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Quanto ao tratamento da harmonia por Gnattali, Cavalcante (2002) nota que:
(...) prevalece as intenções de um trabalho modal e os contrastes entre
as seções, no confronto dos respectivos tratamentos temáticos;
predominância de um centro tonal com uso de: inflexões nos modos
maior e menor, mistura modal, algumas obstruções da tonalidade,
movimento harmônico rápido, cromatismo mais diluído e um sentido
improvisativo.
Em termos de harmonia, podem ser detectados no primeiro movimento inúmeros
elementos de tonalismo “centrado” na nota Dó, embora a obra não soe
enfaticamente como tal. O movimento termina em Dó Maior: isso é importante.
Vários pontos de apoio da melodia são notas da escala de dó, notas importantes
como sol, mi, a sensível si (especialmente pontos de apoio rítmico/melódico, como
notas ligeiramente mais longas que as demais ao redor, ou os pontos culminantes
graves e agudos de uma determinada frase). Essas notas importantes vêm
rodeadas de notas "estranhas", alteradas, mas sem perder o foco. E tem diversos
acordes próprios do campo de Dó M, tipo F, Am7, G7/13/9, etc. Pode-se afirmar
que o primeiro tema está mais para dó; o segundo tema e as seções lentas de
"desenvolvimento" são mais cromáticas ou em "tons" afastados.
Há de se assinalar que Gnatalli, com suas “intenções de um trabalho modal”, ou,
diríamos, fazendo uso do modalismo livre, adota um procedimento que é sua
marca na música erudita, conforme assinala PAZ:
Diferentemente da música folclórica, em que os modos se mostram na
maioria das vezes claros e nítidos, na simplicidade de seus tipos
primários, através de melodias às vezes bem simples, na música dita
erudita, de uma maneira geral, eles se apresentam muitas vezes
obscurecidos por melodias construídas através de técnicas
composicionais complexas e sofisticadas. Às vezes, dentro de uma
mesma canção, um determinado grau oscila. Outras vezes é a tônica que
não se define bem e o centro de atração do modo parece ser ora uma
nota da escala, ora outra. (...) os modos são tratados de forma muito livre,
sendo freqüentemente alterados e modificados na sua estrutura (...)
Assim as escalas modais ficam subordinadas à criatividade do
compositor e ao tratamento composicional dado ao material (...) (PAZ
2002)