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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - UNESP
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS
CAMPUS DE MARÍLIA
ÁDIMA DOMINGUES DA ROSA
Agências Reguladoras e Estado no Brasil: reformas e
reestruturação neoliberal nos anos 90
MARÍLIA
2008
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Ádima Domingues da Rosa
Agências Reguladoras e Estado no Brasil: reformas e reestruturação
neoliberal nos anos 90
Dissertação de mestrado apresentada como
requisito para obtenção do título de mestre em
ciências sociais, na Faculdade de Filosofia e
Ciências da Unesp – campus de Marília.
Orientador: Dr. Francisco Luiz Corsi
MARÍLIA
2008
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Ficha catalográfica elaborada pelo
Serviço Técnico de Biblioteca e Documentação – UNESP – Campus de Marília
Rosa, Ádima Domingues da.
R788a Agências Reguladoras e Estado no Brasil:
reformas
e reestruturação neoliberal nos anos 90 / Ádima
Domingues da Rosa. – Marília, 2008.
146f. ; 30 cm.
Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais)
Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade
Estadual Paulista, 2008.
Bibliografia: f. 141-146.
Orientadora: Dr. Francisco Luiz Corsi.
1. Agências reguladoras. 2. Reformas do
Estado.
3. Neoliberalismo. I. Autor. II. Título.
CDD 330.9
Ádima Domingues da Rosa
Agências Reguladoras e Estado no Brasil: reformas e reestruturação
neoliberal nos anos 90
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________
Prof. Dr. Francisco Luiz Corsi (UNESP - Marília)
_________________________________________
Prof. Dr. Adilson Gennari (UNESP - Araraquara)
_________________________________________
Prof. Dr. Marcos Tadeu Del Roio (UNESP - Marília)
SUPLENTES:
_________________________________________
Profª. Dra. Karina Lilia Pasquariello Mariano (UNESP – Araraquara)
_________________________________________
Prof. Dr. José Marangoni Camargo (UNESP – Marília)
MARÍLIA
2008
Agradecimentos
Agradeço a todos os amigos e colegas que sempre estiveram por perto, seja
fisicamente ou em minhas boas recordações!
Aos irmãos e irmãs, como Marcos Cantuária, Beti, Tati Pacanaro, Rodrigo,
Valéria Pilão, Paulinha, Élida, Mel, Mariana, Renato Botão, Márcio, Camilinha, Ronan,
Rafa, Ana, Jéferson, Dilmar, companheiros da graduação dos quais guardo fraternas
recordações.
Àqueles que, com carinho, convivi no Programa de Pós-graduação, como o
Danilo, Lívia, Sandra, Mateus, Érika, Tânia. A universidade é realmente um lugar de
encontros e desencontros, dos quais é impossível sair intocada !!!
Agradeço em especial ao meu esposo, Robson, que antes de sê-lo íntimo é,
sobretudo, a minha referência intelectual e meu companheiro para discussões intensas
e as intempéries que acompanharam a elaboração do trabalho.
Agradeço a banca de defesa, composta pelos professores Marcos Tadeu Del
Roio e Adilson Gennari pela competência e contribuições inestimáveis dadas na
qualificação do trabalho.
Ao professor Corsi, pelo intenso trabalho e caminhada que realizamos juntos
desde o primeiro ano de minha graduação! Minha admiração e carinho se estendem
aos outros professores e funcionários dessa instituição como a Fátima, Celinha,
Andréas, Marangoni, Mirian, Mazzeo, Toninho, Giovanni, Ana, Solange, Ilma, Aline e
seu Valente.
Agradeço ao apoio emocional de minha mãe Odete e à querida amiga Eliana
Heiser, que sempre me ajudou de diversas formas, me orientando na caminhada árdua
rumo à universidade.
Por último, meus agradecimentos formais à CAPEs, pela bolsa de estudos que
durante um ano foi fundamental para o desenvolvimento do trabalho.
É como se alguém tivesse de subir cinco degraus de escada e
uma segunda pessoa apenas um degrau, mas que, pelo menos
para ela, é tão alto quanto aqueles cinco juntos; o primeiro vai
vencer não só os cinco degraus, mas também centenas e milhares
de outros, terá levado uma vida ampla e muito fatigante, porém
nenhum dos degraus que subiu terá sido para ele tão importante
como, para o segundo, aquele degrau único, primeiro, alto,
impossível de escalar com as forças todas de que dispõe, e que
ele não só não pode subir, como também passar por cima.
Franz Kafka, Carta ao Pai.
Resumo
As últimas décadas do século XX se caracterizaram por um conjunto de alterações e
reformas na estrutura estatal brasileira. Frente a esse quadro, o trabalho busca
reconstruir o processo de emergência das agências reguladoras nos anos 90, tomando-
as como dimensão destacada da nova configuração do Estado no Brasil e da inserção
do País no novo cenário de mundialização do capital. A estruturação das agências está
inserida num momento de transformação do Estado, que adquire uma dimensão cada
vez mais gerencial e regulacionista, em detrimento de suas conformações
desenvolvimentistas no plano econômico e político. Tais mudanças institucionais têm
como embasamento a cultura da competição, que não se localiza apenas no âmbito
institucional, mas opera como retorno à cultura do liberalismo e do individualismo social
como parâmetro das políticas públicas.
Palavras-chave:
Agências Reguladoras. Reformas do Estado. Neoliberalismo.
“Globalização”.
Abstract
The last decades of the twentieth century were characterised by a group of changes and
reforms in the Brazilian. In this context, the work seeks to reconstruct the process of
create of regulatory agencies in the nineties, taking them as design of the new
configuration of State in Brasil, showing the new faces of the capital. The structure of the
agencies is part of this transformations from State, that acquire a dimension
management and regulationist front of declination of the developmentalist project. These
institutional changes have as parameter the culture of competition, which is located not
only in the institutional framework, but operates as a return to the liberalism and
individualism culture as a parameter of public policies.
Keywords:
Regulatory Agencies. Reforms of the State. Neoliberalism. “Globalization”.
Lista de Siglas
AGERGS – Agência Reguladora Estadual do Rio Grande do Sul;
ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica;
ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações;
ANP – Agência Nacional do Petróleo;
ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar;
ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária;
ANA – Agência Nacional de Águas;
ANTAQ – Agência Nacional de Transportes Aquaviários;
ANTT – Agência Nacional de Transportes Terrestres;
ANCINE – Agência Nacional de Cinema;
ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil;
BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento;
BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social;
CACEX – Carteira de Comércio Exterior;
CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe;
CDI – Conselho de Desenvolvimento Industrial;
CIP – Comissão Interministerial de Preços;
EUA – Estados Unidos da América;
FHC – Fernando Henrique Cardoso;
FMI – Fundo Monetário Internacional;
MARE – Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado;
PDRAE – Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...............................................................................................................11
Cap. 1 “GLOBALIZAÇÃO” E ESTADO NO BRASIL...........................................................22
1.1 “Globalização” e suas implicações políticas e econômicas......................................................22
1.2 A crise dos anos 70: reestruturação estatal e recomposição do capital....................................35
1.3 Intervencionismo: desenvolvimentismo e (neo)liberalismo.....................................................46
Cap. 2 AS REFORMAS DO ESTADO NOS ANOS 90 E O CONTEXTO POLÍTICO E
ECONÔMICO DO SURGIMENTO DAS AGÊNCIAS...........................................................59
2.1 Estado e desenvolvimento industrial no Brasil pós 50.............................................................62
2.2 A crise dos anos 80: dissolução do Estado desenvolvimentista e emergência do papel
regulador do setor público..............................................................................................................68
2.3 As reformas liberais no governo Fernando Collor de Mello....................................................75
2.4 O governo Fernando Henrique Cardoso e o Plano Real...........................................................77
2.5 A “filosofia política” das Agências Reguladoras: as reformas e os consensos intelectuais.... 81
2.6 Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado - PDRAE...................................................84
2.7 Gerencialismo e a introdução da cultura da competição entre os agentes da burocracia.........88
2.8 O “novo” agente da Administração Pública Gerencial ............................................................91
2.9 Os sentidos políticos das Agências Reguladoras no contexto das reformas............................98
Cap. 3 GÊNESE E ESTRUTURA DAS AGÊNCIAS REGULADORAS: POLÍTICA,
MERCADO E PRIVATIZAÇÕES NOS ANOS 90................................................................ 102
3.1 O processo de privatização e as Agências Reguladoras.........................................................107
3.2 Agências Reguladoras: pressupostos gerais..........................................................................114
3.3 A natureza jurídica das Agências Reguladoras: ANEEL e a ANATEL como um novo marco
regulatório.....................................................................................................................................119
3.4 A inserção das Agências Reguladoras no contexto de mudanças políticas dos anos 90....... 126
3.5 Audiências e consultas públicas: aspectos conceituais e limites democráticos......................131
CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................................137
BIBLIOGRAFIA........................................................................................................................141
11
INTRODUÇÃO
Os anos 90 foram marcados por significativas mudanças nos rumos políticos
e econômicos do Brasil, principalmente na reestruturação do aparato estatal. A
inserção do País no processo de “globalização” recolocou importantes questões e
desafios aos governantes, assim como trouxe novas expectativas para o conjunto da
população que, influenciada por discursos pré-moldados, acreditou ser possível, em
um curto período, a amenização das desigualdades sócio-econômicas, por meio de
um conjunto de reformas em âmbito estatal rumo a uma maior participação do
mercado na disponibilização de serviços. Travestidas num projeto de modernização
e desenvolvimento do País, as mudanças políticas, econômicas e sociais
implementadas durante os dois governos de Fernando Henrique Cardoso (1995
1998 e 1999 - 2002) objetivaram aprofundar a inserção do Brasil no mercado
internacional por meio de um conjunto de políticas no campo cambial, da abertura
comercial e financeira etc. Tais medidas, por sua vez, submeteram a economia
nacional, de forma repentina, à competição internacional, o que implicou uma série
de mutações no quadro sócio-econômico.
Formou-se um quadro macroeconômico, caracterizado por forte e
persistente valorização cambial, elevadas taxas de juros internas e
rápidas aberturas às importações, que obrigou os produtores
brasileiros a enfrentarem, em condições desiguais, intensa
competição externa. Não como resultado de um movimento
impessoal e global, que ninguém controla, mas de políticas
específicas seguidas pelo governo brasileiro. (BATISTA JR.,1998, p.
128).
Batista Jr. (1998) e Moraes (1994) assinalam o caráter político e localizado
das transformações ocorridas no Brasil na década de 90, o que não permite que se
naturalize o processo como um fenômeno irreversível. Para os referidos autores,
problemas como o desemprego e a desnacionalização da economia não constituem
fatos irreparáveis e espontâneos da dinâmica de "globalização", mas resultados de
políticas adotadas institucionalmente e que se justificam como conseqüência desse
processo, vinculando-se, por sua vez, a uma visão de mundo, um conjunto de
discursos ideológicos socialmente demarcados e vinculados.
A implementação das reformas políticas e econômicas adquire ares
renovadores quando ideólogos da "globalização" passam a discursar e realizar
12
assertivas que não correspondem à realidade, expressando a universalização dos
interesses de um grupo específico. Entre esses discursos, com forte repercussão
social, ressalta-se, por exemplo, o que advoga a defesa da privatização em prol da
melhora dos serviços públicos, utilizando alguns casos específicos de fracasso das
empresas estatais para generalizar a situação, obtendo como resultado a
condenação pela opinião pública dos serviços oferecidos diretamente pelo Estado.
Torna-se evidente, porém, que tais argumentos constituem simplificações da
realidade e foram utilizados para facilitar a implementação das reformas,
contribuindo para que as reestruturações institucionais fossem realizadas de forma
rápida, sem a existência de contestações.
Diante desse quadro, como buscamos demonstrar no presente estudo, as
agências reguladoras constituem uma das expressões mais destacadas do
processo de reformas dos anos 90, emergindo como resultado das transformações
advindas com a passagem do Estado “provedor” de serviços públicos para um
pautado no modelo regulador dos “agentes econômicos”.
Resultado do movimento de privatização das empresas estatais, as agências
têm entre suas funções normatizar e fiscalizar os serviços públicos concessionados
ou privatizados. Criadas no bojo das reformas políticas e econômicas
implementadas no decorrer do governo Fernando Henrique Cardoso, mais
especificamente na segunda metade dos anos 90, às agências reguladoras foram
transferidas as atribuições regulatórias e fiscalizatórias de diversos setores da
produção e serviços
1
.
Denominadas autarquias “especiais”, as agências reguladoras se integram ao
Poder Executivo como entes descentralizados. Elas são dotadas de personalidade
jurídica própria, têm natureza de autarquia e, em síntese, executam atividades
típicas ou exclusivas da Administração Pública. Contudo, possuem autonomia da
gestão administrativa e financeira. Apesar da identificação jurídica com as demais
autarquias, criadas em outros períodos históricos e a tentativa de aproximação
destas instituições, as agências são resultantes da reorientação da administração
1
Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL),
Agência Nacional do Petróleo (ANP), Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), Agência Nacional de Águas (ANA), Agência Nacional de
Transportes Aquaviários (ANTAQ), Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Agência
Nacional de Cinema (ANCINE) e Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC).
13
pública, que passa a ser norteada pelos princípios gerenciais. De acordo com
Santos
A característica geral dessas agências reguladoras (Agência
Nacional de Telecomunicações ANATEL, Agência Nacional de
Energia Elétrica – ANEEL, Agência Nacional do Petróleo – ANP,
Agência Nacional de Vigilância Sanitária ANVS, Agência Nacional
de Saúde Suplementar ANPS) é que ambas têm sua gestão
orientada pelos princípios da administração gerencial. (SANTOS,
2000, p. 102).
A administração gerencial modelo da “Nova Administração Pública”,
implementado pela equipe do governo Fernando Henrique Cardoso e consolidada
no Plano Diretor da Reforma do Estado, coordenado por Luiz Carlos Bresser Pereira
tem como preceito a autonomia administrativa. Segundo Paula Paes (2003), o
Estado chamado gerencial absorve características organizacionais da denominada
burocracia flexível, composto por um corpo político e administrativo permeado por
movimentos simultâneos de descentralização e re-centralização, combinando-se as
relações competitivas, tanto horizontais como verticais, constituindo-se de poder
flexibilizado e disperso. Esses princípios, importados do setor privado, redundam na
flexibilidade e “naturalmente” na eficiência administrativa, de acordo com os
preceitos gerencialistas. Cabe notar, que o novo parâmetro administrativo foi
espelhado em períodos e movimentos conservadores e de radicalização do
liberalismo germinados em países como Reino Unido e Estados Unidos.
A autonomia financeira, principal característica das agências reguladoras,
está geralmente designada na própria legislação de criação da instituição ou
estabelecida no contrato de gestão
2
, firmado entre as agências e o Poder Executivo.
O contrato de gestão estabelece metas às agências e critérios de avaliação
periódicos, sendo denominado por isso, como uma forma de prestação de contas.
No entanto, no caso da ANEEL, o próprio contrato de gestão dispõe e reafirma
que “a consecução dos objetivos e das metas previstas neste contrato está
vinculada à autonomia patrimonial, administrativa e financeira da gestão da
2
No movimento de criação das agências reguladoras, algumas tiveram a autonomia administrativa e
financeira designada na própria legislação de criação, como é o caso da ANATEL, outras tiveram a
autonomia especificada no contrato de gestão, firmado entre as agências reguladoras e o Poder
Executivo.
14
ANEEL
3
”. Na medida em que as agências mantêm o aspecto de independência do
Poder Executivo, se tornando executoras e passando a “implementar as políticas e
diretrizes do Governo Federal”, com suposta neutralidade, a própria idéia de controle
social, um dos pilares da legislação de criação das instituições, torna-se frágil e
mesmo contraditória. Equilibrar interesses dos concessionários e consumidores
transforma-se em tarefa ambígua. Como a instituição pode ser “neutra”, se deve
atender às reivindicações do denominado controle social? Este é composto pelas
consultas públicas e as ouvidorias, designados mecanismos de participação e
controle do consumidor e concessionárias, que são, como tentaremos demonstrar
adiante, formas de ocultar as assimetrias econômicas entre os atores envolvidos.
Neste novo modelo institucional, o cidadão é reconhecido apenas na condição
de cliente e consumidor. Sua existência perpassa pelos acordos da contratação dos
serviços privatizados. Conforme o Plano Diretor da Reforma do Estado, documento
embasador das reformas,
A administração pública gerencial o cidadão como contribuinte de
impostos e como cliente dos seus serviços. Os resultados da ação do
Estado são considerados bons não porque os processos
administrativos estão sob controle e são seguros, como quer a
administração pública burocrática, mas porque as necessidades do
cidadão-cliente estão sendo atendidas. (BRASIL, 1995).
Diante da emergência do cidadão-cliente, inerente ao designado Estado
gerencial, buscamos indagar em que medida esse modelo se contrapõe à cidadania
universal, pautada na implementação de direitos sociais propostos, em certa medida,
na Constituição de 1988. Tal indagação ganha vulto ao recordarmos que as relações
entre Estado e “mercado” se configuraram como condição fundamental à
acumulação capitalista no Brasil, o que sempre pressupõe no capitalismo um nível
de “negociação” com os movimentos e as pressões sociais.
Em contraponto ao modelo social descrito acima, temos o Estado gerencial,
em que ser cidadão perpassa pela relação de cliente. É justamente nesse modelo
que as agências reguladoras se enquadram, instituições apaziguadoras da relação
do mercado e consumidores por meio da correção das falhas de mercado, ou da
concorrência.
3
Este trecho foi extraído da Cláusula Oitava, versando sobre a Autonomia de Gestão referente ao
Contrato de Gestão firmado entre o Ministro de Estado de Minas e Energia, Raimundo Brito e o
Diretor Geral da ANEEL, José Mário Miranda ABDO, no dia 02 de Março de 1998 em Brasília.
15
A regulação é uma forma contemporânea de ação do Estado. Trata-
se, em linhas gerais, do modo como a coordenação entre empresas,
cidadãos consumidores e os diferentes órgãos do governo se
quanto à edição de normas, e cujo objetivo primordial é o de
estimular, vedar ou determinar comportamentos envolvendo
determinados mercados que, por seus traços próprios, requerem a
interferência estatal. (BRASIL, 2003, p.09).
As agências reguladoras no contexto político e econômico em que foram
criadas são instituições norteadoras basicamente das relações econômicas – a
competição, o princípio estruturante do Estado liberal.
Neste trabalho delineamos como os preceitos da competitividade no setor
público, sob novas roupagens, se imbricaram ao movimento denominado
“globalização” e como as agências reguladoras resultam desse processo, orientadas
pelas mesmas proposições. Nesse prisma, as agências emergiram sob a égide de
proteção da concorrência, o que compunha uma exigência do capital
internacionalizado. A livre concorrência viria diminuir as imperfeições inerentes à
existência de monopólios, na medida em que a atuação regulatória maximizaria a
eficiência de mercados antes submetidos à concentração do poder econômico.
É relevante destacar que as agências reguladoras, o novo desenho
institucional estatal, emergem num período em que o Estado deixa de fornecer
serviços, considerados anteriormente como essencialmente estatais, transferindo tal
função ao setor privado. Diante do panorama de serviços concessionados,
regulados pelas agências, a população passa a ter uma relação de cliente com o
mercado fornecedor, do qual o Estado é parte integrante. O provimento público de
serviços sociais converte-se em algo cada vez menos presente nas políticas de
desenvolvimento. À medida que os consumidores são pulverizados e as relações
perduram através de contratos, as responsabilidades tornam-se individuais,
divergindo, em certa medida, da Constituição de 1988 que propugnava uma
dimensão mais universal aos direitos. Assim, os serviços estatais tornam-se cada
vez “menos” presentes, ao passo que a consolidação do preceito da competição
compõe não somente as relações comerciais, mas os diversos âmbitos da vida
social. Isto fica evidente ao observarmos, por exemplo, a gradual precarização e
mesmo a dissolução de um conjunto de serviços públicos, antes vistos como direitos
sociais coletivos, tais como a saúde, habitação, educação etc., que se convertem em
16
bens de mercado, em produtos adquiridos como bens consumíveis e não mais
fazendo parte da substância da própria cidadania. Essa passa inclusive a ser
caracterizada a partir do acesso ao plano de saúde, à escola particular, ou a
aposentadoria privada. Os que dependem dos serviços estatais, ou seja, a maioria
da população, são cada vez mais identificados como agentes sociais com níveis
frágeis de cidadania, como “pesos” onerosos ao setor público, ao passo que são
desinteressantes e mesmo “inconvenientes” para o setor privado, ou aqueles que
Robert Castells (2003) denomina de inúteis sociais.
O movimento “globalizante” trouxe mais que mudanças superficiais em
nossas instituições, mas uma cultura mercadológica na qual as próprias relações
humanas foram inseridas. Por isso, estudá-las torna-se fundamental para que
possamos compreender para onde o Estado caminha frente à mercantilização dos
serviços públicos e dos escassos direitos sociais. Afinal, estas situações
assumem projeção e sentido num contexto profundamente impregnado pelo discurso
e pela prática liberal.
Para realizar tal análise, foi indispensável à retomada da discussão do
processo de reestruturação do Estado a partir da bibliografia especializada. Para
tanto, o trabalho também investigou a legislação, documentos oficiais e textos
elaborados pelos especialistas das agências acerca do papel e funções reguladoras,
dando ênfase à legislação da ANATEL e ANEEL.
A consolidação de políticas promotoras do desenvolvimento nacional nos
países de capitalismo periférico e provedoras de bem-estar social nos países
desenvolvidos se intensificou nas quatro décadas que se seguiram após a Segunda
Guerra, em muitos casos, respondendo às restrições do comércio exterior, e
tentando resguardar a economia da concorrência de produtos importados, enfim, o
protecionismo neste período configurou-se de acordo com as alianças que o Estado
estabelecia com o capital. A partir do momento que o grande capital se concentrou e
conseguiu arranjos políticos que extrapolassem suas fronteiras, as economias
nacionais se encontraram diante de novas situações e desafios, isto é, de como
lidar com o capital internacional. Nas palavras de Fernando Henrique Cardoso, em
palestra proferida na cidade de Nova Deli,
Mas, retornemos ao modelo de substituição de importações: o seu
esgotamento derivou basicamente do fato de o conteúdo nacional da
17
maioria dos bens diminuir e suas fases de produção se
internacionalizaram. Quanto mais tecnologicamente sofisticado o
bem, provavelmente maior será o número de países que participaram
desde sua concepção e design, até sua produção e marketing. Essa
tendência se fortaleceu, não apenas em razão do barateamento dos
custos de produção (decorrente da revolução tecnológica), da maior
mobilidade dos fatores de produção e, ainda, da queda das tarifas de
transporte e comunicações. (CARDOSO, 1997, p.20).
O esgotamento do modelo de substituição de importações, pautado no
desenvolvimento nacional e o endividamento dos países de industrialização tardia
transformou-se em argumentos e discursos para governos justificarem reformas
políticas e econômicas de cunho neoliberalizante. Concomitantemente, o cenário
político internacional, no final dos anos 80, colaborava para que se tomassem
medidas em prol da liberalização do mercado. A fragilização da economia Norte-
americana em diversos aspectos com a queda da competitividade de seus
produtos manufaturados frente a concorrência do Japão e Alemanha, acrescentado
da perda do apoio da sociedade diante dos altos gastos com conflitos bélicos
internacionais e a quebra do acordo de Bretton Woods comporta não apenas o
aumento da concorrência global, mas a própria luta dos Estados Unidos na
manutenção da primazia do País e de sua moeda frente a economia internacional. O
incremento do euromercado e a recuperação dos países envolvidos na Segunda
Guerra Mundial, aumentando a concorrência dos produtos manufaturados foi parte
do resultado dos investimentos que os próprios Estados Unidos realizaram visando a
consolidação do sistema capitalista, ao passo que afastava o socialismo como opção
de regime político.
Posteriormente, com a queda do Muro de Berlim e a dissolução das
Repúblicas Socialistas Soviéticas, o poder do sistema capitalista se revigorou,
ampliando suas forças. O acirramento da competitividade internacional contribuiu
para que as relações entre os países se intensificassem por meio do aumento do
fornecimento de crédito e do estabelecimento de novas regras para o comércio
internacional. A partir daí, a desregulamentação e a abertura das economias passam
a figurar como exigências das grandes instituições fornecedoras de crédito
internacional. Em consonância com os novos parâmetros desses financiamentos, a
idéia de liberalização das economias se encontrava nas obras de alguns
18
escritores e formuladores do pensamento chamado neoliberal
4
e fazia parte de
políticas de alguns governos, como é o caso chileno e inglês. Isso pode ser
vislumbrado no conjunto de reformas que se seguiram em diversos países.
No caso brasileiro, as reformas políticas, econômicas e sociais iniciadas
durante a presidência de Fernando Collor de Mello (1990-1992) seguiram pelos
próximos governos, que as aprofundaram. O governo de Collor foi caracterizado por
uma série de medidas econômicas desastrosas que visavam estabelecer o controle
da inflação, mas redundaram numa desestabilização das contas públicas e numa
fragilização dos serviços.
O governo de Fernando Henrique Cardoso foi marcado pela intensificação do
processo de inserção liberalizante do Brasil na economia internacional. Como
dito, o discurso da modernização do País passou a predominar nas suas entrevistas
e conferências, afirmando ter o Brasil um espaço reduzido para escolhas dos rumos
políticos. “A globalização significa que as variáveis externas passaram a ter
influência acrescida nas agendas domésticas, reduzindo os espaços disponíveis
para a escolha nacional”. (CARDOSO, 1997, p. 8). De acordo com esta posição
e
em consonância com o movimento de internacionalização, a equipe de governo do
presidente Fernando Henrique Cardoso acelerou o processo de reformas no campo
cambial, financeiro e comercial, submetendo a economia nacional ao intensivo
processo competitivo internacional. Acerca da velocidade desse processo, Diniz
(2000) destaca que as reformas deveriam ser aplicadas de forma integrada,
mediando o quadro político internacional e nacional, respeitando-se os objetivos de
longo prazo e abandonando os de curto prazo, uma vez que as ideologias da
"globalização" trazem a perspectiva de que a iniciativa nacional se esvaiu.
As injunções externas não podem ser ignoradas, e também é
verdade que as pressões exógenas podem ser administradas com
maior ou menor grau de independência e, portanto, com maior ou
menor eficácia por parte dos governos nacionais. É possível
encontrar formas alternativas de lidar com as restrições externas, em
vez de aplicar automaticamente uma mesma receita tida como
universalmente válida. (DINIZ, 2000, p. 19).
4
Friedrich Von Hayek e Milton Friedman são autores considerados precursores do pensamento
neoliberal, contudo veremos no trabalho que admitem a intervenção estatal, desde que seja em prol
da defesa do “livre mercado”.
19
Ignorando as dificuldades internas do país, o governo Fernando Henrique
Cardoso acelerou o processo de inserção do Brasil no contexto político e econômico
internacional, buscando adequar o aparato institucional legal e as políticas públicas
aos modelos sugeridos pelos países desenvolvidos. A liberalização comercial e a
crise fiscal tornaram-se motes no processo, que, conforme os discursos
estabelecidos, se o país o se tornasse competitivo e não resgatasse sua
capacidade de implementar políticas públicas nada se resolveria. Assim, a
privatização seria apenas um meio do Estado tentar diminuir suas dívidas
transferindo ao setor privado empresas e serviços que estavam em seu poder.
A reforma do Estado envolve múltiplos aspectos. O ajuste fiscal
devolve ao Estado capacidade de definir e implementar políticas
públicas através da liberalização comercial, o Estado abandona a
estratégia protecionista da substituição de importações. O programa
de privatizações reflete a conscientização da gravidade da crise fiscal
e da correlata limitação da capacidade do Estado de promover
poupança forçada por intermédio das empresas estatais. Por esse
programa, transfere-se para o setor privado a tarefa da produção
que, em princípio este realiza de forma mais eficiente. (BRASIL,
1995, p. 02).
Assistiu-se nos anos 90 uma centralização das pautas de discussões políticas
sobre o complexo cenário econômico, englobando as dificuldades que o aumento da
inflação e a dívida externa ofereciam a toda sociedade. Contudo, o uso político feito
a partir do frágil quadro econômico, apontava para a necessidade de reformas
institucionais imbuídas da tarefa de redirecionar o foco de atuação do Estado para
os investimentos sociais e para a diminuição das desigualdades. A expressão de tais
discursos e práticas congrega-se na emergência do chamado Estado regulador, ou
gerencial. No entanto, como se verificou posteriormente, não foram essas as
temáticas das reestruturações efetivadas. As preocupações se centravam
basicamente na abertura econômica ao capital estrangeiro e em adaptar tais
políticas às suas exigências. Dessa forma, a força do movimento de
internacionalização do capital adquire um espaço central na discussão das políticas
públicas, envolvendo diretamente discussões ideológicas acerca do tema, mais
conhecido como “globalização”.
Como demonstram alguns autores (SANTOS, 2001; BATISTA, 1998), o
processo de "globalização" não é algo irreversível, pelo contrário, representa apenas
20
uma alternativa entre muitas outras. O objetivo aqui não é negar sua existência,
apenas esclarecer os diversos caminhos a serem traçados e destacar a opção feita
pelo governo brasileiro, buscando delinear quais escolhas sintetizam as reformas
estatais nos anos 90, enfocando o papel do novo aparato institucional, as agências
reguladoras no seio do Estado gerencial, intimamente ligadas às transformações
políticas e econômicas em âmbito internacional.
É inegável que este novo quadro trazido pelo processo de globalização”
resultou em mudanças no padrão de consumo das populações e nas relações sócio-
políticas intra e inter-econômicas, em nível nacional e internacional. Em meio a este
cenário irrompem duas principais interpretações acerca do fenômeno. A primeira
corrente de pensamento indica uma tendência mundial, em que os Estados-Nação
se enfraqueceriam e eclodiria em seu lugar uma nova ordem global (OMAHE, 1996;
IANNI, 1999). Por outro lado, estudiosos que afirmam ser a globalização um
processo que representa o aumento da interdependência econômica e política, visto
que a expansão dos mercados não se perfaz autonomamente, mas umbilicalmente
unida à política dos Estados-Nação (HIRST & THOMPSON, 1998; CHESNAIS,
1996). Desse modo, a ampliação do mercado global representaria, em última
instância, a expansão do capital e de suas contradições. Diante destas divergentes
posições faz-se necessário reconstruir a dimensão histórica do fenômeno da
"globalização", localizando o processo em sua base social, política e econômica.
Além disso, buscaremos mostrar no primeiro capítulo as raízes do pensamento
neoliberal, desnudando os fundamentos das reformas implementadas no Brasil, nos
anos 90, para posteriormente investigarmos com mais embasamento a função das
agências reguladoras, o novo aparato estatal criado durante as reestruturações, sob
a luz do processo de "globalização" e a ele imbricado.
Analisamos inicialmente as transformações sociais e políticas da relação
estabelecida entre Estado e capital, tentado resgatar as peculiaridades de cada
configuração histórica. Para tanto, faremos uma exposição geral sobre
"globalização" e posteriormente abrangeremos rapidamente as principais questões
sobre Estado interventor e o processo de mudanças, que influenciaram em sua
reorganização. Ainda sob essa ótica, acreditamos ser imprescindível elencar as
origens do pensamento neoliberal, que, ao contrário do que muitos pensam, admite
a intervenção do Estado, desde que seja em prol do capital, ou da proteção da livre
21
concorrência, como assinala Hayek (1990) e como demonstra a atuação das
agências reguladoras.
Neste sentido, a criação das agências expressa a reconfiguração do Estado
brasileiro, resguardando exclusivamente os interesses das empresas privatizadas no
decorrer das reformas dos anos 90. Além disso, é função das agências estabelecer
mecanismos para satisfação do “cidadão-cliente”. Diante desse novo arquétipo de
Estado, provedor de mínimos serviços e responsável apenas por satisfazer o cliente,
torna-se necessário não somente delinear os fundamentos desse novo aparato
estatal, mas entender as diferenças do Estado desenvolvimentista, provedor de uma
cidadania regulada, em relação ao modelo que acompanha a criação das agências
reguladoras.
Com esse estudo buscamos reconstruir o processo de criação das agências
reguladoras e suas principais funções, mostrando como essas instituições
reorientam o papel do Estado a partir da década de 90 e são também expressão da
nova feição que esse assume diante da globalização”. Sob esse prisma,
discutiremos os principais argumentos utilizados durante esse período de reformas,
mediando os diversos aspectos políticos, sociais e econômicos.
22
CAPÍTULO 1
"GLOBALIZAÇÃO" E ESTADO NO BRASIL
- Houve fome na Índia continuou Deneulin a meia voz, como
se estivesse falando consigo mesmo. A América,
suspendendo seus pedidos de ferro e de fundição, deu um rude
golpe nos nossos altos-fornos. Tudo se encadeia, uma
sacudidela longínqua é suficiente para abalar o mundo... E dizer
que o império estava tão orgulhoso dessa febre industrial!
Germinal, Émile Zola
1.1 "Globalização" e suas implicações políticas e econômicas
Nas últimas décadas do século XX, a "globalização" surge como ideologia da
prenunciada “nova era do capital”. Contudo, a mundialização do capital
5
trazia em
seu cerne interesses diversos, que foram travestidos na periferia do sistema
capitalista em discursos que pregavam a necessidade de modernização, da
incorporação de altas tecnologias, melhoria na qualidade de serviços prestados,
tanto pela iniciativa privada quanto pública. Porém, a consolidação deste novo
patamar de desenvolvimento e a inserção na sociedade “globalizada” exigia
mudanças estruturais da organização do capital, principalmente dos países
considerados periféricos. Essa reorganização estabelecia a desregulamentação
financeira, a liberalização comercial e cambial, o desmonte da legislação trabalhista
e a disseminação do ideário neoliberal de gestão da macroeconomia capitalista
(ALVES, 2004).
5
O termo mundialização do capital é utilizado por François Chesnais (1996) para substituir o termo
"globalização", que banaliza fatos históricos, descontextualizando-os. Na maioria das vezes o termo é
utilizado somente para exaltar os aspectos positivos das mudanças ocorridas na última metade do
século XX, como por exemplo, o novo padrão tecnológico. Dentre estes aspectos, é recorrente a
promessa de que todas as pessoas, indiferente da classe social teriam acesso a modernização
tecnológica. Na tentativa de desmistificar o termo globalização, insistiremos na sua utilização entre
aspas.
23
Essa expansão acentuada do capital, buscando novos mercados
consumidores, aliada ao desenvolvimento do processo de financeirização traduz,
para Alves, a crise da hegemonia norte-americana e de seu modelo de produção,
gestada na década de 70.
A mundialização do capital contém em suas origens, como elemento
geopolítico fundamental, a crise de hegemonia do americanismo ou
dos Estados Unidos como núcleo hegemônico do sistema mundial do
capital. O que significa que, desde seus primórdios, a globalização
como mundialização do capital é a expressão da crise hegemônica
do centro dinâmico da economia mundial, os Estados Unidos.
(ALVES, 2004, p. 35).
Neste mesmo sentido, alguns autores denominaram a crise americana como
a crise do fordismo (HARVEY, 1996). O advento de novas tecnologias foi central
para que houvesse a mudança no padrão de acumulação da produção, do fordismo
para o toyotismo, ao passo que a concorrência no plano internacional foi
intensificada. Esse novo patamar da concorrência foi decisivo para que os Estados
Unidos mudassem de estratégia política e se reestruturassem, reconfigurando suas
relações em âmbito internacional. Tais alterações, conforme veremos, redundaram
em estratégias utilizadas pelos Estados Unidos para amenizar sua crise e tiveram
conseqüências para a economia mundial, tais como o rompimento do padrão ouro-
dólar; a instauração do câmbio flexível, que futuramente compôs o mercado
financeiro; o aumento dos juros internacionalmente, causador de um boom” das
dívidas dos países mais pobres, etc. (BRENNER, 2003; HOBSBAWM, 1995). Enfim,
a crise da hegemonia norte-americana impôs uma nova agenda às economias da
periferia capitalista. Diante da nova situação, tais países tiveram que adequar suas
economias às exigências dos grandes órgãos financeiros internacionais. Essa
reorganização da economia mundial teve que levar em conta não somente os novos
parâmetros “ditados” pelos órgãos de financiamento internacional, mas as próprias
mudanças ocorridas no mundo da produção. A instabilidade instaurada a partir deste
novo cenário, tendo a crise norte-americana como norteadora deste processo,
desestabilizou as economias mais pobres, como o Brasil, que teve um longo período
de crescimento econômico no pós Segunda Guerra Mundial.
Estudiosos como Hirst e Thompson (1998) acreditam que tais mudanças são
de caráter conjuntural. Na concepção destes autores, o que ocorreu na década de
24
70 foi um redirecionamento do insulamento econômico que havia se constituído
após a Segunda Guerra, quando a maioria dos países adotou políticas de cunho
protecionista. Tendo isso em vista, crêem que as mudanças demandadas no
decorrer das décadas de 70 e 80, no cenário internacional, foram impactantes, pois
exigiram a liberalização das economias para viabilizar a expansão do capital.
Entretanto, o processo de reestruturação das economias periféricas, visando a
inserção dessas no mercado global, pressupunha uma igualdade de condições da
formação sócio-política de cada país. O que não se coadunava com as diferenças e
desigualdades intrínsecas a cada país ou região.
A introjecção de políticas liberalizantes e o desenvolvimento da
financeirização do capital nos países da denominada periferia capitalista, teve um
grande impacto na própria conformação do papel histórico que o setor público
possuía, visto que a forte intervenção do Estado na economia, na maioria das vezes,
foi o motor propulsor da industrialização, garantindo o desenvolvimento de uma
ampla estrutura industrial de base e uma rede de infra-estrutura. Assim, uma
guinada na orientação política e econômica expressou grandes transformações
sociais. Em meio a tal panorama, os governos de diversos países empregaram
discursos variados para justificarem as mudanças e, ao mesmo tempo, converterem
um momento de crise em um processo desprovido de determinações sócio-
econômicas e políticas. Dessa forma, tais transformações não podem ser
compreendidas desarticuladas das próprias mutações do capitalismo no século XX.
Arrighi (1996), em O Longo Século XX, perfaz a trilha do capital,
reconstruindo as expansões financeiras dos séculos anteriores, visando com isso
aprofundar a compreensão acerca do processo de intensificação e expansão do
capital financeiro no século XX. Para tanto, o autor elabora um atento estudo sobre o
processo da financeirização do capital em outros momentos históricos e espaciais,
como por exemplo, em Gênova, na Holanda, na Grã-Bretanha e nos Estados
Unidos. A conclusão do trabalho de Arrighi aponta como as expansões financeiras
resultaram de grandes fases de desenvolvimento material do capital, formando
grandes ciclos de acumulação. Nesse contexto, é possível afirmar ainda que a
expansão do capital financeiro e o deslocamento das grandes empresas por
diversos países é também resultado da revolução técnica e organizacional
possibilitada pelos investimentos em massa no pós-Segunda Guerra Mundial.
25
Assim, principalmente após a década 70 observa-se a propagação das
grandes empresas pelo globo, não deixando escapar nenhuma oportunidade de ter
a produtividade da corporação aumentada, seja por meio da facilidade da obtenção
dos recursos naturais, pelos baixos preços da mão-de-obra ou pela aproximação a
um amplo mercado consumidor.
Neste contexto, considera-se o incremento das técnicas e o aprimoramento
do sistema de informação, juntamente com um enorme progresso da ciência, alguns
dos principais elementos propulsores do processo de mundialização do capital, após
a década de 70.
No fim do século XX e graças ao avanço da ciência, produziu-se um
sistema de técnicas presidido pelas técnicas da informação, que
passaram a exercer um papel de elo entre as demais, unindo-as e
assegurando ao novo sistema técnico uma presença planetária.
(SANTOS, 2001, p.26).
Outro aspecto destacado por Santos, imprescindível para o aprimoramento
das técnicas é a intermediação política, que garante a implantação e a consolidação
dessas novas técnicas por meio de alianças entre capital e Estado, compondo as
bases para a expansão do grande capital, identificado aqui, com as grandes
empresas. Essa prática somente obteve e continua alcançando sucesso porque
encontrou respaldo importante nos Estados, que se tornaram agentes centrais neste
processo, seja investindo, ou desregulamentando e regulamentando novas leis em
prol de mudanças. “As técnicas apenas se realizam, tornando-se história, com a
intermediação da política, isto é, da política das empresas e da política dos Estados,
conjunta ou separadamente.” (SANTOS, 2001, p.26).
Frente a tal quadro, é preciso indagar: como é possível uma empresa ter sua
produção fragmentada? Como é possível obter o controle dessa produção, se ela
pode estar desmembrada em diversos países? Para obtermos resposta, novamente
temos que recorrer aos instrumentais políticos, que apenas o desenvolvimento
das técnicas e da infra-estrutura não explica como é possível a fragmentação da
produção. A implementação de políticas que viabilizem a consolidação dessas novas
estratégias de produção parece ter presença marcante nesse novo cenário de
mundialização do capital. Nas palavras de Fiori,
26
Essas mutações têm aparecido na forma de uma nova e desafiante
realidade que, entretanto, foi sendo gerada por uma interação
dinâmica de decisões micro e macroeconômicas e políticas tomadas,
em nível das empresas e governos, quase sempre sob a forma de
resposta aos grandes “choques” que se condensaram no início dos
anos 70, 80 e 90, e suas múltiplas e derivadas conseqüências. A
essas reações, extremamente diferentes entre si (dependendo do
poder econômico e político de cada país), é que se tem chamado
genericamente de “ajustes estruturais”, e o produto desses ajustes,
que nasce à custa dos produtores e das decisões políticas, tem sido
chamado de "globalização". (FIORI, 1995a, p. 28).
De maneira complementar, Ianni (1999), seguindo os passos de Marx em O
Manifesto Comunista entende que o sistema capitalista não sobreviveria se a
burguesia não revolucionasse constantemente os instrumentos de produção.
Conforme nos mostra Marx
A burguesia não pode existir sem revolucionar permanentemente os
instrumentos de produção por conseguinte, as relações de
produção e, com isso, todas as relações sociais. A conservação
inalterada do antigo modo de produção era, pelo contrário, a
condição primeira de existência de todas as anteriores classes
industriais. A contínua subversão da produção, o ininterrupto abalo
de todas as condições sociais, a permanente incerteza e a constante
agitação distinguem a época da burguesia de todas as épocas
precedentes. Dissolvem-se todas as relações sociais antigas e
cristalizadas, com o seu cortejo de representações e concepções
secularmente veneradas; todas as relações que as substituem
envelhecem antes de se consolidarem. Tudo o que é sólido e estável
se dissolve no ar, tudo o que era sagrado é profanado e os homens
são obrigados a encarar, sem ilusões, a sua posição social a as suas
relações recíprocas. A necessidade de um mercado em constante
expansão compele a burguesia a avançar por todo o globo terrestre.
Ela precisa fixar-se em toda a parte, estabelecer-se em toda a parte,
criar vínculos em toda parte. (MARX; ENGELS, 1998, p.08 -09).
Neste sentido podemos concluir junto com esse conjunto de autores, que
todas as rápidas transformações ocorridas no pós década de 70 se articulam ao
progresso das ciências e ao incremento das técnicas de produção engendrados pelo
próprio sistema de produção capitalista. Associado ao advento dessas novas
técnicas, um ritmo diverso começa a ser imposto às variadas formas de
relacionamento. Além disso, difundem-se concomitantemente a esse processo,
ideologias que tentam naturalizar essas mudanças, desconectando-as da sua base
material, no caso, a expansão das grandes empresas globais.
27
De acordo com Ianni (1999) estamos lidando com algo novo, reforçado pela
queda do muro de Berlim e o fim da Guerra Fria, que proporcionaram a rápida
expansão da economia de mercado sobre a economia planificada.
A maioria de autores que discutem o desenvolvimento do sistema capitalista
no pós Segunda Guerra Mundial admite a existência de uma diferenciação da
expansão do capital neste período. Para Ianni, o caráter expansionista do capital,
contido em seu germe, já se manifestava há séculos; contudo, para o autor, há ciclos
que caracterizam as fases de expansão do capital. O primeiro ciclo equivale ao
período em que o modo capitalista de produção organiza-se em moldes nacionais.
No segundo período, encontramos as nações imperiais, onde o desenvolvimento
das forças produtivas e das relações de produção tende a localizar-se no país
dominante, imperialista. E num terceiro momento, teríamos o capitalismo global.
As sociedades contemporâneas, a despeito das suas diversidades e
tensões internas e externas, estão articuladas numa sociedade
global. Uma sociedade global no sentido de que compreende
relações, processos e estruturas sociais, econômicas, políticas e
culturais ainda que operando de modo desigual e contraditório.
(IANNI, 1999, p. 39).
Hirst e Thompson (1998) sugerem que estamos vivenciando um momento de
transformações conjunturais, em que o amplo desenvolvimento capitalista propiciado
pela intervenção do Estado no pós Segunda Guerra, ao mesmo tempo em que
contribuiu para a concentração do desenvolvimento técnico também circundou esse
conhecimento através das barreiras comerciais protecionistas. Esses autores
assinalam ainda que o grau de integração observado hoje, remonta ao passado
recente, anterior a Primeira Guerra Mundial e que, dependendo do indicador
tomado, é possível sustentar que a economia internacional é atualmente menos
aberta e integrada do que no período de 1870 a 1914. No entanto, reconhecem que
o aperfeiçoamento das técnicas, aliado à abertura política e econômica no pós
Segunda Guerra Mundial, abriu caminho à ampliação da dinâmica de
internacionalização da economia capitalista.
Estas discussões abarcam as grandes transformações do capital no decorrer
do século XX. Apoiadas pelas políticas estatais, a produção capitalista alcançou
neste período um elevado patamar de desenvolvimento por meio de investimentos
diretos ou incentivos financeiros, provenientes do setor público. Porém, esse
28
protagonismo estatal foi afetado em sua capacidade de financiamento devido a
ampliação das dívidas, que comprometeram seu orçamento.
Neste cenário, o aumento das dívidas governamentais, no último quarto do
século XX, fragiliza o poder estatal diante das grandes corporações e dos mercados
financeiros. Estes últimos passam a obter mecanismos políticos e econômicos que
privilegiam seu pleno desenvolvimento, a partir dos anos 70, o que se torna uma das
principais características do capitalismo no período posterior. Essa face do capital,
fundamentalmente financeira, não é inovadora e nem adquire um caráter de ruptura
com o processo histórico de acumulação do capital. Na interpretação de Arrighi
(1996), esses ciclos ocorrem desde o século XIV.
O aspecto central desse padrão é a alternância de época de
expansão material (fases D-M de acumulação do capital) com fases
de renascimento e expansão financeiros (fases M-D`). Nas fases de
expansão material, o capital monetário coloca em movimento” uma
massa crescente de produtos (que inclui a força de trabalho e
dádivas da natureza, tudo transformado em mercadoria); nas fases
de expansão financeira, uma massa crescente de capital monetário
“liberta-se” de sua forma mercadoria, e a acumulação prossegue
através de acordos financeiros (como na fórmula abreviada de Marx,
D-D´). Juntas, essas duas épocas ou fases constituem um completo
ciclo sistêmico de acumulação. (ARRIGHI, 1996, p.6).
Nesse ponto, Arrighi se apropria da fórmula geral do capital, desenvolvida por
Marx, para mostrar como as fases de expansão material são seguidas por uma
expansão financeira, na qual para a produção capitalista a flexibilidade e a liberdade
de escolha de investimento de capital se apresentam como duas características
centrais do processo de acumulação.
O capital dinheiro (D) significa liquidez, flexibilidade e liberdade de
escolha. O capital-mercadoria (M) é o capital investido numa dada
combinação de insumo-produto, visando ao lucro; portanto significa
concretude, rigidez e um estreitamento ou fechamento das opções.
D’ representa a ampliação da liquidez, da flexibilidade e da liberdade
de escolha. (ARRIGHI, 1996, p. 5).
Se por um lado, é evidente que a reorganização do capital busca aumentar os
lucros e encontra um grande respaldo nas instituições estatais, por outro podemos
afirmar, conforme propõe Arrighi e Marx, que estamos vivendo mais um ciclo da
acumulação capitalista, com evidentes implicações para o setor público. A
29
interdependência entre
Estado e capital na contemporaneidade tende a ser revelada
de acordo com os atores protagonistas e a própria apropriação das idéias
neoliberais no interior do aparato estatal e das políticas econômicas.
Os principais agentes envolvidos no processo de "globalização", o Estado e
as grandes empresas, se organizam “de acordo com as regras e tendências que
vêm manifestando-se no plano da competição inter-capitalista e no plano da gestão
das políticas macroeconômicas nacionais.” (FIORI, 1995, p. 30). De acordo com
essas novas regras e normas de competição internacional, o Estado deve promover
e se adequar aos atuais parâmetros da concorrência internacional. Isso significa,
sobretudo, abrir o país para a instalação de grandes corporações e facilitar ao
máximo sua consolidação na região, a partir de um conjunto de reformas que
flexibilizem as regras econômicas, bem como os direitos trabalhistas e sociais. Essa
expansão das grandes empresas, muitas vezes, é resultado da criação e fusão de
empresas existentes por companhias estrangeiras. Esse processo se ampliou
exorbitantemente no decorrer dos anos 80.
O número de fusões e aquisições de participações majoritárias em
1988-1989 foi mais de quatro vezes superior ao nível registrado em
1982-1983. Essas operações aumentaram significativamente,
sobretudo depois de 1987, quando evidentemente, a perspectiva do
mercado único deu impulso suplementar ao processo conjunto de
concentração e internacionalização. É por isso que definimos o
oligopólio como um espaço de rivalidade, delimitado pelas relações
de dependência mútua de mercado, que interligam o pequeno
número de grandes grupos, que numa dada indústria (ou num
conjunto de indústrias de tecnologia genérica comum), chega a
adquirir e conservar a posição concorrente efetiva no plano mundial.
(CHESNAIS, 1996, p. 91-93).
Atualmente, a expressão de ordem passou a ser mercado global
6
. O domínio
das técnicas no último quarto do século XX levou as grandes empresas a atingirem
uma ampla influência política e econômica em nível planetário. A reprodução
ampliada do capital encontrou no processo de concentração das empresas um
aliado perfeito para a expansão e ocupação de todos os espaços globais. No caso
brasileiro, após a abertura da economia ao capital estrangeiro, assistimos o
6
O termo mercado global é usualmente utilizado pela mídia. “No grupo das 100 emergentes 12
companhias brasileiras -- de debutantes no mercado global, como a Natura e a Braskem, até
veteranas, como a Embraer e a Vale do Rio Doce”. Ver no site da revista Exame reportagem “As 100
Emergentes no Mercado Global”
http://portalexame.abril.com.br/revista/exame/edicoes/0870/economia/m0082500.html.
30
processo de privatização de uma das maiores mineradoras do mundo, a Vale do Rio
Doce, seguido de uma série de aquisições, em que a Vale passa a comprar outras
empresas ligadas ao setor, se tornando a segunda maior do seguimento. Ressalta-
se ainda, que no processo de privatização da empresa, foi repassada aos
compradores uma ferrovia que atravessa importantes estados brasileiros, a ferrovia
Vitória-Minas.
A mineradora brasileira adquiriu mais de três quartos do capital da
INCO (mineradora canadense de níquel) com a compra pública no
mercado de 174.623.019 ações ordinárias da empresa, por 86
dólares canadenses (o equivalente a R$ 162,65) cada ação. A
operação completa é estimada em US$ 17,2 Bilhões (R$ 36,79
bilhões). A INCO é a segunda maior produtora de níquel do mundo.
Com a aquisição, a Vale do Rio Doce, maior produtora de ferro do
mundo, diversifica seus negócios, que cerca de três quartos das
receitas da empresa brasileira m de negócios com minérios
ferrosos. (BLECHER, 2006).
Em meio ao atual panorama de concentração e centralização do capital,
pautado em sociedades anônimas, não é possível afirmar que a Vale é uma
empresa estritamente brasileira, como na citação acima, pois todo capital que
compõe a empresa está fragmentado e dividido em ações, podendo assim o controle
dela ser transferido para qualquer país estrangeiro, já que do total das ações 41,0%
pertencem a investidores estrangeiros, 32,5 % a Valepar S.A, 21,0% a investidores
brasileiros, 5,5% ao governo federal e 6 ações da Golden Share, segundo dados do
mês de setembro de 2006
7
. Tal exemplo sugere ainda, outros aspectos da propalada
mundialização do capital, onde os fluxos econômicos internacionais circulam
livremente sem, contudo, significar a mesma fluidez para os trabalhadores, sempre
próximos de perder o emprego diante de novos movimentos econômicos
internacionais. Como foi o caso da própria Vale que após o processo de privatização
seguiu com a implementação dos famosos Planos de Demissão Voluntária, que
visavam, sobretudo, enxugar os quadros da empresa, abrindo espaço para formas
mais flexibilizadas e desregulamentadas de contratação.
As novas regras da competição no mercado internacional contribuíram para
que as empresas nacionais mudassem de face e de estratégia. Muitas delas, como é
o caso da Vale, foram “compartilhadas” com a administração privada. Nesse
7
Ver http://www.cvrd.com.br/cvrd/media/ca1206p.pdf.
31
contexto, como o Estado brasileiro poderá usar essas empresas em prol do
desenvolvimento nacional, se as mesmas seguem um padrão de gestão
internacional, desvinculado totalmente das orientações do Estado brasileiro. Diante
disso, o maior desafio da sociedade civil brasileira consiste em evitar que o Estado
se subordine inteiramente às regras do mercado internacional, se tornando “poroso”,
como afirmou Milton Santos (2001) ou ainda, se fragilizando como nos assegura
Ianni (1999).
Mas como evitar esse aumento de dependência externa, se as empresas
estratégicas foram quase todas privatizadas? Ao tratarmos da questão da autonomia
do Estado-nação é preciso manter uma visão crítica, pois muitos intelectuais
acreditam e defendem o fim desse, o que não é condizente com os processos
evidenciados na política e na economia, em que estes Estados são o “carro chefe”
da economia, no sentido de planejamento e coordenação do mercado privado! As
agências reguladoras mostraram essa relação explícita entre Estado e mercado,
portanto, o fim do Estado condiz apenas com um discurso que visa fortalecer o
mercado e o com a realidade concreta. A problemática é que existe uma imensa
subordinação às regras financeiras elaboradas pelos organismos internacionais
como condicionalidades para a obtenção de crédito por parte dos Estados, regras
estas que se identificam evidentemente com os interesses do mercado, das grandes
empresas e do capital financeiro.
Quando uma grande empresa se instala, chega com suas normas,
quase todas extremamente rígidas. Como essas normas gidas são
associadas ao uso considerado adequado das técnicas
correspondentes, o mundo das normas se adensa porque as
técnicas em si mesmas também são normas. Pelo fato de que as
técnicas atuais são solidárias, quando uma se impõe cria-se a
necessidade de trazer outras, sem as quais aquela não funciona
bem. Cada técnica propõe uma maneira particular de
comportamento, envolve suas próprias regulamentações e, por
conseguinte, traz para os lugares novas formas de relacionamento. O
mesmo se com as empresas. É assim que também se alteram as
relações sociais dentro de cada comunidade. Muda a estrutura de
emprego, assim como as outras relações econômicas, sociais,
culturais e morais dentro de cada lugar, afetando igualmente o
orçamento público, tanto na rubrica da receita quanto no capítulo da
despesa. (SANTOS, 2001, p.68).
Santos aponta que atualmente uma tirania do dinheiro e da informação.
Ele ressalta que na atual fase da “globalização” ocorrem mudanças não somente no
32
mundo das técnicas, que unifica o papel da informação, mas, sobretudo, nos rumos
políticos dos países. Com o aperfeiçoamento das técnicas e sua difusão em nível
global, se aprofundou o controle dos grandes centros financeiros sobre as políticas
monetárias de diversos países. Dessa maneira, o controle dos investimentos
públicos passou a se orientar pelo fluxo destes capitais, representando, de certa
forma, uma pressão nas agendas políticas e econômicas destes países, como por
exemplo, o constante refinanciamento da dívida blica externa para a obtenção de
crédito internacional. Nos anos 90, esse domínio sobre as contas públicas se tornou
cada vez mais prejudicial para a maioria da população, na medida em que o controle
externo das contas e políticas públicas impõe arbitrária e verticalmente que se
desviem recursos públicos para algumas áreas consideradas prioritárias, reduzindo,
sobretudo, os gastos das áreas sociais; ou ainda, encontram-se intrínsecas às novas
políticas liberais, a idéia de um controle rigoroso dos investimentos, visando ocultar a
transferência de recursos das áreas sociais para o setor privado, incluindo a área
financeira. Essa é a nova política que ganha força nos anos 90. O Estado passa
cada vez mais a regular e coordenar o setor privado, transferindo grandes
quantidades de recursos para garantir o ajuste fiscal e o pagamento de juros das
dívidas. Esse é o Estado capitalista aprofundado nos seus laços com o mercado,
como diria Luciano Martins (1985).
Para o autor, se o Estado brasileiro se tornou
desde 1930 o provedor e financiador do capitalismo interno, atualmente poderíamos
afirmar que o Estado brasileiro expandiu a sua área de atuação, também financiando
o capital externo.
O Estado que criou o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social (BNDES), visando coordenar o setor privado brasileiro e desenvolver grandes
empresas públicas, também foi responsável pela privatização dessas empresas, nos
anos 90. Além disso, muitas vezes financiou a compra dessas companhias por
grandes grupos estrangeiros. É evidente que se tratam de formas distintas de
conceber o desenvolvimento social e econômico. Ainda nesse sentido, é
interessante notar como o próprio discurso das reformas neste período se sustentou
numa crítica ao Estado varguista e ou desenvolvimentista, numa tentativa de superar
o “atraso” rumo a uma modernização globalizada e liberal.
Na era da mundialização do capital, o mercado internacional passa a ter
influência acrescida na agenda das políticas econômicas, que se direcionam cada
33
vez mais para o ajuste fiscal e o controle dos gastos, com fins de garantir a
estabilidade do setor financeiro e da circulação internacional de mercadorias,
subordinando, em certa medida, as ações governamentais aos imperativos do
mercado.
O próprio imperialismo era “diferencial”, tal característica sendo
conseqüência da subordinação do mercado à política, seja a política
internacional, seja a política interior a cada país ou a cada conjunto
imperial. Com a globalização, as técnicas se tornam mais eficazes,
sua presença se confunde com o ecúmeno, seu encadeamento
praticamente espontâneo se reforça e, ao mesmo tempo, o seu uso
escapa, sob muitos aspectos, ao domínio da política e se torna
subordinado ao mercado. (SANTOS, 2001, p. 52-53).
Nos anos 90, a expressão mercado internacional passa a fazer parte não
do vocabulário, mas das ações dos governos nacionais. A disseminação de políticas
públicas voltadas para a abertura da economia e o ajuste às agendas de órgãos
internacionais foi comum à maioria dos países em desenvolvimento e periféricos. O
aumento dos problemas sociais nestes países é cada vez maior. O acréscimo do
desemprego e a perda do valor de compra do salário mínimo
8
tornaram-se comuns
nas regiões periféricas, sendo que na maioria das vezes também atinge os países
ricos, que ainda dispõe, em certa medida, de alguns direitos sociais mais
cristalizados.
A consolidação das reformas estatais orientadas para o mercado resultou no
fortalecimento do setor privado e numa conseqüente reorientação do Estado, que
suturou seus laços com o mercado priorizando programas que reaproximassem o
Estado do grande capital, tanto interno quanto externo. Nesse sentido, o programa
de privatização das empresas públicas e a criação das agências reguladoras
representam, em última instância, a implementação de instituições públicas que
coordenem o setor privado, buscando a intervenção indireta do Estado, em que sua
presença se restrinja à arbitragem dos grandes conflitos e a promoção da livre
concorrência; essas são as características do novo” Estado almejado pelas
reformas administrativas e pela elite empresarial brasileira e estrangeira.
8
Nelson Dácio Tomazi, mapeia o valor do salário mínimo nas últimas décadas no Brasil. Segundo o
autor, em 1980, com equivalência em reais, o salário mínimo valia R$ 331, 56, em 1990, R$ 160,12 e
em 2000, R$ 151,00.
34
Objetivando apreender o novo modelo estatal é que procuramos nos
primeiros capítulos apresentar as bases históricas e sócio-políticas nas quais as
agências reguladoras foram erigidas, num processo de intensificação das relações
comerciais de forma subordinada; num momento de crise da potência norte-
americana, que busca rearranjos políticos e econômicos visando a manutenção do
sistema; num período em que o grande capital busca mais apoio estatal. Para tanto,
como veremos no segundo capítulo, tramou-se o processo de deslegitimação do
antigo modelo estatal, edificando e consolidando o modelo liberal, de proteção
exclusiva à reprodução do sistema capital.
De acordo com esse processo, as agências reguladoras, criadas para regular
as empresas e serviços privatizados e concessionados têm como um dos principais
objetivos afastar os serviços e empresas públicas das decisões políticas do Poder
Executivo, pautando-se no argumento de que essas empresas eram ineficientes
justamente por serem utilizadas como instrumentos políticos de diferentes
governantes, que tinham tais empresas e serviços como ferramentas de manobra.
Para realizar uma crítica a tais proposições, é preciso historicizar e contextualizar as
razões de se desmoralizar as empresas públicas, que consistiu em uma estratégia
política para posteriormente justificar a transferência delas ao setor privado.
Portanto, afastar as empresas públicas do Estado e entregar sua fiscalização às
agências reguladoras com autonomia administrativa e financeira se configura num
novo projeto estatal em que os serviços públicos essenciais não são mais
considerados direitos, mas apenas mercadorias.
Na busca da compreensão da nova face do Estado brasileiro, primeiramente
delineamos o processo político e econômico internacional em que o país foi inserido
nos anos 90, para então, recompor rapidamente quais foram as principais
transformações que incidiram sobre a relação capital e Estado no pós Segunda
Guerra Mundial, enfocando as mudanças políticas e econômicas do último quarto de
século, que foram decisivas na reorientação dos Estados nacionais no final do
século XX. Sob esse prisma, traçaremos posteriormente quais são os fundamentos
das rápidas mudanças ocorridas no Brasil na última década, verificando qual a base
em que foram realizadas as reformas liberalizantes e a emergência das agências
reguladoras.
35
1.2 A Crise dos Anos 70: reestruturação estatal e recomposição do capital
Para compreendermos a intensificação do processo de expansão do capital
nos países considerados periféricos, na cada de 90, é imprescindível delinear
quais foram os principais fatores políticos, sociais e econômicos que contribuíram
para o aprofundamento da reestruturação e da reorganização do capital e do Estado
no último quarto de século. Além disso, é preciso esquadrinhar rapidamente os
fatores que favoreceram a fragilização e o desmonte do Estado como promotor
direto do desenvolvimento no período posterior à Segunda Guerra Mundial.
A erupção de conflitos políticos e econômicos expostos nas décadas de 60 e
70 – caracterizados e inseridos no contexto da diminuição da taxa de lucro, aumento
da concorrência, aumento do preço do petróleo, Guerra Fria etc. – sintetiza o término
do período de estabilidade que caracterizou o compromisso Keynesiano após a
Segunda Guerra Mundial. Inicia-se um ciclo de crises, pondo em cheque a “era de
ouro do capitalismo”, como definiu Hobsbawm (1995) ao se referir a época de
hegemonia de políticas Keynesianas, que se distinguiram por implementar um
conjunto de estratégias que priorizavam o compromisso social. Nesse contexto,
podemos destacar as diversas formas de manutenção dessas políticas, o Welfare
State nas economias centrais, o desenvolvimentismo e o populismo na América
Latina, a descolonização e constituição de estados nacionais na África e Ásia e a
planificação social nos países do socialismo real (LIMA FILHO, 2004).
É consenso entre diversos estudiosos (HOBSBAWM, 1995; MORAES, 1994),
que o Estado de Bem-estar Social se constituiu plenamente no pós Segunda
Guerra Mundial, e apenas com intenso vigor, em alguns países europeus. Tal
modelo de Estado não se consolidou em países de industrialização tardia,
assumindo nestes contextos diferentes arcabouços institucionais em virtude das
díspares realidades nacionais. A partir desse quadro podemos então refletir sobre as
possíveis razões da criação desse aparato institucional de proteção social. De
acordo com Gomes (2006), a escola de Frankfurt analisa as políticas de seguridade
social enfatizando como estas serviram para fortalecer as estruturas de acumulação
capitalista, integrando as classes trabalhadoras à sua ordem, traduzindo-se num
36
contrato social, em que tanto o capitalismo quanto o trabalhador cooperavam
mutuamente.
A avaliação de Przeworski (1989) converge com a análise frankfurtiana, ao
apontar que a busca pela integração entre trabalhador e processo de produção
torna-se o objetivo central. Dessa forma, a concessão de direitos econômicos,
sociais e políticos seria apenas uma maneira de evitar rupturas na busca de apoio
das forças opostas.
A explicação de Aglietta (1979), suscitada por Arrighi, se acenta sobre a
percepção da classe capitalista da necessidade de se ter consumidores em massa,
engendrada pelas técnicas de produção fordista. Dessa maneira, acordos
institucionais de Bem-estar resultam da necessidade da continuação do processo de
acumulação.
Esse regime é considerado uma fase particular do desenvolvimento
capitalista por investimentos em capital fixo que criam uma
capacidade potencial para aumentos regulares da produtividade e do
consumo em massa. Para que esse potencial se realize, são
necessárias uma política e uma ação governamental adequadas,
bem como instituições sociais, normas e hábitos comportamentais
apropriados (o modo de regulação). (ARRIGHI, 1996, p.2).
Outra tese acerca do Estado de Bem-estar, defendida por Gomes (2006), se
concentra sobre as lutas da classe trabalhadora. Segundo o autor, esses
movimentos de afronta ao modus operandi do capital foram primordiais à
composição do Estado de Bem-estar. Nesta interpretação, os trabalhadores são
considerados agentes importantes da consolidação do tecido público de seguridade
social e pela ampliação de direitos.
O amplo leque de interpretações sobre o período do predomínio de políticas
Keynesianas enriquece as explicações históricas, sociais, políticas e econômicas
acerca do modelo de Estado implementado, principalmente, no pós Segunda Guerra
Mundial. Condição para a qual as lutas do movimento operário europeu foram
fundamentais, mas incapazes no período posterior aos anos 70 de barrar a
dissolução de uma série de direitos conquistados. Tratando resumidamente acerca
do rompimento do acordo social, conforme Gomes (2006), o aumento do consumo
em massa no apogeu do período fordista exigiu do Estado uma ampliação dos
serviços coletivos, acarretando pressão por aumento da arrecadação estatal, o que
37
prejudicou as atividades produtivas e acarretou um aumento dos déficits públicos
com os conhecidos efeitos inflacionários, que também possuíam fortes rebatimentos
nas atividades industriais e sobre os salários.
Em decorrência da pressão exercida sobre as contas estatais pela ampliação
dos gastos sociais no final dos anos 70, começa a se mobilizar e retomar a influência
perdida no período posterior à década de 30, a corrente de pensamento liberal ou,
mais precisamente, neoliberal. Essa vertente passa a disseminar no final da referida
década, a idéia de que o Estado não tem condições de arcar com as estruturas de
seguridade social e por isso deve retirar sua presença de diversos serviços públicos,
transferindo-os para o setor privado. Buscando ampliar os espaços de influência e
obter certo consenso da sociedade, os neoliberais começaram a atacar a presença
do Estado na produção econômica e propagar a idéia de que a retirada desse do
papel de protagonista do cenário econômico, seria a melhor alternativa para que o
sistema capitalista retomasse o desenvolvimento e o Estado recuperasse suas
forças de investimento, inclusive no plano social.
Na segunda metade da década 70 e, principalmente, no decorrer dos anos
80, a crise fiscal do Estado se intensificou diante do aumento da inflação e da
conseqüente estagnação econômica, levando a um fortalecimento progressivo da
corrente conservadora, que se apropriou do momento histórico, político e econômico
para propagar o enfraquecimento do Estado produtor, anunciando as vantagens de
uma sociedade amparada pelos serviços privados.
No período de hegemonia das idéias Keynesianas o Estado-Nação possuía
um forte controle da produção, comércio e finanças. Ele o obtinha o gido
comando de entrada e saída de capitais, mas efetivamente participava do processo
econômico. Moraes (2004) sintetizou cinco aspectos centrais deste Estado,
indicados abaixo, afirmando que ele se organizava a partir das regras firmadas em
Bretton Woods, regras que previam um grau de insulamento econômico suficiente
para permitir políticas fiscais e monetárias razoavelmente efetivas (operantes) no
interior das fronteiras nacionais.
1. crescimento econômico rápido em número muito grande de países
do centro e da periferia do sistema;
2. expansão do Welfare-stateainda que em diferentes modelos e
com desiguais graus de cobertura;
38
3. sistemas de representação (partidário-eleitorais) razoavelmente
estáveis ou definidos, baseados em alinhamento ideológicos,
religiosos ou de classe;
4. sistemas de relações de trabalho altamente institucionalizados;
5. sistema de relações internacionais estável e razoavelmente
previsível, ainda que tenso (em alguns momentos, previsível porque
tenso) (MORAES, 2004, p.315).
A ruína do sistema proposto em Bretton Woods, regulado pelo padrão ouro-
dólar e sua substituição por um sistema de taxas flutuantes, tendo o dólar norte-
americano como padrão cambial, contribuiu para o desenvolvimento do capital
financeiro; este último, indicava mudanças na estrutura organizacional desde os
anos 60. A queda da taxa fixa de Bretton Woods foi acompanhada de um incremento
dos euromercados, que em 1960 não ultrapassavam os 4,5 bilhões, mas em 1973
esse montante já atingia 160 bilhões de dólares, em valores líquidos (CHESNAIS,
1996).
Outros elementos políticos e econômicos formam o quadro que deflagrou, nos
anos 60 e 70, uma crise que interrompeu o período de crescimento econômico de
diversos países. No decurso dos anos 1960, a crise de superprodução resultou na
constante queda da taxa de lucros, atingindo primeiro os Estados Unidos e,
posteriormente, todos os países que expandiam a produção de manufaturados. Esta
crise foi resultado de um conjunto de fatores políticos e econômicos, como a
recuperação econômica no s Segunda Guerra Mundial de países como a
Alemanha e Japão, e a retomada do desenvolvimento dos mesmos que, aliados a
combinação de técnicas sofisticadas e salários mais baixos, conseguiram penetrar
no mercado norte-americano e mundial. O resultado mais imediato desse quadro
consistiu não apenas no acirramento da competição internacional, mas
principalmente na superprodução e na queda da taxa de lucro dos produtos
manufaturados (
HOBSBAWM, 1995).
A partir de meados da década de 1960, os fabricantes localizados
nos blocos econômicos de desenvolvimento mais tardio mais
notadamente no Japão, mas também na Alemanha e em outras
partes da Europa ocidental foram, portanto, capazes de combinar
técnicas relativamente avançadas com salários relativamente baixos
para reduzir de forma drástica os custos relativos de suas produções
em comparação àqueles necessários para produzir os mesmos bens
na economia americana, de desenvolvimento anterior. Desse modo,
eles não conseguiram impor os seus preços relativamente baixos
no mercado mundial e inchar de modo dramático as suas cotas
39
desse mercado, como foram também capazes, precisamente em
virtude de seus custos relativamente reduzidos, de ao mesmo tempo
manter suas antigas taxas de lucro. Os produtores americanos se
viram confrontados para os seus produtos que apresentavam um
crescimento mais lento, mas se encontravam amarrados a custos
inflexíveis por se acharem atravancados por instalações e
equipamentos (capital fixo) que incorporavam métodos de produção
que se tornaram subitamente caros, bem como por níveis salariais
relativamente altos, que não podiam ser empurrados de forma
rápida. (BRENNER, 2003, p. 56).
Iniciava-se na crise de
superprodução não apenas a queda da taxa de lucros,
mas principalmente a corrida da competição internacional por mercados
consumidores e, posteriormente, a migração dos capitais para o setor financeiro.
A alta do petróleo em 1973 e 1979, elevando bruscamente o preço do barril,
também contribuiu para o desequilíbrio econômico, confluindo em um aumento da
inflação, baixa taxa de lucratividade do capital, desemprego etc.
Conforme ressalta Carneiro (2002), a desagregação da ordem internacional
de Bretton Woods resultou na desaceleração do crescimento do PIB dos países
industrializados e do comércio internacional, acarretando perdas nas relações de
troca e diminuição das formas de financiamento. Para o autor, a crise dos anos 70
tem seu foco marcado na queda da taxa de câmbio fixa e no aumento brusco do
preço do petróleo, que de US$ 3 o barril no pós-guerra aumenta para US$ 12 em
1974 e US$ 37 em 1981. A conseqüência mais evidente foi a elevação dos preços
dos bens produzidos nos países centrais, sem contrapartida das exportações da
periferia capitalista. Além disso, o aumento dos juros reais foi o resultado imediato
da ampliação da taxa de inflação nos países centrais.
De acordo com Magnoli (2002), a alta do petróleo é um componente
importante no desenrolar da crise da década de 70. No entanto, é apenas um
adicional que não pode ser visto como uma causa de natureza estrutural. Se o
aumento do preço do barril de petróleo é considerado mais um fator adjacente do
grande abalo econômico deste período, então quais o as raízes desencadeadoras
do quadro estrutural da crise? O desequilíbrio econômico mundial foi resultado o
apenas do aumento do preço do petróleo, mas da quebra do acordo de Bretton
Woods. Este sistema, que fixava a conversibilidade do dólar em ouro, foi rompido
unilateralmente pelos Estados Unidos. Aqui, podemos encontrar sugestões sobre as
40
possíveis causas desse rompimento, que confluiu na desaceleração do comércio
internacional.
Magnoli (2002) e Hobsbawm (1995) se lançaram ao estudo das causas do
rompimento do acordo de Bretton Woods. Segundo os referidos autores, os Estados
Unidos, no pós Segunda Guerra Mundial se alicerçaram no absoluto predomínio de
sua economia no mundo capitalista, transformando o dólar não apenas em moeda
nacional, mas meio de troca internacional, ou seja, Bretton Woods expressava a
hegemonia norte-americana, reforçada por meio da carência de dólares na Ásia e
Europa, que de certa forma, constituía pressuposto para a permanência deste
modelo. Entretanto, o próprio sucesso da reconstrução da economia européia e
principalmente Japonesa, no pós Segunda Guerra, colocou em cheque a posição
central dos Estados Unidos. O importante Plano Marshall, elaborado pelos norte-
americanos, visava não somente revitalizar o comércio internacional, ampliando a
venda de seus produtos aos países europeus, mas, sobretudo impedir a propagação
do comunismo, que representava a grande ameaça ao sistema capitalista,
principalmente no final da Segunda Guerra Mundial. Sob esse prisma, Hobsbawm
avalia o quanto os Estados Unidos, envolvido neste conflito político, enfrentou um
enfraquecimento econômico.
À medida que a era da Guerra Fria se estendia, abria-se um
crescente fosso entre a dominação esmagadoramente militar, e
portanto política, que Washington exercia na aliança e o
enfraquecimento da predominância econômica dos EUA. O peso
econômico da economia mundial passava então dos EUA para as
economias européia e japonesa, as quais os EUA julgavam ter salvo
e reconstruído. Os dólares tão escassos em 1947 haviam fluído para
fora dos EUA numa torrente crescente, acelerada. (HOBSBAWM,
1995, p. 238).
Ademais, nos anos 70 é deflagrado um aumento do déficit da balança
comercial dos EUA, enquanto uma explosão dos eurodólares, propiciando um
aumento no crédito através do mercado privado interbancário. Aliado a esses
fatores, como enfatizado anteriormente, os EUA tiveram que enfrentar a
concorrência internacional dos países que ajudara a reconstruir no pós Segunda
Guerra Mundial.
A reconstrução da Europa e Japão, da mesma forma que significou o
alcance do objetivo primordial dos Estados Unidos, que era
41
restabelecer o comércio mundial e fortalecer as bases do capitalismo
diante do inimigo comunista, tão importante para sua economia,
também fez com que os países reconstruídos se tornassem fortes
concorrentes frente aos americanos no mercado mundial. (ALMEIDA,
2003, p. 28).
Ao difícil espectro em que se encontrava a economia norte americana, se
agregava o descontentamento da população em relação à entrada dos EUA numa
nova guerra, que não somente lhe custara financeiramente, mas sobretudo, o levara
a uma desestabilização política, como observa Hobsbawm
A guerra do Vietnã desmoralizou e dividiu a nação, em meio a cenas
televisadas de motins e manifestações contra a guerra; destruiu um
presidente americano; levou a uma derrota e retirada universalmente
previstas após dez anos (1965-1975); e, o que mais interessa,
demonstrou o isolamento dos EUA. (HOBSBAWM, 1995, p. 240).
A crise política e econômica desenhada, principalmente, nas décadas de 60 e
70, indicou a necessidade de mudanças estruturais para que os EUA mantivessem a
primazia sobre a economia mundial e pudessem coordená-la, de modo a equilibrar e
manter certo controle sobre os rumos da economia internacional. Desse ponto de
vista, o rompimento com o modelo de Bretton Woods se tornou uma das estratégias
para que os EUA pudessem garantir o mínimo domínio sobre sua moeda.
Por outro lado, a multiplicação dos eurodólares e os subsídios para a
ampliação do mercado financeiro foram conseqüências do fortalecimento da
economia européia e japonesa. Aos países latino-americanos e outros da
denominada periferia capitalista, a crise se abateu com enorme intensidade, visto
que, além do aumento brusco do preço do petróleo em 73 e 79, tivemos no mesmo
período o rompimento de Bretton Woods, seguido do aumento da taxa de juros.
Em 1971, os Estados Unidos, pressionados pela ameaça de
conversibilidade da moeda, assumiram a impossibilidade do
compromisso com a conversão e decidiram romper com o padrão
dólar-ouro, estabelecendo o padrão dólar e impondo a hegemonia da
sua moeda internacionalmente. Em 1973, as flutuações cambiais
abriram as portas para a especulação das moedas e, em 1979, os
Estados Unidos elevaram a taxa de juros, o que fez reverter o
processo de liquidez internacional. Os investimentos públicos e
privados tornaram-se caros, com repercussão negativa para a
geração de empregos, enquanto os investimentos de curto prazo
passaram a ser mais privilegiados. (ALMEIDA, 2003, p. 29).
42
Tais transformações não se restringiam, evidentemente, ao campo das
políticas econômicas. No campo social, diversas mobilizações se levantavam em
oposição à Guerra do Vietnã, às mortes e aos gastos militares. Tais movimentações
dificultavam, em certa medida, a aprovação junto ao Congresso americano de mais
investimentos para a manutenção da “máquina de guerra”, bem como a legitimidade
dessa frente à sociedade. É relevante lembrar ainda, as grandes transformações que
ocorreram em âmbito cultural e político, tais como os debates sobre racismo e
direitos civis.
Essa crise do capitalismo norte-americano confluiu em mudanças bruscas,
tanto para as economias centrais, quanto para a periferia, que havia realizado
grandes quantidades de empréstimos junto aos grandes bancos internacionais, a
juros baixos, visando investir no parque industrial nacional. Os resultados mais
evidentes destas mudanças foram sentidos nos países pobres, principalmente nos
da América Latina, que vivenciaram uma industrialização tardia e por isso se
encontravam muito endividados neste período.
Além disso, o aumento da inflação e a crise fiscal do setor público confluíram
numa paralisação da atuação dos Estados nestes países, levando a uma
conseqüente crítica ao Estado desenvolvimentista, contribuindo para que se
minimizasse a importância da atuação econômica do setor público, priorizando
políticas voltadas ao setor privado e desmontando os parcos direitos conseguidos
nos chamados “anos dourados”.
Expostos aos efeitos negativos desta crise financeira, os governos desses
países, em vários casos alinhados com os interesses dos credores externos,
implementaram políticas inspiradas na proposta de estabilização do Fundo
Monetário Internacional (FMI), que, via de regra, contribuíram para aprofundar a
crise.
Quando no final dos anos 1970, o governo Reagan, preocupado com
os enormes déficits externos norte-americanos e buscando recuperar
a supremacia dos EUA, então em xeque, implementou uma política
de fortalecimento do dólar por meio da majoração acentuada das
taxas de juros, que subiram de um patamar de 6% ao ano para cerca
de 20%, ao mesmo tempo em que levava a cabo, juntamente com o
governo inglês, a desregulamentação dos mercados financeiros e de
capitais, a situação dos países periféricos deteriorou e rapidamente.
Os serviços da dívida sofreram forte aumento, o que levou muitos
43
países a endividarem-se ainda mais para pagarem as dívidas
contraídas anteriormente, gerando assim um crescimento financeiro
das mesmas. Esse processo levou a periferia a uma situação de
insolvência generalizada. (CORSI, 2002, p. 20).
A evolução das dificuldades financeiras vai ganhando tons mais duros no
decorrer da década de 80. A partir de 1989, depois de quase uma década de
aplicação do receituário do FMI, os resultados dessa política tinham sido medíocres.
A estagnação econômica, a crise inflacionária, social e fiscal asfixiava parcela
considerável das economias Latino-americanas. Nesse contexto, desencadeou-se
um processo de discussão acerca da política mais adequada para os países
periféricos. Tais discussões confluíram num conjunto de proposições conhecidas
como Consenso de Washington.
O Consenso de Washington, mais especificamente, decorreu de uma rie de
seminários realizados na cidade de Washington, capital norte-americana, onde se
discutiram políticas econômicas que, supostamente, contribuiriam para o
enfrentamento das dificuldades financeiras que desafiavam as economias Latino-
americanas, de forma que estas retomassem o caminho do desenvolvimento
capitalista. Nestas reuniões foram propostas políticas de estabilidade econômica,
das quais o controle inflacionário seria a principal. Dentre as sugestões faziam parte:
ajuste fiscal, que seria obtido através de reformas no sistema de previdência social;
reforma administrativa; introdução de reformas estruturais, visando à abertura das
economias nacionais, o que implicava reduções de tarifas e desregulamentação dos
mercados financeiros e de capitais; também deveria haver redução da presença do
Estado na economia, centrada num vasto programa de privatização das empresas
estatais (FIORI, 1997). Essa última recomendação possui uma influência marcante
no caso da economia brasileira, principalmente a partir da década de 90. É evidente
que as proposições do Consenso não foram apropriadas de forma automática e
direta, mas são fundamentais para compreender as orientações que conformam os
discursos e as práticas reformistas posteriores, visto que, o acesso ao mercado
global era, em certa medida, condicionado à adoção das indicações adotadas em
Washington. Privatizar as empresas estatais era, nesse sentido, a “primeira tarefa de
casa” dos países capitalistas periféricos. Essa foi, inclusive, a dimensão mais
destacada do processo de introdução do neoliberalismo em países como o Brasil,
44
pois a privatização se configurou como ação paradigmática dos ajustes que se
impunham a essas economias.
O processo de privatização das empresas estatais se caracteriza pela venda
ou concessão dessas e dos serviços ao setor privado. Tal ação foi acompanhada
pela criação das agências reguladoras, instituições que regulariam neutramente os
setores privatizados. Assim, as principais atribuições dessas agências
correspondiam a organizar as atividades privatizadas conforme a demanda do
mercado, estabelecendo também uma correspondência entre Estado e
consumidores. As agências reguladoras seriam mbolos da reestruturação do
Estado. O vínculo recriado pelas agências e os cidadãos brasileiros não passaria
mais pela relação de direitos, mas pela de clientes, como consumidores de serviços
do setor privado. O fornecimento desses serviços pelo mercado o muda apenas a
função do Estado, mas, sobretudo, fundamenta e recompõe novas relações desse
com o mercado. O discurso embasador dessas novas relações se caracteriza pela
naturalização da eficiência do setor privado para o fornecimento de tais serviços,
sedimentando assim a idéia de que o Estado serve apenas para coordená-los. Tal
discurso ideológico enfatizou, durante o processo de privatização das empresas
estatais, na década de 90, a ineficiência do Estado na gestão destes serviços, ao
passo que se propagava seu alto custo.
Como indicado anteriormente, o corte nos gastos públicos constituiu um dos
principais objetivos das reformas do Estado brasileiro neste período. Ele seria
efetivado por meio da transferência da gestão de alguns serviços públicos para o
setor privado, visando ainda, a busca de uma maior eficiência na prestação dos
serviços e uma elevação na competitividade global. Essas finalidades seriam
alcançadas através da constante regulação dos serviços privatizados, por meio da
atuação dessas agências, que também funcionariam como órgãos fiscalizadores,
conforme incisos III e V, do primeiro capítulo: das Disposições Iniciais, da Lei
9074 de 7 de Julho de 1995, que define as intenções do processo de privatização:
“III aumento da eficiência das empresas concessionárias, visando à elevação da
competitividade global da economia nacional; e V - Uso racional dos bens coletivos,
inclusive os recursos naturais”.
As finalidades almejadas pelo processo de transferência dos serviços e
empresas públicas para o setor privado evidenciam alguns pressupostos e idéias
45
que foram sedimentadas sobre o Estado brasileiro, no decorrer da década de 80 e
90, entre elas a ineficiência. Fazendo uso indevido da imagem de algumas empresas
públicas deficitárias, a partir do governo Fernando Collor de Mello, buscou-se
generalizar a idéia de que as empresas que estavam sob comando estatal não eram
bem administradas. De acordo com essas idéias, o Estado, estruturalmente
ineficiente, é que engendrava altos custos e sobrecarregava as empresas públicas,
pois estas eram usadas politicamente e por isso não conseguiam elaborar políticas
de longo prazo. Neste sentido, a defesa da autonomia das agências reguladoras tem
como pressuposto a noção de insulamento das decisões políticas destas instituições
em relação ao Poder Executivo, afastando o serviço público das responsabilidades
estatais e aproximando-os de uma mercadoria. Para os reformistas, somente a
autonomia de gestão das agências reguladoras em relação ao Executivo propiciaria
a eficiência dessas instituições e dos próprios serviços fornecidos pelo setor privado,
já que as agências reguladoras regulariam e fiscalizariam de forma neutra, baseadas
apenas em questões técnicas.
Da consolidação da imagem do Estado brasileiro de ineficiente à transferência
dos serviços e empresas públicas ao setor privado não se demorou muito, ao
contrário, a maior crítica às reformas diz respeito à rapidez da sua realização
9
.
Adjacente a idéia de ineficiência estatal
10
, destacava-se no programa governamental
de reformas a busca da “eficiência” e da “eficácia”, mbolos da racionalidade
econômica como é caracterizado o setor privado.
O segundo eixo do programa de privatização e a função do novo aparato
institucional representado pelas agências reguladoras, é estabelecer a elevação da
competitividade global da economia nacional, garantindo ao “livre-mercado” “a
concorrência perfeita”, em consonância com a visão neoliberal. Assim, a função das
agências reguladoras é intervir no mercado de acordo com suas demandas e
necessidades. A presença do Estado aqui se faz de forma indireta, sendo, portanto,
um mito a idéia de Estado mínimo e de livre-mercado. A reestruturação do Estado
brasileiro nos anos 90 é no sentido de reorientar suas funções para atender
exclusivamente as demandas do mercado, ao passo que diminui suas
9
Eli Diniz (2000) elabora ácidas críticas contra a rapidez das reformas do Estado, realizadas
principalmente, no governo de Fernando Henrique Cardoso.
10
A idéia de eficiência trazida da administração, com o gerencialismo, tornando-se a maximização da
racionalidade econômica do setor privado ao público.
46
responsabilidades em relação às atividades de fim social. O Estado neoliberal é
mínimo no campo social.
Sob esse prisma, nos cabe investigar quais o as bases do pensamento
neoliberal, que no cenário de "globalização" encontrou forte respaldo político frente à
realização de reformas e reorientação do Estado, com finalidades bem delineadas. O
próprio desenvolvimento das idéias liberais ao longo do século XX se vincula às
transformações sofridas pelo Estado, fundamentalmente na estrutura de interação
com os agentes sociais e econômicos, bem como em suas correlações de forças.
Nesse contexto, promover diretamente o desenvolvimento socioeconômico ou
entregar tal tarefa principalmente às relações de mercado constituem posições que
demarcam os antagonismos centrais dos debates acerca das transformações do
Estado nas últimas décadas.
1.3 Intervencionismo: desenvolvimentismo e (neo)liberalismo
A diminuição de gastos públicos em projetos sociais universais, voltados para
a redistribuição de renda em países em desenvolvimento, como o caso do Brasil,
tem sido tema de constantes debates políticos na atualidade em decorrência do
comprometimento dos governos, na década de 90, com instituições financeiras
internacionais. O Estado objetiva diminuir os gastos públicos, ao mesmo tempo em
que se compromete a sustentar o pagamento de juros da dívida externa do país. O
programa a ser seguido por todos os governos endividados visa atribuir políticas
macroeconômicas restritivas, revisando seu papel de atuação social e,
concomitantemente, entregando grande parte de suas funções essenciais à
administração do setor privado.
É necessário refletir acerca de quais serão os destinos dos mais pobres nos
países “comprometidos” com suas dívidas externas e internas, que as políticas
públicas focalizadas tornam-se prioridades em detrimento das universais, devido aos
seus alvos particulares e delimitados.
Essa política terá várias vantagens para as elites conservadoras, que
geralmente conduzem as reformas. Em primeiro lugar, os benefícios
47
focalizados reduzem custos; os setores no extremo da pobreza são
conquistáveis com recursos limitados. Afinal, pobre custa pouco, muito
pouco. Em segundo lugar, racionalizam a velha política de clientela.
Benefícios dirigidos e particularizados não correm o risco político de
serem confundidos com medidas que criam direitos universais ou bens
públicos, sempre submetidos, estes últimos, a demandas de extensão
e generalização. Permitem também a distribuição mais discricionária
dos recursos. (MORAES, 2001, p. 66).
Nesse sentido, é importante ressaltar que a emergência de tais políticas
articula-se ao modelo de inserção subordinada desses países no chamado “mercado
global”. E, principalmente, destacar quais ideologias constituem a “ante-sala” desse
novo paradigma de Estado e os vínculos sociais das idéias reformistas. Reconstruir
partes de sua história é condição fundamental para entender o sentido dos debates
contemporâneos sobre Estado.
Os articuladores da chamada corrente neoliberal se esforçaram para
implementar um modelo de Estado capitalista em que os gastos o
preferencialmente voltados ao setor privado. Eles apontam à diminuição da
tributação sobre este, visando o aumento do lucro, ao passo que o Estado diminui
sua intervenção social. Essa corrente de pensamento tem sua base conceitual na
reflexão de alguns clássicos da economia política, como Adam Smith, e de alguns
neoclássicos como Hayek, Friedman, Mises. Diante da imensa legitimidade
adquirida pelos pensadores neoliberais, no final do século XX e sua importância na
fundamentação conceitual das reformas, torna-se imprescindível neste trabalho
buscarmos a base destas idéias, visando a melhor compreensão do atual quadro
político e econômico. Para tanto, faremos aqui uma rápida discussão do pensamento
de Hayek e Friedman que estes autores, principalmente Hayek, tiveram suas
idéias elaboradas no bojo da propagação/aceitação das idéias de Keynes.
Os períodos posteriores à crise de 1929 e à Segunda Guerra Mundial
constituíram momentos de insegurança para toda a economia mundial, resultando
num certo protecionismo das economias nacionais e um forte intervencionismo do
Estado nas políticas econômicas e sociais, sobretudo nos países desenvolvidos.
É nessa ocasião que a obra de Keynes adquire grande destaque e se torna a
base das políticas econômicas implementadas neste período, visto que o autor
mostra a importância dos investimentos públicos orientados à promoção do
desenvolvimento econômico, do qual o Estado constitui o agente mais importante.
48
Creio que a cura desses males deve ser procurada no controle
deliberado da moeda e do crédito por uma instituição central, e em
parte na coleta e disseminação em grande escala dos dados
relativos à situação dos negócios, inclusive a ampla e completa
publicidade, se necessário por força da lei, de todos os fatos
econômicos que seria útil conhecer. Essas medidas envolveriam a
sociedade no discernimento e controle, através de algum órgão
adequando de ação, de muitas das complexas dificuldades do
mundo dos negócios, embora mantendo desimpedidas a iniciativa e
a empresa particulares. Ainda que estas medidas se mostrem
insuficientes, elas nos fornecerão um melhor conhecimento do que
temos, para dar o próximo passo. (KEYNES, 1984, p. 124).
Como visto, Keynes propôs a interferência direta do Estado na economia,
visando garantir estabilidade ao sistema, ao passo em que se alcançasse o pleno
emprego. Isso implicava em mais controle sobre a força de trabalho e os custos de
produção, o que causava a fúria dos liberais, que desejavam salários flexíveis, de
acordo com a demanda da produção, assim os salários dos trabalhadores
acompanhariam a variação da taxa de lucro, conforme as crises do capital. Esse
debate esteve presente nas principais análises de Keynes nos anos 30, em sua obra
Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, publicada em 1936. Neste trabalho,
ele demonstrou por meio de um debate com os clássicos, especialmente Say e em
defesa das idéias de Marx e de Kaleck, que o mercado não tendia ao equilíbrio entre
oferta e demanda, e que por isso nem toda produção gerava rendas, que eram
convertidas em consumo no mercado ou investimento. Dessa maneira, as
explicações clássicas de que a crise capitalista é engendrada por fatores externos
como os conflitos armados e as intempéries se dissolveram. Como aponta Costa
(2006),
A análise de Keynes contrariou os postulados da Lei de Say
essencialmente no que se referia à demanda ilimitada, ao
pressuposto de que toda a produção gerava sua demanda e que a
economia tende ao equilíbrio. Para Keynes, o dinheiro na economia
capitalista não é apenas um meio de troca, mas também funciona
como reserva de valor, desviando parte da renda do consumo,
gerando entesouramento e levando a queda na demanda, que gera
problemas na esfera da produção. (COSTA, 2006, p.62).
É fundamental ressaltar que as análises de Keynes surgiram num momento
de grande deslegitimação do liberalismo, em decorrência da crise de 1929. Ele se
49
enquadra num tipo de política burguesa que almeja conciliar os imperativos
capitalistas de crescimento econômico com uma maior equidade social, dentro do
quadro de um Estado econômica e socialmente ativo. Tal estruturação, por sua vez,
se articula à consolidação de uma nova etapa na divisão do trabalho, com o
taylorismo e o fordismo.
O modelo de atuação estatal proposto por Keynes nos anos 30 ganha força
no pós Guerra. Ele se caracteriza por uma forte intervenção do setor público na
economia, garantindo o processo de acumulação do capital e assegurando a
coordenação da força de trabalho, a partir de uma reforma social que ampliasse
algumas estruturas de proteção e universalização dos direitos, o que ficou conhecido
como Estado de Bem-Estar social (LEAL, 1990).
Em todas as suas formas, o compromisso keynesiano constitui um
programa dual: pleno emprego e igualdade. Pleno emprego: pela
regulação do nível de emprego pela administração da demanda dos
gastos sociais; igualdade: na constituição de uma malha de serviços
sociais que iria dar forma ao moderno Estado de Bem-Estar Social.
(LEAL, 1990, p. 6).
Conforme sugerem Leal (1990) e Napoleoni (1979), o Welfare State emerge
como a forma básica do Estado Keynesiano. O compromisso por ele expresso
pressupõe que a classe trabalhadora aceite a existência do mercado e do lucro
como eixo norteador da organização social, mas implica na garantia de defesa dos
padrões nimos de vida, dos direitos sindicais e sociais, tendo como requisitos o
pleno emprego e a renda real, tudo isso através da intervenção do Estado,
amparado em sólidas bases econômicas.
Contrariando as idéias de Keynes, Friedrich August Von Hayek (1899-1992)
teve sua principal obra publicada em 1944, apenas dois anos antes da morte do
primeiro. O Caminho da Servidão tornou-se após os anos 70 uma obra muito
polêmica e influente, que se transformou numa referência às reformas políticas e
econômicas realizadas na Inglaterra, reformas essas que, no final do século XX, se
estenderam aos países da periferia do capitalismo.
É importante lembrar que a composição do pensamento de Hayek e sua
principal obra, O Caminho da Servidão, constituíram uma reflexão acerca da
complexização do capital num novo período histórico, levando em consideração as
novas dimensões que o capitalismo adquire no decorrer do século XX. Isto inclui as
50
principais crises eclodidas no início do século, em decorrência do aumento da
competição pela expansão colonial e econômica, que teve seu estopim na Primeira
Grande Guerra e o apogeu no crash de 29, talvez mais relevante em termos de
transformações socioeconômicas, por explicitar os limites do capital.
No início do século XX, o capitalismo se agigantava e alcançava sua
fase monopolista, caracterizado pela concentração industrial e a
constituição de monopólios empresariais em escala mundial, bem
como pela expansão imperialista dos países hegemônicos. Esta
expansão também foi permeada por crises econômicas cíclicas que
prenunciavam o grande crash de 29. Como a teoria neoclássica
sequer previa estas crises, suas premissas não intervencionistas
começaram a ser questionadas. (PAULA PAES, 2003, p. 07).
Conforme síntese de Paula Paes, os anos 40 constituem um momento em
que se rediscutem os rumos do intervencionismo estatal e do livre mercado,
ponderando os intensos processos de crise vividos no início do século XX.
Como apontado, a preocupação de Keynes era compreender as causas da
crise, inclusive o desemprego involuntário e as medidas necessárias para contê-lo.
Para tanto, ele defende a intervenção direta do Estado na economia. Partindo dos
preceitos de Marx, que a moeda é uma reserva de valor e não apenas um meio de
troca, pois quando ela assume a forma líquida, uma diminuição do consumo, o
que gera queda da demanda efetiva, resultando tanto em especulação financeira,
quanto no aumento do desemprego. Essas análises divergiam diretamente dos
liberais, que postulavam que o desemprego seria voluntário ou friccional. A primeira
razão estaria no trabalhador, que aceitava ou não o emprego de acordo com as
condições oferecidas a ele. Na segunda explicação, o desemprego seria conjuntural,
conforme problemas de um determinado setor, mas que logo seria resolvido e por
isso absorveria a força de trabalho.
Para Keynes, o mercado não é auto-regulado, portanto, a principal questão é
regular os mercados, contendo as crises, inclusive as de desemprego. Para ele, a
saúde do desenvolvimento econômico capitalista se realiza na manutenção do pleno
emprego e de direitos universais garantidos pela intervenção direta do Estado, tanto
na economia, quanto em áreas sociais.
Com a publicação de Caminho da Servidão, em 1944, Friedrich August Von
Hayek passa a resgatar os princípios liberais clássicos do século XVIII e XIX,
51
considerando que a intervenção do Estado no âmbito econômico pode lesar a
liberdade de escolha do indivíduo. Essa recusa não impede, contudo, que ele
vislumbre a intervenção estatal, visando o equilíbrio do livre comércio. Apesar de
Hayek construir uma crítica à planificação da economia e às sociedades coletivistas,
relacionando-as com as políticas keynesianas, ele não repudia qualquer forma de
“intervenção estatal" como alguns autores do liberalismo clássico, inclusive, faz
críticas diretas ao laissez-faire, caracterizando-o como regras gerais primitivas”.
(HAYEK, 1990, p.43).
Hayek é adepto de um outro modelo de planejamento, o que for voltado para
a proteção da concorrência, ou seja, para o autor, o Estado deve “intervir” sempre
em prol da concorrência.
A doutrina liberal é a favor do emprego mais efetivo das forças de
concorrência como um meio de coordenar os esforços humanos, e
não de deixar as coisas como estão, baseia-se na convicção de que,
onde exista a concorrência efetiva, ela sempre se revelará a melhor
maneira de orientar os esforços individuais. Essa doutrina não nega,
mas até enfatiza que, para a concorrência funcionar de forma
benéfica, será necessária a criação de uma estrutura legal
cuidadosamente elaborada, e que nem as normas legais existente,
nem as do passado, estão isentas de graves falhas. Tampouco deixa
de reconhecer que, sendo impossível criar as condições necessárias
para tornar efetiva a concorrência, seja preciso recorrer a outros
métodos capazes de orientar a atividade econômica. (HAYEK, 1990,
p.58).
A partir de tais afirmações, Hayek nega a visão dogmática do Laissez-Faire,
evidenciando a nova visão dos liberais ou neoliberais acerca do importante papel do
Estado como protetor ou fomentador da concorrência e do empreendedorismo
individual.
Criar as condições em que a concorrência seja tão eficiente quanto
possível, complementar-lhe a ação quando ela não o possa ser,
fornecer os serviços que, nas palavras de Adam Smith, “embora
ofereçam as maiores vantagens para a sociedade, são contudo de tal
natureza que o lucro jamais compensaria os gastos de qualquer
indivíduo ou pequeno grupo de indivíduos” são as tarefas que
oferecem na verdade um campo vasto e indisputável para a atividade
estatal. Em nenhum sistema racionalmente defensável seria possível
o Estado ficar sem qualquer função. Um sistema eficaz de
concorrência necessita, como qualquer outro, de uma estrutura legal
elaborada com inteligência e sempre aperfeiçoada. Mesmo os pré-
requisitos mais essenciais ao seu funcionamento adequado, como a
52
prevenção da fraude e do estelionato (inclusive a exploração da
ignorância), constituem um vasto campo de atividade legislativa, que
até hoje não foi dominado por completo. (HAYEK, 1990, p. 60).
As elaborações conceituais do liberalismo de Hayek assumem no contexto de
esgotamento do modelo keynesiano de Estado e de transformações estruturais do
capitalismo nas últimas décadas do século XX, uma influência marcante nos
discursos e nas práticas reformistas que ganham força em diversos países
(MORAES, 2001). A retomada do liberalismo não ocorre com as mesmas roupagens
do período anterior a crise de 29, como demonstra o pensamento de Hayek, mas é
importante ressaltar sua presença, com nuances e matizes diversificadas nas
reformas institucionais levadas a cabo em vários Estados, inclusive o brasileiro.
Reformas essas focadas na solução das falhas de concorrência do mercado.
Dessa forma, o novo arcabouço institucional, implementado pelas reformas
neoliberais irá representar a nova sustentação que o Estado promotor da
concorrência proporcionará ao sistema capitalista. Baseando-se nesta análise,
podemos destacar as razões da inserção do Brasil de forma subordinada no
contexto internacional, visto que o “furacãoda abertura comercial nos anos 90 foi
tão intenso que não houve tempo para “armar as estruturas de proteção”, ou seja,
quando ocorreu a abertura econômica neste período, o arcabouço institucional
administrativo e jurídico encontrava-se abalado, o que redundou na fragilização da
economia nacional. Nesse sentido, as reformas do Estado brasileiro, nos anos 90,
sejam elas políticas ou econômicas, objetivaram adaptar o Estado e a economia
brasileira à nova lógica da concorrência mundial, reforçando aqui, o novo papel do
Estado enquanto promotor e protetor da concorrência do mercado, ou ainda,
coordenador deste setor.
É sob esse novo prisma, de concorrência do capital internacional, que alguns
importantes agentes políticos
11
levaram a cabo a reestruturação do Estado
brasileiro, reavaliando e reelaborando seu papel frente às políticas sociais e, na
maioria das vezes, transferindo-as ao controle do setor privado. Neste sentido, as
agências reguladoras representam órgãos governamentais “experimentais” que
11
O presidente Fernando Henrique Cardoso e o ministro Luiz Carlos Bresser Pereira são
considerados protagonistas importantes das reformas políticas e econômicas realizadas nos anos 90,
seja pela participação direta, como político, seja na retaguarda, enquanto intelectual, no entanto não
se consideram neoliberais.
53
coordenarão o setor privado, estruturando a concorrência, ou ainda, arbitrando as
relações dos diversos setores econômicos, que nunca se auto-regulariam. Como
explicita Hayek,
O bom uso da concorrência como princípio de organização social
exclui certos tipos de intervenção coercitiva na vida econômica, mas
admite outros que às vezes podem auxiliar consideravelmente seu
funcionamento, e mesmo exige determinadas formas de ação
governamental. (HAYEK, 1990, p.58).
A posição de Hayek, admitindo a constituição de uma estrutura estatal em
prol da preservação da concorrência e se contrapondo, em certa medida, a alguns
liberais clássicos, não pode ser vista como natural, mas resultado das dificuldades
vivenciadas pelo sistema capitalista, no início do século XX, como por exemplo, o
crash de 1929. A partir dos novos problemas colocados pela complexização da
moderna civilização industrial, Hayek discute em Caminhos da Servidão,
mecanismos de controle estatais que pudessem preservar a concorrência,
objetivando a busca de uma determinada estabilidade do “livre mercado”.
Debatendo com os socialistas, ele afirma que, de certo modo, é verdade que
a nossa moderna civilização industrial faz surgir novos problemas que o
poderemos solucionar senão por meio do planejamento central. No entanto, este
planejamento central não é no mesmo sentido atribuído pelos socialistas, ou mesmo
por Keynes. Para Hayek, este controle sobre a complexa economia capitalista
poderia ser realizado através da descentralização, quando não é possível ter uma
visão do todo, mas de conjuntos, como se fosse algo setorial.
A descentralização só se torna imperiosa quando os fatores a serem
considerados são tão numerosos que é impossível obter uma visão
de conjunto. Uma vez estabelecida a necessidade da
descentralização, surge o problema da coordenação um tipo de
coordenação que aos órgãos particulares a autonomia de ajustar
suas atividades a fatos que só eles podem conhecer, e que, no
entanto, promova ao mesmo tempo um ajustamento mútuo dos seus
respectivos planos. Como a descentralização tornou-se necessária
porque ninguém pode equilibrar de maneira intencional todos os
elementos que influenciam as decisões de tantos indivíduos, a
coordenação não pode, é claro, ser efetuada por “controle
consciente” mas apenas por meio de uma estrutura que proporcione
a cada agente as informações de que precisa para um ajuste efetivo
de suas decisões às dos demais. (HAYEK, 1990, p. 68).
54
A estrutura da qual se refere Hayek parece constituir a que propicie
possibilidade de informar os indivíduos sobre o cenário econômico, sem possuir,
contudo, as mesmas características do Estado centralizador de decisões, mas de
uma estrutura paralela a este, que não influencie ou direcione a decisão do indivíduo
e/ou das instituições. A descentralização proposta por Hayek, aliada a uma
coordenação que autonomia aos agentes capitalistas, remete à necessidade de
uma estrutura que opere subsidiando todos os agentes, sem pertencer ou se
subordinar a alguma das partes, algo que recorde um ente neutro, ou que sirva aos
interesses do mercado universalmente “instituição” sempre abstrata nos discursos
liberais sem servir ao interesse de algum integrante do mercado em particular.
Princípio similar orienta as discussões de formulação das agências reguladoras, que
não necessitam, conforme os documentos oficiais, de “centralização decisória”, mas
de autonomia, de um controle indireto, um coordenador que não influencie
diretamente as decisões, mas que sempre esteja presente para resolver os conflitos
considerados mais importantes, bem como para disponibilizar as informações
indispensáveis. Assim, a defesa da livre concorrência se faz assegurada pela
estrutura estatal.
Não é coincidência apenas a proximidade entre a proposta do aparato
legislativo das agências reguladoras, criadas no Brasil após o processo de
privatização e concessão das empresas estatais e a assertiva de Hayek da
necessidade do Estado manter estruturas que não possuam um poder efetivo de
controle sobre o mercado. Dessa maneira, a autonomia de gestão das agências
reguladoras se configura como pressuposto essencial para sua existência, pois a
regulação dos serviços privatizados e concessionados devem atender basicamente
a demanda das empresas. O insulamento do poder decisório das agências
reguladoras visa, sobretudo, afastar o poder político, representado pelo Poder
Executivo, das decisões tomadas pelas agências reguladoras. Dessa maneira, o
Estado passa a interferir cada vez menos nos serviços públicos essenciais, pois
estes passam a constituir apenas mais uma mercadoria negociável e não um direito
universal.
Além disso, o embasamento teórico dessas reformas, também foi realizado
pelos chamados gerencialistas, que visam, acima de tudo, eficiência e eficácia nesse
“novo” Estado. Estado mínimo? o. Um Estado voltado às necessidades do setor
55
privado. Dessa forma, o papel do novo aparato institucional, incluindo as agências
reguladoras, restringe-se a proteger a “livre concorrência” e, conseqüentemente,
cada setor econômico dos imprevistos políticos e econômicos oriundos das falhas do
mercado.
Talvez ter presenciado a crise de 1929 contribuiu para que Hayek, em 1944,
admitisse a importância de estruturas estatais que promovessem e garantissem a
livre concorrência, sem intervir diretamente nesta, e tendo o indivíduo como célula
gestora dos empreendimentos capitalistas. Tal como num jogo de futebol, o Estado
poderia ser comparado aos organizadores do espaço físico do campo, que limpam e
mantêm toda a estrutura, incluindo a garantia de algumas “regras do jogo”. A
concorrência e seus agentes é que entram em campo e a partir desse momento
cabe ao Estado apenas vislumbrar se o jogo segue dentro das regras. A mobilidade
do jogador é ampla e as possibilidades variadas, vencer depende muito da
habilidade do jogador e não das poucas regras instituídas. Dessa maneira, também
podemos pensar o Estado, ele deve possibilitar ao empreendedor o nimo de
regras, incluindo o volume de impostos para que o investidor possa concorrer
livremente, sem “amarras burocráticas”, sem rigidez.
Nesse sentido, Hayek aponta ainda que a disponibilização estatal de serviços
sociais configura uma condição possível e necessária desde que não oblitere a
concorrência e contribua para seu aperfeiçoamento.
A única questão é estabelecer se, neste ou naquele caso, as
vantagens obtidas são maiores do que os custos sociais decorrentes
de tais medidas. A manutenção da concorrência tampouco é
incompatível com um amplo sistema de serviços sociais – desde que
a organização de tais serviços não torne ineficaz a concorrência em
vastos setores da vida econômica. (HAYEK, 1990, p. 59).
Contudo, sabemos que a disponibilização de serviços sociais pelo Estado
prejudica a concorrência, visto que, se tais serviços estão concentrados nas mãos
estatais como direitos não podem ser passíveis da mercantilização pelo setor
privado e ainda, faz com que o Estado disponibilize mais recursos para a área social,
diminuindo os recursos para o empresariado.
É evidente, porém, que a existência de serviços sociais disponibilizados pelo
Estado constitui um permanente risco à concorrência. Se o Estado prover serviços
essenciais gratuitamente, garantindo-o como um direito fundamental universal
56
resulta daí um aumento de gastos estatais com a área social, diminuindo os recursos
aos investimentos empresariais. Por outro lado, o Estado como detentor dos
serviços públicos retém uma “fatia de mercado”, o que para os capitalistas se
configura numa interferência direta à concorrência do mercado.
Assim, sempre que os hospitais públicos, por exemplo, atingirem patamares
de excelência nos serviços prestados, podem ameaçar a concorrência, considerando
que estarão, dessa forma, impondo níveis de investimento e de qualidade aos
hospitais privados, o que demandará, por sua vez, uma redução dos lucros em
função dos altos patamares de investimento requeridos.
A lógica da neutralidade e do isolamento concorrencial, implícita na reflexão
de Hayek, conduz o Estado a um papel de árbitro distanciado do campo da
concorrência pura”, imanente ao mercado, vislumbrado pelo autor. Operacionalizar
tal função demanda do Estado a composição de um conjunto de instrumentos e de
estruturas. A dimensão regulacional, que ganha força na última década, parece
cumprir e se nortear por tais princípios.
Acerca da função deste Estado regulador, Velasco Jr. (1997) conclui que um
resultado possível das reformas liberalizantes da América Latina, no período
recente, seria a ampliação da função de orientação e coordenação estatal do setor
privado. Mas se um dos principais argumentos da reestruturação do Estado no Brasil
nos anos 90 é a incapacidade estatal em prover os serviços blicos, como é que
este será capaz de regular e fiscalizar o setor privado com eficiência?
A única certeza que os reformistas têm é que após a reestruturação o Estado
deve continuar provendo um quadro macroeconômico estatal e previsível, já que os
agentes são incapazes de reunirem informações suficientes para tomarem decisões.
O funcionamento da concorrência não apenas requer a organização
adequada de certas instituições como a moeda, os mercados e os
canais de informação algumas das quais nunca poderão ser
convenientemente geridas pela iniciativa privada mas depende,
sobretudo, da existência de um sistema legal apropriado, estruturado
de modo a manter a concorrência e a permitir que ela produza os
resultados mais benéficos possíveis. (HAYEK, 1990, p. 59).
A organização do cenário econômico, por meio de uma estrutura institucional,
conforme vislumbrado por Hayek, não se realiza no plano abstrato, mas implica na
elaboração de aparatos concretos, tais como as contemporâneas agências
57
reguladoras. A função dessas, no novo quadro político, será não só manter o diálogo
com o setor privado, regulamentando-o e disponibilizando informações sobre a área
específica de atuação de cada empreendimento, mas também resolver os principais
conflitos políticos e econômicos relacionados ao mercado em específico.
A discussão que circunda a descentralização política está primordialmente
atrelada ao debate econômico, fazendo parte das temáticas mais abordadas pelos
neoliberais que reivindicam liberdade política e econômica aos indivíduos
“empreendedores”, pois acreditam que só há desenvolvimento econômico se os
indivíduos tiverem um espaço político de autonomia. Friedman (1988) associa a
liberdade política à econômica ressaltando que, quando o governo é centralizado,
não espaço de manobra para os agentes privados. Por isso, ele acredita que o
governo deva intervir o mínimo possível, se restringindo às funções de “proteger
nossa liberdade contra os inimigos externos e contra nossos compatriotas; preservar
a lei e a ordem, reforçar os contratos privados; promover os mercados competitivos.”
(FRIEDMAN, 1988, p.12). Além disso, as bases do monetarismo econômico foram
lançadas por ele, como por exemplo, o lastreamento de toda a moeda corrente,
buscando controlar a oferta e em seguida controlar a inflação. Conforme
recomendações do autor, podemos perceber que ele também não nega a
intervenção do Estado na economia, pelo contrário, busca resolver os problemas
macroeconômicos com a intervenção estatal e preservação do sistema capitalista de
produção.
Muito especialmente devemos sempre examinar os riscos envolvidos
em cada proposta de intervenção governamental, seus efeitos
laterais na ameaça à liberdade, e dar a este efeito um peso
considerável. Que peso dar a este aspecto e aos outros itens vai
depender das circunstâncias em questão. Se, por exemplo, a
intervenção governamental existente é pequena, podemos dar um
peso pequeno aos efeitos negativos de uma intervenção
governamental adicional. (FRIEDMAN, 1988, p. 37).
Sob a ótica do pensamento neoliberal, as reformas implementadas no Brasil
no final do século XX, imprimem à economia um caráter competitivo sob a luz do
processo de "globalização". A necessidade de atender as demandas do grande
capital nacional e internacional reorienta as reestruturações estatais que perfazem
um longo caminho à adequação ao setor privado. Como buscamos explicitar em
58
nossa investigação, as agências reguladoras constituem a cristalização institucional
desse novo quadro, que elas devem fiscalizar, ao passo que estão inseridas nele.
59
CAPÍTULO 2
AS REFORMAS DO ESTADO NOS ANOS 90 E O CONTEXTO
POLÍTICO E ECONÔMICO DO SURGIMENTO DAS AGÊNCIAS
As mudanças introduzidas no decorrer dos anos 90 no escopo estatal
brasileiro suscitam um conjunto de discussões concernentes às transformações do
modelo administrativo consolidado no período, bem como dos sentidos sociais,
políticos e econômicos que o acompanham. É à luz das modificações impostas pela
reestruturação estatal que as agências reguladoras foram arquitetadas e
implementadas. Elas emergem como produto de um denso processo de
reconfiguração do Estado, ao passo que também são as instituições incumbidas de
consolidar o modelo gerencial/neoliberal como forma de atuação do setor blico.
Não é possível compreender sua gênese desvinculando-a do contexto geral de
reformas administrativas e políticas nos anos 90, bem como dos precedentes que as
justificaram.
A reorientação das políticas econômicas que compõem o cenário traduz, por
vezes, a forma frágil pela qual se deu o processo de inserção brasileira no panorama
econômico internacional. O aumento da dívida pública externa, acumulada ao longo
do processo da industrialização, mais especificamente a partir dos anos 70,
constituiu a principal justificativa para a rápida execução das reformas brasileiras na
década de 90, especialmente no governo de Fernando Henrique Cardoso. O
argumento central utilizado consistia em afirmar que a dívida pública confluía em
uma paralisia Estatal, comprometendo o atendimento social à população. Como se
imputava às empresas estatais o ônus de comporem uma estrutura arcaica,
paralisante e ineficiente, a responsabilidade pela dívida recaia sobre elas.
Paradoxalmente, serão elas as escolhidas para, através da privatização, obter os
recursos para o pagamento da dívida e o ajuste das contas públicas.
Contudo, os problemas políticos e econômicos enfrentados pelo aparelho
estatal eram e são mais complexos. Na medida em que se reconstrói o contexto
global e se retrocede historicamente, verifica-se o quanto o Brasil se submete aos
ditames do capital internacional e como as políticas internas oscilam conforme este
60
cenário. Como exemplo, podemos destacar o aumento brusco do preço do petróleo
em 73 e 79, o rompimento do acordo de Bretton Woods e o aumento dos juros
referentes aos empréstimos internacionais. Essas mudanças resultaram em
instabilidade do cenário econômico brasileiro, especialmente no aumento da inflação
e no acréscimo da dívida blica externa. Tais processos acarretaram uma forte
pressão sobre as contas públicas, colocando em questão o modelo de
desenvolvimento econômico e de industrialização efetivado nas últimas décadas do
século XX. No início dos anos 80, a crise do modelo de financiamento era explícita
em diversos países da periferia capitalista.
Diante do quadro de crise em que se encontrava a maioria destes países, as
grandes instituições internacionais fornecedoras de crédito, como FMI e BID, se
reuniram num seminário em Washington, em 1989, visando elaborarem e
“sugerirem” um conjunto de políticas que levariam os países endividados à
estabilização de suas economias e ao pagamento de suas dívidas. Este pacote de
medidas era composto de: ajuste fiscal, que seria obtido através de reformas no
sistema de previdência social e reforma administrativa, itens fundamentais para
alcançar esta meta; introdução de reformas estruturais, visando à abertura das
economias nacionais, o que implicava redução de tarifas; desregulamentação dos
mercados financeiros e de capitais; fragilização dos direitos trabalhistas; também
deveria haver redução da presença direta do Estado na economia, a partir de um
vasto programa de privatização das empresas estatais (FIORI, 1997).
Esse conjunto de “recomendações” encontra no Brasil um momento político e
econômico fértil para a sua absorção. Evidentemente com algumas mediações, elas
consistiram na referência central para as transformações que se seguiram na
década de 90.
A partir de 1989, os rumos da política econômica brasileira e as
transformações ocorridas no aparelho do Estado confluem, gradativamente, em uma
nova cultura gerencial, que implica na aproximação da gestão estatal do modelo
oriundo do setor privado e na redefinição e delimitação das funções estatais,
mediante a transferência de algumas destas ao setor privado. Por conseguinte, a
nova cultura administrativa impressa ao Estado, reafirma os pressupostos
neoliberais contidos nas reflexões de Friedrich August Von Hayek (1990) e Milton
Friedman (1988). Como apontado anteriormente, segundo esses autores, a
61
intervenção do Estado na economia deve ser seletiva, se restringindo às funções de
proteção, preservação da lei e da ordem, ao passo que consolida e garante a
manutenção dos contratos privados e os mercados competitivos (FRIEDMAN, 1988).
Esses preceitos corroboram a idéia de que o Estado deve intervir em prol do
mercado e é justamente isso que a nova gestão estatal, pautada na Teoria da
Escolha Pública (PAULA PAES, 2003), se propõe: ajustar o aparelho estatal às
necessidades do mercado e implementar uma cultura de gestão importada do setor
privado e que facilite a união entre Estado e mercado.
A nova administração pública impôs um conjunto de transformações que
atingiu primeiramente o trabalho do burocrata, que passa a ser desconstruído
enquanto agente imprescindível à manutenção da racionalidade no processo de
tomada de decisão, pois suas ações são entendidas como ineficientes, que
seriam muito gidas, intocadas no processo de decisão. A afirmação de que a
sociedade contemporânea não necessita de rigidez e sim flexibilidade dissolve as
bases da gestão burocrática, que passa a ser apresentada nos discursos reformistas
como relacionada à morosidade e ineficiência, à medida que a nova administração
pública gerencial teria como principais características a rapidez, a eficiência, o
atendimento rápido às demandas da sociedade e principalmente do mercado,
justamente por que veria nesse o alocador mais eficiente de recursos.
Essas mudanças se atrelam, por sua vez, às condições trazidas pela
reestruturação produtiva e com a ampliação do mercado competitivo, o que reforça a
relação entre Estado e mercado, ressaltando a dinâmica/domínio entre poder público
e privado.
As agências reguladoras, criadas no bojo destas transformações, constituem
uma das principais experiências da nova gestão blica. Embasadas na autonomia
do processo de tomadas de decisões, estas instituições nascem mergulhadas no
conflito com o próprio Poder Executivo e problematizam, acima de tudo, o papel do
Estado, ao passo que irrompem como o modelo a ser perseguido pela administração
estatal, principalmente em virtude de sua orientação nítida pelas políticas públicas
por resultados, orientadas pelas diretrizes da eficiência, eficácia e efetividade, a
tríade estruturante do gerencialismo neoliberal.
Neste capítulo iremos apresentar os principais argumentos que embasam a
reforma do Estado nos anos 90, buscando delinear seu contexto político e
62
econômico. Visando aprofundar nosso debate, resgataremos de forma sucinta como
as reformas se articulam à questão da dívida externa e interna brasileira, visto que
ela representa o principal argumento para a execução das reformas. De acordo com
o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (1995), documento que sintetiza
a visão da cúpula governamental “reformista”, a dívida brasileira redundou numa
crise fiscal sem precedentes, que nos anos 90 reduziu a capacidade do Estado de
implementar políticas blicas. Portanto, a suposta “inércia estatal”, decorrente do
aumento da dívida pública será parte de nossa primeira investigação, considerando
o regime político autoritário. Complementando a análise da dívida também
trataremos sucintamente da crise do modelo de substituição de importações, que se
configurou como elemento contrastante da composição do novo modelo econômico
centrado na competição entre os agentes constituintes do mercado. Na seqüência,
apresentaremos as propostas de reforma do Estado nos governos Fernando Collor
de Mello e Fernando Henrique Cardoso, aprofundando as discussões mais
marcantes deste período para que possamos examinar com mais atenção quais
pressupostos foram impressos às agências reguladoras, seus principais conflitos
junto à sociedade e os sentidos políticos e econômicos que elas assumem no seio
da nova gestão estatal que emergiu nos anos 90.
2.1 Estado e Desenvolvimento Industrial no Brasil Pós 50
A intensa participação do Estado no processo de desenvolvimento interno é
uma característica intrínseca à industrialização brasileira tardia, seja pelo
estabelecimento direto de empresas blicas na produção, pela criação de meios
para financiar o capital privado interno, ou pela atração do capital e técnicas do
exterior. Segundo Martins (1985), no período posterior à década de 50 torna-se
evidente a incipiência da burguesia nacional, que se reorganiza em torno de
adaptações de uma industrialização tardia, sem sólidas condições de sustentar o
processo em longo prazo, sem o financiamento proveniente do setor público.
Outro aspecto limitador nos países Latino-americanos, ou de industrialização
recente, como enfatizado, diz respeito à situação dependente e, de maneira mais
específica, a forma paradoxal de inserção desses países na internacionalização da
63
produção capitalista, em decorrência das complexidades e especificidades que
marcam o contexto de cada país.
O que se afirma, em síntese, é que o relacionamento Estado-
sociedade é marcado nos países de industrialização recente, pela
desarticulação social, pela natureza compósita de uma estrutura de
classes dominantes em quase contínua transformação e pela
presença de atores internacionais que detêm o controle de parte do
sistema produtivo, ou fortemente influenciam as condições para a
acumulação, sem que entretanto possam reivindicar droit de cité
enquanto atores políticos nacionais. (MARTINS, 1985, p. 25).
Outro fator complexo e polêmico, apontado por Martins (1985), diz respeito ao
caráter relativamente autônomo adquirido por algumas instituições ligadas ao
Estado, como o BNDE e a CACEX
12
. Tais instituições, com caráter “quase-
empresarial”, contribuíram com certa desenvoltura na consubstanciação à expansão
estatal rumo a um protagonismo central no campo econômico. Contudo, também se
constituíram em fonte de agregação de interesses diversos. De acordo com o autor,
a coexistência de diferentes interesses no interior do Estado tende a acentuar ainda
mais as contradições que são inerentes à política econômica e ao próprio modelo de
desenvolvimento. Por outro lado, Fiori (1995) assinala que a participação decisiva do
Estado no processo de industrialização não é suficiente para especificar os
contornos pelos quais essa foi delineada. Para o autor, nossa industrialização esteve
sempre atrelada aos interesses heterogêneos de uma burguesia agrária aliada a um
empresariado debilitado, ambos profundamente vinculados ao setor estatal e
dependentes dos recursos públicos. Esta situação se apresentou ao longo de
diversos períodos nos quais houve a tentativa da industrialização realizada com a
participação decisiva do Estado.
Nos momentos de expansão e fuga para a frente, com inflação
estável, gasto público equilibrado e crescimento, todos estiveram
juntos, e o debate arrefeceu. Mas o consenso desfez-se sempre e
regularmente em todas as reversões cíclicas, acompanhadas de
aceleração inflacionária e aumento do déficit público. Nos primeiros
momentos, agigantava-se a face desenvolvimentista, ainda que
levasse atrelada uma parafernália cartorial. Nos outros, reacendiam
periodicamente a ira antiestatal e a força dos liberais, ainda que o
12
A análise empreendida por Luciano Martins em “Estado Capitalista e Burocracia no Brasil s 64”
enfocou três agências governamentais: BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico),
atual BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social); CACEX (Carteira de
Comércio Exterior); e a CDI (Conselho de Desenvolvimento Industrial).
64
Estado seguisse sendo cobrado em sua obrigação de socializar as
perdas próprias da crise. (FIORIb, 1995, p. 81).
Especificando a forma em que a classe dominante se apropria do Estado
brasileiro, não retilínea, mas mobilizando diversos instrumentos, Fiori ressalta que
nosso intervencionismo estatal confluiu na preservação da acumulação de capital e
no aprofundamento da desigualdade social. Conforme o autor,
Dessa forma, por trás das similitudes formais, que aproximam o
Estado moderno dos países cêntricos e periféricos, aninham-se
diferenças significativas, ligadas ao tipo de papel cumprido, tanto no
movimento de acumulação do capital quanto na reorganização
periódica de estrutura de dominação. Entretanto, é importante
sublinhar que essas diferenças não se explicam, abstratamente, a
partir de requerimentos postos por fases ou etapas de um
desenvolvimento capitalista linear. Ficam visíveis, na análise do caso
brasileiro, os conflitos políticos reais entre interesses de classe e
frações que vão impondo conteúdo e forma ao desenvolvimento na
regulação e no próprio processo de valorização. (FIORIb, 1995, p.
46).
Ademais, a amplitude do compromisso estatal de “pilotar” o processo de
industrialização, especialmente no período pós 50, esbarra em consideráveis limites
financeiros. A capacidade de valorização “arbitrária” da moeda vai influir diretamente
nas taxas de lucro para os diversos capitais individuais ou blocos de poder e, por
outro lado, no endividamento do setor público. Isso fica explícito ao tomarmos como
exemplo o aumento da taxa de juros definida pelo Estado, que implica na ampliação
da própria dívida pública. Situação que é problemática, haja vista que a elevação
dos lucros constitui parte integrante do próprio acordo entre as classes com
interesses diretos nos investimentos estatais.
O atendimento de interesses heterogêneos implica ainda em uma gestão
conservadora e centralista, na qual aqueles que possuem maior poder econômico
são “representados” nas políticas estatais e, conseqüentemente, no direcionamento
de investimentos e recursos públicos. Esta situação prevaleceu especialmente no
período da Ditadura Militar.
No Estado desenvolvimentista aquela arbitragem foi sempre mais
difícil, na medida em que os conflitos entre forças altamente
heterogêneas e com escassa representatividade social deslocaram-
se diretamente para dentro do aparelho do Estado, usando sua
65
institucionalidade e o poder de suas burocracias como argamassa de
seus compromissos. Donde, por isso mesmo, esses acordos jamais
lograram desempatar a luta entre as várias frações e capitais
individuais a favor dos mais fortes economicamente. (FIORIb, 1995,
p. 47).
Como explicitado, o desenvolvimento levado a cabo prioritariamente pelo
Estado, resulta em uma fragilidade nas contas públicas, pois “alimenta” as lutas da
burguesia pelo poder e dividendos econômicos advindos dos investimentos. Em
muitos casos, ao mesmo tempo em que o Estado desenvolvimentista foi
responsabilizado por todo o processo de expansão econômica, em outros também
foi culpabilizado diante das situações de crise. Freqüentemente, as desacelerações
industriais e as dificuldades de investimentos estatais foram acompanhadas de
crises político-institucionais, o que pode ser vislumbrado intensamente no período
final da Ditadura Militar, quando o esgotamento do modelo de financiamento das
décadas de 60, 70 e 80 entra em crise, o próprio regime se dissolve, dando espaço
para uma abertura política que é, sobretudo, a ante-câmara da abertura econômica.
É evidente que as condições que redundaram no fim da Ditadura não se relacionam
exclusivamente à crise do modelo de financiamento, mas não podem ser
compreendidas sem a referência a tal processo.
Esses foram alguns dos aspectos sob os quais se processou a dinâmica de
desenvolvimento e industrialização no Brasil, bem como a adaptação do papel do
Estado, consolidando-se como promotor desse processo, ao passo que investia em
indústrias de caráter capitalista e na infra-estrutura necessária para o
desenvolvimento deste. Além disso, a importância dada às grandes empresas
responde à necessidade de industrialização tardia e dependente.
Os casos da Petrobrás e da Vale do Rio Doce são os mais
conhecidos e (talvez os únicos) que atingem proporções realmente
significativas. O que eles indicam é algo na realidade bastante
simples. De um lado, dada sua capacidade de acumulação tais
empresas se defrontam com um problema de realização como
qualquer grande empresa capitalista eficiente. De outro, dada a
precariedade do setor privado nacional, é o Estado que passa a se
constituir no único interlocutor à altura do capital estrangeiro e, nesse
sentido, no mediador da integração do país ao capitalismo mundial.
(MARTINS, 1985, p. 70).
66
Grandes empresas como a Vale e a Petrobrás foram criadas em meados da
década de 40 e 50. O desenvolvimento delas se insere no momento posterior à
Segunda Guerra Mundial, que foi marcado inicialmente pela concentração de
investimentos do capital internacional na reconstrução dos países destruídos
durante a Guerra. Enquanto nos países periféricos buscava-se o desenvolvimento
pautado em bases internas, o que não excluía totalmente a aliança, em menor ou
maior grau, ao capital externo. Essa questão passa inclusive a ser o elemento
referenciador dos debates sobre o desenvolvimento travados no período.
É justamente em tal contexto que ganha projeção o pensamento nacional
desenvolvimentista, adquirindo destaque no interior da burguesia nacional a
discussão acerca de quais deveriam ser as bases do desenvolvimento. Isso se
explicita, por exemplo, no debate entre Eugênio Gudin e Roberto Simonsen, ocorrido
em meados dos anos 40, e que se tornou paradigmático e expressivo das disputas
no interior das classes dominantes naquela conjuntura. Gudin expressava os
interesses das oligarquias agro-exportadoras, enquanto Roberto Simonsen se
atrelava aos industriais nacionais (MANTEGA, 1985). As posições teóricas e os
debates intelectuais entre eles revelam a luta política travada neste momento, bem
como as visões de mundo atreladas às classes dominantes e aos projetos em
disputa. Simonsen, elencando o nacional-desenvolvimentismo, buscava superar o
“atraso” do passado colonial e, para isso, a alternativa para o país seria a
industrialização em bases nacionais
13
. Na contramão, posicionavam-se os liberais
como Gudin, que apoiavam o desenvolvimento baseado no setor primário,
vinculados às elites agro-exportadoras.
Esses debates se articularão cada vez mais com a emergência do
desenvolvimentismo, isto é, sobre as possibilidades de se construir uma estrutura
econômica nacional, pautada em bases internas e menos dependentes. Mais
especificamente, o pensamento nacional-desenvolvimentista teve como base o
modelo teórico elaborado pelos pensadores da CEPAL
14
, na década de 50. De
acordo com a CEPAL e talvez o seu principal expoente, Raúl Prebish, o
desenvolvimento dos países Latino-Americanos e a melhoria das condições de vida
13
Embora Roberto Simonsen expressasse a posição do setor nacionalista da burguesia, ele o era
contrário à participação do capital estrangeiro na economia brasileira, desde que esse viesse
contribuir para o desenvolvimento.
14
A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) foi criada em 25 de fevereiro de
1948, pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas e tem sua sede em Santiago do Chile.
67
da população dependiam de uma política que revertesse as bases econômicas
voltadas exclusivamente ao setor externo, em prol de uma política de
industrialização voltada à substituição de importações e ao crescimento do mercado
interno.
A substituição de importações é parte imprescindível no processo de
fortalecimento da industrialização brasileira. Com ela, buscava-se construir um país
com uma economia mais autônoma, menos dependente dos produtos
manufaturados. Para tanto, a transformação da estrutura agrária e a diversificação
das exportações eram condições centrais, visto que existiam diversos
prognósticos em relação às perdas sofridas pelos países exportadores de matéria-
prima e importadores de tecnologia. Conforme aponta Tavares (1972), a
deterioração dos termos de intercâmbio pode ser vislumbrada na comparação dos
preços dos produtos importados e exportados. A autora delimita quais são as
variáveis que determinam a capacidade de importação de um país, como por
exemplo, o fluxo da balança comercial e o valor pago pelos produtos. Tavares
ressalta ainda o problema do desequilíbrio engendrado pelo próprio sistema de
substituição de importações, na medida em que a produção de um setor é suprida
nacionalmente, cria-se um aumento na demanda de outro concomitantemente.
A produção de determinado bem apenas substitui uma parte do valor
agregado, que antes era gerado fora da economia, isso em termos
dinâmicos pode aumentar a demanda derivada por importações em
grau superior à economia de divisas que se obteve com a produção
substituta. (TAVARES, 1972, p.43).
A afirmação da autora é corroborada ao considerarmos a pressão exercida
sobre a balança de pagamentos na primeira metade dos anos 50, em decorrência do
aumento da demanda de bens duráveis de consumo.
As restrições às importações – controle quantitativo até 1953, câmbio
diferencial com leilão de divisas até 1957 e elevação considerável
das tarifas em seguida - traduziam-se em fortes elevações dos
preços relativos desses bens. Ora, os investimentos nesse setor
requeriam uma ampliação significativa da base industrial produção
siderúrgica de laminados planos, fundições de dimensões
adequadas, forjas etc. –, o que não seria factível sem maior
capacidade de financiamento. (FURTADO, 1981, p.31).
68
Os apontamentos de Furtado sintetizam o caráter complexo do processo de
industrialização do país. Ele indica a necessidade do desenvolvimento eqüitativo em
todos os setores produtivos, visando à extinção da dependência de produtos
manufaturados externos e a adoção de uma política de proteção da indústria
nacional, voltada ao desenvolvimento das capacidades produtivas internas e tendo a
burguesia nacional aliada ao Estado, enquanto protagonista desse processo, seja
financiando ou produzindo diretamente.
Esse conjunto de características faz com que o Estado não apenas
tenda a desempenhar uma função “estruturante” nessas sociedades
em permanente e tumultuada transformação, como passe a
desempenhar papel proeminente e decisivo nessas economias, seja
enquanto gestor do desenvolvimento, seja enquanto produtor direto.
(MARTINS, 1985, p. 24)
O Estado brasileiro, promotor direto do desenvolvimento industrial, emergiu
como importante agente no cenário econômico, seja enquanto detentor de empresas
envolvidas diretamente na produção, ou como fomentador do desenvolvimento,
através de financiamento, subsídios ou políticas de incentivo. Esse protagonismo
confluiu, evidentemente, na composição de uma estrutura administrativa e
burocrática ampla e complexa, não apenas nos setores diretamente atrelados à
industrialização, mas em todas as dimensões do aparato estatal. É claro que a
ausência de uma experiência democrática sólida e consistente impede que tomemos
essas experiências como modelos acabados de burocracia. O período Militar
subseqüente vai se apropriar de forma particularmente autoritária da incipiente
burocracia que emergia com o Estado moderno no Brasil.
2.2 A crise dos anos 80: dissolução do Estado Desenvolvimentista e
Emergência do Papel Regulador do Setor Público
Durante quase todo o processo de fortalecimento da indústria nacional o
Estado procurou combater a inflação e controlar a balança de pagamentos. De
acordo com Singer (1976), a política econômica no pós 64 priorizou a retomada do
crescimento por meio de uma política fiscal que favorecesse as maiores empresas
através da viabilização ao crédito e a exportação. Conseqüência desse processo foi
69
o favorecimento institucional ao grande capital, concomitante à perda de influência
dos pequenos empresários.
O boom iniciado em 1968 teve como causa básica uma política
liberal de crédito que encontrou a economia, após vários anos de
recessões, com baixa utilização da capacidade produtiva, taxas
relativamente altas de desemprego e custo reduzido de mão-de-obra
de pouca qualificação. A isto deve ser aduzido uma grande
propensão a consumir das camadas de rendas elevadas. O
crescimento bastante rápido que se verificou foi a resposta natural da
economia a estas condições. (SINGER, 1976, p. 61).
O controle dos salários num nível extremamente baixo, aliado ao controle de
preços através da Comissão Interministerial de Preços (CIP), contribuiu para uma
estabilização da inflação. Além disso, a pressão da grande massa migratória de
trabalhadores rurais para a cidade abasteceu a indústria e manteve o nível baixo dos
salários.
Por outro lado, a política implementada pela Comissão Interministerial de
Preços, em meados da década de 60, autorizando aumentos dos produtos a partir
da elevação de custos, confluiu no controle administrativo dos preços e no
respectivo favorecimento dos oligopólios. O combate à inflação teve, inclusive, como
embasamento o mercado oligopólico, que passou a realizar indiretamente o controle
de preços. A partir desta política econômica implementada pela CIP, se priorizou o
desenvolvimento das grandes empresas em detrimento das pequenas.
Se se pensa a estratégia de combate “gradualista” à inflação como
um todo, pode se verificar que ela de certa maneira pressupõe
mercados oligopólicos [...] Assim o controle da inflação exige que o
orçamento da União seja equilibrado, o que requer que a receita
tributária cresça pelo menos na mesma medida em que se expande
o produto nacional. Sendo os principais tributos do tipo ad valorem,
como o IPI e o ICM, esta condição pode ser satisfeita desde que
as empresas paguem os impostos, o que naturalmente é mais fácil
quando elas atuam em mercados oligopólicos, em que o valor dos
tributos é integralmente incluído nos preços, sendo, portanto, pago
pelos compradores. (SINGER, 1976, p.87).
Além dos incentivos às grandes empresas, a política de fomento às
exportações articulou-se basicamente à algumas condições apresentadas no país,
naquele momento, como aponta Singer: a) sediavam sucursais dos conglomerados
70
dos países importadores; b) possuíam níveis salariais baixos e estáveis; c)
praticavam uma política de estímulos às exportações. Tal política encontrou
incentivos com a expansão das multinacionais, inclusive no fortalecimento
econômico internacional do Japão e da Alemanha.
Neste período, o subsídio às exportações resultou numa diversificação destas
e num rápido crescimento de sua receita, que dobrou. O resultado é que tivemos um
saldo positivo em nossa balança de pagamentos. Por outro lado, o aporte de capital
estrangeiro no país estimulou o crescimento da dívida externa.
O que impressiona, nesta evolução, é o grau de comprometimento
crescente do processo de acumulação com a entrada de recursos
externos. Apesar de todos os esforços de institucionalização de
mecanismos de mercado para mobilizar o excedente interno, torna-
se claro que a manutenção de elevadas taxas de crescimento
econômico requer quantidades cada vez maiores de capital
estrangeiro. O crescimento das reservas cambiais, que atingem no
momento (1972) cerca de US$ 2 bilhões, vel extremamente
elevado, não deve ser interpretado como prova de que este capital é
desnecessário, porque ele está sendo entesourado. Na verdade, tal
fato indica que o capital estrangeiro é trazido (em parte) para
estimular a acumulação interna, e a constituição de elevadas
reservas cambiais é o penhor de garantia de uma dívida externa
cada vez maior, que ultrapassa os US$ 6 bilhões. (SINGER, 1976,
p. 72).
Esse período assinala mais uma vez as contradições de nosso processo de
industrialização. Com dificuldades de financiamento, o modelo reflete a opção de
desenvolvimento econômico e político associado e dependente do capital
estrangeiro. Mesmo com as tentativas de ampliar e diversificar as bases produtivas,
o desenvolvimento econômico do país ainda se mantinha, em certa medida, atrelado
ao setor primário. A opção aprofundada a partir dos anos 50, caracterizada por um
aporte de recursos estatais na composição de infra-estrutura, não consegue superar
a situação dependente do Brasil em relação aos setores tecnológicos de forte valor
agregado.
71
Além disso, tal opção associa-se, durante o governo Militar, à idéia política de
ordem e estabilidade da nação. Na ótica da Doutrina da Segurança Nacional
15
, não
se estabelece a ordem numa sociedade estagnada economicamente.
Esta concepção é compreensível mediante o entendimento de que a
ordem e estabilidade política, requisitos essenciais à Doutrina da
Segurança Nacional, não podem se realizar em um quadro
econômico estagnado, sem que estejam presentes as expectativas
de realização material dentro da ordem vigente. Nesse sentido, a
idéia de desenvolvimento de ser entendida como um processo de
crescimento econômico, ou seja, aumento da riqueza nacional, com
repercussões positivas sobre os demais componentes do Poder
Nacional. A implementação do binômio segurança e desenvolvimento
atribui um papel decisivo ao Estado como executor do planejamento
estratégico nacional, colocando à disposição todo o instrumento
necessário à consecução das metas desejadas, mesmo que para isto
acarrete o cerceamento das liberdades políticas. (SILVA, 2003, p.
57).
A composição desse quadro político e econômico interno, aliado às condições
da economia internacional no decorrer dos anos 70 e 80 resultará, como dito, no
aprofundamento da dívida externa brasileira, decorrente principalmente de
investimentos públicos na constituição de infra-estrutura; o que representa, neste
período, um fortalecimento das relações políticas e financeiras do Estado brasileiro
com o capital estrangeiro.
Ademais, as crises do petróleo em 73 e 79 acarretaram um aumento da
inflação e a expansão da dívida externa, já que,
A conta total de importações do país aumentou de US$ 6,2 bilhões em
1973 para US$12,6 bilhões em 1974 e o saldo da balança comercial
passou de um leve superávit em 1973 para um déficit de US$ 4,7
bilhões em 1974 e a conta corrente de um déficit de US$ 1,7 bilhão
para US$ 7,1 bilhões. (BAER, 1996, p. 104).
Neste período de instabilidade econômica, Ernest Geisel, que assume a
presidência em 1974, possui duas alternativas: continuar a política de crescimento
econômico mantendo o endividamento, ou imprimir ao seu governo uma política
restritiva, que resultaria em estagnação econômica. Ele “optou” pelo crescimento e
15
De acordo com Silva (2003), a implementação da Doutrina de Segurança Nacional no Brasil se faz
mais precisamente a partir da criação da Escola Superior de Guerra, em 1949. Essa Doutrina
substanciará ideologicamente o governo Militar. Assim, a ESG formou os dirigentes que ocuparam os
altos cargos, durante o período Militar.
72
impulsionou a economia através de seu principal programa de governo, o II PND
(Plano Nacional de Desenvolvimento), entre 1975 e 1979. Dessa forma, retoma o
programa de substituição de importações, investindo em infra-estrutura, como
energia, transportes e comunicações. Mais uma vez, um programa de governo
intenta enfrentar nosso principal problema no processo de industrialização: investir
em indústrias “pesadas”, de infra-estrutura, setor que demanda grandes quantidades
de recursos e possui retorno somente em longo prazo, o que exigia empréstimos
externos.
As exigências financeiras externas do Brasil para manter sua opção
de crescimento manifestaram-se em um momento propício.
Imediatamente após o primeiro choque do petróleo, os mercados
financeiros internacionais apresentavam extrema liquidez; os bancos
internacionais, bem providos de petrodólares estavam ansiosos em
fazer empréstimos; e como as taxas de juros eram relativamente
baixas na época, era possível justificar facilmente o aumento dos
empréstimos estrangeiros realizados pelo Brasil naqueles anos.
(BAER, 1996, 108).
No entanto, o segundo choque do petróleo alterou essa situação, ao impor
uma recessão mundial. Nesse novo contexto, o aumento dos juros internacionais,
em 1979, acarretou um incremento substantivo do serviço da dívida externa, que
atingiu um montante equivalente a 63% das exportações. Segundo Carneiro (2002),
o que ocorre neste período em diversos países é uma crise do padrão de
financiamento, que culminou na moratória da dívida externa mexicana e na restrição
do financiamento das dívidas dos países Latino-americanos, em 1982. A partir de
então, os credores internacionais passaram a exigir desses países a transferência
de recursos reais para o exterior.
Esse conjunto de pressões induziu o Brasil a adotar políticas de cunho
recessivo, inspiradas no receituário oriundo do FMI, com conseqüências danosas
para o crescimento econômico do país. O cerne dessas medidas foi o corte nos
gastos públicos, nos salários, no crédito e a elevação dos juros. Acompanhando tais
medidas, o cruzeiro sofreu uma forte desvalorização. O objetivo da política era
garantir um saldo expressivo na balança comercial, suficiente para o pagamento dos
serviços da dívida externa, sem a necessidade de recorrer a novos empréstimos.
Para aumentar as exportações, além da desvalorização da moeda, o governo
ampliou a quantidade de subsídios aos setores exportadores. Um dos resultados
73
colaterais dessa política, voltada para os interesses dos credores internacionais, foi
a deterioração ainda maior das finanças públicas, agravando sobremaneira a crise
fiscal.
A corrosão das finanças ocorre em virtude de diversos motivos, a saber: pela
majoração dos subsídios ao setor exportador, que reduz a carga tributária; pela
elevação acentuada dos juros que incidem sobre a dívida externa; pela redução das
receitas decorrentes do próprio declínio da atividade econômica e pelos efeitos
deletérios da inflação. Também cabe destacar os incentivos indiretos ao setor
privado, que não aparecem claramente nas contas públicas, mas na deterioração
das finanças da empresas estatais, em virtude dos preços dos produtos e dos
serviços dessas empresas serem comprimidos.
O prejuízo resultante dessa defasagem de preços, assumido pelas empresas
públicas, foi transferido para o tesouro, que se responsabilizou pelas dívidas. Em
nome do combate à inflação, o Estado transferiu volumosos recursos para o setor
privado, o que contribuiu para este suportar de maneira mais fácil a recessão,
embora os danos para as finanças públicas tenham sido consideráveis. O que se
repõe aqui é a famosa fórmula capitalista de socialização das perdas e
individualização dos ganhos.
Existia, contudo, um amplo conjunto de subsídios, representado pela
deterioração de preços e tarifas públicas, não computado como tal,
uma vez que as transferências para sustentar esses subsídios são
realizadas por outros mecanismos, como transferências de capital e
assunção de dívidas por parte do Tesouro. Esse conjunto de
“subsídios invisíveis” representou papel crucial no ajustamento do
setor privado à crise e na viabilização da geração do superávit
comercial. (CARNEIRO, 2002, p.185).
Além do peso dos subsídios nas contas públicas, o aumento da inflação e a
ampliação da carga de juros, como assinalamos, continuavam solapando a carga
tributária. Como resultado desse quadro, a redução dos gastos públicos conduziu à
diminuição do desenvolvimento econômico e à deterioração das empresas blicas,
que tiveram seus investimentos cortados em até 40%. A partir da redução dos
investimentos estatais em setores estratégicos, o crescimento econômico tornou-se
cada vez mais insustentável.
74
No contexto internacional dos anos 80, a escassez de financiamento externo,
aliada à pressão sobre as contas blicas para a disponibilização de crédito interno,
visando ao financiamento do desenvolvimento econômico, contribuiu para o
agravamento da crise fiscal do Estado.
Essa crise levou à diminuição dos gastos públicos, afim de garantir o
pagamento da dívida blica externa e interna, o que acabou alimentando variados
discursos reformistas, que almejavam demonstrar como o Estado brasileiro é
“estruturalmente ineficiente”, principalmente as empresas públicas. A conseqüência
mais evidente de tal situação é a proposição de que ele deveria se retirar do setor
produtivo e transferir essa função exclusivamente ao setor privado.
O discurso da ineficiência do Estado, reforçado a partir da corrosão das
finanças públicas nos anos 70 e 80, contribuiu posteriormente para justificar a
implementação das reformas neoliberais nos anos 90. A consolidação da imagem do
Estado como intrinsecamente ineficiente possui reverberações na própria captação
de crédito junto ao sistema financeiro internacional, pois a manutenção desse tipo de
crédito dependerá da reestruturação do papel estatal neste período. Reduzindo seus
gastos, para manter o pagamento da dívida pública externa, e buscando uma nova
forma de desenvolvimento, que aprofundasse alianças com o capital internacional, o
Estado adotaria uma seqüência de medidas cumpridas pelos outros países da
América Latina rumo às “reformas orientadas para o mercado”: a) ajustamento
externo; b) estabilização da economia; c) liberalização econômica etc. Essas
medidas, preconizadas a partir do Consenso de Washington, sintetizaram a
reorientação pela qual o Estado brasileiro passou nos anos 90.
O Consenso de Washington representa a visão norte-americana acerca da
política econômica, preconizando uma agenda voltada à estabilização e a retomada
do crescimento econômico. As condições necessárias à implementação do plano de
estabilização recomendado em Washington são sintetizados pelas seguintes
políticas públicas: a) estabilização macroeconômica, tendo como mote o processo
inflacionário, que deveria ser contido através do equilíbrio fiscal, ou seja, da
contenção dos gastos, exeqüíveis por meio da reforma administrativa e
previdênciária; b) reformas estruturais, englobando a liberalização financeira e
comercial, desregulamentando os mercados e privatizando as empresas estatais; c)
retomada dos investimentos e do crescimento econômico (FIORI, 1996).
75
Dessa maneira, podemos concluir que na década de 80 entra em crise o
modelo de desenvolvimento econômico estatal constituído desde os anos 30. O que
começa a emergir, como buscamos demonstrar, é justamente um novo modelo de
atuação estatal, que é expressão das transformações do capitalismo global no final
do século XX e início do XXI.
As reformas do Estado visando harmonizar-se com o contexto global, de
forma geral, foram apresentadas sob o manto da modernização e do crescimento
econômico, iniciadas sob o comando do presidente Fernando Collor de Mello e
prosseguidas no governo Fernando Henrique Cardoso. Tais mudanças visavam uma
reorientação do Estado no Brasil, compreendendo a passagem do Estado
desenvolvimentista para o neoliberal, caracterizado por uma nova forma de
intervenção. Essas transformações estão expressas na extinção de diversos
serviços fornecidos pelo setor blico e sua transferência ao setor privado; na
reestruturação administrativa da burocracia brasileira e no aprofundamento do papel
do mercado na organização política. Esses processos encontram nas agências
reguladoras, como buscamos mostrar em nosso estudo, um caso paradigmático,
pois elas constituem uma dimensão institucional na transição que se operou nos
anos 90, marcada por tensões e conflitos inerentes a essa reorientação institucional
e cultural impressas ao setor público no Brasil e sua relação com os cidadãos.
2.3 As Reformas Liberais no Governo Fernando Collor de Mello
Eleito em 1989, Fernando Collor de Mello, primeiro governo escolhido
democraticamente pelo povo brasileiro após o golpe de 1964, representava o anseio
de transformações políticas após longo período de Ditadura Militar. Essa referência é
fundamental para compreender o motivo pelo qual o projeto de mudanças elencado
por Collor de Mello alcançou imenso apoio popular e gerou grande expectativa, pois
prometia revigorar o cenário político brasileiro: a modernização do país sobre novas
bases de desenvolvimento social e econômico; a moralização política, pautada na
“caça aos marajás”, que se beneficiavam ilegalmente do dinheiro público; e o
combate à inflação com vistas à estabilização econômica.
76
A proposta de superação da crise das finanças públicas também
fundamentava os argumentos concernentes à necessidade de reforma do Estado,
enfatizando o fim da inflação como condição central para a efetivação da
democracia, da liberdade e da cidadania.
Continuando a conceituar a Reforma do Estado, uma articulação
entre as questões da redemocratização, do papel e da importância
do governo nela, da conquista das liberdades políticas, da
democracia, dos direitos e da cidadania com a Reforma do Estado
onde esta última, em especial as privatizações e a economia de
mercado aparecem claramente como complemento das primeiras.
(ALVES, 2005, p. 14).
Conforme Alves, a idéia de liberdade envolta no processo de
redemocratização do país se estende neste momento aos pressupostos da liberdade
de mercado, associando este último à eficiência, na medida em que as bases do
Estado desenvolvimentista foram corroídas pela desmoralização do político, que de
certa forma atinge a imagem do funcionário blico, que deve ter privilégios”
caçados junto à extinção das empresas estatais. Estas, devido à paralisação dos
investimentos nos anos 80, tiveram suas contas deterioradas e, sem muitas
análises, são consideradas as vilãs da crise da dívida pública e da conseqüente
letargia estatal.
A inflação, considerada o principal fator da crise das finanças públicas,
representa neste período a grande barreira ao crescimento, por isso, na medida em
se sanasse esse problema a sociedade passaria a contabilizar os ganhos. A
condição central para tal tarefa consistia justamente na reforma do Estado, o que
ganha grande projeção na campanha e no início do governo Collor.
Conhecem Vossas Excelências a agenda de medidas básicas com
que encetarei nossa estratégia de extermínio da praga inflacionária.
Não poderemos edificar a estabilização financeira sem sanear, antes
de tudo, as finanças do Estado. É imperativo equilibrar o orçamento
federal, o que supõe reduzir drasticamente os gastos públicos. Para
atingir o equilíbrio orçamentário, é preciso adequar o tamanho da
máquina estatal à verdade da receita. Mas isso não basta. É preciso,
sobretudo, acabar com a concessão de benefícios, com a definição
de privilégios que, independentemente de seu mérito, são
incompatíveis com a receita do Estado. (
MELLO apud ALVES,
1998).
77
O foco da campanha e do curto período em que durou o governo Collor se
pautou por uma crítica radical às estruturas do Estado e pela perseguição de um
ajuste fiscal extremamente danoso às contas públicas, tal como expressava o
chamado Plano Collor. Rumo à uma espécie de modernização liberal autoritária, o
pacote de ajustes incluía o início do processo de privatização das estatais, abertura
para os produtos externos, congelamento de salários, a demissão de funcionários e
reestruturação dos órgão públicos.
Os discursos de Collor de Mello
16
, a partir de 1989, tiveram sua continuidade
obviamente sob matizes diferenciados, nos discursos e programas de governo de
Fernando Henrique Cardoso. Este, após ter participado da elaboração de medidas
de controle da inflação através da implementação do Plano Real, enquanto ministro
da fazenda durante o governo Itamar Franco, obteve grande apoio da elite e da
população na eleição que o conduziu ao poder em 1994.
2.4 O Governo Fernando Henrique Cardoso e o Plano Real
O êxito relativo do Plano Real, que obteve forte apoio das elites econômicas e
dos meios de comunicação, constituiu a base da vitória de Fernando Henrique
Cardoso nas eleições presidenciais de outubro de 1994. O apoio ao Plano de
estabilização da inflação foi geral. É evidente que essa face mais destacada do
Plano era acompanhada de uma série de ajustes e alterações profundas na política
econômica.
O Plano Real, como todos os demais planos de estabilização
embasados no Consenso de Washington, possui como principais
elementos constitutivos, além do próprio programa de estabilização e
abertura comercial e financeira, as reformas do Estado e as
privatizações. (SILVA, 2003, p.72).
A abertura da economia brasileira, associada à valorização da moeda, levada
a cabo por Fernando Henrique Cardoso, criou um déficit na balança comercial e
representou um choque para a indústria, que foi obrigada a se reestruturar frente a
uma competição profunda com empresas localizadas em outras partes do globo. As
16
O processo de impeachment do governo Fernando Collor de Mello teve como estopim o resultado
de denúncias e investigações de corrupção envolvendo seu governo. No entanto, a repercussão de
uma séria crise político-institucional com mobilização pública resultaram no impeachment deste
presidente em 1992.
78
desregulamentações da legislação trabalhista e os altos índices de desemprego nos
anos 90 representam uma das dimensões mais evidentes do amplo processo de
reestruturação produtiva que acompanhou as reformas do período.
O incremento acentuado das importações elevou o seu coeficiente de 4,5%
para 20,3% entre 1988 e 2000. O coeficiente de exportações não subiu na mesma
proporção, elevou-se de 8% para 14,8% entre 1990 e 1998, o que indica que a
perda de parcelas do mercado interno não foi compensada pela ampliação das
exportações (CARNEIRO, 2002). Essa situação confluiu num impacto muito negativo
sobre o setor produtivo interno. A abertura não se confirmava como a panacéia do
desenvolvimento, como propugnavam os discursos da modernização liberal.
A abertura do mercado brasileiro, mediante a desregulamentação financeira,
permitiu a entrada de grandes montantes de capital financeiro, que passavam a
especular com aplicações financeiras no mercado e com a variação cambial. Essa
abertura acabou criando uma maior vulnerabilidade das contas internas e externas
do país, o que implicou, sobretudo, num baixo crescimento econômico no decorrer
dos anos 90, com todas as conseqüências características de tal condição.
O investimento estrangeiro feito no país dirigia-se principalmente para a
aquisição de empresas estatais privatizadas e fusões com empresas existentes
trazendo pouco aumento da produção e empregos. Percebe-se que a participação
do capital estrangeiro foi bastante significativa no período 1995-2002, atingindo 53%
do total arrecadado com todas as desestatizações realizadas no Brasil.
As empresas nacionais responderam por 26% da receita das privatizações,
cabendo 7% às entidades do setor financeiro nacional, 8% às pessoas físicas e 6%
às entidades de previdência privada, como pode ser visto no quadro que segue:
Tabela 1 - Resultado de Venda por Investidor (1995/2002)
Tipo de Investidor Receita de Venda (US$
milhões)
%
Investidor Estrangeiro 41.737 53%
Empresas Nacionais 20.777 26%
Setor Financeiro Nacional 5.158 7%
Pessoas Físicas 6.316 8%
Entidades de Previdência
Privada
4.626 6%
Total 78.614 100%
Fonte: BNDES (2002)
79
O investimento direto estrangeiro em 1998 foi de 25,9 bilhões de dólares, 24,6
bilhões desses empregados em fusões e aquisições de empresas estatais. Por outro
lado, a dívida externa cresceu de 135,9 bilhões, em 1992, saltou para 236,2 bilhões
em 2000 (CARNEIRO, 2002).
Esse processo confluiu num aprofundamento da dependência da economia
brasileira aos movimentos da economia mundial. Nesse contexto, o Plano Real teve
um papel decisivo na política econômica de FHC.
A implementação do Plano Real se deu mediante uma valorização artificial da
moeda local, o real em relação ao dólar. Apesar de ser insustentável, em longo
prazo, acabou surtindo resultados no combate a inflação.
A expectativa favorável deve ter ajudado a estabilizar os preços em
reais, no primeiro momento, inegavelmente o fator decisivo foi a
chamada 'âncora cambial'. Na véspera do lançamento da nova
moeda, o governo liberou por decreto a importação de milhares de
produtos, levando a abertura gradativa do mercado interno,
começada por Collor, a um novo patamar. A taxa cambial foi
inicialmente fixada, por construção, em US$1,00 = R$1,00, ou seja, a
URV foi calculada para ser igual a um dólar, de modo que, quando
ela se transformou em real, continuou equivalente à moeda norte-
americana. (SINGER, 2000, p. 31).
Segundo Carneiro, do ponto de vista financeiro, a abertura econômica
significou a volta do financiamento externo abundante até 1997, permitindo superar
a permanente escassez de divisas, típica da década anterior, isto é, do baixo valor
das reservas internacionais e da instabilidade da taxa de câmbio. A abertura permitiu
a ampliação das reservas internacionais, assegurando o valor externo da moeda. O
autor conclui disso, que a âncora cambial era pautada na constituição de reservas
internacionais altas, que permitissem desencorajar tentativas de especulação contra
a paridade estabelecida. Assim, a manutenção dessas reservas significava manter
elevada a atratividade da nova moeda estimulando os influxos de capitais. Carneiro
indica que para manter elevado este interesse foi necessário a implementação de
diversos mecanismos como: empréstimos de curto prazo, juros elevados e o
equilíbrio fiscal, o que conduziu o país à recessão econômica.
Os resultados dessa política foram trágicos quanto ao índice de desemprego
e renda. Na região metropolitana de São Paulo, o desemprego cresceu
80
sistematicamente ao longo da chamada década neoliberal, saltando de 8,7% da
PEA, em 1989, para 19,3% em 1999 (CORSI, 2003).
A maior fragilidade do Plano Real residia nos déficits comerciais trazidos pela
valorização da moeda e a abertura da economia. O fechamento dos elevados
déficits nas contas externas passou a exigir crescentes taxas de juros para atrair
capitais e reduzir as importações, particularmente nos momentos de instabilidade da
economia mundial.
Dessa forma, o Brasil ficou preso em uma armadilha, qual seja: se, de
um lado, o Plano Real controlou o processo inflacionário, de outro
lado, condena o país a baixas taxas de crescimento, com
conseqüências muito negativas para o emprego, e torna-o
extremamente vulnerável às oscilações da economia mundial.
(CORSI, 2003, p. 44).
Como já citado, os principais resultados da implementação do Plano Real
foram a queda da inflação, o aumento da taxa de desemprego e o declínio do
crescimento do PIB, que em 1994 cresceu 5,75%; em 95, 4,2%; em 96, 2,7%; em
97, 3,6%; em 98, -0,1% e em 99, 0,8% (FILGUEIRAS, 2001; CARNEIRO, 2002).
É no contexto de abertura da economia, reestruturação produtiva, baixo
crescimento do PIB e aumento do ficit público que se impõe a necessidade,
segundo os neoliberais, de se alcançar o equilíbrio estrutural das finanças públicas
através de reformas administrativas, fiscal, previdenciária, trabalhista, isto é, a
reforma do Estado. A partir disso, se realizariam as privatizações das empresas
estatais que, segundo o governo, resultariam em uma maior eficiência dessas
empresas, implicando numa abundância de recursos para investimentos nas áreas
sociais.
É esse discurso da ineficiência administrativa que irá contribuir em muito para
solapar as bases do Estado de viés desenvolvimentista e promover o Estado de
caráter gerencialista, dito “eficiente”. A execução desse processo se deu por meio da
privatização das empresas públicas e da criação de uma nova estrutura estatal,
cristalizada principalmente nas agências reguladoras, vislumbradas como uma nova
estrutura administrativa que se referencia no gerencialismo e que, como veremos
adiante, conforma o pensamento neoliberal e marca a prática do poder público nos
dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso.
81
2.5 A “filosofia política” das Agências Reguladoras: as Reformas e os
Consensos Intelectuais
O apoio empresarial ao Plano Real foi evidenciado na coalizão desse grupo a
alguns intelectuais, como havia ocorrido com a elaboração conjunta do Plano
Cruzado, em 1986. “É que o Plano Cruzado constitui-se na primeira experiência de
associação política vitoriosa dos grupos de intelectuais e de lideranças empresariais
à frente do comando da política (SILVA, 2003, p.77)”. No entanto, a coalizão
formada em torno da chamada “era FHC”, estabelece novos contornos e
associações políticas cindindo-se às propostas elencadas pelo Plano Real. Em tal
contexto, unem-se hegemonicamente economistas ligados ao Departamento de
Economia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, entre eles, Pérsio
Arida, Edmar Bacha, André Lara Resende, Pedro Malan, Franco Lopes, etc.
Conhecida como “Escola do Rio”, a PUC-Rio é identificada por Silva (2003) como
herdeira ideológica da Escola de Pós-Graduação em Economia e do Instituto
Brasileiro de Economia (IBRE), pertencente à Fundação Getúlio Vargas, cujo líder
intelectual foi Eugênio Gudin, representante do liberalismo nos anos 40. “A
importância da 'Escola do Rio' é conseqüência de sua consistência ideológica na
representação da elite orgânica responsável pelo Plano Real ao longo do governo
FHC”. (SILVA, 2003, p.84).
Outro importante aspecto que fundamenta as reformas implementadas no
decorrer do governo FHC incide e articula-se ao seu próprio pensamento, elaborado
enquanto intelectual. Suas idéias, enquanto político, se articulam às reflexões
contidas em sua obra, como por exemplo, em Dependência e desenvolvimento na
América Latina, publicado em 1969. Nesse estudo, o sociólogo FHC e Enzo Faletto
propunham alternativas ao desenvolvimento da América Latina. Para eles, enquanto
estudiosos do cenário econômico e político nacional, a união do capital nacional,
Estado e capital estrangeiro constituiria a melhor forma de desenvolvimento
nacional. Sobretudo, apoiado no processo de modernização do sistema produtivo,
que se consolidaria sem a necessidade de mudanças do centro de decisão política.
Isso, como afirmam os autores, apenas realimentaria o processo de dependência
que se constitui numa estrutura econômica internacionalizada de produção e
82
distribuição, que supõe um arcabouço de relações de dominação. (CARDOSO;
FALETTO, 1970, ZORNETTA
17
, 2003). Segundo Cardoso e Falletto (1970), a
superação da condição de dependência e atraso do país estaria imbricada
exclusivamente ao “jogo de poder”, ou seja, da política, para um melhor
aproveitamento das condições externas disponíveis. Contudo, o desenvolvimento da
estrutura produtiva brasileira, atrelada aos países desenvolvidos, reforçava a
exclusão como importante característica do processo.
Assim, o desenvolvimento, a partir desse momento, realiza-se
intensificando a exclusão social, e não das massas, mas
também de camadas sociais economicamente significativas da etapa
anterior. (CARDOSO; FALETTO, 1970, p.130).
Vislumbrando novas alternativas ao desenvolvimento nacional, Cardoso e
Faletto não apenas se aproximaram no campo das proposições teóricas do
processo de internacionalização da economia, mas se tornaram agentes do
processo, que tem em sua essência o acirramento da exclusão e da dependência
dos países periféricos em relação à tecnologia estrangeira.
Quando escrevi o livro sobre dependência e desenvolvimento, não
tínhamos palavras para expressar o que estava acontecendo. Não se
falava nem “multinacional”, era “truste”, quanto mais globalização”.
Mas usei uma expressão que indicava o que está acontecendo: eu
falava numa internacionalização dos mercados. Nesse mesmo livro,
falava na industrialização da periferia. Ora, a industrialização da
periferia é trazer para os países periféricos, como o Brasil, o sistema
produtivo. E quando se faz isso, eu dizia nesse livro [...], modifica-
se a relação entre o “interno” e o “externo”. [...] Eu descrevia uma
nova forma de vinculação. Uma mudança que ocorria não nos
mercados, mas também na produção. Essa nova forma fazia com
que o que era “externo” - a produção – virasse interno”. Estava
solidarizando a produção estrangeira com o mercado interno. [Nesse
sentido], descrevia um processo objetivo do que hoje se chama
“globalização”. (CARDOSO, apud ZORNETTA, 1998, p. 82-83).
A participação e a importância da atuação política e do pensamento de FHC
no processo de inserção da economia brasileira no seio da internacionalização
17
Regiane Zornetta elaborou dissertação de mestrado em Ciências Sociais abarcando a atualidade
do pensamento de Fernando Henrique Cardoso, mostrando como a análise de FHC sobre o
desenvolvimento brasileiro, na década de 70, pôde ser posta em ação a partir de seu governo,
iniciado em 1995. Dessa maneira, o desenvolvimento dependente e associado passa a ser parte da
ação governamental, enquanto políticas públicas.
83
econômica, de forma subordinada, foi marcante em decorrência do próprio
conhecimento dos caminhos a serem percorridos nesta transição.
Os principais focos da reforma neoliberal econômica e política foram
aprofundados em seu governo, inspiradas no Consenso de Washington. A abertura
do mercado brasileiro, expondo nossa indústria ao processo de competição
internacional, compôs os novos preceitos políticos e a visão administrativa e
economicista impressa às políticas neoliberais, facilitando o fluxo de capital
financeiro. Essa política recusa e se opõe ao Estado promotor de serviços e detentor
de empresas públicas, qualquer falha desses serviços se constitui em argumento
para acusá-lo de ineficiente e veicular essa idéia a necessidade de privatizar tais
serviços. O que ocorre é quase uma naturalização da eficiência do mercado
18
.
O discurso da eficiência empresarial impresso ao Estado brasileiro nos anos
90 permeará todo o processo de reformas e ganhará forças na medida em que a
competitividade, preceito central do liberalismo, passa a orientar o processo de
reformas e desmontar as estruturas do Estado desenvolvimentista. Para tanto, uma
das estratégias centrais era dissolver e fragilizar um dos agentes deste Estado, o
funcionalismo público. Além disso, a reconfiguração do setor público o é
vislumbrada como uma ação isolada, numa esfera autônoma do processo político e
social, mas se articula à uma reelaboração das próprias relações sociais e culturais.
Afinal, o intento da incorporação do neoliberalismo no país era também impor uma
espécie de modernização liberal que reformasse qualquer forma de prática social
que não se orientasse pelo liberalismo, ou seja, pelo individualismo de mercado. O
cidadão-cliente das reformas não pode apelar a qualquer sentido público, aos
direitos sociais e coletivos para fazer valer sua cidadania, mas apenas às suas
possibilidades de consumo. Como bem esclarece Bresser Pereira, a reforma é,
sobretudo, cultural.
18
Outro aspecto do discurso neoliberal que ganha cada vez mais destaque diz respeito à criação de
empregos. O argumento simplista de que a flexibilização das regras de contratação de empregados
incorre diretamente num aumento dos empregos devido a diminuição da carga tributária. Além disso,
afirma-se que desregulamentação das leis trabalhistas resultaria em maior eficiência das empresas
privadas, inclusive relativo a contratação, o que não é verdadeiro. Dessa forma, a desregulamentação
do mercado de trabalho e a perda de direitos se tornam discursivamente as únicas alternativas para
que se aumente a quantidade de oferta de trabalho. Para os empresários, a única forma de se
manterem e aumentarem o nível de emprego seria a desregulamentação trabalhista, o que levaria a
eficiência da empresa. O que está em jogo por trás disso é evidentemente um conjunto de estratégias
com fins de ampliar a taxa de lucros, considerando a ampliação do exército de reserva possibilitado,
entre outros fatores, pelo desemprego gerado no período.
84
O “novo” modelo de setor público preconizado pelas reformas neoliberais,
vestidas com as ferramentas da administração empresarial, o gerencialismo, tem
como função coordenar os serviços privatizados ou concessionados ao setor
privado. Nesse contexto, as agências reguladoras têm como papel fiscalizar os
diversos setores privatizados, de acordo com as necessidades de mercado, tendo
como princípio básico a competitividade. As contradições e conflitos quanto à função
destas agências serão discutidos no terceiro capítulo como paradigmáticos das
reformas e das contradições do papel do Estado na década de 90. Antes disso, é
necessário aprofundar a análise do programa de reformas do governo FHC.
2.6 Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado - PDRAE
O aprofundamento das reformas do Estado
no governo Fernando Henrique
Cardoso referenciou-se, entre outros documentos e experiências internacionais, no
Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE), elaborado pelo
Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, em novembro de 1995.
Sob a coordenação de Luiz Carlos Bresser Pereira, este documento sintetiza a
proposta de reestruturação ocorrida no escopo estatal e os sentidos atribuídos às
reformas neste período.
A partir da reflexão feita sobre o PDRAE, ressaltamos quais aspectos
nortearam as diretrizes atribuídas à necessidade urgente de reforma do Estado e,
principalmente, do seu aparelho administrativo. O resgate do processo de expansão
da dívida pública externa brasileira fez-se importante, haja vista a instabilidade
econômica e a conseqüente letargia em que resultou o endividamento brasileiro,
decorrente da própria condição de promotor de nosso desenvolvimento industrial.
Daí, a crise fiscal do Estado ter se tornado mote das reformas nos anos 90, pois teria
redundado numa crise caracterizada pelo descontrole fiscal, estagnação do
crescimento, constantes aumentos da inflação e do desemprego. Como resultado
desse quadro político e econômico teríamos a paralisia estatal, que junto à crise
fiscal, diminuía sua capacidade de intervenção. Diante de tal condição econômica, o
principal diagnóstico realizado pela equipe de reformas do Estado no governo FHC,
se concentra na operacionalização da mudança do papel do Estado na promoção do
desenvolvimento, ou ainda, a sua retirada da esfera produtiva e a transferência de
85
suas funções ao setor privado. Este último passaria a fornecer os serviços com
excelência e preços baixos, na medida em que o Estado regulasse sua atuação.
A eficiência dos serviços públicos seria pautada na competição
mercadológica, em que a melhor empresa ganharia o processo de licitação, sendo
que os principais requisitos seriam qualidade e preços baixos. Dessa forma, a
promessa de ter excelentes serviços a preços convidativos, também fez parte dos
discursos da reforma, visando à obtenção de serviços modernos a baixo custo.
O denominado “cidadão cliente” foi moldado no Plano Diretor da Reforma do
Aparelho do Estado “como contribuinte de impostos e como cliente de seus serviços.
”Essa nova forma de tratar o cidadão, mais como um cliente do que como parte
integrante de um território, de uma nação – dotado de direitos sociais, civis e
políticos, bem como de deveres na mesma dimensão constitui uma característica
da administração gerencial, a nova forma de administração pública que se coloca
junto ao processo de reestruturação, não do Estado, mas do seu aparelho. A
reestruturação interna do aparelho administrativo estatal impõe uma nova cultura
competitiva, não apenas ao funcionário público, mas principalmente ao cidadão, que
passa a contar basicamente com serviços contratados e não mais serviços
fornecidos pelo Estado. Como assinala Bresser Pereira (1998)
19
, “a reforma social é
liberal porque acredita no mercado como um ótimo, embora imperfeito, alocador de
recursos”.
De acordo com o diagnóstico realizado pelo MARE, as reformas seriam
estabelecidas objetivando criar as condições para que o governo pudesse aumentar
sua governança” enquanto capacidade de implementar políticas públicas ou
seja, reorientar o aparelho social e culturalmente, voltando-o ao cidadão cliente e
produzindo respostas rápidas à sociedade. A nova configuração do aparelho estatal,
buscada a partir da reforma gerencial, tem como principal atributo o aumento da
eficiência econômica, na medida em que o modelo burocrático rígido fosse
substituído pelo gerencial, flexível e eficaz. Essas o as principais promessas do
novo modelo de gestão implementado pelo Ministério da Administração Federal e
Reforma do Estado.
19
Luis Carlos Bresser Pereira foi nomeado ministro para tratar exclusivamente do planejamento e
execução das reformas do Estado e de seu aparelho. Para tanto, foi criado o Ministério da
Administração Federal e Reforma do Estado (PDRAE).
86
O PDRAE, visando superar a velha administração burocrática,
contaminada por patrimonialismo, aponta para a administração
gerencial. Por administração gerencial o referido Ministério entende
ser aquela que inova na forma de controle, que passa a basear-se
em resultados e não mais, como as formas burocráticas, em
procedimentos. Para tanto se vale de flexibilidade e autonomia para
o administrador gerir recursos (humanos, materiais e financeiros),
sempre permeável à participação de agentes privados. A
administração gerencial tem o cidadão como cliente, prevê gestão
flexível, descentralizada e horizontalizada. (SILVA, 2003, p. 05).
Para operacionalizar a reforma do aparelho estatal, o PDRAE propõe a
divisão do Estado em quatro grandes setores, delimitando as funções de cada um
ao passo que são transferidas ao setor privado. Assim, a nova divisão pode ser
visualizada num quadro elaborado pelo MARE.
Forma de Propriedade Forma de Administração
Estatal Pública
não
Estatal
Privada Burocrática Gerencial
Núcleo Estratégico
Legislativo,
Magistratura,
Presidência, Cúpula
dos Ministérios.
Atividades
Exclusivas
Regulamentação,
Controle, Fomento,
Polícia Federal,
Seguridade Social.
Serviços não
exclusivos
Universidades,
Hospitais, Centros
de Investigação,
Museus
Produção para o
Mercado
Empresas Estatais
Fonte: MARE, 1995
A divisão dos setores segue da seguinte forma: núcleo estratégico (poderes
Legislativo e Judiciário, Presidência, Cúpula dos Ministérios e Ministério Público);
serviços exclusivos do Estado (Regulamentação, fiscalização, fomento, segurança
pública, seguridade social básica); serviços não exclusivos do Estado


87
(Universidades, Hospitais, centros de pesquisa, museus); produção para o mercado
(empresas estatais).
O entendimento do quadro acima requer basicamente compreender a
organização da reforma a partir do processo de privatização. Como vemos na última
linha, as empresas públicas estatais seriam transferidas ao setor privado. Na
seqüência, temos a publicização, apenas compondo um termo diferente que
substitui o termo privatização. Neste último caso, os serviços denominados “públicos
não estatal”, como os hospitais, as universidades, seriam transferidos do setor
estatal para o público não estatal, onde assumirão a forma de organizações sociais.
Através do Programa Nacional de Publicização instituído mediante Lei 9.637,
de 15 de Maio de 1998 foi autorizada a transferência às entidades de direito privado
não integrantes da Administração Pública cujas atividades sejam dirigidas ao ensino,
à pesquisa científica ao desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do
meio ambiente, à cultura e a saúde, à prestação de serviços públicos nessas áreas
(SANTOS, 2000).
As atividades denominadas exclusivas do Estado, como regulamentação,
controle, polícia federal, seguridade social continuarão como atividades próprias do
Estado, mas passarão a ter administração gerencial, ou seja, serão focos de
constantes controles de gastos e permeabilidade de controle do setor privado. Aqui
se inserem as agências reguladoras. No núcleo estratégico se inserem atividades
vistas como exclusivas de Estado, como as atividades dos ministérios, da
presidência e do legislativo, isto é, as únicas instâncias que restariam para justificar
a existência do próprio Estado.
O PDRAE também continha propostas de alterações constitucionais para
quebrar o Regime Jurídico Único do funcionalismo público, como: contratar
estrangeiros, estabelecer um teto nos vencimentos, pôr fim à isonomia e alterar
estabilidade do servidor, facilitando sua quebra. A revisão da previdência do servidor
público e privado também estava nos planos do MARE, para pôr fim à aposentadoria
integral e “precoce”, introduzindo os critérios de idade e tempo de contribuição. A
reforma do Estado contemplava diversas dimensões: a institucional-legal, a da
gestão e a cultural. Conforme Bresser Pereira,
Embora tenha um caráter primordialmente institucional, a reforma
gerencial está sendo executada em três dimensões: uma dimensão
88
institucional-legal já referida; uma dimensão cultural, baseada na
mudança dos valores burocráticos para os gerenciais e uma
dimensão de gestão. A dimensão cultural da reforma significa, de um
lado, sepultar de vez o patrimonialismo, e, de outro, transitar da
cultura burocrática para a gerencial. Finalmente, a dimensão da
gestão será a mais difícil. Trata-se aqui de colocar em prática as
novas idéias gerenciais, e oferecer à sociedade um serviço público
de melhor qualidade, em que o critério de êxito seja sempre o do
melhor atendimento do cidadão cliente a um custo menor (BRESSER
PEREIRA, 1998).
A reestruturação do Estado e de seu aparelho, visando suprir às
necessidades da sociedade, num primeiro momento, parece suficiente para atender
às demandas cada vez mais complexas. No entanto, uma análise mais profunda do
processo de transformações caracterizado, mais especificamente, pela introdução
da competitividade em todos os âmbitos da administração pública, incluindo as
relações de trabalho da burocracia; a privatização das empresas públicas e a
subseqüente criação das agências reguladoras, administradas de forma gerencial
indica uma harmonização desses processos com o modelo de sociedade
preconizado pelo liberalismo contemporâneo, pautado pela cultura da competição
em todos os âmbitos da vida.
Os preceitos da eficiência do Estado gerencial, pautados principalmente nos
pressupostos da administração, importados do setor privado, se configuram na
imposição de novas relações de trabalho entre os funcionários públicos,
desmoralizando e deslegitimando o servidor junto a opinião da sociedade,
imprimindo a seus direitos, conquistados no decorrer no século XX, um caráter de
privilégio. Faremos no próximo pico uma rápida discussão acerca desses agentes,
que se tornaram parte do discurso de desmonte do Estado no governo FHC.
2.7 Gerencialismo e a Introdução da Cultura da Competição entre os Agentes
da Burocracia
A institucionalização das reformas neoliberais, baseadas na idéia de
empreendedorismo individual competitivo, se amplia e se solidifica na medida em
que é apropriada pelos agentes da burocracia. A incorporação de uma cultura
empresarial, de “que não basta sermos bons no que fazemos, mas é preciso ser o
melhor”, cristaliza-se como forma ideal de organização de nosso cotidiano. Dessa
89
forma, as reformas não se assentam somente no âmbito governamental, mas
principalmente no controle dos corpos, nos limites impostos pela nossa formação
especializadíssima o que, no entanto, não equivale às exigências do mundo do
trabalho, pois o que predomina é a cobrança de um conhecimento universal como
passagem para o sucesso profissional. Nesse sentido, as reformas estatais
expressam reestruturações que se operam em diversos âmbitos da vida e que
perseguem a hegemonia liberal dos novos tempos.
O paradoxo de nosso sistema político liberal-democrático, que pressupõe a
participação da população no processo decisório estatal, mas que por outro lado,
também dissemina em âmbito cio-econômico e cultural a exclusividade da busca
da satisfação do eu, caminha para a reafirmação de decisões políticas centralizadas
e a alienação da população de sua participação nos rumos do País. Essas
contradições do sistema político cultural estão sendo cada vez mais reforçadas a
partir de um esvaziamento dos discursos políticos e da emergência do indivíduo
como único espaço de existência social, auto-suficiente política e economicamente,
conforme a proposição liberal
20
.
O aprofundamento da competição em diferentes aspectos sociais, com
origem nas teorias do culo XVIII e XIX, ganha destaque ao passo que o
empreendedorismo imputado às empresas é apropriado e imposto como forma de
organização e atuação dos indivíduos e da administração pública. O mercado e seu
20
Uma das estratégias mais eficazes para a transformação de uma visão específica de mundo, no
caso a liberal, em “verdade universal” é a construção de falsas alternativas, que levam
invariavelmente à “escolha” da posição que se desejava desde o início. Apresenta-se a existência de
muitas opções diante do mercado, mas sabe-se desde o princípio que as possibilidades se reduzem a
uma só. O discurso da multiplicidade de caminhos legitima o arbitrário do pensamento uno, pois
qualquer escolha fora dele recebe o rótulo de ultrapassado”. E quando tal situação se arvora no
discurso da pluralidade, o autoritário então se consagra. o essas as estratégias que sustentam o
mercado e seus prognósticos para o mundo social como uma das forças intelectuais mais eficazes na
sociedade contemporânea. A variedade das escolhas comerciais, dos sapatos, dos carros, das
viagens, dos celulares e tudo o mais que consumimos, apresenta-se como uma infinidade de
escolhas à única opção que possuímos: consumir. Como bem nota Slavoj Zizek, situação semelhante
se opera no campo das “escolhas” políticas entre “democracia” ou fundamentalismo. Nos termos
desta escolha é simplesmente impossível escolher o “fundamentalismo”. “O que é problemático na
forma como a ideologia dominante nos impõe esta escolha não é o fundamentalismo, mas a própria
democracia: como se a única alternativa ao “fundamentalismo” fosse o sistema político da democracia
parlamentar liberal” (ZIZEK, 2003, p. 17-18). Ao que nos parece estratégia semelhante foi adotada na
imposição das reformas liberais na década de 90, sem que houvesse uma resistência eficaz para
barrá-las.
90
individualismo estrutural imperam de maneira quase hegemônica como referência
única.
Hoje, todo esse quadro mudou. Vivemos numa era de mudanças
rápidas; num mercado global, que impõe enormes pressões
competitivas às nossas instituições econômicas. Vivemos na
sociedade da informação, em que o povo tem acesso às informações
quase tão depressa quanto seus líderes. Vivemos numa economia
baseada no conhecimento, onde trabalhadores de bom nível
educacional resistem aos comandos e exigem autonomia. Vivemos
numa era de nichos de mercado, com consumidores habituados a
uma ampla qualidade e ampla escolha. Neste ambiente, as
instituições burocráticas, públicas e privadas que se desenvolveram
durante a era industrial, parecem-nos cada vez mais deficientes. O
ambiente contemporâneo exige instituições extremamente flexíveis e
adaptáveis; instituições que produzam bens e serviços de alta
qualidade, assegurando alta produtividade aos investimentos feitos.
Requer instituições que respondam às necessidades dos clientes,
oferecendo-lhes opções de serviços personalizados. (OSBORNE;
GAEBLER, 1994, p. 16).
A naturalização da competitividade empresarial trazida ao âmbito da vida
individual e governamental se configura em nossa época como a única forma de
relacionamento e a perpetuação do mercado como única alternativa. Isso é
conseqüência, na visão neoliberal, da ineficiência das atividades exercidas pelo
Estado e da superioridade inerente à competição e ao mercado.
Os traços comuns a todos esses esforços inovadores não são
difíceis de identificar. A maioria dos governos empreendedores
promove a competição entre os que prestam serviços ao público.
Eles dão poder aos cidadãos, transferindo o controle dessas
atividades da burocracia para a comunidade. Medem a atuação das
suas agências, focalizando não os fatores utilizados, os insumos,
mas sim, resultados. Orientam-se pelos seus objetivos sua missão
em vez de regras e regulamentos. Redefinem seus usuários como
clientes, oferecendo-lhes opções entre escolas, programas de
treinamento, tipos de moradia. Evitam o surgimento de problemas,
limitando-se a oferecer serviços à guisa de correção ou remédio.
Investem suas energias na produção de recursos, concentrando-se
apenas nas despesas. Descentralizam a autoridade, promovendo o
gerenciamento com participação. Preferem os mecanismos de
mercado às soluções burocráticas. Detêm-se não só no fornecimento
de serviços ao público, mas, também na catálise de todos os setores
– público, privado e voluntário – para a ação conjunta dirigida à
resolução dos problemas da comunidade. (OSBORNE; GAEBLER,
1994, p.21).
91
Os princípios elecandos acima correspondem aos novos fundamentos
exaltados pelos defensores do livre mercado e do Estado mínimo, no contexto de
emergência da administração gerencial. A tradução, em 1994, da obra dos autores
norte-americanos Osborne e Gaebler, Reinventando o Governo, voltada
prioritariamente para os alunos do curso de gestores disponibilizado pela ENAP
(Escola Nacional de Administração Pública
21
), tem como objetivo principal introduzir
o discurso da nova administração pública entre os políticos e administradores,
disseminando as idéias da administração gerencial como uma das bases da reforma,
ao passo que, a administração pública burocrática é descaracterizada como
elemento importante na administração estatal e, acima de tudo, responsabilizada
pela ineficiência do Estado.
2.8 O “novo” agente da Administração Pública Gerencial
A passagem da administração pública burocrática para a gerencial produziu e
ainda produz novos discursos sócio-políticos que visam construir um conjunto de
elementos conceituais e práticos que justifiquem as rápidas mudanças introduzidas
no escopo estatal brasileiro, a partir dos anos 90. Para compreender tal processo, é
preciso delinear algumas críticas voltadas à administração burocrática, concomitante
à identificação das características da administração gerencial, o que permite
entender como esta última se “adapta” ao perfil do Estado objetivado pelas reformas
neste período.
A administração pública burocrática é caracterizada, pela leitura liberal,
principalmente pela rigidez dos procedimentos, compondo-se a partir dos seguintes
princípios orientadores: a profissionalização, planos de carreira, a hierarquia, a
impessoalidade e o formalismo, enfim, o poder racional legal, delineado por Max
Weber (1991). Nessa versão da burocracia, os controles ocorrem sempre por meio
do procedimento, ou seja, a priori. No entanto, essa forma de conduzir a
administração pública passa a ser questionada por pesquisadores da chamada
21
A ENAP é uma instituição governamental, localizada na capital do país, onde se realizam cursos de
formação em administração pública, visando à preparação de gestores e especialistas em políticas
públicas para atuarem na administração federal.
92
“Teoria da Escolha Pública”, que aplicam pressupostos econômicos nas análises
que se concentram na ciência política, assimilando o utilitarismo humano como
princípio básico das interações econômicas, sociais e políticas. Assim, a principal
crítica à administração pública burocrática consiste em afirmar que ela apresentaria
um espaço em que os burocratas agissem de acordo com seus interesses egoístas,
maximizando salários, status e poder, e quando não se movessem de acordo com
seu auto-interesse, buscariam maximizar o orçamento sob seu controle (NISKAKEN,
1971; OSBORNE; GAEBLER, 1994).
Acrescido a tais pressupostos, segundo análise de PAULA PAES (2003) e
BORGES (2000), os teóricos da Escolha Pública afirmam ainda que a burocracia
estatal somente atingiria seu ápice no quesito eficiência e conseqüentemente no
atendimento ao bem coletivo, na medida em que se construísse um sistema de
incentivos e punições que vinculasse a busca do interesse individual ao máximo
benefício coletivo. Esse empreendimento vê-se contemplado na abordagem da
Teoria da Escolha Pública, que possui como objeto a busca da maximização da
eficiência administrativa. Sob esse prisma, a falta de orientação para a competição e
lucro no setor público se configuraria como uma mínima utilização das informações,
redundando numa ineficiência administrativa. A solução apontada pelos teóricos da
Escolha Pública é a conhecida transferência das atividades executadas pelo poder
público para o privado. Segundo Paula Paes (2003), a proposta deles oferece uma
justificativa racional para a privatização dos serviços blicos e coaduna-se com a
argumentação neoliberal de que o provimento destes pelo mercado é mais eficiente
e satisfatório.
Frente à discussão apontada acima e ao conjunto de transformações políticas
e econômicas desenhadas no contexto internacional, no último quarto do século XX,
podemos compreender como a cultura do mercado ou a cultura gerencial se
consolidou neste período. A intensificação dos problemas políticos e econômicos
oriundos do contexto mundial, como o choque do petróleo, aumento dos juros da
dívida, estagnação e inflação alta, confluíram no enfraquecimento das ações de
planejamento desenvolvimentista nos países de capitalismo periférico e do Welfare
State, no caso dos países de capitalismo desenvolvido. Além disso, a diminuição das
taxas de lucros constituiu fator determinante para que se buscassem alternativas à
reorganização do trabalho e da produção. Sob essa ótica, o discurso dos neoliberais
93
buscou sua fundamentação junto à cultura gerencial, onde a eficiência é o objetivo
máximo a ser alcançado e o empreendedorismo, o mecanismo importado do setor
privado, seria a melhor forma dos serviços fornecidos pelo Estado satisfazerem a
população. Como o próprio Luiz Carlos Bresser Pereira (1998), coordenador das
reformas do Estado no Brasil nos apresenta:
A reforma é gerencial porque busca inspiração na administração das
empresas privadas e porque visa dar ao administrador público
profissional condições efetivas de gerenciar com eficiência as
agências públicas. (BRESSER PEREIRA, 1998).
A reorganização da administração pública brasileira, frente às novas
exigências do mercado competitivo mundial, se consolida junto a um conturbado
contexto interno, visto que o país tinha se libertado recentemente de uma Ditadura
Militar. Face a esse cenário político, as críticas à atuação estatal se acirraram e as
propostas de estabilização do quadro político e, principalmente, econômico se
generalizaram. Como explicitado, o funcionário público constituiu um dos
principais alvos da reforma, que reorienta não somente o aparelho, mas
fundamentalmente a forma de agir deste funcionário, que tem o seu desempenho
avaliado periodicamente e o salário pautado de acordo com o seu nível de
produtividade. Sinteticamente, o gerencialismo se baseia em: aumento de
produtividade, aumento do uso de tecnologia sofisticada, mão-de-obra disciplinada;
e o management desempenha um papel crucial na implementação de melhorias,
pois, visando exclusivamente o aumento da produtividade, os gerentes têm sempre
o direito de administrar (PAULA PAES, 2003).
A proposta da nova administração pública gerencial almeja refazer
culturalmente o perfil do funcionário público, responsável direto pelo aumento da
produtividade, tendo seu trabalho focalizado e avaliado sobre os resultados e metas
de desempenho alcançadas diante de certa autonomia nas tomadas de decisões.
Além disso, o trabalho destes funcionários passa a ser pensado a partir da
imposição da administração gerencial, que busca promover um espírito de
competição interna às relações pessoais, além de preconizar a excelência dos
serviços prestados.
A explicitação das fragilidades da administração pública burocrática nos
discursos reformistas corroborou proposições políticas que enfatizaram as falhas do
94
serviço público, com o intuito de angariar apoio geral da sociedade, colocando
muitas vezes o funcionário público como “vilão” da gestão dos recursos públicos.
Liberados para buscar no mercado serviços mais eficientes e
baratos, os administradores governamentais podem dar maior
produtividade aos recursos disponíveis utilizando a competição. Fica
preservada a máxima flexibilidade de resposta às circunstâncias
cambiantes. E assegurada a responsabilidade pela qualidade do
serviço contratado, pois os fornecedores sabem que podem deixar
de sê-lo se não proporcionarem um bom rendimento, ao contrário
dos funcionários públicos, sabedores de antemão, que não podem
ser descontratados. (OSBORNE; GAEBLER, 1994, p.37, grifos do
autor).
O repúdio aos direitos trabalhistas dos funcionários públicos, conquistados
principalmente no decorrer do século XX, transparece no discurso de Osborne e
Gaebler. Tais direitos na linguagem dos gerencialistas” e neoliberais se
transformam em privilégios. Um dos objetivos fundamentais da reforma gerencial
passa a ser então equipará-los aos escassos e desregulamentados direitos do setor
privado.
A contraposição que a administração gerencial faz à burocrática pressupõe o
esgotamento desta última, que tem como principal característica o recrutamento
baseado no mérito, de acordo com Merton.
A designação de papéis processa-se segundo qualificações técnicas,
que são determinadas por processos formais, impessoais (por
exemplo, exames). Dentro da estrutura de autoridade, disposta de
forma hierárquica, as atividades de 'peritos treinados e assalariados
obedecem a regras gerais abstratas e claramente definidas, que
evitam a necessidade de emissão de instruções específicas em cada
caso. (MERTON apud ETZIONI, 1982: 58-59).
Assegurando a estabilidade e a ordem na sociedade capitalista, Weber (1991)
desenhou quais seriam as condições necessárias ao funcionamento do Estado
moderno, tendo a burocracia como uma organização baseada na orientação
racional, especificando a diferenciação do papel do burocrata e do político. Assim, à
medida que ocorre uma diferenciação de status, papéis e uma especialização
funcional dentro das organizações administrativas, a racionalização
conseqüentemente aumenta, o burocrata ganha destaque e suas características se
explicitam.
95
A partir do aumento da racionalidade engendrada nos diversos âmbitos da
vida, a divisão do trabalho passa a definir-se por uma maior especialização, inclusive
no interior da burocracia. Nessa, a hierarquia delega autoridade, estabelecendo
departamentos para assuntos diversos, conforme o princípio da especialização
(SANTOS, 2000).
A segunda característica impressa à burocracia é a impessoalidade, respeito
às normas da instituição, distanciando-se da personalidade e alternâncias de opinião
do funcionário, o que implica numa ausência da autonomia do indivíduo na
participação do processo administrativo. Por outro lado, as relações que orientam as
relações de trabalho burocrático apresentam um alto grau de estabilidade.
Quase todos os cargos burocráticos envolvem a precisão da posse
funcional vitalícia, na ausência de fatores perturbadores, que podem
diminuir a extensão da organização. A burocracia maximiza a
segurança vocacional. A função da segurança da posse, pensões,
salários majorados e processos regularizados para promoção visam
assegurar o desempenho devotado dos encargos, sem considerar
pressões externas. O mérito principal da burocracia é sua eficiência
técnica, continuidade, discrição e rendimentos ideais resultantes da
aplicação. (MERTON apud SANTOS, 2000, p. 53).
A atuação do burocrata, delimitada a um tipo específico de padrão de
comportamento, determina o campo de relações instituídas por ele, especialmente a
neutralidade técnica. Dessa maneira, autores como Bresser Pereira acreditam que o
apego excessivo às regras e normas estimula o burocrata apenas a se centrar na
carreira em si, em busca de promoções e salários. É essa possível disfunção, dita
antidemocrática, que vai ser recolocada nas discussões pelos denominados
reformistas, acerca da reestruturação do papel do Estado na sociedade e,
conseqüentemente, uma nova forma de organização administrativa da qual as
agências reguladoras, como se buscará demonstrar, constituem o espaço de
aplicação.
Santos (2000) relata a força que a tecnocracia adquire no Estado Alemão,
denominada como classe dominante, por Alan Torraine. Dotada de ampla
competência para resoluções de conflitos sociais, os tecnocratas passaram a
assumir o papel de árbitros da racionalidade, afastando a responsabilidade política
da mediação do conflito social em favor de uma neutralidade técnica que, na
verdade, jamais esteve presente. Por outro lado, ainda que a especialização
96
origem a determinadas disfunções, esse fato não invalida a sua utilidade e
racionalidade, assim como as disfunções gerais da burocracia não invalidam a
organização burocrática, enquanto mecanismo para a busca de maior eficácia e
eficiência (SANTOS, 2000). Contrariando essa idéia, Bresser Pereira acredita que a
meritocracia contribui para o insulamento do burocrata, na medida em que esse
almeja angariar sempre uma melhor posição na burocracia, passando a trabalhar
exclusivamente para si. No entanto, há um consenso entre os opositores de Bresser:
eles preconizam a importância de se manter cargos altamente especializados na
administração pública, fundamentados no mérito, visto que é necessário assegurar a
firmeza de regras e sua continuidade, tanto para facilitar a mediação entre o
atendimento das demandas de diferentes grupos sociais, quanto para barrar a
demanda de outros que se pautam exclusivamente em interesses particulares. A
ênfase no equilíbrio entre as normas estabelecidas anteriormente e as inúmeras
demandas políticas ainda deve ser o papel exercido pelo burocrata.
Segundo Santos (2000), os reformistas na América Latina e em particular no
Brasil, que se preocupam com a possibilidade dos burocratas trabalharem para si
próprios, deveriam primeiro reconhecer a ausência de um corpo profissional técnico
que mediasse as demandas dos serviços voltados à população e a demanda de
poder político.
No caso brasileiro, isto é especialmente verdadeiro, e agravado, em
muitos casos, pela inexistência, mesmo, de qualificação da
burocracia destinada à atividade de planejamento e implementação
de políticas públicas, o que exige medidas ainda mais emergenciais
e radicais no rumo da constituição de quadros aptos ao desempenho
das funções estratégicas. Por isso, um dos mais sérios problemas a
serem enfrentados, ainda hoje, diz respeito à inexistência, no Brasil,
de um corpo profissional burocrático eficiente e legítimo capaz de dar
o suporte necessário às demandas do Poder Político, reduzir a
tendência à utilização indevida da máquina administrativa e
proporcionar respostas qualitativas à população, no tocante à
prestação de serviços públicos. Os poucos segmentos cuja
capacitação se aproxima do ideal têm sofrido crescente evasão de
quadros, contribuindo ainda mais para agravar o problema da
incapacidade gerencial da Administração Pública. (SANTOS, 2000,
p. 58).
A tentativa de experimentação da burocracia impessoal ainda não se realizou
de fato no Brasil, que têm as decisões perpassadas por interesses de detentores do
poder econômico e político. Se não forem consolidados os quadros administrativos
97
compostos por funcionários altamente especializados e comprometidos com as
normas da administração pública, como será possível delegar autonomia
administrativa aos quadros gestores existentes, visto que, independente do grau de
especialização do funcionário, este pode facilmente ser capturado pelos interesses
políticos. Se não utilizarmos como discernimento do quadro de funcionários o seu
mérito técnico e acadêmico, como serão selecionados esses trabalhadores, senão
pelas relações políticas? Se o funcionário possui autonomia em suas decisões, isso
não implicará numa maior permissividade para suas práticas serem capturadas por
interesses políticos diversos? As agências reguladoras parecem ser o campo de
experimentação privilegiado para essa nova condição, na qual a captura política é
substituída por uma captura econômica direta. Isto contraria, em certa medida, as
pressuposições básicas para a constituição de estruturas estatais realmente
orientadas pela busca do interesse público. Os “problemas” atuais do Estado com
pessoal parecem muito mais se referir à fragilidade causada pela inexistência de um
corpo burocrático profissionalizado, do que às possíveis capturas realizadas por
seus funcionários.
As agências reguladoras requerem como condição indispensável para
o exercício de suas atividades a especialização técnica, dada a
complexidade das áreas objeto de regulação, um quadro técnico
profissional, efetivo, qualificado e protegido de interferências no
exercício de suas atribuições. No entanto, como característica comum
em sua estruturação e organização, destaca-se a notória deficiência
de pessoal. Todavia, na ausência de quadros técnicos próprios, as
agências têm-se valido de servidores requisitados de outros órgãos,
de cargos em comissão, de livre nomeação e exoneração, e
contratações temporárias por excepcional interesse público,
produzindo situação de precariedade em seu corpo funcional que
tende a gerar graves disfunções, especialmente à medida que
embora prazos legais tenham sido fixados não vêm sendo adotadas
medidas para provê-las de quadros permanentes. (SANTOS, 2003).
Neste sentido, as reformas implementadas no Estado brasileiro nos anos 90,
sob a ótica neoliberal e tendo como orientação explícita a teoria da escolha pública,
tendem a esvaziar o trabalho técnico, que por sua vez é a parte que garante a
manutenção da racionalidade nas decisões internas ao corpo de administradores
estatais. Na medida em que se estabelece um elevado grau de autonomia a esses
administradores públicos, eles podem constantemente ser influenciados pelos
98
interesses políticos daqueles que normalmente direcionam as decisões do país, isto
é, os que possuem o poder econômico. Além disso, como aponta Santos (2000),
não alcançamos ainda a racionalidade técnica que as decisões estatais demandam,
pois o poder público continua a ser permeado pelo nepotismo e pelas relações
pessoais que se conservam de um passado recente, explicitado no patrimonialismo.
Dessa forma, não podemos avançar etapas que ainda não se consolidaram.
Provavelmente o atropelamento da constituição do aparelho estatal burocrático
racional poderá significar um retrocesso às capacidades de gestão da coisa blica,
debilitando o regime democrático implementado no país recentemente.
2.9 Os Sentidos Políticos das Agências Reguladoras no Contexto das
Reformas
Como vimos no quadro da página 89, apresentado pelo Ministério da
Administração Federal e Reforma do Estado, a administração da agência é de viés
gerencial. Assim, sua principal característica expressa a nova experiência vivenciada
pela administração pública brasileira: a autonomia em relação ao Poder Executivo.
Esses e outros aspectos das agências abordaremos com mais detalhes adiante,
mas para que possamos discutí-los é preciso primeiro conhecer mais
detalhadamente suas bases.
As agências reguladoras, instituições criadas paralelamente ao processo de
privatização das empresas estatais no Brasil, tem como principais funções
reorganizar os diversos serviços concedidos ao setor privado, sob o desafio de
novos preceitos da administração pública: a introdução da competição. De acordo
com os novos princípios estatais, sob o signo do gerencialismo, a competição levaria
naturalmente à eficiência na prestação dos serviços à sociedade, à medida que o
aumento da concorrência incorreria em maior qualidade e diminuição das tarifas
cobradas pelos diversos setores privatizados, conforme apontado anteriormente.
Assim, os setores foram fragmentados, levando em consideração os diferentes tipos
de serviços oferecidos pelo setor privado e passaram a ser fiscalizados pelas
agências reguladoras: como a ANATEL (Agência Nacional de Telefonia), ANEEL
(Agência Nacional de Energia Elétrica), ANTT (Agência Nacional de Transportes
99
Terrestres), ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), ANA (Agência
Nacional de Águas). A independência dessas agências em relação ao Executivo se
configura, no período de suas criações, em contradições e ambigüidades, resultando
em longas discussões sobre a composição e a função de tais instituições.
A reestruturação dos setores de infra-estrutura e a introdução da competição
no fornecimento dos serviços públicos compõem um dos principais objetivos das
políticas do governo Fernando Henrique Cardoso nos anos 90. No entanto, o que
deve ser apontado é que o papel regulatório conferido às agências é exclusivamente
econômico, preconizando a eficiência financeira, distanciando-se de pretensões de
regulação social.
Um objetivo da regulação estatal é promover a competição para
aumentar a eficiência econômica dos mercados, sob o argumento
que ela conduz à condição de equilíbrio financeiro – quando os
preços aproximam-se dos custos médios ou quando as firmas
definirem “tarifas razoáveis”. Este é o termo vulgar consagrado pelos
reguladores em substituição à noção hipotética de eficiência
econômica. O processo competitivo exerce movimento pendular
entre definir “tarifas razoáveis” e provisão de utilities. A leitura correta
do significado de “tarifas razoáveis” quer dizer bom retorno do
investimento privado, atender as expectativas de rendimentos futuro
dos investidores, ganhos seguros para bem remunerar os acionistas.
(DALMAZO, 2003, p. 07).
A definição das tarifas denominadas “razoáveis” é resultado de acordos
realizados por meio dos contratos entre agências reguladoras e concessionárias. A
Licitação compreende a forma legal criada para que vários agentes possam
concorrer entre si, visando o fornecimento de serviços por uma determinada
empresa que garantisse inicialmente tarifas baixas e qualidade. No entanto, esse
processo não assegura a manutenção dos preços das tarifas e nem a qualidade dos
serviços públicos oferecidos pelas concessionárias. A Lei 8.666, de 1993, criada
para regularizar o processo de licitação e contratos da administração pública, de
acordo com o § 2 do artigo 3, institui a preferência às empresas que fornecerem
melhores preços e cnicas, seqüencialmente. No entanto, não é o que ocorre no
Brasil, onde os consumidores sem poder político é que pagam a conta, como
100
ocorreu com o “apagão” elétrico
22
, logo após o processo de privatização das
empresas desse setor.
Problematizando ainda a visão que o gerencialismo imprime sobre o usuário
dos serviços públicos, que se converte em “cidadão-cliente”, ou seja, o serviço
“público” sefornecido somente ao indivíduo que paga por ele. A idéia de serviços
fornecidos pelo Estado se transforma em coisa superada e a cultura de que o
Estado não deve fornecer serviços à população em geral é constantemente
reforçada pela mídia.
Diante disso, a avaliação das agências reguladoras, suas características,
sua administração, seus conflitos se apresentam como condição importante para
compreendermos qual é o modelo, o sentido político e social das reformas
implementadas e ainda, qual é a nova face e o papel exercido pelo Estado
reformado.
De acordo com os discursos do governo Collor de Mello, marcados pela luta
contra a corrupção e no caso de Bresser Pereira, a luta contra o burocrata,
respaldados na idéia de eficiência e flexibilidade do setor privado, o que se
objetivava era a desmoralização e o desmonte do Estado, ou sua reestruturação
liberal.
Vivenciamos nos últimos anos a institucionalização da competição no setor
público, paralelamente a desconstrução do Estado desenvolvimentista. A corrosão
do papel do funcionário público sintetiza as idéias e práticas que colaboraram para a
deterioração da imagem do Estado, concomitante a exaltação do setor privado,
enquanto detentor dos mecanismos de eficiência, bem como a concorrência como
melhor método de seleção e atuação.
A contradição entre a construção de uma legítima cidadania e a inexistência
de um Estado que possa acolher o cidadão desprotegido, se fortalece à medida em
que o individualismo é legitimado através da competição, se estabelecendo
enquanto cultura. Dessa forma, assistimos a dissipação das bases do Estado, que
foram privatizadas.
22
O apagão foi uma crise nacional no fornecimento da energia elétrica, resultando num racionamento
forçado. Tal episódio ocorreu nos dois últimos anos do governo FHC, entre 2001 e 2002. A falta de
planejamento e ausência de investimentos em geração e distribuição de energia constituíram as
principais causas do apagão, agravado pela escassez de chuvas naquele período.
101
As reformas sintetizam a aproximação entre Estado e setor privado,
rompendo os limites entre público e privado, imprimindo aos usuários dos serviços
públicos a tarja de miseráveis, e aos servidores públicos a de privilegiados.
102
CAPÍTULO 3
GÊNESE E ESTRUTURA DAS AGÊNCIAS REGULADORAS:
POLÍTICA, MERCADO E PRIVATIZAÇÕES NOS ANOS 90
As agências reguladoras constituem instituições criadas durante o processo
de privatização e de concessão das empresas e serviços estatais ao setor privado
23
.
Seu arcabouço jurídico é baseado no das autarquias especiais, sendo, por isso,
outorgadas características diferenciadas a estas instituições. Sua principal função é
promover e proteger a concorrência no setor privado, por meio da reunião e do
fornecimento aos agentes econômicos de informações acerca do cenário político e
econômico. Com isso, visam à estabilidade das decisões financeiras das empresas
concessionárias e privatizadas. Possuem também a função de intermediar as
relações entre Poder Executivo, as concessionárias e o consumidor. Para tanto, o
dotadas de independência administrativa e financeira em relação às outras
instâncias governamentais.
O tratamento jurídico dado às agências reguladoras, detentoras de ampla
independência decisória em relação às outras instâncias, pressupõe que tais
instituições poderiam ser embasadas na neutralidade técnica das decisões frente
aos conflitos entre cidadãos, concessionárias e Executivo. Dessa forma, imbuídas de
uma possível isenção nas decisões, as agências arbitrariam frente aos diversos
interesses políticos. De acordo com Pires,
O papel das agências é fundamental no processo de afastamento do
Estado como executor dos serviços públicos, pois elas devem atuar
como uma “blindagem” contra a interferência dos interesses políticos
ou individuais nas questões que devem sofrer análises meramente
técnicas. (PIRES, 2003, p. 03).
A tentativa de criar uma instituição neutra diante dos interesses políticos
incorre necessariamente num discurso profundamente ideológico, pois a
neutralidade das decisões tomadas pela instituição estaria baseada em uma falsa
23
As agências reguladoras surgiram nos Estados Unidos na década de 1930, durante a grande
depressão, como instrumentos do New Deal de Roosevelt para a defesa da sociedade contra o
modelo liberal, então em crise naquele momento. Buscava-se compensar as falhas do mercado no
contexto norte-americano, que geraram a grande depressão.
103
possibilidade de tratamento igual aos diferentes níveis sócio-econômicos e
conseqüentemente dos distintos interesses. Sob o roupão da neutralidade das
decisões, as agências reguladoras e seus idealizadores não polemizam as
discussões entre interesses de consumidores e empresas, bem como as evidentes
contradições entre ambos. Sua emergência é apresentada apenas como parte
inerente ao principal objetivo das privatizações e concessões, isto é, oferecer
serviços de qualidade com as menores taxas possíveis. Contudo, a cada dia que se
passa, fica mais difícil às concessionárias definirem o que são taxas razoáveis. Os
exemplos mais absurdos são encontrados na relação estabelecida entre agências
reguladoras, concessionárias e consumidores. Podemos citar o caso do aumento
das tarifas básicas dos telefones residenciais, que entre 1995 e 1999 custavam R$
0,66 e hoje giram em torno de R$ 40,00
24
, e ainda os custos do apagão que foram
divididos com a sociedade. Tal exemplo ilustra uma das limitações do processo de
privatização, pois a propagada redução dos preços advindas da concorrência não se
sustentou e os altos custos para o desenvolvimento econômico do País se
evidenciaram como responsabilidade coletiva e não do mercado “eficiente”.
No governo Fernando Henrique Cardoso se insistiu na idéia de que com o
processo de privatização, o cidadão-cliente seria “empoderado”, pois poderia exercer
o controle social das agências por meio da participação nos processos de consultas
e audiências públicas realizadas por estes órgãos. Contudo, conforme verificaremos,
o problema não incide apenas e necessariamente nas questões que são colocadas
para o “público” opinar, mas nos próprios pressupostos culturais, sociais e políticos
que emergem desse novo contexto de abertura da economia e de privatizações, que
se cravam e se expressam também através das agências reguladoras. Nesta nova
conjuntura política e social pós-privatização e criação das agências reguladoras
ser cidadão cliente implica não apenas em ser responsável individualmente pelo
serviço público contratado, mas, sobretudo, ter suas demandas sociais, como os
serviços básicos, atendidos somente a partir da organização de grupos que
compartilham interesses e possibilidades de pressão por meio da representação
junto aos órgãos públicos, bem como o acesso aos seus recursos. No caso das
agências, essa representatividade de uma “cidadania de consumidor” se faz em
24
Ver in: Autonomia de fachada: A crise demonstrou que as agências reguladoras prestam pouca
satisfação ao poder político e se rendem aos setores privados: Carta Capital, política, economia e
cultura, de 08 de agosto de 2007.
104
grande parte por meio das consultas e audiências públicas. Evidentemente, o que
está por trás disso é o constante desmonte do modelo de intervenção social estatal,
configurado relativamente na Constituição de 1988, e sua subseqüente substituição
por uma nova modalidade de resposta “social” orientada pelos paradigmas
neoliberais, isto é, por meio de políticas públicas não contínuas, dispersas,
fragmentadas e focalizadas, nas quais a própria cidadania é concebida a luz da
inserção do indivíduo no mercado e, por isso, a promoção da concorrência
representa a “grande” substância estatal.
Lembremos que o discurso da “livre concorrência” constitui o pressuposto
teórico-conceitual que conforma a “ante-sala” da criação das agências reguladoras
no Brasil, na década de 90, perpassando por diversos aspectos das reformas
políticas neste período e reafirmando um “novo” modelo social, fundamentado no
neoliberalismo. Essas reformas, pautadas na cultura da “livre concorrência”,
preconizam que todos os indivíduos que compõem a sociedade possuem condições
“iguais”, pois pressupõem apenas a existência dos consumidores e ignoram as
assimetrias sócio-econômicas e culturais entre os indivíduos no processo de
participação política. Acreditamos que a designada condição de “igualdade” e
simetria na participação do processo decisório das resoluções das agências
reguladoras se apóia na condição exclusiva de cliente impressa aos usuários dos
serviços concessionados, consolidados sob a égide do consumo, do cidadão-cliente.
Se o fornecimento dos serviços públicos universais não atendia às
necessidades integrais da população, como podemos refletir acerca de uma
cidadania que perpassa pelo consumo, inclusive daquilo que é básico para a
manutenção da vida?
Tendo como pressuposto a “livre concorrência” e ignorando as diferentes
classes sociais introduz-se a cultura do cidadão-cliente. Os serviços que no passado
eram públicos, agora são privados. A política é clara, está contida no Plano Diretor
de Reforma do Aparelho do Estado
25
, elaborado no governo Fernando Henrique
Cardoso. Na medida em que assinarmos nosso convênio ou contrato solicitando o
fornecimento de um serviço público, passaremos a ser considerados cidadãos-
25
Como citado anteriormente, o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado foi elaborado
pelo Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE) em novembro de 1995, sob
coordenação do Ministro Luiz Carlos Bresser Pereira, no governo de Fernando Henrique Cardoso.
Este documento é considerado referência na execução das reformas do Estado brasileiro, iniciada no
governo Fernando Collor de Mello e aprofundada no governo FHC.
105
cliente. Ou seja, somente existimos a partir do momento em que temos dinheiro para
contratar um plano de saúde, de educação, de previdência etc. Nas palavras do
Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado, como exposto, para a
administração pública gerencial somos apenas contribuintes de impostos e clientes
de seus serviços. Neste trecho do Plano Diretor, elaborado pela equipe de Bresser
Pereira, fica explícito: a partir do fornecimento dos serviços públicos pelas empresas
privadas, os cidadãos são considerados apenas contribuintes de impostos e clientes.
Ou seja, são duas condições separadas, visto que após o processo de privatização
e de concessão das empresas e serviços públicos ao setor privado, o cidadão além
de ter que pagar seus impostos, vai ter que se responsabilizar por contratar serviços
que antes o seu imposto cobria. Para evidenciar isso, não o Plano Diretor deixa
explícita nossa condição de cliente, mas o próprio Bresser Pereira ressalta em seu
livro Reforma do Estado para a Cidadania (1998) que a reforma do Estado antes de
ser administrativa e institucional é, sobretudo, cultural, ou seja, as pessoas devem
considerar comum pagar para ter os serviços básicos de saúde, previdência e
educação. Serviços públicos que eram para ser financiados pelos nossos impostos
são convertidos em mercadorias. Neste contexto, o Estado apenas ficaria
responsável por regular os contratos privados por meio das ões das agências
reguladoras. É esse modelo de Estado que desejamos? Um Estado que apenas
existe para regular as relações de lucro do setor privado, ao passo que se extinguem
os serviços públicos.
Assim, abruptamente, as obrigações do fornecimento de serviços públicos
pelo Estado são extintas e instala-se uma espécie de darwinismo social. A realidade
é que mal tínhamos formulado a “Constituição de 1988”, que garantia muitos direitos
sociais e nos encontramos em outra condição histórica, na qual o que prevalece é
a venda desses direitos e o “salve-se quem puder”. Por isso, neste período da
história é necessário não apenas pensarmos o que estamos vivendo, mas buscar
um modelo social que valorize a humanidade e a igualdade social.
A compreensão acerca da emergência das agências reguladoras e as
mudanças ocorridas em torno da sua criação suscitam a necessidade de se
recompor o quadro político, social e econômico da década de 1990. O epicentro da
reforma do Estado, realizada neste período, não é tão pequeno quanto se costuma
pensar: as agências reguladoras expressam muito mais que reformas institucionais e
106
materiais, mas também culturais. A desregulamentação, que acompanha a abertura
econômica e política consolidada no programa de reforma estatal do governo
Fernando Henrique Cardoso, propiciou a intensificação da competição em âmbito
nacional. O intento explícito era impor o liberalismo como paradigma institucional e
social.
A cultura da competição se intensificou em todos os setores da vida e
inclusive, nos serviços básicos, que antes eram fornecidos pelo Estado. Neste
sentido, as agências reguladoras são as instituições que devem assegurar o
equilíbrio na competição desses serviços, tendo como pressuposto que quanto maior
for o número de agentes econômicos competindo, maior será o nível de qualidade
desses serviços. Nesse aspecto, elas resgatam as fórmulas básicas do liberalismo.
O desafio das agências reguladoras é assegurar a qualidade desses serviços,
assim como taxas denominadas “razoáveis”, resguardando a lucratividade das
empresas concessionárias. Essas instituições estão num campo minado, porque se
localizam frente a uma questão central, o desenvolvimento do País, ao passo que
buscam “conciliar” interesses contraditórios e antagônicos. Se alguma empresa
concessionária paralisa sua atuação de forma repentina, sem planejamento prévio,
atividades econômicas estagnam e se incorre naquilo que a dia cultua: a “crise”.
Não obstante, a designada “crise aérea” não compor nosso período específico de
estudos neste trabalho, é relevante mencionar rapidamente o conflito que mais
evidenciou nos últimos anos as contradições do processo de concessão das
empresas públicas e a atuação das agências. É notório que os acidentes com os
aviões das empresas GOL e TAM dizem muito sobre o que se deflagrou durante o
processo de investigações. Uma agência reguladora, a ANAC, abarrotada de
conflitos internos e totalmente despreparada para cumprir minimamente suas
funções além de manter nculos escusos com as concessionárias, pois foi
descoberto que a instituição aceitava passagens das empresas aéreas como
presentes e cortesias demonstrou as fragilidades e limites do modelo e de seus
pressupostos. Tudo isso põe em cheque a função destas instituições, que de
antemão se encontram capturadas por interesses imediatos das empresas ligadas
aos setores que regulam. E ainda resta a questão de como se o desenvolvimento
do País num cenário político frágil, fatiado por interesses empresariais.
107
Se a designada independência administrativa e financeira das agências
reguladoras visava que essas instituições não fossem capturadas por interesses
externos, prevalecendo apenas as decisões técnicas, como devemos refletir sobre
estas instituições quando fica evidente que são passíveis de captura de diversos
interesses? Como manter a suposta “neutralidade técnica” nas decisões se forte
pressão das empresas concessionárias pela busca do lucro e por privilégio na
obtenção de informações técnicas e políticas em relação às outras empresas do
setor em que atuam? Como manter preços “razoáveis e justos”, se o lucro é o mote
de sobrevivência do modelo capitalista?
Não responderemos todas essas perguntas, no entanto, esperamos
esclarecer como o processo de transformação estatal nos anos 90 reverberou em
nossas vidas e como as agências reguladoras representam o fortalecimento da
cultura da competição, expressa no modelo de consumo dos serviços básicos. Para
tanto, destacaremos as principais discussões acerca do processo de privatização,
que reverberou na criação das agências e no fomento da cultura de mercado, em
que há uma luta institucionalizada pelos recursos públicos e na qual o Estado atende
os interesses dos mais fortes. Posteriormente, adentraremos na análise da estrutura
organizacional das agências, investigando como elas têm sua gênese
profundamente imbricada ao paradigma gerencial/neoliberal, isto não apenas no
contexto que emergem, mas em sua própria estruturação formal, em seus
mecanismos de atuação, nas relações com o Poder Executivo e nas relações de
trabalho que a definem.
3.1 O processo de privatização e as Agências Reguladoras
Retomar a discussão acerca do processo de privatização das empresas
estatais brasileiras compõe tarefa fundamental para a compreensão do processo de
implementação das agências reguladoras. Além disso, contextualizar e
principalmente buscar as bases constituidoras do novo aparato estatal revitaliza
aquilo que devia ser conhecimento de todos, e não somente de estudiosos.
O resgate do processo de mundialização do capital visa reconstituir o quadro
político e econômico das reformas do Estado. Estas, por sua vez, imprimem
características específicas ao aparato estatal brasileiro, com o intuito de encontrar
apoio da população e da elite empresarial.
108
A “desmoralização” do Estado enquanto agente promotor de serviços e a
exaltação dos problemas enfrentados por ele no último quarto de século junto ao
consenso e a confiança social obtidas nos anos 90 com o Plano Real, no governo de
Fernando Henrique Cardoso formaram as bases em que se constituíram as
reformas vinculadas ao aparelho administrativo do Estado.
A transformação do Estado produtor em regulador permeou as discussões
inerentes ao processo de privatização das empresas estatais neste período. É
possível afirmar, inclusive, que os dois pólos se constituem como os antagonismos
centrais e estruturantes dos debates, confluindo, por vezes, em simplificações
intencionais a fim de garantir a vitória do argumento político e, conseqüentemente, a
execução das reformas.
As reformas econômicas orientadas para o mercado trazem consigo
a questão de se elas são, em si, um fim ou se devem ser vistas
dentro de um redesenho do papel do Estado. De outra forma: se os
objetivos de crescimento econômico e de consolidação da
democracia, nos países em desenvolvimento, estarão melhor
atendidos por um Estado menor, reduzido em seu papel, ou por um
novo Estado, recuperado e redefinido em termos de capacidade de
intervenção, ou de governance, em um sentido mais amplo.
(VELASCO Jr., 1997, p.07).
Os questionamentos e as preocupações concernentes ao processo de
mudanças concentram-se em estabelecer qual o sentido dessas reorientações. De
antemão, a redefinição das esferas de atuação dos setores públicos e privados, em
favor do último, reduz o “tamanho” do Estado no que se refere a sua atuação no
campo produtivo e na disponibilização de serviços básicos, que é o objetivo em si;
mas também conflui na redefinição das funções do Estado, resultando num “novo
papel”. A Nova Gestão Pública o dotaria de “bases originais”, modificando sua
capacidade de intervenção por meio da implementação de um novo aparato
regulatório, constituído pelas agências reguladoras. Nesse quadro, o conceito de
serviço público vai sendo gradualmente concebido dentro da lógica do mercado.
Notemos que esta última definição faz parte dos principais documentos
orientadores da reforma do Estado no governo de Fernando Henrique Cardoso,
como no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado e em diversos textos de
Luiz Carlos Bresser Pereira. Além disso, os dois objetivos da reforma se
complementam, na medida em que o resultado do processo se configura na
109
“diminuição” do Estado e na reorientação do papel do setor público, que passa a ser
composto pelos novos preceitos gerenciais que embasam a ação do “novo” Estado.
O fornecimento dos serviços públicos pelo setor privado constitui a principal
característica do modelo de administração preconizado pelo gerencialismo. Isso
incorre na concepção de que o governo deve navegar e não remar, ou seja, o
governo deve apenas direcionar os rumos para os quais a sociedade caminha, numa
função macro, sem exercer qualquer atividade final. Enquanto o fornecimento direto
dos serviços resultaria em remar, ou ainda, se manter em um patamar micro de
atuação cotidiana, em que a visão do todo administrativo seria perdida e apenas os
interesses mais próximos atendidos. Refletindo dessa maneira, Osborne e Gaebler
(1994) se empenham em propugnar a privatização dos serviços públicos.
A navegação requer que se veja todo o universo dos temas e
possibilidades e pode contrabalancear demandas diferentes que
competem por recursos escassos. Remar é uma atividade que exige
concentração numa missão exclusiva, que precisa ser bem
executada. Quem navega necessita dos melhores métodos para
atingir seus objetivos. Os que se dedicam a remar tendem a defender
seus métodos a qualquer preço. (OSBORNE; GAEBLER, 1994, p.
37).
Para efetivar a defesa da transferência dos serviços públicos ao setor privado,
uma necessidade de atacar radicalmente o escopo estatal, hostilizando a
administração burocrática enquanto método e os funcionários que ocupam estes
espaços, como vimos anteriormente.
Segundo defensores da “administração gerencialista neoliberal”, como
OSBORNE e GAEBLER, a administração burocrática se caracteriza como forma
estática e ultrapassada das etapas inerentes ao fornecimento dos serviços públicos.
Com a “globalização” e as mudanças ocorridas no setor produtivo, todos os produtos
e serviços teriam que acompanhar a rapidez e os baixos preços. Portanto, se o setor
público não consegue servir mais e melhor com menos recursos, então tal função
deve ser transferida totalmente para o setor privado, pois, de acordo com a lei
natural proposta pelos “gerencialistas neoliberais”: “onde concorrência sempre
haverá melhores resultados, maior consciência no estabelecimento de preços e na
prestação de serviços de qualidade”. (OSBORNE; GAEBLER, 1994, p. 83).
110
A partir da imposição dos preceitos e do modelo advindo do setor privado
como a prestação de serviços num ambiente competitivo ataca-se o setor blico
julgando-o danoso por deter o monopólio em alguns setores e, conseqüentemente,
culpabilizando esses monopólios pelas falhas na prestação desses serviços e mais,
afirmando que naturalmente a partir de um ambiente competitivo se obtém preços
menores e maior qualidade na prestação dos mesmos.
Os governos que procuram o mercado podem até mesmo promover
a experimentação e aprender com o sucesso. A natureza faz
experiências por meio da seleção natural; o processo evolucionário
adota as novas adaptações que dão certo. No setor privado, a
competição funciona da mesma forma: as novas idéias que são
exitosas atraem clientes, e as que não tem sucesso, morrem. A
escolha de muitos fornecedores de serviços ajuda o setor público a
se beneficiar do mesmo fenômeno. (OSBORNE; GAEBLER, 1994, p.
38)
.
Se naturalmente” a fórmula da competitividade nos serviços conflui no
mesmo resultado, serviços melhores a menores preços, independente do País e das
condições do desenvolvimento sócio-econômico e político, então, é preciso que os
liberais expliquem quais são as causas do aumento dos preços de diversos serviços
públicos transferidos ao setor privado no Brasil? Uma pesquisa recente, realizada
pelo Instituto de Economia da UFRJ, mapeou o preço dos serviços privatizados. De
acordo com resultados da pesquisa “a classe média também sentiu no bolso a venda
das empresas estatais. Em sete anos as tarifas de energia, telefone, gás e
transportes urbanos subiram em média 113,8%
26
”.
Outro argumento que pode ser destacado é o que aponta a liderança dos
serviços telefônicos no ranking de reclamações da Fundação de Proteção e Defesa
do Consumidor (PROCON), representando o péssimo funcionamento destes
serviços, após pouco tempo da execução do processo de privatização. “A campeã
de reclamações de 2006, Telefônica, teve um crescimento de 349% nas
reclamações fundamentadas em relação ao ano passado. Em 1998, 1999, 2000 e
2001, a empresa já havia encabeçado a lista
27
”.
26
O resultado da pesquisa realizada pelo instituto de economia da UFRJ foi publicado na Revista
Carta Capital, em 18 de Abril de 2007. A reportagem denominada Paraíso Distante, mostra como o
poder de consumo da classe média reduziu muito no pós-privatização dos serviços públicos,
prejudicados também pelo aumento do preço destes serviços.
27
Ver a pesquisa http://www.procon.sp.gov.br/pdf/cadastro_de_reclamações 2007_releases.pdf
111
Diante desta situação, ainda assistimos o Brasil fatiado em regiões pelas
operadoras de telefonia fixa, que não podemos contar com diversas operadoras
servindo a mesma região, mas geralmente apenas uma, apesar da presença
insignificante das empresas espelhos, designadas para concorrer com as teles fixas
oriundas da privatização da Telebrás
28
. Em tal cenário, onde se localiza a propalada
eficiência e o “espírito” de concorrência “natural” do setor privado?
Destarte a conjuntura socioeconômica de meados da década de 90, Baer
(1996) ressalta que a privatização poderia piorar ainda mais a situação do país em
diversas áreas, apenas transferindo os monopólios estatais para o setor privado. O
primeiro problema levantado pelo autor, refere-se à questão da concentração de
renda. Segundo Baer (1996), em muitos casos as empresas vendidas são adquiridas
por grandes grupos nacionais, o que resulta numa concentração maior da renda e
na consolidação de vários monopólios.
Na medida em que as empresas públicas são vendidas para alguns
dos maiores grupos privados do país, certamente haverá um
aumento no poder econômico e na renda que eles irão receber, fato
que poderá agir em detrimento de uma menor concentração de
renda. (BAER, 1996, p. 276).
Baer resgata ainda o exemplo das siderúrgicas que foram privatizadas, quatro
delas foram vendidas em 1991, ao poderoso grupo Gerdau. Neste caso, é
perceptível como a privatização resultou em maior concentração de renda e de
mercado, o que se choca frontalmente com a proposição de que confluíram em
maior competição, conforme os argumentos dos defensores da privatização.
O autor considera relevante a liberalização que acompanhou o processo de
privatização, pois lançou esses monopólios frente à concorrência internacional,
impedindo que eles cometessem abusos. Entretanto, é preciso acrescentar que os
grandes monopólios nacionais unem-se aos grupos internacionais, estabelecendo
uma forma de monopólio internacionalizado.
Neste contexto, qual é o papel do Estado? Regulamentar. Ao Estado cabe a
velha função para a qual os liberais o deslocaram: servir como controlador das
28
Ver in: documento do BNDES - Informe Infra-estrutura Área de Projetos de Infra-
estrutura/Dezembro 1998/nº 24.
112
movimentações financeiras, mediar as relações entre as empresas, abster-se de
tentar controlar os preços praticados pelas indústrias privadas e, fundamentalmente,
ficar responsável pela criação e manutenção de agências reguladoras
“independentes”, imbuídas de garantir a regulamentação de todas as transações
privadas.
Objetivando criticar o programa oficial de privatização das empresas estatais,
Tavares (1996) se utiliza dos próprios elementos deste programa, tais como a
inserção global competitiva, flexibilização dos monopólios, a questão da
transparência administrativa e do controle público estatal.
A autora nos incita a perceber como as regras da concorrência mudaram
junto ao contexto mundial, pois a concorrência no “mundo globalizado” se dá em três
níveis: no âmbito das economias nacionais, onde os países mais poderosos tendem
a proteger-se com medidas que não são apenas tarifárias; a concorrência também
ocorre no nível dos blocos, onde os países centrais tendem a impor a sua
hegemonia aos países da sua periferia imediata; e finalmente, entre as grandes
empresas oligopolistas transnacionais, cuja arena é, por excelência, o mercado
global, onde a luta é cada vez mais acirrada.
Em relação à competitividade, Tavares (1996) ainda lembra que a noção de
concorrência por números de empresas é vulgar, pois no mercado global o que
prevalece é a força das empresas e sua capacidade de atuar e comandar processos
de expansão, o que caracteriza o processo de globalização produtiva, que seria o
caso da oligopolização, implicando numa grande escala de produção e,
conseqüentemente, flexibilização operacional, conglomeração e concentração de
capital.
Outra preocupação da economista diz respeito ao processo de grandes
decisões estratégicas, ou a grande limitação das filiais de empresas que possuem
uma política e atuação global, e deste modo, a atividade destas empresas na
periferia é limitada ao atendimento do mercado interno, como é o caso da indústria
automobilística no México e no Brasil.
Segundo Tavares (1996), o Brasil não constitui uma economia fechada, ao
contrário, somos um dos espaços mais transnacionalizados do mundo, sendo o
Brasil palco de uma intensa disputa de empresas transnacionais, competindo nos
grandes mercados regionais. Dessa maneira, ela conclui que o problema brasileiro
113
não é atrair capital estrangeiro, mas sim escolher os que deveriam ficar sob a forma
de parceria ou aqueles que têm ligações mais fortes com a matriz. Além disso, ela
acredita que a inserção competitiva do Brasil numa economia global não pode ser
feita a partir de centros financeiros que atuam também globalmente, em nível
internacional. Esta inserção deve requerer empresas produtivas que tenham
capacidade de operar efetivamente no mercado nacional de dimensões globais, pois
no Brasil os subsistemas econômicos são espacialmente disseminados, exigindo
uma infra-estrutura complexa que os articule.
Amparando-se nestas argumentações, Tavares (1996) não coerência na
fragmentação das empresas de infra-estrutura básica, pretexto do governo em
aumentar a concorrência ou atrair mais facilmente capitais, revelando-se um
processo duvidoso do ponto de vista da competitividade sistêmica. E ainda, as
experiências internacionais de privatização de serviços básicos têm sido a
substituição do monopólio público pelo privado ou a ruptura do planejamento
estratégico da rede básica e de um sistema interligado de tarifas cruzadas. Em
ambos os casos a sociedade não se beneficiou. No primeiro, os acionistas
aumentaram desproporcionalmente seus lucros e, no segundo, os impactos sobre
alguns setores industriais e regiões foram claramente negativos, gerando
desemprego ou deslocamento de atividades industriais.
Ao defender as empresas estatais, Tavares cita a Telebrás e a Vale do Rio
Doce como exemplos de empresas que possuíam no pré-privatização dimeno
para a integração nacional e a inserção internacional, sendo estas geradoras de
atividades complexas e de desenvolvimento tecnológico e possuindo ainda
capacidade técnica, financeira e de organização. Elementos necessários não só
para operar em escala nacional e internacional, como para assegurar um complexo
sistema de planejamento estratégico, capaz de responder cabalmente às questões
futuras da reestruturação interna e da inserção internacional competitiva.
James Petras (1999) também elenca algumas teses acerca do processo de
privatização na América latina. Para o autor, esta o é uma decisão econômica
isolada, mas, pelo contrário, é ligada às forças políticas mais amplas que atuam por
intermédio de aparatos coercitivos locais, em vez de resultar da ‘racionalidade do
mercado’. Aponta ainda, que o advento das empresas públicas é resultado do
próprio fracasso e das crises do setor privado na região. Constituindo, assim, mais
114
uma resposta a essas do que um produto de decretos políticos ideológicos. Dessa
maneira, a privatização ocorreria baseada em mudanças na estrutura ideológica e
de classes. Porém, destaca Petras,
A privatização em vez de ‘corrigir os males da intervenção do Estado,
monopólios públicos e serviços de altos custos, aprofundou-os ao
produzir uma estrutura econômica que não atende aos usuários
domésticos e aos baixos escalões da ‘sociedade civil’. (PETRAS,
1999, p. 8).
A privatização, portanto, consolida o monopólio das grandes empresas. As
pequenas e médias são relegadas a uma situação em que a concorrência se torna
inviável. Logo, deixam de existir.
É a par desta situação que Petras (1999) destaca que sem o grande impulso
dado pelo setor público ao estabelecer a infra-estrutura básica e as indústrias, sem o
financiamento estatal e contratos, é difícil imaginar onde os partidários do livre
mercado estariam hoje. Diante disso, o Estado assumiu setores de utilidade blica:
água, gás, transporte, setores em que a iniciativa privada não detinha as condições
necessárias ou se recusava a fazê-lo. Era o Estado, então, que estendia tais
serviços a regiões distantes e pouco lucrativas, possibilitando, dessa forma, a
industrialização dessas áreas, bem como o desenvolvimento social.
A retirada do Estado na promoção direta dos serviços públicos, transferindo-
os ao setor privado não constituiu simplesmente uma mudança no arcabouço
institucional, como a criação das agências, mas sobretudo a incorporação de uma
nova cultura administrativa, o gerencialismo; apoiada nos mecanismos importados
do setor privado. Conforme enfatiza Paula Paes (2003), o que estamos vivendo é a
cultura do management e a conversão de práticas administrativas em modismos
gerenciais. Tais processos, por sua vez, se inserem numa reestruturação mais
ampla do próprio capital.
3.2 - Agências Reguladoras: pressupostos gerais
As agências reguladoras são instituições criadas no bojo do processo de
privatização das empresas estatais e da concessão dos serviços públicos no Brasil.
A edificação destas instituições está intimamente ligada aos planos de reforma do
115
Estado, iniciados no governo Fernando Collor de Mello (1990-1992) e aprofundados
no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). A criação dessas
instituições está vinculada, sobretudo, a um amplo processo de reconfiguração
estatal.
A reforma do Estado e particularmente, a reforma gerencial é antes
uma reforma institucional do que uma reforma de gestão. Está
baseada na criação de instituições normativas e de instituições
organizacionais que viabilizem a gestão. (BRESSER PEREIRA, 1998,
p.23).
Como dito anteriormente, as transformações no escopo estatal
implementadas no governo FHC têm como documento norteador o Plano Diretor da
Reforma do Aparelho do Estado, elaborado pelo Ministério da Administração Federal
e Reforma do Estado, em novembro de 1995, sob a coordenação do então ministro
Luiz Carlos Bresser Pereira.
O projeto de uma sociedade mais competitiva, eficiente e ágil se materializa
na reforma do corpo administrativo estatal e, sobretudo, na gestão das agências
reguladoras. Neste sentido, a arquitetura e a criação da legislação das agências
conformam os objetivos propostos no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do
Estado e na própria legislação referente ao processo de concessões e privatizações,
que dispõe sobre o aumento da eficiência das empresas concessionárias, ao passo
que visa a elevação da competitividade global da economia nacional, tendo ainda
como orientação o uso racional dos bens coletivos, inclusive os recursos naturais
29
.
Essa nova configuração institucional se sustenta sobre o pressuposto de que
quanto maior for o grau de competitividade, melhor será o resultado no atendimento
às demandas. Dessa forma, o nível de concorrência passa a ser o indicador de
eficiência do serviço. Por isso, um dos principais objetivos alcançados com o
processo de privatização foi a extinção dos monopólios estatais, considerados
contrários ao bom atendimento das demandas sociais.
A regulação econômica refere-se àquelas intervenções cujo
propósito é mitigar imperfeições, como a existência de traços de
monopólio natural, e assim melhorar o funcionamento do mercado. A
justificativa econômica tradicional para a regulação diz respeito à
29
Ver in: incisos III e V, do primeiro capítulo: das Disposições Iniciais, da Lei 9074 de 7 de Julho de
1995.
116
maximização da eficiência em mercados caracterizados pela
concentração de poder econômico. (BRASIL, 2003b, p. 09)
.
No quadro posterior ao processo de privatização, as agências reguladoras
irrompem como instituições responsáveis juridicamente por manter a estabilidade do
setor de serviços e empresarial, aos quais estão intimamente ligadas, em
decorrência das funções que desenvolvem.
No decorrer da década de 90, do século XX e início do XXI dez agências
foram criadas: Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), Agência Nacional de
Telecomunicações (ANATEL), Agência Nacional do Petróleo (ANP), Agência
Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(ANVISA), Agência Nacional de Águas (ANA), Agência Nacional de Transportes
Aquaviários (ANTAQ), Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Agência
Nacional de Cinema (ANCINE) e a última, criada recentemente, Agência Nacional de
Aviação Civil (ANAC). De acordo com as atividades enfatizadas na atuação de cada
uma das agências, elas são classificadas de forma diferenciada, como por exemplo,
a ANP é designada para atividades relacionadas à exploração de monopólios
públicos, a ANVISA e a ANS são consideradas agências reguladoras de atividades
econômicas privadas, a ANATEL e a ANEEL são designadas agências
reguladoras de serviços públicos (MASTRANGELO, 2005). No entanto, foram
criadas num mesmo contexto político e econômico, por isso são analisadas em
nosso trabalho sob uma ótica geral.
A atuação dessas agências ainda é pouco percebida, mas seus propósitos já
se tornam evidentes. Tais instituições foram criadas para regularem a relação entre
Poder Executivo, serviços concessionados e os consumidores, tendo entre suas
funções normatizar e fiscalizar os diversos setores, buscando a partir da promoção
da concorrência, estabelecer o equilíbrio entre esses três seguimentos.
Denominadas autarquias especiais, as agências reguladoras também estão
juridicamente regidas pelo Decreto-Lei n° 200, de 1967, que define no art. 5°, inciso I
“autarquia como o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica,
patrimônio e receita própria para executar atividades típicas da Administração
Pública que requeiram, para o seu melhor funcionamento, gestão administrativa e
financeira descentralizada”. Como já apontado anteriormente, o contexto de
reformas estatais em que as agências reguladoras foram criadas suscita indagações
117
pertinentes a sua própria natureza jurídica e as suas funções. Consideradas
instituições independentes financeira e administrativamente, buscou-se imprimir às
agências um caráter de neutralidade
30
, ou seja, a perspectiva de que suas decisões
seriam perpassadas apenas por questões técnicas, sem a influência de nenhum
grupo de interesse econômico ou político.
Ademais, as decisões das agências reguladoras e a sua própria forma de
procedimento na arbitragem de conflitos entre Poder Executivo, concessionárias e
usuários envolvem o designado controle social e a transparência, distinguindo-se
basicamente quatro aspectos: consulta pública, audiência blica, ouvidoria e
contrato de gestão. Os três primeiros mecanismos visam ampliar a participação do
usuário no processo decisório, enquanto o contrato de gestão constitui a forma de
controle do Executivo sobre a atuação das agências. O contrato de gestão
corresponde ao estabelecimento de metas de gestão para as agências
31
. Conforme
deliberado pela reforma da administração pública, essas instituições são
coordenadas por meio de missões e, no final de cada missão, o Ministério ao qual a
agência reguladora estiver vinculada analisa se ela atingiu o resultado designado na
missão, obtendo o desempenho esperado.
A emergência das agências nos anos 90, inserida no bojo de uma reforma
institucional e administrativa no escopo estatal, também objetiva socialmente uma
reforma cultural, redefinindo como o indivíduo se relaciona com os serviços públicos,
vislumbrados não mais nas ações e condições disponibilizadas pelo Estado como
contrapartida pelo recolhimento de impostos, mas como mercadorias voltadas a
clientes específicos, disponibilizadas por produtores específicos.
Anteriormente ao processo de privatização das empresas e serviços públicos,
havia uma significativa utilização dos serviços fornecidos diretamente pelo Estado,
seja no âmbito municipal, estadual ou federal. Existia não apenas uma expectativa,
mas uma ampla utilização do seu aparelhamento hospitalar, escolar ou mesmo de
previdência social. A partir da reforma política, econômica, administrativa e cultural,
consubstanciada nas instituições estatais e em seus serviços, transmuta-se a forma
de se encarar e utilizar os serviços públicos no Brasil. Estes passam a ser fornecidos
30
O próprio controle social é uma forma da defesa de um interesse, logo a idéia de neutralidade é
totalmente errônea e contraditória com o próprio controle social composto por ouvidoria, consultas e
audiências públicas.
31
O contrato de gestão é um instrumento de controle governamental que não é uniforme, apenas
algumas agências possuem, como é caso da ANEEL.
118
cada vez mais pelo setor privado, por meio de uma ampla contratualização entre
indivíduos e instituições privadas. A função das agências reguladoras, neste sentido,
é regular os contratos entre usuários e concessionárias, arbitrando os conflitos e
fiscalizando os serviços. Frente a estas reformas, o cidadão passa a ser denominado
cidadão-cliente, ou seja, a existência do indivíduo passa a ser regulada através de
contratos comerciais individualizados. Tal condição está evidenciada no Plano
Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, documento balizador das reformas.
Como dito anteriormente, este documento institui a condição do cidadão como
contribuinte de impostos e, sobretudo, como cliente.
O cidadão-cliente é responsável individualmente pela qualidade dos serviços
contratados. Os mecanismos de participação do usuário configuram apenas uma
instância jurídica à qual o indivíduo pode recorrer quando se sentir prejudicado pelos
serviços contratados. No entanto, as empresas concessionárias, representadas por
seus advogados e associações empresariais, estão provavelmente muito mais
protegidas pelo seu poder monetário e pelo acesso aos conhecimentos jurídicos
específicos.
Nesse contexto, a emergência das agências reguladoras e de seus
pressupostos representa uma das maiores e mais significativas mudanças deste
período, pois a institucionalização dos serviços privados e sua regulamentação
exprimem um “novo” modelo de Estado e, por conseguinte, um “novo” modelo social:
a atomização do cidadão, mensurado apenas como cliente.
As relações sociais mercantilizadas e contratualizadas institucionalizam a
desigualdade, ao tratar todos como consumidores. Frente a tal quadro, é necessário
indagar quais são os mecanismos de ampliação e radicalização da liberalização
socioeconômica junto ao sistema político democrático brasileiro e como essas
variantes se inscrevem no aparato das agências reguladoras. O Estado que irrompe
das reformas nos anos 90, como instrumento da democracia-liberal ou da
institucionalização da desigualdade social, é perpassado e caracterizado por uma
concepção de reforma social liberal porque “acredita no mercado como um ótimo,
embora imperfeito alocador de recursos” (BRESSER PEREIRA, 1998, p. 19).
119
3.3 A Natureza Jurídica das Agências Reguladoras: ANEEL e a ANATEL como
um novo marco regulatório
Levada a cabo a transferência dos serviços públicos para sua exploração
pelas concessionárias privadas, o governo se empenhou em estabelecer regras para
que se reestruturasse os serviços sob o controle do setor privado. Assim, a
emergência de um arcabouço regulatório no seio das reformas privatizantes se
configurou como uma necessidade urgente no governo Fernando Henrique Cardoso.
Os marcos regulatórios e os contratos de concessão precisam estar
estruturados de tal forma que possam servir a dois propósitos
distintos: de atração e estímulo de novos investimentos privados no
setor de prestação de serviços públicos e de ordenamento da
prestação dos serviços públicos, erigindo-se cautelas e controles
necessários a assegurar aos usuários a obtenção de serviço
adequado, ou seja, o que agregue as condições de modernidade,
eficiência e modicidade. (MORAES, 1997, p. 12).
A estruturação do aparato regulatório das agências reguladoras contou, em
seu processo de implementação, fundamentalmente com a participação de juristas.
Os primeiros marcos jurídicos estão sintetizados no artigo 175 da Constituição; na
Lei n° 8.987 de 1995, Lei Nacional de Concessões; e na Lei n° 9.074, de 07 de Julho
de 1995, também conhecida como a Lei do Setor Energético.
As agências compõem a denominada administração indireta. Contudo, o
consideradas autarquias especiais, o que implica numa maior independência em
relação ao Poder Executivo. Qualquer tentativa de aproximação e/ou comparação às
autarquias criadas anteriormente pode nos conduzir a uma leitura errônea, que
politicamente a independência de tais agências não possui o mesmo caráter de
outras autarquias, como é o caso das universidades públicas. Há tentativas de
aproximação entre a independência das agências e de instituições como as
universidades, porém, se constituem em meras armadilhas, que o contexto da
criação destas agências é específico e se articula à implementação das reformas
gerenciais. Além disso, os serviços públicos que figuravam como responsabilidade
estatal foram privatizados e submetidos à regulamentação de agências autônomas
administrativa e financeiramente. As discussões referentes à constitucionalidade da
autonomia na administração das agências reguladoras estão presentes ainda nos
120
debates que questionam sua validade, apesar delas se enquadrarem de forma geral
na Lei de criação das autarquias, datada de 1964.
Nos últimos anos, como fruto da mal-tramada “Reforma
administrativa”, surgiram algumas autarquias qualificadas como
“autarquias sob regime especial”. São elas as denominadas agências
reguladoras. Não havendo lei alguma que defina genericamente o
que se deva entender por tal regime, cumpre investigar, em cada
caso, o que se pretende com isto. A idéia subjacente continua a ser a
de que desfrutariam de uma liberdade maior do que as demais
autarquias. Ou seja: esta especialidade do regime pode ser
detectada verificando-se o que de peculiar no regime das
“agências reguladoras” em confronto com a generalidade das
autarquias.
(MELLO, 1998, p. 154).
A Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL - criada pela Lei 9.427, de
26/12/96 se configura como uma autarquia especial. As atribuições das agências
abrangem as atividades relacionadas às da administração, a fiscalização dos
serviços e ao cumprimento das condições explicitadas no contrato de concessão,
incluindo controle sobre a fixação das tarifas, imposição de sanções, além de
instituição de conduta da competição e eficiência (MORAES, 2007). Como verifica-
se na própria Lei de criação da ANEEL, no Capítulo I, denominado “das Atribuições
e da Organização”, no artigo 1º “é instituída a Agência Nacional de Energia Elétrica –
ANEEL, autarquia sob regime especial, vinculada ao Ministério de Minas e Energia,
com sede e foro no Distrito Federal e prazo de duração indeterminado
32
”. No caso
da ANEEL, a problemática da autonomia da administração das agências é
amenizada devido ao contrato de gestão, realizado anualmente entre o Ministério
das Minas e Energia e a própria agência. De acordo com o artigo , da Lei
9.427/96,
A administração da ANEEL será objeto de contrato de gestão,
negociado e celebrado entre a Diretoria e o Poder Executivo no
prazo máximo de noventa dias após a nomeação do Diretor-Geral,
devendo uma cópia do instrumento ser encaminhada para registro no
Tribunal de Contas da União, onde servirá de peça de referência em
auditoria operacional. (ANEEL, 1996).
32
Ver: Lei nº 9427, de 26 de dezembro de 1996 que institui a ANEEL.
121
De certa forma, o contrato de gestão assegura um controle maior por parte do
Poder Executivo sobre a administração da ANEEL, apesar de não extinguir por
completo os conflitos envoltos no excesso de autonomia dessas instituições.
A Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) não possui tal
mecanismo, se servindo de regras próprias, estabelecidas na legislação de sua
criação, que admite, conforme artigo 19, inciso XXV da Lei 9472/97, “decidir, em
último grau sobre as matérias de sua alçada, sempre admitido recurso ao Conselho
Diretor”.
A autonomia das agências reguladoras é tema polêmico. Contudo, em alguns
casos acredita-se que realmente tais instituições possam tomar resoluções sem
influências externas, sejam as advindas do Executivo ou dos próprios agentes
regulados por elas.
Com efeito, é curial que as agências reguladoras somente terão
condições de desempenhar suas funções com êxito, na medida em
que se preservem de ingerências externas inadequadas [...] Por
certo, não faltam os que se preocupem com as influências nefastas
do Poder público [...] Todavia, afigura-se igualmente nefasta a
captura por “contaminação de interesses”, qual seja a influência
derivada dos próprios agentes regulados. (MASTRANGELO, 2005, p.
52-53).
A defesa da centralidade da autonomia administrativa das agências
reguladoras assenta-se principalmente na idéia de que, com o reforço da autonomia
a instituição fica insulada das decisões políticas do Poder Executivo, que variam
conforme o governo. Assim, a agência independente poderia elaborar políticas de
longo prazo, imunes à alternância e a reorientação política do Poder Executivo.
A agência reguladora tem esse mecanismo porque o legislador traça
políticas públicas, de longo prazo, nas quais ele entende que apenas
a manutenção da persecução daquela política, através de 20, 30, 40
anos, vai realizar aquela política. Ela tem um respeito inter-geracional
com as gerações seguintes. O legislador entendeu que se ele for
deixar essas políticas que têm que ser de longo prazo, sujeitas à
arena político-eleitoral, ele nunca vai chegar a realizar essas
políticas. Vai estar sempre em política de dois em dois anos. E, um
político quando chega no governo, acha que vai inventar a roda.
Então de dois em dois anos, temos novas políticas públicas.
(ARAGÃO, 2004, p.67).
122
A crença na autonomia administrativa das agências reguladoras é reforçada
por algumas normas referentes à criação destas instituições, como por exemplo, a
direção colegiada, cujos membros são nomeados pelo Presidente da República, sob
a aprovação prévia do Senado, obtendo mandatos fixos e estabilidade. Diante dessa
condição de trabalho, na ANEEL a exoneração de tais membros pode ser feita
por meio “da prática de ato de improbidade administrativa, a condenação penal
transitada em julgado e o descumprimento injustificado do contrato de gestão” (Lei
9427, art. , parágrafo único). a possibilidade de exoneração dos diretores ou
conselheiros da ANATEL foi instituída por meio da Lei 9472/97, sendo sobrepujada
pelo anteprojeto de Lei 9.986/00. O anteprojeto estabelece no artigo que “os
Conselheiros e os diretores somente perderão o mandato em caso de renúncia, de
condenação judicial transitada em julgado ou de processo administrativo disciplinar”.
A estabilidade dos dirigentes das agências reguladoras se tornou
imprescindível para aqueles que acreditam na autonomia da administração das
agências e na pureza técnica das tomadas de decisões. Para estes defensores, a
diretoria tem o propósito de discutir as resoluções e compartilhar as decisões entre
si, buscando o consenso. Para alguns estudiosos do tema, como Mastrangelo
(2005), isso dificulta a possibilidade de algum diretor submeter à instituição a
interesses pessoais ou intermediar e fazer valer interesses externos. No entanto,
sabemos que os interesses sociais não ficam de fora das instituições, pelo contrário,
são parte destas. Contrariando tal prerrogativa, o autor supracitado assinala que as
agências reguladoras somente poderão proteger a concorrência dos regulados na
medida em que suas decisões se distanciarem do Poder Executivo, “antes de tudo,
as agências reguladoras devem se desenvolver com autonomia em face do Poder
Público, de modo a se livrarem às nefastas ingerências políticas, que lhes afetarão a
imprescindível imparcialidade”. (MASTRANGELO, 2005, p.84).
Diante dessas considerações, o autor recorda o caso de Olívio Dutra, que no
início de seu mandato tentou reduzir as tarifas de pedágio cobradas no Estado do
Rio Grande do Sul. O governador não obteve sucesso, pois o Tribunal de Justiça do
Estado compreendeu que ele estava ferindo a autonomia da Agência Reguladora
Estadual (AGERGS) que, de acordo com a lei estadual 10.931, deve “zelar pelo
equilíbrio econômico-financeiro dos serviços públicos delegados”. Neste exemplo,
fica evidente para que serve a autonomia das agências reguladoras frente ao Poder
123
Executivo e assim a suposta “neutralidade técnica” se mostra a serviço da
preservação dos direitos exclusivos do mercado e do lucro.
No que se refere ao afastamento das decisões das agências reguladoras em
relação aos concessionários, é consenso entre os defensores da autonomia destas
instituições a necessidade de se precaverem contra a captura do poder econômico.
Para tanto, elegem como mecanismos de diminuição desta captura, a seleção dos
reguladores, disciplina de inelegibilidades, incompatibilidades e impedimentos,
garantias de transparência, participação procedimental pública e participação dos
consumidores (MASTRANGELO, 2005). Dentre os aspectos destacados para a
promoção da autonomia aponta-se a especial atenção que se deve ter com a
quarentena, meio legal que impede ao ex-dirigente de agência reguladora a
prestação de qualquer serviço no setor regulado por um período correspondente a
quatro meses, a partir da exoneração ou do término do seu mandato
33
. Conforme o
artigo da Lei 9.986/00, “o ex-dirigente fica impedido para exercício de atividade ou
de prestar qualquer serviço no setor regulado pela respectiva agência por um
período de quatro meses, contados da exoneração ou do término do seu mandato”.
Outros aspectos elencados por Mastrangelo, para se reduzir os riscos de
captura das agências reguladoras, consistem na garantia da sua autonomia
financeira e no impedimento de que exista coincidência no início dos mandatos dos
dirigentes das agências
34
. Porém, o autor ressalta que o contrato de gestão –
mecanismo que reforça os vínculos e compromissos entre as agências e os
Ministérios, ao estabelecer a prestação de contas por parte da primeira torna-se
um impeditivo à independência. “Convirá, em homenagem à independência das
agências, que se rejeitem mecanismos de sujeição, como é o caso dos lamentáveis
e impróprios contratos de gestão (MASTRANGELO, 2005, p.89)”.
Por outro lado, o contrato de gestão pode ser visto como uma forma de
equilíbrio à autonomia administrativa das agências reguladoras, que podem tanto ser
influenciadas pelo Poder Executivo, quanto pelas concessionárias. Acreditar na
autonomia administrativa das agências reguladoras e na neutralidade técnica das
decisões é desconsiderar o sistema sócio-político e econômico no qual vivemos,
33
Ver in: Artigo, caput da Lei nº 9.986/00.
34
“A lei de criação de cada Agência disporá sobre a forma da não-coincidência de mandato” (Lei nº
9.986/00, art. 7º).
124
perpassado por um conjunto de interesses conflitantes, e para o qual o discurso da
independência opera como uma estratégia em defesa do lucro das concessionárias.
O abandono das políticas de universalização dos serviços públicos
essenciais, e por isso também lucrativos, em prol de sua transferência ao setor
privado, num momento de reestruturação e crise do capital, figura como pressuposto
do papel do Estado no fomento do sistema capitalista. Conforme a Lei de
Concessões e Licitações, de 9.074, de 07 de Julho de 1995, a função das
concessionárias e empresas privatizadas é propiciar serviços de qualidade e tarifas
adequadas à população, desaparecendo os direitos universais que se
consubstanciavam na obrigação estatal da busca de excelência e universalização de
tais serviços.
A coordenação e gerenciamento dos serviços públicos que as agências
reguladoras exercem junto com diversos setores de serviços privatizados e
concessionados reafirma e reimprime a característica primordial do Estado
capitalista liberal, que não se restringe à garantia da propriedade privada, mas
implica, sobretudo, manter seus contratos, entre indivíduos e o mercado. Nesta
reconfiguração jurídica das relações, o cidadão passa apenas a ser visto como
pessoa jurídica, parte contratante de um determinado serviço, como um cliente.
Entre os objetivos que são atribuídos às entidades reguladoras estão
os relacionados à promoção da eficiência, à defesa do mercado e
das liberdades econômicas das pessoas vinculadas à prestação de
serviços públicos ao lado da justa e razoável fixação das tarifas.
Essa nova função estatal, que tende a proteger o funcionamento
eficiente de todo o ciclo econômico, com o propósito de melhorar a
qualidade de vida das pessoas, vem a suprir um papel que antes o
Estado não assumia, no campo da regulação econômica, em que a
tônica da sua atuação no exercício de poder de polícia baseava-se
em mecanismos que desconsideravam a realidade de mercado e
acabavam, muitas vezes, por alterar artificialmente a oferta e a
demanda. (MORAES, 1997, p. 19).
Se no período anterior à transferência dos serviços públicos ao setor privado,
o Estado foi considerado ineficiente no provimento de tais serviços, sendo acusado
em muitos casos de manter monopólios danosos, no contexto pós-privatização essa
situação não se reverte, sendo que os serviços públicos foram fatiados entre
algumas multinacionais, logo os monopólios passaram a ser privados. Tais
empresas visam apenas o lucro, enquanto a empresa estatal estava sob normas de
125
fornecimento de serviços universais, possuindo mobilidade em relação aos preços e
as variantes de mercado. É preciso considerar ainda que os direitos sociais, como
lembrado anteriormente, iniciavam sua curta empreitada no Brasil com a
promulgação da Constituição de 1988, que designava a dignidade da pessoa
humana
35
como um dos princípios fundamentais. Tal embrião de uma sociedade
dotada de mais direitos dissolve-se logo em seguida, ao se defrontar com a
hegemonia liberal que iria se impor na década de 90.
Não é o caso de simplesmente defender que os serviços públicos fornecidos
exclusivamente pelo Estado eram infinitamente melhores que os atuais, fornecidos
pelas empresas concessionárias, mas enfatizar a estrutura social que se erige via
privatização, concessão e obtenção de serviços regulados por agências autônomas,
orientadas pelas necessidades e interesses do mercado. Serviços públicos, como o
fornecimento de energia elétrica e água, compõe parte das necessidades essenciais
que contribuem para o desenvolvimento da pessoa humana, por isso não deveriam
ser tratados como uma simples mercadoria. Nesse sentido, a Lei 8.987 de 1995, que
dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos,
designa no Capítulo II, que trata dos serviços adequados” e estabelece as
condições nas quais é lícito realizar a interrupção do fornecimento de energia
elétrica, que:
§ 3º Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua
interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso,
quando:
(...) II por inadimplemento do usuário, considerando o interesse da
coletividade. (Lei 8987/95).
A mercantilização dos serviços públicos essenciais em nome da
competitividade, da eficiência em sua disponibilidade, do equilíbrio econômico das
empresas concorrentes, marca não apenas a gênese das agências reguladoras,
mas o novo papel do Estado. Ademais, um dos principais objetivos gerais do
processo de privatização e concessões constitui-se na introdução e engendramento
da concorrência no fornecimento desses serviços, visando apenas à ampliação do
escopo de atuação do setor privado. Para tanto, o aparato jurídico que sustenta as
agências reguladoras - árbitras dos conflitos entre Poder Executivo, usuários e
35
Ver in: Constituição Federal do Brasil, Título I: Dos Princípios Fundamentais, Art. 1º, III.
126
empresa concessionária - compõem um conjunto de normas e regras que sintetizam
e expressam o caráter dessas instituições no seio das reformas neoliberais. Dentre
os aspectos mais polêmicos e discutidos, destacamos a dimensão da independência
administrativa e financeira, que resultaria numa suposta independência política em
relação ao Poder Executivo e aos concessionários. Isso pressupõe uma ausência
total de vínculos sociais e uma instituição neutra em relação aos interesses,
condição que não condiz evidentemente com a dimensão de classe do Estado
capitalista.
3.4 A inserção das Agências Reguladoras no contexto de mudanças políticas
dos anos 90
As análises políticas mais comumente empreendidas sobre as mudanças
ocorridas no seio do Estado brasileiro nos anos 90 (BRESSER PEREIRA, 1998;
ARAGÃO, 2004), compreendem aquelas que se focam nos preceitos da democracia
formal e que, portanto, consideram que o advento das agências reguladoras pode
atender aos anseios daqueles que acreditam na participação das decisões políticas,
por meio das audiências, consultas públicas e das ouvidorias. O denominado
controle social das agências perpassa pela viabilidade da participação da sociedade
no controle das decisões ocorridas sobre as práticas destas instituições.
Para Fernando Henrique Cardoso, na pauta da reforma do aparelho estatal
também se colocava a democratização do processo político frente ao término da
Ditadura Militar, em fins da década de 80. na década de 70, a análise de Cardoso
acerca das implicações da Ditadura sobre a estrutura burocrática do Estado
brasileiro demonstrava uma preocupação intensa diante da constituição de uma
tecnocracia articulada a interesses particulares. “A burocracia e a tecnocracia
poderiam ser pensadas como aparatos (diversos, naturalmente) a serviço de
interesses políticos, sem deixar de incluir entre eles o poder econômico”.
(CARDOSO, 1975, p. 182). Em certa medida, as críticas feitas ao modelo
burocrático imanente à Ditadura sofrem não uma ruptura, mas sim uma continuidade
(descontextualizada) no interior dos discursos reformistas da década de 90.
Como já descrito nos capítulos anteriores, a estagnação da economia do País
no final dos anos 80 tinha se generalizado e continuava sufocando as contas
127
estatais, acarretando um crescimento da dívida pública e um processo inflacionário
interminável. Frente à crise inflacionária e ao baixo crescimento econômico, o
governo de Fernando Collor de Mello iniciou o processo de reformas estatais que
Fernando Henrique Cardoso levou a cabo, buscando a redefinição do papel do
Estado, associado ao advento de um novo aparato institucional “moderno”, que
transformasse as relações burocráticas, aproximando-as do modelo administrativo
do setor privado. Isso se dava no governo FHC, em articulação com a busca de
legitimidade no sistema político democrático, por meio da criação de instituições
como as agências reguladoras. Com esses objetivos, essas agências foram
compostas por esferas de controle social, como as audiências e consultas públicas,
buscando imprimir ao governo transparência, o que “teoricamente” aumentaria o
grau da participação da população no processo decisório e, em consonância com os
discursos reformistas, afastaria os grupos de interesse do aparelho burocrático.
De acordo com a equipe e os programas de governo de FHC, como o Plano
Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, a transparência das políticas realizadas
pelas agências reguladoras seria aperfeiçoada não apenas por meio das consultas e
audiências públicas, mas também por ouvidorias e disque-reclamações.
Mais modernas, eficientes e, acima de tudo, transparentes, as agências
reguladoras trariam a democratização do processo decisório por meio da
participação social nos processos de audiências e consultas públicas, afastando
concomitantemente os grupos de interesse ou rent seeking
36
. Tal argumentação
compunha uma das faces da defesa da privatização das empresas públicas no
governo FHC, que se utilizou dos desmandos do governo Militar para criticar a
atuação dos funcionários e do setor público.
A denúncia da privatização do Estado pela esquerda corresponde à
denúncia da direita de que o Estado e a sociedade estão sendo
vítimas da prática generalizada do rent seeking, da busca de rendas
ou vantagens extramercados para grupos determinados através do
controle do Estado. (BRASIL, 1995, p. 03).
36
Rent seeking se refere à ação de indivíduos, empresas e/ou grupos de interesse na busca de
vantagens e ganhos especiais por meio da apropriação dos recursos públicos. Para os liberais,
qualquer forma de desconto, subsídio, apoio, financiamento etc, feito pelo Estado para setores sociais
em particular pode se constituir num rent seeking.
128
Em consonância com essas reflexões, Cardoso (1975)
37
acreditava que
durante a Ditadura Militar as empresas públicas eram utilizadas pelos grupos de
interesse em benefício próprio. Em outras palavras, estava ocorrendo a apropriação
do aparato político por alguns poucos grupos com amplo poder econômico. Para ele,
as expansões do poder burocrático e tecnocrático em oposição à sociedade civil se
apresentavam como facções políticas setoriais e essa burocracia e/ou tecnocracia
se colocava a serviço de interesses diversos, incluindo os políticos e econômicos.
Este entrosamento de interesses, entre o setor público e o privado, formava
para FHC, os anéis burocráticos”, que se interpunham em determinados momentos,
redistribuindo o poder entre poucos grupos, que aumentavam seu espaço de
representação. Enquanto sociólogo, Fernando Henrique Cardoso dispensava uma
grande atenção a essa questão.
Na cena política brasileira haveria que caracterizar dois tipos de
organizações atuantes, ambas burocráticas”, mas inseridas em
contextos de dominação de nível, complexidade e sentido distintos.
Uma a grande empresa privada, insere-se num contexto nitidamente
supranacional (quando não anti-nacional). Outra, a burocracia
pública (incluídas as Forças Armadas), tenderia a definir-se nos
marcos da Nação. Entretanto, assim como a burocracia pública
dividi-se em facções políticas, no sentido mais amplo (ou seja, que
se propõem fins e implementam medidas para alcançá-los em função
dos setores de classe e grupos a que se ligam), é preciso pensar o
sistema político em termos de “anéis” que cortam horizontalmente as
duas estruturas burocráticas fundamentais, a pública e a privada.
Dessa forma, partes das empresas públicas, ou melhor, da
burocracia dessas empresas e seus dirigentes, podem ser captados
pelo sistema de interesses das empresas multinacionais. O mesmo
pode ocorrer com diversos setores do Estado [ministérios, divisões,
grupos executivos etc.]. (CARDOSO, 1975, p. 182).
Discorrendo acerca do cenário político entre as décadas de 1960 e 1970,
Fernando Henrique Cardoso já vislumbrava o processo de democratização, neste
caso concebido como “desburocratização”, como alternativa ao contrapeso dos
interesses que cooptavam os burocratas deste período. De acordo com sua obra,
Autoritarismo e Democratização (1975), o problema político fundamental era o de
compatibilizar um conjunto de liberdades básicas. Ou ainda, concordando com
Weber, acreditava naquele momento que o segredo em que se resguardavam às
37
CARDOSO, Fernando Henrique. Autoritarismo e Democratização. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra, 1975.
129
informações no período do Governo Militar imprimia às burocracias uma
“blindagem”, permitindo que elas fossem capturadas por alguns interesses. Ora, por
outro lado é preciso problematizar tal análise a luz do próprio cenário político de
então. A burocracia e seus agentes irrompem como forma de poder e dominação,
mas são condições básicas para qualquer possibilidade democrática. Sem
procedimentos previamente determinados e regras de funcionamento claramente
expressas, nenhum tipo de organização estatal pode operar democraticamente. A
Ditadura Militar converte a burocracia em instrumento de um autoritarismo violento e
de um planejamento centralista. Além disso, é necessário conceber a própria forma
da burocracia neste período como a forma burocrática do Regime Militar e não
conceber o autoritarismo como estruturante natural da burocracia. Isso é relevante,
pois com fins ideológicos, diversas análises vinculadas ao liberalismo buscam
articular diretamente autoritarismo e burocracia nos anos 90, descontextualizando o
debate dos anos 70.
A explicação de Fernando Henrique Cardoso acerca dos anéis burocráticos
busca, nos anos de seu governo, tornar plausível a defesa da privatização e
especialmente as mudanças em relação ao funcionário público, bem como a
desregulamentação de seus direitos. Isto se justificaria de acordo com FHC, pois o
Estado seria capturado pelos grupos de interesse por intermédio dos burocratas.
Esses últimos comporiam uma classe de tecnocratas e por isso trabalhariam
exclusivamente por seus interesses, na busca de status e salários, portanto, haveria
uma facilidade da captura do Estado via burocratas, que se aliariam a grupos de
interesse externos. É essa certa autonomia relativa dos burocratas que induziria ao
favorecimento de um determinado grupo de interesse. Nos anos 90, esses
argumentos foram resgatados e serviram de base para deslegitimar a própria
atuação do funcionário público, equiparando seus direitos aos dos funcionários do
setor privado. Com isso, evidentemente, não se incorre em qualquer tipo de
democratização ou “igualitarização” na forma de tratamento, mas na extração de
uma série de direitos que ainda eram possuídos pelos trabalhadores do setor
público.
Tais argumentos acerca do trabalho do burocrata no período Militar são
descontextualizados na conjuntura das reformas privatizantes dos anos 90. Por isso,
refletir sobre a burocracia no período Militar e simplesmente transferi-la para o
130
contexto de redemocratização é realizar um anacronismo analítico, uma construção
de um modelo pronto de atuação de funcionário público e aplicá-lo numa nova
realidade histórica. Além disso, qual é a suposta autonomia relativa que o
funcionário possuía se este estava submetido a uma Ditadura Militar. Ademais,
no contexto das reformas, a burocracia racionalizada ainda não tinha sequer sido
constituída plenamente no Brasil (SANTOS, 2002). Portanto, o segredo dos
procedimentos e o suposto benefício retirado da posse dessas informações não se
constitui verdadeiro argumento para a efetivação das reformas, baseadas na
desregulamentação e a flexibilização dos procedimentos. Como demonstrado
anteriormente, uma nova cultura de gestão empresarial a ser implementada no
seio estatal a qualquer custo e, para tanto, todos os argumentos e exageros foram
utilizados.
A nova gestão pública implementa a autonomia das agências como preceito
básico na busca da eficiência. Porém, tanto a autonomia decisória do burocrata,
quanto das instituições como as agências reguladoras, não asseguram de forma
alguma menor risco de captura dos recursos estatais pelos grupos de interesse. Se,
como na argumentação de Fernando Henrique Cardoso, numa burocracia “fechada”,
contendo procedimentos rígidos, os grupos de interesse conseguem penetrar na
estrutura estatal, pensemos numa situação em que o funcionário possui autonomia,
onde o administrador tem a flexibilidade de reordenar os procedimentos conforme as
necessidades do mercado?
O que é possível no sistema democrático contemporâneo é a legitimação da
desigualdade social por meio da falsa e apenas formal representação dos diversos
grupos sociais. É sempre a minoria detentora de bens materiais e simbólicos que
tem acesso e faz valer seus interesses junto às instâncias governamentais. Diante
de tal situação, é possível criar uma instituição neutra aos interesses das classes
sociais, como se propõe ser agências reguladoras? Seriam as agências, resultado
do processo de modernização implementado por Fernando Henrique Cardoso,
instituições perpassadas pela neutralidade técnica em suas decisões?
Diante de tantas indagações não devemos perder de vista que a
redemocratização não significou a participação igualitária de todos os brasileiros no
processo político, mas, sobretudo, a legitimação de grupos de interesse com forças
políticas e econômicas, via instâncias burocráticas e administrativas como é o caso
131
das audiências e consultas públicas realizadas pelas agências reguladoras. Para
aprofundar essas discussões, adentraremos nos processos específicos de consulta
e audiência pública, no interior da prática administrativa das agências, analisando
quem são os grupos e classes sociais participantes desses processos e como as
políticas propiciadoras da competitividade orientam esses mecanismos de
participação.
3.5 Audiências e Consultas Públicas: aspectos conceituais e limites
democráticos
As audiências e consultas públicas constituem ferramentas do processo
administrativo e são utilizadas para propiciar a participação social no contexto
político da democracia.
Decisão estatal que interfira na esfera dos indivíduos e da
coletividade, emitida em processo administrativo em que ao cidadão
não foi dado o direito de participação de colaborar na preparação,
de impugnar, de fiscalizar a vontade administrativa – não se coaduna
com o Estado Democrático de Direito. (FOLGOSI, 2004, p.29).
As agências reguladoras têm por objetivo legitimar o processo democrático
por meio das consultas e audiências públicas. Segundo Jerson Kelman
38
, diretor
geral da ANEEL, “reduzir a assimetria de informações e disseminar a cultura da
regulação são dois mais árduos importantes desafios enfrentados por uma agência
reguladora”. Diante de tal desafio, Kelman afirma que a manutenção do equilíbrio
nas relações entre agentes do setor é essencial no processo regulatório. Para tanto,
as agências possuem meios diferenciados de acesso às resoluções, como por
exemplo, a obrigatoriedade da remessa, pelas distribuidoras, dos contratos de
adesão relativos à prestação de serviços de distribuição de energia elétrica a todos
os consumidores; a ampla divulgação da Resolução da ANEEL n° 456/00, que
estabelece direitos e deveres dos consumidores e das distribuidoras; a central de
tele-atendimento da agência, que esclarece dúvidas dos consumidores e recebe
38
Ver in: Cadernos Temáticos ANEEL: Audiências e Consultas Públicas, disponibilizado em outubro
de 2006.
132
suas reclamações; as reuniões blicas da diretoria transmitidas pela internet; a
própria página da ANEEL na internet e as audiências públicas que a agência realiza.
Apesar da existência dessas diversas ferramentas de acesso às informações
acerca da legislação, andamento de processos e forma de atuação das agências
reguladoras, enfocaremos aqui as audiências e consultas públicas. Primeiro faremos
uma análise mais conceitual, buscando compreender o que é consulta e audiência
pública, sua relação com o processo democrático e a denominada autonomia dessas
agências, tendo em vista a efetiva participação da população no processo decisório
da consulta e audiência pública.
Como explicitamos anteriormente, a consulta e a audiência pública
constituem parte do processo administrativo, prevista na legislação que trata de do
assunto (Lei n° 9784/99). Além disso, a participação no processo de constituição das
normas e regras administrativas também está prevista no artigo 29 da Constituição
Federal e em um amplo conjunto de Leis.
Denominadas também de instrumentos de controle no processo decisório, as
audiências e consultas públicas, regulamentadas pela lei 9.784/99, se diferenciam
em decorrência da forma de intervenção dos participantes, sendo a consulta pública
realizada mediante petições escritas, que serão juntadas aos autos, e audiência
pública em seções públicas, por debates orais entre os interessados (FOLGOSI,
2004). Mais especificamente, a audiência pública pode ser definida como:
Um instituto de participação administrativa aberta a indivíduos e a
grupos sociais determinados visando à legitimação administrativa
formalmente disciplinada em lei, pela qual se exerce o direito de
expor tendências, preferências e opções que possam conduzir o
Poder Público a uma decisão de maior aceitação consensual.
(MOREIRA NETO apud EVANNA, 2002).
A fiscalização e o controle das políticas públicas são elementos intrínsecos ao
processo de participação na consulta e audiência pública. Essa participação na
constituição de resoluções das políticas relativas às funções das agências
reguladoras insere-se no contexto de consolidação da normatização do processo
administrativo dessas instituições e na conjuntura da democracia política. Segundo
Folgosi,
133
Essa participação popular, de certa forma, supre o déficit
democrático co-natural a todas as agências reguladoras que, além
de amplos poderes normativos, têm os seus dirigentes resguardados
da livre exoneração pelos titulares de poder político
democraticamente eleitos. O controle social remediará o déficit de
representação e legitimidade política das agências, que subtraíram
(por lei) a função regulatória do centro do poder político. (FOLGOSI,
2004, p. 35).
Refletindo acerca das possibilidades de participação no processo político
democrático e a contribuição para a institucionalização de normas formadas a partir
de um processo competitivo de interesses privados consubstanciados na
representatividade, podemos indagar quais as efetivas condições de participação
nesse processo, que as agências reguladoras dividem os participantes destas
audiências em duas categorias específicas, entre consumidores e representantes da
empresa concessionária X ou Y. Podemos notar que a empresa é caracterizada,
mas o consumidor é um ser genérico, vislumbrado como parte do mercado daquele
setor, por isso não necessita de identidade, como profissão, renda e escolaridade,
dados fundamentais para se identificar o nível sócio-econômico dos participantes e
expositores no processo da audiência pública. Frente a esse quadro, podemos
afirmar que a ausência de qualificação do consumidor está intimamente relacionada
com a sua homogeneização, tratados especificamente nesta condição como iguais,
sem diferenças sociais.
O contexto político e econômico no qual as agências reguladoras emergiram
e todo o arcabouço cultural que as acompanha nos faz indagar se a audiência e a
consulta pública também não são fundamentadas pela proposição da competição,
em que somente os indivíduos mais bem preparados e mais escolarizados é que
conseguirão efetivamente participar das consultas e audiências públicas. Como bem
definido pela diretoria da ANEEL
39
e por Evanna Soares
(2002),
A participação na audiência pública pode se dar de forma direta ou
indireta. No segundo, quem participa é a associação legalmente
reconhecida, tais “associações, fundações sociedades civis, enfim
toda e qualquer entidade representativa, cuja participação possa
atender aos interesses daqueles que se fazem por ela representar.
(SOARES, 2002).
39
De acordo com definição de caderno temático, realizado pela ANEEL: A audiência visa, por um
lado, ao interesse público para que não se produzam atos ilegítimos e, por outro, ao interesse dos
particulares para poder influenciar com seus argumentos a tomada de decisão importante, p.08, 2006.
134
A audiência e a consulta blica, compondo mais uma forma de
representação dos grupos sociais, institucionaliza ainda mais a desigualdade social
entre as diferentes classes, não somente tratando todos iguais juridicamente,
ignorando as desigualdades sócio-econômicas, mas fazendo políticas por meio de
interesses focalizados (VIANNA, 1997). A tendência das políticas públicas pautadas
na competição e em demandas focalizadas por investimentos de recursos públicos
adquire uma lógica de balcão”, onde os interessados se organizam em grandes
redes, lobbies, associações, ONGS e pressionam por disponibilização de recursos
públicos. O designado Estado de Bem-estar social, das políticas universais, da
responsabilidade coletiva se esvai junto ao “poder de barganha” daqueles que
historicamente representam a balança, o contrapeso da exploração do sistema
capitalista, os trabalhadores. Participar, nesse novo contexto político, é apenas uma
forma de compor o mercado. As audiências e consultas públicas exprimem a
cristalização desse modus operandi almejado pela estrutura estatal liberal, na qual o
conteúdo da cidadania é nitidamente pautado nas possibilidades de consumo dos
agentes. Elas irrompem também como espaços de experimentação da cidadania
reduzida a uma espécie de “clientelismo vulgar” entre vendedores e consumidores.
Não é gratuito que a intenção das reformas seja reconfigurar culturalmente as
relações sociais, buscando impor o cidadão-cliente como público das políticas
estatais.
Conforme o encaminhamento das políticas públicas na conjuntura
competitiva, podemos designar a democracia como forma, procedimento
40
e a
competição como essência cultural do Estado neoliberal. Neste sentido, a
transparência e a publicidade das informações é condição sine qua non para a
“sobrevivência” do sistema de políticas focalizadas. E para completar, a
disseminação da idéia de que uma horizontalidade entre administrador e
administrados pode ser vista na propagação de que somos parceiros da
Administração Pública, assim como os trabalhadores são designados colaboradores
pelos (neo)liberais. Conforme Evanna Soares,
40
A redução do Estado e da democracia à categoria de procedimento, que perdura e progride desde
a Primeira Guerra Mundial, permeou de tal forma as ciências Sociais liberais, que não somente a
lacuna cognitiva aqui salientada a questão de conteúdos e resultados do procedimento deixa de
ser percebida, como as tentativas científicas de fechar essa lacuna são recebidas pelos especialistas
com uma ignorância oficiosa” (OFFE, 1984, p.11).
135
A realização de audiências públicas está intimamente ligada às
práticas democráticas. Ela representa juntamente a consulta popular,
a democratização das relações do Estado para com o cidadão, aqui
considerado não mais o administrado – conforme expressão criticada
por Cassesse, em desuso porque traduz a idéia de sujeição mas
sim um parceiro da Administração pública, concretizando a
participação popular externa na Administração Pública. (SOARES,
2002).
A noção de parceria entre administrador e administrado visa sugerir que
uma relação de igualdade entre consumidor, empresa concessionária e agência
reguladora, o que não é verdade, pois o objetivo maior das empresas
concessionárias é o lucro e não a busca do interesse coletivo, como ressaltado no
parágrafo da lei 8.987/95. Neste sentido, as agências buscam legitimar a
condição do cidadão-cliente, contida no Plano Diretor de Reformas do Aparelho do
Estado.
A uniformização da população em clientes dos serviços públicos
essenciais tem nas agências reguladoras instituições que normatizam as relações
entre esse cliente e as empresas concessionárias. Tais normatizações, como as
consultas e audiências blicas, não diferenciam as condições estruturais na qual
cada indivíduo participa desses processos, se enquanto detentor ou não de um
conhecimento específico que contribuirá na qualidade dessa participação. A consulta
e a audiência pública, apesar de serem instrumentos de participação política ditos
democráticos, são práticas extremamente específicas, que demandam
conhecimentos aprofundados de direito administrativo. Diante disso, é relevante
indagar: quais grupos sociais que realmente participam do processo de consulta e
audiência pública, que não constitui simplesmente um ato isolado, como nos afirmou
Soares (2002), mas exige o mínimo de conhecimento do processo como um todo. O
próprio diretor-geral da ANEEL, Jerson Kelman, assume que,
Ferramentas como audiências e consultas públicas adquirem
elevada importância, pois se constituem em mecanismos
institucionais de garantia do livre e amplo acesso à discussão de
assuntos com elevada complexidade, sobretudo na área técnica.
Tornar efetiva a participação dos interessados nos processos de
audiências e consultas públicas não é tarefa das mais simples.
(grifos meu, ANEEL, 2004, p.06).
136
Discutir os limites das consultas e audiências públicas realizadas pelas
agências reguladoras implica também em reconhecer os limites da democracia, que
quando em moldes liberais, tem uma característica exaltada, o individualismo, que
passa a se configurar como o preceito cultural normatizador das relações
contemporâneas. Assim, à medida que os laços sociais se enfraquecem e as
relações de mercado predominam na vida cotidiana, é contraditório e hipócrita que
se fomente consultas e audiência públicas, visando a participação.
Os agentes neoliberais e as estruturas estatais desenvolvidas por suas
reformas impuseram um profundo desmonte do setor público no que se refere à
disponibilização de serviços sociais. O legado neoliberal confluiu numa profunda
dissolução não apenas das instâncias formais, das empresas estatais e dos serviços
públicos universais, mas na imposição de um paradigma societário que repele
qualquer pretensão de se construir sociabilidades coletivas e solidárias. As agências
do Estado neoliberal vêem no mercado a referência e o fim de qualquer ação
pública. Muitas vezes, diversos movimentos sociais pretensamente progressistas,
com poder relativo de pressão nas instâncias públicas, também se harmonizam e
mesmo expressam tais condições ao reduzirem as mobilizações sociais a formas de
garantir a participação dos seus membros no consumo, como bem expressam as tão
“populares” políticas focalizadas e fragmentadas. Talvez o individualismo seja o
conteúdo político e econômico de uma era social sem conteúdo.
137
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em nossas análises acerca do processo de criação e institucionalização das
agências reguladoras brasileiras tivemos a preocupação de inseri-las num amplo
processo histórico de transformações da estrutura administrativa estatal, para que
fosse possível mostrar com maior clareza o que elas representam, na medida em
que são instâncias resultantes do processo de reformas dos anos 90. As
transformações da estrutura administrativa estatal estão intimamente ligadas às
reestruturações produtivas realizadas em âmbito global. Neste quesito, as agências
se estabeleceram como parte integrante da nova forma do Estado em sua
aproximação aos princípios de gestão privada, ao passo que o Estado de direitos e
garantias sociais fundamentais conflui para o Estado de direitos exclusivos do
consumidor. Neste quadro, as agências reguladoras são aperfeiçoadas no sentido
de atender os direitos do cidadão-cliente.
Essa “marcha” ao liberalismo, no entanto, não conduziu o Estado à
minimização de ações, mas ao aumento da coordenação e proteção ao capital
nacional e internacional. As empresas internacionalizadas e o capital financeiro
constituíram e ainda constituem os Estados nacionais como suas bases de
sobrevivência, por isso, o denominado processo de "globalização" foi acompanhado
pelo processo político de reestruturação estatal nas mais variadas partes do mundo.
Frente a essas discussões, buscamos historicizar a mundialização do capital,
reconstruindo seus fundamentos e delineando as principais mudanças no pós
Segunda-Guerra Mundial, quando num curto período histórico alguns Estados
vivenciaram a chamada era de ouro, para num segundo momento presenciarem a
crise do capital, vivida sob a derrocada da hegemonia dos Estados Unidos, com a
entrada no âmbito internacional de novos países competidores e,
conseqüentemente, novas regras que dificultaram o desenvolvimento nacional,
impulsionando os países mais pobres a se adaptarem às distintas normas da
competitividade internacional. Isso se deu reforçando a abertura da economia e
aprofundando a desregulamentação em prol das grandes companhias
internacionais. Junto a essa abertura e mudanças das regras, não os Estados
nacionais passaram por mudanças institucionais, mas a própria forma de produzir e
138
comercializar se transmutou. A flexibilização, uma das principais características da
Nova Administração Pública, também figura como um dos preceitos centrais da
administração privada. Competir implica em fazer mais com menos, descobrir novas
formas de produzir, diminuindo custos, seja pagando menos impostos, ou
terceirizando a contratação de funcionários. Não é gratuito que nos anos 90 ganhe
tanta importância no interior das políticas públicas os conceitos gerenciais de
eficiência, efetividade e eficácia.
A retirada de diversos direitos trabalhistas e de serviços públicos essenciais
conflui na reestruturação tanto da administração empresarial, quanto estatal, visando
manter as taxas de lucro e expansão das grandes corporações. Neste contexto de
reelaboração das regras do mercado, também se deu a reorientação do aparato
estatal.
As agências reguladoras conformam esses aspectos de mudanças. Como
vimos, sua “missão” é manter o equilíbrio dos agentes de mercado, correspondente
ao setor em que cada uma atua. Primar pela eficiência e pela saúde do mercado
correspondem aos objetivos máximos destas agências, logo, podemos concluir que
são apenas extensões do mercado frente a condição de cliente do cidadão.
Com ênfase no objetivo de coordenação do “mercado de serviços públicos
essenciais”, é obrigação das agências reguladoras manter esses diversos setores
informados sobre qualquer mudança no cenário político e econômico, nacional ou
internacional, pois diante de qualquer deslize dessas instituições, as empresas
concessionárias podem acusar o Estado de não cumprir corretamente sua missão e
ter influenciado negativamente nos ganhos dessas empresas.
Entende-se que para essas agências exercerem corretamente seu papel de
gestoras das empresas concessionárias, elas devem ter independência
administrativa e financeira em relação ao Poder Executivo, que deve permanecer
afastado das suas decisões. No entanto, sempre que tais instituições se encontram
em dificuldades, com problemas graves, como por exemplo, a possibilidade de falta
de energia elétrica, qualidade de serviços, como visto com a denominada crise
aérea”, quem responde pelos erros é sempre o Poder Executivo. Diante disso,
podemos concluir que os louros e os lucros ficam sempre com as concessionárias e
privatizadas, mas os prejuízos e a responsabilidade sempre com o Poder Executivo,
sendo tais prejuízos coletivizados.
139
De acordo com a argumentação em prol da privatização, havia uma
necessidade do Estado deixar de oferecer diretamente os serviços públicos,
desonerando-se de sua execução, ao passo que poderia melhor coordenar a política
de desenvolvimento do País. Por outro lado, a execução desses serviços seria
responsabilidade de empresas competitivas, motivo pelo qual tais serviços atingiram
excelência no atendimento aos consumidores. Contudo, o que notamos atualmente
é que quando a concorrência das empresas não conduz necessariamente à garantia
e qualidade dos serviços, o Estado, representado pelo Executivo, é resgatado
ideologicamente como responsável.
As agências reguladoras, na medida em que são extensões dos interesses
privados, com administração autônoma e princípios do mercado, se transformam em
uma estrutura paradoxal ao desenvolvimento do País, pois como demonstrado
durante a “crise aérea”, as políticas são elaboradas de acordo com as necessidades
do empresariado e não em favor do desenvolvimento a longo prazo.
Ao que parece o Brasil concilia o pior do atraso com o pior da modernidade.
As agências reguladoras importam as táticas de radicalização do liberalismo para o
país por meio de elites que não titubeiam em dilapidar o patrimônio público quando a
propalada concorrência não gera os dividendos esperados. A nova estrutura estatal
representada pelo modelo de agências implica numa reformulação, numa
readequação e numa adaptação do país aos novos tempos do capital, sustentando-
se, porém, no que temos de mais histórico e antigo, isto é, na condição de
subordinação e submissão aos centros capitalistas e suas empresas mundiais.
Diante desse quadro, cabe indagar o que resta às classes trabalhadoras,
inseridas num mundo competitivo e flexível, quando não possuem capital para num
dia investir em ações das bolsas asiáticas e no outro numa rede de lojas. Quando
não se é capitalista, a questão é ter ou não trabalho, pois no Estado gerencial a
participação do cidadão é reduzida à condição de cliente. Para tanto, é
indispensável a posse de recursos. Caso contrário, os sujeitos se encontrarão diante
da única condição social concebida pelo neoliberalismo, isto é, a de indivíduos
isolados e inúteis.
Nossa análise, com foco no processo de reformas do Estado nos anos 90,
caracterizando o processo de privatização e o sentido político das agências
reguladoras, rendeu não apenas uma avaliação do processo político e econômico,
140
mas desmistificou o neoliberalismo enquanto Estado mínimo. O “tamanho do
Estado neoliberal é variável conforme seu campo de atuação: amplo no que se
refere à promoção e proteção do capital e mínimo no campo dos direitos sociais. No
contexto do neoliberalismo, o Estado é reconfigurado à luz da intensificação da
competitividade do capital internacional e da concentração desse capital em poucas
corporações. Por isso, a necessidade de fomento do capital financeiro e do incentivo
às grandes empresas multinacionais, mas profundamente enraizadas nos Estados
nacionais, que, em última instância se responsabilizam, por meio de instituições
como as agências reguladoras, em manter a saúde do sistema.
141
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