permitindo que
estes possam vir a ser entendidos como cidade, foi o fato da existência de uma
primitiva divisão social do trabalho a partir das comunidades agrícolas. Entretanto, a
marca da cidade foge a estas limitações rurais. Ela é produto de uma enorme
mobilização de vitalidade, poder e riqueza. Esta estratificação ocupacional produziu,
na cidade antiga, uma pirâmide urbana formada, no seu ápice, pelo governo
absoluto e, abaixo deste, as camadas de mercadores, artífices, camponeses,
marinheiros, criados, libertos e escravos.
Segundo Burns, é por volta de 2.000 a.C. que “os centros de civilização do
mundo ocidental deixaram de se limitar principalmente ao Oriente Próximo. A essa
altura, duas novas culturas, na Grécia e na Itália, caminhavam para a
maturidade”
30
, temos então, na Grécia Antiga, uma das mais extraordinárias formas
de organização social, a pólis e, por conseguinte, a política, emergindo como
instrumentos para a participação ativa na cidade.
Em seu período clássico antigo, a Grécia Antiga representava, territorialmente,
as áreas compreendidas como Chipre, Anatólia, sul da Itália e da França e, ainda, a
costa do mar Egeu, além de assentamentos gregos no litoral de outros países, como
o Egito. Historicamente, os gregos originaram-se da invasão de povos que migraram
para a Península Balcânica, no início do terceiro milênio a.C, sendo pioneiros os
aqueus, os jônicos, os dóricos e os eólios, todos indo-arianos provenientes da
Europa Oriental. Estas populações eram conhecidas como “helênicas”, pois sua
organização clânica, fundamentava-se, misticamente, na crença de que descendia
do deus Heleno, filho de Deucalião e Pirra.
31
O desenvolvimento da cidade, naquela parte do mundo, inicia na ilha de Creta,
junto ao Mar Egeu, cuja civilização, chamada de minóica, era formada pela fusão
dos habitantes da ilha com as populações invasoras vindas da Ásia Menor. Situado
na porção sul da Península Balcânica, este território era caracterizado pelo seu
30
BURNS, Edward McNall. História da civilização ocidental: do homem das cavernas às naves
espaciais. Trad. de Donaldson M. Garschagen. 41. ed., São Paulo: Globo, 2001, p. 87.
31
WIKIPÉDIA. Grécia Antiga. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Grécia_Antiga>. Acesso em:
17 jun 2007.
relevo montanhoso, cuja cordilheira dominante, a dos Montes Pindo, separavam a
costa oriental, banhada pelo Mar Egeu, da costa ocidental, banhada pelo Mar
Adriático. Segundo Munford, as férteis terras baixas suportavam a agricultura
iniciada no período neolítico, e suas encostas, eram cultivadas com castanheiro,
figueiras, oliveiras e videiras, compondo a dieta rica em cereais, somando-se a
pesca costeira. Destaca, ainda, que seus habitantes formavam comunidades
distintas, não sujeitas a qualquer sistema comum de controle, ou seja, ainda não
estavam suficientemente coesos no sentido de constituir um povo único, com uma
cultura homogênea, porém viveram juntos, pacificamente, visto que, entre estas
comunidades, não havia fortificações, comungando de um único sistema econômico,
comprovado através dos vestígios encontrados em suas ruínas, como instrumentos
de metal, vasos de pedra, entre outros. Posteriormente, tiveram como principal
atividade econômica o comércio, criando uma civilização centrada em grandes
palácios, como Cnosso, os quais apresentavam sistemas de iluminação e esgotos,
que reportavam aos vestígios encontrados nas cidades do Indo, como Harappa e
Mohenjo-Daro, assim como as fachadas sofisticadas sugeriam ambientes interiores
complicados, porém a grande novidade, a janela, deixa para trás as sombrias
residências sem janela da antiga Suméria.
32
Conhecedores da escrita (Linear A e
Linear B), destacaram-se, também, pelo trabalho em ouro e gemas, bem como por
uma cerâmica decorada com motivos marítimos e geométricos.
A partir do século VIII a.C, formam-se, pela Grécia Antiga, diversas cidades
independentes, cada qual com seu próprio sistema de governo, código de leis,
calendário, moeda, chamadas de pólis. Neste contexto, o autor Werner Jaeger
enfatiza que o termo grego pólis era traduzido “tanto como Estado, como por
cidade”, sendo que:
O que realmente era novo e trouxe definitivamente consigo a
progressividade e geral urbanização do Homem foi a exigência de todos os
indivíduos participarem ativamente do Estado e na vida pública e adquirirem
consciência dos seus deveres cívicos, completamente diversos do da esfera
da sua profissão privada.
33
32
MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectives. Trad. de Neil
R. Da Silva., 4. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 136-139.
33
JAEGER, Werner. A formação do homem grego. Trad. de Artur M. Pariera. São Paulo: Herder,
1969, p. 135.
Assim como em outros centros antigos, a pólis grega se constituía, sobretudo,
como templo, estratificada como morada dos deuses, possuindo, desta forma, a
função de atrair os homens em torno de um deus, junto ao sagrado oráculo de
Apolo, bem como era o símbolo da integridade e do equilíbrio, coordenando e
ordenando o crescimento urbano.
34
Segundo Fustel de Coulanges, neste período da antigüidade, os institutos que
representavam cidade e urbe não eram sinônimos, enquanto a primeira “era a
associação religiosa e política das famílias”; a segunda, tinha por característica
representar “o lugar de reunião, o domicílio e sobretudo o santuário dessa
sociedade”.
35
Continua o autor expondo que, outro fator fundamental que determinou a
organização territorial grega na forma de cidades-estado, claramente definidas,
separadas e independentes, compostas cada qual de um núcleo urbano, bem como
por campos e aldeias habitadas por comunidades agrícolas, foi a sua topografia.
Desta forma, a pólis era construída, geralmente no topo de uma colina, fundada a
partir de sagrados ritos religiosos; enquanto que no sopé da colina, em local não
considerado recinto sagrado, havia um aglomerado de casas destinadas ao
domicílio da plebe.
36
Diante disso, historiadores descrevem que, de modo geral, a extensão
territorial de cada pólis variava entre 1.000 e 10.000 km², compreendendo uma área
urbana e outra rural. A área urbana, conforme destacado anteriormente, se
estabelecia em torno da colina fortificada, denominando-se acrópole (do grego
akrós, alta e pólis, cidade), concentrando, além dos seus mais importantes edifícios,
como o Erectéion e o Partenon, o centro comercial e manufatureiro, onde artesãos e
operários produziam tecidos, roupas, sandálias, armas, ferramentas, artigos e
cerâmica e vidro. Na área rural, a população dedicava-se às atividades agro-
pastoris, cultivando oliveiras, videiras, trigo e cevada, e criando rebanhos de cabras,
34
MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectives. Trad. de Neil
R. Da Silva., 4. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 151.
35
COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. Trad. de Jean Melville. São Paulo: Martin Claret, 2002, p.
145.
36
Ibidem, p. 260.
ovelhas, porcos e cavalos. Apesar da existência de uma completa autonomia política
e social entre as pólis gregas, o comércio e a divisão de trabalho era muito intenso
entre as cidades gregas, como exemplo, Atenas importava 80% de seus alimentos,
sobretudo cereais, enquanto exportava azeite, chumbo, prata, bronze, cerâmica e
vinho.
37
A população das cidades-estado gregas era de aproximadamente 20.000
habitantes na área urbana, sendo que, no século IV a.C., as maiores cidades eram
Atenas, com estimados 170.000 habitantes, distribuídos numa área de 2.500 km²,
Siracusa, com aproximadamente 150.000 habitantes, em 5.500 km², Corinto com
mais de 100.000 habitantes, e Esparta que, apesar de pouco urbanizada, tendo em
vista possuía 40.000 habitantes, em 7.500 km² de território. Destaque-se, ainda, o
desenvolvimento de outras pólis como Micenas, Mégara, Erétria, Tirinto e Tróia.
Destaque-se, por fim, que a base da cidade grega possui sua origem
intrinsecamente ligada ao grande desenvolvimento existente nas aldeias que a
compunham, sobretudo com a existência de elementos como: a Assembléia de
Magistrados; a praça formal de mercado, espaço público de reunião da aldeia, bem
como destinado, algumas vezes, para a realização de troca de produtos; a fonte
encanada e o teatro.
38
Como exemplo, Leal destaca o Ágora que, além de ser o
principal centro dinâmico, estando, desde o princípio separado do templo, constituía-
se no local em que os moradores da cidade se reuniam para a deliberação das
decisões, o que, provavelmente, já deveria existir a muito tempo nas primeiras
aldeias.
39
Eis que, sob grande influência cultural grega, desenvolve-se no Ocidente outra
civilização, a romana, com tamanha voracidade que “ao final do século I a.C. Roma
37
WIKIPÉDIA. Grécia Antiga. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Grécia_Antiga>. Acesso em:
17 jun 2007.
38
MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectives. Trad. de Neil
R. Da Silva., 4. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 150.
39
LEAL, Rogério Gesta. A função social da propriedade e da cidade no Brasil: aspectos jurídicos e
políticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado; Santa Cruz do Sul, RS: Edunisc, 1998, 1998, p. 54.
impusera seu domínio sobre todo o mundo helenístico, assim como sobre a parte
da atual Europa Ocidental”.
40
Ainda, segundo Leal, as cidades, bases da civilização romana, como Roma,
[...] acumulavam características diversas e descritas a partir de funções
comerciais e administrativas, derivadas da concentração em uma mesma
aglomeração, de um poder exercido mediante a conquista de um vasto
território, que passa a ser propriedade privada da Cidade e do Governo
Imperial. A penetração romana em outras civilizações adota a forma de uma
colonização urbana, com o assentamento de funções administrativas e de
exploração mercantil. Assim, a cidade o é um lugar de produção, mas de
gestão e dominação, ligado à primazia social do aparato político-
administrativo.
41
Observa-se que, desde o princípio, entre os gregos e romanos, a lei surgiu
naturalmente como parte da religião, reunindo, nos antigos códigos das cidades, um
conjunto de ritos e prescrições religiosas, bem como dispositivos legislativos
atinentes, inclusive, às normas sobre o direito de propriedade.
Segundo Munford, o Império Romano desenvolveu-se a partir de um único
centro de poder, o qual, sempre em ampla expansão, acabou caracterizando-se
como “vasta empresa construtora de cidades”, deixando a marca de Roma em
diversos territórios pelos quais se estendeu, entre eles, partes da Europa, da África
do Norte e da Ásia Menor, alterando o cotidiano e forma de vida de inúmeras
cidades antigas, ao estabelecer seu estilo de ordem, através de cidades colônias,
cidades livres, cidades sob a lei municipal romana, cidades tributárias, cada qual
com sua forma diferente.
42
Apesar dos fundamentos da cidade romana terem origem na cultura helênica,
ela acabou incorporando os aspectos religiosos e supersticiosos dos etruscos,
utilizando-os em cerimoniais quando da fundação de novos centros urbanos.
Juntamente com este caráter sagrado, a cidade romana era concebida no sentido de
40
BURNS, Edward McNall. História da civilização ocidental: do homem das cavernas às naves
espaciais. Trad. de Donaldson M. Garschagen. 41. ed., São Paulo: Globo, 2001, p. 139.
41
LEAL, Rogério Gesta. A função social da propriedade e da cidade no Brasil: aspectos jurídicos e
políticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado; Santa Cruz do Sul, RS: Edunisc, 1998, p. 55-56.
42
MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectives. Trad. de Neil
R. Da Silva., 4. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 227.
se sintonizar com a ordem cósmica, possuindo, dentro de sua extensão, o
“pomerium”, caracterizado como um cinturão sagrado, dentro do qual havia a
proibição de construção de qualquer tipo de edificação.
43
Historicamente, o mais vasto Império da Antigüidade se desenvolveu a partir da
cidade-estado de Roma, fundada na península itálica durante o século VIII a.C. e,
durante seus 12 séculos de existência, contribuiu, imensuravelmente, para o
desenvolvimento no Mundo Ocidental de várias áreas de estudo, sendo que sua
história persiste como uma grande influência até nos dias de hoje. A engenharia civil
romana merece destaque pelas contribuições que trouxeram ao desenvolvimento
dos territórios ocupados, como a construção de estradas que interligavam todo o
império, a edificação de aquedutos que levavam água limpa até as cidades, bem
como a criação de complexos sistemas de esgotos para dar vazão à água servida e
aos dejetos das casas. A chamada Arquitetura Clássica, apesar da enorme
influência grega, possuía características próprias, cujo estilo expandiu-se por toda a
Europa, devido ao expansionismo do Império Romano, através da construção dos
aquedutos, basílica, estradas romanas, o arco do triunfo, o anfiteatro, as termas e os
edifícios. No âmbito das escolas particulares, o desenvolvimento de obras, como os
palácios urbanos e as vilas de veraneio da classe patrícia, foram erguidas em
regiões privilegiadas da cidade, sempre com decoração e ornamentos distribuídos
em torno de seus jardins. Enquanto isso, a plebe vivia em construções muito
parecidas com nossos atuais edifícios, com portas que davam acesso a sacadas e
terraços, mas sem divisões de ambientes, tetos de telha de barro cozido.
44
A principal característica das cidades, neste período, era sua constituição em
grandes extensões territoriais, fazendo com que, como modo de defesa, elas fossem
circundadas por muralhas e fossos, indicando, assim, a primeira divisão entre o
ambiente natural aberto e a área central da cidade. Desta forma, juntamente com a
ascensão das cidades, verifica-se que muitas de suas funções, até então dispersas,
43
LEAL, Rogério Gesta. Direito Urbanístico: condições e possibilidades da constituição do espaço
urbano. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 07.
44
WIKIPÉDIA. Roma Antiga. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Grécia_Antiga>. Acesso em:
17 jun 2007.
foram organizadas e ordenadas dentro de uma área limitada.
45
Várias das cidades
do vasto Império Romano tinham mais de 50.000 habitantes, chegando, as maiores,
como Roma, Éfeso, Cartago e Alexandria, a ter mais de 350.000 habitantes.
O Império Romano, caracterizado pela expansão desenfreada, acaba, diante
da busca incessante do poder e da conquista, fragmentando-se, sobretudo ao
perder o controle sobre os meios econômicos e sociais, tão essenciais para a
continuação de sua existência. Apesar do declínio romano ter ocorrido a partir de
180 d.C., a transição entre o final da história antiga para a Idade Média somente
ocorre no século V.
O intenso medo, o colapso comercial e a reduzida produtividade agrícola por
parte da população do Império Romano do Ocidente, fizeram com que a maioria dos
habitantes destas áreas urbanas da Europa, migrassem, gradualmente, para o
campo, mais exatamente em direção aos feudos, instituto característico das
propriedades em geral à época.
Assim, com o término do Império Romano, uma remodelação na
organização da sociedade européia, na qual, o poder central e unificador,
representado por Roma, cede lugar à uma organização social e econômica
descentralizada: o sistema feudal, cuja característica era ser essencialmente agrário,
e a sua sociedade, também agrária, foi tradicionalmente definida como imóvel,
dividida em três camadas que não se misturam: os nobres, o clero e os servos. As
condições sociais sicas da sociedade feudal eram senhor e servo. O senhor se
definia pela posse legal da terra, pela posse do servo e pelo monopólio do poder
militar, político e judiciário. O servo se definia pela posse útil da terra, pelo fato de
dever obrigações e pelo direito de ser protegido pelo senhor.
46
As cidades medievais, a partir do século X, eram formadas por antigas colônias
urbanas que se transformaram em cidades mais ou menos autogovernadas e de
45
MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectives. Trad. de Neil
R. Da Silva., 4. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 39.
46
ARRUDA, José Jobson de Andrade. História antiga e medieval. 13. ed., São Paulo: Editora Ática,
1990, p. 68.
novas colônias que, sob os mandamentos do senhor feudal, eram dotadas de
privilégios e direitos.
47
Apesar da moradia medieval não apresentar infra-estrutura e
espaços funcionais, verifica-se, também, neste período, o surgimento de
determinados órgãos e instituições públicas até então ausentes nas civilizações
urbanas, cuja inserção nas cidades promoveu o desenvolvimento de significativas
funções, como é o caso do forno público na padaria, da casa de banho municipal, e
dos inúmeros hospitais.
A cidade da época medieval, propriamente dita, conforme ensinamento de
Goitia,
[...] aparece em começos do século XI, e desenvolve-se principalmente
nos séculos XII e XIII. Até esse momento, a organização feudal e agrária da
sociedade domina completamente. Frente a esta, o crescimento das
cidades é originado principalmente pelo desenvolvimento de grupos
específicos, do tipo mercantil e artesão. [...] Com o desenvolvimento do
comércio nos séculos XI e XII, vai se constituindo uma sociedade burguesa
que é composta não de viajantes, mas também por outra gente fixada
permanentemente nos centros onde o tráfico se desenvolve: portos, cidades
de passagem, mercados importantes, vilas de artesãos, etc. Estabelecem-
se nestas cidades pessoas que exercem os ofícios requeridos pelo
desenvolvimento dos negócios: armadores de barco, fabricantes de
aparelhos de velejar, de barris, de embalagens diversas, e até geógrafos
que desenham os mapas marítimos, etc. A cidade atrai, por conseguinte,
um número cada vez maior de pessoas do meio rural que encontram ali um
ofício e uma ocupação que, em muitos casos, os liberta da servidão do
campo. Esta sociedade burguesa que paulatinamente, se vai
desenvolvendo, é o estímulo da cidade medieval.
48
O que se verifica, com o início da Idade Média, segundo Leal, citando Henry
Lefébvre, é que a cidade ressurge da união de uma fortaleza preexistente, em
torno da qual se organizaram um cleo habitacional, um núcleo de serviços e o
desenvolvimento de um mercado, alimentado pelos produtos advindos das novas
rotas comerciais. Estas bases dão forma à instituições político-administrativas
próprias de cada cidade, as quais dão consistência interna e uma maior autonomia.
49
47
MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectives. Trad. de Neil
R. Da Silva., 4. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 286.
48
GOITIA, Fernando Chueca. Breve história del urbanismo. Madri: Alianza, 1998, p. 21.
49
LEAL, Rogério Gesta. A função social da propriedade e da cidade no Brasil: aspectos jurídicos e
políticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado; Santa Cruz do Sul, RS: Edunisc, 1998, p. 56.
Nesta mesma perspectiva, ao Benevolo aduz que a cidade fortificada da Idade
Média é demasiadamente pequena para acolher todos estes núcleos, formando-se,
assim, ao seu redor os chamados subúrbios que, em breve, se tornam maiores que
o núcleo original. Diante disso, é necessário construir um novo cinturão de muros,
incluindo os subúrbios e as outras instalações (igrejas, abadias, castelos) fora do
velho recinto. A nova cidade assim formada, contínua a crescer da mesma forma, e
constrói outros cinturões de muros cada vez maus amplos.
50
Segundo Goitia,
[...] a necessidade desta muralha, que é característica da cidade medieval,
esteve, em muitos casos, na causa da origem das finanças municipais. Esta
contribuição adquiriu rapidamente caráter obrigatório, e tornou-se extensiva,
além da fortificação, a outras obras comuns, como a manutenção das vias
públicas. Quem não se submetia a esta contribuição era expulso da cidade
e perdia seus direitos. A cidade, portanto, acabou por adquirir uma
personalidade legal que estava acima dos seus membros. Era uma comuna
com personalidade jurídica própria e independente.
51
Portanto, dentre as características da Idade Média, verifica-se que a
concentração e o crescimento não ocorriam ao redor de grandes cidades, mas em
diversas cidades pequenas, cercada por cinturões de muros, favorecendo a unidade
e a comunicação. Da mesma forma, quanto à economia, verificava-se um cenário de
equilíbrio entre o ambiente urbano e o rural, caracterizado pelo emprego racional
das fontes de energia e matéria prima na produção local. Porém, diante da evolução,
especialização e centralização do poder econômico nos grandes centros, esse
equilíbrio até então existente se deteriora, fazendo com que as cidades menores
acabem se tornando dependentes.
Esta crise tende a originar um novo período histórico, denominado de Idade
Moderna, a qual trouxe inúmeros reflexos sobre o espaço urbano. Tem início por
volta de 1500, com a corrida pelo descobrimento, em que os europeus navegaram
até outros continentes em busca de novas conquistas territoriais e riquezas, fazendo
surgir a Revolução Comercial, que perdurou até 1800.
50
BENEVOLO, Leonardo. História da Cidade. Trad. Sílvia Mazza. 3. ed., São Paulo, Editora
Perspectiva, 1997-2001, p. 301.
51
GOITIA, Fernando Chueca. Breve história del urbanismo. Madri: Alianza, 1998, p. 22.
Na verdade, Leal destaca que, desde a Revolução Comercial de 1400, e
depois o mercantilismo e a Revolução Industrial do século XVII, o centro do poder
político e econômico, seja na Europa e na América do Norte, consubstancia-se num
novo conjunto de forças, que buscam a expansão de um novo modelo de gestão e
desenvolvimento do espaço urbano, qual seja, o capitalismo.
52
Para José Afonso da Silva, é no século XVII que esse modelo tinha alterado
toda a balança de poder, os mercadores foram os principais responsáveis pela
expansão urbana. O crescimento da cidade comercial, no entanto, se deu de forma
lenta, pois teve que enfrentar resistência tanto na estrutura quanto nos costumes da
cidade medieval.
53
A construção das cidades não objetivava mais o desenvolvimento de um
espaço urbano livre e seguro, mas um meio de consolidar o poder político existente,
dando lugar às cidades absolutas, com crescimento e ocupação desordenados. Esta
característica acaba suplantando uma política de elevados gastos financeiros com a
defesa das cidades, sobretudo com o custeio de exércitos e novas fortificações,
levando ao agravamento e, conseqüente dificuldade de expansão destas cidades,
causando uma valorização imobiliária das terras, a falta de locais públicos comuns,
um aumento da concentração populacional a partir do século XVII, ocasionando o
aumento dos aluguéis, o alojamento da população em locais sem infra-estrutura e
serviços, como os cortiços, que acabam se proliferando nas principais cidades
européias.
Mumford destaca que a partir desta época (século XVII), o poder exercido pelo
capitalismo imprime um estímulo à expansão urbana, possuindo como principais
interessados, os mercadores, financistas e senhores de terra. O aumento da
especulação, tende a desmantelar toda uma estrutura da vida urbana, e a liberdade
para investimentos privados, visando o lucro e acumulação, desvincula-se do bem-
estar da comunidade. Assim,
52
LEAL, Rogério Gesta. Direito Urbanístico: condições e possibilidades da constituição do espaço
urbano. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 12.
53
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 3. ed., São Paulo: Malheiros Editores, 1998,
p. 17.
[...] a cidade, desde o princípio do século XIX, foi tratada não como uma
instituição pública, mas como uma aventura comercial privada, a ser
afeiçoada a qualquer modo que pudesse aumentar a rotatividade e fazer
subirem mais ainda os valores dos terrenos.
54
Embora a cidade seja uma instituição milenar, o processo de urbanização da
humanidade veio a acontecer bem mais recentemente, a partir da Revolução
Industrial, na passagem do século XVIII para o culo XIX. A1850, nenhum país
possuía população urbana superior à rural. O Reino Unido, berço da revolução
industrial (e exatamente por isso), foi a primeira nação a atingir esse patamar. O
desenvolvimento da cidade industrial moderna, nos moldes que a conhecemos hoje,
se deu exatamente nesse período, cerca de 200 anos atrás, resultando num
fenômeno que podemos denominar como sociedade urbano-industrial. Durante os
séculos XIX e XX, urbanização e industrialização foram processos praticamente
associados. As sociedades se urbanizaram na medida em que se industrializaram.
55
Com a evolução promovida pela Revolução Industrial, as operações comerciais
nas cidades se ampliam de tal forma que passam a incumbir-se da organização e
racionalização das operações relacionadas à produção industrial, bem como dos
serviços públicos e privados dela decorrentes. Ainda, neste sentido:
A formação e mesmo o desenvolvimento das cidades tomaram, assim,
grande impulso com o desenvolvimento da industrialização. A indústria
absorve os centros urbanos já importantes nos fins do século XVIII e
durante o século XIX, predominantemente em alguns setores, como os da
indústria gráfica e de papel, ambas desenvolvidas de forma artesanal nas
grandes cidades.
A fábrica e todos os investimentos necessários para que o capital
desenvolvesse plenamente a capacidade produtiva as unidades industriais,
exigiam a ampliação dos mercados, o que quer dizer o fortalecimento das
relações entre os lugares. A especialização funcional que começou com a
manufatura manifestou-se numa divisão social do trabalho cada vez mais
complexa à medida que o capitalista fazia mais investimentos na unidade
industrial, com o objetivo de ampliar sua capacidade produtiva.
56
54
MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectives. Trad. de Neil
R. Da Silva., 4. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 461.
55
BRAGA, Roberto; CARVALHO, Pompeu Figueiredo de. Cidade: Espaço da Cidadania. In:
GIOMETTI, Analúcia B. R.; BRAGA, Roberto (orgs.). Pedagogia Cidadã: Cadernos de Formação.
São Paulo: UNESP-PROPP, 2004, p. 105-120.
56
LEAL, Rogério Gesta. A função social da propriedade e da cidade no Brasil: aspectos jurídicos e
políticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado; Santa Cruz do Sul, RS: Edunisc, 1998, p. 59.
Embora as cidades tenham sido, ao longo de toda a sua história, um local de
reunião de inúmeras atividades, foi somente com a Revolução Industrial que a sua
importância aumentou, tendo passado a atrair, para os empregos no comércio e na
indústria, massas de trabalhadores que anteriormente viviam nas regiões rurais.
Nunca as cidades cresceram tanto como sob o regime capitalista de produção. Os
países chamados desenvolvidos passaram por esse processo de urbanização ao
implantar uma economia decorrente de uma técnica de produção industrializada.
O professor Luiz Ernani Bonesso de Araújo destaca que é digno de ser
registrado o impacto, no âmbito das cidades, advindo com a Revolução Industrial,
sobretudo pois ela completa, definitivamente, o ciclo de crescimento urbano, através
da produção de riqueza, o surgimento de um novo tipo de padrão de vida social, e,
conseqüentemente, o início do êxodo rural, visto que o excedente de mão-de-obra
agrícola é utilizado nos setores industriais e de serviços.
57
A criação destas cidades industriais, favorecidas pela crescente concentração
demográfica, acarreta o surgimento de inúmeras fábricas e, conseqüentemente, de
um ambiente urbano degradado, “desperdiçando recursos e energia, desvalorizando
a vida, sob a égide da quina e do dinheiro, planejando de acordo com seus
resultados específicos, revertendo em desemprego e mau emprego, em doença e
loucura, em vício e apatia, em indolência e crime”.
58
Ao se refletir sobre a funcionalidade destas cidades, pode-se indagar que
peculiaridades intrínsecas as poderiam fazer diferentes do campo. A cidade grande,
por sua complexidade e estigma, acaba recebendo contingentes populacionais com
escolaridade e qualificação profissional diversificados e tem, ou teve, ao longo de
décadas, de acomodá-los em domicílios dos mais variados padrões, como casas,
apartamentos e domicílios coletivos, muitos deles, como pode-se verificar,
atualmente, subnormais ou assentamentos informais.
57
ARAÚJO, Luiz Ernani Bonesso de. A Questão Fundiária na Ordem Social. Santa Cruz do Sul: Fisc,
1985, p. 23 e ss.
58
GEDDES, Patrick. Cidades em evolução. Trad. de Maria José Ferreira de Castilho. Campinas:
Papirus, 1994, p. 78.
Desta forma, os autores que retrataram as condições das cidades industriais do
século XIX não poupam palavras para descrever o caos urbano existente nos mais
diversos setores, como circulação, higiene e infra-estrutura. Dentre eles, uma
observação bastante pertinente a esse respeito é feita pelo geógrafo David Clark
quando ele afirma que é discutível se as condições de vida, nas cidades do século
XIX, eram significativamente piores do que as que existiam na zona rural antes da
industrialização, visto que a concentração da carência, nos bairros pobres das
cidades, tornou visível a pobreza e as doenças e, surgindo como ameaças às
classes médias e altas, fez com que essas condições fossem definidas como um
problema básico para a sociedade.
59
Uma das grandes marcas desse século tem sido o “formidável crescimento dos
grandes centros urbanos, que não se verificava anteriormente porque o avanço
demográfico geral era muito mais lento e porque esse excedente demográfico não
era absorvido pelas grandes cidades”.
60
Contudo, nas últimas décadas, o ritmo de
crescimento das cidades está sendo muito superior ao das possibilidades de
previsão das autoridades públicas, a sua capacidade de assimilar os problemas e
geralmente dos recursos disponíveis para proceder às reformas de grande vulto que
se fazem necessárias para criar novas estruturas eficazes.
Neste sentido, o crescimento das cidades por não se dar acompanhado do
desenvolvimento sócio-econômico e das funções urbanas, traz em seu bojo uma
crescente marginalização social, isso porque não oferece condição de absorver e de
empregar os elevados contingentes humanos que o campo repeliu. Para Goitia, este
fenômeno fez com boa parte da população que chega às cidades,
[...] é forçada a se distribuir nos locais mais “miseráveis e abandonados,
invadindo propriedades alheias ou zonas com condições urbanas
inadequadas. Isto deu lugar aos chamados bidonvilles das cidades
francesas ou argelinas, as chabolas (barracas de madeira) ou chabolismo
espanhol, as famosas favelas brasileiras, os ranchos venezuelanos, etc.
Não cidade em processo de crescimento agressivo que não sofra destas
manifestações patológicas”.
61
59
CLARK, David. Introdução à geografia urbana. São Paulo: DIFEL, 1985, p. 54.
60
GOITIA, Fernando Chueca. Breve história del urbanismo. Madri: Alianza, 1998, p. 30.
61
Ibidem, p. 31.
Diante destas constatações, importante destacar que o estudo do processo de
origem e evolução das cidades é fundamental para que, tantos seus habitantes,
quanto os administradores públicos e planejadores, possam direcionar o crescimento
das mesmas, através de uma gestão democrática, influenciando na implementação
de políticas públicas direcionadas para o melhoramento da circulação, dos custos de
urbanização, da vida diária dos cidadãos e dos instrumentos público-urbanos.
Finalizado este breve resgate histórico sobre a formação e desenvolvimento
das primeiras cidades, bem como observados os principais aspectos que
caracterizaram a evolução das mesmas até o presente momento, impõe-se, como
complementação final deste capítulo, desenvolver um estudo sobre a atual
concepção e definição das cidades.
1.3 A concepção atual das cidades
Apesar da inquestionável evolução, percebe-se que a cidade continua a ser
uma incógnita de difícil solução. Sendo produto das relações humanas, transforma-
se quando a sociedade se transforma e pode ser percebida de várias formas e sob
diversos ângulos, sendo que, conforme estudado nos tópicos anteriores, a origem da
cidade não é um feito recente: é resultante de um processo histórico.
Com base nesta assertiva e segundo Henry Lefébvre, ao se afirmar que a
urbanização, e conseqüente visão que temos, atualmente, das cidades, é resultado
do processo de industrialização, não significa que está se descartando o que a
cidade representava antes da indústria, ou seja, não é admissível menosprezar o
que significou a cidade oriental, ligada ao modo de produção asiático; as cidades
gregas e romanas, com sua arquitetura clássica, apesar de baseada no escravismo;
ou a cidade medieval, inserida em relações feudais; dentro deste processo de
formação do espaço urbano.
62
Atualmente, fixar o conceito de cidade não se tornou uma tarefa fácil, pois não
um padrão mundial que defina uma cidade, variando de país para país. Pode-se
62
LEFÉBVRE, Henry. O Direito à Cidade. São Paulo: Centauro, 2001, p. 37.
discutir, nesse diapasão, qual seriam os critérios para definir que uma determinada
extensão territorial detenha o título de cidade ou centro urbano. Critérios como a
densidade populacional por quilômetro quadrado, ou ainda a forma predominante da
atividade econômica, uma vez considerados isoladamente não representam
elementos exaustivos do conceito de cidade. Tradicionalmente, muitos organismos
públicos, bem como inúmeros autores, consideram a existência de uma cidade
baseados em critérios quantitativos, como a Organização das Nações Unidas –
ONU, que optaram por esse conceito, definindo como cidade aquelas localidade cuja
população urbana tenha pelo menos 20.000 habitantes.
63
Nesta perspectiva, por exemplo, na Dinamarca, bastam 250 habitantes para
uma comunidade urbana ser considerada uma cidade, e na Islândia, apenas 300
habitantes. Na França, a menor entidade político-administrativa são as comunas,
sendo que o termo cidade (ville) é aplicado apenas pelo Instituto de Estatísticas da
França INSEE para aquelas que possuam um mínimo de 2.000 habitantes, e na
Espanha, 10.000 habitantes. Na Itália, o termo cittá é atribuído aquele comune que
contenha áreas residenciais, industriais e comerciais, bem como desenvolver
funções administrativas que envolvam uma área geográfica mais ampla, ao contrário
da paese, que é a forma para denominar pequenos e médios comunes.
Em Portugal, ao longo da Idade Média, as primeiras cidades representavam as
sedes de diocese, porém, com o decorrer do tempo, outras vilas foram promovidas a
cidade, por questões geo-estratégicas, demográficas ou econômicas. É através da
Lei n° 11/82, que foram definidas as condições nece ssárias para que uma localidade
tenha o estatuto de cidade, entre elas, possuir mais de 8.000 eleitores e, pelo
menos, metade dos seguintes equipamentos coletivos: instalações hospitalares,
farmácias, corporação de bombeiros, casa de espetáculo ou centro cultural, museu e
biblioteca, hotéis, estabelecimento de ensino preparatório, secundário, pré-primários
e infantis, transporte público, parques ou jardins públicos.
64
63
CORREIA, Fernando Alves. Manual de Direito do Urbanismo. Vol. I. Coimbra: Almedina, 2003, p.
15-16.
64
WIKIPÉDIA. Cidade. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Cidade>. Acesso em: 17 jun 2007.
Outros países, sobretudo os de língua inglesa, como os Estados Unidos da
América e o Canadá com exceção da província de Quebec apresentam duas
definições de cidade, city e town, sendo a primeira considerada a cidade
propriamente dita, uma cidade primária, enquanto que a segunda, refere-se a uma
cidade de pequeno porte, uma cidade secundária. O que também define se uma
área urbana receberá o estatuto de city ou town, é o número de habitantes, mais de
3.000 habitantes para a city, e entre 500 e 2.500 habitantes para a town.
No Brasil, o conceito de cidade é definido pelo Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística IBGE, órgão oficial do Governo Federal responsável pelos censos
demográficos, sendo que qualquer comunidade urbana, caracterizada como sede de
município ou de distrito, pode ser considerada uma cidade, independente do número
de habitantes.
65
O conceito demográfico e quantitativo de cidade, pelo qual se considera cidade
o aglomerado urbano com determinado número de habitantes, é muito difundido
entre a maioria dos estudiosos, sendo, também, a concepção que orienta a definição
oferecida por Sjoberg:
[...] a cidade é uma comunidade de dimensões e densidade populacional
consideráveis, abrangendo uma variedade de especialistas não-agrícolas,
nela incluída a elite culta.
66
José Afonso da Silva afirma que, para chegar à sua formulação, importante
destacar que nem todo núcleo habitacional pode ser considerado como espaço
urbano e, conseqüentemente, definido como cidade. O referido autor assevera que
existem alguns requisitos mínimos a serem preenchidos para tanto, não bastando a
existência de um aglomerado de residências, como: 1) densidade demográfica
específica; 2) profissões urbanas diversificadas, sejam no comércio ou ramo
manufatureiro; 3) economia urbana permanente, sem deixar de lado a relação com o
65
BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE. Disponível em:
<http://www.ibge.org.br>. Acesso em: 27 jul 2007.
66
SJOBERG, Gideon. Origem e Evolução das Cidades. In: Cidades, A Urbanização da Humanidade.
2. ed., Rio de Janeiro: Zahar, 1972, p. 38.
meio rural; 4) existência de camada urbana com produção, consumo e direitos
próprios.
67
Diante disso, surge outra dificuldade para formular o conceito de cidade, visto
que, conforme destacado no parágrafo anterior, nem todo núcleo urbano pode ser
considerado uma cidade. É neste sentido, que a partir do emprego da sociologia
urbana se tem tentado buscar firmar conceitos de cidade, como “uma situação
humana”, “uma organização geral da sociedade”, “como centro de consumo em
massa”, “como fábrica social”, ou, nas palavras de Henry Lefébvre como “projeção
da sociedade sobre um local”.
68
A cidade sempre se caracterizou como espaço de luta entre os mais diversos
tipos de classes e movimentos sociais no sentido de reivindicar seus direitos,
sobretudo melhores condições de vida. Desta forma, como forma de resistência
contra a segregação, a fusão dos interesses do Estado, da sociedade em geral e da
iniciativa privada, direcionou-se para a busca do direito à cidade. Para Corrêa, todos
estes agentes sociais, constituem-se, segundo seus interesses, em modeladores do
espaço urbano na atualidade.
69
O espaço urbano, entendido como uma organização territorial e social
complexa, é construído pelo conjunto de relações que se estabelecem ao seu
entorno e com seus habitantes, as quais compreendem variáveis sociais,
econômicas, físico-espaciais e ambientais, que fazem parte deste complexo
emaranhado de relações e demandas, o que requer habilidades de planejamento e
gestão de forma a gerar espaços urbanos democráticos, socialmente justos e com
adequadas condições físico-ambientais.
70
Numa análise contemporânea, não se pode enfocar a questão urbana sem
destacar a história do processo de urbanização, que, por sua vez, introduz a
67
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 2. ed., rev. e atual., São Paulo: Malheiros
Editores Ltda., 1997, p. 18-19.
68
LEFÉBVRE, Henry. O Direito à Cidade. São Paulo: Centauro, 2001, p. 56.
69
CORRÊA, Roberto Lobato. O espaço urbano. São Paulo: Ática, 1989, p. 07-08.
70
RHEINGANTZ, Paulo Afonso. Pequena Digressão sobre Conforto Ambiental e Qualidade de Vida
nos Centros Urbanos. In: Revista Ciência & Ambiente. Santa Maria: Universidade Federal de Santa
Maria, v.1, n. 1, jul., 1990, p. 36-58.
problemática do desenvolvimento das sociedades, principalmente aquele relativo ao
crescimento e adensamento populacional,
Isto quer dizer, se é claro que o processo de formação das cidades é a base
das redes urbanas e condiciona a organização social do espaço, que quase
sempre se detém na taxa de crescimento demográfico, ligando num mesmo
discurso ideológico a evolução das formas espaciais de uma sociedade e a
difusão de um modelo cultural sobre a base de uma dominação política.
71
Para Maria Lucia Bezerra, o termo urbano designa uma forma particular de
ocupação do espaço por uma população, ou seja, a aglomeração, resultante de uma
forte concentração e de uma densidade relativamente elevada, com uma grande
diferenciação funcional e social. Mas, é sobretudo pelas relações sociais que se
estabelecem nesse espaço, decorrentes de uma aproximação físico-territorial e de
um sistema cultural sintonizado com um projeto de modernidade, que se expressa o
modo de vida urbano.
72
Porém, a situação em que se encontram estes espaços urbanos no presente,
também permite confundir e não entender a cidade e seus papéis, daí o fato dela ser
tudo e nada ao mesmo tempo. Atualmente, as cidades passam por sérias
dificuldades, mas mesmo assim, têm papel de grande importância como o locus de
grandes transformações. Dentre estas, as transformações na estrutura econômica,
acarretadas pelo desenvolvimento, não somente provocam rápida urbanização, mas
também forte concentração urbana. Assim, a paisagem dos domicílios pode nos
permitir imaginar que tal cidade é moderna, porque as moradias apresentam-se
interessantes, cômodas e com bom design. Isso pode ser comum a qualquer cidade,
desde a metrópole à cidade interiorana, entretanto, quando penetramos no interior
de qualquer cidade metropolitana, é que podemos diagnosticar ou não um retrato de
mazela e de impactos ecológicos.
71
CASTELLS, Manuel. La Question Urbaine. Paris: Ed. François Maspero, 1973, p. 18. In: BEZERRA,
Maria Lucila. Desenvolvimento Urbano Sustentável: realidade ou utopia. 2002. Fundação Joaquim
Nabuco textos para discussão. Disponível em: <http://www.fundaj.gov.br/tpd/140.html>. Acesso
em: 18 out. 2005.
72
BEZERRA, Maria Lucila. Desenvolvimento Urbano Sustentável: realidade ou utopia. 2002.
Fundação Joaquim Nabuco textos para discussão. Disponível em:
<http://www.fundaj.gov.br/tpd/140.html>. Acesso em: 18 out. 2005.
A cidade tornou-se madura no capitalismo e nele também esenvelhecendo,
com todas as contradições que acumulou em apenas um pouco mais de dois
séculos de crescimento exponencial. A sociedade capitalista se caracteriza pelos
fenômenos da industrialização ou revolução tecnológica e pelo processo acelerado
de urbanização, com todas as profundas seqüelas deste. As conseqüências
advindas não se manifestam somente no campo, mas principalmente no ambiente
urbano e industrial. Como enfatiza Cavalcante, no Brasil, a maioria das cidades não
tem conseguido formar uma “cultura urbana”, mas apenas uma “cultura de massas”.
Entende o autor, que a baixa qualidade de vida urbana é o efeito de um modelo de
cidade que cresceu economicamente mais depressa do que se desenvolveu
socialmente, o que, por sua vez, é efeito do modelo de globalização advindo do
desenvolvimento capitalista.
73
Diante disso, verifica-se que o impacto econômico da globalização modifica
radicalmente a estrutura urbana e social das cidades, impondo novos padrões de
política e de gestão urbanas. Borja e Castells, consideram que três macro-processos
inter-relacionados globalização, informacionalização e espraiamento urbano
generalizado –, parecem estar convergindo no sentido do desaparecimento da
cidade como uma forma específica de sociedade relacionada a territórios. Depois de
existirem por milênios, as cidades pareceriam estar caindo em um inevitável declínio
histórico no limiar do novo milênio. Isto não significa que os problemas urbanos
desaparecerão. Ao contrário, agora, mais que nunca, no processo de uma ampla
urbanização, as formas de como agir com habitação e serviços urbanos, e de como
proteger o meio ambiente, são problemas agravados por uma forma de
assentamento no território que é mais predatória que as formas anteriores.
74
Hoje, na visão de Munford, as dimensões físicas e o alcance que todos
possuem sobre a cidade estão sempre em constante mudança, o que significa que a
maior parte das funções e estruturas nela existentes necessitem ser refundidas, no
sentido de promover a consecução das suas finalidades. No futuro, a cidade deve se
73
CAVALCANTE, Enoque G. Capital, meio ambiente e qualidade da vida urbana. In: Revista de
Geografia, Recife, ano 4, jan./dez., 1986, p. 23-28.
74
BORJA, Jordi; CASTELLS, Manuel. Local and Global: the management of the cities in the
information age. 5. ed., Madrid: Taurus, 2000, p. 74.
consubstanciar em instrumento para o desenvolvimento de todos os setores nela
existentes, sejam econômicos, políticos, culturais ou sociais. Atualmente, os
processos cada vez mais automáticos de produção e expansão urbana se afastam
dos objetivos desejáveis para os habitantes das cidades, quais sejam, melhores
condições de vida.
75
Portanto, a garantia da qualidade de vida das pessoas, que cada vez em maior
número vivem nas cidades, depende de uma série de fatores que devem ser
considerados em conjunto e inter-relacionados. Esses fatores são de ordem
ambiental, cultural, social, econômica e política, além da tecnologia empregada para
oferecer maior conforto à população. Antes de qualquer coisa, a forma como as
pessoas vivem em uma sociedade está condicionada pela maneira como se criam
as condições materiais que sustentam essa sociedade, de acordo com as
necessidades objetivas e subjetivas de sujeitos concretos.
A cidade, como ambiente vivo, construída pela inteligência humana, encontra-
se em plena transformação, agregando, ao longo do tempo, novas funções e, assim,
garantindo o planejamento e desenvolvimento urbano, bem como o bem-estar de
seus habitantes. Na cidade pós-moderna, que não se limita mais ao espaço-físico
territorial, surgem novas funções sociais, sobretudo porque a cidade, que se
comunica e se organiza em redes, passa a ser olhada sobre uma outra ótica.
Estando, portanto, em constante processo físico de transformação, a cidade
gera produtos e resíduos, num processo contínuo e constante, que acabam
refletindo, também, nos aspectos ambientais, sociais, econômicos e políticos. O que
se pretende, no futuro próximo, é buscar o seu equilíbrio com a natureza, através da
sustentabilidade. Há, no entanto, quem, como Alexander Mitscherlich faça a
advertência:
Pensando na cidade do futuro, esta não pode ser apenas aquelas das
nações industrializadas da Europa ocidental cujos problemas não provem
em primeiro lugar do aumento de população, mas muito mais das
tendências de acumulação das empresas industriais. Os milhões de homens
não-civilizados, não instruídos e, em conseqüência disso, condenados à
75
MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectives. Trad. de Neil
R. Da Silva., 4. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 615-616.
vegetação material e espiritual, não podem ser absorvidos em cidades que
pretendem ser espaço vital.
76
Para Goitia, a cidade moderna tem se deixado levar em demasia pelas
prioridades definidas pelo tráfego. Diante do desenfreado desenvolvimento urbano,
para alguns, principalmente os setores públicos, o tráfego é primordial e a sua
solução deve orientar todas as outras soluções urbanas, porém o mesmo autor
adverte que “não faz sentido planificar com vista ao tráfego sem planificar ainda mais
profundamente com vista a outras necessidades humanas”.
77
Na concepção de Ana Fani Alessandri Carlos, a cidade é muito mais do que a
consecução das necessidades vitais e imediatas (habitação, infra-estrutura,
segurança, trabalho), ela possui uma identidade. A cidade é um modo de viver,
pensar, produzir idéias, comportamentos, valores, formas, lazer e cultura. Mas
também, nela é que surgem e fundem-se os interesses do capital, a ação do Estado
e a luta dos seus habitantes, tornando-a, assim como referia Lewis Munford, um
organismo vivo, em que há a produção e segregação do espaço urbano, enquanto
materialização do direito à cidade. Neste sentido, a cidade aparece como um bem
material, como uma mercadoria que é consumida de acordo com as leis e a
reprodução do capital, tornando o espaço urbano um produto de valorização, sendo
negociada no mercado imobiliário enquanto mercadoria.
78
Neste sentido, a cidade, enquanto empreendimento, deverá satisfazer às
necessidades individuais e coletivas dos vários setores de sua população, sendo
que, para tanto, deve-se articular recursos humanos, financeiros, institucionais,
políticos e naturais para sua produção, funcionamento e manutenção. A este
processo dirigido para operar a cidade, -se o nome de gestão urbana. A gestão
democrática do espaço urbano é, portanto, uma ação política, componente do
governo da cidade, responsável pela elaboração de políticas públicas, pela sua
concretização em programas e pela execução dos projetos.
76
MITSCHERLICH, Alexander. A cidade do futuro. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1972, p. 51.
77
GOITIA, Fernando Chueca. Breve história del urbanismo. Madri: Alianza, 1998, p. 38.
78
CARLOS, Ana Fani Alessandri. A cidade. 8. ed., São Paulo: Contexto, 2005, p. 26-27.
Henry Lefébvre enfatiza o aspecto dialético do urbano e da produção do
espaço e põe em evidência a cidade do século XX, em que bens antes raros se
tornaram abundantes e bens antes abundantes, como a luz, o ar, a água e o próprio
espaço tornaram-se raros.
79
Atualmente, o problema a ser resolvido não é somente prover moradia e
serviços básicos. É de outra escala, a de construir a cidade nos novos espaços
urbano-regionais, o que significa providenciar respostas efetivas à pelo menos cinco
novos desafios: trabalho e emprego; segurança; integração cio-cultural;
sustentabilidade; governança. Borja e Castells propõem três princípios para orientar
o desenvolvimento da cidade: o direito à cidade, a legitimidade dos governos locais
pela proximidade com sua população, e a declaração universal dos direitos dos
cidadãos. Em suma, os autores apresentam três conjuntos de conclusões sobre
democracia local, políticas urbanas, e cidades na esfera das relações internacionais,
no tocante à questão das cidades na globalização.
80
Deve-se, como forma de alterar o atual quadro em que se encontram as
cidades, buscar uma nova identidade, que procura descobrir suas verdadeiras
funções. É, portanto, a partir da cidade sustentável, conectada em redes sociais e
econômicas, e ao meio-ambiente, que irá se verificar o cumprimento destas suas
funções, promovendo o planejamento e desenvolvimento urbano e garantindo o
bem-estar de seus habitantes.
Neste sentido, segundo Hely Lopes Meirelles, um dos primeiros instrumentos
que surgiram como modelo para a cidade moderna, planejada e com funções
delimitadas em seu espaço físico-territorial, foi a Carta de Atenas. Desde a década
de 1930, quando o Congresso Internacional de Arquitetura Moderna se reuniu, que
se destacam, como funções do espaço urbano, a habitação, trabalho, circulação e
recreação. No Brasil, o marco histórico da implantação destas diretrizes e funções foi
o projeto de Lucio Costa, quando da construção de Brasília.
81
79
LEFÉBVRE, Henry. A Revolução Urbana. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1999, p. 64.
80
BORJA, Jordi; CASTELLS, Manuel. Local and Global: the management of the cities in the
information age. 5. ed., Madrid: Taurus, 2000, p. 78.
81
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 377.
Posteriormente, com a criação do Conselho Europeu de Urbanistas (CEU),
reunindo diversos setores relacionados com o urbanismo, propôs-se uma Nova
Carta de Atenas. Esta, ao
analisar as cidades contemporâneas e suas funções,
tratou de apresentar propostas para o futuro das cidades no século XXI, devendo
sofrer revisão de quatro em quatro anos. A primeira foi aprovada no congresso
realizado em 20 de novembro de 2003, em Lisboa, Portugal, recebendo o nome de
Carta Constitucional de Atenas 2003 A visão das Cidades para o Século XXI do
Conselho Europeu de Urbanistas. Dentre as diretrizes, propõe uma rede de cidades
que almeje:
[...] conservar a riqueza cultural e diversidade, construída ao longo da
história; conectar-se através de uma variedade de redes funcionais; manter
uma fecunda competitividade, porém esforçando-se para a colaboração e
cooperação e contribuir para o bem-estar de seus habitantes e usuários.
82
Ainda, propõe o equilíbrio social envolvendo não apenas as pessoas, mas
também as comunidades, para solucionar os problemas de acessibilidade à
educação, saúde e outros bens sociais, possibilitando reduzir a ruptura social
causada pela exclusão, pobreza, desemprego e criminalidade. Neste sentido, o
planejamento do espaço urbano também surge como elemento importante para
eliminar as diferenças e dar um caráter de continuidade através de intervenções
para proteger e melhorar a qualidade de vida dos habitantes das cidades.
A nova Carta de Atenas de 2003 estabelece um comprometimento às cidades
modernas no sentido de implementação, na medida do possível, de o quatro, mas
doze funções, consideradas verdadeiras diretrizes a serem efetivadas, dentre eles:
cidade para todos, cidade participativa, cidade refúgio, cidade saudável, cidade
produtiva, cidade inovadora, cidade do movimento racional e da acessibilidade,
cidade do meio ambiente (ecológica/sustentável), cidade da cultura, cidade e a
continuidade de caráter (histórica). Estes conceitos não podem ser prescindidos
pelos gestores do meio urbano neste novo milênio, sobretudo com vistas a
82
LA NOUVELLE CHARTE d’ATHÈNES 2003. Disponível em: <http://www.ceu-ectp.org>. Acesso
em: 14 set 2006.
possibilitar que a cidade, em sendo sustentável, mantenha a qualidade de vida não
apenas para esta mas principalmente para as futuras gerações.
83
Referidas funções, podem ser dividas em três grupos:
- funções urbanísticas: habitação, trabalho, lazer e mobilidade;
- funções de cidadania: educação, saúde, proteção e segurança; e
- funções de gestão: prestação de serviços, planejamento, preservação do
patrimônio cultural e natural, e sustentabilidade urbana.
Há, porém, de se convir, que a questão sobre as funções da cidade moderna
amplia-se, sobretudo porque o impulso ocorrido no desenvolvimento de tecnologias
inovadoras gerou uma nova visão sobre o espaço urbano, não apenas sobre o real,
com suas avenidas, edifícios, diversificação dos meios de locomoção, fábricas,
comércio, escritórios, universidades. Para Castells, o as tecnologias de
telecomunicações que unem este espaço urbano real a um ambiente virtual, fazendo
com que espaço e tempo se unam, estabelecendo uma nova dimensão material da
vida humana.
84
O que se verifica, na realidade, é que a otimização destas funções não se
concretiza uniformemente, sobretudo porque os recursos existentes nas cidades não
são suficientes para tanto, bem como os atualmente disponíveis são utilizados para
solucionar as necessidades sociais mais prementes. No Brasil, particularmente, Leal
assevera que:
[...] a Constituição de 1988 subordinou o cumprimento da função social da
propriedade urbana às exigências da ordenação da cidade, o que
estabelece de forma muito clara quais as diretrizes a serem observadas no
gerenciamento dos espaços privados localizados em zona urbana, ou seja,
aquelas que venham ao encontro dos princípios e garantias fundamentais
da cidadania brasileira, priorizadas sobre os interesses privados ou setoriais
porventura existentes.
85
83
LA NOUVELLE CHARTE d’ATHÈNES 2003. Disponível em: <http://www.ceu-ectp.org>. Acesso
em: 14 set 2006.
84
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. 6. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
85
LEAL, Rogério Gesta. A função social da propriedade e da cidade no Brasil: aspectos jurídicos e
políticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado; Santa Cruz do Sul, RS: Edunisc, 1998, p. 121.
O mesmo autor aduz que tais garantias somente poderão ser levadas a cabo
através da adoção de políticas públicas de desenvolvimento urbano, objetivando
ordenar o pleno desenvolvimento de todos os segmentos sociais, em especial o
bem-estar dos habitantes das cidades. Para tanto, uma das formas de exercício
destas políticas públicas seria a utilização dos instrumentos disponibilizados pelo
Estatuto da Cidade, sobretudo através do Plano Diretor, que surge como
instrumentos de promoção do adequado planejamento e controle do uso,
parcelamento e ocupação do espaço urbano.
86
Após este breve resgate histórico sobre a origem dos primeiros núcleos sociais,
da conseqüente evolução ocorrida entre as primitivas aldeias até a formação e
desenvolvimento das primeiras cidades, com suas características, forma de
ocupação territorial e desenvolvimento urbanístico, chegando à definição das atuais
concepções do instituto da cidade, o capítulo subseqüente, como forma de delimitar
o alcance espacial deste estudo, busca destacar os principais marcos e aspectos
que caracterizaram a formação e desenvolvimento do espaço urbano no Brasil,
sobretudo a partir do século XX.
86
LEAL, Rogério Gesta. A função social da propriedade e da cidade no Brasil: aspectos jurídicos e
políticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado; Santa Cruz do Sul, RS: Edunisc, 1998, p. 133.
2 PRINCIPAIS MARCOS E ASPECTOS QUE CARACTERIZARAM A
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO ESPAÇO URBANO NO BRASIL
Neste segundo capítulo, como forma de delimitar o alcance espacial deste
estudo, são analisados os principais marcos que caracterizaram a formação e o
desenvolvimento do espaço urbano no Brasil, bem como a importância do Estatuto
da Cidade como marco regulatório para a consecução das diretrizes estabelecidas
no capítulo constitucional referente à Política Urbana. Finalizando, serão destacados
os principais aspectos que caracterizaram o desenvolvimento urbanístico no território
brasileiro a partir do século XX.
Diante disso, ao se tratar dos marcos que fundamentaram a formação e
desenvolvimento do espaço urbano no Brasil, merece importância, inicialmente, a
ponderação sobre os marcos normativo-constitucionais que baseiam o direito de
propriedade e demais aspectos relacionados à configuração territorial do Brasil.
Neste sentido, a história constitucional brasileira tem início com a independência.
Sendo a urbanização um processo dinâmico, a sucessão de textos constitucionais,
ao mesmo tempo em que influenciaram o desenvolvimento das cidades, trouxeram
tratamentos diferentes à cidade e à propriedade, conforme os momentos históricos.
2.1 Marcos normativo-constitucionais da formação do espaço urbano no Brasil
Historicamente, a Constituição Política do Império do Brasil de 1824
dispunha sobre a consagração plena do direito de propriedade, bem como
estabelecia a divisão do território em províncias, podendo ser subdivididas a bem do
Estado. A administração das províncias ficava a cargo das Câmaras Municipais, que,
diante do centralismo provincial, que não confiava nas administrações locais, trouxe
para as “Municipalidades a mais estrita subordinação administrativa e política aos
presidentes das Províncias”, sendo, portanto, meramente administrativas. Sem
órgãos adequados para o exercício de suas funções, a organização das
municipalidades, ficou estagnada, fato que somente se alterou com a criação, pela
Lei n° 18, de 11 de abril de 1835, na Província de São Paulo, do cargo de prefeito.
87
A propriedade, como instituto eminentemente privatista, assume destaque, na
Constituição de 1824, a partir do artigo 179:
Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos
Brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a
propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira
seguinte:
[...]
XXII. É garantido o Direito de Propriedade em toda a sua plenitude. Se o
bem público legalmente verificado exigir o uso, e emprego da Propriedade
do Cidadão, será ele previamente indenizado do valor dela. A Lei marcará
os casos, em que terá lugar esta única exceção e dará as regras para se
determinar a indenização.
88
Apesar da evidente concentração de poder, que impede o desenvolvimento das
autonomias locais e regionais, a Constituição do Império, ao menos no plano formal,
assegurou a garantia de direitos e o respeito à separação dos poderes, princípios
que não comungavam com o absolutismo.
Com a proclamada a República em 1889, o constitucionalismo brasileiro,
influenciado pelo modelo americano, institui o sistema republicano, a forma
presidencial de governo, a forma federativa de Estado e o funcionamento de uma
suprema corte, apta e decretar a inconstitucionalidade dos atos do poder. Segundo
Bonavides, consagra-se um modelo de “Estado Liberal, que representava a ruptura
com o modelo autocrático do absolutismo monárquico e se inspirava em valores de
estabilidade jurídica vinculados ao conceito individualista de liberdade”.
89
87
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 10. ed., atual. por Izabel Camargo Lopes
Monteiro e Célia Marisa Prendes. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 36.
88
BRASIL, Constituição (1824). Constituição Política do Império do Brazil. Disponível em:
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao24.htm>. Acesso em: 30
jul. 2006.
89
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 12. ed., São Paulo: Malheiros, 2002, p. 331.
A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro
de 1891, é a primeira do período republicano, e estabelecia a transformação das
antigas províncias em Estados (artigo 2°), organizados de forma a assegurar a plena
autonomia dos Municípios, sobretudo ao que diga respeito ao seu interesse (artigo
68). Com a nomeação dos prefeitos ficando a cargo do governador estadual, o
centralismo continuou a imperar, desrespeitando a autonomia municipal e qualquer
garantia de democrática. Diante disso, comenta Silva que lhe faltou “vinculação com
a realidade do país, por isso, não teve a eficácia social, não regeu os fatos que
previra, não fora cumprida”.
90
A propriedade foi mantida em toda a sua plenitude, nos moldes da constituição
imperial, ressalvada a desapropriação por necessidade ou utilidade pública,
mediante prévia indenização:
Art 72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança
individual e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
§ 17 - O direito de propriedade mantém-se em toda a sua plenitude, salva a
desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização
prévia.
91
A partir da Constituição de 1891, contempla-se a tripartição dos poderes,
aduzindo o artigo 15 que “são órgãos da soberania nacional o Poder Legislativo, o
Executivo e o Judiciário, harmônicos e independentes entre si”.
92
Desta forma, houve
o enfraquecimento do poder central e o fortalecendo dos poderes regionais e locais,
até então sufocados pelo poder centralizador do Império. Porém, tem-se presente a
construção da “política do coronelismo”, que funcionava na base da coerção, da
força e de leis próprias, elegendo os governadores, os deputados e os senadores, e
confrontando formalmente a Constituição.
90
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 2. ed., São Paulo: Malheiros, 2003,
p. 79.
91
BRASIL, Constituição (1891). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Disponível
em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao91.htm>. Acesso em:
30 jul. 2006.
92
SILVA, op. cit., p. 79.
Esse período da história perdurou até a década de 1930, quando, com a
instalação de um Governo Provisório, Getúlio Vargas promoveu a reorganização
constitucional do país, através da formulação da segunda Constituição Republicana
em 16 de julho de 1934. Muitas idéias democráticas, frutos da Revolução de 1930,
acabaram tendo reflexo nesta Constituição, percebendo-se “a presença de traços
fundamentais do constitucionalismo alemão”
93
, através da inclusão de novos
princípios referentes aos direitos fundamentais, ressaltando seu aspecto social.
Destaca-se, na Constituição de 1934, que ela “teve para o Municipalismo o
sentido de um renascimento”
94
, pois, apesar do município não ser considerado um
ente federativo, impôs aos Estados o respeito à autonomia dos Municípios:
Art. 13. Os Municípios serão organizados de forma que lhes fique
assegurada a autonomia em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse;
e, especialmente:
I a eletividade do Prefeito e dos Vereadores da Câmara Municipal,
podendo aquele ser eleito por esta;
II – a decretação dos seus impostos e taxas, a arrecadação e aplicação das
suas rendas;
III – a organização dos serviços de sua competência.
95
Outra inovação foi quanto ao conceito de propriedade como função social, tida
por Leal
96
“como grande marco formal do direito positivo brasileiro em matéria de
propriedade urbana e mesmo em sede de urbanismo, eis que a partir daí se tem um
parâmetro legal de orientação sobre a natureza jurídica e política da propriedade”,
assim dispondo:
Art. 113 A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à
subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
17) É garantido o direito de propriedade, que não poderá ser exercido
contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar. A
desapropriação por necessidade ou utilidade blica far-se-á nos termos da
lei, mediante prévia e justa indenização. Em caso de perigo iminente, como
93
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 12. ed., São Paulo: Malheiros, 2002, p. 327.
94
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 10. ed., atual. por Izabel Camargo Lopes
Monteiro e Célia Marisa Prendes. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 38.
95
BRASIL, Constituição (1934). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Disponível
em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao34.htm>. Acesso em:
30 jul. 2006.
96
LEAL, Rogério Gesta. A função social da propriedade e da cidade no Brasil: aspectos jurídicos e
políticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado; Santa Cruz do Sul, RS: Edunisc, 1998, p. 89.
guerra ou comoção intestina, poderão as autoridades competentes usar da
propriedade particular até onde o bem público o exija, ressalvado o direito à
indenização ulterior.
97
Houve, também, a preocupação quanto às condições de trabalho, sobretudo no
campo, tendo em vista a predominância, neste período, de grande parte da
população viver na zona rural. O parágrafo 4°, do a rtigo 121 preconizava a fixação
do homem no campo, cuidando de sua educação e assegurando a colonização e
aproveitamento de terras públicas, através da cooperação entre a União e os
Estados na organização de colônias agrícolas, a serem destinadas aos habitantes
de zonas periféricas e empobrecidas das cidades. Apesar de serem propostas
constitucionais, tais previsões não se concretizaram, agravando o empobrecimento
da população e a aglomeração urbana, que foram marcas do desenvolvimento sem
ordenamento e planejamento das cidades brasileiras.
Posteriormente, com o golpe de Estado de 1937, as inovações constitucionais
não o integralmente implementadas, e a autonomia dos municípios sofre os
efeitos, sendo cassada a eletividade do prefeito, conforme disposto nos artigos 26 e
27 da Constituição de 1937:
Art. 26 Os Municípios serão organizados de forma a ser-lhes assegurada
autonomia em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse, e,
especialmente:
a) à escolha dos Vereadores pelo sufrágio direto dos munícipes alistados
eleitores na forma da lei;
b) a decretação dos impostos e taxas atribuídos à sua competência por esta
Constituição e pelas Constituições e lei dos Estados;
c) à organização dos serviços públicos de caráter local.
Art. 27 – O Prefeito será de livre nomeação do Governador do Estado.
98
Hely Lopes Meirelles, comentando o referido período da história municipal
brasileira, assinala que:
[...] no regime de 1937, as Municipalidades foram menos autônomas que
sob o centralismo imperial, porque, na Monarquia, os interesse locais era
debatidos nas Câmaras de Vereadores e levados ao conhecimento dos
97
BRASIL, Constituição (1934). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Disponível
em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao34.htm>. Acesso em:
30 jul. 2006.
98
BRASIL, Constituição (1937). Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Disponível em:
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao37.htm>. Acesso em: 30
jul. 2006.
governadores (Lei de 1828) ou das Assembléias Legislativas das Províncias
(Ato Adicional de 1834), que proviam a respeito, ao passo que, no sistema
intervencional do Estado Novo, não havia qualquer respiradouro para as
manifestações locais em prol do Município, visto que os prefeitos nomeados
governavam discricionariamente, sem a colaboração de qualquer órgão
local de representação popular.
99
No mesmo sentido, a função social da propriedade apregoada na
Constituição de 1934, experimenta um grande revés, pois, apesar do artigo 122
assegurar o direito de propriedade, ressalvado, unicamente, pela desapropriação por
necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia, também transfere a
definição do seu conteúdo, alcance e limites à regulamentação do seu exercício.
O país, com o fim do Governo Ditatorial em 1945, experimenta um novo
processo de constitucionalização e redemocratização, e a Constituição de 1946
implementa importantes conquistas para os municípios, começando pela
descentralização da administração, assegurando, ainda, a autonomia política (artigo
28, I), administrativa (artigo 28, II) e financeira:
Art. 28. A autonomia dos Municípios será assegurada:
I – pela eleição do Prefeito e dos Vereadores;
II pela administração própria, o que concerne ao seu peculiar interesse e,
especialmente,
a) à decretação e arrecadação dos tributos de sua competência e à
aplicação das suas rendas;
b) à organização dos serviços públicos locais.
100
Juntamente com a edição das leis orgânicas, a autonomia municipal deixa de
ser apenas nominal, sendo exercida de direito e de fato. O direito de propriedade,
contemplada no capítulo dos direitos e garantias individuais, possui a seguinte
previsão no parágrafo 16 do artigo 141:
Art. 141 – [...]
§ 16 É garantido o direito de propriedade, salvo o caso de desapropriação
por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante
prévia e justa indenização em dinheiro. Em caso de perigo iminente, como
guerra ou comoção intestina, as autoridades competentes poderão usar da
99
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 10. ed., atual. por Izabel Camargo Lopes
Monteiro e Célia Marisa Prendes. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 39.
100
BRASIL, Constituição (1946). Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Disponível em:
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao46.htm>. Acesso em: 30
jul. 2006.
propriedade particular, se assim o exigir o bem público, ficando, todavia,
assegurado o direito a indenização ulterior.
101
Porém, estampado no artigo 147, dispositivo limitando o uso da
propriedade, que será condicionado ao bem-estar social, sobretudo com a promoção
da justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos.
Com a instauração do Regime Militar em 1964, a história constitucional redige
um novo capítulo, destacando que a Constituição de 1967, juntamente com a
Emenda Constitucional de 1969, mantiveram o regime federativo nos moldes
anteriores.
102
Porém, nesse novo quadro, apesar do artigo 15, incisos I e II, manter a
autonomia municipal quanto à eleição dos seus prefeitos e vereadores, bem como
para arrecadação dos tributos e organização dos serviços públicos, os parágrafos
a imprimem diversas restrições de cunho administ rativo e organizacional, além de
ampliar os casos de intervenção do Estado no Município. Quanto ao direito de
propriedade, manteve-se a previsão contida na Constituição de 1946, imprimindo-se
como inovação, a introdução da função social da propriedade como um dos
princípios da ordem econômica e social.
Em 1985, com a redemocratização do Brasil, inaugurou-se um novo período na
história das instituições políticas brasileiras, que teve como auge a promulgação da
Constituição da República Federativa do Brasil em 5 de outubro de 1988, trazendo
consigo importantes avanços. Segundo Meirelles, a carta brasileira, “corrigindo falha
das anteriores, integrou o Município na Federação, como entidade de terceiro grau
na ordem decrescente da nossa Federação: União Estados Municípios”.
103
Essa
correção veio nos artigos 1°, caput, e 18, caput:
Art. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel
dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos:
[...]
101
BRASIL, Constituição (1946). Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Disponível em:
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao46.htm>. Acesso em: 30
jul. 2006.
102
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 12. ed., São Paulo: Malheiros, 2002, p. 353.
103
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 10. ed., atual. por Izabel Camargo Lopes
Monteiro e Célia Marisa Prendes. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 42.
Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do
Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios,
todos autônomos, nos termos desta Constituição.
104
Importante salientar a diferença de tratamento dada pelas Constituições
brasileiras e leis pertinentes à propriedade em comparação às atualmente aplicáveis.
Isto se deve, principalmente, em face do previsto no antigo Código Civil de 1916,
para o qual a propriedade tinha seu conceito de forma absoluta e com pouca
adequação à realidade social ou a sua função coletiva. O referido texto legal foi um
dos primeiros diplomas legais a estipular limitações ao direito de propriedade, pois,
além de prever o direito de vizinhança, também estipulava determinadas limitações
urbanísticas, através de normas capazes de atrelar o interesse privado em prol do
público.
Porém, segundo ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello:
[...] não se deve confundir liberdade e propriedade com direito de liberdade
e direito de propriedade. Estes últimos são expressões daqueles, porém, tal
como admitimos e dado sistema normativo. Por isso, rigorosamente falando,
não limitações administrativas ao direito de liberdade e ao direito de
propriedade uma vez que estas simplesmente integram o desenho do
próprio perfil do direito. São elas, na verdade, a fisionomia normativa dele.
Há, nisto sim, limitações à liberdade e à propriedade.
105
Em relação ao direito de propriedade, a velha concepção civilista é alterada. A
Constituição de 1988 condiciona seu conceito e significado, estando o regime
jurídico da propriedade fundamentado nela própria, pois é garantido o direito de
propriedade, conforme expresso no artigo 5°, inciso s XXII:
Art. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
[...]
XXII - é garantido o direito de propriedade;
106
104
BRASIL, Constituição (1988). Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 30 jul. 2006.
105
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Elementos de direito administrativo. São Paulo: RT, 1983, p.
164.
106
BRASIL, op. cit.
Ainda, o texto constitucional vigente foi pródigo ao tratar da propriedade, em
outros dispositivos, indicando a sua importância dentro do atual quadro urbanístico
brasileiro, como se pode verificar nos artigos , XXIII (referente ao atendimento,
pela propriedade, da sua função social), artigo 5°, XXIV (que trata da desapropriação
por necessidade ou utilidade pública), artigo 176 (que trata das jazidas e demais
recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica), artigo 177 (que trata dos
monopólios da União), artigos 183 e 191 (que tratam do usucapião) e artigo 186 (ao
definir o cumprimento da função social pela propriedade rural).
Porém, ao atentar para o texto constitucional de 1988, merece destaque a
recepção de importantes princípios, diretrizes e instrumentos relativos à questão
urbana, sobretudo a partir da introdução de capítulo próprio destinado à Política
Urbana. Este fato, por si só, já destaca a preocupação do constituinte com as
relações relativas à disciplina quanto à formação e desenvolvimento do espaço
urbano, reafirmando estes princípios constitucionais como importantes instrumentos
para a realização de transformações qualitativas nestes espaços urbanos, sobretudo
para a consecução da melhoria na qualidade de vida do enorme contingente
populacional estabelecido nas cidades brasileiras, bem como para a proteção do
meio ambiente e para implementação de espaços urbanos constituídos de infra-
estrutura e serviços dignos à habitação, recreação, circulação e trabalho.
Ensina José Afonso da Silva que, em primeiro lugar,
[...] podem ser consideradas normas gerais urbanísticas aquelas que,
expressamente mencionadas na Constituição, fixem os princípios e
diretrizes para o desenvolvimento urbano nacional, estabeleçam conceitos
básicos de sua atuação e indiquem os instrumentos para a sua execução. O
desenvolvimento urbano consiste na ordenada criação, expansão,
renovação e melhoria dos núcleos urbanos. Não é objeto de normas gerais
promover em concreto esse desenvolvimento, mas apenas apontar o rumo
geral a ser seguido, visando orientar a adequada distribuição espacial da
população e das atividades econômicas com vistas à estruturação do
sistema nacional de cidades e melhoria da qualidade de vida da população.
Quer dizer, o campo das normas gerais, será o desenvolvimento interurbano
e o mero delineamento para o desenvolvimento intra-urbano. Aqui, seu
limite específico. Avançar neste será invadir terreno municipal.
107
107
SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. 2. ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 58.
É, portanto, no capítulo dedicado à Política Urbana, que se encontram os
fundamentos político-constitucionais que deverão nortear a execução, pelo Poder
Público municipal, da política de desenvolvimento do espaço urbano, condicionada,
porém, às diretrizes gerais a serem estabelecidas pela União, com base na
competência que lhe foi atribuída expressamente pelo artigo 21, XX, combinado com
o artigo 182, ambos da Constituição Federal. Na leitura de Silva, nesses dois textos
constitucionais são encontrados:
[...] os fundamentos das duas amplas perspectivas da política urbana: uma
que tem como objeto o desenvolvimento adequado do sistema de cidades
(planejamento interurbano) em nível nacional ou macrorregional de
competência federal; e a outra que considera o desenvolvimento urbano no
quadro do território municipal (planejamento intraurbano) de competência
local. De permeio, se insere a competência estadual para legislar
concorrentemente com a União sobre Direito Urbanístico (art. 24, I) o que
abre aos Estados, no mínimo, a possibilidade de estabelecer normas de
coordenação dos planos urbanísticos no nível de suas regiões
administrativas, além de sua expressa competência para, mediante lei
complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e
microrregiões, constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para
integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas
de interesse comum.
108
Diante da análise dos principais marcos normativo-constitucionais que
basearam o direito de propriedade no Brasil e que deram suporte à formação e
desenvolvimento do espaço urbano, merece consideração, também, identificar os
marcos políticos, econômicos e sociais que, historicamente, caracterizaram a
ocupação do espaço urbano e ensejaram o desenvolvimento das cidades brasileiras.
2.2 Marcos políticos, econômicos e sociais da formação do espaço urbano no
Brasil
O marco da colonização do território brasileiro foi o descobrimento do Brasil no
ano de 1500. Porém, apesar de fato histórico, Leal destaca que neste início de
período colonial, o processo de povoamento não é imediato, começando tão
somente no litoral, a partir de 1530, com forma de defesa e exploração da terra, ou
seja, os objetivos das primeiras cidades eram comerciais e militares.
109
108
SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. 2. ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 49.
109
LEAL, Rogério Gesta. A função social da propriedade e da cidade no Brasil: aspectos jurídicos e
políticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado; Santa Cruz do Sul, RS: Edunisc, 1998, p. 62.
Neste mesmo sentido, Reis Filho destaca que “não existiu urbanização no
Brasil durante os primeiros anos, enquanto Portugal praticou em relação ao novo
território uma política de colonização com base apenas na economia predatória da
extração do pau-brasil”.
110
É, a partir do cultivo da cana-de-açúcar, em meados do
século XVI, que se inicia o desenvolvimento econômico de alguns centros urbanos,
sobretudo Salvador e Pernambuco.
A inexistência de um ordenamento jurídico, regulamentando a vida, os direitos,
as garantias, os deveres e estrutura do poder sobre o território descoberto, acarreta
a ocupação desordenada do solo urbano no Brasil, bem como traz conseqüências
que se refletem por todo o espaço territorial, segundo observa Silva:
Na dispersão do poder político durante a colônia e na formação de centros
efetivos de poder locais, se encontram os fatores reais do poder, que darão
a característica básica da organização política do Brasil na fase imperial e
nos primeiros tempos na fase republicana, e ainda o de todo
desaparecida: a formação coronelística oligárquica.
111
Como forma de estimular o desenvolvimento, instituem-se as Capitanias
Hereditárias, promovendo a organização espacial e desencadeando a colonização
do Brasil. Constituídas pela divisão do território em doze partes, eram concedidas a
particulares que quiseram morar no Brasil e fossem capazes de colonizá-lo e
defendê-lo. Em 10 de março de 1534, Dom João III fez a primeira concessão, via
carta de doação, em favor de Duarte Coelho, da Capitania de Pernambuco.
112
Até a sua independência, em 1822, o Brasil fora regido pelas ordenações
Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, e se restringiu à expansão e criação de novos
centros urbanos, idéia esta que encontrava óbice na concepção centralizadora das
Capitanias Hereditárias.
113
A inexpressiva expansão municipalista neste período,
deve-se porque “as cidades tinham pequena expressão no período colonial, posto
110
REIS FILHO, Nestor Goulart. Contribuição ao estudo da evolução urbana no Brasil. São Paulo:
Pioneira, 1968, p. 183.
111
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 2. ed., São Paulo: Malheiros,
2003, p. 72.
112
Ibidem, p. 69.
113
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 10. ed., atual. por Izabel Camargo Lopes
Monteiro e Célia Marisa Prendes. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 34.
que a base econômica estava no campo, mas serviam de centro de emanação do
poder político e administrativo da metrópole”.
114
Porém, segundo Leal, é a partir do Estado de São Paulo que uma ruptura
desta concepção centralizadora, onde seus habitantes avançam em direção ao
interior, fundando inúmeras vilas e povoados, que, mesmo sem planejamento ou
aprovação oficial, acarretaram a expansão da vida urbana, tendo como marco o
início do ciclo do ouro a partir de século XVIII. O mesmo ocorre nas Minas Gerais,
com o surgimento de novas cidades, atraindo um número cada vez maior de
migrantes de todas as regiões, dando origem às primeiras rotas de transporte interno
que, posteriormente, com o deslocamento do centro de exploração de minérios para
outros locais como Goiás e Mato Grosso, fazem surgir novas cidades.
115
Nos primórdios do processo de urbanização do Brasil houve, segundo Caio
Prado Junior, três etapas principais quanto ao modo de organização do território:
[...] a primeira fase (1530/1570) apresenta como ponto alto a fundação do
Rio de Janeiro, em 1567. O segundo período situa-se entre 1580 a 1640,
com a criação de vilas e cidades, propiciando uma urbanização sistemática
da costa norte, em direção à Amazônia. Num terceiro momento
(1650/1720), são fundadas trinta e cinco vilas, elevando-se duas delas à
categoria de cidade: Olinda e São Paulo; e, ao final deste período, a rede
urbana é constituída por um respeitável conjunto de sessenta e três vilas e
oito cidades.
116
Diante desse crescimento, sobretudo na região Sudeste, além do aumento da
produção de riquezas e, conseqüentemente, da população, houve a mudança, em
1763, da capital brasileira de Salvador para o Rio de Janeiro, que se tornou, durante
o auge da exploração do ouro, o principal centro exportador e canal de comunicação
com o exterior, possuindo grande influência estratégica. O declínio desta atividade
exploratória trouxe recessão à economia brasileira, acarretando maior dependência
para com a agricultura. Neste período, que foi ao final da primeira metade do
século XIX, houve uma estagnação na expansão e desenvolvimento das cidades.
114
MUKAI, Toshio. Direito e legislação urbanística no Brasil: história, teoria, prática. São Paulo:
Saraiva, 1988, p. 17.
115
LEAL, Rogério Gesta. A função social da propriedade e da cidade no Brasil: aspectos jurídicos e
políticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado; Santa Cruz do Sul, RS: Edunisc, 1998, p. 63.
116
PRADO JR., Caio. História econômica do Brasil. São Paulo: Círculo do Livro, 1988, p. 84 e ss.
Leal destaca que, “de modo geral, é a partir do século XVIII, nos moldes do
modelo europeu, que a urbanização no Brasil se desenvolve e a casa torna-se a
residência mais importante do fazendeiro ou do senhor do engenho”.
117
No entanto,
“foi necessário ainda mais um século para que a urbanização atingisse sua
maturidade, no século XIX, e ainda um século para adquirir as características com
as quais a conhecemos hoje”.
118
No início de 1808, com a chegada da família real ao Rio de Janeiro teve início
a fase monárquica. A abertura dos portos ao comércio exterior, realizada por Dom
João VI, promove a criação e o desenvolvimento de inúmeras cidades, bem como
melhoramentos urbanos, pavimentação de ruas, realização de aterros, incremento
na construção e disponibilização de infra-estrutura e serviços, evidenciando a
preocupação do Poder Público com o processo de organização do espaço urbano.
119
A partir da proclamação da independência em 1822, a capital do Rio de Janeiro
se firma como maior centro comercial e principal exportador do país, no entanto,
estava destituída de infra-estrutura e serviços urbanos capazes de absorver as
demandas urbanas existentes. O domínio da economia, pela produção de café nas
províncias do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, atrai uma enorme
quantidade de migrantes e imigrantes, o que acarreta, entre outras conseqüências, a
aceleração do processo de urbanização com a saturação dos núcleos urbanos, e o
agravamento do problema habitacional, pois:
[...] enquanto predominava a vida rural, o problema não se punha, porque
cada qual cuidava de organizar a sua própria moradia segundo sua
condições econômicas, utilizando para isso terrenos públicos ou
particulares, ainda que a população pobre morasse sempre em condições
precárias. Não se tinha consciência de um direito especial, inerente à
pessoas humana, que é o direito à moradia.
120
117
LEAL, Rogério Gesta. Direito Urbanístico: condições e possibilidades de constituição do espaço
urbano. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 16.
118
SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. 5. ed., São Paulo: Editora da Universidade de São
Paulo, 2005, p. 21-22.
119
HAHNER, June E. Pobreza e política. Brasília: UNB, 1994. In: LEAL, Rogério Gesta. Direito
Urbanístico: condições e possibilidades de constituição do espaço urbano. Rio de Janeiro:
Renovar, 2003, p. 18.
120
SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. 2. ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 341.
Ao mesmo tempo, a construção de rodovias, a partir de 1850, facilitando o
deslocamento, bem como o escoamento da produção e a conexão entre os centros
urbanos, intensifica o processo de concentração de atividades nas cidades maiores.
O aumento das exportações proporciona a geração de recursos que foram utilizados
na melhoria da infra-estrutura e dos serviços públicos existentes nestas cidades,
fazendo com que grandes fazendeiros, senhores de engenho, e habitantes de outras
cidades pequenas e desorganizadas, acabassem se estabelecendo nestas grandes
cidades, donde, Roger Bastide, destaca que:
A primeira revolução, a da urbanização, inicia-se no século XVIII, mas
atinge sua plena expansão no século XIX. A casa da cidade torna-se a
residência mais importante do fazendeiro ou do senhor de engenho que
vai à sua propriedade no momento do corte e da moenda da cana. A
segunda revolução foi técnica. [...] surge na Bahia a primeira máquina a
vapor, em 1834, [...]. O antigo engenho de água ou de tração animal
desaparece. [...] há, a partir de 1872, uma reviravolta: a passagem de
engenho para usina.
121
Para Milton Santos, é a partir do século XVIII que, de forma geral, há o
desenvolvimento da urbanização no Brasil, porém foi necessário mais de um século
para ela atingisse sua maturidade, no século XIX, e ainda mais um para adquirir
todas as características que a define atualmente em nossas cidades.
122
Contudo,
segundo Leal, esta criação urbana, trata-se muito mais de geração de cidades do
que de um verdadeiro processo de urbanização, sendo a mecanização do trabalho e
da indústria o vetor de um novo impulso a este fenômeno, que conhece sua primeira
aceleração no século XIX.
123
Verifica-se, então, o rápido aumento da importância das cidades no final do
século XIX, sobretudo quando estas deixam para trás o aspecto colonial que sobre
elas imperava. Neste sentido, Moreira destaca que:
No século XIX, com o rompimento do Estado Colonial Português, o eixo
economia-política unifica-se sob um mesmo território, formando-se uma
estrutura espacial única. Nasce o Estado Nacional. A ordenação espacial
agora é operada pelo bloco de poder formado pelos plantacionistas e pela
121
BASTIDE, Roger. Brasil, Terra de Contrastes. São Paulo: Difel, 1978, p. 56-57.
122
SANTOS, Milton. A Urbanização Brasileira. 5. ed., São Paulo: Editora da Universidade de o
Paulo, 2005, p. 21-22.
123
LEAL, Rogério Gesta. A função social da propriedade e da cidade no Brasil: aspectos jurídicos e
políticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado; Santa Cruz do Sul, RS: Edunisc, 1998, p. 67.
burguesia mercantil, que se fundem numa classe agromercantil com o
desenvolvimento da acumulação primitiva interna nascida da fusão do eixo
economia-política.
124
As cidades da região Sul experimentaram maior dinamismo e crescimento,
comparando com as do Norte e Nordeste, sobretudo Porto Alegre que, apesar de
possuir poucos milhares de habitantes, tornou-se, devido a facilidade de confluência
da navegação com as demais regiões econômicas, um importante centro comercial,
recebendo diversos melhoramentos de infra-estrutura e serviços urbanos. Nesta
mesma dinâmica, a importância e o poder de São Paulo, devido ao café, acarretou o
desenvolvimento do comércio, bem como a expansão da cidade, tanto que, sua
ocupação não se restringia mais ao centro antigo, espalhando-se, irregularmente,
por outras áreas mais afastadas. o Rio de Janeiro, como sede do poder imperial,
acaba recebendo o investimento de inúmeros melhoramentos urbanísticos,
acelerando o crescimento da cidade, tanto fisicamente, quanto demograficamente.
125
Nesta região, desenvolveram-se zonas residenciais nas quais era visível a
divisão de classes sociais, abrigando, a zona sul, diante dos investimentos em infra-
estrutura e serviços urbanos, os ricos, que constroem casas imponentes, em bairros
novos e vastos terrenos; enquanto que a oeste, os pobres, que enfrentavam
diversos problemas urbanos e sociais, habitando casas insalubres e superpovoadas,
proliferando, a partir da segunda metade do século XIX, a constituição de inúmeros
cortiços nos bairros antigos, como exemplo típico de habitação popular.
Na medida que o século XIX avança, uma transferência cada vez maior de
habitantes para localidades mais distantes do centro, diante da preocupação com o
abastecimento e saneamento urbano e a defesa da construção de moradias
populares nos subúrbios. A cidade se consolida como cenário de intervenções
públicas localizadas, não existindo, ainda, a noção de efetivação de um modelo
urbanístico, ficando o Estado brasileiro silente quanto à qualidade de vida da
124
MOREIRA, Ruy. O movimento operário e o movimento cidade-campo. Rio de Janeiro: Editora
Vozes, 1995, p. 43.
125
LEAL, Rogério Gesta. A função social da propriedade e da cidade no Brasil: aspectos jurídicos e
políticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado; Santa Cruz do Sul, RS: Edunisc, 1998, p. 65-66.
população, reforçando a desigualdade a partir da implementação de políticas
urbanas voltadas para um pequeno segmento da sociedade.
126
O Brasil, na visão de Milton Santos, caracterizou-se, durante séculos, como
sendo um grande arquipélago, no qual diversos subespaços se desenvolveram
segundo lógicas e ditames próprios, muitas vezes ditados por aqueles que detinham
o poder político ou econômico, ou segundo os reflexos das relações que mantinham
com o mundo exterior. Esse quadro é relativamente alterado, a partir de mudanças
ocorridas tanto nos sistemas de engenharia, quanto no sistema social. O primeiro se
deve à implantação de estradas de ferro, melhoria dos portos e criação de meios de
comunicação que imprimem um novo desenvolvimento a essa parte do território
brasileiro; o segundo, através dos influxos do comércio internacional, das formas
capitalistas de produção, comércio, trabalho e consumo.
127
Do mesmo modo, verifica-se uma aceleração da urbanização do interior,
reforçado pelo desenvolvimento das capitais locais, através do recebimento de
investimentos de ordem privada que são revertidos em programas de infra-estrutura
e serviços urbanos. Porém, apenas no início do século XX, a partir da década de
1920, é que se discute a introdução de normas tendentes a regularizar o
ordenamento do espaço urbano no Brasil, tendo como pioneirismo, a elaboração do
Plano Diretor do Rio de Janeiro, cujo objetivo era a identificação com o modelo
europeu, fazendo com que as intervenções urbanas criem uma nova imagem de
cidade, sendo a modernização seu principal vetor.
128
As relações econômicas, após os anos 1940-1950, adquirem grande
importância, impondo à urbanização brasileira a incidência de inúmeras dinâmicas
urbanas na totalidade de seu território, visto que, até a II Guerra Mundial, a base da
economia da maioria das grandes cidades era a agricultura, representando
126
LEAL, Rogério Gesta. A função social da propriedade e da cidade no Brasil: aspectos jurídicos e
políticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado; Santa Cruz do Sul, RS: Edunisc, 1998, p. 67.
127
SANTOS, Milton. A Urbanização Brasileira. 5. ed., São Paulo: Editora da Universidade de o
Paulo, 2005, p. 29.
128
LEAL, Rogério Gesta. Direito Urbanístico: condições e possibilidades de constituição do espaço
urbano. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 22.
qualitativa e quantitativamente o processo urbano brasileiro, operando-se um
crescimento demográfico das capitais, somente após este período conflitivo.
A divisão do trabalho acarreta o crescimento destes espaços urbanos, sendo
elemento de diferenciação entre as regiões. A lógica da industrialização não se
consubstancia somente com a criação de atividades industriais nos espaços
urbanos, mas como processo social, que inclui a formação de um mercado interno
nacional, que permite a implementação de infra-estrutura e equipamentos urbanos,
como forma de integrar e desenvolver estas localidades, promovendo o consumo, as
relações sociais, e ativando o processo de urbanização, que irá se suplantar com o
crescimento demográfico das cidades, fato característico do espaço urbano
brasileiro.
129
Apesar da relevância histórica aferida aos marcos políticos e econômicos na
formação e desenvolvimento do espaço urbano brasileiro, foi, conforme destacado
anteriormente, somente a partir do novo texto constitucional, que se verifica uma
modificação decisiva quanto à ótica analítica do secular direito de propriedade,
passando de uma visão estritamente absoluta, cerrada e dogmática, para uma
perspectiva sociológica. Neste sentido, para José Afonso da Silva, a função social da
propriedade e da cidade é conceito constitucional consignado como norma de
conteúdo programático, a ser instituída pelos municípios brasileiros.
130
Não mais como, na atualidade, consagrar o entendimento de direito
absoluto dado pelo Direito Civil à propriedade, devendo as propriedades urbanas,
bem como as rurais, servirem aos interesses da sociedade, cumprindo com sua
funcionalidade, esta é a opinião de André Ramos Tavares para quem “não mais
como considerar a propriedade como direito puramente privado, ou mesmo como
direito individual”.
131
129
SANTOS, Milton. A Urbanização Brasileira. 5. ed., São Paulo: Editora da Universidade de o
Paulo, 2005, p. 30.
130
SILVA. José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. São Paulo, Malheiros
Editores, 2002. p. 141.
131
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2003, p.
475.
Assim, apesar da propriedade estar inserida entre os direitos individuais (artigo
5º, XXIII, da CF), está também relacionada entre aqueles princípios, cuja aplicação,
deve estar em consonância com os ditames da justiça social, assegurando a todos
uma existência digna. É o que leciona o referido autor, ao fazer uma análise do
disposto no artigo 170 e incisos da Constituição Federal:
A Constituição brasileira, é certo, também arrola a propriedade privada e
sua função social entre os princípios gerais da ordem econômica, nos
incisos II e III do art. 170. Dessa forma, embora a propriedade esteja
prevista entre os direitos individuais, está igualmente inserida entre os
princípios da atividade econômica.
Há, portanto, necessidade de compatibilização entre os preceitos
constitucionais, o que significa dizer, em última instância, que a propriedade
não mais pode ser considerada em seu caráter puramente individualista. A
essa conclusão se chega tanto mais pela constatação de que a ordem
econômica, na qual se insere expressamente a propriedade, tem como
finalidade assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da
justiça social (caput do art. 170).
A circunstância de a propriedade apresentar, simultaneamente, caráter
dúplice, servindo ao individualismo e às necessidades sociais, impõe, pois,
a necessidade de uma compatibilização de conteúdos dos diversos
mandamentos constitucionais. Como direito individual, o instituto da
propriedade, como categoria genérica, é garantido, e não pode ser
suprimido da atual ordem constitucional. Contudo, seu conteúdo já vem
parcialmente delimitado pela própria Constituição, quando impõe a
necessidade, de que haja o atendimento de sua função social,
assegurando-se a todos uma existência digna nos ditames da justiça
social.
132
Assim, o artigo 170 apresenta a propriedade privada e a função social como
princípios da ordem econômica, visando assegurar a todos uma existência digna,
conforme os ditames da justiça social. Não cumprida a função social, pode a
propriedade ser desapropriada, como previsto nos artigos 182, § 4°, inciso III e artigo
184 da Constituição Federal. Portanto, somente com a Constituição Federal de 1988
é que seu previu um tratamento adequado ao princípio, havendo, inclusive, previsão
de ônus e penalidades em caso de inobservância ao princípio da função social.
Diante disso, pode-se dispor que a função social da propriedade urbana
caracteriza-se, por um lado, pela limitação administrativa da utilização do bem,
contrapondo-se ao interesse pessoal, egoístico, em favor do interesse coletivo,
132
TAVARES. André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2003, p.
476.
geral, não apenas do momento presente, mas também futuro. A propriedade
constitui-se numa peça, num órgão do tecido urbano, onde exerce uma função em
beneficio de toda a sociedade e de seu proprietário.
Celso Ribeiro Bastos, ao definir a função social da propriedade como norma
constitucional que objetiva corrigir deformações no uso individual da propriedade em
prejuízo do coletivo, acentua que o termo, embora aparentemente vago, reflete a
preocupação da Constituição de não propor um termo estático e sim evolutivo, que
deve ser entendido de forma correlacionada com outros princípios. E acrescenta
enfatizando que “função social da propriedade nada mais é do que o conjunto de
normas da Constituição que visa, por vezes, até com medidas de profunda
gravidade jurídica, a recolocar a propriedade na sua trilha normal”.
133
Na mesma linha de pensamento, Comparato afirma que, sendo de interesse da
sociedade a garantia constitucional do direito individual de propriedade, este deve,
pois, ser compatibilizada com os ditames da justiça social, evidenciando o
cumprimento da função social da propriedade, aduzindo, ainda, que:
Quando se fala em função social da propriedade não se indicam as
restrições ao uso e gozo dos bens próprios. Estas últimas são limites
negativos aos direitos do proprietário, mas a noção de função, no sentido
em que é empregado o termo nesta matéria (e a matéria é precisamente a
função social da propriedade), significa um poder de dar ao objeto da
propriedade destino determinado, de vinculá-lo a certo objetivo. O adjetivo
social mostra que este objetivo corresponde ao interesse coletivo e não ao
interesse próprio do dominus; o que não significa que não possa haver
harmonização entre um e outro. Mas, de qualquer modo, se está diante de
um interesse coletivo e essa função social da propriedade corresponde a
um poder-dever do proprietário, sancionável pela ordem jurídica.
134
O caput do artigo 182 da Constituição Federal, determina que, para a
consecução da função social, o proprietário uma utilização socialmente justa ao
objeto do seu direito de propriedade, devendo o interesse geral se sobrepor sobre
ao interesse individual, garantindo assim o bem-estar de todos. Assim,
133
BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p.
136.
134
COMPARATO. Fábio Konder. Função social da propriedade dos bens de produção. In: Direito
Empresarial: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 32.
É bem verdade que um adequado desenvolvimento urbano constitui
também condição fundamental para o desenvolvimento das atividades
econômicas que ocorrem nas cidades, e sem as quais não são criadas
riquezas a serem compartilhadas por todo o corpo social. Mas parece certo
que a finalidade mais imediata dos dispositivos constitucionais em questão é
viabilizar a democratização das funções sociais da cidade em proveito de
seus habitantes, prevendo mecanismos de promoção do adequado
aproveitamento do solo urbano.
135
Para Toshio Mukai, a propriedade urbana cumpre a sua função social não
somente quando atende aos princípios constitucionais, mas também ao contemplar
as diretrizes estabelecidas no artigo do Estatut o da Cidade, em complementação
ao disposto no artigo 39 do mesmo diploma legal, afirmando que:
Essas exigências fundamentais estão consubstanciadas nas dezesseis
diretrizes elencadas no artigo da Lei 10.257/ 01 (Estatuto da Cidade),
diretrizes essas que, obrigatoriamente, deverão estar contidas no Plano
Diretor, segundo dispõe o artigo 39 do Estatuto.
136
Neste sentido, importante destacar a recepção apresentada pelo próprio
Estatuto da Cidade sobre o conceito de função social da propriedade,
Art. 39. A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às
exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano
diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto
à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades
econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2
o
desta Lei.
Assim também o novo digo Civil, Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002,
estabelece que o direito de propriedade deve ser exercido em conformidade com os
fins econômicos e sociais. Afirma o § 1°, do artigo 1228 do Código Civil que:
Art. 1228. [...]
§ . O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as
suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam
preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a
fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e
artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas. (grifo nosso)
Apesar da inovação legislativa quanto ao instituo da função social da
propriedade, Leal alerta que:
135
CAMMAROSANO, Marcio. Fundamentos Constitucionais do Estatuto da Cidade. In: Estatuto da
Cidade (Comentários à Lei Federal 10.257/2001). Coordenadores Adilson Abreu Dallari e Sérgio
Ferraz. São Paulo: Malheiros Editores, 2002. p. 22.
136
MUKAI, Toshio. Direito urbanístico e ambiental. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 20.
Em termos de contextualização da abordagem do tema, numa sociedade
como a brasileira em que brutal concentração de renda e terras,
analfabetismo generalizado, condições inumanas de salário e habitação,
desemprego, mortalidade em todas as faixas etárias em razão da
desnutrição, etc., a discussão sobre a função social da propriedade urbana
e da cidade tem de ser feita em meio à inexistência de reformas estruturais
e de conjunto, tão necessárias e ausentes ao mesmo tempo, não bastando
o Estado possuir uma Constituição como panacéia salvadora.
137
Analisados os principais marcos políticos, econômicos e sociais que
caracterizaram a formação do espaço urbano no Brasil, importante fazer uma breve
reflexão sobre a importância da Lei Federal 10.2 57/2001, que instituiu o Estatuto
da Cidade, como marco regulatório para a execução da Política Urbana,
consubstanciada nos artigos 182 e 183 da Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988.
2.3 Marco regulatório para a execução da política urbana: Lei Federal
10.257/2001 – Estatuto da Cidade
O planejamento urbano no Brasil teve início, sobretudo, a partir do final do
século XIX, despontando, sobretudo, na década de 1960, atingindo seu auge nos
anos 70, quando, no regime autoritário, o Poder Público, através de um forte
intervencionismo estatal, apresentava-se como o único agente capaz de promover o
desenvolvimento econômico e social. Buscava-se, mediante procedimentos
racionais, realizar a cidade ideal, com espaços perfeitamente controlados e
ordenados, sobretudo com a realização de investimentos em transporte, sistema
viário, infra-estrutura e equipamentos públicos e, ainda, a instituição de mecanismos
de controle e fiscalização.
138
Porém, no decorrer da década de 1970, diante dos primeiros sinais de crise do
modelo econômico, tal situação começa a se alterar, ao mesmo tempo em que se
iniciam campanhas pela desestatização e movimentos pela redemocratização do
País. O mesmo ocorre no campo do planejamento urbano, tendo em vista que
137
LEAL, Rogério Gesta. A função social da propriedade e da cidade no Brasil: aspectos jurídicos e
políticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado; Santa Cruz do Sul, RS: Edunisc, 1998, p. 111.
138
SÃO PAULO (Município). Um novo instrumento na construção da cidade: a parceria entre os
setores público e privado. In: Diário Oficial do Município de São Paulo, ano 41, n. 247, 24 de
dezembro de 1996.
muitos dos planos realizados, sem as intervenções necessárias, e o reflexo com a
realidade, acabaram não se concretizando, e o predominante padrão de gestão e
planejamento urbano, centralizado, homogeneizante e autoritário, tem a sua eficácia
questionada, acabando por exaurir o modelo de gestão e planejamento urbanos até
então existentes, e iniciando-se uma discussão a respeito da sua democratização.
Nas palavras de Fernandes, o intensivo crescimento das cidades brasileiras,
sobretudo a partir da década de 1930, provocou mudanças fundamentais na ordem
sócio-econômica, refletindo, também, em importantes conseqüências culturais e
ambientais. Assim, apesar da legislação urbanística ter avançado, este se deu de
forma pouco sistemática, sendo urgente a necessidade de se repensar o marco
teórico jurídico aplicável ao processo de desenvolvimento urbano.
139
No mesmo sentido, para Bastos, “o fenômeno de industrialização, auxiliado
pelo desenvolvimento dos meios de transportes provoca violentas modificações nas
antigas e equilibradas relações entre o meio rural e o meio urbano”. A intensa
urbanização, fenômeno que significa o incremento significativo de novas áreas nas
cidades e intensificação do gênero urbano de vida em todas a áreas existentes, é
o acontecimento típico que se seguiu com a Revolução Industrial. Referindo que,
[...] da necessidade de impedir o aparecimento inevitável de inúmeros males
ligados a esse crescimento desordenado, começou a surgir uma
especialização nova, que visa não ordenar a cidade, mas, agora com
uma preocupação de maior alcance, qual seja a de disciplinar e conseguir
estabelecer técnicas de intervenção no processo de ocupação do espaço.
140
Concomitantemente a isto, afirma Leal, a maioria dos municípios brasileiros
acaba tendo seu território ocupado em desacordo com a legislação urbanística,
motivo pelo qual, afirma não existir uma consciência coletiva urbanística ou
ambientalista voltada para a solução destas ocupações desordenadas, as quais
geram deteriorações no meio ambiente e o caos cio-ocupacional. Neste sentido,
proliferam-se loteamentos clandestinos e favelas em área de proteção ambiental,
condomínios em área rurais e as invasões de terras, acabam se tornando uma
139
FERNANDES, Edésio. Direito Urbanístico e Política Urbana no Brasil: uma introdução. In: Direito
Urbanístico e Política Urbana no Brasil. Edésio Fernandes (organizador). Belo Horizonte: Del Rey,
2000, p. 18-19.
140
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 62.
constante dentro desta desordem urbana. Há, portanto, segundo o referido autor,
uma grande defasagem entre o modelo adotado pela legislação urbanística e a
realidade vivenciada nas cidades brasileiras, sobretudo porque a irregularidade se
tornou a tônica quando do uso do solo e das construções nas cidades.
141
Assim, inicia-se, em nível de governo federal, a discussão sobre a elaboração
de um projeto de lei que tivesse como escopo alterar o quadro jurídico no que se
refere aos instrumentos disponíveis para que se interviesse sobre o ordenamento e
uso do solo urbano. Neste período, era consenso nos meios técnicos, de que as
administrações públicas locais não dispunham de um instrumental urbanístico
adequado para gerir e ordenar os problemas e demandas geradas pelos ineficientes
processos de planejamento e desenvolvimento e a implementação de infra-estrutura
e serviços público-urbanos. Também, de relevância crescente, era a necessidade de
estabelecimento de meios capazes de agilizarem os processos de urbanização,
sobretudo quanto a programas de habitação e regularização fundiária.
142
Os primeiros estudos neste sentido ocorreram no âmbito da Comissão
Nacional de Desenvolvimento Urbano (CNDU), órgão do Ministério do Interior, que,
através da Resolução CNDU 16, de 07 de abril de 1982, criou um grupo de
trabalho para elaborar um anteprojeto de lei sobre os objetivos e a promoção do
desenvolvimento urbano. Após algumas reuniões e com pareceres favoráveis de
Miguel Reale e Hely Lopes Meirelles, esse colegiado, pela Resolução do CNDU
18, de 22 de fevereiro de 1983, aprovou o referido anteprojeto de lei.
143
Com a repercussão negativa da publicação da versão do anteprojeto de lei na
sua íntegra, o mesmo somente voltou a ocupar a cena pública em 1983, através do
então Ministro do Interior, Mário Andreazza, mas, apesar de novamente ter gerado
reações adversas por parte dos mesmos setores, a proposta foi encaminhada para o
141
LEAL, Rogério Gesta. Direito urbanístico. Condições e possibilidades da Constituição do Espaço
Urbano. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 80.
142
CARDOSO, Adauto Lúcio. A Cidade e seu Estatuto: uma avaliação urbanística do Estatuto da
Cidade. In: CARDOSO, Adauto Lúcio; RIBEIRO, Luiz César de Queiroz. (Org.). Reforma Urbana
e Gestão Democrática: promessas e desafios do Estatuto da Cidade. v. 1, Rio de Janeiro: Editora
Revan Ltda, 2003, p. 28.
143
GASPARINI, Diógenes. Estatuto da Cidade. São Paulo: Editora NDJ, 2002, p. 03.
Congresso Nacional e oficializada como Projeto de Lei n° 775/1983, cujo contexto se
pretendia a promoção do desenvolvimento urbano, através das seguintes inovações:
- criação de uma legislação própria para a cidade que refletisse as relações e
realidades urbanas do Brasil;
- explicitação do preceito constitucional da função social da propriedade,
adotando como pontos básicos: a) oportunidade de acesso à propriedade urbana e à
moradia; b) justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes da urbanização; c)
correção das distorções da valorização da propriedade urbana; d) regularização
fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda; e e)
adequação do direito de construir às normas urbanísticas;
- criação de novos instrumentos para habilitar os prefeitos e demais
administradores urbanos a melhor orientar o crescimento das cidades e a corrigir as
distorções existentes, ou as que venham a ocorrer;
- participação do cidadão, da associação comunitária, do vizinho e do Ministério
Público na fiscalização do cumprimento dos preceitos estabelecidos no projeto de lei
e nas normas federais, estaduais e municipais pertinentes ao urbanismo;
- definição das obrigações para com a cidade por parte da União, dos Estados
e dos municípios;
- estabelecimento de condições para a transferência do direito de construir de
um terreno para outro, nas cidades, em benefício da preservação do patrimônio
urbanístico, artístico, arqueológico e paisagístico ou para implantação de
equipamentos urbanos e comunitários.
No Congresso Nacional houve a apresentação de inúmeros substitutivos que
buscavam, ou ampliar o alcance da lei, ou restringi-lo, no intuito de criar certos
óbices à implementação de alguns instrumentos. Todo este debate trouxe, inclusive,
repercussões sobre a opinião pública, transformando a questão urbana num tema de
interesse social. O Movimento Nacional de Reforma Urbana, organização formada
por movimentos sociais e representações de setores técnicos e profissionais,
apresenta uma proposta de emenda popular na qual agrega, ao tema dos
instrumentos urbanísticos, a questão dos direitos urbanos e da democracia.
144
144
CARDOSO, Adauto Lúcio. Questão urbana e meio ambiente: tendências e perspectivas. In:
Revista Proposta. Revista da FASE, Rio de Janeiro, n. 62, 1994, p. 30-34.
Os debates, por fim, acabaram sendo traduzidos nos artigos 182 e 183 da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que criaram capítulo próprio
sobre a Política Urbana, a qual deve ser executada pelo Poder Público municipal,
conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tendo por objetivo ordenar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus
habitantes, inclusive impondo limitações ao exercício do direito de propriedade,
como forma de assegurar sua função social, bem como estabelecendo os
instrumentos adequados ao seu exercício, como o Plano Diretor.
145
Diante do novo texto constitucional, Cardoso
146
cita o estabelecimento de
importantes princípios e instrumentos relativos à questão urbana, como:
- o surgimento de um marco regulatório nacional para a política urbana, com a
recepção, pela primeira vez, de um capítulo específico na Constituição brasileira;
- a descentralização, remetendo responsabilidades e dando poderes ao Poder
Público municipal para implementar uma política urbana;
- a consecução da função social da cidade e da propriedade, através do
cumprimento do Plano Diretor, favorecendo a retomada do planejamento urbano;
- a democratização da gestão urbana;
- o estabelecimento de instrumentos de implementação da política urbana:
Plano Diretor, desapropriação de imóveis urbanos, parcelamento ou edificação
compulsórios, imposto predial e territorial urbano progressivo no tempo, usucapião
urbano e operações urbanas consorciadas.
Para Celso Ribeiro Bastos, a norma constitucional que trata da política de
desenvolvimento urbano (artigo 182 da CF) “abre campo para que o Estado assuma
a função de ditar diretrizes para o desenvolvimento urbano”. E acrescenta que “não
se trata de impor um planejamento cogente, vinculante, a todos os habitantes de
uma cidade, nem dispor de forma coercitiva, sobre a destinação dos imóveis”.
147
145
FERNANDES, Marlene. Estatuto da Cidade: uma vida melhor para a população urbana. In:
Revista de Administração Municipal. n. 224, Rio de Janeiro: IBAM, 2000.
146
CARDOSO, Adauto Lúcio. Reforma urbana e Planos Diretores: avaliação da experiência recente.
In: Cadernos IPPUR. ano XI, n. 1 e 2, Rio de Janeiro: IPPUR, 1997, p. 79.
147
BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. v. 2, 2. ed. São Paulo: Saraiva,
2001, p. 183.
As atribuições outorgadas pela Constituição Federal de 1988 no âmbito do
desenvolvimento urbano implicaram, por conseguinte, maior flexibilidade da ação
executiva e legislativa quando comparadas com aquelas da Constituição vigente até
aquela data. À União foi atribuída competência para legislar, instituindo normas
gerais de direito urbanístico, diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive
habitação, saneamento básico e transportes urbanos e desapropriação, além das
competências executivas previstas no texto constitucional (art. 21, XX, da CF).
148
Apesar da disposição constitucional, referente à Política Urbana, necessário se
fez a regulamentação, através de legislação específica, de abrangência nacional,
para a consecução e implementação destes princípios, diretrizes e instrumentos. A
partir disso, os projetos de lei em tramitação se tornaram relativamente obsoletos,
sendo que, dentre aqueles os projetos de lei e substitutivos que se sucedem, o
primeiro a ser aprovado é de n° 181, apresentado em 1989, de autoria do então
senador Pompeu de Souza, denominado Estatuto da Cidade.
Assim, após mais de uma cada de discussão e negociação em torno do
Projeto de Lei n. 5788/90, houve a aprovação da Lei Federal 10.257, de 10 de
julho de 2001, denominada de Estatuto da Cidade, entrando em vigor no dia 09 de
outubro de 2001, noventa dias após sua publicação, consoante determina o seu
artigo 58, regulamentando o capítulo constitucional sobre a Política Urbana, que
busca, através de suas diretrizes gerais e instrumentos de política urbana, tornar a
tarefa de gerir e planejar as cidades mais instrumentalizada, garantindo a
consecução das funções sociais da cidade e o bem-estar dos seus habitantes.
Para Rolnik, as inovações contidas no Estatuto da Cidade refletem: a) um
conjunto de instrumentos de natureza urbanística voltada para induzir, mais do que
normatizar, as formas de uso ocupação do solo; b) uma nova estratégia de gestão
que incorpora a idéia de participação direta do cidadão em processos decisórios
148
LOMAR, Paulo Villela. Estudo e análise dos instrumentos legais de planejamento e gestão do solo
urbano. In: Base Conceitual e Hipóteses do Estudo Gestão do Uso do Solo e Disfunções do
Crescimento Urbano. Brasília: Ipea, 1997.
sobre o destino da cidade; e c) a ampliação das possibilidades de regularização das
posses urbanas, até hoje situadas na ambígua fronteira entre o legal e o ilegal.
149
A regulamentação constitucional, para Saule Junior, acaba dando suporte
jurídico às estratégias e aos processos de planejamento urbano, sobretudo à ação
das Administrações Públicas municipais, que têm se empenhado no enfrentamento
das graves questões urbanas e sociais que têm afetado a vida da enorme parcela da
população brasileira que vive em cidades. Desta forma, se o texto constitucional
afirma o papel fundamental dos municípios na formulação de diretrizes de
planejamento urbano e na condução do processo de gestão urbana nas cidades, o
Estatuto da Cidade consolida esse espaço, ampliando a competência jurídica e da
ação política municipal, destacando, sobretudo, a importância da consecução de
uma gestão democrática das cidades a partir da participação popular.
150
Fernandes enfatiza a importância destes processos e instrumentos para a
gestão urbana das cidades e para a democratização das formas de acesso ao solo e
à moradia urbana. Através do Estatuto da Cidade, verifica-se a instituição das bases
necessárias para uma mudança da qualidade política do processo de construção da
ordem jurídico-urbanística, a partir da pretensão de que a descentralização e
democratização sejam garantidoras da plena legitimidade social dos processos de
planejamento urbano, formulação de políticas públicas, aprovação de leis
urbanísticas e gestão das cidades.
151
O Estatuto da Cidade, ao regulamentar o capítulo sobre a Política Urbana,
qualifica, de maneira inequívoca, o Direito Urbanístico como ramo autônomo do
Direito Público brasileiro, principalmente pela grande relevância que estes novos
149
ROLNIK, Raquel. Plano Diretor Estatuto da Cidade - instrumento para as cidades que sonham
crescer com justiça e beleza. In: Revista de Direito Imobiliário. São Paulo, v. 25, n. 52, jan./jun.
2002, p. 11-18.
150
SAULE JUNIOR, Nelson. Estatuto da Cidade: instrumentos de reforma urbana. In: Gestão Urbana
e de Cidades. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro/Lincoln Institute of Land Policy, 2001, (CD-
ROM).
151
FERNANDES, Edésio. Do Código Civil ao estatuto da cidade: algumas notas sobre a trajetória do
Direito Urbanístico no Brasil. In: Revista da Procuradoria Geral do Município de Porto Alegre. V. 4,
n. 15, 2001, p. 11-33.
instrumentos jurídicos e urbanísticos criados, possuem como marco de ordenação,
planejamento, desenvolvimento e gestão urbana para as cidades brasileiras.
152
Para Schvarsberg, a desenfreada urbanização brasileira acabou por gerar,
diante das imensas diferenças entre as áreas centrais e periféricas, inúmeras
injustiças e profundas desigualdades na sociedade, que, combinados com políticas
urbanas e práticas de gestão pautadas no clientelismo, resultaram em diversos
processos sócio-econômicos excludentes.
153
O planejamento urbano, estabelecido sob planos diretores e zoneamentos
baseados numa legislação urbanística obsoleta, criou uma cidade virtual, com
padrões de ocupação do solo baseados nas práticas de investimento imobiliário,
destinando o território urbano, constituído de áreas regulares, para o mercado das
classes média e alta, ocasionando uma dinâmica urbana, em que, as áreas de
menor valor especulativo são descartadas, reproduzindo-se como espaço para a
constituição de precários assentamentos populares, em áreas periféricas.
Igualmente, esta dinâmica reflete uma grave situação política: o Poder Público se
torna sócio destes investimentos imobiliários rentáveis e estabelece uma base
política popular nos assentamentos, fazendo com que a condição de ilegalidade e
informalidade destes, os transformem em reféns de favores do Poder Público. A
visão clientelista dos programas de gestão e regulação urbanística, trata a cidade
como objeto puramente técnico, cabendo a lei estabelecer padrões satisfatórios de
atuação, sem considerar os conflitos e as contradições existentes, como a real
necessidade de infra-estrutura e serviços em um determinado espaço urbano.
Como forma de modificar este cenário, a regulamentação efetuada pelo
Estatuto da Cidade surge com a função de se estabelecer como uma espécie de
caixa de ferramentas do planejamento e da política urbana das cidades brasileiras,
152
GRAZIA, Grazia di. Reforma urbana e o Estatuto da Cidade. In: Gestão urbana e de cidades. Belo
Horizonte: Fundação João Pinheiro/Lincoln Institute of Land Policy, 2001, (CD-ROM).
153
SCHVARSBERG, Benny. Seminário Cidades FAU-UnB, sobre Política Nacional de
Desenvolvimento Urbano. Primeira palestra: O Estatuto da Cidade. (autor: Prof. Dr. Benny
Schvarsberg Diretor de Planejamento Urbano da Secretaria Nacional de Programas Urbanos).
Disponível em: < http://www.soeaa.org.br/60_soeaa/noticia_debates_01.htm>. Acesso em: 16
out. 2006.
sendo, segundo a Constituição Federal de 1988 e o próprio Estatuto da Cidade, o
Plano Diretor, a chave que abre esta caixa.
154
Nesse particular, ao comentar o Estatuto da Cidade, Cammarosano
assevera:
Enfim, o Estatuto da Cidade reclama esforço exegético comprometido
sobretudo com a finalidade a que se destina, de inquestionável relevância
pública, sendo também responsabilidade nossa estudiosos do Direito
emprestar nossa contribuição para que se revele, afinal, dotado das
eficácias jurídica e social que constituem seu escopo.
155
O autor Rogério Gesta Leal, em sua análise sobre a importância do Estatuto da
Cidade, defende a idéia de que, na verdade,
[...] as diretrizes que expõe o Estatuto da Cidade expressam verdadeiras
opções políticas fundamentais do legislador e da comunidade nacional no
campo da gestão do espaço urbano brasileiro, configurando, assim, uma
eleição de valores éticos e sociais como fundantes, por sua vez, de uma
idéia de Estado e de Sociedade (Democráticos de Direito). Por tais motivos,
estas diretrizes não expressam somente uma natureza jurídica normativa,
mas também política, ideológica e social, como, de resto, o Direito e as
demais normas de qualquer sistema jurídico.
156
Quanto às diretrizes gerais do Estatuto da Cidade, Macruz faz referência que
estão compreendidas pela garantia do direito a cidades sustentáveis (direito à terra
urbana, moradia, saneamento e infra-estrutura urbana, transporte e serviços
públicos, trabalho e lazer, para as presentes e futuras gerações), pela gestão
democrática da cidade, que se dispõe por meio da participação da população e de
associações representativas dos vários segmentos da comunidade nos planos e
projetos de desenvolvimento urbano, pela cooperação entre os governos, iniciativa
privada e demais setores da sociedade no processo de urbanização, atendendo ao
interesse social, pelo planejamento das cidades, à distribuição da população e as
154
CARDOSO, Adauto Lúcio. Planejamento urbano no Brasil: paradigmas e experiências. In: Espaço
e Debates. n. 03, São Paulo: NERU, 1994, p. 22.
155
CAMMAROSANO, Márcio. Fundamentos Constitucionais do Estatuto da Cidade. In: DALLARI,
Adilson Abreu; FERRAZ, Sergio. (Coord.). Estatuto da Cidade. 2. ed., São Paulo: Malheiros,
2006, p. 26.
156
LEAL, Rogério Gesta. Direito urbanístico. Condições e possibilidades da Constituição do Espaço
Urbano. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 92-93.
atividades econômicas do município, corrigindo as distorções do crescimento urbano
e seus efeitos sobre o ambiente.
157
Pela disposição do artigo do Estatuto da Cidade, o objetivo da política
urbana é ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais e da propriedade
urbana, tendo como diretrizes gerais: a garantia do direito às cidades sustentáveis,
entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à
infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer.
O referido artigo, na perspectiva de Leal, destaca uma das primeiras e grandes
diretrizes-princípios que informam a política urbana, ou seja, o âmbito de
sustentabilidade das cidades, que precisa ser medido em face dos direitos e
garantias fundamentais asseguradas pela Carta Constitucional e do espaço físico e
social em que eles podem se dar, qual seja, no âmbito das cidades, destacando que
as mesmas estão totalmente vinculadas à força normativa da constituição.
158
Porém, Nelson Saule Júnior destaca que a cidade, marcada pela desigualdade
social e pela exclusão territorial, não é capaz de produzir um desenvolvimento
sustentável, situando o problema, da seguinte forma:
[...] o direito ao desenvolvimento e o direito a um meio ambiente sadio têm
como vínculo o desenvolvimento sustentável (...). O princípio do
desenvolvimento sustentável fundamenta o atendimento das necessidades
e aspirações do presente, sem comprometer a habilidade das gerações
futuras atenderem suas próprias necessidades. (...) a política de
desenvolvimento urbano deve ser destinada para promover o
desenvolvimento sustentável, de modo a atender as necessidades
essenciais das gerações presentes e futuras. O atendimento dessas
necessidades significa compreender o desenvolvimento urbano como uma
política pública que torne efetivo os direitos humanos, de modo a garantir à
pessoa humana uma qualidade de vida digna (grifo nosso).
159
Destaca-se, também, entre os ensejos do Estatuto da Cidade, a oferta de
equipamentos de infra-estrutura urbanos comunitários, transporte coletivo e serviços
157
MACRUZ, João Carlos; MACRUZ, José Carlos; MOREIRA, Mariana. Estatuto da Cidade e seus
instrumentos urbanísticos. São Paulo: LTR, 2002, p. 16 a 17.
158
LEAL, Rogério Gesta. Direito urbanístico. Condições e possibilidades da Constituição do Espaço
Urbano. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 94.
159
SAULE nior, Nelson - Novas perspectivas do Direito Urbanístico brasileiro. Ordenamento
constitucional da Política Urbana. Aplicação e eficácia do Plano Diretor. Porto Alegre: Sergio
Antônio Fabris Editor, 1997, p. 65 e 69.
públicos adequados às necessidades e características locais, bem como o controle
do uso do solo, com o intuito de evitar o parcelamento excessivo do solo em relação
à infra-estrutura existente. Para exemplificar, a expansão urbana deve ser
compatível com os limites da sustentabilidade ambiental, social e econômica do
município e com a integração entre atividades urbanas e rurais no desenvolvimento
sócio-econômico do município.
O Estatuto da Cidade estabelece, ainda, a observação da justa distribuição dos
bônus e ônus decorrentes do processo de urbanização, da função redistributiva da
política urbana, com a adequação e utilização dos investimentos e gastos públicos
em conformidade aos objetivos de planejamento e desenvolvimento urbano, além da
recuperação dos investimentos do Poder blico que tenham resultado em
valorização de imóveis urbanos.
Dentre outros objetivos dispostos, os programas destinados a implementar
políticas de regularização fundiária e de urbanização de áreas ocupadas pela
população de baixa renda, através de normas especiais urbanísticas e ambientais,
possuem o intuito de, juntamente com a simplificação da legislação de parcelamento
e uso do solo, reduzir os custos e aumentar a oferta de imóveis, atendendo uma das
maiores demandas urbanas da atualidade que é o déficit habitacional, ocasionado
pelo crescente adensamento e concentração populacional nas cidades brasileiras.
Esta concepção inovadora de gestão e planejamento trazida pelo Estatuto da
Cidade concentra-se em alguns preceitos, como a criação de novos instrumentos
urbanísticos voltados para o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e
garantia do bem-estar de seus habitantes, o respeito às formas de uso e ocupação
do solo, a ampliação das possibilidades de regularização de áreas urbanas situadas
na ambigüidade entre a cidade legal e a cidade real (ilegal), a implementação de
uma nova estratégia de gestão, incorporando a idéia de democracia, com
participação popular nos processos decisórios do destino da cidade.
160
160
FERREIRA, João Sette Whitaker. Alcances e limitações dos instrumentos urbanísticos na
construção de cidades democráticas e socialmente justas. In: V Conferência das Cidades,
Brasília: Câmara Federal, 02 de dezembro de 2003.
O Estatuto da Cidade representa não somente um novo marco regulatório do
espaço urbano, mas também histórico, pois, ao respeitarem as diretrizes e os
instrumentos dispostos, quando da implementação dos programas de planejamento,
gestão, estratégias e regras da ocupação do solo e de urbanização das cidades,
estarão visando um crescimento ordenado e sustentável. Desta forma, a qualidade
da vida no espaço urbano, através da implementação dos seus instrumentos
urbanísticos, tende a melhorar, visto que, embora constituído de ferramentas
importantes, não era apenas por falta de instrumentos legais que, anteriormente,
não se implementava uma política urbana, tendo em vista que, ao lado das variáveis
políticas (de nada adiantam instrumentos postos à disposição de lideranças políticas
que não pretendem utiliza-los ou o fazem de forma inadequada ou ineficiente), deve-
se considerar os aspectos orçamentários do financiamento das cidades, que,
atualmente, não bastam para a consecução das demandas estritamente
urbanísticas, sendo preciso encontrar mecanismos de cooperação e gestão que
confiram sustentabilidade para as cidades brasileiras.
Diante do alcance regulamentar do Estatuto da Cidade, Rogério Gesta Leal
assevera que,
Assim, pela dimensão de suas disposições norteadoras, o Estatuto da
Cidade adquiriu o status de ser o novo marco institucional na trajetória da
tão apregoada reforma urbana, isto porque se preocupa com o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade, garantindo o direito às
cidades sustentáveis. Em vários artigos e parágrafos, esse direito é
especificado, se propondo a ordenar e controlar o uso do solo de forma a
evitar a deterioração das áreas urbanizadas, a poluição e a degradação
ambiental. Na verdade, este Estatuto da Cidade representa um passo
marcante em matéria urbanística, podemos dizer até histórico.
161
Após estas breves considerações a respeito do Estatuto da Cidade e da sua
importância como marco regulatório para a execução da política urbana,
consubstanciada nos artigos 182 e 183 da Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988, como forma de delimitar o alcance territorial deste estudo, no item
final deste capítulo, busca-se determinar os principais aspectos que caracterizaram o
desenvolvimento urbanístico no território brasileiro a partir do século XX.
161
LEAL, Rogério Gesta. Direito urbanístico. Condições e possibilidades da Constituição do Espaço
Urbano. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 80-81.
2.4 Aspectos do desenvolvimento do espaço urbano no território brasileiro
Ao realizar um estudo mais aprofundado sobre os aspectos da formação do
espaço urbano brasileiro, sobretudo no último século, necessário se faz enfocar as
principais características do processo de urbanização, e, conseqüentemente, as
problemáticas introduzidas quando do planejamento e desenvolvimento das cidades,
entre elas o acelerado crescimento e adensamento populacional. Para Castells,
Isto quer dizer, se é claro que o processo de formação das cidades é a base
das redes urbanas e condiciona a organização social do espaço, que quase
sempre se detém na taxa de crescimento demográfico, ligando num mesmo
discurso ideológico a evolução das formas espaciais de uma sociedade e a
difusão de um modelo cultural sobre a base de uma dominação política.
162
Segundo Santos, o Brasil deixou o século XIX com aproximadamente 10% da
população vivendo nas cidades, sendo que, apesar de se apresentarem cidades
de grande porte desde o período colonial, somente a partir da virada do século XIX e
das primeiras décadas do século XX, é que o processo de urbanização começa a se
consolidar, impulsionado pela proclamação da República, pela demanda de
trabalhadores livres e pelo surgimento de uma indústria ainda tímida, porém que se
desenvolve na esteira das necessidades básicas do mercado interno. Nesse período
histórico, o índice de urbanização estava bastante modificado, pois, se havia
crescido “menos de quatro pontos nos trinta anos entre 1890 e 1920 (passando de
6,8% para 10,7%) foram necessários apenas vinte anos, entre 1920 e 1940, para
que essa taxa triplicasse passando a 31,24%”.
163
Os sensos estatísticos brasileiros, realizados deste 1872, mostram sucessivos
aumentos da população ao longo do século XX, havendo um crescimento, neste
período, de quase dez vezes, sendo que esta aceleração se acentua a partir da
década de 1950, quando as cidades tiveram um acréscimo de 34,9% na sua
população. No período que se segue, entre 1950 e 1960, ainda um elevado
crescimento urbano, com aumento de 32,9%, entre 1970 e 1980 de 27,8%, entre
162
CASTELLS, Manuel. La Question Urbaine. Paris: Ed. François Maspero, 1973, p. 18. In:
BEZERRA, Maria Lucila. Desenvolvimento Urbano Sustentável: realidade ou utopia. 2002.
Fundação Joaquim Nabuco textos para discussão. Disponível em:
<http://www.fundaj.gov.br/tpd/140.html>. Acesso em: 18 out. 2006
163
SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. 5. ed., São Paulo: Editora da Universidade de São
Paulo, 2005, p. 25.
1980 e 1990 de 23,4%, chegando a 15,5% no período de 1991 a 2000. Porém, as
taxas médias anuais de crescimento, diminuíram de assombrosos 3,49%, para
1,63%, o que confirma uma tendência de redução segundo os sensos realizados.
164
Esta inversão verificada o implica uma descentralização populacional, porém
uma verdadeira desconcentração, na qual as grandes metrópoles continuam como
importantes receptores de migrantes internos, contudo, o que se intensifica, a partir
da década de 1980, é que outros centros urbanos acabam se consolidando como
cidades de porte médio, recepcionando, cada vez mais, grande parcela desta
população, passando a ter uma grande importância no desenvolvimento e
dinamismo econômico, estabelecendo-se como fonte para a análise dos fenômenos
urbanos, bem como para o desafio de planejar e formular políticas públicas urbanas.
Historicamente, a partir da década de 1930, quando a economia brasileira
deixa de se centralizar, eminentemente, no setor agrário exportador, o Estado passa
a investir em infra-estrutura para o desenvolvimento da indústria nacional, o que,
segundo Caio Prado Junior, constitui um caminho de avanço, não somente para o
desenvolvimento das forças produtivas, mas também do crescimento e da
modernização da sociedade e das áreas urbanas ocupadas. O processo de
industrialização, implantado a partir da década de 1940, produziu um espaço urbano
em consonância às exigências de produção em massa das condições gerais
necessárias à reprodução dos trabalhadores urbanos. No final daquela década,
tiveram início as políticas habitacionais, articulando o capital imobiliário e a produção
em massa de habitações populares, formando, nas décadas seguintes, imensas
periferias nas grandes cidades brasileiras.
165
Esta transformação ocorrida no espaço urbano é descrita por Leal:
Talvez a evidência mais contundente disso, seja perceptível na radical
transformação ocorrida no campo da urbanização de determinados
territórios, totalmente desordenada e clandestina, em face das exigências
contingenciais da própria industrialização, gerando verdadeiros
164
BRASIL. Censo Demográfico 2000: Banco de dados agregados do IBGE. Disponível em:
<http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/c2000/default.asp>. Acesso em: 18 out. 2005.
165
PRADO JUNIOR, Caio. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1990, p. 09-15.
aglomerados humanos sem a menor condição de habitabilidade, higiene e
segurança.
166
Este processo de urbanização, verificado em diversas cidades brasileiras,
consolidou a base para o surgimento de um urbanismo moderno, a partir da
realização de obras de saneamento e infra-estrutura básica, promoção de um
embelezamento paisagístico, implantação de uma normatização quanto ao mercado
imobiliário e de regras de planejamento e desenvolvimento urbanos. Porém, o
mesmo não contemplou todos os setores, e a população excluída, que acabou
expulsa dos centros urbanos, refugiando-se em regiões periféricas, imediações de
morros, ou áreas distantes, que ocasionam o surgimento de núcleos urbanos
irregulares e de favelas.
167
Apesar do acelerado crescimento econômico, sobretudo, no período de 1940 a
1980, este não foi suficiente para modificar a desigualdade e exclusão social
existente, fato que, na realidade, se agravou com o impacto do declínio econômico
enfrentado nas décadas de 1980 e 1990. O aspecto característico do espaço
urbano, até a década de 1970, foi a concentração progressiva e acentuada da
população em cidades cada vez maiores, que ocorreram a partir de três importantes
fases: primeiramente, a aglomeração em núcleos urbanos menores; posteriormente,
uma multiplicação da concentração populacional em cidades de tamanho médio; e,
por fim, a metropolização de um grande número de cidades, cuja população
alcançou cerca de um milhão de habitantes. As regiões metropolitanas brasileiras,
instituídas a partir da década de 1970, cujo núcleo era constituído pelas densas e
grandes cidades, caracterizavam-se pela concentração das atividades econômicas e
pelo acentuado adensamento populacional, originado pelas migrações internas,
devido à oferta de empregos, renda, acesso a bens, serviços e infra-estrutura
urbanos, o que explica o fato destas regiões concentrarem, neste período, a quarta
parte da população brasileira.
168
166
LEAL, Rogério Gesta. Estado, Administração Pública e Sociedade: novos paradigmas. Porto
Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2006, p. 81.
167
MARICATO, Ermínia. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. Petrópolis, RJ: Vozes,
2001, p. 17.
168
OLIVEIRA, Isabel Cristina Eiras de. Estatuto da cidade; para compreender.... Rio de Janeiro:
IBAM/DUMA, 2001, p. 07.
A partir dessa década, entra em crise o modelo de urbanização experimentado
entre 1940 e 1970, gerando uma enorme esforço para o estabelecimento de
condições para a formulação de alternativas de planejamento urbano, como uma
tentativa de controlar a urbanização, particularmente no que tange ao ordenamento
urbano e no controle do surgimento e expansão das periferias, assentamentos
irregulares e favelas. Porém, apesar dos censos demográficos, a partir da década de
1980, assinalarem uma diminuição do crescimento populacional, principalmente com
a desconcentração espacial das atividades econômicas e pela formação de novos
centros urbanos, os problemas de desigualdade e exclusão social não foram
solucionados, bem como aqueles decorrentes de gestões e planejamentos urbanos
inadequados, com a falta ou ineficiência de infra-estrutura e serviços urbanos.
Estes problemas não se agravam simplesmente pela recessão ocorrida nos
setores de produção e industrialização, ou do recuo das políticas blicas sociais e
urbanas, mas reflete o aprofundamento de uma desigualdade numa sociedade
histórica e tradicionalmente desigual, que, segundo Paulo Arantes, tornaram-se
modelo internacional exemplar de desigualdade e exclusão social, tendo em vista o
aumento do desemprego, das relações informais de trabalho, das taxas de violência
e pobreza nas áreas urbanas.
169
Neste sentido, pode-se destacar e analisar outro aspecto importante e
articulado à exclusão social, tendo como cenário mais recente a expansão e
consolidação do processo de urbanização caracterizado pelo crescimento
desordenado nas cidades brasileiras, que diz respeito à globalização, a qual, a partir
de 1990, imprimiu novas questões ao habitar urbano, trazendo consigo um
agravamento das questões urbanas e sociais. Paralelamente, o processo de
urbanização brasileiro adquire uma característica de expansão que altera o modelo
altamente concentrador nas metrópoles, para expandir em número e tamanho outras
cidades brasileiras, configurando-se, a concentração e ocupação desordenada do
espaço urbano, uma das principais características do atual cenário brasileiro.
169
ARANTES, Paulo E. A desordem do progresso. In: Revista Tiers Monde, 2000.
Assim, no decorrer do século XX, o Brasil, como os demais países latino-
americanos, apresentou intenso processo de urbanização, o que trouxe inúmeras
questões sociais, que acabaram se refletindo nos mais diversos setores do país.
Dados importantes, como os assinalados pela Agenda 21 Brasileira, indicam que na
América Latina, a proporção de pessoas que moram em cidades era de 61,32%, no
ano de 1975, chegando a 76,51% em 2000, e podendo atingir 84,67% no ano de
2020. No Brasil, já no ano de 1996, tínhamos quase 79% da população nas cidades,
e as projeções elaboradas apontam para uma taxa de 88,94% no ano de 2020.
170
Para Saule Júnior, a cidade é um fenômeno global, sendo que o adensamento
populacional que ocorre nos centros urbanos se constitui como principal fenômeno
de origem de complexas demandas, fazendo com que seja necessário repensar a
cidade enquanto espaço de vida, história e desenvolvimento humano, não somente
por profissionais com formação técnica em planejamento, expansão e gestão
pública, mas sobretudo por todos os cidadãos que vivem nesta contextualização.
171
Diante disso, verifica-se, neste curto período, como um dos principais
indicadores urbanos, que refletem este desenfreado desenvolvimento das cidades, o
crescimento populacional, cuja fração urbana, no ano de 1960, já representava
44,93% da população total, contra 55,07% de população rural, e, transcorridos dez
anos, esta relação acaba se invertendo, chegando 55,92% da população a viver nas
áreas urbanas, enquanto que a população que permanece estabelecida nas áreas
rurais ou interioranas diminui para 44,08% da população total. Atualmente, segundo
dados do Censo Demográfico de 2000, a concentração populacional nas cidades
quase que dobrou em comparação à taxa representativa da década de 1960,
atingindo a marca de 81,23% do total da população brasileira.
172
A inversão verificada através destes indicadores, reflete um crescente
abandono, pelos moradores, das povoações rurais, bem como das cidades
170
BRASIL. Comissão de Políticas de Desenvolvimento Sustentável e da Agenda 21 Nacional.
Agenda 21 Brasileira. Bases para discussão. Brasília, março de 2000, p. 64.
171
SAULE JÚNIOR, Nelson. Direito à cidade. Trilhas legais para o direito às cidades sustentáveis.
São Paulo: Max Limonad, 1999, p. 63.
172
BRASIL. Censo Demográfico 2000: Banco de dados agregados do IBGE. Disponível em:
<http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/c2000/default.asp>. Acesso em: 18 jul. 2006.
pequenas e desorganizadas, os quais rumam, na sua totalidade, para os centros
urbanos, porém, segundo Leal:
Esta criação urbana, contudo, trata-se muito mais de geração de cidades do
que de um verdadeiro processo de urbanização entendido aqui como um
planejamento ordenado e refletido sobre as condições e possibilidades do
crescimento e desenvolvimento urbano sustentado.
173
Quando da análise dos números absolutos, que representam o quadro
anteriormente mencionado, revela-se um assombroso crescimento dos habitantes
das áreas urbanas, principalmente entre os anos de 1940 e 2000, quando a
população que reside nas cidades aumentou de 18,8 milhões de habitantes para, no
ano de 2000, chegar a 138 milhões, recebendo as cidades cerca de 120 milhões de
novos habitantes. Considerando somente a última década do século XX, as cidades
brasileiras aumentaram em 22.718.968 habitantes.
174
Essa explosão urbana coincide
com o término da acelerada expansão econômica vivida neste período, o que
introduziu, no âmbito das cidades, um paradigma: além de refletirem o progresso e o
desenvolvimento, acabaram por reproduzir as injustiças e desigualdades sociais.
Ricardo Pereira Lira indica, para ilustrar o quadro gerado, como causas
determinantes do adensamento populacional urbano: a migração populacional para
os centros urbanos em decorrência da oferta de trabalho ocasionada pela
industrialização, o conseqüente assentamento desta população de maneira
desordenada e sem planejamento, a desenfreada proliferação das áreas periféricas,
decorrente do baixo preço e da falta de infra-estrutura e serviços urbanos nestas
áreas e a atividade especulativa gerada pelos proprietários de imóveis localizados
entre as periferias e os centros urbanos.
175
Paralelamente ao adensamento populacional e, sobretudo ao desenfreado
processo de urbanização verificados, quanto à ocupação do espaço urbano, as
desigualdades que se formam são caracterizadas, principalmente, pelo déficit
habitacional, fruto, de um assentamento desordenado, pela inexistência, deficiência
173
LEAL, Rogério Gesta. A função social da propriedade e da cidade no Brasil: aspectos jurídicos e
políticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado; Santa Cruz do Sul: Edunisc, 1998, p. 67.
174
MARICATO, Ermínia. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. Petrópolis, RJ: Vozes,
2001, p. 16.
175
LIRA, Ricardo Pereira. Elementos de Direito Urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 175.
e falta de qualidade dos serviços e da infra-estrutura existentes, pela ocupação
predatória e inadequada de áreas, muitas vezes, localizadas em pontos de risco ou
de proteção ambiental, e pelos conflitos sociais e fundiários.
Estas características, juntamente com os dados coletados pelo Censo
Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE
176
, de 2000,
expressam um quadro preocupante, no qual, entre os anos de 1991 e 2000, o
número de favelas teria aumentado 22% em todo o Brasil, atingindo cerca de 3.905
núcleos. François Bremaeker
177
, com base nos mesmos dados, afirma que foram
encontradas favelas em 27,6% dos municípios brasileiros. Em 56,6% dos municípios
com população entre 50 mil e 100 mil habitantes existem favelas, o mesmo
acontecendo em 79,9% daquelas com população entre 100 mil e 500 mil habitantes
e na totalidade dos municípios com população superior a 500 mil habitantes.
Maricato revela, segundo coleta de diversas fontes, que a população estimada
que mora em favelas, em algumas cidades brasileiras seria de: Rio de Janeiro, 20%;
São Paulo, 22%; Belo Horizonte, 20%; Goiânia, 13,3%; Salvador, 30%; Recife, 46%;
e Fortaleza, 31%. que se ater, também, que o número de favelas não esgota a
ilegalidade quanto à ocupação irregular do solo, na qual temos que somar o universo
dos loteamentos ilegais, que se multiplicam devido a inexistência de fiscalização e
de uma legislação urbana detalhista e abundante.
178
O futuro das cidades brasileiras, para Ribeiro e Santos Júnior, depende dos
desdobramentos da crise econômica enfrentada pelo Brasil nestas últimas décadas,
bem como das soluções políticas e de gestão pública que forem encontradas para:
[...] a adaptação de cada cidade a esse novo modelo de gestão vai
depender de várias características e condicionantes, entre os quais os
decorrentes do sistema político local. Nada indica que tais mudanças
signifiquem melhoria da qualidade de vida e maior justiça social. O desafio
está em buscar modelos de políticas que combinem às novas exigências da
176
BRASIL. Censo Demográfico 2000: Banco de dados agregados do IBGE. Disponível em:
<http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/c2000/default.asp>. Acesso em: 18 jul. 2006.
177
BRASIL. Estatuto da cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. Lei n. 10.257,
de 10 de julho de 2001, que estabelece diretrizes gerais da política urbana. Brasília: Câmara dos
Deputados, Coordenação de Publicações, 2001, p. 23.
178
MARICATO, Ermínia. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. Petrópolis, RJ: Vozes,
2001, p. 38.
economia urbana globalizada a regulação blica da produção da cidade e
o enfrentamento do quadro de exclusão social.
179
Enquanto não houver a implantação desses novos modelos de política e
gestão urbana, restará à população de baixa renda ocupar as áreas periféricas, mais
baratas, pois desprovidas de infra-estrutura básica, ou ocupar áreas ambientalmente
frágeis ou inadequadas, que, para serem urbanizadas, necessitam de planejamento
e organização, o que não acaba ocorrendo na maioria das ocasiões, tendo em vista
o alto custo a ser comprometido pelos entes blicos, bem como a indisponibilidade
de instrumentos urbanísticos destinados a implementar políticas públicas de
desenvolvimento e planejamento nestes espaços urbanos. Paralelamente, a
crescente ocupação destas áreas ocasiona mazelas de ordem natural, como
enchentes, erosões e contaminação dos mananciais, onde os primeiros prejudicados
são os habitantes daqueles locais e, com o descontrole desses processos, atingirão
a cidade como um todo. Ainda, a minoria estabelecida nos centros urbanos com
melhor infra-estruturada acaba sendo objeto de especulação imobiliária, gerando
uma alteração nas características de ocupação dessa parte da cidade.
Este desenfreado modelo de expansão urbana, verificado nas cidades
brasileiras, identifica a quase total ausência de planejamento, organização e
desenvolvimento sustentável, caracterizado, sobretudo, pelas desigualdades sócio-
econômicas e por opções de planejamento e de políticas urbanas que acabam
excluindo as demandas urbanas mais urgentes e necessárias, bem como aquela
parcela da população que não possui oportunidades de crescimento. Para Faria
180
,
a estruturação do espaço urbano brasileiro possui uma dupla característica:
Por um lado, concentra grandes contingentes populacionais em termos de
tamanho absoluto em um número reduzido de áreas metropolitanas e
grandes cidades como Rio de Janeiro, São Paulo, outras áreas
metropolitanas e capitais regionais e sub-regionais; por outro, alimenta o
crescimento da população urbana de um número grande e crescente de
cidades de diferentes tamanhos que se integram num complexo padrão de
divisão territorial do trabalho social tanto entre o campo e a cidade como
entre as cidades.
179
RIBEIRO, Luiz Cesar de Q.; SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos. Globalização fragmentação e
reforma urbana: o futuro das cidades brasileiras na crise. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1994, p. 15.
180
FARIA, Vilmar E. Cinqüenta anos de urbanização no Brasil; tendências e perspectivas. São Paulo:
Novos Estudos, 1991, p. 103.
Os problemas de ordem urbana e social, obviamente, se expandem juntamente
com o processo de crescimento das cidades, levando consigo todas as contradições
e conflitos inerentes às desigualdades sociais que dão sustentação à uma exclusão
cada vez mais abrengente. Esta constatação teria pouco efeito significativo, visto
que estaríamos nos referindo aos aspectos quantitativos mais aparentes destes
processos, no entanto, a exclusão social apresenta-se de modo peculiar, nesta
contextualização, isto é, há peculiaridades na exclusão social, tal como ela se
manifesta, coincidentemente, nestes últimos 20 (vinte) anos.
A taxa atual de urbanização de 81,2% (Censo Demográfico do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE, de 2000), podendo atingir 88,94% da
população do país em 2020, caracteriza o Brasil como sendo extremamente
urbanizado. Entretanto, numa análise mais aprofundada, José Eli da Veiga contesta
esta realidade, afirmando que, em um enorme número de municípios, a pouca
densidade populacional mantêm características e estilo de vida rural. Seguindo,
fundamenta sua crítica nos critérios utilizados para classificar como cidade todas as
sedes municipais existentes, sem levar em conta as suas características estruturais
ou funcionais, afirmando que, pelo menos 4.500 dos municípios brasileiros, nos
quais vivem 52 milhões de habitantes, não possuem características urbanas, nem
mesmo há um processo migração dos núcleos rurais como comumente divulgado.
181
Dados recentes indicam que o quadro atual da rede urbana do país é
constituída de 5.562 municípios, dos quais 440 (todos com população acima de 100
mil habitantes) e o Distrito Federal concentram mais da metade da população
brasileira. Estes 440 municípios estão distribuídos, segundo classificação do
IPEA/IBGE/UNICAMP
182
em 111 centros urbanos brasileiros, dos quais 82 são
centros sub-regionais, 16 centros regionais, 4 metrópoles regionais, 7 metrópoles
nacionais e 2 metrópoles globais.
181
VEIGA, José Eli da. A Ilusão do Brasil Urbano. In: Revista Urbana. set., Rio de Janeiro: Instituto
Light, 2002, p. 36-39.
182
IPEA, IBGE, UNICAMP. Estudos básicos para caracterização rede urbana. In: Caracterização e
tendências da rede urbana do Brasil. vol. 2. Brasília: IPEA, 2002.
Ao considerar o crescimento das metrópoles nos últimos 30 (trinta) anos, não
houve uma desmetropolização, pois, se, em 1970, o Brasil possuía apenas 02 (duas)
metrópoles, com população acima de 2 (dois) milhões de habitantes, as mesmas
passaram para 07 (sete), no ano 2000. Neste mesmo período, as cidades com
população entre 20 mil e 100 mil habitantes aumentaram de 226 cidades em 1970,
para 1.262 em 2000, e sua população quadruplicou, passando, em números
absolutos, de 9.062.000 para 36.031.000 de habitantes, representando cerca de
26,12% da população brasileira.
183
Paralelamente, as cidades médias, com população entre 100 mil e 500 mil
habitantes, passaram de 40 para 194, sendo que, no ano 2000, elas concentravam
27,23% da população brasileira, contra 17% das cidades acima de 500 mil
habitantes e 16,23% das metrópoles. Estes dados comprovam o incremento
populacional ocorrido nas cidades médias no período entre 1970 à 2000, passando
de 11,77% do total de habitantes no país, para 27,23%, ou seja, um aumento de
quase 150%, devido, em grande parte, ao crescimento de centros intermediários,
pertencentes às regiões metropolitanas. Em contraposição, nas pequenas cidades,
cuja população não ultrapassa 20 mil habitantes, apesar de haver um aumento
significativo em números absolutos, passando de 3.574 para 4.074 no período entre
1970 a 2000, tiveram um decréscimo em suas populações na ordem de 50%,
passando de 26,17% da população total em 1970, para 13,40% no ano de 2000.
184
As transformações ocorridas na formação do espaço urbano brasileiro, devido
ao crescimento, sobretudo, das cidades médias, não apontam para novas
demandas sociais urbanas mas, principalmente, redefinem o conceito dos espaços
públicos, dando novos conteúdos aos lugares. É, pois, nesta perspectiva, que as
cidades dias ganham importância, para a compreensão das questões urbanas
brasileiras, ou seja, aquilo que era visível nas metrópoles, como o adensamento
populacional, a ocupação irregular de áreas urbanas e suburbanas, a insuficiência e
ineficiência da infra-estrutura e dos serviços urbanos e sociais, agora também é
característica destas cidades, ocasionando um verdadeiro desleixo para com os
183
BRASIL. Censo Demográfico 2000: Banco de dados agregados do IBGE. Disponível em:
<http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/c2000/default.asp>. Acesso em: 18 jul 2006.
184
Ibidem.
direitos básicos da população.
185
Uma análise dos problemas existentes nas metrópoles, com a conseqüente
elaboração de diretrizes e políticas públicas urbanas tendentes a solucioná-los, não
pode ser reproduzido nas cidades médias brasileiras, pois a urbanização brasileira
está consubstanciada em cidades que possuem produção, consumo e
especificidades sociais próprios, devendo-se pensar de forma a elaborar um
programa para a solução destas demandas urbanas e sociais como um todo, visto
que a diferença está na proporção em que as demandas se apresentam, não na
complexidade de sua solução. Assim, apesar de suas peculiaridades regionais e
locais, todas as cidades abrigam, seja com maior ou menor intensidade, problemas
urbanos que afetam seu desenvolvimento, particularmente os decorrentes de:
dificuldade de acesso a áreas urbanizadas, déficit de moradias adequadas, falta e
ineficiência dos serviços básicos e infra-estrutura urbanos, desemprego, violência e
marginalização social. A concentração populacional e o modelo de exclusão
territorial que marcam o desenvolvimento de nossas cidades promovem e expõem a
tragédia em que se tornou o urbanismo no Brasil.
186
Para tanto, necessária a adoção de instrumentos para a implementação de
políticas blicas destinadas ao desenvolvimento e organização das cidades,
assentadas, conforme Leal, na defesa da função social da propriedade e da cidade:
Em termos de contextualização da abordagem do tema, numa sociedade
como a brasileira em que brutal concentração de renda e terras,
analfabetismo generalizado, condições inumanas de salário e habitação,
desemprego, mortalidade em todas as faixas etárias em razão da
desnutrição, etc., a discussão sobre a função social da propriedade urbana
e da cidade tem de ser feita em meio à inexistência de reformas estruturais
e de conjunto, tão necessárias e ausentes ao mesmo tempo, não bastando
o Estado possuir uma Constituição como panacéia salvadora.
187
185
ANDRADE, Thompson Almeida; SERRA, Rodrigo Valente. Análise do Desempenho Produtivo dos
Centros Urbanos Brasileiros no Período 1975/96. In: ANDRADE; Thompson Almeida; SERRA,
Rodrigo Valente (orgs.). Cidades Médias Brasileiras. Rio de Janeiro, IPEA, 2001, p. 12.
186
BEZERRA, Maria do Carmo de Lima; FERNANDES, Marlene Allan. Cidades sustentáveis:
subsídios à Elaboração da Agenda 21 brasileira. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, Consórcio Parceria 21, IBAM-
ISER-REDEH, 2000.
187
LEAL, Rogério Gesta. A função social da propriedade e da cidade no Brasil: aspectos jurídicos e
políticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado; Santa Cruz do Sul: Edunisc, 1998, p. 111.
Deste panorama resulta uma fragmentação das cidades, agravado pela
existência de segregações sociais, econômicas, culturais, políticas e territoriais, na
qual, a exclusão territorial é uma realidade, sobretudo para a população de baixa
renda, através da delimitação da ocupação dos territórios. Paralelamente, busca-se
o isolamento das classes altas em condomínios fechados, que se transformam em
“cidades” dentro da cidade, obstaculizadas com os mais sofisticados sistemas de
segurança, como forma de garantir a proteção de seus habitantes, o acesso a
serviços urbanos eficientes e infra-estruturas privilegiadas.
188
Ana Maria Brasileiro, corroborando este quadro, identifica que:
As cidades mostram-se estratificadas, com áreas privilegiadas, dotadas de
infra-estrutura, equipamentos urbanos e sociais, onde habita a população
de média e alta rendas. Estas áreas contrastam com extensas regiões
periféricas, privadas de muitos dos serviços públicos considerados
essenciais.
189
Esta exclusão territorial, somada à crescente concentração populacional, é
extremamente acentuada nos municípios brasileiros, nos quais, em 100% daqueles
com mais de 500 mil habitantes, existem grandes contingentes de moradias
irregulares e grande concentração de favelas, fenômeno que ocorre também em
88,08% dos municípios com população entre 100 e 500 mil habitantes e em 59,84%
dos que possuem de 20 a 100 mil habitantes. Também surpreende os índices de
irregularidades mesmo nas cidades pequenas, com até 20 mil habitantes, 36,46%
destes lugares possuem moradias irregulares.
190
Essa irregularidade assume ltiplas faces, caracterizando a condição de
"irregular" no Brasil. São favelas resultantes da ocupação de áreas privadas à
espera de valorização; de áreas doadas ao Poder Público por loteamentos; cortiços
improvisados em imóveis deteriorados; loteamentos clandestinos e irregulares;
conjuntos habitacionais ocupados e sob ameaça de despejo; casas sem "habite-se".
188
ROLNIK, Raquel; CYMBALISTA, Renato. Instrumentos Urbanísticos Contra a Exclusão Social. In:
Revista Polis. n. 29, 1997, p. 43-55.
189
BRASILEIRO, Ana Maria. Política urbana – quem decide?. In: PESSOA, Álvaro (Coord.). Direito do
urbaniscmo: uma visão sócio-jurídica. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos Instituto
Brasileiro de Administração Municipal, 1981, p. 36.
190
BRASIL. Ministério das Cidades. Regimento da 1ª Conferência Nacional das Cidades. 2003.
Disponível em: <http://www.cidades.gov.br>. Acessado em: 24 out. 2005.
Ainda, a irregularidade produzida pelas classes média e alta, que tem hoje na
figura do condomínio fechado (burlando a lei de parcelamento do solo) e da
privatização da orla marítima e fluvial algumas de suas expressões.
Uma das mais graves conseqüências desse processo de produção irregular do
espaço das cidades é a degradação ambiental dos cenários urbanos. A falta de
acesso regular a um espaço de radicação nas cidades leva a população carente a
buscar alternativas junto ao mercado imobiliário ilegal, que atua quase sempre em
áreas ambientalmente vulneráveis, justamente aquelas áreas que, por suas
características e gravames legais, estão fora do mercado imobiliário regular,
loteando áreas de preservação ambiental como encostas e morros, matas nativas e
margens de mananciais e cursos d’água. Neste sentido, importa induzir que:
Esse processo de exclusão social e territorial acaba por explicar, em parte,
uma das causas do desequilíbrio e da degradação ambiental, quer do meio
ambiente natural, quer do artificial ou construído. Explica, por exemplo,
porque famílias carentes "preferem" ocupar as encostas íngremes dos
morros, para "viver a emoção" de colocar em risco sua integridade física e
de sua prole, e porque "optam" por invadir áreas públicas ou alojar-se nas
margens de córregos, nos mangues e áreas de preservação permanente.
191
As demandas existentes nos núcleos urbanos não o novas e estão cada vez
mais evidentes na proporção em que as cidades crescem. Como exemplo, podemos
destacar as periferias, cada vez mais distantes dos centros urbanos e, praticamente,
desprovidas de serviços e infra-estrutura urbanos; a constituição e expansão de
favelas, oriundas de invasões a áreas, muitas vezes, de risco ou de preservação
ambiental; a especulação imobiliária; as cidades cada vez mais verticalizadas;
fenômenos que, somados, formam um verdadeiro caos urbanístico.
Apesar de não existir uma estimativa segura do número de famílias e
domicílios instalados em favelas ou assemelhados, dados preliminares da Secretaria
Nacional de Programas Urbanos afirmam que este fenômeno está presente na maior
parte da rede urbana brasileira, sobretudo pela exclusão destes núcleos
populacionais do marco regulatório e dos sistemas financeiros formais,
191
FREITAS, José Carlos de. Estatuto da cidade e equilíbrio no espaço urbano. Disponível em:
<http://www.jus.com.br>. Acesso em: 17 maio 2007.
multiplicando-se em áreas frágeis e, muitas vezes, além de degradadas, localizadas
em área de proteção ambiental, não passíveis de urbanização.
192
O que se verifica, dentro desta rede urbana complexa e heterogênea, é que
são as pequenas cidades, com população de até 20.000 habitantes, abrigando,
portanto, menos de 20% da população nacional, porém representando 72,96% do
total de municípios, que apresentam os menores índices de desenvolvimento e as
maiores dificuldades de gestão público-urbana, sobretudo pelo contínuo acúmulo de
carências sociais e de infra-estrutura e serviços urbanos. No lado oposto desta rede
urbana, as regiões metropolitanas, onde se concentram aproximadamente um terço
da população urbana do país, possuem os maiores percentuais de carências e as
demandas e precariedades são muito mais acentuadas.
193
O contexto dos problemas urbanos não se resume somente nestas
irregularidades, dados da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental, indicam
que aproximadamente 60 milhões de brasileiros, estabelecidos em 9,6 milhões de
domicílios urbanos, não dispõem de coleta de esgoto. Ainda, cerca de 15 milhões de
habitantes em 3,4 milhões de domicílios não dispõe de acesso à água encanada e,
destes, uma grande parcela que possui ligação, não tem água diariamente e nem
água potável de qualidade. Quanto ao esgoto coletado, a deficiência no tratamento,
indica que, quase 75% de todo o esgoto sanitário coletado nas cidades é despejado
"in natura", contribuindo, decisivamente, para a poluição dos mananciais, cursos
d'água urbanos e das praias.
194
Além disso, os dados indicam que 16 milhões de brasileiros não são atendidos
pelo serviço de coleta de lixo, sendo que, nos municípios de grande e médio porte,
onde o sistema de coleta deveria atingir toda a produção diariamente, esse serviço
não atende adequadamente os moradores das favelas, das ocupações irregulares e
dos bairros populares. Paralelamente, em 64% dos municípios, o lixo coletado é
192
BRASIL. Secretaria Nacional de Programas Urbanos. Cenário. 2003. Disponível em:
<http://www.cidades.gov.br >. Acessado em: 24 out. 2005.
193
BRASIL. Secretaria Nacional de Programas Urbanos. Cenário. 2003. Disponível em:
<http://www.cidades.gov.br >. Acessado em: 24 out. 2005.
194
Ibidem.
depositado em lixões, sem adequado condicionamento e destinação e, em muitos
municípios pequenos, não há a disponibilização de serviço de limpeza pública.
195
Os problemas de ordem urbana, enfrentados atualmente no Brasil, o, como
verificado, um legado da História, originados pela ocupação e desenvolvimento
irregulares das cidades. O desenfreado fenômeno de urbanização acarretou
inúmeras conseqüências, como o agravamento do quadro de exclusão social,
evidenciado pelo crescimento da violência urbana, bem como pela inexistência ou
ineficácia dos programas sociais, assim como da exclusão territorial, diante do
crescimento desordenado das grandes cidades, cujas extensas periferias foram
sendo ocupadas por uma população constituída, na sua maioria, de pessoas
expulsas das áreas centrais ou oriundas de outras localidades em busca de
trabalho, renda e acesso a bens e serviços urbanos.
Assim, para mudar o quadro que se apresenta, a efetivação de um urbanismo
de qualidade no Brasil é uma necessidade crescente. Dentro desta problemática, a
verificação dos principais indicadores urbanos se faz necessária, na medida que o
estabelecimento das áreas se configuram como de maior relevância, possam ser
objeto de planejamento e execução de políticas urbanas, segundo os instrumentos
urbanísticos disponíveis, gerando melhor qualidade de vida para a população. No
caso brasileiro, o amplo diagnóstico efetuado através dos trabalhos da Agenda 21,
materializado no documento “Cidades Sustentáveis”, observou que:
No Brasil, as taxas elevadas e crescentes de urbanização observadas nas
últimas duas décadas promoveram o agravamento dos problemas urbanos,
em função do crescimento desordenado e concentrado, da ausência ou
carência de planejamento, da demanda não atendida por recursos e
serviços de toda ordem, da obsolescência da estrutura física existente, dos
padrões ainda atrasados de sua gestão e das agressões ao ambiente
urbano.
196
Juntamente com os dados coletados, o diagnóstico efetuado pela Agenda 21
Brasileira demonstra, segundo Bezerra e Fernandes, que as inúmeras as demandas
e problemas enfrentados pela rede de cidades brasileiras, foram consolidadas a
195
BRASIL. Secretaria Nacional de Programas Urbanos. Cenário. 2003. Disponível em:
<http://www.cidades.gov.br >. Acessado em: 24 out. 2005.
196
BRASIL. Comissão de Políticas de Desenvolvimento Sustentável e da Agenda 21 Nacional.
Agenda 21 Brasileira. Bases para discussão. Brasília, março de 2000, p. 64.
partir da falta de desenvolvimento, planejamento e padrões atrasados de gestão
urbana.
197
Outra linha de pensamento colocado por críticos do planejamento urbano,
como Souza, é a de que, mais do que a falta ou ineficiência de planejamento, o que
ocorreu foi um planejamento direcionado a políticas urbanas inadequadas que
levaram ao cenário urbano atual. Pode-se, através das disposições realizadas pelo
referido diagnóstico, destacar que:
- as cidades brasileiras cresceram desordenadamente;
- há carência de recursos e serviços públicos;
- as redes de infra-estrutura, bem como os espaços urbanos são insuficientes;
- existem sérias agressões às áreas ocupadas, as quais, muitas vezes, além de
degradadas, localizam-se em área de proteção ambiental, não passíveis de
urbanização;
- há a necessidade de um fortalecimento das estruturas institucionais e a
melhoria de mecanismos de participação popular no processo decisório.
198
Ainda, podemos definir, a partir destes dados coletados, que o diagnóstico do
panorama urbano brasileiro se caracteriza, principalmente, pela existência de
inúmeros problemas nestes espaços urbanos, gerados, principalmente, pela
crescente concentração populacional e conseqüente adensamento desordenado,
pela ocupação indiscriminada de áreas irregulares, desconstituídas, na sua maioria,
de infra-estrutura e serviços urbanos e sociais básicos, bem como por um
planejamento, ordenamento e desenvolvimento inadequado, oriundo da carência de
recursos e serviços, de agressões ao ambiente e da obsolescência da infra-estrutura
e dos espaços construídos.
Portanto, resolver estes problemas se torna tarefa das mais urgentes, sendo
necessário, para tanto, a implementação de instrumentos urbanísticos de
197
BEZERRA, Maria do Carmo de Lima; FERNANDES, Marlene Allan. Cidades sustentáveis:
subsídios à Elaboração da Agenda 21 brasileira. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, Consórcio Parceria 21, IBAM-
ISER-REDEH, 2000.
198
SOUZA, Marcelo Lopes de. Mudar a Cidade. Uma Introdução Crítica ao Planejamento e à Gestão
Urbanos. 2ª ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003, p. 23.
reorganização, reordenação, planejamento e desenvolvimento do espaço urbano
existente. A consecução destas políticas urbanas deve visar, prioritariamente, a
reabilitação das áreas degradadas, a redefinição funcional destas áreas, a promoção
de programas de renovação do espaço urbano, bem como o ordenamento e
planejamento do trânsito, buscando a solução das demandas urbanas, agregando,
para tanto, o esforço estatal, a iniciativa privada e a participação da sociedade.
Analisados os principais marcos normativo-constitucionais, políticos,
econômicos e sociais que caracterizaram a formação e o desenvolvimento do
espaço urbano no Brasil, bem como a importância do Estatuto da Cidade como
marco regulatório para a consecução das diretrizes estabelecidas no capítulo
constitucional referente à Política Urbana, e destacados os principais aspectos que
caracterizaram o desenvolvimento urbanístico no território brasileiro a partir do
século XX, no capítulo final desta dissertação, pretende-se realizar uma avaliação
exemplificativa das Operações Urbanas Consorciadas como instrumento de
participação popular na gestão e regularização do espaço urbano no Brasil.
3 UMA AVALIAÇÃO EXEMPLIFICATIVA DAS OPERAÇÕES URBANAS
CONSORCIADAS COMO INSTRUMENTOS DE PARTICIPAÇÃO POPULAR
NA GESTÃO E REGULARIZAÇÃO DO ESPAÇO URBANO NO BRASIL
Nos dois capítulos iniciais, como forma de estabelecer as principais bases do
presente estudo, foi realizado um resgate histórico dos principais aspectos do
desenvolvimento urbano, desde a formação dos primeiros núcleos sociais, a origem,
formação e desenvolvimento das primeiras cidades, até a concepção do que,
atualmente, é a cidade. Posteriormente, para delimitar o alcance territorial, foram
analisados os marcos normativo-constitucionais, políticos, econômicos e sociais da
formação do espaço urbano no Brasil, bem como a importância do Estatuto da
Cidade como marco regulatório para a execução da política urbana, destacando-se,
desta forma, as principais características do desenvolvimento urbanístico no território
brasileiro a partir do século XX.
O caos urbanístico formado nas cidades brasileiras no decorrer do século
passado, caracterizado pela crescente concentração populacional e pela ocupação
desordenada do espaço urbano, tornou a tarefa de planejar as cidades não somente
um desafio, cuja finalidade é de ordenar o pleno desenvolvimento das funções
sociais da cidade e garantir a infra-estrutura e os serviços básicos para o bem-estar
de seus habitantes, mas também uma questão de responsabilidade conjunta do
Poder Público, da sociedade e da iniciativa privada no ato da gestão das cidades.
Neste sentido, este terceiro capítulo, aborda, primeiramente, uma breve análise
conceitual da gestão urbana e alguns de seus reflexos no Brasil, sobretudo nas
últimas décadas, bem como os aspectos que levaram ao exaurimento do modelo
estatal de gestão e planejamento do espaço urbano até então existente, o qual,
conforme se verifica, motivou uma discussão a respeito da gestão urbana e de sua
democratização, baseada na afirmação da importância da participação popular. Ao
final, pretende-se demonstrar, através de uma avaliação exemplificativa das
operações urbanas consorciadas, sua importância como instrumento de participação
popular na gestão e regularização do espaço urbano no Brasil, para tanto, fora
realizado um breve estudo sobre os principais aspectos do seu surgimento, suas
características, conceito e natureza jurídica, bem como uma análise das primeiras
experiências implementadas no Brasil.
3.1 Gestão urbana no Brasil: do exaurimento do modelo estatal à importância
da participação popular
A cidade surge como locus do viver humano em sociedade, através da
comunicação, organização, troca e interação sociais, em níveis de diversidade e
complexidade diferenciados. Assim, a cidade, como espaço geográfico, reúne uma
multiplicidade de atividades humanas que possuem grande relevância social,
econômica e ambiental, fazendo-se necessário definir estratégias de gestão urbana
para superar as demandas decorrentes do seu crescimento e desenvolvimento.
199
Deve-se, pois, compreender a cidade como um organismo vivo - com formas
de organização e funcionamento expresso em tempos e movimentos próprios –
modificada, cotidianamente, pela ação dos homens, impondo a necessidade de se
buscar formas de administrar os processos sociais que a produzem e modificam, na
perspectiva de melhorar a qualidade de vida, transformando a cidade num locus
sustentável e saudável para vida do homem em sociedade.
200
199
FURTADO, Maria de Fátima R. de G. Cidades Sustentáveis. Disponível em:
<http://www.cecibr.org>. Acesso em: 10 nov. 2005.
200
A analogia à cidade como um organismo vivo se reduz a sua capacidade de receber as influências
do meio social, político, econômico e regional onde está inserida, bem como de reagir a estas
influências, transformando-se. Entretanto, não se pode considerar a cidade como um organismo
vivo que constitui uma totalidade, onde as partes formam um todo orgânico com objetivo comum,
pois as diversas categorias sociais que compõem a cidade têm interesses próprios, provocando
uma situação dialeticamente convergente e conflitiva. In: GALINDO, Evania Freires. A
intersetorialidade como requisito para construção de uma Cidade Saudável: política de
Saneamento e de Saúde no Recife (gestão 2001-2004) - Estudo de Caso. Dissertação (Mestrado
em Desenvolvimento Urbano). Recife, UFPE, 2004.
A urbanização acelerada e o crescimento desordenado, além de modificar o
espaço urbano, revelam dois tipos de cidades: as formais, criadas e planejadas,
servidas de infra-estrutura básica, e a informal, cujo desenvolvimento ocorreu fora do
traçado original, sem o mínimo de infra-estrutura. Para essas tipologias, são
necessários instrumentos de planejamento urbano a serem utilizados na orientação
do uso e ocupação do solo. A complexidade desses problemas urbanos obriga que
planejadores e urbanistas reflitam sobre as questões e busquem novas alternativas
e leis de controle urbanístico sobre o espaço físico nas cidades.
Neste sentido, verifica-se que um dos princípios básicos da atividade estatal
dentro das cidades é a gestão, seja na área política, financeira, social ou urbana,
pois aquele que impulsiona e exerce essa ação de ordenação precisa ter
consciência daquilo que é desejável para o local sob o qual exerce a administração,
bem como do que, razoavelmente, pode lograr com os meios de que dispõe, ou seja,
utilizar-se adequadamente dos meios e instrumentos de que dispõe na consecução
das suas ações.
201
Desta forma, o conceito de gestão, analisado sob a ótica da administração,
relaciona-se com o conjunto de recursos e atividades destinadas ao ato de gerir. O
processo de gestão é uma função organizacional básica da administração,
consubstanciando-se nos mais diversos processos com o intuito de estabelecer
quais as ações de gestão são desejáveis e como as mesmas serão elaboradas. Nas
palavras de Tavares, gestão é fazer administração nas organizações e, para tanto,
procura reunir planejamento estratégico e administração em um único processo.
202
A cidade, por ser um organismo dinâmico e em constante mutação, no qual se
encontram múltiplos contrastes e inúmeras dificuldades, necessita da gestão e, no
presente estudo, da gestão urbana, para desempenhar seu papel relevante no
planejamento e desenvolvimento, contribuindo na diminuição dos contrastes e
dificuldades existentes, assim como prevendo possíveis demandas que possam
surgir no futuro, utilizando-se, para tanto, dos meios e instrumentos disponíveis.
201
SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. São Paulo: Rev. dos Tribunais, 1981, p. 16.
202
TAVARES, Mauro Calixta. Gestão estratégica. São Paulo: Atlas, 2000, p. 156.
A gestão urbana também pode ser entendida como uma atividade
intervencionista da administração sobre o urbano, apresentando, nesse sentido, um
novo conceito em gestão pública e política, no qual se conjugam os conceitos
tradicionais do princípio da autoridade estatal, juntamente com novas tendências de
uma gestão compartilhada e interinstitucional que envolve a conjugação dos
esforços do Poder Público, da sociedade e da iniciativa privada.
203
Caracteriza-se, portanto, como o conjunto de recursos e instrumentos a serem
aplicados na cidade como um todo, visando qualificar a infra-estrutura e os serviços
urbanos, propiciando melhores condições de vida e aproximando os cidadãos das
decisões e ações do poder público, utilizando, para isso, de recursos da tecnologia,
da informação e da comunicação, como forma de efetivação de uma democracia
participativa.
Desta forma, o ato de governar deve se tornar, o quanto possível, um processo
interativo, tendo em vista que nenhum agente social possui, isoladamente,
conhecimento e recursos para resolver estes problemas, havendo, portanto, a
criação de redes e de parcerias públicas-privadas, que nada mais são do que
processos políticos, cada dia mais dominantes no novo mundo urbano fragmentado
e essencial dentro deste agir governamental.
Haddad adverte para o fato de que, quase sempre, os problemas de insucesso
de projetos e programas de planejamento e desenvolvimento urbano não se
encontram na ausência de estruturas organizacionais para a sua efetividade, porém
podem estar nas dificuldades político-institucionais de sua implementação ou na
necessidade de criação de novos instrumentos de gestão urbana adequados para
lidar com as complexas demandas que surgem no cenário das cidades brasileiras.
204
Neste sentido, conforme observado anteriormente, a inversão da ocupação da
população do campo para a cidade, assim como o desenfreado crescimento das
203
CARVALHO, Paulo César Pires; OLIVEIRA, Aluísio Pires de. Estatuto da cidade: anotações à Lei
10.257, de 10.07.2001. Curitiba: Juruá, 2002, p. 91.
204
HADDAD, Paulo R. Agenda 21 Brasileira - Versão Preliminar. Comissão de Políticas de
Desenvolvimento Sustentável e da Agenda 21 Nacional - Secretaria-Executiva, fev., 2002. CD-
ROM.
cidades, ocasionado pela desordenada ocupação do espaço urbano, sobretudo ao
longo das últimas décadas, nas cidades brasileiras, tem sido fruto de processos
equivocados e programas de planejamento urbano desastrosos, resultando no
surgimento de uma imensa gama de demandas de ordem urbana, trazendo
conseqüências catastróficas em face da inexistência de uma infra-estrutura urbana.
Estes problemas podem ser considerados herança, primeiro, do modelo de
políticas públicas adotado pelo Poder Público e, segundo, das espécies de
planejamento urbano que influenciaram essas práticas, muitas vezes baseadas em
leis urbanísticas destinadas, unicamente, a atender interesses individuais. Neste
sentido, Egler destaca que:
[...] o planejamento urbano da década de 70 constitui um conjunto de
planos, instrumentos e legislações que tem a cidade e os cidadãos como
objetos e não como sujeitos da política. Os resultados desse processo são
bem conhecidos, visto que o crescimento das cidades brasileiras não se
molda a esse projeto de planejamento. A falácia desse ideário e dos seus
instrumentos de ação levou o planejamento urbano a os planos diretores
para as prateleiras dos arquivos mortos.
205
O destino do planejamento do espaço urbano nas cidades foi, portanto, durante
as últimas décadas, o esquecimento, visto que, desacreditado ante o insucesso de
suas propostas, acaba sendo alvo dos órgãos que controlam os recursos financeiros
públicos, os quais, diante dos inconvenientes que possam trazer para a cidade,
obrigam-se a atentar para decisões que, pela falta de entrosamento dos vários
setores envolvidos e de uma melhor avaliação dos aspectos que o desenvolvimento
urbano, não têm como atribuição o planejamento urbanístico e social.
As limitadas possibilidades de atendimento, pelo ente estatal, das demandas
sociais e urbanas existentes e a distância dos representantes eleitos dos interesses
de seus eleitores, acabam, segundo Amaral, gerando o que se pode chamar de
"crise de legitimidade" do Estado moderno, aduzindo que
O desvanecimento do poder representante do cidadão, limitado no seu
poder de escolha do mandatário, e a liberdade do mandatário, agindo sem
vínculo com a representação, agravam a falência da democracia
205
EGLER, Tâmara Tânia Cohen. A gestão do lugar e da cidade. In: Cadernos IPPUR/UFRJ, ano VIII,
n. 1, abr., 1994, p. 77.
representativa tanto mais quando outros órgãos, organismos, instituições e
entidades, sem raiz na vontade popular, sem pouso na soberania do voto,
sem legitimidade popular, adquirem poder constituinte e, assim, passam a
gerar direitos e poder, numa flagrante usurpação de mandato, que fratura
de forma irremediável a democracia e a representação popular, sem a qual
aquela falece por inanição.
206
Neste contexto de insucesso, ocasionado pela inércia estatal, sobretudo diante
das dificuldades técnico-financeiras, ou da prática de políticas urbanas que não
refletem as demandas existentes, Barbosa chama a atenção de que o crescimento,
cada vez maior, dos centros urbanos induz a um decréscimo na:
[...] participação da sociedade no processo de planejamento, pois além da
concentração e centralização do capital, há outros fatores impeditivos e
geradores de uma monopolização do poder social. Este tipo de sociedade e
de monopolização passa a dificultar ou mesmo negar ao homem as
condições básicas para sua expressão individual ou social, através de
ações planejadas e participativas.
207
Acrescente-se a essa dificuldade, uma inércia dos próprios habitantes das
cidades que, por comodismo, passam a formar um exército de silenciosos, numa
conivência por omissão, sem se atentarem de que todas estas demandas, que
surgem nos centros urbanos, afetam diretamente no seu bem-estar e na qualidade
de vida enquanto sujeitos das cidades.
Para Di Giuseppe, o planejamento urbano no Brasil despontou nas instituições
na década de 1960, atingindo seu auge nos anos 70, exatamente no período do
regime autoritário, marcado por forte intervencionismo estatal, quando o Poder
Público se apresentava como o único agente capaz de promover o desenvolvimento
econômico e social. Mas, no decorrer da década de 1980, tal situação começa a
alterar-se, quando, em nível nacional, começam a manifestar-se os primeiros sinais
da crise do modelo econômico, ao mesmo tempo em que se iniciam campanhas pela
desestatização e movimentos pela redemocratização do País.
208
206
AMARAL, Roberto. A democracia representativa está morta; viva a democracia participativa. In:
GRAU, Eros Roberto; GUERRA FILHO, Willis Santiago (coord.). Direito Constitucional - estudos
em homenagem a Paulo Bonavides. 1. ed., 2. tiragem, São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 20.
207
BARBOSA, Mário da Costa. Planejamento e serviço social. 4. ed., São Paulo: Cortez Editora,
1991, p. 21.
208
DI GIUSEPPE, Diana. Operações Urbanas Consorciadas. In: Estatuto da cidade. FUNDAÇÃO
PREFEITO FARIA LIMA – CEPAM. Mariana Moreira (coord.). São Paulo, 2001, p. 378-379.
Portanto, somente a partir da cada de 1980, que se verifica o surgimento, no
Brasil, de uma severa crítica ao modelo estatal de planejamento do espaço urbano,
visto que o Estado, organizado e com capacidade de intervenção e realização de
investimentos, acaba sofrendo diversos abalos com a crise econômica e fiscal,
enfraquecendo os programas e projetos de planejamento e a própria atividade de
gestão do espaço urbano, caracterizado por intervenções autoritárias e de conteúdo
antipopular.
209
Assim, o surgimento de imensas diferenças entre as áreas centrais e
periféricas, combinadas com políticas urbanas e práticas de gestão pautadas no
clientelismo, resultou em diversos processos sócio-econômicos excludentes. Esta
visão clientelista dos programas de gestão urbanística, caracterizou a cidade como
um objeto puramente técnico, necessitando o estabelecimento de lei própria no
sentido de indicar padrões satisfatórios de atuação, bem como de meios e
instrumentos capazes de satisfazer a real necessidade de infra-estrutura e serviços,
modificando o modelo estatal de gestão urbana existente, e já exaurido no tempo.
210
Nesse cenário, refere Leal que a “escassez de recursos públicos destinados às
cidades ao longo de décadas vem acumulando um brutal déficit na oferta de infra-
estrutura e de serviços urbanos”. Além disso, as áreas que recebem melhoramentos
públicos de forma mais intensiva, indubitavelmente, são as áreas mais centrais, que
“supervalorizam-se pela enorme diferença de qualidade que oferecem face às áreas
periféricas”. A escassez de recursos públicos designados às cidades “provoca,
assim, a exacerbação da renda diferencial imobiliária, traduzida na ampliação da
diferença de preços de terrenos, de imóveis construídos e de seus aluguéis”.
211
Todos esses fatores têm sido alvo crescente da atenção de órgãos
governamentais, agências financiadoras, entidades da sociedade civil e
especialistas de diversas áreas do conhecimento, estimulando importantes
209
SOUZA, Marcelo Lopes de. Mudar a Cidade. Uma Introdução Crítica ao Planejamento e à Gestão
Urbanos. 2. ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003, p. 43.
210
SCHVARSBERG, Benny. Seminário Cidades FAU-UnB, sobre Política Nacional de
Desenvolvimento Urbano. Primeira palestra: O Estatuto da Cidade. (autor: Prof. Dr. Benny
Schvarsberg Diretor de Planejamento Urbano da Secretaria Nacional de Programas Urbanos).
Disponível em: <http://www.soeaa.org.br/60_soeaa/noticia_debates_01.htm>. Acesso em: 16 out.
2005.
211
LEAL, Rogério Gesta. A função social da propriedade e da cidade no Brasil: aspectos jurídicos e
políticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado; Santa Cruz do Sul: Edunisc.1998, p. 78.
articulações voltadas a uma revisão das políticas públicas destinas à cidade
e sua constitucional função social. Isto implica pensar uma gestão
democrática das cidades, um planejamento urbano ético, o direito à
cidadania, i.e., condições de vida urbana dignas para todos os cidadãos.
212
Diante desta crise e embalada pela popularidade do termo gestão, utilizado,
sobremaneira, na administração empresarial, verifica-se a ampliação da tendência
de substituição entre os termos planejar e gerir. Nas palavras de Souza:
Planejar é tentar simular os desdobramentos de um processo, com o
objetivo de melhor precaver-se contra prováveis problemas ou,
inversamente, com o fito de melhor tirar partido de prováveis benefícios (...)
gerir significa administrar uma situação dentro dos marcos dos recursos
presentemente disponíveis e tendo em vista as necessidades imediatas (...)
Longe de serem concorrentes ou intercambiáveis, planejamento e gestão
são distintos e complementares.
213
Diante disso, Bucci frisa o sentido e a importância do alcance da palavra
gestão, como compreendendo uma grande amplitude de responsabilidade de
coordenação e planejamento, implicando, a gestão democrática das cidades, na
participação dos cidadãos e habitantes nas funções de direção, controle e avaliação
das políticas públicas urbanas destinadas ao planejamento e regularização do
espaço urbano de suas cidades.
214
A partir deste foco conceitual, pode-se delinear que o desafio está,
primeiramente, em identificar os complexos problemas e as diversas demandas que
compõe o cotidiano urbano do Brasil e, posteriormente, buscar, através do emprego
equilibrado dos recursos e meios disponíveis, planejar, implementar e gerir os
processos e instrumentos de desenvolvimento e produção tanto do espaço urbano,
quanto do social.
No campo das políticas urbanas, destaca-se que os déficits e desigualdades
sócio-espaciais existentes no contexto brasileiro, bem como os processos de
exclusão e segregação territorial decorrem, como anteriormente disposto, dos traços
212
LEAL, Rogério Gesta. A função social da propriedade e da cidade no Brasil: aspectos jurídicos e
políticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado; Santa Cruz do Sul: Edunisc,1998, p. 78.
213
SOUZA, Marcelo Lopes de. Mudar a Cidade. Uma Introdução Crítica ao Planejamento e à Gestão
Urbanos. 2. ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003, p. 46.
214
BUCCI, Maria Paula Dallari. Gestão Democrática da Cidade. In: DALLARI, Adilson Abreu;
FERRAZ, Sérgio (coord.). Estatuto da cidade. 1. ed., São Paulo: Malheiros, 2002, p. 323.
históricos determinantes do processo de urbanização, bem como dos padrões de
atuação do Estado, que incluem, também, deixar à deriva os assentamentos
informais e periféricos existentes.
A gestão urbana eficiente impõe mais do que programas para assegurar
melhores condições de vida aos habitantes da cidade, mas também se configuram
em importante instrumento para a manutenção e sobrevivência de legados
históricos, artísticos e a salvaguarda de belezas naturais. Ao contrário de certos
casos, a ação urbanística incide, também, em áreas envelhecidas e deterioradas,
com o objetivo de renová-las, bem como criar condições para o desenvolvimento e
satisfação das funções básicas do ser humano.
215
Diante disso, as transformações ocorridas nas últimas décadas acabaram por
exigir um novo padrão de qualificação dos gestores público-urbanos. Com o
surgimento dos primeiros sinais de esgotamento das estratégias de sustentação do
crescimento econômico e dos processos de desenvolvimento, diante dos elevados
gastos por parte do Estado, a tendência da Administração Pública, em sobrepor os
seus atos ao consentimento do cidadão, ainda predominante no Brasil, é substituída
por novos modelos de gestão do interesse público, em que o papel da participação
dos habitantes das cidades é valorizado como colaborador, co-gestor, prestador e
fiscalizador das atividades da Administração Pública, como forma de democratização
da gestão e do planejamento urbano.
216
O grande desafio, pois, dos gestores público-urbanos está em dirimir os
conflitos de interesses, equilibrando as forças que tencionam a arena de disputas
das políticas públicas no cenário urbano. Neste sentido, o modelo político no qual
serão sustentadas as políticas públicas é que definirá o grau de comprometimento
com cada variável que integra a produção das cidades, as prioridades e a forma de
condução dos processos de planejamento e gestão das demandas existentes.
215
SÉGUIN, Elida. Estatuto da cidade: promessa de inclusão social, justiça social. Rio de Janeiro:
Forense, 2002, p. 51.
216
BRASIL. Estatuto da cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. Lei n. 10.257,
de 10 de julho de 2001, que estabelece diretrizes gerais da política urbana. Brasília: Câmara dos
Deputados, Coordenação de Publicações, 2001, p. 205.
Desta forma, neste novo quadro que se apresenta, a adoção de modelos
menos centralizados e rígidos de gestão e planejamento se torna não apenas uma
opção equilibrada de administração, mas, sobretudo, uma necessidade econômica e
política, tendo em vista a reduzida capacidade regulatória e de investimento dos
poderes públicos. O novo caminho a ser adotado aponta para a efetivação de uma
democracia participativa, no planejamento e na gestão, como forma alternativa à
submissão do agir administrativo unilateral do Estado.
217
A partir desta nova concepção, Leal coloca que, é no espaço da cidade,
quando constituído pela participação popular, que as responsabilidades de gestão
dos interesses comunitários, uma vez compartilhadas, devem resultar em políticas
públicas integradoras de inclusão social, fruto da articulação entre os interesses
públicos e privados, cujas bases filosóficas e operacionais devem ser pensadas e
executadas no conjunto destes interesses.
218
Para a efetivação de tais melhorias, é imprescindível, portanto, que se tenha
uma clara noção do que é participação, conceito muito deturpado por utilizações
inapropriadas, onde de real participação há muito pouco. Para fins de compreensão
de o que é participação no planejamento, primeiramente se faz necessário
compreender o que é planejamento. Neste sentido, segundo Souza, a essência do
planejamento, em especial o relacionado ao meio urbano, apesar de vir recebendo
inúmeras críticas, é uma atividade essencial, e
[...] deve assumir seu papel de direcionar esforços para fins que dizem
respeito a valores e expectativas que, sob um ângulo radicalmente
democrático, não podem ser definidos por uma instância técnica ou política
separada do restante da sociedade. Os fins têm de ser estabelecidos pelos
próprios envolvidos, cabendo aos intelectuais, no máximo, o papel de
contribuir para a sua discussão crítica.
219
Na perspectiva de Cardia, pode-se definir a participação como “um processo ao
longo do qual decisões são tomadas”, assim, a participação da população é tida
217
SOUZA, Marcelo Lopes de. Mudar a Cidade. Uma Introdução Crítica ao Planejamento e à Gestão
Pública. 2. ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003, p. 46.
218
LEAL, Rogério Gesta. Estado, Administração Pública e Sociedade: novos paradigmas. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 56.
219
SOUZA, op. cit., p. 37.
como a atuação desta no processo de planejar e, portanto, na tomada de
decisões.
220
Diante disso, a participação popular se torna importante instrumento de
legitimidade para a consolidação de políticas públicas urbanas, bem como se perfaz
em canal de legitimação de interesses e direitos não realizados ou implementados
pelo poder estatal. É, pois, por meio do diálogo “Estado-Sociedade”, que se verifica
a possibilidade de uma nova visão e interpretação do direito, mais aberta, justa e
consciente dos problemas sócio-urbanos, motivo por que a participação popular é
essencial para uma nova leitura e aplicação dos instrumentos urbanísticos e
jurídicos destinados à consecução da justiça social.
221
Como forma de resgate da participação popular, busca-se legitimar as ações
estatais através de mecanismos que garantam uma vinculação entre as decisões
políticas e a vontade da população. Para tanto, são inseridos nos ordenamentos
jurídicos, instrumentos para que o povo participe diretamente da formulação da
vontade governamental, efetivando-se, ao lado da gestão democrática da cidade, o
conceito de democracia participativa, definida, segundo ensinamento de Roberto
Amaral, como:
[...] um processo de construção gradual que não compreende o banimento
de todas as formas de representação, mas sua substituição por aqueles
instrumentos de participação popular que implicam intervenção do
governado na governança e seu controle sobre os governantes.
222
A democracia participativa, como requisito ao desenvolvimento de políticas
públicas urbanas, deve ser implementada pela conjunção de esforços entre o Estado
e a sociedade, do que se depreende que existe participação se o Estado viabiliza
os meios para sua efetivação, por meio de um processo educativo e de
conscientização gradativa que permita às camadas populacionais observar, em seu
220
CARDIA, Nancy das Graças. Planejadores e Participação da População no Planejamento
Habitacional. Tese de Mestrado. São Paulo: USP, 1981, p. 16.
221
COMPARATO, Fábio Konder. A organização constitucional da função planejadora. In: CAMARGO,
Ricardo Antônio Lucas. Desenvolvimento econômico e intervenção do Estado na ordem
constitucional. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1995, p. 87.
222
AMARAL, Roberto. A democracia representativa está morta; viva a democracia participativa. In:
GRAU, Eros Roberto; GUERRA FILHO, Willis Santiago (coord.). Direito Constitucional - estudos
em homenagem a Paulo Bonavides. 1. ed., 2. tiragem, São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 49.
entorno, suas necessidades e carências, bem como os instrumentos teóricos,
jurídicos e práticos para melhorar o espaço urbano em que se situam, fortalecendo a
participação política e democrática, como pleno exercício da cidadania.
223
Pretende-se, portanto, através da democracia participativa, atenuar o abismo
existente entre governantes e governados, retomando-se a concepção de que,
dentro de um regime democrático não há como se retirar a possibilidade da
sociedade participar diretamente do exercício do poder, já que é a própria sociedade
que detém a titularidade de tal poder. A expressão democracia participativa,
portanto, revela-se:
A democracia não é apenas uma forma de governo, uma modalidade de
Estado, um regime político, uma forma de vida. É um direito da Humanidade
(dos povos e dos cidadãos). Democracia e participação se exigem,
democracia participativa constitui uma tautologia virtuosa. o
democracia sem participação, sem povo. O regime será tanto mais
democrático quanto tenha desobstruído canais, obstáculos, óbices, à livre e
direta manifestação da vontade do cidadão.
224
O marco temporal desta transformação, como mencionado anteriormente, é a
década de 1980, quando se verifica a consecução de importantes conquistas para a
democracia, sobretudo no sentido de favorecer a presença da população nas
decisões da cidade. Primeiramente, o retorno das eleições diretas em 1985, e,
logo após, a promulgação da Constituição Federal de 1988, que fizeram com que os
conceitos participação e cidadania começassem a andar juntos. A luta pela
participação popular se torna uma importante conquista social através da nova
Constituição, visto que, segundo Nunes,
[...] num país onde o poder de decisão foi historicamente monopolizado
pelos representantes de uma elite econômica muito restrita, a participação
da população significa uma democratização desse poder.
225
223
BERGER, Maria Luiza Dias de Almeida. A democracia participativa e o papel dos atores sociais.
Sociais e Humanas, v. 5, dez./1990, Santa Maria, p. 30.
224
BONAVIDES, Paulo. Teoria constitucional da democracia participativa: por um direito
constitucional de luta e resistência; por uma nova hermenêutica; por uma repolitização da
legitimidade. 2. ed., São Paulo: Malheiros, 2003, p. 283.
225
NUNES, Débora. Por uma pedagogia da participação popular. In: Organizações e Sociedade. v. 6,
n. 16. Salvador: EAUFBA, 2006, p. 14.
A Constituição Federal de 1988 é, sem dúvida, o marco legal da
redemocratização, um avanço significativo para transformações na gestão das
cidades. Tem início uma nova forma de compreender as demandas urbanas dentro
de um contexto sócio-político e econômico, possuindo, como foco principal, a
questão social. De acordo com Soares e Gondim,
A própria Constituição de 1988 incorporou o princípio da participação
popular direta na administração pública e ampliou a cidadania política,
estabelecendo vários mecanismos de reforços à iniciativas populares.
226
Através do processo de redemocratização brasileiro, marcado, sobretudo, pela
ação coletiva de diferentes atores sociais que, em sua luta contra o autoritarismo,
buscaram limitar o poder do Estado, verifica-se a geração de potenciais
organizativos no terreno da sociedade civil e de alternativas de organização política.
Neste sentido, Dagnino ressalta que a experiência de construção democrática
brasileira caracteriza-se pela possibilidade de trânsito de projetos configurados no
interior da sociedade civil para o âmbito do Estado, endereçados à democratização
das políticas públicas, em especial aqueles destinados para serem aplicados na
esfera local.
227
O professor Ricardo Hermany, corroborando o referido entendimento, aduz
que:
As políticas públicas essenciais para o resgate das promessas da
modernidade são mais eficazes se discutidas e formadas a partir de um
amplo processo de engajamento dos atores sociais, numa relação dialética
entre Estado e sociedade que permita a consolidação de uma cidadania
governante.
228
Portanto, a participação popular, nos termos em que é concebida pela
Constituição Federal, pode, ou melhor, deve ter lugar em todos os níveis de
226
SOARES, José Arlindo; GONDIM, Linda. Novos modelos de gestão: lições que vêm do poder
local. In: SOARES, José Arlindo; BAVA, Silvio Caccia (orgs.). Os desafios da gestão municipal
democrática. São Paulo, Cortez, 1998, p. 75.
227
DAGNINO, Evelina. Sociedade Civil, Espaços Públicos e construção democrática no Brasil: limites
e possibilidades. In: DAGNINO, Evelina (Org.). Sociedade civil e espaços públicos no Brasil. São
Paulo: Paz e Terra, 2002, p. 287.
228
HERMANY, Ricardo. Direito social e poder local: possibilidades e perspectivas para a construção
de um novo paradigma de integração entre sociedade e espaço público estatal. Dissertação
(Programa de Pós-Graduação em Direito Internacional Público - Doutorado) - Universidade do Vale
do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2003, p. 296.
exercício do poder político, porém, é em nível local, por excelência, que ele tem seu
habitat natural, sobretudo porque é nas comunidades menores, que formam a
maioria dos municípios brasileiros, que se pode vislumbrar uma maior interação
entre a população e os governantes, sendo elemento incentivador e facilitador da
participação. Neste sentido, Mourão ensina que:
Como célula política da organização nacional, é no Município que se
apresentam as condições propícias à participação popular, não só pela
existência de uma relativa homogeneidade na composição de cada
comunidade local como pela maior possibilidade de identificação dos
interesses comuns e dos meios a serem utilizados para a sua realização.
229
Para Dowbor, a questão do poder local está emergindo rapidamente, tornando-
se uma das questões fundamentais da nossa organização como sociedade. Ao
destacar como local authority em inglês, communautés locales em francês, ou ainda
como espaço local, enfatiza, ainda, que o poder local está no centro do conjunto de
transformações que envolvem a descentralização, a desburocratização e a
participação, bem como as chamadas novas tecnologias urbanas, observando que:
No caso dos países subdesenvolvidos, a questão se reveste de particular
importância na medida em que o reforço do poder local permite, ainda que
não assegure, criar equilíbrios mais democráticos frente ao poder
absurdamente centralizado nas mãos das elites.
230
Roberto Amaral chega até mesmo a rotular o fortalecimento do poder local
como condição de existência da democracia, o que basta para demonstrar a
importância das regras sobre gestão democrática da cidade para a efetividade da
democracia participativa estabelecida pela Constituição Federal de 1988.
231
O conceito de participação popular aponta como elemento central e
fundamental, a participação da sociedade civil de forma organizada e não episódica.
Nesta perspectiva, Teixeira observa que a participação popular se distende para
além dos espaços institucionalizados e de relação com o Estado, referindo-se a um
229
MOURÃO, Laís de Almeida (coord). Gestão municipal democrática. São Paulo: FUNDAÇÃO
PREFEITO FARIA LIMA CEPAM. Unidade de Produção de Pareceres e Informações Jurídicas
– UPPIJ, 2001, p. 17.
230
DOWBOR, Ladislau. O que é poder local. São Paulo: Brasiliense S.A., 1999, p. 11.
231
AMARAL, Roberto. A democracia representativa está morta; viva a democracia participativa. In:
GRAU, Eros Roberto e GUERRA FILHO, Willis Santiago (coord.). Direito Constitucional - estudos
em homenagem a Paulo Bonavides. 1. ed., 2. tiragem, São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 52.
[...] processo complexo e contraditório de relação entre sociedade civil,
Estado e mercado, em que os papéis se definem pelo fortalecimento da
sociedade civil através da atuação organizada de indivíduos, grupos e
associações.
232
Tratando da participação popular, Callegari salienta que para se tornar efetiva,
faz-se necessário uma nova postura por parte dos governantes e um maior
envolvimento por parte da sociedade civil. Observa que, sobretudo no município, em
havendo motivação e vontade política, a proximidade física entre governantes e
governados favorece a participação, sendo que:
É fundamental, portanto, que todas essas considerações estejam presentes,
ao se procurar incentivar a participação. Mas não em termos de
mobilização para trabalhos específicos ou manifestações eventuais, quando
um esforço concentrado pode viabilizar o intento; mais importante é o que o
interesse de participar seja mantido vivo permanentemente e, nesse
sentido, um dos caminhos é o da criação e institucionalização de
mecanismos facilitando o acesso às informações que embasam as decisões
e aos controles sobre a execução do que é decidido.
233
Diante destas considerações, questiona-se se possibilidade de se efetuar
essa integração entre governo e governados. Em seu parecer, Cardia afirma, de
modo claro e absoluto, de que “a relação de poder entre os planejadores e a
população de baixa renda, mascarada nas entrevistas, nas oposições técnico/leigo
ou saber/vivência, permite constatar a inviabilidade da participação da população de
baixa renda no processo de planejamento habitacional”. Observa, ainda, que esta
discrepância existente entre o modo como os planejadores e técnicos percebem a
população de baixa renda e o conceito de participação, torna-se uma barreira
intransponível à participação popular no âmbito de seu trabalho, consolidada na
premícia de que somente uma dissolução de poder, abriria espaço para uma “real”
participação dessa população.
234
Para Cunill-Grau, a participação se afirma como importante instrumento para o
aprofundamento da democracia e para a reivindicação de democracia participativa,
complementando os mecanismos de representação. A recuperação de figuras da
232
TEIXEIRA, Elenaldo. Sociedade civil e participação cidadã no poder local. Salvador: UFBA, 2000,
p. 46.
233
CALLEGARI, Newton. Pensar o Município. São Paulo: CEPAM, 1993, p. 35-36.
234
CARDIA, Nancy das Graças. Planejadores e Participação da População no Planejamento
Habitacional. Tese de Mestrado. São Paulo: USP, 1981, p. 98.
democracia direta, a participação cidadã na formulação de políticas e decisões
estatais e a possibilidade de deliberação pública constituem os conteúdos evocados
na noção de democracia participativa. A participação popular, concebida nos marcos
da noção de democracia participativa, remete ao fortalecimento e à democratização
da sociedade e do Estado, assim como à redefinição das relações entre Estado e
sociedade. Ao delimitar o conceito de participação popular, a autora aduz que:
[...] se refere à participação política, embora se afaste dela por pelo menos
dois sentidos: abstrai tanto a participação em partidos políticos como a que
o cidadão exerce quando elege representantes.
235
De fato, para Rolnik e Pinheiro, democratizar as decisões é fundamental para
transformar o planejamento da ação municipal em trabalho compartilhado entre os
cidadãos e, sobretudo, como compromisso assumido pelos cidadãos, bem como
para assegurar que todos se sintam responsáveis e responsabilizados, no processo
de construir e implementar as políticas urbanas necessárias para solucionar os
problemas e demandas existentes, assim como efetivar os princípios definidores da
política urbana, estampados no Estatuto da Cidade.
236
É difícil acreditar, conforme vem defendendo a maioria das administrações
públicas brasileiras, que a participação seja a peça chave para a solução de todos
os problemas urbanos. Porém, o grande desafio está no comprometimento das
atuais gestões em proporcionar, a todos os cidadãos, o direito de participar, através
de forma direta e representativa, no controle e planejamento de sua cidade,
priorizando o fortalecimento, transparência e eficácia, pois
[...] quando se pensa a participação num sentido mais profundo, de partilha
de poder envolvendo a formulação e a implementação de políticas blicas,
torna-se essencial buscar mecanismos capazes de institucionalizar os
processos participativos, de modo a assegurar-lhes continuidade e
eficácia.
237
235
CUNNIL-GRAU, Nuria. Repensando o público através da sociedade: novas formas de gestão
pública e representação social. Rio de Janeiro: Revan; Brasília: ENAP, 1998, p. 81.
236
ROLNIK, Raquel; PINHEIRO, Otilie. Plano Diretor participativo: Guia para elaboração pelos
Municípios e cidadãos. Brasília: Ministério das Cidades: Confea, 2005, p. 14.
237
SOARES, José Arlindo; GONDIM, Linda. Novos modelos de gestão: lições que vêm do poder
local. In: SOARES, José Arlindo; BAVA, Silvio Caccia (orgs.). Os desafios da gestão municipal
democrática. São Paulo: Cortez, 1998, p. 84.
Diante disso, a questão da publicização de políticas públicas de planejamento e
gestão do espaço urbano das cidades é outro fator de grande relevância, pois leva a
discussão ao conhecimento dos cidadãos comuns, assim como a possibilidade de
participar efetivamente das decisões, elaborando propostas alternativas. Também
“não se vai imaginar que, de uma hora para outra, todos os cidadãos (ou, pelo
menos, todos aqueles interessados) irão se munir de conhecimentos técnicos de
planejamento urbano e administração pública”.
238
Democratizar o poder local implementando políticas sociais no âmbito dos
municípios pode gerar possibilidades inovadoras na gestão pública com o
aprofundamento e consolidação da democracia em nosso país. “Por meio das
políticas sociais, é possível alterar a distribuição de poder na sociedade,
transformando privilégios em direitos, direitos em princípios, ou seja, em direitos na
prática”.
239
Na visão de Matus é importante “traçar, antecipadamente, o rumo das ações a
ser empreendidas hoje”. Não devemos esperar que chegue o amanhã, ou
acabaremos agindo tardiamente ao enfrentar problemas criados e podemos
acabar perdendo grandes oportunidades por não ter como enfrentá-las.
240
Dessa
forma, as esferas públicas de participação popular devem possuir como escopo
programas e projetos sociais com o intuito de favorecer as camadas mais
desfavorecidas. Também necessidade dos municípios constituírem um
verdadeiro sistema de gestão democrática das cidades através do planejamento e
da constituição de esferas públicas municipais, com a efetiva participação popular e
poder de decisão da comunidade sobre a aplicação dos recursos públicos.
Destacados, inicialmente, alguns aspectos da gestão urbana no Brasil, os quais
acabaram levando ao exaurimento do modelo estatal de gestão e planejamento do
espaço urbano até então existente, bem como ao início da discussão a respeito da
238
SOUZA, Marcelo Lopes de. Mudar a cidade: uma introdução crítica ao planejamento e à gestão
urbanos. 4. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006, p. 419.
239
FLEURY, Sonia. Políticas sociais e democratização do poder local. In: VERGARA, S. C.;
CORRÊA, V. L. A. de (org.). Propostas para uma gestão pública municipal efetiva. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2004, p. 91.
240
MATUS, Carlos. Adeus, senhor presidente, governantes, governados. São Paulo: Edições Fundap,
1997, p. 43.
democratização da gestão urbana, sobretudo a partir da importância da participação
popular, pretende-se, na parte final deste capítulo, demonstrar, através de uma
avaliação exemplificativa das operações urbanas consorciadas, sua importância
como instrumento de participação popular na gestão e regularização do espaço
urbano no Brasil, para tanto, será realizado um breve estudo sobre os principais
aspectos do seu surgimento, suas características, conceito e natureza jurídica, bem
como uma análise das primeiras experiências implementadas no Brasil.
3.2 Uma avaliação exemplificativa das Operações Urbanas Consorciadas como
instrumentos de participação popular na gestão e regularização do espaço
urbano no Brasil
No capítulo anterior, quando analisados os principais aspectos do
desenvolvimento urbano e os marcos da formação do espaço urbano no Brasil,
constatou-se que as formas de ilegalidade nas cidades são, atualmente, cada vez
mais freqüentes, conseqüência do processo de segregação espacial e exclusão
social que tem caracterizado o desenvolvimento urbano nas cidades brasileiras.
Como forma de sobrevivência, um número cada vez maior de pessoas
descumpre a legislação existente, para ter um lugar nas cidades, vivendo em
condições precárias ou mesmo insalubres e perigosas, geralmente em áreas
desprovidas de infra-estrutura urbana adequada. Como observa Edésio Fernandes,
se consideradas tais formas de acesso ao solo urbano e de produção da moradia,
entre 40 e 70% da população urbana das grandes cidades dos países em
desenvolvimento, neles se incluindo o Brasil, estão vivendo ilegalmente.
241
A inversão da ocupação da população do campo para a cidade, o desenfreado
crescimento das cidades, a desordenada ocupação do espaço urbano, a
implantação de programas de ordenamento e planejamento urbanos desastrosos e a
falta de uma política urbana de cunho social, resultaram no surgimento de uma
241
FERNANDES, Edésio. Do digo Civil de 1916 ao Estatuto da Cidade: algumas notas sobre a
trajetória do Direito Urbanístico no Brasil. In: MATTOS, Liana Portilho (Org.). Estatuto da Cidade
Comentado (Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001). Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 49.
imensa gama de problemas e demandas de ordem urbana, trazendo conseqüências
catastróficas em face da inexistência de uma infra-estrutura urbana.
Na mesma proporção, a proliferação de favelas e loteamentos irregulares é
uma das conseqüências mais desastrosas no processo de exclusão cio-espacial
que tem caracterizado o crescimento urbano em nosso país. Os dados coletados
pelo Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE
242
,
de 2000, indicam que, entre os anos de 1991 e 2000, o número de favelas teria
aumentado 22% em todo o Brasil, tendo sido encontradas favelas em 27,6% dos
municípios brasileiros. Em 56,6% dos municípios com população entre 50 mil e 100
mil habitantes existem favelas, o mesmo acontecendo em 79,9% daquelas com
população entre 100 mil e 500 mil habitantes e na totalidade dos municípios com
população superior a 500 mil habitantes.
243
Em seu estudo sobre as alternativas para a crise urbana, Maricato revela que a
população estimada morando em favelas, em algumas cidades brasileiras seria de:
Rio de Janeiro, 20%; São Paulo, 22%; Belo Horizonte, 20%; Goiânia, 13,3%;
Salvador, 30%; Recife, 46%; e Fortaleza, 31%. que se ater, também, que o
número de favelas não esgota a ilegalidade quanto à ocupação irregular do solo, na
qual temos que somar o universo dos loteamentos ilegais, que se multiplicam devido
a inexistência de fiscalização e de uma legislação urbana detalhista e abundante.
244
Aparentemente, o número de problemas urbanos no Brasil é infinito, podendo
ser elencadas outros tantos associadas às grandes cidades, como a pobreza, a
segregação espacial e a degradação ambiental. Souza observa, neste contexto, que
o Estado, juntamente com o setor imobiliário, investe diferencialmente nas áreas
residenciais da cidade, estabelecendo estímulos e zoneamentos que consolidam a
segregação, resultando na chamada fragmentação sócio-político-espacial”, que
seria um aumento de disparidades sociais, encarada como uma conseqüência da
242
BRASIL. Censo Demográfico 2000: Banco de dados agregados do IBGE. Disponível em:
<http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/c2000/default.asp>. Acesso em: 18 jul. 2006.
243
BRASIL. Estatuto da cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. Lei n. 10.257,
de 10 de julho de 2001, que estabelece diretrizes gerais da política urbana. Brasília: Câmara dos
Deputados, Coordenação de Publicações, 2001, p. 23.
244
MARICATO, Ermínia. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. Petrópolis, RJ: Vozes,
2001, p. 38.
globalização econômico-financeira, a qual gera riqueza, cada vez mais concentrada
para poucos, e pobreza para muitos.
245
Ainda, os espaços públicos existentes têm sido associados a locais
desprotegidos e perigosos, tornando-se, aos poucos, menos freqüentados, ao
mesmo passo que os estabelecimentos comerciais e industriais vão se concentrando
em lugares considerados mais seguros e confortáveis, agravando, dessa forma, a
segregação espacial.
Diante disso, a adoção de novos instrumentos de política urbana para as
cidades, como as operações de parceria entre o Poder Público e a iniciativa privada,
está, certamente, vinculada ao surgimento de um novo modo de pensar e agir sobre
o espaço urbano, principalmente junto às gestões municipais. Diana Teresa Di
Giuseppe destaca, como referido anteriormente, que este fato se deve, seja pelo
esgotamento dos modelos de gestão e planejamento urbanos existentes, seja pelo
escasseamento de recursos financeiros para viabilizar obras urbanas, ou pela
combinação dessas duas circunstâncias.
246
Como prosseguimento do estudo, no sentido de realizar uma avaliação
exemplificativa das Operações Urbanas Consorciadas como instrumentos de
participação popular na gestão e regularização do espaço urbano no Brasil, o
primeiro item subseqüente apresenta um breve resgate dos principais aspectos que
caracterizaram o surgimento das Operações Urbanas Consorciadas.
3.2.1 Principais aspectos do surgimento das Operações Urbanas Consorciadas
O Direito Urbanístico brasileiro, já a partir dos anos 1980, demandava a criação
de um novo instrumento que pudesse solucionar questões que afetavam o
reordenamento e planejamento do espaço urbano, sobretudo por causa de quatro
245
SOUZA, Marcelo Lopes de. Problemas urbanos e conflitos sociais. In: SOUZA, Marcelo Lopes de.
ABC do Desenvolvimento Urbano. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003, p. 81-91.
246
DI GIUSEPPE, Diana Teresa. A crise do planejamento urbano: uma experiência alternativa em
São Paulo (o caso dos Núcleos Regionais de Planejamento). São Paulo: FGV/ Escola de
Administração de Empresas de São Paulo, 1998. (Dissertação de mestrado em Administração
Pública).
aspectos: a falta de recursos públicos para realizar investimentos de transformação
urbanística das áreas, a convicção de que investimentos públicos geram valorização
imobiliária que pode ser captada pelo Poder Público, a convicção de que o controle
do potencial construtivo era a grande “moeda” que o Poder Público poderia contar
para entrar na operação e a crítica às estratégias correntes de controle de uso e
ocupação do solo e de sua incapacidade de promover o urbanismo.
247
Diante disso, segundo Maricato e Ferreira, o consenso em torno da aplicação
das Operações Urbanas Consorciadas se deve à aceitação que vem ganhando a
idéia de se efetivar parcerias entre o Poder Público e os diferentes agentes sociais
na gestão da cidade, como forma de superação das dificuldades que o Estado
enfrenta. Tanto a idéia da parceria público-privada, como do próprio instrumento da
Operação Urbana, não são originários do Brasil.
248
Historicamente, a concepção de introduzir as Operações Urbanas como
instrumentos urbanísticos possui duas matrizes, uma de origem européia e outra
norte-americana. No caso europeu, a legislação francesa instituiu, em 1967, as
Zones D´Ámenagement Concertée ZAC, que foram pioneiras como marco
regulatório na criação e estruturação de projetos destinados à renovação de antigas
áreas não mais utilizadas, bem como para a implantação de grandes equipamentos
urbanísticos e sociais. Na avaliação de Maricato e Ferreira,
As ZAC’s atingem diretamente a estrutura fundiária das áreas afetadas. O
Estado adquire as terras em áreas “degradadas” (por direito de preempção
ou por simples desapropriação), faz as melhorias de infra-estrutura, e
decide o uso para cada lote resultante de sua intervenção, realizando
inclusive o projeto arquitetônico do edifício a ser construído no local, em
alguns casos. Vende as áreas e os projetos destinados a equipamentos
públicos aos respectivos órgãos responsáveis (Ministério da Educação para
as escolas, da Saúde para hospitais, Setor de Parques para praças etc.), e
as áreas destinadas a escritórios e outros estabelecimentos comerciais
(também com os projetos prontos) à iniciativa privada. Cobrando desta
última, a plus-valia produzida pela valorização da intervenção, consegue
247
BRASIL. Estatuto da cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. Lei n. 10.257,
de 10 de julho de 2001, que estabelece diretrizes gerais da política urbana. Brasília: Câmara dos
Deputados, Coordenação de Publicações, 2001, p. 80.
248
MARICATO, Ermínia; FERREIRA, João Sette Whitaker. Operação urbana consorciada:
diversificação urbanística participativa ou aprofundamento da desigualdade?. In: OSÓRIO, Letícia
Marques (org.) Estatuto da Cidade e Reforma Urbana, novas perspectivas para as cidades
brasileiras. Porto Alegre: Sergio Fabris Editora, 2002, p. 237.
recursos para amortizar financeiramente a operação como um todo e
garantir a oferta de moradias.
249
O que se verifica é que, com a globalização e a reestruturação econômica do
início dos anos 1980, um redimensionamento das atividades econômicas,
fazendo com que antigas zonas industriais, ocupadas com infra-estruturas que
davam suporte a essas atividades, acabaram perdendo, ou mesmo reduzindo sua
função, e, devido a sua localização, acabem se consolidando como áreas para
grandes projetos de reestruturação urbana pelo Poder Público em conjunto com
diversos setores da iniciativa privada. Neste sentido, verifica-se que:
na década de 70, inicia-se na Europa e nos EUA um processo paulatino
de déficit de arrecadação do Estado, devido a problemas como o aumento
do desemprego, o alto custo de manutenção do Estado-Providência e a
crise fiscal, todos relacionados com as transformações paradigmáticas
geradas pela reestruturação produtiva e o esgotamento do modelo fordista-
taylorista. Por essa razão, ganharam força políticas visando a uma co-
responsabilização da gestão das cidades por todos os agentes participantes
da produção do espaço urbano.
(...)
Outro fato que alimentou a recepção bem sucedida da proposta de
operações urbanas esna possibilidade desta representar uma alternativa
para as amarras da legislação modernista/funcionalista, uma possibilidade
de flexibilização da legislação contra esse “engessamento”. Regras que
pretendiam dar conta da normatização do uso do solo em instrumentos de
indução comentários urbanísticos todo o território urbano, desconhecendo,
freqüentemente, especificidades espaciais, sociais e ambientais, foram
perdendo paulatinamente prestígio.
250
Dentre os exemplos europeus, com a exceção da operação de Docklands, em
Londres, cuja primordial intenção era proceder ao redesenho de boa parte da área
portuária, através de investimentos estritamente privados, a mesma acabou não se
sustentando, sendo necessário a mobilização de investimentos públicos, a grande
maioria dos projetos de renovação urbana realizados através da implementação das
operações urbanas consorciadas, teve o financiamento, basicamente, de recursos
públicos, contrariando as diretrizes no sentido da co-participação da iniciativa
privada, bem como dos agentes participantes da produção do espaço urbano, como
forma de co-responsabilização na gestão das cidades.
249
MARICATO, Ermínia; FERREIRA, João Sette Whitaker. Operação urbana consorciada:
diversificação urbanística participativa ou aprofundamento da desigualdade?. In: OSÓRIO, Letícia
Marques (org.) Estatuto da Cidade e Reforma Urbana, novas perspectivas para as cidades
brasileiras. Porto Alegre: Sergio Fabris Editora, 2002, p. 238.
250
Ibidem, p. 239.
No caso norte-americano, a participação do capital privado sempre foi mais
intensa, visto que as operações norte americanas, pós a cada de 1970, além de
terem por escopo o redesenho das cidades, foram formuladas no bojo da crise dos
programas de renovação urbana, marcados pela demolição em massa de bairros
antigos e sua substituição por vias de tráfego intenso e arranha-céus. Segundo
Altshuler e Gomez-Ibañez, estes programas começaram a sofrer enorme resistência
e crítica por parte dos habitantes destas localidades, que pressionavam no sentido
de serem respeitados os espaços urbanos existentes, bem como da necessidade de
que os projetos fossem mais discutidos com as comunidades interessadas. Desta
matriz, surgiram os community rehabilitation programs (Community Development
Block Grant e Community Development Corporations), assim como uma série
crescente de exigências no sentido de que fossem implementadas contrapartidas de
ordem social diante dos grandes empreendimentos realizados.
251
Apesar das críticas, exemplos como as renovações do bairro portuário de Fells
Point, em Baltimore, ou do Píer 17 em Nova York, ambas nos EUA, são tidas pelos
especialistas como exemplos de sucesso de Operações Consorciadas, visto que, em
ambos os casos, as diretrizes das intervenções objetivaram a revitalização de áreas
“degradadas”, valorizando o uso do porto, alavancando oportunidades econômicas,
sobretudo voltadas para o turismo e o lazer, e permitindo uma melhor ocupação da
área, resultando na criação de espaços públicos centrais bastante dinâmicos e
relativamente populares, guardados os desvirtuamentos estruturais inerentes ao
capitalismo.
252
Em ambos os casos, o desafio estava em promover uma reutilização de
algumas áreas da cidade que não possuíam mais uma função específica, diante do
seu esvaziamento decorrente de processos de reconversão da cidade, sobretudo
como conseqüência da mudança dos fluxos de produção e capital privado, bem
como para fazer frente às transformações urbanísticas necessárias, mas que, devido
251
ALTSCHULER, Alan; GOMEZ-IBAÑEZ, José. Regulation for Revenue. Cambridge: Lincoln
Institute of Land Policy/ The Brookings Institution, 1993. In: BRASIL. Estatuto da cidade: guia para
implementação pelos municípios e cidadãos. Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001, que
estabelece diretrizes gerais da política urbana. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de
Publicações, 2001, p. 79.
252
MURICY, Cláudia. Operações Urbanas: Como você avalia a realização das articulações blico-
privadas no Brasil?. In: Cadernos de Urbanismo. Rio de Janeiro, n.3, nov. 2000, p.15-21.
à crise fiscal e reforma do Estado, restringiram a capacidade de investimento do
Poder Público a partir da década de 1970.
253
Em que pese a existência, nas cidades brasileiras, de áreas que necessitem de
uma readequação de suas funções, a transposição dessas experiências européias
ou norte-americanas, para o caso brasileiro o é automática, sobretudo porque,
conforme já estudado no item anterior, a maioria das políticas públicas, associadas à
iniciativa privada, acabam visando uma dinamização do mercado imobiliário,
revitalizando, fatalmente, uma região que atinge somente parte da sociedade. Isto
não significa que as Operações Urbanas Consorciadas não possam, nem devam
existir no Brasil, devem, porém, cumprir seu papel como instrumento gerador de
alguma democratização do espaço urbano.
Para tanto, Maricato e Ferreira
254
observam que a comparação com os modelos
de Operação Consorciada europeus deve ser feita com extrema cautela, apesar da
concordância, de experientes urbanistas paulistas, de que, quando se iniciaram as
discussões sobre as Operações Urbanas Consorciadas no Brasil, o exemplo francês
das ZACs Zônes d’Aménagement Concerté, tiveram alguma influência. Porém,
existem diferenças enormes, e hoje dificilmente alguma comparação pode ser feita,
sobretudo porque tais instrumentos envolvem um mercado que é muito mais
includente do que o nosso, bem como, historicamente, possuem uma longa tradição
política e de integração social, o que possibilita um efetivo engajamento da
sociedade civil organizada nesses processos.
Neste sentido, são enormes as diferenças na qual se insere o instrumento das
Operações Urbanas Consorciadas na realidade brasileira, especialmente quanto à
participação da sociedade civil organizada, que ainda é muito pequena, mesmo na
experiência dos orçamentos participativos. O que se verifica é que o Estado, como
ocorre historicamente, acaba servindo aos interesses das classes dominantes, e a
253
BRASIL. Estatuto da cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. Lei n. 10.257,
de 10 de julho de 2001, que estabelece diretrizes gerais da política urbana. Brasília: Câmara dos
Deputados, Coordenação de Publicações, 2001, p. 78.
254
MARICATO, Ermínia; FERREIRA, João Sette Whitaker. Operação urbana consorciada:
diversificação urbanística participativa ou aprofundamento da desigualdade?. In: OSÓRIO, Letícia
Marques (org.) Estatuto da Cidade e Reforma Urbana, novas perspectivas para as cidades
brasileiras. Porto Alegre: Sergio Fabris Editora, 2002, p. 240.
maioria das leis, e não haveria de ser diferente com a das Operações Urbanas
Consorciadas, tendem a responder aos interesses específicos dos dominantes e não
a considerar as demandas generalizadas da sociedade. Outra grande diferença,
segundo Maricato, está na tradição de investimento social da iniciativa privada,
especialmente o americano, enquanto que no Brasil a tradição é contrária, visto que
são os recursos públicos que sustentaram e continuam sustentando a atividade
empresarial privada.
255
Apesar dessas advertências e tomando a devida cautela contra importação de
modelos, a comparação entre as realidades norte-americana, européia e latino-
americana pode ser útil para a avaliação dos problemas e potencialidades que as
Operações Urbanas Consorciadas podem eventualmente apresentar. Assim, mesmo
entre Estados Unidos e Europa pode haver importantes diferenças nos modos de
aplicação das Operações Urbanas Consorciadas, conforme o Estado mantenha
maior ou menor grau de interferência no processo.
Por mais que essa perspectiva pessimista possa ser amenizada com o avanço
da organização da sociedade civil, de se ressaltar que se faz necessária uma
mudança mais efetiva desse quadro, especialmente através de uma profunda
reviravolta na própria estrutura social, política e econômica da nossa sociedade.
Realizado um breve estudo sobre os principais aspectos do surgimento das
Operações Urbanas Consorciadas, sobretudo através dos modelos europeus e
norte-americano, necessário se faz, para sua melhor compreensão, determinar suas
características, conceito e natureza jurídica dentro da legislação brasileira.
3.2.2 Características, conceito e natureza jurídica das Operações Urbanas
Consorciadas
Diante do objetivo da presente pesquisa, qual seja, a realização de um estudo
exemplificativo das Operações Urbanas Consorciadas como instrumentos de
255
MARICATO, Ermínia; FERREIRA, João Sette Whitaker. Operação urbana consorciada:
diversificação urbanística participativa ou aprofundamento da desigualdade?. In: OSÓRIO, Letícia
Marques (org.) Estatuto da Cidade e Reforma Urbana, novas perspectivas para as cidades
brasileiras. Porto Alegre: Sergio Fabris Editora, 2002, p. 242.
participação popular na gestão e regularização do espaço urbano no Brasil,
necessário destacar as principais características existentes na legislação brasileira
sobre este instituto, seu conceito, natureza jurídica e a importância da sua utilização
na ordenação da cidade, sobretudo para a consecução de projetos e programas de
desenvolvimento e planejamento urbanístico nas cidades brasileiras.
Inicialmente, o artigo do Estatuto da Cidade contempla os instrumentos da
política urbana que visam ao atendimento da função social da propriedade urbana.
Dentre esses instrumentos, encontra-se, no inciso V, letra “p”, as operações urbanas
consorciadas, que, segundo Francisco, são um conjunto de ações entre os Poder
Público e a iniciativa privada que têm em vista possibilitar o desenvolvimento de uma
determinada área do município, mediante a conjugação de esforços para que a
mencionada área venha a ter as conformações e características almejadas pelo
plano urbanístico municipal.
256
No mesmo sentido, Adílson de Abreu Dallari esclarece que “mais importante,
porém, é destacar a instrumentalização da atuação do Poder Público em matéria
urbanística. Ou seja, a institucionalização de um conjunto de meios e instrumentos
expressamente vocacionados para a intervenção urbanística, possibilitando ao
Poder Público uma atuação vigorosa e concreta nesse setor”.
257
O caput do artigo 32 do Estatuto da Cidade determina que somente através de
lei municipal específica, baseada no Plano Diretor, é que serão delimitadas as áreas
nas quais poderão ser implementadas as Operações Urbanas Consorciadas, bem
como o § 1° conceitua-o nos seguintes termos:
Art. 32. [...]
§ . Considera-se operação urbana consorciada o co njunto de
intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público Municipal, com a
participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e
investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área
transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização
ambiental.
256
FRANCISCO, Caramuru Afonso. Estatuto da Cidade comentado. São Paulo: Editora Juarez de
Oliveira, 2001, pg. 214.
257
DALLARI, Adilson Abreu. Instrumentos da Política Urbana. In: DALLARI, Adílson Abreu; FERRAZ,
Sérgio. Estatuto da Cidade (Comentários a Lei 10.257/2001). 2. ed., São Pa ulo: Malheiros,
2006, p. 71-86.
Portanto, o primeiro aspecto a ser destacado neste instrumento urbanístico é
que o mesmo deva ser implementado sobre uma área, ou território do município
demarcado, previamente delimitado em lei municipal específica, segundo as
diretrizes do Plano Diretor, definindo sobre este, um projeto de estrutura fundiária,
um potencial imobiliário, em que as formas de ocupação do solo e a distribuição dos
usos sejam distintas daquelas atualmente vigentes.
Apesar de utilizada em várias cidades brasileiras, a compreensão do termo
“operações urbanas consorciadas” nunca foi objeto de consenso entre os urbanistas
e planejadores brasileiros. Alguns entendem que o termo genérico “operação
urbana” denota qualquer intervenção pública urbanizadora, como a implementação
de um novo conjunto residencial ou a urbanização de favelas; outros, que se refere,
também, à aplicação de instrumentos normativos no sentido de possibilitar a
alteração de índices e parâmetros urbanísticos em certa zona ou área urbana,
viabilizando, desta forma, a consecução de determinados objetivos.
Um aspecto importante para definir a Operação Urbana Consorciada relaciona-
se aos seus objetivos, isto porque, segundo Paulo José Villela Lomar, o conceito de
Operações Urbanas pode englobar diversas atividades. A título de exemplificação,
as Operações Urbanas Integradas possuíam como objetivo a aquisição de áreas
para a urbanização; as Operações Urbanas Controladas, relacionavam-se às
medidas a serem tomadas pelo Poder Público para evitar que a população carente
fosse expulsa pela valorização da área; e a Operação Urbana Interligada previa a
alteração do índice urbanístico como forma de incentivo a desfavelização. Assim, o
núcleo para a definição das referidas Operações Urbanas é justamente a
transformação urbanística estrutural, melhorias sociais e a valorização ambiental.
258
A acepção contemplada no artigo 32, § 1°, do Estatu to da Cidade, consiste em
considerar a operação urbana consorciada como um tipo especial de intervenção
urbanística, através da iniciativa privada ou pública, voltada para a transformação
estrutural do ambiente urbano existente e que envolve, alternativa ou
258
LOMAR, Paulo José Villela; Operação Urbana Consorciada. In: DALLARI, Adílson Abreu;
FERRAZ, Sérgio. Estatuto da Cidade (Comentários a Lei 10.257/2001). 2. ed., o Pa ulo:
Malheiros, 2006, p. 251.
simultaneamente, a combinação de capital de investimento público e privado, a partir
da modificação ou do redesenho da estrutura espacial existente, bem como do
manejo e da apropriação dos direitos de uso e edificação do solo e das obrigações
privadas de urbanização.
Em resumo, o objetivo geral da operação urbana é promover a recuperação de
ambientes degradados e a adequação da infra-estrutura, edificações, instrumentos e
serviços urbanos às inovações tecnológicas dentro da perspectiva de adaptação das
cidades aos atuais processos de transformação social e econômica.
259
Ocupa-se, assim, de promover um plano de reconstrução e redesenho da
estrutura urbanística, econômica e social de um setor específico da cidade,
selecionado pelo Plano Diretor, segundo os objetivos gerais da política urbana nele
definidas. Através das operações urbanas consorciadas se procura articular um
conjunto de programas e intervenções infra-estruturais, coordenadas pelo Poder
Público municipal, devidamente definidas em lei, com a finalidade de promover a
preservação, recuperação ou transformação de áreas urbanas.
Para Macruz e outros é oportuno invocar algumas diretrizes fixadas no Estatuto
da Cidade que se vinculam às operações urbanas consorciadas, dentre elas a
constante no inciso III do artigo 2° que apregoa a cooperação entre os governos, a
iniciativa privada e os demais setores da sociedade no processo de urbanização, em
atendimento ao interesse social, bem como as previstas no inciso VI, letras “f” e “g”,
com o intuito de ordenar e controlar o uso do solo, de forma a evitar a deterioração
das áreas urbanizadas e a poluição e a degradação ambiental.
260
Tendo em vista ser uma de suas finalidades a valorização ambiental, evitando
a deterioração, poluição e degradação destas áreas, as operações urbanas
consorciadas exigem, para sua implementação, conforme prevê o Estatuto da
Cidade, a realização de audiência pública entre o Poder Público e da população
259
MOREIRA, Ana Luísa Nogueira; ARAÚJO, Marinella Machado. Operações Urbanas Consorciadas
no Estatuto da Cidade. Disponível em: <http://www.conpedi.org/manaus/arquivos/anais/campos/
marinella_machado_araujo-2.pdf>. Acesso em: 19 set 2007.
260
MACRUZ, João Carlos; MACRUZ, José Carlos; MOREIRA, Mariana. O Estatuto da Cidade e seus
instrumentos urbanísticos. São Paulo: LTr, 2002, pg. 107.
diretamente interessada (art. 2º, XIII), vez que as atividades a serem desenvolvidas
numa iniciativa como esta, inevitavelmente têm efeitos sobre o meio ambiente
natural ou construído, gerando transformações urbanísticas, estruturais, ou seja,
uma profunda mudança no espaço urbano, dando lhe o cunho de instrumento de
atuação-ação-gestão democrática da cidade.
Caracteriza-se, primeiramente, pela concentração de esforços no sentido de
que uma determinada área do município alcance as conformações idealizadas pelo
plano urbanístico municipal, exigindo, para tanto, a contrapartida de proprietários,
usuários permanentes e investidores privados. É a medida mais adequada para a
realização da política urbana reformadora ou corretiva, devendo ser um instrumento
urbanístico de grande utilização diante do quadro que se encontra o
desenvolvimento e planejamento das cidades brasileiras.
Diante destas disposições, podemos, resumidamente, utilizarmos o conceito
proferido por Flores e Santos para definirmos as operações urbanas consorciadas:
Pode-se, por fim, conceituar operações urbanas consorciadas como um
conjunto de providências coordenadas pelo Poder Público Municipal,
através do Plano Diretor e de legislação específica, com a participação
imprescindível dos proprietários, moradores e investidores privados, visando
atingir ao interesse público, o qual se consubstancia na melhoria da
ocupação do solo urbano e na valorização de determinadas áreas da
cidade.
261
Tratadista do assunto, Nelson Saule Junior na obra Novas Perspectivas do
Direito Urbanístico Brasileiro, assim pontifica:
A Operação Urbana é compreendida como um conjunto integrado de
intervenção e medidas a ser coordenadas pelo Poder Público, com a
participação de recursos da iniciativa privada. A lei específica da operação
urbana deverá fixar um estoque de área edificável específico para a região,
independente daquele definido para a zona onde será executada a obra. No
caso de existência de população de baixa renda residente na região, a
operação urbana deve definir uma área para a construção de habitações de
interesse social destinada à essa população. Essa medida visa evitar a
ocorrência de lesão ao direito à moradia dessa população, de modo que
261
FLORES, Patrícia Teixeira de Rezende; SANTOS, Bernadete Schleder dos. Comentários ao
estatuto da cidade. Rio de Janeiro: AIDE Editora, 2002, pg. 105.
não seja expulsa da área devido à valorização imobiliária decorrente das
melhorias proporcionadas pela operação urbana.
262
Maricato e Ferreira, ao discorrer sobre a inserção do instrumento urbanístico
das operações urbanas consorciadas no Direito Urbanístico, destacam que outro
fato que alimentou a recepção bem sucedida da proposta de implementação das
mesmas está na possibilidade desta representar uma alternativa para as amarras da
legislação modernista/funcionalista existente, configurando-se na possibilidade de
flexibilização da legislação contra esse “engessamento”. Diante disso, regras que
pretendiam dar conta da normatização do uso do solo em todo o território urbano,
desconhecendo, freqüentemente, as especificidades espaciais, sociais e ambientais
do espaço urbano, foram perdendo paulatinamente prestígio.
263
Apesar de ser considerado um instituto novo, tendo em vista a recente
regulamentação pelo Estatuto da Cidade, este instrumento de política urbana
possuía regulamentação na doutrina pátria, sobretudo baseada em experiências
implementadas, conforme observação de José Afonso da Silva:
Operação urbana integrada compreende um conjunto integrado de
intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a
participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e
investidores privados, visando a alcançar transformações urbanísticas e
estruturais, a melhoria e a valorização ambiental, de área delimitada por lei
específica. Essa lei traça as diretrizes e os objetivos da operação urbana.
264
No mesmo sentido, segue o referido autor, destacando a existência de outro
instrumento de política urbana, porém com características diferentes:
A operação urbana interligada (ou operação de interesse social) foi lançada
em São Paulo como um instrumento destinado a solucionar o problema das
favelas. Seu regime jurídico consta da Lei 10.209, de 9.12.1986, segundo a
qual os proprietários de terrenos ocupados por favelas ou núcleos poderão
requerer, à Prefeitura, a modificação dos índices e característica de uso e
ocupação do solo do próprio terreno ocupado pela favela, ou de outros, de
262
SAULE JUNIOR, Nelson. Novas Perspectivas do Direito Urbanístico Brasileiro. Porto Alegre:
Sérgio Antônio Fabris Editor, 1997, p. 317.
263
MARICATO, Ermínia; FERREIRA, João Sette Whitaker. Operação urbana consorciada:
diversificação urbanística participativa ou aprofundamento da desigualdade?. In: OSÓRIO, Letícia
Marques (org.) Estatuto da Cidade e Reforma Urbana, novas perspectivas para as cidades
brasileiras. Porto Alegre: Sergio Fabris Editora, 2002, p. 239.
264
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros,
1997, p. 329.
sua propriedade, desde que se obriguem a construir e a doar, à
Municipalidade, habitações de interesse social para a população
favelada.
265
Ainda, segundo os ensinamentos de José Afonso da Silva, a Operação Urbana
Consorciada deve ser compreendida como “toda atuação urbanística que envolve
alteração da realidade urbana com vista a obter nova configuração da área”,
concentrando-se, portanto, em três pilares: atuação urbanística, alteração da
realidade urbana e nova configuração da área.
266
Quanto ao primeiro pilar, o referido
autor não esclarece em que consiste referida atuação, porém, destaca que nas
relações urbanísticas, incide “o princípio de que o urbanismo é uma função pública,
e fornece ao direito urbanístico sua característica de instrumento urbanístico
normativo pelo qual o Poder blico atua no meio social e no meio privado, para
ordenar a realidade (...), sem prejuízo do princípio da legalidade”.
267
O segundo pilar, que se refere à “alteração da realidade urbana”, compreende
um processo de renovação urbana, através da transformação de áreas degradadas,
caracterizadas, na sua maioria, pelo abandono, pobreza, desorganização e poluição.
Este fenômeno de renovação urbana pode ocorrer de duas formas, primeiramente
segundo uma ocorrência histórica, ou seja, trata-se de um processo histórico de
ocupação do espaço, conforme as características e as necessidades existentes à
época; a outra, diz respeito à urbanização de uma área, em que uma intervenção
deliberada, como forma de obter a renovação de zonas (transformar uma zona
antiga em moderna), a renovação pontual (com o objetivo de adaptar o imóvel as
condições gerais de zoneamento), ou, ainda, a renovação de infra-estrutura (através
de grandes empreendimentos, como aqueles ligados ao setor viário). Por fim, ao
salientar no último pilar o conceito de “nova configuração da área”, entende que
deverão ser respeitadas as diretrizes gerais constantes no Plano Diretor ou na lei
específica da Operação Urbana Consorciada, bem como os objetivos e as metas a
serem buscadas pelo Poder Público quando da sua consecução.
268
265
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros,
1997, p. 330.
266
SILVA, José Afonso. Direito Urbanístico Brasileiro. 4. ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 360.
267
Ibidem, p. 45.
268
Ibidem, p. 361-362.
Para Pedro Jorgensen Júnior, a expressão “Operação Urbana” compreende um
conceito genérico, que pode englobar qualquer atividade do Estado orientada para a
urbanificação, ou seja, pode dizer respeito “a gêneros de ação urbanística, que,
embora conexos, podem diferir consideravelmente dependendo do lugar e da
circunstância”, como um projeto ou intervenção urbana, em que o Estado está
direcionado no sentido de promover alterações infra-estruturais, como a implantação
de um conjunto habitacional ou uma avenida, como instrumentos que visem a
alteração de índices urbanísticos, ou como uma espécie de intervenção urbanística
caracterizada pela combinação de investimento de capital público e privado,
redesenho da estrutura fundiária e alteração dos direitos de uso e edificação.
Observa que,
Essas operações têm caráter de projeto urbano (por oposição à atividade de
controle urbano), para o quê, além de institutos normativos especiais, o
setor público necessita lançar mão de dispositivos gerenciais adequados
(empresa pública, empresa de economia mista, escritório técnico, agência
ou comitê executivo etc), diferenciados da operação urbana corrente. Essas
operações-projeto diferem radicalmente da obra pública tradicional em
termos de complexidade social da intervenção, do tempo de maturação do
plano/projeto, do grau de incerteza quanto aos resultados, das fontes de
recursos, dos prazos e métodos de execução da organização gerencial, da
metodologia de avaliação de resultados, etc.
269
Diante disso, apesar da sua aparente complexidade, a Operação Urbana
Consorciada pode ser compreendida como uma forma de atuação do Poder Público,
no sentido de implementar um “projeto urbano”, através da obtenção de recursos,
sobretudo privados, cujos mecanismos utilizados buscam alterar a realidade urbana
existente, conforme os objetivos e metas especificados em lei.
que se destacar que as operações urbanas consorciadas dizem respeito à
consecução de intervenções e medidas em certo espaço físico, ou seja, delimitado;
enquanto que o instituto acima descrito, a operação urbana interligada, geralmente
se refere à determinada propriedade, podendo impor aproveitamento superior ao
estabelecido de forma genérica em lei específica, assim como aumentando o
coeficiente de aproveitamento outorgado pelo Poder Público municipal através da
exigência de uma contrapartida.
269
JÚNIOR, Pedro Jorgensen. Operações Urbanas: uma ponte necessária entre regulação
urbanística e o investimento direto. In: Cadernos de Urbanismo. 3/10-11. Ano 1, Secretaria
Municipal de Urbanismo da Prefeitura do Rio de Janeiro, novembro de 2000.
As medidas que compreendem as operações urbanas consorciadas são
exemplificadas pelo artigo 32, § do Estatuto da Cidade, sendo que, as
consubstanciadas no inciso I, são de ordem legal, visto que possuem como escopo a
modificação de índices e características de parcelamento, uso e ocupação do solo e
subsolo, bem como alterações das normas edilícias, considerado o impacto
ambiental delas decorrente, ou seja, trazem alterações técnicas anteriormente
definidas na legislação urbana; enquanto isso, as inseridas no inciso II, tendentes a
viabilizar a regularização de construções, reformas ou ampliações executadas em
desacordo com a legislação vigente, são determinantes para a implementação de
políticas blicas de desenvolvimento e planejamento urbanos, com a conseqüente
inclusão daqueles que habitam estes espaços urbanos, portanto, de ordem social.
Ainda, o artigo 33 aponta para a obrigatoriedade de constar, da lei específica
que instituir a operação urbana consorciada, todos os requisitos e regras a serem
adotadas quando da sua execução e implementação, citando-se a sustentação de
Moreira, Netto e Ambrosis:
As atividades urbanísticas a serem implementadas em uma operação
urbana devem estar perfeitamente delineadas na lei específica que a
instituir. Desse modo, estará o Poder Público autorizado a efetuar ações no
sentido de sua implementação. Destaque-se que não bastará a lei dispor
genericamente sobre essa atividade, mas se específica quanto aos critérios
que deverão ser adotados.
270
Merecem destaque na aprovação da lei específica que versar sobre o plano de
implementação da operação urbana consorciada: a definição da área atingida; o
programa de ocupação da área; o atendimento econômico e social da população
atingida; a finalidade; a realização do estudo prévio de impacto de vizinhança; a
contrapartida daqueles tiveram benefícios, cujos valores, segundo § 1° do artigo 33,
serão aplicados na própria operação urbana consorciada, dispondo o Poder blico
municipal de recursos próprios com os quais ajuntará aos recursos privados para
executar o plano de operação urbana; a forma de controle da operação, contendo,
obrigatoriamente, a participação de representantes da sociedade civil,
270
AZEVEDO NETTO, Domingos Theodoro de; DE AMBROSIS, Clementina; MOREIRA, Mariana
(coordenadores). Estatuto da cidade. São Paulo: FPFL – CEPAM, 2001, pg. 475.
caracterizando-se, portanto, como verdadeiro instrumento para a consecução da
gestão democrática nas cidades .
No § do mesmo artigo, é estabelecido que qualque r licença ou autorização
expedida pelo Poder Público municipal em desacordo com a lei específica que
implementar o plano de operação urbana consorciada será nula. Para Hely Lopes
Meirelles, redação mais adequada tecnicamente seria alvará de licença ou alvará de
autorização, visto que:
O alvará é o instrumento da licença ou da autorização para construir ou
lotear. Não se confunde licença com autorização: licença é ato
administrativo vinculado e definitivo; autorização é ato administrativo
discricionário e precário. A licença, quando concedida regularmente gera
direito subjetivo à continuidade da atividade licenciada nas condições
estabelecidas em lei; a autorização não gera direito à continuidade da
atividade autorizada, por ser uma aquiescência de natureza precária.
271
Por fim, o artigo 34 do Estatuto da Cidade contempla um instituto que tem
causado polêmica, os certificados de potencial adicional de construção. Importante
destacar que sua emissão não é obrigatória, porém quando emitidos, sua
negociação, segundo o § 1°, poderá se dar livrement e, podendo ser utilizados
unicamente na área objeto da operação. Assim, conforme determinado no § ,
quando apresentado o pedido de licença para construir, o certificado de potencial
adicional de construção adquirido poderá ser utilizado no pagamento da área de
construção que supere os índices estabelecidos pela legislação, dentro dos limites
aprovados no plano da operação urbana consorciada.
Em São Paulo, a criação do Certificado de Potencial Adicional de Construção -
CEPAC, transfigurou-se, inclusive, como título negociável em bolsa, podendo ser
convertido, quando necessário, em quantidades de metros quadrados de área de
construção computável, e aplicados em qualquer ponto do território delimitado pelo
plano da Operação Urbana Consorciada a ser implementada. Sua instituição
objetivava a agilização de aprovação das propostas por meio de um mecanismo
automático de concessão de incentivos, mas, principalmente, a obtenção prévia de
271
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito de Construir. 9. ed. atual. por Eurico de Andrade Azevedo,
Adilson Abreu Dallari e Daniela Libório di Sarno. São Paulo: Editora Malheiros, 2005, p. 80.
recursos destinados a cobrir os custos de desapropriação e de obras públicas
adicionais.
272
Dentre as operações urbanas existentes em São Paulo, destaca-se a das
Águas Espraiadas, que compreende uma área de 14.134.000 m², onde estão
previstos custos de R$ 1,1 bilhão, ou o equivalente a 3.750.000 CEPAC’s de R$
300,00 (preço mínimo deste papel). O destino destes recursos deve se dar da
seguinte forma: R$ 350 milhões para o atendimento à população estabelecida em
favelas e R$ 750 milhões para desapropriações e obras de melhoria e infra-
estrutura. A Operação Águas Espraiadas foi a única que teve leilão até então,
ocorrido em 20 de julho deste ano na Sociedade Operadora do Mercado de Ativos -
SOMA este leilão foi estruturado pelo Banco do Brasil. Na ocasião, foram adquiridos
todos os 100 mil certificados ofertados ao valor mínimo de R$ 300,00 por papel,
valor baixo se comparado ao preço dos terrenos da região.
Esse mecanismo de reversão dos recursos à municipalidade confere às
Operações Urbanas um caráter redistributivo, na medida em que os ingressos
oriundos do setor privado venham a ser aplicados em obras, melhorias,
equipamentos ou programas de interesse da coletividade. Apesar disso, Mariana Fix
faz uma leitura crítica dos CEPAC’s, afirmando que:
Um primeiro problema dos CEPAC’s é a desvinculação que o título cria
entre a compra do potencial construtivo e a posse do lote. Como qualquer
um pode comprar o título, tendo ou o lote na região, e seu valor como
com qualquer título financeiro pode variar, gera-se um novo tipo de
especulação imobiliária, ‘financeirizada’. Os defensores dessa idéia dizem
que tal dinâmica não esà mercê do mercado, que os CEPAC’s serão
lançados em operações específicas, sob controle do Poder Público. Além
disso, os CEPAC’s teriam um ‘forte componente social’, pois poderiam ser
vendidos para alavancar a reurbanização de favelas ou recuperações de
cortiços, e seus recursos poderiam ser utilizados em melhorias na cidade
toda.
273
Ainda, quando da implantação de uma operação urbana consorciada é
fundamental a realização de uma análise quanto aos impactos do novo
272
HORBACH, Carlos Bastide et al. Estatuto da Cidade: Lei 10.257, de 10.07.2001 Comentários.
Coord. Odete Medauar; Fernando Dias Menezes de Almeida. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2002, p. 149-150.
273
FIX, Mariana. Fórmula Mágica da Parceria: Operações Urbanas em São Paulo. In: Cadernos de
Urbanismo, n. 3. Rio de Janeiro, novembro de 2000, p. 23-27.
empreendimento, particularmente nos sistemas de circulação viária e transporte
coletivo. A área da operação urbana o deve ser tratada isoladamente, sendo
dimensionados, apenas, os impactos internos, mas se deve considerar a
repercussão de todas as obras ao seu entorno. Neste ponto, os impactos externos à
região da operação, como o impacto de vizinhança e o impacto ambiental, devem
ser, na medida do possível, absorvidos e pagos com os recursos por ela gerados.
Diante disso, o Estatuto da Cidade é claro ao afirmar, no artigo 36, que, como
medida condicionadora para a obtenção de licenças e autorizações de construção,
ampliação e funcionamento de empreendimentos e atividades privadas ou públicas,
em área urbana, necessária a expedição do Estudo Prévio de Impacto de
Vizinhança (EIV), que deverá, segundo o artigo 37, contemplar os efeitos positivos e
negativos do empreendimento ou atividade quanto à qualidade de vida da população
residente na área e suas proximidades, incluindo, na análise, questões como o
adensamento populacional, equipamentos urbanos e comunitários, uso e ocupação
do solo, valorização imobiliária, geração de tráfego e demanda por transporte
público, ventilação e iluminação, e paisagem urbana e patrimônio natural e cultural.
No mesmo sentido, estabelece o artigo 225, § 1°, IV da Constituição Federal de
1988, que toda e qualquer atividade que, potencial ou efetivamente, oferecer riscos
ao equilíbrio ambiental deverá submeter-se a um estudo prévio e conseqüente
relatório de impacto ambiental (EIA). Segundo Macruz e Moreira, impõe-se a
necessidade de elaboração do estudo de impacto ambiental (EIA), pois o mesmo
“[...] tem por objeto avaliar as proporções das possíveis alterações que um
empreendimento, público ou privado, pode ocasionar ao meio ambiente”.
274
Através
deste estudo prévio, busca-se prever a possível ocorrência de dano ao meio
ambiente, seja em decorrência de um projeto ambiental, seja de um urbanístico.
Ao analisar as Operações Urbanas Consorciadas e o impacto ambiental que
sua implantação pode acarretar sobre as áreas urbanas especificadas, Rolnik
leciona que
274
MACRUZ, João Carlos; MACRUZ, José Carlos; MOREIRA, Mariana. Impacto de vizinhança. In:
Estatuto da Cidade e seus instrumentos urbanísticos. São Paulo: LTR, 2002, p. 131.
[...] são definições específicas para uma certa área da cidade que se quer
transformar, que prevêem um uso e uma ocupação distintos das regras
gerais que incidem sobre a cidade e que podem ser implantadas com a
participação dos proprietários, moradores, usuários e investidores privados.
O Estatuto da Cidade admite a possibilidade de que estas operações
ocorram; entretanto, exige que em cada lei municipal que aprovar uma
Operação como esta – devam ser incluídos, obrigatoriamente: o programa e
projeto básicos para a área, o programa de atendimento econômico e social
para a população diretamente afetada pela operação e o estudo de
impacto de vizinhança. Com estas medidas se procura evitar que as
operações sejam somente “liberaçõesde índices construtivos para atender
interesses particulares, ou simples operações de valorização imobiliária que
impliquem expulsão de atividades e moradores de menor renda. trata-se,
uma vez mais, de desenvolver a justa distribuição dos benefícios e ônus
decorrentes do processo de urbanização e do planejamento do
desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das
atividades econômicas do município e do território sob sua área de
influencia, de modo, a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano
e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente, diretrizes fundamentais
orientadas pelo Estatuto da Cidade (artigo 2°, IV e IX). (Grifo nosso).
275
Conforme discorrido anteriormente, diante do contexto atual dos municípios
brasileiros, caracterizado pela ausência de recursos públicos e da ineficácia dos
serviços de gestão blica, houve a procura pela iniciativa privada. Nesse sentido,
com a implementação das Operações Urbanas Consorciadas, Camila Maia Pyramo
Costa destaca a existência de equívocos a respeito da sua natureza jurídica,
evidenciando que, desde que respeitados o texto constitucional e a legislação
municipal específica, “poderá o Poder Público transferir ao agente privado a tarefa
de executar operações urbanas”. E mais, diante de uma suposta ineficácia “dos
atuais instrumentos usuais de planejamento e urbanização”, torna-se necessário
“adotar uma modalidade de planejamento que possibilite ampla negociação entre
agentes públicos e agentes privados”.
276
Por sua vez, Márcia Walquíria Batista dos Santos afirma que:
Nota-se neste tipo de operação a possibilidade do Poder Público se
associar com a iniciativa privada no intuito de efetuar melhorias em
determinadas regiões, obviamente com vistas ao desenvolvimento urbano.
As chamadas “parcerias” com a iniciativa privada representam recurso
bastante utilizado atualmente, em especial devido à grande dificuldade de
275
ROLNIK, Raquel. Comentários urbanísticos. In: FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Estatuto da
Cidade comentado: Lei 10.257/2001 Lei do Meio Ambiente Artificial. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2002, p. 68-69.
276
COSTA, Camila Maia Pyramo. Operações Urbanas Consorciadas. In: Fórum de Direito Urbano e
Ambiental. v. 1, n. 6, Belo Horizonte, nov./dez. 2002, p. 544.
atender os objetivos propostos, com parcos recursos públicos disponíveis (e
muitas vezes mal administrado).
277
(Grifo nosso)
Não há, na visão de Caramuru Afonso Francisco a transferência, pelo Poder
Público, ao particular, da execução das Operações Urbanas, visto que as mesmas,
desde o início, são geridas pelo Poder Público Municipal. O que ocorre, em verdade,
é a captação de recursos privados para a realização de obras de infra-estrutura.
278
Diante disso, qual seria a natureza jurídica das Operações Urbanas
Consorciadas? No posicionamento de José Afonso da Silva, a função pública do
urbanismo é exercida por meio de atos urbanísticos e “processos e operações
fáticas ou materiais produtores de efeitos jurídicos”. Os atos jurídicos urbanísticos
são “declarações de vontade que produzem efeitos jurídicos de nascimento,
resguardo, modificação ou de extinção de direitos ligados à organização de espaços
habitáveis”, classificados em atos jurídicos procedimentais e em atos urbanísticos
isolados. Os primeiros são aqueles que ordenam um determinado procedimento
urbanístico, como os atos integrantes de um plano de reurbanização. Os atos
urbanísticos isolados são aqueles que se inserem em um procedimento e não
apresenta relação de dependência com os demais, como a licença e o alvará para
construir. Os fatos jurídicos urbanísticos, por sua vez, correspondem “a atuações
materiais de natureza urbanística que não produzem efeito jurídico direto”, dividindo-
se em fatos urbanísticos operacionais e fatos urbanísticos isolados. Os primeiros,
integram “as operações materiais de execução de procedimento urbanístico, como a
execução de um plano de reurbanização”. os fatos urbanísticos isolados
correspondem a um fato urbanístico como a abertura de uma rua.
279
Analisadas as características, o conceito e a natureza jurídica das Operações
Urbanas Consorciadas junto à legislação brasileira, essencial se torna a análise das
principais experiências implementadas no Brasil, como forma de se proceder a uma
277
SANTOS, Márcia Walquíria Batista. Dos instrumentos da Política Urbana. In: ALMEIDA, Fernando
Dias Menezes de Almeida; MEDAUAR, Odete. Estatuto da Cidade. Lei 10.257, de 10.07.2001.
Comentários. São Paulo: RT, 2004, p. 215.
278
FRANCISCO, Caramuru Afonso. Estatuto da Cidade Comentado. São Paulo: Editora Juarez de
Oliveira, 2001, p. 214.
279
SILVA, José Afonso. Direito Urbanístico Brasileiro. 4. ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 46-47.
avaliação exemplificativa da sua utilização como instrumento de participação popular
na gestão e regularização do espaço urbano no Brasil.
3.2.3 Operações Urbanas Consorciadas implementadas no Brasil
No Brasil, antes mesmo da regulamentação do referido instituto pelo Estatuto
da Cidade, o pioneirismo quando da criação das operações urbanas consorciadas
ocorreu em São Paulo, visto que desde 1985, quando da proposta do Plano Diretor
constava referido instituto, sendo que seu conceito foi institucionalizado com a
aprovação da Lei n° 10.676/88, que definiu o Plano Diretor da cidade de São Paulo,
com posterior inclusão na Lei Orgânica do Município. Portanto, desde 1988, este
novo instrumento urbanístico de parceria entre o Poder Público e a iniciativa privada
vem sendo aplicado e, não obstante o curto período implementação, já reflete alguns
resultados positivos.
Os primeiros estudos realizados pela Secretaria Municipal de Urbanismo de
São Paulo, indicavam como objetivos das Operações Urbanas: a) a reordenação do
processo de urbanização, com a indução à ocupação de determinadas regiões da
cidade; b) a formação do estoque de terras para fins sociais e públicos; c) a
obtenção de recursos para subsidiar programas de habitação para a população de
baixa renda; d) a captação pelo poder público dos benefícios econômicos, diretos e
indiretos, resultantes dos empreendimentos (ou investimentos) para a reaplicação
em novas operações de cunho social; e) a obtenção de efeitos econômicos no
sentido de desbloquear os recursos imobilizados de forma especulativa, em
benefício da atividade produtiva desenvolvida pelo setor imobiliário e pelo setor
público na produção do espaço urbano.
Segundo estudos realizados por Di Giuseppe
280
, a partir a criação deste
instrumental urbanístico, quatro operações urbanas de grande relevância foram
aprovadas e colocadas em prática no município de São Paulo:
- a Operação Urbana Anhangabaú, aprovada pela Lei 11.090/91;
280
DI GIUSEPPE, Diana Teresa. A crise do planejamento urbano: uma experiência alternativa em
São Paulo (o caso dos Núcleos Regionais de Planejamento). São Paulo: FGV/ Escola de
Administração de Empresas de São Paulo, 1998. (Dissertação de mestrado em Administração
Pública).
- a Operação Urbana Água Branca, aprovada pela Lei 11.774/95;
- a Operação Urbana Faria Lima, aprovada pela Lei 11.732/95;
- a Operação Urbana Centro, aprovada pela Lei 12.349/97.
Como forma de verificar a validade da implementação das Operações Urbanas
Consorciadas, importante destacar, brevemente, as experiências ocorridas em nível
nacional, sobretudo no Estado de São Paulo. Diante disso, a Operação Urbana
Anhangabaú teve como motivação a implantação de obras destinadas à
reurbanização do Vale do Anhangabaú, culminando com a “revitalização” da área
central e da valorização dos imóveis privados no entorno da obra gerada por este
investimento. A partir da Lei n° 11.090/91, objetiv aram-se a melhoria da paisagem
urbana e da qualidade ambiental, o melhor aproveitamento dos imóveis vagos ou
subutilizados, o incentivo à preservação do patrimônio histórico, cultural e ambiental
urbano e a regularização de imóveis construídos em desconformidade com a
legislação urbanística e edilícia vigentes. Visava, ainda, à ampliação e articulação
dos espaços de uso público, em particular dos arborizados e destinados a pedestres
e à complementação das obras de drenagem e infra-estrutura. Aoutubro de 1992,
um ano após o início da operação que durou 4 anos, foram protocolados apenas
cinco propostas, das quais três se utilizavam de mecanismo da regularização, uma
era de construção nova e uma era reforma com aumento de área construída em
prédio de valor histórico e arquitetônico. De qualquer forma, até o fim da operação, a
Comissão Normativa de Legislação Urbanística CNLU havia aprovado somente a
proposta de regularização de 5.368,29 m², referente à área construída da Bolsa de
Valores de São Paulo, resultando a contrapartida financeira de 5.282.807,20 UFIR’s,
o equivalente, na época, a US$ 2.666.665,00.
281
Posteriormente, com o fim do prazo de vigência da Operação Urbana
Anhangabaú, a Lei 12.349/97 definiu para a mesma área a implementação da
chamada Operação Urbana Centro, que, ampliada para uma área de 660 hectares,
incluindo os chamados Centro Velho e Centro Novo e parte de bairros centrais,
como Glicério, Brás, Bexiga, Vila Buarque e Santa Ifigênia, determinava duas áreas
281
BRASIL. Estatuto da cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. Lei n. 10.257,
de 10 de julho de 2001, que estabelece diretrizes gerais da política urbana. Brasília: Câmara dos
Deputados, Coordenação de Publicações, 2001, p. 87.
de intervenção: Área de Especial Interesse, que corresponde ao cleo da área de
intervenção, e a Coroa Envoltória. Nessas áreas poderão ser concedidos vários tipos
de incentivos, como a modificação dos índices urbanísticos, características de uso e
ocupação do solo e das disposições do Código de Edificações, a regularização de
edificações, a cessão de espaço público aéreo ou subterrâneo, e a transferência do
potencial construtivo de imóveis preservados ou tombados. O coeficiente de
aproveitamento ximo dos terrenos na região dado pelo zoneamento que era igual
a 4,0, podendo ser substancialmente elevado, em função do uso e localização do
terreno, bem como do que se deseja incentivar. Os recursos auferidos devem ser
destinados a obras de melhoria urbana, à recuperação e reciclagem dos prédios
públicos em geral, ao pagamento de eventuais desapropriações, ou à restauração
de imóveis tombados. As propostas de participação foram submetidas à apreciação
da Comissão Executiva da Operação Urbana Centro, constituída por representantes
do Poder Público e diversas entidades sociais, conforme atribuições definidas na lei.
A Operação Urbana Centro, em 5 anos de vigência, aprovou apenas uma proposta
de construção nova, com índices alterados (um Shopping Cultural, do Grupo Silvio
Santos, no bairro do Bexiga) e uma regularização, totalizando uma contrapartida
financeira de R$ 940.000,00. Além destas, duas transferências de potencial de
imóveis tombados foram realizadas.
282
A Operação Urbana Água Branca, instituída pela Lei 11.774/95, abarca um
território com cerca de 500 hectares, e sua criação justificou-se por estar situada
numa área próxima ao Centro, com muitos terrenos vagos ou subutilizados e, ao
mesmo tempo, bem servida por transporte coletivo nos vários modos (trem, ônibus e
metrô), além de apresentar problemas crônicos de drenagem. Dentre seus objetivos,
destaca-se o de promover a complementação e otimização da infra-estrutura
urbanística já instalada, a reintegração de áreas seccionadas pela ferrovia e o
aumento da taxa de permeabilidade do solo. Diante disso, foram determinadas
concessões para possíveis alterações na legislação de uso e ocupação do solo e
edilícia, regularização de edificações, concessão do espaço aéreo e subterrâneo e
transferência de potencial construtivo. Assim como as demais operações urbanas, a
282
BRASIL. Estatuto da cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. Lei n. 10.257,
de 10 de julho de 2001, que estabelece diretrizes gerais da política urbana. Brasília: Câmara dos
Deputados, Coordenação de Publicações, 2001, p. 87-88.
análise técnica de cada proposta é realizada por uma Comissão Intersecretarial,
composta e coordenada conforme determinação legal. A contrapartida pode ser
paga em moeda corrente nacional, cujos recursos são integrados ao Fundo Especial
da Operação Urbana, em obras públicas vinculadas aos seus objetivos, ou em bens
imóveis inseridos no perímetro da operação. Até o momento, a operação tem um
grande empreendimento aprovado, a implantação de um grande Centro Empresarial,
sobre uma área de 100.000 m², cuja contrapartida financeira é da ordem de R$ 19
milhões, pagos em obras públicas a serem executadas pelo proponente.
283
Envolvendo uma área com aproximadamente 450 hectares, situada na região
sudoeste do Município de o Paulo, a Operação Urbana Faria Lima, instituída pela
Lei 11.732/95, tornou-se uma das mais dinâmicas do ponto de vista do mercado
imobiliário, justificando-se pela necessidade de prolongamento da Av. Faria Lima,
através da criação de uma via paralela à Av. Marginal do Rio Pinheiros, aliviando,
assim, a saturação viária. Compreende duas áreas distintas: Área Diretamente
Beneficiada, lindeira às obras de prolongamento da Av. Faria Lima e Av. Hélio
Pellegrino, e uma área mais ampla, a Área Indiretamente Beneficiada. Nessas áreas,
como forma de incentivo, fora concedida a modificação dos parâmetros urbanísticos
estabelecidos na legislação de uso e ocupação do solo, e a cessão do espaço
público aéreo ou subterrâneo. A lei estabeleceu um estoque de área edificável
adicional, que na Área Diretamente Beneficiada é de 1.250.000 m², e na Área
Indiretamente Beneficiada, de 1.000.000 m². O programa de investimentos inclui,
além das obras viárias, um novo terminal de ônibus, habitações de interesse social,
destinadas à venda financiada para a população favelada existente no perímetro e
seu entorno, a construção de habitações multifamiliares para venda financiada à
população residente em área de desapropriação e que queira permanecer na região,
e, ainda, a aquisição de imóveis para implantação de praças e equipamentos
institucionais. Apenas o custo do viário (incluindo as desapropriações) seria de R$
120 a 150 milhões. Estes programas, no entanto, nunca saíram do papel, tendo a
Operação Faria Lima, ahoje, investido apenas em melhoramentos viários, como
os dois prolongamentos da Av. Faria Lima e o prolongamento da Av. Hélio
283
BRASIL. Estatuto da cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. Lei n. 10.257,
de 10 de julho de 2001, que estabelece diretrizes gerais da política urbana. Brasília: Câmara dos
Deputados, Coordenação de Publicações, 2001, p. 88.
Pellegrino, além de começar também a configurar uma nova situação fundiária com
as propostas aprovadas, que em mais de 60% dos casos houve agregação de
pequenos lotes para formar os terrenos que se beneficiaram da Operação Urbana. A
aprovação dessa proposta trouxe para os cofres municipais mais de R$ 200 milhões,
montante que cobriu o custo da implantação da avenida que foi feita às
expensas do poder público apenas no que se refere à própria obra, que os
recursos para as desapropriações saíram dos cofres públicos.
284
Para Oliveira, a Operação Faria Lima ocasionou alterações substanciais na
área situada na região sudoeste do Município de São Paulo, sendo importante
salientar que, além do dever de recair sobre área com infra-estrutura e instrumentos
urbanos deficitários, ou com destinação não mais condizente com a realidade da
cidade, as alterações provocadas pela operação devem recepcionar possíveis novos
encargos, como obras para prosseguimento da expansão urbana.
285
No Rio de Janeiro, pequenas operações urbanas consorciadas, denominadas
de Consórcios Imobiliários, resultaram de acordos formais entre o Poder Público e a
iniciativa privada, e geraram recursos diretos e indiretos. A Secretaria Municipal de
Urbanismo implementou estas operações, dividindo-as em quatro categorias: a)
obrigações relativas a grupamentos de edificações residenciais cujo objetivo é obter
edifícios, terrenos ou recursos para a construção de equipamentos municipais; b)
obrigações de urbanização cujo objetivo é a complementação ou extensão da infra-
estrutura; c) operações interligadas que são os únicos contratos feitos nos quais a
contrapartida financeira é mensurada e d) obrigações relativas a gestão de recuos
decorrentes das normas de alinhamento.
286
Ainda, no município do Rio de Janeiro, a Fundação de Parques e Jardins da
Prefeitura tem buscado, como tem acontecido em muitas cidades, parcerias com a
284
BRASIL. Estatuto da cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. Lei n. 10.257,
de 10 de julho de 2001, que estabelece diretrizes gerais da política urbana. Brasília: Câmara dos
Deputados, Coordenação de Publicações, 2001, p. 89.
285
OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Comentários ao Estatuto da Cidade. 1. ed., São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2002, p. 87.
286
MARICATO, Ermínia; FERREIRA, João Sette Whitaker. Operação urbana consorciada:
diversificação urbanística participativa ou aprofundamento da desigualdade?. In: OSÓRIO, Letícia
Marques (org.) Estatuto da Cidade e Reforma Urbana, novas perspectivas para as cidades
brasileiras. Porto Alegre: Sergio Fabris Editora, 2002, p. 241.
iniciativa privada ou associações para a manutenção de praças, jardins, mobiliário.
Além da ampliação dos recursos a serem utilizados na manutenção desse
patrimônio, os aspectos da educação ambiental, da responsabilidade coletiva sobre
a paisagem construída e da participação também são importantes.
287
Em Belo Horizonte, o instrumento da operação urbana foi instituído pelo Plano
Diretor (Lei 7.165/96), sendo que a primeira a s er aprovada, trata-se de uma
parceria entre Poder Público municipal, iniciativa privada e Rede Ferroviária. Uma
área de propriedade da Rede Ferroviária, não utilizada e que possui uma edificação
tombada, a Casa do Conde de Santa Marina, passarão a ser propriedade pública,
sendo a casa restaurada, abrigando o Museu do Trem, e todo o terreno em volta te
uso cultural. Em contrapartida, será cedido parâmetro urbanístico adicional para o
terreno remanescente, que permanece patrimônio da Rede Ferroviária, e que irá a
leilão já com esse valor adicionando à propriedade.
288
Outro exemplo de operação urbana em Belo Horizonte é o da Estação BHBUS
Barreiro, em que o próprio interesse público urbanístico justificou o tratamento
diferenciado no local, que o mesmo possuía deficiência na articulação viária e de
transportes, na infra-estrutura urbana, sobretudo com a ocupação irregular de
calçadas por comerciantes, camelôs, ambulantes e mobiliário urbano e insegurança
para circulação de veículos e pedestres. Para tanto, foram realizadas audiências
públicas, com grande participação da sociedade civil, moradores, usuários e
empresariado, bem como reuniões dos Conselhos Municipais, que subsidiaram o
projeto, acompanhando, supervisionando e fiscalizando a implantação da operação
urbana. Houve, ainda, a requalificação do antigo e principal centro comercial do
Barreiro, através da implantação de programa de revitalização urbana, com novo
plano de circulação de veículos e pedestres, renovação de calçadas, tratamento
paisagístico, despoluição visual, programas junto a catadores de papel e grafiteiros e
reorganização do comércio ambulante para uma melhor limpeza urbana.
287
OLIVEIRA, Fabrício Leal de. Discutindo a operação urbana a partir do Rio de Janeiro: o caso da
área central de Madureira. In: Cadernos de Urbanismo. n. 3, Rio de Janeiro: Secretaria Municipal
de Urbanismo, novembro de 2000, p. 30.
288
BRASIL. Estatuto da cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. Lei n. 10.257,
de 10 de julho de 2001, que estabelece diretrizes gerais da política urbana. Brasília: Câmara dos
Deputados, Coordenação de Publicações, 2001, p. 90.
Ao final, o projeto possibilitou o aproveitamento e desenvolvimento do potencial
polarizador de negócios e serviços, assim como o aumento do potencial de consumo
das 500 mil pessoas que circulam pela região, além de dinamizar a economia local,
criando empregos e postos de trabalho diretos e indiretos, diante das boas
condições de acessibilidade, infra-estrutura, segurança e opções de lazer e cultura,
recursos humanos qualificados, estimulado a vinda de novos investimentos. Tornou-
se, portanto, um exemplo de operação urbana bem sucedida e eficaz, pois observou
a diretriz da gestão democrática de sua implementação, mediante informação e
participação da sociedade civil, adequando-se à capacidade de mobilização dos
empreendedores privados, sem prejuízo da coordenação pelo Poder Público
municipal objetivando sempre que o interesse público fosse alcançado. O consórcio
entre o setor público e o setor privado, ao se apoiar nos princípios da função social
da propriedade urbana, na livre concorrência e na igualdade, demonstrou bastante
clareza na sua realização.
289
Em Campo Grande, a figura da operação urbana aparece sob a denominação
de Urbanização Negociada, conforme Plano Diretor sob Lei complementar 2.813,
de 17 de junho de 1991 e a Urbanização Consorciada está no artigo 14 do Plano
Diretor, conforme Lei Complementar 05, de 22 de novembro de 95. A Lei da
Urbanização Negociada foi criada especificadamente para o projeto de Urbanização
do Parque das Nações Indígenas. Antes da aprovação do Plano Diretor, existia um
projeto que previa sua implementação entre duas avenidas, abrigando, nas suas
margens, edificações verticalizadas. Localizado no centro da cidade, em uma área
muito valorizada, de uso estritamente residencial, o proprietário a cedeu em troca de
potencial construtivo em outra área. A área remanescente, às margens da avenida,
também seria fruto da liberação do potencial construtivo, permitindo a verticalização.
Como o processo foi muito demorado, apesar de uma parte da área ser alvo dessa
legislação de Urbanização Negociada, outra parte foi simplesmente desapropriada
pelo Governo do Estado através de um decreto. A legislação não foi mais utilizada e
foi reformulada no final de 2.000, admitindo a transferência de potencial quando se
tratasse de área ambiental ou cultural e restringindo a alteração de índices e usos
289
MOREIRA, Ana Luísa Nogueira; ARAÚJO, Marinella Machado. Operações Urbanas Consorciadas
no Estatuto da Cidade. Disponível em: <http://www.conpedi.org/manaus/arquivos/anais/campos/
marinella_machado_araujo-2.pdf>. Acesso em: 19 set 2007.
vinculando-a à realização de obras de interesse social ou qualificação urbanística.
Nessa reformulação foram delimitadas algumas áreas para serem foco dessas
operações urbanas, de interesse do município, de caráter cultural, como o Centro e
a Estação de Trem originária da cidade; e de caráter ambiental, como por exemplo
cabeceiras de córregos ocupadas.
290
As operações urbanas em Natal envolveram áreas que apresentavam valor
histórico-cultural significativo para o patrimônio da cidade e que necessitavam
recuperação e vitalização. Objetos de lei específica, com participação da iniciativa
privada e população local interessada, o plano deve prever a reacomodação, no
próprio perímetro da operação, de usos e atividades que precisem ser deslocadas
em função das transformações aprovadas. Em contrapartida, incentivos fiscais foram
previstos para proprietários que aderirem ao programa de intervenção nos lotes
privados. Um Comitê de Gestão da Operação, composto por agentes envolvidos no
processo, deverá ser criado para gerir e acompanhar o processo. Em função das
modificações pretendidas, além da determinação de um estoque de área edificável
específica, deve-se criar um programa de obras públicas necessárias. O estoque de
área edificável deverá ser vendido aos empreendedores interessados na operação,
e os recursos obtidos integrarão o Fundo de Urbanização, devendo ser aplicados na
própria área da operação, portanto não são objetos de especulação, servem para
financiar as modificações pretendidas. Os bairros de Cidade Alta e Ribeira são áreas
de operação urbana que ainda estão em andamento. Entretanto, os resultados o
ainda muito pequenos. Não muita participação popular no processo pois é uma
área de uso predominantemente comercial, e as habitações são precárias e
esparsas, cuja população não é organizada.
291
No município de Santo André, o projeto Eixo Tamanduatehy, reflete a
combinação de um grande projeto com pequenas operações urbanas. Propôs-se a
requalificar o principal eixo de transportes da cidade, correspondendo a uma faixa
290
BRASIL. Estatuto da cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. Lei n. 10.257,
de 10 de julho de 2001, que estabelece diretrizes gerais da política urbana. Brasília: Câmara dos
Deputados, Coordenação de Publicações, 2001, p. 90-91.
291
BENTES, Dulce. Aplicação de Novos Instrumentos Urbanísticos no Município de Natal. In:
ROLNIK, Raquel; CYMBALISTA, Renato (orgs.). Instrumentos Urbanísticos contra a Exclusão
Social. Revista Pólis, n. 29, São Paulo: Instituto Pólis, 1997.
situada entre a Avenida dos Estados, a estrada de ferro e a Avenida Industrial. Em
uma primeira etapa, foram feitas propostas para o projeto de requalificação da área,
sem que no entanto se chegasse a um projeto que sintetizasse e integrasse o
conjunto das propostas. Apesar da inexistência de um projeto de lei de operação
urbana e da ausência do projeto síntese, foram realizadas pequenas operações
urbanas, referentes a empreendimentos isolados e implementadas por meio de leis
específicas para cada projeto. Um centro empresarial (Cidade Pirelli), um Shopping
Center e um conjunto hoteleiro o exemplos desse tipo de pequena operação
urbana. Esses projetos trouxeram para o município contrapartidas urbanísticas
readequação viária, ampliação e requalificação de espaços e passeios públicos,
arborização, projeto arquitetônico de equipamentos sociais. As operações urbanas
aprovadas denominavam-se: a) Operação Urbana Industrial I, aprovada pela Lei
7.496/97, permitia a permuta de uma área para a ampliação do sistema viário da Av.
Industrial, em contrapartida haveria a doação de outra área; b) Operação Urbana
Industrial II Cyrella, aprovada pela Lei 7.873 /99, destinada à concessão de
benefícios urbanísticos através da outorga onerosa e da doação de área,
envolvendo uma área de 16.545,6 , cujo benefício econômico de R$ 264.730,00
foi destinado à contrapartida no valor de R$ 132.000,00 e doação de 20% do
terreno, destinado à ampliação e reforma do Parque Duque de Caxias; c) Operação
Urbana Flat da Av. Portugal, aprovada pela Lei n° 7 .700/98 e Lei n° 7.904/99,
compreende a concessão de benefícios urbanísticos, caracterizados pela permissão
de uso no lote em Zona A2/A4 e da utilização do pavimento térreo compartimentado,
envolvendo uma área construída de 19.268,88 m², com benefício econômico de R$
487.460,00, contrapartida de R$ 292.000,00, destinado ao custeio da execução do
projeto arquitetônico do centro de Atividades Andrezinho Cidadão; d) Operação
Urbana Pirelli (Cidade Pirelli), aprovado pela Lei 7.700/98 e Lei n° 7.904/99,
destina-se a implantação de um Plano Urbanístico de revitalização da área com a
concessão de benefícios urbanísticos e mudança de zoneamento através de outorga
onerosa, permuta de áreas e de isenção de IPTU. No local serão construídos: Hotel
4 estrelas, Centro de Convenção, Praças e Rua de Comércio 24 horas, em área
construída de 258.810 m², com benefício econômico de R$ 487.460,00,
contrapartida de R$ 292.000,00, destinado ao custeio da execução do projeto
arquitetônico do centro de Atividades Andrezinho Cidadão.
292
As Operações Urbanas Consorciadas, conforme analisado anteriormente,
caracteriza-se pelo conjunto de medidas e intervenções coordenadas pelo Poder
Público, com a participação de setores da iniciativa privada, objetivando alcançar em
uma área específica, as transformações urbanísticas necessárias. Porém, para
lograr êxito na consecução dos objetivos, necessário definir uma estratégia capaz de
despertar o interesse da iniciativa privada, para que esta venha efetivamente a
participar de sua implementação, através do custeio de obras, melhorias ou
equipamentos de interesse público. Como aponta Ambrosis:
Evidentemente, o investidor participa da OU se for de seu interesse. No
entanto, o Poder Público poderá ter interesse em desenvolver locais que
não oferecem muitos atrativos para os empreendedores. É por isso que é
recomendável a criação de um Fundo de Desenvolvimento Urbano para
onde iriam os recursos advindos de todas as OUs, recursos que seriam
redistribuídos pelo Poder Público, conforme as prioridades para o conjunto
da cidade. Tal fundo teria um caráter eminentemente redistributivo
.
293
Em contrapartida, poderão ser concedidos vários tipos de incentivos, como a
modificação dos índices urbanísticos, características de uso e ocupação do solo e
das disposições do Código de Edificações (exceto itens relativos à segurança), a
regularização de edificações, a cessão de espaço público aéreo ou subterrâneo, e a
transferência do potencial construtivo de imóveis preservados ou tombados.
Os recursos auferidos devem ser destinados a obras de melhoria urbana, à
recuperação e reciclagem dos próprios públicos em geral, ao pagamento de
eventuais desapropriações realizadas no perímetro da operação urbana consorciada
realizada, ou à restauração de imóveis tombados, esta condicionada ao seu
posterior ressarcimento.
292
BRASIL. Estatuto da cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. Lei n. 10.257,
de 10 de julho de 2001, que estabelece diretrizes gerais da política urbana. Brasília: Câmara dos
Deputados, Coordenação de Publicações, 2001, p. 92-93.
293
DE AMBROSIS, Clementina. Recuperação da valorização imobiliária decorrente da urbanização.
In: O município no século XXI: cenários e perspectivas. São Paulo: Fundação Prefeito Faria Lima.-
Cepam, 1999, p. 280.
Avaliando sua utilização no Brasil, Fernanda Sanchez pondera que:
As operações urbanas, tanto em cidades do chamado primeiro mundo,
quanto em nossas cidades latino-americanas tem se centrado, muitas vezes
em revitalização de áreas degradadas ou em renovação de logradouros
subutilizados. São, geralmente, operações pontuais. Penso que o próprio
conteúdo dos termos revitalização ou renovação, plenamente incorporados
na retórica dos planejadores, pode ser questionado. Ele parece indicar uma
leitura autoritária ou parcial dos lugares urbanos. Revitalizar lugares
mediante operações urbanas, sugere a inferência direta de que neles não
haveria mais vida social, que seria recriada mediante o gesto planejador.
Assim, pode se tratar de pretensão tecnocrática que solapa a intenção de
varrer expressões outras de vida social, incômodas e incompatíveis com a
nova semântica dos espaços renovados das chamadas cidades
corporativas. A organização econômica da cidade pode construir, com estas
operações muito invisíveis, fronteiras, bordas, metáforas espaciais para
designar a natureza das divisões sociais legitimadas no tempo e através do
espaço.
294
Assim, tendo em vista que as irregularidades ocorrem de diversas formas e em
diferentes áreas no Brasil, surge uma convergência de interesses quando está em
pauta a regularização da propriedade urbana, sobretudo aquelas localizadas em
áreas de risco e de preservação ambiental. Neste contexto estão favelas, cortiços,
loteamentos clandestinos e irregulares, provenientes de áreas públicas e privadas
destinadas a preservação ambiental, ou doadas ao poder público por loteamentos,
ou, ainda, à espera de valorização financeira, bem como, há irregularidade, também,
na ocupação da orla marítima e fluvial pelas classes média e alta, ou naquelas áreas
destinadas a implementação de condomínio fechado. É certo, pois, que:
Tais operações podem contemplar, outrossim, uma anistia, pois facultam a
regularização de construções, reformas ou ampliações executadas em
desacordo com a legislação vigente (art. 32, § 2º, II). Mas essa anistia não
pode, à evidência, ser extensiva a ponto de perdoar infrações a normas que
tutelam o meio ambiente cultural ou natural, como edificações feitas em
bens tombados ou em áreas de preservação permanente, por exemplo,
posto que o instituto das operações urbanas consorciadas visa, nesse
ponto, a valorização ambiental (art. 32, § 1º), não o inverso.
295
Mesmo utilizados com estas características, urbanistas, como Mendonça,
lecionam no sentido de defender as Operações Urbanas Consorciadas, sobretudo
porque acredita tratar-se não somente de instrumentos urbanísticos destinados à
294
SANCHEZ, Fernanda. Como você avalia a realização das articulações público-privadas no Brasil?
In: Cadernos de Urbanismo. Secretaria Municipal de Urbanismo. Rio de Janeiro, novembro de
2002.
295
FREITAS, José Carlos de. Estatuto da cidade e equilíbrio no espaço urbano. Disponível em:
<http//:www.jus.com.br>. Acesso em: 17 maio 2007, p. 10.
transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental,
porém de mecanismos de coibição de processos especulativos do solo urbano, de
resgate para os cofres públicos da valorização imobiliária decorrente de obras
públicas, enfim, mecanismos de cumprimento da função social da propriedade
urbana.
296
Na concepção de Di Giuseppe, esse novo instrumento deverá encontrar
bastante receptividade por parte dos governos municipais das cidades que
eventualmente não o tenham ainda aplicado, por trazer a possibilidade de viabilizar
obras e melhorias de interesse público com os recursos provenientes do setor
privado. Ao mesmo tempo, abre a perspectiva de estabelecer-se novas formas de
relacionamento entre o Poder Público e os setores da sociedade envolvidos, mais
participativas.
297
Trata-se, portanto, de instituto de largo alcance social, sobretudo diante da
existência de um considerável número de imóveis em situação irregular no Brasil,
visto que:
As estimativas variam muito, e as realidades municipais também, mas não
seria exagero afirmar que, pelo menos 30% a 50% das famílias moradoras
dos territórios urbanos brasileiros, em média, moram irregularmente (no
Recife estima-se que este índice se aproxime de 70% dos domicílios
urbanos). Essa irregularidade assume múltiplas faces e diversas tipologias
estão marcadas pela condição "irregular" no Brasil. São favelas resultantes
da ocupação de áreas privadas que se encontravam vazias à espera de
valorização; favelas em áreas públicas resultantes da ocupação de áreas
doadas ao Poder blico por loteamentos; cortiços improvisados em
casarões deteriorados e sem as mínimas condições de habitabilidade;
loteamentos clandestinos e irregulares; conjuntos habitacionais
ocupados e sob ameaça de despejo; casas sem "habite-se", etc. Além
disso, a irregularidade produzida pelas classe média e alta, que tem hoje
na figura do condomínio fechado (burlando a lei de parcelamento do solo)
e da privatização da orla marítima e fluvial algumas de suas expressões
mais importantes.
Diante desta realidade apresentada, uma das mais nefastas conseqüências
desse processo de produção irregular das cidades é a degradação ambiental dos
296
MENDONÇA, Jupira Gomes de. Plano Diretor, Gestão Urbana e Descentralização: Novos
Caminhos, Novos Debates. In: FERNANDES, Edésio (Org.). Direito Urbanístico e Política Urbana
no Brasil. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p.156.
297
DI GIUSEPPE, Diana. Operações Urbanas Consorciadas. In: Estatuto da cidade. FUNDAÇÃO
PREFEITO FARIA LIMA – CEPAM. Mariana Moreira (coord.). São Paulo, 2001, p. 379-380.
cenários urbanos. A falta de acesso regular a um espaço de radicação nas cidades
leva, conseqüentemente, a população carente a buscar alternativas junto ao
mercado imobiliário ilegal, que atua quase sempre em áreas ambientalmente
vulneráveis (justamente aquelas áreas “excluídas”, por suas características e
gravames legais, do mercado imobiliário regular) loteando áreas de preservação
ambiental como encostas e topos de morro, matas nativas e margens de mananciais
e cursos d’água.
298
É importante destacar, ainda, que é facultado aos proprietários de imóveis
localizados nas áreas de Operações Urbanas utilizá-lo de acordo com os parâmetros
estabelecidos na legislação que permanece em vigência. Desse modo, àqueles
proprietários que não queiram ou não possam participar do plano urbanístico,
permanece garantido o direito de utilização das suas propriedades urbanas segundo
o zoneamento vigente.
Partindo do estudo dos aspectos históricos que deram origem as primeiras
cidades, após dos marcos normativo-constitucionais, políticos, econômicos e sociais
da ocupação do solo urbano no Brasil, verifica-se que o fomento da participação dos
habitantes das cidades, confere ao Poder Público municipal, em parceria com os
diversos setores da iniciativa privada, subsidiado pelo Estatuto da Cidade e pelo
Plano Diretor, um instrumento urbanístico ímpar e altamente estruturado para a
consecução de políticas públicas de desenvolvimento e planejamento urbanísticos
nas cidades brasileiras, sobretudo visando a regularização e reordenação do espaço
urbano no Brasil, denominado Operações Urbanas Consorciadas.
Apesar de se apresentar como um instrumento urbanístico de recente criação,
há um consenso em torno da validade de sua aplicação, efetivando-se como
importante parceria entre o Poder Público e os diferentes setores da sociedade na
gestão da cidade, como forma de superação das dificuldades que o Estado enfrenta.
Justifica-se, portanto, sua importância para a consecução de uma nova e moderna
forma de gestão, caracterizando seu uso pelo caráter redistributivo, pelo potencial de
arrecadação, e pelas perspectivas de reestruturação ou reurbanização de áreas
298
ROLNIK, Raquel. O que é cidade? São Paulo: Brasiliense, 1996, p. 09-14.
degradadas ou desprovidas de infra-estrutura e serviços urbanos, ou mesmo para
redirecionar o crescimento e expansão dentro do espaço urbano existente, com o
aporte e participação do financiamento privado.
As operações urbanas consorciadas, portanto, com observância das diretrizes
de gestão democrática de sua implementação, mediante informação e participação
da sociedade civil, de sua adequação aos aspectos peculiares de cada uma, de sua
capacidade de mobilização da iniciativa privada, de do Poder Público do município, a
fim de que o interesse público seja verdadeiramente alcançado, de expressar de
modo mais concreto a lei municipal do Plano Diretor, seriam uma parceria entre os
setores públicos e privado, e a sociedade civil, na busca de melhorias sociais,
valorização do meio ambiente e transformações urbanas estruturais.
Assim, a experiência de efetivação das operações urbanas no Brasil, deve-se
pela conjunção da ação do Poder Público em consonância com o efetivo interesse
da iniciativa privada em investir. Desta forma, sendo o objetivo do instrumento a
reestruturação e reurbanização de áreas indicadas pelo Plano Diretor como
necessárias e estratégicas, necessário se faz o estabelecimento de uma política
global imobiliária e fundiária como estratégia importante para a própria viabilização
das operações.
A necessidade de intervenções no campo do urbanismo, do projeto urbano,
tratando setores do território de forma singular e trabalhando o desenho de espaços
públicos é real e pode constituir um dos objetivos da aplicação deste instrumento.
Entretanto, uma visão global da cidade em relação à segmentação dos mercados, às
formas de produção da cidade e sua relação com o tecido econômico social
resultante é pré-requisito para a definição da área que deva ser objeto de uma
operação e de seu programa.
Por outro lado, ao longo dos anos, operações urbanísticas, restritas a apenas
um empreendimento, em reduzido espaço territorial, foram sendo praticadas pelas
prefeituras sob a denominação de “operações urbanas”. Estas pequenas operações,
envolvem tanto a doação de contrapartidas obrigatórias dependendo da natureza do
empreendimento, como concessões específicas de potencial adicional de construção
em troca de contrapartidas públicas, definidas na lei específica, que gerou o
empreendimento. Neste caso as operações têm servido, de forma geral, a promover
pequenas intervenções, em escala local, geralmente vinculadas à obtenção de
espaços públicos, áreas verdes e equipamentos coletivos, solucionando,
emergencialmente, a falta de recursos públicos para serem investidos nestes
espaços urbano.
Embora as Operações Urbanas Consorciadas pareçam instrumentos de
reforma urbana que englobem uma dimensão física mais abrangente, devem ser
compreendidas, simplesmente, como formas de parceria entre os setores público e
privado, tendo como principal objetivo promover novo modo de gestão do espaço
urbano e para a implementação das políticas blicas de desenvolvimento e
planejamento das cidades brasileiras.
Consubstancia-se, portanto, como novo instrumento colocado à disposição dos
governos municipais, sobretudo ao viabilizar obras e melhorias de interesse público
com recursos provenientes do setor privado, bem como ao estabelecer uma nova
forma de relacionamento entre o Poder Público e os setores da sociedade, que se
tornam mais participativos, diante da implementação de projetos e programas
urbanísticos com vista ao desenvolvimento e planejamento do espaço urbano nas
cidades brasileiras.
CONCLUSÃO
Na presente dissertação, buscou-se, inicialmente, através do resgate dos
principais aspectos históricos que embasaram a formação e o desenvolvimento do
espaço urbano, fixar as bases do presente estudo. Assim, ao estabelecer os marcos
normativo-constitucionais, políticos, econômicos e sociais que caracterizaram a
formação e o desenvolvimento do espaço urbano no Brasil, acabam evidenciados os
principais aspectos que configuraram o cenário urbanístico do território brasileiro.
Dentre eles, o caos urbano formado nas cidades no decorrer do século passado,
oriundo do crescente adensamento populacional e da ocupação desordenada do
espaço urbano, tornou a tarefa de planejar as cidades não somente um desafio no
sentido de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e
garantir a infra-estrutura e os serviços básicos para o bem-estar de seus habitantes,
mas também uma questão de responsabilidade conjunta do Poder Público, da
sociedade e da iniciativa privada no ato da gestão das cidades.
Paralelamente ao adensamento populacional e, sobretudo ao desenfreado
processo de urbanização ocorrido nas cidades brasileiras, as desigualdades que se
formam são caracterizadas, principalmente, pelo déficit habitacional, fruto, de um
assentamento desordenado, pela inexistência, deficiência e falta de qualidade dos
serviços e da infra-estrutura existentes, pela ocupação predatória e inadequada de
áreas, muitas vezes, localizadas em pontos de risco ou de proteção ambiental, e
pelos conflitos sociais e fundiários. Ainda, a crescente ocupação destas áreas
ocasiona mazelas de ordem natural, como enchentes, erosões e contaminação dos
mananciais, onde os primeiros prejudicados são os habitantes daqueles locais e,
com o descontrole desses processos, atingirão a cidade como um todo.
O espaço urbano pode se apresentar irregular por diversos motivos, de
diversas formas e em diferentes áreas no Brasil. Assim, o intenso processo de
urbanização, verificado em diversas cidades brasileiras, consolidou a necessidade
do surgimento de um urbanismo moderno, a partir da realização de obras de
saneamento e infra-estrutura básica, promoção de um embelezamento paisagístico,
implantação de uma normatização quanto ao mercado imobiliário e de regras de
planejamento e desenvolvimento urbanos. Porém, o mesmo não contemplou todos
os setores, e a população excluída acabou expulsa dos centros urbanos, refugiando-
se em regiões periféricas, imediações de morros, ou áreas distantes, que ocasionam
o surgimento de núcleos urbanos irregulares e de favelas.
Os problemas de ordem urbana, enfrentados atualmente no Brasil, o, como
verificado, um legado da História, originados pela ocupação e desenvolvimento
irregulares das cidades. Portanto, resolver estes problemas se torna tarefa das mais
urgentes, sendo necessário a implantação de instrumentos urbanísticos de
reorganização, reordenação, planejamento e desenvolvimento do espaço urbano
existente. A consecução destas políticas urbanas deve visar, prioritariamente, a
reabilitação das áreas degradadas, a redefinição funcional destas áreas, a promoção
de programas de renovação do espaço urbano, bem como o ordenamento e
planejamento do trânsito, buscando a solução das demandas urbanas, agregando,
para tanto, o esforço estatal, a iniciativa privada e a participação da sociedade.
Atualmente, diante da inclusão de novos valores, sobretudo advindos com a
promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, como a
exigência do cumprimento das funções social e ambiental da propriedade e da
cidade, é certo que a propriedade não comporta mais o caráter absoluto de sua
utilização individualista. Assim, em matéria de desenvolvimento, organização e
planejamento urbanístico, nossa Carta Constitucional foi inovadora, sobretudo com a
inclusão de capítulo próprio sobre a Política Urbana, e definindo o Plano Diretor
como instrumento básico para tanto, bem como estabelecendo ao Poder Público
municipal a responsabilidade pela sua execução, podendo, para tanto, contar com a
cooperação da iniciativa privada e dos demais setores da sociedade. Como forma de
implementação destas diretrizes, necessário se fez a regulamentação do texto
constitucional, fato que logrou êxito a partir da Lei n° 10.257, de 10 de julho de 2001,
denominada de Estatuto da Cidade.
Com base nestes preceitos, a elaboração de uma avaliação exemplificativa do
instituto das Operações Urbanas Consorciadas, consubstanciado nos artigos 32 a
34 do referido texto legal, com o intuito de verificar a sua viabilidade como
instrumento de participação popular na gestão democrática da cidade e para
implementação de projetos e programas de planejamento, desenvolvimento e
regularização do espaço urbano no Brasil, bem como alcançar, nos espaços urbanos
existentes, a consecução das transformações urbanísticas necessárias em termos
de infra-estrutura, melhorias sociais e a valorização ambiental, tornou-se o objeto da
presente dissertação.
As Operações Urbanas Consorciadas, apesar de se apresentarem como um
instrumento urbanístico de recente criação, possuem um consenso em torno da
validade de sua aplicação, efetivando-se como importante parceria entre o Poder
Público e os diferentes setores da sociedade na gestão da cidade e na regularização
do espaço urbano. Justifica-se, portanto, sua importância para a consecução de uma
nova e moderna forma de gestão, caracterizando seu uso pelo caráter redistributivo,
pelo potencial de arrecadação, e pelas perspectivas de reestruturação ou
reurbanização de áreas degradadas ou desprovidas de infra-estrutura e serviços
urbanos, ou mesmo para redirecionar o crescimento e expansão dentro do espaço
urbano existente, com o aporte e participação do financiamento privado.
Assim, baseado na análise dos diversos exemplos implementados nas
grandes capitais brasileiras, e dos resultados satisfatórios obtidos, verifica-se que a
experiência de efetivação das Operações Urbanas Consorciadas no Brasil, deve-se
pela conjunção da ação do Poder Público em consonância com o efetivo interesse
da iniciativa privada em investir. Ao mesmo tempo, sendo o objetivo do instrumento
a reestruturação e reurbanização de áreas indicadas pelo Plano Diretor como
necessárias e estratégicas, necessário se faz o estabelecimento de uma política
global imobiliária e fundiária como estratégia importante para a própria viabilização
deste instrumento urbanístico.
Neste sentido, não resta dúvida que a Operação Urbana Consorciada deverá,
também, dar ênfase à proteção do meio ambiente, devendo nas áreas mais
sensíveis e de dificultosa conciliação, como áreas de preservação permanente ou de
eminente risco, procurar resguardar o patrimônio natural no grau máximo possível,
sem deixar de implementar a política de melhoria urbana. Em áreas ocupadas, onde
houve supressão total do bem ambiental, deve, também, ser possibilitada a
execução da operação de modo que sejam garantidas as condições mínimas de
segurança e habitabilidade, que a maioria dos assentamentos se dá em áreas de
risco ambiental, como encostas e áreas de mananciais.
Dentre as experiências de implantação de Operações Urbanas Consorciadas,
sobretudo no Estado de São Paulo, verificou-se que elas somente obtiveram êxito
porque ocorreram em áreas em que existia um grande interesse do mercado
imobiliário. As parcerias realizadas, sob o ponto de vista econômico, ativeram-se
àqueles setores em que, efetivamente, houve interesse da iniciativa privada em
investir. Assim, o objetivo principal deste instrumento, até o presente momento, não
foi reestruturar ou reurbanizar áreas urbanas desprovidas de infra-estrutura, bem
como reorganizar o crescimento e a expansão urbana, mas investir em áreas que
possuíam valorização e interesse pela especulação imobiliário, concentrando, desta
forma, a maioria dos investimentos da cidade.
Ainda, ao longo dos anos, constatou-se que as operações urbanísticas, ficaram
restritas a apenas um empreendimento, implementadas em área de espaço territorial
reduzido. Estas pequenas operações, envolveram tanto a doação de contrapartidas
obrigatórias, dependendo da natureza do empreendimento, como concessões
específicas de potencial adicional de construção, como a troca de outras
contrapartidas públicas, definidas na lei específica, e geradas pelo próprio
empreendimento. De forma geral, as operações têm servido a promover pequenas
intervenções, em escala local, geralmente vinculadas à obtenção de espaços
públicos, áreas verdes e equipamentos coletivos, solucionando, emergencialmente,
a falta de recursos públicos para serem investidos nestes espaços urbanos.
Desta forma, apesar do ambiente favorável à implantação do modelo, os
avanços têm sido tímidos e mais restritos ao plano normativo, destacando-se as
experiências isoladas de alguns municípios que conseguiram alavancar processos
na implementação de Operações Urbanas Consorciadas em adequação aos seus
Planos Diretores, incorporando os novos termos urbanísticos ajustados aos objetivos
e diretrizes fixados no Estatuto da Cidade, sobretudo objetivando, segundo o artigo
, caput, o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade
urbana.
É, através da implementação deste importante instrumento urbanístico, que se
pode buscar a garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à
terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao
transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, contemplado no inciso I do
referido artigo, bem como da concretização da gestão democrática da cidade,
constante nos incisos II e III, através da participação da população, em cooperação
com os governos e a iniciativa privada, no processo de urbanização.
Do mesmo modo, diante do crescente adensamento populacional e da
ocupação desordenada do espaço urbano, sua implementação, em consonância
com os objetivos delineados na lei específica que a instituiu, tende a atender,
também, as diretrizes traçadas pelo inciso IV do artigo do Estatuto da Cidade,
como a distribuição espacial da população em áreas adequadas ao seu
desenvolvimento, evitando, desta forma, as distorções do desenfreado crescimento
urbano, sobretudo ordenando e controlando o uso do solo, de forma a evitar a
utilização inadequada dos imóveis urbanas em relação à infra-estrutura urbana
existente, a deterioração das áreas urbanizadas, a poluição e a degradação
ambiental, preconizadas no inciso VI. Complementando, a oferta de equipamentos
urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos, dispostos no inciso V,
consubstanciam-se no mínimo necessário para que esta população viva com
dignidade, dentro de uma política urbana adequada aos interesses e necessidades
da população local.
Importante destacar, ainda, que, nos processos de implantação de
empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio
ambiente natural ou construído, o conforto ou a segurança das áreas existentes,
como pode ocorrer quando da implantação de uma Operação Urbana Consorciada,
o artigo 2°, inciso XIII, é claro ao determinar a realização de audiência entre o Poder
Público municipal e a população diretamente interessada, visto que vez que as
atividades a serem desenvolvidas numa iniciativa como esta, inevitavelmente têm
efeitos sobre o meio ambiente natural ou construído, gerando transformações
urbanísticas e estruturais, ou seja, uma profunda mudança no espaço urbano, dando
lhe o cunho de instrumento de atuação-ação-gestão democrática da cidade para a
promoção do pleno desenvolvimento do espaço urbano.
Embora as operações urbanas consorciadas pareçam instrumentos de reforma
urbana que englobem projetos urbanísticos com dimensão física mais abrangente,
devem ser compreendidas, simplesmente, como formas de parceria entre os setores
público e privado, tendo como principal objetivo promover um novo modo de gestão
do espaço urbano, para a implementação de políticas públicas de desenvolvimento e
planejamento das cidades brasileiras.
Por conseguinte, constata-se que, enquanto não houver a implantação desses
novos modelos de instrumentos urbanísticos, com o objetivo de alcançar, nas áreas
determinadas em lei, as transformações urbanísticas infra-estruturais, sociais e de
valorização ambiental necessárias, restará à população, diante do crescente
adensamento populacional e da ocupação desordenada do espaço urbano, ocupar
as áreas periféricas, mais baratas, pois desprovidas de infra-estrutura básica, ou
ocupar áreas ambientalmente frágeis ou inadequadas, que, para serem urbanizadas,
necessitam de planejamento e organização, o que não acaba ocorrendo na maioria
das ocasiões, tendo em vista o alto custo a ser comprometido pelos entes públicos,
destinados a implementar políticas públicas de desenvolvimento e planejamento
nestes espaços urbanos.
Por fim, pode-se concluir que as Operações Urbanas Consorciadas se
consubstanciam como novo instrumento urbanístico colocado à disposição dos
governos municipais, sobretudo para viabilizar obras e melhorias de interesse
público com recursos provenientes do setor privado, bem como para estabelecer
uma nova forma de relacionamento entre o Poder Público e os setores da
sociedade, que se tornam mais participativos, diante da implementação de projetos e
programas urbanísticos com vista ao desenvolvimento e planejamento do espaço
urbano nas cidades brasileiras. Constitui-se, portanto, na implantação de um novo
modelo de gestão da política urbana, com a participação dos maiores interessados:
a comunidade.
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Acesso em: 17 jun 2007.
ANEXOS
Anexo A – Constituição da República Federativa do Brasil – artigos 182 e 183.
CAPÍTULO II - DA POLÍTICA URBANA
Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público
municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus
habitantes.
§ - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para
cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de
desenvolvimento e de expansão urbana.
§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às
exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.
§ - As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa
indenização em dinheiro.
§ 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área
incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo
urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado
aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:
I - parcelamento ou edificação compulsórios;
II - imposto sobre propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;
III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de
emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até
dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da
indenização e os juros legais.
Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e
cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição,
utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que
não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1º - O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou
à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
§ 2º - Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de 1 vez.
§ 3º - Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.
Anexo B – Estatuto da Cidade – Lei n° 10.257 de 10 de julho de 2001.
LEI N
o
10.257, DE 10 DE JULHO DE 2001.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA. Faço saber que o Congresso Nacional
decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
CAPÍTULO I
DIRETRIZES GERAIS
Art. 1
o
Na execução da política urbana, de que tratam os arts. 182 e 183 da
Constituição Federal, será aplicado o previsto nesta Lei.
Parágrafo único. Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da
Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso
da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos
cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.
Art. 2
o
A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das
funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes
gerais:
I garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra
urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte
e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras
gerações;
II gestão democrática por meio da participação da população e de
associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação,
execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento
urbano;
III cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores da
sociedade no processo de urbanização, em atendimento ao interesse social;
IV planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da
população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de
influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus
efeitos negativos sobre o meio ambiente;
V – oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços
públicos adequados aos interesses e necessidades da população e às
características locais;
VI – ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar:
a) a utilização inadequada dos imóveis urbanos;
b) a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes;
c) o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou inadequados
em relação à infra-estrutura urbana;
d) a instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionar como
pólos geradores de tráfego, sem a previsão da infra-estrutura correspondente;
e) a retenção especulativa de imóvel urbano, que resulte na sua subutilização
ou não utilização;
f) a deterioração das áreas urbanizadas;
g) a poluição e a degradação ambiental;
VII integração e complementaridade entre as atividades urbanas e rurais,
tendo em vista o desenvolvimento socioeconômico do Município e do território sob
sua área de influência;
VIII adoção de padrões de produção e consumo de bens e serviços e de
expansão urbana compatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental, social e
econômica do Município e do território sob sua área de influência;
IX – justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de
urbanização;
X – adequação dos instrumentos de política econômica, tributária e financeira e
dos gastos públicos aos objetivos do desenvolvimento urbano, de modo a privilegiar
os investimentos geradores de bem-estar geral e a fruição dos bens pelos diferentes
segmentos sociais;
XI recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha resultado a
valorização de imóveis urbanos;
XII proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e
construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico;
XIII audiência do Poder Público municipal e da população interessada nos
processos de implantação de empreendimentos ou atividades com efeitos
potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou construído, o conforto
ou a segurança da população;
XIV regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população
de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização,
uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da
população e as normas ambientais;
XV simplificação da legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo e
das normas edilícias, com vistas a permitir a redução dos custos e o aumento da
oferta dos lotes e unidades habitacionais;
XVI isonomia de condições para os agentes públicos e privados na promoção
de empreendimentos e atividades relativos ao processo de urbanização, atendido o
interesse social.
Art. 3
o
Compete à União, entre outras atribuições de interesse da política
urbana:
I – legislar sobre normas gerais de direito urbanístico;
II legislar sobre normas para a cooperação entre a União, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios em relação à política urbana, tendo em vista o
equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional;
III promover, por iniciativa própria e em conjunto com os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios, programas de construção de moradias e a melhoria das
condições habitacionais e de saneamento básico;
IV – instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação,
saneamento básico e transportes urbanos;
V elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território
e de desenvolvimento econômico e social.
CAPÍTULO II
DOS INSTRUMENTOS DA POLÍTICA URBANA
Seção I
Dos instrumentos em geral
Art. 4
o
Para os fins desta Lei, serão utilizados, entre outros instrumentos:
I planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e de
desenvolvimento econômico e social;
II planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e
microrregiões;
III – planejamento municipal, em especial:
a) plano diretor;
b) disciplina do parcelamento, do uso e da ocupação do solo;
c) zoneamento ambiental;
d) plano plurianual;
e) diretrizes orçamentárias e orçamento anual;
f) gestão orçamentária participativa;
g) planos, programas e projetos setoriais;
h) planos de desenvolvimento econômico e social;
IV – institutos tributários e financeiros:
a) imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana - IPTU;
b) contribuição de melhoria;
c) incentivos e benefícios fiscais e financeiros;
V – institutos jurídicos e políticos:
a) desapropriação;
b) servidão administrativa;
c) limitações administrativas;
d) tombamento de imóveis ou de mobiliário urbano;
e) instituição de unidades de conservação;
f) instituição de zonas especiais de interesse social;
g) concessão de direito real de uso;
h) concessão de uso especial para fins de moradia;
i) parcelamento, edificação ou utilização compulsórios;
j) usucapião especial de imóvel urbano;
l) direito de superfície;
m) direito de preempção;
n) outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso;
o) transferência do direito de construir;
p) operações urbanas consorciadas;
q) regularização fundiária;
r) assistência técnica e jurídica gratuita para as comunidades e grupos sociais
menos favorecidos;
s) referendo popular e plebiscito;
VI estudo prévio de impacto ambiental (EIA) e estudo prévio de impacto de
vizinhança (EIV).
§ 1
o
Os instrumentos mencionados neste artigo regem-se pela legislação que
lhes é própria, observado o disposto nesta Lei.
§ 2
o
Nos casos de programas e projetos habitacionais de interesse social,
desenvolvidos por órgãos ou entidades da Administração Pública com atuação
específica nessa área, a concessão de direito real de uso de imóveis públicos
poderá ser contratada coletivamente.
§ 3
o
Os instrumentos previstos neste artigo que demandam dispêndio de
recursos por parte do Poder Público municipal devem ser objeto de controle social,
garantida a participação de comunidades, movimentos e entidades da sociedade
civil.
Seção II
Do parcelamento, edificação ou utilização compulsórios
Art. 5
o
Lei municipal específica para área incluída no plano diretor poderá
determinar o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios do solo urbano
não edificado, subutilizado ou não utilizado, devendo fixar as condições e os prazos
para implementação da referida obrigação.
§ 1
o
Considera-se subutilizado o imóvel:
I cujo aproveitamento seja inferior ao mínimo definido no plano diretor ou em
legislação dele decorrente;
II – (VETADO)
§ 2
o
O proprietário será notificado pelo Poder Executivo municipal para o
cumprimento da obrigação, devendo a notificação ser averbada no cartório de
registro de imóveis.
§ 3
o
A notificação far-se-á:
I por funcionário do órgão competente do Poder Público municipal, ao
proprietário do imóvel ou, no caso de este ser pessoa jurídica, a quem tenha
poderes de gerência geral ou administração;
II por edital quando frustrada, por três vezes, a tentativa de notificação na
forma prevista pelo inciso I.
§ 4
o
Os prazos a que se refere o caput não poderão ser inferiores a:
I - um ano, a partir da notificação, para que seja protocolado o projeto no órgão
municipal competente;
II - dois anos, a partir da aprovação do projeto, para iniciar as obras do
empreendimento.
§ 5
o
Em empreendimentos de grande porte, em caráter excepcional, a lei
municipal específica a que se refere o caput poderá prever a conclusão em etapas,
assegurando-se que o projeto aprovado compreenda o empreendimento como um
todo.
Art. 6
o
A transmissão do imóvel, por ato inter vivos ou causa mortis, posterior à
data da notificação, transfere as obrigações de parcelamento, edificação ou
utilização previstas no art. 5
o
desta Lei, sem interrupção de quaisquer prazos.
Seção III
Do IPTU progressivo no tempo
Art. 7
o
Em caso de descumprimento das condições e dos prazos previstos na
forma do caput do art. 5
o
desta Lei, ou não sendo cumpridas as etapas previstas no
§ 5
o
do art. 5
o
desta Lei, o Município procederá à aplicação do imposto sobre a
propriedade predial e territorial urbana (IPTU) progressivo no tempo, mediante a
majoração da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos.
§ 1
o
O valor da alíquota a ser aplicado a cada ano será fixado na lei específica
a que se refere o caput do art. 5
o
desta Lei e não excederá a duas vezes o valor
referente ao ano anterior, respeitada a alíquota máxima de quinze por cento.
§ 2
o
Caso a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar o esteja atendida em
cinco anos, o Município manterá a cobrança pela alíquota máxima, até que se
cumpra a referida obrigação, garantida a prerrogativa prevista no art. 8
o
.
§ 3
o
É vedada a concessão de isenções ou de anistia relativas à tributação
progressiva de que trata este artigo.
Seção IV
Da desapropriação com pagamento em títulos
Art. 8
o
Decorridos cinco anos de cobrança do IPTU progressivo sem que o
proprietário tenha cumprido a obrigação de parcelamento, edificação ou utilização, o
Município poderá proceder à desapropriação do imóvel, com pagamento em títulos
da dívida pública.
§ 1
o
Os títulos da dívida pública terão prévia aprovação pelo Senado Federal e
serão resgatados no prazo de até dez anos, em prestações anuais, iguais e
sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais de seis por
cento ao ano.
§ 2
o
O valor real da indenização:
I – refletirá o valor da base de cálculo do IPTU, descontado o montante
incorporado em função de obras realizadas pelo Poder Público na área onde o
mesmo se localiza após a notificação de que trata o § 2
o
do art. 5
o
desta Lei;
II não computará expectativas de ganhos, lucros cessantes e juros
compensatórios.
§ 3
o
Os títulos de que trata este artigo não terão poder liberatório para
pagamento de tributos.
§ 4
o
O Município procederá ao adequado aproveitamento do imóvel no prazo
máximo de cinco anos, contado a partir da sua incorporação ao patrimônio público.
§ 5
o
O aproveitamento do imóvel poderá ser efetivado diretamente pelo Poder
Público ou por meio de alienação ou concessão a terceiros, observando-se, nesses
casos, o devido procedimento licitatório.
§ 6
o
Ficam mantidas para o adquirente de imóvel nos termos do § 5
o
as
mesmas obrigações de parcelamento, edificação ou utilização previstas no art. 5
o
desta Lei.
Seção V
Da usucapião especial de imóvel urbano
Art. 9
o
Aquele que possuir como sua área ou edificação urbana de até duzentos
e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição,
utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que
não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1
o
O título de domínio será conferido ao homem ou à mulher, ou a ambos,
independentemente do estado civil.
§ 2
o
O direito de que trata este artigo não será reconhecido ao mesmo
possuidor mais de uma vez.
§ 3
o
Para os efeitos deste artigo, o herdeiro legítimo continua, de pleno direito,
a posse de seu antecessor, desde que resida no imóvel por ocasião da abertura
da sucessão.
Art. 10. As áreas urbanas com mais de duzentos e cinqüenta metros
quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco
anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos
ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente,
desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1
o
O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este artigo,
acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas.
§ 2
o
A usucapião especial coletiva de imóvel urbano será declarada pelo juiz,
mediante sentença, a qual servirá de título para registro no cartório de registro de
imóveis.
§ 3
o
Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor,
independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de
acordo escrito entre os condôminos, estabelecendo frações ideais diferenciadas.
§ 4
o
O condomínio especial constituído é indivisível, não sendo passível de
extinção, salvo deliberação favorável tomada por, no mínimo, dois terços dos
condôminos, no caso de execução de urbanização posterior à constituição do
condomínio.
§ 5
o
As deliberações relativas à administração do condomínio especial serão
tomadas por maioria de votos dos condôminos presentes, obrigando também os
demais, discordantes ou ausentes.
Art. 11. Na pendência da ação de usucapião especial urbana, ficarão
sobrestadas quaisquer outras ações, petitórias ou possessórias, que venham a ser
propostas relativamente ao imóvel usucapiendo.
Art. 12. São partes legítimas para a propositura da ação de usucapião especial
urbana:
I – o possuidor, isoladamente ou em litisconsórcio originário ou superveniente;
II – os possuidores, em estado de composse;
III como substituto processual, a associação de moradores da comunidade,
regularmente constituída, com personalidade jurídica, desde que explicitamente
autorizada pelos representados.
§ 1
o
Na ação de usucapião especial urbana é obrigatória a intervenção do
Ministério Público.
§ 2
o
O autor terá os benefícios da justiça e da assistência judiciária gratuita,
inclusive perante o cartório de registro de imóveis.
Art. 13. A usucapião especial de imóvel urbano poderá ser invocada como
matéria de defesa, valendo a sentença que a reconhecer como título para registro no
cartório de registro de imóveis.
Art. 14. Na ação judicial de usucapião especial de imóvel urbano, o rito
processual a ser observado é o sumário.
Seção VI
Da concessão de uso especial para fins de moradia
Art. 15. (VETADO)
Art. 16. (VETADO)
Art. 17. (VETADO)
Art. 18. (VETADO)
Art. 19. (VETADO)
Art. 20. (VETADO)
Seção VII
Do direito de superfície
Art. 21. O proprietário urbano poderá conceder a outrem o direito de superfície
do seu terreno, por tempo determinado ou indeterminado, mediante escritura pública
registrada no cartório de registro de imóveis.
§ 1
o
O direito de superfície abrange o direito de utilizar o solo, o subsolo ou o
espaço aéreo relativo ao terreno, na forma estabelecida no contrato respectivo,
atendida a legislação urbanística.
§ 2
o
A concessão do direito de superfície poderá ser gratuita ou onerosa.
§ 3
o
O superficiário responderá integralmente pelos encargos e tributos que
incidirem sobre a propriedade superficiária, arcando, ainda, proporcionalmente à sua
parcela de ocupação efetiva, com os encargos e tributos sobre a área objeto da
concessão do direito de superfície, salvo disposição em contrário do contrato
respectivo.
§ 4
o
O direito de superfície pode ser transferido a terceiros, obedecidos os
termos do contrato respectivo.
§ 5
o
Por morte do superficiário, os seus direitos transmitem-se a seus herdeiros.
Art. 22. Em caso de alienação do terreno, ou do direito de superfície, o
superficiário e o proprietário, respectivamente, terão direito de preferência, em
igualdade de condições à oferta de terceiros.
Art. 23. Extingue-se o direito de superfície:
I – pelo advento do termo;
II pelo descumprimento das obrigações contratuais assumidas pelo
superficiário.
Art. 24. Extinto o direito de superfície, o proprietário recuperará o pleno domínio
do terreno, bem como das acessões e benfeitorias introduzidas no imóvel,
independentemente de indenização, se as partes não houverem estipulado o
contrário no respectivo contrato.
§ 1
o
Antes do termo final do contrato, extinguir-se-á o direito de superfície se o
superficiário der ao terreno destinação diversa daquela para a qual for concedida.
§ 2
o
A extinção do direito de superfície será averbada no cartório de registro de
imóveis.
Seção VIII
Do direito de preempção
Art. 25. O direito de preempção confere ao Poder Público municipal preferência
para aquisição de imóvel urbano objeto de alienação onerosa entre particulares.
§ 1
o
Lei municipal, baseada no plano diretor, delimitará as áreas em que incidirá
o direito de preempção e fixará prazo de vigência, não superior a cinco anos,
renovável a partir de um ano após o decurso do prazo inicial de vigência.
§ 2
o
O direito de preempção fica assegurado durante o prazo de vigência fixado
na forma do § 1
o
, independentemente do número de alienações referentes ao
mesmo imóvel.
Art. 26. O direito de preempção seexercido sempre que o Poder Público
necessitar de áreas para:
I – regularização fundiária;
II – execução de programas e projetos habitacionais de interesse social;
III – constituição de reserva fundiária;
IV – ordenamento e direcionamento da expansão urbana;
V – implantação de equipamentos urbanos e comunitários;
VI – criação de espaços públicos de lazer e áreas verdes;
VII criação de unidades de conservação ou proteção de outras áreas de
interesse ambiental;
VIII – proteção de áreas de interesse histórico, cultural ou paisagístico;
IX – (VETADO)
Parágrafo único. A lei municipal prevista no § 1
o
do art. 25 desta Lei deverá
enquadrar cada área em que incidirá o direito de preempção em uma ou mais das
finalidades enumeradas por este artigo.
Art. 27. O proprietário deverá notificar sua intenção de alienar o imóvel, para
que o Município, no prazo ximo de trinta dias, manifeste por escrito seu interesse
em comprá-lo.
§ 1
o
À notificação mencionada no caput se anexada proposta de compra
assinada por terceiro interessado na aquisição do imóvel, da qual constarão preço,
condições de pagamento e prazo de validade.
§ 2
o
O Município fará publicar, em órgão oficial e em pelo menos um jornal local
ou regional de grande circulação, edital de aviso da notificação recebida nos termos
do caput e da intenção de aquisição do imóvel nas condições da proposta
apresentada.
§ 3
o
Transcorrido o prazo mencionado no caput sem manifestação, fica o
proprietário autorizado a realizar a alienação para terceiros, nas condições da
proposta apresentada.
§ 4
o
Concretizada a venda a terceiro, o proprietário fica obrigado a apresentar
ao Município, no prazo de trinta dias, cópia do instrumento público de alienação do
imóvel.
§ 5
o
A alienação processada em condições diversas da proposta apresentada é
nula de pleno direito.
§ 6
o
Ocorrida a hipótese prevista no § 5
o
o Município poderá adquirir o imóvel
pelo valor da base de cálculo do IPTU ou pelo valor indicado na proposta
apresentada, se este for inferior àquele.
Seção IX
Da outorga onerosa do direito de construir
Art. 28. O plano diretor poderá fixar áreas nas quais o direito de construir
poderá ser exercido acima do coeficiente de aproveitamento básico adotado,
mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário.
§ 1
o
Para os efeitos desta Lei, coeficiente de aproveitamento é a relação entre a
área edificável e a área do terreno.
§ 2
o
O plano diretor poderá fixar coeficiente de aproveitamento básico único
para toda a zona urbana ou diferenciado para áreas específicas dentro da zona
urbana.
§ 3
o
O plano diretor definirá os limites máximos a serem atingidos pelos
coeficientes de aproveitamento, considerando a proporcionalidade entre a infra-
estrutura existente e o aumento de densidade esperado em cada área.
Art. 29. O plano diretor poderá fixar áreas nas quais poderá ser permitida
alteração de uso do solo, mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário.
Art. 30. Lei municipal específica estabelecerá as condições a serem observadas
para a outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso, determinando:
I – a fórmula de cálculo para a cobrança;
II – os casos passíveis de isenção do pagamento da outorga;
III – a contrapartida do beneficiário.
Art. 31. Os recursos auferidos com a adoção da outorga onerosa do direito de
construir e de alteração de uso serão aplicados com as finalidades previstas nos
incisos I a IX do art. 26 desta Lei.
Seção X
Das operações urbanas consorciadas
Art. 32. Lei municipal específica, baseada no plano diretor, poderá delimitar
área para aplicação de operações consorciadas.
§ 1
o
Considera-se operação urbana consorciada o conjunto de intervenções e
medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos
proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o
objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias
sociais e a valorização ambiental.
§ 2
o
Poderão ser previstas nas operações urbanas consorciadas, entre outras
medidas:
I a modificação de índices e características de parcelamento, uso e ocupação
do solo e subsolo, bem como alterações das normas edilícias, considerado o
impacto ambiental delas decorrente;
II a regularização de construções, reformas ou ampliações executadas em
desacordo com a legislação vigente.
Art. 33. Da lei específica que aprovar a operação urbana consorciada constará
o plano de operação urbana consorciada, contendo, no mínimo:
I – definição da área a ser atingida;
II – programa básico de ocupação da área;
III programa de atendimento econômico e social para a população
diretamente afetada pela operação;
IV – finalidades da operação;
V – estudo prévio de impacto de vizinhança;
VI – contrapartida a ser exigida dos proprietários, usuários permanentes e
investidores privados em função da utilização dos benefícios previstos nos incisos I e
II do § 2
o
do art. 32 desta Lei;
VII – forma de controle da operação, obrigatoriamente compartilhado com
representação da sociedade civil.
§ 1
o
Os recursos obtidos pelo Poder Público municipal na forma do inciso VI
deste artigo serão aplicados exclusivamente na própria operação urbana
consorciada.
§ 2
o
A partir da aprovação da lei específica de que trata o caput, são nulas as
licenças e autorizações a cargo do Poder Público municipal expedidas em
desacordo com o plano de operação urbana consorciada.
Art. 34. A lei específica que aprovar a operação urbana consorciada poderá
prever a emissão pelo Município de quantidade determinada de certificados de
potencial adicional de construção, que serão alienados em leilão ou utilizados
diretamente no pagamento das obras necessárias à própria operação.
§ 1
o
Os certificados de potencial adicional de construção serão livremente
negociados, mas conversíveis em direito de construir unicamente na área objeto da
operação.
§ 2
o
Apresentado pedido de licença para construir, o certificado de potencial
adicional será utilizado no pagamento da área de construção que supere os padrões
estabelecidos pela legislação de uso e ocupação do solo, até o limite fixado pela lei
específica que aprovar a operação urbana consorciada.
Seção XI
Da transferência do direito de construir
Art. 35. Lei municipal, baseada no plano diretor, poderá autorizar o proprietário
de imóvel urbano, privado ou público, a exercer em outro local, ou alienar, mediante
escritura pública, o direito de construir previsto no plano diretor ou em legislação
urbanística dele decorrente, quando o referido imóvel for considerado necessário
para fins de:
I – implantação de equipamentos urbanos e comunitários;
II preservação, quando o imóvel for considerado de interesse histórico,
ambiental, paisagístico, social ou cultural;
III servir a programas de regularização fundiária, urbanização de áreas
ocupadas por população de baixa renda e habitação de interesse social.
§ 1
o
A mesma faculdade poderá ser concedida ao proprietário que doar ao
Poder Público seu imóvel, ou parte dele, para os fins previstos nos incisos I a III do
caput.
§ 2
o
A lei municipal referida no caput estabelecerá as condições relativas à
aplicação da transferência do direito de construir.
Seção XII
Do estudo de impacto de vizinhança
Art. 36. Lei municipal definirá os empreendimentos e atividades privados ou
públicos em área urbana que dependerão de elaboração de estudo prévio de
impacto de vizinhança (EIV) para obter as licenças ou autorizações de construção,
ampliação ou funcionamento a cargo do Poder Público municipal.
Art. 37. O EIV será executado de forma a contemplar os efeitos positivos e
negativos do empreendimento ou atividade quanto à qualidade de vida da população
residente na área e suas proximidades, incluindo a análise, no mínimo, das
seguintes questões:
I – adensamento populacional;
II – equipamentos urbanos e comunitários;
III – uso e ocupação do solo;
IV – valorização imobiliária;
V – geração de tráfego e demanda por transporte público;
VI – ventilação e iluminação;
VII – paisagem urbana e patrimônio natural e cultural.
Parágrafo único. Dar-se-á publicidade aos documentos integrantes do EIV, que
ficarão disponíveis para consulta, no órgão competente do Poder Público municipal,
por qualquer interessado.
Art. 38. A elaboração do EIV não substitui a elaboração e a aprovação de
estudo prévio de impacto ambiental (EIA), requeridas nos termos da legislação
ambiental.
CAPÍTULO III
DO PLANO DIRETOR
Art. 39. A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às
exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor,
assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de
vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas
as diretrizes previstas no art. 2
o
desta Lei.
Art. 40. O plano diretor, aprovado por lei municipal, é o instrumento básico da
política de desenvolvimento e expansão urbana.
§ 1
o
O plano diretor é parte integrante do processo de planejamento municipal,
devendo o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual
incorporar as diretrizes e as prioridades nele contidas.
§ 2
o
O plano diretor deverá englobar o território do Município como um todo.
§ 3
o
A lei que instituir o plano diretor deverá ser revista, pelo menos, a cada dez
anos.
§ 4
o
No processo de elaboração do plano diretor e na fiscalização de sua
implementação, os Poderes Legislativo e Executivo municipais garantirão:
I a promoção de audiências públicas e debates com a participação da
população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade;
II – a publicidade quanto aos documentos e informações produzidos;
III o acesso de qualquer interessado aos documentos e informações
produzidos.
§ 5
o
(VETADO)
Art. 41. O plano diretor é obrigatório para cidades:
I – com mais de vinte mil habitantes;
II – integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas;
III onde o Poder blico municipal pretenda utilizar os instrumentos previstos
no § 4o do art. 182 da Constituição Federal;
IV – integrantes de áreas de especial interesse turístico;
V inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com
significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional.
§ 1
o
No caso da realização de empreendimentos ou atividades enquadrados no
inciso V do caput, os recursos cnicos e financeiros para a elaboração do plano
diretor estarão inseridos entre as medidas de compensação adotadas.
§ 2
o
No caso de cidades com mais de quinhentos mil habitantes, deverá ser
elaborado um plano de transporte urbano integrado, compatível com o plano diretor
ou nele inserido.
Art. 42. O plano diretor deverá conter no mínimo:
I a delimitação das áreas urbanas onde poderá ser aplicado o parcelamento,
edificação ou utilização compulsórios, considerando a existência de infra-estrutura e
de demanda para utilização, na forma do art. 5
o
desta Lei;
II – disposições requeridas pelos arts. 25, 28, 29, 32 e 35 desta Lei;
III – sistema de acompanhamento e controle.
CAPÍTULO IV
DA GESTÃO DEMOCRÁTICA DA CIDADE
Art. 43. Para garantir a gestão democrática da cidade, deverão ser utilizados,
entre outros, os seguintes instrumentos:
I – órgãos colegiados de política urbana, nos níveis nacional, estadual e
municipal;
II – debates, audiências e consultas públicas;
III conferências sobre assuntos de interesse urbano, nos níveis nacional,
estadual e municipal;
IV iniciativa popular de projeto de lei e de planos, programas e projetos de
desenvolvimento urbano;
V – (VETADO)
Art. 44. No âmbito municipal, a gestão orçamentária participativa de que trata a
alínea f do inciso III do art. 4
o
desta Lei incluirá a realização de debates, audiências e
consultas públicas sobre as propostas do plano plurianual, da lei de diretrizes
orçamentárias e do orçamento anual, como condição obrigatória para sua aprovação
pela Câmara Municipal.
Art. 45. Os organismos gestores das regiões metropolitanas e aglomerações
urbanas incluirão obrigatória e significativa participação da população e de
associações representativas dos vários segmentos da comunidade, de modo a
garantir o controle direto de suas atividades e o pleno exercício da cidadania.
CAPÍTULO V
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 46. O Poder blico municipal poderá facultar ao proprietário de área
atingida pela obrigação de que trata o caput do art. 5
o
desta Lei, a requerimento
deste, o estabelecimento de consórcio imobiliário como forma de viabilização
financeira do aproveitamento do imóvel.
§ 1
o
Considera-se consórcio imobiliário a forma de viabilização de planos de
urbanização ou edificação por meio da qual o proprietário transfere ao Poder Público
municipal seu imóvel e, após a realização das obras, recebe, como pagamento,
unidades imobiliárias devidamente urbanizadas ou edificadas.
§ 2
o
O valor das unidades imobiliárias a serem entregues ao proprietário será
correspondente ao valor do imóvel antes da execução das obras, observado o
disposto no § 2
o
do art. 8
o
desta Lei.
Art. 47. Os tributos sobre imóveis urbanos, assim como as tarifas relativas a
serviços públicos urbanos, serão diferenciados em função do interesse social.
Art. 48. Nos casos de programas e projetos habitacionais de interesse social,
desenvolvidos por órgãos ou entidades da Administração Pública com atuação
específica nessa área, os contratos de concessão de direito real de uso de imóveis
públicos:
I terão, para todos os fins de direito, caráter de escritura pública, não se
aplicando o disposto no inciso II do art. 134 do Código Civil;
II constituirão título de aceitação obrigatória em garantia de contratos de
financiamentos habitacionais.
Art. 49. Os Estados e Municípios terão o prazo de noventa dias, a partir da
entrada em vigor desta Lei, para fixar prazos, por lei, para a expedição de diretrizes
de empreendimentos urbanísticos, aprovação de projetos de parcelamento e de
edificação, realização de vistorias e expedição de termo de verificação e conclusão
de obras.
Parágrafo único. Não sendo cumprida a determinação do caput, fica
estabelecido o prazo de sessenta dias para a realização de cada um dos referidos
atos administrativos, que valerá até que os Estados e Municípios disponham em lei
de forma diversa.
Art. 50. Os Municípios que estejam enquadrados na obrigação prevista nos
incisos I e II do art. 41 desta Lei que não tenham plano diretor aprovado na data de
entrada em vigor desta Lei, deverão aprová-lo no prazo de cinco anos.
Art. 51. Para os efeitos desta Lei, aplicam-se ao Distrito Federal e ao
Governador do Distrito Federal as disposições relativas, respectivamente, a
Município e a Prefeito.
Art. 52. Sem prejuízo da punição de outros agentes públicos envolvidos e da
aplicação de outras sanções cabíveis, o Prefeito incorre em improbidade
administrativa, nos termos da Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992,
quando:
I – (VETADO)
II deixar de proceder, no prazo de cinco anos, o adequado aproveitamento do
imóvel incorporado ao patrimônio público, conforme o disposto no § 4
o
do art. 8
o
desta Lei;
III utilizar áreas obtidas por meio do direito de preempção em desacordo com
o disposto no art. 26 desta Lei;
IV aplicar os recursos auferidos com a outorga onerosa do direito de construir
e de alteração de uso em desacordo com o previsto no art. 31 desta Lei;
V aplicar os recursos auferidos com operações consorciadas em desacordo
com o previsto no § 1
o
do art. 33 desta Lei;
VI impedir ou deixar de garantir os requisitos contidos nos incisos I a III do §
4
o
do art. 40 desta Lei;
VII deixar de tomar as providências necessárias para garantir a observância
do disposto no § 3
o
do art. 40 e no art. 50 desta Lei;
VIII adquirir imóvel objeto de direito de preempção, nos termos dos arts. 25 a
27 desta Lei, pelo valor da proposta apresentada, se este for, comprovadamente,
superior ao de mercado.
Art. 53. O art. 1
o
da Lei n
o
7.347, de 24 de julho de 1985, passa a vigorar
acrescido de novo inciso III, remunerando o atual inciso III e os subseqüentes: .(Vide
Medida Provisória n° 2.180-35, de 24.8.2001)
"Art. 1
o
.......................................................
...................................................................
III – à ordem urbanística;
.........................................................." (NR)
Art. 54. O art. 4
o
da Lei n
o
7.347, de 1985, passa a vigorar com a seguinte
redação:
"Art. 4o Poderá ser ajuizada ação cautelar para os fins desta Lei, objetivando,
inclusive, evitar o dano ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem urbanística ou
aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico
(VETADO)." (NR)
Art. 55. O art. 167, inciso I, item 28, da Lei n
o
6.015, de 31 de dezembro de
1973, alterado pela Lei n
o
6.216, de 30 de junho de 1975, passa a vigorar com a
seguinte redação:
"Art. 167. ...................................................
I - ..............................................................
..................................................................
28) das sentenças declaratórias de usucapião, independente da regularidade
do parcelamento do solo ou da edificação;
........................................................." (NR)
Art. 56. O art. 167, inciso I, da Lei n
o
6.015, de 1973, passa a vigorar acrescido
dos seguintes itens 37, 38 e 39:
"Art. 167. ....................................................
I – ..............................................................
37) dos termos administrativos ou das sentenças declaratórias da concessão
de uso especial para fins de moradia, independente da regularidade do
parcelamento do solo ou da edificação;
38) (VETADO)
39) da constituição do direito de superfície de imóvel urbano;" (NR)
Art. 57. O art. 167, inciso II, da Lei n
o
6.015, de 1973, passa a vigorar acrescido
dos seguintes itens 18, 19 e 20:
"Art. 167......................................................
II – ..............................................................
18) da notificação para parcelamento, edificação ou utilização compulsórios de
imóvel urbano;
19) da extinção da concessão de uso especial para fins de moradia;
20) da extinção do direito de superfície do imóvel urbano." (NR)
Art. 58. Esta Lei entra em vigor após decorridos noventa dias de sua
publicação.
Brasília, 10 de julho de 2001; 180
o
da Independência e 113
o
da República.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
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