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eu acho que essa é a grande preciosidade, a gente conseguir estar no profissional e no pessoal ao mesmo
tempo, estar trabalhando essas duas coisas, esse vínculo. Mas, enfim, eu acabei entrando na Engenharia
de Aqüicultura, fiz um tempo, tranquei um tempo, sempre levando Artes Cênicas junto... E aí, acabei
desistindo, eu disse: “Não, não dá, a minha história está lá mesmo”. É isso, a gente não tem como sair. A
gente é tragado de tal forma que é difícil demais, é uma descoberta de um universo que você não tem como
abandonar tudo isso e continuar naquilo, naquela, naquele cotidiano de todo dia. Vai pra uma outra história,
mesmo. E aí foram os encontros também que me que fortaleceram, que fortaleceram essa minha escolha.
Que foi desde a Marianne [Consentino], desde a história do palhaço, de encontrar no palhaço uma
descoberta, esse contato com você, com seu... Com você mesmo e também com o outro que está ali na sua
frente, de carne e osso, igual a você de alguma forma, diferente, mas tão igual ao mesmo tempo. E as
meninas [Greice Miotello e Paula Bittencourt] que depois apareceram... A Mariella [Murgia] também
participou desse encontro do palhaço, depois as meninas... Eu acho que isso, a gente acaba trabalhando
como um espelho uma para outra, uma está ali ajudando a outra nesse momento de... de... de encontro...
de encontro, né? (risos) De encontro com nós mesmos, de encontro com o outro. A gente deixa de ser um
número e passa a ser um sujeito. Um sujeito atuante.
Pergunta: Qual a importância do Teatro dentro da escola, não somente na formação de quem pretenderá
seguir a carreira artística, mas também de quem atuará em outras áreas?
Paula Bittencourt: Meu nome é Paula, eu sou professora numa escola pública municipal da cidade de
Florianópolis. Três tardes por semana, o resto eu faço teatro (risos) e arrumo a casa (mais risos). E eu dou
aula para crianças de quinta e sexta série de Artes, mas eu sou licenciada com habilitação em Artes
Cênicas. Então, eu tento dar teatro, porque a estrutura física da escola não permite com que eu tenha
disposição pra dar aulas de teatro. Trinta alunos dentro de uma sala de aula, com trinta carteiras. Só o fato
de eu pedir pra eles afastarem as carteiras pra gente ter um espaço adequado, aí já vai para um caos,
enfim, quarenta e cinco minutos de aula. Mas, quando dá, é uma satisfação e é um preenchimento... Coisas
simples, às vezes, não pensar em coisas muito... Mas às vezes o fato de fazer uma roda e dar a mão. Eles
não se tocam. A dificuldade que eles têm de dar a mão para o colega. Então, o fato de você ficar quarenta e
cinco minutos e conseguir fazer uma roda e conseguir que eles dêem as mãos, preenche demais e é muita
satisfação. Às vezes o fato deles olharem para o colega, o respeito, coisas simples. E muitas vezes só a
atenção, porque como a gente faz teatro, essa coisa da relação é muito forte. Então, pra gente,
principalmente pra gente que trata dessa coisa do palhaço, então... Todos os nossos espetáculos têm essa
coisa da relação muito forte. Do olho no olho, cada indivíduo, cada sujeito, então, de ver a criança, cada
uma, não ver o todo. A gente trata muito com essa coisa da emoção, da troca de dar, de ouvir, de receber.
Às vezes uma criança, que você dá pra ela, que você troca com ela, você recebe com ela, isso satisfaz
muito. É muito difícil, muito difícil, tem dia que eu saio arrasada, porque muitas vezes são crianças que não
têm pai, não têm mãe, a escola não tem estrutura, e aí as crianças são mal educadas mesmo, te xingam,
enfim, às vezes você sai arrasado, mas é aquela coisa do amor e do ódio. Tem dia que você ama aquela
criança como se fosse teu filho e às vezes você sai: “eu fiz a diferença”. E é isso que me segura lá na
escola, fora o fato de que eu ainda não consigo me sustentar com teatro, com meu grupo. Mas... mas ainda
tem um fiozinho que me puxa lá na educação. Porque eu aprendo muito com eles e trago pra cá. Muito,
muito. Enfim, é lindo demais. (risos)
Marianne: Eu quero contar uma história, porque eu tive uma experiência também de dar aula numa
comunidade na periferia de Florianópolis. Era uma atividade pra comunidade, justamente pra resgatar os
sonhos. Era uma comunidade de sem-tetos que eles se reuniram, conseguiram construir essa comunidade,
só que depois... Então, eles tinham uma coisa de relação muito forte entre eles, mas depois que cada um
construiu a sua casa virou um individualismo, então cada um cuida de si. O teatro foi com a proposta de
resgatar os sonhos da comunidade e a faixa etária que eu estava trabalhando era a dos adolescentes e na
primeira reunião que a gente foi no centro comunitário e tinha que decidir que dia da semana ia ser a aula
de teatro e uma menina queria numa terça, a outra menina queria numa quarta e pra elas decidirem isso
uma delas falou assim: “Não, eu quero na terça, porque é que você quer na quarta, você sempre briga
comigo...”, aí ela foi lá e deu um soco na menina. Então veio o pai da que deu o soco, começou a bater na
menina, assim, uma violência absurda, eu saí de lá chorando, “meu Deus”, porque é muito diferente da
realidade do que é a gente fazer teatro numa universidade, não é? E eu fiquei um ano trabalhando com
essa comunidade. E é justamente, não é, nessa questão da relação, do olho no olho, de ouvir, de respeitar
a opinião. Quando chegou no fim do ano, a gente tinha que fazer, a gente queria fazer um passeio, eles
queriam fazer um passeio numa praia em Florianópolis. E aí, que praia? Tem quarenta e duas praias em
Florianópolis, então tinha que decidir em qual praia que ia ser. “Minha nossa senhora, vamos lá”. Eu falei:
“Como é que a gente vai decidir?” Uma menina falou: “Vamos fazer votação”. Ai a outra falou: “Não,
votação, não, não acho legal, porque quem perde na votação vai de cara feia”. Eu falei: “É também acho
que ia ser mais legal se a gente chegasse num consenso, que todo mundo achasse...” E aí, esse grupo,
que começou no primeiro dia de teatro se esmurrando, conseguiu chegar num consenso de qual praia eles