128
fotografia e impressões digitais, fui levado outra vez ao pau-de-arara. Tenho
dificuldades para associar as torturas ao tempo, sob tais circunstâncias perde-
se a noção de tempo, das horas; nos primeiros dias não havia horas definidas
para os interrogatórios e torturas, eram constantes, fosse dia, fosse noite. Fui
levado, no dia seis ou sete de abril para Caxias do Sul, por um grupo de
policiais. Torturaram-me durante o trajeto, obrigando-me a ingerir uma
bebida que hoje suspeito contivesse tóxicos, pelos sintomas imediatos –
tontura, sonolência, etc. Em Caxias do Sul fui levado para a Delegacia
Regional de Polícia, prédio em frente à praça central, onde fui barbaramente
torturado; espancamentos, pau-de-arara, afogamentos, etc. Ouvia-os
reclamar dos ruídos, que se aglomeravam transeuntes à frente do prédio. Fui
levado então a uma delegacia na periferia da cidade (ou quem sabe à casa de
um policial) onde seguiram-se as torturas. Difícil relatar o meu estado físico
e psicológico depois de tanta tortura, torna-se difícil mesmo articular
palavras. E ininterruptos eram os espancamentos. Posteriormente, creio que
um dia mais tarde, fui levado para uma estrada de chão batido, ao lado de um
rio ou barragem, onde me torturaram por longas horas, era noite, fui
torturado sob as luzes do que me parecia um jipe. Foi realmente terrível!
Com as mãos amarradas às costas, sem roupas, em um torpor que não
poderia dizer que fosse de plena consciência, fui massacrado a bofetadas e
pontapés, amarravam uma corda aos meus testículos, punham o pé sobre
meu estômago e tiravam pela corda. Com a corda ainda amarrada aos meus
testículos jogavam-me n’água e tiravam pela corda, resultou em rompimento
dos tendões do testículo esquerdo, segundo os médicos holandeses:
atrofiamento. Não satisfeitos, reuniram-se em torno de meu corpo e puseram
a urinar sobre mim, [...]. Levaram-me outra vez ao DOPS onde continuaram
as torturas; quando não torturado, obrigado a assistir a tortura de
companheiros e companheiras. [...] Outras vezes, éramos torturados em
grupo. Para exemplificar, uma noite, junto com o Catarina [João Batista
Rita], Tenente Dario e Gustavo Buarque Schiller, passamos pelo que eles
chamavam de festa de São Bartolomeu: sentados no solo, algemados uns aos
outros, um dos companheiros sentados em nossas mãos, éramos submetidos
a choques elétricos nas orelhas, espanados com troços de madeira, chutes e
bofetadas. Lembro-me que naquela noite o Gustavo Schiller sentado em
nossas mãos, erguia-se e deixava-se cair sob o impacto de cada descarga
elétrica, obrigava-me a proteger com as mãos os seus testículos para que não
aplastassem a cada queda. As sessões de choques elétricos na cabeça eram
realmente terríveis, difícil senão impossível descrever o que sentia: um arco
em brasa no cérebro, que me levantava, pelos estremecimentos do corpo, a
passear pela sala amarrado a uma cadeira, enquanto os torturadores
cantavam em altos brandos a La Marseillaise; [...] Ameaças de morte sofri
muitas, talvez a mais importante feita pela maior autoridade de segurança do
Estado naquele momento; não admitiam perder seus cargos por nossa causa,
ainda que tivessem de nos fazer cadáveres. É muito difícil descrever neste
documento a seqüência certa das torturas [...] quando já sequer meu nome ao
certo eu sabia.”
297
Paulo ainda relata que foi torturado em companhia de Dario Viana dos Reis, João
Batista Rita e Gustavo Buarque Schiller, todos tendo sido espancados, sofrido choques
297
Ibid., p. 310-311.