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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
Ivan Santos Ruppell Júnior
A Ética Protestante no pensamento de João Calvino
São Paulo
2007
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2
IVAN SANTOS RUPPELL JÚNIOR
A ÉTICA PROTESTANTE NO PENSAMENTO DE JOÃO CALVINO
Dissertação apresentada ao curso de Pós-
graduação em Ciências da Religião da
Universidade Presbiteriana Mackenzie, como
requisito parcial para a obtenção do grau de
Mestre em Ciências da Religião.
Orientador: Prof. Dr. Ronaldo Cavalcante
São Paulo
2007
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IVAN SANTOS RUPPELL JÚNIOR
A ÉTICA PROTESTANTE NO PENSAMENTO DE JOÃO CALVINO
Dissertação apresentada à Universidade Presbiteriana
Mackenzie como requisito parcial para obtenção do título
de Mestre em Ciências da Religião.
Aprovada em 12/09/2007.
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Ronaldo de Paula Cavalcante
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Professora Doutora Márcia Mello Costa De Liberal
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Prof. Dr. Paulo Augusto de Souza Nogueira
UMESP
4
Ao Deus Pai, Filho e Espírito Santo, por
seu Amor, Graça e Presença; à minha
esposa e filho, pela alegria de suas
presenças e carinho de seus toques.
5
AGRADECIMENTOS
Ao Dr. Prof. Ronaldo de Paula Cavalcante, meu respeito e gratidão, por sua
amizade e confiança, bem como as seguras orientações e atenção dedicadas nos
momentos fundamentais.
Ao Conselho da Igreja Presbiteriana do Guabirotuba e a cada um dos membros,
pelo apoio e compreensão diante desta jornada individual, em que todos cederam
de si ao meu proveito.
Ao Dr. Reverendo Juarez Marcondes Filho, pela orientação primeira ao curso, pela
confiança e apoio, pelo constante respeito a mim dedicado.
Aos colegas todos, pela compreensão e respeito, apoio e coleguismo, em todo
este precioso tempo juntos de aprendizado e reflexão.
Aos meus familiares, mãe Edi, irmã e irmão, pelo apoio e confiança.
Aos professores e funcionários da Pós-Graduação Mackenzie, pelo ensino e
serviço a mim dedicados, além do respeito e consideração.
À Doutora Professora Márcia Mello de Costa De Liberal, gratidão especial, por me
recordar da razão de minha dissertação, bem como pela prontidão constante e
amizade sincera.
Ao Dr. Prof. Pedro Ronzeli, pelo apoio e amizade, disponíveis sinceramente a
qualquer tempo.
Ao Dr. Prof. Edin Suede Abu Mansur, pela simpatia e respeito dedicados em
demorada entrevista que rendeu importantes informações.
Ao Dr. Prof. Oswaldo Hack, pela consideração e apoio.
Ao meu Pai, Ivan Santos Ruppell, pelo exemplo e dedicação a mim – sempre.
6
RESUMO
Lançado no início do século 20, o livro A Ética Protestante e o Espírito do
Capitalismo tornou-se obra clássica da Sociologia da Religião, ao desenvolver
método de análise social em percebendo a influência da religião na estrutura da
sociedade. Tendo por objeto textos oriundos de grupos Reformados Calvinistas
dos séculos 17 e 18, o sociólogo Max Weber extraiu elementos da doutrina
puritana calvinista que propiciaram uma conduta aos cristãos em meio à
sociedade econômica, gerando assim um novo tipo de capitalismo o capitalismo
moderno ocidental. João Calvino é um dos principais líderes da Reforma
Protestante do século 16, época em que legou à Igreja Cristã e ao mundo,
reconhecida obra de Teologia sistemática Protestante, que se tornou base de
doutrina às Igrejas Reformadas. Nesta dissertação, buscamos apreciar a análise
de Max Weber acerca da ética protestante que denominou espírito do capitalismo,
bem como apreender dos escritos originais de Calvino no século 16, a proposta de
conduta e elementos de doutrina que identificariam uma Ética Protestante original
ao pensamento do reformador. O propósito é conhecer e resgatar o pensamento
próprio a Calvino e assim as verdades e valores formadores de sua distinta ética
cristã orientada à conduta do cristão em sociedade.
7
ABSTRACT
Launched at the beginning of the twentieth century, the book “The Protestant Ethic
and the Spirit of Capitalism” became a classic work of Sociology of Religion, when
it developed a social analysis method feeling the influence of religion in the society
structure. With tests from Calvinists Groups of seventeen and eighteen centuries,
the sociologist Max Weber extract elements from Puritan Calvinist Doctrina which
ones gave a behavior to Christians in the economic society, generating a new type
of capitalism the modern Ocident capitalism. John Calvin was one of the main
leaders of the Protestant Reformation of sixteen century and at this time, he
transmitted to the Christian Church and to the world, an acknowledged work about
Protestant Systematic Theology that became the base of Reformed Churches
Doctrina. In this dissertation, we tried to appreciate the analysis of Max Weber
about Protestan Ethics, which dominated the spirit of capitalism, like to learn from
original writes of Calvin at sixteen century, the proposal of behaviour and elements
of Doctrina tha identified an original Protestant Etchic to the reformer thoughts. The
purpose is to know and to recover the Calvin thoughts and then the trues and
values that formed his different Christian Ethic, to advise the Christian behaviour in
society.
8
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.......................................................................................10
2 A ÉTICA PROTESTANTE E O ESPÍRITO DO CAPITALISMO............13
3 A ÉTICA PROTESTANTE NO PENSAMENTO DE CALVINO.............27
4 DOUTRINAS E CONCEITOS TEOLÓGICOS.......................................60
4.1 A Glória de Deus.............................................................................60
4.2 A Soberania de Deus......................................................................66
4.3 Vocação Religiosa..........................................................................76
4.3.1. Conceito..........................................................................................76
4.3.2. Vocação: Perspectiva Reformada.................................................79
4.3.3. Vocação Secular: O Pensamento de J. Calvino..........................82
4.4 Trabalho: Perspectiva Reformada................................................84
4.5 Liberdade e Responsabilidade Social..........................................90
4.6 Predestinação e Capitalismo.........................................................95
5 CONCLUSÃO......................................................................................100
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................103
9
Oração para antes do trabalho.
“Nosso bom Deus, Pai e Salvador, uma vez que a Ti Te
aprouve ordenar que trabalhemos para podermos atender à
nossa indigência, por Tua graça, de tal modo abençoa nosso
labor que Tua bênção se estenda até s, sem o que ninguém
poderá prosperar no bem, e que tal favor nos sirva para
testemunho de Tua bondade e assistência, mercê da qual
reconheçamos o paternal cuidado que tens de nós. Ademais,
Senhor, que Te apraza assistir-nos por Teu Santo Espírito, para
que possamos exercer fielmente nosso múnus e vocação sem
qualquer dolo nem engano, pelo contrário, que tenhamos antes o
propósito de seguir Tua injunção que satisfazer o desejo de
enriquecer-nos; que se, não obstante, a Ti Te apraz prosperar
nosso labor, que também nos dês a disposição de proporcionar
assistência àqueles que estão na indigência, segundo os
recursos que nos houveres dado, retendo-nos em toda
humildade, a fim de que nos não elevemos acima daqueles que
não hajam recebido tal abundância da Tua dadivosidade (...).“
(CALVINO apud BIÉLER, 1990, p. 513).
10
1 INTRODUÇÃO
No início do século 20 o sociólogo alemão Max Weber publicou obra
clássica da Sociologia da Religião, a Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo,
analisando a formação do capitalismo ocidental a partir de influências religiosas na
sociedade, formalizando uma base teórica de reflexão ao que tem sido tema de
importância regular na sociedade em geral e especialmente dos acadêmicos.
As relações entre religião e sociedade permanecem gerando estudos e
declarações: em recente edição de 27 de junho de 2007, a revista Veja publicou
reportagem revelando a reação de filósofos e pensadores à permanência da idéia
de Deus no mundo, pois, segundo estes, mesmo após o darwinismo explicar a
criação sem Deus há século e meio: “Deus não cedeu espaço na moral, na
cultura, na sociedade, nem mesmo na política”. Eis o princípio que demora a
recrudescer na comunidade dos homens, gerando necessariamente reflexões
múltiplas acerca da capacidade de influência da religiosidade na sociedade.
Acerca deste tema, a análise de Max Weber expressou em seus resultados a
realidade de uma interação profícua e profunda entre os valores religiosos dos
homens e a estruturação de seu meio social.
As relações causais entre capitalismo e calvinismo que a obra anotou
provocam reações no mundo teológico protestante, especialmente em defesa das
doutrinas calvinistas, na busca de esclarecer que jamais gerariam um movimento
tal como o capitalismo moderno. A isto decorre a contrapartida dos sociólogos, em
defesa do método e pesquisa weberiano, declarando que seus resultados
11
oportunizam a real existência dos valores religiosos analisados agindo em prol do
capitalismo. Mas esta discussão não se faz tema desta dissertação.
Para ser capaz de intitular sua obra utilizando o termo Ética
Protestante, Weber serviu-se do ramo reformado puritano ambientado na Nova
Inglaterra dos séculos 17 e 18, enquanto base de suas avaliações. Certamente
não se deve negar que qualquer conduta originária deste ramo carrega consigo
raiz protestante, como também calvinista; pois deste origina, e mais do que isto,
desta raiz afirma o puritanismo ser fiel representante. Portanto, esclarecer a
conduta dos cristãos da Nova Inglaterra perante a economia, denominando tal
atitude sob o título ética protestante, jamais pode ser considerado engano.
Interessante será, porém, a partir da perspectiva de Max Weber quando
anotou os elementos religiosos protestantes dos séculos 17 e 18, formulando seu
tipo ideal como objeto de análise; buscar igualmente da ótica de Calvino, os
elementos e valores de sua peculiar ética aos protestantes, conforme declarada
no século 16, reconhecendo e identificando-os a partir de seus particulares textos
teológicos. Quais as doutrinas de Calvino que impulsionam o cristão à sociedade?
Quais valores devem orientar uma ativa atuação profissional dos protestantes,
conforme ensina o reformador? Qual o significado e o propósito da ética de
Calvino a fim de que seja fundamentada uma conduta cristã social aos fiéis
protestantes? Enfim, qual a essência das afirmações doutrinárias que geram
elementos significativos a fim de que possamos avaliar sua original ética
protestante? – uma Ética Protestante segundo o pensamento de João Calvino.
12
O propósito desta dissertação, portanto, é unir ao debate que relaciona
a ética protestante com o capitalismo, a perspectiva da ética protestante segundo
João Calvino. Não se deseja concordar ou discordar de Max Weber e suas
conclusões acerca do tema; pois, afinal, o objeto e relação analisados pelo
sociólogo não são o tema deste texto. Simplesmente, desejamos apreender, do
próprio João Calvino, que ética orientava ele para a Igreja Cristã quando
desenvolveu o tema da vocação ao cristão em sua vida social.
Dentro desta proposta, dividimos este texto em três tópicos.
Inicialmente, haverá a exposição da análise de Max Weber, tanto para
compreensão da relação que afirma ele existir entre ética protestante e
capitalismo, quanto para definição dos elementos religiosos que a desenvolveram.
O II capítulo versará objetivamente acerca da origem de uma ética de conduta ao
cristão em relação à sociedade bem como seus propósitos, conforme expressão
fiel de textos originais de João Calvino. Assim será exposto no propósito de
melhor promover as distinções entre a ética analisada por Weber e a conduta
orientada por Calvino. O III e último tópico trará conceitos doutrinários pertinentes
ao tema da ética protestante, que clareza e entendimento trarão à pesquisa. Serão
descritos em separado ao desenvolvimento dos elementos e valores de conduta
do cristão para com a sociedade. Pois são fundamentos à teologia sistematizada
de Calvino, e que poderiam nos afastar de uma objetiva compreensão da ética
cotidiana do reformador, se conjuntamente a esta fossem apresentados.
Permanecem, no entanto, como fundamento e estrutura a fim de nos propiciar
melhor entendimento das atitudes sociais calvinistas.
13
2 A ÉTICA PROTESTANTE E O ESPÍRITO DO CAPITALISMO
A Sociologia da religião em Max Weber percebe a Igreja ou instituição
religiosa à luz de uma relação entre dominador e dominados: “Igreja é definida por
Weber como uma associação de dominação que se utiliza de bens de salvação
(...) através de um quadro administrativo que pretende ter o monopólio dessa
coação. Portanto, ela submete seus membros de modo racional e contínuo.”
(BARBOSA e QUINTANEIRO, 2002, p. 135) Observando a comunidade religiosa a
partir da perspectiva de uma relação de dominação que organiza os grupos
humanos em redor de valores que lhes sejam significativos, aqui, os bens de
salvação, Weber tornará sua atenção à forma e processo como estes conteúdos
se realizam em conduta para os membros fiéis, afirmando ser esta relação
essencial à compreensão da estruturação da sociedade.
Max Weber deseja analisar a composição da sociedade a partir da
compreensão inicial da ação social, pois nesta um homem atua orientado segundo
um propósito, buscando influenciar a ação... do outro. “A explicação sociológica
busca compreender e interpretar o sentido, o desenvolvimento e os efeitos da
conduta de um ou mais indivíduos referida a outro ou outros ou seja, da ação
social...” (BARBOSA e QUINTANEIRO, 2002, p. 114) Dentro desta perspectiva,
para valorar o envolvimento dos homens em sociedade e buscando compreender
a relação de dominação que se organiza através dos conteúdos distribuídos aos
membros do grupo religioso, Weber irá ressaltar o necessário processo de
14
racionalização que deverá unir os fiéis à liderança através de condutas
sistematizadas que organizarão seu cotidiano e vivência. “A evolução e a
organização da Igreja e da “religiosidade congregacional como uma estrutura
corporativa a serviço de fins objetivos” supõem um processo de rotinização do
carisma do profeta ou salvador.” (BARBOSA e QUINTANEIRO, 2002, p. 135)
Uma rotinização do carisma que através das ações interligadas em
sentido definido irão prover a comprovação de causalidade dentro da relação que
une os homens, formalizando-os assim enquanto grupo. Assim, a ação social
originada pelo agente de dominação a Igreja, resultará em conteúdo desta que é
absorvido pelos componentes do grupo ao mesmo tempo em que os estrutura e
integra. Estas ações sociais que se originam de um agente para a orientação da
ação do outro precisam ser percebidas em seu significado, processo e resultados,
a fim de que se compreenda então, a qualidade e quantidade da influência de
conteúdos religiosos na sociedade – propósito da Sociologia, segundo Weber.
A oportunidade de se realizar enquanto ciência manifesta-se porque tal
análise social permanece atuante dentro da perspectiva científica a razão
enquanto padrão de análise de seu objeto, necessitando para tanto, captar em seu
olhar o fenômeno em sua razão histórica, de seus atos e fatos. Trata-se de dar
objetividade ao conhecimento histórico, e também sua razoabilidade, sendo
essencial, assim, que certa singularidade ou aspecto relevante lhe seja subtraído,
e então analisado enquanto dado de comparação e orientação para a análise
sociológica. “Se é que é possível encontrar um objeto (...) ele pode ser uma
“individualidade histórica”, isto é, um complexo de conexões que se dão na
15
realidade histórica e que nós encadeamos conceitualmente em um todo, do ponto
de vista de sua significação cultural.” (WEBER, 2004, p. 41)
Os valores religiosos ressaltados nos atos relevantes percebidos como
essenciais à formação do fenômeno social, serão eficazmente reconhecidos e
analisados a partir do quanto a sua existência e desenvolvimento na conduta dos
membros do grupo religioso se revele através de ocorrência racional
sistematizada para a consecução do objetivo: “As condutas humanas são tanto
mais racionalizadas (...) quanto mais ele se oriente por um planejamento
adequado à situação.” (BARBOSA e QUINTANEIRO, 2002, p. 114)
A partir de critério pessoal do cientista social se fará a escolha de um
objeto a ele relevante que esclareça singularidades exemplares do evento social
que pretende compreender. Cria-se um tipo abstrato - tipo ideal conforme baseado
na relevância do valor singular percebido, o qual se irá comparar a aspectos da
realidade da situação histórica analisada, a fim de consignar as relações de
causalidade que demonstrem a conexão de sentido, a relação social construída
com significado. “Daí porque a apreensão conceitual definitiva não pode se dar no
começo da pesquisa, mas sim no final...” (WEBER, 2004, p. 41)
O valor ao instrumento da análise surgirá da concordância entre a
direção e sentido que orienta e os fatos percebidos historicamente. Por isso a
análise sociológica deve escapar às leis pré-concebidas e generalidades enquanto
avaliação do fenômeno, buscando aconchego no interior das peculiaridades
agrupadas, fornecendo um sentido à realidade particular relevante ao
16
esclarecimento da influência sobre a formulação da relação social. Somente ações
compreensíveis dentro de um processo de desenvolvimento significativo aos
valores relevantes percebidos se farão real objeto da Sociologia.
Max Weber preocupou-se assim como Karl Marx em compreender a
implantação do capitalismo no ocidente, tornando-se como este um cientista social
clássico, pois seu método fez-se formador de perspectiva analítica essencial à
ciência que recém se organizava no início do século 20. Enquanto Marx
relacionava as concepções religiosas superestrutura enquanto condicionais à
estrutura organismos de produção e trabalho, Weber, em contraponto, desejou
examinar as relações e influências que se desenvolvem a partir do encontro
destes dois elementos estruturais da sociedade, especificamente focando as
influências da superestrutura na formação da estrutura a religiosidade no
sistema econômico.
Neste propósito de análise social e orientado ao tema capitalismo
ocidental, Max Weber retratou a força da influência de crenças religiosas nas
transformações da vida em sociedade, através da observação de doutrinas
calvinistas declaradas em textos dos séculos 17 e 18, em comunidades puritanas
localizadas nos Estados Unidos da América. Percebeu a existência de um
sentimento de origem divina em dedicação ao trabalho secular, associado à
necessidade interior de comprovação da salvação pessoal determinada pela
eleição divina, que orientava uma vivência econômica dos cristãos protestantes
enquanto premissa básica de sua fé. Eis o tema da análise que orienta sua obra
mais conhecida: A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo.
17
O propósito da obra foi analisar o capitalismo moderno que avançava
mundo afora, a partir de uma origem norte-americana e posicionamento diferencial
em relação à atitude capitalista comumente observável em sociedades
econômicas ativas no decorrer da história. Segundo Mcgrath, "Weber... defendia
que um novo espírito do capitalismo havia surgido no século XVI. Portanto, não é
bem o capitalismo mas uma forma específica de capitalismo que precisa ser
explicada." (2005, p. 539).
Este novo capitalismo que Weber reconheceu apresentava-se sem
inibições à conquista sequencial de riquezas e sem desperdício dos ganhos
adquiridos, gerando uma máquina econômica a partir de ações do homem, que
promovia um movimento novo dentro da história. "Mas nos tempos modernos, o
Ocidente conheceu uma outra forma de capitalismo: a organização racional
capitalista do trabalho (formalmente) livre do qual não se encontra em outra parte
senão vagos esboços." (WEBER apud SANTOS, 1967, p. 487).
O elemento que destacava este capitalismo moderno tornando-o
diferencial e denotando a existência do que Weber iria definir como o novo espírito
do capitalismo é o de uma perspectiva racional em relação ao trabalho secular
profissional livre. Este direcionava as conquistas da atividade econômica a partir
de seus fins específicos, definidos e determinados para a continuidade do
progresso e geração de riquezas.
"Weber irá demonstrar que o que possibilitou a
formação de um capitalismo dessa ordem, foram: uma
18
contabilidade racional, uma separação legal da propriedade das
empresas e da propriedade pessoal, o desenvolvimento das
possibilidades técnicas, bem como uma organização racional do
trabalho capitalista, havendo entre esses fenômenos e o
capitalismo uma influência recíproca." (WEBER apud SANTOS,
1967, p. 487).
O método científico de Max Weber busca construir e consignar uma
relação de causalidade entre os aspectos estudados. Para estabelecer esta
relação causal é preciso determinar o aspecto inerente e representativo dos ideais
dos movimentos históricos considerados para a análise. É assim que Weber avalia
inicialmente o capitalismo moderno, em busca dos fatores que o diferenciam
historicamente a fim de formular o que denomina seu tipo ideal, o qual é
"constituído a partir de elementos singulares diretamente extraídos da realidade
histórica, elementos esses que são reunidos em virtude de sua significação
conceitual." (SANTOS, 1967, p. 486).
A partir da definição deste tipo ideal, seu conceito será utilizado
enquanto padrão a fim de que se perceba e afirme a relação causal existente
entre aspectos singulares observáveis em movimentos históricos distintos. Após
formular o tipo ideal referente ao capitalismo moderno, Max Weber volta-se à
busca da relação de causalidade que une economia e religião. Racionalização é o
termo que revela o novo espírito do capitalismo, o qual será o valor procurado em
movimentos religiosos, especificamente a sua existência nas crenças que
desenvolvem a conduta social do professo na fé.
19
O movimento religioso que se fará visivelmente interligado ao
capitalismo incipiente à época do sociólogo é o calvinismo:
"Outros inúmeros exemplos podem ser fornecidos:
entre a Europa setentrional e meridional, entre o Norte e o Sul da
Irlanda, ou entre as duas Américas. Onde floresceu o
Calvinismo, floresceu também o Capitalismo. (...) A demonstrável
afinidade entre o Calvinismo e o Capitalismo funciona como uma
premissa na análise de Weber, em vez de uma conclusão. É algo
que necessita ser explicado, em vez de demonstrado."
(McGRATH, 268, 2004.).
Enquanto McGrath desenvolve a relação histórica de progresso que
aproxima gravemente calvinismo e capitalismo, Tawney, em a Religião e o
Surgimento do Capitalismo, irá descrever afinidades de relacionamento a partir da
premissa favorável à economia que se observa nos escritos doutrinários cristãos
de Calvino: "O Calvinismo primitivo (...) tem sua própria regra (...) para a conduta
dos assuntos econômicos. (...) e talvez seja o primeiro corpo sistemático de
ensinamento religioso a cujo respeito se pode afirmar que reconhece e aplaude as
virtudes econômicas." (1971, p.113).
O que Weber descreve é uma conduta social e econômica que provém
de valores religiosos, a qual denomina ética protestante, especificamente
relacionada ao ramo reformado calvinista. Max Weber observou que onde surgiu o
calvinismo, surgiram igualmente elementos relacionáveis ao novo capitalismo,
20
como "o desprendimento do mundo, a ascese, a piedade religiosa de um lado, e
de outro, a participação capitalista nos negócios." (SANTOS, 1967, p. 489).
Uma reflexão que busque compreender a relação observada por Max
Weber entre capitalismo e protestantismo requer, entrementes, a percepção inicial
de que atividades geradoras de capital não são uma novidade dos protestantes
nem uma peculiaridade da revolução industrial do século XIX. "A tese de Weber é
muito mais sutil e merece atenção." (McGRATH, 2004, p. 253).
Havia um novo capitalismo, analisou Weber, que trazia consigo, sim,
uma novidade protestante, o qual se fez, igualmente, peculiar à vida econômica do
século XIX. Tratava-se de nova perspectiva acerca da geração de riquezas, em
seu acúmulo e uso, que se faziam orientar pelo que o sociólogo afirmou ser uma
ética, e esta formalizando as bases do capitalismo moderno.
Uma ética protestante no capitalismo moderno, porque, segundo
McGrath, em A Vida de João Calvino, "Weber percebeu essa atitude,
particularmente bem ilustrada por uma série de escritores calvinistas dos séculos
17 e 18, (...) cujos escritos aprovam a acumulação de capital por meio de um
envolvimento com o mundo ao mesmo tempo que criticava seu consumo." (2004,
p. 254). Eis, em destaque, os protestantes, através dos escritos calvinistas; e eis,
também, sua ética, uma atitude moral com relação ao capital motivada por
princípios e valores religiosos conforme consignados nos escritos analisados.
Segundo Weber, este mover do cristão protestante no sentido de bem
praticar sua piedade religiosa dentro de suas atividades seculares, aliado ao zelo
21
de não utilizar desordenadamente os bens adquiridos, revelam-se condutas
humanas estabelecidas a partir de crenças religiosas e, reformadas. A orientação
calvinista que convoca o cristão a servir a Deus em suas atividades seculares -
sua vocação e chamado; e a predestinação, ensino que declarava o crente
reformado um eleito de Deus, destinado a servir a Deus e convocado a
demonstrar sua salvação na prática ativa dos propósitos de sua fé; vieram a se
tornar as crenças geradoras da ética protestante no capitalismo moderno.
A visível relação histórica de causalidade entre este novo capitalismo e
o calvinismo poderia ser explicada, então, no encontro de seus valores e atitudes
comuns, em relação que se faria compreensível e conclusa a partir das
singularidades dos tipos ideais que Weber formulou para representar tanto o
capitalismo como o calvinismo. Conforme Oswaldo Hack:
"Para Weber, a cosmovisão religiosa dos norte-
americanos determinou o comportamento especial diante
dos desafios econômicos e acúmulo de riqueza, o que não
aconteceu com outros povos em situações semelhantes. O
modo de vida dos protestantes, observou Weber, com o
espírito racionalista e metódico em relação ao capital e
trabalho, levou ao acúmulo de lucros e capital." (2005, p. 6).
A racionalização do trabalho existente na conduta do protestante
calvinista, e assim, sua ética religiosa, revelavam incrível similaridade com o que
de novo observara Weber quando de sua análise do capitalismo moderno. Assim
22
se fez a relação causal e significativa entre valores do capitalismo moderno e do
protestantismo, sendo o calvinismo o ramo reformado a emprestar as crenças que
proveram tal conexão.
Conexão de sentido sociológico através do conceito da racionalização
enquanto sintoma do modus vivendi que grassava o ocidente, sendo este também
o aspecto crucial observado na análise do processo de dominação religioso que
se organizava na vida dos fiéis, exatamente quando da implementação dos
valores sagrados no cotidiano de suas vidas seculares.
Weber percebeu a força da influência religiosa para operar as
mudanças sociais que eram regidas a partir de uma conduta sistêmica do fiel,
segundo a vivência padrão do sagrado em seu cotidiano conforme lhe imputada
pela liderança religiosa, orientadas a seu fim último – a devoção religiosa realizada
sistematicamente no cotidiano social. “Mas a religião pode também fomentar o
racionalismo prático. Em outras palavras, estimular uma intensificação da
racionalidade metódica, sistemática, do modo de levar a vida, e uma objetivação e
socialização racional dos ordenamentos terrenos.” (BARBOSA e QUINTANEIRO,
2002, p. 134)
Uma racionalização da conduta secular dos fiéis que se fez promover
através de um sistema racionalizado e ético - pois pautado em deveres religiosos,
o qual se fazia compreensível exatamente através da descrição das atitudes de
valor do sagrado requeridas no cotidiano. O labor diário na sociedade era o ato
religioso do fiel e a aquisição de bens tanto como seu uso para o financiamento da
23
continuidade deste progresso econômico a expressão zelosa de sua devoção
ética.
O protestante calvinista se transfere ao mundo enquanto arena de sua
devoção sagrada e o transforma a partir de seus peculiares princípios religiosos,
realizando não uma simples adequação de valores ao que poderia existir de
nascente ou necessário ao secular econômico que contempla – o capitalismo
ocidental. Mas, em verdade, atua em autonomia a subordinar este encontro social
à mecânica de uma existência racionalizada, oriunda e construída a partir dos
fundamentos religiosos que lhe são elementos particulares de sua ética própria: a
ascese um exercício espiritual que coordena a utilização das riquezas e bens à
devoção de seu dever religioso, o qual considera desperdício o seu uso pessoal,
valorando somente um seu uso comum que será, assim, um reinvestimento do
que foi adquirido; pois o princípio é bem servir a Deus na eficácia progressiva do
trabalho, e aqui trabalho econômico. Igualmente, a vocação secular o chamado
de Deus ao homem para que assuma sua responsabilidade religiosa na
construção da sociedade conforme ordenada pelo Criador. São estes os temas
que formalizam esta consagração sistematizada do sagrado dentro da sociedade,
a partir do princípio do dever religioso que requer sejam consumados seus
devidos propósitos, nesta jornada espiritual via vida profissional intra-mundana
que conduz o fiel protestante em sua conduta moral – o ethos protestante.
Esta ética protestante singular com relação à formação do capitalismo
ocidental foi por Max Weber elencada quando ao final de seu livro enuncia os
24
resultados de sua análise, afirmando ter encontrado e relacionado os elementos
de união entre a ética protestante e o espírito do capitalismo:
“Um dos elementos componentes do espírito
capitalista (moderno), e não deste, mas da própria cultura
moderna: a conduta de vida racional fundada na idéia de
profissão como vocação, nasceu como queria demonstrar esta
exposição – do espírito da ascese cristã.” (WEBER, 2004, p.
164)
Enquanto compreensão dos elementos formadores do ethos
protestante que se faz igualmente o espírito do capitalismo, segundo Max Weber;
atentamos para esta conduta ética peculiar que se apresenta enquanto vocação
na forte atuação profissional dentro da área econômica e enquanto ascese através
da zelosa prática eficaz dos procedimentos destinados à salvação da alma. Dentro
da concepção calvinista puritana, esta dedicação religiosa na sociedade acaba por
orientar o trabalho profissional enquanto um gerador de bens, pois tanto deve o
fiel bem realizar sua tarefa e assim adquirir riquezas, como também não deve
delas usufruir livremente, pois a problemática sagrada está no uso desregrado e
despropositado e não na capacidade de bem angariar as riquezas.
A característica particular desta filosofia avarenta apresenta a idéia do
dever religioso do indivíduo para com esta atitude de labor ostensivo pois é um
fim em si mesmo, o bem trabalhar é o verdadeiro ideal sagrado. Importante
perceber que não se trata de técnica de um bom viver econômico em um mundo
onde necessário se faz ganhar o pão, mas sim, é ética peculiar, pois reveladora de
25
um dever moral recebido perante Deus que se faz cumprir corretamente a partir
do quanto mais se produz, pois a tarefa é trabalhar, adquirir, construir a sociedade
em sua perspectiva econômica. Por isso não é mera necessidade ou dedicação
comercial oportuna, mas sim, uma atitude ética. Assim esclarece Andre Biéler, ao
refletir acerca da relação entre ética protestante e o espírito do capitalismo em seu
livro o Pensamento Econômico e Social de João Calvino:
“Cada indivíduo deve consagrar-se a um trabalho
bem definido e a ele entregar-se de maneira sistemática e
metódica; isto faz parte da ordem de Deus, porque a dedicação
profissional (ascese da vocação) é necessária à vida cristã, faz
parte deste ascetismo (ascese do mundo interior) sem o qual não
progresso espiritual e moral. E o que Deus exige, não é o
trabalho em si, mas esta dedicação profissional e metódica, este
“exercício” espiritual na profissão que faz parte integrante da
moral ativa.” (p. 635)
Foi esta ética protestante que transformou profundamente a vida
econômica da sociedade ao unir a restrição do uso dos bens adquiridos com sua
livre possibilidade de conquista pelo trabalho, resultando em um capitalismo novo,
pois alimentado constantemente por frutos econômicos próprios.
Formalizada está a conexão de valores entre Capitalismo e Calvinismo,
o que nos permite compreender a essência da análise do que Weber denominou:
A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo.
26
“O trabalho social do calvinista no mundo é
exclusivamente trabalho in majorem Dei gloriam (para aumentar
a glória de Deus). Daí porque o trabalho numa profissão que está
a serviço da vida intramundana da coletividade também
apresenta esse caráter. (...) O “amor ao próximo” que lhe
é permitido servir à glória de Deus e não à da criatura
expressa-se em primeiro lugar no cumprimento da missão
vocacional-profissional imposta pela lex naturae, e nisso ele
assume um caráter peculiarmente objetivo-impessoal: trata-se de
um serviço prestado à conformação racional do cosmos social
que nos circunda. Pois conformar e endireitar em relação a fins
esse cosmos, que segundo a revelação da Bíblia e também
segundo a razão natural está manifestamente talhado a servir à
“utilidade” do gênero humano, permitem reconhecer como o
trabalho a serviço dessa utilidade social (impessoal) promove a
glória de Deus e, portanto, por Deus é querido. (WEBER, 2002,
p. 99)
Assim compreendida a Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo,
segundo o sociólogo Max Weber; sigamos ao capítulo II desta dissertação, que
pretende expor objetivamente o significado da vocação religiosa ao trabalho,
segundo o teólogo João Calvino, bem como os valores da conduta que o cristão
deverá edificar no trato com as riquezas em sua interação à vida social e
econômica da sociedade.
27
3 A ÉTICA PROTESTANTE NO PENSAMENTO DE JOÃO CALVINO
“A Escritura usa esta palavra VOCAÇÃO para
mostrar que uma forma de viver não pode soar boa nem
aprovada, a não ser que Deus seja o seu autor. E esta palavra
VOCAÇÃO também quer dizer “chamado”; e este “chamado”
implica em que Deus faça um sinal com o dedo e diga a cada
um: quero que vivas assim ou assim. Eis, pois, o que chamamos
estados: é que não nos ocupemos naquilo que Deus condena
por Sua palavra.” (CALVINO apud BIÉLER, 1990, p. 528)
João Calvino nasceu na França e se fez notável líder da Reforma
Protestante do século 16 a partir de seu tratado teológico As Institutas da Religião
Cristã, bem como por sua atuação enquanto líder religioso e social na cidade de
Genebra, até sua morte em 1564. Fundador da Universidade de Genebra,
humanista cristão, dedicado estudioso da Bíblia e reconhecido como literato entre
acadêmicos, Calvino irá fomentar através de sua doutrina e liderança o início de
um movimento de transformação na religião e sociedade que atravessam
gerações e nações. A Igreja Reformada, no Brasil, Igreja Presbiteriana, carrega
consigo as doutrinas deste reformador, conquanto qualquer movimento
protestante jamais possa negar influências teológicas ou éticas que saíram do
28
entendimento deste homem que, junto a Martinho Lutero, formalizou-se como líder
mor da Reforma Protestante.
O Calvinismo é o movimento religioso cristão originário da Reforma
Protestante do século XVI a objetivamente propor uma reforma religiosa que atua
em aproximação ao mundo: "Se houve qualquer movimento religioso, no século
16, que tenha tido uma atitude afirmativa em relação ao mundo, esse foi o
Calvinismo. "(McGRATH, 2004, p. 249). Esta é a perspectiva que unidade e
rumo às práticas dos fiéis cristãos calvinistas enquanto reação de devoção
religiosa diante de Deus e seus mandamentos.
Esta atitude afirmativa para com o homem e seu mundo realiza-se
através de um olhar cristão reformado que percebe o ser humano positivamente, a
partir de dois momentos: quando criado pôr Deus, e assim bom, como toda a
criação no início; e quando transformado por Deus, e assim renovado através de
Cristo para viver novamente com o Criador aqui, o cerne da proposta religiosa
de salvação no cristianismo. O estado “comum” de todo homem natural que é o
afastamento e a autosuficiência perante Deus, distinto se faz, portanto, destes
dois momentos: o tempo da origem do ser humano, em que fomos criados por
Deus e bom éramos e, o tempo em que convertemo-nos ao Evangelho de Cristo,
e bons podemos nos tornar pelo relacionamento com Deus que este nos traz.
O conhecimento destes dois momentos permitirá à religiosidade
reformada, especialmente a calvinista, a perspectiva de que o homem e seu
mundo errantes não devem ser renegados através do afastamento, mas sim,
29
reconquistados para o propósito inicial do Criador. Pois um mundo e seres
humanos originalmente criados por Deus não devem ser abandonados em seu
estado de imperfeição e rebeldia, mas sim, observados à luz de sua origem e
visualizados na esperança do dia em que tudo irá retornar a existir somente
segundo o bom propósito de Deus uma proposta do evangelho que somente se
cumpre no fim dos tempos, mas que começou, e a religião cristã deve apregoar
agora e viver desde hoje os primeiros passos deste ideal último de Deus à criação
e existência humana. São as razões, pelas quais, segundo Knudsen, em Calvino e
sua influência no mundo ocidental, "o Calvinismo teve em mira não a reforma na
doutrina, na vida individual e na vida da igreja, mas também a transformação de
toda a cultura, em nome de Cristo." (1990, p. 12)
A dominação da conduta do homem na sociedade é o projeto de
redenção dos talentos e capacidades do homem que lhe foram entregues e
possibilitados a desenvolver-se a partir de Deus, na criação. A mesma perspectiva
que não amaldiçoa definitivamente o que é secular e humano no mundo, ao
contrário de proposta regular em religiosidades outras, que afirmam o afastamento
do homem do mundo desgraçado pois somente assim se fazem dignos de Deus e
seus santos valores o que não no calvinismo; é também o princípio que
visualiza e projeta o tratamento da vida humana dentro deste mundo, pois isto se
faz à luz, do que lhe é originalmente bom - a vontade primeira de Deus ao homem
e sua vivência social. Pois, afinal, a existência social do homem não origina do
homem sem Deus, mas ao contrário, nasce do homem inicial que de Deus veio e
com Deus existia plenamente.
30
Portanto, necessário é não desprezar a ação do homem no mundo,
mas sim, volver tal ação ao que era bomrumo a uma experiência social humana
e no mundo segundo a vontade original de Deus. Enquanto ensina acerca da
distinção entre o estado de pecado do homem um terceiro momento, e seu
estado original quando criado por Deus, Calvino apresenta esta peculiar distinção
representativa do momento em que a raça humana foi criada:
“Deste conhecimento dois ramos, a saber, o
conhecimento do homem conforme originalmente foi criado, e o
conhecimento da condição do homem desde a queda de Adão
(...). Pois antes de tratarmos do estado miserável ao qual o
homem caiu, vale a pena lembrar-nos daquilo que ele era
originalmente (...). “(CALVINO, 1984, p. 80)
Aprofundando o entendimento do tema, Calvino esclarece a
singularidade do estado original do homem na criação: “(...) ao passo que o
verdadeiro conhecimento de si mesmo consiste em conhecer os poderes e
privilégios que Deus nos deu na Criação, como também a condição miserável à
qual fomos reduzidos pela queda de Adão.” (CALVINO, 1984, p. 105)
Aspecto fundamental também, do Calvinismo em relação ao mundo do
homem é sua percepção de que nem tudo requer ser redimido como se nada de
bom carregasse em si; pois humanidades e artifícios do agir do homem que
conseguem ser construídos à luz da boa vontade de Deus, mesmo a partir da
premissa básica que afirma estar o homem distante e contrário ao plano original
do Criador.
31
“Atribuir ao homem cegueira total que não lhe deixa
inteligência alguma, não é apenas contrário à Palavra de Deus,
mas também contrário à experiência e ao bom senso (...)
Lembremo-nos, portanto, desta distinção: o conhecimento de
assuntos terrestres é uma coisa, o conhecimento de assuntos
celestiais é outra. Por assuntos terrestres quero dizer os que se
referem à vida presente (...).” (CALVINO, 1984, p. 112)
Calvino adverte que a situação de rebeldia do homem para com o
Criador não afasta da existência humana a ação providencial de Deus a fim de
manter a continuidade e a vivência da humanidade - é a Graça Comum divina que
permanece sobre todos os homens e suas ações nesta vida.
“Visto que o homem por natureza é de disposição
social, está inclinado pelo instinto natural a estimar a sociedade e
a conservá-la (...) Além disso, todos nós temos alguma aptidão
para aprender as artes liberais e mecânicas; e esta é outra prova
do vigor da mente humana (...) E embora a razão seja uma
bênção comum que é outorgada a todos nós, cada um deve
reconhecer que sua participação nela é um favor especial que
Deus lhe conferiu.” (CALVINO, 1984, p. 112 – 113)
Segundo Knudsen, as artes liberais e as ciências exatas eram
percebidas com premissa positiva pelo Calvinismo, ao contrário de outros
movimentos religiosos cristãos que as afirmavam totalmente renegadas ou
inicialmente percebiam-nas negativamente. Nesta perspectiva, por exemplo, a
cultura do homem não apenas se permitia ser redimida e também continuar sendo
32
sua cultura - pois não se nega ao homem a vivência de suas humanidades
enquanto este busca sua santidade; como ainda, tornava possível a observação
da cultura existente como possivelmente boa em certos aspectos - um passo e
tanto enquanto premissa de movimento religioso que busca resgatar a pureza
religiosa em tempos de crise.
À luz da Reforma Protestante enquanto movimento de transformação
social a partir do cristianismo ocidental, que se desenvolveu em países diversos e
com lideranças múltiplas, é preciso perceber que esta peculiar doutrina do
reformador João Calvino, enxergando integralmente a vida humana, individual e
social enquanto passível de ser vivenciada na presença de Deus; não resulta em
grave conflito doutrinário, por exemplo, com o iniciador da Reforma, Martinho
Lutero. Tal reflexão acerca das diferentes posturas entre os reformadores mais
conhecidos apresenta-se no pensamento de Biéler, a partir de obra sua: A Força
Oculta dos Protestantes, enquanto diferença de ênfase apenas, que acontece,
inicialmente, em razão do momento histórico, tanto religioso quanto social, com
que cada um deles se deparou e, portanto, buscou responder, à luz da liderança
que individualmente personificaram.
Quando a Reforma Protestante resgata da mensagem do Evangelho de
Jesus a possibilidade do homem relacionar-se diretamente com Deus, e isto
através de conquista gratuita oferecida pôr Deus ao homem; as consequências
deste fato na vida da sociedade se farão presentes tanto através do olhar de
Lutero quanto de Calvino. Porém, enquanto Lutero desbravou na leitura bíblica e
expôs os versos da Palavra de Deus que anunciavam o evangelho da justificação
33
pela - movendo indivíduos pessoalmente a Deus não mais institucionalmente;
Calvino observa estes indivíduos já agora em relação pessoal perante Deus, e
sobre este fato escreve teologicamente - refletindo e descrevendo as
possibilidades e compromissos das mudanças que diante deles surgem: as
concernentes à vida em sociedade.
Dentro deste entendimento teológico acerca da criação do mundo e do
ser humano, o teólogo João Calvino expõe as amplas possibilidades de vivência
cristã ao professo reformado, perfazendo uma experiência religiosa dentro do
mundo que resultará naquilo que Henri Hauser denominou de "secularização do
sagrado" e, que, segundo Mcgrath, "envolvia trazer toda a esfera da existência
humana para dentro do âmbito da santificação divina e da dedicação humana."
(2004, p. 250). Eis o aspecto relevante e fundamento da doutrina calvinista que
oportunizou ao cristão protestante uma ação ativa no mundo, a qual irá se
desenvolver enquanto ética de conduta através da crença da vocação o
chamado de Deus ao homem para uma vivência no mundo a partir dos propósitos
do governo do Criador, e que se faz realidade social através do trabalho
profissional do cristão.
Isto porque o reformador João Calvino irá refletir acerca deste momento
virtuoso da criação original do homem, observando igualmente sob olhar positivo
muitas de suas consequências pois toda a vivência relacional do homem, bem
como suas capacitações para um bom e eficaz existir da espécie na criação, são
potencial e possibilidades a ele entregues originalmente pelo Criador. De tal forma
que as humanidades desenvolvidas pelo ser em sua cultura e trabalho, não são
34
uma obra declarada malditas à luz do sagrado pelo calvinismo; em contrário,
oportunizam uma devocional ação intra-mundana do homem, que não a
vivencia nem contra nem separadamente de Deus. Pois de Deus o homem
recebeu a oportunidade e o talento para existir no mundo enquanto ser que
constrói uma vivência criativa e rica em suas humanidades.
Portanto, segundo seu entendimento acerca da criação do homem é
que João Calvino irá propor uma válida redenção de toda a vida social humana.
"Contudo, o Calvinismo validava o mundo com a finalidade de dominá-lo, dirigindo-
se às suas situações específicas, em vez de se deliciar em especulações
abstratas." (McGRATH, 2004, p. 249). Ao observar esta proposta que concretiza a
relação do homem com Deus dentro da sociedade, enxergamos nas
conseqüentes ações cotidianas que lhe seguem, a edificação de uma conduta
moral que se organiza a partir da religião. Na união deste conceito que abarca o
mundo enquanto campo de e prioriza a sociedade para o exercício dos
mandamentos religiosos, denotamos a origem de uma ética protestante
especialmente ativa no mundo, que “um código de ética, portanto, é uma
explicitação dos princípios éticos de um grupo e sua aplicação prática na conduta
do indivíduo no seio de uma determinada comunidade.” (DE LIBERAL, 2002, p.
66)
Ética cotidiana a partir do chamado divino que se apresenta a nós tanto
como orientação como também enquanto rumo vivencial: “É também nosso dever
observar diligentemente que Deus ordena que cada um de nós leve em conta a
sua vocação em todas as ações de sua existência.” (CALVINO, 2006, p. 224)
35
Pois, enquanto uma ação de governo do Criador sobre a vida do homem através
de sua providência, Deus deseja orientar a existência humana adiante dos muitos
projetos vazios que podem levar à inquietação e insatisfação:
“Por isso, para que não compliquemos tudo por
nossa temeridade e loucura, ele ordenou a cada um o que fazer,
estabelecendo distinções entre posições ou estados e diversas
maneiras de viver. E, para que ninguém ultrapasse levianamente
os seus limites, deu a tais maneiras de viver o nome de
vocações.” (CALVINO, 2006, p. 225).
Assim, toda a vida terrena do homem, todos os seus papéis sociais e
relacionamentos em cada situação e oportunidade de sua existência, coordenam-
se à ação de providência pela qual Deus governa e mantém em curso a vida no
planeta:
“É suficiente que saibamos que a vocação de Deus é
como que um princípio e fundamento baseados no qual podemos
e devemos governar bem todas as coisas (...) Além de tudo
mais, se não tivermos a nossa vocação como uma regra
permanente, não poderá haver clara consonância e
correspondência entre as diversas partes de nossa vida.”
(CALVINO, 2006, p. 225)
Calvino desenvolve os fundamentos acerca da vocação do cristão para
a vida em sociedade em seu último livro das Institutas IV, no capítulo 17, com o
título Sobre a Vida Cristã. Importante resgatar que no capítulo anterior, ao versar
36
acerca do governo civil, e salientando que este se estabelece divinamente na
comunidade dos homens através das ordenanças ao Estado Político, o reformador
estabelece especial valor à vocação quando do estabelecimento deste governo
civil segundo a providência divina; o qual se personaliza também a partir de um
chamado de Deus aos homens: “Bem, três partes. A primeira é o magistrado,
que é o guardião e o mantenedor das leis. A segunda é a lei (...) A terceira é o
povo, que deve ser governado pelas leis e obedecer ao magistrado.” Ainda acerca
da relevância deste chamado vocacional ao homem para assumir a autoridade
delegada por Deus ao Estado Político, afirma Calvino: “Não se deve, pois, ter a
menor dúvida de que o poder civil é uma vocação não somente santa e legítima
diante de Deus, mas também deveras sacrossanta e honrosa entre todas as
demais.” (p. 145, 148, 150)
Conquanto em diferentes regimes de governo, um sobre todos os
homens a partir dos governos civis e outro sobre os cristãos a partir da igreja, o
sagrado chamado de Deus aos homens para assumirem suas posições na
sociedade revela do uno princípio divino da vocação, iguais conseqüências
sociais. Ao unir magistrados e príncipes a todo e comum trabalhador, Calvino
resgata da bíblia a dignidade de todos os homens, orientando a todo ser um outro
reconhecimento social, pois seu valor origina de perspectiva superior o chamado
de Deus ao homem para com Ele trabalhar no mundo: “Se seguirmos fielmente
nosso chamamento divino, receberemos o consolo de saber que não trabalho
insignificante ou nojento que não seja verdadeiramente respeitado e importante
ante os olhos de Deus.” (CALVINO, 2001, p. 77)
37
A perspectiva vocacional é o fundamento que permitirá ao homem
participar conjuntamente da obra de Deus para a criação, quando então o homem
se percebe em suas atividades cotidianas como um partícipe e co-agente do
Criador, pois o agir de Deus a fim de bem governar e orientar a vida humana
convoca os homens tanto a reconhecerem que d’Ele vêm suas aptidões quanto a
se perceberem por Ele convocados a funções e atividades com propósito comum
e dignificante: o de bem regular a vida dos homens em sociedade - obra constante
de Deus à qual o homem é convocado a participar, nela atuando através de sua
profissão: “Desse modo de entender e de agir nos resultará esta singular
consolação: não obra, por mais humilde e humilhante que seja, que não brilhe
diante de Deus e que não lhe seja preciosa, contanto que a realizemos no serviço
e cumprimento da nossa vocação.” (CALVINO, 2006, p. 225)
Segundo Calvino, este trabalho de Deus no mundo ao qual o homem se
associa através de sua vocação, tornando-o digno em quaisquer atividades,
necessita primariamente ocorra uma ação redentora de Deus em relação aos
ideais do homem: “Pois bem, a ordem da Escritura da qual falamos consiste em
duas partes. Uma visa imprimir em nosso coração o amor pela justiça (...). a
Escritura tem muitas razões excelentes para inclinar o nosso coração ao amor
pela retidão” (2006, p. 178) O padrão desta vocação enquanto missão conjunta e
oriunda de Deus, claramente se estabelece: Acresce que, para nos despertar
mais vivamente, a Escritura nos demonstra que, assim como Deus em Cristo nos
reconciliou consigo, assim também ele o constituiu em exemplo e padrão ao qual
devemos amoldar-nos.” (CALVINO, 2006, p.179)
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Daí aprendemos que precisamos converter a Deus e bem transformar o
nosso coração e valores morais, pois nosso chamado é para trabalhar
conjuntamente ao trabalho santo que Deus está fazendo não se trata
simplesmente de abraçar uma ocupação na ordem social e econômica a fim de
que a sociedade progrida, mas sim, de assumir na comunidade dos homens a
bendita ação que o Criador está realizando:
“Que fundamento seria melhor para começarmos do
que admoestar-nos no sentido de que devemos ser santificados
porque o nosso Deus é santo. (...) Por isso a Escritura nos
ensina que esta é a finalidade da nossa vocação, finalidade à
qual devemos estar sempre atentos, se queremos responder
positivamente ao nosso Deus. “ (CALVINO, 2006, p. 178, 179)
O segundo aspecto da ordem que Deus está a estabelecer no mundo
social, conjuntamente aos homens, vocacionados que são a implementar certos
propósitos divinos a partir de suas vidas profissionais; surge do princípio que
afirma não devermos mais buscar “as coisas que nos agradam, mas as que
agradam a Deus e que se prestam para exaltar sua glória. (...) Porque, quando a
Escritura nos proíbe preocupar-nos particularmente com nós mesmos, não
somente elimina do nosso coração a avareza, (...) mas também quer extirpar de
nós toda ambição e apetite de glória humana e outros males ocultos.” (CALVINO,
2006, p. 185)
João Calvino procura instruir os homens acerca dos perigos que
rondam a humanidade quando esta imagina poder associar-se a Deus a partir
39
somente de atos externos sem transformação de caráter, imaginando serem os
propósitos divinos possíveis de realizar a partir do natural esforço humano:
“O primeiro passo, é, pois, que nos afastemos de nós
mesmos a fim de aplicarmos todas as forças de nossa mente ao
serviço de Deus. Chamo serviço não somente o que consiste na
obediência à Palavra de Deus, mas também aquele pelo qual o
entendimento do homem, despojado de seus próprios
sentimentos, converte-se inteiramente e se sujeita ao Espírito de
Deus.” (2006, p. 184)
A vocação do cristão ao trabalho é um chamado com propósito de
aprofundar e amadurecer o relacionamento do homem com Deus, por isso, a
manutenção de nosso orgulho natural de início impedirá reconheçamos que
estamos, extraordinariamente, na presença do Criador. “Devemos notar que a
abnegação ou renúncia de nós mesmos em parte visa ao bem dos homens, na
verdade principalmente, visa à nossa relação com Deus.” Se não enxergamos o
Criador quando de nosso chamado, menos ainda perceberemos o propósito social
de nossa vocação. Pois ao nos tornarmos agentes de obras do governo divino
sobre a sociedade dos homens, o que se requer é a derrocada de nosso orgulho
para com Deus e o próximo, pois, caso contrário, as capacidades e bens a nós
entregues pelo Criador nesse processo de associação secular jamais renderão os
fins destinados à comunidade dos homens.
“Quão difícil é cumprir o dever de trabalhar pelo
proveito do próximo! Se não deixarmos de lado a consideração
40
de nós mesmos e não nos despojarmos de todo afeto ou
interesse carnal, não conseguiremos fazer nada nessa esfera.
Porque como havemos de cumprir os deveres que o apóstolo
quer que cumpramos com amor, se não renunciarmos a nós
mesmos (...)” (CALVINO, 2006, p. 188)
Enquanto inicia o esclarecimento à boa e eficaz utilização das riquezas
adquiridas através do labor profissional, Calvino ressalta o princípio base a ser
visualizado e compreendido em sua essência superior a fim de prover o correto
destino social às mesmas: “Ora, se os dons de Deus nos são finalmente
santificados, após os havermos consagrado de nossas mãos, certamente se
que é um abuso condenável negligenciar a referida consagração.(2006, p. 189).
Não vocação cristã sem consagração pessoal a Deus! O processo nem se
inicia posto que a relação do que chama perante o que responde não acontece em
seus passos primários. Quando o homem se presta entregar a Deus seu coração
para a necessária transformação de caráter, enquanto visualiza e inicia a
dedicação das riquezas alcançadas com seu trabalho, requer assim atue segundo
um mesmo e supremo propósito: efetivamente associar-se ao Criador para então
conjuntamente se unir à obra que Deus tem governado para com a sociedade dos
homens pois os dons de Deus somente são santificados após os havermos
consagrado.
Isto porque é preciso estar disposto ao Criador de alma e corpo, a fim
de que a relação moral perante os homens subsista integralmente a partir desta
feliz edificação da relação espiritual do vocacionado junto de Deus. Pois a
41
vocação somente se realiza em processo de interação entre Deus e os homens.
Portanto, processo espiritual em meio ao social, de intenção religiosa a edificar no
mundo um estado e situação a partir do sagrado. É assim que a vocação cristã ao
trabalho revela o cerne de sua existência: desde que a relação do homem diante
do Criador mantenha a todo instante, a supremacia da Pessoa de Deus e seu
controle sobre toda a relação vocacional proposta.
Segundo Calvino, “quando as riquezas dominam no homem, Deus é
despojado de sua dominação.”. Mas, porém, “aquele que, obedecendo a Deus,
não é escravo das riquezas, deles pode usar na fé.” (apud BIÉLER, 1990, 421,
417). A compreensão deste fato essencial e a resposta continuada do homem ao
bem resguardar sua relação com a Pessoa de Deus, em sua consciência e
vontade, proverá a oportunidade de bem demonstrá-la em sua realidade de
consagração sacro-social, quando da dedicação dos bens ao proveito e
necessidades comuns aos homens: “Visto, pois, que o bem que podemos fazer
não pode subir a Deus, como diz o profeta, devemos praticá-lo em favor dos seus
servos que vivem neste mundo.” (CALVINO, 2006, p. 189).
Antes de partirmos ao desenvolvimento primordial da conduta
protestante concernente ao uso das riquezas em nossa realidade social o bem
comum da sociedade materializado no tocante ao próximo; importa recuperar em
Calvino a origem de toda aptidão e bens do homem, pois da objetiva ação do
Deus criador em seu governo de providência e sustento sobre os homens,
reconhecemos e aprofundamos o entendimento da associação divina de nossa
vocação. Segundo Biéler, “O desígnio de Deus, em nutrindo o homem, não é
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apenas prover-lhe às meras necessidades materiais. Visa a um fim espiritual.
Através do sustento, Deus se faz conhecer à criatura, revela-se a ela como o
Criador.” (1990, p. 410) Através do chamado a construirmos com Deus seus
propósitos na sociedade dos homens, somos instados a um necessário
relacionamento íntimo em nossa alma e integral em nosso corpo e espaço social,
exatamente porque Deus está se revelando e fazendo-se conhecido de nós
conforme vivenciamos esta associação com Ele. Não conhecimento de Deus
nem de sua realidade a não ser que as experimentemos e somente o faremos
vivendo com Deus. Calvino: “Quando somos abastecidos de pão de que somos
sustentados, de mister é que reconheçamos que isso nos provém da pura
bondade de nosso Deus...” (apud BIÉLER, p. 410). Porém, a associação com
Deus na vocação provê muito mais conhecimento de Deus do que somente o
perceber de sua bondade.
Em verdade, Deus deseja adentrar a todos os recônditos da existência
pessoal e social do homem a fim de manifestar não somente seu apreço por
nosso estado atual de vivência neste mundo, mas especialmente, ir revelando e
tornando conhecida em nossa realidade o que d”Ele podemos aguardar para a
vida eterna:
“A bom direito, pois, o Profeta adverte aos fiéis de
que recebem certo fruto de sua integridade, quando Deus lhes
propicia seu alimento, abençoa-nos na mulher e na prole, e
condescende até o ponto de tomar-lhes cuidado da vida, mas
louva ele a presente graça de Deus com esta intenção: fazê-los
43
correr mais alegremente à sua herança eterna.” (CALVINO, apud
BIÉLER, p. 412)
A partir deste olhar à vida plena na eternidade com Deus é que se
constrói em valor a atual associação que a Ele nos aproxima nossa vocação
profissional: Entrementes, que Deus nos chama diretamente para com o céu e
nos eleva o espírito para com a vida espiritual, que aquilo que São Paulo nos diz
nos basta, a saber, que não somente a esperança da vida vindoura, mas também
da vida presente, dada nos é para o temor de Deus, ou a piedade.”(CALVINO
apud BIÉLER, 1990, p. 413) O real temor a Deus somente irá se edificar em nossa
alma a partir do instante quando mais integralmente com Ele nos relacionarmos, o
que muito se dará a partir da necessária consagração de nossa vida material a
que convoca nossa vocação. Este é o chamado divino que igualmente viveremos
de forma digna, somente a partir do conhecimento da honra devida a Deus pelo
que clama nossa associação a seus desígnios.
Portanto a vocação cristã faz-se o desafio que busca estabelecer na
vida profissional do homem este senhorio de Deus, tendo em vista o
amadurecimento de seu ser, oportunizando tanto ensino de humildade para com
Deus quanto de quebrantamento do orgulho visando seu relacionamento com o
próximo: “Se desejamos refrear nossas paixões, devemos recordar que todas as
coisas nos têm sido dadas com o propósito de que possamos conhecer e
reconhecer o seu autor.” (CALVINO apud HERMINSTEN, 2006, p. 71)
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Somente a consagração do coração do homem a Deus é que proverá a
renovação de seu caráter rumo aos propósitos divino prescritos à sua conduta
cristã na sociedade. Por isso, o Criador institui o sábado, o descanso do homem, a
fim de que ache em sua agenda tempo de relacionamento com Deus o qual lhe
será por oportunidade de transformação: “Os fiéis devem descansar de suas
atividades próprias a fim de deixar Deus neles agir.” (CALVINO apud BIÉLER,
1990, p. 516). Conquanto não estejamos ainda a tratar diretamente das práticas
morais com que o homem deverá reger suas relações econômicas, visualizamos
fruto prático do Sábado de Deus no cotidiano dos homens, pois ensina aos
patrões que todo homem requer se reconheça seu tempo de descanso. É Calvino
quem identifica tal valor transformador da sociedade, conforme o Criador quis nos
oferecer: “Quis Ele dar um dia de repouso aos servidores e à gente que trabalha
que estão sob poder de outrem (...) a fim de que aos servidores e operários seja
dada folga de seu labor.” (apud BIÉLER, 1990, p. 518).
“Portanto, para nos orientarmos na prática do bem e
das ões humanitárias, adotemos esta norma: de tudo o que o
Senhor nos deu com o que podemos ajudar o nosso próximo,
somos despenseiros ou mordomos, sendo que teremos que
prestar contas de como nos desincumbimos de nossa
responsabilidade.” (CALVINO, 2006, p. 189).
Em compreensão ao modo como o senhorio de Deus se estabelece na
relação do cristão concernente ao uso das riquezas, volvemos nosso olhar ao
ensino da mordomia cristã. Deste conhecimento localizado acerca da doutrina da
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Soberania de Deus enquanto regência de nossa relação de submissão diante
d’Ele, é possível extrair entendimento para visualizar os reais destinos atuais de
nossa vocação profissional para com a sociedade dos homens.
O conceito calvinista de mordomia cristã é o aspecto doutrinário que
identifica nossas riquezas dentro da obra maior que Deus realiza no mundo. De
um lado, portanto, reconhecemos a autoridade e governo de Deus sobre as
riquezas em nossas mãos. Calvino:
“Quando Deus nos envia riquezas não renuncia à sua
titularidade, nem deixa de ter senhorio sobre elas (como o deve
ter) por ser o Criador do mundo. (...) E ainda que os homens
possuam cada um sua porção segundo Deus os tenha
engrandecido mediante os bens deste mundo, não obstante ele
sempre continuará sendo o Senhor e Dono de tudo.” Um
soberano senhorio divino sobre as riquezas em nossas mãos
que requer, para sua efetivação, associemo-nos com Deus
através da consagração: (CALVINO apud BIÉLER, p 419)
“A que propósito, então, quer nosso Senhor que Sua Igreja seja
excelente acima de todo o mundo? É a fim de que domine Ele e tenha toda a
preeminência (...) E por isso impõe-se diligentemente notar este fim, onde ele diz:
Tu lhes consagrarás as riquezas ao Senhor.” Isto se faz aguardando com os bens
em mãos até que Deus bem nos oriente acerca de seu destino, pois a partir de
uma existência em estado natural de pecado, o homem somente se associa a
Deus através da mediação de Cristo – aqui realizada através do ouvir do homem a
46
ordem de Deus e então sair à prática na força de Seu Espírito. É mister
compreender que sem este ato de religação a Deus, a consagração sequer inicia,
resultando assim que o homem faz uso próprio de seus bens, negando então todo
o relacionamento a que propõe sua vocação.
Por isso, de outro lado, a mordomia cristã não somente avisa-nos que
Deus é o dono do que adquirimos, mas implementa o completo propósito divino ao
nos instruir acerca do correto e bom uso sagrado dos bens que fez Deus chegar
em nossas mãos. Calvino:
“Nada possuo senão da mão de Deus; e onde haja
eu de ver falta ou indigência, impõe-se que, segundo minha
possibilidade, socorra eu aos que se acham em necessidade (...)
que ninguém seja tido como separado, antes, pelo contrário, que
saibamos que Deus misturou os ricos e os pobres, uns por entre
os outros, a fim de que tenhamos ocasião de fazer o bem.”
(CALVINO apud BIÉLER, 1990, p. 419)
Resultando em que, na visão calvinista conforme Biéler, “consagrar a
riqueza a Deus é pô-la a serviço do próximo”.
Conscientes de que somos depositários dos bens de Deus em tudo que
nos chega às mãos, volvemos nosso olhar para uma redenção que o Criador
deseja fazer no mundo, iniciando no coração do cristão, mas com vistas à ordem
social: Calvino assevera: “Segundo o Evangelho, todo ser é promovido à liberdade
espiritual pela Redenção de Jesus Cristo, e esta liberdade deve expressar-se
47
também na condição política e social da pessoa humana.” O propósito de Deus
observa a ordem social como um organismo que irá abençoar, regendo sua
existência tanto a partir do Estado como igualmente a partir da Igreja e dos
cristãos: “Em permanecendo fiel ao Evangelho (..) não cessa a Igreja de exercer
seu ministério de regeneração da sociedade.” (apud BIÉLER, 1990)
Esta perspectiva é essencial ao entendimento da vocação ao secular
que Deus orienta aos cristãos, pois a intenção não é apenas bem fazer progredir o
relacional comum dos homens, mas sim, manifestar a vontade e valor de Deus à
sociedade enquanto organismo comum de vivência da humanidade.
Quando o homem adentra às relações sociais enquanto um
subordinado de Deus convocado a com seu labor e riquezas construir uma
sociedade organizada, isto significa não somente que a faça progredir, mas sim,
exemplarmente, que a edifique em sua estrutura a tornar-se o que Deus lhe
idealizou enquanto organismo – um estado de vivência solidária para o bom
proveito de todos os homens que lhe participam:
“Ainda mais, a indústria com que exerce cada um seu
cargo, e a própria vocação, a capacidade de bem dirigir, e outras
graças, são como mercadorias, porquanto o fim e o uso lhes é
que haja natural comunicação entre os homens.” “(...)
nasceram os homens uns para os outros, que devem manter
mútua comunicação entre si para a preservação do gênero
humano.” (CALVINO apud BIÉLER, 1990, p. 316)
48
O conselho de Deus é que as riquezas sejam de tal maneira
relacionadas à vida de todos os homens para seu comum bem, de forma que
verdadeira solidariedade social se estabeleça entre eles – eis o propósito de
integração social das riquezas, à luz da mordomia cristã enquanto seu viés
secular, quando do chamado vocacional ao homem para que atue dignamente
junto a Deus em seu modo de vida: Calvino: “Esta é a fonte de que todo o resto
depende, a saber, que esteja cada qual contente com sua vocação, que a siga,
que não esteja inclinado a buscar outra. Vocação no Espírito significa um estado e
maneira de viver legítimos (...).” (apud BIÉLER, 1990, p. 348)
Calvino, ao descrever o alvo final da obra de redenção de todo o
mundo, reflete acerca do fim dos estados atuais de organização do cosmos; isto
ocorrendo somente porque na eternidade não mais haverá corrupção das relações
humanas. Nisto refletir, apresenta igualmente a amplitude e propósito do atual
projeto de Deus para a sociedade: “os poderes legítimos e ordenados de Deus
não mais terão razão de ser e serão supressos, assim como todas as
desigualdades sociais.” (apud BIÉLER, 1990, p. 352) Nesta final ocasião, em que
os propósitos de redenção da criação serão integralmente visualizados pelos
homens, ocorrerá igualmente a essência relacional que Deus tem propósito de
fazer ver ao homem desde quando de seu instituir do chamado à vocação
secular do cristão. Calvino: “Assim, confundir-se-ão a Igreja e a sociedade, todos
terão reencontrado seu verdadeiro fim: viver para a glória de Deus em Sua
comunhão e sob Seu domínio.
49
“Da própria ordem da criação aprendamos que Deus opera por meio de
Suas criaturas.” (apud BIÉLER, 1990, p. 353, 308 – 309) Quando o homem
descobre que suas aptidões e oportunidades são tanto governadas pelo Criador,
quanto igualmente estão a serviço dos propósitos divinos; visualiza então, no seu
pessoal e específico chamado à vocação secular, a maneira efetiva em que irá
partilhar do governo de Deus perante a criação.
Acerca desta integração do trabalho do homem à obra de Deus no
governo da sociedade, esclarece Calvino: “Se, pois, a providência de Deus
encorpora em sua operação as causas segundas da própria natureza, com razão
quão mais forte associará à obra do homem, estabelecendo-lhe real
responsabilidade.”
“Observa-se quando os homens trabalham, observa-
se quão diligentes sejam, se tem expediente e habilidade, a isso
se observa (...). Ora, a tudo isso responde Moisés, dizendo:
ainda que trabalhem os homens, que se esforcem (...) nada
para que Deus seja privado de Sua honra. E por que ? Quem é
que aos homens a prudência, a destreza do corpo, a força
para trabalhar, as aptidões, e os meios, não é Deus que tudo põe
em suas mãos?” (CALVINO apud BIÉLER, 1990, p. 522)
Assim, é mister perceber que o homem que se reconhece recebendo do
Criador os bens que conquista, convocado ainda ao dever de assumi-los em
mordomia e cuidado, e devendo movimentá-los no projeto de construção de uma
sociedade digna de Deus; tais tarefas efetivamente realizará na sociedade, ao
50
passo que observe ser em seu trabalho e nas relações econômicas a ele inerentes
que tal chamado divino deve-se bem construir: Se a providência de Deus usa a
atividade do homem, determinando-lhe o trabalho a obra do homem sendo um
dos instrumentos do grande labor de Deus (...).” (BIÉLER, 1990, p. 311) Tal
perspectiva de ministério ressalta Calvino aos homens quando lhes orienta acerca
da responsabilidade de seu trabalho diário: “Assim, pois, lembre-se cada um de
que foi criado por Deus a fim de trabalhar diligentemente e de entregar-se à sua
tarefa (...).” (CALVINO apud BIÉLER, 1990, p. 522)
O trabalho profissional do homem e sua atuação econômica na
sociedade são assim interligados ao governo de Deus para bem ordenar toda a
criação aqui identificada em seu aspecto de organização da comunidade dos
homens. Quando o homem apreende esta benigna realização de Deus na criação
e, submisso ao Criador atua socialmente conforme os valores e propósitos divinos,
então trabalha respondendo eficazmente à sua vocação, abandonando o ato de
trabalhar que tem valor em si próprio e que tanto afasta o homem de Deus quanto
de suas benesses divinas distribuídas em todo este projeto. Biéler: “Na medida
em que o trabalho toma o lugar de Deus, absorve toda a existência (...) está ele
voltado ao fracasso (...). Na medida, ao contrário, em que o trabalho é relacionado
com Deus, na e na obediência, é ele acompanhado de bênção.” (1990, p. 527)
Quando o homem adentra sua vida secular e assume suas funções de trabalho,
enxergando a realidade do que Deus está construindo e associando-se a Ele de
forma integral, então observará que seu labor, simples que seja no cotidiano,
assumiu realidade nova, provendo-lhe ainda satisfação outra. Calvino: “Em
51
contraposição, aqueles que descansam no Senhor são assegurados de que seu
labor prosperará, pois que deles se diz: a bênção do Senhor está sobre as mãos
daquele que trabalha (Salmo 127).” (CALVINO apud BIÉLER, 1990, p. 527)
Ao trabalhar em seu cotidiano social perante Deus e a partir de seus
mandamentos obrar valores de solidariedade à economia humana, o homem irá
submeter aos propósitos do Criador a esfera em que atuar, provendo à
comunidade dos homens, então, seu fim destinado. Calvino: “É a este domínio
sobre a natureza e a soberania sobre a matéria que deve tender todo o labor da
sociedade (...) a que fim são produzidos frutos de tantas espécies (...) senão para
uso e conforto de todos os homens.” (apud BIÉLER, p. 313). O chamado do
homem ao trabalho somente será real vocação de Deus quando sua obra prática
vincular-se do início ao fim aos conselhos e destinos que o Criador está
constantemente governando em meio à sociedade dos homens a assistência ao
próximo, o bem comum de todo homem. Calvino: “E daí coligimos a que fim foram
todas as coisas criadas: é que nada falte aos homens, em todas as situações e
passos de sua vida.” (apud BIÉLER, p. 314)
“Eis, ademais, em que condição Deus põe os bens
na mão dos ricos: é a fim de que tenham oportunidade, e recurso
também, para vir em ajuda ao próximo que esteja em
necessidade. Em suma, esta humanidade deve ser guardada
entre nós, que aquele que dispõe de quê, de sua abundância,
prodigalize ao próximo; embora não haja aqui uma taxa ou
tributo, impõe-se que pense cada qual que é sob esta condição
52
que Deus lhe deu trigo e vinho, que deles liberalmente
àqueles que deles tem falta e carência (...) Eis, pois, uma
equidade que Deus aqui infunde, a fim de que saibamos que, se
Deus nos deu bens que excedem à nossa utilização, não
devemos ser excessivamente avaros quanto a eles, pelo
contrário, que todos quantos deles carecem sejam, de qualquer
forma, aquinhoados.” (CALVINO apud BIÉLER, 1990, p. 429)
No propósito de não deixar dúvidas acerca do significado da vocação
em exercício de no trabalho profissional, mesmo após explicitar a relação de
mordomia às riquezas, bem como o alvo de seu uso para salvaguarda da
existência dos homens; Calvino particulariza em meio à sociedade os papéis e
funções que o governo de Deus está gerenciando na vida do homem, a fim de
tornar clara e indubitável sua real intenção ao convocá-lo como servo seu ao
mundo: “Ensinados que somos que os ricos receberam maior abundância, com
esta condição, que sejam ministros dos pobres, a dispensarem os bens que foram
postos nas suas mãos pela bondade de Deus.” Biéler desenvolve o que Deus
define acerca da função de seus vocacionados assistentes, bem como esclarece
sobre o propósito da gerência que lhes designou: “Estes termos, ministro, lugar-
tenente, oficial, ressaltam bem, de um lado, o regime de mútua comunicação dos
bens materiais que Deus tem o propósito de estabelecer entre os homens no seio
da sociedade (...)”. (1990, p. 429)
53
A expressão que Calvino utiliza aos chamados por Deus a servi-Lo em
suas vidas profissionais, bem revela o entendimento de conduta que pretende
ensinar quando desenvolve esta doutrina da vocação ministros dos pobres os
chama:
“Ensinados que somos que os ricos receberam maior
abundância, com esta condição, que sejam ministros dos pobres,
a dispensarem os bens que foram postos nas suas mãos pela
bondade de Deus.(...) Todos os ricos, então, quando tem o que
de que fazer o bem, certo é que aí estão como oficiais de Deus e
que fazem o que lhes incumbe, isto é, ajudar o próximo na vida.”
(CALVINO apud BIÉLER, 1990, p. 429).
Calvino: “Ainda que tenhamos toda sorte de bens em grande
abundância, não temos, entretanto, nada senão pela bênção de Deus, uma vez
que ela nos ministra tudo o de que temos necessidade.” (apud BIÉLER, 1990,
p. 430). Ao cristão cabe refletir acerca da origem divina dos talentos pessoais que
lhe oportunizam certa profissão, bem como do gerenciamento dos ganhos que
com estes adquire, pois Deus eslhe definindo o que importa e lhe é essência de
conduta a fim de participar junto ao Criador do governo em providência
humanitária que propôs ao homem partilhar. Calvino: “Para bem servir a Deus, e
resistir a Satanás, aprendamos a contentar-nos cada um com a sua medida; e os
que são ricos reflitam que tem obrigação muito maior, e que terão de prestar
contas dos bens que Deus pôs em suas mãos.” (apud BIÉLER, 1990, p. 432)
54
“Pôr o coração nas riquezas significa mais que
simplesmente cobiçar a posse delas. Implica em ser arrebatado
por elas a nutrir uma falsa confiança. (...) É invariavelmente
observado que a prosperidade e a abundância engendram um
espírito altivo, levando prontamente os homens a nutrirem
presunção em seu procedimento diante de Deus, e a se
precipitarem em lançar injúria contra seus semelhantes. Mas, na
verdade o pior efeito a ser temido de um espírito cego e
desgovernado desse gênero é que, na intoxicação da grandeza
externa, somos levados a ignorar quão frágeis somos, e quão
soberba e insolentemente nos exaltamos contra Deus.”
(CALVINO, O Livro dos Salmos, Vol. 2, p. 580)
Calvino preocupa-se especialmente com as regras que deverão
direcionar o uso dos bens terrenos disponíveis às mãos dos homens. Reconhece
que bons servos de Deus, em observando o mau uso e desperdício ao seu redor,
“querendo corrigir tão grande mal, proibiram aos homens o uso de bens materiais,
a não ser em caso de real necessidade.” Nesta atitude, porém, afirma o
reformador, “ataram as consciências muito mais apertadamente do que as obriga
a Palavra de Deus.” (CALVINO, 2006, p. 219).
Por isso mesmo, ao refletir acerca da boa utilização dos bens terrenos,
Calvino irá traçar alguns princípios que julga bom fundamento de ascese no
tocante às riquezas: O primeiro princípio a considerar é que, se os dons de Deus
são dirigidos ao mesmo propósito para o qual foram criados e destinados, não
podem ser utilizados equivocadamente.” (CALVINO apud HERMINSTEN, 2006, p.
55
103). Buscar o equilíbrio que o próprio Deus nos oferta, em sua sabedoria superior
que é distinta da nossa para regular esta noção, sempre foi o parâmetro de
Calvino. Pretendeu sempre ordenar sua reflexão e propor conduta relativa a
qualquer situação dentro dos limites do que a Palavra de Deus expõe ao homem.
O equívoco, portanto, está no uso distorcido, corrompido, mas jamais, ao uso
próprio de cada bem e fruto que tivermos em mãos:
“O primeiro ponto que se deve adotar é que o uso
dos dons de Deus não é mau se limitar ao fim para o qual Deus
os criou e os destinou, visto que os criou para o nosso bem, e
não para o nosso mal. (...) Ora, se considerarmos o fim para o
qual Deus criou os alimentos, veremos que ele não só quis
prover à nossa necessidade, mas também ao nosso prazer e
recreação.” (CALVINO, 2006, p. 219)
Calvino orienta ao homem este equilibrado bom governo dos bens e
frutos que tem à disposição em seu cotidiano. Quão distante está da visão comum
religiosa que propõe determinada ascese a distorcer a relação do ser humano com
as coisas da criação e obras materiais do homem, desprezando assim tanto a
natureza de um como do outro. Calvino:
“Deixemos de lado, pois, essa filosofia desumana
que, não concedendo ao homem nenhuma utilização das coisas
criadas por Deus, a não ser por sua real necessidade, não
somente nos priva sem razão do fruto lícito da benignidade
divina, mas também, quando aplicada, despoja o homem de todo
56
sentimento e o torna insensível como uma acha de lenha.” (2006,
p. 220)
Duas preocupações revelam os limites da reflexão de Calvino na busca
do equilíbrio que Deus indica ao homem no trato com os bens terrenos: o
exagerado resguardo de uso através da proibição de qualquer sensação e prazer,
próprios que são à situação que se deseja regrar; bem como, o uso desmesurado
que pode revelar dependência e também redundar em desperdício impedindo ao
alcance dos propósitos de Deus. Calvino:
“Ainda que a liberdade dos fiéis com respeito às
coisas externas não deva ser limitada por regras ou preceitos,
sem dúvida deve regular-se pelo princípio de se regalar o mínimo
possível (...) devem estar longe da intemperança! - ,e guardar-se
diligentemente de converter em impedimentos as coisas que se
lhes têm dado para que lhes sirvam de ajuda.” (apud
HERMINSTEN, 2006, p. 56).
Igual e fundamental atitude teve Calvino para com a usura buscando
regrar atos extremos ou desprovidos de valor, governando-os para bom fim. Em
observando o reformador que a neutralidade ou o amaldiçoar dos empréstimos a
juros não refletia o ensino de Deus, desenvolveu o princípio da utilização do
capital a fim de gerar progresso econômico, permitindo-o em medida razoável
como associação entre o investidor e o trabalhador jamais visualizando a
profissão de usurário, mas sim, a possibilidade de que este empréstimo ocorresse
e viesse a partilhar os lucros do empreendimento. Assim esclarece Wallace,
57
negando ao calvinismo um espírito capitalista, afirmando serem outros os seus
propósitos: “Certamente, ele aprovava o desenvolvimento do comércio e ele
esclarecia os pensamentos confusos dos homens a respeito do assunto da usura.”
(2203, p. 84.)
De tal forma que toda ajuda” divina através dos bens terrenos visa
promover, tanto o conhecimento da Pessoa e propósitos de Deus para a vida
eterna do homem; quanto ainda, servir literalmente de ajuda ao próximo objetivo
direto material de uso dos bens terrenos no tempo atual, e por isso, caridade a se
resguardar pelo uso profícuo dos bens e riquezas.
“Portanto, ao fazer o bem a nossos irmãos e mostrar-
nos humanitários, tenhamos em mente esta regra: que de tudo
quanto o Senhor nos tem dado, com o que podemos ajudar
nossos irmãos, somos dispensadores; que estamos obrigados a
dar conta de como o temos realizado; que o outra maneira
de dispensar devidamente o que Deus pôs em nossas mãos, que
se ater à regra da caridade. Daí resultará que não somente
juntaremos ao cuidado de nossa própria utilidade a diligência em
fazer o bem ao nosso próximo, senão que, inclusive,
subordinaremos nosso proveito ao dos demais.” (CALVINO apud
HERMINSTEN, 2006, p. 55)
Ao finalizar este tópico da dissertação e em bom esclarecimento deste
que é o principal texto da pesquisa, pois busca revelar os elementos e a unidade
de associação que João Calvino visualiza ao descrever os valores de conduta do
58
cristão em sua atuação na sociedade a ética protestante calvinista; refletimos: a
vocação do homem diante de Deus percebida como um chamado a bem conhecer
Seu Criador e assim junto dEle trabalhar na obra divinal dentro do mundo; o dever
e a responsabilidade declarados ao homem a fim de que possa bem assumir este
privilégio e oportunidade, tanto para a edificação de sua relação com Deus, quanto
para trazer satisfação à sua existência atual; a devoção enquanto lema no tocante
ao que homem alcance seu objetivo, a se realizar em conscienciosa atuação no
trabalho, bem como no uso regrado e destino devido que der às riquezas que
possa ali adquirir; e finalmente, à boa ordenação deste chamado santo do Criador
a fim de que, sim e verdadeiramente, toda sua vida e momento adentrem à este
plano magistral de benção atual do mundo - ao qual o homem foi convocado não
somente a ver e experimentar, mas especialmente, a junto de seu Senhor realizar:
tornar solidária a humanidade a fim de que todo ser possa ser abastecido por tudo
que Deus tem derramado e provido aos homens a fim de que subsistam
dignamente no planeta. Eis assim, os argumentos básicos e valores fundamentais
de João Calvino a fim de propor ao cristão uma atuação religiosa em meio à
sociedade – A Ética Protestante no Pensamento de João Calvino.
“Quando o Senhor nos abençoa, também nos
convida a seguirmos seu exemplo e a sermos levados para com
o nosso próximo. As riquezas do Espírito não são para serem
guardadas para nós mesmos, mas sempre que alguém as
recebe deve também passá-las a outrem. Isto deve ter uma
aplicação especial aos ministros da Palavra, mas também uma
59
aplicação geral a todos os homens, a cada um em sua própria
esfera.” (CALVINO, 2006, p. 221)
“Porém, Calvino percebeu que no período de
desenvolvimento comercial até a maior generosidade pessoal
não poderia garantir o bem-estar do pobre. (...) As ordenanças
que Calvino dispôs em 1541 falam do “hospital comunitário” que
devia ser “bem mantido”, com comodidades disponíveis para o
doente e para o ancião que eram incapacitados de trabalhar,
com uma ala bem separada para as viúvas, para as crianças
órfãs e outras pessoas pobres e com um abrigo para viajantes.
Além disso, “seria necessário também, tanto para os pobres no
hospital, quanto para aqueles que estavam na cidade que não
tinham meio de sobrevivência, que um médico e um cirurgião
fossem especialmente nomeados às expensas da cidade.”
(WALLACE, 2003, p. 82)
No terceiro e findo tópico desta dissertação, serão desenvolvidas certas
doutrinas e conceitos teológicos de João Calvino, a fim de que toda conduta
orientada neste capítulo enquanto edificação de uma ética protestante seja
adequadamente compreendida dentro da necessária estrutura teológica
sistematizada pelo reformador.
60
4 DOUTRINAS E CONCEITOS TEOLÓGICOS
4.1. A GLÓRIA DE DEUS
muito importante estarmos consagrados e
dedicados ao Senhor, pois isso significa que pensamos, falamos,
meditamos ou fazemos qualquer coisa tendo como motivo
principal a glória de Deus." (CALVINO, 2001, p. 29)
Dedicar o homem a Glória devida ao Criador dos céus e terra faz-se
o princípio supremo do ensino da Palavra de Deus para Calvino, o qual ele
admoesta aos homens a fim de que compreendam e então celebrem
corretamente. Embora a orientação surja em simplicidade de proposta e certa
clareza de prática, o fato de que toda a vida em qualquer situação e todo
sentimento em qualquer profundidade deverá ter por alvo tal celebração, faz deste
propósito um mundo de complexidades. O desafio de Calvino enquanto teólogo e
pensador cristão foi o de compreender tal assertiva bem como de pronunciá-la aos
homens, orientando-os devidamente acerca de como experimentá-la em todos os
aspectos de sua existência. Perceber a amplitude de seu alvo enquanto pensador
e escritor, e reconhecer que os resultados são considerados satisfatórios diante da
academia teológica cristã, dá-nos parcial idéia do valor de seus escritos e
reflexões. Que assim façamos sem esquecer que o princípio que desejou ministrar
também é o princípio que o orientou a viver, e a escrever. Sempre!
61
Enquanto exposição da Verdade de Deus revelada na Bíblia, sua obra
As Institutas da Religião Cristã apresentam inicialmente o tema do conhecimento
de Deus e do homem, os quais são relevantes à realidade humana dentro da
reflexão calvinista. Neste processo, dedicar a Glória somente a Deus poderia ser o
título geral desta sua obra, pois o raciocínio do autor observa a razão da vida do
homem a partir de uma vivência somente debaixo da vontade e dos desígnios de
Deus. Quando a humanidade não permanece na presença de Deus nem na
prática de seus princípios e ao desenvolvimento de seus propósitos, perdida e em
engano existencial se encontra.
Desenvolvendo este aspecto Soli Deo Gloria, enquanto tema
aparente orientador da exposição da verdade de Deus, Calvino irá escrever sua
obra de teologia organizada através de Quatro livros que compõe a edição
definitiva das Institutas, em 1559. Primordialmente, o primeiro assunto do livro I,
procura visualizar toda a percepção humana a partir da observação primeira à
Pessoa de Deus, o Criador. "A sabedoria verdadeira e substancial consiste quase
inteiramente em duas coisas: o conhecimento de Deus e o conhecimento de nós
mesmos." (CALVINO, 1984, p. 23)
Ao propor certa singularidade ao ser humano, enquanto aquele que
deve ser conhecido, como também aquele que irá conhecer a Deus, Calvino não
retira de Deus a centralidade ou a Glória. Ao contrário. Em verdade, a
compreensão de quem somos nasce do encontro com Deus, diante de sua
Criação ou Palavra revelada, a partir daí, então, apreendemos nossa verdadeira
realidade – a de seres humanos enquanto criaturas de Deus.
62
A partir desta realidade primeira, enquanto criaturas é que devemos
enxergar Deus, e somente o conheceremos além desta limitação naquilo em que
Ele desejar nos revelar somos dEle dependentes: "Calvino insiste que a
verdadeira sabedoria se encontra no conhecimento de Deus e de nós mesmos: é
através do reconhecimento da nossa condição de pecadores que descobrimos
que Deus é nosso Redentor." (2004, p. 11), assim expõe Alister MacGrath, em
sua obra: A vida de João Calvino.
Ultrapassar este olhar e encontrar a realidade do Criador, porém,
somente será possível segundo determinação própria de Deus: faz-se assim
necessária a mediação de Jesus Cristo bem como o agir do Espírito de Deus no
homem. Este projeto essencial da religião cristã será tema de descrição no tópico
próximo a ação de Deus enquanto Salvador do homem. Após ser iluminado pelo
agir de Deus em sua mente e coração, e capacitado agora a compreender a
Palavra bíblica pela imprescindível Graça do Criador, é que terá o homem o
conhecimento da Pessoa divina e de suas verdades em boa realidade.
Esta mediação de Cristo que livrará o homem de seu estado alienado
de Deus, conforme aprendemos quando o Criador assim nos revela; é uma
religação do homem a Deus que Calvino explora em seu livro segundo quando
nos dá a conhecer a obra do Senhor dos céus como Redentor dos homens.
Esta realidade acerca de quem somos e de como podemos conhecer a
Deus, nos é ensinada por Ele mesmo, em conhecimento crucial que revela acerca
de nossa pessoa. Portanto, a possibilidade de real conhecimento de Deus e a
63
oportunidade de uma existência humana tanto satisfatória quanto mais verdadeira
- porque original em relação à vontade de Deus, são tanto um propósito quanto
uma realização de Deus ao homem. Pois é o Criador que vêm ao homem revelar o
quão distante está dos céus e também promover a reconciliação. Trata-se do
Deus que volve sua face ao homem e o destina a tais possibilidades, em muito,
então, valorando a vida humana. Deus é um humanista e assim o serão os
cristãos. "O humanismo de Calvino, no entanto, não deve ser confundido com o
"humanismo secular", que colocava o homem como centro de todas as coisas.
Calvino rejeitava este tipo de "humanismo". Na sua obra Magna, A Instituição da
Religião Cristã, Calvino expressa sua concepção "humanista", que consiste em
reconhecer a grandeza do homem, como criatura de Deus, a Quem deve adorar e
glorificar." (HERMINSTEN, 2004, p. 97)
Assim, a legitimidade do ser humano no conhecimento de Deus e de si
mesmo encontra sua base de comparação, e de real conhecimento, em Deus
somente. Pois é de Deus a boa iniciativa, bem como dEle é a verdade. Jamais é
verdade nem sabedoria acerca de Deus que o homem obtém a partir de si
mesmo. Neste processo em que o homem precisa submeter-se a Deus para então
iniciar o vislumbre de quem é Deus, e quem é o homem verdadeiramente,
encontramos a perspectiva prática do lema - Glória a Deus: Submeter-se ao
Criador em todo pensamento e entendimento, ainda que este conhecimento venha
a ser pelo homem apreendido, manifesto e vivenciado – isto é dar Glória a Deus!
Os livros seguintes, III e IV das Institutas, permanecem
desenvolvendo em coerência bíblica a perspectiva suprema de tudo e todos para
64
a Glória de Deus, segundo visão que desejamos aqui reconhecer. Isto porque
argumentam e expõe acerca da maneira como a Vida de Deus chega aos homens
e também à sociedade humana. Um Reino de iluminação à Verdade e Presença
de Deus tanto quanto um Reino de Comunhão à Vida plena de Deus para os
homens – os temas da Igreja e da Vida do cristão no mundo.
Desde o livro III, ao explicar e perceber a presença de Deus na vida
humana a partir das doutrinas da Fé, Justificação e Santificação, descrevendo
como Deus em Seu Espírito visita o homem através de Cristo e transforma seu ser
até no livro IV em que apresenta a Igreja de Jesus como a instituição que
organiza, desenvolve, oferta e regula esta comunicação religiosa que irá se
estabelecer e avançar em abençoar toda a sociedade; João Calvino mantém-se
fiel em descrever uma existência humana satisfatória somente enquanto
dependente da Pessoa e Plano de Deus é dádiva inicial que se desenvolve e
será concluída a partir de Deus somente. Glórias a Ele!
Isto porque é Deus que tanto ensina sua verdade ao nos iluminar,
quanto ao homem um encontro com Ele ao vir nos buscar. Deus é quem
capacita o homem a entender e transforma-o para em nova realidade viver. Esta é
sua obra – vida aos homens através de Sua Igreja. Tudo entre os homens, para os
homens, nos homens e, a partir dos homens - no sentido de que não apenas
recebem a Deus e se fazem seus filhos, mas também, porque transmitem tal
conhecimento de Deus à criação e toda criatura.
65
Todo este decreto de Deus que apresenta vida plena à humanidade
cristaliza-se nesta proposta de submissão do homem em dependência a Ele.
Sempre! É, portanto, uma convocação para que a humanidade declare Glória a
Deus. As criaturas que enxergam o seu Criador são convocadas a honrá-lo com a
devida posição de Senhor sobre suas vidas somente assim receberão dEle o
que lhes está proposto. E se o assunto é vida, e vida dos homens, entre os
homens; é a estes que se faz o desafio de não mais viverem a partir de si nem
algo qualquer, mas a partir de Deus. Em tudo e sempre. Portanto, somente
seremos cristãos quando nos volvermos existencialmente a rever toda vida a partir
da Pessoa e Palavra de Deus. Então, tudo que for construído em vida saberemos
que dEle foi originado – Glória a Deus!
A vocação do cristão ao trabalho profissional está debaixo deste
princípio totalitário que purifica e entendimento a todo verso da Palavra de
Deus o homem que desejar vivenciar esta relação vocacional precisa submeter-
se integralmente: "Se pertencemos ao Senhor, deixemos que cada parte de nossa
existência seja dirigida por Ele. Esta deve ser nossa meta suprema." (CALVINO,
2001, p. 30)
Enquanto obra que expõe todo o conhecimento de Deus adquirido na
Bíblia, as Institutas de Calvino se regulam e desenvolvem através de quatro temas
que expressam em seu título e significado, esta perspectiva de um Deus Soberano
e providencialmente ativo, iniciando e desenvolvendo na vida dos homens os seus
conselhos sempre a fim de manifestar a sua verdade, dando suporte assim a
que tudo lhe seja em gratidão e Glória.
66
. O Livro I desenvolve a Pessoa de Deus Pai enquanto Criador e
Senhor da Providência; o Livro II, o Deus Filho e a obra de Redenção; o Livro III, o
Deus Espírito Santo e a obra da redenção na pessoa do homem; e o Livro IV, a
Igreja de Cristo enquanto comunidade reunida diante de Deus e seus propósitos
para a sociedade dos homens. (McGraph, Alister. A vida de João Calvino. São
Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004, p. 178).
4.2 . A SOBERANIA DE DEUS
“(...) Seguros também de que o trono de Deus não é
somente trono de majestade, mas também de Sua graça,
podendo nós comparecer (mos) perante ele com toda a
confiança e ousadia, em nome do Mediador e Intercessor, para
rogar misericórdia e encontrar graça e ajuda, em toda
necessidade que tivermos.” (CALVINO apud HERMINSTEN,
2006, p. 145)
A peculiar cosmovisão de João Calvino referente às relações entre
Deus e a criação, Deus e o homem, e também entre o homem e a Criação é que
irão projetar a perspectiva de local e situação ao chamado vocacional do homem.
E é a partir deste entendimento que surgirá o diferencial acerca da proposta de
conduta de delineada aos cristãos, segundo o reformador. Neste aspecto
67
fundamental, desenvolver a doutrina da Soberania de Deus irá nos revelar tal
assertiva: Reconhecer que Deus é Soberano sobre todo o Universo e ser vivo,
requer atentemos aos atos dEle em toda a Criação Deus enquanto Criador de
tudo; Deus enquanto Governador de tudo; e, Deus enquanto Redentor – salvando
toda a criação do pecado. De tal forma que render-se à Soberania de Deus
prescinde que conheçamos melhor o Criador em suas Obras perante todas as
coisas e seres.
"A sabedoria verdadeira e substancial consiste quase inteiramente em
duas coisas: o conhecimento de Deus e o conhecimento de nós mesmos."
(CALVINO, 1984, p. 23). O método filosófico de Calvino a fim de que adquira
conhecimento do homem e da criação origina em Deus a partir dEle recebe o
homem a definição de sua crença na existência do Deus vivo e Criador. Trata-se
de uma resposta bastante lógica e compreensível, e que faz-se norma de
raciocínio do renomado reformador. Afinal, em quê ou quem buscar parâmetros de
conhecimento a toda realidade senão perante Àquele que se crê tudo fez e todas
as coisas trouxe à existência?
Os fundamentos da realidade primeira - Deus, a quem o homem precisa
conhecer a fim de iniciar entendimento real acerca de tudo que e si mesmo,
desenvolve-se no que Calvino afirmou ser o conhecimento duplo de Deus (duplex
cognitio dei); segundo Timothy George em a Teologia dos Reformadores: "... ele
falava do conhecimento de Deus como Criador, manifesto na criação do universo,
e do conhecimento de Deus como Redentor, visto apenas na face de Cristo."
(1993, p. 189). Mister se faz declarar que este diálogo entre Deus e o homem na
68
caminhada do conhecimento, a partir de um olhar primeiro a Deus por parte do
homem, no propósito de que inicie boa reflexão da realidade; é iniciativa de Deus.
Deus aparece diante do homem, não é o homem que o descobre. George: "Todo
conhecimento verdadeiro de Deus derivava de um fato: Deus, em sua grande
misericórdia, dignara-se revelar a si mesmo. É importante reconhecer que, para
Calvino, a revelação era o resultado de uma decisão livre de Deus." (1994, p. 191)
"Deus se revelou de tal maneira na estrutura do Universo (...) Estamos
cercados por todos os lados pelas provas da maravilhosa sabedoria do Criador
(...) Portanto, fica claro que não há ninguém a quem Deus não revelou Sua
sabedoria nas obras de suas mãos." (CALVINO, 1984, p. 30) Importante para o
Reformador foi definir as consequências oriundas deste olhar primeiro do homem
a Deus. O primeiro conhecimento que temos ao observar a Criação de Deus é
Sua riqueza e nossa limitação, ao mesmo tempo em que ao olharmos o Caráter e
Sabedoria magistrais do Criador enxergamos também nossa miséria moral a
revelar a situação de pecado e de distância que estamos para com a pessoa de
Deus. (As Institutas da Religião Cristã, João Calvino - um resumo: por Wiles, J. P.
São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1966, p. 24).
Esta aproximação primeira do homem a Deus lhe revela e atualiza o
estado de queda da humanidade, a situação de afastamento do Criador, a
perspectiva de vivência errante que impulsiona a natureza do homem - o estado
de pecado, segundo a Bíblia. Pois ao observar a grandeza de Deus pelo seu
caráter e realizações no mundo, o homem olha sua vida e se percebe distinto e
69
contrário ao Criador; refletindo assim acerca da situação desigual em que ambos
existimos.
O primeiro conhecimento acerca de Deus surge à humanidade a partir
da observação da grandeza e majestade do cosmos o que irá requerer reação
do homem, uma resposta à perspectiva da existência de Deus a partir das obras
da Criação. Porém, em razão de estar afastado de Deus e incapaz de
compreender Sua Glória manifesta na natureza, o homem não tem condições de
responder ao Criador a fim de iniciar algum relacionamento com Ele.
Por isso Deus visitou o homem também com Sua Palavra, "enletrada
nas Escrituras Sagradas e visível e audivelmente mostrada no ministério dos
sacramentos e na pregação." (GEORGE, 1993, p. 192).
A Palavra compreensível de Deus esclarecerá tanto sua ação enquanto
Criador do mundo, como ainda, em resposta divina à realidade de que o homem
afastado de Deus se encontra o ensino acerca de Deus como Redentor. "Pois
uma coisa é conhecer a Deus como nosso Criador (...), mas coisa bem diferente é
abraçar a reconciliação que é colocada diante de nós em Cristo." (CALVINO,
1984, p. 25).
“A deve penetrar mais profundamente; tendo
aprendido que Deus é o Criador de todas as coisas, deve
concluir que Ele é o governador e Preservador constante delas, e
que Sua providência especial sustenta, guarda e cuida de cada
70
uma das Suas criaturas, até ao menor dos pardais.” (CALVINO,
1984, p. 86).
Outro conhecimento notável que o homem recebe de Deus através da
Palavra se refere ao modo como Deus governa tudo que acontece sobre a terra. O
Deus Criador de toda terra e doador de todo impulso vivencial aos homens, será
igualmente o Deus da Providência que governa e sustenta a cada dia tudo que
criou. Deus governa o desenrolar diário de sua criação e administra o mover
cotidiano das criaturas. "Portanto, sempre que falamos de Deus como o Criador do
céu e da terra, lembremo-nos que Ele retém o domínio de todas as obras das
Suas mãos, e que nós somos Seus filhos, aos quais Ele se empenhou em nutrir,
sustentar e proteger." (CALVINO, 1984, p. 79).
Conforme Timothy George, "A providëncia, então, estava
inseparavelmente ligada à criação, sendo em si mesma um tipo de continuação do
processo criativo." (1993, p. 205) Ao desenvolver a doutrina de que Deus está
governando em detalhes a vida na terra em todo o tempo, Calvino foi acusado de
fatalista por críticos à sua época porém, a distinção do pensamento do
reformador à esta acusação recebe comentário de Strohl, em sua obra o
Pensamento da Reforma: "A essa noção fatalista opõe a da "providência especial
de Deus, que se interessa particularmente por cada criatura. Deus é o mestre e o
moderador de todas as coisas". Moderar significa "presidir de tal modo que as
coisas presididas se conduzam com ordem e harmonia". (2204, p. 153)
71
A Soberania de Deus em toda a criação revela-se ao homem quando
sabemos do agir de Deus enquanto Redentor - que vêm salvar o homem dos seus
pecados, de sua situação de miséria e engano existencial: "Cristo cumpriu o ofício
sacerdotal quando, em sua condição de Mediador puro e imaculado, apaziguou a
ira de Deus e fez uma compensação perfeita pelos pecados humanos. Mediante o
ato redentor de Cristo, Deus Pai remove toda a causa de inimizade e reconcilia
totalmente os cristãos consigo." (GEORGE, 1993, p. 219)
Quando o ser humano negou a Deus em desobediência e afastou-se
d'Ele, também iniciou sua caminhada errante de vida, porque construída sem a
verdade de Deus. O homem acaba por desenvolver uma vivência corrupta porque
acontecendo sem os princípios do Criador, e impulsionado por uma sua natureza
interior que se faz contrária à vontade de Deus. Distantes assim de Deus, os
homens tornam-se vítimas de doenças diversas, e finalmente da própria morte.
Somente uma ação de transformação desta realidade por parte de
Deus poderá resolver a situação. A maior das conseqüências que está sobre a
vida dos homens Deus faz recair sobre seu próprio Filho é assim que Jesus
morre, em tomando o lugar dos homens para livra da raça humana a maldição que
lhe acompanhava. Agora, em Cristo, o homem pode parar de morrer. São assim
abertas ao homem portas de um recomeço de vivência existencial junto de
Deus. Através de Jesus Deus estará visitando os homens em Espírito, tocando
seus corações e caráter, gerando neles a "vida" que somente em Deus esplena
e verdadeiramente. Calvino: "Dissemos que a regeneração visa colocar a vida dos
72
crentes em harmonia com a justiça de Deus, como prova de sua adoção como
filhos." (CALVINO, 1984, p. 236)
Estes atos da Soberania de Deus sobre a vida dos homens, tem o
propósito de “buscar” o ser humano em seu estado existencial de engano,
preparando o homem para dar uma resposta a tudo que Deus está fazendo em
sua criação. A reação religiosa do ser humano constrói esta resposta. De que
forma e aonde o homem que crê irá construir sua nova relação com Deus, tem
sido diferencial de orientação de Calvino enquanto teólogo mor da Reforma
Protestante.
O líder inicial da Reforma, Martinho Lutero, foi quem iniciou a radical
transformação acerca da perspectiva do local e alvo do chamado de Deus aos
cristãos para que lhe sejam fiéis. Na Idade Média, somente a vida sacerdotal,
enquanto ministro das ordens religiosas, era considerada vocação - chamados por
Deus a uma função e dever existencial. (Knudsen, Robert D. Calvino e sua
influência no mundo ocidental. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1990, p 22).
"Ao reconhecer que toda a vida é santa quando reflete o propósito de Deus, Lutero
faz a idéia de vocação estender-se para abranger toda atividade humana
legítima." (KNUDSEN, 1990, p. 22).
A partir daí, porém, surge concepção distinta entre Lutero e João
Calvino. O fato do homem natural estar em situação de pecado gerou visão geral
de que nada de bom nas humanidades do ser. Sua cultura e ciência seriam
73
totalmente contra Deus. Isto sempre afastou o homem cristão de vivenciar sua
livremente em meio ao mundo secular.
Nesta perspectiva é que Lutero irá negar qualquer "atividade" de Deus
na "natureza" - o que pressupõe que a faculdade humana da razão bem como
toda atividade desenvolvida a partir de seu pensar, será, portanto, neutra diante
de Deus - o importante é não negar-Lhe os mandamentos. (Knudsen, Robert D.
Calvino e sua influência no mundo ocidental. São Paulo: Casa Editora
Presbiteriana, 1990, p. 17).
Em franca distinção, porém, “o ponto de vista de Calvino (...) não
envolve de modo algum qualquer depreciação da atividade cultural, nem das
instituições humanas. Na Reforma calvinista, a idéia de vocação podia assumir a
mais pura expressão de sua significação universal." (KNUDSEN, 1990, p. 22).
O que permitiu a Calvino observar toda perspectiva de existência
humana enquanto uma proposta de chamado positivo - jamais neutro, aos
cristãos; surge de sua peculiar cosmovisão e compreensão do todo da Criação de
Deus. Deus criou todo o mundo. Deus criou o homem e o fez à sua imagem e
semelhança com personalidade. Deus é Aquele que capacitou o homem e
ordenou-lhe o uso de seus dons para a edificação da vida na Terra. E Deus é que
governa toda a natureza e a ão do homem na história. Portanto, é preciso
observar toda a criação e existência humana também a partir deste prisma.
Portanto, quando Deus deseja transformar a vida do cristão a fim de
que vivencie suas verdades em meio à criação; providencialmente o fará enviando
74
o homem a toda parte e toda situação deste mundo pois tudo veio de Deus e
agora os que são dEle viverão sua em todo lugar. Assim ministrou Calvino, em
princípio que será determinante a uma conduta efetiva do cristão reformado
quando da prática de sua fé no mundo.
Calvino está ensinando que mesmo um mundo ainda não transformado
pela obra de redenção de Cristo, é também mundo em que Deus age e atua
soberanamente. E isto faz em meio às humanidades do homem e à sociedade
como um todo. Tal ensino fará o homem visualizar todo lugar e qualquer pessoa
como debaixo dos planos de Deus.
Para o reformador, O Deus da Providência mantém no homem pecador
e corrupto sua ação graciosa – “Graça Comum”, conforme Knudsen (1990,p 25), a
fim de que a humanidade não pereça em total engano e maldade. Toda ordem,
valor e dons instituídos à alma humana na Criação, originam do Deus Criador.
Todo o desenvolvimento destas capacidades humanas dentro da história
correspondem igualmente à uma ação de governo de Deus. Portanto, negar a
cultura oriunda da atividade humana enquanto um potencial de Deus; e assim, não
passível de redenção positiva e nem de uma observação compreensiva acerca do
que lhe é valor, faz-se raciocínio contrário ao conhecimento das obras do Deus
governador do mundo em sua providência.
A realidade desta ação governamental de Deus em toda a criação será
fundamental a fim de que o homem compreenda, em profundidade, o chamado à
vocação secular que de Deus recebe. Em toda esta obra do governo da
75
Providência de Deus no mundo ele, cristão, será partícipe, co-agente de Deus.
Tal primazia ao homem desenvolve Calvino ao lhe incluir em toda a ação de
governo e condução da história que Deus está realizando realçando a
participação do homem e propiciando o fundamento de uma resposta positiva para
com o desafio de sua vocação secular. "Ao controlar todas as coisas pela Sua
providência, Deus às vezes opera mediante causas secundárias, às vezes sem
elas, outras vezes até mesmo contra elas." (CALVINO, 1984, p. 93).
Nesta perspectiva, os papéis sociais do homem, seja no lar, política e
toda sua interação à sociedade, são percebidos em valor superior ao homem
cristão que se permite orientar pela teologia de Calvino.
Segundo Knudsen, "Calvino vislumbrava uma tal
esfera orgânica na família. A família é uma ordenança da
criação, fundada por Deus. (...) Ao chefe da família, no sentido
restrito da palavra, o marido, foram concedidos dons especiais
do Espírito. (...) O ponto de vista de estrutura orgânica, de
Calvino, está presente também em sua maneira de conceber o
Estado, no qual ele viu uma analogia com a família. Ele
relacionou com o Estado, também, sua idéia de diversidade do
gênero humano, quanto aos dons e esferas de atividade." (1990,
p. 24)
Esta realidade de um mundo não convertido sob o agir de Deus, faz-se
perspectiva distinta ao cristão calvinista enquanto um olhar que busca sua área de
atuação no mundo. Assim, definitivamente, à luz da ação redentora de Deus em
76
sua vida, o cristão é chamado a enxergar sua vocação em visão social integral,
abraçando todas as áreas de sua existência conforme os mandamentos ali
destinados. O Deus que governa toda a criação faz com que o homem cristão
visualize o mundo inteiro como seu campo de fé, e se submeta inteiramente a tudo
que o Criador está regendo em qualquer situação da existência humana.
4.3 VOCAÇÃO RELIGIOSA
4.3.1. CONCEITO
A perspectiva reformada para a palavra Vocação requer atentemos
para as expressões retiradas do Antigo Testamento, em hebraico: q a r a, e do
Novo Testamento, em grego: k a l e i n, verbos, que significam chamado, ou
vocação. (McKin, Donald. Grandes Temas da Tradição Reformada. Pendão Real,
1998, p 297). O hebraico q a r a traduz-se por "chamar, convocar, invocar,
declarar formalmente" - neste sentido último, enquanto nomeia algo, significa "uma
afirmação de soberania sobre a coisa nomeada"; também, utilizado para indicar
"chamar para tarefa específica" - "Israel foi "chamado"(eleito) por Deus para ser
Seu povo (Isaías 65.12)", em acordo ao Dicionário Vine (2002, p. 68). O termo
grego, da raiz k a l, significando "chamar alguém, convidar, convocar", e ainda,
"chamar por nome, nomear" - "assim sugere vocação ou destino", segundo
Dicionário Vine (2003, p. 463). A partir deste uso bíblico, tais expressões
assumem a idéia de uma convocação de Deus ao homem. Um chamado de Deus
77
que aguarda a resposta em dos homens a fim de que estes assumam o que
lhes está sendo divinamente ordenado. Enfim, um chamado religioso ao homem,
pois para o encontro, adoração e serviço a Deus.
Aspecto importante desta relação é que ao chamar, Deus também se
encarrega de desenvolver junto ao homem esta convocação. Assim, um
chamado de Deus em Jesus Cristo feito aos seres humanos. São as Boas Novas,
o Evangelho de Jesus endereçado a toda humanidade - a mensagem bíblica com
função de descrever e chamar os homens a responder à convocação maior de
Deus. Este chamamento confronta o homem através de uma atividade divina
executada pela Terceira Pessoa da Trindade, o Espírito Santo. O propósito é
encaminhar as pessoas a responder com ao chamado divino. Conforme
definido por Charles Hodge em sua Teologia Sistemática: "Esta obra do Espírito,
nas Escrituras, chama-se vocação." (p. 961)
Segundo Karl Barth (McKIM, 1998, p. 299), teólogo reformado do
século 19, para Calvino, "a vocação (chamado) e a eleição estão coordenadas
indissoluvelmente. A eleição olha para frente, na direção do evento futuro da
vocação; a vocação olha para trás, na direção da eleição". Ora, o evento futuro da
vocação é a realização integral do homem - como cristão. O evento passado e
base do chamado é a eleição do homem por Deus, tornada real quando este se
assume como cristão - sua vocação. Esta vinculação geral reformada e enfatizada
por J Calvino, segundo Donald K. Mckin (1998, p. 299), "quer dizer, de modo muito
simples, que nós não escolhemos a Deus; Deus nos escolhe e Deus nos chama
para as alegrias, benefícios e obrigações da salvação em Jesus Cristo".
78
Esta perspectiva é fundamental a fim de que possamos compreender o
valor que para o cristão calvinista em buscar bem responder ao chamado de
Deus para o cristianismo. Toda situação de vida deste homem convertido a Cristo
se tornará momento de resposta adequada, ou não, ao que Deus lhe designou a
ser e fazer, seja princípio blico específico ou geral, que o oriente. A vocação
cristã em J Calvino se cristaliza numa atitude de temor a Deus perante toda sua
existência, pois qualquer atitude vivencial se faz uma resposta digna, ou indigna
perante o chamado, a vocação que de Deus recebe o homem, em Cristo.
Segundo Robert D Knudsen (1990, p. 23), "para Calvino, a vida do homem, em
sua totalidade, é compreendida como uma resposta à chamada de Deus."
Assim, este chamado faz-se Vocação ao ser humano porquanto define
um destino adiante dele; porque é convocação de Deus que assim se realiza no
homem a partir de resposta vivencial através da qual este participa de nova
situação, nova experiência, nova perspectiva de realização de seu viver. Vocação
porque chama o homem para responder a um destino determinado, preparado,
propositado segundo Deus. Enfim, um chamado para ser cristão, eis a vocação.
"O chamado de Deus é a todos os que crêem para serem cristãos." (McKIM, 1998,
p. 298)
79
4.3.2 VOCAÇÃO: PERSPECTIVA REFORMADA
Enquanto teólogo, João Calvino é fruto e expoente da Reforma
Protestante, portanto, inseparável deste movimento histórico. Assim, reconhecer
singularidades ou ênfases de sua reflexão acerca do tema Vocação em relação à
Perspectiva Reformada não significa distinguir sua pessoa deste movimento, mas
sim, aprofundar nosso conhecimento referente à sua peculiar contribuição. Para
isto realizar, importante se faz, resumidamente, apreender o conceito reformado
de Vocação e a estrutura de seu desenvolvimento em princípios bíblicos.
Dentro deste propósito, podemos conceber uma doutrina da Vocação
na Perspectiva Reformada a partir da existência e relação de alguns princípios,
em texto orientado segundo a obra Grandes Temas da Tradição Reformada, A
Vocação na Tradição Reformada, de Donald Mckin.
Inicialmente, trata-se de um chamado de Deus para que os homens se
voltem à sua presença e verdade, em Jesus Cristo, o qual observado em textos do
Novo Testamento confere à expressão certo sentido técnico em que "o termo
"chamar" tem um sentido teológico especial" (McKIN, 1998, p. 298). Em seguida,
trata-se de um chamado em Jesus para que o homem conheça a Deus e sua
Verdade na mensagem e obra do Filho - a salvação: "Existe um chamado de Deus
e este é para todas as pessoas em Jesus Cristo. É um chamado ou convite para
se envolverem na salvação; um chamado a todos os que crêem para serem
80
cristãos." (McKIN, 1998, p. 299) Trata-se da assim denominada "vocação eficaz"
segundo confissões de fé reformadas; citando Karl Barth:
No Novo Testamento, K l e s i s sempre se refere, de
modo bastante inequívoco, ao chamado divino, isto é, ao ato do
chamado de Deus realizado em Jesus Cristo, pelo qual a pessoa
é transplantada para seu novo estado como cristã, é feita
participante na promessa (Ef 1.18; 4.4) relacionada com este
novo estado e assume o compromisso (Ef 4.1; 2 Pe 1.18)
correspondente a este estado. Este chamado é santo (2 Tm 1.9)
e celestial (Hb 3.1). Portanto, ele vem de cima (Fp 3.14). (McKIN,
1998, p. 299)
Este aspecto de uma vocação que é eficaz porque plenamente
concretizada na vida do homem representa, para Mckin, o "fundamento" da
salvação. Citando: "A partir desta compreensão a respeito da vocação, a teologia
reformada continuou a entender que o fundamento de nossa vocação está em
nossa eleição como povo de Deus - isto é, como Igreja." (1998, p. 299).
Assim, a Igreja enquanto comunhão dos chamados por Deus -
eleitos, será a base de encontro desta comunidade não na perspectiva de um
lugar e local, mas enquanto "uma fonte (...) de onde nosso próprio entendimento
e atos podem tomar forma e receber poder." Continuando: "Pois a Igreja é o dom
da graça de Deus, onde nossas vocações ganham seu rumo, onde podemos ser
corrigidos e ajustados, até mesmo redirecionados" (McKIN, 1998, p. 301). A
Reforma Protestante irá determinar revolução singular na vida religiosa do ser
81
humano a partir exatamente desta mudança de foco: O cristão não "adora ou
serve" a Deus "dentro" da Igreja, mas em toda sua vida: "A distinção clero/laicato
não foi eliminada no protestantismo, mas o novo foco na vocação como o
chamado da pessoa na vida diária centralizou a atenção na obrigação e
oportunidade de cada um desempenhar um papel significativo no todo do reino de
Deus". Ainda, "de acordo com Weber, isto levou à concepção que "o
cumprimento das obrigações seculares como a única forma de agradar a Deus e
daí a crença de que qualquer chamado legítimo tem exatamente o mesmo valor
aos olhos de Deus." (McKIN, 1998, p. 302)
Ainda, percebe-se o último item deste entendimento acerca da
doutrina da Vocação, que irá voltar-se para seu fim e propósito - A Missão da
Igreja enquanto um "serviço ao mundo", um ponto em comum para todas as
denominações reformadas.
Esta "carne" que deverá ser colocada na maneira como o cristão
chamado pör Deus irá servir ao mundo é que irá formalizar e representar as
diferenças da perspectiva vocacional para o cristão entre os Reformadores; bem
como, as influências e transformações na vida social concernente aonde irão viver
e "servir como cristãos" cada um dos diversos ramos do protestantismo. Calvino
se fará singular e revolucionário a partir das peculiaridades de sua doutrina cristã
da Vocação a partir exatamente da força tanto de sua base bíblica quanto de sua
realização vivencial na existência humana.
82
4.3.3. VOCAÇÃO SECULAR: O PENSAMENTO DE J. CALVINO
Enquanto teólogo responsável pela mais completa e objetiva
sistematização das crenças bíblicas protestantes, João Calvino, acerca do tema
Vocação Secular do Cristão, formula uma proposta de compreensão e prática
cristãs, que, porém, não se encontra definida em uma, por exemplo, doutrina
calvinista da Vocação.
O assim denominado "Exegeta da Reforma" devido à sua "clareza,
simplicidade e fidelidade textual" conforme Herminsten (2000, p. 37), formulou sua
maior e mais conhecida obra, Institutas, num período de 23 anos (1536-1559), ao
mesmo tempo em que comentava praticamente todos os livros da bíblia
(Herminsten, Maia da Costa. O Pensamento de João Calvino. São Paulo: Editora
Mackenzie, 2000 p 38). Nesta perspectiva, destes comentários Calvino extrai as
verdades e princípios de Deus que irá declarar nas Institutas, conforme seu
propósito de escrever obra didática ( Herminsten, Maia da Costa. Raízes da
Teologia Contemporânea. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p. 142), segundo
Timothy George, "um manual de instrução... que apresentasse os rudimentos de
uma teologia bíblica e levasse os jovens cristãos a uma maior compreensão da
fé." (1993, p. 178). Calvino expõe a Bíblia em propósito de integração e
uniformidade de toda a revelação de Deus formulando um sistema para todo o
ensino de Deus, que exposto progressivamente nas Institutas, irá demonstrar e
nortear desenvolvimento correlato de temas distintos referentes a Deus e à
83
existência do homem. (Herminsten, Maia da Costa. Raízes da Teologia
Contemporânea. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p. 139 e141)
Esta perspectiva requer um estudo amplo de seus escritos a fim de que
possamos obter sua "doutrina" acerca de temas diversos da vida humana cristã,
bem como para perceber a riqueza e abrangência singulares dada aos
ensinamentos de Deus pelos textos exegéticos de Calvino. Assim, qualquer que
seja o assunto, é sua exposição contínua de toda a revelação de Deus que
apresentará tanto princípios gerais quanto específicos, acerca de tudo que Deus
"falou" concernente à vida humana. Sua obra As Institutas torna real esta
exposição temática ampla da Palavra de Deus, o que requer que todo leitor de
qualquer um de seus comentários aos livros da Bíblia aproxime-se desta sua obra
magna para nela referir o contexto adequado de compreensão de qualquer
declaração anunciada quando da análise de um verso, um capítulo ou ainda, um
livro inteiro da bíblia.
Compreender, então, o pensamento de J. Calvino acerca da crença
Vocação Secular, requer a entendimento de determinados temas reformados em
perspectiva calvinista, conforme orientação geral do reformador, o que surge a
partir do conhecimento de temas de sua teologia bíblica cristã sistematizada,
conforme exposto nas Institutas. Somente assim perceberemos a unidade e
diferencial de sua visão teológica. Neste propósito é que se desenvolve o atual
capítulo, até aqui alinhando os temas da Glória e da Soberania de Deus, e em
seguindo, apreciando os temas do Trabalho, Liberdade e responsabilidade social
e da Predestinação.
84
4.4. TRABALHO: PERSPECTIVA REFORMADA
O homem cristão reformado deverá atuar em sua vida profissional
tendo a Glória de Deus por fundamento. Observar toda a existência enquanto
criação de Deus, incluindo o homem e sua construção sócio-cultural, a fim de que
tudo lhe seja por local de cumprimento dos desígnios de Deus. De tal forma que
uma secularização do sagrado ou mundanização da perspectiva religiosa do
homem, sendo seu trabalho profissional o elemento de ligação, faz-se real e
autorizada a partir deste conhecimento do que Deus está realizando no mundo.
Pois tal compreensão orienta o homem a assumir diante do Criador as
responsabilidades do projeto de restauração integral da sociedade. Eis, assim,
fundamentos de uma ética cristã calvinista que será formalizada ao cristão a
tantas quantas forem as áreas das relações humanas que vivencia.
A norma cristã ou dever religioso em Cristo que se assevera ao cristão
calvinista, diante do mundo integral que nos cerca, será a resposta necessária em
temor a Deus segundo os aspectos acima postulados. Segundo A McGraph, em A
vida de João Calvino; "A ênfase de Calvino no fato de que o fiel poderia ser
chamado por Deus para servi-lo em todas as esferas da existência secular
concedeu ao trabalho uma nova dignidade e significado. O mundo deve ser
tratado com desprendimento, na medida em que ele não é Deus e é facilmente
confundido com este; porém, pelo fato de que o mundo é uma criação de Deus,
ele deve ser afirmado." (2004, p. 262)
85
Observamos na introdução que o a raiz do termo grego kal significa
"chamar". Na primeira carta de Paulo aos Coríntios, capítulo 7, verso 20,
encontramos o termo klesis - substantivo correlato (McKIN, 1998, p. 297), que
traduz-se ali por "chamado". A Reforma Protestante iniciou importante
transformação acerca do valor do trabalho secular ao cristão, exatamente a partir
da tradução deste termo efetuada por Martinho Lutero - aspecto importante, já que
a Reforma retirava seus princípios de conhecimento de Deus e relacionamento
com o mundo a partir da Bíblia somente, como um diferencial magno seu diante
da Igreja Romana. Lutero traduziu Klesis ao alemão utilizando a expressão beruf
que pode significar "vocação" e "profissão". (McKIN, 1998, p. 301). Creio ser
importante esta citação, conquanto concorde com Donald McKim, - Grandes
Temas da Tradição Reformada - A Vocação na Tradição Reformada, quando
observa: "Existem alguns problemas com o ponto de vista de Lutero. No campo
exegético, este sentido mais estreito e técnico de vocação, como o emprego ou
profissão de alguém, não é seguramente o que Paulo tinha em mente quando
escreveu aos Coríntios. Ali, o apóstolo estava mais preocupado com a situação
em que a pessoa se encontrava quando se tornava cristã." (1998, p. 302).
Portanto, é mister compreender a revolucionária perspectiva temática
iniciada na Reforma acerca do valor do trabalho ao cristão, pois até então, era
percebido somente enquanto "eticamente neutro" (HERMINSTEN, 2004, p. 118) e
ainda, na perspectiva grega, "arte mecânica", como sendo algo degradante para o
ser humano, e inferior (...) ao ócio, descanso, repouso, à vida contemplativa e
ociosa (...) por um lado, e à atividade militar pelo outro." (2004, p. 118).
86
Há grave distinção a esta idéia quando da exposição do pensamento de
J Calvino, pois a partir dos fundamentos da Reforma ele oferece amplitude
peculiar e significativa ao que até então os próprios reformadores haviam
postulado. "A contribuição de Calvino pode ser considerada como efetiva em dois
níveis: em um deles, foram retirados os desestímulos (tal como o opróbrio social e
religioso de que era investida a geração de capital no período medieval); no outro,
estímulos positivos encorajaram a adoção de posturas e práticas favoráveis à
emergência do Capitalismo." (McGRATH, 2004)
"O trabalho secular se tornou uma parte integrante da
espiritualidade de Calvino, conferindo um novo sentido à máxima
monástica medieval laborare est orare, "trabalhar é orar". O
trabalho manual não era somente regra em Genebra; era o ideal
religiosamente sancionado." (McGRATH, 2004, p. 264)
Enquanto orientação divina ao homem, esta sua vocação -
fundamentada nas obras da Criação e do Governo de Deus sobre o mundo,
define-se o trabalho em Calvino enquanto continuidade da ação providencial de
Deus a fim de que a existência humana na Terra ocorra a bom contento. (Biéler,
André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino. São Paulo: Casa Editora
Presbiteriana, 1990, p. 513) "A ação providencial não suprime, ao contrário,
fundamenta a livre ação do homem. Agir livremente é executar o que o próprio
Deus faz; à parte desta ação, todo trabalho do homem nada é senão agitação
febril e atividade inútil." (BIÉLER, 1990, p. 514).
87
Ao assumir sua função na obra atual e constante do Deus da
Providência entre nós, o homem cristão dignifica suas ocupações no mundo;
tarefa que já lhe foi ordenada desde o início pelo Criador: "Deus designou o
homem para, por seu trabalho, dominar sobre toda a terra e sujeitá-la a si."
(BIÉLER, 1990, p. 523). Enquanto chamado por Deus Redentor para recuperar à
Terra e existência humana os propósitos do Criador, experimentando e
anunciando a vinda do perfeito Reino de Deus em Jesus na eternidade; o homem
se enxerga igualmente convocado a ocupar sua posição em meio à vida humana
atual. Ao assumir seus deveres na construção e progresso da sociedade humana,
a partir dos dons e capacitações dados por Deus neste propósito, o homem se
percebe também realizado enquanto ser e pessoa, pois sua ação criativa e
transformadora em sociedade seu trabalho profissional, lhe é necessidade
natural enquanto ser humano, essencial também à sua satisfação existencial.
(BIÉLER, 1990, p. 522 e 523)
Esta existência que se dedica à prática do trabalho a satisfazer a alma
humana, construindo igualmente a sociedade enquanto possibilidade limitada,
mas significativa à luz do projeto do Reino de Deus eterno; será proposta do
pensamento de J. Calvino a fim de nortear e legitimar um positivo envolvimento do
cristão no mundo dos homens. Pois o alvo do homem é a vida eterna, a vida que
se aguarda e se constrói a partir de Jesus através de uma união do homem em
serviço a Deus em tudo que realiza o Criador. (Biéler, André. O Pensamento
Econômico e Social de Calvino. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1990, p.
526)
88
Dentro desta proposta de trazer ao mundo via trabalho profissional
certos valores do Reino de Deus, assim postulou Herminsten, em Raízes da
Teologia Contemporãnea: "Calvino defendeu três princípios éticos fundamentais:
Trabalho, Poupança e Frugalidade. Note-se que a poupança deveria ter sempre o
sentido social." (2004, p. 120). Acerca do chamado para construir a sociedade,
nela se envolvendo a partir de um propósito de serviço, segundo a ação de
governo do Deus da Providência, acentuamos: "Calvino, interpretando Hebreus
13.16, entende que os benefícios que prestamos aos homens se constituem
parcialmente em culto a Deus, sendo isto uma grande honra que Deus nos
concede."
Calvino irá expor em seus comentários de livros bíblicos a função
suprema do trabalho do homem, tendo por princípio que esta dedicação deve
ocorrer com fins à construção da sociedade econômica e social do homem;
especialmente com vistas ao bem comum e o progresso de todos, especialmente
dos necessitados (HERMINSTEN, 2004, p. 128). Este é o proveito necessário de
toda ocupação entre os homens, sendo um dever religioso que não valoriza o
homem e seu trabalho se separados, evidentemente, de Cristo e de seus
mandamentos de moral e de amor ao próximo.
"As Escrituras nos ensinam que Deus nos criou para
o trabalho (Gn 2.8,15). O trabalho, portanto, faz parte do
propósito de Deus para o ser humano, sendo objeto de
satisfação humana: (...) Seu trabalho deve ser feito como uma
prenda feita a Deus, independentemente dos senhores terrenos;
89
deste modo, o que de fato importa, não é o trabalho em si, mas
sim o espírito com o qual ele é feito; a dignidade deve permear
todas as nossas obras, visto que as realizamos para o Senhor."
(HERMINSTEN, 2004, p. 129)
Enquanto perspectiva bem delineada de atuação cristã segundo
convocação de Deus, o trabalho secular se tornou relevante experiência de
transformação, tanto do indivíduo quanto da sociedade, a partir de sua base de
crença protestante - conforme apreendida na história por nações diversas a que
influenciou. O desenvolvimento e progresso gerados a partir desta doutrina
originam de uma ativa dedicação do homem em resposta ao chamado de Deus,
pois envolvem uma ética cristã construída a partir de uma liberdade com
responsabilidade.
90
4.5. LIBERDADE E RESPONSABILIDADE SOCIAL
J Calvino pertence ao movimento religioso do início do século XVI
denominado Reforma Protestante, em que cumpriu papel de liderança junto a
outros expoentes, como Martinho Lutero e Ulrico Zuínglio. (Mcgrath, Alister.
Teologia sistemática, histórica e filosófica. São Paulo. Sheed Publicações, 2005,
p. 953). Quando em 31 de outubro de 1517 Lutero afixou suas 95 teses em
Wittenberg, sua reprovação referia-se à venda de indulgências enquanto garantia
do perdão dos pecados diante de Deus, prática então sustentada pela Igreja
Católica Romana.
A proposta de uma revisão da doutrina referente ao perdão de pecados
fez-se amplo embate religioso e social, que trouxe à luz todo um sistema de
doutrinas e práticas da então Igreja Cristã oficial, considerados contrários à
orientação da Bíblia. Isto porque a Reforma representou a recuperação dos textos
do Antigo e Novo Testamento enquanto única verdade revelada de Deus aos
homens, o que em contraste às instruções religiosas da Igreja Romana, iluminava
as diferenças entre orientações protestantes e católicas. (Herminsten, Maia da
Costa. Raízes da Teologia Contemporânea. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p.
78)
A doutrina da Justificação pela fé, ofertada no evangelho de Jesus ao
fiel, torna-se ensino essencial de Lutero; revelando ao homem a Graça salvadora
em Cristo, sem necessidade de que haja intermediação institucional ou humana
91
para o relacionamento com Deus. Segundo Alister McGrath, para Lutero, "a igreja
havia se tornado a senhora do evangelho, quando deveria ser sua serva. (...)
Lutero trata esse aspecto com mais profundidade na obra The Liberty of a
Christian (Da liberdade do cristão), em que explora as consequências da doutrina
da justificação pela fé para a vida cristã." (2005, p. 102).
Somente a Fé, a Graça, a Escritura, Cristo e, somente a Deus, a
Glória; serão as crenças bíblicas fundamentais da Reforma Protestante que irão
gerar profunda transformação no relacionamento do homem com Deus; e por
conseqüência, do homem para com o homem, e, assim perante todo o mundo. Ao
crer na promessa da Palavra de Deus, de que em Cristo o homem é perdoado
pela Graça, e assim capacitado a um relacionamento com Deus, no propósito de
vivenciar a existência humana junto do Criador; sendo tudo isto uma obra de Deus
para com o homem - Soli Deo Gloria apresenta-se ao homem do século XVI
perspectiva religiosa muito esquecida: a possibilidade de um relacionamento
pessoal perante Deus.
Esta Liberdade Cristã na perspectiva reformada enquanto uma
oportunidade de relacionamento direto do homem com a Pessoa do Criador, irá
desenvolver tantas transformações na vida humana individual e social quanto o
potencial de um encontro objetivo entre Deus e os homens pode sugerir.
Analisando em sua obra A Força Oculta dos Protestantes, transformações sociais
geradas pela Reforma, em comentário acerca da ação revolucionária que iria
desencadear na história, a possibilidade deste relacionamento pessoal do homem
com Deus, Biéler cita declaração do historiador protestante Marc Boegner:
92
"Se, no limiar dos tempos modernos, a Europa sofreu
um abalo cujos efeitos estão longe de serem exauridos, é porque
a consciência dos homens sofreu um drama espiritual, do qual
saiu tendo encontrado, numa completa dependência para com
Deus, o segredo de uma liberdade moral, da qual deviam nascer
todas as liberdades modernas." (1999, p. 51)
Lutero irá enfatizar em suas reflexões a preocupação pessoal e
primeira de um perdão pessoal e da solução da culpa que atormenta o pecador.
Os reformadores a partir dele irão observar as consequências desta liberdade
cristã do pecado e da instituição mediadora, a partir do que transformam nas
relações do cristão na sociedade. (Biéler, André. A Força Oculta dos Protestantes.
São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999, p. 55). Calvino irá desenvolver esta
perspectiva como nenhum outro teólogo reformado. Sua diferença de proposta
diante de Lutero a respeito do tema não exclui o singular valor de ambas as
proposições: "Lutero insiste sobre a conversão e a vida nova que provém da
comunhão com o Cristo. Calvino sublinha e desenvolve as consequências dessa
renovação para a permanência de uma vida harmoniosa dos indivíduos e da
sociedade." (BIÉLER, 1999, p. 56)
Enquanto teólogo que desenvolve esta liberdade relacional do homem à
Pessoa de Deus, Calvino irá propor ao cristão o desenvolvimento da relação
religiosa perante toda sua existência. A liberdade de relacionamento pessoal com
Deus também transfere ao homem a responsabilidade de bem evidenciar os frutos
deste encontro em toda sua existência.
93
Biéler: "Um dos primeiros ensinamentos evangélicos
exaltados pela Reforma, que mais transtornou a condição
humana com relação às concepções da Idade Média, é a
proclamação de que um chamamento individual é endereçado
por Deus a cada indivíduo (...) o que faz de cada indivíduo uma
pessoa única e inteiramente responsável por si própria". (1999,
p. 51)
O propósito de Calvino não é outro senão orientar ao homem as
perspectivas de oportunidade e desafio que a verdade evangélica da renovação
do relacionamento entre Deus e o homem vêm oportunizar. Enquanto indica ao
indivíduo as possibilidades de restauração e transformação de toda sua vida,
(Biéler, André. A Força Oculta dos Protestantes. São Paulo: Editora Cultura Cristã,
1999, p. 51) esta liberdade relacional para com Deus gera ao cristão protestante,
especificamente, a oportunidade de perceber e declarar ética distinta à
religiosidade comum à época. Pois a resposta do homem ao chamado do Criador
em Cristo precisa ocorrer em coerência ao desafio e, também, à oportunidade de
viver sua vida toda face a face com Deus. Uma liberdade do evangelho que gera
uma responsabilidade: a definição e prática de uma ética cristã para toda conduta
do fiel cristão protestante.
Calvino fará surgir seu gênio teológico impar e definir sua liderança
enquanto transformador social da Reforma, exatamente neste momento de unir os
ensinos da Palavra de Deus ao contexto social do homem. Isto ele realiza ao bem
perceber o ser histórico e social enquanto envolto nas dimensões individuais e
94
comunitárias inerentes à sua existência, promovendo uma orientação teológica
que orienta, em objetividade e clareza, a sociedade de seu tempo na complexa
tarefa de bem relacionar tudo que acontece à verdade de Deus.
Enquanto pessoa que busca realizar-se junto de Deus na liberdade do
evangelho de Cristo, o cristão descobre nas reflexões de J. Calvino orientação
animadora, pois traduz o desafio e também a oportunidade de responder ao
chamado do Criador em todas as esferas de sua vida. Tudo lhe será então
possível de edificar diante de Deus, empreendendo sua existência debaixo de
supremo propósito supremo - A Glória de Deus.
"Na revolução Francesa uma liberdade civil para todo
cristão concordar com a maioria incrédula; no calvinismo, uma
liberdade de consciência, que habilita cada homem a servir a
Deus segundo sua própria convicção e os ditames de seu próprio
coração" (KUYPER, apud MÁSPOLI, 2005, p. 33)
95
4.6. PREDESTINAÇÃO E CAPITALISMO
“Consideremos agora o seguinte: tendo em vista o
fato de que a Aliança da Vida não é pregada a todos, e também
que onde é pregada não é recebida igualmente por todos, vê-se
nessa diversidade um admirável mistério do juízo de Deus. (...)
Pois bem, como é evidente que isto é feito pela vontade de Deus
(...) daí decorrem grandes e altas questões, as quais se
resolvem ensinando aos crentes o que eles podem compreender
da eleição e da predestinação de Deus.” (CALVINO, 2006, p. 37)
Observamos como a doutrina cristã da Justificação pela - encontro e
relacionamento pessoais do homem com Deus oferecidos a partir da Graça em
Jesus Cristo - e não por conquista do homem; desenvolveu-se em uma
responsabilidade a requerer resposta individual do cristão aos desafios de Deus
para sua existência. A doutrina da Eleição que reconhece os cristãos enquanto
chamados a Cristo em um processo que do início ao fim é movido pelo poder
sobrenatural de Deus, e sem que o homem observe em si capacidade para
enxergar e bem responder a Deus Salvador e Redentor - gerou igualmente
consequências diversas à experiência religiosa intra-mundana do cristão
reformado, especialmente o calvinista.
Calvino preocupou-se quando observou toda a humanidade à luz do
chamado de Deus em Cristo, acerca da questão do que acontecia aos que não
respondiam à convocação de Deus. Reconhecendo que nele próprio nada existia
de superior aos outros, a fim de que pudesse melhor enxergar a Cristo e bem
96
responder a Deus; refletiu ele acerca de uma dupla eleição de Deus, a
predestinação. Tal fundamento explicaria a existência entre os homens das duas
classes que surgem diante do chamado de Deus à eternidade: os eleitos para a
vida eterna em Cristo e, os eleitos para a eterna separação de Deus - estado atual
comum à toda humanidade sem Cristo. (McGRATH, 2004, p. 538)
Esta declaração que define Deus como aquele que escolhe os cristãos,
especialmente na vivência pastoral de Calvino, no orientar da caminhada cristã de
muitas de suas ovelhas; faz surgir questão que ao crente comum surgia enquanto
dificuldade primordial: Como poderá saber o cristão se faz ele parte do grupo dos
eleitos? Calvino, assim como todos os reformadores, foi intransigente na defesa
da Justificação pela a salvação pela graça em Cristo somente; e não por
obras ou qualquer realização humana, enquanto um caminho a fim de propiciar
garantia para que o homem se soubesse reconhecido justo perante Deus e sua
Lei.
De igual forma, em consequência a seu conhecimento da Palavra de
Deus, Calvino enfatizava enquanto possível prova do estado do homem a virtual
mudança de vida do cristão: "Não divagamos sobre uma destituída de boas
obras; confessamos que necessariamente elas andam juntas; todavia
argumentamos que somos justificados pela e não pelas obras." (CALVINO,
1984, p. 258). A relação desta postura e ensino de Calvino com o capitalismo,
surgirá a partir de perspectiva que enxerga a angústia do crente acerca do
conhecimento de sua eleição, como ação psicológica a provocar-lhe atuação
dedicada no mundo, para ali bem comprovar pelas obras, seu estado de graça
97
diante de Deus. Alister McGraph exemplifica a relação entre a crença de Calvino
na Predestinação e o Capitalismo: possível encarar essa tendência de
considerar as obras uma evidência da eleição como a primeira fase da articulação
de uma ética do trabalho, que apresentava significativas nuanças pastorais:
afirmava-se que era por meio do ativismo secular que o cristão poderia assegurar
sua consciência atormentada de que estava entre os eleitos." (2005, p. 538)
Porém, a leitura da reflexão de Calvino acerca da Predestinação,
demonstra que sua motivação surgiu de interesses pastorais ao ouvir as dúvidas
dos fiéis, e sua resposta se fez sobre a base da Revelação de Deus -
simplesmente afirmando ao cristão que deveria confiar na Palavra de Deus e
buscar confiança na presença do Espírito Santo a lhe falar ao coração. Jamais
houve por parte de Calvino desdobramentos outros à doutrina da Predestinação,
especialmente em relação a permitir seu uso enquanto estímulo à uma salvação
do cristão que pudesse ser confirmada pelas obras.
Somente em séculos seguintes, teólogos reformados utilizaram-se
desta doutrina a fim de orientar os cristãos perante dúvidas acerca da realidade de
sua eleição. Desta forma é que a Predestinação se fez um valor reformado a
mover fiéis às boas obras, em um senso de dever religioso que se fez propósito de
sinalizar com eficácia acerca de sua eleição por Deus: "Além de glorificar a Deus e
demonstrar a gratidão do cristão, essa atitude ética do ser-humano desempenha
um papel psicológico de vital importância para a aflita consciência cristã, pois dava
ao cristão a certeza de que era realmente um dos eleitos." (McGRATH, 2005, p.
538)
98
Esta teologia reformada posterior a Calvino, que utilizou-se da doutrina
da Predestinação de forma não observada no ensinos do reformador, foi
reconhecida por Max Weber quando de sua análise de escritos de cristãos
calvinistas dos séculos 17 e 18 (Mcgrath, Alister. A vida de João Calvino. São
Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004, p. 254). Max Weber reconheceu em seu
conteúdo os valores geradores que impulsionaram a ética reformada do trabalho,
declarando que a existência deste sentimento interior de agradar a Deus e ser
reconhecido entre os cristãos eleitos, podia ser observado em comunidades
calvinistas afeitas ao progresso econômico. Daí a relação entre Predestinação e
Capitalismo, que faz-se elemento de estudo em sua famosa obra de pesquisa
sociológica: A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. "Na verdade, Weber
atribuía a contribuição fundamental do calvinismo a sua capacidade de gerar
impulsos psicológicos devido a seu sistema de crenças" (McGRATH, 2005, p. 539)
Nesta pesquisa buscamos desenvolver o pensamento de João Calvino
referente à Vocação secular do cristão, enquanto uma proposta de conduta ética
ao fiel calvinista no mundo. Procuramos reconhecer e bem compreender os
elementos significativos das doutrinas por ele escritas, à luz dos elementos
observados por Max Weber quando idealizou uma ética protestante especialmente
relacionada ao capitalismo. Portanto, jamais poderíamos deixar de anotar a
existência deste pensamento de Max Weber, bem como de reconhecer a relação
que com toda a crença de Calvino desenvolvida nesta dissertação. No entanto,
não se faz propósito deste estudo aprofundar nem mesmo defender ou negar tal
99
análise sociológica. O objeto desta pesquisa é somente reconhecer o pensamento
de Calvino enquanto proposta de uma Ética Protestante.
Concluindo, mister se faz declarar que "Weber teve uma percepção
correta quanto ao fato de que as idéias religiosas poderiam ter um poderoso
impacto social e econômico sobre a Europa, no início do período moderno".
(McGRATH, 2005, p. 539)
100
5 CONCLUSÃO
O que Calvino percebeu foi a necessária atuação do cristão na vida
secular, enquanto membro da Família, Estado e Sociedade; seja como Pai,
Cidadão e Profissional, a partir de reconhecida ordenação divina ao homem
definida na Criação. A existência humana na Terra foi estabelecida a partir destes
parâmetros, em que a edificação e desenvolvimento das relações humanas em
seus diversos níveis de interação foi outorgada e ordenada ao homem. Ao tratar-
se de um dever a partir do Deus Criador - reconhece-se aqui uma sagrada
vocação ao homem.
Eis, portanto, o fundamento de conduta secular ao cristão segundo o
pensamento de João Calvino e o espírito de sua ética protestante é igualmente
peculiar: Amar a Deus e amar o próximo, destes dois mandamentos depende toda
a Lei e os Profetas, afirmou Jesus Cristo. Para Calvino, os propósitos da conduta
dos cristãos em sua vida sócio-econômica são a Glória de Deus e o assistir do
homem.
Vocês são a luz do mundo assim brilhem diante dos homens a fim de
que vejam suas boas obras e glorifiquem o nome do Pai dos céus, afirmou Jesus.
Para Calvino, o cristão deve consagrar as riquezas adquiridas a Deus,
entregando-as ao próximo delas necessitado, anunciando ao mundo a Providência
bondosa do Criador.
101
É mister declarar a Ética Protestante de João Calvino fundamentando-a
nos claros princípios espirituais que ordenam sua proposição enquanto conduta
secular ao cristão. A Calvino S. A. se faz representar por um irredutível propósito
de gerar Solidariedade humana, a partir de uma absoluta Associação espiritual do
vocacionado cristão perante Deus. Eis a base e os fins últimos da conduta
protestante forjada nos princípios morais cristãos que lhe garantem o inspirador
título: Ética!
A ascese para Calvino refere-se a uma dedicação espiritual que tanto
bem utiliza o que se adquire quanto melhor se organiza para esta riqueza
angariar; e carrega consigo, do início ao fim do seu exercício, o olhar de Deus e o
olhar do próximo. Pois é junto ao que abençoa e perto do que necessita a bênção
que se edifica a real convocação de Deus ao cristão – o eficaz governo do
planeta, digo cuidado deste, leia-se: o bem à humanidade.
Este socialismo capitalista de João Calvino, visto que solidariza as
riquezas enquanto distingue personalidades e atividades, em equilíbrio que se
mantém, sempre, na liberdade e responsabilidade que somente a autoridade e
presença de Deus podem implementar em meio à humanidade é surpreendente.
O caráter intrínseco a esta proposição ética eleva às nuvens os olhos dos
amadurecidos homens da economia, a meditar: santa ingenuidade. Ao mesmo
tempo em que, igualmente, resgata ao interior dos idealistas desanimados, um
olhar aos céus, a dizer: será mesmo possível?
102
João Calvino acreditou que sim! Por isso ministrou um sistema de atos
que oportunizam aos idealistas visualizar no cotidiano sócio-econômico dos
amadurecidos negociantes uma proposta digna dos céus e de Deus. Eis sua
Ética Protestante, descrita e fundamentada, perto de todo aquele que a deseje
experimentar.
Max Weber compreendeu o quanto a dedicação religiosa pode
incrementar a atuação cotidiana do homem e assim mover o social. Uma Ética
Protestante que, amparada na força do caráter do homem, redundou em
diferencial progresso econômico.
Calvino compreendeu o quanto um verdadeiro e compromissado
relacionamento do homem com Deus pode transformar o mundo. Uma Ética
Protestante baseada na força e na Presença de Deus, desafiando o homem a
gerar vida, e Vida em abundância, como prometera Jesus.
103
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106 p.
Dissertação (mestrado) – Universidade Presbiteriana
Mackenzie, 2007.
Orientador : Ronaldo de Paula Cavalcante
1. Protestantismo. 2. Sociologia cristã. 3. Religião e
sociologia. 4. Calvinismo. 5. Capitalismo. I. Título.
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