Download PDF
ads:
Paulo Henrique Campos
O IMPACTO DA TÉCNICA ALEXANDER NA PRÁTICA DO
CANTO: Um estudo qualitativo sobre as percepções de
cantores com experiência nessa interação
Escola de Música
Universidade Federal de Minas Gerais
Março 2007
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
Paulo Henrique Campos
O IMPACTO DA TÉCNICA ALEXANDER NA PRÁTICA DO
CANTO: Um estudo qualitativo sobre as percepções de
cantores com experiência nessa interação
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação da Escola de Música da Universidade
Federal de Minas Gerais, como requisito parcial para
a obtenção do título de Mestre em Música.
Linha de Pesquisa: Educação Musical
Orientador: Profa. Dra. Patrícia Furst Santiago
Universidade Federal de Minas Gerais
Escola de Música
Universidade Federal de Minas Gerais
Março 2007
ads:
C198i Campos, Paulo Henrique
O impacto da Técnica Alexander na prática do
canto: um estudo qualitativo sobre as
percepções
de cantores com a experiência nessa interação /
Paulo Henrique Campos. --2007.
161 fls. : il.
Dissertação (mestrado ) – Universidade Federal de
Minas Gerais, Escola de Música
Orientadora: Profa. Dra. Patrícia Furst Santiago
1. Técnica Alexander. 2. Pedagogia do canto
3. Canto – Estudo e ensino. I. Título. II.
AGRADECIMENTOS
À Patrícia Furst Santiago, minha estimada orientadora, que através de sua grande
competência, compreensão, envolvimento e paciência, iluminou meus caminhos
nessa trajetória.
À Banca Examinadora, professores Ângelo Nonato, Edson Queiroz, Fausto Borém e
em especial à Heloísa Feixas que, já na qualificação, deu grandes contribuições a
este estudo.
Aos meus pais que sempre foram exemplo e referência para mim, além de me
apoiarem e incentivarem em todas as minhas iniciativas.
Aos queridíssimos amigos Maestro Márcio Miranda (que me apresentou ao estudo
musical), Profa. Eneida Gonçalves (minha amada professora de canto em toda a
graduação), Profa. Marilene Gangana e Prof. Geraldo Chagas (in memoriam) e a
todos os colegas do GEO – Grupo Experimental de Ópera, que constituíram um
grupo fundamental em minha formação como músico, cantor e pessoa.
A todos os amigos e aos grandes amigos Moisés, Silvan, Vladimir, Eymar (in
memoriam) e em especial à Daniela Miranda, que me presenteou com o primeiro
livro da Técnica Alexander iniciando assim meu interesse pelo tema, aos quais peço
desculpas pelos períodos de ausência.
À Neusa pelo amor, paciência, compreensão e companheirismo nesses tempos tão
difíceis.
Aos meus alunos e coralistas que, sem perceber, mais me ensinam do que eu a
eles.
A todos os meus colegas do Coral Lírico de Minas Gerais, UEMG, ex-colegas da
UFOP, UNINCOR e UNI-BH, que sempre me apoiaram, incentivaram e torceram
pelo sucesso desse projeto.
A todos os professores, funcionários e colegas do mestrado na UFMG.
À Raquel Pires Cavalcante minha primeira e querida professora e a Ilan Sebastian
meu atual professor da Técnica Alexander.
À Áurea Starling e Linda Ganzla que graciosamente contribuíram de maneira
fundamental na elaboração desse projeto de pesquisa.
A Roberto Reveilleau presidente da ABTA que forneceu o contato com cantores
praticantes da Técnica Alexander, à Valéria Campos e Rogério Correa que me
receberam tão gentilmente no Rio de Janeiro.
Aos entrevistados Izabel Padovani, Gabriela Geluda, Reinaldo Renzo, Sônia Dumont
e Walter Weiszflog que, com tanta hospitalidade, me acolheram e tanto contribuíram
para a compreensão deste tema.
RESUMO
Este estudo investiga os possíveis benefícios da Técnica Alexander no
desenvolvimento do cantor. A revisão de literatura adotada inclui a descrição
anatomofisiológica dos órgãos e mecanismos do aparelho fonador, assim como os
princípios e fundamentação teórica da Técnica Alexander e suas relações com o
canto. Com o objetivo de obter informação sobre as interfaces entre as duas áreas,
foram conduzidas entrevistas semi-estruturadas com cinco cantores praticantes da
Técnica Alexander. Os dados obtidos nestas entrevistas foram analisados segundo
categorias estabelecidas através da revisão de literatura, que forneceu parâmetros
relativos a ambas as áreas - canto e Técnica Alexander. Os resultados encontrados
na análise nos permitiram sugerir que a Técnica Alexander pode ter papel
fundamental em uma nova e mais saudável relação do cantor e do aluno de canto
com seu instrumento vocal, em diversos níveis: respiração, apoio da voz, qualidade,
projeção e colocação vocal e produção vocal ao nível da laringe. A Técnica
Alexander proporciona a superação de muitos problemas e limitações gerados pelo
mau uso do organismo, adotado inconscientemente pelo próprio cantor. Percebemos
ainda que, além de todos os aspectos técnicos relativos à prática vocal, outros
pontos como ansiedade, tensão, esforço, bem como a expressividade no canto
também foram elevadas a uma mais saudável e eficaz conduta do cantor a partir da
prática da Técnica Alexander.
ABSTRACT
This study investigates the potential benefits of the Alexander Technique for the
development of singers. The study adopts a literature review which includes an
anatomic-physiological description of the organs and mechanisms that form the vocal
equipment, as well as the principles and theoretical foundations of the Alexander
Technique and its connection with singing. To obtain information about the
connections between the Alexander Technique and singing, semi-structures
interviews were conducted with five singers, who also are Alexander practitioners.
The data provided by them were analyzed according to the categories established in
the literature review, which provided the parameters related to both areas – singing
and the Alexander Technique. The analysis results allow us to suggest that the
Alexander Technique may have a fundamental role in the establishment of a new
and healthier relation of the singer with his or her vocal equipment in diverse levels:
breathing, vocal support, vocal quality and vocal projection, anxiety, tension, effort
and expressivity. The Alexander Technique makes it possible for singers to
overcome their vocal problems and limitations, generated by the bad use of the
organism which may be unconsciously adopted by singers. In this way, the Alexander
Technique may improve the vocal functioning of singers and provide to them a better
quality of life.
i
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1.1 – Músculos do tronco ...........................................................................10
FIGURA 1.2 – Evolução da cavidade abdominal em direção à forma esférica
devido à contração diafragmática .....................................................13
FIGURA 1.3 – Cartilagens da laringe ......................................................................18
FIGURA 1.4 – Músculos intrínsecos da laringe .......................................................20
FIGURA 1.5 – Músculos extrínsecos da laringe ......................................................21
FIGURA 1.6 – Esquema das ações dos músculos extrínsecos da laringe ..............22
FIGURA 1.7 – Extensão vocal e principais registros de acordo com o sexo e
o tipo vocal ........................................................................................25
FIGURA 1.8 – Movimento de Báscula da laringe ....................................................27
FIGURA 1.9 – Região do trato vocal onde acontecem os formantes segundo
Dinville ..............................................................................................30
FIGURA 1.10 – Bocal da laringe - Vista posterior da laringe dentro da faringe.......31
FIGURA 1.11 – Trato vocal representado como um tubo de área transversal
uniforme ............................................................................................32
FIGURA 1.12 – Faringe, cavidade oral e cavidade nasal ........................................34
FIGURA 1.13 – Posicionamento do palato na oralização e nasalização da
voz ....................................................................................................35
FIGURA 1.14 – Língua .............................................................................................36
FIGURA 1.15 – Língua e laringe ..............................................................................38
FIGURA 1.16 – Esforços velo-faríngeos e articulatórios ao empurrar a voz
para a frente .....................................................................................40
FIGURA 1.17 – Músculos do pescoço e extrínsecos da laringe .............................44
FIGURA 1.18 – Modelo de produção da fala ...........................................................47
FIGURA 2.1 – (a) Cabeça inclinada para trás, comparada com o colapso do
pulso. (b) Posição equilibrada do pescoço e cabeça,
comparada com a posição relaxada do pulso ..................................58
FIGURA 2.2 – Exemplo de direção ..........................................................................65
ii
FIGURA 2.3 – Procedimento de orientação para a posição de vantagem
mecânica ...........................................................................................75
FIGURA 2.4 – A organização corporal comandada pela posição da cabeça ..........78
FIGURA 2.5 – Músculo estilo-hióideo ligando o processo estilóide ao osso
hióide .................................................................................................86
iii
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1.1 - Classificação dos músculos respiratórios segundo ZEMLIN,
HUCHE E SOUCHARD ....................................................................09
QUADRO 1.2 - Relação volume máximo de ar versus Demanda durante o
canto .................................................................................................15
QUADRO 1.3 - Classificação dos músculos intrínsecos da laringe segundo
Huche ................................................................................................19
QUADRO 1.4 - Classificação dos músculos intrínsecos da laringe segundo
Zemlin ...............................................................................................19
iv
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .........................................................................................................01
CAPITULO 1 - A PRODUÇÃO VOCAL E O CANTO ..............................................06
Introdução ............................................................................................................06
1.1 Respiração e sopro fonatório ......................................................................08
1.2 Laringe e geração do som ...........................................................................16
1.2.1 Função Biológica ................................................................................16
1.2.2 Função Fonatória ................................................................................22
1.2.3 Mecanismos de Produção da Voz ......................................................23
1.2.4 Registros vocais ..................................................................................24
1.2.5 Posição da Laringe .............................................................................27
1.3 Cavidades de ressonância e órgãos articulatórios: a modificação do
som...............................................................................................................28
1.3.1 Harmônicos e a Teoria dos Formantes ..............................................28
1.3.2 Estrutura do sistema de ressonância .................................................31
1.3.3 Faringe e Véu Palatino .......................................................................33
1.3.4 Língua, Mandíbula e Lábios ................................................................35
1.3.5 Adaptabilidade do Trato Vocal.............................................................37
1.3.6 Laringe como Reguladora da Extensão do Tubo Ressonantal...........37
1.4 Postura corporal ...........................................................................................41
1.5 Tônus muscular ............................................................................................42
1.6 Coordenação motora....................................................................................45
1.7 Os sentidos, a propriocepção e a consciência cinestésica ........................47
1.7.1 Os Sentidos ........................................................................................48
1.7.2 Os Receptores Cinestésicos e os Proprioceptores Inconscientes......51
v
CAPÍTULO 2 - TÉCNICA ALEXANDER ..................................................................55
Introdução ............................................................................................................55
2.1 Histórico da Técnica Alexander ..................................................................57
2.2 Princípios da cnica Alexander .................................................................60
2.2.1 Uso e Funcionamento .........................................................................60
2.2.2 Inibição ................................................................................................61
2.2.3 Controle Primordial .............................................................................63
2.2.4 Direção Consciente .............................................................................65
2.2.5 Apreciação Sensorial ..........................................................................67
2.2.6 Fins e meios ........................................................................................69
2.3 Fundamentação científica da Técnica Alexander .......................................71
2.3.1 Nikolaas Tinbergen e Rudolf Magnus ................................................72
2.3.2 George E. Coghill ...............................................................................73
2.3.3 Frank Pierce Jones .............................................................................76
2.4 A Técnica Alexander e o canto ...................................................................81
INTERLÚDIO - METODOLOGIA DE PESQUISA ....................................................92
1 Técnica de coleta de dados ........................................................................93
2 Sujeitos da pesquisa ...................................................................................95
3 Análise de dados .........................................................................................96
CAPÍTULO 3 - PERCEPÇÃO DOS CANTORES SOBRE O IMPACTO DA
TÉCNICA ALEXANDER NA PRÁTICA VOCAL ..............................................100
3.1 Respiração ................................................................................................101
3.2 Esforço e tensão ........................................................................................107
3.3 Passagens e extensão ..............................................................................118
3.4 Timbre ........................................................................................................123
3.5 Afinação .....................................................................................................124
3.6 Coordenação do organismo como um todo ..............................................125
vi
3.7 Ansiedade e medo na situação de performance ......................................133
3.8 Discussão ..................................................................................................138
CONCLUSÃO .........................................................................................................143
REFERÊNCIAS ......................................................................................................148
ANEXOS..................................................................................................................154
A - Roteiro da entrevista .....................................................................................155
B – Termos de consentimento enviados pelos entrevistados............................156
1
INTRODUÇÃO
A atuação contínua como cantor no Coral Lírico de Minas Gerais desde 1995, como
regente de corais amadores desde 1996 e como professor de canto na Universidade
do Estado de Minas Gerais (UEMG) desde 2002, possibilitou-me vivenciar e
observar um expressivo índice de ocorrência de diversos problemas vocais, além de
um baixo nível de auto-percepção dos cantores, no que se refere ao uso do seu
instrumento. Observei também que, em grande parte, o cantor se dá conta da
existência de certos mecanismos apenas quando estes se manifestam por meio da
dor, excesso de tensão ou falha no funcionamento vocal percebidos através de
rouquidão, quebras de notas, falta de fôlego, etc. O fato da prática da Técnica
Alexander ter trazido aprimoramento do meu próprio uso do corpo, proporcionando
benefícios ao meu funcionamento, elevando o nível de auto-percepção e
melhorando a realização das atividades corporais em geral, gerou meu interesse em
investigar qual poderia ser a sua contribuição para o desenvolvimento do cantor.
A Técnica Alexander faz parte do currículo de escolas de música na Inglaterra,
desde o princípio do século XX. Também foi inserida na Julliard School, nos EUA a
partir de 1968 e, nos anos 70, foi incorporada nos currículos de outras importantes
escolas americanas (HEAD, 1996, p. 4). Nas instituições brasileiras, no entanto, a
Técnica Alexander é pouco conhecida, estando ausente em quase todos os
currículos de cursos de graduação em música. Podemos citar a proposta de sua
inserção formal no curso de graduação em canto da UNIRIO, relatada por VIDAL
(2000), assim como a pesquisa em andamento conduzida por Santiago na Escola de
Música da UFMG, que envolve a prática da Técnica Alexander junto aos
2
alunos de Graduação e Pós-Graduação em Música na UFMG
1
. Mas essas iniciativas
ainda são isoladas.
A motivação deste estudo nasceu através da constatação de que, no universo da
prática vocal brasileira, há um quase total desconhecimento sobre a Técnica
Alexander, apesar de existirem trabalhos enfocando a importância de sua prática na
formação do cantor (VIDAL, 2000; CAMPOS, 2003). Levantamos a hipótese de que
a Técnica Alexander possibilita uma grande melhora na auto-percepção, na
distribuição do tônus muscular, ajuda a melhorar o uso corporal, a coordenação, o
controle e favorece a liberdade de movimentos; assim sendo, ela poderá ajudar na
solução dos problemas causados pelo mau uso dos alunos, professores de canto e
dos cantores. A investigação de tal hipótese, nesta pesquisa, nos possibilitará
responder às seguintes perguntas elaboradas, como linha de conduta: (1) Quais são
os possíveis benefícios da Técnica Alexander no desenvolvimento do cantor? (2) Os
cantores, praticantes da Técnica Alexander, percebem mudanças na sua atuação
como cantor? Ao responder estas perguntas, o estudo busca ampliar a compreensão
de fatores que dificultam o desenvolvimento das atividades do cantor; desvendar os
possíveis benefícios da Técnica Alexander para o cantor; verificar se cantores,
praticantes da Técnica Alexander, adquirem maior domínio de seu instrumento e;
verificar se a Técnica Alexander os ajudou a superar dificuldades relativas ao ato de
cantar. Assim, este estudo pretende contribuir para desvendar as barreiras que
impedem o cantor de realizar completamente seu potencial de uso vocal e atuação
artística, no que se refere ao uso de si mesmo, bem como os possíveis benefícios da
Técnica Alexander para o desenvolvimento do cantor.
1
Pesquisa denominada “O Impacto da Técnica Alexander na Performance Instrumental”, conduzida
por Patrícia Furst Santiago, professora visitante na Escola de Música da UFMG - CAPES/PRODOC.
3
Para a elaboração de uma fundamentação teórica, foi realizada uma revisão
bibliográfica que incluiu: (1) anatomia e fisiologia da voz e da respiração, canto, e
técnica vocal (BEHLAU, 1995; DINVILLE, 1993; HUCHE, 1999; SOUCHAR, 1889;
ZEMLIN, 2000) e; (2) Técnica Alexander (ALEXANDER, 1910; 1923; 1941; 1992;
1993; 1995; ALCANTARA, 1997; CARRINGTON, 1994; GELB, 1991; 1987; HEAD,
1996; JONES, 1993; 1997; LEWIS, 1980; LLOYD, 1986; MAGNUS, 1992;
SANTIAGO, 2000; 2004; 2005; 2006; TINBERGEN, 1973; COGHILL, 1993). Através
desta revisão bibliográfica, pudemos obter uma importante contextualização de
como a produção vocal necessita de mecanismos musculares e articulatórios,
requisitando a atividade e coordenação de vários órgãos e sistemas do corpo
humano. Realizamos uma descrição desses órgãos e sistemas nos aspectos
relevantes à produção da voz e da fala: sistema respiratório, elementos do sistema
digestivo, coordenação motora, sentidos e propriocepção
2
. Compreendemos melhor
como esses mecanismos atuam em várias situações exigidas na prática do canto e
compreendemos também como a Técnica Alexander favorece o bom funcionamento
do organismo, suas concepções teóricas, sua fundamentação, seus procedimentos,
e sua inter-relação com a prática vocal.
Conduzimos entrevistas semi-estruturadas com cinco cantores que também são
professores da Técnica Alexander, visando acessar sua percepção sobre a relação
entre a prática vocal e a prática da Técnica Alexander. Os entrevistados foram
identificados a partir de contatos feitos com a Associação Brasileira da Técnica
2
Neste estudo, utilizamos o conceito de propriocepção definido por Zemlin (2000): Propriocepção é a
informação recebida pelo cérebro dos receptores proprioceptivos. Segundo Zemlin (2000, p. 345),
“receptores são terminações de nervos sensoriais que respondem a vários tipos de estímulos. Os
proprioceptores fornecem informações sobre a posição do corpo, e o equilíbrio, principalmente
durante a locomoção”.
4
Alexander – ABTA, que nos indicou seis indivíduos. Dentre estes, cinco se
dispuseram a participar da pesquisa, sendo dois deles residentes na cidade do Rio
de Janeiro e outros três na cidade de São Paulo. As entrevistas foram elaboradas e
analisadas através de categorias de análise geradas pelo referencial teórico do
estudo. Dessa forma, a pesquisa obteve dos entrevistados a perspectiva da Técnica
Alexander sobre várias das questões que preocupam os cantores na sua prática.
A dissertação foi organizada em três capítulos, um Interlúdio e uma Conclusão. No
Capítulo 1, apresentamos uma descrição anatomofisiológica dos órgãos
responsáveis pela produção vocal, assim como dos sentidos e sistemas de feedback
cerebral que controlam e regulam sua produção: audição, visão, tato, sentido
cinestésico
3
e feedback proprioceptivo. Este capítulo tem o intuito de revelar os
complexos sistemas envolvidos na realização vocal deixando exposta a matéria com
a qual os cantores trabalham. No Capítulo 2, apresentamos a Técnica Alexander,
começando pelo histórico de seu criador Frederick Matthias Alexander (1869-1955),
para, a seguir, contextualizarmos sua gênese e desenvolvimento. Na seqüência do
capítulo listamos e definimos os princípios operacionais da Técnica Alexander, assim
como as pesquisas científicas que fundamentaram sua prática. Finalmente
apresentamos três estudos acadêmicos que relacionam o canto e seu ensino com a
prática da Técnica Alexander. No Interlúdio, que antecede o terceiro capítulo,
apresentamos a metodologia de pesquisa expondo toda a etapa de construção do
objeto de pesquisa, a escolha da técnica de coleta de dados assim como do método
de análise, a definição dos parâmetros e categorias para o confronto dos dados com
3
“Os receptores cinestésicos são muito importantes, porque nos proporcionam sensações que geram
um reconhecimento consciente da orientação do corpo e de sua posição, assim como dos
movimentos da cabeça do tronco e dos membros” (ZEMLIN, 2000, p. 414).
5
a revisão da literatura. O Capítulo 3 traz a análise dos dados, onde apresentamos a
perspectiva dos cinco entrevistados. Finalmente, temos a Conclusão e um Anexo,
que contém o roteiro da entrevista.
6
CAPÍTULO 1 - A PRODUÇÃO VOCAL E O CANTO
Introdução
A arte do canto e sua pedagogia têm contado com uma diversidade de noções
explicativas dos processos e mecanismos envolvidos na produção vocal. Huche
(1999, p. 29-30) considera muitos desses conhecimentos como uma espécie de
anatomia e fisiologia da voz imaginárias, baseadas nas sensações experimentadas,
que freqüentemente divergem da anatomia e fisiologia objetivas. Para esse autor, se
por um lado não devemos desprezar as sensações, nem o aspecto expressivo e
humano relacionados à voz, por outro lado, alerta sobre várias distorções e
possíveis prejuízos ocasionados por concepções equivocadas sobre os mecanismos
vocais, relacionadas tanto à respiração como à produção do som pela laringe e à
noção de colocação da voz (ibid., p. 30).
Em seu livro A técnica da voz cantada, Dinville (1993) enfatiza o conhecimento da
fisiologia vocal como fator sine qua non
para o professor de canto conduzir o
desenvolvimento vocal do aluno. A utilidade desses conhecimentos está em evitar
“métodos que impõem movimentos e atitudes que não correspondam ao
funcionamento fisiológico dos órgãos vocais e respiratórios” (ibid., p. x). A autora
oferece uma satisfatória visão dos mecanismos da fisiologia vocal que se contrapõe
aos inúmeros equívocos técnicos cometidos e reproduzidos por professores de
canto, dando-nos a oportunidade de identificar muitos mitos e procedimentos
correntes em nosso meio que, na verdade mais prejudicam do que ajudam o aluno
de canto em seu desenvolvimento. O trabalho de Dinville também aponta que outros
7
aspectos fundamentais no desenvolvimento do aluno de canto estão relacionados à
propriocepção, ao sentido cinestésico e a audição. Para a autora, o aluno de canto
deve aprender a perceber quais sensações se relacionam aos mecanismos
desejados, salientando o papel decisivo da percepção e eliminação do excesso de
tensão na saúde do cantor.
Seguindo essa linha de pensamento proposta pelos autores citados acima,
reconhecemos uma grande consistência e adequação em grande parte da
pedagogia vocal. Existem, ao dispor de professores de canto, métodos práticos que
estabelecem exercícios progressivos que contemplam todo o tipo de necessidade de
trabalho vocal. Além disso, há algum consenso em relação a vários conceitos e
parâmetros estéticos exigidos de um cantor lírico: sonoridade, aspectos estilísticos e
expressivos envolvidos na execução, importância da respiração, da ressonância, etc.
Dessa forma, optamos por restringir a abordagem neste trabalho aos aspectos
anatomofisiológicos apontados por Dinville (1993) e Huche (1999) como os de maior
necessidade de atualização e enquadramento em bases científicas, que
acreditamos, contribuirão para melhores processos de avaliação diagnóstica,
planejamento e desenvolvimento da pedagogia vocal.
Assim faremos, neste capítulo, uma descrição sucinta do fenômeno da fonação
através da apresentação dos seus principais sistemas, funções e mecanismos
orgânicos: (1.1) Respiração e sopro fonatório; (1.2) Laringe e geração do som; (1.3)
Cavidades de ressonância, órgãos articulatórios: a modificação do som; (1.4)
Postura corporal; (1.5) Tônus muscular; (1.6) Coordenação motora e; (1.7) Os
sentidos, a propriocepção e a consciência cinestésica. Este capítulo pretende
enfatizar a relação desses sistemas, funções e mecanismos orgânicos com a
8
produção da voz, com as atividades musculares, bem como indicar a importância de
sua coordenação com o organismo humano como um todo.
1.1 Respiração e sopro fonatório
A produção vocal nos seres humanos é possibilitada por um sistema respiratório
pulmonar, equipado com diafragma, pulmões, laringe, vias aéreas superiores e
vários outros músculos além de estruturas ósseas e cartilaginosas. Esse sistema
tem a função principal de garantir a troca de gases entre o corpo e o ambiente.
Em primeiro lugar, apresentaremos e descreveremos os músculos envolvidos na
respiração. Huche (1999), Zemlin (2000), e Souchard (1989), mostram uma grande
convergência em suas descrições: de maneira geral temos, em primeiro lugar, a
distinção entre músculos inspiratórios e expiratórios e, posteriormente, uma
subclassificação dos primeiros em inspiratórios principais e secundários (QUADRO
1.1). Além de diferenças na terminologia, Zemlin não explicita a divisão dos
músculos inspiratórios em duas categorias distintas.
9
QUADRO 1.1
Classificação dos músculos respiratórios segundo ZEMLIN, HUCHE E SOUCHARD
Músculos Inspiradores Músculos
Expiradores
Zemlin
Músculos do tórax: diafragma, intercostais,
transversos do tórax, levantadores das
costelas, serráteis posteriores.
Músculos do pescoço:
esternocleidomastóideos, escalenos.
Músculos do tronco, dos membros
superiores e do dorso, profundos do dorso,
da parede torácica e do ombro.
Musculatura
abdominal:
músculos ântero
laterais do
abdômen,
posteriores do
abdômen.
Inspiratório
principal
Inspiratórios secundários
ou acessórios
Expiratórios
Huche
Diafragma Músculos elevadores do
tórax: escalenos e
esternocleidomastóideos,
como músculos
inspiradores.
Músculos espinhais, ou
músculos dos sulcos
vertebrais, como músculos
inspiradores acessório.
Músculos intercostais,
sendo alguns inspiratórios e
outros expiratórios.
Abdominais
Souchard Diafragma Nucais
Escapulares
Espinhais
Torácicos
Músculos
abdominais.
Zemlin (1999) resume da seguinte forma:
Os músculos da inspiração estão ligados principalmente ao tórax, como
seria de se esperar, e os músculos da expiração, principalmente ao
abdômen. Os músculos do pescoço também contribuem para o aumento do
tórax durante a inspiração (ibid, p. 73).
10
a)
b)
FIGURA 1.1 – Músculos do tronco
a) músculos anteriores b)músculos posteriores
Fonte: ZEMLIN, 2000, p. 85/87
Se, por um lado, a função básica do nosso sistema respiratório é a manutenção da
vida – função reflexo-vegetativa
4
, na fonação (e no canto), ele terá uma performance
especial, paralisando momentaneamente a função vital em favor de uma
manutenção e aumento do tempo expiratório. Isso decorre do fato de que, para
produção do som vocal, precisa-se do ar exalado na expiração. Respondendo a
essa demanda, o sistema respiratório deverá se adaptar realizando atividades extra-
respiratórias. Assim, podemos definir dois tipos de respiração: a vital e o “sopro
fonatório” (HUCHE, 1999, p. 32), as quais descreveremos a seguir.
4
O termo reflexo designa: Atividade involuntária de um órgão, como resposta a uma estimulação
deste. E o termo vegetativo se relaciona às funções vitais comuns a animais e a vegetais. Ou ainda, o
que funciona involuntariamente ou inconscientemente (Novo Dicionário Eletrônico Aurélio versão 5.0).
11
A respiração vital cumpre a função reflexo-vegetativa de manutenção da vida. Sua
atuação é involuntária, variando sua intensidade e volume automaticamente, de
acordo com as necessidades fisiológicas. Por exemplo, quando estamos dormindo, a
respiração diminui seu ritmo, intensidade e volume. Por outro lado, quando estamos
praticando algum exercício físico, sua intensidade aumenta em vários graus,
independente da nossa vontade. Nessa atividade, os músculos que movimentam o
sistema respiratório atuam de modo ativo na inspiração e predominantemente
passivo na expiração.
Nesse tipo de inspiração, a entrada do ar é realizada pela contração muscular do
diafragma a cada ciclo. Pode haver ainda a participação incrementada dos músculos
inspiradores acessórios, na medida em que a intensidade respiratória aumenta. Na
expiração, por outro lado, a fase expiratória é passiva na respiração calma: o
diafragma se descontrai deixando as forças elásticas atuarem, forçando a saída do
ar. Na respiração mais intensa, percebe-se a utilização progressiva dos outros
músculos expiratórios auxiliando uma saída de ar mais rápida e vigorosa.
O sopro fonatório, por outro lado, é uma adaptação do sistema respiratório para
possibilitar a fala e o canto. O fator determinante é a manutenção do sopro com a
pressão e estabilidade necessárias à produção vocal por um tempo prolongado em
relação à respiração vital. Entretanto, o mecanismo do sopro fonatório se diversifica
de acordo com as peculiaridades das manifestações vocais espontâneas ou de
acordo com as várias técnicas ou escolas de canto e expressão vocal.
Huche (ibid.) cita cinco tipos de sopros fonatórios: (1) torácico superior; (2)
abdominal; (3) dissociação abdominal-costal; (4) vertebral e; (5) misto. Aqui nos
12
restringiremos à descrição da modalidade abdominal, considerada, por este autor, a
mais eficiente e saudável para a “projeção vocal”.
Na inspiração que precede a fonação - na modalidade abdominal do sopro fonatório
- o cantor evitará a utilização dos músculos ligados à laringe e às partes superiores
do tórax (inspiratórios acessórios ou secundários). Caso ele acione tal musculatura,
a laringe é obrigada a exercer um duplo papel durante a expiração/fonação, o de
obturador e o de vibrador. Ou seja, a laringe será obrigada a controlar a saída do ar
ao mesmo tempo em que produz o som, sendo este um fator de desgaste vocal. O
cantor deverá, portanto, deixar o ar entrar utilizando o diafragma (inspirador
principal), permanecendo com toda a região torácica e com o pescoço sem
contrações musculares respiratórias.
Para esta inspiração, o diafragma descerá, em sua contração, comprimindo as
vísceras que, por sua vez, pressionarão a cinta abdominal. Huche (ibid., p. 83)
classifica o diafragma como músculo “arredondador da cavidade abdominal” (FIG.
1.2), uma vez que as vísceras se reacomodam empurrando a cintura abdominal de
dentro para fora e, por conseqüência, abrindo e elevando as costelas inferiores. Isso
é possível se a musculatura abdominal se deixar estender, não impondo resistência
durante a entrada do ar.
13
FIGURA 1.2 – Evolução da cavidade abdominal em direção à forma esférica
devido à contração diafragmática.
Notar o movimento decorrente de elevação e de abdução das costelas inferiores.
Fonte: HUCHE, 1999, p. 83
Salvo em casos muito especiais com o suspiro sonoro, na fonação não só a
inspiração, mas também o sopro fonatório é ativo desde seu início. Na expiração da
modalidade abdominal, a cinta abdominal é contraída, ao mesmo tempo em que o
diafragma promove “a persistência de uma atividade inspiratória que modera e
controla a expiração” (ibid., p. 92). Para entender esse processo é importante frisar
que “o diafragma tem uma ação oposta à dos músculos da cinta abdominal, cujo
papel é o de provocar o encurtamento em cintura da parede abdominal e o
recalcamento para cima das cúpulas diafragmáticas”. Assim, “o diafragma regula a
emissão do sopro, opondo certa resistência à ação dos [músculos] abdominais por
ele controlados” (
ibid.,
p. 82-3), ou seja, “o diafragma contém e controla a ação
desses músculos”, “os [músculos] abdominais empurram, o diafragma retém [...] o
14
que lhe permite fazer um trabalho ao mesmo tempo pesado e preciso” (ibid., p. 94).
Dinville (1993) endossa esta idéia, afirmando que “a subida progressiva do
diafragma garante a pressão expiratória necessária à fonação, através de uma
ascensão resistente.” (ibid., p.24).
Essa maneira de respirar para a fonação não é realizada com o intuito de aumentar
a capacidade pulmonar, ou seja, o volume de ar. A respiração abdominal descrita
acima terá o objetivo de “liberar a laringe de seu papel de esfíncter” para esta
“funcionar unicamente como vibrador, de maneira bem mais flexível” (HUCHE, 1999,
p. 94).
Em relação à quantidade de ar necessária para executar as frases musicais, Dinville
(1989) comenta que “a capacidade [pulmonar] não é a principal razão da eficácia
respiratória”. Para ela, o mais importante é o controle da sua saída, “disciplinado e
utilizado conscientemente, a fim de fornecer a pressão que corresponde às
necessidades da música” (ibid., p.28).
Behlau (1995, p. 115) nos mostra que cantores profissionais gastam pouco ar ao
produzir a voz. Essa redução da quantidade de ar que passa pelas pregas vocais
(fluxo aéreo transglótico) durante a fonação é um resultado positivo do treinamento e
controle da respiração e da fonação (pneumo-fônicos). A coordenação pneumo-
fono-articulatória, que segundo Behlau (ibid., p.115) é o “resultado da inter-relação
15
harmônica das forças expiratórias, mioelásticas
5
da laringe e musculares da
articulação”, fará com que possamos cantar por mais tempo com um timbre vocal
rico, na medida em que a atuação da laringe se torna mais eficiente. Outro
fenômeno que contribui para a economia de ar, com acréscimo de eficiência, é o
aumento da “duração da fase de acoplamento” das pregas vocais durante a
vibração. Isto é, amplia-se “o tempo durante o qual as pregas vocais se encontram
completamente acopladas em cada ciclo vibratório”; esse fenômeno “acarreta um
enriquecimento do timbre da voz. Dizemos que esse timbre se torna mais cortante”
(HUCHE, 1999, p. 148).
Além disso, se o cantor toma mais ou menos ar que o necessário, terá dificuldades
para a realização da frase musical. Segundo Dinville (1993, p.28), mesmo na frase
mais longa um cantor precisará de no máximo 1,5 litros de ar. Para mostrar que o
volume de ar não é determinante nos casos de respiração curta no canto, a autora
relaciona o dado acima com as capacidades máximas de homens e mulheres
adultos:
QUADRO 1.2
Relação volume máximo de ar versus Demanda durante o canto
Homens: Cap. Máxima Mulheres: Cap. Máxima Demanda máxima no canto
3,5 a 5,3 litros 1,8 a 3,7 litros 1,5 litros
O excesso, ou a insuficiência de ar, acarretará em uma necessidade de
compensações da laringe, ou seja, ela ficará sujeita a um esforço adicional,
prejudicando seus movimentos naturais; a faringe também modificará seu volume;
5
Segundo Huche (2000, p. 137), a teoria mioelástica caracteriza-se por duas noções importantes: 1)
a vibração das pregas vocais é considerada passiva e; 2) as características do som emitido
dependem (...) da pressão subglótica [pressão exercida sob as pregas vocais pelo ar vindo dos
pulmões] e da tensão das pregas vocais.
16
as pregas vocais se fecharão com muita tensão ou de modo insuficiente e daí
surgirão “alterações do timbre, modificações da duração, da intensidade e da altura
tonal” (ibid., p. 111).
Seja qual for a técnica vocal adotada pelo cantor, o estudo tradicional do canto
trabalha a respiração através de exercícios específicos e de treinamento sistemático
dos movimentos respiratórios, para que os cantores adquiram agilidade, firmeza e a
sustentação vocal necessárias. O tema do gerenciamento da respiração tem
ocasionado polêmicas e disputas entre as várias escolas de canto. Apesar de
fazermos a opção técnica pelo tipo de respiração “sopro fonatório abdominal”
descrito por Huche (1999), acatamos a opinião de Behlau (1997), que nos aconselha
a evitar polêmica, uma vez que várias técnicas respiratórias são possíveis, desde
que bem treinadas e orientadas (ibid., p.29).
1.2 Laringe e geração do som
No intuito de esclarecer a relação inerente entre a produção vocal e a atividade
muscular da laringe, iniciaremos esse tópico com uma visão geral das funções da
laringe, bem como uma descrição de sua anatomia e fisiologia. Alguns aspectos da
mecânica da produção da voz também serão abordados.
1.2.1 Função Biológica
Como órgão vital, a laringe tem a função fundamental de esfíncter, protegendo as
vias respiratórias inferiores, além de outros papéis biológicos. Segundo Huche
17
(1999, p. 99), o aparelho fonatório humano surge do “cruzamento das vias aéreas e
digestivas”, constituindo “em torno da laringe um sistema complicado que permite a
oclusão reflexa das vias respiratórias inferiores no momento da passagem do bolo
alimentar em direção ao tubo digestivo”.
Em sua descrição da função biológica da laringe, Zemlin (2000, p.52) a classifica
como um “mecanismo valvular altamente especializado que pode abrir ou fechar
para a passagem do ar”. O autor enfatiza a função de dispositivo protetor da laringe,
acionado pela liberação repentina do ar comprimido produzindo “uma exalação
explosiva que desobstrui as vias aéreas do muco ou de objetos estranhos perigosos”
(tosse). Ele ressalta ainda que esse órgão permite a “fixação torácica nas
circunstâncias que demandam aumento da pressão abdominal, de modo a evacuar
o conteúdo visceral” - defecação, vômito e micção – assim como o levantamento de
peso (ibid., p. 52-3, 119).
“A laringe é a modificação das cartilagens superiores da traquéia”, é uma estrutura
“músculo-cartilagínea, localizada na linha média, situada na região anterior do
pescoço” (ibid., p. 52-3, 119). Formada por cinco cartilagens principais, onze
músculos intrínsecos e três lâminas aponeuróticas
6
, ela é irrigada por três artérias e
três veias, e inervada por dois nervos. É ligada aos órgãos vizinhos por dezesseis
músculos extrínsecos e três ligamentos (HUCHE, 1999, p.99), se movimentando
“com o auxílio desse conjunto de músculos que se distribuem em todas as direções
e que estão recobertos de mucosa”. (DINVILLE, 1993, pp.30). As principais
6
Segundo Zemlin (2000, p. 582) aponeurose é uma “ampla lâmina de tecido conjuntivo que forma a
ligação do músculo ao osso”.
18
cartilagens que compõe a laringe são: tireóide, cricóide, epiglote e duas aritenóides
(FIG. 1.3).
a)
b)
FIGURA 1.3 – Cartilagens da laringe
a) Vista expandida e de frente (as linhas pontilhadas indicam os pontos de
contato das cartilagens)
b) Vista de trás (posicionamento das cartilagens tireóide, cricóide e aritenóides)
Fonte: HUCHE, 1999, p. 106/110
Os músculos da laringe se dividem em músculos intrínsecos - aqueles que
pertencem totalmente à laringe e que são responsáveis pela tensão e relaxamento
das pregas vocais e pelos movimentos de dilatação ou constrição da glote e;
músculos extrínsecos – aqueles que ligam a laringe aos órgãos vizinhos, eles
formam os músculos suspensores da laringe e terão a função de elevá-la ou abaixá-
la.
19
HUCHE (1999, p.115) classifica os músculos intrínsecos da laringe da seguinte
forma:
QUADRO 1.3
Classificação dos músculos intrínsecos da laringe segundo Huche
TENSORES DAS
PREGAS VOCAIS
DILATADORES DA GLOTE CONSTRITORES DA GLOTE
Dois Cricotireóideos Dois Cricoaritenóideos Posteriores Dois Cricoaritenóideos Laterais
Interaritenóideo
Dois Tireoaritenóideos Superiores
Dois Tireoaritenóideos Inferiores
Zemlin (2000, p. 146-154), faz considerações sobre a classificação dos
tireoaritenóideos atribuindo-lhes três funções: a de adutor, a de tensor e a de
relaxador, dependendo de sua interação com outros músculos (FIG. 1.4). Ele
classifica os músculos intrínsecos da laringe da seguinte forma:
QUADRO 1.4
Classificação dos músculos intrínsecos da laringe segundo Zemlin
Músculo
Tiroaritenóideo
Músculo
Tiroaritenóideo
Superior
Músculo
Cricoaritenóideo
Posterior
Músculo
Cricoaritenóideo
Lateral
Músculos
Aritenóideos
Músculos
Cricotireóideo
Adutor
Tensor
Relaxador
Relaxador Abdutor Adutor
Relaxador
Adutores Tensor
20
FIGURA 1.4 – Músculos intrínsecos da laringe
Fonte: ZEMLIN, 2000, p. 154
A discussão sobre o papel específico do músculo tireoaritenóideo foge ao objetivo
desse trabalho; mas, de modo geral, a noção de Zemlin (2000) e Sonesson (1960) é
endossada por Wustrow (1952), Mayet (1955), Van den Berg e Moll (1955),
Schlossauer e Vosteen (1957, 1958) e Manjome (1959). Além disso, o
direcionamento das fibras do músculo tiroaritenóideo indica sua ação tensora e
relaxadora trabalhando em oposição ao cricotireóideo (ZEMLIN, 2000, p. 147-9).
Os músculos extrínsecos da laringe são os que a ligam a outras estruturas como o
tórax, crânio e maxilar inferior (FIG. 1.5 e 1.6). Esses músculos são classificados
como abaixadores e elevadores da laringe. Os músculos abaixadores são o
esternotireóideo, tireohióideo, esternocleido-hióideo e homo-hióideo. Os elevadores
da laringe, também chamados supra-hiódeos são o estilo-hióideo, ventre posterior
do digástrico (suspensórios superiores), milo-hióideo, gênio-hióideo e ventre anterior
do digástrico (suspensórios anteriores). Esses músculos terão, primariamente, a
função de sustentar e posicionar a laringe (ibid., p. 139).
21
FIGURA 1.5 – Músculos extrínsecos da laringe
Fonte: HUCHE, 1999, p. 132
22
FIGURA 1.6 – Esquema das ações dos músculos extrínsecos da laringe
Fonte: ZEMLIN, 2000, p. 145
1.2.2 Função Fonatória
A fala e a linguagem verbal estão entre as características fundamentais que
distinguem os seres humanos dos outros animais. Zemlin (2000 p. 119-20) afirma
que “a fala tem tamanha participação no comportamento humano, que pode ser
considerada uma função biológica”. Mas, somente quando a laringe não está
desempenhando as funções biológicas vitais ela poderá trabalhar como gerador de
som. Nesse sentido, sua estrutura anatômica e sua fisiologia serão sempre
explicadas a partir de seu papel vital. A função fonatória é, na verdade, uma “terceira
função [...] implantada sobre as duas primeiras, que são a respiração e a deglutição”
(HUCHE, 1999, p. 99).
23
1.2.3 Mecanismos de Produção da Voz
A geração do som vocal acontece quando o ar vindo dos pulmões passa pelas
pregas vocais (tireoaritenóideo inferior) em coaptação (fechamento) glótica. Não só
esses dois músculos, mas toda a laringe e vários outros músculos estarão em
atividade sinérgica
7
. De acordo com a teoria mioelástica, as pregas vocais vibram
passivamente em conseqüência da passagem do ar pela glote. Cabendo ao músculo
controlar os parâmetros que modificarão o tipo de vibração, seu tônus, alongamento,
espessura, massa muscular vibrátil, pressão de justaposição, mas, não terão o papel
de impulsionar as vibrações.
No canto, existem muitas possibilidades de modulação de parâmetros fonatórios que
resultam em modificações sonoras como a intensidade, a freqüência, o timbre e os
registros. Acompanhando as demandas da fonação, todos os órgãos envolvidos na
coordenação pneumo-fono-articulatória se adaptarão sinérgicamente. Segundo
Behlau (1995, p. 115), quando há um desequilíbrio em uma parte, as outras
compensam suprindo sua defasagem.
Segundo Huche (1999, p. 148-9), outros fatores como a pressão subglótica
8
, a
pressão supraglótica
9
, a vazão de ar através da glote, a pressão atmosférica,
densidade dos gases contidos nos pulmões e a posição da laringe influenciarão a
7
Segundo Aurélio, Sinergia é o (1) “ato ou esforço coordenado de vários órgãos na realização de
uma função”. (2) Associação simultânea de vários fatores que contribuem para uma ação
coordenada. (3) Ação simultânea, em comum. Dicionário Aurélio Eletrônico XXI versão 3.0 novembro
de 1999.
8
Pressão sub-glótica é a pressão causada na laringe pelo ar vindo dos pulmões que gera a vibração
das pregas vocais.
9
Pressão supra-glótica é a pressão exercida pelo ar em todo o trato vocal do momento em que passa
pelas pregas vocais até sua saída do corpo por via oral ou nasal.
24
qualidade acústica da voz. Além da duração da fase de acoplamento, abordada
anteriormente, que enriquecerá a qualidade vocal.
1.2.4 Registros vocais
Para executar sons em toda a extensão vocal, a laringe executa ajustes motores
diferentes nas notas graves, médias e agudas. O cantor também percebe, através
das sensações e da sonoridade, que sua voz no grave é diferente de sua voz no
agudo ou na região média de sua extensão vocal. Apesar de existirem várias
terminologias e maneiras diferentes de classificar os registros vocais, para
contextualizar as exigências do canto lírico são suficientes os conceitos de registro
de peito (voz de peito) e registro de cabeça (voz de cabeça), relativos à região grave
e aguda da voz respectivamente, existindo ainda uma região de coexistência dos
dois registros chamada de voz mista (BEHLAU, 1995, p. 94-7; DINVILLE, 1993, p.
71-4; HUCHE, 1999, p. 150-6; ZEMLIM, 2000, p. 183-7).
Essas diferenças de registro correspondem, no sentido fisiológico, a posições da
laringe e ajustes musculares específicos; no sentido tanto acústico como nas
sensações do cantor, as diferenças são percebidas como uma voz mais leve no
registro de cabeça e um timbre mais pesado ou encorpado na voz de peito. Huche
(1999, p. 155) define registro como zonas de emissão vocal homogênea em
segmentos da extensão vocal, que distinguem e modificam a qualidade da voz
quando se emite uma seqüência de notas indo do mais grave possível até o mais
agudo possível. (FIG. 1.7).
25
FIGURA 1.7 – Extensão vocal e principais registros de acordo com o sexo e o tipo vocal
Fonte: HUCHE, 1999, p. 151
Para Dinville (1993, p. 71-4) ao realizar estes registros o cantor utiliza vários modos
de emissão e cada registro só poderá manter-se sobre algumas notas, o que o
obriga a constantes mudanças de posições orgânicas. Para Zemlin (2000, p. 184),
ao ultrapassar seu limite de extensão, tanto para os graves quanto para os agudos,
cada modo ou padrão de vibração das pregas vocais será alterado apropriadamente
para acomodar a extensão subseqüente. “Essa modificação do modo de vibração
das cordas vocais pode ser considerada como uma definição operacional do registro
vocal” (ibid, p. 184).
26
Huche (1999, p. 155) explica que o funcionamento laríngeo do registro grave (voz de
peito) apresenta pregas vocais com aspecto de lábios mais espessos, e o
funcionamento laríngeo do registro agudo (voz de cabeça), apresenta pregas vocais
com aspecto de lâminas delgadas. Para Zemlin (2000, p. 171) a mudança de
espessura é acompanhada por uma mudança no comprimento e tensão do tecido
elástico das pregas vocais. Quando as pregas vocais estão encurtadas elas se
tornam mais espessas produzindo os sons graves e quando são alongadas se
tornam mais tensas e delgadas propiciando um aumento da freqüência.
O principal mecanismo responsável pelo alongamento das pregas vocais é chamado
de báscula da laringe (FIG. 1.8). Esse mecanismo é possibilitado pela contração do
músculo cricotireóideo (CT), ocasionando uma aproximação entre a parte anterior da
cartilagem cricóide e a parte anterior da cartilagem tireóide e conseqüentemente
aumentando o espaço entre as inserções das pregas vocais. Segundo Zemlin (2000,
p. 173) os músculos tireoaritenóideos (TA) são responsáveis pelos ajustes sutis e
finos enquanto o músculo cricotireóideo (CT) é responsável por mudanças mais
grosseiras. O músculo cricotireóideo (CT) mantém um nível constante de atividade
em uma faixa de freqüência, estabelece uma imposição de carga sobre a qual a
musculatura das próprias pregas vocais (TA) irá atuar nas variações de tons.
Quando os limites dessa variação são ultrapassados, ao subir na escala de
freqüência, o músculo cricotireóideo (CT) repentinamente eclode em nível
ligeiramente superior de atividade.
27
FIGURA 1.8 – Movimento de Báscula da Laringe
Fonte: ZEMLIN, 2000, p. 131
Essa atuação realizada pela oposição sinérgica dos músculos tireoaritenóideos (TA)
e cricotireóideo (CT) promove mudança no alongamento (extensão), tensão, e
espessura das pregas vocais, possibilitando novas gamas de freqüência sem
esforço para a laringe e, ocasionando diferenças na qualidade da voz, dando origem
ao fenômeno chamado de registro vocal.
1.2.5 Posição da Laringe
Outra relação importante acontece entre a posição da laringe e a altura tonal. Na
região grave a laringe se posiciona mais baixa no pescoço, usando a musculatura
abaixadora; nos agudos ela tem um movimento de ascensão, levada pelo
relaxamento e alongamento dos abaixadores e a contração dos elevadores.
28
Em sua atividade, é essencial que o cantor conheça qual o comportamento
adequado de seu órgão fonador para que possa usar apenas a musculatura
necessária para a realização dos movimentos requisitados por sua performance,
uma vez que contrações de músculos vizinhos poderão alterar e prejudicar seu
funcionamento natural em vários níveis.
1.3 Cavidades de ressonância e órgãos articulatórios: a modificação do som
Seguindo a abordagem dos aspectos fisiológicos da produção vocal,
apresentaremos os órgãos responsáveis pela articulação dos fonemas e pela
caracterização do timbre individual. Para a melhor compreensão desse fenômeno,
veremos o conceito de “formantes” e harmônicos para, a seguir, enumerarmos os
órgãos e cavidades envolvidos no processo de modificação do som, bem como suas
funções sob o ponto de vista da fonação.
1.3.1 Harmônicos e a Teoria dos Formantes
Segundo Zemlin (2000, p. 244), “o som laríngeo é complexo, consistindo de uma
freqüência fundamental e de uma rica série de semitons harmonicamente
relacionados”
10
. Seu efeito sonoro é, na sua origem glótica, muito diferente daquele
escutado ao sair dos lábios - a voz que ouvimos é modificada nas estruturas supra
glóticas (trato vocal). As cavidades de ressonância e os órgãos articuladores
possibilitarão a existência de todos os timbres e fonemas que utilizamos ao cantar e
10
Para Zemlin (2000, p. 588) os harmônicos são parciais de um som complexo que integram os
múltiplos da freqüência fundamental.
29
também ao falar, tais como as vogais e consoantes; timbre claro ou escuro; nasal ou
oral; etc.
“Dependendo das propriedades acústicas do trato vocal, certos semitons são
reforçados à custa de outros”. A modificação nas configurações macroscópicas
(comprimento e área transversal) do trato vocal, através da adaptação de suas
formas e dimensões, irão reforçar ou abafar harmônicos, resultando em mudanças
das características de ressonância (freqüência dos formantes) do espectro sonoro
original (ibid., p. 244), de acordo com a pressão sonora e exigências dos fonemas,
alturas e intensidade.
Dinville (1993, p. 45) categoriza os harmônicos gerados pela voz em três regiões ou
faixas de freqüência chamadas formantes (FIG. 1.9). Segundo ela, cada um se
relaciona com regiões específicas do trato vocal, como segue: (1) formante1 na
parte posterior da [laringe e hipofaringe] entre 250 e 700 Hz; (2) formante2 na
cavidade bucal, entre 700 e 2500 Hz; (3) formante do canto situado acima do véu
palatino entre 2800 e 2900 Hz para os homens e 3000 Hz para as mulheres, Dinville
(ibid., P. 45).
30
FIGURA 1.9 – Região do trato vocal onde acontecem os formantes
segundo Dinville
Fonte: DINVILLE, 1993, p. 46
Entretanto, opiniões diferentes são encontradas: Ware (1997, p. 141; apud VIDAL
2000, p.102), afirma que o formante3 (do canto), “tem relação com o colar laríngeo
11
– o espaço imediatamente acima da prega vocal” (FIG. 1.10), enquanto que para
Huche (1999, p. 155) o formante do canto (2800Hz) não tem o mecanismo de sua
produção esclarecido. Para o presente estudo, é suficiente considerar que as
nuanças do timbre se dão através da conformação e movimentos das cavidades e
órgãos supra glóticos, que estão diretamente ligadas à atividade muscular, e que,
portanto, dependerão da coordenação e treino do cantor.
11
O colar laríngeo é descrito por Huche (1999) da seguinte forma: “... o orifício superior da laringe,
ainda chamado de bocal da laringe (ou coroa laríngea), é formado [...] pela face posterior da epiglote,
pelo ligamento ariepiglótico, pela chanfradura interaritenoidiana” (HUCHE, 1999, p. 126).
31
FIGURA 1.10 – Bocal da laringe - Vista posterior da laringe dentro da faringe
Fonte: HUCHE, 1999, p. 126
1.3.2 Estrutura do sistema de ressonância
Diversos órgãos, músculos e mucosas terão, na perspectiva do canto, a função de
ressonadores e de articuladores. Para Dinville (1993, p. 35), “estas cavidades
possuem paredes fixas (maxilar superior e palato duro) e paredes móveis
(mandíbula, língua, epiglote, lábios e véu palatino)”. Segundo Zemlin (2000, p. 315-
16), o trato vocal é apresentado como um tubo uniforme complexo (FIG. 1.11),
32
“formado primariamente pelas cavidades laríngea, faríngea e oral e, às vezes, pelas
cavidades nasais”. Para Huche (1999, p.161), os órgãos que compõem esse sistema
são a laringe, a faringe (hipofaringe, orofaringe e nasofaringe) e a cavidade oral (véu
palatino, palato duro, mandíbula, língua, dentes, lábios).
FIGURA 1.11 – Trato vocal representado como um tubo de área
transversal uniforme
Fonte: ZEMLIN, 2000, p. 315
Outras estruturas, muito citadas na prática do canto, são os seios da face. Behlau
(1995, p. 80-1), considera tanto os pulmões quanto os seios para-nasais como
ressonadores. Fundamenta-se na dedução de que a importância desses seios para
a voz se mede pelos efeitos vocais no caso de inflamação nessa área. Entretanto,
outros autores questionam a importância dessas cavidades para a modificação do
timbre (ZEMLIN, 2000, p. 242; HUCHE, 1999, p. 210; DINVILLE, 1993, p. 69).
33
Dinville critica a idéia de buscar o som na máscara
12
argumentando que isso “para
alguns pode ser: sobre os dentes, nas bochechas, na parte anterior da cabeça, nos
sinus, nas fossas nasais... Isto é, sempre para a frente. Porém, isto não é uma
realidade fisiológica” (DINVILLE,1993, p. 69). Para Huche (1999), as cavidades
nasais e os seios da face têm importância maior na patologia que na fisiologia vocal
(ibid., p. 161); “para a fonação, eles não podem ser considerados como cavidades
de ressonância, como se acreditou durante muito tempo” (ibid., p. 210). Apesar de
acatarmos a visão apresentada por Zemlin (2000), de que o trato vocal funciona
como um tubo complexo e de que as cavidades da face não contribuem para a
modificação do som e a cavidade nasal participa em menor grau, percebemos
muitos bons cantores e professores de canto que utilizam outras concepções.
Ademais, as teorias da física associadas às pesquisas e achados da fisiologia sobre
esse tema, ainda não explicam completamente todos os fenômenos possíveis.
Portanto, deve-se acompanhar as atualizações desse campo de pesquisa e evitar
tomar uma posição dogmática sobre esse assunto baseando-se apenas nas
sensações.
1.3.3 Faringe e Véu Palatino
A faringe, como dito acima, composta por três partes (hipofaringe, orofaringe e
nasofaringe), “forma a parte superior dos sistemas respiratório e digestório”
(ZEMLIN, 2000, p. 291) (FIG. 1.12). Apesar de sua configuração muscular, ela tem
dinâmica reduzida em relação aos movimentos da língua, palato mole e os
12
Segundo Dinville (1993) o termo “máscara” é usado imprecisa e equivocadamente por muitos
professores de canto querendo indicar o lugar onde a voz, direcionada ou empurrada para frente,
deveria ficar. Podemos deduzir que “máscara”, nesse contexto, designa os ossos da face e suas
cavidades.
34
movimentos de elevação e depressão da laringe. Conjuntamente a estes órgãos, ela
“contribuirá significativamente com as propriedades acústicas do trato vocal e com
modificações da distribuição de energia do som gerado na fonte ao nível da laringe”
(ibid., p. 292).
FIGURA 1.12 – Faringe, cavidade oral e cavidade nasal
Fonte: ZEMLIN, 2000, 291
O véu palatino, também chamado palato mole, dá continuidade ao palato duro. Sua
movimentação regulará a oralização e a nasalização da voz. Na voz oralizada, o
palato mole sobe fechando a passagem nasal, enquanto na nasalização ele descerá
abrindo passagem para o ar chegar à cavidade nasal (FIG. 1.13). A posição do véu
palatino dará ao cantor uma importante referência sensorial proprioceptiva da
focalização, ou seja, mostrará o “lugar” da voz. Dinville (1993, p.36) descreve que
seus movimentos dependerão das atitudes articulatórias assumidas pelo cantor:
35
“movimentos da mandíbula, dos lábios, da laringe e o alargamento, mais ou menos
pronunciado da faringe”, chamando a atenção para uma sensação de alargamento e
atividade muscular importante e muito sensível nos pilares, no véu palatino e na
parede faríngea (ibid., p.36).
FIGURA 1.13 – Posicionamento do palato na oralização (traço) e
nasalização (pontilhado) da voz
Fonte: DINVILLE, 1993, p. 68
1.3.4 Língua, Mandíbula e Lábios
“A língua tem como função biológica primária o paladar, a mastigação e a
deglutição” (ZEMLIN, 2000, p.269). Sendo um órgão muscular móvel, ela tem o
papel principal na articulação, estando presente na produção tanto das vogais
36
quanto das consoantes, executando “movimentos extremamente precisos, em
diferentes pontos da cavidade bucal” (DINVILLE, 1993, p.37). A ligação da língua à
epiglote, na laringe, a possibilita exercer grande influência na produção da voz
também no nível da fonação (FIG. 1.14). Através dos músculos que a unem aos
órgãos circunvizinhos, possibilitando que ela intervenha na abertura bucal, nos
movimentos do véu palatino e na tonicidade e firmeza da articulação, ela assumirá
um importante papel de filtro, ou seja, ajudará a mudar o timbre vocal (ibid., p.38). As
tensões musculares no nível da língua terão, portanto, uma influência fundamental
na produção da voz.
FIGURA 1.14 – Língua
Notar a ligação da língua com a laringe.
Fonte: ZEMLIN, 2000, p. 269
37
Assim como nos órgãos citados acima, todos os tipos de modificação na mandíbula
e nos lábios possibilitarão ao cantor produzir uma grande variedade de coloridos
vocais. Uma quantidade considerável de músculos realizará essa tarefa. “A
mandíbula tem um papel essencial no que diz respeito à coloração dos timbres e à
compreensão do texto cantado” (DINVILLE, 1993, p. 38-9). Ela exercerá uma grande
atividade muscular e sua movimentação será acompanhada pelos lábios, que terão
função importantíssima tanto na formação das vogais quanto de várias consoantes.
1.3.5 Adaptabilidade do Trato Vocal
A adaptação das cavidades de ressonância, que possibilita grande variedade de
coloridos vocais, é um recurso importante a ser utilizado dentro da técnica vocal, de
acordo com o caráter da peça. Entretanto essa versatilidade pode ser geradora de
problemas. O cantor pode ser levado a adaptar mal sua laringe, forçando para os
graves ou para os agudos, ampliando artificialmente sua extensão ou distorcendo
seu timbre. Segundo Dinville (1993, p. 13), essas possibilidades não devem ser
usadas como base de técnica vocal, pois, com o tempo, as modificações feitas à
natureza da voz podem criar problemas e dificuldades.
1.3.6 Laringe como Reguladora da Extensão do Tubo Ressonantal
A laringe foi apresentada anteriormente como o órgão gerador do som. Entretanto,
sua mobilidade vertical possibilitada pelos músculos suspensores, modifica a
extensão do tubo de ressonância, fato fundamental na produção do timbre. Existem
cantores que utilizam como base de sua técnica vocal a laringe baixa e outros que
38
utilizam laringe alta. Isto acontece através de técnicas diretas ou indiretas, ou seja, a
posição da laringe será alterada por intervenções em algum órgão ou músculo ligado
a ela ou como conseqüência de sonoridades ou timbres exigidos na performance do
canto. Desta forma, a laringe de um cantor irá assumir uma posição mais baixa para
a produção de um som mais escuro ou aveludado ou uma posição mais alta para a
produção de um som mais claro ou nasal.
FIGURA 1.15 – Língua e laringe
Notar a base da língua ligando-se à laringe
Fonte: ZEMILIN, 2000, p. 276
Se a língua recua sua parte posterior, a laringe será empurrada e abaixada.
Geralmente esse processo se dá através do estímulo do bocejo no ato de cantar.
Segundo Dinville (1993, p. 112), “bocejar exige uma enorme tensão da musculatura”,
isso provocará o “recuo da língua em direção à hipo-faringe o que impõe o
abaixamento da laringe e impede os movimentos destes dois órgãos” (FIG. 1.15).
39
Esse processo faz com que os pilares, o véu palatino, assim como a parede
faríngea, entrem em tensão muscular provocando o “alargamento transversal das
cavidades de ressonância”. Segundo ela, “podemos pensar no bocejo quando se
trata da musculatura velo-faríngea
13
, isto pode ser útil em alguns casos, desde que
isto não impeça a mobilidade da língua e da laringe” (ibid., p.112-3).
No sentido inverso, podemos observar cantores cuja laringe está sempre
posicionada muito em cima durante a fonação em relação à posição normal.
Geralmente essa conformação é resultado da procura de uma voz mais nasal ou
“para a frente”. “Nesta situação, a base da língua se eleva e se contrai
exageradamente contra o véu palatino, o que diminui o volume da cavidade
faríngea” (DINVILLE, 1993, p. 113), criando uma rigidez de todos os órgãos
envolvidos. Para Dinville (ibid) a voz “para a frente”, requer movimentos musculares
muito intensos, contrações abdominais muito rígidas [...]. É o tipo mais difundido de
emissão, o mais fácil de adquirir e também o mais nefasto” (FIG. 1.16) (ibid., p. 70);
“cedo ou tarde [levará] a dificuldades de outra natureza” (ibid., p.40).
13
Região limítrofe entre o véu palatino e a faringe.
40
FIGURA 1.16 – Esforços velo-faríngeos e articulatórios
ao empurrar a voz para a frente
O pontilhado representa a emissão comprimida
Fonte: DINVILLE, 1993, p. 70
Para Dinville (1999), apesar do bocejo, da laringe alta e da nasalização serem
adotados como base de técnica vocal por muitos profissionais, estes métodos não
estarão “obrigatoriamente de acordo com as possibilidades do cantor, nem às regras
da fisiologia vocal, da fonética, da acústica e da física”. Quando o cantor executa
uma escala ascendente, a laringe naturalmente vai subindo; numa escala
descendente, há um descenso da laringe. A movimentação da laringe é um
processo natural, desejável. Ela deverá estar livre, ajustando-se às flutuações da
linha melódica, assim como aos movimentos dos outros órgãos e músculos, pois “ela
só pode se elevar, abaixar ou deslocar-se da frente para trás, através dos
movimentos da língua, da mandíbula e das modificações no volume das cavidades
de ressonância”. (ibid., p.32).
41
Segundo DINVILLE (1993, p. 112), se a laringe estiver localizada muito em cima ou
muito embaixo em relação à altura tonal, haverá um “esforço pedido a toda a
musculatura circunvizinha para impedir a laringe de executar os movimentos” e um
“incômodo imposto à articulação”. Qualquer posição rígida ou fixa da laringe será
considerada prejudicial à voz. Por ser causadora de tensão, leva a um
funcionamento anti-fisiológico, impondo ao mesmo tempo uma “coaptação excessiva
das [pregas] vocais, uma modificação do timbre, uma pressão expiratória
intensificada demais, assim como uma má união faringo-laríngea” (ibid., p.113-4).
1.4 Postura corporal
A relação entre postura e fonação está presente em toda bibliografia consultada, e é
tratada como fator determinante em aspectos diversos como a intencionalidade da
comunicação; a liberdade de movimentação da laringe; suas implicações no
mecanismo respiratório; do eixo de gravidade e equilíbrio das tensões musculares;
da relação com a afinação (BEUTTENMÜLLER, 1992; DINVILLE, 1993; HUCHE,
1999; SOBREIRA, 2004; SOUCHARD, 1989; VIDAL, 2000 e; ZEMLIN, 2000).
Em estudo realizado por meio de entrevistas com eminentes professores de canto
dos EUA, Blades-Zeller (apud VIDAL, 2000) aponta a presença da preocupação com
a postura em todos os depoimentos recolhidos. A interdependência entre
alongamento da coluna, expansão torácica, respiração e apoio da voz, apreendida
nesses relatos, é enfatizada por Vidal (2000), que credita ao alinhamento postural
um papel importante na estruturação do som. Em todos esses casos, a postura é
42
vista em sua concepção mais estrutural, onde a relação das partes do corpo
contribuirá ou desfavorecerá um bom funcionamento da voz (VIDAL, 2000, p. 70-4).
Na visão de Behlau (1995), a intrínseca relação entre o uso da voz e as disfonias
14
funcionais mostra a grande importância desse ponto para uma produção vocal
equilibrada. A fonoaudióloga enfatiza a importância do eixo vertical entre a coluna
cervical e o resto da coluna vertebral para a fala. Para ela, esse eixo “deverá ser
mantido reto, sem quebras no sentido lateral ou ântero-posterior, para possibilitar a
livre excursão da laringe e a projeção adequada da voz” (ibid., p. 124). A idéia de um
centro de gravidade é sugerida uma vez que “o apoio do corpo faz-se igualmente
nos dois pés” (ibid., p. 125). Segundo Behlau, também o gestual e o olhar de quem
fala devem ser coerentes e direcionados tanto à intenção do discurso quanto ao
ouvinte; as alterações posturais “obrigam as estruturas do aparelho fonador a
buscarem compensações funcionais” (ibid., p. 125).
1.5 Tônus muscular
Apesar da preocupação com a tensão ser presente entre os cantores, em sua
pesquisa com professores de canto, Blades-Zeller (apud, VIDAL 2000) mostra que
existem concepções diferentes em relação a este ponto. Uma destas concepções
apresentadas por Blades-Zeller sugere que expressões como “calma”, “paz”,
“quietude interna”, são utilizadas como imagens que induzam o dissipar de tensões
corporais. Nesta perspectiva fica sugerido que a busca do relaxamento é importante
para a produção do canto. Uma outra concepção sugere a existência de uma
14
Segundo Zemlin (2000, p. 585) disfonia é “qualquer debilitação da voz, fonação defeituosa”.
43
diferença entre a “tensão inadequada” e a tensão no sentido de tônus, ou seja, a
“boa tensão” (ibid., p. 96-98). Esta última perspectiva parece mais coerente com a
boa produção vocal. Nesse caso, o que se tenta evitar é uma atitude rígida e, por
outro lado, busca-se alcançar o tônus muscular adequado.
O canto existe graças a uma complexa atividade muscular que movimenta os gases
respiratórios, abre e fecha a glote, movimenta as cavidades de ressonância e
promove a articulação. Para isto, precisa existir o tônus muscular adequado e
distribuído, fundamental para um funcionamento eficaz e saudável do aparelho
fonatório. Tanto o excesso quanto a carência de tônus muscular ou de
movimentação das partes envolvidas figuram como causas de disfonias (BEHLAU,
1995, p. 225).
Como sintomas de tensão, Behlau (1995) aponta regiões “da testa (enrugada), dos
olhos (comprimidos ou saltados), da boca e da mandíbula, onde muitas vezes
observamos um travamento da abertura, como se o paciente quisesse esconder a
disfonias” (ibid., p. 125). Em suas observações clínicas, as principais alterações são,
dentre outros: compressão torácica; elevação de ombros por contínua contração dos
músculos esternocleidomastóideos; aumento de massa muscular no pescoço e na
nuca; hipertonicidade da cintura escapular com dor à palpação; veias túrgidas à
fonação; laringe alta no pescoço; contração da membrana tíreo-hióidea; hipertonia
da musculatura supra-hiódea (FIG. 1.17); travamento de mandíbula; padrão
articulatório horizontal; língua com rebordo marcado pelos dentes; cabeça
hiperestendida; mímica facial congelada.
44
FIGURA 1.17 – Músculos do pescoço e extrínsecos da laringe
Fonte: ZEMLIN, 2000, p. 143
Behlau (ibid, p. 125-6) atenta para o fato de que em alguns casos a tensão do tipo
hiper-tonicidade extrema, pode resultar na impossibilidade do indivíduo sentir dor na
musculatura em questão. Assim, ao fazer trabalhos de “relaxação” ele começará a
sentir dores, mas esse sintoma, nesse caso, será um indicativo de melhora, pois, a
diminuição da tonicidade reabilitará a capacidade de recepção da dor. As tensões
musculares localizadas, a rigidez de movimentos, a respiração mal conduzida, a
postura tensa ou desalinhada em muito atrapalham o desenvolvimento do cantor,
podendo gerar disfonias funcionais que, se não solucionadas, tendem a se agravar e
se transformar em problemas orgânicos (ibid., p. 18).
45
1.6 Coordenação motora
Para Zemlin (2000, p. 48-9), a fala surge de uma “cadeia altamente integrada e
incrivelmente complexa de eventos”. Também no ato de cantar os movimentos
executados são complexos e necessitam de uma integração entre as várias funções
e partes do corpo. Esses mecanismos tão diversos precisarão ser articulados em um
trabalho de coordenação envolvendo todas as funções demonstradas nos tópicos
anteriores. Tal articulação, para produzir uma boa emissão vocal, necessita ser
alcançada através de uma sintonia fina, uma sinergia equilibrada, uma boa
coordenação motora e uma grande dose de adaptabilidade dos órgãos envolvidos.
Para podermos avaliar e aprimorar os mecanismos vocais é necessário a
compreensão de que, ao emitir a voz, o cantor aciona comandos neuro-motores
conscientes, condicionados ao longo de seu treinamento, que se relacionam à
memória acústica do som, à afinação, ao timbre e as sensações que ele provoca, ao
lugar onde colocar a voz. Na produção vocal, o cantor também aciona comandos
desconhecidos, condicionados durante toda a vida, desde a primeira infância.
Um dos aspectos importantes a nos mostrar como podemos interferir e reeducar
nossa voz, é dado pela análise da formação da voz feita por Behlau (1995). A autora
afirma que “embora a fonação seja uma função neurofisiológica inata, a voz é o
resultado da vida de cada indivíduo e grande parte desse processo é realizado por
imitação de padrões” (ibid., p. 21). Assim, podemos dizer que a aquisição da voz
ocorre através de nosso crescimento físico e emocional. Dessa forma, nossa voz é
constituída tanto pelos requisitos orgânicos quanto pela maneira com a qual nós a
usamos. “Chegamos na idade adulta com o resultado da moldagem de habilidades
46
inatas pela nossa história de vida” (ibid., p 55). Segundo Behlau (ibid.), uma “leitura
vocal” que permita uma avaliação correta, deve listar “fatores anatomofisiológicos,
psico-emocionais, educacionais e culturais que direcionaram o indivíduo para uma
determinada opção de ajustes motores que produziram uma identidade vocal única”
(ibid., p. 55).
As alterações vocais relacionadas aos diferentes ajustes motores podem ser um
bom sinal de saúde como descrito acima, mas, se implantadas com rigidez ou
fixadas permanentemente num padrão desequilibrado em qualquer um dos níveis -
respiração, fonação, articulação ou ressonância - podem gerar disfonias funcionais.
“As disfonias funcionais são as alterações no processo de emissão vocal que
decorrem do uso da própria voz, isto é, da função de fonação da laringe” (ibid., p.
21). As disfonias funcionais “dependem do comportamento vocal do [cantor, nos
remetendo] ao conceito de que a voz é um comportamento adquirido como qualquer
outro e, portanto, passível de novas regras de aprendizagem” (ibid., p. 21).
Para deixar claro as relações e processos neuromusculares envolvidos na fala e
para introduzirmos outro aspecto imbricado a este - a recepção cerebral das
atividades, posições e tensões corporais - ilustramos o “modelo de produção da fala”
(FIG. 1.18) apresentado por Zemlin (2000, p. 48).
Analisando esse modelo, percebemos que se deve levar em conta, além dos fatores
citados até o momento, o papel dos receptores que mandam informações ao
cérebro, fenômeno chamado por Zemlin (
ibid.
) de
feedback
. Este autor cita o
feedback auditivo e o feedback proprioceptivo - dos músculos e tendões - além da
cinestesia, abordados a seguir:
47
FIGURA 1.18 – Modelo de produção da fala
Fonte: ZEMLIN, 2000, p. 48
1.7 Os sentidos, a propriocepção e a consciência cinestésica
Nesse tópico abordaremos o controle e a regulagem do fenômeno vocal. Para isso
citaremos o papel que os sentidos como a visão e o tato podem ter no treinamento,
no controle de ajustes motores e na criação de referências sensoriais, ajudando a
julgar se determinados comportamentos vocais estão corretos ou não. E, também,
os controles que atuam diretamente na produção da voz: (1) controle auditivo; (2)
controle cinestésico e; (3) controle proprioceptivo. Finalmente apresentaremos as
sensações nas quais o cantor pode buscar suas referências.
48
A partir da constatação de que a fonação é uma função secundária, proveniente de
outros sistemas, Dinville (1993 p. 50) afirma que o cantor tem que ”construir” seu
instrumento vocal. Na verdade, o cantor está num processo de constante revisão ou
controle de seus ajustes, mudando ou mantendo as coordenações adquiridas. Para
o cantor, a voz é em grande parte uma experiência sensorial não palpável nem
materializável, uma sensação acústica percebida pelo ouvido e pelo tremor vibratório
e também pela sensação de maior ou de menor tônus muscular. A esta percepção
chamamos de sentido cinestésico.
A boa realização de todos os parâmetros da fonação e articulação no canto
dependerá fundamentalmente da percepção do cantor do funcionamento e da
movimentação do próprio corpo. Para isso se faz necessária uma percepção
sensorial bem desenvolvida. Segundo Dinville (ibid., p. 19), a função vocal “é uma
atividade muscular que só pode se desenvolver e adquirir qualidades emocionais e
expressivas buscando um conjunto de sensações proprioceptivas e cinestésicas”. O
sentido cinestésico se apóia, sobretudo na sensação de esforço muscular na região
da laringe e no aparelho respiratório e na percepção dos movimentos, tanto
articulatórios, como em relação à afinação.
1.7.1 Os Sentidos
Dentre os cinco sentidos (visão, audição, tato, paladar e olfato), apenas três: a visão,
o tato e audição, em maior ou menor grau, podem balizar e controlar a produção da
voz, direta ou indiretamente. Habitualmente, os cantores recorrem aos sentidos da
visão e do tato para ajustar sua atividade vocal e para manter sua técnica. Em geral,
o cantor pratica usando espelhos para se auto-observar. O “controle visual lhe
49
facilitará na apreciação dos fatores posturais, dos movimentos da articulação, da
língua e da mandíbula – desta forma evitando as contrações intempestivas do rosto
e da respiração” (DINVILLE, 1993, p. 50). Já o controle tátil ajudará o cantor no nível
da região abdominal acusando sobre os “erros da mecânica respiratória e da
qualidade do trabalho da musculatura costo-abdominal concomitantemente” (ibid., p.
50). Se o cantor coloca os dedos sobre o “pomo de adão” - a laringe, sentirá sua
posição muito alta ou muito baixa em relação a sua posição normal e perceberá os
esforços nesse órgão (ibid., p.50). Além disso, o cantor também buscará perceber
com as mãos as vibrações geradas pela ressonância nas cavidades supra glóticas.
Esse processo aperfeiçoa seu controle motor através da percepção das tensões,
regulando movimentos, corrigindo distorções e equívocos.
O controle auditivo é visto como um importante controle da voz por ZEMLIN (2000).
Ele critica a compartimentação da fala em apenas quatros fases (respiração,
fonação, articulação e ressonância). O autor defende que o mecanismo da audição e
outras vias de feedback ajudam a monitorar os sinais de fala que estão sendo
produzidos; sem eles há rápida deterioração da fala (ibid., p. 48). Dinville (1993, p.
38), atribui ao automatismo acústico-fonatório, controlado pelo ouvido, a
possibilidade das variedades sonoras e a adaptação do conjunto dos mecanismos.
Tomatis (apud SOBREIRA 2002, p. 43), afirma que “a voz pode produzir apenas
aquilo que o ouvido pode ouvir”. Esse autor defende que tanto a afinação quanto o
timbre podem ser prejudicados dependendo da faixa de freqüência que não for
percebida pelo cantor. Se existe uma queda auditiva na região dos 2000Hz, a voz se
torna menos rica em harmônicos; se existir uma baixa auditiva em freqüências
inferiores a estas – entre 1000 e 2000Hz, o cantor terá problemas de afinação.
50
Todos os parâmetros da voz como intensidade, articulação, fonemas, timbre e
afinação terão, em maior ou menor grau, algum controle auditivo. No entanto, esse
controle tem limites e distorções os quais o cantor deve aprender a superar. Dinville
adverte que “as sensações auditivas variam em função do lugar onde o cantor se
encontra e em função da acústica” e que “se o cantor não quiser forçar sua voz,
deverá estar atento às sensações internas – musculares e vibratórias – pois estas
não variam e não dependem do lugar onde ele se encontra” (DINVILLE, 1993, p.22).
Mesmo que o cantor tivesse sempre a mesma referência acústica do meio ambiente,
a audição, sem outras referências, mostraria limites no controle da qualidade vocal.
A voz tem para o cantor duas vias de percepção auditiva, uma externa, que chega
ao seu ouvido após ser projetada no ambiente; e outra interna que “[chega] ao
ouvido interno por intermédio da via óssea. Para os sons graves, chegam pelos
músculos abaixadores da laringe, para os agudos, pelos músculos elevadores deste
órgão” (ibid., p. 21). Essa diferença é atestada através do fato muito comum de que
as pessoas não reconhecem de imediato a própria voz ao ouvi-la gravada, enquanto
um outro ouvinte lhe garante que a gravação está fiel à voz real.
A audição será o único elemento a regular a afinação. Nos parâmetros restantes,
entretanto, sua importância é compartilhada por outras vias de controle. Como
afirma Dinville,
Freqüentemente, é através do controle auditivo que o cantor modifica a
qualidade de sua voz. Mas é necessário, também, que ele o faça por meio
de uma técnica apropriada, utilizando movimentos precisos, pela percepção
de certas sensações que determinam as coordenações musculares, sendo
elas mesmas funções destes diferentes parâmetros (Dinville, 1993, p. 5).
51
Descrevendo o funcionamento do controle cerebral sobre a fala, ZEMLIN (2000, p.
49), comenta que, “receptores especializados em nossas articulações, tendões e
músculos fornecem informações ao cérebro, sobre o modo como as coisas estão
indo”, o autor enfatiza que sem o feedback auditivo e proprioceptivo, “a produção da
fala seria tão acidental quanto atirar dardos no escuro” (ibid., p. 48). Dinville (1993, p.
9), enfatiza a importância do feedback na construção do esquema vocal pelo cantor.
Para ela três fatores o informarão sobre o alcance da voz: “(1) a consciência de uma
tonicidade generalizada no corpo inteiro; (2) as sensações proprioceptivas mais
perceptíveis e; (3) o enriquecimento do jogo acústico do timbre”.
1.7.2 Os Receptores Cinestésicos e os Proprioceptores Inconscientes
Segundo Zemilin (2000), o corpo humano conta com terminações nervosas
chamadas de receptores, que servem para levar ao cérebro informações tanto do
ambiente quanto internas ao organismo. Tais receptores são capazes de levar
basicamente cinco tipos de informações: (1) mecânica – pressão ou deformação do
tecido; (2) térmica; (3) danos a tecidos; (4) luz e; (5) química – relativas ao olfato e
ao paladar. Para nosso estudo, será importante levar em consideração dois tipos de
receptores: os cinestésicos e os responsáveis pela propriocepção inconsciente.
Zemlin (2000, p. 415), distingue: (1) os “receptores cinestésicos” que se situam nas
cápsulas articulares e nos ligamentos, transmitindo ao cérebro informações sobre
movimentos articulatórios. Segundo ele, mesmo cessando o movimento esses
receptores continuam a transmitir um sinal estável; (2) os receptores musculares e
tendíneos, que respondem ao comprimento das fibras musculares e à velocidade de
mudança desse comprimento. Eles detectam a tensão gerada nas fibras tendíneas
52
como conseqüência da contração muscular. São “responsáveis pelos reflexos
associados ao controle fino do movimento muscular, ao equilíbrio e à postura” (ibid.,
p. 415).
Os receptores cinestésicos “nos proporcionam sensações que geram um
reconhecimento consciente da orientação do corpo e de sua posição” (ibid., p. 414).
Os receptores musculares e tendíneos, por outro lado, “operam inteiramente no nível
subconsciente e não produzem consciência sensorial alguma" (ibid., p. 415). Zemlin
(ibid.) denomina esse fenômeno de propriocepção inconsciente. Outros autores
citados neste trabalho, tanto do canto como da Técnica Alexander, não fazem essa
distinção, de forma que, em suas referências, os termos propriocepção e cinestesia
parecem sinônimas. Trataremos os dois fenômenos em conjunto como responsáveis
pelas vias de feedback, às quais, em conjunto com a audição, o cérebro tem acesso
para controlar a atuação da voz, seja conscientemente ou não.
“A voz depende fundamentalmente da atividade muscular de todos os músculos que
servem à [sua produção], além da integridade de todos os tecidos do aparelho
fonador” (BELHAU, 1995, p. 17) e do feedback tanto auditivo, que controla os
parâmetros acústicos quanto cinestésico-proprioceptivos, que controlam a
velocidade e intensidade dos movimentos e posições. A experiência do cantor se dá
como uma percepção acústica e como um fenômeno vibratório, uma sensação
global de movimentos e de trabalho muscular (DINVILLE, 1993, p. 19).
Barker (1991, p. 50) considera a cinestesia como mais um sentido além dos citados
acima. Para ela, essa percepção pode ser chamada de o “sentido dos músculos”. O
sentido cinestésico dará a “sensação de tonicidade muscular que é, ao mesmo
53
tempo, uma sensação de mobilidade e de movimentos”. Ele terá a função de
informar “sobre a atividade dos órgãos, sobre sua posição, seu grau de flexibilidade
e eficácia” (DINVILLE, 1993. p.19).
Dinville (
ibid.
, p. 20) enfatiza a importância das sensações geradas pelos receptores
para o feedback do cantor: “é preciso buscar uma sensação de alargamento, de
afastamento dos pilares que vai repercutir ao nível do véu palatino e da parede
faríngea”. A idéia de uma posição para este órgão é dada através da sugestão de
uma fôrma. Além disso, a percepção do tônus necessário será dada pela sensação
de liberdade, numa “atitude na qual os fenômenos acústicos e articulatórios vão se
realizar normalmente” ao mesmo tempo em que “estarão associados a uma ligeira
tensão, muito difusa, da musculatura da laringe” (ibid., p.20).
Nessa abordagem da anatomia e a fisiologia da produção vocal, nos limitamos a
algumas das concepções consideradas mais atualizadas no entendimento desses
fenômenos, evitando uma discussão mais ampla em que fosse preciso apresentar
outras concepções menos fundamentadas muito comuns na formação do cantor.
Tentamos apenas de forma passageira explicitar alguns pontos onde sabidamente
existem polêmicas, lacunas e avanços a realizar na explicação completa de certos
fenômenos. Esta abordagem pretendeu, sobretudo, estabelecer os mecanismos aos
quais os cantores devem respeitar e perceber em seu funcionamento no ato de
cantar. Julgamos que o conhecimento dos mecanismos da produção vocal
(respiração), produção do som (laringe), modificação e articulação do som (trato
vocal), postura, tônus muscular, coordenação, controle auditivo, cinestesia e
propriocepção, será fundamental para a compreensão de como esses mecanismos
54
altamente complexos se coordenam e relacionam com a prática da Técnica
Alexander, tópico que apresentaremos a seguir.
55
CAPÍTULO 2 - TÉCNICA ALEXANDER
Introdução
A melhoria da coordenação e a maior liberdade nos movimentos, que diminuem a
sensação de esforço na execução de tarefas, têm atraído para a prática da Técnica
Alexander vários profissionais que precisam de um bom desempenho corporal na
performance de atividades (GELB, 1987, p. 33). Segundo Gelb (ibid., p. 61-4), a
Técnica traz a melhoria do tônus muscular e expansão correspondente da coluna,
postura ereta, apoiada por um melhor equilíbrio do sistema músculo-esquelético e
conseqüente alívio da pressão excessiva sobre os discos intervertebrais. “Este
talvez seja o fator mais importante na produção da experiência [cinestésica] de
leveza e no aumento de estatura que caracterizam os efeitos da Técnica” (
ibid.
, p.
64).
Alexander classifica seu método como “uma técnica para o desenvolvimento do
controle da reação humana”, que se baseia em evitar os malefícios proporcionados
por respostas imediatas, automáticas e mal coordenadas aos estímulos que
circundam o dia a dia de um indivíduo (ALEXANDER, 1941, p. 593). Segundo
Santiago (2006, p. 01) a mudança do padrão dessas reações resulta “no
desenvolvimento da auto-percepção e, além disso, fornece princípios de ação que
levam o indivíduo a usar seu organismo de uma maneira inteligente e econômica em
qualquer atividade do dia-a-dia”.
56
Alexander desenvolveu uma técnica de reeducação comportamental do indivíduo,
“que trata da interconexão entre sistemas de equilíbrio, postura, controle da tensão
muscular, estados mentais e emocionais e atitudes” (SANTIAGO, 2004, p. 66). Para
Santiago (ibid.), a Técnica Alexander proporciona o reajustamento e a integração
destes sistemas através do controle construtivo e consciente dos praticantes.
Barlow (In: ALEXANDER, 1992, p. 3) comenta que “Alexander não só descreveu
com acuidade a natureza do mau uso do corpo, mas, o que é mais importante,
concebeu um método extremamente refinado através do qual podemos re-educar
nossos hábitos cheios de defeitos”. Como afirma Santiago (2004, p. 66) a Técnica
Alexander é “um campo de conhecimento baseado no conceito de unidade mente-
corpo que promove o desenvolvimento da consciência sensorial”. “O equilíbrio entre
mecanismos sensório-motores possibilita ao indivíduo manter a posição ereta com
mínimo esforço muscular” (SANTIAGO, 2005, p. 04).
Tendo apresentado definições da Técnica Alexander, abordaremos a seguir seus
aspectos práticos e teóricos. Faremos um breve histórico de sua gênese e
desenvolvimento, juntamente com uma biografia de seu criador, Frederick Matthias
Alexander. Seus conceitos, princípios e aplicabilidade serão expostos de acordo com
a literatura concernente. Para facilitar o desenvolvimento do texto, ao longo deste
capítulo, iremos nos referir à Técnica Alexander também como Técnica.
57
2.1 Histórico da Técnica Alexander
O jovem ator australiano Frederick Matthias Alexander (1869–1955) alcançara, já
aos dezenoves anos, certa reputação como declamador de textos shakespeareanos.
Sua saúde sempre havia sido frágil, mas, após um recital em 1888, sua carreira foi
ameaçada por problemas vocais. Suas performances eram bem aceitas e
requisitadas, mas ele sentia que sua voz não suportava um recital inteiro sem se
esgotar. Alexander procurou ajuda médica e lhe foi recomendado repouso vocal.
Esse tratamento trazia um resultado paliativo, positivo e sua voz se restaurava a
normalidade. No entanto, ao voltar a recitar o problema reincidia (ALEXANDER,
1992, p.27-28; MAISEL In: ALEXANDER, 1993, p. XIV-XVII).
Depois de consultar médicos e se submeter a vários tratamentos, Alexander não
obteve resultado satisfatório, além do experimentado pelo repouso vocal, nem tão
pouco um diagnóstico do problema. Então, Alexander percebeu que tinha duas
opções: ou abandonava sua carreira ou tentava, ele próprio, resolver o problema.
Alexander imaginou que “se a fala comum não causava rouquidão, ao passo que a
declamação sim, devia haver algo de diferente entre o que [ele] fazia ao declamar e
o que [ele] fazia ao falar normalmente”. Deste modo, ele imaginou que “se [ele]
pudesse descobrir qual era a diferença, isso poderia [ajudá-lo] a resolver o
problema” (ALEXANDER, 1992, p. 28).
Partindo da hipótese de que seu problema deveria se originar de algo que ele fazia
consigo mesmo, Alexander testou e observou meticulosamente a reação do seu
próprio corpo ao usar a voz (ibid., p. 29). Com a ajuda de espelhos, ele empreendeu
observações e experimentos que “tratam do funcionamento real do corpo, com o
58
organismo em operação”, empregando um método com um “caráter genuinamente
científico” (DEWEY, In.: ibid., p. 6-7).
Em suas observações Alexander descobriu que a origem do problema estava, não
diretamente em sua voz, mas, no seu corpo como um todo. Ele percebeu que ao
começar a declamar, “tendia a inclinar a cabeça para trás, comprimir a laringe e
sorver o ar através da boca de tal modo que produzia um som ofegante” (ibid., p. 29)
(FIG. 2.1). Alexander deduziu que esses três fatores forçavam em demasia sua voz,
constituindo um mau uso do órgão fonador (ibid., p. 30).
a)
b)
FIGURA 2.1 – (a) Cabeça inclinada para trás, comparada com o colapso do pulso.
(b) Posição equilibrada do pescoço e cabeça, comparada com a
posição relaxada do pulso.
Fonte: BARLOW, 1973, p. 25
Posteriormente, Alexander percebeu que havia uma sincronia do uso incorreto da
cabeça, pescoço, laringe, pregas vocais e órgãos da respiração, “o que determinava
um quadro de tensão muscular excessiva em todo o [...] organismo” (ALEXANDER,
1992, p, 36). Com o aprofundamento dessas observações, Alexander descobriu que
todo seu corpo estava trabalhando em conjunto, tanto no bom quanto no mau
funcionamento. Quando sua cabeça se inclinava para trás, além da compressão de
sua laringe, havia também uma tendência associada de “erguer o tórax e reduzir a
estatura”, de forma que “o funcionamento dos órgãos da fonação era influenciado
59
pela [...] maneira de usar todo o tronco”. A vinculação de outros mecanismos do
corpo no processo de mau uso levou Alexander a tentar “prevenir os outros maus
usos associados que produziam a redução da estatura.” (ibid., p. 32).
Alexander também descobriu que “não conseguia, por meios diretos, prevenir a
aspiração ruidosa pela boca ou a compressão da laringe, mas podia, até certo
ponto, prevenir a inclinação da cabeça para trás” (ibid., p. 30). Como o uso de um
órgão do corpo está ligado ao uso de outros, existe uma “influência recíproca
exercida pelos diversos órgãos [que] muda incessantemente, de acordo com a
modalidade de uso dos mesmos”. Portanto, no processo de reeducação, quando
mudamos o uso de determinada parte do corpo, “o estímulo para a nova modalidade
de uso é fraco em comparação com o estímulo para o uso dos outros órgãos do
corpo, que estarão sendo empregados indiretamente nessa atividade, segundo a
modalidade antiga habitual” (ibid., p. 38).
Alexander relata que, a partir da prevenção do mau uso, “observou-se grande
melhora nas condições da laringe e das cordas vocais”. Além do mais, esse
processo havia “produzido um efeito notável sobre o funcionamento de [seus]
mecanismos vocais e respiratórios”; isso o levou “a perceber pela primeira vez a
íntima ligação existente entre uso e funcionamento” (ibid., p. 31).
No longo caminho de pesquisa e novas descobertas sobre o funcionamento do
corpo em atividade, Alexander desvendou a causa de sua rouquidão e da fragilidade
de sua saúde, elaborando conceitos erguidos sobre a prática. A seguir faremos
explanação sobre os princípios operacionais da Técnica que nos darão uma visão
da maneira como Alexander elaborou conceitualmente suas descobertas.
60
2.2 Princípios da Técnica Alexander
2.2.1 Uso e Funcionamento
A palavra uso tem um significado muito importante dentro da Técnica Alexander.
Geralmente ela está associada a outras, formando expressões como uso e
funcionamento; uso e desempenho; a maneira do uso; uso habitual; mau uso; uso
de si mesmo; entre outras. Alexander a utilizou não no sentido limitado do uso de
qualquer órgão específico, mas em um sentido muito mais amplo e abrangente que
se aplica ao funcionamento do organismo como um todo, indivisível (ALEXANDER,
1992, p. 24). Para Alexander, “o uso de qualquer órgão específico, como o braço ou
a perna, implica necessariamente no acionamento dos diferentes mecanismos [...]
do organismo, cuja atividade conjunta ocasiona o uso do órgão específico” (
ibid.
, p.
24). Alexander enfatiza ainda, que a expressão “uso e funcionamento” em relação
ao organismo humano não se refere somente à atividade mecânica, mas, a “todas
as manifestações de atividade humanas implicadas no que designamos concepção
ou compreensão, consentimento ou recusa, pensamento, raciocínio, etc.” (ibid., p.
58). Alexander acrescenta que “a manifestação de tais atividades não pode ser
dissociada do uso dos mecanismos e do funcionamento associado do organismo”
(ibid., p. 58).
Para definir estas manifestações citadas acima, Alexander utiliza o termo “self
psicofísico”, expressando a “inseparabilidade” do organismo humano como um todo.
Alexander considerava o ser humano e todas as suas atividades como psicofísicas.
Para ele, nenhuma manifestação do homem poderia ser considerada somente
61
corporal, mental ou emocional. Portanto, o conceito de unidade psicofísica do
indivíduo está ligado à idéia de inteireza do homem em relação aos seus aspectos
físico, mental e emocional (SANTIAGO, 2004, p. 71). Alexander compreendeu que a
mente e o emocional interferem na maneira de atuarmos ou executarmos uma
atividade; ou melhor, que a maneira como atuamos ou executamos uma tarefa é a
própria manifestação do nosso psicofísico e não apenas do aspecto físico do
organismo.
2.2.2 Inibição
Ao reagir imediatamente para atingir determinado objetivo, Alexander não foi capaz
de evitar o mau uso de seu organismo e de promover uma melhor forma de alcançar
tal objetivo (ALEXANDER, 1992, p. 45). Para mudar seu hábito automático e
instintivo de reagir ao estímulo de falar, ele deveria primeiro receber este estímulo e,
em contrapartida, recusar-se a fazer qualquer coisa como resposta imediata (ibid, p.
44). A essa recusa, ele deu o nome de “inibição” que representa o ato de recusar
responder a um ou vários estímulos para ação psicofísica. Jones (in id., 1993, p.
216) define inibição como “um processo pelo qual uma pessoa abstém-se de exercer
uma reação que poderia exercer se assim o quisesse”. Em outras palavras, o termo
inibição se coloca para caracterizar o que nós recusamos fazer, o que nós
desejamos reter e verificar, o que nós desejamos prevenir (id., 1923, p. 300).
A inibição é considerada o procedimento primário na técnica (id., 1941, p. 591). O
processo inibitório deverá anteceder qualquer outra atitude do aluno e deverá
permanecer como o fator primordial nas novas experiências alcançadas. Ela é uma
ordem negativa, projetada para prevenir atos executados incorreta e
62
inconscientemente. Ou seja, o praticante da Técnica Alexander diz “não” aos seus
hábitos prejudiciais permitindo que o funcionamento natural se manifeste.
Para Diamond (apud JONES, In: ALEXANDER, 1993, p. 216), “a inibição é a função
central de um sistema nervoso que, quando funciona bem, é capaz de excluir um
conflito de má adaptação sem reprimir a espontaneidade”. Mudanças notáveis no
uso e funcionamento que, “a julgar pelos resultados corriqueiros pareceriam
impossíveis”, podem ser feitas em um tempo muito curto se o indivíduo puder “inibir
suas reações habituais, mesmo moderadamente bem, quando em face de
procedimentos pouco conhecidos” (ALEXANDER, 1941, p. 592-3).
O emprego da inibição requer o exercício da memória, “para recordar os
procedimentos envolvidos na Técnica e a seqüência apropriada em que devem ser
usados”; e da consciência, “no reconhecimento do que está acontecendo” (ibid., p.
593). Se o aluno é mentalmente receptivo, e “emprega seu poder de inibição
adequadamente antes do ensaio correto das ordens, um professor hábil pode
executar quase milagres” (id., 1995, p. 84). O aluno deverá inibir todos seus
movimentos musculares, devendo haver “uma diferenciação clara em sua mente
entre o dar a ordem e o desempenho da ação ordenada e realizada por meio dos
músculos” (id., 1910, p. 119). A inibição “não é exatamente a mesma coisa que uma
ordem direta para relaxar os músculos” (ibid., p. 62); ela é, antes, uma atitude de
prevenção, onde “um estímulo pode provocar somente um aumento generalizado da
prontidão, deixando o organismo livre para reagir ou não” (JONES, In: ALEXANDER,
1993, p. 216).
63
A inibição não é apenas um ato inicial, mas deve-se mantê-la ao direcionar os
comandos seguintes, tornando-a uma atitude constante. Sua permanência leva ao
“não fazer”, que envolve um tipo de “fazer” com o mínimo de contração muscular e o
máximo de soltura (SANTIAGO, 2004, p. 74-75). Alexander chama a atenção para
que não se confunda a idéia de “não fazer” com uma atitude passiva. No seu
entender, inibição é uma atitude ativa que projetamos em resposta a um
determinado estímulo. Nós nos “recusamos a dar consentimento a certa atividade, e
assim impedimos a nós mesmos de enviar essas mensagens que normalmente
provocariam a reação habitual que resultaria no “fazer” o que nós já não mais
desejamos “fazer’" (ALEXANDER, 1941, p. 604).
2.2.3 Controle Primordial
Em suas observações do próprio corpo, Alexander empreendeu vários experimentos
que o levaram à descoberta de que há um controle primordial do uso que o indivíduo
faz de si mesmo. O termo controle primordial foi adotado por Alexander para
denominar o princípio que governa o funcionamento de todos os mecanismos. Para
ele, esse controle transforma em simples o complexo funcionamento do organismo
humano (ALEXANDER, 1992, p. 71). “Este controle primordial é composto pelos
processos que controlam o uso da cabeça e pescoço em relação ao corpo, e nos
permite usar a nós mesmos da maneira correta” (id., 1995, p. 179). (veja foto 2.2).
Como veremos à frente, a idéia de um controle que organiza todo o corpo está em
harmonia com o que os fisiologistas conhecem a respeito da estrutura muscular e
nervosa e nos mostra que há certos hábitos e atitudes orgânicas, consideradas
fundamentais, que condicionam todas as manifestações do indivíduo, todos os atos
64
que realizamos e todo o uso que fazemos de nós mesmos (DEWEY, In.:
ALEXANDER, 1992, p. 7-10).
O controle primordial se relaciona com um tipo específico de alongamento do corpo
que, segundo Alexander, depende de se “manter a cabeça dirigida para frente e
para cima” (ibid., p. 33). Como o controle primordial é um dos elementos
fundamentais da Técnica Alexander, muitas vezes ela é confundida como uma
técnica postural. Segundo Santiago (2000, p. 16) “controle primordial não é sinônimo
de postura, dado que o último sugere posições fixas”. Pela impossibilidade de definir
exatamente o que é o controle primordial, Carrington (1994, p. 86) remete ao próprio
Alexander que preferia não estabelecer uma definição, se referindo ao controle
primordial como um “certo relacionamento” cabeça-pescoço-tronco. Segundo
Carrington “um ‘certo relacionamento’ é realmente o melhor que você pode dizer
sobre [controle primordial] em palavras. Não é uma coisa simples”.
Para Alcantara (1997, p. 26), apesar de uma sensação nova ser proporcionada pelo
desenvolvimento de um uso consciente do controle primordial, não devemos
considerá-lo como algo artificialmente inventado. Para ele, podemos observar o
mecanismo do controle primordial em “crianças saudáveis, adultos bem-
coordenados e no animal selvagem e domesticado”. Alexander descobriu que “o
controle primordial está lá para qualquer um que se esmerar em acompanhá-lo e
usá-lo” (ALEXANDER, 1995, p. 164) e que “somente quando o uso dos mecanismos
é mal direcionado, de forma que haja uma interferência no emprego do controle
primordial, o funcionamento dos complexos mecanismos se tornam complicados e
dão origem a dificuldades” (id., 1941, p. 612),
65
2.2.4 Direção Consciente
Na Técnica Alexander, a palavra “direção” é empregada para referir-se ao “processo
de projeção de mensagens do cérebro para os mecanismos e de condução da
energia necessária ao uso desses mecanismos” (
id.
, 1992, p. 39). Segundo Gelb
(1987, p. 86-91), ao projetar uma direção, toma-se o cuidado de não traduzi-la para
a forma de ação muscular habitual. Para isso deve-se projetar conscientemente, um
padrão psicofísico que pode ser descrito como: 1) permitir que o pescoço fique livre;
2) deixar a cabeça direcionar-se para frente e para cima, o que promove um; 3)
alongamento e ampliação das costas. Esse processo, resumido pelo autor como
“pensar para cima” (FIG. 2.2), tem como objetivo prevenir as tensões e reações
habituais e ativar o mecanismo antigravitacional do corpo. (ibid., p. 91).
FIGURA 2.2 – Exemplo de direção
Fonte: ALCANTARA, 1997, p. 27
66
Alexander classificou o uso habitual e errado de si mesmo como resultado da
direção errada que se manifestava quando decidia usar sua voz. Para ele, a direção
errada era decorrente de uma “resposta (reação) instintiva ao estímulo para usar a
voz” (ALEXANDER, 1992, p. 42). Alexander passou então, a pesquisar qual a
direção necessária para conseguir um uso melhor, almejando assegurar uma reação
mais satisfatória ao estímulo para o uso da voz. Seu método foi tentar “substituir a
antiga direção instintiva (irracional) de [si] mesmo por uma nova direção consciente
(racional)” (ibid., p. 40-43).
Para prevenir sua reação instintiva de “inclinar a cabeça para trás e para baixo e de
erguer o tórax (reduzindo a estatura)” (ibid, p. 34), Alexander percebeu que
precisaria projetar direções preparatórias. As direções projetadas deveriam ser
mantidas durante todo o tempo em que executava a ação e ainda teria que projetar
uma nova direção para cada novo processo envolvido na ação, sem interromper a
projeção das direções anteriores. A esse procedimento ele dá o nome de “pensar em
atividade”. Ele resume a sobreposição das direções com a expressão “todas juntas,
uma após a outra” que, segundo ele, quando conquistada pelo praticante, oferece
“uma experiência nova daquilo que [se] conhece por ‘pensar” (ibid., p. 46).
A importância fundamental dessas direções está no sentido de uma finalidade
inibitória e preventiva. Elas são projetadas mentalmente para prevenir a interferência
habitual no controle primordial. Santiago (2004, p. 77), nos esclarece que, para
projetar estas mensagens do cérebro para os mecanismos, Alexander formulou uma
seqüência de comandos orais ou ordens: “Eu digo ao meu pescoço para ficar livre,
eu digo à minha cabeça para ir para frente e para cima, eu digo às minhas costas
67
para alongar e alargar-se”; esses comandos não envolvem fazer algo, mas uma
atitude de “não fazer”.
Para Alexander, o controle consciente do corpo é a chave e a grande contribuição
de sua técnica. Ele conceitua a Técnica Alexander como um “aprendizado de como
dirigir e controlar conscientemente o uso que [os indivíduos] fazem de si mesmos em
suas atividades cotidianas”; o “processo de aquisição da direção consciente do uso
do organismo humano” e ainda; o “conhecimento do modo como dirigir
conscientemente o uso dos nossos mecanismos psicofísicos” (ibid., p. 14-15).
Alexander também se refere ao termo direção como o processo de “condução da
energia necessária ao uso [dos] mecanismos” (ibid., p. 39). Para Santiago (2004, p.
76), “na direção consciente você claramente direciona sua energia pelo
pensamento”. Segundo Alcantara (1997, p. 56), a direção refere-se ao
estabelecimento, cultivo e refinamento de conexões entre o que você pensa e o que
você faz.
2.2.5 Apreciação Sensorial
Alexander conceitua a apreciação sensorial como “o conhecimento da modalidade
de uso de nós mesmos que nos chega através dos mecanismos sensoriais”
(ALEXANDER, 1992, p. 96). Em suas observações, ele percebeu que a sensação
que tinha ao direcionar o uso de si mesmo era enganosa e o levava ao erro, pois
quando tentava manter a cabeça dirigida para frente e para cima, no ato de falar, ela
se inclinava para trás (ibid., p. 39). Ele chegou à constatação de que dependia da
sensação para dirigir seu uso; mesmo quando pensava estar implementando um
68
melhor uso de si mesmo, na verdade, estava apenas repetindo o hábito prejudicial
(ibid., p. 39).
Sua apreciação sensorial não era confiável por que Alexander havia se habituado a
avaliar como corretas aquelas atitudes mal direcionadas e prejudiciais. “Obviamente,
qualquer novo uso deve transmitir sensações diferentes das do antigo, e, se o antigo
parecia certo, o novo só poderá parecer errado.” (ibid., p. 49). Ele concluiu que
estava fazendo o oposto do que havia decidido fazer (ibid., p. 34), portanto, a nova
coordenação desejada deveria ser estabelecida durante o “cultivo e
desenvolvimento da avaliação sensorial confiável”, através da inibição (id., 1923, p.
307).
Alexander observou que ele, assim como as pessoas em geral, ao basearem-se nas
sensações para direcionarem seu uso, adotam um uso irracional e instintivo; dessa
forma não poderiam saber qual uso de seus mecanismos é o melhor para realizar os
movimentos desejados (id.,1992, p. 41). Segundo Alexander (1923, p.291), sua
técnica “foi desenvolvida a partir da premissa que, se algo estiver errado conosco, é
porque nós fomos guiados por uma apreciação sensorial enganosa, conduzindo a
experiências sensoriais incorretas que resultam em atividades mal direcionadas”.
Macdonald (In: SANTIAGO, 2004, p. 80) explica que “se a apreciação sensorial de
alguém é falsa, todo o resto é falso”. O mau uso altera a confiabilidade do sentido
cinestésico gerando um fator fundamental para a distorção da apreciação sensorial.
Para Alexander, a cinestesia adulterada está presente em todos nós e se dá em
nível subconsciente; no entanto, se a percepção do uso acontece pela via
69
cinestésica, conseqüentemente, ao alterarmos o uso alteramos também a
consciência sobre nós mesmos (GELB, 1987, p. 67-71).
Alexander sugere que a má direção que surge da orientação e controle sensorial
enganosos são comuns na maioria das pessoas. O controle sensorial enganoso faz
com que o cérebro envie “mensagens iniciando excesso de atividade em certos
grupos de músculos, e freqüentemente também acionam músculos que não
deveriam ser acionados ao mesmo tempo” (ALEXANDER, 1941, p. 609). “Ter um
registro sensorial confiável na observação da nossa autoconsciência do que nós
estamos fazendo” faria com que a maioria das dificuldades desaparecesse (id.,
1995, p. 159).
2.2.6 Fins e Meios
A expressão “meios pelos quais” é utilizada, por Alexander, para “representar os
meios racionais para a conquista de um objetivo” (ALEXANDER, 1992, p. 45). Sua
técnica tem como fundamento “o princípio de pensar e de raciocinar primeiro e então
colocar em prática os ‘meios pelos quais’ fazer qualquer coisa particular que nós
quisermos fazer” (id., 1995, p. 172). Em sua percepção, a maioria das pessoas sabe
quais os objetivos, metas ou fins elas devem alcançar, mas não têm o conhecimento
de como fazê-lo. Isto é, “não sabem os meios pelos quais usar a si mesmas” (id.,
1941, p. 666).
Alexander critica o procedimento que busca a realização de fins sem uma
preocupação com os meios pelos quais tais fins devam ser alcançados. Segundo
70
ele, se fixarmos apenas o objetivo na mente, a ação será executada abaixo do nível
de consciência e “o instinto ou o hábito antigo sempre buscarão atingi-lo através dos
métodos habituais” (id., 1910, p. 119). Esse processo, associado a uma condição de
má coordenação do organismo, leva a um “uso insatisfatório dos mecanismos e a
um aumento nos defeitos e peculiaridades já existentes” (id., 1923, p.231n). Por
outro lado, se utilizamos os corretos “meios pelos quais” para atingirmos o objetivo, a
ação sobe ao nível da consciência (id., 1910, p. 119).
Para isso, devemos raciocinar sobre as causas das condições presentes no
organismo no momento da ação, levando a um procedimento indireto na conquista
do fim desejado. Segundo Alexander (id., 1923, p. 231), o procedimento indireto é
representado por: 1) a atividade psicofísica (o indivíduo como um todo), associada
ao; 2) controle e direção construtivos conscientes, que trará; 3) o “uso satisfatório
dos mecanismos que estabelecem as condições essenciais para o desenvolvimento
crescente das potencialidades”. Essa forma de funcionar elimina os defeitos e
peculiaridades gerados pelo mau uso. Portanto, os meios pelos quais são
fundamentais, “porque deles depende o emprego do controle primário do uso de nós
mesmos pelo qual nós aprendemos a conhecer como fazemos a coisa que estamos
fazendo” (
id.
, 1941, p.619).
Em resumo, no método de Alexander, o professor fornece ao aluno as orientações
para a implantação do controle primordial. Para isso, é necessário inibir o uso
habitual dos mecanismos do organismo e projetar conscientemente “as novas
orientações necessárias à realização dos diferentes atos envolvidos em um novo e
mais satisfatório uso desses mecanismos” (id., 1992, p. 45).
71
Como resultado desse procedimento, Alexander cita “uma melhora na apreciação
sensorial do uso de seus mecanismos, que é acompanhada por uma melhora no
funcionamento de todo o organismo” (ibid., p. 53-4). Alexander sustenta que o
emprego de um controle primordial conscientemente dirigido restaura e estabelece
uma avaliação sensorial confiável do uso dos mecanismos psicofísicos (id., 1995, p.
133).
Segundo Alexander (1941, p. 660), “por meio de um emprego consciente do controle
primordial do uso, nós podemos com confiança assegurar a melhor maneira possível
de uso de nós mesmos a toda hora e em todas as circunstâncias”. Ele enfatiza
ainda que “por estes meios indiretos nosso todo psicofísico pode ser ativado e pode
ser controlado pra o melhor proveito, não importa qual atividade venha a ser” (ibid.,
p. 660).
2.3 Fundamentação Científica da Técnica Alexander
A descoberta feita por Alexander, da existência de um relacionamento entre cabeça-
pescoço-tronco que organizava o funcionamento de todo o corpo, foi corroborada
por pesquisa científica nas áreas de anatomia e fisiologia. Apesar de seu trabalho se
referir a uma reeducação do uso que o indivíduo faz de si mesmo, vários importantes
cientistas no século XX e alguns de seus alunos se dedicaram a pesquisas que
ajudaram a fundamentar teoricamente os processos fisiológicos envolvidos.
Apresentaremos a seguir um breve panorama das pesquisas científicas e
relacionamentos da Técnica Alexander e em seguida os conhecimentos sobre
72
fisiologia e anatomia feitos por dois dos mais importantes praticantes da Técnica que
se interessaram em confrontá-la ao rigor dos testes e preceitos científicos.
2.3.1 Nikolaas Tinbergen e Rudolf Magnus
O cientista Nikolaas Tinbergen (1907–1988), ganhador do prêmio Nobel de Medicina
de 1973, considerou a Técnica Alexander como um excelente tratamento para
problemas respiratórios, de coluna, das articulações dentre outros. Segundo ele,
seus resultados levam, ao mesmo tempo, à saúde e à longevidade das articulações,
dos músculos e órgãos e a uma maior leveza, agilidade, liberdade e controle de
movimentos. Tinbergen afirma que a superação de hábitos imperfeitos de
funcionamento proporcionados pela Técnica pode ajudar o indivíduo em suas
atividades cotidianas, seja em um ato básico e automático como andar, ou um ato
especializado como tocar um instrumento (TINBERGEN, 1973, p. 124).
Do ponto de vista fisiológico, os estudos do importante cientista indicado ao prêmio
Nobel, Rudolf Magnus (1873- 1927), mostram a importância da posição da cabeça
em relação ao tronco para garantir a organização do corpo, sem a qual o movimento
e a postura são prejudicados. O conceito de Magnus denominado “controle central”
demonstra que há um controle que “depende de certo uso da cabeça e do pescoço
em relação ao uso do resto do corpo” (ALEXANDER, 1992, p. 71). Para Dewey (In:
ibid, p. 7), a descoberta de Magnus prova “através do que poderíamos denominar
indícios externos, a existência de um controle central no organismo”, mas faz a
ressalva de que “a Técnica de Alexander forneceu uma confirmação direta e
profunda, na vivência pessoal, da existência do controle central muito antes que
73
Magnus realizasse suas investigações”. Teremos uma visão mais ampla do trabalho
de Magnus ao tratarmos das pequisas de Jones, que utilizou os estudos de Magnus
para fundamentar os princípios da Técnica Alexander.
2.3.2 George E. Coghill
O eminente anatomista americano George E. Coghill (1872-1941), membro da
Academia Nacional de Ciências, conheceu a Técnica Alexander através do próprio
Matthias Alexander que, em ocasião da Segunda Guerra Mundial, decidiu se mudar
temporariamente para os EUA. Por sua consistente carreira científica na área de
anatomia, Coghill pôde rapidamente trazer os procedimentos da Técnica Alexander
para a linguagem e terminologia das ciências biológicas, relacionado-a com sua
própria pesquisa sobre a postura, propriocepção e integração do corpo no
desempenho de funções específicas.
Na visão de Coghill, três princípios biológicos bem estabelecidos em longa pesquisa
realizada por ele em anfíbios (vertebrados) e que se aplicariam também ao seres
humanos, fundamentam a Técnica Alexander: 1) “integração do organismo como um
todo no desempenho de funções específicas”; 2) “sensibilidade proprioceptiva como
fator na determinação da postura”; 3) “importância primordial da postura na
determinação da ação muscular”. (COGHILL, In: ALEXANDER, 1993, p.197)
Para ele, o objetivo da prática de Alexander é “restaurar as forças do corpo através
de seus usos naturais”. Assim, como indicaram suas pesquisas em salamandras,
também nos seres humanos o organismo está sempre entre duas condições: a de
74
mobilidade ou a de imobilidade. No sono, apesar de haver mobilização das funções,
viscerais, circulatórios, respiratórias e congêneres, o indivíduo está imobilizado
quanto ao movimento corpóreo. Por outro lado, dentro da condição de mobilidade, o
organismo é integrado como uma unidade e está em ação em uma das duas fases
distintas: postura ou movimento. Segundo Coghill (In: ibid., p. 197-8), “na postura, o
indivíduo é mobilizado (integrado) para o movimento segundo um padrão definido, e,
no movimento, esse padrão é executado”.
Coghill observou que a postura “precede a ação e deve ser considerada como
fundamental para esta”. Sempre, antes de qualquer movimento, há uma postura
preparatória que dá a melhor condição de realizar a ação. Em seus estudos ele
classificou padrões locomotores em duas categorias, o “padrão total” (inato e
hereditário) e os “padrões parciais” (mecanismos reflexos). Caso esses padrões
estejam em harmonia, o desempenho do movimento é facilitado; mas caso o padrão
reflexo, por força do hábito, prejudique o estabelecimento do padrão total, os
movimentos se tornarão ineficientes. (COGHILL, In: ibid., p. 201 - 202)
Segundo Coghill (In: ibid., p. 201-202), a prática da Técnica Alexander coloca
novamente em uso “os percursos motores da medula espinhal e os percursos
nervosos que atravessam o cérebro, associados ao padrão total”. Ele relata como foi
orientado por Alexander para realizar o procedimento de se colocar em posição de
vantagem mecânica: 1) “prevenir a má orientação dos músculos do pescoço e das
costas”; 2) “pôr em execução um uso desses músculos capaz de determinar a
posição de minha cabeça e meu pescoço em relação ao corpo e aos membros”; 3)
“levar minhas coxas a assumir a posição abduzida” (FIG. 2.3). Os resultados obtidos
foram “mudanças nas condições musculares e de outros tipos em todo o corpo e nos
75
membros, associadas a um padrão de comportamento mais natural (de acordo com
o padrão total) para o ato de ficar de pé” (COGHILL, In: ibid., p. 201-202).
FIGURA 2.3 – Procedimento de orientação para a
posição de vantagem mecânica
Fonte: GELB, 1987, p. 152
Em sua descrição da Técnica Alexander, Coghill (1941) relata que “o procedimento
foi todo calculado para ocupar [seu] cérebro com a projeção de mensagens diretivas
que [o] habilitaram a adquirir o controle consciente do componente proprioceptivo do
mecanismo reflexo envolvido”. Assim a Técnica habilita o praticante a assumir o
controle do mecanismo reflexo e harmonizá-lo com o padrão de postura, facilitando
seus movimentos. (COGHILL, In: ibid., p. 201- 202)
76
Coghill acabou por experimentar na prática, vários fundamentos fisiológicos do
sistema motor e neuromuscular que pesquisava há mais de quarenta anos e para os
quais sua pesquisa trouxe grandes avanços. Ele afirma que o método de Alexander
elimina o conflito entre o “padrão total hereditário e inato e os mecanismos reflexos
individualmente cultivados”. Através desse processo, as energias do sistema
nervoso são preservadas havendo uma correção das dificuldades de postura e de
“muitas outras condições patológicas, normalmente não identificadas como sendo de
postura” (COGHILL, In: ibid., p. 202).
Resumindo, para Coghill o padrão de postura é impedido de funcionar pelos reflexos
mal cultivados. Assim o corpo passa a ter uma maior dificuldade de desempenho.
Para ele, a prática da Técnica Alexander reeduca os mecanismos reflexos,
induzindo-os a estabelecer uma relação normal com as funções do organismo como
um todo (COGHILL, In: ibid., p. 203).
2.3.3 Frank Pierce Jones
Outro ilustre aluno de Alexander, que se dedicou a explicar os processos envolvidos
no seu método, foi o então professor de Línguas Clássicas (grego e latim), da Brown
University, Frank Pierce Jones (1905-1975). A partir de seu contato com a Técnica
Alexander em 1938, e após terminar seu curso de treinamento de professor da
Técnica em 1940, Jones decidiu redirecionar sua carreira acadêmica,
empreendendo um trabalho de validação científica dos princípios desta prática. Em
1954, começou a dirigir um estudo experimental no Institute for Psychological
77
Research at Tufts University investigando os princípios fisiológicos e de
comportamento subjacentes ao método de Alexander.
Jones (In: ALEXANDER 1993, p. 211) argumenta que “não se pode explicar o
fenômeno cinestésico e a mudança no padrão de movimento unicamente pelo
comportamento de músculos individuais”. Para ele, a grande influência que a cabeça
e o pescoço desempenham na facilitação do movimento e no funcionamento do
corpo mostram a necessidade de uma explicação mais ampla. Procurando esta
explicação, Jones levantou as pesquisas conduzidas sobre anatomia e fisiologia de
Magnus (1924); Magnus & de Kleijn (1912) e Rademaker (1931) que mostravam a
relação cabeça-pescoço como o mais importante mecanismo de controle da postura
nos animais
15
(JONES, In: ALEXANDER, 1993, p. 211).
Jones publicou diversos artigos divulgando os resultados de suas pesquisas. Ele
ajudou a fundamentar os procedimentos da Técnica Alexander, relacionando-a com
uma longa lista de estudos em anatomia, fisiologia e neurociências, demonstrando a
existência de um mecanismo nos seres vertebrados, inclusive no homem, que ele
chamou de mecanismo antigravitacional. Em seu livro “Body Awareness in Action”
de 1976, sua maior contribuição se fez através de vários experimentos controlados,
nos quais demonstrou a eficácia da Técnica Alexander na restauração dos
mecanismos antigravitacionais.
Jones, citando estes estudos, mostrou como a “distribuição do tônus no pescoço,
nas costas e nos membros” pode ser afetada pela ”posição da cabeça de um animal
15
“Na postura de animais, está bem estabelecido que o mais importante mecanismo de controle
refere-se à relação cabeça-pescoço” (JONES, In: ALEXANDER, 1993, p. 211).
78
no espaço ou a sua posição em relação ao corpo” (JONES, In: ALEXANDER, 1993,
p. 211). Para Jones, a frase de Magnus resume o princípio dizendo que, “na postura
e no movimento, a cabeça age e o corpo a segue”. (MAGNUS, apud. JONES, In:
ibid., p. 212).
Para ilustrar esse fenômeno Jones cita o caso do gato (FIG. 2.4) quando é solto no
ar com as costas voltadas para baixo. Nessa circunstância, “ele imediatamente
começa a voltar à posição correta”. Guiadas pela cabeça, “as tensões do pescoço,
das costas e dos membros alteram-se progressivamente. O corpo se contorce, e o
gato cai em pé” (JONES, In: ibid., p. 212-214).
FIGURA 2.4
– A organização corporal
comandada pela posição da
cabeça
Fonte: GELB, 1981, p. 48
79
Jones ressalta que o mecanismo cabeça-pescoço pelo qual a reação
antigravitacional pode ser facilitada opera abaixo do nível de consciência, pois esse
mecanismo é uma decorrência dos reflexos de aprumo que “são subcorticais e
inacessíveis ao controle consciente direto”
16
(MAGNUS, apud. JONES, In: ibid., 214).
Além de organizar as ações, movimentos e posturas do corpo, os reflexos cabeça-
pescoço também demonstraram ter influência sobre a respiração, a circulação e a
posição dos olhos. Experimentos em aves e mamíferos mergulhadores mostraram
“um conjunto de reflexos altamente desenvolvido que interrompe a respiração e
reduz o batimento cardíaco a fim de conservar o oxigênio” (IRVING, 1939;
SCHOLANDER, 1963, apud JONES, In: ibid., p. 212). Jones recolheu vários
estudos
17
demonstrando que apesar de camuflados por padrões de atividade
voluntária, esses mecanismos estão claramente presentes no homem. (JONES, In:
ibid., p. 213).
Através da experiência como professor da Técnica Alexander e dos resultados de
suas pesquisas, Jones fundamentou a afirmação de que é possível estabelecer um
controle indireto sobre esse mecanismo involuntário, “se o sujeito aprender a
16
“Magnus (1925): Parece importantíssimo que todo o mecanismo central para a função de aprumo
(com exceção dos reflexos de aprumo óticos) esteja situado subcorticalmente no tronco cerebral e,
assim, não disponha de ação voluntária. O córtex cerebral origina, durante a vida comum, uma
sucessão de movimentos fásicos, que tendem a perturbar a postura de repouso geral. Nesse meio
tempo, os centros do tronco cerebral reparam a perturbação e levam o corpo de volta à postura
normal, de maneira que o impulso cortical seguinte encontra o corpo preparado para se movimentar
novamente (p. 349). Magnus (1930): Temos... um mecanismo subcorticalmente atuante que controla
e ajusta a posição de nosso corpo, esteja ele ereto ou reclinado em relação ao espaço. Esse
mecanismo de atuação inconsciente, pela cooperação de reflexos complicados, restitui nosso corpo à
posição normal toda vez que esta é modificada (p. 103)”. (apud. Jones In: Alexander, 1993, p. 214).
17
“Eles foram várias vezes demonstrados em bebês (Gesell, 1954; Peiper, 1963), crianças pequenas
(Landau, 1923; Schaltenbrand, 1925), pacientes com moléstias neurológicas (Simons, 1923; Walshe,
1923), e em adultos normais (Hellebrant, Schade & Cairns, 1962; Tokizane, 1951; Wells, 1944). Um
grande número de desenhos e fotografias para ilustrar os padrões dos reflexos cabeça-pescoço que
se manifestam na dança, no esporte e na atividade cotidiana foi reunido por Fukuda (1957). (Jones,
ANO, p. 213).
80
reconhecer e a inibir tendências de má adaptação de postura que interferem na
reação do organismo à gravidade”. Seus estudos mostraram que a Técnica, ao
favorecer o estabelecimento de uma nova relação cabeça-pescoço, diferente da
cultivada pelo hábito, “facilita os reflexos de aprumo e leva o sujeito a uma outra
orientação dentro do campo gravitacional”. Com isso, automaticamente acontecem
várias mudanças positivas, dentre elas um melhor funcionamento respiratório,
circulatório e do uso dos olhos (JONES, In: ALEXANDER 1993 p. 214).
Paralelamente ao estabelecimento desses pressupostos, Jones empreende uma
série de experimentos controlados através da fotografia estroboscópica,
eletromiografia, plataforma medidora de tensão e da fotografia de raio X, que lhe
permitiram aferir sistematicamente os resultados da diferença de movimentos
realizados com e sem a incorporação da Técnica Alexander (JONES, 1997, p. 106 -
137).
Jones explica como certas tendências inadequadas de uso do organismo podem se
desenvolver no aprendizado motor. Apesar de essas tendências serem muitas vezes
prejudiciais à execução do movimento, elas não são eliminadas automaticamente;
ao contrário, o organismo se adapta e elas passam a dar a sensação de estarem
certas. Esse fenômeno ocorre porque apenas uma parte do padrão de movimento é
percebida pelo indivíduo - a parte dirigida para a meta, ou seja, o que ele vai fazer. A
outra parte do padrão de movimento é “tônica ou postural”. Ela é encarregada de
manter a integridade do organismo no momento da execução de uma ação
específica. A questão, segundo Jones, é que normalmente não percebemos a parte
tônica ou postural, pois é subcortical (JONES, In: ALEXANDER, 1993, p. 216).
81
Se por um lado não temos o controle direto sobre o padrão de postura, por outro,
podemos tomar consciência da tendência ou padrão de tensão que interfere no
desempenho uniforme de um movimento. Assim o indivíduo tem a chance de
estabelecer um controle indireto sobre o mecanismo postural se ele aprender a
prevenir sua tendência (JONES, In: ibid., p. 216). Jones enfatiza a enorme
importância do papel da inibição nos casos dessas tendências que interferem no
padrão de movimento. Através da inibição é possível restabelecer-se o padrão
postural, redistribuir o tônus muscular e tornar a ação mais fácil. Segundo Jones, a
partir da tranqüilidade das novas sensações de facilidade no movimento, as
maneiras prejudiciais começam a ser identificadas como erradas “e um novo padrão
sensorial é gradualmente estabelecido” (JONES, In: ibid., p. 216).
2.4 A Técnica Alexander e o canto
A relação da Técnica Alexander com o canto foi tratada em alguns trabalhos
acadêmicos. Dentre eles podemos citar Lewis (1980), Lloyd (1986) e Head (1996).
Nesses estudos encontramos várias conclusões a respeito de como a prática da
Técnica pode ajudar os cantores a adquirirem uma nova ferramenta na abordagem
das questões envolvidas na prática vocal. Essas pesquisas, apesar de contarem
com metodologias diversas, e de terem sido desenvolvidos em épocas e países
diferentes, chegam a resultados bastante coerentes entre si.
Lewis (1980) realizou um levantamento com 70 professores de canto dos EUA,
através do qual investigou o grau de contato dos professores americanos e suas
impressões sobre a eficácia da Técnica Alexander no auxílio ao ensino e à pratica
82
do canto. Lewis (ibid., p. 136) afirma que existe uma compatibilidade entre “a prática
da Técnica Alexander e os princípios amplamente aceitos da pedagogia vocal”. Para
ela, uma grande parte da prática vocal lida com a mudança de hábitos prejudiciais a
uma voz ressonante. Torna-se significativamente mais fácil para um estudante de
canto “mudar hábitos contraproducentes quando ele está atento a sua existência”; “a
auto-percepção do estudante e a liberação de excesso de tensão em uma parte do
corpo facilitam o desenvolvimento da auto-percepção e a liberação de excesso de
tensão em outras partes do corpo”. Estas constatações indicam a grande afinidade
entre a Técnica Alexander e o canto. Quanto maior a experiência em Técnica
Alexander, maior a habilidade para se mudar hábitos contraproducentes (ibid., p.
108).
Para Lewis (ibid., p. 136), a Técnica Alexander possibilita um conhecimento que
torna o professor de canto capaz de diagnosticar os problemas dos alunos ligados
ao uso que eles fazem de si mesmos. Os hábitos prejudiciais serão percebidos pelo
professor, que saberá prescrever formas de superação desse mau uso, auxiliando o
aluno na aquisição de “um canto artístico”.
Lloyd (1986) realizou um estudo de caso com 5 alunos de canto da África do Sul,
onde inseriu 30 sessões de aulas de Técnica Alexander 6 meses após o início da
prática de canto. Lloyd adotou parâmetros que indicavam a evolução dos alunos na
Técnica, tais como: (1) a observação do uso do corpo ao sentar e levantar; (2)
desenho do contorno do corpo, extraído de fotografias, mostrando a postura dos
alunos antes/depois da Técnica Alexander; (3) medidas corporais extraídas por
fisioterapeutas; (4) diários dos alunos com observações sobre os efeitos percebidos
em seus hábitos; (5) notas de discussões entre professores de canto e professores
83
de Técnica Alexander; (6) a análise subjetiva da sonoridade da voz antes/depois da
Técnica.
A autora apresenta uma análise do desenvolvimento vocal dos alunos de canto a
partir da prática da Técnica Alexander. Os resultados obtidos coincidem com as
indicações de outros dois trabalhos sobre as relações entre a Técnica Alexander e a
pedagogia e performance do canto, feitos por Lewis e Head, citado neste estudo.
Entretanto, Lloyd parece enfatizar os resultados além das possibilidades de
comprovação fornecidas por seus dados. Assim, outros estudos seriam necessários
para que se pudesse comprovar, de maneira sistemática e exaustiva, as afirmações
feitas por esta autora.
Lloyd (ibid., p. 122) analisa o resultado da aplicação da prática da Técnica
concomitantemente ao ensino do canto, relacionando a melhora postural com a
posterior melhora nos parâmetros vocais. Ela cita: “depois de dez aulas [de Técnica
Alexander, o aluno] percebeu de repente por que a mudança postural era necessária
e ele começou a melhorar muito rapidamente”. Ela apresenta ainda a mudança
relevante em outra aluna que, tendo iniciado os estudos com muitos problemas
vocais, como “quebra vocal em toda a oitava do dó médio [dó 3]” e um “fôlego que
durava três ou quatro notas”; “ao final de dois anos de prática da Técnica Alexander
associadas a aulas de canto, ela podia executar longas frases com coloratura, em
árias de Handel, sem nenhum (sic) esforço em sua respiração” (ibid., p. 122).
Lloyd (ibid., p. 130) defende que os bons resultados obtidos no aperfeiçoamento
vocal e na diminuição de problemas apresentados pelos sujeitos de sua pesquisa,
dependeram de efeitos proporcionados pela Técnica Alexander. Ela explica que
84
músculos, anteriormente muito tensos, começaram a se tornar mais equilibrados
permitindo o feedback necessário ao cérebro e, conseqüentemente, se tornando
aptos a responderem à direção mental. Para ela, a primeira etapa para controlar o
apoio respiratório, consiste em “dirigir instruções mentais a determinados músculos
no sistema de sustentação”. Se a energia segue o pensamento, a musculatura
começa a contribuir na produção de uma voz melhor.
Falando do mecanismo respiratório, Lloyd (ibid., p. 130) argumenta que o aumento
da auto-percepção e da capacidade de direção mental traz benefícios para o cantor
“em todos (sic) os aspectos de aquisição de habilidades”. Essa auto-percepção é
fator fundamental no exame das tensões habituais, possibilitando mudanças,
quando o cantor desfaz tensões e interferências que freqüentemente geram
problemas vocais. Dessa forma, ele poderá “se dar conta dos reflexos naturais do
corpo” utilizando-se ao máximo do “uso do fluxo natural de energia”. Segundo a
autora “com o tempo, o cantor se dá conta de quanto ‘fazer’ genuíno é necessário
para criar o fluxo respiratório exigido para a qualidade de som desejado” (ibid., p.
130).
Segundo Lloyd (ibid., p.141), se “o apoio da respiração atinge um fluxo fácil”, as
outras partes envolvidas no canto tenderão a se equilibrar. A autora afirma que o
aumento da capacidade da direção mental, proporcionado pela prática da Técnica
Alexander, é inestimável ao lidar com os detalhes mais finos da produção vocal. Ela
cita a formação vocálica, a posição da boca, a agilidade da língua, a liberação da
mandíbula, a tensão facial e a colocação da ressonância, como fatores que se
tornam muito mais susceptíveis à verdadeira direção mental.
85
Head (1996) fez um relato da sua experiência como cantora e professora de canto
no Canadá, através da revisão da literatura associada à sua própria prática de
Técnica Alexander. Head (ibid., p. 42), enfatiza que repetidamente as publicações
de professores de canto e Técnica Alexander, que tratam da complementaridade
entre as duas, relatam a Técnica como um processo extremamente valioso para a
área da prática vocal e do canto. Segundo ela, “a Técnica Alexander pode ter um
papel importante em uma abordagem holística ao ensino do canto” (ibid., p. 42).
Heirich (In: HEAD 1996, p. 46) argumenta que a Técnica Alexander é uma
importante “ferramenta para rever as possíveis concepções errôneas sobre
conceitos fundamentais do canto”. Para Head (ibid., p. 46), o mecanismo respiratório
da inspiração que deve ser trabalhado através do permitir e não do fazer, pois o
fazer representa uma interferência. Todo o “sistema neuro-muscular-esqueletal deve
ser reeducado ao trabalharmos o mecanismo respiratório para cantar, porque tudo
afeta tudo". Além disso, o apoio no sopro fonatório deve ser "um sistema alternativo
de suporte integral", que possibilita uma estabilidade e um som ressonante que
percorre todo o ambiente da performance.
Outro ponto importante levantado por Head (ibid., p. 47) refere-se à abordagem dos
professores quanto aos problemas apresentados pelos alunos. Ao ilustrar um caso
de tensão maxilar, a autora coloca que a partir da visão da Técnica Alexander, os
“problemas são corrigíveis não impondo movimentos de mandíbula imediatamente
contrários ou opositores, mas primeiro, por começar a aprender o controle
primordial”. Citando Heirich (ibid., p. 46), explica que se preservamos o controle
primordial, então a “mandíbula pode se pendurar no crânio, o osso hióide (onde
língua está enraizada) pode se pendurar no processo estilóide, e a laringe pode se
86
pendurar no osso hióide” (FIG. 2.5), demonstrando um ajuste onde não há tensões
desnecessárias. Dessa forma “o cantor pode aprender a não sobrecarregar a
formação de vogais e consoantes, deixar a idéia de erguer o palato mole
mecanicamente, e se dar conta de inibir a desnecessária tensão da postura
preparatória”.
FIGURA 2.5 – Músculo estilo-hióideo ligando o processo
estilóide ao osso hióide.
Fonte: ZEMLIN, 2000, p. 142
Para as três autoras - Lewis, Lloyd e Head - o aspecto da auto-percepção surge
como uma das mais importantes contribuições da Técnica Alexander para o cantor.
Head (1996, p. 42) relata que sua percepção do próprio comportamento como
cantora, assim como a de seus alunos, se elevou dramaticamente com a prática da
Técnica Alexander, o que muito favoreceu a solução dos problemas envolvidos na
87
prática do canto. A partir dos dados de sua pesquisa, Lewis (1980, p. 108) afirma
que as pessoas que tiveram aulas da Técnica perceberam as tensões existentes em
partes do corpo e classificaram tais tensões como contraproducentes mais
constantemente que as pessoas que não a haviam praticado. Segundo Lloyd (1986,
p.133), a capacidade de auto-observação da pessoa se eleva e o cantor passa a
entender como os mecanismos do corpo funcionam.
Lewis (1980, p. 137), também enfatiza a importância da Técnica Alexander para o
desenvolvimento da percepção necessária para que o aluno possa perceber o mau
uso do organismo na prática do canto. Lloyd (1986, p. 133) aponta que, com a
prática da Técnica Alexander, o cantor que não se desenvolvia por causa dos
desequilíbrios posturais habituais passa a deter “o poder de mudar a postura de fato
para melhor”. Quanto mais sutil a tensão, maior a vantagem em reconhecê-la teve o
grupo de cantores que tinha experiência com a Técnica. (Lewis, 1980, p. 107-108).
Lloyd (1986, p. 124) afirma que, a partir de certo estágio de prática da Técnica
Alexander, houve a percepção da ação muscular para produzir um som de qualidade
e de sua real necessidade. Porém, em contraste com sua idéia anterior, percebeu
que antes introduzia muito mais ações musculares do que era necessário para esse
som. Para ela, a partir dessa percepção, houve um entendimento de que “a
interferência era um movimento muscular”. Lloyd (ibid., p. 124) percebeu que, apesar
da interferência ser feita pelo próprio cantor, na tentativa de realizar o melhor, ela
“não ajudou a produzir um som de qualidade”. Ao contrário, demandava maior gasto
de energia, além de perturbar o porte do corpo em desempenho. Outra
conseqüência observada é que a interferência “desviou energia para longe da ação
88
muscular apropriada e necessária” e se tornava mais forte e mais perceptível em
passagens mais exigentes da música ou da emissão da voz em certas regiões.
Segundo Head (1986, p. 45), a “percepção elevada”, propiciada pela Técnica
Alexander, atua em todas as atividades e não somente na atividade do canto. Para
ela, os sintomas do mau uso estão sempre lá, simplesmente ficam mais exagerados
quando se canta. A percepção desses sintomas de mau uso dos alunos nos deixa a
par dos problemas vocais como a parte de problemas no funcionamento geral (ibid.,
p. 45). Lewis (1980, p.137), lembra que, para Alexander, o uso de uma parte do
corpo afeta todas as outras em graus diferentes. A autora dá o exemplo de um aluno
com “um queixo duro”, onde o mau uso geral será o fator a ser percebido como
causa do mau uso do aparato vocal do cantor.
Quando esse mau uso “é tão pronunciado que a atividade de cantar não é nada
além de tensão”, a Técnica Alexander terá um papel ainda mais importante. Ela
poderá dar ao professor a capacidade de perceber a condição do aluno e permitir a
opção de adiar o início da prática vocal. A Técnica poderia ajudar o aluno a
“melhorar o uso antes que as lições de canto comecem” (HEAD, 1996, p. 45).
Segundo Lloyd (1986, p. 141), “os músculos com excesso de tensão se esgotam
com os anos de desgaste impróprio”, mas a Técnica Alexander pode ajudar “o cantor
achar o equilíbrio entre esforço e facilidade”.
As três autoras também chegaram a conclusões semelhantes, no que se refere às
tensões musculares que prejudicam a atividade do canto. Para Lewis (1980, p. 136),
o aluno requer um cuidadoso recondicionamento do uso de si mesmo, para aprender
como reagir aos estímulos que o circundam. Pode levar tempo, a mudança de um
89
“mecanismo respiratório hiper-tenso para o comando flexível do fluxo de ar natural
[...] mas é necessário manter a direção do estudante no sentido do apoio natural da
respiração” (LLOYD, 1986, p. 141). Vários problemas vocais encontram seu
equilíbrio com a abordagem da Técnica Alexander, “tais como laringe
demasiadamente alta ou demasiadamente baixa, língua tensa, consoantes e vogais
sobrecarregadas, levantamento mecânico do palato mole, e tensão desnecessária
em postura preparatória” (HEAD, 1996, p. 47). Para Lloyd (1986, p. 122), “as aulas
da Técnica Alexander aliviaram esta rigidez e ela lentamente começou a achar a
habilidade de cantar com muito menos esforço”.
Lewis (1980, p. 136), aborda um tópico presente na atividade diária do cantor: sua
idéia de cantar com naturalidade, sem esforço ou relaxado. Para ela, o estudante
tem que desconfiar de suas sensações e mesmo achando que está errado, perceber
onde está o melhor resultado. Cantar bem não é sentir-se natural, pois a sensação
de naturalidade pode estar sendo fornecida por uma apreciação enganosa. A autora
rememora a descoberta de Alexander de que a sensação de naturalidade pode ser
simplesmente aquilo que já nos é familiar, ou seja, um eventual mau hábito (ibid., p.
136).
As três autoras afirmam em seus trabalhos a importante contribuição de Técnica
Alexander em questões da relação subjetiva do cantor com sua atividade. Em suas
pesquisas, aspectos artísticos ou outros como a inspiração ou o prazer em cantar, a
espontaneidade, o bem estar, a liberdade ou a expressividade, são apontados como
importantes áreas onde a Técnica atuou.
90
Para Head (1996, p. 45) “o mais importante, a inibição (seguida pelas direções), nos
dando escolha, dá mais uma possibilidade de ser espontânea, em lugar de
automaticamente recorrer à mesma velha coisa”. Para ela, a expressão espontânea
do canto, sem as limitações impostas por hábitos inconscientes e improdutivos ou
pela interferência de uma auto-percepção intelectualizada, é a experiência que a
maioria dos cantores busca (ibid., p. 45). Lloyd (1986, p. 142) acrescenta que “uma
vez que o processo de aplicar o bom uso se torna uma parte integrante da
percepção do cantor; ele adquiriu uma habilidade vital fundamental para o seu
desenvolvimento da performance artística”. Para Lewis (1980, p. 109), a prática da
Técnica Alexander melhora a performance ou a didática do canto. Sua prática nos
traz uma liberdade para funcionar o mais eficaz e expressivamente possível (ibid., p.
140). E, finalmente Head (1996, p. 47), endossa a visão das outras autoras,
relatando que em sua experiência como cantora, passou a ter uma performance
realizada com “maior facilidade, e com maior inspiração”.
A partir dos dados e conceitos descritos acima, percebemos uma grande coesão nos
resultados das três pesquisadoras, mostrando grande compatibilidade entre as duas
práticas e um grande campo de pesquisa no que se refere aos benefícios trazidos
pela prática da Técnica Alexander ao cantor, ao aluno de canto e inclusive ao
professor de canto. Também através do confronto entre a concepção
anatomofisiológica do fenômeno vocal apresentada no Capítulo 1 e os princípios da
Técnica Alexander novamente foi revelada uma grande complementaridade entre o
canto e a Técnica Alexander. Para obter informações de como essa interação é
desenvolvida por cantores praticantes da Técnica Alexander no Brasil, identificamos
e entrevistamos indivíduos que atuam ou atuaram com a Técnica Alexander e com o
canto nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. Para isto, foi delineado um estudo
91
qualitativo, que será explicitado na próxima seção intitulada Interlúdio, que trata da
metodologia de pesquisa, e descreve os passos da elaboração, planejamento e
execução da coleta e análise dos dados.
92
INTERLÚDIO - METODOLOGIA DE PESQUISA
Este estudo emergiu do desejo de compreender como a Técnica Alexander atua no
auxílio às inúmeras dificuldades enfrentadas na prática do canto, sejam elas
apresentadas por iniciantes, estudantes avançados ou profissionais. Apesar de
haver um interesse especial pela prática do canto erudito (canto lírico), pois essa é a
atividade à qual tenho me dedicado há vários anos, vemos o objeto de estudo desta
pesquisa como sendo promissor e relevante também à atividade dos cantores de
música popular e dos profissionais que usam a voz falada (atores, locutores, etc.).
Esta pesquisa objetiva investigar a relação entre a Técnica Alexander e a produção
vocal, suas contribuições para o cantor em aspectos, sobretudo, onde a pedagogia
vocal e o arsenal de abordagens específicas da prática vocal corrente não são
efetivos, especificamente no que se refere à saúde vocal do cantor.
Desconhecendo, na realidade local, estadual ou até mesmo nacional, a inserção de
aulas da Técnica Alexander em cursos de formação, de graduação ou pós-
graduação ou especialização em canto, partimos para a busca de um contexto que
pudesse configurar um campo de pesquisa sobre a relação entre a Técnica
Alexander e o canto.
Desta forma, foi contatada a ABTA (Associação Brasileira de Técnica Alexander)
para nos auxiliar fornecendo indicações sobre a existência, no Brasil, de cantores ou
estudantes de canto que fossem também praticantes ou alunos da Técnica
Alexander há pelo menos um ano. O campo de estudo ficou definido a partir de
negociações entre o pesquisador e os contatos fornecidos pela ABTA. Seis
93
indivíduos foram contatados pelo pesquisador. No final, cinco desses indivíduos
participaram da pesquisa.
Definidos os sujeitos participantes da pesquisa, constatamos que o objeto seria
investigar a influência da Técnica Alexander na atividade do cantor a partir das
perspectivas oferecidas por estes indivíduos.
1 Técnica de coleta de dados
A entrevista demonstrou ser o método adequado para a pesquisa, pois possibilita a
classificação dos dados, oferece a chance de esclarecimentos ou aprofundamentos
em aspectos específicos no decorrer de sua aplicação, além de possibilitar a
percepção de aspectos subjetivos ligados às expressões do entrevistado. Segundo
GIL (1994, p.113),
“A entrevista é uma das técnicas de coleta de dados mais utilizada no
âmbito das ciências sociais.[...] Enquanto técnica de coleta de dados, a
entrevista é bastante adequada para a obtenção de informações acerca do
que as pessoas sabem, crêem, esperam, sentem ou desejam, pretendem
fazer, fazem ou fizeram, bem como acerca das suas explicações ou razões
a respeito das coisas precedentes.
Goode & Hatt apud Lakatos e Marconi (2001. p. 196) observam que a entrevista
“consiste no desenvolvimento de precisão, focalização, fidedignidade e validade de
certo ato social como a conversação”. A entrevista é “um encontro de duas pessoas,
a fim de que uma delas obtenha informações a respeito de determinado assunto,
mediante uma conversação de natureza profissional” (LAKATOS e MARCONI, 2001,
p. 195). Dessa forma, a entrevista permitiu efetivar um contato direto entre
entrevistador e entrevistado, tendo como objetivo principal recolher informações
94
qualitativas sobre a influência da Técnica Alexander na prática vocal de cada
entrevistado.
Nas datas pré-determinadas pelos entrevistados e pelo pesquisador, as entrevistas
foram realizadas em cenários sugeridos pelos próprios entrevistados. Quatro delas
aconteceram nas residências dos entrevistados. A única exceção ocorreu em função
das duas partes envolvidas estarem em um evento, com espaço e tempo adequados
para a realização da entrevista. As entrevistas duraram em média pouco mais de
cinqüenta minutos cada uma, sendo que uma delas chegou aos sessenta minutos.
Elas foram realizadas nos dias 15 e 16/11/2006 na cidade de São Paulo, onde se
encontravam quatro dos indivíduos a serem entrevistados e no dia 17/12/2006, na
cidade do Rio de Janeiro onde se localizava o quinto indivíduo a ser entrevistado.
As entrevistas foram realizadas por tópicos, onde os entrevistados, uma vez
esclarecidos dos temas a serem abordados, relatavam suas experiências como
praticantes e professores da Técnica Alexander, como profissionais da performance
e professores de canto, e sua visão da influência de uma sobre a outra. O roteiro da
entrevista semi-estruturada foi composto por tópicos envolvendo a relação entre as
categorias de análise, ou seja, aspectos fisiológicos, acústicos e vocais da prática do
canto. O roteiro da entrevista pode ser encontrado no Apêndice A.
Todas as entrevistas foram filmadas em vídeo, com uma câmara ‘Handcam’ formato
MiniDV, posicionada em um tripé no lugar indicado pelo entrevistado. As filmagens
das entrevistas foram feitas com intuito de possibilitar maior precisão e agilidade nas
transcrições das mesmas. Foi esclarecido que as imagens não seriam utilizadas
para outros fins e que as transcrições seriam utilizadas sem a ocultação das
95
identidades. Para que não houvesse o perigo de comprometimento dos dados
levantados, ao aplicar a entrevista, procuramos manter a motivação do entrevistado
no desenvolvimento do discurso, através da interatividade da conversa. Tentamos
ainda colocar as questões de forma que não houvesse ambigüidades ou uma
incompreensão do significado das perguntas, tampouco indução das respostas.
Ficou definido que utilizaríamos os nomes verdadeiros dos entrevistados, uma vez
que sua contribuição para a dissertação é a contribuição de uma experiência única e
pessoal. Os e-mails de cada entrevistado contendo a autorização da utilização dos
trechos das entrevistas e de suas respectivas identificações encontram-se no
anexo B.
2 Sujeitos da pesquisa
Todos os cinco indivíduos que concederam entrevistas ao pesquisador são
professores de Técnica Alexander e têm longa experiência como cantores, alguns da
música erudita, outros da música popular. Quatro deles são também professores de
canto e dois indivíduos têm grande vivência na área teatral, tanto como atores como
professores de técnica vocal. Os cinco entrevistados serão apresentados neste
estudo através de seus nomes originais, a saber:
Gabriela Geluda
: Soprano - É cantora, formada em canto lírico. Foi para a Inglaterra
para fazer pós-graduação em performance do canto em música antiga. Lá conheceu
a Técnica Alexander, fez o curso de formação de professores e atualmente é
professora de canto e de Técnica Alexander. Atua no Rio de Janeiro.
96
Izabel Padovani
: Mezzo-Soprano – Cantora na área de música popular e professora
de Técnica Alexander. Morou dez anos entre Brasil e Áustria, trabalhando com
música popular brasileira. Em 2000 se estabelece em Viena onde cursa a escola de
formação para professores de Técnica Alexander. Atualmente, aliado aos trabalhos
como cantora, dá aulas de Técnica Alexander e ministra workshops. Atua em São
Paulo.
Reinaldo Renzo
: Barítono - Professor da Técnica Alexander desde 1995, é formado
como arquiteto e ator. Atuou, por mais de 16 anos, como cantor em uma banda de
música brasileira na Inglaterra. Leciona a Técnica Alexander em São Paulo.
Sônia Dumont
: Soprano - É cantora há 20 anos e pratica a Técnica Alexander a
doze. Atua como professora de canto e técnica vocal tanto para voz falada com
ênfase para o teatro, como para o canto lírico e popular. Atua no Rio de Janeiro.
Walter Weiszflog
: Barítono - Estudou canto Lírico no Brasil e foi se aperfeiçoar na
Inglaterra onde conheceu a Técnica Alexander. Fez o curso de formação em Técnica
Alexander e com ela atua há mais de trinta anos. Atua em São Paulo.
3 Análise de dados
Inicialmente, a escolha das categorias se deu a partir dos seguintes conceitos vocais
apontados por Blades-Zeller (1993 apud VIDAL, 2000): (1) postura; (2) respiração;
(3) som e ressonância; (4) registros; (5) som vocal uniforme e equalização do som;
(6) dicção; (7) vogais; (8) tensão; e por Vidal (2000): (1) estrutura respiratória; (2)
foco e ressonância; (3) articulação dos fonemas; (4) equalização dos registros; (5)
97
eliminação das tensões. Ambas as autoras direcionam seus estudos para questões
pedagógicas utilizando-se de outros conceitos ligados ao ensino e aos métodos
utilizados pelo professor de canto que não são de interesse deste estudo. A partir
dos conceitos vocais de Blades-Zeller (1993) e Vidal (2000), adicionamos outros que
buscaram respaldo, tanto na literatura de fisiologia da voz e técnica vocal, quanto na
literatura relativa à Técnica Alexander.
Assim, ao organizarmos previamente todos os conceitos a serem utilizados,
adotamos a seguinte lista de categorias que permeariam as entrevistas:
1. Nível de incidência de problemas ou dificuldades vocais e de disfonias, tanto leves
quanto mais sérias, nos cantores praticantes da Técnica Alexander;
2. A qualidade de uso corporal proporcionado pela prática da Técnica Alexander;
3. A voz como um produto do organismo psicofísico, ou seja, do organismo como um
todo;
4. Mudanças na sua atuação vocal dos cantores praticantes da Técnica Alexander
(quais e como os parâmetros vocais mudaram, para melhor ou para pior);
5. Mudanças na atuação do sistema respiratório, da produção do som pela laringe,
dos mecanismos de modificação do som (ressonâncias, harmônico), dos
mecanismos de articulação (vogais, cores) e dos mecanismos de percepção e
controle da voz (audição, propriocepção).
As categorias específicas também foram incluídas no roteiro da entrevista para
serem abordadas caso o entrevistado não as mencionasse dentro de sua fala
espontânea, a saber: (1) respiração – postura - equilíbrio – tensão; (2) níveis de
tensão localizada ou geral; (3) facilidade em cantar; (4) ocorrência de disfonias antes
e depois do início da prática da Técnica Alexander; (5) extensão, tessitura,
passagens, registros; (6) timbre vocal, qualidade vocal, colocação da voz -
concepção de impostação da voz; (7) afinação e; (8) coordenação e consciência do
seu próprio funcionamento vocal (propriocepção).
98
As categorias de análise, que foram previamente estabelecidas a partir da
bibliografia utilizada neste trabalho, não se mostraram completamente eficientes
para a análise dos relatos dos entrevistados. Isto porque não se constatou uma
completa identificação entre os conceitos originalmente propostos nas entrevistas e
aqueles levantados pelos entrevistados. Dessa maneira, algumas categorias foram
retiradas e outras inseridas, melhor se ajustando à análise de dados sob o
paradigma dos conceitos indicados pelos entrevistados, ou seja, dentro da
concepção e da terminologia adotada pelos praticantes da Técnica Alexander. São
elas: (1) respiração; (2) esforço e tensão; (3) passagens e extensão; (4) timbre; (5)
afinação; (6) coordenação do organismo como um todo; (7) ansiedade e medo na
situação de performance.
Ao finalizar o levantamento dos dados, deu-se início à etapa de análise e
interpretação, buscando-se confrontar as informações obtidas com a literatura
exposta nos fundamentos teóricos desta pesquisa. Conforme Gil (1994, p. 166), o
objetivo da análise de dados é organizar e sumariar os dados coletados, de maneira
que eles possam responder às questões formuladas no estudo; por outro lado, a
interpretação tem como objetivo compreender o sentido mais amplo contido nas
respostas. No entanto, a decisão sobre os métodos e técnicas de análise utilizadas
depende da natureza dos dados obtidos e do tipo de informações e relações
desejadas.
A análise dos dados nesta pesquisa teve um caráter qualitativo. Os dados coletados
por meio das entrevistas e da pesquisa documental foram descritos, interpretados e
estruturados em função dos objetivos propostos, ou seja, o de estudar motivações
de opiniões, de atitudes, de valores, de crenças, de tendências, relacionadas à
99
percepção dos entrevistados da influência da prática da Técnica Alexander sobre a
prática do canto.
A análise dos dados obtidos por meio da categorização permitiu ao pesquisador
inferir a respeito da aproximação da teoria estudada com a prática, observada na
pesquisa de campo. Essa ação permitiu alcançar respostas para o problema traçado
na introdução desta pesquisa. Os dados foram:
Transcritos dos discursos obtidos;
Ordenados através de definição prévia de categorias derivadas dos conceitos
referentes à técnica do canto e à Técnica Alexander;
Classificados através de aspectos sobre os quais se deseja analisar o
conteúdo;
Analisados com base na reorganização das categorias de acordo com a
realidade dos dados obtidos.
Interpretados através do confronto entre referencial teórico e os conceitos
recolhidos nos relatos.
Visto o processo metodológico utilizado na construção e definição do objeto de
pesquisa, na elaboração e realização das entrevistas e na organização dos dados,
passaremos agora ao Capítulo 3, onde apresentaremos a análise dos dados
recolhidos.
100
CAPÍTULO 3 - PERCEPÇÃO DOS CANTORES SOBRE O IMPACTO DA TÉCNICA
ALEXANDER NA PRÁTICA VOCAL
Neste capítulo, iremos expor os resultados obtidos a partir do confronto dos dados
recolhidos nas entrevistas com as categorias e parâmetros previamente elaborados
de acordo com os objetivos da pesquisa. As várias possibilidades de leitura de uma
mesma fala, de acordo com a categoria ou parâmetro a que a confrontamos, fizeram
com que trechos se repetissem revelando a complexidade e transversalidade do
tema.
O fato de os entrevistados possuírem um universo próprio de conceitos, experiências
e terminologias, relativos à Técnica Alexander, por um lado, nos fez perceber a
coerência e consistência existente entre os relatos. Por outro, nos deu a difícil tarefa
de enquadrá-los nos parâmetros previamente estabelecidos, que tinham como
premissa e paradigma a vivência do pesquisador no universo conceitual da prática
vocal pura.
Assim, reorganizamos os tópicos de forma a, dentro da coerência textual dos
entrevistados, englobar e prestigiar os objetivos da entrevista expostos através das
categorias conceituais previamente estabelecidas pela pesquisa. Dessa forma,
tivemos os relatos organizados da seguinte maneira: (3.1) respiração; (3.2) esforço e
tensão; (3.3) passagens e extensão; (3.4) timbre; (3.5) afinação; (3.6) coordenação
do organismo como um todo; (3.7) ansiedade e medo na situação de performance.
Como se verá a seguir, de forma mais ou menos intensa, todas as categorias
previstas perpassam as falas dos entrevistados explicita ou implicitamente, direta ou
indiretamente, de maneira protagonista ou de maneira subordinada.
101
3.1 Respiração
Constatamos que questões referentes à respiração foram mencionadas em todas as
entrevistas de forma importante. Para os cantores sem a prática da Técnica
Alexander, normalmente a respiração é treinada com movimentos musculares
específicos que, em sua maioria, impõem algum grau de esforço e tensão. Existe
uma grande variedade de técnicas respiratórias que, em muitos casos, são
acompanhadas de certa desinformação. Muitos cantores experientes buscam
professores que lhes oferecem novidades na maneira de respirar, o que demonstra
certa expectativa de alcançar esclarecimento sobre o processo da respiração.
Os entrevistados ofereceram vários comentários relativos à respiração. Observa-se
a ausência de dúvidas ou problemas em relação ao mecanismo respiratório. Para os
entrevistados, uma das primeiras manifestações da prática da Técnica Alexander em
relação à prática vocal, reside na maneira de lidar com o mecanismo respiratório. O
status fundamental da respiração para a qualidade da voz e do canto é reconhecido
por eles. Em geral, percebemos que para os cantores, a capacidade pulmonar em si
(a quantidade que se respira) não é tão relevante, mas sim, a maneira de controlar a
expiração (a saída do ar enquanto se canta). Porém, para Sônia, uma das
entrevistadas, o volume pulmonar não é pensado em contraposição ao controle da
expiração, mas em relação ao “meio pelo qual” se respira.
Sônia: E no fundo, cantar bem é respirar bem. Isso não significa quantidade.
Isso significa “como”. Não “quanto” eu respiro, mas, “como” eu respiro.
Foi percebido também que, antes de terem contato com a Técnica, havia
dificuldades em se adaptar às técnicas respiratórias tradicionais. O depoimento
102
seguinte, oferecido por Izabel, demonstra que havia problemas, antes da prática da
Técnica Alexander, com excesso de tensão, cansaço e dores. Seu depoimento deixa
transparecer ao mesmo tempo a percepção da existência do problema e sua atual
superação.
Izabel: Eu tinha muitos problemas com a respiração. Isso era um ponto, eu
me tencionava excessivamente [
para] respirar da maneira que elas
[professoras de canto] pediam para respirar. E saia da aula sempre, toda
dolorida. Hoje é claro para mim que o uso que eu fazia no meu corpo na
época - eu tinha uma postura péssima, sempre muito curvada, sempre as
voltas com dores musculares - era fator fundamental das minhas
dificuldades no aprendizado. Esses fatores são em geral ignorados pela
maioria dos professores.
Atribuiu-se à Técnica Alexander mudanças respiratórias que tiveram reflexos no
apoio da voz. É interessante perceber que o mecanismo respiratório tem um
funcionamento simples. O apoio vocal deve ocorrer de forma natural, como afirma
Sônia:
Sônia: Eu passei a respirar melhor e se eu passo a usar o meu aparelho
respiratório melhor, certamente eu vou apoiar minha voz melhor.
Naturalmente ela fica melhor naturalmente apoiada.
A percepção do esforço ao respirar é associada à idéia de uma voz sem liberdade.
Sônia
sugere que o apoio se ativa “sozinho”, a partir do momento em que são
instaladas as condições psicofísicas necessárias para sua manifestação.
Sônia: Só o fato de respirar melhor, a minha voz já “soltou”. Eu já libertei a
voz, bastante. Só na respiração. Porque se eu paro de fazer força para
respirar eu vou permitir que todo o sistema de apoio, todo mecanismo de
apoio da minha voz se ative. Sozinho.
A vivência do apoio vocal é facilitada se o cantor não interfere no uso do organismo.
Para Reinaldo, muitas dificuldades vocais se manifestam exatamente em
103
decorrência das ações técnicas empreendidas para se realizar o apoio. A idéia de
um “outro” apoio, sem a necessidade de esforço, também é enfatizada por ele.
Reinaldo: Uma das grandes dificuldades para o cantor, que tem treinamento
de cantor, que tem treino como cantor, é entender que apoio existe em você
se você parar de fazer o que você acha que tem que fazer para se apoiar,
para apoiar a voz. Mas o apoio que se entende como apoio, em geral, é um
esforço absolutamente desnecessário.
Em outro relato de Sônia, observamos que a maneira de usar os mecanismos
respiratórios proporcionada pela Técnica Alexander proporciona ao praticante a
sensação de coordenação e funcionamento ajustado. Não se precisa mais pensar
nas técnicas tradicionais de apoio vocal.
Sônia: Então eu não preciso mais pensar: “aperta” para onde? Para dentro,
para baixo, para cima? Eu não preciso mais pensar nisso.
Em seu depoimento, Sônia deixa transparecer a idéia do funcionamento natural do
mecanismo inspiratório. A idéia de inspirar puxando o ar é vista como geradora de
contração muscular, o que, na sua opinião, prejudica o cantor.
Sônia: Primeiro na respiração. Essa idéia de puxar o ar, eu acho que é
muito complicado para quem canta, por que traz uma contração aqui (leva a
mão até a região do pescoço).
Complementando essa concepção, Gabriela diz que existe uma natureza que
funciona bem em nossos mecanismos respiratórios. Esse mecanismo natural é
exemplificado lembrando-se a respiração do bebê. Argumentando que perdemos o
contato com essa natureza ao longo da vida, Gabriela sugere que resgatá-la seria a
forma adequada de se respirar ao se aprender a cantar.
Gabriela: E a gente tem uma tendência de ir se enrijecendo durante a vida,
sabe. Você vê um bebê e ele respirando. Ele respira, o corpo dele inteiro
104
move. Depois você vai tentar aprender isso na hora de cantar. Mas por que
aquilo não está acontecendo? Aquilo é a nossa natureza. Mas não está
acontecendo.
A não interferência é descrita aqui como “não puxar o ar”. Para Sônia, o processo de
não puxar, faz com que a inspiração ocorra da maneira mais eficiente. Ela lembra
ainda que o antigo condicionamento de interferir na inspiração puxando o ar sempre
está presente, tornando o processo de suplantá-lo uma tarefa de aprimoramento
constante.
Sônia: Eu parei de interferir, eu não puxava mais, eu parei, eu fui parando
gradativamente. Isso não quer dizer que eu não puxe de vez em quando,
não, isso é um trabalho para o resto da vida.
O processo de reeducação promovido pela Técnica Alexander teve o “não fazer”
como elemento principal. Dessa forma, ao contrário da aprendizagem técnica
convencional, Sônia relata que, prioritariamente, é necessário evitar a maneira
habitual do uso de si mesmo. A intenção de soltar parece remeter ao processo de
não puxar, não contrair e não interferir.
Sônia: Eu me usava de uma maneira, eu estava acostumada, meu corpo
estava acostumado a respirar de uma maneira e o processo [do novo
funcionamento proporcionado pela Técnica Alexander] começou a entrar.
Mas, enquanto eu estava no processo, eu ia perdendo a maneira como eu
me usava, mas eu ainda não dominava a próxima. Então chegava uma hora
que eu dizia assim: “solta!” Mas quando eu via, o diafragma estava preso.
A Técnica Alexander é apontada por Gabriela como uma prática que proporciona a
percepção das interferências no uso de si mesmo. Através dessa percepção, vem o
entendimento do mecanismo que potencialmente poderia acontecer, empreendendo-
se o trabalho de permitir que ele ocorra naturalmente, ou seja, de não interferir no
seu funcionamento.
105
Gabriela: A técnica ajuda a você a entender por que aquilo não está
acontecendo. O que você está segurando, aonde você esta segurando, o
que você pode soltar, o que você pode permitir, aonde você pode recorrer
como estrutura de suporte.
As expressões “libertação” e “liberdade” indicam que a Técnica Alexander é vista
como uma prática que diminui ou elimina barreiras que o sujeito impõe a si mesmo,
inconscientemente, através dos hábitos de interferência. Mas a prática da Técnica
não substitui o ensino e aprendizado do canto.
Sônia: Eu acho que [a Técnica Alexander] é um processo. Ela não te ensina
a cantar. Mas, os fundamentos da Técnica te ensinam um caminho para a
liberação, libertação da voz. Liberdade vocal. É isso. Mas, isso já começa
da respiração.
O relato de Walter mostra um reconhecimento de professores de canto que, mesmo
sem a prática da Técnica Alexander, fazem um trabalho equilibrado, respeitando o
funcionamento correto dos mecanismos fonatórios.
Walter: E esses bons professores de canto, instintivamente, ou pelo
histórico da vida deles, aprenderam de alguma forma a relaxar todo o
aparelho fonador, respirar convenientemente, usar a musculatura que tem
que ser usada e não outra, perceber quando o aluno está usando um outro
grupo de músculos que não aquele que deveria usar.
O entendimento de que as práticas e exercícios tradicionais do canto podem ser
usados, reforça a validade do ensino do canto convencional. Entretanto, para o
professor de canto praticante da Técnica Alexander, é imprescindível que o aluno
tenha um bom uso psicofísico antes de iniciar o estudo do canto.
Sônia: Eu posso fazer si-fu-chi-pá atuando e posso fazer com essa
liberdade respiratória. Isso não tem problema nenhum. Pode fazer
exercícios respiratórios, não tem problema nenhum. É a mesma coisa, o uso
[de si mesmo] é que muda, o que você ativa é que é diferente.
106
A partir dos depoimentos acima, podemos perceber uma grande importância dada
ao princípio de inibição adotado na Técnica Alexander. A percepção de um bom
processo respiratório e de apoio da voz parece vir da experiência prática. Ao
confrontarmos esses depoimentos às descrições fisiológicas do mecanismo da
respiração abdominal levantado no Capítulo 1, podemos perceber uma grande
coerência e adequação dos processos.
No entanto, os entrevistados não descreveram diretamente os mecanismos
respiratórios utilizados. Eles, às vezes, citam alguns processos contrários à
fisiologia, quando, por exemplo, percebem a inspiração como passiva. Este ponto
dos discursos gerou um intrigante questionamento: como poderia a respiração ser
passiva? Ao buscar alguns conceitos fundamentados no Capítulo 1, pôde-se
analisar melhor os depoimentos dos entrevistados: (1) a inspiração é sempre ativa -
pode envolver apenas o diafragma quando mais calma ou envolver vários músculos
inspiratórios na medida em que aumenta sua intensidade; (2) o diafragma é um
músculo que funciona involuntariamente, ou seja, abaixo do nível de consciência,
enquanto os músculos inspiratórios acessórios são acionados voluntariamente, ou
seja, em nível cortical.
Com esses dados pudemos finalmente perceber que, relatos que indicavam uma
inspiração passiva, na verdade apontavam para o funcionamento dos músculos
inspiratórios acessórios. Assim, a pessoa que se recusa a inspirar, deixa de usar os
músculos que participam de forma voluntária ou cortical, mesmo que automatizado e
não percebido. No entanto, o diafragma será acionado de maneira involuntária,
dando a impressão de que o indivíduo não realiza nenhuma ação em nível
consciente ou em nível cortical. Mas ainda assim, sua inspiração é ativa do ponto de
107
vista do diafragma, que se abaixa em uma contração muscular, de forma ativa,
porém involuntária ou subcortical.
Assim, percebemos que através do “não fazer” na inspiração, os praticantes da
Técnica Alexander adotam a respiração denominada abdominal, citada por Huche
como a mais adequada à voz projetada, que se usa no canto (ver Capítulo 1, p.10).
Quando os entrevistados remetem ao mecanismo natural da criança, podemos mais
uma vez perceber uma coerência com a modalidade defendia por Huche (1999).
Quando o tipo de inspiração citado acima é utilizado, não há contração dos
músculos ligados ao tórax e existe uma tendência natural da expiração de ocorrer
pela simples descontração do diafragma, numa respiração calma e sem fonação, ou
através da progressiva ação dos músculos expiratórios, representados pelos
músculos abdominais. Assim, encontramos uma coincidência da respiração
defendida por autores da fisiologia humana com aquela tipicamente encontrada na
criança, também utilizada pelos entrevistados, praticante da Técnica Alexander.
3.2 Esforço e tensão
O termo “esforço” foi mencionado como um elemento importante na experiência de
todos os entrevistados. A incidência do esforço no canto é vista sob vários
aspectos, desde a sensação de um esforço prejudicial à prática vocal,
experimentado antes da prática da Técnica Alexander, até uma nova relação
estabelecida através da percepção de que há um grau necessário de esforço em
determinadas situações. Apenas o mínimo esforço necessário para a realização de
108
atividades deve ser usado. Além disso, é necessário perceber quais são os grupos
musculares que devem atuar nas atividades, sejam elas referentes ao canto ou a
outras.
O esforço experimentado na prática vocal antes do contato com a Técnica Alexander
ocorreu devido a uma má compreensão dos processos e parâmetros do canto e da
voz. E ainda havia a idéia de que o excesso de esforço era necessário para a
produção vocal, gerando até mesmo um esforço preparatório, acionado já antes do
ato de cantar. Como conseqüência, havia uma relação contraproducente com a
prática vocal, com menção a desajustes e falta de referências, percebidos pelo
próprio indivíduo e por seu professor. A aquisição da capacidade de entendimento,
experimentação e decisão proporcionadas pela Técnica Alexander são relatadas
como algo que trouxe a possibilidade de desfazer as tensões e o esforço na
atividade do canto. Gabriela relata que passou a se apropriar do conteúdo da aula
de canto confrontando-o com sua auto-percepção.
Gabriela: Eu não entendia porque que estava errada, na verdade, eu nem
sei exatamente qual que era a dificuldade. Eu me lembro que tudo que eu
tentava cantar não estava bom, não estava funcionando. Eu me lembro de
muito esforço. Eu me lembro disso, de muito esforço. Já antes de eu abrir a
boca, eu já tinha muito esforço envolvido. Eu acho que já era uma
antecipação do esforço e aí depois o esforço real, que vinha por que eu
tinha essa crença dessa necessidade desse esforço. Mas, como é
importante para mim eu ter essa ferramenta [a Técnica Alexander] para eu
poder me entender, para eu poder experimentar e decidir: isso está
funcionando, isso não está. Isso que ela [professora de canto] quer dizer
tem a ver com essa estrutura, tem a ver com isso que eu posso desfazer,
essa tensão que eu posso desfazer. Isso que eu posso pensar que pode me
ajudar a eu estar mais no chão ou ao eu fazer menos esforço ou eu
conquistar um espaço que eu nem sabia que existia, mas, existe esse
espaço! Eu, eu me apropriando desse aprendizado.
De acordo com Walter e com Sônia, a tendência de usar o esforço ou a força é
expressa pelos termos “empurrar”, “apertar”, “ter uma voz maior” e “colocar no
peitão” (se referindo à maneira como se utiliza o registro vocal chamado voz de
109
peito). O método de tentativa e erro é colocado como algo que incita a busca direta
do objetivo, por exemplo, através da utilização de força muscular desnecessária. A
referência ao “empurrar a voz” - designando a força aplicada com o intuito de ampliar
o volume de voz - foi considerada como ineficiente para fazer a voz chegar à platéia.
Contrapondo-se a isto, Walter e Sônia argumentam que, quando a voz está solta,
ela não parece forte, mas o cantor tem que perceber que ela tem uma projeção
eficiente.
Walter: Obviamente [...] todos nós aprendemos por tentativa e erro. Eu
também era muito impaciente, eu também fiquei rouco, inúmeras vezes.
Fiquei com dor de garganta. [...] E aí você quer fazer aquilo com força
muscular. Quer dizer, se eu “empurrar” mais! Se eu “apertar” mais, vou
conseguir! Vou fazer mais força, quero cantar mais forte, quero ter uma voz
maior. E não é por aí. Agora, cada um tem que aprender. Alguns são mais
pacientes aprendem rápido, outros são mais teimosos como eu era. Eu levei
mais tempo para aprender.
Sônia: E eu não preciso colocar “peitão”. Por que a voz ressoa mais. [...]
Então, quando você empurra você tem a sensação que está forte, que está
bom. Isso é falso, por que a voz para aqui [X faz um gesto indicando uma
distância muito curta para o alcance vocal]. Quando você empurra, ela para
aqui. Quem está lá não ouve. Quando a voz sai com folga, ela pode até sair
menos, você sente menos resultado aqui dentro [indica o interior da cabeça
com as mãos], aqui, com você, mas ela corre. Então o que eu senti é que a
minha voz corre. Eu não preciso ter um vozeirão para que a voz corra, tanto
no grave quanto no agudo.
Em outro depoimento, oferecido por
Gabriela
, os termos “desfazer”, “expansão”,
“naturalidade”, “saúde” e “organização” têm a conotação de busca do mínimo
esforço. Os desejos e intenções pessoais ou demandados por necessidades
expressivas do cantor geram algum grau de esforço. As tensões e esforços são
imediatamente reconhecidos e administrados através da auto-percepção do uso de
si mesmo, com a busca do mínimo de interferências dentro das possibilidades da
situação.
110
Gabriela: E as intenções, os desejos, eles tem um poder muito grande na
gente. E eles representam informações neurológicas, entendeu! Aí, como
que você investe no desejo o máximo possível, dissociando o máximo
possível de esforço? Vai ter um esforço. Tem os personagens que a pessoa
vai estar vivendo, tem as situações de conflito que a pessoa vai estar
vivendo numa ópera, por exemplo. Ou fazendo um musical ou uma canção
que esteja contando uma história. Tudo isso são cargas, representam
energia, representam tensão. Mas, dentro daquela situação, é você ir
usando seus conhecimentos de você mesmo [do uso de si mesmo], de
como você reage. Buscando [...] o máximo de expansão, o máximo de
desfazer, o máximo de naturalidade, o máximo de saúde, o máximo de
organização.
A concepção de quanto esforço é necessário para a realização das atividades é
revista na prática da Técnica Alexander através do desenvolvimento da auto-
percepção das condições do organismo e do uso de si mesmo. A experiência de
exercer as atividades com menos esforço é estranhada num primeiro momento. Mas
Gabriela chama a atenção para a existência de uma identificação posterior com o
novo processo, ou seja, com a economia de esforço, que passa a ser percebida
como natural para o bom funcionamento do organismo. Pelo fato de precisar usar a
voz constantemente como estudante e como profissional, no caso de Gabriela, o
processo de aprendizado da Técnica Alexander significou a conquista de menos
esforço e de coordenação aplicados ao ato de cantar. Gabriela e Walter falam sobre
a descoberta de uma maneira de usar a voz sem esforço, sem apertar a garganta,
sem prender a mandíbula e com a sensação de facilidade, descoberta que traz
novas qualidades para a voz.
Gabriela: Tem um estranhamento, por que o hábito está dizendo para você:
“não isso não, isso é estranho. Isso não é possível. Não é possível eu andar
assim com tão pouco esforço, não é possível eu me levantar da cadeira com
tão pouco esforço, não é possível eu produzir um som sem tencionar aqui e
ali”. Então, tem todo um estranhamento. Mas, lá no fundinho tem uma coisa
assim: “Ahhh... [emite um suspiro como se relaxasse], aí eu solto”. Tem um
lugar que tem essa memória, entendeu? Não é uma coisa totalmente do
além. Ela encontra um aconchego, eu não sei muito bem explicar. Um
reconhecimento. Por que é a natureza. Entendeu? É a natureza. E durante
todo esse processo [de aprendizado da Técnica Alexander], foi um processo
de estar pesquisando essa relação de um uso mais coordenado, menos
esforço, com a questão da produção vocal. Por que eu estava lá, eu
continuei cantando, continuei precisando usar minha voz.
111
Walter: [Com a prática da Técnica Alexander], um dia você percebe que
aquele movimento que você está fazendo é completamente diferente de
tudo que você fez. Como é que você conseguiu fazer isso? Será que você
vai conseguir repetir a mesma coisa? E depois você vai aplicar, por exemplo
no canto, você vai conseguir cantar aquela nota com a mesma facilidade?
Com a mesma ressonância, com o mesmo brilho, com a mesma definição
da vogal, que a vogal ‘A’ tenha um som de ‘A’ e não de ‘ô, â, õh, ãh
qualquer coisa vaga? E como é que você fez isso, sem fazer força, sem
apertar a garganta, sem fechar a boca, prender a mandíbula, torcer a língua,
enfim, as várias coisas que a gente pode fazer e que não deveria fazer e faz
quando vai cantar? Com a repetição [da prática da Técnica Alexander], você
vai vendo: “ah! Eu fazendo assim, parece que eu estou mais relaxado, mais
coordenado, faço o mesmo movimento com menos esforço”.
A expressão “o primeiro passo pra cantar é não fazer nada” é um forte indício da
maneira própria adotada pelos praticantes da Técnica Alexander, diferente do que é
tradicionalmente usado na prática vocal e no canto. Através do exemplo do uso de
uma parte - o ombro - Izabel reitera o princípio da inibição mencionada no Capítulo 2
como sendo “não fazer nada”. Ao dizer que o “menos é muito”, Izabel, Sônia e
Walter indicam que se deve empreender uma reeducação para se perceber o uso de
esforço excessivo. Pois, depois que se transformou em hábito, a pessoa se apropria
do mau uso como se fosse uma característica própria, normal. A concepção de que
a ausência de esforço na respiração permitirá a manifestação do apoio é expressa
como a afirmativa de que o apoio funcionará sozinho, se esses pré-requisitos forem
mantidos. Aplicando-se esse princípio ao canto, em outro relato, o entrevistado
explica que não fazer nada é inibir a reação habitual, ou seja, prevenir a força
habitual antes de emitir o som e permitir que ele seja emitido.
Izabel: Acreditando que o menos é muito. Que o primeiro passo para cantar
é não fazer nada. A Técnica [Alexander] fala em não fazer - no doing -. Se
você está com o seu ombro levantado, você está fazendo uma coisa, você
está levantando o ombro, você está fazendo. Você está gastando mais
energia do que estaria se deixasse seu ombro relaxado. Muitas vezes
hábitos acabam passando despercebidos e para gente é normal andar, ou
cantar por ex., mantendo os ombros para cima. O que eu quero dizer é que
com a Técnica Alexander você ganha uma ferramenta para aprender a
perceber o que você faz com o seu corpo. Uma vez que você percebe que
ao cantar você levanta os ombros, deixar de levantá-los vai te facilitar o
estudo uma vez que seu corpo estará menos tenso.
112
Sônia: Por que, olha só, se eu paro de fazer força para respirar eu vou
permitir que todo o sistema de apoio, todo mecanismo de apoio da minha
voz se ative. Sozinho.
Walter: Agora, é difícil exatamente aprender isso, como é que eu não faço
nada e o som sai? Não, você está fazendo um monte de coisas. Também
entender o que é o princípio da inibição de Alexander, que você não está
fazendo nada. Inibir significa: inibir a reação habitual. Se você sempre vai
fazer força antes de soltar o som, você vai inibir essa força e não fazer,
relaxar, manter sua coordenação básica e permitir que o som surja.
O esforço é entendido como algo que impede a manifestação do potencial do
indivíduo. A idéia de “estar presente”, “estar inteiro” e “estar no momento” parecem
ter uma ligação com a capacidade de auto-percepção e de coordenação, sendo que,
para os entrevistados, o esforço tira a possibilidade de essas condições atuarem. O
esforço é visto por Sônia e por Reinaldo como uma impossibilidade de estar
inteiramente presente na performance.
Sônia: Se você pensar na Técnica [Alexander], é isso que a gente quer: ficar
inteiro, ser sincero. E isso você só consegue se você se usa da melhor
forma possível. Por que se você vai para uma performance fazendo esforço!
Você não está inteiro. Você não está presente.
Reinaldo: O esforço que todo mundo faz para viver é demasiado. Portanto,
a vida acaba sendo uma dificuldade. Um dos grandes problemas de nossas
vidas deve-se ao fato de que a gente não vive o momento. [...] Quando a
pessoa não está no momento ela deixa de SER o seu potencial. E o que a
Técnica faz, é isso: “Espere aí, volta um pouco esse filme, fique um pouco
no momento e vê se, realmente, você precisa desse esforço todo para ficar
equilibrado”.
Para Reinaldo, todas as manifestações do ser humano têm uma correspondência
muscular, inclusive a expressão.
Reinaldo: Alexander fala uma coisa: Toda a experiência, seja ela de
pensamento, física, ou espiritual, ela tem uma tradução, uma
correspondência muscular. Então, tudo é transformado em esforço
muscular. Viver é um esforço muscular! Nossas expressões só são
possíveis pelo esforço muscular.
113
As expressões “relaxado” e “relaxadamente” não parecem designar ausência de
atividade muscular, mas o tônus mínimo necessário para a realização da atividade.
A coordenação e a propriocepção são instrumentos para a utilização da musculatura
evitando-se o esforço e a tensão. No relato seguinte, oferecido por Walter e Reinaldo
o tônus ou tonicidade muscular é compreendido como algo que tem a medida entre
o relaxamento e a rigidez. O esforço traz a perda da medida da tonicidade
necessária para se expressar com liberdade.
Walter: Que a pessoa tenha essa coordenação e essa prorpriocepção para
poder dizer – “eu estou relaxado, eu estou abrindo a boca, não estou
forçando a musculatura”. Principalmente, você abrir, articular o maxilar, é
uma junta muito difícil do corpo. É uma coisa completamente solta e tem
que abrir relaxadamente.
Reinaldo: Eu estou aqui, eu estou falando lá para o alto - como ator você
percebe muito isso: “eu posso cochichar e a pessoa pode me ouvir lá na
última fileira”. É uma questão de intenção também. Eu não preciso fazer
nenhum esforço extra para isso se não, eu acabo perdendo a tonicidade
para poder me expressar da maneira mais apropriada, da maneira que eu
realmente quero; e com a potência necessária.
A percepção de que a performance de alto nível está associada à ausência de
esforço é exemplificada através da impressão de Sônia em relação a artistas que
demonstram um alto grau de liberdade nas suas atuações.
Sônia: Tem pessoas que têm o uso melhor, mas, não têm consciência
disso. Você quer me dizer que o Pavarotti fazia Técnica Alexander? (...)
Agora, o Pavarotti abria a boca e a voz saía. Sem esforço. (...) Pega um
vídeo do Pavarotti novo, ele abria a boca e saía, quer me dizer que ele não
tinha um uso maravilhoso? Inconsciente. Nelson freire? Consciente não!
Mas, a mão do moço... vai.
Percebemos que o termo “esforço” é relativo, de acordo com sua relação com
parâmetros como a intensidade e de acordo com a adequação às circunstâncias,
com o controle, com o domínio e a com percepção do uso de si mesmo. O empenho
de energia para a performance do canto lírico pode ser considerado um esforço
114
necessário e inerente àquela atividade, como sugere o depoimento de alguns dos
entrevistados. Os fatores citados como geradores de demanda de esforço giraram
em torno do fenômeno das alturas das notas (notas agudas, registro, tessitura). Mas
pelo contexto geral das entrevistas, podemos inferir que todos os outros aspectos da
produção vocal estão em sinergia variando solidariamente a intensidade de atuação.
O elemento diferenciador fundamental que distingue a concepção dos cantores,
praticantes da Técnica Alexander, parece estar no fato de que, por eles
administrarem o funcionamento muscular dentro da coordenação geral do
organismo, percebem qual o momento, o ponto, e o grau necessário de tônus e
esforço, preservando a sensação de espaço e a flexibilidade vocal. Sônia, Gabriela e
Reinaldo enfatizam:
Sônia: Olha, claro que quando você vai para o agudo e você tem que cantar
você gasta mais energia sim. É fundamental, já que você precisa se usar
mais, digamos assim, mais profundamente. A Técnica Alexander é preciosa
nisso, por que te ajuda a poupar energia. [...] Eu me gastava muito mais,
digamos, num espetáculo eu me gastava muito mais, eu saia mais cansada.
Não é que meu esforço mudou. Não! É que a energia que se gasta - mais
agudo, mais grave, claro que você gasta mais no agudo - mas, como um
todo - a energia para uma performance, melhorou muito, eu gasto muito
menos. É claro que você se poupa mais, por que você não faz esforço
desnecessário. Eu tenho que fazer aquele esforço necessário para [o]
agudo, eu vou fazer. Mas, eu não vou fazer mais do que precisa. Que era o
que eu fazia.
Gabriela: Você está cantando uma ária, não tem como você querer cantar
como se você estivesse falando. Aquilo tem todo um estilo que já está na
pessoa e tem um registro, tem uma tessitura, que vai exigir determinado
uso. Mas tem, tem adaptações técnicas, sim, que você vai fazer. Mas,
sempre com um mínimo de esforço. Sempre com o máximo de espaço, de
flexibilidade.
Reinaldo: É um esforço atlético! E eu reconheço isso. Sei, por que eu já
trabalhei com cantores que cantam ópera, então eu não desprezo isso,
absolutamente. Mas, o apoio que se entende como apoio, em geral, é um
esforço absolutamente desnecessário.
O termo tensão é recorrente no vocabulário do cantor e nas preocupações do
professor de canto (BLADES-ZELLER, 1993 apud VIDAL, 2000). Para os praticantes
115
da Técnica Alexander, a tensão está relacionada com a falta de organização, auto-
percepção, e liberdade muscular. Os entrevistados demonstram perceber as tensões
como interferências no funcionamento natural do organismo. Para eles, essa
percepção é fundamental para que se possa evitar o surgimento de dores, cansaço
e disfonias. Para os entrevistados, há um trabalho da musculatura necessário para o
canto. Assim, de modo análogo ao esforço, a tensão não é contraposta à idéia de
relaxamento, mas, sim à de tônus muscular. Por Exemplo, Izabel declara que:
Izabel: Para todo movimento e para cantar também, você precisa,
naturalmente de um tônus. Mas, que esse tônus seja o ideal, não seja nem
em excesso e nem, tão pouco, menor do que o necessário.
Em seu relato, Walter argumenta que o aprendizado tardio e a falta de percepção
dos maus hábitos por parte do professor de música levam o aluno a aprender novas
habilidades através da sobreposição de tensões. Ele considera como negativo o
aprendizado do canto nestas condições. Esse acúmulo de tensões repetido
inconscientemente gera disfonia e dificuldades.
Walter: Quando a gente vai aprender música, adolescente ou adulto, que é
o normal no Brasil, você tem que aprender uma série de coisas um pouco
tarde, quando você já desenvolveu maus hábitos em várias áreas. Esses
professores todos, não têm o conhecimento da Técnica [Alexander] para
dizer: “não, ele tem maus hábitos. É importante arrumar isso antes dele
aprender o que é ritmo, o que é som, o que uma frase musical”. Então, tudo
é aprendido atabalhoadamente. Uma tensão em cima da outra. Aí a pessoa
vai estudar canto, sim, mas, todo esse treino musical que teve antes já foi
muito negativo.
Gabriela
endossa a fala acima:
Gabriela: Mas, que elas vão ficando inconscientes e você não tem mais um
motivo e ela continua sendo repetida e desfavoravelmente. Representando
desgaste de energia, enfim, acúmulo de tensão. Que depois vão virar, no
caso de um cantor, uma disfonia, uma dificuldade.
116
E Walter reforça a necessidade de se desenvolver a auto-percepção do uso de si
mesmo:
Walter: Isso é uma das idéias fundamentais de Alexander. Você precisa
saber o que está acontecendo com você. E ter certeza que aquilo está
acontecendo é o que você está percebendo e não está se iludindo é tão
mais fácil ver nas outras pessoas. É fácil ver quando a outra pessoa está
tensa. Ou está apertando o pescoço. Tão difícil é perceber em nós mesmos.
Então a Técnica Alexander é um caminho para você desenvolver isso.
Citando o caso de utilização do maxilar, Gabriela sugere que o seu uso deve ser
integrado ao funcionamento geral do organismo. Partindo da premissa de que, se
não houver interferências, o corpo terá o funcionamento adequado ao ato de cantar,
Gabriela indica que não há necessidade de contrair nenhum músculo para colocar o
maxilar na posição correta. O desfazer representado pela inibição ou pela não
interferência, é contraposto ao método convencional que ela descreve como o da
reorganização das partes do corpo. Para ela, ao se reorganizar o indivíduo vai
fazendo novas coisas e não tem a oportunidade de perceber o que já estava errado
de início.
Gabriela: Você pode ouvir a mesma coisa de duas formas. Por exemplo,
maxilar: põe o maxilar em tal posição. Isso é um fazer. Isso vai envolver
músculos que vão ter que ser acionados, você vai pensar em contrair
determinadas coisas para botar aquela parte em tal posição. Ou, você pode
perceber, aonde que você está interferindo, que está fazendo que aquilo
não esteja naquela posição desejada. Por que a princípio, seria o mais
proveitoso, o mais natural. Que não necessariamente é o mais habitual. Por
que o habitual era, por exemplo, uma tensão de jogar o queixo para frente.
Se for reorganizando ela não vai sentir que aquilo é o mais natural, mas, se
ela for pelo desfazer, ela conseguir perceber qual a musculatura que está
interferindo, que está atuando demais, que está fazendo a mais. Então,
quando você vai pelo desfazer, aquilo vai podendo ser integrado.
O relato de Walter enfatiza que se as tensões erradas estiverem presentes, o
funcionamento correto e natural não tem como se manifestar.
117
Walter: Alexander era muito prático nisso, ele diz: “olha, na hora que você
inibe o mau hábito a coordenação natural vai voltar”. Você inibe a coisa
errada e você incentiva a coordenação, que é a coordenação de pescoço,
cabeça e tronco. Depois pernas e braços. Mas, se você não inibe essa
tensão errada a coisa certa não tem como sair.
Para Gabriela, os padrões são hábitos que o sujeito não percebe e que devem ser
submetidos à inibição.
Gabriela: Tudo são padrões e são lidados da mesma forma, a partir dessas
mensagens neurológicas que você pode reconhecer e escolher. Então no
caso, da mesma forma que percebe uma tensão que você não está a fim de
repetir que você pode mandar mensagem: “Não, não estou a fim de acionar
esse músculo agora”. (...) Aí você poder reconhecer que isso é um padrão e
você poder ter a escolha de: “não quero isso agora!
A colocação de que muitas tensões vêm de questões psicológicas ou emocionais,
faz com que, ao exercitar o uso de uma musculatura mais livre, a pessoa trabalhe
não só a tensão específica, mas o organismo como um todo integrado.
Izabel: Junto com essa “impressão muscular”, tem ainda a psicológica. Quer
dizer muito, psicologicamente, um ombro levantado. É preciso se liberar
emocionalmente também dessa tensão. Quando você estuda canto, seu
corpo vai ganhando uma informação, a memória da musculatura usada com
um tônus adequado vai ficando armazenada. É bom pensar na hora de
estudar que não queremos levar nosso corpo ao colapso, não precisamos
chegar aos extremos. O respeito aos nossos limites é uma forma de
preservar nosso corpo e nosso estado psicológico. Então, gradativamente
você ganha um padrão, seu corpo se lembra do tônus muscular usado nas
horas de estudo, e na hora do palco, esse padrão tende a ser repetido, te
dando um controle emocional e muscular que supera o nervoso das
apresentações.
A percepção de que existe um tônus muscular equilibrado para a produção da voz é
coerente com os princípios fisiológicos defendidos por todos os autores
apresentados no Capítulo 1. A dinâmica do funcionamento do aparelho fonador, que
em grande parte obedece a mecanismos realizados de maneira inconsciente, é
afetada por outros movimentos que utilizamos conscientemente por técnica
aprendida ou por hábito. Um exemplo disso é o caso da movimentação da laringe
118
que, segundo Dinville (1993, p.112), deve acontecer livremente, mas que, através de
posições da musculatura da língua, palato mole e faringe, muitos cantores acabam
por impedir (ver Capítulo 1, p. 31-2). Também as idéias de posicionar a voz na frente
ou o bocejo, foram descritas no Capítulo 1 como possíveis geradoras de rigidez,
tensão e esforço. Percebemos nos relatos dos entrevistados o respeito aos
mecanismos fisiológicos que regem esses fenômenos quando eles adotam
expressões tais como “deixar a voz sair”, “soltura”, etc. Assim, podemos notar a
coerência dos relatos dos entrevistados com os requisitos da eficiência e saúde
vocal descritos pelos autores que trataram da voz.
3.3 Passagens e extensão
Os mecanismos de troca de registros vocais - passagens – e de alcance das notas
no extremo da extensão, tanto graves quanto agudas, estiveram presentes em
quase todas as entrevistas. De modo geral, identificamos que antes da prática da
Técnica Alexander, os entrevistados apresentavam as dificuldades comumente
encontradas na grande maioria dos estudantes de canto e de cantores já formados
em relação ao parâmetro altura – extensão, tessitura, passagens e registros vocais:
dificuldades nas passagens, medo do agudo, diminuição da qualidade vocal no
registro menos habitual e acionamento de movimentos não necessários em regiões
consideradas difíceis.
Em duas entrevistas são mencionados problemas em relação a esses aspectos
antes da prática da Técnica Alexander. Os problemas de passagens relatados
ocorriam, em ambos os casos, na região entre a voz de peito e a voz de cabeça.
119
Para Sônia, cantora lírica (soprano), essa região corresponde à fronteira entre os
médio-graves e os graves da voz. Enquanto que para Izabel, cantora de música
popular (meso-soprano), essa região parece ser percebida como a passagem para o
agudo. A falta de liberdade na região do pescoço, o empurrar a voz, a falta de folga,
e a voz cair no peitão são os termos como elas se referem à maneira anterior de
atuar nessas situações. Por outro lado, como indicadores de uma nova atitude
diante desses problemas, Izabel e Sônia indicaram a relevância do pescoço livre, o
ganhar espaço, a folga e a sensação de amplidão. Como resultados sonoros foram
referidos o aumento da ressonância, do volume e a unificação ou eliminação do
buraco entre os dois registros.
Izabel: Eu acho que tudo melhorou [com a prática da Técnica Alexander] Eu
tinha muito mais problemas de passagem, eu sou uma mezzo-soprano. E,
em geral, quem faz música popular canta muito no grave, voz de peito,
região da fala, voz de cabeça é sempre um fantasma. Eu tinha muitos
problemas de passagem e acho que esses problemas estavam ligados a
princípio, com a região do pescoço, laringe, língua. Eu nunca tinha pensado
por ex. em soltar a musculatura do pescoço, atrás, ali na nuca, mas isso é
bastante importante para que a voz soe livre. Hoje eu resolvo meus
problemas vocais não pensando em fazer o certo, achar o lugar certo para
aquela emissão, mas sim pensando em soltar músculos que possam estar
atrapalhando na emissão das notas.
Sônia: De modo que eu nunca me preocupei muito com passagem. Eu é
que não sabia fazer. Por quê? Porque eu perdia espaço, eu me usava mal.
Agora, o que eu sinto de uma maneira geral é que tudo ficou mais amplo,
desde o volume, a folga, se tem folga o agudo não sai mais apertado e o
grave também. Por que grave é muito difícil de fazer. Grave para soprano
então, para tenor, grave é muito difícil. Então a gente tem uma tendência, no
grave, a empurrar muito. Eu tenho a voz falada grave, então digamos, eu
desço fácil, mas não necessariamente timbrado. Então eu tinha muita
tendência a querer ganhar volume no grave, o quê que eu fazia, eu caia no
“peitão”. O que para mim era muito fácil, mas que é muito feio, por que na
passagem você tem um buraco enorme. Então, por exemplo, no grave foi
isso que mudou. Com o ganho do espaço esse buraco acabou. E eu não
preciso colocar “peitão”. Por que a voz, ressoa mais. [...] Quando a voz sai
com folga, ela pode até sair menos, você sente menos resultado aqui
dentro, aqui, com você, mas ela corre. Então o que eu sentia é que a minha
voz corre, eu não preciso ter um vozeirão para que a voz corra, tanto no
grave quanto no agudo.
120
A percepção de que todo o corpo é responsável pela organização que possibilita a
emissão das notas é indicada pela constatação de que toda a musculatura é
interligada. Além de outros progressos vocais, é especificamente mencionado por
Izabel que os agudos são facilitados pelo equilíbrio e relaxamento corporal.
Izabel: E acho também que é pouco pensar só em determinados lugares
[segmentos do corpo]. Eu acho que o corpo deve ser pensado realmente
como um todo, porque a musculatura é toda ligada. Só pensar: vou relaxar
minha língua, meu queixo, pensar que a voz está indo lá para traz para dar
um agudo, é pouco ainda. Você tem que pensar que todo o seu corpo está
para baixo, que teu ombro não está para cima, que o peso está indo lá para
baixo, que tua bacia não está para frente, também não está para trás, que a
parte da frente do teu corpo, o teu tórax não está se fechando na hora de
você cantar. E as notas você vai dar, não pensando nas notas, mas,
pensando que teu pescoço está livre, que a tua cabeça está indo aqui para
cima e que teu tórax está alargado, que teu peso está indo lá para o chão,
que a tua bacia não está nem para frente nem para trás. Aí, esse todo é que
vai fazer aquela nota sair. E em relação à voz, [...] uma vez que seu corpo
está relaxado e mais equilibrado, mais no eixo, você consegue cantar
melhor, ganha extensão. A voz abre, ganha ressonância, volume. Eu
consigo cantar coisas agudas hoje com muito mais facilidade do que antes.
A sensação de “apertar” as notas agudas de vez em quando é indicadora de uma
falta de domínio dos processos envolvidos. Novamente a sensação de apertar é
oposta à de folga, que é por sua vez atrelada como condição necessária para a
realização das notas agudas. Em seu relato,
Sônia
transparece a superação do
problema, dizendo que desde que se estude, não há mais insegurança em relação a
esse aspecto. A relação com as notas agudas não se mostra como uma questão de
grande domínio técnico ou aptidão especial. Ao contrário, mostra-se como uma
característica normal quando se preserva um bom uso do organismo. nia
demonstra como superou esta preocupação:
Sônia: Eu sentia que eu não dominava [a realização dos agudos]. De vez
em quando aquilo saia do meu controle, eu dizia assim “aquele agudo saiu
muito apertado!” Poxa, mas já saiu tão folgado. Mais nesse sentido. Eu
nunca tive assim um problema [...] Mas eu não tinha esse conforto. No canto
agora eu sei que meu agudo vai sair. E eu não tenho esse problema, assim
– “aquele agudo...” Claro que eu tenho que estudar.
121
Segundo nia e Gabriela, a atuação na região aguda necessita de adaptações
técnicas, em função da maior energia demandada para sua execução. Entretanto,
em ambos os casos, ficou aparente um domínio da execução das notas agudas
através da flexibilidade, do espaço, da folga e da economia de energia.
Sônia: Olha, claro que quando você vai para o agudo e você gasta mais
energia sim. É fundamental, por que já que você precisa se usar mais
profundamente [inferimos que ela se refira a um aumento da atividade
muscular]. A Técnica Alexander é preciosa nisso, por que te ajuda a poupar
energia. Eu acho que antes eu me gastava muito mais, digamos, num
espetáculo que eu me gastava muito mais, eu saia mais cansada. Não é
que meu esforço mudou. Não! É que a energia que se gasta - mais agudo,
mais grave, claro que você gasta mais no agudo - mas como um todo, a
energia para uma performance, melhorou muito, eu gasto muito menos. É
claro que você se poupa mais, por que você não faz esforço desnecessário.
Eu tenho que fazer aquele esforço necessário para agudo, eu vou fazer.
Mas, eu não vou fazer mais do que precisa. Que era o que eu fazia.
Gabriela: Aquilo tem todo um estilo que já está na pessoa e tem um registro,
tem uma tessitura, que vai exigir determinado uso. Mas, tem, tem
adaptações técnicas, sim. Que você vai fazer. Mas, sempre com um mínimo
de esforço. Sempre com o máximo de espaço, de flexibilidade.
A utilização de recursos considerados indevidos para o alcance de notas com maior
grau de dificuldade gera, em muitos casos, a dependência de tensões e
coordenações prejudiciais. O auto-didatismo e o fato de o professor de canto se
preocupar com o resultado sonoro, estando alheio ao uso corporal geral, são as
causas relatadas por Walter e Izabel para a fixação de maus hábitos associados ao
canto. A fixação do hábito que se repete toda vez que determinada nota tem que ser
cantada demanda a necessidade de um trabalho específico para o seu
descondicionamento.
Walter: Às vezes você vê cantores que toda vez que chega no agudo faz um
determinado movimento. Ou leva a cabeça para trás, levanta o peito,
empurra para frente. É um jeito que ele achou naquela hora [...] E a nota até
sai bonita. Agora, ele não sabe, deixando de fazer isso em movimento
habitual ele vai conseguir ter um agudo mais livre. É por que depois isso vira
um hábito, vai ver que vai fazer o agudo, olha para cima ou precisa de mais
ar, por que ele está gastando mais ar consegue fazer, mas, empurrando
122
mais ar para fora. Por exemplo, eu vi. Eu que estava assistindo a aula de
uma colega e vi que toda vez ela empurrava o quadril para frente, dava uma
trancadinha. E aí se sentia seguro. Que é: você tranca o quadril, o colo do
fêmur, aperta as nádegas e ganha uma força muscular, na hora você se
sente seguro e diz bom, agora eu vou ter mais som no agudo. Não
precisava fazer, é uma grande cantora, não precisa disso. É um viciozinho
que ficou. Como o som sai bonito, a professora se preocupa com o som. Se
o fulano der um passinho para frente, se inclinou para frente, para trás, não
percebe em geral também está na música diz: “ah, interpretação”. [...] Não é
que você tem que ficar absolutamente estático quando você canta, não é
isso. Mas, não confundir uma coisa com a outra. Você toda vez fazer o
mesmo movimento, há um problema. Você não tem uma opção, você só
consegue fazer com aquele macete. Você estando bem, você estando
descansado, bem alimentado, dormiu bem, tua voz está relaxada, com o
macete você também faz. No dia que você estiver um pouco estressado um
pouco cansado, vai conseguir fazer?
Izabel: Eu fui ter aula de canto, depois que eu já cantava. Eu já tinha minha
maneira de resolver os problemas, as dificuldades, eu já tinha hábitos. São
exatamente esses hábitos, muitas vezes nocivos, que nós vamos ter que
nos desvencilhar. Como fazer isso, depois de tanto tempo usando a voz
daquela maneira? É um enorme trabalho, é preciso muito tempo para
reprogramar tudo, mas é evidente como é mais simples usar a voz a partir
desses novos conceitos que a Técnica Alexander oferece.
A forma como a emissão das notas agudas foi mencionada pelos entrevistados
demonstra, mais uma vez, a idéia de respeito aos mecanismos fisiológicos.
No Capítulo 1, foram descritos a subida e o movimento de báscula da laringe como
resultado fisiológico na emissão de notas agudas. Assim, como o abaixamento da
laringe e a ação dos músculos tireoaritenóideos na emissão de notas graves. Esses
movimentos e posições, relatados como as condições fisiológicas adequadas para
tais fins, podem acontecer de maneira sinérgica, sem que contrações musculares
contraditórias causem dificuldades. Também é possível que músculos opositores
entrem em ação, tanto por falta de conhecimento do cantor, quanto pela busca de
sonoridades específicas ou, ainda, pela orientação do professor (foram relatados
casos deste tipo no Capítulo 1, p. 31-9).
Nos depoimentos apresentados pelos entrevistados, transparece uma relação de
naturalidade quanto à emissão de notas agudas ou graves, assim como notas de
123
passagem. A consciência de um trabalho muscular, nessas condições, que, segundo
os entrevistados, requisita maior esforço ou adaptações técnicas, parece indicar o
respeito aos aspectos fisiológicos em questão. Não se observa nos entrevistados a
citação de desconforto desajuste em relação a essas notas, mas uma relação de
domínio e naturalidade, indicando o respeito aos movimentos musculares fisiológicos
e a ausência de contrações musculares.
3.4 Timbre
O timbre foi um parâmetro vocal pouco mencionado nas entrevistas. Em dois
momentos em que ele aparece, está sempre associado a outros aspectos. O relato
de Sônia mostra que, antes da prática da Técnica Alexander havia a necessidade de
colocar a voz no peito para alcançar a região grave, gerando um buraco na região
da passagem. A partir da descoberta de novas sensações de espaço na emissão
vocal, a entrevistada eliminou a sensação de um buraco na voz com o ganho de
ressonância. Outro relato, de Izabel, se refere ao timbre de modo secundário, ao
mencionar que os momentos de estresse podem interferir no timbre da voz.
Sônia: Agora, o que eu sinto de uma maneira geral é que tudo ficou mais
amplo, desde o volume, a folga, se tem folga o agudo não sai mais apertado
e o grave também. Por que grave é muito difícil de fazer. Grave para
soprano então, para tenor, grave é muito difícil. Então a gente tem uma
tendência, no grave, a empurrar muito. Eu tenho a voz falada grave, então
digamos, eu desço fácil, mas não necessariamente timbrado. Então eu tinha
muita tendência a querer ganhar volume no grave, o quê que eu fazia, eu
caia no “peitão”. O que para mim era muito fácil, mas que é muito feio, por
que na passagem você tem um buraco enorme. Então, por exemplo, no
grave foi isso que mudou. Com o ganho do espaço esse buraco acabou. E
eu não preciso colocar “peitão”. Por que a voz, ressoa mais.
Izabel: Se você discute com alguém por ex., aquele estado de tensão se
reflete no corpo, no timbre da voz, na respiração, que fica mais ofegante. Eu
pude observar em alguns workshops que participei, que os participantes
124
quando apresentam uma canção ou um texto, revelam na voz as tensões do
corpo e fica claro como as travas psicológicas se refletem no desempenho
do todo.
O timbre é, em princípio, uma característica pessoal de cada indivíduo e não pode
ser mudado em suas qualidades fundamentais. No entanto, podemos alterar, até
certo ponto, algumas características do nosso timbre ao executarmos vogais, sons
nasais, sons orais, sons mais escuros, mais claros, voz de peito, voz de cabeça, etc.
No capítulo 1, percebemos que as condições fisiológicas de alteração do timbre não
devem ser base da técnica vocal, pois o esforço muscular envolvido na tentativa de
se criar um timbre diferente do natural acaba por trazer problemas vocais, a longo
prazo.
O fato desse parâmetro não constar como uma grande preocupação dos
entrevistados trouxe a reflexão de que ao buscarem a não interferência os
praticantes da Técnica Alexander também acabam por não fazer uso das
possibilidades de modificação do timbre como base de sua técnica vocal. Cabe
ainda destacar que onde esse aspecto foi mencionado, a mudança de timbre se
relaciona a problemas ou situações onde há um desequilíbrio do uso do aparelho
fonador, seja ele causado por fatores emocionais imediatos, ou por hábitos não
percebidos.
3.5 Afinação
Apesar de o termo afinação não ter sido explorado por três dos entrevistados e ter
sido mencionado de forma passageira por outro, para um dos entrevistados esse
parâmetro teve uma conotação considerada relevante, uma vez que a Técnica
125
Alexander atuou para a melhoria da afinação da voz cantada. Ao dar aulas de canto
a um aluno com a afinação considerada muito ruim, Sônia registra grande melhora,
citando que o aluno que não conseguia identificar ou repetir nenhuma nota. Através
de muito envolvimento no trabalho acabou superando o problema em grande parte,
chegando a cantar ária de ópera. O relato sugere que o problema não foi eliminado,
mas mostra avanços importantes, considerando-se a seriedade do problema.
Sônia: Eu tinha um aluno maravilhoso! Tinha até problema de afinação.
Afinação é outra coisa que a gente não explica néh, é ouvido, mas, ele
melhorou muito. Porque às vezes afinação é por problemas neurológicos,
mas, às vezes é por uma dificuldade, (...) você tranca alguma coisa aqui
[indica a região da nuca] e tampa aqui também [indica a região da orelha]
Muita rigidez aqui assim... tampa. Foi um aluno que deu muita felicidade,
assim. (...) Me deu satisfação porque ele tinha muito problema de afinação
de colocação de voz, ele é outra pessoa [...] Não é o melhor ouvido do
mundo. Mas, hoje ele canta. Ele aprende uma música e ele canta. Ele não
reconhecia uma nota. No primeiro dia de aula eu não sabia o que fazer. [...]
Depois ele chegou até a cantar ária de ópera. [...] Senão, não tinha Técnica
Alexander, não tinha nada que atuasse ali. (...) A Técnica ajudou? Ajudou.
Por que mesmo aquele som que ele fazia sem afinação eu ia introduzindo...
Neste relato, elementos como envolvimento, concentração e persistência no trabalho
parecem ter sido os fatores principais a propiciarem o desenvolvimento vocal do
aluno. A Técnica Alexander entrou como fator importante na metodologia do trabalho
do cantor, que evita buscar os resultados imediatos, procurando os meios pelos
quais se deva realizar a ação em questão. A percepção parece ter sido o grande
aspecto desenvolvido neste aluno. Uma percepção global que, associada aos outros
fatores, propiciou a continuidade no trabalho e o alcance de resultados positivos.
3.6 Coordenação do organismo como um todo
A “coordenação de todo o organismo” parece ser a expressão que resume os efeitos
da Técnica Alexander na vida e na atividade vocal dos entrevistados. Um dos
126
conceitos importantes sobre a coordenação, presente em dois depoimentos, é o da
existência de uma boa coordenação na primeira infância. Segundo esses relatos, o
ser humano, de forma geral, tem uma tendência de nascer com uma boa
coordenação do organismo. Por exemplo, no ato de chorar ao nascer, o indivíduo
geralmente usa o sistema respiratório e a fonação de forma bem organizada.
Também em relação à postura, mesmo não tendo uma musculatura tão
desenvolvida quanto o adulto e não tendo recebido nenhuma instrução educativa
para tal, as crianças, em sua maioria, mantêm a coluna alongada, sem que se
observem tensões musculares. Ao contrário, observa-se grande liberdade e leveza
nos movimentos, mas, segundo os relatos dos entrevistados, por vários motivos tal
liberdade e leveza vão se descoordenando ao longo da vida. Os hábitos posturais
adquiridos afastam o indivíduo da sua natureza de coordenação e organização.
Segundo os relatos de Walter e Gabriela, a Técnica Alexander vai ajudar o aluno a
acessar essa coordenação natural, preparando-o para o aprendizado do canto, com
um funcionamento mais livre e adequado.
Walter: A Técnica é uma coisa extremamente simples e que, na verdade, o
professor te ensina a reencontrar aquilo que todos nós tivemos em algum
momento da vida. Talvez na primeira infância. (...) Então você cria uma
série de hábitos posturais negativos, e aquilo vai se acumulando ao longo
dos anos. Depois quando você vai tentar fazer uma coisa específica como
cantar (...) que exige uma grande coordenação, algumas pessoas
conseguem e outras não. E não sabem muito bem por que. Mas, há uma
coordenação que a gente perdeu em algum momento da vida e que através
da Técnica você pode readquirir.
Gabriela: Por que é que tem alunos (de canto) que absorvem e outros
alunos que não absorvem? Ele vai começar a se conhecer mais e vai ter
mais uma forma de acessar aquela natureza dele, que é a natureza da
liberdade, da organização, da coordenação.
Em outros dois relatos também fica claro que existe uma identificação entre os
resultados da Técnica Alexander com as condições da criança, especialmente antes
127
do processo educacional, entendido como gerador de várias condições
desfavoráveis que desarticulam o funcionamento correto do ser humano. Apesar de
perdermos essas características por volta de um ano e meio de idade, a Técnica tem
o potencial de favorecer o restabelecimento deste nível de atenção. Como afirma
Reinaldo,
Reinaldo: Se você observar muito abertamente uma criança, eu estou me
referindo a uma criança de no máximo 2 anos de idade. Vamos dizer 1 ano
e meio para ficar mais garantido. Se você olhar uma criança do 0 ao 1 ano e
meio de idade, você vai ver que tudo que ela faz ela faz com um nível de
atenção que é absolutamente invejável. Se isso é ou não consciência eu
não sei! Mas é nesse âmbito que a Técnica Alexander ajuda. Ela ajuda
justamente porque coloca o indivíduo num estado semelhante ao que teve
enquanto criança. Por quê? Porque nessas condições, você está mais
aberto para aprender. E quando você está querendo aprender, todas as
experiências são válidas. Portanto, errar é válido, acertar é válido. Tudo são
experiências que enriquecem a tua existência. A tua existência como um ser
humano integral! E esse ser vai crescendo dentro delas. Você vai crescendo
com elas: Eu errei! E daí?! Isso não significa que foi ruim. Você está, na
melhor de suas possibilidades, vivendo um estado de consciência de si
porque o seu ser quer crescer, quer aprender... para evoluir!
Para Izabel, as crianças desenvolvem tensões e rigidez muscular quando são
submetidas a condições ruins. Para ela, o tempo excessivo, gasto em certas
atividades, associadas a uma má orientação do uso, faz com que as crianças
rapidamente adquiram maus hábitos que se estendem por todo o corpo.
Izabel: No meu último ano de curso (formação de professores de técnica
alexander), fiz estágio no “Projeto Escola”. O projeto se propunha a dar
aulas de Técnica Alexander para uma classe da primeira série e uma classe
da segunda série de uma escola da cidade de Viena. Ao final do projeto
teríamos como comparar alunos que receberam as aulas dos alunos que
não receberam. No primeiro ano as crianças são ainda todas molinhas, elas
acabaram de chegar à escola não ficaram sentadas o ano inteiro em
cadeiras muitas vezes desconfortáveis, as vezes com os pés que não
encostam no chão, ou a cadeira é muito alta em reação à carteira ou muito
baixa, etc. No primeiro ano as crianças ainda não adquiriram maus hábitos
sérios. Mas, no segundo ano, você já encontra muitas crianças com
problemas. Crianças que seguram o lápis com muita força, apertam tanto
que a mão todo vai ficando deformada. Agora você imagina, as crianças
ficam 5 horas por dia na escola. Com o tempo elas começam a reclamar de
dores nas costas, dor aqui, dor ali. 90% das crianças que tinham apenas 7 e
8 anos dentro desse projeto reclamavam de dores. Fica evidente que nós
desde muito jovens somos deparados com situações que não são ideais
para a nossa saúde.
128
Através dos relatos, fica claro que os entrevistados atribuem a capacidade de
coordenação das partes do corpo ao controle primordial. Ao se coordenar a cabeça-
pescoço-tronco, todo o corpo se coordena, inclusive os órgãos do aparelho fonador.
Esse princípio é considerado fundamental para a realização de qualquer atividade
específica. Sem um bom uso do controle primordial, o trabalho vocal pode envolver
maus hábitos de coordenação, contraproducentes para a atividade vocal.
A idéia de que a coordenação básica necessária ao canto advém do bom uso do
controle primordial é afirmada no relato de Walter. Ele atenta para o fato de que é
através da auto-percepção que se desenvolverá essa coordenação
Walter: No fundo, uma coordenação muito simples - cabeça, tronco e
membros - mas, você não tem um botãozinho para apertar, faz clique e a
coisa acerta. Você tem que desenvolver a sua percepção.
O conceito de que a coordenação básica traz um funcionamento adequado ao canto
é um importante diferencial em relação à visão cientificista do canto, pois nesta
última, cada parte do corpo é dissecada e analisada separadamente. Para o
praticante da Técnica Alexander o funcionamento do organismo é coordenado pelo
controle primordial e o aluno deve aprender a não interferir, deixando a coordenação
ser a base para a aprendizagem das habilidades específicas. Como afirma Walter,
Walter: Dentro desta coordenação, [...] você obviamente está coordenando
também tudo que tem lá dentro. Você já está coordenando língua, laringe. O
que você vai aprender no canto é de não interferir nesta coordenação.
Então a Técnica Alexander é um caminho para você desenvolver isso. Você
primeiro desenvolver uma coordenação básica de cabeça, tronco, membros
e você manter essa coordenação enquanto você faz uma atividade: simples
- como andar ou sentar ou levantar; mais complexa - quando você for
cantar. Quer dizer, ou você tem essa coordenação básica e aprende aí as
habilidades necessárias para fazer música, dança, contorcionismo, jogar
golfe, tocar piano, seja o que for, ou você não tem essa base firme para
acrescentar essas coisas mais delicadas que exigem aquela atividade
específica.
129
O fato de a fonação ter inúmeros mecanismos - desde a respiração, passando pela
laringe intrínseca e extrinsecamente, chegando até a articulação e modificação do
som - torna complexa sua coordenação consciente. Esse fato é reconhecido por
Walter e por Gabriela, que relatam sua experiência de bons resultados para o canto
através da coordenação do organismo como um todo.
Walter: A coordenação do aparelho fonador é uma coisa tão sutil e é um
conjunto tão grande de músculos para você coordenar, que é muito difícil
você fazer tudo isso conscientemente. Pela minha experiência eu acho o
caminho mais fácil é a pessoa ter uma coordenação básica boa.
Gabriela: É importante pensar na língua, pensar em diafragma e maxilar,
enfim, em todas as partes, é importante. Mas, você vai pelas partes, partes,
partes, a pessoa tem aquela informação e depois você volta para essa coisa
da coordenação, do controle primordial e as peças se encaixam e aí
funciona.
Walter afirma que a percepção da coordenação e seus efeitos no funcionamento do
organismo são desenvolvidos através da persistência da prática da Técnica
Alexander.
Walter: Com a repetição [da prática da Técnica Alexander] você vai vendo:
“Ah! Eu fazendo assim, parece que eu estou mais relaxado, mais
coordenado, faço o mesmo movimento com menos esforço”. Coisas simples
como mexer um braço, levantar de uma cadeira, sentar numa cadeira, dar
alguns passos. Que é infinitamente mais simples do que cantar.
Para Walter, o ensino do canto deveria ser introduzido apenas depois da aquisição
de uma boa coordenação do organismo como um todo. Só quando o aluno já tiver
condições de emitir um som bonito, solto e livre, ele deveria começar o aprendizado
vocal propriamente dito. Em sua visão, a complexidade dos fatores envolvidos no
canto requer um alto grau de coordenação. Portanto, se não houver essa
coordenação em atividades básicas, no canto tal coordenação se tornará difícil de
ser alcançada.
130
Walter: Obviamente quando você vai cantar, você precisa de uma
coordenação de praticamente o corpo inteiro. E se você não tem essa
coordenação nas coisas simples nas coisas complexas é quase impossível.
Tudo isso (os detalhes do canto), você tem que aprender também. Mas, é
uma coisa que deveria vir num segundo momento, quando você já tem essa
coordenação básica, você já tem o som basicamente bonito, solto e livre.
você vai aparando as arestas.
Walter enfatiza a importância da Técnica Alexander para a aquisição de uma boa
coordenação do organismo:
Walter: Mas, a Técnica [Alexander] é uma coisa fundamental, básica, de
coordenação do corpo inteiro que você precisa ter para, depois, poder fazer
uma coisa específica. [...] Quanto mais específica a atividade que você for
fazer, mais você precisa ter da sua coordenação.
Parâmetros vocais, musicais e fisiológicos também são lembrados como fatores
dependentes de uma boa coordenação para que funcionem bem.
Walter: Depois no canto é aquilo detalhado para frase musical, para
emissão da voz, para a ressonância, para o apoio, para o fôlego, enfim,
para várias outras coisas. Mas, tudo isso está ligado na coordenação
fundamental. Se esta não está ali, o resto dificilmente vem.
O domínio dos movimentos e da atenção é sugerido como uma conquista de quem
desenvolve a coordenação. Esse controle corporal e mental pode ser pensado como
importante no gerenciamento dos processos envolvidos na prática vocal. Como
explica Reinaldo,
Reinaldo: Enquanto você aprende a Técnica Alexander você pode parar de
ser, por exemplo, desastrado. E isso é porque você está desenvolvendo
uma melhor coordenação para reconhecer direito a sua relação com o
espaço que você está ocupando. E aí, você pode mesmo, até evitar
acidentes.
A complexidade de coordenação do aparelho fonador foi colocada como superável
através da coordenação básica associada à propriocepção. A observação e o estar
atento ao ambiente foram citados como fatores determinantes para que o
131
desenvolvimento da coordenação fizesse com que cada parte assumisse seu papel
no funcionamento total do organismo. Gabriela e Reinaldo ressaltam:
Gabriela: [A prática da Técnica Alexander] foi um processo de estar
pesquisando essa relação de um uso mais coordenado, menos esforço,
com a questão da produção vocal.
Reinaldo: Essas partes do corpo funcionam mais coordenadamente. Elas
funcionam melhor quando estão coordenadas umas com as outras, por que
uma ajuda a outra. Elas foram criadas para tal. Por exemplo, a língua. Ela
vai ter uma resposta muito mais ágil, mais sutil e mais sensível, se os pés
estiverem bem apoiados. Por que cada coisa vai fazer o que têm que fazer.
Então, se o cara tem que “colocar” uma voz para atingir o espectador que
está lá no fundo a não sei quantos metros, ele simplesmente vai perceber
isso e vai dar a intenção correta e para isso e fazer o esforço apropriado.
Uma vez mais, o princípio de inibição surge como fundamental para a coordenação
do organismo do cantor. O relato de Walter sugere que a inibição do esforço e da
interferência aparece como fator importante na pesquisa de um uso mais
coordenado, a concepção de permitir que o som surja indica a não interferência.
Walter: Porque, na verdade, o que a gente aprende a inibir na Técnica
Alexander, é a resposta ao estímulo. O estímulo sempre existe. O que você
inibe é a resposta. Quando você deixa de responder imediatamente, você
tem um espaço de tempo para avaliar: quero responder da forma habitual
contraída nervosa agressiva ou posso responder de uma forma
coordenada? Se você sempre vai fazer força antes de soltar o som, você vai
inibir essa força e não fazer, relaxar, manter sua coordenação básica e
permitir que o som surja.
A atitude mental se mostra como o mais importante processo na inibição. O não-
fazer, resultante da inibição, favorece a percepção das partes do corpo e a não
interferência em sua coordenação com o todo.
Walter:
É muito difícil essa atitude tão enfatizada pelo Alexander de não
fazer, deixar acontecer. Muito difícil entender o que é isso, por que é tão
simples. Mas, então eu não faço nada? É você quase não faz nada. Claro, o
que você faz é pensar. Você pensar na sua coordenação, você pensar nas
diversas partes do corpo, você tentar perceber o que está acontecendo,
saber que está acontecendo aquilo e não outra coisa.
132
Walter complementa:
Walter: Alexander era muito prático nisso, ele diz olha, na hora que você
inibe o mau hábito a coordenação natural vai voltar. Você inibe a coisa
errada e você incentiva a coordenão, que é a coordenação de pescoço,
cabeça e tronco. Depois pernas e braços. Mas, se você não inibe essa
tensão errada a coisa certa não tem como sair. Então se você faz um
vocalize de cinco notas bem feito, é mais importante do que você fazer meia
hora de vocalizes, com tensão, apertando o pescoço ou com a coluna torta.
Você só vai reforçar os seus maus hábitos de coordenação.
A contração muscular indevida é citada como algo muito importante a ser evitado na
a produção vocal e no canto. Para Walter, o som bonito só pode acontecer através
da boa coordenação, portanto os grandes cantores, direta ou indiretamente, detêm
um bom uso do organismo. Segundo ele, os bons professores de canto têm que ter
o equilíbrio e a coordenação necessários para a compreensão dos fenômenos do
canto.
Walter: Qualquer grande cantor que você vê por aí pelo mundo afora, de
alguma forma eles aprenderam essa coordenação direta ou indiretamente,
senão não produziriam esse som. Não tem possibilidade de você produzir
um som bonito e você tendo uma contração muscular indevida. Eu encontrei
professores de canto ótimos que não tinham noção nenhuma da Técnica
[Alexander] e que eu resolvi não falar nada ficar nada, ficar quietinho,
guardar a Técnica para mim e ver o que a pessoa tinha para ensinar do
ponto de vista de canto. Se a pessoa canta bem, se a pessoa sabe lecionar,
ela tem que ser uma pessoa equilibrada e bem coordenada, por que senão
ela não teria conseguido aprender a cantar. E esses bons professores de
canto, instintivamente, ou pelo histórico da vida deles, aprenderam de
alguma forma a relaxar todo o aparelho fonador, respirar convenientemente,
usar a musculatura que tem que ser usada e não outra, perceber quando o
aluno está usando um outro grupo de músculos que não aquele que deveria
usar.
Walter afirma que sem uma boa coordenação do organismo, as tentativas de se
desenvolver a voz ocorrem através do método de tentativa e erro, através da força
muscular e através de se “empurrar” ou “apertar” a voz.
Walter:
Obviamente também, todos nós aprendemos por tentativa e erro. Eu
também era muito impaciente, eu também fiquei rouco, inúmeras vezes.
Fiquei com dor de garganta. E parava de cantar descansava uns dias e
133
voltava assim: “como é aquela coisa’? E o meu professor de [Técnica]
Alexander dizia: “calma, você vai aprender, espera sua coordenação ir se
abrindo, você está muito descoordenado”. E aí você quer fazer aquilo com
força muscular. Quer dizer, se eu empurrar mais! Se eu apertar mais, vou
conseguir! Vou fazer mais força, quero cantar mais forte, quero ter uma voz
maior. E não é por aí.
Nas entrevistas, o termo coordenação parece assumir o sentido do conceito de
controle primordial, que, segundo a Técnica Alexander, é o princípio organizador do
funcionamento de todo o organismo (ver Capítulo 2). Para os praticantes da Técnica
Alexander, a partir dessa coordenação básica, todos os processos, inclusive a voz e
as demandas do canto, podem se manifestar de uma forma melhor. A partir dessa
ótica podemos compreender melhor como os cantores praticantes da Técnica
Alexander adquirem uma visão holística do canto, assim como de todas outras
atividades que dependem do uso corporal.
3.7 Ansiedade e medo na situação de performance
A coordenação também aparece como um fator fundamental na superação do medo
e da ansiedade na performance do canto. A coordenação integra e controla o
funcionamento dos segmentos do corpo, liberando a mente e aumentando os
recursos do cantor para lidar com a tensão do palco. Ansiedade pode estar
associada à má coordenação, sendo considerada um segundo estágio da
descoordenação.
Ao ser perguntado sobre a influência da Técnica Alexander sobre as situações que
geram ansiedade para um cantor, Walter se refere em um primeiro momento à
ansiedade como algo especificamente ligado à descoordenação.
134
Walter: A própria ansiedade já é sinal de que alguma coisa em você não
está coordenada. Por que não há motivo para você ter a ansiedade. A
ansiedade, na verdade, já é um segundo estágio da sua descoordenação,
que acontece primeiro, da qual você não se dá conta, e depois você,
descoordenado, você sente ansiedade, você sente angústia, pânico, uma
série de coisas. (...) Já, o apavorar é um sinal de que você não está
coordenado. E quando você está coordenado vai se apavorar porque? O
público ali não vai te morder, não é um Pit-Bull que vai atacar.
Segundo Walter, o ser humano não nasce com medo de se expor, esse medo é
aprendido ao longo da vida. A ansiedade ou vergonha da performance são, em sua
visão, reações inadequadas àquela situação, refletindo algum tipo de
descoordenação do self psicofísico. Para ele, se a coordenação é mantida, o pânico
não acontece.
Walter: Mas é entrar em pânico por uma situação que não é adequada.
Você subiu no palco não tem ninguém te agredindo. A pessoa sente isso,
tem esse medo – “ai que horror... estar ali na frente... todo mundo... que
vergonha”. Por que vergonha? Quer dizer, foi uma coisa que a gente
aprendeu. Uma criança quando está solta quando está bem, ela não tem
vergonha de falar com um estranho. Ela vai fala ou canta ou recita uma
poesia ou diz, você quer ver o “deseínho” que eu fiz aqui na escola? E
mostra um rabisco qualquer crente que fez a maior obra de arte, ela não
tem essa inibição. Inibição naquele sentido [sentido de vergonha]. Então é
uma coisa que foi aprendida, que foi imposta pela educação que obrigou a
pessoa a se descoordenar. Tudo volta no ponto de coordenação ou
descoordenação. Se você conseguir inibir aquilo que vá causar a
descoordenação, você vai continuar coordenado. Se você está coordenado,
não tem por que você entrar em pânico.
Em um segundo momento, Walter relativiza a afirmação anterior, reconhecendo que
a dificuldade emocional de subir ao palco gera um nervosismo ampliado pelo fato de
existirem muitas variantes para se controlar em uma situação de performance. Para
ele, estar coordenado significa estar mais livre e ter mais recursos.
Walter: Obviamente, quanto mais você estiver coordenado, quanto mais
você estiver livre, mais recursos você tem. Por que tensão a gente sempre
tem, nervoso a gente sempre está, é difícil subir no palco, é difícil você
lembrar das milhares de coisas, o texto, a melodia, a pausa, onde é que o
piano entra, o que você faz, olha para o público, faz uma cara inteligente,
faz uma cara de paisagem, interpreta o texto, aqui tem que cantar piano,
aqui tem que cantar forte, olha a língua...
135
A ansiedade pode ser minimizada pela boa coordenação, que favorece a liberação
da mente de preocupações desnecessárias. Assim, os detalhes do canto se tornam
mais fáceis de serem administrados, abrindo espaço para a musicalidade e a
expressão. Como explica Walter,
Walter: Então, há uma série de coisas a pensar. Se você puder liberar
várias delas. Você ter, digamos, automatizado a sua coordenação básica,
você ter desenvolvido sua percepção que você faz um clique e vem: “Ah! Eu
estou bem. Estou coordenado”. E aquilo vem. Você respira e diz: “eu estou
no ponto”, está tudo ali. Você não precisa mais saber as mil coisinhas, você
sabe, que está ali. Aí você vai se preocupar com a música, com o texto, com
a melodia, com o pianista, não deixar se influenciar no público e diz: “eu
estudei, eu estou preparado, eu estou no palco, mas, posso fazer, não
preciso me apavorar”.
Reinaldo relaciona a coordenação com um modo de funcionar mais adequado e livre
transformando para melhor essas condições. A idéia de viver o momento é
novamente citada aqui, trazendo a possibilidade de estabelecer uma ligação entre a
coordenação e a superação da ansiedade:
Reinaldo: A Técnica Alexander não transforma, ela não muda a pessoa, ela
transforma as condições que a pessoa se dá para funcionar. Assim, ela
funciona melhor, ela resgata um funcionamento mais coordenado, mais
adequado, mais livre... e para usufruir melhor do momento.
Para Walter, a maioria dos cantores que tem dificuldades para controlar a ansiedade
do palco, carece da coordenação fundamental propiciada pela Técnica Alexander.
Para ele, a longa experiência nessa prática traz um melhor domínio para lidar com a
ansiedade gerada pela performance no palco.
Walter: Mas o que a maioria das pessoas não está preparada e não sabe
que não está, é essa coordenação fundamental. Eu hoje faço concertos com
outros cantores e eles dizem: “nossa, você fica tão calmo eu estou nervoso,
estou com dor de estômago”. Eu fico quieto, por que eu não posso naquela
hora explicar para pessoa, “olha, mas, hoje eu estou calmo, mas, eu tenho
30 anos de Técnica [Alexander] nas costas”.
136
A ansiedade e o medo do palco também foram tratados em conexão com diferentes
perspectivas da coordenação. Estar preparado para a ansiedade é prever sua
ocorrência e se adaptar a ela. Um dos aspectos mencionados por Izabel refere-se à
percepção e a aceitação dos sintomas da ansiedade como elementos a serem
administrados, ao invés da tentativa de querer negá-los ou controlá-los.
Izabel: A Técnica [Alexander] ajuda, me ajudou muito a parar de me
atormentar. A aceitar limitações ao invés de me oprimir. Na hora que você
sobe em cima do palco, no primeiro momento, você fica nervoso. Porque
não aceitar isso: “Eu estou nervoso”. E pronto. A respiração na primeira
música é mais tensa, mais curta, do que ela vai ser a partir de terceira
música do espetáculo, isso é fato. Acho uma boa idéia não querer controlar:
“Vou entrar no palco agora bem calmo”. Não dá para entrar no palco calmo,
todo mundo entra no palco nervoso. Você já sabe de antemão que a tua
respiração vai estar mais ofegante, que você vai ter menos ar. O que fazer?
Escolher uma música mais fácil de cantar ou estudar com possibilidades de
respirar com mais freqüência durante as frases. Aceitar e se aceitar, se
organizar a partir dessa aceitação é uma maneira de subir no palco inteiro.
A partir desse ponto é possível ampliar os nossos limites, se sentir mais
seguro no palco.
Para Reinaldo, o auto-conhecimento e a auto-percepção trazem um grande domínio
da situação de performance. Seu relato descreve uma situação de segurança, onde
o conhecimento do funcionamento do organismo e a segurança de sua
disponibilidade possibilitam a observação dos mecanismos físico e neuromuscular
em funcionamento.
Reinaldo: Se você sabe que você tem um esqueleto que te sustenta. Se
você sabe que a musculatura que teria que sustentar esse esqueleto es
fazendo o papel dela. Se você sabe que a musculatura que tem que fazer o
movimento está fazendo o papel dela. Se você sabe que o sistema
respiratório está fazendo o papel dele. Que, enfim, tudo está funcionando da
melhor maneira possível naquele momento, você pode até estar tão nervoso
quanto você estaria sem ter esse conhecimento. Só que você vai colocar
esse nervosismo em perspectiva. Você vai observar todos esses sistemas,
inclusive o emocional, de uma forma mais objetiva, dentro de um sistema
inteiro. Então, eu estou “vendo” o meu sistema neuromuscular, o meu
organismo físico, funcionando. Eu estou vendo também o meu sistema
emocional com medo... mas eu estou colocando esse medo dentro do
organismo que eu sinto que está funcionando. Eu posso perceber que ele
está funcionando muito bem, obrigado! Porque eu tenho conhecimento de
que ele está funcionando bem. Eu sei disso! E saber disso me dá
segurança! Eu sei, porque tive um trabalho nos ensaios, de expressão, de
137
reconhecimento de meus sistemas, de meus apoios, da minha tensão
muscular, da minha “a-tensão” muscular, do meu tônus muscular. Isso tudo
me ajuda a ter um controle maior da minha situação ou da situação do meu
organismo como um todo. A minha máquina está funcionando bem. Tudo o
que eu ensaiei está funcionando bem ou, pelo menos, funcionou bem até
agora... Então pronto, é só chegar lá e dar o recado! Com ou sem o
nervosismo. Então, isso ajuda por que você tem esse controle consciente -
construtivo - de si próprio. Você não fica menos nervoso. Você até pode
ficar tão nervoso quanto. Só que o nervosismo que você está sentindo não
te atrapalha tanto, porque ele está sendo observado em perspectiva. Ele
não é mais o fator preponderante.
Em seu relato, Gabriela define a ansiedade como fruto de um padrão habitual. Para
ela todas as manifestações de ansiedade que se amplificam no palco, já estavam
presentes em outras circunstâncias, demonstrando o que habitualmente era usado
como um padrão. Os padrões de ansiedade podem ser físicos ou mentais, em forma
de pensamentos destrutivos que levam a pessoa a um ciclo vicioso, uma bola de
neve. A Técnica Alexander figura em seu relato como um importante instrumento de
escolha para o cantor, através da inibição de padrões psicofísicos nocivos. Gabriela
explica:
Gabriela: Quando você percebe um padrão de ansiedade, esse padrão é
uma amplificação de um padrão que a pessoa já tem e se repete no dia a
dia. Só que não é novo para pessoa, entendeu, ela já vai perceber na hora
de cantar, na aulinha dela, que aquilo já se aciona, mas, de uma forma bem
menor. E tem os padrões mentais que também interferem, enfim, não é
nada desconectado. É tudo junto. Que a pessoa também vai percebendo
padrões mentais de pensamentos destrutivos, de pensamentos que vão
tirando o próprio tapete. E esses padrões mentais vão interferir no estado
emocional e vão interferir nas tensões físicas. Quer dizer, tudo são padrões
e são lidados da mesma forma, a partir dessas mensagens neurológicas
que você pode reconhecer e escolher. Então, no caso, da mesma forma que
percebe uma tensão que você não está afim de repetir que você pode
mandar mensagem: “Não, não estou a fim de acionar esse músculo agora”.
(...) Você pode reconhecer um pensamento também que é um pensamento
habitual. AI-NÃO-VAI-DAR-CERTO-AI-NÃO-VAI-DAR-CERTO-AI-NÃO-VAI-
DAR-CERTO-AI-NÃO-VAI-DAR...VAI-SER-UMA-DROGA-AI-TODO-
MUNDO-VAI-RIR-DE-MIM-AI-TODO-MUNDO-VAI-RIR-DE-MIM. Aí você
reconhecer que isso é um padrão e você poder ter a escolha de: “Não quero
isso agora! Eu não quero que esse pensamento esteja aqui agora!” Então
isso também ajuda.
A diminuição da ansiedade parece ser uma das grandes contribuições da Técnica
Alexander para seus praticantes. Fatores como o conhecimento das reações do
138
corpo, um conhecimento mais profundo e íntimo das reações aos estímulos, a
consciência das respostas do corpo adquiridas durante os ensaios, enfim, vários
aspectos positivos no gerenciamento da ansiedade podem ser derivados da inibição
à reação imediata aos estímulos, da auto-percepção elevada e da boa coordenação
de todo o organismo.
3.8 Discussão
Através dos relatos apresentados neste capítulo, percebemos que os entrevistados
tinham ciência e vivência das principais questões relativas à atividade do cantor
relevantes para esta pesquisa, tanto em relação à técnica vocal em si, quanto em
relação aos dilemas enfrentados pelo cantor. Ao abordar temas como respiração,
esforço, tensão, passagens e extensão, timbre, afinação, coordenação do organismo
como um todo e ansiedade e medo na situação de performance, os entrevistados
tiveram a oportunidade de passar por todos os aspectos previstos, mostrando os
pontos fundamentais do trabalho do cantor. Assim, os relatos mostraram-se
fecundos no que diz respeito a materializar as conclusões e conceitos adquiridos na
revisão da literatura e fundamentação teórica apresentadas por este estudo. Apesar
do caráter qualitativo, achamos importante apresentarmos uma síntese com a
incidência em que estes tópicos apareceram em nossa análise:
Respiração: os 5 entrevistados abordaram este aspecto como uma das coisas
fundamentais para o canto e como uma dos principais aspectos favorecidos pela
prática da Técnica Alexander.
Esforço e tensão: os 5 entrevistados abordaram este aspecto deixando nítida a
visão de que tanto o esforço quanto o tônus muscular fazem parte da prática do
canto. Os entrevistados demonstram uma grande consciência do trabalho muscular
necessário para a realização das diferentes demandas durante a produção vocal de
um cantor.
139
Passagens e extensão: 4 entrevistados – Izabel – Sônia – Walter – Gabriela -
mencionaram este aspecto, sendo que um deles se referiu a esse aspecto a partir da
observação feita sobre a atuação de outros cantores. Assim, apenas as 3 mulheres
entrevistadas apontaram esse aspecto como tendo havido mudanças positivas em
sua própria experiência. Houve ênfase na concepção de que a liberdade e a soltura
no aparelho fonador, associadas ao aumento da energia nos agudos, estão ligados
à superação dos problemas nesta questão.
Timbre: 2 entrevistadas – Sônia – Izabel - abordaram esse aspecto. Apesar de ser
mencionado em duas entrevistas, o timbre apareceu de maneira secundária e não
fundamental. A pouca incidência de comentários sobre esse ponto foi interpretada
como resultado da ausência de problemas e, portanto, um bom convívio dos
entrevistados com esse aspecto.
Afinação
: 1 entrevistada – Sônia - abordou esse aspecto. Sônia relata que a
Técnica Alexander ajudou no processo de desenvolvimento de um aluno que,
inicialmente, não conseguia reconhecer nenhuma nota e, ao final de dois anos, já
conseguia cantar afinadamente. Apesar de aparecer apenas em uma entrevista, a
relação de causa-efeito entre a aplicação da Técnica Alexander e o desenvolvimento
do processo de aprendizagem geral, enfatizada por Sônia nesse caso, pareceu
importante.
Coordenação: 4 entrevistados –
Walter – Gabriela – Reinaldo – Izabel -
mencionaram este aspecto. Esse termo foi utilizado com conotação própria dentro
do conceitual da Técnica Alexander, significando controle primordial. A coordenação
foi apontada como aspecto fundamental na organização de todas as partes
envolvidas no canto. Assim, todos os mecanismos necessários para a produção
vocal se integram a partir da coordenação básica, o controle primordial. A idéia de
que o cantor passa a prescindir do controle dos detalhes do canto em função de sua
coordenação básica, traz o conceito de simplicidade na execução das atividades.
Ansiedade e medo na situação de performance
: 4 entrevistados – Walter –
Reinaldo – Izabel – Gabriela - mencionaram a ansiedade de palco como um aspecto
sobre o qual a Técnica Alexander tem grande atuação. A ansiedade foi em grande
parte relacionada com a falta de coordenação.
140
É importante ressaltar o caráter qualitativo dos resultados apresentados neste
estudo, de forma que foram citados apenas os trechos das entrevistas considerados
mais significativos para explicar e confrontar os conceitos apresentados nos dois
primeiros capítulos. A análise de dados tentou ser exaustiva no sentido de filtrar o
conteúdo mais expressivo que indicasse o relacionamento entre os relatos dos
entrevistados e as hipóteses e categorias de análise previamente definidas. A
tentativa de confrontar os conceitos vocais e os princípios operacionais da Técnica
Alexander com as falas dos 5 entrevistados se mostrou muito eficiente em configurar
um quadro de coerência e adequação da prática vocal vivenciada por eles e o
quadro esboçado a partir do referencial teórico.
É preciso destacar algumas conclusões inesperadas, surgidas ao contrapor os
depoimentos e o referencial teórico, que dão sentido a idéia básica que permeia o
trabalho de Alexander: que através do bom uso o complexo funcionamento do
organismo humano se coordena e passa a acontecer com liberdade e facilidade.
Para refletir sobre isto, primeiramente vamos contrapor duas concepções distintas
expostas neste trabalho: 1) Por um lado, temos a visão da produção vocal explicada
pelos princípios fisiológicos: os autores utilizados nesse estudo que se embasam
nas pesquisas científicas da anatomofisiologia e, também, professores de canto e
cantores que se preocupam em ter um embasamento científico da produção vocal;
e, na mesma linha, porém de maneira não científica, os cantores citados por Huche
(1999) que também tentam explicar o fenômeno vocal através de certa fisiologia
imprecisa das sensações que, mesmo imprecisa, reflete uma visão que disseca o
corpo para entender seu funcionamento. 2) por outro lado os entrevistados, que não
têm como preocupação central as partes envolvidas na produção vocal, mas sim o
141
funcionamento de todo o organismo. Para eles o conhecimento fisiológico das partes
envolvidas se torna secundário. Isto fica aparente ao se perceber o status dado a
esses aspectos específicos na entrevista.
O que para nós foi bastante revelador é que os cantores entrevistados evitaram
pensar o canto a partir das partes e funções do corpo isoladamente, e algumas
vezes desconsideraram os conhecimentos fisiológicos da produção vocal; porém,
eles demonstram que seus conceitos sobre o uso do organismo a partir da visão da
Técnica Alexander estão de acordo com a perspectiva defendida pelos fisiologistas,
anatomistas, fonoaudiólogos e professores de canto apresentados no Capítulo 1
deste estudo. Vários aspectos sustentam essa afirmativa; por exemplo: a abordagem
respiratória, os aspetos ligados à articulação e às tensões, vistos por anatomistas e
fisiologistas correspondem, por caminhos diferentes, àquelas descritas pelos
entrevistados. Ao buscarmos perceber qual a manifestação prática do que foi dito
pela vertente científica e pelos praticantes da Técnica Alexander, vimos que, grosso
modo, a inibição das interferências abre espaço para que todos os processo
fisiológicos atuem de maneira equilibrada. Ou seja, percebemos que os fisiologistas
ao desvendar os processos da produção vocal, estão na verdade descrevendo
mecanismos que devem acontecer se não houver distorções no funcionamento do
corpo.
O confronto de um conceito fundamental para o canto, o da emissão da voz, talvez
seja emblemático para mostrar como muitos aspectos vistos como complexos
podem se tornar de fácil excussão através dos princípios da Técnica Alexander: os
cantores, em geral, se preocupam de maneira fundamental com o som produzido e
em função disso existe uma grande preocupação com o que alguns chamam de
142
impostação vocal ou “lugar onde colocar a voz”. Vemos diferentes noções difundidas
pelos cantores de colocar a voz na frente, na máscara, na cavidade nasal, nas
cavidades do crânio, fazer a forma do bocejo, e muitas outras formas geradas a
partir da fisiologia das sensações. Os cientistas mostram que na verdade essas
noções não têm correspondência com a realidade fisiológica. A voz deve ser
projetada para o ambiente sem esforço, com naturalidade, preservando os
processos e mecanismos naturais e fisiológicos do corpo, que são suficientemente
capazes de produzir todo o potencial vocal do indivíduo (HUCHE, 1999, p. 29-31).
Neste estudo, a informação obtida dos entrevistados nos levou a uma significante
revelação sobre esse tema tão confuso e distorcido por informações imprecisas e
mitos. A referência aos termos espaço, folga, liberdade, liberação, associados a
expressões como permitir que o som saia, não fazer nada, inibir a tensão, quando
falam da emissão vocal, mostra que para os praticantes da Técnica Alexander
aqueles processos naturais defendidos pelos fisiologistas parecem vigorar.
Enfim, de acordo com os relatos oferecidos pelos entrevistados, ficou sugerido que,
a partir da prática da Técnica Alexander, todos eles passaram por importantes
mudanças psicofísicas. A Técnica Alexander teve um impacto positivo em suas vidas
e na sua prática vocal, no que diz respeito aos parâmetros do canto abordados
neste estudo. As reflexões propostas por este estudo sugerem ainda que a prática
da Técnica Alexander tem um grande potencial de contribuição no auxílio dos
problemas do cantor. O panorama abarcado por este estudo mostra que a Técnica
Alexander pode mudar para melhor o paradigma do cantor em relação a sua prática,
tornando-o mais ciente do uso de si mesmo durante a atividade vocal.
143
CONCLUSÃO
Este estudo pretendeu contribuir para desvendar as barreiras que dificultam a
realização do potencial do cantor no que se refere ao seu uso vocal e à sua atuação
artística, através de uma investigação dos possíveis benefícios da Técnica
Alexander para a prática do canto. Com essa finalidade, baseados nas deficiências
da pedagogia do canto indicadas por Dinville (1993) e Huche (1999) apresentamos
uma resumida descrição dos mecanismos fisiológicos envolvidos na produção da
voz e da fala, assim como do canto. Conhecimentos considerados fundamentais,
pela vertente cientificista que trata da produção vocal, para se evitar a reprodução
dos vários equívocos conceituais existentes nesse campo. Para Huche (1999, p. 30),
várias dessas concepções errôneas podem levar o aluno de canto a atitudes
prejudiciais ao seu aparelho vocal, gerando desgastes desnecessários e problemas
vocais.
Os mecanismos vocais apresentados nessa abordagem fisiológica se encaixaram,
na sua manifestação prática, com os processos utilizados pelos praticantes da
Técnica Alexander, inferidos a partir da análise e interpretação dos conceitos e
atitudes expressas pelos cinco cantores-professores de Técnica Alexander em suas
entrevistas. Através dos relatos dos entrevistados, fomos percebendo como o
funcionamento das partes do corpo envolvidas na produção vocal, tecnicamente
descritas no Capítulo 1, eram organizadas e coordenadas dentro da perspectiva da
Técnica Alexander. A auto-percepção aliada a uma total aceitação e constante
busca dos processos naturais do corpo, através da idéia da não interferência,
sugeriram que os mecanismos estudados no Capítulo 1 eram colocados a funcionar
144
a partir do estabelecimento de um relacionamento harmonioso entre a cabeça, o
pescoço e o tronco.
Assim, ao confrontarmos as entrevistas com o referencial teórico, tanto da fisiologia
da voz quanto da Técnica Alexander, tivemos condições de perceber como se
confirmava nossa hipótese inicial: a Técnica Alexander possibilita uma grande
melhora na auto-percepção, na distribuição do tônus muscular, ajuda a melhorar o
uso corporal, a coordenação, o controle e favorece a liberdade de movimentos;
assim, ela poderá ajudar na solução dos problemas causados pelo mau uso dos
alunos, professores de canto e dos cantores.
A partir dos trabalhos de Dinville (1993) e Huche (1999) pudemos perceber vários
conceitos e tradições reproduzidos na pedagogia do canto, nem sempre
considerados por estes autores como os mais adequados. Assim, acabamos por
estabelecer uma base de comparação entre o que poderíamos identificar como uma
tradição de conceitos difundidos sobre o canto e a posição dos praticantes da
Técnica Alexander frente a eles. As entrevistas nos deram a possibilidade de
constatar cantores praticantes da Técnica Alexander que não carregam consigo
vários desses conceitos e preocupações tradicionalmente difundidos. E nem tão
pouco nesses relatos, ao abordarem as diversas questões, os entrevistados
apresentaram opiniões sobre respiração, produção do som na laringe e qualidade e
projeção sonora, que convergissem diretamente com a abordagem proposta na
literatura de canto e voz, isto é, uma abordagem dos aspectos específicos do
funcionamento de cada parte separadamente.
145
Portanto, nem os fundamentos tradicionais do canto nem a visão mais científica da
produção vocal foram privilegiados pelos entrevistados. Os praticantes da Técnica
Alexander, ao cantar, se preocupam antes com sua coordenação básica, com a
relação cabeça-pescoço-tronco (controle primordial), com a prevenção de
interferências no bom funcionamento do organismo como um todo e com os meios
pelos quais devem executar suas tarefas. Dessa forma, as preocupações com
aspectos específicos, típicos dos cantores, fisiologistas e professores de canto,
perdem o foco principal deixando de se manifestar como problemas pontuais a
serem resolvidos, mas como processos integrados que funcionam bem se o todo do
organismo está funcionando adequadamente.
Ainda outra idéia gerada pelas entrevistas difere em algum grau de uma concepção
comum em relação ao instrumento do cantor. Para muitos cantores e também sob o
ponto de vista dos autores apresentados no Capítulo 1, o instrumento do cantor é
seu próprio corpo, o que está absolutamente correto. Entretanto, esse conceito de
corpo está, em grande parte, ligado ao aparelho fonador, que compreende o
aparelho respiratório e algumas estruturas do aparelho digestivo e seus mecanismos
motores e de feedback (ver Capítulo 1). O praticante da Técnica Alexander percebe
seu instrumento de maneira bem mais ampla que isso, extrapolando o limite do
aparelho vocal e indo além da idéia de que o corpo como um todo é o instrumento
do cantor. Na verdade, para o praticante da Técnica, o canto se dá a partir de todo o
organismo psicofísico, o que inclui o físico, a mente e a emoção, coordenados em
prol de um mesmo objetivo. Além disso, fica bastante evidente que a perspectiva da
Técnica Alexander não envolve conceitos teóricos abstratos, que se pode aprender
através de leituras ou outro método teórico; ao contrário, os praticantes da Técnica
146
Alexander vivenciam essas experiências na realidade prática do dia a dia, de forma
concreta.
A maneira como o praticante da Técnica Alexander lida com a produção da voz e o
canto se mostrou eficaz em prevenir problemas vocais e eliminar as limitações do
cantor, quando geradas pelo seu mau uso do organismo. A auto-percepção elevada,
o respeito aos mecanismos naturais de funcionamento do organismo, a manutenção
da coordenação básica, o domínio da ansiedade, a economia de energia nos
agudos, a conquista de toda extensão vocal e a solução dos problemas de
passagens de registros vocais, foram alguns dos elementos demonstrativos de como
a Técnica Alexander favorece avanços à técnica vocal. Também a melhora dos
aspectos afetivos ligados à pratica do canto citados por Lewis, Lloyd e Head (ver p.
81-2), permearam de forma bastante nítida todos os depoimentos recolhidos nas
entrevistas. A partir dos relatos dos entrevistados, percebeu-se como a ausência ou
a diminuição do esforço e da tensão muscular, a diminuição da ansiedade ou seu
controle, a superação de limitações no uso do corpo e maior domínio vocal, que os
cantores praticantes da Técnica Alexander desenvolveram uma relação de maior
prazer com o ato de cantar.
Sabemos, contudo, que essas opiniões partem da experiência de indivíduos
envolvidos com a Técnica Alexander, desde o próprio Alexander, passando por
outros autores e pesquisadores que se dedicaram a investigar a validade da Técnica
a partir de métodos científicos sistemáticos, até trabalhos acadêmicos sobre o
relacionamento do canto com a Técnica. Finalmente, estas observações foram
coerentes com os relatos dados pelos cinco entrevistados deste estudo. Faz-se
necessário salientar a grande coerência dos conceitos, percepções e valores
147
percebidos entre os relatos apresentados por estes indivíduos e os conceitos
levantados na bibliografia. Porém, os limites deste estudo se manifestam, sobretudo,
na impossibilidade de se generalizar as reflexões feitas a partir desses dados. Novas
pesquisas nesta área são, portanto, necessárias para se confrontar e ampliar as
conclusões aqui alcançadas.
Finalmente, a partir da percepção da importância da Técnica Alexander como uma
prática que tem o potencial de ajudar a melhorar o aproveitamento dos alunos de
canto em seu aprendizado, favorecendo a realização do potencial de cada indivíduo
no que diz respeito ao uso que faz de si mesmo, sugerimos a inclusão da Técnica
Alexander nos currículos do ensino de canto nas escolas de música brasileiras,
como forma de diminuir a defasagem na formação de nossos cantores. Até onde
pudemos perceber a inserção formal dessa disciplina não é uma realidade em nosso
meio atualmente. Esse seria um importante instrumento na aquisição de uma boa
qualidade vocal e na redução ou eliminação de traumas e disfonias causados pelo
mau uso e pela falta desse tipo específico de auto-percepção entre alunos e
professores de canto. Assim, poderíamos dar mais um passo em favorecer a
formação de cantores conscientes do uso de si mesmos, com mais liberdade e
principalmente com mais saúde e prazer em sua atividade, que possam com
naturalidade e espontaneidade alcançar seu melhor potencial humano e artístico.
148
REFERÊNCIAS
ALCANTARA, Pedro. Indirect procedures, Oxford: Clarendon Prees, 1997.
ALEXANDER, Frederick Matthias. O uso de si mesmo. São Paulo: Martins Fontes,
1992.
____________. A Ressurreição do corpo. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
____________.
Man’s supreme inheritance.
1910, In: ALEXANDER, Frederick
Matthias. The books of F. Matthias Alexander. New York: IRDEAT - Institute for
Research, Development & Education in the Alexander Technique, (1987?). p. 3-201.
____________. Contructive concious control of the individual. 1923, In:
ALEXANDER, Frederick Matthias. The books of F. Matthias Alexander. New York:
IRDEAT - Institute for Research, Development & Education in the Alexander
Technique, (1987?). p. 203-394.
____________. The universal constant in living. 1941, In: ALEXANDER, Frederick
Matthias. The books of F. Matthias Alexander. New York: IRDEAT - Institute for
Research, Development & Education in the Alexander Technique, (1987?). p. 493-
697.
____________. Re-education of the kinaestehetic systems, (Early Articles, 1908). In:
ALEXANDER, Frederick Matthias. Articles and lectures. London: Mouritz, 1995. p.
79-85.
____________. The bedford physical training college lecture, (Lectures, 1934). In:
ALEXANDER, Frederick Matthias. Articles and lectures. London: Mouritz, 1995. p.
163-182.
____________. An unrecognized principle in human behaviour, (Lectures, 1925). In:
ALEXANDER, Frederick Matthias. Articles and lectures. London: Mouritz, 1995. p.
141-160.
____________. The use of the self-2, (Published Letters, 1925). In: ALEXANDER,
Frederick Matthias. Articles and lectures. London: Mouritz, 1995. p. 133-4.
BARKER, Sarah. A técnica de Alexander: aprendendo a usar seu corpo para obter a
energia total. São Paulo: Summus, 1991.
149
BARLOW, Wilfred. (1973) The Alexander Principle, London: Victor Gollancz.
BEHLAU, Mara; PONTES, Paulo. Avaliação e tratamentos das disfonias. São Paulo:
Lovise, 1995.
BEHLAU, Mara; REHDER, Maria Inês. Higiene vocal para o canto coral. Rio de
Janeiro: Revinter, 1997.
BERG, Jw. van den, e J. Moll, “Zur Anatomie des menschlichen Musculus Vocalis,”
Zeitschrift für Anatomie und Enwicklungsgeschichte, 117,1955,465-470. apud.
ZEMLIN, Willard R. Princípios de Anatomia e Fisiologia em Fonoaudiologia. 4 ed.
Porto Alegre: Artmed, 2000.
BEUTTENMÜLLER, Maria da Glória; LAPORT, Nelly. Expressão vocal e expressão
corporal. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1974.
BLADES-ZELLER, E. (1993) Vocal pedagogy in the United States: interviews with
exemplary techers of applied voices. New York: Doctor of Musical Arts, Department
of Music Education, Eastman School of Music-University of Rochester-Rochester.
Apud. VIDAL, Mirna. Pedagogia vocal no Brasil: uma abordagem emancipatória para
o ensino-aprendizagem do canto. 2000. 159 f. Dissertação (Mestrado em música
brasileira) – Centro de Letras e Artes, Universidade do Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro, 2000.
DINVILLE, Claire. A técnica da voz cantada. Rio de Janeiro: Enelivros, 1993.
CAMPOS, Paulo Henrique. O trabalho muscular na prática do canto lírico.
Dissertação de Conclusão do Curso de Pós-Graduação em Práticas Interpretativas
em Música Brasileira. Belo Horizonte: UEMG, 2003.
CARRINGTON, Walter; Nicholls, John..; Sontag, Jerry. Thinking aloud. Califórnia:
Mornum Time Press, 1994.
FUKUDA, T. Stato–kinetic reflexes in equilibrium and movement. Tóquio, Igaku
Shoin, 1957. apud. JONES, Frank Pierce. In: ALEXANDER, Frederick Matthias. A
Ressurreição do corpo. o Paulo: Martins Fontes, 1993.
GELB, Michael. (1981) Body Learning, London: Aurum Press.
GELB, Michael. O aprendizado do corpo: Introdução à técnica de Alexander. São
Paulo: Martins Fontes, 1987.
150
GESELL, A. “The ontogenesis of infant behavior”. In L. Carmichael (Ed.), Manual of
child psychology. Nova York, Wiley, 1954, pp. 335-73. apud. JONES, Frank Pierce.
In: ALEXANDER, Frederick Matthias. A Ressurreição do corpo. São Paulo: Martins
Fontes, 1993.
GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 4. ed. São Paulo: 1994
HEAD, Sandra. How the alexander technique informs the teaching of singing: the
personal experience of, and analysis by a singing teacher. 1996. 54 f. Thesis (Master
of education) – Faculty of Graduate Studies, University of British Columbia, Canadá,
1996.
HEIRICH, J. R. (1996 summer). Frederick Matthias Alexander and his discoveries: A
gift from Australia to the world, Australian Voice
, pp. 1-10. apud. HEAD, Sandra. How
the alexander technique informs the teaching of singing: the personal experience of,
and analysis by a singing teacher. 1996. 54 f. Thesis (Master of education) – Faculty
of Graduate Studies, University of British Columbia, Canadá, 1996.
HELLEBRANT, Frances A., SCHADE, Maja &
CAIRNS,
Marie L. “Methods of evoking
tonic neck reflexes in normal human subjects”. American Journal of Physical
Medicine,
1962
, 41, 90-139. apud. JONES, Frank Pierce. In: ALEXANDER, Frederick
Matthias. A Ressurreição do corpo. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
HUCHE, François Le; ALLALI, André. A voz: anatomia e fisiologia dos órgãos da voz
e fala. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 1999. Vol. 1.
IRVING, L. “Respiration in diving mammals”. Physiological Review, 1939, 19, 112-34.
apud. JONES, Frank Pierce. In: ALEXANDER, Frederick Matthias. A Ressurreição
do corpo. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
JONES, Frank Pierce. Freedom to change: The development and science of the
Alexander Technique. London: Mouritz, 1997.
LAKATOS, Eva Maria e MARCONI, Marina de Andrade.
Fundamentos de
metodologia científica. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 1996.
LANDAU, A. “Über einen tonischen Lagereflex beim alteren Saugling”. Klinische
Wochenschrift, 1923, 2, 1252, 1255. apud. JONES, Frank Pierce. In: ALEXANDER,
Frederick Matthias. A Ressurreição do corpo. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
LEWIS, Pamela Payne. The Alexander Technique: Its Relevance for Teachers of
Singing. 1980. 163 f. Dissertation (Doctor of Artes in speech and voice) – Faculty of
the college of fine arts, Carnegie-Mellon university. Pittsburg, Pennsylvania, 1980.
151
LLOYD, Gwyneth. The Applicantion of the Alexander Technique to the Teaching and
Performing of Sing: A Case Study Approach. 1986. 145 f. Thesis (Máster of music)
University of Stellenbosh. Stellenbosh, Africa do Sul, 1986.
MAGNUS, Rudolf. Corpoerstellung. Berlim, Springer, 1924. apud. JONES, Frank
Pierce. In: ALEXANDER, Frederick Matthias. A Ressurreição do corpo. São Paulo:
Martins Fontes, 1993.
MAGNUS, Rudolf.; DE KLEIJN, A. “Die Abhängigkeit des Tonus der
Extremitätenmuskeln von der Kopfstellung”. Pfugers Archiv für die gesame
Physiologie der Menschen und der Tiere, 1912, 145, 455-548. apud. JONES, Frank
Pierce. In: ALEXANDER, Frederick Matthias. A Ressurreição do corpo. São Paulo:
Martins Fontes, 1993.
MANJOME, T., “The Anatomical Studies on the Laryngeal Muscles of the Japanese,”
J. Oto-Rhino-Laryngol. Soc. Japan, 62, 1959, 1890-1901. apud. ZEMLIN, Willard R.
Princípios de Anatomia e Fisiologia em Fonoaudiologia. 4 ed. Porto Alegre: Artmed,
2000.
MAYET, A., “Zur functionellen Anatomie der menschlichen Stimmlippe,” Zeitschrift für
Anatomy und Enwicklungsgeschichte, 119, 1955, 87-111. apud. ZEMLIN, Willard R.
Princípios de Anatomia e Fisiologia em Fonoaudiologia. 4 ed. Porto Alegre: Artmed,
2000.
PEIPER, A. “Reflexes of position and movement”. In Cerebral function in infancy and
childhood. (Trad. Por B. Nagler & Hilde Nagler) Nova York, Consultants Bureau,
1963, cap. 4. apud. JONES, Frank Pierce. In: ALEXANDER, Frederick Matthias. A
Ressurreição do corpo. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
RADEMAKER, G.G.J. Das Stehen. Berlim, Springer, 1931. apud. JONES, Frank
Pierce. In: ALEXANDER, Frederick Matthias. A Ressurreição do corpo. São Paulo:
Martins Fontes, 1993.
SANTIAGO, Patrícia Furst. The application of Alexander Technique principles to
piano teaching for beginners. 2000. 88 f. Dissertation (Masters of arts in music
education) - Institute of Education, University of London. London, 2000.
____________. An exploration of the potential contributions of the Alexander
Technique to piano pedagogy. 2004. 423 f. Thesis (Doctor of philosophy) - Institute
of Education, University of London. London, 2004.
____________. A perspectiva da Técnica Alexander sobre os problemas físicos da
performance pianística. In: ANPPOM, 15., 2005, Rio de Janeiro.
152
____________. Potenciais contribuições da Técnica Alexander para a pedagogia
pianística. In: ABEM, 12., 2006, Fortaleza.
SCHALTENBRAND, G. “Normale Bewegungsund Haltungs-und Lagereaktionen bei
Kindern”. Deutsche Zeitschrift fur Nervenheilkunde, 1925, 87, 23-42. apud. JONES,
Frank Pierce. In: ALEXANDER, Frederick Matthias. A Ressurreição do corpo. São
Paulo: Martins Fontes, 1993.
SCHLOSSHAUER, B., e K. Vosteen, “Über die Anordnung und Wirkungsweise de
rim Conus elasticus ansetzended Fasern des Stimmuskels,” Laryngol. Zeitschrift., 36,
1957, 642-650. apud. ZEMLIN, Willard R. Princípios de Anatomia e Fisiologia em
Fonoaudiologia. 4 ed. Porto Alegre: Artmed, 2000.
SCHOLANDER, P. F. “The master switch of life”. Scientific American, 1963, 209, 92-
106. apud. JONES, Frank Pierce. In: ALEXANDER, Frederick Matthias. A
Ressurreição do corpo. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
SIMONS, A. “Kopfhaltung und Muskeltonus”. Zeitschrift fur die gesamte Neurologie
und Psychiatrie, 1923, 80, 499-549. apud. JONES, Frank Pierce. In: ALEXANDER,
Frederick Matthias. A Ressurreição do corpo. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
SONESSON, B., “On the Anatomy and Vibratory Pattern of the Human Vocal Folds,”
Acta Oto-Laryngol., Suppl. 156, 1960. apud. ZEMLIN, Willard R. Princípios de
Anatomia e Fisiologia em Fonoaudiologia. 4 ed. Porto Alegre: Artmed, 2000.
SOUCHARD, Phillippe-Emmanuel. Respiração. São Paulo: Summus, 1989.
TINBERGEN, Nikollas, Ethology an stress disease. Nobel Lecture, 1973. Disponível
em:
<http://nobelprize.org/nobel_prizes/medicine/laureates/1973/tinbergen-lecture.pdf>.
Acesso em: 14 dec. 2004.
TOKIZANE, T., MURAO, M., OGATA, T, & KONDO, T. “Electromyographic studies
on tonic neck, lumbar and labyrinthine reflexes in normal persons”. Japanese Journal
of Physiology, 1951, 2, 130-46. apud. JONES, Frank Pierce. In: ALEXANDER,
Frederick Matthias. A Ressurreição do corpo. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
TOMATIS, Alfred. The Ear and Language. Tradução Billie M. Thompson. Canadá:
Moulin Publishing. Título Original: L’Óreille et le Language, 1993.
VIDAL, Mirna. Pedagogia vocal no Brasil: uma abordagem emancipatória para o
ensino-aprendizagem do canto. 2000. 159 f. Dissertação (Mestrado em música
brasileira) – Centro de Letras e Artes, Universidade do Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro, 2000.
153
WALSCHE, F. M. R. “On certain tonic or postural reflexes in hemiplegia with special
reference to the so-called associated movements”. Brain, 1923, 46, 1-37. apud.
JONES, Frank Pierce. In: ALEXANDER, Frederick Matthias. A Ressurreição do
corpo. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
WELLS, M. S. “The demonstration of tonic neck and labyrinthine reflexes and
positive heliotropic responses in normal human subjects”. Science, 1944, 99, 36-7.
apud.
JONES, Frank Pierce. In: ALEXANDER, Frederick Matthias.
A Ressurreição
do corpo. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
WUSTROW, F., “Baú und Funktion dês menschliche Musculus Vocalis,” Zeitschrits
für Anatomie und Enwicklungsgeschichte, 116, 1952, 506-522. apud. ZEMLIN,
Willard R. Princípios de Anatomia e Fisiologia em Fonoaudiologia. 4 ed. Porto
Alegre: Artmed, 2000.
ZEMLIN, Willard R. Princípios de Anatomia e Fisiologia em Fonoaudiologia. 4 ed.
Porto Alegre: Artmed, 2000.
154
ANEXOS
A - Roteiro da entrevista
B - Termos de consentimento enviados pelos entrevistados
155
ROTEIRO DA ENTREVISTA
Como a idéia de saúde, naturalidade e não esforço no uso da voz se relaciona com a
Técnica Alexander?
Se há diferença na incidência de problemas ou dificuldades vocais e disfonias, tanto
leves quanto mais sérias.
Como o entrevistado descreveria o “melhor uso corporal” proporcionado pela Técnica
Alexander?
O que significa a idéia de que; “a voz é um produto do organismo psico-físico e deve
ser trabalhada como um todo”.
Se e como os cantores praticantes da Técnica Alexander percebem mudanças na
sua atuação vocal - Quais são as diferenças na sua prática como cantor e na técnica
vocal - Se, quais e como os parâmetros vocais mudaram, para melhor ou para pior;
Existe alguma diferença na atuação do:
Sistema respiratório?
Produção do som pela laringe ou na sua percepção?
Mecanismos de modificação do som – ressonâncias – harmônicos?
Mecanismos de articulação - vogais - cores?
Mecanismos de percepção e controle da voz – audição - propriocepção ou sentido
cinestésico?
Citar parâmetros como:
Respiração – postura - equilíbrio
Níveis de tensão localizada ou geral
Facilidade em cantar
Ocorrência de disfonias antes e depois do início da prática da Técnica Alexander.
Extensão
Tessitura
Passagens
Registros
Timbre vocal
Qualidade vocal
Colocação da voz - Concepção de impostação da voz
Afinação
Coordenação e consciência do seu próprio funcionamento vocal - Propriocepção
156
TERMOS DE CONSENTIMENTO ENVIADOS PELOS ENTREVISTADOS
157
Autorização de utilização dos dados da entrevista enviada por Walter
Weiszflog por meio de correio eletrônico
158
Autorização de utilização dos dados da entrevista enviada por Gabriela Geluda
por meio de correio eletrônico
159
Autorização de utilização dos dados da entrevista enviada por Reinaldo Renzo
por meio de correio eletrônico
160
Autorização de utilização dos dados da entrevista enviada por Izabel Padovani
por meio de correio eletrônico
161
Autorização de utilização dos dados da entrevista enviada por Sônia Dumont
por meio de correio eletrônico
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo