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Críticas
O espetáculo ensejou um artigo
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do Prof Viana, que o retratou esse processo com
transparência. Falou das dificuldades financeiras, pois nos últimos dois anos não havíamos
conseguido patrocinadores e só pôde acontecer graças aos apoiadores locais.
Esse artigo foi enviado para um dos jornais locais, mas não se sabe por que nunca foi
publicado. Ou será que sabemos?
Talvez por falar abertamente do desinteresse da “elite campo-grandense” com as questões
sócio-culturais.
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Cirandando e a população de Campo Grande
Curioso fenômeno aconteceu na Cidade de Campo Grande entre os dias 01 e 05 de novembro de 2006. Para sete
apresentações do espetáculo Cirandando, acorreram ao Teatro Glauce Rocha, da UFMS, mais de cinco mil pessoas. No
palco, estavam mais de cem crianças do programa Casa de Ensaio, coordenado por Lais Doria e Artur Monteiro de Barros.
Quanta gente para um espetáculo de final de ano. Que grande emoção ver serem abertas as portas do teatro e ver
crianças, jovens e senhores procurando ajeitar-se para aproveitar uma hora de poesia e beleza. A fórmula tinha, realmente,
tudo para dar certo como espetáculo – crianças lindas, roupas pensadas, um cenário feito por estas mesmas mãos em
atividades de artes plásticas na Casa de Ensaio. Balões que sobrevoavam o palco, trazendo tantas esperanças e ilusões.
As poesias escolhidas a dedo, as canções e coreografias que complementaram as cirandas e puseram uma verdadeira
Roda da Fortuna para girar.Só que o que interessa aqui é a platéia. Conheci, entre seus membros, a fina flor (perdão pela
antiguidade do termo) da elite campo-grandense. Fazendeiros, políticos, empresários e artistas - gente culta, preparada e
acima de tudo, muito educada. Todos foram unânimes em reconhecer o grande transporte emocional a que foram
submetidos. Os jornalistas da TV e das mídias impressa e eletrônica estavam presentes, dando ampla cobertura ao evento.
Ora, o que então caracteriza o fenômeno? Se estava tudo perfeito, do que é que se fala neste artigo? É do que falta. A P O
I O. Suporte.
A comunidade se apraz de ver a encenação, mas não em acompanhar seu desenvolvimento, que é o que verdadeiramente
importa, já que o espetáculo é apenas uma apresentação pública de resultados. Todos os programas de patrocínio estavam
abertos, incluindo a Lei Rouanet, e a captação se fez a ferro e fogo.Nada. Poucas empresas ajudaram e fizeram a diferença
- e brilham no programa e no agradecimento, com merecido destaque.Durante um seqüestro-relâmpago sofrido aqui em
São Paulo, preso durante quatro horas por nove seqüestradores, ouvi a seguinte afirmação:
“Olha, doutor, eu antes não tinha nada. Agora eu tenho tudo.” Não disse, porque ainda tenho medo de revólver na cabeça,
mas meditei – mas por quanto tempo? Acima de tudo, pensei: Caramba, como fez falta uma Lais Doria na vida deste cara.
A Casa de Ensaio é uma escola de verdade, só que de brincadeira. Na atividade lúdica, as crianças esquecem este nome
bonito que cunharam os educadores contemporâneos - crianças em desajuste ou desvantagem social. Passam a ser
crianças de novo, esquecendo as violações corporais, emocionais e psicológicas a que foram submetidas. O leitor tinha
esquecido que muitas daquelas lindezas no palco tem este background?
A Casa de Ensaio não. Este é o papel dela.
A revista Veja, em uma edição já bastante antiga, estampava na capa uma manchete assustadora: “O grito dos excluídos já
pode ser ouvido da sua janela”. Isto nunca foi tão verdadeiro. É hora de arregaçar as mangas “incluídos socialmente” de
Campo Grande. Elite. Fina flor. Dominantes. Intelectuais. Como quiserem ser chamados. Depois de oferecer, cobrem Lais
Doria e Artur Monteiro de Barros. Cobrem todos os professores da Casa de Ensaio. Me desafiem, já que eu mesmo sou um
colaborador da Casa. Antes que seja - puxa, me desculpem - já é tarde.
Fausto Viana, novembro de 2006.
Professor livre-docente do departamento de Artes Cênicas da Escola de
Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo.