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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
A FUNÇÃO PATERNA NAS CONFIGURAÇÕES
FAMILIARES ATUAIS
Jane Moreira de Azevedo
Belo Horizonte
2008
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Jane Moreira de Azevedo
A FUNÇÃO PATERNA NAS CONFIGURAÇÕES
FAMILIARES ATUAIS
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Psicologia da
Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais, como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em
Psicologia.
Orientadora: Profa. Dra. Márcia Stengel
Belo Horizonte
2008
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FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Azevedo, Jane Moreira de
A994f A função paterna nas configurações familiares atuais / Jane
Moreira de Azevedo. – Belo Horizonte, 2008.
136 f.
Orientadora: Márcia Stengel.
Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais, Programa de Pós-Graduação em Psicologia.
Bibliografia.
1. Família. 2. Pai - Aspectos psicológicos. I. Stengel, Márcia.
II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa
de Pós- Graduação em Psicologia. III. Título.
CDU: 159.922.9
Bibliotecária –Valéria Inês S. Mancini – CRB 6/1628
Jane Moreira de Azevedo
A função paterna nas configurações familiares atuais
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Belo Horizonte, 2008.
Márcia Stengel (Orientadora) – PUC MINAS
Mirian Debieux Rosa – USP / PUC São Paulo
Cristina Moreira Marcos – PUC MINAS
Aos meus pais,
exemplos de vida.
AGRADECIMENTOS
Aos meus amados pais que me ensinaram a nunca desistir.
Aos meus irmãos Julianete, Joscélia, Jilmara e Jenilson pela inesgotável
torcida.
A minha doce orientadora, Dra. Márcia Stengel, pela amizade, pelas
calorosas e valorosas orientações e por ter acreditado em minha pesquisa.
A Oscar Cirino, pelo acolhimento e escuta cuidadosa de meu texto.
A amiga e eterna mestra, Paula de Souza Birchal, pela confiança e
incentivos, sem os quais eu não chegaria até aqui.
Aos amigos e companheiros do Colegiado de Coordenação Didática do
Curso de Psicologia da PUC Minas em Arcos, Izabella e Cláudio, pelo carinho,
apoio e por terem “segurado as pontas” em meus momentos de ausência na
coordenação do curso.
Ao Nivaldo, bibliotecário da PUC Minas em Arcos, pelo rico auxílio na
aquisição de artigos, dissertações e teses, especialmente pelas incansáveis
buscas das referências que eu nunca encontrava no portal da CAPES.
A Júlia, companheira de labuta em Arcos, pela revisão gramatical do
texto.
A PUC Minas, casa tão querida, que mais uma vez contribuiu para minha
formação profissional.
Por último, mas não por menor importância, aos meus “pequeninos
clientes” que me confiaram suas angústias.
“E o pai é remetido às calendas latinas, para fazer
dele um pai/perseguidor arcaico, uma imago obsoleta,
ultrapassada pela atualidade e pelos acontecimentos.
O problema, contudo, é que arcaico refere-se ao grego
arché: o chefe! Portanto, quando se diz que o pai é um
conceito arcaico, acaba-se produzindo uma
redundância: o pai, é o chefe, pois o chefe, é o pai...”
Gabriel Balbo
RESUMO
Esta dissertação de mestrado visa discutir se na sociedade contemporânea ou
não a incidência do declínio da função paterna, e se as configurações familiares
atuais, devido a sua pluralidade de composição, fortalece o declínio desta
função. O interesse em pesquisar o tema surgiu em nossa prática clínica, sendo a
questão sobre o pai freqüente nas investigações dos sujeitos em análise. As
formas de famílias destes sujeitos abrangiam tanto o modelo nuclear de família
quanto as denominadas novas configurações familiares. Para o desenvolvimento
deste trabalho foram realizadas pesquisas tanto teóricas quanto práticas. A
investigação teórica foi desenvolvida a partir de dois referenciais: o primeiro se
deu através dos estudos da história e da psicossociologia da família. O segundo
ocorreu sob a ótica da Psicanálise, através das construções teóricas de Freud e
Lacan. Buscou-se no postulado teórico destes autores como a questão paterna e
sua função se edificam, assim como a viabilidade de seu declínio. A
investigação prática diz respeito à utilização do método psicanalítico
propriamente dito, ou seja, a clínica. A partir de nossa prática clínica optou-se
por construir casos clínicos que de alguma forma perpassassem pela questão do
pai e da função paterna. O trabalho de análise dos casos acompanha a mesma
lógica que orienta o trabalho clínico, a saber, a interpretação da questão paterna.
Espera-se que esta pesquisa possibilite reflexões úteis para o trabalho clínico,
particularmente, sobre a formação da função paterna no interior das novas
configurações familiares.
Palavras Chave: Função paterna; configurações familiares atuais, família;
Psicanálise.
ABSTRACT
This thesis aims at discussing whether in the contemporary society there is or
not the incidence of the fall of the paternal role and if the current family
configurations, due to its pluralities of formation, strengthens the fall of its role.
The interest in researching this issue arouse at our practice from the frequent
investigations of the subjects that were under analysis. The configurations of the
families of these subjects included the model of nuclear family as well as the so
called new families’ configurations. We have undertaken both theoretical and
practical researches for this work. The theoretical investigation was developed
from two referential points: the first was done through the studies of the family’s
history and psycho-sociology. The second was done under the viewpoint of the
psychoanalysis, through the theories of Freud and Lacan. The theoretical work
of both authors has been used to research how the paternal issue and its role are
built as well as its feasibility of its fall. The practical research is regarding the
use of the psychoanalytic method, that is to say, the practice. From our practice
it was chosen to build some clinical cases that somehow passed by the issue of
the father and the paternal role. The study of the cases analysis follows the same
logic that guides the clinical work, namely, the interpretation of the paternal
issue. One hopes that this research will enable useful thoughts towards the
clinical work, especially, about the formation of the paternal role in the inner of
the new configurations of the family.
Key Words: Paternal role; current family configurations, family;
Psychoanalysis.
LISTA DE SIGLAS
AMAS - Associação Municipal de Assistência Social
DNA - Ácido desoxirribonucleico
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IPA - Associação Internacional de Psicanálise
SFP – Sociedade Francesa de Psicanálise
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO................................................................................................
11
2 A FAMÍLIA...................................................................................................... 18
2.1 Transformações históricas da família.........................................................
19
2.2 A família brasileira....................................................................................... 28
2.2.1 A família brasileira no período colonial.................................................... 29
2.2.2 A família moderna brasileira..................................................................... 33
2.2.3 A família contemporânea brasileira...........................................................
39
3 AS VERSÕES DO PAI NA TEORIA FREUDIANA................................... 46
3.1 As primeiras versões do pai em Freud: do pai sedutor ao pai desejo...... 48
3.1.1 O romance familiar do neurótico............................................................... 54
3.2 O pai do gozo: a terceira versão freudiana do pai..................................... 58
3.3 O pai da lei: a quarta versão freudiana do pai..........................................
62
4 O PAI NO ENSINO DE LACAN................................................................... 65
4.1 O Nome-do-Pai, um significante primordial.............................................. 66
4.2 Nomes-do-Pai: o seminário que nunca existiu........................................... 75
4.3 O avesso da Psicanálise: o pai para além do Édipo................................... 77
4.4 O pai do nó e o terceiro ensino de Lacan....................................................
83
5 O DECLÍNIO DA FUNÇÃO PATERNA?....................................................
91
6 O QUE É UM PAI? A INVESTIGAÇÃO EM PSICANÁLISE................... 102
6.1.1 Mateus, o menino que não podia saber..................................................... 106
6.1.2 Laura, a menina que veio da mãe...............................................................
111
6.1.3 Luís, o menino que não queria crescer......................................................
114
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................
121
REFERÊNCIAS...................................................................................................
126
11
1 INTRODUÇÃO
[...] o pai isto não é tão simples.
Jacques Lacan
1
Dissertar sobre a questão do pai não é tarefa simples! Exige do pesquisador um
distanciamento nem sempre possível, pois como qualquer ser falante, este também é um filho
e conseqüentemente tem um pai. Não é à toa que a afirmativa lacaniana traduz a
complexidade do tema.
Estudos sobre a questão paterna não são uma novidade nos diversos ramos da ciência,
principalmente na ciência psicológica. No entanto, o que se observa é que, mesmo diante
dessa variedade de pesquisas, a pergunta sobre o pai ainda permanece sem resposta.
Quais as dificuldades que a questão precipita? Na Antiguidade, a filiação paterna era
algo incontestável, pois todos eram filhos de um pai. Primeiro, a humanidade é filha de um
pai criador do universo na tradição judaico-cristã, esse pai é denominado Deus.
Secundariamente, todos são filhos de um ser que é chamado homem/pai que é feito à imagem
e semelhança do pai Deus. O lugar ocupado pelo pai estabelece um distanciamento de seus
filhos, originando as primeiras indagações sobre o pai.
A partir das grandes revoluções que marcaram o advento da Modernidade (séculos
XVIII e XIX), a incógnita sobre o que é um pai se fortalece, pois este perde o status de
representante divino. Outro problema que se apresenta nos dias atuais é justamente sobre a
sua utilidade, afinal, para que serve um pai? Diante das reproduções in vitro, produções
independentes, o pai enquanto presença física é excluído do cenário social e familiar.
É encontrada, também, nos dias de hoje, uma multiplicidade de famílias que
prescindem da presença do pai. Essa situação provoca indagações sobre a questão paterna, e
ainda, sobre o que é uma família.
O termo família é derivado do latim famulus, que significa “escravo doméstico”. Esse
termo surgiu na Roma Antiga (século VIII a.C.) e fora utilizado para designar o conjunto de
propriedades de uma pessoa, incluindo os escravos e os parentes.
1
LACAN, Jacques. O seminário, livro 4: A relação de objeto (1956-57). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1995,
p. 204.
12
De acordo com Houaiss (2002) o vocábulo família i ganhar vários contornos.
Primeiro designa o conjunto de criados e escravos que viviam sob o mesmo teto,
posteriormente passou a designar o grupo de pessoas que possuíam um mesmo ancestral, e
mais tarde, a casa em sua totalidade, compreendendo a ancestralidade, o casamento e a
filiação sendo esta tanto no sentido biológico quanto o da adoção. A casa da família era
composta pelo pater familias, sua esposa, filhos, escravos e até mesmo os animais e as terras.
Se se parte dos significados de família ora apresentados, é verificado que a família
desde a Roma Antiga possui roupagens distintas. Desse modo, deve-se tratar a família no
plural, ou seja, famílias.
Durante muito tempo, a família foi pensada e conceituada a partir do modelo nuclear,
da família composta por um pai, uma mãe e seus filhos. Nesse modo de família, o pai
como o mais valorizado e temido no interior das relações familiares. Mediante as exigências
sociais, políticas, culturais e econômicas, a família se transformará; atualmente encontra-se
uma gama de modelos de famílias que se distinguem em sua formação do modelo tradicional,
ou seja, nuclear. Assim, o significado do que é família se amplia, não se restringindo mais aos
laços de consangüinidade e ou à triangulação mãe, pai e filhos.
As transformações da família trazem à tona uma discussão que envolve a idéia sobre a
sua dissolução, uma vez que socialmente restringe-se a família ao modelo nuclear. É comum
em contextos educacionais, no cotidiano, em órgãos públicos, como Conselhos Tutelares,
delegacias entre outros, ouvir que os problemas de aprendizagem, comportamento e a
marginalidade da criança e do adolescente são frutos de um lar desestruturado, quando esses
são oriundos de uma família na qual a formação nuclear tradicional não está presente. Circula
então a idéia de que as famílias “pós-nucleares”
2
são responsáveis pela degradação social e
por isso essas são denominadas de desestruturadas e desestruturantes. Kehl (2003) critica essa
concepção e afirma que o que vem mutilando a sociedade brasileira, há quase quarenta anos, é
a degeneração moral dos espaços públicos.
Mesmo com o anúncio do falecimento da família, devido à perda de sua característica
nuclear, o que se percebe, pelo menos no contexto brasileiro, é que ela vai muito bem. De
acordo com as pesquisas realizadas pelo Datafolha nos anos de 1998 e 2007 e publicadas pela
Folha de São Paulo (2007), a família, independentemente dos laços que a formam, é a
instituição mais valorizada no Brasil.
2
São denominadas de famílias pós-nucleares as famílias cujas formas de composição se diferem do modelo de
família nuclear. A expressão é utilizada principalmente para destacar a coexistência de diferentes modos de
família no contexto social, desmistificando assim a idéia de que qualquer forma de família que não possui o
formato nuclear é determinantemente desestruturada.
13
Cirino (2001) considera que, frente a todas as transformações sociais sofridas
pela família, apenas o lugar da mãe tenha se garantido e/ou ampliado a sua importância na
organização familiar. De acordo com o autor, a mãe, além de cuidar dos filhos e das tarefas da
casa, agora participa de forma efetiva no aumento da renda da família. Assim, a mãe deixa de
ser a “dona-de-casa” e passa a ser a “dona-da-casa”, provocando um novo golpe no status do
pai.
Na sociedade contemporânea
3
, o poder do pai tem sido desacreditado e desvalorizado.
A massificação dessa desvalorização é provocada por mulheres e mães emancipadas que
assumiram a educação e o provento dos próprios filhos. “Nesta nova configuração, a figura
paterna é fragilizada e ausente e passa a ser desnecessária para as mulheres ditas emancipadas.
Mulheres que assumiram os filhos econômica e culturalmente devido à ausência ou a presença
frágil do pai.” (BORGES, 2005, p.19).
Por outro lado, o homem tem se mostrado mais afetivo, mais próximo de seus filhos. É
comum encontrar o homem que cuida da casa, que brinca com as crianças, que banho no
bebê. Essa mudança no perfil masculino aponta novamente para o desfalecimento do pai no
interior da família, pois ele passa agora a exercer atividades domésticas tarefas estas que
eram exclusivas do domínio feminino e podem assim deixar de executar a sua função
principal, a de provocar o desejo materno.
Nessa transformação social e conseqüentemente familiar, os papéis dos membros das
famílias se alteram e se alternam. Assim, os lugares de mães, pais e filhos serão modificados.
No momento em que a mulher ganha nova dimensão na esfera social, modifica-se o lugar do
homem, não dentro do lar, mas também em todo o contexto social. Associado ao lugar do
homem, se tem o lugar do pai. Esse, por sua vez, também sofrerá modificações dentro das
famílias, pois se existem novas formas de famílias, conseqüentemente, haverá um novo tipo
de pai.
na atualidade a chamada crise da paternidade que leva ao declínio do poder
paterno; essas crises irrompem no cenário mundial através da decadência do patriarcado
oriundo dos séculos XVIII e XIX. Essa situação é proveniente das transformações
econômicas que precipitaram o homem moderno. A crise da paternidade provoca nos dias de
hoje a crise da referência ao pai.
3
Nesta pesquisa será utilizado o termo contemporâneo para indicar acontecimentos, situações do tempo atual, ou
seja, dos séculos XX e XXI.
14
Diante dos novos tempos e dos novos modos de ser pai discute-se muito sobre o
declínio ou fracasso da função paterna
4
. A pergunta que surge frente a essa realidade é se
efetivamente é possível pensar a função paterna atrelada ao lugar do homem e do pai no
cenário social. E se também a partir da reorganização das famílias e dos declínios sociais do
homem e da paternidade, esses podem acarretar no declínio da função paterna.
Desse modo, a questão que esta dissertação discutirá é se realmente pode-se afirmar
que com os novos arranjos de família teremos conseqüentemente o fracasso da função
paterna.
A fundamentação teórica desta pesquisa se pauta em dois referenciais: o primeiro trata
dos estudos da história e da psicossociologia da família. O segundo se sob a ótica da
Psicanálise, através das construções teóricas de Freud e Lacan. Buscou-se no postulado
teórico destes autores como a questão paterna e sua função se edificam, assim como a
viabilidade de seu declínio.
De acordo com Rosa (2006, p. 3), a família não está no centro das preocupações da
Psicanálise, apesar de abordar questões essenciais dessa instituição. Ela é percebida pela
Psicanálise como ato da cultura e não como instituição natural. Lacan afirma que a função
primordial da família é a transmissão da cultura, pois será através dela que as tradições serão
repassadas através de gerações. Ele enfatiza que a família i presidir “[...] os processos
fundamentais do desenvolvimento psíquico [do sujeito, além de transmitir] [...]; estruturas de
comportamento e de representação cujo jogo ultrapassa os limites da consciência.” (LACAN,
1938/1985, p. 13). Nesse sentido, a família tem como função inscrever a criança no universo
simbólico, o que, por sua vez, se dará através das funções parentais.
É a partir da importância dada pelos postulados psicanalíticos às funções materna e
paterna na constituição psíquica dos sujeitos, que a Psicanálise foi tida, durante muito tempo,
como uma teoria da família. Mais especificamente como uma teoria da família nuclear, pois
na Viena dos tempos de Freud, a vivência edípica é dependente de um modelo familiar que
envolvia um pai, uma mãe e seu filho.
A idéia era que essa forma de composição familiar, ou seja, a nuclear favoreceria uma
constituição psíquica saudável dos membros de uma família. Porém, sabe-se desde Freud que
as neuroses e outras psicopatologias são provenientes do espaço familiar, que até então era
dominado pelo modelo nuclear. Se a família nuclear é fonte de adoecimento psíquico, por que
4
“Em psicanálise, ‘função paterna’ designa a entrada da Lei na relação entre a criança e a mãe, interditando a
relação incestuosa, não se confunde com as responsabilidades, legais e morais, do genitor.” (KEHL, 2003, p.
172).
15
as novas famílias são consideradas desestruturantes? Por que elas acarretariam mais
sofrimento aos seus membros? O modelo de família nuclear favorece mais a saúde psíquica
do que as novas formas de família? Essas questões tornam profícuo entender como o
fenômeno da função paterna se dá nos dias de hoje.
A importância de desenvolver uma pesquisa que trata da função paterna nas várias
formas de composições familiares, não se limitando ao modelo de família nuclear, oferece
dispositivo para uma releitura da função paterna na sociedade atual, ampliando a visão sobre
essa função e suas aparições na vida cotidiana, não se restringindo à idéia do declínio e/ou da
desvitalização do pai na sociedade.
O interesse por este estudo surgiu em nossa prática clínica, em que constantemente
chegam demandas por atendimento psicológico causado pela questão do enfraquecimento do
lugar do pai no interior das famílias. As configurações dessas famílias abrangem tanto o
modelo nuclear como as novas formas de famílias. Dessa forma, observa-se a necessidade dos
sujeitos, independentemente da família de onde vêm, de construírem substitutos para a função
paterna, possibilitando sua amarração com o contexto social.
É importante salientar que a busca que se faz nas sessões de análise no que diz
respeito à função paterna está muitas vezes atrelada à figura do pai e do homem na sociedade
atual. No entanto, o que se propõe pesquisar é como nos dias de hoje, diante das
configurações familiares atuais, como a função paterna será operacionalizada, mesmo diante a
desvalorização do pai.
O que a prática clínica evidencia é que mesmo com as transformações socioculturais
da atualidade, a função paterna ainda é imprescindível para a organização psíquica dos seres
humanos. Dessa forma, a pesquisa sobre a função paterna nas configurações familiares atuais
possibilita o entendimento de como essa função se dá nas novas formas de família,
contribuindo para o aprimoramento teórico e o avanço da prática clínica ao lidar com o
fenômeno das novas famílias.
Deve-se destacar ainda que a família não é um objeto de estudo específico do campo
psicológico. Debates e teses sobre o tema ocorrem em diversas áreas do saber científico,
assim encontraremos várias pesquisas que tratam sobre a família na sociologia, na história, na
antropologia, no direito, entre outras. Dessa maneira a família é uma realidade sócio-histórica,
cultural, sua existência está além dos consultórios e das clínicas de psicologia.
[...] pensar a família é situá-la num contexto sócio-histórico e cultural que nos
permita observar suas diferentes formas, sua transformação ao longo do tempo e
nos abrirmos à possibilidade de redescrição dessa instituição; uma redescrição que
seja compatível com um sentido de solidariedade rortyano; uma solidariedade
16
entendida “como sendo feita e não encontrada, produzida no decurso da história e
não reconhecida como facto a-histórico.” (AMAZONAS; BRAGA, 2004, p. 36).
No percurso deste trabalho serão usados várias vezes os vocábulos função, papel,
lugar e figura. Esses termos não são substitutos um dos outros, por isso faz-se necessário
delimitar suas diferenças, ou melhor, o estatuto a que eles se referem nesta dissertação. A
palavra função designa as relações que precipitam a constituição subjetiva dos sujeitos (no
capítulo 4 essa concepção será mais bem explorada); em outros momentos, a palavra será
utilizada para designar funcionalidade. Já o termo papel é oriundo da Psicologia Social e é
definido através de uma ordenação social, ou seja, desempenha-se um papel a partir de
normas prescritas socialmente, sendo essas comumente relacionadas a uma obrigação legal,
moral, profissional, entre outras (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2002). Lugar delimita a
posição das pessoas no interior das famílias, e figura possui um sentido imaginário no qual
remete à imagem de alguma coisa, um símbolo.
Para sustentar o debate de que a função paterna se sustenta nas novas famílias esta
dissertação foi dividida em seis capítulos, além desta introdução (capítulo um).
O segundo capítulo irá perpassar pela história da família nos contextos mundial e
brasileiro, buscando demonstrar as mutações sofridas pela família em sua forma de
composição, destacando que o modelo nuclear não foi e nem é o único modo de família no
decorrer dos tempos.
No terceiro capítulo serão tomadas as teses freudianas sobre o pai. As construções
teóricas sobre os mitos do Édipo, do pai da horda primitiva e de Moisés são os destaques
deste capítulo.
o quarto capítulo versará sobre o tema do pai na teoria lacaniana. Para tanto, serão
utilizados os Seminários de número 3, 4, 5, 11, 17, 20 e 22 de Lacan. O intuito deste capítulo
é resgatar o percurso lacaniano na constituição do conceito de função paterna. Destaca-se
neste capítulo o desenlace proposto por Lacan entre o Édipo e a castração, podendo ter esta
última vários vetores que a operacionalizam.
O quinto capítulo, eixo desta dissertação, questionará o declínio da função paterna.
Para tanto, serão discutidos os declínios da paternidade, da imago paterna e do Nome-do-Pai
como significante único que possibilita a ordenação subjetiva dos sujeitos.
No sexto capítulo serão apresentados três casos clínicos, de crianças, oriundos de
nossa prática clínica. O método utilizado para a escrita dos casos foi a da construção do caso
clínico. As construções desses casos foram pautadas nas seguintes características: a) o modo
de composição familiar; b) o quadro sintomático das crianças; c) o lugar que o pai da
17
realidade ocupa no contexto familiar; d) a maneira como a função paterna é exercida. O
trabalho de análise dos casos apresentados na pesquisa acompanha a mesma lógica que
orientou o trabalho clínico, ou seja, a interpretação da questão paterna.
Por fim, o sétimo capítulo trata das considerações finais. Nesse capítulo, pretende-se
fazer uma articulação das considerações tecidas nos capítulos anteriores, principalmente no
modo de aparição da função paterna nas configurações familiares atuais.
18
2 A FAMÍLIA
Embora todo mundo acredite saber o que é
uma família, é curioso constatar que por mais
vital, essencial e aparentemente universal que
a instituição família possa ser, não existe para
ela, como é também o caso do casamento,
uma definição rigorosa.
Françoise Héritier
5
A família tem sido foco de discussões e estudos de diversas áreas do saber científico
ao longo dos tempos. Mesmo sendo um objeto clássico de pesquisa, a família é, ainda, nos
dias de hoje tema atual que requer um olhar pormenorizado sobre as transformações ocorridas
com ela e o seu cotidiano. “As análises sobre a família na sociedade atual constituem um
mosaico que reflete os diferentes significados que essa instituição, tão básica quanto
complexa, pode assumir.” (AMAS, 1995, p. 12).
A família é uma realidade presente em qualquer tipo de sociedade conhecida. Com
formatos variados, particularidades culturais, sociais e políticas, a família está na base de
qualquer sociedade. A idéia da universalidade da família está relacionada ao fato de que a
sociedade é formada por agrupamentos de pessoas através de laços consangüíneos, da
ancestralidade e da linhagem que compõem os grupos familiares. Ainda essa universalidade
se dá pelo fato de ser concebida como categoria da natureza e não histórica.
Presente mesmo de forma diversificada nos vários tipos de sociedade, a família é vista
como característica própria nos modos de agrupamento e de convivência social. Dessa forma,
a família é naturalizada. Porém, quando se ajusta o foco sobre a família, o que se percebe são
diferenças radicais oriundas de influências de diversas ordens que modificam a composição
familiar e o modo de convivência de seus membros. A concepção do que é família se
diversifica devido às necessidades sociais, políticas, culturais e econômicas de uma
determinada época. A família torna-se, então, uma construção social.
Muitas são as maneiras de se conceituar a família: do ponto de vista histórico,
das relações de produção, e de funcionamento, das relações interpessoais, como
um grupo que tem determinadas características de relação e finalidade, etc. O
conceito não depende de diferentes pontos de vista teóricos e de diferentes
epistemologias, como também apresenta mudanças que refletem a própria
mudança cio-histórica da família. (CANEVACCI apud COELHO, 2000, p.
08).
5
Héritier apud Ceccareli, 2007, p. 89.
19
Nos dias atuais, delimitar o que é família é uma difícil tarefa, pois essa definição
torna-se complexa devido aos vários arranjos dos grupos familiares. A conceituação do que é
família corresponderá às descrições de organizações e composições feitas por ela no decorrer
dos tempos.
Para Zamberlam (2001), o termo família é um vocábulo que cabe apenas descrevê-lo
e jamais conceituá-lo. Através dos tempos toda tentativa de definir a família resultou em
nada menos que descrever tipos de famílias. Pode-se encontrar elementos comuns em
algumas formas de composição familiar, mas nada que a defina ou a iguale e que permita
reduzi-la a um único conceito.
Para se compreender o que é a família, como ela se organizou ao longo dos tempos,
será apresentada, a seguir, a sua evolução histórica nos contextos mundial e brasileiro,
salientando as influências sociais, econômicas e culturais que permitiram as mutações da
família através da história.
2.1 Transformações históricas da família
No percurso histórico foram testemunhadas as várias transformações da família tanto
no que tange a sua composição quanto ao seu modo de vida. O movimento da família é
marcado pelas transformações sociais. De acordo com Zamberlam (2001, p. 40), “a família,
enquanto forma específica de agregação tem uma dinâmica de vida própria, afetada pelo
processo de desenvolvimento sócio-econômico e pelo impacto da ação do Estado.” A cada
época histórica, Idade Medieval, Moderna e Contemporânea, a família agrega características
próprias que permitem sua existência no mundo em que está inserida. A família irá existir de
acordo com as normas e com a realidade de seu tempo.
Dessa forma, ao investigar a família no ciclo histórico não é possível deixar de lado as
transformações ocorridas no contexto mundial, visto que os modos de vida das famílias são
reflexos diretos de certas formas de organização social, e a partir desses parâmetros elas
poderão ser entendidas.
Um exemplo disso é descrito por Young e Willmot citados por Bruschini (1995),
quando expõem os estágios históricos da família inglesa do período pré-industrial. Esses
autores enfatizam que tais estágios irão ocorrer devido às mutações provenientes dos
20
processos de produção e pela distribuição de trabalho vigentes naquele período na vida
econômica da Inglaterra.
A Idade Medieval se caracterizava principalmente pelo domínio da religião em
relação aos homens. As ciências, as artes, a política eram governadas pela Igreja Católica. O
homem estava submetido tanto aos desígnios de Deus quanto aos da natureza. A sociedade
naquela época fora fundada sobre o alicerce da religião. (ROMAGNOLI, 2006).
Não diferente das doutrinações sociais da Era Medieval, a família naquela época tinha
como principal interesse o cuidado com os membros que compunham a aldeia, e não apenas
com um núcleo fechado composto por pais, filhos e pessoas de uma mesma descendência. A
formação dos grupos familiares na Era Medieval se dava através dos sistemas de castas ou de
linhagem. Casey (1992) descreve que a forma de organização familiar através do modelo de
castas, presente em regiões menos desenvolvidas da Europa, era provocada pela grande
mobilidade geográfica, militar e pastoral dos povos daquela época.
No entanto, será o sistema de linhagem que predominará como configuração familiar
na Idade Média. Os grupos de linhagens se definem “[...] pela posse de uma herdade,
transmitida de pai a filho.” (CASEY, 1992, p. 46). Nesse modelo, preza-se o valor da
propriedade e a perpetuação do nome da família.
As famílias, na Era Medieval, conviviam nas ruas, realizavam festas, compartilhavam
a intimidade com todos da aldeia. A vida afetiva ficava difundida através das relações com
todos os membros da sociedade, não se restringindo aos laços de consangüinidade. Não havia
distinção determinada entre o que se vivia no âmbito privado ou público. A vida era
compartilhada, não havendo isolamento dentro de pequenos grupos e nem diferenças quanto
aos laços afetivos. Dessa maneira, a família medieval se caracterizava como instituição
pública. (BRUSCHINI, 1995).
Pasqualini citado por Zamberlam (2001) enfatiza que a diferença entre o público e o
privado na Era Medieval se dava pela separação entre a religião doméstica, que se traduzia no
culto aos antepassados, e a religião oficial da polis, na qual se seguiam os ritos determinados
pela Igreja Católica. Através da influência da democracia oriunda da Grécia antiga, público e
privado começam a ser demarcados, também, a partir da experiência coletiva, que
ultrapassava as experiências e o convívio familiar. O indivíduo passa a ser demarcado com
características que o inscrevem ao mesmo tempo no âmbito privado e público. O indivíduo,
enquanto propriedade do público, se caracteriza pelo que há de comum em todos os cidadãos
da polis. Já o privado parte da experiência individual, particular de cada ser. “Nesse cenário,
21
a família [o privado] ‘era a condição humana’, o social [o público] ‘era uma criação
humana’.” (PASQUALINI apud ZAMBERLAM, 2001, p. 18).
O modo de vida coletiva das pessoas na Era Medieval caracteriza o que é denominado
por espaço público. O âmbito privado, enquanto modelo de vida, se constituirá com o
advento da burguesia no século XVIII. Para Durkheim citado por Casey (1992), será através
da vida coletiva (pública) que se originará a vida individual, ou seja, particular.
Ariès (1981), em sua análise iconográfica da história da família, destaca que as trocas
afetivas e comunicações sociais da família antiga ocorriam por intermédio de vizinhos,
amigos, crianças, idosos, mulheres e homens que conviviam diariamente, tanto no interior da
casa, que se destinava ao descanso de uma família, quanto nas ruas e praças de uma vila. Essa
forma de vida é relatada, não apenas nos romances daquela época, mas principalmente
retratada por seus artistas.
Assim como nas cidades árabes de hoje, a rua era o lugar onde se praticavam os
ofícios, a vida profissional, as conversas, os espetáculos e os jogos. Fora da vida
privada, por muito tempo ignorada pelos artistas, tudo se passava na rua. [...] Essa
rua medieval, assim como a rua árabe de hoje, não se opunha a intimidade da vida
privada; era um prolongamento dessa vida privada, o cenário familiar do trabalho e
das relações sociais. [...] Talvez essa vida privada se passasse tanto ou mais na rua
do que em casa. (ARIÈS, 1981, p. 133).
Ariès (1981) revela uma inexistência do caráter afetivo na família medieval. Para ele,
a densidade social da Era Medieval não deixava espaço para a família. Essas possuíam como
função a “[...] transmissão da vida, a conservação dos bens, a prática de um ofício, a ajuda
mútua e a proteção da honra e da vida em caso de crise.”(BRUSCHINI, 1995, p. 51). A
família servia, então, para garantir a transmissão de um patrimônio e não como célula que
deixava de herança a seus membros valores de igualdade e afeição.
A falta de afeição mais igualitária a todas as pessoas do grupo familiar se evidenciava
principalmente no costume de privilegiar um dos filhos em detrimento dos irmãos, prática
muito comum no final da Idade Média até o século XVII. O filho primogênito ou aquele que
tinha a preferência dos pais, devido as suas características pessoais, recebia deles toda a
atenção e condição para se tornar um adulto bem sucedido. Acreditava-se que, se os bens da
família fossem divididos por toda a prole, nenhum dos filhos poderia perpetuar o brilho e a
glória da família. Dessa forma, os filhos mais jovens eram mandados para a clausura,
geralmente para a vida religiosa, contra a vontade e a vocação sacerdotal. (ARIÈS, 1981).
Ariès (1981) enfatiza que a família dessa época era uma realidade moral e social. A
família não sustentava um sentimento profundo entre pais e filhos. Esses, por sua vez, eram
22
cuidados pela contribuição que eles trariam para toda a comunidade e, conseqüentemente,
para toda a família. As famílias pobres se limitavam na manutenção do casal inserido
freqüentemente na fazenda ou na casa do senhor. Nas famílias abastadas, os laços se
mantinham para a promoção da riqueza e da honra da família. “A família quase não existia
entre os pobres, e quando havia riqueza e ambição, o sentimento se inspirava no mesmo
sentimento provocado pelas antigas relações de linhagem.” (ARIÈS, 1981, p. 159).
Na Era Medieval, o casamento era uma forma de controle dos corpos dos homens e
principalmente das mulheres. O matrimônio era uma relação indissolúvel, pois pela ética
cristã vigente não se separava o que Deus uniu. As mulheres não deveriam estar sós e
teriam três destinos possíveis: o pai, o marido ou Deus. (FLEISCHER, 2004).
Segundo Fleischer (2004), o casamento na Idade Média era um sacramento sagrado
que unia as almas fiéis, os corpos aptos para a procriação e as pessoas jurídicas. Havia uma
santificação dos interesses da espécie e da sociedade. Prevalece o modelo de casamento
arranjado, não importando os sentimentos amorosos por aqueles que fariam os votos de
núpcias. O matrimônio era concebido por uma determinação dos pais, a qual não cabia
nenhuma contestação por parte dos filhos. “Nessa ótica, a célula familiar repousa em uma
ordem do mundo imutável e inteiramente submetida a uma autoridade patriarcal.”
(ROUDINESCO, 2003, p.19 - grifo nosso).
No entanto, apesar da esfera de dominação da Igreja e do pai, sendo esse o substituto
da lei divina no interior das casas, começam a ocorrer no século XV mudanças
significativas no âmbito familiar. Ariès (1981) descreve essas mudanças principalmente no
que tange aos cuidados e valorização da criança no interior da família. Aponta ainda que
influências políticas e culturais provocaram as transformações na sua base. O Estado, a partir
do século XV, torna-se mais presente na formação social através da expansão dos ideais da
educação formal. Esta, por sua vez, traz para o interior da sociedade uma família que não se
preocupa apenas com a transmissão dos bens e do nome, mas sim com a formação moral e
espiritual de seus membros. As crianças, que antes eram mandadas para a casa de amas de
leite e que em muitos casos voltavam para o convívio do seu lar na vida adulta, agora
permaneciam em suas casas com suas famílias, freqüentavam escolas, independentemente do
ingresso na vida religiosa. A escola passa, então, a ser um meio de introduzir a criança no
convívio social amplo e de possibilitar a aprendizagem.
É significativo chamar a atenção aqui para o que Ariès (1981) denominará como
“sentimento de infância”. Para esse autor, esse sentimento emerge na sociedade a partir do
século XVI e diz de uma consciência na diferenciação entre a criança, o adulto e o jovem. A
23
partir do século XVI, a criança é vista a partir de suas particularidades e de suas
singularidades. Essa nova visão sobre a criança trará mudanças significativas para a família,
tornando-se esta um grupo mais afetivo e mais próximo de seus membros.
Com a mudança na perspectiva da família, a arquitetura das casas também se
modifica. As amplas salas que permitiam a convivência indiscriminada de pessoas se
reformulam em cômodos específicos, que garantiam a privacidade e o convívio da família.
Ainda, nas artes, a família torna-se tema central. A rotina familiar assim como seus membros
começam a ser retratados em conjunto, destacando a vida em comum de uma família.
Esse sentimento de família se perpetua do século XV ao século XVIII. As famílias
abastadas, do campo ou da cidade, da aristocracia ou da burguesia começam a se constituir a
partir de laços afetivos e de uma aproximação íntima que até então não existia.
É com o surgimento da burguesia que a família perde sua característica de instituição
pública. As funções antes desempenhadas pela sociedade se voltam agora para o interior da
família. A família burguesa se transforma então em espaço privado e os espaços públicos
ficam restritos ao “[...] triângulo pai, mãe e filhos e por uma completa combinação de
autoridade e amor parental.” (BRUSCHINI, 1995, p. 51).
Na família burguesa, a autoridade dos pais define o ideal afetivo da família,
esperando-se do casal parental um amor incondicional em relação aos filhos. A educação
familiar é calcada nesse amor, sendo que as punições e correções dos filhos são edificadas na
perda do amor dos pais. Essa modalidade de família se consolida a partir do final do século
XVIII, sendo apoiada pelo Estado e pela medicina, que intervinham na família, destinando às
mães um amor inato por seus filhos, contribuindo assim para a valorização da criança, do lar e
dos laços matrimoniais. (BRUSCHINI, 1995).
Devido à forte valorização do afeto na família burguesa, diferentemente da forma de
circulação dos afetos na família medieval, o casamento ganha força e se expande por toda a
sociedade ocidental. A família burguesa passa a ser definida por suas características
inabaláveis de sociedade patriarcal, monogâmica, heterossexual e nuclear.
Essas características da família burguesa perpetuarão e solidificarão as formas de
convivência e de formação das famílias da Era Moderna. Esta, por sua vez, surge no final do
século XVIII e meados do século XIX e é fundada no amor romântico, sanciona os desejos
sexuais através do casamento, valoriza a divisão do trabalho entre os cônjuges. A educação
dos filhos é delegada ao Estado, ficando, pois, a autoridade dividida entre os pais e o Estado.
Numa breve comparação, é possível dizer que a família tradicional da Era Medieval
se caracteriza pela valorização do grupo familiar, na qual a manutenção e o aumento das
24
riquezas enobrecia o nome da família. Opostamente, a família moderna enfoca valores no
indivíduo, tendo cada membro da família valor aproximado e o grupo familiar opera em
direção do bem-estar do indivíduo.
A Idade Moderna, considerando os séculos XVIII e XIX, foi perpassada por uma gama
de transformações que vão incidir diretamente na composição do grupo familiar. A
Modernidade se caracteriza pela supremacia do homem em relação à natureza. Esse, por sua
vez, governa e lidera a sociedade através de um sistema calcado na razão em detrimento ao
regime monárquico, absolutista, autoritário e divino. A razão é então o fundamento da
sociedade moderna, o que garante a evolução e a dominação da ciência frente a todos os
acontecimentos, sejam eles de ordem natural ou social. “Este movimento se manifesta nos
costumes, no modo de vida e no cotidiano [...], [propicia a] emergência e consolidação do
individualismo, na exaltação da razão e da ciência e no esvaziamento da esfera pública e a
valorização da esfera privada.” (ROMAGNOLI, 2006).
O modelo de família na Era Moderna será o da família nuclear, sendo esta composta
pelo marido/pai, pela esposa/mãe e pelos filhos legítimos do casal. Segundo Bruschini (1995),
a família moderna se constituia partir de laços afetivos cada vez mais sólidos. Ela dará ao
homem o status de chefe de família, colocando a função de ser pai num lugar privilegiado no
contexto social. “O pai de família torna-se uma figura moral que inspira respeito a toda
sociedade.” (BRUSCHINI, 1995, p.52).
A mulher passa a ocupar o espaço interno na família burguesa em contraposição a sua
função coletiva nas famílias da Era Medieval. Pelo status de ser mãe, a mulher é destinada
socialmente ao espaço doméstico. Seus papéis sociais estão voltados para o trabalho no
interior da família. Cabe a ela ser esposa, cuidar da casa, da educação dos filhos e garantir a
autoridade do pai perante os filhos e a ela mesma. Ao homem cabe ocupar o espaço público,
fora do lar, propiciando o sustento econômico da família.
Romagnoli (2006) afirma que a
[...] família no século XIX se encontra assim fortalecida na sua legitimidade e no
seu poder por toda a sociedade, que nela um mecanismo regulador fundamental,
célula pretensamente estável e equilibrada, responsável pela mediação do público
com o privado, geradora da ordem social, assegurando o funcionamento
econômico, a formação de mão-de-obra, a transmissão de patrimônio, avançando
em direção ao progresso.
As profundas transformações da família na Modernidade afetam diretamente as
relações de conjugalidade do homem moderno. Na verdade, a mutação das relações de
25
matrimônio e as mudanças nos grupos familiares ocorrem simultaneamente, sendo uma
conseqüência da outra, pois ambas estão intimamente interligadas.
O enlace matrimonial constituía a base da sociedade na primeira metade do século
XX, que era a possibilidade da construção de um lar verdadeiramente aceitável pelo grupo
social. Casar significava legitimar a vida sexual entre um homem e uma mulher. O contrato de
casamento possuía caráter estável e seu rompimento ocorreria nos casos de falta grave
cometida por um dos cônjuges.
Nos anos trinta, essa realidade começa a se modificar, tendo o amor conjugal o maior
peso nas decisões matrimoniais. A Igreja Católica é uma das grandes responsáveis por essa
mudança ao designar e enfatizar a importância da “espiritualidade conjugal”, que deveria unir
os corpos e as almas. Ainda, pode-se observar nessa mesma época a influência da ciência
“vulgar” pelas revistas femininas, que difundiam os ideais femininos através da valorização
dos sentimentos e da necessidade do encontro do amor verdadeiro. (BILAC apud
ZAMBERLAM, 2001).
É encontrada na família dos anos quarenta maior proximidade de seus membros, uma
vez que ocorriam diálogos entre pais e filhos, mesmo sendo a prole numerosa. Havia certa
harmonia no lar. A casa se destacava como local de encontro familiar. Para Cony citado por
Zamberlam (2001), essa aproximação se tornara possível pois a televisão ainda não fora
inventada. Esse autor acredita que com o surgimento da televisão nos anos 50 a família
sofrerá um golpe mortal, fato que dará início a sua queda e ao que é chamado nos dias de hoje
de desestruturação, pois a televisão traz para o convívio da família um mundo repleto de
idéias que provocam transformações nas pessoas, tanto na forma de pensar como na de agir.
Na década de cinqüenta, a família torna-se reduzida quanto ao número de filhos, os
cônjuges procuram a satisfação tanto pessoal, no interior do cleo familiar, quanto
profissional. A família torna-se mais igualitária, tendo o casal de cônjuges direitos e deveres
comuns ao grupo familiar e social. Relativo aos filhos, há uma aproximação entre as gerações,
sendo que esses visualizam em seus pais pessoas que permitem um diálogo, podendo eles
mesmos divergir das opiniões de seus genitores.
A partir dos anos de 1960, as uniões entre homens e mulheres se darão a partir de um
sentimento de realização pessoal. A estabilidade do casamento estará associada às satisfações
amorosas e sexuais de cada membro do casal. As alianças entre homens e mulheres serão
fundadas num compromisso de um com o outro, independentemente dos rituais religiosos e
legais.
26
Para Casey (1992), o desenvolvimento da família nuclear, conjugal, foi propiciado e
mantido pelos ideais de uma sociedade dita democrática, a qual preconizava a união estável e
harmoniosa entre o marido, a esposa e os filhos. Os pais tinham como missão ensinar a seus
filhos a autodisciplina tão exigida em uma sociedade democrática. “Fundamentalmente, a
família moderna cresceu em torno dos conceitos de autonomia e disciplina, elaborados por
uma civilização particular um artifício fabricado pelo homem, não um legado natural.”
(CASEY, 1992, p.175).
No entanto, as configurações familiares atuais ou as famílias pós-nucleares vão ter o
reconhecimento social a partir das transformações ocorridas no século XX. Na sociedade
atual, essas configurações de famílias cujas formas de composição se diferem do modelo de
família nuclear são denominadas de novas configurações familiares. A expressão é utilizada
principalmente para destacar a coexistência de diferentes modos de famílias no contexto
social, desmistificando, assim, a idéia de que qualquer forma de família que não possui o
formato nuclear é determinantemente desestruturada.
Essas transformações no modo de composição das famílias, após o surgimento da
família nuclear, são decorrentes da entrada da mulher no mercado de trabalho, da queda da
exigência da virgindade para o casamento, da proliferação do divórcio, das expansões dos
laços afetivos provenientes dos novos laços conjugais, das novas formas de filiação e
procriação. As novas famílias começam a ocupar um espaço social que antes só era permitido
à família nuclear.
Nesse contexto, surge na sociedade o que é denominado de família pós-moderna,
contemporânea. O casamento nesse tipo de família se restringe ao bem-estar do indivíduo.
O exercício da autoridade paterna e/ou materna fica cada vez mais conturbado mediante os
inúmeros divórcios, separações e recomposições conjugais. uma supervalorização da
vida privada em detrimento das relações públicas próprias das famílias medievais.
(ROUDINESCO, 2003).
Os estudos de Giddens (1993) mostram que as relações familiares na
contemporaneidade irão se dar a partir da transformação das relações afetivo-sexuais
enfatizadas pelas exigências de igualdade entre homens e mulheres. Essa transformação é
ampla e rica, e não é sem conseqüências, pois implica na reelaboração da intimidade entre
homens e mulheres, que são protagonistas das novas relações vivenciadas no cotidiano da
vida. Essa nova forma de vida provoca a construção de uma nova identidade do indivíduo no
mundo moderno e significa uma ruptura com uma ordem emocional que garantia ao sexo
masculino o poder no relacionamento.
27
Em conseqüência às novas relações de gênero, a mulher ganha um novo espaço não
apenas no campo social, no mercado de trabalho, mas, também, no âmbito familiar. A
emancipação financeira juntamente com a valorização social faz com que ela tome decisões
independentes de acordos com seus pais/maridos /companheiros. O lugar do homem como
líder da esfera familiar e social começa a enfraquecer. Ocorre, então, um deslocamento do
pátrio poder para o campo materno.
Essas transformações sociais afetam diretamente a caracterização e o modo de
vida das famílias, trazendo consigo a idéia sobre dissolução. A família, por sua vez, exige
uma releitura do seu lugar na cultura e talvez uma nova forma de se caracterizá-la. Mas, em
que consiste a idéia de dissolução da família? De que família se fala?
Nos dias de hoje, ocorre uma idealização do amor romântico, que faz da família
nuclear uma referência para o bem-estar social e para a prosperidade do sujeito. Esses ideais,
tanto da família quanto dos relacionamentos perfeitos, são herdados da forma de pensar do
homem moderno. No entanto, a família nuclear precisa abrir espaço para as configurações
familiares atuais que surgem no cenário social a partir das necessidades e exigências do
mundo contemporâneo. Como foi dito no início deste capítulo, é possível ver que arranjos
familiares distintos ocorreram durante toda a história da humanidade. Os grupos, diante de sua
realidade, precisaram se adaptar para criar condições mais propícias de sobrevivência. Na
atualidade, as famílias pós-nucleares vêm responder às exigências sociais, permitindo assim a
continuidade da vida em família. Dessa forma, é possível afirmar que a família, nos dias de
hoje, permanece, mas transformada.
Nós, humanos, a cada momento criamos novas formas de estabelecer vínculos. A
família, na atualidade, necessita que forjemos novos modos de falar. Nossas
descrições não poderão ser consideradas como “a verdade”. Serão apenas
indicações para nossas ações. Uma ajuda para nossas decisões. Assim, deverão
assumir um caráter necessariamente provisório, sem pretensões a fechamentos.
Descrever, nesse sentido, é criar uma realidade flexível, plural. (AMAZONAS;
BRAGA, 2004, p. 35).
Definir o que é família através do modelo nuclear é limitado e perigoso. As
transformações sociais e morais tornam as configurações familiares algo amplo e complexo.
O conceito sobre as configurações familiares atuais advém de uma nova estruturação na
constituição familiar. A família contemporânea não se restringe ao modelo de família nuclear
pertencente à burguesia e à Modernidade, e nem tão pouco, aos modelos de família pública
dos séculos V ao XVII. Zamberlam (2001) chama a atenção para o tipo de mudança ocorrida:
28
[...] a família mostra-se um agrupamento humano cambiante e sua estrutura e
funções estão intrinsecamente vinculadas às mudanças de paradigma sócio-cultural
ao longo do processo civilizatório.
O sentimento de família engloba, assim, todas as emoções inerentes à pessoa:
identidade, pertença, aceitação, rejeição, amor, carinho, raiva, medo, ódio. Um
conjunto de interação, organizado de maneira instável, em função de suas
necessidades, com uma história e um código próprios, que lhe outorgam
singularidade. Estrutura cuja qualidade emergente excede a soma das
individualidades que a constituem, para adquirir características que lhe são
específicas. Certamente é esta fusão de opostos que torna a família tão complexa e
sua compreensão um desafio interminável. (ZAMBERLAM, 2001, p. 36).
A historiografia da família no Brasil, não diferente da história da família no mundo, é
perpassada por diversas mutações. A partir de agora será discutido como essas
transformações ocorreram, apontando os aspectos que influenciaram e influenciam tais
transformações no cenário brasileiro.
2.2 A família brasileira
Desde o descobrimento do Brasil, formas variadas de famílias vêm se configurando
na sociedade brasileira. Essa variabilidade traz diversas discussões sobre qual é o modelo
preponderante de família em nosso País.
Não é possível deixar de chamar a atenção para a miscigenação no surgimento da
família dentro do cenário brasileiro. Ela nasce a partir do encontro e da mistura entre raças
brancos europeus, índios nativos e negros africanos. A origem mestiça da família brasileira
certamente provocará uma multiplicidade de formas de se viver essa realidade.
Uma das descrições mais importantes sobre a família brasileira foi realizada por
Freyre em 1933 no clássico livro “Casa-grande & Senzala”. A partir de Freyre muitas
pesquisas sobre a família surgiram no Brasil, e algumas delas refutam suas idéias de que a
família patriarcal seria o modelo dominante de família do período do Brasil colonial.
O que será apresentado aqui não é a defesa de qual forma de família predominava ou
predomina no Brasil, mas sim a demonstração de como na sociedade brasileira, em qualquer
época, coexistiam ou coexistem modelos plurais de família.
29
2.2.1 A família brasileira no período colonial
Em 22 de abril de 1500, chegavam ao Brasil 13 caravelas portuguesas lideradas por
Pedro Álvares Cabral e assim começa uma nova história para o povo que aqui vivia.
Entretanto, somente após trinta anos da descoberta das novas terras, a Coroa portuguesa
começou a interessar-se pela colonização do Brasil. Isso ocorreu porque havia um grande
receio dos portugueses em perder essas terras para invasores, como, por exemplo, os
franceses, os holandeses e os ingleses. A colonização seria uma das formas de ocupar e
proteger o novo território. Portugal, então, enviou para o Brasil patrícios para garantir o
povoamento da Colônia e o domínio sobre as terras.
Esse grupo de pessoas enviadas para ocupar o Brasil tinha o objetivo de fazer da
Colônia uma terra semelhante tanto cultural quanto economicamente – à Coroa portuguesa.
Assim, os portugueses vieram ao Brasil para habitar, cultivar e explorar a terra estrangeira.
Os portugueses que aqui chegavam se acomodavam em regiões distintas da Colônia e tinham
cada família ou homem uma forma de sustento. A família torna-se a base da colonização do
Brasil.
De acordo com Ricardo citado por Souza e Botelho (2001), a sociedade brasileira do
período colonial é formada a partir de três formas de composição familiar. A primeira era
representada por uma sociedade agrária, típica do Nordeste brasileiro, cunhada na
monocultura, no escravagismo e nos grandes latifúndios de cana-de-açúcar. A segunda, a
sociedade pastoril, representada pelas fazendas de gado, pela vida selvagem das capitanias do
Piauí e do Rio Grande; e, pela interioridade do povo mineiro. E, por último, a sociedade
bandeirante, com seus homens aventureiros e suas mulheres soberanas.
O que se pode perceber através dos estudos de Silva (1998) é que as famílias se
compunham de acordo com a atividade econômica da qual viviam. A família numerosa, com
vários escravos em seu entorno, era típica da agricultura canavieira, uma vez que esse tipo de
cultura exigia grande número de mão-de-obra para a sua manutenção. Diferentemente, as
famílias que viviam ao redor das fazendas de gado necessitavam de grande expansão de terra
para as pastagens, mas pouca mão-de-obra para a lida com o gado.
Através dos estudos sobre a família no Brasil, vislumbram-se diversas formas de
famílias que compunham o cenário do Brasil no período colonial. Assim, serão
caracterizadas essas várias tipologias de família encontradas no Brasil, a partir das pesquisas
de Silva (1998). Essa autora cita em seu trabalho as seguintes formas de composição familiar
30
na Colônia portuguesa: a família da Casa-grande; das fazendas de gado; a família mineira; a
de sitiantes, chacareiros e roceiros; e as famílias de comerciantes.
Os engenhos de açúcar eram a força econômica predominante no nordeste brasileiro,
sendo esses encontrados principalmente em Pernambuco e no Recôncavo baiano.
[...] às vésperas da invasão holandesa no Nordeste, estavam 350 engenhos
funcionando no Brasil, dois terços dos quais localizados na Bahia e em
Pernambuco; na primeira década do séc. XVIII foram calculados em 528; na
década de 1770, em Pernambuco e Paraíba, contabilizavam-se 406 engenhos.
(SILVA, 1998, p. 51).
As famílias que se formavam ao redor dos engenhos de açúcar se caracterizavam pela
extensão de seus membros. Uma família numerosa, em que não apenas os laços de
consangüinidade caracterizavam o grupo familiar, mas também os laços de dominação entre
o homem branco, o escravo e o índio, sendo esse último o único ser genuinamente brasileiro.
Para Freyre (2002), a sociedade colonial brasileira desenvolveu-se dentro das casas-
grandes a partir de um regime patriarcal e aristocrático. O senhor de engenho, com sua
autoridade indiscutível, propiciava a expansão e a riqueza da Colônia.
A família [...] é desde o século XVI o grande fator colonizador no Brasil, a unidade
produtiva, o capital que desbrava o solo, instala as fazendas, compra escravos,
bois, ferramentas, a força social que se desdobra em política, constituindo-se na
aristocracia colonial mais poderosa da América. (FREYRE, 2002, p. 92).
A família que cresceu em torno da agricultura canavieira no Brasil colonial foi a
patriarcal. Esse modelo de família de origem portuguesa movimentava não apenas a casa-
grande, mas também toda a sociedade aristocrática do nordeste brasileiro. As famílias
patriarcais “[...] faziam parte do cenário social como verdadeiros alicerces da vida coletiva.
Privilégio não do universo brasileiro, mas característica comum às sociedades tradicionais.”
(ROMAGNOLI, 1996, p. 42).
A base econômica agrícola brasileira fortalece o modelo de família patriarcal e, por
extensão, rural. Para Freyre (2002), a exploração sobre a cultura de cana-de-açúcar se
devido às dificuldades de se explorarem outras riquezas nas diversas regiões do País.
A família patriarcal era composta pelo senhor de engenho, esposa e filhos legítimos.
Junto a eles ainda encontram-se os parentes tanto da linhagem do patriarca quanto da
esposa – os agregados e os escravos.
O senhor de engenho, o patriarca da família, detinha o domínio de tudo e todos no
engenho; de maneira rígida, era ele quem ditava as normas e regras. O patriarca, figura
31
centralizadora e detentora de poder, exercia um controle forte e implacável sobre o engenho
em nome da honra e da preservação do patrimônio e da linhagem.
A família patriarcal se formava principalmente pelos laços matrimoniais. Essas uniões
eram pautadas através do prestígio social da família no círculo social e da posição ocupada
pelos noivos na família de origem. O casamento era utilizado como forma de controle de
bens e de expansão das riquezas. Casava-se com o intuito de fortalecer as alianças entre as
famílias e não porque havia interesse afetivo mútuo entre homens e mulheres. As bodas eram
determinadas pelos patriarcas das famílias, sem considerarem a opinião ou a posição afetiva
dos nubentes.
A função
6
do casamento e da família era a de garantir a preservação do patrimônio.
Ainda, a família era responsável pela segurança e o bem-estar de seus membros. Os aspectos
educativos e religiosos faziam parte da educação recebida pela prole. Essa, por sua vez, era
de responsabilidade da figura feminina da casa, que orientava as escravas no cuidado dos
filhos.
De acordo com o que foi dito, a vida das famílias nas fazendas de gado muito se
diversificava da vida nas casas-grandes. A partir dos estudos de Silva (1998), é possível notar
que esse tipo de atividade econômica acontecia nas regiões do Piauí e do Rio Grande do
Norte.
Devido à hostilidade dos índios na região do rio Parnaíba, poucas eram as famílias
que se aventuravam em se concentrar ao redor da casa da fazenda de gado. As famílias que
ali viviam eram pequenas e na maioria das vezes a propriedade era ocupada pelos peões e
pelo dono das terras. “[...] Nas 129 fazendas de gado do Piauí em 1697, havia uma mulher
branca, que eram raras as negras e mesmo as índias não eram numerosas. Famílias
praticamente não existiam naqueles sertões.” (SILVA, 1998, p. 69).
Essa realidade no sertão da Colônia começa a se modificar em torno de 1760, em
função da chegada do primeiro governador da capitania, João Pereira Caldas. Com a expulsão
dos jesuítas, suas fazendas são tomadas pela Coroa portuguesa, que, por sua vez, concede aos
patrícios terras com o intuito de criar vilas que pudessem acelerar o crescimento econômico e
produtivo da região. A concessão de terras a partir da política de sesmarias
7
garantia a
6
A palavra função é utilizada aqui com o sentido de funcionalidade.
7
T
erras brasileiras abandonadas ou improdutivas que eram doadas pela Coroa portuguesa aos colonizadores. A
extensão agrária dessas terras equivale a 6.600 metros.
32
proliferação da pecuária e, conseqüentemente, o aumento do convívio das famílias nas
fazendas de gado (SILVA, 1998).
Os casamentos aqui também são arranjados e os dotes são acordados em números de
cabeças de gados. O pai, dono de todas as cabeças (de gados e de pessoas), também legisla
sobre a vida de todos na fazenda. É ele quem cuidará da riqueza da esposa a partir da
comunhão em matrimônio.
as famílias constituídas na região das Minas Gerais se apresentavam bem menos
abastadas que as famílias de engenho de açúcar e das fazendas de gado. No final do período
colonial, observa-se que a economia das Minas Gerais não se baseava apenas na extração do
minério, mas se apresentava na união entre o cultivo da cana-de-açúcar, a agropecuária e a
mineração.
Acreditava-se que o ofício da mineração prejudicava a formação da família devido à
crença de que apenas os homens e seus escravos habitavam a região. No entanto, documentos
que concediam a moradores da região terras a partir da política de sesmarias refutam essa
idéia e confirmam a consolidação de núcleos familiares, uma vez que se doava terras para
quem possuísse família. (SILVA, 1998).
Para Souza e Botelho (2001), a família é o centro da sociedade mineira, sendo a
autoridade patriarcal o cerne da vida doméstica. Os lugares ocupados por homens e mulheres
dentro da casa são claros e bem definidos. O homem mineiro ocupa o lugar de lei naquela
sociedade. No entanto, com a decadência da mineração, ocorrerá uma queda do domínio
patriarcal, tendo então a mulher se tornado a voz no interior da família. O regime matriarcal
naquele momento orienta a vida mineira. A mulher ganha destaque na família, mas a
hierarquia entre homens e mulheres no seu interior permanece tão sólida quanto as
montanhas de Minas.
No Planalto Paulista, são encontradas as pequenas propriedades nas quais o modo de
vida se dava de forma mais comunitária através da convivência comum de várias famílias. As
famílias eram pequenas, porém os grupos mais numerosos, tendo o pai, também, um lugar de
destaque no grupo familiar. (SOUZA; BOTELHO, 2001).
Roças, tios e chácaras são propriedades rurais com baixa extensão de terra
encontradas na Capitania de São Paulo. Essas terras são concedidas através de sesmarias para
pequenos produtores, que também tinham a posse de escravos. Em alguns casos, quando a
terra era explorada por pessoas que não receberam a doação dos terrenos por sesmaria, esses
precisavam pagar à Coroa um foro. (SILVA, 1998).
33
Quanto à política das bandeiras, a família seria condição sine qua non para que essa
ocorresse. Aos bandeirantes eram permitidas expedições no interior da Capitania Paulista,
uma vez que eles tinham famílias formadas para as quais poderiam retornar após a
exploração da terra e das riquezas minerais. Às mulheres dos bandeirantes cabia aguardar os
maridos do retorno do desbravamento e da colonização das novas terras. Eram elas
responsáveis por gerenciar sozinhas a casa e os poucos escravos que lhes restavam.
Nas culturas de café em solo paulistano encontravam-se semelhanças quanto às
grandes plantações de cana-de-açúcar no nordeste brasileiro. No entanto, Ellis Júnior citado
por Souza e Botelho (2001) afirma que em São Paulo:
[...] não havia monocultura especializada. Não havia latifúndios. Não havia
escravidão africana. o havia opulência. [...] O regime sociológico era o
comunitarismo das bandeiras e os núcleos patriarcais, por não haver o latifúndio,
se aglomeravam na pequena propriedade banindo o isolamento, e cultivando maior
sociabilidade nos vilarejos satélites de Piratininga. (ELLIS JÚNIOR apud SOUZA;
BOTELHO, 2001, p.420).
Os casamentos nas famílias paulistas se davam de forma restrita, sendo as uniões
limitadas ao círculo de parentes. A população paulista se multiplicava em torno da
consangüinidade. Nessa realidade, os casamentos ocorriam em menor número do que nas
famílias das casas-grandes.
A pluralidade de formatos de famílias no Brasil Colônia comprova que as diferentes
formas de famílias não são um fenômeno contemporâneo. É possível pensar que as famílias
nos dias de hoje são herdeiras dos modelos de famílias compostas desde a época colonial.
Será apresentado a seguir como as famílias se consolidaram no Brasil moderno dos
séculos XVIII e XIX, e como elas deixaram heranças às famílias dos dias atuais.
2.2.2 A família moderna brasileira
Como se pode observar, no Brasil do período colonial, a sociedade se caracterizava
por uma economia tipicamente rural, agrária, sendo a família demarcada pelo parentesco.
Com a emergência da modernidade, a sociedade brasileira se caracterizará como urbana,
tendo uma sociedade fundada em relações de classes e a família pautada nas relações de
produção.
34
No final do século XVIII e durante todo o século XIX, ocorreram mudanças
fundamentais na base da economia brasileira. A exportação do açúcar associada à exploração
do ouro via comercialização promovem uma nova característica à colônia portuguesa. O
Brasil colônia, de economia tipicamente rural, converte-se numa economia comercial. Essa
nova economia promove as migrações do meio rural para o meio urbano, provocando o
acúmulo de pessoas nas cidades.
A urbanização transforma as pequenas vilas em cidades. Essas vão se constituindo
como centros sociais, pouco a pouco. “Inicialmente, precárias e rudimentares, foram criadas
pelos senhores rurais, possuindo como modelo o engenho ou as fazendas e funcionando como
apêndice das propriedades rurais.” (ROMAGNOLI, 1996, p. 53).
A concentração de pessoas no meio urbano provoca uma nova realidade. O Estado
começa a interferir nas cidades e conseqüentemente no meio familiar através dos médicos
higienistas. Para Costa citado por Romagnoli (1996), a medicina higienista é o instrumento
utilizado pelo Estado para controlar, ordenar e subordinar a população, e mais diretamente o
grupo familiar. Apesar das transformações econômicas e sociais, a família ainda se mantinha
sob a custódia do poder patriarcal. Este, por sua vez, a partir da fidelidade aos próprios ideais,
poderia ameaçar os planos do Estado para com seus cidadãos. O saber médico então recai
sobre a família através dos princípios de intimidade, saúde, redefinição de papéis e do
conforto doméstico.
Outro resultado da atuação do dispositivo médico é a junção da saúde e da
prosperidade da família em estreita dependência com sua sujeição ao Estado. Amar
à pátria torna-se sinônimo de saúde, de instrução e de organização, e
conseqüentemente, famílias saudáveis formavam um Estado saudável! A
conversão do universo familiar à ordem urbana possui também o intuito de
“nacionalização”, produzindo indivíduos convictos de que da higiene e da
disciplina de seu cotidiano dependiam o futuro de sua nação. A família,
gradativamente, vai se consolidando como célula mestra da sociedade. Célula
mestra esta que não é mais subordinada ao pai, tendo como fim último a coesão
e a preservação do grupo; pelo contrário, o objetivo agora são os filhos, fruto de
um casal unido em matrimônio pelo amor, derivado de uma ênfase cada vez mais
crescente no indivíduo, propagada pelos higienistas. Filhos que em última instância
devem ser bem criados e esbanjar saúde, para desta maneira participar do
progresso da pátria. (ROMAGNOLI, 1996, p. 55–56).
Com a modernidade, a família brasileira se reestrutura; no entanto, ainda permanecem
traços do modelo de família patriarcal do período colonial. É possível dizer que o modelo de
família conjugal moderna do século XIX que surge a partir da decadência do modelo
patriarcal do século XVIII é herdeira de um modelo de família de camadas sociais
35
dominantes, tendo o homem, pai de família, a posse sobre todos os bens, ou seja, esposa,
filhos e as riquezas de família.
A família conjugal moderna – a família burguesa – caracterizava-se por uma
ênfase na dicotomia público/privado, relativa às atividades do homem e da mulher,
distinguindo o trabalho produtivo remunerado do improdutivo não
remunerado, doméstico, invisível. Essa família intimista excluía a mulher da
produção e reforçava-a no papel de esposa e mãe, centrado na esfera doméstica.
Revalorizava a esfera privada e os papéis femininos. A figura do pai era enaltecida,
figura mais importante nas decisões da casa e no aspecto jurídico. (COELHO,
2000, p. 13).
A família conjugal pode ser definida como “[...] uma sociedade composta pelo casal,
unidos em matrimônio, e os filhos decorrentes desta união, caracterizando um grupo social
restrito em estrutura, função
8
e hierarquia.” (ROMAGNOLI, 1996, p. 63). Esta família se
constitui por um número pequeno de membros quando comparada à família patriarcal do
período colonial. Nela se encontra o casal de cônjuges com sua prole reduzida, residindo em
casas próprias, sem a presença de outras figuras de parentesco, sendo sua rotina vivida
independente das famílias de origem. Possui a missão de procriar e criar os filhos sempre a
partir de ideais afetivos. O poder no âmbito familiar é compartilhado entre os cônjuges.
(ROMAGNOLI, 1996).
A família, assim tratada, se pauta num pensamento moderno, no qual valores de
igualdade são intrínsecos a homens e mulheres. A desigualdade entre os indivíduos isurgir
pela diferença dos meios de produção que cada um ocupa e conseqüentemente por aquilo que
seu trabalho lhe permite possuir (propriedades). Dessa forma, a sociedade moderna se
caracteriza pelos valores igualitários, negando os valores tradicionais, fundados na hierarquia.
(DUMONT apud VAITSMAN, 1994). No entanto, verifica-se que esses ideais se perdem na
sociedade moderna, uma vez que as relações de propriedade se organizaram socialmente
através dos meios produtivos do trabalho remunerado.
A família conjugal moderna estrutura-se através de uma divisão sexual do trabalho,
que impede o exercício da liberdade e igualdade de forma equivalente entre homens e
mulheres. Isso se deve porque as funções produtivas anteriormente controladas pelas famílias
como, por exemplo, os engenhos de açúcar são transferidas para o mercado de trabalho,
fazendo com que a família conjugal moderna perca seu caráter de unidade produtiva. A
hierarquização surge nesse modelo de família através das atividades produtivas que, na
8
A palavra estrutura é utilizada no sentido de organização. Já a palavra função escolocada na frase no sentido
de funcionalidade.
36
maioria dos casos, são destinadas ao homem, que sai de casa e possui remuneração pelo seu
trabalho; e pelas atividades não produtivas, que se referem ao trabalho da mulher, de cunho
doméstico, não remunerado, no cerne da família.
A noção romântica de individualidade
9
e de amor que justifica o casamento no mundo
moderno é também o motivo dos desencontros e dos desenlaces das uniões entre os
indivíduos. A livre escolha, ponto crucial da singularidade do homem moderno, é a fenda de
ruptura matrimonial, pois quanto maior a possibilidade de escolha, maior será a valorização
de si mesmo e conseqüentemente maior será o conflito gerado entre o indivíduo e o coletivo.
Para Vaitsman (1994), a família conjugal moderna no Brasil também chamada de
família patriarcal moderna –, apesar de resguardar aspectos da família do período colonial,
vai se diferenciar dessa última a partir de certa igualdade de direitos entre homens e
mulheres, pelo controle da natalidade, pelo aumento do número de divórcios e recasamentos,
pelo enfraquecimento da autoridade paterna e pela participação da mulher no mercado de
trabalho. Essa, por sua vez, se devido ao aumento da escolarização da mulher em nível
mais avançado, decorrente da abertura legal para seu ingresso em cursos universitários.
Não apenas os fatores apresentados por Vaitsman (1994) influenciam no modo de
vida das famílias no Brasil moderno. Pode ser destacada ainda a interferência das leis que
regulamentam o País, que incidem diretamente no contexto familiar. Essa situação é
verificada a partir da perda do poder patriarcal, tanto no interior da família quanto da
sociedade, sendo ele transferido para o poder judiciário. A família, que antes funcionava por
um regime patriarcal, agora passa a funcionar a partir de leis sociais ditadas pelo Estado. É
percebida esta mudança, por exemplo, no consentimento em 1943 pela legislação que
autoriza a mulher casada a trabalhar fora de casa sem precisar da permissão prévia do marido.
Agora, a mulher que desejava trabalhar poderia escolher seu caminho profissional
independentemente dos desejos de seu cônjuge. (PENA apud VAITSMAN, 1994).
Até a Constituição de 1988, era o Código Civil de 1916 que determinava as
formações de família no Brasil. O Código Civil brasileiro foi cunhado a partir de preceitos
franceses, o qual colocava a família num sistema patriarcal, matrimonializada, hierarquizada,
fundada numa comunidade de sangue. O homem ocupava o lugar de chefe da família; a
mulher e os filhos encontravam-se em posição hierarquicamente inferior. A unidade familiar
é mantida pela impossibilidade da dissolução do vínculo conjugal. (MATOS, 2000).
9
A noção romântica de individualidade do homem moderno e contemporâneo se daatravés dos ideais de
felicidade, que se concretizarão pela realização pessoal do indivíduo, não se considerando o bem-estar coletivo.
37
No entanto, como foi dito, desde os tempos do descobrimento, várias formas de
famílias coabitavam o solo brasileiro. Assim, em 1988, com a nova Constituição é preciso
reformular o conceito de família. Esta, por sua vez, ganha novo formato na ordenação
jurídica brasileira, pois passa de um modelo de família formada para a manutenção
patrimonial, presente no Código Civil de 1916, para uma família formada a partir de laços
afetivos. Para que uma família seja considerada como tal não é mais necessário o vínculo
testemunhado em papel, deixando então o casamento de ser a base da família brasileira. A
hierarquia de seus membros agora está calcada no princípio da igualdade; a Constituição
consagra a direção da família tanto pela figura do pai quanto da mãe. A família extensa
transforma-se na família nuclear, e agora com a legitimação da Constituição de 1988, pós-
nuclear. Outorga-se pela Constituição um modelo de família eudemonista
10
, preocupada com
a realização pessoal dos indivíduos que a compõem.
Não se tutela mais a família como ente transpessoal, vinculada à relação de
produção e procriação, mas sim como garantidora de realização pessoal, de caráter
íntimo e afetivo dos indivíduos. [...] com a Constituição Federal de 1988, pode-se
afirmar a existência de um modelo jurídico plural de família. (MATOS, 2000, p.
03 - grifo nosso).
Com a Constituição de 1988 há uma expansão no que se considera entidade ou
unidade familiar. A nova Constituição aponta características comuns as quais são chamadas
de entidades familiares. De acordo com Lôbo (2002), essas características são: a) a
afetividade como fundamento e finalidade do grupo familiar; b) a estabilidade, não se
reduzindo esta a união legal; c) a ostensibilidade, forma de aparição pública da família.
Lôbo (2002) acredita que a expansão legal da família ocorreu pela mudança de foco
no que diz respeito à proteção. De acordo com ele, a questão da proteção nas Constituições
anteriores a de 1988 incidia sobre o grupo familiar, uma vez que este era a base do Estado
Brasileiro e de sua organização política, social, religiosa e econômica. No entanto, na
Constituição de 1988, o foco quanto à proteção passa para as pessoas humanas que compõem
as entidades familiar e social, tendo estas mais deveres previstos em Lei do que direitos. A
proteção da família se dará a partir do interesse da realização existencial e afetiva das pessoas
que a compõem. Sendo assim, não se pode proteger determinados tipos de famílias e
desproteger outros, pois essa ação infligiria o princípio fundamental da Constituição
brasileira, da dignidade humana.
10
O eudemonismo é uma doutrina que considera a busca de uma vida feliz, seja em âmbito individual, seja
coletivo, o princípio e fundamento dos valores morais, julgando eticamente positivas todas as ações que
conduzam o homem à felicidade. (HOUAISS, 2002).
38
também o fato de que a valorização do afeto ajuda a promover a legalização dos
demais tipos de famílias na Constituição de 1988. Esta passa a reconhecer o afeto como elo
que consagra as relações familiares, pois é a partir de relações de afeto que a família será
composta. Sendo assim, a Constituição de 1988 não funda mais a entidade familiar através de
suas funções provedoras.
Os tipos de entidades familiares explicitamente referidos na Constituição brasileira
não encerram numerus clausus. As entidades familiares, assim entendidas as que
preencham os requisitos de afetividade, estabilidade e ostensibilidade, estão
constitucionalmente protegidas, como tipos próprios, tutelando-se os efeitos
jurídicos pelo direito de família e jamais pelo direito das obrigações, cuja
incidência degrada sua dignidade e das pessoas que as integram. A Constituição de
1988 suprimiu a cláusula de exclusão, que apenas admitia a família constituída
pelo casamento, mantida nas Constituições anteriores, adotando um conceito
aberto, abrangente e de inclusão. (LÔBO, 2002, p. 55).
De acordo com Vaitsman (1994), o avanço da mulher quanto à escolarização foi outra
influência que permitiu as transformações da família no Brasil. A entrada maciça da mulher
no ensino superior a partir de 1966 permitiu a equiparação do nível educacional entre
mulheres e homens. Elas, por sua vez, entram no mercado de trabalho mais qualificadas,
podendo assim adquirir melhor remuneração, não se restringindo mais ao mercado
profissional no exercício de tarefas domésticas ou ao do magistério em cursos primário e
secundário. Será essa condição que permitirá às mulheres questionar sua condição
hierárquica em relação ao homem nas esferas social e sexual.
As transmutações sociais corroboram para o surgimento das modificações familiares,
pois sendo a família o pilar da sociedade moderna, essa é atingida diretamente em seu cleo
– na forma de se compor – pelas transformações sociais.
No rastro dos tempos modernos, as transformações na estrutura social brasileira,
que tiveram início no final do século XVIII e se consolidaram no século XIX,
atingiram maciçamente o grupo familiar, que torna-se, paulatinamente, a
organização social sica, a célula mestra da sociedade moderna. Inicia-se, assim,
a caminhada da mutação familiar através da modernidade, onde, em uma seqüência
presente em todo o mundo ocidental, vamos presenciar no pólo inicial as famílias
nucleares, também chamadas conjugais, formadas pelo casal de cônjuges com seus
filhos. Modificações essenciais e inegáveis, cujos efeitos permanecem até os
nossos dias. (ROMAGNOLI, 1996, p. 51).
Não diferentes do contexto mundial, as transformações sociais como, por exemplo,
as novas concepções de casamento, a lei do divórcio, as relações de conjugalidade, a
ascensão da mulher nos meios de produção, entre outros – que provocam mutações na família
trazem também para a família brasileira uma nova realidade. Os grupos familiares, que desde
39
o período colonial do Brasil coexistiam, começam a ganhar espaço e status no contexto
social, sendo consentidos pelo poder judiciário.
Sendo assim, as famílias extensas pertencentes ao período colonial se
metamorfoseiam em famílias conjugais, nucleares. Essas, por sua vez, se pluralizam. Ganham
novas roupagens, novas composições; no entanto, permanecem denominadas de famílias.
2.2.3 A família contemporânea brasileira
Os movimentos que surgem no cenário mundial na segunda metade do século XX,
como, por exemplo, a consolidação social das mulheres no espaço público, a legalização em
alguns países de uniões homossexuais, a convivência pacífica (em alguns países) quanto à
diversidade religiosa, entre outros, propiciam mutações no mundo contemporâneo.
Para Vaitsman (1994), a sociedade contemporânea se caracterizará por um cotidiano
fragmentado, descontínuo e heterogêneo. Devido a essa qualidade é impossível pensar, nos
dias de hoje, a vida social a partir de uma universalidade. O fenômeno da globalização
11
confirma a invasão cosmopolita mundial, que adentra o universo social de forma maciça,
principalmente pelos meios de comunicação, tendo a Internet a sua principal representante,
fazendo do múltiplo, do diverso, algo familiar aos indivíduos do planeta. Assim, o mundo
contemporâneo é pensado a partir de pluralidades de realidades que coexistem e
interpenetram-se.
Nesse contexto, não se pode pensar a família por meio de um único modelo que a
represente. De acordo com Ribeiro (2000), a família nuclear neste milênio ainda possui forte
influência nos ideais das pessoas, pois ela surge na sociedade como promessa de um modelo
de família feliz.
No Brasil, no ano de 2003, foi promulgado um novo Código Civil, que confere à
família um novo estatuto. Desse modo, pode-se chamar de família qualquer grupo social
formado por casamento, união estável ou comunidade de qualquer genitor e descendente. A
nova legislação institui que o casamento é a "comunhão plena de vida". No entanto, ele prevê
11
A globalização é um processo pelo qual a vida social e cultural nos diversos países do mundo é cada vez mais
afetada por influências internacionais em razão de injunções políticas e econômicas. (HOUAISS, 2002).
40
que o mesmo é apenas uma das modalidades de constituição da família. Nele está
determinado que os cônjuges possuem direitos e deveres igualitários.
Mesmo com os avanços no que tange à questão familiar, o novo Código não legitima a
união entre pessoas do mesmo sexo como caracterização de grupo familiar. No entanto, tenta
amenizar essa situação através da garantia da partilha de bens quando for comprovada a união
estável de fato.
É possível, pois, concluir que, a partir de 2003, no Brasil, a idéia de família pode ser
resumida a pessoas que convivem juntas, assumindo um compromisso de uma ligação
duradoura entre si, incluindo uma relação de cuidado entre os adultos e deles para com as
crianças. (ROMAGNOLI, 2006).
As mudanças no interior da família nos dias de hoje, como também no passado
são decorrentes de uma gama de influências socioculturais que a transformam no seu dia-a-
dia. Essas influências modificam o grupo familiar e “obriga-o” a criar uma nova forma de
organização. Assim, pode-se pensar numa família plural, elástica, que se movimenta a partir
das contingências de sua experiência social.
No ano de 1994, a Associação Municipal de Assistência Social (AMAS) da cidade de
Belo Horizonte, Minas Gerais, realizou uma pesquisa com 1.041 famílias residentes no
município. O objetivo da pesquisa era subsidiar um programa de apoio às famílias de crianças
e adolescentes.
Na pesquisa, categorizou-se as famílias da capital mineira em oito tipos de famílias
12
,
sendo: a) Nuclear simples: família composta pelo casal de cônjuges e seus filhos, sendo esses
filhos do mesmo pai e da mesma mãe; b) Monoparental feminina simples: família em que
apenas a mãe está presente no domicílio, vivendo com seus filhos e eventualmente com outros
menores sob sua responsabilidade; c) Monoparental masculina (simples ou extensa): família
em que apenas o pai está presente no domicílio, vivendo com seus filhos e eventualmente com
outros menores sob sua responsabilidade e/ou outros adultos sem filhos menores de dezoito
anos; d) Nuclear extensa: família em que o pai e a mãe estão presentes no domicílio, vivendo
com seus filhos, outras crianças menores sob sua responsabilidade e também outros adultos,
parentes ou não do casal de pais; e) Monoparental feminina extensa: família em que apenas a
mãe está presente no domicílio, vivendo com seus filhos e outros menores sob sua
responsabilidade, e também outros adultos, parentes ou não; f) Família convivente: famílias
12
As definições de família assim como as nomenclaturas foram retiradas do relatório de pesquisa “Família de
crianças e adolescentes: diversidade e movimento.” Belo Horizonte: AMAS, 1995, p. 27 e 29.
41
que moram juntas no mesmo domicílio, sendo ou não parentes entre si; g) Família nuclear
reconstituída: família em que o pai e/ou a mãe estão vivendo em nova união, podendo o casal
ter filhos com idade até dezoito anos da primeira união, vivendo ou não com seus pais na
nova união. Outros adultos podem viver no domicílio; h) Família de genitores ausentes:
família cujos genitores não estão presentes, mas existem outros adultos responsáveis pelos
menores de dezoito anos; i) Família nuclear com crianças agregadas: família em que o pai e a
mãe estão presentes no domicílio com seus filhos e também outros menores sob sua
responsabilidade. Não presença de outros adultos na residência. Pela planilha da figura 1,
abaixo, de acordo com dados da AMAS (1995), é possível verificar as porcentagens dos tipos
de famílias no município de Belo Horizonte:
Na realidade de Belo Horizonte, o que se constatou é que o modelo de família nuclear
ainda é o que supera as demais formas de composição familiar, sendo seguido pelas famílias
monoparental feminina simples e nuclear extensa. Acredita-se que, apesar de haver uma
prevalência do modelo nuclear, são encontradas constantes mudanças nas composições das
famílias e a convivência permanente delas na rotina social.
de se chamar a atenção para o fato de que a categorização dos tipos de famílias
estabelecida pela AMAS (1995) não será necessariamente o modo de nomeação que cada
sujeito dará a sua particular experiência de família, pois cada sujeito a partir de sua
experiência é que “denominará” o seu modo de família. No entanto, a categorização proposta
pela AMAS (1995), pautada nos estudos da sociologia da família, é importante para esta
pesquisa, uma vez que a mesma comprova que no cenário social brasileiro coexistem diversas
formas de configurações familiares.
Fig. 1: Porcentagem dos Tipos de Famílias no Município de
Belo Horizonte
58%
9%
8%
7%
6%
6%
2%
2%
1%
1%
Nuclear Simples
Monoparental Feminina Simples
Nuclear Extensa
Monoparental Feminina Extensa
Famílias Conviventes
Nuclear Reconstituída
Família de Genitores Ausentes
Nuclear com crianças agregadas
Monoparental Masculina (simples e extensa)
Sem Informação
Fonte: AMAS
“Família de crianças e adolescentes: diversidade e movimento”, 1995.
42
Ainda de acordo com a pesquisa da AMAS (1995), a família, independente de sua
forma, deve garantir àqueles que a compõem as seguintes condições: 1) o cuidado e a
proteção de seus membros, principalmente aos menores de dezoito anos; 2) a divisão do
trabalho e a definição de papéis de forma mais clara possível, propiciando a sobrevivência do
grupo e a manutenção do lar; 3) a vivência da sexualidade e da afetividade calcadas nas
normas culturais (destacando aqui a proibição do incesto), o respeito quanto às diferenças e os
direitos entre homens e mulheres; 4) favorecer a convivência com o grupo familiar extenso,
entendido aqui como as relações entre parentes das famílias de origem.
Essas condições apresentadas pela AMAS (1995) mais uma vez tiram o foco no modo
de composição das famílias. O que a pesquisa sugere é que a família para ser denominada
como tal, deve assegurar a seus membros uma convivência afetiva que favoreça o
desenvolvimento pessoal e social deles dentro do grupo em que estão inseridos. A
configuração familiar torna-se então coadjuvante no favorecimento dessas condições.
Dos inúmeros arranjos e formatos familiares, modificações da estrutura e da família
brasileira atual, conviver com o novo e o tradicional é um processo característico da
não linearidade e complexidade de mudanças interacionais.
A Família e as famílias que se nos apresentam nos anos 90, ou seja, a família
pensada e as famílias vividas, são produto e produtor, ao mesmo tempo, de
transformações nos níveis simbólico e funcional das relações institucionais. A
família inventa cultura. (COELHO, 2000, p. 20).
No ano de 2000
13
, realizou-se em todo o Brasil o censo populacional. Uma das
categorias avaliadas no censo foi a forma de caracterização das famílias brasileiras.
Para o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o que se pode chamar de
família é um grupo de pessoas que vivem sob o mesmo teto. Ainda, considerou-se como
família “[...] o conjunto de pessoas ligadas por laços de parentesco, dependência
doméstica ou normas de convivência, que residissem na mesma unidade domiciliar e,
também, a pessoa que morasse só em uma unidade domiciliar.” (BRASIL, 2006).
A partir desse ponto de vista, verificou-se no censo de 2000 que a maioria das
famílias brasileiras é formada por pessoas com laços consangüíneos. O relatório aponta que
outras formas de famílias estão presentes na realidade brasileira, sendo as famílias
13
No ano de 2007 o IBGE realizou uma operação censitária que abrangeu o censo agropecuário, a contagem da
população e o cadastro nacional de endereços para fins estatísticos. O último Censo Demográfico foi realizado
no período de outubro de 2005 a setembro de 2006, com o objetivo de atualizar dados populacionais
incorporando as mudanças demográficas ocorridas no território nacional. O Censo Demográfico aponta
informações como: natalidade, mortalidade, características gerais e de migração, características de instrução,
características dos domicílios, características das famílias, características de trabalho e rendimento e
características de fecundidade. Neste trabalho utilizaremos as informações relativas às características das
famílias no território brasileiro tendo como base os dois últimos Censos Demográficos realizados no país.
43
unipessoais, ou seja, família de uma pessoa só, a que mais cresceu nos últimos nove anos, de
2,4 milhões em 1991 para 4,1 milhões em 2000.
Como na cidade de Belo Horizonte, o que se constatou nos demais municípios
brasileiros é que mais da metade (55,4%) das famílias brasileiras são formadas pelo modelo
clássico de família nuclear. Essa realidade está presente principalmente nos municípios com
população de até vinte mil habitantes, sendo que nas grandes cidades destacam-se os modelos
de famílias monoparentais femininas.
Quanto à nupcidade, o relatório do IBGE (2002) aponta que quase a metade da
população com dez anos ou mais do país era composta por pessoas casadas ou unidas a um
cônjuge (49,5%); 38,6% eram solteiras; 7,8% desquitadas, separadas ou divorciadas; e 4,1%
eram viúvas. Esses dados podem ser verificados no quadro a seguir:
Quadro 1: Distribuição das famílias por tipo e a situação do domicílio, segundo as classes de tamanho da
população dos municípios Brasil - 2000
Classes de
tamanho da
população dos
municípios
Unipessoal
2 ou +
pessoas sem
parentesco
Casal
sem
filhos
Casal
com
filhos
(1)
Mulher
sem
cônjuge
com filhos
Casal
com
filhos
(2)
Outras
modalidades
Total 8,3 0,2 15,6 52,4 12,6 3,0 7,9
Até 20.000 8,0 0,1 15,3 57,4 10,1 1,5 7,5
de 20.001 até
100.000
7,6 0,1 15,1 55,3 11,8 2,3 7,7
de 100.001 até
500.000
8,1 0,2 15,6 52,2 13,2 3,3 7,4
mais de 500.000 9,5 0,4 16,1 46,4 14,4 4,2 9,0
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000.
Nota: (1) Casal com filhos sendo o responsável do sexo masculino.
(2) Casal com filhos sendo o responsável do sexo feminino.
No censo de 2005/2006, verificou-se que crescem as famílias chefiadas por mulheres
sobre as famílias em que figura a presença do cônjuge; do total das famílias com parentesco,
em 28,3%, a chefia é feminina, e neste conjunto, 18,5% contam com o cônjuge. Houve
também um crescimento expressivo das famílias com mulheres com filhos e sem cônjuge na
chefia familiar: no Nordeste, de 17,4% para 20,1% e no Sudeste de 15,9% para 18,3%.
O relatório aponta que a proporção de mulheres na chefia das famílias com parentesco
nas áreas metropolitanas é mais elevada do que a porcentagem nacional, sendo esta expressa
por 28,3% da população pesquisada, enquanto que em regiões metropolitanas como a de
44
Salvador conta com uma porcentagem de 42,0%. Este indicador revela uma mudança de
padrão na caracterização das famílias, em que a figura do provedor não está mais atrelada
apenas ao sexo masculino.
No relatório, foi encontrada, também, uma redução quanto aos membros que
compõem os grupos familiares. De acordo com o IBGE (2006), a presença de parentes nas
famílias foi reduzida entre os censos realizados nos anos de 1995 e de 2005. Reduziu-se,
também, o percentual de casal com filhos, que era de 63,7% para 53,3%, na Região Nordeste,
mudança também ocorrida no Sudeste.
Quadro 2: Famílias e pessoas residentes em domicílios particulares, por condição na família,
segundo algumas características da pessoa de referência da família - Brasil - 2006
Pessoas residentes em domicílios particulares (1 000 pessoas) (1)
Condição da Família
Algumas
características
da pessoa de
referência
da família
Famílias
residentes
em
domicílios
particulares
(1 000
famílias)
Total
Pessoas de
Referência
Cônjuges Filhos
Outros
Parentes
Sem
parentesco
Total
59.094 186.628 59.094 38.383 77.683 10.841 627
Sexo
Masculino 40.542 137.083 40.542 35.207 55.399 5.588 346
Feminino 18.552 49.544 18.552 3.176 22.283 5.252 281
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios 2006.
Nota: (1) Exclusive as pessoas cuja condição na família era pensionista, empregado doméstico ou parente
do empregado doméstico
Pode ser observado que tanto na pesquisa realizada nos anos noventa pela AMAS em
Belo Horizonte, quanto a pesquisa feita nos dois últimos censos brasileiros (2000 e
2005/2006) que, a cada dia, diversas formas de famílias vêm tomando conta mais e mais do
espaço social. Dessa forma, é fundamental que se entendam as transformações sociais que
trarão impacto à vida das pessoas. Chamar as famílias de hoje que fogem do modelo nuclear
de desestruturada ou irregular é ignorar os avanços e as mutações sociais. É esquecer que a
vida, apesar de suas diferentes faces, funciona a partir de um mesmo movimento.
Movimento
este que é desenhado pelas influências sociais, políticas e culturais de uma época.
Mesmo diante das diversas formas de entidades familiares encontradas no cenário
social brasileiro, é notado que, ainda, nos dias de hoje, ocorre uma hierarquização da família
nuclear sobre os outros tipos de famílias, uma vez que esse modelo de família se destaca sobre
45
os demais. Isso ocorre devido aos ideais tradicionais de outrora que consideravam a família
somente através dos laços matrimoniais. Também em nossos dias certa nostalgia quanto à
questão do casamento, que através de ideais românticos acredita-se ser a família conjugal
tradicional a garantia de felicidade plena.
Ao longo deste capítulo constatou-se que, independente da época e da cultura que
permeiam o conceito e/ou a idéia sobre família, os arranjos familiares vão estar repletos de
ideologias quanto a sua formação e prevalência na realidade social. É necessário, então, estar
sempre atentos para as armadilhas que o tema suscita em cada um de nós, pois todos, sejam
qual for o modelo de família de origem, são sempre oriundos de uma família. Assim, a
“família vivida”, ou seja, a família da realidade, a qual verdadeiramente se faz parte, e a
“família pensada”, família idealizada, fantasiada, sempre fará parte da realidade das famílias,
pois não é possível esquecer que sempre haverá desencontros entre essas duas formas de se
viver a família.
Entre esses desencontros aparecem os lugares, papéis e funções desempenhados por
pais e mães. A seguir, discutiremos a questão do pai e suas versões nos postulados freudiano e
lacaniano.
46
3 AS VERSÕES DO PAI NA TEORIA FREUDIANA
A família foi levada para o divã da Psicanálise através dos pacientes de Freud
desde a época em que ele usava a hipnose em seus tratamentos. Quais foram os temas que
chegavam aos ouvidos de Freud naquela época? Segundo Travaglia et al. (2003), o que Freud
escutava em sua clínica não eram as interpelações de seus pacientes quanto aos problemas
mundiais e nem tão pouco questões filosóficas, mas o que cada sujeito trazia eram seus
conflitos familiares e, particularmente, suas questões com o pai.
Na clínica atual, foi constatado que essa busca pelo pai ainda movimenta aqueles que
procuram um trabalho analítico. No entanto, o pai que se busca nos consultórios não é mais o
mesmo da época de Freud. Hoje, o que se procura em relação ao pai não é apenas o encontro
com o pai biológico, mas o encontro com um operador que permita a sexuação dos sujeitos e
a sua inscrição no mundo simbólico.
É importante ser lembrado que o pai a que se refere este estudo é aquele que permite a
inscrição simbólica dos sujeitos, o que encarna a função paterna. Dor (1991) designa o pai que
ocupa esse lugar de embaixador, cujo papel é representar para o filho a função. Dessa
maneira, qualquer pessoa poderá ocupar o lugar de embaixador da função paterna para uma
criança.
Na teoria psicanalítica, encontram-se a partir de Freud e de seus discípulos, como
por exemplo, Jung, Abraham, Ferenczi e Rank, formulações sobre a questão do pai. Com
freqüência se deparam nos textos psicanalíticos com a questão sobre o que é um pai?
A palavra “questão” possui etimologia na ngua Latina e significa busca, procura.
Num sentido amplo, essa palavra é utilizada quando se tem dúvida sobre algo. Dessa
maneira, quando algum tema é questionado, é porque ele se apresenta como um problema
e assim deve-se encontrar respostas que apontem para a sua verdade. Sob que aspecto a
questão sobre o que é um pai se constitui como um problema para a Psicanálise?
De acordo com Lang (2002), a pergunta sobre o que é um pai possui caráter
infantil e por isto é uma questão fundamental. Devido a essa natureza, a questão por sua
vez nunca cessará, visto que as indagações levantadas pelas crianças sobre a origem da
vida são circunlóquios infinitos. Desse modo, as crianças criam suas próprias teses sobre a
origem dos bebês e qual a implicação do pai nessa história.
47
Diante destas especulações oriundas da infância sobre a questão do pai, este se
tornará, de acordo com Freud (1912-13/1988), fonte de sofrimento e dor tanto para o
sujeito quanto para a humanidade.
Freud retoma o antigo adágio romano, e dito jurídico, para indicar que do pai
pode haver indícios, vestígios, traços no e pelo exercício de suas funções.
Ou seja, nunca se pode chegar a um absoluto do pai, o que leva cada um a
percorrer infinitos labirintos até certezas provisórias, sempre renováveis. Nesse
sentido, a mãe parece ser, desde um princípio, alguma coisa assegurada, sendo
sua problematização restrita. O pai, em contrapartida, pede contínuas
reformulações e teorizações (no sentido infantil). E cada uma destas teorias, até
o ponto que ela pôde ter avançado, acaba por implicar uma posição e um
espaço onde o sujeito pode mover-se com maior ou menor liberdade, com uma
quota maior ou menor de prazer ou sofrimento. (LANG, 2002, p. 11).
Ao dedicar-se a estudar a questão do pai desde as tragédias literárias, das concepções
religiosas até a formação dos mitos em comunidades tribais, Freud resgata na história do
homem a importância vital do pai para a constituição da civilização e conseqüentemente da
família.
A valorização dada por Freud ao pai e, ao mesmo tempo, ao homem em sua teoria
deve-se a sua convicção de que a passagem do matriarcado para o patriarcado foi um marco
decisivo de evolução para toda a humanidade. Dessa forma, era necessário resgatar o lugar
perdido pelo pai em relação à feminilização do campo social. de se lembrar, como foi
discutido no capítulo anterior, que a mulher ganha no mundo moderno espaço que até então
era prioritário ao homem. Freud via nesse avanço feminino, mesmo que mido, a
possibilidade da queda da autoridade do pai, uma vez que esta última se tornou possível
mediante a superação da intelectualidade (ordem do masculino) sobre a sensualidade (ordem
do feminino). Sendo assim, a família pôde ser pensada por Freud a partir da primazia do
pai sobre a natureza e da razão sobre o afeto. (ROUDINESCO, 2003).
Ainda para Lang (2002), a teoria freudiana sobre o pai nasce não apenas do sentimento
do declínio do patriarcado vivido na Viena do final do século XIX e na tentativa de resgate da
figura paterna, mas também na revalorização do que representava para o próprio Freud a sua
relação com seu pai Jacob. O autor acredita que a origem da Psicanálise teve como ponto de
partida a experiência familiar do homem Sigismund. Freud era filho do terceiro casamento de
seu pai Jacob com a jovem Amália Nathanson. Essa realidade da família Freud faz torná-la
um modo de família atípica para os moldes das famílias vienenses, que se apresentavam
tradicionalmente como nucleares e conjugais.
48
A relação de Freud com seu pai é destacada na teoria freudiana da paternidade a partir
de dois pontos fundamentais. O primeiro diz do sentimento de culpa de Freud frente à morte
de seu pai, o que lhe possibilita aprofundar nas investigações quanto à questão edípica. E o
segundo diz de uma lembrança infantil significativa para Freud, que abala seu sentimento em
relação a seu pai. (LANG, 2002). Freud escreve no texto da Interpretação dos Sonhos, quando
trata dos sonhos formados a partir de experiências infantis, a seguinte passagem de sua vida:
Eu devia ter dez ou doze anos quando meu pai começou a me levar com ele em
suas caminhadas e a me revelar, em suas conversas, seus pontos de vista sobre as
coisas do mundo em que vivemos. Foi assim que, numa dessas ocasiões, ele me
contou uma história para me mostrar quão melhores eram as coisas então do que
tinham sido nos seus dias. “Quando eu era jovem”, disse ele, “fui dar um passeio
num sábado pelas ruas da cidade onde você nasceu; estava bem vestido e usava um
novo gorro de pele. Um cristão dirigiu-se a mim e, de um golpe, atirou meu
gorro na lama e gritou: ‘Judeu! saia da calçada!’ — “E o que fez o senhor?”,
perguntei-lhe. “Desci da calçada e apanhei meu gorro”, foi sua resposta mansa. Isso
me pareceu uma conduta pouco heróica por parte do homem grande e forte que
segurava o garotinho pela mão. (FREUD, 1900b/1988, p.226 )
Freud na recusa do pai em responder de forma violenta a agressão sofrida uma
fraqueza paterna. Jacob, aos olhos do filho Sigismund, perde o lugar de herói e torna-se o
homem comum, judeu, fraco e humilhado.
Dessa forma, é possível perceber que as teses sobre o pai irão ocupar lugar central na
teoria freudiana. Segundo Peres (2002), o pai em Freud possui quatro versões: a primeira é a
do pai sedutor; a segunda, do pai desejo; a terceira, o pai do gozo; a quarta, o pai da lei. Essas
versões são encontradas nos artigos freudianos que tratam da teoria da sedução e dos mitos
sobre o Édipo, do pai da horda primitiva e o mito que trata de Moisés e a religião monoteísta.
Cada uma dessas versões do pai em Freud serão, pois, discutidas.
3.1. As primeiras versões do pai em Freud: do pai sedutor ao pai desejo
Freud acredita que os primórdios da religião, da moral, da sociedade e da arte
convergem para o complexo de Édipo. Os problemas psíquicos e suas soluções se mostram
com base num único ponto concreto: a relação do homem com o pai. (FREUD, 1910/1988).
De onde resulta a emergência do Édipo na teoria freudiana? A Psicanálise nascerá nos
escritos freudianos através dos conflitos psíquicos dos sujeitos oriundos da família conjugal. É
49
pela via das neuroses, histérica e obsessiva, que Freud fundamenta o lugar do pai na
constituição desses tipos clínicos.
Para explicar tais conflitos, principalmente a emergência da histeria que se alastrava
na sociedade vienense, Freud vai propor a teoria da sedução. Esta consiste na “idéia de uma
cena sexual em que um sujeito, geralmente adulto, vale-se de seu poder real ou imaginário
para abusar de outro sujeito, reduzido a uma posição passiva: uma criança ou uma mulher, de
modo geral.” (ROUDINESCO; PLON, 1998, p. 696).
Com a teoria da sedução, Freud pôde explicar a etiologia das neuroses, uma vez que,
para ele, a neurose se fundava a partir de uma experiência real de um abuso sexual. Através da
prática clínica e especificamente pelos relatos de suas pacientes, Freud comprovou a
veracidade de sua teoria. Esta, por sua vez, leva Freud à construção de suas primeiras
hipóteses sobre o recalque e a causalidade sexual nas neuroses. (ROUDINESCO; PLON,
1998).
É aqui que a primeira versão do pai surgirá na teoria freudiana. Freud acreditava que a
neurose de suas pacientes se dava pelo viés da sedução da menina inocente pelo pai perverso.
Assim, o pai da histérica é um pai sedutor.
Nesse momento de sua obra, Freud propunha que a histeria era fruto de uma vivência
real sofrida na infância. A pequena criança sofrera abusos sexuais que na vida adulta
culminariam no quadro da histeria. A escuta do relato de suas pacientes era considerado então
por Freud como situações vividas verdadeiramente e que proporcionavam um acontecimento
traumático. (MARCOS, 2003).
Porém, é em torno de 1897, através de sua auto-análise, que Freud começa a
desacreditar de suas histéricas. De acordo com Roudinesco e Plon (1998), Freud abandona a
teoria da sedução devido a uma incompatibilidade entre duas teses: a primeira delas seria que
nem todo pai/adulto é violador da pureza infantil. Essa não-convicção de Freud de que todos
os pais seriam os causadores do trauma sexual infantil é proveniente da sua própria recusa em
acreditar que seu pai, Jacob Freud, teria provocado em suas irmãs os mesmos males sofridos
pelas suas pacientes. A outra tese freudiana é que suas pacientes não mentiam quando se
diziam vítimas de sedução.
Como Freud resolve tal impasse teórico? A resposta para tal problema encontra-se na
construção do conceito de fantasia. Ele acreditava que quando suas pacientes inventavam a
sedução sofrida, elas o mentiam e nem simulavam, pois o trauma sofrido é de natureza
fantasística. A fantasia, por sua vez, possui natureza diversificada da realidade material. Essas
conclusões permitiram a Freud comprovar a veracidade da realidade psíquica baseada no
50
inconsciente. (ROUDINESCO; PLON, 1998). Essa nova concepção na causalidade das
neuroses permite postular sobre a sexualidade infantil e conseqüentemente a experiência dos
conflitos edipianos.
[...] o abandono da teoria da sedução por Freud possibilita a tomada do pai como
formação do inconsciente, particularmente, o do sujeito histérico. Este é o primeiro
passo para que se possa tomar o pai como um retorno do recalcado [...] Para que o
pai retorne como um sintoma toma-se uma condição que tenha havido previamente
um recalque. Trata-se do recalque de um desejo sexual que a histérica situa no lugar
do pai. Para o sujeito histérico, não desejo senão do pai, deixando-nos entrever a
própria estrutura do desejo que se caracteriza pelo fato de que a sua enunciação fica
sempre a cargo do Outro. (GOMES, 2002, p. 41-42).
A segunda versão do pai freudiano, ou seja, o pai desejo, aparece nos escritos de Freud
a partir da entrada do mito do Édipo em sua obra. O pai não desaparece como o pai sedutor,
porém retorna como vetor dessa experiência.
Para Bleichmar (1984), o conceito do complexo de Édipo será desenvolvido por Freud
em três formulações distintas, que compreendem ao longo de sua teoria seus textos teóricos e
clínicos. A primeira formulação é encontrada na carta 71 dirigida a Fliess. A segunda
formulação é encontrada nos textos de 1921, Psicologia dos grupos e a análise do ego, e de
1923, O ego e o id. A terceira e última formulação é encontrada no artigo também de 1923, A
organização genital infantil: uma interpolação na teoria da sexualidade, que trata da
organização genital infantil. No entanto, o mito de Sófocles será evocado por Freud em vários
momentos de sua obra.
O termo complexo de Édipo fora usado pela primeira vez por Freud, em 1910, em seu
artigo Um tipo especial de escolha de objeto feita pelos homens. Nesse texto, ele trata da
escolha de objeto feita pelos homens, tanto no âmbito da patologia quanto no âmbito da
escolha não patológica. Esta escolha de objeto, nas duas vertentes, encontrará sua origem na
fixação infantil dos sentimentos que os homens nutrem por suas mães na tenra idade.
No entanto, treze anos antes da utilização do termo complexo de Édipo, Freud já fizera
menção à lenda grega e a universalização da vivência que esse conflito provoca nos seres
humanos. É no ano de 1897, em uma de suas cartas ao Dr. Fliess carta 71 –, que Freud
relata ao amigo as conclusões a que chegara em sua auto-análise. Conclui que todo menino
possui uma paixão ardorosa pela e e um ciúme repleto de sentimentos ambivalentes de
amor e ódio em relação ao pai. É nesse momento que Freud faz alusão à obra de Sófocles,
Édipo Rei, em que Édipo, filho de Jocasta e Laio, é predestinado a matar seu pai e esposar sua
mãe. Afirma que “[...] a lenda grega capta uma compulsão que toda pessoa reconhece porque
51
sente sua presença dentro de si mesma. Cada pessoa da platéia foi, um dia, em germe ou na
fantasia, exatamente um Édipo como esse [...]”. (FREUD, 1897b/1988, p. 316).
Freud não utiliza o mito do Édipo para suas elaborações sobre a etiologia das neuroses
por acaso. O que ele percebe a partir do relato de seus pacientes é que estes em primórdios de
sua vida experienciavam sentimentos ambivalentes de amor e ódio para o casal parental.
Ainda, na Viena dos tempos de Freud, o modelo burguês de família, prioritário naquela
sociedade, propiciava a vivência edípica e fazia dela dependente de um modelo familiar que
envolve um pai, uma mãe e seu filho.
O complexo de Édipo freudiano funcionava como estrutura, pois exprimia a cultura
patriarcal, em um contexto espaço-tempo: a composição da família demarcava
lugares e funções, os valores eram universais e incontestáveis, o apreço à verdade
constituía-se na única ética. (PAOLI, 2005, p. 01).
É em 1900, em seu célebre livro sobre a Interpretação dos Sonhos, que Freud faz a
primeira referência publicada sobre o drama edipiano. Ao relatar os sonhos de desejo de
morte da mãe ou do pai de seus pacientes, faz alusão à experiência edípica vivenciada por
eles, sendo os sonhos de morte oriundos de tal experiência.
Ainda nesse texto, Freud, ao descrever a lenda sobre o Édipo Rei, destaca a fala de
Jocasta para Édipo, no que se refere aos sonhos que muitas pessoas têm de um dia deitar-se
com aquela/aquele que o gerou como algo estranho a si mesmo, mas que possui total relação
com os desejos incestuosos da infância.
Hoje, tal como outrora, muitos homens sonham ter relações sexuais com suas mães,
e mencionam esse fato com indignação e assombro. Essa é claramente a chave da
tragédia e o complemento do sonho de o pai do sonhador estar morto. A história de
Édipo é a reação da imaginação a esses dois sonhos típicos. E, assim como esses
sonhos, quando produzidos por adultos, são acompanhados por sentimentos de
repulsa, também a lenda precisa incluir horror e autopunição. (FREUD,
1900a/1988, p. 290).
Qual é a função de Laio, pai de Édipo, na tragédia grega? Laio vida e morte a
Édipo, pois possibilita seu nascimento como ser e como rei, ao mesmo tempo em que condena
Édipo a seu martírio eterno, quando ao morrer permite que o filho se case com sua mãe. Laio
então falha na missão que todo pai tem perante seu filho, a de Lei, que interdita e proíbe as
relações incestuosas entre mães e filhos. Eis aqui em Freud as indicações para a função
paterna.
52
O eixo principal em que Freud se apóia para pensar a função paterna converge para
seus estudos sobre o desenvolvimento dos complexos de Édipo e castração. A
existência do pai, com o estatuto que a psicanálise lhe confere, é reconhecida
quando o pai torna-se representante de uma lei. (MENDES, 1993, p .02-03).
O pai, nesse momento da teoria freudiana, ganha o estatuto de lei e é devido a isso que
permitirá a seus filhos se constituírem enquanto ser de desejo. A função paterna
desempenhará uma dupla operação: a primeira consiste na castração da criança para o seu
objeto de amor, a saber, a mãe. A segunda é que, diante da proibição e da castração, a criança
não pode ficar desamparada. A forma de recompensação que a criança encontra para si diante
da introjeção da lei paterna será a de se constituir como o pai, tornando-se então um sujeito
sexuado e que também deseja.
No percurso da pulsão
14
Freud irá descrever etapas em que a libido
15
irá se organizar.
Dentre essas etapas encontram-se três que ocorrem antes da fase genital, que serão
denominadas de fases pré-genitais, tendo cada uma delas um objeto específico de satisfação
pulsional. (FREUD, 1917b/1988).
Na primeira fase da organização sexual, a criança tecomo objeto pulsional o seio
materno ou o seu substituto. A essa fase, Freud denomina de oral. A segunda fase, chamada
de anal, o objeto de satisfação sexual serão as fezes. Freud faz uma comparação ao valor
simbólico dado pela criança para o seu produto. A criança atribui “[...] elevado valor às fezes,
considerando-as ‘presentes’ e ‘dinheiro’.” (FREUD, 1917a/1988, p. 368).
Na fase fálica, terceira fase da organização pré-genital, a libido estará organizada sob o
primado da zona erógena fálica. A diferenciação sexual se dará pela presença ou ausência do
pênis, pois a vagina é e continuará sendo desconhecida ainda por muito tempo. De acordo
com Freud, a fantasia das crianças nesse momento é que ambos os sexos são dotados do órgão
fálico.
[...] a característica principal dessa organização genital infantil, é sua diferença da
organização genital final do adulto. Ela consiste no fato de, para ambos os sexos,
entrar em consideração apenas um órgão genital, ou seja, o masculino. O que es
presente, portanto, não é uma primazia dos órgãos genitais, mas uma primazia do
falo. (FREUD, 1923/1988, p. 18 - grifo do autor).
14
O conceito de pulsão no interior da obra freudiana é definido como “[...] carga energética que se encontra na
origem da atividade motora do organismo e do funcionamento psíquico inconsciente do homem.”
(ROUDINESCO; PLON, 1998, p. 628).
15
O termo é utilizado por Freud para designar “[...] a manifestação da pulsão sexual na vida psíquica e, por
extensão, a sexualidade humana em geral [...]”.(ROUDINESCO; PLON, 1998, p. 471).
53
Durante algum tempo, Freud (1917b/1988) acredita que a experiência edípica se dava
da mesma forma tanto para o sexo feminino quanto para o masculino, sendo apenas o alvo de
amor e os sentimentos ambivalentes de amor e ódio alterados para ambos. No caso dos
meninos, o objeto de amor seria a mãe e o objeto de repugnância e de competição seria o pai.
Inversamente, mas simetricamente ao Édipo vivido pelos meninos, no caso das meninas, o
objeto alvo de investimento amoroso seria o pai e a mãe ficaria como aquela que atrapalha a
filha de alcançar o seu amor, ou seja, o pai.
Em 1924, Freud começa a romper a simetria do Édipo para meninas e meninos. Em
seu texto A dissolução do complexo de Édipo, idescrever a forma que garotas e garotos
darão entrada na vivência edípica. Esta é a primeira marca que Freud faz na diferença do
Édipo para ambos os sexos. Será pela via da castração que a paridade edipiana será rompida
(FREUD, 1924/1988).
A teoria da castração irá tornar-se, no cerne da obra freudiana, o princípio
organizador não apenas da diferença das gerações como também da diferença dos sexos. A
partir daí, o conflito edipiano dará lugar a duas histórias bem diferentes. Por meio da
descoberta da diferença anatômica entre os sexos, meninos e meninas serão divididos em duas
categorias de indivíduos: os fálicos e os castrados.
O confito edípico emergirá para a menina diante da constatação de sua castração, ou
seja, da ausência do falo. Porém, os meninos, que já vivenciam o Édipo desde seu nascimento,
abandonarão seu objeto de amor, no caso a mãe, pelo medo da perda do falo, ou seja, pelo
medo da castração. “Enquanto, nos meninos, o complexo de Édipo é destruído pelo complexo
de castração, nas meninas ele se faz possível e é introduzido através do complexo de
castração.” (FREUD, 1925/1988, p. 285).
Na dissolução do complexo edípico, a criança deverá se desvencilhar de seus desejos
libidinais para com seu genitor (pai/mãe) e direcioná-lo para um outro objeto amoroso que
esteja fora de seu circuito familiar. Quando a criança se torna um adulto e não consegue se
desfazer do domínio paterno/materno, ou seja, não soluciona o complexo edípico, sendo inábil
no redirecionamento de sua libido a um objeto sexual externo, isso propiciará o surgimento
das neuroses. “Nesse sentido, o complexo de Édipo justificadamente pode ser considerado
como o núcleo das neuroses.” (FREUD, 1917b/1988, p. 393).
Marcos (2003) afirma que a aparição do pai pela vertente do Édipo no contexto da
teoria freudiana como pai de desejo deve-se ao fato dele surgir para a criança como aquele
que provocará o desejo nesse sujeito. No Édipo, o pai desejo ocupará o centro da trama
introduzindo na relação incestuosa do filho com a mãe a Lei da proibição do incesto, o que i
54
possibilitar a entrada do sujeito na cultura. Será através das proibições do pai, ainda segundo
a autora, que a mãe será introduzida na triangulação familiar como objeto de desejo. Quando
se chega ao final da experiência edípica, o pai não deixará de influenciar na estruturação
psíquica do sujeito, pois sua Lei seintrojetada e dará lugar ao supereu. É devido a essa
presença constante do pai no psiquismo que ele se apresenta para o sujeito sempre como uma
questão em aberto.
Decourt (2004) salienta que o pai freudiano é o agente da lei, uma vez que é ele que
introduz a interdição. “A partir desta concepção, a lei edipiana, enquanto proibição, introduz a
castração e o desejo sempre insatisfeito, cujo objeto será sempre incestuoso.” (DECOURT,
2004, p. 36). Com isso, o pai edipiano, ou seja, o pai desejo, será identificado ao recalque,
pois ele é o agente da castração. Esta, por sua vez, permite ao sujeito se identificar com o pai,
com o ser de desejo, podendo a partir daí se constituir também como um ser desejante.
Desde as primeiras menções de Freud sobre o Édipo até o fim da sua vida, é
encontrado o Édipo postulado como um conceito fundamental da Psicanálise, não somente
como “o complexo nuclear das neuroses”, mas também como o momento decisivo em que
culmina a sexualidade infantil e em que se decide o futuro da sexualidade. Ainda são
encontradas nas formulações de Freud sobre o Édipo indicações sobre sua compreensão de
família.
3.1.1 O romance familiar do neurótico
O artigo Romances Familiares
16
(1909) foi escrito por Freud no ano de 1908
17
para
um livro de Otto Rank intitulado O mito do nascimento do herói. O texto foi receber o
título em alemão Der Familienroman der Neurotiker na sua primeira reimpressão em
1931.
Desde os anos de 1897, Freud se encontrava às voltas com as problemáticas
levantadas sobre os “romances familiares”. Porém, ele se debruçava sobre o estudo a partir
16
Será utilizado o título do artigo como foi traduzido na edição Standart brasileira das Obras Completas de
Sigmund Freud, no entanto, é importante destacar que o título original do artigo é “Romance familiar do
neurótico”.
17
De acordo com a nota do editor inglês da edição Standart brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud.
55
das características específicas da paranóia. Em 24 de janeiro de 1897, ele escreve a Fliess
sobre suas observações dos rituais de feitiçaria, comparando-os aos delírios de memória de
pacientes paranóicos que acreditavam que pessoas colocavam fezes em sua comida. Chama a
atenção também para as ficções megalomaníacas contadas por aqueles pacientes que tinham a
convicção de ter uma filiação ilegítima que concernia a uma família abastada, culminando
aqui no “romance familiar”.
Ainda na carta, Freud (1897a/1988) destaca o fato de que pacientes histéricos
supervalorizam a figura do pai devido a uma superioridade imaginária que o filho encontra
neste pai. Esse modo do histérico enxergar o pai como alguém superior faz Freud aproximar o
conto neurótico das histórias criadas por pacientes paranóicos. Nas correspondências de Freud
a Fliess serão encontradas também menções desse romance na paranóia nas cartas de 25 de
maio de 1897 e de 20 de junho de 1898.
O artigo Romances Familiares pode ser dividido em duas partes. A primeira em que
Freud tratará da proposição da necessidade dos sujeitos em tenra idade idealizar os pais e
querer se parecer com eles. À medida que esta criança cresce, o discernimento intelectual
apontará as falhas dos pais; também, será aflorada a rivalidade sexual da criança para seus
genitores. A segunda parte do romance freudiano consiste numa construção inconsciente por
parte da criança, ou melhor, do filho de uma família inventada. Essa família idealizada será
sempre caracterizada como superior à família de origem. O filho se sente traído pelos pais,
pois estes estão longe de ocupar plenamente suas fantasias de grandeza, como, por exemplo,
na passagem relatada por Freud com seu pai (1900b/1988) descrita anteriormente neste
capítulo. Em suma, é possível dizer que a criança inventa um novo pai e uma nova mãe.
No “romance familiar do neurótico” será encontrada uma exaltação voltada à figura do
pai. Esta fantasia ocorre frente à incerteza da origem paterna - pelo menos nos tempos em que
os exames de DNA
18
não existiam -, pois sobre quem é a mãe não recai nenhuma dúvida. A
mãe, por sua vez, é vista como pecadora, a pessoa que não cumpriu com o pacto nupcial de
fidelidade; sendo assim, o filho seria filho de outro pai. Este pai “verdadeiro” se caracteriza
sempre como alguém superior ao pai adotivo. Geralmente nessas fantasias o pai da ficção é
um pai forte, rico, inteligente, um herói. Freud (1909/1988) acredita que quando a criança
18
Sigla utilizada para ácido desoxirribonucléico. Este ácido é um composto orgânico cujas moléculas contêm a
"informação" que coordena o desenvolvimento e funcionamento de todos os organismos vivos. O exame de
DNA para fins de identificação pessoal e determinação de paternidade é considerado o maior avanço do século
na área forense. Com o exame de DNA, a determinação de paternidade passou a atingir níveis de certeza
absoluta. Para a verificação de paternidade, são analisados os materiais (sangue) da mãe, do filho e do suposto
pai. Disponível em http://www.ufv.br/dbg/BIO240/TP120.htm, consultado em 03 de maio de 2008.
56
forja essas características para o pai de sua fantasia ela está simplesmente resgatando o pai de
outrora. Ou seja, o pai que ela conhecia antes de se deparar com as exigências pulsionais e
intelectuais. Verifica-se, assim, que a função do “romance familiar” elaborado pela criança é
uma forma de restaurar a imagem do pai.
Freud (1909/1988) salienta que essa ficção do pai por parte da criança nada mais é que
uma tentativa de revalorizá-lo. É a forma que a criança encontra de resgatar os pais dos
tempos felizes, pais que lhe pareciam nobres e amáveis. A ficção da criança é uma tentativa
de reencontro com os pais do passado.
Foi constatado que Freud, ao escrever o artigo dos Romances Familiares, mais uma
vez, tenta dar uma resposta ao enigma do que é um pai. A criança, ao engendrar um pai
heróico, ou melhor, ao inventar um pai para si, está redigindo sua própria origem. A partir do
conto criado, a criança irá construir soluções sobre o sexo, sobre a função do pai e
principalmente qual é a relação deste com o seu nascimento. No entanto, Marcos (2003)
afirma que essas invenções que a criança forja para si sobre a questão do pai são insuficientes,
pois o pai ainda se coloca para a criança como um enigma indecifrável.
No romance familiar, trata-se de um esforço da criança para responder ao enigma
do sexo e da origem, de modo que a resposta encontrada inclua a própria criança. A
narrativa construída a ajuda a responder qual o seu lugar na história, a se situar em
relação às gerações e à diferença sexual. A partir da narrativa ficcional, a criança
busca esse lugar, a fim de responder às dúvidas quanto a seu nascimento e sua
origem. O que se revela no romance familiar é que, ao final dessas elaborações, a
dúvida que permanece é aquela em relação ao pai, sua relação com o nascimento e
sua função. (MARCOS, 2003, p.27).
Estas considerações de Freud sobre o “romance familiar” trazem à tona a discussão do
favorecimento dado por ele à família conjugal. Devido à relevância do Édipo na teoria
psicanalítica, a Psicanálise é traduzida por muitos como uma teoria da família. Porém,
ressalvas quanto a essa afirmação. De acordo com Machado (2007), foi a partir da invenção
da família conjugal, pelo menos enquanto fato histórico e sociológico, que a Psicanálise pôde
existir. Foi através dos conflitos de seus pacientes neuróticos que Freud pôde escutar uma
questão que provinha do intercâmbio do sujeito com a família. No entanto, os conflitos
identificados por ele não circulavam em torno da problemática da família, mas giravam em
torno do sujeito, mais especificamente da sua relação com a instância inconsciente e com a
sexualidade. Dessa forma, a Psicanálise pode ser definida como uma teoria do inconsciente e
nunca como teoria da família.
57
Outras questões podem ser feitas diante da inquietação frente à afirmação de que a
Psicanálise seria uma teoria da família e mais particularmente uma teoria da família conjugal.
Seriam elas: a problemática edípica se restringe ao modelo de família nuclear? As fantasias
cunhadas pelas crianças em seus romances familiares podem emergir diante do modelo de
família conjugal? A Psicanálise após cem anos de sua existência estaria fadada ao extermínio
devido à convivência em nossos dias de diversas formas de configurações familiares?
É necessário, pois, relativizar as teorizações feitas por Freud no final do século XIX e
meados do século XX para o tempo atual. Ao descrever a família, muitas vezes, Freud dizia
de um grupo social formado por uma mãe e um pai com seus filhos que habitavam todos a
mesma casa. Se forem adaptadas essas idéias, por exemplo, ao que é chamado hoje pela
sociologia da família, para uma família convivente, é possível dizer que para essas famílias,
cada pessoa que as compõem pode ocupar para cada sujeito os lugares de filhos e pais. Essas
mesmas pessoas idealizam modos de famílias distintas daquelas que nasceram. Em muitos
casos, o pai da família “vizinha” poderá encarnar o pai fantasiado, ou seja, aquele que a
criança acredita ser o seu verdadeiro pai.
O que pode ser constatado é que mesmo a teoria freudiana tendo se fundamentado
num modelo nuclear de família não se esgota nele. Sua análise recairá na problemática
imutável da relação do filho com os pais. Independentemente do modo de família que ela
advém, a criança traz para si indagações sobre a sexualidade, sobre os lugares que homens e
mulheres ocupam na concepção. Daí a implicação sexual do inconsciente. Assim, as teses
freudianas estão para além do modelo de família conjugal e burguesa.
Não é preciso invocar a interpretação analítica (como Freud faz) para saber que, via
de regra a salvo exceções, as famílias são uma e a mesma, ainda que,
cronologicamente, diferenciadas. Cada um guarda, no interior de si, um pai e uma
mãe supervalorizados que, depois, são sobrepostos pelo pai e pela mãe que cada um
reconhece como seus. (LANG, 2002. p. 150).
Retomaremos a discussão sobre a questão do pai na teoria freudiana. Assim
passaremos a discutir agora a terceira versão do pai.
58
3.1.3 O pai do gozo: a terceira versão freudiana do pai
Totem e tabu, texto de 1912–1913, nasce no percurso da história da Psicanálise a
partir das discussões entre Freud, Jung e Ferenczi a respeito da universalidade do complexo
de Édipo. Roudinesco e Plon (1998) indicam que Freud acreditava ser esse artigo seu melhor
trabalho após a publicação de A interpretação dos sonhos em 1900.
Mendes (1993) alerta que o texto de Totem e tabu é apenas um mito, e que, ao se
debruçar sobre ele, nunca se deve esquecer dos limites da credibilidade dele advinda. No
entanto, Marcos (2003) sugere que o mito é utilizado na teoria freudiana como uma
necessidade teórica. Sua função consiste na provocação do avanço da teoria, pois, ao esbarrar
no limite que a teoria impõe ao seu criador, o mito irá incitar um novo estatuto ao corpo
teórico ao confirmar os resultados obtidos na experiência clínica.
A eficácia do mito advém da transmissão do que é desconhecido. Através da utilização
do mito, Freud concede uma forma discursiva à transmissão do desconhecimento da verdade.
No caso de Totem e tabu, o mito possibilita a Freud apresentar a lenda fundadora da cultura.
Decourt (2004) salienta que a importância do mito de Totem e tabu é apontar a condição
lógica que justifica a fundação da cultura. Através do mito é que Freud discorre sobre a
passagem do homem como ser da natureza para um ser de cultura.
De que forma Freud irá postular esta passagem? Totem e tabu irá se valer do mito do
“Urvater – o pai original da horda primitiva, um pai pré-histórico, no sentido que a psicanálise
lhe confere, de representante da lei e autoridade.” (MENDES, 1993, p. 8). Será através da
morte do pai, do Urvarter que o filho se tornará um ser de cultura.
Com Totem e tabu, Freud volta-se as questões de origem, numa espécie de Gênesis
freudiano. Não é um conto, nem uma obra dramática, nem chega a ser um poema
épico, mas procura-se mostrar que nossas novelas analíticas possuem raízes ainda
mais profundas, míticas, as quais estão para além das dimensões individuais.
(LANG, 2002, p.108).
O artigo de Totem e tabu é composto de quatro ensaios, sendo que, no primeiro, Freud
(1912-13/1988) irá tratar do horror ao incesto, introduzindo assim o tema do totem. No
segundo ensaio ele trabalha com a idéia de tabu e a ambivalência de sentimentos que ele
provoca. Ainda nesse ensaio, usa os termos de “sagrado”, “misterioso”, “perigoso” e
“proibido” como sinônimos de tabu. No terceiro, discorre sobre o pensamento mágico do
homem primitivo. O quarto e último ensaio trata do retorno do totemismo na infância; Freud
59
defende suas idéias do mito do pai primevo e da universalidade edípica. que se discutir de
forma mais cuidadosa esse último ensaio.
No quarto ensaio de Totem e tabu, Freud irá apresentar o Urvater, ou seja, o pai
primevo. Nesse ensaio Freud (1912-13/1988) relata a ignorância entre a relação sexual e a
concepção nas comunidades primitivas. Nessas comunidades acreditava-se que os filhos eram
gerados apenas pela figura materna. A mulher era a única procriadora na concepção e no
nascimento do filho. Freud evoca novamente o “romance familiar” discutido
anteriormente neste capítulo – no qual a criança possui apenas a convicção de quem é a mãe.
Nas comunidades tribais a paternidade era atribuída a um totem ou a um espírito
qualquer ou, até mesmo, a elementos da natureza, como, por exemplo, a terra. Esses povos
acreditavam que no momento em que a mulher iria parir seu filho, um espírito que aguardava
a reencarnação ingressava no corpo da mãe, possibilitando assim o nascimento da criança.
Diante disso, Freud (1912-13/1988) chama a atenção para a ignorância do sexo masculino na
sua função no ato de fecundação.
A figura do pai é então representada pelo totem e a relação que os povos primitivos
tinham com seus deuses dependia da relação com o pai humano. O pai era adorado através do
totem. Nesse momento, pai totêmico e pai biológico tornam-se um só, um sendo reflexo do
outro. A aproximação entre filho e pai dentro das tribos primitivas era possível somente
através do totem. Ainda existia o temor pelo pai primevo, que impedia a aproximação dos
filhos de suas fêmeas.
O mito do pai original, que um dia gozava de todas as mulheres de sua horda e que
fora assassinado pelos seus filhos como reivindicação ao acesso a essas mulheres, traz
consigo a instituição da lei universal contra o incesto. Os filhos não podiam ocupar o lugar do
pai morto, pois as guerras constantes entre eles, em virtude da posse das mulheres,
provocariam o extermínio da horda. Dessa forma, faz-se um acordo no qual se renuncia ao
lugar do pai primevo e, conseqüentemente, às mulheres desejadas pelas quais o pai foi morto.
Assim, esse lugar aberto é substituído por uma lei que regula as ações de cada homem.
[...] a tumultuosa malta de irmãos estava cheia dos mesmos sentimentos
contraditórios que podemos perceber em ação nos complexos pais ambivalentes
de nossos filhos e de nossos pacientes neuróticos. Odiavam o pai, que representava
um obstáculo tão formidável ao seu anseio de poder e aos desejos sexuais; mas
amavam-no e admiravam-no também. Após terem-se livrado dele, satisfeito o ódio
e posto em prática os desejos de identificarem-se com ele, a afeição que todo esse
tempo tinha sido recalcada estava fadada a fazer-se sentir e assim o fez sob a forma
de remorso. Um sentimento de culpa surgiu, o qual, nesse caso, coincidia com o
remorso sentido por todo o grupo. O pai morto tornou-se mais forte do que vivo
[...]. O que até então fora interdito por sua existência real foi doravante proibido
60
pelos próprios filhos [...] Anularam o próprio ato proibindo a morte do totem, o
substituto do pai; e renunciaram aos seus frutos abrindo mão da reivindicação às
mulheres que agora tinham sido libertadas. (FREUD, 1912-13/1988, p.146-147).
Mesmo depois de morto, o pai ainda continua vivo. Após devorarem o pai no intuito
de incorporarem o que ele representava, os filhos caem em lamentação e remorso devido a sua
morte. Freud acredita que o totemismo seria a tentativa dos filhos de recuperarem o pai
extinto e aplacar assim a culpa pelo assassinato. Dessa maneira, o mito da horda primitiva é
substituído pelo mito da fraternidade, inaugurando uma sociedade igualitária, pois todos
precisavam se manter iguais para que ninguém tivesse os privilégios do pai morto;
possibilitando assim a sobrevivência da horda.
O Urvarter é um macho poderoso, senhor de todas as fêmeas e que não conhecia
limites para o seu desejo. O pai primevo pode ser interpretado na teoria freudiana como a
terceira versão de pai, a saber, o pai do gozo. Este pai encontra-se acima da lei e fora da
castração.
Em Totem e Tabu, é encontrado o pai do gozo, o pai primevo que gozava de todas as
mulheres de sua horda e que impedia a aproximação dos filhos de suas fêmeas. Esse pai,
assassinado pelos filhos como reivindicação ao acesso a essas mulheres, traz consigo a
instituição da lei universal contra o incesto, uma vez que, mesmo depois de sua morte, os
filhos são proibidos de praticar a endogamia. Assim, apenas o pai gozará de suas mulheres.
Como se pode verificar, a Lei contra o incesto é postulada por Freud apenas no texto
Totem e tabu. As construções teóricas sobre o Édipo trazem o pai como aquele que irá
praticar a Lei, aquele que representará a Lei. Uma lei posta não pelo pai primevo, uma vez
que ele mesmo tinha acesso a todas as mulheres do clã, mas sim, no que sua morte
representou para seus filhos. O pai edípico simboliza o pai totêmico.
A análise realizada por Freud sobre a proibição das relações e aproximações de
membros de uma mesma família, nas comunidades tribais, aponta para o primórdio cultural da
lei contra o incesto. O que se verifica em Totem e tabu é a aproximação da lei do homem
primitivo com a lei do homem civilizado. Ambos são impossibilitados de desejar as mulheres
de sua linhagem e são punidos caso transgridam a lei. Essa constatação, mais uma vez,
possibilita a Freud sustentar sua teoria do complexo de Édipo. E ainda, o faz afirmar que a
etiologia das neuroses consiste na relação do filho com o pai.
Ao concluir, então, esta investigação excepcionalmente condensada, gostaria de
insistir em que o resultado dela mostra que os começos da religião, da moral, da
sociedade e da arte convergem para o complexo de Édipo. Isso entra em completo
61
acordo com a descoberta psicanalítica de que o mesmo complexo constitui o núcleo
de todas as neuroses, pelo menos até onde vai nosso conhecimento atual. Parece-me
ser uma descoberta muito surpreendente que também os problemas da psicologia
social se mostrem solúveis com base num único ponto concreto: - a relação do
homem com o pai. (FREUD,1912-13/1988, p.158).
Quais as conseqüências do assassinato do pai da horda primitiva? De acordo com
Mendes (1993), serão duas, sendo que a principal trata da internalização da lei de interdição
do incesto, e a segunda diz do surgimento do supereu
19
.
Para Freud o supereu terá sua origem no totemismo. No tempo mítico em que não
havia cultura, ou seja, no momento em que a natureza imperava através do domínio do
Urvarter, uma vez que seu instinto de macho imperava sobre os demais membros do clã
impedindo-os de ter acesso às mulheres da horda, a única lei existente era a do pai. Com o
advento de sua morte, inaugura-se nos filhos um novo sentimento, o de remorso, pois o pai
odiado também era amado. Para aplacar a culpa pelo assassinato do pai, os filhos mantêm
viva a lei do pai, uma vez que eles próprios se proíbem de ter acesso às mulheres pelo qual o
pai foi morto. Dessa maneira, a lei é incorporada, mantendo o pai vivo. Conjuntamente com
ela, uma nova instância psíquica surge, o supereu, pois ela advém da cultura e não precisa de
um terceiro para a todo tempo advertir ao eu sobre as insígnias culturais.
É em relação à lei de proibição de incesto que Freud aproxima o super-ego [sic] e a
função do pai. Segundo ele
20
, “super-ego [sic] originou-se em realidade das
experiências que levaram ao totemismo” (1923, p. 53). Decorrente dessas
experiências, primordialmente temos o surgimento do sentimento filial de culpa e a
relação que ele estabelece com o recalque, pois é neste ponto que Freud identifica a
origem de todos os conflitos neuróticos. (MENDES, 1993, p. 20).
Quais as novidades que Freud nos traz com Totem e tabu? A principal novidade
encontra-se no surgimento da lei de interdição contra o incesto. É possível observar que no
mito edípico, ele até diz que o pai proíbe os desejos incestuosos do filho para com o seu
progenitor. No entanto, Édipo não é barrado de seu gozo, pois tem em seu leito a própria mãe.
Dessa forma, Freud precisa buscar na cultura algo que universalize o Édipo e por
conseqüência instaure a lei. Outra novidade é que, para Freud, a origem da família vai estar na
19
O supereu em conjunto com o isso e o eu formam a segunda tópica do aparelho psíquico freudiano. De acordo
com Roudinesco e Plon (1998, p.744), “o supereu mergulha suas raízes no isso e, de uma maneira implacável,
exerce as funções de juiz e censor em relação ao eu.”
20
FREUD, Sigmund. Totem e tabu. In: FREUD, S. Edição Standard brasileira das obras psicológicas
completas de Sigmund Freud. Vol XIII: Totem e tabu e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago.1987.
62
horda primeva, uma vez que será com a morte do pai que a cultura emergirá, permitindo
assim a inauguração da família.
Com a morte do Urvarter e a proibição de seus herdeiros possuírem as
mulheres do clã, Freud provoca um renascimento do pai, que não é um renascimento
qualquer, pois o pai retorna com a força de uma Lei. Assim, o significado do pai, de acordo
com a teoria psicanalítica, será dado a posteriori, ou seja, após a sua morte, a partir da
instalação da lei de interdição do incesto.
Para Marcos (2003, p. 29), “[...] o mito da horda primeva inaugura uma cadeia
que estará presente em toda a elaboração psicanalítica acerca do pai, da lei, da dívida
simbólica, do assassinato do pai, enfim da culpa que, em nome dessa dívida simbólica, o
neurótico não cessará de pagar.”
A inauguração da cultura, proposta no mito freudiano, proporcionará a inscrição dos
mandamentos divinos. A lei contra o incesto leva à lei contra o parricídio. É possível ler nesta
lei o seguinte mandamento divino: “Não matarás!”. Verificamos assim uma aproximação da
lei do totem com a lei do monoteísmo, momento este que será encontrada uma nova versão
para o pai em Freud.
3.1.4 O pai da lei: a quarta versão freudiana do pai
O pai da lei é cunhado por Freud em Moisés e o Monoteísmo, livro escrito no final da
vida de Freud entre os anos de 1934 e 1938. Apesar de ter sido um livro escrito no término
das construções teóricas de Freud, sua importância para a Psicanálise não o distingue do
conjunto dos trabalhos freudianos em seus áureos tempos. Um exemplo disto, de acordo com
Balmés citada por Marcos (2003), foi através da leitura do texto de Moisés que Lacan pôde ler
o pai freudiano. O conceito e a teorização sobre o Nome-do-pai terão sua origem em Moisés.
O livro é composto de três ensaios, no qual Freud (1938/1988) exporá a origem filial
de Moisés e resgatará as idéias explanadas em Totem e tabu, recapitulando os conceitos de
recalque, traumatismo e etiologia das neuroses através do surgimento da religião monoteísta,
utilizando-se de analogias entre a psicologia do indivíduo e a psicologia grupal. Ao longo
desses três ensaios, Freud fará referências à questão do pai. E é justamente nesse ponto que se
deve deter.
63
O pai é apresentado por Freud em Moisés e o Monoteísmo como herdeiro de Deus.
Haverá apontamentos por todo o texto da trilogia Deus, líder, pai. Deus surge como o
princípio da linhagem patriarcal. Na terra, sua representação fica a cargo de um líder, político
e/ou religioso, sendo Moisés um exemplo. Para que a divindade esteja mais próxima dos
homens comuns, o pai é criado à imagem e semelhança de Deus.
Freud (1938/1988) considera que esta personificação de Deus na pessoa do pai ocorre
da seguinte maneira: primeiro esse Deus fora representado por um animal (totem). Depois,
ocorre uma humanização do ser, aparecem então deuses humanos, primeiro sob a forma
feminina e depois através de figuras masculinas.
Nesse percurso, encontram-se esforços de Moisés para tornar a religião monoteísta
uma religião única. Até o domínio de Deus-pai se tornar universal, mais precisamente até o
advento do cristianismo, são vistas as figuras de reis e faraós como substitutos dos deuses, por
serem líderes espirituais e/ou religiosos. Com a instauração da religião cristã, então uma
naturalização do lugar do rei ou daquele que lidera um povo ou um grupo como o herdeiro
direto de Deus na terra. Não diferente do que ocorre com os reis, o pai irá tornar-se não
apenas o representante do rei, mas também de Deus. Tanto os reis quanto os pais falam em
nome de Deus. Sua lei é a lei de Deus. De acordo com Freud (1938/1988), a autoridade da
religião se transforma na autoridade do pai.
Para Freud (1938/1988), Moisés foi o precursor para essa passagem de poder entre
Deus e o líder de um povo. Moisés operava sobre seu povo não apenas com a mensagem
divina, mas detinha o saber das leis e o caminho para o alcance da verdade e da virtude. Não
diferente de Moisés, o pai no artigo freudiano aparece como legislador e educador. É devido
a essa característica de legislador que o pai se converte neste momento da teoria freudiana em
o pai da lei.
A aparição do pai como o pai da lei proporciona a vivência dos sujeitos no mundo da
espiritualidade. Através dos mandamentos de Deus apresentados por Moisés, o homem pôde
ter acesso ao divino quando ele obedece as suas leis. O filho, então, entra em contato com a
espiritualidade a partir do momento em que cumpre os mandamentos do Pai. O pai da lei, o
pai de Moisés e o Monoteísmo, é um pai que tem a função de interditar o gozo, ao mesmo
tempo em que aponta uma possibilidade para tal.
Freud acredita que o pai surge na vida da criança como alteridade de lei. É ele quem
determina o que deve ou não ser feito. Após a vivência edípica, caberá ao supereu realizar tal
função. Enquanto isso, a criança se submete à lei paterna e se impõe aos sacrifícios
determinados por ela, como na prática de circuncisão, na qual os homens obedecem à lei de
64
Deus-pai, marcando no real do corpo a castração simbólica herdada do pai. A circuncisão
aparece como substituto simbólico da castração que o pai primevo impunha a seus filhos.
“Todo aquele que aceita esse símbolo demonstra, através disso, que está preparado para
submeter-se à vontade do pai, mesmo que essa lhe imponha o mais penoso sacrifício.”
(LANG, 2002, p. 162). Da mesma forma que o filho abre mão de seu instinto e prova ao pai
ser adepto de sua lei, reconhecendo-o assim como pai, o homem judeu abdica de sua natureza
e resgata o pacto com Deus através do ato circuncisório. A introdução da circuncisão como
ato da religião monoteísta permite a Moisés santificar seu povo.
Moisés era visto por seu povo e por muitos que vieram depois dele como um “grande
homem”. Freud (1938/1988) acreditava que todos os grandes homens da história tinham como
essência a paternidade. Ele diz que a humanidade necessita de uma autoridade que a dirija,
que possa ser venerada e até mesmo repelida. Essa necessidade tem origem na infância,
através dos modelos parentais que a criança possui, mais precisamente através da figura do
pai.
Moisés e a religião monoteísta é o último grande texto freudiano, e no qual se
insiste num dos temas que mais ocupou a atenção de Freud, ao largo de sua extensa
obra: a questão do pai. Neste texto, convergem as linhas de pensamento de Freud
sobre o assunto e o mito, novamente, é a estratégia para se pensar uma questão. O
mito do Édipo, tomado de Sófocles, o mito do Urvarter em Totem e tabu, e a
construção mítica sobre a morte de Moisés, a partir do texto de Oséias, mostram a
relevância do mito para dar conta da função do pai, tanto em nível do sujeito como
da massa. (LANG, 2002, p. 169 – grifo do autor).
As elaborações freudianas sobre o pai inscrevem-se na ordem do mito. Em cada
versão do pai freudiano será encontrada a inscrição mítica: no pai desejo o mito edípico; no
pai do gozo o mito do pai primevo e o pai da lei o mito de Moisés. Cada qual a sua maneira,
as versões do pai em Freud irão sustentar a regulação das pulsões através da Lei do pai, que se
transmite através das gerações na relação do filho com seu pai, na qual comporta uma falha,
sendo esta também transmitida. É devido a essa não totalidade de transmissão da Lei paterna
que a questão sobre o que é um pai torna-se um enigma indecifrável para o sujeito, enigma
que também será trabalhado na obra de Lacan.
65
4 O PAI NO ENSINO DE LACAN
Freud institui a teoria psicanalítica na Viena de 1900 a partir da publicação de A
Interpretação dos Sonhos. Desde lá, muitos foram os colaboradores e comentadores de sua
obra. Mas é com Jacques Lacan, psiquiatra e psicanalista francês, que a história da Psicanálise
começa a ser reescrita. Através de seu retorno a Freud”, Lacan introduz na obra freudiana
uma leitura estrutural e acrescenta a ela seus próprios conceitos.
Nesse retorno”, Lacan retoma a questão sobre o pai. Para ele, a paternidade é uma
construção cultural, considerando que o Édipo freudiano podia ser pensado como uma
passagem da natureza para a cultura. Suas construções face ao pai têm como meta o regaste da
autoridade paterna e de seu lugar no campo social. Lacan buscava pelo viés do pai a defesa
das tradições familiares. Para Peres (2002, p. 238), Lacan acreditava que “[...] somente a
estrutura familiar moderna do tipo burguês e de dominância patriarcal era capaz de assegurar
a liberdade social.”
Como Freud, Lacan também terá o pai como tema de destaque em seu ensino. As
várias versões que a questão paterna vai assumir na teoria lacaniana serão perpassadas pela
função paterna, que será desvelada através do conceito do Nome-do-Pai e da tripartição
simbólico, imaginário e real.
As construções realizadas por Lacan durante todo o seu percurso de trabalho não
constituem um fio reto. São encontradas em sua obra várias curvas e desníveis que
demonstram os redimensionamentos teóricos que ele faz em sua prática. De acordo com
Miller (2003), a obra lacaniana pode ser dividida em três ensinos:
O primeiro ensino de Lacan, o de seus dez primeiros Seminários, celebra o domínio
do Outro. Seu segundo ensino é dedicado a articular o Outro e o objeto a. Já o seu
terceiro ensino, o que chamamos o último parte do outro em letra minúscula, do
que é singular. (MILLER, 2003, p. 9).
Miller considera que a obra de Lacan não se reduz a uma teoria, mas a um ensino, pois
este está sempre em consonância com a prática. À medida que a teoria sofre modificações a
prática também se transformará.
O primeiro ensino de Lacan diz de um retorno fiel ao texto freudiano, no qual o autor
baseia-se nos casos mais famosos de Freud para a construção de sua obra. Nesse ensino, ele se
deterá aos registros do simbólico, do imaginário e do real. No entanto, haverá privilégio do
66
registro simbólico sobre os demais. A influência da lingüística estruturalista contribui para
esse domínio assim como as construções teóricas sobre o significado e o significante. A
questão do pai surge nesse momento do trabalho lacaniano pelo viés do Nome-do-Pai. De
acordo com Miller (2003, p. 19), “o Nome-do-Pai, no primeiro ensino de Lacan, é o
significante por excelência que produz um efeito de sentido real. É o nome do significante que
dá sentido ao gozado.”
Por sua vez, o segundo ensino de Lacan ocorre após o rompimento do teórico com a
Sociedade Francesa de Psicanálise (SFP), depois de 1964, sendo composto pelo intervalo dos
Seminários 11 ao 20. É com a apresentação do Seminário 17 O avesso da psicanálise, que
Lacan irá provocar a disjunção entre a vertente mítica do pai freudiano para a vertente
estrutural da castração. Lacan situa o pai para além do Édipo. O pai que ele apresentará nesse
segundo ensino é o pai real.
O terceiro ensino, considerado por Miller (2003) o último de Lacan, propõe uma
mudança radical em sua clínica. Lacan pronuncia os nós borromeanos e institui o Nome-do-
Pai numa vertente múltipla. Esse é o momento do ensino da psicanálise lacaniana no qual o
Outro
21
não existe.
De forma um pouco mais detalhada serão apresentados os desdobramentos da questão
paterna no ensino lacaniano.
4.1 O Nome-do-Pai, um significante primordial
Segundo Roudinesco e Plon (1998), Lacan utilizou vários termos para designar o
conceito Nome-do-Pai. Primeiramente, é utilizado por ele o termo “função do pai”; em
seguida, “função do pai simbólico”; e, posteriormente, introduz o termo da “metáfora
paterna”. O conceito do Nome-do-Pai é proposto em 1956 a partir de seu seminário sobre as
psicoses. No entanto, será no ano de 1951 que a primeira aparição do termo se dará. Lacan
utilizará o termo Nome-do-Pai em seu seminário que trata do caso freudiano o Homem dos
lobos.
21
O termo “Outro” foi introduzido na teoria lacaniana no ano de 1955 em seu Seminário sobre O eu na teoria de
Freud e na técnica da psicanálise. Quando grafado com letra maiúscula “[...] designa um lugar simbólico o
significante, a lei, a linguagem, o inconsciente, ou ainda Deus que determina o sujeito, ora de maneira externa
a ele, ora de maneira intra-subjetiva em sua relação com o desejo.” (ROUDINESCO; PLON, 1998, p.558).
67
Porge (1998) escreve que o termo Nome-do-Pai, utilizado por Lacan, é oriundo da
religião. Ele acredita que será a universalidade da paternidade de Deus que permitirá a análise
do Édipo.
Ainda nesse trabalho, Porge (1998) diz que o pai na obra lacaniana é situado como um
termo de referência, o que, por sua vez, será garantido pela de seu nome e não por uma
verdade empírica.
Pater semper incertus est é a verdade fundamental, reconhecida como tal por Freud
e por Lacan, de onde se origina a função tão particular do pai. A incerteza
estrutural sobre a paternidade torna incontornável sua abordagem pela fé na
palavra que nomeia o pai. Daí o termo Nome-do-Pai. (PORGE, 1998, p. 8).
Nos primeiros cinco anos do ensino de Lacan já são ouvidas menções ao Nome-do-pai
em suas palavras. De acordo com Decourt (2004), Lacan em seu primeiro seminário, nos anos
de 1953-54, tece considerações importantes sobre o lugar que o imaginário ocupa frente à
dimensão simbólica e indica a necessidade de um elo que permita o sujeito se situar nessa
realidade simbólica. Esse elo é o Nome-do-Pai. No seminário seguinte, dos anos de 1954-55,
será encontrado um Lacan que privilegia a ordem simbólica, na qual é impossível não
inscrever o sujeito no campo da linguagem. Nesse período, Lacan estabelece uma
justaposição dos conceitos do Nome-do-Pai e pai simbólico. O Nome-do-Pai é tomado, nesse
momento de seu ensino, como mediador das relações imaginárias, cuja função é universal.
Como Lacan está tomado pelo campo simbólico e pela linguagem, o Nome-do-pai é
destacado como significante primordial, permitindo que o sujeito se insira na cultura, no
campo do Outro e na ordem das relações coletivas.
O que acontece quando o Nome-do-pai não opera suas funções? Para dar resposta a
essa questão, Lacan nos anos de 1955-56 proferirá seu seminário de número três, intitulado
As psicoses. Nesse seminário, Lacan trabalhará exaustivamente os efeitos psíquicos diante da
foraclusão
22
do significante Nome-do-Pai. Nesse momento de seu ensino, o Nome-do-Pai é
concebido “[...] como elemento de garantia do distanciamento em relação ao outro primordial
[a mãe], cuja função é alienante. Caberia ao Nome-do-Pai, portanto, retirar o sujeito da ordem
narcísica dual, originária, imaginária, para colocá-lo no registro da cultura.” (DECOURT,
2004, p. 41). O pai surge então na relação entre a mãe e seu filho como um terceiro que
promoverá o rompimento da relação dual. A mãe será privada de seu objeto fálico, ou seja, o
22
Em alemão Freud utiliza o termo verwerfung, o qual foi traduzido livremente por Lacan como forclusion, que
significa arremessar para longe. Remete-se a uma liquidação, a uma remissão de uma privação de um direito.
68
filho, e a criança será castrada e frustrada de ser o objeto simbólico da mãe. O resultado dessa
operação será a entrada da criança no registro simbólico e conseqüentemente na ordem da
cultura.
Para esse percurso, Lacan utilizará as formulações freudianas sobre a patologia do
presidente Schreber. Ele acredita que a paranóia eclodida no caso é decorrente das questões
com o pai. É no momento em que Schreber precisa ocupar o lugar da lei, ou seja, no momento
em que ele se torna presidente do Tribunal de Apelação que sua psicose se desencadeia.
De acordo com Lacan (1955-56 / 2002), é pela falta de um significante primordial, o
significante do Nome-do-Pai, que a psicose se dará. Quando ocorre sua suspensão, ou melhor,
a sua foraclusão no inconsciente do sujeito, o que se instaura é a psicose. A carência do pai
propicia a foraclusão do significante do Nome-do-pai, que então nunca ocupará o lugar do
Outro.
É num acidente desse registro e do que nele se realiza, a saber, a foraclusão do
Nome-do-Pai no lugar do Outro, e no fracasso da metáfora paterna, que apontamos
a falha que confere à psicose sua condição essencial, com a estrutura que a separa
da neurose.
[...]
É a falta do Nome-do-Pai nesse lugar que, pelo furo que abre no significado,
início à cascata de remanejamento do significante onde provém o desastre crescente
do imaginário, aque seja alcançado o nível em que significante e significado se
estabilizam na metáfora delirante. (LACAN, 1964/1998, p. 582 e 584).
Para explicar o fracasso do Nome-do-Pai no caso do presidente Schreber, Lacan
(1955-56 / 2002) formula três argumentos básicos para a função do pai. O primeiro diz
respeito à integração simbólica, que ocorrerá através do conflito imaginário edípico e das
relações ambivalentes da criança com o seu progenitor. O segundo trata da realização
simbólica através do fenômeno da couvade
23
; e, o terceiro, que seria o resultante dos dois
primeiros, aponta para o papel que o pai desempenha na geração de seus filhos. Lacan afirma
que o que interessa para o sujeito é o pai enquanto simbólico e imaginário, é o pai como
genitor da alma e do espírito. O que acontece no caso de Schreber é que a paranóia se
desencadeará pela via da incompletude da realização da função paterna. De acordo com Lacan
(1955-56 / 2002), nesses casos a função real do pai na geração surgirá na forma de delírio, sob
23
“C
ostume de algumas sociedades, segundo o qual o homem vivencia simbolicamente o parto de sua mulher e,
após o nascimento da criança, se recolhe como se estivesse em resguardo.” (HOUAISS, 2002).
69
a forma imaginária. É devido a isso que Schreber poderá se tornar a mulher de Deus
24
.
O pai torna-se, no cerne da obra lacaniana, o significante primordial para a
constituição psíquica do sujeito. Quando ocorre o fracasso de sua inscrição no inconsciente, a
relação do sujeito com o mundo simbólico ficará comprometida. Kaufmann (1996) acredita
que quando Lacan ao pai o lugar de significante primordial em sua teoria, ele confere a ele
uma certa transcendência, possibilitando-o obter o estatuto de Outro.
No ano seguinte ao do Seminário 3, Lacan trabalha em seu Seminário 4 – A relação de
objeto (1956-57) com os registros simbólico, imaginário e real. Nesse seminário, o Nome-do-
Pai surge na vertente do Édipo como versão normativa do pai, tornando-se referência central.
Ao trabalhar com o ternário simbólico, imaginário e real neste Seminário, Lacan
promove uma articulação entre os registros através das operações da castração, da frustração e
da privação que permitem-lhe apresentar definições sobre o pai real, o pai simbólico e o pai
imaginário.
Ele explica o pai simbólico como uma necessidade da construção simbólica, que por
sua vez, não encontra representação em nenhuma parte. Esse pai “impensável” se relaciona
com o Urvater freudiano, o pai morto de Totem e tabu. Para Lacan (1956-57 / 1995), o único
meio de se ter acesso a esse pai é através do mito. O pai simbólico é um pai total, único ser
não castrado. É essa condição que permitirá a sexuação dos demais sujeitos. O pai simbólico é
o Nome-do-Pai.
Na doutrina lacaniana, esse pai simbólico, que não intervém e não está representado
em parte alguma, é um dado irredutível do mundo do significante, necessário na
articulação mesma da linguagem humana. É ele que está na base da dialética
edipiana, que necessita, para seu desenvolvimento, da suposição da existência de
alguém que possa assumir a posição de pai e responder: eu o sou, pai. A na
existência desse pai é que o faz existir, uma vez que ninguém jamais preencheu
completamente esse papel. (OLIVEIRA, 2003, p.33).
O pai imaginário é o pai assustador, o todo-poderoso; é Urvater antes de sua morte.
Esse é o pai em que se está em constante conflito.
Quanto ao pai real, Lacan irá tecer considerações em todo o percurso de sua obra. No
Seminário 4 (1956-57) o conceito de pai real surge atrelado ao pai da realidade. É ele quem
irá intervir concretamente no ato da castração. No Seminário 5 (1957–58), o pai real é
24
FREUD, Sigmund. Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranóia (dementia
paranoides) [1911]. In: FREUD, S. Edição Standard brasileira das obras psicológicas completas de
Sigmund Freud. Vol XII: O caso Schreber; artigos sobre técnica e outros trabalhos. edição, Rio de Janeiro:
Imago,1988.
70
apresentado por Lacan através da palavra da e. No Seminário 17 (1969-70), o pai real é
definido sendo nada mais que um efeito da linguagem.
O que diz respeito ao pai real é que alguém de carne e osso precisa assumir o
investimento simbólico que é oferecido pela mãe. O pai real será qualquer coisa que aplaque o
desejo materno. “O pai real desempenha de fato um papel de presença, que certamente não se
resume em algo mensurável, mas numa qualidade de presença que é capaz de jogar o jogo,
que está presente no imaginário da criança e que tem aí certa configuração operatória capaz de
agenciar a castração.” (OLIVEIRA, 2003, p.37).
Lacan explica que o Nome-do-Pai é uma metáfora que surge para substituir o
significante materno. Será ele que dasignificação à criança. A função paterna a partir do
Nome-do-Pai deve ser “[...] encontrada no registro do sentido e da significação. Não se trata
da conduta do pai, nem da imagem do pai, mas da possibilidade, no registro do sentido, de
tomar sentido como pai, o que vincula à lei ao desejo.” (PERES, 2002, p.240). O Nome-do-
Pai ganha então estatuto de Lei, não sendo necessária a presença de uma pessoa para que ela
possa operar.
Comumente são confundidos os papéis de pai e de mãe com as funções denominadas
materna e paterna que a psicanálise lacaniana instituiu. Na constituição psíquica de uma
criança é evidente a importância deles e delas para a constituição da criança como sujeito.
Nos primórdios da vida de uma criança a mãe ocupa o lugar de cuidadora ao mesmo tempo
em que permite que essa criança seja falada. A cada choro do bebê a mãe infere com uma
significação, o bebê chora porque tem fome, frio, quer colo... De acordo com Faria (1998) a
função materna será efetuada quando alguém possibilita a entrada da criança no mundo da
linguagem. Ela é o veículo para o campo do simbólico. Ao pai cabe intervir nessa relação,
propiciando a diferenciação da criança com a mãe. A função paterna surgirá então na díade
mãe e filho. Sua função será a de provocar uma ruptura nessa relação, interferindo nela como
um terceiro. A função paterna como terceiro elemento servirá primeiro para frustrar e castrar a
criança da sua condição de objeto materno e de privar a mãe desse objeto. Sua função será
então a da castração, seja pela vertente do pai real, do imaginário ou do simbólico.
Diante disso, é fato que a relação inicial da criança com a mãe e a participação do pai
interpondo-se nela propicia a constituição da criança como sujeito. É devido a essa
participação que não há como excluir os papéis de pais e de mães nessa constituição,
provocando ainda dificuldades para se diferenciar os pais reais dos pais enquanto funções.
Porém, é importante salientar que não se pode afirmar que os pais reais não possuem
nenhuma relação com a função que deveriam exercer. Em contrapartida, também é perigoso
71
afirmar que para que a constituição de um sujeito se dê seja necessária a presença concreta, de
carne e osso, de um pai e de uma mãe. Essa presença concreta está geralmente atrelada às
figuras de pais e de mães biológicos de uma criança. Frente a esse impasse é possível propor a
seguinte questão: “[...] como é possível pensar nesse cruzamento entre as funções paterna e
materna como constituintes do sujeito humano, e os pais enquanto indivíduos concretamente
aptos a exercê-las?” (FARIA, 1998, p. 38). A resposta para tal questão é dada por Lacan
através de suas teses sobre o estatuto da função em Psicanálise.
Para que se possa apreender o conceito de função na teoria lacaniana, primeiro de
se deter nas origens desse conceito, ou seja, nas bases científicas nas quais Lacan foi buscar
inspiração para a construção dele. Essas bases estão inscritas na matemática e na lingüística.
Na matemática, função designa uma relação especial entre dois conjuntos. Essa
relação abrange todos os elementos do primeiro conjunto que se associa a um único elemento
do segundo conjunto. Assim, o termo relação irá se restringir ao seu estatuto formal de
ligação. Será encontrada a função no encadeamento-desencadeamento das relações entre os
elementos de cada conjunto. “Uma função é, portanto, um modelo matemático para escrever
relações. Matematicamente, relações podem ser representadas por uma função. Toda função é
uma relação, mas nem toda relação é uma função. Uma função é um modelo de relação.”
(TEIXEIRA, 2006, p. 34).
Na lingüística, o conceito de função também será permeado pelas idéias de relações. A
função, na lingüística, dirá do papel que cada um dos elementos gramaticais desempenhará
dentro de uma frase. Essa decorre da relação que estabelece entre os demais elementos
presentes na frase.
Em Psicanálise, não diferente dos pressupostos da matemática e da lingüística, a
função também será designada a partir de relações. No que tange à questão da constituição do
sujeito, a criança só se constituicomo tal à medida em que os pais “funcionam” para ela
como elementos que exercerão determinados papéis na relação que estabelecem com a
mesma. (FARIA, 1998). Será pelas funções materna e paterna que a criança se transformará
de um ser biológico em um ser de cultura, ou seja, um sujeito psíquico.
Amazonas e Braga (2004, p. 41) definem a função paterna como:
[...] um conceito que foi desenvolvido a partir da obra de Freud, para dotar de
significado nossas experiências de sujeitos, numa determinada época quando
convivíamos com uma determinada forma de família: em que o pai real ou o seu
substituto dava sustentação a essa função e correspondia tanto ao imaginário quanto
ao simbólico. (AMAZONAS e BRAGA, 2004, p. 41).
72
Essa definição de Amazonas e Braga (2004) reacende a discussão da prevalência da
família nuclear, conjugal no interior da obra psicanalítica. Lacan, assim como Freud, tinha em
sua época o modelo burguês de família como sendo o preponderante na sociedade parisiense,
o que lhe permite fundar a constituição psíquica dos sujeitos humanos a partir das relações das
crianças com seus pais. Porém, já em seu primeiro ensino, Lacan aponta que é desnecessária a
presença dos pais reais, biológicos para que a constituição se dê. É possível dizer então que
não é essencial o modelo nuclear de família para que uma criança se constitua psiquicamente.
Outras roupagens de famílias poderão contribuir de forma satisfatória para que essa
constituição se dê, desde que de alguma maneira as funções de pai e mãe estejam garantidas
nessas famílias.
Para se tratar da função paterna é necessário que se fale do Édipo. Dessa forma, na
teoria lacaniana, Édipo e função do pai são praticamente sinônimos. Um existe mediante a
existência do outro, “[...] em torno do Édipo, e, ao mesmo tempo, em torno da função do pai,
pois se trata de uma única e mesma coisa. Não existe a questão do Édipo quando não existe o
pai, e inversamente, falar do Édipo é introduzir como essencial a questão do pai”. (LACAN,
1957-58 / 1999, p.171).
Lacan toma os anos de 1957-58 para explicar como a constituição do sujeito ocorre a
partir da relação da criança com as funções materna e paterna. Em seu Seminário de número
5, denominado As formações do inconsciente (1957–58), ele introduzirá em suas formulações
sobre o Édipo as idéias teóricas de Melaine Klein quanto às relações pré-edipianas. Para
ambos, a questão edípica está presente antes da etapa fálica.
Nas fases pré-edipianas o bebê vive uma relação com a mãe de indiferenciação, que é
mais determinante para o sujeito que o próprio Édipo. Sendo assim, o que Lacan propõe em
seus “Três tempos do Édipo” é a entrada do pai nessa relação como lei. Sua função será a de
privar a criança da fusão imaginária com a mãe.
Ainda nesse Seminário, Lacan chama a atenção para o estatuto do pai. Mesmo sendo
este quem operará a castração, ele também será concebido como um ser castrado, pois se trata
de um ser da linguagem. Assim, segundo Decourt (2004), não se deve mais falar em “O Pai”,
mas sim em “Um Pai”. Este “Um Pai” é um agente da castração, um representante da função
paterna.
Tanto na concepção freudiana como na lacaniana, a mãe é concebida como um ser de
falta. Essa característica decorre principalmente da castração da mulher. Assim, a criança tem
a função de preencher o vazio da castração materna, sendo apreendida por ela como objeto
que complementa a sua falta. Mais precisamente, essa falta é marcada pela ausência do falo
73
na mãe. A criança nesse momento fica alienada na problemática fálica sob a dialética do ser
ou não ser o falo materno. Nesse jogo, mãe e filho se tornam fusionados, não existindo assim
uma individualidade psíquica. Lacan situa essa relação dual entre e-bebê no primeiro
tempo do Édipo, marcado pelo imaginário, pois o que a criança busca é ser o “desejo do
desejo da mãe”.
No entanto, essa relação de amor entre a criança e a mãe é ameaçada por um terceiro
termo. De alguma forma, a criança percebe que para a e existe algo além dela. É a partir
da alternância entre presença e ausência da figura da mãe que a criança verifica que não basta
ser o falo da mãe, mas é necessário ter o falo. E quem possui o “pênis real” é o pai. O filho
deixa de ser o falo da mãe pelo desvio de olhar dela para o pai, pois a mãe enquanto mulher
deseja ser o objeto de desejo do pai. Assim, o pai é apresentado ao filho através da mãe.
O segundo tempo do Édipo é caracterizado pela entrada do pai na relação mãe-bebê
como lei. Esse momento é marcado pela lei paterna. A função do pai nesse momento do
Édipo é de proibir a mãe ao filho. “Como objeto, ela é dele, não é do filho. [...] O pai
efetivamente frustra o filho da posse da mãe.” (LACAN, 1957-58 / 1999, p.178). Como o pai
da horda primitiva, o pai desse segundo tempo é um pai terrível e interditor. Ele priva
duplamente, mãe e filho.
A função paterna será fazer com que a criança deixe de ser o falo e a mãe deixe de
ser a lei. Essa função é estritamente simbólica. E é exatamente nessa função que o Nome-do-
Pai será constituído como significante. Essa interdição será realizada pelo pai imaginário, um
pai que ocupa o lugar de lei. No entanto, esse lugar seviabilizado pelo discurso da mãe,
que é ela quem aponta para o filho que esse é seu pai. Em contrapartida, o pai oferece ao
filho seu nome, um lugar na família, na cultura. Ele encarna para o filho, ao proibir sua mãe,
a autoridade da lei. “Com este novo deslocamento do objeto fálico vai se inaugurar o tempo
decisivo do complexo de Édipo, no qual a instância paterna vai se desfazer de seus ouropéis
imaginários para advir o lugar de Pai simbólico [...]”. (DOR, 1991, p.59).
A partir do momento em que a criança nota que não basta ser o falo, mas é preciso ter
o falo, ela parte em direção ao Nome-do-Pai. “A função do pai no complexo de Édipo é ser
um significante que substitui o primeiro significante introduzido na simbolização, o
significante materno.” (LACAN, 1957-58 / 1999, p.180). Essa é a tese de Lacan a respeito da
metáfora paterna. O pai agora é o representante da lei, sendo esta uma das principais
características do terceiro tempo edípico. Nele incidência do pai real, daquele que tem o
falo ou que a criança acredita ter. O pai real é aquele que a mãe investe seu desejo de mulher,
é quem permitirá ao filho passar a uma posição sexuada.
74
Opostamente ao pai do segundo tempo, que é um interditor, o pai do terceiro tempo
oferece ao filho a possibilidade da identificação sexual. “É na medida em que o pai se torna
um objeto preferível à mãe, seja por que vertente for, pelo lado da força ou pelo da fraqueza,
que pode estabelecer a identificação final.” (LACAN, 1957-58 / 1999, p.178-179). A
identificação ocorre então pela renúncia do falo pela criança. O menino, ao identificar-se com
o pai, assume a própria virilidade e sua condição de ser possuidor de falo. a menina
aprende que precisa se voltar ao pai para encontrar o falo.
Com isso, Lacan (1957-58 / 1999) introduz um quarto termo na triangulação edípica:
o falo. Dessa forma, o que se interpõe entre a mãe e a criança não é o pai e sim o falo, é ele
que viabiliza a vida ao pai. A constituição da função do pai nesse momento da teoria
lacaniana se pela via do falo, que é um significante simbólico do órgão genital masculino,
cujo valor está relacionado ao vigor e à força. É a posse desse significante simbólico que
organizará no sujeito sua dimensão de desejo.
É pela vertente do falo que o pai se faz pai de seu filho. O que proporciona o amor do
filho ao pai é o fato deste ser o possuidor do falo, é o fato deste poder orientar o filho quanto à
sua constituição enquanto ser desejante. Assim, o pai possui funções variadas: a de assegurar
a castração da mãe, de interditar o filho de ser o falo da mãe, e de possibilitar o acesso da
criança no discurso do desejo.
O elemento irredutível que se coloca no seio da família é a significação fálica, ou
seja, a encarnação da Lei no desejo, cujo sustentáculo é um pai colocado em
posição de agente da castração. Para Lacan, o valor determinante desse pai passa
pela castração na medida em que é portador de um desejo que se caracteriza como
“não anônimo”.
Ora, se algo que a psicanálise tem a dizer sobre a lógica do funcionamento da
vida familiar é a respeito da interferência, sobre essa última, da função residual de
transmissão da lei paterna. (SANTIAGO, 1998, p.25).
Para Decourt (2000), a leitura de Lacan sobre o Édipo como metáfora paterna introduz
o Nome-do-Pai como vetor essencial para os processos de filiação e de sexuação que resultam
na inscrição da castração.
Ainda de acordo com esta autora, quando Lacan introduz em seu ensino as idéias de
estrutura de linguagem, ele redimensionará o estatuto da lei, pois a linguagem aponta para o
inevitável da castração, uma vez que a falta é própria dessa estrutura. Dessa forma, o pai
também é um ser castrado, pois se trata de um ser falante. A função paterna, ou seja, a
interdição que separa o sujeito de seu objeto de desejo, não se limitará ao Édipo. “Podemos
dizer então que, em psicanálise, a lei primordial é o comando de que o objeto falte e, desse
75
modo, o gozo absoluto não pode ser proibido ao ser falante enquanto tal: ele é impossível.”
(DECOURT, 2000, p. 74).
4.2 Nomes-do-Pai: o seminário que nunca existiu
No conturbado ano de 1963, no início do mês de julho, Lacan anuncia o novo
seminário que ele proferirá no segundo semestre daquele mesmo ano. O seminário seria
denominado Nomes-do-Pai. Porém, no dia 20 de novembro daquele ano, Lacan, ao iniciar a
primeira lição desse seminário, participa a seus ouvintes que aquela seria a primeira e última
lição.
A interrupção prematura dos Nomes-do-Pai ocorre pela perda do cargo de didata na
Sociedade Francesa de Psicanálise (SFP). Lacan é afastado do programa de formação da SFP,
ficando impedido de continuar a receber novos casos de análise didática e de supervisão. De
acordo com Porge (1998), a direção da SFP diz que Lacan poderia continuar com seus
seminários desde que eles não compusessem seu programa de ensino, que poderia até
trabalhar em paz, a seu modo, mas apenas como simples membro da SFP.
Como se pode notar, a lição publicada dos Nomes-do-Pai, mais de vinte anos após a
morte de Lacan, não revela o que ele chamaria naquela época de Nomes-do-Pai. Como ele
mesmo diz, seria impossível naquela única exposição explicar de forma límpida o significado
do plural. No entanto, ele dá indícios do caminho que seria seguido para aquele trabalho.
Gostaria este ano de amarrar para vocês os seminários dos dias 15, 22, 29 e 5 de
fevereiro de 1958, referentes ao que chamei de metáfora paterna, os meus
seminários de 20 de dezembro de 1961 e os que se seguem, referentes à função do
nome próprio, os seminários de maio de 1960 referentes ao que, do drama do pai
está implicado na trilogia claudeliana e, finalmente, o seminário de 20 de dezembro
de 1961, seguido pelos seminários de 1962, referentes ao nome próprio. (LACAN,
1963 / 2005, p. 58).
É possível perceber que, mesmo na lição publicada, Lacan retoma alguns de seus
seminários. Evoca a questão do objeto a trabalhado no Seminário da Angústia (1962-63) e a
questão do pai enquanto mito.
De acordo com Miller (1997), o seminário Nomes-do-Pai tinha como objetivo levantar
questionamentos da primazia do pai na obra freudiana. Lacan dá indícios disso na lição
76
publicada; porém, é no ano de 1970 que essas críticas surgem mais explicitamente em sua
obra.
As formulações lacanianas sobre o pai na lição proferida no seminário Nomes-do-Pai
apresentam dialéticas. Ao mesmo tempo em que aproxima o pai da horda com o pai em
Moisés, Lacan os distancia. Primeiramente, ele afirma que “[...] o pai pode ser um animal”
(LACAN, 1963 / 2005, p. 73). Aqui ele trata a questão do pai de forma mítica, dizendo que o
pai primordial está antes da Lei, e que assim é necessário achar outro estatuto para o pai que
vá além do totem. O pai, por sua vez, Lacan o denomina de nome próprio, “[...] o nome [...] é
uma marca já aberta à leitura – eis porque ela será lida da mesma forma em todas as línguas –
impressa sobre alguma coisa que pode ser um sujeito que vai falar, mas que não falará
obrigatoriamente.” (LACAN, 1963 / 2005, p. 74). O pai do totem seria um pai morto,
enquanto o pai que porta um nome próprio seria um pai vivo, que fala.
Trata também do mito de Moisés e afirma que o Deus que é apresentado por ele é um
Deus do desejo, da Lei. Diferentemente do pai da horda, que era um pai gozador, o pai da
religião é um pai que não tem acesso ao gozo. De acordo com Lacan (1963 / 2005), na
religião, principalmente na judaica, existe uma hiância entre o desejo e o gozo de Deus.
Marca-se aqui o gume da faca entre o gozo de Deus e o que, nessa tradição,
presentifica-se como seu desejo. Aquilo de que se trata de provocar a queda é a
origem biológica. está a chave do mistério, em que se a aversão da tradição
judaica a respeito do que existe por todo lado. O hebraico odeia a prática dos ritos
metafísico-sexuais que, na festa unem a comunidade ao gozo de Deus. Valoriza, ao
contrário, a hiância que separa desejo e gozo. (LACAN, 1963 / 2005, p. 85).
Mesmo Lacan prometendo a si próprio e a seus ouvintes que nunca mais retomaria
esse seminário, são encontradas em sua doutrina, a partir do ano de 1964 após a sua ruptura
com a SFP, construções importantes a respeito dos Nomes-do-Pai. A seguir será visto como a
questão do pai aparecerá na obra de Lacan após a sua “excomunhão”
25
.
25
O termo excomunhão significa a “exclusão definitiva da participação que uma pessoa tinha em grupo ou
comunidade.” (HOUAISS, 2002). Lacan (1964 / 1998) usa o termo para “denunciar as exigências da IPA
(Associação Internacional de Psicanálise) para a SFP no que diz respeito ao seu ensino e formação de analistas.
A IPA impõe como condição sine qua non para a filiação da SFP naquela Associação que Lacan nunca mais
configure no seu quadro de analista didata. Lacan usa o termo em analogia ao que ocorrera com Spinoza no ano
de 1656.
77
4.3 O avesso da Psicanálise: o pai para além do Édipo
Lacan retoma a apresentação de seus seminários no ano de 1964, ao deixar o lugar de
Sainte-Anne após sua excomunhão ordenada pela Associação Internacional de Psicanálise
(IPA), e prossegue seu ensino na Escola Normal Superior até novembro de 1969. Em
dezembro daquele mesmo ano Lacan prossegue com seu ensino na Escola de Direito.
Nessa retomada, Lacan faz novamente um retorno a Freud. Porém, não se trata mais
de um retorno fidelíssimo ao pai da Psicanálise. Ele retoma a leitura do texto freudiano de
forma mais crítica, colocando aos olhos e ouvidos de quem quisesse ver e escutar os
primórdios de seu desenlace de Freud.
No Seminário 11 Os quatros conceitos fundamentais da psicanálise (1964), Lacan
levanta a seguinte questão: o que é a Psicanálise? Para responder essa pergunta, ele trabalhará
com o que chamou de “quatro conceitos fundamentais”, a saber, o inconsciente, a repetição, a
transferência e a pulsão.
Miller (2003) acredita que este retorno aos fundamentos da Psicanálise está totalmente
ligado ao desligamento de Lacan da SFP determinado pela IPA. Ora, a IPA é uma associação
criada por Freud, uma associação que o procedia. Assim, surge o questionamento: o que
Freud teria deixado para trás que proporcionaria tais ações de seus sucessores? Para resolver a
questão, Lacan procura responder qual seria o desejo de Freud. “O que eu tinha a dizer sobre
os Nomes-do-Pai não visava outra coisa, com efeito, senão pôr em questão a origem, isto é,
por qual privilégio o desejo de Freud tinha podido encontrar, no campo da experiência que ele
designa como inconsciente, a porta de entrada.” (LACAN, 1964 / 1998, p.19).
No entanto, de acordo com Miller (2003), o que Lacan faz em seu Seminário 11 é
justamente se afastar do desejo de Freud. Segundo ele, isso ocorre quando Lacan (1964 /
1998, p.25) distancia-se de suas formulações do “inconsciente estruturado como uma
linguagem” para o inconsciente que se abre e se fecha, no compasso da pulsão, o inconsciente
temporal, cuja dimensão não pode ser subtraída. É a partir da própria experiência analítica que
Lacan irá realizar esse deslocamento conceitual.
É somente quando se toma o ponto de vista da experiência analítica que se pode
dizer que o inconsciente só funciona ali como uma suposição. A esse título, ele não
é real, ele é uma significação induzida pelo dispositivo no qual a experiência se
desenrola.
A definição do inconsciente como sujeito suposto saber já implica o desenlace entre
a experiência e a teoria de Freud. (MILLER, 2003, p. 9).
78
Para Coelho dos Santos
26
citada por Decourt (2004), Lacan no Seminário 11 não se
afasta do desejo de Freud, mas sim do desejo epistêmico que marcou seu primeiro ensino. A
diferença entre o inconsciente pulsátil e o inconsciente estruturado como uma linguagem
ocorre no nível conceitual e não ao nível do funcionamento psíquico.
Nesse Seminário Lacan irá retomar a questão do pai através do sonho relatado por
Freud no capítulo VII da Interpretação dos Sonhos 1900. Freud (1900/1988, p.541) relata o
sonho de um pai que deixa o filho morto aos cuidados de um terceiro. O pai acorda com o
impacto da seguinte frase que escuta durante o sonho: “Pai, não vês que estou queimando?” O
que este sonho significa? Segundo Porge (1998, p. 93), ao sonhar com o filho queimando,
“[...] o pai é interpelado por seu filho em seu desejo de pai.”
Através desse sonho Lacan introduz o encontro entre a realidade que provoca o sonho
e a realidade faltosa, ou seja, a morte do filho. O desejo do pai se presentifica no sonho que
perpetua a presença do filho. “É no sonho somente que se pode dar esse encontro
verdadeiramente único. um rito, um ato sempre repetido, pode comemorar esse encontro
imemorável pois que ninguém pode dizer o que seja a morte de um filho senão enquanto
pai isto é, nenhum ser consciente.” (LACAN, 1964 / 1998, p.60). Dessa forma, a verdade
para Lacan terá “[...] a estrutura de uma ficção: o que aparece sob forma de sonho ou
devaneio é por vezes a verdade oculta, sobre cuja repressão se funda a realidade social.”
(ZIZEK, 2001, p.13)
Nesse desenlace com o percurso freudiano encontramos, no ano de 1969 1970 em
seu Seminário 17 – O avesso da psicanálise, um Lacan que irá novamente questionar o Édipo.
Nesse seminário ele desatrela a castração e o Édipo. Enquanto o primeiro será efeito da
linguagem, o segundo será nomeado não mais como o fundador das neuroses, mas como “um
sonho de Freud”. Esse rompimento faz com que Lacan comece a considerar o Édipo “[...] fora
do ideal da família paternalista, o que lhe permite vislumbrar um operador para além do mito
freudiano.” (OLIVEIRA, 2003, p. 46). Isso ocorre porque a castração não é mais operada pelo
pai e nem tão pouco por sua Lei, mas pela linguagem. Para Lacan (1969-70 / 1992), o gozo
pleno estará proibido a qualquer ser falante.
Como foi verificado, nos anos de 1956 a meados de 1958 Lacan utiliza a metáfora
paterna para designar a função do pai no complexo de Édipo. Será através da metáfora paterna
que ele irá explicar como o pai se torna o portador da Lei. no Seminário 17, Lacan lançará
26
COELHO DOS SANTOS, Tânia. Os paradigmas do último ensino de Lacan. Rio de Janeiro: UFRJ,
2002 (Seminário de pesquisa proferido por Tânia Coelho dos Santos).
79
mão da metáfora paterna para separar o pai do mito e irá criticar Freud e a si mesmo por ter
atrelado o pai à castração, e ainda tece considerações de que a castração não se refere apenas a
uma operação simbólica, mas que esta é inscrita no real da estrutura, a saber, a linguagem.
Há de se chamar a atenção para esse desenlace da operação da castração com o modelo
edípico de família. O pai, ou quem o representa, aparece nesse momento do ensino de Lacan
como aquele que será o vetor para a castração. Ele será o porta-voz para que a castração opere
a constituição do sujeito. Porém, essa é dada a priori, uma vez que a criança é mergulhada
num mundo de linguagem. A própria estrutura da linguagem oferecerá à criança a
possibilidade de se constituir enquanto ser de desejo. A função paterna estaria inscrita então
no próprio aporte da linguagem?
No Seminário 17, a linguagem surgirá como dispositivo fundamental para a operação
do laço social. Lacan utilizará a estrutura do discurso para apresentar a estrutura dos vínculos
sociais. A idéia de discurso na teoria lacaniana se difere da fala, da palavra. O discurso vai
estar para além das palavras, ele será essencialmente “sem palavras”. Esse é sem palavras,
mas não sem linguagem. Não é necessário que as pessoas falem, um olhar pode indicar a
relação entre duas pessoas, mas o que se transmite nesse olhar é um discurso através de uma
linguagem.
A teoria dos discursos é uma nova maneira que Lacan encontra para pensar a
inscrição, o modo de aparição dos sujeitos na estrutura social. No Avesso da psicanálise
(1969-70 / 1992), ele apresentará “quatro discursos”, a saber, o discurso do amo (discurso do
mestre, de acordo com a tradução brasileira), discurso da histérica, o discurso universitário e o
discurso do analista. A estrutura desses discursos é formada por quatro elementos: S1; S2; a;
$, que representam o agente, o trabalho, o produto e a verdade, respectivamente. de se
chamar a atenção para o discurso do mestre que será descrito com a seguinte fórmula
(LACAN, 1969-70 / 1992):
O discurso do mestre é o discurso por excelência para Lacan. Para a construção desse
discurso, ele se baseou na dialética proposta por Hegel entre o senhor e o escravo. O
significante-mestre, ou seja, S1, é o verdadeiro amo; é ele que detém o poder, pois há algo que
o representa. O S1 é uma referência particular do sujeito, ele “[...] está sempre situado numa
referência a S2, isto é, numa referência à diferença em relação a S2.” (JORGE, 2000, p.83
grifo do autor). Por sua vez, S2 representa o escravo; é ele quem trabalha, pois o “saber fazer”
(Agente)
S
1
S
2
(Outro)
(Verdade) $ // a (Produto)
80
é seu, S2 representao saber do Outro, um escravo que nada sabe fazer é inútil. Como é o
escravo quem trabalha, será ele quem produzirá, e o que ele produz? Objetos a. É devido a
essa produção e a apropriação do senhor do trabalho do escravo que Lacan denominará o a
como “objeto mais de gozar” em analogia a “mais valia” de Marx. O objeto a é o “[...] objeto
faltoso, objeto causa do desejo, é o que resta da aptidão do significante para representar o
sujeito, daí sua estrutura de resto, de dejeto. Ele é o que sobra de toda tentativa de representar
o sujeito.” (JORGE, 2000, p.83 – grifo do autor).
A verdade surge no discurso do mestre como uma verdade oculta - $. O que é preciso
que fique oculto? Segundo Lacan (1969-70 / 1992) é a castração do mestre, essa nunca poderá
ser revelada. A castração permanecerá encoberta sob efeito do recalque, o que se encontra na
parte de baixo da barra é da ordem do inconsciente. Sendo assim, o mestre não sabe que é
castrado e nem tão pouco o escravo reconhece que o saber é seu.
Quinet (2006) afirma que os quatro discursos trabalhados por Lacan nesse Seminário
são estruturados através do Nome-do-Pai. É devido a essa estruturação que o psicótico é
definido como “fora-do-discurso”, pois remete-se à foraclusão do Nome-do-Pai no lugar do
Outro.
O que estaria no avesso da Psicanálise? A resposta de Lacan é o discurso do analista.
Miller (1997) aponta que essa oposição é percebida de forma mais evidente e mais importante
quando Lacan trata do Édipo em seu Seminário 17. Segundo ele, nesse seminário, Lacan irá
destruir o Édipo freudiano. Esse aniquilamento do Édipo se no momento em que Lacan
retira-o da esfera mítica e coloca-o no lugar da estrutura. Miller (1997) salienta que o lugar do
Édipo como mito coloca-o no lugar do discurso do mestre, pois “[...] o pai, em Freud, é o
significante-mestre que reduz tudo aquilo que, nos mitos, é muito mais complexo.” (MILLER,
1997, p. 428). Ainda, esse lugar do discurso do mestre será identificado por Lacan no
momento em que ele afirma que, para Freud, o pai seria aquele a quem se deve primeiramente
amar e identificar-se.
Lacan afirma que o Urvater, o pai da horda primitiva, não precisou ser recalcado,
porque o era desde a origem. “[...] o pai original é aquele que os filhos mataram, e depois
disso é do amor por esse pai morto que procede uma certa ordem. [...] É que, desde que ele
entra no campo do discurso do mestre [...] o pai, desde a origem, é castrado.” (LACAN, 1969-
70 / 1992, p.94).
Para Lacan, a utilização do mito tanto de Totem e tabu quanto do mito edípico, feita
por Freud, provocou uma ilusão sobre a realidade do pai. O mito em Freud esconde a verdade
do pai, ou seja, que o pai é castrado. O pai não castrado é da ordem mítica, pois ele se
81
encontra fora da linguagem, como o pai totalizador que tinha acesso a todas as mulheres da
horda. Porém, essa totalidade do pai é um engodo, pois o pai como ser de linguagem é
castrado, e essa é a verdade do pai.
Ao desmistificar o Édipo e o pai da horda primitiva, Lacan chama a atenção para o pai
real. Desde o Seminário 4 – A relação de objeto (1956-57), como foi dito, ele já apresentava o
pai real como agente da castração. Doze anos depois, o pai real reaparece em seu ensino não
somente como vetor da castração, mas fundamentalmente como operador estrutural que
encarna a função de agente da castração. Com isso, Lacan (1969-70 / 1992) vai diferenciar o
mito da estrutura, irá dissociar a função do pai. Não caberá mais ao pai edipiano o papel da
castração, ele será apenas o porta-voz da linguagem, pois a castração é um fato de linguagem.
Sobre tudo quero destacar o Seminário XVII, onde Lacan introduz os quatro
discursos e separa nitidamente o Édipo da castração. Esta é claramente localizada
como um efeito da linguagem, mais especificamente, do significante quando está
posto em função do discurso do amo. Neste discurso, qualquer significante pode
determinar a castração, não só o pai. Pois quando a castração foi separada do Édipo,
Lacan recupera a categoria do Seminário IV do pai como agente da castração, faz
uma releitura desse termo e volta a colocar o pai real como agente da castração. A
linguagem é o que determina a castração, ao qual não implica que se prescinda da
função do pai como seu agente, pois este é o seu transmissor. (MAZZUCA;
SCHEJTMAN; ZLOTNIK, 2000, p. 82 – Tradução e grifo nossos)
27
.
Em Freud, o pai edípico é um pai que responde aos apelos do sujeito, constituindo-se
como um pai que sabe, ou seja, um pai que não é castrado pela linguagem. Esse pai ocupa o
lugar de sujeito de suposto saber. No entanto, para Lacan, a histérica interpelará o pai
justamente na fenda de sua constituição e o indagará sobre a sua verdade, a verdade da sua
castração. O pai que sabe é um pai idealizado pelo neurótico, por isso a histérica, através de
seu sintoma, tenta restituir, a partir da impotência do pai, um pai que sabe tudo. Nessa
tentativa, o que a histérica revela é que o pai o sabe tudo, o destituindo assim do lugar do
saber.
27
Pero sobre todo quiero destacar el Seminario XVII, donde Lacan introduce los cuatro discursos y separa
nítidamente el Edipo de la castración. Ésta queda claramente ubicada como un efecto del lenguaje, más
específicamente, del significante cuando está puesto en función de discurso amo. Desde este discurso, cualquier
significante puede determinar la castración, no sólo el padre. Pero aun cuando la castración ha sido separada del
Edipo, Lacan recupera la categoría del Seminario IV del padre como agente de la castración, hace una relectura
de ese término y vuelve a colocar el padre real como agente de la castración. El lenguaje es el que determina la
castración, lo cual no implica que se prescinda de la función del padre como su agente, pues éste es su
transmisor.
82
Para Lacan, o pai não sabe e esse não saber do pai é identificado com a idéia da
castração do pai. Se Freud formulava a idéia de um pai castrador, para Lacan, o pai
é castrado.
[...]
Toda essa articulação entre o pai, a verdade e o saber culmina com a noção de que
o pai simbólico se situa no vel em que o saber faz função de verdade. No saber
inconsciente, o pai equivale a um significante que aponta para uma falha na
estrutura, uma falha no saber que faz com que a verdade tenha a estrutura de um
semidizer. A castração é a única resposta que retorna ao sujeito quando ele
interroga o pai morto. (OLIVEIRA, 2006, p. 43).
Decourt (2000) adverte que cabe ao pai real fazer-se parecer o agente da castração. A
função está posta, mas o pai real, de carne e osso, é apenas o seu operador. Dessa forma,
qualquer homem pode operar a função. Lacan dissocia aqui o pai biológico do pai real e
conseqüentemente da lei. A lei no interior do mito é construída como uma proibição vinda do
pai. Na estrutura a lei, que remete à castração, é anterior ao pai da origem, é anterior ao
sujeito, pois esta está vinculada à lei da linguagem, à lei que remete a castração estrutural. “A
castração é a operação real introduzida pela incidência do significante, seja ele qual for, na
relação do sexo. E é óbvio que ela determina o pai como esse real impossível [...]”. (LACAN,
1969-70 / 1992, p. 121).
De acordo com Porge (1998), Lacan, ao colocar a castração como efeito da linguagem,
propicia uma quebra na vinculação entre o Nome-do-Pai e a metáfora paterna. Segundo ele, o
Nome-do-Pai adquire autonomia quanto à questão fálica, sendo que esta dependia
exclusivamente do complexo de Édipo. O Nome-do-Pai é um nome que conclama a falar,
opostamente ao falo que não fala. Com essa nova distinção, Lacan não retira do Nome-do-Pai
sua eficácia simbólica.
O que é nomeado pai, o Nome-do-Pai, se é um nome que tem uma eficácia, é
precisamente porque alguém se levanta para responder. Sob o ângulo do que se
passava para a determinação psicótica de Schreber, é enquanto significante capaz
de dar um sentido ao desejo da mãe que, a justo título, eu podia situar o Nome-do-
Pai. Mas no nível daquilo de que se trata, quando digamos que seja a histérica quem
o chama, o de que se trata é que alguém fala. (LACAN
28
apud PORGE, 1998, p.
147 – grifo do autor).
Até esse momento de seu ensino Lacan inscreve o pai em dois campos distintos. O
primeiro se refere ao campo da linguagem, no qual Lacan aborda o complexo de Édipo a
partir da metáfora paterna. O segundo será inscrito através do campo do gozo, campo este que
é inaugurado com o Seminário 17, no qual o mito edípico é tratado através do assassinato de
Laio e do gozo incestuoso.
28
LACAN, Jacques. De um discurso que não seria semblante, aula de 19 de junho de 1971, inédito.
83
A passagem do campo da linguagem ao campo do gozo implicará a reinterpretação
do que é um pai e, sobretudo, do que é um pai real. [...] Lacan fará o pai morto
corresponder ao gozo, não ao pai simbólico, como antes. Eis o pai real do sujeito, o
pai gozador, impossível de suportar, que é a vertente do pai simbólico [...]. Essa
equivalência pai morto = gozo permite definir o pai real como o operador estrutural
o que opera a castração que como tal, pode ser representado por S1,
significante-mestre, que possui a castração como princípio. Do pai do gozo, como
impossível do mito freudiano, Lacan chega à depuração de sua função de operador
da castração. (QUINET, 2006, p. 44 – 45 - grifo do autor).
Diferentemente das teses construídas no Seminário 17, Lacan no Seminário RSI (1975)
evidenciará a função de nomeação do Nome-do-Pai, e é justamente essa função que será
discutida a partir de agora.
4.4. O pai do nó e o terceiro ensino de Lacan
É possível notar até aqui que a função paterna no ensino de Lacan surge como um
significante, significante que está amarrado ao simbólico. Essa seria a grande originalidade do
ensino de Lacan como afirmam Mazzuca, Schejtman e Zlotnik (2000).
No terceiro ensino são encontradas as teses lacanianas sobre o pai, ou melhor, sobre o
Nome-do-Pai a partir de três proposições: a da sexuação, a do “enlaçamento” e a do sinthome.
Em O Seminário, 20 Mais, ainda (1972-73), Lacan re sua concepção sobre a
linguagem e as questões em torno do gozo ganham destaque. Estabelece as fórmulas
quânticas da sexuação utilizando-se dos recursos da lógica clássica aristotélica o que lhe
permite propor novas relações entre o feminino e o masculino, dando, então, ensejo para que
se fale do ser, do amor e do ódio. Ainda, trabalhará com as idéias sobre o borromeano.
Diante dos vastos temas tratados por Lacan nesse Seminário, ele será tomado com o intuito de
discutir como o autor formulará a constituição psíquica dos seres humanos a partir da
intervenção do pai na sexuação dos seres.
Para se tratar da sexuação é necessário que antes se trate do gozo, pois de acordo com
Lacan (1972-73 / 1985) a questão da sexuação dos seres humanos é secundária, visto que tudo
irá girar em torno do gozo e, mais especificamente, do gozo fálico.
Quais são os postulados lacanianos sobre o gozo neste Seminário? Lacan (1972-73 /
1985) definirá o gozo por uma vertente negativa, afirmando que ele não serve para nada. O
gozo será trabalhado a partir da proposição do gozo no próprio corpo, ou seja, do gozo sexual,
que está atrelado à linguagem, pois se trata aqui de um ser falante que goza de um corpo. Essa
84
forma de gozo irá trazer para os sujeitos conseqüências na maneira de se relacionarem com o
corpo e com a linguagem. Ele aponta no Seminário 20 (1972-73) essas conseqüências a partir
da fantasia que homens e mulheres terão quanto à sexuação.
A fantasia masculina ($ a) diz respeito ao Édipo. Ela parte da premissa do pai
morto, de todos sujeitos submetidos à castração. A constituição do sujeito na vertente
masculina terá a primazia do simbólico, obedecendo a lógica edipiana da sexuação. Assim,
esse sujeito será submetido à castração, tornando-se um sujeito de desejo. A forma de acesso
ao gozo nessa vertente será pela via da transgressão, ou seja, através do assassinato do pai. “A
Lei de que se trata nesta perspectiva considera, de um lado, a vertente imaginária do pai, onde
ele é considerado o agente da castração, e, de outro, a vertente real associada ao assassinato
do pai primordial.” (DECOURT, 2004, p. 58 - 59).
a fantasia feminina na sexuação será representada pela fórmula Nela
uma inversão em relação à constituição do sujeito. O que surge aqui é a feminilidade e não a
posição feminina diante do falo. A feminilidade é introduzida por Lacan como um “além do
Édipo”, uma vez que difere da reivindicação fálica tal como na gica edipiana, ou seja, tal
como na vertente masculina. Esse “além do Édipo” permite ainda uma nova via de abordagem
das relações do significante com o gozo e com o corpo. (COELHO DOS SANTOS, 2006).
Qual o novo estatuto que o pai ganha no Seminário 20? O pai surge como o
representante de uma Lei que está na origem da cultura e será a partir dela que a sexualidade
irá se orientar. Nessa perspectiva, o sujeito se constitui a partir da castração, cuja Lei é
introduzida pelo pai. “Neste momento do percurso lacaniano, o falo comparece como o
significante da diferença sexual para ambos os sexos, sendo o elemento que articula o
simbólico ao complexo de Édipo e de castração.” (DECOURT, 2004, p. 61).
Utilizando-se das fórmulas quânticas da sexuação
29
, Lacan (1972 73 / 1985) irá
propor uma diferenciação quanto à questão da sexuação para homens e mulheres, dissolvendo
assim a simetria da problemática fálica, ou seja, desfaz a constituição desejante dos sujeitos a
partir de um mesmo parâmetro da vivência edípica e de sua relação com a castração. Dessa
maneira, quando Lacan aponta a diferença na sexuação do lado feminino e do masculino, ele
irá despojar-se de suas idéias quanto aos Três tempos do Édipo no que diz respeito à exceção
29
Para grafar as fórmulas quânticas da sexuação Lacan irá utilizar dois quantificadores da lógica moderna que
são o (existencial) e o (universal). No que diz respeito às fórmulas da sexuação, o designará o “para
todo”.Ainda, Lacan acrescentará dois outros quantificadores, que são: o
o “o todo
e a inexistência
.
$ (A).
85
____
x Φ x
da castração do pai real. Haverá do lado masculino uma exceção quanto à castração, enquanto
que, do lado feminino, a equação será a de que todos os seres são castrados.
De acordo com Oliveira (2003, p. 39), para Lacan, “a sexuação é uma operação que
estabelece um modo de gozar do falo.” Esse modo de gozo fará com que Lacan divida os
sujeitos em dois lados: o do homem e o da mulher. “Do lado do homem, o modo de
relacionar-se com o outro sexo implica a inserção do sujeito na função fálica [Φ
x
]. Do lado da
mulher, o modo de gozo implica uma não-toda inscrição do sujeito na função fálica.”
(OLIVEIRA, 2003, p. 39).
Lacan apresenta a seguinte fórmula para grafar a sexuação masculina:
VERTENTE MASCULINA
____
x Φ
Φ Φ
Φ x
x Φ
ΦΦ
Φ x
A fórmula se refere ao pai da horda primitiva de Totem e tabu, pois indica o pai da
exceção, o pai todo, o não castrado. A barra sobre a função fálica significa uma negação, que
pode ser lida da seguinte maneira: “não se pode inscrever ‘xna função fálica”. (LACAN,
1972-73 / 1985). A outra fórmula, x Φx, indica que todos os outros homens estão sujeitados
à castração. A aparição do pai como exceção à função fálica sustentará o universal do homem,
pois será através da existência das duas fórmulas que um sujeito poderá ser chamado homem.
(OLIVEIRA, 2003).
Na sexuação masculina “concentra-se a crença de que existe ‘ao menos um’, uma
exceção à castração, que funda um conjunto por identificação ao modelo.” (COELHO DOS
SANTOS, 2006, p. 162). Essa identificação permite o que é chamado por Freud de
identificação sexual. Sendo assim, a sexuação do lado do homem se dará pela operação do
Édipo. É encontrado então o Nome-do-Pai na vertente masculina da sexuação.
A gica edipiana, como já vimos, é marcada justamente por esta condição da
exceção. A partir do Édipo, para que todos os sujeitos sejam castrados é preciso que
ao menos um não seja. Lacan, no seminário 19, lição 2 (Lacan [1971] apud
Antunes 2002), afirmará que o pai é o nome desta exceção. O Nome-do-pai é o
significante que, enquanto exceção, garante a constituição dos sujeitos submetidos
à função fálica. É sob a intervenção do Nome-do-pai, portanto, que o sujeito será
capaz de simbolizar o falo enquanto causa do desejo da mãe. Temos aqui claras
indicações de que, nesta lógica, a constituição do sujeito está na dependência da
função de exceção para se realizar. Esta lógica edipiana, segundo Lacan [...],
86
______
x
Φ
x,
corresponderia à vertente masculina da sexuação. (DECOURT, 2004, p. 62 63
grifo do autor).
É possível perceber que até o Seminário 20, Lacan pautou a constituição do sujeito,
toda ela, através do viés masculino da sexuação. Isso ocorre uma vez que o modelo para que a
criança atinja a própria sexualidade será dado através do complexo de Édipo. No entanto,
Lacan introduz a partir desse Seminário uma nova perspectiva quanto à sexuação, que a
encontramos do lado feminino da sexuação. Para ele, a sexuação feminina se dará pela gica
do não-todo, uma vez que a idéia de conjunto deixa de existir, pois não haverá uma que
unifique ou represente todas as mulheres. Dessa maneira, a mulher serepresentada a partir
do um a um. Lacan (1972-73) irá grafar a fórmula da sexuação do lado da mulher da seguinte
maneira:
VERTENTE FEMININA
___ ____
x Φ
Φ Φ
Φ x
______
x Φ
Φ Φ
Φ x
A fórmula significa que do lado da mulher não existe uma mulher em
posição de exceção às outras. Não modelo do lado feminino que permita uma
identificação. É devido a isso que Lacan irá dizer que “A mulher não existe.” Não há
significante que a represente no inconsciente, o real é sem lei, é “uma a uma”. Acredita-se,
nesta perspectiva, que a castração é universal, pois todos os sujeitos estão submetidos à
linguagem. “Nesta vertente, a lógica que a preside, é a de todo ser falante é causado pela
castração. Não se trata, entretanto, de sujeição à castração, pois não se trata de identificação
ao modelo, ao padrão.” (COELHO DOS SANTOS, 2006, p. 162). A outra fórmula,
coloca a mulher, a não-toda, na função fálica. Diferentemente do que ocorre do lado do
masculino, do lado feminino não have um conjunto comum no qual possam ser
categorizadas todas as mulheres. “A não-toda submissão da mulher à função fálica é o que
leva a Lacan a atribuir a ela um gozo, suplementar, o gozo do corpo que não está submetido
ao regime fálico.” (OLIVEIRA, 2003, p.40).
O que se pode notar é que, através da equação da fórmula da sexuação feminina, a
constituição subjetiva o se daprimordialmente através do Édipo, o que implica em uma
___ ____
x Φ x
87
queda do masculino. A constituição dos sujeitos como seres desejantes não estaria mais
atrelada ao modelo edípico, à estruturação fálica.
Lacan sepultará o Nome-do-Pai e sua função significante nesse momento de seu
ensino? Não, segundo Porge (1998). No Seminário RSI (1975) Lacan apresentará a
pluralização dos nomes do pai. Ao trabalhar com a idéia do borromeano, no qual articula o
real, o simbólico e o imaginário, ele levanta a questão: como o enlaçamento ou a amarração
entre os registros/elos se darão? A resposta cunhada para esse problema é a do Nome-do-Pai.
Nosso imaginário, nosso simbólico e nosso real estão talvez para cada um de nós
em um estado de suficiente dissociação como para que somente o Nome-do-Pai
faça nó borromeano e faça sustentar tudo isto junto, faça nó do simbólico, do
imaginário e real. É dizer que neste estado atual imaginário, simbólico e real se
caracterizam por estarem dissociados, e necessitamos do Nome-do-Pai como quarto
elemento para manter uma certa estabilização e uma certa ordem nas relações entre
eles. (MAZZUCA; SCHEJTMAN; ZLOTNIK, 2000, p. 152 – Tradução nossa)
30
.
É encontrado nesse momento da teoria lacaniana um novo estatuto para os registros
real, simbólico e imaginário, que se situam em grau de paridade. Não mais a prevalência
do simbólico e nem tão pouco da metáfora paterna sobre os demais registros. Sendo assim, o
Nome-do-Pai surge como um novo elo que permitirá a união dos registros fundamentais na
constituição subjetiva dos seres humanos. Devido à noção de equivalência para cada registro
o que se observa é que ocorre uma perda na relação entre os mesmos. O Nome-do-Pai surgirá
então como aquele que permitirá a relação entre os registros; será aquele que promoverá o elo
de ligação entre o real, o simbólico e o imaginário.
Lacan, citado por Mazzuca, Schejtman e Zlotnik (2000), diz que a função radical do
Nome-do-Pai é dar um nome às coisas. O que isto significa? Dar nome às coisas é uma
operação simbólica. Nessa vertente, é encontrado o Nome-do-Pai enquanto significante. No
entanto, ele não se restringe a esse registro, não se reduz à função significante, pois essa
função de nomeação pode se equiparar com o imaginário e o real, e assim pode-se falar em
nominação imaginária e real. Esta seria “a radical ex-sistência
31
do Nome-do-Pai que o
borromeano suporta.” (PORGE, 1998, p. 170).
30
Nuestro imaginario, nuestro simbólico y nuestro real están tal vez para cada uno de nosotros en un estado de
suficiente disociación como para que solamente el Nombre-del-Padre haga nudo borromeo y haga sostener todo
eso junto, haga nudo de lo simbólico, de lo imaginario y de lo real. Es decir que en este estado actual imaginario,
simbólico y real se caracterizan por estar disociados, y necesitamos el Nombre-del-Padre como cuarto elemento
para mantener una cierta estabilización y un cierto orden el las relaciones entre ellos.
31
De acordo com Fink (1998), Lacan utiliza o conceito de ex-sistência para qualificar o real, para dizer de uma
existência separada de, que está do lado de fora, que está fora da estrutura.
88
De acordo com Mazzuca, Schejtman e Zlotnik (2000), quando Lacan diz que o pai é o
quarto elo que enlaça os outros três, ele não está dizendo do Nome-do-Pai como significante,
mas sim como um elemento real, do pai real, do pai sinthome, do pai exceção. Mas mesmo
assim, ainda naquela época de seu ensino, Lacan não deixará de indicar a função significante
do Nome-do-Pai, pois o Nome-do-Pai suportará duas versões: uma que é do pai que nomeia e
a outra do pai como nome. O pai que nomeia tem a função de dar nome às coisas, função que
é estritamente do pai real. Já o pai como nome é aquele que nome ao seu filho, indicando
uma linhagem, uma inscrição no mundo simbólico; aqui é encontrado um pai atrelado à
ordem do significante.
Mazzuca, Schejtman e Zlotnik (2000) apontam que as idéias de Lacan sobre a
pluralização dos nomes do pai apareciam em Freud. Segundo esses autores, Lacan, no
Seminário 22, indica que Freud precisou criar uma maneira de amarrar os registros simbólico,
imaginário e real; esse modo de amarração se daria então através do complexo de Édipo e da
realidade psíquica. Todas as construções teóricas feitas por Freud sobre a questão do pai,
estudadas no capítulo anterior, perpassam por este entrelaçar dos registros. Freud, ao fundar
suas versões míticas sobre o pai, permite uma inscrição do ser no ordenamento da cultura e
conseqüentemente propicia a amarração do sujeito no contexto social.
Conseqüentemente à pluralização dos nomes do pai, haverá a pluralização do pai,
sendo ele apresentado como o pai imaginário, ou seja, o pai morto; o pai real agente da
castração; e, o pai simbólico representante da Lei.
Em RSI Lacan apresentará o Nome-do-Pai como sinthome. Essa aparição do Nome-
do-Pai como sinthome não anula a função de enlaçamento dos registros. Pelo contrário, ela o
reforça.
[...] no Seminário XXII encontramos o pai-sintoma que, deste modo, continua a
elaboração do pai real no ensino de Lacan: prolonga e elabora a noção do pai
doador do Seminário V e o pai agente do Seminário XVII e está precedido pela
introdução das fórmulas da sexuação em que o pai é um existente se refere à
variável da função: (x), existe ao menos um: (x) que nega a função fálica e desta
maneira, como exceção, sustenta o conjunto. (MAZZUCA; SCHEJTMAN;
ZLOTNIK, 2000, p. 83 – Tradução nossa)
32
.
32
[...] em el Seminario XXII encontramos el padre-síntoma que, de este modo, continúa la elaboración del padre
real em la enseñanza de Lacan: prolonga y elabora la noción de padre dador del Seminario V y la de padre agente
del Seminario XVII y está precedida por la introducción de las fórmulas de la sexuación en que el padre es un
existente se refiere a la variable de la función: (x), existe al menos uno: (x) – que niega la función fálica y de
esta manera, como excepción, sostiene el conjunto.
89
O que é um sinthome? Não é outra coisa senão o quarto nó que possibilitará a
amarração entre o real, o simbólico e o imaginário. O pai como sinthome é uma outra versão
do Nome-do-Pai que se difere de sua função significante; é uma nova maneira de chamar o
pai que nomeia.
Em RSI (1974-75) o pai sinthome quer dizer que ele mesmo tem um sintoma, que é ter
feito uma mulher causa de seu desejo. Isso implica numa articulação entre gozo e desejo. Essa
articulação entre gozo e desejo é o que Lacan irá chamar de versão do pai (père-version). Na
père-version o pai deverá fazer de uma mulher o objeto a, que cause o seu desejo. A père-
version indica uma versão, uma orientação rumo ao pai. A “versão do pai está orientada,
vetorizada, fazendo valer uma versão de objeto não pela transmissão do falo, pela via da
metáfora paterna, a partir do Nome-do-Pai.” (FARIAS; LIMA, 2004, p. 23). Nesse sentido, é
possível dizer que o pai, a partir do Seminário RSI, é pensado na sua condição de homem,
condição esta que possibilita a paternidade.
Não se pode deixar de chamar a atenção para o fato de que Lacan, ao definir o pai
sinthome, articula-o de forma explícita com as fórmulas da sexuação. O pai sinthome é o pai
exceção. O pai que “escapa” à castração. Esse pai, que é exceção, não se organiza como
significante, mas sim como uma ex-sistência.
Com a formalização dos nós borromeanos, Lacan faz a passagem dos Nomes-do-
Pai ao Sinthome onde o Sinthome é a letra particular do sujeito. A amarração dos
nós vai efetuar-se por meio do Sinthome, o qual é diferente para cada sujeito.
O que pode observar-se é que do pai ao Sinthome tanto o significante quanto a letra
tem a mesma função fazer nó. Enodam para o sujeito o campo do significante e
do significado, enodam significante e significação, bem como fazem entre o
simbólico e o imaginário. (IGLESIAS, 2001).
Como foi mencionado neste texto, será em RSI que Lacan irá tratar da pluralização dos
nomes do pai. Quais/quem seriam eles? De acordo com Porge (1998) a pluralização dos
nomes do pai é limitada, não é infinita. Ela aparece pela tripartição do Nome-do-Pai. Os
nomes do pai se referem ao real, ao simbólico e ao imaginário. No entanto, Brousse (2007)
acrescentará também o sintoma, a inibição e a angústia como aparições dos nomes do pai. De
acordo com a autora, a partir da pluralização dos nomes do pai a função paterna perderá sua
força, pois se antes ela era a única responsável por fazer a função de limite, agora existem
outras maneiras dessa função se estabelecer. O ato de enlace não é exercido mais por apenas
um operador, mas sim por vários.
90
É a partir dessas considerações de Lacan sobre a pluralização dos nomes do pai que foi
encontrada a afirmação sobre o declínio da função paterna. Neste momento da pesquisa, serão
tecidas considerações e críticas sobre essa afirmação.
91
5 O DECLÍNIO DA FUNÇÃO PATERNA?
Esta pesquisa tem o propósito de apontar como a função paterna circula nas formas
atuais de composição familiar. Partiu-se da premissa de que a função paterna e/ou os nomes
do pai, mesmo nos dias de hoje, continuam tendo importância vital na constituição psíquica
dos sujeitos.
No entanto, é ouvida com freqüência entre os psicanalistas a idéia do declínio do
Nome-do-Pai e do declínio da função paterna. As primeiras indagações levantadas frente a
essas problemáticas são: será mesmo o declínio da função paterna que impera nos dias de hoje
ou será o declínio da imago do pai? É possível colocar como sinonímias as expressões
declínio da função paterna e declínio social da paternidade?
Durante muitos anos, o homem foi o cerne da sociedade ocidental. Estudos
etnográficos apontam que essa soberania do homem sobre a mulher se deu devido à
necessidade de o homem pré-histórico proteger suas propriedades. Dessa forma, precisava
garantir sua paternidade perante os filhos e assim controlava a prática sexual das mulheres
dentro do grupo. A partir daí, passa-se de uma organização matrilinear, em que a lei na
família primitiva era norteada pela família materna, para uma organização patrilinear, ficando
a cargo da família paterna a ordenação do grupo.
Para Engels, citado por Bruschini (1995), a divisão sexual frente ao trabalho, em
sociedades primitivas, permite a primazia do homem sobre a mulher, uma vez que esse era
proprietário dos instrumentos de caça e conseqüentemente proporcionava o aumento da
riqueza do grupo familiar. A mulher perde o direito supremo sobre a prole, sendo o pai
agora quem transmite a herança. A destituição do poder materno perante o grupo familiar
propicia o surgimento do patriarcado. A família monogâmica enseja a submissão do sexo
feminino diante do masculino em nome dos bens e do poder do homem.
Segundo Peres (2002), o apogeu do pai ao longo da história se no fim da Idade
Média e no início do Renascimento. O pai é a garantia da família e da realeza. Sua função era
a de transmitir a herança, o alimento, a educação e a instrução.
A Igreja Católica, através de uma naturalização do rei como representante divino,
monopolizava a sociedade nas esferas política, econômica e científica. Dessa forma, o pai
enquanto imagem do rei e de Deus também possui o monopólio da família na Idade Média.
92
A figura paterna, nessa época, é vista como autoritária, severa, que não permitia a
aproximação dos filhos. Sua chegada no lar trazia temor e incômodo aos membros da família.
Falava-se e agia-se de acordo com as suas determinações. O bem-estar da família girava em
torno do bem-estar do pai.
De acordo com Gomes (2001), o poder do patriarcado influenciou as idéias da
humanidade sobre sua própria natureza e sua relação com o universo. Durante todo o seu
período de domínio, o patriarcado dirige os sistemas filosóficos, sociais e políticos através da
máxima em que a mulher deve estar submetida ao homem e, dessa forma, desempenhar os
papéis determinados por ele.
Porém, o homem e, conseqüentemente a figura do pai, não se mantém como
autoridade infinita na esfera social. De acordo com Balzac, citado por Roudinesco (2003), o
declínio da figura paterna ocorre através do desprestígio do lugar de Deus e do rei na
sociedade. Com a ruína da monarquia, na qual o rei é o representante de Deus, o pai é também
destituído de seu poder. Para ele, o maior exemplo disso é quando na Revolução Francesa, ao
decapitarem a cabeça do rei Luís XVI, caíram conjuntamente as cabeças de todos os pais de
família, demonstrando assim a queda do poder patriarcal na sociedade medieval.
Na era moderna, com a diminuição do poder da Igreja Católica, ocorre também uma
queda no lugar privilegiado de Deus. O mundo agora passa a ser regido não mais pelos
desígnios divinos, mas através das determinações humanas. Nasce na sociedade moderna um
sentimento de valorização do homem. Surgem tanto nas artes como nas ciências, obras que
tratam o homem pelo homem e não mais como um ser proveniente do divino. Assim, a
descendência divina perde seu poder na sociedade moderna.
Somos palco de grandes transformações que, inevitavelmente, alteram a posição do
pai simbólico, lugar da lei, como também do pai biológico, pai da reprodução, e,
conseqüentemente, modifica-se o lugar que, no imaginário, ocupa essa figura,
detentora, no passado, de tanto poder e autoridade. (PERES, 2002, p. 233).
Com o advento da Modernidade, impulsionado pelos ideais do Iluminismo no século
XVIII, a sociedade ocidental passa a reger-se não mais pelo domínio do pai, mas sim através
das leis da fraternidade. A igualdade entre os homens começa a imperar no mundo ocidental,
proporcionando novas maneiras de pensar e viver.
A autoridade paterna passa a exercer-se, exclusivamente, no núcleo familiar,
fazendo com que a família se constitua efetivamente como um paradoxo na
modernidade. Este deslocamento denuncia que o poder paterno, antes referido a
93
uma encarnação política e religiosa e, portanto, de domínio público e universal,
passa a ser uma questão privada. (DECOURT, 2004, p. 107).
Para Meira (2003), a intensificação da desvalorização do lugar do pai em nossa
sociedade se a partir da II Grande Guerra Mundial, quando se começa a questionar
incisivamente a função e o lugar do pai. Para a autora, a perda simbólica do pai se pelo
questionamento em alguns países sobre o nome que a criança irá portar (o da mãe ou o do
pai?), lembrando que em muitas culturas será o nome do pai que irá marcar a linhagem do
filho. De acordo com o que foi discutido no capítulo anterior, se aqui uma das
origens do conceito lacaniano Nome-do-Pai cuja função significante permite a nomeação
do filho, fazendo com que este pertença a uma determinada família.
Observa-se que o pai vai perdendo desde a Era Medieval a sua posição de poder e
prestígio tanto dentro dos lares quanto na esfera social. Essa condição foi perpetuada e
intensificada na Idade Moderna, o que faz com que o pai seja destituído de sua soberania.
Assim, os pais de família precisam, então, no mundo contemporâneo, encontrar um novo
lugar no seio familiar e social.
Na família moderna (séculos XVIII e XIX), os papéis desempenhados pelos seus
membros eram claros e de pouca mutação. Ao pai cabia o sustento do lar, à mãe, o cuidado
com a casa, a educação dos filhos e a subordinação ao marido; aos filhos, o respeito e a
obediência em relação ao casal de pais. Kehl (2003) aponta que na contemporaneidade esses
papéis se modificam. O que se verifica é que tanto mulheres quanto homens e até mesmo
filhos exercem papéis múltiplos no interior das famílias. É visto que o pai da família
contemporânea, ou o novo pai como é chamado, encarna papéis variados, ora exercendo a
maternagem
33
, ora sendo o pai biológico que com seu espermatozóide fecunda o óvulo
materno, ora o pai que sai de casa perdendo assim a intimidade familiar através das
separações e dos divórcios. (AMAZONAS; BRAGA, 2004).
A partir da modernidade, o pai de família muda de posição. Ele passa a ser definido
em função dos papéis a cumprir e tarefas a realizar. Não é nada difícil perceber a
fragilidade que esta definição comporta, à medida que uma função é algo que pode
ser, facilmente, desempenhado por quaisquer outros igualmente capazes. O pai da
modernidade parece poder prescindir definitivamente de sua condição de soberania,
de exceção, para ficar reduzido a uma função. Com Lacan, diríamos que esta
redução fez do pai uma metáfora. (DECOURT, 2004, p. 107).
33
O exercício da maternagem se através de ações que evocam os cuidados maternos de atenção à criança,
como, por exemplo, o afeto, a alimentação e a higienização.
94
Nesse caleidoscópio de papéis familiares, é preciso sustentar que, de alguma maneira,
tanto os cuidados maternos quanto a interdição exercida pela função paterna sejam efetuados.
Não se pode confundir a função com responsabilidades sociais e morais que o genitor
masculino habitualmente deverá cumprir. A função paterna diz da proibição, em forma de
Lei, da relação incestuosa entre a criança e a sua mãe. Assim, independente de seus membros,
a família se estruturará edipicamente, fazendo com que a Lei interdite a criança de seu gozo
com a mãe. A família, olhada através das lentes da Psicanálise, tem como papéis primordiais a
proibição do incesto e a sexuação da criança quanto à identificação com o feminino ou o
masculino, permitindo assim a constituição dos sujeitos. (KEHL, 2003).
Peres (2002) faz uma crítica aos pais dos dias de hoje que não ocupam o lugar da
função paterna nas relações com seus filhos. Ela analisa uma campanha publicitária para o dia
dos pais em que pai e filho brincam juntos. No outdoor constava a seguinte frase: “Pai não,
amigão!” O que nos revela essa frase? Que o pai de hoje não é o pai temido de 50 anos atrás.
Que o pai ocupa um novo lugar, do pai amigo e próximo em detrimento do pai autoridade e
educador. A figura paterna até pode mudar de sentido, ou seja, ser mais acessível aos filhos,
mas ela precisa exercer sua função na constituição subjetiva de seus filhos.
Que haja amor e amizade entre um pai e um filho é correto, mas negar a
especificidade de seu lugar, tão necessária na constituição da subjetividade, na sua
história edípica, me parece não ser sem conseqüências. A publicidade, porém, não
surge por acaso, mas reflete uma demanda, e, nesse sentido, a figura de pai
projetada é sempre a de um pai jovem que brinca com o seu filho, um pai que
procura um contato corporal. O pai autoridade, o pai educador não aparece.
(PERES, 2002, p. 233-234).
Invadidos pelos ideais iluministas da fraternidade, mesmos nos dias de hoje, os pais se
posicionam frente a seus filhos como iguais. Pelo medo de perder o amor dos filhos, os pais
não conseguem conter e impedir a realização plena de desejo do infans. Para Brousse (2007),
essa realidade permite uma alteração na posição do pai, fazendo com que ele passe de uma
posição de autoridade para de acompanhante e cuidador do pequeno filho.
Julien (1997) considera que a nova versão do pai no século XX, ou seja, do pai que
troca fraldas, que brinca com a criança e que fala “bebezinho com o recém-nascido” é uma
versão frágil do pai, pois, essas funções, ou melhor, papéis executados pelo pai
contemporâneo, podem ser ocupados por outros igualmente capazes, ou ainda, como o autor
mesmo afirma, por outros “senão mais capazes” que o pai.
Kehl (2003) destaca também que a grande dificuldade de pais e mães em nossos dias é
justamente a de sustentar o lugar da autoridade perante seus filhos. Eles acreditam que o
95
exercício da autoridade afasta os filhos de uma relação de confiança e acima de tudo pautada
no amor.
Em suma, é possível dizer, de acordo com Julien (1997), que o declínio social do pai
e/ou da paternidade se através de um golpe tríplice na figura do pai, a saber: o político, o
religioso e o familiar. Político, porque a partir do século XVIII a sociedade se funda sobre a
fraternidade e não mais sobre a paternidade. A definição de “ser-pai” a partir de uma
autodenominação perde seus efeitos na sociedade ocidental. O pátrio poder fica restrito ao
poder do homem dirigido a uma única mulher e aplicado sobre os filhos.
Religioso, por que o pai perde sua soberania, uma vez que ele mesmo precisa acatar as
leis impostas pela Igreja. O pai passa de soberano para servidor. “A Igreja saberá lhe
relembrar: da lei, o pai, não é o legislador, mas o representante, e no caso de conflitos com a
Igreja educadora do jovem cristão, o pai deve saber se submeter.” (JULIEN, 1997, p. 41).
Familiar, por que “ser-pai” referia-se a um ato de soberania. A paternidade se
constituía como ato político e religioso. A filiação remetia a pessoa a uma ordem de linhagem
que o denominava filho de uma determinada família. Como é encontrado nas escrituras
sagradas, fulano é filho de beltrano, que é filho de sicrano, que é filho de beltrano... No
entanto, com os avanços científicos, principalmente no que tange aos progressos da
inseminação artificial, a mulher não precisa mais do encontro sexual com o homem para se
tornar mãe. Dessa forma, a criança passa a ser somente filha da mãe, perdendo o pai o seu
direito à filiação.
De que forma é possível definir o que é um pai? A palavra pai “[...] é um termo de
origem indo-européia, que designa essencialmente uma classe de parentes, na diversidade dos
usos e costumes.” (BORGES, 1996, p.7). Na língua portuguesa essa palavra será designada
como progenitor, homem que vida a outros seres, filhos. Porém, a definição e a função
sobre o que é ser um pai estão além do ato de procriação e de criação dos filhos. Ser pai é
também praticar o lugar da lei.
Na Antiguidade, a paternidade denominava uma filiação ao mesmo tempo política e
religiosa. O pai e seu nome determinavam o parentesco e garantia a origem e a continuidade
da família. A palavra paternidade tem sua etimologia no latim parens, que sustenta a palavra
pater. O pater é o chefe da família. É ele quem tem a autoridade política e religiosa. O pater é
o soberano na família e na sociedade. O declínio social da paternidade ocorre com o declínio
do lugar do pai no mundo. Desde a época de Luís XVI, a paternidade vem sofrendo golpes
sucessivos na sua supremacia. O declínio social da paternidade está totalmente atrelado ao
declínio do pai.
96
O que a Psicanálise tem a dizer sobre o pai frente a todas essas transformações da
família e da sociedade? A família durante muito tempo foi lida e interpretada pela Psicanálise
através do lugar do pai. Sendo assim, como foi apresentado nos capítulos anteriores, a
questão do pai na obra psicanalítica é tema central de discussão e estudos. Roudinesco (1998)
afirma que Lacan acreditava que a “[...] psicanálise nascera, em Viena, de um sentimento de
declínio da imago paterna e da vontade freudiana de revalorizá-la.” (ROUDINESCO, 1998,
p.542 – grifo nosso).
Segundo Leal (1997), Freud cria a Psicanálise com o intuito de dar respostas a suas
questões sobre o pai. Quais seriam essas questões? De acordo com o autor, todas as
indagações freudianas sobre o pai giravam em torno da angústia. Freud se questionava sobre o
sofrimento humano, a culpa de existir, sobre o propósito e o sentido da vida, sobre a
felicidade e os planos do Criador para com os homens e acima de tudo se questionava sobre o
que é um pai.
Nos primórdios da Psicanálise, principalmente nos textos freudianos, se que a
função paterna está, de certa forma, atrelada ao lugar do pai e do homem. O que se vai
perceber com Lacan é que essa função, posta por Freud, será exercida independentemente
da figura masculina.
Para a Psicanálise, o pai é um operador simbólico, o qual não remete à existência de
nenhum pai encarnado. É uma entidade simbólica que ordena uma função que é
estruturante do ponto de vista do inconsciente. O ser falante diante da função
simbólica exercida pelo pai fica assujeitado numa sexuação pela operação de
castração. (IGLESIAS, 2001).
Freud, ao criar seus mitos sobre o pai, devolve para a humanidade a excelência do pai
na constituição da civilização. Para ele, será através da morte do pai em Totem e Tabu
(1912/13) que os filhos podem ter acesso à cultura. “A suposição de uma potência ilimitada
do pai surge ao tempo da sua morte. Surge no declínio. A decadência paterna não pode ser,
então, concebida sem a suposição de sua força.” (PERES, 2002, p. 237).
Mesmo estando o pai no cerne da obra psicanalítica, esbarra-se, em um momento ou
outro, com a afirmação do declínio de sua função. De acordo com Cottet citado por Peres
(2002, p.238 tradução nossa)
34
, “[...] todos os desvios doutrinais dos alunos de Freud têm
34
Toutes les viations doctrinales des élèves de Freud ont pour point nodal le re et la fonction paternelle. De
Freud à Jung comme de Rank à Abraham lui-même, en passant par Ferenczi, le déclin de l’image paternelle
dans la théorie psychanalytique est incontestable. (COTTET, Serge. Freud et le père. In: COTTET, Serge. Le
père. Métaphore paternelle et functions du père: l’interdit, la filiation, la transmission. Paris: Denoel, 1989.
p. 53).
97
como ponto nodal o pai e a função paterna. De Freud a Jung como de Rank a Abraham, e
passando por Ferenczi, o declínio da imagem paterna na teoria psicanalítica é incontestável.”
Quanto à afirmação do declínio da imagem paterna, são encontrados seus primeiros
vestígios num texto lacaniano de 1938, denominado Os complexos familiares na formação do
indivíduo. Lacan, nesse texto, escreve a pedido de Henri Wallon considerações a respeito da
influência da família na formação subjetiva dos indivíduos. Nele, Lacan coloca a família
como operação da cultura. Segundo ele, não haverá na espécie humana nada que diz respeito à
natureza que não seja modificado pela cultura. Diante dessa premissa, Miller (2007) considera
que a função paterna para Lacan não é uma função dedutível da natureza: ela não se atrela ao
pai biológico e nem tão pouco se limita ao seu representante social.
Nesse mesmo trabalho, Lacan mostra que em todo grande homem percebe-se a
inscrição do papel da imago
35
paterna na formação subjetiva desse homem. Acrescenta que o
declínio sofrido pela imago do pai no percurso dos tempos provoca uma crise psicológica;
crise que ocasionará as neuroses contemporâneas.
Mas um grande número de efeitos psicológicos nos parecem depender de um
declínio social da imago paterna. Declínio condicionado pelo retorno dos efeitos
extremos do progresso social no indivíduo, declínio que se marca sobretudo, em
nossos dias, nas coletividades que mais sofreram esses efeitos: concentração
econômica, catástrofes políticas. [...] Declínio mais intimamente ligado à dialética
da família conjugal [...].
Qualquer que seja seu futuro, esse declínio constitui uma crise psicológica. Talvez
seja a essa crise que se deve relacionar o aparecimento da própria psicanálise.
(LACAN, 1938 / 1985, p. 60).
Miller (2007) chama a atenção para o fato de que Lacan nesse texto trabalha com a
idéia de um pai idealizado. O pai de Os Complexos Familiares é um pai fruto da sublimação.
“Neste texto, a imago paterna é muito classicamente encarregada dessa função de idealizar e,
35
De acordo com Roudinesco e Plon (1998), o termo imago foi trazido para o postulado psicanalítico por Jung
em 1912. O termo indica a representação inconsciente da imagem que um sujeito tem de seus pais. Laplanche e
Pontalis (1992) acrescentam que esta apreensão do outro pelo sujeito é elaborada na sua relação intersubjetiva e
fantasística com o meio familiar. Ainda, Lang (2002) nos adverte para o fato da imago pertencer a mesma ordem
de realidade que o fantasma, porém encontramos distinções entre os dois conceitos. A imago se refere a uma
representação de pessoa que está imbricada nas instâncias psíquicas reguladoras do Eu. Já o fantasma se constitui
a partir do desenvolvimento do indivíduo. “Assim, as diferentes versões do pai, apresentadas por cada paciente
como imagens do pai, são fantasias acerca do pai, formas de dar conta desse Outro.” (LANG, 2002, p. 17). A
partir destas considerações do autor, podemos afirmar que a diferenciação entre imago e fantasma (imagem) é da
ordem da filogênese e da ontogênese, uma vez que a imago se constitui a partir da relação do sujeito com sua
história e com a história da sua própria espécie. Enquanto o fantasma se estabelece a partir da relação do sujeito
com suas próprias fantasias a respeito das histórias universais da humanidade, como, por exemplo, como citou
Freud, os complexos de Édipo e de castração, os romances familiares, as fantasias de sedução, entre outras.
98
é preciso dizê-lo, idealizante. Aqui se prepara o Nome-do-Pai.” (MILLER, 2007, p. 14 - grifo
do autor).
É possível notar que Lacan evidencia o declínio da imago paterna. É importante
esclarecer que, nesse momento do trabalho lacaniano, o autor é encontrado distante de suas
construções sobre o Nome-do-Pai e a função paterna. Para Viviani (2003), a imago paterna
nesse artigo lacaniano está intimamente relacionada ao registro do imaginário. Nela as
determinações culturais da família se intercruzam com os vínculos imaginários. Dessa forma,
Lacan (1938 / 1995), ao tratar do declínio da imago paterna, está se referindo ao pai
imaginário, um pai que para o neurótico nunca é suficiente. Por seu lado, a função paterna:
[...] não opera por imagens, opera por meio da palavra que transmite a lei, lei de
proibição do incesto, e, portanto, simbólica. Enquanto função, a paterna, ela não
poderia declinar, opera ou não opera, pode estar recalcada, recusada ou forcluída.
O que sim pode declinar, e de fato tem declinado, é o pai autoritário, mas não a
função. (VIVIANI, 2003, p. 31).
No entanto, de onde surgem as afirmações sobre o declínio da função paterna? De
acordo com Brousse (2007), as idéias sobre o declínio da função paterna surgem quando a
função do pai deixa de ordenar a família. É quando a família perde seu status de patriarcal.
Para a autora (2007), a família deixa de estar ordenada pela função paterna por duas razões:
na primeira destaca o avanço do discurso da ciência. Esse avanço limita o pai ao biológico,
aniquilando a função da palavra. Esse fator pode ser constatado a partir da paternidade
comprovada pelos exames de DNA. A outra razão se refere ao discurso capitalista que reduz a
dimensão de ideal dos sujeitos, dimensão esta oriunda da interferência da função paterna. O
ideal em nosso tempo é definido através de números, através da quantidade de coisas e
objetos que se possui.
Brousse (2007), nessa mesma conferência, destaca que o discurso sobre o declínio da
função paterna também emergirá devido aos dias atuais haver uma total simetria, seja no
âmbito social ou legal, nas posições de pai e de mãe no interior das famílias. Expõe, ainda, a
perda do lugar de chefe de família pelo pai, e a legalidade de casamentos homossexuais, que
provocam a dissociação entre o pai e a masculinidade como fatores que contribuíram para o
declínio da função.
Nessa mesma perspectiva, Rosa (1999) apresenta três dispositivos que incentivaram as
idéias sobre o declínio da função paterna. O primeiro deles é o imaginário social. Neste
criam-se teorias e conceitos sobre a família, a criança e o adolescente, tecendo conseqüências
na constituição psíquica dos sujeitos. Esta ocorre devido ao discurso do Outro estar
99
impregnado das construções imaginárias do grupo social. “Ressaltamos a idéia de que é a
partir de uma certa fantasia sobre paternidade, família, sexualidade e domínio que alguns são
percebidos como criança ou filho, que alguns têm acesso à escuta, à palavra, ao gozo, à
cidadania.” (ROSA, 1999).
Para o segundo dispositivo, Rosa (1999) destaca a importância do porta-voz dos
enunciados fundamentais à criança e ao adolescente. Aqui é encontrado o discurso social
predominantemente sobre o discurso da família, do casal parental. Esse discurso aparece
como operador na constituição psíquica da criança e isola os efeitos da função paterna. O
Outro está fora do discurso familiar.
Nestas situações se constata a prevalência do discurso adulto-criança e o
apagamento do discurso familiar, seja por condições sociais, seja por
impossibilidades do desejo. Para estes o enunciado é diluído em vários “outros”,
encarnados, aleatoriamente, ora pelo diretor da escola, ora pela polícia... Para eles é
oferecido apenas o discurso da criança, de uma criança que não lhe diz respeito,
que não é “filho” e que escapa à condição desejante, que incluiria o Outro e o
implicaria no efeito subjetivo. O discurso, carregado de expectativas culturais,
desqualifica seu discurso e atos. (ROSA, 1999 – grifo da autora).
O terceiro dispositivo surge através da própria problematização do declínio da função
paterna, na qual o pai se presentifica como fraco e incapaz de operar sua função. Em
substituição ao Nome-do-Pai, a ciência emerge como o Outro que irá proclamar a verdade
sobre a criança e a família.
Desse modo, o que se verifica é que as conclamações sobre o declínio da função
paterna estão atreladas a dois outros declínios: o declínio social da paternidade e o declínio da
imago paterna. Mas será mesmo que a função paterna declinará mediante os declínios da
paternidade e da imagem do pai?
Como trabalhado no capítulo anterior, Lacan utilizará o Nome-do-Pai como
metáfora ao desejo materno e este será o vetor da função paterna. Porém, ele irá mudar
durante o seu ensino o estatuto do Nome-do-Pai. Ele retira-o do lugar de significante que
opera a constituição psíquica dos sujeitos para aquele que irá propiciar o enlaçamento entre os
registros real, simbólico e imaginário. Mas isso significa dizer que Lacan forclui a função
paterna na constituição psíquica dos sujeitos? Significa dizer que o Nome-do-Pai não opera
mais como metáfora?
Miller (2003), ao apresentar o terceiro ensino de Lacan, descreve-o como o ensino em
que o Outro é inexistente. O que isso quer dizer? De acordo com Miller (1998), o Outro não
existe, pois ele é imaginário. O Outro foi diluído na pluralização dos nomes do pai. O que
100
sobrou como resto é um Outro que não passa de um semblante. O Outro perde seu status de
diferenciação e passa a ser tratado como o equivalente, o par do outro. Essa situação
indícios para identificar o declínio do Nome-do-Pai.
Na não existência do Outro é encontrada uma alteração na sua dimensão. O Outro
como suporte da cultura, da tradição e da autoridade, como campo da linguagem desaparece e
se transforma em um outro na condição de similar com o sujeito. Esse novo Outro é chamado
de parceiro-sintoma. A idéia de parceiro-sintoma é uma alternativa que o sujeito encontra para
tamponar o buraco deixado pela inexistência do Nome-do-pai e assim poder fazer laço social.
O Outro perde sua potência simbólica no ordenamento subjetivo dos sujeitos tornando-se um
outro. Porém este outro, que é denominado parceiro-sintoma, vem justamente operar a função
paterna, proporcionando a inscrição subjetiva dos sujeitos.
[...] o Outro enquanto parceiro-sintoma é uma expressão do laço social
contemporâneo. O parceiro-sintoma é uma forma de ancoragem do sujeito
contemporâneo no laço social, onde a dimensão coletiva do Outro já não existe e,
conseqüentemente, onde os sintomas não são mais coletivos. (DECOURT, 2004, p.
75).
O Outro não existe mais porque quando desaparece o poder do pai também
desaparecerá S1 como ordenador do discurso. O pai como o Um não existe mais. O que surge
no lugar do Pai como função simbólica, como ordenador da família e dos grupos são as
pluralizações do nome do pai. (BROUSSE, 2007).
Diante do que foi exposto até aqui, o que se evidencia é que nos dias atuais a
incidência do declínio do Nome-do-Pai, mas não necessariamente o declínio da função
paterna. Com a diluição da ordenação simbólica na pluralização dos nomes do pai, o Nome-
do-Pai como metáfora deixou de ser o único a exercer a função paterna. Nesse sentido, de
se recorrer às considerações de Rosa (1999) que, ao comentar Aulagnier, adverte que, mesmo
com todas as transformações culturais que a sociedade ocidental passou, o pai e a sua função
mantêm um pilar fundamental: seu nome. Mesmo na falha do pai, como vetor da função
paterna, outros substitutos poderão encarnar o seu lugar propiciando a constituição subjetiva
dos sujeitos. Sendo assim, “[...] de qualquer maneira, a função paterna não ficará jamais sem
titular.” (ROSA, 1999), ou seja, jamais deixará de ser exercida.
Decourt (2004, p. 77) levanta a seguinte questão: “Como podemos conceber, em
psicanálise, um sujeito que não tenha passado pelo Outro em seu processo de constituição?”
Essa também é a indagação que se faz frente à afirmação de um declínio que resulta numa
suspensão da função paterna. O que passa a não existir é o Outro como universal.
101
Acreditamos que o conceito de ex-sistência aponta uma saída para este impasse, ou
melhor, para este mal entendido, na medida em que define uma possibilidade de
existência que não dispensa o Outro em seu processo de constituição, mas que dele
só se separa após ter se constituído.
Esta formulação, a nosso ver, se aproxima daquela proposta por Laurent a propósito
da consideração que Lacan faz no Seminário 5, onde o sujeito poderia dispensar o
pai com a condição de saber se servir dele. Esta interpretação abre a possibilidade
de o sujeito aprender a se servir de uma nova forma daquilo de que ele não pode
escapar, ou seja, do Outro. (DECOURT, 2004, p. 77).
A função paterna é instaurada a partir de três vetores, a mãe, a criança e um homem
que encarne o lugar de pai real. Dizer que no mundo contemporâneo se prescinde dessa
função é dizer que a estrutura da subjetividade em nossos dias está destinada a uma
marginalização. De acordo com Brousse (2007), a conseqüência do declínio da função
paterna para os sujeitos é que eles não se tornam sujeitos no sentido psicanalítico do termo
ou seja, sujeitos desejantes – mas tornam-se sujeitos opacos frente ao próprio desejo.
Sutenta-se neste trabalho que, mesmo no mundo atual, no caleidoscópio de
composições familiares, a função paterna se constitui e se mantém como vetor na constituição
psíquica dos sujeitos. Porém, ela não se funda apenas através do vetor do pai biológico, mas
através da pluralização dos nomes do pai e essencialmente através do pai real, que segundo
Laurent (1997, p. 129), é o único a suportar “[...] não ser o único a fazer a lei.”
102
6 O QUE É UM PAI? A INVESTIGAÇÃO EM PSICANÁLISE
Na Viena do século XIX, devido à força da ciência positivista e das novas abordagens
teóricas que começam a despontar no cenário científico, fortes discussões são propiciadas
entre os modos de se fazer ciência. A “querela dos métodos” surge entre as ciências naturais e
as ciências do espírito, uma vez que ambas possuem concepções distintas no modo de se
pesquisar. As ciências naturais irão utilizar-se do método da explicação, enquanto as ciências
espirituais utilizarão o método da compreensão.
Sob forte influência de sua formação como fisiologista, Freud naquela época recusa a
discussão vigente, pois para ele haveria um modo de fazer ciência. Esse modo é
pertencente às ciências naturais que procuram a explicação dos efeitos através de suas causas.
Para comprovar sua inclinação científica e inscrever a nova teoria que começava a
surgir através de suas pesquisas clínicas, Freud em 1895 escreve o artigo Projeto para uma
psicologia científica. Com esse artigo Freud tinha pretensões de colocar a Psicanálise como
integrante das ciências naturais, ou seja, comprovaria para a comunidade científica as causas
inconscientes para a etiologia das neuroses, fazendo assim da novata teoria uma ciência.
Nesse artigo Freud utiliza-se de termos médicos, de categorias neurológicas para
explicar que os processos psíquicos têm substrato corpóreo. Na introdução, ele afirma que
“[...] a intenção é prover uma psicologia que seja ciência natural: isto é, representar os
processos psíquicos como estados quantitativamente determinados de partículas materiais
especificáveis, tornando assim esses processos claros e livres de contradição.” (FREUD, 1895
/ 1988, p.347). Freud, para a construção do Projeto, parte da observação direta da clínica
patológica, principalmente no que diz respeito às representações super intensas. No entanto,
essa linguagem médica aos poucos vai perdendo força nos escritos freudianos e em seu lugar
surge a dialógica entre as instâncias psíquicas, o desejo e as idéias investidas. Contudo, jamais
Freud abandonou a cientificidade da Psicanálise.
O que implica, porém, é de que forma a Psicanálise pode ser chamada de ciência.
Como ela pratica sua pesquisa? Desde os tempos de Freud, grande discussão se a
Psicanálise é ou não uma ciência. Alguns, até mesmo psicanalistas, afirmam que a Psicanálise
não é uma ciência. Essa afirmação se devido a seu objeto de estudo o inconsciente ser
tão incomum quando comparado aos fenômenos observáveis de outras escolas científicas.
Outros afirmam que sim, pois apesar de toda a sua particularidade, a Psicanálise possui
princípios que devem ser seguidos e que garantem a sua cientificidade.
103
Freud (1922 – 23 / 1988, p. 287) afirma que Psicanálise é:
[...] o nome de (1) um procedimento para a investigação de processos mentais que
são quase inacessíveis por qualquer outro modo, (2) um método (baseado nessa
investigação) para o tratamento de distúrbios neuróticos e (3) uma coleção de
informações psicológicas obtidas ao longo dessas linhas, e que gradualmente se
acumula numa nova disciplina científica. (FREUD, 1922-23 / 1988, p. 287 grifo
nosso).
Essa afirmativa freudiana inscreve a base da teoria psicanalítica na investigação.
Lowenkron (2004) afirma que Freud, ao descrever o que é a Psicanálise, apresenta a questão
do método em primeiro lugar, pois ele é essencial. É a partir do método que a terapêutica e a
teoria irão se fundar. Mas, de se questionar de que método de investigação se fala neste
estudo.
Freud (1912 / 1988, p. 152), em suas recomendações, adverte para que “[...] uma das
reivindicações da psicanálise em seu favor é indubitavelmente, o fato de que, em sua
execução, pesquisa e tratamento coincidem; não obstante, após certo ponto, a técnica exigida
por uma opõe-se à requerida pelo outro.” A investigação que funda a teoria psicanalítica é,
então, a da pesquisa clínica.
Nogueira (2004) afirma que a Psicanálise é uma pesquisa e que ela se constitui a partir
da apresentação dos casos clínicos
36
mais famosos relatados por Freud. O autor acredita que a
transmissão do que é Psicanálise ocorre quando Freud revela ao mundo suas descobertas
clínicas.
Freud, ao propor a seus pacientes que fizessem associações livres, introduz um novo
método de investigação. Esse novo método provoca uma mudança radical tanto no tratamento
de pacientes neuróticos como na participação dos sujeitos no curso da pesquisa. Ao pedir que
os pacientes falem livremente, ele não considera seus pacientes apenas como objetos de
pesquisa, mas sim estabelece com eles uma relação. Diferentemente da ciência tradicional, a
Psicanálise voz ao saber do sujeito, que é ativo no processo de investigação. Aliás, o saber
é seu, pois parte de sua dimensão inconsciente na qual a rotina da clínica propicia sua
revelação. Nesse sentido, Elia (2000) considera que a inclusão do sujeito como ativo na práxis
investigativa é devido ao campo pesquisado ser sempre o inconsciente.
De acordo com Lowenkron (2004), a direção da pesquisa psicanalítica é dada pela
própria experiência psicanalítica, ou seja, pela experiência da clínica. Esta, por sua vez, desde
os primeiros trabalhos freudianos, forneceu solo fértil para que a teoria psicanalítica pudesse
36
Os cinco casos que o autor destaca são: O caso Dora; O Pequeno Hans; O Homem dos Lobos; O Homem dos
ratos e o caso do Presidente Schreber.
104
se erguer. Porém, Freud (1912 / 1988) chama a atenção para que não seja confundida a
pesquisa em Psicanálise com a prática clínica, pois as técnicas que servem à investigação e a
prática clínica são distintas. Rosa (2002) salienta que o que se diferencia tanto no tratamento
quanto na pesquisa é a posição do analista. No que diz respeito à dimensão investigativa, o
desejo do analista deve estar orientado ao desejo de saber, enquanto que na prática clínica o
desejo é o da “cura”. O analista por sua vocação científica faz “achados” preciosos no
percurso de sua clínica, permitindo ao sujeito que se analisa se implicar nestes “achados”.
Assim, “[...] se os achados fundam, de algum modo, a posição do analista, poderíamos aventar
a hipótese de que procurar, investigar caracterizaria uma posição analisante.” (ROSA, 2002,
p.51).
Mesmo sendo a clínica o modo privilegiado de se fazer pesquisa em Psicanálise,
Lowenkron (2004) apresenta outras modalidades de pesquisa psicanalítica. A primeira
modalidade seria a que passa pela inclusão da pesquisa em Psicanálise nos programas
universitários, a segunda modalidade passa pelo modo de produção clínica dos conhecimentos
psicanalíticos.
Desde 1919, Freud vislumbrava a importância da Psicanálise no contexto
universitário. Para ele, a entrada da Psicanálise na universidade proporcionaria um outro
sentido para a pesquisa, permitindo ao cientista um novo olhar sobre seu objeto de estudo. A
Psicanálise, então, adentra o campo universitário a partir de seu caráter científico.
Lowenkron (2004) diz que a pesquisa psicanalítica na universidade permite uma “[...]
leitura histórica, problematizante e interpretativa dos textos psicanalíticos.” (p. 27). O objeto
da pesquisa é a literatura psicanalítica por meio da investigação de artigos e escritos. Apesar
de se diferenciar do material clínico, ela remete a uma situação clínica, pois ocorre um
paralelismo entre as construções inconscientes e o discurso que o comenta.
A segunda modalidade, que passa pelo modo de produção clínica dos conhecimentos
psicanalíticos, é um modo “puro” de ciência. De acordo com Lowenkron (2004), para que um
psicanalista formule sua teoria são necessários critérios de cientificidade como, por exemplo,
a coesão interna, a comunicabilidade, a verificabilidade e a cumulatividade.
Esta dissertação, a função paterna nas configurações familiares atuais se inscreve no
primeiro modo de pesquisa psicanalítica apresentada por Lowenkron, uma vez que se trata de
uma revisitação aos textos psicanalíticos, principalmente aos escritos freudiano e lacaniano,
na busca da problematização do declínio da função paterna. Através da experiência da prática
clínica, das construções de casos clínicos que ora serão apresentados, a pesquisa
105
essencialmente psicanalítica possibilitará a ilustração e a interpretação da teoria descrita
neste trabalho.
Barroso (2003) acredita que a construção do caso clínico nas pesquisas psicanalíticas é
um método que viabiliza a produção do saber clínico. Será utilizada neste trabalho a
denominação “construção” do caso clínico no lugar de “relato” do caso clínico, pois, como
discute Willemart (2002), toda escrita de um caso clínico é uma construção e não um relato. É
construção por que no momento em que o analista põe-se a escrever o caso do analisando, as
histórias por ele contadas serão “transformadas” pelo analista, pois este escreve a partir de sua
interpretação daquilo que acredita ter escutado de seu cliente. Também, enquanto constrói o
caso clínico, o analista inscreve o analisando nos ditos teóricos, “comparando-o” com outras
neuroses já apresentadas por outros analistas. Ainda, faz da história do analisando uma
história original, singular e única.
Segundo Rudelic-Fernandez (2002), quatro são os modelos para a narrativa do caso
clínico em Psicanálise: científico, histórico
37
, literário e hermenêutico. Foram escolhidos para
a narrativa dos casos clínicos que serão construídos nesta pesquisa os modelos literário e
hermenêutico. O modelo literário, como afirma Rudelic-Fernandez (2002), se fundamenta
numa visão literária para a construção da história do caso. A escrita do caso clínico é
considerada como exercício retórico. Ele será analisado e “contado” através de metáforas e
metonímias, o que permitirá se remeter aos afetos e as suas representações.
O relato opera como metáfora, afirmando a semelhança, introduzindo um vínculo
causal, cronológico e discursivo entre os acontecimentos esparsos, combinando-os
através das semelhanças percebidas. Isto pressupõe que os incidentes percebidos
como puramente contingentes sejam rejeitados, pois não [são] assimiláveis à trama
da ação narrativa. (RUDELIC-FERNANDEZ, 2002, p. 62).
Através do modelo hermenêutico o caso clínico será construído pela interpretação
psicanalítica, que permite uma “criação” de sentido para o passado histórico do cliente. A
história relatada será re-descrita, re-narrada, pois esta é modificada pelo simples fato de ser
contada. Nessa medida, a narrativa do caso não segue um esquema cronológico dos
acontecimentos dos fatos, ela não busca a verdade canônica da narrativa do analisando. Ela se
torna passo a passo uma leitura circunstanciada, pontual e descontínua. A visão hermenêutica
37
Rudelic-Fernandez (2002) descreve o modelo científico da narrativa do caso clínico como verificável e
reprodutível, uma vez que este será narrado sempre da mesma maneira independentemente de quem relata o
caso. Já o modelo histórico fundamenta-se na fidelidade dos acontecimentos cronológicos ocorridos na vida do
paciente, procurando assim traçar o caminho da patogenia.
106
da construção do caso permite ao mesmo tempo uma crítica e uma operação de decifração da
história do caso clínico.
Segundo os defensores desse modelo, é a própria natureza da experiência
psicanalítica que afirma não haver uma única maneira de relatar uma história de
caso. Não somente falta a verdade histórica, mas graças à experiência analítica e ao
seu relato é possível formular várias histórias a partir de um mesmo material
clínico, de um mesmo tratamento. (RUDELIC-FERNANDEZ, 2002, p. 63 grifo
da autora).
A partir de agora, serão contruídos três casos clínicos para se discutir a incidência da
problemática da função paterna nas configurações familiares atuais. Esses casos são
provenientes da prática clínica da autora desta dissertação e dos atendimentos ocorridos entre
os anos de 2000 e 2006. Trata-se do atendimento de três crianças que apresentaram em seu
trabalho analítico a questão sobre o que é um pai; ainda, essas crianças pertencem a famílias
cuja formação difere do modelo nuclear. Todos os nomes, tanto dos clientes quanto de seus
familiares, são fictícios, uma vez que foram criados pela pesquisadora para preservar a
verdadeira identidade das crianças e de suas famílias. As falas das crianças e de seus
familiares serão sempre grafadas entre aspas e em itálico.
6.1.1 Mateus, o menino que não podia saber
No decorrer de uma gestação a pergunta que mais se faz presente na vida dos futuros
pais é de qual sexo será seu filho. Será menino ou menina? Mesmo diante dos avanços da
medicina, como, por exemplo, com seu equipamento ultramoderno que capta a imagem do
feto no útero materno em 4D
38
, o que se pode observar é que essa questão não é tão simples
de se responder. Não é somente a presença ou ausência do órgão genital masculino que
determinará o sexo do bebê. Freud (1917b / 1988) destaca que a diferença sexual entre seres
masculinos e femininos se dará pela presença ou ausência do órgão fálico. Afirma que as
crianças dotam ambos os sexos da presença fálica. No entanto, deixa claro que será pela via
38
O método de ultra-sonografia em 4D (quatro dimensões), nada mais é, que a imagem 3D em movimento em
tempo real. Neste tipo de exame pode-se captar e observar toda a movimentação fetal, desde que as condições
para a obtenção da imagem em 3D sejam favoráveis. Disponível em:
http://www.ultrasom3d.com/secao_ultrasom/ultrasom4d/ultrasom4d.htm. Consultado em 29 de junho de 2008.
107
da identificação com quem possui ou com quem não possui o falo que a identificação em ser
homem ou mulher se fará.
O seguinte caso trata diretamente da possibilidade de um sujeito se constituir
“masculinamente” mesmo diante da deficiência física do órgão masculino. Mateus nasceu
com anomalia da diferenciação sexual, seu quadro clínico é denominado hipospádia
39
. Chega
para atendimento aos oito anos de idade. A mãe, Marisa, trouxe-o devido ao mau
comportamento do menino na escola e as sérias dificuldades de aprendizagem. No entanto, a
questão sobre a hipospádia irá surgir como problemática já nos primeiros atendimentos.
Até o nascimento de Mateus, Marisa possuía um bom relacionamento com o marido.
A gravidez foi planejada e seu sonho era ter um filho homem”. No entanto, no ato do
nascimento, Marisa pressenteque algo errado, pois o médico não a deixa ficar com o
bebê. Mais tarde retorna e lhe avisa que precisará fazer um exame na criança para saber qual é
seu sexo. Assim, Mateus fica internado no hospital enquanto sua mãe recebe alta. Nesse
momento, a vida de Marisa e Mateus começa a ter destinos bem diferentes daqueles que a
mãe tinha planejado e/ou sonhado para ambos. Devido ao problema do filho”, Marisa
abandona o marido, pois queria dar “toda a atenção” para a criança. Aniquila qualquer
lembrança do marido, afirma que rasgou fotos, cartas, qualquer coisa que o lembrava. O pai,
por sua vez, logo após o rompimento, busca a reconciliação com a esposa, ficava chamando-a
na rua e lhe pedia para ter calma, pois tudo se resolveria. No entanto, Marisa se afasta de
todos, amigos e familiares, queria cuidar do filho”. O que leva Marisa a se afastar desta
maneira das pessoas? A deficiência do filho aponta a própria deficiência de Marisa, a saber, a
própria castração. O filho tão esperado, aquele que iria aplacar a angústia de sua
incompletude, é ineficaz nessa função. O marido, pai de seu filho, assim como seu pai, nega o
falo tão desejado. Marisa esconde o filho das outras pessoas com o intuito de esconder a sua
própria castração.
Quando Mateus recebe alta do hospital, após um período de cerca de 15 dias de
internação, e depois de ter sido confirmado seu sexo, masculino, Marisa deixa a maternidade
escondida” com o bebê e registra-o só em seu nome. Oito anos mais tarde, Mateus reivindica
da sua mãe o nome de seu pai. Diz-lhe que quando crescer vai trocar de nome, pois não quer
39
A hipospádia é “uma malformação congênita, caracterizada pela abertura anormal do orifício por onde sai a
urina (meato urinário), em diferentes locais na parte de baixo (face ventral) do pênis, ou mais raramente na
bolsa escrotal. Na maioria dos casos é acompanhada por uma alteração da pele (prepúcio) que recobre a glande
(cabeça do pênis), sendo que o prepúcio passa a ter o formato de um capuz. Esta malformação ocorre por
múltiplos fatores, podendo ser genético (Ex.: Síndrome de Reifenstein) e/ou hormonal (Exemplo: deficiência da
enzima "5-alfa-redutase"; ou deficiência de receptores hormonais ao nível celular do pênis).” Disponível em:
http://www.uroped.com.br/tiraduv/hipospad.htm. Consultado em 08 de junho de 2008.
108
ter só dois nomes.” Como já foi discutido nos capítulos anteriores, o nome do pai possibilita à
criança uma origem e uma nomeação. Ter apenas um nome, ou seja, o nome da mãe, é
insuficiente para esse sujeito, pois remete-lhe à deficiência de sua concepção, que todo
mundo é filho de um pai e de uma mãe.
A questão sobre o pai também aparece nas sessões de Mateus. Apesar de seus oito
anos, Mateus é uma criança bem imatura. Sempre escolhe as brincadeiras para crianças
pequenas, e seu jogo preferido nos atendimentos é com a família de animais. Certa vez, em
uma sessão, ao brincarcom dois ursos que, segundo ele, eram pai e filho, tece os seguintes
comentários:
“Quando ele crescer ele pode ter saudade do pai... ele vai ter que
fugir para achar o pai. Também se ele fugir para a cidade e se
alguma pessoa ficar assustada e alguém liga para o zoológico e
ele pode ir para a mesma jaula que o pai... Se ele reconhecer o pai
dele... [Após um momento de silêncio questiona à analista] Como a
gente reconhece um pai? O pai pode reconhecer ele, ele pode
lembrar... Quando o filhote cresce o pai envelhece também... A mãe é
que pode reconhecer quem é o pai...”
Sabe-se que é pela mãe que o pai é apresentado ao filho, e o pai, como nome, se revela
para a criança pelo discurso da mãe. E que ele se constitui, enquanto uma metáfora, a partir do
desejo materno. Assim, o filho deixa de ser o falo da mãe pelo desvio do seu olhar para o
desejo do pai. Mas, como identificar o pai biológico, enquanto pai real, sendo que ele não
desvia mais o olhar da mãe para o seu desejo? Mateus, ao questionar à analista em como
reconhecer um pai, na verdade questiona-se qual é o homem que provoca o desejo materno.
Ao final, conclui que somente a mãe poderá fazer tal indicação, visto que o pai sozinho é
impotente nessa função, não sendo suficiente somente ele reconhecer seu filho, mas é preciso
que a mãe o denomine pai.
As fantasias sobre o que é um pai continuam a habitar as sessões de Mateus. Conta à
analista passeios memoráveis que fez com o pai. No entanto, Mateus nunca viu ou falou com
o seu pai. certa ambivalência em suas opiniões sobre o que é um pai. Ora afirma ser o pai
melhor que a mãe, pois o “pai protege mais que a mãe porque é mais forte.” Ora diz que o pai
não é uma coisa importante. A mãe é mais importante que o pai, porque quando o menino é
pequeno a mãe cuida dele, preocupa.” Essa não importância do pai é reforçada pelas suas
109
dúvidas quanto à participação dele na concepção e na origem dos filhos. A criança questiona
à analista sobre como as crianças entramna barriga de suas mães, além de afirmar que
nasceu da barriga de sua mãe, ainda que não saiba como foi parar lá. Apresenta também uma
dificuldade em diferenciar homens de mulheres e a seu ver uma hipótese de haver pênis na
mulher. Além disso, a criança sabe que elas fazem xixi sem usar o pênis, mas não imagina
como. As investigações sobre a sexualidade feminina e a diferença entre os sexos está cada
vez mais presente no dia-a-dia de Mateus. Certa vez foi surpreendido em companhia de uma
amiga da igreja que freqüentava durante suas investigações quanto às diferenças anatômicas;
situação esta que deixou sua mãe bem aliviada, a ponto de chegar a afirmar que ele é homem
mesmo.”
De que forma Mateus se constitui como sujeito? O que provoca sua separação da mãe,
tornando-o um ser distinto dela? Uma das primeiras problemáticas apontadas pela questão do
pai é que para se ter um pai não é necessário que se tenha um homem. Lacan demonstra que
quando ocorre a ausência física de um homem, em que somente na relação a mãe e o filho,
complexos de Édipo normais são estruturados, “[...] normais nos dois sentidos: normais como
normalizadores, por um lado, e também normais no que se desnormalizam, isto é, por seu
efeito neurotizante, por exemplo se estabelecem de maneira exatamente homóloga a dos
outros casos.” (LACAN, 1957-58 / 1999, p. 173). Essa normalidade ocorre pela via simbólica
do Nome-do-Pai. A metáfora se faz presente pela palavra da mãe. É na presença do discurso
da mãe que a metáfora cumpre o seu papel, ou seja, a de introduzir a criança no discurso
simbólico. No entanto, Marisa destrói qualquer rastro que remeta ao pai de Mateus. Em
nenhum momento ele surge em suas palavras. Sua vida se resume a ela e ao filho. Desde a
separação com o marido, não houve outro homem em sua vida a não ser o próprio filho. De
que forma a função paterna irá operar na vida de Mateus?
Constatou-se que a função paterna irá se valer por dois operadores, sendo que o
primeiro e o mais essencial é a própria anomalia apresentada por Mateus, a hipospádia. A
castração real no corpo não permite à mãe fazer de seu filho o objeto total de desejo. algo
que a afasta de seu filho que, num certo momento da vida, não permite mostrá-lo a ninguém,
porque para ela, seu troféu não pode ficar exposto. Durante muito tempo no processo de
análise de Mateus, a mãe não o retira do lugar do doente, daquele que precisa ser protegido do
mundo exterior. Junto à hipospádia, houve as inevitáveis cirurgias, que, de passagem, não são
poucas e que afastam literalmente mãe e filho. É somente com a ida da criança para a
enfermaria que a mãe retoma o contato com o seu objeto.
110
Até Mateus entrar em processo analítico a maioria das cirurgias é frustrada. Há sempre
infecções que impedem que ele possa usar seu pênis para urinar. uma sonda a tiracolo que
ele nem se lembra quando colocou, pois para ele sempre esteve lá. Acha graça quando os
colegas da escola dizem a ele que querem uma também. Pela deformação do órgão, a sonda o
substitui e marca em Mateus uma potência que é negada a todo tempo pela mãe. Com o
sucesso da mais recente cirurgia, Mateus começa a urinar em pé, o que para ele é muito
importante, pois possibilita sua virilidade e seu desejo masculino.
“Tirei a sonda. Já posso jogar bola e andar de bicicleta! [Revela que a
cirurgia fora feita para tirar a sonda e que agora está urinando pelo
pênis.] Eu tô fazendo xixi em pé!. Eu tentei fazer xixi em pé e
consegui! Não quero fazer xixi sentado pois homem que faz assim é
bicha! [Bicha?] É, homem que não quer ser homem; homem que
gosta de homem. [No decorrer desta sessão, novamente utiliza o
significante bicha. Marco novamente, bicha?] Ué, quando o homem
nasce ele é criança, quando ele é grande é homem, quando ele vai no
show e um homem tira a camisa, ele vai e quer namorar com ele,
ele se veste de mulher, é igual a Lacraia
40
, ele é homem, não é
mulher. É um homem que virou mulher!” (Mateus, 08 anos).
Os sintomas escolares persistem. Todo ano Mateus tem a possibilidade de ser
reprovado na escola. Evita qualquer tipo de situação que exija dele maior investimento de
raciocínio ou de comprometimento. Deixa as tarefas escolares sempre inacabadas. Em uma
sessão constrói a seguinte história sobre Adão e Eva:
“Se eles comessem a maçã iam ficar sábios, se ficar sábios pode
morrer! [Sábio?] Pessoa que sabe, conhece tudo.”
Estudar, fazer as tarefas escolares, ter bom comportamento na escola, para Mateus, são
formas de se tornar sábio. Mas o que ele não pode saber? As investigações sobre o que é um
pai permitem ao filho construir um saber sobre si, sobre sua origem, sobre o lugar do pai no
surgimento do filho. Porém, Mateus não podia saber quem é seu pai. Precisava permanecer na
40
Dançarino de um conjunto Funk.
111
ignorância de sua origem. Mesmo não se colocando no lugar do objeto materno, ele se torna
cúmplice da mãe em não querer saber.
Durante as sessões fica fascinado com um jogo no qual ele tem dinheiro para comprar
coisas. Exige da analista sempre o troco, mesmo quando ele não tem nada para receber de
volta: “agora eu quero o troco.” Querer o troco é o pagamento esperado por Mateus pelo fato
de ter aceitado o lugar de não saber quem é seu pai. Remete a sua espera paciente por alguém
que lhe indique quem é o pai. Assinala a cobrança que faz à mãe por ter renunciado um saber
que lhe é essencial, o saber de quem é seu pai.
6.1.2 Laura, a menina que veio da mãe
Laura é uma menina de três anos, que fora trazida para atendimento pela mãe e sua
avó materna. A queixa inicial é de a menina não querer ir com o pai”. Ambas descrevem a
criança como agitada, crítica, controladora e com personalidade forte.No primeiro ano de
vida apresentou diversas afecções. A mãe, Débora, relata ter passado o período da gravidez
bem conturbado, com brigas constantes entre ela e o namorado (pai de Laura). Após o
rompimento definitivo, o pai da criança somedurante um tempo. Quando a criança nasce
ele ressurge”, reivindicando a paternidade da filha. Durante um longo período, mãe e pai
brigam pela guarda da criança. Débora repudia a possibilidade de sua filha estar com o pai.
“Confesso que um tempo atrás influenciava para ela não ir com
ele. Agora tento ser neutra. Não consigo ver nele nada de bom. Ele é
grosso, tem pouca instrução, a casa onde mora não é adequada.
Possui vários bichos, tem muita poeira e ela tem o hábito de rolar
pelo chão. Meu pai sempre foi ausente. Teve uma época que eu o
odiava. Queria ter um pai igual ao das minhas amigas. Eu sofri
muito naquela época, fico com medo que ela sofra também. Aliás, ela
já sofre por causa disto”. (Mãe de Laura).
Como se vê, a mãe de Laura não permite que o pai se faça pai de sua filha. Pelas suas
palavras, ela não remete ao pai ao lugar de lei, de ponto de seu desejo. Mais ainda, no pai
da filha a ausência do próprio pai. No entanto, o pai quer se valer do seu papel de provedor da
112
criança e da sua função de privar a relação dual mãe e filha. Apela à instância jurídica que
interpele a mãe, que é impotente nessa função. É a partir da entrada de um juiz de direito
que aquele homem começa a ter o direito de pai. A lei do pai entra na relação mãe-filho-falo
pela palavra do juiz: “A criança deverá ir com o pai.”
Em seus atendimentos, Laura chega a questionar à analista: De onde você vem?”
Logo em seguida afirma: Eu venho da minha mãe!” Essa afirmativa aponta diretamente para
a problemática: o que é um pai? Para que serve um pai?
Para a criança ir com o pai significa que ela tem um pai. A menina nega essa
paternidade, afirmando ter vindo apenas da mãe. Para Laura, a mãe tem tudo, por isso ela não
precisa do pai. Porém, ao perceber que o olhar da mãe desvia-se para um outro homem, que
não é o pai, ela abre mão dessa totalidade oferecida em um primeiro momento pela mãe.
Assim, ela aceita o novo namorado da mãe como pai. Dessa forma, é o sujeito que diz quem é
o pai, neste caso, o namorado da mãe. Há, então, um outro homem que exerce a função
significante do Nome-do-pai, ou seja, a causa de desejo da mãe.
O homem, pai da criança, oscila em vários momentos entre a potência e impotência.
Ora se fortalecido em sua função, anunciando ser o pai, o dono da filha e do falo, ora se
enfraquecido nessa função, denunciando ser a mãe a portadora do falo. Ele diz:
Se as coisas continuarem assim penso em desistir da menina. Assim
que ela crescer ela vai me procurar e eu vou ter uma relação de
pai e filha com ela. Sem interferência das duas.” (Da mãe e da avó da
criança).
No decorrer dos atendimentos, a criança afirma gostar um pouquinhode seu pai.
Chega a ir para a casa dele sem fazer escândalos. Nesse momento, mãe e aficam abaladas
com a atitude da criança. Começa na família um novo movimento. Agora a queixa sobre a
criança é a da desobediência”. A partir da mudança da criança, esta é retirada de sua análise,
sendo alegadas dificuldades financeiras que impediam a manutenção dos atendimentos. Meses
depois, retornam dizendo que ela novamente “não quer ir com o pai.” A análise agora começa
a ser demarcada pela diferenciação das funções na família. A mãe é convocada a exercer a
função de mãe. É esta que deverá responder pela filha e não mais a avó materna. Novamente a
análise é interrompida, alegando-se que a criança “não quer mais ir.
O que a criança quer dizer quando afirma que não quer ir com o pai? Silvestre (1991,
p. 112) aponta “[...] que o temor ou a rejeição ao pai é de fato apelo e demanda a este.”
113
Alegando que não quer ir com ele, a criança convoca-o para interditar a mãe e a avó. Porém,
ela não pode decepcioná-las e ir com o pai sem olhar para trás. Diante dessa situação, no lugar
de ir com o pai, a criança faz sintoma. Vive com afecções dermatológicas, apresenta enurese
noturna, é “desobediente”.
Para Lacan (1969/2003), a criança elabora seu sintoma como forma de responder ao
sintoma da própria família. O sintoma é conseqüência do complexo de Édipo, pois é este que
orienta a estrutura familiar. Ele é o representante da verdade da família. Assim, o sintoma
surge pela vertente do par parental, ou seja, da mãe e do pai.
A mãe que ocupa o lugar de autoridade do pai no meio familiar retira do filho a
possibilidade dele ser castrado. Dessa forma, a criança neurótica elege o sintoma como forma
de vivenciar a castração simbólica que é proporcionada pelo Nome-do-pai. O sintoma é
construído pela criança como defesa frente a uma mãe totalizadora e a um pai da realidade
carente. Garcia–Roza (1995, p.227) afirma que “[...] o sintoma é aquilo que está no lugar da
palavra [...]”. O sintoma, como presença, assinala a ausência da palavra. A ausência da lei do
pai nas palavras da mãe é traduzida pela criança na forma de sintoma. Como a significação
paterna, a criança constrói a significação sintomática. No lugar de responder o que é um pai,
ou seja, o homem que faz de minha mãe uma mulher, ela encarna o sintoma como verdade,
como resposta de sua questão. É possível destacar assim a função estruturante do sintoma.
Quando a metáfora paterna é enfraquecida, é o sintoma que surge no lugar dela para estruturar
o sujeito na sua escolha neurótica.
Verdadeiramente, é uma nova versão da metáfora paterna. Na primeira versão
poderia se pensar que o pai poderia preencher o buraco do simbólico com seu
nome. Com essa nova versão, por outro lado, vemos que o pai se encarrega do
buraco, o protege, o rodeia, o marca com essa divisão entre a mulher e a mãe.
Assim, podemos esclarecer a estrutura da família edípica. Não se trata da famosa
trindade, a trindade é divina, não é humana. Não consta de três protagonistas, mas,
de quatro significantes, de quatro lugares, um deles sendo desdobrado. (NOMINÉ,
1997, p. 21).
Esse desdobramento apontado por Nomié o da figura feminina que, pela presença
do Nome-do-pai, se transformará de mãe em mulher. A figura feminina possui dupla função
no interior da família, uma de ser e de seu filho e outra de ser mulher de seu marido. A
mulher se faz mãe pelo homem do pai de seu futuro filho. Nominé (1997) afirma que para
um pai é mais importante que ele cuide da mulher e da mãe de seus filhos do que dos próprios
filhos, pois será por esta via que seu nome se constituirá.
114
[...] um pai sai do ostracismo, sai do anonimato quando faz de uma mulher
causa do desejo. É, exatamente, nesse momento, que um pai deixa de ser uma
incógnita para a criança, podendo, inclusive, obter para si respeito, admiração e até
renome. (SANTIAGO, 1998, p. 25).
O que ocorre exatamente no caso da criança que não quer ir com o pai é que a mãe,
também, não quer ir com ele. A mãe não se faz enquanto objeto de desejo do pai de sua
filha. Para a criança, o pai não é portador do falo imaginário. Ele não transforma sua mãe
em mulher. Novamente o sintoma emerge para simbolizar o que a mãe procura em outro
homem e não no pai. A mãe busca ser mulher frente a outro homem. A criança
simbolizará essa transformação pela via do sintoma. Como substituto do homem/pai, o
sintoma surgirá como veículo para a simbolização.
Verifica-se, nesse caso, que a função paterna irá se fazer valer por duas vertentes. A
primeira é demarcada pela Lei propriamente dita, na qual o juiz determina que a criança deve
ir com o pai. Nesse ato, o juiz exerce a dupla castração: primeiro, priva a mãe da criança - a
mãe aqui também é encarnada pela figura da avó materna - , e segundo, por castrar a criança
de ser o objeto fálico da mãe / avó.
A segunda vertente da função paterna é personificada através dos sintomas da criança.
A criança irá se desvencilhar das amarras maternas aos poucos, permitindo-se construir
paulatinamente as respostas às questões do pai.
“De onde você vem? Eu venho da minha mãe!” Vir da mãe, para essa criança, é fazer
oposição ao pai. É negar um amor que não é permitido, a não ser que seja velado pelo
sintoma.
6.1.3 Luís, o menino que não queria crescer
Luís é o segundo filho de Renata e Marcos. Os pais estavam separados um ano
quando o menino foi trazido para atendimento. Além de Luís, Renata e Marcos têm mais dois
filhos: um menino de dez anos e uma menina de três anos. Luís chega para a primeira
consulta aos cinco anos de idade. Sua mãe toma a iniciativa da procura clínica, está
“preocupada com o filho, pois este está com dificuldades de evacuar e quando acontece
sempre faz na roupa.” seis meses aproximadamente Luís vem apresentando esse sintoma.
Ele passou por vários exames médicos e eles constataram normalidade na organização
115
esfincteriana. O pediatra da criança incentiva a decisão da mãe na procura do atendimento
psicológico.
Segundo a mãe, Luís é um menino bem “esperto, inteligente e muito falante.” Diz que
ele vem “evacuando na roupa, pois não consegue sentar no vaso para fazer o cocô.” O
relacionamento com pai é conturbado e ela descreve o ex-marido como:
“irritado, nervoso, preocupado, não era de brincar com os meninos,
o tempo livre era dormindo, muito bravo, principalmente com o mais
velho, ele apanhou muito dele... Hoje raramente os meninos vêem o
pai. Aliás, vê só quando tempo. O pai faz o possível... O negócio é
complicado... O que eu sinto... Eu percebo que raramente eles
perguntam do pai. Eu tenho um namorado, o mais velho viveu
situações de chamar ele de pai...”
Na primeira sessão, Luís se apresenta da forma como a mãe o descreveu: falante e
esperto. Porém, a sensação proporcionada é de se estar com rios personagens de desenhos
animados no consultório, sua fala é caricaturesca. Fala muito no diminutivo: carrinho,
almofadinha, menininho, ursinho... Tem sempre um ritual de chegada: entra na sala, corre
para o sofá, se cobre com a manta e deseja à analista boa noite: good night! A questão da
encoprese
41
, assim como o relacionamento com o pai, demorarão a aparecer em suas
verbalizações e “brincadeiras”.
De acordo com Ajuriaguerra (19--), a encoprese adquirida após o controle
esfincteriano é mais freqüente em meninos em idade pré-escolar a partir dos quatro anos de
idade. O autor considera que esses quadros clínicos estão intimamente relacionados com o
casal parental, sendo que a figura materna se caracteriza muitas vezes como autoritária em
relação à criança e o pai apresenta-se como passivamente isolado e emocionalmente distante.
Ele afirma ainda que esse sintoma “[...] parece ser utilizado como manobra hostil e para
chamar a atenção dentro de uma relação hostilidade-dependência, num contexto de um
ambiente familiar específico, isto é, a ausência do pai.” (AJURIAGUERRA, 19--, p. 283). Foi
41
A encoprese é a evacuação intestinal parcial ou total na roupa que acontece depois da idade normal de
controle (mais de 4 anos), desde que não seja devida a algum tipo de problema orgânico ou medicamentoso
(laxante). Sua característica é a evacuação repetida de fezes em locais inadequados, como por exemplo, nas
roupas, na cama ou no chão (DSM.IV). A encoprese freqüentemente está relacionada à constipação (intestino
preso), impactação e retenção de fezes. Disponível em: http://pt.shvoong.com/humanities/1782505-encoprese-
que-%C3%A9/, consultado em 28 de junho de 2008.
116
verificado que, na história clínica de Luís, seu quadro sintomático ocorre após a separação de
seus pais e a efetiva ausência do pai em casa. Marcos, o pai, amplia o distanciamento de seus
filhos com essa mudança; ele não tem tempo para as crianças. Durante um longo período,
Marcos é convidado para entrevistas com a analista, mas sempre “está muito ocupado.”
Devido a insistência, ele acaba agendando alguns horários, que porventura são desmarcados
ou simplesmente inutilizados pela ausência do pai.
Mesmo com a ausência do pai, Luís prossegue com os atendimentos. A analista
resolve “provocar” o sintoma da criança e coloca no armário de brinquedos um pote de argila.
na primeira sessão, Luís encontra-o lá. Começa a mexer com a argila timidamente, mas
logo deixa-a de lado dizendo que é nojenta. Em várias sessões, Luís indaga à analista o que
“aquilo” faz ali. Dirige-se à argila com nojo, chega a pedir várias vezes para que ela seja
colocada em outro lugar. Quando é perguntado onde a argila deve ser colocada, Luís
responde: “no banheiro, é o lugar dela.” Mesmo se recusando a trabalhar com a argila,
Luís a substitui por tintas, faz desenhos misturando as cores, sendo o desenho amorfo e de cor
escura. Enquanto pinta, diz: é sujeira, aqueles e estes dois são sujeiras. Eles são irmãos.”
A fala de Luís não se apresenta mais tão caricatural. Suas brincadeiras estão mais
evoluídas e seu ritual de chegada é bem menos freqüente. No entanto, o sintoma persiste. Em
uma sessão, escreve em uma folha: “Sobre Luís”, a entrega para a analista e diz que irá ditar
coisas sobre ele e que ela deverá escrever.
[Título:] “O cocô
Não sinto dor de barriga. Não ligo de ficar sujo de cocô. Fico feliz,
alegre quando a mamãe tem que me limpar.”
Nessa sessão e em outras que virão, sempre no final, Luis evacua na roupa. O processo
começa a ficar bem conturbado, uma vez que Luís apresenta resistência para os atendimentos.
Freud (1917c/1988) ensina que as fezes para as crianças são consideradas como uma
dádiva, uma parte de seu corpo que ela presenteia a quem ama, e por isso, por via de regra,
as crianças não sujam os estranhos. A analista, mesmo se interpondo na relação da criança
com a mãe e, acima de tudo, “provocando” a apropriação do sentido do sintoma pela criança,
é eleita por Luís para ser aquela a quem o segredo pode ser dividido. No entanto, como a
criança é impotente frente a seu sintoma e não consegue simbolizar sobre a questão nas
sessões, precisa surgir no real, sendo literalmente um presente para a analista.
117
A defecação proporciona a primeira oportunidade em que a criança deve decidir
entre uma atitude narcísica e uma atitude de amor objetal. Ou reparte
obedientemente as suas fezes, ‘sacrifica-as’ ao seu amor, ou as retém com a
finalidade de satisfação auto-erótica e, depois, como meio de afirmar sua própria
vontade. (FREUD, 1917c/1988, p. 139).
Em conjunto com esses acontecimentos, a união da mãe com seu namorado
Guilherme; agora a casa de Luís tem um novo homem e também mais duas filhas, oriundas do
primeiro casamento de Guilherme. Mesmo Luís chegando a faltar a algumas sessões “por não
querer ir”, a mãe insiste e mantém os atendimentos. Não esconde sua angústia e ansiedade
pela demora da remissão do quadro sintomático do filho. Volnovich (1991) considera que na
Psicanálise com a criança, a última preocupação do analista é com a remissão do quadro
sintomático de seu paciente. Mesmo diante das pressões advindas dos responsáveis pela
criança, a redefinição do sintoma será dada no tempo oportuno pela criança. Para o autor, o
sintoma da criança, assim como o do adulto, está articulado com o fantasma. Dessa forma,
“[...] o sintoma da criança, como todo sintoma, vai se articular na hora que for descoberto o
sentido de seu fantasma inconsciente [...]”. (VOLNOVICH, 1991, p. 27).
Nesse sentido, Ferreira (2000) resgata o texto freudiano e afirma que o sintoma no
campo analítico é o substituto de uma satisfação pulsional. O desprazer provocado por essa
satisfação é desviado de seu percurso e encontra refúgio no sintoma. Esse por sua vez advém
como resposta a uma questão posta pelo sujeito, porém ele não sabe a que responde.
A que perguntas a encoprese de Luís vem responder? A primeira se refere a sua
dificuldade de crescer e, principalmente, se separar da mãe. Não consegue se desvencilhar do
lugar do filho pequeno, mesmo tendo uma irmã mais nova que ele. A segunda trata da
ausência do pai e da sua ineficiência na castração do filho. Quanto a isso, Ferreira (2000, p.
59) considera que o sintoma tanto da criança quanto o do adulto é um “[...] remédio produzido
pelo sujeito para a falha do pai.” Falha em interpelar a mãe de ter o filho como objeto
narcísico, falha em provocar o desejo materno em direção a si.
A nova união de Renata, a mãe, trará importantes contribuições para a alteração do
quadro sintomático de Luís. A partir de Guilherme, o pai Marcos aparece nas sessões. Luís
menciona que tem “900 anos que não o pai”, que tem saudades, mas é ele [pai] que tem
que ligar.” No entanto, a resistência frente aos atendimentos ainda continua.
Numa certa sessão, Luís se recusa a entrar na sala de atendimento. A mãe, por sua vez,
adentra a sala dizendo que ela então fará o atendimento naquele dia. Luís surpreso segue a
mãe e entra na sala. Renata começa a sessão contando que fez um trato com o filho. Ele
sempre lhe pede um vídeogame e como esse jogo é de “menino grande”, ela o dará quando
118
ele se portar como um menino grande, ou seja, quando parar de evacuar na roupa. Várias
pontuações a respeito de Luís são feitas por Renata naquela sessão. Num determinado
momento, Luís interrompe sua e e fala: “você pode sair agora.” A mãe atormentada
olha para a analista, que reforça: você pode sair agora. Com a saída da mãe da sala, a
analista interpela a criança questionando sobre o que acha do que foi dito ali. Luís em silêncio
respira fundo, vai até o armário de brinquedos, observa-os e escolhe um jogo. Olha para a
caixa e lê em voz alta: “Jogo da vida”. Em seguida, olha para a analista e exclama: “O jogo
da vida é tão difícil!” E obtém como resposta: “É, o jogo da vida é difícil.”
A partir daí inúmeras serão as sessões nas quais “o jogo da vida” irá fazer parte. O que
é tão difícil no “jogo da vida”? Para Luís, crescer. No jogo propriamente, qualquer situação
que remetia-lhe a uma posição de crescimento, Luís se rebelava contra ela: não queria pagar
suas dívidas, não queria casar e nem ter filhos. Em uma das sessões na qual era jogado o
“jogo da vida”, ao cair na casa onde nasciam filhos, Luís pede à analista:
“Posso trocar?” [Pode trocar?] É, por filhas...” [Por quê?] Não
quero ter filhos. O Guilherme não tem filhos...”
Nesse momento da vida de Luís, Guilherme ocupa um lugar para além do marido da
mãe. É aquele que propicia a Luís uma identificação: como o padrasto, Luís quer ser pai, mas
pai de meninas. O padrasto se faz efetivamente presente na vida de Luís; leva-o para as
sessões, pede à analista para marcar um horário para ele, pois acha importante saber mais
sobre o “filho”.
O quadro sintomático de Luís reduz consideravelmente, chega a fazer novamente o
cocô em uma das sessões, porém daquela vez corre para o banheiro e sentado no vaso
sanitário chama a analista euforicamente: “consegui! Consegui!” A resistência também
diminui. No final de uma sessão, Luís se despede da analista dizendo: nós fazemos uma boa
dupla.”
Luís conta uma história em que tem um “anel gico”, anel este que ganhou do pai e
o pai ganhou do pai dele.
“É um anel que cura, passa por tudo, fica invisível, tem muitos
poderes, é uma boa mágica”.
119
Afirma que foi o pai que deu os poderes para ele. Fala para a analista que ele irá dar a
ela alguns poderes, mas “não os poderes do pai.”
Ajuriaguerra (19--) considera que o quadro da encoprese será extinto no momento em
que a criança consegue restabelecer sua relação com o pai; o quadro sintomático será
substituído pela vivência edipiana. O desenlace sintomático acontecerá quando “[...] a relação
com o pai lhe traz de pronto uma imagem sólida e tranqüilizante, que a faça superar a díade
mãe-filho primitiva, para desembocar na relação triangular edipiana.” (AJURIAGUERRA,
19--, p. 285).
Quais são os poderes que a função paterna, encarnada por Guilherme, proporciona a
Luís? A primeira, como aponta a própria criança, a de “cura”. A segunda, o apontamento de
sua própria virilidade e a possibilidade de crescimento, não necessitando assim se fazer o
“filhinho da mamãe”, podendo se tornar ele mesmo, Luís.
***
Nos casos apresentados foram destacadas quatro características: a) o modo de
composição familiar; b) o quadro sintomático das crianças; c) o lugar que o pai da realidade
ocupa no contexto familiar; d) a maneira como a função paterna é exercida.
No momento em que essas crianças chegam para a análise, todas as famílias possuem
configurações distintas do modelo nuclear. As famílias de Mateus e Luís em um determinado
momento da vida tiveram sua composição pautada no modelo nuclear. Porém, no caso de
Mateus, ele nunca conviveu com a presença do pai. O modo de família de Mateus é
genuinamente monoparental feminina. a família de Luís, após o casamento de Renata com
Guilherme, tornou-se nuclear reconstituída. A família de Laura, composta por ela, pela mãe,
por um tio e pela avó, é uma família monoparental feminina extensa, uma vez que cabe à avó
todo o sustento da casa e a orientação da família.
Cada criança, a seu modo, apresentou uma problemática que fizeram-nos ser levados
para a análise. Apesar da singularidade dos quadros sintomáticos dificuldade de
aprendizagem; dificuldade de relacionamento com o pai, encoprese –, eles apontam para o
conflito frente à questão paterna. Cada criança, a partir de seu sintoma, cria uma cadeia
enigmática na tentativa de responder sobre o que é um pai. O conflito psíquico surge com o
intuito de tamponar o furo deixado pela ausência do pai no caso de Mateus, e/ou pela
fragilidade e impotência paterna nos casos de Laura e Luís.
É possível constatar que, mesmo diante da instabilidade do pai da realidade na vida
dessas crianças a função paterna será exercida, uma vez que se frustra e castra a criança na
sua condição de objeto fálico da mãe, ao mesmo tempo em que priva a mãe desse objeto. A
120
função paterna nessas famílias será desempenhada por vários vetores: pelo sintoma de cada
criança, pelo juiz de Direito, pelas internações, pelos namorados das mães de Laura e Luís.
É evidente que o quadro sintomático dessas crianças se interpõe entre elas e o desejo
materno. Contudo, ele por si só é insuficiente para aplacar esse desejo e livrar a criança da
total condição de objeto, da não diferenciação entre ela e a mãe. Dessa maneira, não se pode
deixar de destacar que algo do real, e no real, precisa emergir para que a operação simbólica
se estabeleça. É necessário que algo ou alguém concreto encarne a função paterna e seja o
vetor/operador da privação materna e da castração da criança.
O mundo atual se caracteriza por uma orfandade de ideais coletivos que norteiam e
organizam os sujeitos. Mesmo diante da fragilidade de ordenação dos tempos atuais, a função
paterna precisa de alguma maneira se fazer valer. A sua ineficácia ainda provoca a não
inscrição simbólica dos sujeitos. Para se evitar as discussões ideológicas que o termo “função
paterna” pode levantar, ele será denominado neste trabalho a partir de agora como “função de
limite”, pois afinal é esta a função radical que a função paterna opera, ou seja, fazer limite.
Destaque-se que a de “função de limite” está muito além do ato de
limitação/impedimento que os pais colocam frente ao comportamento de uma criança. A
“função de limite” não é a de proibir uma criança de andar descalço, não gritar, não brigar,
entre outros. Mas é uma função que priva e castra o “outro dos cuidados maternos”
42
do
investimento exacerbado sobre o seu objeto fálico, a saber, o filho/falo. Ela também irá incidir
sobre a criança proibindo-a dos desejos incestuosos com o par parental. A “função de limite”
faz borda no gozo tanto da criança quanto de quem a cuida.
Sendo assim, verifica-se que nos casos de Mateus, Laura e Luís a “função de limite”
fora exercida por diversos representantes, ou melhor, por pluralizações do nome do pai. Ela,
por sua vez, promoveu a subjetivação dessas crianças, permitindo a sua inscrição no campo
simbólico e a sua constituição como sujeito desejante.
42
Este termo é criado por Wagner Ranña (2004) para designar a pessoa que exerce a função de maternagem na
vida de uma criança.
121
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que é um pai? Essa pergunta permeou todo este trabalho na busca de identificar
como no mundo contemporâneo a questão sobre o que é um pai é respondida. Em conjunto a
essa problemática, foram feitas indagações se ou não em nossos dias o declínio da função
paterna, e, se nas famílias atuais, devido a sua diversidade de composição, se prescinde dessa
função. No desenvolvimento desta pesquisa esforços foram envidados para sustentar as
seguintes proposições: a) A família desde sua origem é formada por uma diversidade de
modelos, não tendo apenas um modo de composição que a caracterize e/ou a defina; b) As
transformações teóricas sofridas pela questão paterna na teoria lacaniana acompanham as
mudanças ocorridas quanto ao lugar do pai no contexto social. Destacou-se o desenlace
provocado por Lacan, da função paterna exercida exclusivamente pelo pai biológico; c) A
função paterna nos dias atuais se faz presente e é imprescindível para a constituição psíquica
dos sujeitos.
Zenoni (2007) considera que a partir da inauguração de uma sociedade na qual a
hierarquia e a desigualdades são criticadas, a questão sobre o que é um pai se apresenta como
“fora de moda”, pois junto a ela impõe-se uma nostalgia pelos áureos tempos em que o pai
ocupava o lugar de poder. Esse lugar lhe garantia privilégios e demarcava sua superioridade
frente aos demais membros da família e da sociedade, caracterizando assim a desigualdade
entre os seres. Em conjunto a essas considerações, como discutido no capítulo 5 deste
trabalho, Miller (2003) afirma que o Outro não existe. Se o Outro não existe e se em tempos
em que a igualdade é marco no modo de vida dos sujeitos, o que faz uma criança sair em
busca do pai? O que leva um sujeito investigar as formas de se “reconhecer” um pai?
A resposta à questão sobre o que é um pai não se limita ao lugar de poder que o pai de
outrora ocupava na sociedade. Mas sim, é perpassada principalmente sobre qual é a
participação dele na origem dos seres. Foi encontrado também como solução para a questão
outro argumento que pode traduzir o que é um pai; ela é dada por Lacan em seu último
ensino, no qual define o pai como aquele que tem uma mulher como causa de seu desejo. A
partir dessas considerações, foi possível afirmar que a questão sobre o que é um pai nunca
será arcaica, obsoleta. Mesmo num mundo globalizado como o atual, em que as tecnologias
avançam na velocidade da luz, o pai ainda é uma incógnita para os sujeitos. Aliás, pode-se
dizer que as novidades do mundo contemporâneo fortalecem esse enigma. As mudanças nas
formas de procriação, como, por exemplo, a procriação artificial, doador de esperma anônimo,
122
embriões congelados, e as mudanças nas formas de filiação dos filhos alterações no sistema
de atribuição do sobrenome, monoparentalidade, homoparentalidade sustentam a questão,
uma vez que remetem à desqualificação do homem no lugar de pai e ainda como o causador
do desejo materno.
Os conceitos Nome-do-Pai e função paterna muitas vezes são interpretados por meio
de um viés ideológico que defende a autoridade do pai. A égide do declínio desses conceitos
busca o desenlace com as tradições românticas, em que o pai era o seu representante. Tendo
em vista a multiplicidade dos laços afetivos e das modalidades de famílias em nossos dias, a
organização fálica encarnada pela função paterna é uma possibilidade de subjetivação entre
outras. Como foi discutido neste trabalho, Lacan, ao apresentar a pluralidade dos nomes do
pai, indica essas novas possibilidades, mas isso não quer dizer que ele anule a importância do
Nome-do-Pai, tanto em seu postulado teórico quanto nos processos de subjetivação.
Retomado novamente o texto lacaniano de 1938, Os complexos familiares, o autor afirma
ocorrer o declínio social da imago paterna, em outras palavras, é o declínio social do pai e não
o declínio daquilo que ele denominou de função paterna. É devido à importância da eficácia
dessa função que ela foi denominada neste trabalho “função de limite”.
De acordo com Brousse (2007), a família é uma estrutura simbólica privilegiada para a
constituição e manifestação dos ideais dos sujeitos. Ela, por sua vez, é ordenada pelo lugar do
pai e o exercício da função paterna. Contudo, nos dias de hoje, tanto os ideais da família
quanto a sua estruturação simbólica não estão mais organizados pela função paterna, mas
através de uma outra maneira, que implica numa pluralização, não tendo forma definida para
essas inscrições. Essa diluição da função paterna não implica em absoluto no falecimento da
família, mas sim, numa reorganização das relações familiares em torno de um ponto central
que a organiza de forma distinta. E que ponto é esse? Nos tempos atuais não existe uma
nomeação para o ordenador da família e dos sujeitos. Por isso, foi eleita a denominação de
“função de limite”.
No entanto, é freqüente escutar que as novas configurações familiares desestruturam
tanto a sociedade quanto os sujeitos nelas inseridos. Como demonstrado neste trabalho, o
modo de organização das famílias é decorrente da ordem social que a produz. A convicção de
que o modelo nuclear de família é o único modo de se viver em sociedade nasce com os
princípios burgueses pautados nos ideais afetivos que sustentavam a família na Época
Moderna. A perda da hegemonia da família nuclear no cenário social traz consigo a fantasia
da perda do amor romântico e dos ideais de igualdade próprios de seu tempo. As novas
formas de família exigem da sociedade novas saídas, ou melhor, novas respostas frente às
123
angústias da vida. Da mesma maneira que existe mais de uma forma de se fazer “função de
limite”, também haverá mais de uma maneira de responder sobre quem somos, de onde
viemos, o que nos constitui como sujeitos... Os ideais calcados na família nuclear não
garantem mais essas respostas. A variabilidade é característica do mundo contemporâneo.
Ceccarelli (2007, p. 95) considera que o “[...] o significante ‘família’ é representado,
como todo significante, por fatores conscientes e/ou inconscientes, que definem a maneira e
engendram as categorias pelas quais o mundo social é organizado.” Ainda sustenta a idéia de
que uma família será composta pelos “pais” e por seus “filhos”, porém essas denominações
estão longe de se referir a uma paternidade biológica e/ou a configuração heterossexual de
uma família. No resgate dos fundamentos que sustentam a noção de família, o autor lembra
que o surgimento de uma mãe e um pai não se configura através do nascimento real de uma
criança. Assim, o ato de filiação não é determinado pela consangüinidade. Independentemente
do modelo familiar, o ato em si será inaugurado pelo lugar em que a criança ocupa no
imaginário e na circulação do desejo daqueles que se dispuseram a ser seus pais. Nessa
medida, não interessa para o sujeito em qual forma de família a sua se encaixa: monoparental,
nuclear, convivente, entre outras.
Os casos clínicos apresentados nesta pesquisa tratam-se de sujeitos oriundos de
modelos de famílias distintas do modelo nuclear. Porém, o que evidencia o quadro
sintomático dessas crianças não é o fato delas pertencerem a um modelo não nuclear de
família, mas sim a dificuldade de algo se interpor entre a mãe e o seu objeto fálico e propiciar
a entrada da criança na organização simbólica. Percebeu-se, ainda, que a ausência do pai da
realidade ou a sua impotência dificulta a investigação dessas crianças sobre o que é um pai.
Investigação que se apresenta para qualquer sujeito, independentemente da forma de família
que advém.
Nesta pesquisa, não foram defendidos nem o retorno do pai para seu lugar de poder na
sociedade e na família nem tão pouco a exclusividade de uma forma de configuração familiar
no contexto social, mas sim houve a defesa da função paterna em sua “função de limite”
essencial para a constituição da subjetividade dos seres humanos.
Diante das configurações familiares atuais, principalmente das novas formas de
parentalidade, é proposta a seguinte questão: como nos dias atuais se exerce a função paterna
na ausência do pai da realidade?
Primeiro deve-se lembrar que a função paterna é uma “função de limite.” Ela, por sua
vez, pode ser encarnada por diversos representantes, suas variações são múltiplas. O
importante é que essa função possa emergir apontando a não complementaridade na relação
124
mãe-filho. É fato ainda que não exista apenas um modo de se estabelecer à subjetivação. O
acesso à ordem simbólica é realizado por caminhos múltiplos, visto que não se deve
considerar apenas um modo normativo de se constituir enquanto humano.
Como apresentado nesta pesquisa, a Psicanálise fora construída por Freud com o
intuito de resgatar o lugar do pai na sociedade. Nessa perspectiva, Lacan cunha em seu
postulado o Nome-do-Pai numa tentativa de demarcar a importância da operação significante
que ele detém. Nesses esforços, primeiro Freud e depois Lacan sustentam o lugar do Édipo na
constituição psíquica dos sujeitos. Porém, em conjunto com as transformações sociais, a
construções teóricas também se modificam. É claro que são encontradas de forma mais
evidente em Lacan essas transformações, mas não se pode deixar de chamar a atenção para a
característica ineditista que o texto freudiano possui mesmo depois de mais de 100 anos da
invenção da Psicanálise. Lacan, no final de seu ensino, provoca novas formas de se encarar a
subjetividade, criando a pluralização dos nomes do pai, o sinthome e a clínica borromeana.
Elas tentam compreender as novas formas de sintoma provenientes das mudanças dos laços
sociais.
A Psicanálise, mesmo pautada em seus princípios, a saber: o inconsciente, a pulsão e a
sexualidade, se atualiza diante das mudanças sociais, mas em nenhum momento despreza a
singularidade da interpretação do sujeito do mundo em que vive.
Finalizando, mesmo em tempos em que o Outro não existe, em que a fixação fálica
perde sua hegemonia na ordenação simbólica e na partilha dos sexos, em que os ideais na
cultura encontram-se em declínio, o sujeito, hoje, ainda necessita de algo ou alguém que de
alguma forma o conduza para a socialização.
O sujeito na contemporaneidade encontra-se carente de um pai que assuma a
transmissão da castração. No entanto, mesmo na ausência ou na insuficiência do pai da
realidade como operador de limite possibilidades dessa função se valer. Um terceiro que
encarne a operação de castração adota o sujeito, e permite assim sua constituição subjetiva.
Seja pela vertente do Nome-do-Pai, seja na vertente da amarração borromeana, do
sintoma, da inibição e de tantos outros que possam operar a função de limite, o essencial é que
de alguma maneira o Outro se faça valer e permita a inscrição dos sujeitos na ordenação
subjetiva.
É importante ressaltar, ainda, que não se pode afirmar sobre o “declínio da função
paterna” uma vez que essa função está atrelada à ordem da linguagem e por isso todos os
seres são castrados. Se a castração é da ordem da estrutura, assim não como haver o
declínio dela, pois mesmo em tempos em que o Outro não existe, a linguagem permeia e
125
inscreve os sujeitos através da articulação e do enlaçamento dos registros real, imaginário e
simbólico, permitindo que o sujeito advenha como singular.
Quanto à pergunta com que se iniciou este trabalho, o que é um pai, ela nunca cessará
de ficar sem reposta, pois “[...] não reconciliação possível com o pai por melhor pessoa
que seja ele. O amor que o sujeito espera como recompensa por sua renúncia é um logro
narcísico.” (SILVESTRE, 1991, p. 103).
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