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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
FACULDADE DE HISTÓRIA, DIREITO E SERVIÇO SOCIAL
FABIANO JUNQUEIRA DE FREITAS
A MÃO OCULTA
ESTEVAM MARCOLINO: POLÍTICA E MODERNIDADE
NO INTERIOR PAULISTA (1889-1914)
FRANCA
2008
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FABIANO JUNQUEIRA DE FREITAS
A MÃO OCULTA
ESTEVAM MARCOLINO: POLÍTICA E MODERNIDADE
NO INTERIOR PAULISTA (1889-1914)
Dissertação apresentada à Faculdade de História,
Direito e Serviço Social, da Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como parte da
exigência para obtenção do título de Mestre em
História. Área de Concentração: História e Cultura
Política.
Orientador: Prof. Dr. José Evaldo de Mello Doin
FRANCA
2008
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Freitas, Fabiano Junqueira de
A mão oculta : Estevam Marcolino : política e modernidade
no interior paulista (1889-1914) / Fabiano Junqueira de Freitas.
–Franca : UNESP, 2008
Dissertação – Mestrado – História – Faculdade de História,
Direito e Serviço Social UNESP.
1. Estevam Marcolino de Figueiredo Biografia. 2. Café
História – São Paulo. 3. Patronio Paulista (SP) - Modernização
urbana. 4. História política – Patronio Paulista (SP).
CDD – 981.552092
FABIANO JUNQUEIRA DE FREITAS
A MÃO OCULTA
ESTEVAM MARCOLINO: POLÍTICA E MODERNIDADE
NO INTERIOR PAULISTA (1889-1914)
Dissertação apresentada à Faculdade de História, Direito e Serviço Social, da
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como parte da exigência
para obtenção do título de Mestre em História. Área de Concentração: História e
Cultura Política.
BANCA EXAMINADORA
Presidente: _________________________________________________________________
Prof. Dr. José Evaldo de Mello Doin – UNESP/Franca
1º Examinador: _____________________________________________________________
Prof. Dr. Alexandre Pacheco - UNIR
2º Examinador: _____________________________________________________________
Prof. Dr. Samuel Alves Soares – UNESP/Franca
Franca, 5 de maio de 2008.
Dedico este trabalho especialmente à minha
esposa Flávia, cuja doce presença em minha
vida renova e enriquece o único e verdadei-
ro sentido da história: construir a cada dia
através do tempo. .........................................
AGRADECIMENTOS
São inúmeras as instituições e pessoas que, através de sua participação, colaboraram para que
este trabalho fosse realizado. Agradecemos a todos que, de alguma forma e em diferentes
momentos, estiveram ao nosso lado contribuindo com sugestões, idéias, materiais, referências
e de tantas outras formas. De modo especial, manifestamos nossa gratidão:
à CAPES/CNPq, pela bolsa concedida durante a fase conclusiva da pós-graduação;
ao meu orientador Prof. Dr. José Evaldo de Mello Doin, cujo profissionalismo, competência e
dedicação foram os esteios que sustentaram a construção desta pesquisa, e por cuja amizade e
confiança serei eternamente agradecido;
ao Prof. Dr. Walter Cardoso, respeitado mestre e verdadeira referência de toda uma geração
de historiadores unespianos, por sua disponibilidade e paciência dedicados à leitura do projeto
e a seu enriquecimento com pertinentes sugestões e referências bibliográficas;
ao Prof. Dr. Rodrigo Ribeiro Paziani, amigo e brilhante intelectual sempre dispovel quando
se tratava de dividir comigo as angústias e dúvidas que um trabalho desta natureza
invariavelmente traz, por suas generosas sugestões e valiosos comentários desde a fase do
projeto até à conclusão da dissertação;
ao Prof. Dr. Samuel Alves Soares e ao Prof. Dr. Lélio Luiz de Oliveira, que me honraram
como membros de minha banca de exame de qualificação, pelas consistentes sugestões feitas
ao texto em sua fase mais madura;
à veneranda senhora D. Filomena Graciosa de Figueiredo, sobrinha do Coronel Estevam que,
com a sabedoria dos mais vividos e a imprescindível convivência pessoal com o nosso
personagem central, nos forneceu os primeiros lampejos de conhecimento para que este
trabalho, ainda idéia, ganhasse o papel e se tornasse uma dissertação de mestrado;
à Sra. Marizilda de Andrade, também da família do Coronel Estevam Marcolino, que
contribuiu com as primeiras referências de fontes pririas;
ao Sr. Ivaldo Robier Freiria, pela gentileza e prontidão ao facilitar nosso acesso aos
documentos da Câmara Municipal de Patronio Paulista;
à Profa. Creuza Helena Dutra Lima, minha sogra, respeitada professora de português que fez a
revisão gramatical do texto e contribuiu de forma importante para as discussões acerca da
modernidade que fazem parte do presente trabalho;
aos funcionários do Museu Histórico “José Chiachiri”, de Franca; do Arquivo do Estado de
São Paulo, em São Paulo; e do Arquivo Histórico da Câmara dos Deputados, em Brasília, que
me guiaram pelo nem sempre fácil – e às vezes árido – caminho da pesquisa de fontes;
aos colegas de s-graduação e do Centro de Estudos da Modernidade e Urbanização no
Mundo do Café (CEMUMC), pelo incentivo, troca de idéias e companheirismo durante toda a
jornada;
à Flávia, minha esposa, amiga e companheira de caminhada 26 anos, pelo estímulo
contínuo a meu aprimoramento pessoal e profissional, e que, com zelo e competência, revisou
a parte metodológica e iconográfica deste trabalho e ofereceu sugestões sem as quais seria
impossível concl-lo;
à minha mãe Marta, pelo apoio incondicional e pelos cuidados pessoais dedicados durante
todo o trabalho, especialmente na fase dos créditos e suas viagens constantes;
à minha filha Paula, a quem pretendo brindar com este modesto exemplo de estudo e
determinação;
a Gabriela e Mariana, pelo apoio e pela alegria do convívio diário.
“Há certas qualidades que o príncipe poderia ter - inclusive me atreverei
a dizer que se as têm e as observa, sempre são prejudiciais porém, se
aparenta tê-las são úteis; por exemplo, parecer clemente, leal, humano,
íntegro, devoto e de fato sê-lo, porém, ter o ânimo predisposto de tal
forma que se for necessário não sê-lo, possa e saiba adotar a qualidade
contrária”.
O príncipe. Maquiavel
RESUMO
A representação política foi um importante instrumento para a concretização do ideal de
modernização urbana das cidades do interior paulista durante a Primeira República, ancorado
pelo fortalecimento econômico da região propiciado pela expansão da cultura cafeeira. Na
região, um dos mais importantes representantes foi o do Coronel Estevam Marcolino de
Figueiredo, personagem central desta pesquisa. Objetivando relacionar estes três elementos
fundantes política, economia cafeeira e modernização urbana , onipresentes no vertiginoso
processo de transformação que varreu o interior de São Paulo no final do século XIX e icio
do XX, será utilizado como recorte histórico o período que vai de 1889 a 1914 e como
referência urbana a cidade de Patrocínio Paulista, onde nosso personagem central nasceu e
deu os primeiros passos na política, se afirmando como líder político local e como deputado
na Câmara dos Deputados do Estado de São Paulo e na Câmara Federal. Tendo construído
sólida carreira política e arrebanhado enorme apoio popular, Marcolino foi também homem
influente na cultura e na sociedade, contribuindo para a consolidação política e social de sua
cidade natal no rastro das transformações movidas pela força econômica do café na virada do
século, estas por sua vez pautadas por novos modelos culturais. O Coronel Estevam
Marcolino personificaria esse ideal por sua sua grande influência política, que o projetaria em
vel estadual e federal. Sua conduta política, entretanto, daria preferência à ação indireta na
promoção das transformações urbanas. Conhecido pela lhaneza no trato e pelo perfil
reservado no zelo com a coisa pública, o comportamento de nossa figura central se apartava
do de muitos de seus pares ao exibir publicamente um sobranceiro distanciamento embora
com inegável proveito do poder econômico e com o permanente cultivo da imagem pública
, que alimentava uma rede de sociabilidade com fins políticos cuja eficiência se comprova
pela acelerada implantação de melhorias urbanas durante sua carreira de homem público.
Palavras-chave: política, modernidade, modernização urbana, economia cafeeira
ABSTRACT
The political representation was an important instrument to achieve the ideal of urban
modernization of the cities of the interior Paulista during the First Republic, anchored by
strengthening the region's economic expansion offered by the coffee culture. In the region,
one of the most important representatives of the Colonel was the Estevam Marcolino de
Figueiredo, central character of this research. Aiming relate these three elements structures -
politics, economy and upgrading urban coffee - and ubiquitous in the vertiginous process of
transformation that varreu the interior of Sao Paulo at the end of the nineteenth century and
beginning of XX, will be used as crop history the period from 1889 to 1914 and as a reference
to urban city of Sponsorship Paulista, where our central character was born and took the first
steps in politics, as if saying local political leader and a deputy in the Chamber of Deputies of
the State of Sao Paulo and the Federal Board. Having built solid political career and
arrebanhado enormous popular support, Marcolino was also influential man in culture and
society, contributing to the consolidation of political and social in his hometown track of the
changes brought by the economic strength of coffee at the turn of the century, these by turn
guided by new cultural models. Colonel Estevam Marcolino personificaria this ideal by its
vast political influence, that projetaria in state and federal level. His conduct policy, however,
would prefer the indirect action in the promotion of urban transformations. Known for
lhaneza in dealing and the profile booked in the zeal with public affairs, the behavior of our
central figure is apartava of many of his peers to publicly display overlooking a distance - but
with undeniable benefit of economic power and the permanent culture of public image - that
feed a network of sociability with political purposes which proves the efficiency was
accelerated deployment of urban improvements during his career of public man.
Keywords: politics, modernity, urban modernization, coffee economy
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 – Prédio da Cadeia Pública de Patrocínio Paulista, construído por
influência de Estevam Marcolino.............................................................. 37
FIGURA 2 – Músicos posam à frente do cinema de Patrocínio Paulista........................ 50
FIGURA 3 – O Jardim “Coronel Batista da Luz” .......................................................... 51
FIGURA 4 – Praça pública em formato triangular de inspiração hausmanniana......... 52
FIGURA 5 – O deputado estadual Coronel Estevam Marcolino.................................... 58
FIGURA 6 – Edifício do Congresso Legislativo do Estado de São Paulo ao
tempo de Estevam Marcolino..................................................................... 61
FIGURA 7 Edifício que ficou conhecido como “Cadeia Velha”, que serviu de
sede à Câmara dos Deputados no Rio de Janeiro de 1891 a 1914............. 63
FIGURA 8 Estevam Marcolino como Deputado Federal......................................... 66
FIGURA 9 – Hermes da Fonseca..................................................................................... 69
FIGURA 10 – Fac-símile de página dos Anais da Câmara onde se estabelece o
dia 1 de maio como feriado nacional em comemoração ao trabalho....... 71
FIGURA 11 – O senador conservador General José Gomes Pinheiro Machado............ 73
FIGURA 12 – Anúncio da “Manteiga Paulista”, produzida na Fazenda
Santa Bárbara, de propriedade de Estevam.......................................... 79
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 Mandatos de Estevam Marcolino como Deputado Estadual...................... 57
QUADRO 2 Mandatos legislativos de Estevam Marcolino............................................. 58
QUADRO 3 – Apoiamentos de Estevam Marcolino a projetos de autoria de terceiros .... 70
QUADRO 4 – Falas do Estevam Marcolino de Figueiredo na Câmara dos Deputados.... 72
QUADRO 5 - Referências oficiais da Câmara dos Deputados a Estevam Marcolino ....... 88
LISTA DE SIGLAS
ACD Anais da Câmara dos Deputados
ACDESP Anais da Câmara dos Deputados do Estado de São Paulo
ACPS Atas da Câmara de Patronio do Sapucaí
PRC Partido Republicano Conservador
PRP Partido Republicano Paulista
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 13
CAPÍTULO 1 A POLÍTICA FUNDANTE DA BELLE ÉPOQUE CAIPIRA EM
PATROCÍNIO PAULISTA ...................................................................... 22
1.1 A transição para a modernidade: República e Município.......................................... 24
1.2 Público e privado na transformação urbana: modernização e sociedade.................. 35
CAPÍTULO 2 CARREIRA PARLAMENTAR: A TRAJETÓRIA POLÍTICA DE
ESTEVAM MARCOLINO...................................................................... 53
2.1 A política como instrumento da modernidade............................................................ 56
2.2 Sic itur ad astra: o mandato federal............................................................................. 63
CAPÍTULO 3 ESTEVAM MARCOLINO: UM ATOR POLÍTICO NA TRAMA DA
MODERNIZAÇÃO PATROCINENSE.................................................. 74
3.1 A mão oculta: coronelismo e sociabilidade.................................................................. 78
3.2 O fim de uma era da política patrocinense.................................................................. 86
CONCLUSÃO.................................................................................................................... 90
REFERÊNCIAS................................................................................................................. 94
INTRODUÇÃO
A representação política foi um dos mais importantes instrumentos para a
concretização do projeto de modernização urbana das cidades do interior paulista durante a
Primeira República, projeto este alimentado pelas elites locais e ancorado no fortalecimento
econômico da região propiciado pela expansão da cultura cafeeira. Invariavelmente operada
por homens possuidores de lidas bases econômicas e sociais cultivadas através de um
modelo estribado em uma tradição herdeira do mandonismo coronelista, porém atenta às
transformações da dimica do poder trazidas pela República, a política tornou-se a força
motriz dos processos de modernização urbana que, não obstante, conservavam em sua gênese
um perfil eminentemente conservador e oligárquico. Se nos aplicarmos à busca de uma
expressão que consiga dar conta do que realmente foram estes potentados no contexto do
desenvolvimento econômico e social do Brasil nos albores republicanos, plutocracia cafeeira
1
é o termo que melhor esclarece o que realmente significaram estas elites no período.
Será necessário, ainda, para uma plena compreensão da extensão da influência destas
minorias, ter em mente a correlação de forças que se desenhava na cena política nacional.
Elias (1993), em O processo civilizatório, chama atenção para o fato de que, do emaranhado
de interesses, planos e ações individuais dos seres humanos envolvidos no processo social,
surgiu, na origem do Estado moderno, uma regularidade que ordenou a totalidade dessas
pessoas, sem que na verdade ninguém se dispusesse individual e voluntariamente a fazê-lo,
mas que foi aceita e referendada por todos. Antes mesmo das primeiras tentativas de
formalização e aplicação de uma identidade jurídica ao Estado, como defendeu Rousseau
(2006) em seu Contrato social, e antes mesmo que esta entidade sobreposta a todo o conjunto
da sociedade tomasse os ares do Leviatã de Hobbes (2003), o próprio convívio humano e a
conseqüente competição pelos meios que garantissem a sua sobrevivência se encarregaram de
instituir os governos como instâncias cuja função maior seria estabelecer o frágil equilíbrio
necessário à convivência das várias demandas da sociedade. Por essa razão, o entendimento
da gênese e do funcionamento das formações desse tipo nas diversas etapas do
desenvolvimento da humanidade e, mais precisamente, o olhar atento e crítico sobre a
estrutura de poder sobre a qual se apóia cada uma destas etapas é que permite nos
1
O termo preserva a força semântica de sua representação literal, isto é, a influência preponderante dos ricos no
governo de uma nação, ao mesmo tempo em que remete a uma interpretação mais abrangente que permite
estabelecer esse grupamento de homens como uma categoria ou uma classe hegemônica em determinada
sociedade. No caso, a classe dos fazendeiros que prosperava com a cultura do café, impondo, a partir de sua
condição economicamente privilegiada, a direção tomada pela administração da coisa pública, não como a
entendemos hoje, mas eivada de um patrimonialismo que, sem embargo, trazia em si o gérmen da
modernização.
aproximarmos de um vel mais sutil da realidade política: o das regularidades imanentes aos
relacionamentos sociais, o campo da dinâmica das relações, enfim, o terreno da sociabilidade.
Dentro deste contexto de análise, observamos então que, no cenário político brasileiro
do final do século XIX e início do XX, configurava-se uma nova dinâmica, com a
reorganização das forças econômicas e sociais se fazendo representar em um modelo
institucional que apenas acabava de se instalar: a República. Após séculos de embates entre as
classes dominantes em torno de um projeto político que adequadamente contemplasse as
diferentes categorias oligárquicas existentes cujo aparato mais acabado se concretizou em
dois grupos principais: conservadores e liberais, ou luzias e saquaremas, durante o Segundo
Reinado –, as elites republicanas mobilizavam-se agora para ocupar seus lugares na estrutura
de poder do novo regime. (MATTOS, 2004). Os produtores rurais leia-se produtores de
café, o grande destaque da monocultura no Estado de São Paulo se preocupavam em fazer
prevalecer seus interesses por meio do apoio ao estabelecimento de uma representação
fortalecida, por um lado pela presença de um partido centralizador das suas propostas e, por
outro, pela eleição de representantes profundamente comprometidos com elas.
Partidariamente, foi o Partido Republicano Paulista (PRP) a agremiação que
congregou e sistematizou tais interesses em um programa único mas o livre de dissenes,
como se verá a seguir –; eleitoralmente, por sua vez, foram os distritos existentes em cada
região do Estado que se encarregaram de escolher e apoiar, nas hostes das elites locais, os
membros mais qualificados para representá-las no seio das nascentes instituições políticas
republicanas, o menos carregadas, diga-se de passagem, dos cios de origem do recém-
extinto regime monárquico. Tanto é que, durante toda a Primeira República e além, uma
miade de adesões suspeitas, dissidências eleitoreiras, rachas partidários e oportunismos de
toda espécie povoaram as páginas da imprensa política do Estado de São Paulo, servindo de
amparo de última hora a todo representante político que desejasse assegurar-se
independentemente das alianças partidárias sempre cambiantes numa realidade institucional
ainda incipiente naquele momento como a República brasileira –, do que realmente
interessava: fazer-se presente, enquanto articulador de sua zona, nas decies que
contemplassem aqueles que foram os responsáveis por sua eleição e manutenção no poder, ou
seja, os donos de terras e agricultores que se ocupavam da próspera cultura dos cafezais.
Este trabalho objetiva relacionar três elementos fundantes política, economia
cafeeira e modernização urbana –, onipresentes no vertiginoso processo de transformação que
varreu o interior paulista nos últimos decênios do século XIX e no alvorecer do século XX,
através de um personagem central que, durante toda sua vida, ocupou-se da representação
parlamentar e esteve visceralmente ligado aos negócios da agricultura: o Coronel Estevam
Marcolino de Figueiredo. Será utilizado como recorte histórico o período que vai de 1889 a
1914 e como referência urbana a cidade de Patronio Paulista, cidade de origem de nosso
político.
Na antiga Patronio do Sapucaí, nossa figura central nasceu e deu os primeiros passos
na carreira parlamentar, em um momento histórico de íntima coincidência com a emancipação
da cidade, cuja Câmara Municipal presidiu por três vezes. Estando presente em um período
decisivo para a autonomia e afirmação política de Patronio, pôde contribuir para sua
consolidação na trilha das transformações operadas pela força econômica do café na virada do
século, ampliando um modelo econômico que retirava da pecuária, de uma mida agricultura
de grãos e da extração de diamantes sua subsistência desde a fundação da vila.
Figura emblemática de sua época, Estevam Marcolino foi um dos mais importantes
líderes políticos da região, do Estado e do país desde os primeiros anos da República, por suas
experiências como vereador, deputado estadual e deputado federal. Ao longo de sua carreira,
ombreou com homens como o Coronel Francisco Martins e o Monsenhor Cândido, na política
local; com Júlio de Mesquita, Campos Sales, Rodrigues Alves, Adolfo Gordo e Rodolfo
Miranda, nas articulações estaduais; e com Hermes da Fonseca, Prudente de Morais e
Pinheiro Machado, entre muitos outros de igual estatura, nas altas esferas do poder nacional.
Com esta sólida carreira política, construída a partir de um ideário essencialmente
conservador, porquanto, a princípio, monarquista e católico porém habilmente flexível e
articulador todas as vezes em que a política tornou necessária a demonstração de tais
características –, Marcolino conseguiu também impressionante apoio popular, a partir de uma
ampla rede de influência construída através de importantes contatos políticos em outras
cidades da região e no Estado de São Paulo como um todo.
As cidades do interior paulista jungidas pelo exitoso empreendimento cafeeiro
possibilitado pela notável fertilidade das terras, pelo clima favorável à nova cultura e pela
sofreguidão com que os donos dos capitais se abraçaram aos intentos modernizadores de vária
procedência, a maioria dos quais, por sinal, iniciativa de empreendedores oriundos do próprio
interior de São Paulo formariam uma espécie de Eldorado agrícola, no qual se gerariam
movimentos antecipatórios das experiências grandiloqüentes porém tardias em relação ao
nosso interior – de modernização urbana de grandes centros como Rio de Janeiro e São Paulo.
Além do embelezamento dos lugares públicos e do ideal de higienização presentes em
logradouros, edificações e anelos de reforma de toda espécie e por todo canto, registram-se
novos modelos de sociabilidade assentados num ideal de alinhamento às novas exigências
decorrentes do poder econômico e político do interior de São Paulo à época.
O Coronel Marcolino personificou esse ideal pela projeção que alcançou ao longo de
sua carreira parlamentar a partir da qual, evidentemente, não faltaram benefícios para suas
bases eleitorais e por sua participação na cultura e na sociedade de sua região. É preciso
compreender entretanto, como já dissemos acima, as circunstâncias históricas que
propiciaram o surgimento de uma liderança política tão significativa como esta, que, uma vez
consolidada, amealhou benefícios para a cidade que lhe serviu de berço, ainda que de forma
indireta e compreendida pelos limites do projeto econômico de suas elites. Em outras
palavras, foi grandemente através da influência de Estevam Marcolino de Figueiredo que
Patrocínio Paulista se tornou uma cidade com vida própria. Satisfeita tal necessidade, o
munipio conformava-se à sua condição de economia contributiva de uma rede mais ampla
que compreendia parte expressiva do interior do Estado, passando, por isso mesmo, a
desfrutar das benesses do desenvolvimento material da região.
Sua conduta política, entretanto, daria preferência à ação indireta na promoção das
transformações urbanas. Conhecido pela lhaneza no trato e pelo perfil reservado no zelo com
a coisa pública, o comportamento de Marcolino se apartava do de muitos de seus pares que,
em sua propriedade e mesmo fora dela, além do exercício do poder econômico e da influência
social, agiam como legisladores e jzes, expressão de uma dominação de viés patriarcal e
personalista, o que em nada lembra o coronel patrocinense. Aqui, o que se vê é muita vez um
sobranceiro distanciamento embora com inegável proveito do poder econômico e com o
permanente cultivo da imagem pública que alimenta uma rede de sociabilidade com fins
políticos e absorve um padrão de comportamento que remete ao epíteto de máscara da
civilização descrito por Starobinski (2001).
A respeitabilidade de sua posição será amealhada antes pela prudência social e por
arranjos internos nos altos círculos que pela distribuição de benesses, pelo favorecimento
aberto de acólitos ou por imposições aos meios imediatos de exercício do poder. Não que,
eventualmente, nosso coronel não pusesse em prática suas estratégias de força em benefício
de seu lugar de poder; como se verá, a aplicação da intensidade da autoridade ou da influência
para a obtenção dos fins perseguidos se dará conforme a situação, mas seu modus operandi se
caracterizará bem mais por privilegiar a distância entre obra e autor. Um exame mais
minucioso dessa conduta remeterá às circunstâncias políticas e à influência européia no
período, trazendo importantes indagações sobre nosso processo político e sobre a
personalidade pública e privada daqueles que o capitanearam.
O Capítulo 1, em sua primeira parte, descreve as origens da autonomia urbana
patrocinense e a formação política do munipio, demonstrando as condições históricas que
determinaram o surgimento das lideranças locais, e como Estevam Marcolino aproveitou estas
oportunidades para garantir seu lugar na cena política regional à frente dos conservadores. Na
correlação de forças em ação neste momento, quando quase ao mesmo tempo se operavam as
transições da Monarquia à República e da subordinação política à independência do
munipio em relação a Franca, são analisados os princípios da construção de um projeto de
modernidade que seria conduzido pelos dirigentes recém-surgidos. A partir do projeto de
estabelecimento de uma identidade política, administrativa e social assentada nos
prolegômenos vigentes do progresso e da civilização, a cidade se lança em busca de sua
inserção na modernidade
2
.
A segunda parte deste capítulo dará tratamento especial à interpenetração do espaço
público pelo privado, não apenas como forma de operação do poder econômico em um Estado
que começava a ensaiar seus primeiros passos para a onda liberal que batia à sua porta, mas
tamm e principalmente como um aspecto fundamental da modernidade, onde o governo
central se abre às iniciativas daqueles que o engendraram. Nas cidades paulistas, o
desenvolvimento era sinônimo de modernização urbana, de preocupações com o saneamento,
com a beleza, com o refinamento dos gostos, dos gestos e das relações. Assim, tal com em
outros lugares, ocorreu em Patronio Paulista.
2
Aqui representando a “nova síntese histórica entre poder público e poder privado. (BERMAN, 1982, p. 17).
Concomitantemente a outras cidades varridas pela chamada “onda verde”, assistia-se a
importantes transformações que impregnavam a arquitetura, a estética urbana e o modo com
que as pessoas entabulavam seu relacionamento social. Em conseqüência, serão analisados os
sinais inconfundíveis que esta modernidade inscreveu no cenário urbano, indelevelmente
marcado pelo estilo da belle époque caipira
13
” – carregado de refinamento europeu ao
mesmo tempo em que conservava o sabor das tradições culturais locais – , e como as
transformações urbanas se tornaram possíveis através do diálogo entre as esferas pública e
privada da sociedade (leia-se a participação privada na construção do público), tornando
possível a transposição de modelos urbanísticos e de sociabilidade dos centros europeus
irradiadores de cultura no período.
Além disso, parte significativa desta seção procura traçar um perfil biográfico de nossa
figura central, como apoio para a compreensão de sua forma de inserção no intrincado
funcionamento dessa fase. Sua história pessoal e sua trajetória política nos ajudarão a situar o
Coronel Estevam Marcolino de Figueiredo neste momento histórico como um co-autor
privilegiado das transformações de seu tempo, compreendendo as características de um fazer
político de bases coronelísticas e suas conseqüências para a modernização urbana em sua área
de ação imediata. Ainda dentro de uma perspectiva biográfica, evidencia-se como a
participação de Patrocínio Paulista na vida cultural do interior paulista durante a chamada
belle époque caipira se relaciona à própria inserção cio-cultural de Estevam Marcolino, que
fez da cidade passagem obrigatória de políticos, juristas, literatos e religiosos de alto quilate;
por fim, resta claro como esse contato com as elites de seu tempo, propiciado pelo coronel
patrocinense, influenciou seus conterrâneos da sua e das futuras gerações, como se verá no
Capítulo 3.
O Capítulo 2 procurará delinear a trajetória parlamentar do Coronel Estevam
Marcolino, acompanhando os relacionamentos e articulações políticas realizados emvel
regional, estadual e federal que tornaram possível sua projeção e continuidade nas esferas do
poder durante toda a carreira política. Estabelecerá ainda de que forma estas alianças
contribuíram para que, regional e localmente, se fortelecessem as facções políticas em que
Marcolino se inscreveu, de forma a propiciar a compreensão das possibilidades abertas com
3
A expressão belle époque caipira” foi cunhada em singela referência ao elevado grau de sofisticação que
tomou conta das cidades do interior do Estado de São Paulo durante o período por nós estudado. Para além da
originalidade da referência, ela nos remete também, obviamente, à presença, nestas cidades, da transposição de
modelos urbanísticos oriundos da Europa fin de siécle. (DOIN, 2001).
tais acordos. A parte inicial desta seção retomará a questão da modernidade, não agora em sua
expressão de reformas urbanas, mas sim ao modo como se fazia política neste momento. Em
um quadro onde a instabilidade institucional era uma realidade, a capacidade de estabelecer
alianças certas e romper com as erradas era uma necessidade cotidiana para os parlamentares,
e Marcolino foi hábil tanto para visualizar oportunidades quanto para aproveitá-las.
Monarquista ferrenho, aderiu de pronto à Republica quando percebeu quão inúteis e
remotas seriam as possibilidades de restauração e, acima de tudo, quando vislumbrou as
imensas possibilidades de ascensão política num novo mundo em que as posses, a boa
instrução e a capacidade de reunir em torno de projetos diversos as mais brilhantes
personalidades ao seu redor eram decisivas para uma trajetória política de sucesso.
Republicano, não hesitou em participar da dissidência do PRP ao notar que ganharia mais
espaço com tal gesto, firmando-se como liderança política inconteste entre os paulistas, em
detrimento dos ex-colegas adesistas “históricos”, que definharam ao permanecerem
conservadores num contexto político em constante transformação. Deputado federal, alinhou-
se com a autoridade militar, conferindo sustentabilidade ao seu mandato e escapando da
sedução civilista que tomava conta dos homens letrados como ele próprio. Esta fluência, esta
flexibilidade, este passar ao largo”, mais do que atributos pessoais de Marcolino,
caracterizam a modernidade na política.
O mandato do nosso coronel como deputado federal não foi isento de contradições.
Eleito em uma eleição desacreditada, enfrentou, antes mesmo de tomar posse, uma
contestação eleitoral. Vitorioso, levou ao extremo sua capacidade de articulação para
aproximar-se dos homens mais poderosos da nação, em cuja companhia defendeu os
interesses dos paulistas na Câmara. Enquanto se fortalecia politicamente, privando com
homens de alta representatividade, penhorava seu prestígio a projetos de pouca monta,
possivelmente para angariar perenemente a simpatia de seus obscuros autores. Por essa razão,
dedicamos toda uma seção ao estudo da legislatura federal 1912 1914, da qual Marcolino
saiu já para o fim de sua vida.
A trajetória de Estevam Marcolino e sua influência política e cultural é o objeto do
Capítulo 3, que não perde de vista a temática da modernização urbana patrocinense. Num
primeiro momento, trataremos de como o relacionamento social e a permeabilidade às
interações humanas contribram para forjar uma sociabilidade necessária à implementação
do projeto político de Marcolino e das classes que ele representava. Mais do que isso, tal
sociabilidade, deixando para trás as referências coronelísticas de cultivo paternalista do
eleitorado, aproximou-se dos cânones da modernidade, naquilo que esta tem de porosidade e
de comunicação, formando redes que se integram continuamente. O coronelismo, aqui, é
apenas um pano de fundo, pois nosso personagem ultrapassa os estereótipos e as
regularidades dos coronéis. Coronelismo e sociabilidade são papéis não antagônicos, mas sim
complementares, onde um garante a sustentação e reprodução do outro.
Ao oculta,mbolo por excelência do papel do Estado no ideal liberal, foi a
expressão apropriada para fazer a ntese de características de atuação política onde desfilam,
ao mesmo tempo, conservadorismo e liberalismo, mandonismo e sociabilidade, coronelismo e
democracia. E é justamente esta propriedade de se ajustar agilmente às realidades do mundo e
da sociedade que identifica a modernidade: ela é líquida e ambivalente, como diria Bauman
(1999). Por essa razão, dedicamos todo o primeiro segmento do segundo capítulo à análise
deste contorno da forma de atuação do nosso coronel.
Ainda neste capítulo, em seu segundo segmento, evidencia-se a intervenncia do
nosso personagem nas melhorias urbanas e sua preferência pela via indireta de atuação,
quando buscamos compreender o papel de Marcolino na preparação das condições políticas
para que efetivamente se implantassem as melhorias esperadas. Estudando de que maneira
Marcolino participou de epidios importantes na consolidação política e da complexa
dinâmica da Primeira República no Estado de São Paulo, compreendem-se os motivos que
viriam a estabelecer o contorno tradicionalista que identificaria a política e a cultura
patrocinense em décadas posteriores, naquilo que se pode considerar um legado duradouro de
Estevam Marcolino: o conservadorismo político.
Discorre-se como este legado se formou e se ampliou ao longo dos tempos,
contribuindo, de um lado, para a consolidação de um pragmatismo conservador que dominou
a política de sua cidade por décadas, e de outro, para a inserção dos habitantes de Patronio
Paulista em um contexto social mais amplo do que o de suas limitações regionais, produzindo,
através das gerações, vários intelectuais e artistas que perpetuariam, no campo da cultura, a
universalidade inaugurada pelo político patrocinense no campo da política.
CAPÍTULO 1 A POLÍTICA FUNDANTE DA BELLE ÉPOQUE CAIPIRA EM
PATROCÍNIO PAULISTA
O processo de modernização urbana que se ampliava nas cidades do interior paulista
de forma mais acentuada nos dois últimos decênios do século XIX e nas duas primeiras
décadas do novecentos evidenciavam a chamada “modernização conservadora”
4
, que
deslocava das áreas rurais para as aglomerações urbanas o centro do poder econômico
capitaneado pela plutocracia do café, criando as condições para sua permanência, expansão e
reprodução enquanto camada privilegiada no cerne de uma nova ordem política e
administrativa não mais baseada na exploração do trabalho escravo e no limitado mercado
interno disponível como anteriormente, mas sim mantida pela disputa por mercados
internacionais cada vez mais receptivos à rubiácea e, no caso paulista, pela ampliação da
produção promovida pelo braço imigrante.
Para tanto, ocorriam dois movimentos paralelos: um de natureza política e outro de
natureza cultural. No campo político, visando ocupar os novos espaços das recém-criadas
instituições republicanas, os produtores concentravam-se em estabelecer uma representação
política forte, capaz de unificar seus interesses e formar um bloco que, independentemente da
origem local dos representantes, se fizesse ouvir como a voz das elites cafeeiras do Estado:
em São Paulo, a formação desse bloco foi possível através do PRP. Veremos adiante como
funcionava emvel estadual e federal esta representação, e como se davam as trocas e
negociações de interesses entre os setores econômicos locais com os poderes políticos
centralizados do Estado e da União, através da atuação do deputado Estevam Marcolino.
Porém, aqui, nos interessa entender como, a reboque de uma nova realidade
econômica e política, se davam as iniciativas de modernização urbana, como aconteciam as
transformações nos padrões sanitários, estéticos e de sociabilidade das cidades engolfadas
pela onda verde” que varreu o interior paulista no período recortado por esta pesquisa, entre
4
Expressão usada como designação para o conjunto de transformações econômicas, sociais, culturais e
arquitetônicas produzidas nas cidades do interior paulista pela colocação em operação, por parte das forças
ligadas à posse da terra e ao comércio agrícola agora em expansão internacional de novos modelos de
sociabilidade e de consumo transpostos de sua origem européia até os lugares mais afastados das grandes
cidades, todos respirando a mesma atmosfera de sofisticação caipira. E porque originalmente associadas à
plutocracia do café, predominantemente monarquista durante o final do período imperial em que o cultivo da
rubiácea se deslocava do Vale do Paraíba para outras regiões inexploradas do Estado de São Paulo, cunha-se o
bordão “modernização conservadora”, de que se valem alguns autores na tentativa de elucidar este fenômeno
social de bases econômicas, mas que é calcado, sobretudo, em razões políticas, pois preparava-se neste
momento a entrada em cena dos representantes dessas camadas na defesa de seus interesses no incipiente
ambiente parlamentar republicano. Na verdade, a origem do termo repousa na necessidade, por parte de
autores de orientação marxista, de forjar um estratagema que permita explicar o fenômeno em toda sua
amplitude sem desqualificar o etapismo implícito no conceito de modo de produção, cuja insuficiência para
dar conta de um processo como o aqui descrito se torna evidente.
as quais Patronio Paulista. Tal propósito remeterá incontinenti à comparação entre os
aspectos culturais de origem predominantemente rural da cidade e os novos ditames
emanados de uma Europa que, poucas décadas antes, tratava de preparar suas cidades para o
novo século, assim como à identificação dos sinais, na vida urbana, dessa influência.
Da mesma forma, é importante destacar as conexões que permitiram a Patrocínio
Paulista incorporar estes modelos, quais sejam: a abertura para a participação privada na
construção de um novo espaço público e o papel de Estevam Marcolino na preparação das
condições políticas para que esta participação pudesse acontecer. Este papel, evidente e
fundamental, reveste-se da característica de um certo distanciamento entre a obra e seu co-
autor político, requisito que no caso de Patronio Paulista foi contributivo para que seu
protagonista se pusesse a salvo de eventuais antagonismos diretos, possibilitando uma
continuidade nos bastidores que coincidiria com sua própria carreira parlamentar, de
longevidade considerável. A mão que ajudava a preparar o progresso era uma mão oculta.
1.1 A transição para a modernidade: República e Município
Em 1889, ao proclamar a República, as forças
5
que colocaram em funcionamento o
novo regime encontrariam uma peculiar situação social e política: a população praticamente
ignorava a mudaa, e o Partido Republicano não tinha apelo junto às massas, nem tampouco
era unanimidade entre as elites. (NEVES; MACHADO, 1999). Com a instalação do Governo
Provirio, seriam necessárias medidas políticas para dar a necessária sustentabilidade ao
regime e apaziguar eventuais tensões: nas Províncias, as Assembléias Provinciais seriam
fechadas e seriam criados os Estados, que passariam a elaborar sua Constituição e a eleger o
chefe do Executivo; nos munipios, a República de imediato reivindicaria o apoio das
Câmaras, de cujo apoio não poderia prescindir, haja vista que a concentração do poder local,
capitaneado pelos “coronéis”
6
era o que daria sustentação política ao Estado e à República.
5
Considerando aqui a conjunção das forças políticas, militares e civis que promoveram o rearranjo institucional
que se preparava ao longo de toda a segunda metade do século XIX.
6
O termo remonta “aos autênticos ou falsos ‘coronéis’ da extinta Guarda Nacional. Com efeito, além dos que
realmente ocupavam nela tal posto, o tratamento de ‘coronel’ começou desde logo a se dado a todo e qualquer
chefe político, a todo e qualquer potentado”. (MAGALHÃES apud LEAL, 1997, p. 289).
Enquanto isso, no interior de São Paulo, Patrocínio Paulista
7
- efetivamente instalada
como Vila desde o ano anterior
8
- dava os primeiros passos na construção de sua identidade
urbana, e, em seu cenário político, um homem se afirmava como liderança política: o Coronel
Estevam Marcolino.
Estevam Marcolino de Figueiredo
9
nasceu na Fazenda Santa Bárbara então
munipio de Franca , epicentro da colonização e povoamento de Patronio Paulista.
(NOVATO, 1974). A região seria, após a fundação da fazenda em 1828 pelo Capitão Jo
Eduardo de Figueiredo, pai de Estevam, uma referência do poder econômico e político
regional. O Capitão foi, ele mesmo, figura de grande influência, pois: “ocupou rios cargos
de eleição popular e de nomeação do governo, em uma época em que o simples fato de ser
eleitor de paróquia demandava grandes esforços políticos e importava a significação de não
menor influência pessoal.” (BOURROUL, 1913, p. 1).
Na Fazenda Santa Bárbara eram recebidas altas autoridades religiosas e políticas em
trânsito entre São Paulo e Goiás. (MATOS; COSTA, 1986). O próprio Marquês de Valença
10
fazia parte desse seleto rculo de amizades, tendo Estevam ao nascer, em 11 de dezembro de
1854, recebido esse nome em sua homenagem.
Foi nesse meio privilegiado que cresceu Estevam, dedicando-se, desde muito jovem, à
agricultura, enquanto recebia esmerada instrução particular, a cargo de religiosos. Foi
educado a prinpio na própria fazenda, depois em Franca, e, em 1863, matriculou-se no
Seminário Episcopal de São Paulo, onde estudou Humanidades (Português, Francês, Inglês,
Retórica, Poética, Latim) e, em seguida, matriculou-se em Filosofia. Com a doença e morte do
pai, em 1874, abandona o seminário e dedica-se integralmente à atividade agrícola e à vida
7
Nome atual da cidade, que foi conferido oficialmente em 1º. de janeiro de 1949 pela Lei paulista . 233, de
12/1948, e que aqui será usado de forma corrente. Nas fontes consultadas, obviamente, consta o nome da vila
no período estudado, Patrocinio do Sapucahy.
8
Oficialmente criada pela lei nº 23, de 10 de março de 1885, a Vila de Patrocinio do Sapucahy seria
efetivamente instalada em 1888, após a eleição dos primeiros vereadores em 10 de dezembro de 1887.
(MATOS; COSTA, 1986, p. 32).
9
Havia, neste período, um outro Estevam Marcolino com alguma projão social na região: o tenente Estevam
Marcolino, também integrante das fileiras do PRP e residente em Igarapava, como nos faz saber uma nota
social do jornal Cidade da Franca, de 1913. Aqui, evidentemente, trataremos do Coronel Estevam Marcolino
de Figueiredo, deputado federal patrocinense de proeminência no cerio político regional durante a Primeira
República. (CIDADE DA FRANCA, 1913, p. 2).
10
Estevão Ribeiro de Rezende, político mineiro do início do século XIX de considerável importância no peodo
imperial e a respeito do qual se dispõe de rara documentação, atualmente concentrada na Coleção Marquês de
Valença do Museu Paulista da USP.
doméstica na propriedade da família. Casa-se em 1875 e, depois de 12 anos, perde o primeiro
filho com apenas 23 dias de vida e, poucos meses após, também a esposa
11
.
Marcolino lança-se na militância política em 1881, com 27 anos. Como ocorria em
todo o país, as tendências políticas se dividiam em dois grupos, tendo o Partido Republicano
de Patronio Paulista sido fundado em 1887 por JoNascimento Falleiros, Antônio Corrêa
Soares e pelo alferes Henrique Braga. No lado oposto, Estevam Marcolino assumiria a chefia
do Partido Monarquista, figurando entre as principais lideranças conservadoras do então .
distrito de São Paulo
12
. Entretanto, os republicanos não tinham representatividade em
Patrocínio, sendo a Câmara, à época da proclamação da República, composta na sua
totalidade por monarquistas. (MATOS; COSTA, 1986). Desse modo, quando o Governo
Provirio, através de circular datada de 16 de novembro de 1889, solicita às Câmaras apoio à
nova ordem
13
, é Marcolino quem redige a resposta dos conservadores patrocinenses:
Senhores Membros do Governo Provisorio do Estado de São Paulo.
A Camara Municipal da Villa de Nossa Senhora do Patrocinio do Sapucahy, em
sessão extraordinaria de hoje, resolveu, em resposta a vossa circular de 16 do
corrente e em seu nome e no de seus municipes, adherir ao Governo Provisorio,
cooperando efficazmente para que seja mantida a paz e respeitados os direitos
legitimos de todos os cidadãos.
Sem entrar em commentarios, hoje superfluos por inuteis, sobre as origens e as
consequencias do facto consummado em quinze de Novembro do corrente anno, a
Camara e seus municipes convidam o Governo Provisorio, installado para manter e
garantir a ordem publica e a liberdade individual e a propriedade, a envidar todos os
seus esforços junto do Gabinete do novo regimen para, quanto antes – convocar o
corpo eleitoral dos Estados do Brasil e, por um Apello ao Povo, por meio de um
plebiscito, consultal-o sobre si ratifica ou não a Deposição da Dymnastia do Senhor
Dom Pedro II, e qual a forma de governo que apraz lhe seja dada.
A doutrina do plebiscito é nimiamenta democrática, e ao passo que rodêa de todas as
garantias as aspirações liberais da nação, salvaguarda por igual os interesses
conservadores da sociedade brasileira.
Saude e fraternidade. Paço da Camara Municipal da Villa de N. S. do Patrocinio
do Sapucahy, em 25 de Novembro de 1889.
11
Estes trágicos acontecimentos provocaram um impacto tão violento em Estevam que o lançaram em “uma vida
meio nomade, viajando constantemente”, até que, refazendo-se, retornou a Patrocínio, abraçando a política.
(BOURROUL, 1913, p. 1-3).
12
Constituíam o antigo 9º. distrito de São Paulo em 1886: N. S. das Dores de Casa Branca, S. Jodo Rio Pardo,
Divino Espírito Santo do Pinhal, S. João da Boa Vista, N. S. da Conceição de Caconde, Divino Espírito Santo
do Rio do Peixe, S. Sebastião da Boa Vista, Bom Jesus da Canna Verde de Batataes, Sant’Anna dos Olhos
d’Agua, N. S. da Piedade de Mato Grosso, Divino Espírito Santo de Batataes, S. Antonio da Alegria, S. Bento
e Santa Cruz de Cajurú, S. Rita do Paraíso, S. Antonio da Rifaina, N. S. da Conceição de Franca, N. S. do
Patrocínio de Sapucahy, N. S. do Carmo de Franca, S. Simão, N. S. do Belém do Descalvado e S. Sebastião do
Ribeirão Preto. O total de eleitores desse distrito era de 2.242. (CASALECCHI, 1987, p. 257).
13
Afinal, “será com essas lideranças locais que terão de se entender os poderes federais e estaduais, para as
composições políticas, de que vão depender”. (LIMA SOBRINHO apud LEAL, 1997, p. 19).
João Villela dos Reis. Presidente.
José Emygdio de Figueiredo, vice-presidente.
Antonio Jacintho da Silva.
Antonio Alves de Freitas.
João Candido de Souza.
José Candido de Figueiredo.
João Evangelista da Rocha.
Servindo de secretário AD-HOC, Estevam Marcolino de Figueiredo. (TRIBUNA
DA FRANCA, 1903, p. 1, grifo do autor).
Considerando o perfil político de Patronio Paulista naquele momento e não de
Patrocínio, como também da maioria das cidades do interior paulista seria natural que a
adesão ao novo governo o fosse voluntária, posto que o fulcro de uma transição política
deste jaez e com as características de que se revestiu, tendesse a ficar restrita ao Rio de
Janeiro e às regiões paulistas onde a causa republicana tivesse alcançado um maior
fortalecimento, como Itu, por exemplo, e naturalmente a própria cidade de São Paulo, palco
de inúmeros movimentos tanto pró-conservadores quanto republicanos de diversos matizes.
Vendo portanto baldadas suas convicções monarquistas, os conservadores patrocinenses
trataram logo de se entender com a República, mantendo o domínio privado sobre a coisa
pública, independentemente do regime.
Para além de tais considerações, forçoso é constatar que a presença de Estevam
Marcolino na condição de secretário nestas circunstâncias constitui um primeiro e forte
prenúncio dos traços que se tornariam marcantes em sua atuação política, quais sejam: a) a
tendência a suavizar antagonismos às vezes severos por adesões que se conformavam
diretamente aos interesses dos grupos em ação na cena política, peculiaridade que, de resto,
o era de forma alguma estranha do coronelismo paulista. (PEREIRA, 2005); b) a
capacidade de articulação de interesses – mormente econômicos – comuns em torno do
projeto político que de imediato contemplasse de forma mais satisfatória esses interesses, bem
como a argúcia para identificá-lo em detrimento de outros programas existentes, mas
destinados ao insucesso; c) o empréstimo, às causas em que se envolvia, de uma autoridade
legitimadora de ações ou iniciativas de outrem, autoridade esta oriunda ora de uma rede de
sociabilidade continuamente em expansão, ora de uma sólida experiência parlamentar, ou
ainda de um pendor político natural reconhecido pela procedência familiar, como no referido
episódio; d) a bil retórica que, com solene correção mas sem exorbitâncias de erudição,
privilegiava as possibilidades de compreensão e de entendimento e minimizava as
considerações de teor crítico, característica de evidente proveito político; e) a suavidade com
que se envolvia em cada episódio ou campanha, o que permitia que qualquer movimento
futuro, ainda que parecesse contraditório ao primeiro, fosse aceito e compreendido pelos pares
e eleitorado sem estremecimentos e, principalmente, sem perda de apoio político; f) por fim, a
faculdade de, quando necessário, articular-se politicamente para forjar ações de forma sutil,
sem se revelar em proveito da execução do próprio objetivo, comportando-se como uma mão
oculta em assuntos de seu interesse direto.
Em A formação das almas, JoMurilo de Carvalho demonstra como a República
recém-instalada buscou legitimar-se em corações e mentes através do incentivo à criação e à
elaboração artística e social de seusmbolos. Essa necessidade de afirmação, essencial à
consolidação do novo regime em bases mais lidas, das quais carecia em razão das
circunstâncias políticas que o engendraram (CARVALHO, 1990), encontraria paralelo nas
novas cidades que surgiam ou se renovavam sob a sua égide, como foi o caso,
respectivamente, de Belo Horizonte e Rio de Janeiro.
No Estado de São Paulo, a renovação do fluxo de capitais propiciada pela decadência
da região cafeeira do Vale do Paraíba e pela migração da cultura do café para as férteis terras
do Oeste paulista
14
propiciaria um redesenho político nas pequenas cidades do interior,
criando condições para a autonomia de muitos munipios, como foi o caso de Patronio
Paulista.
Aí, a emancipação política havia garantido a manutenção do poder dos produtores
rurais, na medida em que circunscrevia sua área de influência, mas era preciso ir além,
garantindo seus interesses econômicos em esferas políticas de maior amplitude. Era preciso
que o espaço urbano fosse preparado para receber, de pronto, alterações no plano material que
assegurassem a inserção da cidade nos novos padrões de sociabilidade, bem-estar e higiene
reclamados pelos centros produtores, colocando-se em sintonia com a modernidade, conforme
a definiu Marshal Berman em “Tudo que é sólido desmancha no ar”:
Existe um tipo de experiência vital experiência de tempo e espaço, de si mesmo e
dos outros, das possibilidades e perigos da vida – que é compartilhada por homens e
mulheres em todo o mundo, hoje. Designarei esse conjunto de experiências como
“modernidade”. Ser moderno é encontrar-se em um ambiente que promete aventura,
14
O termo Oeste paulista, obviamente impróprio a partir das referências geográficas e políticas atuais, designa a
região correspondente ao nordeste do Estado, englobando uma vasta faixa territorial dominada pela lavoura
cafeeira que compreende a Zona da Mogiana, Central, Baixa Paulista e Araraquarense.
poder, alegria, crescimento, autotransformação e transformação das coisas em redor
– mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo
o que somos. A experiência ambiental da modernidade anula todas as fronteiras
geográficas e raciais, de classe e nacionalidade, de religião e ideologia: nesse
sentido, pode-se dizer que a modernidade une a espécie humana. Porém, é uma
unidade paradoxal, uma unidade de desunidade: ela nos despeja a todos num
turbilhão de permanente desintegração e mudança, de luta e contradição, de
ambigüidade e angústia. [...] As pessoas que se encontram em meio a esse turbilhão
estão aptas a sentir-se como as primeiras, e talvez as últimas, a passar por isso; tal
sentimento engendrou inúmeros mitos nostálgicos de um pré-moderno Paraíso
Perdido. Na verdade, contudo, um grande e sempre crescente número de pessoas
vem caminhando através desse turbilhão há cerca de quinhentos anos. Embora
muitas delas tenham provavelmente experimentado a modernidade como uma
ameaça radical a toda sua história e tradições, a modernidade, no curso de cinco
séculos, desenvolveu uma rica história e uma variedade de tradições próprias.
(BERMAN, 1982, p. 15, destaque do autor).
Além disso, era preciso fundar uma cultura própria, desenhar os contornos do que viria
a ser a personalidade urbana, valorizando elementos de uma identidade social e de uma
cultura que demarcariam a singularidade daquele espaço de convivência e de trocas entre
indiduos que dividiam, além dos limites territoriais em que habitavam, interesses
econômicos comuns. Era esse o desafio imposto àqueles que estavam no comando da política
patrocinense.
Trabalhando a relação entre o corpo humano e o espaço urbano, em Carne e pedra,
Sennet assinala que a legitimação dos grupamentos urbanos se através da transformação do
espaço sico onde se realizam suas ações, da mesma forma que este espaço em transformação
influencia diretamente no pensar e no sentir dos homens que o comem, criando novas
implicações que se refletem na cultura e no fazer político. Dessa forma, o social e o estético
nada mais são que expressões diretas dos desejos e das ações das sociedades; assim foi desde
a Grécia Antiga, passando pelo Renascimento e pela Revolução Francesa até a Paris do século
XIX, que servirá de modelo a tantas outras cidades. (SENNETT, 1997).
As transformações em curso no icio do século XX, fruto da reestruturação política
do país e do processo de crescimento da economia com a cultura do café nas terras do Oeste,
impulsionam o surgimento de uma nova sociedade que faz da cidade, por excelência, um
lugar de complementaridade ao campo, relação que se cria na modernidade e faz dos centros
urbanos o seu lugar privilegiado. A classe alçada a patamares ainda mais privilegiados por
esse movimento da sociedade demanda melhorias e avanços no cenário urbano que, até então,
o haviam sido exigidas em virtude da concentração das decies nas propriedades rurais.
Por meio de iniciativas públicas e privadas inicia-se, então, um trabalho de ordenação urbana
cuja finalidade última é adequar o espaço físico à ação desta elite ávida de novidades e
sôfrega por participar de uma nova cultura.
Patrocínio Paulista passaria, neste momento, a figurar no mapa político do Estado de
São Paulo quase concomitantemente com o aparecimento, na organização urbana da cidade,
dos primeiros traços de modernidade e da implantação de melhorias que garantiriam uma
condição menos inóspita que a experimentada pelos patrocinenses poucos anos, quando da
passagem da Monarquia à República.
As condições urbanas das cidades do interior e mesmo de grandes centros como Rio
de Janeiro e São Paulo, foi precária durante a maior parte do oitocentos. (CHALHOUB,
1996). O predomínio, no período, da vida rural, associada a culturas anteriormente
predominantes como a da cana-de-açúcar ou à mineração, fez com que as pequenas vilas do
interior pouca ou nenhuma importância tivessem até à metade do século. A falta de atenção
aos aspectos sanitários, urbanísticos e sociais emprestava às cidades um contorno desolador,
onde as privações eram tantas e tão grandes que não se via solução possível, considerando a
carência crônica de recursos materiais própria de uma economia combalida, resultado tardio
e ainda sem perspectiva possível da crise agrícola que se abateu sobre o Brasil no século
XVII.
Ao estudar a cidade de Batatais também pertencente ao. Distrito
15
- desse período,
antes do impulso modernizador dado pela política municipalista de Washington Luis como
intendente municipal, Robson Mendonça Pereira descreve um retrato melancólico, que de
resto era coincidente com o que se observava em outras tantas cidades da região e do país:
As necessidades da municipalidade eram imensas, o que não se poderia dizer das
condições financeiras que, como pudemos verificar anteriormente, eram exíguas. Não
havia qualquer investimento ou obra relacionada ao saneamento e salubridade da área
urbana pronta ou em andamento, e o aspecto geral da cidade lembrava um imenso curral
por onde transitava uma infinidade de animais, por ruas esburacadas e casarões com
largos beirais, largas janelas e portas de uma só folha. (PEREIRA, 2005, p. 109).
A pujança trazida pela cultura cafeeira nas terras do nordeste de São Paulo viria
garantir, a partir da metade do século XIX, uma série de transformações nas cidades antes
esquecidas. Não apenas pelo aporte financeiro diretamente resultante da comercialização do
15
Ver nota 14.
fruto, mas também pela onda modernizadora que veio junto com as ferrovias que passaram a
cortar o Estado, e com elas os imigrantes, sua cultura e seus empreendimentos.
A Patrocínio Paulista em 1889, entretanto, faltava muito daquilo que se podia esperar de
um lugar que pretendesse ser chamado de cidade. Em termos urbanos, tudo estava por fazer: as
ruas não tinham calçamento, a rede sanitária era precária, não havia médico nem hospital, e raros
eram os serviços públicos oferecidos à populão. Era preciso transformar a pequena vila em um
lugar à altura da sua condição de politicamente emancipada. Na busca da modernização material,
observam-se as primeiras iniciativas particulares e do poder blico visando expandir e planejar o
espaço urbano, a exemplo do que ocorria nas demais cidades do interior paulista.
Seria a política, contudo, a via pela qual a cidade passaria a integrar a modernidade
anunciada pelo século XX, facilitando a implantação das transformações urbanas e de suas
benesses, demandadas por uma classe produtora que passava a fazer da cidade a sua
referência, integrando-a, em uma relação de complementaridade típica da modernidade, ao
locus rural predominante no período monárquico.
Estevam Marcolino, como já se viu, gozava de representatividade na região, e tratava de
se adequar à nova realidade política, ocupando os espaços que se abriam às poucas pessoas
capazes de ocu-los. Esta limitação se impunha pela necessidade de cabedais, que àquele
momento se faziam imprescinveis para garantir a participação nas decisões políticas, e também
pela ignorância generalizada daqueles que possuíam os cabedais mas de nada cuidavam além das
cercas de suas propriedades. Por essa razão, estas oportunidades eram normalmente usufruídas
pelos bachais, que constituíam o elo de ligação entre o poder público e o privado, representando
os interesses do coronel, detentor do comando privado, junto à esfera administrativa. Esta
complexa relão entre as esferas pública e privada, mediada pelo bacharel a mando dos coronéis
durante a Primeira República, é ilustrada em Coronelismo, enxada e voto:
Não conheço os outros Estados do Brasil e falo de São Paulo. Aqui, tivemos
numerosas categorias de chefes políticos. Desde logo, dividiam-se eles em coronéis
e doutores. Muitas vezes, existindo isolados; o coronel dominando de sua fazenda e
congregando outros fazendeiros, com influência na cidade porque deles dependiam o
comércio como fornecedor, advogados e médicos para garantia da clientela,
funciorios que eles podiam nomear e demitir arbitrariamente, outras atividades por
idênticos motivos; o doutor, mais pelo poder da inteligência e da cultura, pelo
prestígio da palavra ou por serviços prestados na advocacia e na medicina às
famílias ricas ou às massas pobres. Muitas outras vezes, em simbiose: o coronel
entrava com a influência pessoal ou do clã, com o dinheiro e a tradição; o doutor, a
ele aliado, com o manejo da máquina, incumbindo-se das campanhas jornalísticas,
da oratória nas ocasiões solenes, do alistamento, das tricas da votação, da apuração e
das atas, dos recursos eleitorais e dos debates da vereança quando havia oposição.
(AMARAL apud LEAL, 1997, p. 41).
que se ter em conta, porém, que esta divisão entre poderes e responsabilidades
esbarra nas dificuldades que normalmente se encontram quando se tenta tipificar os
estereótipos do coronel e do bacharel, posto que a diversidade de formas que estas
personagens adquiriram ao longo da história brasileira escapam às regularidades dos modelos
e muita vez encontram-se presentes em uma mesma pessoa, que exerce ambos misteres.
Assim acontece com a figura de que ora tratamos. Coronel da Guarda Nacional
16
, chefe
político e dono de uma ilustração sem paralelo para os padrões locais, Marcolino também
ocupava-se das atribuições típicas do doutor, apesar de a rigor não sê-lo. Assim é que:
Dissolvidas as Câmaras Municipaes, o novo governo o podia deixar de dirigir-se
ao pessoal, unico competente para fazer política ordeira e liberal n’aquella zona. E
mesmo quando tivesse pensado diversamente, não ha negar que nada poderia abalar
e muito menos destruir a influencia e o prestigio de Estevam Marcolino e dos outros
chefes do partido no districto, que procederam correcta e patrioticamente, o se
arredando da direcção da política local e regional e o abandonando os interesses
de seus amigos, parentes e partidários aos adventícios, foragidos de outras bandas á
procura de collocações, prebendas e rendosas situações, em pescarias de aguas
turvas [...]. (FRANCO, 1902, p. 135).
De qualquer forma, não é novidade que o elemento modernizador das cidades estivesse a
cargo de homens letrados, com refinamento europeu e que, não raro, se ocupassem eles mesmos
dos trâmites comerciais e judiciais oriundos dos negócios agcolas de que eram proprietários:
[...] amiúde o fazendeiro, rei do café, era letrado, de anel de doutor enfiado no
anular, prendedor de gravata de esmeralda, colete, relógio de corrente, plastron,
bengala e chapéu de coco.
Acostumado com as lides dos negócios cafeeiros que se realizavam todos nas
cidades, o fazendeiro tinha um forte viés urbano, seu cotidiano era consumido no
zafe-zafe dos bancos e das casas comissárias, nos escritórios de despacho e na
alfândega, junto aos bacharéis, quando não era o próprio doutor a cuidar de seus
contenciosos na política, espaço nunca desprezado para afirmar seu prestígio e suas
benesses, indispensáveis para o empreendimento.
Falava, não raro, outra língua e, vez ou outra, cometia seu soneto ou até mesmo versos
livres, enfim, era um homem acabadamente urbano e viajado. Esta paisagem mental o
levava a pretender para sua cidade os confortos da vida moderna, as belezas urbanas
que ele vivera em Paris, Londres e Viena, que ele conhecera, naquele fin de siécle,
como diria Machado, de vista e de chapéu. (DOIN, 2001, p. 25).
16
Marcolino tinha a patente de Coronel Comandante Superior da 9ª. Brigada da Guarda Nacional da Comarca de
Patrocínio do Sapucaí (LIVROS da Guarda Nacional em Franca. Cat. 27, l. I., fls. 31-32).
A próxima cartada política do Coronel seria tornar-se membro do Conselho da
Intendência de Franca, cargo de nomeação por parte do governador do Estado. Entretanto,
exonerar-se-ia do cargo em 1890.
Marcolino, sabedor de seu potencial eleitoral, preparava-se para alçar vôos mais altos,
concentrando-se em arregimentar os conservadores paulistas na capital
17
, para onde se mudara,
ao mesmo tempo em que cuidaria de seu reduto, ocupando o cargo de presidente da Câmara
patrocinense pela primeira vez, no triênio 1892/1894. (MATOS; COSTA, 1986, p. 189). Na
ocasião, encaminharia a seguinte carta aos francanos:
Cidadãos,
Tendo fixado minha residencia nesta Capital, vejo-me forçado a pedir minha
exoneração do cargo de membro do Conselho da Intendencia dessa Cidade, o que
faço nesta mesma data, em officio dirigido ao honrado governador do Estado.
e-me, confesso, e-me cruciantemente abandonar a terra que me viu nascer e os
amigos que, em todos tempos, teem-me rodeado de estima, afecto e consideração, si
bem que immerecido.
Cumpre-me, portanto, agradecer-vos, como interpretes do sentimento popular, as
finezas com que teem-me cumulado, principalmente nos poucos mezes em que tive a
honra de desempenhar, conjunctamente convosco, o espinhoso encargo de
Intendente Municipal, na quadra anormal que atravessamos.
Onde quer que a sorte me lance e me chamem os interesses da vida estarei sempre
prompto a cunprir as vossas ordens e solicito em defender, por todos os meios licitos
(ilegível) as minhas mais ternas e duradouras afeições.
Aqui ou lá, de perto ou de longe, continuarei a ser o que sempre fui: um francano
amigo dos seus Amigos, um filho que estremece o torrão natal, um soldado
enthusiasta de seu progresso e bem estar. Nestas condições seja-me lícito mandar-
vos as minhas enthusiasticas felicitações pelos valiosos e incontaveis melhoramentos
que já implantastes em nossa localidade, no peodo tão curto mas tão fecundo de
vossa patriotica administração.
Saude e Fraternidade.
(a) – Estevam Marcolino de Figueiredo
Aos ilustres
Cidadãos, Cel. (VILA FRANCA, 1962, p. 356-357, destaque do autor).
17
Em 15 de junho de 1890, Estevam Marcolino participa da fundação do Partido Católico de São Paulo,
agremiação não propriamente partidária na acepção política do termo, mas fortemente aglutinadora do
pensamento conservador, em torno da qual gravitaram nomes de peso da política paulista e que mais tarde, em
pleno adesismo, viriam a engrossar as fileiras do Partido Republicano Paulista a lado do próprio Marcolino.
(PALMA, 1912, p. 24-25).
Nas linhas finais, Marcolino manifesta especial atenção em relação às melhorias
urbanas da administração francana, as quais, sem dúvida, contaram com seu concurso
enquanto membro do Conselho de Intendência. Tal interesse estaria presente de forma
constante na carreira legislativa que estava por começar. No caso de Patronio Paulista, uma
das primeiras preocupações de Estevam Marcolino foi mesmo a de consolidar politicamente o
munipio recém-emancipado, cuidando de deixá-lo preparado para as circunstâncias em que
deveria operar dentro do regime republicano, como se observa no epidio da resposta da
Câmara patrocinense ao Governo Provisório, em 1889
18
.
Um outro posicionamento de importantes conseqüências políticas assumido por
Marcolino refere-se à questão da autonomia municipal, assunto als em que se empenhavam
rias municipalidades da região
19
. Na sessão de 6 de maio de 1905, como primeiro ato do
segundo mandato de Estevam Marcolino como vereador em Patrocínio, a Câmara Municipal,
por ele presidida, emitia a seguinte correspondência, dirigida ao Congresso Constituinte do
Estado de São Paulo:
A Camara resolveu por unanimidade de votos o seguinte: Exmos. Snrs. Presidente e
Membros do Congresso Constituinte do Estado. A Camara Municipal desta Cidade, em
sessão ordinária de hoje, resolveu, por unanimidade de votos, adherir á representação das
maras Municipaes de Lorena e de Guaratinguetá, derigida ao Congresso Constituinte,
ora em trabalho, protestando contra a parte do progecto (sic) de reforma Constitucional,
apresentado pela respectiva Comissão, e no qual se vibra um golpe desapiedado na
autonomia municipal. Deixa esta Camara de se alongar, por inúteis, em considerações que
já foram tão profisciente e criteriosamente desenvolvidas pelas suas collegas acima citadas.
Lembra, entretanto, que, se municípios há, por ignorância ou má fé, tenham abusado das
regalias que o nosso Estatuto fundamental confere, consuante a índole do regimem, aos
municípios, - essa excepção odiosa não justifica absolutamente o attentado que se projecta
contra a autonomia municipal. Ferir o munipio, é ferir a própria naturesa do regimem que
tentamos servir: é solapar pela base o edifício que s mesmos construímos, com tanto
carinho e devotamento. O remedio contra os abusos encontramol-o facilmente em leis
especiais que moderem a precipitação ou a fé dos municípios recalcitrantes. Mas,
corrigir, as faltas destes com um castigo o rigoroso e cruel, que fere por igual os
municipios bem orientados e zelosos de suas prerrogativas e o próprio regimem que nos
governa, é um acto que destôa em absoluto dos honrosos precedentes do Congresso
legislativo Paulista. Que outros perpetrem o feio attentado contra a dignidade Municipal,
menos o Congresso do nosso grande Estado o precursos da Republica, o paladino
imperterrito das liberdades publicas; a jóia mais refulgente da União brasileira. Confiante
nas luzes, no criterio, no patriotismo e no sincero amor do Congresso Paulista, ás liberrimas
instituições que filizmente nos regem, esta Camara tem a certesa de que seregeitado esse
enxerto perigossimo e deprimente que, em má hora; se pretendeu addicionar á
Constituão do Estado e que tanto alarme e desgosto despertou em todos os municípios.
Se desgraçadamente malograrem-se as nossas bem fundadas esperanças, fique ao menos
consignado nos annaes do Congresso Constituinte de São Paulo que essa mutilação á nossa
liberdade, autonomia e dignidade não se perpetrou sem o nosso humilde e obscuro
protesto
20
.
18
Palma (1912, p. 27-28).
19
Pereira (2005, p. 50-62).
20
ACPS (lv. 02, fls. 97-99).
Com efeito, a primeira revisão da Constituição Política do Estado de São Paulo deu-se
exatamente em 1905. Entre as alterações aprovadas, o novo texto reduzia uma série de
prerrogativas dos munipios, impondo restrições importantes à autonomia que lhes havia sido
outorgada pela Constituição de 1891
21
. Por essa razão, os vereadores patrocinenses
prontamente reagiram. Além do estilo do texto não deixar dúvida acerca de seu autor, não
havia, entre os edis patrocinenses, outro representante que conhecesse tão em profundidade os
trâmites legislativos do Estado quanto o Coronel Estevam Marcolino.
Mas, concomitantemente à defesa política da autonomia municipal em consórcio com
outros munipios de outras regiões paulistas, a Câmara patrocinense ocupava-se em reforçar
seu orçamento através de uma proposta de reforma, no mesmo ano, do Código de Posturas
Municipais, impondo taxas, multas e expedientes diversos cuja finalidade última era
preservar, através das finanças, a municipalidade ameaçada pelo texto centralizador da revisão
constitucional. Além disso, este reforço financeiro serviria de esteio ao processo de
modernização urbana que se acelerava sob a iniciativa de empreendedores privados
22
.
1.2 Público e privado na transformação urbana: modernização e sociedade
Nas cidades da nova região cafeeira sucedem-se os primeiros e ineqvocos sinais de
modernidade, prenunciando a ruptura com a tradição e a estética coloniais, numa sanha de apagar
os resquícios do atraso dos tempos monárquicos, conforme se vê em O Capitalismo Bucaneiro:
Com fé e vontade, s e picaretas apagam nos vilarejos do nordeste paulista e nas
cidades médias das terras do café (Campinas e Santos) os seus vestígios sociais.
Praças com jardins geométricos submetem a natureza a um racionalismo de sabor
haussmanniano, ruas têm seu traçado ordenado em quarteirões triangulares, edifícios
ecléticos barafundam estilos, arquitetos da capital e do exterior pululam por Franca,
Araraquara, Ribeirão Preto, Rio Claro, Campinas, Araxá, Santos, semeando hotéis,
cassinos, sedes municipais, fóruns e câmaras, teatros e cinemas, enfrentando a poeira
e as fagulhas das locomotivas pela Mogiana, pela Paulista, pela Araraquarense [...].
Assim como as capitais e o Distrito Federal, as cidades do café (Campinas, Santa
Bárbara, Araraquara, Pirajuí, Ribeio Preto, Cravinhos, Batatais, Franca) sofrem,
em maior ou menor medida, intervenções cirúrgicas que as amoldam e disciplinam,
dentro de uma concepção geometrizante e higienizadora de sotaque gaulês, amiúde
antecipando-se às próprias capitais. A caipirada orgulhosamente civilizava-se!
(DOIN, 2001, p. 12, grifo do autor).
21
São Paulo (1998, p. 13-14).
22
ACPS (lv. 02, fls. 121-124).
Em Patronio Paulista, a população aumenta consideravelmente, passando a contar
com uma média somente de 1900 a 1904 de 9.500 habitantes, contra uma média de 6.000
habitantes de toda a década anterior
23
.
Atendendo aos imperativos da modernização urbana, melhorias começam a ser feitas
em Patronio Paulista: é concluída a construção, em 1902, do imponente primeiro edifício
público, projetado para abrigar a cadeia e o fórum, graças à influência direta de Estevam
Marcolino (FIGURA 1). Vale notar que tal diligência nos assuntos urbanos antecede ao
próprio período republicano, remontando já aos primeiros anos do surgimento de nosso
personagem na cena política sapucaiense.
A cadeia velha foi construida em 1884 á custa do Governo da antiga provincia á cuja
frente se achava o Conde de Parnaiba, mediante os esforços e a influencia dos
Coronéis João Villela e Estevam Marcolino de Figueiredo. Hoje em dia é próprio
municipal, e no rés de chão as aulas da escola municipal do sexo masculino,
servindo a mesma sala escolar as vezes também de teatro. A cadeia nova que tem
nos altos a sala do juri foi construida em 1902 á custa do Governo Estadual. Foram
principalmente os esforços do Coronel Estevam Marcolino como deputado estadual
e do atual juiz de direito Dr. Pedro Fernando Paes de Barros que levaram o Governo
a esta despesa. (MATOS; COSTA, 1986, p. 15).
Em 1903, é concedida, pela Câmara Municipal, licença para a construção de um
necrotério, e é instalada a primeira linha telefônica, ligando o munipio a Franca; no ano
seguinte, cria-se um centro telefônico e inaugura-se a comunicação com Itirapuã
24
. Entretanto,
as melhorias urbanas se intensificam após a eleição da nova mara Municipal para o triênio
de 1905 a 1907, da qual Estevam Marcolino é eleito presidente
25
. Tendo asseguradas as
condições políticas e econômicas que dariam sustentabilidade à modernização urbana que
apenas se esboçava, a nova Câmara encontraria na esfera privada o impulso necessário para
uma série de avanços materiais no cenário urbano, conforme se verá.
23
O rápido crescimento demográfico que se verifica então tem suas raízes na expansão econômica gerada pela
cultura do café, e se registra em todas as regiões produtoras. (CAMARGO, 1981).
24
ACPS (lv. 2., fls. 31-36, 59-70).
25
ACPS (lv. 2., fls. 82-84).
FIGURA 1 – Prédio da Cadeia Pública de Patrocínio Paulista,
construído por influência de Estevam Marcolino
Fonte - MATOS; COSTA, 1986.
Na sessão da Câmara de 6 de maio de 1905, a mesma em que a edilidade patrocinense
oficiava seu protesto em relação à limitação da autonomia municipal trazida pelo novo texto
constitucional, apreciava-se a proposta que previa que o
Snr. Luiz de Grazzie propunha-se a fazer, durante o corrente exercício, todo o
serviço de concerto de ruas e praças da cidade, inclusive o estivamento da rua do
Sapo e do corredor da estrada que se dirige para Santa Bárbara e fazenda dos
Chagas, pela quantia de 2.000$000, cuja proposta submettia a consideração da
Camara
26
.
Da mesma forma, em 3 de novembro de 1905, “leu-se um requerimento do Capitão
Firmino Rocha, commerciante desta praça, propondo-se a promover o abastecimento d’água
potável para esta cidade, a sua custa, mediante a garantia de juros de 12% ao anno [...] o que
foi unanimimente aprovado
27
”.
26
ACPS (lv. 2., fls. 103-104).
27
ACPS (lv. 2., fls. 118-119). Esta proposição certamente foi uma ulterior e bem sucedida tentativa de implantar
o melhoramento, já que o jornal “O Francano”, em sua edição de 4 de abril de 1901 publicava: “Consta-nos
que a Camara Municipal desta cidade (Patrocinio do Sapucahy) contractou com o hábil engenheiro dr. Paes
Leme, o abastecimento de água potavel á população, devendo esse serviço ter começo brevemente”. (O
FRANCANO, 4 abr. 1901, p. 2). Não foi possível verificar esta informação nos registros da Câmara de
Patrocínio Paulista, pois o primeiro volume do livro de atas, correspondente ao período aqui tratado,
extraviou-se.
Ao lado destas iniciativas de particulares, acolhidas e apoiadas pela Câmara
patrocinense, a edição do novo Código de Posturas Municipais procurava, além de como já
foi visto amealhar recursos para financiar o aumento das despesas com as melhorias
materiais, regular o convio social e promover alguma urbanidade entre os cidadãos, a partir
dos ideais republicanos que já neste momento se incorporavam em definitivo aos costumes e
ao vocabulário da edilidade patrocinense, ainda há tão pouco ferrenhamente monarquista.
Assim, na sessão de 4 de dezembro de 1905,
A Camara Municipal de Patrocinio do Sapucahy decreta:
Art. 1º. O codigo de posturas municipaes vigente, sancionado em 1º. de julho de
1902, continua a vigorar com as seguintes alterações: O art. 66 Titulo 2º., Capitulo
3º. se redigido da forma seguinte: “aquele que, sem licença do proprietário, ou
de pessoa que legitimamente o represente, apanhar ou colher fructas ou cereaes de
qualquer espécie em mattas e ras de propriedade alheia, será multado em 50$000,
ou soffrerá a pena de 8 dias de prisão. A metade da multa imposta pertencerá ao
denunciante. Os paes e tutores responderão pelas faltas dos filhos menores e
tutelados.”
Art. 2º. O art. 112 da secção 13ª., Titulo 1º. Capitulo 4º., vigora com as seguintes
alterações: “§1º. É absolutamente prohibida, durante o periodo de 1º. de Agosto a 28
de Fevereiro, a toda e qualquer pessoa, mesmo aos próprios fazendeiros em suas
propriedades, a caçada de perdizes, codornas, macucos, mutuns, jacus, jaós, nanbús,
urus e todas as aves congeneres. § 2º. Fóra deste período, é permettida a caçada
de qualquer ave do campo ou do matto, aos fazendeiros em suas propriedades, e ás
pessoas que deles obtiverem auctorisação por ordem escripta, datada e assignada do
proprio punho, e visadas pelo Agente Executivo. Estas ordens vigorarão somente de
1º. de Março a 30 de Julho de cada anno. § 3º. É expressamente prohibida a caçada
de veados e de quaesquer animaes selvagens sem autorisação expressa do dono da
fazenda, por ordem escripta nos termos estabelecidos no § 2º. § 4º. O contraventor
das disposições deste art. e seus §§ será multado em 50$000, ou soffrerá a pena de 8
dias de prisão; cabendo ao denunciante a metade da multa estabelecida. Repondendo
os paes e tutores pelas faltas dos filhos menores e tutellados. § 5º. Considera-se
caçando, e ipso facto sujeita ás penas deste art. e seus §§, toda e qualquer pessôa que
r encontrada em terras alheias munida de arma de fogo e acompanhada de cão de
caça de qualquer especie.
Art. 3º. O art. 113 ficará assim redigido: É expressamente prohibida a pesca nos
rios, córregos, lagoas e tanques do municipio, servindo-se de parys, de fogos, de
chiqueiros e de materias nocivas e tóxicas, como timbó, dynamite e outras. § 1º.
Ninguem poderá pescar nos rios, corregos, lagôas e tanques situados em terras
alheias sem ter auctorisação, por ordem escripta, datada e assignada pelo próprio
punho do proprietário, e visada pelo Agente Executivo. Estas ordens vigorarão
somente dentro do anno em que forem concedidas, e não isentam o pescador da
obrigação restricta de avisar previamente ao proprietário todas as vezes que r
pescar em sua propriedade. § 2º. O contraventor deste art. e seu § será multado em
50$000, ou soffrerá a pena de 8 dias de prisão; cabendo ao denunciante metade da
multa imposta. Os paes e tutores respondem ás faltas dos filhos menores e
tutelados.”
Art. 4º. Ao art. 173 da secção 7ª., Titulo 1º. acrescenta-se: § 49 De cada usina de
electricidade estabelecida em territorio do município, 200$000.
§ 59 De cada cão perdigueiro, de raça pura ou mestiça, cujo proprietário não possua
terras, 50$000. Sendo de fazendeiro, 10$000.
§ 60 de cada representante de casas commerciaes que fizer vendas por amostras, a
commerciantes ou particulares, 20$000. É expressamente prohibido animaes
cavallares nas ruas.
Art. 5º. Revogam-se as disposições em contrario. Sala das sessões da Camara em 4
de Dezembro de 1905
28
.
Na mesma sessão, a Comissão de Finanças da Câmara apresenta o orçamento de
despesas e fixa a receita para o exercício de 1906, já prevendo melhorias como a construção
do novo cemitério que, da mesma forma que outros melhoramentos urbanos desta década,
ficou a cargo de particulares
29
. Já em fevereiro, com o Coronel Marcolino reeleito como
presidente da casa, a Câmara aprecia
[...] uma proposta dos Cidadãos Eliseu Cibischini e Carmo Pulha propondo-se a
construir o novo cemitério municipal, que a Camara pretende construir nesta cidade,
com as dimenções de cem metros em quadra com alicerce de pedras, com um metro
de profundidade e meio de espeçura, com paredes de tijolos de dois metros de altura,
pela quantia de 6:000$000
30
.
A obra seria aprovada em 2 de abril de 1906 com pequenas alterações no projeto. Na
mesma sessão,
Leu-se um requerimento do Cidadão Cel. Manoel Basilio de Andrade, pedindo
auctorisação para encannar para a sua casa situada nesta cidade, a agua que nasce na
Rua da Tabatinga, nas proximidades da olaria do Snr. Angelo Galdini, obrigando-se
o requerente a deixar livre para a servidão pública, afim de que não fiquem privadas
de servirem-se della as pessoas que moram na referida Rua, a metade da água em
questão
31
.
Ao final de 1906, a Câmara aprovava o orçamento para 1907, prevendo a feitura de
mais melhorias urbanas. Entre elas, o novo matadouro municipal, cuja construção se
autorizava no mesmo ato
32
. Construído o local destinado ao abate de reses, a Câmara tratou
logo de propor novas alterações no digo de Posturas, visando regular tanto seu
funcionamento quanto o comércio e o consumo de carnes na cidade. Dessa maneira, na sessão
ordinaria de 1º. de maio de 1907,
28
ACPS (lv. 2., fls. 121-123).
29
ACPS (lv. 2., fls. 123-124).
30
ACPS (lv. 2., fl. 135).
31
ACPS (lv. 2., fls. 137-138).
32
ACPS (lv. 2., fls. 147-148).
[...] a Camara Municipal de Patrocinio do Sapucahy, decreta:
Art. 1º. O codigo de posturas municipaes continúa em vigor com as seguintes
alterações:
Onde convier:
Art. 2 Nenhuma rez, em caso algum, poderá ser abatida fora do matadouro. O
infractor soffrerá a multa de 30$000.
Art. 3 A mesma pena do art. anterior, soffrerá aquelle que puser á venda carne de
animal bovino, morto fóra do matadouro.
Art. 4 Ninguem poderá matar gado para vender, sem previo aviso e exame do fiscal,
e na falta deste do zelador do matadouro, sob pena de soffrer a multa estabelecida
nos arts. anteriores.
Art. 5 Os quatros das rezes serão conduzidos em carros ou vehiculos fechados, para
os açougues, e as carnes verdes serão expostas á venda, sendo os donos dos
açougues obrigados a tel-os com o mais rigoroso asseio e limpesa. O infractor
soffrerá a multa de 20$000.
Art. 6 Todo aquelle que se dér esse commercio, pode fazel-a, pagando annoalmente
a importância estabelecida neste art. O infractor pagará a multa de 30$000.
Art. 7 No caso do art. o açougue, balcão, vasilhas e logares em que forem
depositadas as carnes, serão conservados limpos e com todo o asseio, sob pena de
multa de 20$000.
Art. 8 Se as carnes expostas a venda forem deterioradas ou de gado morbido, a juizo
de pessoas entendidas, seo as mesmas inutilisadas e o infractor soffrerá a multa de
25$000. Se houver precedido exame do fiscal ou do zelador, estes pagarão a multa.
Art. 9 Não serão admettidos como espectadores no matadouro, crianças ou pessoas
estranhas ao serviço. O zelador por falta de advertência deste art. se multado em
10$000, e no dobro ser qualquer criança offendida.
Art. 10 Os instrumentos para o matadouro serão fornecidos pela intendência e
ficarão sob a guarda do zelador; aquelle que os utilizar propositalmente será
obrigado a repor outro igual e paga a multa de 5$000.
Art. 10 Os couros o poderão vir para a cidade ou açougues, senão depois de
seccos, sob pena de multa de 5$000.
33
Art. 11 O gado será abatido um dia antes daquelle que for exposta a carne á venda.
Multa de 10$000.
Regula a hygiene e os açougues:
Art. 12 Os açougues só poderão ser estabelecidos mediantes as condições seguintes:
A) Commodo largo, claro e arejado.
B) Paredes ladrilhadas de azulejos ou aleadas até a altura de dois metros.
C) Chão acimentado ou ladrilhado.
D) Portas de grades de ferro.
E) As carnes devem ser dependuradas em ganchos de ferro liso e separadas das
paredes por meio de pannos asseiados.
F) O balcão deve ser de marmure.
33
No texto original aparecem duas vezes o termo: Art. 10.
Art. 13 As carnes devem ser conduzidas do matadouro para os açougues dentro de
carros apropriados a esses serviços.
§ Unico Esses carros devem ser fechados e podem pertencer a particulares que
aluguem.
Art. 14 Fica absolutamente prohibido ter-se chiqueiros, deposito ou curraes no
centro da cidade, de gado vacum, capados, carneiros e cabritos e abatel-os ra do
matadouro.
§ Unico No matadouro cobrar-se-á o imposto seguinte: De cada rez 5$000. De
cada capado 4$000. De cada carneiro ou cabrito 1$000. A matança deverá ser
concluída até as 5 horas da tarde.
Art. 15 Os infractores pagarão a multa de 50$000 que será cobrada executivamente
pela procuradoria da Camara, depois de passadas 48 horas.
Art. 16 Revogam-se as disposições em contrário
34
.
Nesta mesma sessão, foi lido parecer pedindo a criação de mais uma escola para o
sexo feminino, em consideração ao número crescente de meninas já existente na zona urbana
e em todo o munipio, e que se achavam destitdas de instrução, já que a única escola
disponível se encontrava com suas poucas vagas completamente esgotadas. Pedia-se então a
nomeação da Profa. Maria Venância Falleiros para reger a escola proposta. O pedido foi
acatado e imediatamente aprovado pela Câmara patrocinense
35
.
Com isso, em 1907 já se encontram em funcionamento três estabelecimentos de ensino
em Patronio Paulista: a escola municipal aqui criada que ganharia o nome de sua regente,
Professora Maria Venância Falleiros” , destinada ao sexo feminino, e duas outras,
destinadas respectivamente aos sexos masculino e feminino, como decidido em sessão
extraordinária da Câmara Municipal em 1905:
Para offerecer á consideração da caza aos pareceres sob n° 8 e 9 da Commissão de
instrucção publica, e relativos á representação assignada pelos cidadãos Claudiano
Alves Falleiros, João Hippolito de Figueiredo, Francisco Alves Ribeiro e outros, em
que pediam a nomeação da Exma. Snra. D. Maria Augusta Falleiros para o cargo de
professora municipal; e relativo a indicação do Snr. Vereador Capitão Firmino
Rocha sobre a nomeação do Cidadão Francisco Corrêa Soares de Mattos para igual
cargo de uma nova escola do sexo masculino: assim, e como se tratava de matéria
urgentemente reclamada pela opinião publica, deu-se pressa em attender aos
reclamos da população do município, convocando a Camara em sessão
extraordinária para ser de prompto resolvido o assumpto. Em seguida foi lido o
parecer sob 8, da referida commissão de instrucção publica, no qual deixou de
assignar o Snr. vereador Capitão Firmino Rocha, por ser o autor da indicação,
opinando pela reabertura da 1ª. escola do sexo masculino desta cidade, e de que era
professor o Snr. Major Antonio Corrêa de Mattos, cuja aula fora suspensa por tempo
indeterminado pela Camara Municipal tranzata. Baseia a comissão o seu parecer na
34
ACPS (lv. 2., fls. 155-158).
35
ACPS (lv. 2., fls. 155-158).
necessidade palpavel que ha do estabelecimento de mais uma escola daquele sexo e
daquela cathegoria, por haver numero suficiente de alumnos para frequentarem as
duas aulas; accrescendo ainda o direito que assiste ao cidadão Francisco Corrêa
Soares de Mattos no provimento da referida escola, pelos enestimaveis serviços
prestados a instrucção publica da Comarca: concluía o parecer pela reintegração do
alludido cidadão. Posto em discussão e a votos, foi approvado unanimimente, e sem
debate. Leu-se o parecer sob nº 9, da mesma commissão, opinando pelo deferimento
do pedido constante da representação dos cidadãos Claudiano Alves Falleiros e
outros, e emittindo largas considerações sobre o assumpto, concluía pedindo a
conservação da Exma. Sra. D. Carolina Alouysia Corrêa no cargo de professora da
escola já existente, attendendo a que a população escolar do sexo fiminino do
município reclamava a conservação da alludida escola. Posto em discussão e a
votos, foi unanimimente approvado, sem debates; e remettidos os pareceres ao Snr.
Agente Executivo para os fins de direito
36
.
A necessidade de dotar a cidade de um sistema educacional que pudesse fazer frente à
crescente demanda decorrente do aumento da população urbana, com o conseqüente aumento
do número de crianças carentes de vagas no ensino público leva a municipalidade, em 1908, a
requisitar ao governo do Estado a instalação de um grupo escolar na cidade. O fato alcançou
tamanha repercussão que o jornal Tribuna da Franca publicou um comentário em cujas
entrelinhas se prenuncia o destino exitoso do projeto:
Acostumados como estamos a prestar o nosso insignificante apoio a todas as boas
idéias que visam o bem commum e o interesse colectivo da sociedade, não podemos
por isso deixar de render os nossos applausos aos habitantes da visinha cidade de
Patrocinio do Sapucahy que, em boa hora, resolveram solicitar do governo do
Estado a creação naquelle lugar de um Grupo Escolar.
Tal resolução, que representa uma necessidade palpitante, estamos certos, merecerá
benevolo acolhimento do seio do legislativo paulista que tanto tem se esforçado para
diffundir o mais possivel a instrucção, convencido certamente de que é por esse
meio que se consegue a solução dos mais complicados problemas econômicos-
sociaes.
Além de tudo, o favor que pretende a população da visinha comarca não importará
em pesados ônus para os cofres estadoaes, porque, segundo fomos informados, se
promptifica ella em fornecer um prédio em condições para o estabelecimento do
desejado Grupo Escolar.
da boa vontade do governo depende, pois, a installação da alludida casa de
ensino, que grandes benefícios virá prestar a o pequeno numero de creanças que,
por falta de escolas, estão crescendo sem educação
37
.
36
ACPS (lv. 2., fls. 108-110). De fato, a criação do estabelecimento de ensino surtiu o efeito desejado, segundo
nota publicada na imprensa francana: “Temos em os o resultado dos exames ultimamente procedidos na
escola publica do Sapucahy ao encargo da talentosa e applicada professora, D. Maria Augusta Falleiros.
Lamentando immenso que a falta de espaço nos inhiba por agora de dar o resultado completo dos mesmos, não
furta-nos-emos todavia ao prazer de accentuar em ligeiras linhas o esforço, tenacidade e dedicação desenvoltos
pela emerita educadora da infância, a quem sinceramente apresentamos as nossas felicitações”. (CIDADE DA
FRANCA, 1906, p. 2).
37
Este esforço continuaria em 1909, quando se noticiava que “o secretario do interior transmittiu a camara dos
deputados, o pedido para creação de escolas feito pela Camara de Patrocinio do Sapucahy”. (CIDADE DA
FRANCA, 1909, p. 2).
Voltando a 1907, as atas da Câmara registram outros cometimentos importantes de
ordem privada em benefício público, todos acatados pela edilidade patrocinense que, ela
mesma, em algumas ocasiões, promovia, através deste ou daquele potentado, um novo
empreendimento
38
. Assim, em fevereiro, o cidadão Ceciliano de Castro peticionou aos
vereadores propondo levar uma linha telefônica até a cidade de Santa Rita de Cássia, em
Minas, requisitando para tanto isenção dos impostos municipais. De igual modo, em abril do
mesmo ano o Capitão Francisco Custódio Faleiros, à época zelador da empresa telefônica da
cidade, propôs
[...] a Camara a compra da parte que a mesma é possuidora na referida empresa, nas
seguintes condições: offerece a quantia de novecentos mil reis, cujo pagamento se
feito em tres prestações de 300$000 cada uma, a primeira a seis mezes de praso, a
segunda a dose meses e a terceira a desoito meses, ficando os melhoramentos e a
empresa garantindo os pagamentos da divida, tendo a Camara o direito a todos os
recados que tiver necessidade, e aos das auctoridades em cumprimentos de ordens
referentes aos serviços, cedendo a Camara ao proponente o direito do uso, goso e
exploração da empresa dentro do municipio pelo praso de vinte e cinco annos
39
.
Com isso, inaugurava-se em Patronio Paulista o primeiro caso de que se tem notícia
de concessão de servos públicos ao domínio de um particular, o que a Câmara deferiu
prontamente, assim como a isenção tributária solicitada pelo particular que faria levar a linha
telefônica de Patrocínio à cidade mineira.
Desde 1906, conforme nos faz saber um órgão noticioso de Franca, “cogita-se aqui
(Patrocinio do Sapucahy) na fundação de uma Santa Casa de Miserirdia, achando-se á
frente dessa humanitaria empreza os prestimosos e estimados cavalheiros: João Novato, João
Villela dos Reis e João Evangelista da Rocha
40
. Entretanto, somente no ano de 1908, após o
término do triênio em que Estevam Marcolino esteve à frente da Câmara e quando se iniciava
seu quarto mandato como deputado estadual, é que da criação deste estabelecimento de saúde
se concretizou, sendo inaugurado aquele que seria o primeiro hospital patrocinense. A partir
de iniciativa da Confraria de S. Vicente de Paulo da qual participava ativamente Marcolino,
que não poupou esforços em prol da obra , construiu-se a Santa Casa de Miserirdia de
Patrocinio do Sapucahy que, conforme informava a imprensa, estava sediada em prédio
espaçoso, confortável e bem mobiliado
41
. Com a intervenção do Coronel Estevam, foi
38
Cidade da Franca (1909, p. 33).
39
ACPS (lv. 2., fls. 150-154).
40
Cidade da Franca (1906, p. 2).
41
Tribuna da Franca (1908, p. 1).
conseguida uma visita à instituição por parte do inspetor sanitário do distrito, além da verba
no orçamento estadual com que o nosocômio foi contemplado (MATOS, 1986, p. 228). Cinco
anos depois, a instituição seria ampliada, com a construção de um novo prédio destinado aos
desvalidos e tuberculosos
42
”.
Sennet (1997) aponta, como corolários da modernidade, a abertura de novas vias de
transporte e de comunicação, facilitando a interação do indivíduo com o mundo, e as trocas
daí decorrentes. Segundo Ulpiano Toledo Bezerra de Menezes, em Cidades capitais do século
XIX (SALGUEIRO, 2001, p. 11), a importância da inserção das cidades modernas numa
malha viária ou no sentido mais lato empregado por Milton Santos (SANTOS, 2004, p. 19)
– em redes, é que garante a livre fluência dos indiduos rumo a centros referenciais de
intercâmbio econômico e cultural. Tal necessidade não implica somente na busca de eventuais
recursos ausentes nas próprias cidades; antes, assegura sua inclusão em um mundo que
precisa ser cada vez mais permeável à circulação e à comunicação. Esta necessidade, nas
cidades inscritas na representação simbólica da modernidade trazida pelo século XX,
concretiza-se pelo avao da comunicação falada e escrita com a disseminação do uso do
telefone e o contínuo desenvolvimento da imprensa, chegando a um número cada vez maior
de leitores e dos meios de transporte, através das ferrovias, do automóvel e do
acompanhamento interessado das ainda incipientes experiências com a aviação na Europa.
Ao final de 1909, Estevam Marcolino apresentava projeto solicitando uma verba de
dois contos de réis para a conservação da estrada que “vae da Franca a Santa Rita de Cássia,
passando por Patrocinio do Sapucahy
43
”. Em 1911, João Alberto de Faria manifesta a
intenção de construir uma estrada de ferro partindo de Franca até a divisa dos Estados de São
Paulo e Minas Gerais, passando por Patronio Paulista
44
. As câmaras municipais de
Patrocínio Paulista
45
e de Franca aprovaram a concessão, foi feita uma bem sucedida
subscrição de capital para o empreendimento e a Companhia Mogiana prontamente franqueou
seu apoio e auxílio ao projeto, por considerá-lo de benefício público. Além disso, a idéia
rapidamente arrebanhou forte apoio popular, embalada por uma entusiasmada participação da
imprensa francana. Vieram engenheiros e técnicos, visitaram-se as principais localidades a
42
Cidade da Franca (1913, p. 2).
43
Tribuna da Franca (1909, p. 1).
44
ACPS (lv. 3, fls. 39-40).
45
ACPS (lv. 3, fls. 40-42).
serem assistidas pela linha férrea, acolheram-se novas sugeses para a melhoria do traçado
46
.
Os entendimentos com a Mogiana estenderam-se até 1912, quando se tratou de buscar uma
solução definitiva para a questão, da qual participou Estevam Marcolino. Em Campinas, ele e
outros nomes de destaque da política patrocinense e o próprio João Alberto de Faria
buscariam uma solução em uma reunião com a diretoria daquela empresa
47
. Entretanto, apesar
de todas as iniciativas e denodados esforços dos envolvidos, a colaboração da Mogiana não se
concretizou, inviabilizando o empreendimento. Sem se abater com o malogro do projeto, João
Alberto de Faria, amparado pelas concessões outorgadas sem dificuldades pelas câmaras
municipais de Franca e Patronio Paulista e aliado a outros cios, fundam, no ano seguinte,
uma empresa de transporte de passageiros e carga com itinerário de Franca à Fazenda da
Mata
48
, com paradas em Patronio e Itirapuã e dotada de uma estação para abrigo dos
passageiros e recebimento das cargas em Patronio Paulista. Diante da inexistência de
estrada que comportasse trânsito de automóvel, os empreendedores mandaram construí-la
(MATOS; COSTA, 1986, p. 98). Em 20 de abril de 1913, os automóveis da companhia
entravam pela primeira vez na área urbana, cercados por diversas festividades em
comemoração a este feito inédito
49
.
Na concepção de Habermas, para que se chegasse a esta possibilidade de associação
entre o que é da ordem do privado ao que é da ordem do público, foram necessários séculos
de amadurecimento político e de reconhecimento da particularidade destas duas esferas: a
privada e a pública. Primariamente, a esfera privada, restrita ao domínio familiar e patriarcal,
ficava exclda do cenário onde aconteciam as trocas, o intercâmbio, a discussão inclusive
em vel literário: a esfera pública. Com o aparecimento de novos modos de produção em que
já não era possível manter a polarização entre estas duas esferas, e da conseqüente
mediatização do que ele chama de esfera pública burguesa”, a sociedade economicamente
estruturada, ou capitalistamente organizada, passa a admitir que, em determinadas
circunstâncias, que sejam do interesse comum de ambas as esferas, privado e público se
46
Tribuna da Franca (20 ago. 1911, p. 1; 5 out. 1911, p. 1; 8 out. 1911, p. 1; 9 nov. 1911, p. 1; 15 nov. 1911, p. 2;
3 dez. 1911, p. 2-3) - Cidade da Franca (17 set. 1911, p. 2; 5 nov. 1911, p. 2; 9 nov. 1911, p. 2).
47
Cidade da Franca (1912, p. 2).
48
A Fazenda da Mata ficava na região limítrofe entre São Paulo e Minas Gerais.
49
Há que se observar, aqui, que iniciativa semelhante já tinha sido tentada antes pelos empreendedores Francisco
Cunha e Dario Barbosa, que requereram à Câmara patrocinense, em 3 de setembro de 1912, a concessão para
exploração no município, durante 20 anos, de uma linha de transporte de mercadorias e passageiros por meio
de automóveis com isenção dos impostos devidos à municipalidade durante o período, o que foi prontamente
aprovado pelos vereadores. Entretanto, o serviço viria a se concretizar somente sete meses depois, com a
associação de Francisco Cunha e Dario Barbosa a João Alberto de Faria, formando a firma Cunha, Barbosa,
Alberto e Companhia, operadora da concessão. (ACPS, lv. 3, fls. 52-54).
interajam em mútuo benefício. Com a regulamentação jurídica s-iluminista e a
consolidação da opinião pública como uma referência fundamental para a sociedade, o direito
e a participação política representativa passam a nortear o relacionamento público-privado.
Isto equivale a dizer que, estabelecidas as regras do intercâmbio de mercadorias que,
obviamente, podem ser entendidas também como prestação de serviços de qualquer espécie,
inclusive serviços públicos, desde que se aceite a máxima marxiana de que no capitalismo
tudo é passível de transformação em mercadoria e que estas estejam sob a fiscalização do
grande público” mediante sua presença em sistema político representativo que funcione em
conformidade com os cânones do Direito e de uma racionalidade reguladora, uma ratio que se
imponha a uma voluntas, está o sistema legitimado, e portanto pronto a operar dentro da
lógica capitalista moderna. Quanto ao seu mecanismo de funcionamento, diz Habermas:
De acordo com a concepção que a sociedade burguesa tem de si mesma, o sistema
da livre-concorrência pode regular a si mesmo; sim, mas com o pressuposto de
que nenhuma instância extra-econômica intervenha no processo de trocas é que ele
promete funcionar no sentido do bem-estar de todos e respeitar uma justiça de
acordo com o critério da eficiência individual. Tal sociedade determinada apenas
pelas leis do mercado-livre se apresenta não só como uma esfera livre de dominação,
mas sobretudo como sendo livre de poder; o poderio econômico de qualquer
proprietário de mercadorias é concebido dentro de uma escala em que ele não pode
ter nenhuma influência sobre o mecanismo dos preços e, em decorrência disso,
jamais pode tornar-se efetivo como poder sobre outros donos de mercadorias. Ele
permaneceria, portanto, submetido à decisão do mercado onde a força estaria
ausente – e que acabaria resultando anônimo e, de certo modo, autônomo em relação
ao processo de trocas. Nesta direção de uma esfera privada tendencialmente neutra
quanto à força e emancipada quanto à dominação é que as garantias jurídicas
apontam a sua constituição econômica básica. As garantias jurídicas, ou seja,
vincular as funções do Estado a normas gerais, protegem, junto com as liberdades
codificadas no sistema do Direito Privado burguês, a ordem do “mercado-livre”.
Intervenções estatais sem autorização através de uma lei não são, da perspectiva de
seu sentido sociológico, primariamente condenáveis por ferirem princípios de justiça
estatuídos por Direito Natural, mas simplesmente porque seriam imprevisíveis e, por
isso, quebrariam a espécie e a extensão de racionalidade que no interesse das
pessoas privadas operando capitalistamente. [...] A própria lei, a que o Executivo e a
Justiça precisam se ater, tem de ser igualmente obrigatória para todos: não deve, em
princípio, permitir nenhuma dispensa ou privilégio. Nisso as leis do Estado
correspondem às leis do mercado: ambas não permitem excões ao cidadão nem à
pessoa privada. Elas são objetivas, ou seja, o podem ser manipuladas por
indivíduos (o pro escapa à influência de cada proprietário individual de
mercadorias); elas não são endereçadas a determinados indivíduos (o mercado livre
proíbe convenções particulares). (HABERMAS, 2003, p. 99-100, destaque do
autor).
Esse impulso modernizador que tomava conta da cidade não passava despercebido à
população e tampouco à imprensa, que tratava de capitalizar as melhorias urbanas em favor
desta ou daquela corrente, ao sabor das conveniências políticas. Independentemente de tais
inclinações de interesse político, o que se mantém de unânime é que o progresso campeava
pela antes acanhada e mesquinha cidade, que recebia entusiasmada
[...] diversos melhoramentos locaes, isto é, concertos de pontes, de estradas de
rodagem e de ruas damnificadas pelos pesados e morosos carros de bois.
Já não seem mais, vagando pelas ruas da cidade, a canzoada, que antes aggrediam
os incautos transeuntes.
O matadouro acaba de passar por uma completa reforma hygienica – antes era pouco
asseado e somente vizitado pelos açougueiros, que levavam umas rezes magras para
matarem – e isto sem nenhuma fiscalisação.
Hoje, felizmente, tem se mudado tudo, ou, melhor, tudo esnos seus eixos [...]
50
.
Da mesma forma, as notas dos jornais francanos, obviamente dirigidos os membros
das elites regionais, são bastante ilustrativas do movimento que se processava no seio de uma
sociedade que se urbanizava e se modernizava cada vez mais rapidamente, ufanando-se de sua
nova condição social e material:
Nesta pequena e pitoresca cidade, centro de importante municipio cafeeiro e muitas
outras industrias ainda não exploradas, é grato notar-se que os seus habitantes,
principalmente a mocidade, não poupam esforços em acoroçoar o seu progresso
moral, economico e material. Os tempos são outros; a rotina do passado o mais
pode servir aos actuaes habitantes de Sapucahy, sedentos de aperfeiçoamento em
todos os departamentos da lucta social
51
.
Neste momento, em que campeia tanto entusiasmo, um importante segmento ligado à
comunicação e de tradicional respeitabilidade desde os tempos imperiais, os correios,
mostram irrefutáveis sinais de falência, conforme notícia detalhada publicada na “Tribuna da
Franca”. Os correios no Estado de São Paulo, especialmente, encontravam-se, então, em um
tal estado de carência que a situação chamava a atenção dos meios de opinião pública, que
requeriam providências por parte das autoridades. Estevam Marcolino teve então um papel
decisivo na questão, porquanto na condição de deputado federal e conhecedor do problema,
tratou de se empenhar junto ao governo federal no sentido de um maior provimento de verbas
visando à melhoria do serviço em todo o Estado:
Para as nossas columnas trasladamos do nosso presado confrade Commercio de S.
Paulo, as linhas que se seguem, relativamente ao serviço postal deste Estado e pelos
quaees deixam bem patente o quanto tem se empenhado por esse ramo da
administração publica, o illustre deputado federal Cel. Estevam Marcolino.
50
Cidade da Franca (1912, p. 2, grifo do autor).
51
Cidade da Franca (1913, p. 2).
S. s, tomando em consideração as justas reclamações da imprensa não tardou em
providenciar para que a reforma desse serviço seja em breve uma realidade.
Assim sendo, a esse illustre representante do povo no Congresso Federal, o nosso
Estado vae dever mais esse extraordinario melhoramento, a remodelação de seu
serviço postal.
O Commercio de S. Paulo, numa serie de artigos, analysou há mezes,
minuciosamente, a situação deploravel do nosso serviço postal, apontando os seus
erros, as suas lacunas, as suas irregularidades e os meios de acudir aos justos
reclamos do publico.
As palavras desta folha despertaram felizmente a attenção de um digno e estimado
representante paulista na Camara Federal, a cujos esforços se deverá dentro em
breve a transformação da administração dos correios deste Estado.
Foi o acatado republicano coronel Estevam Marcolino que, tomando em
consideração os nossos reparos, verificou o seu absoluto fundamento, dirigindo-se
aos chefes da politica nacional, dos quaes reclamou, com empenho, providencias
para a cessação do presente estado de cousas.
Posto em contacto com o coronel Ernesto Lyrio de Siqueira, director geral dos
Correios, homem de superior criterio e orientação intelligente, nelle encontrou a
melhor boa vontade e com elle combinou as medidas necessarias para satisfazer ás
exigencias dos nosso notável desenvolvimento e ás queixas do publico, tão
fundamente prejudicado pelas insuficiencias e defeitos do serviço postal.
Graças a essa utilissima intervenção, o Congresso Nacional votou uma verba de mil
contos para melhorias nos correios, sendo essa quantia exclusivamente destinada
pelo coronel Lyrio de Siqueira á directoria geral e á administração de S. Paulo.
Para este Estado serão nomeados, sem demora, mais 180 funcionários de differentes
categorias e dentro de pouco tempo virá a esta capital uma commissão da directoria
geral, afim de estudar quaes os melhoramentos mais urgentes a introduzirem-se na
repartição paulista.
Em relatorio, essa commissão dará conta detalhada de sua incumbencia e a directoria
tratará immediatamente de realisar os aperfeiçoamentos recommendados.
Registrando com desvanecimento a attenção que mereceram os nossos artigos,
damos parabens ao coronel Estevam Marcolino pelo exito dos seus esforços e á
população de S. Paulo pela regularisação de um serviço, cujo desmantelamento não
condizia absolutamente com o progresso e a cultura deste Estado’
52
.
Festejado pelo órgão republicano como o autor privilegiado do movimento que
propiciou as reformas tão reclamadas, Marcolino, entretanto, manteve-se anônimo quando, no
mesmo ano de 1913, a agência postal de Patronio Paulista ganhou novas instalações, sendo
contemplada com um novo prédio, mais a contento de suas crescentes necessidades.
Naturalmente, os fatos estão intimamente relacionados, mas aqui mais uma vez manifesta-se a
mão oculta do coronel.
52
Tribuna da Franca (1913, p. 1, grifo do autor).
Sevcenko (1992), ao se debruçar sobre as transformações urbanas na São Paulo na
década de 20 em sua explosão de crescimento e urbanização , remonta à história de Orfeu,
hei da mitologia grega louvado como o celebrante da música, da exaltação e do êxtase
coletivo, usando as imagens dos rituais órficos como um emblema. Destaca, dessa forma, o
impacto das novas tecnologias nos processos de metropolização, e o apelo aos sentidos e a
aceleração do ritmo de vida transformados em experiência sensorial o agora expostos numa
pletora de novas sensações vivenciadas sem a referência do passado, porquanto novíssimas e
sem similaridade conhecida. Esse frêmito de velocidade se transpõe para os corpos e as
mentes por meio de uma miríade de celebrações sicas e míticas no espaço público, das quais
o cinema constitui o representante por excelência, uma vez que a combinação entre imagem e
significado remete à nova dimica nascida com a belle époque.
O mundo, mais do que
percebido, deve ser sentido de acordo com matrizes individuais de percepção, inaugurando a
significação de individualidade que viria a ser a precursora da chamada “modernidade
líquida” descrita por Bauman, ao se referir à sua capacidade de penetração em todos os
espaços (BAUMAN, 2001).
No icio de 1913, publicava-se o edital de concorrência para a iluminação pública
elétrica da cidade
53
e, em 15 de agosto de 1914, inaugurava-se o fornecimento da luz elétrica
em Patronio Paulista
54
, em meio a festejos que, por diversos dias, ocuparam as páginas dos
jornais francanos
55
. Um desses registros permite-nos compartilhar um pouco do esplendor
desses dias:
Com brilhantismo e pomposidade excepcionaes realisaram-se em 15 do corrente as
festas promovidas pela Camara Municipal em homenagem á inauguração da luz
electrica nesta cidade. Não nas vésperas, como no dia que se lhe seguiu,
innumeras familias e pessoas gradas desta e de outras comarcas circumvisinhas,
chegaram em automoveis para assisitirem ao importante melhoramento de que
Sapucahy ia ser dotado.
[...] Acompanhada de grande massa popular a banda ‘Sete de Setembro’ percorreu
em passeata civica as principaes ruas da cidade, fazendo ponto final no corêto do
Largo da Matriz, onde deu um concerto magistral. Seguiu-se a inauguração do
cinema ‘Sete de Setembro’, de propriedade de Radesca e Cia., cujos filmes
escolhidos agradaram aos innumeros espectadores.
O baile no salão nobre do Paço Municipal foi a nota chic que fechou com chave de
ouro a esplendida festa, deixando após si um rastro de luz e de saudades
56
.
53
Tribuna da Franca (1913, p. 2).
54
ACPS (lv. 3, fl. 85).
55
Tribuna da Franca (13 ago. 1914, p. 1; 15 ago. 1914, p. 1; 20 ago. 1914, p. 1).
56
Tribuna da Franca (1914, p. 1-2, destaque do autor).
Como se , simultaneamente à inauguração da luz elétrica em Patrocínio, acontecia a
primeira experiência com o cinema. Após a inauguração, as sessões eram realizadas com
costumeira freqüência, sendo as exibições cercadas de grande expectativa, ocasião em que a
população acorria ansiosa ao cinema, não como meros assistentes passivos da fita, mas como
co-autores de um processo de integração social assistido por uma tecnologia que seduzia mais
pela novidade do que puramente pelo senso estético. A música, nestes momentos, ocupava
lugar de destaque, com músicos que, individualmente, animavam as sessões tocando peças
apropriadas para o acompanhamento da fita, ou ainda por meio de conjuntos musicais ou
pequenas orquestras formadas por músicos patrocinenses ou vindos de localidades vizinhas
(MATOS; COSTA, 1986, p. 51), como se vê na FIGURA 2.
FIGURA 2sicos posam à frente do cinema de Patrocínio Paulista
Fonte – MATOS; COSTA, 1986.
Mas não era somente no cinema que a música se mostrava como uma das mais fortes
expressões da cultura urbana que se descortinava. Como se viu por ocasião da inauguração da
iluminão elétrica, a banda de música que se tornaria um verdadeiro mbolo da sociabilidade e
da cultura urbana do interior paulista encontraria em Patrocínio lugar de destaque por décadas.
No momento em que assistimos a todos estes acontecimentos, é a Banda Sete de Setembro” que
ocupa o lugar de destaque. Presente em todos as ocasiões vicas de significado para a cidade e
marcando ao ritmo de seus instrumentos a um novo significado cultural peculiar à modernidade,
este agrupamento musical foi, no caso patrocinense, formado com a ajuda da Câmara Municipal,
mediante a condição de que se dispusesse a tocar gratuitamente nos dias de Festas Publicas de
accordo com seu requerimento”.
57
Coroando o período aqui estudado, é inaugurada, em 27 de setembro de 1914, na praça
central da cidade (que, em 1921, herdaria o nome do Coronel Estevam Marcolino) um novo
jardim público, o “Jardim da Luz”, transpondo várias características do modelo da belle
époque. Cabe aqui uma reflexão sobre a denominação dada ao espaço público mais
importante da cidade, Jardim da Luz”, já que ela sugere de imediato tanto uma referência ao
logradouro homônimo da capital como uma doce alusão aos jardins parisienses. Em qualquer
das hiteses, das quais a primeira parece a mais provável, a denominação teve o poder de
remeter o imagirio da população a uma referência externa de maior amplitude, de algum
modo emblemática de paradigmas muito vidos da modernidade, pois os patrocinenses
pareciam não vincular esse nome à sua real origem, isto é, uma homenagem a um militar
patrocinense, o Coronel Antônio Batista da Luz
58
.
Prova disso é que a própria Câmara, em 2 de janeiro de 1915, tratou de mudar o nome
anterior para Jardim Coronel Batista da Luz
59
”. (FIGURA 3).
FIGURA 3O Jardim “Coronel Batista da Luz”.
Fonte – MATOS; COSTA, 1986.
57
ACPS (lv. 3, fls. 34-37).
58
ACPS (lv. 3, fls. 87-88).
59
ACPS (lv. 3, fls. 92-93).
De qualquer forma, esta apropriação de um modelo externo para a criação do novo já
ocorria em Patronio Paulista desde muito antes, como indica o desenho do Largo Municipal,
quarteirão triangular com inspiração no traçado das novas avenidas abertas em Paris na
segunda metade do século XIX, quando da reforma da cidade pelo prefeito nomeado para esse
fim, o Barão Haussmann. (SALGUEIRO, 2001) (FIGURA 4). A verdadeira febre de produtos
franceses que dominou as cidades brasileiras no icio do século XX, examinada em detalhe
por Jeffrey D. Needell em Belle époque tropical ao tratar do Rio de Janeiro (NEEDELL,
1993), encontra paralelo em Patronio Paulista pela aparição, no ainda acanhado comércio da
cidade da virada do século, de artigos franceses à disposição dos refinados clientes. (MATOS;
COSTA, 1986, p. 244-245).
FIGURA 4 Pra pública em formato triangular de inspiração
hausmanniana.
Fonte – MATOS; COSTA, 1986.
CAPÍTULO 2 CARREIRA PARLAMENTAR: A TRAJETÓRIA POLÍTICA DE
ESTEVAM MARCOLINO
A atuação política de Estevam Marcolino se distingue por duas características
principais, naquilo que se refere à sua relação com a modernização urbana patrocinense:
primeiramente pela habilidade de articulação com todos os setores da vida pública municipal
e estadual de forma plena e contínua , conseguindo reunir, em torno dos projetos de
modernização urbana em tramitação pela Câmara Municipal, tanto os elementos mais
conservadores quanto os personagens de perfil político mais liberal; em segundo lugar, por
lograr tal articulação através de uma presença que, embora totalizante – é possível vê-lo
ocupando os postos mais importantes na política e na organização social locais , prima pela
o-intervenção direta nos assuntos da administração pública.
O papel desempenhado por Marcolino foi, na verdade, de um fomentador e facilitador
da atuação da esfera privada nas iniciativas de modernização urbana de Patronio Paulista.
Na Câmara patrocinense, liderava a maioria em torno dos projetos de interesse público nas
ações de saneamento e melhoramentos urbanos. Na sociedade, emprestava sua reputação de
autoridade em evidência para catalisar uma sociabilidade renovada através de hábitos, objetos
e significados de coloração urbana, referenciados em modelos franceses, estabelecendo uma
nova relação de complementaridade com uma cultura rural cujo epicentro era a sociabilidade
de origem religiosa.
No Congresso do Estado de São Paulo, fez da articulação política um instrumento que
lhe permitiu amealhar apoio e votos para seus quatro mandatos como deputado estadual,
prolongando sua condição de apoiador político em instância superior. Uma vez estabelecido
em cada uma dessas legislaturas, preparou o terreno para que as solicitações e demandas de
sua cidade, a cargo de seus pares no legislativo municipal, fossem prontamente atendidas,
num contexto político de autonomia municipal restrita e cada vez mais dependente do bom
relacionamento com o governo estadual. Como deputado paulista, coms com a bancada do
Estado para a defesa de assuntos de interesse regional, procurando fortalecer a representação
dos produtores cafeeiros, mas em tais condições é difícil estabelecer uma relação imediata
entre seu papel na bancada paulista, seu relacionamento com Pinheiro Machado e Hermes da
Fonseca e as modestas aspirações modernizantes de um pequeno munipio. De qualquer
forma, este mandato, se não trouxe benefícios adicionais para a cidade, serviu para reforçar
ainda mais o papel no Coronel Estevam enquanto ator político na inserção de Patronio
Paulista na modernidade.
Conservador de origem portanto monarquista –, na Republica abraçou o adesismo
republicano sem restrições, percebendo o imenso horizonte de oportunidades que se abriam à
sua frente, qualificado que era para estar no mundo da alta política: proprietário de terras,
letrado e habilidoso nos círculos sociais, além de ter acumulado considerável experiência
política, Marcolino sabia que era uma promessa num terreno em que os competidores à sua
altura eram poucos. Uma vez nas hostes da República, em pleno PRP, foi um dos líderes da
dissidência do partido, por sabiamente perceber que ampliaria seu espaço de manobra com
esta decisão; com isso, tornou-se reconhecido e respeitado nas mais diversas cidades
paulistas, arrebanhando adeptos até mesmo entre os antigos companheiros conservadores dos
tempos áureos do adesismo.
Na Câmara Federal, Estevam Marcolino dedicou-se à “grande política”. Aliado de
primeira hora das propostas identificadas como conservadoras e militaristas, garantiu a
necessária sobrevivência do seu mandato após uma eleição dicil e desacreditada. Astuto,
repudiou o civilismo que costumava entusiasmar homens instruídos como ele, mas sem seu
tino político. Feito deputado enfrentou, mesmo antes de sua posse, o constrangimento de ir à
tribuna defender-se de uma contestação eleitoral. Tendo sido legitimado seu mandato, valeu-
se de sua capacidade de articulação para aproximar-se das figuras mais poderosas do país,
com cujo apoio defendeu os interesses do Estado de São Paulo na Câmara. Mas o mandato do
nosso coronel teve também os seus paradoxos. Enquanto se fortalecia politicamente,
dividindo espaço com homens de alta representatividade, emprestava seu apoio a projetos de
pouca monta, possivelmente para continuar se nutrindo politicamente da reciprocidade de
seus obscuros autores.
Este capítulo percorrerá a trajetória legislativa de Estevam Marcolino, lançando luz
sobre as relações e conexões realizadas nas esferas políticas de abrangência regional, estadual
e federal, as quais possibilitaram sua afirmação enquanto representante público e sua
permanência nos rculos do poder durante toda a carreira política. A análise da forma tomada
por estas articulações nos encaminhará à compreensão de como elas contribram para que,
em nível regional e local, se desenvolvessem e consolidassem as facções políticas com que o
Coronel Estevam Marcolino de Figueiredo se identificou e as quais, consequentemente,
apoiou, proporcionando o entendimento das oportunidades tornadas possíveis a partir destas
alianças.
Inicialmente, revisitaremos a instigante proposta de modernidade embutida nas ações
políticas de nosso personagem, que nos remeterá ao modelo de como os privilegiados
legisladores brasileiros operavam a política no momento histórico de que aqui nos ocupamos.
Se tivermos em mente o contexto do frágil equilíbrio em que se apoiavam as recentes
instituições republicanas, o estabelecimento, por parte dos políticos, de pactos fortes era um
diferencial importante, e Marcolino mostrou-se competente tanto para firmar tais acordos e
como para deles tirar o necessário proveito.
2.1 A política como instrumento da modernidade
A atuação do Coronel Estevam Marcolino de Figueiredo como deputado inicia-se em
1895, quando é eleito para a 3ª. Legislatura da Câmara dos Deputados do Congresso
Legislativo do Estado de São Paulo (1895 / 1897). Nessa eleição, amealhou 30.209 votos.
Terminado o mandato, Marcolino
se elege para a 4ª. Legislatura (1898 / 1900), totalizando
desta vez 32.151 votos. Segue-se nova eleição para a 5ª. Legislatura (1901 / 1903), com um
resultado final de 23.903 votos. Com um intervalo de uma legislatura, inicia-se então o último
mandato do Coronel Estevam como deputado estadual, na 7ª. legislatura (1907 / 1909), desta
vez pelo 10º. Distrito, com 3.309 votos. Em todos os mandatos, elegeu-se pelo PRP
60
. No
Quadro 1 abaixo, apresentamos a seqüência dos mandatos estaduais e o número de votos
obtidos para a eleição em cada um deles.
Marcolino gozava de incontestável prestígio eleitoral em sua zona, o que lhe rendeu os
votos necessários às suas investidas políticas até o final de sua carreira. Numa época em que o
exercício dos direitos políticos ainda era coisa para poucos, o Coronel Estevam Marcolino de
Figueiredo quase sempre encabeçava as listas eleitorais. A prinpio elegendo-se com maior
folga, com a entrada em cena de novos candidatos e com as cisões entre os representantes
tradicionais já eleitos, esta vantagem tornou-se menor, mas permanecia suficiente para
assegurar uma cadeira no legislativo estadual ou federal. Exemplo disso é sua eleição para
deputado estadual para o mandato 1901/1903, quando obteve, somente na cidade de Franca, o
total de 209 votos, 10 a mais que o segundo colocado. À primeira vista a diferença pode
parecer pequena, mas se considerarmos que, dos 27 candidatos mais sufragados, nenhum
obteve menos do que 192 votos, poderemos ter uma idéia da justeza destas eleições
61
.
60
São Paulo (1998, p. 85-89).
61
Tribuna da Franca (1901, p. 4).
LEGISLATURA PERÍODO VOTOS DISTRITO PARTIDO
3ª. Legislatura 1895 / 1897 30.209 9º. Distrito PRP
4ª. Legislatura 1898 / 1900 32.151 9º. Distrito PRP
5ª. Legislatura 1901 / 1903 23.903 9º. Distrito PRP
7ª. Legislatura 1907 / 1909 3.309 10º. Distrito PRP
QUADRO 1 - Mandatos de Estevam Marcolino como Deputado Estadual
Fonte - SÃO PAULO, 1998.
Também na Câmara de Patronio Paulista, onde o Coronel Estevam Marcolino de
Figueiredo alterna os mandatos de vereador e de deputado, ocupando a presidência da casa
nos triênios 1892 / 1894 (MATOS; COSTA, 1986), 1905 / 1907 e 1911 / 1913
62
, pode-se
verificar a supremacia eleitoral que de que nosso personagem e seus correligiorios
desfrutavam. Mesmo com Estevam Marcolino tendo sido eleito para a Câmara dos Deputados
do Estado de São Paulo em 1901 estando portanto afastado das eleições municipais , seus
colegas conservadores arrebanharam a totalidade dos votos para a Câmara Municipal,
conforme nos informa O Francano de 21 de dezembro de 1901: “Em Patrocinio do Sapucahy
os governistas fizeram a Camara unânime e bem assim os juizes de paz, tendo a dissidencia
abandonado as urnas
63
”.
Procedimento bastante usual durante a Primeira República – exatamente porque o
representante precisava estar próximo de suas bases eleitorais, prerrogativa imprescindível no
voto distrital , os políticos às vezes ocupavam, simultaneamente, uma cadeira de vereador
na cidade de origem ao mesmo tempo em que se cumpriam seus mandatos estaduais ou
federais. Ao analisar a composição da Câmara de Batatais, Robson Mendonça Pereira
constata essa realidade, e chama atenção para
[...] o fato de o Congresso do Estado, e principalmente a Câmara dos Deputados,
serem compostos sempre, em grande maioria, por homens estreitamente ligados à
vida de uma cidade ou de várias delas, do distrito eleitoral a que pertenciam,
ocupando com freqüência simultaneamente um lugar de vereador. (PEREIRA, 2005,
p. 71).
62
ACPS (lv. 2, fls. 78-84; lv. 3, fls. 22-26).
63
O Francano (1901, p. 1).
FIGURA 5O deputado estadual Coronel Estevam Marcolino
Fonte - PALMA, 1913.
No QUADRO 2 pode-se comparar como, mesmo em uma prolífica carreira política
como a de Estevam Marcolino, era possível ao nosso personagem permanecer muito próximo
de sua base eleitoral, através do exercio de mandatos de vereador.
MANDATO PERÍODO
Vereador 1892 / 1894
Deputado Estadual 1895 / 1897
Deputado Estadual 1898 / 1900
Deputado Estadual 1901 / 1903
Vereador 1905 / 1907
Deputado Estadual 1907 / 1909
Vereador 1911 / 1913
Deputado Federal 1912 / 1914
QUADRO 2Mandatos legislativos de Estevam Marcolino
Fonte - MATOS; COSTA, 1986; SÃO PAULO, 1998; BRASIL, [19--].
No primeiro mandato estadual de Marcolino, em 1895, evidencia-se uma importante
preocupação com vistas à consolidação da autonomia política municipal patrocinense
64
: a
questão da demarcação das divisas, conforme pronunciamento proferido em justificativa a
projeto apresentado à Câmara dos Deputados do Estado de São Paulo:
Sr. Presidente, o peodo normal da presente legislatura começa a sumir-se na
penumbra de seu declínio; cerca de sessenta seses deste Congresso escoaram-se
na ampulheta incorruptível do tempo, e entretanto o humilde representante do
Estado (não apoiados) de S. Paulo que ousa neste momento tomar a preciosa
attenção de seus honrados collegas uma palavra siquer dedicou ainda á localidade
que mais directamente o mandou a esta Camara.
Grave injustiça, feia ingratidão por certo, determinadas antes pelo meu natural
acanhamento do que por indesculpável descuido, inadmissível aliás para quem
conha os extremos de dedicação que voto ao meu caro torrão natal.
Felizmente, opportuno ensejo se me depara de advogar os direitos e interesses de
meu Sapucahy, o que vou fazer em breves e despretenciosas palavras, mas com
summo desvanecimento.
Proporciona-me esse feliz ensejo uma representação que a Camara Municipal de
Patrocinio de Sapucahy faz, por meu intermédio, chegar á criteriosa consideração
deste illustre Congresso, e que visa duplo objectivo: primeiro, o de trazer ao
esclarecido conhecimento do poder legislativo do Estado o acto pelo qual aquella
municipalidade elevou a villa de Patrocinio de Sapucahy á categoria de cidade, facto
credor de todos os aplausos e que attesta a intuição progressista do povo daquelle
prospero municipio, fadado aos mais alevantados destinos; segundo, o de reclamar o
restabelecimento, em parte, das antiqüíssimas divisas do primitivo 2º. districto da
Franca, que constitue hoje o municipio e comarca do Patrocinio de Sapucahy.
A representação, si bem que synthetica, é assaz luminosa para trazer a animo dos
ilustres congressistas a convicção de que se trata de uma reivindicação,
indispensável ao desenvolvimento de um municipio porventura dos mais futurosos
do nosso Estado.
Consigna a mensagem de que sou portador um breve período que revela sublime e
louvável nobreza de sentimentos. Vou reproduzil-o, com abstracção de descabidas
referencias á minha humílima individualidade. (Não apoiados.)
(Lê.)
“O deputado filho e representante deste torrão melhor esclarecerá este ponto triste
dos annaes deste municipio.”
A municipalidade sapucahyense escrupulizou historiar os factos, tristes na verdade,
que trouxeram como conseqüência o esbulho de grande parte de seu território,
certamente porque, para fazel-o, seria mister revolver as cinzas de pessoas cujos
nomes não mais se inscrevem no registro dos vivos, e por isso commetteu-me essa
ingrata e espinhosa tarefa perante este Congresso.
Eu, porem, por meu turno, me deixo assoberbar pelos mesmos escrúpulos, porque
sempre tributei verdadeiro culto ao parce sepultis. Para mim a memória dos mortos
é summamente sagrada.
64
Da mesma forma que em seu primeiro ato do segundo mandato como vereador em Patrocínio Paulista.
Correndo um véu espesso e impenetrável sobre o passado, limito-me a scientificar a
este Congresso que o municipio de Patrocinio de Sapucahy foi victima de flagrante
injustiça, que, estou certo, os meus nobres e honrados collegas irão agora reparar,
em parte, visto como a Camara, recta, imparcial e justiceira, reclama somente parte
do território esbulhado.
De accordo com as normas regimentaes, sr. Presidente, a representação deve
encaminhar-se á commissão de estatística; e nesse intuito eu faço desde um
requerimento. Releve-me a comissão que espere promptas providencias no sentido
de se requisitarem urgentemente as informações exigidas pelo regimento, afim de
ser convertida em lei, ainda nesta sessão, uma medida de tanta justiça e relevância.
Sala das sessões, 22 de junho de 1895. Estevam Marcolino
65
Na questão em tela, em que se deu ganho de causa a Patronio Paulista, chama a
atenção o fato de que o próprio Marcolino atende prontamente à contestação francana, em
mais uma demonstração de habilidade política com relação a uma cidade que representava
parcela significativa das votações distritais e onde, durante toda a carreira, manteve lidas
relações políticas. Homens de peso da política francana como o Coronel Francisco Martins e o
Monsenhor Cândido Rosa, entre outros, eram correligionários de Estevam Marcolino e,
resguardados os próprios interesses locais, tributavam importantes adesões às suas
candidaturas.
Não obstante a consideração às suas bases eleitorais no que diz respeito a Franca,
especificamente neste caso persevera no pleito de revisão da demarcação entre os
munipios até lograr os efeitos esperados, que resultaram no aumento da extensão territorial
do munipio de Patronio Paulista.
65
ACDESP. Annaes da sessão ordiria de 1895 (1º. anno da 3ª. legislatura), 1896. p. 567-569. O projeto no.
185/1895, estabelecendo as divisas entre os municípios do Patrocínio Paulista e de Franca, é apresentado em
2ª. discussão em 26 de agosto de 1895, através de requerimento de Estevam Marcolino para retorno à
Comissão de Estatística, com a seguinte redação: “Constando do expediente de uma das sessões passadas uma
reclamação da Camara Municipal da Franca contra o traçado de divisas estabelecido no projecto da illustrada
commissão de estatística, requeiro a v. exc. que se digne consultar a casa sobre si consente em voltar o
projecto á mesma illustrada commissão afim de ser tomada em consideração a reclamação da municipalidade
da Franca” (p. 1025).
FIGURA 6 Edifício do Congresso Legislativo do Estado de
São Paulo ao tempo de Estevam Marcolino.
Fonte - SÃO PAULO, 1998.
Ainda no mandato de 1895, em seu primeiro projeto como deputado estadual, Estevam
Marcolino defendia a criação de escolas primárias em diversos munipios do Estado. que
se considerar que, nesse período, a falta de recursos para os investimentos públicos era
imensa, mesmo num Estado economicamente poderoso como São Paulo, onde a agricultura
cafeeira movia um volume incomensurável de capitais. No entanto, a precariedade dos
orçamentos públicos se mantinha, a despeito dos progressos materiais operados pela iniciativa
privada. Assim sendo, abrir uma simples vaga em uma escola primária era obra para não
poucos esforços políticos dos homens que representavam as cidades do interior.
No momento em questão, vemos o Coronel Estevam Marcolino de Figueiredo
empenhando-se em adequar as cadeiras escolares de rias cidades de seu distrito eleitoral.
Sendo então as vagas escolares divididas por sexo, Marcolino tem também a preocupação de
equilibrar a oferta de cadeiras para servir a ambos os gêneros:
Sr. Presidente, vou ter a honra de enviar á mesa, para ser submettida á esclarecida
consideração da casa, uma emenda ao projecto no. 48, agora depurado em 3ª. e
ultima discussão.
A emenda crea algumas cadeiras de instrucção preliminar, transfere outra e converte
uma de cadeira mixta em cadeira do sexo masculino.
Entre as cadeiras, de cuja creação cogita a emenda, figura uma que foi
contemplada em projecto anteriormente apresentado a esta casa, mas que ainda não
obteve parecer da respectiva commissão. Por essa razão, inclui na emenda a
mencionada cadeira, com o fim de adeantar expediente.
Parece-me ocioso, sr. Presidente, e até certo ponto de mau gosto, occupar por largo
tempo a attenção da Camara com a fundamentação de emendas como a que venho
de formular. Lembrarei apenas que escolas nunca serão de sobra; quanto mais
escolas se crearem, quanto mais diffusão se fizer da instrucção popular, tanto mais
se elevará o nível moral da sociedade, porquanto cada escola representa um novo
foco de luz que irá a pouco e pouco espancando as trevas da ignoncia e do erro,
preparando, portanto, cidadãos dignos e aptos para todos os encargos e misteres da
vida social.
Paraphraseando o grande poeta Victor Hugo, o homem-seculo, como mui justamente
foi appellidado, terminarei dizendo: Abramos escolas e teremos concorrido
poderosamente para a restricção das estatísticas do crime e para o conseqüente
fechamento das cadeias.
Envio, pois, á mesa a minha emenda com toda a confiança, certo de sua approvação.
(Muito bem)
Vae á mesa, é lida, apoiada e posta em discussão, a seguinte:
EMENDA
Accrescente-se onde convier:
Fica removida a cadeira mixta do bairro da Ilha Grande, municipio de Batataes, para
a Estação Engenheiro Brodowski, no mesmo municipio.
Ficam creadas as seguintes cadeiras:
uma para o sexo feminino na Ilha Grande, municipio de Batataes;
duas para Santa Rita do Paraizo, sendo uma para cada sexo;
uma para o sexo masculino na villa Octaviano, municipio de Capivary.
Fica convertida em cadeira do sexo masculino a cadeira mixta do bairro de
Apparecida, municipio de Patrocinio do Sapucahy.
Sala das sessões, 23 de maio de 1895. Estevam Marcolino
66
Em cada um dos seus mandatos subseqüentes à primeira legislatura estadual,
Marcolino tratou de fortalecer suas bases políticas e eleitorais no Estado de São Paulo, numa
estrutura partidária republicana ainda em formação. Ampliou os contatos partidários nas bases
eleitorais do distrito a que pertencia, estabeleceu novos acordos e alianças com políticos de
outros distritos, ganhou projeção dentro do Partido Republicano Paulista e nele criou o
necessário lastro para eleger-se e fazer-se respeitado por seus no Congresso Estadual. Ali,
conheceu homens como Prudente de Morais, Rodrigues Alves, Adolfo Gordo, Rodolfo de
Miranda e Júlio de Mesquita, a quem se aliou na dissidência do partido. Foi um período em
que concentrou-se na política estadual intensivamente, pois o segundo, terceiro e quarto
66
ACDESP. Annaes da sessão ordinária de 1895 (1º. anno da 3ª. legislatura), 1896, p. 345.
mandatos estaduais ocorreram sucessivamente, sem alternância com postos na Câmara
patrocinense
67
, como se pode ver no QUADRO 2 acima.
2.2 Sic itur ad astra
68
: o mandato federal
Depois de estar em evidência no Congresso paulista por quatro legislaturas, estava
preparado o caminho para que o Coronel Estevam Marcolino de Figueiredo assumisse a
disputa por uma cadeira na Câmara dos Deputados.
FIGURA 7 Edifício que ficou conhecido como “Cadeia Velha”,
que serviu de sede à Câmara dos Deputados no Rio
de Janeiro de 1891 a 1914.
Fonte: RIO DE JANEIRO, on-line.
Marcolino, com efeito, foi eleito em 30 de janeiro de 1912 a deputado federal para a
8ª. legislatura (1912 / 1914), com apresentação de diploma em 18/04/1912
69
. Em 1 de maio de
1912, Marcolino pediu sua exoneração do mandato de vereador e do cargo de presidente da
Câmara Municipal de Patronio Paulista, oferecendo seus préstimos no mundo da alta
política e, na oposição ao executivo, concitando seus pares da edilidade patrocinense a uma
maior autonomia, como nos faz saber a ata desta sessão da Câmara:
O Snr. Presidente, communicou a casa que, tendo sido eleito deputado Federal pelo
terceiro districto neste Estado, via-se impossibilitado de continuar a exercer o
honroso cargo de veriador e Presidente nesta Ilustre corporação, em virtude da
67
Sobre a proximidade do político com suas bases do interior, já foram feitos comentário na nota anterior, p. 54.
68
“Assim se vai aos astros”, expressão virgiliana muito usada durante as descobertas aeronáuticas e que
obviamente influenciou o período aqui tratado.
69
ACD, Rio de Janeiro (1912, v. 1, p. 6).
necessidade que tem de permanecer ausente do municipio, para desempenhar os
deveres do seu novo cargo, no Rio de Janeiro, onde te de permanecer a maior parte
do anno legislativo. Sintia deixar de comparticipar da bôa camaradagem que sempre
unio os membros desta Camara, mas impunha-lhe a sua consciencia o dever de
resignar a sua cadeira, que pode ser occupada por outro municipe que esteja
habilitado a prestar serviços reaes e effectivos á collectividade administrativa.
Prevalecia-se do ensejo para se despedir carinhosamente dos seus dignos e bons
colegas e cooperadores, agradecendo-lhes as attenções com que o cumularam, e bem
assim a todos os funccionarios da repartição municipal, em quem encontrou sempre
a melhor bôa vontade no desempenho de suas respectivas funções, e a maior
gentileza para com o humilde Presidente da Camara. Offereceu a todos, os seus
serviços dedicados na Capital da Republica e no alto mundo político. Nada mais
havendo a tratar o Snr. Presidente levantou a sessão, pedindo aos Snrs. Veriadores
que se dignem acceitar a sua renuncia na primeira sessão ordinaria da Camara,
concitando os Snrs. Veriadores a empregar os seus melhores esforços e dedicação
em prol do progresso e prosperidade do nosso municipio, que infelizmente vae-se
inutilisando numa vida ronceira e impatriotica, ficando a perder de vista dos
municípios progressistas do Estado que vão contribuindo para firmar cada vêz mais
o grande renome do primoroso Estado de S. Paulo, a que temos a honra de pertencer.
E levantou a reunião
70
.
Entretanto esta, diferentemente das anteriores, não foi uma eleição fácil para o Coronel
Marcolino. Num momento em que o poder político oligárquico dava os primeiros, porém
irreversíveis, sinais de desgaste, candidatou-se pelo partido hermista, sendo um dos
partidários e propagandistas em São Paulo da candidatura do marechal Hermes da Fonseca à
presidência da República e mantendo ligações políticas com o chefe do partido republicano
conservador, o senador e general José Gomes Pinheiro Machado. (ABRANCHES, 1918,
p. 413). O próprio jornal hermista de São Paulo, “A Tarde”, dava como praticamente perdida
a candidatura de Marcolino: “Os srs. Cyrillo Junior, Benedicto Netto e Estevam Marcolino
continuam a trabalhar, com poucas esperanças de successo, pelas respectivas candidaturas
71
”.
Contrariando as expectativas negativas, entretanto, Estevam elegeu-se deputado federal, mas,
ao chegar ao Rio de Janeiro, porém, enfrentou o pedido de anulação de sua eleição pelo
candidato Carlos Cyrillo Junior, sob alegação de irregularidades na apuração do pleito. Nesse
episódio, Estevam Marcolino, em sua refutação, demonstra a suposta origem eleitoreira da
contestação:
[...] Allega o candidato contestante a nullidade das mesas eleitoraes dos municípios
de Patrocinio do Sapucahy, Ituverava e Igarapava, por terem funcionado nas juntas
respectivas como supplentes do substituto do juiz seccional e ajudantes do
procurador da Republica, indivíduos que não prestaram o respectivo compromisso.
Poderia demonstrar que tal versão, resultado de documentos capciosamente
redigidos, o está de accôrdo com a verdade. Mais fácil e mais decisivo é oppôr a
70
ACPS (lv. 3, fls. 49-50).
71
Cidade da Franca (1912, p. 1).
esta supposta nullidade, dado de barato que o facto argüido seja real, a
jurisprudência parlamentar, que não o considera como causa de nullidade. [...]
O resultado final da eleição do 3º. districto do Estado de S. Paulo, é o seguinte,
segundo a Junta Apuradora e o mappa organizado na Secretaria da Camara dos
Deputados:
Votos
Estevam Marcolino ..................................................................................... 5.966
Carlos Cyrillo Junior .................................................................................. 2.945
Deduzidos, porém, da minha votação os votos de Igarapava, Ituverava e Patrocinio
do Sapucahy, isto é, 2.171 votos a votação do contestante continuaria inalterada, ao
passo que a minha ficaria reduzida a 3.795 votos, mas, em todo caso, 850 votos
acima do contestante!
Este, porém, não se deu por vencido com o resultado esmagador de um pleito
liberrimo e limpo, que faz honra ao tradicional renome do Estado de S. Paulo e aos
seus costumes politicos, e proclama-se eleito!
Por mais que investigasse, nunca me foi possivel atinar com o fundamento de tal
pretenção, até que, examinando as actas e mais papeis existentes na Secretaria da
Camara, descobri o gato, ou melhor, o grillo...
O contestante pretende socorrer-se de uma acta... posthuma do município de
Amparo, que o premiou com o bello presente de 2.792 votos!
Na cidade de Amparo existem 10 secções eleitoraes, das quaes só funcionaram, a 30
de janeiro, oito, deixando de se reunir a quinta e a sexta.
O resultado conhecido, publicado pela imprensa, apurado pela junta competente em
Ribeirão Preto ao meu competidor apenas 812 votos, computados no total de
2.945.
As actas daquelle município foram postas no Correio a 31 de janeiro, como é facil
verificar dos carimbos do Correio. Pois bem: Surge a 10 DE ABRIL na Secretaria da
Camara uma acta eleitoral da sexta secção da cidade de Amparo, e posta no
Correio a 7 DE ABRIL!
esta circunstancia de aqui apparecer cerca de quarenta dias depois da eleição,
uma acta que não foi presente á Junta Apuradora, e da qual perante ella,
ninguem exhibiu boletim, é o sufficiente para ser considerada positivamente
falsa. Em rigor, essa acta não devia ser aberta na Secretaria e nem devia ser
exarado no quadro geral da apuração o resultado que della decorre. Mas, por
outro lado, seria um crime negar della conhecimento ao publico, que ficaria
ignorando os primeiros surtos de uma vocação notavelmente precoce no terreno
da fraude eleitoral, e que leva lampas a tudo quanto de mais fértil e maravilhoso
tem apparecido no genero!
Consta dessa acta, não acompanhada da acta da installação da mesa, que votaram na
sexta seão da cidade de Amparo 723 eleitores, dos quaes 598 como fiscaes do
candidato José Mendes, fiscaes esses que eram eleitores das outras secções, que,
aliás, nas sua maioria funccionaram!
É muito commum nomearem os candidatos mais de um fiscal para a mesma mesa,
com o fim de o perder o voto de eleitores que, por qualquer motivo, não podem
comparecer na occasião á sua respectiva secção.
O curioso no caso é que se trata de 598 fiscaes nomeados por um supposto
candidato, que ninguém conhece, e que nem mesmo dos seus constituídos recebeu
siquer um voto!!
A acta é explicativa e solemne.
Não lhe falta um til; mas a lista dos eleitores que a acompanhou é uma preciosa
vergonheira! Nota-se logo á primeira inspeão que o tal abaixo assignado foi, em
sua quase totalidade, a obra de um limitado grupo de falsificadores de firmas zelosos
pelo triumpho do candidato contestante... na verificação de poderes. Mas, affinal,
esse papel não é uma acta eleitoral: é uma affronta ao Parlamento Brazileiro.
A illustrada Commissão poderá dela tomar conhecimento para ver de que
excessos são capazes as ambições mal contidas. Não ha duvida que o jovem
contestante esta destinado a uma maravilhosa carreira, pois que Sic itur ad astra!
Rio, 22 de abril de 1912.Estevam Marcolino de Figueired
72
Após acirrada polêmica na entre o contestante e o contestado, com os respectivos
trâmites documentais, a Câmara aprova o parecer reconhecendo o mandato de Marcolino
73
e
procede à sua proclamação e posse, com o respectivo compromisso regimental, em
14/05/1912
74
.
FIGURA 8 Estevam Marcolino como Deputado Federal
Fonte - PALMA, 1912.
72
ACD, Rio de Janeiro (1912, v. 2, p. 330-335).
73
“Em face do exposto, a Commissão dá como não realizada á eleição da 6ª. secção do municipio do Amparo do
3º. districto do S. Paulo, e não sendo licito á mesma Commissão declarar nullas as realizadas nos municipios
de Patrocinio de Sapucahy, Ituverava e Igarapora (sic), pelo que ficou dito e porque as referidas eleições
foram approvadas pela Camara quando reconheceu ou outros candidatos diplomados pelo referido disctricto, é
de parecer que tambem seja reconhecido Deputado eleito o candidato diplomado coronel Estevam Marcolino
de Figueiredo”. (ACD, Rio de Janeiro, 1912, v. 2, p. 601).
74
ACD, Rio de Janeiro (1912, v. 2, p. 601-602).
O envolvimento do Coronel com a candidatura do Marechal Hermes da Fonseca
merece aqui uma análise mais particularizada, já que é possível entrever, pelas ligações
efetuadas em torno deste movimento, como algumas correntes do pensamento conservador
75
se alinhavam em torno do movimento que viria a ser conhecido como hermismo. Na visão
José Murilo de Carvalho
[...] Seria um equívoco considerar o governo Hermes como uma intervenção militar
na política nacional. Mas pelo envolvimento de militares, principalmente nas
salvações estaduais, e pelo fato de um militar ter sido, pela primeira vez, levado, em
eleições nacionais à presidência, o fenômeno merece ser discutido.
O hermismo se coloca num contexto já muito distinto de 15 de novembro e das lutas
do primeiro qüinqüênio da República. A candidatura Hermes se enquadra dentro do
jogo da política dos Estados, e pelo desacordo entre Minas e São Paulo e pela
divisão interna de Minas, teve condições de surgir e vencer. O novo na questão é que
as lideranças civis, principalmente a mineira, se dispunham a aceitar um candidato
militar como saída para o impasse sucessório. A solução foi facilitada pela entrada
em cena do Rio Grande do Sul, em aliança com o exército, ambos membros mal
aceitos no clube dos donos da República. Hermes aceitou a candidatura por
insistência de seu amigo Pinheiro Machado e se reconhecia um instrumento político
de Pinheiro. Além disto, sempre tivera uma atitude contrária à intervenção militar na
política. Fizera-se notar pela primeira vez ao abortar uma rebelião da Escola
Preparatória do Realengo que planejava aderir à da Praia Vermelha em 1904. Isso
dava às elites civis uma garantia de que não se repetiria o fenômeno de 15 de
novembro. Embora politicamente incompetente como o tio, Hermes não tinha o
descontrole emocional e a rigidez deste, deixando-se levar pela liderança de
Pinheiro.
A conotação militarista surgiu muito mais pela campanha de Rui (Barbosa) do que
pela presença de Hermes. Rui comete então um engano mais rio em relação ao
exército de que o primeiro quando incentivou a questão militar. Em primeiro lugar, a
candidatura Hermes estava dentro do jogo político dos Estados. Mais próximo da
verdade, descontada a linguagem, estava o Correio da Manhã ao dizer: ‘O
hermismo é o interesse congregado do marechal, cuja espada as oligarquias
bandalhas empunham para se defenderem contra o ataque da indignação nacional’.
Em segundo lugar, as posições de Hermes, pessoalmente, e dos militares em geral,
estavam muito mais próximas das do próprio Rui do que das de Pinheiro Machado.
Hermes, apesar dos ataques violentos de Rui durante a campanha, o convida para o
ministério. No fundo, tanto Rui como os militares eram contra as práticas da política
dos Estados e combatiam as oligarquias regionais. Hermes ia inclusive mais longe
nesta oposição. Foi o primeiro candidato, por exemplo, a mencionar os operários em
sua plataforma, e patrocinou o 4º. Congresso Operário Brasileiro de 1912 quando
presidente. (PINHEIRO, 1997, p. 218-219, grifo do autor).
75
Fazemos aqui esta ressalva porque não é possível reconhecer, no pensamento conservador da Primeira
República, uma unicidade ideológica. Na verdade, os posicionamentos políticos se faziam muito mais em
razão das conveniências pessoais dos grupos representados nos órgãos legislativos do que em virtude de
simpatias ou razões ideológicas per se. Por essa razão é que foram tão freqüentes as cisões e dissidências nas
correntes políticas existentes, principalmente entre os conservadores, já que o pensamento liberal organizado,
nesse período, era quase inexpressivo, e os poucos grandes nomes com que contava eram procedentes do
Segundo Reinado. Em relação ao hermismo, especificamente, um pequeno excerto de um articulista de um
jornal francano do período ilustra bem que tipo de referência poderia ter levado Marcolino a ele aderir: “Não
sei Por Que quase todo Monarchista é Hermista”. (TRIBUNA DA FRANCA, 1911, p. 1).
De fato, criou-se no peodo uma polarizão, cujo eqvoco caberia à posteridade
esclarecer, entre hermistas, gravitando em torno de Pinheiro Machado, e os chamados civilistas,
que apoiavam a candidatura de Rui Barbosa. As paixões políticas, naturalmente, se acirraram
entre as partes, e a imprensa favorável ao civilismo se incumbia de criar, em cores berrantes, a
pintura caricatural de Hermes da Fonseca e seus seguidores como tenazes militaristas, caudilhos e
oligarcas de toda casta. Servimo-nos de um destes artigos para ilustrar com que estado de ânimo
os opositores do hermismo se pronunciavam nos órgãos que lhes serviam de arautos:
O sr. Pinheiro Machado, - mui justamente qualificado de mesquinho caudilho
político em querer collocar à fina força como mandão mor da Republica o ex
commandante da brigada policial do Rio, bem merece as ogerisas, as maldições
das classes conservadoras deste paiz, que, valha-nos Deus, ainda o é, não pode,
o deve e jamais será um rebanho passivo aos damnados interesses de um político
sem escrúpulo, que o quer ver o perigo imminente da infeliz candidatura militar,
que quer arrastar o Brasil para o infernal clangor das luctas civis ou das
conflagrações fratricidas
76
.
A despeito da forte oposição à candidatura militar, Rui Barbosa e seus seguidores o
conseguiram, enfim, fazer valer sua plataforma, e Hermes da Fonseca foi eleito com o apoio
das oligarquias estaduais com as quais os conservadores se alinhavam. Diante do perfil
político ameno do Presidente na verdade, exatamente o oposto do que esperavam e
propagandeavam seus antagonistas , o senador Pinheiro Machado, como seu conselheiro
mais próximo, acabou por tomar as rédeas dos negócios do Estado. Tida por seus antagonistas
como caudilhismo, a dura hegemonia do general senador acabaria por precipitar a Política das
Salvações. Em rios Estados, principalmente no Nordeste, como Alagoas, Rio Grande do
Norte, Bahia, Pernambuco e Ceará, a população, descontente com o coronelismo reinante,
ajudou a desbancar as oligarquias políticas dominantes, substituindo-as por lideranças
políticas francamente hostis à dominância política de Machado.
(As) ambigüidades da candidatura Hermes manifestaram-se claramente nos
conflitos surgidos durante seu governo entre militares e lideranças políticas
estaduais apoiadas por Pinheiro Machado. A animosidade dos militares atingia o
próprio Hermes quando este optava por apoiar seu mentor político. As salvações
foram fenômenos típicos em que alguns militares, geralmente coronéis,
tentavam desalojar oligarquias estaduais, contando com o apoio (real ou
presumido) da organização. Em alguns casos, como em Alagoas, Rio Grande do
Norte e, parcialmente, na Bahia, os militares eram simplesmente parentes de
Hermes. Mas, a par deste elemento de ambição pessoal, havia certamente nas
salvações, em alguns casos mais que em outros, o aspecto de conflito entre
militares e oligarquias estaduais. Em Pernambuco, por exemplo, houve mesmo
manifestações populares a favor do General Barreto contra Rosa e Silva. O
76
Cidade da Franca (1909, p. 1).
mesmo se deu no Ceará. Este último caso, o mais rumoroso de todos, mostrou
bem o alinhamento de forças. De um lado, a oposição local dos Acioli, apoiada
pelos coronéis do Cariri e por Pinheiro Machado no Governo Federal e, de outro
lado, o Coronel Franco Rabelo, ex-chefe do estado-maior da Região Militar,
com apoio de populares e das forças militares locais e do Rio de Janeiro. O
Clube Militar chega a reunir-se no Rio em protesto pela nomeação de um
interventor no Ceará, o que provoca seu fechamento por Hermes e a decretação
do estado de sítio. Nos Estados mais poderosos e mais unidos internamente, as
salvações não tinham condições de ser efetivadas. Assim é que falham em o
Paulo e no Rio Grande do Sul. Na Bahia foi parcial, no sentido de que o
“salvador foi um político local de prestígio nacional que apenas utilizou um
militar, filho de Hermes, como aliado.
O hermismo, com estas ambigüidades, indicava que as elites políticas que controlavam o
sistema republicano já tinham perdido parte da desconfiança em relação ao ercito e já o
aceitavam como parceiro político, embora apenas como solução precária de um impasse.
Esta aceitão parcial se tornara possível pela maior estabilidade do sistema e pela extião
do jacobinismo militar com o fechamento da Escola da Praia Vermelha. Hermes
representava no momento o militar profissional, empenhado na modernização da
organizão e em seu afastamento das atividades poticas. Mas o femeno indicava
também, através da campanha civilista e das salvões, provocadas ambas pela candidatura
e pelo governo Hermes, que a aproximação entre militares e políticos republicanos era
ainda mais prematura. A campanha civilista exacerbou as apenas adormecidas prevenções
de civis contra militares, particularmente, contra o militarismo dos primeiros anos da
República. As salvões mostraram a persistente falta de unidade hierárquica do ercito
evidenciada na atuão autônoma de indivíduos e grupos, bem como a também persistente
tendência antipolíticos e antioligarquias dentro da organização. (CARVALHO, 1990,
p. 219-220).
Como ser vê, o hermismo foi um movimento mais complexo do que se pode supor à
primeira vista, tendo levado muitos representantes públicos a optar pelo civilismo mais por
equívoco que por esclarecimento político.
FIGURA 9 – Hermes da Fonseca
Fonte – BAIRRO ..., on-line.
A legislatura de Marcolino na Câmara dos Deputados foi voltada à atuação em
questões nacionais de maior amplitude política como, com efeito, havia prometido a seus
pares da política patrocinense ao renunciar o mandato de vereador para assumir o posto de
deputado federal
77
e à defesa de assuntos voltados ao interesse público de forma geral, como
se pode constatar através do QUADRO 3.
DATA ASSUNTO AUTORIA
26/07/1912 Regras de aposentadoria a professores Nabuco de Gouvêa
01/05/1913 Criação feriado Dia do Trabalho Corrêa Defreitas
09/07/1913 Criação feriado Dia do Trabalho Corrêa Defreitas
15/09/1913 Verba para estátua de Campos Salles Álvaro de Carvalho
06/10/1913 Gratificação a servidores dos telégrafos Augusto do Amaral
31/10/1913 Criação do cargo de secretario presidente Pedro Lago
01/11/1913 Gratificação a servidores do Tesouro Manoel Reis
17/11/1913 Gratificação a servidores do Tesouro Manoel Reis
21/11/1913 Tributação construção catedral S Paulo Álvaro de Carvalho
04/12/1913 Gratificação a servidores dos telégrafos Augusto do Amaral
20/12/1913 Gratificação a agente postal da Câmara Teixeira Brandão
24/12/1913 Gratificação a agente postal da Câmara Teixeira Brandão
QUADRO 3Apoiamentos de Estevam Marcolino a projetos de autoria de terceiros
Fonte - ACD, Rio de Janeiro, 1913, v. I, p. 606-607, v. VI, p. 569; 1914, v. IV, p. 122, 240-241; 1915, v.
VII, p. 544-545, v. VIII, p. 726-727, v. IX, p. 34, 768, v. X, p. 37-38, v. XI, p. 254, v. XII, p. 423,
547-548.
Nestas últimas questões em particular, a atuação de Marcolino foi especialmente
discreta. Entre várias outras subscrições de menor interesse público, como as que proviam
gratificações a servidores
78
, criavam regras para sua aposentadoria
79
e tributavam importações
específicas
80
, Marcolino participou do apoiamento
81
ao projeto de criação do feriado nacional
do Dia do Trabalho, de autoria do deputado Correa Defreitas, em 01 de maio de 1913
82
, como
se vê na FIGURA 10.
77
Cidade da Franca (1909 p. 79).
78
ACD, Rio de Janeiro (1915, v. IX, p. 34).
79
ACD, Rio de Janeiro (1913, v. VI, p. 569).
80
ACD, Rio de Janeiro (1915, v. X, p. 37-38).
81
Nome que se dá, no processo legislativo, ao procedimento de coletar assinaturas dos parlamentares favoráveis
a um projeto que se apresentado à mesa da casa.
82
ACD, Rio de Janeiro (1913, v. I, p. 606-607; 1915, v. VII, p. 544-545; v. IX, p. 34, p. 768, v. XI, p. 254;
v. XII, p. 423, p. 547-548).
FIGURA 10 Fac-símile de página dos Anais da Câmara onde se
estabelece o dia 1 de maio como feriado nacional em
comemoração ao trabalho.
Fonte - ACD, Rio de Janeiro (1914, v. IV, p. 122).
De fato, o Coronel Estevam parecia estar mais preocupado com a política nacional e
seus rumos, especialmente no tocante às questões afetas ao Estado de São Paulo, o que se
denota por seus apartes em discussões parlamentares, como quando se manifestou, durante
pronunciamento do deputado Rodrigues Alves Filho em defesa da nomeação do Secretário da
Fazenda de São Paulo, ex-presidente da Associação Comercial de Santos e membro de uma
das casas exportadoras de café mais respeitáveis daquela praça. Na ocasião, o filho do
presidente do Estado defendia a primazia da experiência comercial no ramo do café sobre a
necessidade de ser o cargo ocupado por políticos, no que foi apoiado por Marcolino, que
ponderava ser a nomeação do secretário “apoiadíssima em todo o Estado
83
. À parte o
comentário parlamentar, o presente fato sem dúvida demonstra como os negócios do café no
Estado de São Paulo estavam profundamente enraizados no cotidiano da política nacional e,
da mesma forma, como o privado cruzava a trajetória do público a todo instante. Através de
intervenções como esta, o Coronel Estevam ia se enredando cada vez mais na trama da alta
política que legitimava e dava sustentação institucional aos empreendimentos cafeeiros e à
conseqüente pujança que, em decorrência deles, tomava conta das cidades do interior paulista.
DATA ASSUNTO
09/05/1912 Refutação a contestação eleitoral apresentada pelo candidato Carlos Cyrillo Junior
27/07/1912 Aparte ao deputado Fonseca Hermes sobre o Partido Republicano Conservador
15/07/1913
Aparte a pronunciamento do deputado Barros Lins sobre favorecimento político de
servidores
13/08/1913
Aparte a pronunciamento do deputado Rodrigues Alves Filho sobre nomeação de
secretário
28/12/1913 Aparte a discussão sobre fiscalização do orçamento nacional pela Câmara
05/06/1914 Pronunciamento sobre decretação de estado de sítio no Rio de Janeiro
QUADRO 4Falas do Estevam Marcolino de Figueiredo na Câmara dos Deputados
Fonte - ACD, Rio de Janeiro (1912, v. II, p. 328-335; 1913, v. VI, p. 605-607; 1914, v. IV, p. 163-165,
v. V, p. 140-143; 1915, v. II, p. 174, v. XIII, p. 275-277).
Sua legislatura caracterizou-se pela manutenção do perfil conservador com o qual
sempre se identificou e pela defesa dos interesses paulistas na Câmara, mormente os
relacionados às questões políticas relevantes para os produtores de café. Em seu mandato, o
Coronel buscou sustentar e ampliar as ligações políticas com nomes importantes da Primeira
República, das quais se pode colher vários exemplos ao examinar seus relacionamentos com
os demais camaristas
84
, como se vê no QUADRO 4.
Ao final de seu mandato na Câmara dos Deputados, a saúde do Coronel Estevam já se
encontra abalada, o que não o impede de continuar participando ativamente da vida política
do país, sempre fiel ao ideário conservador, como se por este pronunciamento sobre a ata
da sessão de 3 de junho de 1914, um dos últimos:
Por enfermo deixei de comparecer, entre outras, á sessão de 30 do mez findo, na
qual a Camara se manifestou de modo definitivo sobre a decretação do estado de
sitio, sobre os actos durante ele praticados e sobre a sua prorrogação.
83
ACD, Rio de Janeiro (1914, v. V, p. 140-143).
84
Outro nome que se dava aos deputados à época de Marcolino.
Si estivesse presente, Sr. Presidente, teria subescripto com o meu voto todas aquellas
medidas, que me parecem rigorosamente talhadas dentro dos preceitos
constitucionaes.
Assim, os actos do honrado Sr. Presidente, adoptando-as, merecem todo o meu
apoio e a minha approvação. (Muito bem)
Marcolino refere-se aqui ao estado de tio decretado no Rio de Janeiro ao final do
governo Hermes. As "salvações" haviam desencadeado guerras civis nos Estados, e os
militares defensores desse programa seriam presos pelo próprio governo que o fomentara.
Pinheiro Machado tentou candidatar-se à Presidência da República pelo Partido Republicano
Conservador (PRC), mas São Paulo e Minas, apoiados por Pernambuco e Rio de Janeiro, vetaram
seu nome. A candidatura do mineiro Venceslau Brás, vice de Hermes, foi então laada, com
sua eleição a presidente em março de 1914. (MARTINS FILHO, 1999, p. 111-112). Nesse
ínterim, por motivos e circunstâncias o esclarecidos, ocorreria a ruptura dos laços políticos
e pessoais existentes entre Pinheiro Machado e Estevam Marcolino, fato que abalaria pessoal
e politicamente o Coronel e culminaria com a não renovação de seu mandato federal em 1915.
FIGURA 11 – O senador conservador General José
Gomes Pinheiro Machado.
Fonte - JOSÉ..., on-line.
CAPÍTULO 3 ESTEVAM MARCOLINO: UM ATOR POLÍTICO NA TRAMA DA
MODERNIZAÇÃO PATROCINENSE
A trajetória de Estevam Marcolino e sua influência política e cultural é o objeto deste
capítulo. Aqui, evidencia-se a interveniência do nosso personagem nas melhorias urbanas e
sua preferência pela via indireta de atuação, compreendendo-se o papel de Marcolino na
preparação das condições políticas para que efetivamente se implantassem as melhorias
urbanas esperadas. Estudando de que maneira Marcolino participou de episódios importantes
na consolidação política e da complexa dinâmica da Primeira República no Estado de São
Paulo, apreendem-se os motivos que viriam a estabelecer o contorno tradicionalista que
identificaria a política e a cultura patrocinense em décadas posteriores, naquilo que se pode
considerar um legado duradouro de Estevam Marcolino: o conservadorismo político.
Ao nos debruçamos sobre as transformações sociais e urbanas ocorridas no final do
século XIX e icio do século XX no Brasil, três dimensões merecem de imediato nossa
atenção: em primeiro lugar, o país se reorganiza politicamente, com as elites tratando de se
fazer representar no regime republicano; paralelamente, a economia, em processo
desaceleração com o declínio da cultura cafeeira do vale do Paraíba, tem seu recrudescimento
com a migração da produção para o oeste paulista”
85
; por fim, os hábitos e valores dessa
nova sociedade assimilam com avidez a influência estética européia, mormente a francesa
(NEVES; MACHADO, 1999, p. 335), inaugurando o que se convencionou chamar de belle
époque. (NEEDELL, 1993).
Impulsionada pela pujança da economia cafeeira e em consonância com o projeto
político republicano, uma onda de modernidade se e em movimento no Brasil. Na região
privilegiada da produção do café tanto quanto em grandes centros como Rio de Janeiro e
São Paulo (SEVCENKO, 1992) cidades como Ribeirão Preto, Franca, Araraquara, Bauru e
outras se ajustam aos ditames das elites produtoras, organizando, no domínio público, uma
nova ordenação material em que a esfera privada desempenha papel fundamental. Esta
interpenetração do universo público pelo privado será o apanágio dos processos de
modernização urbana que se assistirá neste período, transformando de forma definitiva o
modo de vida das cidades.
85
Diz Sérgio Buarque: “É particularmente no Oeste da província de São Paulo – o Oeste de 1840, não o de 1940
que os cafezais adquirem seu caráter próprio, emancipando-se das formas de exploração agrária
estereotipadas desde os tempos coloniais [...]”. (HOLANDA, 1995, p. 173-174).
Enquanto esse movimento ocorre em munipios de médio porte do interior paulista,
localidades menores como Patronio Paulista, onde a produção cafeeira é escoada através
destas outras cidades, em em marcha seu próprio projeto de modernização. Ainda que os
sinais característicos de sua modernidade sejam mais singelos do que os de centros maiores,
são inequívocos.
A biografia de Estevam Marcolino é uma referência para a análise da política e da
modernidade no interior paulista, pois foi uma figura notória de seu tempo, como o
confirmam os relatos da época. (PALMA, 1912, p. 184-185). Poucos políticos tiveram
participação tão efetiva no cenário das transformações econômicas e sociais que se
processavam na região, como se vê por sua atuação parlamentar na Câmara dos Deputados de
São Paulo e da Câmara Federal, assim como por sua participação na modernização urbana de
Patrocínio Paulista.
Ginzburg (1987), em O queijo e os vermes procede a uma reconstrução histórica a partir
da vida de um moleiro da Idade Média perseguido pela Inquisição. Através desse viés, e
operando por uma via biográfica, consegue reproduzir a história de vida e o pensamento do
personagem central, e por extensão reconstitui, com aceitável fidedignidade, a sociedade da
época. Nossa via de apreensão do passado é também biográfica, mas a história do nosso
personagem central se confunde com a da sua cidade, da sua região, do Estado de São Paulo e
do Brasil, e sua importância reporta diretamente à política e à economia da Primeira República,
num entrelaçamento onde se pode reconstruir uma época a partir de seu perfil cio-econômico
e da sua participação de seus atores na correlação de forças do poder político.
O mesmo Ginzburg (1989), em Mitos, emblemas, sinais, constrói o modelo de um
saber indiciário”, método de conhecimento cuja força está na observação do pormenor
revelador, mais do que na dedução. Para além dos paradigmas da micro-história, o que se
discute aqui são as várias inter-relações existentes entre a atuação política de Estevam
Marcolino e os avanços da modernização urbana de Patronio Paulista, partindo da análise do
discurso e da prática legislativa do Coronel e relacionando-os às materialidades da
modernização da época. Desse modo, é possível lançar luz sobre a gênese e as
particularidades do projeto de modernidade abraçado por Patronio Paulista no início do
século XX, assim como obter respostas às indagações que daí emanam.
Na verdade, o impulso às melhorias urbanas promovido pelas elites em prol de seus
interesses particulares reinventa, na cidade em construção, uma convivência intimista própria
da estrutura rural, delineando o contorno conservador que se tornaria a marca da política
patrocinense. Essa elite plutocrática forjada em uma sociabilidade cordial (HOLANDA,
1995), que Estevam Marcolino representava, manteve uma organização social e política semi-
provinciana que pouco se alterou no período estudado. Entretanto, o Coronel Estevam parece
ter pouco se valido das prerrogativas de mandonismo típicas do coronelismo. Sua condição de
agricultor respeitado, procedente de família importante, e sua posição de Coronel Comandante
Superior da Guarda Nacional da Comarca de Patronio do Sapucaí
86
foram, ao que tudo
indica, menos relevantes que as habilidades políticas que o projetaram emvel federal.
Nem por isso, uma rede de relacionamentos lastreada em laços de família e
consolidada desde o período monárquico deixavam de ser importantes nos albores da
República. Sobre elas, Ilmar Rolhof de Matos tece um comentário que sintetiza como a
estrutura do poder político se engendrava no interior do Brasil em estreita consonância com o
poder central, e também como, através dos casamentos, as elites se uniam em torno de
interesses comuns:
Instituições como a Guarda Nacional também se constituíam em mecanismos
privilegiados não de consolidar essas relações, na medida em que unia por meio
de uma cadeia de hierarquias o oficial de mais baixa patente e localizado no mais
distante ponto do Império ao presidente da província e ao ministro da Justiça, como
também de difundir regras e concepções que propiciavam uma centralização.
Seria por meio dos casamentos, contudo, que se estabeleciam lidas e frutuosas
relações entre as grandes famílias, preocupadas em preservar os monopólios que as
distinguiam, e os elementos que as representavam, e a quem caberia ordenar esses
mesmos monopólios. [...] E, conm frisar, quanto mais o Estado leva a cabo uma
centralização, mais se aprofundam as relações entre os diferentes segmentos que
estamos considerando, e mais os que se constituíam em cidadãos ativos tinham
condições de restaurar e, sob condições novas, expandir os monopólios que ainda os
distinguiam. (MATTOS, 2004, p. 200).
Com a República, ocorre um rearranjo institucional, como já apontamos aqui
anteriormente, mas a forma pela qual os proprietários de terras, comerciantes, coronéis e
bacharéis se organizavam para a manutenção e ampliação de seu poder econômico e político
pouca modificação teria até a formação de uma burguesia industrial e o começo do declínio
das oligarquias rurais no Brasil, a partir da década de 30.
86
LIVROS da Guarda Nacional em Franca. Cat. 27, l.. I., fls. 31-32.
Na verdade, a sutileza de sua forma de atuação teria sido fruto de características
pessoais, do projeto das elites às quais pertencia e da própria modernidade que se inaugurava.
É o que se conclui pelo estudo de sua ação política, de sua inserção na ordem social da
Primeira República e pelo diálogo com outras experiências regionais, das quais se poderão
identificar especificidades e semelhanças em termos de projeto político (MELO, 1995).
As mudanças que se operam no período estudado merecem atenção especial na medida
em que novos interesses são despertados na população pela inserção na modernidade. O gosto
pela música, pelo teatro, pela leitura e pelo consumo verificado por rias descrições da vida
urbana da época (MATOS, 1986) ampliam sobremaneira os horizontes da vida social urbana
centrada nos ofícios religiosos típica do período monárquico
87
; representa também o princípio
do deslocamento do centro da atividade humana do rural para o urbano.
A presença desses sinais, ao mesmo tempo em que Estevam Marcolino se ime como
uma importante figura do cenário político, serão estudados em seu contexto econômico, social
e cultural, buscando estabelecer de que maneira as contingências externas influenciam e
principalmente de que formas são influenciadas por este amplo movimento que se estabelece
impulsionado pela força do café.
3.1 A mão oculta: coronelismo e sociabilidade
Uma questão peculiar na participação do Coronel Marcolino no desenvolvimento de
Patrocínio Paulista é que esta se reveste de caractesticas que, à primeira análise, não
correspondem ao estereótipo patrimonialista de que é tão pródiga nossa história, e cuja origem
cultural rgio Buarque de Holanda disseca com fina sensibilidade em Raízes do Brasil. Nesta
obra, que discute nossa incapacidade de apartar o blico do privado a partir dos nossos
antecedentes ibéricos, o autor analisa também os reflexos da herança rural na nossa forma de fazer
política. Em sua propriedade, os coronéis, além de potentados econômicos, eram os legisladores e
jzes, estabelecendo uma dominão patriarcal e personalista cujas conseências ainda se
faziam sentir fortemente mesmo quando a dinâmica da economia se transfere do campo para as
cidades. Na interpretação de Sérgio Buarque, não era fácil aos detentores das posições públicas de
87
Tribuna da Franca (15 set. 1900, p. 1; 3 ago. 1901, p. 1; 21 set. 1901, p. 2; 1 abr. 1906, p. 3; 23 dez. 1906, p. 4;
15 ago. 1908, p. 1 - Cidade da Franca, 19 jan. 1905, p. 2; 25 e 28 maio 1905, p. 3; 1 jun. 1905, p. 2; 4 e 8 jun.
1905, p. 3).
responsabilidade, formados nesse ambiente, compreenderem a distinção fundamental entre os
domínios do privado e do blico. (HOLANDA, 1995, p. 145).
Marcolino, enquanto homem de seu tempo e produto desse contexto social,
obviamente tirava proveito de seu poder político, cultivando uma imagem pública e
sustentando uma impressionante sociabilidade. Esta sociabilidade, no período em referência,
importava na integração de dois segmentos sociais de cuja valorização se dependia para o
sucesso na política: por um lado, na inserção em uma rede de interesses de classe que
encontrava sua mais acabada expressão na representatividade política fosse ela vereança ou
deputação; por outro lado, na prática de alimentar o apreço público pela manutenção de uma
imagem digna de reverência. Assim, registros de sua presença em ocasiões sociais,
religiosas e artísticas, privando com homens de letras, emprestando seu prestígio a alguma
causa filantrópica, ciceroneando alguma alta autoridade política ou eclesiástica em visita à
cidade ou simplesmente recolhido às atividades agrícolas de sua fazenda
88
que, não obstante,
eram com freqüência propagandeadas, como é possível verificar pelos anúncios de uma
manteiga produzida em sua propriedades (FIGURA 9).
FIGURA 12 – Anúncio da “Manteiga Paulista”, produzida na Fazenda
Santarbara, de propriedade de Estevam
Fonte - O Francano (5 jan. 1901, p. 2).
88
Para Habermas, um dos sintomas da representatividade pública é justamente a afirmação de símbolos ou
emblemas ligados à pessoa. (HABERMAS, 2003).
Apesar desta notoriedade, não iremos encontrá-lo distribuindo benesses, favorecendo
abertamente a familiares e acólitos ou impondo condições à administração municipal.
Tampouco se verá o Coronel Estevam assumindo posturas de mandatário inconcusso junto às
suas bases, e nem mesmo em sua propriedade.
Quando se trata de assuntos relativos à urbanização, sua interferência será
intencionalmente discreta, em que pesem os sinais evidentes de sua influência em muitas
melhorias urbanas. Esta conduta poderia ser, em parte, justificada por suas características da
personalidade, a crer no relatos escritos por seus apologistas nos jornais de seu tempo, como
este, publicado no Almanach da Franca 1913:
[...] Não bastam poucos traços de pincel para definir, em toda a sua luminosidade, a
figura prestantissima desse representante insigne no Congresso Nacional dos
interesses da zona a que os nossos avós chamavam embevecidamente o Bello Sero.
Um tal resumo não é possivel precisamente pela variedade dos aspectos que
apresenta á estima pública o excellente personagem. Como descrever em poucas
linhas o fulgor de sua intelligencia, os esplendores de sua bondade, o encanto de sua
modestia? Como resumir em poucas palavras o seu formoso passado, a epopéa de
seus serviços ao municipio, a exhuberancia de sua vida affectiva? (PALMA, 1913,
p. 184-185).
Ou ainda este, publicado na revista militar Mar e Terra, do Rio de Janeiro:
Muito lhano, cheio de affabilidade, democrata em extremo e cheio de prestigio
politico entre os seus pares que aqui no Congresso muito lhe estimam e respeitam, o
Coronel Dr. Estevam Marcolino é uma verdadeira influencia, um poderoso
elemento, a quem S. Paulo não pode deixar
89
.
Apologias à parte, parte do que aqui constatamos, em termos de perfil de
sociabilidade, encontra eco na descrição do “homem cordialde que trata Holanda
90
, o que
será ainda insuficiente se não forem explorados aspectos privados contraditórios desse fazer
público, além de questões mais complexas ligadas à sua experiência parlamentar e às
circunstâncias políticas da Primeira República. Um contraponto interessante nos é
apresentado, uma vez mais, pela imprensa francana, em desagravo contra uma suposta atitude
intempestiva de Marcolino, em artigo intitulado Nós e o Coronel Estevam”:
89
Tribuna da Franca (1914, p. 1).
90
“[...] A lhaneza no trato, a hospitalidade, a generosidade, virtudes tão gabadas por estrangeiros que nos
visitam, representam, com efeito, um traço definido do caráter brasileiro, na medida, ao menos, em que
permanece ativa e fecunda a influência ancestral dos padrões de convívio humano, informados no meio rural e
patriarcal”. (HOLANDA, 1995, p. 146-147).
O sr. coronel Estevam Marcolino de Figueiredo, a quem particularmente estimamos
devido a affectos que ligam s.s. a pessoa muito cara ao director-redactor desta folha,
o comprehendeu ou não quiz comprehender a nossa attitude em face da sua
candidatura.
E por isso enfurecido investe desabridamente contra nós numa linguagem de gente
mal educada, impropria de um homem de sua edade e de seus sentimentos
religiosos, esquecido de que na doutrina de sua egreja a ira é um pecado capital [...]
Visando ferir as individualidades dos redactores da Cidade da Franca, escorrega
para o terreno pessoal, o reflectindo os perigos a que se expõe de uma justa
represália, a que certamente temos direito [...]
Todavia, em attenção a interferencia de pessoa que muito o quer, seremos generosos
com s.s.
Porque oppuzemos embargos à sua ligeireza de politico desleal, s.s. perdendo todo
decoro de homem ponderado, que parecia ser, nos atirou meia dúzia de desaforos a
maneira de qualquer moleque de esquina. Perdendo ainda a tramontana, confundido
como um réo confesso, sob o peso esmagador de um documento, cuja existência
contestava, não nos poude responder, nada articula em sua defesa, mas
covardemente insinua infâmias contra o accusador do homem politico; esqueceu
toda a compostura a que era obrigado; e pilhado em flagrante mentira, porque demos
publicidade a existência da carta do eminente General Pinheiro Machado, carta
compromettedora de sua lealdade, obediencia e disciplina partidárias, nada podendo
articular contra a verdade do nosso libello fulminante, desarticula-se, beija o chão
babando ápodos e injurias contra nos e contra o illustre político sr. Rodolpho
Miranda.
O Coronel Estevam é um desvairado político, um transfuga insensivel ás injuncções
da lealdade, um desertor crimonoso das fileiras partidarias da aggremiação politica
que o acolhera sem exigências, desprevenidamente, quando tudo fallava contra a
sinceridade do coronel.
Volta s.s. ao partido civilista; é mais um Iskariote politico; e nisso o ha surpreza, é
até um feitio da personalidade politica do coronel; uma diathese de seu cérebro, mas
apezar disso é feia a aão que praticou; por isso as invectivas contra a Cidade da
Franca ou antes contra seus redactores, principalmente procurando ferir mais
determinadamente a um delles, hão de arder como candente remorso no seio da sua
consciencia, si é que não está amortecida pela ambição politica.
E como começo de resposta, ahi ficam essas considerações que continuaremos em
artigos subseqüentes
91
.
Estevam Marcolino conhecia profundamente as necessidades do munipio,
participava ativamente da Câmara e acompanhava os feitos da administração municipal.
Porém, mesmo com a articulação que mantinha com os homens à frente da municipalidade
patrocinense, havia limitações para alguns tipos de ação direta, como a redução, pela
Constituição paulista de 1905, das modestas prerrogativas abertas à autonomia municipal pela
Constituição de 1891
92
, o que mantinha a receita das cidades sempre na dependência de
iniciativas particulares ou dos favores do Estado. Marcolino conquistava esses favores, mas
procurava se preservar politicamente. Como se verá, entretanto, tudo isso não obstou para que
91
Cidade da Franca (1 fev. 1912, p. 2, grifo do autor).
92
Conforme manifestação da Câmara patrocinense relativa às limitações impostas à autonomia municipal.
um processo de modernização urbana tivesse icio em Patrocínio Paulista, forjado pela mão
oculta de Estevam Marcolino.
Poder-se-ia, entretanto, chegar a uma conclusão satisfatória sobre as características e o
posicionamento de nosso coronel sem considerar o horizonte político em que suas ações se
desenhavam. As idéias e experiências oriundas do continente europeu e coligidas num
pensamento liberal organizado mais do que nunca vicejavam no seio do doutririo
republicano brasileiro, ainda que não estivessem ao alcance ou o interessassem à totalidade
dos matizes que compunham a aquarela do pensamento político que aqui se produzia na
Primeira República. Sem incorrer no perigo de falarmos em uma “influência política” como
se o ideário constituído ao longo de séculos de guerras, lutas e debates restasse pronto e
disponível, quase metafísico, a quem se prontificasse a incorporá-lo , é certo que a visão do
governo vinculado às vontades
93
de um soberano, na qual Marcolino se formara, não mais
servia à sua condição de representante político em um Estado moderno. Também é certo que a
apropriação das idéias e experiências do liberalismo moderno, vividas tanto na França quanto
na Inglaterra, as duas grandes referências nesse debate ideológico, ganhava corpo entre nossa
classe política.
Este pensamento liberal, do ponto de vista teórico, estribava-se em bases como o
conceito de cidadania – sustentado pela idéia de garantia das liberdades individuais e a
necessidade de reformas institucionais na esfera pública política, entre as quais a
transformação do Estado em um organismo menos intervencionista e mais regulador dos
interesses em jogo, sob a governança de homens ligados ao setor de negócios privados, como
capitalistas, proprietários de terras, comerciantes e toda sorte de empreendedores que, desde
antanho, em terras tupiniquins, eram conhecidos pela alcunha de “homens de grossa ventura”.
(FRAGOSO, 1998). Norbert Elias descreve, com propriedade, a gênese do processo de
competição sobre o qual as teorias liberais montam sua apologia à iniciativa e à liberdade de
empreendimento. O que se observa, entretanto, é que as propaladas oportunidades acham-se
vinculadas a competidores que já participam previamente da competição, não raro na
condição de monopolistas, garantindo sua posição hegemônica em relação a estas mesmas
oportunidades:
93
O que nos remete novamente à discussão habermasiana de uma voluntas (a vontade do soberano) à qual a
modernidade contrapõe uma ratio (racionalidade política baseada em instrumentos jurídicos que funda a noção
moderna de Estado de Direito). (HABERMAS, 2003).
Surge competição em todos os casos em que certo número de pessoas se esforça
para desfrutar as mesmas oportunidades, quando a demanda excede as possibilidades
de atendimento, estejam ou o essas possibilidades controladas por monopolistas.
O tipo específico de competição [...] chamada “livre competição”, caracteriza-se
pelo fato de que a demanda se volta para oportunidades ainda não controladas por
alguém que, pessoalmente, não pertence ao círculo de competidores. [...] “luta
competitiva livre” quando as oportunidades financeiras de numerosas pessoas
interdependentes estão relativamente bem-distribuídas. [...] A luta é intensificada
pelo crescimento da população e da demanda, a menos que as oportunidades
cresçam à mesma taxa. (ELIAS, 1993, p. 132-133, destaque do autor).
O universo teórico do liberalismo liga-se, originalmente, menos à Revolução Francesa
(que foi mais republicana do que liberal) do que ao contexto histórico de revoluções
industriais e de transformações sociais e políticas na Inglaterra a partir de meados do século
XIX. Mesmo ali, na chamada oficina do mundo, no próprio berço do liberalismo, a
experiência liberal não sofreu poucos revezes. Nas principais cidades inglesas, como Londres,
Manchester, Sheffield, Liverpoool, etc., assistiram-se a inúmeras lutas políticas entre os
diversos setores burgueses e entre estes e uma sociedade que, em sua maioria, vivia do
trabalho operário ou se compunha de desempregados, prostitutas e toda sorte de indiduos
entregues à vadiagem ou à criminalidade, dando origem ao termo classes perigosas, como
sinônimo de exclusão social e política. (GUIMARÃES, 1981, p. 2-5).
As ditas reformas institucionais se expandiam a partir do universo ideológico político liberal
e se materializavam na vida cotidiana das classes privilegiadas por meio deões de cunho
sanitário, educacional, político e social a partir de meados do oitocentos, anunciando o início do
relativismo da força do Estado descrito por Hobbes no Leviatã (HOBBES, 2003). Se tais medidas
conseguiram amenizar o papel excessivo do Estado britânico processo histórico que, a bem da
verdade, comou muito antes, com a Revolão Gloriosa de 1688, quando o parlamento se afirma
como instância mediadora e decisória dos problemas nacionais em favor de uma escie de
assistencialismo social privado, não impediram, porém, a implementação de medidas autoritárias,
violentas e preconceituosas por parte deste mesmo Estado, como nos casos das reformas da sde
blica e das reformas políticas. Isso, claro, justificado em grande parte pela crença na auto-
regulão e na selão natural do mercado ou seja, os que nele não se inserissem e não se
nutrissem da iia de evolão e progresso humano por ele prometidos representariam os excldos
deixados à cargo do poder público e da assistência social particular.
Esta tese da auto-regulação pelo mercado, com discreta intervenção do Estado e de
seus representantes, acha-se no cerne da política de mão oculta de Estevam Marcolino. Não
falamos aqui de abraçar os ideais liberais republicanos, até porque, no fundo, nosso coronel
sempre foi monarquista e conservador. Mas é importante, para a compreensão do próprio
fenômeno da modernidade, ir além das aparências e considerar que a política, comportando as
contradições que lhe são inerentes, propicia este tipo de arranjo onde o conservador engendra
o liberal, que por sua vez perpetua aquele. Basta lembrar a assertiva de Bauman que, ao fazer
a leitura da modernidade, observa que esta desqualifica as antigas opções de antagonismo
existentes em outras etapas do desenvolvimento da civilização, permitindo que, no contexto
da realidade moderna, o antigo coabite com o novo e o conservador beba nas fontes liberais,
na mais íntima relação de complementaridade. (BAUMAN, 1999). Assim sendo, nosso
personagem, ainda que alinhado às forças conservadoras da sociedade, promovia a
modernização urbana e cumpria os rituais sociais que dão sustentação à política adotando uma
postura que muito tinha a ver com a proposta não-intervencionista dos liberais. Não é à toa
que os bons propagandistas do liberalismo no período disseminavam a máxima de que o
Estado deveria ser uma “mão invivela regular a economia, a produção e a sociedade. Tal
qual a mão oculta de Marcolino ao agir no mundo da política.
Em busca dos antecedentes históricos, observamos que, no Brasil, a experiência liberal
precede o peodo republicano, mas que, não obstante, crava neste suas marcas com uma
singularidade ímpar. No que concerne aos atores republicanos no Brasil ainda que a maior parte
deles fosse formada de homens blicos procedentes do Segundo Reinado podemos dizer que,
se se apropriaram de certas iias políticas liberais (como no caso de Silva Jardim, Joaquim
Nabuco e Ls Pereira Barreto), estas foram submersas e subvertidas ao sabor das cabotinagens,
da cordialidade, dos jogos de favor e da violenta aproprião da coisa blica por setores políticos
e econômicos do ps alinhados, direta ou indiretamente, à hegemonia dos negócios do café (que
iam muito além do binômio prodão e exportação cafeeira). Num cenário como esse, torna-se
compreensível de que forma homens como Marcolino engajaram-se no pado liberal de conduta
política, mesmo que propagassem e defendessem teses ideologicamente opostas.
A experiência liberal brasileira jamais teve, entre nós, as características de um produto
importado e aclimatado aos trópicos. Ao contrário, às elites à frente das transformações
sociais, econômicas e políticas embaladas pelo sonho republicano cultivavam um liberalismo
bem ao sabor de suas convenncias. As teorias que defendem tanto a idéia de liberdade
individual, quanto de redução do Estado são muito pouco convincentes na experiência política
brasileira durante a Primeira República. Primeiro, porque as garantias individuais eram
subvertidas pela experiência das relações interpessoais na esfera pública leia-se que o
conceito jurídico-político de individuo, sujeito inviolável e universal, é diferente do de pessoa,
significando este último o "eu" em relação a algo ou alguém, sujeito transgressivo e específico
e também porque as heranças escravistas de um Estado que se inventou sem que a sociedade
civil se formasse em bases mais sólidas impediram qualquer espaço para a construção de uma
experiência cidadã centrada no indiduo e em suas prerrogativas mais legítimas.
Além disso, não houve entre nós reformas substanciais de ordem liberal, mas,
segundo Freyre (2001), o que se viu na experiência brasileira foi uma "república penetrada pela
monarquia", ou seja, tratou-se mais de uma transição entre ordens políticas de naturezas
diversas comandadas no entanto pelas mesmas classes do que de uma reforma ao sabor de
ondas liberais. Claro que as constituições republicanas guardaram e ainda guardam espaços para
a defesa de prinpios provenientes do liberalismo, como no caso da inviolabilidade dos direitos
do indiduo mais em sua condição de proprietário ou consumidor do que na de cidadão em
seu sentido mais lato , mas o que importa aqui é a abrangência da concepção que podemos
formar a partir da experiência liberal vivida pela sociedade de elite brasileira da época.
Esta experiência cultural foi marcada por relões de sociabilidade, mudanças
institucionais e jogos de poder constrdos não para refrear as investidas do Estado, mas, pelo
contrário, para transformá-lo em um domínio público sob a pertença do privado, seja pela
demarcão dos espaços de direito e de mando das elites, seja pela simples prevaricação de
interesses públicos e privados, no caso para atender às demandas de capitais nacionais e
internacionais ávidos pela licença do Estado para a aproprião das riquezas à disposição país
principalmente o café e, com elas, novos negócios, lícitos ou esrios. É dessa forma que nosso
liberalismo difere da experiência inglesa, onde houve também, como aqui, interpenetrações de
interesses públicos e privados, mas onde, do ponto de vista institucional e jurídico, respeitavam-se
alguns limites éticos que separavam as funções e ões do Estado das oriundas do
assistencialismo social privado. Aqui, apropriamo-nos mais da experiência republicana francesa
do que da liberal inglesa, por conta de nossa formão cultural onde, desde os primórdios da
constituição do Estado brasileiro, o indivíduo aprende a esperar deste uma prebenda, um cargo,
um favor, e onde o Estado a despeito de qualquer tenncia ideológica se esforça por manter
na sociedade tal expectativa. Nosso republicanismo, portanto, foi constrdo numa versão mais
perversa, porque a cidadania no Brasil da Primeira Republica é um conceito que não raro se perde
nas águas turvas do favorecimento, do patrimonialismo e do paternalismo, traços da política
brasileira presentes, em maior ou menor grau, na totalidade de seus representantes. Estevam
Marcolino, apesar de sua sutileza, não foi propriamente uma exceção.
3.2 O fim de uma era da política patrocinense
Em conseqüência de enfermidade, Estevam Marcolino falece em 14 de junho de 1916
em Franca, e é sepultado em Patronio Paulista.
Por ocasião de sua morte, o ex-colega de Câmara deputado Palmeira Ripper faz o
seguinte pronunciamento:
Sr. Presidente, é do conhecimento da Casa o telegramma que noticia o fallecimento,
na cidade de Franca, do Coronel Estevão Marcolino de Figueiredo.
Deputado na legislatura passada e meu companheiro de districto, compete-me o
doloroso dever de communicar officialmente á Camara dos Srs. Deputados o
lamentável facto e pedir, como é de praxe, a homenagem a que S. Ex. fez direito
pelo seu passado. (Apoiados.)
Quem o conheceu de perto, sabe bem que o coronel Estevão Marcolino, republicano
dos melhores, republicano da propaganda, conseguiu pelo seu espírito de moderação
e levado por outro lado pelos seus sentimentos catholicos, a conciliação, na zona em
que exerceu a sua influencia política, dos elementos radicaes e vermelhos dos
tempos da propaganda e dos primeiros annos da Republica, com os moderados
daquella ocasião, obtendo, como resultado natural egico esforço o bem estar
regional
Divergindo eu, em orientação política, em cor partidária, daquelle digno patrício,
mais do que qualquer outro, posso dar testemunho á Camara do seu valor
incontestável e incontrastável, afirmando que o telegramma que noticiou ao leader
da nossa bancada officialmente a morte do coronel Estevão Marcolino, dando-o
como legitima influencia no seu districto, não significou mais do que a expressão
real da verdade.
E de facto, Sr. Presidente, no convívio que costumo ter sempre com os eleitores do
3º. districto federal de S. Paulo, tive ensejo de conhecer de perto o valor pessoal do
coronel Estevão Marcolino de Figueiredo e de saber o quanto de trabalho, o quanto
de abnegação, o quanto de dedicação pessoal elle despendeu em favor da zona em
que desenvolveu a sua actividade política.
É, pois, um acto de justiça que peço á Camara: é o reconhecimento aos serviços de
um digno republicano, o inserirmos na acta dos trabalhos de hoje um voto de pezar
pela morte desse prestante cidadão. (Muito bem; muito bem.)
94
.
A casa aprova em seguida o requerimento de Palmeira Ripper e lança em ata o voto de
pesar pela morte de Marcolino. A homenagem póstuma, feita da tribuna da Câmara, acentua o
republicanismo do Coronel Estevam. Não um republicanismo qualquer, mas dos melhores,
94
ACD, Rio de Janeiro (1918. v. II, p. 513).
de propaganda”. Certamente, o parlamentar faz referência aqui ao período de militância pela
candidatura do Marechal Hermes, pela qual Estevam Marcolino fez-se conhecido
nacionalmente, ao lado de Pinheiro Machado.
Ironicamente, a imagem pintada por Ripper e que seria eternizada nos anais do
parlamento brasileiro nada tem a ver com a contrafação explícita pelo próprio Marcolino ao se
deparar, bestializado
95
como tantos outros, com a proclamação da República
96
.
De qualquer forma, compreende-se que, a despeito do regime, as características de
moderação e de conciliação o acompanhariam por toda a carreira política, assim como o
renitente tradicionalismo, tantas vezes tornado público através da imprensa.
Como o primeiro jornal de Patronio Paulista A Justiça viria à luz em 1915, e o
grupo à frente do órgão se opunha a Estevam Marcolino, nosso coronel não veria seus escritos
publicados em sua terra natal
97
. De qualquer forma, o novo órgão acabaria por estimular o
nascimento de um jornal dos correligionários de Marcolino, chamado O Estevinópolis
98
, que
passou a circular somente depois de sua morte, e talvez motivado por ela. Reverenciando a
memória do Coronel, O Estevinópolis publica, no aniversário de sua morte, a seguinte
homenagem, escrita na linguagem gongórica característica da época:
s, que temos em nosso lábaro de trabalho – “O Estevinópolis” – a perpetuação do
nome do grande amigo, que foi inesperadamente roubado ao seio de uma população
inteira, colhemos todas as flores do humilde e sincero jardim de nossa alma, e, com
elas, edificaremos o grande pedestal onde se verá sempre, sublime e grande,
destacar-se a figura simpática e protetora de Estevam Marcolino.
A glória celeste e as recompensas da gratidão sejam convosco, ó grande morto!
(MATOS; COSTA, 1986, p. 118-120).
95
Referimo-nos aqui à celebre frase de Aristides Lobo que reporta, por ocasião da Proclamação da Reblica, que o
povo assistira bestializado aos acontecimentos de 15 de novembro de 1889, dada à forma restrita como se
articularam as elites para a consecução da mudança de regime. (NEVES; MACHADO, 1999, p. 444-445).
96
Tribuna da franca (1903, p. 1). Conforme Capítulo 1, p. 26-27.
97
Curiosamente, o periódico patrocinense dos adversários do Coronel seria batizado com o mesmo nome do
jornal que, durante o período monárquico, foi gerenciado por Marcolino em Franca, A Justiça.
98
Este nome, aqui citado pela primeira vez, certamente indica a intenção dos partidários de Estevam
Marcolino de propô-lo a Patrocínio Paulista, o que efetivamente foi feito em outubro de 1918, quando “o
presidente da mara, Coronel Pio Avelino de Figueiredo, mandou oficiar ao deputado Coronel Gabriel de
Andrade Junqueira ‘a fim de ser mudado o nome deste município para Estevinópolis’, como homenagem ao
Cel. Estevam Marcolino, falecido dois anos antes”. (ACPS. lv. 4, fls. 102-103, destaque do autor).
Discutir a contribuição política de Estevam Marcolino para a modernização urbana de
Patrocínio Paulista implica em conhecer os princípios que guiaram seus partidários e
influenciaram a população. Reunindo toda a história de sua carreira política desde os
primórdios, na organização do Partido Conservador, até o ponto mais alto de sua carreira
parlamentar, quando de seu mandato como deputado federal, constatar-se-á que, ao longo de
mais de duas décadas de atuação política, ao lado das alianças e das inevitáveis dissenes,
sua figura mobiliza seguidores e correligionários por todo o Estado de São Paulo
99
.
DATA ASSUNTO
18/04/1912
Diplomação do Coronel Estevam Marcolino de Figueiredo como deputado
federal
19/04/1912
Publicação da lista oficial de deputados federais legalmente diplomados pela
Câmara
14/05/1912
Reconhecimento da eleição do deputado Estevam Marcolino de Figueiredo após
contestação
15/05/1912
Votações obtidas pelo deputado Estevam Marcolino para participação em
comissões da Câmara
28/06/1913
Nomeação de Estevam Marcolino para representar a Câmara nos funerais de
Campos Sales
15/06/1916
Discurso de homenagem póstuma a Estevam Marcolino em pronunciamento de
Palmeira Ripper
QUADRO 5 - Referências oficiais da Câmara dos Deputados a Estevam Marcolino
Fonte - ACD, Rio de Janeiro (1912, v. I, p. 6-7, 8-14; v. II, p. 601-602, 783-786; 1913, v. I,
p. 635-636; 1918, v. II, p. 513).
Como se vê, a diversidade de matizes com que se tenta descrever a personalidade de
Estevam Marcolino nos remete a um legado cuja profundidade nos deixa sinais vigorosos, já
que, durante seu tempo, Patronio Paulista se emancipou e conheceu seus dias de mais rápido
crescimento, inscrevendo-se de forma definitiva na modernidade trazida pelos albores do
século XX.
Uma análise da atuação legislativa de Marcolino permite compreender suas relações
eleitorais e sua forma de sua inserção nos rculos do poder estadual e federal, onde obteve,
na maioria das vezes, o apoio necessário para se impor politicamente. Sua influência na
modernização urbana de Patronio Paulista, entretanto, não se limitou à política; foi também
homem ligado à cultura, e nestas atividades sua contribuição também foi de fundamental
99
Para se ter uma idéia da representatividade de Estevam Marcolino, para se eleger deputado estadual ou federal
o bastava que o candidato tivesse força política em seu reduto. Era necessário ter prestígio nas prévias, para
se chegar às reuniões da Comissão Central do PRP. Patrocínio Paulista se faz representar nessas reuniões
desde 1893. (CARONE; JUNQUEIRA, 1972, p. 135-230).
importância, porquanto estas lastrearam sua carreira política enquanto forma de propagação
de suas idéias e das de seus correligionários. Da cultura, de modo particular da imprensa,
tamm serviu-se Marcolino como canal privilegiado de contato com seu eleitorado, em mais
uma comprovação de que a comunicação com o público e a construção perene de uma
sociabilidade com fins políticos assume uma relação de complementaridade com a discrição
que nos leva a criar, em relação à sua figura, a analogia de mão oculta no processo de
modernização urbana de sua cidade.
Considerando a afirmação de Heliana Angotti Salgueiro de que a materialidade formal
de uma cidade é indissociável da sua história intelectual (SALGUEIRO, 2001, p. 153), no
caso de Estevam Marcolino essa influência foi das mais relevantes, pois o coronel fez da
imprensa uma tribuna privilegiada. Antes que a atividade política consumisse a maior parte do
tempo e dos esforços do nosso personagem, ainda nos prinpios do Partido Conservador,
Marcolino dedicou-se com afinco à publicação do jornal francano A Justiça, de 1884 a 1888,
embora com algumas interrupções. Neste período encontra-se concentrada sua produção para
os jornais, constitda em sua maior parte por artigos e crônicas de fundo político (PALMA,
1912, p. 26). Em períodos posteriores, esteve sempre presente, de forma intermitente, em
jornais francanos como Tribuna da Franca, Cidade da Franca e O Francano, ora
emprestando uma nota pessoal em comentário a algum acontecimento social de importância,
ora polemizando com algum contendor de prestígio.
Tendo grande interesse em estudos históricos, Estevam Marcolino também pertenceu
ao Instituto Histórico e Geográfico do Ceará, ao Instituto Histórico e Geográfico Fluminense,
ao Centro de Ciências, Letras e Artes de Campinas, além de ter sido um dos cios
fundadores do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. (PALMA, 1912, p. 21-22).
CONCLUSÃO
Para além de considerações de ordem política e econômica de maior amplitude, a
existência de um representante regional com a influência de Estevam Marcolino significa, por
si só, a expressão de uma inserção importante que a elite cafeeira patrocinense conseguia
impor ao cenário político paulista no momento mesmo de sua maior expansão.
Em contrapartida, a cidade recebia a necessária participação do poder público para que
a iniciativa particular pudesse concretizar o sonho urbano que se derramava pelas novas terras
do café. Este imbricamento entre público e privado, cuja origem remonta à nossa
ancestralidade colonial, manifesta-se em plenitude e complexidade nos períodos iniciais da
era republicana, em que desenvolvem-se as cidades e consolida-se o papel das elites agrárias
como propulsoras da expansão urbana.
Neste sentido, foi Marcolino o articulador por excelência, facilitando o diálogo entre
as esferas pública e privada e fazendo ele mesmo o papel de fomentador do progresso que
grassava inconteste pelo interior paulista nos anos de ouro de nossa belle époque caipira, sem
no entanto valer-se das prerrogativas coronelísticas que, per se, representavam os ecos de um
tempo recente mas rapidamente esquecido em favor de outros modelos de sociabilidade mais
coerentes com a modernidade que se instalaria permanentemente nas terras do café do Estado
de São Paulo.
O exercício da política tem suas mazelas: aquele que o abraça aprende continuamente
uma infinidade de truques e artimanhas que, somadas às efetivas realizações possibilitadas
pelo cargo público temporário que o ocupa, resultam ou não em sucesso junto ao eleitorado,
às bases partidárias e aos pares da casa em que milita. No caso de nosso personagem, o que se
assiste é a um talento nato para as artes da polis que se alimenta de uma sociabilidade que se
expande continuamente, arrebanhando seguidores e detratores, ambos projetando um
desenvolvimento ainda mais impressionante de sua carreira de representação pública. E como
a política não se faz impunemente, tampouco imparcialmente, Marcolino era um homem
alinhado com os interesses paulistas, interesses estes que, no período estudado, se resumiam a
um único produto: o café.
Entender o que representou o café para o Estado de São Paulo durante os anos da
Primeira República, apesar da complexidade das relações econômicas e políticas que com ele
foram iniciadas e perpetuadas, é relativamente simples: o café foi tudo. Foi o alicerce da
modernização urbana das cidades do interior e da capital, foi o produto que, depois de séculos
de crise agrícola, projetou o Estado a uma posição da qual nunca mais seria rebaixado. Acima
de tudo, o fruto do cafezal produziu, em sua fase de ouro, uma geração de políticos de
primeira linha, a maior parte dos quais eles mesmos produtores da rubiácea. Estevam
Marcolino foi um desses homens.
Envolveu-se cedo com a política, militou em causas diversas e permaneceu
conservador durante toda a vida. Foi monarquista, republicano adesista, republicano
dissidente, hermista... mas foi, acima de tudo, um articulador, um homem por trás de seu
tempo. Como todos os articuladores, mostrava-se somente o necessário para garantir sua
posição de destaque nos cenário que ocupava. No mais, relacionava-se o tempo todo com
pessoas que garantissem não somente sua permanência na política, mas também e
principalmente sua expansão para níveis mais elevados.
Estevam não foi um coronel pico, patrimonialista e mandão. Antes, foi habilidoso,
matreiro e, sobretudo, inteligente. O Coronel Marcolino o se fez por seus talentos de chefe
local, de autoridade temida conquistada a ferro e fogo; ao contrário, conquistou terririo por
sua afabilidade e pelo distanciamento sobranceiro em relação aos pequenos favores
concedidos dos quais nenhum praticante da política pode escapar. Não se arrojou a realizador,
posto não ter interesses executivos, mas como legislador postou-se como o fio condutor das
iniciativas que modificaram o perfil urbano das cidades paulistas do interior. Sua pequena
Patrocínio do Sapucaí foi o balão de ensaio por excelência. Ali, de sua Fazenda Santa
Bárbara, Marcolino comandava não a Câmara local, mas também imiscuía-se na política
francana, ao lado de nomes poderosos nos albores republicanos, e erigia uma imagem forte e
permanente de sua própria pessoa em todo o Estado. O que conseguiu com êxito, pois os
votos de São Paulo lhe garantiram uma cadeira na Câmara ao final de sua carreira.
Acertos, equívocos, contradições: como todo homem público, Marcolino
experimentou as rias rotas e resultados da política. Conservador de procedimento liberal,
interveio desde sempre como facilitador das iniciativas privadas na coisa pública. Não cedeu
ao benefício fácil do cabotinismo e da jactância. Antes, ocultou-se o quanto pode, aparecendo
somente nas circunstâncias em que o jogo eleitoral assim o exigia. Era moderno, pois queria
para sua cidade e para todo o Estado os progressos que conhecera em outros lugares, capitais
brasileiras e estrangeiras, distanciando-se dos cânones de acomodação e atraso ditados por
muitos de seus amigos corois.
Enfim, fica demonstrado como a modernidade se aproximou e se instalou no interior
paulista a partir do retrato de uma de suas mais singelas cidades, Patronio Paulista. Em
nosso caso, a modernidade veio sob o formato de reformas urbanas e de mudanças nos
padrões de sociabilidade. O meio que permitiu este avanço foi a representação política, feita
por um homem articulador e habilidoso, que tangeu as cordas do poder econômico regional
para colocá-lo a favor das recentes necessidades trazidas pelo novo século, e seu modus
operandi foi o cultivo de um relacionamento social amplo e diversificado, mobilizando as
pessoas em torno de projetos públicos aos quais emprestava seu endosso de político de
prestígio, enquanto ao mesmo tempo mostrava-se apenas o suficiente para continuar
angariando patrocinadores.
Este pragmatismo cordial tornou-se a quintessência da boa política brasileira pois,
apesar de ter bebido na fonte turva do mandonismo e do patrimonialismo, assegurou a
modernização das cidades e antecipou o avanço capitalista no Brasil da Primeira República.
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