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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS
A IMPORTÂNCIA DA PETROBRAS
NAS RELAÇÕES BOLÍVIA-BRASIL (1996-2007)
Marcos Carra
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Relações Internacionais
da UFRGS como pré-requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em Relações
Internacionais.
Orientador: Prof. Dr. Marco Aurélio
Chaves Cepik
Porto Alegre
Fevereiro de 2008
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2
ÍNDICE
AGRADECIMENTOS............................................................................................................. 7
APRESENTAÇÃO................................................................................................................... 8
GLOSSÁRIO............................................................................................................................ 9
INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 11
1. O ESTADO E A EMPRESA MULTINACIONAL......................................................... 17
1.1. O Fim de Bretton Woods e Suas Conseqüências.............................................. 17
1.2. A Importância da Empresa Multinacional....................................................... 31
1.2.1. Conceitos Relativos às Empresas Multinacionais......................................... 31
1.2.2. A Expansão das Empresas Multinacionais.................................................... 33
1.3. As Concepções Teóricas de Robert Gilpin........................................................ 36
2. CARACTERÍSTICAS DO SETOR DE HIDROCARBONETOS................................ 41
2.1. O Setor de Infra-Estrutura................................................................................. 41
2.1.1. Definições e Distinções..................................................................................... 42
2.1.2. Características do Setor de Infra-Estrutura.................................................. 43
2.1.3. A Função do Estado......................................................................................... 46
2.2. A Indústria Petrolífera........................................................................................ 48
2.2.1. A Evolução da Indústria Petrolífera............................................................... 48
2.2.2. A Estrutura da Indústria Petrolífera............................................................. 58
2.2.3. A Flexibilização da Indústria Petrolífera....................................................... 64
2.2.4. As Alterações Institucionais da Indústria Petrolífera................................... 65
2.2.5. Em Busca de Novas Fontes de Energia.......................................................... 67
2.3. A Indústria do Gás Natural................................................................................ 69
2.3.1. A Evolução da Indústria do Gás Natural....................................................... 69
2.3.2. A Estrutura da Indústria do Gás Natural...................................................... 71
2.4. As Indústrias Escopo do Petróleo e do Gás Natural........................................ 75
2.4.1. A Indústria Petroquímica................................................................................ 76
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3
2.4.1.1 A Evolução da Indústria Petroquímica........................................................ 76
2.4.1.2. A Estrutura da Indústria Petroquímica...................................................... 77
2.4.2. O Gás Natural e a Geração de Energia Elétrica........................................... 80
2.4.2.1. A Evolução das Termelétricas a Gás Natural............................................. 81
2.4.2.2. As Vantagens das Termelétricas a Gás Natural......................................... 82
3. A PETROBRAS COMO ATOR ESTRATÉGICO......................................................... 85
3.1. O Difícil Nascimento da Petrobras.................................................................... 85
3.2. A Crise do Setor Estatal e a Lei 9.478/97.......................................................... 87
3.3. A Petrobras Após a Lei 9.478/97........................................................................ 92
3.3.1. A Ampliação da Participação do Capital Privado na Petrobras................. 92
3.3.2. A Adoção de um Novo Modelo de Gestão...................................................... 94
3.3.3. O Redirecionamento Estratégico da Petrobras............................................. 98
3.3.4. A Reestruturação da Organização da Petrobras.......................................... 99
3.3.5. A Nova Postura em Segurança, Meio Ambiente e Saúde........................... 102
3.3.6. A Adequação das Competências-Chaves da Petrobras.............................. 102
3.4. Os Resultados da Reestruturação da Petrobras............................................. 102
3.4.1. As Dimensões da Petrobras........................................................................... 103
3.4.2. A Petrobras e a Ingerência do Estado.......................................................... 104
3.5. Um Diferencial Importante: O Cenpes........................................................... 108
3.6. O Sistema Petrobras.......................................................................................... 111
3.6.1. A Construção do Sistema Petrobras............................................................. 111
3.6.2. A Lei 9.478/97 e o Sistema Petrobras........................................................... 113
3.7. O Lugar da América do Sul nos Planos Estratégicos da Petrobras............. 115
3.7.1. Área de Negócios Exploração e Produção.................................................... 116
3.7.2. Área de Negócios Abastecimento.................................................................. 119
3.7.3. Área de Negócios s e Energia................................................................... 120
3.7.4. Área de Negócios Internacional.................................................................... 121
4. OS HIDROCARBONETOS E AS RELAÇÕES BOLÍVIA-BRASIL ATÉ 1985...... 124
4.1. A Bolívia: Um Pouco de História..................................................................... 124
4.2. Bolívia e Brasil: Diplomacia e Geopolítica Antes dos Hidrocarbonetos...... 126
4.3. As Primeiras Disputas Pelos Hidrocarbonetos Bolivianos............................ 130
4
4.3.1. Os Hidrocarbonetos na Bolívia Até o Final da Guerra do Chaco............. 130
4.3.2. A Argentina Firma Posição........................................................................... 135
4.4. A Bolívia e o Brasil nos Anos de Interlúdio (1938 a 1985)............................. 137
4.4.1. Sob o Tratado de Roboré (1938 a 1958)....................................................... 137
4.4.2. Das Notas Reversais ao Golpe (1958 a 1964)............................................... 141
4.4.3. Durante o Regime Militar (1964 a 1985)...................................................... 143
5. A CONVERGÊNCIA DAS RELAÇÕES BOLÍVIA-BRASIL NOS ANOS 90.......... 149
5.1. O Neoliberalismo Brasileiro............................................................................. 149
5.1.1. A Crise do Nacional Desenvolvimentismo Brasileiro.................................. 149
5.1.2. A Diplomacia Brasileira Sob a Nova República.......................................... 151
5.1.3. O Brasil e a América Latina.......................................................................... 153
5.1.4. As Diretrizes da Era FHC............................................................................. 156
5.1.5. A Opção Pelo Gás Natural Boliviano........................................................... 161
5.2. O Neoliberalismo Boliviano.............................................................................. 168
5.2.1. As Reformas Neoliberais de Primeira Geração (1985/89).......................... 168
5.2.2. As Reformas Neoliberais de Segunda Geração (1993/01)........................... 171
5.2.3. As Reformas no Setor de Hidrocarbonetos Boliviano................................ 173
5.2.4. A Opção pelo Mercado Brasileiro................................................................ 178
6. A PETROBRAS E AS RELAÇÕES BOLÍVIA-BRASIL............................................ 182
6.1. A Unidade de Negócios Bolívia da Petrobras................................................. 182
6.2. O Processo de Expansão da Petrobras na Bolívia.......................................... 183
6.3. A Instabilidade Social e a Ascensão de Evo Morales..................................... 189
6.4. A Nacionalização dos Hidrocarbonetos........................................................... 192
6.5. A Petrobras e os Interesses da Bolívia............................................................. 194
6.5.1. Os Interesses Econômicos.............................................................................. 195
6.5.2. Os Interesses Políticos.................................................................................... 205
6.6. A Petrobras na Bolívia e os Interesses do Brasil............................................ 206
6.6.1. Os Interesses Econômicos.............................................................................. 208
6.6.2. Os Interesses Políticos.................................................................................... 217
5
CONCLUSÃO...................................................................................................................... 231
TABELAS
Tabela 3.1. Composição Societária da Petrobras em 31/12/2006........................... 94
Tabela 3.2. Os Investimentos da Petrobras por Área de Negócios desde 1954.. 117
Tabela 5.1. Composição Acionária das Sucessoras da YPFB.............................. 175
Tabela 5.2. Bolívia: Reservas de Hidrocarbonetos por Companhia (1996)........ 177
Tabela 5.3.: Bolívia: os Hidrocarbonetos por Departamento (em %)................. 178
Tabela 6.1. A Composição Societária do Gasbol................................................... 186
Tabela 6.2. Filiais da Petrobras na Bolívia 31/12/2005......................................... 189
Tabela 6.3. Companhias Petrolíferas Operando em E&P na Bolívia................. 196
Tabela 6.4. Mapeamento das Operações da Petrobras na Bolívia....................... 205
Tabela 6.5.: O Consumo de Gás Natural no Brasil em 2005/06........................... 209
Tabela 6.6. Termelétricas Comerciais as Natural........................................... 213
Tabela 6.7. Mapeamento das Operações da Petrobras na América do Sul........ 222
QUADROS
Quadro 2.1. Organograma da Indústria do Petróleo e do Gás Natural................ 60
Quadro 2.2. O Pico de Hubbert................................................................................ 67
Quadro 2.3. As Vantagens dos Natural.............................................................. 74
Quadro 3.1. A Atual Organização da Petrobras................................................... 100
Quadro 6.1. A Atual Configuração da Pepsa......................................................... 188
MAPAS
Mapa 5.1. As Proncias Petrolíferas da Bolívia (1996)........................................ 174
Mapa 6.1. O Gasoduto Bolívia-Brasil (Gasbol)..................................................... 187
Mapa 6.2. As Atividades da Petrobras na Bolívia em 31/12/05............................ 199
Mapa 6.3. A Petrobras e a Integração Gasífera da América do Sul.................... 226
ANEXOS............................................................................................................................... 240
1. Conceitos Relativos ao Setor de Hidrocarbonetos............................................ 240
2. Fatores de Conversão........................................................................................... 246
3. Mapas.................................................................................................................... 249
6
3.1. Territórios Cedidos Pela Bolívia desde a Independência.............................. 249
3.2. Área Cedida Pela Bolívia Após a Guerra do Chaco...................................... 249
3.3. Os Planos Ferrovrios de 1874 e 1882............................................................ 250
3.4. Ferrovia Santa Cruz de La Sierra-Santos (1955)........................................... 251
3.5. Zona para Estudos Definido pelas Notas Reversais de Roboré (1958)......... 252
3.6. Proprietários dos Blocos Petrolíferos na Bolívia de 1996 a 2005.................. 253
3.7. Proprietários da Rede de Gasoduto da Bolívia de 1996 a 2005.................... 254
3.8. Proprietários da Rede de Oleodutos da Bovia de 1996 a 2005.................... 255
3.9 Proprietários da Rede de Polidutos da Bolívia de 1996 a 2005..................... 256
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................... 257
7
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, aos meus irmãos e a tia Mari pelo apoio;
A CAPES pela bolsa;
Ao Prof. Cepik pela orientação;
Sem vocês não teria sido possível realizar este trabalho.
8
APRESENTAÇÃO
Em 9 de fevereiro de 1999 foi inaugurado um gasoduto que unia os campos produtores
de gás natural da Bolívia ao mercado consumidor do Brasil. Materializava-se assim um antigo
desejo de aproveitamento dos hidrocarbonetos bolivianos por parte dos brasileiros. O primeiro
plano expresso neste sentido fora o Tratado de Roboré, assinado em 25 de novembro de 1938
que, por motivos vários, não saiu do papel. Caberia o mesmo destino as outras seis propostas
para o aproveitamento dos hidrocarbonetos bolivianos (apresentadas em 1958, 1965, 1973,
1978, 1984 e 1988). Entretanto, durante as décadas de 1980 e 1990 a Bolívia e o Brasil
sofrerem uma série de transformações econômicas e políticas, que levaram ambos os países a
se interessar e desta vez consubstanciar a construção do gasoduto.
No mesmo período a Petrobras passava por um processo de reestruturação, que visava,
entre outras coisas, aumentar sua presença no cenário internacional. Com esta perspectiva a
estatal brasileira começara a operar na Bolívia em 25 de novembro de 1995 e, posteriormente,
caber-lhe-ia o encargo de construir o gasoduto e de explorar, produzir e exportar o gás natural
da Bolívia para o Brasil, porque bolivianos e brasileiros inquietavam-se com a perspectiva de
que as EMNs assumissem o controle da empreitada e porque a YPFB, a estatal petrolífera
boliviana, não tinha as mínimas condições financeiras e tecnológicas para conduzir o projeto.
Daí em diante a Petrobras envolveu-se em quase todas as atividades relativas aos
hidrocarbonetos na Bolívia, porém, a nacionalização do setor de hidrocarbonetos decretada
pelo presidente boliviano Evo Morales em 1 de maio de 2006 gerou uma séria tensão entre
este país e o Brasil. Surgiram desentendimentos por conta das incertezas referentes ao destino
a ser dado pelos investimentos realizados pela estatal no país e do destino do gás natural,
insumo que assume crescente importância na matriz energética brasileira. Ocorre, entretanto,
que a despeito dos desentendimentos, a Petrobras, que foi a empresa mais atingida pela
nacionalização, não se retirou da Bolívia. Com base neste fato o esforço feito nesta
dissertação é no sentido de compreender quais teriam sido os principais interesses econômicos
e políticos de Bolívia e Brasil que teriam impedido a Petrobras de se retirar daquele país.
9
GLOSSÁRIO
ADN: Accn Democratica Nacionalista
AEPET: Associação dos Engenheiros da Petrobras
ALCSA: Área de Livre Comércio da América do Sul
ANP: Agência Nacional do Petróleo
ANEEL: Agência Nacional de Energia Elétrica
BACEN: Banco Central do Brasil
BEI: Banco Europeu de Investimento
BID: Banco Interamericano de Desenvolvimento
BIRD: Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento
BNDES: Banco Nacional de Desenvolvimento
Bpd: Barris de petróleo por dia
CAF: Corporación Andina de Fomento
CAN: Comunidad Andina de Naciones
CBF: Corporación Boliviana de Fomento
CBH: Camara Boliviana de Hidrocarburos
CBIE: Centro Brasileiro de Infra-Estrutura
CERA: Cambridge Energy Research Associates
CIADI: Centro Internacional para Arbitragem de Disputas sobre Investimentos
COB: Central Obrera Boliviana
COMIBOL: Corporación Minera Boliviana
EBD: Empresa Boliviana de Distribuición
EBR: Empresa Boliviana de Refinación
E&P: Exploração e Produção de petróleo e/ou gás natural
EMN (ou MNC): Empresa Multinacional (Multinational Companies)
ENARSA: Energia Argentina SA
ENDE: Empresa Nacional de Eletricidad
ENFE: Empresa Nacional de Ferrocarriles
ENID(s): Eixo Nacional de Integração e Desenvolvimento
10
ENTE: Empresa Nacional de Telecomunicaciones
FONDOPLATA: do Fondo Financiero para el Desarrollo de la Cuenca Del Plata
GATT: General Agreement on Trade and Tariffs
GNEA: Gasoducto Nordeste Argentino
GNL (ou LNG): Gás Natural Liquefeito (LNG: Liquefied Natural Gas)
GSA: Gas Supply Agreement
GTB: Gás Transboliviano SA
IIRSA: Integração da Infra-Estrutura Regional na América do Sul
LAB: Lloyd Aéreo Boliviano
Mm
3
/dia: milhões de metros cúbicos por dia
MME: Ministério das Minas e Energia
MNR: Movimiento Nacional Revolucionário
MRE: Ministério das Relações Exteriores
NAFTA: North American Free Trade Agreement
NPE: Nueva Política Economica
P&D: Pesquisa e Desenvolvimento
OMC: Organização Mundial do Comércio
OPEC (ou OPEP): Organization of Petroleum Exportation Countries
PPA: Programa Plurianual de Investimentos
SAE-PR: Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República
SAM: Sociedade Econômica Mista
TBG: Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil SA
TGN: Transportadora de Gas Del Norte SA
TGS: Transportadora de Gas Del Sur SA
SACE: Sezione Speciale Per l'Assicurazione del Credito all'Esportazione
SONJ: Standard Oil of New Jersey
TCU: Tribunal de Contas da União
UFN: Unidade de Fertilizantes Nitrogenados
YPF: Yacimientos Petrolíferos Fiscales
YPFB: Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos
11
INTRODUÇÃO
Na década de 1980 teve início uma série de transformações nos países desenvolvidos
que buscavam superar a crise econômica iniciada após a ruptura de Bretton Woods, ocorrida
em 15 de agosto de 1971. Dentre as mudanças estavam à reestruturação indústria (que incluiu
a adoção de formas mais flexíveis de produção) e a adoção das políticas econômicas de cunho
neoliberal. Entre as políticas neoliberais constavam: a privatização de estatais, o controle da
inflação, o fim e/ou a atenuação as restrições à entrada de Investimentos Estrangeiros Diretos
(IED) e a abertura de mercado. Ao mesmo tempo em que ocorriam as transformações, os
países desenvolvidos procuraram universalizar as políticas neoliberais dentro de um processo
mais amplo, que nos anos 90 ficou conhecido como globalização.
Os países do Terceiro Mundo começaram a conviver com as idéias neoliberais após o
México decretar a moratória da sua dívida externa em 1982. Quando estes países procuraram
novas linhas de crédito para enfrentar seus sérios problemas econômicos, políticos e sociais,
os países desenvolvidos, através dos órgãos de financiamento mundiais (em especial BIRD e
FMI), condicionaram a concessão de acesso aos créditos internacionais à adoção de reformas
econômicas neoliberais. É verdade que alguns poucos países do então Terceiro Mundo, como
a Coréia do Sul, aproveitaram o novo cenário econômico para sair da condição de
subdesenvolvimento, porém, eram exceções, e frente às necessidades econômicas os países
mais frágeis sucumbiram quase imediatamente, submetendo-se, enquanto os países mais
sólidos do Terceiro Mundo conseguiram resistir até o final dos anos 80 quando as
dificuldades econômicas finalmente haviam solapado sua capacidade de resistência. Em 1989
os órgãos de financiamento sintetizaram o receituário neoliberal num decálogo, conhecido
como Consenso de Washington, que deveria ser adotado pelos países subdesenvolvidos que
desejassem acessar as linhas de crédito e aos mercados dos países desenvolvidos.
Nesse período o Brasil enfrentava sérios problemas econômicos e foi pressionado a
aceitar as poticas econômicas neoliberais, mas pelo fato do país possuir a maior economia, o
maior mercado consumidor e o maior, mais moderno e completo parque industrial da América
Latina, suas perspectivas de articular uma estratégia de inserção segura, capaz de atenuar os
impactos negativos da globalização neoliberal, eram mais promissoras que as de outros
países. Assim, no Governo Sarney, decidiu-se que o Brasil deveria utilizar seu potencial para
articular uma política de aproximação e, se possível, integração, com os países da América do
Sul, de forma que sua inserção internacional se desse sobre uma base de cooperação com eles.
12
Neste sentido a iniciativa mais importante foi o processo de aproximação com a Argentina.
Em 29 de novembro de 1985 argentinos e brasileiros assinaram o Tratado de Iguaçu, primeiro
passo no sentido de integração, que seria consolidado em 26 de março de 1991 com a
assinatura do Tratado de Assunção que deu origem ao Mercosul. O Brasil também traçou uma
meta mais ambiciosa: promover, sob sua liderança, a integração da América do Sul.
Dentro desta estratégia, a possibilidade brasileira de construir um vínculo com a
Bolívia, tendo com base a importação do gás natural, surgiu com a conjunção de dois fatores.
O primeiro surgiu em meados dos 80 quando a Bolívia procurou articular uma política de
exportação de s natural, matéria-prima que deveria substituir o estanho como principal
fonte de renda do país. O segundo pode ser datado de 2 de setembro de 1990 quando o
Governo Collor promulgou o Decreto N
o
99.503 instruindo o MME a realizar um exame da
matriz energética brasileira (cognominado “Reexame da Matriz Energética Nacional”). Neste
estudo aventou-se a possibilidade de que se ampliasse à participação do gás natural na matriz
energética brasileira. Depois, em 18 de julho de 1991, a MME criou a Comissão do Gás, que
definiu diretrizes e indicou as ações a serem adotadas para viabilizar a maior utilização do gás
natural. Como então a Petrobras dispunha de reservas de gás modestas e de difícil exploração,
a comissão sugeriu a articulação de uma política de importação do insumo.
Porém, a satisfação das necessidades dos dois países exigia como premissa que os
princípios econômicos neoliberais também fossem aplicados ao setor de hidrocarbonetos. Ao
lado da própria mudança estrutural dessa indústria, que forçou uma readaptação de todas as
companhias, era necessária uma mudança normativa capaz de reduzir a rigidez das regras
vigentes em um setor que até então era fechado aos capitais estrangeiros na maioria dos países
da América Latina. O passado nebuloso das companhias petrolíferas internacionais e as
conhecidas versões sobre sua ingerência em assuntos internos justificavam as desconfianças e
temores que dirigentes e populações locais devotavam a elas, materializadas no repúdio em
permitir sua atuação numa atividade considerada estratégica e vital para a autonomia nacional.
Nesta conjuntura, a Bolívia, que no período de 1985/01 adotou as reformas neoliberais
para reestruturar seu ordenamento econômico, aprovou a Ley de Capitalización N
o
1.544/94,
que modificou substancialmente o setor estatal. Uma das mudanças dizia respeito à abertura
do setor de hidrocarbonetos à atuação de EMNs, visto que a YPFB, a estatal petrofera
boliviana, carecia das condições mínimas para continuar operando no setor. Enquanto isso, no
Brasil, durante o Governo FHC, o Congresso Nacional aprovava a Emenda Constitucional nº.
13
9 de 7 de junho de 1995 quebrando o monolio da Petrobras no setor de hidrocarbonetos,
decisão ratificada pela Lei 9.478/97 de 6 de agosto de 1997.
Estas mudanças normativas criaram a base sobre a qual foi possível concretizar o
estabelecimento de um vínculo infra-estrutural a partir dos hidrocarbonetos, que a rigor era
perseguido desde a assinatura do Tratado de Roboré em 29 de novembro de 1938, mas que até
então era obstaculizada de alguma forma. Pelo lado brasileiro um dos motivos recorrentes
para resistir a um acordo residia na desconfiança de que a instabilidade potica boliviana
pudesse comprometer os investimentos. Pelo lado boliviano havia o temor de que os
brasileiros estivessem exercitando a sua própria política “imperialista”.
Assim, após as reformas neoliberais abrirem a possibilidade para a atuação das EMNs,
rapidamente articulou-se um projeto de exportação de gás natural boliviano para o mercado
brasileiro. Os entendimentos resultaram na assinatura de um Contrato de Compra y Venta de
Gas Natural em 17 de agosto de 1996, através do qual bolivianos e brasileiros se
comprometeram a construir um gasoduto capaz de transportar gás natural da Bolívia para o
Brasil, criando o vínculo entre os dois países em torno dos hidrocarbonetos.
Ocorre, entretanto, que as negociações envolveram um terceiro ator: a Petrobras.
Forçada a sofrer uma completa reestruturação após perder o monopólio do mercado brasileiro,
a estatal brasileira definiu como uma de suas metas o aumento da sua presença no cenário
internacional. Dentro desta estratégia, a Petrobras começou a operar na Bolívia em 25 de
novembro de 1995. Em 17 de agosto de 1996 a Petrobras e a YPFB assinaram o Contrato de
Compra y Venta de Gas Natural, mas o projeto só saiu do papel porque a estatal assumiu a
responsabilidade pela construção e operação do Gasoduto Bolívia-Brasil (cognominado
Gasbol) e, posteriormente, a tarefa de explorar e produzir gás natural na Bolívia. Após a
inauguração do gasoduto em 9 de fevereiro de 1999, a Petrobras, para atenuar os impactos
advindos de um projeto em que foi necessário assumir imensos custos e riscos, implementou
uma agressiva política expansionista na Bovia, que rapidamente levaram a estatal a operar
em praticamente toda a cadeia do petróleo e em toda a cadeia do gás natural no país. Mais do
que isto. Em pouco tempo a Petrobras tornou-se a EMNs mais importante a operar na Bolívia.
Esta posição da Petrobras na Bolívia se manteria relativamente estável até o dia 1 de
maio de 2006, data em que o Governo Morales decretou a nacionalização dos hidrocarbonetos
bolivianos. Pode-se dizer que a medidao foi um fato surpreendente. As políticas neoliberais
foram mal-sucedidas em toda a América Latina, deteriorando as condições econômicas e
sociais de todos os países. A Bolívia não foi exceção, e desde 2002 se verificavam distúrbios
14
sociais no país, com a população pressionando por uma atitude no sentido de reverter as
privatizações, em particular do setor de hidrocarbonetos, ademais, antes de ser eleito em 18 de
dezembro de 2005, Evo Morales Ayma (que viria a ser o primeiro presidente de origem
indígena do país) prometera recuperar para o Estado a posse dos hidrocarbonetos.
A Petrobras foi a EMN mais atingida pela nacionalização em razão do volume de
investimentos realizados na Bolívia e despertou grande preocupação no Brasil porque o
país registra grande dependência pelo gás natural importado da Bolívia. Além do impacto
econômico a nacionalização foi seguida por declarações fortes dos dois países. Porém, não
houve ruptura diplomática, nem retirada da Petrobras do país o que levou a formulação da
seguinte questão: quais os possíveis interesses econômicos e políticos de Bolívia e Brasil que
impediam a Petrobras de se retirar da Bolívia, após este país decretar a nacionalização dos
hidrocarbonetos em 2006? Nossa hipótese de trabalho é que, com base nos hidrocarbonetos
bolivianos, ambos os países definiram estratégias econômicas e políticas específicas que
ficariam comprometidas, senão inviabilizadas, com a saída da Petrobras da Bolívia.
Podemos alinhar quatro justificativas para a escolha do tema. A primeira é o domínio
que a estatal exerce sobre o setor de hidrocarbonetos brasileiro. A Petrobras foi o instrumento
chave na construção industrial do Brasil porque opera num setor estratégico e com elevado
potencial de acumulação, a indústria petrolífera e mesmo após o processo de privatização da
sua área petroquímica e da quebra do monolio estatal que até então a beneficiava ela ainda
praticamente monopoliza o setor de hidrocarbonetos brasileiro e seus números indicam que
ela cresce vertiginosamente. A Petrobras encerrou o ano de 2007 como a maior companhia do
país, a maior companhia petrolífera da América Latina e a 6ª maior companhia petrofera do
mundo. Ao porte soma-se a sua capacidade financeira, tecnológica e competitiva,
reconhecidas mundialmente, que estabeleceram uma forte imagem de sucesso e exemplo bem
sucedido de uma companhia construída dentro da estratégia nacional-desenvolvimentista.
A segunda razão de escolha está no desejo de expansão da Petrobras e dos possíveis
dividendos políticos que o Governo Brasileiro pode auferir com esta expansão. Operando
diretamente no exterior desde 1972 atras da Braspetro, em anos recentes a Petrobras
redefiniu os planos internacionais. Antes animados apenas pelo desejo de encontrar petróleo o
Plano Estratégico definido em 1999 trouxe uma alteração radical. Pensando na abertura do
mercado brasileiro à concorrência internacional e atenta à flexibilização das regras em outros
países da região, a Petrobras redefiniu suas estratégias, que agora manifestadamente incluem
15
o desejo de ser, até 2015, a empresa líder no setor de energia na América Latina, um desejo
que passa, necessariamente segundo a estatal, por sua internacionalização.
A terceira razão advém do fato de que existem muitas referências teóricas sobre a
importância das transnacionais como agentes da integração econômica e política, tanto a nível
regional como internacional, mas escassa bibliografia empírica sobre o assunto tendo como
base uma companhia de um país emergente.
A quarta razão é que podemos acompanhar no nascedouro a expansão e atuação
internacional de uma companhia de um país semiperiférico e, pelo seu desenrolar, podemos
testar adicionalmente o padrão teórico desenvolvido para explicar o comportamento de
companhias de países industrializados.
As fontes utilizadas foram tanto as primárias, extraídas de periódicos (jornais, revistas
e sites), bem como os documentos oficiais (de governo, órgãos, da Petrobras e YPFB), como
as fontes secundárias (livros, dissertações e teses) que versam sobre o tema em questão. O
período examinado é o de 1996 a 2007, que engloba a reestruturação de viés liberalizante
realizada por ambos os países, bem como as mudanças estruturais sofridas pela Petrobras.
A metodologia utilizada contemplou dois momentos. Num primeiro momento, com
base na bibliografia, identificamos quais os possíveis interesses econômicos e políticos
bolivianos e brasileiros que ficariam comprometidos se fosse permitida a saída da Petrobras
da Bolívia após a nacionalização dos hidrocarbonetos. Num segundo momento, referente à
dissertação propriamente dita, procedeu-se, a partir do material selecionado, a análise crítica
das fontes procurando responder a questão proposta.
A dissertação está dividida em seis capítulos. No catulo um apresentaremos as
transformações desencadeadas pelo fim do sistema de Bretton Woods, fornecendo uma visão
de conjunto sobre as mudanças pelas quais passou o sistema mundial. Seguem-se os conceitos
mais importantes que utilizaremos, uma explicação teórica sobre a expansão das EMNs e a
teoria que baliza esta dissertação.
No capítulo dois apresentaremos o setor de infra-estrutura e o setor de
hidrocarbonetos, destacando a indústria petrolífera, a indústria do gás natural, a indústria
petroquímica e a geração de energia elétrica a partir do gás natural. O objetivo do capítulo é
demonstrar a complexidade do setor de hidrocarbonetos e porque sua estrutura acaba
condicionando o comportamento das companhias e dos países consumidores e produtores.
16
No capítulo três o assunto é a Petrobras, sua evolução, suas características, seu perfil,
sua organização, seu sistema de subsidiárias e os motivos que levaram à sua reestruturação,
bem como seus atuais objetivos e estratégias.
No capítulo quatro descreveremos os principais aspectos das relações Bolívia-Brasil,
centrando, entre 1938 e 1985 nas propostas que foram apresentadas no sentido de aproveitar
os hidrocarbonetos bolivianos e porque as negociações envolvendo-os não avançaram.
No capítulo cinco veremos as transformações econômicas e políticas sofridas por
Brasil e Bolívia nos anos 90, as medidas adotadas para enfrentar essas transformações e
porque, finalmente, houve a construção de um vínculo tendo como centro os hidrocarbonetos.
No capítulo seis tentaremos responder a nossa pergunta. Destacaremos o porquê de a
Petrobras ter iniciado as operações na Bolívia, como se deu o processo de expansão da estatal
nesse país, os motivos que levaram o Governo Morales a decretar a terceira nacionalização
dos hidrocarbonetos e quais os interesses econômicos e políticos bolivianos e brasileiros que
foram determinantes para a permanência da Petrobras na Bolívia.
Ao capítulo seis segue-se a análise conclusiva final e um anexo, onde apresentamos
um glossário, uma tabela com fatores de conversão e mapas, que tem por objetivo sanear
dúvidas e auxiliar na visualizão de temas aqui tratados. A dissertação é encerrada com a
apresentação da bibliografia consultada.
17
1. O ESTADO E A EMPRESA MULTINACIONAL
Nos anos 90 o comportamento de grandes companhias e países esteve condicionado ao
contexto da globalização neoliberal que foi, por sua vez, um dos resultados do fim do sistema
de Bretton Woods.
Este capítulo está dividido em três partes, na primeira parte analisaremos o fim de
Bretton Woods e suas conseqüências. Na segunda parte analisaremos a importância da
empresa multinacional (EMN), a começar por alguns conceitos relevantes e da explicação da
sua expansão. Na terceira parte analisaremos a teoria de Robert Gilpin referente à importância
do relacionamento entre EMNs e do Estado nas Relações Internacionais.
1.1. O Fim de Bretton Woods e Suas Conseqüências
No reordenamento econômico mundial que teve lugar após a Segunda Guerra Mundial
foi aceito o princípio de que era necessário adotar mecanismos impeditivos ao funcionamento
sem peias do capitalismo, prática que havia levado o mundo a conhecer, além das crises
econômicas periódicas, duas guerras mundiais. Com essa finalidade, 44 pses reuniram-se
entre 1 a 22 de julho de 1944 na Conferência Monetária das Nações Unidas em Bretton
Woods (New Hempshire, EUA). As negociações resultaram no Acordo de Bretton Woods
(31/07/1944) que estabeleceu os seguintes mecanismos regulatórios (Nau, 1990):
1. Adoção das taxas cambiais fixas para garantir a estabilidade de preços internacionais;
2. Procurar-se-ia eliminar algumas práticas comerciais restritivas a fim de estimular a
circulação de mercadorias e a alocação mais eficiente dos recursos internos e externos. A
supervisão das novas práticas comerciais caberia a uma instituição, o General Agreement on
Trade and Tariffs (GATT) que adotou como prinpios: 1) acordos progressivos no sentido de
abolir as práticas restritivas ao comércio; 2) eliminação universal da cláusula de “nação mais
favorecida”, extinguindo os mercados cativos; 3) redução das barreiras tarifárias e; 4)
reciprocidade das concessões negociadas;
3. Haveria controle dos movimentos de capitais através das restrições nas operões
envolvendo variações nas taxas cambias, especulação com moedas estrangeiras e tomadas
irrestritas de empréstimos externos;
4. Adoção do ouro, da libra esterlina e do lar para moedas de referência, pagamentos
internacionais e fonte de reservas. Conforme Nau (op. cit.) a deterioração das moedas
18
européias (em particular a libra) aliadas ao fato dos norte-americanos exigirem que todos os
auxílios prestados no âmbito do Plano Marshall fossem pagos em dólares e deterem a maiores
reservas de ouro do mundo, inviabilizou a possibilidade de estabelecimento de uma moeda
internacional como pado de referência (o bancor, como queria Keynes).
5. Foram criados dois institutos, o FMI (Fundo Monetário Internacional), para controlar as
finaas mundiais e o BIRD (Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento,
também conhecido como Banco Mundial), para coordenar a reconstrução do pós-guerra;
Logo os norte-americanos compreenderam que apenas os mecanismos comerciais
definidos em Bretton Woods eram insuficientes para reativar as economias dos países da
Europa Ocidental, principais parceiros comerciais dos EUA. Isso aumentou a apreensão norte-
americana de que a baixa taxa de crescimento da economia européia logo inviabilizaria o
crescimento da sua própria economia. Esta percepção levou os norte-americanos a articular
uma política contrária à expansão soviética (Doutrina Truman) com um programa de
reconstrução econômica (Plano Marshall), pois estava claro que o restabelecimento
econômico da Europa Ocidental era fundamental para mantê-la como aliada dos EUA e
resistir à URSS
1
(Bandeira, 2006b).
A reconstrução da Europa Ocidental e Japão seria conduzida dentro do contexto da
Guerra Fria e nos marcos do sistema fordista-keynesiano, o que viabilizou a construção de
sociedades prósperas, com os padrões produtivos tecnológicos e de consumo de massa nos
moldes dos EUA. O marco regulatório era dado pelo sistema de Bretton Woods, que garantia
a estabilidade de moedas, preços e o acesso a mercados.
O sistema fordista-keynesiano pode ser dividido em dois paradigmas. Em primeiro
temos o paradigma fordista, que era composto por dois elementos. O primeiro elemento era o
modelo produtivo fordista em que a linha de montagem permitia o fluxo contínuo do processo
produtivo, favorecendo a obtenção de economias de escala. Questões de ordem técnica e
tecnológica geravam uma série de limitações: a produção não podia ser interrompida o que
exigia manutenção de grandes estoques de matéria-prima e bens acabados; a especificidade de
maquinários e instalações encarecia a reconfiguração da planta produtiva e dificultavam a
diversificação de produtos; o aumento da taxa de lucros era condicionado ao aumento do
1
Num discurso ao Congresso (12/03/1947) o presidente Harry Truman tornaria blica à nova política dos EUA:
impedir novos atritos na esfera de poder dos países capitalistas, frear os conflitos em curso, apoiar e se
necessário intervir em qualquer país para conter a expansão do comunismo. No mês seguinte o
economista norte-americano Bernard Baruch cunhou o termo Guerra Fria”, que passou a definir o
estado permanente de tensão entre EUA e URSS. Pouco depois num discurso proferido na Universidade
de Harvard (5/06/1947) George Marshall expressou que o auxílio econômico visando à reconstrução da
Europa era do interesse norte-americano. Era lançado assim o Plano Marshall.
19
tamanho físico das firmas; e era necessária a exisncia de um mercado consumidor com
dimenes capazes de absorver a produção de forma constante. O segundo elemento era o
taylorismo, referente à organização do trabalho, que sofreu mecanização e padronização de
forma a reduzir os intervalos de execução de uma tarefa e foi dividindo em departamentos
estanques de concepção, planejamento e execução (Costa, 1997).
O segundo paradigma era o keynesianismo, composto por dois elementos controlados
pelo Estado. O primeiro elemento dizia respeito ao estabelecimento de uma estrutura de bem-
estar social que incluía as políticas de pleno emprego, saúde e educação, com objetivo de
manter a estabilidade do sistema social e aumentar a renda dos trabalhadores de forma a
permitir que eles pudessem absorver a produção. O segundo elemento dizia respeito ao
controle dos fatores macroeconômicos (crédito, sistemas de comunicação e transporte, taxas
de câmbio, taxas de juros, etc.) capazes de estabilizar, auto-sustentar e retro alimentar o
sistema produtivo.
A alta produtividade das economias estruturadas pelo sistema fordista-keynesiano
demandou três modificações nos mercados. A primeira ocorreu na Europa Ocidental onde os
Estados-Nacionais eram, além de rivais militares, relativamente fechados e não possuíam
mercados com tamanho suficiente para absorção da produção dificultando a circulação e a
alocação de capitais, fatores produtivos e mercadorias com custos satisfatórios e velocidade
suficiente. A fim de evitar o estrangulamento econômico e criar uma base de cooperação que
diminuísse a rivalidade entre esses Estados (em especial entre Alemanha e França) foi criada
a Comunidade Econômica Européia (CEE). A segunda ocorreu na Ásia, que apresentava um
problema de limitação semelhante ao europeu, mas neste caso os EUA permitiram que o
Japão ocupasse os mercados do sudeste e da Coréia do Sul. A terceira modificação ocorreu
nos EUA, que adotou uma potica de descolonização com objetivo de romper o domínio das
potências européias (em particular França e Grã-Bretanha) sobre África e Ásia.
O Acordo de Bretton Woods permitiu que o sistema funcionasse de modo
relativamente estável. Os preços internacionais (de matérias-primas e manufaturas) passaram
a ser cotados em lares
2
o que aliado à existência dos controles sobre os fluxos de capitais e
as restrições sobre a prática de desvalorizações monetárias unilaterais transformaram a
balança comercial no instrumento mais importante da política monetária e de crescimento
2
Para assegurar a estabilidade, em 1/07/1945 os norte-americanos comprometeram-se com o FMI a manter o
padrão fixo de convertibilidade entre o dólar e o ouro. Este padrão, definido por decreto do Presidente
Roosevelt em 31/01/1934, igualava US$ 1,00 a 13 5/7 grãos (0,8886707654g) de ouro puro ou US$
35,00 a onça troy (31,103476769g) de ouro puro.
20
econômico. Essa estabilidade era mantida pela capacidade dos EUA em manter o valor do
dólar, que permitia aos países traçar políticas nacionais de curto e médio prazo.
Durante os anos 50 e 60 enquanto os EUA lideram a luta anticomunista se verificam
espantosos índices de crescimento da economia européia e japonesa que bloquearam a
expansão comunista na Europa e Ásia, porém, no final dos anos 1960 três fatores lançaram
dúvidas sobre a capacidade de liderança econômica/política dos EUA, fissurando o bloco
capitalista: primeiro, o país estava enfrentando um nítido esgotamento econômico devido aos
gastos elevados do aparelho militar, do programa espacial e das políticas de distribuição de
renda (a Grande Sociedade de Kennedy e Lyndon Johnson); segundo, o surgimento da
competição da Europa Ocidental (tendo à frente a Alemanha) e o Japão, que conquistaram
muitos mercados aos produtos norte-americanos e levaram a deterioração das contas do país
que acumulava déficits na balança comercial; e terceiro, a incapacidade dos EUA em aplicar a
política de contenção do comunismo, que se alastrou pela África, Américas e Ásia.
Em um cenário de crise em todas as frentes, nos EUA se destacaram as vozes dos que
defendiam medidas unilaterais de ajuste. Henri Kissinger (Secretário de Estado) defendia a
retomada da posição política dos EUA, enquanto John Connally (Secretário do Tesouro)
defendia a restrição do comércio externo. Em resultado, em 15 de agosto de 1971 o Presidente
Nixon anunciava que o dólar estava sendo desvinculado do padrão-ouro, era suspensa sua
convertibilidade, desvalorizado em 10% e suspensa sua emissão. Rompia-se assim o sistema
de Bretton Woods, porque a desvalorização e a ruptura do padrão ouro/dólar representava o
fim do câmbio fixo e da estabilidade de preços que aentão haviam sustentado o crescimento
e a estabilidade econômica. Reunidos em Paris em 16 de março de 1973 os representantes de
Alemanha, EUA, França, Grã-Bretanha, Itália e Japão decretaram o fim do sistema cambial
fixo e adotaram o sistema cambial flutuante (ratificado pelos Acordos da Jamaica de 1976),
onde o dólar sofreria livremente a cotação frente a outras moedas (Nau, op. cit.).
O colapso de Bretton Woods desencadeou um processo de mudanças estruturais no
capitalismo que primeiro alterariam as dimensões ideológica e produtiva e, após o choque de
juros de 1979, as dimensões trabalhista e financeira. Os novos padrões de pensamento, formas
de produção e relacionamento entre Estados, companhias e organização do trabalho seriam
propagadas por todo o mundo através da globalização neoliberal.
Na dimensão ideológica a ruptura de Bretton Woods abriu espaço para a rediscussão
do papel do Estado na economia. Formalmente o debate iniciou na Grã-Bretanha e EUA após
a homologação do Prêmio Nobel de Economia a Friedrich A. Von Hayek (1974) e a Milton
21
Friedmann (1976) ambos reconhecidos teóricos ultraliberais que forneceram aos ideólogos
neoliberais a agenda para os anos seguintes (Fiori, 1997).
Para os neoliberais o maior entrave à retomada do crescimento econômico era o
Estado que, ao interferir no sistema econômico, impedia-o de funcionar de modo “natural”.
Os principais entraves eram os controles, as regulamentações, as taxações e as barreiras de
toda natureza, fatores que impediam o livre movimento dos fatores de produção (bens,
capitais, mão-de-obra e serviços). Para agravar o quadro as políticas keynesianas de bem-estar
social obrigavam o Estado a aplicar recursos em investimentos não-produtivos aumentando o
endividamento público. Assim, os gastos estatais demandavam o aumento da carga tributária
sobre os investidores privados os únicos que, segundo esses teóricos, teriam condições de
alocar eficientemente os recursos de forma a estimular o crescimento econômico.
Para estes economistas a solução era desregulamentar a economia, reduzir à carga
tributária, reduzir a participação do governo na economia e extinguir o estado de bem-estar
social e as poticas de distribuição de renda, para assim permitir o livre movimento dos
fatores de produção. A adoção dessas medidas devolveria a dinâmica natural do mercado que,
por sua vez, deveria resultar em crescimento econômico.
Na dimensão produtiva a ruptura de Bretton Woods abriu espaço para a revisão do
paradigma fordista, que desde meados dos anos 60 dava sinais de esgotamento, ocasionado,
entre outras razões: pelas restrições técnicas e tecnológicas, que limitavam a fragmentação
produtiva; pela saturação do mercado por produtos padronizados, que afastava o consumidor;
pela monotonia do trabalho, que insatisfazia o trabalhador, aumentando a tensão social; e pelo
excessivo consumo de matérias-primas, que aumentava a destruição ambiental (Costa,
op.cit.).
A possibilidade de flexibilização produtiva surgiu com a introdução da tecnologia de
base microeletrônica (resultado do que alguns consideram uma Terceira Revolução Industrial)
que permitiu superar os limites cnicos das máquinas da indústria fordista. Elas permitem
rápida readaptação da máquina para produzir diferentes produtos em pequenos lotes, com
baixos custos, sem que o fluxo industrial seja interrompido e sem necessidade de reconfigurar
a planta industrial. Esta flexibilidade permitiu eliminar custos de manutenção com estoques e
a terceirização de processos produtivos para empresas estreitamente vinculadas à produção da
grande companhia, é o chamado "just-in-time" (Costa op. cit.).
As novas tecnologias também aperfeiçoaram a transmissão de informações e
permitiram a flexibilização da cadeira produtiva. A imagem da grande corporação integrada
22
verticalmente vem dando lugar à “molecularização”, ou seja, os elos da cadeia, que antes
funcionavam dentro da firma estão sendo desagregados, substituídos por moléculas dinâmicas
o que permite as companhias atuar em ambiente instável dispensando as garantidas dadas
pelas políticas keynesianas. Como são flexíveis e readaptáveis, até grandes plantas industriais
o facilmente removidas de um lugar para outro, onde, segundo Braga (2004), a logística
assume o papel vital de articulação das moléculas.
Frente a essas mudanças as reações dos países não foram homogêneas, variando de
acordo com a estrutura interna de cada Estado, bem como sua posição no cenário mundial.
Podemos dividir os países em quatro grupos. Em primeiro os países da Europa Ocidental e o
Japão imediatamente sofreram redução de sua capacidade competitiva porque suas moedas
foram valorizadas frente o dólar e como os preços internacionais eram cotados nesta moeda,
viram de bito os preços das matérias-primas e suas manufaturas aumentarem enquanto os
produtos americanos tornavam-se competitivos. Em resultado esse países passaram a
contabilizar baixas taxas de crescimento econômico resultante da retração industrial o que
elevou a taxa de desemprego e baixou a taxa de consumo e recolhimento de impostos. O
Estado absorveria os custos desse processo com a elevação da dívida pública o que gerou uma
tendência inflacionária persistente. A combinação de baixo crescimento econômico e
tendência inflacionária deram origem ao fenômeno conhecido como “estagflação”.
Em segundo, os países produtores de matérias-primas, verificando a perda de renda em
dólares e tendo de pagar mais caro pelos produtos industrializados, reagiram elevando seus
preços. Destes o mais impactante foi o aumento unilateral dos preços do petróleo patrocinado
pela Organization of Petroleum Exportation Countries (OPEC) que resultou no primeiro
choque do petróleo. O preço do barril do petróleo que era de US$ 2,90 no inicio de 1973
subiu para US$ 5,13 em outubro de 1973 e atingiu US$ 11,65 em dezembro de 1973, gerando
uma violenta crise.
O terceiro tipo de reação se manifestaria no decorrer dos anos 70. Aos dólares
acumulados pelos países árabes desde os anos 60 somavam-se agora aqueles obtidos com o
choque do petróleo. Através do sistema bancário europeu e norte-americano esses dólares
retornariam ao mercado transmutado em diversas formas (aplicações, créditos, empréstimos,
investimento, etc.) sendo uma delas os contratos de créditos para países do Terceiro Mundo
em que incidiriam taxas de juros flutuantes, condicionados aos juros dos EUA.
Em particular os países da América Latina contraíram grande endividamento junto ao
sistema bancário internacional, o que viabilizou a utilização do Estado como indutor do
23
crescimento econômico canalizando os investimentos através de estatais o que lhes permitia
manter estruturas econômicas/sociais obsoletas e retrógradas sem necessidade de alterá-las.
Em quarto temos as mudanças nos EUA. No campo econômico verificou-se o fracasso
da opção de reequilibrar a balança comercial através da desvalorização do dólar e do controle
do déficit público
3
, devido ao quadro de estagflação que dominava a economia mundial e do
relativo atraso das suas industriais de alta tecnologia
4
. Em 1979, quando parecia que o lar
não tinha mais condições de ser a moeda de referência mundial, os líderes das principais
potências industriais propuseram mantê-lo desvalorizado e implementar um novo padrão
monetário baseado do dólar, franco, iene, libra, lira e marco.
No campo político uma rie de acontecimentos minou a confiança norte-americana.
Na frente interna ocorreram o escândalo de Watergate e a renúncia de Nixon, a crise do
petróleo e a desmoralização resultante da derrota no Vietnã (1975). Na frente externa
verificou-se a expansão do comunismo na África (Angola, Etiópia, Moçambique, etc.) e Ásia
(Camboja, Iêmen, etc.). A partir de 1979 o acirramento da guerrilheira em El Salvador, e a
vitória dos sandinistas na Nicarágua (19/07/79) pareciam indicar que os EUA não apenas
estava sendo incapaz de conter a expansão mundial do comunismo, como estava perdendo a
luta dentro de sua própria esfera de influência. No Golfo Pérsico, a Revolução Iraniana
(16/01/79), a Crise dos Reféns da Embaixada no Irã (04/11/79) e o segundo choque do
petróleo (13/12/79) sepultaram o sistema de segurança baseado no tripé Arábia Saudita-EUA-
Irã e indicava que os norte-americanos perderiam o controle estratégico sobre os maiores
produtores de petróleo. A invasão do Afeganistão pela URSS (27/12/79) aumentou a tensão,
levantando a suspeita de que os soviéticos queriam aproveitar as dificuldades dos EUA e o
ambiente convulsionado da região para expandir sua influência até o Golfo Pérsico (Tavares,
1997, Bandeira 2004 & Bandeira, 2006b).
A reação norte-americana começou no final do Governo Carter. No campo econômico
em 22 de outubro de 1979 Paul Volcker (Presidente do Fed) apresentou a réplica norte-
americana: rejeitou a proposta de manter o lar desvalorizado e de implementar um novo
padrão monetário e elevou a taxa de juros interna para 17,60% a.a. revertendo à trajetória de
1971/73 e retomando a política do dólar forte. Essa medida transformou os títulos da dívida
pública americana no principal investimento do sistema financeiro mundial (Tavares, op. cit.).
3
Contenções de despesas foram feitos, por exemplo, no programa espacial e na área militar em que se admitiu a
derrota no Vietnã e buscou-se uma política de distensão com a URSS.
4
O país acumulava ficits comerciais que elevaram a dívida pública gerando uma tendência inflacionária (com
pico de 18,2% a.a. em 1980) que nem mesmo a contínua alta de juros (beirando os 10 % a.a. desde
1978) conseguiu conter.
24
No campo político, em 23/01/80 no Discurso sobre o Estado da União, o presidente
Carter afirmava que a presença soviética no Afeganistão era uma ameaça a toda a paz
mundial, para as relações Leste/Oeste, para a estabilidade regional, e para o movimento
petrolífero no Golfo Pérsico. Carter encerrou o discurso declarando que o reforço dos recursos
militares era o objetivo prioritário para os anos 80, fazendo um alerta que depois ficou
conhecido como “Doutrina Carter”: “qualquer tentativa soviética de assumir o controle da
área do Golfo Pérsico será considerada um ataque aos interesses vitais norte-americanos, e
se combatida por todos os meios, inclusive a força militar” (Bandeira, 2006b, pág. 528).
Entrementes, no final dos anos 70 os problemas ideológicos, econômicos, políticos e
produtivos norte-americanos alimentaram o discurso dos grupos de acadêmicos, economistas,
jornalistas e políticos neoconservadores. Liderados por Norman Podhoretz e ferrenhos
anticomunistas, os neoconservadores apontavam como causa do declínio norte-americano as
más políticas dos democratas liberais. Consideravam a política norte-americana na Guerra
Fria uma “política de apaziguamento” taxando de “inaceitável” o controle da corrida
armamentista, a diplomacia, a distensão e a procura da paz através de negociações com a
URSS, opondo-se também à política de tratá-la como nação mais favorecida. Também
defendiam o uso agressivo das forças militares para deter a expansão do comunismo em
substituição a política de “contenção”; viam as conceses aos inimigos relativamente fracos
dos EUA como uma "política de apaziguamento do mal" e pregavam a intervenção unilateral
no Terceiro Mundo como um meio de aumentar a influência do país. Na economia os
neoconservadores adotaram o discurso neoliberal pregando o desmonte das políticas de renda
instituídas pelo New Deal e pela Grande Sociedade (Fiori 2004 & Bandeira, 2006b).
Os neoconservadores assumiram o poder com o republicano Ronald Reagan (1981/88)
que desencadearia uma nova fase da Guerra Fria combinando endurecimento do discurso,
sustentação material das lutas anticomunistas e as práticas neoliberais para manter a condição
de superpotência dos EUA.
Para Fiori (2004) desde os anos 70 essa possível combinação podia ser antevista nas
três estratégias que marcaram a expansão do poder norte-americano. A primeira, do Governo
Nixon, propunha o retorno ao mundo multipolar, acompanhado de uma política econômica
internacional de tipo desregulamentacionista e liberal. A segunda, do Governo Carter,
propunha a retomada da liderança moral e messiânica mundial dos EUA, combinada com uma
política econômica internacional de tipo keynesiano sob liderança conjunta de Alemanha,
EUA e Japão. A terceira, do Governo Reagan, combinou o liberalismo de Nixon com o
25
anticomunismo de Carter, propondo-se a eliminar a URSS e construir uma nova ordem
econômica e política mundial sob o comando inconteste dos EUA.
Seria, continua Fiori, esta terceira estratégia que apressou a mudança na organização e
funcionamento do sistema mundial que vinha sendo elaborado nas duas décadas precedentes.
Lentamente o sistema mundial foi deixando para trás um modelo “regulado” de “governança
global” liderado pela hegemonia benevolente dos EUA e foi se consolidando um novo projeto
de organização imperial do poder mundial em que:
“A possibilidade de fazer guerras à distância e sem perdas de vidas humanas e o
controle de uma moeda internacional sem padrão de referência, que não seja o
próprio poder do emissor, mudaram a forma de exercício do poder americano sobre
o mundo. Com a eliminação do poder de contestação soviético e com a ampliação
do espaço desregulado da economia mundial de mercado, criou-se um novo tipo de
território submetido à senhoriagem do dólar e à velocidade de intervenção das suas
forças armadas” (Fiori, 2004, pág. 94).
Reagan deu suporte financeiro, logístico e material a todas as lutas armadas
anticomunistas, não importando sua forma: movimentos contra-revolucionários (como os
Contras na Nicarágua), regimes hostis ao comunismo (como a África do Sul em Angola),
regimes que poderiam deter a expansão do comunismo (como o Paquistão) e guerrilhas que
estavam em luta direta com a URSS (como os Talibãs no Afeganistão). Contra outros regimes
indesejáveis os EUA apoiaram o lado que lhe convinha quando havia luta armada (como o
Iraque na guerra contra o Irã) ou expressavam aberta hostilidade (como no caso da Líbia).
No confronto direto com a URSS Reagan adotou um discurso messiânico taxando-a de
“Império do Mal”, mantendo a política de juros altos para absorver o excesso de liquidez
mundial de dólares, que seriam usados para sustentar a expansão da dívida pública americana
que, por sua vez, foi usada para aumentar o orçamento militar que sustentaria a retomada da
corrida armamentista
5
(Tavares, op. cit. & Bandeira, 2006b).
Nas relações com as demais nações Reagan: 1) esvaziou os runs multilaterais (como
o GATT) e deu ênfase nas relações bilaterais, buscando utilizar o diferencial de poder em seu
favor; 2) reduziu as ajudas e transferências para os países pobres; 3) adotou o “princípio da
graduação” diferenciando o trato econômico aos países do Terceiro Mundo de acordo com seu
grau de desenvolvimento econômico e industrial, participação no comercio internacional e
5
Alguns dos programas militares desenvolvidos nesse período foram: o míssil MX; a bomba de nêutrons; o
avião invisível Stealth F-117 e do bombardeiro invisível B-2 (cujo projeto consumiu US$ 22 bilhões
custando US$ 2,4 bilhões a unidade); a construção de 8 porta-aviões nucleares; substituição de todos
submarinos convencionais por nucleares e o projeto Guerra nas Estrelas.
26
capacidade de adesão às normas vigentes; e 4) no Terceiro Mundo retirou o apoio aos regimes
militares (considerados excessivamente nacionalistas) em favor dos regimes democráticos
(Sennes, 2003).
Conforme Serrano (2004) Reagan também iniciou a alteração da dimensão trabalhista,
através do ataque à classe trabalhadora, aos sindicatos e às demais forças progressistas norte-
americanas. As políticas de renda foram extintas e avançou o processo de desregulamentação
industrial que (sob argumento de promover a concorrência e inovação) incentivou as fusões e
aquisições de empresas que foram “reestruturadas” com nova administração, abandonando os
contratos e acordos feitos com os sindicatos. Combinadas, a desregulamentação e o dólar
valorizado estimularam o processo de realocação industrial com as partes intensivas em
trabalho da cadeia produtiva sendo transferidas para países em desenvolvimento. Com isso o
poder de barganha dos trabalhadores norte-americanos sofreu forte redução.
Nos anos 80 o restante dos países industrializados (sob patrocínio dos ideólogos
neoliberais), adotaram os mecanismos de ataque à classe trabalhadora desenvolvidos por
Reagan, na tentativa de enfraquecê-la, reduzir os aumentos reais de salários ou para diminuir
os custos com o estado de bem-estar social. Porém, esses ataques combinados a adoção de
novos paradigmas produtivos, que viabilizaram o aumentou da produtividade das firmas com
redução do numero de trabalhadores, originaram o desemprego estrutural crônico.
Quanto à política de juros praticada entre 1979/82 ela gerou uma violenta recessão nos
EUA, afetando (1981/88) a economia mundial e forçando todos os países a fazer reajustes.
Europa Ocidental e Japão foram obrigados a acompanhar a alta dos juros a fim de
evitar que uma corrida ao mercado de tulos norte-americano os deixassem sem condições de
financiar suas dividas públicas. Em conseqüência, suas companhias encontraram dificuldades
para obter taxas de juros compensatórias, capazes de sustentar a modernização, que resultou
na queda de competitividade e lucros o que, por sua vez, reduziu a arrecadação fiscal tornando
permanentes os problemas de reajuste com as contas públicas e desemprego da década
anterior. Apenas os países industriais mais dinâmicos (como Alemanha e Japão) conseguiram
dinamizar suas estruturas produtivas, que passaram por crescente financeirização,
flexibilização e modernização tecnológica.
Os países do Terceiro Mundo sentiram duramente os impactos da mudança na política
monetária norte-americana. As altas das taxas de juros praticadas pelos bancos, dos preços
dos bens de capital e do petróleo aliadas a depreciação dos preços das matérias-primas e a
recessão mundial dificultaram a obtenção de divisas para dar continuidade à estratégia de usar
27
o Estado como indutor do crescimento econômico, bem como a manutenção do serviço da
dívida externa, que com a elevação dos juros começou a crescer de forma inercial
6
. Logo
esses países começaram a encontrar dificuldades para honrar seus compromissos e após o
México decretar a moratória da sua dívida em setembro de 1982, houve um corte bito nos
créditos destinados a eles porque os credores temiam que uma repetição do default mexicano
pudesse gerar um efeito dominó capaz de comprometer todo o sistema creditício mundial.
Entre 1982/85 Reagan adotou uma série de medidas visando retomar a trajetória de
crescimento da economia norte-americana: 1) redução dos créditos de curto prazo; 2) redução
da carga tributária dos grandes capitais; 3) redução da carga tributária da classe média 4)
redução dos impostos para empréstimos bancários destinados a compra de bens duráveis; 5)
manutenção da estabilidade interna para atrair os IEDs; 6) uso dos juros altos para absorver a
liquidez mundial de dólares; e 7) moeda valorizada para manter a capacidade de importação
dos EUA. Estas medidas tiveram dois impactos. Pelo lado das contas internas houve aumento
do déficit público porque se combinou aumento do orçamento militar e a diminuição da
arrecadação sem se fazer (temendo a reação dos trabalhadores) os cortes no estado de bem-
estar na amplitude desejada pelos neoconservadores. Pelo lado das contas externas houve
piora no resultado da balança comercial porque olar forte e a facilidade de crédito
aumentaram o consumo expondo o mercado interno à invasão de produtos coreanos,
japoneses e taiwanenses. Combinados os impactos elevaram rapidamente a dívida pública.
Em 1985 foi tomada a decisão que consolidaria a alteração na dimensão financeira. O
choque de juros de 1979 abalara o sistema bancário e dos fundos de pensão norte-americanos.
Entre 1981/84, como parte da política de proteção ao sistema, permitiu-se a multiplicação dos
instrumentos financeiros para garantir as dívidas desses grupos. Em resultado houve a
proliferação dos derivativos que repassavam os juros altos aos títulos de curto prazo, atraindo
recursos internos e externos e inflacionando o mercado, deslocando o valor real dos papéis em
benefício puro da especulação financeira. Em 1985 o crescimento da divida pública federal
7
gerara imenso volume de tulos federais, que começaram a ser utilizados para lastrear títulos
de curto prazo (Tavares, op. cit.).
Essa decisão acelerou a multiplicação de instrumentos financeiros, o quê, combinado
com a desregulamentação do mercado financeiro que teve início com a ruptura de Bretton
6
O Brasil viu sua dívida externa passar de US$ 17,1 bilhões em 1974 para mais de US$ 100 bilhões em 1983.
7
A vida pública federal passou de US$ 1 trilhão em 1981 para US$ 1,6 trilhão em 1985; US$ 2,657 trilhões
em 1988; US$ 2,857 trilhões em 1989 e US$ 5,4 trilhões em 1997, enquanto a vida externa superava a
marca dos US$ 600 bilhões.
28
Woods, deu início a globalização financeira, marcando a volta da prática especulativa que
dera origem a crise de 1929. Esses instrumentos também viabilizaram a mutação da riqueza
capitalista que agora, além dos ativos materiais, incluía os ativos financeiros que passaram a
compor a riqueza patrimonial de famílias, bancos e fundos de pensão. As companhias também
ampliaram sua carteira de ativos financeiros, que serviriam como reserva de capital para
efetuar investimentos e passaram a fazer parte de seus ativos (Tavares & Beluzzo, 2004).
Após 1985 o aperfeiçoamento da tecnologia das telecomunicações, transporte e troca
de informações possibilitou a aplicação das transformações em escala global num processo
conhecido como globalização neoliberal. Tendo à frente os ideólogos neoliberais que
enfaticamente defendiam a desregulamentação das economias nacionais e a abertura de
mercados como meios de recuperar a prosperidade perdida, houve generalização na prática de
desregulamentação dos sistemas financeiros nacionais permitindo que fosse mantida a alta
velocidade da circulação dos títulos, continuamente reinjetados nas bolsas de valores e
originando dinheiro virtual, sem lastro no capital físico, que passou a ser utilizado para
sustentar as dívidas públicas dos Estados bem como as taxas de lucros de bancos,
companhias, famílias e fundos de pensão (Tavares, op. cit.).
Ao mesmo tempo, como as companhias começaram a obter altas taxas de lucros em
função da adoção de novos paradigmas de produção, retração do trabalho organizado e
financeirização dos seus ativos, a abertura das economias permitiria às companhias realocar
seus investimentos de forma a extrair o máximo dos fatores de produção, otimizando seus
lucros e mantendo o valor dos seus papéis.
Conforme Serrano (op. cit.) em 1985 o governo americano decidiu desvalorizar
novamente o lar através da redução dos juros nominais, mas queria que fosse mantida alta a
taxa de juros reais. Pelo Acordo de Plaza (1985) ficou decidido que os outros países
manteriam suas taxas de juros acima das americanas. Depois disso e durante quase dez anos o
dólar sofreu uma desvalorização de quase 50% contra as moedas dos seus principais parceiros
comerciais. Isso mais a queda dos preços das matérias-primas (em especial o petróleo)
conseguiram melhorar a competitividade de sua indústria ao mesmo tempo em que teve
conseqüências negativas para os demais países e foi especialmente desastrosa para o Japão.
Quanto a URSS, o esforço para manter a paridade militar com os EUA revelou-se
demasiado para uma economia com problemas estruturais crônicos. O agravamento dos
problemas econômicos abriu espaço para a contestação política interna e dentro bloco
socialista. Após a ascensão de Mikhail Gorbatchev em 1985 se tentou reformar a economia
29
(perestroika) e o sistema político (glasnost) ao mesmo tempo em que se faziam concessões na
política internacional, medidas que não lograram reverter o processo de deterioração. Ecoando
os problemas internos, Gorbatchev renunciou a Doutrina Brezhnev (que atribuía a URSS o
direito de intervir nos países comunistas), retirou as tropas do Afeganistão (1988) e anunciou
o fim do apoio econômico a seus aliados. Sem apoio, os aliados soviéticos foram deixando o
bloco e abandonando o comunismo, processo que teve na queda do Muro de Berlim
(9/11/1989) um fato emblemático. Na seqüência a própria URSS abandonaria o comunismo e
com sua extinção oficial em 25 de dezembro de 1991 encerrava-se a Guerra Fria.
O período de transição foi conduzido durante o Governo Bush (1988/92) quando,
saído da Guerra Fria como superpotência única e sem qualquer oposição externa, parecia que
os EUA teriam o mundo a sua mercê. No campo econômico arautos anunciaram que a
universalização do capitalismo liberal sob égide norte-americana era a única alternativa viável
para o mundo, porque representava o fim de todos os conflitos e o início de uma numa era de
paz e prosperidade. Este seria o “O Fim da História”, conforme vaticinou Francis Fukuyama.
Segundo Serrano (op. cit.) os norte-americanos anteveriam a possibilidade de impor ao
mundo suas diretrizes econômicas desde o instante em que a crise da dívida de 1982 e o
Acordo de Plaza de 1985 mostraram que a política do dólar forte conseguira “enquadrar os
Estados e moedas rivais ficando livres da necessidade geopolítica de fomentar o
desenvolvimento dos demais países centrais e da periferia” (Serrano, op. cit., Pág. 205).
A nova política econômica norte-americana visava recuperar a economia porque os
técnicos norte-americanos constataram que a corrida armamentista havia exigido grande
esforço do país, aumentando muito a dívida pública, uma situação agravada com os constantes
déficits comerciais. Para os técnicos, com o final da Guerra Fria os EUA poderiam enfrentar
os problemas econômicos cortando pela metade os gastos militares, diminuindo os auxílios
financeiros e aumento em pelo menos 30% seu comércio externo.
Com esse objetivo EUA e Canadá assinaram o Canada-US Free Trade Agreement em
1988 criando uma zona de livre comércio entre os dois paises, que depois de alargado com a
entrada do México (17/12/1992) originaria o North American Free Trade Agreemente
(NAFTA). Antes, porém, em 1989, os norte-americanos propuseram ampliar a zona de livre
comércio para todo conjunto das Américas e impuseram o Consenso de Washington a todas
as economias do Terceiro Mundo.
Enquanto isso na Europa, como forma de resistir melhor à pressão econômica norte-
americana, em 08/12/91 a Rússia (principal herdeira do espólio soviético) liderava a formação
30
da Comunidade dos Estados Independentes (CEI) para manter os vínculos com as ex-
repúblicas soviéticas. Dois dias depois (10/12/91) os países membros da CEE assinavam o
Tratado de Maastricht. Este mudava o nome da CEE para União Européia e aprofundava o
processo de integração, prevendo inclusive que em 01/01/99 seria adotada uma nova moeda
que se propunha como alternativa ao dólar, o euro.
No campo militar meses antes da extinção da URSS os norte-americanos teriam, na
desobediência do ditador iraquiano Saddam Hussein à moção da ONU de desocupar o Kuwait
(invadido e anexado em 02/08/90), a oportunidade de mostrar ao mundo o poderio do arsenal
construído ao final da Guerra Fria. Sob o manto da legalidade dado pela ONU os norte-
americanos desencadearam a operação Tempestade do Deserto e em apenas 43 dias venceram
a Guerra do Golfo (16/01 a 27/02) contra o ex-aliado Iraque.
Caberia ao democrata Bill Clinton (1993/00) propor uma nova agenda mundial. Na
economia, avançava a globalização neoliberal com os norte-americanos ampliando sua defesa
na expansão do comércio e abertura dos mercados para a penetração de seus bens, capitais e
serviços, utilizando a pressão econômico/política para obter não apenas a adesão dos países
mais vulneveis como para forçar as transformações de amplitude mundial no comércio,
consubstanciadas ao final da Rodada Uruguai (1987/94) onde o GATT foi substituído pela
OMC (Organização Mundial do Comércio), instituição onde foram garantidos os interesses
das potências industriais (Bandeira, 2006b).
Clinton também valorizou o lar (1995) numa tentativa de evitar que uma crise
econômica de Japão e da União Européia atingisse proporções globais. Entretanto, a falta de
mecanismos de regulação sobre a especulação financeira mundial ocasionou duas séries
crises: a do México (1994) e da Ásia (1997/98) que lançaram as primeiras vidas sobre os
benefícios da globalização neoliberal.
Na política, não agradava ao Pentágono, ao complexo industrial/militar/petrolífero e
ao lobby político vinculado ao setor de defesa a possível redução do orçamento militar. A fim
de manter o orçamento militar elevado adotou-se um permanente estado de guerra, através da
seleção de novos objetivos militares: 1) combate ao narcotráfico (Colômbia, Panamá e assim
por diante); 2) combate ao terrorismo internacional; 3) intervenções de caráter humanitário
(Guerra da Bósnia, Guerra da Somália e assim por diante) (Bandeira, 2006b).
Atualmente, após as mudanças de Reagan o estado de guerra perpétua tornou-se uma
necessidade vital para a economia norte-americana. A corrida armamentista e as poticas
econômicas adotadas nos anos 80 acabaram criando uma simbiose entre o complexo
31
industrial/militar/petrolífero e o Estado norte-americano, onde a economia nacional como um
todo passou a depender fortemente da demanda governamental por produtos destas indústrias.
A fim de manter o ciclo é necessária a queima dos estoques (Serrano, op. cit.).
Quanto ao lar ele continua sendo o principal meio de pagamento internacional, a
dívida externa norte-americana é em lar e a dívida pública norte-americana é em lares.
Assim, o poder do Fed é enorme: ele pode imprimir os dólares capazes de sustentar uma
balança de pagamentos deficitária; ele define a taxa de juros que incide sobre a dívida externa
dos EUA e ele administra a dívida pública dos EUA, lastro de última instância do sistema
financeiro internacional. O ponto vulnerável é que o Fed garante apenas a segurança dos
subsistemas que seguem suas recomendações, mas não dos subsistemas espalhados pelo
mundo (Tavares, op. cit.).
1.2. A Importância da Empresa Multinacional
Nesta seção apresentaremos os principais conceitos relativos às empresas
multinacionais, bem como algumas considerações teóricas sobre seu processo de expansão.
1.2.1. Os Conceitos Relativos às Empresas Multinacionais
A discussão teórica sobre integração do ponto de vista econômico não é nova. A rigor,
ela fora antevista por Adam Smith na Riqueza das Nações (1776), com sua teoria das
vantagens absolutas, depois aperfeiçoada por David Ricardo nos Princípios de Economia
Política e Tributação (1817), com sua teoria das vantagens comparativas. Entretanto, as
modernas teorias têm um caráter bem mais sofisticado em função dos atuais elementos
presentes hoje na economia e na política mundial, especialmente as relações entre e intra-
Estados, relações entre e intracompanhias, bem como o peso diferenciado das relações entre
companhias e Estados no mundo contemporâneo.
O papel dos atores não-estatais nas Relações Internacionais pode ser compreendido a
partir das concepções do funcionalismo, que traz três noções para além da dimensão
econômica. A primeira é de que os atores não-estatais, entre elas as EMNs, são atores
importantes no mundo político, pois pode tomar decisões, monitorar, conduzir e alterar
determinados fatores econômicos e políticos sem levar em conta a vontade do Estado-Nação.
Em segundo o Estado não é concebido como ator unitário, mas composto por uma
multiplicidade de atores dentre eles os grupos de interesses e burocratas que podem competir
entre si e tem visões diferentes de cada problema. Por causa disto, problemas domésticos e/ou
32
internacionais podem influencia as interações entre estes atores. Em terceiro o Estado o é
um ator racional, mas sim composto por atores sujeitos as pressões, barganhas e necessidades
de compromisso que nem sempre torna a decisão uma questão racional. Neste caso as EMNs
o importantes devido ao seu enorme poderio econômico e capacidade de exercer pressão.
Antes de conceituar EMN é necessário conceituar internacionalização, processo do
qual a EMN participa. Em linhas gerais internacionalizão é o fluxo de matérias primas,
produtos, serviços, dinheiro, idéias e pessoas entre dois ou mais Estados. Para nossos
objetivos utilizaremos o conceito de Arruda, Goulart e Brasil
8
para quem internacionalização
é “um processo crescente e continuado de envolvimento de uma empresa nas operações em
outros países fora de sua base de origem” (Bello, 2006, s/pág.).
Conforme Chesnais (1996) a empresa multinacional (EMN, ou em inglês MNC) é
chamada também de companhia multinacional ou transnacional e pesquisadores e organismos
internacionais nunca chegaram a um acordo sobre seu conceito
9
. Neste estudo adotaremos o
conceito de C. A. Michelet para quem EMN é “uma empresa (ou grupo), em geral de grande
porte que, a partir de uma base nacional, implantou no exterior várias filiais em vários
países, seguindo uma estratégia e uma organização concebidas em escala mundial”
(Chesnais, op. cit., pág. 73). Chesnais completa dizendo que a EMN for assim conceituada
surgem várias implicações: lembra que tem origem nacional, base que origem aos seus
pontos fracos e fortes, competitividade, estratégias e o auxílio que recebeu do Estado. Implica
que ela começou a se constituir como grande empresa no plano nacional, resultado de um
processo longo e complexo de concentração e centralização do capital e que normalmente se
diversificou antes de começar a se internacionalizar. Implica também no fato de que ela é um
grupo, cuja forma jurídica contratual é holding e atua em escala mundial e tem estratégias e
uma organização estabelecida para isso. Finalmente, implica no fato de que ela deve ter
alguma competência específica que compense seu desconhecimento do mercado externo.
A internacionalização pode ocorrer de diferentes formas (Chesnais, op. cit.,
Gonçalves, 1998 e Krugman, 2001), mas três o básicas: comércio internacional, relação
contratual e investimento externo direto (IED). A ONU conceitua investimento externo direto
como sendo aquele que ocorre quando um só investidor adquire uma participação de 10% ou
mais numa firma estrangeira, mas o conceito que adotaremos seo de Krugman para quem
“investimento externo direto é o fluxo internacional de capitais pelos quais uma empresa em
8
Professores da Fundação Dom Cabral, conceituada instituição brasileira especializada no desenvolvimento de
executivos, empresários e empresas. Tem sede em Belo Horizonte e é mantida pela Arquidiocese local.
9
Gonçalves (1992) informa que a ONU adota pelo menos 21 conceitos diferentes para EMN.
33
um país cria ou expande uma filial em outro” (Krugman op. cit., pág. 175). O IED pode
assumir diferentes formas: aquisição do controle parcial ou total sobre a comercialização, a
produção e outras atividades em outra economia seja em serviços, manufaturas ou produção
de commodities; compra de atividades econômicas existentes ou a construção de novas
instalações ou mesmo alianças com empresas de outras nacionalidades.
1.2.2. A Expansão das Empresas Multinacionais
Conforme Goalves (op. cit.) os agentes econômicos de um país têm preferência em
operar no seu mercado doméstico, desde a produção aa venda. Essa preferência resulta dos
custos diretos e transacionais envolvidos nas operações internacionais. Assim, produzir no
país de origem e orientar a produção para o mercado doméstico significa evitar os custos de
entrar num mercado que é desconhecido e/ou geograficamente distante.
No mercado interno cada empresa possui a vantagem específica à propriedade, ou seja,
um conjunto de fatores (capitais, mercados, recursos gerenciais, organizacionais, tecnologias)
que permite atuar com diferentes graus de eficiência. Em regime de concorrência perfeita,
existindo lucros normais, mobilidade internacional de fatores de produção e tecnologia
disponível, a internacionalização é inibida, pois a empresa o tem como concorrer com uma
empresa doméstica familiarizada com o mercado. Desta forma, a internacionalização é
possível em função da existência de imperfeições dos mercados domésticos, que permitem a
um conjunto muito particular de empresas, as EMNs, realizar um lucro anormal que
compense o custo adicional associado ao mercado externo (Andreff, 2000).
Diferentes fatores pautam a decisão que leva uma EMNs a investir no estrangeiro:
avaliação de um incentivo de risco próprio de cada país hospedeiro potencial; escolha de uma
localização minimizando os custos; análise do clima de investimento até o estabelecimento de
um modelo de simulação macroeconômica e política do país hospedeiro.
A escolha do país hospedeiro inicialmente apóia-se nas vantagens comparativas deste.
Em seguida à decisão leva em conta o clima de investimentos que é determinado pelos
seguintes critérios: nível de estabilidade das variáveis macroeconômicas (taxa de inflação,
crescimento do PIB, taxa de desemprego, investimento, nível de vida e de industrialização) e
de índices de estabilidade política local. Os banqueiros também propõem que seja considerado
o risco-país que incluiu inicialmente indicadores de endividamento externo e de solvabilidade
financeira dos países hospedeiros, bem como uma avaliação do risco de câmbio,
administrativos, de o-transferência de fundos, de expropriação e de nacionalização e da
34
atitude do governo a respeito dos programas do FMI e da economia de mercado. Finalmente,
é considerada a atratividade do país, que se refere aos dispositivos instalados pelo Estado para
atrair o IED para seu território, leis ou códigos de investimento, regime fiscal aplicável ao
IED, regime de amortização fiscal, avaliação de estoques, ajudas e subvenções às
implantações estrangeiras, tarifas blicas e preço da energia, fiabilidade das infra-estruturas
e serviços públicos (Andreff, op. cit).
A decisão de realizar um IED é estratégica: ela leva a firma a tornar-se uma EMN. Nas
firmas gerenciais (nas quais os dirigentes não o controlados pelos acionistas), os critérios
desta decisão são o crescimento e a diversificação da firma, o impacto sobre sua imagem e seu
valor na Bolsa. Quando o controle dos acionistas sobre os dirigentes é efetivo e quando o
mercado de compra de empresas é ativo, os indicadores de lucro guiam mais a decisão de IED
tomada pelos dirigentes da firma.
A decisão de IED é, enfim, o resultado de uma arbitragem quanto à forma de presença
no estrangeiro: filial majoritária ou exportação. Esta escolha, do mesmo tipo que entre
integração ou externalização de uma atividade, depende de uma comparação entre os custos
de transação no mercado internacional e os custos de controle de uma unidade num país
hospedeiro, modulado pelo risco-país.
As decisões posteriores à decisão de investir no estrangeiro dependem da organização
da EMN e de suas estratégias. A decisão de desinvestir do estrangeiro pode ser motivada por
uma mudança de atitude do país hospedeiro, por um conflito social na filial, por uma
reorganização da EMN ou por um movimento de deslocalização ou de relocalização da
produção, de redirecionamento setorial ou geográfico. Seguido por demissões, o fechamento
de uma filial tenciona o clima local e deteriora as relações da EMN com o Estado e os
sindicatos do país hospedeiro (Andreff, op. cit.).
O modo de controle das filiais estrangeiras é estratégico e pode exercer-se sobre seu
capital ou sobre seus dirigentes. O controle do capital pode ser de 100%, majoritário (> 50%
do total das ações), paritário (50%/50%) ou minoritário. Os dois últimos controles, divididos
com o país hospedeiro, são menos dispendiosos e protegem melhor contra o risco-país. O
controle das filiais passa também pelos orçamentos que lhes destina a matriz, pela avaliação
de seus desempenhos e pelo lugar que lhes é destinado na organização estratégica da EMN.
Pesquisas indicam que a autonomia dada aos dirigentes das filiais é em geral mais reduzida
35
para as decisões financeiras
10
, intermediário nas decisões produtivas e comerciais
11
e menos
reduzida para a administração de pessoal
12
. Os fatores que influenciam o modo de controle
das filiais estrangeiras são o porte da EMN e sua forma de organização, sua origem nacional,
a parcela de capital detida pela EMN, o risco do país hospedeiro e os resultados de
exploração, mas não seu ramo de atividade.
À medida que a EMN desenvolve seu IED e aumenta o número de filiais estrangeiras,
sua organização passa da forma simples (no momento do primeiro IED) à forma U onde as
filiais estrangeiras passam a ser controladas por uma divisão internacional. O crescimento da
EMN torna esta estrutura de coordenação ineficaz: sobrecarga de informação circulando entre
a divisão internacional e as filiais estrangeiras e dissolução de seu controle sobre filiais que se
tornaram numerosas. A EMN adota, então, uma das variantes da forma M: uma divisão
operacional é responsável por todo o setor produtivo ou pela região de implantação das filiais.
Tornada global, a EMN pode adotar uma organização matricial que abandona o princípio de
unidade de comando, cada dirigente de filial dependendo ao mesmo tempo de um responsável
de produto ou um diretor de região (Andreff, op. cit.).
A organização matricial é flexível, mas mais dispendiosa, complexa e engendra
conflitos de autoridade entre superiores hierárquicos o que faz as EMN optarem por adotar as
alianças entre EMNs, a criação de unidades estratégicas autônomas que se definem
diretamente em relação ao mercado mundial de produtos particulares e o estabelecimento de
um quartel general funcional fora do país de origem, que serve todas as filiais de uma região.
A EMN organiza uma circulação interna de produtos, de tecnologia, de capitais e de
homens, que ela controla inteiramente no seio do espaço internacional constituído pela matriz
e filiais estrangeiras. O comércio cativo intra-firma é avaliado em 30% das trocas mundiais. A
EMN tira partido, para um mesmo produto, ao mesmo tempo de vantagens comparativas de
custo de produção e procura evitar custos específicos de transação no país de origem. Nesse
comércio internalizado, as EMN aplicam não os preços do mercado mundial, mas preços de
transferência internos, estabelecidos independentemente da concorrência. Estes preços
permitem redistribuir os lucros das filiais para sociedade matriz ou para uma holding situada
num paraíso fiscal, ou até mesmo para burlar o controle de câmbios de um país hospedeiro.
10
Como aumento do capital, dividendos e royalties, escolha do contador e dos investimentos, utilização da
margem de autofinanciamento da filial, plano financeiro e empréstimos junto a bancos locais.
11
Como penetração em novos mercados, capacidade e volume de produção, processos de fabricação, produtos
novos, custos de produção, objetivos de venda, escolha de fornecedores, créditos à clientela e
manutenção das instalações.
12
Como contratação, demissão, horas extras, modalidade de pagamento do pessoal, reestruturação dos postos de
trabalho e formação de mão-de-obra.
36
Finalmente, nos anos 80 as EMNs que operam em cadeia puderam recorrer a
decomposição internacional do processo produtivo (DIPP). Quanto mais complexo é um
produto, mais contém componentes que podem ser fabricados de modo autônomo em relação
uns aos outros, mais oferece possibilidade de DIPP e mais a EMN pode tomar duas decies:
a de segmentar as operações de produção prévias à montagem do produto final, por um lado, e
a de deslocalizar algumas dessas operações para diversos países hospedeiros, por outro lado.
As atividades de produção podem ser localizadas livremente seja em filiais, estrangeiras, seja
por terceirização ou cooperação internacional e abastecimento no estrangeiro e isso tanto mais
que os custos de transporte baixam continuamente.
Nem todos os estágios do processo produtivo apresentam a mesma intensidade de
capital tecnológico o que permitem as EMN arbitrar entre os países hospedeiros potenciais em
função de suas vantagens comparadas para cada operação de produção. Um efeito da DIPP é a
perda de autonomia e a desestruturação parcial dos sistemas produtivos nacionais, sendo que
algumas indústrias passam para a esfera de decisão das EMN. Outra conseqüência da DIPP é
a maior flexibilidade de localização das EMN, donde deslocalizações e relocalizações de
filiais (Adreff, op. cit.).
1.3 As Concepções Teóricas de Robert Gilpin
Robert Gilpin (2001 e 2004) nos fornece alguns subsídios teóricos para a compreensão
da importância e atuação de uma EMN, bem como seu relacionamento com os Estados.
Para Gilpin as EMN caracterizam-se por apresentar a propriedade, direção, produção e
atividades de vendas disseminadas em várias jurisdições nacionais com objetivo de assegurar
o menor custo de produção. Sua expansão e a consolidação da sua influência nas últimas
décadas foram possíveis porque as transformações estruturais (adoção da produção flexível),
ideológicas (adoção das políticas neoliberais) e tecnológicas (melhoria dos transportes e
comunicações) permitiram-nas articular a centralização da tomada de decisões e integração
vertical da estrutura produtiva (sempre quando possível) de forma a dirigir seus recursos
humanos, econômicos/financeiros, suas técnicas/tecnologias de produção e estratégias
corporativas de forma a maximizar a utilização de suas vantagens competitivas e otimizar a
busca de oportunidades em escala global, aproveitando inclusive as vantagens (humanas,
econômicas, estratégicas, geográficas, sociais e políticas) dadas pelos países que esperam
angariar benefícios com sua presença.
37
Em razão disso Gilpin admite que as EMNs tenham indubitável força na economia
global porque elas alteraram seu funcionamento, determinando o fluxo de comércio, a
localização de plantas e outras atividades econômicas, detendo inclusive o papel central nos
fluxos de expano tecnológica tanto para economias industriais como emergentes.
Entretanto, apesar de algumas EMNs terem comportamento reprovável seu papel não é
sempre negativo. Especialmente na forma de IED, elas são fontes de capital, tecnologia,
renda, empregos e mercados para qualquer país, por isto tornaram-se importantes para
determinar o bem-estar das nações. Esta posição é compartilhada, por exemplo, por Hirst &
Thompson (1998), que também acreditam que as EMNs são a fonte mais importante de
capital e tecnologia.
A despeito desta força Gilpin acredita que por si os argumentos sofisticados da
teoria da alocação econômica e a teoria das vantagens comparativas não conseguem explicar
tudo o que acontece na economia mundial, como por exemplo, a distribuição de riqueza, os
efeitos da economia mundial nos interesses nacionais e a ação dos regimes internacionais.
Apesar da ampliação da globalização econômica e da integração entre economias
nacionais ainda é necessário distinguir a economias nacionais da internacional, sendo que os
limites políticos podem produzir e depois dividir as economias e as políticas econômicas das
diferentes nações, distinção que é percebida pelos diferentes agentes econômicos. Em função
disto Gilpin acredita que o Estado ainda é o principal ator na economia internacional e que as
economias domésticas ainda formam a característica mais importante da economia mundial.
Ele vê como exageros tanto os que crêem que as EMNs sobrepujam o âmbito doméstico e
estatal, tornando-se independentes e globais, determinando o ritmo da economia e a política
mundial, como o exagerados aqueles que acreditam no potencial das EMNs como agentes
coletivos da internacionalização. Segundo o autor, apesar de todos os ataques que o Estado
sofreu nos últimos anos, sua existência ainda parece ser a condição indispensável para o
funcionamento do regime capitalista. Se por um lado os sistemas econômicos nacionais são
entraves para os movimentos em direção a uma possível economia global mais aberta, por
outro lado diferenças em assuntos tais como políticas competitivas, práticas de negócios e
estruturas corporativas têm se tornado cada vez mais central no que diz respeito ao comércio
internacional e outras negociações, mostrando que o Estado cresce de importância conforme
avança a internacionalização da economia. Apesar das convergências, as sociedades ainda
retêm as suas características essenciais e não foram diluídas numa massa homogeneizada.
38
Outrossim, Gilpin aponta algumas diferenças no relacionamento entre as EMNs e os
Estados. Quanto ao relacionamento com o País Sede (onde a EMN tem o núcleo dos seus
negócios, a partir do qual articula e coordena todas as suas operões) Gilpin argumenta (com
base no relacionamento entre as EMNs norte-americanas e o governo dos EUA) que o as
políticas do governo do país de origem as que mais que influenciam nas decisões dos gestores
das EMNs tendendo a existir complementaridade entre os interesses destas e os governos
porque, como mostra o exemplo norte-americano, as EMNs que atuam no exterior controlam,
entre outros fatores, o acesso as matérias-primas, mantém a posição relativa do país nos
mercados externos, são importantes para equilibrar a balança de pagamentos, atuam como
mecanismo de expansão ideológica e atuam como instrumento de diplomacia, em suma, as
EMNs definem uma esfera de atuação para o País Sede que poderia ser ocupado pelas
congêneres de outros países.
Hirst & Thompson (op. cit.) corroboram esta noção complementando que apesar de ser
quase impossível mapear todo o fluxo de negócios internacionais e, por conseguinte a rede de
interesses é correto acreditar que as operações das EMNs ainda estão estreitamente vinculadas
aos países de origem onde estão seus maiores investimentos os que as tornam passíveis de
serem “gerenciadas ou “governadas” pelos governos nacionais porque na realidade as
mesmas continuam “embedded” (enraizadas) nos territórios nacionais de origem.
Gilpin observa que um dos sintomas da importância do Estado-Nação para as EMNs é
que pelas teorias econômicas seria lógico supor que estas buscam alocar recursos sempre
objetivando maximizar seus ganhos econômicos, porém estudos empíricos demonstram que
não é o que ocorre. A preferência das EMNs é por concentrar os investimentos no País Sede
ou seu entorno por motivos extra econômicos, entre eles: os interesses políticos e estratégicos,
as afinidades culturais, a segurança política, a qualidade da mão de obra, etc. Em
conseqüência o País Sede retém sua importância porque ainda detém o verdadeiro locus do
poder corporativo: os recursos econômicos, da tomada de decisões, parte da produção, a
concentração da pesquisa e desenvolvimento (P&D) e o principal mercado consumidor.
Quanto ao relacionamento com o País Hospedeiro (o que recebe os IED da EMN), as
EMNs frequentemente concentram seus investimentos em setores específicos, onde possuem
vantagens competitivas ante as empresas locais. Entretanto, como os investimentos geram
relacionamentos econômicos de natureza integrativa eles acabam envolvendo a corporação
nos assuntos econômicos internos dos países, o que torna a presença das EMNs controvertida,
especialmente nos países pobres. Mas, para os países pobres as EMNs o importantes por
39
vários motivos: podem iniciar um setor econômico previamente inexistente, trazem capitais,
recursos, tecnologias, geram empregos e receitas e podem reforçar a balança de pagamentos.
Gilpin não crê no poder das EMNs solapar o Estado por mais fraco que este seja e/ou
mais fortes que sejam as companhias. O Estado-Nação ainda é o principal ator na cena
mundial e existem indícios que eles estão sabendo articular interesses e aproveitar a presenças
das EMNs em seu próprio benefício, explorando entre outras coisas, o caráter intrinsecamente
competitivo delas. Entretanto Gilpin nota que a presença das EMNs não é apenas positiva.
Entre os problemas que elas podem causar é o de competir desigualmente com as similares
nacionais, inibir o desenvolvimento de uma base tecnológica local, ocupar setores econômicos
estratégicos, influenciar e mesmo interferir na política interna e alterar os padrões de consumo
de uma sociedade, por isto sugere que é salutar aos Estados tomarem muito cuidado com
contratos e objetivos que pretendem alcançar com sua presença.
Nesta conjuntura necessidade de equilibrar interesses inerentes à interdependência
da economia internacional e o desejo de cada Estado em manter sua independência econômica
e sua autonomia política. Ao mesmo tempo em que os Estados querem os benefícios do livre
comércio e os investimentos estrangeiros, eles desejam também proteger sua autonomia
política, seus valores culturais e suas estruturas sociais. Enquanto a lógica do mercado é a de
obter eficiência, lucros e mais mercados, a lógica do Estado é a de obter e controlar o
processo de crescimento econômico e acumulação de capital, capazes de aumentar seu poder
e o bem-estar econômico da nação.
De acordo com Gilpin, a integração existe e a liberalização do capital e os mercados
financeiros integrados têm sido importantes para a economia global porque tem complicado e
reduzido à autonomia dos Estados na condução de suas próprias políticas macroeconômicas o
que pode ser mais ou menos agudo, dependendo da habilidade dos governos ou da força
relativa de cada economia nacional. Por seu turno, para os donos das corporações o
movimento em direção ao mercado global tem resultado em aumento do fluxo financeiro e
isto tem facilitado grandemente as fusões corporativas e aquisições por parte das EMNs. O
crescimento vertiginoso das finanças internacionais tem aumentado tanto a interdependência
monetária, comercial como outros aspectos da economia internacional.
Gilpin acredita que a integração é maior no entorno de Alemanha (Europa Ocidental),
EUA (América do Norte) e Japão (Extremo Oriente), porque essas potências econômicas
adotaram a estratégia política de privilegiar o regionalismo econômico como forma de
40
aumentar o seu poder de barganha nas negociações globais. Um dos resultados dessa
integração é o aumento da competitividade e do fortalecimento das empresas regionais.
Hirst & Thompson acrescentam também que não obstante o discurso liberal em favor
da abertura da economia, os países da tríade (Alemanha, EUA e Japão) continuam fechados
em termos de interdependência. Isso demonstra que a dimensão política tanto capacita como
restringe, e de forma bastante particular, as estratégias e operações econômicas” das EMNs.
Tendo em vista a assimetria histórica entre Estados ou governos de países desenvolvidos e de
países em desenvolvimento isso também demonstra que a dimeno política internacional
continua sendo conduzida mais pelos primeiros do que pelos segundos.
Portanto, o processo de regionalização conduzido pelo Estado-Nação e que tem nas
EMNs uma parte interessada podem ser explicados neste marco teórico porque possibilitam a
absorção de novos métodos de produção e gerenciamento e a produção flevel, o que exige
equipes de profissionais treinados e motivados. Além disso, a produção regional possibilita a
produção em escala maior, cria a possibilidade das firmas aproximarem-se mais dos seus
consumidores com base em afinidades culturais e podem ajudar a isolar regionalmente as
companhias dos problemas políticos e econômicos mundiais.
Em resumo, Gilpin rejeita o potencial integrador visto apenas do ponto de vista
econômico e como processo conduzido apenas do ponto de vista das EMN. Desmistifica
também o argumento de que a globalização econômica é o processo que organiza a economia
contemporânea, por meio das forças do livre mercado e da competição, destacando a
importância do regionalismo e da política.
41
2. CARACTERÍSTICAS DO SETOR DE HIDROCARBONETOS
Tanto os paises como companhias petrolíferas m seu comportamento condicionado
por fatores intrínsecos ao setor de infra-estrutura em geral e intrínsecos ao setor de
hidrocarbonetos em particular. Por essa razão na primeira parte deste capítulo, com base em
Cecchi (2001), será apresentada uma definição teórica do setor de infra-estrutura, seguido de
breves apontamentos sobre sua estrutura e as funções que nele desempenha o Estado. Na
segunda parte analisaremos a evolução e estrutura da indústria mundial do petróleo (IMP) e
terceira parte a indústria do gás natural (IGN), as duas mais importantes do setor de
hidrocarbonetos, e as únicas a ser consideradas como tais nesta dissertação (as indústrias do
xisto e do carvão também fazem parte do setor de hidrocarbonetos). Afinal, na quarta parte
analisaremos uma indústria que é escopo do refino do petróleo e da separação do gás natural,
a indústria petroquímica mundial (IPQ) e uma indústria que é escopo do gás natural e assume
importância crescente, a geração de energia termelétrica a partir do gás natural.
2.1. O Setor de Infra-Estrutura
O setor de infra-estrutura é fundamental para o processo de desenvolvimento
econômico. O desenvolvimento está estreitamente relacionado à implantação de estruturas de
transporte e fornecimento de água, energia, esgoto, habitação, saúde e tudo o mais que, além
de permitir às empresas melhor aproveitar seus recursos, se repercute imediatamente na
melhoria da qualidade de vida da população. A ausência de infra-estrutura adequada é um
forte empecilho ao crescimento das empresas privadas e condena a população de um país ou
uma região à sua própria sorte. Do ponto de vista empresarial, a sua falta desestimula o
investimento, o que reduz o potencial de crescimento. Do ponto de vista dos indivíduos, a sua
falta resulta em condições degradantes de sobrevivência ou redução do nível de bem-estar.
Em muitos países (como o Brasil) as indústrias do setor de infra-estrutura
desenvolveram-se principalmente atras da ação governamental, com o Estado tomando para
si a responsabilidade pelo fornecimento destes bens e servos considerados de utilidade
pública. Esta coincidência de trajerias não se deu por acaso, mas pela particularidade das
indústrias de infra-estrutura, que aponta para uma estrutura de mercado concentrada em
poucas empresas. Estas características, denominadas falhas de mercado pela Escola
Marginalista têm impacto também sobre a regulação governamental destes serviços.
42
2.1.1. Definições e Distinções
O termo estrutura tem origem grega e significa fundação, ou fundamento, sobre o qual
se apóia uma construção material ou imaterial. Karl Marx foi o primeiro estudioso a introduzir
o termo no sentido em que hoje é utilizado nas ciências econômicas. A estrutura (sem infra) é
o conjunto de forças produtivas que forma a base material da sociedade, sobre a qual se ergue
a superestrutura ideológica, jurídica e política.
A adição do prefixo infra”, a partir do final do século XIX, objetivou enfatizar a
principal particularidade dos ativos de infra-estrutura. São mercadorias que, além de servirem
de insumo para todos os demais setores produtivos, podem ser consumidas pelos indivíduos.
Sob qualquer ângulo de análise, é possível reparar que existe distinção entre infra-
estrutura social e infra-estrutura econômica. A primeira satisfaz às demandas por serviços
públicos de educação, defesa civil, educação, justiça, segurança blica, saneamento e saúde,
onde os maiores beneficiados são as falias. A segunda satisfaz, além das demandas
individuais, às necessidades das empresas em matéria de bens intermediários ou insumos de
produção como os fornecimentos de energia, transporte e comunicação. Contudo, as infra-
estruturas econômicas possuem significativo impacto social. A denominação anglo-saxônica
para algumas infra-estruturas deste tipo (public utilities”) ressalta o aspecto coletivo de sua
utilização e o interesse público destas atividades. Mesmo nas infra-estruturas econômicas é
necessário distinguir o ativo fixo do serviço fornecido. Existe uma esfera mercantil composta
pelos fatores de produção (equipamentos, instalações, sistemas de transporte e distribuição), e
uma esfera não mercantil (possibilidade de acesso, confiabilidade do serviço e qualidade da
mercadoria fornecida). A não observância da natureza pública de algumas infra-estruturas
econômicas restringe o alcance dos benefícios oferecidos por estes ativos.
A importância destes ativos fixos colocados à disposição da coletividade es em sua
capacidade de estruturar a economia em seu entorno. As infra-estruturas de transporte,
telecomunicações e fornecimento de energia facilitam o fluxo de mercadorias, pessoas e
informões, reduzindo as distâncias e estimulando as relações comerciais e sociais.
Para as empresas uma boa infra-estrutura permite uma redução dos custos internos de
produção e dos custos externos de movimentação de insumos e escoamento da produção. Ao
longo do tempo o resultado será um aumento da produtividade dos fatores de produção em
todos os setores de atividade, induzindo um processo endógeno de desenvolvimento.
43
Para as famílias, a construção de infra-estruturas econômicas tem um duplo e imediato
efeito: a melhoria da qualidade de vida e o aumento da produtividade do trabalho, ao elevar as
possibilidades de deslocamento, comunicação e subsistência.
Assim, as infra-estruturas não dispõem apenas de um poder estruturador: elas também
o integradoras, consolidando as bases sobre as quais se erguem às relações econômicas e a
organização social das regiões onde o implantadas.
2.1.2. Características do Setor de Infra-Estrutura
Do ponto de vista estrutural qualquer indústria do setor de infra-estrutura é uma
indústria de rede, assim denominada por ser configurada em cadeia (também chamada de
cadeia produtiva). Por sua vez, a cadeia produtiva é composta por atividades (ou segmentos),
cuja estrita complementaridade estabelece, mais por razões de ordem tecnológica do que
econômica, graus de interdependência bem mais elevados do que aqueles existentes em outros
tipos de indústria (Szlko, Mathias & Oliveira, 2003).
A cada atividade corresponde um ativo específico que: 1) é distinto e independente,
mas se articula e se complementa com outro ativo, de forma a manter uma seqüência
consecutiva nas etapas produtivas desde o fornecimento dos insumos e matérias-primas,
passando pelas etapas de armazenamento, planejamento, produção, transporte a a
comercialização do produto final; e 2) é indivisível. Rodovias sem pontes, pontes sem
ferrovias, centrais telefônicas sobrecarregadas ou gasodutos que terminam na beira do rio são
indicações claras de que os ativos de infra-estrutura não podem ser fracionados, devendo ser
construídos como um todo caso contrário tornam-se um simples desperdício de recursos.
Por sua vez, a especificidade dos ativos faz com que o setor de infra-estrutura tenha
uma peculiar estrutura de custos. Normalmente são demandados aportes significativos de
capitais iniciais, invertidos em ativos de altíssimo custo unitário, altamente especializados e
que não apresentam qualquer utilidade fora das atividades às quais se destinam. Além disso, a
utilidade de cada equipamento está irremediavelmente ligada à sua correta inserção na cadeia
produtiva, porque o processo produtivo pode ser inviabilizado pela falha de um destes
equipamentos e interrupção do fluxo, por qualquer motivo, provavelmente acarreta danos
irreparáveis tanto para o produtor quanto para os consumidores.
44
Estes ativos normalmente também apresentam restrições advindas do “trancamento
tecnológico”
13
(ou “trancamento”), ou seja, o "primeiro a instalar e operar" os ativos adquirirá
uma experiência que se refletirá, depois de algum tempo, em vantagem de custo dificilmente
superado por outra empresa, particularmente quando se tratar de uma série de diferentes
atividades especializadas e conectadas, nas quais o aprendizado do conjunto gera rendimentos
crescentes. No caso dos clientes, principalmente os industriais, a aquisição de equipamentos
adequados ao novo fornecimento resultarão na adaptação dos procedimentos e o layout da
fábrica, no aprofundamento dos conhecimentos dos técnicos e na fixação de novas rotinas de
trabalho. Ao fim deste longo aprendizado teremos duas conseências: uma redução senvel
nos custos e o alto grau de irreversibilidade das opções iniciais o que pode condenar toda a
economia de um país ou de uma região a uma única trajetória.
Ademais, por serem mercadorias de utilidade pública, as instalações de infra-estrutura
devem ser capazes de responder às fortes oscilações da demanda (que podem ser cíclicas e
sazonais e mesmo imprevisíveis) e ao crescimento sustentado e de longo prazo desta mesma
demanda. Em conseqüência, a construção de tais instalações não pode ser parcelada, são
superdimensionadas, passíveis de fácil ampliação e ter sua oferta expandida em etapas bem
definidas e escalonadas no tempo. Se não forem capazes de atender à expansão da demanda
convenientemente, os ativos de infra-estrutura se transformam rapidamente em gargalos de
estrangulamento, que inviabilizam em definitivo a continuidade do desenvolvimento. Esta
estrutura de custos implica também no fato de que um investimento no setor de infra-estrutura
normalmente demanda um prazo de maturação bastante elevado.
A cadeia produtiva e as especificidades dos ativos condicionam o comportamento
interno e externo das companhias. No plano interno determina à forma de organização das
companhias e esta, por sua vez, determina os tipos de ganhos econômicos. No plano externo
determina à configuração do mercado.
13
Considera-se que ocorre o “trancamento” quando o fornecedor da infra-estrutura e o utilizador adquirem os
equipamentos e a experiência que determinam um ponto de o retorno, em função da natureza
específica dos investimentos, dos custos da mudança e dos benefícios já acumulados. A partir do
conceito de "trancamento" pode-se entender porque uma empresa de petróleo, que desde o início baseia
integralmente seu crescimento na instalação da infra-estrutura de produção, transporte, refino e
distribuição de petróleo, pode passar décadas queimando o gás natural associado ao petróleo. Explica-se
também porque é tão difícil e lenta a penetração do gás natural no consumo industrial de pequeno porte
ou nas residências. Por maiores que sejam as vantagens de sua utilização, os custos e as resistências à
mudança em razão da experiência adquirida, tanto do fornecedor, quanto do consumidor, são tais que a
mudança de infra-estrutura não se fará espontaneamente (Cecchi, op. cit.).
45
No plano interno a forma de organização típica das firmas do setor de infra-estrutura é
a integração vertical
14
e a integração horizontal
15
da cadeia produtiva, que asseguram a
manutenção do fluxo produtivo, a diluição dos custos dos ativos ao longo da cadeia e do
processo produtivo e a expansão do mercado à medida que cresce a produção. Esta
organização resulta em ganhos econômicos pela geração da economia de escala
16
, economia
de escopo
17
, economia de aprendizagem
18
, economia externa
19
e economia interna
20
.
No plano externo, a cadeia produtiva e as especificidades dos ativos determinam
peculiar estrutura de mercado das indústrias de infra-estrutura, porque atuam em dois sentidos
que se reforçam. De um lado implicam na existência de elevadas “barreiras de entrada” para
os novos concorrentes e elevadas barreiras de saídapara os concorrentes estabelecidos.
De outro implica na existência do chamado “monopólio natural”.
Alfred Marshall observou que, submetidos à concorrência, os produtores seriam
obrigados a produzir de acordo com a combinão ótima de fatores e a vender a um preço
exatamente igual ao custo marginal. Assim, beneficiar-se-iam não os consumidores, que
14
Conforme Sandroni (1996) a integração vertical ocorre quando a firma procura absorver em sua microestrutura
todas as etapas da cadeia, de forma a assegurar uma coordenação ótima entre os ativos especializados e
evitar qualquer risco de ruptura do fornecimento.
15
Conforme Sandroni (1996) a integração horizontal ocorre em dois casos: 1) quando ocorre a fusão dos ativos
de duas ou mais empresas que operam no mesmo estágio e com os mesmos produtos, possibilitando-a
operar em mais de um mercado, obter mais poder econômico, operar com um sistema mais amplo de
revendedores e diminuir a concorrência, conquistando maiores faixas de mercado; e 2) quando duas ou
mais empresas utilizam a mesma matéria-prima, embora não fabriquem o mesmo produto.
16
Considera-se que são obtidas economias de escala quando os custos fixos da oferta de um único produto o
altos e seus custos marginais decrescem ao longo de toda curva de demanda. Quanto maior é o custo da
instalação industrial, maior é seu custo fixo, em contrapartida menor será o custo marginal de produção,
ou seja, o custo adicional de fornecimento de mais uma unidade do produto.
17
Considera-se que são obtidas economias de escopo quando o custo total de uma firma em produzir
conjuntamente pelo menos dois produtos/serviços é menor do que o custo de duas ou mais firmas
produzirem separadamente estes mesmos produtos/serviços, dados os mesmos insumos.
18
Considera-se que são obtidas economias de aprendizagem em casos que quanto maior a experiência de
produção acumulada no tempo (e o a quantidade produzida), menor o custo de fornecimento da
próxima unidade. A explicação está nos aspectos tácitos (não codificados e assim dificilmente
transmissíveis) da atividade, que permitem a otimização de cadeias e redes de produção complexas e
que somente podem ser apreendidos com o tempo.
O aprendizado ocorre também do lado da demanda. Na medida em que o consumidor começa a adquirir
a mercadoria, gradativamente ele vai adaptando seus processos de produção ou de compra de maneira
que, com o tempo, ele adquire um patamar de otimização ou de satisfação bem superior ao anterior.
19
Ou “externalidades". Alfred Marshall observou que os ativos fixos dos serviços de infra-estrutura produziam
efeitos derivados da produção de uma mercadoria não considerados na função de produção da empresa
que os gerou. Por exemplo, a instalação da infra-estrutura de distribuição urbana de eletricidade permite
a comercialização imediata de produtos para iluminação; estes são seus benefícios diretos. Mas, ela
também permite ao comércio permanecer aberto durante um maior tempo, fato que incrementa os
negócios e o emprego; este é um benefício indireto. As externalidades explicam porque os
investimentos em infra-estrutura são vetores de modernização e industrialização.
20
Considera-se que são obtidas economias internas quando uma firma cria a infra-estrutura necessária à sua
expansão e à redução de seu custo unitário de produção. Um exemplo é a empresa que constrói sua
própria estrada de ferro para escoar sua produção.
46
estariam comprando ao menor preço possível, mas também a sociedade como um todo, uma
vez que a alocação ótima de recursos na produção estaria assegurada. Porém, Marshall
observou que a excão a esta lei residia no setor de infra-estrutura onde o tamanho ótimo da
produção por uma companhia seria suficientemente grande para atender todo o mercado,
enquanto a demanda seria pequena o bastante para ser totalmente coberta por apenas uma
companhia. Em resultado, a escala mínima de eficiência da companhia seria no mínimo igual
à totalidade do mercado, o que produzia o apenas rendimentos de escala inicialmente
crescentes, mas que também jamais decresceriam. Assim, teríamos uma situação de
“monolio naturalporque o mercado não comportaria mais de uma companhia operando
com economias de escala e escopo eficientes.
Desta forma, a existência de altas “barreiras de entrada” e “barreiras de saída”
reforçariam ainda mais a tendência ao monopólio, o que seria uma tendência natural dos
setores de infra-estrutura, enquanto tendência intrínseca para o “monopólio natural” reforçaria
ainda mais o aparecimento de altas “barreiras de entrada” e “barreiras de saída”. Por esta
razão o mercado do setor de infra-estrutura se apresenta como monopólio ou, o que ocorre
mais normalmente, como oligopólio.
Nas últimas décadas do século XX, a ortodoxia do pensamento econômico incorporou
estas (e outras) dificuldades observadas em alguns setores produtivos, sob o conceito de
“falhas de mercado” porque a configuração particular do setor de infra-estrutura impede que a
“mão invisível”
21
estabeleça o preço correto dos bens ou serviços oferecidos.
2.1.3. A Função do Estado
A condição de monopólio natural do setor de infra-estrutura gera alguns problemas. O
primeiro é que a inexistência da concorrência impede o consumidor de encontrar substitutos
para a mercadoria em questão, segue-se que o poder de fixação de preço do produtor é
extremamente elevado, sendo muito provável que ele abuse desta situação.
O segundo problema é que para grandes quantidades produzidas o custo marginal se
aproxima de zero. Se o preço do produto fosse estabelecido de forma similar à concorrência
perfeita (ou seja, se o preço fosse igual ao custo marginal), este seria demasiadamente baixo,
de forma a não compensar, no curto edio prazos, os investimentos realizados. Sendo
assim, o capital privado não seria atraído para a realização desse tipo de investimento.
21
O termo mão invivel” foi introduzido na literatura econômica por Adam Smith, em seu livro clássico A
Riqueza das Nações, e representa as livres forças de mercado que ajustam à economia.
47
O terceiro problema está relacionado às externalidades positivas oriundas do
fornecimento dos serviços de utilidade pública, onde os benefícios sociais são muito
superiores aos benefícios privados e difíceis de ser apropriados pelas empresas. Nestas
condições, nenhum capital privado terá interesse em fornecer o serviço e, se mesmo assim o
fizer, é porque os dirigentes da empresa vislumbram a possibilidade de que como monopolista
ela poderá impor um preço muito maior que seu custo marginal.
O quarto problema está vinculado à qualidade e continuidade do fornecimento dos
serviços que podem ser afetados por decisões internas à empresa, em detrimento do bem estar
da sociedade. Apesar de potencializar ganhos associados à escala e à formação de redes, o
monopólio sem a devida supervisão pode não atender às necessidades da sociedade e reduzir
os impactos positivos gerados pelas indústrias de infra-estrutura.
Duas soluções foram encontradas para estes tipos de falhas de mercado que se
acumulam nos setores de infra-estrutura. Na tradição norte-americana optou-se pela concessão
das atividades às empresas privadas e se ergueu, concomitantemente, um importante aparato
regulador com o objetivo de evitar que as condutas abusivas pudessem prejudicar os
consumidores. Na tradição européia optou-se pela intervenção direta do governo através da
constituição de empresas estatais. Em ambas as situações, porém, chegou-se a um consenso
segundo o qual a alocação ótima dos recursos empregados em infra-estrutura exigia a
presença de um agente externo, sob controle público, que exercesse uma função tutelar.
No Brasil a tradição de intervenção governamental no setor de infra-estrutura seguiu o
modelo europeu e foi, em boa parte, justificada pelos volumes de investimentos necessários
ao seu desenvolvimento, bem como pelo caráter estratégico destas indústrias. Assim, o Estado
funcionou como agente financiador, empreendedor e gestor das indústrias de infra-estrutura,
tipicamente através da criação de estatais, atuando assim para fomentar o desenvolvimento
econômico do país, sobretudo durante o período do "Milagre Econômico".
No final da década de 1970, com a ascensão de Tatcher na Grã-Bretanha, teve início
um debate de caráter neoliberal a respeito do novo papel dos governos nos setores de infra-
estrutura. O debate, adotado em vários países (em especial nas Américas, Ásia e Leste
Europeu), propunha uma série de reformas no sentido de introduzir a concorrência no setor,
reduzindo barreiras institucionais e econômicas à entrada de novos agentes. Neste ambiente o
Estado não mais deveria ser o gestor, mas o regulador dos setores de infra-estrutura, definido
as regras para os monopólios naturais agora submetidos às pressões concorrências, além de
realizar o controle da qualidade e preço dos serviços oferecidos ao consumidor.
48
As novas funções dos órgãos reguladores não o simples. O processo de introdução
de concorrência em indústrias de infra-estrutura não se resume à simples remoção de barreiras
institucionais à entrada no mercado. O órgão regulador deve também garantir condições para
que a concorrência de fato se efetive, destituindo as empresas instaladas do seu antigo
poder de monopólio ou oligolio, que prejudica, dentro do novo modelo competitivo, o
ingresso de empresas competitivas em seu segmento de mercado. Embora pareça contraditória
à tradição liberal, a intervenção de um regulador (que na maioria dos casos se dá mediante
uma agência estatal) é fundamental para a exisncia da livre concorrência nas indústrias de
infra-estrutura, devido às suas especificidades técnicas e econômicas.
2.2. A Indústria Petrolífera
Não é possível analisar detalhadamente aqui o impacto e a importância da indústria
mundial do petróleo (IMP) sobre as sociedades modernas em razão de suas dimenes e de
suas múltiplas e complexas relações econômicas/estratégicas/políticas/sociais. Assim, faremos
apenas alguns apontamentos indispensáveis para sua compreensão, a começar por sua
evolução, uma exposição relativamente longa, mas justificável tendo em vista do impacto
desta indústria sobre o mundo contemporâneo, seguida da sua estrutura, flexibilização, a
procura por novas fontes de energia e algumas implicações entre a IMP e a política.
2.2.1. A Evolução da Indústria Petrolífera
Não se sabe quem descobriu o petróleo, nem onde, nem quando, mas vestígios
arqueológicos encontrados numa caverna de Nahal Hemar, próximo ao Mar Morto, indicam
que o homem utiliza o betume como cola em ferramentas (foices e martelos) e para vedar
cestos desde pelo menos 7000 a.C. De fato, próximo ao Mar Morto encontraram-se jazidas de
betume que sugerem sua extração desde a mais remota antiguidade.
Depois de 4000 a.C. os registros mostram que civilizações de diferentes épocas e
lugares, dentre os quais os sumérios, egípcios, babilônios, hebreus, assírios, persas, chineses,
gregos e romanos conheciam o petróleo por grande variedade de nomes: alcatrão, asfalto,
azeite, betume, lama, nafta, nafta da Pérsia, óleo de São Quirino, óleo do rio, pez, resina, entre
outros
22
usando-o quase sempre para os mesmos fins: calafetante; construção (liga de
22
O termo “petróleo”, conjunção das palavras latinas petra” (pedra) e oleum” (óleo), ou seja, “óleo de pedra”,
foi cunhado pelo alemão Georg Bauer (dito Giorgius Agrícola) em 1546.
49
argamassa); arma de guerra (projéteis incendiários, paredes de fogo, etc.); conservação
(múmias, papiros, construções, pinturas etc.); iluminante; lubrificante e medicamento
23
.
Até onde se sabe, na antiguidade o petróleo não era objeto de atenção estratégica e
política e mesmo sua importância de hoje, como fonte de energia e matéria-prima, inexistia
nos primórdios da indústria. O que se buscava era um iluminante de custo e qualidade
satisfatórios, encontrado num derivado do petróleo, o querosene. Foi a Revolução Industrial
que alinhou acelerada taxa de inovação produtiva e tecnológica com a busca crescente por
mercados consumidores que modificou o quadro, levando o petróleo a ter a importância atual.
A indústria petrolífera é uma das mais antigas no setor de infra-estrutura. Depois do
histórico dia 27 de agosto de 1859 quando Edwin L. Drake encontrou petróleo a 21 metros de
profundidade na cidade de Titusville (Pensilvânia, EUA) dando início à IMP, acumulou-se
volumosa bibliografia sobre sua evolução e para compreendê-la, com o auxílio de Bey (1936),
O’Connor (1959 e 1962), Sampson (1976), Durand (1978), Yergin (1992), Minadeo (2002) e
Contreras (2003a e 2003b), dividiremos sua história em sete fases.
A primeira fase tem início em 1859 com o nascimento da indústria e se encerra em
1870 quando surge a Standard Oil Company of Ohio. Neste momento a indústria do petróleo
é um fenômeno norte-americano, tem a produção limitada a uma região geográfica (Oil Creek
Valley, Pensilvânia, EUA) e a extração é feita de maneira caótica e predatória, prevalecendo à
prática de extrair o máximo de petróleo no menor tempo possível (o que esgotava e danificava
os poços). Essa desorganização do setor se reflete nos preços do petróleo, que sofrem
violentas flutuações inviabilizando a sustentação da nova indústria (Contreras 2003a).
Coube a John Davidson Rockefeller o mérito de vislumbrar que o padrão racional
capaz de organizar a indústria petrolífera estava na integração vertical (otimizando a
economia de escala) da sua cadeia produtiva (que é composta pelas atividades de upstream,
midstream e downstream). O processo de integrão vertical exigia grandes investimentos que
ficariam imobilizados por algum tempo, mas o controle da cadeia permitia que as atividades
fossem articuladas de forma a manter o fluxo contínuo do processo produtivo, diluindo os
riscos dos investimentos ao mesmo tempo em que se equilibrava a oferta e a demanda no
interior da própria empresa realizando assim a taxa xima de lucros com uma satisfatória
estrutura de custos/preços.
23
Um histórico completo do petróleo na antiguidade pode ser encontrado em FORBES, R.J. Bitumen and
Petroleum in Antiquity in: Studies in Ancient Technology. Volume: 1. Leiden. E.J. Brill. 1955.
50
A segunda fase tem início em 1870 com a fundação da Standard Oil Company of
Ohio
24
e se encerra 1876, quando aparecem seus primeiros concorrentes. Ainda com base
doméstica (Oil Creek Valley) a Standard Oil Company of Ohio surge como primeira e única
companhia petrolífera com integração vertical incompleta
25
do mundo. Essa vantagem
competitiva faz com que a companhia obtenha economias de escala realizando taxas de lucros
maiores que as concorrentes e utilize os excedentes para financiar os meios
26
de obter o
monopsônio e o quase monopólio do downstream e distribuição
27
dos EUA. Muito eficaz é a
guerra de preços, tática aplicada sistematicamente para eliminar a concorrência e que
posteriormente será utilizada por todas as companhias petrolíferas. Alcançados os limites do
mercado interno, a Standard Oil se lança à conquista dos mercados da África, Américas, Ásia,
Europa e Oceania também praticamente monopolizando-os (Bey, op. cit. e Yergin, op. cit.).
A terceira fase tem início em 1876 quando aparecem os primeiros concorrentes e se
encerra em 1918 com o final da Primeira Guerra Mundial. Nesse momento o domínio da
Standard Oil é rompido nas frentes externa e interna.
Os primeiros desafios surgiram na frente externa onde à dispersão geográfica da
produção, a proteção estatal e a união de capitais de diferentes origens geram as condões
24
Fundada por seis sócios: John D. Rockefeller (30,00%), Henry Morrison Flagler (16,67%), Samuel Andrews
(16,67%), Stephen V. Harkness (13,34%), William Rockefeller (13,34%) e O.B. Jemnnigs (10,00%).
Em razão de processo movido contra ela e por impedimentos legais em 1882 a Standard Oil Company
of Ohio muda a razão social para Standard Oil Trust Agreement e se registrada em New York
transformando-se no primeiro truste dos EUA, por isso recebeu a alcunha de e dos Trustes”. A
Standard era objeto de ódio implacável do público porque em sua trajetória para quase monopolizar a
indústria petrofera norte-americana criara uma imagem de empresa combativa, cruel, feroz,
inescrupulosa e sigilosa. Suas práticas motivaram inúmeros processos que não lograram modificar seu
comportamento. A Standard estabeleceu as bases jurídicas e metodológicas para a formação de outros
trustes que quase monopolizavam os diferentes setores industriais dos EUA. Numa tentativa de
regulamentar as atividades dos trustes em 1890 foi promulgada a Anti-Trust Sherman Act, que teve
pouca aplicação até 1900, quando os trustes, vistos pela sociedade norte-americana como uma ameaça,
foram tema da campanha presidencial. Em 1901 Theodore Roosevelt assumiu a presidência,
recomendando a aplicação da lei. Logo a Standard Oil tornou-se visada. O clamor contra ela surgiu em
1902 quando a jornalista Ida Tarbell publicou o primeiro de 24 artigos mensais sob o título The History
of the Standard Oil Company expondo os muitos abusos cometidos pela companhia em sua trajetória
para quase monopolizar o setor petrolífero do país. Após conhecer os fatos um público escandalizado
passou a exigir uma punição exemplar. Em 1906 foi aberto o processo judicial contra a companhia e em
1911 a Suprema Corte dos EUA ordenou sua dissolução sob acusação de tentar monopolizar o setor
petrolífero. Em resultado surgiram 33 companhias sendo as maiores a Standard Oil of New Jersey
(também chamada de Jersey, SONJ, Standard ou Standard Oil), a Standard Oil of California (Chevron
desde 1984), a Standard Oil of New York (Mobil desde 1966), Standard Oil of Indiana (Amoco desde
1954), Standard Oil of Ohio (Sohio desde 1928), Continental Oil (Conoco desde 1981) e Atlantic
Refining Company (Arco desde 1968). Além da maior parte do espólio a SONJ herdou da Standard Oil
Trust o nome, a reputação, os todos de negócio e um ódio blico tão arraigado que foi um dos
motivos que a levou a adotar o nome Exxon em 1971 (Yergin, op. cit.).
25
Faltava a atividade de upstream, que a Standard Oil passa a desenvolver apenas em 1887.
26
Entre eles os boicotes; chantagens; corrupção de concorrentes, juízes e políticos; guerra de preços; sabotagens;
subornos; tráfico de influência jurídica e política e assim por diante (Yergin, op cit.).
27
A Standard Oil chegou a ter 90% do controle sobre estas atividades.
51
que viabilizam o estabelecimento dos primeiros concorrentes em posição de romper o quase
monopólio da Standard Oil. O petróleo e o apoio do governo da Rússia viabilizam o negócio
dos irmãos Nobel (1873) que formam a Branobel (1876) a primeira concorrente importante da
Standard Oil. Em 1876 a Branobel envia a primeira carga de querosene para São Petersburgo
rompendo o monopólio da Standard Oil na Rússia. O excedente da produção dos Nobel é
repassado aos Rotschild (1885) que distribuem querosene na Europa e utilizam à estrutura e a
logística da M. Samuel and Co. para invadir os mercados da Ásia (1892) (Yergin, op. cit.).
Com as operações envolvendo o petróleo russo pela primeira vez se verifica a
internacionalização da cadeia produtiva. De fato, a indústria petrolífera nos EUA tinha bases
nacionais porque a origem dos capitais e as operações ao longo da cadeia produtiva eram
fundamentalmente norte-americanos. a indústria de petróleo russa tinha bases
internacionais porque envolviam capitais franceses, ingleses e suecos e as operações ao longo
da cadeia produtiva eram diluídos entre Ásia, Europa e Rússia.
Entrementes, o petróleo da Indonésia (então colônia holandesa) e o apoio do governo
holandês viabilizam a entrada da Royal Dutch (1889) que vende derivados na Ásia. O
petróleo da Pérsia (então colônia britânica) e o apoio do governo britânico viabilizam a
entrada da Anglo-Persian Oil Co. (APOC
28
, 1909) fornecedor da Real Armada Britânica
29
.
Posteriormente para melhor resistir às guerras de pros e pressões da Standard Oil e
racionalizar as operações os concorrentes uniram-se. Em 1906 o Deutsch Bank, os irmãos
Nobel e os Rotschild unificaram seus interesses petrolíferos na Europaische Petroleum Union.
Em 1907 a Royal Dutch e a M. Samuel and Co. (renomeada Shell Transport and Trading Co.
em 1897) fundem os negócios (na proporção 60/40) na Royal Dutch/Shell Group.
Na frente interna quatro acontecimentos rompem o domínio da Standard Oil: 1) novas
descobertas expandem geograficamente a produção de petróleo para muito além do Oil Creek
Valley; 2) as principais descobertas ocorrem em Estados (Kansas, Oklahoma, Ohio, Texas,
etc.) que tomaram medidas jurídicas/políticas para dificultar a atuação da Standard Oil; 3) o
petróleo da Standard Oil rendia mais querosene, enquanto o petróleo das novas áreas rende
mais derivados para motores à combustão, cuja demanda es em ascensão; e 4) a dissolução
da Standard Oil Trust Agreement em 1911. Somados esses fatos permitem a estruturação das
seguintes companhias: Sun Oil (1886), Union Oil (1890), Pure Oil (1895), Gulf Oil (1901),
Texaco (1902), Getty Oil (1903), Sinclair Oil (1916), Phillips Oil (1917), entre outras.
28
A APOC adotou o nome British Petroleum (BP) em 1954.
29
Como notou o Almirante John Fisher, maior defensor da introdução do óleo na Real Armada Britânica em
1914: “O petróleo não brota na Inglaterra” (Yergin, op.cit., pág 144).
52
Seguindo o exemplo da Standard Oil as companhias petrolíferas procuram reunir as
condições microeconômicas que permitam a integração vertical da cadeia petrolífera. Mas,
independente de sua origem, agora todas as companhias começam a internacionalizar a cadeia
produtiva, operando em escala planetária. Isso ocorre ou porque não se repetem as condões
domésticas que permitiram a consolidação das companhias norte-americanas, ou porque as
companhias desejam ocupar espaços (de produção e mercados) antes que as rivais o façam.
Os elevados custos desse processo limitam a concorrência a pouco mais de 19
30
companhias
(lideradas pela SONJ, Royal Dutch/Shell e APOC) que configuraram o mercado do petróleo
como um oligolio, característica que marca o mercado do petróleo até hoje.
A quarta fase tem início em 1918 com o final da Primeira Guerra Mundial e se encerra
em 1928 com o Acordo de Achnacarry. Desde o início do século XIX a expansão do uso dos
motores a combustão em indústrias e veículos automotores impulsionava a demanda de
derivados do petróleo, mas foi o potencial inédito de destruição demonstrado pelos últimos
durante a Primeira Guerra Mundial que trouxe à tona a dimensão política e estratégica do
petróleo. Os beligerantes rapidamente compreenderam que as novas armas (automóveis,
aviões, caminhões, navios, submarinos, tanques e trens) eram inúteis sem o petróleo e o
acesso a ele poderia decidir uma guerra. Em conseqüência, a disputa pelas fontes de petróleo
se acirrou porque agora aos interesses mercadológicos das grandes companhias uniam-se os
interesses estratégicos/políticos dos respectivos governos, mas as condões petrolíferas dos
países eram desiguais e podem ser encaixados em cinco tipos.
Em primeiro apareciam os países pouco industrializados, com baixo consumo, baixa
(ou nenhuma) produção e baixa importação de petróleo. Era o caso do Brasil da época. Nesses
países nenhuma companhia local se estruturou e prevaleceu a livre-iniciativa, ficando a
organização do mercado a cargo das grandes companhias internacionais.
Em segundo apareciam os países pouco industrializados, com baixo consumo, mas que
apresentavam perspectivas promissoras na produção e viabilizaram a construção de um setor
de exportação por parte das grandes companhias. Era o caso de México e Venezuela. Nesses
países criou-se um vínculo de compromisso com as companhias através de um instrumento
jurídico que posteriormente originaria inúmeras disputas: a concessão de exploração. Através
da concessão o país autorizava uma companhia a explorar e produzir petróleo dentro de uma
área definida durante um período pré-determinado, normalmente entre 60/75 anos recebendo,
30
As outras companhias estruturadas no período eram todas norte-americanas: Amoco, Atlantic, Chevron, Cities
Services, Conoco, Gulf Oil, Mobil, Ohio Oil, Phillips Oil, Pure Oil, Sinclair Oil, Sohio, Sun Oil,
Texaco, Tide Water Associated e Union Oil.
53
em troca, impostos e taxas (os royalties) baseadas na contabilidade anual da empresa. Ficava
a critério da companhia como, quando e quais as quantidades de petróleo seriam produzidas,
bem como quando e a que preço ele seria colocado no mercado mundial. Posteriormente os
países produtores nacionalizariam os ativos das grandes companhias, transferindo o controle
do setor para estatais (a maioria atuando em regime de monopólio) fortes apenas no upstream.
Em terceiro apareciam os países industrializados, com alto consumo e baixa (ou
nenhuma) produção e por conseqüência, dependentes do petróleo importado. Era o caso de
Alemanha, Itália e Japão. Os mercados desses países eram abertos à iniciativa privada e o
abastecimento foi confiado basicamente a SONJ, Royal Dutch/Shell e APOC, mas se buscou
atenuar esta vulnerabilidade com a criação de estatais fortes no midstream e no downstream.
Em quarto apareciam os países industrializados, com alto consumo e baixa (ou
nenhuma) produção, mas que, através dos acordos s-guerra, possuíam fontes próprias de
petróleo no exterior. Neste caso estava a França que obteve parte no consórcio IPC
31
para
produzir petróleo no Iraque e a Grã Bretanha que também tinha parte no conrcio IPC e
monopolizava a produção persa. Ambas deixaram o mercado aberto à livre-iniciativa, mas
com as estatais e as fontes próprias procuravam manter a segurança do abastecimento interno
e em especial garantir o abastecimento das forças armadas.
Em quinto aparecia o caso isolado dos EUA, único país industrializado que agregava
ao mesmo tempo alto consumo, alta produção e grandes reservas de petróleo. Até a Primeira
Guerra Mundial sua indústria petrolífera era regulada pela livre-iniciativa, mas após o conflito
o país começou a temer pelo futuro das suas reservas. Além da questão estratégica/política
verificava-se a elevação da demanda interna de petróleo resultante do crescimento da frota de
automóveis e da modernização industrial, onde estava sendo adotado o paradigma fordista de
produção, a substituição do carvão pelo petróleo como fonte de energia e se iniciava a
diversificação da base industrial com o surgimento da petroquímica. Para equacionar estes
problemas Washington tomou duas medidas: 1) em 26 de novembro de 1919 utilizou a Texas
Railroad Comission (RTC) para estabelecer às primeiras regras disciplinando a indústria
doméstica; e 2) propôs a política de “Portas Abertas”, segundo a qual os aliados não deveriam
criar discriminações uns aos outros no que se referia ao acesso as fontes petróleo.
31
Iraq Petroleum Company (IPC). Inicialmente o direito de produzir petróleo no Iraque pertencia à Turkish
Petroleum Company (TPC) consórcio formado em 1912 pela BP, Deutesche Bank, Calouste Gubelkian
e Shell. Em 1920 o Tratado de San Remo transferiu a parte do Deutsche Bank para os franceses que em
1924 formaram a Compagnie Française des Petroles (CFP) e a nova sociedade passou a ser entre a BP,
Calouste Gubelkian, CFP e Shell. Em 1925 os direitos do TPC foram reconhecidos e a mudança de
nome para IPC ocorreu em 1929 após a independência do Iraque e entrada das norte-americanas. A CFP
mudou o nome para Total em 1991.
54
O desejo de operar em áreas com perspectivas promissoras resultou no choque entre as
companhias norte-americanas, britânicas (APOC e Shell) e francesa (CFP) e respectivos
governos. As disputas mais agudas, que seriam equacionadas nos anos seguintes, referiam-se
ao acesso ao petróleo russo (que retornava ao mercado após a nacionalização de 1917) e do
Oriente Médio. Em 21 de julho de 1928 o consórcio IPC é flexibilizado para a entrada da
SONJ e a Mobil. Em 29 de maio de 1933 a Standard Oil of California obm a primeira
concessão da Arábia Saudita e cria a CASOC (Californian-Arabian Standard Oil Company,
depois Arabiam-America Oil Company - Aramco) aceitando a Texaco como sócia em 1936.
Em 1934 a Gulf Oil recebe uma concessão para operar no Kuwait (em sociedade com a
APOC) sendo a última a entrar na região. Com o tempo essas companhias formariam entre si
uma intrincada rede de joint-ventures para controlar a produção do Oriente Médio pelo que
foram acusadas de formar um cartel cognominado de “Sete Irmãs”
32
. Em função das suas
dimenes e importância elas receberam também a alcunha de “oil majors ou “majors”
(O’Connor, 1962; Durand, op. cit. e Yergin, op. cit.).
Assim, no final dessa fase a indústria petrolífera já apresenta suas características
básicas: a integração vertical, a internacionalização da cadeia produtiva, o mercado
oligopolístico e a importância política/estratégica. A partir daqui a evolução da indústria
concentra-se nas inovações tecnológicas e nas disputas advindas dos lucros da produção.
A quinta fase tem início em 1928 com o Acordo de Achnacarry e se encerra em 1945
com o final da Segunda Guerra Mundial. As disputas travadas entre 1918/28 acirraram os
ânimos políticos e a competição entre as companhias que, através da produção descontrolada,
promovem uma guerra de preços em escala planetária, ameaçando colapsar a estrutura de
preços. Essa competição é agravada com a descoberta do supercampo iraquiano de Baba
Gurgur em Kirkuk (15/10/1927).
Para estabelecer algum controle sobre a produção (leia-se mercados e preços) em 17
de setembro de 1928 os presidentes da APOC, Royal Dutch/Shell e SONJ chegam ao Acordo
de Achnacarry
33
(revisto em 1930, 1932 e 1934) no qual se acertou que: 1) cada companhia
teria uma quota fixa em cada mercado (com base na quota de 1928), assim o aumento das
vendas em um mercado era condicionado ao seu crescimento; 2) as companhias partilhariam
as instalações evitando os custos de duplicação; 3) cada mercado seria suprido pela fonte mais
32
As Sete Irmãs eram na verdade oito: as norte-americanas Gulf Oil, Mobil, Standar Oil of Califórnia, SONJ e
Texaco; a anglo-holandesa Royal Dutch/Shell; a estatal britânica APOC e a estatal francesa CFP. O
termo “Sete Irmãs” (Le Sette Sorelle) surgiu primeiramente nos New Jersey Corporation Acts em 1913,
mas foi popularizado por Enrico Mattei, presidente da estatal italiana ENI (Sampson, 1976, pág. 80).
33
Também chamado de acordo “Como Está”.
55
próxima; 4) haveria controle da produção; e 5) o petróleo teria um preço internacional de
referência, com base no produto oriundo do Golfo do México (Durand, op.cit.)
34
. Esse acordo
encerrou as guerras de preço periódicas e lançou as bases para uma cooperação duradoura
entre as Sete Irmãs (e seus respectivos governos) que seria responsável pela expansão estável
da indústria até 1973 (Contreras, 2003a).
A sexta fase tem início em 1945 com o final da Segunda Guerra Mundial e se encerra
em 1973 com o primeiro choque do petróleo. A Segunda Guerra reafirmou a importância
estratégica do petróleo, mas a reconstrução do pós-guerra reconfigurou as relações entre os
países consumidores e entre esses e os países produtores. A reconstrução da Europa Ocidental
e do Japão foi feita dentro dos marcos do sistema fordista-keynesiano e dos padrões
tecnológicos dos EUA, onde o petróleo substituíra o carvão tanto como fonte de energia
(doméstica, industrial e termelétrica), combustível (de veículos automotores) e matéria-prima
(petroquímica)
35
. Conforme Filho (in Fiori, 2004) a transição do carvão para o petróleo foi
facilitada também porque este apresentava baixo preço, era menos poluente, mais eficiente e
de mais cil manuseio. Ademais, os governos desejavam enfraquecer os sindicatos mineiros,
politicamente muito influentes. Em resultado, por volta de 1955 o petróleo barato importado
deslocara o carvão também na Europa Ocidental e no Japão.
Ainda conforme Filho (op. cit.) até 1973 a estabilidade do fornecimento de petróleo
barato importado (preços baixos e estáveis, oferta constante e segurança do abastecimento)
baseava-se em três pilares que foram ruindo entre os anos 50 e 60.
O primeiro pilar era o controle das Sete Irmãs sobre a produção do Oriente Médio.
Essas companhias operavam na região desde antes da guerra e contavam com o respaldo
econômico, estratégico, militar e político dos EUA, França e Grã-Bretanha. Excetuando-se os
países socialistas em 1950 as Sete Irmãs dominavam 70% da capacidade de refino, 65% das
reservas mundiais, 65% dos petroleiros, 50% da produção e os principais oleodutos do mundo
(Contreras 2003c). Este arranjo começou a ser contestado tanto pelas potências industriais
excluídas dele (leia-se Alemanha, Itália e Japão) que após a reconstrução desejavam ter sua
própria fonte de petróleo, como pela URSS, que desejava ter acesso ao Golfo Pérsico.
O segundo pilar era a política de concessões, que começava a ser contestado. Segundo
Yergin (op. cit.) inicialmente os dirigentes e populações dos países produtores não
compreendiam bem o potencial econômico do petróleo, nem sua importância para a vida das
34
Em 1943/47 adotou-se como segundo preço base o produto originado do Golfo Pérsico. Em 1947/59 foi
adotado um terceiro preço base de acordo com a distância do ponto de descarga.
35
Os EUA deixaram de ser auto-suficientes em 1948, ano em que importaram petróleo pela primeira vez.
56
nões consumidoras e nem o papel das companhias, mas à medida que o século XX
avançava a conexões ficavam mais claras, bem como o modus operandi” das companhias.
As concessões não apenas lhes davam poder para definir as regras do mercado mundial do
petróleo como de interferir na política interna dos países produtores quando era necessário
zelar por seus interesses e dos seus países de origem.
Os países produtores começaram a se ressentir com essa correlação de forças
francamente desfavorável a eles. Desejavam rever a política de concessões à medida que suas
economias dependiam mais das rendas do petróleo, em especial o princípio fifth/fifth em vigor
desde 1943
36
. Se não bastasse isso, a presença das companhias era ainda mais intolerável
porque elas surgiam como “uma lembrança viva da era colonial” (Yergin, op. cit. Pág. 650).
A possibilidade de rever as concessões surgiu com a conjugação de quatro fatores: 1) a
internacionalização das companhias independentes norte-americanas, que para obter sua
própria fonte de petróleo aceitavam condições favoráveis aos países produtores; 2) as reações
das regiões vitais para o fluxo do petróleo por sua posição estratégica (como o Egito de
Nasser), ou por sua produção (como o Irã de Mossadegh); 3) a criação da OPEC em 1960
numa tentativa de unificar os interesses dos principais países produtores em questões de
preços, quotas e políticas de concessão; e 4) a abertura de novas áreas produtivas (como
Argélia, Líbia e Nigéria) em que o país produtor ficava com a maior parte dos lucros.
O terceiro e último pilar era o papel dos EUA como “ofertante de última instância”,
que foi se deteriorando a medida que o consumo mundial se elevava e ultrapassava o volume
das reservas estratégicas do país. Em 1968 os EUA informaram a Europa Ocidental e o Japão
que não tinham mais condições de ser o ofertante de última instância.
A sétima fase tem inicio em 1973 com o primeiro choque do petróleo e se encerra em
1985 com o fracasso dos acordos sobre uma política unificada de preços. Conforme Filho (op.
cit.) os acontecimentos verificados na fase anterior demandavam um reajuste da indústria
petrolífera, necessidade agravada pela: 1) queda dos preços do petróleo, resultante da
abundância de petróleo no mercado devido a grande produção das Sete Irmãs e a volta ao
mercado do petróleo da URSS; 2) desejo dos países produtores vulneráveis a moeda
americana em recuperar os prejuízos com a desvalorização do lar em 1971; 3) falta de
capacidade ociosa da produção; e 4) desejo dos países árabes de retaliar de alguma forma o
mundo ocidental (em especial os EUA) por seu apoio a Israel na Guerra do Yom Kipur.
36
Adotado em primeiro pela Venezuela, distribuía os lucros entre países e companhias na proporção 50/50.
57
Ainda conforme Filho o embargo do petróleo promovido pela OPEC em 1973 trouxe
uma série de alterações: 1) o aumento vertiginoso do preço do barril de petróleo que saltou de
US$ 2,90 em princípios de 1973 para US$ 11,65 em dezembro; 2) abandono definitivo da
prática política de concessões, com as nacionalizações multiplicando-se
37
; 3) as companhias
perderam todo poder de definir os preços do petróleo, que agora passava para os países
produtores; 4) houve ruptura da integração vertical das majors; 5) a segurança do Golfo
Pérsico passou a ser feito pelo eixo Arábia Saudita-EUA-Irã; e 6) a Arábia Saudita passou a
ser a “ofertante de ultima insncia”.
O choque exs uma série de problemas gerados pela política de petróleo barato
importado. Em primeiro lugar revelou o quanto as economias dos países industrializados e de
industrializão retardatária (como o Brasil) eram vulneráveis e dependentes dele. No caso
brasileiro a importação era necessária em função do rápido crescimento econômico (com base
no consumo do petróleo), e também porque a Petrobras não teve sucesso em encontrar
petróleo em grandes quantidades em território nacional.
Em segundo revelou a interdependência microeconômica de países produtores e
consumidores porque se de um lado os donos das reservas ditam as regras para explorar
petróleo, por outro as companhias detêm a tecnologia, capitais e os mercados consumidores.
Em terceiro revelou a interdependência macroeconômica de países produtores e
consumidores, evidenciado com a estagflação dos anos 70. A economia dos países produtores
depende do bom funcionamento da economia dos países industrializados, ao mesmo tempo os
maiores consumidores e receptores dos lucros obtidos com o petróleo. Pros elevados
resultariam numa recessão ruinosa para ambos.
Até 1985 a indústria petrofera viveu em ambiente de incerteza, resultado de uma
rie de fatores: a incapacidade de cooperação (defendida pela Arábia Saudita) dos membros
da OPEC; a incerteza do sistema monetário internacional que inviabilizou os contratos que
substituíam as concessões como instrumento na relação entre companhias e países produtores;
a entrada de petróleo oriundo do Alasca, Mar do Norte e URSS e a deterioração da situação
do Irã (Revolução Iraniana em 1979) e a Guerra Irã-Iraque (1980/88).
A partir de 1985 a instria do petróleo assume a configuração atual, que veremos
com mais detalhes nas seções seguintes. Em resumo, houve um aumento da interdependência
37
Um Estado obtém o controle do setor petrolífero através de três meios básicos: 1) criando o monopólio estatal
quando a indústria é inexistente ou incipiente, a exemplo do Uruguai (1931), Chile (1950) e Brasil
(1954); 2) com a nacionalização sumária das jazidas e dos ativos das companhias, a exemplo da URSS
(1917), Bolívia (1936), México (1938), Irã (1951) e Líbia (1970) e; 3) não renovando as concessões, a
exemplo do Iraque (1972), Arábia Saudita (1975), Kuwait (1975) e Venezuela (1975).
58
entre companhias, Estados produtores/consumidores e populações o que tornou as conexões,
negociações e alinhamento satisfatório dos interesses desses atores mais sutis, intricados e
complexos. Essas mudanças, feitas num contexto de globalização sob a ótica neoliberal
incluem: a flexibilização da integração vertical de muitas companhias petrolíferas, alteração
do conceito do petróleo, sobreoferta de petróleo no mercado mundial, a busca de novas fontes
de energia, incorporação de novas áreas de produção, as novas formas de relacionamento
entre companhias e países produtores, novas formas de fixar o pro do petróleo, entre outras.
2.2.2. A Estrutura da Indústria Petrolífera
Como indústria do setor de infra-estrutura a IMP apresenta seus elementos típicos: a
cadeia produtiva, as especificidades dos ativos, a forma de organização, os ganhos
econômicos e a estrutura de mercado.
A cadeia do petróleo é constituída de três atividades tecnicamente distintas e
independentes. A primeira é dita upstream (também chamada de E/P ou E&P) e compreende
as etapas de exploração (inclusive pesquisa geofísica), perfuração, prospecção,
desenvolvimento, e o tratamento primário do petróleo (separação de gases e desidratação).
O upstream é bastante rígido porque independe do elemento humano e sim de fatores
naturais (geológicos) que por sua vez condiciona os fatores estratégicos (como a logística de
transporte, refino e distribuição). Em razão disto o upstream possui riscos, custos e
rendimentos inerentes, não encontrados nas outras atividades (Contreras, 2003c).
Quanto aos riscos, o de três ordens: 1) o risco geológico e mesmo com as atuais
tecnologias, ainda hoje existe uma forma segura de saber se há petróleo em um poço e se
sua quantidade e qualidade justificam a exploração econômica: perfurando
38
; 2) o risco
político, porque um país produtor que passa por uma mudança desta espécie pode alterar as
condições para a operação de uma companhia, modificando suas decisões de investimento; e
3) o risco normal de qualquer atividade econômica. Os riscos são agravados pela necessidade
de descobertas de novos campos o que é um “salto no escuro que afeta a estabilidade de
todas as subseqüentes fases (...) segmento algum da indústria permanece alheio ou intocado
por esta caprichosa origem” (Frankel, in Contreras, 2003a, pág. 8).
Quanto aos custos de produção são de dois tipos: 1) os custos técnicos de produção,
advindos da dos dispêndios envolvidos até a colocação do petróleo no mercado primário; e 2)
38 A despeito das atuais tecnologias disponíveis (3D, radares de abertura sintética, etc.) cerca de 85% dos poços
perfurados eso secos e dos que possuem óleo apenas 15% se mostram viáveis economicamente.
59
os custos fiscais, advindos dos montantes despendidos no pagamento de royalties e outros
encargos tributários e fiscais. São os custos técnicos de produção
39
que tem importância
decisiva na competitividade das companhias petrolíferas porque para um mesmo investimento
pode haver significativas diferenças na produtividade dos poços
40
, sem a correspondência
estrita do preço do barril do petróleo (que tem cotação constante) praticado nos mercados
mundiais. Este diferencial é peculiar à indústria petrolífera e não se registra em nenhuma
outra atividade de mineração (Contreras, 2003c).
Quando uma companhia decide iniciar a produção a alta relação investimentos/custos
influência sua decisão de maximizar a extração de petróleo a fim de recuperar o capital
investido, honrar os pagamentos de royalties nos prazos contratuais acordados e evitar que o
petróleo seja drenado por um produtor vizinho. Entretanto, a decisão também implica na
situação de “trancamento”, ou seja, a extração de petróleo será continua, definindo a
inelasticidade do suprimento face às variações de curto prazo da demanda, afetando apenas as
variações de longo prazo. Além disso, com o início da produção o obtidas as economias de
escala porque existe uma razão média de 4 para 1 entre os custos fixos (os montantes do
investimento comprometido para iniciar a produção dos campos) e os custos variáveis (nível
de dispêndio operacional para sustentar a produção). Assim, o investimento fixo para iniciar a
produção pode ser elevado, mas em compensação, conforme aumenta o volume de petróleo
extraído, é menor o nível de dispêndio operacional requerido para sustentar a produção.
Quanto às rendas pasveis de apropriação por uma companhia temos as Rendas de
Posição, advindas da maior ou menor proximidade geográfica das reservas com relação aos
centros consumidores; as Rendas de Qualidade, advindas dos atributos comerciais
(rentabilidade) das reservas; e as Rendas Tecnológicas, advindas dos diferentes estágios de
tecnologia empregados pelos diversos produtores. (Contreras, 2003c). Um fato importante é
que o upstream da IGN é uma atividade escopo da IMP como mostra o organograma:
39
Muitos fatores influenciam este tipo de custo: acessibilidade ao local de exploração, condições do terreno,
condições climáticas, disponibilidade de mão-de-obra, distância do mercado consumidor, falhas e
disponibilidade dos equipamentos, profundidade do reservatório, tipos de juros praticados para financiar
o investimento, tipo de rocha a ser perfurada e assim por diante. Em média um poço de prospecção em
terra custa US$ 5 milhões, mas na Amazônia, onde todo o equipamento tem que ser transportado de
helicóptero, o mesmo poço custa US$ 10 milhões. No mar os custos sofrem um aumento drástico. Um
poço na bacia de Campos em lâmina d'água acima de 1.500 m custa no mínimo US$ 15 milhões. Em
dia a fase exploratória exige até 10 poços, o que demanda investimentos entre US$ 50 e US$ 200
milhões. Dependendo da profundidade um poço pode levar meses para ser aberto (um poço de 3.000 m
exige de exige 2 a 3 meses de trabalho ininterrupto). 8 anos são necessários para cumprir todas as
estapas de exploração padrão de um poço (Contreras 2003).
40
A produtividade de um poço pode ter diferenças acentuadas, desde o máximo de 7.000 bpd no Oriente Médio
até o mínimo de 13 bpd nos EUA. O custo de prodão por barril também tem diferenças acentuadas,
do máximo de US$ 25,00 no Mar do Norte até o mínimo de US$ 1,00 no Oriente Médio.
60
Pelo alto grau de incerteza, calcula-se que o upstream absorve cerca de 70% dos
investimentos da indústria petrolífera, sendo normalmente autofinanciado (entre 70% a 80%)
pelas companhias. Residiria na procura pelo diferencial de riscos, custos e rendas a explicação
da grande competição entre as companhias e as disputa geopolítica entre países que se
verificam desde os primórdios da instria petrolífera (Contreras, 2003c).
Quadro 2.1.: Organograma da Indústria do Petróleo e do Gás Natural
Infra-Estrutura do Upstream
Campos de Exploração
Petróleo Gás Natural
Terminais Marítimos/Tanques Terminais Marítimos/Tanques
Refinarias Usinas de Separação
Combustíveis
Petroquímica
Geração de Energia Elétrica
Enxofre Elementar
Produção de Cimento
Fonte: Elaboração Própria
61
A segunda atividade é dita midstream e diz respeito ao armazenamento e a estrutura de
transporte (aquaviário, dutoviário, ferroviário e rodoviário) de petróleo para as refinarias ou
portos de embarque.
A terceira atividade é dita downstream e na verdade é subdividida em três atividades:
o refino, distribuição e comercialização de derivados. O petróleo in natura tem pouquíssimas
aplicações práticas por isto é necessário refiná-lo, ou seja, separar através de um complexo
conjunto de reações físico-químicas os diferentes componentes que possuem valor de uso.
Antes do refino o petróleo é submetido a tratamentos preliminares, a decantação (para
separação de impurezas e água), dessalgação (para reduzir o teor de sal do petróleo), diluição
(mistura de petróleos diferentes para ajustar características físico-químicas como viscosidade
e fluidez) e outros tratamentos que eventualmente são necessários para adequar a qualidade do
petróleo ao tipo específico de equipamento de refino. Durante o refino do petróleo é separada
ampla gama de combustíveis, gases, lubrificantes e matérias-primas de acordo com
especificações técnicas padronizadas (Contreras, 2003c).
Mais flexível que o upstream, a atividade de refino também exige altos investimentos,
mas é mais compensatória por não apresentar os mesmos fatores de risco, custos e rendas de
forma que as taxas de retorno estão dentro dos padrões normais dos empreendimentos densos
em capital e tecnologia.
O refino, tal como foi originalmente concebido por John D. Rockefeller, tem a função
estratégica de atuar como pivô na integração vertical da cadeia petrolífera devido a seis
vantagens que não podem ser igualadas pelas outras atividades: 1) o refino, como atividade
central da cadeia produtiva, permite concatenar a fase a jusante (upstream) com as fases a
montante (distribuição e comercialização); 2) o refino permite ajustar as especificações do
fluxo ininterrupto entre o petróleo produzido no upstream aos requerimentos técnicos
padronizados do fluxo intermitente dos derivados exportados para o mercado mundial; 3) a
planta de refino é passível de sofrer melhorias tecnológicas bem mais compensarias em
termos de custos/benefícios do que a atividade de upstream; 4) o refino individualmente
permite que se obtenham economias de escala nos mesmos termos que outras atividades
industriais; 5) o refino produz os subprodutos de maior valor agregado de toda a cadeia
petrolífera; e 6) o refino fornece o maior leque de derivados e subprodutos de toda a cadeia
petrolífera viabilizando a obtenção da economia de escopo, estreitando os vínculos entre a
indústria petrolífera e outros ramos industriais dentre elas: a geração de energia termelétrica
(óleos pesados) e a produção de cimento (uso da escória de óleos pesados, onde o gás natural
62
não entra diretamente no processo), ácido sulfúrico e enxofre (petróleos ricos em enxofre)
(Contreras, 1994, 2003a, 2003b e 2003c).
Em razão destas vantagens mesmo países que não possuem produção significativa de
petróleo procuram obter o controle do refino como forma de economizar divisas com a
importação de derivados, diversificar o fornecimento, atenuar os males advindos de possíveis
nacionalizações e assegurar o abastecimento de matérias-primas que entram nas cadeias
produtivas de outras indústrias.
Afinal, temos a distribuição e comercialização nacional e internacional de derivados,
que utiliza tecnologia bem menos sofisticada e envolve menores custos e fatores de riscos,
reduzindo a necessidade de investimentos, fazendo com que a com as taxas de retornos sejam
mais elevadas. Entretanto, estas atividades exigem um complexo planejamento logístico capaz
de numa etapa preliminar armazenar derivados vindos diretamente das refinarias ou
importados (neste caso o terminal recebe o nome de base primária) e/ou armazenar derivados
provenientes de outras bases (neste caso o terminal recebe o nome de base secundária) e numa
etapa posterior distribuir os derivados ao consumidor final.
Isoladamente as atividades: 1) demandam intensa gama de serviços; 2) demandam
volumosos insumos das indústrias de base (aço, energia, química, etc.); 3) são intensivas em
capital; 4) o tecnicamente independentes, o que permite a uma companhia petrolífera operar
em uma, duas ou nas três atividades; 5) podem ser internacionalizadas; e 6) apresentam cinco
espécies de rigidez: a concentração, principalmente das atividades de E&P em regiões
detentoras das mais rentáveis (em termos de qualidade e quantidade) reservas de petróleo do
mundo (Oriente Médio, Rússia e Venezuela); a rigidez de uso das instalações (bases de
armazenagem e distribuição, dutos e plantas de refino) e equipamentos (exploração e
transporte) que são altamente especializados e possuem custos unitários extremamente
elevados, amortizáveis apenas ao longo do tempo, bem como utilidade quase nula afora dos
fins aos quais de destinam; a morosidade do retorno dos investimentos, imobilizados por um
tempo dio de 10 anos; a cultura empresarial sustentada em recursos humanos altamente
especializados que combinam e recombinam os fatores e serviços produtivos num movimento
incessante de crescimento das empresas; e rigidez da demanda de derivados, centrados no
transporte veicular e nafta petroquímica (Suslick, 2003 e Contreras 2003b e 2003c).
As companhias petrolíferas procuram, tanto do ponto de vista técnico como
econômico, minimizar os custos/riscos intrínsecos de cada atividade petrolífera e otimizar os
lucros ao longo da produção. A melhor forma de fa-lo, também como foi originalmente
63
concebida por John D. Rockefeller, é organizar a produção integrando verticalmente a cadeia
petrolífera, normalmente complementando-a com a integração horizontal.
Quanto à integração vertical, permite uma companhia operar “do poço ao posto, isto
é, operar simultaneamente nas três atividades da cadeia produtiva petrolífera. Daí advém três
vantagens, sendo a primeira a de possibilitar a que uma companhia realize o controle
microeconômico completo da atividade produtiva articulando, estabilizando e flexibilizando a
dispendiosa infra-estrutura de exploração e produção em conjunto com a complexa logística
de refino, transporte, distribuição e comercialização, assegurando que as atividades estejam
sempre interconectas e complementadas, mantendo o fluxo produtivo contínuo, desde a
produção do petróleo até o escoamento de derivados (Contreras, 2003c).
A segunda vantagem é realizar o elevado potencial de acumulação da indústria
petrolífera, ampliando os ganhos com a economia de escala para toda cadeia do petróleo e não
somente de uma atividade.
A terceira vantagem é dissolver ao longo da cadeia petrolífera os custos e riscos
inerentes de cada atividade de forma a obter um custo/risco médio, equilibrando os
diferenciais de lucratividade de cada atividade (Contreras 1994 e 2003c).
Quanto à integração horizontal, ela propicia às companhias petrolíferas o acesso aos
diferentes mercados para colocar sua produção, a ampliação das atividades e a operação em
outros ramos industriais como a geração de energia termelétrica e indústria petroquímica.
A estrutura de mercado da IMP apresenta três características. A primeira é a existência
de grandes barreiras de entrada e saída das empresas operadoras na indústria petrolífera. Por
outro lado, a rigidez das tecnologias de uso configura significativas barreiras à saída dos
consumidores, que são cativos do consumo de derivados de petróleo.
Em segundo, o mercado se estrutura mundialmente como um oligopólio (Contreras,
1994) resultante, por sua vez, de três fatores inibidores da concorrência: 1) as próprias
barreiras à entrada e saída da indústria; 2) a composição orgânica da indústria petrolífera; e 3)
o fato das companhias estabelecidas serem concorrentes poderosas, cientes da dupla natureza
(combustível e matéria-prima) do petróleo que faz dele bem estratégico fundamental,
incomparável e insubstituível.
Em terceiro temos o alcance global da indústria petrolífera, resultado dos aspectos
geológicos, políticos e humanos cujo resultado mais evidente é que nem sempre (ou quase
nunca) coincidem as principais jazidas produtoras com os países sedes das companhias e
64
mercados consumidores mais importantes. Em função disto, as atividades da cadeia vertical
normalmente não completamente internacionalizadas (Contreras, 2003b e 2003c).
2.2.3. A Flexibilização da Indústria Petrolífera
A alteração do paradigma industrial fordista-keynesiano modificou também a instria
petrolífera, que era ao mesmo tempo a principal fonte de energia do modelo produtivo então
em voga e sofria as limitações do paradigma produtivo. Mas às mudanças tem peculiaridades
distintas em função da especificidade da matéria-prima e da especialização das instalações
industriais. Os equipamentos e o maquinário sofreram melhoria tecnológica, mas talvez mais
importantes sejam as cinco alterações organizacionais desencadeadas com a ruptura da
integração vertical das majors, e que se consolidaram a despeito da instabilidade vivida pela
IMP entre 1973 (quando houve o primeiro choque do petróleo) e 1985 (quando a Arábia
Saudita abandonou a política de cooperação e impôs sua própria política petrolífera).
A primeira mudança foi a transferência definitiva do controle da IMP dos países
“compradores” para os países vendedores”, que assumiram inteiramente o poder de definir
os volumes de petróleo produzido, os volumes ofertados e o preço do petróleo no mercado
mundial. Neste rearranjo, as majors tiveram suas reservas subitamente diminuídas,
controlando atualmente uma fração reduzida das reservas conhecidas de petróleo.
A segunda mudança diz respeito ao conceito do produto petróleo, que mesmo sendo
um bem estratégico, passou a ser considerado uma commodity estando, portanto, sujeito às
forças de oferta e demanda
41
.
A redução das reservas das majors e a “comoditizaçãolevaram a terceira mudança, a
corporativa, em que a IMP tem seguido a tendência industrial geral de reestruturação, visando
à obtenção das Rendas de Posição e das Rendas de Qualidade. Nos anos 80, quando houve
uma intensificação da concorrência mundial, o foco dessa reestruturação esteve concentrado
na descentralização decisória, na concentração no core business, na terceirização das algumas
atividades, no aumento de eficiência das atividades e na ampliação de suas atividades. Nos
anos 90 o foco dessa reestruturação (também reflexo da reestruturação dos anos 80) esteve
concentrado nas aquisições, desmembramentos e incorporações. Como reflexo disso, as Sete
Irmãs foram reduzidas a seis companhias que agora são consideradas “supermajors” (ou
“Big Oil”): a BP (que adquiriu a Sohio em 1987, fundiu-se com a Amoco em 1998 e adquiriu
41
Embora existam rias formas jurídicas, dois são os tipos principais: as concessões e a partilha de produção. A
diferença entre eles é a propriedade do petróleo. Na concessão, o óleo produzido pertence ao mercado.
Na partilha o óleo é do Estado e o investidor recebe uma parte do óleo produzido (profit oil).
65
a Arco em 1999), a Chevron (que adquiriu a Gulf Oil em 1984, a Texaco em 2000 e Union
Oil em 2005), a ConocoPhillips (resultante da fusão entre a Conoco e Phillips Oil em 2002), a
ExxonMobil (a Exxon adquiriu a Mobil em 1998), a Royal Dutch/Shell e a TotalFinaElf (que
adquiriu a petrolífera belga Petrofina em 1998 e a petrolífera francesa Elf em 1999).
A reestruturação corporativa resultou na quarta mudança: o aumento da importância
da logística, em especial de comunicações e transportes que permitem, mesmo em ambientes
instáveis, a manutenção do poder da IMP pela internacionalização, adaptação e manutenção
do contato entre os elos que fazem parte da cadeia produtiva.
A quinta mudaa está no desenvolvimento tecnológico, sobretudo na produção
offshore, que, em um período curto, proporcionou grande aumento no número de campos de
petróleo e gás e diminuição da renda diferencial apropriada pelos produtores de petróleo.
2.2.4. As Alterações Institucionais da Indústria Petrolífera
Concomitantemente as alterações organizacionais ocorreram e consolidaram-se as
alterações institucionais da indústria petrolífera onde o fato marcante é a retração do Estado e
a tendência internacional à desregulamentação e promoção da competição nos países
exportadores e importadores de petróleo.
Depois dos choques do petróleo nos anos 70 as políticas energéticas dos países foram
alteradas e os códigos de minas de quase todos os países foram revistos. Os países
importadores de petróleo procuraram, entre outras políticas, aumentar seus estoques de
petróleo, diversificar as importações, retrair a demanda, diversificar as fontes de energia
(biomassa, carvão,lica, gás natural, hidroelétrica, nuclear e solar), desenvolver novas
reservas não OPEC e adotar diferentes formas de comercialização de petróleo e derivados.
Em um segundo grupo de países, que importam quase todo o petróleo que consomem
(como o Chile, Paraguai e Uruguai) há também a tendência de manter estreito controle estatal
sobre o recurso, quando o monopólio completo, limitando-se a participação das petrolíferas
a algumas operações secundárias.
Nos países produtores até os anos 90 o Estado, através das estatais, agia diretamente
no setor petrolífero para, entre outras razões, resguardar a indústria do petróleo do capital
externo (em especial das Sete Irmãs), evitando o poder de barganha dos trustes; obter controle
das riquezas nacionais e com isso a reter a renda petrolífera, com a finalidade de promover o
desenvolvimento econômico; manter a autonomia nacional e assegurar o abastecimento
interno. Atualmente os controles são mais gidos dependendo do grau de importância
66
econômica, grau de dependência das importações/exportações e necessidades estratégicas de
cada país. Por sua vez, estas políticas têm gerado resultados diferentes e também problemas
distintos quanto ao controle do setor (Fernandes & Silveira, 1999).
A falta de capitais ou tecnologias nos países com grandes reservas e também grande
produção de petróleo e gás (como Arábia Saudita), os fez permitir a entrada de IEDs em
arranjos que se caracterizam pela redução da presença do Estado na cadeia produtiva
petrolífera. O Estado continua presente atras da empresa pública, mas adotaram-se critérios
comerciais nas operões destas empresas, como bench marking”
42
e também a inserção de
métodos de regulação orientados para o mercado, como as concessões a agentes privados.
Vale ressaltar que a necessidade de capital somada às condições de incerteza
características desse novo processo faz com que os acordos de parcerias tomem grandes
proporções nessa reestruturação dos países. Esses acordos, além de significarem novas formas
de organização das empresas, representam uma estratégia de penetração nos mercados e um
instrumento eficaz ao acesso de tecnologias mais avançadas (Fernandes & Silveira, op.cit.).
A situação se agrava ainda mais quando se sabe que para muitos países o petróleo e o
gás natural são os únicos recursos que encontram mercados em âmbito mundial e em caso de
dificuldades internas os impostos sobre a indústria petrolífera podem ser majorados.
Do ponto de vista macroeconômico um dos principais problemas da indústria como
um todo é a estabilidade de preços. Além de determinarem o ritmo da evolução da IMP o
preço do barril de petróleo é fonte de problemas geopolíticos. Apesar de atualmente existir a
alternativa do euro, o dólar ainda é a moeda de referência dos contratos da IMP e o parâmetro
a partir do qual os países fixam suas moedas. Por isto a alteração monetária de um país onde
se explora ou se comercializa o petróleo é fonte de distúrbios. Em alguns casos, um contrato
que é vantajoso quando fixado de um determinado modo, torna-se problemático quando
alterações monetárias.
Em seu conjunto tanto a flexibilização como as alterações institucionais da indústria
petrolífera permitiram redesenhar o mapa petrolífero mundial. Foram ampliadas as reservas
dos grandes países produtores, como Arábia Saudita, Kuweit, Irã e Iraque; foram
incorporados novos países produtores, como Angola, Chade, Omã e o Sudão; antigos
produtores voltaram ao mercado, como a China e ssia; foram incorporados campos de
petróleo em países onde os custos de produção eram proibitivos como na Dinamarca e Itália; e
42
Critério comercial que fixa a taxa de retorno mediante o cumprimento de metas pré-estabelecidas ou através de
um índice de desempenho (Mansell, 1995).
67
aumentou vertiginosamente a produção offshore em particular no Golfo da Guiné, Golfo do
México, Mar Cáspio e no Mar do Norte.
2.2.5. Em Busca de Novas Fontes de Energia
A muito é conhecida à condição de recurso natural não-renovável dos hidrocarbonetos,
mas não se sabe quando eles se esgotarão. Em 1956 o geólogo norte-americano Marion King
Hubbert apresentou um documento ao American Petroleum Institute (API) onde aventava a
hipótese que a curva da produção de um combustível fóssil de uma dada área geográfica num
período de tempo poderia ter a configuração da figura abaixo:
Quadro 2.2.: O Pico de Hubbert
Para Hubbert após a descoberta de reservas de um combustível fóssil (em geral as
jazidas mais acessíveis) a taxa de produção cresce em função das reservas a serem
descobertas, da evolução do conhecimento geológico da área e do acréscimo de infra-estrutura
de produção. Em algum ponto um pico de produção é atingido, seria então o momento em que
a produção estaria no máximo. A partir desse ponto a produção tenderia a declinar, e seriam
descobertas jazidas de acesso mais difícil e de dimensões reduzidas que não revertem as taxas
68
de declínio exponencial. Ainda conforme Hubbert o pico produtivo de qualquer região ou país
poderia ser calculado conhecendo-se as reservas provadas, a produção acumulada, as reservas
a ser descobertas e as taxas de produção (Gomes & Rosa, 2004).
Inicialmente Hubbert calculou que o pico da produção de petróleo dos EUA seria
atingido entre 1965/70 e de fato ocorreu em 1969. Por essa razão a hipótese de Hubbert
recebeu o nome de Teoria do Pico de Hubbert. A partir de 1982 o próprio autor começou a
aplicar a hipótese para o mundo como um todo.
Conforme Gomes & Rosa (op. cit.) o grande problema do cálculo do pico está em
saber quanto petróleo existe no mundo. De fato, as informações sobre as reservas o pouco
confiáveis e, freqüentemente, consideradas segredo de Estado. A proporção do petróleo
recuperável economicamente depende da evolução da tecnologia de extração. A própria taxa
de crescimento da demanda pode ser projetada com alguma incerteza, que envolve, por
exemplo, o cálculo da elasticidade de substituição por outras fontes de energia. Estimativas
(passíveis de discussões e revisões) realizadas com os dados necessários disponíveis indicam
que o pico de Hubbert do carvão ocorrerá por volta de 2150 e o esgotamento das reservas em
2200; o pico para do gás natural ocorrerá em 2010 e o esgotamento dar reservas em 2060 e o
pico do petróleo ocorrerá entre 2006 e 2025 e o esgotamento das reservas em 2050.
Cientes que os hidrocarbonetos um dia se esgotarão as companhias petrolíferas
buscam alternativas para estabelecer um futuro paradigma enertico que o se sabe ainda
qual será. A velocidade de transição foi acelerada após o choque do petróleo de 1973 quando
a indústria de hidrocarbonetos, que antes ditava o modelo industrial a ser seguido,
reprogamou-se para atender às novas demandas de uma sociedade que busca diferenciação,
exige responsabilidade social das empresas e respeito ao meio-ambiente.
Dentre as formas de energia mais pesquisadas pelas companhias petrolíferas destacam-
se: o biodisel (Petrobras), a biomassa (Shell e Petrobras), o diesel verde (não confundir com o
biodisel, Shell), a eólica (Petrobras), o etanol (Petrobras), o hidrogênio (BP, Chevron e Shell)
e a solar (BP e Shell). Esta diversificação tem levado algumas corporações, como a BP, a
abandonar o conceito de “companhia petrolífera para adotar o conceito de “companhia de
energia”. Essa também é uma das metas da Petrobras para 2010 (Suslick, op. cit.).
Atualmente, apesar da busca por substitutos, o petróleo continua sendo a matéria-
prima número um do mundo. Como mostra Yergin (op. cit.) ele não é apenas a base de uma
enorme rede de interesses: energia (cerca de 42% da geração mundial), atividades paralelas
(gás natural), petroquímica, tecnologia, serviços (engenharia, bancos, transportes, geologia
69
etc.), mas o petróleo é muito mais, é a base de uma série de produtos (de automóveis a
remédios) dos quais nossa civilização depende e com os quais se acostumou.
2.3. A Indústria do Gás Natural
Conforme Contreras (2003b) o deslocamento da IMP para a indústria do gás natural
(IGN) apresenta duas vantagens promissoras que alargam o escopo das companhias
petrolíferas: o crescimento favorável do gás natural (GN) nos mercados mundiais e seus
vínculos com outras indústrias de energia, em particular a indústria de eletricidade.
Nessa perspectiva, conforme Cecchi (op.cit.) a penetração recente e crescente do gás
natural deve ser vista dentro de uma perspectiva histórica ainda mais ampla: o aproveitamento
da energia de forma cada vez mais eficiente, cuja evolução teve etapas claramente
demarcadas. Até o século XVII havia o predomínio da força muscular, lenha, caro vegetal,
correntezas e dos ventos; no século XVIII começou a utilização do vapor (primeiro a lenha e
depois carvão mineral); no século XIX surgiram a eletricidade e os motores a combustão
interna, que definiram uma nova etapa no que se refere à eficiência, comodidade e
multiplicidade no uso da energia; no século XX surgiu a energia nuclear e o gás natural.
2.3.1. A Evolução da Indústria do Gás Natural
Registros indicam que o gás natural associado ao petróleo foi descoberto no Irã por
volta de 6000 a.C. O gás natural era um mistério inexplicável para os antigos. Ocasionalmente
uma fonte entrava em ignição criando uma “flama eterna”, que alimentava lendas e mitos dos
cultos religiosos. Por volta de 1000 a.C. os gregos conheciam uma fonte destas flamas,
localizada no Monte Parnaso. Tais flamas eram objetos de culto religioso também na Índia e
Pérsia. Em 900 a.C. os chineses descobriram o potencial energético do gás natural e
construíram gasodutos primitivos (feitos com troncos de bambu) para aproveitá-lo. Em 211
a.C. os chineses dominavam técnicas para extrair gás natural a 1.000 m de profundidade
utilizando-o para secar o sal. Existem registros de sua utilização em Roma (50 a.C.) e em
1273 Marco Polo chegou a ver uma das fontes de flama eterna” em Baku, na Rússia.
Na Europa o gás natural foi descoberto na Grã-Bretanha em 1659, mas não despertou
interesse. A preferência era pelo gás manufaturado do carvão (produzido pela primeira vez em
1670) porque este era mais fácil de processar, estocar, transportar e utilizar. Em 1792 o
irlandês William Murdoch começou os experimentos de iluminão com o gás manufaturado,
depois adotado no serviço de iluminão pública na Grã-Bretanha. Em 1816 o gás
70
manufaturado começou a iluminar as ruas de Baltimore (EUA). Apenas em 1821 William
Hart construiu em Fredonia (New York, EUA) o primeiro gasoduto comercial para o gás
natural, fornecendo energia para iluminação e cocção de alimentos (Laureano, 2006).
Nos primórdios da indústria petrolífera a mentalidade dos produtores era a de extrair o
máximo de petróleo no menor tempo possível, desconsiderando o s natural, mesmo porque
inexistiam formas de aproveitá-lo. O gás natural associado ao petróleo era simplesmente
liberado na atmosfera ou queimado. Apenas em 1872 J. N. Pew construiu dutos para recolher
e vender o gás natural oriundo de Oil Creek Valley. Em 1883 o mesmo J. N. Pew estendeu
seus dutos até Pittsburgh. Em 1889 John D. Rockefeller, detentor do monopólio do refino e
do monopsônio da compra de petróleo bruto, cria a Standard Gas Trust e em 1890 adquire a
firma de Pew. Surgia, então, a indústria norte-americana de gás natural. Um ano depois, a
nova empresa dispunha de uma rede com mais de 300 km de extensão que distribuía 7
mm
3
/dia de gás natural. Apesar das exceções a utilização em escala comercial do energético
ficou restrita aos EUA até a metade do século XX (Laureano, op. cit.).
Lentamente os aperfeiçoamentos tecnológicos viabilizaram o aproveitamento do gás
natural, em particular a invenção do Bico de Bunsen (por Robert Bunsen em 1885) e das
conexões a prova de vazamento (por S. R. Dresser em 1890). Em 1891 um gasoduto
rudimentar (de 193,08 km) ligou os poços em Indiana a Chicago, mas a tecnologia insipiente
limitava o transporte a pequenos volumes de gás natural a curtas distâncias (cerca de 160 km),
fatores insuficientes para tornar o gás natural competitivo com o carvão e o petróleo.
Fora dos EUA o gás natural começou a ser utilizado na Alemanha (1911), Hungria,
Itália (1931), França (1939), Japão (1907), Romênia e URSS. No início da década de 1950 o
gás natural assumiu importante participação na reconstrução do Leste europeu. Fora do bloco
socialista as descobertas mais importantes foram ao campo gigante de gás não associado de
Lacq (França, 1957) e Groningen (Holanda, 1959). Na América do Sul a Argentina explorou
as reservas de Comodoro Rivadavia tornando-se o primeiro país da região a aproveitar o gás
natural, construindo em 1949 um gasoduto de 1.605 km ligando as reservas a Buenos Aires.
Nas décadas seguintes, a melhoria tecnológica dos gasodutos tornou o s natural
competitivo economicamente. Nos EUA 10 gasodutos foram construídos entre 1927/31 e em
1938 foi promulgado o primeiro marco regulatório, porque as autoridades consideravam a
indústria do gás natural um monopólio natural. A expansão do uso do s natural ocorreu
durante a Segunda Guerra, quando se combinaram a necessidade de se encontrar matérias-
primas capazes de substituir o petróleo com a descoberta de novas jazidas de gás natural.
71
Em 1960 o consumo de s natural limitava-se aos países até aqui citados, sendo que
os EUA e URSS concentravam mais de quatro quintos da demanda mundial. Nos anos 60 a
indústria expandiu-se em razão dos novos aperfeiçoamentos tecnológicos no transporte
(gasodutos e a introdução do primeiro navios criogênico), da demanda por novas fontes de
energia e das maiores vantagens industriais e ambientais dos natural. O choque do petróleo
de 1973 estimulou ainda mais a expansão (Laureano, op. cit.).
Conforme Cecchi (op. cit.) existem quatro pontos em comum das diversas
experiências internacionais que revelam a natureza econômica do gás natural: 1) sua reduzida
importância até bem pouco tempo; 2) nos EUA e Europa o crescimento ocorreu as a
descoberta de abundantes jazidas relativamente próximas às grandes aglomerações urbanas e
em função das rigorosas condições invernais, fatos geográficos determinantes em se tratando
de uma fonte não renovável com elevado custo de transporte; 3) as grandes cidades européias
e norte-americanas dispunham de extensas redes de distribuição para o gás manufaturado
do carvão o que facilitou a substituição no abastecimento residencial e público (companhias
municipais de iluminação, hospitais, empresas e imóveis públicos); e 4) descobertas de
jazidas abundantes e distantes tornaram a expano da capacidade de transporte um elo crucial
para sustentar o crescimento do consumo durante um longo período de tempo. Neste caso
alguns gasodutos são os responveis por consolidar mercados de dimensões continentais,
como o Big Inch e o Little Big Inch, (EUA, 1947) e o Transiberiano (URSS, 1973).
2.3.2. A Estrutura da Indústria do Gás Natural
Como indústria do setor de infra-estrutura a IGN apresenta seus elementos picos:
estrutura em cadeia produtiva, as especificidades dos ativos, a forma de organização, os
ganhos econômicos e a estrutura de mercado.
O gás natural é uma das fases físicas que assume o petróleo (ver anexos) e por isto
pode ser encontrado dissolvido no petróleo (quando é chamado de “gás associado”) ou
separadamente (quando é chamado de “gás livreou “não associado”) através dos mesmos
processos exploratórios utilizados para encontrar petróleo. Por essa razão a primeira atividade
da indústria do gás natural é dita upstream, que é escopo da E&P do petróleo. Isso implica
também no fato de que normalmente as mesmas companhias que operam na indústria do
petróleo também operam na indústria de gás natural.
As diferenças entre a indústria do petróleo e a indústria do gás natural originam-se na
decisão de utilização deste último. O gás natural pode ser queimado (se não como
72
reaproveitá-lo), utilizado no próprio sistema de produção (processos de re-injeção e gás lift) a
fim de aumentar a recuperação de petróleo do reservatório ou destinado a comercialização. Se
o gás natural for destinado a comercialização ainda nesta fase ele é submetido a uma primeira
separação na qual se retira a água, as partículas lidas (pó e outros), agentes corrosivos,
impurezas, os hidrocarbonetos líquidos e os compostos de enxofre.
A segunda atividade é o midstream e diz respeito ao transporte de gás natural bruto ou
não. Aqui existem cinco opções, sendo a primeira os gasodutos. Nesse caso, através de uma
estação de compressão, o gás natural é introduzido no gasoduto com uma pressão de 100 a
150 kg/cm
2
, mas por força do fluxo, há uma perda de energia por atrito e a pressão decai até
cerca de 30 a 40 kg/cm
2
ao longo da tubulação, sendo necessário, então, outra estação de
compressão para elevar a pressão e permitir a continuidade do fluxo do produto. Este ciclo
pode ser repetido várias vezes, permitindo atingir grandes distâncias.
Gasodutos o ativos específicos que configuram um monolio natural e propiciam
grandes economias de escala. Concentram também os elevados riscos advindos dos grandes
custos de construção dos dutos (cerca de US$ 680.000,00 por quilômetro) e das plantas de
compressão, bem como da sua especificidade funcional e a imobilidade do investimento.
Desta forma a decisão pela construção de um gasoduto está associada à sua extensão, o fluxo
máximo requerido à demanda de pico, o número de estações de compressão, trade-off entre o
diâmetro do duto, condições de licenciamento ambiental, condições gerais de localização e
condições geográficas do percurso escolhido (Laureano, op. cit.).
Como o investimento é extremamente rígido e os ganhos de escala e a amortização dos
custos são ambos obtidos ao longo do tempo os contratos normais de construção e operação
de gasodutos normalmente são de longo prazo, do tipo "take or pay" (pague mesmo sem
consumir) e os preços do gás (e também para fins de taxação) são fixados por volumes no tipo
de cobrança “boca do poço”, ou seja, na origem da fonte produtora. Por sua vez, prazos
longos originam uma série de compromissos entre as partes, do fornecedor que tenha reservas
e sistema de transferência e o consumidor que tenha mercado para absorver a produção.
Uma preocupação adicional é com a estabilidade econômica/política dos parceiros
visto que os contratos são longos e a ligão entre as partes é física (dutos) e uma reviravolta
do cenário político pode inviabilizar o empreendimento. Isto explica porque as companhias
fazem tais investimentos quando garantias de retorno e porque eles normalmente
diminuem os riscos de perdas operando em segmentos complementares ao gás.
73
A segunda opção de transporte é o Gás Natural Liquefeito (GNL, ou LNG) processo
em que o gás natural é conduzido a plantas de liquefação onde é resfriado a 161,45
o
C
quando passa do estado gasoso para o líquido, ocupando 1/615 avos do volume original. O
GNL então é embarcado em caminhões, navios ou trens criogênicos capazes de manter as
condições de liquefação. Uma vez no destino plantas de regasificação devolvem ao gás
natural a sua condição normal, quando então pode ser transportado por outros meios.
Esta opção de transporte também propicia ganhos de economia de escala exigindo
grandes investimentos
43
nas plantas de liquefação, regasificação, transporte e armazenagem,
que exigem gidas normas de segurança, bem como um preciso agendamento de entregas.
Por estas razões esta opção também apresenta grande rigidez nos investimentos e exige
contratos longos para sua amortização, tornando-se competitiva com os gasodutos a partir de
distâncias de 2.000 km offshore e de 3.800 km onshore para volumes de 8,33 mm
3
/dia, mas
distancias superiores a 6.000 km os volumes devem ser maiores de 69,44 mm
3
/dia.
A terceira opção de transporte é através do Gás Natural Comprimido (GNC) onde o
gás natural é comprimido em cilindros contendo carvão ativado (que facilita a aglutinação das
moléculas do gás natural), o que permite o transporte por caminhões e trens. Esta opção serve
para atender pequenos consumidores a médias distâncias, onde o volume comercializado não
justifica a construção de infra-estrutura de transporte e distribuição.
A quarta opção é convertendo o gás natural em compostos e derivados (como metanol
e amônia) e depois transportar estes.
A quinta oão de transporte é o Gas to Liquides (GTL, ou Gás Natural a Liquido),
uma aplicação modernizada do processo alemão Fischer-Tropsch (desenvolvido em 1926)
para produzir combustíveis líquidos (gasolina, querosene e óleo diesel) a partir do gás natural.
Na atividade de downstream é feita a distribuição e armazenamento de gás natural em
locais próximos dos consumidores (domicílios, indústrias, plantas termoelétricas e pólos
petroquímicos). O armazenamento pode ser feito em aqüíferos, cavernas, minas de sal,
reservarios esgotados de petróleo e gás natural ou em cavernas criogênicas sob a forma de
GNL. A armazenagem é utilizada para regularizar o fluxo de entrega final do gás que ocorre
próximo aos centros consumidores, sendo empregada para aliviar a demanda em momentos de
pico, reduzir as flutuões de entrega e balancear o sistema de transporte.
43
Uma planta de liquefação com capacidade para processar 19 mm
3
/dia exige um investimento de US$ 2
bilhões. Uma planta de regasificação capaz de processar 8 mm
3
/dia exige um investimento entre US$
300 e US$ 600 milhões. Um navio criogêncico capaz de transportar 125.000 m
3
custa US$ 225 milhões
e em qualquer caso a frota mínima necessária é de 4 a 6 navios.
74
Na atividade de comercialização os diferentes agentes vendem o gás natural seja no
mercado interno ou mercado externo. Como os custos desta atividade são bem mais baixos do
que os existentes no upstream e misdream é possível diversificar a concorrência.
Na IGN a atividade de transporte é o principal alvo de regulação, porque aqui se
concentra elementos típicos do setor de infra-estrutura. Assim, a introdução da concorrência
no setor gafero baseia-se no princípio de livre acesso à estrutura de transporte, obrigando o
proprietário a disponibilizar a capacidade ociosa dos gasodutos para o uso dos agentes
interessados, mediante a cobrança de tarifas. Para tal, os órgãos reguladores responsáveis
devem determinar os procedimentos para divulgação das disponibilidades de capacidade, os
prazos e as normas para firmar contratos de transporte, o controle do sistema tarifário do
transporte, entre outros aspectos relativos a esta atividade.
Afinal, a terceira atividade é dita downstream e diz respeito a separação do gás natural,
operação realizada nas Unidades de Processamento de Gás Natural (UPGNs), instalações que
retiram o vapor d´água, o fraciona em derivados e padroniza sua composição adequando-o ao
consumo final. Os derivados obtidos nesta fase são: o metano (principal componente do gás
natural), o etano (matéria-prima petroquímica), o propano e butano (que formam o GLP) e
outros hidrocarbonetos pesados (que formam a gasolina natural). O etano, propano e butano
também são chamados de “frações nobres”. Quando o gás natural contém porcentagens de
metano iguais ou maiores que 90% é também chamado de “gás seco”, quando contém
percentagens menores de metano (indicando a presença de frações nobres) é também
chamado de “gás úmido”. Dependendo dos volumes de gás natural a construção de várias
UPGNs podem ser necessárias, o que torna o empreendimento arriscado, em especial porque
essas instalações são de uso específico e não transferíveis.
A tendência do gás natural é deslocar o petleo porque apresenta uma série de
vantagens, como apresentado no quadro 2.3:
Quadro 2.3.: As Vantagens do Gás Natural
Vantagens Macroeconômicas
# Atração de capitais e risco externo;
# Aumento da oferta de empregos;
# Dispensa o aquecimento para queima;
# Disponibilidade ampla, crescente e dispersa;
# Diversificação da matriz energética;
# Elimina custos com estocagem
# Fontes de importação regional;
# Geração de energia elétrica junto aos
centros de consumo;
# Maior competitividade das indústrias;
# Melhoria do rendimento energético;
# Redução do custo do transporte;
Fonte: www.gasenergia.com.br, 2004
Vantagens Ambientais e de Segurança
# Baixa presea de contaminantes;
# Composição química constante;
# Dispensa a manipulação de produtos químicos
perigosos;
# Dispensa tratamento dos afluentes da queima;
# Dispensa tratamento dos gases de exaustão;
# Não apresenta restrições ambientais;
# Não emite partículas (cinzas);
# Não implica em desmatamento;
# Pode ser usado em veículos;
# Rápida dispero de vazamentos;
# Reduz a emissão de partículas;
Vantagens Para o Usuário
# Admite grande variação de fluxo;
# A queima é direta no produto;
# Custo competitivo
# Dispensa aquecimento no inverno;
# Elevado rendimento energético;
# Fácil adaptação das instalações existentes;
# Maior vida útil dos equipamentos;
# Menor corrosão dos equipamentos;
# Menor custo de manuseio;
# Menor espaço para armazenamento;
# Menor manutenção de equipamentos;
# Permite a regulação da combustão;
# Permite a utilização da rede existente;
# Possibilita curvas de temperatura ideais;
# Redução das doenças respiratórias;
75
. Estas vantagens permitem que o s natural seja utilizado com grande eficiência nas
seguintes atividades (site www.gasenergia.com.br):
- Aplicações Automotivas: neste bloco temos o uso do gás natural como combustível de
veículos automotores. Envolve também as atividades de instalações de reabastecimento nos
postos de serviço ou estações de compressão.
- Aplicações Comerciais: neste bloco temos o aquecimento de água e de ambientes,
combustível para cocção, lavanderias comerciais e hospitalares, condicionamento de ar e
iluminação em locais onde não há disponibilidade de energia elétrica e refrigeração.
- Aplicações Industriais: a chama do gás natural é de melhor qualidade e mais constante que a
de outras fontes, por isto ele é amplamente utilizado em processos industriais que necessitam
de queima (fabricação de alimentos e bebidas, cerâmica, papel e celulose, cimento, vidro,
têxteis). Além disso, o gás natural pode ser utilizado na mineração/pelotização,
processamento de materiais não-ferrosos e ferro-ligas, como redutor siderúrgico (fabricação
de ferro gusa e aço), como matéria-prima na indústria petroquímica/gasquímica (produção de
plásticos) e na indústria de fertilizantes (produção de amônia e uréia), na geração de energia
elétrica, aquecimento direto, calor de processo e climatização de ambientes.
- Aplicações Residenciais: neste bloco estão a coão de alimentos, o aquecimento doméstico,
a refrigeração e iluminação doméstica.
2.4. As Indústrias Escopo do Petróleo e do Gás Natural
Tanto a geração de energia termelétrica quanto a petroquímica tem origem no escopo
do refino do petróleo e da separação do s natural, constituindo-se, por razões de ordem
econômica, financeira, técnica e tecnológica em importantes alternativas de investimentos
para as companhias petrolíferas. Assim, nesta parte faremos breves comentários sobre a
indústria petroquímica e a geração termelétrica a partir do gás natural, modais que atualmente
tem mais atraído à atenção da instria petrolífera. Entretanto, cabe ressaltar que a
petroquímica como um todo é uma instria independente, sujeita a uma estrutura industrial e
regulatória especifica e que a geração de energia elétrica a partir do gás natural constitue-se
num dos elos da cadeia da indústria de geração de elétrica, estando, portanto igualmente
sujeita a uma estrutura industrial e regulatória diferenciada.
76
2.4.1. A Indústria Petroquímica
A indústria petroquímica mundial (IPQ) resulta da economia de escopo da IMP e da
IGN (também são chamadas de gasquímicas as petroquímicas que utilizam apenas as frações
nobres dos natural). As companhias petrolíferas tendem a atuar na petroquímica por razões
defensivas (amenizar os altos custos da linha vertical petrolífera), financeiras (obter os altos
retornos propiciados por esta indústria) e estratégicas (a petroquímica é uma indústria
naturalmente complementar a indústria petrolífera).
2.4.1.1. A Evolução da Indústria Petroquímica
Nas plantas, o eteno (ou etileno) atua como hormônio inibidor do crescimento e
estimulante do amadurecimento dos frutos. Em 2000 a.C. os egípcios descobriram a função
do eteno porque sabiam que furando os frutos dos simoros (uma espécie de figueira) ele
liberava látex que, acreditavam, acelerava o amadurecimento dos frutos. Depois, derivados
químicos foram produzidos em escala laboratorial a partir de outros compostos metabolizados
pelas plantas. Apenas em 1845 o alemão August W. Von Hofmann destilou pela primeira vez
o alcatrão de hulha (um tipo de carvão) obtendo o benzeno, criando a indústria carboquímica.
Em 1856 o inglês William H. Perkins obteve o primeiro corante sintético, a malva, a partir da
anilina, outro derivado do alcatrão de hulha. A partir d a produção de corantes sintéticos
estimulou o crescimento da indústria carboquímica. Somente em 1872 foi obtido da
combustão do gás natural um composto não carboquímico, o carvão amorfo (negro-de-fumo).
As principais indústrias químicas
44
se estruturaram então com base na carboquímica.
Em 1913, com a introdução do cracking catalítico do petróleo, as refinarias começaram a
produzir uma nova série de subprodutos (entre eles os gases e a nafta) que eram tratados como
rejeitos e vendidos para as companhias químicas que a partir deles produziam etileno. Mas
isto não modificou a base carboquímica. Ainda tendo como matéria-prima o alcatrão de hulha,
em 1919 George O. Curme Jr patenteou a técnica de produção comercial do etileno, utilizada
pela Union Carbide na planta inaugurada em Clendenin (Virgínia Ocidental) em 1920.
A conexão entre a indústria do petróleo e a indústria química nasceu por acaso em
1919. A SONJ enfrentava problemas de corrosão numa estação de tratamento de gás natural,
que se acreditava causada pela presença de umidade e de ar no gás de alimentação. Após os
44
Entre elas (com as respectivas datas de fundação): as alemãs AGFA (1867), BASF (1865), Bayer (1863),
Cassela (1789), Celanese (1863) e Höchst (1863); a belga Solvay (1861); a britânica ICI (1926); a
francesa Rhône-Poulenc (1801); as norte-americanas Allied-Signal (1920), American Cyanamid (1903),
Dow Chemical (1892), E.I. du Pont du Neumors (1802), Monsanto (1901) e Union Carbide (1917) e as
suíças CIBA (1859), Geigy (1758), La Roche (1896) e Sandoz (1886).
77
testes se concluiu que o problema poderia ser resolvido desoxidando o gás, combinando o
oxigênio com os hidrocarbonetos do próprio gás. Surpreendentemente, houve a oxidação
parcial dos hidrocarbonetos com a formação de compostos até então obtidos apenas em escala
laboratorial, entre eles o acetaldeído, acetona, álcoois superiores, formaldeído e metanol.
A união definitiva entre a indústria petrolífera e a indústria química ocorreu em 1920
quando a SONJ e Union Carbide construíram em sociedade em New Jersey a primeira planta
petroquímica do mundo que produzia álcool isopropílico, matéria-prima de cosméticos. Em
1923 a Union Carbide inaugurou uma planta petroquímica para produzir etileno.
Nos anos seguintes o potencial da indústria petroquímica ficou claro com a produção
da primeira borracha sintética na Alemanha (1930), do polietileno na Grã-Bretanha (1932) e
do nylon nos EUA (1935), mas foi a intensa demanda de matérias-primas (para produção de
borrachas e explosivos) na Segunda Guerra que propiciou um crescimento vertiginoso da
indústria petroquímica. Ao final do conflito ela estava consolidada na Alemanha e EUA.
Após a guerra a indústria petroquímica superou a carboquímica na Europa Ocidental e
no Japão porque além do petróleo ser mais barato e abundante, os processos produtivos dos
seus derivados intermediários eram mais acessíveis e econômicos e rendiam frações químicas
leves (etileno, propileno, etc.) em proporção muito maior do que o alcatrão de hulha.
Apesar ser um ramo industrial independente da indústria petrolífera, a petroquímica
tem com ela vínculos estreitos por que: 1) demanda as frações químicas leves das refinarias;
2) seus derivados têm alto valor agregado; e 3) possibilita, através da obtenção de economias
de escopo, a expansão das atividades petrolíferas e ganhos adicionais elevados. Assim, no
transcorrer dos anos todas as grandes companhias petrolíferas criaram um ramo petroquímico:
Shell (1929), Chevron (1940), BP (1947), Gulf Oil (1952) e Texaco (1955).
A partir da década de 1950 os sintéticos petroquímicos passaram a fazer parte do
quotidiano, substituindo incontáveis produtos naturais, entrando no processo de produção de
virtualmente quase todos os produtos sintéticos hoje conhecidos.
2.4.1.2. A Estrutura da Indústria Petroquímica
A IPQ deriva do escopo da IMP e da IGN e também é uma indústria do setor de infra-
estrutura, apresentando seus elementos típicos: a cadeia produtiva, as especificidades dos
ativos, a forma de organização, os ganhos econômicos e a estrutura de mercado.
78
As principais matérias-primas da IPQ o: a nafta (obtida do refino do petróleo), o
etano e o propano (obtidos do refino do petróleo ou da separação do gás natural). Através de
três atividades essas matérias-primas são convertidas em produtos diferenciados e
diversificados que entram no processo produtivo da atividade seguinte até se chegar aos
produtos finais (Brink & Shreve, 1997):
1. As indústrias de primeira geração: convertem as matérias-primas em produtos
petroquímicos básicos, entre o quais o eteno (cuja produção é balizadora da IPQ), o propeno e
o butadieno (ditos oleofinas), o benzeno, o tolueno e paraxileno (ditos aromáticos).
Secundariamente são produzidos combustíveis e solventes.
2. As indústrias de segunda geração: convertem os produtos petroquímicos básicos em
produtos intermediários como o acetato de vinila, ácido acrílico, acrilonitrila, amoníaco,
anilina, estireno, fenol, isopreno, óxido de etileno, óxido de propeno, uréia, entre outros.
3. As indústrias de terceira geração: convertem os produtos intermediários em produtos finais.
Os produtos finais ultrapassam o número de 5.000 sendo os principais os ácidos salicílicos,
ácido sulfúrico, agrotóxicos, álcoois, aldeídos, borrachas, cetonas, corantes, detergentes,
enxofre, explosivos, fertilizantes, fibras sintéticas, hidrogênio, isopores, plásticos, resinas,
solventes, tensoadores, tintas, entre outros.
Os produtos finais são utilizados pelas indústrias de transformação para produzir
adesivos, alimentos, calçados, cosméticos, embalagens, garrafas, fios e cabos elétricos,
materiais de construção, medicamentos, peças, roupas, tubos e conexões, entre outros.
A despeito do enorme volume de produtos finais e da intensidade de processos (até 45
etapas são necessárias deste o upstream até a obtenção do produto final) a IPQ absorve apenas
entre 3% e 5% do total de derivados do gás natural e do petróleo, mas estes derivados não
apenas apresentam preços elevados
45
como à medida que o fluxo produtivo avança mais valor
é agregado ao produto seguinte de forma que o preço de um produto da indústria de
geração pode variar de US$ 1.000,00 a US$ 4.000,00 por tonelada. Devido a essa agregação
de valor calcula-se que a indústria petroquímica fature US$ 1,7 trilhão por ano com
crescimento médio de 3% a.a. (Brink & Shreve, op. cit.).
Historicamente as companhias petrolíferas procuraram obter a integração estrutural
com as companhias petroquímicas, controlando o processo produtivo desde a produção de
matérias-primas até as indústrias de terceira geração, algo que ocorre por uma série de razões:
45
O óleo combustível, o asfalto, e a gasolina não passam de US$ 100,00 ou US$ 200,00 a tonelada, enquanto o
preço da nafta é em dia 8 vezes superior.
79
os ganhos e sinergias advindos da integração dos ativos de gás e petróleo com o setor
petroquímico, a possibilidade de balanceamento dos ciclos refino-petroquímica, a
diversificação em produtos de maior valor agregado, o barateamento das matérias-primas, a
redução dos custos através da escala de produção e competitividade e fato da IMP ter na IPQ
uma forma a mais para recuperar seus custos de produção.
Em função disto, conforme Garcia, Hiratuka e Sabbatini (in: Barreto, Neto, Souza,
2003) a indústria petroquímica mundial segue três modelos estruturais: 1) as grandes
companhias petrolíferas, que mantém suas atividades concentradas nas atividades petrolíferas,
possuindo atividades na indústria petroquímica (como a BP, Chevron, ExxonMobil, Petronas,
Shell, Sinopec, Total, entre outras); 2) as grandes companhias petroquímicas, que mantém
suas atividades concentradas na indústria petroquímica, possuindo ou não complementos na
indústria química (como a Braskem e da Suzano entre outras); e 3) as grandes companhias
petroquímicas/químicas, que mantém suas atividades concentradas nas atividades
petroquímica/química, o que as permitem diferenciar seu produto e incorrer em margens de
rentabilidade superiores (Seria o caso da BASF, Bayer, Dow Chemical, E.I. Du Pont du
Neumors, Höchst, entre outras). Atualmente também existem as companhias petrolíferas que
procuram uma maior integração entre o refino-petroquímica (como a da PDVSA, Pemex e
Petrobras) e as companhias focadas em química fina (como a Degussa e a DSM).
Além da diversificação dos produtos, agregação de valor e dos nculos entre IMP e
IPQ outra característica desta é a sua ciclicidade. A decisão de investir na IPQ oscila de
acordo com a volatilidade dos preços do petróleo e da paridade das taxas de câmbio, da
flutuação das taxas de crescimento da demanda mundial e inovações tecnologias, mas quando
se decide pela ampliação da capacidade produtiva instalada os investimentos devem ser
concentrados nas indústrias de primeira e segunda geração, que normalmente resultam num
impacto produtivo proporcionalmente muito maior do que a capacidade de absorção pelo
mercado, gerando desajustes estruturais, que em três ou quatro anos resulta em sobre oferta de
produtos químicos e rebaixamento de preços (Kupfer, 2004).
Por sua vez essa ciclicidade estrutural determina os ciclos de aquisições, fusões e
formação de joint-ventures entre as companhias que ocorrem a cada 5 anos e são seguidos de
outros 5 anos de digestão (reestruturação dos ativos e racionalização dos ciclos). O último
ciclo ocorreu entre 1997/2002 produzindo um crescimento da integração entre as refinarias de
petróleo e as indústrias de primeira geração e uma elevação significativa do grau de
concentração industrial. Em meados dos anos 90 existiam 19 grandes companhias
80
petroquímicas: Amoco, Arco, BASF, Borealis, BP, Chevron, Dow Chemical, Exxon, Höchst,
Lyondell, Millenium, Mobil, Montell, Occidental, PCD, Phillips, Shell, Solvay, Union
Carbide, que se reduziram a 7
46
em 2005: Basell, Borealis, Chevron, Dow Chemical, Equistar,
Exxon e Innovene (Gomes, Dvorsak, & Heil, 2005).
A ciclicidade impacta também sobre a estrutura concorrêncial da IPQ na medida em
que a concentra em poucas empresas, configurando uma situação de oligopólio, mas
independentemente disso, a concorrência envolve outros fatores intra-firma e extra-firma. Os
fatores intra-firma dizem respeito às capacidades intrínsecas das companhias tais como o grau
de integração da cadeia petroquímica; a capacidade de inovação tecnológica (que exige
vultosos investimentos em P&D), mas em contrapartida, como os novos produtos
normalmente apresentam alto valor agregado (destacadamente na área de especialidades
químicas) estes as protegem das flutuações de preços; a constituição de fontes de rendas mais
perenes, como o licenciamento de tecnologias; e a eficiência produtiva das companhias
(capacidade de racionalizar trabalho e estruturas, otimizar os custos e a logística).
Os fatores extra-firma dizem respeito às questões como: o acesso a matérias-primas
baratas (as matérias-primas correspondem em média a 83% dos custos variáveis da IPQ); à
internacionalização da cadeia produtiva; a descentralização da produção; o compartilhamento
da capacidade produtiva com outras empresas; o acesso ao mercado consumidor (existência
ou não de barreiras à entrada, facilidade de transporte, etc.); o grau de regulação ambiental
(como normas de emissões) que tende a pressionar os custos; a política de concorrência (que
tende a dificultar as operações de consolidação); e as normas de patenteamento e
homologação de novos produtos (que tendem a encarecer a P&D).
2.4.2. O Gás Natural e a Geração de Energia Elétrica
A geração de energia elétrica a partir do gás natural foi impulsionada pela elevação do
preço do barril do petróleo após 1973, bem como pelo aumento da preocupação ambiental.
Contudo, a natureza fortemente irreversível dos investimentos energéticos, a especificidade
do capital envolvido e o elevado poder de mercado de que dispõem as empresas de energia
explicam certa inércia do setor. Assim, embora tenha demonstrado sua “vantagem custo
desde meados da década de 1980, o impacto do avanço tecnológico na geração termelétrica a
46
A Basell é uma joint-venture formada pela BASF e Shell; a Chevron uniu seu setor petroquímico ao da
Phillips; a Dow Chemical comprou a Union Carbide em 1999; a Exxon absorveu o setor petroquímico
da Mobil; Innovene é o novo nome do setor petroquímico da BP e incluí os setores petroquímicos da
Amoco, da Arco e da Solvay.
81
gás natural não surgiu completamente. Ademais, ao longo da história, a sucessão de novas
fontes de energia não resultou no desaparecimento das formas precedentes de aproveitamento.
2.4.2.1. A Evolução das Termelétricas a Gás Natural
O aproveitamento do gás natural para produzir energia elétrica está associado ao
desenvolvimento das turbinas. A turbina mais simples é a de água (utilizada para mover as
mós dos moinhos) conhecida desde pelo menos 100 a.C. e posteriormente aperfeiçoada pelo
francês Benoît Fourneyron (1826), pelos norte-americanos James B. Francis (1849) e Lester
A. Pelton (1880) e pelo austríaco Viktor Kaplan (1913). Essas turbinas são atualmente
utilizadas nas usinas hidroelétricas.
A turbina a vapor, mais sofisticada, era conhecida do grego Hieron (cerca de 60 d.C.)
sendo aperfeiçoada pelo sueco Carl Gustav Patrik de Laval (1882) e pelo inglês Charles
Parsons (1884). Essas turbinas são atualmente utilizadas para movimentar navios e na geração
de energia elétrica a partir de usinas nucleares e termelétricas.
Segundo Usher (1993) a hisria da turbina a gás começa em 1791 com o trabalho do
inglês John Barber. Em teoria tal turbina podia atingir até 75% de eficiência
47
, fator muito
mais alto que a encontrada no motor a gasolina (até 25%) ou diesel (até 35%), mas logo
surgiu um obstáculo prático: encontrar materiais que resistissem a temperaturas de 625
o
C.
Porém, devido à eficiência prevista em teoria, se fez grande esforço entre 1791 e 1903 no
sentido de se obter uma turbina a s viável. Neste sentido os trabalhos mais importantes
foram do alemão Friedrich Stolze (1872), do norueguês Egidius Elling (1903), dos franceses
Armengaud e Lemale (1903/06) e do alemão Holtzwarth (1911).
A partir dos anos 30 as possibilidades da turbina a s como propulsor de aviões
estimularam as pesquisas teóricas em diferentes países, entre elas as do pioneiro inglês Frank
White (1929), do italiano Secondo Campini (1931), da firma alemã Junkers Motoren
(1936/38) e do húngaro György Jendrassik (1938). Como resultado desses aperfeiçoamentos
em 1939 a Suíça instalou em Neuchâtel a primeira planta com turbina a s para produzir
energia elétrica e testou sua possibilidade numa locomotiva. Apenas em 1944, com o
aperfeiçoamento da metalurgia, a firma inglesa Rolls-Royce apresentou as primeiras turbinas
eficientes, instaladas num avião Gloster.
47
No caso de motores térmicos se entende que eficiência é a razão entre a energia transformada em trabalho
mecânico e energia despendida. No caso da turbina as é a relação mais alta conhecida.
82
Em 1963 foi testado o conceito do ciclo combinado (combined cycle gas turbine,
CCGT ou CCPS), processo que visava reduzir as perdas com os gases de escape (os “gases de
exaustão”) da turbina a gás. Os gases de exaustão eram canalizados para uma caldeira de
recuperação de calor para produzir vapor que alimentava uma turbina a vapor para gerar
potência adicional. Essa montagem ficou conhecida como tipo 1+1 (uma turbina a s
acoplada a uma turbina a vapor
48
). Na década de 70 foram construídas as primeiras CCPS de
pequeno porte (entre 15 mW a 20 mW) que apresentaram rendimento de 40%.
O desenvolvimento da turbina a gás continuaria e nas cadas de 1970/80, a partir de
turbinas de aviões (ditas aeroderivadas), foram concebidas as atuais turbinas a gás destinadas
à geração de eletricidade. Com sua introdução, pela primeira vez em dois séculos, no que se
refere ao aproveitamento enertico, a redução do custo de produção não está ligada aos
ganhos de escala
49
(Cecchi, op. cit).
2.4.2.2. As Vantagens das Termelétricas a Gás Natural
A geração de energia elétrica a partir do s natural esestruturalmente vinculada a
IGN a o momento que o s natural penetra na usina. Depois disto começam a surgir
algumas particularidades, a começar pelas vantagens frente às usinas termoelétricas a óleo:
1. Causam menor dano ambiental: a queima do gás natural é isenta de enxofre e de cinzas,
gera menos chuva ácida e produz menos gás carbônico por kW gerado;
2. O menor custo de construção, devido a entre outros fatores: a menor área necessária para
sua construção, a dispensa de custosas instalações de desulfurização e eliminação de cinzas
exigidas pelas térmicas a carvão e a óleo, a dispensa de áreas para estocar carvão e/ou tanques
de óleo, o menor tamanho das chaminés (75 m) que podem ser construídas em aço, enquanto
as usinas a carvão e óleo exigem chaminés maiores (250 m) construídas em concreto. No total
uma usina a carvão e óleo é 80% mais cara que a gás natural;
3. Os menores custos operacionais em vista do alto grau de automação das CCPSs;
4. A maior eficiência do que outros tipos de usinas. As melhores usinas a carvão atingem no
máximo 40% de eficiência térmica, os melhores motores diesel chegam a 44% de eficiência.
48
Atualmente as usinas podem ser configuradas no tipo 2+1 (duas turbinas a gás natural e uma a vapor), 3+1
(três turbinas de gás natural e uma a vapor), 4+1 (quatro turbinas de gás natural e uma a vapor) e 5+1
(cinco turbinas de gás natural e uma a vapor).
49
As plantas térmicas baseadas em turbinas a gás têm apresentado um custo de geração decrescente nas últimas
duas décadas, em função, principalmente, do aumento da eficiência dos equipamentos de geração, que
deve ser atribuído, particularmente, ao emprego de materiais mais resistentes às altas temperaturas e ao
resfriamento das palhetas da turbina.
83
Uma usina a gás natural concebida em CCPS atinge facilmente os 56% de eficiência térmica,
quase duas vezes a eficiência normal das usinas a carvão, nafta ou óleo combustível.
5. O prazo relativamente curto de construção do empreendimento. O prazo de construção de
uma usina CCPS não excede 2 anos, enquanto uma térmica a carvão ou óleo leva em média 3
anos e uma hidroelétrica pelo menos 8 anos;
6. A grande flexibilidade da configuração das usinas para oferta de eletricidade. Uma usina
em sistema CCPS tipo 1+1 pode ser projetada e instalada rapidamente para produzir 1, 2, 20,
60, 120, 200 e 330 mW satisfazendo assim diferentes necessidades. A mesma usina pode ser
rapidamente projetada nas configurações tipo 2+1, 3+1, 4+1 e 5+1 quando podem produzir
entre 360 e 990 mW.
7. Este tipo de usina ainda é passível de melhorias. Estudos apontam que o rendimento pode
atingir 70% (a temperaturas de 1.600
o
C, atualmente a temperatura máxima é de 1.450
o
C).
Também se estuda o uso da combustão seqüencial, onde há reaquecimento dos gases de
exaustão; a redução das irreversibilidades nas caldeiras de recuperação (com a geração de
vapor em diferentes níveis de pressão) e recuperação das perdas térmicas entre os dois ciclos,
com a diminuição da temperatura dos gases de exaustão.
8. Permite a cogeração, ou seja, a geração simultânea de energia elétrica e energia térmica. Os
gases de exaustão podem ser utilizados para gerar vapor numa caldeira especial (caldeira de
recuperação). Esse “sopro quente” da turbina também pode ser usado diretamente para
secagens ou para produção de água gelada por meio de um sistema de absorção.
As desvantagens das usinas a gás natural são as seguintes:
1. As usinas termoelétricas podem utilizar carvão e óleo residuais de custo menor, enquanto o
gás natural utilizado para geração de energia elétrica deve ser de alta qualidade;
2. As turbinas são extremamente senveis às variações climáticas, principalmente às
mudanças da temperatura ambiente;
3. Cerca 90% da água demanda por estas usinas é utilizada no sistema de resfriamento;
4. Ela emite óxidos de nitrogênio (NO
x
), entre os quais o dióxido de nitrogênio (NO
2
) e o
óxido nitroso (N
2
O). O NO
2
tem efeitos negativos sobre a vegetação e a saúde humana,
principalmente quando combinado com o dióxido de enxofre (SO
2
). O N
2
O é um dos
causadores do efeito estufa e contribuí para a redução da camada de ozônio;
5. Outra desvantagem diz respeito das turbinas a gás operando em ciclo simples, que gera
perdas por gases de exaustão, problema minimizado com as CCPS;
84
6. Estas usinas sofrem alterações de rendimento quando operam com cargas parciais;
7. Quando, por qualquer razão, a usina cessa de gerar energia elétrica perda de
disponibilidade. A disponibilidade indica a percentagem anual de produção comparando as
horas de efetivo funcionamento com a totalidade das horas do ano. A disponibilidade média
de uma usina é de 90%. As perdas de disponibilidade mais comuns (entre 2 e 12% ao ano,
fixando-se em 5% em um horizonte de 5 anos) resultam das paradas programadas para
manutenção da turbina a gás (prevista para operar até 8000 horas sem interrupção), enquanto
as estatísticas apontam perdas (de 3% a 6%) por paradas resultantes de outros motivos.
Por ser uma indústria vinculada ao gás natural este tipo de geração de energia elétrica
pode ser feito tanto diretamente pelas companhias petrolíferas, o que tem se constituído em
fator comum, como por companhias independentes, mas ambos os casos apresentam os
elementos típicos do setor de infra-estrutura.
85
3. A PETROBRAS COMO ATOR ESTRATÉGICO
Em 2003 quando do cinentenário da Petrobras
50
, JoLima, então seu gerente de
Recursos Humanos, afirmou que antes da Petrobras a indústria do petróleo praticamente
inexistia no Brasil (Suslick, op. cit.). De fato, quando a estatal começou a operar em 10 de
maio de 1954 os desafios eram enormes. Ao mesmo tempo em que a companhia era
administrativamente estruturada era necessário formar a mão-de-obra (advogados,
economistas, engenheiros, geólogos, técnicos, etc.), obter tecnologia, fazer um imenso
trabalho científico (pesquisa geológica, química, etc.) e logístico.
Passados quase 55 anos poucos duvidam do sucesso da Petrobras. A estatal construiu a
infra-estrutura (dutos, sistemas de transporte e distribuição) que lhe permite operar num país
enorme como o Brasil, construíu três los petroquímicos e estimulou o desenvolvimento de
diversas áreas do conhecimento (economia, engenharia, geologia, química, etc.). Assim, neste
capítulo vamos apresentar as origens da Petrobras, suas principais características, processo de
reestruturação e seu sistema de subsidiárias.
3.1. O Difícil Nascimento da Petrobras
O decreto n
o
2.266 de 1858, assinado pelo Marquês de Olinda, deu a José Barros
Pimentel o direito de coletar betume às margens do Rio Marau, Província da Bahia, para
fabricar querosene de iluminação, mas foi o Decreto Imperial 352-A de 30 de abril de 1864
que deu ao inglês Thomas Denny Sargent uma “Concessão para prospecção e lavra do
petróleo no Brasil, no município de Camamu, na Bahia”, o primeiro do gênero petrolífero no
país. O resultado foi negativo. Insistiu-se. Em 1892 o fazendeiro Eugênio Ferreira de
Camargo, a expensas próprias, começou a perfurar um poço em Bofete (SP) que em 1897, ao
atingir 488 m, achou água sulfurosa. Este é tido como o primeiro poço do Brasil porque dele
se extraíram dois barris de petróleo.
Daí em diante foi longa a trajetória até a estruturação de uma companhia brasileira
tecnicamente capacitada no setor petrolífero, uma trajeria que culminou depois da Segunda
Guerra quando se conjugaram três interesses: o da população, melhor informada sobre o papel
do petróleo; o dos militares preocupados desde o final da Primeira Guerra Mundial com o
papel estratégico do petróleo, tendência reforçada após a Segunda Guerra; e o do governo,
preocupado com a construção da infra-estrutura ante as perspectivas de desenvolvimento
50
Conforme a grafia presente no atual estatuto em substituição ao nome Petrobrás.
86
industrial. Um setor estratégico fundamental, a siderurgia, havia sido encaminhado em
1946 com a inauguração da CSN. Com a possibilidade de crescimento industrial as novas
rodovias eram vitais para interligar as principais cidades brasileiras, elevando a demanda de
asfalto e de combustível.
A disputa em torno do petróleo brasileiro, logo polarizado em dois extremos, centrou-
se numa questão: quem conduziria a indústria petrolífera? De um lado estavam os defensores
da interdependência (chamados “entreguistas”), grupo liderado pelos grandes órgãos de
imprensa, empresários, banqueiros, grandes comerciantes e os representantes do capital
externo que queriam a participação do capital internacional na indústria petrolífera nacional.
De outro lado estavam os nacionalistas liderados pelo General Julio Caetano Horta Barbosa e
pelo General Salvador César Obino que contavam com a simpatia de muitos oficiais das
Forças Armadas, bem como de estudantes e políticos de esquerda. Este grupo exigia o
monopólio estatal do petróleo.
Os acontecimentos de 1947 trouxeram novas dimensões ao problema. Em fevereiro o
presidente Dutra pediu que o CNP (Conselho Nacional do Petróleo, criado pelo Decreto Lei
n
o
395 de 29 de abril de 1939) fizesse um estudo sobre o assunto. No dia 21 de abril, enquanto
com o estudo estava em andamento, o Clube Militar do Rio de Janeiro deu início a uma série
de confencias sobre a questão do petróleo (que se estenderam até 16 de setembro de 1947),
onde se contrapuseram a posição “entreguista”, defendida pelo General Juarez Távora e a
nacionalista, defendida pelo General Horta Barbosa. Foram das conferências de Horta
Barbosa que nasceu o movimento fervoroso pela causa do petróleo nacional que teve sua
bandeira no slogan "O Petróleo é Nosso”.
Em outubro de 1947 o CNP chegou a um documento que desagradou a todos. Os
trustes pelas restrições porque queriam, entre outras coisas, o poder de decidir quando e onde
os poços seriam abertos, bem como o que fazer do petróleo, pagando ao Estado as taxas e
os royalties. Os nacionalistas ficaram furiosos com a possibilidade de o capital estrangeiro
participar da exploração do petróleo brasileiro e articularam a mobilização popular. Em 21 de
abril de 1948 a UNE fundou o Centro de Estudos e Defesa do Petleo (CEDP) ao qual
aderiram estudantes, parte da opinião pública, sindicalistas, políticos nacionalistas e o PC.
Tinham uma só exigência: o monolio estatal da indústria do petróleo.
Neste clima adentrou ao Congresso a versão definitiva de uma lei sobre o assunto.
Depois de tramitar por 22 meses, em 3 de outubro de 1953 Getúlio Vargas sancionava a Lei
N
o
2.004 que determinava como sendo monopólio estatal: 1) a pesquisa e lavra das jazidas de
87
petróleo e outros hidrocarbonetos e gases raros; 2) o refino do petróleo nacional e estrangeiro
e 3) o transporte marítimo e terrestre de petróleo, derivados e de gases raros. Não era tudo. A
lei também determinava a criação de uma estatal que exerceria todas as atividades definidas
como monopolisticas e que poderia operar fora do território nacional com autorização
expressa do Congresso Nacional, a Petróleo Brasileiro SA, a Petrobras.
3.2. A Crise do Setor Estatal e a Lei 9.478/97
Segundo Dias & Filho (2003) desde 1954 o Estado procurou atingir dois objetivos
através da Petrobras. O primeiro foi o estratégico, explorando todo o território nacional e
construindo um sistema capaz de garantir a segurança interna do abastecimento de petróleo e
derivados, bem como o de uma rede de distribuição capaz de atender todo o país. Para atingir
esse objetivo, após a crise de 1973 a Petrobras definiu uma meta nunca abandonada: alcançar
a auto-suficiência na produção de petróleo. O segundo papel foi econômico, onde a estatal
desempenhou quatro funções: 1) como geradora de renda nacional; 2) como poupadora de
divisas; 3) como grande investidora, gerando efeito multiplicador na economia nacional; e 4)
como geradora de superávit primário, papel que passou a ter em 1999.
Estes objetivos foram atingidos ao longo do tempo seja diretamente pela própria
Petrobras como pelas companhias do Sistema Petrobras (a rede de subsidiárias da estatal). Por
sua vez, Contreras (1994) demonstra que tanto à construção e consolidação da Petrobras como
do Sistema Petrobras obedeceram às prioridades, agendas, diretrizes e estratégias político-
econômicas dos grupos sociais que controlavam o maior acionista da companhia, o Governo
Federal. Ainda conforme Contreras nem sempre coincidiram as estratégias dos grupos no
poder Federal e dos dirigentes da estatal. A justaposição de interesses atingiu o auge durante o
regime militar (1964/85), quando a Petrobras desfrutou de grande autonomia, assumindo a
organização e estrutura que manteria até os anos 90. O período de maior tensão ocorreu nos
anos 80, quando o sistema produtivo e o aparelho estatal entraram em crise, resultando na
revisão ideológica do papel do Estado na economia.
Entre 1967/73 quando ocorreu o “milagre brasileiro” a Petrobras foi instrumento
fundamental para a construção do parque industrial brasileiro dentro da estratégia do “tripé”:
parcerias com a participação do capital estatal, do capital privado nacional e do capital
privado internacional. Nesta estratégia, o Decreto-Lei N
o
200 de 25 de fevereiro de 1967 foi o
instrumento que permitiu ao Estado assumir papel ativo da economia, através da
modernização da máquina administrativa e do aumentando das funções das estatais, que
88
seriam utilizadas como indutoras do desenvolvimento econômico (Contreras, 1994). Neste
momento o Estado evitou interferir nas estatais (por decisão ppria e/ou falta de condões)
que detinham autonomia para decidir sobre usos e fontes de financiamento, o havendo
quaisquer controles sobre suas contas (tanto receita como despesa) que são incorporados ao
Balanço Geral da União (Marins, 2005).
Para Tavares (op. cit.) a retomada do projeto conservador no contexto da Guerra Fria
conduzida por Tatcher na Grã-Bretanha (desde 1979) e Reagan nos Estados Unidos (desde
1980), desencadeou um movimento financeiro/militar/político que levou à dissolução da
URSS em 1991. Neste processo enquanto nos países industrializados os ideólogos neoliberais
(como vimos) questionavam o papel do aparelho estatal de bem-estar social, os países do
Terceiro Mundo (entre eles o Brasil), excessivamente endividados junto ao sistema financeiro
internacional, começavam a sentir os efeitos negativos da recessão generalizada nos anos 70
agravada pelo choque de juros norte-americanos e do segundo choque do petróleo.
No Brasil, o Decreto N
o
84.128 de 29 de outubro de 1979 criava a Secretaria de
Controle das Estatais (Sest), indicando que a política econômica baseada nas estatais
começava a ser afetada pelos eventos internacionais. O Sest previa para 1980 a elaboração do
primeiro orçamento das estatais, definindo os dispêndios (correntes e de investimento) e as
fontes de financiamento, mas na prática, a dificuldade em estabelecer uma política adequada
de acompanhamento das estatais fez com que os instrumentos de controle se limitassem à
restrição dos gastos, desconsiderando aspectos fundamentais em sua administração, como a
avaliação de projetos e a consolidação dos objetivos estratégicos. O orçamento global de
dispêndios limitou a capacidade de ação das estatais enquanto que o orçamento anual era
determinado pelo orçamento do ano anterior acrescido dos gastos “justificados” pela elevação
dos custos operacionais, sem considerar projetos de longo prazo (Marins op. cit.).
No desenrolar dos acontecimentos os países do Terceiro Mundo foram tragados no
intenso rodamoinho da crise econômica mundial, que teve seu ápice em 1982 quando o
México decretou a moratória da dívida externa. As negociações que se seguiram à moratória
(conduzidas pelo FMI) foram no sentido de garantir o fluxo de pagamentos dos países
endividados, em troca de novas linhas de crédito no futuro. Esta política teve dois impactos
sobre o Brasil. A primeira foi a de comprometer a estratégia de utilizar as estatais como
indutoras do desenvolvimento econômico, para o qual contribuiu não apenas o baixo
crescimento econômico mundial e a baixa liquidez do mercado internacional, mas também as
exigências do FMI. No Balanço Geral da União sempre foram contabilizadas as despesas,
89
receitas e investimentos originados das estatais, mas para o FMI os investimentos das estatais
eram considerados como despesas, e como tal deviam ser eliminados. Para satisfazer as
pressões do FMI de controlar os gastos das estatais e utilizá-las como instrumento de política
de estabilização o mecanismo utilizado pelo governo foi o Sest (Marins op. cit.).
O segundo impacto foi conseqüência do primeiro, porque ao reorientar suas diretrizes
o Estado ficou incapacitado de manter o equilíbrio necessário das contas públicas o que
somado a estratégia de usar as estatais para alavancar o crescimento levou a um aumento do
déficit público. O baixo crescimento econômico externo e interno aliado à política adotada
para manter a máquina pública (através da emissão de moeda e elevação da carga tributária)
resultaram num quadro que persistiu durante toda segunda metade dos anos 80, a dita “década
perdida”: altas taxas de inflação e desemprego aliados à baixa taxa de utilização da
capacidade instalada, de investimentos e crescimento econômico (quadro comum, diga-se, a
quase todos os países do então Terceiro Mundo). O sintoma imediato da crise do aparelho
estatal foi o fracasso do II PND (Programa Nacional de Desenvolvimento) que previa
investimentos mais intensivos em tecnologia por parte do Estado, seguido da crescente
incapacidade de efetuar novos investimentos e na progressiva incapacidade do setor estatal
em responder as demandas da sociedade em termos de saúde, educação e infra-estrutura.
Neste período a Petrobras teve nova função: servir como instrumento de política
econômica, controlando a inflação e gerando superávit. O processo começou em 1982 após a
moratória da dívida, quando a estatal foi usada para fazer caixa utilizando, entre outros
mecanismos, a tica de vender no exterior o petróleo de Garoupa (mais caro por ser mais
puro) em troca de petróleo mais barato. A Petrobras ficava com a diferença da venda,
repassando-o ao Governo. Por causa disto 1982 foi primeiro ano em que a contabilidade da
estatal apontou prejuízo. Em 1983 Carlos Langoni, então presidente do Banco Central,
resolveu usar as linhas externas de crédito de US$ 1,5 bilhão da estatal para pagar as contas
do país o que levou a manchar a até então sólida imagem internacional da Petrobras.
A situação do país não melhorou no governo Sarney (1985/90), que combinou
redemocratização, populismo, altas taxas de inflação, pífio crescimento econômico e
endividamento externo crescente que levaram as tentativas mal sucedidas de controlar a
inflação e retomar o crescimento econômico (Planos Cruzado I e II, Plano Bresser) que
acabaram resultando na moratória da dívida externa, decretada em 25 de janeiro de 1987.
Neste ambiente a Petrobras teve sua autonomia rigorosamente reduzida pelo Governo
Federal, desejoso em controlar a inflação e evitar uma expansão do déficit público. Um dos
90
mecanismos adotados para controlar a inflação foi a virtual proibição da Petrobras em
reajustar os preços dos combustíveis
51
, devido ao potencial de reação em cadeia que tal
medida teria sobre a economia piorando uma situação inflacionária terrível. Isto mais a
inadimplência dos órgãos de governo (estatais e autarquias) abastecidos fizeram a Petrobras
operar com preços muito defasados em relação ao mercado internacional. Além disso, a
Petrobras foi impedida de contrair empréstimos externos (num momento que a pesquisa em
alto-mar exigia grandes investimentos) porque eram contabilizados como gastos pelo
Governo e, portanto, severamente desaprovados pelo FMI. Juntas estas duas atitudes
acabaram comprometendo a capacidade de investimento e expansão da estatal, cuja
competência foi contestada, dando início inclusive à discussão sobre um eventual fim do seu
monopólio, bem como da sua possível privatização, perspectivas afastadas temporariamente
pela Constituição de 1988, que confirmou a posição monopolística da estatal.
Afinal, enquanto acirravam-se as disputas entre os condutores da política nacional e os
dirigentes da estatal, o Consenso de Washington de 1989 oficialmente trazia à tona a
discussão sobre a privatização de estatais na América Latina, que não deixou de atingir a
Petrobras (Contreras, 1994). A estréia das políticas neoliberais no Brasil ocorreu em março de
1990 quando o Banco Credit Suisse First Boston entregou um documento intitulado Idéias
Preliminares para o Desenvolvimento de um Plano Diretor de Privatização ao recém
empossado governo Collor (1990/92). O documento delineava um plano para a privatização
de áreas aentão consideradas estratégicas como o setor elétrico, petroquímica, siderurgia e
telecomunicações. Um capítulo específico do documento intitulado “Petrobrás: Estratégias
Para a Privatização” sugeria a adoção de duas estratégias para privatizar uma companhia
considerada emblemática para o nacional-desenvolvimentismo: 1) privatizar as subsidiárias
existentes; 2) dividir a Petrobras em novas subsidiárias e privatizá-las. As estratégias foram
aplicadas logo a seguir. Em 15 de março de 1990 o Plano Collor I extinguia o CNP. Em 12 de
abril de 1990 duas leis atingiram diretamente a Petrobras. Pela Lei N
o
8.029 eram extintas a
Interbrás e Petromisa, enquanto a Lei no 8.031 criava a CDPND (Comissão Diretora do
Programa Nacional de Desestatização), que selecionaria as estatais passíveis de privatização.
Esta incluiu no programa de privatizações a Petrofértil e suas subsidiárias (em particular a
Fosfértil, Goiasfértil, ICC, Nitrofértil e Ultrafértil) e as subsidiárias da Petroquisa (em
particular a Copene, Copesul, PQU e a Salgema). Os autores das leis justificaram-nas com a
51
Via de regra os preços dos hidrocarbonetos e derivados eram congelados em veis que ficavam abaixo dos
vigentes nos mercados mundiais de petróleo. Este mecanismo de controle da inflação foi extinto em
2/02/2002, mas seu saldo acumulado de US$ 368 milhões (em 31/12/2006) é registrado como ativo no
balanço patrimonial da Petrobras.
91
necessidade de concentrar a Petrobras no petróleo, sua principal atividade, bem como
promover a concorrência no setor petroquímico (Vidal, 2001). Finalmente, em 1 de fevereiro
de 1991 Collor fragmentava a Sest criando o Comitê de Controle das Empresas Estatais (CCE
atual Dest, que veremos a diante) com o objetivo de compatibilizar decisões setoriais relativas
às estatais com a política macroeconômica, estabelecendo diretrizes e parâmetros gerais,
setoriais ou específicos (Marins, op.cit.).
Após o interlúdio do governo Itamar Franco (1992/94), o governo Fernando Henrique
Cardoso (1995/01) adotou o ideário neoliberal, aceitando-o como única forma de alavancar o
país rumo à “modernização(sic) e ao Primeiro Mundo (Moreira & Sarmento, 2003). Isso
acontecia ao mesmo tempo em que o Brasil buscava inserir-se numa economia globalizada. O
programa de reformas constitucionais do novo governo seria idealizado pelo economista Luiz
Carlos Bresser Pereira, que à frente do recém-criado Ministério da Administração Federal e
Reforma do Estado (MARE), propunha transferir do Estado para o setor privado às funções
que este pudesse executar melhor e reorganizar aquelas atividades que permanecessem sob
controle estatal de modo que a formulação de poticas e a regulação e a operação de servos
fossem separadas (Marins, op. cit.).
Tais propostas implicavam na adoção de uma política que privatizaria as estatais e em
alterações administrativas que afetariam toda a ordem econômica. Neste contexto,
particularmente importante para a Petrobras foi o dia 7 de junho de 1995 quando o Congresso
Nacional aprovou a Emenda Constitucional nº. 9 quebrando o monopólio estatal do petróleo.
O processo de abertura consolidou-se em 6 de agosto de 1997 com a aprovação da Lei do
Petróleo 9.478/97 que teve dois resultados importantes. Em primeiro lugar era confirmado o
fim do monopólio da Petrobras, ficando abertas todas as atividades do petróleo e s à
participação de empresas privadas, nacionais ou não, mas como parte dos acordos para a
aprovação da Lei 9.478/97, o senador Jo Sarney (PMDB/AC) exigira de FHC um
compromisso por escrito de o privatizar a Petrobras e que ela teria o privilégio de
exploração sobre as 29 bacias sedimentares queidentificara.
Em segundo, pela nova lei a União manteve a posse das jazidas de hidrocarbonetos
líquidos e gasosos, mas criou dois instrumentos para controlar as políticas do setor: o
Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), órgão de assessoria e consulta da
Presidência da República, incumbido de propor políticas nacionais e medidas específicas para
o setor; e a Agência Nacional do Petróleo (ANP), que substituiu a Petrobras como órgão
executor do gerenciamento e regulação do petróleo do país. A partir daí todas as regras
92
referentes ao gás e petróleo: controle de blocos potencialmente petrolíferos, condições de
lavra, refino, transporte, comercialização e distribuição são estabelecidos pela ANP a cujas
diretrizes todas as companhias interessadas, inclusive a Petrobras, devem se submeter.
3.3. A Petrobras Após a Lei 9.478/97
Pode-se dizer que o terceiro impacto da Lei 9.478/97 foi de ordem microeconômica
porque a extinção do monopólio obrigou a Petrobras a realizar uma completa reestruturação
interna, com o objetivo de internalizar os atributos capazes de fazê-la sobreviver num
ambiente concorrêncial. Esse complexo processo teve início em 24 de março de 1999 quando
FHC indicou Henri Phillipe Reichstul para a presidência da Petrobras. A reestruturação (em
que as questões técnico-estruturais como expostas no capítulo 2 podem ser consideradas o
núcleo rígido, determinando seu ritmo), implicava na adoção de 6 medidas: a ampliação da
participação do capital privado, a adoção de um novo modelo de gestão, o redirecionamento
estratégico, a reestruturação organizacional, a adoção de uma nova postura em SMS e
adequação das competências-chave da Petrobras. Veremos como se deu este processo
utilizando como base o documento intitulado O processo de transformação da Petrobras: de
monopolista a referência como empresa estatal competitiva, (2007)”.
3.3.1. A Ampliação da Participação do Capital Privado na Petrobras
No mesmo dia em que Henri Phillipe Reichstul assumiu a presidência da Petrobras foi
realizada uma Assembléia Geral Ordinária que aprovou duas alterações estatutárias
52
indispensáveis para implantar a primeira medida reestruturante: a ampliação da participação
do capital privado na estatal, medida que tinha como objetivo alavancar a capacidade de
capitalização da Petrobras. Seriam mantidos os art. 1, 2 do estatuto de forma que a primeira
alteração acrescentaria os parágrafos 1 e 2 ao artigo 3 visando adaptá-la à Lei 9.478/97,
ficando a redação atual desses artigos como se abaixo (todos os excertos estatutários foram
retirados do Estatuto Social da Petrobras in: <http://www2.petrobras.gov.br/>. s/pág.):
Capítulo I Da Natureza, Sede e Objeto da Sociedade
Art. 1º A Petróleo Brasileiro S.A. - Petrobras é uma sociedade de economia mista,
sob controle da União com prazo de duração indeterminado, que se regerá pelas
normas da Lei das Sociedades por Ações (Lei nº. 6.404, de 15 de dezembro de 1976)
e pelo presente Estatuto.
52
O estatuto então vigente fora aprovado pelo Decreto nº 81.217 de 13 de janeiro de 1978, adaptando-o a Lei de
Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976), ver Dias & Filho (2003).
93
Parágrafo único. O controle da União seexercido mediante a propriedade e posse
de, no mínimo, cinqüenta por cento, mais uma ação, do capital votante da
Sociedade.
Art. A Petrobras tem sede e foro na cidade do Rio de Janeiro, Estado do Rio de
Janeiro, podendo estabelecer, no País e no exterior, filiais, agências, sucursais,
escritórios
53
.
Art. 3º A Companhia tem como objeto a pesquisa, a lavra, a refinação, o
processamento, o comércio e o transporte de petróleo proveniente de poço, de xisto
ou de outras rochas, de seus derivados, de gás natural e de outros hidrocarbonetos
fluidos, além das atividades vinculadas à energia, podendo promover a pesquisa, o
desenvolvimento, a produção, o transporte, a distribuição e a comercialização de
todas as formas de energia, bem como quaisquer outras atividades correlatas ou
afins.
§ As atividades econômicas vinculadas ao seu objeto social serão desenvolvidas
pela Companhia em caráter de livre competição com outras empresas, segundo as
condições de mercado, observados os demais princípios e diretrizes da Lei nº. 9.478,
de 6 de agosto de 1997 e da Lei nº. 10.438, de 26 de abril de 2002.
§ A Petrobras, diretamente ou através de suas subsidiárias, associada ou não a
terceiros, poderá exercer no País ou fora do território nacional qualquer das
atividades integrantes de seu objeto social (...)
A segunda alteração implicava na remoção das restrições
54
para que às pessoas físicas
ou jurídicas, brasileiras ou estrangeiras, residentes ou não no ps pudessem adquirir as ações
ordinárias da Petrobras (com direito a voto na Assembléia de Acionistas). Essa alteração não
afetaria a composição do capital social e a composição acionária da estatal, definidos no
estatuto como sendo:
Art. O Capital Social é de R$ 32.896.137.750,00 (trinta e dois bilhões, oitocentos
e noventa e seis milhões, cento e trinta e sete mil e setecentos e cinqüenta reais),
dividido em 4.386.151.700 (quatro bilhões, trezentos e oitenta e seis milhões, cento
e cinqüenta e um mil e setecentas) ações sem valor nominal, sendo 2.536.673.672
(dois bilhões, quinhentos e trinta e seis milhões, seiscentos e setenta e três mil e
seiscentos e setenta e duas) ações ordinárias e 1.849.478.028 (hum bilhão,
oitocentos e quarenta e nove milhões, quatrocentos e setenta e oito mil e vinte oito)
ões preferenciais
55
(...).
Outrossim, a decisão implicava na inclusão dos novos atores através do espo
deixado pela redução da participação acionária da União, que então detinha a propriedade e
posse (com ínfimas oscilações anuais) de 84,0398% das ações ordinárias e 49,0702% do
capital social da Petrobras. Consequentemente em 10/08/2000 a União fez oferta pública de
53
A sede da Petrobras localiza-se na Avenida República do Chile n
o
65, cidade do Rio de Janeiro/RJ.
54
Antes dessa alteração não eram admitidos acionistas estrangeiros e nem mesmo acionistas brasileiros casados
com estrangeiros.
55
Correspondem respectivamente a 57,8% e 42,2% das ações totais.
94
179.639.300 ões ordinárias da estatal nas bolsas de São Paulo e New York
56
. Com isso, a
atual divisão acionária assumiu a configuração apresentada na tabela 3.1 abaixo:
Tabela 3.1. Composição Societária da Petrobras em 31/12/2006
Nome Ações Ordinárias Ações Preferenciais Capital Social
Quantidade Porcentagem Quantidade Porcentagem Quantidade Porcentagem
União Federal 1.413.258.228 55,7130% 000.000.000 00,0000% 1.413.258.228 32,2144%
Demais pessoas Físicas e Jurídicas 207.513.817 8,1806% 594.757.698 32,1427% 802.271.515 18,2873%
BNDES Participações 47.246.164 1,8626% 287.023.667 15,5118% 334.269.830 17,6195%
ADR Nível 3 (Ações ON) 684.488.756 26,9837% 000.000.000 00,0000% 684.488.756 15,6026%
ADR Nível 3 (Ações PN) 000.000.000 00,0000% 676.900.544 36,5820% 676.900.544 15,4297%
Estrangeiros 73.044.091 2,8795% 291.682.789 15,7635% 364.726.880 8,3137%
FMP-FGTS Petrobras 111.122.616 4,3806% 000.000.000 00,0000% 111.122.616 2,5328%
Total 2.536.673.672 100,00% 1.850.364.698 100,00% 4.387.038.370 100,00%
Obs.:
1. As Ações Ordinárias correspondem ao Capital Votante, possuindo direito a voto na Assembléia de Acionistas.
2. As Ações Preferenciais não tem direito a voto na Assembléia de Acionistas
Fonte: Petrobras
As duas alterações estatutárias deveriam ser implementadas obedecendo ao art. 62 da
Lei 9.478/97 que reserva à União o controle da Petrobras através da propriedade e posse de no
mínimo 50% mais uma das suas ações ordinárias (condição observada no art.1 parágrafo
único do estatuto). Além de preservar o controle da União, esse limitador implicava no fato de
que a Petrobras ainda seria considerada uma estatal (embora a União detenha apenas
32,2114% capital social), porque a Medida Provisória no 1.677-55, de 29 de julho de 1998
art. 7, parágrafo único conceitua estatal como: “(...) as empresas públicas, as sociedades de
economia mista, suas subsidiárias e controladas e demais empresas em que a União, direta
ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto.
3.3.2. A Adoção de Um Novo Modelo de Gestão
A Assembléia Geral Ordinária de 24 de março de 1999 também aprovou uma terceira
alteração estatutária para implantar a segunda medida reestruturante: a adoção de um novo
modelo de gestão para a Petrobras, que tinha como objetivos flexibilizar a administração,
contemplar as demandas dos novos investidores, restabelecer a autonomia perdida pela estatal
em 1982 e adequá-la às práticas definidas nos Níveis Diferenciados de Governança
56
Esse montante equivalia a 31,72% das ações ordinárias da Petrobras e lucro obtido com a venda foi de US$
8,478 bilhões. Atualmente, além dessas duas bolsas, as ações ordinárias e preferenciais da Petrobras o
negociadas na bolsa de Madri, enquanto os papéis da Pesa são negociados na bolsa de Buenos Aires.
95
Corporativa
57
da Bovespa (objetivo que tinha intuito específico de obter classificação Nível II,
destinado às companhias com comprovado hisrico de bom relacionamento com o público).
Assim, essa alteração estatutária modificou a direção da Petrobras, que não é mais
exercida pelo presidente da companhia, mas por um colegiado (art. 17 do estatuto) composto
pelo Conselho de Administração (com funções deliberativas) e por uma Diretoria Executiva.
Conforme o art. 28 do estatuto o órgão de orientação e direção superior da Petrobras é
o Conselho de Administração, composto por no mínimo 5 e no máximo 9 membros eleitos
pela Assembléia Geral dos Acionistas, que elege também o Presidente do Conselho de
Administração. Entre os eleitos devem constar: 1 representante escolhido pelos acionistas
minoritários (se não lhes couber maior número pelo voto múltiplo); 1 representante escolhido
pelos acionistas titulares de ações preferenciais (desde que eles representem em conjunto, no
mínimo 10% do capital social, excluindo o acionista controlador, a União); representantes
escolhidos pela União, cujo numero é sempre igual aos dos eleitos pelos demais acionistas
mais um. Dentre os representantes escolhidos pela União devem constar o Ministro-Chefe da
Casa Civil da Presidência da República e o ministro das Minas e Energia (pelo art. 61 da Lei
9.478/97 a Petrobras está vinculada ao Ministério das Minas e Energia-MME). Os membros
têm mandato de um ano, admitindo-se a reeleição. Cabe ao Conselho de Administração:
I - fixar a orientação geral dos negócios da Companhia, definindo sua missão, seus
objetivos estratégicos e diretrizes;
II - aprovar o plano estratégico, bem como os respectivos planos plurianuais e
programas anuais de dispêndios e de investimentos;
57
Governança Corporativa é um sistema que assegura aos acionistas o controle estratégico de uma companhia
através da adoção de um conjunto de práticas (como a eqüidade, transparência e responsabilidade pelos
resultados) que permitem o acompanhamento das ações dos gestores (executivos e conselheiros) que
possuem capacidade de influenciar/determinar a direção e a performance das corporações.
O código de Governança Corporativa adotado pela Petrobras inclui: 1) Diretriz da Governança
Corporativa, que faz recomendações para a estrutura e funcionamento do Conselho de Administração,
bem como sua relação com os executivos da Companhia; 2) Código de Boas Práticas, que trata das
políticas internas de divulgação de informações, da negociação com valores mobiliários, da conduta dos
administradores e funcionários, da administração superior, da indicação para cargos de administração
de subsidiárias, controladas e coligadas e do relacionamento com os investidores; 3) Regimentos
Internos, que regula o Conselho de Administração (definindo suas atribuições e as de seus membros,
além das reuniões do órgão) e o Comitê de Negócios (definindo as atribuições, a composição e o
funcionamento, bem como seu relacionamento com os Comitês de Gestão); 4) Código de Ética, que
define os princípios éticos e de conduta que norteiam as ações do Sistema Petrobras: coerência entre
discurso e prática, honestidade, impessoalidade, integridade, justiça, lealdade institucional, legalidade,
rito, respeito à vida, aos seres humanos, responsabilidade, zelo, transparência e verdade; 5) Código
de Conduta Concorrencial, pelo qual a estatal compromete-se a respeitar as legislações concorrências
das jurisdições onde atua; e 6) a adaptação à Lei Sarbanes-Oxley (aprovada pelo Congresso dos EUA
em 30/07/2002) que definiu novos padrões de Governança Corporativa para companhias listadas na
bolsa de valores norte-americanas e sujeitais a Securities and Exchange Commission (SEC) com
objetivo de proteger os investidores através da ampliação da precisão e confiabilidade das informações
divulgadas pelas empresas e das responsabilidades dos administradores.
96
III - fiscalizar a gestão dos Diretores e fixar-lhes as atribuições, examinando, a
qualquer tempo, os livros e pais da Companhia;
IV - avaliar resultados de desempenho;
V - aprovar, anualmente, o valor acima do qual os atos, contratos ou operões,
embora de competência da Diretoria Executiva, especialmente as previstas nos
incisos III, IV, V, VI e VIII do art. 33 deste Estatuto Social, deverão ser submetidas
à aprovação do Conselho de Administração;
VI - deliberar sobre a emissão de debêntures simples, não conversíveis em ações e
sem garantia real;
VII - fixar as políticas globais da Companhia, incluindo a de gestão estratégica
comercial, financeira, de investimentos, de meio ambiente e de recursos humanos;
VIII - aprovar a transferência da titularidade de ativos da Companhia, inclusive
contratos de concessão e autorizações para refino de petróleo, processamento de gás
natural, transporte, importação e exportação de petróleo, seus derivados e gás
natural, podendo fixar limites de valor para a prática desses atos pela Diretoria
Executiva;
IX - deliberar sobre aumento de capital com emissão de ações preferenciais, dentro
do limite autorizado, na forma do § 1º do art. 4º deste Estatuto Social. (...).
A reforma estatutária também transferiu para o Conselho de Administração o poder de
escolher o Presidente da Petrobras (intitulado Presidente da Diretoria Executiva) e os seis
Diretores, que comandam as quatro Áreas de Negócio e as duas Áreas de Apoio da Petrobras.
Anteriormente a escolha do Presidente da Petrobras era uma prerrogativa exclusiva do
Presidente da República (cabendo ao Conselho apenas ratificá-la ou não), mas pelo novo
estatuto o Conselho de Administração escolhe um dos seus membros para ocupar o cargo
58
.
Quanto aos Diretores, são eleitos dentre os brasileiros residentes no País que tenha reputada
competência na área
59
. Nenhum membro da Diretoria Executiva pode integrar o Conselho de
Administração e seus mandatos não podem exceder 3 anos, permitida a reeleição, podendo ser
destituídos a qualquer tempo.
Cabe a Diretoria Executiva exercer a gestão dos negócios da Companhia, de acordo
com a missão, os objetivos, as estratégias e diretrizes fixadas pelo Conselho de Administração
(art. 32). Também compete a Diretoria Executiva (art. 33):
I - elaborar e submeter à aprovação do Conselho de Administração:
a) as bases e diretrizes para a elaboração do plano estratégico, bem como dos
programas anuais e planos plurianuais;
58
Antes do governo FHC o Presidente da Petrobras devia ser brasileiro nato e a prática persiste mesmo não mais
existindo a proibição formal. A única exceção foi Henri Phillipe Reichstul, que é francês de nascimento.
59
Normalmente o governo negocia estes cargos com os partidos aliados no Congresso Nacional para manter e/ou
obter apoio político. Um exemplo dessas negociões, bem como suas implicões políticas ocorreu em
22 de setembro de 2007 quando a ministra da Casa Civil Dilma Roussef indicou os petistas Maria das
Graças Foster para a direção da Área de Negócios Gás e Energia e José Eduardo Dutra para a
presidência da BR Distribuidora. A indicação irritou os partidos aliados do PT na Câmara, que
esperavam a indicação de apadrinhados seus para cargos na Petrobras. O partido mais descontente era o
PMDB que havia indicado um funcionário de carreira da Petrobras, José Augusto Fernandes, para a
Diretoria Internacional da estatal, mas o fora atendido. Em represália o PMDB ameaçava dificultar a
aprovação da prorrogação da CPMF que então tramitava na Câmara.
97
b) o plano estratégico, bem como os respectivos planos plurianuais e programas
anuais de dispêndios e de investimentos da Companhia com os respectivos projetos;
c) os orçamentos de custeio e de investimentos da Companhia;
d) a avaliação do resultado de desempenho das atividades da Companhia;
II - aprovar:
a) critérios de avaliação técnico-econômica para os projetos de investimentos, com
os respectivos planos de delegação de responsabilidade para sua execução e
implantação;
b) critérios de aproveitamento econômico de áreas produtoras e coeficiente mínimo
de reservas de óleo e gás, observada a legislação específica;
c) política de preços e estruturas básicas de preço dos produtos da Companhia;
d) planos de contas, critérios básicos para apuração de resultados, amortização e
depreciação de capitais investidos, e mudanças de práticas contábeis;
e) manuais e normas de contabilidade, finanças, administração de pessoal,
contratação e execução de obras e serviços, suprimento e alienação de materiais e
equipamentos, de operação e outros necessários à orientação do funcionamento da
Companhia;
(...)
h) a estrutura sica dos órgãos da Companhia e suas respectivas Normas de
Organização, bem como criar, transformar ou extinguir órgãos operacionais ou
correspondentes, bem como órgãos temporários de obras, ancias, filiais, sucursais
e escritórios no País e no exterior;
(...)
l) os planos anuais de negócios;
m) formação de consórcios, de "joint-ventures", e de sociedades de propósito
específico, no País e no exterior;
III - autorizar a captação de recursos, contratação de empréstimos e financiamento
no País ou no exterior, inclusive mediante emissão de títulos;
IV - autorizar a prestação de garantias reais ou fidejussórias, observadas as
disposições legais e contratuais pertinentes;
V - autorizar a aquisição, na forma da legislação específica, de bens imóveis, navios
e unidades marítimas de perfuração e produção, bem como gravame e a alienação de
ativos da Companhia;
(...)
Art. 36 As deliberações da Diretoria Executiva serão tomadas pelo voto da maioria
dos presentes e registradas no livro próprio de atas.
Parágrafo único. Em caso de empate, o Presidente poderá exercer o voto de
qualidade.
Art. 37 A Diretoria Executiva encaminhará ao Conselho de Administração pias
das atas de suas reuniões e prestará as informações que permitam avaliar o
desempenho das atividades da Companhia.
Cabe ao Presidente da Petrobras (art. 38 do estatuto):
I - convocar e presidir as reuniões da Diretoria Executiva;
II - propor ao Conselho de Administração a distribuição, entre os Diretores, das
áreas de contato definidas no Plano Básico de Organização;
III - propor ao Conselho de Administração os nomes para Diretores da Companhia;
IV - designar, dentre os Diretores, seu substituto eventual, em suas ausências e
impedimentos;
V - acompanhar e supervisionar, através da coordenação da ação dos Diretores, as
atividades de todos os órgãos da Companhia;
VI - designar os representantes da Companhia nas Assembléias Gerais das suas
subsidiárias, controladas e coligadas, em conformidade com as diretrizes fixadas
pelo Conselho de Administração;
VII - prestar informações ao Ministro de Estado ao qual a Companhia está
vinculada, e aos órgãos de controle do Governo Federal, bem como ao Tribunal de
Contas da União e ao Congresso Nacional.
98
Por Lei e pelo estatuto da Petrobras a União tem poderes para nomear a maioria dos
membros do Conselho de Administração da Petrobras, isto implica que ela detém votos
suficientes para, entre outras coisas: 1) escolher o Presidente da Petrobras; 2) escolher os
membros da Diretoria Executiva da Petrobras; 3) aprovar o Plano Estratégico da Petrobras; 4)
determinar a política de investimentos da Petrobras; e 5) aprovar as contas da Petrobras.
3.3.3. O Redirecionamento Estratégico da Petrobras
A terceira medida reestruturante foi a de promover o redirecionamento estratégico da
Petrobras, com objetivo de orientá-la para competição e obtenção de resultados econômicos.
Aqui, as vantagens competitivas da estatal tornaram-se fatores decisivos para a manutenção,
ampliação e conquista de novos mercados tanto no país como no exterior. Conforme a página
eletnica da estatal essas vantagens competitivas são:
1. A sua posição estratégica como única companhia que opera em todo o Brasil, dispondo da
logística e infra-estrutura capazes de fazerem seus produtos chegarem ao consumidor final em
qualquer ponto do território nacional;
2. O conhecimento do subsolo do Brasil (onde identificou e mapeou 29 bacias sedimentares),
além da Plataforma Continental;
3. A posição dominante da Petrobras no mercado brasileiro (cerca de 150 milhões de
consumidores), que veremos adiante.
4. As reservas de hidrocarbonetos da Petrobras (entre jazidas desenvolvidas e não
desenvolvidas), que veremos adiante.
5. A capacidade offshore da Petrobras onde, de acordo com as publicações especializadas, sua
liderança é inquestionável
60
. É nesta fronteira que está à maioria de suas reservas (que cobrem
70% da demanda nacional), incluindo as recentes descobertas. Ademais, a estatal apresenta
um dos mais altos índices de descobertas do setor de hidrocarbonetos, destacando-se a
descoberta do campo gigante (calculado em 20 bilhões de barris) de Majnoon (Iraque) em
julho de 1976, numa área descartada como promissora pelas Sete Irmãs.
60
A capacidade tecnológica operacional da Petrobras em águas profundas foi reconhecida internacionalmente
em duas oportunidades: 1992 e 2001 quando a estatal recebeu o prêmio mais importante da indústria
mundial de petróleo, o Distinguished Achievement Award, oferecido na Offshore Technology
Conference (OTC). Para termos idéia do avanço da Petrobras neste campo basta comparar a
profundidade do poço em mina d´água época da primeira premiação (387 m) com da segunda (1.877
m). Em 2006 o mais próximo concorrente conseguia operar poços a 1.500 m em lâmina d’água.
99
6. As reduções de custo geradas pelas pela combinação de quatro fatores: 1) operões de
grande escala combinadas com a integração vertical entre as áreas de negócios; 2) mais de
81% das reservas provadas da Petrobras estão localizadas em campos grandes, contíguos e
altamente produtivos na área marítima da Bacia de Campos, que permite a concentração da
infra-estrutura operacional, reduzindo o total de custos de exploração, desenvolvimento e
produção; 3) a maior parte da capacidade de refino da estatal está localizada na região
Sudeste, adjacente à Bacia de Campos e situada dentro dos mercados mais densamente
povoados e industrializados do país; e 4) do equilíbrio relativo entre a produção atual (1,778
milhões bpd), volume refinado (1,746 milhões de bpd) e as vendas para o mercado brasileiro
de derivados de hidrocarboneto (1,697 milhões bpd).
7. A capacidade da Petrobras em atrair parceiros internacionais.
3.3.4. A Reestruturação da Organização da Petrobras
A quarta medida reestruturante tinha como objetivo reestruturar a organização da
Petrobras com objetivo de promover o conceito de unidades de negócios; obter maiores
ganhos com economia de escopo; promover os conceitos de transparência, autonomia e
responsabilidade por resultados; reduzir os níveis hierárquicos e aumentar a amplitude de
comando para fortalecer a capacidade de reação da companhia (resultando em maior
flexibilidade, responsabilidade e autonomia); utilizar os serviços descentralizados
compartilhando-os quando necessário; integrar as subsidiárias às operações da Petrobras
visando fortalecer sinergias e reduzir duplicações funcionais; e adotar o conceito de novos
negócios (gás natural, e-commerce, etc.).
Essa medida reestruturante manteve, mas reconfigurou os setores que a Petrobras
possuía anteriormente, com a criação de quatro Áreas de Negócios (AN): Exploração e
Produção, Abastecimento, Gás e Energia e Internacional, e duas Áreas de Apoio: Financeira e
Serviços. Por sua vez, cada AN é subdividida em Unidades de Negócios (UN) que não
abordaremos em razão de sua complexidade, extensão e quantidade (no total são 40 UNs). Ao
final desse processo as unidades corporativas foram limitadas a 20, houve redução do nível
hierárquico em todas as estruturas (limitada três na sede) e foram descentralizadas cerca de
50% das atividades de sede. A atual configuração organizacional da Petrobras pode ser vista
no organograma abaixo:
100
Quadro 3.1.: A Atual Organização da Petrobras
Fonte: Relatório Anual Petrobras, 2005.
Nesta nova organizão o sistema de subsidiárias (que discutiremos a seguir), tem a
função de flexibilizar o fluxo do negócio central da Petrobras (o petróleo) e agregar novas
áreas (com destaque para o s natural) aumentando a agilidade no transporte, refino,
comercialização e armazenamento (uma tendência mundial do setor petrolífero) e por isto
operam em contato estreito às Áreas de Negócios. Assim, vejamos rapidamente as atribuições
das Áreas de Negócios, os canais por onde a Petrobras exerce suas atividades:
101
- Área de Negócios Exploração e Produção: controla as atividades de Exploração e
Produção (E&P), incluindo a pesquisa geofísica, localização, identificação, desenvolvimento,
produção e incorporação de reservas de óleo e gás natural no território nacional.
As Unidades de Negócios (UN) desta área respondem pela gestão de um conjunto de
concessões exploratórias e de produção, instalações operacionais e administrativas, com
apropriação de receitas, custos e responsabilização por resultados. A atual organização das
UNs levou em conta critérios como localização geográfica, semelhança geológica e estágio de
desenvolvimento das concessões, o porte e a disponibilidade de infra-estrutura.
- Área de Negócios Abastecimento: controla as atividades de Refino, Transporte e
Armazenamento (RCT), Distribuição (DI) de petróleo e derivados, bem como as atividades
petroquímicas (produção de petroquímicos e fertilizantes) no território nacional.
A atividade de refino é diretamente executada pela Petrobras, através de 11 refinarias
estrategicamente localizadas no Brasil. O transporte e armazenamento são feitos pela
Transpetro. A distribuição e comercialização de derivados são feitos pela BR Distribuidora
através de seus 5.870 postos. As atividades petroquímicas são realizadas pela Petroquisa.
- Área de Negócios Gás e Energia: controla a atividade de Gás & Energia (G&E), e os
programas de energias renováveis da Petrobras (cujas tecnologias são pesquisadas e
desenvolvidas pelo Cenpes) no terririo nacional.
Essa área tem a responsabilidade de comercializar o gás natural nacional e importado
(analisando, desenvolvendo e implantando projetos industriais e de energia em parceira com o
setor privado), operar as usinas termelétricas, comercializar a energia elétrica, implantar
projetos de geração de energia elétrica e coordenar a participação da Petrobras no Programa
Prioritário de Termeletricidade (PPT).
- Área de Negócios Internacional (ANI): controla as diversas atividades no exterior: E&P
de petróleo e s natural; refino e processamento de gás; comercialização, transporte e
distribuão de derivados; produção petroquímica; geração, transmissão e distribuição de
energia elétrica; compra e venda de petróleo, equipamentos, materiais, serviços e tecnologia.
Também monitora o desenvolvimento da economia americana e européia; controla as
operações financeiras com bancos e bolsa de valores; recruta pessoal especializado; e fornece
apoio a eventos internacionais.
A Área de Negócios Internacional é o elo que une os interesses internacionais
diretamente à estrutura central da Petrobras, o que permite a estatal controlar de perto sua
própria expansão para o exterior (o que até então era realizado pela Braspetro).
102
3.3.5. A Nova Postura em Segurança Meio Ambiente e Saúde
A quinta medida reestruturante foi adotar uma nova postura em segurança, meio-
ambiente e saúde (SMS) com objetivo de consolidá-los como valores intrínsecos aos
processos de planejamento e gerenciamento da companhia.
No âmbito dessa medida adotaram-se iniciativas para: educar, capacitar e conscientizar
empregados, fornecedores e parceiros nas questões de SMS; foram adotados critérios para
melhorar o desempenho em SMS (a Petrobras passou a fazer parte do Pacto Global da ONU,
índice Dow Jones de sustentabilidade e índice o Índice de Sustentabilidade das Empresas
ISE da Bovespa); foram adotas medidas para monitorar os riscos operacionais de forma a
proteger os seres humanos (promoção de saúde e prevenção de doenças entre os empregados)
e meio-ambiente (que incluem medidas para o controle das emissões, eficiência energética,
gestão dos recursos hídricos, controle de resíduos, respeito à biodiversidade); e a manutenção
permanente da preparação para emergências (como o monitoramento de vazamentos) e atuar
para mitigar os impactos delas decorrentes.
3.3.6. A Adequação das Competências-Chave da Petrobras.
Afinal, a sexta medida reestruturante foi procurar a adequação das competências-
chave, com objetivo de possibilitar a Petrobras adquirir, reter ou desenvolver a mão-de-obra
em setores específicos. Assim, foram adotadas seis iniciativas: desenvolver e implantar
programas de capacitação para atuar no mercado internacional-alvo; adequar as competências
do Sistema Petrobras para a nova realidade competitiva do mercado; estabelecer uma política
de atração de competências-chave para a companhia; adequar o perfil qualitativo da força de
trabalho dos órgãos à matriz de competências estabelecidas apara o Sistema Petrobras; rever e
ajustar remunerações e benefícios alinhando-as com as prática de mercado e considerando as
peculiaridades das diferentes regiões do país; e sistematizar o processo de gestão do
conhecimento com foco prioritário nas competências-chave para o Sistema Petrobras.
3.4. Os Resultados da Reestruturação da Petrobras
Em 1993 enquanto a Petrobras comemorava seu 40º aniversário e se cogitava sua
privatização a Unicamp realizou um estudo que demonstrou sua importância para o Brasil. De
acordo com o documento, até então a Petrobras havia investido US$ 80 bilhões no Brasil,
103
contra os US$ 72,5 bilhões investidos pelas 6.311 companhias estrangeiras que operavam no
país desde 1900. Na mesma época a Petrobras vinculou uma série de reportagens numa revista
de circulação nacional (IstoÉ) informando que até então havia registrado lucro líquido de US$
26 bilhões, economizado US$ 184 bilhões em divisas, pago US$ 115 bilhões em royalties,
taxas e impostos, e aumentado em 550 vezes às reservas petrolíferas do Brasil. A Petrobras
chegou a responder por 25% das compras de bens de capital do Brasil (Maranhão in
Carosamigos, 2005), absorvendo a produção de mais de 6.000 empresas, além de gerar 90.000
empregos diretos e mais de 3.000.000 de empregos indiretos (Vidal, op. cit.).
Tais resultados foram obtidos em um ambiente que conjugava monopólio de mercado
e o controle quase absoluto do Estado sobre a Petrobras, quando era possível orientar seus
investimentos de forma que os objetivos específicos de uma companhia privada (gerar lucros
para os acionistas) fossem sacrificados em nome do interesse nacional.
3.4.1. As Dimensões da Petrobras
Em 20 de outubro de 2000, quando o processo de reestruturação da Petrobras foi
completado os resultados mostraram-se surpreendentes. Para César Guimarães, cientista
político do Iuperj (Instituto Universitário do Rio de Janeiro) o fim do monopólio do petróleo
em 1995 demonstrou o oposto do que se propunha, ou seja, que a Petrobras era tecnológica e
administrativamente incapaz o que serviria como uma justificativa a mais para a privatização,
mas ao contrário, ficou provado que: “a Petrobras pode sobreviver sem o monopólio em
condições inequívocas, tanto no Brasil como no exterior”. Para ele a forte imagem de sucesso
da empresa a torna símbolo de autonomia e capacidade nacionais (Fernandes, 2003).
A importância da Petrobras continua sendo grande para o Brasil. Em relação ao
petróleo a estatal responde por 72% da exploração, 98,1% da produção, 98,4% da capacidade
instalada de refino e 42,6% da distribuição. Quanto ao s natural a estatal responde por
100% da exploração, 100% da produção e 94,3% da distribuão, bem como por 80% da
geração de energia termelétrica. Afinal, a Petrobras fornece 70% da nafta petroquímica
consumida no país (dados de 31/12/2006, Relatório Anual da Petrobras, 2006).
Os números de 31/12/2006 evidenciam suas dimensões. A estatal é a maior companhia
do Brasil, a terceira maior companhia da América Latina (atrás da PDVSA e Pemex), a 4ª
petrolífera em valor de mercado (em 31/12/2007 o valor de mercado da Petrobras chegou a
US$ 242,716 bilhões, 129,4629% maior do que havia sido em 31/12/2006), 14ª petrolífera do
104
mundo em ativos (conforme a Petroleum Intelligence Weekly), 61ª companhia do mundo e a
companhia de maior valor e a mais valorizada da América Latina (conforme a Forbes).
Além disso, a Petrobras registrou US$ 11,92 bilhões de lucro líquido, US$ 15,4984
bilhões em investimentos, 261 participações aciorias, 7 subsidrias, 247.580 acionistas,
62.266 empregados, 103 plataformas de produção (76 fixas, 27 flutuantes), 12.895 poços
produtores (725 marítimos), 14 refinarias (11 no Brasil, 2 na Argentina e 1 nos EUA), 30.318
km de dutos, 155 navios (51 próprios), 66 terminais e bases de armazenamento, 5.870 postos
de combustível, 2 fábricas de fertilizantes (UFN-1 e UFN-2), 12 usinas termetricas (9 a gás
natural e 3 a óleo), 15.414 km de linhas de transmissão, 1 fábrica de xisto e 1 parque eólico. A
Petrobras possui reservas avaliadas em 12,328 bilhões de barris de petróleo
61
(11,671 bilhões
no Brasil e 0,657 bilhões no exterior) e 435,194 bilhões/m
3
de s natural (331,026
bilhões/m
3
no Brasil e 104,168 bilhões/m
3
no exterior), que indica que a relação
reservas/produção da Petrobras chega a 14,5 anos (uma vida útil maior do que a dia do
setor) e produz 1,920 milhões de barris/dia de petróleo e cerca de 62 mm
3
/dia de gás natural.
Afinal, a Petrobras é proprietária do maior e mais avançado centro de pesquisas da América
Latina, o Cenpes (Relatório Anual da Petrobras 2006).
3.4.2. A Petrobras e a Ingerência do Estado
Em coletiva a imprensa realizada a 6 de agosto de 2007 em Tegucigalpa (Honduras), o
presidente Lula, indagado sobre a possibilidade de a Petrobras participar de atividades de
E&P naquele país, afirmou que "a Petrobras é uma empresa pública, com ações na bolsa,
mas tem apenas certa autonomia, porque quem indica a direção da Petrobras é o governo"
(Bococcina, 2007 s/pág.). O parecer presidencial foi reforçado no programa “Café com o
Presidente de 12 de novembro de 2007, quando Lula completou: “a Petrobras vai investir
onde possa dar tranqüilidade para a sociedade brasileira”.
Na Petrobras, ao contrário do parecer presidencial, os interesses do corpo dirigente da
estatal e os do Governo Federal nem sempre estiveram alinhados (Contreras, 1994). As
diferenças nos interesses foram agravadas nos anos recentes em razão da alteração do capital
acionário da estatal. De fato, na tabela 3.1 se observa que o Estado detém 55,7130% das ações
ordinárias da Petrobras, mas somente 32,2144% do seu capital total. Em essência os objetivos
que o Estado pretende atingir através da Petrobras permanecem os mesmos daqueles expostos
no icio deste capítulo aos quais foram acrescidos: a diversificação da matriz energética
61
Volume fixado com critérios reconhecidos internacionalmente pela Society of Petroleum Engineers (SPE);
105
(atendendo os desejos do Governo e em razão da própria alteração dinâmica da IMP),
diversificar os fornecedores de hidrocarbonetos, atender os interesses dos acionistas
minoritários e, como querem alguns estudiosos, atuar como agente da política externa.
Às pretensões do Estado opõem-se os interesses dos 247.580 acionistas privados da
Petrobras (cerca de 80.000 deles residem fora do Brasil, o que mostra que a Petrobras está se
tornando uma companhia global) que, como pode ser visto na tabela 3.1, detém 44,2870% das
suas ações ordinárias e 67,7856 % do seu capital total
62
. Estes acionistas têm objetivos
diferentes do Estado: querem que a Petrobras seja administrada de acordo com os postulados
apliveis a uma companhia privada, tendo como foco a capitalização, valorização, os lucros
crescentes e a distribuição de dividendos.
Segundo os estudiosos esta divisão acionária originaria um dilema para a Petrobras: a
quem ela deve prestar contas, ao setor público ou ao capital privado? Em síntese, de um lado
estão os que defendem a tese de que em primeiro lugar estão os interesses do Estado (Ribas,
2003). De outro lado estão os que defendem a tese de que a estatal deve comportar-se como
uma empresa privada, cuja lógica absorveu nos anos 80 (Contreras, 1994).
Para Adriano Pires (professor da UFRJ e membro do CBIE) o dilema teve origem na
Lei 9.478/97 que introduziu a concorrência nas atividades petrolíferas brasileiras, atraindo as
supermajors, e na abertura do capital da Petrobras ocorrida em 1999, expondo a estatal às
pressões oriundas da participação privada (Ribas, op. cit.).
A construção de sofisticadas plataformas marítimas, como a P-36 (tragicamente
perdida em 2001), a P-50 e a P-51 ilustra a complexidade da questão. O seu desenvolvimento
tecnológico é inegável conquista da parceria Cenpes-Coppe/UFRJ, mas por critérios de preço,
pontualidade, qualidade e tecnologia tais plataformas são construídas em estaleiros da Coréia
do Sul ou em Cingapura. No caso da P-50 o grande investimento (cerca de US$ 1 bilhão)
originou um debate entre os que defendiam a utilização da Petrobras como instrumento de
políticas públicas (queriam a realização das obras em estaleiros brasileiros) e as vozes do
mercado financeiro, que pediam a prevalência dos critérios cnicos (o que beneficiaria os
estaleiros estrangeiros). Para agravar, o debate coincidiu com as eleições presidenciais de
2002 entrando imediatamente na pauta dos candidatos.
Assim, um problema normal de gestão acabou ganhando caráter político e a Petrobras
teve que fazer sucessivos adiamentos dos editais de licitação, prejudicando seu cronograma de
62
Atualmente a potica da Petrobras é atrair o pequeno e médio investidor individual que privilegia o potencial a
longo prazo da estatal e adquire a ação incoporando-a como parte do patrimônio familiar. Em setembro
de 2006 a Petrobras desdobrou as ações ordinárias acrescentando mais 25 mil acionistas brasileiros.
Atualmente o lote mínimo de 100 ações está em R$ 4.300,00.
106
investimentos. Com a vitória de Lula, tornou-se visível o viés nacionalista do PT. Quando o
edital foi publicado constavam cláusulas que reservavam para a industrial nacional um
mínimo de 45% do valor total do empreendimento. Por conta dessa cláusula (tida por muitos
críticos como o ressurgimento da reserva de mercado) ocorreram indisposições do comando
da Petrobras com Dilma Roussef, então ministra de Minas e Energia e presidente do Conselho
de Administração da Petrobras. Adepta do retorno do Estado a áreas estratégicas da economia,
a ministra estaria, na visão dessas fontes, procurando reutilizar a estatal como instrumento de
política industrial, desconsiderando os ganhos ou prejuízos dos acionistas (Ribas, op. cit.).
Como demonstra o dilema, o Estado, na condição de acionista majoritário, pode
exercer seu poder de ingerência sobre a Petrobras, dirigindo seus investimentos para atender
qualquer um dos seus objetivos em detrimento dos interesses o apenas dos outros
acionistas, mas também dos próprios interesses econômicos e comercias da estatal. Porém,
por três razões a ingerência do Estado sobre os investimentos da Petrobras deve ser comedida,
permitindo que a estatal atue o mais de acordo possível com os postulados de uma companhia
privada. A primeira razão é que tanto o mercado acionário (que define os preços das ações
63
de uma companhia) quanto agências de classificação de risco (que atribuem nota de risco
64
aos títulos de uma companhia) consideram a ingerência do Estado como fator de desvio do
compromisso da Petrobras (ou qualquer outra estatal de capital misto aberto) com os lucros.
Assim, quando a ingerência estatal é considerada excessiva a depreciação dos pros das
ações e uma diminuição nas notas de risco dos tulos, o que reduz o valor de mercado da
Petrobras, encarecendo seus custos de captação de recursos no mercado interno e externo.
Como a captação, ao lado das receitas pprias, é a única fonte de recursos da Petrobras, um
aumento nesses custos compromete sua política de investimentos. Adriano Pires diz que:
“Se a Petrobras se deixar levar por interesses políticos e demagógicos em
detrimento de geses profissionais que visem proporcionar maior eficiência da
63
O preço das ações reflete o momento presente de uma companhia, reagindo quase instantaneamente a qualquer
informação. Para a Petrobras, além da ingerência do Estado, muitos outros fatores podem alterar os
preços das ações como: os resultados financeiros, as inovações tecnológicas, as oscilações nos preços
de hidrocarbonetos, o anúncio de descobertas de hidrocarbonetos, as condições climáticas, os problemas
geopolíticos e as condições gerais da IMP.
64
A nota de risco (ou rating”) é uma opinião emitida por uma agência de classificação de risco sobre a
possibilidade de um emitente (seja companhia ou país) suspender os pagamentos (entrando em
“default”) dos tulos de sua vida (as notas são atribuídas aos títulos das vidas e não as ações). As
três agências de maior credibilidade, a Standard & Poor’s (S&P), a Moody’s Investors Service e a Fitch
Ratings, utilizam critérios próprios para atribuir uma nota ao emitente após avaliar sua situação
financeira, as condições do mercado mundial, a opinião de especialistas da iniciativa privada e fontes
oficiais e acadêmicas, que analisam informações como: o histórico de estabilidade, a rentabilidade, a
resgatabilidade, a segurança, solidez financeira, solvência, transparência, entre outras. Nota elevada
indica que o emitente é bom pagador e recebe a classificação de “Investment Grade” (Freitas, 2007).
107
companhia, temo que, no final, a empresa possa ficar às voltas com um nível tal de
endividamento que comprometa até sua sobrevivência e, com ela, o sonho brasileiro
de se tornar auto-suficiente no campo energético." (Ribas, op. cit. s/pág.).
Quanto aos preços das ações desde a abertura do capital acionário da Petrobras, elas
sofreram uma valorização quase constante. Quanto às notas de risco, segundo Raul Campos
(Gerente Executivo de Relacionamento com Investidores) a Petrobras possui a classificação
“Investment Grade”, que nem os títulos federais brasileiros têm, tornando a estatal, junto com
a AmBev e a Vale do Rio Doce, uma das únicas companhias sediadas em mercados
emergentes a possuir tal classificação. Para Campos esta classificação resulta do compromisso
da Petrobras com a implementação do seu Plano de Negócios, de forma rentável e com
responsabilidade social e ambiental, demonstrando que a atual proporção acionária é boa, que
o setor está contente ela, que acionistas privados confiam no acionista majoritário e vêem a
Petrobras como um bom investimento. Isso valoriza o papel do governo na Petrobras e
endossa sua administração (Página Eletrônica da Petrobras, seção entrevistas).
Guilherme Estrella (Diretor de E&P da Petrobras no Brasil) informa que a Petrobras é
uma empresa que tem o controle do Estado, mas tem uma gestão privada. Para ele a arena
diária é conciliar as recomendações do governo exercido através da Assembléia de acionistas
e pelo Conselho de Administração da Companhia e atender a elas. É um aparente conflito,
mas muito bem gerenciado. Para ele as coisas não são antagônicas. O interesse do investidor
também é o desenvolvimento nacional (Página Eletrônica da Petrobras, seção entrevistas).
Sérgio Gabrielli (atual Presidente da Petrobras) informa que essa classificação traz
muitas vantagens para a estatal: transforma-a numa das 14 companhias petrolíferas do mundo
que ostentam tal classificação, indicam que as ações da Petrobras o investimentos seguros;
representa o reconhecimento internacional da redução da exposição financeira da Petrobras;
demonstra a importância da integração de suas operações, do crescimento de sua produção e
de suas exportações, que resultam em maior geração de caixa em moeda estrangeira; permite
o acesso ao mercado de títulos norte-americano; implicam em menor custo de captação,
ampliando as oportunidades de desenvolvimento de novos projetos e a possibilidade de
garantir maior retorno aos acionistas, o que tornará a empresa ainda mais competitiva (Página
Eletrônica da Petrobras, seção entrevistas).
A segunda razão para o comedimento da ingerência do Estado resulta da mudança de
postura do FMI. Como vimos o FMI computava os investimentos das estatais como despesas
do Estado, mas em 2002 o órgão aceitou a proposta do Governo Federal de incluir, para efeito
do Programa Stand By, a redução da meta do resultado primário por um valor igual à despesa
108
com investimentos da Petrobras. Com esta medida os investimentos da estatal passaram a
compor a conta de receita do Balanço Geral da União. Assim, quanto maior a capacidade de
investimentos da Petrobras maiores os números do Balanço Geral da União e melhor a
capacidade de negociação do Brasil frente às instituições financeiras internacionais. O FMI
salientou que a Petrobras foi selecionada para este tratamento especial por causa da sua clara
orientação comercial, sua classificação no Nível I da Bovespa, sua lucratividade, sua boa
regência administrativa e seu comportamento concorrencial. (Marins op. cit.).
A terceira razão para o comedimento da ingerência do Estado está relacionada ao
potencial multiplicador e propagandístico dos investimentos da Petrobras para o Estado, que
pode incorporar como parte do seu orçamento os planos de investimentos da estatal. O
exemplo mais pximo é o PAC (Plano de Aceleração do Crescimento). Anunciado pelo
Governo Lula em 22 de janeiro de 2007 o PAC prevê investimentos de US$ 229,9485 bilhões
até 2010, sendo que US$ 78,9638 bilhões (34,3398%) se originam da Petrobras, um valor
muito próximo ao previsto no plano de investimentos da estatal para o período 2007/11.
Em razão dos três fatores os investimentos da Petrobras são rigorosamente controlados
pela União através do Dest
65
, que examina as contas das estatais ao final de cada exercício
fiscal e elabora, com base no Programa de Dispêndios Globais e da proposta do Orçamento de
Investimento das estatais, a proposta orçamentária para o exercício seguinte. Tanto as contas
como a elaboração orçamentária devem ser aprovadas pelo Ministério de Planejamento,
Orçamento e Gestão e aprovadas em plenário pelo Congresso Nacional, sendo que a última
entrará na composição da Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO). Em adição, as contas, o
orçamento e os investimentos da Petrobras devem ser aprovados pelo MME.
3.5. Um Diferencial Importante: o Cenpes
Qualquer que seja o ambiente físico em que uma companhia opera ela enfrentará
limitadores de cunho científico e tecnológico. Com a Petrobras não é diferente, mas a estatal
65
Departamento de Cooperação e Controle das Empresas Estatais órgão que substituiu o CCE e está subordinado
à Secretaria Executiva do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. O Decreto 3.224 de
28/10/99 definiu como sendo suas funções: 1) coordenar a elaboração do Programa de Dispêndios
Globais e da proposta do Orçamento de Investimento das estatais; 2) promover a articulação e a
integração das políticas das estatais; 3) acompanhar, avaliar e disponibilizar informações sobre o
desempenho econômico das estatais; 4) manifestar-se previamente sobre as propostas das estatais
referentes à: alterações do capital social, distribuição de lucros, criação de subsidiárias, alterações
acionárias, aprovação e alterações de estatutos, contratação de operações de crédito, e emissão de
títulos; 5) coordenar e orientar a atuação dos representantes do Ministério de Planejamento, Orçamento
e Gestão nos Conselhos de Administração das estatais; 6) promover a articulação e a integração das
políticas das estatais; e 7) contribuir para o aumento da eficiência e transparência das estatais.
109
possui o instrumento capaz de superar este tipo de problema: o Centro de Pesquisas e
Desenvolvimento Leopoldo Américo Miguez de Mello, conhecido como Cenpes.
Criado em 1966 e instalado (desde 1973) na Ilha do Fundão, junto à Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o Cenpes ocupa uma área de 122.000 m
2
, possui 137
laboratórios e 30 unidades-piloto onde atuam 1.576 cientistas e técnicos
66
. O Cenpes mantém
900 projetos de P&D, 48 projetos de engenharia básica e 12 programas tecnológicos. Fora
dali desenvolve projetos com 76 universidades em 17 Estados. Os mais importantes são
desenvolvidos em conjunto com a UFRJ, Unicamp (no Centro de Estudos em Petróleo,
Cepetro) e o Coppe/UFRJ (Instituto Alberto Luiz Coimbra de s-Graduação e Pesquisa de
Engenharia). Possui também 11 incubadoras tecnológicas espalhadas pelo país. Segundo a
Petrobras o Cenpes é o maior centro cienfico da América Latina, mas as conquistas
tecnológicas e a literatura especializada parecem dar razão a estatal. Diga-se que as duas
maiores companhias petrolíferas da América Latina, a PDVSA e a Pemex, que ultrapassam a
Petrobras em volume de reservas e refino não rivalizam com ela em termos de tecnologia.
O acontecimento chave para redefinição das estratégias da Petrobras foi o choque do
petróleo de 1973. É bastante conhecido o impacto negativo que o alto preço do barril do
petróleo teve sobre a economia brasileira. Mas o mesmo aumento do preço do barril do
petróleo que inviabilizou o milagre brasileiroteve um efeito colateral: viabilizou a E&P de
áreas antes excessivamente custosas, como a Amazônia e da Plataforma Continental.
De fato, o pro do barril era de US$ 1,80 em 1970, mas em 1973 o preço disparou:
comou em US$ 2,90 em fevereiro e chegou a US$ 11,65 em dezembro, viabilizando a
exploração offshore (mesmo com tecnologia incipiente) em Campos, onde cada barril custava
US$ 20,00. Nos anos 70 enquanto o preço do barril do petróleo subia lentamente prosseguiam
as pesquisas em alto-mar, tendência que recebeu um impulso definitivo em 1979, com o
segundo choque do petróleo, isto aliado aos avanços tecnológicos, fez o custo do barril
extraído de Campos cair para US$ 14,00 em 1983. As descobertas marcaram o início da
segunda fase dentro da Petrobras onde o diferencial é a exploração do petróleo em águas
profundas (até 300 em lâmina d’água), ultraprofundas (de 1.000 m ou mais de lâmina d’água)
e agora hiper-profundas (mais de 3.000 m em lâmina d’água).
66
A Petrobras está ampliando o Cenpes ao lado da cidade universitária da UFRJ. O novo centro terá 337.000 m
2
e 227 laboratórios. O centro também terá plantas piloto de processamento de s e de obtenção de
hidrogênio, um posto ecotecnológico para abastecimento de veículos com combustíveis do futuro, salas
de visualização em terceira dimensão e dois ambientes imersivos (HoloSpace e Cave – Caverna
Digital), com projeção estereoscópica em telas gigantes, de altíssima resolução.
110
Este avanço é creditado ao programa mais importante da Petrobras, o Programa de
Capacitação Tecnológica em Sistemas de Exploração em Águas Profundas (Procap). Segundo
Furtado & Freitas (2004) o Procap marca a fase mais avançada na estratégia de substituição
de importações, quando se passa de um regime de proteção comercial (barreiras tarifárias,
controles qualitativos e de taxa de câmbio) para o que incorpora o protecionismo tecnológico
com o intuito de aumentar o domínio local e a geração endógena de tecnologia. O estimulo
para a mudança aconteceu em 1984 quando não existia tecnologia disponível no mercado
mundial para explorar águas profundas. Três foram os estágios da Procap:
- Procap-1000 (desenvolvido entre 1986/92) que possibilitou a Petrobras dominar a tecnologia
para explorar petleo a 1.000 m (3.281 pés) de lâmina d’água;
- Procap-2000 (desenvolvido entre 1993/00) que possibilitou a Petrobras dominar a tecnologia
para explorar petróleo a 2.000 m (6.562 pés) de lâmina d’água. A unidade operacional mais
avançada deste estágio entrou em atividade em 2003 no campo de Roncador a uma
profundidade de 1.877 m;
- Procap-3.000 (desenvolvido a partir de 2000) que visa o domínio da tecnologia para explorar
petróleo a 3.000 m (9.843 pés) de lâmina d’água. Este programa detém o recorde mundial de
pesquisa em alto-mar com um poço exploratório a 2.777 m de lâmina d’água.
O Procap exige um investimento maciço em pesquisa e tecnologia. A mais de 300 m
de profundidade (limite de resistência do mergulhador) a atividade tem que ser automática,
por isto o Cenpes em conjunto com o Coppe/UFRJ desenvolveu todos os equipamentos
(robôs, válvulas, cabos, etc.) capazes de operar em condições extremas, bem como as mais
avançadas plataformas marítimas do mundo. Atualmente o Cenpes conta com o Laboratório
Hiperbárico (inaugurado em 2001, o mais avançado do mundo para pesquisas oceanográficas)
para testar equipamentos e novas plataformas já dentro do cronograma do Procap-3.000.
Em paralelo ao Procap a Petrobras também começou a investir em novas tecnologias
de perfuração e pesquisas como a sísmica tridimensional 3D (é a única companhia da
América Latina a possuir um laboratório destes). Segundo Giuseppe Bacoccoli (engenheiro
que chefiou por 30 anos o setor de E&P da Petrobras) a capacitação geofísica da estatal
chegou a tal nível nos anos 80 que a Petrobras encontrava petróleo em 50% dos poços
perfurados contra os 15% da média mundial (Bococcoli, in: Fernandes, op. cit.).
Outros programas do Cenpes incluem:
- Programa Estratégico de Recuperação Avançada de Petróleo (Provap): que visa a
recuperação do petróleo que fica nos poços e a reativação de antigos campos;
111
- Programa de Desenvolvimento de Tecnologias Estratégicas de Refino (Proter): até os anos
90 a maioria das refinarias da Petrobras possuía tecnologia para operar com óleos leves, como
o de Garoupa e dos países do Oriente Médio onde era realizada a maioria das compras. Mas a
entrada de óleo pesado no mercado do refino brasileiro, seja através de novos fornecedores
(como a Venezuela, onde o óleo é pesado), seja através do seu próprio óleo levou a Petrobras
a desenvolver um sistema de refino para petróleos com diferentes teores de impurezas.
- Programa Tecnológico para a Ampliação de Fronteiras Exploratórias (Profex): que busca
tecnologias de processamento, filtragem e aquisição sísmica.
- Programa Tecnológico de Energias Renováveis (Proger): pesquisa e desenvolve tecnologias
capazes de viabilizar as energias renováveis. Nessa área as ateões da Petrobras estão
voltadas para a produção de biocombustíveis (especialmente o biodiesel e etanol), biomassa,
célula combustível e gerão de energia elétrica, energia eólica, energia solar (modalidade
fotovoltaica), e energia hidrelétrica a partir das Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH)
67
.
3.6. O Sistema Petrobras
A rigor a marca Petrobras engloba uma rede muito maior de interesses porque também
comumente se aplica às subsidiárias que comem o Sistema Petrobras (Moreira & Sarmento,
op.cit.). A Petrobras tem participação acionária em 261 companhias, mas a estatal considera
que apenas as sete subsidiárias tratadas aqui compõem o Sistema Petrobras. Estas subsidiárias
o nominalmente independentes, com diretorias, estatutos, contabilidade, quadros sociais
próprios e com liberdade de fechar contratos de forma independente, porém cuja propriedade
e posse quase integral e/ou integral das ações pertence a estatal.
3.6.1. A Construção do Sistema Petrobras
O período 1960/73 foi decisivo para a construção e expansão do Sistema Petrobras
possibilitando a integração da companhia tanto em sentido vertical como em sentido
horizontal. Favorecida pela expansão econômica verificada no período, essa construção teve
como base o petróleo importado porque então o mercado petrolífero externo era atrativo (os
preços eram baixos e havia sobre-oferta de petróleo) e porque, a despeito dos esforços, o
67
A Resolução n
o
652 de 09/12/2003 da ANEEL define as PCH como usinas com potência entre 1 mW e 30
mW, com área de reservatório limitada o que possibilita melhor atendimento às necessidades de carga
de pequenos centros urbanos, regiões rurais e unidades industriais, com um menor índice de impacto
ambiental. Por sua construção apresentar baixo custo e demandar pouco tempo (cerca de 2 anos) o custo
da produção dessas usinas é competitivo com a gerada nas termelétricas a s.
112
ritmo de descobertas da Petrobras ficou muito aquém do necessário para acompanhar o
crescimento da demanda interna de petróleo (Contreras, 1994).
Assim, além de necessária, a importação de petróleo era menos onerosa que a P&E, o
que levou o Governo a incluir a importação de petróleo no monopólio da Petrobras
(23/12/1963), seguido de uma mudança gradual na companhia, que passou a se concentrar no
refino e dava os primeiros passos em direção a distribuição, mas foi após o golpe de 1964 e
em especial com o Decreto-Lei N
o
200 (que abriu a possibilidade de intervenção do Estado na
economia via estatais) que possibilitou a expano e a integração do Sistema Petrobras. Neste
sentido a primeira ação foi feita não em sentido vertical, mas em sentido horizontal, através
do Decreto-Lei 61.981 de 28 de dezembro de 1967, que estabeleceu a primeira subsidiária da
estatal, a Petrobrás Química SA (Petroquisa), que disponibilizou a tecnologia, mão-de-obra e
os capitais necessários para a construção do setor petroquímico.
Na presidência do General Geisel (1969/73), os rumos da estatal foram orientados em
direção a integração vertical, reforçando ainda mais sua participação no refino e distribuição.
Nesta última atividade, após início modesto em 1962 quando a Petrobras passou a fornecer
combustíveis para órgãos do governo, houve a entrada oficial em 8 de novembro de 1971
quando era criada a segunda subsidiária, a Petrobrás Distribuidora SA (BR Distribuidora).
Por sua vez, os resultados desanimadores da exploração do petróleo no Brasil levaram
a decisão de criar, sob forte oposição interna, a terceira subsidiária, a Petrobrás Internacional
SA (Braspetro) em 5 de abril de 1972. A Braspetro objetivava desenvolver fora do território
nacional todas as atividades petrolíferas que, por lei, a Petrobras não podia executar sem
autorização do Congresso. Uma medida justificada pela grande dependência do país por
petróleo importado, pelas facilidades para E&P em outros países e pelo fato da Petrobras
então contar com equipe de técnicos experimentados em E&P (Minadeo, op. cit.).
Após o choque do petróleo de 1973 a nova redefinição nas estratégias do Brasil incluía
a busca da auto-suficiência petrolífera. Assim a Petrobras ampliou as pesquisas em alto-mar e
na Amazônia ao mesmo tempo em que, num movimento defensivo, criou outras subsidiárias.
Para aproveitar o potencial comercial da estatal em fevereiro de 1976 foi criada a quarta
subsidiária da Petrobras, a Petrobrás Comércio Internacional SA (Interbrás)
68
.
68
O potencial resultava do fato da Petrobras ser a maior compradora individual de petróleo do mundo até 1979,
ano que comprou US$ 11 bilhões de petróleo do exterior, a maior parte do Oriente Médio. A Petrobras
criou esta subsidiária a fim de aproveitar os canais de comércio abertos com estes países. Através da
Interbrás eram vendidos armamentos (Engesa), automóveis (Volkswagens brasileiros), serviço de
engenharia (Mendes Júnior), produtos avícolas, produtos agcolas e assim por diante.
113
O impacto dos preços do petróleo na balança de pagamentos coincidiu também com a
estratégia de aumentar e diversificar a exportação de produtos agrícolas. Para implementar
esta estratégia em novembro de 1974 era aprovado o Programa Nacional de Fertilizantes e
Calcários que previa uma ação coordenada entre Governo e iniciativa privada para viabilizar a
produção agrícola, porém sua operacionalizão foi colocada sob responsabilidade da quinta
subsidiária da Petrobras, Petrobrás Fertilizantes SA (Petrofértil), criada em 23 de março de
1976. A Petrortil controlava a produção nacional de insumos nitrogenados a partir das
subsidiárias Nitrofértil (criada pela Petroquisa em 1973) e Ultrartil (comprada em 1974) e a
produção nacional de insumos fostatados a partir das subsidiárias Fosfértil (criada em 1980),
ICC (estatal, repassada a Petrofértil em 1978) e Goiasfértil (criada em 1978).
Em 1977 era criada a última subsidiária, consolidando o formato do Sistema Petrobras
até 1991: a Petrobrás Mineração SA (Petromisa), que aproveitava o conhecimento geológico
acumulado pela estatal do subsolo brasileiro (1,11 milhão de km
2
) para inicialmente explorar
as jazidas de potassa localizadas em Sergipe.
3.6.2. A Lei 9.478/97 e o Sistema Petrobras
Modelo base e mais bem sucedido do “tripé” de desenvolvimento adotado no regime
militar, o Sistema Petrobras não é o mesmo que se consolidou no final dos anos 70. A
necessidade de adaptar a Petrobras as novas exigências estruturais da indústria petrolífera, às
novas tecnologias de informática e a nova estrutura brasileira de mercado determinado pela
Lei 9.478/97 modificou substancialmente também o perfil do Sistema Petrobras. Nesta nova
reestruturação a Petroquisa foi reconfigurada, a BR Distribuidora foi mantida sem alterações
significativas, a Braspetro foi extinta (a exemplo do que ocorrera com a Interbrás e a
Petromisa, mas por razões diferentes) e a Petrofértil foi transformada em outra subsidiária (a
Gaspetro). Afinal, foram criadas novas subsidiárias e houve a compra de uma companhia
estrangeira (a Pérez Compac SA) que se transformou em subsidiária.
Observa-se que esta reestruturação enfatizou três objetivos: 1) reforçar a atividade
central da estatal, o petróleo; 2) reforçar os setores diretamente vinculados e complementares
a logística da linha vertical, como o transporte e distribuição; e 3) ampliar os negócios
vinculados à energia, como gás natural e energia elétrica, em que a Petrobras é novata. Neste
novo arranjo enquanto a Petrobras opera diretamente no exterior, as subsidiárias operam
(quase exclusivamente) no país, complementando o fluxo produtivo da estatal.
114
Atualmente o Sistema Petrobras é formado pelas seguintes companhias (no segundo
parênteses está porcentagem da participação acionária da Petrobras):
- Petrobrás Química SA (Petroquisa) (100,00%): mais antiga subsidiária do Sistema
Petrobras e ainda braço químico da estatal e que praticamente sozinha, a partir do
planejamento estatal realizado pelo Geiquim (Grupo Executivo da Indústria Petroquímica)
iniciados em 1965 implantou os trêslos petroquímicos brasileiros:
1. Em 1968, o I lo Petroquímico, em São Paulo, com a Petroquímica União S.A. (PQU),
como central de matérias-primas;
2. Em 1970, o II Pólo Petroquímico, na Bahia, com a Petroquímica do Nordeste S.A.
(Copene, hoje Braskem
69
), como central de matérias-primas;
3. Em 1975, o III lo Petroquímico, no Rio Grande do Sul, com a Companhia Petroquímica
do Sul (Copesul), como central de matérias-primas.
Na formação desses três pólos petroquímicos, a central de matérias-primas era
controlada pela Petroquisa e as empresas de segunda geração seguiam o chamado "modelo
tripartite" em que o controle de cada empresa era detido por três sócios, cada um com
aproximadamente 1/3 do capital: a Petroquisa, como representante da participação estatal, um
acionista privado brasileiro e um acionista estrangeiro licenciador de tecnologia. Antes da
privatização do sistema Petroquisa em 1992 ela controlava 4 subsidiárias
70
e tinha
participação acionária em 23 coligadas diretas e 43 coligadas indiretas (empresas associadas),
que juntas respondiam por 80% do setor petroquímico brasileiro (Contreras, 1994).
A Petroquisa possui ações ordinárias em 12 companhias (no parêntese sua participação
em 31/12/2006): Braskem SA (9,80%), Citepe (40,00%), Copesul (15,63%), Deten Química
SA (28,60%), FCC SA (50,00%), Metanor SA (49,50%), Nitroclor Ltda (38,80%),
Petroquímica Paulínia SA (40,00%), Petroquímica Triunfo SA (70,50%), Petrocoque SA
(40,00%); PQU (17,44%) e Rio Polímeros SA (16,67%).
- Petrobrás Distribuidora SA (BR Distribuidora) (100,00%): subsidiária criada em 8 de
novembro de 1971. Distribuí derivados de petróleo e gás natural em todo o terririo nacional.
- Petrobras International Finance Company (PIFCO) (100,00%): subsidiária criada em
1997 com fim de intermediar as operações de compra e venda de petróleo e derivados entre
69
Formada em 2001 fuo da Copene, Odebrecht e Mariani a Braskem é a maior petroquímica da América
Latina, apresentando um faturamento anual superior a US$ 4 bilhões.
70
A Companhia Nacional de Álcalis, a Copesul, a Petroflex (unidade produtora de borracha sintética localizada
em Duque de Caxias/RJ) e a PQU.
115
Petrobras e terceiros. Possui três subsidiárias: Petrobras Finance Ltd (PFL); Petrobras Europe
Ltd (PEL) e Petrobras Netherlands BV (PNBV).
- Petrobrás Transporte SA (Transpetro) (100,00%): subsidiária criada em 12 de junho de
1998 em atendimento ao Art. 65 da Lei no 9.478/97 e absorveu a Fronape (Frota Nacional de
Petroleiros, que desde 1949 fazia o transporte de petróleo). A Transpetro também presta
serviços a distribuidoras e à indústria petroquímica. Junto com a PIFCO é a única subsidiária
que opera no exterior por intermédio da subsidiária Fronape International Company.
Principal empresa do setor de logística e transporte do país, a Transpetro opera uma
frota de 120 navios (51 petroleiros), 44 terminais terrestres e aquaviários e 30.318 quilômetros
de malha dutoviária (gasodutos, oleodutos e polidutos), bem como instalações para
armazenagem de granéis, gás natural, petróleo e seus derivados, unindo as áreas de produção,
refino e distribuição da Petrobras. Em 1 de janeiro de 2002 assumiu a estrutura atual quando
seus negócios foram divididos em três áreas (Oleodutos, Gasodutos e Terminais Aquavrios)
com independência para fechar acordos comerciais.
- Petrobrás s SA (Gaspetro) (99,94%): subsidiária criada em maio de 1998 em
substituição a Petrofértil. A Gaspetro responde por todas as atividades nacionais referentes ao
gás natural: estrutura de transporte, comercializão, fornecimento, armazenamento, operação
das plantas de liquefação, recebimento e revaporizão. Dois são os principais clientes da
Gaspetro: a indústria (produção de aço, cerâmica, cimento, fertilizantes, petroquímicos, vidro,
etc.) e as termelétricas (programa PPT).
- Petrobras Energia Participaciones SA (Pepsa) (58,62%): ex-Perez Compac SA,
subsidiária adquirida em 22 de julho de 2002. Controladora da Petrobras Energía SA (Pesa),
empresa integrada de energia sediada em Buenos Aires, que veremos no capítulo seguinte.
- Downstream Participações SA (99,99%): criada em 27 de novembro de 2000 tem com o
objetivo facilitar a permuta de ativos entre a Petrobras e a Repsol-YPF.
3.7. O Lugar da América do Sul nos Planos Estratégicos da Petrobras
Com a adoção dos princípios de Governança Corporativa em 1999 a Petrobras
incorporou a política de transparência nos negócios e assim periodicamente a estatal divulga
os Planos Estratégicos da Petrobras, documento em que informa sua missão, visão,
estratégias, potica de investimentos e objetivos gerais, bem como os objetivos e montantes a
serem investidos em cada Área de Negócios da Petrobras. O monitoramento e os reajustes
116
necessários dos planos são realizados anualmente através do Plano de Negócios da Petrobras
que, tendo por base o ano de divulgação, indica o planejamento para o quadriênio seguinte.
O plano atualmente em vigor é o Plano Estratégico da Petrobras 2015, aprovado em
19/05/2004 onde a Petrobras informa que seu objetivo é:
“Liderar o mercado de petleo, s natural, derivados e biocombustíveis na
América Latina, atuando como empresa integrada de energia, com expansão
seletiva da petroquímica, da energia renovável e da atividade internacional”.
Sua missão é:
“Atuar de forma segura e rentável, com responsabilidade social e ambiental, nas
atividades da indústria de óleo, gás e energia, nos mercados nacional e
internacional, fornecendo produtos e serviços adequados às necessidades dos seus
clientes e contribuindo para o desenvolvimento do Brasil e dos países onde atua”.
Sua visão é ser
“Uma empresa integrada de energia com forte presença internacional e líder na
América Latina, atuando com foco na rentabilidade e responsabilidade social e
ambiental”.
E as estratégias adotadas seriam:
1) Consolidar e ampliar as vantagens competitivas no mercado brasileiro e sul-
americano de petróleo e derivados;
2) Desenvolver e liderar o mercado brasileiro de gás natural e atuar de forma
integrada nos mercados de gás e energia elétrica no cone sul;
3) Expandir seletivamente a atuação internacional de forma integrada com seus
negócios;
4) Expandir seletivamente a atuação no mercado petroquímico brasileiro e do cone
sul;
5) Atuar seletivamente no mercado de energias renováveis;
Nas sessões seguintes veremos as prioridades do plano para cada Área de Negócios da
Petrobras, bem como os investimentos realizados pela Petrobras.
3.7.1. Área de Negócios Exploração e Produção
Como vimos um dos resultados do processo de reestruturação da Petrobras foi a
criação de três áreas de negócios que controlam suas operões no Brasil rea de Negócios
Exploração e Produção, Área de Negócios Abastecimento e Área de Negócios Gás e Energia)
117
e uma área de negócios que controla suas operações no exterior (Área de Negócios
Internacional). Na tabela 3.2. abaixo podemos observar a evolução histórica dos
investimentos (em dólares) realizados pela Petrobras em cada área desde 1954:
Tabela 3.2. Os Investimentos da Petrobras por Área de Negócios desde 1954:
Milhões de US$ Correntes (% sobre o montante total dos investimentos)
E/P Abastecimento Gás & Energia Internacional Outros Total
1954 2,3 (16,43) 10,4 (74,29) 1,3 (9,28) 14,0 (100,00)
1955 7,3 (42,69) 6,7 (39,18) 3,1 (18,13) 17,1 (100,00)
1956 15,5 (54,01) 6,1 (21,25) 7,1 (24,74) 28,7 (100,00)
1957 34,5 (70,26) 10,0 (20,37) 4,6 (9,37) 49,1 (100,00)
1958 33,5 (62,15) 18,0 (33,39) 2,4 (4,45) 53,9 (100,00)
1959 29,4 (41,00) 39,0 (54,39) 3,3 (4,60) 71,7 (100,00)
1960 32,2 (26,99) 79,1 (66,30) 8,0 (6,71) 119,3 (100,00)
1961 41,4 (36,87) 55,4 (49,33) 15,5 (13,80) 112,3 (100,00)
1962 52,7 (42,78) 59,4 (48,21) 11,1 (9,01) 123,2 (100,00)
1963 68,0 (46,32) 61,4 (41,83) 17,4 (11,85) 146,8 (100,00)
1964 61,0 (45,73) 59,1 (44,30) 13,3 (9,97) 133,4 (100,00)
1965 75,5 (48,06) 66,1 (42,07) 15,5 (9,87) 157,1 (100,00)
1966 89,0 (47,09) 72,3 (38,25) 27,7 (14,66) 189,0 (100,00)
1967 97,0 (52,57) 63,0 (34,15) 24,5 (13,28) 184,5 (100,00)
1968 92,8 (52,40) 61,5 (34,73) 22,8 (12,87) 177,1 (100,00)
1969 101,7 (50,02) 84,9 (41,76) 16,7 (8,22) 203,3 (100,00)
1970 127,8 (40,48) 152,7 (48,37) 35,2 (11,15) 315,7 (100,00)
1971 113,7 (25,76) 299,4 (67,81) 28,4 (6,43) 441,5 (100,00)
1972 142,3 (31,91) 245,6 (55,08) 58,0 (13,01) 445,9 (100,00)
1973 186,1 (34,20) 305,4 (56,12) 52,7 (9,68) 544,2 (100,00)
1974 278,6 (30,27) 611,5 (66,44) 30,3 (3,29) 920,4 (100,00)
1975 406,1 (29,47) 926,7 (67,25) 45,2 (3,28) 1.378,0 (100,00)
1976 543,7 (38,30) 794,8 (55,99) 81,1 (5,71) 1.419,6 (100,00)
1977 656,5 (42,99) 815,0 (53,37) 55,6 (3,64) 1.527,1 (100,00)
1978 898,6 (53,31) 694,5 (41,20) 92,3 (5,49) 1.685,5 (100,00)
1979 1.042,8 (60,32) 608,9 (35,23) 77,0 (4,45) 1.728,7 (100,00)
1980 1.326,2 (77,44) 332,4 (19,41) 54,0 (3,15) 1.712,6 (100,00)
1981 2.480,4 (89,14) 263,4 ((9,46) 38,9 (1,40) 2.782,7 (100,00)
1982 3.494,3 (89,28) 374,6 (9,57) 45,1 (1,15) 3.914,0 (100,00)
1983 2.380,1 (92,80) 174,7 (6,81) 10,0 (0,39) 2.564,8 (100,00)
1984 1.540,3 (92,55) 110,9 (6,66) 13,2 (0,79) 1.664,4 (100,00)
1985 1.538,4 (90,03) 157,3 (9,20) 13,1 (0,77) 1.708,8 (100,00)
1986 1.786,2 (87,76) 233,3 (11,46) 15,8 (0,78) 2.035,3 (100,00)
1987 2.009,1 (79,95) 486,1 (19,35) 17,6 (0,70) 2.512,8 (100,00)
1988 1.429,6 (68,26) 631,1 (30,13) 33,8 (1,61) 2.094,5 (100,00)
1989 1.145,0 (64,09) 618,2 (34,61) 23,3 (1,30) 1.786,5 (100,00)
1990 1.306,0 (64,81) 475,0 (23,57) 86,0 (4,27) 148,0 (7,35) 2.015,0 (100,00)
1991 1.399,0 (64,83) 569,0 (26,37) 103,0 (4,77) 87,0 (4,03) 2.158,0 (100,00)
1992 1.573,0 (58,54) 678,0 (25,23) 295,0 (10,98) 141,0 (5,25) 2.687,0 (100,00
1993 1.530,0 (65,36) 512,0 (21,87) 146,0 (6,24) 153,0 (6,53) 2.341,0 (100,00)
1994 1.511,0 (62,64) 634,0 (26,29) 61,0 (2,53) 206,0 (8,54) 2.412,0 (100,00)
1995 1.628,0 (48,02) 1.228,0 (36,22) 263,0 (7,76) 271,0 (8,00) 3.390,0 (100,00)
1996 1.664,0 (45,94) 1.127,0 (31,12) 12,0 (0,33) 480,0 (13,25) 339,0 (9,36) 3.622,0 (100,00)
1997 1.849,0 (46,12) 1.036,0 (25,84) 78,0 (1,95) 766,0 (19,11) 280,0 (6,98) 4.009,0 (100,00)
1998 2.564,0 (51,49) 899,0 (18,05) 519,0 (10,42) 852,0 (17,11) 146,0 (2,93) 4.980,0 (100,00)
1999 2.316,0 (58,24) 595,0 (14,96) 501,0 (12,60) 469,0 (11,79) 96,0 (2,41) 3.977,0 (100,00)
2000 2.927,0 (70,56) 558,0 (13,45) - 318,0 (7,67) 345,0 (8,32) 4.148,0 (100,00)
2001 2.723,0 (64,42) 653,0 (15,45) 231,0 (5,46) 500,0 (11,83) 120,0 (2,84) 4.227,0 (100,00)
2002 2.875,0 (44,69) 1.008,0 (15,66) 443,0 (6,88) 2.008,0 (31,20) 101,0 (1,57) 6.435,0 (100,00)
2003 3.110,0 (51,73) 1.641,0 (27,30) 472,0 (7,85) 640,0 (10,65) 149,0 (2,47) 6.012,0 (100,00)
2004 4.309,3 (59,67) 1.753,1 (24,28) 213,6 (2,96) 796,6 (11,03) 149,0 (2,06) 7.221,6 (100,00)
2005 5.758,1 (54,54) 1.551,9 (14,70) 627,0 (5,94) 1.294,9 (12,26) 1.325,7 (12,56) 10.557,6 (100,00)
2006 7.041,2 (45,47) 2.217,2 (14,31) 719,9 (4,65) 3.292,1 (21,26) 2.215,9 (14,31) 15.486,3 (100,00)
Total 70.443,3 (58,39) 26.724,1 (22,16) 3.816,5 (3,16) 12.370,6 (10,25) 7.287,7 (6,04) 120.642,2 (100,00)
Obs.:
1. Nos parênteses estão as percentagens sobre o montante total dos investimentos;
2. Até 1989, investimentos da Controladora. A partir de 1990, investimentos do Sistema Petrobras;
3. Números em milhões de dólares correntes, segundo os princípios contábeis geralmente aceitos no Brasil (BR GAAP);
4. A partir de 2005, os investimentos incluem SPCs;
5. No item outros” está incluída a amortização das dívidas.
Fonte: Petrobras
118
Conforme a tabela 3.2. a estatal priorizou as operações no Brasil, onde concentrou
83,71% do seu investimento histórico total e nesse país priorizou a atividade de E&P, que
isoladamente absorveu nada menos 58,39% dos investimentos históricos totais, índice que
indica que o investimento realizado pela Petrobras nessa área está abaixo do padrão normal da
indústria petrolífera (que é de 70%, ver capítulo 2, sessão 2.2.).
Observe-se também que a grande concentração de recursos em E&P teve início em
1978 as o primeiro choque do petróleo (de 1973), quando o objetivo da Petrobras passou
ser alcançar a auto-suficiência na produção de petróleo, atingindo o auge nos 80 após o
segundo choque do petróleo (de 1979), que viabilizou a pesquisa em alto-mar (ver capítulo 3
sessão 3.5), mas posteriormente os montantes decaíram em razão do trancamento tecnológico
e dos ganhos advindos com a economia de escala típicos dessa indústria (ver capítulo 2 seção
2.2) obtidos com o sucesso da E&P em alto-mar.
São os objetivos da área de E&P expressos no Plano Estratégicos da Petrobras 2015:
“Ampliar a produção e as reservas através do fortalecimento da posição em águas
profundas e ultra-profundas; atuar nas áreas terrestres e em águas rasas com
rentabilidade; aportar práticas e novas tecnologias em áreas com alto grau de
exploração com o objetivo de otimizar a recuperação; desenvolver esforço
exploratório em novas fronteiras. Manter um contínuo e expressivo crescimento da
produção e das reservas, atingindo a auto-suficiência brasileira em petróleo em
2006, assim como manter posição dominante em E&P no Brasil”.
Os elevados investimentos realizados em E&P justificam-se pela grande área a ser
pesquisada no Brasil (136.772 km
2
), pelo desejo da Petrobras em manter sua posição no
mercado brasileiro e pelo fato de 70% da produção da Petrobras estarem localizados em águas
profundas ou ultra-profundas, o que acarreta na existência de uma planilha de custos
substancialmente diferente do padrão da IMP
71
. Além dos custos elevados tais campos de
petróleo exigem um planejamento adicional, uma avaliação mais abrangente e um tempo
marginal maior para a produção em comparação à produção onshore. Entretanto, os altíssimos
investimentos em E&P mostraram-se compensadores. Com participação decisiva do Cenpes
(através do Procap) no dia 21 de abril de 2006 a plataforma P-50 iniciava a produção do poço
que tornava o Brasil auto-suficiente em petróleo.
71
Quanto a estes custos, Philippe Reichstul externou que antes de assumir a presidência da Petrobras não
imaginava que se pudesse dispender US$ 100 milhões sem haver retorno. De fato, os custos da
produção offshore são estarrecedores: um poço em alto-mar custa no mínimo US$ 10 milhões fazendo
com que uma campanha de exploração padrão (ver capítulo 2 seção 2.2) custe no mínimo US$ 100
milhões. Enquanto isto uma plataforma custa no mínimo US$ 400 milhões e um navio petroleiro
pequeno US$ 40 milhões.
119
3.7.2. Área de Negócios Abastecimento
Como pode ser visto na tabela 3.2 a Área de Negócios Abastecimento ocupa a segunda
posição entre as prioridades da Petrobras, absorvendo 22,16% dos seus investimentos
históricos. O auge dos investimentos nesta área ocorreu antes do primeiro choque do petróleo
porque então era necessário construir toda a infra-estrutura de transporte e refino de petróleo e
derivados, ao qual posteriormente foi agregada a petroquímica (com a criação da Petroquisa)
e distribuição (com a criação da BR Distribuidora) e, uma vez superado este estágio, a
exemplo do que ocorreu na área de E&P, os montantes decaíram em razão do trancamento
tecnológico, dos ganhos advindos de economia de escala típica dessa indústria (ver capítulo 2
seção 2.2) e do redirecionamento das prioridades para a E&P.
Os objetivos para a Área de Negócios Abastecimento no Plano Estratégico da
Petrobras 2015 são os seguintes:
“Expandir as atividades de refino e comercialização no país e no exterior;
ancorada na sinergia dos ativos e competência do downstream; diversificar os
negócios enfatizando a petroquímica e o comércio de novos produtos energéticos;
ganhar eficiência em toda cadeia logística, enfatizando a excelência operacional e o
gerenciamento de risco; agregar valor às matérias-primas do Sistema Petrobras
com foco em mix de produtos de maior valor e melhor qualidade.”
No refino o desafio atual da Petrobras é reduzir os custos operacionais através do
aprimoramento e adaptação das refinarias para processar a produção doméstica de petróleo
pesado porque as refinarias da estatal originalmente foram projetadas para processar petróleo
importado leve. Além dos projetos de readaptação está sendo construída em Pernambuco uma
refinaria em parceria fifth/fifth com a PDVSA, onde cada companhia investe US$ 2 bilhões.
No transporte o principal projeto da Petrobras era a renovação da frota e neste caso a
estatal participa do esfoo promovido pelo Governo Lula de reativar o setor naval nacional.
Assim, foram encomendados 53 navios, sendo 19 para transporte de derivados líquidos, 17
petroleiros, 10 embarcações de apoio, 6 navios GLP e 1 FSO. Outros projetos nessa área
incluem a expansão e melhoria das condições de operação e segurança dos terminais e dutos
(projetos Pegaso, reforma do terminal de São Sebastião/OSBAT/OSVAT) e implementação
do plano diretor de dutos na região metropolitana de São Paulo.
Na petroquímica a Petrobras manifesta, através dos seus planos estratégicos, a vontade
de reocupar uma posição de destaque semelhante àquela de antes da privatização do sistema
120
Petroquisa, não se limitando apenas a fornecer matérias-primas. A Petrobras informa que os
investimentos da petroquímica devem:
1. Atender às suas necessidades de ampliar as sinergias com o refino, diluir seus riscos e
custos, maximizar o valor agregado dos investimentos e aproveitar as reservas de
hidrocarbonetos no Sudeste;
2. Atender as necessidades de remodelar o setor petroquímico brasileiro, que é defasado
tecnologicamente, porque utiliza principalmente a nafta como matéria-prima e apresenta
limitada capacidade de expansão e reinvestimento.
3. Aproveitar o período de forte expansão da IPQ (após o período de baixa registrado entre
1996/03 e com sobre capacidade esperada para 2010/11) ocasionado pela seletividade e escala
nos novos investimentos, expansão da capacidade instalada no Oriente Médio e Ásia,
generalização da matéria-prima mais barata (etano obtido do gás natural em lugar da nafta),
menores custos logísticos, forte demanda chinesa e a ênfase da integração da cadeia.
Consequentemente a Petrobras adotou um comportamento agressivo na petroquímica,
construindo seis plantas: o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), o Complexo
Acrílico Integrado de Minas Gerais, a Petroquímica Paulínia, a Companhia Petroquímica de
Pernambuco (Petroquímica Suape), a Fafen BA e uma fábrica de fertilizantes (que também
utilizará o etano e o propano derivados do gás natural como matéria-prima). A esses
investimentos a Petrobras adicionou a aquisição da Petroquímica Suzano em 13/08/2007
72
.
Na distribuição a Petrobras pretende ser a bandeira preferida dos consumidores,
oferecendo uma rede de varejo multinegócios, excelência na qualidade de produtos e serviços
e agregar valor ao Sistema Petrobras ofertando novos produtos, serviços e soluções.
3.7.3. Área de Negócios Gás e Energia
Embora tenha recebido apenas 3,16% dos investimentos históricos totais, a criação da
Área de Negócios Gás e Energia foi um dos resultados mais importantes do processo de
reestruturação da Petrobras, sendo seus os objetivos definidos no Plano Estratégico 2015:
72
Originalmente o negócio dizia respeito a compra dos ativos da Suzano pela Unipar que acabou em impasse por
razões financeiras. Então, a Unipar convidou a Petrobras para ser sócia minoritária no negócio e ambas
concordaram em pagar US$ 3,1 bilhões pela Suzano (US$ 1,7 pelos ativos e US$ 1,4 bilhão pela
dívida). Duas semanas depois a Petrobras surpreendeu o mercado ao pagar sozinha US$ 4,1 bilhões pela
Suzano. O ágio de US$ l bilhão intrigou o TCU (que ordenou a investigação do negócio) e os analistas,
que suspeitam que o Governo Lula esteja planejando uma reestatização branca” dos setores de infra-
estrutura (Attuch & Nicácio, 2007).
121
“Desenvolver a indústria de gás natural buscando assegurar a colocação do gás
natural próprio, atuando de forma integrada com as demais unidades da
companhia, em toda a cadeia produtiva no Brasil e demais países do Cone Sul;
atuar no negócio de energia elétrica de forma a assegurar o mercado de gás natural
e derivados; desenvolver, coordenar e implementar atividades relacionadas à
eficiência energética e energias renováveis, de acordo com os interesses da
Companhia, da sociedade e do país.
A Petrobras participa em muitos aspectos do mercado brasileiro de gás natural, mas
sua capacidade de atender à demanda em potencial de gás natural é limitada, em virtude das
restrições no abastecimento, infra-estrutura de transporte e distribuição que ainda está em
desenvolvimento. Para superar esses gargalos a Petrobras pretende: 1) aumentar a produção
interna de gás, especialmente nas Bacias do Espírito Santo, Campos e de Santos; 2) expandir a
rede de transporte de gás natural; 3) acelerar os projetos de investimento em antecipação do
abastecimento de gás natural na região sudeste
73
; 4) aumento de sua quota no mercado
brasileiro de distribuão de gás natural investindo em 19 das 25 empresas de distribuição de
gás natural do país; 5) investimento em usinas termoelétricas que demandem gás natural
74
; e
6) buscando uma maior flexibilidade operacional nas fontes, incluindo dois projetos de GNL
nas regiões nordeste e sudeste, para aprimorar a administração da demanda de energia.
Na área de energia renovável a Petrobras pretende ter um desempenho seletivo no
mercado, destinando US$ 700 milhões para a construção de 6 usinas termossolares, 2 usinas
termelétricas e 1 parque eólico (que juntos devem produzir cerca de 96 mW em 2010), 3
usinas de biodiesel (que devem produzir cerca de 2.300 bpd em 2010) e para os projetos que
envolvem o etanol.
3.7.4. A Área de Negócios Internacional
A expansão internacional da Petrobras foi resultado combinado da Lei 9.478/97, do
processo de reestruturação interna da Petrobras e da mudança no redirecionamento estratégico
da estatal. Essa expansão deveria contemplar oito objetivos: internacionalizar e valorizar a
marca Petrobras, funcionar como movimento defensivo (em que a estatal compensaria com os
ganhos nos mercados exteriores as perdas no mercado interno), reduzir os riscos operacionais
através da atuação simultânea em vários países (de forma que a estatal pudesse compensar as
perdas em um país com os ganhos em outros), agregar valor à produção do Sistema Petrobras,
73
Para atender os dois últimos objetivos serão investidos mais de US$ 3 bilhões para desenvolver o do mercado
e a construção da malha de gasodutos no nordeste, o gasoduto sudeste-nordeste (Gasene), o gasoduto
Urucu-Coari-Manaus, o gasoduto Campinas-RJ e malha de gasodutos do sudeste.
74
Aqui serão investidos US$ 1,5 bilhão para concluir projetos em andamento, elevando a produção termelétrica
da Petrobras para 5.044 mW em 2010.
122
alterar a matriz energética do Brasil, buscar a liderança como empresa integrada de energia da
América Latina, acelerar a monetização das reservas de gás natural e viabilizar negócios
(aquisições, consórcios, parcerias ou joint-ventures) que pudessem ampliar e diversificar o
portfólio da estatal.
No Plano Estratégico de 1999 ficou definido que a Petrobras não seria uma companhia
global, mas uma empresa regional, com foco na América Latina porque a estatal considerava
que, além de estratégica e próxima, a região proporcionaria um ambiente em que teria
evidente vantagem competitiva. Ademais, a Petrobras esperava agregar e integrar mercados
contíguos, que considerava sua área de influência e desempenhar um “papel relevante na
integração regional diante de sua presença, porte de suas operações e papel catalisador na
integração energética” (A Cooperação Sul-Americana: a atuação da Petrobras na América do
Sul, 2007).
Os objetivos para a ANI estabelecidos no Plano Estratégico são os seguintes:
“Buscar a liderança como empresa integrada de energia na América Latina;
expandir a atuação no setor americano do Golfo do xico e Oeste da África;
ampliar as áreas foco da Petrobras através de negócios que ampliem e
diversifiquem o portfólio; agregar valor à produção de óleo pesado da Petrobras;
acelerar a monetização das reservas de gás natural; internacionalizar e valorizar a
marca Petrobras.
Fora da América do Sul, em função da sua tecnologia para exploração e produção de
petróleo, considerada diferencial para a expansão internacional, a Petrobras selecionou três
áreas geográficas onde direcionará seus negócios de upstream: Caribe, Golfo do México e
Oeste da África, especialmente no Golfo da Guiné (da Nigéria a Angola).
Ao todo a Petrobras manm negócios em 32 países somando os que a Braspetro
atuava (Angola, Argélia, Colômbia, Egito, EUA e Líbia), com aqueles em que recentemente a
estatal começou a atuar: Argentina, Bolívia, Cazaquistão, Cingapura, Chile, China, Equador,
Filipinas, Grã-Bretanha, Guiné Equatorial, Índia, Irã, Japão, México, Moçambique, Nigéria,
Paquistão, Paraguai, Peru, Portugal, Senegal, Tanzânia, Trinidad & Tobago, Turquia, Uruguai
e Venezuela. Entre esses negócios estavam os direitos de E&P em 363.700 km
2
(a Petrobras
produz hidrocarbonetos em Angola, Argentina, Bovia, Colômbia, Equador, EUA, Guiné
Equatorial, México, Nigéria, Peru, Turquia e Venezuela).
Em síntese a estratégia da Petrobras é utilizar sua sólida posição no mercado brasileiro
de hidrocarbonetos e sua evidente vantagem competitiva de E&P em águas profundas e ultra
profundas para expandir seus interesses para o gás natural e geração de energia elétrica ao
123
mesmo tempo em que desenvolve a tecnologia e lidera o mercado de biocombustíveis e
retorna ao setor petroquímico, do qual foi alijada nos anos 90.
Para atingir este objetivo a Petrobras entende que a expansão dos negócios na área
internacional tem muitas vantagens: é melhor forma de reduzir riscos (altos devido a
localização das reservas do Brasil em alto-mar); ganhar mercados; é movimento defensivo
(em caso da competição interna tornar-se muito agressiva) e dará maior visibilidade
internacional a Petrobras, ainda classificada como companhia doméstica atuando apenas no
mercado de um país emergente, embora esteja presente em 32 países.
A Petrobras conta com vários instrumentos para implementar seu Plano Estratégico:
capacidade tecnológica e sua posição no mercado brasileiro, que podem (e tem sido)
utilizados como moeda de troca em parcerias. Além disso, a Petrobras tem capacidade
administrativa, capacidade financeira aunoma (US$ 11,5 bilhões em caixa no ano de 2007)
e o acesso aos instrumentos financeiros fornecidos pelo governo federal através do BNDES
para custear projetos de infra-estrutura.
124
4. OS HIDROCARBONETOS E AS RELAÇÕES BOLÍVIA-BRASIL ATÉ 1985
O estilo de vida da civilização ocidental é inconcebível sem os hidrocarbonetos, mas
quem determina onde eles serão encontrados é a geologia e não países ou companhias. Por
causa disto países que antes não despertariam muita atenção subitamente se vêem colocados
no centro de uma enorme rede de interesses que raramente conseguem controlar. Esse é o
caso da Bolívia depois que se descobriu petróleo no país. Para o Brasil esse país já era
importante em função de questões geopolítica, mas após a descoberta dos hidrocarbonetos a
importância da Bolívia aumentou, cabendo ao Brasil encontrar um meio de aproveitá-los.
Entretanto, a história não é tão linear como essas linhas sugerem: os problemas surgidos eram
extramente complexos, os interesses do Brasil estavam voltados para outras prioridades e nem
sempre existiam condições para se realizar os projetos envolvendo os hidrocarbonetos.
Este capítulo está dividido em quatro partes. Na primeira apresentaremos uma pequena
história da Bolívia, onde veremos que a instabilidade crônica do país tem raízes estruturais
históricas que justificam o temor que principalmente os militares brasileiros tinham em
negociar com ela. Na segunda parte apresentaremos as origens das relações diplomáticas entre
Bolívia e Brasil e quais as implicações desse relacionamento. Na terceira parte
apresentaremos a hisria da indústria boliviana de hidrocarbonetos até a Guerra do Chaco e
porque foi à Argentina que conseguiu estabelecer um vínculo centrado nos hidrocarbonetos e
não o Brasil. Na quarta parte apresentaremos um panorama das relações Bolívia-Brasil de
1938/85 centrada no setor hidrocarbonetos, enfatizando porque as propostas do seu
aproveitamento não foram adiante.
4.1. A Bolívia: Um Pouco de História
A Bolívia tem área de 1.098.581 km
2
e 9.182.000 habitantes, mas a população é
heterogênea com mais de 36 diferentes etnias indígenas que compõe 60%
75
dos habitantes,
cerca de 25% são mestiços e 15% de brancos.
Ocupada pela Espanha após a conquista do Império Inca por Francisco Pizzaro em
15/11/1533, o território da atual Bolívia era periférico no Vice-Reinado do Peru, com centro
administrativo em Lima (atual Peru). A existência da Bolívia como Estado independente teve
início em 1809, conquistando-a efetivamente em 6 de agosto de 1825, após 16 anos de luta.
75
Os grupos mais importantes são os quéchuas (50%), aymarás (42%) e guaranis.
125
Em 1545, quando teve início a extração da prata de Potosí, os espanhóis estabeleceram
um sistema produtivo com clara separação econômica/étnica/política/social aproveitando-se
das rivalidades indígenas. A pequena elite espanhola branca encarregada da administração
político/econômica utilizava massiçamente à mão-de-obra indígena, para fazer a sua riqueza e
da Espanha para onde a prata era escoada a fim de sustentar as políticas imperiais dos
Habsburgos e manter a coroa solvente frente a credores alemães, flamengos e genoveses. O
ciclo da prata terminou por volta de 1750 quando as minas esgotaram-se. O custo humano foi
incalculável
76
mas isto o impediu a manutenção do sistema produtivo nos ciclos extrativos
posteriores (estanho
77
, salitre, petróleo, etc.) com seus efeitos divisores sobre a sociedade.
A manutenção deste padrão que privilegia poucos à custa de muitos explica em parte
porque o país nunca logrou construir uma coesão econômica/étnica/social/política sólida,
fatores que dividem o país em dois grandes blocos distintos, divisão claramente definida pela
geografia
78
. A planície boliviana, mais rica, ocidentalizada e próspera é ocupada pelas
minorias brancas europeizadas. Herdeiras culturais do modelo excludente espanhol, o único
ponto de convergência desta minoria é a conivência com os capitalistas, estrangeiros ou não,
para juntos fazerem fortunas à custa do trabalho da maioria indígena da população. De resto
ela não tem interesses homogêneos e raramente suas políticas tem pontos de contato com os
interesses da maioria indígena. Em contrapartida, o altiplano andino é mais pobre, ocupado
pelas mais de 36 diferentes etnias indígenas (às vezes rivais) que sempre foram excluídos da
vida econômica e política e do acesso às riquezas que produziram (Gumucio, 1996).
A falta de coesão interna apontada acima teve pelo menos três efeitos sobre a política
boliviana. O primeiro é que a política interna é cronicamente instável porque as oligarquias,
ao rivalizar entre si com objetivo de se apossar dos recursos do país para seus próprios fins,
alteram-se no poder de acordo com os interesses, insatisfações e objetivos do momento. Em
função disto o mecanismo normal de transmissão do poder era o golpe de estado: foram mais
de 210 em 180 anos e apenas um presidente concluiu o mandato.
O segundo efeito é de cunho econômico/social porque o padrão produtivo reforça a
pobreza indígena e com ele a exclusão e divisão interna. Apesar das grandes riquezas naturais
do país, a maioria da população boliviana (diga-se indígenas) nunca conseguiu (ou nunca lhe
76
Nas minas a mortalidade atingia até 70%.
77
As minas de estanho foram descobertas pelo boliviano Simón Patiño em 1900. A Bolívia tornou-se o maior
exportador mundial de estanho e chegou a vendê-lo a um preço dez vezes menor do mercado durante a
Segunda Guerra. Em 1952 essas minas foram nacionalizadas, mas então estavam esgotadas e Patiño
tinha acumulado uma fortuna de US$ 1,5 bilhão. A parte dos mineradores foi à miséria e a doença.
78
A divisão é claramente visível também no fato do país ter duas capitais. La Paz é a capital política e fica no
altiplano andino. Sucre é a capital administrativa e constitucional e fica na planície.
126
foi permitido) ter acesso aos benefícios gerados pela exploração destas riquezas. Hoje a
Bolívia é o país mais pobre da América do Sul: 67,3% da população vive na linha de pobreza,
47% vive na extrema miséria. Esta situação gera insatisfação e irritação social crônica.
Combinados estes dois efeitos geram um ambiente de incerteza terrível, ainda mais
para atuação de companhias petrolíferas e recorrentemente a Bolívia nacionaliza os ativos
estrangeiros para resolver problemas econômicos imediatos e para amenizar a tensão social.
O terceiro efeito da divio interna reflete-se na debilidade da política externa da
Bolívia, que pode ser constatada por dois fatores. O primeiro fator é a perda de territórios, que
entre 1826 e 1935 atingiu 53%
79
da área original. O processo começou logo após a
independência e teve pelo menos três experiências traumáticas. A primeira delas envolveu a
disputa pela posse das jazidas salitre
80
, que resultou na Guerra do Pacífico (1879/84) contra o
Chile. Além das jazidas os bolivianos perderam os portos de Antofogasta, Cobija, Mejillones
e Tocopilla e com eles sua saída para o mar (ver mapas 3.1 e 3.2 nos anexos). A segunda
disputa foi com o Brasil em torno da questão do Acre (1903). A terceira disputa traumática foi
a Guerra do Chaco (1932/35) travada com o Paraguai e que levou a perda do Chaco e saída
boliviana para os rios Paraná e Paraguai (ver mapa 3.2 nos anexos).
As três perdas tiveram o efeito de isolar a Bolívia no centro do continente sul-
americano e gerar um clima de ressentimento na população.
O segundo fator em que é possível verificar a debilidade da Bovia é a sua reduzida
capacidade de conduzir uma política externa autônoma. Recorrentemente ela precisa conduzir
seus interesses jogando com os interesses de argentinos, chilenos, brasileiros, norte-
americanos, paraguaios e peruanos na esperança de manter certa autonomia e tirar alguma
vantagem. Mais frequentemente essa rmula resume-se a uma disputa entre argentinos e
brasileiros, os dois países mais importantes da América do Sul.
4.2. Bolívia e Brasil: Diplomacia e Geopolítica antes dos Hidrocarbonetos
Conforme Mattos (1975 e 1980) a Bolívia tem grande importância estratégica para o
Brasil por quatro motivos:
1. É o país com quem o Brasil tem a fronteira mais extensa: 3.423,2km;
2. É o único país que faz parte dos três grandes sistemas continentais: a Bacia Amazônia, a
Bacia Platina e do Subsistema do Pacífico;
79
A área original da Bovia era de 2.337.406,383 km
2
.
80
Ou nitrato de sódio (NaNC), então largamente utilizado na Europa para produzir adubos e explosivos.
127
3. A planície boliviana é extensão natural da Amazônia, Centro-Oeste e da Bacia do Prata;
4. A Bolívia está no centro do continente. Se uma potência dominar a região fatalmente
controlará os três subsistemas e lançará um desafio ao Brasil.
Para o Brasil, manter a soberania sobre as fronteiras em comum com a Bolívia tem se
revelado mais que um desafio porque três problemas interagem constantemente: garantir a
posse do território, encontrar uma atividade econômica que viabilize a ocupação e protegê-la
da cobiça internacional. Os dois primeiros problemas esbarram em muitos obstáculos: a mata
densa, o clima, os animais, as doenças (com destaque para a temida malária), as distâncias, o
desconhecimento quase absoluto da rego, os ataques dos índios, a falta de rotas terrestres, o
tamanho dos rios, etc. (Mattos, 1975 e 1980).
O terceiro problema sempre foi contornado pelo Brasil de alguma forma. Desde 1498,
quando Vicente Pinzón descobriu a foz do Amazonas, Portugal manteve uma política firme e
exclusivista, proibindo os navios estrangeiros de navegar pelo rio, impedindo a penetração na
região. Só as 1808, com a chegada da corte, a região foi aberta à pesquisa científica. O
Império manteve a política portuguesa controlando estreitamente o trânsito da região e
proibindo o tráfego a navios estrangeiros (Mattos, 1975).
O controle rígido justificava-se pela cobiça generalizada despertado pelas riquezas
naturais da região, que aumentou em 1850 quando o governo dos EUA manifestou seu apoio
à companhia de Matthew E. Maury, que propunha a exploração da área por norte-americanos
através da abertura da bacia à livre navegação, sob a justificativa de que se o Brasil não tinha
condições de aproveitar os recursos da região não devia impedir outros de fazê-lo.
A tática utilizada para desautorizar as pretensões norte-americanas foi a pado no
Império: o uso da diplomacia para adiar indefinidamente a discussão sobre o acesso à região.
Também era uma preocupação aumentar a soberania na área, o que levou o governo a elevar o
Amazonas a condição de província em 1850, e buscar sua ocupação econômica. Nesse caso o
governo estimulou o Barão de Mauá a criar uma companhia de navegação fluvial, que teria
obrigação de fundar 60 colônias agrícolas ao longo do rio em troca de um contrato de
exploração exclusiva durante 30 anos e subvenção de 160 contos (Mattos, 1975).
Em 1867 o Tratado de Ayacucho definiu as fronteiras da Amazônia, mas conforme
Hirst (2005) as pendências foram resolvidas na República Velha (1889-1930) quando o
objetivo da diplomacia brasileira era consolidar o espaço territorial do país. Nesse sentido o
Barão do Rio Branco priorizou os entendimentos diplomáticos para definir quase 14.500
quilômetros de fronteiras. A tática preferida era a recorrer a solução pacífica das
128
controvérsias, alcaada por meio de negociações bilaterais ou por arbitragem. As posições
brasileiras se fundamentaram em títulos históricos, no princípio do uti possidetis (justificado
por ocupação efetiva) e na proteção aos nacionais brasileiros, em áreas nas quais ainda
houvesse dúvidas sobre a legitimidade de soberania. Além da premência para concluir o
mapeamento territorial brasileiro, as negociações fronteiriças foram motivadas pelas
necessidades geoeconômicas do país. No sul, intensificava-se a colonização do oeste do
Paraná e de Santa Catarina, enquanto ao norte avançava na Amazônia a exploração da
borracha. A criação de novos espos econômicos que estimulassem correntes migratórias,
parecia uma possibilidade de alívio para as populações do Nordeste, castigadas pelas secas.
Como resultado dessa política em 1900 com a arbitragem da Suíça foi fixada no
Oiapoque a fronteira com a Guiana Francesa. Em 1903 era solucionada a questão do Acre
com a Bolívia. Em 1904 o Brasil cedeu 2/3 da área do Pirara ao Suriname depois de um laudo
arbitral do rei italiano. Em 1909 foram cedidas ao Peru áreas reivindicadas pelos caucheros
peruanos. Afinal, em 1928, após a interferência dos EUA, a Colômbia desistiu de suas
pretenes territoriais no interflúvio Japurá-Solies.
Os entendimentos com a Bolívia em torno do terririo do Acre foram mais delicados.
As dificuldades em negociar com o país existiam desde que o Brasil reconhecera a
independência boliviana em 1831. Segundo Mattos (1975) não se conheciam os limites exatos
da fronteira entre os dois países, mas no Brasil existia a preocupação geopolítica de se
estabelecer comunicações com o interior, forma de aproximar-se da Bolívia, do Paraguai e
ocupar o centro do continente. A Guerra do Paraguai (1864/70) alertou para o isolamento da
região. Para rompê-lo foram propostos rios planos ferroviários, entre eles o de Ramoz de
Queirós (1874) e de Oliveira Bulhões (1882) não implementados (ver mapas 3.3 nos anexos).
O problema com o isolamento da região atingiu o clímax no fim do século XIX, onde
a extração das “drogas do sertão” (pimenta, madeira, erva mate, etc.) era das poucas fontes de
renda, mas em 1850 começou a extração de uma riqueza que apenas a Amazônia parecia ter: o
látex. A seca de 1877/80 levou uma onda de nordestinos a invadir o Acre (então território
boliviano) atrás dos seringais nativos. Em 1894 foi assinado um protocolo entre os dois países
para demarcação da fronteira, dconstatou-se que o Acre pertencia à Bolívia, apesar de
encontrar-se povoada com numerosa população brasileira.
O governo boliviano tentou, sem sucesso, controlar administrativamente a região e em
1901 decidiu arrendá-la a uma companhia norte-americana, a Bolivian Syndicate of the New
York City in North America. Alarmado, o Brasil percebeu que os capitalistas estrangeiros
129
poderiam aproveitar a fragilidade boliviana para ter acesso à região mesmo com os brasileiros
negando-o, assim, enquanto tomava medidas enérgicas, enviando tropas à região no início de
1903, Rio Branco iniciou um processo de negociação que previam a opção de compra do
Acre. Em 17 de novembro do mesmo ano foi assinado o Tratado de Petrópolis, prevendo que:
1. A Bolívia cedia o Acre ao Brasil em troca de 2 milhões de libras esterlinas
81
;
2. A Bolívia obtinha compensações territoriais em diferentes pontos da fronteira com o Brasil;
3. O Brasil renunciava à parte norte do território acreano;
4. O Brasil construiria, num prazo de quatro anos, uma ferrovia ligando Guajará-Mirim (na
fronteira boliviana), a Porto Velho. O Brasil também concederia liberdade de trânsito à
Bolívia por esse caminho e pelos rios, até o Oceano.
A Bolívia aceitou o acordo porque sofria de instabilidade política, não tinha harmonia
interna, não possuía população suficiente para ocupar a área e era pobre, sem fonte
considerável de receita (a mineração de estanho era recente) e precisava de dinheiro. O
negócio do Acre foi uma maneira pida de obter receitas, uma necessidade recorrente na
história subseqüente da Bolívia. Além da indenização, a exportação de látex era uma das suas
esperanças de obter divisas, mas essa seria viabilizada com o beneplácito do Brasil, que se
comprometeu a construir a ferrovia
82
e conceder o privilégio de navegação no Amazonas.
No Brasil, em 1907 foi dada a concessão para construção da ferrovia à companhia
norte-americana May, Jeckyll & Randolph controlada pelo norte-americano Percival Farquhar
que criou a Madeira-Mamoré Railway Co. O desafio não parecia grande, a ferrovia teria 366
km e costearia o rio Madeira, mas a construção revelou-se uma epopéia e surgiu todo tipo de
problema: epidemias, ataques dos índios, problemas de logística, inclemência do clima, etc.
Resultado: em 1914 quando a ferrovia foi inaugurada haviam morrido 30.000 pessoas a um
custo de 82.000 contos de réis
83
. O pior viria depois: o látex, que justificara o investimento,
começava a ser importada da Ásia a um custo muito menor do que era extraído da Amazônia.
Depois desse fracasso as conversações com a Bovia resumiram-se a inspeções de
fronteiras, mas o Brasil, ciente que companhias estrangeiras poderiam utilizar o país como
porta para penetrar no Centro-Oeste e Amazônia, reiteradas vezes tentou desenvolver alguma
atividade econômica na área como forma de ocupá-la, mas não teve sucesso.
81
US$ 215,120 milhões em valores de hoje. Os fatores de conversão utilizados nesse trabalho foram obtidos de
duas fontes: OCDE e Wikipédia.
82
A ferrovia era crucial porque as corredeiras no trecho boliviano do rio Madeira impedem a navegação.
83
Hoje a quantia seria de US$ 1,1696 bilhão, cerca de US$ 3,2 milhões por quilômetro, 3 vezes mais do que o
custo por quilômetro para uma ferrovia normal.
130
Quanto à Bolívia, manteve seu padrão histórico-econômico. Ela nada mais tinha a
oferecer a não ser matérias-primas que, até a construção do seu parque industrial, o Brasil não
tinha condições de absorver. Antes da descoberta do petróleo na Bolívia não se pensou em
desenvolver uma atividade conjunta com esse país, mas foi à própria estrutura do setor de
hidrocarbonetos que modificou isso. Como e porque isso aconteceu veremos a seguir.
4.3. As Primeiras Disputas Pelos Hidrocarbonetos da Bolívia
Nessa parte apresentaremos a história da indústria boliviana de hidrocarbonetos e
porque a Argentina que conseguiu estabelecer um vínculo com a Bolívia no sentido de
aproveitar esses recursos e o Brasil não.
4.3.1. Os Hidrocarbonetos na Bolívia até o Final da Guerra do Chaco
Não se pode dizer que o conhecimento do petróleo é novo para os bolivianos. Ao
chegar ao Alto Peru em 1533 Francisco Pizzaro encontrou uma refinaria primitiva em
funcionamento montada e operada pelos incas, que recolhiam o petróleo de uma fonte natural,
armazenando-o em vasilhas. Conforme o relato de Eduardo Ramos, o petróleo era usado
como calafetante, tinta, combustível, material de construção, em rituais religiosos e “como
elemento medicinal e de prazer com o qual fabricavam uma espécie de goma de mascar que
chamavam de chicle” (O’Connor, 1962, pág. 234). Sob a administração espanhola o
conhecimento se perdeu e foi apenas em 1896 que Manuel Cellar descobriu acidentalmente o
primeiro manancial de petróleo em Mandiyuti.
A primeira grande petrolífera chegou ao país em 16 de novembro de 1921 quando a
SONJ criou uma subsidiária boliviana. Esta descobriu petróleo em escala comercial na região
de Campo Bermejo em 1924. Porém, logo surgiu um problema técnico para a SONJ: como
escoar os hidrocarbonetos bolivianos? A saída pelo porto de Arica (Chile) seria possível
após a normalização das relações entre os dois países, mesmo assim seria necessário construir
um oleoduto de 1.482 km cruzando a Cordilheira dos Andes, onde a altitude pode chegar a
3.600 m. Aqui outro problema, o frio, que chegava a -40
o
C, podia congelar o óleo e romper o
duto, tornando sua operacionalização tão onerosa que seria anti-econômica. O transporte pelo
rio Paraguai também é problemático: pode ser feito em períodos de cheias (entre abril e
agosto) através de chatas rebocadas num percurso de 3.500 km até a foz
84
.
84
Até hoje existe uma solução adequada para o problema: os hidrocarbonetos bolivianos podem ser
escoados a preços competitivos através de dutos que cortem a Argentina ou o Brasil.
131
Essa última solução era a menos problemática. Um oleoduto cortando o Gran Chaco
ligando os campos ao Rio Paraguai resolveria, mas a Bolívia o aceitou as exigências de
passagem do governo paraguaio. Para agravar a situação a arqui-rival da Standard, a Royal
Dutch/Shell, dominava as regiões meridionais do Chaco impedindo sua passagem.
As diferenças entre Bolívia e Paraguai não eram novas e giravam em torno do Gran
Chaco (ou Chaco Boreal), uma região árida e despovoada, então território boliviano. Os
bolivianos ressentiam-se da ocupação irregular pelos paraguaios que também bloqueavam o
acesso da Bolívia ao rio Paraguai, sua única saída aquaviária desde a perda do litoral. Por sua
vez os paraguaios, que tiveram sua economia arruinada pela Guerra do Paraguai (1865/70)
ocuparam o Chaco para cultivar erva-mate (produto base da sua economia) e a perda do
território poderia significar o colapso da sua economia. Se não bastasse tudo isto se acreditava
que a área era rica em petróleo. A disputa envolvendo a SONJ e a Royal Dutch foi o
ingrediente que faltava para o início da Guerra do Chaco (15/06/1932 a 12/06/1935).
A Guerra do Chaco ocorreu num momento particularmente ruim para o Brasil por dois
motivos. Primeiro, as forças do país estavam voltadas para as questões internas numa tentava
de rearticular sua estrutura econômica/política/social desestruturada pela crise de 1929.
Segundo, depois do fim melancólico do ciclo da borracha e do fracasso da ferrovia Madeira-
Mamoré a Amazônia caiu na estagnação econômica sem que os brasileiros fossem capazes de
encontrar uma alternativa econômica para a região. Frente a esses problemas o Brasil optou
pela neutralidade, apenas monitorando os movimentos dos beligerantes (Chiavenato, 1980).
Em contrapartida a Argentina tinha motivos para tomar partido e o fez em favor do
Paraguai. Disputando com os brasileiros a proeminência sobre a região os argentinos
desejavam obter o controle do petróleo boliviano, aumentando sua influência no Chaco e na
Bacia do Prata. Se não bastasse isso a Argentina tinha interesses petroferos particulares. A
SONJ teve seus ativos expropriados na Argentina em 1922 (em favor da YPF) e desde então
ambas travavam uma batalha jurídica onde sobraram trocas de acusações, insultos, boicotes e
embargos. Ao apoiar os paraguaios os argentinos esperavam atrair a simpatia da Royal
Dutch/Shell na tentativa de enfraquecer a influência da SONJ na região. Isso o apenas
afastaria um desafeto como também poderia abrir a possibilidade da YPF assumir o controle
do petróleo boliviano (O’Connor, 1959 e Guilherme, 1959).
Durante a guerra a Argentina também assumiu a liderança nas negociões de paz,
secundada pelo Brasil. Daí surgiu o grupo de mediação ABCP (Argentina, Brasil, Chile e
Peru), ao qual se uniram Estados Unidos e Uruguai. Findas as hostilidades o grupo convocou
132
a Conferência de Paz conduzida em Buenos Aires entre 1935/38. Para o Itamaraty, a atuação
do Brasil na Confencia representou uma oportunidade de aproximação com os vizinhos.
Contrário ao arbitramento da Liga das Nações (de onde se retirara em 1926), o Brasil
defendeu a tese de que cabia aos países do continente encontrar uma solução para o conflito e,
uma vez aceita esta, alinhou-se com as posições do governo norte-americano defendo a idéia
de criar uma zona intermediaria entre as fronteiras dos beligerantes.
Os resultados do conflito foram terríveis para dois países pobres. A Bolívia perdeu
57.000 soldados; uma área de 235.000 k e a saída para o Rio Paraguai em definitivo. O
Paraguai ganhou a guerra e os poços de petróleo da SONJ
85
mas perdeu 43.000 soldados e
contraiu uma dívida de US$ 140 milhões (Chiavenato, op. cit.).
Com a Bolívia necessitando desesperadamente de dinheiro e investimento para a
recuperação, ela aceitou iniciar conversações com a Argentina. A Conferência de Paz foi
conduzida em Buenos Aires e em breve uma comiso argentina chegava ao Chaco para
estudar os problemas econômicos da região. Em novembro de 1935 esta comissão apresentou
um informe que alertou a marinha argentina:
“Hoy, debemos importar, como se ha sostenido muchas veces, una enorme cantidad
de petróleo para la gente de la República. Hoy, importamos de México y de Perú,
países distantes e incontrolables; mañana, debiéramos reemplazar esa importación
con la del producto boliviano (...) no con la intención de terminar el comercio, sino
con la de contrabalancear en cantidad y calidad nuestras propiedades petroleras y
las crecientes necesidades del futuro”. O informe concluía que: “las rutas de
comunicación argentinas están destinadas a desarrollar el Oriente boliviano, y
absorber su comercio”. (Las relaciones de la Argentina con Bolivia y Paraguay
<http://www.argentina-rree.com/9/9-051.htm>, 2005. s/pág.).
As tratativas entre Argentina e Bovia começaram em setembro de 1936 com as
discussões sobre a possível construção de uma ferrovia entre Yacuiba (Argentina) e Santa
Cruz de la Sierra (Bolívia). Em meio às negociações os bolivianos realizaram a primeira
nacionalização dos hidrocarbonetos. Em 21 de dezembro de 1936 o governo do General
David Toro determinava que todas as concessões petrolíferas caducariam em 13 de março de
1937 quando os ativos das petroleiras (diga-se SONJ) passariam sem indenizão para o
controle de uma estatal, a Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB). Os
bolivianos justificaram o ato acusando a SONJ de evasão fiscal, fraude contábil, contrabando
85
Em 1944 a Chevron e a Unocal receberam permissão do Paraguai para realizar pesquisas de lavra no Chaco
Boreal. 5 poços foram abertos e lacrados e em 6 de outubro de 1944 os paraguaios, através do Decreto-
Lei n
o
5.449 concederam as duas companhias a exclusividade de E&P durante 60 anos sobre 80.000
km
2
. As pesquisas nesta área só puderam ser retomadas em 6 de outubro de 2006 (Chiavenato op. cit.).
133
de petróleo e ingerência na política local
86
. Na verdade o ato tinha motivações bem mais
complexas, a começar pelas relações Argentina-SONJ (O’Connor, 1959 e 1962).
Ao acenar com um possível acordo ferroviário/petrolífero os argentinos abriram a
perspectiva de romper o isolamento potico/econômico da Bolívia, num momento que ela
precisava de renda para enfrentar a crise econômica e honrar dívidas de guerra. Mas a SONJ
já havia sinalizado aos bolivianos que não aceitaria aumento de impostos e jamais participaria
de um acordo com os argentinos. Para piorar a situação, havia agora o bloqueio total do
Chaco e era claro que nem os EUA (em crise e sob o New Deal), nem Chile (por ser muito
débil) e nem o Brasil (por ter seus pprios problemas) se interporiam a Argentina. Assim,
nada mais restava a Bolívia senão assumir o controle do seu petróleo e aceitar a oferta
argentina. Porém, a SONJ não desistiu e conseguiu cobrar dos bolivianos uma indenização de
US$ 1,7 milhões
87
.
Daí em diante as negociações argentino-bolivianas progrediram. Em 17/09/1937 os
países fechavam dois acordos, um regulamentando o tráfego fronteiriço e outro para estudar o
traçado de uma ferrovia entre Yacuíba e Santa Cruz de la Sierra. Em 19/11/1937 era fechado
um acordo sobre o transporte de petróleo. Por este tratado a Argentina comprometia-se a: 1)
auxiliar a Bolívia a desenvolver suas jazidas petrolíferas; 2) armazenar e transportar o
petróleo boliviano atras da Argentina, sem cobrar tarifas; 3) controlar os depósitos e
caminhões usados no transporte de petróleo entre os dois países; 4) deter o monopólio sobre o
transporte de petróleo e derivados que lhe pertenciam; 5) importar da Bolívia 2.220.000 bpa; e
6) considerar como petróleo boliviano apenas o produzido pela YPFB.
Três países logo se alarmaram com o acordo. O primeiro deles foi os EUA. O
subsecretario de Estado norte-americano avisou que a Argentina estava comprando petróleo
de um país que não detinha a posse legal dos seus poços, alertando-a para não cometer um ato
que os EUA considerariam “inamistoso”. Entretanto, nessa época Roosevelt tinha outro
problema para resolver: recuperar a economia do país e assim não interveio.
O segundo país incomodado foi o Paraguai porque o tratado de vinculação ferroviária
entre Yacuiba y Santa Cruz previa um traçado que devia passar por um território então
ocupado por forças paraguaias, que seria objeto nas negociações de paz. Para contornar o
problema os argentinos tiveram que fechar um tratado comercial com os paraguaios.
86
As mesmas raes seriam invocadas para justificar as nacionalizações de 1969 e de 2006.
87
A SONJ utilizou sua influência política junto ao Departamento de Estado para pressionar a Bolívia. A
indenização (US$ 21,233 milhões em valores atuais) foi paga em 1942.
134
O terceiro país foi o Brasil, de longe a parte mais interessada por quatro motivos.
Primeiro eram pelos motivos geopolíticos expostos anteriormente e nesse caso a Argentina
estava conseguindo implementar a sua política para o Prata. Em segundo lugar o Brasil ainda
devia parte da indenização acertada em 1903, o que poderia ser utilizado como justificativa
para a Bolívia fazer algum tipo de reclamação. O terceiro motivo era que o projeto
desenvolvimentista conduzido pelo Estado Novo necessitava de superávit de petróleo para
implantar a política de industrialização. Nessa época a pesquisas de lavra de hidrocarbonetos
no Brasil haviam se mostrado decepcionantes. Em contrapartida, pelos conhecimentos
geológicos da época, acreditava-se a Bolívia tinha grandes jazidas de petleo (Hage in: Haag,
2006). O quarto motivo era de ordem interna. Havia uma preocupação constante do governo
Vargas com a possibilidade das forças de oposição utilizar os países limítrofes para suas
atividades políticas. Este tipo de atitude manifestou-se em 1932, durante a Revolução
Constitucionalista de São Paulo. Os revoltosos paulistas atuaram nos países vizinhos,
especialmente os que possuíam fronteiras com o Paraná e Mato Grosso, utilizando esse
caminho para passagem de armas em troca de café, via porto de Buenos Aires.
Em 21 de agosto de 1938 em Buenos Aires era fechado o Tratado de Paz, Amizade e
Limites entre Bolívia e Paraguai aumentando a urgência brasileira. A necessidade de bloquear
a Argentina ao mesmo tempo em que viabilizava o seu próprio projeto nacional e resolvia
antigas pendências levou o Brasil a propor o primeiro acordo com a Bolívia tendo como
assunto os hidrocarbonetos. Nasceu daí o Tratado de Roboré (nome da cidade boliviana onde
o foi assinado) com a Bolívia de 25 de novembro de 1938. Nele o Brasil fazia praticamente as
mesmas ofertas da Argentina: 1) a Bolívia concedia ao Brasil uma área de 34.000 km
2
entre as
províncias de Cochabamba e Potosí para explorar petróleo; 2) o Brasil criaria uma autarquia
que seria responsável por instalar e explorar refinarias, criar meios de transporte e distribuir
no mercado brasileiro o petróleo importado e seus derivados, dando preferência sempre, em
igualdade de condições, ao petróleo boliviano; 3) seria construída uma ferrovia entre Santa
Cruz de la Sierra e Santos, por onde os bolivianos poderiam escoar seus produtos e o seu
petróleo sem tarifas; 4) os custos bolivianos da ferrovia seriam arcados pelo Brasil em troca
do abatimento das pendências do Tratado de Petrópolis; e 5) em troca dos débitos bolivianos
contraídos com a construção da ferrovia o Brasil aceitava o petróleo a ser explorado.
O acordo com a Bolívia dificilmente deixaria de estabelecer um vínculo estrutural com
esse país em função da própria configuração da indústria petrolífera que, como vimos no
capítulo 2, é grande demandante de capitais, tecnologia e conhecimento técnico, sendo quase
135
impossível isolar completamente países produtores e consumidores, além do que, a dupla
natureza dos hidrocarbonetos o torna imensamente estratégico. Por isso, operões
conduzidas pelos mesmos capitais em países diferentes resultam na interdependência, que é
estrutural e politicamente mais profunda do que a no caso de uma ligação ferroviária
(Sampson, op. cit.; Yergin, op. cit. e Cechi op. cit.).
Não foi o que aconteceu nesse momento. Conforme Minadeo (op.cit.) o Tratado de
Roboré era uma peça de ficção porque o Brasil de então não dispunha de capitais para tal
empreitada e estava iniciando seu processo de industrialização (o que absorvia toda a atenção
interna), além disso, o país não tinha qualquer conhecimento técnico na área petrolífera e nem
mesmo uma companhia capaz de conduzir uma integração da espécie proposta.
4.3.2. A Argentina Firma Posição
Ao contrário do Brasil a Argentina não tinha tantos problemas, o que logo ficou claro
com as ofertas monetárias, facilidades, vantagens bem como a assistência técnica para os
bolivianos operar as instalações da SONJ. Assim os argentinos ocuparam o espaço aberto. Em
2 de abril de 1940 foi assinada uma ata onde adiantariam aos bolivianos os fundos necessários
para construção da primeira trama da ferrovia Yacuiba-Santa Cruz; adiantaria 500.000
88
pesos
para abrir novos poços nas jazidas de Samandita e construiria um oleoduto entre Bermejo
(Bolívia) e Orán (Argentina). Em troca o governo boliviano dava como garantia os
hidrocarbonetos a serem encontrados. Também foi assinado um protocolo para facilitar os
tramites alfandegários entre os dois países e uma nota para construir uma linha telegráfica
entre Aguaray e Yacuiba (Las relaciones de la Argentina con Bolivia y Paraguay).
Finalmente, em 10 de fevereiro de 1941 era assinado em Buenos Aires o Tratado de
Vinculación de Ferrocariles, o acordo final entre Argentina e Bolívia. O Governo argentino
adiantaria a Bolívia os recursos para a construção da primeira trama da ferrovia Yacuiba-
Santa Cruz-Sucre; adiantaria a soma de 2.000.000
89
de pesos para abertura poços em
Samandita e construiria um oleoduto entre Bermejo e Orán. Sobre as somas adiantadas pela
Argentina incidiria um juro de 3% a.a., e amortização de 5% a.a., reembolsáveis com
hidrocarbonetos, pesos argentinos, dólares americanos, ou outra moeda de curso universal.
Em troca os bolivianos davam como garantia o produto da venda dos hidrocarbonetos das
zonas petrolíferas cortadas pela ferrovia Yacuiba-Santa Cruz-Sucre e pelo oleoduto Bermejo-
88
Hoje: US$ 1.274.418,60
89
Hoje: US$ 5.097.674,42
136
Orán. Observe-se que como garantia a Bolívia ofereceu a Argentina o petróleo a ser
descoberto em zona previamente oferecida ao Brasil no Tratado de Roboré.
Em 6 de fevereiro de 1942 era complementado o acordo ferroviário. Os argentinos
adiantaram 12.200.000
90
pesos para os bolivianos construírem a trama fronteira-Villa Montes
da ferrovia Yacuiba-Santa Cruz de la Sierra. Em contrapartida a YPFB venderia a YPF todo
petróleo produzido em Bermejo (1.110 bpd) durante 10 anos, podendo reter o excedente. A
YPF tinha autorização para construir um oleoduto entre Bermejo e Río Pescado. Também era
prevista a construção de uma estrada unindo Potosí y Tarija à rede viária argentina. Para tal a
Argentina adiantaria a soma de 10.000.000
91
de pesos, fazendo mais adiantamentos quando
necessários. A garantia era o petróleo produzido nos campos de Bermejo.
Depois disso durante 58 anos (até 1999) a Argentina transformou-se no país da região
mais importante para Bolívia. Seu único contraponto eram os EUA. Os argentinos forneceram
assistência técnica e treinamento para os bolivianos construírem duas refinarias, postos e
operarem os campos. Com o tempo as relações bilaterais entre os dois países resumiram-se
apenas a questão dos hidrocarbonetos. Esta teve mais importância a partir de julho de 1968
quando foi firmado um contrato de exportação do gás natural boliviano para a Argentina. Era
o primeiro do gênero na América do Sul. Pelo contrato seria construído um gasoduto entre o
campo de gás de Colpa (Bolívia) e Pocitos (Argentina); o contrato teria validade de 20 anos;
seriam importados 4,2 mm
3
/dia de gás natural (ampliado para 6 mm
3
/dia em 1979). A
exportação iniciou em maio de 1972 e por 27 anos a Argentina foi o único cliente da Bolívia.
Conforme William Torres Armas (in: Torrecilla, 2005) a venda de gás natural
dominou a relação bilateral entre os dois países e nos anos 80 com a crise do preço do estanho
a venda de gás natural para Argentina respondia por 40% das exportações bolivianas e 47%
dos ingressos do Tesoro General de la Nación (cerca de US$ 166 milhões por ano).
Enquanto isto, e apesar da retórica em prol da aproximação com os países da América
do Sul, outros fatores prendiam a atenção do Brasil, em especial o processo de
industrializão de cunho nacional-desenvolvimentista, que dominou a agenda diplomática do
país. Como isso afetou a relação Bolívia-Brasil será visto na sessão seguinte, como veremos,
depois de constatado que a Bolívia poderia possuir grandes reservas de hidrocarbonetos eles
nunca mais deixaram de ser assunto nas conversações entre os dois países.
90
Hoje: US$ 30.586.046,51
91
Hoje: US$ 25.070.529,93
137
4.4. A Bolívia e o Brasil nos Anos de Interlúdio (1938 a 1985)
No Brasil, o período que vai de 1930 a 1989 é caracterizado pelas políticas do
nacional-desenvolvimentismo. O país despendeu imensos esforços para construir um parque
industrial suficientemente grande e diversificado para atender as demandas de uma moderna
sociedade industrial, realizar as potencialidades do país e aumentar sua possibilidade de
inserção mundial de forma bem-sucedida. Nesse período foi construída a indústria elétrica
(Eletrobrás), nuclear (Nucleobrás), petrolífera (Petrobras), petroquímica (Petroquisa),
siderúrgica (CSN), entre outras. No governo Costa e Silva foi implementado o projeto
nacional-desenvolvimentista através do “tripé econômico” que conjugou capital Estatal,
capital nacional privado e capital estrangeiro, onde o capital estatal teria participação decisiva
como indutor de investimentos.
Conforme Almeida (1998), Silva (2004) e Vizentini (2004) a política externa brasileira
sofreu mudanças durante todo esse período, em parte como reflexo da alteração da matriz
econômica. Como país em industrialização, o Brasil tornou-se demandante de combustíveis e
exportador de bens industrializados.
4.4.1. Sob o Tratado de Roboré (1938 a 1958)
Por 20 anos o relacionamento Bolívia-Brasil foi conduzido no âmbito do Tratado de
Roboré. Nesse período enquanto inúmeros problemas emperraram o andamento da questão
dos hidrocarbonetos, foram implementados outros dispositivos do Tratado.
No primeiro período Vargas (1930/45) quase toda atenção da política externa voltava-
se à obtenção de vantagens comerciais barganhando principalmente com a Alemanha e EUA,
sendo que obter uma siderúrgica era o maior de todos os objetivos. Depois do advento da
Segunda Guerra Mundial, além da natural preocupação com um conflito de tais dimensões, o
Brasil conseguiu negociar a siderúrgica com os EUA em troca de, entre outras coisas, a seção
de bases militares no nordeste.
Mesmo tendo estas prioridades, o Brasil procurava manter o bom relacionamento com
os países sul-americanos e nesse sentido tentou aproximar-se dos bolivianos, mesmo após o
acordo Argentina-Bolívia. Uma das demandas do Brasil era que os bolivianos definissem qual
a área da concessão coberta pelo Tratado de Roboré que a região prometida aos brasileiros
era a mesma prometida à Argentina. Enquanto os bolivianos não resolviam à questão, o Brasil
continuou construindo a ferrovia acertada apesar das dificuldades em importar trilhos dos
EUA durante a Segunda Guerra. Em 1943 o Brasil aceitou como pagamento da parte
138
boliviana os estudos geológicos da SONJ que indicavam reservas cujo valor seria de US$
901.788.000,00
92
. Daí para frente o Brasil custeou sozinho a ferrovia.
Sob o Governo de Eurico Gaspar Dutra (1945/50) a diplomacia brasileira alinhou-se
completamente aos EUA, esperando tirar algumas vantagens como aliado preferencial.
Entretanto, a situação não era a mesma de pré-guerra: era época de Guerra-Fria e os EUA não
estavam dispostos a fazer concessões ainda mais porque o Brasil o tinha quem usar como
contraponto (a não ser a URSS). Nesse contexto, na América do Sul houve apenas algumas
conversações. Uma delas foi sobre a concessão petrolífera acordada em Roboré. Em 1950 a
Bolívia decidiu que ao norte do rio Parapeti a área era para o Brasil ao sul para a Argentina.
No segundo Governo Vargas (1951/54), com a indústria siderúrgica já em pleno
funcionamento e o país necessitando de petróleo, voltou o interesse brasileiro sobre os
hidrocarbonetos bolivianos. A proposta foi bem recebida pelo governo de Víctor Paz
Estenssoro, que precisava de dinheiro. Assim, a reaproximação se fez com as Notas Reversais
de 17 de janeiro de 1952 onde o Brasil conseguiu que a Bolívia delimitasse precisamente a
área reservada aos futuros trabalhos de empresas brasileiras para os quais ambos os países
concordaram em contribuir com US$ 1 milhão cada, ficando o Brasil responsável por adiantar
a parte correspondente à Bolívia.
Pouco depois a Bolívia entrava em convulsão. Sob pressão dos sindicatos e partidos de
esquerda, em 31 de outubro de 1952 Paz Estenssoro proclamava a Revolução e era publicada
a Ata de Independência Econômica da Bolívia, que promoveu uma série de reformas, entre
elas a agrária e a nacionalização das minas de estanho
93
. Mas o ambiente era pouco propício
para uma revolução com matizes esquerdistas. Conforme Bandeira (2006a) a Bolívia
dependia do mercado norte-americano para as exportações de cobre e estanho e o clima de
Guerra Fria impunham cautela e moderação. Alguns dias depois, num discurso diante da COB
Estenssoro amenizou o furor dos mais exaltados ao lembrar que:
“É possível dizer que podemos fazer um túnel para sair além dos mares e vender
nosso estanho. É uma frase bonita que arranca aplausos, mas a realidade é outra,
porque necessitamos de dólares para a nossa subsistência” (Bandeira, 2006a).
92
Hoje: US$ 9.883.596.480,00.
93
Nessa ocasião foi criada a Corporación Minera Boliviana (Comibol) para administrar as minas.
139
Com isso o presidente deixava claro que a Bolívia não era uma ilha, que era necessário
comercializar o estanho e o país enfrentava embargos do Chile e do Peru, de cujos portos
dependiam suas exportações.
Paz Estenssoro o se enganou. Ao contrário de 1937 os EUA não estavam dispostos a
tolerar desafios e reagiram fazendo pressão através do preço do estanho. Em busca de fundos,
Paz Estenssoro sinalizou para o Brasil com a possibilidade de um novo acordo ferroviário-
petrolífero e em 12 de agosto de 1953 eram assinadas novas Notas Reversais sobre o Tratado
de 1938. Desta feita cada país dobrava o valor prometido pelas Notas de 1952, ou seja, US$ 2
milhões
94
cada, ficando o Brasil novamente responsável pela parte boliviana.
Para a Bolívia a boa vontade do Brasil foi de pouca valia. Sem coesão interna e com os
problemas econômicos se avolumando em 1953 o governo Paz Estenssoro foi obrigado a
capitular frente aos EUA e logo depois deu uma concessão de 200.000 km
2
as petrolíferas
norte-americanas em troca de uma ajuda de US$ 22 milhões
95
. Isso neutralizou a investida
brasileira. Depois da morte de Vargas o governo Café Filho, francamente p-americano,
liquidou a proposta, quando o Ministério da Fazenda informou ao Itamaraty que não poderia
fornecer o dinheiro (Bandeira, 2006a).
Para consolidar o domínio das petrolíferas norte-americanas em 29 de outubro de 1956
era promulgado o novo “Código del Petróleoboliviano, também conhecido como “Código
Davenport” por ter sido redigido em New York pelo advogado Henry Holland, especializado
em assuntos petrolíferos. Ele determinou que as empresas seriam taxadas em 18%, podendo
reter 82% dos lucros
96
. O artigo 21 desse digo protegia os interesses norte-americanos. Por
ele ficava proibida a atuação de petrolíferas estatais e para-estatais na Bolívia. O dispositivo
jurídico tinha um alvo: impedir que a recém-nascida Petrobrás e a YPF (leia-se Brasil e
Argentina) atuassem na Bolívia (Mascarenhas, 1959).
Com a concessão em mãos e protegidas pelo novo código as petrolíferas norte-
americanas iniciaram as operações, mas o insucesso das pesquisas de lavra fez com que elas
se retirassem até restasse apenas a Gulf Oil Co. Os estudos da Gulf logo mostraram que a
Bolívia era rica sim em hidrocarbonetos, não sob a forma de petleo, mas sob a forma de gás
natural, não obstante existia um empecilho: as jazidas estavam a uma profundidade média de
3.445 m. Como a YPFB não tinha condições de explorá-las o governo entregou-as a Gulf Oil,
que em 1961 confirmou a exisncia de campos de gás em Caranda, Colpa e Rio Grande.
94
Hoje: US$ 13.460.000,00.
95
Hoje: US$ 134.600.000,00.
96
o as mesmas percentagens fixadas no Decreto Supremo 1.689 após a reprivatização do setor em 1996.
140
Entrementes, em 1955 a ferrovia Santa Cruz de La Sierra-Santos estava quase pronta
(ver mapa 3.4 nos anexos). Conforme Minadeo (op. cit.), a Bolívia não tinha como pagar sua
parte, assim em 1956 o presidente eleito Hermán Silles Zuazo visitou o Brasil e confirmou a
validade do Tratado de 1938, mas insistia em sua atualização. A idéia dos bolivianos era
trocar sua parte da dívida na ferrovia por uma concessão petrolífera em que o Brasil aceitasse
como pagamento o petleo a ser descoberto. Dessa aproximação surgiu a Comissão Mista
Permanente Brasil-Bolívia.
No caso dos hidrocarbonetos o governo brasileiro solicitou a Petrobras à definição das
bases para as novas negociações, que não se afastaram do espírito do Tratado de 1938, mas
tinham reais vantagens práticas. O empecilho era o artigo 21 do digo do petróleo boliviano,
mas Zuazo deu garantias de que iria suprimi-lo. Ante essas perspectivas o presidente da
Petrobras, Idálio Sardenberg, foi a Bolívia, mas a recepção foi péssima (Minadeo, op. cit.).
A resistência boliviana em aceitar um acordo com o Brasil tinha um fundamento. Por
essa época já era visível para todos os vizinhos que o Brasil podia ser pobre, mas era
desproporcionalmente grande quando comparado a eles. Conforme Hage (op. cit.) a
negociações que estabeleceram as fronteiras do país quase sempre acabaram em favor do
Brasil, gerando desconfiança de um “imperialismovelado, desconfiança aumentada quando
o Estado Novo (decretado em 11 de novembro de 1937) adotou abertamente uma política de
industrializão. Daí em diante nunca cessou o temor de que o Brasil exercitasse uma “divisão
do trabalho latino-americana”, em que ele exportasse produtos manufaturados e forçasse os
sócios a se concentrar na exportação de produtos primários. Esses sentimentos foram mais
bem expressos em 1952 quando um deputado boliviano declarou:
Señores Disputados: um vecino poderoso confiado quizá em su própria fuerza
pretende desconecer al derecho, pero el pueblo boliviano debe asumir uma defensa
heróica de sus atributos.” (Hage in: Haag, op. cit, s/pág.)
Os bolivianos demonstraram abertamente que consideravam a perspectiva da presença
de uma companhia brasileira como prova do expansionismo do Brasil. Além disso, diziam
através da imprensa que seria mais difícil expropriar o patrimônio de uma estatal do que de
uma companhia privada, como acontecera com a SONJ em 1937 (Minadeo, op.cit.). Em tal
ambiente os negócios não prosseguiram. Caberia ao Governo JK retomar as conversações.
141
4.4.2. Das Notas Reversais ao Golpe (1958 a 1964)
No governo de Juscelino Kubitchek (1955/1960) as atenções se voltaram para a
conclusão do projeto de substituição de exportações. JK também se mostrou favorável a uma
aproximação com a América Latina. Expoente nesse sentido foi o lançamento da Operação
Pan-americana (OPA) em 1958. Nesse período, conforme Silva (2004), Antônio Correa Lago,
chefe da Divisão Econômica do Itamaraty, definiu dez pontos no tocante a integração da
região: 1) definição da política econômica e comercial brasileira na América Latina; 2)
definição de uma política de exportação de manufaturados brasileiros; 3) definição da posição
brasileira diante do mercado regional latino-americano; 4) definição da política brasileira de
trigo no tocante ao abastecimento de 1958; 5) negociações comerciais com a Argentina; 6)
negociações comerciais com o Uruguai; 7) negociações com o Equador; 8) negociações com a
Bolívia; 9) negociações com a Colômbia; 10) negociações com os EUA.
No âmbito do ponto 8 o Brasil fez a segunda proposta relativa aos hidrocarbonetos da
Bolívia, também com o interesse em resolver definitivamente as pendências do Tratado de
Roboré. Assim, em 29 de mao de 1958 foram assinadas as Notas Reversais do Acordo de
Roboré, um total de 28 protocolos (10 ainda vigoram), onde ficou acordado que:
1. A área de concessão brasileira seria reduzida de 34.000 km
2
para 13.500 km
2
(ver mapa 3.5
nos anexos)
2. Seriam criadas companhias particulares brasileiras para pesquisar, explorar e transportar o
petróleo na Bolívia. Note-se: como estatal a Petrobras não podia atuar na Bolívia.
3. A Bolívia assumiria total controle sobre a área concedida se as empresas brasileiras não
encontrassem petróleo em 18 meses.
4. O Brasil compraria 100.000 bpd da Bolívia;
5. O Brasil construiria um gasoduto e um oleoduto ligando Santa Cruz ao Sudeste do Brasil.
6. O Brasil compraria todo gás natural produzido na Bolívia.
7. O Brasil também se comprometeu a construir a infra-estruturas proveitosas para a Bolívia,
em especial uma ferrovia entre Santa Cruz de La Sierra e Corumbá (concluída em 1958) para
a qual os bolivianos deram como garantias o petróleo a ser encontrado.
O acordo não foi implementado porque uma vez conhecidos os termos das Notas
Reversais houve furor generalizado no Brasil. O pivô da insatisfação era a participação ou não
da Petrobras nos acordos. Desta feita a campanha nacionalista teve duas mãos: à esquerda,
comandada pelo Partido Comunista e a direita, comandada por Carlos Lacerda. Ambos faziam
142
coro ao dizer que o tratado não contemplava o interesse nacional e defendiam a tese que
caberia a Petrobras comandar a operação. Além disso, alguns setores militares, ferrenhos
defensores da Petrobras, ficaram furiosos porque ela teria que comprar um petróleo ainda não
explorado e, segundo eles, se nada fosse encontrado, os capitais ficariam com os bolivianos
que certamente os repassariam aos norte-americanos. Dentro da Petrobras a ira resultava do
fato da estatal não ter sido consultada sobre a obrigatoriedade de comprar hidrocarbonetos e
construir dutos sem ter as nimas garantias de retorno do investimento. Somando prós e
contras, os opositores do acordo suspeitavam que na verdade as Notas visavam descapitalizar
a estatal em beneficio das petrolíferas norte-americanas. A questão acabou em CPI e demissão
de todos os funcionários públicos envolvidos no negócio (Nassif, 2006).
De qualquer modo, do lado boliviano as Notas foram rechaçadas pelo mesmo temor
nacionalista já expresso em 1956, com a invocação do artigo 21 do código do petróleo.
Conforme Minadeo (op. cit.) esse novo acordo fracassou por que:
1. O Itamaraty havia prometido mais do que o Brasil podia fazer;
2. A concessão foi negociada por governos. Como não se fizera prospecções geológicas seria
impossível convencer uma empresa privada se interessar pelo projeto;
3. No Brasil houve excesso de demagogia e discursos inflamados de políticos, autoridades e
pessoas públicas, em contrapartida, houve pouca análise técnica objetiva;
4. Na Bolívia imperava o caos. O governo era recente e precisava desesperadamente de
dinheiro. Isso explicaria sua política totalmente desencontrada: nacionalização de minas,
reforma agrária e abertura do setor petrolífero para o capital norte-americano. Era temerário
investir num país que apresentava tantas incongruências. Observe-se que a Gulf continuou
operando na Bolívia, mas o país estava sob intensa pressão do governo norte-americano.
Ainda conforme o autor tantos problemas geravam um péssimo ambiente para
qualquer companhia se interessar pelo projeto, justamente no setor petrolífero onde
estabilidade política é condição sine qua non para elas operarem. Assim, os únicos resultados
positivos das Notas Reversais foram à delimitação definitiva das fronteiras entre os dois
países e a regularização do trânsito ferroviário e de pessoas.
Concluindo, Minadeo diz que a lição dada por 20 anos de negociações mal-sucedidas
em relação aos hidrocarbonetos, é que nenhuma parte envolvida tinha a mínima idéia do
tamanho do empreendimento, muito menos dos volumes de recursos necessários. Para o autor
se houve algum favorecido foi à Bolívia que soube jogar com os interesses de argentinos e
brasileiros para obter dinheiro, obras de infra-estrutura e acordos comerciais favoráveis.
143
4.4.3. Durante o Regime Militar (1964 a 1985)
Conforme Silva (2004) no início dos anos 60 o Brasil era visto como possuidor da
mais moderna e diversificada estrutura industrial do mundo subdesenvolvido, tendo sido
capaz de realizar com notável grau de sucesso a transição de um desenvolvimento industrial
baseado no protecionismo às atividades voltadas para o atendimento exclusivo do mercado
interno, para uma fase de abertura crescente ao exterior.
Dentro desse âmbito, no Governo denio Quadros (1961) aconteceu um fato de suma
importância: a instrução 204 da Sumoc de 1961 realizava uma reforma monetária e
desvalorizava a moeda favorecendo as exportações. Era um indicador que o Brasil lograra
êxito no processo de substituição de importações. Sintomático nesse quadro foi o lançamento
da Política Externa Independente (PEI) através do qual o país passou a se preocupar em obter
mercados internacionais para colocar seus produtos, aproximando-se à África, América Latina
(através da ALALC), China, Europa do Leste e URSS.
Depois da renúncia de nio, o Governo João Goulart (1962/64) deu continuidade a
PEI, mas isso mudou substancialmente em 31 de março de 1964 com golpe militar. Segundo
Vizentini (op. cit.) a política externa sob o Governo Castello Branco (1964/67) voltou-se para
o realinhamento com os EUA, abertura aos capitais externos, acordos bilaterais e abandono
das iniciativas no âmbito da PEI e da OPA. Essa política externa visava atender os interesses
da burguesia nacional internacionalizada construindo um modelo de desenvolvimento
dependente e associado. Nele caberia ao Estado a tarefa de incrementar a expansão dos bens
de capital, favorecer os capitais internacionais para a expansão dos bens de consumo para a
classe média e deixando a produção dos bens de consumo popular para a insipiente indústria
nacional. Como conseqüência o mercado interno seria insuficiente para absorver a produção,
forçando a diplomacia a buscar mercados no exterior. Esse foi um dos motivos que levaram o
Brasil a se reaproximar da América Latina.
Nesse ambiente as conversações com a Bolívia foram principalmente econômicas,
envolvendo a ligação ferroviária, o comércio fronteiriço, a compra de látex e pela terceira vez
aventou-se uma proposta de aproveitar os hidrocarbonetos bolivianos. Conforme Silva (2004)
em 1965 formou-se um grupo de trabalho com a finalidade de propor ao Presidente a
retomada das conversações visando à construção de um gasoduto entre Santa Cruz de La
Sierra e São Paulo. Em 5 de novembro de 1965 esse grupo apresentou uma proposta
recomendando o projeto com base nos seguintes argumentos:
144
1. O Brasil teria acesso a uma fonte de gás natural;
2. A matriz energética teria um complemento melhor com o s, combustível mais barato,
menos poluente e mais flexível no uso industrial e doméstico;
3. Melhorar-se-ia o perfil geoeconômico da região sudeste e centro-oeste, pois uma planta de
fertilizantes poderia ser construída no Paraná;
4. Criar-se-ia uma fonte estável de divisas para a Bolívia, que poderia absorver a produção da
indústria paulista;
5. Em Corumbá poderiam ser construídas usinas termoelétricas e uma usina de redução capaz
de beneficiar o minério de ferro e manganês vindo de Urucum;
6. Poderiam ser construídas indústrias leves e usinas termoelétricas no eixo Campo
Grande/Três Lagoas e oeste paulista;
7. A norte-americana Tennessee Gas interessara-se pelo projeto, o que facilitaria a obtenção
do financiamento.
Também se argumentou que se havia intenção de interiorizar o parque industrial
brasileiro esse projeto era uma boa alternativa porque o gasoduto poderia terminar em Bauru e
daí ser dirigido para o Paraná e Triângulo Mineiro. Apresentado ao Conselho Nacional de
Segurança o projeto foi bem recebido, mas depois de pedir vistas, o Marechal Costa e Silva
objetou dizendo que era arriscado confiar o suprimento de gás a um país instável como a
Bolívia, onde os problemas políticos poderiam levar a interrupção do fornecimento,
paralisando o parque industrial paulista. Também alegou que era necessário preservar a
estrutura de refino da Petrobras. Apesar da tentativa de se rebater esses argumentos, Castello
Branco entendeu que era necessário uma análise mais aprofundada e nomeou um grupo de
estudos que tinha à frente o General Ernesto Geisel. As negociações não foram concluídas e
pela terceira vez adiava-se o projeto de vínculo com a Bolívia centrado nos hidrocarbonetos.
No governo Costa e Silva (1967/69) houve a ruptura com a diplomacia de Castello
Branco. Sob o conceito de Diplomacia da Prosperidade foram retomadas as linhas gerais da
PEI, voltando à política externa para a autonomia e o desenvolvimento. Para a América Latina
isso significou uma redução das relações, que ficaram restritas ao âmbito da OEA e ALALC.
O Governo Costa e Silva foi uma época de definições importantes. Para começar, na
Bolívia se confirmavam os temores expressos em 1965. O descontentamento e irritação social
levaram a nova instabilidade política seguida do golpe do General Alfredo Ovando Candia
(1969/70). A 17 de outubro de 1969 Candia baixava o Decreto Supremo 8.956 determinando
145
a segunda nacionalização do setor. O ato teve forte influência do líder socialista e eno
ministro dos hidrocarbonetos Marcelo Quiroga Santa Cruz
97
e contou com apoio dos
nacionalistas e partidos de esquerda. Dessa vez a prejudicada era a Gulf. A justificativa para a
expropriação foi idêntica à utilizada para o caso da SONJ em 1937. A Gulf reagiu e conseguiu
que o governo dos EUA retaliasse duramente os bolivianos: suas exportações foram
bloqueadas, a construção do gasoduto com a Argentina foi suspensa (pela retenção de
equipamentos na fronteira), os desembolsos do BIRD foram congelados. Os bloqueios foram
suspensos depois que o Estado pagou uma indenização de US$ 78 milhões
98
.
Outra definição importante é que os militares passaram a desaprovar veementemente
qualquer projeto externo envolvendo a Petrobras. Duas razões justificavam esta postura. A
primeira delas era a visão política que tinham da estatal. Considerada altamente estratégica,
ela estava fazendo jus à confiança que nela se depositava como garantidora do abastecimento
interno, ainda mais num momento de grande crescimento econômico e grande demanda de
combustíveis. Os militares sequer permitiam que ela fosse criticada e rechaçavam a idéia de
sua exposição externa (Contreras, 1994).
A segunda razão é que o regime tinha outros planos para a Petrobras como vimos no
capítulo 3: ela seria peça central para a consolidação do projeto nacional-desenvolvimentista,
complementando o parque industrial através do “tripé econômico”, onde participariam o
Estado como indutor do crescimento, capital privado internacional e capital privado nacional.
Com a criação da Petroquisa (Decreto-Lei 61.981 de 28 de dezembro de 1967) a Petrobras era
transformada no pivô dos interesses que giraram em torno da construção do setor
petroquímico. Demandante de altíssimos capitais e conhecimento agregado a petroquímica
absorveu toda atenção da Petrobras e não havia espaço para projetos paralelos.
Conforme Vizentini (op. cit.) no governo Médici (1969/74) foi implementado o
projeto de Brasil Potência, através da Diplomacia do Interesse Nacional. Repressivo,
formalmente pró-americano, mas desenvolvimentista, nesse período foi abandonada à
solidariedade terceiro-mundista, a estratégia multilateral cedeu terreno ao bilateralismo e à via
solitária, e as áreas de atrito com os EUA receberam maior atenção. Estabeleceu-se uma
espécie de divisão entre multilateralismo, onde o Brasil buscava apoio quando não conseguia
agir sozinho e o bilateralismo, quando havia aquela possibilidade.
97
Um dos principais intelectuais socialistas do país Santa Cruz escreveu os livros El Saqueo de Bolívia e El Gás
que ya no Tenemos. A mando do ditador Luis García Meza, Santa Cruz foi preso, torturado e
assassinado em 17 de julho de 1980. Atualmente seu nome é um dos mais invocados por Evo Morales.
98
US$ 401,7 milhões em valores de hoje.
146
Nos anos 70 o êxito da política nacional-desenvolvimentista brasileira gerou enormes
desconfianças na América do Sul e sérias tensões entre o Brasil e seus vizinhos porque o
projeto do Brasil Potência implicava a afirmação sobre determinada área geográfica, evitando
a constituição de governos hostis ao seu projeto.
Nessa época as estratégias do país foram orientadas pelas concepções geopolíticas
gestadas na Escola Superior de Guerra pelo General Golbery do Couto e Silva. Concebidas no
final dos anos 60 pregavam, entre outras, a ocupação do Centro-Oeste. Dentro dessa estratégia
a idéia era implementar projetos compartilhando os recursos naturais com os vizinhos
aumentando a desconfiança de que o Brasil tentava impor seu próprio “imperialismo”. A
disputa emblemática foi a proposta de aproveitamento hidroelétrico no rio Paraná que
originou o episódio conhecido como a "Diplomacia das Cachoeiras" envolvendo Argentina,
Brasil e Paraguai e que resultou na construção de Itaipu.
Nesse âmbito as relações com a Bovia foram importantes para não ceder mais terreno
à Argentina (que estava concluído o gasoduto). Manteve-se um relacionamento satisfatório
com o governo de esquerda do país e, ao mesmo tempo colaborava-se com as forças
domésticas e internacionais interessadas em sua queda. Os laços foram estreitados depois que
Hugo Banzer deu um golpe em 1971 e assumiu o poder. O Itamaraty articulou um programa
de estágio e treinamento para instrutores de ensino técnico e formação profissional junto ao
Senai, preparou (com o BNH) um projeto habitacional e articulou a criação de uma nova
Comissão Mista Brasil-Bolívia.
No Governo do General Ernesto Geisel (1974/79) a gestão da política externa coube
ao Chanceler Azeredo da Silveira que a orientou sob o conceito do Pragmatismo Responsável
e Ecumênico. Em linhas gerais percebeu-se que o país necessitava aprofundar suas relações
exteriores, pois o capitalismo brasileiro atingira um nível de desenvolvimento que propiciava
alto grau de inseão mundial. Foram aprofundadas as relações com a África, Europa
Ocidental, Japão e Oriente dio. Ao mesmo tempo, por motivos políticos e econômicos, foi
reforçada a agenda cooperativa com a América Latina, frente à qual o Brasil abandonou o
discurso ufanista e procurou estreitar os laços de cooperação.
A Bolívia continuou a ocupar espaço importante na agenda. Em 22 de maio de 1974
Hugo Banzer e Geisel assinaram um Acordo de Cooperação e Complementação Industrial
onde foi feita à quarta proposta brasileira para aproveitamento dos hidrocarbonetos bolivianos
(a terceira referente ao gás). Seria construído um gasoduto capaz de transportar 6,8 mm
3
/dia
147
de gás natural (quase idêntico ao gasoduto Argentina-Bolívia) durante 20 anos, mas desta
feita o projeto malogrou por que:
1. Na linha das justificativas apresentadas para rejeitar o projeto de 1965, os militares não
queriam envolver a estatal num projeto altamente duvidoso e com um país sabidamente
instável. A questão ferroviária e as estatizações de 1936 e 1969 eram três maus precedentes;
2. Pessoalmente Geisel não acreditava no potencial gasífero da Bolívia e era contra a
construção do gasoduto;
3. A Petrobras não tinha interesse no projeto. O General Geisel comandara a estatal entre
1969/74, não tolerando interferência na sua gestão, voltada para a consolidação da estrutura
vertical da Petrobras, construção do Sistema Petrobras e, depois de 1972, procurar e produzir
petróleo em áreas favoráveis no exterior com objetivo assegurar o abastecimento interno a
preços constantes. Geisel também criou um grupo de trabalho (que controlou a estatal até
1985), que o substituiu e manteve suas diretrizes (Contreras, 1994);
4. Era época do milagre brasileiro”, cabendo ao petróleo o papel de destaque na matriz
energética brasileira e o havia espaço para o gás natural. A necessidade de petróleo foi
reforçada as o choque de 1973 tornando obsessão a conquista da auto-suficiência;
5. A Petrobras não tinha as mínimas condições tecnológicas e financeiras para desenvolver
um projeto gasífero;
6. Os bolivianos eram contra, alegando que a exportação de gás natural para o Brasil
comprometeria o processo de industrialização nacional, além do que havia incerteza quanto à
capacidade da Bolívia em atender a demanda brasileira e o bom momento no cenário
petrolífero internacional estimulava a exportação de petróleo, não de gás natural.
Em agosto de 1977 Banzer visitou Brasília onde foram assinados cinco acordos e
convênios. Um deles autorizava a YPFB a operar no Brasil. Posteriormente, em Outubro de
1978, foi firmada uma nova ata de intenções sobre o gás natural boliviano aonde o Brasil
importaria 13,32 mm
3
/dia, mas o projeto não avançou basicamente pelos mesmos motivos que
inviabilizaram o acordo de 1974.
O Brasil também assinou o Tratado de Cooperação Amazônica (TCA, 1978) com a
Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, com objetivo de completar
as políticas de povoamento e desenvolvimento da área, que vinham sendo implantadas com o
fim de contrabalançar o crescente interesse internacional pela região. Desta forma, procurava-
se romper o isolamento da zona amazônica dentro do próprio terririo nacional e ao mesmo
tempo reforçar sua vocação regional. Do lado dos vizinhos amazônicos observaram-se
148
algumas resistências iniciais ao TCA, especialmente por parte da Venezuela, porque se temia
que esta iniciativa prejudicasse outros projetos cooperativos, em particular o Pacto Andino.
No governo Figueiredo (1979/85) a política externa denominou-se Universalismo,
com o esforço da manutenção das linhas gerais do Pragmatismo Responsável ao mesmo
tempo em que tentava manter a autonomia do país após o segundo choque do petróleo e da
crise da dívida. Pela primeira vez a intenção brasileira de priorizar a América Latina, presente
nos discursos desde 1964, saiu da retórica para tornar-se realidade. Crucial nisso foi o
entendimento com a Argentina (Tratado Itaipu - Corpus de 1979).
Com a Bolívia em 9 de fevereiro de 1984 os presidentes Siles Zuazo e Figueiredo
renegociaram o projeto para a construção do gasoduto ligando Bolívia e Brasil, prevendo que
o volume importado pelo Brasil ficaria entre 8 e 13,32 mm
3
/dia, mas desta vez, segundo a
YPFB, as negociações não avançaram devido ao desacordo sobre o pro do gás natural.
149
5. A CONVERGÊNCIA DAS RELAÇÕES BOLÍVIA-BRASIL NOS ANOS 90
Bolívia e Brasil não passaram incólumes as transformações do sistema mundial
verificadas nos anos 70 e 80, sendo obrigados a reformularem muitas das suas posturas ante a
comunidade internacional. Dessas mudanças surgiu a possibilidade de uma nova aproximação
tendo como objeto os hidrocarbonetos, as serem registrados sete tentativas fracassadas
(1938, 1958, 1965, 1973, 1978, 1984 e 1988). Dessa vez as condições eram bem mais
propícias tanto pelo neoliberalismo boliviano (que abriu espaço para atuação das EMNs)
como pela guinada diplomática brasileira (interessada no sucesso das negociações) e porque
finalmente o Brasil possuía na Petrobras, uma das maiores e mais capazes companhias
petrolíferas do mundo, um instrumento capaz de viabilizar esse objetivo.
Assim, na primeira parte deste capítulo veremos as razões que levaram o Brasil a
modificar sua política externa aproximando-se da América Latina e porque o país optou por
introduzir o s natural boliviano em sua matriz energética. Na segunda parte veremos as
razões que levaram a Bolívia a adotar o neoliberalismo, seus interesses em reformar o setor de
hidrocarbonetos e porque delineou uma política de exportação de gás natural para o Brasil.
5.1. O Neoliberalismo Brasileiro
As transformações do sistema mundial ocorridas durante os anos 70 e 80 fragilizaram
a posição econômica e política do Brasil, levando o país a modificar sua estratégia de inserção
internacional. Nesta seção veremos como se deu esta mudança e sua implicação para as
relações Bolívia-Brasil, que no Governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) foi reestruturada,
inspirada na teoria funcionalista das relações internacionais. Segundo essa teoria, as forças
sociais, econômicas e tecnológicas geram uma complexa rede de inter-relações entre os
Estados originando certos problemas de dimensões internacionais que os incapacita de
satisfazer as cada vez mais complexas necessidades do interesse nacional o que os obriga, na
tentativa de solucionar esses problemas, a adotar medidas que resultam na cooperação
internacional e, em última instância, na unidade econômica e política.
5.1.1. A Crise do Nacional-Desenvolvimentismo Brasileiro
Conforme Sennes (op. cit.) entre o final dos anos 70 e início dos anos 80 o Brasil foi
atingido por três crises de vulnerabilidade que retiraram parte significativa da sua capacidade
de sustentar as estratégias e os princípios e padrões de relacionamento internacional até então
150
adotado. A primeira crise de vulnerabilidade era de origem energética, resultante dos choques
do petróleo (de 1973 e 1979) agravado pela decisão de não reduzir a compra de petróleo,
mantendo os níveis de investimento do âmbito do II PND.
A dependência energética do Brasil foi equacionada através da combinação de ões
internas e externas. Internamente, o país procurou obter fontes alternativas de energia lcool,
eletronuclear, hidroelétrica), ao mesmo tempo em que intensificou a busca por novos campos
de petróleo. Externamente o país valeu-se do processo de industrialização para desenvolver
estratégias de diversificação da pauta de exportações, das parcerias comerciais e aproximação
com países exportadores de petróleo do Terceiro Mundo (Angola, Arábia Saudita, Colômbia,
Iraque, entre outros) a quem também interessava obter uma maior autonomia comercial frente
aos países desenvolvidos. Nesses casos se estabeleceu uma política comercial de mão dupla
onde o fornecimento de petróleo por parte desses países correspondia à provisão de
manufaturas (alimentos, armas, etc.) e serviços (engenharia, etc.) por parte do Brasil.
A segunda crise de vulnerabilidade era de origem financeira porque as o choque de
juros de 1979 o montante da dívida externa, seu perfil (parcelas de curto prazo) e os
pagamentos dos serviços vinculados ao estoque da dívida (taxas de juros, taxas de risco, etc.)
aumentavam ainda mais as dificuldades do Brasil em continuar mantendo em dia seu serviço.
A crise financeira foi agravada com a moratória do xico em 1982, que dificultou novos
empréstimos e deixou os países devedores a merdo auxílio econômico do FMI e BIRD,
órgãos que condicionaram os empréstimos à manutenção do serviço da dívida externa.
Essa nova realidade forçou a reorientação das prioridades brasileiras canalizando o
superávit comercial e a capacidade financeira do Estado para a manutenção do serviço da
dívida. Enquanto no primeiro caso o país aumentou o volume das exportações, no segundo
caso o Estado mostrou-se incapaz de manter o equilíbrio das contas públicas, comprometendo
a estratégia nacional-desenvolvimentista de usar as estatais para alavancar o crescimento
econômico. A máquina pública foi mantida com a emissão de moeda e elevação da carga
tributária, que aliado ao baixo crescimento econômico externo e interno resultaram num
quadro comum a todos os países do Terceiro Mundo e persistiu durante toda segunda metade
dos anos 80, a dita “década perdida”: altas taxas de inflação e desemprego somados a baixa
taxa de ocupação da capacidade instalada, de investimentos e crescimento econômico. Isso
crescentemente incapacitou o Estado de efetuar novos investimentos e responder as demandas
da sociedade em termos de saúde, educação e infra-estrutura.
151
A terceira crise de vulnerabilidade era de origem comercial porque ao final dos anos
70 as políticas protecionistas e a forte intervenção do Estado na economia haviam alçado o
Brasil à condão de país recém-industrializado. Entretanto, as bases dessa posição não eram
sólidas por dois motivos. Em primeiro lugar os países do Terceiro Mundo não reuniam
condições de substituir os países desenvolvidos como fontes de divisas, empréstimos,
equipamentos, financiamentos, investimentos e tecnologia. Quando a crise econômica atingiu
esses países ficou comprometida também à possibilidade do Brasil estabelecer, ampliar e
mesmo a manter aqueles mercados conquistados no período anterior.
Em segundo lugar as barreiras seletivas às importações e os incentivos às exportações
formavam a base das políticas comerciais adotadas pelo Brasil para exportar manufaturas e
bens industrializados e penetrar nos mercados dos países em desenvolvimento e/ou
desenvolvidos. Essas políticas comerciais originaram controvérsias entre o Brasil e os países
desenvolvidos que o acusavam de “concorrência desleal”.
O Brasil tentou amenizar a crise contatando os países do bloco socialista, mas a
iniciativa foi inviabilizada porque estes países careciam de moedas fortes e tinham baixa
complementaridade com a economia brasileira. Com poucas alternativas o Brasil foi obrigado
a incrementar o fluxo comercial com os países desenvolvidos, que em contrapartida
impuseram à condão de que o país adotasse reformas econômicas o que o tornou vulnerável
também no aspecto comercial, além do financeiro. Ademais, a perda da capacidade dos países
do Terceiro Mundo de manter seus níveis de parceria com o Brasil, seja porque este não tinha
os recursos necessários (capitais, divisas, tecnologia, etc.), seja porque a crise econômica
reduziu a capacidade compradora nesses mercados, seja porque havia diferea de interesses
dos países que lograram a industrialização, levaram ao refluxo do movimento reivindicatório
desses países, resultando na perda de um campo de atuação que era favorável ao Brasil.
5.1.2. A Diplomacia Brasileira sob a Nova República
No início da Nova República o Itamaraty ainda retém sua autonomia e grande parte
das linhas políticas dos anos 70, mas as alterações do sistema internacional, a desordem
econômica, a globalização e a pressão norte-americana desgastaram as bases econômicas,
comerciais e financeiras do Brasil, particularmente aqueles relacionados ao estabelecimento
de um campo próprio de influência política e econômica. A dependência em relação do
sistema internacional havia superado a capacidade do Brasil em gerar novas oportunidades
econômicas e mesmo de desenvolver as que havia logrado estabelecer. Em resultado o
152
Brasil foi obrigado a reformular vários de seus pressupostos a respeito da gica da dinâmica
internacional e do lugar que poderia ocupar nessa dinâmica tendo que reverter o esforço de
aprofundamento de suas relações políticas e comerciais, como a unidade e a legitimidade dos
movimentos do Terceiro Mundo e aproximar-se dos países desenvolvidos (Hirst, 2006).
Durante o Governo Sarney (1985/90) foram gestadas as principais linhas da
diplomacia brasileira nos anos 90. Desde seus primeiros meses o Governo Sarney manifestou
interesse por mudaas qualitativas no relacionamento com a América Latina, como forma de
reduzir os problemas comerciais e financeiros do Brasil, delimitando assim um novo espaço
de atuação em substituição ao que estava sendo perdido em âmbito mundial. Indicadores
nesse sentido foram: à presença do Brasil no Grupo de Apoio de Contadora (1985), o
restabelecimento de relações com Cuba (1985), a participação na criação do Grupo dos 8 e
depois no Grupo do Rio (1986) a primeira reuno de Presidentes de Países Amazônicos
(1988) e a condenação da intervenção norte-americana no Panamá (1989) (Hirst, op. cit.).
Neste período a aproximação mais importante foi feita com a Argentina, que sofria
mais os efeitos da crise econômica e da dívida porque seu parque industrial não era tão
completo como o brasileiro e havia sido desmontado durante o regime militar (1976/82).
Ademais, a Argentina estava atritada com os EUA e CEE em função da Guerra das Malvinas.
Sem condições de competir pela liderança da América do Sul os argentinos passaram a
demonstrar o desejo de estreitar os laços econômicos com o Brasil (Bandeira, 2004).
Em 29 de novembro de 1985 foi assinado o Tratado de Iguaçu entre o presidente
argentino Raúl Alfonsín e o presidente brasileiro José Sarney que previa a integração
econômica bilateral Argentina-Brasil. Em 28 de julho de 1986 os dois países assinavam o
Programa de Integração e Cooperação Econômica (PICE), um total de 12 protocolos
aprofundando a cooperação e integração econômica, além de acordos secretos sobre aviação
militar e energia atômica. Afinal, em 29 de novembro de 1988 os dois países assinavam o
Tratado Geral de Integração, Cooperação e Desenvolvimento, onde se comprometiam a
constituir um espaço econômico comum em dez anos, com a remoção gradual dos obstáculos
tarifários e não-tarifários à circulação de bens e serviços, bem como harmonizar e coordenar
suas políticas aduaneiras, agrícola, cambial, fiscal, industrial, monetária, entre outras.
No tocante a Bolívia, em 1986 o Governo Paz Estenssoro apresentou o Programa de
Integración Energética (PIE), um conjunto de projetos onde propunha a vender ao Brasil 3
mm
3
/dia de gás natural durante 25 anos, a energia gerada por uma termelétrica a gás de 550
mW a ser erguida na fronteira, 100.000 t de uréia e 50.000 t de polietileno. Os bolivianos
153
dispuseram-se também a encontrar as fontes de financiamento do gasoduto e da termelétrica e
criar as condições para operar as usinas de fertilizantes e polietileno. O PIE foi negociado
durante três anos até que em 22 de julho de 1988 foi assinado por Sarney e Paz Estenssoro no
âmbito do Tratado de La Paz (Nogueira, 2006). O plano fracassou porque, conforme o
embaixador Rubens Ricupero (que ocupou o Departamento Brasil-Bolívia do Itamaraty) a
Petrobras resistia em aderir ao projeto temendo a concorrência do gás natural ao seu óleo
combustível, que abastecia as indústrias do Sudeste (Filho, Leonel & Xavier, 2006).
Também nesta fase o Brasil incorporou em suas práticas comerciais e econômicas os
padrões e condutas exigidas pelos países industrializados entre elas a abertura comercial, a
redução de alguns instrumentos protecionistas, as conceses às importações e mudança da
postura nas negociações do GATT
99
.
5.1.3. O Brasil e a América Latina
Entre 1989 e 1991, coincidindo com a fase de transição e início do Governo Collor
(1990/92), seis acontecimentos indicavam que a nova configuração do sistema mundial
deixaria pouca margem de manobra para os países do Terceiro Mundo. Por ordem
cronológica esses acontecimentos foram: 1) o lançamento do Plano Brady (10/03/1989)
100
; 2)
o lançamento do Consenso de Washington (junho de 1989)
101
; 3) o lançamento da The
99 Para Sennes (op. cit.) as negociações do GATT refletiam parte do reposicionamento estragico dos pses
frente às mudanças do reordenamento mundial. Os países desenvolvidos concordaram em dois pontos
básicos: incluir os serviços e buscar o enquadramento das políticas comerciais e industriais dos países
recém-industrializados. Os interesses brasileiros incluíam a ampliação dos mercados agrícolas nos
países desenvolvidos e bloquear o avanço na questão dos novos temas. O Brasil fracassou em seu
intento em razão do seu endividamento externo, das pressões comerciais bilaterais, da aplicação do
“princípio da graduação” e da falta de homogeneidade nos interesses dos países do Terceiro Mundo.
100 Em 1985 James A. Baker, então Secretário do Tesouro dos EUA, apresentou o Plano Baker, segundo o qual
os países endividados teriam novos empréstimos se adotassem uma série de políticas liberais entre elas
as privatizações, adoção da regras de mercado, redução de barreiras de importação e liberalização de
investimentos. Em 1988 este Plano fracassara em função da resistência dos países endividados e do
curto prazo de pagamento das parcelas. Então Nicholas F. Brady, então Secretário do Tesouro dos EUA,
apresentou o Plano Brady em substituição ao Plano Baker através do qual pretendia renovar a vida
externa de países em desenvolvimento, trocando-a por bônus novos. As parcelas desses bônus teriam
prazos mais longos e previam o abatimento do encargo da dívida, através da redução do seu principal ou
redução dos juros. O Plano Brady também condicionava os novos empréstimos às reformas liberais.
101
Epíteto atribuído ao economista inglês John Williamson pelo qual ficaram conhecidas as dez reformas
ecomicas que eram consensuais entre FMI, BIRD e Fed (tríade de instituições financeiras sediadas
em Washington) e as quais deveriam aderir todos os países do Terceiro Mundo que desejassem
continuar recebendo auxílio financeiro. As reformas propostas eram as seguintes: 1) Disciplina fiscal
dos gastos públicos; 2) Reorientação dos gastos públicos das estatais para a melhoria dos indicadores
sociais; 3) Reforma tributária a fim de equacionar os gastos públicos às receitas; 4) Taxa de juros
positiva em termos reais (descontados custos e inflação) e determinados pelo mercado; 5) Taxas de
câmbio reais determinadas pelo mercado; 6) Eliminação das barreiras e regulamentações que
dificultavam o livre movimento de fatores de produção que distorciam a real capacidade das indústrias
nacionais; 7) Abertura dos mercados aos IEDs que passariam a ser as fontes de capitais, empregos e
154
Enterprise for the Americas Initiative
102
(junho de 1990); 4) a não conclusão da Rodada
Uruguai do GATT
103
(prevista para dezembro de 1990); 5) a assinatura do Tratado de
Maastricht (10/12/1991)
104
; e 6) o colapso da URSS (25/12/1991) (Bandeira, 2004).
Através do Plano Brady e do Consenso de Washington ficava claro que os países
desenvolvidos só concederiam novos empréstimos se os países do Terceiro Mundo adotassem
as políticas neoliberais. Ademais, os EUA esperavam que os países da América Latina não
apenas se renderia ao neoliberalismo como, através da aceitação da The Enterprise for the
Americas Initiative, concordariam em abrir seus mercados para os produtos norte-americanos
sem esperar reciprocidade, como indicavam as difíceis negociações na Rodada Uruguai do
GATT. Para completar o cenário parecia claro que ninguém teria condições de resistir à
pressão dos EUA porque a CEE resolvera adotar uma postura defensiva aprofundando a
integração e criando um mercado cativo para seus produtos enquanto o fim da URSS deixava
o mundo a mercê da vontade norte-americana (Bandeira, 2004 e 2006b).
Para Sennes (op. cit.) com o final da Guerra Fria a política externa do Brasil em alguns
aspectos foi reformulada e em outros manteve as características de uma potência média recém
industrializada. Em primeiro lugar, na questão multilateral o país manteve a contestação
frente a diversos aspectos que considerava discriminarios no sistema mundial, mas deixou
de ser porta-voz dos países em desenvolvimento e abandonou o ideário terceiro-mundista.
Em segundo lugar o Brasil abandonou a perspectiva de Potência Emergente (rumando
para a condição de Grande Potência) e passou a ser um Grande Mercado Emergente, adotando
os principais pontos da nova agenda internacional: 1) ser um regime democrático e estável; 2)
garantir os direitos humanos; 3) ter responsabilidade ambiental; 4) possuir economia aberta,
com regras seguras para a atuação dos IEDs (tanto para movimentação de capitais como leis
de patentes); 5) equilibrar suas regras econômicas; 6) ter relações normais com a comunidade
financeira internacional e; 7) adotar uma posição internacional cooperativa (aderindo a
acordos como o TNP). Contudo, as posturas brasileiras no âmbito multilateral mantiveram
tecnologias que os pses necessitavam; 8) Política de privatizações; 9) Política desregulamentadora das
economias; e 10) Garantias dos direitos de propriedade intelectual.
102 Também chamado de Iniciativa Para as Américas. Tratava-se da proposta de ampliar para todo o continente
americano a zona de livre comércio criada pelos EUA e Canadá em 1988. Conforme Bandeira (2004)
esta iniciativa fazia parte do esforço dos EUA em reduzir o desequilíbrio de sua balança comercial por
meio de abertura de mercados na América Latina e estabelecer um ambiente seguro para suas
companhias, dotadas de maiores vantagens competitivas.
103 Onde se mostravam difíceis as negociações para a liberalização do acesso a mercados e para a regulação de
setores o cobertos ou insuficientemente cobertos pelas regras do GATT em serviços, investimentos,
propriedade intelectual, agricultura e têxteis.
104
Que prometia aprofundar o Ato Único Europeu (de 1986) a partir de 01/01/1993, quando seriam impostas
barreiras para as mercadorias oriundas de fora do bloco.
155
alguns aspectos que refletiam seu comportamento de potencia média: a estratégia de atingir
determinados objetivos através dos órgãos internacionais e manter as alianças como forma de
incrementar sua capacidade de barganha.
No âmbito das relações bilaterais a nova matriz manteve algumas estratégias do
período anterior. Se não foi possível distanciar-se das Grandes Potências
105
, permaneceu a
posição de diversificação das parcerias, a fim de obter maior espaço de manobra política,
resguardando-o de uma dependência excessiva, seja política, seja econômica de um dos pólos
de poder internacional. Ademais houve a aproximação com outras potências médias visando
aumentar a participação desta categoria de paises nos processos decisórios.
Em terceiro lugar o aspecto regional se tornou um dos eixos do posicionamento
externo do Brasil. Neste sentido o Itamaraty abandonou a posição defendida entre os anos
1950/70, quando se acreditava que o Brasil teria condições de se inserir isoladamente no
sistema internacional e representar um contraponto a liderança dos EUA em troca da
estratégia, nos anos 90, de procurar a integração com os países da América Latina como
forma de inserção segura num mundo unipolar. Para a iniciativa ter sucesso o Brasil deveria
amenizar sua imagem de país subimperialista, afastar a idéia de que desejava obter uma
posição hegemônica, abandonar a perspectiva isolacionista e apresentar-se como uma
liderança regional, propondo uma agenda para promover a integração das Américas, nela
contemplando a abrangência, condições, formas, objetivos, prazos, programas de cooperação
e integração, conforme as condições e necessidades dos países da região (Hirst, op.cit.).
Para Zibechi (2006), este redirecionamento estratégico da potica externa brasileira
expressaria as ambições de uma parte da sociedade brasileira representada pelos militares que,
partindo da herança de Golbery do Couto e Silva, definem o Brasil, por seu tamanho, como
uma panregião”. Citando o Severino Bezerra Cabral, da Escola Superior de Guerra Zibechi
diz que a “natureza da panregião se metamoforseia no que se poderia definir como o
necessário surgimento de um ‘megaestado’”. Trata-se de uma visão do mundo que rechaça
com veemência o unilateralismo e aposta que o desenvolvimento do país servi de imã para
que as economias vizinhas, já que a “unificação das orlas amazônicas e do Prata, instaurada
a bioceanidade, estará definido o destino manifesto do Brasil: o de engrandecer-se ante o
105 Com os EUA permaneceram vários contenciosos. No campo econômico os norte-americanos mantém as
restrições aos produtos industriais e agrícolas brasileiros. No campo político o ressentimento
brasileiro com as políticas preferenciais dadas a União Européia. No campo estratégico o Brasil
conseguiu diversificar suas parcerias com a União Européia e o Japão e brasileiros e norte-americanos
discordam quanto a função do Mercosul, os primeiros vêem nele um instrumento de integração
enquanto os segundos acreditam que ele a atrasa (Sennes, op. cit.).
156
conjunto da humanidade” dizendo que ao contrário dos EUA e URSS o “Brasil não deverá
atuar como uma potência expansionista, senão que ascenso a condão de Megaestado sul-
americano estará embasada em uma projeção de poder aceita e até requerida pelos estados
vizinhos, no que seria uma geopolítica integracionista” (Zibechi, op. cit, s./pág.)
Em conseqüência a diplomacia brasileira aprofundou a estratégia de aproximação com
os países da América do Sul. Em 26 de março de 1991, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai,
aceleraram o processo de integração, assinando o Tratado de Assunção que estabelecia o
Mercosul. Por este documento os quatro países concordavam em eliminar gradualmente todas
as barreiras tarifárias e não tarifárias até 01/01/1994
106
. Ao mesmo tempo os países
mantinham a soberania dentro de órgãos colegiados de decisão, sem contar com a delegação
de poderes para uma instância autônoma. Estava delineada uma área de influência e um
projeto de liderança regional do Brasil na América do Sul (Almeida, op. cit.).
No governo Itamar Franco (1992/94), durante a 5ª Reunião do Conselho Mercado
Comum realizada em 17 de janeiro de 1994 em Colonia del Sacramento (Uruguai) o Brasil
aderiu a União Aduaneira, projeto que consolidava o Mercosul, aproveitando à ocasião
também para propor
107
a criação, em dez anos, da Área de Livre Comércio da América do Sul
(ALCSA), um espaço econômico que deveria funcionar como alternativa ao NAFTA (criado
em 1992 por Canadá, EUA e México), mas limitado ao espaço sul-americano. Antes do final
do ano (17/12/94) era aprovado o Protocolo de Ouro Preto conferindo ao Mercosul
personalidade jurídica internacional (Almeida, op. cit.).
5.1.4. As Diretrizes da Era FHC
O Governo FHC (1994/02), marcou a substituição dos princípios do nacional-
desenvolvimentismo e a adoção dos princípios neoliberais, resumidos no Consenso de
Washington. Desta forma o Governo articulou a integração nacional com a internacional
através da adoção do conceito dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento
(ENIDs), um plano de integração regional que contemplava a dimensão internacional.
A formulação da proposta dos ENIDs originara-se de duas vertentes básicas. A
primeira vertente diz respeito aos estudos do Geipot acerca dos principais estrangulamentos
106
O Tratado de Assunção adiantava em 6 anos a formação de um mercado comum entre Argentina e Brasil
previsto no Tratado Geral de Integração, Cooperação e Desenvolvimento de 1988.
107
A proposta foi preparada pelo Itamaraty durante a gestão de FHC como Ministro das Relações Exteriores e
teve o aval dos outros países membros do Mercosul.
157
dos chamados “corredores de transportes” necessários para reduzir o “custo Brasil” que
oneravam as exportações de produtos do complexo agroindustrial (Egler, 1999).
A segunda vertente foi gestada durante a passagem do engenheiro Eliezer Batista da
Silva pela SAE-PR durante o Governo Collor, quando algumas de suas idéias assumiram (na
forma de um mapa) os principais corredores logísticos necessários (em sua concepção) para
vencer os gargalos internos de infra-estrutura e aumentar a eficiência da integração do
território nacional na economia mundial.
Em fins de 1994 este estudo foi apresentado a FHC, que acabava de vencer as eleições
presidenciais e estava compondo sua equipe de governo e colhendo propostas para o mandato
que se iniciaria e teve acolhida da equipe presidencial, passando a integrar o esboço destinado
a elaboração do Programa Pluri Anual (PPA) apresentado em agosto de 1996 (para o período
1996/99) com o nome fantasia de “Programa Brasil em Ação” (Egler, op. cit.).
O PPA 1996/99 introduziu a noção dos ENIDs, como uma nova concepção para o
planejamento nacional a definir, em relação ao território nacional, as áreas privilegiadas para
a realização de novos investimentos, instrumentos capazes de desenhar uma nova geografia
econômica e social do Brasil”, de integração nacional e continental e de redução dos
desequilíbrios espaciais. Neste documento, os eixos são vistos como grupamentos de projetos
de infra-estrutura, voltados para “a maior integração das regiões brasileiras e à abertura de
novas fronteiras de investimentos”. Esta “nova geografia econômica do País” partia do
pressuposto de que a concentração e coordenação das intervenções em determinadas
regiões provocam impactos mais positivos sobre o restante do sistema econômico nacional e
regional do que uma atuação dispersa e/ou generalizada”. Desta forma foram definidos
cinco eixos de integração nacional e dois de integração continental (Egler, op. cit.):
Os Eixos Nacionais:
1. Eixo de Integração Norte-Sul: destinava-se a fortalecer os meios de transporte vitais para
o escoamento da produção agroindustrial e agropecuária do cerrado central. Englobava o
oeste da Bahia, o sudoeste do Piauí, o sul do Maranhão, o Tocantins e parte do estado de
Goiás. Entre os principais projetos estavam a Ferrovia Norte-Sul (ligando Imperatriz/MA a
Estreito/GO) e a Hidrovia do Araguaia-Tocantis;
2. Eixo de Integração Oeste: destinava-se a consolidar o desenvolvimento das áreas de
expansão recente da fronteira agrícola do país. Englobava os estados do Acre, sul de Goiás,
Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rondônia. Os investimentos projetados concentraram-se
no fortalecimento da malha ferroviária e na restauração/reconstrução de rodovias troncais. Os
158
principais projetos eram: a construção da Ferronorte (ligando Aparecida do Taboado/MS a
Alto Araguaia/MT) e a construção do gasoduto Bolívia-Brasil. Este iniciaria com diâmetro de
32” em Rio Grande (Bolívia), alcançaria a fronteira com o Brasil no Mato Grosso do Sul
(Puerto Suarez-Corumbá) e segue até Campinas. Daí divide-se em dois ramos com dmetro
de 24”. O primeiro segue até Guararema (SP) onde é interligado ao sistema de dutos da
Petrobras (Belo Horizonte/Rio de Janeiro/São Paulo) e o segundo segue até Canoas (RS).
3. Eixos de Integração no Nordeste: destinava-se a recuperar e a expandir a base de infra-
estrutura da região, especialmente na área de transportes. Englobava todos os Estados do
Nordeste. Os principais projetos eram: a formação de um corredor de transportes intermodal
(baseado na revitalização da Hidrovia do São Francisco), na modernização e ampliação da
malha ferroviária (principalmente pela implantação do trecho Petrolina-Salgueiro da
Transnordestina), além da adequação e da ampliação do Porto de Suape (PE);
4. Eixos de Integração Sudeste: destinava-se a adequar a infra-estrutura rodoviária da
região. Englobava todos os Estados da região Sudeste. O principal projeto era a duplicação da
BR-381 entre Belo Horizonte e São Paulo;
5. Eixos de Integração Sul: destinava-se a adequar as malhas de transporte intermodais
necessárias aos eixos de articulação entre as regiões Sudeste e Sul do país. Englobava todos
os Estados da região Sul. Concentrava-se na construção de rodovias integradoras, incluindo
obras de duplicão, reestruturação e reconstrução de rodovias existentes. O principal projeto
era a duplicação das BR-116/BR-376 e BR/101 entre São Paulo e Florianópolis. No setor
ferroviário a prioridade era a implantação da Ferroeste (ligando Guarupuava/PR a
Dourados/MS). No setor aquaviário as prioridades eram a adequação e modernização dos
portos de Paranaguá e Rio Grande, a melhoria da navegabilidade das hidrovias do Paraná e
Paraguai e a construção da ponte entre São Borja/Brasil e São Tomé/Argentina.
Os Eixos Continentais:
1. Eixo Saída Para o Caribe: os projetos considerados neste eixo estavam voltados para a
consolidação de rodovias integradoras do país com os mercados do Caribe e Atlântico Norte.
Englobava os Estados do Amazonas e Roraima. O projeto mais importante era a
pavimentação da BR-174 (ligando Manaus/AM a Caracaraí/RR);
2. Eixo Saída Para o Pacífico: os projetos considerados neste eixo estavam voltados para a
consolidação das ligações com o Peru e a Bolívia, que favoreceriam a integração com esses
países e o futuro acesso terrestre do Brasil aos portos do Pacífico. Englobava os Estados do
Acre, Amazonas e Rondônia. Na área rodoviária, estavam previstas obras de construção e/ou
159
recuperação da BR-317 (ligando Rio Branco/AC a Assis Brasil/AC, na fronteira com o Peru).
Deveria também ser construído um trecho de 90 km ligando Abu (RO) a Gurarajá Mirim
(RO), na fronteira com a Bolívia. Afinal, estavam previstos investimentos para melhorar a
navegabilidade da hidrovia do Rio Madeira.
O PPA 2000/03 do Governo FHC foi precedido de um edital de contratação de
serviços de consultoria especializada, lançada pelo BNDES para o Ministério do Orçamento e
Gestão, destinado a identificar as oportunidades de investimentos públicos e privados nas
áreas de influencia dos eixos, levando a diante o que havia sido iniciado com o PPA anterior.
O edital identificou 6 eixos: 1) Eixos da Amazônia, subdividido em Eixo de Saída Norte para
o Caribe/Rodovia BR-174) e Eixo de Saída para o Atlântico (Hidrovias do Madeira e do
Amazonas; 2) Eixos Argauaia-Tocantis/Ferrovia Norte-Sul e Ferrovia Carajás; 3) Eixos do
Nordeste, subdividido em Eixo Costeiro do Nordeste, Eixo do rio São Francisco e Eixo
Transnordestino; 4) Eixo do Oeste; 5) Eixo do Sudeste, subdividido em Eixo Centro-Leste e
Eixo São Paulo; e 6) Eixos do Sul, subdivididos em Eixo Costeiro do Sul, Eixo da Franja de
Fronteira e Eixo de Hidrovia do Paraná-Paraguai.
Além do ajustamento geográfico da proposta dos eixos, o edital eliminou a distinção
entre os Eixos Nacionais e os Eixos Continentais e retirou a saída para o Pacífico como
objetivo estratégico o que já representa um novo cenário geopolítico para as pretensões
brasileiras no contexto sul-americano. O edital também exigia a elaboração de um banco de
dados georeferenciados, contendo mapas e indicadores sobre os aspectos econômicos, sociais
e ambientais, assim como portfólios dos investimentos públicos e privados.
Coube a viria ao Consórcio Brasiliana
108
, que redividiu o território nacional em 9
grandes áreas contíguas, considerando fundamentalmente os objetivos logísticos nacionais,
sem refletir sobre as estratégias regionais de inserção na estrutura produtiva nacional e na
economia global. Isto transparece quando se observa que nos resultados dos estudos, os eixos
passaram a conformar uma nova divisão territorial do Brasil, que não expressava o recorte
regional, nem os diversos agentes sociais envolvidos na gestão do território. Apesar destas
deficiências as orientações estratégicas do Consórcio compuseram as estratégias dos ENIDs
para a elaboração do PPA 2000/03 (Egler, op. cit.). Os eixos eram os seguintes:
Os Eixos do Norte:
108
Formado pelo Booz Allen & Hamilton do Brasil Consultores Ltda, Bechtel International Inc. e Banco ABN-
Amro, que tiveram apoio de consultores de rios órgãos públicos e privados, entre eles a Universidade
de Brasília, Universidade Federal de São Carlos e Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e
institutos de pesquisas. (Engler, op. cit.).
160
1. Eixo Arco Norte: engloba duas regiões entre os Estados de Amapá e Roraima. Essa
configuração teve origem no eixo sugerido pelo edital, denominado Eixo de Saída Norte para
o Caribe/Rodovia BR-174, que se caracteriza por estabelecer uma ligação entre a Zona Franca
de Manaus, o Estado de Roraima e importantes zonas de consumo da Venezuela e da Guiana,
permitindo assim o acesso brasileiro aos portos do Caribe. Posteriormente o conceito original
foi expandido para incluir uma outra saída para o norte, correspondente à área de influência
da rodovia BR-156 em implantação no Estado do Amapá. Segundo o Consórcio Brasiliana “a
lógica dessa nova configuração decorre da perspectiva de uma futura interligação rodoviária
no extremo norte do continente, aproveitando-se de duas rodovias citadas, do lado brasileiro,
a interligação rodoviária já existente entre as capitais das três Guianas”.
2. Eixo Madeira-Amazonas: engloba a porção ocidental da região amazônica, cujos
principais projetos são a Hidrovia do Madeira e os gasodutos de Urucu-Porto Velho e Coari-
Manaus. Além destas obras destaca-se a pavimentação de diversas rodovias com a BR-364 e a
implantação de aeroportos e terminais fluviais em Manaus, Porto Velho e Santarém.
Eixos do Nordeste:
1. Eixo São Francisco: engloba principalmente o Estado da Bahia. Sua estrutura principal de
apoio em termos de transportes é constituída pela Hidrovia do São Francisco. Eram previstos
investimentos nas rodovias litorâneas BR-101 e BR 116, nas transversais que partem de
Salvador/Feira de Santana em direção ao interior (notadamente no Vale do São Francisco) e
nos portos marítimos de Aracajú, Aratu, Ilhéus e Salvador.
2. Eixo Transnordestino: englobava os Estados de Alagoas, Ceará, Paraíba, Pernambuco e
Rio Grande do Norte. Segundo o Consórcio Brasiliana a exemplo do São Francisco, o Eixo
Transnordestino foi configurado e delimitado geograficamente a partir de um rearranjo
territorial realizado nos três eixos originalmente propostos para o nordeste (São Francisco,
Costeiro no Nordeste e Transnordestino). Nesse processo buscou-se garantir escala mínima
para análise das economias regionais associadas ao eixos”. O principal projeto deste eixo é a
Ferrovia Transnordestina, além das melhorias na rede viária e de irrigação na zona semi-árida.
Eixos do Sudeste:
1. Eixo Rede Sudeste: substitui os dois eixos do Sudeste contidos na definição original do
edital (Eixo Centro-Leste e Eixo de São Paulo). Segundo o Conrcio, “a lógica dessa nova
conceituação é integrar as áreas pertencentes àqueles eixos que, pelas características de
suas ocupações e das infra-estruturas que lhe dão suporte, não constituem propriamente
eixos, desempenhando, na essência, a função de articulação nacional e internacional das
161
demais regiões”. As prioridades eram: a melhoria do sistema de telecomunicações, a
construção do porto de Sepetiba, a ampliação e melhoria dos portos de Santos e de Viria, a
construção e melhoria de aeroportos, ramais ferroviários e rodoviários, construção de usinas
termoelétricas a gás natural, a interligação com o gasoduto Bolíva-Brasil e a implantação da
infra-estrutura para aproveitar o gás natural da Bacia de Campos.
O Eixo do Sul:
1. Eixo Sudoeste: englobava partes dos Estados do Mato Grosso, Minas Gerais, Paraná e São
Paulo que possuem uma economia baseada na agroindústria (alimentos, bebidas, couros e
peles, química e têxtil). A hidrovia Tietê-Paraná é a principal via troncal de transporte do eixo
e seu papel é fundamental na integração do Mercosul.
2. Eixo Sul: englobava a integralidade dos Estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina
e parte do Estado do Paraná. Representa uma fuo dos eixos costeiros do Sul e da franja de
fronteira previstos no edital. Dada a sua posição na fronteira meridional era considerado
fundamental para a integração econômica com a Argentina e o Uruguai. Os principais
projetos eram a Rodovia do Mercosul, o gasoduto Bolívia-Brasil e o porto de Rio Grande.
Eixos do Centro-Oeste:
1. Eixo Araguaia-Tocantins: eixo estruturado em torno da infra-estrutura de transporte
existente na região, envolvendo as instalações do porto de São Luis, as ferrovias Carajás e
Norte Sul e as hidrovias do Araguaia e do Tocantins. Foi considerado pelo Consórcio como
“fator essencial da integração intermodal entre o sistema rodoviário do centro-oeste e o
ferroviário do norte, permitindo o escoamento da produção agropecuária e agro-industrial
dos cerrados e mineiro-metalúrgico da Amazônia Oriental através do porto de Itaquí”.
2. Eixo Oeste: conceituado como elo de integração entre o extremo oeste e a região central do
país, viabilizado, fundamentalmente, pela rodovia BR-364, tornando possível a ligação de
áreas de fronteira agrícola e de atividades agropecuárias com o resto do país através do
entroncamento dessa rodovia com os sistemas ferroviário, hídrico e rodoviário das regiões
sudeste e sul. Na definição do conrcio foram incorporadas adicionalmente às áreas
correspondentes ao antigo eixo da hidrovia do Paraguai/Para.
5.1.5. A Opção Pelo Gás Natural Boliviano
O processo que culminou com a introdução do gás natural boliviano na matriz
energética brasileira iniciou em 2 de setembro de 1990 quando o Governo Collor promulgou o
Decreto N
o
99.503 instruindo o MME a realizar um exame da matriz energética brasileira
162
(Passos, 2006). No estudo, cognominado Reexame da Matriz Energética Nacional”, foi
diagnosticado que o setor energético fora sucateado nos anos 80 devido à equivocada política
de preços e tarifas, que não condizia com os custos de produção e adequada remuneração dos
investimentos. O relatório sugeria a adoção de várias medidas para retomar os investimentos,
dentre elas: a adoção de uma realista política de preços e tarifas; a modernização, visando
baixar custos e aumentar a eficiência produtiva; a adoção de políticas capazes de atrair
capitais de risco e financiamentos externos, a adoção de uma reforma administrativa, visando
reduzir os custos de produção e o aumento da eficiência, da produtividade e da qualidade
dos produtos, de forma a viabilizar a integração competitiva da economia brasileira no
cenário internacional” (Holanda, 2001, pág. 93). O estudo também recomendava que
houvesse a preocupação com: a racionalização e uso eficiente de energia, a expansão da
produção nacional de petróleo e da oferta de eletricidade, o estimulo a participação privada,
harmonização entre políticas enerticas e de meio ambiente e o aproveitamento das
oportunidades de integração energética com os demais países da América Latina. Finalmente,
o estudo recomendava como alternativa elevar a participação do gás natural na matriz
energética brasileira de 2% em 1990, para 4,5 em 2000 e 6% em 2010, enquadrando o país na
tendência mundial de priorizar este combustível mais limpo e eficiente (Holanda, op. cit.).
Com base na última recomendação em 18 de julho de 1991 a MME criou a Comissão
do Gás que deveria definir diretrizes e indicar as ações a serem adotadas para viabilizar a
maior utilização do gás natural. A comissão propôs elevar a participação do gás natural na
matriz energética para 9,8% em 2000 e 12% em 2010, mas alertava que as reservas de gás
natural eram insuficientes para atender a demanda projetada para 2010, quando o consumo de
gás natural seria de 60,2 mm
3
/dia o que exigiria uma reserva de 440 de bilhões de m
3
enquanto as reservas provadas da Petrobras na época eram de 172 bilhões de m
3
(Nogueira,
op. cit.). Como alternativa a comissão recomendava que a Secretaria Nacional de Energia
devia, entre outras providências, "promover as ações necessárias no sentido de viabilizar,
técnica e economicamente, no menor prazo possível, a importação de gás natural da Bolívia,
para o atendimento dos mercados dos Estados da Região Sudeste, da Região Sul e do Estado
do Mato Grosso do Sul" e, também, que "a Petrobras deveria retomar os estudos para
importação de gás da Argentina, via gasoduto, e de outras fontes sob a forma de gás natural
liquefeito (GNL), visando a complementação da oferta nacional" (Rodrigues, 2003, s/pág.).
Com estas recomendações em novembro de 1991 foi assinava a Carta de Intenções
Sobre o Processo de Integração Energética Entre Brasil e Bolívia” entre Petrobras e YPFB e
163
o Ministério de Energía e Hidrocarburos de Bolívia na presença dos presidentes Collor e
Jayme Paz Zamora. Em 17 de agosto de 1992, foi firmado o Acordo por Trocas de Notas
Reversais Sobre a Compra e Venda de Gás Natural Bolíviano”. Posteriormente, em 17 de
fevereiro de 1993 seria assinado o “Acordo, por trocas de Notas Reversais Sobre a Venda de
Gás Boliviano ao Brasil, a Propósito do Contrato Definitivo entre Petrobras e YPFB, entre
os presidentes do Brasil, Itamar Franco e da Bolívia, Jaime Paz Zamora e entre os presidentes
da Petrobras, Joel Rennó e da YPFB Jo Saavedra Banzer
109
. Segundo esse documento
haveria um prazo de 18 meses para ambos os países obterem um financiamento (junto ao
BIRD) de US$ 1,7 bilhão para construir o gasoduto e a Bolívia exportaria 8 mm
3
/dia de gás a
um custo de US$ 250 milhões/ano. Por este acordo o Brasil comprava o gás por um preço
20% menor do que o do mercado internacional (Rodrigues, op. cit.).
No Governo FHC três atores unira-se no interesse de introduzir o gás natural na matriz
energética brasileira. O primeiro era o próprio MME porque entre 1993/95 três fatores
agravaram a crise energética: 1) à pressão que o crescimento econômico propiciado pelo
Plano Real causava sobre o setor energético (Holanda, op. cit.); 2) o BIRD informara que
passaria a apoiar a construção de usinas termoelétricas em detrimento das usinas
hidroelétricas (Rodrigues, op. cit.); e 3) o físico Pinguelli Rosa e o grupo do Cop (Conferência
das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas Sobre Mudança Climática) alertavam
para o potencial esgotamento das reservas energéticas brasileiras, antevendo uma crise de
energia elétrica. Sem condições de construir rapidamente novas usinas hidroelétricas (devido
à escassez de tempo e recursos), a solução parecia estar nas termoelétricas, tornando o gás
natural mais atrativo em termos econômicos do que diplomáticos (Hage, in: Haag, op. cit.).
O segundo interessado era o Itamaraty, que via na integração energética com a Bolívia
um caminho para aumentar a competitividade da indústria nacional e criar maior
interdependência entre as nações sul-americanas para fortalecer o bloco regional diante do
fenômeno da globalização. Aliás, FHC definira que a América do Sul deveria ser considerada
como “espaço histórico-geográfico” do Brasil para quem “o Mercosul é o peão, mas não
basta: precisamos dessa integração mais ampla” (Queiroz e Senju, 2007 s/pág.). Nesse
sentido o próprio Eliezer Batista indicara o caminho para a integração física da região,
condenando as premissas restritivas do nacional-desenvolvimentismo por que:
109
FHC, então chanceler de Itamar Franco era um dos maiores entusiastas do negócio. Engenheiro de formação
Itamar tinha suas dúvidas quanto à viabilidade do projeto (Vidal op.cit.).
164
“O que aconteceu quando os países desenvolveram uma infra-estrutura para
atender aos seus objetivos geopolíticos, focalizando áreas de importância
estratégica e não adequação social e ambiental, guiados por uma perspectiva
nacional, buscando satisfazer necessidades dentro de suas próprias fronteiras, foi
com freqüência um desastre ambiental e social... Talvez o melhor exemplo
conhecido de história de horror econômico e ambiental seja o Projeto Polonoroeste.
Financiado pelo Banco Mundial, este projeto envolveu a construção de rodovias e
auto-estradas e a atração de colonos do sul do Brasil para o estado de Rondônia...
Rondônia perdeu mais de 40% de suas florestas. Os ganhos econômicos, em termos
de diminuição da pobreza, foram insignificantes... Da mesma forma, a represa de
Balbina tinha a finalidade de acelerar o desenvolvimento da Amazônia, fornecendo
250 mW de energia em Manaus, o grande centro urbano da região. A represa no
Rio Uatama, a 150 km de Manaus, entrou em operação em 1989. Custou US$ 800
milhões, inundou 2.360 km
2
de florestas e gerou apenas 100 mW de eletricidade, ao
custo de mais de US$ 3.000 por kW de capacidade instalada, em valores
correntes...O Brasil embarcou nesta loucura devido à noção do antigo paradigma
de que, por motivos de segurança nacional, suas necessidades de energia deveriam
ser atendidas dentro de suas fronteiras e especificamente dentro das fronteiras do
estado do Amazonas, visto que havia conflito com o estado vizinho do Pará. Se
pensássemos em termos do novo paradigma, os planejadores teriam se voltado para
o complexo hidroelétrico do Rio Caroni, na Venezuela a 1.500 km ao norte de
Manaus, que tem grande disponibilidade de geração de excedentes. Linhas de
transmissão da hidroelétrica de Guri..Poderiam ser construídas pela metade do
custo de Balbina” (...). (Eliezer Batista in: Holanda, op.cit., pág. 86).
Nos países do Cone Sul, o fortalecimento dos regimes democráticos a partir dos anos
80 foi um dos fatores decisivos na transição da “ótica geopolítica” das relações regionais
para a ótica geoecomica” que, ainda conforme Eliezer Batista significava:
“... a busca de eficiência e outras vantagens a serem obtidas a partir da visão do
continente como uma única unidade ecomica, em vez de 12 diferentes entidades.
Dentro dessa unidade, existem recursos e mercados, matérias-primas, centros de
produção existentes ou potenciais oportunidades de se atingir economias de escala
numa economia global”. (Eliezer Batista in: Holanda, op. cit., pág. 89).
Ao longo desse processo, as rivalidades alimentadas por ambições de poder e
prestígio, muito comuns nos regimes militares existentes à época, foram relativizadas,
cedendo parcialmente espaço a um quadro de maior distensão nas relações entre os países da
região. Por sua vez, essa maior distensão viabilizou a implantação de projetos de integração
centrados na busca de sinergias, com forte ênfase na racionalidade econômica e no controle
do impacto ambiental. Ao longo dessa transição, a prioridade antes atribuída ao auto-
abastecimento foi confrontada com o desenvolvimento de parcerias sob o signo dos
paradigmas neoliberais de abertura, eficiência e competitividade (Holanda, op. cit.).
O terceiro grupo era composto pelo empresariado brasileiro, em particular os do
Sudeste e Sul, que viam na utilização do gás natural um vetor competitivo tecnológico
165
indispensável para a melhoria da qualidade dos seus produtos, num momento que o país
preparava-se para abrir sua economia, aderindo à globalização neoliberal (Nogueira, op. cit.).
Nesta perspectiva a construção do Gasoduto Bolívia-Brasil (Gasbol) foi incluída como
uma das prioridades no âmbito dos ENIDS, tornando-se um dos principais projetos de
integração nacional e regional desenvolvido pelo Governo FHC, até porque continuava sendo
necessário encontrar uma fonte de gás natural no exterior. A escolha do Itamaraty recaiu sobre
a Bolívia (em detrimento da Argentina
110
) porque o consumo desse país era incipiente, a
posição estratégica do país facilitaria a criação futura de um anel gasífero entre Argentina,
Bolívia, Brasil e Peru e também porque o Itamaraty desejava utilizar o mercado brasileiro
como âncora para investimentos na área de energia, fomentando a integração regional, projeto
embrionário do modelo de matrizes energéticas de FHC (Nogueira, op. cit.).
Desta forma, em 17 de agosto de 1996 a Petrobras e a YPFB assinaram o “Contrato de
Compra y Venta de Gas Natural” (também chamado Gas Supply Agreement - GSA) do tipo
take or pay
111
para fornecimento de gás por 20 anos com volume máximo de 30 mm
3
/dia. As
partes comprometeram-se construir um gasoduto de 3.150 km entre os dois países (557 km do
lado boliviano e 2.593 km do lado brasileiro). Entretanto, ao contrário do que ocorre
recorrentemente neste tipo de contrato, não foi especificada a retirada das frações nobres
(etano, propano e butano) do gás exportado de forma que este fosse excencialmente metado,
caso em que o conteúdo calórico máximo do gás natural seria de 8.900 kcal/m
3112
.
Com o contrato foram assinados cinco termos de ajuste: 1) um TCQ (Transportation
Capacity Quantity), que previa o fornecimento em quantidades crescentes de gás, iniciando
com 8 mm
3
/dia, atingindo 16 mm
3
/dia, no oitavo ano e permanecendo nesse patamar até o
vigésimo ano; 2) uma opção de compra, onde a YPFB daria preferência a venda de
quantidades adicionais de gás a Petrobras sobre terceiros, provenientes ou não de novas
descobertas bolivianas até o limite de 30 mm
3
/dia; 3) foi criada uma TCO (Transportation
Capacity Option), que dava opção de capacidade de transporte, pela qual o comprador,
pagando antecipadamente, poderia transportar gás numa faixa de 6 mm
3
/dia acima das
quantidades contratuais, arcando apenas com os custos operacionais variáveis de transporte,
110
O protocolo n
o
8 do PICE previa a construção de um gasoduto de 2.300 km ligando Campo Durán a São
Paulo. A Argentina venderia ao Brasil o excedente de sua produção de gás natural. O projeto, orçado
em US$1,6 bilhão, foi inviabilizado porque, entre outros motivos, nesta época ambos os países
atravessavam grande instabilidade econômica e não tinham condições de custeá-lo, além do que, YPF e
Petrobras estavam tendo seus próprios problemas.
111
O contrato “boca do poço” estipulava que a Petrobras pagaria US$ 0,95 por cada 26,81 m
3
(1 milhão de
BTUs) de gás escoado entre o volume de 8 e 16 mm
3
/dia e US$ 1,20 por cada 26,81 m
3
de gás escoado
entre 16 e 30,8 mm
3
/dia. O contrato definitivo foi assinado em 1/07/99 devendo expirar em 2019.
112
Quando o gás natural contém frações nobres seu poder calórico excede 8.900 kcal/m
3
.
166
inclusive com os custos de capital correspondentes aos investimentos em compressores
adicionais para movimentar tal volume. A negociação do TCO interessava à Eletrobrás que
em seu Plano Decenal de Expansão 1998/07 previa um consumo adicional de 4 mm
3
/dia de
gás pelas termoelétricas a ser instaladas, especialmente no Mato Grosso do Sul e São Paulo.
Caberia ao BNDES financiar o TCO, permitindo a Petrobras reduzir a tarifa de transporte para
o volume de 6 mm
3
/dia destinado às termelétricas; 4) foi estabelecido uma TCX
(Transportation Capacity Extra), para regular a capacidade de transporte acima dos volumes
TCO e TCQ a atingir a capacidade de 30 mm
3
/dia; e 5) foi estabelecido uma TCY
(denominação dada à capacidade adicional) além dos 30 mm
3
/dia médios, que poderá ser
obtida com novos investimentos no gasoduto (Passos, op. cit.).
Enquanto o gasoduto era construído em 15 de abril de 1998 a ANP publicou a Portaria
N
o
43 que regulava a importação de gás natural e a Portaria N
o
44 que regulava o transporte
de gás natural. Depois se publicaram uma série de decretos visando estruturar um mercado de
gás natural a partir do consumo das usinas termoelétricas. Assim, o Decreto N
o
2.655 de 2 de
julho de 1998 estimulava a construção dessas usinas (Holanda, op. cit.) e, após a inauguração
do gasoduto em 9 de fevereiro de 1999, o Governo FHC planejou a construção de 49
termoelétricas (a maioria a s) a um custo estimado de US$ 12 bilhões. Deste planejamento
surgiu o Decreto-Lei N
o
3.371 de 24 de fevereiro de 2000 definindo o Programa Prioritário de
Termelétricas (PPT)
113
. Segundo o PPT caberia a Petrobras: 1) garantir o fornecimento de gás
natural, por um prazo de 20 anos (a um preço médio de US$ 2,26 o milhão de BTU) (art. 1); e
2) destinar 3 mm
3
/dia de gás natural para o emprego de termelétricas, sendo 2 mm
3
/dia para as
regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul e 1 mm
3
/dia para a região Nordeste (art.2), cabendo ao
BNDES financiar a conexão das plantas à rede elétrica nacional (art. 5).
Ainda em 2000 aumentou a urgência em relação à construção das termoelétricas a s
natural após o físico Pinguelli Rosa alertar que as agências Coopers e Lybrand, não haviam
considerado a especificidade do setor elétrico brasileiro quando sugeriram sua privatização, o
que resultara na falta de investimento privado e estatal na geração, antevendo que ocorreria
uma crise de energia elétrica em 2001 (Pinguelli Rosa, 2000).
Segundo Holanda (op. cit.) a política de integração gasífera com os demais países do
Cone Sul deveria continuar porque era necessário atingir as seguintes metas:
1. Contribuir para a garantia do abastecimento do mercado energético brasileiro;
113
Depois regulado pela Portaria do MME N
o
215 de 26/07/2000 e Portaria do MME N
o
234 de 22/07/2002.
167
2. Criar condições para que esse abastecimento fosse feito em benefício do consumidor e em
consonância com os objetivos domésticos de desenvolvimento;
3. Estimular a atração de capitais privados para o setor gasífero, de modo que, na medida do
possível, os escassos recursos governamentais pudessem ser aplicados em áreas onde a
presença do Estado era imprescindível, como a saúde, a educação e saneamento básico;
4. Compatibilizar o uso do gás com os objetivos de promoção da eficiência energética e de
preservação do meio ambiente; e
5. Colocar o processo de integração gasífera no Cone Sul a serviço da política brasileira de
integração regional na América do Sul e, por extensão, de uma inserção mais competitiva do
país na economia internacional.
Nesta perspectiva, depois de concluído o Gasbol o Governo FHC continuaria
enfatizando a integração sica dos países sul-americanos e em 31 de agosto de 2000, durante
a Primeira Cúpula da América do Sul, foi apresentado o “Plano de Ação para a Integração
da Infra-estrutura da América do Sul, que deu origem ao IIRSA (Integração da Infra-
Estrutura Regional na América do Sul). O plano, claramente inspirado nos ENIDs de Eliezer
Batista, foi elaborado em conjunto por técnicos do BID, Corporación Andina de Fomento
(CAF) e Fondoplata (Fondo Financiero para el Desarrollo de la Cuenca Del Plata) e definiu
12 Eixos de Integração e Desenvolvimento (depois reduzidos a dez
114
) onde seriam
concentrados os investimentos para num prazo de dez anos ampliar, modernizar e conectar a
infra-estrutura física de transporte regional (oleodutos, hidrovias, gasodutos, portos e também
normativas e sociais) aos mercados mundiais, incrementando assim o comércio e o acesso do
países aos recursos naturais. Inicialmente foram selecionados 335 projetos (orçados em US$
37,4 bilhões), dos quais foram priorizados 31 (avaliados em US$ 37,4 bilhões), a ser
executados no período de 2005 a 2010 (Carrion & Paim, 2007 e Ministério do Planejamento).
Em 24 de outubro de 2001 em Washington (EUA) com o patrocínio da Embaixada do
Brasil e do BID, foi realizado o seminário "O Brasil e a Integração da América do Sul", onde
se comprovou que a proposta do IIRSA, mobilizara uma rede política comprometida em
construir, através dos eixos regionais de desenvolvimento, a infra-estrutura necessária à
integração física da América do Sul. Este espírito foi comunicado por Juan Antonio Sosa,
vice-presidente de infra-estrutura da CAF, que afirmou a importância de se compreender que
havia surgido "algo novo": uma rede de funcionários de toda a região que compartilham uma
114
Os Eixos são os seguintes: Amazonas, Andino, Andino Sul, Capricórnio, Escudo Guianês, Hidrovia Paraná-
Paraguai, Interoceânico Central, Mercosul-Chile, Peru-Brasil-Bovia e Sul.
168
nova visão estratégica para a América do Sul, voltada para a criação de "bacias de
desenvolvimento" regionais. Na ocasião foram apresentados vários mapas com os seis "pólos
de crescimento": os Andes, o Mercosul e o Chile, o núcleo interoceânico Peru-Chile-Bolívia-
Brasil-Paraguai, o eixo multimodal das bacias Orinoco-Amazonas-Prata, o lo Brasil-
Guiana-Suriname-Venezuela e a Bacia Amazônica (Costa 30/01/01). Seguindo estas
diretrizes, sob o primeiro governo Lula (2002/06) Brasil passou a utilizar o BNDES como
grande indutor da integração física da América do Sul
115
.
5.2. O Neoliberalimo Boliviano
As crises dos anos 70 e 80 lentamente deterioraram a economia boliviana, obrigando-a
a realizar uma reestruturação econômica embasada em princípios neoliberais, implantados
através de reformas de primeira e segunda geração. As metas dessa estruturação eram
estimular os investimentos privados, a privatização das empresas públicas, o estabelecimento
de bases para incrementar a rentabilidade dos setores econômicos mais dinâmicos, a
liberalização da economia e a melhoria na eficncia de alocação dos recursos.
5.2.1. As Reformas Neoliberais de Primeira Geração (1985/89)
No início da década de 80 o Estado boliviano controlava 2/3 da economia nacional,
mas todas as estatais eram deficitárias alimentando o déficit público, que era coberto com
empréstimos externos ou pela exportação de matérias-primas, notadamente o estanho.
Após a moratória mexicana de 1982 (quando os créditos para o Terceiro Mundo foram
restritos) o déficit público teve que ser custeado pela economia doméstica, que além de não
possuir base suficiente para fazê-lo, estava em crise em razão da queda dos preços das
matérias-primas e a limitada produção agropecuária. Para agravar ainda mais a situação em
1982 decidiu-se desdolarizar a economia proibindo qualquer transação em moeda estrangeira
o que deu lugar ao surgimento de um tipo de câmbio paralelo que produziu uma progressiva
desestruturação financeira e uma fuga de capitais, afetando profundamente o sistema bancário
nacional. Ante estes problemas a economia boliviana entrou em rápido processo de
deterioração registrando fuga de capitais, queda da produção, redução dos salários e do poder
aquisitivo e aumento do desemprego, do déficit e da dívida pública (Torecilla, op. cit).
115
Em setembro de 2004 foi aberta uma filial do BNDES em Buenos Aires. Anteriormente o banco havia
liberados US$ 3,9 bilhões de dólares para projetos de infra-estrutura na Argentina, Bolívia, Equador,
Paraguai, Peru e Venezuela. O BNDES também anunciou que aplicaria US$ 200 milhões no CAF
ampliando sua participação no órgão de 6% para 20%. (Costa 21/09/04).
169
Para fazer frente a esses problemas foram tomadas três medidas emergenciais que
apenas agravaram ainda mais os problemas econômicos e sociais do país. A primeira medida
foi utilizar a emissão como forma de custear o setor público, o que rapidamente primeiro
criou e depois começou a alimentar a espiral inflacionária, que em 1985 chegou a 24.000%
a.a. A segunda medida foi a de reduzir os gastos públicos através das demissões maciças das
minas estatais (apenas a Comibol demitiu 21.000 funcionários), e da redução das inversões
em serviços públicos e educação. Afinal, a terceira medida, tomada pelo governo em 1984
quando o déficit público aprofundou-se, foi de suspender os pagamentos da dívida externa
(mas não o serviço da dívida) o que resultou nos cortes nas linhas de crédito para o país.
A instabilidade política apenas refletiu a deterioração das condições econômicas. Em
1985 sob pressão da Acción Democratica Nacionalista (ADN), Central Obrera Boliviana
(COB) e Movimiento Nacional Revolucionariao (MNR) o presidente Hernán Siles Zuazo teve
que convocar eleições gerais para escolher seu sucessor um ano antes de expirar seu mandato.
Na tentativa de resolver os problemas econômicos e sociais da Bolívia em 24 de
agosto de 1985 o presidente Paz Estenssoro (em seu terceiro mandato) promulgava o Decreto
Supremo 21.060/85. Tratava-se de um conjunto de reformas econômicas de viés neoliberal
que pouco diferia do programa proposto inicialmente pelo chefe da ADN, o General Hugo
Bánzer, cujo apoio fora vital para a eleição de Paz Estenssoro. Também conhecidas como a
Nuova Politica Economica (NPE) este conjunto de reformas (formuladas com a supervisão do
economista liberal norte-americano Jeffrey Sachs), representou a primeira geração de
reformas neoliberais implantadas pela Bolívia e tinha como objetivos: 1) estabilizar os pros
a fim de controlar a espiral inflacionária; 2) reduzir o déficit fiscal e do setor externo,
restringindo ao máximo a presença do Estado e abrindo a economia boliviana; 3) reincerir a
Bolívia no sistema financeiro internacional; 4) restabelecer a confiança no país através da
aplicação de um modelo de estabilização ortodoxo, apoiado pelo FMI; e 5) redefinir o papel
do Estado, que deveria se retirar das atividades produtivas e focalizar o investimento público
nas áreas sociais e de infra-estrutura, bem como assumir a função de agente regulador e
garantidor das condições de estabilidade macroeconômica que permitiriam o desenvolvimento
e progresso ordenado do setor privado tanto nacional como estrangeiro (Torecilla, op. cit.).
A potica de ajuste fiscal incluiu um rigoroso corte nos gastos públicos (incluindo os
sociais), fim dos preços subsidiados (tarifas, serviços públicos e alimentos), política restritiva
de crédito e liberação da taxa de juros. Por outro lado, se tentou incrementar os ingressos
fiscais através de reforma fiscal e tributária, que simplificariam a estrutura fiscal, reduzindo a
170
quantidade de impostos (que chegavam a 450) e incrementando a participação dos impostos
indiretos de mais fácil arrecadação. Também foi adotada uma política cambial
116
rígida e uma
política monetária restritiva
117
.
Como o apoio internacional era fundamental para a sustentabilidade do programa de
estabilização, as autoridades bolivianas tentaram negociar a reprogramação da dívida com os
organismos bilaterais e multilaterais de crédito, os bancos privados internacionais e o Clube
de Paris. A renegociação foi possível porque a manutenção do pagamento do serviço da
dívida deixou em aberto um canal de diálogo com o sistema creditício internacional, além do
que, este se mostrava mais receptivo em virtude do severo plano de reajuste então adotado
pelo país. Assim, a Bolívia pôde ingressar no programa HIPC (Heavily Indebted Poor
Countries) renegociando parte da sua dívida externa, garantindo a continuidade das reformas.
Em complemento à política de estabilização, em 1988 se criou a Comisión de
Transición Industrial com a função de realizar os estudos preliminares para a implementação
das primeiras privatizações, processo iniciado com a dissolução da Corporación Boliviana de
Fomento (CBF), que agrupava um grande número de empresas industriais de propriedade do
Estado e sua transferência a entidades regionais, as Corporaciones Regionales de Desarollo.
Assim, foram vendidas 170 estatais que renderam US$ 163,3 milhões (Torecilla, op. cit.).
Neste momento a privatização das principais estatais: Ende (Empresa Nacional de
Eletricidad), Enfe (Empresa Nacional de Ferrocarriles), Ente (Empresa Nacional de
Telecomunicaciones), Empresa Metalúrgica de Vinto, Lab (Lloyd Aéreo Boliviano) e YPFB
não ocorreu por que: 1) ainda existiam restrições legais e administrativas que impediam sua
privatização; 2) no período hiperinflacionário percebeu-se que as maiores estatais tinham
independência econômica e política, razão pela qual antes da privatização era necessário
retomar o controle estatal; 3) percebeu-se que era necessário reestruturar as estatais, tornando-
as atrativas aos investidores privados; 4) as maiores estatais tinham grande relevância
econômica, aportando a maior parte dos ingressos no Tesoro General de la Nación; e 5)
existia muita incerteza no setor privado sobre a sustentabilidade do novo modelo econômico.
Porém, essas estatais remanescentes ficaram sob severo controle, devendo aderir às regras de
mercado, o que incluía a extinção da estabilidade do emprego, adoção de livre negociação
salarial e obrigação de apresentarem seus balanços a cada dois meses (Torecilla, op. cit.).
116
Visando estabilizar o câmbio, reduzir a lacuna entre o câmbio oficial e o paralelo e redolarizar a economia.
117
As emissões do Banco Central dependiam de acordos com o FMI, foi restrito o crédito e o financiamento
blico e liberaram-se as taxas de juros e possibilidade de realizar contratos em moeda estrangeira.
171
Os resultados econômicos da NPE foram apreciáveis: obteve-se a estabilidade
macroeconômica, conteve-se a inflação e o país começou a crescer a taxas estáveis (cerca de
2,5 % a.a.). Ademais, também foram obtidos importantes resultados sociais e políticos. No
campo social a demissão maciça de empregadosblicos e o congelamento de salários
produziu uma forte retração da demanda e aumento do desemprego. No campo político a
implementação das poticas de estabilização exigiu a desarticulação de alguns atores sociais,
como condição de possibilidade de implementação destas políticas (entre eles a COB) o que
resultou no aparecimento de novos atores sociais, como a população indígena e camponesa.
A despeito do sucesso das primeiras medidas neoliberais os organismos internacionais
continuaram a negar financiamentos para as cronicamente deficitárias estatais bolivianas. Isto
levou o sucessor de Paz Estenssoro, o presidente Jaime Paz Zamora (1989/93) a desenvolver o
marco normativo necessário para implantar as reformas neoliberais de segunda geração. Desta
feita destacaram-se três leis: 1) a Lei N
o
1.178/90, ou Ley Safco (Sistema de Administração
Fiscalización y Control Gubernamental) que estabeleceu controles e condições para uso dos
recursos do Estado; 2) a Lei N
o
1.182 de 17 de setembro de 1990 (ou Lei de Investimentos),
que buscou estimular e garantir os investimentos nacionais e estrangeiros realizados na
Bolívia; e 3) a Lei N
o
1.330 de 24 de abril de 1992 (ou Lei de Privatizações), que autorizava
as empresas, entidades e instituições do setor público a alienar as ações, bens, direitos e
valores de sua propriedade e transferi-los a pessoas naturais e coletivas nacionais ou
estrangeiras, ou aportar os mesmos para a constituição das novas sociedades anônimas mistas.
5.2.2. As Reformas Neoliberais de Segunda Geração (1993/01)
Caberia ao presidente Gonzalo Sánchez de Losada (1993/01) realizar as reformas
neoliberais de segunda geração, consolidando a reestruturação da economia boliviana. Nesta
fase foram privatizadas as seis estatais que, por seu caráter estratégico, se encontravam
reservados à órbita estatal: Ende, Enfe, Ente, Empresa Metalúrgica de Vinto, Lab e a YPFB.
O instrumento que permitiu a privatização foi a Ley de Capitalización N
o
1.544 de 21
de março de 1994. A partir dos parâmetros definidos por esta lei o processo de privatização
foi conduzido em três fases. Na primeira fase a Lei estabeleceu o Ministério da Capitalização
que, por sua vez, criou uma Comisión de Transición Industrial, que se subdividiu numa série
de grupos de trabalho, encarregados de definir a estratégica global de capitalização. Assim, a
Comisión de Transición Industrial transformou as seis estatais em Sociedades Econômicas
172
Mistas (SAM) e se ofereceu aos empregados das mesmas a possibilidade de utilizar seus
benefícios sociais para a aquisição deões da empresa em condições preferenciais.
Na segunda fase criou-se um mecanismo para atrair os sócios privados, onde o Estado
procurou formar uma associação com os investidores privados, licitando internacionalmente
50% das ações das estatais. Através de sua parte o sócio privado assumia o compromisso de
administrar a estatal, mas ficava proibido de adquirir mais do que 50% da mesma estatal, teria
um prazo de 8 anos para pagar pela sua parte e comprometia-se a realizar, num prazo de 5 a 8
anos, um investimento igual ao valor pelo qual adquirira sua parte na estatal. Desta forma ao
fim do prazo (5 a 8 anos) se criava uma empresa com o dobro do valor inicial, no qual o
investidor privado teria 50% da EMN e o Estado outros 50%. Posteriormente, a Ley de
Pensiones N
o
1.732/96 transferiu os 50% pertencentes ao Estado para as Administradoras de
Fondos de Pensión (administrados pelo banco suíço Zurich Financial Serive e o espanhol
Banco Bilbao Viscaya), ficando os fundos depositados em contas individuais, uma para cada
cidadão boliviano maior de idade em 31 de dezembro de 1995. Cada boliviano maior de 65
anos teria direito a receber anualmente um bônus, o Bonosol (Bono de Solidariedad) e/ou
Bolivida, composto de US$ 500,00 a ser sacado da sua conta, e mais uma parte das receitas
das empresas capitalizadas (Torecilla, op. cit.).
Afinal, na terceira fase complementou-se o processo com o Decreto Supremo N
o
1.600
que estabeleceu o SIRESE (Sistema de Regulacion Sectorial) responsável pela criação das
respectivas leis setoriais (Ley de Hidrocarburos, Ley de Eletricidad, etc) e com o Decreto
Supremo N
o
1.806 que modificou a Lei de Impostos.
Para Gray Molina, Pérez de Rada y Yánez (in: Torrecilla, op. cit.) as reformas
neoliberais e em particular do setor de hidrocarbonetos na Bolívia foram possíveis porque:
1. Foram realizadas no contexto de um Estado débil e desconexo;
2. Foram possíveis em razão da natureza híbrida do sistema representativo do governo que
gerou amplos espos de decisão favoráveis ao poder executivo; e
3. Foram conduzidos pela liderança caudilhista e tecnocrática que teve papel decisivo durante
os dois períodos de refomas políticas e econômicas. Para Gray Molina:
“Enquanto a estabilidade da coalização depende em grande medida do uso
prebendal do aparelho burocrático do poder executivo, o eixo da tomada de
decisões tende a circunscrever-se a um número reduzido de atores técnico-políticos
próximos ao presidente. O sistema híbrido proporciona, ademais da estabilidade de
amplos poderes de decisão a cúpula do poder executivo. A política de coalizões se
tem beneficiado, por sua vez, da estrutura caudilhista/prebendal dos principais
173
partidos políticos que garantiram um mínimo de disciplina interpartidária para a
consecução dos objetivos do pacto” (Gray Molina, in: Torecilla, op. cit, s/pág.)
As condições de viabilidade potica na adoção e implementação das reformas a partir
do Governo Paz Estenssoro podem ser sintetizadas da seguinte maneira: a existência de
alianças interpartidárias com uma ampla disciplina partidária, a ampla margem decisória de
que gozava o presidente e o monopólio quase exclusivo que exercia o executivo sobre o
Legislativo. Uma particularidade deste conjunto de reformas radica na vinculação
instrumentada entre as mesmas em que o corpus das propostas de reformas foi apresentado
como um bloco que facilitou sua aprovação posterior pelo Legislativo, ademais criou
incentivos e benefícios cruzados com os que se tentou compensar os setores derrotados.
5.2.3. As Reformas no Setor de Hidrocarbonetos Boliviano
Antes das reformas neoliberais de Sanches de Lozada a YPFB detinha o monopólio do
setor de hidrocarbonetos, realizando 77% do upstream do petróleo e do gás natural (os
restantes 23% eram produzidos por EMNs que podiam atuar no upstream através de
contratos de risco) e 100% do midstream e downstream do petróleo e do gás.
As reformas neoliberais de segunda geração determinadas por Sánchez de Lozada
atingiram a YPFB através da Ley de Capitalización N
o
1.544/94. Oficialmente a inclusão da
estatal nas reformas foi justificada por uma série de fatores: a baixa capitalização da YPFB
que impedia novos investimentos, sua pouca eficiência e sua baixa capacidade competitiva
além do que, o Estado utilizaria o dinheiro para realizar outras reformas estruturais
necessárias. As razões apontadas eram comprovadas na prática pela queda assustadora da
produtividade da YPFB: nos três anos anteriores a 1969 ela produziu mais de 40.000 bpd, mas
a produção despencou para 23.800 bpd em 1980 e 17.500 bpd em 1986. As exportações de
cru, que em 1969 eram de 30.800 bpd, em 1979 eram de 500 bpd.
Na verdade, o fracasso da YPFB era explicado por dois fatores. De um lado, como
vimos, à alta complexidade da indústria petrolífera, seus imensos custos e necessidade de
investimentos são tais que a YPFB nunca conseguiu mobilizar os recursos necessários para
manter-se competitiva, deficiência agravada pelo tipo de relacionamento entre a YPFB e o
Estado boliviano. A YPFB era a estatal mais importante, gerando a maior parte das receitas do
Estado. Apenas no período 1990/96 ela destinou anualmente cerca de US$ 302 milhões (65%
das suas receitas) ao Tesoro General de la Nación (40% dos ingressos do Estado). Ademais, o
Estado transformou-a em repartição pública, inchando-a com funcionários bem-remunerados,
174
mas com baixa qualificação técnica. Ato contínuo, a estatal caiu na corrupção, ineficiência e
nepotismo e depois de esgotados os capitais e depreciadas as instalações da Gulf Oil ela não
tinha a menor condição de realizar investimentos no setor de hidrocarbonetos.
O objetivo maior das reformas era viabilizar a exportação de gás natural, tornando-a
nova fonte de renda do país em substituição ao estanho, cujas minas esgotaram-se em meados
dos anos 80. Isto era possível porque as províncias petrolíferas do país já haviam sido
identificadas, como pode ser no mapa abaixo:
Mapa 5.1. As Províncias Petrolíferas da Bolívia (1996)
Desde os anos 60 se sabia a Bolívia possuía grande potencial gasífero, e que a maioria
deste gás era o associado ao petróleo, informações obtidas pelas pesquisas sísmicas e pelo
fato da superfície potencialmente petrolífera do país chegar a 447.000 km
2
(cerca de
40,6888% do território) dos quais fora explorado apenas 20%. O déficit exploratório advinha
das próprias deficiências da YPFB e porque historicamente a produção concentrou-se nas
175
regiões Pie de Monte e Subandino Sur, no Departamento de Santa Cruz onde a exploração é
mais acessível. Eram nessas regiões que a YPFB concentrava 75% da sua produção.
Além disso, enquanto a Bolívia não era auto-suficiente em petróleo (produzia em
média 32.000 bpd e consumia 53.000 bpd) a situação se invertia quanto ao gás natural. Como
o país apresentava baixo nível produtivo e reduzido mercado interno com baixo potencial de
crescimento dos 14 mm
3
/dia de gás natural então produzidos cerca de 5 mm
3
/dia era
exportados para a Argentina e apenas 3,17 mm
3
/dia eram consumidos internamente
118
.
Assim, o grande potencial gasífero inexplorado e a baixa demanda justificavam uma
política exportadora, que podia ser implementada apenas com a modernizão do setor de
hidrocarbonetos, mas como a YPFB não tinha condições de liderar o processo, a solução era
atrair, através da criação de um regime fiscal rentável, as EMNs interessadas em monetizar os
recursos petrolíferos da Bolívia. Isto permitiria concluir o projeto de E&P e exportação do gás
natural para o Brasil, continuar as exportações de gás natural para a Argentina, abastecer o
mercado nacional e promover posteriormente a exportação de gás natural para outros países.
Os ativos YPFB foram divididos antes da privatização, rompendo sua linha vertical.
Os campos de petróleo foram reunidos em duas SAM (conforme previa a Lei 1.544/94): a
Empresa Petrolera Andina SA e a Empresa Petrolera Chaco SA, enquanto toda a infra-
estrutura de transporte de hidrocarbonetos foi reunida numa única companhia, a Transredes
SA, ficando a composição acionária dessas novas companhias como se vê na tabela abaixo:
Tabela 5.1. Composição Acionária das Sucessoras da YPFB
Exploração e Produção
Companhia Investimento Sócio Participação País
(US$ milhões) Acionária (%)
EP Andina SA 264,77 Fundos de Pensão Bolivianos 50,00 Bolívia
rez Compac (1) 20,25 Argentina
Repsol-YPF 20,25 Espanha
Pluspetrol (2) 9,50 Argentina
EP Chaco SA 306,6 Fundos de Pensão Bolivianos 50,00 Bolívia
Amoco (3) 30,00 EUA
Bridas 20,00 Argentina
Transporte
Transredes SA 263,5 Fundos de Pensão Bolivianos 34,00 Bolívia
Royal Dutch/Shell Group 25,00 Holanda
Prisma Energy (4) 25,00 EUA
Investidores Privados 16,00
1. Adquirida pela Petrobras;
2. Adquirida pela Repsol-YPF;
3. Adquirida pela British Petroleum;
118
Internamente o gás era consumido da seguinte forma: 54,56% na geração de energia elétrica (existiam plantas
de ciclo combinado nos Departamentos de Cochabamba, La Paz, Potosí e Santa Cruz); 37,96% para o
consumo residencial, produção industrial (alimentos, bebidas, cerâmica, cimento, fundição de vidro) e
transporte; 2,55% para a produção de petróleo; e 4,93% de outras formas.
176
4. Pertence a Enron;
Fonte: Compodônico, 2004
Os mapas 3.6, 3.7, 3.8 e 3.9 nos anexos ilustram como ficou a divisão dos blocos e
dutos por companhias após a privatização.
Inicialmente o Governo não privatizou totalmente a YPFB porque ela ainda:
administraria as refinarias e polidutos (ainda não privatizados), bem como a comercialização
de hidrocarbonetos; seria instrumento através do qual o Estado fiscalizaria a outorga das áreas
de upstream; manteria as obrigações contratas de exportação de gás natural para a Argentina e
atuaria como prestadora de serviços para as companhias capitalizadas. Somente em 29 de
novembro de 1999 o consórico EBR (formado pela Petrobras, 70% e Pecom, 30%) comprou
por US$ 102 milhões a Refineria Gualberto Villarroel (capaz de processar 40.000 bpd) e a
Refineria Guillermo Elder Bell (capaz de processar 20.000 bpd)
119
juntamente com o
Poliducto Palmasola-Viru-Viru e o Poliducto Refineria Villaroel-Aeropuerto.
Após a privatização da YPFB foi promulgada a Ley de Hidrocarburos N
o
1.689 de 30
de abril de 1996, regulando o setor de hidrocarbonetos. A Lei estabeleceu que:
1. A propriedade dos hidrocarbonetos era reservada ao Estado. A E&P e comercialização de
hidrocarbonetos seriam realizadas, necessariamente, através de contratos de risco
compartilhado, por tempo limitado. O transporte de hidrocarbonetos e distribuição de gás
natural por redes seria objeto de concessão administrativa, por tempo limitado (art. 1). Foram
fixados o tempo de validade e a superfície máxima a ser explorada, mas não fica delimitado o
número máximo de contrato de que pode participar uma mesma empresa;
2. O Estado e a YPFB não assumiriam obrigação de financiamento ante terceiros (art. 3);
4. A YPFB atuaria apenas como de agente fiscalizadora do setor de hidrocarbonetos (art.4);
3. Liberou-se a importação, exportação e o corcio de hidrocarbonetos e derivados (art. 5);
4. Qualquer pessoa individual ou coletiva, nacional ou estrangeira poderia realizar uma ou
mais atividades no setor de hidrocarbonetos (art. 10);
5. A YPFB não poderia participar nos contratos de risco compartilhado, nem obter concessões
para realizar atividades petrolíferas em geral (art. 12);
6. As operadoras deveriam pagar a YPFB um montante total de 18% referentes aos impostos,
royalties e taxas (art. 18);
7. A industrialização de hidrocarbonetos e a comercialização de derivados foram liberadas,
para ser realizada por qualquer pessoa individual ou coletiva, nacional ou estrangeira (art. 44);
119
Não foram vendidas três refinarias menores: a Refineria Refisur (capaz de processar 3.000 bpd), a Refineria
Oro Negro (capaz de processar 2.000 bpd) e a Refineria Reficruz (capaz de processar 1.800 bpd).
177
Finalmente, o Decreto Supremo 24.806 de 4 de agosto de 1997 tornava às operadoras
proprietárias dos hidrocarbonetos extraídos (em flagrante desrespeito ao art. 1 da Lei 1.689/96
e do art. 139
120
da Constituição Boliviana) e poderiam dispor deles livremente depois de
satisfeitas as necessidades internas, os contratos de exportação e do Estado receber os
impostos, royalties e taxas.
Depois de concluída a privatização e estabelecida Lei N
o
1.689/96 e o Decreto
Supremo 24.806/97, foram assinados 82 contratos (44 de exploração e 38 de produção) de
upstream com 21 companhias, que eram as seguintes nas vésperas da nacionalização (após as
fusões entre elas): BG Bolivia Corp; Canadian Energy Enterprises (CEE); Dong Won Corp.
Bolivia; EP Andina SA; EP Chaco SA; EPEC Ventures Bolivia Corp; ExxonMobil BP Inc;
Matpetrol SA; Monelco SRL; Pan American E&P Bolivia Ltd; Orca SA; Petrobras Bolivia
SA; Petrobras Energía SA; Petrolex SA; Pluspetrol Bolivia Corp. SA; Repsol-YPF E&P
Bolívia SA; Servicios Integrales EPSI Ltda; Sterner Investments Corp; Tecpetrol de Bolivia
SA; TotalFinaElf E&P Bolivie e Vintage Petroleum Boliviana Ltd. Depois de assinados os
contratos as reservas de hidrocarbonetos ficaram assim divididas por companhia:
Tabela 5.2. Bolívia: Reservas de Hidrocarbonetos por Companhia (1996)
Companhia Pais Sede Reservas de Petróleo (%) Reservas de Gás Natural (%)
EP Andina SA Espanha 21,87 24,80
BG Bolívia Corp Grã-Bretanha 17,51 14,90
Repsol YPF E&P Bolivia SA(1) Espanha 14,99 10,10
Petrobras Energia SA (2) Argentina 11,50 0,00
TotalFinaElf E&P Bolivie França 11,28 14,00
EPEC Ventures Bolivia Corp. EUA 8,35 0,00
ExxonMobil BP Inc. EUA 5,58 6,80
EP Chaco SA Grã-Bretanha 4,51 4,20
Vintage Petroleum Boliviana Ltd EUA 1,90 1,72
Petrobras Bolívia SA Brasil 0,00- 15,30
Pan American E&P Bolívia Ltd (3) Grã-Bretanha 0,00- 6,70
Dong Won Corp. Bolivia Coréia do Sul 0,00 0,10
Petrolex SA Canadá 0,00 0,10
Outros 2,51 1,28
Total 100,00 100,00
Obs.:
1. Incluí sua participação na EP Andina SA;
2. Referente a sua participação na EP Andina SA;
3. Companhia formada pela Amoco (60,00%) e Bridas (40,00%), a participação é referente a sua parte na EP Chaco SA;
Fonte: Compodônico, 2004
Como os contratos foram assinados sob os auspícios do Decreto Supremo 24.806/97
eles contrariavam frontalmente o art. 139 da Constituição da Bolívia. Desta forma, sua
legalidade ficou condicionada a aprovação pelo Congresso do país, o que nunca foi feito
(Torecilla, op.cit.).
120
Onde se lê: “As reservas de hidrocarbonetos, qualquer que seja o estado em que se encontrem ou a forma em
que se apresentem, são de domínio direto, inalienável, imprescritível do Estado. Nenhuma concessão
ou controle poderá conferir a propriedade das reservas de hidrocarbonetos. A prospecção, exploração,
comercialização e transporte dos hidrocarbonetos e seus derivados são de responsabilidade do
Estado” (Maringoni, 2006, s/pág.).
178
A divisão das reservas e produção por Departamentos após a privatização pode ser
vista na tabela abaixo:
Tabela 5.3.: Bolívia: os Hidrocarbonetos por Departamento (em %)
Departamento Petróleo Gás Natural
Reservas Produção Reservas Produção
Chuquisaca 1,00 3,1873 1,20 1,4523
Cochabamba 6,70 28,1382 2,10 8,5096
Santa Cruz 9,00 16,9500 9,60 18,7664
Tarija 83,30 51,7245 87,10 71,2717
Total 100,00 100,00 100,00 100,00
Obs: Produção em 2005;
Fonte: YPFB
Segundo a YPFB entre 1997 e 2005 o setor recebeu US$ 3,35119 bilhões em
investimentos. Entre 1999/05 a produção de petróleo aumentou 54,2479% (de 32.687 bpd
para 50.419 bpd) e a de gás natural 183,5848% (de 16,57 mm
3
/dia para 46,99 mm
3
/dia). As
reservas de petróleo aumentaram 17,3266% (de 396,5 para 465,2 milhões de barris) e as de
gás natural aumentaram 374,3415 % (de 285,8489 milhões de m
3
para 1,3559 trilhão de m
3
, a
segunda maior da América do Sul). No mesmo período as exportações de gás natural
aumentaram 399,1364% (de 5,79 mm
3
/dia para 28,90 mm
3
/dia) e as receitas dessa exportação
aumentaram 698,4160% (de US$ 119,95 milhões a.a. para US$ 957,7 milhões a.a.).
A despeito desses aumentos substanciais, com as reformas o Estado e os cidadãos
perderam totalmente a capacidade de ingerência sobre o setor de hidrocarbonetos porque das
sete pessoas que compunham o diretório da YPFB quatro eram designadas pelas companhias
e três pelas administradoras dos Fundos de Pensão Bolivianos, a quem fora repassado a parte
pertencente a YPFB como determinava a Ley de Capitalización. Dessa forma não apenas a
administração e gestão das empresas fora transferida aos operadores privados, excluindo o
Estado de qualquer decisão referente à planificação envolvendo os recursos, senão que não
existia nenhum mecanismo de indicação pública das pessoas encarregadas de representar os
interesses dos cidadãos bolivianos (Solíz Rada in: Torrecilla, op. cit.).
5.2.4. A Opção pelo Mercado Brasileiro
Conforme Hourcade (2006) a Bolívia fora um dos primeiros países a realizar reformas
neoliberais, o que implicou no abandono da agenda nacional-desenvolvimentista e a adoção
do princípio do “regionalismo aberto”, inserindo-se no processo de globalização neoliberal
que se dava em escala mundial. Desta forma, a política de externa boliviana teve como uma
179
das suas principais metas a ampliação dos mercados externos através da extinção das barreiras
do comércio, o que supôs negociação e em alguns casos a renegociação de acordo com países
da região, embarcados em processos similares e com objetivos e modelos semelhantes.
No caso do Pacto Andino a Bolívia adotou uma agenda orientada para os aspectos
vinculados a liberalização do comércio, a integração física e fronteiriça e a adoção de novos
mecanismos de cooperação industrial. Quanto aos países do Mercosul a Bolívia procurou a
aproximação mediante a assinatura de um Acordo de Complementación Econômica (ACE)
em 25 de junho de 1996.
Nas relações bilaterais o gás natural seria a nova fonte de renda do país e neste sentido
o presidente Sanchez de Losada assegurava que a exportação do gás natural “não seria mais
uma oportunidade perdida” (Holanda, op. cit., pág. 105) e a venda do insumo para o Brasil se
apresentava como alternativa mais viável por que:
1. Durante muitos anos, a Bolívia compensou a deficiência de hidrocarbonetos líquidos para o
refino com a sobreprodução de gás natural. Depois de extraídos os líquidos o gás natural era
reinjetado nos poços, evitando sua queima. Desta foram era possível aumentar a exportação
de gás natural sem maiores investimentos no desenvolvimento de novos campos de produção;
2. A Argentina alcançara a auto-suficiência na produção de gás natural por volta de 1990 e o
contrato de exportação com este país (assinado em 1968) expiraria em 1992, e no momento
em que Collor e Paz Zamora assinaram os contratos não haviam sido entabuladas
conversações no sentido de renegociá-lo
121
.
3. Além do maior volume, a venda de gás para o Brasil se daria em condições mais vantajosas
do que a venda para a Argentina. A Bolívia receberia do Brasil cerca de US$ 0,13 por m
3
, o
que lhe renderia em média US$ 550 milhões ao ano em impostos contra os US$ 0,08 por m
3
recebidos pela Argentina, que lhe rendiam em média US$ 166 milhões ao ano em impostos;
4. O Brasil era a única alternativa viável à exportação para a Argentina e substituiria com
vantagens este país em razão do tamanho do seu mercado consumidor;
5. Uma vez concluído o gasoduto com o Brasil o gasoduto Argentina-Bolívia poderia ser
reconfigurado para exportar o gás natural da Argentina para o Brasil via Bolívia;
121
O contrato de exportação de gás natural para a Argentina foi renegociado em 1994 e em 10 de março de 1997
foi incluída uma cláusula ampliando a exportação de gás natural até abril de 1999, renovável por mais
um ano. A exportação foi concluída em 31 de julho de 1999 e no total a Argentina importou 52,844268
bilhões de m
3
, que renderam US$ 4.580.349.781,00 à Bolívia. A partir de agosto de 1999 a Repsol-YPF
passou a exportar o insumo em pequenos volumes (cerca de 0,2 a 0,3 mm
3
/dia).
180
6. Enquanto se processava a privatização da YPFB o Brasil desenhava uma política para a
introdução do gás natural na sua matriz energética;
7. Em razão das dificuldades técnicas (capítulo 2) do escoamento de hidrocarboneto da
Bolívia para o Brasil se constituía numa alternativa satisfatória a qualquer outra;
8. O mercado brasileiro apresentava tamanho e potencial de crescimento suficientemente
grande para justificar uma política exportadora;
9. As relações com o Brasil eram impulsionadas sob um marco integracionista de uma
atividade produtiva e não de ajuda econômica, cujos efeitos se concentrariam na região;
Além do potencial do mercado consumidor a venda do gás natural para o Brasil tinha
duas outras implicões para a Bolívia. A primeira é que havia o desejo norte-americano de
articular a venda do gás natural com o combate ao narcotráfico, cujas conseqüências veremos
a seguir. A segunda implicação é que a Bolívia desejava o envolvimento da Petrobras no
negócio, porque, além da estatal ter apresentado de longe a proposta mais satisfatória, os
bolivianos temiam ficar muito dependentes das companhias norte-americanas, especialmente
a Enron (Farias & Guedes, 2005).
A despeito dos ganhos esperados, ao adotar uma política deliberada de exportação de
gás natural a Bolívia vinculou o seu desenvolvimento à demanda de s natural do Brasil (e
em menor escala da Argentina), o que implicou também na desvinculação entre os resultados
econômicos dos objetivos de desenvolvimento interno. Neste caso, apesar de esboçados, na
prática não se concretizaram projetos para aumentar o valor agregado dos hidrocarbonetos
(em especial o gás) como a construção de usinas de separação de gás natural e indústrias
petroquímicas, não houve o acesso de todos os cidadãos as redes de distribuição de
hidrocarbonetos e não foi traçado um projeto de integração nacional a partir da geração de
energia termoelétrica a partir do gás natural, visto que as redes de geração e transmissão ainda
o desconectadas, individualizadas entre os Departamentos (Torrecilla, op. cit.).
Depois de concluídos os acordos com o Brasil a Bolívia acreditava, num contexto de
mais longo prazo, que poderia desempenhar um papel importante na integração regional. Esta
perspectiva surgiu com o IIRSA, onde a Bolívia, pela sua posição estratégica, foi incluída em
cinco eixos (Amazonas, Andino, Hidrovia Paraná-Paraguai, Interoceânico Central e Peru-
Brasil-Bolívia) que vinculariam os Oceanos Atlântico e Pacífico, levando o presidente Jorge
Quiroga (2001/02) a declarar no seu discurso de posse que a Bolívia, como único país
participante dos três subsistemas regionais, deveria:
181
“converter-se em nodo de articulação dos processos de complementação
econômica, de integração física, energética e comercial de América do Sul, no
centro de equilíbrio regional e no fator de confluência do seu entorno vizinho.. o
que dava a Bolívia ...a oportunidade de se converter em verdadeiro coração da
América do Sul, e nossa política internacional deve estar orientada para esse
objetivo (Hourcade, op. cit., pág. 27)
Neste sentido a política de integrão passara a ser o pilar da política externa boliviana
onde, de acordo com o economista Alfredo Seoane Flores, enfatizaram-se: 1) a Integração
energética do Cone Sul; 2) a construção de corredores de integração interoceância através do
território boliviano; e 3) a consolidação de um mercado sul-americano integrado em função da
convergência entre a Comunidad Andina de Naciones (CAN) e o Mercosul.
Entre 2003/04 a Bolívia, juntamente a outros países da região, deu uma nova visão ao
IIRSA, denominada IIRSA II, que se propôs estimular o desenvolvimento econômico e
comercial das zonas aldeãs aos eixos de integração planejados no projeto. Carlos Mesa
classificou como central para o país o tema da infra-estrutura rodoviária. Por outro lado foi a
Bolívia foi um dos 12 países que em fins de 2004 lançaram a Comunidade Sul-Americana de
Nações (CSAN) na cidade de Cuzco, Integrada pelos países do Mercosul, CAN, Chile,
Guyana e Suriname. Os objetivos desta iniciativa eram a concertação e coordenação política e
diplomática da região, procurar a convergência entre o Mercosul, CAN e Chile numa zona de
comércio e sua evolução para fases superiores da integração econômica, social e institucional
e a integração física, energética e de comunicações da América do Sul sobre a base do
aprofundamento das experiências bilaterais regionais e subregionais (Hourcade, op. cit.).
182
6. A PETROBRAS E AS RELAÇÕES BOLÍVIA-BRASIL
O neoliberalismo trouxe resultados nefastos para a América do Sul como um todo.
Suas promessas de crescimento, desenvolvimento e modernização econômicas não foram
realizadas. Como resultado o continente viu aumentar os problema sociais que, a bem da
verdade, persistem desde a época colonial. Em resposta a esses problemas ressurgiu em
alguns países o discurso de esquerda, enquanto no Brasil o governo Lula mantinha a linha da
política externa de FHC, aproximando-se dos países da região e apoiando a integração
regional, fiel a tese de que o Brasil deve liderar a região sem buscar a hegemonia.
Este capítulo está dividido em seis partes. Na primeira parte apresentaremos a Unidade
de Negócios da Petrobras que controla as operações na Bolívia. Na segunda parte
descreveremos o processo de expansão da Petrobras no país. Na terceira parte veremos como
a Bolívia reagiu ao neoliberalismo. Na quarta parte veremos porque a Bolívia promoveu a
terceira nacionalização dos hidrocarbonetos. Na quinta parte apresentaremos os possíveis
interesses econômicos e políticos da Bolívia na presença da Petrobras e na sexta parte os
possíveis interesses econômicos e políticos do Brasil na permanência da estatal naquele país.
Veremos que as relações Bolívia-Brasil foram abaladas, mas não podiam ser rompidas sem
que houvesse grandes prejuízos para os dois países porque a Petrobras criara um vínculo
virtualmente indissociável entre eles.
6.1. A Unidade de Negócios Bolívia da Petrobras
Antes da Lei 9.478/97 a Petrobras podia operar fora do território nacional somente se
autorizada pelo Congresso Nacional. Para evitar esta exigência, que reduzia a agilidade dos
negócios, fora criada a Braspetro, subsidiária responsável pelas operações internacionais da
Petrobras. Através da Braspetro a Petrobras transformou-se numa das maiores compradoras
independentes de petróleo do mundo (O Petróleo e a Petrobrás, 1976), oportunizando
negócios em países antes fora do horizonte brasileiro, como os do Oriente Médio.
Na reestruturação organizacional da Petrobras a Área de Negócios Internacional (ANI)
absorveu as funções da Braspetro, tornando sua existência desnecessária, assim, sua extinção
foi decidida pela Assembléia Geral Extraordinária realizada no dia 30/09/2002. Uma
diferença importante nesta mudança é que enquanto a Braspetro era uma subsidiária
independente da Petrobras, a ANI é um setor diretamente vinculado à estrutura central da
estatal. Esta diferença é substancial porque facilita a atuação da Petrobras no exterior indo de
183
encontro às exigências de flexibilização e globalização da indústria petrolífera como um todo
agilizando sobremaneira a capacidade de ação externa da estatal. Um ganho adicional é que
esta estrutura contribuiu para a projeção da imagem da estatal como companhia integrada.
No organograma da Petrobras (ver quadro 3.1), vê-se que a ANI é subdividida (como
todas as Áreas de atividades da Petrobras) em unidades menores, as Unidades de Negócios
(UN). No caso da ANI estas são as UN Corporativo, UN Suporte Técnico aos Negócios, UN
Desenvolvimento de Negócios, UN Cone Sul, UN América, África e Eurásia. Por sua vez
cada uma destas unidades menores é subdividida em unidades menores ainda.
Especificamente para nossos propósitos é importante a Unidade de Negócios Cone Sul, que é
composta por três Unidades de Negócios com status de empresas: 1) Unidade de Negócios
Argentina; 2) Unidade de Negócios Bolívia; e 3) Unidade de Negócios Colômbia. Por sua vez
a Unidade de Negócios Argentina controla a Petrobras Energia SA e a Unidade de Negócios
Bolívia controla a Petrobras Bolívia SA, as duas subsidiárias da Petrobras que operam na
Bolívia. Portanto, estas duas unidades configuram-se no elo estrutural que une as atividades
na Bolívia ao núcleo central da Petrobras, coordenando, controlando e enraizando a estatal no
país. A seguir veremos como se deu o processo de expansão da Petrobras na Bolívia.
6.2. O Processo de Expansão da Petrobras na Bolívia
A origem da atuação e posterior processo de expansão da Petrobras no país está nas
negociações bilaterais entre Bolívia e Brasil que resultaram na construção do Gasbol,
negociações que sempre tiveram a participação da estatal. Mas, oficialmente, a Petrobras
comou a operar na Bolívia em 25 de novembro de 1995 (vendendo o lubrificante Lubrax)
através da Petrobras Bolívia SA, subsidiária da Petrobras Netherlands BV, que, por sua vez,
era a subsidiária holandesa da Braspetro. Esta engenharia corporativa era necessária, porque,
como vimos a Constituição Brasileira impedia a Petrobras de operar fora do território nacional
sem autorização do Congresso.
Após a assinatura do contrato definitivo de compra do gás natural entre Petrobras e
YPFB em 17 de agosto de 1996 a Aepet capitaneou a oposição ao projeto, baseando-se nos
seguintes argumentos (Aepet, 2006):
1. A Petrobras teria que assumir todos os riscos do negócio;
2. O projeto custaria US$ 81 milhões a mais do que um outro gasoduto que cruzasse o
Paraguai e entrasse em território brasileiro pelo Paraná;
184
3. A taxa de retorno do investimento, calculada na época por especialistas da Petrobras, era
10% a.a. e o custo financeiro 12% a.a., assim, o gasoduto nunca se pagaria;
4. O contrato era do tipo “take or pay” que obrigava a Petrobras a pagar pelo volume de gás
contratado, mesmo que o tivesse demanda para o referido volume;
5. A Petrobras seria obrigada a bancar o risco cambial que o gás era importado em lar
com preço atrelado ao pro internacional do petróleo;
6. Não houve no governo Collor, quando o projeto foi desenvolvido, metodologia técnica para
fazer o levantamento seguro para o consumo nas regiões Sul e Sudeste. Assim, a Petrobras
seria obrigada a criar e desenvolver um mercado para absorver o gás natural;
7. A Petrobras era obrigada a comprar a energia gerada de termoelétricas a serem construídas;
8. Não se conhecia o tamanho real das reservas de gás bolivianas, então calculadas em 800
bilhões m
3
(mas então estimadas em 1,27 trilhão m
3
) sendo que, conforme a Petrobras, 368
bilhões m
3
eram necessários para honrar todos os compromissos assumidos;
9. O Brasil ainda não havia aproveitado todo seu potencial hidroelétrico, desprezando um
potencial de 120% da potencia instalada;
10. Seria criada a dependência de um insumo energético externo, comprado em moeda forte,
atrelado ao preço de uma cesta de petróleo e controlado por transnacionais. A Aepet lembrou
que, em palestra realizada no dia 13 de julho de 1994, Sadek Boussena, ex-ministro da OPEC
declarava ser de altíssimo risco um país investir tanto dinheiro num projeto magnitude,
estando as reservas de gás natural em outro país;
11. Foi extinta a Divisão de Fontes Alternativas da Petrobras obrigando-a a suspender suas
pesquisas em energia renovável como biomassa,lica, solar e outras;
12. A Petrobras ainda não explorara todo o potencial gasífero das bacias de Campos e Santos;
13. A Comgas, operadora na distribuição de gás domiciliar na cidade de São Paulo, não tinha
condições de adequar a malha de distribuição de gás de nafta para o gás natural a curto prazo;
14. A política tarifária ainda o tinha sido equacionada;
15. Os pareceres das agências de investimento consultadas (Grupo Morgan e Technoplan)
foram contrários a exeqüibilidade do gasoduto;
16. O Governo Boliviano pouco lucraria porque as reservas de gás natural do país pertenciam
a BP (Grã-Bretanha), Enron (EUA), Repsol-YPF (Espanha) e TotalFinaElf (França), enquanto
o Estado detinha pouco mais de 10% dos campos e recebia apenas 18% de royalties pela
exploração por parte daquelas empresas;
185
17. O povo boliviano não teria nenhum beneficio com a exploração dos hidrocarbonetos, ao
contrário, iria ver o seu patrimônio ser dilapidado pelas EMNs, restando-lhe apenas os
royalties mais os impostos (o que representava apenas cerca de 30% das receitas) que seriam
usados para pagar dívidas contraídas com bancos americanos e a sua parte do gasoduto;
18. O projeto não levava em conta o possível aumento do consumo boliviano;
19. Não havia um “plano B”, ou seja, o abastecimento brasileiro de gás ficava confiado a um
único país e o que era pior: a um país com passado político reconhecidamente insvel.
A despeito dos argumentos da Aepet e da própria resistência inicial da Petrobras, neste
período a recente quebra do monolio e as discussões em torno de uma possível privatização
haviam enfraquecido politicamente a estatal, permitindo a União ignorar as opiniões em
contrário e considerar a presença da estatal condição sine qua non para a construção do
gasoduto, mesmo porque na época o Governo Federal detinha 81,7201% das ações ordinárias
e 47,7158% do capital social da estatal (Nogueira, op. cit.). Uma vez concluído o acordo
restavam poucas vidas para a Aepet de que a decisão de construir o gasoduto fora pautada
por critérios políticos em detrimento dos critérios econômicos, favorecendo apenas as EMNs
o que significava “jogar o País e a Petrobrás numa aventura” (Aepet, op. cit., s/pág.).
Como a introdução do gás natural na matriz energética brasileira e a presença da
estatal no processo eram decisões irreversíveis a Petrobras tomou quatro iniciativas para
assumir sua liderança, contando com benepcito do Governo Federal, que enfatizava a
importância da participação da companhia no mercado gasífero brasileiro como elemento
norteador da implementação da política energética nacional (Holanda op.cit.).
A primeira iniciativa foi obter do Tesouro Nacional o aval para o financiamento do
gasoduto, no qual participaram o BNDES/FINAME (US$ 760 milhões), Eximbank do Japão
(US$ 360 milhões), BIRD (US$ 310 milhões), BID (US$ 240 milhões), CAF (US$ 165
milhões), empresários (US$ 142 milhões) e BEI (US$ 60 milhões). As complicações surgiram
do lado boliviano porque nenhum dos organismos aceitou as garantias dadas pelos bolivianos
(gás natural a ser encontrado e exportado) nem dos seus sócios. Na prática o gasoduto saiu
do papel porque a Petrobras deu todas as garantias exigidas e assumiu todos os riscos da obra
(inclusive ambientais), que custou US$ 2,154 bilhões (Fernandes e Silveira, op. cit.).
A segunda iniciativa foi assumir a construção e operação do gasoduto e das 16
estações de compressão (12 no Brasil e 4 na Bolívia), tarefas confiadas a duas companhias,
criadas em 18/04/1997, e compostas pelos mesmos acionistas: a Gas Transboliviano SA
(GTB) que operaria do lado boliviano e a Transportadora Brasileira Gasoduto Bovia-Brasil
186
SA (TBG) que operaria do lado brasileiro. A tabela 6.1 mostra a composição acionária de
cada companhia:
Tabela 6.1: A Composição Societária do Gasbol
Sócios TBG (lado brasileiro) GTB (lado boliviano)
Petrobras (Gaspetro SA) 51,00 % 9,00 %
BBPP Holdings Ltda, composta por 29,00 % 6,00 %
BG Bolívia Corp. 9,66 % 2,00 %
EPEC Ventures Bolívia Corp. 9,66 % 2,00 %
TotalFinaElf 9,66 % 2,00 %
Transredes SA, composta por 12,00 % 51,00 %
Fundos de Pensão Bolivianos 6,00 % 25,50 %
Enron 3,00 % 12,75 %
Royal Dutch/Shell Group 3,00 % 12,75 %
Enron 4,00 % 17,00 %
Royal Dutch/Shell Group 4,00 % 17,00 %
Total 100,00 % 100,00 %
Fonte: Compodônico, Passos e Petrobras
A terceira iniciativa foi arrematar o maior número de blocos para E&P na primeira
licitação realizado pela ANP em 15/16 de junho de 1999.
A quarta iniciativa foi obter da YPFB (sob pressão da Aepet, que questionava o
potencial gasífero boliviano) a concessão de dois blocos, San Alberto e San Antonio,
localizados no Departamento de Tarija, para realizar pesquisas de lavra em busca de gás
natural. Neste caso o contrato não foi assinado com a Petrobras, mas com a Petrobras Bolívia
SA, subsidiária holandesa que operava na Bolívia antes da assinatura do contrato de compra
do gás natural assinado por FHC. Este detalhe implicava no fato de que as operões e
investimentos desta subsidiária ficariam sujeitos á leis holandesas e a intermediação do Ciadi,
organismo do BIRD sediado em New York do qual Bolívia e Holanda eram membros, mas o
Brasil não (bolivianos e holandeses também haviam assinado um "acordo de proteção de
investimentos" em 1990). Posteriormente todos os contratos da Petrobras na Bolívia seriam
subscritos pela Petrobras Bolívia SA ou pela Pesa e com a mudança estatutária da Petrobras a
coordenação das operações da Petrobras Bolívia SA passou da Braspetro para a UN Bolívia,
enquanto a Pesa passou para a UN Argentina, mas não houve migração de contratos.
O contrato também previa que se fosse encontrado gás natural a Petrobras e a YPFB
seriam sócias na base fifth/fifth, cabendo a primeira a responsabilidade operacional, caso
contrário, a Petrobras se retiraria assumindo 100% dos custos. Depois, para diminuir o custo
de E&P
122
, a Petrobras vendeu 30% de sua participação para a TotalFinaElf. Os trabalhos de
prospecção iniciaram com a YPFB e continuaram com a Andina SA. Em junho de 1999 foi
confirmado que os blocos San Alberto e San Antonio possuíam reservas imensas, calculadas
122
Poços com mais de 3.600 m de profundidade localizados sob rochas muito duras.
187
em 566 bilhões m
3
, o que seria quase 40% das reservas do país, estimadas em 1,4 trilhões de
m
3
(Fernandes e Silveira, op. cit.).
O Gasbol foi concluído em 1999, ficando seu traçado como é visto no mapa 6.1:
Mapa 6.1. O Gasoduto Bolívia-Brasil (Gasbol)
Fonte: Passos
Depois disso a Petrobras (sempre através da Petrobras Bolívia SA) assinou contratos
para a construção de outros dois gasodutos. O primeiro é o Gasyrg (operado pela Transierra
SA, parceria entre a YPFB com 55,5 % do capital e a Petrobras com 44,5% do capital) que
liga os campos de San Alberto e San Antônio a Rio Grande e tem 431 km de extensão,
podendo transportar no máximo 23 mm³/dia de s. O segundo é o gasoduto San Marcos, de
17,5 km de extensão que abastece uma planta termoelétrica próxima à cidade de Puerto
Suárez, na fronteira entre Bolívia e Brasil.
A perspectiva de a Petrobras atuar na cadeia do petróleo surgiu com a compra das
refinarias bolivianas, negócio realizado em parceria com o grupo argentino Pérez Compac
SA. Com a posterior aquisição deste grupo pela estatal o negócio do petróleo se expandiu para
o upstream e midstream.
O grupo Pérez Compac SA era controlado pela Família Pérez Compac e pela
Fundação Pérez Compac que juntas detinham 58,62% das ações. Por sua vez, o grupo Pérez
188
Compac SA detinha 98,21% das ões da Pecom Energia SA (então sócia da Petrobras na
EBR, boliviana), que tinha interesses no agribussines, energia (elétrica, hidrocarbonetos e
nuclear), finanças, mineração, pecuária, petroquímica, silvicultura e telecomunicações.
A Família e Fundação Pérez Compac decidiram vender suas ações depois que a crise
econômica na Argentina iniciada em 2001 e a desvalorização do peso em 2002 reduziam a
metade o valor de mercado do grupo Pérez Compac SA enquanto elevavam suas dívidas para
US$ 2,3 bilhões. Ao oferecer US$ 1,0276 bilhão por 58,62% das ações a Petrobras venceu a
disputa com a Shell e a TotalFinaElf. O negócio foi concluído em 22 de julho de 2002, mas o
contrato de compra foi assinado apenas em 17 de outubro de 2002 e aprovado (com algumas
alterações) pela Comisión Nacional de Defensa de la Competencia em 13 de maio de 2003
123
.
Paralelamente a Petrobras assumia o controle da Petrolera Perez Compac SA após receber
19,2% das ações pertencentes à Pecom Energia SA e comprar 39,67% das ações pertencentes
à Família Pérez Compac. Antes do aval do governo argentino, uma assembléia de acionistas
aprovara as mudanças de nomes do grupo Pérez Compac SA para Petrobras Energía
Participaciones SA (atual Pepsa), da Pecom Energia SA para Petrobras Energía SA (atual
Pesa) e da Petrolera Perez Compac SA para Petrobras Exploración e Servicios SA. O
organograma abaixo ilustra a atual configuração da Pepsa:
Quadro 6.1. A Atual Configuração da Pepsa
Petrobras Energía Participaciones SA (Ex-Peréz Compac SA)
Petrobras (58,62%) Outros Acionistas (41,38%)
Petrobras Energía SA (Ex-Pecom Energía SA)
Petrobras Energía Participaciones SA (98,21%) Outros Acionistas (1,79%)
Petrobras Energía Petrobras Energía Petrobras Energía Petrobras Exploração
Ecuador SA Peru SA Venezuela SA e Serviços SA
Petrobras (100,00%) Petrobras (99,79%) Petrobras (100,00%) Petrobras (100,00%)
Outros Acionistas (0,21%)
Corod Produción Enecor Innova
Petrobras (100,00%) Petrobras (70,00%) Petrobras (100,00%)
Outros Acionistas (30,00%)
Fonte: Elaboração Própria
Com a compra da Pérez Compac SA a Petrobras passou a atuar na produção de
petróleo e gás, refino, marketing e transporte, petroquímica, geração, transmissão e
123
O grupo Pérez Compac SA reteve 100,00% de participação na Florestal (silvicultura), 50,00% da Pecom Agra
SA (agroindústria) e 46,25% da Cerro Vanguardia SA (mineração), bem como seus negócios na
pecuária. Reteve também 66,60% da Conuar (Companhias Nucleares Argentinas), única produtora de
combustíveis nucleares do país porque a Constituição Argentina proíbe a desnacionalização das
atividades vinculadas ligadas a indústria nuclear.
189
distribuão de energia elétrica na Argentina, assegurou a continuidade dos negócios na
Bolívia e teve acesso a 35 jazidas de hidrocarbonetos: 18 na Argentina (16 em produção), 6 na
Venezuela (4 em produção), 6 no Peru (1 em produção), 3 na Bolívia (2 em produção) e 2 no
Equador (1 em produção). Ademais, a Pérez Compac SA era uma companhia estruturada e
sua aquisição facilitou a reorganização dos negócios da Petrobras na Argentina, que a partir
de 1 de janeiro de 2005 passaram a ser controlados pela Pepsa, subsidiária monitorada pela
Unidade de Negócios Argentina. Finalmente, depois de reestruturada a Pecom os negócios da
Petrobras na Bolívia passaram a ser coordenados por duas companhias: a Petrobras Bolívia
SA e a Petrobras Energía SA, assumindo a configuração vista na tabela 6.2:
Tabela 6.2: Filiais da Petrobras na Bolívia em 31/12/2005
Filiais da Petrobras Bolívia SA
Companhia Participação Obs
Empresa Boliviana de Distribuición (EBD) 100,00% Responsável por distribuir os produtos da Petrobra Bolívia Refinación na
Argentina, Bolívia, Chile e Peru.
Gasoducto San Marcos 100,00% Destina-se a transportar gás natural até a cidade de Puerto Suárez, fronteira
com o Pantanal.
Gasoducto Transierra 44,5% Gasoduto de 431 km que liga as cidades bolivianas de Yacuíba e Rio
Grande. Permite o escoamento do gás natural dos campos de San Alberto e
Sábalo em volumes de até 23 milhões de m
3
/dia.
Petrobras Bolivia Refinacion (PBR) 100,00% Controla as duas únicas refinarias do país: Refinaria Gualberto Villaroel
(localizada em Santa Cruz de La Sierra), com capacidade para processar
40.000 bpd e a Refinaria Guillermo Elder Bell (localizada em
Cochabamba), com capacidade para processar 20.000 bpd (89,8203% do
total do país). A PBR era dona das marcas antes pertencentes à YPBF.
Petrobras Bolívia SA 100,00 Opera os campos de gás natural de San Alberto e San Antonio
É parceira da Repsol-YPF no campo de Monteagudo.
Detém os direitos de operação nos campos de Ingre, Irenda e Rio Hondo,
Filiais da Petrobras Energia SA
Petrobras Energia SA 100,00 Opera os campos de petróleo de Colpa e Caranda.
Fonte: Elaboração Própria
Como veremos, depois de consolidados os negócios da Petrobras na Bolívia verificou-
se a excessiva dependência boliviana para com um único produto (s natural), uma
companhia (Petrobras) e um único mercado consumidor (o Brasil).
6.3. A Instabilidade Social e a Ascensão de Evo Morales
A despeito do setor de hidrocarbonetos boliviano registrar substanciais acréscimos em
reservas, produção e receitas advindas da exportação os números indicam que eles não
lograram reduzir à pobreza da população: o censo de 1992 mostrava que apenas 15,7% da
população tinha suas necessidades de água, educão, energia, saneamento e saúde satisfeitas,
índice que era de apenas 16,6% no censo de 2001. Em 2005 os índices de pobreza
190
permaneciam assustadores: 58,6% da população viva na linha da extrema pobreza, condição
de 80 % da população rural e de 70% da população de quatro dos nove Departamentos.
Um agravante estava no fato de que nos anos 90 a política boliviana de exportação de
hidrocarbonetos se inseriu no contexto mais amplo da política norte-americana de erradicar o
cultivo de coca. Até então 60% do PIB da Bolívia era informal e advinha do cultivo da folha
de coca, produto do qual o país era o segundo exportador mundial e que era ao mesmo tempo
fonte de renda da maioria da população rural e base do narcotráfico.
Em 1997, sob orientação dos EUA, o governo boliviano implantou o Plano Dignidade
que previa auxílio financeiro norte-americano em troca da erradicação/controle do cultivo de
coca. Os plantadores de coca (ou cocaleros) que aceitassem fazer parte do programa
receberiam US$ 2,5 mil para cada hectare de coca eliminado, US$ 933,00 anuais pelo cultivo
de produtos lícitos, terra gratuita e assistência técnica, entre outros. Os cocalerenos não
ficaram satisfeitos com as condições alegando que as vantagens oferecidas para a troca de
produtos eram muito pequenas, pois os rendimentos das novas lavouras reduziam a renda de
US$ 30 para 4,5 semanais por família. Além disso, eles ficavam reféns das multinacionais
porque o pacote tecnológico oferecido incluía a compra de insumos (agrotóxicos, fertilizantes
e diesel) importados. Em conseqüência houve um agravamento das condições do campo e
aumento do êxodo rural de cocaleros e ingenas em direção as grandes cidades, notadamente
La Paz, onde engrossaram a população pobre, composta por setores urbanos e mineiros.
Esta combinação de circunstâncias teve um efeito temerário sobre a sociedade
boliviana: aumentaram a pobreza num país pobre, o que aliado às expectativas frustradas
com as políticas neoliberais deram a sensação de que o país mais uma vez era saqueado pelas
EMNs. Consequentemente criou-se um ambiente propício para a reação da população pobre
que passou a pressionar por uma solução mais incisiva no tocante aos seus problemas.
A insatisfação popular transpareceu pela primeira vez no início de 2002 após os norte-
americanos proporem o Conrcio Pacific LNG. Pelo projeto, um consórcio formado por BG
(37,50%), Repsol-YPF (37,50%) e Pan American (25,00%) construiria um gasoduto capaz de
transportar entre 24 e 30 mm
3
/dia de gás natural entre o megacampo de Margarita ao porto de
Arica no Chile de onde, posteriormente, o s natural seria exportado para os EUA e México.
Além da proposta se revelar onerosa (como o oleoduto quase 70 anos antes), a população
191
boliviana manifestou-se contra a perspectiva de negociar com os chilenos
124
e vender o gás
aos norte-americanos, iniciando a dita “Guerra do Gás” (Farias e Guedes, op. cit.).
Posteriormente as manifestações populares continuariam obrigando Gonzalo Sanchez
de Lozada a renunciar a presidência em 18 de outubro de 2003. Seu substituto seria Carlos
Meza (2003/05), que iniciou as mudanças pela elevão da tributação das petrolíferas. Desde
a Lei 1.689/96 até 2004 as petrolíferas pagavam um imposto de 18% sobre a produção. Em 18
de julho de 2004 foi realizado um Referendum Vinculante, que teve 92% dos votos a favor da
retomada do controle dos hidrocarbonetos pelo Estado. Em 21 de fevereiro de 2005 as
principais organizações populares compostas por setores camponeses, indígenas e urbanos
formaram uma frente comum batizada de “Pacto de Unidad” que apresentou quatro
reivindicações: 1) revisão dos contratos que privatizaram os recursos hídricos do país; 2)
reestatização das minas; 3) elevação de 18% para 50% a taxação sobre as petrolíferas; e 4)
buscar o enfrentamento direto com as transnacionais. Mesmo após o Legislativo aprovar o
aumento da taxação sobre os hidrocarbonetos a pressão popular não arrefeceu e em 2005 o
presidente Carlos Mesa pensou em nacionalizar o setor pela terceira vez, mas recuou ante a
perspectiva de ter que pagar uma indenização de US$ 8 bilhões, valor equivalente a 91% do
PIB do país. Incapaz de encontrar uma solução Mesa renunciou em 6 de junho de 2005, sendo
substituído por Edwardo Rodriguez, Presidente da Suprema Corte.
Antes das eleições presidenciais de 18 de dezembro de 2005 a promessa de tomar
atitudes no sentido de nacionalizar o setor de hidrocarbonetos fazia parte da plataforma de
todos os candidatos, mas foi mais bem capitalizado por Evo Morales Ayma. Indígena de etnia
aymará e ex-líder cocalero, Morales apresentou-se como símbolo da unidade nunca alcançada
pelo país e atraiu a maioria indígena pobre e excluída dos processos eleitorais anteriores que
agora poderiam decidir uma eleição justamente por terem engrossado as favelas de La Paz.
Seu partido, o Movimiento al Socialismo (MAS), reunia três setores da sociedade boliviana
que eram favoráveis à nacionalização dos hidrocarbonetos: 1) os intelectuais representados
principalmente por Andrés Solíz Rada
125
(depois Ministro dos Hidrocarbonetos), Juán Ramón
Quintana, (depois ministro da Previdência), Héctor Arce (depois vice-ministro de
124
Era a segunda vez em 10 anos que os bolivianos recusavam-se a negociar com os chilenos devido à questão
litorânea, com o qual a Bolívia ainda ressente-se. Em 1992 a mineradora australiana GHP, interessada
na produção de cobre em Atacama, projetou um gasoduto ligando Villamontes (Bolívia) a Mejillones
(Chile) com capacidade de transportar 7 mm
3
/dia de s. Para isto se formaria uma associação entre
YPFB, Ende e GHP com participações de 45% para as duas primeiras e 10% para a última. Sánchez de
Lozada apresentou o projeto em 1994, mas as Forças Armadas bolivianas o vetou (Fobomade, 2006).
125
Em seu livro El libro del Modelo Endógeno de 1993 Andrés Solis Rada defende um modelo de
"desenvolvimento endógeno" baseado nas culturas indígenas, o chamado “etnonacionalismo”. Rada
sempre se opôs a construção do Gasbol e a presença da Petrobras na Bolívia.
192
Coordenação Governamental) e Alvaro García Linera
126
(candidato a vice-presidente); 2) os
indígenas representados por David Choquehuanca (depois Ministro das Relações Exteriores);
e 3) os sindicatos, depois representados no Governo pelo líder camponês Román Loayza.
Após a viria de Morales já se sabia que alguma mudança aconteceria. Em seu último
comício em 15 de dezembro de 2005, pouco antes da eleição do dia 18, ele prometeu
nacionalizar os bens do subsolo e reaver as propriedades da YPFB.
6.4. A Nacionalização dos Hidrocarbonetos
No dia 1 de maio de 2006 numa atitude repleta de publicidade e simbolismo, o
exército boliviano invadiu as instalações da Petrobras em San Alberto e logo depois, de um
palanque improvisado, o presidente boliviano Evo Morales leu o Decreto Supremo 28.701
nacionalizando as propriedades das petrolíferas que atuavam no país. O Decreto, chamado
“Heroes del Chaco” era uma referência aos mortos na Guerra de 1932/35. Ao mesmo tempo
o exército ocupava as duas refinarias da Petrobras e 56 blocos de exploração pertencentes às
outras companhias. Pelo decreto ficou estabelecido que:
1. O Estado recuperava a propriedade, posse e controle (art. 1), da E&P, transporte,
armazenagem, refino, industrialização e comercialização dos hidrocarbonetos (art 5.);
2. Toda produção de hidrocarbonetos deveria ser entregue a YPFB que definiria os termos de
comercialização, volumes de produção, pros, bem como critérios de exportação e
industrializão dos hidrocarbonetos (art. 2);
3. As companhias estrangeiras teriam prazo de 180 dias (a contar do dia 1/05) para firmar
novos contratos adaptando-se aos critérios legais e constitucionais do país, caso contrário,
deveriam deixar a Bolívia (art. 3);
4. Durante o peodo de 180 dias os campos cuja produção certificada de gás natural em 2005
foi superior a 2,8 mm
3
/dia teriam o valor da sua produção assim distribuída: 82% ao Estado
(18% lucros e participações, 32% de impostos diretos sobre hidrocarbonetos e 32% como
participação adicional para a YPFB), e 18% ficariam com as companhias (art. 4);
5. Os campos com produção inferior a 2,8 mm
3
/dia seriam taxados conforme a determinão
anterior, ou seja, 50% (art.4);
6. As companhias sofreriam uma auditoria que verificaria seus investimentos (art. 4);
126
Sociólogo, marxista e ex-der político do Exército Guerrilheiro Tupac Katari, Linera é o ideólogo do MAS e
seria, para muitos analistas bolivianos, a "eminência parda" do Governo Morales (Limeirinha, 2006).
193
7. A título gratuito foram transferidas para a YPFB as ações dos bolivianos que formavam
parte dos Fundos de Pensão Bolivianos da Andina SA, Chaco SA e Transredes SA (art. 6);
8. A YPFB passaria a ter o controle nimo de 50% mais 1 ação da Chaco SA, Andina SA,
Transredes SA, Petrobras Bolívia Refinación SA e Compañia Logística de Hidrocarburos de
Bolívia SA. (art 7);
Para justificar o decreto 28.701 foram invocados vários dispositivos legais, entre eles:
os artigos. 24 e 135 da Constituição que determinavam que todas as empresas estabelecidas
no país estão submetidas à soberania, leis e autoridades da República; o artigo 59 da
Constituição que determina que os contratos de exploração das riquezas naturais devem ser
aprovados pelo Poder Legislativo; os artigos 136, 137 e 139 da Constituição que declaram os
hidrocarbonetos um patrimônio inalienável do Estado; o Referendum Vinculante de 18 de
julho de 2004 que aprovou a retomada do controle dos hidrocarbonetos pelo Estado; e o artigo
5 da Ley 3.058 de 17 de maio de 2005 que obrigavam as petrolíferas a firmar novos contratos.
As razões da nacionalização podem ser encontradas em quatro fatores. O primeiro
deles é que a popularidade de Morales baixara de 80% para 62%. Morales fora eleito com a
expectativa de reverter às políticas neoliberais mal sucedidas. Criando um viés de esperança
ele deveria gerar um fato impactante, capaz de unir a população num objetivo comum, ainda
mais depois das companhias serem declaradas persona non grata” no país. Ademais,
precisamente no dia 1 de maio de 2006 foi aberta à campanha eleitoral para as eleições da
Assembléia Constitucional iniciada no dia 29 de junho de 2006.
A segunda razão é que, como vimos, os 82 contratos de E&P firmados com as
petrolíferas eram ilegais, contrariando o artigo 139 da Constituição da Bolívia e haviam sido
assinados com o condicionante de serem aprovados pelo Congresso, o que não fora feito.
Aqui é necessário esclarecer que a literatura pesquisada apontou que os bolivianos
contestaram apenas a legalidade dos contratos de E&P, enquanto discordavam das alíquotas
dos impostos, royalties e taxas, dos pros do gás natural da participação majoritária das
operadoras nas atividades petrolíferas, e do fato delas definirem a política de hidrocarbonetos.
Em nenhum momento foi contestada a legalidade dos contratos de venda de gás natural, a
operação dos campos, dos dutos ou a compra das refinarias. Isto significava que a partir da
nacionalização as negociações seriam múltiplas e individualizadas, enfatizando: 1) as
indenizações referentes às expropriações; 2) as condições de E&P dos campos; 3) as alíquotas
dos impostos, royalties e taxas; 4) o preço do gás natural; 5) a propriedade das refinarias; e 6)
as condições de comercialização de hidrocarbonetos e derivados.
194
A terceira razão está na proeminência das petrolíferas, em especial a Petrobras, alvo
principal que se encaixa precisamente nos artigos 4 e 7 do decreto 28.701. A Bolívia era
perigosamente dependente de uma única companhia o que, segundo o professor Antonio
Carlos Peixoto, gerava um sentimento de medo nos bolivianos (Malin, 2006).
A quarta razão estava no desejo do Governo Boliviano rever o preço do gás natural,
cujas receitas adicionais seriam utilizadas para fazer as reformas socializantes prometidas por
Morales. Conforme dados da Gaspetro SA o serviço de transporte do s natural boliviano é
de responsabilidade da Petrobras e da BG Comércio e Importação Ltda. e em 2005 foram
transportados 25,9 mm
3
/dia de gás natural da Bolívia a um preço dio entre US$ 3,13 e US$
3,80 cada milhão de BTUs (26,81 m
3
). A este preço o gás natural chegava ao consumidor
final em São Paulo custando US$ 5,50 cada milhão de BTUs.
Os bolivianos achavam que o preço pago pela Petrobras era baixo e queriam um preço
médio 45 % maior, elevando o preço final médio ao consumidor a US$ 8,00 (a Petrobras dizia
que US$ 6,00 seu limite) seus argumentos eram os seguintes:
1. Conforme o ministro boliviano Pedro Gumucio Dragon o gás natural deveria receber um
reajuste mais parecido com o do petróleo porque na época o preço do barril do petróleo
oscilava entre US$ 40,00 e US$ 43,00 chegando a picos de US$ 75,00;
2. Conforme Andrés Soliz Rada, então Ministro dos Hidrocarbonetos a Petrobras pagava
pouco pelo gás boliviano, mas cobrava de US$ 7,00 a US$ 7,50 a cada milhão de BTUs pelo
combustível produzido no Brasil;
3. Ainda conforme Andrés Solíz Rada, cada lar a mais pago por milhão de BTUs
aumentava em US$ 350 milhões a receita do Estado;
4. O preço do gás que chega ao consumidor final nos EUA (cujo gás natural compõe a cesta
internacional dos preços do produto), oscilava entre US$ 7,00 e US$ 7,5 o milo de BTUs;
6.5. A Petrobras e os Interesses da Bolívia
No dia seguinte ao anúncio da terceira nacionalização do setor de hidrocarbonetos o
vice-presidente boliviano Álvaro García Linera afirmou que: não consultamos ninguém nem
negociamos com ninguém porque não tínhamos de fazer isso. A medida de nacionalização foi
uma decisão soberana do Estado e do povo bolivianos" confirmando que se tratava de um ato
unilateral (Limeirinha, art.cit.).
195
Com a nacionalização Morales cumpria a promessa feita durante a campanha eleitoral
de 2005: recuperar para o Estado a posse dos hidrocarbonetos, ato que, a exemplo do que
ocorrera anteriormente, foi comemorado nas ruas pelos bolivianos. No caso da Petrobras não
houve tratamento especial por parte do Governo Morales, e as divergências com o Brasil
imediatamente centraram-se em dois pontos: quem negociaria os novos contratos e a possível
indenização. O Governo Lula dizia que as negociações caberiam a Petrobras, que decidiria
também (embasada em critérios técnicos) se continuaria ou não operando na Bolívia,
ressaltando apenas que não aceitaria a saída da estatal do país sem a devida indenização. Por
seu turno o Governo Morales insistia em manter a negociações de Estado para Estado, dando-
lhe caráter político, informando, através de David Choquehuanca, que a Petrobras não seria
indenizada (nem nenhuma outra companhia) porque a estatal já teria lucrado o suficiente com
a exportação de gás natural (Marin, 2006).
Na prática as negociações contaram sempre com a presença do Itamaraty, MME e
Petrobras e com os seus congêneres bolivianos, demonstrando que a permanência ou não da
estatal no país era uma questão complexa. O único agravante durante o processo de
negociações estava nas incongruências do governo boliviano. Morales não falara em
nacionalização, nem em expropriar o patrimônio das EMNs antes das eleições, mas voltara
atrás. Ele também prometia não interromper o fornecimento de gás, mas nada garantia que
uma resposta forte do Brasil o levasse a uma radicalização e Morales ordenasse a
interrupção do abastecimento, causando a instria brasileira um dano irreparável.
6.5.1. Os Interesses Ecomicos
Num sentido mais amplo a Bolívia necessitava manter as petrolíferas porque o setor de
hidrocarbonetos não podia ser confiado a YPFB, que, além de descapitalizada, sequer possuía
funcionários em quantidade suficiente (eram apenas 650 na época da nacionalizão) para
assumir o controle do setor de hidrocarbonetos (Gall, 2006). Deficiência explicitada com a
nacionalização quando o Governo boliviano utilizou funcionários da PDVSA para auxiliar no
processo e posteriormente indicou pessoal totalmente despreparado para ocupar o lugar dos
técnicos que operavam as instalações das EMNs (Maisonnave, 2006a). Um problema
adicional é que a retirada abrupta das companhias poderia colapsar a previdência social
boliviana, a quem a YPFB está vinculada. O professor Martinez Lázaro informava que:
196
“A Bolívia não tem a tecnologia e nem tampouco o capital necessário para explorar
seus recursos energéticos de forma autônoma. O petróleo é um negócio que requer
investimentos pesados, não apenas no que se refere à exploração, mas também à
pesquisa. Os países que não investem na manutenção de suas instalações produtivas
em sua produção declinar. Temos muitos exemplos disso. Portanto, se a Bolívia
expulsar as companhias de petróleo estrangeiras, restringirá sua capacidade de
novas pesquisas no setor e, o que é pior, assistirá a médio prazo à queda de sua
produção”. (School, 2006, s/pág.).
Sua opinião era corroborada por Enric Bartlett Castellá, para quem, mesmo após a
nacionalização a Bolívia ainda necessitaria da intervenção de “alguma ou algumas das
grandes companhias de energia” (School, op. cit s/pág.).
Por seu turno, os interesses das companhias petrolíferas na permanência na Bolívia
variavam, mas podem ser encontradas nas questões microeconômicas típicas da indústria do
petróleo que apontamos no capítulo 2: os riscos, os custos, as rendas e a questão do
trancamento que dificultam o abandono da atividade petrolífera, além do que a indústria do
gás natural é uma indústria escopo do petróleo. Outro problema é a questão da diversificação
das reservas e dos fornecedores de petróleo porque as petrolíferas sabem, pela Teoria do Pico
de Hubbert que o prognóstico de longo prazo para os mercados de energia é desfavorável e na
Bolívia ainda existe a possibilidade de se descobrir grandes reservas inexploradas, porque,
como vimos apenas 20% das províncias petrolíferas bolivianas foi explorado.
A comprovação de que deixar a Bolívia não era uma questão tão simples está no fato
das 21 petrolíferas que haviam assinado 82 contratos de risco compartilhado para E&P de
petróleo antes da nacionalização, nada menos do que 16 assinaram os 44 novos contratos,
enquadrando-se no Decreto Supremo 28.701, companhias que podem ser vistas na tabela 6.3:
Tabela 6.3: Companhias Petrolíferas Operando em E&P na Bolívia
N Companhia Nacionalidade Operando Antes Operando Depois
da Nacionalização da Nacionalização
1 BG Bolivia Corp. Grã-Bretanha X X
2 Canadian Energy Enterprises (CEE) Cana X X
3 Dong Won Corp. Bolivia Coréia do Sul X X
4 EP Andina SA Espanha X X
5 EP Chaco SA Grã-Bretanha X X
6 EPEC Ventures Bolivia Corp. EUA X -
7 ExxonMobil BP Inc EUA X -
8 Matpetrol SA EUA X X
9 Monelco SRL Cana X X
10 Pan American E&P Bolivia Ltd Grã-Bretanha X X
11 Orca SA Argentina X X
12 Petrobras Bolivia SA Brasil X X
13 Petrobras Energía SA Argentina X X
14 Petrolex SA Canadá X X
15 Pluspetrol Bolivia Corp. SA Argentina X X
16 Repsol YPF E&P Bolivia SA Espanha X X
17 Servicios Integrales EPSI Ltda Argentina X -
18 Sterner Investments Corp. Canadá X -
19 Tecpetrol de Bolivia SA Argentina X -
20 TotalFinaElf E&P Bolivie França X X
21 Vintage Petroleum Boliviana Ltd EUA X X
197
Fonte: YPFB
Os novos contratos de E&P (um misto de prestação de serviços com contrato de risco
compartilhado) foram assinados no dia 29 de outubro de 2006 (um dia antes de expirar o
prazo estipulado pelo Decreto Supremo 28.701) e previam (Brito, 2006):
1. A YPFB (antes apenas fiscalizadora dos contratos) terá voz ativa na definição dos
investimentos, na gestão da produção e na comercialização de hidrocarbonetos e derivados;
2. O Estado receberá, sob a forma de impostos e royalties, 50% (e não os 82% previstos no
Decreto 28.701) da receita obtida com a venda da produção das operadoras;
3. Os restantes 50% da receita será dividida em duas partes: uma parcela fixa a título de
amortização e ressarcimento dos investimentos realizados pelas operadoras (modelo
semelhante à prestação de serviços) e a uma parcela, referente ao lucro (portanto variável)
será dividida entre a operadora e a YPFB (modelo semelhante ao risco compartilhado);
4. As operadoras não perderam a propriedade dos equipamentos de produção (como sondas,
instalações físicas e veículos), como se especulava durante as negociações;
5. Os contratos seriam submetidos à aprovação do Congresso da Bolívia e ganhariam força de
lei, ampliando sua segurança jurídica e reduzindo os riscos de rupturas nos próximos anos;
6. Os tribunais bolivianos foram escolhidos como foro para resolver quaisquer controvérsias,
substituindo os tribunais internacionais;
Após a assinatura dos novos contratos Morales não deixou de notar que “se alguma
companhia não firmasse o contrato, as Forças Armadas estavam preparadas para exercer os
(nossos) direitos de propriedade” (Gall art, cit.). Entretanto, como houve erros na redação
dos contratos, eles tiveram que ser revistos, novamente aprovados pelo Congresso e assinados
por Morales em 2 de maio de 2007, quando o presidente aproveitou a oportunidade para pedir
mais investimentos das EMNs e afirmar que a Bolívia dispensaria sua presença se tivesse
recursos para explorar os hidrocarbonetos.
Especificamente, num sentido mais restrito, a Petrobras era a única companhia que
operava em toda cadeia da indústria do petróleo e em toda a cadeia da indústria do gás
natural. A estatal realizava a atividade de upstream em três Departamentos: Chuquisaca
(bloco Monteagudo), Santa Cruz (blocos Caranda e Colpa) e Tarija (blocos San Alberto e San
Antonio) e detinha os direitos de upstream em cinco Departamentos: Beni (bloco Rio Hondo),
Chuquisaca (bloco Ingre), Cochabama (bloco Rio Hondo), La Paz (bloco Rio Hondo) e Santa
Cruz (bloco Irenda). Aqui é necessário esclarecer que a Petrobras tinha sócias em todos os
blocos e, como operadora (a exceção de Monteagudo) ela era responsável por toda a
198
produção, mas não era a dona de toda a produção. Isto significava que a estatal deveria
repassar para suas sócias os montantes contratados e, como, normalmente, apenas a parte da
Petrobras era insuficiente para atender todas as necessidades da Bolívia e do Brasil, a estatal
comprava a parte das sócias
127
.
Conforme dados da Petrobras e da YPFB em 31/12/2005 na atividade de upstream do
petróleo em os negócios da Petrobras eram pequenos (correspondia a 2,7% das suas reservas e
1,1498% da sua produção total), mas eram de grande importância para a Bolívia (a estatal
detinha 11,56 % das reservas provadas do país e respondia por 42,1171% da produção). Na
atividade de downstream do petróleo a estatal operava as duas maiores refinarias do país,
controlando 89,8203% da atividade, produzindo 100% da gasolina aditivada, 100% do
querosene de aviação, 95% da gasolina comum e 70% do diesel. Na distribuição, através da
EBD, a Petrobras possuía 246 postos de combustíveis (61,5% do total do país), respondia por
23% da distribuição total de derivados e por 100% da distribuição de adubos.
Segundo as mesmas fontes não havia atividade de midstream do gás na Bolívia, mas
no upstream os negócios da Petrobras eram de grande importância para a estatal (correspondia
a 53% das suas reservas e 38,2743 % da sua produção total), e de grande importância para a
Bolívia (a estatal detinha 45,943% das reservas
128
do país e respondia por 51,3404% da
produção), ademais a estatal operava os dois únicos megacampos ativos (San Alberto e San
Antonio). No midstream a Petrobras operava o Gasbol, o Gasyrg e o Gasoduto San Marcos.
Quanto à exportação de gás, que justificara a reforma do setor de hidrocarbonetos, dos
28,90 mm
3
/dia exportados pela Bolívia em 2005, 23,69315 mm
3
/dia (81,9732%) entraram no
Brasil por força de três contratos independentes (o GSA da Petrobras, o Andina SA-Cuiabá da
Repsol-YPF e o BG-Comgás da BG Bolivia Corp) e 5,20685 mm
3
/dia destinaram-se a
Argentina (18,0268%). Dos 23,69315 mm
3
/dia importados pelo Brasil, a Petrobras respondeu
por 22,68450 mm
3
/dia (95,7428%). A estatal era responsável pelo fornecimento integral do
seu contrato (obtida pela compra de gás de terceiros ou produção própria na Bolívia) e pelo
transporte de sua parte e de cerca de 0,5 mm
3
/dia da Respsol-YPF (via TGB) aChiquitos na
Bolívia. Desta forma a estatal respondeu pelo fornecimento de 95,7428% e transporte de
97,8532% do gás que o Brasil recebeu da Bolívia.
127
No caso do petróleo em 2005 a Petrobras produzia 21.235 bpd, mas apenas 8.200 bpd lhe pertenciam,
enquanto as suas refinarias no país necessitavam 40.000 bpd. Quanto ao gás natural a estatal produziu
24,123915 mm
3
/dia, mas somente 7,8 mm
3
/dia lhe pertenciam.
128
Equivalente a 623 bilhões/m
3
(296,51 bilhões/m
3
do campo de San Antonio e 326,49 bilhões/m
3
do campo de
San Alberto) de um total estimado em 1,3559 trilhões de m
3
. Existem apenas outros dois megacampos
(localizados em Tarija): um em desenvolvimento localizado em Margarita (369,80 bilhões/m
3
), operado
pela Repsol-YPF e outro em Itau (363,14 bilhões/m
3
) licitado para a TotalFinaElf.
199
A distribuição espacial das atividades da Petrobras na Bolívia é vista no mapa 6.2:
Mapa 6.2.: As Atividades da Petrobras na Bolívia em 31/12/05
Ocorria, entretanto, que a importância da estatal para a economia do país transcendia o
setor de hidrocarbonetos. Os números da economia do país em 31/12/05 eram os seguintes:
200
- PIB de US$ 8,8 bilhões: 47,9% serviços, 35,3% indústria (sendo as principais a alimentícia,
artesanato, bebidas, fumo, metalurgia, mineração, petróleo e têxtil) e 16,6% agricultura (sendo
as principais atividades são a açúcar, algodão, arroz, batatas, café, coca, madeira, maiz e soja);
- Exportações de U$ 2,885782 bilhões: madeira, ouro e zinco (US$ 1,4984 bilhões,
51,9235%); gás natural (US$ 957,7 milhões, 33,1869%); petróleo e derivados (US$ 253,755
milhões, 8,7933%); soja e azeite de soja (US$ 175,927 milhões, 6,0963%). o os maiores
importadores: Brasil (33%), EUA, (15%), Argentina (9%), Peru (4,7%) e Grã-Bretanha (2%);
- Importações de US$ 2,4 bilhões: bens de capital, matérias-primas, petróleo, alimentos,
químicos e semi-manufaturados. São os maiores exportadores: EUA (32%), Japão (24%),
Brasil (12%), Argentina (12%), Chile (7%), Peru (4%), Alemanha (3%);
- Dívida externa: US$ 5,7 bilhões (64,77% do PIB).
No total a Petrobras respondia por US$ 750 milhões (cerca de 78,3126%) das receitas
que o país obtinha com a venda de gás natural, 40 % do PIB industrial boliviano, 22% do PIB
total, e 20 % dos impostos totais. Ademais, entre 1997/05 a estatal investira US$ 1,5 bilhão no
país (44,7602%, dos IEDs e 17,0454% do PIB totais) e o valor contábil dos ativos somavam
US$ 1,173 bilhão (13,3295% do PIB). Em função desses números, se a Petrobras saísse da
Bolívia a economia do país poderia entrar em colapso, perspectiva que preocupava o Brasil.
Quanto ao petróleo, a Petrobras informa que processava na Bolívia todo o petróleo que
produzia no país, embora a ANP registre a entrada de 8.726 bpd do insumo boliviano no
Brasil em 2005. A Bolívia também importa 3.000 bpd de petróleo e 30% do diesel. De
qualquer forma, o maior interesse dos bolivianos eram refinarias. Antes de 1 de maio de 2006
Evo Morales não falara em nacionalização e sim em “comprar de volta as refinarias” e
formar “parcerias” com a Petrobras. Pelo Decreto Supremo 28.701 todas as atividades da
cadeia petrolífera (refino incluso) passariam para controle e fiscalização da YPFB (que teria
50% +1 ação da Petrobras Bolívia Refinación SA) assegurando o monopólio das exportações
de petróleo à YPFB, que compraria a produção das refinarias pagando um valor fixo à
Petrobras e exportaria pelo preço que conseguisse. Para a Petrobras este modelo não seria
lucrativo (mesmo porque a estatal já importava petróleo para atender as necessidades da
Bolívia) o que deu início ao processo de transição da propriedade das refinarias para a estatal
boliviana, mas a estatal vinculou a negociação a dois outros temas: o valor da compensação a
ser paga pelo controle integral dos ativos e como esse pagamento seria feito. Por sua vez, a
YPFB teria condicionado a aquisição ao pagamento integral em gás natural, por não ter
recursos financeiros para ressarcir a Petrobras. Segundo Ildo Sauer, diretor da Área de
201
Negócios Gás e Energia da Petrobras a contraproposta boliviana seria aceita desde que
definido o preço do gás, e o valor das refinarias seria abatido do pagamento pelas importações
do contrato em vigor, já que a Petrobras descartara a possibilidade de importar novos volumes
da Bolívia (A Tarde On Line, 2006).
Concomitantemente à disputa pelas refinarias agravava-se a situação econômica da
Bolívia, motivando Solíz Rada a emitir (em 12 de setembro) uma resolução confiscando o
fluxo de caixa das refinarias da Petrobras, acrescentando a acusação de que a estatal teria
lucrado US$ 320 milhões ilegalmente vendendo derivados. Ante a esta possibilidade Lula
alertou Morales que a paciência do Brasil tinha se esgotado e a Ministra Dilma Rousseff
declarou que o Brasil protegeria os interesses da Petrobras, inclusive com a retaliação
econômica. A reação brasileira no episódio apenas piorou um clima já tenso, levando o
governo boliviano a congelar o confisco e substituir os três responsáveis pelas negociações
com as petrolíferas. A equipe de negociação passou a ser liderada pelo vice-presidente Álvaro
Garcia Linera, Jorge Alvarado (presidente da YPFB) foi substituído por Juan Carlos Ortiz
Banzer (que havia presidido a Petrobras Bolívia SA entre 2001/04) e Soliz Rada demitiu-se
em 15 de setembro, sendo substituído por Carlos Villegas Quiroga (Albuquerque, 2006)
129
.
A despeito das trocas o Governo Morales confirmou que a decisão de reaver as
refinarias era “irreversível”, assim nos meses subseqüentes as negociações centraram-se no
seu preço
130
. A Petrobras, através da Petrobras Netherlands BV, ameaçava levar a questão ao
Ciadi, ao que a Bolívia reagiu retirando-se do organismo em 3/05/07. Morales chegou a
declarar que se eu fosse o Brasil, daria as duas refinarias de presente (para a Bolívia) se
estamos pensando em nos ajudar a reduzir as desigualdades sociais” (Gall, op. cit.). Afinal,
em 6 de maio de 2007 Morales, após advertir que o faria, assinou o decreto que confiscava o
fluxo de caixa da Petrobras, tornando-a uma simples prestadora de serviços em suas próprias
refinarias. A questão foi encerrada em 10 de maio de 2007, quando a Petrobras aceitou vender
todas as ações da Petrobras Bolívia Refinación SA para a YPFB por US$ 112 milhões, preço
fixado com base no fluxo de caixa futuro, produzido por instituição financeira internacional
independente, conforme práticas usuais dos negócios” (página eletrônica da Petrobras, sessão
internacional). Ao comentar o acordo o Palácio do Planalto avaliou que o prejuízo político de
um "mau acordo" teria reflexos ruins para o governo boliviano, que enfrentava pressões da
129
O episódio das refinarias precipitou a saída de Solíz Rada, que desde a nacionalização sofria um processo de
desgaste devido à agressividade das suas declarações (obrigando o Congresso a aprovar uma moção de
censura) combinada com a adoção de critérios políticos para pautar as negociações com as petrolíferas.
130
Os bolivianos ofereciam US$ 60 milhões, o que excluiria os estoques petróleo e derivados, enquanto a
Petrobras pedia US$ 200 milhões, valor que incluiria o ressarcimento do preço pago nas refinarias, os
estoques de petróleo e derivados e os US$ 49 milhões investidos em sua modernização.
202
oposição, e o Brasil poderia acabar responsabilizado por aumentar ainda mais a instabilidade
no país (Zimmerman, 2007). Em 11 de junho de 2007 a Petrobras recebeu da YPFB o
primeiro pagamento de US$ 56 milhões.
Quanto ao gás natural o primeiro interesse (comum para Bolívia e Brasil) era de base
essencialmente cnica, e dizia respeito à manutenção do fluxo de s natural por que: 1) a
tecnologia da Petrobras não podia (como não pode) ser substituída em pouco tempo; 2) o
petróleo produzido pela Bolívia é associado ao gás natural e as refinarias eram operadas pela
Petrobras, ou seja, se houvessem cortes na produção de gás haveria risco de desabastecimento
de combustíveis no país; 3) a Petrobras não construiu tanques de armazenamento de gás na
Bolívia, assim o país tinha três alternativas: ou não vendia o produto, ou produzia e vendia
para o Brasil ou simplesmente queimava o gás; e 4) o transporte, dificultado por problemas
políticos. Se o transporte for terrestre imediatamente surgem duas questões: qual seria o
traçado do gasoduto? A que país atenderia? De qualquer forma um gasoduto não ficaria
pronto antes de 3 ou 4 anos. Se o transporte for por via marítima às dificuldades o ainda
maiores. Primeiro a Bolívia teria que encontrar na Argentina, Brasil, Chile ou Peru (países
limítrofes dotados de litoral) um parceiro disposto a dar passagem a um gasoduto seu, mas
para efeitos imediatos esta opção restringe-se a Argentina e Brasil, porque a Guerra do
Pacífico originou uma pendência histórica entre a Bolívia e Chile e Bolívia e Peru. Depois
seria necessário construir o gasoduto, uma planta de liquefação (que custa cerca de US$ 2
bilhões) e uma frota de navios criogêncicos (a um custo mínimo de US$ 1 bilhão). Outra
alternativa é escoar pelo rio Paraguai e aqui seria necessário construir um gasoduto cortando o
Paraguai, uma frota de navios criogênicos e negociar a passagem com Argentina, Brasil,
Paraguai e Uruguai. Como se qualquer alternativa pode fazer com que o gás boliviano
chegue ao mercado mundial a pros não-competitivos.
O segundo interesse (comum à Bolívia e ao Brasil) era mercadológico, resultante da
quase absoluta falta de opções para a exportação do gás natural boliviano. Em 2005 dos US$
957,7 milhões recebidos pela Bolívia com a exportação de gás natural, US$ 794,40 milhões
(82,9487%) resultaram da exportação para o Brasil e sozinha a Petrobras respondeu por US$
750 milhões (78,3126%). O Brasil não é apenas o maior cliente da Bolívia como é o único
mercado grande a que os bolivianos têm acesso no curto prazo e individualmente nenhum
mercado na América do Sul tem condições de substituí-lo. Cabe lembrar que a exportação
para a Argentina foi retomada em 2002 (o novo contrato previa a importação de 7,7 mm
3
/dia),
mas o preço do gás era inferior ao exportado para o Brasil e rendeu apenas US$ 163,3 milhões
203
(17,0513 %). Ademais, a própria Bolívia reduziu a possibilidade de diversificar sua clientela
ao se recusar a vender gás natural para o Chile e repudiar o Consórcio Pacific LNG.
O terceiro interesse da Bolívia (também compartilhado com o Brasil) é assegurar
investimentos capazes de num primeiro momento manter e num segundo momento expandir a
produção de hidrocarbonetos. Quanto ao primeiro caso a produção dos campos decai ao longo
do tempo (Teoria do Pico de Hubbert) o que exige e novas inversões para manter a produção
constante. Neste caso calcula-se que a Bolívia necessita entre US$ 40 US$ 50 milhões por ano
apenas para manter a produção constante em torno de 43 mm
3
/dia de gás natural.
No segundo caso, conforme a Camara Boliviana de Hidrocarburos (CBH) o país não
produz gás natural suficiente para atender todas às suas obrigações. De acordo com a mesma
fonte (sempre em números médios), em 2006 a produção de gás natural boliviana foi de 47,33
mm
3
/dia, mas apenas 36,2 mm
3
/dia foram utilizados da seguinte forma: 30,27 mm
3
/dia
exportados (25,51781 mm
3
/dia para o Brasil e 4,75219 mm
3
/dia para a Argentina) e 5,93
mm
3
/dia destinados às necessidades internas
131
. Em contrapartida as obrigações contratuais do
país ascendiam a 47,2 mm
3
/dia: 33 mm
3
/dia destinados ao Brasil (30 mm
3
/dia pelo contrato
GSA, 2,3 mm
3
/dia pelo contrato Andina-Cuiabá e 0,7 mm
3
/dia pelo contrato BG-Comgas),
7,7 mm
3
/dia destinados à Argentina e 6,5 mm
3
/dia destinados às necessidades internas.
Ao déficit de gás existente soma-se o cenário inquietante vislumbrado pelas projeções
da CBH e da YPFB. Estas indicam que em 2010, em função do aumento da demanda interna,
dos contratos com o Brasil e do novo contrato de exportação para a Argentina (que veremos),
a Bolívia precisará produzir cerca de 80 mm
3
/dia de gás. A questão é que as mesmas fontes
estimam que a manutenção e a expansão da produção dos campos exigirão um montante
semelhante ou superior ao realizado pelas EMNs entre 1997/05 (US$ 3,35119 bilhões), mas
desde o início dos distúrbios sociais em 2002 as petrolíferas investiram onimo para manter
a produção, atrasando todos os cronogramas de desenvolvimento dos campos
132
, situação
piorada com a nacionalização quando todas EMNs suspenderam os investimentos.
Ainda conforme as mesmas fontes, parte da demanda deverá ser satisfeita com o início
das operações do megacampo de Itau e com o desenvolvimento do megacampo de Margarita
(já iniciado) e parte com o aumento da produção dos megacampos de San Alberto (que produz
131
Anualmente a Bolívia disponibiliza para consumo cerca de 81,0570 % do gás natural total produzido. Dos
18,9430 % restantes, cerca de 14,3620% o reinjetados nos poços; 2,0058% o utilizados como
combustível; 1,3344% são utilizados para produzir combustíveis líquidos e 1,2408% são queimados.
Isto explica o destino dos 11,13 mm
3
/dia que faltam nesta conta (YPFB).
132
Os investimentos no upstream baixaram da dia de US$ 600 milhões/ano entre 1998/99 para US$ 235,91
milhões em 2004 e US$ 199,56 milhões em 2005. Das 35 plataformas em 2004, restaram 3.
204
em média 9,16 mm³/dia de gás e tem capacidade máxima calculada em 22 mm³/dia) e o de
San Antônio (que produz cerca de 14,29 mm³/dia de gás e tem capacidade máxima calculada
em 28 mm³/dia). Desta forma apenas estes dois campos podem acrescentar mais 26,55
mm³/dia de s natural a produção boliviana. Um agravante é que esses investimentos devem
ser realizados com antecedência devido ao hiato de tempo entre os investimentos e sua
maturidade. Em 2007 a Bolívia informou que mesmo com novos investimentos apenas em
2009 poderá cumprir todos os seus compromissos em gás natural.
O quarto interesse da Bolívia é atrair os investimentos para industrializar o gás natural.
Com a nacionalização muitos projetos que dependiam do s natural produzido pela Petrobras
foram adiados entre eles uma planta gasquímica da Braskem a ser construída em Puerto
Suárez (investimento de US$ 1,4 bilhão que produziria 600.000 ton/ano de polietileno), uma
planta para conversão de gás natural em diesel da Ivanhoe Energy, Syntroleum Corporation e
Repsol-YPF (investimento de US$ 3 bilhões que produziria 90.000 bpd), uma planta GTL da
GTL Bolivia y Rentech (investimento de US$ 423 milhões que produziria 10.000 bpd) e uma
siderúrgica da EBX (investimento de US$ 148 milhões que produziria 800.000 ton/ano de
ferro gusa). No total os investimentos brasileiros no país atingiriam a cifra de US$ 5 bilhões.
Ocorre que a industrialização do gás natural implica na retirada das frações nobres,
para alimentar com o etano a planta de polietileno e com propano e butano a planta de GLP e
de gasolina natural, de forma que o gás exportado seria essencialmente metano. Por sua vez,
esta medida envolvia a renegociação para modificar o contrato GSA estabelecendo novos
volumes e preços, porque apenas os megacampos da Petrobras produziam o insumo em
volumes suficientes para atender todos os projetos e também porque não fora previsto no
contrato original a retirada das frações nobres. Com essa premissa em 27 de abril de 2004 a
ministra Dilma Roussef havia manifestado que o governo concordara com a idéia dos
bolivianos em agregar valor ao s natural através do pólo gasquímico a ser instalado na
fronteira Bolívia-Brasil (Costa, 2007b).
Os interesses somados teriam impedido a interrupção do fornecimento de gás natural
ao Brasil. Segundo Zylberstein (2006) na verdade o que se constata é a dependência do
produtor e não do consumidor. O Brasil pode encontrar alternativas ao gás natural da Bolívia,
mas essa tem suas receitas vinculadas quase exclusivamente à venda do gás e não pode abrir
mão delas. Conforme Hage (in Haag, op. cit.) o que o governo Morales demonstrou é uma
característica dos países que têm nos recursos energéticos o seu maior trunfo ou
vulnerabilidade: eles usam essa arma para obter vantagens dos interessados.
205
Após as negociações, as atividades desempenhadas pela Petrobras na Bolívia ficaram
da forma que é ilustrada na tabela abaixo:
Tabela 6.4: Mapeamento das Operações da Petrobras na Bolívia
Antes da Nacionalização Após a Nacionalização
Petróleo
Upstream X X
Midstream X X
Downstream X -
Gás Natural
Upstream X X
Midstream X X
Downstream - -
Fonte: Elaboração Própria
Concluídos os acordos nem todos os números que antes eram favoráveis a Petrobras se
inverteram. O Estado boliviano passou a controlar mais de 80% da produção de petróleo e gás
natural do país e 100% da atividade de refino e 100% da exportação de hidrocarbonetos. Mas,
na prática, com exceção do refino e da distribuição e comercialização a Petrobras continuou
operando nas mesmas atividades petrolíferas que operava antes da nacionalização, produzindo
43,5007 % do petróleo boliviano e 52,3508% do gás natural e exportando 81,2025% do gás
do país. A diferença é que agora a estatal não pode mais contabilizar como suas as reservas de
hidrocarbonetos e está sujeita a maior taxação e fiscalização (YPFB).
6.5.2. Os Interesses Políticos
Pode-se dizer que os interesses políticos derivam diretamente dos econômicos porque
a Bolívia ficou muito dependente das receitas advindas da exportação de gás natural. Com o
tempo, a disputa em torno dessas receitas aumentou a tensão da sociedade boliviana,
dividindo-a no padrão político-étnico historicamente construído como apontado no capítulo 4.
Enquanto os indígenas viam no fenômeno uma forma obter a independência econômica, os
grupos conservadores (maioria nos Departamentos de Cochabamba, Chuquisaca, Santa Cruz e
Tarija), e que mais se beneficiaram com a presença das petrolíferas exacerbaram-se.
Se não bastasse isso, nesse período a potica socializante de Morales (que prevê a
nacionalização das minas, reforma agrária e a reforma constitucional), enfureceu os oligarcas,
pois ameaçava diminuir suas rendas e despertou a suspeita que Morales deseja se perpetuar no
206
poder. Essa política não demorou a fazer vítimas. Além de Soliz Rada, que se demitira após o
episódio das refinarias, caiu Valter Villarroel, ministro das minas. Com o ambiente piorando,
os opositores de Morales passaram a falar abertamente em aumentar a autonomia dos
Departamentos (Beni, Pando, Santa Cruz e Tarija solicitaram-na em dezembro de 2006) os
mais radicais não descartavam a secessão.
Segundo os analistas o próprio MAS estava dividido em duas correntes: os
intelectuais, mais moderados e identificados com Linera, e os indígenas, mais radicais. A
situação do país agravou-se depois de 24 de novembro de 2007 quando a Assembléia
Constituinte foi transferida de Sucre para um quartel onde, sem contar com a presença dos
deputados oposicionistas, sem considerar a exigência de 2/3 para legitimar a Carta e sem
obedecer a exigência de aprovar de cada artigo da Constituição por maioria qualificada, 138
dos 255 constituintes aprovaram a nova Constituição. Logo depois, para evitar a pressão dos
oposicionistas, os governistas transferiram a Assembléia Constituinte para Oruro, cidade
controlada por partidários de Morales, onde em 8 de dezembro 130 dos 160 deputados do
MAS aprovaram o texto constitucional que prevê entre outras coisas: 1) a centralização
econômica nas mãos do Estado; 2) a divisão do país em áreas indígenas, com autonomia
administrativa e judiciária em relação a Departamentos; e 3) a convocação de um novo
Parlamento. o foi aprovada a reeleição indefinida como desejava Morales.
Em reação às manobras, os governadores dos Departamentos de Beni, Pando, Santa
Cruz e Tarija (que juntos representam mais de 40% do PIB e 35 % da população boliviana)
que integram a oposição de direita anunciaram que não reconhecem a nova Constituição e em
15 de dezembro proclamaram unilateralmente a "autonomia" dessas regiões, e contestaram a
Carta Constitucional recém-aprovada pela Assembléia Constituinte.
No âmbito da política externa a Bolívia vinculara sua infra-estrutura e seu comércio
aos países do Mercosul, convertendo o país em ponto nevrálgico da integração entre a
Comunidade Andina de Nações e o Mercosul. Evo Morales confirmou que permanecia o
desejo do país em manter-se como membro da IIRSA e participar do anel gasífero regional.
6.6. A Petrobras na Bolívia e os Interesses do Brasil
No capítulo 3 vimos que a Petrobras domina o mercado brasileiro de gás natural, no
capítulo 5 vimos que a introdução do s natural na matriz energética brasileira foi
estruturada tendo como pivô a matéria-prima proveniente da Bolívia e neste capítulo vimos
que o upstream e midstream naquele país indispensáveis às necessidades brasileiras ficaram,
207
sob a responsabilidade da Petrobras, o que era possível na época da assinatura dos contratos
em função das reformas no setor de hidrocarbonetos boliviano.
A nacionalização gerou três tipos de reação no Brasil, de um lado os setores mais
conservadores da imprensa, sociedade e política (capitaneados por PSDB e PFL) exigiam
medidas enérgicas contra a Bolívia.
Quanto a Petrobras, em nenhum momento após a nacionalização a estatal cogitou
abandonar a Bolívia (com exceção do refino), tanto em função dos investimentos realizados e
porque, segundo o Plano Estratégico da Petrobras 2015 havia o desejo de prosseguir a
internacionalização e o gás natural é uma indústria considerada chave enquanto parte
intrínseca de sua estratégia em se converter numa empresa de energia de alta performance.
Além disso, como o contrato GSA é do tipo take or pay a estatal é obrigada a pagar por 30
mm
3
/dia de gás, recebendo ou não esta quantidade. Mas, a estatal também foi enfática ao
anunciar a suspensão imediata dos investimentos programados
133
entre eles: US$ 40 milhões
para elevar a capacidade de produção do campo de San Antonio; a ampliação da capacidade
de transporte do Gasbol (de 30 mm
3
/dia para 45 mm
3
/dia); o desenvolvimento do bloco
Irenda
134
e a construção do complexo gasquímico junto à fronteira. Também anunciou que iria
levar a questão da nacionalização ao Ciadi e não aceitaria aumentos nos preços do gás natural
fora das condições estipuladas em contrato. (Página eletrônica da Petrobras).
Mas a linha de ação que prevaleceu foi a do Governo Lula, que oficialmente declarou
que: "a decisão do governo boliviano de nacionalizar as riquezas de seu subsolo e controlar
sua industrialização, transporte e comercialização é reconhecida pelo Brasil como um ato
inerente a sua soberania". A declaração foi seguida da estratégia de contemporizar, não
responder aos insultos
135
e negociar durante 180 dias, prazo dado para fixação de novos
contratos de E&P. Mesmo porque o Brasil não tinha como recorrer a OMC para solucionar o
caso porque a entidade não tem um mecanismo para proteger investimentos e o Governo
boliviano não tem nenhum compromisso assinado na entidade relativo ao setor de energia.
133
Seus investimentos caíram com o início dos distúrbios sociais. Entre 2003/06 foram de US$ 86,4 milhões.
134
A Petrobras investira US$ 3,6 milhões no desenvolvimento do bloco e precisava investir mais US$ 16,6
milhões. A estatal considerou que, pelos termos do Decreto Supremo 28.701, o investimento não era
compensatório e devolveu o bloco ao Governo Boliviano no início de 2007.
135
Antes da nacionalização Solíz Rada criticara duramente a Petrobras e o Brasil prevendo "as piores coisas que
se pode imaginar" nas negociações com a Argentina e o Brasil, acusados de tratar a Bolívia como uma
"semicolônia". Após a nacionalização, Morales declarou que o Acre fora trocado por um cavalo e que o
Brasil não era um país aliado, enquanto Soz Rada afirmava que a Petrobras era “sonegadora e
contrabandista” e que a Bovia não participaria do Gasoduto del Sur se a Petrobras participasse.
208
6.6.1. Os Interesses Ecomicos
Nem a Petrobras e nem o Governo Brasileiro demonstraram acentuada preocupação
com o petróleo boliviano, porque, segundo a ANP dos 1.737.696 bpd processados pelo país
2005 somente 8.726 bpd (0,5021 %) foram importados da Bolívia, o que pouco representava
para o consumo do Brasil e poderia ser facilmente substituído. Esta posição ficou comprovada
em 2006 quando dos 1.749.422 bpd processados pelo país apenas 6.678 bpd (0,3817 %)
foram importados da Bolívia. Mas, se o petróleo boliviano pouco representava para os
interesses diretos do Brasil, havia grande interesse indireto, porque as negociações
envolvendo a indústria do petróleo poderiam condicionar as conversações envolvendo a
exportação do gás natural, a principal fonte das preocupações brasileiras.
Na indústria do gás natural o primeiro interesse brasileiro também era de base
essencialmente cnica, e dizia respeito à manutenção do fluxo de gás natural por que: 1) o
gás importado é essencialmente metano que além de dispensar tratamento e, portanto, ser
mais barato, é ideal para a queima (industrial ou não) e geração de energia termoelétrica; e 2)
o Brasil não tinha um “plano B”, muito enfatizada pela Aepet na época da assinatura do
contrato de construção do gasoduto. Por questões técnicas é sempre aconselhável ter uma
fonte alternativa de hidrocarbonetos, capaz de compensar com um país a possível perda em
outro. É a potica mais racional, simples e comum no setor de hidrocarbonetos. Conforme
Boccocoli (op. cit.) o erro do Brasil não foi o de confiar seu abastecimento na Bolívia, mas
manter a política sem pensar numa alternativa.
A ausência de alternativas a curto prazo ao gás boliviano evidenciou apenas que o
Brasil não pode abrir mão desse gás sob pena de um “apagão do gás” e que, por questões
técnicas inerentes ao seu transporte (ver capítulo 2), não pode ser substituído de forma
econômica adequada. As reservas de gás natural atuais da Petrobras chegam a 331,021 bilhões
de m
3
, mas cerca de 40 % estão localizadas em alto-mar nas Bacias de Campos e de Santos e
seu aproveitamento tem exigido enormes investimentos e grande esforço técnico da Petrobras.
O segundo interesse é o mercadológico, neste caso a importação, em razão do elevado
grau de dependência do insumo boliviano. A tabela 6.5 resume a produção e o consumo de
gás natural pelo Brasil em 2005/06:
209
Tabela 6.5.: O Consumo de Gás Natural no Brasil em 2005/06
Produção e Importação (Mm
3
/dia)
2005 2006
Produção Nacional 48,49096 48,51003
Importação da Bolívia 23,69315 25,51781
Importação da Argentina 0,95767 1,30068
Total Importado 24,65082 26,81849
Total Disponível para o Consumo 73,14178 75,32852
Consumo (Mm
3
/dia)
Consumidor Origem do Gás Natural Consumido em 2006
Brasil Bolívia Argentina Total %
Indústria Petrolífera
Reinjeção 8,68474 0,00000 0,00000 8,68474 11,5292
E&P 7,68529 0,00000 0,00000 7,68529 10,2023
UPGN 7,53907 0,00000 0,00000 7,53907 10,0082
Queima/Perda 5,07317 0,00000 0,00000 5,07317 6,7348
Produção de GNL 3,25512 0,00000 0,00000 1,43134 4,3213
Refino de Petróleo 1,50593 0,00000 0,00000 1,50593 1,9991
Total Parcial 33,74332 0,00000 0,00000 33,74332 44,7949
Indústrias
Petroquímica - - 0,00000 6,49359 8,6205
Ferro Gusa e Aço - - 0,00000 3,20904 4,2601
Cerâmica - - 0,00000 2,61660 3,4736
Papel e Celulose - - 0,00000 1,62630 2,1589
Alimentos e Bebidas - - 0,00000 1,62339 2,1551
Metais Não Ferrosos - - 0,00000 1,53337 2,0356
Co-Geração - - 0,00000 1,16715 1,5494
Têxtil - - 0,00000 0,96997 1,2876
Mineração - - 0,00000 0,75507 1,0024
Cimento - - 0,00000 0,05227 0,0693
Ferro Ligas - - 0,00000 0,00581 0,0077
Outras Indústrias - - 0,00000 4,19446 5,5682
Total Parcial 10,71268 13,53434 0,00000 24,24702 32,1884
Geração de Energia Elétrica 1,53931 6,15724 1,30068 8,99723 11,9439
Automotivo 1,36203 4,92594 0,00000 6,28797 8,3474
Residencial 0,34395 0,30587 0,00000 0,64982 0,8626
Comércio 0,26481 0,29164 0,00000 0,55645 0,7388
Setor Público - - 0,00000 0,15972 0,2120
Agropecuária - - 0,00000 0,01162 0,0154
Outros 0,37259 0,30278 0,00000 0,67537 0,8966
Total Parcial 14,76671 25,51781 1,30068 41,58520 55,2051
Consumo Total 48,51003 25,51781 1,30068 75,32852 100,00
Fontes: ANP, Distribuidoras de Gás, MME e Petrobras
Segundo a ANP, houve um avanço do gás natural na matriz energética brasileira: de
9,3870 % em 2005 para 9,6052 % em 2006. Como se na tabela 6.5 dos 75,32852 mm
3
/dia
de gás natural consumidos pelo Brasil em 2006 26,81849 mm
3
/dia (35,6020 %) foram
importados, mas a importância do gás importado cresce quando se verifica que o maior
consumidor do gás natural produzido no Brasil é a própria indústria petrolífera, dominada
pela Petrobras. Afora a indústria petrolífera todos os outros segmentos consumiram 41,5842
210
mm
3
/dia dos quais apenas 14,7671 mm
3
/dia (35,5995 %) foram disponibilizados pela estatal
sendo 26,81849 mm
3
/dia (64,4905 %) importados. Do total importado 25,51781 mm
3
/dia
(95,1501 %) provenieram da Bolívia e 1,30068 mm
3
/dia (4,8499 %) da Argentina (contrato
Sulgás). Do s boliviano, 24,58200 mm
3
/dia (96,3327 %) eram do contrato GSA; 0,48913
mm
3
/dia (1,9168 %) do contrato Andina-Cuiabá; 0,42116 mm
3
/dia (1,7405 %) do contrato
BG-Comgás e 0,00255 mm
3
/dia (0,0100 %) do contrato CGS (Centro-Oeste Gás e Serviços
Ltda, que entrou em vigor em agosto de 2006). Verifica-se também que houve aumento de
7,7012 % no montante importado da Bolívia (de 23,69315 mm
3
/dia em 2005 para 25,51781
mm
3
/dia) e que por Estados a dependência é ainda maior: o gás natural boliviano abastece 50
% do mercado de Minas Gerais, 70 % do mercado do Rio Grande do Sul, 75 % do mercado de
São Paulo e 100% do mercado de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná e Santa Catarina.
Segundo a ANP os maiores consumidores de gás natural no Brasil, dois deles
interessam diretamente ao Governo, são os seguintes:
1. A indústria petrolífera: que consumiu 33,74332 mm
3
/dia (44,7949 %). Quase todo o
montante foi absorvido pela Petrobras, que produz o próprio gás natural de que necessita.
Também, por razões técnicas e de segurança todo o volume consumido tem origem nacional.
2. As Indústrias: que consumiram 24,24702 mm
3
/dia de gás natural (32,1884 % do total). São
cerca de 2.300 indústrias que investiram milhões de lares na conversão para o gás natural e
um corte no fornecimento ou elevação dos custos poderia comprometer de forma significativa
a competitividade do produto brasileiro no mercado internacional.
Neste segmento está à petroquímica, indústria que interessa diretamente ao Governo
porque, as a privatização, o Sistema Petroquisa deixou de atuar como planejadora e
arquiteta da política industrial do setor o que, acompanhado pela abertura comercial, pelo
encolhimento das proteções tarifárias e pelo fim do subsídio à nafta da Petrobras (no ano
2000) deixou a indústria petroquímica nacional exposta à concorrência dos similares
importados e desfavoreceram os novos investimentos
136
(D’Ávila, 2005).
Mesmo após a reestruturação ocorrida no ano 2000 não existem petroquímicas de
grande porte totalmente integradas e verticalizadas (a semelhança do que ocorre nos EUA,
Europa e Japão) no Brasil (que produz 3 milhões de toneladas/ano de eteno, cerca de 3 % da
produção mundial), sendo comum à presença de uma mesma empresa nos três grandes pólos o
que, aliado aos cruzamentos acionários, constituem um dos fatores que tem prejudicado o
136
Braskem, Copesul, e PQU tem capital majoritário nacional e atuam nas indústrias de geração; a Braskem,
Ipiranga, Oxiteno e Petroflex, também de capital majoritário nacional atuam nas indústrias de 2ª
geração. EMNs como a Basell, Dow, Rhodia, e Solvay atuam nas indústrias de 2ª e na 3ª geração.
211
planejamento de médio e longo prazos da indústria e a tomada de decisões importantes na
direção da expansão da produção e da geração de inovações tecnológicas, com sérios reflexos
na competitividade do setor como um todo (D’Ávila, op. cit.).
Segundo D’Ávila (op. cit.) três fatores que dependem da Petrobras influenciarão a
expansão competitiva da petroquímica brasileira e a manutenção da sustentabilidade do
negócio em um mundo globalizado. O primeiro são os impactos ambientais de novos
empreendimentos junto aos tradicionais centros industriais.
O segundo está na construção de novas plantas e investimentos em P&D. No primeiro
caso a própria Petrobras está construindo duas plantas que devem utilizar o gás natural: o
Comperj (um investimento de US$ 8,3 bilhões) e a UFN-3 (um investimento de US$ 833
milhões) que produzirá 1 milhão de ton/ano de uréia e US$ 760 mil ton/ano de amônia a partir
de 2012. No segundo caso, a médio prazo, afigura-se que, devido à globalização, a expansão
da petroquímica brasileira se dará com apreciável, senão maca, importação de tecnologia,
porém em condições mais custosas e menos flexíveis que àquelas conseguidas durante a
vigência do modelo do “tripé econômico”, quando o licenciador também era sócio do
empreendimento. Embora em algumas empresas de capital nacional as estruturas de P&D
(montadas com incentivos governamentais durante o período militar), tenham evoluído para
eficientes centros de pesquisa (como ocorreu na Braskem e Oxiteno), tradicionalmente o nível
de investimentos em P&D no Brasil é baixo inferior, em média, a 1 % do faturamento. A
conseqüência é que entre 1992/00 as petroquímicas nacionais depositaram no Instituto
Nacional de Propriedade Industrial, apenas 34 patentes (sendo 16 da Braskem e 11 da
Oxiteno) contra 4.491 patentes das petroquímicas de capital estrangeiro.
Ações governamentais recentes poderão contribuir para promover o desenvolvimento
tecnológico do setor petroquímico brasileiro. alguns anos o CNPq fomenta a interação
universidade-indústria-órgãos de financiamento governamentais. A Medida Provisória n
o
66,
de agosto de 2002, amplia os incentivos fiscais a P&D. Além disso, a expansão da pós-
graduação nas áreas de Química e de Engenharia Química na última década e as recentes
renovações dos laboratórios dos centros universitários de excelência, em particular aquelas
realizadas no Rio de Janeiro (COPPE/UFRJ) e São Paulo (Fapesp) e com o apoio da
Petrobras, colocam à disposição da indústria interessada no desenvolvimento tecnológico
mão-de-obra altamente qualificada e um parque moderno e sofisticado com equipamentos de
pesquisa, favorecendo a realização de P&D no ps com diminuição de custos.
212
Terceiro, a capacidade da Petrobras em fornecer matérias-primas para a indústria
petroquímica, já que a estatal detém o virtual monopólio da produção e importação da nafta
(70 % da produção nacional e 20 % da importação) e da produção, importação e tratamento
do gás natural nacional e importado (cerca de 100%).
Como a elasticidade do consumo de combustíveis é bem menor do que aquela dos
petroquímicos, a garantia de suprimento de nafta às novas unidades petroquímicas e aos
aumentos de capacidade das existentes tem de ser adequadamente equacionada, inclusive
contando com a necessidade de eventuais importações de matéria-prima. Por outro lado, para
abastecer novos los que eventualmente venham a optar pelo gás natural como matéria-
prima, a petroquímica terá de disputar espaço de fornecimento com os outros clientes que
utilizam o insumo, especialmente àquele oriundo da Bovia.
Conforme Netto (2007) duas indústrias são as mais vulneráveis as flutuações da oferta
de gás natural, a despeito de o serem as maiores consumidoras. A primeira é a do vidro, e
calcula-se que 95 % das indústrias do setor converteram seus processos para o gás natural,
para o qual não há alternativa. A Saint-Gobain, por exemplo, investiu US$ 11,11 milhões para
adaptar três fábricas. Uma reconversão custaria US$ 1 milhão e demoraria seis meses
A segunda é a cerâmica e calcula-se que 55 % das indústrias do setor converteram
seus processos para o gás natural. Aqui as margens para reconversão são menores que na
indústria do vidro devido aos custos e sucateamento dos equipamentos. A Eliane
Revestimentos Cerâmicos, por exemplo, investiu US$ 1,11 milhão em equipamentos de gás
natural (que supre 100 % da sua demanda de energia) e a reconversão foi estimada em US$
2,78 milhões.
Na siderurgia a vulnerabilidade é variável. A Gerdau utiliza apenas 2,4 % de gás
natural, podendo substituí-lo facilmente por combustíveis alternativos. Entretanto, a Belgo
consome 8,2 mm
3
/dia e apenas a unidade de Piracicaba (SP) depende do gás boliviano, mas a
dependência é elevada: 2,8 mm
3
/dia (34,1463 % do seu consumo).
No setor de fundição o uso também é restrito. A Brasil Verde, de Minas Gerais, adotou
gás natural para operar um forno rotativo. Na Fundição Tupy o gás responde por 18% da
matriz como parte de alguns processos, como o aquecimento de fornos.
O setor de alumínio que individualmente é o maior consumidor de energia elétrica do
país (consome cerca de 10 %) também depende muito pouco do gás natural.
Conforme Saturnino Sérgio, diretor do Departamento de Infra-Estrutura (Deinfra) da
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), além da vulnerabilidade dos setores
213
mais expostos, a indústria que dependia do insumo já operava no limite do que poderia pagar
pelo gás natural boliviano.
3. A geração de energia etrica: que consumiu 8,99723 mm
3
/dia (11,9439 %). Aqui também
há forte interesse do Governo. Como vimos no capítulo 5, a introdução do s natural na
matriz energética foi proposta no Governo Collor e implementada no Governo FHC.
Inicialmente o plano do Governo previa que a Petrobras seria fornecedora de gás natural para
as termelétricas, ficando a geração a cargo de terceiros. Entretanto, a estatal não seguiu
qualquer diretriz governamental e mesmo antes de concluído o Gasbol havia ativado duas
termoelétricas a gás junto à suas refinarias. A estatal tomou a decisão de investir em
termoelétricas porque a instria do gás natural es na confluência entre a indústria do
petróleo e da energia elétrica, porque investir em termoelétricas é uma tendência da IMP e
porque na época o mercado brasileiro de s natural era insipiente e o investimento no gás
natural boliviano se justificaria se houvesse um mercado consumidor capaz de demandar o
insumo de forma constante. Assim, a Petrobras moveu-se no sentido de assegurar o mercado
para o próprio produto (Szklo, Mathias & Oliveira, op. cit.).
Hoje 80 % do consumo das termoelétricas a gás natural é suprido pelo insumo
boliviano e segundo a ANEEL, em 2006 a produção de energia elétrica do Brasil chegou a
96,634 milhões de mW/ano dos quais apenas 21,194 mW/ano (21,9322 %) foram geradas por
termoelétricas. Destes, 11,345 mW/ano (11,7402 %) foram gerados pelas 109 termoelétricas a
gás natural sendo que 6,955 mW/ano (7,1972 %) foram geradas pelas 18 usinas a s
comerciais (apresentadas na tabela 6.6) e 4,390 mW/ano (4,5429 %) foram gerados por 91
usinas de co-geração (localizadas junto às unidades industriais).
Tabela 6.6. Termelétricas Comerciais a Gás Natural
Usina Localização Consórcio (%) Potencia (mW) Investimento
Atual Prevista (US$ milhões)
Em Operação
AES Uruguaiana Uruguaiana/RS AES + BNDES (100,00) 640 640
Camari Camaçari/BA Chesf (100,00) 360 360
Canoas Canoas/RS Petrobras (100,00) 180 500 110
Eletrobold Seropédica/RJ Enron (100,00) 380 380
Fafen Camaçari/BA EDP (80,00%) 130 134
Petrobras(20,00%)
Macaé Merchant Macaé/RJ El Paso (100,00) 970 970
Ibiritermo Ibirité/MG Edison (50,00) 240 720 180
Petrobras (50,00)
Juiz de Fora Juiz de Fora/MG Cataguazes (50,00) 103 143
214
Alliant (50,00)
Norte Fluminense Macaé/RJ Light (90,00) 780 780 480
Petrobras (10,00)
Nova Piratininga São Paulo/SP Petrobras (80,00) 590 880 310
EMAE + Petros (20,00)
MPX Termoceará Fortaleza/CE MDU+MPX (100,00) 240 270 137
Termo Bahia Mataripe/BA Petros+ABB+A&A (71,00%) 190 810
Petrobras(29,00%)
Termo Cuiabá Cuiabá/MT Shell+Enron(100,00) 480 530
Termo Fortaleza Fortaleza/CE Neoenergia (100,00) 343 343
TermoPernambuco Recife/PE Neoenergia (100,00) 500 500
Três Lagoas Três Lagoas/MS Petrobras (100,00) 240 350 160
UEG Araucária Araucária/PR El Paso (60,00) 469 469 330
Copel (20,00)
Petrobras (20,00)
W. Arjona Campo Grande/MS Tractebel (100,00) 120 194
Total 6.955 8.973
Em Construção
Coteminas Natal/RN Coteminas (100,00%) 100
Santa Cruz RJ Furnas (100,00) 400
Termo Açu Vale do Açu/RN Petrobras (80,00) 1.309
Neoenergia (20,00)
Termo Pantanal Cuiabá/MS MPX (100,00) 70
Termo Rio Duque de Caxias/RJ Petrobras (50,00) 1436
NGR+PRS (50,00)
Total 3.315
Em Estudo
CCBS SP Marubeni (73,00) 200
Petrobras (27,00)
DSG Paulínia SP DSG (100,00) 492
DSG MOGI-GUAÇU SP DSG (100,00) 985
Total 1.677
Fonte:MME, Petrobras
A produção termoelétrica é essencial, porque se sabe que: 1) se faltar gás natural,
muitas indústrias que utilizam o insumo apenas para a co-geração podem optar pela conversão
para consumir a energia elétrica oriunda das outras fontes; 2) o modal de geração hidroelétrica
(base do sistema elétrico brasileiro) não recebe investimentos substanciais a pelo menos 20
anos e o sistema nacional não tem capacidade ociosa instalada, operando no limite a pelo
menos 8 anos; 3) se hoje começasse um amplo programa de construção de usinas
hidroelétricas elas o entrariam em operação antes de 8 ou 10 anos; e 4) que o sistema
elétrico nacional é totalmente interligado. Neste caso, o colapso de um único subsistema
215
poderia iniciar um efeito dominó, atingindo várias regiões (ou mesmo todo o país) o que, por
extensão, prejudicaria todos os setores econômicos da região, mesmo os que pouco ou nada
dependem do gás natural.
4. O transporte veicular: que consumiu 6,28797 mm
3
/dia (8,3474 % do total). o cerca de
1.252.245 veículos leves (automóveis e utilitários) que perfazem apenas 5,4939 % desta
parcela da frota (22.793.250 veículos) e 5,1598% da frota total do país (de 24.269.166
veículos), que consumiram gás natural na forma de GNV. Como apenas veículos leves e
utilizam gás natural, uma eventual cancia do insumo não afetaria o transporte de carga.
5. Residências: que consumiram 0,64982 mm
3
/dia (0,8626 %).
6. Comércio: que consumiu 0,55645 mm
3
/dia (0,7388 %).
7. Setor público (como hospitais): que consumiu 0,15972 mm
3
/dia (0,2120 %).
8. Agropecuária: que consumiu 0,01162 mm
3
/dia (0,0154 %).
9. Outros consumidores (como panificadoras) que consumiram 0,67537 mm
3
/dia (0,8966 %).
Afora a indústria do petróleo o único segmento 100 % assegurado pelo Governo
Federal contra a carência de gás são as termoelétricas, desta forma, o Brasil depende de todo o
gás natural produzido internamente e/ou importado e a falta ou redução da oferta de uma ou
de outra fonte implicará num possível contingenciamento para todos os outros setores.
O terceiro interesse é manter e ampliar a produção de gás natural na Bolívia porque
cinco fatores indicam que o Brasil necessita e necessita que o Gasbol esteja operando à
carga xima (30 mm
3
/dia), o que, segundo informação da ANP, Petrobras e YPFB ocorre
apenas em determinadas épocas do ano, mas nunca de forma contínua, embora a Petrobras
sempre tenha pagado pelo volume, por força do contrato take or pay. Em primeiro, temos as
dificuldades de o Brasil encontrar um (ou mais de um) fornecedor de gás natural na América
do Sul ou em outro continente. No primeiro caso, todos os potenciais exportadores
apresentam algum problema: na Argentina à pequena capacidade exportadora, no Peru as
reservas conhecidas são insuficientes e na Venezuela há a dificuldade de transporte. No
segundo caso as dificuldades advém do fato do mercado brasileiro de s natural não ser
completamente estruturado, variando em função da demanda termoelétrica. Isto dificulta a
compra de GNL com os fornecedores internacionais, que preferem contratos longos e
esveis. Desta forma enquanto o mercado é estruturado (tarefa conduzida pela Petrobras) o
abastecimento tem que ser confiado à produção interna e ao gás boliviano.
O segundo fator é que o gás natural boliviano é importante porque, além de chegar ao
Brasil já contendo as frações nobres (sem as quais a indústria gasquímica não se viabiliza) ele
216
contém maiores porcentagens de metano, gás de síntese das petroquímicas instaladas. Do
metano são obtidas a amônia (base dos fertilizantes), GLP, hidrogênio e metanol (base das
oleofinas). Ademais, como o gás boliviano apresenta baixa porcentagem de frações nobres é
necessária à importação integral dos 30 mm
3
/dia para viabilizar a escala nima da planta
gasquímica planejada pela Petrobras e pela Braskem.
O terceiro fator, revelado por Luiz Pinguelli Rosa é que havia no Brasil um déficit de
gás natural antes da nacionalização boliviana e que, segundo Jerson Kelman (diretor-geral da
Aneel) havia um racionamento oculto no gás" que não se manifestara apenas porque a
maioria das termoelétricas não estavam ligadas e se isto fosse feito, não haveria gás para
todos porque o Brasil simplesmente não tinha o insumo em quantidade suficiente para todas
as suas termoelétricas. Mais grave ainda, como a prioridade do Governo é garantir, em caso
de necessidade, o fornecimento de gás natural para as termoelétricas para evitar uma nova
crise no sistema de energia elétrica poderia haver um contingenciamento no gás natural, que
já existia segundo o presidente da Associação Técnica Brasileira das Indústrias Automáticas
de Vidro, Lucien Belmonte, que informava que empresas como Braskem, Vale do Rio Doce e
a Companhia Siderúrgica de Tubarão estavam sendo afetadas em benefício das termelétricas
(Baldez, 2006 e Canzian, 2006). A crise se manifestou no dia 20 de novembro de 2007
quando a Petrobras teve que cortar o fornecimento de gás natural para as indústrias e ativar as
termoelétricas porque a carência de chuvas afetara a geração de energia hidroelétrica.
O quarto fator é precisamente a questão termoelétrica. Mesmo com os incentivos
introduzidos pelo Governo Federal para estimular o uso dessas usinas, até 2006 o
desenvolvimento do mercado para este tipo de energia era moroso em virtude da estrutura do
mercado e da regulamentação do setor de energia, entre outras coisas. Ainda existem certos
riscos relacionados aos negócios de energia termoelétrica, entre eles: o fato da contratação de
geração de energia termoelétrica ser feita a longo prazo e vendida por meio de leilões
137
promovidas pelo governo brasileiro; a possível disparidade entre a indexação do preço
contratado para energia a ser vendida por termoelétricas; o custo do gás natural ou outro
fornecimento de combustível substituto; a dependência da construção de dutos e outra infra-
estrutura para transportar e produzir gás natural e o compromisso de comprar quantidades
fixas de gás natural para satisfazer a exigência para geração de energia.
Fato é que importância das termelétricas deve crescer a partir de 2007, resultado da
paralisia dos investimentos em hidrelétricas. Das 23 concessões autorizadas entre 2000/01
137
Nesses leilões públicos, o governo fixa um valor máximo para a energia. Se as empresas acharem que o preço
o pagará o investimento elas adiam ou desistem dos investimentos.
217
para a construção de novas hidrelétricas, nenhuma saiu do papel porque, segundo os
investidores, a remuneração (preço da energia) fixada pelo Governo Lula não é atrativa. Sem
essas obras, o país dependerá cada vez mais das termoelétricas. No leilão promovido pelo
governo em 2006, 70 % do pregão foi dominado pelas fontes térmicas. Dos 30 % restantes, de
energia hidrelétrica, dois terços foram assumidos basicamente por estatais, as únicas que
aceitaram os preços fixados pelo governo (Canzian, op.cit).
O quinto fator é que as projeções indicam um avanço do gás na matriz energética. De
fato, a Petrobras sistematicamente eleva suas estimativas de crescimento de demanda anual de
gás natural pelo Brasil em seus planos estratégicos: de 11,3 % a.a. em 2003; 14,2 % a.a. em
2004 e 19,4 % a.a. em 2007, prevendo que o consumo do Brasil será de 134 mm
3
/dia em 2012
sendo 43,9 mm
3
/dia (32,7611 %) consumidos pelos domicílios, transporte, etc; 42,1 mm
3
/dia
(31,4179 %) consumidos pela indústria e pela petroquímica; e 48,0 mm
3
/dia (35,8209 %)
consumidos pelas termoelétricas.
Em 2006, Sérgio Gabrielli (o Presidente da Petrobras) alertava que o “Brasil não
suporta ter um mercado de gás crescendo 20% ao ano" porque a capacidade da estatal
atender à demanda é limitada, em virtude das restrições no abastecimento, infra-estrutura de
transporte e distribuição que ainda está em desenvolvimento. A situação é grave porque em
todos seus prognósticos a Petrobras prevê a confluência satisfatória de quatro fatores: 1)
haverá expansão da rede de transporte de s natural; 2) haverá crescimento da produção
interna; 3) será estruturado um modelo de importação de GNL; 4) o Gasbol esoperando à
carga xima (Planos Estratégicos da Petrobras).
O site do MRE reproduz declarações onde a diretora de Gás e Energia da Petrobras,
Maria das Graças Foster, avalia que o gás boliviano é extremamente importante para o Brasil
a longo prazo: "No nosso planejamento a 2012, contabilizamos 30 milhões de metros
cúbicos diários de gás boliviano", afirma ela. "Então, precisamos considerar a continuidade
de desenvolvimento dessa produção porque a Bolívia é nossa parceira, nossa vizinha e
porque sabemos trabalhar naquela região".
6.6.2. Os Interesses Políticos
Em um sentido mais amplo os interesses políticos do Brasil começavam pela proteção
dos interesses dos brasileiros residentes na Bolívia, bem como na preservão do seu papel de
líder regional e na continuidade do seu projeto de integração da América do Sul. Neste caso,
218
desde a sua posse Lula articulava a união da CAN e Mercosul na CSAN, o que estava pondo à
prova a capacidade de negociação brasileira devido às desavenças existentes bentre os países.
O Paraguai estava insatisfeito com o Mercosul, e aproximou-se dos EUA assinando
um acordo para a construção de uma base militar norte-americana com capacidade para
16.000 soldados próxima a Tríplice Fronteira (Argentina-Brasil-Paraguai).
O Uruguai também estava insatisfeito com o Mercosul e em visita a Washington seu
presidente, Tabaré squez, expressou o desejo de retirar seu país do bloco, participando
apenas como membro associado (a exemplo de Bolívia, Chile e o Peru). Isto implicaria que o
Uruguai faria parte de uma zona de livre comércio e teria a liberdade de assinar um acordo de
livre comércio com os EUA, o que, pelos cálculos do governo, dobraria as exportações do
país em dois anos. Além disso, os uruguaios estavam insatisfeitos com a atuação brasileira na
“guerra das papeleiras travada com a Argentina. O Uruguai contava com a mediação do
Mercosul, mas o presidente Lula apenas conversou informalmente com a presidente da
Finlândia e o governo argentino vetou qualquer mediação internacional.
Além das ameaças de defecções havia os problemas no CAN. As relações entre
Colômbia e Venezuela eram tensas porque o presidente colombiano Álvaro Uribe é o maior
aliado dos EUA na América do Sul e Chávez o maior crítico, além disso, Uribe acusa Chávez
de apoiar as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia.
Peru e Venezuela também estavam em choque porque Chávez acusou o governo
peruano de ser fantoche dos EUA e prometeu retirar seu embaixador de Lima se o ex-
presidente Alan García vencesse a eleição de 28 de maio de 2006.
Por fim, como a Colômbia e o Peru assinaram acordos de livre comércio com os EUA,
Chávez anunciou a retirada da Venezuela da CAN.
Especificamente, o Brasil o podia permitir a retirada a Petrobras da Bovia porque,
em função do tamanho da estatal na economia do país, o ato poderia gerar uma violenta crise,
como demonstrou o episódio das refinarias, ademais, o cuo deixado poderia ser ocupado
por outra companhia, o que poderia destruir o projeto de integração regional esboçado pelo
Governo FHC e desejado pelo Governo Lula. O temor surgiu quando um funcionário da
Petrobras Bolívia, que pediu anonimato, revelou que funcionários da estatal venezuelana
PDVSA solicitavam, em nome da YPFB, acesso às instalações da Petrobras, o que, em sua
interpretação, significava que a PDVSA fornecera o suporte técnico para a nacionalização,
fato posteriormente confirmado por Jorge Alvarado, presidente da YPFB (Pamplona, 2006).
219
Quarta maior companhia petrolífera do mundo, a PDVSA
138
havia aberto um escritório
na Bolívia em 23 de janeiro de 2006 e no mesmo dia assinara com a YPFB um acordo de
cooperação para desenvolver a infra-estrutura para processo dos hidrocarbonetos. Pouco
depois, Morales manifestou seu apoio à Alternativa Bolivariana de las Américas (ALBA),
firmada em 2004 entre Chávez e o presidente cubano Fidel Castro. Entre 28/29 de abril de
2006 teve lugar em Havana um encontro entre os presidentes Evo Morales, Fidel Castro e
Hugo Chávez onde Morales aderiu a Alba e assinou o Tratado de Comercio de los Pueblos. A
presença da PDVSA no país, a rapidez dos entendimentos com a YPFB e o apoio imediato de
Hugo Chávez a nacionalização de Evo Morales levantaram as suspeitas de que o presidente
venezuelano mais uma vez utilizava a estatal como instrumento de sua "petrodiplomacia".
As suspeitas foram confirmadas em 10 de maio de 2006 quando Solíz Rada anunciou
que no dia 18 do mesmo mês seriam assinados convênios entre a PDVSA e YPFB. Pelos
documentos a PDVSA se comprometia a investir cerca de US$ 1,5 bilhão no país a partir de
2008: seria criada a Petroandina (joint venture entre a PDVSA e YPFB) para desenvolver a
atividade de upstream e comercialização de derivados; seria construída uma unidade de
separação de gás natural orçada em US$ 50 milhões (no departamento de Santa Cruz); e seria
construída uma planta petroquímica em Villamontes (Departamento de Tarija). Além disso,
seriam fornecidas bolsas de estudos para a formação, na Venezuela, de mão-de-obra para o
setor de hidrocarbonetos, em particular para a petroquímica. Finalmente, estudava-se a
construção de uma fábrica de asfalto que usaria o petróleo pesado venezuelano e daria
respaldo ao programa de recuperação e construção de rodovias em gestação no governo da
Bolívia
139
. Chávez também anunciou que a PDVSA daria a Bolivia participação maior do que
os 51 % previstos na legislação, pelo menos em relação à unidade de separação de gás natural,
mesmo que a estatal local não pudesse custear sua parte do investimento (Pamplona, op. cit).
Não passou despercebido ao Governo brasileiro que o montante prometido pela
PDVSA à Bolívia é idêntico ao investido pela Petrobras, nem que o desejo do Governo
Morales de construir uma unidade de processamento deverá, através da retirada das frações
nobres do s natural, empobrecer o insumo entregue a Petrobras. Fonte diplomática
informou que esse assunto é, potencialmente, o maior conflito entre Brasil e Bolívia porque a
138
Esta posição se deve em função da Venezuela possuir a quarta maior reserva de petróleo (100 bilhões de
barris) e a nona maior reserva de gás natural (4,148 trilhões de m
3
) do mundo.
139
Morales e Chávez também assinaram convênios nas áreas agrícola (o Banco de Desenvolvimento Econômico
e Social da Venezuela Bandes - liberou US$ 100 milhões para um fundo de apoio aos pequenos
produtores bolivianos), mineral (criação da estatal boliviana Minerosur) e social (Pamplona, op. cit.).
220
decisão compromete os projetos petroquímicos da Braskem e da Petrobras, além de impedir
que o Brasil obtenha receitas de aproximadamente US$ 1,5 bilhão com a venda de polietileno.
Carlos Miranda Pacheco, ex-ministro de Hidrocarbonetos da Bolívia explicou que para
viabilizar seu intento o Governo Morales precisa renegociar as especificações do produto com
a Petrobras ou descumprir o contrato de fornecimento e que "sem o etano que segue hoje para
o Brasil, esse plano da Braskem e da Petrobras não se viabiliza. Não existe insumo suficiente
para dois projetos petroquímicos; ou é um, ou é outro" (Pamplona, op. cit., s/pág.).
Além da Venezuela não faltaram outros interessados nos hidrocarbonetos bolivianos, a
começar pela Argentina que se apressou em anunciar investimentos na Bolívia, a serem
realizados pela estatal recém-criada Energia Argentina SA (Enarsa SA). A Argentina foi bem
sucedida na estratégia de introduzir o s natural como combustível na matriz enertica e
dispõe de uma indústria relativamente madura (construída nos anos 70), e seu interesse no gás
natural boliviano está no fato de que o país atravessa problemas de abastecimento desde o ano
2000 (o país consome 180 mm
3
/dia de gás natural) porque as operadoras o realizaram os
investimentos para atender a expansão da demanda, desestimuladas pelo congelamento do
preço do gás (por razões econômicas e políticas). Além da conjuntura desfavorável o cenário
futuro é preocupante para os argentinos porque a demanda esem forte expansão.
Desta forma, em 23 de maio de 2006 o presidente argentino Néstor Kirschner e o
presidente boliviano Evo Morales, assinaram em Buenos Aires um novo acordo sobre o gás
natural onde a Argentina pagaria US$ 5,50 por milhão de BTU. Depois, em 16/10/06 a
Argentina assinou um segundo contrato com a Bolívia no qual se comprometeu a construir o
Gasoducto Nordeste Argentino (GNEA) para abastecer as províncias argentinas de Chaco,
Corrientes, Entre Rios, Formosa, Missiones e Salta. Pelo documento, válido por 20 anos, o
gasoduto terá 1.475 km e capacidade de transportar 27,7 mm
3
/dia, a um preço inicial de US$
5,00 o milhão de BTU, devendo estar pronto em janeiro de 2010.
Como após a nacionalização a YPFB passou a controlar a comercialização de todo o
gás boliviano e os 27,7 mm
3
/dia prometidos a Argentina são aproximadamente equivalentes
ao que o Brasil importa hoje da Bolívia, a Cera apontou num relatório que:
“A competição entre Argentina e Brasil pelos recursos escassos bolivianos no
médio e curto prazo poderia colocar a Bolívia numa posição mais forte para pedir
novos reajustes de preços na medida em que ela será incapaz de atender
plenamente aos volumes dos dois contratos de exportação pelo menos a 2010”
(Gall, op. cit., s/pág.).
221
O Chile também demonstrou interesse no gás natural boliviano porque o país importa
todo seu gás natural da Argentina através de cinco gasodutos que juntos podem transportar 17
mm
3
/dia. Porém, desde 2003, com os problemas de abastecimento da Argentina, os gasodutos
o subutilizados, transportando apenas 5 mm
3
/dia. Para resolver seus problemas o Chile está
construindo uma usina de regasificação (de US$ 400 milhões) para importar GNL da
Austrália e aventou a possibilidade de importar gás da Bolívia, mas David Choquehuanca
informou que primeiro era necesrio “resolver o problema marítimo” (Gall, op. cit.).
Os bolivianos também retomaram as conversações com os norte-americanos (a
despeito da rejeição da população e de muitos membros do Governo Morales) informando que
assinariam quatro convênios, dois deles com a Predator Technologies: um para E&P de novas
jazidas de gás e outro para estudar a construção de três unidades GTL em parceria com a
GTL-Bolívia (orçadas em US$ 1 bilhão e a serem instaladas Cochabamba, Santa Cruz e
Tarija). O terceiro convênio foi assinado com a World Business, relativo à retomada dos
planos de exportação de gás para os EUA (investimento previsto em US$ 5 bilhões, incluindo
o gasoduto e a unidade de liquefação no Chile ou Peru), que seria realizado em bases
diferentes do Pacific LNG, pois caberia a YPFB controlar o empreendimento. O quarto
convênio foi assinado com a Shaw Group, que investirá na E&P de novas reservas. A
princípio estes novos projetos de exportação para os EUA seriam realizados com o gás natural
em campos inativos, já que quase toda a produção local está comprometida com a Petrobras.
Fora da América do Sul, a francesa TotalFinaElf anunciou um investimento de US$
1,8 bilhões para desenvolver o megacampo de It (que se descobriu ser contíguo ao de San
Antonio), enquanto a espanhola Repsol-YPF, anunciou (com o apoio do governo espanhol) a
retomada dos investimentos. Finalmente, a gigante russa Gazprom também anunciou que
poderia investir entre US$ 2 a 3 bilhões no desenvolvimento dos campos de hidrocarbonetos
bolivianos e pelo menos duas empresas petrolíferas chinesas de menor porte manifestaram seu
interesse em investir no país.
Além da concorrência a presença da Petrobras na Bolívia tinha outra implicação
internacional importante: o Paraguai reiniciara as pesquisas de hidrocarbonetos no Chaco
Boreal. Em 2 de agosto de 2005 o Paraguai anunciava que uma sociedade formada entre a
CDS Energya SA e Primo Cano Martinez SA encontrara gás natural no poço exploratório
Independencia 1 localizado em Gabino Mendoza, fronteira com a Bolívia. Descobriu-se que o
poço é contíguo ao poço de La Vertiente, localizado em Tarija, a apenas 100 km de distância,
e é próximo aos megacampos de San Alberto e San Antônio da Petrobras (Ayala, 2006).
222
A segunda questão era preservar os outros investimentos da Petrobras realizados no
restante da América do Sul, cujo resumo das operações é vista na tabela 6.7:
Tabela 6.7: Mapeamento das Operações da Petrobras na América do Sul
Argentina Chile Colômbia Equador Paraguai Peru Uruguai Venezuela
Petróleo
Upstream X - X X - X - X
Midstream X - - X - - - -
Downstream X - - - - - - -
Gás Natural
Upstream X - - - - - - -
Midstream X - - - - - - - -
Downstream X - - - - - - -
Energia Elétrica X - - - - - - -
Petroquímica X - - - - - - -
Fonte: Elaboração Própria
Uma reação enérgica do Brasil poderia ser vista como prova do “imperialismo”
brasileiro e possível justificativa para ões contra o patrimônio da estatal em outros países
num momento que o continente dava mostras de repúdio ao neoliberalismo e voltava-se para
os partidos de esquerda, normalmente favoráveis às nacionalizações.
Na Argentina o relacionamento da Petrobras com o Governo era tempestuoso,
ocasionado pelo nacionalismo do Governo Néstor Kirchner e porque a estatal não realizara os
investimentos de US$ 1,45 bilhão programados. Julio De Vido, Ministro do Planejamento da
Argentina, alertara que os contratos da estatal no país seriam "seriamente afetados" se a
empresa não realizasse os "investimentos necessários" e que não seriam permitidas
manifestações de uma empresa nas políticas soberanas do país em resposta a Gabrielli, que
pedia um reajuste nos preços do gás e dos combustíveis líquidos na Argentina.
No Equador a estatal era acusada de cometer crimes ambientais na reserva indígena de
Yasu (onde opera os Blocos 18 e 31). A tensão quanto ao futuro das petrolíferas no país
agravou-se com a ascensão do governo esquerdista de Rafael Correa e a rescisão do contrato
de E&P com norte-americana Oxy (que produzia 20% do petróleo do país), acusada de fraude
contábil e contrabando. Depois, em 7 de outubro de 2007 os equatorianos também elevaram
de 50% para 99% os royalties pagos pelas petrolíferas que operam no país.
223
O Peru estava em pleno período de campanha eleitoral presidencial onde o candidato
Ollanta Humala (que contava com apoio de Hugo Chavéz) liderava as pesquisas de opinião e
uma dos pontos de sua plataforma era a revisão dos contratos das petrolíferas.
Afinal, a Venezuela iniciara o processo de nacionalização da Faixa do Orinoco em
abril de 2006, concldo em 1º de maio de 2007
140
.
A luta entre Petrobras (leia-se Brasil) e PDVSA (leia-se Hugo Chávez) tem nuances
bastantes interessantes. As duas companhias estão construindo em Pernambuco uma refinaria
em parceria fifth/fifth onde cada estatal investe US$ 2 bilhões. Ademais, em 19 de março de
2007 a Petrobras (em parceria com a Braskem e Grupo Ultra) comprou o Grupo Ipiranga por
US$ 4 bilhões depois de utilizar seu poder de lobby junto ao governo Lula
141
, impedindo que
a PDVSA (com a qual a Ipiranga negociava a dois anos por intermédio do economista Darc
Costa) entrasse no mercado de hidrocarbonetos brasileiro (Góis, 2007).
Além disso, a Petrobras informou que terá que rever seu Plano Estratégico 2020
devido à descoberta do Campo Tupi na Bacia de Santos anunciada em 8 de novembro de
2007, fato que teve impactos tecnológicos, econômicos, estratégicos e políticos imediatos. No
plano tecnológico apenas ressaltou a capacidade da Petrobras, bem como os elevados custos
da atividade de E&P. A pesquisa exploratória
142
teve início a 2 anos quando os testes
indicaram a exisncia de um campo de petróleo localizado em lâmina d´agua de 2.000 m sob
uma camada pré-sal (abaixo de um sedimento de sal) de 6.000 m de espessura, o que exigia
uma perfuração jamais realizada pela Petrobras. Foram abertos 15 poços exploratórios a um
custo total de US$ 1 bilhão (custo médio de US$ 67 milhões por poço), sendo que o primeiro
poço exploratório demorou um ano para ser aberto e consumiu US$ 240 milhões. Até 2008 a
Petrobras deve abrir 32 poços a um custo total de US$ 1,9 bilhão (cerca de US$ 59,375
milhões por poço) e se calcula que o campo estará desenvolvido apenas em 2014.
Na parte econômica a Petrobras estima que o campo tenha entre 5 e 8 bilhões de bpe
de teor médio (28º API), devendo alçar o Brasil da 2 para a 8ª ou 9ª posição no ranking dos
países com maiores reservas de hidrocarbonetos. Além disso, em um dia as ações ordinárias
140
Nos meses subseqüentes à nacionalização boliviana a Petrobras iniciou uma ofensiva nesses pses: em
1/10/07 Gabrielli assegurou a Argentina que realizaria os investimentos programados, adicionando mais
US$ 2,8 bilhões para o período 2008/12. No Equador a estatal anunciou investimento de US$ 160
milhões em 2006 e mais US$ 500 milhões entre 2007/09 a ser feito em parceria com a Petroecuador. No
Peru o candidato vitorioso Alan García solicitou que estatal firmasse uma parceria com a Petroperu e
começasse a explorar gás natural. Em 14/01/08 o consórcio Repsol-YPF/Petrobras/Burlington
anunciava a descoberta de um grande campo de gás (cerca de 56 bilhões de m
3
) na região de Cuzco.
141
O Grupo Ultra ficou com a rede de postos do Rio Grande do Sul e oeste de Santa Catarina. A Braskem ficou
com 60% do setor petroquímico e a Petrobras ficou com 40% do setor petroquímico, com a refinaria e a
rede de postos a partir do Paraná.
142
O campo é operado por uma sociedade formada pela Petrobras (65%), BG (25%) e Petrogal (10%).
224
da Petrobras sofreram valorização de 16,73 % e as preferenciais 16,44 % transformando-a na
companhia mais valiosa do continente (atrás da ExxonMobil, GE, Microsoft e AT&T, com
valor de mercado de US$ 221,9 bilhões) e na maior companhia petrolífera do mundo.
Na parte estratégica, a ministra da Casa Civil Dilma Roussef imediatamente informou
que o CNPE retiraria os 41 blocos localizados dentro do campo na licitação a ser realizada
pela ANP entre os dias 27 e 28 de novembro de 2007, alegando que assim agindo o Governo
defendia o “o interesse e a soberania nacional” (Miranda, 2007).
Na parte potica em 28/11 a eno presidente eleita da Argentina Cristina Kirchner
visitou o Brasil e numa de suas reuniões encontrou-se com o presidente Lula e o presidente da
Petrobras Sérgio Gabrielli. Foram travadas conversações no sentido de ampliar a participação
da Petrobras no upstream na Plataforma Continental argentina, exteno natural da camada de
sal onde a estatal descobriu o Campo Tupi.
Além dos problemas políticos de relacionamento com os vizinhos o agravante era que
(como vimos no capítulo 3) os números da Petrobras reforçam o Balanço Geral da União, e
possíveis nacionalizações podem afetar não apenas as contas da estatal, mas também o
relacionamento do país com os órgãos de financiamento internacionais.
A terceira questão refere-se ao anel gasífero regional, vislumbrado pelo Itamaraty
quando da assinatura do acordo de compra de gás com a Bolívia e posteriormente expandido
no âmbito do IIRSA. O anel gasífero deve interligar duas malhas independentes de gasodutos,
devendo depois de concluído configurar a integração do sistema sul-americano de gás natural.
A primeira malha é a nacional e seu projeto de integração foi apresentado em 2004
pela Petrobras. A estatal previu sua conclusão num prazo de 20 anos, período em que serão
investidos US$ 5 bilhões para expandir e interligar seu sistema de gasodutos e agregar 4.000
km de gasodutos configurando uma malha que cruzará o País de norte a sul, pelo litoral e pelo
interior. O projeto está sendo desenvolvido em quatro etapas. A primeira etapa é a construção
do Gasene (orçado em US$ 3,9 bilhões financiados por grupos japoneses) e interligará as
malhas Sudeste e Nordeste de dutos e a ampliação da rede de transporte de gás entre Minas
Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e o Nordeste. Foi feita uma alteração importante no traçado
da malha de gasodutos no Nordeste que passará pelo sertão dos Estados de Alagoas, Paraíba,
Pernambuco e Rio Grande do Norte e não mais pela região litorânea. Por isso mesmo, o novo
gasoduto já está sendo conhecido informalmente como “Gasbode”.
A segunda etapa, prevista para daqui a dez anos, é a construção do Gasoduto da
Unificação, projeto que liga o Gasbol à Região Norte, passando por Brasília. O traçado ainda
225
não está definido, podendo sair de Campo Grande (MS) ou de São Carlos (SP) e terminar em
Belém (PA) ou São Luiz (MA). Uma perna Sul também poderá ser construída para levar o gás
boliviano até Alegrete (RS), passando pelo interior dos três Estados da Rego Sul.
A terceira etapa prevê a interligação das reservas de gás do Amazonas, primeiro com o
sistema interligado de gasodutos brasileiros e, depois, na quarta etapa, a interligação com o
campo de Camisea, no Peru e com os campos da Venezuela, o que integraria em definitivo o
sistema sul-americano de transporte de gás natural, projetando uma segurança energética para
o sub-continente que será ímpar no mundo por sua auto-suficiência e também por ser
integrada por países com idêntica base cultural (Costa, 2005).
A segunda malha é a internacional, que deverá ser articulada com a malha nacional e
interligar os gasodutos (existentes e a serem construídos) que cruzam a Argentina, Bolívia,
Brasil, Chile, Peru e Uruguai.
A possibilidade de estabelecer a interconexão intercontinental dos gasodutos da
América do Sul surgiu com as operações gasíferas na Argentina país que possuí um sistema
integrado de gasodutos (que corta o país nos sentidos norte-sul e leste-oeste) e está conectado
com o sistema de gasodutos boliviano, hoje operado pela Repsol-YPF. A posição estratégica
da Petrobras já era clara quando ela assumiu o comando da Refinor, que utiliza matéria-prima
oriunda deste gasoduto, assumindo a responsabilidade do tratamento e separação do gás capaz
de abastecer as principais cidades do norte argentino, e teve uma ascensão vertiginosa com a
compra da Pecom e a conseente absorção dos ativos da TGS, um dos dois principais
sistemas de gasodutos da Argentina (o outro é o TGN) que tem 7.419 km e capacidade de
transportar até 62 mm
3
/dia suprindo cerca de 60 % do consumido pelo país. Com o aval do
MME, a estatal atua (desde 2005) no sentido de ampliar o sistema TGS, para o qual obteve
US$ 285 milhões junto ao BNDES garantidos por uma sociedade formada pelo Banco de La
Nación e outros produtores de gás. O controle da TGS torna a Petrobras importante também
para outras duas partes interessadas: Chile e Uruguai. No caso do Chile a Petrobras abastece o
complexo industrial Methanex em Punta Arenas e Concepción. Am dos investimentos que a
estatal pode fazer para ampliar a capacidade de exportação argentina beneficiando os vizinhos
existe um outro desejo, o de concluir o projeto Mercosur.
O mapa 6.3 mostra os projetos de integração gasífera da América do Sul:
226
227
Alternativa proposta em 2003 por Argentina e Peru e que envolveria também Brasil e
o Uruguai o projeto Mercosur conta com o apoio do BID e prevê a construção de um gasoduto
ligando Pisco no Peru à Tocopilla no Chile de onde é possível fazer a conexão com o sistema
de gasodutos da Argentina e deste país para os outros dois parceiros. Os idealizadores do
projeto calculam que o gasoduto custaria cerca de US$ 2,5 bilhões e poderia transportar entre
30 a 35 mm
3
/dia, dos quais 17 mm
3
/dia poderiam descer para a Argentina, cabendo ao Brasil
o direto de receber entre 5 e 7 mm
3
/dia.
Argentinos e chilenos fazem questão que a Petrobras participe de alguma maneira do
empreendimento e querem também que o acordo para o projeto seja aprovado pelos governos
e pelos parlamentos dos quatro países, para que haja mais segurança jurídica.
No caso do Uruguai a Petrobras fornece gás natural para o país e em 22 de dezembro
de 2004 penetrou no mercado ao comprar 55 % da Conecta, a companhia encarregada de
distribuir gás no interior do país. Do ponto de vista econômico o minúsculo mercado uruguaio
é pouco atraente, mas não é o mais interessante. O Uruguai é estratégico para a construção do
ramal do gasoduto Uruguaiana-Porto Alegre (discutido por uma comissão bilateral Argentina-
Brasil), que completaria o anel de gás interligando Argentina, Bolívia, Brasil, Chile e Uruguai
e concretizaria o projeto de unir as jazidas argentinas ao mercado brasileiro. Este gasoduto
também tem o objetivo de abastecer a planta petroquímica da Petrobras em Triunfo.
Outro negócio que tem atraído a atenção da Petrobras é que o Uruguai deseja que a
estatal participe na exploração de gás natural na sua Plataforma Continental. A descoberta de
gás na costa marítima uruguaia foi feita de modo acidental por um barco russo que fazia
levantamentos smicos para o governo em 2002 revelando que a 100 milhas da costa (180
km) gás numa área de 7.000 km
2
. o se conhece o tamanho real das jazidas, mas a
Petrobras foi convidada a fazer pesquisas smicas, mesmo porque a esta distância da costa a
profundidade média é de 1.500 m, onde apenas a Petrobras consegue operar.
Também se discute a construção de um anel de gasodutos entre Argentina, Bolívia e
Brasil. O projeto prevê a construção de outros dois gasodutos interligados ao Gasbol. O
primeiro, orçado em US$ 3,5 bilhões é o Gasoduto da Integração (Gasin) que cruzaria o sul
do Paraguai, a zona norte da Argentina e entraria no Brasil pelo estado de Santa Catarina. O
outro gasoduto, orçado em US$ 350 milhões ligaria o Gasbol à Argentina, por meio de um
ramal Porto Alegre-Uruguaiana.
228
Um complemento aos planos da Petrobras é a construção do Gasoducto del Sur
143
,
proposto por Hugo Chávez que deveria cruzar a América do Sul ligando as reservas de gás da
Patagônia às reservas da Venezuela, aproveitando a malha de gasodutos existentes e a ser
construída. O gasoduto teria 9.283 km e capacidade de transportar a150 mm
3
/dia de gás
natural e foi orçado em US$ 23 bilhões e uniria as maiores reservas da região (venezuelanas)
a região sul onde está concentrado o mercado consumidor (70 % da população) e a maior
demanda, que se encontram na iminência da importação.
A construção do anel gasífero é inconcebível sem a Bolívia, porque a Petrobras
moldou o projeto no sistema elétrico brasileiro, onde uma rede de 70 mil quilômetros conecta
bacias hidrográficas com regimes hídricos distintos, o que aumenta extraordinariamente a
segurança e a eficiência do sistema. Assim, ao mesmo tempo em que o anel reduziria a
vulnerabilidade do país pelo gás natural boliviano e aproveitaria a rede de dutos existentes,
eliminando a ociosidade do sistema, haveria a interligação e o aproveitamento das reservas
dos países envolvidos, compensando as dificuldades de E&P num país com as facilidades em
outro, porque se sabe que a Bolívia tem a segunda maior reserva de s natural da América do
Sul (com perspectiva de crescimento) enquanto as jazidas brasileiras são de difícil exploração,
a Argentina apresenta dificuldades de abastecimento e a reserva peruana de Camisea é de
tamanho médio (cerca de 340 bilhões de m
3
). Além disso, com a recém-descoberta da mega-
reserva de gás natural na bacia de Santos, o objetivo brasileiro com a obra, no médio prazo,
seria passar da condição de importador de gás a exportador para outros países do continente,
que se interligariam a essa rede principal de grandes produtores.
Após a nacionalização boliviana a Petrobras anunciou medidas para desestimular o
uso do s natural em indústrias, comércio e veículos e antecipou o Plangás (um investimento
de US$ 22,4 bilhões a ser realizado no âmbito do PAC) para acelerar o desenvolvimento das
reservas de gás natural das Bacias de Campos, Espírito Santo e de Santos, que por razões
técnicas não ocorrerá antes de 2008. Além disso, em 2007 foi anunciada a construção de 2
plantas GNL: uma no Ceará (em Pecém, que deve processar 6 mm
3
/dia de gás) e outra no Rio
de Janeiro (na Baía da Guanabara, que deve processar 14 mm
3
/dia de gás), e foram assinados
cinco pré-contratos de compra de GNL: com a Marubeni (Japão), Nigerian LNG (Nigéria),
Sonatrach (Argélia), Suez Global LNG (Bélgica) e TotalFinaElf. Este gás deverá começara a
chegar ao Brasil apenas em 2009.
143
Os funcionários da Petrobras cognominaram o gasoduto de “transpinel”. A referência é óbvia.
229
A despeito dessas iniciativas, na prática, por motivos econômicos e políticos, a
presença da Petrobras na Bolívia era importante tanto para este país como para o Brasil, o que
resultou em dois movimentos capazes de assegurar o bom relacionamento entre os dois
países. O primeiro movimento, concretizado em 15 de fevereiro de 2007 ocorreu durante um
encontro entre Morales e Lula em Brasília quando a Petrobras aceitou um aditivo ao GSA
estabelecendo uma nova fórmula (sugerida pelos bolivianos) para apurar o preço do gás
natural. Pelo documento, a estatal concordou em pagar a mais pelo gás natural que exceder o
poder calórico de 8.900 kcal/m
3
. Isto remunera as frações nobres presentes no insumo uma
vez que o gás natural importado da Bolívia tem poder calórico médio de 9.200 kcal/m
3
.
Conseqüentemente, além de aumentar o preço do gás em 8 % (de US$ 4,20 para US$ 4,50 por
milhão de BTU) fora das condições previstas em contrato o acordo garante receitas adicionais
de US$ 100 milhões/ano para a Bolívia e viabiliza os projetos petroquímicos da estatal. Neste
caso a Petrobrás concordou em retomar seu projeto de construção de um pólo gás-químico na
fronteira dos dois países, em parceria com a Braskem (um investimento de US$ 3 bilhões). Os
custos do reajuste foram absorvidos pela Petrobras porque o repasse às distribuidoras depende
de autorização da ANP. Apenas os contratos novos incluírão o novo preço do gás natural.
O ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau admitiu a presença do componente
geopolítico no acordo. Segundo ele: Tínhamos de achar uma fórmula. A Bolívia é o país que
tem a maior fronteira com o Brasil e não seria interessante que houvesse problemas internos
no país” (MME). Na ocasião, outros acordos acertados pelo Governo Brasileiro incluíram:
1. O reajuste de 285,3211 % (de US$ 1,09 para US$ 4,20 por milhão do BTU) no preço do
gás fornecido a termoelétrica Governador Mário Covas (contrato Andina SA-Cuiabá)
responsável por 70 % da energia do Estado de Mato Grosso, o que representará uma receita
adicional de US$ 65 milhões/ano à Bolívia;
2. A construção de uma usina de biodiesel (investimento de US$ 50 milhões) que deve utilizar
a soja boliviana como matéria-prima. A medida deve beneficiar os produtores brasileiros
instalados na Bolívia, que estavam ameaçados pela reforma agrária de Evo;
3. Um pacote de auxílio para controlar a aftosa na Bolívia, que inclui: o envio de missões
técnicas para ajudar na melhoria dos controles sanitário e fitossanitário e doar 3 milhões de
vacinas à Bolívia, como meio de evitar o alastramento da doença no Brasil.
4. O Brasil prometeu estudar a construção de uma usina hidrelétrica binacional no Rio
Madeira, de uma ponte entre os dois países e de uma rodovia entre La Paz e o Norte do país.
230
O segundo movimento foi o retorno dos investimentos da Petrobras na Bolívia,
processo que teve início em novembro de 2007, quando a estatal aventou a hipótese de formar
uma sociedade com a YPFB para atuar no upstream. A Petrobras também iniciou negociações
(avalizada pelos Governos boliviano e brasileiro) com a TotalFinaElf (que anunciou a
intenção de encerrar suas operações na Bolívia) para assumir o desenvolvimento do campo de
Ipati e o megacampo de Itau, cujos direitos de operação pertencem a companhia francesa.
No mês seguinte, em 15 de dezembro, Lula reuniu-se em La Paz com Evo Morales
assinando um acordo que prevê investimento de US$ 750 milhões a US$ 1 bilhão da
Petrobras para expandir a produção de hidrocarbonetos do país. Estes recursos devem ser
destinados à ampliação da produção de San Alberto, San Antonio e ativação do campo de
Ingre (um investimento de US$ 36 milhões) de forma acrescentar mais 10 mm
3
/dia de gás
natural à produção do país até 2011. Estes investimentos têm como objetivos assegurar o
fornecimento dos 30 mm³/dia de gás natural ao Brasil e assegurar parte do fornecimento de
gás contratado pela Argentina, que deverá ser transportado pelo GNEA.
O presidente brasileiro também anunciou que o Brasil construiria uma ferrovia entre
Cochabamba e Santa Cruz e destinará US$ 1 bilhão à construção do Corredor Interoceânico,
um complexo rodoviário unindo Bolívia, Brasil e Chile. Para viabilizar este projeto Lula
patrocinou um encontro entre o presidente boliviano e a presidente chilena Michelle Bachelet,
para que o Chile disponibilize o porto de Arica aos brasileiros e bolivianos.
Depois que Lula garantiu a Morales que a Petrobras continuaria atuando na Bolívia a
Braskem e a YPFB assinaram um Memorandum de Entendimento” para estudar a
viabilidade da implantação de uma planta de polietileno no Departamento de Tarija, junto aos
campos de gás natural da Petrobras. Conforme o art. 4 as partes “se comprometen a realizar
los majores esfuerzos para obtener de los gobiernos del Brasil y de Bolivia el apoyo para el
estudio y possible implementación del proyeto”.
Concluídas as conversações o Itamaraty não ocultou que: "a Petrobras e o governo
boliviano já tiveram posições conflitantes na questão do gás", mas que "depois de muitas
negociações" ficou acertada a permanência da estatal na Bolívia por mais 30 anos, ou seja, até
2036. Logo depois o Governo boliviano anunciou o investimento de US$ 1,262 bilhão no
setor de hidrocarbonetos para 2008
144
, cabendo a Petrobras o terceiro maior montante.
144
As empresas que anunciaram investimentos foram a YPFB (US$ 364,8 milhões), Repsol-YPF (US$ 296,2
milhões), Petrobras (US$ 262 milhões), Chaco SA (US$ 215 milhões), Pluspetrol (US$ 58,7 milhões),
BG (US$ 39 milhões), Dong Wong (US$ 15 milhões) e Vintage (US$ 11,3 milhões). Também foram
anunciados investimentos adicionais de US$ 200 milhões a serem realizados pela Petrobras, PDVSA,
Repsol-YPF e governo do Irã.
231
CONCLUSÃO
Iniciaremos nossa análise conclusiva retomando a pergunta apresentada na introdução:
quais os possíveis interesses econômicos e políticos de Bolívia e Brasil que impediam a
Petrobras de se retirar da Bolívia, após este país decretar a nacionalização dos
hidrocarbonetos em 2006? Admitimos como hitese que, com base nos hidrocarbonetos
bolivianos, ambos os países definiram estratégias econômicas e políticas específicas que
ficariam comprometidas, senão inviabilizadas, com a saída da Petrobras da Bolívia.
Acreditamos que esta hipótese ficou plenamente demonstrada uma vez que, como ficou
evidente neste estudo, a presença da Petrobras na Bovia tornou-se uma questão fundamental
para as relações internacionais deste país e do Brasil porque, a partir do momento em que
comou a operar em território boliviano, a estatal estabeleceu uma densa rede de interesses
econômicos e poticos para cada país em particular e entre eles.
Quanto aos interesses econômicos da Bolívia é necessário lembrar que,
historicamente, a economia do país se estruturou em torno da produção e exportação de
matérias-primas, processo em que a população ingena sempre participou sem obter um
retorno condizente. A partir desta base excludente ergueu-se toda a estrutura política/social do
país. Quando as minas de estanho esgotaram-se nos anos 80 a Bolívia encontrou na produção
e exploração do gás natural uma das poucas, senão a única, alternativa capaz de manter
intocada sua matriz econômica/política/social, opção que, por sua vez, seria viabilizada
com a participação das EMNs, tendo em vista a total carência econômica e técnica da YPFB.
Com base nesta constatação dois fatores puderam ser observados. Em primeiro lugar a
presença da Petrobras no país tornou-se importante porque, ao viabilizar a exportação do gás
natural, a estatal manteve o padrão histórico de acumulação e preservou a estrutura econômica
da Bovia. Em segundo lugar fatalmente uma companhia estrangeira assumiria a
proeminência na economia boliviana, visto que o setor de hidrocarbonetos foi confiado às
EMNs. Este papel coube a Petrobras porque, ao atender o desejo do Governo brasileiro e sua
própria política corporativa de envolver-se na Bolívia, a estatal ocupou o centro de uma
complexa teia que envolve toda a indústria do petróleo e toda a indústria do gás natural e
acabou dominando de tal forma o setor produtivo boliviano que sua possível saída poderia
levar a economia do país ao colapso.
Especificamente quanto aos hidrocarbonetos devemos recordar dois aspectos técnicos
examinados no capítulo 2: 1) a atividade de upstream do gás natural é escopo do petróleo e; 2)
232
à exceção do upstream a cadeia do gás natural é diferente da cadeia do petróleo. Desses
aspectos surgem duas conseqüências: 1) embora seja possível dissociar as negociações
atinentes ao gás natural das negociações atinentes ao petróleo, na prática é muito difícil de
fazê-lo; e 2) por conta dessa dificuldade de dissociação as negociações envolvendo o petróleo
podem condicionar as negociações envolvendo o gás natural.
Partindo dessas conseqüências podemos dizer que as preocupações bolivianas em
relação aos hidrocarbonetos eram de duas espécies. A primeira espécie, menos visível e que
passou relativamente despercebida no Brasil na época da nacionalização era referente ao
petróleo. Isto aconteceu porque ao assumir o controle do setor de hidrocarbonetos boliviano a
Petrobras também passou a ser a maior produtora de petróleo do país sua saída poderia
comprometer a produção, o refino e a distribuição de petróleo e derivados da Bolívia. Isto, a
exemplo do caso do s natural, poderia afetar negativamente toda a economia boliviana,
tendo em vista a importância do petróleo para as sociedades modernas.
A segunda espécie de preocupação, muito mais visível durante o processo, dizia
respeito à importância da Petrobras na indústria do gás natural boliviano porque a estatal
viabilizou a exportação do insumo para o Brasil. Porém, eram bem menos conhecidas duas
outras implicações desta atuação. A primeira estava no fato de que, por razões de ordem
técnica, mercadológica e política (a resistência da própria população em aceitar negociar com
o Chile e EUA), a o momento os bolivianos têm apenas uma alternativa para exportar seu
gás com sucesso: o Brasil. A segunda estava no fato de que, por controlar os dois únicos
megacampos de gás natural da Bolívia, a Petrobras era a única EMN em condições de
produzir volumes de gás natural em quantidades suficiente para viabilizar uma política
exportadora de grande monta e a única em condições de realizar um antigo desejo boliviano: a
industrializão do gás natural.
Quanto aos interesses políticos da Bolívia, no caso específico deste país eles surgem
como um complemento natural dos interesses econômicos porque as rendas necessárias ao
país e, por conseguinte, responsáveis pelo estabelecimento do seu destino político e social,
foram vinculadas às receitas advindas do setor de hidrocarbonetos como um todo e da
exportação de gás natural em particular, com o agravante extremamente preocupante de ter
legado a responsabilidade de conduzir a política do setor de hidrocarbonetos a terceiros, sobre
os quais o país tinha precário controle. Assim, criou-se um mecanismo no qual a estabilidade
política/social do país ficou vinculada a repartição da renda advinda com a exportação de
233
hidrocarbonetos de forma que, além do colapso econômico, a saída da Petrobras poderia
acarretar no colapso do país político/social do país.
Por fim, a presença da Petrobras na Bolívia é importante porque o país, sempre tendo
como base a exportação do gás natural, traçou seu próprio projeto de integração sica com o
restante da América do Sul, projeto que o terá como avançar sem o auxílio econômico e
tecnológico das EMNs.
Vale ressaltar aqui ainda que, do ponto de vista político, no episódio da nacionalização
houve a recorrência de certos temas, em especial a contestação de origem
simlica/sentimental expressa pelo nacionalismo boliviano, exacerbado quando se trata de
hidrocarbonetos. A divisão da sociedade boliviana, a realidade de pobreza, o sentimento de
injustiça e exploração entre os mais desafortunados, bem como a desconfiança ao elemento
estrangeiro têm concretas raízes históricas profundas e sempre interferiram nas negociações
com o Brasil. Os bolivianos (e outros povos da América do Sul) sempre suspeitaram que os
brasileiros desejavam impor sua própria versão do “imperialismo”, embora a debilidade
econômica os obrigasse a negociar com os não menos imperialistas EUA, e recomendasse
uma política de diálogo e aproximação com o Brasil.
Porém, também cabe lembrar que neste momento para a Bolívia transpareceram duas
vantagens ausentes nas nacionalizações anteriores. A primeira delas é a legitimidade política,
pois a nacionalização foi feita por um presidente democraticamente eleito, sobre os ombros do
qual a parcela de excluídos da população depositou uma grande esperança e que foi
conduzido ao poder pela conjunção de alguns movimentos sociais que estavam unidos em
torno de objetivos comuns. As nacionalizações anteriores, apesar de festejadas, foram feitas
por ditadores menos comprometidos com os anseios populares. A segunda vantagem advém
do quase instantâneo apoio político dado por Hugo Chávez a Morales, que pôde contar com o
suporte econômico e técnico da PDVSA.
Quanto aos interesses econômicos do Brasil inicialmente recordaremos ipsis literis
(com a intenção de reforçar a ênfase) que vale para este país o que foi dito anteriormente
em relação à indústria de hidrocarbonetos quando se examinou os interesses econômicos
bolivianos: 1) a atividade de upstream do gás natural é escopo do petróleo e; 2) à exceção do
upstream a cadeia do gás natural é diferente da cadeia do petróleo. Desses aspectos surgem
duas conseqüências: 1) embora seja possível dissociar as negociações atinentes ao gás natural
das negociações atinentes ao petróleo, na prática é muito difícil de fazê-lo; e 2) por conta
234
dessa dificuldade de dissociação as negociações envolvendo o petróleo podem condicionar as
negociações envolvendo o gás natural.
Desta forma, constatou-se que, a semelhança do que aconteceu com a Bolívia,
surgiram preocupações de duas espécies. A primera preocupação estava relacionada ao
petróleo, mas ao contrário da Bolívia, o era uma questão atinente ao domínio exercido pela
Petrobras sobre a produção dessa matéria-prima no país, porque era ínfima a participação do
petróleo boliviano no consumo do Brasil. A preocupação quanto ao destino da instria do
petróleo boliviano estava no fato de que a negociação envolvendo este insumo poderia
condicionar a negociação envolvendo o s natural. Tal vinculação pôde ser verificada na
prática em dois momentos, na negociação envolvendo os contratos de upstream e durante o
episódio que resultou na venda das refinarias da Petrobras para a YPFB.
A segunda preocupação, para a qual convergiram todas as atenções do Brasil, estava
na solução do problema envolvendo a produção e exportação de gás natural, em função da
elevada dependência do ps pelo insumo boliviano. Mas aqui, por maior que tenha sido o
desconforto brasileiro, o fato é que não era possível alegar que a nacionalização fora uma
atitude surpreendente e inesperada, a começar pela simples exisncia de antecedentes
inquietantes. A Bolívia já nacionalizara os hidrocarbonetos outras duas vezes (em 21 de
dezembro de 1936 e 17 de outubro de 1969), precisamente em contextos de aguda tensão
econômica e social, cenário que voltou a se manifestar a partir de 2002.
Aos antecedentes agregaram-se os alertas. Ainda durante o Governo Itamar Franco,
quando da assinatura do primeiro contrato de importação de gás natural, surgiram as primeiras
dúvidas dos especialistas sobre a conveniência de se confiar o suprimento brasileiro de gás
natural à Bolívia, mostrando que nunca se desvaneceram de todo os temores brasileiros de
que, uma vez comprometida a Petrobras num projeto envolvendo o aproveitamento dos
hidrocarbonetos bolivianos, a instabilidade econômica típica do país pudesse desencadear
uma reação em cadeia que resultasse em instabilidade social, seguida de instabilidade política,
que tivesse como resultado final uma drástica alteração unilateral das regras acertadas em
contrato e o patrimônio da estatal nacionalizado na primeira oportunidade. Os alertas foram
repetidos durante o Governo FHC, quando se acertou o contrato final para a construção do
Gasbol, mas aparentemente ninguém no governo prestou atenção ou quis acreditar nos
possíveis riscos que o Brasil corria. Quando os sinais de instabilidade na Bolívia surgiram em
2002 havia algum tempo para o Brasil articular uma alternativa, porém, o tempo começou a se
esgotar rapidamente após a realização do Referendum Vinculante de 18 de julho de 2004,
235
ocasião em que por maioria esmagadora a população boliviana manifestou-se a favor da
retomada do controle do setor de hidrocarbonetos por parte do Estado. O prazo do Brasil para
ensejar uma alternativa já havia se esgotado por ocasião da campanha para eleição
presidencial boliviana, quando uma possível nacionalização foi pauta de todos os candidatos.
As advertências dos críticos foram lembradas após a nacionalização, ocasião também em que
se aproveitou para fazer notar que a posição brasileira estava fragilizada somente porque o
governo fora negligente ao não buscar uma alternativa para o gás natural boliviano.
Neste caso o Brasil devia ter prestado um pouco mais de atenção no exemplo
argentino. Desde 1972 a Argentina recebe gás natural boliviano e nunca houve a interrupção
de fornecimento nem por um dia, a despeito da Bolívia ter apresentado a instabilidade política
característica. Além de representar uma fonte considerável de receita para os bolivianos os
argentinos tinham a seu favor o fato de possuir fontes internas de gás natural, localizadas em
Neuquém e na Patagônia (ou seja, eles tinham o plano “B”) e que poderiam ser utilizados
como trunfo na mesa de negociações caso os bolivianos interrompessem o fornecimento.
De toda sorte a presença da Petrobras na Bolívia o era apenas importante porque o
Brasil não dispunha de alternativas, não podendo prescindir por apenas um instante do insumo
boliviano, mas também porque a proeminência da estatal na economia brasileira fora
reforçada em dois sentidos. No sentido industrial, quase toda a indústria de hidrocarbonetos
nacional (refino, a indústria gasquímica, a geração de energia termoelétrica a partir do gás
natural e o fornecimento do GNV) depende de alguma forma da estatal, tendência que foi
reforçada com os natural. Mais grave ainda, como a perspectiva é a de aumentar a
participação do s natural na matriz energética brasileira, se depender da Petrobras, para os
próximos 30 anos o gás natural importado da Bolívia continuará sendo vital para a economia
do Brasil. No sentido financeiro devemos lembrar que, para o FMI, as contas da Petrobras
reforçam os números do Balanço Geral da União, o que ajuda a melhorar a posição
negociadora do Brasil frente ao sistema creditício internacional.
Entretanto, não se verificaram a concretização de dois antigos temores brasileiros. Em
primeiro a internacionalização da Petrobras deu-se quando ela possuía robustez
financeira/tecnológico por isso a nacionalização, embora representasse uma perda, não teve
impactos tão negativos como sempre se temeu. Na época da nacionalização os investimentos
da Petrobras na Bolívia eram de pouca relevância para a estatal: representavam apenas 1,42%
do valor de mercado da Petrobras. Na verdade no dia seguinte à nacionalização as ações da
estatal sofreram uma queda de 0,21% para sofrerem uma valorização de 1,77% logo no dia 3
236
de maio, tendência mantida desde então. Ademais, em nenhum momento ficou comprometido
o processo de internacionalização da estatal, que continua se expandido no exterior. O
segundo temor era que em caso de uma reviravolta política na Bolívia, houvesse um
recrudescimento do nacionalismo, seguido da interrupção do fornecimento de gás natural,
perspectiva que afinal não se concretizou, demonstrando que os bolivianos ficaram tão reféns
da exportação do insumo para o Brasil como este da importação da Bolívia.
Finalmente, quanto à própria Petrobras, desgostava-lhe a perspectiva de ter que deixar
a Bolívia (apesar das declarações de que poderia fazê-lo) porque por menores que fossem os
impactos negativos sobre seu capital, valor das ações e processo de expansão, ainda assim
seriam perdas e também porque estavam em jogo outros fatores corporativos como: as
grandes reservas de s que explora no país, as possíveis reservas a serem descobertas, o
domínio do grande mercado brasileiro (atualmente possível apenas porque a estatal tem
acesso as reservas de s bolivianas), a possibilidade de implantar outros projetos (como a
industrializão do gás natural boliviano) e o conhecimento tecnológico que está adquirindo
com a exploração do s natural.
Do ponto de vista político a presença da Petrobras na Bolívia era importante para o
Brasil por pelo menos três razões. A primeira razão é que, desde antes mesmo do início das
operações bolivianas da estatal, o Itamaraty esperava estabelecer, com a construção do
gasoduto, um vínculo mais amplo com aquele país, de forma a transcender a espécie de
relação que se poderia esperar do existente entre um país-produtor e um país-consumidor de
matéria-prima, ou seja, a simples relação centrada na venda e compra de um determinado
insumo. E esta perspectiva era possível de ser concretizada porque, como vimos no
retrospecto histórico apresentado no capítulo 2, uma vez estabelecidos nculos centrados nos
hidrocarbonetos rapidamente os interesses dos países envolvidos ultrapassam a questão
pontual econômica, dispersando-se pelas áreas estratégicas/político/sociais e, talvez tão
importante quanto esta expansão: estes nculos não são facilmente dissolvidos.
A segunda razão é que não era apenas o projeto de integração com a Bolívia que
poderia sofrer duro revés caso o Brasil permitisse que a Petrobras se retirasse daquele país.
Numa perspectiva mais ampla ficariam também seriamente ameaçados dois ambiciosos
projetos brasileiros que tem por objetivo realizar nada menos do que a integração física da
América do Sul. O primeiro projeto é a construção do anel gasífero regional, que terá
chance de funcionar a contento se forem agregadas as reservas bolivianas de gás natural, a
segunda em tamanho da região e cuja perspectiva de crescimento é real. Aqui havia o risco
237
potencial de que uma possível saída da Petrobras da Bolívia abrisse um vácuo que poderia ser
preenchido por uma outra companhia petrolífera de um outro país, que assim assumiria o
controle dos hidrocarbonetos bolivianos. Isto poderia implicar no fato de que o Brasil
subitamente encontraria uma severa restrão para conduzir uma integração gasífera de acordo
com os seus desideratos.
O segundo projeto é o IIRSA, cujos principais eixos de integração poderão ser
construídos com a participação da Bolívia, único país da América do Sul a participar dos três
subsistemas regionais (a Bacia Amazônia, a Bacia Platina e do Subsistema do Pacífico). Neste
caso era necessário manter a Petrobras na Bolívia não apenas em função da construção da
infra-estrutura energética, mas também porque é necessário manter um relacionamento
amistoso (com claras demonstrações de boa-vontade) com os bolivianos para a
implementação de outros projetos de interesse não apenas do Brasil (como a construção de
eixos rodoviários inter-oceânicos), mas também de interesse dos outros países sul-americanos.
A terceira razão é que a nacionalização precedida de uma retirada súbita da Petrobras
da Bolívia poderia ser interpretada como um ato de intolerância brasileira, o que
possivelmente comprometeria o processo de expansão da estatal nos outros países da América
do Sul, em especial Argentina, Peru e Venezuela. Esta expansão interessa ao Brasil, porque
amplia e/ou reforça a presença do país na rego e porque a agregação da infra-estrutura e
reservas de hidrocarbonetos desses países vital para a concretização do anel gasífero e do
IIRSA. Esta interpretação era uma possibilidade plausível porque neste momento verificava-
se a ascensão de vozes que criticavam as privatizações, bem como das forças esquerdistas,
normalmente hostis ao capital estrangeiro.
Assim, por mais desconfianças e divergências que bolivianos e brasileiros tivessem
uns dos outros, uma vez que a Petrobras estabeleceu vínculos entre Bolívia e Brasil os
interesses econômicos e políticos dos dois países tornaram-se tão interdependentes que era
difícil, senão impossível, desfazê-los, de forma que quanto há divergência só existe um
caminho para solucioná-lo: o da negociação.
Existem antecedentes desse comportamento. Houveram rupturas traumáticas
registradas na história da indústria de hidrocarbonetos (México contra Grã-Bretanha e EUA
em 1938; Irã-Grã-Bretanha em 1956; Irã-EUA em 1979; Líbia-EUA em 1969, etc.) em todos
os casos registraram-se pesadas trocas de insultos e juras de vingança de ambas as partes, mas
depois de serenados os ânimos, o resultado sempre foi o mesmo: os países consumidores e
produtores, bem como as companhias, voltaram a negociar, e quase sempre pelo mesmo
238
motivo: ramos industriais inteiros, economias inteiras, civilizações inteiras dependiam do
fluxo adequado de hidrocarbonetos de um lado e lares do outro. Logo ficou claro que não
era mais possível interromper esse fluxo sem terríveis custos para ambos os lados. Mesmo
hoje se assiste a um caso que parece inaugurar um novo paradigma, embora seja mantida a
substância desse relacionamento. Hugo Chávez seguidamente critica e ataca os EUA
acusando-os de “imperialistas”, porém os norte-americanos, ao contrário do que já se
verificou em situação semelhante, ainda não foram às vias de fato. Uma das explicações
talvez esteja no fato de que Chávez não cometeu o erro de interromper o fluxo de petróleo,
nem os EUA de dólares. O mesmo ocorre no relacionamento Bolívia-Brasil. As provocações
podem ser toleradas enquanto um depende do outro, enquanto os lares fluem de um lado e
os hidrocarbonetos de outro. Aparentemente esta espécie de relacionamento entre companhias
e países parece ser assim porque os elementos econômicos/políticos/estratégicos são difíceis
de serem dissociados das petrolíferas em função do seu gigantismo, poderio econômico e
domínio sobre um recurso vital para as modernas sociedades: a energia.
Em todo o episódio da nacionalização observa-se que permaneceu em aberto a mesma
questão que cerca a indústria de hidrocarbonetos desde que ela começou a se
internacionalizar: quem se beneficia mais? Países consumidores dizem que a elevação sem
fim dos preços dos hidrocarbonetos pode levar suas economias ao colapso. Companhias
alegam que investem demais, correm riscos demais e esperam ter recompensas (lucros no
caso) pelos seus esforços. Países produtores alegam que é justo receberem um retorno
adequado por uma riqueza cobiçada como os hidrocarbonetos e que como se sabe tem vida
útil limitada. Mas aqui vem outra questão, quantos países são auto-suficientes e quantos
conseguem explorar tais riquezas por conta própria? Vale lembrar que quando o Estado
assumiu o controle dos hidrocarbonetos (através de nacionalizações ou não) em países como
Arábia Saudita, Irã, México, Venezuela e outros países ele o fez absorvendo os ativos de
companhias que operavam em seus territórios. Até então nenhum deles havia feito qualquer
investimento na área petrolífera, nem tinham condições para tal. No caso Bolívia-Brasil isso é
visível com o Gasbol que custou US$ 2,154 bilhões, um valor que corresponde a 25% o PIB
boliviano, mas que é menos de 5% do valor de mercado da Petrobras. Passível de
financiamento internacional o projeto saiu do papel quando a Petrobras (e não a Bolívia)
deu todas as garantidas exigidas pelos organismos internacionais.
Os argumentos em favor de um e outro poderiam se multiplicar infinitamente sem que
fosse encontrada uma solução satisfatória e na verdade a resposta talvez esteja fora daí. Tudo
239
indica que a solução do problema está mais vinculada ao fato de se a riqueza obtida com os
hidrocarbonetos é ou não é distribuída de modo equânime em todo conjunto da sociedade. Um
exemplo esclarece. A PDVSA é 100% estatal, mas os números de 2006 mostram que 70% da
população venezuelana vive abaixo da linha da pobreza estando 14,9% desempregada, frente
a estes dados quê importa se os hidrocarbonetos do país são explorados pela PDVSA ou por
uma EMN como a Exxon/Mobil, Royal Dutch/Shell ou Petrobras.
Na Bolívia se registrou um fenômeno semelhante. Para privatizar o setor de
hidrocarbonetos os ideólogos neoliberais utilizaram como argumento o fato de que era
necessário o Estado renunciar à prática de interferir na área econômica e permitir que as
EMNs interessadas em realizar investimentos tivessem acesso a ele. Desta forma, em teoria,
as companhias assumiriam os altíssimos encargos inerentes ao setor de hidrocarbonetos em
troca da obrigação de recolher os impostos e taxas relativas ao exercício da atividade. Por seu
turno, caberia ao Estado recolher as rendas obtidas com os hidrocarbonetos e investir estes
recursos de forma a atender as demandas das áreas sociais (educação, saúde, saneamento,
etc.). Assim, o país poderia dedicar-se a tarefa de atenuar a crônica pobreza da população.
Porém, como se verificou, a teoria não se materializou, e os índices indicam que a riqueza se
concentrou nas classes mais favorecidas enquanto a exclusão social aumentou. Novamente, se
a população não tem acesso às rendas, quê importa se os hidrocarbonetos são explorados por
YPFB, ou por uma EMN como a Petrobras, Repsol-YPF e TotalFinaElf.
Para finalizar cinco questões ainda estão em aberto. Primeiro qual foi o grau de
influência do Governo Lula nas decies da Petrobras durante todo o episódio; segundo, se
durante o episódio houve confluência entre os interesses da Petrobras e do Governo
Brasileiro; terceiro, se o relacionamento entre Bolívia e Brasil pode ser conduzido em outros
termos que não envolvam apenas os hidrocarbonetos; quarto quais as lições estratégias e
geopolíticas que o Brasil pode tirar desse processo em função do comportamento não apenas
da Bolívia, mas dos outros atores envolvidos (como Chávez) porque no episódio ficou
bastante questionada a liderança do Brasil sobre a região; e quinto, se desta vez efetivamente
a Bolívia utilizará as rendas advindas com a nacionalização para atenuar a pobreza da
população. São questões que merecem ser acompanhadas pela importância que tem, pelos
interesses envolvidos e porque sinalizam qual o comportamento que o Brasil deve adotar nos
próximos anos frente aos vizinhos na América do Sul.
240
ANEXOS
1. Conceitos Relativos ao Setor de Hidrocarbonetos
API (American Petroleum Institute): medida desenvolvida pelo US National Bureau of Standard´s em 1916
que mede a viscosidade do petróleo. Segundo esta medida se o petróleo tiver viscosidade maior do que 10 ele é
leve e flutua na água, se tiver viscosidade menor do que 10 ele é pesado e não flutua na água.
Conforme este método o petleo apresenta a seguinte classificação:
Petróleo muito leve, sem valor para o refino Acima de 45,0º API
Petróleo dissolvido com gás Entre 40,0º e 45,0º API
Petróleo cru leve Entre 31,1º e 39,9º API
Petróleo médio Entre 22,3º e 31,1º API
Petróleo pesado Entre 10,0º e 22,3º API
Petróleo ultra-pesado Abaixo de 10,0º API
Areias oleoginosas Cerca de 8,0º API
Fonte: elaboração própria
Asfalto ou Betume: é o nome dado ao petróleo encontrado em estado sólido nas condições normais de
temperatura e pressão (25
o
C a 1 atm). É constituído por uma mistura de milhares de compostos químicos, sendo
que no mínimo 90% deles são hidrocarbonetos no estado sólido.
Barril de Petróleo: um barril de petróleo equivale a 42 galões americanos ou exatos 158,98 litros. Antiga
capacidade dos barris de madeira da Pensilvânia, a medida teve origem em 1859 quando, depois que Edwin L.
Drake encontrou petróleo em Titusville, começou uma corrida desesperada em busca do petróleo. Sem qualquer
instalação adequada para estocar o líquido os aventureiros começaram a encher barris de madeira que eram
usados para o whisk.
Bbp: bilhões de barris de petróleo
Bep, Boe ou Bpe (Barril de Petróleo Equivalente): a medida do volume de gás é dada em metros cúbicos (m
3
).
Dividindo os metros cúbicos por 6,28981 teremos o equivalente em barris de petróleo.
Bpd: barris de petróleo por dia;
BTU (British Thermal Unit): medida inglesa utilizada como referência internacional para elaboração de
contratos envolvendo transações com o gás natural. Um milhão de BTUs equivale a 26,81 m
3
de s natural.
Destilão do Petróleo: o mesmo que refino do petróleo.
Downstream: envolve o refino de petróleo e a separação de gás natural, bem como a comercialização e
distribuição de derivados do petróleo e do gás natural.
Gás Liquefeito do Petróleo (GLP): também conhecido como gás de bujão é gás de uso doméstico. Não é o
mesmo que gás natural com o qual não deve ser confundido. Como o nome indica, o gás natural é formado por
processos naturais e é composto basicamente por metano (CH
4
) e etano (C
2
H
6
). O GLP resulta da destilação
fracionada do petróleo, sendo portanto, um produto obtido artificialmente e é composto principalmente por
propano (C
3
H
8
) e butano (C
4
H
10
).
Gás Natural: é o nome dado ao petróleo encontrado em estado gasoso nas condições normais de temperatura e
pressão (25
o
C a 1 atm.). É constituído por uma mistura de milhares de compostos químicos, sendo que no
mínimo 90% deles são hidrocarbonetos no estado gasoso. Por seu estado gasoso e suas características físico-
químicas naturais, qualquer processamento desta substância, seja compressão, expansão, evaporação, liquefação
e transporte, exigirá um tratamento termodinâmico como qualquer outro gás.
O gás natural é encontrado em jazidas subterrâneas ou misturado ao petróleo (quanto é dito “gás
associado”) ou não misturado ao petróleo (quando é dito “gás não associado”).
Os hidrocarbonetos perfazem no mínimo 90% do gás natural e sempre são seus compostos mais
abundantes, sendo que o metano (CH
4
) é sempre o hidrocarboneto mais abundante e principal componente do
s natural. Outros hidrocarbonetos presentes no s natural são o etano (C
2
H
6
), propano (C
3
H
8
), butano (C
4
H
10
)
e pentano (C
5
H
12
). Além dos hidrocarbonetos fazem parte da composição do gás natural outros elementos como
241
o ácido clorídrico (HCl), ácido sulfídrico (H
2
S), água (H
2
O), dióxido de carbono (CO
2
), hélio (He), metanol
(H
3
COH), nitrogênio (N
2
) e impurezas mecânicas. A tabela abaixo mostra as proporções de cada componente:
Componente Proporção
Mínimo ximo Composição Média
Metano (CH
4
) 66% 97,8% entre 91,00% e 95,00%
Etano (C
2
H
6
) 0,5% 24% entre 2,00% e 6,00%
Propano (C
3
H
8
) 0,2% 10,5% entre 0,50% e 2,00%
Butano (C
4
H
10
) 0,1% 7% entre 0,15% e 0,03%
Pentano (C
5
H
12
) 0,01% 0,07% entre 0,01% e 0,07%
Nitrogênio (N
2
) 0,6% 14% entre 0,00% e 1,60%
Hélio (He) 0% 8% entre 0,00% e 4,00%
Dióxido de carbono (CO
2
) 0,1% 6% entre 0,00% e 0,70%
Ácido Sulfídrico (H
2
S) 0,1% 4,5% entre 0,00% e 0,01%
Oxigênio (O
2
) 0,01 0,1 entre 0,00% e 0,02%
Água (H
2
O) traços traços traços
Hidrogênio (H
2
) traços 0,02% traços
Merrio (Mg
2
) traços traços traços
Metanol (H
3
COH) traços traços traços
Outros componentes traços traços traços
Fonte: elaboração própria
A presença e proporção de cada um destes componentes varia mundialmente de campo para campo e
depende fundamentalmente da localização do reservatório, se em terra ou no mar, sua condição de associação ou
o com petróleo, do tipo de matéria orgânica ou mistura do qual se originou, da geologia do solo, do tipo de
rocha onde se encontra o reservatório, etc. O gás natural não associado apresenta maiores teores de metano,
enquanto o s natural associado apresenta proporções significativas de hidrocarbonetos mais pesados (etano,
propano e butano, etc).
As propriedades do gás natural em condições normais de temperatura e pressão são as seguintes:
Propriedade Valores médios
Densidade entre 0,6 kg/m
3
e 0,81 kg/m
3
Densidade média 0,717 kg/m
3
Ponto de fusão -182,50
o
C (90,65
o
K)
Ponto de ebulição -161,45
o
C (111,70
o
K)
Ponto triplo -182,30
o
C (90,85
o
K) a 0,117 atm
Ponto de ignição entre 482 e 632
o
C
Ponto de ignição médio 583
o
C
Temperatura máxima de queima 2.148
o
C
Limite Superior de Explosividade (LSE) presença de 16% por m
3
Limite Inferior de Explosividade (LIE) presença de 4% por m
3
Poder calórico de 8.800 kcal/m
3
a 10.200 kcal/m
3
Equivalência com barril de petróleo 1 mm
3
de gás natural ou 6.981,13 bep.
Solubilidade na água solúvel entre (0,4g e 2g por cada 100g)
Solubilidade solúvel
Fonte: elaboração própria
Não se deve confundir o gás natural com o gás liquefeito do petróleo (GLP) de uso doméstico.
Gás Natural Veicular (GNV): é uma mistura de metano (CH
4
) e etano (C
2
H
6
) e outros aditivos, utilizado como
combustível de veículos automotores.
Hidrocarbonetos: são estruturas químicas que possuem três características fundamentais:
1. São compostos orgânicos formados exclusivamente por carbono (C) e hidrogênio (H);
2. Possuem elevada capacidade de oxidação, processo durante o qual liberam calor.
3. Podem ser encontrados nas três fases: gasoso (como gás natural), líquido (como petróleo) e sólido (como
asfalto ou betume).
Os hidrocarbonetos podem ser divididos em duas grandes famílias alifáticos e aromáticos. Os alifáticos
são subdivididos em cinco grandes subgrupos:
- Alcanos: também chamados de hidrocarbonetos parafínicos. São hidrocarbonetos acíclicos e saturados de
fórmula geral C
n
H
2n+2
, ou seja, tem cadeias abertas e apresentam ligações simples entre seus átomos de carbono.
Podem ser encontrados nos três estados físicos, conforme o número de carbonos:
- Alcenos: possuem fórmula geral C
n
H
2n
. Tem cadeias abertas e apresentam pelo menos uma ligação dupla entre
os átomos de carbono.
242
- Alcinos: possuem bfórmula geral C
n
H
2n-2
. Tem cadeias abertas e apresentam pelo menos uma ligação tripla
entre os átomos de carbono.
- Ciclanos: possuem fórmula geral C
n
H
2n
. Tem cadeias fechadas e apresentam pelo menos uma ligação dupla
entre os átomos de carbono.
- Ciclenos: possuem fórmula geral C
n
H
2n-2
. Tem cadeias fechadas e apresentam pelo menos uma ligação tripla
entre os átomos de carbono.
Os aromáticos forma um único grupo, possuem fórmula geral C
n
H
2n-6
e tem ligações duplas entre seus
átomos de carbono.
Os principais hidrocarbonetos são vistos na tabela abaixo:
Estado Físico Hidrocarboneto N
o
de Carbonos Principais Compostos
Gás Alcanos 1 a 4 metano (CH
4
), etano (C
2
H
6
), propano (C
3
H
8
) e butano (C
4
H
10
).
Alcenos 2 a 4 eteno (C
2
H
4
), propeno (C
3
H
6
) e buteno (C
4
H
8
).
Alcinos 2 a 4 etino (C
2
H
2
), propino (C
3
H
3
) e butino (C
4
H
4
).
Ciclanos 3 a 4 ciclopropano (C
3
H
6
) e ciclobutano (C
4
H
8
).
Líquido Alcanos 5 a 18 pentano (C
5
H
12
), hexano (C
6
H
14
), heptano (C
7
H
16
), octano (C
8
H
18
), nonano
(C
9
H
20
), decano (C
10
H
22
), undecano (C
11
H
24
), dodecano (C
12
H
26
), tridecano
(C
13
H
28
), tetradecano (C
14
H
30
), pentadecano (C
15
H
32
), hexadecano (C
16
H
34
),
heptadecano (C
17
H
36
) e octadecano (C
18
H
38
)
Alcenos 5 a 16 penteno (C
5
H
10
), hexeno (C
6
H
12
), hepteno (C
7
H
14
), octeno (C
8
H
16
), noneno
(C
9
H
18
), deceno (C
10
H
20
), undeceno (C
11
H
22
), dodeceno (C
12
H
24
), trideceno
(C
13
H
26
) e tetradeceno (C
14
H
28
), pentadeceno (C
15
H
30
), hexadeceno
(C
16
H
32
)
Alcinos 5 a 14 pentino (C
5
H
8
), hexino (C
6
H
10
), heptino (C
7
H
12
), octino (C
8
H
14
), nonino
(C
9
H
16
), decino (C
10
H
18
), undecino (C
11
H
20
), dodecino (C
12
H
22
), tridecino
(C
13
H
24
) e tetradecino (C
14
H
26
)
Cicloalcanos 5 a 10 ciclopentano (C
5
H
10
), ciclohexano (C
6
H
12
), cicloheptano (C
7
H
14
),
ciclooctano (C
8
H
16
), ciclononano (C
9
H
18
), ciclodecano (C
10
H
20
),
Sólido Alcanos acima de 19 nonadecano (C
19
H
40
) em diante.
Alcenos acima de 17 heptadeceno (C
17
H
34
) em diante
Alcinos acima de 15 pentadecino (C
15
H
20
) em diante
Cicloalcanos acima de 10 ciclodexano (C
10
H
20
) em diante
Fonte: elaboração própria
Lâmina d’água: distância entre a superfície da água e o fundo do mar.
Midstream: compreende o armazenamento e o transporte (caminhões, navios, gasodutos, oleodutos, navios) de
petróleo bruto e gás natural.
Mm
3
/dia: milhão de metros cúbicos/dia
Notas Reversais: tipo de documento assinado entre países que tem por base complementar um Tratado e por
isso não necessitam de aprovação do legislativo.
Offshore: atividades em alto-mar.
Onshore: atividades em terra.
Participação Governamental: é como a Petrobras denomina os royalties, a participação especial do governo e
aluguel de áreas onde exerce suas atividades.
Petróleo: é o nome dado ao petróleo quando encontrado em estado líquido nas condições normais de
temperatura e pressão (25
o
C a 1 atm). É constituído por uma mistura de milhares de compostos químicos, sendo
que no mínimo 90% deles são hidrocarbonetos no estado líquido.
O petróleo tem origem na decomposição de organismos mortos a pelo menos 350 milhões de anos. O
petróleo é um líquido escuro, oleoso, com densidade dia entre 0,75 e 0,95 podendo possuir em maior ou
menor quantidade hidrocarbonetos gasosos emulsionaods ou sólidos dissolvidos.
São três os constituintes básicos do petróleo:
1. Os hidrocarbonetos: perfazem de 90 a 95% da composição do petróleo. Os hidrocarbonetos que podem ser
encontrados no petróleo são os seguintes em ordem de abundância:
243
- Alcanos: ocupam o primeiro lugar em ordem de abundância no petróleo. Pode-se encontrar todos os alcanos
líquidos: o pentano (C
5
H
12
), hexano (C
6
H
14
), heptano (C
7
H
16
), octano (C
8
H
18
), nonano (C
9
H
20
), decano (C
10
H
22
),
undecano (C
11
H
24
), dodecano (C
12
H
26
), tridecano (C
13
H
28
), tetradecano (C
14
H
30
), pentadecano (C
15
H
32
),
hexadecano (C
16
H
34
), heptadecano (C
17
H
36
) e octadecano (C
18
H
38
). Também são encontrados os milhares de
isômeros formados por estes compostos. Os alcanos abaixo do pentano são gasosos e por isto considerados gás
natural, os hidrocarbonetos e acima do octadecano são sólidos e por isto considerados asfaltos.
- Cicloalcanos: ocupam o segundo lugar em ordem de abundância no petróleo. Pode-se encontrar todos os
cicloalcanos líquidos: ciclopentano (C
5
H
10
), ciclohexano (C
6
H
12
), cicloheptano (C
7
H
14
), ciclooctano (C
8
H
16
),
ciclononano (C
9
H
18
), ciclodecano (C
10
H
20
). Tambémo encontrado os milhares de isômeros formados por estes
compostos.
- Aromáticos: ocupam o terceiro lugar em ordem de abundância no petróleo. Pode-se encontrar todos os
aromáticos líquidos mais importantes: benzeno, tolueno, naftaleno, antraceno e fenantreno. Também o
encontrados os milhares de isômeros formados por estes compostos.
- Alcenos: ocupam o quarto lugar em ordem de abundância no petróleo. Pode-se encontrar traços de todos
alcenos líquidos: (C
5
H
10
), hexeno (C
6
H
12
), hepteno (C
7
H
14
), octeno (C
8
H
16
), noneno (C
9
H
18
), deceno (C
10
H
20
),
undeceno (C
11
H
22
), dodeceno (C
12
H
24
), trideceno (C
13
H
26
) e tetradeceno (C
14
H
28
). Também são encontrados os
milhares de isômeros formados por estes compostos.Os hidrocarbonetos abaixo do pentano são gasosos e por
isto podem ser encontrados sob a forma de gás natural bruto, os hidrocarbonetos acima do tetradeceno o
sólidos e por isto considerados asfaltos.
2. Não Hidrocarbonetos ou Contaminantes:o os seguintes em ordem de abundância:
- Nitrogenados: respondem por entre 0,05% e 15% da composição do petróleo. Os principais nitrogenados são o
nitrogênio (N
2
), pirrol (C
4
H
5
N), piridina (C
5
H
5
N), indol (C
8
H
7
N), indolina (C
8
H
9
N), quinolina (C
9
H
7
N), carbazol
(C
12
H
9
N), benzoquilolina (C
13
H
9
N), benzocarbazol (C
16
H
11
N).
- Sulforados: respondem por entre 0,1% e 5% da composição do petróleo. O principal composto sulfuroso é o
ácido sulfídrico (H
2
S).
- Oxigenados: respondem por entre 0% a 2% da composição do petróleo. Podem ocorrer como oxigênio (O
2
),
dióxido de carbono (CO
2
), metanol (H
3
COH), ácidos carboxílicos, fenóis, cresóis, ésteres, amidas, cetonas e
benzofuranos.
- Organometálicos: respondem por no máximo 400 parte por milhão (ppm) do petróleo. São compostos
orgânicos que contém metais como Pb, As, Ni, Cu, etc.
- Outros: gases como argônio (Ag), hélio (He), hidrogênio (H
2
), etc.
3. Impurezas: tais como água (H
2
O), sedimentos (restos de organismos microscópicos, vegetais ou animais ou
impurezas minerais, como argila ou areia), sais inorgânicos (como cloreto de sódio NaCl, etc), etc.
A presença e proporção de cada um destes componentes varia mundialmente de campo para campo e
depende fundamentalmente da localização do reservatório, se em terra ou no mar, do tipo de matéria orgânica ou
mistura do qual se originou, da geologia do solo, do tipo de rocha onde se encontra o reservatório, etc.
As propriedades do petróleo são as seguintes:
Propriedade Valores médios
Densidade entre 0,7 kg/m
3
e 0,95 kg/m
3
Ponto de fusão 25,00
o
C (298,15
o
K)
Ponto de ebulição varíavel segundo o componente
Ponto de ignição em geral 25,00
o
C (298,15
o
K)
Fonte: elaboração própria
Normalmente o petleo é classificado conforme sua natureza química:
- Petróleos de Base Parafínica: neste tipo de petróleo pelo menos 90% dos hidrocarbonetos o de alcanos do
grupo C
n
H
2n+2
. Este tipo de petróleo produz subprodutos com as seguintes propriedades: gasolina de baíxa
octanagem, querosene de alta qualidade, óleo diesel com boas características de combustão, óleos lubrificantes
de alta viscosidade, resíduos com alta percentagem de parafina.
- Petróleos de Base Asfáltica: neste tipo de petróleo até 90% dos hidrocarbonetos são octadecanos, ou seja, são
sólidos nas condições normais de temperatura e pressão;
- Petróleos de Base Naftalênica: neste tipo de petróleo pelo menos 15% 20% dos hidrocarbonetos são de
cicloalcanos do grupo C
n
H
2n
, ou seja, são cadeias fechadas com ligações simples. Este tipo de petróleo produz
subprodutos com as seguintes propriedades: gasolina de alta octnagem, óleo lubrificantes com baixo resíduo de
carbono, resíduos asfálticos, poucos cicloalcanos e aromáticos.
- Petróleos de Base Aromática: neste tipo de petróleo pelo menos 25% a 40% dos hidrocarbonetos são de
aromáticos do grupo C
n
H
2n-6
. São petróleos relativamente raros. Este tipo de petróleo produz subprodutos com as
seguintes propriedades: gasolina de alta octanagem e solventes de alta qualidade
244
Outra forma de classificar o petróleo é segundo sua viscosidade, onde temos valores em API, conforme
todo desenvolvido pelo US National Bureau of Standard´s (ver acima).
O barril de petróleo também pode ser classificando por preço de referência, conforme a região em que é
produzido:
- Brent Crude (SC): nome estabelecido pela Royal Dutch/Shell, compreende a média dos preços dos barris de
petróleo originários de 15 campos de petróleo nos sistemas de Brent Goose e Niniam na East Shetland Basin,
próximos as Ilhas Shetland no Mar do Norte. Este óleo é estocado no terminal de Sullom Voe nas Ilhas Shetland.
O preço do barril de referência do Brent Crude é utilizado para os petleos originados da África,
Europa, Oriente Médio e Rússia para fechar contratos ICE na Londres Mercantile Exchange. Um contrato
equivale a 1.000 barris, cotados em dólar. O preço do Brent Cru é US$ 1 menor que o do WTI e US$ 1 maior do
que o preço da cesta da OPEP.
O Brent Crude contém aproximadamente 0,37% de enxofre, com viscosidade média de 38,06 API sendo
um petróleo leve, ideal para a produção de gasolina e destilados intermediários. O Brent Crude pode ser separado
em Brent Cru, Brent Sweet Light Cru, Osenberg e Forties. Ele é refinado na Europa e pode ser refinado no Leste
da Costa do Golfo, nos EUA e no Mediterrâneo.
- Dubai: é um tipo de petróleo extraído do Oriente Médio, cujo barril serve de preço de referência para o
petróleo extraído da região do Pacífico.
- Minas: é o barril de petróleo extraído na Indonésia e serve como preço de referência para o petróleo pesado
originário do Extremo Oriente.
- OPEC (Organization of Petroleum Exportation Countries): ou OPEP. Organização que une os principais
países exportadores de petróleo. Foi criada em 1960.
- OPEC Reference Basket (ORB): compreende uma cesta de referência formado pela dia de preços dos
barris de petróleo originários de 11 pses membros da OPEC. A cesta de referência consiste na média dos
preços dos seguintes petróleos:
País de Origem Petróleo de Referência Viscosidade API
Arábia Saudita Arab Light 34
Argélia Saharan Blend --
Emirados Árabes Unidos Murban --
Indonésia Minas 35
I Iran Heavy 34
Iraque Basra Light --
Líbia Es Sider --
Kuwait Kuwait Export 31
Nigéria Bonny Light --
Qatar Qatar Marine 34
Venezuela BCF 17 --
Fonte: Elaboração Própria
O petróleo da OPEC é uma mistura de petróleos, sendo mais pesado que o Brent Cru e o WTI.
- Tapis: é um tipo de petróleo extraído da Malásia, cujo preço do barril serve como referência para o petróleo
leve originário do Extremo Oriente.
- West Texas Intermediate (WTI): também chamado de Texas Sweet Light, compreende a média de preços
dos barris de petróleo originários dos campos do Estado do Texas (EUA).
Seu preço é utilizado como referencial para fixar o preço de petróleos produzidos nos EUA, Mar do
Norte e Oriente Médio para fechar contratos na New York Mercantile Exchange. O preço do barril cotado pelo
WTI historicamente é US$ 1,00 mais caro que o Brent e US$ 2,00 mais caro que da cesta de petróleos da OPEP.
É tipo ideal para refinar nos EUA
O WTI é um petróleo leve, contém 0,24% de enxofre, com viscosidade dio de 39,6 API sendo mais
leve que o Brent Cru. É o ideal para ser refinado nos EUA.
Refino do Petróleo: o mesmo que destilação do petróleo. Processo pelo qual o petróleo é separado em suas
partes constituintes.
As frações obtidas do petróleo são as seguintes:
245
Fração Ponto de Fuo (
o
C) N
o
de Carbonos Principal Uso
Gases leves de petróleo entre 20
o
C e 40
o
C entre 1 e 2 Gás combustível; combusvel de refinaria, matéria-
prima petroquímica.
Gás Liquefeito de Petróleo entre 20
o
C e 40
o
C entre 3 e 4 Combustível doméstico e industrial; matéria-prima
petroquímica; obtenção de gasolina de avião;
propelente de aerossóis.
Éter de Petróleo entre 20
o
C e 60
o
C entre 5 e 6 Solventes e lubrificantes.
Nafta Leve (ligroína) entre 60
o
C e 100
o
C entre 6 e 7 Gasolina de avião; matéria-prima petroquímica;
produção de solventes industriais.
Benzina entre 60
o
C e 90
o
C entre 7 e 8 Solvente de compostos orgânicos.
Gasolina entre 40
o
C e 205
o
C entre 5 e 10 Combustível e solvente.
Querosene entre 175
o
C e 325
o
C entre 11 e 15 Motores à jato; iluminação; produção de detergentes.
Óleo Diesel entre 230
o
C e 300
o
C entre 16 e 17 Motores diesel
Óleo Combustível entre 275
o
C e 400
o
C entre 18 e 25 Combustível doméstico e industrial; matéria-prima
petroquímica.
Óleos Lubrificantes entre 400
o
C e 520
o
C entre 26 e 38 Carga para craqueamento; lubrificantes; matéria-
prima petroquímica.
Parafinas sólido não volátil mais de 38 Fabricação de velas, produção de alimentos;
impermeabilizantes, detergentes biodegradáveis.
Vaselina sólido não volátil mais de 38 Lubrificantes, impermeabilizantes, fabricação de
cosméticos e fabricação de pomadas.
Piche lido não volátil mais de 38 Pavimentação, pinturas de navios.
Asfaltos sólido não volátil mais de 38 Pavimentação; lubrificantes de alta viscosidade.
Coque lido não volátil mais de 38 Coque para siderurgia.
Obs.:
1) Numa refinaria são produzidos mais de 80 derivados diferentes;
2) Os intervalos de temperaturas e a composição de cada fração variam com o tipo de petróleo.
Fonte: elaboração própria
Caba barril de petróleo tem o seguinte rendimento médio:
Produto Proporção (%)
Óleo Diesel 32,00
Óleo Combustível 19,00
Gasolina 17,00
Solventes 11,00
s de Petróleo 8,00
Querosene 6,00
Derivados 3,00
Asfaltos 2,00
Óleos Lubrificantes 1,00
Outros 1,00
Total 100,00
Fonte: elaboração própria
Setor de Hidrocarbonetos: compreende as indústrias do carvão, petróleo, gás natural e xisto. A indústria do
petróleo e gás natural possuem em comum a estrutura vista abaixo.
Upstream: compreende as atividades de exploração (inclusive pesquisa geofísica), desenvolvimento e
prospecção de petróleo bruto e gás natural.
246
2. Fatores de Conversão
Energia, Trabalho e Calor
Nome Símbolo Definição Equivalente
Barril de petróleo equivalente Bep, Boe; Bpe 5.8 MBTU
59 °F
6,12 GJ
BTU BTU
th
1 lb/g × 1 cal
th
× 1 °F/°C 9.489 152 380 4 ÷ 9 kJ 1,054350 kJ
BTU (ISO) BTU
ISO
1,0545 kJ
BTU BTU
IT
1 lb/g × 1 cal
IT
× 1 °F/°C = 1,05505585262 kJ
BTU (médio) BTU
mean
1,05587 kJ
Caloria cal
th
4,184 J
Caloria (IT) cal
IT
4,1868 J
Caloria (média) cal
mean
4,19002 J
Cavalo-vapor hp·h 1 hp × 1 h = 2,6845 MJ
Cavalo-vapor hp·h 1 hp × 1 h = 550 ft lbf s
-1
Cavalo-vapor hp·h 1 hp × 1 h = 745,70 W
Cavalo-vapor hp·h 1 hp × 1 h = 0,7457 kW
Cavalo-vapor hp·h 1 hp × 1 h = 0,7068 Btu s
-1
Celsius CHU
IT
1 BTU
IT
× 1 °C/°F = 1,899100534716 kJ
Cm
3
de atmosfera c atm 1 atm × 1 cm³ = 0,101325 J
Cm
3
padrão scc 1 atm × 1 cm³ = 0,101325 J
Dyna dyna/cm = 10
-7
N m
Dyna dyna/cm = 10
-5
N cm
Erg (cgs unit) erg 1 g·cm²/s² = 10
−7
J
Jarda cúbica de atmosfera cu yd atm 1 atm × 1 yd³ = 77,4685209852288 kJ
Jarda cúbica padrão scy 1 atm × 1 y = 77,4685209852288 kJ
Joule (SI unit) J N·m = W·s = V·A·s = 1,000 kg·m²/s²
Kilocaloria kcal; Cal 1000 cal
IT
= 4,1868 kJ
Kilowatt-hora kW·h 1 kW × 1 h = 3.600 J
Kilowatt-hora kW·h 1 kW × 1 h = 3,6 MJ
Litro-atmosfera l atm; sl 1 atm × 1 L = 101,325 J
Newton por metro Nm = kg m
2
s
-2
Newton por metro Nm = 1J
Newton por metro Nm = 10
7
dyna cm
Newton por metro Nm = 0,7376 ft lbf
Newton por metro Nm = 9,486 (10
-4
) Btu
Newton por metro Nm = 0,23901 cal
Newton por metro Nm = 100 N cm
Newton por metro Nm = 141,61 in ozf
Newton por metro Nm = 8,85 in lbf
cúbico de atmosfera cu ft atm 1 atm × 1 ft³ = 2,8692044809344 kJ
cúbico de gás natural 1000 BTU
IT
= 1,05505585262 MJ
cúbico padrão scf 1 atm × 1 ft³ = 2,8692044809344 kJ
Pé-libra foa Ft lbf g × 1 lb × 1 ft = 1,3558179483314004 J
Pé-libra foa Ft lbf g × 1 lb × 1 ft = 1,3558179483314004 N
Pé-libra foa Ft lbf g × 1 lb × 1 ft = 1,2851 (10
-3
) Btu
por libra Ft pdl 1 lb·ft²/s² = 4,21401100938048×10
−2
J
Polegada-libra força In lbf g × 1 lb × 1 in = 0,112984829027616 7 J
Ton de carvão equivalente TCE 7 Gcal
th
= 29,3076 GJ
Ton de petróleo equivalente TOE 10 Gcal
th
= 41,868 GJ
Watt W J/s = N·m/s = kg·m
2
/s
3
Watt W J/s = N·m/s = 0,23901 cal s
-1
Watt W J/s = N·m/s = 3.414 Btu h
-1
Watt W J/s = N·m/s = 1,341 (10
-3
) hp
Potência
Nome Símbolo Definição Equivalente
Caloria por segundo cal
IT
/s 1 cal
IT
/s = 4,1868 W
Cavalo-vapor hp 75 m kgf/s = 735,49875 W
Cm
3
de atmosfera/s atm ccs 1 atm × 1 cm³/s = 0,101325 W
247
Cm
3
de atmosfera/min atm ccm 1 atm × 1 cm³/min = 1,68875×10
−3
W
Boiler horsepower bhp 34.5 lb/h × 970.3 BTU
IT
/lb 9,810657×10
3
W
BTU (IT) por segundo BTU
IT
/s 1 BTU
IT
/s = 1,05505585262×10
3
W
BTU (IT) por minuto BTU
IT
/min 1 BTU
IT
/min 17,584264 W
BTU (IT) por hora BTU
IT
/h 1 BTU
IT
/h 0,293071 W
Ft
3
de atmosfera/s atm cfs 1 atm × 1 cu ft/s = 2,8692044809344×10
3
W
Ft
3
de atmosfera/min atm·cfm 1 atm × 1 cu ft/min = 47,82007468224 W
Ft
3
de atmosfera/h atm cfh 1 atm × 1 cu ft/h = 0,797001244704 W
Litro-atmosfera/s L·atm/s 1 atm × 1 L/s = 101,325 W
Litro-atmosfera/min L·atm/min 1 atm × 1 L/min = 1,68875 W
Lusec lusec 1 L·µmHg/s
[6]
1,333×10
−4
W
Pé-libra foa por segundo ft lbf/s 1 ft lbf/s = 1,3558179483314004 W
Pé-libra foa por minuto ft lbf/min 1 ft lbf/min = 2,259696580552334×10
−2
W
Pé-libra foa por hora ft lbf/h 1 ft lbf/h 3,766161×10
−4
W
Poncelet p 100 m kgf/s = 980,665 W
Ton de ar condicionado 1 t × 1005 J/kg× 1 °F/K ÷ 10 min = 844,2 W
Ton de refrigeração IT 1 BTU
IT
× 1 sh tn/lb ÷ 10 min/s 3,516853×10
3
W
Watt (SI unit) W J/s = N·m/s = 1 kg·m
2
/s
3
Temperaturas
Nome Símbolos Conversão Para Fórmula
Grau Celsius °C Grau Fahrenheit T°F = 1,8T°C + 32
Grau Celsius °C Grau Kelvin T°K = T°C + 273,15
Grau Fahrenheit °F Grau Celsius T°C = (T°F – 32)/1,8
Grau Fahrenheit °F Grau Kelvin T°K = (T°F – 459,67)/1,8
Grau Kelvin °K Grau Celsius T°C = T°K - 273,15
Grau Kelvin °K Grau Fahrenheit T°F = 1,8T°K 459,67
Pressão
Nome Símbolo Definição Equivalente
Atmosfera (padrão) atm 101325 Pa
Atmosfera (técnica) atm 1 kgf/cm² = 98,0665 kPa
Bar bar 10
5
Pa
Barye (cgs unit) 1 dyn/cm² = 0,1 Pa
Cm de merrio cmHg 13 595.1 kg/m³× 1 cm × g 1,33322 kPa
Cm de água (3,95°C) cmH
2
O 999.972 kg/m³× 1 cm × g 98,0638 Pa
Kilograma-força mm² kgf/mm² 1 kgf/mm² = 9,80665 MPa
Libra por pé-quadrado psf 1 lbf/ft² 47,88025 Pa
Libra por polegada quadrada psi 1 lbf/in² 6,894757 kPa
de mercúrio (padrão) ftHg 13 595.1 kg/m³× 1 ft × g 40,63666 kPa
de água (39,2 °F) ftH
2
O 999.972 kg/m³ × 1 ft × g 2,98898 kPa
Polegada de mercúrio inHg 13 595.1 kg/m³ × 1 in × g 3,386389 kPa
Polegada de água (39,2°F) inH
2
O 999.972 kg/m³ × 1 in × g 249,082 Pa
Milímetro de mercúrio mmHg 13 595.1 kg/m³ × 1 mm × g 1 torr/ 133,3224 Pa
Milímetro de água (3,95°C) mmH
2
O 999.972 kg/m³ × 1 mm × g = 9,80638 Pa (= 0.999972 kgf/m²)
Pascal (SI unit) Pa N/m² = kg/(m·s²)
[5]
Pièze (mts unit) pz 1000 kg/m·s² = 1 kPa
Torr torr 101 325/760 Pa 133,3224 Pa
Volumes
Nome Símbolo Definição Equivalente
1 barril de petróleo Bep 42 galões americanos = 6.289.957,946 BTU
1 barril de petróleo Bep 42 galões americanos = 168,5265326 m
3
de gás natural
1 barril de petróleo Bep 42 galões americanos = 158,987294928 litros
1 barril de petróleo Bep 42 galões americanos = 5,614577384 ft
3
1 barril de petróleo Bep 42 galões americanos = 0,1589872949 m³
1 BTU BTU = 0,00002681 m³ de gás natural
1 BTU BTU = 0,00002529245283 litros
1 BTU BTU = 0,0000008931945326 ft
3
1 BTU BTU = 0,0000001590847423 barris de petróleo
248
1 BTU BTU = 0,00000002529245283 m
3
de petróleo
1.000.000 BTU MM/BTU = 26,81 m³ de gás natural
1.000.000 BTU MM/BTU = 25,29245283 litros
1.000.000 BTU MM/BTU = 0,8931945326 ft
3
1.000.000 BTU MM/BTU = 0,1871641509 barris de petróleo
1.000.000 BTU MM/BTU = 0,02529245283 m
3
de petróleo
1 m³ de gás natural m³ 1m x 1m x 1m = 37299,51511 BTU
1 m³ de gás natural m³ 1m x 1m x 1m = 1.060 litros
1 m³ de gás natural m³ 1m x 1m x 1m = 30,01585739 ft
3
1 m³ de gás natural m³ 1m x 1m x 1m = 0,005933783747 barris de petróleo
1 m³ de gás natural m³ 1m x 1m x 1m = 0,0009433962264 m
3
de petróleo
1 m³ de petróleo m³ 1m x 1m x 1m = 39.537.486,01 BTU
1 m³ de petróleo m³ 1m x 1m x 1m = 1.060 m
3
de gás natural
1 m³ de petróleo m³ 1m x 1m x 1m = 1.000 litros
1 m³ de petróleo m³ 1m x 1m x 1m = 35,31466634 ft
3
1 m³ de petróleo m³ 1m x 1m x 1m = 6,289810772 barris de petróleo
1 pé cúbico ft
3
1ft x 1ft x 1ft = 1.119.576,938 BTU
1 pé cúbico ft
3
1ft x 1ft x 1ft = 0,03331572296 m³ de gás natural
1 pé cúbico ft
3
1ft x 1ft x 1ft = 28,316846592 litros
1 pé cúbico ft
3
1ft x 1ft x 1ft = 0,1781078067 barris de petróleo
1 pé cúbico ft
3
1ft x 1ft x 1ft = 0,02831684659 m³
Viscosidade (absoluta ou dinâmica e cinética)
Nome Símbolo Definição Equivalente
Pascal por segundo Pa s = 1000 cP
Pascal por segundo Pa s = 10 P
Pascal por segundo Pa s = 1 kg m
-1
s
-1
Pascal por segundo Pa s = 1 N s m
-2
Pascal por segundo Pa s = 0,67197 lbm ft
-1
s
-1
Poise P = 1 dyne s cm
-2
Poise P = 0,1 Pa s
Poise P = 100 cP
Poise P = 100 mPa s
Viscosidade cinemática m
2
s
-1
= 10
-5
cSt
Viscosidade cinemática = 10,7639 ft
2
s
-1
Viscosidade cinemática cSt = 0.000001 m
2
s
-1
Viscosidade cinemática cSt = 1 mm
2
s
-1
Viscosidade cinemática cSt = 5,58001 in
2
hr
-1
Viscosidade cinemática cSt = 0,00155 in
2
s
-1
Viscosidade cinemática (cgs) St = 100 cSt
Viscosidade cinemática (cgs) St = 0,0001 m
2
s
-1
Viscosidade absoluta cP = 1 mPa s
Viscosidade absoluta cP = 0,001 Pa s
Viscosidade absoluta cP = 0.01 P
lbm ft
-1
s
-1
= 1,4882 kg m
-1
s
-1
= 1488,2 cP
Viscosidade Cinetica (cSt) = viscosidade absoluta (cP) / densidade (g cm
-3
)
Fonte: Elaboração Própria
249
3. Mapas
3.1. Territórios Cedidos pela Bolívia desde a Independência
Fonte: http//:en.wikipedia.org
3.2. Área cedida pela Bolívia após a Guerra do Chaco
Fonte: http//:en.wikipedia.org
250
3.3. Os Planos Ferroviários de 1874 e 1882
251
3.4. Ferrovia Santa Cruz de La Sierra-Santos (1955)
Observe-se abaixo do mapa o perfil do relevo: a esquerda os Andes; a direita o centro
do continente.
Fonte: Guilherme, 1959 (s/pág.)
252
3.5. Zona para Estudos Definido pelas Notas Reversais de Roboré (1958)
253
3.6. Proprietários dos Blocos Petrolíferos na Bolívia de 1996 a 2005
254
3.7. Proprietários da Rede de Gasodutos da Bolívia de 1996 a 2005
Fonte: YPFB
255
3.8. Proprietários da Rede de Oleodutos da Bolívia de 1996 a 2005
Fonte: YPFB
256
3.9. Proprietários da Rede de Polidutos da Bolívia de 1996 a 2005
Fonte: YPFB
257
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