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WANDER MARQUES VIEIRA
A METÁFORA E SUA FUNÇÃO PERSUASIVA EM ARTIGOS
DE OPINIÃO SOB A PERSPECTIVA DA LINGÜÍSTICA
SISTÊMICO-FUNCIONAL
MESTRADO EM
LINGÜÍSTICA APLICADA E ESTUDOS DA LINGUAGEM
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
2008
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ii
WANDER MARQUES VIEIRA
A METÁFORA E SUA FUNÇÃO PERSUASIVA EM
ARTIGOS DE OPINIÃO SOB A PERSPECTIVA DA
LINGÜÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL
Dissertação apresentada em atendimento à
exigência parcial para obtenção do título de
MESTRE em Lingüística Aplicada e Estudos
da Linguagem à Banca Julgadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo.
Orientadora: Profª. Drª. Sumiko Nishitani Ikeda
PUC - SP
2008
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iii
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________
Profª. Drª. Sumiko Nishitani Ikeda (orientadora)
_______________________________________
Profª. Drª. Fátima B.B. Delphino
_______________________________________
Prof. Dr. Antonio Paulo Berber Sardinha
iv
Aos meus pais,
pelo exemplo de vida.
v
AGRADECIMENTOS
À Professora Doutora Sumiko Nishitani Ikeda, minha orientadora, que me
ensinou e auxiliou – e muito – na realização desta pesquisa.
À Professora Doutora Fátima B.B. Delphino, integrante da Banca de
Qualificação, que participou disponibilizando material e sugestões importantes para a
conclusão dos trabalhos.
Ao Professor Doutor Antonio Paulo Berber Sardinha, integrante da Banca de
Qualificação, que contribuiu valiosamente nos ajustes necessários para a finalização
desta pesquisa.
Aos meus mestres do Programa de Pós-graduação em Lingüística Aplicada e
Estudos da Linguagem, da PUC – SP, que, detentores de minucioso conhecimento
técnico, sempre estimularam e conduziram-me a uma visão mais ampla dos meandros
do mundo da Lingüística.
Aos funcionários do LAEL, Maria Lúcia e Márcia – sempre prestimosas – me
auxiliaram.
Aos colegas de sala, por todos os momentos deixados indelevelmente em
mim.
À Andrieza e à Telma, que me ajudaram nos trabalhos.
À Secretária de Educação do Estado de São Paulo, pela bolsa concedida.
Último, porém, de forma alguma menos importante, Deus – que materializou
tudo isso.
vi
EPÍGRAFE
“Seja grato pelas portas de oportunidade -
e pelos amigos que põem óleo
nas dobradiças”
Autor anônimo
vii
WANDER MARQUES VIEIRA
A METÁFORA E SUA FUNÇÃO PERSUASIVA EM ARTIGOS
DE OPINIÃO SOB A PERSPECTIVA DA LINGÜÍSTICA
SISTÊMICO-FUNCIONAL
RESUMO
Os artigos de opinião têm uma função simbólica importante, parecendo partilhar da
opinião do jornal, ao sustentar implicitamente a asserção de que as demais seções,
por contraste, sejam puros ‘fatos’ ou ‘reportagens’. Como são assinados, não
necessariamente representam a posição ideológica do jornal (O Estado de São
Paulo); contudo, o simples fato de estarem nele, permite aos leitores investi-los com
a mesma autoridade e credibilidade que se atribui ao jornal, notam Kitis & Milapides
(1996). Assim, podemos utilizar para o artigo de opinião as mesmas palavras de
Fowler (1991), quando ele diz que, “o que distingue o editorial não é a oferta de
valores e crenças, mas o emprego de estratégias textuais que salientam o ato de
fala de oferta de valores e crenças”. A presente dissertação analisa os artigos de
Gaudêncio Torquato, publicados dominicalmente no jornal O Estado de São Paulo,
do ponto de vista da ‘Lingüística Crítica’, que propõe que “a análise, usando
instrumentos lingüísticos próprios e com referência a contextos históricos e sociais
relevantes, pode trazer a ideologia, normalmente escondida através da
habitualização do discurso, à superfície para inspeção” (Fowler, 1991: 89). Enquanto
o foco da análise do discurso tradicional está nos significados estabelecidos entre
sentenças e enunciados, na Análise Crítica, o foco está na seleção que é feita na
construção dos textos e em fatores que restringem e determinam essas escolhas e
em seu efeito. Segundo Charteris-Black (2004), “a metáfora é uma dessas escolhas
lingüísticas conscientes que esconde processos sociais subjacentes, e a análise da
metáfora pode ajudar a identificar o conteúdo textual implícito, uma vez que ela se
manifesta como evidência verbal para um sistema subjacente de idéia – ou
ideologia”. Kress & Hodge (1993: 15) propõem que “a ideologia envolve uma
apresentação sistematicamente organizada da realidade”. Com isso em mente, os
autores afirmam que a metáfora é vital na criação dessa apresentação da realidade.
Partindo de um corpus constituído por cinco artigos de opinião, o objetivo desta
viii
pesquisa é, por meio de estudo apoiado na metáfora, compreender o funcionamento
desse recurso lingüístico. É através da metáfora que o autor expressa seu
posicionamento atitudinal em relação aos acontecimentos políticos do País,
conseguindo assim, ao mesmo tempo em que evita ameaçar diretamente a face
da(s) pessoa(s) envolvida(s), envia sua mensagem e persuade seu leitor. Em minha
análise, recorro basicamente à Lingüística Sistêmico-Funcional (LSF), de Halliday
(1985; 1994) e seus colaboradores, à Teoria da Relevância, de Sperber & Wilson,
(1986, 1995), e às noções de Goatly (1997), bem como às ampliações e
contribuições que as teorias têm recebido. O que distingue a LSF, segundo Eggins
(1994), é que ela procura desenvolver uma teoria sobre a língua como um processo
social e uma metodologia que permite descrição detalhada e sistemática dos
padrões lingüísticos. A LSF tem sido considerada como a abordagem teórico-
metodológica mais adequada à Análise Crítica do Discurso (Fowler, 1991;
Fairclough, 1992). Por outro lado, Charteris-Black (2004) e Fairclough (1999a)
analisam a metáfora com base na Lingüística Funcional de Halliday (1985; 1994).
Palavras-chave: artigo de opinião; análise crítica; metáfora; avaliatividade; teoria da
relevância.
ix
WANDER MARQUES VIEIRA
THE METAPHOR AND ITS PERSUASIVE FUNCTION IN
OPINION ARTICLES FROM THE SYSTEMIC-FUNCTIONAL
LINGUISTICS PERSPECTIVE
ABSTRACT
Opinion articles have an important symbolic function of, seemingly, sharing the
paper’s opinion by covertly bolstering up the assertion that the other sections,
conversely, are pure ‘facts’ or ‘reports’. Once signed, they not necessarily represent
the paper ideological stance (O Estado de São Paulo); however, Kitis & Miliapes
(1996) claim that by being in it, they allow the readership to invest them with the
same authority and reliability ascribed to the newspaper. In so being, we can use for
the opinion article the very same Fowler’s words (1991), when he claims that “what
distinguishes an editorial is not the expression of values and beliefs, but the textual
strategies being used to stand out the speech acts of values and beliefs”. This work
analyses Gaudêncio Torquato’s articles, published on a weekly basis, in O Estado de
São Paulo, from the viewpoint of the ‘Critical Linguistics’, which proposes that
“analysis using appropriate linguistic tools, and referring to relevant historical and
social contexts, can bring ideology, normally hidden through habitualization of
discourse, to surface for inspection”, Fowler (1991: 89). While the focus of the
traditional analysis discourse is on the meanings established between sentences and
utterances, in CDA the focus is on the selections which are made in constructing
texts, on factors that constrain and determine these selections, and on their effect.
According to Charteris-Black (2004), “metaphor is one of these conscious linguistic
choices that conceals underlying social processes, and metaphor analysis can aid in
the identification of implicit textual content, and metaphor constitutes verbal evidence
for an underlying system of ideas – or ideology”. Kress & Hodge (1993: 15) propose
that “ideology involves a systematically organized presentation of reality”. With this is
mind, the authors claim that metaphor is vital in creating such a presentation of
reality. Stemming from a corpus of five opinion articles, the aim of this research is, by
means of a metaphor-based study, to understand the functioning of this linguistic
resource. It is through metaphor that the author expresses his attitudinal position on
x
the country’s political developments, and manages at the same time to directly avoid
threatening the face of the people involved, send out his message and persuade his
readership. In my analysis, I resort basically to the Systemic-Functional Linguistics
(Halliday, 1985; 1994), and its contributors, the Relevance Theory (Sperber & Wilson
(1986; 1995), the Goatly’s notions (1997) and the developments the theories have
been receiving. According to Eggins (1994), what differentiates the SFL is that it
seeks to develop a theory of language as a social process and a methodology which
allows detailed and systematic description of linguistic patterns. The SFL is
considered the more suitable theory-methodological approach to Critical Discourse
Analysis (Fowler, 1991); Fairclough, 1992). On the other hand, Charteris-Black
(2004) and Fairclough (1999a) analyse metaphor based on Halliday’s Functional
Linguistics (1985; 1994).
Key-words: opinion article; critical analysis; metaphor; appraisal, relevance theory.
xi
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Um modelo simples de comunicação lingüística............................. 17
Quadro 2 - Graus de convencionalidade: metáforas cansadas, adormecidas,
mortas e enterradas........................................................................ 18
Quadro 3 - Fontes de conhecimento na interpretação de texto........................ 20
Quadro 4 - Tipo de discurso e contexto social.................................................. 22
Quadro 5 - Um modelo elaborado de comunicação lingüística. (Anexo 5) ....... 24
Quadro 6 - Texto do artigo (1) com a caracterização do Campo de cada
parágrafo ........................................................................................ 63
Quadro 7 - Análise das metáforas do texto do artigo (1) .................................. 68
Quadro 8 - Texto do artigo (2) com a caracterização do Campo de cada
parágrafo. ....................................................................................... 74
Quadro 9 - Análise das metáforas do texto do artigo (2). ................................. 77
Quadro 10 - Texto do artigo (3) com a caracterização do Campo de cada
parágrafo ........................................................................................ 82
Quadro 11 - Análise das metáforas do texto (3). ................................................ 85
Quadro 12 - Texto do artigo (4) com a caracterização do Campo de cada
parágrafo. ....................................................................................... 90
Quadro 13 - Análise das metáforas do texto do artigo (4). ................................. 93
Quadro 14 - Texto do artigo (5) com a caracterização do Campo de cada
parágrafo. ....................................................................................... 98
Quadro 15 - Análise das metáforas do texto do artigo (5). ................................. 101
xii
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..................................................................................................... 1
1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA...................................................................... 6
1.1 O Literal e o Figurativo......................................................................... 6
1.2 A Metáfora ............................................................................................. 7
1.2.1 A Metáfora Conceitual.................................................................. 8
1.2.2 A Metonímia................................................................................. 13
1.2.3 Termos e Definições .................................................................... 14
1.2.4 A Metáfora e a Teoria da Relevância........................................... 20
1.2.4.1 O que é Relevância? ...................................................... 21
1.2.5 Alguns Problemas Metodológicos................................................ 26
1.2.6 A Abordagem Crítica da Metáfora................................................ 29
1.3 A Análise Crítica do Discurso................................................................ 30
1.3.1 A Análise Crítica da Metáfora....................................................... 32
1.3.2 A Metáfora e o Frame na Função Persuasiva.............................. 33
1.3.2.1 O Raciocínio Baseado em Frame................................... 35
1.3.2.2 O Contrabando de Informação e Outras Manobras........ 36
1.4 Lingüística Sistêmico-Funcional......................................................... 37
1.4.1 A Metafunção Interpessoal........................................................... 40
1.4.1.1 O Fenômeno da Propagação Avaliativa ......................... 43
1.5 A Política do ‘Dog Whistle.................................................................... 44
1.6 A Intertextualidade................................................................................ 46
1.6.1 A Representação de Discurso...................................................... 46
1.6.1.1 A Natureza Funcional do Discurso Relatado (DR).......... 49
1.6.2 Pressuposição.............................................................................. 51
1.7 A Ironia como Anti-Linguagem............................................................ 52
1.7.1 A Ironia no Jornal......................................................................... 52
1.8 Fundamentos Interpessoais da Conversa Indireta.............................. 54
2 DADOS........................................................................................................... 58
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS....................................................... 59
4 ANÁLISE........................................................................................................ 62
4.1 Texto 1 ................................................................................................... 62
4.2 Texto 2 ................................................................................................... 73
4.3 Texto 3 ................................................................................................... 81
4.4 Texto 4 ................................................................................................... 89
4.5 Texto 5 ................................................................................................... 97
xiii
5 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ................................................................ 105
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................ 109
REFERÊNCIAS.................................................................................................... 111
ANEXOS.............................................................................................................. 114
1
INTRODUÇÃO
Esta dissertação estuda a função persuasiva no gênero artigo de opinião,
publicado no jornal O Estado de São Paulo, através do exame das metáforas nele
contidas. O artigo de opinião - como está assinado - não necessariamente
representa a posição ideológica do jornal, como é o caso de um editorial; contudo, o
simples fato de estar nele, permite aos leitores investi-lo com a mesma autoridade e
credibilidade que se atribui ao jornal, conforme dizem Kitis & Milapides (1995).
Assim, o artigo de opinião tem uma função simbólica importante, parecendo
partilhar da ‘opinião’ do jornal, ao sustentar implicitamente a asserção de que as
demais seções, por contraste, sejam puros ‘fatos’ ou ‘reportagens’. O simbolismo
textual é salientado por uma disposição e tipografia, sendo esses artigos geralmente
impressos na mesma posição e página todos os dias. Acreditamos poder aproveitar
aqui os dizeres muito oportunos de Fowler (1991), quando ele trata do editorial,
explanando que “a distinção desse gênero não reside na oferta de valores e
crenças, mas no emprego de estratégias textuais que salientam o ato de fala de
oferta de valores e crenças”.
Ele afirma que a representação em um meio semiótico como a língua é
inevitavelmente um processo estruturador, que valores e proposições implícitos são
continuamente articulados de tal forma que o discurso é sempre uma representação
de um certo ponto de vista.
O autor é um dos idealizadores da ‘Lingüística Crítica’, segundo a qual a
análise feita com instrumentos lingüísticos próprios e com referência a contextos
históricos e sociais relevantes, pode trazer a ideologia, normalmente escondida pela
habitualização do discurso, à superfície para inspeção. Nas ciências sociais e nas
humanidades, ‘crítica’ é em geral usada para referir-se a perspectivas teóricas e
metodologias que têm como objetivo alterar a ordem social e política existentes.
O ponto teórico principal na análise de Fowler é o de que qualquer aspecto da
estrutura lingüística carrega significação ideológica; seleção lexical, opção sintática,
etc., todos têm sua razão de ser. Há sempre modos diferentes de dizer a mesma
coisa e esses modos não são alternativas acidentais. Diferenças em expressão
trazem distinções ideológicas (e assim diferenças de representação). Para Fowler,
Introdução
2
na medida em que sempre há valores implicados no uso da língua, deve ser
justificável praticar um tipo de lingüística direcionada para a compreensão de tais
valores.
A Análise Crítica está interessada no questionamento das relações entre
signo, significado e o contexto sócio-histórico que governam a estrutura semiótica do
discurso, usando um tipo de análise lingüística. Ela procura, estudando detalhes da
estrutura lingüística à luz da situação social e histórica de um texto, trazer, para o
nível da consciência, os padrões de crenças e valores codificados na língua - que
estão subjacentes à notícia e que são invisíveis para quem aceita o discurso como
algo ‘natural’.
Enquanto o foco da análise do discurso tradicional está nos significados
estabelecidos entre sentenças e enunciados, na Análise Crítica o foco está na
seleção que é feita na construção de textos, em fatores que restringem e
determinam essas escolhas (i.e. sua causa), e em seu efeito. Isso porque, da
perspectiva da Análise Crítica, todos os enunciados são potencialmente constritivos -
e realmente, determinados - pelas relações sociais que existem entre os
participantes. A Análise Crítica, portanto, envolve a análise ideológica do conteúdo
textual implícito, e baseia-se na visão de que textos não são neutros como parecem;
isso porque os processos sociais que levam a escolhas conscientes são escondidos
ou feitos opacos na codificação lingüística.
A metáfora é, então, uma dessas escolhas lingüísticas que esconde
processos sociais subjacentes, e a análise da metáfora pode ajudar a identificar o
conteúdo textual implícito.
Verificando que a linguagem figurada é geralmente ignorada na teoria
lingüística, Langacker (1987: 1) observou que seria difícil encontrar algo mais
presente e fundamental na língua no domínio da estrutura gramatical do que essa
linguagem; se a linguagem figurada fosse sistematicamente eliminada de nossa
base de dados, pouco, talvez quase nada restaria, diz o autor. Dessa forma,
precisamos de um método para conceber e descrever a estrutura gramatical que
aceite a linguagem figurada como sendo natural, um fenômeno esperado, não
especial ou problemático. Uma estrutura conceitual adequada para a análise
Introdução
3
lingüística colocaria a linguagem figurada não como um problema, mas parte da
solução.
A propósito, Charteris-Black (2004) diz que a análise da metáfora deveria ser
um componente central da Análise Crítica. Isso porque as metáforas são usadas
persuasivamente para expressar avaliação e, em sendo assim, constituem parte da
ideologia dos textos. Kress & Hodge (1993: 15) propõem que “a ideologia envolve
uma apresentação sistematicamente organizada da realidade”. Com isso em mente
o autor afirma que a metáfora é vital na criação dessa apresentação da realidade; é
o que Fairclough (1995a: 71) descreve como “a configuração total das práticas
discursivas de uma sociedade ou uma de suas instituições”.
A esse respeito, Flood (1996: 14) afirma que “a ideologia existe como um
fenômeno social por ser comunicada através de ações verbais que direta ou
indiretamente justificam os cursos da ação política”. O autor afirma que o potencial
pragmático da metáfora em evocar respostas emotivas implica que é exatamente
essa a forma de ação verbal. A metáfora é por isso central para a Análise Crítica já
que se relaciona com a formação de uma visão coerente da realidade. A Análise
Crítica de contextos de metáforas em corpora grandes pode revelar intenções
subjacentes do produtor do texto, e assim serve para identificar a natureza de certas
ideologias.
As metáforas, que se tornaram convencionalizadas, tanto na mídia quanto no
discurso acadêmico, são potencialmente importantes porque fornecem exemplos
excelentes dessas representações socialmente pungentes, conforme afirma
Charteris-Black. Isso porque elas constituem uma evidência verbal para um sistema
subjacente de idéias - ou ideologia -, cujas suposições podem ser ignoradas se
estivermos inconscientes delas.
Para tanto, contribui também a visão de Hunston (1993a; 1993b; 1994), que,
com base nos trabalhos de sociólogos da ciência (e.g. Latour & Woolgar, 1979),
mostra que se pode persuadir uma comunidade a aceitar as afirmações de novos
conhecimentos sem o uso de meios explícitos para essa finalidade. Hunston (1994:
193) propõe que:
Introdução
4
“To be convincing what is persuasion must appear only to be
reportage. It follows that the evaluation through which the
persuasion is carried out must be highly implicit and will, in fact,
avoid the attitudinal language normally associated with
interpersonal meaning”
1
.
Nesse sentido, Charteris-Black elege a Lingüística Sistêmico-Funcional,
proposta por Halliday (1985; 1994) e seus seguidores para servir de base de sua
análise de metáfora. Também Fowler e Fairclough, da sua posição de lingüistas
críticos, acreditam que essa teoria lança luzes sobre a relação língua e contexto,
especialmente através da noção de registro e suas variáveis de campo, relações e
modo. E esta igualmente será a orientação seguida pela presente pesquisa.
Justificativa da pesquisa
Sou leitor dos artigos de Gaudêncio Torquato há muito tempo e sempre me
chamou atenção seu estilo jocoso de lidar com assuntos sérios, em especial os que
dizem respeito aos interesses do País. Ao entrar em contato com disciplinas que
tratam da compreensão escrita e da linguagem atitudinal contida nos textos,
compreendi que a leitura, como é tradicionalmente ensinada nas salas de aula, ou
seja, restringindo-se, em geral, ao conteúdo que transparece na superfície do texto,
merecia ser enfocada de maneira mais profunda, no sentido de desenvolver
posicionamento mais crítico do discente.
Como diz Fowler (1987: 67) “não há representação neutra da realidade”. Por
outro lado, não temos como compreender a realidade ou o mundo se não for através
da língua (que estrutura e reconstrói a realidade). Contudo, há diferença entre uma
linguagem mais neutra e a que poderíamos chamar de linguagem emocionalmente
carregada: esta apela mais para as nossas emoções do que para a nossa
capacidade cognitiva. Devemos, pois, saber que a escolha das estruturas
lingüísticas para representar eventos, processos ou estados é significativa do ponto
de vista da ideologia que eles refletem, mas também a constituem. Devemos estar
1
Para ser convincente a persuasão deve se parecer a uma reportagem. E por conseguinte, a
avaliação pela qual a persuasão é realizada deve ser altamente implícita e, assim, evitará a
linguagem atitudinal normalmente associada ao significado interpessoal.
Introdução
5
conscientes de que crenças e valores estão subjacentes à notícia e que são
invisíveis para quem julga que o discurso seja sempre factual.
Objetivo
O objetivo desta pesquisa é examinar as metáforas utilizadas em cinco artigos
de opinião, de Gaudêncio Torquato, publicados no jornal O Estado de São Paulo,
para verificar a função persuasiva que elas exercem no discurso.
Perguntas de pesquisa
a) Por que o autor lança mão das metáforas de animais?
b) Qual a função das metáforas na persuasão?
6
1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
1.1 O Literal e o Figurativo
Ponterotto (1994) explica a distinção entre o figurativo e o literal, dizendo
inicialmente que, na tradição retórica clássica, o alvo principal da língua era o de
descrever o mundo, a representação transparente dos fatos da realidade. A língua
que significa (ou pretende significar) aquilo que diz, e que utiliza palavras no ‘sentido
padrão’, derivadas da prática comum de seus falantes nativos, é chamada de literal.
A linguagem figurada é aquela que não significa aquilo que se diz. De certa forma,
ela é deliberadamente vista como aquela que interfere no sistema de uso literal
(Hawkes, 1972). É importante saber que, dadas as tendências contemporâneas no
estudo da lingüística, essa premissa tem sido questionada. Onde traçar linha
divisória entre o literal e o figurado? Vejamos os exemplos seguintes (Damos a
tradução no rodapé, embora saibamos que nem sempre é possível traduzir uma
metáfora sem o risco de perder muito do seu significado):
(1) Those are high stakes
2
.
(2) He’s bluffing.
(3) He’s holding all the aces.
(4) The odds are against me.
(5) That’s the luck of the draw
3
.
O exemplo (5) é obviamente uma maneira bastante figurada de se expressar.
As sentenças (1) e (2) seriam provavelmente aceitas como quase-literais devido à
sua simples estrutura sintática e freqüência de utilização. As sentenças (3) e (4)
poderiam ser classificadas como que um meio-termo. Entretanto, vistas com maior
atenção, todas são expressões idiomáticas.
Por outro lado, experimentos na psicologia demonstram que a mente ativa as
mesmas estratégias no processamento tanto do literal quanto do figurado (Ortony,
2
Essas são apostas altas.
Ele está blefando.
Ele está em vantagem.
Eu estou em desvantagem.
É a sorte.
3
Nem sempre é possível a tradução da metáfora. Assim, em alguns casos, deixamos o exemplo na
língua de origem, no caso, o inglês.
Fundamentação teórica
7
1979). Mas estudos na lingüística, na psicolingüística, na filosofia, na semiótica e na
semântica literária indicam que a compreensão do que constitui o figurado é
extremamente complexa.
1.2 A Metáfora
A noção mais antiga de metáfora no Ocidente vem de Aristóteles, do século
IV a.C. Segundo ele, uma metáfora é o uso do nome de uma coisa para designar
outra. Na Arte Poética, ele a define como:
“A transposição do nome de uma coisa para outra,
transposição do gênero para a espécie, ou da espécie para o
gênero, ou de uma espécie para outra, por analogia.“
(Aristóteles, 384-322 a.C. – a XXI, 7).
Segundo Berber Sardinha (2006), Aristóteles apresenta quatro tipos de
metáfora: do gênero para a espécie, da espécie para o gênero, da espécie para a
espécie e de analogia. Esses tipos incluem, na verdade, casos que hoje
chamaríamos de hipérbole e de sinédoque, além da metáfora. O quarto tipo é o que
mais se encaixa nas definições contemporâneas de metáfora. Aristóteles considera
a comparação direta como uma metáfora: “A comparação é também uma metáfora;
a diferença é muito pequena”
4
. Por exemplo, ‘ele pulou no inimigo como um leão’ e
‘o leão pulou’ são ambas metafóricas, já que nas duas a propriedade de coragem foi
transferida para ‘ele’ (no caso, Aquiles).
Ao longo dos anos, continua Berber Sardinha, a categoria de metáfora inicial
de Aristóteles foi sendo desmembrada e refinada em muitas ‘figuras de linguagem’.
Algumas dessas figuras normalmente incluídas nos esquemas de classificação são:
alegoria, antífrase, antonomásia, aforismo, apóstrofe, arcaísmo, catacrese,
circunlocução, enálage, eufemismo, hipálage, hipérbole, ironia, metáfora, metonímia,
oxímoro, parábola, paradoxo, paronomásia, prosopopéia, silepse, sinédoque e
zeugma. Como se percebe, a origem do nome dessas figuras é o grego. Metáfora
vem do grego ‘metapherein’, que significa ‘transferência’ ou ‘transporte’.
Etimologicamente, é formada por ‘meta’, que quer dizer ‘mudança’ e por ‘pherein’
que significa ‘carregar’.
4
‘The simile also is a metaphor; the difference is but slight.’ (Aristotoles, 384-322 a.C.-b III, 4).
Fundamentação teórica
8
Durante a primeira metade do século XX, o interesse pela metáfora diminuiu
entre os filósofos devido à filosofia lógico-positivista, que nasceu na Áustria nos anos
de 1920 e se tornou o modelo dominante para a ciência durante décadas, diz Berber
Sardinha. Essa corrente se preocupava com questões como verdade, falsidade e
objetividade, o que desvalorizou a noção de metáfora, já que esta seria um desvio
ou manipulação da verdade. Hoje, muitos estudiosos se debruçam sobre o assunto,
entre os quais podemos citar: I. A. Richards, Max Black, George Lakoff, Mark L.
Johnson, Michael Halliday e Lynne Cameron.
Passamos a apresentar as idéias centrais da proposta de Lakoff & Johnson
(1980) para o estudo da metáfora. Trata-se de uma visão sobre o assunto até hoje
respeitada, e que mostra que a metáfora não é uma questão lingüística apenas, mas
sim um conceito que permeia nosso modo de agir e de pensar e, mais, sem a qual
estas nem poderiam existir plenamente.
1.2.1 A Metáfora Conceitual
A teoria da metáfora conceitual foi formulada por George Lakoff e Mark L.
Johnson, um lingüista e um filósofo americanos, respectivamente, no final da década
de 1970, e divulgada em seu livro Metaphors We Live By, de 1980. Segundo os
autores, a metáfora é, para a maioria das pessoas, um instrumento da imaginação
poética e floreamento retórico – um assunto mais da linguagem extraordinária do
que da comum.
Além disso, a metáfora é vista como característica somente da língua, um
assunto sobre palavras e não sobre pensamento ou ação. Por isso, a maioria das
pessoas pensa que pode viver perfeitamente sem a metáfora. Descobrimos que,
pelo contrário, dizem os autores, a metáfora permeia a vida cotidiana, não somente
na língua, mas também no pensamento e na ação. Nosso sistema conceitual
comum, em termos do qual pensamos e agimos, é fundamentalmente metafórico por
natureza.
Nossos conceitos estruturam o que percebemos, o modo como vivemos no
mundo e nos relacionamos com as pessoas, dizem os autores. Nosso sistema
conceitual desempenha, assim, um papel central na definição das realidades do
Fundamentação teórica
9
cotidiano. Para dar uma idéia do que significa um conceito ser metafórico e por meio
dele estruturarmos nossa atividade diária, eles começam com o conceito
ARGUMENTO e a metáfora conceitual ARGUMENTO É GUERRA.
Ele atacou todos os pontos fracos do meu argumento.
Suas críticas atingiram bem no alvo.
Eu destruí seus argumentos.
É nesse sentido que ARGUMENTAÇÃO É GUERRA é uma metáfora através da
qual vivemos em nossa cultura; ela estrutura as ações que realizamos numa
argumentação.
Outra metáfora conceitual é AMOR COMO VIAGEM, que se reflete em
expressões como as que seguem:
Veja a que ponto chegamos.
Agora não podemos voltar mais.
A metáfora, dizem os autores, envolve a compreensão de um domínio da
experiência, no caso, o amor, em termos de um domínio muito diferente da
experiência, as viagens. A metáfora pode ser entendida como o mapeamento de um
domínio-origem (neste caso, as viagens) a um domínio-alvo (neste caso, o amor). O
mapeamento é estruturado sistematicamente. Há correspondências ontológicas, de
acordo com as quais as entidades no domínio do amor (por exemplo, os amantes,
seus objetivos comuns, suas dificuldades, a relação amorosa etc.) correspondem
sistematicamente a entidades no domínio de uma viagem (os viajantes, o veículo, os
destinos etc.).
O que constitui a metáfora tema amor-como-viagem não é nenhuma palavra
ou expressão particular. É o mapeamento ontológico e epistêmico entre domínios
conceituais, do domínio-fonte das viagens ao domínio-alvo do amor. A metáfora não
é uma questão apenas de linguagem, mas de pensamento e razão. A linguagem é o
reflexo desse mapeamento, que é convencional, um dos nossos modos
convencionais de entender o amor.
Por outro lado, continuam os autores, a mesma sistematicidade que nos
permite compreender um aspecto de um conceito em termos de outro (e.g.
compreender um aspecto da argumentação em termos de batalha), esconde
Fundamentação teórica
10
necessariamente outros aspectos do conceito. Alguém que esteja argumentando
com um interlocutor poderia ser visto como alguém que lhe está dando seu tempo,
um artigo valioso, num esforço para o entendimento mútuo. Mas se estivermos
preocupados com aspectos de guerra, perderemos a visão desses aspectos
cooperativos.
Os tipos principais de metáfora conceitual são:
a) Metáforas estruturais – são casos em que um conceito é metaforicamente
estruturado em termos de outro (como o da argumentação/guerra).
b) Metáforas orientacionais – organizam um sistema inteiro de conceitos em relação
a outro, e relacionam-se com a orientação espacial: cima-baixo, dentro-fora,
frente-atrás, fundo-raso, central-periférico. Essas orientações metafóricas não
são arbitrárias. Elas têm base em nossa experiência física e cultural. Por
exemplo, em algumas culturas o futuro está na frente de nós, enquanto que em
outras está atrás.
FELICIDADE É PARA CIMA; TRISTEZA É PARA BAIXO.
SAÚDE E VIDA SÃO PARA CIMA; DOENÇA E MORTE SÃO PARA BAIXO.
MAIS É PARA CIMA; MENOS É PARA BAIXO.
BOM É PARA CIMA; MAU É PARA BAIXO.
RACIONAL É PARA CIMA; EMOCIONAL É PARA BAIXO.
Além disso, sentimos que nenhuma metáfora pode ser compreendida, ou
mesmo adequadamente representada, independentemente da sua base
experiencial. Os valores a que damos prioridade é, em parte, uma questão da sub-
cultura em que vivemos e em parte uma questão de valores pessoais. Houve tempo
(antes da inflação e da crise de energia) em que ter um carro pequeno tinha status
alto dentro da sub-cultura em que VIRTUDE É PARA CIMA e ECONOMIA DE RECURSOS É
VIRTUOSA
tinha prioridade sobre MAIOR É MELHOR.
Nem todas as culturas dão a prioridade que damos à orientação para cima-
baixo. Há culturas em que o equilíbrio ou a centralidade desempenham papel mais
importante do que em nossa. Assim também, a orientação não espacial ativo-
passivo. Para nós
ATIVO É PARA CIMA e PASSIVO É PARA BAIXO, mas há culturas em
que a passividade é mais valorizada do que a atividade.
Fundamentação teórica
11
c) Metáforas ontológicas (Metáforas de entidade e substância) - Nossa experiência
de objetos e substâncias físicas fornece base adicional para a compreensão, que
vai além da mera orientação. Uma vez identificada a experiência como entidade
ou substância, podemos referir-nos a elas, categorizá-las, agrupá-las e
quantificá-las e, assim, refletir sobre as mesmas. Mesmo quando as coisas não
são claramente delineadas ou delimitadas, ainda assim as categorizamos como
tais, e.g. montanhas, ruas, cercas, etc. Os homens têm necessidade, para
apreender o mundo, de impor aos fenômenos físicos limites artificiais que os
tornem tão discretos quanto nós mesmos: entidades limitadas por uma superfície.
As metáforas ontológicas servem a vários propósitos. Tomemos o exemplo de
preços que sobem, que pode ser visto metaforicamente como uma entidade por
meio do substantivo inflação. Isso nos dá condição de nos referirmos à experiência:
INFLAÇÃO É UMA ENTIDADE
A inflação está baixando nosso padrão de vida.
Nesse caso, ver a inflação como uma entidade permite-nos fazer referência a
ela, identificar seu aspecto, vê-la como causa, agir a seu respeito, e talvez acreditar
que a entendemos. As metáforas ontológicas como essa são necessárias para tratar
racionalmente das nossas experiências.
d) Metáforas de recipientes (contâiner) - Somos seres físicos, limitados do resto do
mundo pela superfície de nossas peles, e experienciamos o mundo como exterior
a nós. Cada um de nós é um recipiente, com uma superfície delimitada e uma
orientação dentro-fora. Há poucos instintos humanos mais básicos que a
territoriedade. E essa definição de território, colocando um limite ao seu redor, é
um ato de quantificação.
Objetos delimitados, seres humanos, rochas, áreas de terra, possuem
tamanho. Isso permite serem quantificados em termos de quantidade de substância
que contêm. São Paulo, por exemplo, é uma área delimitada, um recipiente – e por
isso podemos dizer, ‘Há muita terra em São Paulo’.
As substâncias podem ser vistas como recipientes. Por exemplo, uma
banheira de água. Quando se entra na banheira, entra-se na água. Tanto a banheira
quanto a água são vistas como recipientes, mas de tipos diferentes. A banheira é um
RECIPIENTE OBJETO, enquanto que a água é um RECIPIENTE SUBSTÂNCIA.
Fundamentação teórica
12
A propósito, conceituamos nosso campo visual e o que vemos como estando
dentro dele. O termo ‘campo visual’ já sugere isso. Dado que um espaço físico
delimitado é um recipiente e que nosso campo de visão se correlaciona com esse
espaço físico delimitado, o conceito metafórico CAMPOS VISUAIS SÃO RECIPIENTES
emerge naturalmente. Assim, podemos dizer:
Tenho-o em vista.
Não consigo vê-lo: a árvore está no caminho.
Ele está fora da visão agora.
Usamos também as metáforas ontológicas para compreender eventos, ações,
atividades e estados. Eventos e ações são conceituados metaforicamente como
objetos; atividades como substâncias e estados como recipientes. Uma corrida, por
exemplo, é um evento visto como uma entidade discreta. Assim, podemos dizer:
Você está na corrida no domingo? (corrida como OBJETO RECIPIENTE)
Você está indo para a corrida? (corrida como OBJETO)
Você viu a corrida? (corrida como OBJETO)
Vários tipos de estado podem também ser conceituados como recipientes.
Assim, por exemplo:
Ele está em desespero.
Estamos fora do perigo agora.
e) Metáforas de personificação – Talvez as metáforas ontológicas mais óbvias
sejam aquelas em que os objetos físicos são concebidos como pessoas. Isso nos
permite compreender uma ampla variedade de experiências com entidades não-
humanas em termos de motivações, características e atividades humanas. Aqui
estão alguns exemplos:
Sua teoria explica o comportamento de galinhas criadas em fábricas.
Este fato vai contra as teorias padrão.
A vida me enganou.
A seguir, Lakoff caracteriza a metonímia, mostrando a diferença que existe
entre essa figura de linguagem e a metáfora.
Fundamentação teórica
13
1.2.2 A Metonímia
Com a personificação, estamos imputando qualidades humanas às coisas –
teorias, doenças, inflação, etc. Esses casos devem ser diferenciados de outros
como:
O sanduíche de presunto está esperando sua conta.
Estamos incluindo um caso especial de metonímia que os retóricos
tradicionais chamaram de sinédoque, em que a parte substitui o todo:
Há várias cabeças boas na Universidade.
A metáfora e a metonímia são diferentes tipos de processos. A metáfora é
principalmente um modo de conceber uma coisa em termos de outra, e sua função
primordial é a compreensão. A metonímia, por outro lado, tem primariamente uma
função referencial, isto é, ela nos permite usar uma entidade para representar uma
outra.
Quando dizemos ‘O Times não chegou ainda para a coletiva’ estamos usando
O Times não meramente para nos referir ao repórter, mas também para sugerir a
importância da instituição que ele representa. Assim ‘O Times não chegou ainda
para a coletiva’ significa algo diferente de ‘Steve Roberts não chegou ainda para a
coletiva’, mesmo que Steve Roberts seja o repórter do Times em questão.
Assim a metonímia serve algumas das metas da metáfora, e por vezes da
mesma maneira, mas nos permite focalizar mais especificamente certos aspectos do
que está sendo referido.
Como as metáforas, as metonímias não são ocorrências casuais ou
arbitrárias, para serem tratadas como instâncias isoladas. Os conceitos metonímicos
são também sistemáticos, como pode ser visto nos seguintes exemplos
representativos que existem na nossa cultura:
A PARTE PELO TODO
Ponha seu traseiro aqui!
PRODUTOR PELO PRODUTO
Ele comprou um Ford.
Fundamentação teórica
14
OBJETO USADO PELO USUÁRIO
O saxofone está gripado hoje.
CONTROLADOR PELO CONTROLADO
Nixon bombardeou Hanói.
INSTITUIÇÃO PELA PESSOA RESPONSÁVEL
A Esso aumentou os preços outra vez.
O LUGAR PELA INSTITUIÇÃO
A Casa Branca não está se pronunciando.
Os conceitos metonímicos como esses são sistemáticos do mesmo modo que
os conceitos metafóricos. As sentenças acima não são casuais. Elas são exemplos
de certos conceitos metonímicos gerais em termos dos quais organizamos nossos
pensamentos e ações. Assim, como as metáforas, esses conceitos estruturam não
somente nossa linguagem, mas também nossos pensamentos, atitudes e ações. E,
como os metafóricos, os conceitos metonímicos estão apoiados na nossa
experiência.
Referimo-nos, a seguir, à proposta de Goatly (1997). Segundo o autor, os
tipos mais ativos de metáforas exigem trabalho considerável de interpretação além
da decodificação de sua semântica. Na tentativa de explicar esse processo
complexo, ele se apóia na noção de Registro, da Lingüística Sistêmico-Funcional e
na Teoria da Relevância (Sperber & Wilson, 1986), oferecendo concomitantemente
importantes definições que contribuem para esclarecer o funcionamento da
metáfora.
1.2.3 Termos e Definições
Nos últimos trinta anos, diz Goatly (1997), filósofos, psicólogos e lingüistas
têm aceito o fato de que a metáfora, embora não seja fácil de ser delineada, é
indispensável para a língua e para o pensamento. Conscientemente ou não,
empregamos metáfora o tempo todo. Mas mais importante que sua ubiqüidade
(Paprotte & Dirven, 1985), as metáforas que usamos estruturam nosso pensamento,
Fundamentação teórica
15
escondendo alguns traços do fenômeno, ao qual as aplicamos, e salientando a
outros.
Além disso, continua o autor, o funcionamento da metáfora lança luz sobre os
modos pelos quais a linguagem literal opera. De fato, se a linguagem literal é
simplesmente uma metáfora convencional, longe de ser uma anomalia, a metáfora
se torna básica. A única diferença entre a linguagem literal e a metafórica é que, no
uso literal, aderimos aos critérios convencionais de interpretação, enquanto que, no
uso metafórico, esses critérios são relativamente não-convencionais.
Os lingüistas tanto da tradição gerativo-transformacional quanto da tradição
funcional hallidayana têm julgado difícil integrar a metáfora em suas teorias. Na
primeira tradição, associada à América do Norte, é hoje reconhecido que a metáfora
e sua interpretação pertencem à pragmática, que é concebida não tanto como um
ramo da lingüística, mas como uma espécie de complemento da lingüística para
aqueles que desejam tratar da interpretação de enunciados em contextos
específicos. Já na tradição hallidayana, associada mais com a Inglaterra e a
Austrália, os trabalhos sobre metáfora têm-se concentrado na metáfora gramatical,
processos como a nominalização, em lugar de verbos e adjetivos, porque eles
destroem a correspondência nítida entre semântica e classes de palavras. O
resultado da tendência de marginalizar a metáfora em ambas as tradições
gramaticais tem sido, mesmo diante do grande número de trabalhos sobre a
metáfora, a produção de teorias filosóficas e psicológicas, e não lingüísticas.
Segundo Goatly, fala-se em metáfora quando uma unidade do discurso é
usada para se referir de maneira não-convencional a um objeto, processo ou
conceito ou coligados. Ele restringe a metáfora a casos em que:
“an unconventional act of reference or colligation is understood
on the basis of some similarity, matching or analogy involving
the conventional referent or colligates of the unit and the actual
unconventional referent or colligates (16)”.
5
Essa definição exclui figuras de linguagem como a metonímia, e.g. ‘Ele bebe
seis garrafas’, em que embora seis garrafas se refira ao ‘conteúdo das garrafas’, a
5
um ato não-convencional de referência ou coligação é compreendido com base em alguma
similaridade, combinação ou analogia envolvendo o referente convencional da unidade e o real
referente não-convencional ou coligados (16).
Fundamentação teórica
16
interpretação aqui não se faz por similaridade, mas por associação do recipiente
pelo conteúdo. A noção de matching
6
ou similaridade (Tversky, 1977: 327-352) é em
geral usada como um modo de distinguir metáfora de outras figuras de linguagem, e
realmente a similaridade é importante na sua definição.
O termo ‘coligado’, não muito moderno atualmente, se aplica a um tipo de
colocação. Colocação é qualquer tipo de co-ocorrência de palavras no texto, mas
coligação é uma relação sintática entre as duas palavras. O autor adota os termos
de Richards (1965: 96-97) tal como adaptado por Leech (1969: cap.9), substituindo a
palavra Tenor por Tópico:
a) Veículo é referente convencional da unidade;
b) Tópico
é referente não-convencional; e
c) Base são as similaridades e/ou analogias envolvidas.
Vejamos como a terminologia é aplicada no seguinte exemplo:
(1) O passado é um país estrangeiro; eles fazem as coisas de modo diferente lá.
Tópico Veículo Base (similaridade)
Ele distingue esses objetos/conceitos da língua usada para sua expressão,
rotulando as unidades do discurso de termo-Veículo (termo-V), termo-Tópico (termo-
T) e termo-Base (termo-B).
Para entender o continuum entre a linguagem metafórica e a literal, a
natureza aproximativa da comunicação e a imprecisão geral dos conceitos
lingüísticos, é necessário entender como funciona a comunicação. Assim, Goatly
começa com um modelo provisório simples em cinco estágios (Quadro 1).
Suponhamos que um falante deseje descrever algo do mundo real para o
ouvinte. O processo discursivo tem um ponto inicial (A), um estado de coisas físico
observável que já existe no mundo. Por meio da percepção e da cognição (1) passa-
se para (B), que é o pensamento do falante, algo que é mental e assim não
diretamente
6
Matching: Quando nos referimos literariamente a um objeto novo, digamos uma cadeira, temos
previamente combinadas certas características do objeto contra um conjunto de feições críticas que
constituem nosso conceito de ‘cadeira’. Se o objeto possui essas características críticas [artefato],
[móvel], [para sentar], [para uma pessoa], [com suporte traseiro] estamos justificados e dizer que o
uso da palavra cadeira é literal.
Fundamentação teórica
17
Quadro 1 - Um modelo simples de comunicação
lingüística.
A ESTADO DE COISAS FÍSICO
1
B PENSAMENTO MENTAL
2 5
C PROPOSIÇÃO MENTAL
3 4
D TEXTO FÍSICO
acessível para ninguém a não ser para o falante. O falante procede (2) para formar a
proposição, (C), que é o mais relevante para expressar seus pensamentos. Para
comunicar essa proposição, que é ainda mental, o falante precisa torná-la acessível
para o ouvinte, o que pode fazer mais ou menos com o uso do código lingüístico, (3).
Ele usa sinais lingüísticos convencionais para emparelhar seus significados com
formas físicas no texto, (D). O ouvinte percebe o texto, decodifica-o e preenche (4)
para expressar uma proposição completa, (C), e o interpreta (5) hipotetizando o
significado que o falante teria em mente. Se essas cinco etapas forem bem-
sucedidas, o ouvinte entenderá a mensagem.
Na maioria dos usos de língua, metafórica ou não, os pensamentos que o
falante pretende expressar, (B), se aproximam das proposições que o falante
expressa, (C), em maior ou menor extensão. Quanto maior o vão entre a proposição
expressa e o significado pretendido, mais metafórico é o enunciado. Quanto menor o
vão, mais literal será o uso da língua. Às vezes, o vão aumenta porque os estados
de coisas do mundo real, (A) não se ajustam bem nos conceitos que podemos pôr
de modo econômico em forma proposicional, (C) e textualizar em (D).
Segundo Goatly, há dois processos metafóricos diacrônicos distintos pelos
quais as formas das palavras adquirem polissemia (i.e. dois ou mais significados
relacionados). O primeiro é o estreitamento ou a extensão do sentido; o segundo é a
transferência metafórica deliberada de uma palavra de um campo semântico
distante, como, por exemplo, o uso de perna para se referir a parte de uma mesa.
O ponto importante é que o processo metafórico deixa sua marca no
vocabulário da língua, pelo fato de várias extensões e transferências metafóricas
Fundamentação teórica
18
serem lexicalizadas, entrando no dicionário com um segundo significado.
“Dicionários são o cemitério de uma população de metáforas”, diz Goatly. O quadro
2 abaixo fornece um enquadre terminológico. (Anexo 1)
Quadro 2 - Graus de convencionalidade: metáforas cansadas, adormecidas, mortas e
enterradas.
GERM1 a seed
GERM2 a microbe
RED HERRING1 a spiced fish
RED HERRING2 irrelevant matter, distraction
PUPIL 1 a young student
PUPIL2 circular opening in the iris
Dead
(Topics and Bases are
inaccessible)
CLEW1 a ball of thread
CLUE2 piece of evidence
INCULCATE1 to stamp in
INCULCATE2 indoctrinate with
Dead and Buried
(A change in the form to hide the
relation of the metaphorical
meaning)
VICE1 Depravity
VICE2 a gripping tool
LEAF1 foliage
LEAF2 page of a book
CRANE1 species of marsh bird
CRANE2
machine moving heavy
weights
Sleep
(Don’t have historical
ethnological
connection)
SOUEEZE1 application of pressure
SOUEEZE2
financial borrowing
restriction
CUT1 an incision
CUT2 budget reduction
FOX1 dog-like mammal
FOX2 cunning person
Tired
(Evoke more than the
others a double
reference)
Inactive
[TRACTOR a vehicle for pulling loads or machinery
ICICLES hanging rod-like ice formation
Active
(Base dependent on
context)
Fundamentação teórica
19
Quanto mais se procede para baixo da figura, do Morto para o Ativo, mais se
processa a expressão como metáfora, isto é, o item será reconhecido como um
termo-V, e a Base será construída, embora esta se torne menos e menos previsível.
Com relação à metáfora morta, Reimer (1995) afirma que a existência das
chamadas ‘metáforas mortas’ traz uma séria ameaça a qualquer teoria de metáfora,
de acordo com a qual metáforas não têm significado além de seu significado literal.
A mais conhecida proposta desta visão é de Davidson (1978). Em seu artigo ‘O que
as metáforas significam’, Davidson afirma que elas significam o que as palavras, em
sua interpretação literal, significam e nada mais.
O que é exatamente uma metáfora morta? pergunta ele. Uma metáfora morta
é simplesmente uma expressão cujo uso freqüente como metáfora levou à perda da
força metafórica e, simultaneamente, à aquisição de novo significado literal. De
acordo com Davidson, quando uma metáfora morre, “ela se torna parte da língua”.
Isso parece bem plausível.
Na tentativa de tratar o modo como as metáforas adquirem significado literal
adicional, precisamos, diz o autor, primeiro considerar um assunto mais geral de
como qualquer expressão adquire um significado literal. Certamente o tratamento
geral mais plausível de como o significado literal é adquirido poderia ser o de um
padrão griceano, e expresso em termos de uso regular na comunidade lingüística.
Consideremos o exemplo ‘He was burned up’. Quando a expressão era usada
metaforicamente, ela possuía um significado metafórico em adição ao significado
literal. Estava, em outras palavras, associada a certo (não-literal) ‘conteúdo
cognitivo’, um conteúdo cognitivo que o falante pretendia expressar e que o ouvinte
teria de perceber ‘como teria de entender a mensagem’. Central a essa idéia do
conteúdo cognitivo estava a idéia de ‘ficar muito zangado’. A metáfora, por alguma
razão, se torna popular e começa a ser usada em vez de ‘Ele estava muito zangado’,
e perde a sua força metafórica. É fácil ver por que, associado a toda metáfora morta,
existe um significado particular que adquire como literal quando morre. O significado
em questão usado para ser central para o ‘conteúdo cognitivo’ (não-literal) associado
à metáfora quando viva.
Davidson, é claro, não pode aceitar essa explicação para o fato de uma
metáfora morta adquirir um significado literal. Pois ele não acredita que as metáforas
Fundamentação teórica
20
tenham significado metafórico – com as quais estão associadas com um ‘conteúdo
cognitivo’ não-literal. Como então ele explicaria o fato de que ‘He was burned up
adquiriu um significado literal particular quando morreu?
Reimer conclui seu artigo dizendo que: (1) a existência de metáforas mortas
fornece uma evidência convincente para a visão de que pelo menos algumas
metáforas (as destinadas a morrer) estão associadas a ‘conteúdos cognitivos’ do tipo
que Davidson quer negar; e (2) as metáforas mortas (quando vivas) não são casos
de desvio, e a maioria (senão todas) está associada a ‘conteúdo cognitivo’.
1.2.4 A Metáfora e a Teoria da Relevância
Como já dissemos, os tipos mais ativos de metáforas exigem trabalho
considerável de interpretação além da decodificação de sua semântica, segundo
Goatly. A decodificação semântica nos dará simplesmente o conceito de Veículo.
Para estabelecermos o Tópico – a que o termo-V está se referindo – e explorar a
Base – as similaridades e as analogias que dão base à metáfora – devemos
empregar processos mentais além daqueles da decodificação. Em termos da figura
2, a compreensão metafórica depende de processos e princípios envolvidos na
interação entre (1), (2) e (3).
Quadro 3 - Fontes de conhecimento na interpretação de texto
1 Conhecimento do sistema lingüístico;
2 Conhecimento do contexto: situação e co-texto; e
3 Conhecimento esquemático de experiência: factual e sócio-cultural.
(1), o conhecimento da língua, nos dará o produto da decodificação. Além disso,
utilizamos o conhecimento que adquirimos de (2), o texto adjacente, e a situação
física e social em que ele é produzido. Também consideramos (3), o conhecimento
de mundo, e a sociedade de nossa comunidade lingüística. A área da lingüística que
diz respeito aos processos e princípios inferenciais necessários para complementar
a decodificação é a Pragmática, e aqui a Teoria da Relevância (Sperber & Wilson,
1986) fornece uma explicação geral coerente da interpretação metafórica.
Fundamentação teórica
21
1.2.4.1 O que é Relevância?
Uma informação é relevante se ela interagir com as crenças/pensamentos
existentes na pessoa, chamadas assunções (Sperber & Wilson, 1986: 2). Um
produto dessa interação é uma implicação contextual, exemplificada abaixo:
Você acorda pensando,
(1) Se estiver chovendo, eu não irei para a aula de manhã.
Você olha pela janela e descobre,
(2) Está chovendo.
Da assunção existente (1) e da informação nova (2), você pode deduzir mais
uma informação (3):
(3) Eu não irei para a aula de manhã.
(2) é relevante porque, no contexto de (1), produz informação nova ou
contextualmente implica (3).
Criar implicações contextuais é um tipo de Efeito Contextual – outras são o
fortalecimento ou a eliminação de assunções existentes – e quanto maior os Efeitos
Contextuais, maior a relevância. Entretanto, o número e grau dos Efeitos
Contextuais são apenas um fator na computação da relevância. O segundo fator é o
Esforço de processamento. Precisamos capturar a intuição que no contexto de
assunção (4), (5) será mais relevante do que (6):
Você acorda pensando,
(4) Se estiver chovendo, eu não vou para a aula de manhã.
Então: ou você olha pela janela e vê:
(5) Está chovendo.
Ou você olha pela janela e vê:
(6) Está chovendo e os lixeiros estão esvaziando os cestos.
No contexto de (4), (5) e (6) têm os mesmos Efeitos Contextuais. Mas (5), é
mais relevante do que (6), porque (6) exige mais Esforço de Processamento (Wilson
& Sperber,1986: 27-30).
A noção de Relevância, então, que é comparativa e não absoluta, pode ser
resumida pela seguinte fórmula:
Fundamentação teórica
22
(7) Outras coisas sendo iguais, quanto maior os Efeitos Contextuais, maior
a Relevância.
(8) Outras coisas sendo iguais, quanto menor o Esforço de Processamento,
maior a Relevância.
Ou alternativamente, expresso como fração:
Efeitos Contextuais
(9) Relevância = -----------------------------------------
Esforço de Processamento
Goatly propõe integrar as noções hallidayanas de contexto social e a teoria de
Pragmática com a da Relevância em um modelo de comunicação. Segundo ele, o
único modelo que tenta esta integração é o de Fairclough, exposto em seu influente
livro Language and Power (1989), que exporemos oportunamente. O Quadro abaixo
mostra seu reconhecimento a Halliday, como ficará mais claro abaixo.
Começando pelo Quadro 4, parte superior, Fairclough vê a atividade humana
dividida e estruturada em diferentes espaços sociais ou ordens sociais. Estas ordens
são geralmente estruturadas institucionalmente, e as instituições possuem conceitos
bem definidos dos tipos de situações e atividades que podem ocorrer dentro delas.
Quadro 4 - Tipo de discurso e contexto social
Ordem social: societal
Determinação do ambiente institucional
Ordem social: institucional
Determinação do ambiente situacional
Situação Tipo de Discurso
O que está acontecendo?
(atividade, tópico, propósito)
CAMPO/EXPERIENCIAL
Conteúdos
Quem está envolvido? Sujeitos
Em que relações?
RELAÇÕES/INTERPESSOAL
Relações
Qual o papel da língua no que
está acontecendo?
MODO/TEXTUAL
Conexões
Fonte: adaptado de Fairclough 1989: 146, fig. 6.2; com permissão de
Addison Wesley Longman Ltd.
Fundamentação teórica
23
Por exemplo, se você for um estudante universitário, seu espaço social
poderia ser dividido em cinco áreas principais:
(5) Educação - Trabalho de meio-período - Família - Esporte - Namoro
A maioria delas, provavelmente as quatro primeiras, estarão, literalmente,
associadas a um lugar ou prédio, e serão mais ou menos institucionalizadas. A
educação vai estar ligada a uma instituição universitária onde você é um estudante.
E uma Universidade terá várias situações distintas de discurso abertas aos
estudantes, que operam dentro dela, mais ou menos centralmente, e.g. a orientação,
o seminário, a aula, o estudo particular em biblioteca, a conversa em salão de
estudantes, etc. Descendo para a parte inferior, à direita do diagrama, os quatro
aspectos de Tipo de Discurso – Conteúdos, Sujeitos e Relações, e Conexões –
correspondem às características da situação à esquerda, que são modificações das
categorias de Campo, Relações e Modo, respectivamente, de Halliday (1994).
Campo diz respeito às diferentes situações com diferentes propósitos, por
exemplo: uma aula pode ter os objetivos de dar informação, de explicar uma teoria,
de oferecer um resumo de tópico, de estimular interesse/entretenimento, de
demonstrar análise; ao passo que, a orientação exige o processamento de
informação e teoria, permitindo assim a solução de problemas, a aplicação de uma
teoria aos dados, o questionamento e a análise de idéias e teoria, a discussão e a
argumentação, etc.
Em relação ao nível interpessoal de Sujeitos e Relações, os papéis dos
participantes são muito diferentes em situação de aula e de orientação. Em suas
posições de Sujeito ao serem ensinados, os estudantes são obrigados a se manter
em silêncio grande parte do tempo, mas como orientandos, espera-se que falem. Os
professores têm direito a longos monólogos, mas os orientadores devem se manter
comparativamente mais calados. As orientações são eventos com maior
proximidade do que as aulas e as Relações podem se tornar mais amigáveis e
íntimas, ou mais explicitamente hostis e antagônicas, do que na aula semi-pública.
Tanto nas aulas quanto nas orientações, o discurso é constitutivo, mas; obviamente,
ele desempenha papéis retóricos diferentes, a persuasão e a argumentação são
mais comuns nas orientações; enquanto que, a exposição, é predominante nas
aulas. (Anexo 5)
Fundamentação teórica
24
Quadro 5 - Um modelo elaborado de comunicação lingüística. (Anexo 5)
1. ANOTHER('S) THOUGHT
2. VERBAL: ANOTHER('S) TEXT 3. NON-VERBAL: ARTEFACT
A. AN ACTUAL STATE AI. AN IMAGINARY STATE
OF AFFAIRS OF AFFAIRS
B, THOUGHT (INCLUDING ATTlTUDE)
C, PROPOSITION
D, TEXT
Goatly delineia um possível enquadre teórico para integrar a sócio-lingüística
hallidayana e a Teoria da Relevância, mostrando mais especificamente como as
variáveis contextuais da situação social (ou Registro, nos termos da Lingüística
Sistêmico-Funcional), que são Campo (o que está se passando), Relações (quem
está envolvido em quais relações) e Modo (o papel da linguagem), afetam a
interpretação metafórica. Os seis Registros que ele seleciona a título de comparação
são conversa, reportagens do noticiário nacional, artigos científicos populares,
propaganda de produtos para o consumidor em revistas, romances modernos e
poesias líricas inglesas modernas curtas.
Ele inicia o exame com uma tentativa de descrever a configuração contextual
de Campo, Relações e Modo para cada um dos tipos. Damos a título de ilustração,
um exemplo:
Conversa
Campo
: interação social, conversa (se subordinado a outros propósitos
deixa de ser conversa);
Relação
: (função fática, que a sobrepõe ao Campo) interlocutores;
próximo a igual; distância social: média à íntima;
Modo: papel da linguagem: constitutiva; canal: fônico; mídia: falada com
contato: visual/feedback; pequeno grupo ou diádico; tempo de
processamento próximo ao idêntico para falantes e ouvintes;
retoricamente multifuncional (fático?)
Fundamentação teórica
25
Uma hipótese óbvia aqui seria que detecção (desambigüização) de um
significado metafórico em oposição ao significado literal dependerá do princípio de
Relevância em relação aos conteúdos associados ao Campo.
A frase ‘shot an eagle’ (atirou numa águia), se proferida no final de uma
expedição de caça, provavelmente terá seu significado literal. Na sede do clube
após uma rodada de golf, as chances são de que a mesma sentença tenha um
significado metafórico (‘dois abaixo do esperado’). Assim, poder-se-ia sugerir que a
influência do Campo é tão forte que a ambigüidade não se manifesta e a escolha do
significado metafórico é automática. Em outros termos, as ambigüidades no código
são anuladas pelo potencial de significado do contexto social.
As primeiras teorias sobre a metáfora, diz Goatly, tenderam a enfatizar o
papel do desvio semântico na sua detecção (Levin, 1977). Embora essa seja uma
possibilidade, pois de fato as metáforas são primordialmente desviantes em suas
referências, e qualquer desvio de colocação ocorre porque elas não se referem
convencionalmente aos conteúdos do Campo, desvios de coligação e colocação são
simplesmente produtos secundários. Teóricos que admitiam a metáfora como
basicamente pragmática, por exemplo, Grice (1975), consideraram-na como caso de
quebra da máxima de Qualidade (faça afirmações sobre as quais tenha evidência).
Para, Goatly, contudo, a metáfora é mais bem detectada pela máxima de Relação,
ou seja, em termos da aparente irrelevância ao conteúdo do Campo.
Consideremos alguns exemplos de outros itens que mostram a influência do
Campo na detecção da metáfora.
You might actually get three duds. I mean people who you didn’t want.
7
Desde que os falantes estejam cientes de que o Campo do discurso é a
administração educacional não um tiroteio, ‘duds’ (bombas ou mísseis que não
explodiram) não pode ter seus significados literais.
A segunda hipótese é de que os tipos de Conclusões Implicadas seriam
determinadas pelo princípio da Relevância em relação a propósitos inerentes no
Campo e nas Relações. Assim, as Conclusões Implicadas numa aula de Biologia
serão diferentes das de uma conversa.
7
Você pode na realidade receber três bombas. Eu quero dizer pessoas que você não queria.
Fundamentação teórica
26
(10) The kidney is the sewer of the body.
8
(11) a. Do you want to do on a boat trip on the river?
9
b. What, on that sewer?
Na conversa, continua Goatly, o Campo e as Relações têm uma função
fortemente interpessoal, e por isso podemos esperar Conclusões Implicadas com
interpretação atitudinal emotiva (11), enquanto que em (10), o Campo é a educação
científica, e a distância social das Relações é maior, esperamos uma metáfora mais
explicativa e ideacional do que afetiva e interpessoal.
Passamos agora a considerar o papel da metáfora na questão da persuasão,
enfocando-a através da Lingüística Crítica. Essa linguagem figurada presta-se de
maneira eficaz na persuasão tanto via convicção quanto via sedução (Kitis &
Milapides, 1996), através de avaliações implícitas, das quais o autor se vale para,
por meio de atos de fala indiretos, posicionar-se perante o leitor e a mensagem que
traz para o texto.
1.2.5 Alguns Problemas Metodológicos
Semino et al. (2004) discutem uma série de problemas metodológicos que
encontraram na identificação e análise de metáforas num corpus de conversa sobre
o câncer. Esses problemas relacionam-se em especial com: (1) o limite entre literal e
metafórico e com a identificação da metáfora lingüística; (2) a identificação precisa
do Tenor (ou Tópico) e do Veículo
10
em relação a cada metáfora lingüística; (3) a
extrapolação de metáforas conceituais das metáforas lingüísticas; e (4) a
extrapolação de metáforas convencionais dos padrões nos dados.
Por outro lado, esses problemas interessam a lingüistas e estudiosos da
metáfora; apesar da atenção que ela têm recebido recentemente no paradigma
cognitivo, parece que ainda faltam procedimentos explícitos e rigorosos para sua
identificação e análise, especialmente quando se examinam dados autênticos da
conversa e não sentenças descontextualizadas ou fabricadas (veja também
8
O rim é o esgoto do corpo.
9
a. Você quer fazer num passeio de barco no rio?
b. O que, naquele esgoto?
10
Veja mais abaixo as explicações de Goatly (1997) sobre essa metalinguagem.
Fundamentação teórica
27
Cameron, 1999a,b; Heywood, et al. 2002). Na abordagem cognitivista da metáfora,
como se sabe, o foco tem sido dado ao nível conceitual e não ao lingüístico na
análise das metáforas.
Mais recentemente, têm surgido dúvidas sobre a legitimidade de extrapolar
tão prontamente da estrutura lingüística para a cognitiva, e algumas distinções têm
sido traçadas entre as afirmações sobre comunidades lingüísticas inteiras ou sobre
falantes nativos idealizados, e sobre as mentes de indivíduos únicos (veja, por
exemplo, Gibbs, 1999; Steen, 1994; Steen & Gibbs, 1999). Semino et al. não
questionam a plausibilidade da existência (variantes) de metáforas tais como AMOR É
VIAGEM
nas mentes da maioria dos falantes de inglês. Contudo, desejam esclarecer
o modo como o fornecimento de listas de expressões descontextualizadas sob o
título de certas metáforas conceituais pode, em alguns casos, levar a uma única rota
interpretativa quando outras seriam possíveis.
Muitos estudos de metáfora (e figuras de linguagem em geral) enfatizam que
a metaforicidade é uma questão de grau, e que conseqüentemente o limite entre o
literal e o metafórico é obscuro (veja, por exemplo, Goatly, 1997: 14 et passim;
Grady, et aI. 1999; Sperber & Wilson, 1986, 1995: 235).
Continuando, Semino et al. dizem que, no corpus sobre o câncer, em que
estudaram a metáfora, a vaguidade do limite entre a linguagem literal e a metafórica
é especialmente óbvia em algumas interlocuções em que se trata da metástase do
câncer em termos de movimento. Para tanto, os autores examinam vários exemplos,
como o do seguinte trecho, em que um oncologista explica à paciente como o câncer
de mama para o qual ela tinha anteriormente recebido tratamento, agora se
espalhara pelos ossos. Alguns dos exemplos utilizados terão sua tradução nos
anexos.
D the thing is the
P um I"
D the way it gets there is through the blood stream and it tends to get dotted
around in
various parts of the skeleton
and er and so there are multiple
P um um
D sites of involvement er I don't think we would ever expect to see it only affecting one
Fundamentação teórica
28
place er or
P um
D indeed three for that matter er what it implies to us is that the disease got into the
circulation
and lodged itself in the bones (LA29C04G; our underlining) (Anexo 2)
A explicação do oncologista tenta expressar o fato de que as células se
moveram literalmente de uma parte do corpo para outra via corrente sangüínea, e
que é normal para tumores malignos espalharem-se de órgão para órgão (note em
especial os segmentos sublinhados). Contudo, o oncologista também confia na
metáfora para explicar os processos invisíveis por meio dos quais a doença se
desenvolve dentro do corpo.
Embora o desenvolvimento do câncer em geral envolva o movimento literal de
células cancerosas dentro do corpo, o uso de léxico referente a movimento no corpo
parece ser metafórico, como no seguinte exemplo:
(2) D chemotherapy can reduce the chances of things coming back
(LKO8CO1A)
(3) D it is that bit there but it's no different now from what it was it doesn't P it
hasn't travelled any more then (LK14RO1C) (Anexo 3)
Semino et al. afirmam que o processo ao qual se refere o verbo não se aplica
literalmente ao câncer como uma doença. Eles dizem que, por exemplo, o referente
de ‘ir’ implica normalmente que o agente deixou um lugar e se moveu para outro,
enquanto que a doença é ainda encontrada no antigo local mesmo depois de ter-se
espalhado para novos locais (a menos que, é claro, o tumor original tenha sido
cirurgicamente removido ou eliminado com tratamento, mas isso é um outro
assunto). De fato, o exemplo (4) não surpreenderia ninguém se fora de lugar junto
com exemplos como (2) e (3) numa lista de expressões realizando a metáfora O
DESENVOLVIMENTO DE CÂNCER É UMA VIAGEM.
(4) D If it’s spread into the glands which it has there’s always
P mm
D a question mark about has it gone anywhere else?
P yes (LKOSC01A) (Anexo 4)
Fundamentação teórica
29
Assim, dizem os autores, se se aceita que uma expressão como ‘As células
cancerígenas foram para outro lugar? é literal, então, exemplos como (4) podem ser
vistos como literais.
1.2.6 A Abordagem Crítica da Metáfora
Conforme já sabemos, Aristóteles acreditava que as metáforas eram
comparações implícitas baseadas em princípios de analogia; essa teoria tradicional
de metáfora ficou conhecida como visão comparativa da metáfora, conforme
Charteris-Black (2004). Nessa visão, o papel da metáfora no discurso era superficial,
intensificando a elegância estilística através de ornamentação lingüística. Contudo,
se examinarmos criticamente a metáfora no contexto, veremos que ela é mais que
isso, pois influi no tipo de julgamento de valor que fazemos.
No exemplo seguinte, a escolha da oração ‘o sangue foi derramado’ coloca
‘socialistas’ num papel de inocente vítima – que, de fato, é análogo ao de Jesus,
como em (2.5):
(2.5) For everlasting life by thy side in heaven, we thank thee, O Jesus, Lord
of Heavenly Hosts, whose blood was shed so that we may live! (US
Books)
11
Essa é uma evidência clara da importância retórica do papel da metáfora na
construção de avaliação implícita pelo autor. É provável que a origem da
ressonância dessa oração seja a Bíblia, em que todas as ocorrências de
‘derramamento de sangue’ implicam um agente culpado e uma vítima inocente.
Vemos esse fato no seguinte trecho em que as palavras em itálico indicam que a
prática de derramar sangue está associada a outras formas de maldade, tais como
adultério, assassinato, etc.
There are men in you who slander to shed blood, and men in you, who eat
upon the mountains; men commit lewdness in your midst. (Ezekiel, 22: 9)
12
A seleção da oração ‘sangue é derramado’ implica persuasão implícita,
avaliação que comunica ideologias dos produtores desses textos. A visão interativa
11
Para a vida eterna ao seu lado no paraíso, agradecemos a ti, Ó Jesus, Senhor das Legiões
Celestiais, cujo sangue foi derramado para que pudéssemos viver (US Books).
12
Homens caluniadores se acham no meio de ti, para derramarem sangue; no meio de ti comem
carne sacrificada nos montes, e cometem perversidade. (Ezequiel, 22:9)
Fundamentação teórica
30
da metáfora (Richards, 1936; Black, 1962) rejeitou a visão de que as metáforas
fossem ornamentos lingüísticos, chamando atenção para o fato de que elas são
instrumentos cognitivos; isso porque a interação entre pensamentos de dois
domínios da metáfora – leva a um novo entendimento.
A análise da metáfora deveria ser um componente central da Análise Crítica
do Discurso, pois as metáforas são usadas persuasivamente para expressar
avaliação e, por isso, constituem parte da ideologia dos textos. Kress & Hodge
(1993: 15) dizem que “a ideologia envolve uma apresentação sistematicamente
organizada da realidade”. Assim, Charteris-Black afirma que “a metáfora é vital na
criação dessa apresentação da realidade”; é o que Fairclough (1995a: 71) descreve
como “a configuração total das práticas discursivas de uma sociedade ou uma de
suas instituições”.
Numa discussão de Seliger, continua Charteris-Black, Flood (1996: 14) afirma
que “a ideologia existe como um fenômeno social por ser comunicada através de
ações verbais que direta ou indiretamente justificam os cursos da ação política”.
Charteris-Black diz que o potencial pragmático da metáfora em evocar respostas
emotivas implica que é essa exatamente a forma da ação verbal. A metáfora é, por
isso, central para a ACD já que se relaciona com a formação de uma visão coerente
da realidade.
1.3 A Análise Crítica do Discurso
A seguir, Charteris-Black trata da Análise Crítica do Discurso. Para Fowler
(1991: 89), a ‘Lingüística Crítica’, como ficou conhecida a sua proposta,
“propõe que a análise usando instrumentos lingüísticos
próprios e com referência a contextos históricos e sociais
relevantes, pode trazer a ideologia, normalmente escondida
pela habitualização do discurso, à superfície para inspeção”.
Nas ciências sociais e nas humanidades, ‘crítica’ é em geral usada para
referir-se a perspectivas teóricas e metodologias que têm como objetivo alterar a
ordem social e política existente. Por isso, a Análise Crítica do Discurso (doravante
ACD) está interessada em aumentar nossa consciência das relações sociais que são
Fundamentação teórica
31
forjadas, mantidas e reforçadas pelo uso da língua para mudá-las; isso está evidente
na afirmação de Fairclough (1989: 1) sobre as metas da ACD:
“corrigir o significado muito subestimado da língua na
produção, manutenção e mudança das relações sociais de
poder e aumentar a consciência de como a língua contribui
para a dominação de algumas pessoas por outras, porque a
consciência é o primeiro passo para a emancipação”.
Para satisfazer essas metas, a ACD apóia-se em uma ampla abordagem
interdisciplinar que combina métodos lingüísticos com abordagens de outras
disciplinas das ciências humanas, tais como: sociologia, política, história e
psicologia. Expoentes da ACD consideram o uso da língua como central para
questões de poder na sociedade. O que a ACD faz é colocar textos dentro de um
contexto social, em que as relações de hegemonia (uma palavra que se origina em
Gramsci (cf. Gramsci, 1971) e freqüentemente usada na ACD) tornam-se o foco
central da análise textual. A ACD tenta demonstrar como certas práticas discursivas
refletem estruturas de poder sócio-políticas e, por implicação, modificar práticas para
o benefício daqueles em desvantagem. Como Stubbs (2001: 149) afirma:
“O mundo pode ser representado de várias maneiras, mas
certos modos de falar sobre eventos e pessoas tornam-se
freqüentes. As idéias circulam, não por algum processo
místico, mas por processo material. Algumas idéias são
formuladas repetidas vezes, tal que, embora sejam
convencionais, se tornam naturais”.
As metáforas que se tornaram convencionalizadas, tanto na mídia quanto no
discurso acadêmico, são potencialmente importantes porque fornecem exemplos
excelentes dessas representações socialmente pungentes. Isso porque elas
constituem uma evidência verbal para um sistema subjacente de idéias – ou
ideologia –, cujas suposições podem ser ignoradas se estivermos inconscientes a
seu respeito.
Enquanto o foco da análise do discurso tradicional está nos significados
estabelecidos entre sentenças e enunciados, na ACD o foco está na seleção que é
feita na construção de textos, em fatores que restringem e determinam essas
escolhas (i.e. sua causa), e em seu efeito. Isso porque, da perspectiva da ACD,
todos os enunciados são potencialmente constritivos – e realmente, determinados –
Fundamentação teórica
32
pelas relações sociais que existem entre os participantes. A ACD, portanto, envolve
a análise ideológica do conteúdo textual implícito, e baseia-se na visão de que os
textos não são neutros como parecem; porque os processos sociais que levam a
escolhas conscientes são escondidos ou feitos opacos na codificação lingüística.
A metáfora é uma dessas escolhas lingüísticas conscientes que esconde
processos sociais subjacentes, e a análise da metáfora pode ajudar a identificar o
conteúdo textual implícito.
1.3.1 A Análise Crítica da Metáfora
A Análise Crítica da Metáfora é a abordagem da análise da metáfora que
objetiva revelar as intenções implícitas (e possivelmente inconscientes) dos usuários
da língua. Cameron & Low (1999a: 88) descrevem três estágios na metodologia da
análise da metáfora.
A metodologia da análise da metáfora começa com a coleta de exemplos de
metáforas lingüísticas usadas para falar sobre um tópico, generalizando a partir
delas em direção às metáforas de conceitos que exemplificam, e usando os
resultados para sugerir padrões de compreensão e pensamento que constroem ou
restringem as crenças e ações das pessoas.
É interessante ver, diz Charteris-Black, que esses estágios se referem de
maneira muito semelhante aos três estágios de Fairclough (1999a: 6) de
identificação, interpretação e explicação, que são, por sua vez, baseados na
Lingüística Funcional de Halliday (1985) e que consiste na metodologia da ACD. A
identificação da metáfora está inicialmente interessada com os significados
ideacionais – isto é, identificar se eles estão presentes no texto e estabelecer se há
uma tensão entre o domínio-fonte literal e o domínio-alvo metafórico; a interpretação
da metáfora interessa-se pelo significado interpessoal – isto é, identificar o tipo das
relações sociais que são construídas através dela; e, finalmente, a explicação da
metáfora está interessada no significado textual – isto é, o modo como as metáforas
estão inter-relacionadas e se tornam coerentes com referência à situação em que
ocorrem.
Fundamentação teórica
33
Continuando, Charteris-Black expõe sua identificação das metáforas. Num
primeiro estágio, as metáforas candidatas foram examinadas tendo em vista a
presença de incongruência ou tensão semântica – ou no nível lingüístico, pragmático
ou cognitivo – resultado de uma mudança no uso de domínio – mesmo que essa
mudança tivesse ocorrido um tempo antes e então tivesse se tornado
convencionalizada. As que não satisfizeram esse critério foram excluídas da análise.
Palavras que são comumente usadas com sentido metafórico foram então
classificadas como palavras-chave da metáfora.
O segundo estágio é a fase quantitativa em que os contextos do corpus são
examinados para determinar se o uso de uma palavra-chave é metafórico ou literal.
Lembremo-nos de que estamos interessados em metáforas convencionais porque
elas parecem conter mais tipos implícitos de avaliação.
A interpretação envolve o estabelecimento de relação entre a metáfora e
fatores cognitivos e pragmáticos que os determinam. Isso envolve a identificação de
metáforas conceituais, e onde for possível, chaves conceituais. No estágio da
interpretação, é possível considerar o quanto as escolhas são pró-ativas na
construção de uma representação socialmente importante.
A explicação de metáforas envolve a identificação da agência social que está
envolvida na sua produção e seu papel social na persuasão. A formação de
metáforas conceituais e chaves conceituais e a ilustração de avaliação típica de
metáforas ajudam a explicar por que elas podem ser persuasivas. Em um sentido,
então, é a identificação da função discursiva das metáforas que permite estabelecer
sua motivação ideológica e retórica.
1.3.2 A Metáfora e o Frame na Função Persuasiva
Luchjenbroers & Aldridge (2007) tratam da função persuasiva da metáfora,
aliada à noção de frame. Eles examinam as representações conceituais geradas
através de perguntas feitas a testemunhas vulneráveis, em casos de abuso sexual,
durante investigações policiais e judiciais. Essas representações inspiram modelo de
base positiva ou negativa, que os membros do júri precisam para avaliar as ações e
possíveis motivos dos participantes do caso em questão. Para tanto, eles utilizam
Fundamentação teórica
34
as noções de metáfora (Lakoff & Johnson, 1980; Lakoff 1987, 1993) e de frame
semântico (Fillmore, 1975, 1982; Minsky, 1975), instrumentos teóricos usados para
apreciar a força inferencial de tais modelos de base. Nesse sentido, o estudo
interessa à minha pesquisa, pois, como já foi referido acima, a decodificação de uma
metáfora, em termos semânticos e pragmáticos, apóia-se no frame que o interlocutor
traz para o contexto de seu uso.
A metáfora capta, dizem os autores, estereótipos culturais, codificados nas
escolhas de descritores por parte do falante e é um poderoso instrumento na
investigação das atitudes do falante. Os frames são conjuntos de informação aceitos
culturalmente que envolvem qualquer termo lexical. A adequação do frame escolhido
é também muito importante para ‘contrabandear uma informação’, um termo usado
quando uma informação (negativa) é sub-repticiamente inserida, por exemplo, nas
declarações de uma testemunha.
Componentes adicionais de significado são derivados dos frames de
referência associados com cada escolha lexical, i.e. cada escolha desencadeia uma
rede mais ampla de associações prototipicamente presentes no uso desse termo. O
acesso do interlocutor a essas associações é dependente de sua experiência e
compreensão das normas sociais das quais as escolhas lexicais são derivadas.
Lakoff (1993) mostrou que a metáfora não é apenas uma feição da língua,
mas do pensamento, no qual um domínio cognitivo (geralmente abstrato,
experiencial) é entendido em termos de outro (veja também Lakoff & Johnson,
1980). Por exemplo, o tempo é um conceito abstrato, e os falantes pelo mundo o
entendem (e o descrevem) com referência ao modo como concebemos nossos
movimentos e posições corporais. Na cultura ocidental, o futuro está na nossa frente
(porque essa é a direção que olhamos quando andamos para frente), e o passado
(onde estivemos) está atrás de nós. Socialmente, o progresso (i.e. mover-se para
frente) é visto positivamente.
A metáfora conceitual é fundamental para o modo como os falantes se
expressam, e com ela ilustramos como entendemos o mundo e os nossos papéis
nele.
Do ponto de vista da lingüística/semântica cognitiva do significado lexical, o
significado é ‘enciclopédico’ por natureza: o sentido de uma palavra não está
Fundamentação teórica
35
divorciado do seu contexto de uso. Assim, o significado lingüístico está codificado na
memória como um tipo de rotina cognitiva que se apóia em experiências no mundo,
e a ativação de um conceito desencadeia os conceitos relacionados na memória. As
associações que o falante traz para o discurso nos descritores que ele usa para falar
sobre pessoas, ações e eventos influenciam (com o óbvio intento de manipular) o
modo como os ouvintes avaliam a informação que lhes é apresentada.
Desse modo, a escolha de um descritor em detrimento de outro pode
expressar atitudes positivas ou negativas em relação à entidade em questão,
dependendo das atitudes referentes a itens do domínio-fonte.
1.3.2.1 O Raciocínio Baseado em Frame
Como vimos acima, frames são representações conceituais da experiência
que definem uma situação (na memória) e fornecem a estrutura de um evento que
nos permite compreender como as partes se encaixam no todo; como um evento se
desenrola; e predizer o que virá em seguida (Ribeiro & Hoyle, 1996).
Uma vez que um frame é acessado, todas as informações associadas
relevantes para aquele frame e traços contextuais adicionais ficam imediatamente
disponíveis para inferências suplementares.
Quando um frame escapa do esperado, isso acontece em pequenos passos.
(12) a. The defense asked X whether she had considered a divorce.
b. If she was sexually close to Ms. Barbara Y?
c. and whether she was involved in discussions about hedonism
d. and alternate lifestyles. (Anexo 6)
Em (12a), um ouvinte pode desencadear um frame de mulher feminista/
assertiva para essa mãe, segundo o que ela possa ter ‘considerado um divórcio’. A
implicação completa dessa linha de argumentação, envolvendo frame de conduta do
conhecido para o desconhecido, pode na realidade ser mais condenador para o
referente feminino do que os frames tradicionais.
Fundamentação teórica
36
Para se compreender amplamente as escolhas lexicais feitas, se faz
necessário reconhecer a força do mito cultural que envolve o comportamento de
uma mulher.
De fato, para se apreciar inteiramente o poder inferencial de tais escolhas
lexicais, o ouvinte precisa conceitualizar o evento inteiro, incluindo o poder relativo
do papel de cada participante. É o frame que capta as experiências sociais e
culturais bem como as expectativas associadas com essas referências.
Juntamente com cada enunciado que produzimos, podemos ativa ou
inconscientemente deixar pistas para a audiência sobre como percebemos as
pessoas, ações e eventos no mundo que nos cerca. Mais ainda, contudo, cada
escolha lexical ativa que fazemos revela mais diretamente como encorajamos os
outros a pensar sobre certas pessoas, ações e eventos.
1.3.2.2 O Contrabando de Informação e Outras Manobras
Até aqui, discutimos exemplos que ilustram o poder da metáfora e os frames
conceituais como mecanismos com os quais advogados podem manipular como as
pessoas percebem as outras ou eventos relacionados ao caso em julgamento. Tanto
as metáforas quanto os frames envolvem mapeamentos conceituais para
possibilidades de compreensão adicionais ou alternados, com as quais realizamos o
processo de compreensão de uma informação on-line. Esses mapeamentos, feitos
para melhor compreender as possíveis complexidades dessa informação, podem
também servir para introduzir aspectos positivos ou negativos das pessoas e dos
eventos.
O termo ‘contrabando de informação’ (cf. Luchjenbroers 1993, 1997a) é usado
quando uma informação é inserida sub-repticiamente na declaração da testemunha.
Em (15) Lawyer: and did he tell you of his love of duck-shooting?
13
O frame desencadeado
seria ‘atirando’ (no pato), mas não é isso que é realmente pedido: a testemunha é
questionada se tinha sido informada a respeito da paixão. A pergunta pressupõe a
validade do frame associado.
13
Advogado: e ele te disse de seu amor pelo tiro ao pato?
Fundamentação teórica
37
Uma série de outros traços das contribuições do falante pode também
desempenhar um papel nas inferências expressas por esses enunciados: por
exemplo, adiantar uma informação e repetidamente perguntar por uma confirmação.
Essas estratégias contribuem no ‘contrabando de informação’, de modo que não
devemos supor que ela seja acidental para os objetivos do advogado, mas
manobras cuidadosamente escolhidas.
Este é um exemplo de informação adiantada: ‘alegações’ são mencionadas
primeiro, de tal forma que a atenção dos jurados enfoque ‘suas alegações’ em vez
da afirmação de que ‘a senhora F a abordou de modo indecente’, que é
maximamente deslocada do núcleo da sentença. ‘Alegações’ são associadas com a
descrição de ‘falsa’, e assim as pessoas do júri com menos habilidade de processar
longas sentenças teriam dificuldade em manter todas as informações on-line. Pode-
se assim antecipar que ao tempo em que o conteúdo das alegações for mencionado,
os jurados podem não ter sido capazes de absorver aquela informação, e estariam
mais propensos a lembrar apenas que a testemunha fez alegações (que podem ser
falsas), em vez do conteúdo daquelas afirmações (cf. pesquisa de processamento
lingüístico, Schlesinger, 1968; Cowan, et aI. 1998).
Infelizmente, não se pode esperar que membros do público (e o júri) sejam
críticos e analíticos a respeito do que ouvem, o que os torna presa fácil de
manipulações dessas escolhas lexicais feitas obviamente para isso. É claro que
precisamos mudar as atitudes da sociedade em relação ao estupro e dispersar o
mito se as vítimas de estupro receberem um tratamento melhor, e precisamos
continuar a trabalhar para mudanças legais de modo que os advogados possam
com menor facilidade manipular lingüisticamente no futuro.
1.4 Lingüística Sistêmico-Funcional
A Lingüística Sistêmico-Funcional (LSF) é uma teoria iniciada por Halliday
(veja Halliday, 1994), lingüista britânico, radicado há muitos anos na Austrália.
Segundo essa teoria, a linguagem é formada por muitos sistemas, cada um
representando um tipo de escolha (geralmente inconsciente) de sentido feito pelos
falantes (daí o nome ‘sistêmico’); além disso, essas escolhas servem para os
Fundamentação teórica
38
falantes realizarem coisas com a língua (daí o nome ‘funcional’), explica Sardinha
(2006).
Segundo Eggins (1994), os sistemicistas, partindo da descrição de como a
língua é usada em textos autênticos, examinam a questão de como ela está
estruturada para esse uso. Os usuários da língua não interagem apenas para trocar
sons uns com outros, nem palavras ou sentenças, mas para construir significados
(três simultâneos, os já referidos: ideacional (experiencial + lógico), interpessoal e o
textual) a fim de entender o mundo e o outro. A finalidade principal da língua é,
portanto, semântica, para a LSF.
Na LSF, entende-se que há três funções primordiais que os falantes exercem
com a linguagem, chamadas de metafunções, porque elas sintetizam muitas outras:
Metafunção interpessoal: refere-se às relações entre pessoas expressas na
linguagem.
Metafunção ideacional: refere-se ao conteúdo, propósito, assunto ou tópico de
que as pessoas tratam.
Metafunção textual: refere-se à maneira como as pessoas organizam a fala e a
escrita de acordo com seu propósito e as exigências do meio sócio-histórico-
cultural.
Essas metafunções agem juntas: cada palavra que dizemos realiza as três
metafunções. Em sendo assim, tudo que expressamos lingüisticamente quer dizer,
simultaneamente, três coisas: alguma coisa (ideacional) dita a alguém (interpessoal)
de algum modo (textual). Por exemplo, vejamos a frase abaixo, retirada de Berber
Sardinha:
Ele jogou ping-pong ontem.
Em relação à metafunção ideacional, o verbo ‘jogar’ expressa um processo
material, ‘ele’ um participante ‘ator’, ‘ping-pong’ um participante ‘meta’ e ‘ontem’ uma
circunstância de tempo. Esses elementos representam a transitividade da oração.
Em relação à metafunção interpessoal, essa é frase declarativa, na qual ‘ele’ realiza
o sujeito, a terminação ‘-ou’ (da forma verbal ‘jogou’) o finito, e ‘jog-‘ (da forma verbal
Fundamentação teórica
39
‘jogou’) o predicador. ‘Ele’ ainda realiza o MODO e o restante da frase forma o
Resíduo. Em relação à metafunção textual, ‘ele’ realiza o Tema da frase e o
restante, o Rema. O Tema é o ponto de partida da mensagem e indica uma posição
importante na frase, ajudando a estruturar o discurso e a dar proeminência aos
elementos que o compõe. Não vamos nos alongar na explicação desses conceitos,
para o que remetemos o leitor à leitura de Halliday (1994).
Essa fusão dos três significados é possível, diz Halliday (1994), porque a
língua possui um nível intermediário de codificação: a léxico-gramática. É este nível
que possibilita a língua construir três significados concomitantes, e eles entram no
texto através das orações. Daí porque Halliday dizer que a descrição gramatical é
essencial à análise textual.
A partir de cada metafunção, são realizadas muitas outras funções, cada uma
em um sistema diferente. Cada realização, por sua vez, é uma escolha. A escolha é
entendida aqui como um ato normalmente inconsciente, guiado, como dissemos, por
motivos individuais, segundo nossas intenções, vontades, afetividade, subjetividade,
mas também por razões sociais, históricas e culturais, ditadas pelo contexto. Sendo
assim, a LSF é uma teoria que tenta explicar o funcionamento da linguagem por
meio da descrição de como as pessoas falam e escrevem e quais escolhas fazem
nesse processo.
Uma dessas escolhas é justamente a metáfora gramatical. Normalmente, os
falantes têm a opção de usar um elemento congruente ou um metafórico. Quando
usam um elemento metafórico, isso traz conseqüências para como seu discurso é
construído, compreendido e percebido. Por exemplo, quando usamos muitas
nominalizações, isso tende a tornar o discurso mais abstrato, acadêmico ou distante.
Por outro lado, quando usamos verbos para designar ações (formas congruentes),
tornamos nossa linguagem mais próxima de um estilo conversacional.
A seguir, vamos nos deter na metafunção interpessoal e as contribuições que
ela tem recebido a fim de explicitar os procedimentos que adotaremos na análise
dos artigos de opinião.
Fundamentação teórica
40
1.4.1 A Metafunção Interpessoal
Quando nos comunicamos, diz Halliday (1985, 1994), a estrutura significativa
da oração está organizada como mensagem e evento interativo, isto é, a
comunicação é também um evento interativo. Sendo assim, usamos a língua para
construir significados interpessoais: significados sobre nossas relações com outras
pessoas e atitudes em relação a elas. Mesmo a ausência de um interlocutor afeta as
escolhas léxico-gramaticais realizadas pelo falante/escritor, pois, no momento da
fala/escrita, ele assume um posicionamento em relação a ele mesmo e ao que/quem
o cerca naquele momento.
Thompson & Thetela (1995), porém, julgam necessária uma distinção no
interior da metafunção interpessoal, já que, Halliday postula a modalidade como
sendo envolvida pelo modo (mood), quando esses elementos têm, segundo os
autores, funções distintas no enunciado: (i) pessoal, ou o posicionamento pessoal do
escritor (modalidade) e (ii) interacional, a interação entre escritor e leitor (modo),
respectivamente.
Thompson & Thetela examinam os seguintes papéis:
a) de atuação, realizado pelo ato de fala por si, ou seja, o participante não pode
desempenhar esses papéis (aqui eles examinam as perguntas e as ordens);
b) projetados, em que tratam da questão da rotulação dos falantes/ouvintes (aqui
eles examinam os elementos de tratamento (senhor, você) e os papéis que
exercem na transitividade (ator, meta etc).
Os autores, ao tratarem dos papéis projetados - a rotulação dos participantes
-, dizem que é aí que o componente interpessoal se sobrepõe ao ideacional do
modelo de Halliday, já que, se o escritor projeta os papéis, a pessoa sobre quem o
papel é projetado é simultaneamente um participante no evento lingüístico e um
participante na oração. Assim, esclarecem uma característica importante para a
minha análise, qual seja, a da simultaneidade das duas metafunções, já prevista,
mas não detalhada, por Halliday. Também Fowler (1991: 85) afirma essa
sobreposição, dizendo:
Fundamentação teórica
41
“É da essência da representação ser sempre a representação de
algum ponto de vista ideológico, conforme tratada pela inevitável
força de estruturação da transitividade e da categorização
lexical.”
Nesse sentido, Martin (2000), ao afirmar que o significado interpessoal pode
ser realizado através de configurações ideacionais, propõe a noção de ‘token de
atitude’, para denominar o modo pelo qual o significado ideacional pode ser
‘saturado’ em termos avaliativos, ou seja, interpessoais. Dessa forma, enquanto os
elementos de avaliatividade (Appraisal) (Martin 2000): afeto, julgamento e avaliação
referentes ao posicionamento pessoal do autor do texto –, são freqüentemente
inscritos explícita e diretamente num texto (através de léxico como: ‘medo’,
‘covardemente’ ou ‘significativo’), o ‘token de atitude’ é um termo que se refere à
realização indireta de avaliação. Essa noção possibilita à teoria dar conta de uma
palavra ou conjunto de palavras que são usados para desencadear ou ‘evocar’ um
julgamento por parte do leitor. Em outras palavras, ela explica o modo pelo qual o
significado ideacional é explorado para efeitos interpessoais.
O sistema de avaliatividade compreende: (i) o sub-sistema de atitude, que
inclui: a) recursos para a construção de respostas emocionais - afeto; b) recursos
para julgar comportamentos em termos ‘éticos’ - julgamento e c) recursos para
avaliar textos e produtos em vez de comportamentos - apreciação; (ii) o sub-sistema
de graduação, que gradua os significados ao longo de dois possíveis parâmetros
aumentando ou diminuindo a intensidade (força) ou aguçando e suavizando o foco
(foco); e finalmente, (iii) o sub-sistema de compromisso, que é um conjunto de
recursos através do qual o escritor (ou o falante) se posiciona, construindo a
audiência como partilhando da mesma visão de mundo (monoglóssico) ou, por outro
lado, adota uma posição que explicitamente mostra diversidade com implicação de
conflito e luta entre as vozes (heteroglóssico).
A seguir, devido ao interesse que representa para o meu estudo, incluo a
modalidade, elemento da metafunção intepessoal, que tem sido enfocada sob vários
ângulos. Aqui a trazemos na visão de Kress (1988).
Em qualquer enunciado proposicional, o produtor deve indicar o que Hodge &
Kress (1988: 123) chamam de um grau de 'afinidade' com a proposição; portanto,
qualquer enunciado desse tipo tem a propriedade da modalidade, ou é 'modalizado'.
Fundamentação teórica
42
A modalidade na gramática era tradicionalmente associada com os verbos auxiliares
modais ('dever' - obrigação moral; 'poder' - permissão, possibilidade; 'poder' -
capacidade, 'dever', etc.), que são um meio importante de realizar a modalidade.
Entretanto, a abordagem 'sistêmica' da gramática a que Hodge & Kress (1988)
recorrem, enfatiza que os auxiliares modais são apenas um aspecto da modalidade
entre muitos (cf. Halliday, 1985: 85-89). O tempo verbal é outro: o presente do
indicativo ('é') realiza uma modalidade categórica. Outro aspecto é o conjunto de
advérbios modais, como 'provavelmente', 'possivelmente', 'obviamente' e
'definitivamente', com seus adjetivos equivalentes (por exemplo, ‘é provável/possível
que a terra seja plana’). Além dessas possibilidades, existe ainda uma gama um
tanto difusa de formas de manifestação de vários graus de afinidade:
indeterminações ('uma espécie de', 'um pouco', 'ou uma coisa assim'), padrões de
entonação, fala hesitante, e assim por diante.
A modalidade pode ser subjetiva, no sentido de que a base subjetiva para o
grau de afinidade selecionado com uma proposição, pode ser explicitado:
‘penso/suspeito/duvido’ que a terra seja plana’. Ou a modalidade pode ser objetiva,
em que essa base subjetiva está implícita: ‘a terra ‘pode’ ser/é ‘provavelmente’
plana’.
É comum que a modalidade se realize em múltiplos aspectos de um
enunciado ou frase simples. Por exemplo, em ‘penso que ela estava um pouco
bêbada, não estava?’, a baixa afinidade é expressa no marcador de modalidade
subjetiva ('penso'), na indeterminação ('um pouco') e na adição de uma pergunta
final à asserção ('não estava?').
Porém, na modalidade há mais do que o comprometimento do falante ou do
escritor com suas proposições. Os produtores indicam comprometimento com as
proposições no curso das interações com outras pessoas, e a afinidade que
expressam com as proposições é freqüentemente difícil de separar de seu sentido
de afinidade ou solidariedade com os interagentes. Por exemplo, ‘ela não é bonita!’
ou ‘ela é bonita, não é!’ são formas de expressar alta afinidade com a proposição
‘ela é bonita’, mas também formas de expressar solidariedade com a pessoa com
quem se fala.
Fundamentação teórica
43
A modalidade é um ponto de intersecção no discurso, entre a significação da
realidade e a representação das relações sociais – ou, nos termos da Lingüística
Sistêmica, entre as funções ideacional e interpessoal da linguagem. Além dos
exemplos específicos, há mais propriedades gerais associadas com a modalidade
nas práticas da mídia. A mídia geralmente pretende tratar de fatos, da verdade e de
questões de conhecimento. Ela sistematicamente transforma em 'fatos' o que
freqüentemente não passa de interpretações de conjuntos de eventos complexos e
confusos. Em termos da modalidade, isso envolve uma predileção por modalidades
categóricas, asserções positivas e negativas e, portanto, pouco uso de
modalizadores. Há também predileção por modalidades objetivas que permitem que
perspectivas parciais sejam universalizadas.
1.4.1.1 O Fenômeno da Propagação Avaliativa
Se considerarmos os avaliadores como operadores semânticos, e
perguntarmos o seu escopo, i.e. até onde precisamente a avaliação se estende,
veremos que em geral eles se propagam ou se ramificam através do texto, seguindo
elos gramaticais e lógicos que o organizam como um texto estruturado e coesivo, em
oposição a uma mera seqüência de palavras e orações desconectadas.
Dentro da oração, a avaliação em relação a um elemento estrutural
(participante, processo, circunstância) pode-se transferir para outro elemento. Se
excluirmos os avaliadores explícitos que trabalham desse modo (Atributos
atitudinais/Epítetos que avaliam seu portador/coisa, Auxiliares que modalizam seu
verbo principal, e Nomes-Processos derivados de verbos de avaliação explícita), há
ainda vários outros fenômenos. É interessante que a Polaridade dessas avaliações
pode ser revertida durante a propagação (o Grau normalmente se propaga sem
mudança) por meio de várias locuções (Veja Halliday, 1994; Martin, 2000; 2003).
Fundamentação teórica
44
1.5 A Política do ‘Dog Whistle
14
Importante para o meu estudo é a noção de ‘dog whistle politics’, uma frase
cunhada recentemente para descrever o formato da avaliação implícita, que Coffin &
O’Halloran (2006) trazem para a pesquisa do posicionamento do jornal The Sun em
relação aos cidadãos de países do Leste Europeu que, através da CE (Comunicade
Européia) têm agora o direito de entrarem nos países da Europa Ocidental. Dizem
eles que a comunidade política, aparentemente, utiliza significados neutros;
entretanto, na realidade, mensagens com teor negativo podem estar sendo ‘ouvidas’
pela comunidade-alvo (Manning 2004).
O jornal The Sun tem em sua história assumido um posicionamento
fortemente contrário à Comunidade Européia e à imigração. Porém, no decorrer da
última década, a forma de demonstrar sua discordância tem sido expressa com
maior sutileza (embora nem sempre sustentada), e por vezes, um tanto incerta:
Migrants are the first of many
They will come in their hundreds by coach, train and plane, desperate for
decently-paid work – or any job at all …
Eight are poverty-stricken former Soviet states in Easter Europe – with a
total population of 75 million ...
Seventy-one LATVIANS smiled as they boarded a double-decker bus in the
capital Riga for a 24-hour journey west. (Anexo 7)
Os autores entendem que o efeito de posicionamento do leitor-alvo em
relação a essas orações é dependente do grau ao qual ele tem sido submetido e
posicionado por meio das leituras anteriormente feitas e planejadas para gerar uma
interpretação, e não outra.
É de significante importância a forma com que a estrutura da avaliatividade
demonstra o implícito/indireto, bem como a realização direta do significado
avaliativo. A avaliatividade reconhece que o escritor não apenas pode explicitamente
sinalizar sua atitude, mas criar condições que provoquem o leitor a também fazer
julgamento. Por exemplo:
14
Apito que emite som de baixa intensidade ouvido apenas por animais (cachorros, gatos e outros).
Fundamentação teórica
45
THOUSANDS of migrantes will be waved into Britain by officials completely
unprepared for an invasion by new EU citizens, The Sun can reveal. (The
Sun, 29th April 2004).
HIV and tuberculosis could pose a huge threat to Britain when ten members
join the EU next month, a top doc warned yesterday. (The Sun, 23th April
2004). (Anexo 8)
A avaliatividade não apenas permite o emprego de expressões de significado
avaliativo direto e indireto, mas também explica como de forma dinâmica e
cumulativa, elas ocorrem no texto.
A maioria dos julgamentos e avaliações sociais é feita indiretamente. E isso
acontece no texto, porque o terreno já vem sendo preparado pelos artigos
anteriormente publicados. A avaliação direta intra-texto de um fenômeno particular
pode guiar, preparar e condicionar leitores a responder à avaliação implícita desse
mesmo fenômeno. Também a avaliação direta inter-texto pode servir para preparar
leitores de artigos relacionados para o dia seguinte.
Para sistematicamente explicar o efeito dessa avaliação, os autores sugerem
a realização de análise da avaliatividade não apenas do artigo selecionado
(publicado em 1° de maio de 2004, data em que mais 10 países passaram a fazer
parte da Comunidade Européia), mas também de um corpus de artigos relacionados
ao mesmo assunto. Este método combinado objetiva fornecer uma descrição com
base empírica de como o tablóide inglês The Sun posiciona seus leitores no que se
refere à questão migratória no cenário político europeu.
Evidências do corpus Sunnow e do The Sun mini-corpus permitem afirmar
que a leitura cotidiana do The Sun é uma forma de ajudar a gerar/reforçar a filogenia
no que tange à (potencial) migração de população do Leste Europeu para a
Inglaterra. E, em virtude do contínuo reforço dessa filogenia, existe a possibilidade
de, ao ler o texto de 1° de maio, muitos leitores já terem sido ontogeneticamente
preparados para dar significado – de uma só forma – a essa migração proveniente
de países do Leste Europeu.
A seguir, apresentamos noções que serão importantes na minha análise do
artigo de opinião, já que elas estão subjacentes à proposta de Goatly, de explicar a
compreensão da metáfora através da Teoria da Relevância e da noção de Registro
Fundamentação teórica
46
da Lingüística Sistêmico-Funcional. São elas: o intertexto (envolvendo a
representação do discurso, a pressuposição, a negação, o metadiscurso e a ironia)
que embasam a proposta de Fairclough, considerado por Goatly, o único modelo
que tenta a integração entre as duas teorias, como já mencionamos no tópico
1.2.3.1 ‘O que é Relevância?’. Finalmente, tratamos da questão da polidez,
diretamente envolvida no uso de atos de fala indiretos como a metáfora.
1.6 A Intertextualidade
Fairclough (1992) lembra as palavras de Foucault (1972: 98d) "Não pode
haver enunciado que, de uma maneira ou de outra, não reatualize outros". O termo
'intertextualidade' foi cunhado por Kristeva no final dos anos 1960, no contexto de
suas influentes apresentações para audiências ocidentais do trabalho de Bakhtin
(1966). Bakhtin destaca a omissão relativa das funções comunicativas da linguagem
pelos ramos principais da Lingüística e mais especificamente a omissão do fato de
os textos e os enunciados serem moldados por textos anteriores aos quais eles
estão 'respondendo' e (moldados) por textos subseqüentes que eles 'antecipam'.
A rápida transformação e a reestruturação de tradições textuais e ordens de
discurso é um extraordinário fenômeno contemporâneo, o qual sugere que a
intertextualidade deve ser um foco principal na análise de discurso.
A intertextualidade é a fonte de muita da ambivalência dos textos. Se a
superfície de um texto pode ser multiplamente determinada pelos vários textos que
entram em sua composição, então tal mistura de elementos pode tornar seu sentido
ambivalente: diferentes sentidos podem coexistir, e pode não ser possível
determinar 'o' sentido.
Trato, a seguir, de dois itens citados por Fairclough (1992) a respeito da
intertextualidade manifesta: (a) representação do discurso e (b) pressuposição.
1.6.1 A Representação de Discurso
Fairclough usa o termo 'representação de discurso' em lugar do termo
tradicional 'discurso relatado' porque: (i) ele capta melhor a idéia de que, quando se
Fundamentação teórica
47
'relata' o discurso, necessariamente se escolhe representá-lo de um modo em vez
de outro; e (ii) o que está representado não é apenas a fala, mas também a escrita,
e não somente seus aspectos gramaticais, mas também sua organização discursiva,
assim como vários outros aspectos do evento discursivo – suas circunstâncias, o
tom no qual as coisas foram ditas, etc.
Vološinov acentua a relação dinâmica entre as 'vozes' do discurso
representado e representador. Há uma considerável variação entre os tipos de
discurso, o que pode ser explicado em termos de duas escalas que se sobrepõem:
(i) em que extensão os limites entre o discurso representador e representado estão
explícita e claramente marcados; e (ii) em que extensão o discurso representado é
traduzido na voz do discurso representador.
Para detalhar a questão, trazemos, a seguir, algumas pesquisas que tratam
do assunto.
Segundo Thompson (1996), há três principais áreas da análise do discurso
onde o relato de língua recebe contínua atenção: i) a da investigação do uso de
citações no discurso acadêmico; ii) a análise de relatos lingüísticos tem sido também
de interesse no estudo da literatura e iii) a relação entre a língua original e o relato é
importante no jornalismo.
Na investigação de relatos lingüísticos, faz sentido intuitivo começar pelos
quatro principais elementos que formam o âmago dos relatos prototípicos. O evento
de discurso ‘original’ nos fornece a pessoa que está sendo relatada, e o que ele ou
ela disse, enquanto que o evento reportando nos mostra o relator, e o fato que ele
ou ela está relatando daquilo que alguém disse.
Wortham & Locher (1996) referem-se a Bakhtin (1981 [1935]), que define ‘voz’
como um papel ou posição social que um personagem representa. Romancistas
criam seus personagens como que ‘falando com diferentes vozes’, descrevendo-os e
colocando palavras em suas bocas. Eles também ventrilocam seus personagens
quando uma ‘voz autoral’ entra, e assume uma posição em relação a um
personagem. Ventrilocar é o ato de um autor ‘falar através de um personagem’, se
alinhando ou se distanciando dele. Bakhtin afirma que, quando um autor apresenta a
voz do outro, ele inevitavelmente assume uma posição de avaliador em relação a
ela.
Fundamentação teórica
48
De acordo com a teoria de uso da língua de Bakhtin, toda palavra traz junto
dela certas localizações sociais. Pôr a língua em uso é mover estas localizações que
se combinam com as palavras utilizadas. A língua se refere ao mundo, e expressa
os pensamentos e sentimentos do falante, mas em fazendo assim, também localiza
este falante, e o que está falando em algum lugar no mundo social.
Todo discurso tem o ‘sabor’ de um ou mais gêneros de discurso. Para utilizar
uma metáfora bakhtiniana, todo uso da língua reverbera os ‘ecos’ de um papel, um
tipo de pessoa, um contexto institucional ou evento. ‘Vozes’ é um processo de
mistura de várias vozes juntas em uma interação coerente. A representação e
justaposição de vozes não é objetiva. Uma voz autoral sempre se move e avalia
outras várias vozes.
Como outros falantes, os jornalistas apresentam seus assuntos como
pessoas que falam vozes identificáveis. E eles próprios falam por meio destas vozes,
e avaliam aqueles que são noticiados. Trabalhos realizados sobre a discurso e a
tendência da mídia estabeleceram que a ‘notícia’ é determinada pelos valores, e que
o tipo de linguagem utilizado reflete e expressa estes valores. Silverstein (1988,
1993) sugeriu cinco tipos de instrumentos textuais utilizados em vozes e
ventrilocação: (1) referência e predicação; (2) descrição metapragmática; (3) citação;
(4) índices avaliativos e (5) modulação epistêmica.
A referência é a seleção das coisas no mundo pelos meios lingüísticos. A
predicação caracteriza os objetos selecionados. Os descritores metapragmáticos
incluem centralmente os chamados verbos dicendi, ou verbos de dizer, que
descrevem exemplos da língua utilizada. A caracterização do discurso de alguém
utilizando-se de tais verbos é um meio poderoso de fazer uso de vozes e
ventrilocação. Citação é a combinação da referência com o verbo metapragmático e
o enunciado para representar uma situação de fala. Os índices avaliativos são
manifestações de registros particulares (formas de falar associadas a grupos
específicos). Estas marcas podem ser itens lexicais, construções gramaticais,
sotaques, ou quaisquer manifestações de outras formas. A modulação epistêmica é
a comparação do status epistemológico dos eventos narrando e narrado.
As palavras, de acordo com o que Bakhtin diz, vêm com alguma posição
social atrelada a elas. Portanto, mensagens implícitas são quase que inevitáveis. Em
Fundamentação teórica
49
sendo assim, os cinco instrumentos de vozes são ferramentas importantes para a
análise.
1.6.1.1 A Natureza Funcional do Discurso Relatado (DR)
Segundo Waugh (1995), o texto de notícia é informativo e o objetivo aparente
de um artigo é o de transmitir informação dos jornalistas para os leitores. Supõe-se
que a informação consista de fatos/verdades a respeito do mundo
objetivo/exterior/referencial. Dessa forma, a função mais importante dos jornais é
referencial e epistêmica.
Os repórteres sabem que os fatos sócio-culturais e políticos são com
freqüência subjetivos e contingentes por natureza – e podem, por exemplo, estar
baseados em opiniões politicamente motivadas e controvertidas –, e até mesmo
fatos da chamada ciência dura podem ser maculados pelo viés ideológico. Os
leitores, mesmo os medianos e ingênuos, provavelmente são céticos no que tange à
credibilidade dos fatos que estão sendo apresentados e precisam ser persuadidos
da realidade deles, especialmente porque sabem que a média dos repórteres não
conhece tudo e não pode estar certo sobre todas as coisas. Dessa forma, na
elaboração de seus artigos, os repórteres tentam corroborar as alegações,
especialmente aquelas controvertidas, feitas em uma história, procuram obter
perspectivas diferentes de uma dada história, recorrem aos especialistas para a
verificação de pontos específicos, e assim por diante. Isto é, suas afirmações no
texto estão fundamentadas em uma grande base de conhecimento.
O que caracteriza o discurso relatado (DR) é que geralmente, dentro de um
discurso, podemos não apenas falar sobre os enunciados de um outro discurso, mas
também representá-los. Na realidade, o DR é a forma principal de representarmos
abertamente os enunciados de outro discurso.
E, mais importante para nossos objetivos, podemos conversar sobre a
conversa, e nos comunicar sobre a comunicação. Em outras palavras, o discurso
relatado não é apenas ‘a fala sobre a fala, o enunciado sobre o enunciado
(Vološinov, 1973: 115 [ênfase original]; Jakobson, 1957: 130; Stemberg 1982a: 107),
o discurso sobre o discurso, mas também, e isso é que o separa de outros tipos de
Fundamentação teórica
50
discurso, é ‘a fala dentro da fala, o enunciado dentro do enunciado’ (Vološinov,
1973: 115), o discurso dentro do discurso.
Porque o DR é o discurso dentro do discurso, isso necessariamente significa
que há dois eventos de discurso, dois eventos de fala em questão: um evento de
discurso relatando, o evento de discurso no qual o relato é feito (no caso de
reportagem de notícias, essa é o artigo de notícias), e um evento de discurso
relatado, o evento de discurso sobre o qual o relato é feito. No caso de uma notícia
de jornal, o evento de discurso relatando inclui o falante relatando (o repórter), o
público geral como destinatário, o contexto espaço-temporal, sócio-cultural no qual a
notícia está incluída (um jornal publicado em uma data e localização específicas,
com todas as suas informações sócio-culturais pressupostas), e mais importante, o
enunciado relatando.
Esse enunciado relatando fala sobre o evento de discurso relatado, incluindo
um falante relatado (tipicamente identificado pelo sujeito do verbo na oração de
enquadre), um destinatário relatado (geralmente omitido em relatos jornalísticos), o
contexto sócio-cultural, espaço-temporal (algumas vezes expresso abertamente, ou
omitido, em uma complexa interface de informações pressupostas e dadas) e, é
claro, o enunciado relatado (representado pelo discurso relatado).
O que não é comum a todos os usos de DR é o fato de, no discurso
jornalístico, o DR atestar a presença de ainda um terceiro evento de fala – um
evento de fala do mundo-real, original – e um terceiro enunciado, o enunciado do
mundo-real, original. Isso está em conformidade com o seu foco no mundo-real,
referencialidade, verdade e assim por diante (e também tipifica alguns outros
gêneros de discurso, tais como o acadêmico e o legal) Em outras palavras, a
interpretação dos exemplos de DR exige a diferenciação desses três eventos de
fala: o relatando, o relatado e o mundo-real:
1) Evento de fala relatando (texto jornalístico) incluindo um enunciado relatando.
2) Evento de fala relatado (representado no texto) incluindo o enunciado relatado.
3) Evento de fala original (fora do texto) incluindo a enunciação original.
Segundo Waugh, uma vez que o discurso direto mostra as palavras do falante
relatado, isso significa que, pela metonímia, a voz dele está representada no texto.
Fundamentação teórica
51
Em outras palavras, o discurso direto permite outra voz, diferente da voz do
jornalista, ser expressa no texto, com a mediação do jornalista (como em qualquer
demonstração). Isto é, com o discurso direto, há pelo menos duas vozes no texto: a
voz do repórter e a voz do falante relatado, à qual é dada, dessa forma, uma certa
autonomia (Maingueneau, 1993: 97-98).
Com o discurso indireto, por outro lado, existe apenas uma voz: a do repórter,
visto que ele fala pela voz relatada, que, em sendo assim, não tem autonomia. O
discurso indireto descreve (fala sobre) o falante relatado e o evento relatado, que
dessa forma, são mantidos distantes, e não há ilusão de dialogismo.
O que tipifica o estilo indireto livre é o fato dele ofuscar a distinção entre o
discurso e o pensamento. Esse estilo também dificulta a diferenciação entre o
discurso direto e a narrativa do artigo. Em outras palavras, ele apresenta
simultaneamente duas vozes: a do personagem e a do narrador; ou seja, apresenta
polifonia. Os jornais considerados de qualidade evitam a possibilidade de
ambigüidade entre discurso direto e o artigo do jornalista, entre sua voz e a do outro.
1.6.2 Pressuposição
Continuando a apresentação dos cinco elementos da intertextualidade
manifesta, Fairclough trata das pressuposições, proposições que são tomadas pelo
produtor do texto como já estabelecidas ou 'dadas' (embora haja a questão sobre
para quem elas são dadas), e há várias pistas formais na organização de superfície
do texto para mostrar esse fato.
Alguns estudos sobre pressuposições tratam-nas de forma não-intertextual,
como meramente proposições que são dadas e tomadas como tácitas pelos
tradutores do texto. Deveria ser acrescentado que, em muitos casos de
pressuposição, o 'outro texto' não é um outro texto especificado ou identificável, mas
um 'texto' mais nebuloso correspondendo à opinião geral (o que as pessoas tendem
a dizer, experiência textual acumulada).
Dentro de uma perspectiva intertextual da pressuposição, o caso em que a
proposição pressuposta constitui realmente algo tomado como tácito pelo produtor
do texto, pode ser interpretado em termos de relações intertextuais como textos
Fundamentação teórica
52
prévios do produtor do texto. As pressuposições são formas efetivas de manipular
pessoas, porque são freqüentemente difíceis de desafiar. As pressuposições
manipulativas também requerem sujeitos interpretantes com experiências e
suposições particulares em textos anteriores, assim fazendo, elas contribuem para a
constituição ideológica dos sujeitos.
1.7 A Ironia como Anti-Linguagem
Alguns lingüistas observaram, segundo El Refaie (2005), que a dissensão
social é em geral articulada por meios muito semelhantes à linguagem dominante. O
estudo da ‘Anti-Linguagem’, de Halliday (1978), por exemplo, que se originou em
grupos socialmente excluídos tal como o submundo do crime, revela notável
continuidade entre essas anti-linguagens e a linguagem da maioria a que se opõem.
Isto, ele acredita, reflete o fato de que são partes do mesmo sistema social. Da
mesma maneira, em sua análise do debate sobre a imigração e minorias na Bélgica,
Blommaert & Verschueren (1998) chegaram à conclusão de que a auto-proclamada
maioria tolerante na verdade apresenta o mesmo discurso da minoria racista, porque
ambos não confiam na convivência da diversidade e na homogeneidade cultural.
1.7.1 A Ironia no Jornal
Daí a dificuldade fundamental de se achar uma nova linguagem para
expressar a dissensão social. Na realidade, parece que, uma vez estabelecido o
discurso, é quase impossível opor-se a ele sem entrar no enquadre dominante de
referência.
É aqui que a ironia se faz presente. O que dá à ironia seu potencial
subversivo é o fato de que, enquanto um comentário irônico pode também estar
intimamente relacionado a formas dominantes de falar sobre algum evento, ele
simultaneamente vai além e subverte as próprias atitudes e opiniões que cita. A
ironia pode, assim, encorajar os leitores a se conscientizarem e avaliarem o que
seria, de outro modo, aceito sem questionamento: assim, essa consciência não
precisa inventar uma linguagem de dissensão completamente nova.
Fundamentação teórica
53
A maior parte da Lingüística corrente e de teorias pragmáticas sobre ironia
situa-se em dois grupos principais: as teorias (neo)-griceanas, que vêem a ironia
como uma linguagem não-literal que viola uma (ou mais) máximas da Cooperação
Conversacional e que em geral expressa o oposto da forma literal. O significado de
um enunciado irônico é assim atingido via processamento e subseqüente rejeição de
um significado literal.
A segunda abordagem de análise da ironia enfatiza a natureza ‘ecóica’ da
ironia (Kreuz Glucksberg, 1989; Sperber & Wilson, 1981). De acordo com essa
visão, um enunciado irônico cita sempre um enunciado de alguém – ou, às vezes,
uma norma implícita –, enquanto expressa simultaneamente uma atitude de
desaprovação em relação ao enunciado ecoado. Contudo, como Attardo (2000)
mostra, nem toda ironia é ecóica e nem toda menção é necessariamente irônica.
Clift (1999: 523) afirma que o escopo restrito da maioria das abordagens
correntes tem produzido teorias que são “ao mesmo tempo estreitas demais para
revelar o que seja a ironia, e amplas demais para iluminar o que a ironia faz”. Sua
abordagem, por contraste, permite uma exploração da essência da ironia através de
todas as suas diferentes formas.
De acordo com Clift, a compreensão da ironia envolve a percepção de dois
aspectos do significado ao mesmo tempo. Ela adota a distinção de Goffman (1979)
entre ‘animador’, a pessoa que articula um enunciado, seu ‘autor’, a pessoa que o
compõe, e seu ‘principal’, aquele que está comprometido com a proposição expressa
no enunciado. A ironia, ela diz, emerge da manipulação deliberada dessas
distinções – uma ‘mudança de footing’ – pelo ironizador. Sinalizando um enquadre
(frame) distante acerca do que é expresso, torna-se possível tanto afirmar quanto
negar o que está no enquadre. A ironia, como o humor, assim apresenta-nos uma
perspectiva dupla que invoca simultaneamente tanto o que é quanto o que poderia
ou deveria ser.
Devido aos riscos que envolvem a criação de demasiada ambigüidade, os
jornalistas parecem favorecer as formas explícitas de ironia. Se aceitarmos que ela
depende da manipulação de níveis de autoria de um texto, então fica claro porque o
significado irônico em artigos de jornais tem de ser claramente sinalizado para que
seja reconhecido. Como Bell (1991) demonstra, a escrita de um único artigo pode
Fundamentação teórica
54
por vezes envolver uma dúzia ou mais de pessoas com diferentes papéis. Mesmo
para alguém familiar com os rituais da escrita de notícias como é Bell, é em geral
impossível determinar em retrospecto quem é o ‘animador’, o ‘autor’ e o ‘principal’
responsável por cada seção de um noticiário.
Bruck (1989: 115) acredita que alguns gêneros oferecem mais abertura para
discursos alternativos do que outros, com maior liberdade de movimento no formato
de coluna. Nos dados sob exame do estudo de El Refaie (2005), a ironia é
certamente mais comum em comentários do que em noticiários. Isso claramente tem
a ver com o fato de que o noticiário é visto como objetivo, e que a ironia, que
introduz julgamento de valor, não é esperada em notícias ‘hard’. Editoriais e
comentários, por contraste, devem expressar uma opinião. Porque eles são mais
explícitos em afirmar quem é o ‘animador’ de um texto, isso permite a manipulação
de vários níveis de autoria que pode encorajar uma leitura irônica.
O reconhecimento da ironia, contudo, nem sempre depende de pistas
sistemáticas. Em alguns casos, é a colocação inesperada de uma afirmação irônica
que a revela (Booth, 1974). Conseqüentemente, uma interpretação da ironia é
também intimamente ligada a expectativas de forma, ordem e registro que o gênero
de um texto implica.
1.8 Fundamentos Interpessoais da Conversa Indireta
Holtgraves (1998) estuda o fato das pessoas freqüentemente falarem
indiretamente. O ato de fala indireto é um desafio para as teorias de uso da língua e
de interação social; a primeira precisa explicar como esses atos são produzidos e
compreendidos, e a segunda precisa explicar por que esses atos ocorrem e que
papel têm na interação social. Para Holtgraves, a explicação da produção e da
compreensão do ato de fala indireto (o como do ato indireto) envolve a consideração
da questão interpessoal da fala indireta (o porquê do ato indireto).
De acordo com Grice (1975), a comunicação é possível porque os
interlocutores obedecem mutuamente o Princípio da Cooperação (PC). O PC
consiste em quatro máximas gerais de: relevância, quantidade, qualidade e modo.
Um falante que se conforma a essas máximas produz atos nítidos, claros e
Fundamentação teórica
55
maximamente eficientes. Mas os falantes podem (e freqüentemente isso acontece)
desobedecer a essas máximas, e assim fazendo expressam significados não-literais.
Se um ouvinte supõe que o falante esteja sendo cooperativo, então as violações do
PC devem fazê-lo entender que o falante quer significar algo diferente daquilo que
está dizendo literalmente. Como resultado, o ouvinte deve gerar uma Implicatura
Conversacional (i.e. uma leitura não-literal do que o falante diz). Mas este modelo é
decididamente fraco como uma explicação sócio-psicológica da comunicação: não
considera o porquê das pessoas expressarem significados indiretos.
As violações nem sempre são intencionais, mas quando o são, na interação
face-a-face, o ato indireto parece ser motivado, na maioria das vezes, por
considerações interpessoais, pela sensibilidade mútua dos participantes aos
pensamentos e sentimentos do outro.
Uma abordagem útil e popular para a conceituação de como as necessidades
interpessoais são lingüisticamente realizadas é a Teoria da Polidez, de P. Brown &
Levinson (1987), baseada nos importantes escritos de Goffman (1967) sobre face e
trabalho de face. Face, de acordo com Goffman, é a exposição pública do self, e
trabalho de face refere-se às comunicações designadas para criar, apoiar ou
desafiar a face. P. Brown & Levinson adotaram e subdividiram o conceito de face em
dois desejos universais: um desejo por autonomia e liberdade em relação à
imposição (face negativa), e um desejo por ligação e solidariedade com o outro (face
positiva).
A face é considerada frágil e sujeita à contínua ameaça durante a interação
social. No modelo de P.Brown & Levinson, os atos verbais podem ameaçar a face
positiva e/ou negativa do falante e/ou do ouvinte. Um pedido, por exemplo, ameaça
a face negativa do ouvinte (i.e. força-o a fazer algo); desacordos ameaçam a face
positiva do ouvinte. A face do falante pode também ser ameaçada. Por exemplo,
uma promessa ameaça a face negativa do falante (pois restringe sua liberdade
subseqüente), um pedido de desculpas ameaça a face positiva do falante (via
admissão de um erro).
A interação social apresenta um dilema para os interlocutores. De um lado, as
pessoas são motivadas a manter sua face positiva ou negativa. De outro, elas
precisam realizar atos que ameaçam essas motivações. Esse dilema é resolvido
Fundamentação teórica
56
pelo trabalho de face (Goffman, 1967), ou mais especificamente pela polidez
(P.Brown & Levinson, 1987). De fato, o trabalho de face, ou polidez, pode ser
considerado como um pré-requisito para ordenar a interação social.
Para exemplificar: fazer um pedido a alguém é obrigá-la a algo, e por isso
ameaça a sua face negativa. Pedidos que obedecem às máximas de Grice seriam
realizados com o imperativo. Embora essa forma seja clara e não-ambígua, ela
ameaça a face negativa do ouvinte, e, por isso, o imperativo é raramente usado,
sendo os pedidos realizados de maneira indireta.
Uma das maiores atrações do modelo de P.Brown & Levinson é que ele liga a
ameaça de face e, portanto, a polidez, com a fundamental dimensão da
interpessoalidade do poder e da distância. Assim, as pessoas tenderiam a ser mais
polidas com as mais poderosas, com as menos familiares e em relação a atos
impositivos. Alguns pesquisadores relatam um aumento de polidez associada ao
aumento de distância (Holtgraves & Yang, 1992); outros relatam o inverso (Baxter,
1984). Portanto, a comunicação indireta (i.e. o significado do falante) ao ser
reconhecida pelo ouvinte, expressa graus variados de polidez e conseqüentemente
a percepção pelo falante da situação interpessoal.
A comunicação bem-sucedida requer que o ouvinte não somente reconheça a
polidez, mas também o ato que está sendo realizado indiretamente (i.e. o significado
do falante). Mas como ocorre esse reconhecimento? O que o resultado de várias
experiências feitas para investigar a compreensão de pedidos indiretos
convencionais (i.e. interrogativa para pedir) e não-convencionais (e.g. ‘Está quente
aqui’ como um pedido para o ouvinte abrir a janela) sugere é que o processo de
inferência, de Grice
14
, não é requerido para a compreensão do primeiro, mas nem
sempre é necessário para a compreensão do segundo (Holtgraves, 1994), isto é,
estes últimos podem depender do status do falante. Os ouvintes os compreendem
mais rapidamente quando o status do falante é maior.
O efeito do status do falante na compreensão de pedidos indiretos não-
convencionais demonstra o papel realizado pelo contexto interpessoal nessa
compreensão. As pessoas não só realizam atos de fala quando usam a língua; elas
14
Ativação inicial do significado literal; reconhecimento de que este significado viola o PC e por isso
o falante deve ter tido outro significado em mente; finalmente a determinação deste significado
(Searle, 1975).
Fundamentação teórica
57
realizam simultaneamente atos interpessoais. A compreensão do uso da língua, e os
atos de fala indiretos em particular requerem a consideração dos fundamentos
interpessoais da língua.
58
2 DADOS
O corpus desta dissertação é constituído de cinco artigos de opinião,
publicados na seção ‘Espaço Aberto’, na página 2, da edição de domingo, do jornal
O ESTADO DE SÃO PAULO. A coleta abrange os meses de julho de 2006 a
novembro de 2007, tendo sido reunido 48 artigos que me permitiram delimitar o tema
de minha pesquisa. Assim, a leitura dos artigos de opinião, de Gaudêncio Torquato,
mostra o uso de um tipo de metáfora, que consiste na “transferência de alguma
característica animal ao ser humano”, a transferência metafórica, nos termos de
Halupka-Resetar & Radic (2003). Seria, então, não uma metáfora de personificação,
mas, sim, de ‘animalização’, que expressa a tentativa de persuasão adotada pelo
autor, que, ao mesmo tempo, evita ameaçar diretamente a face do criticado, passa
para o leitor a mensagem que tem em mente – os desmandos de alguns políticos.
Restrinjo-me, portanto, às metáforas que falam de animais e seu contexto. Os
artigos têm em média 900 palavras e, em termos de estrutura, são geralmente
formados por cinco parágrafos.
Para a presente análise, selecionamos cinco artigos do jornalista e professor
Gaudêncio Torquato, quais sejam:
1) Aberta a temporada de caça, 12/11/2006;
2) Na boca dos leões, 11/03/2007;
3) Tucanos e araras, adeus às ilusões, 04/02/2007;
4) Tucanos perdidos na floresta, 04/11/2007;
5) A vaca sai do brejo, 01/07/2007.
59
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Já fizemos ver que estudos de metáfora (e figuras de linguagem em geral)
enfatizam que a metaforicidade é uma questão de grau, e conseqüentemente o
limite entre o literal e o metafórico é obscuro. Há, porém, uma proposta – de Goatly
(1997), que se apóia na noção de Registro, da Lingüística Sistêmico-Funcional, e na
Teoria da Relevância –, que julgo poder dar conta desse trabalho complexo de
interpretação e de decodificação da semântica da metáfora. Reapresento aqui
algumas das noções já tratadas no Apoio Teórico, a fim de esclarecer os itens que
mais diretamente fazem parte desta análise.
Goatly adota a seguinte metalinguagem na análise dos termos da metáfora,
como no exemplo que damos a seguir:
(1) O passado é um país estrangeiro; eles fazem as coisas de modo diferente lá.
Tópico Veículo Base (similaridade)
E explica que:
a) Veículo é referente convencional da unidade;
b) Tópico é referente não-convencional; e
c) Base
são as similaridades e/ou analogias envolvidas.
Para Semino et al. (2004), a garantia da identificação precisa da relação entre
Tópico e Veículo para cada metáfora lingüística constitui um problema metodológico.
Porém, se considerarmos que, para Goatly, a compreensão metafórica apóia-se em
processos e princípios envolvidos na interação de vários tipos de conhecimento: (1)
do sistema lingüístico; (2) do contexto de situação e co-texto; (3) do sistema
esquemático de experiência: factual e sócio-cultural) aliados aos processos e
princípios inferenciais explicitados pela Pragmática (Teoria da Relevância), julgo
que o problema não se coloca como insolúvel.
Segundo a Teoria da Relevância: “outras coisas sendo iguais, quanto maior
os Efeitos Contextuais, maior a relevância; outras coisas sendo iguais, quanto menor
o Esforço de Processamento, maior a relevância”, ou alternativamente, expresso
pela equação:
Procedimentos metodológicos
60
Efeitos Contextuais
(9) Relevância = --------------------------------------
Esforço de Processamento
Retomando os itens (1), (2) e (3) acima mencionados: (1) é o conhecimento
da língua, nos dará o produto da decodificação; além disso, utilizamos (2), o
conhecimento que adquirimos através do texto adjacente, inclusive o fato de o artigo
ter sido publicado no jornal O Estado de São Paulo, e a situação física e social em
que o texto é produzido, ou seja, Registro nos termos da Lingüística Sistêmico-
Funcional. Também consideramos, (3), o conhecimento de mundo, e a sociedade de
nossa comunidade lingüística, e o trazemos ao texto através da noção de Intertexto
e frame. São esses elementos que, para Goatly, fornecem uma explicação geral e
coerente da interpretação metafórica. Em resumo, procederei à análise, seguindo as
etapas:
a) Levantamento do contexto situacional, através das variáveis de Registro, para
deixar claro, desde o início da análise, o Campo (assunto), as Relações
(Torquato e leitores de O Estado de São Paulo, incluindo possivelmente os
políticos mencionados em seu artigo) e Modo (a organização lingüística de
Campo e Relações). Fica, assim, caracterizado o co-texto de ocorrência das
metáforas, ou seja, os parágrafos que compõem o artigo em que ocorrem as
metáforas.
b) A classificação da metáfora através da proposta de Fairclough (identificação,
interpretação e explicação), que será feita apoiada nas noções de Veículo,
Tópico e Base, de Goatly. Na realidade, a análise me mostrou que as categorias
de Fairclough coincidem com as de Goatly, ou seja:
Veículo = identificação
Tópico = interpretação
Base = explicação
E, portanto, essa correspondência foi mantida na análise, conforme exemplo abaixo:
( ....) “a mira presidencial quer acertar por inteiro os felinos peemedebistas”
Veículos: Felinos peemedebistas (identificação)
Tópico: Políticos do PMDB (interpretação)
Base: Felinos (‘políticos’) podem ser animais perigosos e traiçoeiros
(explicação)
Procedimentos metodológicos
61
c) Verificação da avaliação persuasiva cumulativa através do texto, para delinear a
ideologia contida no texto e esclarecer o objetivo do autor ao escrevê-lo.
As metáforas mortas que se utilizam de léxico ligado ao mundo animal e com
alguma proximidade contextual, foram destacadas com sublinhado ondulado duplo,
por exemplo:
‘Bode expiatório’
62
4 ANÁLISE
Iniciamos o exame com uma tentativa de descrever a configuração contextual
de Campo, Relações e Modo para o gênero artigo de opinião em foco:
Gênero: Artigo de Opinião.
Campo: Torquato expressa sua opinião sobre os acontecimentos do meio político
que dão os contornos à política nacional.
Relação: Interlocutores: Torquato e leitores; distância social: distante (jornalista
identificado, mas desconhecido pelos leitores); freqüência: dominical.
Relação social: desigual: Torquato detém a informação (autoridade), e os
leitores dependem dele para tê-la.
Modo: papel da linguagem: mídia: impressa; organização dos conteúdos
ideacionais e interpessoais.
Uma hipótese óbvia aqui seria que detecção (desambigüização) de um
significado metafórico em oposição ao significado literal dependerá do princípio de
Relevância em relação aos conteúdos associados ao Campo (no caso do artigo em
foco, ‘animais’ refere-se aos políticos, por exemplo).
4.1 Texto 1
Veja nos quadros ao lado direito do texto a explicitação do Campo dos
estágios do artigo; as Relações referem-se ao articulista e seus leitores.
Observemos que essa explicitação pode ser feita graças ao intertexto que o leitor
traz para a relação que mantém com o texto. Como diz Goatly, uma vez certificado o
contexto através do estabelecimento do Campo e Relações, as escolhas léxico-
gramaticais feitas pelo autor tornam-se compreensíveis e é, então, possível
depreender o Tópico do Veículo correspondente e, assim, decodificar a metáfora.
Análise
63
Quadro 6 - Texto do artigo (1) com a caracterização do Campo de cada parágrafo.
Texto 1 (publicado no O Estado de São Paulo, dia 12/11/2006).
Aberta a temporada de caça
Gaudêncio Torquato
Jornalista, professor titular
da USP e consultor político.
1º. Parágrafo
Campo de cada
parágrafo
Ao iniciar seu primeiro mandato, o presidente eleito delegou ao fiel
escudeiro, na época, José Dirceu a tarefa de preparar o banquete
governista com farta caça. "Animais" de alguns partidos - PTB, PP, PL e
PSB - foram caçados com astúcia. Luiz Inácio apurou o olfato, aguçou a
audição, avaliou o porte dos bichos da floresta partidária e montou o
cardápio presidencial. Sabe-se que frango à passarinho com polenta e
rabada com agrião são os pratos que mais aprecia. Evitou caçar a
"manada" completa do PMDB por achar que a carne de alguns
mamíferos carnívoros não combinava com a receita que imaginara para
o menu governamental. Ao iniciar o segundo mandato, o presidente
reeleito vai, ele mesmo, à caça na condição de espingardeiro-mor. E,
para surpresa dos convivas, a mira presidencial quer acertar por inteiro
os felinos peemedebistas, que, como se sabe, são animais de garras
longas e curvadas, sentidos apurados e contam com uma vantagem:
enxergam muito bem à noite e usam a espinha bastante flexível para
subir em árvores com agilidade. Lula quer formar um criatório com esses
"animais" a fim de não faltar carne nos quatro anos de mandato.
O Campo, ou seja, o
assunto neste estágio é o
da formação do ministério
de Lula.
2º. Parágrafo
Imagem definida, entremos agora nas pistas abertas pela caçada de
Lula. Para começar, a idéia presidencial de formar uma coalizão
parlamentar é plausível, mas ameaça estiolar-se pela ausência de
critérios capazes de lhe garantir firmeza e durabilidade. Coalizão sem
alicerce de princípios não se sustenta. A liga de uma aliança deve ser a
idéia, o compromisso com políticas públicas. Formar a base governista
com a ocupação de cargos é construir um prédio com argamassa fofa:
despencará mais cedo ou mais tarde. Coalizão, nesse caso, é sinônimo
de colisão. O PMDB entrará no governo com seus grandes e pequenos
felinos se acomodando no colchão lulista e assumindo
responsabilidades. Mas o maior partido brasileiro está mais para
arquipélago de capitães hereditários que para santuário de crenças.
Qual a liga que une os leopardos Renan Calheiros, Roberto Requião,
José Sarney e Jader Barbalho? O gostinho do poder. Conclusão: o dono
do partido será Luiz lnácio Lula da Silva.
Campo:
Coalizão parlamentar.
3º. Parágrafo
No momento em que faltar espaço para um deles, quem tem dúvida de
que as unhas retráteis sairão das dobras da pele para atacar a barba
presidencial? A flexibilidade da espinha dos felinos governistas é a
garantia de que, seja qual for o rumo a ser dado por Lula à
administração, eles estarão sempre postados na copa das árvores
espreitando o momento de abocanhar um naco de carne. Terão de
enfrentar um bando de aves de caça também à espreita. São os falcões,
gaviões, corujas e águias do PT. Esses bichos, também carnívoros,
lutarão, com suas garras fortes e seus bicos aduncos, para continuar por
cima da carne-seca, na convicção de que o território conquistado por
Luiz Inácio pertence, primeiramente, a eles. Mas o dono da floresta já
avisou que, para eles, a cota alimentar será menor. Vão sobrar
arranhões. Mais ainda: ao decidir ser ele próprio o comandante da
articulação política, Luiz Inácio comete um erro crasso. Sai da condição
de magistrado para assumir o papel de advogado, tanto de defesa como
de acusação. Submete-se à crítica de inconformados, às barganhas de
oportunistas, à sanha de traidores e às lamúrias dos caídos.
Campo:
Luta entre os partidos por
um lugar no ministério.
Continua
Procedimentos metodológicos
64
continuação
4º. Parágrafo
O segundo mandato coincidirá com o novo diagrama partidário. A
conformação, que poderá ficar entre sete e dez agremiações,
dependendo da palavra do TSE sobre a fusão de siglas, propiciará um
realinhamento inter-partidário, com idas e vindas de parlamentares e
defInição de diretrizes. O feixe de pressões e contrapressões exigirá do
articulador político dedicação para administrar a base de apoios. Se o
presidente decide impor as regras para a coalizão, é natural esperar que
acompanhe os eventos políticos, não se descartando a hipótese de que
um articulador ad hoc, Tarso Genro ou outro, não terá tanto crédito
quanto à figura presidencial para negociar com parlamentares. O Palácio
do Planalto, com Lula na coordenação política, dará eco à gritaria
congressual. Como, porém, dedicar-se com tanto afinco à articulação, se
o homem, como é sabido, tem ojeriza a lidar com balaio de gatos? Para
quem deseja acelerar projetos de infra-estrutura, puxar a orelha de
ministros desatentos, enfim, controlar de perto a ação governamental,
fica difícil assoviar e chupar cana ao mesmo tempo. Lembre-se, ainda,
que nos primeiros meses de 2007 o eixo central da discussão interna
corporis versará sobre a questão pendular: o governo deve ir mais para
a banda desenvolvimentista ou para a banda monetarista? A polêmica
gastará energias do corpo governamental.
Campo:
Realinhamento inter-
partidário.
5º. Parágrafo
A probabilidade de que o figurino de articulador se encaixe bem no corpo
de Lula dependerá da concepção monolítica da administração, quer
dizer, de uma divisão mais racional de missões e conseqüente definição
de metas. A imagem do primeiro governo foi de uma colcha de retalhos.
Nesse sentido, seria viável supor a estrutura ministerial organizada de
forma mais homogênea, concentrando programas, projetos e recursos
nas três grandes áreas do governo: a administrativa, responsável pela
eficácia gerencial; a econômico-desenvolvimentista, com poderes para
ditar e ajustar as diretrizes macroeconômicas e fortalecer as bases do
crescimento; e a área social, integradora de ações de governo nas
esferas da assistência, educação e saúde.
Campo:
Composição da estrutura
ministerial através de três
grandes áreas: a
administrativa; a
econômico-
desenvolvimentista e a
social.
6º. Parágrafo
Ora, um traçado com tal configuração requer menos partilha política e
maior dimensão técnica. Se não for assim, o governo será uma "salada
de frutas", exatamente o que o presidente disse que pretende evitar. Os
maiores partidos exigem ocupar a Esplanada dos Ministérios em regime
de curral fechado. Vai haver político escapando pelas beiradas. A tal
coalizão parlamentar, se assegura apoio congressual, desfigurará a
unidade governamental.
Campo:
A coalizão requer menos
partilha política e maior
dimensão técnica.
7º. Parágrafo
A projeção é inevitável: os tiros na caçada política podem sair pela
culatra. No fundo da paisagem, lêem-se os mesmos erros do passado e
um sinônimo da palavra-chave da crise, conhecida como mensalão.
Campo:
A coalizão sofre a
influência dos erros do
passado.
Análise
65
Portanto, o artigo de opinião ‘Está aberta a temporada da caça’, compõe-se
de sete parágrafos, assim distribuídos em termos de Campo, que fornece o co-texto
para a interpretação das metáforas:
1. Formação do ministério de Lula.
2. Coalizão parlamentar.
3. Luta entre os partidos por um lugar no ministério.
4. Realinhamento inter-partidário.
5. Composição da estrutura ministerial através de três grandes áreas: a
administrativa; a econômico-desenvolvimentista e a social.
6. A coalizão requer menos partilha política e maior dimensão técnica.
7. A coalizão sofre a influência dos erros do passado.
Assim sendo, as metáforas que se utilizam de animais como Veículo, devem
ser entendidas nesse co-texto, isto é, o Tópico deverá ser identificado na competição
entre os partidos para participar do ministério de Lula, e de como será feita a
coalizão parlamentar, tendo como pano de fundo os fatos negativos que envolveram
o partido do governo em recente história.
Veremos que o autor usa as metáforas relacionadas a animais e seus
costumes com vistas ao trabalho de face, ou polidez, (Brown & Levinson, 1987),
tentando não ameaçar diretamente a face do político em foco, para, evidentemente,
salvar a sua própria face.
A propósito, Halupka-Resetar & Radic (2003), estudando o sérvio, verificaram
que nomes de animais são mais usados como termos pejorativos do que afetivos.
Em uso para fins de denúncia, dizem eles, o motivo para a transferência metafórica
de significado refere-se ao tamanho, hábitos alimentares, caráter ou inteligência do
referido.
O Quadro 7, a seguir, dá continuidade a análise. Nele estão sublinhadas as
metáforas que serão objeto de análise. Aqui adotamos a classificação de Fairclough
(1999a: 6), de identificação, interpretação e explicação, que são, por sua vez,
baseados na Lingüística Funcional de Halliday (1985) e que consiste na metodologia
da ACD. A identificação da metáfora está inicialmente interessada com os
Procedimentos metodológicos
66
significados ideacionais – os quais serão interpretados, segundo proposta de Goatly,
considerando-se o Registro do texto analisado [etapa (a), acima]; a interpretação da
metáfora interessa-se pelo significado interpessoal – isto é, a identificação do tipo
das relações sociais que são construídas através dela; e, finalmente, a explicação da
metáfora está interessada no significado textual: isto é, o modo como as metáforas
estão inter-relacionadas e se tornam coerentes com referência à situação em que
ocorrem.
As metáforas serão, então, analisadas em termos de Tópico, Veículo e Base,
segundo Goatly (1997), concorrendo para isso as etapas de identificação,
interpretação e explicação, que são etapas que ocorrem automaticamente –
considerando-se as variáveis de Registro, como preconiza Goatly – mas que nem
por isso podem ser ignoradas. A esse respeito, Marley (2007) refere-se aos estágios
propostos por Searle, que também concorrem para o esclarecimento de como se
processa a interpretação de uma metáfora. Aqui, Marley reforça a importância do co-
texto e do gênero como elementos que contribuem para a desambigüização do
significado, na medida em que eles ajudam a selecionar os traços realmente
pertinentes. Os estágios são estes:
1) Envolve o reconhecimento de que se o enunciado for tomado literalmente, ele
será anômalo. Isso leva o leitor a procurar um significado alternativo, pois ele
verifica que a interpretação deverá ser não-literal;
2) Searle sugere que o leitor “procurará traços salientes, conhecidos e distintivos”
do termo não-literal (Searle, 1979: 115);
3) Este envolve a restrição da série de traços relevantes por referência à entidade
que eles representam e a rejeição dos que parecem inadequados.
Nesse particular, os conceitos de Veículo, Tópico e Base, refletem essas
etapas, sendo eles correspondentes à identificação, interpretação e explicação
acima referidos. Acredito que a classificação de Goatly referente a Veículo, Tópico e
Base coincide com a de Fairclough de identificação, interpretação e explicação,
respectivamente.
Feito isso, no final da análise, em negrito, colocamos a Verificação da
Avaliação Persuasiva, que vai ocorrer de forma cumulativa através do texto. Com
Procedimentos metodológicos
67
isso será possível delinear a ideologia contida no texto e esclarecer o objetivo do
autor ao escrevê-lo.
Análise
68
Quadro 7 - Análise das metáforas do texto do artigo (1)
Texto 1 (publicado no O Estado de São Paulo, dia 12/11/2006).
Aberta a temporada de caça
Gaudêncio Torquato
Jornalista, professor titular
da USP e consultor político.
1º. Parágrafo
Campo: A formação do ministério do governo Lula.
NOTA: O Veículo será somente sublinhado para não congestionar o espaço.
Ao iniciar seu primeiro mandato, o presidente eleito delegou ao fiel escudeiro, na época, José Dirceu
(1) a tarefa de preparar o banquete governista com farta caça.
(2) "Animais" de alguns partidos -
PTB, PP, PL e PSB - foram caçados com astúcia
. Luiz Inácio (3) apurou o olfato, aguçou a audição,
avaliou o porte dos bichos da floresta partidária e montou o cardápio presidencial. Sabe-se que
frango à passarinho com polenta e rabada com agrião são os pratos que mais aprecia. Evitou (4)
caçar a "manada" completa do PMDB por achar que a carne de alguns mamíferos carnívoros não
combinava com a receita que imaginara para o menu governamental. Ao iniciar o segundo mandato,
o presidente reeleito vai, ele mesmo, à caça na condição de espingardeiro-mor. E, para surpresa dos
convivas, a mira presidencial quer acertar por inteiro os (5) felinos peemedebistas
, que, como se
sabe, são (6) animais de garras longas e curvadas, sentidos apurados e contam com uma vantagem:
enxergam muito bem à noite e usam a espinha bastante flexível para subir em árvores com agilidade.
Lula quer formar um (7) criatório com esses "animais"
a fim de não (8) faltar carne nos quatro anos
de mandato.
(1)
Veículo: Banquete com farta caça (identificação)
Tópico: Ministério com possíveis ministros (interpretação)
Base: A composição do ministério assemelha-se a uma refeição (explicação)
(2)
Veículo: “Animais” de alguns partidos (identificação)
Tópico: Políticos (interpretação)
Base: Na natureza, os animais são diferentes, no mundo político, os políticos têm características
diferentes também (explicação)
(3)
Veículo: Apurou o olfato, aguçou a audição, avaliou o porte dos bichos da floresta partidária e montou
o cardápio presidencial (identificação).
Tópico: O caçador avaliou as possibilidades dos políticos para formar o ministério (interpretação).
Base: Luiz Inácio é comparado a um caçador pois ‘Apurou o olfato ....avaliou ...’ são qualidades de
um caçador; ‘cardápio’ remete a ‘ministério’, pelo Campo já estabelecido (explicação)
(4)
Veículo: “Manada" completa do PMDB por achar que a carne de alguns mamíferos carnívoros não
combinava com a receita ... (identificação)
Tópico: As características de alguns políticos não interessavam ao ministério em formação
(interpretação)
Base: ‘manada’ remete ao coletivo de animais; ‘carne de mamíferos carnívoros’ mostra a semelhança
dos políticos a animais que mamam na teta maternal e ‘mamífero carnívoro’ remete a animais que
matam para conseguir alimento (explicação)
(5)
Veículo: Felinos peemedebistas (identificação)
Tópico: Políticos do PMDB (interpretação)
Base: Felinos (‘políticos’) podem ser animais perigosos e traiçoeiros (explicação)
(6)
Veículo: Animais de garras longas, sentidos apurados, enxergam bem à noite e têm espinha flexível
(identificação)
Tópico: Políticos do PMDB (interpretação)
Base: Esses políticos têm recursos para fazer parte do governo (explicação)
continua
Procedimentos metodológicos
69
(7)
Veículo: Criatório com animais (identificação)
Tópico: Grande número de políticos peemedebistas (interpretação)
Base: Políticos que comporão o ministério (explicação)
(8)
Veículo: Faltar carne (identificação)
Tópico: Políticos que participem do governo (interpretação)
Base: Carne serve de alimento, esses políticos darão sustentação para o governo (explicação)
Avaliação: A composição do ministério constitui-se num processo que envolve políticos
perigosos e traiçoeiros.
2º. Parágrafo
Campo: Coalizão parlamentar.
Imagem definida, entremos agora nas pistas abertas pela (9) caçada de Lula. Para começar, a idéia
presidencial de formar uma coalizão parlamentar é plausível, mas ameaça estiolar-se pela ausência
de critérios capazes de lhe garantir firmeza e durabilidade. Coalizão sem alicerce de princípios não
se sustenta. A liga de uma aliança deve ser a idéia, o compromisso com políticas públicas. Formar a
base governista com a ocupação de cargos é construir um prédio com argamassa fofa: despencará
mais ou cedo ou mais tarde. Coalizão, nesse caso, é sinônimo de colisão. O PMDB entrará no
governo com seus grandes e pequenos (10) felinos
se acomodando no colchão lulista e assumindo
responsabilidades. Mas o maior partido brasileiro está mais para arquipélago de capitães hereditários
que para santuário de crenças. Qual a liga que une os (11) leopardos
Renan Calheiros, Roberto
Requião, José Sarney e Jader Barbalho? O gostinho do poder. Conclusão: o dono do partido será
Luiz lnácio Lula da Silva.
(9)
Veículo: Caçada (identificação)
Tópico: Escolha de ministros (interpretação)
Base: Procura de políticos para formação de ministérios (explicação)
(10)
Veículo: Felinos (identificação).
Tópico: Políticos do PMDB (interpretação)
Base: Os políticos do PMDB, ao serem chamados de ‘felinos’, são caracterizados, neste caso, com
as qualidades negativas desses animais, quais sejam: traiçoeiros, cruéis, calculistas (explicação)
(11)
Veículo: Leopardos (identificação).
Tópico: Políticos do PMDB (interpretação)
Base: O leopardo é um animal veloz e voraz. Os peemedebistas lutarão muito por seus interesses
(explicação)
Avaliação: O governo precisa – para fins de governabilidade – fazer coalizão incluindo os
políticos calculistas, cruéis e traiçoeiros.
3º. Parágrafo
Campo: Luta entre os partidos por um lugar no ministério.
No momento em que faltar espaço para um deles, quem tem dúvida de que as (12) unhas retráteis
sairão das dobras da pele para atacar a barba presidencial? A (13) flexibilidade da espinha dos
felinos governistas é a garantia de que, seja qual for o rumo a ser dado por Lula à administração,
eles estarão sempre postados na copa das árvores espreitando o momento de abocanhar um naco
de carne. Terão de enfrentar um bando de (14) aves de caça
também à espreita. São os falcões,
gaviões, corujas e águias do PT. Esses (15) bichos, também carnívoros, lutarão, com suas garras
fortes e seus bicos aduncos, para continuar (16) por cima da carne-seca, na convicção de que o (17)
território conquistado por Luiz Inácio pertence, primeiramente, a eles. Mas o dono da floresta já
avisou que, para eles, a cota alimentar será menor. Vão sobrar (18) arranhões
. Mais ainda: ao decidir
ser ele próprio o comandante da articulação política, Luiz Inácio comete um erro crasso. Sai da
condição de magistrado para assumir o papel de advogado, tanto de defesa como de acusação.
Submete-se à crítica de inconformados, às barganhas de oportunistas, à sanha de traidores e às
lamúrias dos caídos.
continuação
continua
Procedimentos metodológicos
70
(12)
Veículo: Unhas retráteis (identificação)
Tópico: Recursos para fazer sua política (interpretação)
Base: Se necessário for, os peemedebistas têm meios (atacar ou se defender) para alcançar seus
objetivos (explicação)
(13)
Veiculo: Flexibilidade da espinha (identificação)
Tópico: A capacidade de se adaptarem à situação de interesse (interpretação)
Base: Esses políticos do PMDB vão à luta para garantir seu lugar no governo (explicação)
(14)
Veículo: Aves de caça: falcões, gaviões, corujas e águias (identificação)
Tópico: Políticos do PT, também detentores de característica particulares (interpretação)
Base: O PT têm políticos preparados e adaptados para a disputa de poder (explicação)
(15)
Veículo: Bichos carnívoros com garras fortes e bicos aduncos (identificação)
Tópico: Recursos que os petistas podem dispor (interpretação)
Base: O PT também tem suas “armas” para se defender da oposição (explicação)
(16)
Por cima da carne-seca
Veículo: Carne-seca (identificação)
Tópico: Estar em posição de superioridade (poder) (interpretação)
Base: Tipo de carne cujo preparo é tipicamente nordestino, e muito apreciada em todo País. Trata-se
de uma metáfora morta, que se transformou numa expressão idiomática, e que significa estar em
posição de superioridade, estar bem de vida (explicação)
(17)
Veículo: Território (identificação)
Tópico: As áreas de administração (interpretação)
Base: O governo se assemelha a um campo que pode até ser de batalha, onde nenhum dos lados
quer perder espaço. (explicação)
(18)
Veículo: Arranhões (identificação)
Tópico: A disputa (interpretação)
Base: Tanto governistas quanto oposicionistas podem se defrontar ocasionando combates que como
resultado geram perda de poder (explicação)
Avaliação: A luta por um ministério envolve muito mais interesses partidários do que o bem
comum do País.
4º. Parágrafo
Campo: Realinhamento inter-partidário.
O segundo mandato coincidirá com o novo diagrama partidário. A conformação, que poderá ficar
entre sete e dez agremiações, dependendo da palavra do TSE sobre a fusão de siglas, propiciará um
realinhamento inter-partidário, com idas e vindas de parlamentares e defInição de diretrizes. O feixe
de pressões e contrapressões exigirá do articulador político dedicação para administrar a base de
apoios. Se o presidente decide impor as regras para a coalizão, é natural esperar que acompanhe os
eventos políticos, não se descartando a hipótese de que um articulador ad hoc, Tarso Genro ou
outro, não terá tanto crédito quanto à figura presidencial para negociar com parlamentares. O Palácio
do Planalto, com Lula na coordenação política, dará eco à gritaria congressual. Como, porém,
dedicar-se com tanto afinco à articulação, se o homem, como é sabido, tem ojeriza a lidar com (19)
balaio de gatos
? Para quem deseja acelerar projetos de infra-estrutura, puxar a orelha de ministros
desatentos, enfim, controlar de perto a ação governamental, fica difícil assoviar e chupar cana ao
mesmo tempo. Lembre-se, ainda, que nos primeiros meses de 2007 o eixo central da discussão
interna corporis versará sobre a questão pendular: o governo deve ir mais para a banda
desenvolvimentista ou para a banda monetarista? A polêmica gastará energias do corpo
governamental.
continuação
continua
Procedimentos metodológicos
71
(19)
Balaio de gatos
Veículo: Balaio de gatos (identificação)
Tópico: Uma série de problemas (interpretação)
Base: Trata-se de uma metáfora morta, que se transformou numa expressão idiomática, e que
significa os problemas que surgem na composição ministerial envolvendo políticos de várias
tendências (explicação)
Avaliação: Será difícil governar com parlamentares de várias tendências.
5º. Parágrafo
Campo: Composição da estrutura ministerial através de três grandes áreas.
A probabilidade de que o figurino de articulador se encaixe bem no corpo de Lula dependerá da
concepção monolítica da administração, quer dizer, de uma divisão mais racional de missões e
conseqüente definição de metas. A imagem do primeiro governo foi de uma colcha de retalhos.
Nesse sentido, seria viável supor a estrutura ministerial organizada de forma mais homogênea,
concentrando programas, projetos e recursos nas três grandes áreas do governo: - a administrativa,
responsável pela eficácia gerencial; a econômico-desenvolvimentista, com poderes para ditar e
ajustar as diretrizes macroeconômicas e fortalecer as bases do crescimento; e a área social,
integradora de ações de governo nas esferas da assistência, educação e saúde.
Avaliação: Lula poderá ter uma administração melhor se promover uma divisão mais racional
de missões e metas.
6º. Parágrafo
Campo: A coalizão requer menos partilha política e maior dimensão
técnica.
Ora, um traçado com tal configuração requer menos partilha política e maior dimensão técnica. Se
não for assim, o governo será uma "salada de frutas", exatamente o que presidente disse que
pretende evitar. Os maiores partidos exigem ocupar a Esplanada dos Ministérios em regime de (20)
curral fechado
. Vai haver político escapando pelas beiradas. A tal coalizão parlamentar, se assegura
apoio congressual, desfigurará a unidade governamental.
(20)
Veículo: Curral fechado (identificação)
Tópico: Tendência contra coalizão, ou seja, Governo formado por poucos partidos (interpretação)
Base: Menos partidos no governo significa menos partilha, ou seja, mais poder nas mãos de poucos
(explicação)
Avaliação: A coalizão muito ampla significa governabilidade dificultada.
7º. Parágrafo
Campo: A coalizão sofre a influência dos erros do passado.
A projeção é inevitável: (21) os tiros na caçada política podem sair pela culatra. No fundo da
paisagem, lêem-se os mesmos erros do passado e um sinônimo da palavra-chave da crise,
conhecida como mensalão.
(21)
Veículo: os tiros da caçada política podem sair pela culatra (identificação)
Tópico: Busca de políticos para se formar o governo (interpretação)
Base: Trata-se de uma metáfora morta, que se transformou numa expressão idiomática, e que
significa que os objetivos do governo podem não se concretizar (explicação)
Avaliação: O governo repete os erros do passado.
continuação
Análise
72
Apresentamos, a seguir, as avaliações contidas em cada parágrafo, com base
nas metáforas selecionadas seguidas da discussão desses resultados frente à
persuasão implícita feita pelo autor:
1) A composição do ministério constitui-se num processo que envolve políticos
perigosos e traiçoeiros.
2) O governo precisa – para fins de governabilidade – fazer uma coalização
incluindo os políticos calculistas, cruéis e traiçoeiros.
3) A luta por um ministério envolve muito mais interesses partidários do que o bem
comum do país.
4) Será difícil governar com parlamentares de várias tendências.
5) Lula poderá ter uma administração melhor se promover uma divisão mais
racional de missões e metas.
6) A coalizão muito ampla significa governabilidade dificultada.
7) O governo repete os erros do passado.
Discussão: Torquato se posiciona contra a coalizão ampla, deixando entrever
também sua preocupação sobre o governo Lula, que, para contentar ‘felinos’ de
várias origens, ávidos de poder, tornarão o ministério um ‘balaio de gatos’, repetindo
erros do passado. Em resumo, será então um governo comprometido que poderá
levar o país ao caos.
Esse posicionamento não é feito exclusivamente através de metáforas, mas o
uso de linguagem figurada, envolvendo animais ferozes, cruéis, de comportamento
selvagem – não se está falando em ‘cães’, ‘pombos’ ou ‘coelhos’ –, tornando mais
eficaz a persuasão do leitor e a formação da opinião pública. Em sendo assim, o uso
desses animais nesse contexto, faz o leitor trazer para o texto do artigo um intertexto
que, inconscientemente, o leva a traçar um paralelo com julgamentos éticos
negativos que envolvem esses quadrúpedes e, em última instância, com os
membros do ministério.
Julgo que, assim, as metáforas contribuem para criar um frame que, de
maneira implícita, poderá conduzir o leitor a criar uma metáfora maior, ou seja, do
Procedimentos metodológicos
73
fraco contra o forte, do presidente fragilizado diante de poderosos que até há pouco
detinham o controle do país.
4.2 Texto 2
Veja nos quadros ao lado direito do texto a explicitação do Campo dos
estágios do artigo.
Análise
74
Quadro 8 – Texto do artigo (2) com a caracterização do Campo de cada parágrafo.
Texto 2 (publicado no O Estado de São Paulo, dia 11/03/2007).
Na boca dos leões
Gaudêncio Torquato
Jornalista, professor titular
da USP e consultor político.
1º. Parágrafo
Campo de cada
parágrafo
Ao começar a ler este parágrafo, o leitor não imagina que, antes mesmo
de chegar ao final, duas pessoas estarão tombando ou sendo vítima de
assaltos no território brasileiro. E mais, entre a leitura do jornal de hoje e
o de amanhã, cerca de 110 pessoas morrerão e 55 serão feridas por
arma de fogo. A estatística é gritante: segundo a OMS, o País é
campeão em número de homicídios, com a soma de 45 mil ao ano. Só
na capital paulista morrem 5 mil. Em 20 anos, as mortes por causa de
violência no Rio de Janeiro e em São Paulo aumentaram em 230%. A
violência ceifou a vida de mais de 2 milhões de pessoas. E o que fazem
os governos federal e estadual? Dão tiros a esmo. Atacam bandidos
com balas de ocasião e migalhas de recursos. Ou, quando premidos
pelo clamor público, esticam léguas de discursos retumbantes, como se
viu por ocasião do assassinato do garoto João Hélio, que comoveu o
País. Naquele momento, parecia que o Brasil despertara da letargia. E
que o PAC da Segurança Pública, afinal, chegaria para limpar as ruas de
bandidos. O tema da maioridade penal veio à tona. Governadores do
Sudeste se reuniram e prometeram sinergia de ações.
Campo:
A violência no território
brasileiro.
2º. Parágrafo
Mas as esperanças começam a se desvanecer na névoa das promessas
deixadas de lado. O presidente da República prometera debater o tema
da segurança pública com os governadores. Nada feito. O tão ansiado
PAC veio, sim, mas para a educação, o que é elogiável quando se sabe
que a porta da mudança se abre com a chave educacional. Os R$ 8
bilhões anunciados para melhorar o ensino, com prioridade na educação
básica, são bem-vindos, mas há uma urgência que não pode aguardar: o
combate sem tréguas à criminalidade. Basta os governantes fazerem a
conta: a violência custa R$ 300 milhões por dia, conforme pesquisas
feitas pelo coronel José Vicente, ex-secretário nacional de Segurança
Pública. Por ano, a soma ultrapassa os R$ 11 bilhões. A União
despende por ano com segurança menos da metade dessa quantia.
Desatenção, insensibilidade. E a tragédia se intensifica.
Campo:
O governo é insensível e
desatento ante a crimina-
lidade.
3º. Parágrafo
Abatida por uma bala perdida, em São Paulo, Priscila, de 13 anos, ficou
paraplégica. Abatida por uma bala perdida, no Rio, Alana, de 13 anos,
morreu. O lamento de uma mãe, cujo marido está desempregado, e o
grito desesperado de outra se encerram, ali mesmo, na telinha colorida
da TV, por sabermos que a dor materna, por mais intensa, será
insuficiente para tirar o sono de governadores e do presidente. Dois
sonhos, um desfeito, outro quase, num espaço de poucos dias. Duas
pequenas amostras da barbárie que abate sobre o povo brasileiro. Qual
foi o gesto das autoridades para acabar com as balas perdidas? Por que
a violência, o problema mais agudo do País, não recebe tratamento de
choque? Porque a violência, de tão próxima e repetitiva, a ponto de
deixar ver os próximos episódios, se tornou banal. Matar, morrer, ser
vítima de seqüestro, ganhar uma bala perdida do tiroteio entre policiais e
bandidos são coisas tão corriqueiras que nos dá a certeza de que, mais
cedo ou mais tarde, atravessará o nosso trajeto.
Campo:
A violência se torna algo
normal na vida do
brasileiro.
continua
Procedimentos metodológicos
75
4º. Parágrafo
A certeza aumenta quando desviamos o olhar para os dados da
fragilidade social. Se ocorrem 2 mil roubos por dia na Grande São Paulo,
é razoável a possibilidade de nos tornarmos uma presa. Somos um país
88 vezes mais violento que a França. E com uma bandidagem que se
expande ao custo de impunidade. Os “de maior” podem livrar-se com um
sexto da pena, transformando, por exemplo, 30 anos de prisão em 5; e
os “de menor”, abaixo de 18 anos, são limitados a passar 3 anos no
internato. É evidente que a pena legislativa carece de tratamento para
agravar a saúde do corpo social.
Campo:
A violência aumenta às
custas da impunidade
.
5º. Parágrafo
Dos 350 mil presos do País, cerca de 80 mil estão detidos em
delegacias, quando deveriam estar em presídios. Há um déficit de 100
mil vagas, enquanto 200 mil pessoas têm mandato de prisão, mas
perambulam pelas ruas. O diagnóstico é conhecido. O Brasil precisa
expandir as prisões, enquanto luta para eliminar os bolsões de miséria e
atacar a desigualdade social. Faltam recursos? Nem tanto. Ocorre que o
peso das políticas públicas perde para o volume de recursos da área
econômica. Basta anotar: no ano passado, gastaram-se R$ 151,1
bilhões em juros e encargos e outros R$ 120 bilhões foram para
amortizações da dívida. Um programa acelerado de expansão e
aperfeiçoamento do sistema de segurança pública – entre R$ 10 bilhões
e R$ 15 bilhões – seria razoável. Ou, então, que se procurem recursos e
sistemas contemporâneos. Nos EUA, na França, na Inglaterra e na
Austrália, certos estabelecimentos penitenciários e serviços de vigilância
são privatizados. Cerca de 125 mil presos – dos 2,2 milhões existentes –
cumprem penas em presídios privados no EUA, na esteira de um
mercado de US$ 37 bilhões.
Campo:
O governo não investe
em políticas públicas
como
deveria.
6º. Parágrafo
Antes, porém, que as centrais sindicais e grupos radicais “politizem” a
discussão, há abordagens que merecem avaliação, entre elas um pacto
entre União, Estados e municípios em torno de um programa integrado
de combate ao banditismo. A idéia de uma ação coordenada abriga
investimentos na inteligência criminal, pela adoção de instrumentos de
pesquisa e processamento de informações sobre criminosos. O
desenvolvimento de um poderoso banco de dados criminais e sociais,
com identificação de perfis e padrões de comportamentos nos espaços
geográficos, seria eixo vital de uma política focada na prevenção. É
evidente que os aparatos policiais hão de ser bem equipados e
motivados, significando salários dignos.
Campo:
Um plano de ação
integrado de combate ao
banditismo.
7º. Parágrafo
Por último, resta ao sistema político ouvir o clamor popular: ninguém
agüenta mais. Urge banir das ruas as balas perdidas. Sob pena de
continuarmos a sofrer com a síndrome da gazela, extraída da crônica:
“Cada manhã, na África, uma gazela abre os olhos; sabe que terá de
correr mais do que o leão para evitar a morte. Cada manhã, na África,
um leão abre os olhos; sabe que terá de correr mais do que a gazela
para não morrer de fome”. Os brasileiros se sentem como gazelas na
boca dos leões. Incluindo os grandes felinos que abocanham os
impostos.
Campo:
O governo precisa ouvir
porque o povo não
agüenta mais.
continuação
Análise
76
Portanto, o artigo de opinião ‘Na boca dos leões’, compõe-se de sete
parágrafos, assim distribuídos em termos de Campo:
1. A violência no território brasileiro.
2. O governo é insensível e desatento ante a criminalidade.
3. A violência se torna algo normal na vida do brasileiro.
4. A violência aumenta às custas da impunidade.
5. O governo não investe em políticas públicas como deveria.
6. Um plano de ação integrado de combate ao banditismo.
7. O governo precisa ouvir porque o povo não agüenta mais.
Assim sendo, as metáforas que se utilizam de animais como Veículo, devem
ser entendidas nesse contexto, isto é, o Tópico deverá ser identificado na violência
que ocorre no território brasileiro, como reflexo do investimento insuficiente por parte
do governo em políticas públicas. O governo deveria implementar um plano
integrado de combate ao banditismo, uma vez que o povo não agüenta mais.
A propósito, Halupka-Resetar & Radic (2003), estudando o sérvio, verificaram
que nomes de animais são mais usados como termos pejorativos do que afetivos.
Em uso para fins de denúncia, dizem eles, o motivo para a transferência metafórica
de significado refere-se ao tamanho, hábitos alimentares, caráter ou inteligência do
referido.
O texto será, então, analisado em termos de Tópico, Veículo e Base, segundo
Goatly (1997).
Análise
77
Quadro 9 – Análise das metáforas do texto do artigo (2).
Texto 2 (publicado no O Estado de São Paulo, dia 11/03/2007).
Na boca dos leões
Gaudêncio Torquato
Jornalista, professor titular
da USP e consultor político
1º. Parágrafo
Campo: A violência no território brasileiro.
NOTA: O Veículo será somente sublinhado para não congestionar o espaço.
Ao começar a ler este parágrafo, o leitor não imagina que, antes mesmo de chegar ao final, duas
pessoas estarão tombando ou sendo vítima de assaltos no território brasileiro. E mais, entre a leitura
do jornal de hoje e o de amanhã, cerca de 110 pessoas morrerão e 55 serão feridas por arma de
fogo. A estatística é gritante: segundo a OMS, o País é campeão em número de homicídios, com a
soma de 45 mil ao ano. Só na capital paulista morrem 5 mil. Em 20 anos, as mortes por causa de
violência no Rio de Janeiro e em São Paulo aumentaram em 230%. A violência ceifou a vida de mais
de 2 milhões de pessoas. E o que fazem os governos federal e estadual? Dão tiros a esmo. Atacam
bandidos com balas de ocasião e migalhas de recursos. Ou, quando premidos pelo clamor público,
esticam léguas de discursos retumbantes, como se viu por ocasião do assassinato do garoto João
Hélio, que comoveu o País. Naquele momento, parecia que o Brasil despertara da letargia. E que o
PAC da Segurança Pública, afinal, chegaria para limpar as ruas de bandidos. O tema da maioridade
penal veio à tona. Governadores do Sudeste se reuniram e prometeram sinergia de ações.
Avaliação: O autor demonstra com dados o estado de descontrole que alcança a violência nas
ruas do País, devido à ineficiência das autoridades na questão da Segurança Pública.
2º. Parágrafo
Campo: O governo é insensível e desatento ante a criminalidade.
Mas as esperanças começam a se desvanecer na névoa das promessas deixadas de lado. O
presidente da República prometera debater o tema da segurança pública com os governadores.
Nada feito. O tão ansiado PAC veio, sim, mas para a educação, o que é elogiável quando se sabe
que a porta da mudança se abre com a chave educacional. Os R$ 8 bilhões anunciados para
melhorar o ensino, com prioridade na educação básica, são bem-vindos, mas há uma urgência que
não pode aguardar: o combate sem tréguas à criminalidade. Basta os governantes fazerem a conta:
a violência custa R$ 300 milhões por dia, conforme pesquisas feitas pelo coronel José Vicente, ex-
secretário nacional de Segurança Pública. Por ano, a soma ultrapassa os R$ 11 bilhões. A União
despende por ano com segurança menos da metade dessa quantia. Desatenção, insensibilidade. E a
tragédia se intensifica.
Avaliação: O autor continua montando um panorama desalentador da realidade vivida no dia-
a-dia dos brasileiros.
3º. Parágrafo
Campo: A violência se torna normal na vida do brasileiro.
Abatida por uma bala perdida, em São Paulo, Priscila, de 13 anos, ficou paraplégica. Abatida por
uma bala perdida, no Rio, Alana, de 13 anos, morreu. O lamento de uma mãe, cujo marido está
desempregado, e o grito desesperado de outra se encerram, ali mesmo, na telinha colorida da TV,
por sabermos que a dor materna, por mais intensa, será insuficiente para tirar o sono de
governadores e do presidente. Dois sonhos, um desfeito, outro quase, num espaço de poucos dias.
Duas pequenas amostras da barbárie que abate sobre o povo brasileiro. Qual foi o gesto das
autoridades para acabar com as balas perdidas? Por que a violência, o problema mais agudo do
País, não recebe tratamento de choque? Porque a violência, de tão próxima e repetitiva, a ponto de
deixar ver os próximos episódios, se tornou banal. Matar, morrer, ser vítima de seqüestro, ganhar
uma bala perdida do tiroteio entre policiais e bandidos são coisas tão corriqueiras que nos dá a
certeza de que, mais cedo ou mais tarde, atravessará o nosso trajeto.
Avaliação: Expondo os casos com maior detalhe, o autor nos mostra quão insensíveis e
inoperantes são as autoridades frente à violência.
4º. Parágrafo
Campo: A violência aumenta às custas da impunidade.
A certeza aumenta quando desviamos o olhar para os dados da fragilidade social. Se ocorrem 2 mil
roubos por dia na Grande São Paulo, é razoável a possibilidade de nos tornarmos uma presa
. Somos
um país 88 vezes mais violento que a França. E com uma bandidagem que se expande ao custo de
im
p
unidade. Os “de maior”
p
odem livrar-se com um sexto da
p
ena, transformando,
p
or exem
p
lo, 30
continua
Procedimentos metodológicos
78
anos de prisão em 5; e os “de menor”, abaixo de 18 anos, são limitados a passar 3 anos no internato.
É evidente que a pena legislativa carece de tratamento para agravar a saúde do corpo social.
(22)
Veículo: Presa (identificação)
Tópico: Os cidadãos indefesos (interpretação)
Base: Presa é o animal que perde a vida para servir de alimento para um outro. Podemos perder a
vida por causa da ineficiência das autoridades (explicação).
Avaliação: O autor diante da realidade vista não tem dúvida da responsabilidade das
autoridades que não mudam as leis.
5º. Parágrafo
Campo: O governo não investe em políticas públicas como deveria.
Dos 350 mil presos do País, cerca de 80 mil estão detidos em delegacias, quando deveriam estar em
presídios. Há um déficit de 100 mil vagas, enquanto 200 mil pessoas têm mandato de prisão, mas
perambulam pelas ruas. O diagnóstico é conhecido. O Brasil precisa expandir as prisões, enquanto
luta para eliminar os bolsões de miséria e atacar a desigualdade social. Faltam recursos? Nem tanto.
Ocorre que o peso das políticas públicas perde para o volume de recursos da área econômica. Basta
anotar: no ano passado, gastaram-se R$ 151,1 bilhões em juros e encargos e outros R$ 120 bilhões
foram para amortizações da dívida. Um programa acelerado de expansão e aperfeiçoamento do
sistema de segurança pública – entre R$ 10 bilhões e R$ 15 bilhões – seria razoável. Ou, então, que
se procurem recursos e sistemas contemporâneos. Nos EUA, na França, na Inglaterra e na Austrália,
certos estabelecimentos penitenciários e serviços de vigilância são privatizados. Cerca de 125 mil
presos – dos 2,2 milhões existentes – cumprem penas em presídios privados no EUA, na esteira de
um mercado de US$ 37 bilhões.
Avaliação: O autor continua sua avaliação do grande problema que é a Segurança Pública, e
demonstra que esta não é prioridade para as autoridades.
6º. Parágrafo
Campo: Um plano de ação integrada frente ao banditismo.
Antes, porém, que as centrais sindicais e grupos radicais “politizem” a discussão, há abordagens que
merecem avaliação, entre elas um pacto entre União, Estados e municípios em torno de um
programa integrado de combate ao banditismo. A idéia de uma ação coordenada abriga
investimentos na inteligência criminal, pela adoção de instrumentos de pesquisa e processamento de
informações sobre criminosos. O desenvolvimento de um poderoso banco de dados criminais e
sociais, com identificação de perfis e padrões de comportamentos nos espaços geográficos, seria
eixo vital de uma política focada na prevenção. É evidente que os aparatos policiais hão de ser bem
equipados e motivados, significando salários dignos.
Avaliação: O autor expõe medidas que poderiam ser o início de uma mudança no
procedimento das autoridades no que se refere à Segurança Pública.
7º. Parágrafo
Campo: O governo precisa ouvir porque o povo não agüenta mais.
Por último, resta ao sistema político ouvir o clamor popular: ninguém agüenta mais. Urge banir das
ruas as balas perdidas. Sob pena de continuarmos a sofrer com a (23) síndrome da gazela
, extraída
da crônica: “Cada manhã, na África, uma gazela abre os olhos; sabe que terá de correr mais do que
o leão para evitar a morte. Cada manhã, na África, um leão abre os olhos; sabe que terá de correr
mais do que a gazela para não morrer de fome”. Os brasileiros se sentem como (24) gazelas
na boca
dos (25) leões
. Incluindo os grandes (26) felinos que abocanham os impostos.
(23)
Veículo: Síndrome da gazela (identificação)
Tópico: Dilemas da vida (interpretação)
Base: Síndrome é um conjunto fatores. As dificuldades porque passamos sem muita escapatória
(explicação)
(24)
Veículo: Gazela (identificação)
Tópico: Cidadão comum (interpretação)
Base: A gazela é um animal que quase não oferece defesa ante o seu predador. O povo indefeso
corre risco de morte frente à violência (explicação)
continuação
continua
Procedimentos metodológicos
79
(25)
Veículo: Leão (identificação)
Tópico: O banditismo generalizado (interpretação)
Base: Como leões, que por natureza vão para o ataque, os que praticam violência estão sempre
mais preparados para agir (explicação)
(26)
Veículo: Felinos (identificação)
Tópico: Os políticos (explicação)
Base: Até mesmo os mais ricos e poderosos podem sofrer com a violência (interpretação)
Avaliação: O autor mostra o estado desesperador da população fragilizada para que haja
mudanças frente essa violência insuportável.
continuação
Análise
80
Apresentamos, a seguir, as avaliações contidas em cada parágrafo, com base
nas metáforas selecionadas seguidas da discussão desses resultados frente à
persuasão implícita feita pelo autor:
1) O autor demonstra com dados o estado de descontrole que alcança a violência
nas ruas do País, devido à ineficiência das autoridades na questão da Segurança
Pública.
2) O autor continua montando um panorama desalentador da realidade vivida no
dia-a-dia dos brasileiros.
3) Expondo os casos com maior detalhe, o autor nos mostra quão insensíveis e
inoperantes são as autoridades frente à violência.
4) O autor diante da realidade vista não tem dúvida da responsabilidade das
autoridades que não mudam as leis.
5) O autor continua sua avaliação do grande problema que é a Segurança Pública,
e demonstra que esta não é prioridade para as autoridades.
6) O autor expõe medidas que poderiam ser o início de uma mudança no
procedimento das autoridades no que se refere à Segurança Pública.
7) O autor mostra o estado desesperador da população fragilizada para que haja
mudanças frente essa violência insuportável.
Discussão: Torquato expõe de forma ampla sua visão da questão Segurança
Pública e demonstra quão séria é a situação por que passa a população brasileira.
Temos um governo que não toma as devidas providências para começar a sanar o
problema porque em primeiro lugar, não vê toda essa situação como sendo de
gravidade, e segundo, não entende que precisa encarar essa luta em caráter de
prioridade total.
Observamos um número menor de metáforas nesse parágrafo, todavia,
constatamos um elevado número de dados que podem ser úteis para a persuasão
do leitor. Torquato demonstra com estatísticas o panorama da violência brasileira, e
assim pode criar condições para que julgamento diante da realidade vivida possa ser
desenvolvido. Sabemos que por meio de configurações ideacionais, é possível haver
avaliação interpessoal.
Procedimentos metodológicos
81
4.3 Texto 3
Veja nos quadros ao lado direito do texto a explicitação do Campo dos
estágios do artigo.
Análise
82
Quadro 10 – Texto do artigo (3) com a caracterização do Campo de cada parágrafo.
Texto 3 (publicado no O Estado de São Paulo, dia 04/02/2007).
Tucanos e araras, adeus às ilusões
Gaudêncio Torquato
Jornalista, professor titular
da USP e consultor político.
1º. Parágrafo
Campo de cada
parágrafo
O conceito de renovação volta a dominar o ambiente político, sob o
império de palavras de ordem como dignidade, independência e
transparência do Poder Legislativo. Na prática esse discurso deveria
gerar controle ético da atividade parlamentar, maior rigor na aplicação
do estatuto da cassação, contenção de medidas provisórias, menor
subordinação ao executivo e compromissos com reformas. No âmbito
partidário, o termo renovação tem isso usado para defender
comandos novos nas siglas e descentralização das instâncias de
poder. Renovar, porém, não é apenas isso. O que oxigena a vida
político-institucional – sua razão precípua – é a concepção doutrinária
dos atores. Somente um ideário evita que a política se torne cavalo
para montaria de oportunistas. No Brasil, infelizmente, é isso que
acontece. Nos países europeus, de sólida tradição democrática, os
partidos desenvolvem intensa polêmica sobre o controle social do
mercado, a função social da propriedade privada, a eficiência do
Estado e os custos para manutenção da rede social. Aqui, esta
discussão é acessória.
Campo:
Fala-se muito em
renovação, mas no Brasil
ela não ocorre.
2º. Parágrafo
Deixando de lado a base governista, cuja propensão para formar uma
corte de bajuladores em torno do Executivo faz parte do modus
operandi parlamentar, vejamos como o PSDB e o PFL, por exemplo,
se propõem a fazer oposição. A fraseologia da renovação adotada por
ambos é clara: pretendem promover novos líderes (pefelistas),
descentralizar o processo de decisões e o sistema de eleições
primárias (tucanos), atos que mais dizem respeito à maneira de operar
(forma) do que a uma plataforma (fundo). Como tratarão os fatores
para equilibrar a equação liberdade política + igualdade social +
crescimento econômico, que compõem a questão central? A resposta
exigirá de cada partido uma reengenharia para resgatar a identidade.
Olhe-se para o PT: chegou aonde chegou porque vendeu idéias. Hoje,
sem programas, é um aglomerado capenga com poder de fogo porque
usa como bengala o distributismo do governo. Mire-se o PSDB, que
forjou sua social-democracia a partir de uma visão atualizada da
sociedade. Atualmente, está na gôndola da geléia geral.
Campo:
Como PSDB e PFL
fazem oposição.
3º. Parágrafo
E o PFL? Prima por exibir traçado mais harmônico entre os grandes
partidos. Mas não é mudando o nome para Partido Democrata que
sensibilizará as massas. Para garantir o futuro precisa explicar como
promover a combinação de uma economia de cunho eminentemente
liberal com o Estado de Bem-Estar Social. Até poderá relembrar a
bandeira liberal, elevada após o fim da guerra fria, quando os
governos europeus ocidentais foram motivados a deixar de lado a
visão keynesiana do estado interventor na economia. Como ocorreu
com a social-democracia comandada por Felipe González, durante 12
anos, na Espanha, que aplicou rígido controle de contas, salários e
preços. Na frente de combate ao desemprego, o modelo espanhol,
citado recentemente por Tasso Jereissati como exemplo para o
tucanato, desenvolveu amplo programa, cuja base foi a flexibilização
das leis trabalhistas, res
p
onsável
p
ela
q
ueda do desem
p
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g
o,
q
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Campo:
O PFL precisa alcançar a
combinação de uma
economia liberal com o
Estado de Bem-Estar
Social.
continua
Procedimentos metodológicos
83
de 24%, há dez anos, para os atuais 8%. O que permitiu a contratação
de quase 3 milhões de trabalhadores temporários. Em nossa
República sindicalista, essa estratégia é vista como coisa do diabo.
4º. Parágrafo
Mas a globalização acirrou a competição por investimentos. Por isso,
o braço do Estado das democracias foi forçado apertar a mão de
economias interdependentes. Depois de exumar o cadáver do
socialismo clássico, os governos se esforçam, hoje, para consolidar os
eixos de uma social-democracia que, apesar de multiplicada nos
quadrantes mundiais, carece de ajustes nos botões do crescimento
econômico, de políticas distributivistas, de programas de emprego e
de cortes nos gastos públicos. Se a crise na política é universal, no
Brasil ganha dimensões gigantescas, porque a nossa cultura funciona
como indutora do caos. Na Europa, de sistemas racionais,
multiplicam-se oásis de idéias, faltando apenas arrumar as águas.
Aqui, somos um deserto estéril, mas cheio de falsos profetas e
palavras vãs. O termo renovação é balela.
Campo:
Nossa cultura induz o
Brasil ao caos político.
5º. Parágrafo
O arrazoado tem o único propósito de argumentar sobre o zero
absoluto que aguarda tucanos e araras (pefelistas podem ser assim
designados em função da exuberante plumagem da espécie), caso
não consigam recompor o legado perdido. Como fazer oposição
apenas com o discurso inócuo contra a ordem do dia do governo,
como o recente PACote, deixando de lado questões transcendentais,
como as reformas prioritárias para o desenvolvimento auto-
sustentado? Como se pode acreditar (com todo o respeito, presidente
Fernando Henrique) que o importante é o PSDB compor uma chapa
puro-sangue
, com Serra e Aécio, para 2010, priorizando o fulanismo
em detrimento das idéias ou sentir o cheiro das ruas, porém sem ter o
que pregar? Tucanos e araras deveriam, isso sim, promover uma
convenção na floresta. Conviria ouvir um coro de cantos ensaiado por
Marco Maciel, Fernando Henrique Cardoso, Jorge Bornahausen, José
Serra, Antônio Carlos Magalhães, Aécio Neves, Cláudio Lembo,
Tasso Jereissati, José Agripino, Arthur Virgílio, Gilberto Kassab e
Geraldo Alckmin, para citar as aves de plumagem mais vistosa. Seria
útil que PSDB e PFL ( PD?) arrumassem o que dizer ao eleitorado. Se
não o fizerem, podem dar adeus às ilusões. O rolo compressor do
governo esmagará o oposicionismo sem lastro. O racha tucano e a
derrota do PFL, por ocasião das eleições na Câmara e no Senado,
reforçam a hipótese.
Campo:
PSDB e PFL não
conseguirão nada, se não
abandonarem o discurso
vazio.
continuação
Análise
84
Portanto, o artigo de opinião ‘Tucanos e araras, adeus às ilusões’ compõe-se
de cinco parágrafos, assim distribuídos em termos de Campo:
1. Fala-se muito em renovação, mas no Brasil ela não ocorre.
2. Como PSDB e PFL fazem oposição.
3. O PFL precisa alcançar a combinação de uma economia liberal com o Estado de
Bem-Estar Social.
4. Nossa cultura induz o Brasil ao caos político.
5. PSDB e PFL não conseguirão nada, se não abandonarem o discurso vazio.
Assim sendo, as metáforas que se utilizam de animais como Veículo, devem
ser entendidas nesse contexto, isto é, o Tópico deverá ser identificado na renovação
política, que no Brasil ela não ocorre. Os partidos de oposição não fazem a
verdadeira oposição. Nossa cultura induz o Brasil ao caos político, e partidos como
PSDB e PFL não conseguirão nada, se não abandonarem o discurso vazio.
A propósito, Halupka-Resetar & Radic (2003), estudando o sérvio, verificaram
que nomes de animais são mais usados como termos pejorativos do que afetivos.
Em uso para fins de denúncia, dizem eles, o motivo para a transferência metafórica
de significado refere-se ao tamanho, hábitos alimentares, caráter ou inteligência do
referido.
O texto será, então, analisado em termos de Tópico, Veículo e Base, segundo
Goatly (1997).
Análise
85
Quadro 11 – Análise das metáforas do texto (3).
Texto 3 (publicado no O Estado de São Paulo, dia 04/02/2007).
Tucanos e araras, adeus às ilusões
Gaudêncio Torquato
Jornalista, professor titular
da USP e consultor político.
1º. Parágrafo
Campo: Fala-se muito em renovação, mas no Brasil ela não ocorre.
NOTA: O Veículo será somente sublinhado para não congestionar o espaço.
O conceito de renovação volta a dominar o ambiente político, sob o império de palavras de ordem
como dignidade, independência e transparência do Poder Legislativo. Na prática esse discurso
deveria gerar controle ético da atividade parlamentar, maior rigor na aplicação do estatuto da
cassação, contenção de medidas provisórias, menor subordinação ao executivo e compromissos
com reformas. No âmbito partidário, o termo renovação tem isso usado para defender comandos
novos nas siglas e descentralização das instâncias de poder. Renovar, porém, não é apenas isso.
O que oxigena a vida político-institucional – sua razão precípua – é a concepção doutrinária dos
atores. Somente um ideário evita que a política se torne (27) cavalo para montaria
de oportunistas.
No Brasil, infelizmente, é isso que acontece. Nos países europeus, de sólida tradição democrática,
os partidos desenvolvem intensa polêmica sobre o controle social do mercado, a função social da
propriedade privada, a eficiência do Estado e os custos para manutenção da rede social. Aqui,
esta discussão é acessória.
(27)
Veículo: Cavalo para montaria (identificação)
Tópico: Meio de transporte (comercial ou lazer) (interpretação)
Base: Muitos fazem da política meio para se beneficiarem (explicação)
Avaliação: O autor quer demonstrar que muitos usam a política como veículo para obter
vantagem.
2º. Parágrafo
Campo: Como PSDB e PFL fazem oposição.
Deixando de lado a base governista, cuja propensão para formar uma corte de bajuladores em
torno do Executivo faz parte do modus operandi parlamentar, vejamos como o PSDB e o PFL, por
exemplo, se propõem a fazer oposição. A fraseologia da renovação adotada por ambos é clara:
pretendem promover novos líderes (pefelistas), descentralizar o processo de decisões e o sistema
de eleições primárias (28) (tucanos
), atos que mais dizem respeito à maneira de operar (forma) do
que a uma plataforma (fundo). Como tratarão os fatores para equilibrar a equação liberdade
política + igualdade social + crescimento econômico, que compõem a questão central? A resposta
exigirá de cada partido uma reengenharia para resgatar a identidade. Olhe-se para o PT: chegou
aonde chegou porque vendeu idéias. Hoje, sem programas, é um aglomerado capenga com poder
de fogo porque usa como bengala o distributismo do governo. Mire-se o PSDB, que forjou sua
social-democracia a partir de uma visão atualizada da sociedade. Atualmente, está na gôndola da
geléia geral.
(28)
Veículo: Tucanos (identificação)
Tópico: Políticos do PSDB (interpretação)
Base: O tucano é um pássaro “brasileiro”, e esse partido se vê como que mais engajado com as
questões nacionais (explicação)
Avaliação: O autor demonstra que PSDB e PFL só farão verdadeira oposição se passarem
por uma reestruturação de identidade.
3º. Parágrafo
Campo: O PFL precisa alcançar a combinação de uma economia liberal
com o Estado de Bem-Estar Social.
E o PFL? Prima por exibir traçado mais harmônico entre os grandes partidos. Mas não é mudando
o nome para Partido Democrata que sensibilizará as massas. Para garantir o futuro precisa
explicar como promover a combinação de uma economia de cunho eminentemente liberal com o
Estado de Bem-Estar Social. Até poderá relembrar a bandeira liberal, elevada após o fim da guerra
fria, quando os governos europeus ocidentais foram motivados a deixar de lado a visão
continua
Procedimentos metodológicos
86
keynesiana do estado interventor na economia. Como ocorreu com a social-democracia
comandada por Felipe González, durante 12 anos, na Espanha, que aplicou rígido controle de
contas, salários e preços. Na frente de combate ao desemprego, o modelo espanhol, citado
recentemente por Tasso Jereissati como exemplo para o (29) tucanato
, desenvolveu amplo
programa, cuja base foi a flexibilização das leis trabalhistas, responsável pela queda do
desemprego, que era de 24%, há dez anos, para os atuais 8%. O que permitiu a contratação de
quase 3 milhões de trabalhadores temporários. Em nossa República sindicalista, essa estratégia é
vista como coisa do diabo.
(29)
Veículo: Tucanato (identificação)
Tópico: Grupo de políticos do PSDB (interpretação)
Base: O tucano é um pássaro de grande porte, o PSDB sempre teve políticos de grande
envergadura em seus quadros (explicação)
Avaliação: Torquato expõe com alguns detalhes como o PFL poderia de fato se constituir
em um partido com futuro mais garantido.
4º. Parágrafo
Campo: Nossa cultura induz o Brasil ao caos político.
Mas a globalização acirrou a competição por investimentos. Por isso, o braço do Estado das
democracias foi forçado a apertar a mão de economias interdependentes. Depois de exumar o
cadáver do socialismo clássico, os governos se esforçam, hoje, para consolidar os eixos de uma
social-democracia que, apesar de multiplicada nos quadrantes mundiais, carece de ajustes nos
botões do crescimento econômico, de políticas distributivistas, de programas de emprego e de
cortes nos gastos públicos. Se a crise na política é universal, no Brasil ganha dimensões
gigantescas, porque a nossa cultura funciona como indutora do caos. Na Europa, de sistemas
racionais, multiplicam-se oásis de idéias, faltando apenas arrumar as águas. Aqui, somos um
deserto estéril, mas cheio de falsos profetas e palavras vãs. O termo renovação é balela.
Avaliação: Torquato demonstra que se existe crise política mundial, no Brasil ela é muito
pior porque temos autoridades que falam bastante, mas fazem pouco.
5º. Parágrafo
Campo: PSDB e PFL não conseguirão nada, se não abandonarem o
discurso vazio.
O arrazoado tem o único propósito de argumentar sobre o zero absoluto que aguarda (30) tucanos
e araras (pefelistas podem ser assim designados em função da exuberante plumagem da
espécie), caso não consigam recompor o legado perdido. Como fazer oposição apenas com o
discurso inócuo contra a ordem do dia do governo, como o recente PACote, deixando de lado
questões transcendentais, como as reformas prioritárias para o desenvolvimento auto-sustentado?
Como se pode acreditar (com todo o respeito, presidente Fernando Henrique) que o importante é o
PSDB compor uma chapa (31) puro-sangue
, com Serra e Aécio, para 2010, priorizando o
fulanismo em detrimento das idéias ou sentir o cheiro das ruas, porém sem ter o que pregar?
Tucanos e araras deveriam, isso sim, promover uma convenção na (32) floresta
. Conviria ouvir um
(33) coro de cantos
ensaiado por Marco Maciel, Fernando Henrique Cardoso, Jorge Bornahausen,
José Serra, Antônio Carlos Magalhães, Aécio Neves, Cláudio Lembo, Tasso Jereissati, José
Agripino, Arthur Virgílio, Gilberto Kassab e Geraldo Alckmin, para citar as (34) aves de plumagem
mais vistosa. Seria útil que PSDB e PFL (PD?) arrumassem o que dizer ao eleitorado. Se não o
fizerem, podem dar adeus às ilusões. O rolo compressor do governo esmagará o oposicionismo
sem lastro. O racha tucano e a derrota do PFL, por ocasião das eleições na Câmara e no Senado,
reforçam a hipótese.
(30)
Veículo: Tucanos e araras (identificação)
Tópico: Políticos do PSDB e do PFL (interpretação)
Base: Tucanos e araras são aves vistosas. Ambos partidos se mostram exteriormente atraentes
(explicação)
(31)
Veículo: Puro-sangue (identificação)
Tópico: Políticos com procedência (interpretação)
continuação
continua
Procedimentos metodológicos
87
Base: Um cavalo puro sangue tem mais valor. Candidatos com “qualidade” têm maior chance de
ganhar (explicação)
(32)
Veículo: Floresta (identificação)
Tópico: Os partidos (PSDB e PFL)
Base: Na floresta, pode-se encontrar diferentes tipos de animais. Seria proveitoso reunir as
diferentes lideranças (explicação)
(33)
Veículo: Coro de cantos (identificação)
Tópico: Opinião (interpretação)
Base: Ouvir as diferentes vozes de políticos mais experientes (explicação)
(34)
Veículo: Aves de plumagem mais vistosa (identificação)
Tópico: Os políticos com visibilidade (interpretação)
Base: Aves belas atraem mais. Políticos de maior expressão (explicação)
Avaliação: O autor conclui seu artigo em tom pessimista diante do panorama que tem à sua
frente. Se não houver mudanças no procedimento político dos partidos de oposição, nada
poderá melhorar.
continuação
Análise
88
Apresentamos, a seguir, as avaliações contidas em cada parágrafo, com base
nas metáforas selecionadas seguidas da discussão desses resultados frente à
persuasão implícita feita pelo autor:
1) O autor quer demonstrar que muitos usam a política como veículo para obter
vantagem.
2) O autor demonstra que PSDB e PFL só farão verdadeira oposição se passarem
por uma reestruturação de identidade.
3) Torquato expõe com alguns detalhes como o PFL poderia de fato se constituir
em um partido com futuro mais garantido.
4) Torquato demonstra que se existe crise política mundial, no Brasil ela é muito
pior porque temos autoridades que falam bastante, mas fazem pouco.
5) O autor conclui seu artigo em tom pessimista diante do panorama que tem à sua
frente. Se não houver mudanças no procedimento político dos partidos de
oposição, nada poderá melhorar.
Discussão: Torquato objetiva demonstrar que existe de fato uma crise política
mundial, porém, aqui no Brasil, ela toma vultos ainda maiores. Segundo ele, há
necessidade de mudanças fundamentais para que a qualidade dos partidos de
oposição melhore, e por conseguinte, uma política mais eficiente e verdadeiramente
social aconteça.
Fazendo uso de algumas metáforas relacionadas à aves, observamos que
Torquato expressa seu ponto de vista do mundo político vivido no País. Os
peessedebistas são os ‘tucanos’, os pefelistas, as ‘araras’, todos animais muito belos
e vistosos. Entretanto, essas metáforas podem levar os leitores a verem na beleza
desses animais, a analogia com os discursos que são ‘belos’ por fora, porém ocos
por dentro, e que não terão chance de saírem do papel e se transformarem em
ações efetivas para combater a ‘feia’ realidade que o povo vive nas grandes capitais
brasileiras.
Entendo que as metáforas além de possibilitarem para o articulista passar sua
avaliação do panorama político por ele visto, também lhe dá condição de, não só
Procedimentos metodológicos
89
exteriorizar seu julgamento, mas também proteger sua face, uma vez que,
implicitamente, vai trabalhando na forma de compreensão do seu leitor.
4.4 Texto 4
Veja nos quadros ao lado direito do texto a explicitação do Campo dos
estágios do artigo.
Análise
90
Quadro 12 – Texto do artigo (4) com a caracterização do Campo de cada parágrafo.
Texto 4 (publicado no O Estado de São Paulo, dia 25/11/2007).
Tucanos perdidos na floresta
Gaudêncio Torquato
Jornalista, professor titular
da USP e consultor político.
1º. Parágrafo
Campo de cada
parágrafo
Há 18 anos, os tucanos iniciavam o documento Os Desafios do Brasil
e o PSDB, proposta de sua sócio-democracia para administrar as
crises social, do sistema político, de crescimento e de modernização
tecnológica, fazendo um alerta sobre o estado “insatisfatório do país”.
O argumento central era de que o País não completara as mudanças
iniciadas e até as “deturpara a tal ponto que, ao invés de produzirem
mais igualdade e justiça, elas agravaram desníveis de classe e as
diferenças entre as regiões”. Ao apresentar novo programa para a
Nação, no congresso realizado na semana passada em Brasília, o
PSDB praticamente se ateve a uma plataforma de temas recorrentes,
que freqüentam há tempos o dicionário da crise, tais como juros
elevados, gastos correntes soltos, estatismo, empreguismo,
crescimento medíocre, mensalão irrigados com dinheiro de estatais,
programas paternalistas, banalização do mal, violência, corrupção,
impunidade, apadrinhamento político, alternativas do eixo Norte-Sul. A
proposta se ampara, ainda, num slogan para conferir diferencial ao
discurso: mais governo e mais mercado.
Campo:
O novo programa do
PSDB para a Nação.
2º. Parágrafo
O diagnóstico é irreparável. A intenção do tucanato de afiar o bico
com vista ao pleito presidencial de 2010, com passagem pela floresta
municipal de 2008, é compreensível, principalmente ante o estado de
catatonia em que vive o sistema partidário. Ocorre que o PSDB
perdeu o gás que tinha por ocasião do seu nascimento em 1988, ano
do rebuliço constitucional, quando o país iniciava um ciclo de
oxigenação política. Sua atual expressão, rica de platitudes, se iguala
à de outras siglas, sendo apenas gaita de sopro para animação de
uma militância sem entusiasmo e cada vez mais rala. Os tucanos não
souberam correr no vácuo aberto pela pasteurização partidária.
Detinham uma das identidades mais homogêneas entre os entes
partidários, quando foi fundado o partido; os melhores quadros, a
partir de Franco Montoro, Mário Covas e Fernando Henrique; e, ainda,
a proposta mais consentânea com a modernidade institucional, eis
que não se originou no ventre sindical nem em lobbies corporativos ou
assembleísmo classista. Nascia de uma costela peemedebista, pelo
engajamento de um grupo a um ideário renovador e em repulsa aos
métodos da velha política. Mas caiu na vala comum onde os partidos
brasileiros, desde os tempos do Império e da República Velha,
costumam aprofundar raízes e contribuir para a manutenção de velhas
estruturas.
Campo:
O novo programa não
passa de propostas já
conhecidas.
3º. Parágrafo
O PSDB sempre foi um partido de quadros, expressão atribuída por
Maurice Duverger a legendas que não fazem apelo direto às massas,
não desenvolvem um modelo de adesão formal e são dirigidos por
políticos conhecidos. Essa tipologia foi, até 1914, essencial para a
consolidação da democracia liberal na Europa. Mas não resistiu à
emergência de partidos de massa, com os quais passou a dividir o
poder. No caso brasileiro, o partido da social-democracia nunca se
empenhou em chegar às margens sociais, limitando-se a defender um
ideário
p
róximo aos núcleos concentrados no meio da
p
irâmide social.
Campo:
O PSDB é um partido
que não atrai as massas.
continua
Procedimentos metodológicos
91
Seu erro, desde o início, foi o de apostar que, sem participantes
massivos, num país de cultura política subdesenvolvida como o
nosso, conseguiria viver na crista do poder. O desaparecimento de
tucanos referenciais, o desgaste do segundo mandato de FHC, a
sucessão de crises políticas e a miscigenação partidária abriram
enorme fosso entre a esfera social e o território político. O vazio foi
estrategicamente ocupado por Luiz Inácio, ícone da dinâmica social.
Que luta para comprimir o espaço da oposição. Neste segundo
mandato, o presidente lubrifica motores, abraça as massas e coopta
partidos, usando, na mão esquerda, a bengala populista e, na direita,
o aríete estatal para derrubar bastiões da resistência.
4º. Parágrafo
E o que diz o PSDB? Faz a crítica cosmética no geral, mas negocia
com o Executivo no particular. Essa é a impressão que transmite.
Falta-lhe a virtude da coerência. E vontade de fazer oposição sem
transigir. Os tucanos talvez nunca tenham desenvolvido o faro
oposicionista. Vagam na escuridão. Qual a proposta mais objetiva de
seu programa? A defesa do voto distrital, ferramenta que, vale
lembrar, freqüenta o cardápio reformista há bastante tempo? Nos
últimos tempos, o partido praticamente se limita a repetir que o
governo Lula copiou sua política macroeconômica e seu programa
distributivista. Ora, essa queixa não leva a nada. Apenas sugere que,
em nosso país, a disputa interpartidária é um jogo pela alternância do
poder, sem grandes diferenças programáticas. Tem sido assim desde
o Império, quando os clãs feudais se engalfinhavam. Uma ou outra
sigla poderia ser mais identificada com o interior rural ou o centro
urbano, como o PSD e a UDN. Quase todos os partidos políticos,
porém, sempre viveram à sombra do Estado, o que os torna
dependentes da máquina estatal. Veja-se o atual PT. Partidarizou o
estado. Não há mais rivalidade ideológica, apenas luta para conquista
do poder a qualquer preço.
Campo:
O PSDB não faz verda-
deiramente oposição.
5º. Parágrafo
A crise do tucanato abarca, ainda, um excessivo centralismo, sob o
comando de uma cúpula reduzida. Há cinco a seis figuras de proa que
ditam as regras. As instâncias estaduais e municipais são corpos
inermes. Na escala dos agravos, a grande floresta tucana se
concentra em São Paulo e Minas Gerais, indicando a existência de
aves de bico longo e grosso que amedrontam tucaninhos de plagas
marginais. O fato é que a cultura política do País adquiriu nuances. As
coisas da política são consideradas abjetas. Partidos e políticos são
considerados “farinha do mesmo saco”. O pragmatismo alimenta o
sistema decisório da população. Palavra de ordem dada por sigla
partidária não passa de “mais do mesmo”. Sob esse esgarçado tecido
político-institucional, o novo programa do PSDB se assemelha a um
presente velho com embalagem fina. É burocrático, mais um
diagnóstico e menos proposição. Falta-lhe representatividade social e
territorial. O partido insiste em ser uma casta. E que tem um castelo
como morada.
Campo:
O novo programa do
PSDB não convence
mais ninguém.
continuação
Análise
92
Portanto, o artigo de opinião ‘Tucanos perdidos na floresta’, compõe-se de
cinco parágrafos, assim distribuídos em termos de Campo:
1. O novo programa do PSDB para a Nação.
2. O novo programa não passa de propostas já conhecidas.
3. O PSDB é um partido que não atrai as massas.
4. O PSDB não faz verdadeiramente oposição.
5. O novo programa do PSDB não convence mais ninguém.
Assim sendo, as metáforas que se utilizam de animais como Veículo, devem
ser entendidas nesse contexto, isto é, o Tópico deverá ser identificado no novo
programa lançado pelo PSDB à nação. Entretanto, esse programa só traz propostas
já conhecidas. O PSDB de hoje é um partido que já não atrai as massas, e nem
consegue fazer oposição, como resultado, essa nova proposta de programa não tem
chance de convencer a opinião pública.
A propósito, Halupka-Resetar & Radic (2003), estudando o sérvio, verificaram
que nomes de animais são mais usados como termos pejorativos do que afetivos.
Em uso para fins de denúncia, dizem eles, o motivo para a transferência metafórica
de significado refere-se ao tamanho, hábitos alimentares, caráter ou inteligência do
referido.
O texto será, então, analisado em termos de Tópico, Veículo e Base, segundo
Goatly (1997).
Análise
93
Quadro 13 – Análise das metáforas do texto do artigo (4).
Texto 4 (publicado no O Estado de São Paulo, dia 25/11/2007).
Tucanos perdidos na floresta
Gaudêncio Torquato
Jornalista, professor titular
da USP e consultor político.
1º. Parágrafo
Campo: O novo programa do PSDB para a Nação.
Há 18 anos, os (35) tucanos iniciavam o documento Os Desafios do Brasil e o PSDB, proposta de
sua sócio-democracia para administrar as crises social, do sistema político, de crescimento e de
modernização tecnológica, fazendo um alerta sobre o estado “insatisfatório do país”. O argumento
central era de que o País não completara as mudanças iniciadas e até as “deturpara a tal ponto
que, ao invés de produzirem mais igualdade e justiça, elas agravaram desníveis de classe e as
diferenças entre as regiões”. Ao apresentar novo programa para a Nação, no congresso realizado
na semana passada em Brasília, o PSDB praticamente se ateve a uma plataforma de temas
recorrentes, que freqüentam há tempos o dicionário da crise, tais como juros elevados, gastos
correntes soltos, estatismo, empreguismo, crescimento medíocre, mensalões irrigados com
dinheiro de estatais, programas paternalistas, banalização do mal, violência, corrupção,
impunidade, apadrinhamento político, alternativas do eixo Norte-Sul. A proposta se ampara, ainda,
num slogan para conferir diferencial ao discurso: mais governo e mais mercado.
(35)
Veículo: Tucanos (identificação)
Tópico: Políticos do PSDB (interpretação)
Base: O tucano é um pássaro “brasileiro”, e esse partido se vê como que mais engajado com as
questões nacionais (explicação)
Avaliação: O autor demonstra que o recém-lançado programa do PSDB não traz nada de
novo para a Nação.
2º. Parágrafo
Campo: O programa não passa de propostas já conhecidas.
O diagnóstico é irreparável. A intenção do (36) tucanato de (37) afiar o bico com vista ao pleito
presidencial de 2010, com passagem pela (38) floresta municipal de 2008, é compreensível,
principalmente ante o estado de catatonia em que vive o sistema partidário. Ocorre que o PSDB
perdeu o gás que tinha por ocasião do seu nascimento em 1988, ano do rebuliço constitucional,
quando o país iniciava um ciclo de oxigenação política. Sua atual expressão, rica de platitudes, se
iguala à de outras siglas, sendo apenas gaita de sopro para animação de uma militância sem
entusiasmo e cada vez mais rala. Os tucanos não souberam correr no vácuo aberto pela
pasteurização partidária. Detinham uma das identidades mais homogêneas entre os entes
partidários, quando foi fundado o partido; os melhores quadros, a partir de Franco Montoro, Mário
Covas e Fernando Henrique; e, ainda, a proposta mais consentânea com a modernidade
institucional, eis que não se originou no ventre sindical nem em lobbies corporativos ou
assembleísmo classista. Nascia de uma costela peemedebista, pelo engajamento de um grupo a
um ideário renovador e em repulsa aos métodos da velha política. Mas caiu na vala comum onde
os partidos brasileiros, desde os tempos do Império e da República Velha, costumam aprofundar
raízes e contribuir para a manutenção de velhas estruturas.
(36)
Veículo: Tucanato (identificação)
Tópico: Grupo de peessedebistas (interpretação)
Base: O partido PSDB como instituição – seus princípios, normas e seguidores (explicação)
(37)
Veículo: Afiar o bico (identificação)
Tópico: Procurar condições para se fazer algo (interpretação)
Base: Pássaros com bicos afiados têm mais êxito na caça. Políticos do PSDB em melhores
condições de concorrer à eleição (explicação)
(38)
Veículo: Floresta municipal (identidade)
Tópico: Eleições municipais de 2008 (interpretação)
continua
Análise
94
Base: Como numa floresta, a luta pela sobrevivência não é fácil. Espera-se muita disputa nos
próximos pleitos (explicação)
Avaliação: Torquato entende que a possibilidade do PSDB de conseguir hoje êxito não é
diferente dos demais partidos, porque perderam expressão.
3º. Parágrafo
Campo: O PSDB é um partido que não atrai as massas.
O PSDB sempre foi um partido de quadros, expressão atribuída por Maurice Duverger a legendas
que não fazem apelo direto às massas, não desenvolvem um modelo de adesão formal e são
dirigidos por políticos conhecidos. Essa tipologia foi, até 1914, essencial para a consolidação da
democracia liberal na Europa. Mas não resistiu à emergência de partidos de massa, com os quais
passou a dividir o poder. No caso brasileiro, o partido da social-democracia nunca se empenhou
em chegar às margens sociais, limitando-se a defender um ideário próximo aos núcleos
concentrados no meio da pirâmide social. Seu erro, desde o início, foi o de apostar que, sem
participantes massivos, num país de cultura política subdesenvolvida como o nosso, conseguiria
viver na (39) crista do poder
. O desaparecimento de (40) tucanos referenciais, o desgaste do
segundo mandato de FHC, a sucessão de crises políticas e a miscigenação partidária abriram
enorme fosso entre a esfera social e o território político. O vazio foi estrategicamente ocupado por
Luiz Inácio, ícone da dinâmica social. Que luta para comprimir o espaço da oposição. Neste
segundo mandato, o presidente lubrifica motores, abraça as massas e coopta partidos, usando, na
mão esquerda, a bengala populista e, na direita, o aríete estatal para derrubar bastiões da
resistência.
(39)
Veículo: Crista do poder (identificação)
Tópico: Estar em cima (interpretação)
Base: Crista é a parte saliente de um órgão, o PSDB quer manter-se em posição de superioridade
(Poder) (explicação)
(40)
Veículo: Tucanos (identificação)
Tópico: Políticos do PSDB (interpretação)
Base: O tucano é um pássaro ‘brasileiro’, e esse partido se vê como que mais engajado nas
questões nacionais (explicação)
Avaliação: O autor mostra como o PSDB decaiu em termos de manter-se em condição de
atrair votos e, conseqüentemente, estar próximo do poder.
4º. Parágrafo
Campo: O PSDB não faz verdadeiramente oposição.
E o que diz o PSDB? Faz a crítica cosmética no geral, mas negocia com o Executivo no particular.
Essa é a impressão que transmite. Falta-lhe a virtude da coerência. E vontade de fazer oposição
sem transigir. Os tucanos talvez nunca tenham desenvolvido o (41) faro
oposicionista. Vagam na
escuridão. Qual a proposta mais objetiva de seu programa? A defesa do voto distrital, ferramenta
que, vale lembrar, freqüenta o cardápio reformista há bastante tempo? Nos últimos tempos, o
partido praticamente se limita a repetir que o governo Lula copiou sua política macroeconômica e
seu programa distributivista. Ora, essa queixa não leva a nada. Apenas sugere que, em nosso
país, a disputa interpartidária é um jogo pela alternância do poder, sem grandes diferenças
programáticas. Tem sido assim desde o Império, quando os clãs feudais se engalfinhavam. Uma
ou outra sigla poderia ser mais identificada com o interior rural ou o centro urbano, como o PSD e
a UDN. Quase todos os partidos políticos, porém, sempre viveram à sombra do Estado, o que os
torna dependentes da máquina estatal. Veja-se o atual PT. Partidarizou o estado. Não há mais
rivalidade ideológica, apenas luta para conquista do poder a qualquer preço.
(41)
Veículo: Faro (identificação)
Tópico: Atitude (interpretação)
Base: Animais têm o faro como algo muito instintivo. Hoje, a verdadeira oposição não é
característica essencial do PSDB (explicação)
Avaliação: O autor demonstra que o PSDB como partido de oposição está sendo incoerente
no seu posicionamento em relação ao governo.
continuação
continua
Análise
95
5º. Parágrafo
Campo: O novo programa do PSDB não convence mais ninguém.
A crise do (42) tucanato abarca, ainda, um excessivo centralismo, sob o comando de uma cúpula
reduzida. Há cinco a seis figuras de proa que ditam as regras. As instâncias estaduais e
municipais são corpos inermes. Na escala dos agravos, a grande (43) floresta tucana
se concentra
em São Paulo e Minas Gerais, indicando a existência de (44) aves de bico longo e grosso que
amedrontam (45) tucaninhos
de plagas marginais. O fato é que a cultura política do País adquiriu
nuances. As coisas da política são consideradas abjetas. Partidos e políticos são considerados
“farinha do mesmo saco”. O pragmatismo alimenta o sistema decisório da população. Palavra de
ordem dada por sigla partidária não passa de “mais do mesmo”. Sob esse esgarçado tecido
político-institucional, o novo programa do PSDB se assemelha a um presente velho com
embalagem fina. É burocrático, mais um diagnóstico e menos proposição. Falta-lhe
representatividade social e territorial. O partido insiste em ser uma casta. E que tem um castelo
como morada.
(42)
Veículo: Tucanato (identificação)
Tópico: Grupo de peessedebistas (interpretação)
Base: O partido PSDB como instituição – seus princípios, normas e seguidores (explicação)
(43)
Veículo: Floresta tucana (identificação)
Tópico: Áreas com políticos pertencentes ao PSDB (identificação)
Base: Estados onde o PSDB detém poder político (explicação)
(44)
Veículo: Aves de bico longo e grosso (identificação)
Tópico: Políticos importantes (intepretação)
Base: Aves de bico longo e grosso são maiores, políticos com essas características reúnem poder
para conseguir e mandar mais (explicação)
(45)
Veículo: Tucaninhos (identificação)
Tópico: Políticos do PSDB com menor expressão (interpretação)
Base: Tucaninhos são tucanos pequenos. Políticos do PSDB com pouco poder (explicação)
Avaliação: Torquato considera o PSDB absolutamente igual aos inúmeros partidos políticos
brasileiros com o mesmo comportamento.
continuação
Análise
96
Apresentamos, a seguir, as avaliações contidas em cada parágrafo, com base
nas metáforas selecionadas seguidas da discussão desses resultados frente à
persuasão implícita feita pelo autor:
1) O autor demonstra que o recém-lançado programa do PSDB não traz nada de
novo para a Nação.
2) Torquato entende que a possibilidade do PSDB de conseguir hoje êxito não é
diferente dos demais partidos, porque perderam expressão.
3) O autor mostra como o PSDB decaiu em termos de manter-se em condição de
atrair votos e, conseqüentemente, estar próximo do poder.
4) O autor demonstra que o PSDB como partido de oposição está sendo incoerente
no seu posicionamento em relação ao governo.
5) Torquato considera o PSDB absolutamente igual aos inúmeros partidos políticos
brasileiros com o mesmo comportamento.
Discussão: Torquato não consegue ver no programa do PSDB bem como no partido
como instituição nada que possa indicar algum verdadeiro indício de mudança
positiva na forma de se comportar perante a Nação brasileira. Utilizando muita
expressão metafórica, o articulista faz uso desse recurso para desencadear no leitor
uma rede mais ampla de associações (frames) que poderão ajudá-lo a compreender
melhor as pessoas, as ações e os eventos no mundo que o cerca.
Torquato utiliza expressão do tipo ‘aves de bico longo e grosso’ que é capaz
de levar o leitor, talvez inconscientemente, a fazer analogia com a idéia de que o
PSDB possa ter recursos para alcançar mais longe e lidar com questões de inspirem
maior cuidado. Ele também utiliza a expressão ‘crista do poder’, que pode
desencadear também a idéia de a única coisa que sobe na cabeça desses políticos
é conseguir o máximo de poder.
Torquato ao empregar essas metáforas pode fazer com que o leitor – que
chega com seu intertexto para essa leitura – seja influenciado e persuadido
implicitamente e passe a fazer uma outra avaliação dos fatos.
Análise
97
4.5 Texto 5
Veja nos quadros ao lado direito do texto a explicitação do Campo dos
estágios do artigo.
Análise
98
Quadro 14 – Texto do artigo (5) com a caracterização do Campo de cada parágrafo.
Texto 5 (publicado no O Estado de São Paulo, dia 01/07/2007).
A vaca sai do brejo
Gaudêncio Torquato
Jornalista, professor titular
da USP e consultor político.
1º. Parágrafo
Campo de cada
parágrafo
A política descobriu que, vez ou outra, é um bom negócio tirar a vaca
do brejo e integrá-la ao corpo de defesa de envolvidos em escândalos.
Marcos Valério, pivô da crise do mensalão, garantiu que os saques
elevados nas contas de suas empresas tinham um destino: comprar
gado. O dinheiro para pagar alta pensão à jornalista Mônica Veloso
era da venda de gado, diz o presidente do Senado, Renan Calheiros.
E para explicar como recebeu um cheque de R$ 2,2 milhões do ex-
governador do Distrito Federal e hoje senador Joaquim Roriz alegou
tratar-se de um empréstimo para aquisição de uma novilha no valor de
R$ 300 mil. Quem entra fundo no pasto da política descobre a razão
de tanto interesse por um setor que já conta com 200 milhões de
cabeças. Constata, por exemplo, que a vaca é a matriz simbólica
encravada na estrutura psicossocial de parcela considerável de nossa
gente, para quem o Estado é uma fazenda leiteira que sustenta os
boiadeiros do patrimonialismo nacional. São eles que cantam aos
berros: “Quem não chora não mama”. Por isso, a bezerra que se
apresenta às Comissões de Ética e aos tribunais tende a ser mero
artifício para comprovar operações contábeis. O papel do gado na
história está mais para “bode expiatório”.
Campo:
Compra de gado encobre
falcatruas com utilização
de dinheiro público.
2º. Parágrafo
Imaginar que o rebanho de Calheiros ou os 5 mil bois de Roriz darão
carne suficiente para o banquete corporativo do perdão é confiar na
idéia de que a memória do povo é curta. O diagnóstico é irreparável.
Achar que a novilha de um tomará o lugar da boiada de outro é
apostar na hipótese de que as chuvas de hoje apagam os vestígios da
borrasca de ontem. Ademais, um caso envolvendo o presidente de um
Poder permanecerá sob luzes fosforescentes. Para ascender à
dignidade o Senado não tem alternativa senão seguir o conselho de
Hobbes: “Os pactos sem a espada não passam de palavras”. A
espada, nesse caso, é o tratamento do imparcial e justo aos dois
senadores, que requer investigação aprofundada dos fatos e
obediência ao rito legal, com amplo direito de defesa. Não se pode,
antecipadamente, crucificar nem Renan nem Roriz. Porém, a
predominar o compadrio, a Câmara Alta deixará de ser a guardiã do
pacto federativo para ser o esconderijo do cambalacho corporativo. O
“desconvite” ao senador Renato Casagrande, de quem se esperaria
independência como relator, aponta nesse sentido. Vergonha que
porá em xeque a própria funcionalidade do Senado.
Campo:
Espera-se justiça diante
do caso, porém os
indícios provam o
contrário.
3º. Parágrafo
Já se disse que o Brasil é um “cadáver adiado que procria”, na
expressão poética de Fernando Pessoa. A atual avalanche lembra os
eventos que culminaram, em 2001, com a renúncia dos senadores
Antônio Carlos Magalhães e José Roberto Arruda, pela quebra do
sigilo do painel de votação do Senado, e, três meses depois, do
presidente da Casa, Jader Barbalho, envolvido em denúncias de
corrupção. As crises se multiplicam na vertente da impunidade. Se os
mecanismos de apuração estão hoje mais ágeis ou se o
ram
eamento lembra o “Estado Bi
Brother”, isso não si
nifica mais
Campo:
As crises se multiplicam
porque não há justiça.
continua
Análise
99
punição. Eis a encruzilhada que separa os miseráveis materiais dos
miseráveis morais. Se os colarinhos-brancos atravessam incólumes
os corredores da Justiça, as hordas das ruas se acham no direito de
continuar às margens da ordem. Onde não há coerção, não há
obediência às leis. Veja-se a depredação e a rapinagem na Reitoria
da USP. Sem punição para os depredadores, a “nova classe
estudantil” será motivada a quebrar prédios públicos, sob aplausos de
meia dúzia de falsos educadores que vêem na barbárie a mão
civilizatória do futuro. Se os cinco rapazes que agrediram uma
doméstica na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, não forem punidos,
bater em mulheres será, logo, logo, o esporte da turminha que “não
deveria ir para a prisão”, porque, segundo a mãe de um deles, são “da
alta”.
4º. Parágrafo
Os senadores hão de se conscientizar de que a violência é um novelo
que é puxado por cima. Se fecham os olhos à iniqüidade, só terão
olhos para enxergar o caos. “As leis são como as teias de aranha: os
pequenos insetos prendem-se nelas e os grandes as rasgam sem
custo”, ensina Anacársis, um dos sete sábios da Grécia. Sob essa
lição, fica fácil entender as angústias nacionais apontadas na última
pesquisa Sensus. A corrupção é a principal vergonha, seguida da
violência. As duas são irmãs siamesas. O sangue que corre nas veias
de uma passa pela outra. Fica também clara a razão por que Lula é
tão benquisto. Ora, o Parlamento nacional é visto como um território
suspeito. A pesquisa mostra que apenas três entre cem pessoas
crêem nos políticos, ou seja, 97% dos brasileiros acham que eles não
merecem respeito. E Luiz Inácio, mesmo com um irmão metido em
encrencas, continua a se beneficiar da condição de maior ícone da
dinâmica social do Brasil. Exibe 64% de aprovação.
Campo:
A corrupção e a violência
são a vergonha nacional.
5º. Parágrafo
E mais: no meio do torvelinho, o que aparece para saciar o estômago
dos habitantes da base da pirâmide é a mão de Lula. A massa carente
não se incomoda muito com aviões no ar. No camarote presidencial,
entre baforadas de charuto cubano, Luiz Inácio diverte-se com o
desfile de bois e novilhas no curral senatorial. “Quem pariu a bezerra
que a embale”, pensa, enquanto prega que todos são inocentes até
prova em contrário, jeito matreiro de apoiar Renan. E passa a solfejar
a música Admirável Gado Novo, de Zé Ramalho: “O povo foge da
ignorância, apesar de viver tão perto dela, e sonham com melhores
tempos idos, contemplam essa vida numa cela, esperam nova
possibilidade de verem esse mundo se acabar. A Arca de Noé, o
dirigível, não voam nem se pode flutuar.Vida de gado, povo marcado,
povo feliz.”
Campo:
Lula ainda consegue
manter-se por causa de
seu assistencialismo.
continuação
Análise
100
Portanto, o artigo de opinião ‘A vaca sai do brejo’, compõe-se de cinco
parágrafos, assim distribuídos em termos de Campo:
1. Compra de gado encobre falcatruas com utilização de dinheiro público.
2. Espera-se justiça diante do caso, porém os indícios provam o contrário.
3. As crises se multiplicam porque não há justiça.
4. A corrupção e a violência são a vergonha nacional.
5. Lula ainda consegue manter-se por causa de seu assistencialismo.
Assim sendo, as metáforas que se utilizam de animais como Veículo, devem
ser entendidas nesse contexto, isto é, o Tópico deverá ser identificado nessa prática
de se comprar gado como forma de encobrir falcatruas com utilização de dinheiro
público. Espera-se que a justiça seja feita, porém indícios provam o contrário. A
corrupção e a violência são a vergonha nacional, todavia, Lula ainda consegue
manter-se com boa aceitação em virtude de seu assistencialismo.
A propósito, Halupka-Resetar & Radic (2003), estudando o sérvio, verificaram
que nomes de animais são mais usados como termos pejorativos do que afetivos.
Em uso para fins de denúncia, dizem eles, o motivo para a transferência metafórica
de significado refere-se ao tamanho, hábitos alimentares, caráter ou inteligência do
referido.
O texto será, então, analisado em termos de Tópico, Veículo e Base, segundo
Goatly (1997).
Análise
101
Quadro 15 – Análise das metáforas do texto do artigo (5).
Texto 5 (publicado no O Estado de São Paulo, dia 01/07/2007).
A vaca sai do brejo
Gaudêncio Torquato
Jornalista, professor titular
da USP e consultor político.
1º. Parágrafo
Campo: Compra de gado é desculpa para falcatruas com a utilização de
dinheiro público.
NOTA: O Veículo será somente sublinhado para não congestionar o espaço.
A política descobriu que, vez ou outra, é um bom negócio (46) tirar a vaca do brejo e integrá-la ao
corpo de defesa de envolvidos em escândalos. Marcos Valério, pivô da crise do mensalão,
garantiu que os saques elevados nas contas de suas empresas tinham um destino: comprar gado.
O dinheiro para pagar alta pensão à jornalista Mônica Veloso era da venda de gado, diz o
presidente do Senado, Renan Calheiros. E para explicar como recebeu um cheque de R$ 2,2
milhões do ex-governador do Distrito Federal e hoje senador Joaquim Roriz alegou tratar-se de um
empréstimo para aquisição de uma novilha no valor de R$ 300 mil. Quem entra fundo no (47)
pasto da política
descobre a razão de tanto interesse por um setor que já conta com 200 milhões
de cabeças. Constata, por exemplo, que a vaca é a matriz simbólica encravada na estrutura
psicossocial de parcela considerável de nossa gente, para quem o (48) Estado é uma fazenda
leiteira que sustenta (49) os boiadeiros do patrimonialismo nacional. São eles que cantam aos
berros: “Quem não chora não mama”. Por isso, (50) a bezerra que se apresenta às Comissões de
Ética e aos tribunais tende a ser mero artifício para comprovar operações contábeis. O papel do
gado na história está mais para (51) “bode expiatório
”.
(46)
Veículo: Tirar a vaca do brejo (identificação)
Tópico: Usar a compra do animal para esconder ilegalidade (interpretação)
Base: Tirar a vaca do brejo é livrá-la de uma situação difícil. Esse tipo de ‘negócio’ é uma forma de
se safar da justiça (explicação)
(47)
Veículo: Pasto da política (identificação)
Tópico: Território da política (interpretação)
Base: O pasto é onde o gado se alimenta, a política serve de ‘alimento’ para muita gente
(explicação)
(48)
Veículo: Fazenda leiteira (identificação)
Tópico: O Estado produz riqueza (interpretação)
Base: O leite é altamente nutritivo, e a riqueza do País pode beneficiar a muitos (explicação)
(49)
Veículo: Boiadeiros do patrimonialismo nacional (identificação)
Tópico: Pessoas que ‘cuidam’ dos bens da nação (interpretação)
Base: Os boiadeiros cuidam dos bois, e os políticos querem ‘cuidar’ do patrimônio nacional em
benefício próprio (explicação)
(50)
Veículo: Bezerra (identificação)
Tópico: As provas (os documentos) (interpretação)
Base: Essas compras escondem negócios desonestos com utilização de fundo público
(explicação)
(51)
Veículo: Bode expiatório (identificação)
Tópico: Alguém que leva a culpa (interpretação)
continua
Análise
102
Base: Trata-se de uma metáfora morta, que se transformou numa expressão idiomática, e significa
a atribuição de culpa ou responsabilidade a alguém, sendo que, esta, necessariamente, não
condiz com a realidade (explicação)
Avaliação: O autor apresenta mais uma forma utilizada por políticos e pessoas próximas do
poder de se apropriarem e lesarem o erário.
2º. Parágrafo
Campo: Espera-se justiça diante do caso, porém os indícios provam o
contrário.
Imaginar que o rebanho de Calheiros ou os 5 mil bois de Roriz darão (52) carne suficiente para o
banquete corporativo do perdão é confiar na idéia de que a memória do povo é curta. O
diagnóstico é irreparável. Achar que a (53) novilha de um tomará o lugar da boiada
de outro é
apostar na hipótese de que as chuvas de hoje apagam os vestígios da borrasca de ontem.
Ademais, um caso envolvendo o presidente de um Poder permanecerá sob luzes fosforescentes.
Para ascender à dignidade o Senado não tem alternativa senão seguir o conselho de Hobbes: “Os
pactos sem a espada não passam de palavras”. A espada, nesse caso, é o tratamento imparcial e
justo aos dois senadores, que requer investigação aprofundada dos fatos e obediência ao rito
legal, com amplo direito de defesa. Não se pode, antecipadamente, crucificar nem Renan nem
Roriz. Porém, a predominar o compadrio, a Câmara Alta deixará de ser a guardiã do pacto
federativo para ser o esconderijo do cambalacho corporativo. O “desconvite” ao senador Renato
Casagrande, de quem se esperaria independência como relator, aponta nesse sentido. Vergonha
que porá em xeque a própria funcionalidade do Senado.
(52)
Veículo: Carne (identificação)
Tópico: Desculpas (interpretação)
Base: Toda essa história pode não se sustentar (explicação)
(53)
Veículo: Novilha tomará o lugar da boiada (identificação)
Tópico: As histórias contadas (interpretação)
Base: Achar que o depoimento dos envolvidos será convincente (explicação)
Avaliação: O autor entende que os envolvidos têm todo direito de se defenderem perante a
justiça, porém não acredita que esta vá realmente ser feita.
3º. Parágrafo
Campo: As crises se multiplicam porque não há justiça.
Já se disse que o Brasil é um “cadáver adiado que procria”, na expressão poética de Fernando
Pessoa. A atual avalanche lembra os eventos que culminaram, em 2001, com a renúncia dos
senadores Antônio Carlos Magalhães e José Roberto Arruda, pela quebra do sigilo do painel de
votação do Senado, e, três meses depois, do presidente da Casa, Jader Barbalho, envolvido em
denúncias de corrupção. As crises se multiplicam na vertente da impunidade. Se os mecanismos
de apuração estão hoje mais ágeis ou se o grampeamento lembra o “Estado Big Brother”, isso não
significa mais punição. Eis a encruzilhada que separa os miseráveis materiais dos miseráveis
morais. Se os colarinhos-brancos atravessam incólumes os corredores da Justiça, as hordas das
ruas se acham no direito de continuar às margens da ordem. Onde não há coerção, não há
obediência às leis. Veja-se a depredação e a rapinagem na Reitoria da USP. Sem punição para os
depredadores, a “nova classe estudantil” será motivada a quebrar prédios públicos, sob aplausos
de meia dúzia de falsos educadores que vêem na barbárie a mão civilizatória do futuro. Se os
cinco rapazes que agrediram uma doméstica na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, não forem
punidos, bater em mulheres será, logo, logo, o esporte da turminha que “não deveria ir para a
prisão”, porque, segundo a mãe de um deles, são “da alta”.
Avaliação: Torquato sente que a não aplicação da justiça em relação aos líderes políticos é
a geradora principal da violência cometida por todo País.
4º. Parágrafo
Campo: A corrupção e a violência são a vergonha nacional.
Os senadores hão de se conscientizar de que a violência é um novelo que é puxado por cima. Se
fecham os olhos à iniqüidade, só terão olhos para enxergar o caos. “As leis são como as teias de
aranha: os pequenos insetos prendem-se nelas e os grandes as rasgam sem custo”, ensina
Anacársis, um dos sete sábios da Grécia. Sob essa lição, fica fácil entender as angústias
nacionais a
p
ontadas na última
p
es
q
uisa Sensus. A corru
ão é a
p
rinci
p
al ver
g
onha, se
g
uida da
continuação
continua
Análise
103
violência. As duas são irmãs siamesas. O sangue que corre nas veias de uma passa pela outra.
Fica também clara a razão por que Lula é tão benquisto. Ora, o Parlamento nacional é visto como
um (54) território suspeito
. A pesquisa mostra que apenas três entre cem pessoas crêem nos
políticos, ou seja, 97% dos brasileiros acham que eles não merecem respeito. E Luiz Inácio,
mesmo com um irmão metido em encrencas, continua a se beneficiar da condição de maior ícone
da dinâmica social do Brasil. Exibe 64% de aprovação.
(54)
Veículo: Território suspeito (identificação)
Tópico: Lugar que inspira cuidados (interpretação)
Base: Alguma coisa suspeita gera desconfiança. O Parlamento nacional não é digno de confiança
por parte do povo, haja vista o procedimento dos parlamentares, que reflete diretamente no
descontrole da ordem pública. (explicação)
Avaliação: Torquato acredita que os políticos são os responsáveis diretos pela corrupção e
violência no País.
5º. Parágrafo
Campo: Lula ainda consegue manter-se por causa de seu assisten-
cialismo.
E mais: no meio do torvelinho, o que aparece para saciar o estômago dos habitantes da base da
pirâmide é a mão de Lula. A massa carente não se incomoda muito com aviões no ar. No
camarote presidencial, entre baforadas de charuto cubano, Luiz Inácio diverte-se com o desfile de
bois e novilhas no (55) curral senatorial
. (56) “Quem pariu a bezerra que a embale”, pensa,
enquanto prega que todos são inocentes até prova em contrário, jeito matreiro de apoiar Renan. E
passa a solfejar a música Admirável Gado Novo, de Zé Ramalho: “O povo foge da ignorância,
apesar de viver tão perto dela, e sonham com melhores tempos idos, contemplam essa vida numa
cela, esperam nova possibilidade de verem esse mundo se acabar. A Arca de Noé, o dirigível, não
voam nem se pode flutuar.Vida de gado, povo marcado, povo feliz.”
(55)
Veículo: Curral senatorial (identificação)
Tópico: Lugar exclusivo dos senadores (interpretação)
Base: Curral é um lugar onde se junta o gado. Alguns senadores, na forma de proceder, agem
com a irracionalidade semelhante à de animais (explicação)
(56)
Veículo: Quem pariu a bezerra que a embale (identificação)
Tópico: Cada um é responsável pelo que faz (interpretação)
Base: Trata-se de uma metáfora morta, que se transformou numa expressão idiomática, que
significa cada um responda pelos seus atos (explicação)
Avaliação: Torquato vê como Lula, usando de sua experiência, apesar de tudo que está
ocorrendo em seu governo, ainda consegue manter seu índice de popularidade em alta
junto ao povo.
continuação
Análise
104
Apresentamos, a seguir, as avaliações contidas em cada parágrafo, com base
nas metáforas selecionadas seguidas da discussão desses resultados frente à
persuasão implícita feita pelo autor:
1) O autor apresenta mais uma forma utilizada por políticos e pessoas próximas do
poder de se apropriarem e lesarem o erário.
2) O autor entende que os envolvidos têm todo direito de se defenderem perante a
justiça, porém não acredita que esta vá realmente ser feita.
3) Torquato sente que a não aplicação da justiça em relação aos líderes políticos é a
geradora principal da violência cometida por todo País.
4) Torquato acredita que os políticos são os responsáveis diretos pela corrupção e
violência no País.
5) Torquato vê como Lula, usando de sua experiência, apesar de tudo que está
ocorrendo em seu governo, ainda consegue manter seu índice de popularidade em
alta junto ao povo.
Discussão: Torquato entende que a classe política é responsável por todo esse
desequilíbrio social que reflete na Segurança Pública de forma estarrecedora.
Expondo como alguns desses negócios escusos ocorrem, ele utiliza expressões
metafóricas que podem em muito ajudar no trabalho de persuasão do seu leitor.
Observamos por exemplo a utilização da palavra ‘vaca’. Em nossa cultura
política, toda e qualquer pessoa que utiliza ilicitamente de bens públicos com
objetivo de apenas se beneficiar, ‘mama nas tetas do governo’. Esta expressão pode
fazer com que o leitor – por causa do intertexto que traz para a leitura desse texto –
comece a desenvolver julgamento negativo da classe política brasileira.
Torquato também utiliza metáforas mortas e uma dose de ironia que numa
combinação de recursos lingüísticos gera força expressiva altamente capaz de
persuadir.
105
5 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Usando de mobilidade criativa, Torquato discorre com desenvoltura pelos
mais variados temas que dão os contornos da política brasileira ilustrando com
protagonistas e coadjuvantes como os mandatários e representantes do povo se
mostram no exercício de suas atribuições.
Torquato, no texto 1, demonstra que o governo pode ter melhores condições
de gerir o País se o presidente usar de racionalidade na divisão de metas e missões.
Entretanto, conseguir fazê-lo, trata-se de uma tarefa não tão fácil, uma vez que, Luiz
Inácio estará negociando coalizão com políticos perigosos e traiçoeiros que, na
realidade, estão vislumbrando mais o benefício próprio do que o bem-estar público.
No texto 2, o articulista mostra com riqueza de dados quão lastimável é a
situação da Segurança Pública no País. A vida do brasileiro nas principais
metrópoles se torna insuportável, pois a segurança do cidadão e o direito de ir e vir
não estão sendo salvaguardados pelas autoridades que deveriam fazê-lo.
Segurança não é prioridade para nossos governantes, o que segundo Torquato, é
prova da insensibilidade e inoperância dos mandatários da Nação.
No texto 3, Torquato procura mostrar que, sem mudanças no procedimento
político dos partidos de oposição, nada poderá melhorar. Lamentavelmente, muitos
que pleiteiam cargos políticos, o fazem com objetivos puramente pessoais visando
apenas seu próprio benefício. O articulista expõe que PSDB e PFL só teriam
condição de se constituírem oposição, se passassem por uma reestruturação de sua
identidade. Torquato entende que a crise política nacional é grave, porque nossas
autoridades falam demais, mas fazem muito pouco.
O articulista no texto 4, vê o PSDB como mais um partido político do Brasil
com o mesmíssimo comportamento dos demais. Seu novo programa não traz nada
de novo no panorama político da Nação. Sendo incoerente como partido de
oposição, o PSDB vem perdendo força não só nas urnas, mas também na esfera do
poder.
Para Torquato, no texto 5, os responsáveis diretos pela violência generalizada
no País são os políticos, e a não aplicação da justiça em relação a eles é o que faz a
corrupção se alastrar ainda mais. Expondo uma das inúmeras formas encontradas
Discussão dos resultados
106
por políticos desonestos para se apropriarem e lesarem o erário público, o articulista
acredita que todos devam ter o direito de se defender e provar inocência, todavia,
não acredita que a justiça será feita. E Lula, apesar de todas as dificuldades, ainda
continua com índices altíssimos de aceitação, pois emprega estratégias para
angariar apoio.
Os resultados avaliativos conseguidos através das metáforas de animais
mostram que:
a) No texto 1, Torquato faz uso com grande freqüência da metáfora de
animalização, por exemplo: “... Evitou caçar a “manada” completa do PMDB ...”
Sabemos que a utilização desse recurso lingüístico expressa sua avaliação
negativa em relação aos políticos. Ao dessa forma estruturar seu texto, busca
desencadear no leitor a possibilidade desse fazer a transferência de algumas
das características mais comuns encontradas nos animais para os políticos. O
autor, assim, começa a criar significação ideológica em seu texto.
b) No texto 2, o articulista utiliza menos a metáfora de animalização. Entretanto,
expõe sua avaliação negativa através de dados que irão traduzir a situação
caótica em que se encontra a Segurança Pública no País. Sendo muito
descritivo, Torquato objetiva levar seu leitor a um conhecimento mais detalhado
da situação existente. Observamos que sua avaliação se dá de forma mais
ideacional, por exemplo: “... Em 20 anos, as mortes por causas violentas no Rio
de Janeiro e em São Paulo aumentaram em 230% ...”. Dessa forma –
cumulativamente –, por meio de todos esses dados passados, ele pode criar
condições para que o leitor também faça sua avaliação chegando a uma nova
reconstrução da realidade.
c) No texto 3, Torquato expressa sua avaliação negativa ante a impossibilidade de
PFL e PSDB constituírem-se partidos em condição de fazer verdadeira
oposição política. Utilizando as metáforas de animalização, o autor consegue
ilustrar para o seu leitor o mundo que cerca as agremiações políticas e seus
posicionamentos. O emprego delas nesse texto, como por exemplo: “...
Conviria ouvir um coro de cantos ensaiado por Marco Maciel, Fernando
Henrique Cardoso, José Serra, [...], Antonio Carlos Magalhães e Geraldo
Alckmin, para citar as aves de plumagem mais vistosa ...”, se caracteriza como
Discussão dos resultados
107
tentativa de persuasão adotada pelo articulista e, ao mesmo tempo que não
ameaça diretamente a face do criticado, protege a sua, não deixando de
externar a avaliação que pretende fazer.
d) No texto 4, o autor expressa sua avaliação negativa com relação ao novo
programa de governo apresentado pelo PSDB, que na realidade, não oferece
absolutamente nada de novo e benéfico para a Nação, e o iguala aos demais
partidos políticos brasileiros. Torquato utiliza a metáfora da animalização e
recorre ao intertexto do leitor, por exemplo: “... Nesse segundo mandato, o
presidente lubrifica os motores, abraça as massas e coopta partidos, usando,
na mão esquerda, a bengala populista, e, na direita, o aríete estatal para
derrubar bastiões da resistência ...”. A trabalho da persuasão implícita, o
intertexto é capaz de desencadear uma rede mais ampla de associações
(frames) que poderão ajudar o leitor a compreender melhor as pessoas, as
ações e os eventos do mundo que nos cerca. Torquato, dessa forma, deixa
pista para o leitor de como vê a sua realidade e, por conseguinte, esta pode
também afetar a nossa avaliação.
e) No texto 5, usando a metáfora da animalização e mantendo sua avaliação
negativa, Torquato desvela mais uma forma utilizada por políticos e pessoas
próximas do poder, de tirar proveito e lesar o erário. Por exemplo: “... parcela
considerável de nossa gente, para quem o Estado é uma fazenda leiteira que
sustenta os boiadeiros do patrimonialismo nacional ...” sintetiza com precisão
sua maneira de ver o procedimento de muitos que esquecem o que de fato
implica ser genuinamente um político com ideário. E vai mais longe, segundo
ele, a violência no Brasil tem como elemento gerador principal a não aplicação
da justiça aos políticos desonestos. O autor emprega nesse texto uma
combinação de metáforas mortas, por exemplo: “... está mais para bode
expiatório ...”, aquelas que se tornaram parte da língua, e ironia ecóica, “... Vida
de gado, povo marcado, povo feliz ...”, se utilizando do enunciado de outra
pessoa, como recurso lingüístico para externar sua atitude de desaprovação
diante dos fatos.
A escolha das metáforas enfocando animais contribui para a força persuasiva
dos artigos analisados porque os animais ferozes tanto podem sugerir vitalidade,
força, rapidez quanto o caráter negativo que portam também, como a avidez, a
Discussão dos resultados
108
irracionalidade, a crueldade, e que assim, proporciona ao autor salvar as faces
envolvidas, não só a dele próprio, mas a dos políticos criticados, já que a menção a
esses animais é duplamente comprometedora.
Entendemos que o autor conta com um leitor, cujo frame está devidamente
preenchido com o noticiário cotidiano sobre a política brasileira e o governo de Lula,
e que, por isso, com alto grau de probabilidade, tenderá à interpretação negativa. A
avaliação do articulista a respeito do panorama político brasileiro é cumulativa,
usando também laivos de ironia, que ajudam a amenizar a crítica excessivamente
contundente. Para tanto, o autor é feliz em suas escolhas léxico-gramaticais, que o
auxiliam colocar em relevo pontos cruciais das questões examinadas, à maneira do
que se chama ‘contrabando de informações’, introduzindo assuntos delicados
através de referência a itens aparentemente não ligados ao assunto em discussão.
109
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa teve como objetivo fazer um levantamento do emprego da
metáfora e sua função discursiva nos textos de Gaudêncio Torquato, no jornal O
Estado de São Paulo, na seção Artigos de Opinião, publicada dominicalmente.
Nun corpus constituído de 48 artigos, cinco foram selecionados para análise por
despertarem minha atenção devido às metáforas ligadas ao mundo animal.
Torquato utiliza a metáfora da animalização para apresentar sua avaliação do
mundo da política brasileira, transferindo para os políticos as qualidades, em geral
negativas, que caracterizam certos animais. Ele recorre a essa linguagem figurada
para poder posicionar-se diante dos acontecimentos, mas procurando não ofender
diretamente as pessoas envolvidas, assim salvando suas faces, bem como
protegendo a sua própria.
A avaliação nos textos examinados é implícita, no sentido de que os políticos
são criticados indiretamente, embora o uso de animais e suas características através
das metáforas a tornem explícita, já que o frame que o leitor do Estado traz para o
texto deixa clara a intenção do autor. Suas metáforas têm a função de, não apenas
expressar seu ponto de vista de forma precisa, mas também facilitar sua
argumentação com vistas à persuasão de seu leitor.
A pesquisa me proporcionou ver com maior profundidade que a metáfora não
é apenas uma ferramenta estilística com propósito de embelezar o discurso. Ela
desempenha função central no discurso cotidiano e na forma como pensamos.
Sendo uma estratégia retórica altamente efetiva, a metáfora tem como função
provocar respostas (reações) emocionais poderosas nas pessoas. Isso pode ocorrer
porque em meio aos esteios da intertextualidade e do frame, ela pode funcionar
como elemento explorador de recursos subliminares ao desencadear associações
escondidas que governam nossos sistemas de avaliação. Entendemos que a
escolha da língua em geral e a metáfora em particular é essencial para os objetivos
persuasivos do autor.
Esta pesquisa foi de grande valia para mim porque pude ter acesso à teorias
como a Lingüística Sistêmico-Funcional e Análise Crítica do Discurso, que me
alertaram para a realidade da questão da metaforicidade. Que o limite entre o literal
Considerações finais
110
e o metafórico é obscuro por vezes. Que muito pode existir sob a superfície de um
texto – bem além de uma leitura despretensiosa, que nada é neutro, e que a tudo
que lemos subjazem pelo menos três significados, a ideacional, a interpessoal e a
textual.
Sei que muita coisa não pode ser examinada. Creio que esta dissertação seja
uma etapa de um processo que exige maior aprofundamento, maior abrangência no
tratamento das questões envolvidas num artigo de opinião. Mas é evidente que esta
limitação faz parte de um entendimento ainda inicial de grandes teorias que não me
permitiu ir mais adiante.
111
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114
ANEXOS
Anexo 1
GERM1 Uma semente
GERM2 Um micróbio
RED
HERRING1
Peixe (arenque)
RED
HERRING2
Algo para distrair a atenção
(pegadinha)
PUPIL 1 Um jovem estudante
PUPIL2 Abertura circular na íris
Mortas
(Tópicos e as Bases são
inacessíveis)
CLEW1 Um novelo de linha
CLUE2 Dica
INCULCATE1 Imprimir
INCULCATE2 Doutrinar
Mortas e enterradas
(uma mudança de forma para
esconder a relação do signifi-
cado metafórico)
VICE1 Depravação
VICE2 Uma morsa (torno)
LEAF1 Folhagem
LEAF2 Página de um livro
CRANE1
Espécie de pássaro de
pântano
CRANE2 Guindaste
Adormecidas
(não possuem cone-
xão etimológica
histórica)
SQUEEZE1 Comprimir
SQUEEZE2
Restrição a empréstimo
financeiro
CUT1 Uma incisão
CUT2 Redução orçamentária
FOX1
Mamífero parecido com o
cachorro (raposa)
FOX2 Pessoa astuciosa
Cansadas
(evocam mais que
outras a dupla refe-
rência)
Inativas
[TRACTOR Trator
ICICLES Pingente de gelo]
Ativas
(Base dependente de
contexto)
Graus de convencionalidade: metáforas cansadas, adormecidas, mortas e enterradas.
Anexos
115
Anexo 2
Doutor: A questão é
Paciente: Um
Doutor: a forma dele chegar lá é pela corrente sangüínea e tende a se espalhar em
várias partes do corpo e er de modo que há múltiplos eu
Paciente: um um
Doutor: locais afetados er eu não acho que nós devemos esperar que ele esteja se
manifestando somente em um lugar er ou
Paciente: um
Doutor: na realidade são três er e isso significa para nós que a doença entrou na
circulação e se alojou nos ossos (LA29C04G, nosso sublinhado)
Anexo 3
(2) D A quimioterapia pode reduzir as chances das coisas retornarem
(LK08CO1A).
(3) D É essa parte aí mas não é diferente agora do que era ele não P então ele
não viajou mais (LK14RO1C).
Anexo 4
(4) D Se ele se espalhar pelas glândulas o que já aconteceu há sempre
P mm
D a dúvida se já foi para mais algum lugar?
P sim (LKOSC01A)
Anexo 5
1. OUTRO PENSAMENTO (DE OUTRO)
2. VERBAL: OUTRO TEXTO (DE OUTRO) 3. ARTEFATO: NÃO-VER-
BAL
A. UM ESTADO DE COISAS REAL AL. UM ESTADO DE
COISAS IMAGINÁRIAS
B. PENSAMENTO (INCLUINDO ATITUDE)
C. PROPOSIÇÃO
D. TEXTO
Quadro 5 - Um modelo elaborado de comunicação lingüística.
Anexos
116
Anexo 6
a. defesa perguntou a X se ela havia considerado um divórcio.
b. Se ela era íntima sexualmente da Sra. Barbara Y?
c. e havia se envolvido em discussões sobre hedonismo
d. e estilos de vida alternativos
Anexo 7
Os imigrantes são os primeiros de muitos
… Eles virão em centenas de ônibus, trem e avião, desesperados por um
trabalho com salário decente – ou qualquer serviço...
… Oito são ex-repúblicas soviéticas muito pobres do Leste Europeu – com uma
população total de 75 milhões ...
… Setenta e um LÁTVIOS sorriam enquanto embarcavam num ônibus de dois
andares, na capital Riga, para uma jornada de 24 horas, rumo ao Oeste .
Anexo 8
MILHARES de imigrantes serão recebidos por agentes completamente
despreparados para uma invasão desses novos cidadãos da Comunidade
Européia, O Sun pode revelar. (The Sun, 24 de abril de 2004).
A HIV e a tuberculose podem se tornar uma grande ameaça à Grã-
Bretanha quando os dez novos membros se juntarem à Comunidade Européia no
mês que vem, alertava ontem um documento importante. (The Sun, 23 de abril
de 2004).
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