103
desse vetor, pois seriam as palavras que encontrariam o contexto presente no próprio
performer, palavras que, caso oriundas de um texto pronto, sofreriam processo de
modulação ao entrarem em contato com a pessoalidade do atuante, transformando assim no
seu depoimento pessoal.
No lugar de especializar o aluno na criação de contextos ficcionais, ou seja, dele “se
servir de instâncias representativas, ou que representariam a essência real” (Luiz Fuganti,
entrevista), o encaminhamento é estimulá-lo a criar contextos expressivos. Contudo, não se
pode esquecer que essas energias humanas, essa potência informe, se expressa por meio de
um corpo formatado pela cultura, e por isso, segundo Fuganti: “a desconstrução se dava na
maneira como a gente se servia da linguagem, ou na maneira como a gente se serve da
linguagem, e na maneira como se encadeavam os gestos” (Luiz Fuganti, entrevista).
Em resumo, a “extrojeção” do “performer essencial” ao ser (re)apresentada no palco
passará por uma reconstrução sígnica, de caráter não ilusório. As etapas de
espetacularização da expressão do performer, correndo pelos trilhos da “diegetização da
enunciação” (PAVIS, 2001, p. 97), resultarão numa estilização bastante complexa de seu
discurso cênico:
E o que eu vejo no palco? No palco eu vejo alguém que se permite, que se abre, e
que incorpora erros, variações, improvisos na própria expressividade criativa. Ela
(Stoklos) se serve disso. Ela se alimenta da errância dos movimentos [...]
Então ela desconstrói o gesto, ela alonga o gesto, ela acelera o gesto, ela
desconecta o gesto de uma seqüência usual, ou habitual, então de repente um
gesto desencadeia uma coisa inesperada.
Ela tem essas disjunções no movimento e acho que ela se aproveita bem disso.
Ela cria, digamos assim, uma desarticulação do organismo humano. Eu sinto que
é um teatro desarticulado, no bom sentido, de propósito ela quebra as cadeias
gestuais usuais, esperadas, o organismo organizado, o organismo bem articulado.
Mas o que importa é que ela faz isso também com a voz, ela faz isso também com
o discurso. Então, às vezes, ela simplesmente repete uma palavra que é banal, e
pelo efeito da repetição ela acaba gerando um estranhamento nessa palavra que
era tão ordinária, começa a gerar um estranhamento tal que a palavra muda de
sentido. E não só que ela ganha um outro sentido, ela faz o sentido variar o tempo
inteiro, e os sentidos começam a pulular na superfície discursiva.
Então a emoção, o afeto, a intensidade são, digamos assim, operadores imanentes
na montagem dos gestos e das palavras, no encadeamento dos gestos e das
palavras.
Então a cadeia de gestos e a cadeia de palavras eu sinto que no teatro da Denise
sai bem da narrativa. [...] também ultrapassa a descrição. Se ultrapassa a
narrativa, ultrapassa simultaneamente a descrição e a representação. Então é um
teatro expressivo. (Luiz Fuganti, entrevista).