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como ponto nodal o pai e a função paterna. De Freud a Jung como de Rank a Abraham, e
passando por Ferenczi, o declínio da imagem paterna na teoria psicanalítica é incontestável.”
Quanto à afirmação do declínio da imagem paterna, são encontrados seus primeiros
vestígios num texto lacaniano de 1938, denominado Os complexos familiares na formação do
indivíduo. Lacan, nesse texto, escreve a pedido de Henri Wallon considerações a respeito da
influência da família na formação subjetiva dos indivíduos. Nele, Lacan coloca a família
como operação da cultura. Segundo ele, não haverá na espécie humana nada que diz respeito à
natureza que não seja modificado pela cultura. Diante dessa premissa, Miller (2007) considera
que a função paterna para Lacan não é uma função dedutível da natureza: ela não se atrela ao
pai biológico e nem tão pouco se limita ao seu representante social.
Nesse mesmo trabalho, Lacan mostra que em todo grande homem percebe-se a
inscrição do papel da imago
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paterna na formação subjetiva desse homem. Acrescenta que o
declínio sofrido pela imago do pai no percurso dos tempos provoca uma crise psicológica;
crise que ocasionará as neuroses contemporâneas.
Mas um grande número de efeitos psicológicos nos parecem depender de um
declínio social da imago paterna. Declínio condicionado pelo retorno dos efeitos
extremos do progresso social no indivíduo, declínio que se marca sobretudo, em
nossos dias, nas coletividades que mais sofreram esses efeitos: concentração
econômica, catástrofes políticas. [...] Declínio mais intimamente ligado à dialética
da família conjugal [...].
Qualquer que seja seu futuro, esse declínio constitui uma crise psicológica. Talvez
seja a essa crise que se deve relacionar o aparecimento da própria psicanálise.
(LACAN, 1938 / 1985, p. 60).
Miller (2007) chama a atenção para o fato de que Lacan nesse texto trabalha com a
idéia de um pai idealizado. O pai de Os Complexos Familiares é um pai fruto da sublimação.
“Neste texto, a imago paterna é muito classicamente encarregada dessa função de idealizar e,
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De acordo com Roudinesco e Plon (1998), o termo imago foi trazido para o postulado psicanalítico por Jung
em 1912. O termo indica a representação inconsciente da imagem que um sujeito tem de seus pais. Laplanche e
Pontalis (1992) acrescentam que esta apreensão do outro pelo sujeito é elaborada na sua relação intersubjetiva e
fantasística com o meio familiar. Ainda, Lang (2002) nos adverte para o fato da imago pertencer a mesma ordem
de realidade que o fantasma, porém encontramos distinções entre os dois conceitos. A imago se refere a uma
representação de pessoa que está imbricada nas instâncias psíquicas reguladoras do Eu. Já o fantasma se constitui
a partir do desenvolvimento do indivíduo. “Assim, as diferentes versões do pai, apresentadas por cada paciente
como imagens do pai, são fantasias acerca do pai, formas de dar conta desse Outro.” (LANG, 2002, p. 17). A
partir destas considerações do autor, podemos afirmar que a diferenciação entre imago e fantasma (imagem) é da
ordem da filogênese e da ontogênese, uma vez que a imago se constitui a partir da relação do sujeito com sua
história e com a história da sua própria espécie. Enquanto o fantasma se estabelece a partir da relação do sujeito
com suas próprias fantasias a respeito das histórias universais da humanidade, como, por exemplo, como citou
Freud, os complexos de Édipo e de castração, os romances familiares, as fantasias de sedução, entre outras.